Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
SEGREDO DE SEDUÇÃO
Ela foi a única mulher que se atreveu a ignorá-lo... e a única que ele queria levar para o altar!
Anna ficou perplexa ao saber que Riley se hospedaria na residência de sua irmã, na Itália, onde ela estava passando alguns dias enquanto aguardava o convite para estrelar um filme.
Eles haviam se conhecido durante uma filmagem em que Riley trabalhara como dublê, e a atração fora instantânea e recíproca. Mas Anna relutava em se envolver com um homem como ele, um piloto de corridas de motocicleta com fama de playboy. Até que Riley apelou para a chantagem... e Anna não teve outra escolha senão aceitar o pedido de casamento!
Riley Garrow contava os minutos para que o velho e fiel Bart Adams, melhor amigo e confidente de seu falecido pai, chegasse para visitá-lo. Bart era o único elo entre Riley e o mundo exterior nos últimos dois meses, período em que estava se recuperando de um acidente.
Mas foi a voz da irmã Francesca, a enfermeira-chefe daquele andar do Hospital St. Steven, que ele reconheceu, ao se aproximar pelo corredor.
Ele adorava provocá-la cada vez que ela tentava lhe aplicar seus conhecimentos de psicologia. Como não havia muito o que fazer nos dias longos e intermináveis, Riley dava um jeito de prolongar cada uma de suas visitas, fazendo-lhe perguntas sem fim.
Às vezes chegava a fazê-la perder a paciência, algo que nenhum outro ser vivente deveria conseguir.
— O senhor é impossível!
— Controle-se, irmã. — Riley lhe apontava o indicador como quem dava um conselho. — Não se esqueça de que sou um paciente a seus cuidados e de que a senhora deve ser sempre um exemplo para todos.
Após oito semanas de internação e várias cirurgias plásticas para reconstruir a face direita, Riley conhecia todas as enfermeiras, do dia e da noite. Todas religiosas. Não era incrível que todas as mulheres daquele hospital fossem freiras? Afinal, o que havia acontecido com as mulheres de Santa Mônica, Califórnia? Nenhuma havia nascido com disposição para abraçar a carreira humanitária?
— Sessenta dias sem ver uma mulher que não tenha feito voto de castidade! Não é de admirar que eu esteja desesperado para sair daqui! — Riley disse em voz alta.
Irmã Francesca abriu a porta do quarto naquele exato instante.
— Seus protestos foram ouvidos, Sr. Garrow. Parece que seu desejo será atendido.
Riley sorriu, malicioso.
— Não pensei que o céu escutasse os homens impossíveis.
— Fizeram uma exceção em seu caso, em nome de todas as enfermeiras do St. Steven, que se colocam de joelhos antes de entrar neste quarto para pedir coragem e depois de sair, em agradecimento.
— Todas? Não é pecado exagerar, irmã?
A freira prendeu o aparelho de medir pressão no braço de Riley.
— O Dr. Diazzo avisou-me que lhe dará alta amanhã de manhã.
Riley fechou os olhos e respirou fundo.
— Se fosse outra pessoa, eu não acreditaria, mas a senhora não iria mentir. Finalmente! Pela primeira vez em dois meses, estou feliz que minha privacidade tenha sido invadida para um exame físico. Estará aqui quando eu me for? Para ter certeza de que eu nunca mais a aborrecerei?
— Lamento, mas não. Após o estresse que foi cuidar do senhor, seguirei para um retiro espiritual.
— Para onde as religiosas vão quando tiram férias, irmã?
— Isso não é de sua conta.
— Pode me contar. Sou capaz de guardar segredos tão bem quanto um santo.
— Se é para poupar as outras irmãs de sua curiosidade, digamos que eu estarei regressando ao convento para um breve período de descanso e de estudos, extremamente necessário após o desgaste das últimas oito semanas.
Riley deu uma risadinha.
— Ouvi comentários sobre a senhora ser devota de São Tomás de Aquino. Ele ficaria orgulhoso se soubesse que seguiu seu exemplo ao escolher trabalhar em um hospital e cuidar de doentes. Eu gosto mais de São Francisco de Assis.
— Sem dúvida, assim como ele, o senhor andou brigando pelas ruas em sua juventude.
— Ficaria surpresa se eu lhe dissesse que também fui parar em um reformatório?
Irmã Francesca terminou a avaliação e anotou o resultado.
— Nada sobre o senhor me surpreende. Infelizmente, as semelhanças entre o senhor e São Francisco de Assis terminam aí. Porque a detenção dele o levou a se converter aos valores espirituais.
— Como pode saber que isso não aconteceu comigo? — Riley tornou a sinalizar com o indicador. — Não julgue este livro por sua capa, irmã.
— Foi justamente a capa que o colocou nesta situação, Sr. Garrow.
Por um breve momento, os olhos da freira o fizeram lembrar os de Mitra, a quem ele considerava sua mãe adotiva.
— Estou recebendo alta, irmã. Não me encontro à beira da morte. O que mais quero é sair daqui. Mas não sem lhe dar um presente de agradecimento e de despedida.
— Nós não podemos aceitar presentes.
— Este eu garanto que não recusará.
Como se não tivesse escutado, a freira colocou uma jarra de água sobre a mesinha-de-cabeceira.
— Não quer nem sequer saber o que é? — Riley provocou-a.
— Preciso lembrá-lo de que para ser um presente de verdade, a mão direita não deve saber o que faz a esquerda?
— Está bem, irmã. Desisto de querer vencê-la pelo cansaço. O presente é um donativo ao Convento do Bom Pastor em sua homenagem.
Surpresa, a freira agradeceu com um gesto de cabeça.
— Porque a senhora pode não ter alcançado êxito em seu esforço de investigar meu eu interior, mas me convenceu de que os anjos existem. Obrigado por não me deixar desistir no momento em perdi as esperanças. Saiba que passou a ocupar um lugar permanente no coração deste pecador.
Riley teve certeza de que a irmã Francesca se recusava a fitá-lo porque não queria que ele visse seus olhos.
— Desde que foi trazido para cá, Sr. Garrow, tenho rezado pelo senhor. E continuarei rezando.
— É reconfortante saber disso. Adeus e boa sorte, irmã.
— Deus o abençoe.
Mal a freira saiu, Bart chegou.
— Sinto pelo atraso, mas tenho certeza de que você me desculpará quando souber o que lhe trouxe. Eu a encontrei hoje no fundo do armário. Foi publicada quando você estava trabalhando no Brasil junto com seu pai. — Bart mostrou uma revista sobre motociclismo.
Era uma edição do ano anterior. A capa exibia uma loira com um capacete e avental branco, andando de moto em uma fazenda, em um lugar cheio de lama. Os dizeres eram os seguintes:
"Mesmo uma veterinária dos dias de hoje prefere uma velha Danelli-Strada 100 para usar no trabalho. Porque a Danelli-Strada 100 foi feita para durar para sempre."
— Dê uma olhada enquanto eu apanho um refrigerante na máquina para nós.
— Obrigado, Bart.
Entusiasmado como há muito não se sentia, Riley abriu a revista, olhou rapidamente para a jovem veterinária de Prunedale, Califórnia, que usava a moto como meio de transporte, e saltou para a matéria sobre os responsáveis pela criação da Danelli-Strada, Luca Danelli e Ernesto Strada.
A reportagem falava sobre a infância de ambos na Itália, na época da Segunda Guerra Mundial e sobre a realização de seus sonhos, a construção do império do motociclismo na cidade de Milão.
Riley e seu pai sempre usaram as motos daquela marca para o trabalho de dublês. Quando pararam de fabricá-las, os dois não se importaram, porque, mesmo que fossem usadas, eles não recorreriam aos concorrentes.
— Ouça isto! — disse Riley a Bart, que acabara de voltar ao quarto. — Após a morte de Ernesto Strada, Luca Danelli não quis continuar com o negócio. Então, esse foi o motivo.
Bart abriu uma lata de refrigerante e entregou-a a Riley.
— Continue lendo.
— A International Motorcycle World acaba de descobrir que as motos Danelli voltaram a ser fabricadas nas novas instalações da empresa em Turin, Itália. O novo protótipo chama-se Danelli NT-1 e já se diz que alcança maior velocidade do que qualquer outra da concorrência. De acordo com nosso redator-chefe, Colin Grimes, que realizou a entrevista na montadora, com exclusividade, o novo modelo veio para ficar.
Os olhos de Riley brilhavam de excitação.
— Achei que esse artigo talvez levantasse seus ânimos — Bart sugeriu.
— Talvez? — Riley ergueu os braços em um gesto de vitória. — Esta é minha noite de sorte.
— Por que diz isso?
— Porque acabo de saber que amanhã estarei fora daqui.
— Esta é a melhor notícia que recebo desde que o cirurgião plástico prometeu que deixaria seu rosto como novo — disse Bart, emocionado.
— Agora, não tenho mais dúvidas sobre o que farei ao voltar ao mundo. Você deve ter sido inspirado a encontrar esta revista justamente hoje, Bart.
— Eu sempre soube que você queria perseguir sua própria carreira, mas que não tinha condições para isso enquanto precisava ajudar seu pai.
Riley não respondeu. Não imaginava que Bart soubesse tanto a seu respeito.
— Também sei que a única razão que o levou a aceitar o emprego de dublê, em Hollywood, foi a necessidade de ganhar dinheiro rápido para liquidar as dívidas que seu pai deixou. Como já conseguiu cumprir seu propósito, o que pretende fazer realmente? Voltar para a Itália?
Riley assentiu com um gesto de cabeça.
— Eu vivi lá por muitos anos. A Itália é meu segundo país. E agora, tenho mais um motivo para voltar. — Riley olhou para o outro homem. — Meu pai dizia que você era o melhor amigo que alguém poderia ter. Ele sabia o que estava dizendo. Nunca poderei lhe ser grato o suficiente por tudo que fez por mim, Bart.
— Não é possível que não tenha gostado de nenhum dos textos! — DL esbravejou.
Annabelle Lassiter, simplesmente Anna para os familiares e amigos, sustentou o olhar de seu empresário sem sequer pestanejar.
— Sinto muito, DL, mas não quero um papel que me marque pelo resto da vida.
O homem franziu o cenho.
— Escute aqui, se pretende fazer nome nesta cidade, trate de parar com tantas exigências. Embora seja loira, bonita e talentosa, um único sucesso não significa que sua carreira no cinema esteja garantida.
— Tudo bem, mas eu me recuso a trabalhar em um filme de interesse exclusivo de adolescentes obcecados por sexo!
— Mas é isso que atrai bilheteria nos dias de hoje!
— Revoltante. Eu sonho fazer um filme importante como Ana dos Mil Dias.
DL balançou a cabeça.
— Uma jóia como aquela só aparece uma vez cada dez anos. Romances históricos, assim mesmo, nem sempre conferem lucros aos estúdios. Além disso, você já está com vinte e oito anos. Não é mais uma jovem atriz.
Anna apertou os lábios. Como qualquer mulher com sangue nas veias, ela não gostava que se referissem a sua idade.
— Sou seu empresário. Você me paga para orientá-la e eu afirmo que seu nome e seu rosto precisam estar em constante evidência perante o público, para não caírem no esquecimento.
Anna suspirou.
— Talvez eu deva me mudar para a Inglaterra e tentar fazer carreira no teatro, afinal de contas. — Era dessa idéia que o namorado de Anna, Colin Grime, vinha insistindo em convencê-la, por estar domiciliado em Londres.
O empresário fitou-a, chocado.
— Seria uma tolice fazer isso quando as portas de Hollywood já começaram a se abrir para você. E antes que coloque os pés pelas mãos, saiba que há um papel garantido em vista.
— Que papel?
— Um casal amigo, ambos escritores, estão trabalhando em um roteiro que será o sucesso da temporada. Você se encaixaria com perfeição no papel da mãe de uma das meninas.
— Obrigada, mas não quero — Anna respondeu de imediato. — Não é o tipo de projeto com que venho sonhando desde garota.
O empresário encarou-a, inquiritivo.
— O que houve com a mulher que já foi uma das participantes do programa Quem Quer Casar Com Um Bilionário? e também daquele show beneficente em Hollywood Quem Quer Casar Com Um Príncipe?
Anna baixou os olhos. DL certamente sabia como atacar alguém em seus pontos vulneráveis.
— Admito que houve uma época em que eu faria qualquer coisa para ser notada por um figurão do cinema.
— Oh, sim! Você mudou bastante. — O empresário se levantou e atirou alguns dólares na mesa. — Mas quando resolver voltar a ser o que era, esqueça que eu existo.
Anna seguiu-o pelo restaurante.
— Não fique zangado comigo. Eu lhe sou muito grata pelo que tem feito por mim.
— Eu tinha praticamente tudo arranjado.
— Sinto muito — Anna murmurou. — Não sou mais capaz de aceitar qualquer papel.
— Não tem importância — DL retrucou, irritado. — Não faltará quem queira o papel. Centenas de aspirantes a atrizes dariam qualquer coisa para estarem em seu lugar.
Anna sabia disso. Até pouco tempo atrás, ela fazia parte desse grupo.
— Obrigada pelo almoço. Da próxima vez, fica por minha conta.
— Se é que haverá uma próxima vez.
— Ora, DL! Tudo que eu quero é um papel decente!
Ele não se deu ao trabalho de responder.
Com um suspiro, Anna seguiu para casa. Foi pensando, pelo caminho, em ligar para a irmã gêmea assim que chegasse. Mas a luz vermelha da secretária eletrônica a obrigou a adiar sua intenção.
— Anna?
Era seu namorado.
— O que houve que você não retorna minhas ligações? Sabe que não me importo com a hora. Se não souber o que está acontecendo por aí ainda hoje, pegarei o primeiro avião para Los Angeles amanhã de manhã.
Anna suspirou. Não estava com a menor vontade de falar com Colin. Não se sentia com energia suficiente para resolver seus problemas naquele momento. O fuso horário entre Hollywood, Califórnia, e Turin, Itália, era de nove horas. No outro país eram quinze para as dez da noite. Sua irmã e Nico nunca iam para a cama cedo. A não ser, é claro, que estivessem aproveitando a oportunidade para se amarem caso sua adorável filhinha, Anne, ainda não tivesse acordado para mamar.
Anna nunca vira um casal mais apaixonado. Desde sua última viagem à Itália para batizar a sobrinha, um mês antes, ela vinha se sentindo insatisfeita com a vida que levava.
DL estava certo sobre ela ter mudado. Sentia-se frustrada, inquieta, com dificuldade para se concentrar. Tudo que queria era estar perto de sua família e carregar novamente a sobrinha nos braços.
Colin a acompanhou à cerimônia do batismo. Depois disso, começou a dar demonstrações de ciúme, acusando-a de dar mais atenção à bebê do que a ele.
— Anna? — Callie, a irmã gêmea, atendeu. — Nico e eu estávamos falando justamente de você! Alguma novidade? Conseguiu algum novo papel?
— Ainda não. — Anna hesitou. — Callie? O que acha de ganhar uma babá por duas semanas? Você e Nico poderiam aproveitar e fazer uma viagem.
Silêncio.
— Olhe, Anna, enquanto Anne for bebê, Nico e eu pretendemos ficar a seu lado. Mas por que você teria de vir como babá? Sabe que adoramos tê-la conosco sempre! Há um quarto reservado permanentemente para você no palácio. Nosso lar é seu lar. Já lhe dissemos que é um prazer tê-la conosco. A esse respeito, aliás, também já lhe dissemos para vir morar conosco a hora que quiser. Na verdade, Anna, você me faria ainda mais feliz se aceitasse nosso convite. Afinal, você é minha única irmã.
Além de única irmã, Callie era a única família de Anna. Era isso que estava perturbando Anna: a solidão. Não era certo que duas irmãs que se amavam, vivessem separadas uma da outra por um oceano.
— Obrigada — Anna agradeceu com os olhos marejados de emoção. — Não tenho planos de ir morar com vocês, mas no momento não há nenhum trabalho em vista e...
— E as coisas não andam bem entre você e Colin. — Callie leu nas entrelinhas. — Ouça-me, srta. Annabelle Lassiter, trate de pegar o primeiro vôo para Turin. Ligue para avisar a que horas chegará e eu irei buscá-la no aeroporto.
— Vou providenciar a reserva agora mesmo. — Anna se deteve por um segundo. — Tem certeza de que Nico não irá se importar? Ele deve estar mal com a morte de Luca Danelli.
— Bobagem. Nico sempre trabalhou muito. Mais seria impossível. Ele está triste, é claro, com o falecimento de Luca, mas isso já era esperado. Além disso, foi o próprio Nico que lhe fez o convite para vir morar conosco, lembra-se? De uma coisa você pode estar certa, Anna, Nico é sincero em tudo que diz.
— Acho que ele te ama tanto que faz qualquer coisa para te ver feliz.
Anna percebeu que Nico havia ouvido a conversa quando sua irmã o saudou em tom de surpresa.
— Oi, Anna. — O cunhado entrou na linha. — Desculpe se ouvi a conversa de vocês. Estava entrando no quarto e aconteceu. Mas você sabe a razão pela qual eu a estimo tanto, não é? Porque você é uma pessoa incrível e também porque foi por seu intermédio que eu conheci Callie. Como sua irmã já disse, avise a hora e nós estaremos no aeroporto para apanhá-la.
A essa altura, Anna estava chorando de emoção.
— Obrigada. Amo vocês.
Ao parar o carro diante do circo, Riley teve a impressão de voltar no tempo. Embora estivesse sob nova direção, O Grande Circo Rimini era o mesmo onde seu pai havia se apresentado durante quinze anos.
Muitos dos artistas daquela época ainda estavam com o circo. Ninguém, todavia, parecia saber sobre o paradeiro de Mitra, a cigana que lia a sorte dos consulentes nas folhas de chá.
Localizar a companhia de espetáculos não foi difícil para Riley. O mesmo não poderia ser dito sobre Mitra, a mulher que o havia criado como se fosse sua mãe.
Apenas quando já estava quase desistindo das averiguações, Riley encontrou um velho cigano que lhe deu informações sobre Mitra ter deixado o circo havia um ano para se reunir à família em Perugia, ao norte de Roma, onde decidiu fixar residência.
Terminada a visita, Riley seguiu para a encantadora cidade onde ele também havia morado por algum tempo, graças a Mitra.
Assim que percebeu que o pai de seu protegido estava bebendo demais e que não se encontrava em condição de educar o filho, Mitra deu um jeito de mandar Riley para a casa de seus parentes, com instruções para que ele fosse matriculado em um colégio.
Segundo Mitra, que não havia recebido instrução formal por tradição de seu povo, Riley era um gajão, uma pessoa de fora, e como tal precisava freqüentar uma escola.
Por ser considerado diferente das outras crianças, Riley teve problemas de relacionamento no início e se meteu em diversas confusões. Mas, com o passar do tempo, Riley se adaptou à nova vida e reconheceu a inestimável ajuda prestada por Mitra. Devia tudo o que era à cigana. Jamais lhe seria grato o bastante pelo sacrifício que fizera, sem nunca o mencionar, de custear seus estudos.
Diante do endereço fornecido, Riley pigarreou de emoção, antes de bater.
— Quem é? — perguntou a voz familiar de Mitra, em romeno.
— Seu filho gajão.
A porta foi aberta em um piscar de olhos.
Entre os setenta e os oitenta anos, Mitra estava com os cabelos completamente brancos, mas seus olhos escuros continuavam vivos e inteligentes e o fitaram do mesmo jeito penetrante e perscrutador dos velhos tempos.
— Você! — ela exclamou como se estivesse diante de um fantasma.
Riley sorriu e lhe entregou um buquê de flores.
— Lembra-se de mim?
— Como eu poderia esquecer meu menino? — Ela pegou as flores com uma das mãos.
Com a outra mão, Mitra acariciou a face que havia sido operada e curada.
— Eu o vi nas folhas do chá. Em meio ao fogo. — Mitra suspirou. — A vida não tem sido muito fácil para você.
— Meu pai morreu no ano passado.
— Eu soube. Entre.
O lugar era pequeno e modesto, mas confortável.
— Sente-se.
Riley aguardou que Mitra colocasse as flores em um vaso e se sentasse na velha cadeira de balanço da qual ele nunca se esquecera.
— Como foi que se lembrou de mim depois de todo esse tempo?
— Eu queria tê-la visitado antes, mas as circunstâncias não permitiram.
— Conheço suas dificuldades melhor do que ninguém.
— Mas vamos falar de você, não de mim. Os anos não parecem ter passado.
A cigana fez um esgar.
— Olhe para a foto no aparador e mudará de idéia. — Ela apontou para o porta-retrato e Riley sentiu um nó na garganta. Eram eles dois sentados em um banco. Na época, ele tinha seis anos e os cabelos de Mitra eram pretos.
— Eu cuidei de você dos dois aos dezessete anos, quando seu pai decidiu deixar o circo. Gostaria que ele o tivesse confiado a mim.
— Meu pai precisava de ajuda — Riley explicou — e tinha ciúme de nosso relacionamento. Mas eu nunca a esqueci, Mitra. Recebeu meus cartões-postais?
A mulher apontou para uma caixinha sobre uma das prateleiras da estante. Riley a abriu e nova emoção o invadiu ao ter certeza de que estavam todos lá.
— Por que não me escreveu, Mitra, por meio de algum de seus parentes? Eu sempre a mantive informada sobre minhas mudanças de endereço.
— Não queria ser a responsável por seu pai sentir ainda mais ciúme de você.
— Quando ele estava sóbrio, era uma boa pessoa. — Riley tentou desculpar o falecido pai.
— Você merecia uma vida melhor.
Riley tirou um envelope do bolso. Ali dentro havia o equivalente em liras a cinco mil dólares. Uma quantia maior, Mitra certamente não aceitaria.
— O que é isso? — ela perguntou quando ele colocou o envelope na mesa.
— Reconheço o que fez por mim. Nenhum dinheiro no mundo retribuiria seu amor. Isto representa apenas uma migalha da enorme gratidão que sinto por você. — Como a irmã Francesca, Mitra virou a cabeça para ocultar suas emoções.
— Uma vez você me disse que compraria flores todos os dias para enfeitar sua tenda, se tivesse dinheiro.
Mitra olhou para Riley por um longo tempo antes de tornar a falar.
— Você está com pressa demais e se precipita por um caminho ainda mais perigoso do que foi o anterior.
Riley sorriu e balançou a cabeça.
— Também leu isso nas folhas de chá?
Ela estreitou os olhos.
— Você precisa de uma mulher em sua vida.
— Mais uma? — Riley zombou.
— Você sabe a que me refiro. A mulher certa, não a aventuras.
— Eu já encontrei a mulher certa. — Riley piscou para a velha cigana. — O problema é nossa diferença de idade.
Kiley se levantou. Mitra não havia mudado nada, a não ser na cor dos cabelos, desde a última vez que a vira, doze anos atrás.
Kiley olhou para a cigana e estendeu os braços.
— Preciso ir agora, mas voltarei em breve.
— Espero que, da próxima vez, traga a notícia que espero ouvir.
A expressão de Riley tornou-se subitamente séria.
— Infelizmente, essa é uma promessa que não terei condições de cumprir.
Anna notou que a irmã e o cunhado haviam colocado duas placas novas na entrada da propriedade, anunciando a inauguração de uma clínica veterinária e de uma área de preservação florestal com entrada livre.
A clínica funcionava vinte e quatro horas por dia. O aviso afirmava que animais desabrigados, doentes ou acidentados poderiam ser encaminhados para lá.
Via de regra, Anna sentia dor de cabeça e precisava se deitar cada vez que viajava de avião. Naquele dia, entretanto, ela chegou tão bem-disposta que resolveu levar a sobrinha passear de carrinho enquanto sua irmã e seu cunhado voltavam ao trabalho.
Callie adorava animais e era a principal veterinária da clínica, antes uma antiga cabana de caça próxima ao palácio, datado do século dezoito, que havia pertencido aos antepassados de Nico.
Muitos pássaros feridos eram salvos por Callie. Quando recuperavam a saúde, ela os soltava para que voltassem a viver entre as árvores gigantescas e os lagos do parque.
Enzo, o irmão caçula de Nico, era o responsável pela doação dessa área ao povo. Por Nico ter renunciado ao título e à missão de governante da região, Enzo havia se tornado o chefe da Casa dos Tescotti.
Apesar das acusações do empresário sobre ela ter sido capaz de qualquer coisa para atrair a fama, Anna não lamentava sua participação no programa Quem Quer Casar Com Um Príncipe.
Porque no último minuto, sem condições de se apresentar no programa, Anna pediu que sua irmã gêmea fosse em seu lugar e ela conheceu o príncipe Nico Tescotti, por quem se apaixonou e foi correspondida, a ponto de Nico querer se tornar um homem como os outros e levar uma vida comum.
Anna sonhava alcançar o mesmo tipo de felicidade. Um sonho que não seria possível se ela continuasse com Colin. Não o amava. Gostava de Colin porque ele era bom e honesto e tinha muitas qualidades. A paixão, porém, não existia. Por isso, para o bem de ambos, era preciso colocar um fim no relacionamento.
Um único homem havia conseguido transformar o sangue de Anna em fogo líquido e com apenas um simples olhar. O problema era que ela sabia que homens que seduziam as mulheres com os olhos não serviam para marido.
Admitia ter cometido uma série de erros no decorrer de sua vida, mas envolvimentos com dom-juans não figuravam entre eles!
A caminho da clínica, acompanhada pelos dois cachorros de sua irmã, um buldogue e um boxer, Anna viu um garoto moreno, de onze ou doze anos, espiá-la por trás de uma castanheira.
Intrigada, Anna cumprimentou-o em italiano, língua que estava estudando desde que sua irmã se casara.
— Buon giorno!
A saudação deveria tê-lo assustado porque ele se escondeu atrás da árvore sem dizer nada. Na certa, estava visitando o parque sem permissão dos pais, Anna pensou e decidiu investigar. Mas antes de alcançá-lo, o menino saiu correndo, deixando um cestinho junto à árvore.
Curiosa, Anna levantou a tampa e encontrou um filhote de esquilo. Estava tão quieto que não dava para saber se vivia.
O menino teria vindo ao parque, talvez, atraído pelo cartaz, na esperança de alguém salvá-lo?
Anna olhou ao redor mas o menino parecia ter desaparecido no ar. Assim como os cães. A não ser pelo canto dos passarinhos, tudo era silêncio.
Com o cestinho no braço, Anna se apressou a seguir para a clínica. Entrou pela porta lateral de uso exclusivo dos funcionários para ganhar tempo. Onde, aliás, encontrou Valentino, o boxer, e Chloe, a buldogue.
Por um vidro, Anna viu Callie. Chamou-a com uma pequena batida.
Callie beijou a filha e afagou os cães antes de reparar no cesto.
Anna explicou o acontecido em poucas palavras.
— Espero que não seja tarde demais para o pobre bichinho.
— Vou examiná-lo agora mesmo.
— Enquanto você faz isso, voltarei para casa e prepararei o jantar. Você disse que havia um frango na geladeira?
— Sim. Nico adora frango assado com cenoura e batata.
— A velha receita da mamãe?
Callie fez que sim.
— Anne não lhe dará trabalho se a deixar na cozinha, sentada no bebê-conforto, apreciando o movimento.
— Certo. Para casa, todo mundo! — Anna exclamou e os cães saíram a sua frente, como se tivessem entendido.
Ela estava se aproximando da ala oeste do palácio quando pensou ter visto um movimento pelo canto dos olhos. Então o garoto a estava seguindo! Nesse caso, já sabia que o esquilo estava sendo cuidado.
Anna sentiu o coração transbordar de ternura. Ela e Callie haviam crescido em uma fazenda. Elas também gostavam de animais. Afeiçoavam-se a todos, desde pintinhos até bezerros. Era sempre Callie quem tomava a frente em seus cuidados.
A diversão favorita de Anna era brincar de teatro. Seu palco era seu quarto e sua audiência era o velho cachorro da família.
Que saudade! Ele fora o primeiro a partir deste mundo. Depois o pai, e por último, a mãe.
Com um suspiro, Anna entrou no palácio. No lar de sua irmã, pensou. Porque para ter sua própria casa, ela ainda não havia conseguido reunir os ingredientes certos. Talvez nunca conseguisse. Já estava com quase trinta anos, não contava com ninguém que quisesse ser pai de seus filhos e sua carreira estava estagnada.
Se soubesse empregar o dinheiro ganho em seu último filme, o rendimento talvez duraria três anos. Tempo mais do que suficiente para ela encontrar uma nova ocupação, estava acalentando seriamente a idéia de procurar um emprego como professora de inglês.
Nos arredores de Turin, Riley deparou com um conjunto de prédios que tinha todo aspecto de ser a Fábrica Danelli. Mas como o nome não constava em nenhuma das entradas, não dava para ter certeza. Além disso, não havia movimento e o estacionamento parecia deserto, o que era estranho, embora não conclusivo, porque não deveria fazer muito tempo que o expediente terminara, às dezessete e dez.
Sua intenção era chegar mais cedo, mas o vôo atrasara e havia fila para alugar carros. Agora, só lhe restava procurar um hotel e retornar ao local pela manhã.
Como último recurso, Riley contornou o complexo na tentativa de encontrar algum funcionário ou vigilante que pudesse orientá-lo sobre sua melhor chance de conversar com o proprietário.
O nome de Luca Danelli não constava na lista telefônica. Riley discou para a empresa e foi informado, por uma mensagem gravada, que não podiam atender naquele momento, mas que teriam prazer em retornar a ligação caso ele deixasse seu telefone.
Como Riley não se contentaria com menos do que uma entrevista com Luca Danelli em pessoa, devolveu o fone ao gancho e decidiu fazer uma última tentativa de encontrar alguém que lhe desse uma informação, antes de ir embora.
Foi quando algo vermelho lhe chamou a atenção e o fez brecar.
Um homem alto de capacete, jaqueta e luvas pretas estava saindo por uma porta, com uma moto vermelha. Uma NT-1, o modelo para corridas que estava aterrorizando a concorrência segundo o artigo da revista que Bart lhe dera.
No mesmo instante, Riley desligou o motor, apanhou a revista no banco ao lado e saltou do carro. Ao vê-lo, o homem tirou o capacete e ficou observando seus passos.
— A fábrica está fechada. Posso ajudá-lo em alguma coisa, signore?
O modo de falar e de se portar era o de alguém fino e bem-educado. Quem quer que fosse aquele homem, Riley pensou, não era um simples empregado.
— Meu nome é Riley Garrow — ele se apresentou em italiano. — Acabo de chegar dos Estados Unidos e gostaria de falar com signore Danelli a respeito de um emprego. Vim direto do aeroporto na esperança de chegar antes do encerramento do expediente.
Fez-se um breve silêncio.
— Infelizmente, isso será impossível. Lamento informá-lo que o signore Danelli faleceu há uma semana.
O impacto da notícia tirou o fôlego de Riley.
— Sinto muito. Eu não fazia idéia. Os jornais não mencionaram o passamento.
— A família pediu que a imprensa não divulgasse a notícia porque seu único filho sofreu um acidente e os familiares preferem que ele se recupere antes.
— Lamento por eles e lamento por mim — Riley murmurou. — Desejo conhecer o gênio que criou a moto Danelli-Strada há muitos anos. Meu pai me ensinou a pilotar motos com uma Danelli. Ele nunca aceitou outra marca. — Riley mostrou a revista. — Quando soube que o signore Danelli havia voltado a fabricar motos, fiz indagações até vir parar aqui. Estou acabando de chegar de Los Angeles.
O homem fitou-o com interesse.
— Quem foi seu pai?
— O senhor não deve tê-lo conhecido. Chamava-se Rocky Garrow.
— Rocky Garrow, o foguete humano?
— Ouviu falar dele? — Riley indagou, surpreso.
— Lógico! Foi por isso que seu sobrenome me pareceu familiar. Eu não perdia os espetáculos do Circo Rimini quando era garoto. A meu ver, seu pai era o astro do espetáculo. Eu assistia a seu número com a respiração suspensa. Ele realmente parecia um foguete com aquele traje prateado que usava.
Riley sorriu com tristeza. Aquele traje e todas as demais roupas de seu pai tinham sido entregues a Bart.
— Eu deixei de assistir as acrobacias dele com a moto quando ele sofreu seu primeiro acidente.
— É compreensível — o homem respondeu. — Eu li a notícia sobre a morte dele nas Cataratas de Iguaçu, no Brasil, no ano passado. Sinto muito. Seu pai foi o maior responsável por minha paixão por motos.
Após aquela declaração, Riley sentiu se formar um elo entre ambos. Era incrível que o desconhecido, que deveria ser de idade próxima à dele, tivesse visto seu pai atuar como dublê.
— Chegou a hora dele. — Riley suspirou. — Ao menos morreu feliz, com sua velha Danelli, da qual nunca se separava.
— Oxalá todos nós pudéssemos partir deste mundo da mesma forma. É um prazer conhecer o filho do maior ídolo de minha infância e juventude. Meu nome é Nico Tescotti.
Nico Tescotti?
— Pelo que diz o artigo, você é o diretor-geral da empresa. Agora, certamente assumirá a presidência. Desculpe tê-lo incomodado em um momento que deve estar assoberbado de responsabilidades.
Riley virou-se para ir embora, mas Nico Tescotti o deteve.
— Pilota tão bem quanto seu pai?
— Melhor!
Os dois riram.
— Você já jantou?
— Não.
— Prefiro discutir assuntos importantes durante as refeições. Se estiver disponível, venha comigo e jante em minha casa.
— Não quero dar trabalho.
— Não será trabalho algum. Minha esposa adora motos tanto quanto você e eu.
Riley tornou a sorrir. Parecia um sonho.
— Ela parece ser uma pessoa especial, mas ainda assim talvez não goste de receber estranhos para o jantar.
— Na maioria das vezes, é ela quem me surpreende. Mas não poderia ser uma esposa e mãe mais adorável.
— Vocês têm filhos?
— Uma linda garotinha que é nosso tesouro. Callie exerce a profissão de veterinária por amor e vocação. Cada vez que um animal de pequeno porte sofre uma cirurgia, ela o traz para que se recupere em nossa casa. — Nico subiu na moto. — Nosso casamento não é dos mais convencionais, mas eu não desejaria que fosse diferente. Bem, caso você me perca de vista, pergunte pela Clínica Valentino e pelo Parque Florestal.
Riley mal podia acreditar em sua sorte. Não havia apenas conseguido falar com o maioral da empresa Danelli, como estava seguindo para a casa dele para uma entrevista de emprego.
— Continue rezando por mim, irmã Francesca! — Riley olhou para o céu.
Não foi preciso pedir orientação durante o caminho. Embora Nico estivesse correndo, deu para segui-lo pelos vários quilômetros de florestas, ao longo do rio que levava à cidade.
Ao se aproximar de uma propriedade com muros altos, Nico diminuiu a velocidade e entrou. Um guarda fez sinal para que Riley entrasse também e se encantasse com a exuberância das árvores, dos arbustos e das flores. Mas o que realmente o deixou boquiaberto foi o pequeno palácio barroco além da densa folhagem.
Nico parou em frente à porta principal da ala oeste onde se encontravam diversos carros.
Riley pestanejou. Nico Tescotti morava ali?
Estava descendo do carro quando viu dois cachorros correndo e hesitou. Mas eles pareciam mansos. Os saltos sobre o dono pareciam sinais de boas-vindas.
— Estenda a mão para Valentino, o maior — disse Nico — e ele lhe dará a pata. Mas vá devagar com Chloe. Ela é uma jovem desconfiada. Não gosta de meu capacete nem de estranhos. Mas em poucos minutos, quase certamente lhe dará permissão para que afague suas orelhas.
No mesmo instante, Riley se abaixou, apoiou uma das mãos no chão e começou a mover os dedos como se desse passos. Chloe se deitou e ficou olhando com atenção. Quando Riley chegou perto dela, rosnou, e se pôs a cheirar os dedos. Um minuto depois, deitou-se de costas e deixou que ele lhe coçasse a barriga.
— Minha esposa precisaria ver isso para acreditar! — Nico exclamou, surpreso.
— Estou vendo e ainda não acredito — afirmou uma voz de mulher.
Riley ergueu a cabeça e teve o maior choque de sua vida. Porque ali estava a única mulher do mundo que lhe disse não quando a convidou para sair. O golpe a seu ego foi tão forte que ela nunca mais lhe saiu do pensamento..
Menos de um ano antes, aquela mulher estava filmando em um dos grandes estúdios de Hollywood. E não era casada, que ele soubesse. O que estava acontecendo? Nico havia lhe contado, minutos antes, que sua esposa era veterinária e que eles tinham uma filha. Naquele dia no estúdio, então, ela já estava grávida?
A lembrança da cena ainda o feria como uma punhalada.
Teria Annabelle estudado Veterinária antes de tentar a sorte no cinema? Como conheceu Nico Tescotti? E por que eles residiam em um palácio?
— Riley? — A voz de Nico Tescotti o trouxe de volta ao presente. — Esta é minha esposa.
— Nós já nos conhecemos — Riley declarou.
— Já? — Callie franziu a testa e olhou para o marido.
Uma onda de raiva assaltou Riley. Foi mais forte do que ele. Ela estava fingindo que não se lembrava do incidente no estúdio, mas ele tinha uma ótima memória. A atração que sentiram um pelo outro foi forte e instantânea. Ele nunca experimentou nada igual. E aconteceu com ela também, embora obviamente tivesse de negar, porque estava casada e grávida!
Se ele não tivesse sofrido aquele terrível acidente que o deixou por dois meses em um hospital, ele teria voltado a procurá-la.
Na época, Riley interpretou a reação de Annabelle como medo de suas próprias emoções. Algo que ele poderia entender por ter sentido o mesmo. Assim como teria entendido, se ela lhe contasse que estava vivendo com outro homem e que esperava um filho dele.
Um dia cheio de surpresas aquele! Boas e más.
Por respeito a Nico Tescotti, Riley decidiu não insistir. Ao menos até conseguir falar com Annabelle a sós.
— Se você não está me reconhecendo, devo estar enganado. A trança que está usando me fez lembrar alguém que conheci.
Annabelle não estava de trança quando ele a conheceu. Seus cabelos estavam soltos e eram longos. Caíam sobre os ombros como fios de ouro que o hipnotizaram.
Os olhos de Nico brilharam de um jeito misterioso.
— Você não está associando Callie, talvez, com a mulher que saiu na capa da revista International Motorcycle World?
Riley bateu com a mão na testa.
— É claro! A veterinária extravagante de Prunedale!
— Minha esposa. — Nico se virou e deu um beijo no pescoço de Callie que riu e corou ao mesmo tempo.
— A foto me impressionou, confesso — Riley admitiu, agora em inglês.
— Você é americano! — ela exclamou. — Pensei que fosse italiano.
— Riley é um homem de muitos talentos, assim como você, meu amor — disse Nico. — Conquistou até mesmo Chloe à primeira vista. Daqui a pouco, ficarei com ciúme.
— O Dr. Wood não irá acreditar quando eu contar. O Dr. Wood é o veterinário de Prunedale que me contratou quando me formei — Callie explicou. — Ele é a única pessoa, além de mim, que Chloe permitiu tocá-la.
— E seu marido? — Riley estranhou.
— Levei uma semana para afagar sua cabeça e um mês para conseguir coçar sua barriga. Se seus poderes alcançarem as pistas, meu amigo, sentirei pena de nossos adversários.
— Então você também corre? — Callie perguntou, entusiasmada.
— Não como seu marido — Riley respondeu, sem entender como alguém podia ser tão dissimulado.
— Por que não continuamos esta conversa lá dentro? — Nico propôs. — Não sei quanto a nosso convidado, mas eu estou faminto.
— Vou dar uma espiada na bebê e encontro vocês na sala de jantar.
Riley ficou observando-a enquanto se afastava, seguida pelos cães. Parecia aliviada. Não podia culpá-la por defender seu casamento.
Com tantas mulheres bonitas e interessantes no mundo, por que ele fora se sentir atraído pela única que lhe era proibida?
Porque embora não fosse um santo, ele tinha por regra não se envolver com mulheres casadas. Se soubesse que já havia outro na vida de Annabelle, que, certamente, era seu nome artístico, talvez tivesse sido mais fácil. Mas ele tinha certeza de que a química funcionara para ambos. Que mistério era aquele?
As palavras da velha cigana ecoaram nos ouvidos dele.
— Você está com pressa demais e se precipita por um caminho ainda mais perigoso do que foi o anterior.
Riley fechou os olhos. Ele deveria ter adivinhado que era bom demais para ser verdade.
Simpatizava com Nico. Ali estava um homem que poderia se tornar um bom amigo. Mas diante das circunstâncias, melhor seria ouvir o conselho de Mitra, inventar uma desculpa e deixar o país ainda aquela noite.
— Vamos entrar! — Nico chamou-o. — O jantar foi preparado por Anna esta noite. Ela não cozinha tão bem quanto Callie, mas também prepara bons pratos e não mede esforços para aprender o italiano. De qualquer forma, tenho certeza de que não poderemos nos queixar.
De repente, Riley não conteve a curiosidade.
— Quem é Callie?
— Minha esposa. Eu já lhe apresentei a ela — Nico respondeu, sem entender.
— Então, quem é Anna?
— A irmã gêmea de minha esposa. Ela chegou ontem à noite dos Estados Unidos para passar uma temporada conosco.
Anna passou pela porta que ligava a cozinha à sala de jantar, com uma travessa nas mãos.
— Oi, Nico. Ainda bem que chegou. O frango já estava esfriando e eu...
De repente, Anna parou de falar. Nico não estava sozinho. Ao lado dele, encontrava-se o único homem mais bonito do que seu cunhado, que ela já havia visto.
O prato literalmente escorregou de suas mãos para ir parar na mesa com um baque.
— Você! — ela só conseguiu dizer.
Os lábios sensuais se curvaram em um sorriso. Ela perdeu o fôlego. Ali estava o homem pelo qual poucas mulheres não se apaixonariam. Para serem abandonadas em seguida. Essa era a fama de Riley Garrow, aquele homem moreno, de olhos cinza-claros, quase prateados, magnéticos e irresistíveis, o dublê mais procurado de Hollywood.
Ela o conhecia, de ouvir falar, muito antes de ele colocar os pés no set onde fora rodado seu último filme.
Ninguém entendia porque Riley preferia atuar como dublê dos heróis do que ser o próprio herói. Charme, beleza e carisma não lhe faltavam.
Parecia um sonho vê-lo ali, no palácio Tescotti. E também um pesadelo, porque Riley parecia ainda mais bonito agora do que antes. E seu olhar continuava afetando-a mais do que desejaria admitir.
O que havia com homens como Riley e Nico que arriscavam a vida deliberadamente? Por que eram mais bonitos e excitantes do que a maioria dos outros?
Por mais tentada que estivesse a aceitar o convite dele para jantar, naquele dia no estúdio, a razão falou mais alto e ela o recusou. Por sorte. Porque se houvesse um interesse real, ele teria voltado a procurá-la. Em vez disso, desapareceu. Como costumava fazer com todas. Uma noite saía com uma, na noite seguinte queria novidade.
Nico olhou para um e para outro.
— Parece que vocês já se conhecem.
— Se está se referindo ao foguete humano...
— Esse era meu pai — Riley interrompeu-a. — Era assim que o chamavam.
Sempre seguro de si e impassível, Anna pensou. Como se nada no mundo o atingisse. Com ou sem título de nobreza, Riley se portava como se fosse um príncipe.
— Vamos comer? — ela se sentou. — Talvez leve algum tempo até Callie poder se reunir a nós. Anne acordou há pouco e deve estar querendo brincar.
Riley se sentou ao lado de Nico em uma extremidade da mesa e Anna na outra. Enquanto ela se servia de salada, os homens foram direto para o prato principal.
O fogão de Callie era diferente daquele que Anna possuía. O de Callie era mais rápido. Por causa disso, o frango havia passado um pouco do ponto. E também as batatas.
Nenhum dos dois reclamou. Ao contrário. Ambos afirmaram que o frango estava saboroso. Foi o excesso de elogios por parte de Riley que a deixou irritada.
— Talvez você não saiba que o pai de Riley sofreu um acidente e morreu quando foi, a trabalho, para as Cataratas do Iguaçu, no Brasil — Nico contou.
— Sinto muito — Anna murmurou. — Eu realmente não sabia. Callie e eu podemos avaliar o que você está sentindo.
— É um fato inevitável da vida — Riley respondeu — e todos nós temos de aprender a encará-lo de uma forma ou de outra.
— Você pretende seguir os passos dele? — Anna perguntou, mais e mais incomodada a cada minuto.
Antes que Riley pudesse responder, Callie entrou na sala e se sentou ao lado do marido.
— Desculpem a demora, mas Anne não parava quieta. Acho que ela adivinhou que temos um convidado.
Nico tocou na mão da esposa.
— Eu estava prestes a contar a sua irmã que Riley abandonou a profissão de dublê para correr para a Danelli.
Uma grande entusiasta do esporte, Callie parabenizou Riley pela decisão. Anna, entretanto, deixou o garfo cair.
— Você apenas trocou o fogo pela caldeirinha, como dizem. O susto não adiantou, não é?
O olhar de censura de Callie foi ignorado.
— Não se preocupe, Callie — Anna prosseguiu. — O Sr. Garrow sabe a que me refiro. Depois de fazer as cenas perigosas em meu set, ele foi ferido em uma explosão em outro set.
— Que horror! — Callie exclamou. — Você se feriu muito?
— Acabo de sair do hospital. Fiquei internado por dois meses.
— Dois meses? — Nico repetiu, impressionado.
— Tive queimaduras sérias próximas ao olho direito — Riley explicou. — Passei por várias cirurgias plásticas.
Ninguém havia informado Anna sobre a gravidade do acidente. Naquele momento, ela desejou que um buraco se abrisse sob seus pés por ter se referido ao problema com tanto descaso. E por ter cogitado em outra razão por Riley não ter voltado a procurá-la.
Sentimentos de vergonha e de raiva a assaltaram. Vergonha por seu comportamento perante Riley e raiva por ela ainda estar ressentida por ele ter aceitado sua recusa naquele dia.
— Quando recebeu alta? — Nico quis saber.
— Há quatro dias apenas, mas posso lhe garantir que estou apto a executar qualquer tipo de trabalho.
— Depois do que aconteceu no set, não o culpo por escolher outro tipo de emprego. Mas, desculpe a curiosidade, você nunca considerou a idéia de se tornar o próprio artista, em vez de atuar como dublê?
— Não. Eu não agüentaria essa vida.
Anna pestanejou. Ele parecia estar sendo sincero.
— Incrível que você e minha irmã tenham trabalhado no mesmo filme — Callie continuou. — As cenas de ação eram muitas. Quais você fez?
Callie podia ser casada e feliz, mas estava fascinada por Riley, Anna pensou. Como todas as mulheres.
— Ele fez todas — Anna contou. — As cenas de saltos, as submarinas, as de equitação e de corridas de motos.
— Você foi fabuloso! — Callie elogiou. — Como se sente, depois, quando vê a si próprio nos filmes?
— Não costumo assisti-los. Aquele trabalho era apenas um meio para um fim. Minha verdadeira vocação sempre teve a ver com corridas.
Ofendida com a declaração de que Riley não havia nem sequer assistido ao filme para poder vê-la, Anna se retirou para buscar a sobremesa. Mas ainda chegou a ouvir o comentário que ele fez sobre não ter ido ao cinema nem assistido a um vídeo desde que deixou a Itália com o pai, doze anos antes.
— Em que lugares vocês estiveram? — Nico quis saber.
— Rússia, Austrália e América do Sul.
Na cozinha, Anna se pôs a cobrir o bolo de chocolate, que ainda estava morno, com bolas de sorvete de menta. Fez um estrago. Com o peso do sorvete, o bolo se partiu e ficou com um aspecto horrível.
Callie surgiu alguns minutos depois, com a louça suja. Bastou um olhar para o bolo para ela saber o que fazer.
— Vamos servir sorvete apenas. Nico poderá se deliciar com seu bolo favorito mais tarde.
— Você providencia para mim? — Anna suspirou. — Quero dar uma olhada no esquilo.
— Ele não está nada bem.
— Eu sei, mas não quero perder a esperança ainda. Pelo garoto...
Bastou Anna entrar na clínica e olhar para a gaiola onde o pequeno animal estava sendo tratado para ela começar a chorar.
— Eu temia que isso acontecesse — disse Callie às costas de Anna, antes de abraçá-la. — O que está havendo com você, minha irmã? Sabe que eu sofro quando você sofre. Riley Garrow é a explicação para sua mudança, não é?
— Por que está me fazendo essas perguntas? — Anna tentou ganhar tempo.
— Porque Nico e eu esperávamos que você e Colin fossem casar após o término das filmagens. Em vez disso, você veio para cá. Ele não sabe sobre Riley, sabe?
— Não — Anna respondeu com um sussurro. — Porque não há o que saber.
— Não, é claro que não.
Anna suspirou. Não adiantaria tentar esconder a verdade. Callie não a deixaria em paz.
— Ele me convidou para jantar e eu não aceitei. Foi isso.
— E você ficou louca da vida porque ele não voltou mais como os outros costumam fazer. — Callie deduziu corretamente, como sempre. — Agora que o conheço, entendo porque Colin não teve mais a menor chance. Se eu não fosse tão apaixonada por Nico, acho que me apaixonaria por Riley.
— Os dois são lindos — Anna concordou —, mas há uma grande diferença entre eles.
— O fato de Riley não ser um príncipe?
— Não. Em Hollywood, Riley tem fama de ser um dom-juan.
— Que eu saiba, isso não é crime.
— Deveria ser.
— No entanto, sua fama é mais ou menos a mesma.
Anna arregalou os olhos.
— O que você está querendo dizer?
— Sua amiga, Alicia, me contou ao telefone que você já partiu o coração de dezenas de homens, inclusive de alguns novos astros.
— Não me compare com Riley Garrow! — Anna protestou, corada de indignação. — Eu nunca dormi com ninguém.
— Aposto que Riley não dormiu com todas elas, tampouco. Ou não estaria mais aqui para contar.
— Mesmo assim...
— O que mais a está incomodando, Anna? — Callie insistiu.
— A profissão dele! Riley quase morreu naquele set. E o pai dele morreu executando um de seus números de dublê.
— Mas Riley está vivo e bem vivo — Callie retrucou. — E parou com o trabalho de dublê. Você o ouviu à mesa.
— Como pode dizer isso quando ele irá correr para a Danelli?
Após esse protesto, Anna chorou até sentir um pouco de alívio. Decidiu, então, pedir que a irmã lhe desse um coelho para levar para o garoto do parque. Pensou que poderia levá-lo no mesmo cesto, com bastante ração, e deixá-lo sob a mesma árvore para que o menino o encontrasse.
Mais calma, Anna pensou que não deveria esperar mais para ligar para Colin. Ele era uma ótima pessoa. Tiveram bons momentos juntos. Ele queria muito ir para a cama com ela e lhe fez várias propostas de casamento. Insegura, inclusive pela distância, ela sempre adiava a resposta. Colin dizia que não se importava. Que a esperaria até que estivesse pronta.
Bastou um encontro casual com Riley Garrow para Anna ter certeza de que nunca estaria pronta para Colin.
Tirou o fone do gancho e discou. No sexto toque, a secretária-eletrônica entrou em funcionamento.
— Colin? É Anna. Desculpe não ter ligado antes...
— Não desligue! — Colin entrou subitamente na linha.
— Oh, Colin, ainda bem que consegui falar com você.
— Eu digo o mesmo. Onde você está?
— Em Turin.
— Por que não me avisou que iria? — A voz soou decepcionada.
— Esta foi a primeira chance que tive de telefonar desde que cheguei.
— Anna, nós precisamos conversar.
— Eu sei. É por isso que estou ligando.
— Não pelo telefone. Estou indo para aí amanhã.
— Não, Colin. Eu irei vê-lo em Lon...
A linha ficou muda.
Mais um equívoco. Ela deveria ter ido ao encontro dele em Londres para terminar. Já seria ruim o suficiente. Em casa de outros, seria ainda pior.
Por isso, assim que Colin chegasse, Anna planejou convidá-lo para saírem de carro. Então, eles parariam para caminhar às margens do rio e ela lhe participaria sua decisão.
Colin, certamente, chegaria cedo para aproveitarem o dia. Ela teria de se levantar bem cedo, se quisesse tentar resolver o problema sobre o garoto antes.
Antes de dormir, Anna tomou um relaxante e acordou apenas na manhã seguinte, surpresa por ter dormido um sono só.
Amarrou os cabelos com uma fita branca, vestiu uma calça jeans e um suéter cinza, passou uma camada de batom coral nos lábios e rumou para a clínica.
Era uma linda manhã de setembro. Não havia nem sequer uma nuvem no céu.
— Bom dia, doutor.
— Bom dia, Anna. O que a traz aqui tão cedo em um sábado?
— Sobre o esquilo...
— Foi uma pena. Mas você pode escolher o coelho que quiser para dar ao garoto. Você tem um coração de ouro assim como sua irmã. Ela me avisou sobre ontem à noite.
— Obrigada — Anna agradeceu, com um nó na garganta.
— Ensine o garoto que coelhos gostam de sombra e de muita água.
— Sei disso desde criança. Nosso pai nos ensinou a umedecer as orelhas dos coelhos com água fresca quando elas ficavam quentes.
— Você deveria ter estudado Veterinária como sua irmã.
— Começo a concordar com o senhor. Uma boa veterinária não tem limite de idade. Uma atriz, que já não é tão jovem, não leva a mesma chance.
— Quem disse que você já não é jovem? — O veterinário franziu o cenho.
— Meu empresário. Depois disso, comecei realmente a pensar em uma mudança de carreira.
— Não é tarde demais para ingressar em uma faculdade.
— Eu sei, mas acontece que não posso ver sangue.
Algum tempo depois, com um coelhinho marrom no cesto e uma porção de provisões, Anna seguiu para o bosque. Esperava encontrar o menino. Se não tivesse sorte, devolveria o animal ao local de onde o tirara e tentaria novamente na manhã seguinte.
Ela estava se aproximando da castanheira quando percebeu um movimento. Seu coração deu um salto de alegria. Depositou o cesto no mesmo lugar onde o havia encontrado e esperou até conseguir avistar o menino atrás de uma árvore. Chamou-o. Viu que hesitava e tornou a chamá-lo. Apontou para o cesto e disse:
— Coelho!
Ele disse uma porção de palavras que Anna não entendeu.
— Ele quer saber onde está o esquilo — disse uma voz masculina às costas de Anna.
Ela se virou. Riley Garrow estava montado em Spirito, o cavalo favorito de Enzo. Estava por demais atraente de jeans e camiseta preta.
Nico deveria tê-lo convidado para passar a noite no palácio. Havia surgido uma forte ligação entre eles, embora mal se conhecessem. E ela conhecia o cunhado o suficiente para saber que embora fosse educado e cordial com todos, poucos conseguiam fazer parte de seu círculo de amizades.
— Eu estudo italiano e consigo entender razoavelmente as pessoas, mas não entendi nada do que o menino disse.
— Porque você não é uma cigana.
— Então ele é cigano? — Anna indagou, surpresa.
— Sim. O idioma que ele usou é o romeno.
No momento seguinte, Riley falou com o pequeno e Anna viu quando ele enxugou as lágrimas.
— Diga que o coelho é marrom como o esquilo.
— Ele quer o esquilo, não o coelho.
Anna engoliu em seco.
— Explique que sei como ele está se sentindo. Eu também perdi um animalzinho de estimação quando era da idade dele. Meu pai me deu um porquinho para cuidar naquele mesmo dia. A partir daí não doeu tanto...
Riley ficou olhando para ela. Não dava para saber o que estava pensando.
— Talvez se ele vir o coelho. — Anna pegou o cesto em um momento de inspiração e levou-o até o menino. Então segurou-lhe a mão e o ajudou a acariciar os pêlos macios e delicados.
Em silêncio, Anna olhou para Riley e parou de respirar, tão lindos eram aqueles olhos de um cinza cristalino.
— Conte para ele que o animal está saudável e que será fácil cuidar dele. Junto com a comida, há um papel com instruções para tratá-lo. Espero que você possa traduzi-las, estão em italiano.
— Ele gostaria de ficar com o coelho — Riley avisou-a depois de falar com o menino. — Mas mora longe daqui e não tem como carregar tudo isso.
— Onde ele mora?
— Em um acampamento fora da cidade.
— Nós poderíamos levá-lo, se ele quiser, e aproveitaríamos para conhecer sua família. Deixarei algum dinheiro com eles para que comprem mais comida. Direi que a contribuição faz parte de um programa do parque para adoção de mascotes.
— Esse programa existe?
— Ainda não, mas tenho certeza de que Callie levará a idéia a Enzo e que ele a aprovará.
— Quem é Enzo?
— O irmão mais novo de Nico. No ano passado, ele recebeu o título de príncipe governante da Casa dos Tescotti. Um de seus primeiros atos foi doar uma parte das terras da família à população na forma deste parque para a preservação florestal e animal. Callie é a responsável por ele. — Anna hesitou. — A propósito, esse cavalo que você escolheu é o favorito de Enzo.
— Eu não podia imaginar — Riley afirmou, perplexo. — Então Nico é um príncipe também?
— Sim, mas ele renunciou ao título porque queria levar uma vida normal e estudar Engenharia Mecânica. Ele se sente mais feliz, como você já percebeu, criando e pilotando mortecicletas do que governando seu principado.
Riley não pôde conter um sorriso.
— Algo me diz que você nunca andou de... mortecicleta.
Cada vez que Riley olhava para ela daquele jeito e lhe falava com aquela voz de veludo, Anna não se lembrava nem sequer de seu próprio nome.
— Você é tão esperto quanto talentoso, Sr. Garrow — Anna declarou, corada. — Se puder, por favor, oferecer uma carona ao menino, eu agradeceria. Callie não se importará de nos emprestar seu carro.
— Não há necessidade de incomodá-la. Podemos ir com o carro que eu aluguei. — Riley tornou a conversar com o menino. — Ele aceitou. Combinamos de nos encontrar na entrada do parque em dez minutos. O que não nos deixa muito tempo. — Assim dizendo, Riley enlaçou Anna pela cintura e colocou-a sobre o cavalo. Em seguida montou e segurou-a com força junto a seu peito.
Anna não disse nada. Estava ocupada demais em seu esforço para respirar e para manter controle sobre as batidas de seu coração.
— Vocês chegaram na hora certa! Estávamos acabando de comentar que seria divertido sairmos os quatro para cavalgar.
Anna não havia percebido que estava de olhos fechados, ao embalo do calor dos braços de Riley ao redor de seu corpo, até ouvir a voz de Nico. Ele e Callie estavam com seus cavalos, prontos para o passeio que faziam todos os dias antes de irem para o trabalho.
Constrangida, Anna se apressou a saltar do cavalo. Os cachorros correram ao seu encontro. Ela se ocupou em afagá-los até se sentir em condições de erguer os olhos e encarar a irmã.
— Estamos voltando da clínica — Anna explicou. — Encontramos o garoto e lhe entregamos o coelho mais um pacote grande de ração. Como ele mora longe e não tem como levar o presente, Riley e eu vamos levá-lo.
Callie pestanejou. A conversa da noite anterior sobre Riley ainda estava nítida em sua memória.
— Não iremos demorar. — Anna virou-se para Nico. — Espero que não se importe por eu ter roubado o Sr. Garrow por alguns momentos. Não sou boa em italiano, quanto mais em romeno! Como Riley domina os dois idiomas, ele poderá traduzir as instruções de cuidados para o garoto e também para sua família.
— Fico satisfeito em saber que a existência do parque já chegou aos ouvidos dos ciganos. Eles vivem em contato com a natureza e podem nos ajudar mais do que quaisquer outros a salvar animais silvestres e abandonados. Eu deveria ter pensado em colocar um cartaz em romeno na entrada do parque, assim como coloquei vários em outros idiomas.
— Também precisamos fazer isso com relação aos folhetos com instruções de cuidados. A propósito, como percebeu que o garoto era cigano, Riley?
— Pelo cesto. É um artesanato típico desse povo.
Anna observou-o desmontar com graça masculina. Riley exibia charme em cada gesto. Era um homem fascinante. Inesquecível.
— Precisamos nos apressar — Anna lembrou-o. — O garoto está a nossa espera.
Riley assentiu e o movimento a fez prestar atenção nos cabelos, tão pretos quanto os de Nico, embora mais curtos, provavelmente por serem ondulados.
— Só um instante até que eu leve o cavalo para o estábulo.
— Deixe-o comigo — Nico ofereceu. — Não façam o garoto esperar.
— Obrigado. Dê meus parabéns ao príncipe por seu cavalo. Foi uma honra e um prazer montá-lo.
Nico sorriu.
— Fique à vontade para cavalgá-lo a hora que quiser. Nos últimos tempos, meu irmão não tem conseguido exercitá-lo como desejaria.
Anna estremeceu da cabeça aos pés ao se dar conta de que Riley poderia se tornar uma presença constante. Aquilo não podia estar acontecendo!
— Vou buscar minha bolsa e encontro-o no carro — avisou.
Sem esperar pela resposta, Anna correu em direção ao palácio. Ao voltar, quando se dirigiu ao carro, notou que Riley estava de costas, brincando com os cachorros. Deixou escapar um gemido. Céus, estava parecendo o tipo de homem que bastava ver uma mulher bonita para ficar sem ação!
De repente, Chloe se pôs a correr para ela e Riley a surpreendeu, encarando-o. Para disfarçar, ela se abaixou e afagou as orelhas do animal.
— Vamos? — Riley chamou.
Ela se levantou e continuou a caminhar. Riley abriu a porta do carro para que entrasse e manobrou pela propriedade como se já a conhecesse como a palma da mão.
— É sua primeira visita a Turin?
— Não — ele respondeu —, mas faz muito tempo que estive aqui.
Anna havia jurado que não demonstraria interesse por Riley, mas sabia que não seria capaz de cumprir a promessa.
— Você é italiano?
— Acreditaria se eu dissesse que nasci na Califórnia como você?
— Em que parte? — Anna indagou, curiosa.
— Santa Mônica.
Tão perto de Hollywood.
— Quando era pequena, vivia pensando que era incrível que eu morasse tão perto do mundo dos astros e das estrelas. Meu sonho de trabalhar no cinema vem dessa época. E você?
— Não morei em Santa Mônica o suficiente para saber.
— Por que não?
— Minha mãe nos deixou quando eu tinha dois anos.
A revelação inesperada teve o efeito de um golpe para Anna.
— Meu pai não chegou a terminar o primeiro grau, mas ele e seu amigo Bart eram ases das motocicletas. Com suas acrobacias, ganhavam o suficiente para sobreviverem. Uma vez, um dos proprietários do Circo Itinerante Rimini, esteve em Los Angeles à caça de novos talentos. Gostou da dupla e ofereceu um emprego na Itália. Os dois aceitaram e me levaram junto.
Riley deu um sorriso.
— Meu pai comentava que eles conseguiram o contrato porque suas motos eram Danelli. Pode parecer coincidência, mas eu fui contratado agora pelo mesmo motivo. Foi um artigo na revista International Motorcycle World com sua irmã na capa em uma moto dessa marca que me trouxeram a Turin.
A conexão Danelli. Isso explicava a camaradagem instantânea entre Nico e Riley Garrow. O pobre e o príncipe.
Como a vida deveria ter sido dura para Riley. A bondade e a compaixão inerentes a Nico foram despertadas diante da história contada pelo recém-chegado. E também sua admiração. Porque ele não hesitou em oferecer um emprego.
O que Riley havia compartilhado com ela foi o suficiente para mudar definitivamente a imagem que fazia dele.
— Alguma vez conseguiu ver sua mãe depois que cresceu?
Não houve tempo para resposta porque ao ver o carro parar, o menino se aproximou, trazido pelo segurança do parque.
Anna olhou para trás e sorriu. O menino não correspondeu, mas sua expressão já não estava tão triste.
Ao ser indagado sobre o modo como ele havia tido conhecimento da existência do parque, o menino contou que costumava pescar no rio, perto do palácio e que notara que muita gente levava seus animais para o hospital indicado na placa.
Ao ser indagado sobre o nome, o menino respondeu que se chamava Boiko.
Muitas outras perguntas poderiam ser feitas, mas Anna não se sentia bem ao ter de pedir que Riley as traduzisse. Até aquele momento, Riley havia se revelado o homem mais perfeito que já conhecera. A não ser por um defeito que, segundo Callie, não existia lei que o condenasse: o de ser atraente.
Para se proteger contra ele, a única defesa de Anna seria evitar ficarem sós. Portanto, assim que cumprissem aquela missão, ela voltaria para o palácio e iria direto para seu quarto.
Não demoraram a avistar o acampamento que Anna estimou em várias dezenas de tendas. Riley parou o carro e fez menção de abrir a porta.
— É melhor você esperar aqui. Eu levarei Boiko até os pais dele.
— A idéia foi minha! — Anna protestou. — Irei junto.
— Não se sentirá bem-vinda, Anna — Riley alertou-a.
— Não importa.
Sem entrar em discussão, Anna abriu a carteira e retirou uma nota de cem dólares. Em seguida, apanhou o saco de ração enquanto Riley se encarregava do cesto e Boiko do coelho.
Para espanto de Anna, o menino apontou para ela e fez um movimento negativo com a cabeça. Quando se dirigiu a Riley, Anna teve certeza de que estava dizendo que não queria que ela os acompanhasse.
— Por que ele não quer que eu vá? — Anna quis saber.
— Disse que você é boazinha e que não quer que o tio a receba com grosserias.
A confiança e a preocupação do garoto comoveram Anna. Ela sorriu para ele, olhou para Riley e lhe entregou o saco de ração.
— Por favor, deixe claro a Boiko que ele pode me procurar na clínica ou a minha irmã, que é veterinária, caso ele tenha algum problema.
Depois que Riley traduziu a mensagem e o menino assentiu, Anna colocou o dinheiro sob a mão que segurava o cesto.
— Isto é para você comprar mais ração quando esta acabar. — Anna beijou-o na face e voltou para o carro, preparada para esperar algum tempo.
Foi um choque ver Riley, cinco minutos depois, voltando com o coelho mais o saco de ração.
Por mais ansiosa que estivesse por saber o que havia dado errado, Anna respeitou o silêncio de Riley até que se afastassem do acampamento.
— Aqueles ciganos são refugiados da Eslováquia. Não acredito que seja verdade que aquele homem seja tio de Boiko. O mais provável é que ele tenha se auto-proclamado líder do grupo. Sinto, Anna, mas o sujeito não permitiu que o garoto ficasse com o coelho. Minha intuição me diz que Boiko não tem família. Por precaução, eu o orientei para que escondesse o dinheiro dentro do sapato.
Anna engoliu em seco.
— O que o homem poderia ter contra um inofensivo coelhinho?
— Boiko tem tarefas a cumprir. Além disso, o homem não quer outra boca para alimentar.
— Que tipo de tarefas?
— Arrumar comida, seja como for. É uma pena, Anna, mas você fez tudo que podia.
— Boiko deveria estar matriculado em uma escola.
— Outro problema. O governo tem restrições contra aqueles que não falam o idioma oficial do país. Só quem tem dinheiro consegue freqüentar uma escola. E sem conhecer a língua, ninguém os contrata.
— Como podem tratar as pessoas assim? — Anna protestou. — Elas perderam tudo que possuíam e foram forçadas a abandonarem suas casas.
— Esse é mais um entre inúmeros problemas. A idéia geral é que todos os ciganos são nômades e apátridas.
— Algo precisa ser feito. Eles não podem continuar vivendo nessas condições. É inaceitável!
— Concordo plenamente.
Imersa em pensamentos, Anna não percebeu que Nico e Callie não se encontravam sozinhos, quando Riley parou o carro em frente à entrada da ala oeste do palácio. O outro carro não era familiar, mas o loiro que estava entre sua irmã e o cunhado era...
— Colin! — Anna havia se esquecido por completo de que o namorado iria chegar.
Ele abriu a porta do carro para ela.
— Finalmente! — Colin murmurou, impaciente, tomou-a nos braços e beijou-a diante de todos.
O choque foi tão grande que Anna mal registrou o beijo. Por cima dos ombros dele, Riley a fitava quase com hostilidade.
— Não vai nos apresentar? — cobrou-a.
— Sim, é claro — Anna respondeu. — Colin? Este é Riley Garrow, o mais novo contratado da Danelli.
— Eu já soube.
— Sr. Garrow? Este é Colin Grimes. Ele é o responsável pelo artigo e pela foto que o senhor viu na revista International Motorcycle World.
— Bem que seu nome não me soou estranho. — Riley sorriu e estendeu a mão, com gentileza. Colin se viu forçado a apertá-la. — Foi um trabalho sensacional e o responsável por eu ter me decidido a deixar Los Angeles.
— O maior crédito pertence a Nico, que conduziu a entrevista com a mesma eficiência que desenha suas máquinas. — Depois de dizer isso, Colin virou-se para Anna e estreitou os olhos. — Eu não sabia que vocês haviam feito um filme juntos.
Anna não podia culpar Callie nem Nico por terem comentado a respeito. Ela nem sequer havia se lembrado de avisá-los sobre a chegada de Colin.
— Ele trabalhou com Cory — Anna explicou. — Foi o dublê dele nas cenas perigosas. Agora, se me dão licença, preciso levar o coelho de volta para junto da ninhada. Volto em dois minutos, prometo.
Era preciso dar um jeito de se afastarem de Riley, Anna pensou. Continuarem ali, os três, seria intolerável. Ela precisava dar um jeito de sair com Colin para poderem conversar a sós.
Como se tivesse lido seu pensamento, Riley se ofereceu para levar o animal. Agia como se morasse ali, completamente à vontade. Não era à toa que Colin estava cerrando as mãos, apreensivo e zangado.
Ansiosa por tirar Colin e a si própria daquela situação, Anna segurou-o pelo braço.
— Que tal darmos uma volta pelas montanhas? — Ela acenou para Callie e para Nico. A irmã não só correspondeu, como lhe dirigiu um olhar de quem entendia que ela não teria horas agradáveis pela frente.
Colin a ajudou a subir no carro e deu a partida. Dirigiu em silêncio pela estrada e tomou a primeira saída para as montanhas. Só parou depois de encontrarem uma placa indicando a proximidade de um vilarejo.
— Desde que saímos do palácio, estou esperando que você me diga alguma coisa. — Colin suspirou. — Qualquer coisa! O fato de você não ter o que me dizer, me disse muito.
A verdade contida naquelas palavras a fizeram hesitar por um momento.
— Eu estava esperando que você parasse para que pudéssemos olhar um para o outro enquanto conversamos.
— E o que você está vendo?
— Um homem maravilhoso que merece ser amado pela mulher certa.
O suspiro tornou-se impaciente.
— A dispensa clássica! Nunca pensei que fosse ouvir isso de você.
— Acho que, no fundo, você já sabia — Anna murmurou.
A surpresa fez Colin jogar a cabeça para trás.
— Chegou a hora da verdade, Colin — Anna continuou —, e a verdade é que você conheceu minha irmã antes de mim e que foi por ela que se apaixonou.
— De que você está falando? — Colin protestou, mas não teve coragem para sustentar o olhar de Anna.
— Você sabe exatamente de que eu estou falando. Naquela noite, em Prunedale, no ano passado, quando Callie e eu trocamos de lugar porque ela não queria ver Nico, recebi algumas instruções. Vou repeti-las agora:
Você irá jantar com um homem muito atraente da International Motorcycle World, chamado Colin Grimes. Ele é de Londres e era piloto de corrida de motos antes de se tornar o principal fotógrafo da revista. Nico estava com um humor péssimo quando o deixei na fazenda Olivero, por isso, preste mais atenção nele do que em Colin.
— Eu disse a Callie que tudo indicava ciúme e que ela deveria estar se sentindo no paraíso porque isso significava que Nico estava apaixonado como ela tanto queria. Mas Callie estava insegura e assustada demais para acreditar.
Anna balançou a cabeça.
— No instante que eu entrei no restaurante, tive certeza de que o charme de minha irmã o havia tocado. E de que Nico percebeu. Foi por essa razão que ele se comportou como um adolescente descontrolado. Ele queria que Callie admitisse que o amava e ela preferiu fugir. E o fato de você ter demonstrado interesse pela mulher com quem ele havia casado por causa de um arranjo político, para que o irmão caçula pudesse receber o título de príncipe governante, complicou a situação. Sim, porque ele não esperava se apaixonar por Callie e viu você como um concorrente. Afinal, ele ainda não tinha certeza de que Callie correspondia a seu amor..
Anna se deteve por um instante.
— Nunca poderei me esquecer do que houve depois. Foi como um romance dos contos de fada. Nico foi procurá-la e lhe declarou seu amor. Mais do que isso, ele afirmou que não poderia continuar vivendo sem seu amor. Só então Callie se sentiu segura para admitir que também o amava e que queria se tornar realmente sua esposa. E você, Colin, acabou ficando com a gêmea errada...
— Você não era a gêmea errada! — Colin retrucou. — Eu não a teria pedido em casamento se não a amasse.
— Eu acredito, mas também sei que você se apaixonou por minha irmã antes de me conhecer e descobrir que tínhamos trocado de lugar. No fundo, Colin, acho que você sempre sonhou que um dia eu me transformaria em Callie.
Colin não conseguiu retrucar porque sabia que as palavras de Anna continham a verdade.
— Na época, eu não me importei porque não estava preparada para assumir um compromisso. O fato de morarmos em países distantes facilitou nossa relação, uma vez que ela nunca foi destinada a terminar em casamento.
— Sinto muito, Anna — Colin murmurou. — Juro que nunca tive a intenção de magoá-la.
— Você não me magoou. Se eu realmente o amasse, teríamos terminado antes, porque eu jamais me contentaria em ser a segunda opção.
— Você ficou diferente depois de seu último filme — Colin murmurou após um momento de silêncio. — Agora, encontro o famoso dublê no palácio de seu cunhado. Os olhares que trocaram na minha frente falaram por si só.
— Ele não é do tipo que casa.
— Nenhum homem pensa em casar até ser domado pela mulher certa.
A questão, Colin Grimes, é que não nasceu a mulher capaz de domar Riley Garrow.
— Deveríamos ter tido esta conversa no ano passado, Colin. Você já estaria livre para amar de novo. Por isso, volte para Londres e encontre a mulher que está a sua procura.
Colin segurou a mão de Anna e beijou-a.
— Eu lhe desejo a mesma felicidade, Anna.
— Obrigada.
— Quando pretende regressar a Hollywood?
— Não tenho data certa.
— Você nunca foi insegura. O que me leva a deduzir que está apaixonada.
— Não quero falar sobre isso.
— Tudo bem. De qualquer modo, agora tenho a resposta para uma pergunta que vinha me atormentando. Bem, o que acha de darmos uma parada para almoçar em nome dos velhos tempos?
— Acho ótimo. Estou faminta.
Duas horas depois, Colin a levou de volta para o palácio. Eliminada a tensão e o sentimento de culpa, o almoço foi o encontro mais agradável que eles tiveram em meses.
A volta para casa reforçou essa sensação de leveza para Anna.
Sozinha, aparentemente, pois a moto de Nico não estava mais na propriedade, nem o carro alugado por Riley, Anna percorreu boa parte dos jardins, preocupada apenas em respirar e relaxar.
Mais tarde, encontrou Callie na cozinha, cuidando de Anne. Nico havia telefonado poucos minutos antes, pedindo que Callie levasse a comida para o barco porque Enzo e ele haviam combinado de jantarem juntos com as esposas.
— Um romântico encontro a quatro — Anna brincou. — Deixe Anne comigo. Assim vocês poderão voltar só amanhã. Ou melhor, por que não aproveitam e passam o fim de semana fora? Agora que ficou tudo resolvido com Colin, não tenho nada para fazer.
Callie fez que não.
— Nico incluiu você no programa. Espero que não se importe, mas eu lhe contei que você iria terminar com Colin. Acho que essa foi a maneira que ele encontrou para distraí-la depois de um dia de tensão. Nico sabe quanto você adora aquele barco.
Como tudo que envolvia a marca Danelli, a pista de testes, localizada atrás da fábrica, era uma obra perfeita em cada detalhe. Riley recebeu uma moto preta modelo NT-1 para testar, juntamente com um capacete e luvas.
Deixado à vontade para executar seu trabalho, Riley não teve pressa. Ele queria sentir cada uma das alterações efetuadas por Nico na Danelli-Strada original que estavam revolucionando o mercado.
Primeiro, Riley percorreu a pista para memorizar os trechos em curvas e as retas. A temperatura estava ideal, nem quente, nem fria demais. Quando se sentiu seguro com os pedais, ele aumentou a velocidade. A moto não apresentava nenhum defeito. Era um prazer total pilotá-la. Suave e poderosa como um míssil.
Ao pensar em prazer, Riley se lembrou do momento que tivera Anna em seus braços, pela manhã, quando cavalgaram. Sentiu os músculos contraírem, porém, ao pensamento de que ela estava envolvida com outro homem. Muito antes de eles se conhecerem no set de filmagem.
Maldição.
Deu maior velocidade à máquina. Perdeu a noção do tempo. Só parou quando ficou quase sem combustível.
Encontrou Nico a sua espera, no portão, com um sorriso de satisfação nos lábios.
— A moto está além da perfeição — Riley elogiou ao desmontar e tirar o capacete. — Eu diria que um de meus maiores sonhos acabou de se realizar.
— Fico contente que tenha gostado.
— Gostar é pouco para descrever como me sinto. Anna me disse que você renunciou à coroa para se tornar um homem comum. Apenas você não é tão comum assim — Riley brincou. — Poucos poderiam criar esta jóia. Talvez a monarquia jamais entenda ou aprecie seu feito, mas o mundo do esporte o aplaude. Sou um grande fã seu, Nico.
— Eu ia dizer o mesmo sobre você. Seu tempo venceu o de Vittore Lotti que chegou em primeiro lugar em Misano, no mês passado, nos dois testes realizados. A partir de agora, você se tornou nossa arma secreta para a corrida de Imola, no próximo dia vinte e nove.
Surpreso e feliz por ter sido escalado para o circuito internacional que sempre se realizava anualmente em meados de setembro, Riley acompanhou Nico quando ele entrou no prédio para guardarem a moto.
— Na segunda-feira, você assinará o contrato conosco e será apresentado a toda equipe. Depois que conhecer todas as instalações, poderá escolher uma moto que ficará para seu uso exclusivo.
— Não posso aceitar...
— É procedimento padrão da empresa. Todos os membros de nossa equipe conduzem nossas motos mesmo quando estão fora das pistas oficiais. E a melhor publicidade que pode existir.
Apesar da explicação ser coerente, Riley teve a nítida sensação de que Nico estava lhe oferecendo vantagens e privilégios especiais.
— Nesse caso, devolverei o carro à agência de aluguel na segunda-feira.
— Irei com você para trazê-lo de volta ao escritório. Depois, será preciso encontrarmos uma moradia.
— Pretendo começar a fazer isso no fim de semana.
— Sei de um lugar perfeito.
Dessa vez, Riley não pôde calar.
— Obrigado, mas não posso aceitar. Você é o homem mais generoso que já conheci e eu lhe sou imensamente grato pelo que está fazendo por mim. Mas para tudo há um limite. Você me deu um emprego antes de testar minhas habilidades em uma pista. Levou-me para sua casa e me cobriu de atenções. Acho que nunca poderei lhe retribuir pelo que fez. Ao menos, preciso procurar um apartamento sem lhe dar trabalho.
— Não estou me referindo a um apartamento.
— Se está pensando em seu palácio, o assunto está fora de cogitação.
— Não, não estou me referindo ao palácio. Entendo que queira ter seu próprio refúgio. Eu também relutei em me instalar ali com Callie. Mas acabou fazendo sentindo agora que ela se tornou a responsável pela clínica. Antes de recusar minha oferta, ouça o que eu tenho em mente. Se não gostar de minha sugestão, prometo não insistir.
Passou pela cabeça de Riley que Nico, além de generoso e cordial, também era o homem mais teimoso que ele já conhecera. Ouviria a oferta que ele queria fazer, é claro, mas assim que chegassem em casa, ele tornaria a agradecer, e trataria de procurar uma imobiliária.
Mas em vez de seguir direto para o palácio, Nico pegou uma pista que levava ao rio e ao local de atracação dos barcos.
— Estacione o carro e venha conhecer o Serpentine — ele disse pela janela.
Intrigado, Riley o seguiu.
— Embora eu tenha um apartamento perto daqui, este barco foi meu lar em boa parte desses últimos dez anos. Quando Callie e eu nos casamos, passamos três dias de nossa lua-de-mel a bordo e todos os minutos livres de nosso primeiro ano de casados. Ele conta com todo o conforto de uma casa com a vantagem da total privacidade. Não o temos usado desde que Anne nasceu. Pretendemos voltar a usá-lo no futuro, mas, por agora, ele está disponível.
Só havia um lugar onde Riley se sentira realmente à vontade: a tenda de Mitra. De repente, o barco oferecido por Nico lhe soava como algo com a mesma vibração de boas-vindas. Seria como morar em uma cabana sobre as águas.
A tentação era grande...
— Entre e dê uma olhada enquanto eu arrumo a mesa. Callie deve chegar a qualquer momento. Eu pedi que ela trouxesse o jantar. Meu irmão e minha cunhada também virão. Pensei em fazermos um pequeno cruzeiro. Turin é linda à noite, vista do rio.
— O que faz o carro de Riley por aqui? — Anna perguntou, desconfiada, ao se aproximarem do barco.
— Não tenho a menor idéia — respondeu Callie enquanto estacionava atrás do carro de Enzo.
— Nico não lhe disse se iria convidá-lo?
— Não. Eu vi Riley sair levando uma maleta e imaginei que tivesse decidido procurar um hotel. Estou tão surpresa com a presença dele quanto você.
Anna acreditou na irmã.
— O que está havendo com seu marido, Callie? É a primeira vez que ele trata um funcionário como se fosse alguém da família. Se não se importa, prefiro voltar para casa. Não quero ver Riley.
— Nico ficará sentido se você não for. — Callie estendeu os braços para a filha e Anna a entregou. — Você sabe quanto ele a estima.
— Eu sei disso.
— Então também precisa saber de algo que ele me contou ontem à noite.
— De que se trata?
— Que ele sentiu uma forte ligação com Riley no momento que soube que ele era filho do homem que foi conhecido como Foguete Humano.
— Por quê?
— Aos cinco ou seis anos, Nico foi ao Circo Rimini pela primeira vez com sua babá e nunca mais perdeu sua apresentação anual até a juventude. O pai de Riley, Rocky Garrow, o maior dublê que já existiu, era seu ídolo.
— Nossa! Quer dizer que a ligação deles vem da infância?
Callie fez que sim.
— O pai de Riley sempre se apresentou com uma Danelli-Strada. Ele deu origem à paixão de Nico por motos e, especialmente, por essa marca. Inconscientemente, acho que Nico se sente em dívida com o pai de Riley. Por isso quer fazer tudo que pode pelo filho.
A explicação colocou mais algumas peças do quebra-cabeça no lugar. Mas não resolveu o problema de Anna. Porque Riley havia invadido seu sistema. Não conseguia parar de pensar nele nem sequer por um instante.
Pensar em Riley, aliás, era quase tão perigoso quanto estar com ele. Ela não conseguia esquecer o estado que ficou quando cavalgaram juntos. Muito menos o arrepio que lhe percorreu todo o corpo no instante que ele roçou-lhe o pescoço com os lábios.
Em pânico à perspectiva de jantar com Riley, Anna saltou do carro e deu a volta para retirar a comida do porta-malas. Sua única defesa contra seus pensamentos era se manter ocupada.
— O aroma está delicioso.
Anna enrijeceu.
A voz de Riley.
— O sabor também está certamente — Anna se apressou a dizer e entregou a travessa, sem olhar nos olhos dele. — Foi Callie quem cozinhou. Tome cuidado. Se deixar cair, Nico não o perdoará.
— Nem eu a mim — Riley garantiu.
— O que podemos fazer para ajudar? — ofereceram Enzo e Maria que acabavam de chegar. Anna apontou para a geladeira de isopor com as bebidas.
Enquanto Enzo se encaminhava para o barco, Maria deu uma piscada para Anna.
— Nunca vi um homem mais bonito do que o signore Garrow. Vou pedir para Enzo me levar a Imola para assistir à primeira corrida dele.
Anna sentiu o queixo cair. Até mesmo a princesa Maria estava fascinada por Riley?
— Quando será a corrida?
— Daqui duas semanas.
A notícia deveria significar alívio para Anna. Afinal, Riley iria se ausentar em breve para os treinos. Mas a expectativa de que ele pudesse sofrer um acidente a deixou apreensiva.
— Callie e Nico pretendem ir também. Você poderia ir conosco se ainda estiver por aqui.
— Eu iria, se já não tivesse outros planos.
Não era exatamente uma mentira. Em duas semanas, ela precisaria dar um jeito de conseguir outra maneira de ganhar a vida
Maria estreitou os olhos.
— Você está bem? Soube que rompeu com seu namorado.
— Sim, mas o problema não é esse. Eu decidi desistir da carreira artística e procurar um emprego.
— Aqui em Turin?
— Ainda não sei. Vamos antes que o pessoal reclame de fome?
Maria deu uma risadinha.
— Os homens Tescotti têm bom apetite.
De fato, trinta minutos depois, metade do jantar já havia sido consumido em meio à conversas em que Riley se manteve o centro das atenções, ao responder as perguntas de Maria sobre os lugares que já havia visitado.
Por fim, Nico sugeriu que dessem início ao cruzeiro antes que ficasse demasiado tarde e seguiu, com Riley, para a cabine de comando enquanto Enzo se encarregava de soltar as amarras.
Callie e Maria se ocuparam da louça e Anna se ofereceu para cuidar de Anne. O pequeno príncipe Alberto, de oito meses, havia ficado em casa, aos cuidados dos avós.
Anna apagou a luz e se deitou ao lado da sobrinha que dormiu com facilidade ao embalo das águas e do aconchego.
Aliás, a bebê não foi a única a adormecer. Quando Anna deu por si, o silêncio no barco era total. Nada de vozes, nem roncos do motor.
Entorpecida pelo sono, ela estendeu a mão em um gesto instintivo para sentir a sobrinha. Ao encontrar um corpo muito maior, com músculos rijos como aço, deu um grito.
A luz foi acesa de imediato. A seu lado, estava Riley. Ele deveria ter tomado um banho porque estava usando short e camiseta e seus cabelos estavam molhados.
Com a respiração suspensa, Anna se ajoelhou na cama e afastou os cabelos que lhe caíram sobre o rosto para poder consultar seu relógio de pulso.
— Sete horas? — disse, incrédula. — Por que ninguém me acordou ontem à noite?
— Você dormia tão profundamente que eu disse a Callie que a levaria depois. Ela concordou. Avisou-me que você teve um dia penoso por causa do rompimento.
Anna corou.
— Não tive um dia penoso.
— Ele não era o homem certo para você,
— Eu sei disso! Ele se apaixonou por Callie antes de me conhecer.
— Eu também soube disso.
Céus! Nico contava tudo para aquele homem?
— Colin gostava de nós duas.
— O beijo que lhe deu foi uma prova. Você, no entanto, não correspondeu com a mesma intensidade. A impressão que deu é que já trocou de amor.
Anna não respondeu. Riley estava enganado se pensava que ela iria satisfazer sua curiosidade.
— Você estava em todas as conversas nos sets de filmagens. Era chamado de Don Juan. O mais engraçado é que as mulheres continuam a sua procura, mesmo sabendo que seu interesse dura pouco.
— O que faço com elas não é tão sério quanto o que você fez com Colin, em minha opinião. Quanto tempo ficou com ele? Um ano?
— Ao menos não o descartei após vinte e quatro horas para correr atrás de outro patético sonhador.
— Não creio que seja mais fácil esquecer alguém após um ano do que após vinte e quatro horas. O mais provável é que o pobre Colin leve mais um ano para se recuperar do abandono.
Anna não respondeu.
— Não irá me dizer quem é seu novo amor?
— De que você está falando?
— De sua próxima vítima. Daquele que você quer tanto que não pensou duas vezes para deixar seu antigo namorado.
— Dê-me um dia e eu lhe indicarei alguém, está bem?
Riley segurou Anna pelo braço e a atraiu de encontro ao peito.
— O tempo já está correndo. Não tenho nenhum compromisso até segunda-feira pela manhã.
O olhar malicioso fez Anna recuar.
— Não diga nada — ele murmurou. — Nós estamos esperando por este momento desde aquele dia no set de filmagem.
Riley segurou Anna pelas faces e beijou-a de uma maneira que a impediu de fugir. Algo que ela não teria forças para tentar, de qualquer forma.
Durante o beijo, eles rolaram pela cama de modo que Riley ficou por cima. Em êxtase, Anna gemeu e abraçou-o.
Não saberia descrever, mais tarde, a Callie, o que havia acontecido. Porque ela nunca havia experimentado nada igual. Uma paixão que atordoava o corpo e atingia a alma. O que havia sentido nas últimas vinte e oito horas fora apenas um leve prelúdio.
— Riley...
— Eu sei — ele murmurou. — Estou me sentindo como você. Acho que vinte e quatro horas não será suficiente para nenhum de nós. A única solução será nos casarmos.
Os olhos verdes de Anna revelaram choque.
— Casar?
— O conceito é novo para mim também.
Anna estremeceu da cabeça aos pés.
— Eu não quero me casar com você.
— Eu também não queria, mas não serei capaz de levar uma mulher como você para a cama, sem antes torná-la minha esposa. — Ele fitou-a longamente. — Como sinto que o desejo é mútuo, nós não temos escolha.
Um vermelho intenso cobriu as faces de Anna.
— Você está enganado se pensou que eu dormi com Anne de propósito para provocá-lo!
— A provocação foi mútua e aconteceu há muito tempo, da primeira vez que olhamos um para o outro.
A tentativa de protesto foi calada com outro beijo.
— Não adianta negar. Para seu consolo, depois que nos casarmos, o fogo extinguirá aos poucos. É o que sempre acontece. Com meu pai aconteceu três vezes.
Anna se lembrou que Riley havia sido abandonado pela mãe. Sabia que esse trauma nunca desapareceria da vida dele.
— Quando chegar o dia em que não mais sentiremos vontade de ir para a cama juntos, você poderá se divorciar de mim. Eu lhe darei uma parte de meus bens e nos despediremos como bons amigos.
— Sua proposta é horrível! — Anna o interrompeu
Riley encolheu os ombros, sem soltá-la
— De acordo com a irmã Francesca, é melhor do que viver em pecado.
Anna encarou-o.
— Quem é irmã Francesca?
Os olhos cinzentos suavizaram como a névoa do mar no início da manhã.
— Foi quem cuidou de mim no hospital. Receosa de que eu me perdesse, ela me aconselhou a casar com a próxima mulher que me atraísse. Ela disse que essa seria a única maneira de eu redimir minha alma imortal. — Riley deu um sorriso. — Como eu poderia adivinhar que a mulher seguinte seria uma colecionadora de escalpos masculinos?
Riley se deteve e olhou para Anna de maneira significativa.
— Você sabe que foi mais do que atração o que eu senti por você aquele dia.
Anna se deixou arrebatar por um novo beijo. Riley era impetuoso. Ela não estava conseguindo resistir ao desejo que ele lhe despertava.
— Reflita antes de responder — Riley pediu. — Minha permanência aqui irá depender de você.
Por isso, Anna não esperava. Tentou protestar e se levantar, mas ele não permitiu.
— Não estou entendendo, Riley.
— Você é inteligente. Pense um pouco.
Perplexa, ela o segurou pelos ombros.
— Você não pode ir embora. Nico acabou de contratá-lo para correr por sua equipe.
— Não há nada por escrito ainda.
— Ele o hospedou em sua casa! Ele o tratou como se fosse um membro da família!
— E eu estou me sentindo bem aqui como não me sentia há anos. Mas Nico é um sábio homem de negócios e compreenderá se eu alegar razões de ordem pessoal para não aceitar o emprego.
Anna mordeu o lábio.
— Você não iria para outro lugar!
Riley a beijou em cada lado da boca.
— Fui contactado por duas grandes empresas no ano passado. Bastará um telefonema.
— Você teria coragem de correr para o concorrente depois de tudo que Nico fez?
— Um homem tem de sobreviver de um jeito ou de outro.
Riley podia ser um motociclista fabuloso, mas sua infância e seu passado com o pai haviam sido difíceis pelo que Callie lhe contou no carro. E era por causa do pai de Riley que Nico o havia cumulado de atenções. Anna não achava justo que seu cunhado sofresse ingratidão.
Os dois haviam conversado durante o jantar como velhos amigos. Apesar da vida diferente que levavam, de terem nascido e crescido em circunstâncias opostas, Riley e Nico eram parecidos como irmãos gêmeos.
Na opinião de Anna, ficar decepcionado com alguém era uma das piores coisas do mundo. Nico era maravilhoso. Ela não podia permitir que Riley o desiludisse.
— Isso é chantagem! — Anna acusou-o.
— Chame como quiser.
O olhar de Anna desferia faíscas.
— Mesmo que eu fosse tola o suficiente para aceitar sua proposta, onde iríamos morar?
— Aqui.
— No barco? — Anna pretendia apenas imprimir um tom de surpresa à pergunta, mas um grito acabou escapando de sua garganta.
— Sim. Este será meu lar por algum tempo.
Dessa vez, Anna conseguiu reunir forças para se desvencilhar.
— Nico lhe emprestou este barco? Seu passatempo favorito?
— Digamos que ele me fez uma oferta irrecusável. E eu decidi aceitá-la por um período indefinido.
A essa informação, Anna descobriu que a amizade e a admiração de Nico por Riley eram ainda mais profundas do que ela havia imaginado.
— Não seria até que quebrasse o pescoço em uma de suas loucas manobras na pista?
Dessa vez, Riley riu.
— Se ainda não estivermos divorciados nessa ocasião, a fatalidade lhe poupará o trabalho, querida.
— Não sou sua querida.
Anna rolou na cama e se levantou. O barco poderia estar ancorado, mas ela estava tão abalada que parecia estar no olho de um furacão.
— Isso significa que sua resposta é não? — Riley parecia um felino, deitado, esperando que a presa se aproximasse para ele dar o bote.
— A resposta tem de ser dada agora, neste minuto?
— Se você tivesse ficado em um leito de hospital durante dois meses, entenderia minha impaciência para seguir em frente com a vida.
A menção ao acidente a fez calar e se perder em pensamentos. Riley a trouxe de volta ao presente com o barulho das chaves que apanhou na mesinha de cabeceira.
— Vou levá-la de volta ao palácio.
Com o coração aos saltos, Anna o seguiu para fora do quarto e do barco. Estava terminando de caminhar pela prancha, para não molhar os pés na beirada do rio, quando sentiu que Riley a erguia em seus braços.
Ele a colocou no banco de passageiro e tomou o volante em silêncio. O sol estava começando a nascer no horizonte.
Durante o trajeto, Anna se viu pensando no estranho pedido de casamento. Riley parecia ter adorado a idéia de correr para a Danelli. O que havia com ele para permitir que a idéia de abandonar a oportunidade lhe invadisse a mente?
Naquele momento, Riley parou o carro e saltou ao mesmo tempo que ela.
— Aonde vai? — Anna pestanejou...
— Entrar com você. Ontem à noite, sua irmã me convidou para tomar o café aqui pela falta de provisões a bordo. Será a ocasião perfeita para eu anunciar a Nico que assinarei contrato com uma outra empresa.
Feito o comunicado, Riley subiu os degraus e entrou no palácio como se fosse um morador. Anna se viu obrigada a correr atrás dele porque não poderia permitir que ele cumprisse sua ameaça. Se a sorte estivesse do lado dela, Nico e Callie teriam dormido até mais tarde e ela tentaria reverter a situação.
A sorte não estava a seu lado...
— Riley! Bom dia? — Anna ouviu a voz de Nico.
— Chegou bem na hora de provar a maçã assada que minha esposa prepara como ninguém! Onde está Anna?
Anna entrou na sala com tanto impacto que a porta bateu contra a parede e os cachorros protestaram.
Todos a encararam, atônitos.
— Desculpe. Não era minha intenção.
Nico sorriu.
— Tudo bem. Você deve estar com fome. Sente-se conosco.
Assim que Anna se sentou, Riley olhou para Nico.
— Se não se importa, eu gostaria de falar com você em particular.
Nico olhou para Callie e ela se levantou como se, com uma simples troca de olhares, eles tivessem se entendido.
— Fiquem aqui. Eu estava mesmo precisando dar um pulo na cozinha. Você vem comigo, Anna?
— Não...
Callie e Nico a fitaram como se nunca a tivessem visto antes. Anna engoliu em seco. Se não detivesse Riley naquele exato momento, ele acabaria magoando as duas pessoas que ela mais amava neste mundo.
— Eu queria que Riley mudasse de idéia, mas ele insiste em pedir minha mão a Nico, na falta de meu pai. Riley é um homem à moda antiga — Anna disse a primeira desculpa que lhe veio à cabeça.
A perplexidade de Callie se transformou em alegria.
O cunhado estudou-os por um longo tempo.
— Você tem toda razão em ficar surpreso — disse Riley —, mas respeito Anna demais para fazer o que você está pensando que eu fiz. A verdade é que Anna dormiu um sono só. Eram sete horas quando acordou e pudemos conversar, finalmente, sobre o que sentimos um pelo outro.
Anna ouviu a explicação com a respiração suspensa.
— Se não fosse pelo acidente, nós teríamos nos acertado muito antes. Enquanto estive hospitalizado, percebi que precisava dar um novo rumo a minha vida para poder oferecer algo de concreto a ela. Foi uma inesperada bênção encontrá-la sob seu teto. Tanto que me fez pensar que o destino não a teria colocado duas vezes em meu caminho se não houvesse uma razão. Nós estamos pensando em nos casar logo. Esperamos contar com sua aprovação.
Nico inclinou a cabeça para o lado.
— Quem sou eu para questionar sua decisão quando mantive minha noiva cativa por um mês para poder cortejá-la?
Nico segurou a mão de Callie e beijou-a.
— O que acha que seu pai diria, querida?
— Para papai, nenhum homem servia para suas filhas. É claro que ele não conheceu nem você nem Riley. — Callie se levantou e deu a volta à mesa. — Bem-vindo à família, Riley. Eu não poderia estar mais feliz.
Foi a vez de Nico se levantar, apertar a mão de Riley e abraçá-lo.
— Se está precisando de alguém que faça o casamento, recomendo nosso amigo, o padre Luigi. Posso lhe garantir que os casamentos que ele faz, dão certo.
Nico e Callie sorriram um para o outro.
— Seria perfeito! — Callie abraçou os dois homens pelos ombros. — Foi o padre Luigi que casou Enzo e Maria também. E eu tenho certeza de que uma semana será suficiente para os preparativos.
Riley virou-se para Anna que permanecia à distância.
Depois que nos casarmos, o fogo extinguirá aos poucos. É o que sempre acontece...
De acordo com Riley, eles se divorciariam assim que a paixão terminasse. E pela fama de Riley, isso não demoraria a acontecer, pois ele mudava de uma mulher para outra com a maior facilidade.
— Quero o mesmo que você, querida. Podemos marcar a data para o próximo sábado?
Envolvida naquela incrível realidade, Anna se forçou a concordar.
— Isso lhe dá tempo suficiente para avisar seus convidados? — Anna se obrigou a perguntar de modo a salvar as aparências.
— Sim.
Essa pequena palavra teve o poder de acelerar o coração de Anna e de provocar um redemoinho em seus pensamentos. Não era um sonho. Riley Garrow seria seu marido em uma semana!
A semana passou célere em meio às correrias para o enlace. Callie se encarregou de administrar o acontecimento. Embora Anna afirmasse que não era necessário, Callie a convenceu a comprar algumas roupas novas para o enxoval. O vestido de noiva foi escolhido na quarta-feira..
— Eu juro que você não se casará como eu, Annabelle Lassiter, de jeans e um velho top. Este vestido de chiffon branco é um encanto e parece que foi feito sob medida para você.
Embora não quisesse admitir nem sequer a si mesma, Anna se viu forçada a concordar com a irmã. O modelo era realmente lindo sem ser tradicional. Curto, de gola alta e mangas longas. E a grinalda de flores de laranjeira colocada sobre os cabelos soltos lhe emprestaria um ar romântico e ao mesmo tempo moderno.
Callie sorriu enquanto esperavam que as compras fossem embrulhadas.
— Já pensou no presente de casamento que dará a Riley?
— Ainda não — Anna hesitou. Não podia esquecer as palavras que Riley lhe dissera sobre se casarem apenas para fazerem sexo sem culpa.
— Bem, como minha sogra se ofereceu para tomar conta de Anne o dia inteiro, podemos aproveitar e almoçar com Nico no escritório — Callie propôs. — Ele poderá nos dar uma boa sugestão.
Desde a manhã que Riley a forçara a concordar com o casamento, Anna não tornou a lhe falar. Segundo Nico, ele passava o dia inteiro nas pistas de teste da fábrica e só voltava para o barco tarde da noite.
Antes de dormir, Riley ligava para Anna pelo celular. Não tinham exatamente o que falar. Trocavam alguns monossílabos apenas.
Mas, como seria diferente entre ela e Callie, que sentiam necessidade de contato assíduo, Anna seguiu o conselho da irmã e também comprou um celular para que as duas pudessem se comunicar quando ela estivesse no barco.
A desculpa que Riley deu a Anna por sua ausência durante os dias que precediam o casamento foi a esperada. Ele estava ocupado com os testes na fábrica e com os preparativos. É claro que a principal justificativa foi a de não confiar em si mesmo na eventualidade de se encontrarem a sós.
Uma desculpa que não convenceu Anna. Porque ela conhecia a reputação de Riley o suficiente para ter certeza de que ele estava dando uma festa de despedida de solteiro a si mesmo de longa duração. Tanto que ela não ousou se aproximar do barco, naqueles dias, para não surpreendê-lo com outra.
Em poucos minutos, Anna chegou ao escritório de Nico, em Via Roma. Seu coração batia tão forte à perspectiva de encontrar Riley que ela mal conseguia respirar. E quase parou de respirar de vez quando soube, contrariando todas suas suposições, que Riley estava fora da cidade para tratar de assuntos de ordem pessoal, mas que voltaria no sábado a tempo para a cerimônia.
Durante o almoço, Nico sugeriu que Anna comprasse um relógio esporte de presente de casamento para Riley.
— Nada melhor do que algo esportivo para um profissional de corridas.
— Eu diria que Anna está cogitando lhe dar algo mais marcante, querido.
Nico olhou para Callie e sorriu.
— Muito bem. Vou pensar em algo. Quando chegar em casa, hoje, vocês saberão qual foi minha idéia. A propósito, devo chegar mais cedo do que de costume.
Fiel à palavra dita, Nico entrou na cozinha às quatro horas, onde Callie já começava a preparar o jantar e tentava convencer Anna a se mudar para a ala leste do palácio com Riley em vez de irem morar no barco.
— Pense antes de dizer não — Callie insistiu — Assim, nós ficaríamos completamente separados e à vontade e ao mesmo tempo juntos.
Em circunstâncias normais, Anna aceitaria a generosidade de sua irmã gêmea, mas seu casamento com Riley não seguiria os moldes tradicionais. Além disso, Riley era um homem orgulhoso. Ele não havia aceitado nem sequer o uso da moto da empresa, que fez questão de pagar a Nico pelo preço de mercado.
A personalidade forte e independente de Riley também ficou demonstrada quando ele informou a Anna que os dois não permaneceriam no barco por muito tempo.
Depois de dar um beijo em Callie, Nico colocou o braço ao redor do ombro de Anne.
— Encontrei o presente perfeito para você dar a Riley. Se quiser me acompanhar até lá fora, saberá a que me refiro.
Ao ouvir isso, Callie largou o que estava fazendo e seguiu o marido e a irmã para se deter e deixar escapar uma exclamação de surpresa e de admiração quando avistou a moto roxa ao lado da moto vermelha do marido. Era o último tipo criado por Nico, com assento mais baixo, especial para pessoas de baixa para média estatura. Sobre o assento, havia um capacete e luvas cor-de-rosa.
— Não estou entendendo — disse Anna.
— É sua — declarou Nico e piscou para a esposa. — Callie e eu teremos imenso prazer em ensiná-la a dirigir. Riley sabe quanto você detesta motos. Ele cairá de costas quando descobrir que você passou a encarar o assunto sob um novo ângulo e que estará pronta a acompanhá-lo em pequenos passeios.
Um frio no estômago fez Anna pestanejar e abraçar a si mesma.
— Não, Nico. Você está querendo demais de mim. Eu não serei capaz!
— Não aceitarei um não como resposta — Nico retrucou, sério como Anna nunca o vira antes. — Callie me contou que alguém que você conheceu no colégio sofreu um acidente de moto e morreu. Isso a traumatizou e eu entendo. Mas ela também me contou que se tratava de um jovem de dezesseis anos, sem carta, e sem capacete.
Nico parou por um instante e olhou para Anna com firmeza.
— Seu futuro marido é um profissional competente. Aos vinte e nove anos, ele sabe o que faz. Rocky Garrow foi, provavelmente, o melhor instrutor que um motociclista pode ter. Além de ter aprendido com ele, Riley herdou esse talento. O único acidente que Riley sofreu na vida aconteceu em um set de filmagem por causa de uma explosão que nada teve a ver com ele. Você deve a seu noivo e a si mesma ao menos o esforço de tentar. Não estou falando em levá-la para as ruas. Há milhares de pistas, no campo e nas montanhas, onde você poderá se divertir sem medo de colisões ou de velocidade.
— Callie me disse que vocês duas costumavam andar de bicicleta por toda parte quando eram meninas — Nico continuou. — Não há razão, portanto, que a impeça de dirigir uma moto com a mesma confiança depois de um pequeno aprendizado. Olhe para Callie. Ela é um exemplo perfeito de alguém que teve um aprendizado seguro. Ela dirigia apenas no campo. Só enfrentou as estradas quando se sentiu pronta.
Anna mordeu o lábio. Se Nico soubesse a verdade...
— Se você continuar detestando o esporte, depois que tentar, eu não insistirei mais. Mas não permita que um acontecimento de anos atrás, que envolveu um garoto sem nenhum bom senso, a afaste de uma experiência da qual poderá acabar gostando tanto quanto seu marido.
Ele não será meu marido por muito tempo, Nico.
Mesmo que não o perdesse por causa de um acidente, ela o perderia para outra mulher.
— Anna? — Nico chamou-a. — Você ouviu alguma coisa do que eu disse?
— Ouvi — Anna respondeu com um fio de voz.
— No mínimo, você será capaz de compreender melhor seu marido. O que é essencial para que um casamento dê certo.
Riley não me ama. Nosso casamento não tem como dar certo.
Anna respirou fundo. Era a segunda vez na vida que Nico lhe fazia um pedido. Na primeira, ele quis que Anna lhe mostrasse o local onde Callie poderia estar escondida para fugir dele, porque se recusava a casar por causa de uma conveniência política.
Bom e generoso como ele era com ela, como poderia lhe negar um pedido?
Callie estava excepcionalmente quieta. Anna não precisava olhar para a irmã para saber quanto lhe significava sua resposta.
— Por que escolheu uma moto roxa entre tantas cores?
— Porque vi Riley admirando-a um dia desses — Nico respondeu de forma a convencer Anna de uma vez por todas.
— Oh, está bem! — Anna concordou, cansada. — Mas se eu danificá-la, fique avisado que não terei como pagar pelo conserto.
Nico deu uma risadinha.
— Deixe isso comigo.
— Certo. O que tenho de fazer primeiro?
Nunca dois instrutores se mostraram tão ansiosos por ensinar.
Levou algum tempo até Anna se acostumar ao capacete. Depois, Nico a ensinou a ligar o motor e a acelerar. A parte mais difícil foi manter os pés no local apropriado. A tendência a esticar as pernas de modo a pôr os pés no chão caso ela começasse a cair foi dominante.
Não passou muito tempo e Anna já estava andando em círculos pelo pátio para que Nico e Callie a observassem. E ela estava gostando da experiência, embora não pretendesse falar a respeito ainda. Em comparação com o cunhado e a irmã, para não mencionar Riley, ela parecia um bebê dando os primeiros passos.
Estava escuro quando Anna finalmente parou a moto e tirou o capacete e as luvas.
— Estou cansada. Posso entrar agora?
Nico a tirou da moto e a fez rodopiar em seus braços.
— Muito bem, garota! Eu sabia que você conseguiria!
Céus! O que havia de tão especial a respeito de motos para homens como Nico e Riley entrarem em êxtase?
— Amanhã, iremos nós três para a pista de teste após o expediente. E eu a levarei na garupa para que se acostume e se sinta confortável quando sair com Riley.
Anna não se atreveu a contrariar o casal. Não quando a intenção era tão boa. Nico, ainda mais do que Callie, parecia um menino que acabava de encontrar seu brinquedo favorito sob a árvore de Natal.
Tarde da noite, Anna tomou uma ducha e se deitou, exausta. Todos seus músculos doíam de tensão. Ela estava massageando-os quando ouviu o telefone tocar. Seu coração quase parou à expectativa de falar com Riley.
— Alô?
— Anna? Tenho procurado você por toda parte. Por que não me avisou que pretendia viajar para fora do país?
— DL? Desculpe-me. Foi uma decisão repentina.
— Por sorte, eu tinha o telefone de sua irmã. Preciso lhe dar uma notícia incrível. Está sentada?
— Estou.
— Soube que pretendem fazer uma continuação do último filme de Cory Sievert. Ainda não é oficial, mas parece que você será chamada para estrelá-lo no prazo de duas semanas.
Anna se levantou de um salto. Na mesma data, Riley estaria participando de sua primeira corrida em Misano. Desde que ele surgira em cena, ela havia se esquecido por completo de sua própria carreira.
— Não vai dizer nada? Dessa vez, sua projeção será ainda maior!
— Não sei o que responder, DL, francamente.
— Ei, não aconteceu nada de errado com você, aconteceu? — O homem começou a dar sinais de inquietação.
— Eu estava dormindo. Ainda estou meio zonza. E claro que a notícia é maravilhosa.
Era a notícia pela qual ela esperara toda sua vida. Era a oportunidade de ela se projetar como estrela de cinema de modo definitivo. No entanto, agora que o sonho estava prestes a se concretizar, a idéia de se afastar de Riley era insuportável.
Deus, ela estava apaixonada por Riley! O que não podia acontecer, estava acontecendo!
— Anna?
— Sim?
— Quanto tempo mais você pretende ficar por aí?
— Ainda não sei.
— É bom começar a pensar em fazer as malas.
— Você me avisa quando o comunicado for oficial?
Fez-se uma longa pausa.
— O que houve com a mulher que ligava todas as manhãs para meu escritório para saber se eu tinha alguma novidade?
Aquela mulher havia mudado tanto que parecia outra.
— A situação está meio complicada por aqui.
Faltou coragem a Anna para contar a DL sobre seu casamento a se realizar em poucos dias. DL não era do tipo que guardava um segredo. E a última coisa que ela queria era que seus amigos e colegas soubessem que estava prestes a se tornar a sra. dom-juan. Porque antes que a notícia os alcançasse, ela já seria, provavelmente, a ex-sra. dom-juan.
— Você mudou.
— Sinto muito.
Não era a primeira vez que DL afirmava que ela havia mudado, nem que batia o telefone em despedida. Anna devolveu o fone ao gancho e tornou a se deitar. Deveria ter sido sincera e contado a seu empresário, de uma vez por todas, que ela havia decidido abandonar o cinema. Mas suas forças davam para enfrentar apenas uma crise de cada vez. Porque DL se recusaria a acreditar e certamente ficaria apoplético quando ouvisse a má notícia.
Ela não se importava. Seus pensamentos estavam voltados para Riley naquele momento. Onde ele estaria? E com quem?
O telefone tornou a tocar. DL, certamente. Agora para criticá-la e dar expansão à raiva que deveria ter escapado ao controle. Nesse caso, ela não via alternativa exceto dizer toda a verdade de modo a colocar um ponto final nas expectativas.
— DL?
— Não. É Riley.
Ela precisou de alguns segundos para controlar a respiração.
— Onde você está?
— Em Imola.
Anna agarrou o telefone como se fosse parti-lo ao meio.
— Não é o local onde você irá correr no final do mês?
— Sim. Como será minha primeira participação no circuito, fui instruído para efetuar o registro e me submeter aos testes de qualificação.
— Nunca ouvi dizer isso.
— Trata-se de uma formalidade inicial que não se repetirá no futuro. Agora fale-me de você. Como foi a conversa com seu empresário? Chamou-a para algum novo filme?
— Exatamente — Anna admitiu.
— Espero que tenha lhe dito que não estará disponível a partir de agora.
A arrogância de Riley foi a última gota.
— Eu ainda não me decidi.
— Então, pense e decida. Porque se resolver voltar para o cinema, não haverá mais casamento. Aliás, foi Nico quem atendeu e lhe passou a ligação. Como ele está acordado, não correrei o risco de perturbar seu sono.
— Não se atreva a incomodar Nico, Riley! — Anna ordenou, imediatamente segura do que deveria responder. — Não tenho planos de voltar para o cinema. Apenas não quis discutir o assunto com DL esta noite.
— Por que não?
— Porque Cory Sievert está pensando em realizar uma seqüência de seu último filme e, talvez, eu tenha de estrelá-lo por força de contrato. DL ficou de verificar os termos. Na verdade, eu não me lembro dessa cláusula.
— Não se preocupe com o que rege o contrato.
— Como não? Não quero dispor de tudo que ganhei com meu último filme para pagar a multa!
— A partir de sábado, você será minha esposa. Qualquer problema financeiro que tiver, será meu problema.
— Você está falando como se fosse meu pai.
— Isso é bom ou mau?
Anna hesitou, arrependida de seu protesto.
— Ele era o tipo de homem que vivia o papel de protetor e de provedor. Fez com que eu me sentisse tão segura em meu mundo que desmoronei quando tive de encarar o mundo lá fora, após sua morte.
— Daí sua ambição de abraçar uma carreira que lhe desse segurança financeira.
— Minha mãe enfrentou sérias dificuldades, Riley.
— Eu não duvido, mas há uma série de outras ocupações que poderão preencher seus requisitos sem que você precise deixar o país por semanas ou meses a fio.
— E você? — Anna retrucou — As corridas o obrigarão a viajar de continente para continente em base mensal.
— Estou contando que você me acompanhe nas viagens. É para ficarmos sempre juntos que estamos nos casando.
Sim, Riley. Mas isso vale apenas para os casamentos por amor.
— Você parece cansada, querida. Vou desligar para que possa dormir. A próxima vez que nos virmos, será na igreja. Não ouso chegar perto de você antes. — A voz de Riley tornou-se um sussurro. — Se estivéssemos juntos agora, eu lhe faria amor com tanta paixão que não conseguiríamos pensar em mais nada, em mais ninguém, a não ser um no outro. Você é minha fantasia desde que fui obrigado a permanecer, dia após dia, naquele hospital. A vontade de vê-la e de tê-la em meus braços se transformou em necessidade. Você está me ouvindo?
Duas lágrimas estavam deslizando pelas faces de Anna.
— Sim — ela murmurou. Era terrível ouvir o homem amado dizer palavras que exprimiam apenas necessidade física, sem nenhuma menção ao amor.
O táxi parou diante do palácio onde o príncipe Enzo vivia com sua família e com os pais. Dois guardas que cuidavam da segurança à entrada lateral privativa se prontificaram a ajudar Riley e Mitra descerem do veículo.
Ela estava elegante, com um vestido preto comprado especialmente para a ocasião, e adornada com colares, brincos, pulseiras e anéis dourados, como uma típica cigana.
— Dê-me sua mão — Mitra pediu antes de entrarem no palácio.
Eles estavam vindo do barco onde outros membros da família de Mitra se preparavam para a festa do casamento. Riley sorriu. O pedido demorara, mas não falhara.
Mas em vez de ler a palma da mão, Mitra lhe entregou um objeto quente e metálico.
— Um baro manursh deu para mim quando eu era pequena.
Baro manursh significava um grande homem. Riley se perguntou onde essa história o levaria.
— Todos os ciganos o reconheceram como o homem que estava destinado a se casar comigo. Mas ele adoeceu e não houve tempo para nos unirmos. Apenas para ele me contar seus segredos.
Era a primeira vez que Riley ouvia Mitra lhe fazer uma confidencia de amor.
— O dinheiro que ele me deixou foi suficiente para eu não ter de trabalhar para meu sustento, segundo minha família me contou. Mas eu também tinha um segredo. Nas folhas do chá, vi uma criança perdida vagando em meio a um acampamento. Também vi palhaços e balões de gás. Era o filho que eu e o homem que deveria ser meu marido não poderíamos ter. Assim, para poder me aproximar da criança, eu me juntei ao circo.
Um nó se formou na garganta de Riley.
— Um dia, ouvi um choro e encontrei um lindo garotinho perdido, segurando um balão de gás. Cuidei dele como se fosse meu até que, mais tarde, quando ele cresceu, eu o mandei para longe, para que ficasse com minha família e pudesse estudar. O que não teria sido possível se ele continuasse no circo.
Mitra suspirou.
— Eu gostaria de ter ido com você, meu filho, mas tive medo que seu pai me acusasse de roubá-lo e o tirasse de mim, muito antes do que fez.
Agora Riley estava entendendo tudo.
— Seu pai e eu tivemos muitas brigas, mas lá no fundo — Mitra bateu no peito —, ele sabia que eu estava certa. O pobre era doente por causa da bebida, mas sempre amou você. Sabe por que eu tenho essa certeza? Porque ele poderia tê-lo dado para adoção.
Cada vez que o pai de Riley ficava sem dinheiro, afogava as mágoas na bebida e ameaçava fazer exatamente isso com o filho. E Riley só percebeu que não corria esse risco, depois que se tornou quase adulto.
— Hoje você me faz sentir orgulho por estar dando o passo que o tornará um baro manursh. Você conquistou o direito de dar isto a sua noiva.
Antes de olhar e descobrir o que era aquele importante presente, Riley fez o que vinha sentindo vontade de fazer havia anos. Ele deu um beijo em cada face de Mitra e abraçou-a com força.
— Eu te amo, Mitra. Minha noiva não terá condições de compreender a importância do significado desta aliança. Não esta noite ao menos. Mas eu lhe prometo que um dia ela a usará com grande honra e orgulho.
Só depois que colocou Mitra novamente no chão, Riley examinou a aliança de ouro com o desenho de uma flor silvestre.
— Quero que se sente a meu lado durante a cerimônia, no lugar que normalmente é ocupado pelos pais do noivo.
— Por que tenho de me sentar? — Mitra estranhou.
— Pode permanecer de pé, se preferir — Riley respondeu. — Apenas pensei que você poderia se cansar.
— Ficarei de pé — Mitra decidiu. — Podemos ir agora? Estou curiosa para saber se a mulher que escolheu é digna de meu filho gajão.
Riley sorriu.
— Como poderá saber?
— Existem maneiras. Existem maneiras — Mitra repetiu.
Uma rápida consulta ao relógio de pulso mostrou a Riley que eles estavam atrasados. A cerimônia estava marcada para às onze horas e faltavam apenas cinco minutos.
Riley já havia estado antes no palácio do príncipe Enzo para conversar em particular com o padre. Como era a primeira vez para Mitra, ele esperou, pacientemente, que ela admirasse a opulência da galeria espelhada, com todas as molduras em material dourado e o piso em mármore branco.
Na capela, a família Tescotti estava reunida em volta do padre Luigi, com exceção de Nico e de Anna. A noiva e o padrinho só iriam entrar quando o organista começasse a tocar a Marcha Nupcial.
As expressões aliviadas se voltaram para Riley e para a estranha mulher que o seguia rumo ao altar.
— Amigos? Esta é Mitra, a mulher que me criou desde a idade de dois anos até eu completar dezessete: É a única mãe que conheci. Eu a convidei para ficar a meu lado neste dia.
Os olhos de todas as mulheres ficaram marejados, mas foram os olhos verdes de Callie que realmente chamaram a atenção de Riley. Ele havia se acostumado a vê-la apenas de branco. Para o casamento, ela estava usando um vestido de renda na cor marfim com uma flor amarela e seus cabelos estavam soltos. Deus, como ela parecia com Anna, a mulher de seus sonhos que, em poucos minutos, se tornariam realidade.
O padre sorriu para Mitra.
— Sentimo-nos honrados com sua presença neste momento sagrado. Se os senhores puderem se colocar a minha esquerda, daremos início à cerimônia.
Os acordes da música nupcial ecoaram pelo ambiente. Do outro lado da porta, Anna tremia de medo e de apreensão.
Riley estava se casando com ela pelo motivo errado. Não era assim que um casamento devia acontecer. Ela só estava concordando com aquela loucura porque seria incapaz de magoar Nico.
— Fico contente que você esteja se casando com um vestido de noiva e que esteja se dirigindo ao altar por sua livre e espontânea vontade. Sua irmã se casou comigo de jeans, como você sabe, e eu a levei para o altar, carregando-a em meu ombro.
— Sinto que você não a tenha visto de noiva — Anna cochichou —, mas sei de algo que você desconhece.
— O quê? — Nico se apressou a perguntar.
— Ela finalmente me confessou que na noite em que fugiu com sua moto e ficou sem combustível, poderia tê-la escondido e desaparecido no bosque sem deixar pistas. Mas, ela já estava apaixonada por você e queria ser encontrada.
O sorriso de Nico não poderia traduzir maior felicidade. Ele a abraçou com força.
— Obrigado pelo presente tardio. Fico lhe devendo um.
— Não ouse contar a Callie o que eu disse.
— Juro que sua irmã jamais saberá que você me contou seu segredo. De qualquer modo, você me deu uma idéia de como será nosso primeiro aniversário de casamento, na próxima segunda-feira. Vou providenciar uma cabana isolada do mundo, só para nós dois. Mas chega de falar sobre mim e Callie. Este é seu dia e de Riley. Já fizemos seu futuro marido esperar demais.
Nico colocou a mão de Anna na curva de seu braço e fez sinal para os guardas abrirem a porta da capela.
Ao dar o primeiro passo, Anna olhou para Riley e ele para ela. Riley estava maravilhoso, de terno cinza-claro e uma flor amarela na lapela, igual a usada por Nico.
Diante do altar, Riley a puxou ao seu encontro e Nico se reuniu a Callie. Riley não parava de fitá-la. Desde a grinalda de flores até os sapatos brancos.
Foi com esforço que Anna conseguiu olhar para os lados e descobrir um par de olhos escuros que a examinavam com intensidade.
Ela era cigana, a julgar pelo lenço roxo que lhe cobria a cabeça e pelas jóias que a adornavam. Seus traços a fizeram lembrar do menino Boiko. Ela deveria estar entre os setenta e os oitenta anos. Era impossível precisar.
— Oremos.
A voz do padre trouxe Anna de volta à realidade. Aquele era seu casamento, afinal. Mas, ainda assim, a presença da cigana, a mulher que representava um papel tão importante na vida de Riley, continuava atraindo-a.
A cerimônia foi conduzida em italiano e em latim. Para surpresa de Anna, Riley fez os votos de amor e de fidelidade na mesma língua que havia usado para falar com Boiko, antes de se dirigir a ela em inglês.
A parte final foi tão diferente dos casamentos tradicionais e tão emocionante que Anna prendeu a respiração.
— Com esta aliança, nossas almas se fundem em uma só mente, um só coração, e um só ventre.
O padre fez um sinal para indicar a vez de Anna fazer as juras. E ela repetiu as mesmas palavras proferidas por Riley.
Anna percebeu uma estranha rigidez em Riley naquele momento. Também notou que ele olhou para a cigana e que ela assentiu com um gesto de cabeça.
Por fim, o padre os declarou casados, virou-se para Riley e cumprimentou-o com um aperto de mão.
Anna não cabia em si de espanto. A tradição não mandava que o padre dissesse que o casal poderia se beijar? Não era incrível que após dar os parabéns ao noivo, ele apenas olhasse para ela e afirmasse que teria muito prazer em batizar seus filhos?
— Nós não teremos filhos, padre — Anna respondeu, perturbada.
— Isso será apenas uma questão de tempo, minha filha — o padre respondeu, para diversão de Riley e de todos que ouviram.
Outro fato que surpreendeu Anna foi a pressa com que Riley quis sair da igreja. Em vez de descerem do altar, passo a passo, em direção à saída, ele a enlaçou pela cintura e apressou-a.
Quatro limusines aguardavam os noivos e parentes. Riley e Anna subiram na primeira.
Mal Anna se acomodou no banco, Riley a puxou e a fez sentar em seu colo.
— O que está fazendo? — Anna protestou, incapaz de se mover.
— Vou lhe dar o beijo pelo qual está esperando.
— Aqui? Diante de todos?
— Será melhor aqui do que na igreja, onde seríamos obrigados a nos controlar. E eu sei muito bem o que acontece quando você está em meus braços.
— Você é terrível!
— Eu sei.
Fazia uma semana que Riley não a beijava e o prazer foi tanto que ela deixou escapar um gemido. Mas, do prazer à dor, foi apenas um instante porque Anna se lembrou do motivo que levara Riley ao casamento.
Os beijos cessaram somente quando a limusine parou diante do palácio.
Não houve tempo para Anna se recompor. Os jornalistas e fotógrafos disparavam suas câmeras sem trégua. Sem saber como se portar, Anna escondeu o rosto no ombro de Riley.
Nico estava certo ao se esquivar, sempre que possível, do assédio da imprensa. Esse era um dos grandes inconvenientes de ter sangue azul, ele dizia. No caso de Anna, de estar ligada à família real pelos laços com a irmã. Algo de que Anna havia se esquecido por completo naquele dia.
— Minha grinalda... onde está? — ela olhou, aflita, para o banco.
— Aqui — Riley sussurrou e ajeitou-a sobre os cabelos dourados. — Eu já lhe disse que você estava tão linda ao entrar na capela que minhas pernas tremeram?
— Não.
— Não fique aborrecida por eu não tê-la beijado diante do padre. Depois eu lhe explico a razão.
— Eu não fiquei aborrecida! — Anna respondeu, mal-humorada.
Riley beijou-a de leve na boca e depois cochichou em seu ouvido.
— Vou lhe contar agora mesmo. Nos casamentos ciganos, o homem não demonstra a paixão que sente pela noiva. Ele precisa saber esperar pelo momento certo. — Riley sorriu. — Por deferência a Mitra, eu tive de esperar até entrarmos no carro.
Mais apaixonada por Riley cada minuto que passava, ela olhou nos olhos dele.
— O que Mitra representa em sua vida?
— Depois de você, ela é a mulher que mais prezo. Foi Mitra e seus familiares que prepararam nossa festa. Creio que todos já devam estar a bordo. Venha comigo e eu farei as apresentações.
Embora tivessem colocado uma escada no ancoradouro para facilitar o acesso ao barco, Riley chamou Nico para que providenciasse uma prancha.
— Quero carregar minha noiva nos braços como antigamente.
Anna sentiu que corava, mas não teve coragem para protestar. Afinal, ninguém sabia que seu casamento não era de verdade.
E Riley parecia fazer questão de dar demonstrações de sua paixão.
— Preciso de um beijo antes de dar o próximo passo — ele disse, ao alcançarem o meio da prancha.
— Você escolhe cada momento impróprio! — Anna não sabia se sorria ou se protestava.
— Vá se acostumando, Sra. Garrow.
Sra. Garrow. Ela ainda não estava acreditando.
Os lábios de Riley se apossaram dos de Anna com força e suavidade ao mesmo tempo. Ele parecia estar lembrando-a de que agora pertenciam um ao outro. E ela não conseguia resistir quando Riley a tratava daquele modo.
Ele a colocou no chão somente depois de entrarem na cabine onde os convidados os aguardavam. Pela mão, conduziu-a até Mitra, em primeiro lugar.
As duas mulheres se fitaram. Anna constatou que a cigana deveria ter sido linda quando jovem.
— Anna, esta é Mitra. Ela entende nosso idioma muito melhor do que parece. Não conheci minha mãe natural, mas ela não poderia ter sido mais minha mãe do que Mitra. Desde os dois anos até meu pai me levar para a Rússia, ela cuidou de mim como se fosse seu filho. Não creio que tivesse sobrevivido sem sua proteção.
Ao ouvir essas palavras, o coração de Anna se enterneceu.
— Obrigada por ter amado Riley. Estou feliz e honrada em conhecê-la — Anna falou no ouvido de Mitra para que ninguém escutasse.
Mitra segurou o rosto de Anna e olhou em seus olhos.
— Riley testará seu amor de muitas formas. Esteja preparada.
Que advertência estranha! Soava como uma profecia! Sem entender o que a cigana estava querendo dizer, Anna sentiu um arrepio lhe percorrer a espinha.
Como se pressentisse que algo estava se passando, sem seu conhecimento, Riley a puxou de volta.
— O que vocês duas estão cochichando?
— Que você é um desafio! — Anna disse a primeira coisa que lhe veio à mente.
Riley deveria ter acreditado pois riu, alegre, e continuou com as apresentações.
Mitra havia trazido consigo dois primos e uma prima, que se encarregaram da preparação da comida que seria servida estilo bufê.
Anna nunca vira um banquete igual. Havia assados de carne bovina, frangos e faisões, batatas fritas, charutinhos de repolho, melão em fatias e um bolo de frutas embebido em conhaque, simplesmente irresistível.
No primeiro momento que ficaram a sós, depois de Riley se afastar para uma conversa com Nico e com Enzo, e Maria acompanhar os sogros que estavam voltando ao palácio, Callie piscou para Anna.
Como está se sentindo à idéia de que ficará sozinha com seu marido em instantes?
— Um pouco nervosa.
Seria a primeira experiência de Anna com um homem e Callie sabia disso.
— É natural, mas não tenha medo. Riley é parecido com Nico. Ele saberá como acalmá-la. Dá para ler nos olhos dele seu amor por você.
Por um triz, Anna não se abriu com a irmã. O que a segurou foi a certeza de que Callie não conseguiria guardar o segredo e Nico não podia saber a verdade.
— Sinto que algo está errado — Callie murmurou, de repente. — Anna precisou olhar para o outro lado para ganhar tempo. — O que está acontecendo, Anna? — Callie insistiu. — O que Mitra lhe disse?
— Ela me desejou felicidades.
— Se isso é verdade, por que você ficou estranha depois de ser apresentada a ela?
— Impressão sua.
— Pare de fingir e me conte!
— Oh, está bem.! Ela me alertou sobre Riley ter um temperamento difícil de vez em quando.
Não era exatamente o que Mitra havia dito, mas...
Callie sorriu.
— Ela falou como falam todas as mães, não é?
Anna concordou, mas no íntimo estava triste. Porque o que Mitra lhe dissera era apenas a ponta do iceberg. A cigana não tinha como saber que o casamento de seu filho gajão fora uma farsa.
— Não olhe agora, mas Nico está fazendo sinais para mim para irmos embora. Nós dois sabemos que Riley mal pode esperar para ficar a sós com sua noiva. Vocês têm hoje e amanhã para esquecerem o mundo e se entregarem um ao outro. — As irmãs se abraçaram. — Estou tão feliz por você que não pode imaginar! Quando se lembrar de voltar à Terra, ligue para mim, está bem?
— Combinado.
As duas caminharam, de braço dado, até o deque, a tempo de verem Mitra e seus primos subirem em uma limusine e Enzo e Maria em outra.
Callie soltou o braço de Anna e se encaminhou para o marido. Nesse momento, Anna começou a entrar em pânico. Não estava pronta ainda para ficar a sós com Riley. Uma lua-de-mel era o que ela menos queria..
— Que acha de trocarmos de roupa e darmos um passeio? — Nico propôs.
— Eu adoraria. — A irmã se colocou na ponta dos pés e beijou o marido.
Um passeio!
Era isso!
Nico não havia sugerido que o melhor presente de casamento que ela poderia dar a Riley seria aprender a andar de moto? Por que não entregar o presente no mesmo dia?
Se Riley estivesse apaixonado por ela, nada no mundo os impediria de se amarem milhares de vezes. Mas Riley não a amava. E o quanto mais depressa ele a possuísse, mais depressa se cansaria dela.
A idéia lhe era insuportável.
E se ela conseguisse adiar a consumação do casamento até que os dois se conhecessem melhor? Seria capaz de qualquer coisa para adiar a separação.
Nico e Callie acenaram em despedida e, com eles, se foi a última limusine.
— Deus, pensei que este momento nunca fosse chegar. — Riley olhou nos olhos de Anna e depois para seus cabelos e lábios. — Você tem os olhos, os cabelos e os lábios mais perfeitos que já vi. Se desejar uma mulher é pecado, eu sou um pecador. Desejo-a demais, Anna.
Riley começou a beijá-la. Beijos lentos e sensuais que a fizeram derreter. Sem parar de beijá-la, ele a ergueu nos braços e a carregou para o quarto.
O mundo estava girando. E ao se deitar por cima dela, Riley estava lhe mostrando um outro mundo que ela não sabia existir. A intensidade de seu desejo por ele a invadia como ondas.
Isso precisava parar antes que fosse tarde demais e ela perdesse não apenas a cabeça, mas sua identidade, seu coração e sua alma.
— Riley...
— O que foi, meu bem? — Riley fitou-a com olhos febris. — Estou indo muito depressa?
— Não se trata disso — ela mentiu. — Eu gostaria de lhe dar meu presente de casamento, primeiro. Ele beijou-a no pescoço.
— Você é o maior presente que eu poderia receber.
Receosa de que houvesse esperado demais para fazer a sugestão, Anna apelou para a curiosidade.
— Não diria isso se soubesse o que é.
Ela percebeu que Riley se esforçava por conter a excitação. Na certa, estava cogitando que ela queria ser deixada sozinha para vestir uma camisola preta de renda. Não poderia estar mais enganado!
— Não vou demorar — Anna prometeu e tentou se afastar, mas Riley a puxou de volta e beijou-a até lhe tirar o fôlego.
— Contarei até dez.
Ana já havia enviado para o barco toda sua roupa. Vestiu um jeans e um suéter verde e calçou tênis. Por último, apanhou o controle remoto que abria o escritório de Nico e colocou-o no bolso.
Quando saiu do banheiro, viu Riley de pé, ao lado da cama, amarrando na cintura o cinto do robe azul-escuro. Ele ficou tão perplexo ao vê-la com aquela roupa que ela não pôde evitar um sorriso.
— Oh, eu deveria ter avisado. Seu presente não está aqui. Você precisa colocar uma roupa para sairmos.
Riley passou a mãos pelos cabelos em um gesto de extrema frustração.
— De que jeito pretende ir aonde planeja me levar? O único meio de transporte disponível agora é minha moto.
— Eu sei. Como não contamos com um carro, acho que você terá de me levar na garupa.
O choque o fez estreitar os olhos.
— O que está havendo, Anna?
— Nada — ela respondeu, com fingida inocência. — Esqueça.
Ele suspirou.
— Se é tão importante para você, nós iremos. Mas você tem horror a motos. Por que não chama um táxi enquanto eu me visto?
Se fosse sincera consigo mesma, Anna admitiria que Riley estava sendo um exemplo de paciência e candura. Nas mesmas circunstâncias, ela não sabia se conseguiria imitá-lo. Após cinco horas casados, Riley já havia dado provas de que era capaz de colocar as necessidades dela na frente das dele. Isso a deixou pensativa por um momento.
— Ficarei esperando no embarcadouro.
— Ok. Estarei com você em dez minutos.
Fiel a sua palavra, Riley se apresentou no tempo marcado, de jeans e suéter azul-marinho, bonito como sempre.
— O táxi ainda não chegou?
— Decidi não chamá-lo. Afinal, você tem sua moto à disposição. Se me prometer ir devagar, irei com você.
Mais uma vez, Anna sentiu vontade de rir. Riley a encarava como se fosse um ser de outro mundo.
— Não precisa fazer esse sacrifício, Anna. Motos são meu meio de vida. Não espero que minha esposa compartilhe desse interesse. Entendo que tenha medo.
— Eu agradeço por sua compreensão, mas gostaria de poder, ao menos, andar de moto junto com você. E se, por azar, surgir uma emergência e não dispormos de outro meio de locomoção?
Riley apoiou as mãos nos quadris.
— Eu pretendia lhe comprar um carro, na semana que vem, de presente de casamento. Agora, você estragou minha surpresa.
— Desculpe, eu não pretendia fazer isso — ela murmurou. — Mas queria muito, realmente, lhe dar meu presente agora.
— É tão bom assim? — ele indagou, mais descontraído por fim. — A ponto de você encarar uma volta de moto?
— Estou casada com um ás desse esporte, não estou? — Anna provocou-o. — O que as pessoas diriam, se soubessem que a Sra. Riley Garrow nunca subiu em uma moto?
Os olhos de Riley se encheram de admiração.
— Dê-me um minuto que eu irei buscá-la.
Riley voltou, de capacete e jaqueta de couro.
— Terá de se acostumar com isto. — Ele preveniu-a.
— E você?
— A menos que o famoso presente esteja na Suíça, não haverá problemas.
Anna deu uma risadinha.
— Não está tão longe. Eu o escondi em um lugar que você não pensaria em procurar.
Riley roubou-lhe inesperadamente um beijo.
— Onde?
— No escritório de Nico.
Ele balançou a cabeça.
— Sinto lembrá-la, mas a fábrica está fechada.
— Tudo bem. Callie me emprestou o controle remoto.
Riley tirou a jaqueta e ajudou Anna a vesti-la. O calor do corpo dele a envolveu, mas foi o toque das mãos em seus cabelos, antes de lhe colocar o capacete que provocou uma sensação erótica.
— Como está se sentindo? — Riley perguntou.
— Confinada.
As mãos fortes e másculas repousaram, por um instante, nos ombros de Anna.
— Se você sentir qualquer desconforto, promete me dizer?
Riley estava apreensivo. Quando poderia imaginar que ele se importava tanto assim com ela?
— A fábrica não fica longe daqui.
— Assim que eu subir, suba atrás de mim e apoie os pés nos estribos. Em seguida, abrace-me pela cintura e entrelace seus dedos de forma que fiquem bem firmes.
— Certo.
— Como está se sentindo? — Riley quis saber antes de saírem.
Ela estava abraçada às costas dele. Não poderia estar se sentindo melhor.
— Bem.
— Ainda é tempo de mudar de idéia.
— Não mudarei.
— Juro que não correrá nenhum perigo comigo. — A voz de Riley soou emocionada. — Você é uma mulher de coragem, Anna.
Esse simples elogio compensou Anna pelo esforço de combater sua aversão à motos. Porque para um homem como Riley, coragem era uma qualidade superior à beleza.
A partida foi suave, como se eles estivessem deslizando sobre o asfalto. Depois, quando foi necessário se misturarem ao tráfego, ele se manteve sempre do lado direito.
— Você não demonstrou medo nem sequer uma vez — Riley observou, admirado, quando chegaram à fábrica.
— Estou sendo guiada por Riley Garrow, esqueceu? — Anna brincou.
Ele a abraçou com força.
— Estou orgulhoso de você.
Anna o levou para o interior da fábrica e pediu que aguardasse. Riley concordou, curioso. Ela mal cabia em si de excitação. A jaqueta, a calça e as luvas coloridas, presenteadas por Nico, estavam na prateleira, atrás da moto. De acordo com Nico, cores fortes reduziam o risco de acidentes porque as pessoas enxergavam as motos e os motoqueiros à distância.
— Anna?
A impaciência de Riley incentivou-a ainda mais.
— Então, gostou do presente?
Nico fitou-a, entre o prazer e a incredulidade.
— Minha querida, estou emocionado com seu empenho em me agradar, mas eu acabo de comprar uma moto nova...
Anna sorriu.
— Isto não é tudo.
— Eu não preciso de mais nada. Só de você.
— Juro que você irá gostar. — Anna desapareceu novamente. Quando voltou, estava com a jaqueta, a calça e as luvas, e desfilou diante de Riley como se fosse uma modelo.
— Senhoras e senhores, este traje foi criado com exclusividade para a esposa do Sr. Riley Garrow, a mais recente sensação no mundo do esporte. Segundo o Sr. Tescotti, o Sr. Garrow é a arma secreta em nosso arsenal. Em homenagem a nosso astro, a Sra. Garrow estará exibindo as cores favoritas dele.
Satisfeita com sua performance, Anna subiu na moto.
— Vamos dar uma volta, Sr. Garrow?
Riley não se moveu. Ele parecia, aliás, ter se transformado em uma estátua.
— Daria para você abrir a porta, por favor?
Como um autômato, Riley fez o que Anna pedia. Em seguida, apanhou o próprio capacete e a jaqueta.
— Há quanto tempo você dirige?
— Três dias. Vamos ver quem chega primeiro em casa?
— Você não pode estar falando sério!
Anna começou a rir e não conseguiu mais parar. Sentia-se confiante para desafiá-lo. Acelerou e se afastou. Acompanhou a perseguição de Riley pelo espelho retrovisor.
Quase não havia trânsito naquela tarde de sábado e ela aproveitou para acelerar. De repente, estava entendendo a paixão a que os adeptos do esporte se entregavam. Era pura adrenalina! Motos cobriam as distâncias em metade do tempo. Além disso, o peso se tornava relativo e a sensação era de ter adquirido asas.
Riley havia descido do barco com a moto. Ela quis subir pela prancha da mesma maneira. Não contava, porém, que tivesse de diminuir a velocidade quase por completo para efetuar a manobra.
No momento de brecar, a moto derrapou. Anna não teve tempo nem sequer de tentar controlá-la antes que ambas caíssem no rio.
— Você está bem? — Riley gritou ao mesmo tempo que a ajudava a levantar e lhe tirava o capacete.
— Acho que sim — Anna respondeu assim que a tosse parou por ela ter engasgado com a água. — E a moto? Será que quebrou?
— Esqueça a moto. — Riley a tocou, preocupado, para se certificar de que não havia nenhum ferimento. — O que deu em você para tentar essa façanha?
Anna não imaginava que seu tombo fosse afetá-lo tanto. Riley estava pálido e tremia.
— Eu queria lhe mostrar que aprendi a andar de moto como Callie.
Riley encostou a testa nos cabelos de Anna.
— Nunca mais faça isso.
— Não aconteceu nada, Riley. Se quer saber a verdade, a única coisa que me incomoda é a sensação de ter feito uma tolice.
— Realmente você fez — ele concordou, mas seu tom de voz já não era ansioso.
— Agora que o susto passou, você acha que poderia dar uma olhada em minha moto?
— Antes, precisamos trocar essas roupas molhadas.
Oh, não! Ela havia inventado essa brincadeira justamente para não ficarem sozinhos no barco.
— Um pouco de água não mata ninguém. — No mesmo instante, Anna se inclinou para levantar a moto. A profundidade, afinal, não era tão grande. Pouco mais de meio metro.
Em meio a resmungos, Riley tirou a moto da água.
— O espelho retrovisor está quebrado.
— Se foi apenas isso que você encontrou de errado, dou-me por feliz.
— Da próxima vez, você poderá não escapar ilesa. Quanto a estar feliz, espere até amanhã para dizer. Porque as dores sempre aumentam no dia seguinte.
— Prometo praticar bastante até atingir a perfeição.
— Que diabo, Anna! Você ficou ousada demais!
Anna sorriu e beijou-o na ponta do nariz.
— Obrigada por me salvar. Eu me casei com um herói autêntico.
Riley estava certo a respeito das dores. Elas não surgiam na hora. Quando tomou banho e foi vestir a camisola, Anna teve dificuldade para fazê-la passar pelo braço direito. O mesmo aconteceu com a perna direita quando ela foi colocar a calcinha. Se não fosse por Nico que frisara inúmeras vezes a importância de usar roupas de proteção, ela poderia ter se machucado muito mais. Inclusive, ter se cortado nas pedras do fundo do rio.
Dava para ouvir os passos de Riley pelo barco. Ele deveria estar tomando as providências para a noite.
Não fosse pelo acidente, eles poderiam estar nas montanhas, em uma charmosa cabana, encomendando um delicioso jantar. No entanto, por causa de seu pequeno jogo, ela havia ido parar justamente no lugar que queria evitar: a cama.
— Aqueci um prato de sopa para você — ele disse. — Consegue se sentar ou precisa de ajuda?
Ele acabava de lhe dar a desculpa perfeita.
— Eu não sei.
Riley acendeu o abajur e se sentou ao lado de Anna na beirada da cama. Ela puxou o lençol até os olhos.
— Você já me perdoou?
Na penumbra, Riley parecia mais velho. Mas ainda assim, o homem mais bonito que ela já conhecera.
— Por pouco não morri do coração hoje. Três dias de aula não são suficientes, Anna, para tentar demonstrações que ultrapassem o básico. Mesmo que o professor seja um profissional com a capacidade de Nico.
— Não tornará a acontecer, Riley. Eu queria apenas...
— Já sei — ele a interrompeu. — Você queria apenas me deixar feliz.
— Você ficou? — O olhar de Riley a fez pensar que não. Ao menos uma vez, desde que ela o conhecera, Nico não havia acertado. — Entendo que alguns homens prefiram separar atividades de homens de atividades de mulheres. Se a idéia de andar de moto comigo o incomoda, basta me dizer.
— Você sabe que não é o caso.
— Então, qual é?
— Não quero que você faça algo só para me agradar.
— O que há de errado em eu querer agradá-lo? — Anna pestanejou, surpresa com a resposta.
Riley afastou uma mecha de cabelos que havia caído na testa de Anna.
— Você sempre competiu com sua irmã?
Anna enrijeceu.
— E isso que você está pensando? Pois fique sabendo, Sr. Homem Foguete, que a idéia de eu aprender a andar de moto foi de Nico. Foi essa a sugestão que ele me deu quando eu lhe perguntei o que poderia dar a você de presente de casamento. Se não acredita, pergunte a ele. Quanto a eu querer me tornar uma motoqueira tão boa quanto Callie, sei que isso levará anos. Oh, e eu sei, acima de tudo, que se não tivesse me casado com você, essa idéia jamais me ocorreria.
A medida que falava, Anna começou a se inflamar.
— Foi você que me coagiu a este casamento. E foi Nico que inventou mil maneiras para me forçar a aprender a andar de moto. Se não fosse por vocês dois, nós não estaríamos discutindo neste momento. Simplesmente porque não haveria nós.
Com essa declaração, Anna se levantou e saiu do quarto.
— Onde, diabos, você pensa que vai?
Anna virou-se.
— Sabe de uma coisa, Riley? Você pragueja demais! E para sua informação, vou dormir.
Deitada no sofá do salão, Anna suspirou. Diante das circunstâncias, o casamento não duraria mais de doze horas!
Ela não viu Riley se aproximar. Ele tocou-lhe o rosto e respirou fundo ao sentir que ainda estava úmido de lágrimas.
— Anna, eu não deveria ter dito aquilo sobre você e sua irmã. Se a faz sentir melhor, eu fiquei em pânico por você ter caído. As conseqüências poderiam ter sido sérias.
— Talvez agora você entenda como me sinto à idéia de você correr em uma pista a trezentos quilômetros por hora.
— Eu conheço esse tipo de medo, Anna. Cada vez que via meu pai passar pelo fogo, em seus números de dublê, eu corria para a tenda de Mitra.
— Agradeça a Deus por ela!
— Eu sempre agradeço. Até hoje. Gostava quando meu pai bebia e não ia me buscar à noite. Porque eu podia dormir embalado por sua voz e por seu aconchego. Mitra sempre me contava histórias ou cantava para mim até que eu adormecesse. Mas quando eu dormia sozinho, tinha pesadelos terríveis. Era difícil para minha mente de criança entender que minha mãe não me queria.
— Você sabe se ela ainda vive? — Anna perguntou com um fio de voz.
— Não.
Mitra dizia que era melhor eu não saber e eu segui seu conselho. Mais tarde, quando fiz dezessete anos, meu pai decidiu que nos mudaríamos para a Rússia. Por medo, talvez, que eu fosse deixá-lo como minha mãe o deixou. Porque eu estava ficando cada vez mais apegado a Mitra. Ela, inclusive, pagou meus estudos em Perugia, onde fui hospedado por seus parentes.
O pensamento de Riley se perdeu no passado por alguns segundos.
— No trem, antes de partirmos, Mitra sentou-se ao meu lado e me explicou que meu pai havia sido abençoado com uma boa aparência, mas que lhe faltava bom senso no que dizia respeito às mulheres e a ele mesmo. Ela me alertou para que procurasse uma mulher sensível e sensata para companheira, quando chegasse o momento certo, ou eu acabaria como ele. Fiquei preocupado. Até aquele dia, afinal, eu só pensava em garotas bonitas e em motos. Riley olhou, sério, para Anna.
— Doze anos depois, quando a conheci no set de filmagem e fui ignorado, lembrei-me instantaneamente do aviso de Mitra. Pela primeira vez ocorreu-me que eu havia encontrado o tipo exato de mulher que ela aprovaria.
— Então foi por essa razão que se casou comigo? Por causa do aviso de Mitra?
— Sim, e também do conselho da irmã Francesca sobre estar na hora de eu me assentar. Naquele dia, quando vi sua atenção para com Boiko, tive ainda mais certeza de seu caráter. Ninguém que eu conheço é capaz de compreender os ciganos. Muito menos de sentir compaixão por eles e de beijá-los.
Anna ficou sem palavras.
Riley Garrow era um homem complicado, irritante, estranho, mas também surpreendente e digno de admiração. O fato de ter sido criado por uma cigana certamente explicava algumas dessas características.
Ele testará seu amor de muitas maneiras. Esteja preparada.
A infância infeliz de Riley lhe havia roubado a capacidade de amar, de acreditar no amor. Fora isso que Mitra tentara lhe dizer. Ciente, agora, dos critérios que levaram Riley a escolhê-la para esposa, Anna começou a enxergar o casamento deles sob um novo prisma.
— Perdoe-me se exagerei em minha reação ao seu acidente — Riley se desculpou. — Efeitos do passado, provavelmente. — Ele beijou-a rapidamente. — Agora, vamos para a cama. Prometo não fazer nada que você não queira que eu faça. Peço apenas que me deixe deitar a seu lado e segurá-la em meus braços. Depois do susto que você me deu, preciso sentir seu calor.
Não houve força que impedisse Anna de sentir prazer quando Riley a acomodou entre os lençóis, antes de ir para o chuveiro.
Enquanto aguardava, Anna tirou a aliança do dedo e ficou examinando-a à luz do abajur.
Não era uma aliança como as outras. Aquela flor deveria ter algum significado especial.
— O noivo de Mitra era muito rico — Riley contou ao surpreender Anna admirando a jóia. — Ele morreu antes que tivessem a chance de se casarem, mas deixou tudo que possuía para Mitra. Foi por isso que ela teve condições de arcar com as despesas de meus estudos. Eu não sabia sobre esta aliança até hoje de manhã.
— Sinto-me honrada em usá-la.
Riley tirou-a da mão de Anna e devolveu-a ao dedo.
— Ficou perfeita em você. — Riley beijou a mão de Anna e desligou o abajur. — Aconchegue-se a mim, Anna..Receio tocá-la e lhe causar dor.
Sem o menor constrangimento, Anna conduziu o braço de Riley para baixo de sua cabeça, virou-se para ele de modo a deitar sobre o lado esquerdo do corpo, apoiou o braço no peito dele e deitou em seu ombro.
Como foi bom!
— Sua boca está doendo?
— Não — Anna respondeu, surpresa com a pergunta.
— Nesse caso, não haverá problema se eu beijá-la, não é?
E antes que Anna pudesse reagir, além de deixar escapar um sorriso diante do argumento de Riley, os beijos começaram a acontecer. E ela não apenas se entregou a todos eles, mas também correspondeu a cada um. O que a ajudou a esquecer, ao menos por aquela noite, que Riley não havia se casado com ela por amor.
Na manhã de segunda-feira, Riley levou a moto de Anna para a fábrica de modo que pudessem consertar as avarias.
Todos os mecânicos e funcionários lhe deram os parabéns. A notícia de que o novo piloto havia se casado com a irmã da esposa do chefe já havia se espalhado. A foto na primeira página da edição de domingo do jornal de Turin havia feito o resto.
A manchete dizia:
Estrela de Hollywood e ídolo das Corridas Casam-se no Palácio Tescotti. O casal passará a lua-de-mel a bordo de um iate em um romântico cruzeiro.
Sobre o casamento, o paparazzi estava certo, Riley pensou com frustração. Quanto à lua-de-mel, ela ainda não havia começado em conseqüência do acidente de moto.
A moto foi deixada aos cuidados do chefe da fábrica para que ele a examinasse. Enquanto isso, Riley seguiu para o escritório de Nico.
— Pensei que tivesse dito para você tirar uma semana de férias — Nico observou por cima do computador onde estava trabalhando.
— Eu a teria tirado se minha noiva não tivesse insistido em me dar o presente de casamento que você lhe recomendou, assim que os convidados se retiraram.
— Notei que a moto não estava onde a deixamos. Então, o que você achou?
— Que tive sorte em não sofrer um enfarte.
O tom brincalhão de Nico desapareceu por completo.
— O que aconteceu?
— Digamos que minha esposa sofreu contusões e está tão dolorida que a lua-de-mel teve de ser adiada.
— Tão sério assim? — Nico perguntou, preocupado.
— Não houve fratura, felizmente, mas a pancada no braço e na perna direitos foi forte. — Riley contou o que havia acontecido. — Juro que vi minha vida inteira passar diante de meus olhos quando Anna se precipitou para a água.
Nico se pôs a andar de um lado para outro.
— Ela me jurou que não se exporia a riscos desnecessários. Eu errei em querer convencê-la a aprender a andar de moto. Se antes Anna sentia medo, agora será assaltada por um verdadeiro pânico. Callie ficará zangada comigo, por minha idéia infeliz, quando souber que ela caiu.
— Não se culpe, Nico. Sou obrigado a admitir que Anna fez tudo certo até chegar ao barco. Cá entre nós, também teríamos caído naquela situação, em nossos primeiros dias.
— Imagino que sim — Nico concordou. — Mas eu não estava de lua-de-mel. Sinto ter estragado a sua.
— O mais importante é que Anna ficará bem e que estou casado com ela. Ao menos a experiência serviu para me abrir os olhos.
— Está se referindo a ter aprendido o significado real do medo quando lhe ocorreu que poderia tê-la perdido?
— Sim — Riley admitiu. — Se Anna for sentir o mesmo medo que me assaltou, cada vez que eu participar de uma corrida, então nosso casamento não terá nenhuma chance. Aliás, sobre esse assunto, tenho uma confissão a lhe fazer.
— De que se trata? — Nico estranhou a expressão solene de Riley que havia se decidido a contar a verdade ao amigo.
— Anna não queria se casar comigo e eu recorri a uma pequena chantagem. — Riley expôs o acontecido. — Como vê, não sou uma pessoa tão boa como você imaginava. Fui capaz de me aproveitar da certeza de que Anna o estima a ponto de não tolerar que você se decepcione com ela.
— Somos dois, então — Nico confessou. — Callie fez tudo que estava ao seu alcance para que nosso casamento não se realizasse. Você, ao menos, esperou que sua noiva caminhasse até o altar com seus próprios pés, enquanto eu carreguei Callie a sua revelia.
— No fundo, elas sabem que foi nossa paixão que nos guiou — disse Riley.
— Eu me apaixonei por Callie desde o primeiro instante que a vi — Nico desabafou. — Não resisti a seus magníficos olhos verdes.
— Eu tive esse mesmo impacto quando vi Anna no estúdio.
— Seu casamento com ela é mais importante do que correr nas pistas, Riley. Se aquela revista não lhe houvesse caído nas mãos, você não teria vindo a Turin. O destino, talvez, esteja lhe reservando outro caminho.
Os sentidos de Riley ficaram instantaneamente em alerta. Conhecia Nico o suficiente para saber que ele não estava fazendo aquele tipo de comentário sem ter algum fundamento.
— O que você sabe que eu não sei?
— Na festa de seu casamento, Enzo me disse que iria chamá-lo para uma conversa após sua lua-de-mel. Como Anna sofreu um acidente, talvez o encontro já possa ser marcado.
Riley franziu o rosto.
— Por que seu irmão quer me ver?
— Se você pensa que eu sou o todo-poderoso, está enganado. Aliás, você é testemunha do erro que cometi ao levar Anna a aprender a andar de moto quando ela me pediu um simples conselho do que lhe dar de presente. Em minha defesa, digo apenas que tive a melhor das intenções.
— Eu sei — Riley se apressou a concordar.
— Enzo falou como príncipe, não como meu irmão. Se o encontro fosse social, ele teria encarregado Maria de fazer o convite a você e a Anna. Ah, não sei se já mencionei que Enzo também quer ver Anna.
— Se ele tiver algum horário livre em sua agenda, poderemos ir ao palácio ainda hoje. Anna me disse que Callie iria buscá-la no barco para passarem o dia juntas.
— Nesse caso, vou ligar para Enzo agora mesmo. — Enquanto esperava que o irmão atendesse em sua linha particular, Nico indagou sobre a moto de Anna.
— Alguns pequenos problemas a serem corrigidos. Nada sério. Aliás, eu estou aqui por esse motivo. Para acertar o pagamento.
— Em absoluto. Aquela moto foi um presente meu e de Callie para Anna. Que acabou sendo um erro. Enzo? Ainda bem que você me atendeu. Estou com Riley aqui. Como soube que ele e Anna ainda não viajaram em lua-de-mel, resolvi lhe dar um alô. — Nico se calou por um instante e olhou para Riley. — Você pode almoçar com Enzo no palácio às onze e meia?
— Claro que sim.
— Ele irá. Sim, eu o levarei em meu carro. Ciao.
Uma das salas do palácio foi transformada em escritório por Callie. Era ali que ela cuidava dos assuntos referentes à área de preservação quando não estava trabalhando na clínica. Como era o caso naquele momento.
Anna aproveitou para usar o computador. Era a ocasião ideal para ela procurar um emprego on-line. Estava dolorida demais para fazer outra coisa que não fosse deitar ou sentar.
Desde o acidente, Riley vinha tratando-a como a uma princesa. Não tentou lhe fazer amor nem sequer uma vez. Com carinho e desvelo, conformou-se em apenas abraçá-la quando se deitavam para dormir.
E ela, sempre do contra, agora que não podia tê-lo, ansiava por mais do que simples beijos e atenções.
No domingo, Riley se ocupou com a limpeza do barco enquanto ela repousava em uma espreguiçadeira.
Na manhã seguinte, após o café, avisou-a de que iria levar a moto para a fábrica. E ela, assim que se viu sozinha, telefonou para Callie e lhe comunicou o ocorrido. Estranhamente calada a respeito, Callie se limitou a dizer que estava indo buscá-la para passarem o dia juntas.
— Faz horas que você está diante desse computador! — Callie exclamou, mais tarde, ao entregar um copo de chá gelado a Anna. — Encontrou algo interessante?
— Obrigada pelo chá. — Ela deu um suspiro. — Infelizmente, há vagas para professores de inglês em várias faculdades, mas nenhuma em Turin.
— E cursos de arte dramática?
— Preferem professores de nacionalidade italiana. Talvez eu deva publicar um anúncio no jornal. Poderia ser tutora de filhos de aristocratas.
— Não daria certo. Tutoras precisam morar no emprego. Seu marido não aceitaria isso.
Nem ela!
— Riley quer que eu desista de ser atriz.
Callie olhou, surpresa, para a irmã.
— Pensei que este assunto já fosse uma página virada em sua vida.
— Não. Talvez eu tenha de fazer mais um filme. Meu empresário ficou de verificar meu contrato. Mas o que eu realmente quero é iniciar uma nova carreira na profissão em que me formei: inglês.
— Pensei que a carreira de esposa tivesse preenchido todos os requisitos.
— Não quando Riley estiver participando de corridas.
— Por que não trabalhamos juntas? — Callie propôs. — Você poderia me ajudar com a área de preservação. Com Anne para cuidar e a clínica, eu não estou conseguindo dar conta de minhas atribuições.
— Obrigada, Callie, mas esse não é meu campo de atuação.
A observação de Riley sobre ela querer competir com Callie ainda ecoava em seus ouvidos. Ela amava a irmã e não a invejava. Apenas sonhava experimentar um relacionamento como o deles. Porque era maravilhoso o modo como Nico e Callie compartilhavam de tudo. Até da paixão pelo motociclismo, razão pela qual, Anna estava determinada a se tornar firme e segura nessa prática. Essa habilidade, afinal, talvez representasse a única maneira de ela conservar o interesse de Riley, antes que ele se cansasse dela e pedisse o divórcio.
Ao falarem sobre Riley, Anna consultou seu relógio de pulso.
— São quatro horas. Acho melhor voltar para o barco.
— Eu te levo. Só um minuto para que eu avise Bianca para tomar conta de Anne.
— Posso levar o jornal emprestado? — Anna pediu. — Gostaria de dar uma olhada nos anúncios de empregos.
— Pode ficar com ele. Nico o leu antes de ir para o escritório.
Aquele era o primeiro dia de caça a um emprego. Poderia levar várias semanas, mas, mais cedo ou mais tarde, Anna pretendia estar trabalhando de forma a ocupar seus pensamentos.
Durante o trajeto, por coincidência, o carro de Nico emparelhou com o de Callie. Riley estava com ele. Quem poderia saber a que conclusões os dois cunhados haviam chegado?
— Jante conosco. — Anna convidou, de repente, tomada novamente de apreensão à idéia de ficar a sós com o marido. — Sobraram vários assados do casamento.
— Em hipótese nenhuma! — Callie exclamou. — Tecnicamente você e Riley ainda estão em lua-de-mel. E por falar em seu marido, não se vire agora, mas ele está olhando para você como se não existisse mais nada no mundo.
Anna suspirou.
— Você e Nico não estariam atrapalhando. Garanto. — E antes que Anna pudesse explicar e afastar aquela expressão perplexa da irmã, Riley abriu a porta para ajudá-la a descer e beijou-a.
— Como está se sentindo?
— Bem.
— E você, como está, Callie?
— Não posso me queixar.
— Nico pediu para avisá-la que estará a sua espera em casa. Obrigado por trazer minha esposa.
— De nada. — Callie se despediu e entregou o jornal que Anna estava esquecendo.
Riley apanhou-o da mão de Callie e fechou a porta
— Por que não me ligou? Poderíamos ter voltado juntos.
— Como eu estava com Callie, não pensei nisso.
— Alguma notícia importante? — Riley indicou o jornal.
— Estou procurando um emprego.
O silêncio pesado mostrou a Anna que Riley havia ficado aborrecido com sua resposta. Ela procurou mudar de assunto.
— Qual foi o veredicto sobre minha moto?
— Que você nasceu sob a proteção das estrelas. A moto ficará pronta amanhã.
— Que alívio! O que Nico disse?
— Que não se perdoa pelo que fez.
— Como assim?
— Por que não se senta? — Riley apertou os lábios.
— Sentar-me por quê?
— Porque temos muito a conversar e você ainda não se recuperou do acidente.
— Eu estou bem melhor.
Riley beijou-lhe as mãos e o sangue começou a circular mais depressa nas veias. Aquele tratamento, fogo e gelo alternados, estavam levando-a à loucura.
— Você precisa saber que eu contei tudo a Nico esta tarde.
— Tudo? — Anna repetiu, angustiada. — Por quê?
— Ele se culpou por seu acidente. Eu não pude permitir que continuasse assumindo a responsabilidade.
— Disse também que decidiu não correr pela Danelli porque escolheu a concorrência?
— Fatores inesperados desviaram o rumo da conversa — Riley declarou. — A discussão terminou em aberto.
— Não posso acreditar que você tenha me traído desse jeito — Anna protestou com lágrimas nos olhos. — Você sabia quanto significava para mim não magoar Nico. Ele o tratou como a um irmão. Veja como você lhe pagou! Oh, Nico vale um milhão de vezes mais do que você!
— Anna...
— Nós nos casamos por nada! — Anna continuou aos gritos. — O que você pretende, afinal? Pode ser um dos homens mais bonitos do mundo, mas não entende nada de casamento. Uma mente, um coração, um ventre. Que espécie de brincadeira foi essa?
Os olhos de Riley perderam o brilho.
— Você não me deixou terminar...
— Você já me disse o suficiente para me convencer de que é um homem amoral. Você traiu minha confiança. Como pode continuar neste barco que Nico lhe emprestou? Você pagou a generosidade dele com um golpe traiçoeiro. Sabe do que mais? Não lhe devolverei esta aliança quando nos divorciarmos. Vou guardá-la de lembrança de Mitra. Ela certamente sabia o que estava dizendo quando me preveniu a seu respeito. Cada vez que eu olhar para ela, me lembrarei de Riley Garrow, o homem sem coração.
Ao ver Anna em seu escritório, DL pestanejou como se estivesse diante de uma aparição.
— Ei! De onde você veio? Acabei de ver seu retrato no jornal. Você e Riley Garrow se tornaram a notícia do ano!
— Foi apenas isso, realmente. Uma notícia.
— O que você está querendo dizer? — DL estranhou.
Anna deixou-se cair na cadeira em frente à escrivaninha.
— Foi um golpe publicitário. Você disse que eu precisava chamar a atenção do público.
O homem deu uma gargalhada.
— Está gozando de mim?
— Por que eu faria isso?
— Está afirmando que não se casou e que não passou sua lua-de-mel no iate real?
— Não se trata de um iate, mas de um barco. E não houve lua-de-mel. Estou aqui para saber se é verdade que haverá continuação do filme. E para consultar meu advogado.
— Ainda não é certeza. Por isso ainda não lhe telefonei.
— E quanto a meu contrato? Existe aquela cláusula sobre eu ter a responsabilidade de assumir o papel em caso de uma seqüência?
O empresário hesitou.
— Não. Você não está presa a nenhuma cláusula contratual — respondeu.
— Está bem. Só vim checar. De maneira que você esteja ciente de que estou de volta.
Inclusive a seu apartamento, Anna pensou. Por sorte, não havia se desfeito do imóvel nem de suas coisas. Afinal, não sabia das intenções de Riley de eles se casarem, quando saiu de viagem.
— DL? Acha que seria possível eu conseguir alguns papéis que não comprometam meus princípios?
— Está disposta a emprestar sua voz a um desenho de A Princesa e a Ervilha? O pagamento não é ruim.
A idéia jamais ocorrera a Anna, mas agradou-a mais que qualquer outro trabalho.
— Sim. Eu adoraria.
— Então, tomarei as devidas providências agora mesmo e você deve se apresentar amanhã de manhã, nos estúdios da Briarwood, às oito horas em ponto.
— Por que não me entrega o script hoje à noite durante o jantar? Estou lhe devendo um, se é que você reconsiderou sua decisão.
— Combinado, doçura.
Aliviada por estar livre de qualquer vínculo profissional, Anna apreciou a companhia do antigo empresário. Ele a colocou a par de todas as novidades do mundo do cinema e ela não precisou se preocupar com seus próprios pensamentos.
Mas a distração acabou no instante que Anna entrou em casa porque a luz vermelha da secretária eletrônica estava piscando.
A única pessoa que sabia que ela estava de volta a Hollywood era DL. Certa de que não podia ser ele, que acabara de deixá-la na porta, deduziu que fosse Callie. Porque Riley, sem dúvida, já deveria ter contado a ela que sua esposa havia feito as malas e desaparecido em um táxi.
Após dezoito horas do ocorrido, Anna ainda não estava preparada para ter uma conversa com a irmã. Nunca havia chorado tanto em sua vida. Física e emocionalmente exausta, Anna se deitou e deu graças quando o relógio a despertou apenas na manhã seguinte. Porque isso significava que ela havia conseguido dormir sem ter pesadelos.
Meia hora depois, Anna já havia se banhado e vestido um conjunto de saia e blazer vermelho e uma blusa branca para se apresentar à entrevista. Prendeu os cabelos com uma faixa também branca e se dirigiu à porta.
Antes de sair, contudo, a consciência não lhe deu trégua até que a viu recuar e ao menos verificar a identidade de quem lhe telefonou.
Eram três e trinta da tarde em Turin, horário do pequeno repouso de Anne. Anna ligou para o palácio, para o número direto da irmã.
— Callie?
— Olá! Estou surpresa que Riley tenha deixado você escapar tão cedo depois da pressa de levá-la para o barco ontem à tarde — Callie caçoou.
Anna fechou os olhos com força. Riley não havia dito nem sequer uma palavra a eles sobre o término do casamento. Das duas, uma. Ou Riley ainda tinha esperanças de que ela fosse voltar para ele de forma a polir seu ego, ou simplesmente não teve coragem para contar a verdade à família.
— Como estão as coisas? — Anna titubeou.
— Como estavam dois dias atrás — Callie respondeu. — Você está estranha, querida.
— Você também. Deve ser a ligação.
— A ligação não tem nada a ver. Estou captando algo errado com você.
Anna não deveria ter ligado. Feita a bobagem, agora teria de dizer a verdade.
— Estou em Los Angeles.
— Sério? Então você terá mesmo de fazer aquele filme? Em sua lua-de-mel?
— Não.
— Ah, então você e Riley aproveitaram para passar a lua-de-mel aí?
— Riley não veio comigo.
Fez-se um breve silêncio do outro lado da linha.
— Por que não?
— Eu pedi a anulação do casamento.
Callie deu um grito.
— Anulação? Você e Riley? Isso é impossível!
— Não entendo por que Nico não lhe contou.
— Quer dizer que Nico está sabendo e minha própria irmã não me disse nada?
Lágrimas tornaram a inundar os olhos de Anna.
— Foi Riley quem contou a ele. Desculpe, Callie, preciso desligar ou chegarei atrasada à entrevista. Prometo voltar a ligar mais tarde.
— Anna...
O coração de Anna estava partido ao interromper a ligação embora o protesto de Callie ainda lhe soasse aos ouvidos. Por sorte, teria alguns minutos para se recompor no táxi.
No estúdio, Anna seguiu as instruções da recepcionista para alcançar uma sala no meio do prédio. Antes que chegasse ao local indicado, porém, sua passagem foi interceptada por um homem alto de camisa pólo marrom e calça esporte bege.
Riley.
As pernas ameaçaram ceder sob o peso de Anna. Ela precisou encostar contra uma parede.
— Olá, Anna. Incrível como você não me viu no avião. Eu estava sentado três fileiras atrás de você.
Sem dar chance para Anna responder, Riley segurou-lhe o queixo e beijou-a com a leveza de uma pena.
— Não faça uma cena — ele murmurou. — Você irá me seguir e entrar no carro que aluguei. Se gritar, ou fizer algo no gênero, o prejuízo será só seu. A recepcionista sabe que você é minha esposa. Qualquer discussão será encarada como uma briga de casal. Não tão simples e corriqueira, apenas, porque somos as celebridades do momento.
Anna não cabia em si de perplexidade.
— Então, Sra. Garrow? O que prefere? Acompanhar-me em silêncio, ou serei obrigado a conduzi-la para o elevador de serviço?
Anna não respondeu de imediato. Sua vontade era realmente gritar e protestar. Mas duas pessoas saíram de uma sala, passaram por eles e ficaram encarando-os de modo que ela não teve saída exceto se controlar.
— O que você quer, afinal? — Anna esbravejou.
— Conversar.
— Para quê? Se você está tentando fazer com que eu me sinta culpada, não irá adiantar. Eu perdi a confiança em você. Certas atitudes não admitem perdão.
— A irmã Francesca é de outra opinião. Ela disse que precisamos perdoar setenta vezes sete.
— Posso saber por que ela lhe passou esse sermão?
— Essa irmã era psicóloga além de enfermeira e santa.
— Você esteve internado na ala de psiquiatria? — Anna quis saber, chocada.
— Não foi tão ruim quanto pensa — Riley explicou. — A freira me ensinou que o ódio e a amargura que eu nutria por meu pai estavam destruindo minha alma. Tolo que eu era, não dei importância a suas palavras e a mandei sair de meu quarto. Mas ela, em sua humildade e dedicação, voltou noite após noite e me ouviu reclamar de Deus, da vida, dos homens. E especialmente de você.
A confissão fez Anna corar.
— Um dia, quando eu me cansei de minha auto-piedade, ela me disse que eu tinha visita. Era Bart. O velho, bom e fiel Bart que foi amigo de meu pai até o fim, e que, recebeu uma ligação dela para vir me ver.
Riley suspirou.
— Em meu desequilíbrio, eu não reconheci o bem que eles estavam me fazendo. Mas no dia que recebi alta, consegui abraçar Bart, embora continuasse incapaz de perdoar meu pai, o que só foi acontecer no dia de nosso casamento por causa de Mitra.
Anna pretendia encerrar logo a conversa, mas não conseguiu. A curiosidade a venceu.
— O que ela fez?
— Mitra disse que meu pai era alcoólatra, mas que sempre me amou e que ela percebeu isso porque ele nunca me deu para adoção.
Anna respirou fundo.
— Fico contente que você tenha se reconciliado com seu passado. Apenas isso nada a tem a ver conosco.
Esquecida da entrevista, Anna dirigiu-se à saída do estúdio. Queria fugir de Riley e de tudo. Apenas não lhe ocorreu que haveria fotógrafos a sua espera.
Assustada com os flashes, ela tornou a entrar e a trombar com Riley.
— Venha comigo — ele disse. — Meu carro está no estacionamento.
Os jornalistas americanos eram tão inconvenientes quanto os paparazzi europeus. Parte da culpa também era de DL Aquele era o meio de promoção que melhor funcionava, de acordo com ele.
Riley a enlaçou pela cintura e a levou para o carro estacionado sob uma árvore. Dali, eles seguiram para o apartamento de Anna.
— Por sua causa — Anna acusou-o assim que entraram e fecharam a porta —, perdi uma entrevista para um papel que realmente desejava.
— Não se preocupe. Sei de outro papel que foi feito única e exclusivamente para você. Prometo que irá adorá-lo.
Enquanto falava, Riley seguiu para o quarto de Anna e se pôs a fazer novamente as malas que ela havia desfeito.
— Detesto informá-lo — Anna se manteve à porta —, mas uma esposa precisa amar o marido para ficar ao lado dele.
Riley parou por um instante e fitou-a.
— Acho que não pode me acusar de intolerância. Tive toda paciência do mundo com minha esposa que, embora machucada, fugiu ao primeiro sinal de problema.
Irritada, Anna olhou para o outro lado.
— Já conversei com o administrador do prédio e ele ficou de aguardar nosso telefonema a respeito do que fazer com os móveis antes de alugar o apartamento. Se você quiser, poderemos embarcá-los para Turin, é claro.
Guardadas as roupas, Riley foi ao banheiro e apanhou todos os artigos de toalete.
— Não irei a parte alguma com você!
No segundo que Anna disse isso, ela soube que havia cometido um erro. Porque Riley a ergueu do chão e a colocou sobre o ombro. Forte como ele era, ela não conseguiu se soltar.
E o pior é que ele desceu com ela desse jeito pelo elevador, sob o risco de serem vistos.
— Coloque-me no chão!
Ele a ignorou até chegarem ao carro. Então a colocou no banco da frente e pôs a bagagem no banco de trás.
— Isso é ridículo, Riley — Anna protestou, quando ao tentar descer, Riley travou as portas por meio de um controle remoto.
— Eu concordo, mas você faz questão de escolher sempre o caminho mais difícil. Essa é a história de sua vida.
— Não venha com aulas de psicologia!
— Não é agradável, mas às vezes é necessário. Sei disso por experiência própria.
— Para onde estamos indo? Esta não é a rota para o aeroporto.
— Não iremos para o aeroporto. Não ainda. Antes quero lhe mostrar algo.
Furiosa, Anna recusou-se a olhar para o marido durante o trajeto. Em vez disso, ficou olhando pela janela.
Nos arredores de Santa Mônica, Anna percebeu que Riley havia diminuído a velocidade. De repente, ele parou diante de um minúsculo bangalô.
— Foi aqui que meu pai morou com meus avós até eles morrerem. Com o dinheiro da venda da casa, ele comprou o equipamento necessário para trabalhar como dublê. Depois disso, nunca mais morou em uma propriedade. Desde que me lembro, nós vivemos em trailers ou em tendas.
Anna ouviu em silêncio.
— Eu queria que você soubesse sobre minhas origens. E que conhecesse alguém. — Riley tornou a ligar o carro e seguiu para o Hospital St. Steven.
— Não quero conhecer a irmã Francesca — Anna afirmou, ciente de que era essa a intenção de Riley.
— Mas ela gostará de conhecê-la — Riley insistiu, agora mais gentil. — Não tenha medo. Ela não lhe fará acusações só porque foi a responsável por meu constante mau humor durante a internação.
— Tudo que fiz foi recusar um convite seu para jantar! — Anna protestou.
Riley segurou-lhe a nuca e massageou-a.
— Vamos!
Estavam se aproximando do posto de enfermagem quando Anna ouviu uma voz feminina exclamar:
— É o Sr. Garrow!
— Como vai, irmã Ângela?
— Bem. Nós vimos seu retrato no jornal com sua esposa. Oh, vou avisar a irmã Francesca que o senhor está aqui. Ela não irá acreditar quando eu lhe disser.
A freira desapareceu no interior de uma sala. Quando voltou, trouxe várias outras enfermeiras consigo.
Ficou claro para Anna que Riley era estimado por todas as freiras. Em especial por uma, de meia-idade, com um hábito todo branco, cuja chegada provocou a dispersão das outras.
— Pensei que tivéssemos ficado livres de você!
O tratamento franco e direto surpreendeu Anna. Aquela deveria ser a única pessoa do mundo capaz de se dirigir a Riley daquela maneira, sem que ele reagisse.
— Pensei que santas não falassem assim com seus pacientes! — Riley retrucou, irônico. — Quero lhe apresentar minha esposa, irmã. Ela se chama Anna.
— Muito prazer, Sra. Garrow. Nunca imaginei que um dia estaria apertando a mão de uma mulher de tanta coragem.
Riley deu uma risada, mas Anna retribuiu o cumprimento.
— Pelo que li nos jornais, você não perdeu tempo quando saiu daqui — a freira continuou.
— Decidi seguir seu conselho e constatar se o casamento seria tão bom para mim quanto a senhora afirmava.
— E foi?
A pergunta ficou pairando no ar.
Anna prendeu a respiração. O que Riley iria dizer agora? Que sua esposa fugira após quarenta e oito horas da farsa do casamento?
— Deixo para minha esposa a tarefa de lhe responder, irmã. Porque ela é a melhor de nós dois e não lhe responderá com uma mentira. — Riley deu uma piscada. — Não repare em sua timidez..Nós ainda estamos em lua-de-mel.
— Uma mulher tímida jamais se casaria com você, Sr. Garrow.
Riley tornou a rir. Anna tentou se manter séria, mas não conseguiu. Cada uma a seu jeito, ambas gostavam daquele homem impossível. Apenas a irmã Francesca jamais poderia entender o que estava acontecendo.
Diante das circunstâncias, Anna não quis revelar a verdade sobre Riley ter recorrido à chantagem para alcançar seu objetivo. Aquela santa mulher o estimava, afinal. Não faria sentido, destruir suas ilusões.
— Nós estamos descobrindo que ele tem seus altos e baixos, irmã.
Os olhos inteligentes e sensíveis pousaram sobre Anna.
— No caso de seu marido, se a senhora ainda não o deixou, é um ótimo sinal.
Anna ficou sem fala por um momento. Riley segurou a mão de Anna e mostrou a aliança.
— Ela ainda está aqui. Quando não mais estiver, então eu poderei responder sua pergunta.
As palavras de Mitra ecoaram mais uma vez nos ouvidos de Anna.
Ele testará seu amor de muitas maneiras. Esteja preparada.
— Não queremos atrapalhar seu serviço, irmã — disse Riley. — Daqui, estamos nos dirigindo a Prunedale.
Anna não esperava por isso.
— Quero conhecer a fazenda onde Anna cresceu — ele explicou.
— Eu também cresci em uma fazenda.
— Religiosos não podem falar sobre si próprios, lembra-se, irmã?
— Abri uma exceção em homenagem a sua esposa que conseguiu levá-lo a assumir um compromisso para toda a vida. A senhora precisará de toda ajuda que o céu puder lhe mandar, minha filha. Que Deus os abençoe. — A freira fez o sinal da cruz e deixou-os.
— Ela sempre parece formal, mas é a doçura em forma de gente — Riley sussurrou enquanto percorriam o hospital.
Anna pestanejou. Uma freira e uma cigana a preveniram. Em vão.
— De Prunedale, seguiremos para San Francisco, e de lá, para casa.
— Sinto, Riley, mas eu voltarei para Los Angeles.
— Você não pode — ele simplesmente declarou.
— A decisão não cabe a você. Não vivemos mais nos tempos feudais.
— Diga isso ao príncipe Enzo. Ele está nos aguardando em Turin. E antes que você comece a me acusar de usar os favores do príncipe a meu bel-prazer, há algo que você precisa saber. — Anna franziu o rosto. — Naquele dia, que você esteve no palácio com Callie, eu almocei com o príncipe e não se tratou de uma visita social. O príncipe está com problemas de ordem sócio-econômica que adquiriu conotações políticas e controversas. Recentemente, ele decidiu chamar um grupo de peritos para formar um comitê e estudar a situação. Para minha surpresa, ele pediu que eu fizesse parte dessa força-tarefa. E também você.
Anna esfregou os olhos. Ela deveria estar sonhando.
— Quando Nico me levou de volta para o barco, eu tinha uma porção de coisas para lhe contar, mas, infelizmente, a conversa tomou outro rumo e escapou ao controle. Mas, considerando sua estima por Nico e também por Enzo, é de minha opinião que nossos problemas pessoais devam ficar em segundo plano. O caso é que eles estão esperando uma resposta e como a questão era séria demais para ser discutida por telefone, eu vim atrás de você.
Riley havia tomado um avião para Los Angeles apenas por causa de Enzo?
A dor que Anna sentiu foi a de uma punhalada.
— Aqui está a mamadeira de Anne. Veja como ela está feliz por estar nos braços da tia outra vez! — Callie se sentou no sofá enquanto Anna embalava a sobrinha. — Agora que estamos sozinhas, conte-me o que está acontecendo.
— Eu só voltei para cá com Riley em deferência a Enzo. Falarei com ele esta noite e amanhã pela manhã estarei retornando à Califórnia. Lá, eu terei mais oportunidades de trabalho. Posso, inclusive, conseguir fazer mais alguns filmes.
— Anna, quero saber por que você está deixando Riley.
— Então Nico ainda não lhe contou?
— Se meu marido sabe de algo, não deixou escapar nem sequer uma palavra.
Lógico que não. O desapontamento foi tão profundo que não permitiu.
— Não quero falar sobre isso, Callie.
— Ele deve tê-la magoado demais. — Callie se levantou e beijou a irmã. — Sinto ter envolvido você em uma situação que jamais deveria ter acontecido. A culpa é toda minha.
— Não fale mais nisso. Nós somos irmãs.
— Sim, mas a responsável pelas crises sempre sou eu. Veja o que aconteceu quando a forcei a vir à Itália em meu lugar. — Você encontrou a felicidade, Callie. Fico feliz que sua história tenha tido um final feliz.
— Riley disse que vocês foram a Prunedale antes de virem para cá.
— Foi idéia dele.
— Deu tudo certo?
— Foi duro. Agora é a época da colheita das maçãs.
Com os olhos marejados de lágrimas, Anna entregou a sobrinha.
— Você fica com ela? Preciso me recompor antes que Enzo chegue e me veja deste jeito.
Callie tornou a abraçar Anna.
— Eu gostaria de poder ajudar.
Anna deu um sorriso triste e se afastou em largas passadas para seus aposentos.
Uma hora mais tarde, Riley entrou no quarto e avisou que iria tomar um banho. Ele e Enzo tinham estado cavalgando e em trinta minutos estariam se reunindo no escritório de Callie para a tal conversa.
De saia e blazer pretos, Anna estava muito elegante. A maquiagem havia escondido as sombras escuras sob os olhos e os cabelos estavam presos.
Por ser, talvez, a primeira vez que Riley a via em traje tão formal, ele demorou a se decidir a entrar no banho.
Eles não se falavam desde o desembarque em Turin quando Anna deixou claro, de uma vez por todas, que iria voltar para Los Angeles na manhã seguinte.
Determinada a não passar um segundo mais do que o necessário na presença do marido, Anna foi esperá-lo e ao príncipe, no escritório de Callie.
Mas Enzo já se encontrava lá, ainda vestido com seu traje de montaria. Ao vê-la entrar, levantou-se e abraçou-a com um olhar de admiração que a fez lembrar a noite, um ano antes, que ele a escolheu para noiva no programa Quem Quer Casar Com Um Príncipe?
— Você está linda como uma princesa.
— Obrigada. Maria veio com você?
— Não. Ela sabia que nossa reunião seria a negócios e foi, com nosso filho, visitar os pais. Sente-se, Anna. Agradeço sua atenção e de Riley, quando sei que ainda estão em lua-de-mel. Ele me contou sobre seu acidente.
— Agora já estou bem, obrigada. O bom de tudo isso foi a moto ter ficado praticamente intacta.
— Tenho certeza de que essa foi a última preocupação de seu marido. Ele me pareceu bastante abalado por sua causa.
— Eu descobri que Riley é do tipo patriarcal, que prefere assumir a direção de tudo.
— Até que você fique completamente boa — Riley acrescentou ao se reunir a eles.
Enzo se levantou para cumprimentá-lo e indicou a cadeira o lado de Anna. Ela, em contrapartida, nem sequer olhou para ele. Sabia que estava elegante de calça cinza e camisa de seda preta que vira penduradas no closet.
— Irei direto ao ponto para não prendê-los mais do que necessário — Enzo declarou e se dirigiu, em seguida, a Anna, que não poderia ter ficado mais surpresa com a seriedade de seu tom. — Nico e Callie me contaram sobre Boiko e o esquilo e sobre você e Riley o terem levado para acampamento cigano nos arredores da cidade. Anna concordou com um movimento de cabeça.
— Eu já estive lá várias vezes — o príncipe continuou. — E ontem novamente em companhia de membros do Parlamento. Eu, como vocês, não aprovo o modo como os romenos são tratados pelos outros povos. Sei que não está em minhas mãos resolver esse problema perante o mundo, mas o que diz respeito a minha monarquia, algo tem de ser feito.
O entusiasmo de Anna a fez esquecer a promessa que fizera a si mesma de ignorar Riley. Olhou para ele e ele para ela. A expressão de Riley era tão solene quanto a de Enzo.
— Tive oportunidade de conversar com Mitra e seus familiares na festa de seu casamento e me senti animado ao saber que eles foram aceitos em nossa cultura o suficiente para conseguirem empregos e moradias decentes. Porque, até agora, apenas os que têm dinheiro conseguem viver como cidadãos em nosso país.
Nesse ponto, Enzo franziu o cenho.
— A grande maioria pobre sempre viverá à margem da sociedade, se não fizermos algo. O desconhecimento do idioma os impede de ingressarem em escolas e no mercado de trabalho. Esse círculo vicioso precisa ter fim. — Nesse momento, Enzo se dirigiu a Riley. — Com sua experiência única, ao ter vivido entre os ciganos por longos anos, Riley se torna um elemento precioso para esse trabalho de integração. Como estudou na Itália por dez anos, ele também tem intimidade com nossa cultura e nossa língua, além de ser fluente em outros idiomas como o inglês, o português e o russo.
Anna já sabia que seu marido era um homem brilhante, mas ouvir um príncipe elogiá-lo a fazia sentir estranhamente orgulhosa.
— O dinheiro para o projeto virá de uma das fundações criadas por meu pai para beneficiar nossa gente. Para abrigar inicialmente o escritório que cuidará dessa aliança entre italianos e ciganos, cederei algumas salas na ala leste do palácio.
O príncipe se deteve nesse momento e olhou para Anna.
— Eu convidei seu marido para assumir a presidência dessa aliança. Para aceitá-la, contudo, ele impôs uma condição...
A declaração de Riley havia ficado marcada na memória de Anna.
Depois de você, Mitra é a mulher que mais prezo.
— Não poderia ser diferente, Anna pensou, porque o coração de Riley era cigano. Mitra o tornara um dos seus pelos laços do amor. Enzo não podia avaliar a magnitude de seu gesto ao oferecer a Riley aquele trabalho que era uma verdadeira missão.
Para Riley, seria a oportunidade de recompensar Mitra por todos os anos de dedicação e carinho. Ele a encararia como uma bênção no sentido de que lhe daria chances de ajudar milhares de criaturas como Boiko, que não tinham meios de atravessar o terrível abismo entre as sociedades.
Por outro lado, e Anna estava ciente disso, seria mais uma desculpa que Riley usaria para chantageá-la. Ou melhor, que já estava usando.
Os dois homens aguardavam sua resposta.
A imagem de Nico surgiu na mente de Anna. Enzo teria lhe participado seus planos antes de chamar Riley e lhe oferecer o cargo? A essa altura, Nico já teria sido informado que Riley não mais participaria das corridas de moto pela equipe Danelli?
— Seu silêncio me diz que está se sentindo pressionada e confusa — Enzo murmurou e se levantou. — Eu não a culparia se estivesse zangada comigo por ter interrompido sua lua-de-mel. Por isso vou deixá-los para que conversem à vontade a respeito. Ficarei aguardando uma resposta o mais tardar depois de amanhã.
Enzo se despediu de Anna com um beijo no rosto e de Riley com uma pequena mesura. Assim que ficaram a sós, Anna fulminou-o com o olhar.
— Não ouse tentar me fazer culpada. Nada do que está acontecendo me fará mudar de idéia sobre o divórcio.
— Muito bem. Se você não admite dar uma chance ao nosso casamento, então eu não ficarei em seu caminho. Nem os ciganos, por assim dizer.
A resposta de Riley pegou Anna desprevenida.
— Seria ilusão de nossa parte imaginar que resolveríamos todos os problemas apenas com nossa boa vontade e do príncipe. Os ciganos mais idosos, afinal, não são diferentes de nossos idosos. A essa altura da vida, eles não conseguem mudar hábitos enraizados nem suas visões do mundo. São as crianças que precisam de ajuda para se emanciparem. A ala leste do palácio é grande o suficiente para montarmos uma fundação e também uma sala de aula. Para que o projeto atraia a atenção dos ciganos, será preciso criarmos um modelo que funcione. Boiko e outros como ele serão os alunos perfeitos neste primeiro momento. Resta encontrarmos um professor perfeito. Qualificação profissional é o que menos importa. Você, por exemplo, conseguiu se aproximar de Boiko sem conhecer nem sequer uma palavra do romeno. O Dr. Donatti me contou que o garoto já voltou várias vezes ao parque a sua procura.
Riley se deteve por um instante.
— Sua formação em inglês somada a seu talento artístico faz de você minha primeira escolha. O aprendizado do romeno aconteceria ao longo do tempo. Eu estaria a sua disposição para tudo que se fizer necessário em matéria de tradução. E no que diz respeito a espaço, as crianças não estranhariam porque o parque estaria a sua disposição para o lazer. A grande dificuldade seria trazê-los para dentro da sala de aula. E nesse aspecto, a escolha do professor é fundamental. Porque a pessoa errada poderia pôr o projeto inteiro a perder em um piscar de olhos.
Riley entrelaçou os dedos e encarou Anna.
— Essas são as razões por eu ter condicionado minha aceitação a um contrato seu para um período de cinco anos. Um prazo menor do que esse não será suficiente para crianças como Boiko aprenderem a confiar em estranhos. Antes me acusar de chantagista, lembre-se de que a idéia partiu de Enzo, não de mim. Você ouviu o que ele disse. Ele já montou um comitê. Se eu não aceitar o encargo, outro aceitará. Mas, por mais que eu deseje aceitá-lo, não entrarei nisso sozinho, e você é a única pessoa em quem confio. Que ironia! A única mulher de quem preciso não apenas não confia em mim, como mal pode esperar para se ver livre de minha presença. Riley se levantou.
— Callie me emprestou o carro para que eu possa trazer tudo que você deixou no barco. Estarei aqui às seis da manhã para que você tenha tempo de arrumar as malas.
Anna precisou forçar a garganta para conseguir falar.
— Enzo sabe qual é sua condição?
— Não, e não perguntou. Os irmãos Tescotti, eu pude observar, são homens finos, honestos e discretos. Foi um grande privilégio conhecê-los. Boa noite, Anna. Procure se deitar logo. Você está pálida.
Foi um grande privilégio conhecê-los.
Anna voltou a si ao ouvir um zumbido nos ouvidos. Seu peito doía. Ela mal conseguia respirar. Estava transpirando frio.
Assustada que estivesse enfartando, sentou-se na cama e procurou respirar fundo.
Eram apenas duas e dez em seu relógio. O analgésico para dor de cabeça que tomara antes de se recolher não havia surtido efeito.
Em poucas horas, Riley estaria lhe trazendo suas roupas e ela nunca mais o veria. Esse era o motivo de sua angústia. Porque a idéia de nunca mais vê-lo lhe era insuportável.
Subitamente, Anna percebeu que as preocupações do passado não mais interessavam. Assim como Mitra e a irmã Francesca, ela amava Riley do jeito que ele era. Porque viver sem ele não seria viver.
Sem perder outro segundo, Anna chamou um táxi.
A lua cheia refletida nas águas do rio dispensava o uso de outra fonte de luminosidade. Riley estava sentado no sofá com as costas inclinadas para a frente e as mãos apoiadas nos joelhos. A garrafa de uísque permanecia fechada sobre a mesinha de centro. Mitra lhe dera essa garrafa como um presente de despedida na noite anterior à partida dele com o pai para a Rússia.
Quero que você guarde isto com você e leve para onde tiver de ir. Cada vez que se sentir tentado a abri-la, lembre-se do que a bebida representou para seu pai.
Por algum milagre, ou por pura força de vontade de Riley, a garrafa continuava intacta em seu poder havia doze anos.
A primeira tentação de esvaziar seu conteúdo foi minada pela irmã Francesca, que a confiscou como medida de segurança, ao flagrá-lo com ela na mão para somente devolvê-la no momento que ele teve alta hospitalar.
A segunda estava acontecendo naquela noite, no intuito de afastar Anna de seus pensamentos ao menos por algumas horas.
De repente, Riley pressentiu um movimento no convés e se levantou, alerta, para se colocar contra a parede, antecipando uma tentativa de assalto.
Em seguida, ele ouviu passos. E uma batida.
— Riley? E Anna. Está me ouvindo? Abra a porta!
Ele a atendeu com tanto ímpeto que Anna quase caiu para trás.
— Deus!
Embora assustada, Anna estava olhando para ele como nunca olhara antes. Riley sentiu o coração forte.
Com a lua iluminando os cabelos loiros e as feições clássicas pelas quais ele se apaixonara desde o primeiro instante a ponto de fazê-lo perder o interesse por qualquer outra mulher, Anna estava irresistível. Mais ainda, agora, que ele aprendera a conhecer seu íntimo.
— O que está fazendo aqui no meio da noite sem me avisar que viria? — Riley questionou. — Eu poderia tê-la ferido.
— Foi um risco que eu tive de correr porque queria vir para junto do marido que amo mais do que minha própria vida.
Anna abraçou-o pelo pescoço, desnorteando-o, deixando-o tão fraco que não conseguiu reagir.
— Tenho sido uma tola. — Anna se pôs a lhe beijar os cabelos, os olhos, o queixo e finalmente a boca — Eu te amo, Riley, na alegria e na tristeza. Não importa que você não possa me dizer o mesmo. Estou disposta a aceitar aquilo que você puder me dar. E para provar quanto você significa para mim, quero que me leve para sua cama.
Fizeram amor durante horas. Riley foi tão apaixonado e gentil que Anna sentiu que o amava ainda mais. Estava tão emocionada e feliz que não conseguiu dormir. Riley, cansado, dormiu abraçado a ela.
A certeza de que eles ficariam juntos para o resto de suas vidas, e que ela teria aquele momento repetido infinitas vezes fez seu coração transbordar de alegria.
Incapaz de esperar que ele acordasse para repetirem a experiência da entrega total de seus corpos e almas, Anna beijou-o nas faces, nos cabelos e nos lábios.
Riley começou a se mover lentamente. Primeiro foram as pernas que ele enroscou às dela com sensualidade. As mãos se puseram a percorrer-lhe o corpo. Então, desperto, ele se pôs a beijar cada centímetro de pele até que eles se tornassem um só outra vez.
Mais tarde, quando Anna quis se levantar, Riley tentou detê-la.
— Aonde pensa que vai?
— A cozinha, preparar algo para comermos. Sabia que passa de uma hora?
— Eu vou ajudá-la — Riley avisou. — Mas antes tenho algo para lhe dizer.
Anna colocou os dedos sobre os lábios do marido.
— Eu já sei. Você me disse de uma centena de maneiras desde aquele jantar com Nico. Custei a entender sua linguagem, mas finalmente consegui.
Os olhos de Riley pareciam ter se transformado em mel.
— A palavra amor nunca significou nada para mim, Anna, mas agora representa muito. Eu sempre estranhei que as pessoas de fala inglesa a usem indiscriminadamente. Você sabia que na língua romena não existe uma palavra que traduza seu sentido? Mitra me ensinou que é porque o amor é importante demais para ser usado com outros sentidos. Dessa forma, nós devemos demonstrá-lo, mais do que dizê-lo.
Anna tocou-o no rosto.
— Acho que você o expressou de todas as maneiras que existem porque nunca conheci um amor como este. Mitra me preveniu que você testaria meus sentimentos. Agora eu compreendo. Ela me avisou que eu teria de aprender a interpretar seu modo de expressá-lo, ou tudo estaria perdido. De outra maneira, a irmã Francesca me disse o mesmo. Que mulheres notáveis!
— Você é ainda mais!
Anna deu um sorriso e apanhou o robe.
— Agora, precisamos parar de namorar, não acha?
Estavam se dirigindo à cozinha, abraçados, quando Anna notou a garrafa de uísque sobre a mesinha e pegou-a.
— Nunca o vi beber. Por que isso?
— E uma longa história. Mais tarde eu conto — Riley respondeu com outro sorriso. — Tudo que importa, agora, é que o homem para quem você está olhando, está loucamente apaixonado por sua esposa, e que não precisará continuar guardando esta garrafa como um lembrete.
Riley tirou-a da mão de Anna, abriu-a e despejou todo o conteúdo na pia. Em seguida, jogou a garrafa no cesto de lixo e estendeu os braços para Anna.
Ela se atirou neles.
Riley e Anna desligaram as motos, desmontaram e tiraram os capacetes. Do alto da montanha, dava para ver Locarno junto ao lago Maggiore e ao exuberante vale. Estavam quase chegando à fronteira com a Suíça com sua paisagem gloriosa e seus adoráveis chalés. A impressão de Anna era de estar mergulhada em um livro de contos de fada.
— O que acha? — Riley a abraçou por trás e beijou-lhe o pescoço.
— Não dá para descrever. É lindo demais. Estou tão feliz, Riley. — Ela se virou e abraçou-o. — Sinto-me como se estivesse flutuando.
Suas bocas se uniram em um beijo apaixonado. Eles estavam entregues a esse enlevo desde a noite que declararam seu amor um ao outro, um mês antes.
A vida do casal havia se transformado desde aquela reunião com o príncipe Enzo. Agora eles estavam ocupando a ala leste do palácio, como residência e local de trabalho, e só passavam os fins de semana no barco.
— O que me diz, Sra. Garrow, de passarmos a noite diante de uma aconchegante lareira?
— Vamos? — Anna propôs, eufórica. — Callie adora esse lugar onde iremos ficar.
— Vamos. Há algo importante que quero lhe dizer quando legarmos lá — Riley prometeu, cheio de mistério.
Nico e Callie estavam seguindo à frente de Riley e de Anna. Nico executava manobras incríveis. Anna olhou para o marido e fez sinal para que ele se juntasse ao cunhado, Riley sorriu e acelerou.
Do alto, Anna sorriu. Os dois pareciam crianças no início das férias escolares.
Naquele instante, Callie se juntou a ela para observarem os maridos.
— Se não podemos vencê-los, ao menos podemos nos unir a eles. Que tal? — Anna propôs, e as duas desceram a montanha, sob os olhares admirados e as palmas, agora dos maridos.
Tarde da noite, após um delicioso jantar, Riley e Anna estavam deitados no tapete, em frente à lareira, olhando um para o outro.
— Querida, nós ainda não falamos a respeito de filhos — Riley murmurou.
— É o que mais desejo no mundo — Anna respondeu. — Em quantos você está pensando?
— Em um para começar.
— Sinto, mas não posso prometer.
No primeiro momento, Riley estranhou a resposta. Depois, jogou a cabeça para trás e riu. Quando Anna deu por si, Riley a havia puxado para cima dele.
— Gêmeos. Não seria demais?
— A possibilidade o assusta?
— Não se você for a mãe.
Eles se beijaram longamente.
Anna agradecia a todo instante sua felicidade. Riley lhe dera seu coração para que o guardasse. Ele lhe dera sua confiança. Dependeria apenas dela fazer com que ele nunca se arrependesse de lhe ter entregue aquela emoção poderosa, magnífica, sagrada, maravilhosa, mas frágil, chamada amor.
Rebecca Winters
Leia também da autora
O melhor da literatura para todos os gostos e idades