Criar um Site Grátis Fantástico
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SEGREDOS DE HIGHLANDER / Janet Chapman
SEGREDOS DE HIGHLANDER / Janet Chapman

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Série Pine Creek Highlander

Volume 6

SEGREDOS DE HIGHLANDER

 

Megan escapou do excessivamente protetor clã dos MacKeage para trabalhar como cientista na tundra canadense. Ali, se apaixona pelo investigador Wayne Ferris, mas este a rejeita. Quando retorna ao Maine, só e grávida, conhece o novo chefe de polícia local, Jack Stone, que não é outro que Wayne. Em vez de um tranquilo cientista, Jack é um agressivo detetive particular que não se deterá diante nada para recuperar Megan, exatamente o mesmo que faria qualquer homem do clã MacKeage, dos que tentou escapar. Megan resiste com todas suas forças, mas não pode evitar sentir-se tão atraída por ele como no primeiro dia. E embora Jack assegura que a seguiu porque a quer como pode, Megan confiaria em um homem que oculta tantos segredos?

 

 

                   Para as que acabam de se unir a nós…

Faz trinta e oito anos, um velho drùidh[1] escocês chamado Pendaär realizou um feitiço para adiantar oito séculos no tempo o laird[2] Greylen MacKeage. Seu plano, era que Greylen conhecesse Grace Sutter e se casasse com ela com o fim de que tivessem sete filhas; a sétima, estava destinada a ser a herdeira de Pendaär.

O problema é que no dia decisivo a magia se descontrolou um pouco, e a incrível viagem à Escócia do século XII, não só Greylen realizou, também o fizeram três de seus homens e seis guerreiros MacBain, com os que estavam brigando nesse momento. A tempestade que se impôs ao tempo, absorveu até seus cavalos de guerra.

Ao ver-se em uma terra nova e estranha, os dez homens fizeram o que faria qualquer guerreiro temeroso a Deus: procurar refúgio na igreja mais próxima. Ali conheceram o velho sacerdote Daar, que ensinou os costumes da sociedade moderna e, ao final, convenceu-os de que seu destino se encontrava do outro lado do Atlântico.

Junto com Daar, os MacKeage se mudaram a Pene Creek, no estado do Maine, onde compraram vários milhares de acres de bosques madeireiros, construíram um moderno castelo que chamaram Gù Brath, e abriram a estação de esqui da montanha Tarstone. Por sua vez, os seis guerreiros MacBain, fiéis a sua natureza teimosa, decidiram estabelecer-se em Cape Breton, na Nova Escócia. Cinco deles morreram nos dois anos seguintes, enquanto perseguiam tempestades com a esperança de que voltassem a levá-los a sua época natural. Ao encontrar-se sozinho, Michael MacBain se mudou por fim a Pene Creek, onde adquiriu uma fazenda de árvores de Natal limitada com a terra MacKeage.

Em O feitiço de Grei, Greylen MacKeage, completamente adaptado à vida moderna, conhece a cientista espacial Grace Sutter e se casa com ela. Justo como prometeram a Pendaär o que os mandou, têm sete filhas, todas nascidas no dia do solstício de inverno: Heather, as gêmeas Sarah e Camry, as gêmeas Chelsea e Megan, Elizabeth e por fim a herdeira de Pendaär, Winter.

Quanto a outros guerreiros, em Amando o Highlander, Morgan MacKeage conhece Sadie Quill, casam-se e têm vários filhos. Nesse livro é também onde Callum MacKeage se casa com Charlotte. E pelo que se refere a Ian… Bom, terão que ler Tentar um highlander para descobrir o que acontece com ele!

Aos poucos meses depois de se mudar ao Maine, Michael MacBain se apaixona por Mary Sutter, a irmã de Grace, mas Mary morre justo depois de dar a luz ao filho de ambos, Robbie. No O Casamento do Highlander, quando Robbie só tem nove anos, Libby Hart chega a Pene Creek e volta do avesso o coração de Michael outra vez.

Passando a seguinte geração, a história de Robbie MacBain se conta em Tentar a um Highlander. Três anos depois Winter MacKeage, de vinte e cinco anos, encontra-se cara a cara com um destino que não esperava… nem desejava, em Só com um highlander. Nesse livro também conhecerão Megan MacKeage, a (gravidíssima) filha de Greylen e Grace a quem deixaram plantada.

E esta é sua história, em que Megan descobre uma magia absolutamente nova.

 

Megan MacKeage saiu com sigilo pela porta principal de sua casa e cruzou a grandes pernadas a passarela que guardava a entrada. Ao descobrir que já não podia abotoar o jaquetão, puxou-o por cima da avultada barriga e se dirigiu à cavalariça. Fazia quase duas semanas que ninguém via Gesader, e Megan não acreditava na explicação que lhe deu sua irmã Winter: que a pantera semi selvagem se limitava a esconder-se da multidão de gente, que invadiu Gù Brath fazia oito dias.

O caos social começava com a festa de aniversário sua e de suas irmãs, quatro dias antes do Natal, e não tocava a seu fim até depois de Ano Novo. Aquela celebração anual que durava duas semanas se transformou em tradição desde o nascimento de Heather, fazia trinta e três anos… Um nascimento ao que seguiram os de outros seis bebês nos dez anos posteriores: todas as meninas e todas nascidas no dia do solstício de inverno. À medida que as sete filhas de Grace e Greylen MacKeage cresceram e começaram cada uma por seu caminho, a reunião antes íntima foi ampliando-se quando as garotas retornavam cada dezembro a Pene Creek com maridos a reboque e uma quantidade cada vez maior de filhos atrás de si.

Duas semanas era muito tempo para que Gesader não aparecesse, disse Megan, inquieta, enquanto abria de um empurrão a enorme porta da cavalariça e ia para a casinha de Penugem de Ganso. Uma vez ali, deu um carinhoso tapinha no focinho do enorme cavalo de carga e, cantarolando, disse.

— Olá, garotão! Gostaria de me ajudar a procurar o Gesader? — Tirou a brida de Penugem de Ganso do gancho que havia sob a placa de seu nome e abriu a porta da casinha — A neve só chegará ao joelho e não há capa de gelo, assim que o passeio será fácil — Colocou o freio na boca e pôs as correias da brida por cima das orelhas — Não vejo esse diabo de cor negra do solstício e estou preocupada com ele, embora ninguém mais o esteja.

Depois de tirar Penugem de Ganso ao corredor, enganchou-o ao cabresto e apoiou a testa em sua grande e morna bochecha.

— E se está ferido? — Sussurrou — E se se enredou em uma armadilha para coiotes ou se foi chifrado por um macho alce ao que tentava caçar?

Por toda resposta, Penugem de Ganso soltou um interminável suspiro. Megan se dirigiu ao quarto dos arreios e, com muito esforço, tirou a pesada sela de montaria de seu suporte.

— Tem que me ajudar a escapulir sem que me vejam, Penugem de Ganso, porque estou farta de que me deem sermões me dizendo o que devo e não devo fazer — Grunhiu enquanto tirava a sela — Estou grávida, não inválida.

Nesse momento atrás dela uma voz sonora disse:

— Só dão sermão porque a amam.

Megan girou sobre seus calcanhares ao tempo que dava um grito afogado e deixava cair a sela de montar.

— Kenzie… — Balbuciou.

Tinha conhecido o imponente guerreiro das Highlands seis dias antes, no casamento de Winter e Matt Gregor. Orgulhoso, Matt o apresentou a todos os que se reuniram na alta pradaria da montanha Bear para o casamento, e explicou que era seu irmão, ao que não via fazia muito tempo. Ou, para ser mais exato, seu irmão de mil anos… Pois o Matt também o conhecia como Cùram de Gairn: um poderoso drùidh que se adiantou mil anos no tempo com o fim de misturar a outra maga poderosa… Que dava a casualidade de que era Winter, a irmã mais nova de Megan, para que o ajudasse a reparar um terrível dano.

A misteriosa aparição de Kenzie não surpreendeu a ninguém, tendo em conta que o pai de Megan, laird Greylen MacKeage, assim como seus tios Morgan e Callum MacKeage, e Michael MacBain, também eram viajantes no tempo.

Megan sentiu-se tonta ao dar-se conta de que ultimamente a magia que conhecia desde pequena, parecia estar disparando-se sem controle. Ou talvez estivesse tonta, por ter deixado de respirar de novo… Algo que, pelo visto, acontecia sempre que se encontrava perto de Kenzie Gregor.

Com seus dourados olhos carregados de recriminação, este disse:

— Uma lass[3] em seu estado não deveria levantar pesadas selas de montar —Recolheu a sela, voltou a colocá-la no suporte, deu a volta e saiu do quarto dos arreios — E tampouco deveria montar a cavalo.

Enquanto cravava a vista na porta pela que ele desaparecera, Megan inspirou fundo e contou até dez, mas ao ouvir que Penugem de Ganso voltava com passo lento a sua casinha, perdeu o que ficava de paciência. Saiu correndo ao corredor, tirou de Kenzie as rédeas da mão e voltou a levar o cavalo ao cabresto.

— Sou muito capaz de decidir o que devo e não devo fazer — Disse, enquanto voltava a entrar com passo apressado no quarto dos arreios.

Kenzie arqueou uma sobrancelha ao ver seu olhar feroz, e seus dourados olhos se iluminaram de regozijo.

— Compreendo que mal leva uma semana neste século — Prosseguiu ela — Mas não demorará para descobrir que nestes mil anos as coisas mudaram. Grávidas ou não, as mulheres do século XXI não querem que os homens deem sermões. Sabemos cuidar de nós mesmas.

— Entretanto o normal parece ser o matrimônio — Replicou ele — E isso implica que ainda precisam de dois para criar um bebê… — Pousou o olhar em sua barriga e ficou procurando pela cavalariça antes de voltar para seu lado — Mas não vejo nenhum marido por aqui te ajudando.

Megan sentiu que uma onda de calor ruborizava as bochechas. Por muito civilizado que parecesse Kenzie com sua roupa moderna, sua face bem raspada e seu cabelo curto, seguia tendo a mentalidade de um antigo.

— Não me importa se sejas tão velho como Matusalém, não tem direito a se intrometer em meus assuntos.

Deu meia volta e tirou Penugem de Ganso até a escada de montar, mas antes que pudesse tirar a neve dos degraus, de repente umas grandes mãos a subiram ao lombo do cavalo. E antes que acabasse de gritar de surpresa, Kenzie montou de um salto atrás dela.

— Então aonde vamos? — Perguntou ele com um suspiro de resignação, tirando as rédeas das mãos.

Megan não moveu um músculo.

— Não vamos a nenhum lugar. Você volta para a casa e eu vou subir à montanha Tarstone a procura de meu gato.

Sem fazer caso de sua rejeição, seu inesperado acompanhante pôs o Penugem de Ganso em marcha pelas pistas abarrotadas de esquiadores que desfrutavam das férias natalinas.

Como tinha muita experiência em tratar com homens de ideias antigas, Megan se deu conta de que não se desfaria dele facilmente; mais valia aproveitar-se de seu interesse por ajudá-la… Além do calor que seu enorme corpo irradiava como se fosse um alto forno. E, bom, talvez Kenzie tinha pego parte da magia de seu irmão e fazia o gato Gesader aparecer.

Alargou o braço para frente da mão dele para puxar as rédeas e fez girar a Penugem de Ganso para a estreita pista florestal que subia pela mastreada ladeira de Tarstone.

— Pelo outro lado — Disse — É provável que Gesader esteja escondido no bosque; não gosta das multidões.

Kenzie colocou o cavalo pelo caminho florestal cheio de neve.

— Nesta época do ano a maioria dos gatos estão aconchegados diante de um fogo, em vez de trabalhar em excesso andando por uma neve mais alta que eles.

— Gesader não — Disse Megan, ao tempo que se dizia que montar a pelo era muito mais prático que usar uma cadeira; entre o calor de Penugem de Ganso debaixo dela e de Kenzie envolvendo-a, ela sim que parecia estar aconchegada diante de um fogo… Ou se não, era que seus hormônios estavam em guerra de novo — Se proceder da Escócia do século X, como é que fala inglês tão bem?

Kenzie alargou a mão com que a segurava, subiu-a até o pescoço aberto do jaquetão e tentou fechar o botão de cima.

— Levo vários anos praticando. Deveria abotoar isso — Disse.

Ela afastou a mão.

— Não posso: a barriga está crescendo muito. Então faz vários anos que sabia que ia vir a este século? Por isso Matt necessitava a ajuda de Winter? O terrível transtorno que fez, e que esteve a ponto de matar todas as árvores da vida… Foi só para te trazer aqui?

Kenzie puxou-a, a pegou ao peito e rodeou a dilatada cintura com o braço.

— Mais ou menos. “Gesader” é uma antiga palavra gaélica. Por que pôs em seu gato o nome “Feiticeiro”?

Com muito teatro, Megan trocou de postura e se inclinou para frente para voltar a agarrar as crinas de Penugem de Ganso. Kenzie Gregor era virtualmente um desconhecido e, entretanto, agia como se fossem amigos por anos.

— Minha irmã que lhe colocou esse nome, porque em realidade é seu mascote. Eu voltei a Pene Creek faz só quatro meses, mas como este outono Winter passou tanto tempo com Matt, dava a impressão de que Gesader preferia minha companhia à sua. E além, não é um gato caseiro: é uma pantera.

— No Maine há panteras? — Perguntou Kenzie com curiosidade.

— Não. Temos linces[4] e linces vermelhos, e alguma vez se avistaram pumas, mas panteras não — Megan sorriu — Nosso primo Robbie MacBain adiantou o Gesader no tempo faz três anos, quando era um filhotinho pequenino. Robbie é nosso guardião residente que se encarrega de manter Pendaär na linha… Ou o era, antes que Pendaär perdesse todos seus poderes mágicos — Encolheu os ombros — Agora imagino que deve nos proteger de Winter e seu irmão. É o comerciante em madeiras que está casado com Catherine, e além disso é pai de Angus, que é o bebê.

— Sim, já me lembro; subiu-a nos braços à cama ontem à noite, quando ficou adormecida na poltrona — Kenzie soltou uma risadinha — E Pendaär é esse velho sacerdote casca grossa que sempre é o primeiro em sentar-se à mesa e o último em levantar-se, e que não para de me observar como se acreditasse que quero roubar os bigodes.

Megan riu.

— Esse é Pendaär, embora todo mundo o chama Pai Daar quando há modernos perto. Era um poderoso mago antes que transmitisse a magia a Winter. Foi o que trouxe meu pai e meus tios a este século faz quase quarenta anos. Embora, bem… frequentemente chateava seus feitiços, e acabou trazendo aqui a outros três MacKeage, assim como a seis guerreiros MacBain e a todos seus cavalos de guerra —Voltou-se para olhar Kenzie — Nessa época os MacKeage e os MacBain estavam em guerra, mas Michael e meu pai declararam a paz faz anos. Os MacKeage se estabeleceram aqui em Pene Creek quando compraram a montanha Tarstone. Construíram Gù Brath, puseram em marcha a estação de esqui e depois decidiram procurar esposas para reconstruir seu clã.

Kenzie meneou a cabeça.

— Mas, em vez disso, seu pobre pai engendrou sete filhas.

Megan lhe lançou um rápido olhar com o cenho franzido e voltou a fixar a vista para frente.

— Outra coisa que descobrirá sobre as mulheres do século XXI, senhor Gregor, é que o de ter um montão de filhos varões já não é importante. Graças à tecnologia moderna, com frequência ser mulher é mais uma força que uma fraqueza: as mulheres podem fazer tudo o que fazem os homens — Lançou-lhe um rápido sorriso de satisfação por cima do ombro — E além disso a maioria das vezes o fazemos melhor.

Com o formoso rosto banhado no sol da tarde, ele jogou atrás a cabeça e riu. Imediatamente Megan voltou a olhar para frente e começou a chamar o Gesader.

— Você disse que o velho sacerdote é chamado “Pai Daar” quando estão perto dos modernos. O que quer dizer com isso de “modernos”? — Perguntou Kenzie aproveitando uma pausa entre chamadas.

— Assim é como meu pai e meus tios se referem sempre às pessoas daqui. Os que viajaram no tempo são os antigos, e todos os deste século, os modernos. Como foi viajar no tempo?

— Terrível. Aterrador. Algo que eu não gostaria de repetir nunca.

— Uma vez a esposa de Robbie, Catherine, recuou com ele sem querer, e disse que tampouco queria voltar a fazê-lo. Também disse que quando foi parar à Escócia do século XII estava nua…

Enquanto pronunciava as últimas palavras, Megan deixou ver um amplo sorriso.

— Por isso tiveram que casar ela e MacBain?

— Não. Em realidade hoje em dia, os homens e as mulheres inclusive fazem amor sem que haja casamento… E não é que isso seja seu assunto.

— Ainda falamos de Robbie e Catherine? — Perguntou Kenzie em voz baixa — Sei que fica suscetível só ouvindo falar de matrimônio, lass. Por quê? O pai de seu bebê não te pediu que se case com ele?

— Isso não é seu assunto!

— Agora somos parentes, não é? Não transforma isso em meu assunto?

— Seu irmão está casado com minha irmã — Respondeu ela — Isso não é que nos transforma precisamente em primos carnais.

No mesmo momento Megan tampou a boca com a mão. “Primos carnais”? Mas como diabos tinha ocorrido aquilo?

Kenzie riu tão forte que, se não fosse que estivesse rodeando-a com seu robusto braço, teria caído de Penugem de Ganso.

— Não — Disse entre risadas — Isso não nos transforma em primos carnais — O braço com que a atava se esticou — Bom, e onde está o pai de seu bebê?

— Ardendo no inferno, espero — Espetou ela, zangada.

— Me diga onde está e irei atrás desse bastardo.

— Para que? — Balbuciou ela, olhando-o por cima do ombro.

— Para que se case contigo!

Megan inspirou fundo e voltou a olhar para frente, recordando-se de que século procedia Kenzie.

— Jamais consideraria me casar com um homem que não me ama.

— O amor não tem nada que ver com isto, lass. Vão ter um filho juntos, queiram ou não.

— Sou muito capaz de criar meu filho sem ele.

— Não o duvido. Mas seu bebê não merece conhecer seu pai?

— Ele ou ela terá dúzias de tios e primos varões. Tenho a toda uma família que me ajudará aqui em Pene Creek. Se alguma vez nascer consciência em Wayne Ferris e decidir que quer conhecer seu filho ou filha, já tratarei com ele; enquanto isso, não quero nada com esse tolo.

— Sabe do bebê?

— Sim.

Kenzie ficou calado um momento; depois, em voz baixa, disse:

— Nossa irmã abandonou o pai do bebê. Chamava-se Fiona e não tinha família que a ajudasse. Matt e eu estávamos longe, combatendo em guerras, e nossa mãe morrera no ano anterior. Fiona só tinha a nosso pai, e pelo que notei, já estava perdendo a cabeça.

— O que aconteceu com ela?

— Morreu ao dar a luz, e seu bebê morreu pouco depois.

Megan abraçou a avultada barriga.

— Lamento muitíssimo. Acredito que isso explica por que está tão preocupado comigo — Sorriu com expressão tranquilizadora — Mas de verdade estarei bem.

Com passo lento, Penugem de Ganso chegou a uma colina açoitada pelo vento, e o bosque se abriu a uma vista espetacular do lago Pene, que ficava quase trezentos metros abaixo. Kenzie deteve o cavalo, desmontou e a ajudou a descer.

— Sim, estará bem. Assegurarei-me de que assim seja — Disse — Bom, e quanto a Gesader — Acrescentou, enquanto pegava seus ombros com suavidade —…tenho, bem… Tenho que te explicar uma coisa sobre seu mascote desaparecido, lass.

 

Jack Stone apoiou os braços na porta do carro patrulha para não mover-se e enfocou os binóculos para a face norte da montanha Tarstone. Começou a busca pelas estreitas franjas de neve que se estendiam da cúpula até o pé. Fazendo pouco caso dos esquiadores, procurou um movimento mais significativo, algo que se movesse sobre quatro patas. Uma vez convencido de que o cavalo não subia pela borda das pistas nem pelos caminhos de teleférico, Jack realizou um panorâmico para o oeste por cima das entupidas píceas e pinheiros, detendo-se nos isolados claros do bosque o tempo suficiente para decidir que em nenhum havia alguém.

— Vamos, carinho. Onde está? — Disse em voz baixa — E com quem cavalga?

Seguiu abrindo-se passo pela montanha, embora sabia que localizar a seu objetivo naquele acidentado terreno era mais ou menos tão fácil como encontrar um adolescente fugitivo na cidade de Nova Iorque. Mas como mais de uma vez teve êxito precisamente nessas circunstâncias, prosseguiu sua metódica busca com a paciência de um caçador que não está acostumado a fracassar.

— Bingo! — Disse quando ao cabo de dez minutos o cavalo com dois cavaleiros apareceu a uma colina de granito na metade da montanha. Então jogou os binóculos no assento do carro patrulha, foi dando grandes pernadas até a parte traseira do Suv azul e branco, abriu o porta-malas e pegou a proteção do rifle. Depois de olhar a um lado e outro da apartada estrada, tirou o potente rifle que não entregaram junto com as algemas e a insígnia na semana anterior, quando se transformou em chefe do novo corpo de polícia de Pene Creek.

Com um bufo zombador abriu o ferrolho do rifle. Grande corpo… Exatamente estava no comando de um ajudante recém saído da academia e de uma administradora com pinta de avó.

Igual aos vizinhos municípios de Lost Gore e Frog Cove, Pene Creek cresceu a passos longos, conforme explicaram a Jack os vereadores do povoado durante sua entrevista. E embora as três pequenas comunidades turísticas contavam com a proteção do xerife e a polícia do Estado, desejavam poder chamar a seu próprio braço da lei quando a alguém parecia divertido trocar objetos pessoais entre os cidadãos.

Aquelas foram as palavras exatas que empregaram os vereadores. Em realidade não se roubou nada; simplesmente tinham redistribuído entre diversas casas, acampamentos de verão e comércios, umas quantas churrasqueiras de gás, brinquedos, bolas e decorações natalinas. Jack esteve a ponto de oferecer-se a aceitar o trabalho grátis, já que a onda de delinquência mais perigosa de Pene Creek não era mais que uma turma de adolescentes aborrecidos.

De novo foi à parte dianteira do Suv e se apoiou no capô para olhar pelo olho telescópico acoplado ao cano do rifle. Viu o cavalo, agora sem cavaleiro, e depois às duas pessoas que estavam de pé junto a ele. Sem afastar o olho da lente, subiu o aumento até que a fim Megan MacKeage ficou perfeitamente enfocada.

Jack conteve o fôlego ao vê-la. O cabelo vermelho que chegava aos ombros não parava de revoar no rosto, apesar de seus esforços por colocá-lo atrás das orelhas; tinha as bochechas, levemente sardentas, avermelhadas de frio, e os olhos, que Jack sabia que eram de um verde que chamava a atenção, entrecerrados para proteger do sol de meio-dia, enquanto elevava a vista para o homem que segurava seus ombros.

Jack incluiu a estação de esqui de Tarstone em suas rondas diárias, pois estava bastante seguro de que, embora passasse de carro pela frente, Megan não o reconheceria. Ver às pessoas fora de seu entorno habitual, em particular se tinham trocado de aspecto tanto como ele, sempre facilitava a tarefa de esconder-se à vista de todos.

Essa manhã, enquanto atravessava sem pressa o estacionamento do complexo turístico, viu Megan sair de sua casa a cavalo, aconchegada no peito de um homem ao que não tinha visto nunca no povoado. Jack não foi com a cara dele, postura, gestos e heranças genéticas, e embora estava a uns duzentos metros de distância, não observou nenhum parecido entre aquele tipo e os MacKeage ou os MacBain que conhecia, além do tamanho.

Nesse momento dirigiu o potente olho telescópico do rifle para ele. Sem dúvida aquele bastardo era grande: ao menos superava em trinta centímetros o metro sessenta de Megan. Seus ombros eram largos e a compleição de alguém a quem Jack quereria ter de seu lado em uma briga.

Um primo? Ou um tio, possivelmente?

Ou um namorado?

O som de um veículo que se aproximava do povoado pôs fim a sua vigilância, assim como a suas conjeturas. Dando grandes pernadas, foi à parte traseira do Suv, voltou a colocar o rifle na proteção e baixou a porta do porta-malas justo quando uma caminhonete azul e branca dobrava a curva e parava derrapando.

O agente Simon Pratt saiu da nuvem de neve espalhada que ele mesmo formou e apareceu à aberta porta dianteira do Suv de Jack.

— Seu rádio não funciona. Ouça, se nem sequer está ligado… — Disse, enquanto alargava a mão até o console; endireitou-se e olhou para Jack com o cenho franzido — Ethel e eu levamos toda a manhã chamando-o no celular e no rádio, e passei duas horas buscando-o.

Jack tirou o celular do bolso para comprovar a cobertura… E descobriu que tampouco estava ligado. Antes de voltar a colocá-lo no bolso, ligou-o.

— Perdão — Disse — E o que aconteceu?

— Ontem à noite entraram para roubar na padaria. Aquilo parece um desastre.

— Entraram para roubar? E destruíram o local? — Perguntou, surpreso — Mas não costumam agir assim: pelo geral só levam coisas que haja no exterior.

Simon encolheu os ombros.

— A padaria não abre as segundas-feiras, de modo que a proprietária não chegou até esta manhã às oito. Penou em ficar o dia com a papelada, mas se encontrou com que quebraram da porta traseira para entrar e quase todas os estoque estavam espalhados por toda parte. Chamou a nosso escritório, e após estamos buscando-o Ethel e eu. Estávamos a ponto de chamar o xerife.

— Por quê?

Sua pergunta deu a impressão de sobressaltar Simon.

— Porque não o encontrávamos.

Jack dirigiu um penetrante olhar.

— Como é que não ocorreu, simplesmente, ir à padaria sem mim a ocupar do lugar dos fatos?

— Ah, claro, mas é que isso já o tenho feito; quer dizer, protegi o lugar dos fatos. Rodeei o local com fita e disse à proprietária que ponha na vitrine dianteira um cartaz de “Fechado até novo aviso”.

Jack tirou os binóculos do assento e se meteu no carro patrulha.

— Então vamos dar uma olhada no seu lugar de delito. Pelo caminho, trate de recordar o que lhe ensinou a academia sobre como tramitar um roubo com invasão de moradia.

— “Meu” lugar de delito? — Simon parecia sobressaltado outra vez.

— Você atendeu a chamada, não?

— Bom, sim, mas você é o chefe.

— E não sempre estarei disponível, não é? Então, posto que é você o segundo no comando, conto com que faça frente a algo que surja — Arqueou uma sobrancelha — Se licenciou com honras, não é?

Simon endireitou os ombros.

— Até dormido poderia me ocupar desse lugar dos fatos.

— Pois seguirei seu exemplo — Disse Jack, ao tempo que fechava a porta.

Observou Simon, que recuava até sua caminhonete dando grandes pernadas com aspecto de ter crescido uns bons cinco centímetros. Com o cenho franzido, Jack deu uma última olhada a Tarstone, fez girar a chave no contato, colocou uma marcha e pisou no acelerador.

Vá que sim; certamente que seguiria o exemplo de Simon. Porque, apesar do que dava a entender seu curriculum, ele não sabia um pingo sobre como ocupar-se de um lugar de delito, pois suas habilidades cobriam um campo absolutamente deferente.

 

Megan olhou para Kenzie como se acabasse de brotar outra cabeça, e Kenzie se obrigou a ficar totalmente quieto, embora desejava estreitá-la contra seu peito para acalmar o susto. Claro que também tinha a mesma imperiosa vontade de correr a meter-se no bosque, envergonhado. Ao dar-se conta de que a tinha seguro muito forte pelos ombros, recuou e colocou as mãos à costas. Só podia imaginar como se sentia Megan. Em realidade, até que não pronunciou as palavras em voz alta, inclusive ele começava a acreditar que tudo aquilo não tinha sido mais que um pesadelo de duzentos anos.

— V... Você não pode ser Gesader — Sussurrou ela com a face pálida como a neve — O conheço desde que era um filhotinho.

— Conhece-me , lass. Só tem que me olhar, Megan, para se dar conta de que é verdade. Não são estes os olhos de seu mascote? — Kenzie tocou a face debaixo de um olho e depois levou a mão ao coração — Eu sou o filhotinho de pantera que MacBain adiantou da Escócia do século XII.

Ela deu um passo atrás, como se tentasse distanciar-se de suas palavras. Em um sussurro apenas audível, repetiu:

— Mas você não pode ser Gesader — Recuou outro passo.

Por fim sua vontade de consolá-la se impôs, e, com a velocidade do raio, Kenzie avançou e a tomou em seus braços. Imediatamente Megan começou a lutar, de modo que ele se limitou a sentar-se na neve com ela no colo.

— Eu estava morrendo no campo de batalha quando Matt me encontrou, faz mil anos — Explicou — E esse foi o dia em que meu irmão fez seu trato com a Providência.

Ela ficou quieta, com o olhar fixo para frente, para o lago Pene; pelo visto sua curiosidade anulava seu espanto.

— Matt não tinha forma de saber o que desencadearia seu pedido — Prosseguiu ele — Eu era a única família que ficava e estava mortalmente ferido, assim que meu irmão aceitou sua vocação como poderoso drùidh com a condição de que me perdoassem a vida.

Ela continuou calada e rígida em seu abraço. Ele inspirou fundo e continuou:

— Só que eu já começava a me dirigir para uma luz incrivelmente brilhante, sabe? Que me brindava um maravilhoso alívio — Inclinou-se para estar mais perto, e seu queixo roçou seu cabelo — Ansiava sentir o que essa luz me prometia, mas pelo visto Matt me necessitava mais… Só que já era muito tarde para que eu seguisse vivendo como Kenzie Gregor. Fiquei flutuando, perdido, durante o que me pareceu uma eternidade até que, de repente, me transformei em um potro, nascido de uma égua ali mesmo, no campo de batalha.

Baixinho, Megan deu um grito afogado.

— Passei os seguintes duzentos anos sendo diferentes animais. Vivi, morri e voltei a nascer centenas de vezes, como criaturas selvagens e domésticas.

Com voz desprovida de toda emoção, ela disse:

— Então Matt não conseguiu nada. Você não foi Kenzie: foi um animal.

— Sim, mas seguíamos nos reconhecendo, lass. E além quatro vezes ao ano, nos solstícios e os equinócios, de novo me transformava em homem durante vinte e quatro horas.

— Então, que se transformar em animal alterou o continuidade da vida?

Ele afastou uma mecha de cabelo de sua face e o colocou atrás da orelha.

— O trato de Matt com a Providência não tomou em conta absolutamente meu livre-arbítrio, Megan. Não me deu a oportunidade de decidir se preferia morrer ou viver sendo um animal.

Ela voltou a cabeça para olhá-lo.

— O que teria escolhido?

— A morte. E isso fiz por fim ao cabo de dois séculos: roguei a Matt que encontrasse o modo de permitir morrer uma última vez, preferivelmente como homem. Então se deu conta de que necessitava ajuda para desfazer seu engano e começou a idear a forma de reunir-se com sua irmã. Por isso atraiu Robbie MacBain de volta até a Escócia do século XII para que trouxesse para esta época a raiz principal de sua árvore da vida… E, além disso, a mim.

— Por que necessitava da ajuda de Winter, se é um drùidh tão poderoso?

— Além de drùidh, Matt também é guardião, e os guardiães não podem intrometer-se em nossas vidas. Só nos protegem da magia.

— Ele se intrometeu na sua?

— Sim. E alterou tanto a evolução contínua da vida que estivemos a ponto de pagar todos — Estreitou-a suavemente — Mas graças a sua sábia e muito teimosa irmã, tudo saiu bem. Eu volto a ser eu mesmo, morrerei de morte natural uma última vez, e, junto com a Providência e um pouquinho de ajuda de Tom o Falador, agora Matt e Winter têm uma árvore da vida ainda mais poderosa.

De repente Megan saiu como pôde de seu colo e, enquanto se voltava a olhá-lo com a cara ruborizada, gritou:

— Winter! Ela sabia desde o começo! Levo toda a semana preocupadíssima por Gesader, e ela nem sequer me disse que era você! — Tão rápido como surgiu seu aborrecimento, empalideceu de novo; sua voz se transformou em um sussurro ao tempo que assinalava o Kenzie com um dedo acusador — Levo chorando em cima de você estes quatro meses… Se até dormiu em minha cama!

Inquieto se por acaso se recuava e caía pelo bordo da colina, Kenzie ficou de pé e foi para ela.

— Como pantera, Megan — Disse — Não como homem.

— Contei-te meus segredos mais profundos, mais ocultos — Ela recuou outro passo — Eu…

Kenzie se jogou, alargando as mãos para agarrá-la, no preciso momento em que Megan se deu conta do perigo. Mas em vez de agarrar-se a ele para sustentar-se, empregou seu impulso para fazer ele perder o equilíbrio. E, depois de dar um empurrão surpreendentemente forte no peito, pôs-se a correr e se afastou.

Por sua vez, Kenzie caiu da colina e foi parar em um monte de neve tão alto como ele.

— Megan! — Gritou — Não corra, lass!

Ela apareceu por cima da borda e, ao ver que não tinha caído longe, mas que estava totalmente apanhado, desapareceu.

— Megan!

Mas ela não retornou.

— Ganso! — Gritou Kenzie, enquanto jogava o corpo de um lado a outro para liberar do monte de neve.

A cabeça do cavalo apareceu por cima da borda da colina, e seus cascos atiraram mais neve solta.

— Já voltarei sozinho. Você vá alcançar a sua dona e leva-a a casa.

O cavalo desapareceu e Kenzie deu um bufo. Então Matt tinha razão: sim, de verdade sabia falar com os animais.

 

Jack contemplou a pequena cozinha da padaria e bistrot do lago Pene.

— O que é esse cheiro? — Perguntou às duas pessoas que o olhavam fixamente; pelo visto esperavam que dissesse algo próprio de um chefe de polícia.

— Eu também o notei assim que entrei esta manhã — Disse Marge Wimple, a pequena e grisalha proprietária da padaria, que em seguida franziu o nariz — Cheira a azedo.

— Como a vegetação podre ou algo assim, só que orvalhada com açúcar —Acrescentou Simon Pratt.

— Vão deter esse moleque do Tommy Cleary agora mesmo — Disse Marge — Todo mundo sabe que é o cabeça, e além disso, a casa dos Cleary está justo ao lado de um pântano: daí é de onde vem esse cheiro. No que outro lugar vai haver barro em pleno inverno? — Acrescentou, depois de assinalar uma mancha marrom no chão; depois apontou com o dedo a Jack — Coloque medo no corpo de Tommy e faça que diga quem são seus cúmplices. Mas olhe o que fez a minha loja! — Passeou o choroso olhar por aquela desordem — Demorarei uma semana em limpar o local e outra semana em reabastecer todos meus estoque. Isso são duas semanas perdidas, justo na metade da temporada de mais movimento…

Jack se agachou para tocar uma das manchas marrons.

— Necessito algo mais que o fato de que viva perto de um pântano para levar Tommy Cleary à delegacia de polícia e interrogá-lo — Cheirou o barro — Certamente isto é de um pântano, mas não é o cheiro que continua estando no ar — Viu uma substância viscosa na borda da vitrine quebrada dos donuts e se aproximou para cheirá-la — Vem daqui.

Ao tempo que pronunciava as últimas palavras se colocou de um lado e, com um gesto, indicou a Simon que a cheirasse. Simon se apressou a fazê-lo e ficou direito de um salto.

— Caramba! — Disse — Que fedor. O que é?

— Isso terá que nos dizer o laboratório.

— Que laboratório? — Perguntou Simon.

Jack olhou a seu ajudante franzindo o cenho.

— O Estado tem um laboratório de medicina forense que poderemos usar, não é?

— Ah, sim. Claro — Simon foi a toda velocidade até sua maleta de recolher provas — Direi a Ethel que os chame para descobrir como mandamos as coisas.

— Digo que é esse menino Cleary e seus irmãos — Disse Marge — Joan Cleary deixa que esses meninos andem soltos como um bando de selvagens. Todo mundo sabe que foram eles os que me roubaram o rótulo no mês passado, e além disso, os que levaram o chifre de alce da fachada da loja de Rose Brewer. Demoramos toda uma semana em recuperar nossas coisas; um pescador as encontrou pendurando de sua cabana do lago a três quilômetros da ribeira — Com passo irado, aproximou-se de Jack — Contratamos você para que detenha estas tolices, mas não faz nada a não ser piorar — Voltou a levantar o dedo com a clara intenção de lhe dar no peito, mas quando seu olhar se encontrou com o dele, mudou de opinião — O que vai fazer com isto, chefe Stone?

—O ajudante Pratt e eu vamos investigar a fundo seu roubo, senhora Wimple. Recolheremos impressões digitais e provas, daremos uma olhada por aí e falaremos com as pessoas se por acaso alguém viu algo. Quando dissermos, provavelmente em algum momento de amanhã pela manhã, já pode começar a limpar — Dirigiu o que confiou em que fosse um sorriso próprio de um chefe de polícia — A manteremos informada do que ocorra. Obrigado por sua importante colaboração, senhora Wimple.

Enquanto terminava de falar se dirigiu para a porta traseira da padaria e se deteve junto a Simon, que estava raspando um pouco de barro e colocando-o em um saco de plástico.

— Faça uma foto com essa câmara digital novinha — Com a cabeça assinalou para a grande “maleta de recolher provas”… Que seria uma estupenda caixa para os arranjos de pesca — Faça umas quantas aqui dentro, depois tire umas quantas mais da parte de fora, da fachada e da traseira da loja.

— Claro, Chefe.

— Meu nome é Jack — Disse a Simon pela enésima vez — Os brancos deixaram de nos chamar “chefe” faz várias décadas já.

Simon abriu os olhos como pratos.

— Você é índio? — Balbuciou, enquanto a face punha de um vermelho escuro.

— Meio Cree canadense[5] — Disse Jack — Assim deixe já o de “chefe”, certo?

— Sim, senhor.

Jack deu um bufido e saiu agachando-se por debaixo da fita que isolava a cena do crime. Depois colocou os óculos de sol, deteve-se na metade do beco que discorria entre as lojas e o lago Pene e deu uma olhada à zona comercial do centro urbano. Às fachadas da parte da rua, dedicaram muito dinheiro, mas as traseiras dos edifícios eram ainda mais impressionantes. Nada de ruelas cheias de contêineres de escombros ou de reciclagem. As lojas estavam a cinquenta metros da costa, e o povoado tirou proveito disso construindo um parque com bancos, ajardinando-o com árvores e, além disso, colocando em pontos estratégicos diversos artefatos de exploração florestal. A padaria e bistrot do lago Pene ficava flanqueada por uma loja de objetos de artesanato, uma galeria de arte, uma loja de miudezas e, por fim, um restaurante com grandes janelas que davam ao lago.

— Descubra se esse corrimão já estava quebrado ou se a brecha é nova — Disse Jack a Simon quando o ajudante saiu com a câmara — A mancha que há na ombreira é também dessa lama?

Simon se inclinou mais perto a olhar, mas imediatamente recuou.

— É o mesmo, é claro que sim.

— Faça uma foto — Ordenou Jack, ao tempo que se voltava para esquadrinhar a neve — O que lhe parece isto?

Simon se aproximou junto a ele e entreabriu os olhos para olhar aonde Jack assinalava.

— Isso são rastros.

— Mas que espécie de rastros? — Perguntou Jack; com cuidado passou por cima do montão de neve que havia junto a elas e as seguiu, entrando na capa de neve imaculada enquanto estudava o terreno em um círculo de quinze metros — Começam aqui de repente — Assinalou o chão — Saem de um nada, como se algo chegasse voando, aterrissasse aqui e depois caminhasse até a padaria. Faça uma foto disto também — Disse, ficando de cócoras sobre um dos buracos — Não distinguo a forma do rastro porque arrastaram algo por cima.

Simon tomou várias fotografias e depois seguiu fotografando o caminho que faziam os rastros. Sem deixar de trabalhar, perguntou:

— São muito grandes para ser de um pássaro. Uma dessas pranchas de esqui, talvez? Ou um ultraleve? Os fins de semana voam um montão de ultraleves caseiros pelo lago.

— Algum da família Cleary? — Perguntou Jack enquanto voltava para a gelada costa.

— Não. Os Cleary apenas as arrumam para comprar comida. Um avião de pequeno porte teria feito ruído; possivelmente alguém ouvisse algo.

Jack meneou a cabeça.

— Não há rastros de onde separou de novo. Quem quer que veio aqui, foi caminhando.

— Ou usou a rua principal como pista de decolagem.

Jack pensou um momento.

— Uma asa delta ou um paraguaio grande têm mais lógica que um avião de pequeno porte, embora seja pequena. E, além disso, arrastar um planador deixaria essas marcas — Voltou a menear a cabeça — Mas é uma forma muito pouco comum de ir roubar. Possivelmente os rastros não tenham nada que ver com nosso roubo.

— Mas vão diretamente à padaria — Assinalou Simon.

— Não entraram para roubar em nenhuma das outras lojas?

— Não. Comprovei as lojas de ambos os lados da rua, e tudo está justo como os donos o deixaram ontem à noite.

Jack olhou o concorrido lago, salpicado de diminutas ilhas, moto de neves que passavam a toda velocidade, cabanas de pesca e inclusive umas quantas caminhonetes com máquina de limpar neve acoplados. Diabos, aquilo estava mais concorrido que a rua principal… Voltou a olhar à padaria. Bom, o que aconteceu para que uma turma de adolescentes aborrecidos passassem de fazer inofensivas brincadeiras à invasão de moradia?

E, além disso, que diabos tinha deixado aqueles rastros?

 

—Sabia que te encontraria aqui embaixo.

Megan elevou a vista da tela do computador, olhou um instante a sua irmã com o cenho franzido e voltou para a página da Internet.

—Vá — Disse.

É obvio, Camry não fez conta. Entrou no laboratório de ciências de Gù Brath, aproximou uma cadeira e apoiou o queixo nas mãos enquanto observava atentamente a tela.

— Perguntava-me quanto demoraria para se cansar de trabalhar na galeria de Winter — Alargou a mão e bateu em a uma tecla para deslocar-se pela página — Me surpreende que tenha demorado três meses. A Ilha de Páscoa não… — Murmurou, batendo na tecla outra vez — Nem Costa Rica tampouco: faz muito calor. Aí! —Assinalou a nova página da internet — Vá contar águias de Steller na costa da Libéria. Certamente está o bastante longe para nos dar a todos uma lição.

Megan alargou a mão e desligou o monitor.

Imediatamente Camry reacendeu-o.

— Não, acredito que deu prego, Meg, deve pôr-se a correr tão rápido e o longe que possa, e ao diabo com todo mundo. É uma mulher adulta, assim, para que perder tempo aqui, aguentando os mimos de uma família que te ama?

Megan baixou o olhar a seu colo.

— Isto está acabando comigo, Cam. Mamãe e papai me tratam como se fosse uma frágil peça de cristal: temem que me faça pedacinhos só com um olhar fora de tempo — Encheram os olhos de lágrimas — Ontem papai inclusive ficou de joelhos para me atar os sapatos.

Camry pôs as mãos sobre as de Megan.

— Não pode evitá-lo: é de uma época em que estar grávida e ser solteira era quase a pior situação em que podia encontrar uma mulher. Todos nos preocupamos com você porque a amamos. Mamãe me disse que voltou chorando de seu trabalho de campo no Canadá, e que passou chorando quase um mês quando Wayne Ferris te partiu o coração.

— Mas o interesse de todo mundo não faz mais que piorar as coisas; voltei para casa procurando proteção, não compaixão. E, certamente, esperava mais de você. Somos mais parecidas que nossas próprias gêmeas, e estava completamente segura de que entenderia que não me transformei em uma boba incapaz de me valer por mim mesma. Então, como é que não me contou de Kenzie?

Camry se tornou atrás na cadeira.

— Aaah… Por isso busca um trabalho: para fugir de novo, só que desta vez do que, Meg? Por que te desgosta que Kenzie seja Gesader? Não pode ser a magia, já que crescemos com ela. O que é então?

— Por que não me diz isso você?

— E como ia eu te explicar que a pantera com a que esteve dormindo estes quatro meses era em realidade um homem? — Inclinou-se para frente — Todo mundo sabia que se sentiria muito violenta.

— E ninguém imaginou o que ocorreria, quando Gesader não voltasse a aparecer? — Sua voz se transformou em um sussurro — Cam, é que eu contei tudo a esse felino: todos meus segredos mais profundos e mais ocultos —Tapou a face com as mãos — Meu Deus, inclusive contei como arranquei a roupa de Wayne e fiz amor sob as estrelas.

— E além, Gesader te via nua quando se preparava para dormir. Isso realmente é o que te deixa tão nervosa, não é? Isso e que, embora não conseguiu esquecer o Wayne, acha Kenzie misteriosamente atraente. Bom, por certo, quem lhe contou isso por fim?

— Ele. E Kenzie não me interessa nesse plano.

— Por que não? É muito bonito, viu-a em seu pior momento e não sai correndo quando se aproxima. Então, o que tem de mau em que você goste “nesse plano”? Queria paquerar com ele eu mesma.

— É que é um guerreiro.

Para ouvir o tom de Megan, Camry arqueou as sobrancelhas.

— E, exatamente, o que tem de mau nos guerreiros? Representam a maior parte de nossa família, incluída nossa geração. A metade de nossos primos serviu no exército.

— Pois justo por isso me apaixonei por Wayne: e é que sua primeira reação diante um problema não é dobrá-lo até acabar com ele, e sim resolvê-lo de forma pacífica. Não tem nem um átomo de agressividade. Interessam-lhe as coisas que me interessam, é tímido, terno e sensível, e além disso tem esse pingo de encantadora estupidez ao agir…

— Os homens de nossa família sabem ser sensíveis e ternos.

— Wayne nem sequer saberia por qual extremo se pega uma espada — Repôs Megan — E muito menos como disparar uma arma de fogo. Deveria tê-lo visto com os estudantes lá na tundra, Cam. Por muito acalorados que ficassem em suas pequenas discussões, Wayne pacificava a situação sem levantar a voz sequer.

— Soa como um Nerd.

— E é: um maravilhoso, formoso e sensível Nerd… E como vantagem adicional, só mede um e setenta e cinco, de modo que não me dá torcicolo ao falar com ele. Eu adoro os homens de nossa família, Cam, é só que não quero estar casada com um deles. Eu quero Wayne.

— Pois vá procurá-lo! — Espetou Camry, zangada — Em vez de procurar um novo trabalho na outra ponta do mundo, move esse triste traseiro e leva o de volta ao Canadá.

— Para que? — Espetou Megan a sua vez — Para implorar a Wayne que se case comigo?

— As MacKeage não imploram — Camry entrecerrou os olhos — A Megan com a que eu cresci lutaria pelo homem que amava. Ela sim, que não estaria escondendo-se na fortaleza familiar, montando um festival de auto compaixão de quatro meses.

Megan levantou o queixo.

— Não me escondo. Em realidade, tenho pensado falar cara a cara com Wayne.

— Quando?

De novo, Megan começou a deslocar-se pela página.

— Assim que me organize — Murmurou — Por isso procuro um novo trabalho. Vou conseguir um emprego remunerado outra vez para mudar a minha própria casa, e depois vou descobrir o paradeiro de Wayne e vou mostrar exatamente o que desperdiçou.

— Essa sim é a irmã com a que cresci. — De repente a face de Camry se animou mais ainda — Sabe o que isso quer dizer, Meg? Se der um chute no traseiro de Wayne, rompe a maldição que faz que fiquemos grávidas a primeira vez que fazemos amor com nossos futuros maridos! — Fez um gesto com as sobrancelhas — E isso quer dizer também que sou livre para começar a ficar com meninos outra vez… Talvez sou eu a que vai atrás de Kenzie.

Mas Megan não sentia o entusiasmo de sua irmã.

— Por que não funcionou a maldição comigo? E além disso, é… É virgem ainda?

A face de Camry se tingiu de rosa.

— Não — Disse em voz baixa — E você, era?

Megan meneou a cabeça.

— Tive outras relações.

— Hmm… De modo que isso significa que o perigo não é fazer sexo, mas sim ficamos grávidas dos homens com os que estamos destinadas a nos casar.

— Então o que aconteceu comigo?

Camry encolheu os ombros.

— Quem sabe? Talvez a alteração que Matt provocou na contínua evolução da vida danificou tanto a magia que deteve a maldição. Enfim, vamos — Disse, ficando de pé — O jantar está preparado.

Megan se voltou outra vez para o computador.

— Não tenho fome.

— Em algum momento tem que enfrentar o Kenzie, Meg. Não vai partir.

— Não, mas eu sim. Olhe! Há um posto vago para um biólogo de campo aqui mesmo, no Maine.

Camry se inclinou por cima de seu ombro e leu o anúncio.

— É para a área de captação de águas do lago Pene — Endireitou-se franzindo o cenho — Que possibilidades tem isso?

— Quase nulas.

— Exato. E além disso o que financia a subvenção não é dinheiro estadual nem federal, e sim privado. Parece-me que não deveria se apresentar, Meg. Recorda o que aconteceu com a tia Sadie, não? Acreditou que uma sociedade anônima de exploração a contratou, mas resultou ser a cobertura de um tipo que procurava uma mina de ouro que não existia.

— Isto tem que ser legal — Megan assinalou a parte inferior da tela — É um escritório sobre impacto ambiental, prévio à construção de um novo complexo turístico no extremo norte do lago. Um tipo chamado Mark Collins procura um ajudante que faça o trabalho de campo propriamente dito. Eu prefiro o trabalho de campo a dirigir o escritório, de maneira que é perfeito para mim.

— Digo que isto dá medo — Repôs Cam — Ultimamente tem jorrado tanta magia que não há maneira de saber por que apareceu esse trabalho aqui.

— Mas suporia sair de Gù Brath e buscar uma moradia de aluguel no povoado. Levo bem a mamãe e papai em pequenas dose se tiver um lugar ao que escapar. Preciso recuperar minha vida.

— Em Pene Creek? — Perguntou Camry; estava claro que seguia tendo dúvidas.

— A área de captação de águas abrange centenas de quilômetros quadrados. Procurarei uma moradia de aluguel um pouco mais longe.

— Mais longe não há nada mais que ursos e árvores.

— E uma maravilhosa paz.

Camry meneou a cabeça.

— Sigo dizendo que é muita casualidade.

— Ou talvez a Providência tenta compensar por ter estragado minha vida —Sugeriu Megan; de repente se sentia mais alegre — Vamos comer, morro de fome… Mas não conte isto a ninguém — Disse, enquanto apagava as luzes — Me prometa que não o dirá.

— Nem sequer sabe se conseguirá o trabalho.

— Brinca? A magia tem uma dívida enorme comigo… Mas não quero contar a mamãe e papai até que tenha encontrado uma moradia de aluguel e tenha me instalado.

— Papai vai ficar como uma fera.

— Olhe, sobreviverei. Bem que sobreviveu a suas queixa de que segue sendo uma solteirona à avançada idade de trinta e um anos.

— Não estou preparada para um lar e um marido; tenho galáxias por explorar.

— Mamãe encontrou o modo de fazer as duas coisas.

— Mas esqueceu de me transmitir seu gens multitarefa. Eu não sei me concentrar em mais de uma coisa cada vez.

Megan agarrou no braço de Cam e se dirigiu ao andar de cima.

— Sim, mas você é a bonita da família. Sente-se a meu lado no jantar e desvia a conversa de qualquer tema incômodo, que tal?

Camry deu um suspiro exagerado.

— Vê por que me dá medo ficar grávida? Em só cinco meses passou de ser a vândala à pacata da família.

— Huy, talvez ainda tenho umas quantas brincadeiras reservadas… — Disse Megan rindo.

 

Os temores de Megan a respeito do jantar não demoraram para acalmar-se, pois o principal tema de conversa foi o roubo da noite anterior na padaria e bistrot.

Isso e o novo e sexy chefe de polícia do povoado.

Bom, os homens não se referiam a Jack Stone como sexy, mas certamente Chelsea, a gêmea de Megan, sim… Para grande consternação de seu marido.

— Não é muito alto, mas vá se não veste bem uma jaqueta de polícia — Disse Chelsea a Camry — E além disso, rebola um pouco ao andar. Deveria convidá-lo para sair.

— Vou embora dentro de quatro dias — Recordou Camry — Assim, para que?

— Para umas saídas divertidas? — Sugeriu Chelsea — Tem que começar a sair outra vez, e praticaria com Jack Stone.

— Exatamente, como se pratica sair? — Perguntou Cam rindo — Além disso, minha vida já está bastante sem acrescentar um homem — Deu uma olhada para Megan, que estava sentada entre as duas — Mas Megan está disponível, organize uma saída com Jack Stone, o do rebolado.

Megan deu um chute lateral na perna de Cam, que alargou a mão para esfregar a canela e murmurou:

— Não há motivo para que não saia.

Nesse momento interveio Grace MacKeage.

— Bom, têm alguma ideia já de quem entrou para roubar à padaria? Ou por quê? Marge nunca deixa dinheiro na loja de noite. E além disso, quem quereria roubar donuts do dia anterior?

— Esta tarde, quando estava no povoado, falei com o Simon Pratt — Disse Chelsea — Alguém aqui sabia que ele esteve na academia de polícia?

A irmã mais nova de Megan, Elizabeth, meneou a cabeça.

—Eu dei aulas para ele, e é a última pessoa que esperava ver na polícia: passava mais tempo na sala do diretor que na sala de aula… Os vereadores devem tê-lo contratado porque é daqui, enquanto que o chefe Stone vem de fora.

— Essa é outra coisa que Simon me contou— Acrescentou Chelsea — Diz que seu superior não gosta que o chamem “chefe” porque é meio índio cree canadense.

— O que tem demais que Stone seja cree canadense? — Perguntou Greylen MacKeage da cabeceira da mesa — Se for um chefe índio, deveria estar orgulhoso disso. E se for nosso chefe de polícia, é uma amostra de respeito que usemos o tratamento.

Grace pôs uma mão sobre a de seu marido.

— Às vezes “chefe” tem uma conotação depreciativa, Grei — Explicou — É um tema delicado para o Povo Indígena, como os chamam no Canadá. Possivelmente só deva chamá-lo senhor Stone quando o conhecer, ou Jack.

Uma faísca brilhou nos olhos de Greylen.

— Ao melhor apresento-me como laird MacKeage.

Camry soltou um bufido.

— Huy, isso ajudará que Megan consiga um encontro com ele. Vamos, é que os homens nos suplicam que saiamos com eles quando faz o papel de laird — Assinalou-o com o garfo — Espantou a metade de meus namorados do colégio com esse número.

Greylen assentiu com gesto solene, embora a faísca seguia em seus olhos.

— Talvez me agradeça mais tarde, filha, por me assegurar de que chegasse à universidade.

— Bom, e o que roubaram da padaria? — Perguntou Matt Gregor.

— Nada mais que donuts do dia anterior e uns quantos bolos, segundo Simon —Disse Chelsea — Mas o mau é que destruíram o local.

— Disse que reunisse a uns quantos homens e acabasse com esses malditos — Disse o Pai Daar, olhando para Greylen — Devia fazê-lo o mês passado, quando penduraram essas luzes de Natal por toda sua velha máquina de limpar neve. Não te adverti que suas brincadeiras iriam piorar? — Colocou o garfo nas batatas que tinha no prato — Digo que depois subirão até minha casa. Um velho que vive sozinho é um bom alvo.

— Tem razão, Pai — Disse Kenzie — Por isso estive pensando em ir viver com você. Já não tem sua magia para lhe facilitar as coisas, e eu necessito um lugar onde viver. Cortarei a lenha e pegarei a água, assim que nos virá bem aos dois.

Daar deu um olhar assassino a Greylen.

— Não necessito uma “babá”… Em particular, a um pagão do clã Gregor. Não tem mais que apanhar a esses vândalos para que estejamos seguros outra vez.

— Agora são os policiais os que nos mantêm seguros — Repôs Grei — Já não podemos nos encarregar das coisas nós mesmos. E além disso, me parece boa ideia que Kenzie vá viver com você — Olhou para Kenzie — Está seguro de que quer fazê-lo? Sabe que pode ficar aqui se quiser, e Daar é nossa obrigação, não a sua.

— Não penso ter a esse demônio negro em minha casa! — Daar golpeou a mesa com o garfo — Não quero que ninguém viva comigo.

— Pai — Interveio Grace, acariciando seu braço — Não pode seguir vivendo sozinho. Poderia cair e quebrar uma perna, e passariam horas, ou dias, até que aparecesse alguém. É uma decisão muito acertada, e Kenzie é muito amável ao oferecer… — Dirigiu ao Kenzie um meio sorriso — Em particular tendo em conta quão bem o conhece você.

Kenzie olhou sorrindo ao carrancudo sacerdote.

— Acredito que Daar e eu nos arrumaremos bem — Disse — Além disso, preciso voltar a sentir o bosque a meu redor.

— Sabe guisar, Gregor?

Kenzie assentiu.

— Então mais vale que procure a comida. Sou sacerdote, sabe? E tenho feito voto de pobreza. Não permitirei que me deixe a despensa vazia.

— Manterei nós dois, Pai — Repôs Kenzie antes de voltar-se para seu irmão — Notou ultimamente algo diferente no ar?

— Como o que? — Perguntou Matt, surpreso; entrecerrando os olhos — Você sente algo?

Kenzie encolheu os ombros.

— É mas bem um cheiro, mas não o identifico. É… Não é normal. É acre.

— Eu não senti nada — Disse Matt — E você, Winter?

— Não. Quão único sinto ultimamente é cansaço. Não tinha nem ideia de que estar grávida era tão difícil — Olhou a sua mãe — Como resistiu cinco gravidezes, em particular dois pares das gêmeas?

Grace se pôs a rir.

— É que eu não levava uma galeria de arte, casava-me, construía uma casa e salvava o mundo quando estava grávida de alguma de vocês — Disse — Começará a se sentir melhor agora que entra no segundo trimestre — Olhou para Megan — Você parece ter recuperado sua energia de repente. E, além disso, pelo brilho que tem na face diria que se movem problemas. O que está tramando agora?

Megan dirigiu um olhar inocente.

— Estou grávida de cinco meses, em teoria tenho que estar radiante.

— O que acontece, filha? — Perguntou Greylen — Eu também observei em seus olhos essa expressão que tem sempre, que anda intrigando.

— Talvez só estou pensando na sugestão de Cam de que fique com Jack Stone.

Cam se engasgou com a comida, e Megan alargou a mão e lhe deu umas palmadas nas costas.

— Não tem que ir da frigideira ao fogo — Disse Cam — E além disso, se dá conta de que esse homem ganha a vida levando uma arma?

Sem fazer caso, Meg olhou a Chelsea.

— Como é Jack Stone de alto?

— Não chega ao metro oitenta, acredito, Simon me assinalou ele quando caminhava para o carro patrulha.

Convencida de ter desviado o interrogatório de seus pais, Megan voltou a comer.

Mas, pelo visto, Cam não tinha terminado de criar problemas.

— Então — Sugeriu — Vamos fazer um encontro duplo: você convida Jack Stone para sair, e eu Kenzie. Iremos todos para jantar em Greenville amanhã de noite.

Vários bocados de comida se entupiram em várias traqueias ao ouvir aquela declaração.

— Passou bastante tempo da última vez que tive um encontro — Disse Kenzie no meio do silêncio — Não estou seguro do que se espera de mim neste século.

— Não tem que fazer nada — Disse Camry com ironia — Simplesmente, deixe a espada em casa e seja você mesmo: grande e bonito.

Megan deu a Cam um olhar assassino.

— Talvez Jack Stone esteja casado.

— Não — Saltou Chelsea — Simon me contou que tinha ajudado Stone a mudar-se para a casa de Watson, no lago, e que certamente está solteiro. Não tem coisas suficientes para encher uma caminhonete.

Naquele momento Megan teve vontade de estrangular a suas duas irmãs.

— Parece-me uma ideia maravilhosa, Megan — Disse Grace — Deveria pôr esse novo traje de grávida que Winter te deu de presente no Natal.

Megan se apressou a recuar.

— Amanhã de noite não posso sair — Disse — Vou a Augusta, me apresentar a um posto que acabam de oferecer.

— Não sabia que procurava trabalho — Disse Grace.

— Megan encontrou um anúncio para um biólogo de campo aqui mesmo no lago Pene — Disse Cam — Mas acredito que há algo estranho. Que possibilidades tem que apareça de repente um trabalho, justo aqui e agora mesmo?

— Por que é estranho? — Perguntou Greylen.

— É de financiamento particular. Recorda o que aconteceu com a tia Sadie, não é? Isto também poderia ser uma fraude.

— Não é — Repôs Megan — Um biólogo que se chama Mark Collins e trabalha por conta própria dirige um escritório sobre impacto ambiental na fauna selvagem nesta área de captação de águas. Faz falta para construir um novo complexo turístico.

— Nós não tivemos que fazer um estudo sobre impacto ambiental quando construímos nossa estação de esqui — Assinalou Grei.

— Isso foi faz trinta e seis anos, papai. Hoje em dia, não se constrói nada sem estudar primeiro as consequências.

— Mas por que quer esse trabalho? Vai estar muito ocupada dentro de quatro meses — Seu pai balançou os braços como se embalasse a um bebê.

Megan sorriu.

— Comprarei uma dessas mochilas porta bebês — Olhou a sua mãe — Assim levava o Robbie quando o trouxe da Virginia, e nos contava que papai nos levou a todas em uma mochila até que soubemos caminhar. Não me ocorre melhor maneira de passar o primeiro verão com meu bebê: no campo e fazendo o que eu adoro.

— Parece-me uma ideia maravilhosa — Disse Grace.

— E assim viverá aqui em Gù Brath — Acrescentou seu pai.

Megan meneou a cabeça.

— Vou buscar uma casa.

— Por quê? — Perguntou Elizabeth.

— Porque sou muito velha para viver na casa com meus pais. E porque tenho que começar a construir um ninho onde criar a meu bebê.

Ninguém discutiu aquele raciocínio, embora a julgar pelo aspecto de seu pai, parecia como se Megan acabasse de dar um chute na canela.

— Falaremos de sua mudança amanhã de noite, quando voltar do encontro com Mark Collins — Disse.

Megan deu um suspiro e assentiu. Talvez estava a um passo dos trinta e vivia sozinha desde fazia uma década, mas nada como voltar correndo para casa junto a papai para que uma garota se sentisse de novo como se tivesse nove anos.

 

Jack se deu conta de que ser o chefe de polícia tinha suas vantagens enquanto dava uma volta pela loja de motos PowerSports de Pene Creek. Não recordava a última vez que deixaram comprar, quando já tinham fechado… Embora, por outra parte, possivelmente o autêntico motivo de que Paul Dempsey não importasse perder o jantar, era pensar que Jack estava a ponto de fundir-se dez mil dólares em uma moto de neve.

— Se busca velocidade, este é o bombom que precisa — Disse Dempsey, ao tempo que dava uns tapinhas no capô cor cereja escura de uma moto de neve que parecia saída da guerra das galáxias — Não se deixe afugentar pelo fato de que seja uma quatro tempos: tem muito impulso, e a velocidade máxima desta “cafeteira” é de 163,5 quilômetros por hora.

O de “impulso” soava bem; pelo visto aquela máquina fazia honra a sua beleza. Dempsey levantou o capô, e Jack se inclinou a olhar atentamente a confusão de cabos e peças de motor.

— Não vejo o gancho de reboque para ser um trenó de pesca — Disse.

— Este bombom não é para pescar! — Repôs Paul — Está desenhada para ir pelos atalhos.

— E não posso ir pelos atalhos e, além disso, pescar com ele?

Paul pareceu sentir-se ferido.

— Bom, sim poderia… Mas seria um pecado enganchar um trenó atrás desta beleza — Dando um suspiro, fechou com suavidade o capô e depois cruzou o abarrotado salão de exposição até deter-se junto a uma moto de neve maior e, decididamente, menos aerodinâmica — Se sobre tudo pensa pescar, a que precisa é esta: tem a larva mais larga, a embreagem está desenhada mais baixo para rebocar e é de dois tempos. É o cavalo força da frota.

Também era três mil dólares mais barata.

Jack olhou de novo a moto de neve cor cereja escura.

Imediatamente, Dempsey voltou até a máquina cara.

— Quando um homem aparece em um trenó como este, as pessoas reagem —Tirou um trapo do bolso traseiro e, mais que tirar brilho, começou a acariciar o capô — Neste lago não há nada que a alcance, e ao ser de quatro tempos brindará menor consumo de gasolina, além de uma marcha mais silenciosa e mais limpa.

Jack olhou de novo a moto de neve de pesca; maldição, era feia…

— Se comprar uma esta noite, levará ela a minha casa amanhã? Tenho a casa alugada de Watson no Frog Cove, lá no final do promontório[6].

Dempsey meneou a cabeça.

— Não tenho que levá-la, pode voltar para casa com ela.

— Deve haver quinze quilômetros até minha casa.

— Não importa. Olhe, desça pela margem desta estrada daqui, atalhe pelo centro do povoado até o lago e suba pela costa ocidental. Demorará vinte minutos, como muito.

— É legal que as moto de neves irem por ruas limpas de neve?

— A verdade é que não, mas não o incomodará ninguém; fazemo-lo frequentemente — De repente a face de Paul avermelhou — Pelo menos, antes ninguém nos incomodava… Vai começar a aplicar esse regulamento? Porque tenho que dizer que isso acabará com o comércio do centro. Em Pene Creek as moto de neves representam a metade das vendas invernais, em particular para os restaurantes.

Jack dirigiu um relaxado sorriso.

— Só levo aqui uma semana; ainda não estou seguro de que regulamentos tenho que aplicar e quais não.

Dempsey ficou mais tranquilo ficou tirando o brilho da moto de neve outra vez.

— Tenho um capacete que vai perfeitamente com esta pintura. Se aparecer com ele e com um traje de couro negro, terá que afastar com um pau às moças bonitas da estação de esqui.

Jack dirigiu um último olhar ao feio cavalo de carga e estendeu a mão a Paul.

— Levo esta — Fechou o trato com um apertão de mãos — E a recolherei amanhã depois do almoço — Meteu a mão no bolso para pegar a carteira — Vai bem um cheque de um banco canadense? Ainda não tenho aberto uma conta bancária aqui.

— Aceito cartões de crédito.

— Não os uso. Abrirei uma conta amanhã, direi que me transfiram dinheiro e o trarei em espécie.

Paul soltou uma risadinha enquanto se dirigia ao mostrador.

— Não se preocupe, aceito o cheque. Não imagino que nosso chefe de polícia tente passar um cheque sem fundos no povoado — Começou a preencher a ficha de venda — Ouça, por certo, o que ocorreu lá abaixo na padaria de Marge? É verdade que esses moleques destruíram o local?

— Mais ou menos. Refere-se a algum moleque em particular?

Paul elevou a vista com o cenho franzido.

— Diabos, todo mundo sabe que Tommy Cleary e seus irmãos estão por trás do desaparecimento de todas nossas coisas.

— Não levaram nada de valor — Disse Jack — Só dois bolos e donuts do dia anterior.

— Faz mais ou menos um mês me roubaram do estacionamento um caminhão de neve. Encontraram-no na rua principal no dia seguinte, justo diante da galeria de arte Pene Creek.

— Não será essa a loja de Winter MacKeage? — Perguntou Jack enquanto tirava a caneta e começava a preencher o cheque.

— Ela é a proprietária e a artista, embora agora é uma Gregor. Casou-se com um fulano rico de fora, e vivem em uma cabana no lago, justo ao outro lado da baía que há em frente de onde vive você, enquanto se constroem uma casa enorme lá em cima na montanha Bear. A irmã de Winter, Megan, levou a galeria quase todo o outono — Dempsey meneou a cabeça quando Jack elevou o olhar — É uma pena Megan.

— Por quê?

— Está grávida. Voltou recentemente mais de quatro meses com aspecto de cachorrinho espancado, e dizem que o bastardo a mandou passear quando disse que ia ter um bebê.

— Uma mulher chamada Libby MacBain e uma senhora mais velha estavam na galeria de arte quando passei para me apresentar — Disse Jack.

— A velha seria a avó Katie, a mãe de Libby. Estão cuidando da loja porque todo os natais os MacKeage dão uma grande festa lá encima em sua casa. O velho Greylen, o desgraçado, tem sete filhas, mas arrumou para casar cinco. Acredito que só ficam a cientista que trabalha lá na Nasa e Megan — Deu um bufo — Me surpreende que Greylen não tenha ido procurar o tipo com uma escopeta para obrigá-lo a casar-se.

— Então ele é bravo?

Dempsey começou a escrever uns números muito grandes na ficha de venda.

— Os MacKeage são gente bastante agradável, mas um pouco estranhos. São um antiquado clã que vem de Escócia, e os MacBain têm algum parentesco com eles, não sei qual. Se não fosse pelas encantadoras mulheres com que se casaram, seriam um bando de resmungões ermitões velhos que viveria lá pelo bosque.

— Já conheci Michael MacBain.

— Esse é o marido de Libby. É dono de uma fazenda de árvores de natal que há nos subúrbios do povoado. Se alguma vez você e Simon se metem em mais confusões dos que possam dirigir, chamem a seu filho, Robbie. Esteve em operações especiais um tempo. É um homem que convém ter de seu lado em uma briga.

— Obrigado pelo conselho. Bom, quanto é o total? — Perguntou Jack, ao tempo que baixava a vista e olhava atentamente a ficha de venda.

Paul o mediu com a vista.

— Isso depende se tiver um traje de couro que venha bem — Aproximou-se de um cabide onde penduravam jaquetas de couro negro — Usa tamanho grande?

— Sim. E médio nas calças. — Colocou a jaqueta que Paul estendeu e dobrou os braços — Fica bem.

— Talvez quer uma maior para tampar essa arma.

Jack baixou o olhar até o revólver que levava no cinto.

— Vou ter que fazer algo com este maldito traste: leva me deixando louco toda a semana — Tirou–o — Esta jaqueta está bem. Médio para o capacete também.

Voltou para mostrador, deixou a jaqueta e foi sentar-se na moto de neve que acabava de comprar.

Sim; se aquele bombom não o transformava em um dos vizinhos do lugar, nada o obteria.

 

Megan entrou na sala e se deixou cair em uma macia poltrona junto à lareira, frente a sua mãe.

—Está olhando a uma mulher que volta a ter um emprego remunerado.

—Tão rápido? — Perguntou Grace, surpreendida — foram suas referências as que conseguiram o trabalho, ou seu sorriso deixou boquiaberto Mark Collins?

Megan riu.

— Devem ter sido minhas referências, porque Mark nem sequer estava ali. Uma secretária enviou por fax meu curriculum, ele ligou vinte minutos e fizemos a entrevista por telefone.

Do sofá, onde estava pintando com lápis de cores com o Joel, o filho de quase três anos da Elizabeth, Camry perguntou:

— Bom, é o que esperava?

— Melhor ainda: serei minha própria chefe. Mark me disse que só tem intenção de ir ao campo um par de vezes na primavera e verão. Seguindo os critérios do Estado, tenho que desenhar o estudo, ao que Mark tem que dar sua aprovação, para depois fazer o trabalho e entregar os resultados no próximo setembro.

— Com que universidade colabora? — Perguntou Grace.

— Com nenhuma. É o dono de uma empresa independente de assessoria meio-ambiental que dispõe serviços a grandes sociedades anônimas de todo o mundo, incluídas fábricas de papel e de produtos químicos, companhias petrolíferas, explorações mineiras e coisas assim. Se uma empresa quer expandir-se, chamam o Mark para que faça um estudo sobre impacto ambiental com o fim de cumprir com os requisitos governamentais. Chamou-me do Brasil, de seu escritório de Rio de Janeiro.

— E tem um escritório no Maine? — Perguntou Cam.

— Não. O endereço que figurava no anúncio era a do promotor imobiliário do complexo turístico em Augusta. Foi a secretária deste, a que me pôs em contato com o Mark.

— E te contratou sem incomodar-se sequer em comprovar suas referências? —Perguntou Grace.

— Recordou ver meu nome naquele estudo sobre vestígios de petróleo e oleoduto que dirigi no Alaska faz quatro anos — Explicou Megan — E, além disso, pelo telefone eu o ouvia teclar, de modo que provavelmente me buscava na Internet enquanto falávamos. Mark me disse que, se puder, prefere contratar os serviços de engenheiros e biólogos da zona porque estamos familiarizados com as normas locais.

— Mas faz dez anos que você não vive no Maine — Assinalou Grace.

Megan encolheu os ombros.

— Coloquei Maine como meu endereço atual.

— A propósito — Disse Cam, deixando Joel no sofá para levantar-se — Hoje Beth e eu encontramos uma casa onde viver. Um casal com a que ela dá aulas vai mudar-se, e pensaram alugar sua casa de Frog Cove com opção a compra. Beth e Chelsea estão ali agora mesmo, negociando seu contrato de arrendamento.

Megan se sentou mais direita.

— Em que parte de Frog Cove? Está no lago?

Cam assentiu.

— Lá no promontório. Assim, se comprar um barco, este verão irá realizar quase todo o trabalho pelo lago. É perfeito, Megan. Há dois quartos no andar de baixo e outros dois no de cima, tem uma preciosa estufa de lenha na sala e, além disso, uma estupenda vista da montanha Bear. Inclusive se vê a cabana de Winter e Matt justo do outro lado da baía. — Cam ficou pestanejando — E Jack Stone vive só três casas mais abaixo…

— Tenho que te advertir que não tem graça para seu pai — Disse Grace ao tempo que se aproximava de Joel, que decidiu que comer um lápis de cor era mais divertido que pintar com ele — Por muito que raciocinei com Grei ontem à noite, não o convenci de que agora mesmo o que necessita precisamente é voltar para seu trabalho de campo.

— Por que está tão aborrecido? — Perguntou Megan — Não é que vá viver na Libéria, só estarei a doze ou treze quilômetros de distância.

Grace se sentou no sofá com o Joel no colo.

— Não gosta da ideia de que viva só com um bebê novinho. Afirma que lá no século XII um homem de sua idade já não devia preocupar-se com suas filhas: tinha-as casadas antes de que fizessem dezesseis anos e tinha passado o problema a seus maridos — Soltou uma risadinha baixa — Acredita que a sociedade nunca devia acabar os matrimônios arranjados. Mas com o tempo se acalmará; quando vir que é capaz de dirigi-lo… E eu sei que o fará — Lançou a Megan um meio sorriso — Embora seja provável que tenha que voltar a se mudar ao Gù Brath quando se aproximar a data do parto; se não, seu pai acampará na sua porta, preparado para te levar a toda pressa ao hospital à primeira contração.

— Mas você nos teve em casa, e Beth contou com uma parteira para Kadin e Joel; quão mesma vou empregar eu em meu parto.

Grace suspirou.

— Não o digamos a seu pai ainda, certo? Vamos deixar que se acostume a que vai de casa.

Camry pegou Joel do colo de Grace.

— Venha, Meg, vamos ver sua nova casa. Beth, Chelsea e a proprietária nos esperam — Lançou um amplo sorriso enquanto saía com o Joel nos braços pela porta principal — Talvez inclusive vislumbramos a seu sexy vizinho.

Enquanto atravessavam a ponte da parte dianteira, Meg perguntou:

— Ocorreu sequer a alguma de vocês que talvez eu queria escolher minha própria casa?

Cam encabeçou a marcha para o Suv de Megan.

— Claro que não, conhecemos seus gostos. Além disso, figuramo-nos que papai não argumentará que não é seguro que viva em um lugar ao que só se chega por uma pista sem asfaltar meio abandonada se só está a três casas do chefe de polícia.

Meg soltou um bufido.

— Estupendo. Assim, simplesmente, mudam-me de um entorno de um machão a outro…

 

Megan olhou fixamente a casa que suas irmãs decidiram que devia alugar.

— Certo — Admitiu, dirigindo-se a Camry — Garotas, sim, conhecem meus gostos: é uma absoluta macacada.

Algumas luzes no alpendre iluminavam o que, de fora, parecia ser uma casa perfeita. As telhas de madeira estavam pintadas de cinza, as persianas, pintadas de verde escuro, e a porta principal, situada no interior de um alpendre que abrangia toda a largura da casa, era de um vermelho quente e intenso. Estava rodeada de um grupo de velhos arces, abedules e cicutas em um espaçoso terreno; sua construção, parecida com uma cabana, dava um aspecto cômodo e acolhedor.

— Terei que comprar um caminhão de neve para manter o caminho de acesso limpo como está agora — Disse — As máquina de limpar neve de pá o põem feito um desastre.

Cam arqueou uma sobrancelha.

— De maneira que já nos mudamos, não?

Nesse momento Elizabeth saiu da casa, e Megan abriu a porta traseira para liberar o Joel da cadeirinha.

— Por favor, alguém quer me explicar por que fazem estas fivelas tão difíceis de abrir? — Queixou-se, enquanto brigava com o fechamento.

Elizabeth a afastou e alargou as mãos.

— Para que os garotos não as desabotoem. Olá, rapazinho! — Rindo, endireitou-se com seu filho nos braços — Titia Cam esteve dando lápis de cores pra comeres outra vez?

— Pipí — Disse Joel, retorcendo-se para descer.

— Dentro, não no montão de neve! — Disse Beth, que se precipitou a pegá-lo e o conduziu para a casa.

Enquanto ia atrás dela, Megan perguntou:

— O que acontece com os meninos pequenos para gostarem tanto de urinar na neve?

— Isso é coisa de seu pai! — Gritou Beth como resposta, enquanto agarrava seu filho nos braços para subir os degraus — Walter esteve o ensinando a escrever seu nome na neve.

— Mas você vai ter uma menina — Assegurou Camry a Megan, ao tempo que subiam pelo atalho até a casa — Você a ensinará tudo relativo a suas plantas e animais, e eu a ensinarei a levar uma espaçonave.

— Antes ou depois de que aprenda a usar um pinico? — Perguntou Megan, que ficou completamente calada assim que entrou na casa de seus sonhos. Enquanto tentava captar tudo, sua voz se transformou em um sussurro — Ai, Meu deus… É perfeita.

O interior tinha um desenho de espaço aberto: uma grande sala dividida por uma bancada servia de cozinha e sala de estar. As paredes eram de nodosa madeira de pinho suavizada pelo tempo; a lareira que sustentava a estufa de lenha, esmaltada em vermelho, estava revestida de pedras de rio, e o chão, salvo por um pequeno local de piçarra na entrada, era de arce do Canadá.

Não havia móveis, e as amplas janelas que davam ao lago não tinham cortinas, o qual fazia que o lugar parecesse muito grande… Em que pese a que, provavelmente, a casa inteira caberia no salão de Gù Brath.

Uma mulher se dirigiu a Megan com a mão estendida.

— Parece-me que gosta — Disse — Sou Joan Quimby. Minha classe está em frente da de Beth.

— Por que se vai desta preciosa casa? — Perguntou Megan, devolvendo o apertão de mãos.

— Bob e eu vamos a Alemanha, eu vou ensinar inglês a meninos de terceiro curso e Bob dará matemática em um instituto de secundária. Venha, mostrarei o resto da casa — Dirigiu-se para uma porta situada no lado esquerdo da sala — Há dois quartos aqui embaixo, com um banheiro compartilhado, e dois mais no andar de cima, com outro banheiro completo — Deteve-se no quarto da parte do lago e sorriu com expressão de desculpa — Os de baixo são um pouco pequenos, mas eu gosto que a sala de estar seja maior.

Megan foi a janela da parede traseira do quarto.

— Há um terraço que dê ao lago? — Perguntou.

Joan ligou um interruptor, e a luz alagou um terraço assoalhado coberto de neve que percorria toda a fachada da casa, assim como um grande jardim salpicado de árvores centenárias.

— Vejo um embarcadouro posto em terra — Disse Megan — Vocês têm um barco?

— Sim, um pequeno catamarán. Está do outro lado da casa, coberto de neve.

— Pensaram vendê-lo?

— Na primavera. Assim que se derreta a neve, Paul Dempsey, o do PowerSports, virá levá-lo a seu estacionamento e vendê-lo de segunda mão.

— Diga que não se incomode — Disse Megan.

Ao entrar de novo na sala encontrou a Chelsea e Camry junto à bancada, lendo o que devia ser o contrato de arrendamento. Aproximou-se, tirou o papel e sorriu ao ver suas expressões de surpresa.

— Não penso alugar esta casa: vou comprá-la — Olhou para Joan — Quando partem você e Bob?

Joan parecia ainda mais surpreendida.

— Bem… Amanhã vamos de carro a Boston e saímos em avião no dia seguinte. — Com um gesto da mão assinalou a casa vazia — Quer comprá-la? Mas se nem sequer viu o andar de cima…

— Vi o bastante; qualquer outra coisa será uma vantagem adicional. Farei um cheque agora mesmo pelo preço que peça, se incluir o barco.

— Meg, o que faz? — Disse Camry — Seu trabalho vai durar menos de um ano.

— Dá-me igual aonde me leve o trabalho no final: continuo necessitando uma base de operações. Venderei o apartamento de Boston e mudarei aqui acima para sempre.

— Meg, tem que pensar — Interveio Chelsea — Não se entra em uma casa, sem mais, e compra em cinco minutos.

— Por que não?

Ninguém tinha uma boa resposta para aquilo.

— Então está decidido — Disse Meg, estendendo a mão a Joan.

Joan a estreitou com tanta energia e entusiasmo que sacudiu seu braço.

— Bob ficará muito contente! Não acreditávamos que fôssemos vender a casa em pleno inverno… — Rindo, pegou o contrato de arrendamento e o rasgou — Vai encantá-la estar aqui, Megan: os amanheceres são preciosos.

O surdo assobio de um motor de alto rendimento ressoou nas paredes nuas, e as quatro seguiram Joel até as janelas que davam ao lago. Uma moto de neve saiu zumbindo do extremo do promontório e passou a toda velocidade pela frente da fachada da casa, dentro de uma nuvem de neve que os faróis dianteiros e traseiros tingiam de branco e vermelho.

— Esse deve ser nosso novo chefe de polícia — Disse Joan — Que se mudou à casa do Watson faz uma semana. Justo antes de escurecer o vi voltar conduzindo o que parecia uma moto de neve novinha.

— Moto de neve! — Gritou Joel dando saltos.

Chelsea deu uma leve cotovelada em Megan.

— Talvez te deixa dar um passeio, se o pede com muita amabilidade.

Sem dizer nada, Megan voltou para a bancada e rebuscou na bolsa seu talão de cheques.

— Pode depositá-lo amanhã — Disse a Joan enquanto começava a preencher o cheque — É de minha conta do mercado monetário. Bem… Quanto?

Enquanto a face se acendia um pouco, Joan disse uma quantidade que fez que Megan aspirasse o fôlego.

— Parece-me que não prestei muita atenção ao mercado imobiliário ultimamente. Bem, o que parece se o estendo, mas me dá três ou quatro dias para transferir recursos?

Nesse momento Chelsea se aproximou da bancada.

— Minha mãe, Meg, isto não é como comprar uma torradeira — Disse — Estende o cheque em nome de meu gabinete jurídico de Bangor, e manteremos o dinheiro em depósito enquanto se faz a papelada. É preciso redigir uma escritura e ver quem corresponde o título de propriedade — Olhou para Joan — Você e Bob têm advogado?

— Não. Íamos contratar a uma agência de bens raízes e deixar que eles se encarregassem dessas coisas.

— Então, se não se importar, meu gabinete jurídico representará tanto Megan como a vocês.

— Isso é legal? — Perguntou Beth, agachando-se para pegar Joel.

— É uma espécie de zona cinza — Disse Chelsea — Mas neste caso se trata de uma operação simples, já que Meg não terá que conseguir financiamento. Por que não param em meu escritório quando passarem por Bangor amanhã, Joan? Ligarei ali pela manhã para que alguém comece com a papelada — Pegou o cheque das mãos de Megan e o passou a Joan — Dê isto a eles e considere sua casa vendida.

— Quando posso me instalar? — Perguntou Megan.

— Provavelmente deveria esperar até que esteja assinada a escritura — Disse Chelsea — Mas depende de Joan e de Bob.

Joan pegou as chaves que estavam na bancada e as passou a Megan.

— Depois de vinte e oito anos de matrimônio, sei o que Bob vai dizer. Bem-vindos a casa, Megan e bebê — Disse, dando um ligeiro tapinha na barriga — Este é um lugar maravilhoso para criar filhos.

 

Embora havia inconvenientes em ter uma família grande e muito protetora, também havia mais de uma vantagem se alguém estava grávida de cinco meses e devia mudar-se para uma casa nova. Embora todo mundo opinava sobre o que Megan tinha que fazer e como devia fazê-lo, ninguém deixava levantar nada que pesasse mais que seu computador portátil. Assim, sua única responsabilidade foi dirigir o tráfego quando ela e quatro grandes primos MacBain e MacKeage desceram em Boston para esvaziar o apartamento, e depois, ficar olhando como descarregavam o caminhão no Maine.

Camry decidiu que, naquele preciso instante, o que ocorria em Frog Cove interessava muitíssimo mais que seu trabalho na Florida… Considerando que sua mais recente tentativa por fazer uso da propulsão por íons tinha fracassado. Em certo modo, trabalhava por conta: a Nasa proporcionava o laboratório e Camry contribuía com o intelecto. De modo que ligou para a pessoa a quem prestava contas, fosse quem fosse, e disse que ia prolongar suas férias outra semana.

Estupendo. Só fazia três dias que Megan comprou sua pequena e acolhedora cabana, e já estava pronta para estrangular a sua irmã. E é que Cam continuava insistindo em que tropeçasse na mesma pedra onde tropeçou quando Wayne Ferris partiu o coração.

— Não penso ir ali com um bolo que você fez e pedir que saíamos — Disse Megan pela quarta vez em outros tantos minutos. Camry inclusive tinha feito um bolo de maçã para que Meg desse a seu vizinho! Sentou-se sem cerimônias em uma poltrona diante a janela, ainda sem cortinas, que dava ao lago e depois deu a sua irmã um olhar feroz — E, além disso, como imagina que reagirá ao ver a barriga? Vai perguntar que espécie de pessoa a quem um homem deixou grávida, começa a procurar substituto antes de que nasça o bebê.

— Não te peço que se declare a esse tipo — Repôs Camry — Me limito a recolher a sugestão de Chelsea de que o empregue para praticar.

— Mas sugeriu isso a você!

Grace, que saía do quarto com os braços cheios de material de embalagem, disse:

— Camry, deixa tranquila a sua irmã. Meg não quer sair com ninguém; ela quer o Wayne.

— Meu Deus — Disse Cam com voz entrecortada, ficando em pé de um salto — Você espera que Ferris venha buscá-la… Acredita que vai aparecer aqui qualquer dia destes, com o chapéu na mão, a pedir que o deixe voltar…

Meg também se levantou de um salto, horrorizada.

— Mamãe! É isso, não é?

— Já se passaram quatro meses — Disse Camry — Não vai vir.

— É verdade? — Repetiu Megan — Todo este tempo esteve pensando que de repente Wayne vai aparecer por aqui?

— Se o fizesse, deixaria-o voltar? — Perguntou Grace em voz baixa.

Antes que Megan pudesse falar, falou Cam.

— Não! Esse bastardo lhe partiu o coração!

Grace seguiu olhando Megan, que negou com a cabeça.

— Mas e se Wayne se der conta de que cometeu um engano? — Perguntou Grace — Só fazia pouco mais de um mês que se conheciam, do acampamento lá na tundra, em um compartimento no canto do mundo… — Deixou o material de embalagem e se aproximou de Megan — E se quando voltou para sua casa vazia Wayne se deu conta de que precisa te ter em sua vida? E se esteve tão abatido como você?

— Não tem nem ideia das coisas que me disse aquele dia — Megan inspirou fundo — Wayne deixou perfeitamente claro que não queria nada comigo nem com nosso filho. Mamãe, cheguei a implorar que nos desse uma oportunidade, mas foi como se de repente se transformasse em uma pessoa absolutamente diferente. Inclusive me deu medo — Sussurrou — Só tive tempo para recolher minhas coisas e partir dali.

— O que quer dizer com isso de que te deu medo? — Seu pai saiu do quarto com várias caixas pregadas; deixou-as cair junto à porta, aproximou-se de Megan e tomou pelos ombros — Te machucou, filha?

— Não, papai — Rodeou-lhe a cintura com os braços e se apoiou em seu peito dando um suspiro — Só é que se transformou em alguém que eu já não gostava.

 

Jack se sentou na moto de neve e tomou um gole de chocolate do recipiente térmico. Estava no lago, a uns cem metros da borda; a noite sem lua o fazia quase invisível, enquanto que oferecia uma vista perfeita do que ocorria dentro do salão de seus vizinhos.

Por fim havia resolvido como abordar Megan, mas não estava mais perto de pegá-la sozinha de que pegar ao que roubou à padaria. Reconhecia que não fez nenhum avanço a respeito daqueles vândalos… Tendo em conta que todos os viciados nos donuts que havia em setenta e cinco quilômetros à redonda de Pene Creek, tinham deixado rastros digitais na padaria, e que o laboratório ainda não identificou aquela lama de aroma fétido.

Quanto a Megan, Jack não acreditou na sua sorte quando Bob e Joan Quimby passaram para despedir-se e disseram que uma encantadora mulher chamada Megan MacKeage comprou sua casa… E por certo, estava grávida de cinco meses e era solteira, assim, importaria em cuidá-la?

Mas Megan sempre estava rodeada de gente; tinha tantas tias, tios, primos e parentes para povoar uma cidade pequena. Levava duas semanas tropeçando no povoado com diferentes MacBain e MacKeage, e além disso a única irmã que não estava casada, Camry, ficava em sua casa de noite.

Jack imaginou que sua legendária paciência só resistiria outros dois ou três dias antes que o desespero o levasse a raptar àquela mulher. A verdade, é que não gostava nenhum pouco de sua busca acabasse assim; as coisas tinham tendência a complicar-se, e sem saber por que sempre parecia que fracassava. Soltou um bufo. Certamente, surpreender o novo chefe de polícia com uma dama local atada e amordaçada no carro patrulha não ia sentar muito bem às boas pessoas que o contrataram.

Isso, caso Greylen MacKeage, não o matasse nada mais que ao vê-lo.

 

— Em que ano e onde nasceu Wayne? — Perguntou Cam.

Megan acrescentou um punhado de nuvens de mashmelos a sua xícara de chocolate e se voltou para olhar a sua irmã, sentada no sofá. Seus pais partiram fazia vinte minutos, e Megan e Camry decretaram uma trégua… No momento.

— Por quê?

— Estou buscando-o no Google, mas pelo visto Wayne Ferris é um nome muito comum — Cam continuou teclando no computador portátil que estava na mesinha auxiliar — Seria mais fácil se soubesse quando e onde nasceu.

Megan se aproximou e se sentou para olhar a tela, intrigada, apesar de si mesma.

— Por que busca Wayne?

Cam encolheu os ombros.

— Só por curiosidade. De onde é?

— Da província de Alberta, no Canadá. Vive a uns trezentos quilômetros ao nordeste do Edmonton… Em Medique Lake, acredito que disse.

— Aahh, gosta dos lugares frios e longínquos, não é? Talvez ali é onde enterra os corpos — Disse Cam, pondo cara de medo enquanto teclava um pouco mais.

— Quando Wayne passou a ser um assassino em série? Já te disse que não é violento.

— A maioria dos assassinos em série não o são, na aparência. Não viu essas entrevistas aos vizinhos, que dizem que não podem acreditar que “era um homem tão agradável, tão tranquilo…”? — Cam se voltou para Megan — Compreendo por que não quis dizer nada a mamãe e a papai, mas agora estamos sozinhas você e eu. Bom, quando de repente Wayne se transformou em uma pessoa diferente, ficou desagradável contigo?

— Ao princípio, quando disse que estava grávida, só ficou me olhando fixamente, com gesto de incredulidade; depois me abraçou e depois deu a volta e saiu sem dizer uma palavra. Não tenho nem ideia de onde dormiu aquela noite. A manhã seguinte apareceu na cozinha, levou-me pela mão a sua barraca e me disse que recolhesse minhas coisas e saísse dali antes do pôr-do-sol.

— Sem nenhuma explicação?

— Nenhuma — Megan soprou em seu chocolate, com o olhar perdido — Essa manhã inclusive se negou a falar do bebê. Falava com uma voz tão suave que dava medo; já sabe, igual fica papai quando está furioso com uma de nós e não quer explodir.

— Só fica assim quando fazemos alguma tolice que parece perigosa. Reage dessa forma por temor.

— Exato. Acredito que Wayne morreu de medo ao dar-se conta do que significava ter um bebê. Mamãe tinha razão, durante aquelas seis semanas estivemos em mundo pequeno e afastado, um mundo nosso nada mais. E quando pensou em que voltaríamos para a civilização, deixou-se levar pelo pânico.

— Assim que a doninha mostrou sua autêntica pelagem — Camry começou a teclar de novo — Sei que agora mesmo não o parece, Meg, mas está melhor sem esse tolo. Ainda não me disse se te bateu ou não.

— Não me bateu… — Megan se levantou e foi à janela — Embora sim, me assustou — Voltou-se de novo para Cam — E você sabe que não me assusto com facilidade. Mas dois dias antes que eu descobrisse que estava grávida houve um acidente, e no acampamento todo mundo estava muito tenso. Um dos trabalhadores do governo canadense que ia conosco, morreu.

— Como? Se estavam contando gansos e renas, pelo amor de Deus… O que pôde ocorrer na metade da tundra?

— Não sabemos como passou. Encontraram ao tipo tendido de barriga para baixo em um pequeno charco; pelo visto se afogou durante a noite.

— E pensa que por isso Wayne reagiu dessa maneira?

Megan encolheu os ombros.

— De ser assim, não se explica por que não soube nada dele após.

— Exato — Disse Cam, voltando a olhar a tela.

— Ouça, como conectou a Internet? Ainda não me instalaram o telefone.

— Toda a casa tem wifi. Joan e Bob tinham uma conexão de alta velocidade a cabo, e devem ter esquecido de cortá-la, assim também tem televisão a cabo — Camry fez um som de indignação — Encontrei seu Wayne Ferris, mas a informação sobre ele não se remonta a mais de cinco anos atrás.

Megan voltou para sofá e observou com atenção o que Cam tinha encontrado.

— É esse. Fez a carreira na Columbia britânica e obteve o doutorado em Toronto. — Alargou a mão e deslocou pela página lendo o pouco que havia — Por que não há nada mais?

— Possivelmente porque Wayne Ferris não existiu até faz cinco anos? — Disse Cam — Quanto tempo o conheceu, seis semanas? Alguma vez te falou de sua infância?

— Não muito, agora que o diz. Tinha o costume de fazer que a conversa sempre voltasse para mim.

Cam revirou os olhos.

— O sonho de toda mulher… E se apaixonou por ele como uma tola.

— Sim, sei que seu avô o criou… — Se defendeu Meg — Ou possivelmente seu bisavô…? Seus pais morreram em um acidente de carro quando ele tinha nove anos. Parece-me que ele também ia, porque tinha cicatrizes de queimaduras nas mãos, mas não consegui que falasse disso. Lembro que disse algo sobre ter herdado a casa de Medique Lake — Nesse momento se fixou nas luzes de um rápido trenó que voltava a toda velocidade para a borda — Nossa, como Jack Stone gosta de sua nova moto de neve. Outra vez esteve por aí.

Imediatamente Camry levou Megan até a bancada.

— Bom, vamos. Já é hora de que tire o Wayne Ferris da cabeça de uma vez por todas — Pegou o bolo que fez e deu a Megan — Agora mesmo vamos a casa do Jack Stone e vai convidá-lo a sair.

Megan devolveu o bolo com energia.

— Não.

— Sim — Camry suspirou — Certo, não tem que convidá-lo a sair… Mas vamos ali para nos apresentar. De verdade que tem que ver que ainda existem bons caras, Meg.

— Não sabemos se Jack Stone é um bom cara.

— A Chelsea gostou.

Megan revirou os olhos.

— Só o viu caminhar para o carro patrulha. Talvez até é um jeitoso homem da caverna mulherengo que pensa que as mulheres deveriam ficar em casa, descalças e grávidas.

Camry se pôs a rir enquanto colocava o jaquetão e as botas.

— Pois então deverá encantá-lo com sua barriga — Aproximou-se e pegou o bolo, ao tempo que passava o olhar em Megan com expressão crítica — Quando foi a última vez que cortou o cabelo?

Meg colocou um cacho solto atrás da orelha.

— Não se preocupe por meu cabelo — Disse; maldição, quando Camry ficava assim, o único modo de fechar o bico era seguir a corrente para fazer acreditar que tinha ganho — Certo, irei… Mas não penso convidá-lo a sair, e diremos que o bolo foi você que o fez.

— Mas se souber que fui eu, não conseguiremos nosso objetivo.

— Se intoxicar, sim.

— Muito bem — Disse Camry, ao tempo que saía como um furacão pela porta — Pois se de verdade for tão bonito como dizia Chelsea, serei eu quem o convide a sair.

 

Justo quando se metia na ducha, Jack ouviu que batiam na porta da cozinha. Não conhecia ninguém tanto, para que passasse a tomar uma cerveja, e além disso estava fora de serviço. Decididamente, Simon tinha que deixar de acudir correndo a ele com perguntas tolas.

A chamada soou outra vez, um pouco mais forte.

Com um grunhido de derrota, Jack enrolou uma toalha à cintura e saiu para a cozinha dando grandes pernadas.

— Maldição, Pratt, mais vale que tenha vindo me dizer que apanhou esses bastardos…

Mas quando a porta se abriu de tudo, Jack se encontrou cravando a vista nos sobressaltados olhos, de um verde vivo, de uma mulher que levava um bolo na mão. E do mesmo modo, um pouco mais atrás e com a cútis pálida à luz do alpendre, viu Megan MacKeage quieta como uma estátua.

— W-Wayne? — Sussurrou Megan.

— Merda! — Balbuciou Jack, exatamente ao mesmo tempo.

— Wayne? — Repetiu a mulher que estava na frente.

— Megan, carinho…

Jack saiu, escorregou na neve gelada que cobria o alpendre e se agarrou ao corrimão para não cair.

Megan recuou, deu meia volta e entrou na noite como um raio.

— Maldição, não! Megan! Não corra! — Gritou Jack, agarrando-se melhor a toalha para ir atrás dela.

Mas nesse instante a outra mulher o agarrou pelo braço.

— Wayne Ferris? — Recuou e jogou o bolo diretamente na face — Maldito canalha! Não se aproxime de minha irmã!

Dito isto, voltou-se e pôs-se a correr atrás de Megan, não sem antes tirar de um puxão a toalha dos quadris e atirá-la na neve amontoada enquanto desaparecia na escuridão.

Seu ataque fez que Jack caísse gesticulando para trás e aterrissasse sobre o traseiro nu no alpendre coberto de neve. Depois de levantar-se como pôde ao tempo que soltava uma praga, entrou dando tropeções na casa e fechou tão forte que a portada fez tremer as janelas. Procurou algo com que limpar os olhos e encontrou uma camisa pendurada no cabide.

— Maldição! Quatro meses esperando e planejando, e quando vem e bate na porta o que você faz? Fica ali como um imbecil descerebrado e solta uma praga!

Falando de pegar despreparado… Sabia que estava grávida de mais de quatro meses, mas a verdade é que, de todas as formas, ver a avultada barriguinha aparecendo pelo jaquetão foi uma impressão de mil demônios. Dando grandes pernadas, Jack voltou para banheiro, meteu-se na ducha e se esfregou a face e o cabelo para limpar o bolo. Depois baixou a cabeça dando um bufo.

Estava claro que a temeridade era coisa de família. Certamente a irmã de Megan falava sem rodeios e, além disso, respaldava suas opiniões com a primeira arma que tivesse à mão. E, para cúmulo, pensava rápido: lhe tirou a toalha para que não as perseguisse.

Quando estavam na tundra Megan agia com a mesma imprudência. Uma vez ele teve que impedir que se metesse em meio de uma briga a murros entre dois moços rudes e quase descontrolados. Armada só com uma bengala de excursionista, não parecia dar-se conta de que os combatentes não fariam o mínimo caso à bengala, ou de que esta, não a protegeria absolutamente. Era como se não reparasse sequer no tamanho dos jovens; simplesmente, estava decidida a lhes dar um soco.

Agora que levava duas semanas em Pene Creek, Jack começava a compreender por que Megan não identificava tamanho com perigo. Não tinha conhecido a nenhum varão MacKeage ou MacBain que medisse menos de dois metros de altura, e suas mulheres passeavam como se não albergassem nenhum temor. Estava claro, que mulher não se sentiria segura e protegida levando atrás a um gigante por marido?

Jack fechou a água e saiu da ducha. Aquela atitude valente diante a vida, sem reservas, foi o primeiro que atraiu a Megan: era a paixão personificada. Megan punha em seu trabalho uma energia que resultava quase espiritual, no modo de relacionar-se com os alunos, animais que estavam contando que estava resolvida a proteger.

E quando de repente dirigiu aquela extraordinária energia para ele, pegou-o absolutamente despreparado. Megan pôs em marcha seu sorriso com toda sua potência e perguntou se podia convidá-lo a comer como agradecimento por interpor-se na batalha estudantil. E naquele momento pareceu que passaria por cima um rebanho de renas. Sem recuperar-se ainda da impressão de seu sorriso, por não falar de seus extraordinários olhos de um verde intenso, fixos diretamente nele, respondeu gaguejando uma tolice, como que seria um prazer. Assim foram a tenda cantina e disse com frescura que escolhesse o que quisesse da comida que proporcionava a universidade patrocinadora do estudo.

A partir daquele momento o rebanho de renas fixou sua residência no estomago de Jack, transformou a mente em mingau e encheu de esperança até a última fibra de seu ser. Até que de repente voltou a aparecer o fantasma do autêntico motivo pelo que Jack estava ali.

 

Apoiada no interior da porta de Megan, Camry se esforçou por recuperar o fôlego.

— Ai, Deus meu… Esse era Wayne? — Deu um grito afogado — Mas que fazia na casa do Stone? — Levou uma mão ao peito — Ai, Meu Deus! É Jack Stone!

Respirando igual de forte, Megan se apoiou na bancada e abraçou a barriga.

— Não pode ser. Wayne é biólogo, não agente da lei. Deve haver outra razão para que esteja na casa de Jack Stone.

Camry se separou da porta, foi junto a Megan, passou um braço pelos ombros e a aproximou do sofá.

— Sim, se Jack estivesse ali, teria aberto. É evidente que o homem que nos recebeu estava justo metendo-se na ducha.

— Diante da janela não — Disse Megan; inspirou para tranquilizar-se — Na poltrona do canto. Apaga algumas dessas luzes?

Camry pôs a sua irmã na poltrona que estava junto à estufa e apagou as luzes do teto, deixando acesas só um abajur de mesa junto à janela e uma luz sobre a pia.

— Voltarei a te esquentar o chocolate — Pegou a xícara, meteu-a no micro-ondas e se voltou para olhar Megan, que estava calada e pálida — Acredita que mamãe tinha razão? Que Wayne está aqui porque sim, quer te recuperar?

Megan negou com a cabeça.

— Então o que faz aqui? Se for Jack Stone, isso quer dizer que pensa ficar um tempo. Se só tivesse vindo aqui me recuperar, não teria aceito um trabalho.

O micro-ondas soou e Camry tirou o chocolate e o removeu. Voltou a levar a Megan, mas teve que pôr os dedos ao redor da xícara.

— Não se zangue comigo, irmãzinha — Disse, ficando de cócoras para olhá-la diretamente nos olhos — Ele não pode te obrigar a fazer nada que você não queira fazer.

— Mas por que está aqui?

Camry voltou junto à bancada e começou a rebuscar em sua bolsa o telefone celular.

— Quem sabe? Talvez…

Encolheu os ombros, incapaz de dar uma resposta convincente.

— Quem vai chamar?

— A mamãe e a papai.

— Não! Não podemos chamá-los!

Camry deixou de pulsar teclas e olhou a sua irmã.

— Temos que chamá-los, Meg. Têm que sabê-lo.

— Não — Disse Megan, ficando de pé — Papai virá a toda velocidade aqui, tirará rastros o Wayne dessa casa, e…

— E o fará em picadinho? — Terminou Cam — Tem razão. Então chamarei o Robbie.

— É o mesmo problema — Disse Megan; pegou o telefone e voltou a soltá-lo na bolsa de Cam.

Camry se alegrou ao ver que a cor retornava às bochechas de sua irmã.

— Então vamos ficar aqui, sem fazer nada, com as luzes apagadas? — Perguntou, olhando para as janelas completamente negras.

— Se Wayne for Jack, leva mais de uma semana em Pene Creek — Assinalou Megan — E em todo este tempo não tentou ficar em contato comigo. Esta noite foi um golpe de sorte. Está claro que o surpreendemos.

Camry se sentou na beira da lareira.

— Que possibilidades tem que alguém compre uma casa a três portas de seu ex-namorado?

— Quase nulas — Disse Meg, inspirando profundamente — O que vou fazer?

Camry soltou um bufo.

— Não pode fazer muito. Este é um país livre, e esse homem tem direito a estar aqui.

— Mas se Wayne e Jack Stone são a mesma pessoa, tenho que dizer a alguém! É um biólogo que se faz passar por nosso chefe de polícia.

— Ou também se licenciou na manutenção da lei e a ordem.

— E além disso tem dois nomes?

Camry voltou outra vez à mesinha auxiliar.

— Vamos procurar Jack Stone no Google, ver o que encontramos.

Megan se aproximou e se sentou a seu lado.

— Busca um lugar que tenha sua foto… — De repente suas bochechas se ruborizaram — Certamente esta noite parecia diferente; tem o cabelo muito mais curto, barbeou-se e não usava óculos.

Cam começou a teclar.

— Está segura de que era Wayne e não alguém que se parece? Possivelmente um irmão?

— Era Wayne. E não ficou nenhuma dúvida de que sabia quem era eu.

— Isso é verdade, chamou-te “carinho” — Cam repassou a lista que encontrou no Google e fez clique em um dos site da Web — Hmm, a coisa se complica — Disse com jeito teatral, confiando em aliviar a tensão — Aqui não há mais do que encontramos sobre o Wayne Ferris. O que te parece esta página? É um anúncio, e além disso, um pouco enigmático… — Deu um grito afogado — Espera, eu sei o que é. Uns caras do trabalho me mostraram páginas que põem os soldados a salário. Jack Stone é um mercenário!

Antes que terminasse de falar, Megan já estava negando com a cabeça.

— Esse não pode ser Wayne. Já te disse, não é brusco nem duro nem… Nem… —Deu um suspiro — Se enganou de site da Web. Nem sequer há uma foto.

Camry fez clique para voltar para a lista do Google, mas Meg alargou a mão e desligou o computador.

— Já tive bastante por um dia — Repousou a cabeça no sofá — Amanhã falarei com Wayne, ou Jack, ou quem diabos seja.

— Então vamos a Gù Brath, se por acaso ele decide que quer falar contigo.

Meg meneou a cabeça.

— Tinha razão, estive agindo como uma fraca esse quatro meses, e estou absolutamente indignada comigo mesma — Colocou as mãos na barriga com ternura — Que espécie de exemplo dei a meu bebê?

— Ainda não nasceu, Meg — Disse Cam, dando tapinhas a sua sobrinha ou sobrinho — Não sabe que foi uma fraca.

— Sabe que levo quatro meses chorando. — Ficou de pé com decisão — Vamos ficar aqui mesmo e determinar o que vou fazer com isto — Em seus olhos havia um olhar vivo e resolvido — Levei um susto de mil demônios ao vê-lo esta noite, mas certamente o susto não me matou. Que imbecil fui ao deixar que Wayne tenha esse poder sobre mim — Dirigiu-se por volta da porta — Agora mesmo voltamos para essa casa! Vou dizer-lhe umas boas a esse tolo!

Cam correu atrás dela e a agarrou pela manga.

— Espera!— Gritou — Tem que meditá-lo bem, Meg. Sei que está zangada porque te passou a perna, mas talvez este não é o melhor momento para falar cara a cara com ele.

— Do que fala? Porque passou a perna?

Camry cruzou os braços.

— Disse-me que tinha intenção de ir ao Canadá para jogar na cara de Wayne o fato de que seguiu com sua vida… Mas ele te passou a perna aparecendo aqui primeiro. Estou de acordo em que deveria falar com ele, mas não esta noite. Ele… Bem… Agora mesmo provavelmente não esteja de humor para que o… bem… Joguem na cara nada mais.

— Do que fala?

— Atirei-lhe o bolo. Em plena cara.

Megan piscou e, de repente, pôs-se a rir.

— Ai, oxalá o tivesse visto… Não, oxalá o tivesse feito eu mesma.

— Então você adorará que tenha surrupiado a toalha e a tenha atirado na neve amontoada.

— O que?

Megan riu mais forte ainda.

—Tinha medo de que corresse atrás de nós. Mas não vi nada, estava muito ocupada fugindo.

Megan suspirou e meneou a cabeça.

— Certo, então esta noite não é o melhor momento para falar cara a cara com ele. Mas dá no mesmo se tenha me passado a perna, porque a última palavra vou dizer eu… Justo antes de mandá-lo passear.

 

Megan entrou na galeria de arte Pene Creek e sorriu enquanto se dirigia para o mostrador.

Winter estava tirando o pó de um quadro na parede traseira.

— O que faz aqui? — Perguntou, surpreendida.

— Me apresentar no trabalho. Sigo tendo um trabalho, não?

Winter a observou com receio.

— Parece diferente. Um pouco nervosa, ou seria mais acertado dizer “iludida” —Enrugou a testa — Além disso, acaba de encontrar um trabalho novo… E seu projeto da área de captação de águas?

Megan tirou o jaquetão e o levou ao escritório que havia na parte traseira.

— Demorarei dois meses em desenhar o estudo e posso fazê-lo pelas tardes.

Winter foi atrás dela, era evidente que ainda estava receosa.

— Acreditava que não falava comigo.

— Ah, sim? Desde quando?

— Desde que não te contei de Kenzie.

— Ah, isso… Como está nosso antigo guerreiro? Não o vi por aqui ultimamente.

Winter encolheu os ombros.

— Ninguém viu Kenzie desde que foi viver com o Pai Daar.

— Ao melhor já se mataram.

Winter a observou com atenção outra vez.

— Bom, o que faz aqui esta manhã?

— Vou trabalhar para você. Cam está me deixando louca. Alguém tem que dizer que não é decoradora de interiores. Deveria ver as cortinas que me comprou para as janelas do salão: de grosso veludo vermelho! Deixei-lhe que as pendure sozinha.

— A propósito, quando volta para a Florida?

— Me disse algo sobre não voltar até final do mês.

— Mas faltam quatro semanas! Perderá seu posto na Nasa.

Megan encolheu os ombros.

— Fala com mamãe. Ela sabe o que é estar entupida em metade de um projeto e esforçar-se para nada, por muito que tente. Cam disse que durante umas quantas semanas teve que dar um descanso a seu hemisfério esquerdo do cérebro. Em realidade acredito que só é muito intrometida para partir agora mesmo.

— Intrometida com o que?

— Sabe guardar um segredo? — Com muito teatro, Megan deu uma palmada na testa — Huy, mas o que digo? Se me ocultou o segredo de Kenzie desde dia de Ação de Graças…

— Vai continuar fazendo que te peça desculpas por isso?

— É claro que sim… Certo, escuta: a verdade é que Jack Stone é Wayne Ferris.

— Como?

— Wayne está aqui. Camry e eu o vimos ontem à noite, quando levávamos um bolo. Wayne Ferris abriu a porta.

— Ai, Meu Deus — A cegas, Winter procurou uma cadeira atrás dela, sentou-se e cravou a vista em Megan com expressão horrorizada — E o que fizeram?

— Eu saí correndo, Cam lhe atirou o bolo na cara.

Winter não riu.

— Continuo sem me esclarecer. Diz que Wayne Ferris e Jack Stone são o mesmo homem?

— Isso é o que pensamos. Por que, se não, como Wayne Ferris abriria a porta de Jack… Usando posta só uma toalha, já entrada a noite?

— Mas o que faz ali?

— Quem sabe? Cam disse que não é para fazer as pazes, porque não teria aceito um trabalho se esse fosse o caso. Teria ido ao Gù Brath, teria batido na porta e se teria ajoelhado para implorar meu perdão.

— E vai perdoá-lo?

Megan negou com a cabeça.

— Então, há algum motivo em concreto para que esteja tão contente a manhã seguinte de descobrir que está no povoado?

Megan voltou para a galeria.

— Claro que sim — Disse — Pela primeira vez em meses sou livre.

— Livre? — Repetiu Winter, indo atrás dela — De repente o pai de seu bebê, o homem que te partiu o coração, volta a aparecer em sua vida, e isso te faz livre?

Megan foi até a porta e deu a volta ao cartaz de ABERTO.

— Ontem à noite, escondida em minha cozinha e quase em estado de choque, de repente caí na conta de que não caí morta ao vê-lo. Você sabe como me zango comigo mesma por ter medo de algo, não? Bom, pois durante estes quatro meses construí uma imagem de Wayne como um horripilante dragão que jogava fogo… E ontem à noite me recordaram que é só um homem — Encolheu os ombros — Tenho feito mais mal a mim mesma do que ele poderia ter feito jamais.

Winter a olhou boquiaberta; por uma vez estava completamente sem fala.

— Assim — Acrescentou Megan esfregando as mãos — Quer que siga limpando o pó ou deveria começar a preencher os impressos do inventário anual?

— Mamãe e papai sabem que está aqui?

— Não, e tampouco quero que o você diga. Eu o direi quando descobrir o que quer.

— Talvez deveria ser Matt quem falasse com ele… Ou Robbie.

— Não. Não necessito que se entremeta nenhum dos dois. Wayne é meu problema.

De repente Winter se levantou de um salto e colocou Megan a empurrões no escritório traseiro. Uma vez ali, alargou a mão e correu rapidamente o ferrolho da porta que unia seu local com a Armería de Dolan.

— Acaba de passar — Sussurrou — Acredito que vai ao lado, à loja de Rose. Ontem à noite voltaram a roubar o chifre de alce, e desta vez também levaram o tabua de anúncios do edifício.

Megan se soltou, alisou a dianteira do pulôver, colocou o cabelo atrás das orelhas e voltou a sair em direção ao mostrador.

— Não tenho intenção de me esconder de Wayne. Se nos encontrarmos no povoado, é problema dele.

— De acordo — Disse Winter, com as bochechas ruborizadas — Mas me prometa que falará com ele em um lugar público.

— Por quê? Acha que tentará fugir comigo ou algo assim? Dei-lhe uma oportunidade lá no Canadá e rejeitou minha oferta me atirando isso à cara. Não penso dar ocasião de que o faça de novo.

 

A Jack doía até o último músculo, sua mão esquerda continuava empenhada em sangrar… E além disso, se tivesse forças, daria a si mesmo um chute no traseiro por romper a norma de não trabalhar na polícia. Sabia que não devia fazê-lo, mas, acaso isso impediu de aceitar aquele trabalho para estar perto de Megan? Não, senhor. E, além disso, aquele dia recebeu um aviso, detalhado e pessoal, de que, em qualquer lugar do mundo, todos os povoados de aspecto entorpecido tinham um escuro ponto fraco feito de maus entendimentos e submissão.

Quase tinha conseguido acalmar John Bracket o suficiente para pôr as algemas e colocá-lo no carro patrulha quando de repente saiu de um nada aquele maldito cão. Certamente a refrega posterior ficaria gravada na mente de Simon Pratt durante algum tempo, e passaria uma eternidade até que a Jack se desfizesse o nó do estômago.

Quando já estava a ponto de tirar a arma para matá-lo, o cão terminou de mascar sua mão e pôs-se a correr atrás de Simon. E o único que então deteve o Jack foi o potente gancho de direita de Bracket. Claro que a senhora Bracket não serviu de muita ajuda, gritando como uma possessa. Pôs-se a perseguir o cão como pode apesar de que sangrava o lábio, tinha um olho arroxeado e o pulso deslocado.

Quando levou Bracket a prisão do condado, Jack teria que ter acrescentado o cargo de agressão a um agente. Mas ao recordar os dois meninos que estiveram olhando a cena pela janela, muito atentos e com os olhos como pratos, e, além disso, sabendo que Bracket era seu único sustento econômico, tinha convencido Simon de que passasse por cima do incidente e prometeu que o vigiariam de perto quando retornasse a casa. Esse era outro problema dos povoados pequenos, era quase impossível não envolver-se pessoalmente.

Com um gemido que revelava tanta frustração como cansaço, Jack saiu do Suv e subiu coxeando os degraus do alpendre. Não sabia o que o tirava mais do sério: que sem dúvida a senhora Bracket pagaria a fiança de seu marido à manhã seguinte, ou que já não falaria com Megan como levava planejando todo o dia. Não tinha a menor intenção de apresentar-se em sua porta com pinta de acabar de perder uma briga com um cão.

Abriu a porta com um suspiro de tristeza, e justo quando colocava a chave na fechadura se deu conta de que na porta havia um envelope preso com fita adesiva. Uma vez dentro, acendeu a luz da cozinha e o abriu:

 

               ESTÁ CONVIDADO PARA

               JANTAR EM MINHA CASA ÀS OITO

               NÃO TRAGA A ARMA

 

Então outra vez ela decidia fazer o primeiro movimento, não? Sem querer, Jack sorriu. Coxeando e sem soltar a nota, entrou no banheiro, abriu a ducha e baixou a vista para olhar fixamente o convite. Estava escrita de forma direta, em maiúsculas, com letra clara e enérgica; entre linhas, também dizia que uma vez mais ela tomava a iniciativa em sua relação.

Como fez na tundra.

Pois muito bem. Feito pó ou não, essa noite falariam.

 

— Tem que partir agora — Disse Megan, enquanto empurrava Camry para a porta — São quase oito.

— Só faz vinte minutos que chegou — Protestou Camry com a mão no trinco — Virá tarde.

— Vamos, vá! Necessito um pouco de paz e tranquilidade antes que chegue.

Camry abriu a porta, mas não saiu.

— Não entendo por que precisa falar cara a cara com ele. Se tivesse o esquecido totalmente, teria deixado ir.

— Por isso você não conserva um namorado mais de seis meses. Vá! — Disse, com um último empurrão — Dê lembranças de minha parte a mamãe e papai — Gritou com doçura enquanto Camry ia devagar para o carro — E não esqueça meu álibi: hoje fico até tarde em Bangor para investigar um pouco, e não gostou de passar a tarde sozinha.

Camry abriu a porta e se voltou a olhar Megan.

— Esta noite só poderá usar facas de manteiga, escondi todas as afiadas.

— Já disse, Wayne não é violento.

— Não era sua garganta a que me preocupa — Disse Cam com ironia — Esta noite leva vantagem, irmãzinha, não deixe que volte a meter-se em sua vida à força de galanterias. Dá-me igual quão bom esteja nu.

Megan fechou a porta, inspirou fundo para tranquilizar-se e exalou devagar. Mas o que fazia, convidando para jantar o homem que lhe partiu o coração?

E o que era ainda pior: e se não aparecesse?

Separou-se da porta para controlar o frango que assava no forno. Simplesmente, estava decidida a esclarecer coisas entre eles de uma vez por todas. Era importante que Wayne visse que tinha conseguido esquecê-lo de forma completa, absoluta e verdadeira. Essa noite ia pôr fim às coisas, e ela, não ele, fixaria as condições.

Quem faria as malas e se poria a correr não seria ela, seria ele.

Megan deu um salto para ouvir soar a campainha. Tirou o avental, atirou-o sobre a bancada e abriu a porta com o sorriso mais alegre que pôde encontrar.

— Olá, Wayne.

— Bem… Olá.

— Ou deveria te chamar Jack?

O bem raspado rosto dele se voltou de um vermelho escuro.

— Jack é a opção correta. Isto é para você — Estendeu uma vasilha de seis garrafas de cerveja canadense — Sei bem que a cerveja não é muito bom detalhe para a anfitriã, mas não tinha outra coisa.

A Megan palpitou o coração. Durante um minuto de insensatez recuou no tempo e o viu comodamente deitado diante de uma fogueira, desfrutando de uma garrafa de cerveja depois de um comprido dia de batalhar com os gansos que analisaram.

— Ai, diabos, não me dei conta… Não pode tomar álcool — Disse ele com o olhar posto em sua barriga; depois de deixar as garrafas no alpendre entrou, olhando por toda a sala como se esperasse uma emboscada — Sua irmã nos acompanhará?

— Não, esta tarde está em Gù Brath. O que aconteceu na sua mandíbula? Fez isso Camry ao te golpear com o bolo?

Wayne, quer dizer, Jack acariciou o lado do rosto.

Megan deu um grito afogado ao ver a atadura de sua mão esquerda e dirigiu um olhar feroz e acusador.

— Esteve em uma briga.

— E ao final ganhei, além disso.

Sem dizer uma palavra, Megan girou sobre seus calcanhares, foi com passo resolvido ao forno, colocou as mãos nas luvas de cozinhar e tirou a panela do assado, sem esquecer nem um só instante que Wayne, não, Jack rondava pelo salão.

— Está muito bem sua casa — Disse ele; deteve-se junto à estufa — Estamos ficando sem fogo. Quer que ponha lenha?

Megan se conteve justo quando ia dizer que estava em sua casa e que ficasse a vontade.

— Claro. A alavanca grande da direita é a grade — Deu-se conta de que em realidade estava mais tranquila quando não o olhava e, de costas a ele, tirou uma bandeja para o frango — Bom, o que faz em Pene Creek, dizendo que é Jack Stone e fingindo ser o chefe de polícia? — Perguntou em tom despreocupado.

— Não estou fingindo e tenho feridas para demonstrá-lo.

Megan deu uma olhada e estendeu a mão enfaixada.

— Pene Creek pôs um anúncio pedindo um chefe de polícia, eu necessitava um trabalho e, além disso, meu nome autêntico é Jack Stone.

— Então quem é Wayne Ferris?

— Um produto de minha imaginação que me ajudou a conseguir um posto em seu estudo meio-ambiental.

Ela se deteve o meio tirar o frango da panela.

— De modo que é policial e não biólogo?

— Não estou licenciado em nenhum dos dois campos. Simplesmente, li uns livros sobre o ecossistema da tundra para dar a impressão de que sabia do que falava.

— Mas por quê? O que fazia ali?

Ele fechou o regulador da grade da estufa, aproximou-se para tirar os utensílios que tinha nas mãos e tirou o frango da panela, enquanto seguia falando de costas com ela.

— Meu nome é Jack Stone, sou dono de uma casa em Medicine Lake e sou um caçador muito especializado.

— Caças os animais que estivemos contando?

— Não, pessoas — Pôs o frango na bandeja, chupou um dedo e se apoiou na bancada para olhá-la — Concretamente, caço fugitivos.

— Que espécie de fugitivos?

— Todos os que terei que encontrar, mas quase sempre adolescentes. Os pais preocupados ficam em contato comigo para que procure a seus adolescentes e volte a levá-los a casa.

Megan o olhou boquiaberta. Localizava adolescentes fugitivos?

— Por que não chamam à polícia, sem mais?

Depois de conduzi-la até a poltrona que havia junto à estufa, ele se sentou no puff frente a ela.

— Porque os que persigo estão fora do alcance da polícia. Desaparecem em grandes cidades como Toronto ou Nova Iorque; escapam para entrar em uma seita ou, se não, fogem de propósito para desaparecer da face da terra.

— E você os encontra e os leva a seus pais?

Ele encolheu os ombros.

— Isso depende da idade e de como estão quando os encontro. Aos menores de dezesseis anos são levados para casa. Mas inclusive nesse caso, se mantiverem sem problemas e faço uma ideia clara do motivo pelo que escaparam, limito-me a informar os pais de que estão a salvo.

Megan se recostou para trás na poltrona.

— E você decide se a vida na rua é melhor que viver em casa com suas famílias? Que preparado é, saber o que é melhor para esses jovens…

Em silêncio, ele cravou o olhar nela um instante.

— Você procede de uma comunidade muito unida, Megan, e tem uma família grande, carinhosa e intacta — Disse em voz baixa — Alguns garotos não têm tanta sorte. E se estiver mal julgar as circunstâncias segundo meu próprio conjunto de valores, porque o esteja; melhor meus que os de ninguém absolutamente.

Megan sentiu que uma onda de calor o fazia ruborizar-se.

— Perdoa. Sim, isso é melhor que o que ninguém vá atrás deles — Levantou-se e foi de novo à cozinha para terminar de pôr o jantar na mesa — E a quem estava… Bem, caçando quando nos conhecemos?

— Billy Grumman, embora de verdade se chama Billy Wellington. Seus pais levavam quatro anos buscando-o, e eu era sua última esperança.

Ela se voltou, surpreendida.

— Mas se só tem dezenove ou vinte anos!

— Escapou de sua casa com dezesseis, andou pela cidade de Nova Iorque um ano e depois o recrutaram em uma espécie de seita.

Megan estava fascinada.

— Custa acreditar que Billy seja um fugitivo; parecia como outros.

— Ao cabo de quatro anos duvido de que se considerasse já um fugitivo.

— Entretanto encontrou o modo de conseguir estudos, e seu trabalho de classe era tão magnífico que era chefe de grupo.

Jack foi à cozinha e começou a abrir gavetas.

— É muito instruído porque a seita a que pertencia pagava os estudos. Onde estão as facas para que possa trinchar o frango?

— Camry as escondeu antes de partir.

Jack ficou quieto.

— Sua irmã acredita que sou perigoso?

— Não, acredita que eu sou — Com a ajuda de uma colher, Megan jogou as batatas em uma terrina e o levou a mesa — Que espécie de seita paga a universidade?

— Uma organização muito sofisticada que, pelo visto, tem planos meio-ambientais — Disse Jack, ao tempo que deixava o frango na mesa e tomava assento frente a ela — Eu não me coloco com as organizações nas que me infiltro — Cravou o garfo na ave e arrancou uma grande parte de peito — Tento me aproximar de meu objetivo quando está sozinho para falar com ele.

“Objetivo”, “Infiltrar-se”… Nossa, caramba… Então Jack Stone era um condenado guerreiro.

— Então, convenceu Billy para que ficasse em contato com seus pais?

Ele apoiou os braços na mesa e a olhou diretamente nos olhos.

— Não. Meti-o em um avião de pequeno porte e o passei de contrabando de novo do outro lado da fronteira junto a seus pais, que vivem no Kansas.

— Não lhe deu opção?

— Claro que sim… É que não gostou de nenhuma das duas opções que ofereci.

— E foram?

— Que ou o levava a sua casa com seus pais ou a Real Polícia Montada do Canadá.

— À polícia? Por quê?

— Recorda o trabalhador do governo que morreu?

Megan assentiu.

— Estou bastante seguro de que Billy sabe algo sobre sua morte.

— Possivelmente estavam bebendo juntos, o homem caiu no charco e Billy estava muito embriagado para ajudá-lo?

Jack meneou a cabeça.

— O cara não estava bêbado, e além disso, não foi um acidente, Megan, assassinaram-no… Por isso quis que fosse dali.

Megan recuou dando um grito afogado.

— E acha Billy que o matou?

— Não, mas acredito que talvez sabe quem o fez — Claramente incômodo com a conversa, removeu-se no assento — Me parece que a organização que paga os estudos de Billy teve seus motivos para querer que ele estivesse ali.

— O que acontecia?

— Não pude descobrir, e Billy não vai falar. Não fica nenhuma dúvida de que a morte daquele cara o afetou muito, mas pelo visto dava mais medo enfrentar-se a seu benfeitor que a uma acusação de assassinato. Assim que o levei a rastros de volta com seus pais e, além disso, sugeri que ajudassem a seu filho a desaparecer durante algum tempo.

Megan cruzou os braços e ficou olhando em silencio ao homem que estava sentado frente a ela. Tudo parecia verossímil… Inclusive a sugestão de que a tinha deixado plantada em uma tentativa muita pouco brilhante de protegê-la. Claro que, por outro lado, ele ganhava a vida convencendo às pessoas de que fizesse o que ele queria, não?

— Não acredito — Disse rotundamente — Estive ali dois meses e não vi que acontecesse nada estranho. Acredito que se deu conta de que faz quatro meses foi um imbecil e de que uma simples desculpa não vai apagar isso, de modo que inventou este conto fantástico sobre um assassinato para que pareça que me deu um chute por meu próprio bem — Jogou para trás a cadeira e se levantou, assinalando-o com o dedo — Sei exatamente como pensa porque cresci rodeada de homens como você.

Ele parecia zangado… E também desconcertado.

— Seus pais, primos e tios são uns malditos embusteiros que inventam contos para que? Para controlar suas mulheres?

— Não, são guerreiros, e seu primeiro pensamento é a sobrevivência seja como for. Primeiro agem e depois se ocupam das consequências. Quando disse que estava grávida, seu instinto foi me tirar do meio. E agora te ocorreu esta rebuscada história para me fazer acreditar que aquele dia agiu como um tolo por meu próprio bem.

Com a mandíbula apertada, Jack também ficou de pé.

— Não me compare com os homens de sua família. Nem sequer me conhece.

Do outro lado da mesa, Megan lançou um olhar assassino.

— Eu conhecia alguém chamado Wayne Ferris. Era um cientista doce, de caráter delicado, que sabia tranquilizar um assustado filhote de ganso a que estávamos anelando, mas que não tinha nem ideia de como se convence uma garota para que tire a roupa.

Ao tempo que se golpeava o peito, ele disse:

— Esse sou eu. E sim que sou um bom cara, e além disso, não é um crime querer tomar as coisas com calma.

— O que você é, é um guerreiro até o DNA, Jack Stone… Se é que de verdade esse é seu nome. E além disso vou te pôr a chutes na rua — Assinalou a porta — Adeus, Wayne, Jack, ou quem diabos seja em realidade.

Ele ficou olhando-a fixamente com expressão incrédula.

Estupendo! Megan queria deixar claro que desperdiçou a oportunidade que tiveram fazia quatro meses, e além disso, esperava que partisse seu coração como aconteceu ao dela.

Ela se aproximou da porta, abriu-a e esperou.

Por fim ele deixou o guardanapo na mesa e, sem dizer uma palavra, saiu; ao passar agarrou a vasilha de seis garrafas de cerveja.

Contendo as lágrimas, Megan fechou a porta atrás dele. Fazia o correto, o sensato, e não só para ela. Se não podia confiar nele com o coração, como arriscar o inocente coração do bebê?

Acertou ao voltar a vê-lo, embora só fosse para inteirar-se de que o homem de quem se apaixonou não existia. Porque o homem que se sentou frente a ela à mesa, considerando-a tão ingênua para acreditar semelhante conto, era um absoluto desconhecido.

 

Jack deixou na mesa a terceira garrafa de cerveja, ainda zangado pelo pequeno discurso de Megan. De maneira que acreditava que ele tinha uma imaginação fantasiosa? Pois a metade de sua explicação de por que a mandou embora fazia quatro meses, de repente ela decidiu que mentia descaradamente, que era uma espécie de guerreiro e que, certamente, não era ninguém com quem queria ter nada que ver.

Então “não fazia nem ideia de como se convence uma mulher para que tire a roupa”, não? vamos ver, e desde quando era bom começar precipitadamente uma relação? Talvez passou um pouco fazendo o papel de Wayne Ferris, o tímido nerd, mas é que dava a impressão “nerdismo” a atraía mais.

Estava claro que não a atraía os guerreiros… Tal como pronunciou a palavra, dava a impressão de que fosse algo mau.

E isso era estranho. Jack já tinha conhecido a muitos de seus parentes e, de forma discreta, tirou informação sobre a mulher que entrou em sua vida como uma rápida tempestade. Depois de ver quão protetores eram aqueles homens, acreditava que Megan chegaria à conclusão de que a mandou embora por seu próprio bem.

E é que, por duro que fosse para ela aquele dia, foi ainda mais duro para ele ver como sua expressão passava da incredulidade ao susto e ao aborrecimento, e depois vê-la afastar-se, temerosa, quando teve que ficar severo. O pior foi seu silêncio enquanto recolhia todos seus pertences, que naquelas semanas acumularam-se pouco a pouco na barraca dele. E depois a imagem de Megan sentada em sua mala, junto à improvisada pista de aterrissagem, com expressão absolutamente aturdida e desolada enquanto esperava que chegasse o avião de abastecimento, era algo que o acompanharia até a tumba.

Jack se sobressaltou quando de repente começou a vibrar o telefone celular que meteu no bolso. Quem diabos o chamava as onze e meia da noite?

— Diga?

— Frank Blaisdell, que é o dono do restaurante da rua principal, diz que quando ia para seu carro ouviu um ruído que procedia da padaria. Diz que parecia como se houvesse alguém dentro.

— Ethel? Está no escritório?

— Não, estou em minha casa, na cama.

— E então como sabe o que ouviu Frank Blaisdell?

— Chamou-me porque não sabia o seu número.

— Em teoria tem que chamar o 911, não a nenhum de nós em particular.

— Eu disse, mas Frank acreditava que o 911 o poria com o xerife do condado em lugar de com você ou com o Simon. Tentou com o primeiro Simon, mas o menino não está em sua casa esta noite. Você vai investigar ou não? — Perguntou em tom impaciente.

— Sim que vou investigar — Disse Jack enquanto ia a grandes pernadas ao quarto para pegar suas coisas.

— Quer que chame o celular de Simon? Disse-me que esta noite ia ao Greenville. Demorará uma hora em chegar aqui.

— Não, já me encarrego. Volte a dormir, e amanhã resolveremos como dizer a todo mundo que chame o 911 para que isto não volte a acontecer. Até manhã.

Jack atou a pistoleira enquanto voltava para grandes pernadas à cozinha, depois pôs depressa as botas e agarrou a jaqueta quando saía pela porta.

Aquela era sua oportunidade de pegar o moleque com as mãos na massa!

Dando um derrapagem com o carro, saiu em tromba do caminho de acesso a sua casa e, quando se dirigia para o povoado, esteve a ponto de se chocar com a irmã de Megan, que subia a toda pela estrada sem asfaltar. Para evitar seu carro, Jack deu uma volta e foi parar de cabeça no montão lateral de neve. Saiu de marcha ré, acendeu as luzes e a sirene e correu para o povoado com um selvagem sorriso. A julgar por sua expressão de espanto, Camry MacKeage o pensaria melhor a próxima vez que sentisse o impulso irresistível de lançar um bolo à cara.

Enquanto se metia pela estrada principal, Jack se apressou a centrar-se outra vez em sua missão. Esperava com toda a alma não ter que disparar essa noite. E é que ao melhor custava convencer à polícia do Estado de que, embora tivesse três cervejas no corpo, estava completamente sóbrio e era bastante capaz de enfrentar o elemento criminal de Pene Creek.

 

Camry entrou como um furacão na casa de Megan.

— Esse louco quase choca comigo! Saiu pela pista como uma exalação, como se um macho de alce estivesse investindo.

— E você entrava em câmara lenta, suponho…

— Nem sequer levava a sirene posta nem as luzes especiais acesas — Cam soltou um bufo — As acendeu depois de que quase bate contra mim — Sentou-se no puf e jogou a um lado os pés de Megan para desocupar o lugar — Bom, desembucha, irmãzinha. O que disse para fazer que se perca na noite assim depressa?

— Não tenho nem ideia de por que saiu como uma exalação, porque faz mais de duas horas que partiu. Deve ter recebido uma chamada da polícia — Megan baixou os pés ao chão e ficou direita — Possivelmente esses moleques estejam outra vez com o mesmo. Ontem à noite arrancaram a “O” e o “F” da loja da Ford que está na calçada de em frente e as cravaram no rótulo de Winter, de modo que dizia “Vadiagem de arte Pene Creek”.

Rindo, Camry desabotoou o jaquetão.

— Pelo menos têm imaginação — Disse — E isso me faz pensar que o do roubo da padaria foi outro. Os meninos se limitam a gastar brincadeiras inofensivas.

Megan ficou de pé ao tempo que dava um bocejo.

— Ou gostam de muito os donuts do dia anterior. Vou dormir.

— Bom, não me contou como foi a noite.

— Afirma que de verdade se chama Jack Stone e que busca jovens fugitivos.

— Não é biólogo?

Megan negou com a cabeça.

— Então para isso devia ser o anúncio de Internet: oferece-se aos pais que procuram a seus filhos. — Camry se animou — É uma nobre profissão.

Megan revirou os olhos.

— É mentira, Cam.

— Ah, sim?

— Claro que sim. Assegura que trabalhava em segredo para aproximar-se de um dos estudantes e convencê-lo de que voltasse para casa com seus pais. Diz que Billy escapou de sua casa faz quatro anos, aos dezesseis.

— Então como pagava o garoto a universidade?

— Uma seita a que pertencia corria com os gastos. — Diante a expressão de desconcerto de Camry, Megan levantou as mãos — Vê o que quero dizer? Wayne o inventou tudo.

— Mas por quê? Se não procurar fugitivos, por que estava no Canadá, em seu estudo?

— Quem sabe e quem se importa? Joguei-o assim que me dei conta do que estava fazendo.

— Mas o que estava fazendo? — Perguntou Cam — Te disse por que está aqui?

Megan se ruborizou.

— Não dei chance — Reconheceu — Dei um chute antes de que acabasse o jantar.

Camry a olhou boquiaberta.

— Mas se disso se tratava esta noite! Em teoria, ele ia suplicar que o deixasse voltar, e então você jogaria a súplica à cara… Venha, vamos.

Enquanto falava agarrou a sua irmã pela mão, foi para a porta e deu o jaquetão.

— Aonde vamos? — Perguntou Megan, agarrando o jaquetão como pôde.

— Ao povoado. Vamos ver o que está fazendo seu namorado.

— Está maluca? — Megan pendurou o jaquetão de novo — Jack Stone não é meu namorado, e não vamos atrás dele.

Cam voltou a dar o jaquetão.

— Certo — Disse — Então jogaremos uma olhada à loja de Winter, só para nos assegurar de que ninguém entrou para roubar nada dela.

Enquanto sua irmã a levava fora, Megan murmurou:

— Tem que voltar para trabalho, Cam, antes que te estrangule.

— Ai, vamos, relaxe — Disse Camry, abrindo a porta do motorista — Quando foi a última vez que saímos às escondidas de casa, juntas, de aventura?

— Se a proprietária da casa sou eu, isto não é sair às escondidas — Megan subiu no assento do passageiro e grampeou o cinto de segurança — E, além disso, espiar a um ex-namorado não é uma aventura. E se atrapalhamos seu trabalho policial?

— Estacionaremos nos subúrbios do povoado e iremos andando às escondidas até a Vadiagem de arte de Winter. Olharemos de dentro, bem escondidas.

— Winter te estrangulará se alguma vez te ouça chamar a sua loja a Vadiagem de arte. Não tem graça a brincadeira.

Camry pôs o carro em marcha e se dirigiu para o povoado.

— E o que vai fazer se Jack ficar como nosso chefe de polícia? — Perguntou — Porque está grávida de seu filho.

— Pois se ficar e quer formar parte da vida de meu bebê, já encontraremos alguma espécie de acordo.

— Quererá um regime de visitas, Meg. Está disposta a deixar que leve seu bebê durante o dia?

Megan baixou a vista até sua barriga.

— Tratarei esse problema em seu momento, se chegar o caso. Mas quando se der conta de que tudo acabou entre nós, dará-se por vencido e partirá.

Camry alargou a mão e deu um tapinha no joelho.

— E se não se vai, simplesmente diremos a Winter que o transforme em sapo.

 

Tomando cuidado de que a neve não rangesse a seu passo, Jack avançou com cautela pela rua principal, pego aos edifícios do lado do lago, valendo-se das sombras para ocultar seu avanço. Devagar, dirigiu-se para a padaria do final da rua, alerta a qualquer som que indicasse atividade, e atento se por acaso via algum movimento. E de repente, justo quando passava pela frente da Armería de Dolan, um surdo estrépito surgiu do interior.

Apertou-se contra o lado do edifício, com os olhos cravados na porta um pouco entreaberta, enquanto tirava o porrete do cinturão. De novo soou outro estrondo, seguido de um irado grunhido de surpresa, e depois um estrépito ainda mais forte, como se tivessem esvaziado de um golpe um suporte cheio de pesadas panelas e caçarolas.

Maldição, aqueles moleques estavam destruindo a loja.

Jack deu uma olhada ao parque da borda do lago para assegurar-se de que ninguém mais rondava por ali; depois, sem fazer ruído, subiu os degraus, usou o porrete para abrir de um empurrão a porta quebrada… E imediatamente o fedor o fez recuar.

O pestilento ladrão de donuts havia tornado a começar.

Outro violento estrépito chegou de dentro; desta vez soava como se caísse todo um módulo de estantes… E Jack ficou imóvel, com o pé na soleira, quando de repente um grave alarido de aflição que não se parecia com nada do que tivesse ouvido antes, ressoou nas paredes do interior. De repente o edifício inteiro começou a tremer quando o que tinha feito aquele som se dirigiu para ele correndo.

Mas que diabos…?

Jack se endireitou de um salto para ver melhor, mas de repente um grande braço de puro músculo o agarrou por atrás e lhe rodeou a garganta. Deu um golpe para trás com o porrete, mas só conseguiu fazer grunhir a seu atacante e que o braço que lhe rodeava o pescoço se apertasse mais. Ergueu-se de repente ao tempo que recuava para dar no tipo uma cabeçada, mas, sem soltá-lo, o homem se limitou a deixar cair no chão de costas. Em seguida umas poderosas pernas rodearam as coxas e o mantiveram bem quieto o tempo suficiente para que seu atacante o deixasse sem fôlego.

Enquanto tudo se voltava negro a seu redor, o último pensamento de Jack foi que o de “moleques” era um nome muito pouco apropriado. Porque a aparição que saía voando por cima do lago tinha que medir quase três metros e meio de altura, e o tipo que estava estrangulando-o pesava pelo menos cem quilogramas.

 

Ao despertar, Jack ouviu uma conversa em voz baixa, mas não abriu os olhos ao dar-se conta de que não só conhecia a voz de quem falava, mas também estava familiarizado com o colo em que descansava sua cabeça, embora estava um pouco mais redondo do que a última vez que esteve naquela posição. Como já não parecia encontrar-se em iminente perigo, decidiu fazer de adormecido para inteirar-se de que diabos fazia toda aquela gente no lugar de seu delito. Além disso, a preocupação que refletia a voz de Megan o fazia conceber esperanças.

— Não sei por que insistiu em que o trouxéssemos para a galeria, Robbie. Temos que levá-lo à tia Libby para que o olhe — Sussurrou Megan em tom de urgência, ao tempo que apalpava a cabeça de Jack para ver se havia galos — Já deveria estar acordado. É possível que tenha uma comoção cerebral.

— Só o deixaram sem fôlego — Disse uma voz sonora que Jack reconheceu como a de Robbie MacBain — Logo voltará em si.

Um bufo feminino soou mais perto, e outra voz familiar, em tom muito alegre, disse:

— Pois sim que de verdade é um nerd, né? Não há oposto muita resistência quando esse cara o atacou. E agora compreendo o que queria dizer sobre seu tamanho, Meg: Robbie o jogou no ombro como se fosse um saco de grão.

Assim que a irmã lançadora de bolos também estava ali. Estupendo.

Com suavidade, Megan deu uns tapinhas na cara.

— Vamos, Wayne, acorda — Disse, dando tapinhas um pouco mais forte.

— Wayne? — Repetiu Robbie em tom receoso.

— Wayne Ferris — Trilou Camry, de novo em um tom muito jovial — O bastardo que partiu o coração de Megan. Só que agora diz que se chama Jack Stone e finge ser nosso chefe de polícia.

Megan o estreitou contra ela em um gesto protetor. Não podia negá-lo, amava-o ainda. Jack entreabriu apenas os olhos e viu que MacBain a olhava; estava claro que não gostava daquilo.

— Jack Stone é Wayne Ferris? Seu biólogo do Canadá? —perguntou o muito alto escocês.

— Algo assim — Disse Megan — Mas não é biólogo e já não é meu.

Camry voltou a soltar um bufo.

— Pois age como se ainda fosse seu.

Diabo, claro que sim: é que era dela… E a pronunciada barriga contra a que estava acomodado o demonstrava.

— Então quem diabos é? — Perguntou Robbie em tom impaciente.

— Disse-me que Jack Stone é seu nome de verdade, que busca jovens fugitivos e que se fez passar por biólogo porque ia atrás um dos alunos do estudo — Explicou Megan.

— Mas Meg decidiu que provavelmente é mentira — Acrescentou Camry — E começo a estar de acordo com ela. Não é um caçador muito competente, não é? Nem sequer sabe apanhar a uma turma de moleques.

Como não gostava do rumo que ia tomando a conversa, Jack estava a ponto de fingir um restabelecimento milagroso quando MacBain disse:

— Quem o derrubou não foi nenhum garoto. Esse homem era de meu tamanho.

— Reconheceu-o? — Perguntou Megan ao tempo que esfregava com suavidade o peito de Jack, fazendo que se sentisse quente, confuso e um pouquinho tonto.

— Não, quando gritei se colocou correndo no bosque. Quem mais sabe que Stone é Wayne Ferris?

— Só Cam e Winter, e agora você.

— Não contou a Greylen?

Megan abraçou ao Jack mais forte.

— Dá-me medo o que vá fazer papai.

— Este bastardo merece uma boa surra — Resmungou Robbie.

Camry riu.

— Parece que os do povoado já o fazem por nós, parece um desastre. O que aconteceu com sua mão?

De novo, Jack estava a ponto de gemer e abrir os olhos quando MacBain disse:

— Possivelmente deveria perguntar a ele, faz dez minutos que está acordado.

A cabeça de Jack bateu no chão com um golpe surdo quando de repente Megan saiu como pôde de debaixo dele. Esfregando a nuca, ele se incorporou e lhe jogou um olhar feroz.

— O trabalho policial não é um espetáculo esportivo. Não pintavam nada correndo atrás de minha sirene até o povoado.

— Eu disse que tínhamos que tê-lo deixado no montão de neve — Disse Camry.

Jack dirigiu seu olhar feroz para ela.

— E vou te multar por excesso de velocidade na estrada de terra.

Ela sorriu com doçura.

— Antes que me esqueça, como estava o bolo? Estavam bem assadas as maçãs?

Olhando desta vez a MacBain, Jack perguntou:

— O que fazem todos vocês aqui?

Robbie encolheu os ombros.

— Frequentemente passeio de noite.

— Nove ou dez quilômetros em pleno inverno? Não vive lá encima na ladeira oeste da montanha Tarstone?

Robbie assentiu e, a sua vez, perguntou:

— Conseguiu ver seu atacante?

Jack meneou a cabeça e tentou levantar-se, mas seu joelho direito não quis colaborar e voltou a cair ao chão dando um assobio de dor. Antes que pudesse gritar de surpresa, MacBain o agarrou pelos ombros e o levantou até pôr o de pé.

— Deve ter batido o joelho ao cair fugindo dos moleques — Disse Camry — Mas é todo um detalhe que pararam a te enfaixar a mão enquanto estava desacordado.

— O da mão é da primeira hora de hoje, quando um pitbull decidiu que gostava de mim como almoço— Disse Jack, segurando-se no mostrador. Sentia o joelho como se tivesse o tamanho de uma bola de futebol; tentou apoiar-se nela e rapidamente decidiu que não era boa ideia — Maldição — Murmurou, ao tempo que se metia a mão no bolso para procurar o celular; quando MacBain aproximou uma cadeira, sentou-se, deu à marcação rápida e só teve que esperar uns segundos — Pratt, onde está? Pois vista-se e veem a rua principal o antes possível. Tivemos outro roubo. Estou na galeria de arte. Como? Não, desta vez destruíram a armería. Ouça, tem em casa umas muletas de seus tempos de futebol? Bem, pois me traz isso?

Apenas guardou o telefone no bolso, Megan disse:

— O hospital mais próximo é o de Greenville. Cam e eu o levaremos.

Jack meneou a cabeça.

— Tenho que ajudar o Simon. Ele me levará quando assegurarmos o lugar dos fatos — Olhou a Robbie — Ouvi que esteve nas operações especiais, e que talvez está disposto a dar uma mão se o necessitar.

MacBain assentiu.

— Sente-se com vontade de seguir os rastros desse tipo para ver aonde conduzem?

Robbie assentiu com um leve movimento de cabeça, depois olhou Camry e Megan.

—Parece-me, senhoras, que já tiveram suficiente diversão por uma noite. Já é hora de que se vão a casa.

Camry começou a dizer algo, mas com doçura e em voz baixa Robbie disse “Já”, e imediatamente ela fechou a boca e ficou de pé. Megan deu um suspiro de resignação, e Jack observou, assombrado, que as duas abotoaram os jaquetões e saíam pela porta principal. A campainha de cima tilintou alegremente no absoluto silêncio enquanto desapareciam na noite sem jogar sequer uma olhada atrás.

Jack olhou a Robbie MacBain.

— Como fez isso? E o que é mais importante, ensina-me a fazê-lo?

Robbie levantou uma sobrancelha.

— Demorei anos em aperfeiçoar esse truque, assim acredito que o acostumar o dependerá de quanto tempo você tenha intenção de ficar.

Jack se levantou sobre a perna boa e endireitou os ombros.

— Fico aqui todo o tempo que for preciso — Disse — A amo.

— Pois tem um estranho modo de demonstrá-lo.

— Mandei-a a casa por seu próprio bem. Assassinaram um homem na tundra, e Megan tem a mania de meter-se de um salto primeiro, e fazer perguntas depois. Foi a única maneira que me ocorreu de evitar perigos.

Um leve sorriso suavizou a boca de MacBain.

— Esta sim que sai a seu pai… — Igual de rápido, ficou sério — O tem bastante difícil, Stone. Megan estava destroçada quando voltou, e minha experiência me diz que as mulheres não se recuperam muito rápido quando lhes partem o coração, se é que chegam a recuperar-se.

— Com o tempo a cansarei. Alguma sugestão sobre como abordar Greylen MacKeage?

Robbie foi para a porta principal.

— Se fosse você, eu esperaria estar curado. — Abriu a porta — E depois demonstraria ser o bastante homem para sua filha recebendo o que ele repartisse… seja o que for.

Enquanto Robbie saía, Jack voltou a dirigir-se a ele.

— Espere! — Disse — O que tem Megan contra os guerreiros?

Robbie soltou um bufo.

— Não oculta que não quer apaixonar-se por um, embora duvide de que compreenda sequer por que.

— E qual é a sua teoria?

— Não é evidente, Stone? Megan é justo aquilo do que foge.

Jack cravou a vista na porta fechada. Deus bendito! Estava planejado um cortejo quando deveria estar preparando-se para a batalha!

 

Dando um bocejo que quase desencaixou a mandíbula, Megan colocou o roupão e entrou com passo fatigado na cozinha.

— Com quem falava? — Perguntou a Cam, bocejando outra vez.

Camry voltou a soltar o celular em sua bolsa.

— Com o Rose Brewer. Esses moleques puseram perdida a loja, de modo que vou lá para ajudar a limpar.

— Que horas são?

— Quase as onze.

— Céus, passei-me a manhã dormindo. Me dê dez minutos e vou contigo.

— Não. Não deve andar levantando coisas, e não necessitamos a uma supervisora.

Megan não discutiu, pois de todas formas essa manhã se sentia um pouquinho preguiçosa. Além disso, com Cam fora até o anoitecer, poderia aconchegar-se junto à estufa e começar por fim a trabalhar em seu estudo. Pegou uma parte de torrada que Cam deixou no prato.

— Rose falou se roubaram algo?

— Com toda a desordem ainda não sabe. Diz que certamente a prateleira das guloseimas era um objetivo, e que deveram estar dentro bastante tempo, porque há pacotes vazios atirados por toda parte.

— Entraram procurando guloseimas? — Perguntou Megan, surpreendida — Então devem ser mais jovens do que acredita todo mundo. Uns garotos maiores teriam ido por cigarros e cerveja.

Camry, que esteve fechando as botas, ficou direita.

— Estupendo, os baderneiros de Pene Creek são um grupo de meninos de dez anos… Rose também diz que a loja fede a barro estagnado e a vegetação podre, e que não sabe se alguma vez conseguirá desfazer-se desse aroma. Onde acha que encontraram barro nesta época do…

Nesse momento soou a campainha, e como estava justo ao lado da porta, Camry a abriu… E igual de rápido voltou a fechá-la.

— Cam! Quem é? — Perguntou Megan, abrindo a porta outra vez — Wayne…

— Jack — Endireitou-se sobre as muletas e entrou coxeando — Tenho que lhes fazer umas perguntas sobre o que podem ter visto ontem à noite.

— Vi-o correr como se o perseguissem as matilhas infernais — Disse Cam, ao tempo que voltava a pendurar o jaquetão — Caiu, os moleques escaparam e então das sombras saiu um homem que te teria estrangulado se Robbie não chegasse a aparecer… Não deveria estar anotando-o? — Perguntou, assinalando o caderno que sobressaía do bolso.

— Obrigado por sua declaração, senhorita MacKeage. Vejo que precisamente saía, assim não a entretenho mais — Disse, lhe abrindo a porta.

— Mudei de opinião. Fico.

Megan passou o jaquetão a Camry e disse:

— Não. Rose te espera.

— Se for ajudar a Rose Brewer a limpar — Disse Jack — Me faça uma lista do que levaram, sim?

— Claro que sim, agente Stone — Disse brandamente Cam, voltando a colocar o jaquetão — Tudo para ajudar à força pública de Pene Creek em sua tarefa de apanhar aos maus.

— Estará ajudando a Rose mais que a mim — Resmungou ele; era evidente que sua paciência estava a ponto de esgotar — Necessitará essa lista para a reclamação do seguro.

Quando Cam ia fazer outro comentário mordaz, Megan se apressou a intervir e fez ela sair de um empurrão.

— Mas quer ir já?

Cam se deteve no alpendre e se voltou outra vez para ela.

— Não te atreva a lhe preparar o café da manhã. E vista-se — Sussurrou em tom tenso.

Megan fechou a porta e deu a volta, para encontrar a seu pouco grato convidado com a vista cravada em sua barriga. Imediatamente se ruborizou.

— Eu… Bem… Me vestirei — Disse, enquanto fechava o roupão e virtualmente corria para seu quarto.

Assim que fechou a porta do quarto, Megan levou as mãos à cara e deu um gemido. Aquele cabelo curto, aquela mandíbula angulosa e aquela pele suave e curtida pela intempérie o faziam mais bonito ainda. E, pobre dela, aqueles profundos olhos azuis, sexys e intensos, seguiam tendo o poder de transformar sua mente em mingau.

Não, mas bem de transformar sua mente em pura luxúria.

Talvez foi um pouquinho lento ao abandonar a proteção ao saírem, mas quando ficou em marcha, certamente Wayne levou magia às relações sexuais. Concentrava-se nela tão intensamente que o mundo inteiro deixava de existir. Podiam ter sido uma bolinha de pó flutuando pelo cosmos, encantada que estava ela nas sensações que ele provocava.

Aquela tarde tinha ido, toda inocente, à barraca de campanha de Wayne para perguntar algo, mas quando o pegou olhando fixa e intensamente a boca enquanto falava… Bom, quando quis dar-se conta seus lábios estavam apertados contra os dele e ela estava atacando os botões da camisa… E depois os deixou em roupa íntima em cinco minutos. O teria feito em dois, mas se detinha cada instante para beijar cada pingo de carne que deixava descoberto. Ele tinha um corpo muito formoso…

Quando se recuperou do susto de seu ataque, ele a baixou até pô-la no saco de dormir, segurou as exploradoras mãos em cima da cabeça, ato seguido, começou a fazer o amor de forma exasperantemente lenta e terna.

Megan estremeceu ao pensar na imagem de seus corpos nus e entrelaçados, e voltou para o presente de um pulo. Certo. Embora o homem que estava no salão era um maldito e mentiroso quebra corações, não podia proibir a entrada de ninguém que tivesse um aspecto tão lastimoso como o seu. O cara parecia um machucado desastre, e claramente exausto. Colocou umas calças e um pulôver, passou os trêmulos dedos pelo cabelo e voltou para a cozinha para encontrar Jack meio deitado no sofá, com a perna direita apoiada na mesinha auxiliar e o caderno na mão.

— Senhora, viram algo de verdade, ou tenho que deter sua irmã por mentir a um policial?

Megan tirou a frigideira e a pôs em cima de um queimador.

— Justo quando entrávamos na galeria de Winter ouvimos um grito horroroso procedente da armería de Rose. Corremos depressa à janela de trás e vimos que os moleques quase passavam por cima ao sair correndo. Então saiu das sombras aquele homem e te agarrou por trás — Foi a geladeira e tirou ovos, manteiga e uma terrina de presunto cortado em cubos — Do que falaram você e Robbie quando partimos?

— De você, principalmente. Depois de que o tipo me derrubasse, o que fez?

— Meteu-se correndo no bosque quando Robbie gritou.

— Em que direção?

— Subindo pela costa oriental do lago. Concretamente, do que falaram você e Robbie sobre mim?

— Impressionou-me quão bem você e sua irmã o obedeceram, e pedi que me ensinasse a fazê-lo.

Megan quebrou os ovos na frigideira dando um bufo.

— Gostaria… Que mais?

Ao ver que ele não respondia em seguida, voltou-se a olhá-lo.

— Não penso partir, Megan — Disse Jack — Não me importa quão grande seja essa família da que se esconde atrás, ou o grandes que sejam seus primos.

Ela elevou o queixo.

— Eu não me escondo atrás de ninguém.

Ele assentiu.

— Bom. É um menino ou uma menina?

— Como?

— Vamos ter um filho ou uma filha? — O olhar do Jack baixou até sua barriga — Tem feito uma dessas provas para saber o sexo?

De novo Megan deu a volta para o fogão e verteu os cubos de presunto sobre os ovos.

— Não sei que sexo tem.

— Não sabe, ou não quer dizer isso?

Ela o olhou por cima do ombro.

— Quero que seja uma surpresa.

— Bem. Eu também — Baixou a vista ao caderno que tinha na mão — Disse que viram um grupo de garotos sair correndo da loja. Sabe quantos eram?

Ela encolheu os ombros, voltou a olhar o fogão e apagou o queimador.

— Foram em um pelotão compacto, assim não sei dizer.

— Viu aonde foram?

Ela franziu o cenho, abriu a boca e voltou a fechá-la.

— Ou talvez ouviu algo? Talvez um motor ligado, como o de uma moto de neve? Ou… Um avião de pequeno porte? — Ele baixou a voz — Viu algo que saía voando por cima do lago?

— Não ouvi nenhum motor, mas possivelmente vi algo voando… — Afastou a vista, abriu um armário de cozinha e tirou um prato — Possivelmente fora um bando de gansos.

— Em pleno inverno?

Megan encheu o prato com quase toda a omelete que fez, pôs um garfo nele e o levou até o sofá.

— Certo, não tenho nem ideia do que vi voando sobre o lago. Camry o viu melhor.

— Embora não é que vá me dar uma resposta clara — Murmurou Jack; depois sorriu com expressão de gratidão enquanto agarrava o prato — Obrigado; estava morto de fome.

— Quando tiver comido, levarei-o ao hospital — Disse ela enquanto retornava ao fogão, resignada a perder sua tranquila tarde.

— Não necessito um médico — Disse ele entre bocado e bocado — Dê umas aspirinas e uma cama macia, e estarei preparado manhã pela manhã.

Megan comeu sua parte dos ovos diretamente na frigideira, enquanto um embaraçoso silêncio se estendia entre eles dois. Era desconcertante o ter em sua casa e falar com ele como se fossem velhos amigos.

“Vamos ter um filho ou uma filha?”… Ele já teve uma oportunidade de conhecer seu bebê e a desperdiçou. Não lhe importava se a ameaçasse ficando rondando até que as rãs criassem cabelo, certamente não ia voltar a entrar em sua vida tão fresco.

Engoliu o último bocado e perguntou:

— Por que veio de verdade a Pene Creek?

Como não respondia, deu a volta e viu que estava profundamente adormecido. O prato vazio estava em equilíbrio sobre sua barriga, os braços estavam caídos aos flancos e roncava baixinho.

Megan se aproximou do sofá, pôs o prato sobre a mesinha auxiliar e depois desabotoou as botas e as tirou. Com cuidado de não bater no joelho lesado, moveu as pernas até que esteve estendido no sofá; depois colocou uma almofada sob a cabeça e outro debaixo do joelho, tirou a manta do respaldo e o tapou. Quando remetia a manta sob o queixo, roçou com os dedos a áspera barba incipiente de sua bochecha, e sem parar para pensar, inclinou-se e deu um beijo na testa. Por alguma razão, seus lábios decidiram entreter-se na morna pele, e ele se aconchegou melhor na almofada com um suspiro.

Imediatamente Megan ficou direita de um salto e voltou com passo irado à cozinha. Ao Diabo com o homem! Tanto faz as maravilhosas lembranças que evocava o ter ali: não ia deixar sair do atoleiro tão facilmente. Se queria formar parte de sua vida, ia ter que ganhar seu amor outra vez!

 

Aquilo de despertar ouvindo conversas sussurradas ia transformando-se depressa em um mau hábito… Embora um hábito instrutivo. Mas desta vez Jack não reconheceu que falava. Abriu os olhos com cautela e o suave resplendor das luzes interiores indicou que passou o dia dormindo. Com o cenho franzido, olhou a casa vazia. Seguia estando no sofá de Megan, embora agora estava deitado ao longo; não estava com as botas, tinha uma almofada sob o joelho inchado e estava abafado do queixo à ponta dos pés com uma suave manta.

A conversa chegava de fora. Viu que havia duas pessoas de pé sob a luz do alpendre, mas a cortina que tampava o cristal da porta fazia impossível identificar o homem. Entretanto era outro gigante, muito mais alto que Megan, que destacava sobre a mulher enquanto apoiava uma delicada mão sobre os braços, que tinha cruzados no peito.

Algo em suas posturas despertou uma lembrança no fundo da mente de Jack. Quando tinha visto Megan olhando para cima a um homem justamente assim?

Nesse momento a ameaçadora voz do tipo entrou pela porta entreaberta.

— Matt me disse que Jack Stone é o pai de seu filho. E que Wayne Ferris era um apelido que Stone usava no Canadá, quando te seduziu.

Jack soltou um bufido. Ele não tinha seduzido ninguém: tinha sido ao contrário.

— E entretanto o tem adormecido no sofá, quando me disse que esperava que o bastardo se apodrecesse no inferno — Terminou o gigante com um grunhido, pronunciando com forte sotaque.

Jack estremeceu. De verdade Megan havia dito isso?

— Bom, e quem contou ao Matt sobre Wayne? — Megan se separou do homem — Com certeza que Winter, e é obvio seu irmão te disse isso… O qual quer dizer que minha irmã sabe guardar seus segredos durante meses, mas que meus, os solta à primeira ocasião que tem.

— Maridos e mulheres não se ocultam segredos. Fará bem em recordá-lo, lass, quando te vir casada.

Jack sorriu. Não era de estranhar que Megan preferisse os nerds; os homens da li quando não lhe davam ordens a repreendiam, de modo que Wayne Ferris devia parecer uma baforada de ar fresco. Nesse momento ela tinha as mãos apertadas e elevava a vista para o gigante como se pudesse triturá-lo com seu olhar feroz.

— Eu não vou me casar nunca — Disse; o grunhido de sua voz soou alto e claro — Não necessito que um homem me chateie a vida nem que a chateie a meu bebê. Só nos necessitamos o um ao outro.

— Assim se fala, carinho.

Sorrindo, Jack fechou os olhos e voltou para aconchegar-se debaixo da manta. Se Megan acreditava que não queria casar-se, parecia bem… No momento. Com o tempo a cansaria.

— Quanto ao favor que quer — Prosseguiu ela — Continuo dizendo que Elizabeth é a melhor candidata, mas se insistir em que seja eu, farei-o. Mas a primeira vez que ponha em plano todo machão, acabou-se.

Jack abriu os olhos e viu que o homem atraía Megan contra seu peito de uma forma que era algo menos familiar. Que diabos acabava de prometer ela, que o gigante se sentia obrigado a agradecer-lhe com um abraço? E qual era seu parentesco com o Megan? Cunhado? Se tinha ouvido bem, era o irmão do marido de Winter.

E para qualquer isso transformava Megan em um alvo legítimo.

Aquele era o homem da montanha Tarstone! Por isso o tinha visto antes. Daria algo por ter outra vez a aquele bastardo caçador furtivo no ponto de mira de seu rifle para mandá-lo correndo trás de uma rocha. Um rival pelo carinho de Megan era quão último necessitava naquele preciso instante.

Embora talvez seu joelho não estivesse melhor pela manhã… Talvez ia estar tão incapacitado durante uns quantos dias que Megan não teria coragem para mandá-lo a casa…

Só tinha que resolver como desfazer-se de Camry.

E como se falasse da rainha de Roma, naquele preciso momento Jack ouviu que um carro entrava em toda velocidade no caminho de acesso e se detinha patinando. Em seguida uma porta se fechou de uma portada e uma voz feminina gritou:

— Kenzie! Veio nos ver. Que amável.

Assim que o caçador furtivo dos abraços era Kenzie Gregor… Jack tirou de uma sacudida a manta, incorporou-se e, com precaução, baixou os pés ao chão. Agora que sabia com quem tinha que se ver só devia descobrir o que tramava aquele bastardo.

— Shhh — Vaiou Megan, que levou um dedo aos lábios enquanto fechava o passo de Cam — Wayne está dormindo.

Jack esfregou a face com um profundo suspiro. Chamaria-o alguma vez Jack, ou ia ter que trocar de nome?

— Não me diga que continua aqui — Disse Camry sem tentar sequer baixar a voz — Kenzie, trouxe sua espada?

Jack ficou imóvel justo quando ficava de pé. Espada?

Gregor soltou uma gargalhada sonora.

— Lamento-o, deixei isso em casa — Olhou para Megan, e Jack viu que o bastardo sorria — Devo subir correndo a montanha para trazê-la, lass, e te liberar de seu molesto namorado de uma vez por todas?

— Não é meu namorado — Espetou ela, zangada — E só está no sofá porque não podia levá-lo a casa nos braços.

Já era hora de terminar aquela farsa, pensou Jack.

— Estou acordado— Gritou — E não sei o que me dói mais, se o joelho ou meus sentimentos feridos.

Megan abriu a porta e entrou, mas Camry se apressou a tira-la de no meio sem contemplações.

— Os mentirosos não têm sentimentos — Disse, ao tempo que se aproximava diretamente à mesinha auxiliar, é de supor que com o fim de que Jack visse melhor seu cenho franzido — Acabou o jogo, galanteador. Kenzie vai ajudá-lo que vá a sua casa.

Jack formou uma “T” com as mãos.

— Trégua. Nestes dois dias dormi menos de cinco horas e me dói até o último de meus condenados músculos. E como não é a espécie de mulher que ataca a um homem quando já está derrotado, podemos, por favor, deixar os insultos até que esteja reposto?

O certo é que Camry ficou vermelha.

— Esse é o gesto de tempo morto, não de trégua; para a trégua se agita uma bandeira branca — Disse; pôs os braços cruzados em um gesto bastante parecido ao que Megan fazia frequentemente —. E o que te faz pensar que eu não atacaria a um homem quando já está derrotado?

Jack dirigiu seu sorriso mais sincero.

— Porque é a irmã que mais se parece com Megan, conforme me disse; inclusive mais que seu gêmea, Chelsea.

Camry abriu a boca, mas voltou a fechá-la sem pronunciar palavra. Limitou-se a dar meia volta e se afastou.

— Kenzie? — Disse Megan, aparecendo para olhar pela porta ainda aberta; em seguida se voltou para o Camry — Aonde se foi?

— Quem sabe? — Respondeu Camry com um despreocupado gesto da mão — Provavelmente, de volta a seu esconderijo do bosque. Já percebeu alguma vez no incômodo que fica dentro de uma casa?

Jack se endireitou. Kenzie Gregor era um ermitão do bosque?

Que interessante.

A menos que fosse um guerreiro, como quase todos os homens da li, e além disso um ex-combatente que padecia neurose de guerra e já não suportava a companhia da gente civilizada. Jack tratou com umas quantas almas desencaminhadas parecidas quando se criava em Medicene Lake. Esperava Gregor que Megan ajudasse a sair do ostracismo?

“Não se posso evitá-lo.” Com um gemido, Jack recostou no sofá e se esfregou o joelho.

Camry assinalou a porta que Megan esteva fechando.

— Ah, não, nada disso — Disse — Agora mesmo vai coxeando a sua casa.

— Estas muletas são piores que uns patins de gelo sobre a neve calcada; por pouco não quebro o pescoço subindo pelo caminho — Jack dirigiu um olhar de súplica a Megan — Não direi nem pio. Nem sequer saberá que estou aqui.

Megan olhou a sua irmã.

— O que tem de mau em deixar que passe a noite aqui, Cam? Não faríamos menos por um absoluto desconhecido.

— Mas ele não é um desconhecido: é o bastardo que te partiu o coração.

— Para evitar perigos — Resmungou Jack.

Camry se voltou de repente para ele.

— Que perigos?

— Megan não lhe contou isso? Um par de dias antes que sua irmã me dissesse que estava grávida, assassinaram a um homem na tundra. Partir seu coração foi o único modo que me ocorreu de fazer que partisse.

Camry se voltou para Megan, que de repente ficou muito calada.

— Isso é verdade, Meg? — Sem esperar resposta, voltou a girar sobre seus calcanhares para olhar o Jack — Não tinha que amassar o coração; só lhe explicar sua inquietação.

Jack arqueou uma sobrancelha.

— E, conhecendo sua irmã, acha que teria recolhido suas coisas sem mais para voltar para casa?

Camry se voltou outra vez para Megan e abriu os braços.

— Como é que me inteiro agora disto?

Megan foi até a estufa e colocou uma lenha.

— Eu não sabia que a aquele homem tinha sido assassinado. Acreditava que se embebedou, caído em um charco e se afogou — Olhou-os aos dois com expressão defensiva — E pode que isso foi justo o que aconteceu. Wayne é o único que diz que o assassinaram.

Uf, pois sim que de verdade queria que fosse Wayne…

— E Jack tem provas — Disse a Camry — Chama a Real Polícia Montada do Canadá de Edmonton e comprova-o. Depois de investigar, a semana seguinte suspenderam o estudo.

— Já ia suspender quando parti — Defendeu Megan.

Camry levantou as mãos.

— Perdoa, irmãzinha. Se o que diz é verdade, por aqui não vai encontrar a ninguém que esteja disposto a lhe dar uma surra por você. Diabos, papai provavelmente inclusive vai dar um tapinha nas costas.

De repente Jack se encontrou dividido: não sabia se saltar de alegria porque Greylen MacKeage ficasse do seu lado, ou correr a abraçar Megan ao ver que afundava os ombros em um gesto de derrota. Mas não se moveu de onde estava; não pensava arriscar-se a que o enviassem a sua casa. Talvez devia trabalhar um pouquinho mais a Camry, já que parecia ir abrandando-se.

— Observou Rose Brewer se roubaram algo mais? — Perguntou enquanto olhava a seu redor procurando as muletas.

— Nada que tenha visto. Mas devem ter comido quatro caixas de guloseimas.—Assombrada, Camry meneou — Isso cabeça é muito açúcar para que comam dois garotos.

— Quantos garotos viu de verdade sair correndo da loja? — Perguntou Jack — Megan, onde estão minhas muletas?

— Debaixo do sofá — Disse ela da pia, onde de repente estava muito ocupada esfregando pratos.

Camry foi à escada.

— A verdade é que não sei. Só vi que passavam correndo na sua frente para o lago. Foram em um grupo compacto.

— E aonde foram depois? — Perguntou ele.

Camry encolheu os ombros.

— Nem ideia. Foi então quando aquele tipo saiu das sombras e te agarrou por trás.

— Viu-o?

— Não, estava muito escuro. Mas era grande — Olhou-o com expressão de dúvida — Mais ou menos do tamanho de nosso primo, Robbie MacBain.

— Robbie não é o homem que me atacou.

— Como é que está tão seguro?

— O cara que me atacou tinha o mesmo aroma que havia por toda a loja de Rose, só que não tão forte. MacBain cheira algo assim como a resina de pinheiro.

Camry enrugou o nariz.

— Juro que não tirarei nunca vapor asqueroso do nariz… E depois aquela lama… — Se estremeceu e se aproximou de Megan — Você é bióloga, o que te parece este aroma?

Megan se inclinou a cheirar a manga de Camry e se separou de um salto.

— Puts, é horrível — Disse, ao tempo que limpava o nariz na manga.

— Mas o reconhece?

Se não estivesse observando-a com atenção, Jack talvez teria perdido a reação de Megan. Mas quando ficou quieta um instante, com a face escondida na manga e os olhos como pratos e depois se voltou de repente outra vez para a pia, teve a certeza de que sim, reconheceu o vapor.

— Não sei dizer o que é, exatamente — Disse Megan, dando as costas; de novo ficou esfregando pratos — Embora com certeza é natural.

Jack ficou calado, mas a boa de Camry, sempre avassaladora, continuou, tenaz como um cão com um osso.

— Cheira outra vez — Sugeriu, voltando a levantar o braço — Está segura de que não o reconhece? É bem acre. É como a água estancada.

Depois de secar as mãos em um pano, Megan foi até o forno e o abriu.

— Uma vez foi suficiente. Me deixe pensar; talvez me lembro.

A reticência de Megan a aventurar uma hipótese sequer pareceu desconcertar Camry. De novo foi à escada e se voltou a olhar a Jack.

— Rose me contou que Simon lhe disse que no roubo da padaria havia a mesma porcaria mal cheirosa e viscosa por toda parte, e que o laboratório de medicina forense do Estado não foi capaz de identificá-lo.

— Ainda não — Confirmou Jack.

Camry jogou um olhar de rabo de olho a sua irmã e disse ao Jack

— Me parece que é algo que procede de um réptil.

— Os répteis não são viscosos — Interveio Megan — É mais provável que provenha de um anfíbio, como uma rã ou uma salamandra.

Imediatamente Camry dirigiu a Jack um presunçoso sorriso; notava-se que estava orgulhosa de si mesmo por conseguir que Megan fizesse um comentário ao fim.

— Pois a loja de Rose estava cheia dessa porcaria — Disse — E isso são um montão de rãs.

De novo Megan pareceu estar muito ocupada.

Camry encolheu os ombros olhando para Jack e depois subiu correndo a escada.

— Vou tomar banho — Gritou enquanto desaparecia.

Jack observou com atenção Megan. O que sabia ela dos roubos?

Ou tinha reconhecido o aroma no jovem ermitão?

Bom, que segredos escondia aquele bastardo? Não, melhor dizendo “Segredos”, com “S” maiúsculo, incluído o favor que pediu a Megan. O jovem ermitão a abraçou, e isso era o que ela acabava de notar em seu próprio pulôver. Kenzie Gregor cheirava a pântano.

E tinha o tamanho adequado para ser o atacante de Jack, além disso.

Jack tirou as muletas de debaixo do sofá e, devagar, ficou de pé.

— Obrigado por deixar que fique, Megan. Não tenho nem ideia de como ia conduzir a lenha para manter a estufa acesa. É o único que tenho para me esquentar.

Ela deu a volta para olhá-lo de frente, com os braços cruzados e os formosos olhos verdes jogando fogo.

— Não se engane, faria o mesmo por um desconhecido que encontrasse ao lado da estrada. Compreende?

— Sim, senhora.

— E como te ocorra sequer aludir a que voltemos a estar juntos, já está fora daqui. Fui clara?

— Claríssima.

— E nada de falar do bebê.

— Vamos, Meg, não pode me pedir que ignore nosso bebê.

— Não é “nosso” bebê, é meu. Você estragou qualquer possibilidade de que fosse “nosso” faz quatro meses.

Jack sentiu um calor que subia pelo pescoço.

— Não tive escolha. Estava em perigo.

— E não te ocorreu nenhuma só vez me falar desse perigo, em vez de me tratar como a uma tola imbecil?

— Claro que sim — Espetou ele, zangado — E também me ocorreu que encasquetaria e tentaria chegar até o fundo do assunto você mesma.

Tão subitamente como tinha crescido, a tensão desapareceu. Então Megan dirigiu a Jack um olhar de dúvida.

— Bom, deixa ver se o entendo. Eu tinha que partir porque era perigoso, mas você podia ficar?

— Eu estava em metade de um trabalho.

— E eu também.

— Mas eu não estava incomodado. Olhe, lamento que não ache graça os excesso de proteção, mas os que não temos útero devemos proteger às que o têm. Em particular se der a casualidade de que esse útero está ocupado.

— Então se eu não tivesse estado grávida, não teria dito que partisse?

Jack passou uma mão pela cara. Maldição, estava cavando um buraco cada vez mais fundo, e ela estava a ponto de começar a jogar terra em cima.

— Não tem como saber. Essa é uma dessas perguntas que fazem as mulheres, como: “Estas calças deixam meu traseiro gordo?” Se disser que sim, caio em desgraça, e se disser que não, supõe que minto.

Com uma inclinação de cabeça, Megan assinalou o corredor do piso de abaixo.

— Há toalhas no armário do banheiro e uma cama preparada no quarto da esquerda; pode dormir aí esta noite — Deu a volta e foi para a geladeira — O jantar estará pronto dentro de uma hora.

Jack saiu coxeando ao corredor, entrou no diminuto quarto da esquerda e esteve a ponto de cair de joelhos. O quarto estava abarrotado de coisas de bebê. Em um lado do quarto estavam empilhados até o teto um pequeno balanço dos que funcionam dando corda, um assento de carro, brinquedos, roupinha diminuta e mantinhas de cores vivas; ao outro, mais coisas de bebê se amontoavam sobre a cama individual.

Jack sentiu um suor frio. Deus bendito, ia ser pai!

 

Camry nem sequer tentou ocultar seu sorriso quando se aproximou da mão enfaixada de Jack com as tesouras de costura. Começava a compreender por que Megan se apaixonou por aquele cara. Era encantador em certo modo, e alargou o sorriso quando, ao dar uma boa tesourada à gaze empapada pela ducha, Jack se estremeceu.

— De verdade que posso fazê-lo só — Disse ele, tentando lhe tirar as tesouras com a mão sã.

Camry agarrou mais forte o pulso e deu outra tesourada.

— Já vejo que bom trabalho esteve fazendo. Vá cicatrizes mais feias tem nas mãos e os pulsos; parecem marcas de queimaduras — Deixou de cortar e arqueou uma sobrancelha com expressão de curiosidade — São avisos de que não terá que dar puxões na cauda do diabo?

Jack voltou para cima a palma da mão sã, olhou-a e, devagar, fechou a mão em um punho que baixou até seu colo, debaixo da mesa.

— Não, são para me recordar por que me transformei em pacifista.

Ela soltou um bufido.

— E como vai se saindo? — Afrouxou a atadura úmida — Bom, me diga, Jack, de verdade é meio índio Cree canadense?

Camry voltou a elevar a vista e se encontrou com o analítico olhar de Jack. Tinha que concordar com Megan em que o tamanho sim que o fazia acessível. E não é que fosse suave nem muito menos. Jack Stone era sólido, estava esculpido com evidente vigor, e além disso tinha uns perspicazes, inteligentes e irresistíveis olhos azuis. Possivelmente Robbie pudesse dar um par de lições de defesa pessoal a nível básico.

— Minha mãe era Cree dos bosques; procedia de Medicine Lake, província de Alberta.

— E seu pai?

— Era americano, de Montana. Conheceram-se em Vancouver, em uma concentração de protesto do Greenpeace — Levantou a mão boa quando ela começava a fazer outra pergunta — Mamãe era agente meio-ambiental; trabalhava para conseguir que as grandes empresas madeireiras utilizassem os recursos renováveis de forma sustentável, e papai era um bioquímico farto das técnicas agrícolas químicas — Prosseguiu — Para meu pai foi amor a primeira vista, mas demorou três anos em convencer a minha mãe de que não podia viver sem ele.

— Vivem ainda em Medicine Lake?

Ele meneou a cabeça.

— Morreram em um acidente de automóvel quando eu tinha nove anos.

— Ai. Lamento-o — Murmurou Camry; de novo se centrou em sua mão — E quem te criou depois disso?

— Meu bisavô materno, quase sempre. Vivemos nos subúrbios de Medicine Lake até que morreu, quando eu tinha quinze anos.

Camry elevou o olhar.

— Aonde foi então?

— Terminei de criar a mim mesmo. Quando fiz vinte anos me alistei na Força Aérea canadense, mas ao cabo de quatro anos decidi que não tinha cerne de guerreiro — Lançou uma rápida olhada para a cozinha, onde Megan dava os últimos toques ao jantar — Andei por Ottawa, Toronto e Montreal outros dois anos, fazendo diferentes trabalhos. Então, um verão que fui medicine Lake, inteirei-me de que a filha de dezesseis anos de um amigo fugiu de casa, e me ofereci a encontrá-la.

— Encontrou-a?

Jack assentiu, e seus olhos se iluminaram de satisfação.

— Levei-a de volta em menos de três semanas.

Intrigada, Camry também jogou uma olhada para a cozinha para ver se sua irmã estava escutando… Algo que era evidente que fazia. Embora de costas a eles, Megan estava absolutamente quieta.

— Onde encontrou à garota? — Perguntou Cam.

— Em Vancouver, vivendo com um jovem com o que fugiu.

— E você a convenceu de que fosse a casa?

— Deu-se conta de seu engano aos poucos dias de chegar a Vancouver; seu namorado era um tolo, e viviam em um lugar onde comprava e vendia crack. Não sabia como chamar a seus pais para perguntar se podia voltar — Lançou a Camry um rápido meio sorriso — Talvez seja a curiosidade o que coloca a uma pessoa em confusões, mas está acostumado a ser o orgulho o que a mantém ali.

— Assim descobriu que gosta de localizar fugitivos e o transformou em uma profissão?

— Algo parecido.

— Como vai por aí procurando a esses meninos?

— Apoiando-se na experiência pessoal — Disse ele com tranquilidade — Eu escapei de meia dúzia de casas de acolhida antes de ir viver com meu bisavô.

— Quando só tinha nove anos?

Jack terminou de tirar a atadura sozinho.

— Tentava chegar a Medicine Lake para estar com o Grand-père. Não sabia que enquanto isso ele lutava contra os tribunais para conseguir minha custódia.

— Por que não a davam? Era seu parente.

— Também tinha oitenta anos.

— Mas ao final ganhou?

— Só porque, ao cabo de um ano de discutir com os tribunais, foi à casa de acolhida em que eu estava e me roubou. Depois me levou a viver no fundo do bosque até que morreu. Quando saí caminhando do bosque, sozinho, os serviços sociais me apanharam outra vez e voltaram a me levar a Edmonton. Embora não é que ficasse muito tempo: simplesmente, desapareci de novo.

Camry o olhou boquiaberta. Esteve escapando desde que tinha nove anos? De repente se estremeceu quando a porta do forno se fechou de uma portada. Por sua parte, Jack agarrou as muletas, levantou-se, recolheu o esparadrapo e a gaze da mesa e, sem dizer uma palavra mais, entrou coxeando no quarto de baixo.

Camry deu a volta no assento e se encontrou com sua irmã lançando um olhar assassino.

— O que? — Perguntou em voz baixa.

— Por favor me diga que não acredita em nenhuma palavra de tudo isso — Disse Megan em tom tenso.

— Ninguém inventa algo assim, Meg. É muito dramático.

— Não acreditará sinceramente que um menino de nove anos ia escapar só dessa maneira…

— Mas e se o fez? Imagina pelo que passou quão assustado estaria? E depois morre seu bisavô; possivelmente teve que enterrá-lo ele. E depois saiu do bosque, só outra vez.

— O inventou, Cam, está tratando de ganhar nossa compaixão.

— E se for verdade?

— Certo, e o que? — Megan elevou o queixo em um gesto defensivo — O que tem que ver sua infância com isto?

Cam ficou de pé e se aproximou da bancada para olhar a sua irmã diretamente nos olhos.

— O que têm a ver, é você e seu bebê, Meg. São a única família que tem.

Megan se encolheu.

— De que lado está?

Cam a tomou pelos ombros.

— Do seu. Eu estou de seu lado, irmãzinha. Mas não vê por que veio aqui? Está procurando uma família própria.

— Mas como posso confiar nele? — Sussurrou Megan — Não tem feito mais que me mentir desde que nos conhecemos.

— Faz o que faria qualquer mulher inteligente — Disse Cam — Encarrega que o investiguem. E se sua história não bater, diga a Winter que o transforme em sapo.

— E se sim, bater?

Camry suspirou.

— Você escolhe. Mas já o ouviu, o orgulho é o que está acostumado a nos manter metidos em confusões. Você e o bebê são os que terão que viver com as consequências de sua decisão.

 

Jack não estava seguro de se estava ajudando a sua causa ou prejudicando-a. E é que, embora por algum motivo a versão abreviada de sua infância tinha incomodado Megan, ao menos também tinha serviu para aproximar um pouquinho à irmã para seu lado.

Afastou o prato vazio e, satisfeito, recostou-se na cadeira. Quem ia imaginar que Megan sabia cozinhar? A universidade que financiava o estudo da tundra, proporcionava uma barraca de campanha cantina, e não lhe ocorreu que ela tivesse uma faceta caseira. A verdade é que quando a conheceu, ele não pensava em uma casa e um lar; só estava concentrado em experimentar a paixão que ela desprendia como se fosse um elixir.

Menos mal que ela pensava mais ou menos o mesmo, embora há anos luz na frente dele. Agora, entretanto, agia como se desejasse que a terra se abrisse e o tragasse inteiro. Durante toda a refeição possivelmente tinha dirigido três frases, pronunciadas com distante cortesia.

Pelo que Jack sim se inteirou, foi de que ela ia realizar um estudo meio-ambiental para um homem chamado Mark Collins, do que nenhuma das duas mulheres parecia saber muito. Quase toda a conversa tratou sobre o trabalho de Camry; pelo visto a propulsão por íons ia dar o conhecimento da Terra a escala cósmica assim que Camry resolvesse como estabilizar o assunto.

Como seria a casa dos MacKeage quando se reunissem as sete filhas e sua mãe cientista? Pouco a pouco Jack sentia um respeito completamente novo por Greylen MacKeage, tendo em conta que a cabeça ainda dava voltas depois de uma conversa que, em sentido literal, não tinha sido deste mundo.

— Devemos andar depressa, Meg. Eu tirarei a mesa e porei a lava-louça — Disse Camry, que ficou recolhendo os pratos — Você vá ao quarto do bebê para decidir como quer organizá-la antes que cheguem todos.

— Esperam visita? — Perguntou Jack, levantando-se também.

— Só mamãe, Elizabeth e Chelsea… — Disse Camry, com um travesso brilho nos olhos — E papai.

Jack ficou imóvel quando ia pegar as muletas.

— Em realidade, me alegro de que esteja aqui — Prosseguiu ela ao tempo que enxaguava os pratos na pia — Entreterá a papai enquanto nós trabalhamos no quarto do bebê.

Deus bendito!

— Talvez deveria ir a minha casa. Não quero atrapalhar.

Camry, que nesse momento colocava os pratos na lava-louça, ficou direita.

— Não atrapalhará, Jack. Além disso, quando fui te buscar roupa limpa, sua casa estava fria. Não fará mais de dez graus ali dentro.

A desculpa perfeita!

— Pois deveria ir preparar um fogo para que não se congelem a encanação —Ao ouvir uma risadinha, Jack deu a volta e encontrou Megan com a mão sobre a boca e os olhos brilhantes de regozijo — O que? — Espetou, zangado, esquecendo que tentava voltar a congraçar-se com ela.

Megan fez um vão esforço por conter o sorriso.

— Nada — Disse — Só recordava uma conversa que manteve minha família durante as férias de Natal. Seu bisavô não seria por acaso chefe de tribo, não é?

— Porque é provável que nosso pai te chame “chefe” — Declarou Camry, rindo também daquela piada cujo ponto central parecia ser ele — para te mostrar seu respeito.

— Grand-père não era chefe — Resmungou Jack — Era chamán.

Deu vontade de dar um chute assim que viu a reação de Megan. Ficou absolutamente quieta, e sua face estava tão pálida como a neve recém caída. Diabos. Mas que mulher não adoraria saber que o filho de que estava grávida descendia de chamans?

— Ele… Praticava a magia? — Disse Camry em um grito.

Jack se voltou para a cozinha e viu que Camry estava tão pálida como sua irmã. Maravilhoso. Agora as duas o consideravam estranho.

— Era curandeiro — Resmungou — Usava ervas e orações para curar às pessoas.

— E você há… Bem… herdado seu dom? — Perguntou Megan.

— Não.

— Como sabe com segurança? — Perguntou Camry.

Jack afastou as muletas do corpo.

— Tenho trinta e quatro anos. Não te parece que já saberia algo assim e, além disso, que se pudesse curaria a mim mesmo?

— Assim não sabe como funciona a magia — Soltou Megan de boas a primeiras; imediatamente deu a impressão de estar tão surpreendida como ele pelo que havia dito.

“A magia”? Mas o que acontecia ali? Aquelas duas mulheres… Duas cientistas, pelo amor de Deus, pareciam fascinadas e horrorizadas de uma vez porque seu bisavô foi chamán.

— E então como funciona a magia, exatamente? — Perguntou — E de que me servirá, se não poder curar a mim mesmo?

Megan entreabriu os olhos, e de novo apoiou suas mãos nos quadris.

— Curava seu avô a si mesmo?

— Meu bisavô — Recordou ele — Quando estava doente usava suas ervas medicinais e sua tenda de suar. Não respondeu a minha pergunta, como funciona a magia?

— Como vou saber? Sou bióloga, não maga.

“Maga”? De onde tirou aquilo?

De repente Camry foi a toda velocidade até a porta, abriu-a e apareceu.

— Aqui estão! — Disse.

Jack não ouviu que chegasse nenhum veículo, que se fechasse nenhuma porta nem que ninguém falasse. Camry fechou a porta e cruzou apressadamente a sala para a escada.

— Ai, é que me pareceu ouvir algo. Agora mesmo volto. Abra a porta quando chegarem, tá, Jack? — Disse.

Jack se voltou para Megan, mas esta desapareceu também.

— Suponho que isso põe fim à conversa — Murmurou, dirigindo-se a sala vazia.

Nesse momento se deu conta de que aquela era sua oportunidade de escapar. Meteu as muletas sob o braço e saiu coxeando ao alpendre; depois, com cuidado, foi descendo pelo escurecido caminho de acesso.

Justo quando chegava a um local de gelo, um Suv escuro dobrou a curva e entrou pelo caminho, banhando Jack em uma luz cegadora. Seus pés foram em duas direções diferentes, e embora lutou vários segundos por manter o equilíbrio, deu-se conta de que não ia conseguir e se lançou para o montão de neve mais próximo.

Quando as muletas caíram em cima e afundou a face na neve, Jack deu um aflito suspiro de derrota. Mais valia ficar metido ali até morrer de frio em vez de que todo mundo continuasse lhe dando surras, inclusive ele mesmo.

Juraria que parecia ouvir o Grand-père desatando em risada. Fazia cinco anos que caminha em sonhos no bosque e tentava convencê-lo de que o dom de seu irmão passou a ele, e sempre terminava os sermões o advertindo que quanto mais tempo seguisse negando sua vocação, mais alto o chamaria.

Pelo visto o destino já recorria aos gritos.

— Você está bem? — Perguntou uma voz masculina — Não tinha por que afastar-se de um salto, eu não o haveria tocado.

Maravilhoso. Ao Jack não ocorria melhor modo de conhecer seu futuro sogro. Cuspiu um bocado de neve.

— Estou bem.

— Deixe que o ajude.

— Não, obrigado. Acredito que ficarei aqui mesmo um momento.

Camry, que tinha saído ao alpendre a toda velocidade, se aproximou.

— Jack? — Ao tentar parar também escorregou no gelo; patinou e bateu contra Jack, tão forte que o fez grunhir. Teria caído sobre ele se seu pai não a agarrasse — Mas Jack, o que faz aqui fora?

— Me dar um banho de neve.

Surpreso, Greylen MacKeage perguntou:

— Este é Jack Stone? — Alargou os braços, agarrou Jack pelos ombros e o levantou até pô-lo de pé — Estava desejando conhecê-lo, chefe Stone — O imponente escocês agarrou a mão direita e a estreitou com força; a julgar por suas rugas parecia rondar os setenta anos, mas apertava a mão como um urso — Sou laird Greylen MacKeage, o pai de Megan.

“Laird”? Mas existia ainda esse título?

— E eu sou Grace MacKeage — Disse uma miúda e formosa mulher que apareceu junto a seu marido; seus olhos, de um azul que chamava a atenção, brilhavam à luz do alpendre — Deu-me um susto, senhor Stone. Seguro que está bem?

Jack tomou a mão que estendia.

— Sim, senhora, estou bem. Só escorreguei no gelo.

Outra mulher se inclinou a recolher as muletas e disse:

— São suas? — As ofereceu com um sorriso, e Jack se encontrou cravando o olhar nos olhos de Megan, embora não em sua face — Sou Chelsea, a irmã gêmea de Megan.

Jack a saudou com uma inclinação de cabeça ao tempo que pegava as muletas.

— A advogada de Bangor. Megan me falou de você.

Então outra mulher afastou Chelsea.

— Sou Elizabeth Sprague, irmã mais nova de Megan. Dou aulas no primário aqui no povoado.

Jack assentiu.

— Conheço seu marido. Walter, não é? O diretor do instituto de secundária?

— Sim. Me disse que faz uns dias você passou pelo instituto para falar com ele de nossos brincalhões.

Jack disse que “brincalhões” era um nome muito suave para aqueles moleques. Claro que Elizabeth Sprague era professora, e os professores nunca queriam acreditar que um menino fosse um delinquente.

— Aqui fora faz um frio horrível — Gritou Megan da porta — O que fazem todos aí?

— Já vamos — Disse Greylen MacKeage, ao tempo que conduzia às mulheres para a casa. Voltou-se para Jack outra vez — Precisa de ajuda para entrar? Estava desejando falar com você, chefe Stone. Tenho umas quantas ideias sobre como poderia capturar a seus jovens golfos.

— É que já ia para casa.

— Então irei com você para me assegurar de que não volte a cair. Não terá por acaso cerveja fria em sua casa, em, Chefe?

“Chefe queria dizer que ia ter que chamar a aquele homem “laird”?

— Tenho cerveja canadense — Disse, enquanto metia as muletas sob as axilas e saía com cuidado pelo caminho de acesso.

— Wayne? Aonde vai? — Gritou Megan do alpendre.

Jack seguiu caminhando.

— Quero dizer, Jack… Jack, ainda não pode ficar sozinho!

Jack se deteve por fim e se voltou para ela; era plenamente consciente de que o homem que tinha ao lado ficou quieto de tudo e tinha fechado as mãos aos lados até as converter em punhos.

— Me arrumarei — Assegurou — E além disso, seu pai me preparará um fogo — Olhou para Greylen e encolheu os ombros — Às vezes me chama Wayne.

— Daria meu braço direito por estar cinco minutos a sós com Wayne Ferris —Resmungou Greylen — É o bastardo que a deixou grávida e depois se desfez dela como se fosse lixo.

Jack foi para sua casa de novo. Pois que bem… Quando chegavam ao caminho de acesso, perguntou:

— Não preferirá você por acaso algo um pouquinho mais forte que a cerveja, laird?

— Nunca recuso o uísque escocês, Chefe.

— Então, que tal se prepararmos um bom fogo quente, pego o uísque bom e depois conto uma interessante historia?

Depois de lançar um rápido olhar de curiosidade, Greylen assentiu com um brusco movimento de cabeça ao tempo que subia a escada do alpendre dianteiro de Jack.

— A chave está sob o tapete — Disse Jack, que o seguia a um passo mais trabalhoso.

Greylen levantou um pouco o tapete e pegou a chave.

— Não tem você muito sentido da segurança para ser policial.

Jack se limitou a encolher os ombros. Greylen abriu a porta, acendeu a luz e foi para a estufa que estava em metade da parede traseira.

— Do que trata sua história, Chefe? — Perguntou.

Coxeando, Jack se dirigiu para o armário que continha o uísque escocês.

— Huy, tem um pouco de tudo — Respondeu; baixou a garrafa sem abrir e dois copos, que encheu com uma boa dose — Há um mistério, um assassinato e inclusive um pouco de amor.

Greylen colocou papel e lascas no fogão.

— E por que me interessará?

Jack se aproximou levando as duas bebidas, passou uma a Greylen e fez entrechocar os copos. Depois de tomar um comprido gole, deixou que o fogo líquido deslizasse garganta abaixo enquanto retornava coxeando até a bancada para pôr alguma de distancia entre eles.

— Acredito que o interessará porque trata-se de mim, de Megan e de nosso filho; e, além disso, trata sobre o fato de que talvez o mistério e o assassinato dos que eu tentava protegê-la a tenham seguido até aqui.

 

— Jack Stone é Wayne Ferris? — Sussurrou Grace, deixando cair na cama individual quase em estado de choque.

As palavras de Camry faziam que o diminuto quarto ficasse absolutamente em silêncio. Megan também ficou imóvel de surpresa, indecisa entre querer estrangular a sua irmã e querer dar um abraço por tirar aquele peso de cima, embora provavelmente ela não o haveria dito de forma tão direta.

Com uma caixa de roupa de bebê nas mãos, Camry ficou direita.

— E além disso afirma que partiu o coração de Megan para que viesse correndo a casa, porque acreditava que estava em perigo — Lançou a Megan um rápido olhar com o cenho franzido — Pelo visto Megan se esqueceu mencionar que assassinaram a um homem no acampamento justo antes que se desse conta de que estava grávida.

O olhar de Grace foi de Camry a Megan.

— Mas por que dizia que se chamava Wayne Ferris?

— Era um disfarce — Disse Camry — Sustenta que trabalhava em segredo para aproximar-se de um dos estudantes, um garoto fugitivo cujos pais o tinham contratado para que o encontrasse.

— É verdade, Meg? — Perguntou Grace — Assassinaram a um homem em seu estudo? E Wayne… Jack tentava te proteger?

— Esse é o conto que ele diz.

Como se Megan não tivesse falado, Camry prosseguiu:

— Meg só está zangada porque Jack veio a Pene Creek para recuperá-la antes que ela fosse vê-lo. Jack está aqui porque Meg e o bebê são a única família que fica; seus pais morreram em um acidente de carro quando ele tinha nove anos, e depois o criou seu bisavô, que morreu quando Jack tinha quinze.

Elizabeth estreitou um montão de lençóis de bebê contra seu peito.

— Ai, Meu Deus — Disse — Partiu seu coração para te salvar a vida… Pois sim que te ama de verdade.

— E além disso aceitou um emprego aqui — Interveio Chelsea — De modo que, depois de tudo, criará a seu bebê em Pene Creek.

Megan agitou os braços com energia.

— Eí! Olá! Esquecem tudo que me fez? Não só me partiu o coração, mas também virtualmente reconheceu que é um embusteiro?

Com um quente sorriso maternal, Grace se levantou para pegar Megan pelos ombros.

— Ele te comporá o coração — Disse — E, além disso, tem que ganhar a vida mentindo se isso o ajuda a encontrar a esses garotos fugitivos. O que importa, Meg, é que está aqui. Você disse que viria por você, não?

— Caramba — Disse Camry com um gemido, ao tempo que soltava a caixa na cama — Acabo de me dar conta de que isso significa que a maldição continua intacta… Adeus outra vez a minha vida amorosa.

Megan saiu do abraço de sua mãe e olhou a sua irmã com o cenho franzido.

— Não, mas é que a maldição não está intacta: eu não penso me casar com o Wayne.

— Exato. Vai casar com o Jack.

— Nada disso! Mentiu-me faz quatro meses e pode que esteja mentindo agora.

Camry olhou a Chelsea.

— Deve conhecer algum bom investigador particular. Diremos que investigue o Jack, e se mente, diremos a Winter que o transforme em sapo.

— E se disser a verdade? — Perguntou Grace, dirigindo sua pergunta a Megan.

— Espera sinceramente que esqueça sem mais do que fez e de como o fez? Não tem nem ideia do que me disse aquele dia. Aquilo quase me matou.

— Mas não te matou — Disse Grace em voz baixa — E se de verdade te amar e só disse o que disse para te proteger, pois sim, tem que perdoá-lo — Sorriu com expressão triste — Mas se o coração te disser que Jack Stone não é o homem com quem quer passar o resto de sua vida, seu pai e eu respeitaremos sua decisão.

Grace se voltou para Camry e dirigiu um feroz olhar de advertência.

— Winter não vai transformar ninguém em nada; já se enredou bastante com a magia ultimamente. Assim vamos deixar que a Providência se acostume a nossa nova maga residente durante um tempo, certo?

— Falando de Winter, por que não está aqui esta noite? — Perguntou Camry; ficava claro que estava desejando trocar de tema.

— Matt tinha que voar a seu escritório de Nova Iorque depois de almoçar, e foi com ele — Grace deu a volta para contemplar o quarto e meneou a cabeça — Me parece que passamos com a roupa herdada. Este pobre bebê não terá nada novo que seja dele…

— Chelsea, vem comigo ao andar de cima? — Perguntou Megan, saindo ao corredor — Tenho ali uma caixa que quero repassar, e assim descerá isso — Deteve-se na porta e se voltou a olhar às demais — O roupeiro tem prateleiras embutidas e a cômoda está vazia, de modo que podem ordená-lo à medida que vão classificando. Agora voltamos.

Assim que subiram a escada, Megan olhou para baixo para assegurar-se de que não as seguia ninguém e se voltou para sua irmã gêmea.

— Vou fazer o que sugeriu Camry e mandar que investiguem o Wayne. Seu gabinete jurídico deve utilizar investigadores particular. Pode me dar o nome de um bom?

— Está segura de que quer fazê-lo, Meg? Por minha experiência, seus informe nunca contam a história completa.

— Conhece uma frase que diz: “Se me enganar uma vez deveria te dar vergonha, mas se me engana duas vezes, deveria me dar vergonha”? Bom, pois diga o que diga mamãe sobre seguir o coração, desta vez vou escutar ao hemisfério esquerdo de meu cérebro. Não me importa o custoe: me busque um investigador que inclusive viaje a Medicine Lake se for preciso. Quero algo mais que um relatório cheio de documentos públicos. Quero fotografias e entrevistas pessoais; quero saber tudo, inclusive qual era a comida preferida de Jack Stone quando tinha cinco anos.

— Deus bendito, sim está zangada, hein?

— Estou tão zangada que com certeza que poderia transformá-lo em sapo sem ajuda nenhuma da magia.

 

Embora Greylen MacKeage não era um santo nem pretendia transformar-se em um deles, era o bastante prudente para saber que não devia albergar ideias violentas quando estava tão perto de reunir-se com seu criador. Mas a verdade era que queria fazer picadinho de Jack Stone pelo que aquele bastardo fez passar a sua menininha. Claro que, por outra parte, seu coração de guerreiro fazia que se perguntasse se teria sido exatamente igual com Grace trinta e seis anos atrás, se ela tivesse estado em perigo.

— Assim está me dizendo que não tem nem ideia de por que assassinaram a aquele homem — Repetiu Grei — Só que suspeita que teve algo que ver com o estudo que se realizava na tundra. Posso perguntar por que não se incomodou você em descobri-lo?

— Porque não era assunto meu — Disse Jack — Uma vez que Megan esteve bem longe, limitei-me a me concentrar em devolver o menino a seus pais são e salvo. O assassinato, e também quem quer que o fez, é problema da polícia canadense.

— Entretanto agora parece que o problema seguiu a minha filha até aqui.

— Sim — Jack Stone se removeu na poltrona que estava junto à estufa, frente a Grei — Porque descobri quem dirigia a organização que financiava os estudos do menino: o homem para quem Megan trabalha agora, Mark Collins. E isso me parece muita casualidade.

De repente Grei ficou de pé e ocultou um sorriso ao ver que Jack estremecia. Bem; se não podia dar uma surra naquele bastardo, como o chamava Greylen, que ao menos desfrutaria vendo-o ficar nervoso. Grei se aproximou da bancada, jogou mão à garrafa de uísque e voltou a encher o copo vazio de Jack antes de sentar-se de novo e encher o seu.

— Direi a Megan que tem que demitir de seu posto imediatamente.

Jack tomou um gole de uísque.

— Isso não fará que desapareça o problema. Collins se limitará a encontrar outro modo de chegar até ela.

Grei assentiu.

— Tem razão. Se tomou a moléstia de inventar este projeto e ela se demite, talvez a busque diretamente. Alguma ideia de por que, Chefe?

Com o cenho franzido, Jack baixou o olhar ao copo.

— Não. Até que faz uma hora mencionou o nome de Collins no jantar, acreditava que o problema ficou no Canadá — Olhou para a estufa e cravou a vista no fogo que lambia o vidro — Tenho que pensar na conexão.

— Direi a Megan que volte outra vez a Gù Brath até que o assunto esteja resolvido.

Jack elevou o olhar, alarmado.

— Não pretenderá você dizer a ela.

Greylen elevou uma sobrancelha.

— Não é o homem que aprenda de seus enganos?

— Ficará uma fúria quando descobrir que foi Collins quem colocou àquele garoto em seu estudo para vigiar o que fazia na tundra. Ao menos até se enfrentar com ele ela mesma.

Grei se recostou para trás na poltrona.

— Vejo que chegou a conhecer minha filha bastante bem — Meneou a cabeça — Eu a controlarei. E se não, pedirei a seu primo Robbie MacBain que fale com ela.

Jack Stone escureceu a cara, e uma vez mais Grei sufocou um sorriso.

— Sem ânimo de ofender, MacKeage —Resmungou Jack — Agora Megan é minha responsabilidade. Está grávida de meu filho.

Grei desfrutou passeando o olhar pelo machucado corpo de Jack.

— Sem ânimo de ofender, Stone — Respondeu resmungando — Dá a impressão de que tem dificuldades para defender a si mesmo.

— Sou consciente de meu histórico aqui em Pene Creek, mas talvez não deveria me julgar tão rápido. Sou surpreendentemente eficaz quando me proponho isso.

— Nossa, é mesmo?

Os olhos de Jack se obscureceram até adotar a cor do aço temperado.

— Pacifismo não é o mesmo que indefenso, MacKeage. Na hora da verdade sou mais que capaz de proteger o que é meu.

 

Depois de pedir a Ethel que desviasse suas chamadas telefônicas a Simon, Jack estava sentado em seu escritório, uma sala encaixada no canto traseiro da delegacia de polícia, com a porta fechada. Os cidadãos de Pene Creek, Frog Cove e Lost Gore não repararam em gastos na hora de remodelar a fachada de cem anos de antiguidade que dava à rua principal. Argumentavam que ao dar à ordem pública um aspecto impressionante, os delinquentes o pensariam duas vezes antes de expor-se como objetivo suas diminutas comunidades turísticas.

Pena que o plano não estivesse funcionando.

E não é que o plano de Jack fosse melhor. Em sua tarefa de recuperar Megan, no jantar da noite anterior, tinha passado de um esperançado otimismo a um repentino desespero. Que diabos tramava Mark Collins na tundra, e qual era sua conexão com Megan?

Jack enlaçou os dedos atrás da cabeça e recostou para trás em sua luxuosa poltrona de couro enquanto cravava a vista nos quatro blocos de papel que tinha postos em fila sobre a mesa. Cada um representava um problema ao que enfrentava; quatro assuntos na aparência sem relação entre si, mas que tinham lugar de forma simultânea.

Então, por que dizia sua intuição que os unia um fio comum?

Senhor, detestava os quebra-cabeças. Dava no mesmo o empenho que punham seus superiores militares para convencê-lo de que seu lugar estava no serviço secreto; de garoto já não tinha paciência com os quebra-cabeças, e após não é que gostasse mais. E apesar de seu sexto sentido, como eles o chamavam, para ver os fios que passavam por entre a informação que os recolhia, os quebra-cabeças seguiam deixando-o louco.

Olhou atentamente o primeiro bloco de papel, onde tinha escrito “MOLEQUES” em letras maiúsculas na parte de cima. Aquele era o problema pelo que o contrataram e, provavelmente, o único que não estava relacionado com outros.

O bloco de papel número dois, “OS ROUBOS”, denotava infrações muito mais graves; sem dúvida, delitivas. Embora não tinham roubado nada de grande valor, o último roubo teve como resultado um contato físico, e Jack se perguntava até onde teria chegado seu agressor se não tivesse aparecido MacBain. Quanto ao que saiu correndo da loja, juraria que se afastou voando até internar-se na noite.

E ali era onde aparecia o primeiro fio, que conectava o bloco de papel número dois com o bloco de papel número três, que intitulou “MEGAN”. Encabeçando a lista de Megan, estava Kenzie Gregor, ao que seguiam “Segredos”, “Intenções A Respeito De Megan”, “Jovem Ermitão”, “Tamanho Apropriado Para O Atacante” e “ Possivel Elo Do Mal Cheiro Com Os Robos”.

Depois estava “Macbain”; por que estava no povoado aquela noite?

“CAMRY”; como desfazer-se dela o tempo suficiente para pegar Megan só outra vez.

“Ganhar A Família De Megan”; aí estava fazendo avanços.

Voltar a transformar parte do aborrecimento de Megan em parte daquela alucinante paixão… Sim, como se isso fosse acontecer de um momento a outro.

E depois estava o fio que relacionava Megan com o bloco de papel número quatro, “MARK COLLINS”. Collins dirigia uma espécie de organização meio-ambiental que atraía fugitivos com a promessa de lhes proporcionar estudos e, possivelmente, lavava os jovens e altruístas cérebros para que o ajudassem… A que? Depois estava o assassinato, que estava vinculado com o Billy Wellington, quem estava vinculado com o Collins.

Mas o que tinha a ver tudo aquilo com Megan? Tinha visto ou feito algo que talvez interferia com o que Collins fazia na tundra, fosse o que fosse? Teria algo que Collins queria? Dados? Notas? Amostras do que fosse?

Jack voltou a olhar os outros três blocos de papel. Havia algo mais que o encaixava tudo; algo que estava passando por cima… Seu olhar foi do bloco de papel dois ao bloco de papel três, e de repente sua imaginação viu outro fio que, lentamente, ia ziguezagueando entre eles.

Nossa, diabos... Jack lançou mão a uma caneta e passou de repente a página do bloco de papel de Megan, onde acrescentou “MAGIA” à lista, seguida de um sinal de interrogação. Debaixo disso escreveu “CHAMÁN”, depois “MAGO”… E depois titubeou. Por fim escreveu “BEBÊ”, seguido de outro sinal de interrogação.

Deixou a caneta, fechou os olhos e esfregou a face dando um suspiro de cansaço.

Nesse momento a porta do escritório se abriu de repente, e, como um furacão, Megan foi até sua mesa e se plantou ali com os braços cruzados. Com gesto despreocupado, Jack pôs os blocos de papel um em cima de outro e cruzou as mãos sobre eles com um sorriso.

— Está bem, Ethel — Disse em voz alta — As mulheres bonitas podem me interromper quando quiserem.

Ethel soltou um bufo e fechou a porta.

Megan o olhou com os olhos entrecerrados.

— Do que falaram você e meu pai ontem à noite?

— De você, principalmente.

— Disse que é Wayne.

— E não tinha que dizer carinho, tem que me dar um plano para que o siga se não querer que improvise.

— E como é que continua vivo?

— Porque seu pai é bastante antiquado; pelo visto acredita que o “ser pais” é uma tarefa de equipe — Jack alisou o peitilho do uniforme — E, além disso, acredita que ser policial é uma profissão nobre e está encantado de que eu queira fincar raízes aqui em Pene Creek.

O cenho franzido de Megan se acentuou.

— Que outras mentiras contou?

Jack ficou uma mão sobre o coração e levantou a outra em uma saudação de explorador.

— Nenhuma só — Disse.

Megan apoiou as palmas das mãos na mesa, inclinou-se mais perto e, com letal suavidade, perguntou:

— Então por que, quando passei pelo Gù Brath para dizer que amanhã penso subir ao lago para começar meu estudo, insistiu em que tinha que falar com você primeiro? E que se você dizia que não, não posso ir?

— Por isso está soltando faíscas? Porque seu pai te disse que venha me pedir permissão? — Jack se reclinou na poltrona dando um assobio — Como o fazem ele e MacBain?

— Eu não penso te pedir permissão para nada — Resmungou ela — Estou aqui para descobrir o que são essas “coisas importantes” que tem que me dizer.

— Ao parecer há uma conexão entre o Collins e Billy Wellington, que agora parece conectar-se com você. Mark Collins pagava os estudos de Wellington.

Ela se endireitou e cruzou os braços por cima de sua avultada barriga.

— Caramba, não vai parar de adornar seu continho, não é? Inclusive arrumou isso para relacioná-lo com meu novo trabalho e assim fazer meu pai crer que sigo me encontrando em algum tipo de perigo…

Jack sabia que, a certo nível, em realidade ela sim que acreditava no “conto”, mas pelo visto seu orgulho… E sua evidente necessidade de deixar-se levar um pouco pela vingança, eram mais forte que o desejo de perdoá-lo.

Então ficou de pé.

— Nada disso, não sou tão insensato para mentir a seu pai — Só para irritá-la mais, imitou sua postura e cruzou também de braços; já era hora de enterrar o nerd — Como tem pensado subir ao lago amanhã?

Por um momento sua pergunta a pegou despreparada, mas se recuperou em seguida e elevou o queixo em um gesto desafiante.

— Em uma moto de neve. Há um atalho estadual da RESI[7] que sobe pelo lado oriental do lago, e além disso, um ramal local no extremo norte que atravessa justo a zona que vou estudar.

Como sabia que Megan esperava que argumentasse que não devia ir de moto de neve estando grávida de cinco meses, em vez disso perguntou:

— É um trajeto longo?

Ela o olhou com desconfiança.

— Duas horas para subir, duas de volta e umas quantas horas para olhar pelo extremo norte do lago.

Jack assentiu.

— Então não deveríamos sair mais tarde que as nove, e assim voltaremos antes que escureça.

Megan deixou cair os braços os lados.

— Como “deveríamos”?

Jack esfregou as mãos com entusiasmo.

— Morria de vontade de provar meu novo trenó nos atalhos por aqui, e como este é seu território, será meu guia. Nós dois saímos ganhando.

— Eu não necessito “babá”.

— Mas eu sim. Até agora só fui pelo lago porque não conheço os atalhos.

— Pois aponte a um dos clubes locais de moto de neves; têm mapas e organizam passeios por atalhos todos os fins de semana. Você não vem comigo.

— Por que não?

— Por que… — Levantou as mãos em um gesto de frustração —… Ai, de acordo! Mas procura não se intrometer em meu trabalho nem me atrasar.

— Te atrasar? — Ele a olhou com receio — Que trenó tem?

— Vou usar uma das moto de neves da estação de esqui. Não é um demônio voador como a sua: é um trenó de trabalho. “Me atrasando” quero dizer que procure não começar a se queixar de que vou muito rápido para meu estado.

Com gesto despreocupado, ele encolheu os ombros.

— Ir por atalhos bem cuidados não é mais fatigante que conduzir um carro. Bom — Acrescentou, ao tempo que rodeava a mesa e abria a porta — Preparará você o almoço, ou digo no restaurante que nos façam algo?

A contra gosto, Megan foi atrás dele e pôs diretamente em sua frente.

— Eu estou no comando da excursão de amanhã.

— Claro que sim.

— Levarei uma arma.

— Espera problemas?

— Não, mas só um imbecil se mete desarmado no fundo do bosque. E além disso levarei o almoço; tenho umas sobras que terá que terminar.

— Estupendo. Eu adoro os sanduíches de rosbife frio, sobre tudo com mostarda e queijo.

— E vou levar raquetes de neve, porque quero dar uma olhada a um curral de cervos que acredito que há lá em cima. E seu joelho?

— Está muito melhor, obrigado. Mas com o fim de não te atrasar, limitarei-me a procurar um lugar ensolarado e jogarei uma sesta enquanto você vai em busca de seu rebanho de cervos. Se levar o molho que tenha sobrando, acenderei um fogo para esquentá-la. Quer que eu prepare o chocolate?

De novo ela o olhou com desconfiança; pelo visto se perguntava por que se mostrava tão disposto a ajudar.

— Bem… Certo. Mas eu…

Antes que terminasse a frase, um pigarro próximo a interrompeu. Jack apareceu e viu Robbie MacBain e Ethel rondando atrás do visitante recém-chegado. Como Jack não disse nada, a administrativa encolheu os ombros e retornou outra vez à mesa de frente.

— Parece que planejam uma viagem aos bosques — Disse MacBain olhando para Megan com o cenho franzido — Falou com seu pai hoje?

— Pelo visto você sim — Espetou Megan, zangada; de repente lançou a seu primo um rápido e presunçoso sorriso — Sim que vou, e Wayne vai comigo.

O olhar feroz de Robbie se voltou de novo para Jack.

— Essa é sua ideia de evitar perigos?

— Estarei todo o caminho bem atrás. Se um alce tenta meter-se com ela, atropelarei-o com meu trenó.

Deu a impressão de que MacBain ia lhe dar um murro e conteve um amplo sorriso.

Por sua parte, Megan soltou um bufo.

— É mais provável que eu o salve — Disse; e foi precisamente isso o que fez ao interpor-se entre eles.

Certamente era sua pequena guerreira se fazia passar dificuldades e, ao momento, protegia-o… Jack se perguntou se dava conta do que fazia sequer.

— Iremos pelos atalhos de moto de neve, Robbie — Prosseguiu ela — Que perigo pode haver nisso? Amanhã é dia de trabalho, assim não haverá muito tráfego de trenós, e além disso, se tropeçarmos com algum problema, levo o telefone via satélite.

— Você seguiu os rastros daquele tipo a outra noite? — Perguntou Jack a Robbie.

— Disso vim falar — Respondeu ele, ao tempo que passava pela frente de Megan e entrava no escritório.

Pelo carrancudo olhar que Megan dirigiu a suas costas, pelo visto o que seu primo a despachasse fez a mesma graça que quando o fazia Jack.

De modo que Jack voltou a fazê-lo.

—Vejo-a amanhã pela manhã às nove diante de sua casa — Disse, enquanto entrava outra vez no escritório e começava a fechar a porta — Não se esqueça do molho.

Furiosa, Megan girou sobre seus calcanhares e se foi pelo corredor. Jack dedicou um instante a admirar seu precioso traseiro, fechou a porta e se voltou para Robbie.

— Qual é sua experiência profissional, Stone?

Jack foi para sua poltrona.

— Serviço secreto.

— Esteve em trabalho de campo?

— E em mais ruelas escuras de cidades europeias e de Oriente Meio das que gosto de recordar — Sentou-se e, com um gesto, indicou a Robbie que fizesse o próprio — Prometi a Greylen que manteria a salvo a sua filha e o farei. Me fale de Kenzie Gregor.

— Do Kenzie? Por quê?

— Quais são seus antecedentes? E por que está interessado em Megan?

— Só leva pouco tempo neste país, vive lá em cima no Tarstone com um velho sacerdote chamado Daar e considera Megan uma irmã. Esta manhã chamei a uns quantos de meus velhos amigos militares, e estão investigando o Mark Collins.

— Bem. Quanto mais informação tenhamos do Collins, melhor. Me explique a estrutura social daqui… Pelo que sei, há ao menos três… clãs? Os MacKeage, os MacBain e os Gregor. De verdade Greylen é um laird?

— É laird do clã MacKeage. Meu pai também é laird, embora nenhum dos dois emprega o título já… — Seus olhos se animaram de regozijo — A menos que queiram fazer uma demonstração de força a alguém.

Jack fez caso omisso da última parte.

— Entretanto parece que por aqui todos recorrem a você. Megan e Camry respeitam sua autoridade, igual a Greylen.

Robbie se recostou em seu assento com um sorriso.

— Eu fui o primeiro que nasceu nos Estados Unidos. Minha mãe, Mary, e Grace MacKeage eram irmãs. Mary morreu quando nasci, e Libby é minha madrasta. Quanto a meu papel aqui, imagino que me considera uma espécie de guardião das famílias.

— Por que necessitam que você os cuide?

— Assim é como funcionam os clãs. Quatro homens MacKeage e meu pai se estabeleceram neste lugar faz trinta e nove anos, e embora se adaptaram facilmente, chegaram a contar comigo para a maioria dos assuntos porque eu cresci aqui. O velho sacerdote que vive no Tarstone, o Pai Daar, veio com eles; é um tipo estranho que está acostumado a fazer o que quer. Se por acaso se encontrar com ele, não se tome muito a sério o que possa dizer. Vai ficando velho e às vezes se desorienta.

— E os Gregor?

— Matt é dono de uma empresa que constrói motores de aviões a reação em Utah. Chegou a Pene Creek em setembro passado e é o dono da montanha Bear. Winter, a filha mais nova de Grei, casou-se no Natal com o Matt, e o irmão deste, Kenzie, está aqui desde o casamento.

— E Kenzie Gregor vive com o sacerdote.

Robbie assentiu.

— Cuida do velho. Por que está interessado no Kenzie?

— Porque ele está interessado em Megan.

Robbie meneou a cabeça.

— Não nesse sentido.

— E além disso acredito que é o homem que me atacou faz duas noites.

— O que o faz pensar isso?

Jack encolheu os ombros.

— Aonde levavam os rastros?

— Segui-os até um pântano que há a uns quatro quilômetros e meio subindo pelo lado oriental do lago, ao pé da montanha Bear. E, simplesmente, esfumaram-se.

— Os rastros não se esfumam simplesmente.

— O riacho Bear entra no lago por esse pântano, e a corrente tem coberto quase trinta acres de uma fina capa de gelo transparente — Robbie encolheu os ombros também — Ali é onde o perdi. Talvez esse homem tinha uma moto de neve estacionada em um dos atalhos próximos e se foi em qualquer direção depois. Considerou que talvez a conexão do Collins é com você, não com Megan?

— Considerei-o, mas por que tomar a moléstia de contratar Megan se a quem busca é a mim?

— Com o fim de usá-la para chegar até você? Depois de tudo, segundo o que me contou Greylen, foi você quem se intrometeu diretamente no que ele esteve fazendo no Canadá.

— Entendo o que quer dizer — Disse Jack, ao tempo que revolvia os blocos de papel até encontrar o rotulado “MARK COLLINS” — Mas o fio que vejo conecta a Megan com ele, não a mim.

— O fio? — Repetiu Robbie; baixou a vista e olhou atentamente o bloco de papel.

Jack escreveu seu próprio nome na página, seguido de um sinal de interrogação.

— Serviço secreto, recorda? — Elevou o olhar — Meu trabalho era bom porque via fios que uniam o que parecia ser informação desconexa — Encolheu os ombros — Provavelmente você os chamará instintos viscerais; eu os chamo “fios” —Ficou de pé, foi até a porta do escritório e a abriu — Obrigado por seguir os rastros a outra noite. Agradeço-lhe seu esforço.

Robbie saiu ao corredor.

— Espero que seja capaz de cumprir sua promessa de proteger Megan.

— Tenho a sensação de que estará pendente de mim.

O alto escocês sorriu com gesto tenso.

— Sim, Stone, farei-o. — Começou a ir-se, mas se deteve o final do corredor e se voltou — Boa sorte amanhã, meu amigo. Cuidado com que minha prima não o leve dando voltas e o deixe no bosque; fica criativa quando quer demonstrar que tem razão.

— Obrigado pela advertência — Disse Jack, ao tempo que voltava a entrar no escritório e fechava a porta com suavidade.

Muito bem. Outro fio acabava de conectar-se: MacBain conhecia o atacante e encobria a aquele bastardo. Estava claro que o “guardião” não era um título vão.

Tampouco o era “laird”, pelo visto.

A família de Megan era quase tão estranha como a sua.

 

Jack estava sentado em sua moto de neve no lago, diante da casa de Megan, tomando goles de café do recipiente térmico enquanto observava à família MacKeage em ação. Greylen tinha chegado em uma moto de neve carregada de material fazia mais ou menos vinte minutos, e pouco depois, no Suv, tinha chegado ao caminho de acesso Grace MacKeage. Com um jaquetão jogado por cima do pijama e as botas sem fechar, Camry lutava contra o frio soprando sem mover do lugar enquanto também colocava na fila de despedida.

Quando não agia como amortecedor entre Megan e Grei, Grace observava Jack; pelo visto tratava de ajustar o que sabia de Wayne Ferris com o homem com quem sua filha ia internar-se no bosque essa manhã.

Jack lançou uma piscada.

Imediatamente Grace deixou o grupo e se aproximou.

— Posso lhe dar um conselho, senhor Stone? — Perguntou com expressão simpática.

— Eu só sigo o conselho das pessoas que me chamam Jack. — Tirou do alfore um grande recipiente térmico com xícara, serviu chocolate e o passou.

Grace tomou a fumegante xícara.

— Obrigado, Jack — Disse; voltou-se a olhar a cena que tinha lugar perto da borda e meneou a cabeça — Meu marido criou a nossas filhas para que se sentissem muito cômodas no bosque, mas cada vez que alguém sai, sente-se obrigado a lhes recordar tudo o que ensinou.

— Isso é típico entre pais e filhas. A um filho adulto não o repreenderia, não?

Grace soprou no chocolate.

— Não. Por isso esta manhã só o saudou você com a cabeça.

Jack soltou uma risadinha em voz baixa.

— Um homem diz muito com uma inclinação de cabeça. Esta manhã me disse que não me incomode em retornar se não trago de volta a sua filha sã e salva.

Grace riu baixinho.

— É você um homem paciente, Jack?

— Dá a casualidade de que minha paciência é legendária. Por quê? Vou necessitá-la?

— Huy, sim — Ela se aproximou mais e baixou a voz — Camry me disse que não tem família. É certo?

— Fomos eu e minha sombra durante os últimos vinte anos.

— Então me prometa que não se deixará espantar pelo tamanho de nossa família.

— De que tamanho falamos exatamente? Da altura ou, simplesmente, da quantidade?

A bonita mãe de Megan riu.

— As duas coisas, acredito — Ficou séria de novo — Temo que às vezes possivelmente se sentirá como se aguentasse um toró de cacetadas. Vão pô-lo a prova de forma reiterada, e suspeito que Megan irá frente do grupo.

— Meu bisavô me chamava Coiote — Disse Jack — E os coiotes são animais com muita capacidade de recuperação, senhora MacKeage.

— Me chame Grace, Jack; e, por favor, deixe de chamar Grei de “laird” — Pediu, revirando os olhos — Se lembro bem, não é bom ter um coiote como animal doméstico? Não os considera extraordinariamente ardilosos?

— Uma engenheira astronáutica que conhece a sabedoria popular dos índios norte-americanos?

— Surpreenderia a mentalidade tão aberta que têm os cientistas a respeito do inexplicável; talvez convém recordá-lo quando tratar com Megan. Camry me disse que seu bisavô era chamán.

Jack suspirou.

— Bosque que caminha em sonhos, esse é o nome de meu bisavô, ele foi o último de uma estirpe em vias de extinção, que perdeu sua atração com a medicina moderna — Dirigiu-lhe um torcido sorriso — Não se preocupe, seu neto terá dez dedos das mãos e dos pés, e não nascerá com plumas no cabelo.

Ela o olhou com severidade.

— Amaremos esse bebê embora tenha doze dedos dos pés e duas cabeças. Não temos preconceitos, senhor Stone.

— Perdoe, não tinha motivo algum para insinuar que os têm — Disse ele, sentindo que se ruborizava — É só que ao ouvir a palavra “chamán” a maioria da pessoas começa a pensar em rituais diante a fogueira e transes místicos.

Ela seguiu calada, e Jack sentiu vontade de dar um chute a si mesmo.

— A risco de atirar pedras contra meu próprio telhado, deu-me a impressão de que Megan e Camry se sobressaltavam quando souberam de meu bisavô.

Grace baixou o olhar a seu chocolate.

— Estão fascinadas com a magia desde que eram pequenas — Elevou a vista — Bom, Jack, pode me explicar por que não podia evitar perigos a minha filha sem destroçá-la por completo?

— Quando Megan me disse que estava grávida, simplesmente me deixei levar pelo pânico. Não sabia que diabos acontecia, além de que tinham assassinado a um homem; só queria que se fora daquela tundra para me concentrar na tarefa de levar o Billy Wellington a um lugar seguro.

— Tem ideia de como afeta a uma mulher entregar-se tão completamente a um homem, e que ele o despreze?

— Não, senhora. Só sei como me afetou.

— A ama?

— Mais do que jamais acreditei possível.

— E o disse?

Surpreso, Jack ficou quieto.

— Ultimamente, não — Reconheceu.

Grace deu um feminino bufo.

— Não lhe parece que deveria dizer.

— Não me acreditará.

— Pois eu acredito em você, Jack.

— Sim? Por quê?

— Porque leva toda a semana deixando que lhe deem surras.

— Acredita que foi de propósito?

— Ah, é que é você incapaz de defender-se?

Caramba, era perspicaz.

— Mas o que demonstraria a Megan que me dessem surras?

— No mínimo, que você a necessita tanto como ela a você…

— Vamos hoje ou o que? — Gritou Megan — Está me atrasando, Jack.

Por fim o tinha chamado Jack!

— Estou preparado quando o estiver você — Respondeu ele enquanto se apressava a guardar o recipiente térmico e pegava o capacete; olhou para Grace — Parece que é tão simples como lhe dizer que a amo?

— Não… Acredito que é assim complicado.

Megan parou junto a eles montada em seu trenó.

— Do que falam? — Perguntou através da aberta viseira do capacete.

— De você, principalmente — Jack colocou o capacete, alargou a mão e pôs em marcha o trenó. Megan saiu apitando para o extremo superior da baía, e Jack olhou para Grace outra vez — Obrigado pelo conselho.

Fechou de um tapa a viseira e acelerou o trenó; seu objetivo era a nuvem de pó de neve que ia já quase oitocentos metros lago acima.

 

Entregue à condução, Megan subia a toda velocidade pelo lago, enquanto todas as fibras de seu ser vibravam de alegria. Por fim voltava a fazer o que sabia e amava. Como se afastou tanto de si mesma? Seu lugar não estava atrás de um mostrador vendendo os quadros de sua irmã; seu lugar estava à intempérie, com o vento frio cortando o nariz e aquele ar vivificante agudizando seus sentidos.

Sentia-se tão eufórica que nem sequer se importava ter Jack pregado a ela. Sim que incomodava a rapidez com que seu pai decidiu que gostava de Jack a certo nível de homem a homem, mas isso não queria dizer que não fosse desfrutar daquela excursão… E inclusive, possivelmente, divertir-se um pouco a custa de Jack.

Olhou pelo espelho retrovisor, viu que Jack a tinha alcançado e se pôs atrás e conteve um bufido. Acreditava que ia apaixonar-se por seu número teatral? Já sabia do que ia; baixo aquele exterior de aparência indefesa, Jack Stone era tão duro como dava a entender seu sobrenome.

Megan seguiu cruzando o lago tão rápido que se atrevia, tendo em conta que cada pequena sacudida fazia ricochetear o bebê sobre sua bexiga. Caramba, não tinha calculado que teria que parar para fazer pipi. Sua irmã Elizabeth emprestou o traje de quando estava grávida, mas ia ter que tirar toda aquela maldita roupa para urinar no bosque… E assim passaria frio e demoraria muito tempo.

Esperava de coração que Jack fosse um homem paciente.

Megan franziu o cenho. Seguro que não eram mariposas, e sim abelhas enfurecidas, o que no dia anterior lhe revoava no estômago, quando esteve cara a cara, ou mas bem nariz a queixo com ele, lutando por tomar posições. Além disso, tanto fazia quão tenso parecia, ou que até um néscio visse que necessitava um dia no bosque tanto como ela. Por que voltou atrás tão rápido e concordou em deixar que a acompanhasse?

Porque era uma tola de bom coração, por isso.

Megan passou zumbindo pela frente de um solitário pescador que se ocupava de suas armadilhas no gelo, disse adeus com a mão e dirigiu o trenó para um caminho muito trilhado que conduzia à borda. Reduziu a velocidade para realizar a áspera transição do lago à terra firme e depois subiu pelo sinuoso ramal até o atalho da RESI.

Maine tinha um extraordinário sistema interestadual de atalhos, RESI, que aproveitava muitos caminhos florestais que não se utilizavam no inverno. Os clubes locais se orgulhavam de manter em bom estado essas autênticas autoestradas, até o ponto de que eram quase tão largas e frequentemente mais planas que seus equivalentes automobilísticos.

E, sem dúvida, eram mais rápidas.

Megan se deteve em um cruzamento, olhou para ver se havia tráfego de trenós antes de girar para o norte pelo atalho da RESI e acelerou até ficar a quarenta e cinco quilômetros por hora. Observou pelo retrovisor que continuava vendo Jack, e se perguntou o que lhe pareceria de ir atrás. Quando um homem era dono de uma moto de neve pensada para enfrentar os atalhos a mais de cento e trinta e cinco quilômetros por hora, pelo geral, significava que possuía uma mentalidade de macho alfa. Tinha-a Jack?

Claro que sim. Comprou aquele ímã de garotas, não?

Meu Deus! Acaso a considerava uma daquelas garotas bonitas que tonteavam na estação de esqui e se derretiam por um homem montado em um foguete cor cereja escura?

Claro que não, Jack a conhecia muito bem.

Então, tinha complexo de Napoleão?

Megan soltou um bufo. Jack talvez medisse vários centímetros menos que os homens de sua família, mas nem por indício parecia que tentasse demonstrar nada a ninguém. Que levasse três dias seguidos recebendo surras, incluído o bolo de Camry na cara! Não era o que se diz impressionante.

De repente Megan viu que ia ganhando velocidade e se deu conta de que a sensação de urgência procedia de sua bexiga. Caramba. Só meia hora de trajeto, e já tinha que urinar… Seguiu até encontrar um ramal pouco utilizado que saía à direita e, depois de subir por ele uns cem metros, afastou-se ao bordo do atalho e desligou a máquina.

Jack se deteve justo atrás. Megan tirou o capacete desceu do trenó e recuou até ele.

— Tenho que fazer pipí… — Disse — Desliga o motor para que ouçamos se vier alguém pelo atalho.

Ele tirou o capacete, olhou-a franzindo o cenho e disse

— Como é que não o resolveu antes de que saíssemos?

— Tenho-o feito, mas tenho que ir de moto de neve por aí com um bebê sentado em cima da bexiga.

Jack baixou o olhar até sua barriga, e seu cenho franzido se transformou em um meio sorriso.

— Ah. Não tinha pensado nisso — Alargou a mão para fazer girar a chave da moto de neve, mas se deteve e olhou para Megan — Está segura de que posso desligá-la sem mais? Não deveria deixar o motor ligado uns minutos para não causar imperfeições a algo?

Megan alargou a mão e desligou o trenó.

— É ao contrário, Jack. Se deixar muito tempo ligado um motor potente como este, esquenta-se muito. Cresceu em Medicine Lake, assim, como é que não sabe nada de moto de neves?

— Grand-père era da velha escola. Íamos a todos lados com raquetes de neve. Sim que peguei uma moto de neve quando fiz dezesseis anos, mas era mais velha que eu e se danificou ao cabo de um mês. Acredito que segue no bosque, a quarenta e cinco quilômetros de Medicine Lake.

— A Camry nos disse que seu bisavô morreu quando tinha quinze anos, e que depois o levaram os serviços sociais.

— Também disse que voltei a escapar — Sorrindo, elevou o olhar para ela — Como não me encontraram a primeira vez, voltei direto aonde Grand-père e eu vivíamos. As pessoas de Medicine Lake desviavam os trabalhadores sociais que me buscavam, e me davam pequenos trabalhos para que ganhasse a vida. Assim consegui o trenó; foi o pagamento de uma consulta.

Megan o olhou entrecerrando os olhos.

— Também disse que não herdou o dom de seu bisavô.

— Mas herdei suas ervas. Além disso, ia com ele sempre que atendia os doentes, assim sabia o que tinha que fazer — Encolheu os ombros — As pessoas acreditavam que era obvio que o dom tinha passado a mim. E de meu ponto de vista, certamente valia a pena rezar por alguém com o intuito de ter ovos frescos para comer em metade do inverno.

— Meu Deus, era um estelionatário que enganava os doentes.

— Não, Megan; só era um garoto que tentava sobreviver. Vamos, vai — Disse baixinho, ao tempo que assinalava para uma entupida mancha de matagais.

Megan deu a volta e entrou no bosque enquanto baixava a cremalheira do traje com o cenho franzido. Maldição! Não ia sentir-se mal por chamá-lo estelionatário, por muito que parecesse ferido. Era um milagre que não o partisse de repente um raio, se até os bobos sabiam que não se deve enredar com a magia.

De todas formas sentiu que a invadia um sentimento de vergonha, como se acabasse de dar um chute a um cachorrinho. Não era capaz de imaginar-se sem a segurança e o amor de sua família. O que teria feito ela, quanto teria lutado por sobreviver se tivesse ficado órfã aos nove anos? Se um velho a tivesse criado, provavelmente, necessitava mais que ela que o cuidassem, e depois houvesse tornado a ficar órfã aos quinze?

Diabo! Literalmente, Jack tinha criado a si mesmo.

Quando chegou a um lugar que não se via do atalho, Megan assentou a pisões a neve. Desceu o traje até os joelhos, sentou-se em cima e tirou depressa as botas para poder acabar de tirar tudo. Depois voltou a colocar os pés nas botas, escavou no bolso procurando um lenço de papel e, por fim, dando um suspiro, baixou as calças e a roupa interior larga até os joelhos. Era muitíssimo mais simples para os homens!

— Começo a confiar em que seja um menino — Disse a seu bebê; apoiou-se em uma árvore para segurar a costas e colocou as mãos na barriga com ternura — E não me importará que queira escrever seu nome na neve.

Ao cabo de cinco longos minutos, enquanto, com muito soprar, voltava a brigar com o traje de esqui para colocar o sobre as capas de roupa, ouviu que Jack gritava: “Tudo em ordem aí atrás?”

— Huy, de pérolas! — Gritou ela.

Grunhiu em voz baixa ao ouvir soltar uma risadinha, e depois soltou uma praga em voz alta quando teve que pôr um pé na neve para não cair. Deixou-se cair no chão e limpou a meia três-quartos com a mão antes de colocar a bota com um suspiro; ia ser um longo dia.

Jack passou uma garrafa de água quando voltou junto aos trenós.

— Prefiro chocolate — Disse ela — Me disse que ia trazer.

— Com o fim de não nos atrasar com pausas para ir ao banheiro, acreditei que deveria limitar o consumo de chocolate, já que contém cafeína. Mas necessita água; se desidrata com rapidez no inverno.

— Não tem que me dar sermões sobre sobrevivência invernal — Disse ela; devolveu-lhe a garrafa com energia e recuou dando grandes pernadas até seu trenó. Pegou o capacete e respirou para acalmar-se — Estou bastante segura de que este ramal acabará voltando para atalho da RESI dentro de cinco ou seis quilômetros. Mais vale que sigamos por ele, posto que toda esta zona forma parte da área de captação de águas que vou estudar.

— Está “bastante” segura de que volta?

Ela lançou um olhar feroz.

— Não farei que nos percamos.

— De todas formas, acredito que deixarei um rastro de miolos de pão…

Jack colocou o capacete e com isso a excluiu de maneira eficaz.

Megan se sentou no trenó, fez girar a chave e saiu disparada pelo estreito ramal. Estava claro que aquele homem não tinha nenhum sentido da aventura.

Ao cabo de doze ou treze quilômetros começou a pensar que talvez tinha que engolir suas palavras. O atalho não ia na direção que ela acreditava: estava levando-os para o nordeste.

Ao chegar a outro cruzamento se deteve. Devia ir à direita ou à esquerda? Embora a esquerda era o leste e queria dirigir-se para o oeste para recuperar o rumo, às vezes os caminhos de terra enganavam. Por que não estavam assinalados aqueles estúpidos atalhos?

Subindo-a tela frontal do capacete, Jack se aproximou de seu trenó e, em voz alta para que ouvisse por cima dos motores ligados, disse:

— Eu voto por que vamos à direita.

— Por quê? Isso é o leste, e precisamos ir ao oeste para voltar para lago.

— Só um pressentimento.

Megan olhou a seu redor. Justo diante deles havia uma montanha não muito alta, embora não estava segura de qual. Olhou a esquerda e direita, mas ambas as direções deixavam ver só uma curta parte do atalho, que serpenteava através do denso bosque. Voltou a olhar para Jack.

— E se eu acreditar que deveríamos ir à esquerda?

— Pois iremos à esquerda — Ele encolheu os ombros — Em qualquer das duas direções, tem que sair a algum lugar.

Deu a volta e partiu; pelo retrovisor Megan observou que voltava a montar-se no trenó a esperar. Olhou o novo atalho em ambas as direções outra vez, depois acelerou o trenó e girou à direita; tinha aprendido fazia muito tempo que se alguém tinha um pressentimento e ela não tinha nada, era mais inteligente optar pelo pressentimento.

Ao cabo de seis quilômetros o nó de seu estômago começou a relaxar-se ao ver que, pouco a pouco, o atalho descrevia uma curva para o oeste para levá-los por cima da montanha até o outro lado e depois se dirigia outra vez para o lago. Sorriu. Talvez Jack não queria reconhecê-lo, mas devia ter pego algo da magia de seu bisavô.

Por outra parte, ao melhor só teve sorte.

Até passados outros quinze quilômetros a zona não começou a parecer familiar. A colina que tinham à direita era o extremo norte da montanha Scapegoat, e além disso estava segura de que o pântano de turfa que vislumbrou através de um claro do bosque era o pântano Beaver. Isso queria dizer que a montanha da frente era a Springy, e que a pradaria de cervos que ia procurando estava…

Levantou a mão esquerda para advertir a Jack que ia deter e parou o trenó. Jogou o freio de mão, apeou e levantou a viseira ao tempo que voltava para ele.

— Acredito que a pradaria de cervos que procuro está justo ali — Disse, assinalando uma colina próxima — Vamos procurar um lugar junto ao atalho para pôr o acampamento. Se os cervos estiverem ali, não quero assustar ao rebanho nos aproximando mais com as moto de neves.

— Por mim estupendo. Estou morto de fome.

— São é dez e meia.

— Esta manhã fiquei adormecido e não tive tempo de tomar o café da manhã. Lembrou do molho?

— Trouxe uma panela para esquentá-lo? — Perguntou ela, observando os pequenos alforjes dele.

Jack assinalou com a cabeça o trenó de Megan, que seguia ligado diante deles.

— Estou seguro de que seu pai guardou uma panela nessa cesta.

— Para um homem que cresceu no monte, certamente não leva muito equipamento de sobrevivência.

Com um amplo sorriso, ele elevou o olhar para ela.

— Me dê uma boa faca e uma corda, e viverei como um rei.

— Então você porá o acampamento e preparará a comida enquanto eu dou uma olhada nesses cervos.

— Isso te levará pelo menos duas horas.

— Pois tire uma soneca.

— Parece-me um bom plano. Escolhe um lugar ensolarado a resguardo da brisa — Disse ele. Fez gestos para que fosse para seu trenó e abaixou a viseira.

Uma vez mais, Megan se encontrou voltando a grandes pernadas a moto de neve. Ia ter que cortar aquele costume de chateá-la assim. Por certo, o que tinha ocorrido com “o Wayne o nerd”? A verdade é que sentia falta dele. Embora “Jack o tolo” era muito mais… estimulante.

E isso dava medo, tendo em conta que jurou renunciar a todos os homens fazia quatro meses. Pena que seus hormônios não receberam o memorando.

 

Jack acrescentou mais ramos ao pequeno fogo que tinha aceso, removeu o resto de molho e limpou a colher de uma lambida. Depois voltou a se acomodar sobre a jaqueta de couro e as calças de esqui que tirou e estendeu-se sobre uns ramos de abeto para fazer uma cama. Fechou os olhos dando um suspiro e pensou que não era mais preparado porque não treinava. Estar lá só com Megan era igual a quando estavam na tundra, só que melhor. Desta vez não havia nenhum estudante briguento ao que fazer de “babá”, nem gansos que grasnavam tentando lhe dar um bicada por enredar com suas crias; só estavam eles dois e rodeados de quilômetros de natureza virgem.

Sim, vá se adorava ver que um plano saía bem… E ficou adormecido com um sorriso, pensando que não havia nada melhor na vida que ter a mulherzinha no trabalho enquanto ele mantinha em ordem o lar. Com aquela ideia reconfortando o coração, foi entrando pouco a pouco no país dos sonhos.

Primeiro o visitou sua mãe; seu radiante sorriso o envolveu em uma familiar serenidade.

— Eu gosto de sua família — Disse Sarah Stone — Grace MacKeage será uma maravilhosa sogra para você; é justo a influência feminina que esperava que encontrasse.

— Talvez chegue a ser minha sogra — Disse Jack à visão infantil de sua mãe — Necessito a colaboração de sua filha para que isso aconteça.

— A Megan passará. Fez caso ao conselho de seu Grand-père de que a mandasse para casa e agora, simplesmente, terá que reparar o dano.

— Mas como?

— Sendo quem é de verdade, meu filho. Quanto mais tempo o recuse, mais difícil te fará a viagem.

— Parece com o Grand-père.

— Porque sou sua neta, Coiote.

— Onde estão papai e Walker? Quero vê-los.

— Estão pescando com meu pai. Mas Grand-père está aqui; tem algo que te ensinar.

— Não estou de humor para um de seus sermões — Jack elevou a voz quando sua mãe começou a desfazer-se na brilhante luz — Fica e falar comigo sobre como arrumar as coisas com o Megan. Necessito sua ajuda, mamãe! Sinto sua falta!

Ela deixou de desaparecer, embora só permaneceu uma débil imagem de sua radiante beleza.

— Não se sente falta do que não se perdeu, Coiote. Cada fôlego que respira é meu fôlego; cada pulsar de seu coração é meu batimento do coração; cada vez que ouve o vento nas árvores, eu estou te cantando. Vou dentro de você, meu filho.

— Fique, mamãe!

— Voltarei logo, mas agora tenho que ir procurar a seu pai e a seu irmão. Preste atenção às palavras de seu Grand-père, Coiote, pois com o presente que te traz, também traz sabedoria.

— Mamãe!

— Coiote! Deixa de gritar! — Ordenou Bosque que caminha em sonhos, seu avô, que apareceu saindo do éter como a tradição chamanística personificada, do solto cabelo grisalho até as rugas de seu velho rosto — É muito velho para ir chorando atrás de sua mãe.

— Nunca serei muito velho para não necessitá-la, velho.

— Um pai tem que ser forte. Deseja que seu filho pense que é fraco?

— O que desejo é que deixe de me chatear os sonhos — Resmungou Jack — Meu irmão ia ser seu herdeiro, não eu. Espera… Você disse meu “filho”. Megan vai ter um varão?

— Despertei seu interesse? Bom, agora me escutará?

— O que é isso que leva debaixo da túnica?

— Isto? — Bosque que caminha em sonhos baixou a borda da grossa túnica de lã que levava posta — Anda, se não é um menino!

— Meu filho? — Perguntou Jack, ao tempo que se sentava direito.

— Segundo o que vi quando sua mãe trocava a fralda — Disse o velho chamán com uma risadinha.

Jack alargou as mãos.

— Me deixe pegá-lo.

— Dentro de três meses e meio, Coiote. Até então é nosso para que brincamos com ele.

— Jack. Agora me chamo Jack.

— Só porque uma estúpida trabalhadora social não sabia a diferença que existe entre um coiote e um chacal. Não tinha direito de trocar o nome que deram sua mãe e seu pai.

Com um suspiro, Jack deixou cair as mãos estendidas. Fazia quase vinte e seis anos que aquilo era motivo de discórdia com seu bisavô.

— Trocou isso porque ninguém teria adotado a um garoto chamado Coiote — Disse pela milésima vez — E, além disso, conservei-o porquê me sinto bem. Move a túnica para que veja meu filho.

O ancião afastou a lã um pouquinho mais.

— Terá que confiar em mim quando te digo que tem seus olhos — Disse — Não tenho a mínima intenção de despertá-lo, pois tem o grito de um guerreiro… E isso me dá esperanças de que herdará o espírito das Highlands de sua mãe.

— Não há nada errado em querer levar uma vida não violenta — Jack voltou a alargar as mãos — Deixe que o pegue.

— Se te deixar, concordará em me escutar?

Jack ficou quieto.

— Utilizará um menino inocente para regatear?

— Só porque obriga a tais extremos.

Jack desejava com toda sua alma pegar nos braços seu filho.

— De acordo.

O ancião vacilou.

— Me prometa que não o despertará.

— Quero pegá-lo, nada mais — Disse Jack, ao tempo que alargava os braços de novo. Ao pegar o menino se surpreendeu do pouco que pesava; em seguida colocou seu filho no colo para olhá-lo atentamente — Não é muito grande.

— Será-o quando nascer… — Disse Bosque que caminha em sonhos com uma risadinha — Estou seguro de que sua mãe não deixará de dar-se conta disso. Não, não o desamarre — Advertiu, alargando as mãos e envolvendo-o de novo na manta — Gosta de estar bem envolto porque se sente seguro.

Mas nesse momento o menino, seu filho! Começou a mover-se; deu um bocejo, estirou as perninhas e empurrou os pés contra a barriga de Jack com surpreendente força. Seus diminutos braços começaram a brigar com a manta, e de repente abriu um pouquinho os olhos.

— Agora sim que tem feito — Balbuciou o velho.

Jack abriu a manta. O menino ficou absolutamente quieto e cravou nele seus escuros olhos de um puro azul marinho. Então sua carinha de querubim se franziu, seus braços e pernas começaram a agitar-se, e soltou um berro que abalou Jack até o fundo da alma.

— Tranquiliza-o — Disse Bosque que caminha em sonhos com frenesi — Estreita-o contra o peito para que ouça o batimento de seu coração.

Jack tirou das calças a aba da camisa, a subiu até deixar-se ao descoberto o peito e, com cuidado, levantou seu filho e embalou a face do menino contra sua pele. O contato o fez estremecer-se, e fechou os olhos dando um suspiro quando o menino começou a rebuscar em seu peito.

Tinha nos braços a seu filho!

O velho sentou-se junto a Jack e meneou a cabeça.

— Até assim de pequenos sabem o que querem. Dê o dedo mindinho para que mame.

Jack o fez, enquanto olhava a seu bisavô com desconfiança.

— Quando aprendeu o que querem os bebês? Só teve um filho, e duvido que passou muito tempo com ele até que fez cinco ou seis anos.

— Ah, mas passei muito tempo com Sarah do instante em que nasceu. Sua mãe sempre queria que passeassem com ela, e meu filho não tinha paciência para andar dando voltas para acalmá-la. Essa preciosa tarefa era minha.

Jack sabia a história familiar de cor, já que tinha passado cinco anos nos bosques com a única companhia de Bosque que caminha em sonhos. O filho do velho criou sozinho a uma filha de três meses de idade quando, de repente, sua esposa decidiu mudar-se a Vancouver… Sem marido nem bebê que lhe cortassem as asas. Sarah foi criada por seu pai e seu avô, e Jack seguia perguntando-se como estes a mantiveram viva, uma menina pequenina, e muito menos, para criá-la até que se transformou em uma mulher tão extraordinária.

— Escuta, Coiote — Disse Bosque que caminha em sonhos — Este quebra-cabeças com o que batalhas é ainda mais perigoso do que acredita.

— Qual? — Perguntou Jack, baixando a vista para seu filho.

— Ach, sim — Disse o velho com surpreendente sotaque escocês — Tem razão. Há dois problemas diferentes, com dois perigos muito sérios. Deve andar com pés de chumbo, Coiote, se quer manter a salvo a sua família.

— “Ach, sim?” — Repetiu Jack, imitando seu sotaque e olhando o velho com gesto de surpresa.

O velho chamán sorriu com orgulho.

— Aprendi este sotaque em honra à herança escocesa de seu filho. O menino se acostumou à voz de laird MacKeage, e reage muito bem quando eu também imito seu sotaque.

Santo céu, que sonhos tão interessantes ia ter seu garoto, com chamans e guerreiros das Highlands como antepassados…

— Mas é meu filho — Disse Jack — E vou ensinar a resolver seus problemas com engenho, não com força.

Bosque que caminha em sonhos deu um aflito suspiro.

— Agradece à lua que Greylen esteja por aqui para ensinar os costumes de um guerreiro — Lançou a Jack um olhar feroz — Vai escutar o que tenho que te dizer ou não?

— Estou te escutando — Disse Jack, embora baixou a vista outra vez e roçou com o polegar a suave bochecha de seu filho.

— Sua mulher tem uma coisa que Mark Collins quer.

— O que é? — Perguntou Jack, ao tempo que elevava o olhar.

— Eu não sei tudo. Mas posso te dizer que é algo do que Megan nem sequer é consciente.

— Sabe ao menos o que trama Collins? O que é o que levava a cabo lá na tundra?

— Tem a ver com a energia — Disse Bosque que caminha em sonhos — Petróleo ou algum combustível de outra espécie.

Jack inclinou a cabeça, pensativo.

— Talvez ela trouxesse de volta mostra ou dados que demonstram que baixo essa zona do Canadá há óleo de xisto. Talvez Collins tenta ocultar do governo, e por isso mataram a esse homem.

— Talvez. Mas agora mesmo o que menos tem que preocupar-se é com Collins. Tem que vigiar de perto a esse tipo, Kenzie Gregor.

Bruscamente, Jack elevou a vista.

— De modo que está interessado em Megan?

— Não — Disse Bosque que caminha em sonhos meneando a cabeça — Não é seu coração o que quer.

— Então o que?

— Seus conhecimentos. Mas não é disso do que deve preocupar-se. Ao que deve prestar muita atenção é à conexão de Gregor com seus roubos.

— E qual é a conexão?

O velho se inclinou para aproximar-se.

— A magia — Sussurrou — Antiga magia celta, Coiote. De uma espécie muito poderosa.

Jack olhou boquiaberto a seu bisavô.

— Há mais de um tipo de magia?

O velho chamán assentiu.

— Corre a cargo dos drùidhs proteger as árvores da vida, enquanto que as pessoas e os animais são o meu. Eu me ocupo do bem-estar mais imediato de uma pessoa, de modo que me concedeu o dom de ajudar os indivíduos a fazer frente à vida cotidiana.

— Kenzie Gregor é drùidh?

— Não, mas seu irmão Matt sim. E a irmã Winter de Megan também possui o poder.

Jack recuou, abrindo a mão sobre seu filho em um gesto protetor.

— Winter é drùidh? E Megan sabe?

O velho assentiu.

— Mas não pode dizer que sabe. Isso é algo que Megan deve contar ela mesma — Sorriu — Quando o fizer, saberá que por fim confia em você e te perdoou por completo o que disse fazer quatro meses.

— Agi seguindo seu conselho — Espetou Jack, zangado.

Bosque que caminha em sonhos pareceu ofender-se.

— O que eu disse foi que a mandasse que partisse. Você escolheu mal o modo de fazê-lo.

— Aquilo era o único que a faria partir, mas claro que não o disse a sério.

— Sei, e você sabe, mas sabe Megan? O que disse, Coiote, não é algo que uma mulher supere facilmente… Por muito que se desculpe.

O velho alargou as mãos para pegar o menino.

Jack se afastou.

— Espera. E isso da magia? Como trato o Kenzie, se seu irmão for um mago?

— Se mantendo bem longe de Matt e de Winter Gregor. Fazer que se fixem em você talvez seja perigoso. Em vez disso, tem que…

Mas, sem terminar a frase, Bosque que caminha em sonhos baixou o olhar para seu colo e ficou pensativo. Jack sabia que aquilo duraria algum tempo, assim voltou a centrar-se em seu filho. Inclinou para frente para embalar o menino com ternura e o levantou nos braços para beijar sua diminuta testa.

— Não me franza o cenho — Disse rindo — Parece que levo esperando uma eternidade para te conhecer.

O pequenino que tinha nos braços elevou a vista para Jack; a sabedoria do universo brilhava em seus olhos profundos, escuros e insondáveis.

— Deveríamos dizer a sua mamãe que vai ter um varão? — Perguntou Jack — Ou guardamos nosso pequeno segredo um tempo?

— Não pode dizer — Interveio de repente o velho — Como explicará que sabe?

— Igual explico tudo o que me diz: dizendo que é um instinto visceral — Baixou o olhar por volta de seu filho com um amplo sorriso — Funcionou trinta e quatro anos. Ensinarei-te a confiar em sua intuição, garotinho — Olhou seu bisavô — Bom, como trato a Kenzie Gregor?

O velho chamán endireitou os ombros.

— Meu trabalho não quer dizer o que tem que fazer. Deve encontrar seu próprio caminho, Coiote. Disso trata a vida.

Jack soltou um suave bufo.

— Pois isso não te impedia de fazê-lo no passado… Dê uma pista ao menos.

Bosque que caminha em sonhos ficou calado, fiel a sua impassível herança cree, que só empregava quando convinha.

— Me diga pelo menos o que saiu correndo daquela loja na outra noite e partiu voando — Perguntou Jack — Era homem ou besta?

— Era as duas coisas.

— As duas coisas…

— Ach, sim — Voltou a dizer com sotaque escocês — Embora eu diria que era mais mágico que autêntico.

— A que se refere? Está dizendo que um produto da imaginação coletiva de todo o mundo entra para roubar nesses locais?

De repente o menino começou a chorar, e Bosque que caminha em sonhos elevou a voz para responder:

— Resolverá esse mistério quando descobrir o segredo de Kenzie Gregor.

Jack voltou a colocar seu filho no colo e se apressou a envolvê-lo na manta. O menininho gostou menos ainda, e seu pranto se fez mais forte. Jack colocou o mindinho na boca, mas pelo visto seu filho queria exercitar os pulmões e os músculos, porque tirou as mantas esperneando e chorou mais forte ainda. Jack voltou a levantá-lo até seu peito, mas isso tampouco serviu de nada.

— O que fez a meu neto? — Perguntou Sombra que caminha em sonhos ao tempo que aparecia saindo do éter.

Jack elevou o olhar para seu avô.

— Grand-père o beliscou — Seu amplo sorriso se alargou quando também apareceram Mark e Walker Stone — Olá, meninos. Que tal a pesca?

— Me dê o menino — Disse Sarah Stone, que, do mesmo modo, surgiu da forma de redemoinhos de luz que rodeava o sonho de Jack — Mas Grand-père, como pudeste fazer isso?

— Eu não lhe belisquei! É que se assustou sem motivo.

Assim que a mãe de Jack embalou o bebê em seu seio, o menino se aconchegou dando um suspiro satisfeito.

Jack olhou a seu redor com assombro. Ali estavam cinco gerações da família de sua mãe, e além seu pai e seu irmão. Não era incrível?

Sombra que caminha em sonhos tinha morrido antes dele nascer, embora em sonhos, chegou a lhe conhecer muito bem. Uma grande família feliz, salvo que todos estavam do lado de lá, e ele estava do lado de cá… E sozinho.

Jack sorriu a seu irmão de onze anos, Walker. Tinha demorado uns bons quantos anos em assumir que se sentia responsável por matar a sua família. Foi Walker quem o convenceu de que todos os irmãos começavam brigas insignificantes, e que o fato de que seu pai parasse o carro e o mandasse sentar um pouquinho só debaixo de uma árvore… Bom, ninguém ia imaginar que aconteceria aquele acidente. Walker lhe assegurou muitas vezes que um menino de nove anos não tinha o destino em suas mãos.

Mesmo assim, iam fazer falta mais que umas quantas conversas imaginárias com seu muito morto irmão para convencer a Jack de que o pacifismo não era a melhor via.

— É hora de partir; Megan já volta — Disse Sarah sem deixar de balançar brandamente a seu neto; sorriu para Jack — Espero que tenha guardado algo de comer.

— Quando voltarei a ver todos?

— Quando o necessitar — Mark Stone se inclinou e deu a Jack um beijo na bochecha — Procurou uma mulher maravilhosa, filho. Faz tudo o que seja preciso para conservá-la, embora isso signifique que lhe deem umas quantas surras mais.

Bosque que caminha em sonhos pigarreou ruidosamente e ficou de pé.

— Megan MacKeage te leva por mau caminho, e você o permite.

— Ganhou esse direito, não te parece? — Repôs Jack, que voltou a tombar-se sobre a jaqueta, uniu as mãos sob a cabeça e saudou seu pai com um gesto — Encontrarei o modo de conservá-la — Olhou a sua mãe e piscou um olho — Cuida bem de meu filho. Terão-o tão somente três meses e meio mais; depois é todo meu —Olhou a seu bisavô — E além disso vai seguir um caminho não violento embora tenha que levá-lo em meus rastros.

Com um teatral revoleio, muito próprio dele, Bosque que caminha em sonhos se envolveu em sua túnica e se esfumou. Ao tempo que se despediam com a mão e entre alegres adeus, todos outros se voltaram devagar e entraram no brilhante éter.

E com um grande e feliz sorriso nos lábios, Jack decidiu continuar dormindo com a esperança de prolongar a lembrança da aveludada pele de seu filho bem pega à sua.

 

Enquanto caminhava entre bufos, Megan se perguntou como perdeu tanto a forma física. Em alguma ocasião percorreu com raquetes de neve os quinze quilômetros de subida e descida da montanha Tarstone em menos de seis horas, mas aquele dia, um trajeto de três quilômetros em três horas a teve quase arrebentada. Estava claro que os culpados eram os onze quilos que ganhara nos últimos cinco meses.

De repente se alegrou de que Jack tivesse pregado a ela; tinha frio, estava cansada, estava com tanta fome para comer um cavalo, e a ideia de retornar a um acolhedor acampamento com uma fogueira bem acesa e comida quente era o único que a fazia seguir. Embora sabia que valia mais não acostumar-se, isso não significava que, de momento, não pudesse aproveitar-se da atitude atenta de Jack.

Por fim entrou caminhando penosamente no acampamento, para encontrar Jack adormecido, o fogo apagado e a cesta da comida quase vazia. Inclinou-se e recolheu um punhado de neve.

— Se me atirar isso, mais vale que esteja preparada para as consequências.

— Comeu toda a comida!

— Guardei um pouco — Disse ele, incorporando-se com um bocejo.

— E além disso deixou que se apague o fogo.

— Se tiver frio, eu te farei entrar em calor — Jack deu um tapinha a seu lado.

— Nem em sonhos.

Ele soltou uma risadinha e se inclinou para frente para abotoar as botas.

— Pois talvez teria desfrutado muito com meus sonhos — Disse — Encontrou os cervos?

— Não.

— Está segura de que esta é o local correto? — Olhou a seu redor — Aqui não há nenhum bosquezinho de cedros.

Megan se deixou cair na neve e começou a desatar as raquetes.

— Há um grande grupo deles na parte de trás da colina, mas faz vários anos que os cervos os despojaram que folhas por completo, todo o alto que alcançam. Devem ter encontrado outro prado.

Jack afastou as mãos e terminou de tirar as raquetes. Depois de desabotoar as botas e tirá-las ficou de pé, a tomou nos braços e a colocou sem cerimônias sobre seu traje de moto de neve. Antes que Megan pudesse gritar de surpresa sequer, ele já estava sentando-se e colocando as raquetes.

— Ficam alguns sanduíches, umas bolachas salgadas e um recipiente térmico cheio de chocolate. Por que não come e depois dorme um pouco? — Deu uma olhada ao céu e voltou a olhá-la — Ficam umas quantas horas de luz. Importa-se ir de moto de neve depois do anoitecer?

— Por quê? Aonde vai?

— Procurar seus cervos. Não está em condições de conduzir sem dormir uma sesta.

Sabendo que tinha razão, embora custava muito reconhecê-lo, Megan se acomodou sobre a jaqueta de Jack e esfregou a barriga.

— Não sei que bicho picou o bebê faz um pouco, mas começou a dar chutes a torto e direito; inclusive tive que parar e me sentar em um tronco. E tão repentinamente como começou, deteve-se.

Jack ficou quieto, com uma expressão estranha no rosto.

— Faz só um pouco?

— Sim. Juro que estava dando cambalhotas.

Jack se aproximou engatinhando e pôs a mão sobre a barriga; seus olhos procuraram os dela.

— Talvez escapa e se vai com um circo quando tiver dez anos.

— Ou se transforma em dançarina de balé — Disse ela, desconcertada por ter sua mão a barriga.

— Importará muito se tivermos um garoto?

— Dará-me igual se tivermos um cachorrinho, sempre que estiver são.

Isso o fez sorrir. Megan sentiu que o estômago dava um tombo, e dessa vez não era o bebê fazendo ginástica.

— Então voto por que tenhamos um garoto. Considerará a possibilidade de pôr o nome Walker por meu irmão?

— Tem um irmão?

Depois de dar um carinhoso tapinha na barriga, Jack começou a atiçar o fogo, acrescentando raminhos e mimando-o para reanimá-lo outra vez.

— Tinha.

— O que aconteceu?

— É uma longa história, que é melhor deixar para outro momento — Ficou de pé — Olhe, se de verdade tiver tanta fome, posso te trazer um coelho quando voltar.

Megan elevou a vista para ele. Quem acreditava que era? Nanuk o esquimó[8]?

— Não penso te emprestar minha arma.

— Não necessito de uma arma — Disse ele encolhendo os ombros — Coma os sanduíches, Megan, e beba uma garrafa inteira de água. Voltarei em menos de três horas, prometo isso. Há lenha suficiente para que dure até então — Agarrou a manta que estava ao lado da cesta e a lançou — Fará frio quando cair o sol. Tenha isto perto.

Quando começava a afastar, disse:

— Necessita a jaqueta.

— Tenho postas suficientes capa. Que sonhe com os anjinhos, carinho.

Disse adeus com a mão e, dando pisões, rodeou um denso grupo de alisos.

Piscando, Megan olhou o lugar por onde tinha desaparecido e depois baixou a vista para a cesta da comida. Para ser um homem que tentava voltar a conquistar um lugar em seu coração, Jack Stone não tinha mais ideia de como fazê-lo que Wayne Ferris. Esperava que sobrevivesse todo o dia com uma caixa de bolachas salgadas e dois sanduíches? Se ela preparara cinco!

Colocou os pés nas botas, aproximou-se dando pisões do trenó de Jack e abriu o zíper da bolsa de depósito. Tirou um mapa, um receptor GPS portátil, e uma barra de chocolate esmagada. Guardou a barra de chocolate no bolso, voltou a colocar as demais coisas e depois abriu o zíper do alforje direita.

Quatro garrafas de cor castanha e pescoço comprido ficaram olhando-a; duas não tinham plugues e estavam evidentemente vazias. Tirou uma garrafa e soltou um bufo.

— Cerveja… Se deu todo um pequeno festim, não é? — Disse entre dentes, ao tempo que voltava a colocá-la de um empurrão na bolsa; algo rangeu no fundo, e quando alargou a mão junto às garrafas, tirou uma bolsa sem abrir de frisados salgadinhos de queijo — De modo que traz cerveja e lanches lixo, e, entretanto, come toda a comida sã. E aqui, a que está grávida sou eu!

Deu a volta para jogar os salgadinhos de queijo sobre a cama e voltou a olhar dentro do alforje. Colocados entre as garrafas para que não se rompessem havia um par de meias três-quartos, um grosso gorro de lã e umas luvas extras.

Quando passou ao alforje esquerdo, Megan descobriu que continha uma forte corda, uma tocha pequena e duas finas mantas isotérmicas. Também encontrou outras três barras de chocolate, que meteu no bolso, e um esmagado cilindro de fita seladora.

Depois de recuar e alimentar o fogo com uns raminhos, sentou-se sobre o traje de couro de Jack. O molho era uma causa perdida, já que na panela desentupida tinham caído líquen e musgo, assim depois de comer os dois sanduíches, as bolachas salgadas e as quatro barras de chocolate, abriu os salgadinhos de queijo. Escondeu-se meia bolsa quando decidiu que estava mais cansada que faminta. Com um suspiro de satisfação, por fim voltou a acomodar-se na cama que tinha preparado Jack.

Era surpreendentemente cômoda. Deu a volta para levantar a manga da jaqueta e viu que tinha disposto mais de trinta centímetros de ramos sobre o chão, o qual a protegia da fria neve, como seu pai ensinou a ela. Pelo visto, Jack prestou atenção quando seu bisavô transmitiu suas habilidades de sobrevivência.

E, provavelmente, isso explicava por que não sabia um nada sobre como cortejar uma mulher. Que o criasse um velho em metade do monte não era o que se diz uma situação favorável para aprender sobre o sexo oposto. Mesmo assim, Jack devia ter aprendido algo quando saiu ao mundo real. Esteve no exército, pelo amor de Deus. Megan uniu as mãos sobre a barriga dando um bufo. É provável que foi ali onde adquiriu sua educação sexual.

Embora, uma vez que se repôs de seu ataque surpresa, certamente, respondeu bastante bem. Ai, certo, fez algo mais que limitar-se a responder: em realidade a levou em uma viagem de ida e volta além das estrelas, recordou Megan com um calafrio.

E depois o fez outra vez. E outra…

— Não vá por aí, Meg — Balbuciou, fechando os olhos de repente… Só que desse modo se limitou a fazer mais forte a lembrança, até o ponto de que quase sentia sua íntima carícia — Caramba — Disse entre dentes; ficou de lado, agarrou a manta e a fez uma bola contra sua barriga e seu peito — Pensa em outra coisa — Ordenou — Pensa em seu bebê.

Minutos depois Megan ficou adormecida e sim que sonhou com seu filho… Um pequeno, um garoto, que dava cambalhotas no ar enquanto voava de um trapézio a outro.

 

Jack chegou ao acampamento três horas depois para encontrar Megan feita um novelo sobre seu traje. Também encontrou quatro pacotes vazios de barras de chocolate e meia bolsa de salgadinhos de queijo no chão junto a ela, o qual explicava o pó laranja que esteva por toda sua face.

— Acredite em mim, se fazer de adormecida não faz mais que colocar em confusões — Disse, sabendo de sobra que estava acordada; agarrou a bolsa de salgadinho e a meteu na cesta — Esteve bisbilhotando, não? E além disso comendo minha reserva — Recolheu os pacotes de barras de chocolate e os jogou na cesta também — Já é hora de tirar o telefone via satélite para dizer a Greylen que não retornará antes do pôr-do-sol. Quão último quero é que seus tios e primos saiam para nos buscar.

Ela seguiu sem mover-se.

— Chama-o você. Não te repreenderá.

— Não, só estará me esperando na porta com uma escopeta.

— Papai prefere uma espada — Disse ela entre dentes.

Com a panela na mão, Jack ficou direito.

— Uma espada?

Megan abriu um pouquinho um olho, e uma comissura de sua boca se elevou em um torcido e amplo sorriso.

— É bastante bom com ela, além disso. Vi-o cortar limpamente de um golpe um arbustozinho de dez centímetros.

— E o que é o que faz com uma espada?

— Pertencia a seu pai. Todos meus tios e primos têm espadas — Acrescentou. Por fim ficou de barriga para cima e abriu os dois olhos, provavelmente para julgar melhor sua reação — E são muito destros com elas; todos os verões arrasam nos Jogos Escoceses lá na costa.

Não querendo decepcioná-la, Jack pôs cara de estar desolado.

— Caramba, e deixei o arco e as flechas em Medicine Lake… Não perseguiriam um homem indefeso, não é?

Por fim Megan se levantou, ao tempo que estirava os braços por cima da cabeça, bocejando.

— Isso depende de se chegar em casa sã e salva ou não.

Jack tirou a manta do colo e a dobrou.

— Pois anda aos matagais. Partimo-nos dentro de dez minutos — Disse.

Ela ficou de pé com uma risadinha e foi sem pressas para os arbustos.

— O número do Gù Brath está na agenda do telefone. Talvez tem uma possibilidade se responder mamãe; se o fizer papai, mais vale que tenha uma boa história preparada.

— Está maluca? Não penso em mentir a seu pai.

Ela parou e se voltou a olhar, arqueando uma delicada sobrancelha.

— Dane-se você.

— Vou dizer que nossa viagem está durando mais do que acreditávamos pelo bebê, e que não me tinha dado conta de como descuidou de sua forma física.

Megan entreabriu os olhos.

— Encontrou os cervos?

Jack se agachou para ocultar seu amplo sorriso e seguiu recolhendo o acampamento.

— Encontrei um rebanho de trinta ou quarenta refugiado a uns quatro quilômetros e meio para o norte — De deteve para olhá-la — Pareciam sãs e certamente com muita comida. Embora encontrei o corpo de uma cria de alce. Deu-me a impressão de que um puma a abateu.

Megan acabava de meter-se entre os arbustos, mas deu meia volta de novo para olhá-lo de frente.

— Um puma? Está seguro? Que eu saiba nunca se documentou o avistamento de um por aqui.

— Certamente era a presa de um grande felino.

Ela sorriu satisfeita.

— Sabe o que isso significa?

— Que foi preparada ao trazer a arma?

— Significa que se confirmar que nesta zona vive um puma, não podem construir um complexo turístico.

— Acredita que os promotores estarão tão contentes com a notícia como você?

— Claro que não. Mas por isso o Estado exige um estudo. Desse modo os promotores não investem muito dinheiro em um projeto antes de descobrir que não podem construir.

— E se os promotores enviam a alguém aqui para que, discretamente, dê um tiro ao felino, desaparecendo o probleminha?

— Não, se já o documentei. Só tenho que demonstrar que nesta zona já vivia um puma ultimamente; então se declarará hábitat de grandes felinos e proibirá qualquer urbanização.

Ele fez gestos de que partisse.

— Depois falaremos disso. Estamos perdendo tempo de luz.

Em vez mover-se, ela franziu o cenho.

— Me disse quatro quilômetros e meio para o norte… Não pode ter percorrido tanto terreno no tempo que estiveste fora.

— A verdade é que ziguezagueei muito. Em realidade percorri um total de doze quilômetros.

Ela o observou com desconfiança.

— Em três horas? Isso significaria que foi a… — Fez cálculos na cabeça e depois deu um olhar feroz — Ninguém pode fazer isso andando com raquetes de neve.

— Pode acreditar que um felino faminto vai seguindo seu rastro; essa presa tinha mais de uma semana. Quer andar logo? Tenho fome, e não vejo a hora de chegar a casa e meter no micro-ondas um prato congelado.

Soltou uma silenciosa risadinha quando ela se afastou dando fortes pisões e se internou nos arbustos. Tirou o revólver da parte de trás do cinto e o guardou na bolsa de depósito; depois se aproximou do trenó de Megan e revolveu no alforje para pegar o telefone.

— Greylen — Disse quando respondeu o laird empunhador de espadas — É Jack. Só quero dizer que seguimos no extremo norte do lago. O mais seguro é que voltemos dentro de três ou quatro horas.

— O que aconteceu? teve problemas com o trenó? Onde está Megan? Quero falar com ela.

— Está nos matagais neste instante. Tem você sete filhas; seguro que recorda o que era ir pelo monte com uma mulher grávida.

Produziu-se um silêncio na linha, e depois se ouviu uma suave risada.

— Sim o recordo. E o que os atrasou, além das necessidades fisiológicas?

— Um rodeio por um atalho sem assinalar — Disse Jack — E um par de sestas. O tempo foi bom, e Megan está passando estupendamente. Acredito que sentia falta de estar ao ar livre. Chamará você assim que chegue a casa.

— Tome seu tempo em fazer a viagem de volta, e não corram mais que os faróis dianteiros. Os cervos e os alces gostam de usar os atalhos de noite.

— Tomaremos cuidado. Adeus.

— Adeus, Chefe.

Jack pulsou a tecla de desligar com uma risadinha; pelo visto Greylen não tinha intenção de admitir que se estava amolecendo. Mas se ia aguentar um toró de cacetadas dos MacKeage, faria-o de igual a igual. Os homens das Highlands não chegavam nem à sola do sapato dos guerreiros crees.

Nesse momento Megan saiu dos arbustos, um pouquinho sem fôlego e com a cara acesa.

— Estava muito zangado meu pai? — Perguntou.

— Se preocuparia se o estivesse?

— Não — Disse ela rindo — É tudo fanfarronadas… Pelo menos conosco —Esclareceu — Decidi voltar a subir aqui amanhã ou depois. Se posso documentar que há um puma no local, suspenderei o estudo antes de começá-lo sequer.

— E ficará sem trabalho.

— Assim funciona este negócio.

— Megan, notou algo… Bom, não sei, algo estranho quando estávamos na tundra? Viu algum indício de que talvez houvesse petróleo debaixo daquela região?

— Petróleo? Quer dizer algo assim como borboteantes covas de breu dessas que se tragam mamutes lanzudos e tigres de dentes de sabre?

Jack meneou a cabeça com gesto sério.

— Estive pensando na conexão de Mark Collins com o Billy Wellington, na conexão de Billy com seu escritório e em sua conexão com o Collins por meio deste trabalho. Sinceramente, não te parece estranho que o fator comum seja Collins?

— Dedica-se a isso, Jack. Mark trabalha no setor de assessoria e empreitada a biólogos para que realizem estudos por todo mundo. Por que está tão convencido de que algo cheira a mal?

— Porque assassinaram a um homem.

Megan se sentou em seu trenó e elevou a vista para ele.

— De acordo; só como uma hipótese, suponhamos que Mark estava comprometido na morte desse homem. O que tem isso que ver comigo?

Jack se sentou em seu próprio trenó, estacionado junto ao dela.

— Isto é só uma teoria. Chama-o um pressentimento se quiser, mas acredito que alguém contratou Collins, possivelmente uma empresa de energia, para assegurar-se de que seu estudo não revelasse que baixo daquele local da tundra há petróleo ou gás natural. Assim Collins pôs no estudo o Billy Wellington para que vigiasse as coisas.

—Mas isso implica que talvez Billy matou a esse homem.

Jack meneou a cabeça.

— Deve haver muito dinheiro no meio para confiar algo assim a um garoto. E além disso, a verdade é que a morte desse cara afetou muito o Billy. Mas bem acredito que disse a Collins que o trabalhador do governo descobriu algo, e que Collins enviou a alguém com mais experiência para ocupar do problema.

— Isso segue sem relacionar nada comigo.

— A menos que você descobrisse quão mesmo descobriu o trabalhador de governo.

— Mas o que? Não vi nada que indicasse que havia petróleo.

— E aquela raposa ártica morta que encontrou? E aquelas perdizes na neve? Chegou a descobrir o que os matou?

— Não. Tomei amostras de DNA, mas dei os animais mortos a… — De repente abriu muito os olhos — O trabalhador do governo! Em teoria ia enviá-los a Ottawa. —Ficou de pé — E recorda aquela coruja nevada morta que encontrei três dias antes? Também a dei.

— Enviou-os?

— Não. Estava esperando que chegasse o avião de abastecimento — Voltou a sentar-se, atônita, e sua voz se transformou em um sussurro — Meu Deus, acredita que esses animais mortos são a conexão? Alguém matou esse homem por causa do que os matou?

Jack pegou suas mãos.

— É bastante possível, se essas aves ingeriram petróleo e depois a raposa e a coruja nevada as comeram e morreram também. Do mesmo modo, é possível que Collins procure as amostras de DNA que tomou.

— Mas por que esperar quatro meses para tentar me tirar isso.

— Desde que voltou esteve rodeada de um pequeno exército, e Gù Brath é uma autêntica fortaleza. Suspeito que Collins enviou alguém a Pene Creek, mas quando se deu conta de que não ia conseguir essas amostras roubando isso simplesmente, decidiu te contratar; assim se aproximaria de você o suficiente para as encontrar.

— Eu… Acredito que isso tem lógica. Salvo que encontrei o trabalho na internet. Como sabia que eu procurava trabalho sequer?

— Suspeito que o trabalho só se anunciou para que parecesse de confiança. Se não o tivesse visto, quase seguro que não teria demorado para receber uma carta de Collins. E quando a comprovasse, acreditaria porque o trabalho estava anunciado muito antes que ele ficasse em contato contigo.

Ela se soltou as mãos e ficou de pé.

— Então temos que ir já. Quero chegar a casa e procurar essas amostras.

— Onde estão?

— No laboratório de minha mãe. Ao voltar guardei o baú ali, e depois me esqueci.

Jack sentiu que por fim fazia progressos. Com o pé jogou neve no fogo para apagar os últimos resquícios.

— Amanhã a primeira hora, procura essas amostras e me traz isso à delegacia de polícia.

— Mas terá que as levar a um laboratório.

— Eu as levarei a um — Amarou a cesta na parte de trás do trenó de Megan e depois olhou a seu redor para assegurar-se de que não deixavam nada — Tenho contatos no governo canadense. Este não é um problema acadêmico, Megan, é um problema do governo.

Teria jurado que a ouvia murmurar algo sobre um “nerd” enquanto ela subia no trenó e colocava o capacete; quando já alargava a mão para pôr em marcha o motor, Jack gritou:

— Espera! Que atalho vamos pegar de volta?

Megan subiu a viseira e assinalou ao oeste, para o lago.

— Este no que estamos deveria continuar até o atalho da RESI que desce pelo lado leste do lago Pene.

— Está segura ou só “bastante” segura?

Ela se limitou a baixar a viseira, pôs em marcha o trenó e saiu rapidamente atalho abaixo. Jack esperou até que o pó de neve se assentou o bastante para poder ver e foi atrás.

Já era de noite quando saíram do bosque e deram ao lago, não ao atalho da RESI. Jack sentiu esticar o estômago; não queria ir pelo lago na escuridão. Parou junto a Megan, que parou e tinha desligado o trenó.

— Não tenho nem ideia de onde está o atalho da RESI — Disse ela — Não sei como pudemos não vê-lo.

Jack abriu o zíper da bolsa de depósito e tirou seu mapa.

— Pois teremos que buscá-lo, porque não vamos pelo lago de noite.

— Com certeza que estamos só a uns poucos quilômetros de onde deveríamos estar, e além disso, estou bastante segura de que há um atalho do clube que percorre o lago ao longo — Disse Megan — Só temos que encontrá-lo, segui-lo para o sul até que encontremos o atalho da RESI e teremos uma rota direta até a casa.

Jack foi à dianteira de seu trenó, agachou-se e estudou o mapa à luz do farol.

— Até o atalho da RESI há muito mais que uns poucos quilômetros — Disse, quando ela se aproximou — Nossa, mas bem dezessete ou dezoito. Vê? — Assinalou onde estavam — Este atalho nos trouxe aqui, e o da RESI dá um rápido giro para o leste muito mais abaixo.

Recuou para que o farol iluminasse a zona que tinham diante e viu marcas de trenó que se abriam em todas direções.

— Deveríamos voltar por onde viemos.

— Mas isso levará toda a noite.

— É melhor que tomar um banho frio — Dobrou o mapa e se voltou para olhá-la de frente — Eu não gosto de viajar sobre o gelo de noite.

— Estaremos no atalho do clube, pelo amor de Deus. O clube local o terá sinalizado com pequenas árvores. Revisam-no quase diariamente e além disso, o situam bem longe de qualquer lugar perigoso. Eu voto por que tomemos o lago. Dezessete miseráveis quilômetros, Jack… E faz quase dois meses que temos temperaturas baixo zero — Alargou a mão e a pôs sobre o peito dele — Esquece que cresci aqui? Conheço este lago como a palma de minha mão.

Ele não quis assinalar que já os tinha perdido duas vezes aquele dia pois, de repente, deu-se conta de que aquela conversa já não tratava de como voltar para casa. Era uma prova para ver se era capaz de confiar nela. E como ia convencê-la de que voltasse a confiar nele, se não fazia o mesmo?

Maldita fosse sua imagem…

— Certo — Resmungou — Tomaremos o lago. Mas eu vou na frente.

O amplo sorriso de Megan brilhou à luz do farol. Deu um tapinha no peito e, virtualmente, voltou para seu trenó dando saltos.

— Sem problema, Jack. Melhor que você tome um banho frio, não eu. Não se preocupe, atirarei uma corda se te afundar no gelo.

Depois de montar no trenó, Jack se dirigiu para o bem famoso atalho que havia a uns cem metros da borda e se internou no lago a um ritmo cômodo. Megan aguentou atrás dez minutos exatos. Depois ficou junto a ele e, mais ou menos durante quilômetro e meio se ajustou a seu ritmo; então disse adeus com um alegre gesto da mão e seguiu adiante a toda velocidade.

Jack suspirou.

Percorreram outros seis quilômetros, e Megan acabava de cruzar depressa um estreito passo aberto em uma península quando aquela… Aquela coisa apareceu à luz de seus faróis. Jack não soube quem se surpreendeu mais, se ele, Megan ou aquilo.

O assustado animal, que tinha mais ou menos o tamanho de um cavalo pequeno, deixou cair o que fosse que estava comendo, encabritou-se e soltou um horripilante bramido igual a… Mas, Deus bendito, se o do lombo eram asas!

Jack se deu conta de que era impossível que Megan se detivesse a tempo. Horrorizado, viu-a virar para a direita para evitar se chocar com aquilo. Então a besta deu uma rabada no trenó, como se tentasse afastá-la de um golpe, e começou a bater as gigantescas asas em um esforço por elevar-se no ar.

Jack acelerou ao máximo, passou como uma exalação do outro lado da península e apontou diretamente para aquilo.

Aquele… Palavra de honra que parecia um condenado dragão! Aquilo girou ao redor para confrontar sua chegada, deu outro ensurdecedor bramido e carregou contra ele. Jack esperou até o segundo seguinte antes de torcer à direita, esquivando por pouco a cauda que não parava de agitar-se. Mas não pôde evitar as asas que batiam como loucas, e esteve a ponto de ser derrubado quando uma delas se bateu contra seu capacete.

Em seguida deu uma volta com o trenó para voltar para a besta. Uma nuvem de fumaça densa e ondulante começou a rodeá-lo à medida que a moto de neve reduzia velocidade; entupia-se na pesada neve lamacenta, que a sorvia. Ao fim o trenó parou em seco, e Jack mal teve tempo de agachar a cabeça quando de repente a besta apareceu entre a nuvem de fumaça, voando justo por cima dele e soltando outro horripilante bramido.

Fez girar a chave para desligar o trenó, tirou o capacete e desembarcou de um salto; imediatamente se afundou até o joelho em neve lamacenta. No repentino e absoluto silêncio só se ouvia o suave e rítmico sopro amortecido das asas do dragão, que entrava voando na escuridão.

E de repente vários fios se ataram. A lama dos roubos, o grito horripilante… Aquele… Aquele salto atrás pré-histórico era o que se afastou voando sobre o lago aquela noite!

Por fim, Jack afastou o olhar da besta que desaparecia e olhou a seu redor para ver se Megan estava tão impressionada como ele.

Só que não a viu por nenhum lado. Nem sequer seus faróis.

Nem tampouco ouviu o motor de seu trenó.

Maldição! Esfumou-se, literalmente!

— Socorro! Jack, socorro!

Um terror gelado esticou seu estômago. Megan tinha caído na água gelada!

— Já vou, Megan! — Gritou, ao tempo que abria o zíper do alforje e agarrava uma corda; pôs-se a correr para onde a ouvia chapinhar, mas se viu obrigado a reduzir a velocidade ao aproximar-se do negro charco de água, porque a neve lamacenta chupava as botas como se fosse areias movediças — Estou aqui, Megan! —Gritou — Flutua de barriga para cima! Tirar o capacete!

Mal via onde lutava na água, mas a ouviu balbuciar e tossir enquanto gesticulava para permanecer flutuando. De repente o gelo que havia sob seus pés começou a curvar-se, e Jack parou em seco.

— Está bem! Que não entre o pânico! Suba os pés e flutua de barriga para cima! — Gritou, enquanto desenrolava a corda — Vou lançar-te um linha. Não tente agarrá-lo: se limite a flutuar aí e eu jogarei isso por cima do peito.

— O traje me arrasta para baixo!

— Não, nada disso! Recolhe ar suficiente para te fazer flutuar. Agora se prepare para que te atire a corda. Megan! Escuta-me?

— Estou me afundando!

— Digo que não! — Jack ficou de quatro pés e engatinhou mais perto; assim que sentiu que o gelo começava a curvar-se deteve outra vez, embora seguia havendo seus bons seis metros e meio entre ele e o charco de água escura e glacial. Muito devagar, recuou mais de um metro, sabendo que se molhasse, isso não ajudaria Megan — Esperneia para se aproximar mais do bordo do gelo — Ordenou — Vou lançar a corda. Espera até que eu diga isso para agarrá-la.

Atirou a corda à mancha que havia em meio do charco.

— Agarra-a, Megan. Tire as luvas se for preciso.

Distinguiu-a lutando na água, e, por fim, ela disse:

— Tenho-a! Me tire!

— Ainda não. Enrole-a à cintura um par de vezes. Com as mãos não a segurará o bastante forte.

Viu-a lutar um pouco enquanto ele se aproximava mais, muito devagar, sobre a barriga para repartir o peso.

— Certo. Me tire!

Jack esticou a corda e deu um tímido puxão para ver se ela ia atrás.

— Fica de barriga para cima — Ordenou — Segue esperneando, mas com suavidade.

Centímetro a centímetro, segundo a segundo interminavelmente longos, Jack foi tirando-a como se enrolasse o carretel de uma vara de pescar. Viu-a elevar-se devagar sobre o gelo… mas este se partiu debaixo dela.

— Não lute! Ao final chegará a gelo sólido. Segue esperneando com suavidade.

Megan se afundou outras duas vezes até que ao fim o gelo aguentou.

— Assim, está fazendo muito bem, carinho. Já quase te tenho. Deixa de espernear já — Disse, quando por fim saiu do água de tudo — Vou afastá-la do buraco, mas tenho que procurar que estejamos separados para não sobrecarregar o gelo. Se limite a ficar quieta e deixa que eu faça o trabalho.

— T-tenho m-muito frio — Gritou ela em um sussurro; sua voz ainda soava amortecida pelo capacete — E-e não sinto as mãos.

— Terei te feito entrar em calor só dentro de uns minutos, prometo — Disse ele enquanto recuava pouco a pouco, arrastando-a consigo.

Assim que sentiu que o gelo era sólido sob seus pés, Jack se levantou e a arrastou outros quinze metros, mais ou menos, para o lago. Só então correu para ela, ajoelhou-se, e a levantou pelos ombros até estreitá-la contra seu peito. Megan chorava sem poder conter-se e ofegava forte, entre violentos calafrios misturados com grandes tosses. Com estupidez, tirou depressa a correia do capacete e pegou a face dela.

Foi como abraçar um bloco de gelo, uma impressão que ia convertendo-se rápido em realidade agora que ela estava fora da água.

— Tenho-te — Sussurrou, abraçando-a forte — Está bem, carinho. Vai estar bem. Tenho-te.

Ela tentou dizer algo, mas seus ofegantes soluços e convulsos calafrios impediam que a entendesse.

— Shh, não fale — Disse ele, ao tempo que ficava de pé com ela nos braços.

Só conseguiu percorrer uns quantos metros; depois teve que deter-se e tirar rapidamente as molhadas botas e o traje de esqui, que supunham um lastro. Com passo lento e pesado, seguiu através da profunda neve até chegar à costa principal, já que ao longo de toda a península havia um montão de afloramentos rochosos. Tinha que levá-la a um lugar onde pudesse preparar fogo. Ao passar, deu uma olhada a sua moto de neve e viu que estava entupida, metida em neve lamacenta até o capô. Já não servia; teria sorte se a tirava antes da primavera.

Demorou dez minutos em alcançar a borda; uma vez ali, deixou Megan no chão sob uma pícea, onde a neve não era profunda.

— Aguenta-se de pé? — Perguntou, sustentando-a por debaixo dos braços para que não caísse — Temos que tirar esta roupa molhada.

Ela tentou ajudar, o qual não fez mais que ficar difícil. Jack afastou as mãos e tirou pela cabeça o pulôver, o pulôver de pescoço voltado e a camiseta interior; depois tirou sua jaqueta de couro e a envolveu nela. Com uma mão no braço de Megan para sustentá-la, batalhou com suas próprias calças de esqui para tirá-las e depois os pôs em cima da neve.

— Bom, tudo bem de momento. Vou descer as calças e te pôr sobre meu traje; então te tirarei de todas as calças e te colocarei as pernas em minhas calças de esqui, certo?

Não contava com que houvesse resposta e não a esperou. Desceu suas calças até os joelhos, pô-la em cima de seu traje e depois colocou as pernas dentro e fechou o zíper da frente até o queixo. Depois tirou depressa a camisa exterior e envolveu a molhada cabeça com ela várias vezes antes de ficar de cócoras diante de Megan.

— Já está bem, Megan. O pior já passou, carinho, e já não terá mais frio. Vou deixá-la só um pouquinho, o tempo suficiente para trazer lenha com que preparar um fogo, certo? Diga que sim com a cabeça se me compreender.

Abraçando-se e tiritando muitíssimo, com a face de um branco fantasmal à luz da lua, ela assentiu. Jack beijou a fria bochecha, ficou de pé e tirou sua faca da capa do cinturão. E enquanto se internava no bosque para recolher material com que acender um fogo, deu graças a Deus e a seus antepassados por havê-la tirado a tempo.

Em menos de dez minutos tinha em marcha uma fogueira bem quente, e cinco minutos depois Megan mostrava sinais de degelo. Pela primeira vez em meia hora Jack respirou sem que doesse, e o nó de seu estômago começou a afrouxar-se… Mas só um pouco. Porque estavam sem meio de transporte em um lugar deixado da mão de Deus, não tinham telefone, comida nem refúgio, e só contavam com uma muda de roupa seca entre os dois.

Da comida e o refúgio se ocuparia bastante facilmente; era o meio de transporte o que o preocupava. Embora era capaz de manter abrigada, e inclusive cômoda, preferia levá-la a casa o mais breve possível.

— Ai, Meu deus… O bebê… — Sussurrou ela.

Jack deixou de atiçar fogo, levantou a vista e a viu abraçar o ventre.

— Tem dores?

Enquanto perguntava, baixou o zíper do peitilho de esqui. Colocou a mão e a abriu por cima da pele de sua barriga; aliviado, descobriu que já não estava perigosamente fria.

— N-não. Mas e se… E se a água fria tiver feito mal ao bebê?

Engatinhando, Jack foi por trás de Megan até tê-la sentada entre as coxas, de frente ao fogo; voltou a pôr a mão sobre a barriga e puxou-a para trás contra seu peito.

— O frio não tem feito mal ao bebê, Megan; está muito bem isolado, e não esteve metida na água o tempo suficiente para te baixar tanto a temperatura interna. — Apoiou a bochecha na dela —Além disso— Acrescentou com uma forçada risadinha— Com sua carga genética, provavelmente só tenha parecido um refrescante mergulho de cabeça no lago para ele.

— Não deixa de chamá-lo “ele” — Disse ela, relaxando-se em seu peito com um profundo suspiro — Não quero me acostumar à ideia de que talvez é um menino.

Jack suspirou também; já sabia que a Megan não ia saber nada.

— Embora eu tenha o pressentimento de que o é?

— Há cinquenta por cento de possibilidades de que te leve uma decepção.

— O que for — Sussurrou ele contra sua bochecha — Meus pressentimentos acertam pelo menos em noventa por cento.

Ficaram calados, com a vista cravada no fogo, absorvendo seu calor essencial para a vida. Ao Jack pareceu que fazia cem anos que não abraçava assim Megan. Custava muito mover-se, em parte pelo enorme alívio que sentia ao saber que ela estava bem e em parte porque não tinha nenhuma pressa por voltar até o lago… Mas o certo era que necessitavam o equipamento de sobrevivência que havia nos alforjes.

— Tenho que te deixar uns minutos. Estará bem?

Ela inclinou a cabeça para trás para olhá-lo.

— Aonde vai?

— Procurar algumas de nossas coisas.

Sem sair de seu abraço, ela se voltou para olhá-lo de frente.

— É muito perigoso. Espera até manhã, quando vir o que faz.

— Ficam doze horas para que seja de dia, e a temperatura vai descer abaixo de zero graus esta noite. Necessitamos o equipamento de sobrevivência de seu trenó.

Ela agarrou com firmeza o ombro.

— Meu trenó está debaixo da água, Jack!

— É provável que esteja só a uns três metros de profundidade junto a aquele recife rochoso. Além disso percebi que seu equipamento de sobrevivência está metido em uma bolsa impermeável; com certeza que ali há pelo menos um saco de dormir, comida e, possivelmente, um rádio.

— Uma pessoa congelada é suficiente por esta noite. Não me cuidará se você também é um bloco de gelo.

— Despirei-me, entrarei e sairei em dois minutos. Não é a primeira vez que o faço. Se tiver roupa seca que me pôr, estarei bem.

— Não.

Vendo que se recuperou tanto para discutir com ele, Jack se separou de Megan e ficou de pé. Aproximou-se do fogo e empurrou mais dentro os dois troncos meio podres que levou a rastros do bosque.

— Bom, alguma outra sugestão?

— Sim. Ficamos aqui mesmo, mantemos o fogo muito vivo e esperamos. Me acredite, estarão nos buscando antes do amanhecer.

— Aqui não. Seguimos estando a uns sete quilômetros ao norte de onde deveríamos.

— Darão uma batida pelo lago de avião de pequeno porte e verão nossa fumaça.

— Pegará uma pneumonia antes de que amanheça se não te acomodo dentro de um saco de dormir e em um refúgio de algum tipo.

— Não.

— E depois está aquele… O que diabos vimos. Necessitamos as armas.

— Pega suas coisas, mas certamente não vai por meus bens.

Ele se levantou.

— Estarei de volta dentro de vinte minutos.

— Jack — Resmungou ela, alargando o nome para sublinhar sua advertência — Se te ocorrer algo, fico apanhada aqui, sozinha. Nem sequer tenho botas. Se morrer, eu morro também… Junto com nosso bebê — Acrescentou, para rematar.

— Me acredite, compreendo as consequências. Trarei as botas e o traje, e os secarei. — Assinalou para o ramo onde estendeu sua roupa molhada — Assim que algo esteja um pouco seco, ponha-o e se não tiver retornado ao cabo de uma hora — Gritou enquanto entrava no lago — Pode preocupar-se; antes não!

— Não se demora uma hora em ir andando lá e voltar!

— Vou ver se solto meu trenó. Você se limite a se concentrar em se manter quente para que nosso filho não pegue um resfriado.

“Nosso filho”… Gostou de como soava aquilo.

 

Maldição, Jack ia por suas coisas! Megan sabia por que, em realidade, não tinha prometido o contrário… Pelo visto pensava que se não mentia, talvez começava a confiar nele outra vez.

Estava claro que esqueceu as mentiras por omissão.

Megan voltou a acomodar-se na cama de ramos que Jack fez depois de acender o fogo, e abriu a jaqueta para sentir o calor no pescoço e o peito. Depois tomou a barriga entre as mãos.

— Ai, meu amor — Sussurrou — Quase nos mato dois tentando esquivar aquele… Aquela coisa. Não, melhor dizendo, nós três, porque Jack teria morrido tentando nos salvar e … — Se aproximou um pouco mais do fogo e continuou falando com sua barriga — Bom, o que te parece? É Jack Stone a espécie de homem que queremos em nossas vidas? Eu acredito que sim que me ama de verdade — Deu uns tapinhas na barriga — E sem dúvida ama você. Não sei as vezes que o peguei com a vista cravada em meu ventre… Qualquer um diria que não viu nunca a uma grávida — Agarrou um pau e mexeu no fogo — Disse que tinha um irmão… Terá morrido, ou só estão distanciado? — Desceu o zíper da frente das calças de esqui, confiando em que isso facilitaria que secasse o sutiã — Deve ter morrido, se Jack quer te pôr seu nome. Eu pensava te pôr o nome de meu tio Ian se for um varão, mas talvez chegamos a um acerto. Está a gosto aí dentro, meu amor, como disse seu papai?

Será que os fetos sequer resfriavam-se, ou Jack só tentava distraí-la com seu comentário? Megan se inclinou para o lado e olhou ao lago outra vez; mal distinguia a situação do trenó porque a lua se refletia no para-brisa. Entretanto não via nenhuma sombra movendo-se por ali.

Um forte calafrio a sacudiu ao pensar em Jack tentando recuperar suas coisas. A água estava tão espantosamente fria, e ela esteve tão perto de morrer, a surpreendeu tão quando aquilo… Aquela…

Mas que diabos era aquela criatura? Parecia um dragão, mas os dragões eram répteis, não anfíbios, não? Soltou um bufido, voltou a acomodar-se diante do fogo e agarrou o pau outra vez.

— Não são nenhuma das duas coisas, sou louca, porque os dragões não existem — Disse.

A menos que…

Kenzie! Ele também tinha visto aquela criatura! Diabos, esteve tão perto que tinha pego o mau cheiro. Tinha cheirado em sua roupa o mesmo vapor pestilento que cheirou no ar essa noite, justo antes de cair na água. E isso significava que Kenzie sim, tinha algo que ver com aquilo que entrava roubando nas lojas do povoado, fosse o que fosse.

E, além disso, provavelmente fosse o homem que atacou Jack aquela noite; o tipo a quem Robbie afugentou. Depois Robbie seguiu seus rastros e tinha quase o alcançado… E isso significava que seu primo também sabia o que estava acontecendo.

Era a condenada magia. Isso tinha que ser.

Kenzie foi aquela pantera três anos, até que Winter e Matt voltaram a transformá-lo em homem o dia do solstício de inverno, de modo que, por que a magia não ia fazer aparecer um dragão? Diabos, podia voltar o céu verde se tivesse vontade. A Providência, que era a autêntica força que havia atrás da magia, inclusive era capaz de criar uma nova árvore da vida; já o fez combinando o carvalho de Matt e o pinheiro de Winter. Um dragão era um simples jogo de crianças!

— Ai, Deus! — Gemeu — O que vou dizer a Jack?

Não estava cego: viu exatamente o mesmo que ela, e ao final ia querer falar daquilo. A criatura estava roubando lojas do povoado, de maneira que, não quereria Jack avisar os cidadãos de que ia pisando os calcanhares do culpado?

E, a propósito, por que entrava nas lojas? Por isso haviam dito Jack e Camry, só roubaram donuts e barras de chocolate, mas essa noite dava a impressão de que estava comendo um peixe quando apareceram de repente à luz do farol dianteiro. Usava o buraco do gelo que havia junto ao recife para pescar na água? Tinha que comprová-lo a primeira hora da manhã, antes que os resgatassem.

Certo, necessitava um plano. Teria que convencer Jack de que viramos algum tipo de anomalia, algo assim como o abominável homem das neves ou o monstro do lago Ness. Isso, diria que o lago Pene era tão imenso e tão profundo que possuía sua própria criatura misteriosa.

Mas não tinha nada com que respaldar sua história. Não se soube que houve algum outro avistamento, e além disso, o monstro do lago Ness e o abominável homem das neves, eram lendas solidamente estabelecidas e ininterruptas no tempo.

Ao melhor insinuava que aquela criatura era nova na zona. Soltou um bufo. Sim, quase se via dizendo: “A quem é emocionante? Somos os primeiros que o vemos! Sairemos no telejornal nacional!”

Não, quanta menos gente se inteirasse daquilo, melhor. Seu pai e seus tios arrumaram para manter em segredo a magia durante quase quarenta anos, e agora sua geração tinha que seguir fazendo o mesmo. Só precisava convencer Jack de que não deviam falar com ninguém do que viram essa noite; nem sequer com nenhum parente dela. Seria o pequeno segredo dos dois.

Talvez este trabalho os aproximaria mais, e assim, guardariam segredos.

Megan inspecionou sua roupa estendida nos ramos e descobriu que o pulôver de pescoço alto e a camiseta de seda estavam secos, mas que ao pulôver grosso ainda ficava muito molhado. Depois de tirar a jaqueta e descer pelos ombros o zíper das calças de Jack, decidiu tirar o sutiã, já que o elástico das costas não se secava. Colocou a camiseta e o pulôver fino, subiu de novo o zíper da frente e voltou a colocar a jaqueta. Antes tirou a camisa que pôs na cabeça; agora a pôs ao contrário e a pendurou no ramo para que se secasse a parte de trás. Estava segura de que Jack a necessitaria quando retornasse.

Afastou-se do fogo o suficiente para ver o lago outra vez. Quanto tempo fazia que se foi? Vinte minutos? Meia hora? E como diabos ia resgatá-lo sem as botas?

Ficou cômoda e olhou a parte traseira das calças de esqui que levava postos. Eram feitos de couro grosso, e eram tão compridos que podia fechar os atando os extremos e caminhar com os pés dentro. Então olhou pelo acampamento tentando encontrar algo com que atá-los… que não se rompesse ao cabo de só dez passos.

O sutiã! Usaria as alças.

De um puxão desprendeu o sutiã do ramo e tentou arrancar a alça de uma taça. Tarefa impossível. Passou-o por trás do pé e puxou, mas o único que conseguiu foi rasgar a taça de cetim. Então procurou um par de pedras, que teve que tirar do gelado chão com um pau; pôs o extremo da alça sobre uma pedra e o golpeou com a outra.

— Vamos, coisa estúpida! — Resmungou enquanto esmurrava a malha reforçada com dupla costura — Tenho que ir salvar o Jack.

Menos mal que só tinha uma taça C; se fosse maior, provavelmente estaria reforçada com quádrupla costura! Quando calculou que esmagou a malha o suficiente para debilitá-lo, passou-o por cima do pé outra vez e puxou… E de repente o tecido cedeu com um rasgão que a fez cair para trás.

Depois de endireitar-se com esforço, repetiu o procedimento com a outra alça e depois esmurrou os diminutos aros metálicos da parte de trás até que se romperam. Por fim balançou as liberadas alças diante dela.

— Sou filha de meu pai ou não? — Disse com orgulho — Deveria ter meu próprio programa de sobrevivência no Discovery Channel[9]!

Justo quando se inclinava para frente para atar a parte de abaixo das calças ouviu os apressados passos de Jack, que se aproximava. Com um movimento enérgico, Megan meteu as alças nos bolsos, passou mão no destroçado sutiã, olhou a seu redor e, simplesmente, jogou-o no fogo. Depois se deitou na cama de ramos e fechou os olhos, só para abri-los imediatamente, piscando com gesto adormecido, quando ele chegou ao acampamento dando grandes pernadas.

Com um falso bocejo, se despertou ao tempo que via soltar sua pesada carga de coisas.

— Não demorou muito — Disse.

Dando uma olhada pela extremidade do olho, ele ficou de cócoras diante do fogo e alargou as mãos para o calor. Sim, seu empapado cabelo começava a gelar-se, e cada centímetro visível de pele estava arrepiado.

— Você caiu na neve lamacenta? Tem o cabelo molhado — Assinalou ela, como se não visse que tinha a roupa seca.

Ele ficou rígido.

— Não — Com um empurrão um pouquinho mais brusco do necessário, acabou de colocar um tronco nas chamas.

Até um cego veria a bolsa impermeável de Megan no chão, embora ele tentou escondê-la jogando em cima o molhado traje de esqui. Claro que, por outra parte, talvez estava de mau humor porque estava gelado de frio…

— Recordou do chocolate?

Jack deu uma desconfiada olhada, alargou a mão sob o molhado traje de esqui, tirou o recipiente térmico e o lançou. Depois recolheu vários paus mais e os colocou a empurrões no fogo, mas de repente, a metade de empurrão, com o pau que tinha na mão tirou de entre as chamas uma coisa que levantou no ar.

Ao se dar conta de que eram os restos carbonizados do sutiã, Megan se apressou a voltar a cabeça para elevar a vista para o ramo de onde pendurava a roupa.

— Nossa, Caramba… — Disse indignada, ao tempo que olhava de novo o sutiã com o cenho franzido — Deve ter caído no fogo.

Jack observou a distância que havia do ramo até o fogo e levantou uma sobrancelha, insinuando que o sutiã teria necessitado asas para chegar tão longe.

Megan abriu o recipiente térmico e bebeu diretamente dele; depois limpou a boca com a manga da jaqueta de couro de Jack.

— Pode desentupir seu trenó?

Sem deixar de olhá-la com desconfiança, ele respondeu:

— Não sem uma grua e duzentos metros de corda.

Que não falasse a verdade estava matando-o… Megan tinha que recordar essa estratégia para o futuro.

— Fui por seu equipamento de sobrevivência — Resmungou Jack.

— Havia muita profundidade?

Jack voltou a olhá-la.

—Cobria-me.

Megan tirou a jaqueta.

— Toma, ponha isto. Já está quente.

— Não, fique você.

Ao tempo que a atirava, ela repôs:

— Em realidade começo a ter calor — Voltou-se para tirar a camisa do ramo e a atirou também — Seque o cabelo. E se me passa a bolsa impermeável, verei que guloseimas temos.

Jack tirou os forros das empapadas botas de Megan e os pôs junto ao fogo a secar; depois se levantou, recolheu o traje de esqui e o pendurou em outro ramo e, por fim, deixou a bolsa impermeável junto a ela. Depois colocou a jaqueta e, obediente, começou a secar o cabelo com a camisa.

Megan teve piedade dele; estava com frio e cansado, e acrescentar tensão em cima era uma crueldade.

— Olhe, sei que necessitávamos minhas coisas se tivermos que passar a noite aqui na intempérie. É que… É que não queria que te acontecesse nada — Sussurrou; sentiu que ruborizava… E não devido ao calor do fogo vivo.

Ele deixou de secar o cabelo.

Ela encolheu os ombros com a esperança de parecer mais indiferente do que se sentia.

— Imagino que me acostumei a te ter perto esta semana passada.

— Não penso partir, Megan.

— Sei.

Jack se aproximou de sentar-se a seu lado sobre os ramos e tomou uma mão entre as suas.

— Tenho que falar contigo daquilo que disse no dia que te mandei que partisse.

Ela tentou recuar, mas ele se manteve firme.

— Não falava a sério, Megan. Atravessaria os fogos do inferno antes de te pedir que fizesse isso.

— Sei.

— O que quer dizer com que sabe?

— Que o entendi cinco minutos depois que o avião decolasse. Estava olhando para baixo, às zonas de assentamento em que tínhamos trabalhado juntos, e me dei conta de que alguém que dirigia aqueles filhotes de ganso e aqueles ovos como o fazia você, não me pediria que pusesse fim a minha gravidez.

Ele a atraiu contra seu peito e a estreitou forte.

— Sabia que não ia fazer, mas como não funcionava nada do que te dizia, me ocorreu fazer que me odiasse, tanto como para recolher suas coisas e partir aquele mesmo dia no avião de abastecimento — Sussurrou no cabelo.

— E isso funcionou.

O abraço dele se afrouxou um pouco.

— Lamento muitíssimo o que te tenho feito passar.

— E eu lamento ter dado conta tão tarde do que estava fazendo.

Ele recuou para olhá-la nos olhos.

— Amo-te, Megan. Quando cheguei a tundra e me recebeu, senti-me como se me atropelasse um rebanho de renas.

Ela abriu a boca, mas ele voltou a atraí-la contra si.

— Shhh, escuta nada mais. Quero que nos casemos. Viveremos aqui em Pene Creek ou onde você queira; posso trabalhar em qualquer lugar — Rodeou-lhe a cabeça com as mãos e a apoiou no ombro, enquanto acariciava o cabelo — Não me responda agora mesmo. Só quero que pense nisso.

Ela tentou afastar-se para falar, mas Jack a sujeitou em algo que começava a parecer-se com um abraço desesperado.

— Shhh — Voltou a dizer — Assimila durante um momento o que disse. Só… Só me dê uma oportunidade.

Com a boca pega a seu ombro, Megan resmungou algo, mas ele se limitou a estreitá-la mais forte. O pobre tremia como uma folha, e Megan suspeitava que aquilo não tinha nada que ver com o mergulho de cabeça no lago… Apesar de que estava gelado como um urso polar. Por fim renunciou a tentar explicar que estava esfriando-a outra vez, e rodeou a cintura com os braços por dentro da jaqueta para compartilhar o pouco calor que ficava.

Nesse momento o bebê deu um chute repentino.

— Deus bendito! — Jack recuou, sobressaltado, para cravar a vista na barriga — Acaba de me dar um chute!

Ela sorriu ao ver sua expressão de surpresa.

— Faz-o às vezes. — Alargou a mão, tomou a sua e a pôs no ventre — Espera um momento e verá como ele o faz outra vez… Caramba, já o chamo “ele”, igual a você!

De repente a barriga começou a mover-se com força, como o emplastro de um tambor militar. Jack riu a gargalhadas e se agachou a beijar o lugar onde o bebê estava dando chutes… Mas, igual de rápido, endireitou-se com a face cor vermelha escura. Como pôde, retornou junto ao fogo e começou a atiçá-lo outra vez, embora ardia tão vivamente que o veriam do espaço.

Com um sorriso, Megan se recostou na árvore e passou os dedos com suavidade por cima da barriga. Ali estava o homem do que se apaixonou na tundra. Sempre que reunia coragem para beijá-la, ruborizava-se, ficava um pouco desajeitado e quase se desculpava. Uma vez, depois de fazer perder o sentido à força de beijos, deu-se a volta, chocou-se com o mastro da barraca de campanha e fez cair toda a lona em cima deles…. Começava a suspeitar que, depois de tudo, “o Nerdismo” não era teatro: Jack Stone não parecia ter mais habilidade que Wayne Ferris.

Alegrou-se de que o nerd não tivesse desaparecido por completo.

Ao dar-se conta, pelo visto, de que estava a ponto de provocar um incêndio florestal, Jack dirigiu sua atenção à bolsa impermeável. Tirou um estojo de utensílios de cozinha, uma corda enrolada com esmero, uma tocha pequena, umas barrinhas energéticas e um pequeno recipiente de plástico. Megan sabia que o recipiente continha linha, uma bússola de espelho, vários acendedores e uma barrinha de ozônio para purificar água.

— Não há um rádio? — Perguntou, enquanto tirava o saco de dormir e olhava com atenção dentro da bolsa vazia.

Megan encolheu os ombros.

—Sempre levamos o telefone via satélite. Além disso a bolsa não se abre quase nunca, porque quase nunca nos metemos nesta espécie de problemas — Olhou-o diretamente nos olhos — Me perdoa, Jack. Deveria ter te escutado e não voltar pelo lago. Fui teimosa e estúpida.

Ele desenrolou o saco de dormir e o sacudiu para abri-lo; depois indicou com um gesto que se movesse para poder estendê-lo sobre os ramos.

— Não está em um clube exclusivo, carinho: levaria-nos uma semana inteira pelo menos se me pusesse a enumerar todas minhas faltas. — Sentou-se junto a ela — Nunca peça desculpas por seguir sua paixão, Megan; é o que mais gostei de você.

— Minha paixão?

— Sua paixão pela vida, carinho. Juro que até resplandece de energia quando te implica em algo — Com uma expressão quase entusiasmada, voltou-se para olhá-la de frente — E o que foi o primeiro que te atraiu de mim? Vamos, seja sincera.

Santo Deus, o que ia dizer… Nenhum cara em seu são julgamento perguntava isso a uma mulher.

— Sinceramente? — Esclareceu ela.

Ele assentiu muito sério.

— Seu tamanho.

Deu a impressão de que custava um momento assimilá-lo até que, de repente, voltou-se e começou a mexer com o fogo outra vez.

Dirigindo-se a suas largas e musculosas costas, Megan disse:

— Ouça, pediu minha resposta sincera, e o primeiro que me atraiu de ti foi seu tamanho — Já que não a via, revirou os olhos — Não é que seja adoentado nem nada do tipo, é que não é nenhum gigante. De todas formas, por que é tão suscetível com sua altura?

— Não o sou… Ou não o era até que conheci sua família —Disse ele entre dentes — Com seu acervo genético, meu filho me olhará de cima quando tiver doze anos.

Megan se apressou a apagar o amplo sorriso de sua cara quando jogou uma olhada por cima do ombro.

— Mucosa… — Disse Jack entrecerrado os olhos — Está rindo de mim.

Imediatamente ela negou com a cabeça, embora acabou assentindo.

— Mas de bom cilindro… E só porque não entendo por que é tão suscetível. —Desta vez revirou os olhos olhando-o — Que espécie de cara faz uma pergunta assim, de todas formas?

— Acreditava que às mulheres gostava dos homens sensíveis. Não está se queixando sempre de que não falamos de nossos sentimentos?

Bom, já não parecia morto de frio. Em realidade, parecia bastante animado… E sexy… E desejável…

— Acredito que deveríamos nos deitar — Soltou ela de boas a primeiras, sem pensar.

Depois de quase cair no fogo, Jack ficou de pé como pôde.

— Vou trazer mais lenha. Anda aos matagais se o necessitar e depois se deite. —Quando começava a partir, voltou-se — Caramba, me esqueci que não tem botas.

Aproximou-se do montão de coisas que tinha levado de seu próprio trenó e lançou um par de meias três-quartos. Megan observou que também levava as duas garrafas de cerveja cheia, assim como uma vasilha vazia, que pegou e meteu com energia no bolso da jaqueta… Para tirar a mão com as alças do sutiã.

— Certo — Reconheceu ela por fim — Para que saiba, destruí meu sutiã para atar as calças por debaixo e poder caminhar.

Rindo, lançou as alças.

— Boa ideia; pelo menos o banho não te congelou o cérebro. Depois de pôr as meias três-quartos, ate as calças. Isso te manterá secas as meias três-quartos enquanto vais fazer pipi. Talvez demoro uns minutos em voltar, mas te ouvirei se gritar. Tenho que encontrar um manancial para pegar água potável.

— Isso é quase tão simples como encontrar uma agulha em um palheiro, em particular às escuras.

— Tenho o pressentimento de que há um muito perto — Disse ele enquanto saía do acampamento.

Enquanto cravava a vista uma vez mais no lugar por onde Jack desaparecia, Megan decidiu que seus pressentimentos começavam a chateá-la. Estava louco, noventa por cento de acertos… Ela tinha sorte se os seus acertavam a metade das vezes.

Não se incomodou em colocar as meias três-quartos nem em atar baixo das calças, já que ia ter que tirar o condenado traje de todas formas. Afastou-se da árvore uns metros sem perder de vista o fogo, o qual, mais que para iluminar o caminho, só serviu para criar mais sombras traiçoeiras. De repente bateu o dedão, soltou uns poucos xingamentos e saltou de um gelado pé ao outro com os dentes apertados. Daria o braço direito por ter o encanamento masculino, embora só fosse durante cinco minutos!

Uma vez completo seu dever, voltou correndo e dando tropeções ao acampamento sem incomodar-se em voltar a colocar calças de esqui. Meteu-se engatinhando no saco de dormir, pôs os pés diante do fogo e de novo apertou os dentes quando começaram a formigar ao descongelar-se. Por fim colocou as meias três-quartos de Jack, pendurou as calças de moto de neve e olhou a ver se suas próprias calças estavam secas; não o estavam, mas de todos os modos não pensava colocá-las ainda. Fez uma bola com a camisa dele, ainda um pouco úmida, para que servisse de travesseiro, estendeu-se e puxou a borda do saco de dormir sobre suas pernas nuas.

Sorrindo, por fim fechou os olhos enquanto escutava o leve estalo dos ramos que se partiam e os troncos podres rompendo-se enquanto Jack recolhia a reserva noturna de lenha. De maneira que gostava de sua paixão, não? Bom, pois ensinaria um pouco de paixão. Em algum momento daquela noite ele teria que dormir.

Ao cabo de vinte minutos Jack retornou, deixou a lenha no chão e inspecionou o acampamento.

— Não tem postos as calças de esqui — Disse, ao vê-las no ramo.

— Pensei que estaríamos mais quentinhos se não nos pusermos muita roupa; assim nos transmitiremos o calor corporal.

Ele se sentou a seu lado, tirou as botas e as pôs ao alcance da mão. Depois tirou um pequeno revólver da parte posterior da cintura das calças e o meteu em uma bota.

Megan se afastou um pouquinho com o fim de deixar lugar para deitar-se.

— Deveria tirar as calças; estão úmidas.

Ele vacilou enquanto a observava por cima do ombro.

— Vamos ter que nos aconchegar.

— Se lembro bem, é muito bom aconchegador.

A Jack acenderam as bochechas de uma viva cor vermelha. Apressou-se a levantar-se e desceu as calças, mas deixou postos as cueca longas.

— Se aproxime para o fogo. Eu dormirei na parte de trás.

— Mas então terá a borda do saco de dormir para tampar.

Era um saco individual, e uma vez aberto, não tinha tecido suficiente para que os dois se estendessem em cima e se tapassem.

Ao ver que não se movia o bastante rápido, ele a pegou e a pôs mais perto do fogo.

— Terá a mim te tapando — Disse.

Meteu-se engatinhando atrás dela e ficou de lado até que ficaram bem aproximados. Depois rodeou a cintura com um braço, tomou a barriga com a mão em um gesto protetor, encaixou as pernas sobre as dela e se acomodou com um cansado suspiro. Megan cravou o olhar no vivo fogo e escutou enquanto, devagar, a respiração de Jack se fez mais regular; então soube que adormeceu. O que acontecia com os caras que, simplesmente, dormiam imediatamente?

Ela não teve tanta sorte, pois sua mente não deixava de revoar de uma ideia a outra. Pensou em Kenzie e na criatura que tinham visto, e também em Mark Collins e nas amostras que pelo visto queria. E, além disso, pensou na proposta de matrimônio de Jack. O coração dizia que se lançasse, mas a parte mais racional de seu cérebro advertia que esperasse para receber o relatório do investigador.

Mas então pensou nos dois meses que compartilhou com o Jack na tundra, e em que foram os dois meses mais felizes de sua vida.

Por fim, sem sair de seu abraço, Megan deu a volta e sussurrou:

— Me faça amor, Jack.

 

Jack despertou sobressaltado, sem saber bem se tinha sonhado aquelas palavras ou se de verdade Megan as havia dito. De uma forma ou outra, estava em uma confusão. Quando abriu os olhos, só a uns centímetros a face de Megan estava na sua, e o olhava com expressão espectadora. E antes que pudesse dizer algo, tomou as bochechas entre as mãos e roçou seus lábios com os seus… Não com sua habitual urgência tipo “Ao diabo os torpedos: Vamos a toda velocidade”, e sim com uma decisão e uma doçura encantadora.

Automaticamente, os braços dele a rodearam em um forte abraço.

— Isto não é prudente, carinho — Sussurrou, embora, por vontade própria, seus lábios se moveram pela mandíbula dela por volta da orelha — Agora mesmo só está inquieta e tem os nervos a flor de pele.

— Não, estou quente — Disse ela.

Enquanto falava, agarrou-o por cabelo para dirigir melhor a exploração de sua garganta. Jogou atrás a cabeça para deixar descoberto o pescoço e se arqueou contra ele com um estremecimento.

Mas quando diabos tirou toda a roupa?

— Desejo-o, Jack. Quero te sentir dentro de mim.

Não podia ser mais franca, não é? E não o chamou Wayne, de modo que era plenamente consciente do que estava pedindo… E como quando se tratava de Megan, Jack tinha tão pouca força de vontade como um urso em uma colmeia, fundiu sua boca com a sua antes de que mudasse de opinião.

Ela o recompensou com um suave som de aprovação e a seguir soltou seu cabelo para deslizar as mãos por debaixo da camisa, subindo sem deter-se até que chegou a seu objetivo. Jack sabia que gostava especialmente de seu peito, pois o havia dito frequentemente.

Como também gostava muito do dela, cobriu um de seus seios com a mão livre, surpreso por como tinha aumentado de tamanho… Até que recordou por que. Então o tratou com suavidade, passando o polegar com doçura por cima do inchado mamilo, que resultou estar muito sensível. O suave som de prazer de Megan se transformou em um verdadeiro gemido quando ela se arqueou contra sua carícia, ao tempo que movia as pernas, inquietas, contra as dele e curvava os dedos nos músculos de seu peito.

Aquela reação animou Jack a continuar familiarizando-se de novo com seu formoso corpo, tudo isso sem deixar de beber até saciar-se de sua boca, igualmente deliciosa. Estava claro que ela teve a mesma ideia, pois uma de suas mãos abandonou o peito dele em busca de um objetivo mais interessante.

Jack foi atrás da mão, surpreso em realidade de que Megan tivesse demorado tanto.

— Mais devagar — Sussurrou em sua boca — Temos toda a noite, carinho.

Habilmente, ela esquivou sua tentativa de capturar a mão e o rodeou com os dedos antes que ele pudesse sequer recuar. Jack aspirou profundamente e soltou o ar a golpes.

“Megan, a pirata” havia retornado.

Senhor, amava-a por saber justo o que queria e não ter medo de ir atrás disso. Como era evidente que gostava do que encontrou no interior de sua cueca longa, Megan fez outro interessante som, ao que Jack respondeu com um grito quando roçou apenas as bolas com os dedos.

— Tire a roupa — Murmurou ela, movendo-se pouco a pouco para puxar sua camisa com a outra mão.

Imediatamente ele se levantou e tirou a camisa pela cabeça; depois alargou as mãos e tirou a cueca sem ajuda de Megan, que continuava pega a seu objetivo, decidida a deixá-lo louco. Assim que se viu livre da roupa, Jack agarrou suas mãos e as pôs pela força em cima da cabeça para beijá-la de novo.

Devia ter recordado que isso não a incapacitava nem muito menos. Agora que os dois estavam nus, os dedos dos pés se converteram em suas novas armas preferidas. Subiu um pé por toda a perna e, quem sabe como, as arrumou para rebolar até meter-se pela debaixo, para que ele se acomodasse entre suas coxas.

Enquanto, sem desfazer o beijo, imobilizava suas duas mãos em uma das suas, Jack deslizou a mão livre para baixo, e acabava de encontrar o pequeno e sensível botão quando algo o golpeou, várias vezes e com bastante força, na barriga.

— Deus bendito! — Gritou.

Recuou como pôde, tão de repente que caiu da cama de ramos, e cravou a vista no nu e movediço ventre de Megan. Parecia que engoliu uma bola de basquete, do absolutamente redondo que era… Salvo quando a diminuta criatura de dentro fazia ginástica sueca.

Maldição, não podia fazer amor com o bebê ali dentro!

Megan soltou uma gargalhada.

— Se pudesse ver sua cara agora mesmo — Disse com uma alegre risada; deixou de acariciar a barriga que se movia e estendeu os braços — Venha, Jack. Vai congelar.

Ele não podia deixar de olhar a barriga.

— Não podemos… Eu não vou… — Por fim a olhou — Nosso bebê saberá o que estamos fazendo, Megan — Sua voz se debilitou até transformar em um sussurro — É que me sentirá quando… Quando eu…

Meneando a cabeça, deixou a frase sem acabar porque nem sequer podia dizê-lo em voz alta diante do bebê.

Ela voltou a rir dele.

— Claro que nos sentirá, tem que nos sentir. Que seus pais façam amor o tranquiliza. Venha — Meneou os dedos enquanto estendia os braços — Mostre a nosso bebê quanto ama nos dois.

Jack passou uma mão sobre a suarenta face. Não podia fazê-lo naquele momento nem que o mesmo Deus pusesse uma pistola na cabeça. Saiu da neve, voltou a meter-se na cama e puxou-a para baixo. Depois ficou a seu lado e ficaram bem agarrados, com ela dando as costas.

Megan soltou um frustrado bufo e depois começou a rir com dissimulação. Ele jogou uma perna sobre as suas para que deixasse de mover-se.

— Durma. Precisa descansar. Não sabemos se amanhã teremos que sair daqui caminhando ou não.

Todo o corpo dela se alargou e depois se desinflou com um profundo suspiro.

— Mas que nerd você é.

 

Megan não sabia se ria ou chorava. Que ideia tão pobre e tão absurda… Imagine, não ser capaz de fazer amor porque o bebê o sentiria… Acreditava de verdade que as grávidas não praticavam o sexo? E além disso, agora que decidiu fazê-lo, não tinha a mais mínima intenção de passar outros cinco meses sem fazê-lo, isso era seguro.

Cravou o olhar no fogo e escutou como, devagar, a respiração de Jack se fazia mais regular outra vez. Como ia conseguir que superasse aquela ridícula ideia? Dizia que a amava, assim, como se chamava Megan, demonstraría-o! Além disso, gostava de fazer amor; era uma mulher sã que sabia valorar uma queda atlética na cama com um homem sexy, em particular quando estava muito claro que agradava desse homem.

E ainda por cima, pela primeira vez em cinco meses, Megan começava a acreditar que de verdade Jack a amava. Não se dava conta de que um agradável momento de relações sexuais era justo o que ela necessitava?

Era tão negativo…

Sorriu apesar de si mesma. Com certeza podia ensiná-lo. Seu engano dessa noite foi pedir que fizessem amor. Era um homem, não? E acaso os homens não tinham sexo na cabeça vinte e quatro horas ao dia, e sete dias à semana? Deveria ter se limitado a descer discretamente a cueca e subir em cima. Nessa postura não teria sentido o bebê, e para quando se desse conta do que acontecia, já teria estado ocupadíssimo no tema.

Deixou um amplo sorriso. Nesse momento Jack dormia, não é?

Decidiu que mais valia dar alguns minutos, só para assegurar-se de que estivesse bem adormecido. Quase ficou tonta de emoção. Diabos, estava Jack a ponto de ter o melhor sonho erótico de sua vida ou não?

Ao cabo de cinco minutos, com cuidado, tirou da cintura o braço dele, ficou de joelhos olhando-o e recebeu com uma grata surpresa ao descobrir que não se incomodou em voltar a colocar a cueca longa. Mas que descarado convite!

Engatinhou até o montão de lenha e jogou uns quantos paus no fogo, atenta se por acaso Jack despertava; que não o fizesse lhe deu esperanças. Engatinhou de novo até ele, levantou a borda do saco de dormir do quadril e, sem fazer ruído, inspirou profundamente.

Era tão formoso, tão perfeitamente viril ao estilo “tipo duro”… Uma série de cicatrizes em relevo atravessavam o lado esquerdo das costelas; contou que eram de um encontro com um jovem urso, quando tinha doze anos. E aquela feia marca do lado direito do estômago, justo sobre o quadril, havia dito que era uma lembrança de seus tempos militares. Megan suspeitava que era uma ferida de bala, pois sabia que tinha outra cicatriz ainda mais horrível nas costas que dava a entender que a bala o atravessou limpamente. Havia vários buracos e cortes mais em seu formoso corpo, alguns importantes e outros não, que refletiam uma vida difícil e às vezes perigosa.

Cada vez custava mais trabalho seguir zangada com ele por ter partido seu coração. Depois de tudo, o que teria feito ela se tivessem invertido os papéis no Canadá? Até que ponto teria podido ser cruel se acreditasse que a vida de Jack estava em perigo?

Sinceramente? Faria tudo e dito tudo para protegê-lo, porque o amava muitíssimo.

— Dá a impressão de que não decidiu se vai me castrar ou resolve o problema comigo.

Megan lançou um rápido olhar e teve que sorrir.

— Não quero te castrar.

— Isso está bem — Ele levantou uma sobrancelha em gesto de curiosidade — Então isso significa que ia se aproveitar de mim enquanto dormia?

Ela assentiu com a cabeça.

— Perdoa que antes entrasse o pânico. Agora que o pensei, parece-me recordar a meus pais fazendo amor enquanto minha mãe estava grávida de mim. De vez em quando a coisa ficava um pouco agitada, mas lembro a quente e confusa sensação de estar completamente submerso no amor dos dois.

Megan pôs cruzou os braços.

— Não é possível que recorde algo assim, não tinha nascido sequer. Ninguém recorda nada antes dos três ou quatro anos de idade.

Ele apoiou a cabeça em uma mão.

— Eu acredito que recordamos o bastante, só que está tão enraizado em nós que, simplesmente, mal retemos algum detalhe. Ainda ouço minha mãe me cantando. Lembro que cheirava a canela e a baunilha; lembro como me balançava durante horas quando estava doente, e como não deixava de jogar o cabelo por trás do ombro quando a estorvava, pois quando estava meu pai perto não o amarrava, porque ele gostava solto. Lembro cada minuto de minha vida da concepção até os nove anos como se fosse ontem.

Megan sentiu seu coração apertar, desta vez por um menino ao que arrebataram a sua mãe muito cedo. Instintivamente, abraçou sua barriga.

De repente Jack se deixou cair de barriga para cima e estendeu os braços.

— Venha, pode me fazer amor. Prometo não despertar até que acabou — Disse, ao tempo que fechava os olhos e soltava um forte ronco.

Nesse momento? Esperava que fizessem amor nesse momento, depois de quase fazer que saltassem as lágrimas? Sem dizer nada, Megan voltou a meter-se engatinhando na cama e se aconchegou grudada a ele, dando um suspiro. Um desses dias ia ter que sentar aquele homem para manter com ele um bom bate-papo e explicar que as tristes historia de sua infância não a excitavam precisamente.

Com suavidade, ele a empurrou no ombro.

— Ouça, acreditava que íamos fazer amor.

— Mudei de opinião.

Ele voltou a empurrá-la, um pouco mais forte desta vez.

— Não pode mudar de opinião sem motivo, assim sem mais — A mão com que a empurrava começou a acariciar o braço — Acreditava que estava quente.

— Estava, até que começou a falar de sua infância.

Ele ficou calado vários segundos; depois ela gritou de surpresa quando ele deu a volta com suavidade, levantou-a e a sentou escarranchado sobre os quadris.

— Tive uma vida maravilhosa, Megan, e além disso, já é hora de que comecemos a fazer a infância de nosso menino igual de memorável — Disse, e a beijou intensamente.

Ai, que diabos… Estavam nus, em um acolhedor ninho diante um fogo bem quente, e estava claro que Jack estava preparado. Assim, por que não?

Ele começou a soltar uma risadinha... enquanto a beijava! E Megan se incorporou com um grunhido.

— E agora o que? — Espetou, zangada.

— É que pensava que estes devem ser as preliminares mais compridas da história de nossa relação.

— “Preliminares”? Chama de “preliminares” esta última hora? — Quis lhe dar uma bofetada, mas em vez disso o assinalou com um dedo — Está a um segundo de tomar banho no lago. Acha que se manterá concentrado durante dez minutos para que cheguemos a fazê-lo?

— Dez? — Repetiu ele, surpreso — Todo este trabalho para dez míseros minutos? — Agarrou-lhe o dedo com que o assinalava, a tirou de cima com suavidade e se voltou para ficar dominando-a — Ouça: terá seus dez minutos, mas depois eu penso tomar outros… — Inclinou a cabeça, pensativo — Outros trinta minutos para mim. —Baixou a boca até uns centímetros da sua, e sua voz se transformou em um sussurro — Quer ir primeiro, ou vou eu?

Aproximou-se ainda mais, muito devagar mas sem chegar a roçar os lábios; pelo visto esperava sua resposta.

Megan alargou a mão, rodeou-o intimamente com os dedos e deixou ver um amplo sorriso quando ele deu um pulo de surpresa.

— Eu irei primeiro — Com a outra mão empurrou seu ombro para tombá-lo de barriga para cima e rodou com ele até estar uma vez mais escarranchada sobre seus quadris — Preste atenção para ver se aprende alguma coisinha sobre os preliminares, sim?

— Sim, senhora! — Disse ele meio gritando quando ela começou a acariciá-lo a sério.

Megan o torturou com mínimo durante vários minutos, até que viu que brotavam gotas de suor na testa e que avultavam os tendões do pescoço. Disse que estava a um segundo de perder o controle quando Jack fechou as mãos aos lados até as transformar em punhos, e então, por fim, compadeceu-se. Rebolou para frente até ficar em cima dele, apoiou as mãos em seu suarento peito e, devagar, desceu sobre sua ereção.

Os dois gemeram, e o som se confundiu com o crepitar do fogo até perder-se no silêncio da noite.

— Ai, Meu Deus, que bom! — Sussurrou ela, movendo-se lentamente enquanto se adaptava à plenitude dele; depois acelerou o ritmo — Fazia muito, muito tempo…— Um novo gemido deixou a frase sem terminar.

As mãos de Jack foram a seus quadris, e com os dedos deu uma suave massagem enquanto regulava seus movimentos, ao tempo que movia os quadris também para modificar o ângulo e a profundidade. Seus movimentos aumentaram o prazer de Megan, que jogou para trás a cabeça, fechou os olhos e saboreou a sensação de tê-lo movendo-se dentro dela. Então ele levou uma mão até seu centro feminino e usou o polegar para acariciar seu sensível botão enquanto seguia guiando seu suave balanço.

— Vamos, carinho — Pediu em voz baixa — Isso. Anda, vá visitar nosso formoso lugar.

Megan sentiu que se esticava e entrava em espiral até o mais fundo das profundidades daquele lugar mágico aonde ele a levava sempre. Alcançou seu ponto mais alto com um grito de liberação, enquanto todo seu corpo se agitava em ondas de calor cegador. O tempo parou e o mundo físico desapareceu enquanto ela flutuava em uma maravilhosa paisagem feita de luz de vivas cores, cheia de energia.

— Volta para mim, Megan — Ouviu que diziam de longe — Acabou, carinho; volta para que vamos lá juntos.

De repente se encontrou de novo no abraço de Jack, que acariciava seu cabelo, acalmando-a com tranquilizadores sussurros, enquanto sucessivas ondas de energia continuava pulsando através dela.

— Isso — Sussurrou ele ao ouvido.

Megan se deu conta de que Jack se levantava, com ela ainda escarranchada e ainda bem fundo em seu interior.

— Foi tão formoso como sempre? — Perguntou, enquanto a tranquilizava com carícias no corpo e ternos beijos na face.

— Não esteve ali comigo.

— Irei contigo da próxima vez, prometo.

Saiu e deu a volta com ela até estendê-la no saco de dormir. Depois se ajoelhou entre suas pernas e aproximou seu traseiro até ficar em cima das coxas, e Megan se deu conta de que o bebê não o estorvava nessa postura.

Penetrou-a devagar, com o olhar fixo em sua face com tal intensidade que ela voltou a sentir que a invadiam ondas de ardente atenção.

— Formosa Megan… — Sussurrou ele enquanto entrava fundo, quase saía, afundava ainda mais — Vejo nosso lugar mágico cada vez que olho seus olhos.

Megan alargou os braços querendo tocá-lo, mas ele agarrou suas mãos, as levou até em cima da cabeça e pôs os dedos em torno de um ramo.

— Fica aquieta — Ordenou com ternura, ao tempo que agarrava os quadris — E deixa que te veja florescer. Desta vez irei com você, prometo.

Impôs um ritmo suave e totalmente hipnotizador, e Megan sentiu que voltava a concentrar-se para dentro, enquanto notava que dessa vez não estava sozinha; decididamente, Jack estava ali. E sentiu que o poder de sua energia ameaçava colocando-a em uma tempestade de tal intensidade que lançou um grito.

— Shhh… — A acalmou ele, acelerando o ritmo — Se solte, carinho. Sempre está segura quando está comigo — Acariciou-a intimamente enquanto continuava seu doce assalto — Veem comigo — Ordenou, investindo mais fundo.

A tempestade que Jack fazia aparecer a arrastou até seu vertiginoso torvelinho, e de repente Megan viu que cruzava flutuando uma maravilhosa paisagem de luz reluzente. E desta vez ele estava bem a seu lado enquanto explodiam juntos aquele formoso mundo. A potência das cores se multiplicava por dez, o calor era mais penetrante e a sensação de assombro, embriagadora.

Jack tomou a cabeça entre as mãos e a beijou com intensidade.

— Não podemos ficar — Sussurrou — Voltaremos logo outra vez, prometo, mas agora tem que dormir.

A contra gosto, receava a abandonar uma beleza tão maravilhosa onde se sentia tão quente e segura… E tão amada, Megan deixou que a conduzisse de volta. Bocejou e se aconchegou em seu abraço.

— Pronto, pequena, deixa que te sustente em meus braços. Sonha comigo, Megan, e me deixe que apresente a nosso filho.

Dando um suspiro de satisfação, ela se pegou a ele, feita um novelo. Não sabia como, mas cada vez que faziam amor, Jack a levava a aquele formoso lugar que só existia quando estava com ele, e depois despertava em seus braços, sentindo-se total e absolutamente amada. Aconteceu já da primeira vez que fizeram amor, e durante o mês seguinte não fez mais que intensificar-se. Se não soubesse que era impossível, talvez se perguntasse se Jack não possuiria de verdade algum tipo de poder mágico que…

De repente, do reluzente éter saiu uma formosa mulher que levava um bebê nos braços.

 

Amanhecia quando Megan abriu os olhos e se encontrou envolta no saco de dormir. O fogo estava bem vivo, sua roupa estava posta em um montão junto a ela e Jack não se via por nenhuma parte. Tinha deixado ao lado da roupa uma garrafa de cerveja cheia de água, junto com uma barrinha energética. O qual queria dizer que no dia anterior, guardada outra por algum lado.

Megan saiu retorcendo do saco de dormir e se levantou, só para voltar a tampar-se como pôde quando se deu conta do frio que fazia. Alargou uma mão até sua roupa e deu um suspiro de alívio ao ver que Jack a havia posto junto ao fogo para que se esquentasse. Colocou tudo sob o saco de dormir e se contorcionou em todas as posturas imagináveis enquanto se vestia.

Estava ofegando para quando colocou as botas e se levantou. Sem incomodar-se em colocar o traje de esqui ainda, foi atrás de sua árvore favorita para ocupar-se de suas necessidades e voltou correndo para o fogo para colocar o traje. Logo, depois de passar a mão à garrafa de água e à barrinha energética, dirigiu-se para o lago em busca de Jack.

Viu-o junto a sua moto de neve, com os pés bem plantados e os braços cruzados; embora estava a considerável distancia, Megan teria jurado que via em seu rosto uma expressão de indignação. Tomou seu tempo em sair de um manto de neve tão duro que apenas se afundava, ao tempo que comia a barrinha energética e bebia água com um leve gosto a cerveja.

Quanto mais se aproximava, mais palpitava seu coração com a lembrança da noite anterior. Jack parecia… Parecia… Nossa, Caramba, havia tornado a apaixonar-se por ele!

— Bom dia — Disse quando por fim chegou a seu lado.

Jack começou a dizer algo mas, quando seu olhar encontrou o seu, fechou a boca de repente sem dizer uma palavra. Duas manchas vermelhas apareceram nas maçãs do rosto. Megan deu outra dentada no café da manhã para ocultar seu sorriso. Mas inclusive se ruborizava!

Pelas relações sexuais da noite anterior?

Era um alvo tão fácil…

— Acredita que será capaz de levantá-la logo… Quero dizer, desentupi-la logo, ou vamos ter que caminhar? — Sua voz se transformou em um sensual sussurro — Ou talvez, simplesmente, voltamos para aconchegar-nos junto ao fogo a esperar que chegue a cavalaria.

As maçãs do rosto de Jack ficaram quase escarlate enquanto a rodeava para dirigir-se à borda, sem dizer sequer “bom dia”. Megan escondeu o que ficava da barrinha energética e engoliu o resto da água ao tempo que dirigia um amplo sorriso a suas costas. Que má pessoa era… Mas a verdade, nem um santo teria deixado passar uma ocasião como aquela. Provocar Jack era muito fácil. Meteu o pacote e a garrafa no bolso, e rodeou o trenó olhando-o com compaixão. Estava entupido até os estribos em neve lamacenta que durante a noite se congelou por completo. Necessitariam uma grua, se não um maçarico, para liberar o condenado traste.

Deu a volta e estudou a paisagem para tentar calcular onde estavam, mas se deu conta de que não tinha nem ideia; fazia dez ou doze anos que não estava tão ao norte do lago. Então começou a caminhar até o recife rochoso que se sobressaía do gelo, curiosa por ver onde caiu seu trenó.

Viu os rastros que fez Jack ao tirá-la, a corda que usou e também seu próprio capacete, que estava no gelo a vários metros de distância. Havia mais pisada no lado norte do recife que indicavam por onde tinha subido depois; ali, o gelo estava mais sólido. Depois as pisadas desciam até a água. Não viu nem rastro do trenó, já que uma fina camada de gelo cobriu o buraco, e estremeceu sem querer. Jack deveu tirar-se rapidamente a roupa no saliente rochoso, entrar no lago escuro e gelado a pegar a bolsa impermeável, voltar a sair como pôde e vestir-se depressa.

Em realidade, não devia ter tirado o sarro dele naquela manhã.

Também havia outro rastro que ia até o buraco e saía dele. Megan caminhou para lá, dando uma volta para evitar o recife, e se deteve junto um peixe meio comido. Então tinha razão: alguma coisa esteve pescando. Um pouco pesado, porque os rastros que havia na neve eram profundos; tinham dois metros ou dois metros e meio de altura e mais ou menos um metro de largura… E, se não se equivocava, algo que parecia ser de uma cauda. Ficou de cócoras para tocar o manto de neve onde algo parecido a uma asa o tinha roçado, depois se levantou e começou a seguir o rastro que se afastava do buraco.

— Volta aqui! — Gritou Jack.

Megan deu a volta e viu que ele parou a metade de caminho até seu trenó, com os braços cheios dos ramos procedentes da cama. Acabava de gritar uma ordem?

— Como diz? — Respondeu gritando.

— O último que preciso é que se afaste sem rumo e se perca. Volta aqui e me ajude!

Megan cruzou os braços. OH, mas como se alegrava ter tirado o sarro naquela manhã!

— Eu não me perco nunca! — Gritou — E tampouco reajo muito bem quando me gritam ordens!

Ele deixou cair os ramos.

— Pois muito bem — Disse; sua voz se voltou perigosamente baixa, como a de Greylen MacKeage quando estava a ponto de acabar a paciência. Sem saber por que, por muito baixinho que falasse, a voz de Greylen chegava a uma distância tremenda — Quer, por favor, voltar aqui e me ajudar a tirar este trenó?

Megan olhou o rastro que se afastava até entrar no lago, deu um profundo suspiro e começou a voltar com esforço para a moto de neve. Jack estava muito zangado com o trenó, não com ela, e aquele não era momento para levá-lo até o limite; além disso, quanto antes chegassem em casa, antes perguntaria a Kenzie pela criatura que viu.

Mas um dias desses teria que descobrir o que ocorria quando alguém que se auto declarava pacifista explodia. Jack Stone o negaria até o dia do julgamento final, mas era um guerreiro, e quando os guerreiros explodiam, estranha vez faziam prisioneiros. Por isso uma mulher preparada devia aprender as consequências de ir muito longe antes de encontrar-se casada com um deles.

Megan se deteve recolheu alguns dos ramos que ele deixou cair e os atirou ao chão com os demais quando chegou ao trenó. Decidiu acalmar a tensão fazendo um esforço por parecer que colaborava e perguntou:

— Temos algo que possamos usar para cortar o gelo?

Santo Deus, estava transformando-se em sua mãe!

Jack tirou a jaqueta, arregaçou-a… Embora provavelmente estivessem a doze graus abaixo de zero à intempérie, e tirou um pequeno machado do cinturão. Depois de ajoelhar-se, começou a cortar o gelo ao longo dos estribos.

— Estupendo. Temos outro machado que eu possa usar? Não havia uma em seu alforje e outra na bolsa impermeável?

— Eu cortarei; fique atenta se por acaso vêm aviões de pequeno porte.

Nossa, uma frase inteira… Estavam progredindo. Deixou-se cair sobre os ramos com um suspiro e, como ele parecia ter mais gana de escutar que de falar, decidiu abordar o tema de como ocorreu de meter-se naquela confusão.

— Bem… Sobre o que vimos ontem à noite… — Começou Megan.

Ele deixou de cortar.

— Acredito que deveríamos não contá-lo.

Ajoelhado ainda, Jack ficou direito e a olhou atentamente.

— Por quê?

— Bom… Em primeiro lugar, ninguém nos acreditaria.

— E em segundo lugar?

— Porque se nos acreditassem, é provável que todos os do povoado se assustassem muito. E quando as pessoas se assustam, às vezes fazem tolices.

— Como o que?

Megan suspirou. Aquilo não ia nada bem.

— Como que talvez decidem caçá-lo e matá-lo.

— O que? — Repetiu ele — Exatamente o que é “ele”, Megan?

Ela levantou os ombros.

— Como vou saber? Vi exatamente o que você viu, e te juro que nunca tinha visto nada parecido.

— Exatamente o que vimos?

Certo, se queria que o explicasse às claras, faria-o.

— Vimos algo que deve ser um descendente de um dinossauro, perdido faz muito tempo; já sabe, como o que acreditam que é o monstro do lago Ness. Só que nossa criatura parece ser um cruzamento entre um pterodátilo e… E um grande lagarto de alguma espécie. Voa, de modo que talvez é um réptil alado… Ou algo.

OH, a explicação soava inteligente… Mas nem em brincadeira ia dizer o que “aquilo” parecia de verdade.

Pelo visto Jack não tinha essas reservas.

— Não acha que parecia um dragão?

— Os dragões são seres mitológicos, e sem dúvida o que vimos era de verdade, assim provavelmente seja algum tipo de réptil.

— E a lama que encontrei nos roubos? Procedia de um réptil?

— Não. Os répteis têm escamas e estão secos. Mas os anfíbios são viscosos.

Jack se sentou nos calcanhares.

— Então falamos de duas criaturas diferente? Isso é o que insinua?

— Não tenho nem ideia de quem ou o que entrou para roubar nas lojas. Talvez os moleques prepararam algum tipo de porcaria viscosa para despistar de seu rastro.

— Os médicos forenses não são capazes de decompô-lo em nenhuma substância conhecida das que têm em seus bancos de dados.

Estavam perdendo o fio.

— Você supõe que uma coisa tem a ver com a outra, Jack. Mas só porque ontem à noite víssemos algo que não identificamos, isso não significa que seja responsável pelos roubos.

Sem dizer nada, ele a observou com atenção vários segundos e depois começou a cortar outra vez.

— Só digo que deveria ser nosso pequeno segredo — Disse ela com os dentes apertados — Para que contar a alguém?

Jack deixou de cortar e a olhou.

— Então não acredita que deva perguntar a Kenzie Gregor o que é essa criatura?

Megan não pôde sufocar seu grito afogado de surpresa, e deu vontade de dar um chute a si mesma quando Jack entrecerrou os olhos diante sua reação.

Rapidamente, tentou voltar atrás.

— O que te faz pensar que Kenzie saberá sobre isto? Conhece-o sequer?

Ele começou a cortar outra vez.

— Jack — Resmungou ela.

Mas justo naquele instante um veloz avião de pequeno porte coroou a montanha que estavam ao leste, desceu em picado para o lago e passou em voo rasante sobre suas cabeças com agudo estrondo.

Megan ficou de pé como pôde e começou a saudar com a mão e a gritar. O avião de pequeno porte foi subindo em um brusco giro, deu a volta e de novo passou com estrondo pela frente deles, desta vez a menos de trinta e cinco metros por cima do lago e a uns cem metros de distância.

— É Matt! — Gritou ela sem deixar de olhar o aparelho, que rodeou uma ilha próxima até que por fim pousou sobre seus esquis e foi para eles.

— Você não volta com ele; pilota como um louco — Disse Jack, ao tempo que ficava a seu lado.

— Não pilotará assim com uma grávida a bordo! — Gritou ela como resposta.

Enquanto falava correu para o Cessna[10] de quatro lugares que parou no lago a um cem metros. Mas parou dando uma derrapagem, e seu entusiasmo se transformou em terror, ao ver Kenzie sair pela porta do copiloto.

Em vez de correr para ela, Kenzie ficou curvado junto ao avião de pequeno porte, com as mãos apoiadas nos joelhos enquanto engolia grandes baforadas de ar. Parecia tão enjoado que Megan compreendeu que provavelmente aquele fosse seu primeiro voo. Então dirigiu sua atenção a Matt; estava falando pelo microfone da rádio e quando por fim saiu não olhou a ela mas sim cravou o olhar em um lugar situado por cima de seu ombro.

Megan o fez deter diante dela ao perguntar:

— Chamou por radio a meu pai para dizer que nos encontrou?

Por fim Matt a olhou e, com expressão feroz, passou-lhe uma atenta revista visual.

— Acabo de falar com sua mãe, e vai chamá-lo agora. Grei e Robbie saíram de moto de neve ao redor de meia-noite para te buscar. Por que diabos não responde o telefone via satélite?

Nesse momento Jack se aproximou dela.

— Porque está no fundo do lago — Disse — Junto com seu trenó.

Matt dirigiu um rápido olhar.

— O que aconteceu?

Megan se interpôs entre eles.

— Que ia mais depressa que meu farol dianteiro e caí na água — Respondeu ela — Jack me tirou.

Ouviu um profundo suspiro a suas costas, e ato seguido Jack tomou pelos ombros e a afastou a um lado.

— Meu trenó se meteu na neve lamacenta e se congelou — Disse a Matt, que de repente pareceu regozijar-se — Estávamos cortando o gelo para tirá-lo enquanto esperávamos que aparecesse alguém. Por que não leva Megan de volta, e eu terminarei de liberá-lo?

— E se não poder liberá-lo? — Perguntou Matt.

— Então voltarei caminhando.

Matt o observou em silêncio e assentiu.

Nesse momento o passageiro do avião reuniu por fim a eles, embora dava a impressão de que uma suave brisa fosse derrubá-lo.

— Eu ficarei ajudando — Disse Kenzie estendendo a mão — Kenzie Gregor.

Jack o saudou.

— Jack Stone. E agradeço a ajuda, se não se importa voltar em um trenó desenhado para um só motorista.

— Preferiria voltar caminhando, obrigado.

Megan, que não queria que Jack e Kenzie passassem juntos nem um segundo, disse:

— Acredito que todos deveríamos voltar de avião — Olhou para Jack — Papai ou Robbie voltarão com você amanhã para pegar seu trenó e encarregar-se de tirar o meu. Se o deixarmos na água mais de uma semana, Pesca Fluvial e zona úmidas nos multa.

Jack meneou a cabeça.

— Eu tirarei o meu agora, e voltarei com seu pai amanhã ou depois.

Deu a volta e começou a afastar-se.

Megan correu para alcançá-lo e o agarrou pela manga para fazer que parasse.

— Jack, quero que volte conosco.

— Não, o que quer é que não fique sozinho com o Kenzie — Disse ele em voz baixa, voltando-se para que os outros não o ouvissem — E isso me faz perguntar, se preocupa com seu bem-estar ou o meu?

— Então tá. Que se congelam os dois — Espetou, zangada.

Enquanto falava deu a volta e se afastou, fazendo dramalhões, para o avião. Mas antes que desse dois passos, de um puxão Jack a voltou para que o olhasse de frente, danificando por completo a sena chamativa. Pelo visto não percebia sua indignação, ou, mais provavelmente, passava por completo dela, porque disse:

— Esquece essas amostras de DNA e tudo o resto por hoje. Assim que chegue em casa, quero que vá ao médico para que te dê uma olhada. Talvez tenha água do lago nos pulmões e poderia contrair uma pneumonia. Quero sua mãe vá com você.

— Alguma ordem mais antes de que vá, chefe Stone?

— Pois sim, a verdade é que sim… — A atraiu contra seu peito e com um beijo apagou a expressão de aborrecimento dos lábios; depois se inclinou para trás justo o suficiente para olhá-la nos olhos — Abotoe o cinto de segurança, e pensa em se você gosta do nome do Walker para nosso filho.

— Vamos ter uma menina!

Megan o separou de um empurrão e desta vez foi até o avião correndo.

Entrou pelo lado do copiloto e abotoou o cinto de segurança.

— Dá-me igual o que sonhei ontem à noite: você é uma menina — Disse a sua barriga dando um tapinha — E não se preocupe, eu te ensinarei a se defender neste mundo; em particular, dos homens.

Matt se meteu junto a ela com uma risadinha.

— Perdoa, irmãzinha, mas vais ter um garoto.

Megan deu um murro no braço de seu cunhado.

— Queria que fosse uma surpresa!

— Ouça, não mate o mensageiro. Eu não decidi o sexo do bebê, e sim seu pai. A propósito, vejo que volta a estar em sua vida…

Antes que ela pudesse formular uma réplica, Matt colocou os fones, pôs em marcha o motor, realizou a comprovação dos indicadores de nível e os comandos prévio de voo e, por fim, acelerou o avião o suficiente para dar a volta e ficar lago acima, de cara a leve brisa. Megan olhou pela janela e viu o Jack e Kenzie de joelhos, cortando o gelo para soltar o trenó.

Enquanto os esquis do avião passavam roçando a neve e se elevavam no ar, seu olhar foi para a costa, onde viu a tênue coluna de fumaça que se elevava da fogueira. Quando Matt se inclinou à esquerda para Pene Creek, Megan perdeu de vista o pequeno e acolhedor acampamento, deixando atrás a noite mais maravilhosa de sua vida.

 

— Quero lhe perguntar quais são suas intenções com respeito a Megan.

Jack deixou de cortar e olhou para Kenzie por cima do assento da moto de neve.

— Que curioso, eu estava a ponto de perguntar o mesmo.

A julgar por sua expressão, o enorme escocês não gostou que respondessem a sua pergunta com outra.

Jack começava a entender por que Grand-père admirava a aqueles homens das Highlands, tradicionalmente temíveis. O próprio Kenzie Gregor podia ser um salto atrás; apesar de sua roupa moderna e de seu cabelo curto, Jack não duvidava imaginá-lo em um campo de batalha medieval, vestido com um kilt[11] e balançando uma espada com letal precisão. O tipo media quase dois metros, e quando tirou o jaquetão e subiu as mangas, Jack viu suficiente músculo para fazer que um urso desse meia volta e saísse correndo.

Ou para fazer que se fundisse o coração de uma mulher?

— Megan é como uma irmã para mim — Disse Kenzie enquanto começava a cortar de novo.

— Pois menos mal que lhe parece uma irmã; de todas formas não gosta de homens altos.

Kenzie o olhou por cima do trenó com os olhos entrecerrados.

— Nestes cinco meses não gostava dos homens em geral. Sigo esperando saber suas intenções, Stone.

— Tenho intenção de me casar com ela, preferivelmente antes de que nasça nosso filho.

— Ah, sim? — Disse Kenzie, repentinamente regozijado — Pois espero que esteja preparado para levá-la a rastros ao altar. Faz um instante não a vi corresponder a seu beijo, que digamos...

Jack encolheu os ombros e começou a cortar o gelo outra vez.

— Já passará.

— Matt me disse que fez você o que fez, porque Megan estava em perigo no Canadá. Também me disse que você acredita que o problema talvez a tenha seguido até aqui.

Jack ficou direito e, com a manga, secou o suor da testa.

— As notícias se estendem pelas famílias de vocês como o fogo no capim. Sim, acredito que ela tem algo que Mark Collins quer.

— E você não quer que o dê?

— Assassinaram um homem por causa da informação Megan tem, de modo que me vai dar isso e eu vou entregar às autoridades canadenses.

Começou a cortar o gelo a certa distância da trilha de borracha, com cuidado de não causar imperfeições.

— Pensa deixar que as autoridades se ocupem de Collins?

— Sim. Uma vez que entregue a informação, Mark Collins deixará em paz a Megan, e nisso realmente é o que me importa. Que favor pediu você a Megan a outra noite, quando foi a sua casa?

Kenzie se agachou e voltou a cortar outra vez, desta vez subindo o esqui.

— Isso não é assunto seu.

— Tudo o que tem que ver com Megan é meu assunto.

— É um simples favor que um irmão pediria a uma irmã, de modo que não tem por que preocupar-se.

Jack estremeceu para ouvir o som de metal contra metal.

— Agradeceria-lhe que não cortasse o esqui — Disse, ao tempo que deixava cair a faca e ficava de pé — Vamos ver se podemos soltá-lo balançando-o.

Kenzie se levantou também, deixou cair no chão sua faca e agarrou o estribo do trenó. Jack fez o mesmo por seu lado, e se alternaram levantando-o até que Jack saltou um turno e puxou ao mesmo tempo que Kenzie. De repente o gelo se soltou.

Jack foi à parte dianteira, agarrou a frente do esqui e a levantou até soltá-lo. Kenzie fez o mesmo, e juntos arrastaram a pesada moto de neve para frente uns seis metros e meio pela neve calcada. Depois, Jack recuou até o guidão e fez girar a chave. O motor de arranque engrenou, mas o trenó não ligou. Desligou e logou de novo, fez girar a chave e o motor de arranque gemeu e o motor soprou, mas continuou sem pegar.

Soltando uma praga entre dentes, Jack se deixou cair e dirigiu a Kenzie um olhar de dúvida.

— Sabe algo de moto de neves?

Kenzie meneou a cabeça.

— Mais ou menos como de aviões: que não me fazem graça nenhuma as duas coisas — Observou o trenó — Seria de mais ajuda se tratasse de um cavalo.

— Me diga uma coisa, Gregor. Antes de que MacBain o interrompesse aquela noite do roubo, você tentava me matar para proteger a seu pequeno mascote, ou só me incapacitaria?

— Mas pelo amor de Deus, do que está falando?

— Você se soltou sobre mim quando ia atrás do que diabos fosse que saiu correndo daquela loja — Jack encolheu os ombros — Me perguntava até onde estava disposto a chegar para manter seu dragão em segredo.

— Um dragão? Acredita que tenho um mascote que é um dragão? — Kenzie inclusive deu um passo atrás — Está mal da cabeça, homem?

— Não, acredito que de nós dois, provavelmente eu seja o que tem os pés mais no chão… Enquanto que você, meu amigo, parece estar a cavalo entre dois mundos.

O imponente escocês cruzou os braços sobre o peito.

— Ah, sim? E exatamente quais são esses dois mundos?

Jack alargou a mão e ligou outra vez à chave, se por acaso dava a remota casualidade de que o trenó queria pegar. O motor se limitou a gemer e tossir, assim voltou a centrar-se em Kenzie.

— Eu diria que agora mesmo está você no lado errado da porta da sociedade, Gregor… Ou talvez está lutando com a vida em geral, sem mais — Ficou de pé e adotou uma atitude belicosa frente ao gigante — Não quero ver Megan apanhada em meio disto, de modo que esqueça do favor que necessita dela.

— Apanhada em meio do que, exatamente? — Perguntou Kenzie; sua expressão dava a entender que não tinha nenhuma intenção de esquecer nada.

— Megan e eu vimos muito bem seu mascote ontem à noite, quando cruzou na frente de nossos faróis e voou para essa montanha — Disse, assinalando ao leste — Megan o assustou ao cruzar por essa brecha da península e caiu pelo gelo quando tentou esquivá-lo. Ela sabe que você sabe onde vive.

— Ela faz hipóteses.

— É uma cientista, Gregor, e o que viu ontem à noite é como agitar um osso diante o focinho de um cão. Assim, ou se desfaz dessa besta ou o farei eu… Antes de que passe de roubar donuts a fazer mal a alguém.

Em silêncio, Kenzie cravou a vista em Jack; pelo visto tentava decidir quanto perigo representava de verdade. Depois, de repente, dirigiu-se de novo aonde esteve entupido o trenó, passou mão a seu jaquetão e começou a caminhar para a borda.

— Uma semana, Gregor! Depois começo a dar caça a seu mascote! — Gritou Jack.

Kenzie levantou uma mão para indicar que o tinha ouvido e seguiu caminhando. Jack baixou a vista e deu um olhar feroz a moto de neve, ao tempo que se perguntava se, ao enfrentar diretamente ao escocês, foi prudente ou acabava de pregar um alvo no peito. Porque se Grand-père estivesse certo, acabava de pôr em um aperto ao irmão de um drùidh muito poderoso.

 

Justo quando tirava a tampa da segunda cerveja canadense, Jack viu as duas motos de neve que se dirigiam para ele, a uns quatro quilômetros e meio lago abaixo. Cruzou os pés à altura dos tornozelos, voltou a recostar-se no capô do trenó dando um suspiro e, com a tampa da garrafa, ficou a desenhar no manto de neve.

Esboçou um corpo erguido, com uma longa cauda; tomou um gole de cerveja e acrescentou um par de grandes asas que saíam do lombo. Elevou o olhar e viu que as motos estavam a uns três quilômetros de distância; deu outro gole e acrescentou uma cabeça ao desenho, incluídos uns olhos pequenos e vivos, um comprido focinho e umas narinas largas.

Sim; se parecia com o Puff, o dragão mágico.

O surdo assobio dos dois trenós indicou que estavam mais ou menos a quilômetro e meio de distância. Olhou a posição do sol, calculou que faltava ao redor de uma hora para o meio-dia e tomou um bom gole da gelada cerveja, agitando-a na boca antes de engolir. Quem dera tivesse uma barrinha energética naquele preciso momento ou, melhor ainda, outro sanduíche de rosbife bem lubrificado de mostarda. Inclinou a garrafa até acima de tudo e esvaziou a última gota de cerveja justo quando os trenós paravam dez metros de seus pés e emudeciam de repente.

— Bom dia, cavalheiros — Disse, quando os dois homens tiraram os capacetes — Bons trenós; vejo que ambos são de dois lugares.

Eles ficaram sentados em suas motos de neves, observando-o. Bom, Robbie MacBain o observava; quanto a Greylen, mas bem parecia estar decidindo como planejava matá-lo exatamente.

— Você prometeu levar a minha filha a casa sã e salva.

— Está sã e salva — Disse Jack — E disse a Matt que a levasse a casa para que chegasse mais rápido. Não terá você por acaso algo de comer, não é? Megan comeu minha última barrinha energética esta manhã.

O cenho franzido de Grei se acentuou.

Robbie abriu o zíper de seu alforje e lançou a Jack um pacote de carne-seca de vaca.

— Obrigado — Disse Jack.

Deixou no chão a garrafa vazia e abriu a bolsa de um rasgão. Depois tirou uma tira de carne-seca e, com os dedos, meteu toda a parte na boca.

— O que aconteceu? — Perguntou Greylen.

Jack mastigou. Sabia que estava irritando o laird MacKeage, mas ele tampouco estava contente. Perdeu um capacete de trezentos dólares, provavelmente seu novíssimo trenó sofria avarias por valor de outros mil dólares, estava com fome e cansado, e o joelho doía outra vez. E depois estava o fato de que, logo que Kenzie contasse a seu irmão o da planejada caça de Jack, ia ter um condenado drùidh pisando os calcanhares.

Por fim engoliu, ficou de pé… Rabiscando de passagem o desenho com a bota, e se aproximou aonde esteve entupido o trenó. Colocou a garrafa vazia de cerveja em uma pequena zona de neve lamacenta que não se gelou, encheu-a e, enquanto sujeitava a garrafa entre as mãos para esquentá-la, olhou de frente aos dois homens.

— Algo cruzou correndo diante de nós quando descíamos pelo lago, e Megan teve que sair do atalho para evitar se chocar com ele — Com a garrafa assinalou para a saliência rochosa — caiu pelo gelo por lá. Tirei-a e depois preparei um fogo para esquentá-la e secar a roupa. Foi decisão minha não nos mover até que houvesse luz do dia; então ou eu tiraria meu trenó ou viriam vocês por nós.

— O que era esse algo? — Perguntou Robbie.

— O que faziam percorrendo o lago de noite? — Perguntou Greylen ao mesmo tempo.

Jack respondeu a Greylen, já que ainda não decidiu quanto contar sobre a criatura.

— Íamos por um atalho que saiu ao lago quinze quilômetros ao norte de onde queríamos, assim decidimos conectar com o atalho da RESI a uns nove ou dez quilômetros mais ao sul daqui. Não ultrapassávamos o limite de velocidade e seguíamos o atalho do clube.

— Até que algo saiu correndo diante de vocês… — Disse Greylen, descendo do trenó; aproximou-se de Jack — Então, o que fez que minha filha saísse do atalho, Stone?

Jack tomou um bom gole da neve lamacenta derretida e secou a boca com o dorso da mão. Se Megan queria guardar segredos, que mentisse ela a seu pai.

— Não estou seguro de tudo — Assinalou para a borda — A última vez que o vi se dirigia para ali, mas me preocupava mais Megan.

Robbie desceu do trenó e caminhou para o recife. Greylen foi atrás. Jack tirou do pacote outra parte de carne-seca de vaca e o meteu na boca, enquanto se perguntava como esperava Megan manter a aquela criatura em segredo, se deixou um rastro que até um cego seguiria. Com passo fatigado, foi atrás dos dois homens ao tempo que regava a carne-seca com outro gole de água do lago.

— Megan disse que temos uma semana para tirar seu trenó antes de que os multem — Disse Jack — Onde está só há uma profundidade de três metros e meio de água, mais ou menos.

Robbie se deteve junto ao rastro que tinha deixado Jack ao tirar Megan. Olhou a corda gelada que seguia jogada no gelo; logo olhou para a borda e para os rastros que entravam na água.

— Você a tirou, mas depois se meteu. Por quê?

Sim; decididamente, aquele tipo sabia interpretar os sinais.

— Para procurar o material de sobrevivência. Sabia que tudo estava dentro de uma bolsa impermeável e esperava encontrar um rádio.

O pai de Megan não prestava atenção à conversa; tinha a vista cravada no gelo negro que cobria o buraco onde estava o trenó de sua filha. De repente se agachou a recolher seu capacete, coberto de uma fina capa de gelo transparente, e a quebrada tela frontal caiu sobre o manto de neve com um amortecido golpe surdo. Em silêncio, Greylen a olhou fixamente vários segundos e depois elevou o olhar para Jack.

— Quero dizer obrigado, Chefe, por salvar a vida de minha filha.

Jack correspondeu com uma inclinação de cabeça. Pela primeira vez em dez minutos lhe relaxaram os ombros.

— De nada — Respondeu em voz baixa; começou a caminhar para a borda — Precisamente estava a ponto de levantar o acampamento quando chegaram. Alguma possibilidade de que me levem de volta com vocês?

— Não funciona seu trenó? — Perguntou Robbie.

Jack meneou a cabeça.

— Acredito que queimou algo dentro quando me choquei com a neve lamacenta. Terei que contratar Paul Dempsey, do PowerSports de Pene Creek, para que me reboque isso até o povoado.

— E como é que não foi no avião com o Matt? — Perguntou Greylen.

— Não vou de avião a menos que eu leve os comandos. Encontraram-se com o Kenzie Gregor quando subiam pelo lago?

— Acreditava que estava com Matt — Disse Robbie.

— Ficou e me ajudou a tirar meu trenó, mas depois decidiu voltar a pé. Tenho a impressão de que não faz muita graça nada que tenha um motor, em particular se for mais rápido que um cavalo — Disse, dirigindo-se à borda outra vez.

Enquanto recolhia o acampamento, Jack olhou por entre as árvores e viu que os dois homens se dirigiam para o rastro que a criatura deixou e o analisavam em silêncio. MacBain olhou para a montanha, e depois em direção a Jack, antes de voltar-se por fim para falar com Greylen.

Pois, sim. Certamente MacBain estava a par da criatura, embora parecia que Greylen estava inteirando-se disso justo nesse momento. Jack tinha vontade de que alguém contasse que diabos fazia um animal mitológico vagando por Pene Creek, estado de Maine, no século XXI… E além disso, por que dava a impressão de que esse fato não parecia surpreender a nenhum dos homens das três famílias.

Soltando um bufido, agachou-se para recolher o saco de dormir. Porque tinham dois drùidhs em casa, por isso… E um deles era a filha mais nova de Greylen. Jack se perguntou quando Megan pensava contar aquele segredinho em concreto.

E se preocupava que ele fosse chamán? Se provavelmente sua própria irmã podia voltar o mundo do contrário só movendo um dedo! Jack ficou muito quieto. Deus bendito… Seria o dragão algum antigo namorado que partiu o coração de uma garota MacKeage?

 

Jack atirou a caneta e esfregou a face dando um frustrado suspiro. Jogou uma olhada ao relógio, viu que era perto de meia-noite e decidiu dar-se vinte minutos mais antes de começar sua ronda.

Fazia trinta e seis horas que tinha acabado a viagem de moto de neve do inferno… E um pouquinho de céu também, quando por fim Robbie e Greylen o deixaram em sua casa. Não viu Megan por nenhuma parte, mas tampouco esperava vê-la; era mais que provável que, quando Greylen contasse a Grace o perto que estiveram por perder a sua filha, seus pais a mantiveram ao alcance da mão durante um tempo.

De todos os modos, Megan e Camry tinham que ficar em Gù Brath um par de dias até que arrumassem os danificados encanamentos de Megan. E é que, pelo visto, Pene Creek e Frog Cove experimentaram toda uma onda de delinquência na ausência de Jack. Provavelmente, Simon demoraria uma eternidade em recuperar-se, e outra eternidade em terminar de redigir todos os informes; por isso Jack lhe deu folga aquele dia e o seguinte, e por isso ele realizava dobro serviço essa noite. Perguntou-se se convenceria os vereadores de que o chutariam para outro policial.

Olhou os quatro blocos de papel dispostos sobre a mesa, nos que esteve acrescentando abundantes notas. Certamente o primeiro bloco de papel, “MOLEQUES”, aumentou; o irônico era que o alvo de sua última brincadeira tinha sido ele. Meneou a cabeça com uma risadinha. Precisava reconhecer que estavam ficando muito criativos.

Tiveram o descaramento, e pelo visto as ferramentas, o tempo e a resistência, de enfeitar seu carro patrulha policial com suficientes acessórios para dar ciúmes a um sintonizador. Agora seu novíssimo Suv luzia uma defesa dianteira, chifres tipo corneta montados no teto, umas descomunais abas laterais com emblemas cromados que representavam a uma senhora reclinada, uma placa frontal que dizia “CHEFE” escrito em letras maiúsculas, um guarda-sol e um aerofólio na parte traseira do teto. Nenhum dos apliques era novo, o qual queria dizer, que ou um desmantelamento de automóveis local ou vários veículos particulares também foram escolhidos como vítimas. Jack se inclinava pelo desmantelamento, já que nenhum particular denunciou que faltasse nada ainda.

E isso era só o que se via… Porque essa manhã, ao pôr em movimento o carro patrulha para ir ao trabalho, os escapamentos turbinado que instalou estiveram a ponto de deixá-lo surdo. As pessoas se voltavam a olhar quando atravessou sem pressas o povoado, e ainda lhe zumbiam os ouvidos.

Aqueles moleques deviam ter passado um frio que cortava enquanto faziam o trabalho no mesmo caminho de acesso de Jack, uma noite em que a temperatura foi a vários graus abaixo de zero. Vá se pareciam decididos a zombar do chefe de polícia, não?

Ficavam seis dias antes de que ele… Ou Kenzie Gregor, cancelasse o bloco de papel que tratava dos roubos, assim calculou que talvez para então também queimaria por fim o dos “MOLEQUES”. Depois de comer, fez umas quantas chamadas de telefone e investigou discretamente um pouco por aí, e estava bastante seguro quais eram os culpados.

A solução que lhe ocorreu tinha a ver com sua preciosa moto de neve nova, mas o certo é que não tinha coragem para ver como tiravam os moleques de sua mãe solteira e depois os metiam em uma casa de acolhida ou em um reformatório. Eram inteligentes… pelo menos o maior era, e Jack queria empregar de outro modo sua criatividade antes de que o tribunal tutelar de menores, os deixassem sem uma gota.

Agora só precisava convencer Paul Dempsey de que se somasse ao plano quando fosse vê-lo na manhã seguinte. De modo que “MOLEQUES” ia resolvendo e, com um pouco de sorte, o bloco de papel de “OS ROUBOS” também se queimaria no final da semana… a menos que ele mesmo tivesse que caçar à besta.

Com isso ficavam o bloco de papel de “MEGAN” e o titulado “MARK COLLINS”.

E aí é onde as coisas começavam a complicar-se. O motivo pelo que arrumaram os encanamentos de Megan, era que alguém entrou para roubar em sua casa a noite em que ficaram atirados lá em cima no lago. Menos mal que Camry estava no Gù Brath com sua preocupada mãe enquanto Greylen saía para buscá-los. Como no inverno não vivia ninguém mais em Frog Cove, o ladrão teve toda a casa para ele.

Ou ao menos a teve até que se apresentaram os moleques para adornar o carro patrulha do chefe de polícia; isso era o que Jack conjeturava que acontecera, quem estava revirando a casa de Megan, fosse quem fosse, viu-se obrigado a sair correndo pela porta do quarto que saía ao terraço que dava ao lago. Mas, por desgraça, não fechou ao sair, e os encanamentos da calefação do quarto se congelaram, arrebentaram e soltaram água a fervuras por toda parte.

Decididamente, essa invasão de moradia era um trabalho profissional; o cara não o tinha desordenado tudo e, antes de que o interrompessem, foi metódico em sua revista. Jack sentiu seu estômago esticar-se ao recordar o momento em que percorreu a casa de Megan com o Greylen e Robbie MacBain, na tarde anterior. Os três concordaram em que Mark Collins contratou alguém para que procurasse o que Jack explicou que eram amostras de DNA que Megan tomou no Canadá. E isso queria dizer, que o homem esteve à espreita no povoado todo aquele tempo, esperando uma oportunidade.

Os três concordaram também, em que era provável que o tentasse de novo, já que não tinha acabado a tarefa. Entretanto, não estiveram de acordo em como fazer frente à ameaça que representava. Greylen queria usar as amostras como isca, e Robbie queria as mandar ao laboratório canadense mas sem dizê-lo, para que o homem voltasse a tentá-lo. Por sua parte, Jack queria enviar as amostras, chamar por telefone Mark Collins diretamente e contar o que acontecia para o bastardo empregasse sua energia em salvar a patética pele.

As amostras foram enviadas ao Canadá aquela mesma madrugada, e essa noite MacBain ia dormir na fria casa de Megan. Por fim, Jack concordou em esperar até que o laboratório informasse do que era o que morreram àqueles animais; depois decidiria como dirigir Collins.

Aqueles escoceses eram gente prática que acostumava fazer frente aos problemas a sua maneira, em vez de esperar a que alguém… Nem sequer a polícia, ocupasse-se deles. Querendo demonstrar que encaixava em seus pequenos clãs, Jack decidiu deixá-los brincar de policia e ladrões se isso os fazia sentir-se melhor. O único que o preocupava era que Megan estivesse segura, e certamente o estava, agora que todo mundo estava sabendo e que ela dormia em uma fortaleza. Se sua família queria encarregar-se de Collins, isso deixava livre Jack para ocupar-se dos moleques e do Puff o dragão mágico.

Depois de recolher os blocos de papel e guardá-los com chave na gaveta de abaixo da mesa, Jack ficou de pé. Estirou-se para desentorpecer os músculos e apagou o abajur de mesa, sumindo o escritório na escuridão. Não sentia nenhum escrúpulo em matar a uma criatura que não devia existir, porque estava seguro de que não era fruto da boa magia nem de nada que estivesse ao serviço da humanidade.

Sua única dúvida se referia a seus futuros companheiros de clã e por que o protegiam.

 

Paul Dempsey olhou o carro patrulha de Jack pela vitrine do salão de exposição.

— Bom carro — Disse com ironia.

— Em certo modo está enganchando — Disse Jack — Em realidade, é o motivo de que esteja aqui.

Paul meneou a cabeça.

— Não trabalho com Suvs. Tem que levá-lo a concessionária de Greenville; ali têm material para arrumar esse ruidoso escapamento.

— Mas você tem material para me arrumar a moto de neve. Como está transbordado de trabalho, só quero pedir emprestada da loja e as ferramentas de noite, quando tiver fechado.

Paul adotou uma expressão surpreendida.

— Você vai arrumar? Se tive que explicar a diferença entre uma quatro tempos e uma dois tempos a primeira vez que entrou aqui…

— Tenho meu próprio mecânico.

— Quem? — Perguntou Paul com desejoso interesse — Procura trabalho? Se souber de quatro tempos, porei-o a trabalhar imediatamente e, além disso, passarei seu trenó ao início da fila.

Aquilo estava saindo inclusive melhor do que esperava.

— Terei que falar com ele primeiro, mas quase garanto que deverá trabalhar para você. O problema é que só pode trabalhar pelas tardes; mas ficará depois do fechamento e o ajudará a colocar as coisas em dia.

Paul meneou a cabeça.

— Não penso contratar a um garoto do instituto — Assinalou para Jack — E se for preparado, não deixará que nenhum deles se aproxime de seu trenó, em particular com uma chave inglesa na mão. Aqui falamos de tecnologia de vanguarda.

— Que é o que ensinam na Escola Politécnica de Greenville — Replicou Jack — Provavelmente esses garotos entendam mais que você dos motores de hoje em dia. Já não é uma simples oficina de artesanatos de instituto, é ensino técnico e de formação profissional.

Paul entreabriu os olhos.

— De quem falamos? Como se chama o garoto?

— Tommy Cleary.

— Nem pensar! Não penso deixar esse moleque se aproximar de minha loja! — A face ficou vermelha, e voltou a assinalar o Jack — E você espera… Está me pedindo que deixe o Tommy Cleary em minha loja depois de fechar? — Balbuciou — E sozinho? — Meneou a cabeça — Me roubaria até as meias três-quartos!

— Ou se encontrará você com o mecânico mais estupendo que teve em anos — Respondeu Jack sem alterar-se — Certamente, Tommy é um gênio quando se trata de algo mecânica.

— Quem o diz?

— Dizem-no seus professores da Escola Politécnica — Disse Jack; se aproximou mais e baixou a voz quando um homem e uma mulher entraram no salão de exposição — Tem feito um trabalho muito bom em meu carro patrulha, e além disso, seus professores me dizem que Tommy localiza e resolve avarias melhor que um mecânico com vinte anos de experiência. Esse menino tem um dom, Dempsey, e está desperdiçando-se.

Paul se fixou no jovem casal que, nesse momento, observava o esportivo trenó de corridas da vitrine dianteira; o homem se sentou nele enquanto que a mulher estudava a etiqueta do preço.

— Não — Resmungou; voltou a olhar para Jack — Não. Não!

Jack se moveu para impedir que Paul visse seus clientes.

— Você tem ideia do que suporia para Joan Cleary que tirassem a seus filhos? —Perguntou.

— Maldição, Stone, não está direito! Tommy já teve problemas, sabe? Todos os garotos Cleary tiveram problemas. Sei que Joan Cleary passou muito mal, mas não contratarei a esse filho delinquente juvenil.

Jack voltou a mover-se para não deixá-lo ver e, tranquilamente, perguntou:

— Por que não?

Paul deu um olhar feroz.

— Por que não? Maldição, por que… Porque não é mais que um garoto!

— Fez dezoito anos na semana passada. Termina a secundária dentro de três meses, e depois o terá você a jornada completa. Imagina quanto ajudaria a sua mãe o cheque de seu salário?

— Não. Não. Não!

— E, além disso, quando souber que tem um mecânico superdotado, farão pedidos com uma eternidade de antecipação.

— O que estarei é em quebra. Porque assim que se saiba que Tommy Cleary trabalha aqui, todo mundo começará a levar as reparações à concorrência de Greenville.

Jack ficou diretamente diante do Paul outra vez.

— Isso dependerá — Disse com ironia — Da aparência que você dê ao assunto. Se der muita importância ao feito de que roubou o Cleary da concorrência diante de seus narizes, seus clientes pensarão que é você um gênio e não quererão que ninguém que não seja Tommy trabalhe em seus motores.

Paul olhou Jack com gesto de dúvida.

— Já falou com a concorrência? Antes de falar comigo?

Jack meneou a cabeça.

— Ofereço o Tommy o primeiro… Mas como recusa, daqui vou a Greenville. — Baixou a voz até convertê-la em um sussurro digno de um conspirador — Ouça, dou até o meio-dia de hoje para decidir-se. Venda a esse cara daí um trenó, e depois chame à Escola Politécnica e pergunte que espécie de mecânico é Tommy. Mas recorde, ao meio-dia vou oferecê-lo à concorrência.

Quando dava a volta para partir, Paul o agarrou da manga.

— Joan Cleary era uma mulher muito bonita antes que Eric Cleary a desgraçasse, tomara que a alma do bastardo se apodreça no inferno. A verdade é que viria bem o cheque do salário de Tommy, não é?

—Mais ou menos, tão bem como a você um bom mecânico. E como Tommy certo rumo e propósito na vida, e como seus irmãos pequenos um melhor exemplo que seguir. É uma oportunidade em que todo mundo sai ganhando, Paul.

Depois de pensar com frenesi durante vários segundos, de repente Paul ficou todo orgulhoso.

— Que passe hoje depois de aula, e verei se chegarmos a um acordo sobre horário e salário até que acabe a secundária.

— Em vez disso, o que parece amanhã pela tarde?

— Por que não hoje?

— Homem, como ia oferecer algo a Tommy sem falar com você primeiro? — Disse Jack.

Enquanto falava, deu a volta e partiu. Quando chegava à porta, Paul gritou

— Maldição, Stone… Acaba de me fazer uma armadilha?

Jack se voltou para o desconfiado dono da loja.

— Não, Dempsey, acredito que acabo de reforçar o saldo de benefícios — Deu uma olhada ao jovem casal, que mantinha um acalorado debate sobre a moto de neve que estava claro que o tipo acreditava necessitar, e se dirigiu a eles — Permitem uma sugestão? — Com uma inclinação de cabeça assinalou por volta do “cavalo de carga” que Paul o tinha dissuadido de comprar fazia três semanas — Talvez não pareça tão esportiva, mas será um estupendo trenó familiar. O asseguro: não há nada como ir juntos pelos atalhos.

Dito isso, e assobiando uma alegre melodia, Jack saiu para o carro patrulha. Uma vez dentro, olhou o relógio. Devia sair para Greenville antes das duas e meia para estar na Escola Politécnica às três, quando fechava. Seu bom humor se acentuou ainda mais ao pensar em Tommy Cleary voltando para casa no carro patrulha, maravilhosamente decorado, do chefe de polícia.

 

Jack não tinha nem ideia qual era o aspecto do jovem Cleary, além da descrição de Ethel: um adolescente magricela com o cabelo loiro muito comprido e, provavelmente, vestido com roupa esfarrapada. Isso queria dizer que podia ser qualquer dos trinta jovens, mais ou menos, que saíam em massa da Escola Politécnica, pois pelo visto o “esfarrapado” estava na moda. Chegou muito tarde para entrar e que avisassem o Tommy, assim deteve o carro patrulha justo diante da entrada principal com a esperança de que um dos meninos se delatasse quando visse sua última brincadeira a plena luz do dia.

Embora quase todos, garotos e garotas, paravam para olhar, um menino de repente parou em seco e ficou olhando boquiaberto. Mas esse em concreto parecia mais desconcertado que impressionado. Olhou a seu redor com gesto nervoso e, de repente, saiu correndo.

Jack soltou uma praga entre dentes. Claro que escapava correndo; não o faziam sempre? Saiu do carro patrulha e foi atrás dele.

— Tommy, espera! — Gritou ao garoto — Necessito sua ajuda!

Pelo visto Tommy não era dos que ajudavam já que, longe de parar, dobrou a esquina do edifício correndo a toda velocidade e depois atravessou fazendo ziguezague um estacionamento cheio de veículos de todas as marcas e anos imagináveis. Logo, de três ágeis e grandes pernadas, escalou o aterro de uns nove metros de altura que havia no final do estacionamento e desapareceu pelo outro lado. Jack o seguiu, correndo a toda velocidade, perfeitamente consciente dos gritos de ânimo que animavam o Tommy, assim como da pequena concorrência estudantil que se somava à perseguição.

Subiu também pelo aterro de neve, coroou o topo e de cima viu que sua presa desaparecia metendo-se no bosque.

— Grave engano, jovem Tommy, agora está em meu terreno — Voltou-se a olhar o cortejo de estudantes que se dispunha a subir com esforço pelo aterro, atrás dele — Perdoem, mas daqui não passam — Disse.

Respondeu uma chuva de perguntas, várias pragas ditas entre dentes e diversos sons de desilusão geral.

— Que tem feito Tommy?

— Vai detê-lo?

— Deixe-o em paz, não tem feito nada!

— Escapa, polial. O que acontece, não está em forma por comer muitos donuts?

— É que parece que não estou em forma? — Perguntou Jack rindo — Vamos, voltem para casa. Tommy não está em uma confusão, só quero pedir um favor. Assim, vamos, sejam cidadãos honrados e cabais e parte a casa para fazer os deveres.

Deu a volta e, depois de descer com esforço a traseira do aterro, internou-se no bosque onde Tommy entrou; analisou seus rastros uns segundos e depois ficou em marcha em uma direção diferente, fazendo um ângulo de quarenta e cinco graus para a esquerda.

Em menos de dez minutos Jack estava de pé atrás de uma árvore vendo o Tommy que, com muito soprar, dirigia-se direito para ele. O menino não deixava de olhar por trás do ombro e, com os nervos, começava a tropeçar um pouco. Quando olhou para frente, Jack viu a expressão angustiada de seus olhos.

Jack saiu justo diante dele.

—Bem, alto! — Segurou o garoto quando este deu um grito de surpresa e esteve a ponto de cair — Calma, Tommy. Só quero falar com você.

— Eu não fiz nada — Disse o menino, ofegando forte.

— Eu não diria que as melhoras de meu carro patrulha não são nada. Transformou meu pobre aspirante a Suv em um como Deus manda.

Surpreso, Tommy abriu os olhos como pratos e de repente se deixou cair na neve para recuperar o fôlego.

— Como é que não está você sem fôlego? — Perguntou.

— Nem sequer suo muito correndo através de bosque — Jack ficou de cócoras diante dele — Tenho que te fazer uma proposta, Tom, e só tem esta noite para pensar isso porque quero que me responda amanhã pela manhã antes de que parta à politécnica.

— Que espécie de proposta?

— Queimei o motor de minha moto de neve nova, e quero que você arrume.

— Quer que o arrume? Eu? Por quê?

— Porque sabe. E, além disso, se obtiver que volte a ronronar como um gatinho, conseguirei um trabalho como mecânico em PowerSports de Pene Creek para você.

Tommy soltou um bufo.

— Dempsey não me contratará. Já tentei que me desse trabalho o verão passado. Ofereci-me a varrer os chãos e limpar as vitrines, mas nem sequer quis falar comigo. Não vai deixar que me aproxime de nenhum de seus trenós ou de seus quads.

— Pois o fará agora, se conseguir que minha moto de neve vá como uma seda. E se der bem com ele toda a primavera, terá um posto a jornada completa quando terminar a secundária.

Uma faísca de interesse surgiu nos olhos de Tommy.

— Por que quer me contratar agora, se antes não queria?

— Porque eu tenho mais influencia que você. Ser chefe de polícia tem suas vantagens, e além disso, até sou capaz de utilizar a placa em meu proveito.

— E por que você faz isto por mim?

— Porque posso.

Ele meneou a cabeça.

— Por que devo confiar em você?

— Porque só tem duas alternativas. Alguém te consegue um cheque de salário semanal e respeitabilidade; a outra te consegue pensão completa na prisão do condado. Já não é um menor, Tom. Se o apanharem por seus delitos, por muito inofensivos que sejam, sofrerá consequências de adulto. E então, quem vai ajudar a sua mãe a lutar com seus irmãos?

— Você falou com minha mãe? — Disse ele com um grito.

— Não. Nem penso, a menos que me obrigue a tomar uma decisão — Jack ficou de pé — Isso ficará entre nós, sempre que as brincadeiras terminem. Amanhã pela manhã às sete te quero em meu escritório com sua resposta.

— Espere! — Disse Tommy, levantando-se também — Tenho que saber por que faz isto! — Correu para alcançar Jack — Nem sequer me conhece.

— Sim, te conheço — Disse Jack — Eu era como você, salvo que minhas brincadeiras não eram nem muito menos tão criativas.

— Que brincadeiras? — Perguntou Tommy, de novo receoso.

— A “Vadiagem de arte”? — Disse Jack com uma risadinha; em seguida ficou sério — Vou perguntar uma coisa, Tom. Quando você e seus irmãos trabalhavam no carro patrulha, viram alguém bisbilhotando a três casas da minha? Viram ou ouviram algo estranho? Uma moto de neve no lago, possivelmente um carro que partia?

Tommy passou por cima de um tronco caído e olhou para Jack de rabo de olho.

— Não sei do que fala — Murmurou.

— Isto é importante — Disse Jack, torcendo por um atalho de caça para caminhar mais facilmente — Alguém entrou para roubar na casa de Megan MacKeage, e há muitos danos.

— Não fomos nós! — Gritou Tommy.

— Já sei que não. Mas me viria muito bem sua ajuda para descobrir quem foi.

Tommy caminhou a seu lado sem dizer nada durante vários metros.

— Sim, vimos um carro estacionado no final da pista de terra. Tinha placa de Nova Iorque, e as janelas estavam cobertas pelo gelo, assim sabíamos que só levava ali pouco tempo, porque não teriam manchado se tivesse estado ali todo o dia. Mas não vimos ninguém por ali nem ouvimos nada.

— De que marca e modelo era? — Perguntou Jack, descendo pelo beco para a escola.

— Um carro de quatro portas Lincoln de 2006. Branco. Tinha um adesivo de aluguel no para-choque — Disse a Jack, justo quando o ônibus escolar passava na frente deles — Caramba, perdi o ônibus.

Jack deu uma amistosa palmada nas costas.

— Não há problema — Disse — Eu te levo para casa no carro patrulha.

 

Depois de deixar o Tom, Jack foi à estação de esqui da montanha Tarstone. Devagar, foi e veio com estrondo pelo estacionamento procurando um Lincoln branco, e depois se aproximou até a entrada do hotel de três andares. Pediu ao horrorizado porteiro que deixasse o carro patrulha onde estava, entrou no animado vestíbulo e passou junto à fileira de clientes que havia no mostrador de recepção.

— Posso falar com Greylen MacKeage? — Perguntou ao empregado que foi ver sua placa.

— Não, senhor, não está aqui. Mas pode falar com o Callum MacKeage… Ou, se o preferir, chamarei a seu irmão Morgan.

Jack não queria ir a Gù Brath e correr o risco de encontrar-se com Megan.

— Falarei com Callum, obrigado. Por favor, quer chamar o Greylen e pedir que venha? E quer me dar também uma lista de seus hóspedes que inclua o veículo que conduzem?

— Não sei se devo fazer isso, senhor…

Nesse momento, em uma porta que havia atrás do mostrador, apareceu um cavalheiro.

— Eu me encarrego disto, Derek. Obrigado — Disse — Chefe Stone, se quer vir por aqui… E, Derek, me traga a lista que pediu?

Depois de rodear o mostrador dando grandes pernadas, Jack passou por diante do que só podia ser outro gigantesco MacKeage, embora este parecia vários anos mais velho que Greylen. Dava a impressão de que deveria ter se aposentado fazia quinze ou vinte anos, mas ali estava, de traje e gravata, com o físico de um homem muito mais jovem e os perspicazes olhos cheios de inteligência.

Que diabos havia na água dali?

O homem estendeu a mão e disse:

— Chefe… Sou Callum MacKeage, o primo de Greylen.

Jack estreitou sua mão.

— Me chame Jack, por favor. Me alegro de conhecer um membro mais da família de Megan. Pedi a seu empregado que chame o Greylen para que venha.

— Já chamei eu quando Derek me disse que você estava aqui. Grei vem de caminho, e também Morgan, seu irmão. Traz-nos alguma notícia sobre o ladrão de Megan?

— Tenho uma descrição do carro que conduzia e queria ver se aloja aqui.

Justo então se abriu a porta do escritório e entrou outro gigante, este uns quantos anos mais jovem que Greylen.

Jack disse que ia engarrafar a água do poço para vendê-la como elixir do crescimento.

— Chefe… — Disse o homem, alargando a mão — Sou Morgan MacKeage, o tio de Megan. Apanhou ao ladrão de minha sobrinha?

Jack estreitou sua mão.

— Por favor, me chame Jack. Como explicava precisamente a Callum, descobri que carro conduz o tipo e suponho que se hospeda aqui.

— Por quê? — Perguntou Callum — Há outros hotéis no povoado.

— Porque aqui é onde me hospedaria se desse a casualidade de que a família de meu objetivo fosse proprietária de um hotel.

Os dois homens olharam para Jack com os olhos entrecerrados e, sem esperar a que o convidassem a fazê-lo, Jack se sentou e olhou a seu redor. Se deu conta de que Callum o tinha levado ao escritório de Grei ao ver as fotografias de todas as garotas quando eram pequenas. Então se levantou e se aproximou de olhar a uma em concreto.

— Esta é Megan. Quantos anos tem aqui?

Morgan foi ficar junto a ele.

— Nove. Aí monta ao Lancelot. — Assinalou com um gesto da mão a parede onde havia caminhos de fotografia a cavalo de cada uma das sete filhas de Grei — Ao fazer cinco anos, as meninas recebiam como presente um cavalo de carga; seu tio Ian tinha paixão por esses animais grandes e dóceis.

— Acredito que não conheço o Ian — Disse Jack, ao tempo que observava com atenção as outras fotos. Imediatamente reconheceu Camry; inclusive de menina, viu que era uma diaba.

— Não, não o conheceu. Ian nos deixou faz quase três anos.

— Lamento — Murmurou Jack.

De repente se abriu a porta e entrou Greylen levando uma lista de computador. Rodeou a mesa e se sentou.

— O que ocorre, Stone? — Perguntou — Tem alguma boa notícia para nós?

Jack se sentou frente a ele e respondeu:

— Não, espero que você tenha. Procuro um hóspede de vocês que conduz um modelo recente de carro de quatro portas Lincoln, branco e com placa de Nova Iorque.

Greylen tirou uns óculos do bolso da camisa e estudou a lista. Ao cabo de um instante pôs as páginas sobre a mesa e assinalou com o dedo uma delas.

— Peter Trump, quarto 316. — Pulsou a tecla do intercomunicador — Derek, por favor, pode me imprimir o histórico de Peter Trump e me dizer também quando tem previsto deixar o hotel?

— Trump tem uma histórico aqui? Como sabe?

Grei deu um golpe com o dedo na página.

— Temos um código para os hóspedes frequentes; assim premiamos a confiança que depositam em nós.

Jack recostou para trás em sua poltrona.

— Provavelmente Peter Trump seja um disfarce. Que documentação apresentou a vocês? Diz aí?

— Um cartão de crédito — Leu Greylen — Que é autentico, porque se não, teríamos sabido que era falso quando se registrou. O primeiro que fazemos sempre é passar para garantir o pagamento.

Jack encolheu os ombros.

— É fácil conseguir um cartão com um nome falso. Agora o bom é que Trump não se dê conta de que sabemos quem é e onde se hospeda; só tenho que bater na porta da 316 e pedir que vá à delegacia de polícia para interrogá-lo.

Os três MacKeage, sem exceção, olharam para Jack com uns cenhos franzidos que teriam feito tremer a um urso.

Imediatamente ele meneou a cabeça.

— Desta vez, cavalheiros, vamos fazê-lo a minha maneira e vamos fazê-lo segundo as normas. Tenho que demonstrar aos vereadores que estou fazendo algo para ganhar o cheque do salário. Até agora dá a impressão de que só dou voltas de um lado a outro sem conseguir nada — Ficou de pé e se dirigiu à porta — O que anda fazendo Megan hoje? Tirou já sua mãe o olho de cima dela?

Grei foi atrás.

— Quando saí de Gù Brath, estava trancada no laboratório com Kenzie — Disse.

Jack abriu a porta de um puxão, voltou-se e levantou a mão por volta dos três homens que foram atrás dele.

— Vou subir sozinho — Disse; comprovou que levava sua arma metida na parte de atrás do cinto, sob a jaqueta — Me deem um cartão de chave mestra e me indiquem por onde fica a escada.

Ao dar a volta esteve a ponto de se chocar com Derek, que se apressou a passar umas folhas a Greylen.

— Bem… Aqui estão as cópias que me pediu. E o senhor Trump deixou aberta a data de saída.

— Obrigado. Quer dar também ao chefe Stone uma chave mestra? — Grei baixou a vista por volta da lista que acabavam de dar — Peter Trump esteve aqui cinco vezes nos últimos seis meses. A primeira vez foi 23 de agosto — Olhou para Jack — Menos de uma semana depois de que Megan voltasse — Olhou de novo a lista que tinha na mão — Ficou duas semanas. Depois esteve outra vez a princípios de outubro e ficou uma semana. Depois em novembro e dezembro. Desta última vez chegou em 10 de janeiro — Olhou de novo para Jack — Isso foi pouco depois de que Megan começasse a trabalhar para Mark Collins.

Jack agarrou o cartão que lhe dava Derek, saiu ao corredor e se voltou de novo para os homens.

— A escada?

Morgan assinalou à esquerda. Jack abriu de um empurrão a pesada porta contra incêndios e, depois de subir dois degraus, voltou-se e se agachou para dar uma olhada pelo diminuto vidro da porta. Sim: os três escoceses saíam em disparada em três direções diferentes; pelo visto queriam lhe cobrir as costas.

Deu meia volta e se dirigiu ao andar de cima com um sorriso. Nada como ter a uns quantos gigantescos guerreiros das Highlands pendentes dele.

Quando só tinha percorrido parte do corredor do terceiro andar, Jack se deteve resmungando uma praga. Levava posta uma jaqueta da polícia. Ao olhar pela mira e ver a chapa, provavelmente Trump começaria a disparar através da porta. Então, depois de tirar a jaqueta e atirá-la ao chão junto à parede, tirou a arma da parte de atrás do cinturão e a segurou junto à coxa.

Justo nesse momento Greylen saiu do elevador e foi para ele.

— Deixe que eu bater à porta — Disse — Certamente me reconhecerá e não receará.

Jack assentiu; era um bom plano. Caminharam juntos até o quarto 316, e uma vez ali Jack ficou atrás e esperou. Greylen bateu e voltou a bater, mas não respondeu ninguém.

— Senhor Trump, está aí? — Perguntou Grei — Há um problema com a água no quarto de baixo e temos que ver o banheiro, senhor.

De novo, ninguém respondeu.

Grei colocou a mão no bolso e tirou sua própria chave mestra, mas assim que a meteu na ranhura, Jack o separou de um empurrão e abriu a porta, ficando fora da linha direta de fogo. A porta se abriu no que parecia um quarto vazio.

Com a arma na frente, Jack entrou devagar na suíte de dois quartos e inspecionou a fundo os roupeiros, o banheiro e ambos quartos. Ao fim baixou a arma dando um suspiro e, por fim, Grei entrou.

— Foi-se — Disse, constatando o evidente — Recolheu suas coisas e partiu sem pagar.

— E, provavelmente, isso significa que não vai voltar — Disse Jack; meteu a arma no cinto enquanto prosseguia seu exaustivo exame. Pegou o cesto de papéis, derrubou o conteúdo na mesa e rebuscou nos papéis — Não deixe que a camareira limpe aqui dentro até que eu diga a Simon Pratt que comprove se houver rastros digitais — Voltou a colocar rapidamente todos os papéis no cesto de papéis — Com sorte, nosso cara talvez esteja em alguma base de dados. Existe a possibilidade de que não volte, mas também há muitas possibilidades de que, ao suspeitar que avistaram seu carro, tenha trocado de veículo e se registrou em outro hotel, bem aqui em Pene Creek ou em Greenville.

— Imagino que será o segundo, já que não sabe que enviamos as amostras —Disse Grei — Ontem Mark Collins mandou um correio eletrônico a Megan para perguntar que tal ia seu estudo.

— Respondeu?

— Sim, respondeu dizendo que acreditava que havia um puma na zona que se esperava urbanizar.

— Perfeito — Disse Jack — Ao mencionar o felino dá a impressão de que não suspeita nada.

— Precisamente esta manhã Megan sentiu falta de seu computador portátil. Aproximei-me com ela a sua casa para recolhê-lo, mas não o encontrou.

Jack tirou importância à notícia encolhendo os ombros.

— O que Collins quer são as amostras.

Grei ficou diante dele.

— Mas me preocupa que agora a própria Megan seja um alvo. Esta manhã me disse que tinha tomado notas exaustivas a respeito do que observou nos animais mortos. Ao recordar as notas as quis ler; por isso foi pelo portátil.

— Merda — Disse Jack em tom crispado — Se Collins está com o computador, talvez decide que Megan constitui exatamente a mesma ameaça que essas amostras. — Deu um olhar feroz a Grei — Ela tem que ficar em Gù Brath até… Maldição, talvez demoremos semanas em nos tirar de cima o Collins.

— Ou um instante, se encarregar o homem adequado — Disse Grei em voz muito baixa.

Jack meneou a cabeça.

— Não sei de onde diabos tiram vocês o sentido da justiça, mas tomá-la justiça por sua mão não é o correto.

— Agora Collins ameaça a vida de minha filha, Stone, e em meus tempos nos assegurávamos de que essas ameaças não fossem uma dor de cabeça para nós. —Grei caminhou até a porta do corredor — Olhe, dou-lhe o mesmo tempo para que se ocupe de Collins que você deu a Kenzie para que faça frente a seu problema. Uma semana, Stone, e depois eu mesmo me farei cargo do assunto — Seu olhar se endureceu mais ainda — E se fracassa, partirá de Pene Creek para sempre… sozinho.

Jack cravou o olhar na entrada vazia. Muito bem. Não se podia ser mais direto, não?

Tirou o telefone móvel, chamou Simon e disse que fosse ao complexo turístico a tomar amostras digitais. Depois voltou a meter o móvel no bolso com um suspiro. Já era hora de começar a pensar como seus antepassados.

 

Aproveitando seu humor de cão, Jack foi às cavalariças MacKeage a esperar o Kenzie. A essas alturas sabia que o gigante usava um cavalo para ir e vir da cabana onde vivia com o sacerdote, porque a chapa de sua jaqueta tinha feito que o porteiro falasse de muitas coisas, incluídas as frequentes visitas de Kenzie ao Gù Brath desde que Megan voltou para casa.

Também lhe informou de que a senhorita Camry MacKeage era uma coquete tremenda, mas que tudo resolvia em muito falar e não fazer nada. Supôs que contou para que não fizesse ilusões, vendo que Jack era novo no povoado. De todas formas, não é que aquilo importasse muito, pois o porteiro tinha ouvido dizer que Camry não demoraria muitos dias em partir em avião a França por causa de um descobrimento que realizou um cientista dali sobre a propulsão por íons, o qual, conforme explicou, era a especialidade de Camry.

Assim, Jack se sentou em uma bola de palha e deixou que um cavalo chamado Bola de neve acariciasse o ombro com o focinho. Surpreendeu-se ao dar-se conta de que ia sentir falta de Camry; naquelas duas semanas chegou até, a agradá-lo, e lamentava que partisse.

De repente a grande porta trilho da cavalariça se abriu e Kenzie Gregor entrou, e parou em seco ao ver Jack.

—Como anda seu favor com Megan?

Kenzie se aproximou de uma casinha e conduziu a um dos enormes cavalos de carga até o corredor.

— Anda bastante bem, obrigado.

— E seu mascote? Que tal vai esse probleminha?

Kenzie dirigiu a Jack uma olhada de advertência e voltou para a tarefa de pôr a brida no cavalo.

— O disse que resolveria e o farei.

— Não, em realidade não me disse que o faria.

Kenzie se voltou para olhá-lo de frente.

— Esse animal não entrará para roubar em lojas. Está doente e temo que esteja morrendo.

— Bom, pois isso resolve o problema — Disse Jack, ficando de pé para partir.

— Não o entende, Stone. Tenho intenção de fazer tudo o que esteja em minha mão para salvá-lo.

— Em sua mão ou na de seu irmão?

Por um momento deu a impressão de que Kenzie se sobressaltava; logo entreabriu os olhos.

—O que tem que ver meu irmão com isto?

Jack encolheu os ombros e saiu, com o Kenzie atrás.

— Se salvar a vida dessa criatura, Gregor, mais vale que procure o modo de devolvê-la ao lugar de onde veio.

Kenzie levou o cavalo para o caminho que subia pela montanha.

— Eu me ocuparei disso — Deteve-se, montou no lombo de um único e ágil movimento e dirigiu a Jack um olhar de curiosidade — Hoje, no almoço, enquanto Camry e Megan falavam, Camry disse uma palavra que eu não tinha ouvido. Sabe você por acaso o que significa “chamán”?

Ao tempo que começava a andar, afastando-se dele, Jack respondeu:

— O que significa, Gregor, é que vocês os celtas não são o único número de magia que há no povoado.

 

O humor de cão de Jack se prolongou durante o resto do dia e até bem tarde. Também foi responsável pelo inquietante pesadelo que teve naquela noite, em que se encontrou lutando reiteradamente contra diversos monstros, um atrás de outro, enquanto se esforçava com frenesi por tentar chegar até Megan, que lutava nas geladas águas de um lago da tundra.

Cada vez que estava a ponto de chegar junto a ela, um novo adversário se interpunha em seu caminho. Kenzie Gregor tentou parti-lo em dois com uma grande espada sangrenta, enquanto Jack desviava apenas os golpes com sua diminuta faca. Depois um Mark Collins sem rosto pôs diante com seu pequeno exército de alunos, obrigando Jack a abrir caminho entre eles a machadadas; os gritos de traição se misturaram com o grito de Megan pedindo ajuda. Depois foi o dragão quem se lançou sobre ele, jogando fogo pelos narizes enquanto tentava tirar a faca da mão de uma forte rabada.

E justo quando acreditava ter derrotado todos e cada um de seus inimigos e por fim ia salvar Megan, Jack se encontrou com que Greylen MacKeage fechava o passo. Com aspecto de ter seus bons quarenta anos menos, vestindo um plaid cinza, vermelho, verde escuro e azul lavanda, e com uma antiga e ensanguentada espada na mão, o feroz guerreiro das Highlands era o toró de cacetadas definitivo que precisava aguentar para chegar até a mulher que amava.

Jack ficou quieto com a faca pendurando na mão, ao lado, e o sangue emanando das feridas; todo o corpo tremia de esgotamento e de evidente derrota. Sem poder fazer nada, limitou-se a olhar enquanto homens de três clãs diferentes tiravam Megan da água gelada e depois se afastavam voando, levando-a uma fortaleza impenetrável situada sobre uma longínqua montanha.

Quando tentou ir atrás, Greylen se moveu para impedir o passo.

— Fracassou, Stone — Disse — Desonra a seus antepassados ao não proteger o que é seu. Não merece ter uma família própria, em particular a minha filha e a meu neto. Criaremos o menino para que seja um poderoso guerreiro.

— Eu não quero que seja um guerreiro! — Gritou Jack — E sua mãe tampouco.

— De a volta, Stone. Olhe o que conseguiu com sua maneira de agir.

Devagar, Jack se voltou e viu que Kenzie, o dragão, Collins e seus estudantes se reorganizavam, preparando-se para atacá-lo de novo.

— Você possui os dotes de um guerreiro, Stone — Disse Greylen, fazendo que Jack o olhasse outra vez — Mas se nega a utilizar.

— Prefiro solucionar os problemas de forma pacífica.

— E assim seguirá combatendo as mesmas lutas e se negando a entender que, às vezes, um homem tem que agir com decisão, embora vá contra sua natureza.

Jack assinalou para trás com a cabeça, sem afastar a vista do pai de Megan.

— Briguei contra eles — Disse.

— Sim, mas seus golpes foram inúteis, e em vez de resolver algo, não tem feito nada a não ser postergar o inevitável. Não esperava evitar ter que agir você mesmo ao dar Kenzie uma semana para que resolvesse o assunto do dragão? Desse modo, seus problemas o atacam de novo, e minha filha e seu menino pagam o preço de sua indecisão.

Jack afundou o queixo no peito.

— Tem que haver uma forma de salvá-la — Disse, mais a si mesmo que a Grei.

— Há, Coiote.

— E qual é? — Perguntou Jack.

Elevou a vista e se encontrou com seu Grand-père junto a Greylen; pareciam as duas faces de uma mesma moeda.

— Deve aceitar seu lado escuro — Disse seu Grand-père — E admitir a sombra que cria seu coração quando está na luz. Uma não existe sem a outra, Coiote… E isso quer dizer que não existe a menos que as aceite ambas.

— Se admitir as sombras, recuperarei Megan e meu filho? — Perguntou ele.

Ao tempo que perguntava elevou o olhar, e se viu em seu quarto, escuro como boca de lobo, com os lençóis empapados de suor e o coração palpitando, apavorado.

Depois de desenredar-se da roupa de cama, tomar banho e vestir-se, Jack foi trabalhar. Seu mau humor do dia anterior piorou dez vezes devido ao pesadelo, do que era incapaz de desfazer… Um pesadelo que era o vívido eco do fato de que não via Megan desde que Matt Gregor a levasse rapidamente para o Gù Brath em seu avião.

O dia de Jack continuou sua espiral descendente quando entrou na delegacia de polícia e encontrou John Bracket na improvisada cela de detenção. Tinha um corte na testa e sangue na camisa, e estava gritando a Ethel que conseguisse um advogado.

Nesse instante Jack se deu conta de que diante si, tinha a outro monstro ao que não fez frente por completo: igual a uma esposa maltratada, confiava em que aquele problema em concreto resolveria sozinho… Mas ali estava, perseguindo-o outra vez.

— Por fim apresentou queixa a senhora Bracket? — Perguntou a Ethel.

— Não, nós. John Bracket teve um acidente quando ia a sua casa de um bar de Greenville e jogou da estrada o caminhão da areia para a neve. O caminhão caiu pela ladeira e se precipitou em Pene Creek.

— Como está o condutor do caminhão?

— Está no hospital com Simon; tiveram que dar pontos nos dois.

— Aos dois? O que passou ao Simon?

— Bracket abriu a maçã do rosto quando o menino tentava pôr as algemas para levá-lo a delegacia de polícia.

Jack conteve uma praga.

— Se eu tivesse apresentado denúncia na semana passada quando Bracket me deu um murro, isto não teria ocorrido.

— Sim teria ocorrido no final. Teria saído sob fiança, teria se embebedado outra vez e teria passado algo desagradável — Disse Ethel; encolheu os ombros — É sempre o mesmo círculo vicioso.

— Pois este círculo em concreto se para hoje. Vamos elaborar uma lista de acusações que o mantenham preso durante alguns anos, e quem sabe isso seja tempo suficiente para que troque de forma de ser.

— Já tenho feito a papelada, e um ajudante do xerife vem de caminho para transportar John a prisão do condado — Disse Ethel justo quando soou o telefone — Pus na mesa as mensagens que recebeu.

Enquanto Ethel agarrava o telefone, Jack entrou em seu escritório, sentou-se à mesa e cravou a vista na parede de frente. Não só era hora de pensar como seus antepassados: era hora de ter um bate-papo íntimo com eles.

 

O mau humor de Jack deu um súbito giro de cento e oitenta graus quando, depois de almoçar, entrou no PowerSports de Pene Creek e encontrou Tom Cleary curvado sobre o motor, em parte desarmado, de sua moto de neve. Inclusive parecia um mecânico: colocou um limpo macacão de trabalho, tinha o cabelo mais curto… Embora parecia como se sua mãe tivesse cortado, e estava com tinha postas uns óculos de segurança e umas botas com ponteira de aço.

Paul Dempsey rondava perto do menino como se esperasse que Tom fosse agarrar uma barra de ferro e ficasse a dar porradas.

— Estará pronta para amanhã pela manhã? — Perguntou Jack, ao tempo que se agachava para olhar com atenção dentro do enorme montão de metal.

Tom não se incomodou em levantar a vista.

— Se fico trabalhando nela até a noite — Disse; assinalou com a cabeça o Paul — E se o senhor Dempsey deixar de me dizer o que tenho que fazer.

Paul soltou um ruidoso pigarro e foi até a porta que comunicava com o salão de exposição.

Jack deu ao Tom um tapinha nas costas.

— Há uma gorjeta de cinquenta dólares para você se terminar esta noite. Necessito o trenó amanhã pela manhã para dar uma volta lago acima.

— Terá ela pronta — Disse Tom, ao tempo que tirava uma grande parte de metal da parte superior e deixava ao descoberto as tripas do motor — Só queimou um pistão, nada mais — Enfocou uma luz por um dos quatro grandes buracos — Mas não estragou o cilindro, assim será um acerto fácil.

— Obrigado, Tom.

— Senhor Stone… Obrigada a você por… Por tudo.

— Se me quer agradecer dê a metade do cheque de seu salário a sua mãe e anima a seus irmãos a que se comportem bem, certo? E me chame Jack. Agora é um trabalhador; ganhou esse direito.

— Já disse a minha mãe que fique a maior parte do cheque — Disse Tom — E lhe prometo que as brincadeiras se acabarão.

Jack se despediu dele com uma inclinação de cabeça e entrou no salão de exposição justo quando Paul estava dando a volta ao pôster da porta, de “Aberto” a “Fechado”.

— Você é um bom homem, Dempsey — Disse, enquanto montava em um dos grandes quads vermelhos — E preparado, por contratar Tom. Vai ganhar um montão de dinheiro.

Paul ficou um pouquinho envaidecido.

— Tenho que reconhecer que as aparências enganam. No povoado todo mundo viu crescer esses meninos Cleary sem respeito pelas regras, e imagino que todos somos culpados de carregar sobre eles os pecados de seu pai.

Jack assentiu.

— Pois ao dar esta oportunidade de demonstrar seu valor… Bom, é você um bom homem.

Paul ficou avermelhado e começou a brincar com a etiqueta do preço do quad no que estava sentado Jack; de repente um brilho de picardia apareceu em seus olhos.

— Ouça, sabe que muitos dos atalhos de moto de neve daqui funcionam também como atalhos de quad no verão? O que tem pensado fazer para divertir-se quando se derreter a neve?

— Penso comprar um barco, e uma grande geladeira portátil para a comida e a cerveja, e depois vou deixar seco o lago pescando.

— Nossa, homem! — Disse Paul; foi a toda velocidade para um expositor de folhetos, tirou um e voltou apressadamente — Pois tenho o barco perfeito para você!

 

— Sabe que está louca para que a prendam, não? — Disse Camry enquanto conduzia a alisadora de neve (que tomaram “emprestada”) pelo caminho do teleférico, subindo a montanha Tarstone na mais negra escuridão — E isso significa que eu devo estar louca também — Acrescentou entre dentes; olhou para Megan de rabo de olho antes de girar à esquerda para meter-se no bosque por um estreito desmonte — Uma coisa é que uma pantera em realidade seja um homem, ou que a mãe morta de Robbie se transforme em uma coruja nevada, porque isso tem certa lógica com a magia com que nos criamos. Mas um dragão, Meg? Se segure! — Gritou de repente, quando a larva direita da máquina de limpar neve, subiu sobre um tronco caído.

Megan se agarrou para não escorregar em cima de Camry e, assim que se endireitaram, perguntou-lhe:

— E por que não um dragão? Se não existir, de onde procede a ideia dos dragões? Alguém viu algo que parecesse um lagarto gigante com asas. Quem ia inventar uma criatura assim?

— A mesma pessoa que inventou todos os animais mitológicos — Replicou Camry — Alguém com uma imaginação muito retorcida. Ou isso, ou fumavam muita “María” por lá então… — Deu uma olhada a Megan — Os dragões não existem, irmãzinha. Devia ser outra coisa.

— Jack o viu também. E só sei que Kenzie o esconde em uma das cavernas da montanha Bear.

— Chegou a essa conclusão só porque Kenzie cheira estranho?

— Por isso e porque quando mencionei que vi essa criatura, voltou-se muito cauteloso e de repente teve que partir.

Camry fez um gesto com as sobrancelhas.

— O que é o que fazem exatamente os dois lá em baixo, no laboratório, várias horas ao dia? — Perguntou — E como é que fecham a porta com chave?

— Estamos… Estamos fazendo um projeto juntos — Megan era relutante a mentir a sua irmã, mas custava ainda mais romper a promessa que fez a Kenzie — Ele está trabalhando em um presente de bodas atrasada para Matt e Winter, e eu o ajudo — Sua explicação não se afastava muito da verdade — E além disso, quer que seja uma surpresa.

Camry soltou um bufo.

— Parece-me que só utiliza isso como desculpa para passar tempo contigo.

— Diz que sou como uma irmã para ele. E além disso, sabe que Jack volta a estar em minha vida.

— Jack volta a estar em sua vida? — Perguntou Camry em voz baixa — O que aconteceu com os dois a noite que caiu no lago?

— Jack me salvou a vida.

— E se sentiu tão em dívida que se deitou com ele, não?

Em uma tentativa por ocultar o que sabia que era um rubor abrasador, Megan agarrou o bracelete do painel e gritou

— Cuidado! — Agarrou-se em previsão de uma sacudida que não acabou de chegar — Perdoa — Murmurou, ao tempo que se recostava para trás e alisava o cabelo — Me pareceu ver outro tronco à luz dos faróis. Pare aqui.

— Esta estrada não nos levará até a montanha Bear. A que procuramos está mais acima.

— Não, é esta. Gira à esquerda.

— Mas esta vai a casa de Robbie.

— Então para — Megan teve que agarrar outra vez o bracelete quando Camry deteve bruscamente a máquina de limpar neve; olhou a sua irmã, apenas capaz de distinguir sua expressão a suave luz do painel — Quando foi a última vez que esteve aqui acima?

— Faz três ou quatro anos — Reconheceu Camry.

— Juro que este é o atalho que tomamos com os cavalos quando Winter e eu levamos Matt a ver a montanha Bear no outono passado. Mas a neve faz que tudo pareça diferente. De todas formas, eu voto por que giremos aqui.

— E se o que faz é sair à casa do Robbie, e nos pega?

— Esta noite fica em minha casa, recorda?

Camry acelerou e girou à esquerda. De repente riu.

— Isto é divertido, Meg, embora seja uma busca inútil. Havia dito que sair às escondidas diante dos narizes de mamãe e papai seria igual a nos velhos tempos.

— Não deveríamos ter mentido.

Camry soltou um bufido.

— Como se fossem deixar que andasse chutando o bosque de noite, depois do que passou lá encima no lago… Não se preocupe, Chelsea nos encobrirá. E além disso, tem muitíssima lógica que passemos a noite com ela em Bangor; necessita um portátil.

— Sigo me sentindo culpada por sair às escondidas e depois roubar a máquina de limpar neve.

Camry deteve a máquina de limpar neve de novo e olhou para Megan.

— Então quer que dê a volta ou não?

— Não! Penso encontrar esse dragão. Só gostaria que todo mundo deixasse de tentar manter nesse segredo condenado inseto. Papai, Robbie e Kenzie sabem que compreendo a magia, assim, do que me protegem?

— De Jack talvez? — Conjeturou Cam — Seguem considerando-o um estranho, Meg, e ao melhor papai e Robbie temem que cometa um engano e o diga sem querer. Ainda não explicaram nosso segredo familiar. Imagino que recorda o que foi para Heather, Elizabeth e as demais quando quiseram casar-se. Diabos, Walter deixou plantada Elizabeth no dia das bodas. Robbie demorou três dias em encontrá-lo, e outros dois em convencer o de que não estamos todos loucos.

Megan baixou o olhar até seu colo.

— Como vou explicar a magia a Jack?

— Você não. O explicarão papai e Robbie. Essas são as normas.

Megan elevou a vista para sua irmã.

— Mas, e se acredita que estamos todos loucos e sai correndo como fez Walter? Jack sabe esconder-se onde nem sequer Robbie será capaz de encontrá-lo. Escondeu-se virtualmente toda sua vida e está claro que se dá muito bem.

— Agora Robbie tem o Matt e Winter para ajudá-lo; Jack não pode esconder-se deles — Camry se inclinou para frente para olhar Megan nos olhos — Tornou a se apaixonar por ele, não é?

Megan se limitou a assentir.

Camry a atraiu e a abraçou forte.

— Me alegro muito pelos dois — Soltou uma risadinha e deu um tapinha na barriga — Quero dizer, pelos três… — Ficou direita dando um gemido e acelerou a máquina de limpar neve outra vez — Vá, pois isto significa que não posso sair com ninguém. Que se case com o Jack converte a maldição em um pleno aos seis.

— Pobre Cam… — Disse Megan com zombadora compaixão — Não se preocupe, um destes dias encontrará ao cara perfeito, e em quão último pensará será na maldição. Aconteceu comigo, e te prometo que também te acontecerá.

— Mas eu não quero que me aconteça. Eu gosto de estar solteira. Se gosta de ir a dormir às seis da tarde, faço-o, e se quero ficar trabalhando até as três da manhã, faço-o também, porque não tenho a ninguém que me chame por telefone cada hora para me perguntar quando vou voltar para casa.

— Não, só tem a papai te fazendo passar um mau momento quando vem de visita… — Disse Megan, rindo — Aqui, pare aqui. Maldição, estamos no povoado!

Camry deteve a máquina de limpar neve justo quando coroavam o aterro de neve de uma rua limpa pelas máquinas. Depois de olhar a um e outro lado, jogou uma olhada a Megan.

— Está só a uns trezentos e cinquenta metros da estrada principal, e a pouca distância do lago. Além disso, sabemos que Frog Cove está completamente gelado: levam um mês conduzindo Suv por ali. Eu voto para que nos lancemos. Nossa missão se cortará pelo menos em quinze quilômetros se, simplesmente, subimos pela baía e cortamos pelo bosque, pelo arroio Bear.

Sem querer, Megan estremeceu.

— Não sabemos quão grosso está o gelo sobre o arroio Bear.

— Pois então subimos todo o caminho até a cabana de Tom o Falador, no promontório, e depois recuamos. Há um atalho que leva de ali até o topo da montanha Bear, não?

— Sim. Mas e se alguém nos vê cruzando o povoado?

— Nesta época do ano há mais moto de neves que carros por aqui, e pensarão que esta é uma das máquina de limpar neve do clube — Quando se dispunha a acelerar, vacilou — Onde está Jack esta noite? Patrulha pelo povoado?

— Não tenho nem ideia do que está fazendo Jack. Pelo visto está tão ocupado com o trabalho policial que nem sequer encontra tempo para vir ver-me.

— Houve toda uma onda de delinquência ultimamente, irmãzinha. Viu seu carro patrulha? — Camry riu ao tempo que, com cuidado, fazia subir a máquina por cima do montão de neve até a rua. Desceu pela via residencial, fez uma rápida parada para olhar se havia tráfego e, depois de cruzar como uma flecha a rua principal, meteu-se no parque do povoado — Dá igual se alguém nos vê — Disse enquanto entravam no lago — Não sabem quem vai aqui dentro, e se chamarem o complexo turístico, Thomas nos encobrirá.

— Vai fazer que despeçam esse pobre homem — Disse Megan.

Olhou a seu redor para ver se alguém olhou para elas, mas eram as onze de uma noite de terça-feira e o povoado parecia deserto.

— Bom, e qual é o plano se nos encontrarmos de repente com um dragão? —perguntou Camry — Trouxe uns donuts?

 

De pé no meio da estrada sem asfaltar de Frog Point, Jack apontou a lanterna para baixo e enfocou o corpo sem vida do Peter Trump; em concreto, a ponta metálica de quase um centímetro e meio que aparecia por costas.

— De maneira que, simplesmente, tropeçou e caiu sobre essa estaca topográfica… — Disse, repetindo o que Robbie MacBain acabava de dizer.

— Cometeu o engano de olhar por cima do ombro para ver se eu me aproximava — Disse Robbie — E tropeçou; tentou recuperar o equilíbrio, mas caiu justo como o vê.

Jack elevou o olhar.

— Assim, simplesmente… Caiu.

Robbie suspirou, pelo visto em uma tentativa de conservar a paciência.

— Eu o queria vivo igual a você, Stone; é nossa melhor oportunidade de pegar o Collins.

— Era. E por que não se limitou você a levá-lo lá, para casa?

— Por Megan. Não queria que, quando voltasse, encontrasse um desastre se havia luta. E tampouco convém essa energia negativa em sua nova casa, em particular com o bebê que está em caminho. Por isso deixei que me visse, sabendo que poria-se a correr, e pensava derrubá-lo aqui fora na estrada.

— Eu diria que o plano saiu bem — Jack moveu o feixe de luz da lanterna pelo chão em torno do corpo; deteve-se o ver a arma e se aproximou mais a ela — Como é que não disparou a você?

— Não fique no tiro, mas sim que disparou a arma enquanto saía correndo da casa. Provavelmente você encontre uma bala alojada nas pranchas de fora, junto à porta que dá ao lago.

— E onde está seu revólver? Terei que levar isso como prova.

— Não tenho.

Jack elevou o olhar até Robbie.

— Entendo. Esperava que Trump viesse revistar a casa de Megan outra vez e o aguardava desarmado?

Robbie levantou uma sobrancelha.

— Eu não disse que estava desarmado; disse que não tenho revólver.

Dando um suspiro, Jack tirou seu telefone móvel. Pois muito bem.

— Vou chamar à polícia do Estado; gostam de meter-se nestas coisas dos cadáveres. Por que não vai a minha casa e fica cômodo, já que imagino que nós dois vamos estar um momento aqui? A chave está debaixo do tapete.

— Temos que descobrir se mandou o computador portátil de Megan a Collins.

— Olharei nos bolsos se por acaso há uma chave de hotel ou um recibo. Se ainda não o enviou, estará em seu quarto ou em seu carro; se o enviou, ocuparemo-nos desse problema depois de arrumar este.

Robbie voltou a vacilar.

— Eu o queria vivo, Stone.

— Eu também — Disse Jack, enquanto pulsava a marcação rápida da polícia do Estado.

 

Com um total de três horas de sono nas últimas vinte e quatro horas, Jack terminou de amarrar a mochila na cesta traseira de seu trenó parado, montou-se e subiu pelo lago justo quando o sol despontava por cima da montanha Bear. Não fazia nem ideia de aonde ia; simplesmente, confiava em reconhecer seu lugar do destino quando chegasse ali. Não pôs capacete porque não se incomodou em comprar um novo, e porque, além disso, o vento frio de fevereiro contribuiria muito a mantê-lo acordado.

Ainda não tinha visto Megan, e começava a pensar que os deuses estavam esperando a que organizasse aquele número para permitir vê-la outra vez. Por outro lado, ela tampouco esteve derrubando sua porta, não é?

Ah, sim, claro… É que estava ocupada em outra coisa… Fazendo um misterioso favor ao Kenzie Gregor… Como ajudá-lo a banhar a seu viscoso mascote ou algo assim.

Jack refreou o aborrecimento e reorientou seus pensamentos para coisas mais agradáveis, como o doce som de seu ronronante motor. Olhou o velocímetro e sorriu ao ver que ia a uma cômoda velocidade de noventa quilômetros por hora. O jovem Tom Cleary era cinquenta paus mais rico essa manhã e Jack oitocentos paus mais pobre, mas estava enormemente satisfeito.

Outra vez no lago sobre uma moto de neve, Jack viu que seus pensamentos voltavam a divagar até Megan, de modo que fez um repasse mental da lista de material que levava. Era difícil preparar-se sem conhecer o lugar do destino, mas se sentia disposto a quase tudo. Tinha pego o equipamento de escalada, assim como várias mantas de lã e um cubo dobradiço. No material também se incluíam umas raquetes de neve, seu rifle de grande potencial, muitas barrinhas energéticas, a faca que seu pai lhe deu ao seu oitavo aniversário e o machado pequeno.

Vinte minutos depois Jack soltou o acelerador e freou, detendo bruscamente o trenó, ao fixar-se na solitária montanha que se elevava do lago a uns oito ou nove quilômetros pela frente dele. Era quase uma cúpula perfeita, e calculou que tinha mais de trezentos metros de altura. Através das densas árvores de folha perene que a cobriam viu que apareciam vários escarpados penhascos, e soltou um aflito gemido. Embora estava preparado confiava em que, em realidade, não teria que escalar para chegar a seu lugar de destino… E menos depois de dormir só três horas.

Olhou a posição do sol, supôs que levava pouco mais de meia hora de trajeto e se deu conta de que a montanha estava situada justo no extremo norte do lago de sessenta quilômetros de longitude.

“Muito bem”, disse, ao tempo que acelerava o trenó e o punha rapidamente à máxima velocidade; se seus antepassados queriam que escalasse, escalaria.

Mas como, nem mais nem menos, foi o que se encontrou fazendo meia hora mais tarde, embora sem ter que utilizar uma corda e um arnês. Deu-se com um caminho, não muito bem definido, mas sem dúvida feito pelo homem, que subia pela montanha, e se deu conta de que não era o primeiro índio norte-americano que ia até ali procurando respostas.

No ar se ouvia um leve zumbido que encheu Jack de uma sensação de paz. Quanto mais alto subia, mais forte se fazia o zumbido, até que em um dado momento inclusive seus ossos começaram a vibrar em perfeita harmonia com uma energia tão antiga como o tempo.

Seus antepassados cantavam, chamavam-no para que se aproximasse mais a seu círculo de poder. Para quando alcançou o topo, Jack não sabia se seguia em seu mundo ou se estava no deles; ficou de pé no pequeno claro do bosque e olhou a seu redor.

Decididamente, tinha chegado a seu lugar de destino.

Soltou a mochila dos ombros com um cansado gemido, apoiou-a em um velho e torcido pinheiro, e tirou o machado. Encontrou vários jovens alisos crescendo no bordo do claro, que, pelo visto, só esperavam a que alguém os necessitasse. Destruiu uma dúzia e os levou até o centro do claro, onde os cravou na neve formando um círculo de uns três metros e meio de largura. Depois de voltar para a mochila, tirou o cilindro de couro que levava e começou a amarrar as pontas dos alisos juntas, formando uma cúpula.

Depois tirou as mantas de lã de cores vivas, um pouco estragadas, e as esfregou com carinho enquanto aspirava seu aroma familiar. Uma cascata de vívidas lembranças passou por sua mente: Grand-père envolto em sua manta preferida, aconchegado diante um bom fogo, na aparência alheio à neve que caía sobre ele e a seu redor; outras três mantas exatamente como aquelas tampando sua mãe, seu pai e seu irmão enquanto empreendiam viagem para a outra vida; o tremulo corpo de Jack aconchegado dentro de uma delas enquanto combatia a febre provocada pelo ataque de um urso, quando tinha doze anos…

— Deixa de perder o tempo, Coiote — Sussurrou Grand-père por entre as árvores — Dá a impressão de que levamos uma eternidade esperando este dia. Segue com sua tarefa.

— Já vou — Disse Jack entre dentes ao tempo que lançava as mantas junto à cúpula de alisos.

Agarrou uma, sacudiu-a para estendê-la e, com cuidado, colocou-a sobre a estrutura; depois repetiu o processo até que o refúgio esteve totalmente coberto.

Retomando o ritmo, preparou um fogo só a uns dois metros da diminuta entrada que deixou na cúpula. Depois, enquanto o vivo fogo fazia seu trabalho de fabricar brilhantes brasas, foi procurar água. Encontrou um fervente manancial justo mais à frente do claro e soube que estava em chão sagrado; os sábios tinham o detalhe de proporcionar as necessidades básicas a todo aquele que procurasse seu conselho.

Jack se ajoelhou para beber antes de afundar o cubo no manancial e levá-lo outra vez ao claro. Pô-lo junto à cúpula, entrou engatinhando e começou a assentar a neve a pisões. Depois cortou ramos de abeto, cobriu a metade do chão com elas e tampou os ramos com uma das duas mantas que ficavam. A seguir saiu e amontoou com uma pá todas as brasas que pôde na cúpula, justo dentro e à direita da porta, bem longe dos ramos de abeto. Voltou a alimentar o fogo e, depois de jogar o cubo de água por cima das mantas de lã que cobriam os paus para as empapar bem, retornou ao manancial e encheu o cubo de novo.

Ao voltar se meteu engatinhando na pequena e acolhedora choça. Como sabia que não demoraria para estar suado, apressou-se a despir-se, dobrando bem a roupa e pondo-a em um montão. Depois se estendeu sobre a manta com as mãos juntas sob a cabeça como travesseiro, fechou os olhos com um suspiro e decidiu tirar uma soneca enquanto esperava.

Despertou uma corrente de ar muito quente, que se movia sobre seu corpo ensopado de suor enquanto vários homens entravam na cúpula conduzidos por Grand-père. Seu avô, Sombra que caminha em sonhos, ia atrás, seguido de vários homens mais que Jack não reconheceu. Pareceu que um era um viking, a julgar por sua roupa. Outro levava o traje de um explorador, e outro parecia levar uniforme da guerra civil americana, do exército do norte, se Jack não se equivocava.

Nenhuma mulher; só homens, e todos guerreiros.

— Não há intelectuais entre vocês? — Murmurou.

Incorporou-se quando Grand-père o jogou de um lado de um leve empurrãozinho para que deixasse lugar para sentar-se.

A tenda seguiu enchendo-se, e Jack observou que ele era o único que estava nu; pelo visto, as aparições não suavam. Alargou a mão para pegar a roupa, mas o viking estava sentado em cima.

— Já está em contato com seus mais nobres antepassados — Disse Grand-père depois soltar um sonoro pigarro — É com seu lado de sombra com o que tem que se pôr em contato hoje, Coiote.

Um ponto de luz surgiu perto do pé da cúpula, e Jack viu que seu irmão, Walker, escorria-se às escondidas por debaixo da fumegante parede de lã e se sentava sem fazer ruído atrás do explorador. Depois procurou com o olhar o Jack, sorriu e piscou um olho.

— Espero que esteja cômodo, Coiote — Disse Grand-père—, porque temo que talvez isto, e levará algum tempo.

 

No meio dia seguinte Jack retornou sem pressas lago abaixo. Sentia-se surpreendentemente descansado, embora ainda doía a cabeça por causa dos acesos debates que tinha sustentado com seus antepassados, debate que, indefensivelmente, acabavam com intermináveis sermões de cada um deles. Walker só tinha demorado duas horas em ficar adormecido, e de vez em quando Jack jogava a seu irmão uma olhada de inveja.

Quando os anciões partiram por fim, justo antes do amanhecer, Jack despertou Walker dando uma leve cotovelada, e mal acabava de vestir-se quando sua mãe entrou na choça procurando seu filho mais velho. Ela e Walker se sentaram com o Jack enquanto ele tomava um café da manhã de barrinhas energéticas, e os três conversaram de uma infinidade de trivialidades. Jack entristeceu-se que sua mãe não levasse a seu filho para que brincasse com ele, mas o pai de Jack estava cuidando-o. Walker se sentiu enormemente satisfeito ao saber que talvez punham seu nome ao bebê. Depois, quando Jack começaram a pesar as pálpebras, sua mãe embalou sua cabeça em seu colo e cantou até adormecer.

Quando despertou, justo antes do meio-dia, estava sozinho e tinha um pouco de frio, porque fazia muito que o fogo se apagou. Então se apressou a desmontar o improvisado refúgio, baixou caminhando a montanha até o trenó e correu para Pene Creek com uma firme resolução e o coração esperançoso.

Talvez os anciões sabiam do que falavam quando explicaram que não tinha forma de livrar-se de sua sombra, que sempre a encontraria justo atrás dele, pega aos calcanhares. E era nesse preciso lugar de união, disseram os antigos, onde Jack tinha que concentrar sua energia se queria ser eficaz. Não podia ir por só uma ou por outra; sombra e luz eram complementares, não contraditórias.

Sim, sim, já o compreendia.

Enquanto tinha ao seu dispor a sabedoria coletiva dos anciões, Jack pediu sugestões sobre como resolver cada um dos problemas com que nesse momento se enfrentava. Seu pequeno pedido provocou toda uma nova ronda de debates, primeiro entre ele e seus antepassados, e depois entre os próprios anciões. Com um pouco de sorte, os resultados compensariam a dor de cabeça posterior.

Por isso, quando entrou em Frog Cove, em vez de ir para sua casa de Frog Point, torceu para o leste, para a costa da montanha Bear. Parou no lago diante da cabana de Matt e Winter Gregor, e precisamente enquanto subia os degraus do alpendre ouviu que uma caminhonete parava na parte de trás. Caminhou até o extremo do alpendre justo quando Matt Gregor saía da caminhonete e reparava em sua presença.

— Chefe Stone — Disse, aproximando-se dele — Que deseja?

Pelo visto Matt era um tipo ao que gostava de ir ao grão. E geralmente Jack se levava bem com os homens que possuíam essa qualidade.

Decidiu ir direto ao grão também.

— Pois vim pedir um favor — Recuou quando Gregor subiu os degraus e ficou frente a ele — Necessito algum tipo de catástrofe natural — Matt elevou as sobrancelhas, mas Jack não fez caso e seguiu falando — Nada muito grande nem destruidor, só um simples… Não sei, um terremoto, talvez?

Matt se limitou a cravar o olhar nele.

— Seria lá em cima na tundra canadense, para que não tenha que preocupar-se se por acaso alguém saia ferido. E se limitar o alcance, não terá que afetar nem aos animais sequer.

Matt se cruzou de braços.

— Você está bêbado, Stone?

Jack suspirou.

— Olhe, sei que não me conhece em realidade, além do que talvez Megan tenha contado. Mas prometo que estou absolutamente sóbrio, embora tenha de reconhecer que desesperado. Acredite, é muitíssimo mais difícil para mim pedir um favor que para você me conceder isso.

— E o favor em questão é um reduzido terremoto que não provoque danos, lá na tundra canadense… — Repetiu Matt — E por que, se pode saber-se, você me procurou? Construo motores de aviões a reação, e isso não tem nada que ver com a ciência geológica.

— Os motores tampouco têm muito que ver com a magia — Disse Jack — Mas em teoria os drùidhs trabalham pelo bem da humanidade, e certamente este terremoto beneficiará a muita gente… Em particular Megan.

Matt observou Jack com precavido interesse.

— Drùidh é uma palavra de uso muito pouco comum — Disse em voz baixa.

— Mas você está muito familiarizado com ela.

— Quem o diz?

— Dizem-no meus antepassados — Jack encolheu os ombros — E, talvez, por meu sonho andavam também até uns quantos dos seus. Olhe, já sei que em realidade é você um poderoso drùidh, assim que peço que me provoque uma catástrofe natural, de magnitude só suficiente para tirar a luz o petróleo que há baixo dessa tundra. Uma vez que todo mundo saiba que existe, a empresa para a que trabalha Mark Collins perderá sua vantagem competitiva. O governo canadense reterá os direitos de exploração do subsolo, e será ele quem dita o que se faz com o petróleo. Collins já não terá motivo algum para perseguir Megan, e o seu sogro não irá atrás de Collins. Todo mundo… Salvo Mark Collins e a empresa petrolífera para a que trabalha.

Matt ficou calado uns segundos; depois, em voz baixa, perguntou:

— Se for tão entendido nos costumes de nossos antepassados, por que não provoca sua própria catástrofe natural?

— Simplesmente, porque o que saiba o que terá que fazer não significa que possa fazê-lo.

Matt seguiu olhando-o com atenção; desta vez entre os dois se estendeu um silêncio interminável.

— Então o motivo de que matou esse homem no Canadá, de que você mandasse para casa Megan e de que o perigo a tenha seguido até aqui, é tudo porque há petróleo sob a tundra?

— Sim. E, por isso imagino, alguém contratou Collins para se assegurar de que não saísse a luz o petróleo até garantir os direitos dessa zona. Por isso, pôs a um de seus alunos no estudo onde trabalhava Megan, para que o informasse se descobrisse algo. Mas quando o governo saiba que há petróleo ali, Collins ficará sem trabalho e Megan estará segura.

— E você necessita um terremoto o suficientemente forte como para que o petróleo… O que? Suba borbulhando até a superfície?

Jack assentiu.

— Assim que saltem os alarmes sísmicos, essa região da tundra estará infestada de geólogos. Encontrarão o petróleo, e esse mesmo dia, antes do meio-dia, a notícia chegará a todas as emissoras e cadeias de televisão do mundo inteiro.

— Você quer um terremoto — Repetiu Matt uma vez mais — Para que Greylen não tenha que tratar em pessoa com o Collins.

— É que desfazer-se de Collins só resolverá de forma temporária o problema de Megan. A empresa petroleira contratará outro Mark Collins, e o novo homem descobrirá que Megan formava parte do assunto inicial.

Matt assentiu.

— Isso tem lógica — Olhou diretamente para Jack — Em realidade, tudo o que me disse até agora tem lógica… Salvo que não acaba de me quadrar o modo em que leva você o problema de Megan com o modo em que leva o de meu irmão.

— Dei a Kenzie uma semana, e cumprirei minha promessa — Disse Jack — Assim em vez de zangar-se comigo, por que não agita você sua varinha mágica e envia a essa besta viscosa ao lugar de onde procede?

— Porque Kenzie me pediu que não o faça.

Estupendo… Pois vá, homem; estupendo.

— Então tudo o que quer o irmão de um poderoso drùidh, consegue-o? Embora isso signifique que um dragão ande brincando de correr por Pene Creek e entre roubando nas lojas? O que acontecerá se alguém fica trabalhando até tarde em um desses comércios? Está disposto a tentar à sorte só para consentir a seu irmão?

Matt riu, embora parecia algo menos regozijado.

— Diabos, Stone, quase vendi minha alma por Kenzie… Me diga, o que estaria você disposto a fazer por Megan e por seu filho? Ou por qualquer membro de sua família? Estaria disposto a atravessar os fogos do inferno por eles?

— Já o tenho feito — Jack deu a volta e saiu do alpendre para sua moto de neve; no bordo da costa se deteve e olhou para trás — Quanto antes aconteça esse terremoto, Cùram, melhor para todos nós. E agradeceria que este assuntinho ficasse entre nós.

— Megan ainda não falou da magia — Disse Matt — Ou é você quem não falou a ela, Coiote?

Jack sorriu.

— Já chegaremos a isso com o tempo.

Matt assentiu.

— Então isto não sairá daqui. E, além disso, tampouco me meterei em seu assunto com Kenzie; meu irmão tem que seguir seu próprio caminho, igual a você deve ir pelo seu — Com um amplo sorriso, olhou para Jack — Mantenha o televisor sintonizado com as notícias amanhã pela manhã, Stone, e verá o que ocorre quando a sombra e a luz trabalham em harmonia.

Jack disse adeus com a mão e desceu pela levantada borda até o trenó. Muito bem. Agora cabiam duas possibilidades: ou acabava de da Canadá o conhecimento de como a nova competência da OPEP[12]… ou a convertia no seguinte destinatário de ajuda mundial devido a uma catástrofe.

Cruzou a toda velocidade a baía e chegou a seu jardim; depois de passar mão a sua mochila, rodeou a casa até o alpendre e subiu os degraus de dois em dois. Ao abrir a porta viu um envelope pego com fita adesiva ao vidro.

Deixou cair a mochila, apressou-se a abrir o envelope e leu o convite escrito com a enérgica letra de Megan:

 

               ESTÁ CONVIDADO A GÙ BRATH

               ESTA NOITE ÀS SEIS

 

Com gesto enérgico, Jack colocou a nota entre os dentes, abriu a porta, recolheu a mochila e entrou em sua casa sorrindo com ilusão. Nada como ignorar a uma garota uns quantos dias para obrigá-la a que se ocupasse dos assuntos ela mesma. Possivelmente, depois de jantar com os pais, levasse sua pequena guerreira a dar um passeio à luz da lua, a ver se ela queria lhe arrancar a roupa outra vez.

 

O jantar resultou ser uma festa de aniversário para o filho mais novo de Elizabeth, a que assistiam quase todos os garotos do povoado. Grace disse a Jack que se reunisse com os adultos no salão se queria; que não tinha que ter levado um presente; que sim, que Megan andava por ali, em alguma parte. “Procure-a se quiser”, sugeriu, justo quando o menino de aniversário (Joel, Jack pensou que assim se chamava) reclamava a atenção de seu avozinha na cozinha; pelo visto havia uma grave crise: o bolo se parecia com o Monstro das Bolachas em vez da galinha Caponata.

Sentindo um pouco trajado com a jaqueta e a gravata que levava sob a jaqueta policial, Jack vadiou uns minutos no enorme vestíbulo da fortaleza MacKeage enquanto reunia coragem para aventurar-se no caos. Nesse tempo viu não menos de uma dúzia de garotos, de idades compreendidas entre os cinco e os treze anos, deslizando-se pela curva corrimão a uma velocidade vertiginosa, sem a vigilância de nenhum adulto. Embora os garotos pareciam ter certo método em sua loucura. Os maiores deslizavam primeiro; depois um ficava abaixo para apanhar aos menores, enquanto outros vigiavam os jovens que passavam pela frente quando voltavam a subir a escada para repetir a função.

De repente vários meninos e meninas mais apareceram correndo loucamente pelo corredor com espadas de madeira, liberando feroz batalha por um desorientado, embora sem dúvida feliz cachorro. Jack agarrou nos braços a uma das combatentes justo quando estava a ponto de que a esmagasse um garoto maior que saía disparado do extremo do corrimão. Subiu à pequena contra o peito e se encontrou cara a cara com a beleza em pessoa, balançando uma espada tão alta como ela.

— Podisía — Disse a menina, dando um tapinha à chapa da jaqueta; usou a espada, batendo com ela na cabeça, para assinalar a batalha em curso — Sava o Chadquitos.

Rindo, Camry interveio e pegou à menina.

— É provável que necessite vários pares de algemas para salvá-lo — Disse — Quem é você? — Perguntou a pequenina.

— Sou Peyton, tia “Campy”…

Enquanto falava, a menina cruzou os braços, indignada… E a espada não bateu em Jack só porque este as arrumou para agachar a cabeça.

Camry riu, deixou-a no chão e deu um tapinha no traseiro para pô-la em marcha.

— Vá salvar o Charquitos você mesma — Ordenou — Nós as MacKeage brigamos nossas próprias batalhas, mocinha.

Espada em alto, a menina foi atrás da turfa de jovens membros do clã que se afastavam, soltando um grito de combate que fez tremer as vigas.

Antes que Jack pudesse dizer “olá” ou perguntar onde estava Megan, Camry o puxou pelo braço e o colocou a rastros no caos.

— Venha, Jack. Vamos pegar algo de beber.

 

Alheia por completo à festa que tinha lugar fora do escritório de seu pai, Megan estava sentada totalmente rígida, abraçando-se em um esforço por acalmar os estremecimentos que formavam no fundo do estômago. Se não se movia, não respirava e não sentia, ao menos não se converteria em um poço de angústia sem fundo.

— Quem disse isso? — Perguntou a Carl Franks, Investigadores Franks.

— Você disse que queria um relatório minucioso — Disse ele, removendo-se incômodo em sua poltrona ao outro lado da mesa — De modo que procurei o condutor do caminhão madeireiro que se chocou com eles. Encontrei seu nome no relatório do acidente e dei com ele em Edmonton, província da Alberta, onde vive. Agora tem uns setenta e cinco anos, mas certamente se lembrava do acidente. Desde aquele dia não voltou a ficar ao volante de um caminhão. Inclusive me surpreendeu que estivesse disposto a falar comigo disso; estava claro que continua sendo doloroso.

Megan se abraçou mais forte para manter a raia as lágrimas que brotavam em seu interior.

— E contou que Jack viu queimar-se a sua família? Sua mãe, seu pai e seu irmão?

Franks assentiu.

— Ao parecer o senhor Stone tinha parado o carro à beira da estrada porque os dois meninos estavam brigando no assento de trás. O menor tinha dado um murro no maior e tinha feito sangue no nariz, assim que o pai mandou o garoto sentar um pouquinho debaixo de uma árvore. Nesse momento o caminhoneiro tomou a curva um pouco muito rápido, a carga de troncos se moveu e, quando tentava controlar o caminhão, acabou batendo contra a parte traseira do carro dos Stone. Disse-me que os dois veículos se incendiaram. Foi então quando viu que um garoto saía correndo do bosque, e teve que afastá-lo quando ia abrir a porta do carro destruído — Franks meneou a cabeça — O condutor percebeu que estavam mortos, porque não ficava muito do veículo e não via nenhum movimento dentro, mas o menino seguiu brigando com ele, dando chutes e gritando, e não parou de tentar chegar até sua família. O garoto queimou as mãos, e ao final o condutor teve que levá-lo a rastros mais do meio quilômetro pela estrada, outra vez antes da curva, onde não vissem o acidente. Virtualmente teve que atá-lo enquanto esperavam a que passasse outro veículo.

Com a manga da camisa, Megan secou as lágrimas que corriam pelas bochechas.

— E o relatório do acidente dizia que o menino se chamava Coiote Stone? —Perguntou, com a garganta dolorida da emoção.

Carl Franks se levantou e jogou mão à caderneta que colocou diante dela; depois foi até a lareira, metendo um dedo pelo pescoço da camisa para afrouxá-la gravata. Abriu o disforme pulcramente datilografado e folheou as páginas.

— Coiote Stone foi levado a Edmonton, onde uma trabalhadora social trocou o nome a Jack com a esperança de que isso facilitaria a adoção. Mas... — Franks elevou a vista e em seguida se apressou a olhar outra vez a caderneta — o menino, que com nove anos, limitou-se a desaparecer da casa de acolhida. Encontraram-no ao cabo de dez dias, caminhando por uma estrada que levava ao norte — Elevou o olhar de novo e meneou a cabeça com assombro — O garoto tinha percorrido a metade do caminho até Medicine Lake. Depois daquilo o instalaram em várias casas de acolhida mais, escapou de todas. Especula-se com que a última vez o ajudou seu bisavô. Não voltaram a ver o Jack Stone até que tinha quinze anos — Prosseguiu, sem ler já — Mas quando dessa vez o meteram em uma casa de acolhida, voltou a desaparecer e já não apareceu até que encontrei perseverança de que se alistou no exército canadense à idade de vinte anos.

Franks se aproximou e voltou a pôr o relatório sobre a mesa, diante dela.

— Tudo está aqui, senhorita MacKeage. Fiz exatamente o que me pediu e fui muito rigoroso. Quão único não pude descobrir é no que trabalhava Jack Stone. Esses cinco anos são informação reservada — Começou a ir lentamente para a porta — Mandarei a fatura, de acordo? Não faz falta que me acompanhe — Disse, ao tempo que saía.

Megan cravou o olhar no relatório, sem se tomar a moléstia de secar as lágrimas que caíam pela face. Jack não tinha mentido sobre sua infância; limitou-se a omitir os detalhes dilaceradores. Abraçou-se a barriga e de repente disse que que ia pôr o nome de Walker no filho de ambos, pelo irmão mais velho de Coiote Stone.

O que devia passar pela cabeça de um menino de nove anos depois de ser testemunha de algo assim? Culpava-se de suas mortes porque seu pai parou para mandá-lo um momento ao canto por brigar? Por isso se auto proclamava pacifista?

E aqueles dez dias que passou tentando chegar até seu bisavô… Como teria comido? Onde teria dormido? Devia ir de carona; quem recolheria a um garoto de nove anos e não chamaria à polícia?

Alguém bateu na porta justo antes que esta se abrisse.

— Um cara me disse que te encontraria aqui dentro — Disse Jack, ao tempo que se aproximava da mesa — Há algum motivo para que não me tenha advertido de que… Megan! O que aconteceu? — Rodeou a mesa a toda pressa e se agachou diante dela — Está chorando. Por quê? O que te disse esse homem?

Nesse instante o dique das emoções de Megan explodiu; gemendo e soluçando, lançou-se nos braços do Jack e se agarrou a ele com todas suas forças.

— Megan! O que aconteceu, carinho? — Perguntou ele enquanto a abraçava forte — Me diga o que aconteceu!

—M-minha resposta é sim, Jack… — Disse ela entre dois soluços — Sim, caso-me com você. Amanhã, se quiser…. Ou agora mesmo. B-buscaremos o Pai Daar e nos casaremos esta noite.

— E isso te faz chorar? — Perguntou ele com uma risadinha, tentando afastar-se para olhá-la nos olhos. Mas como ela não queria soltá-lo, suspirou baixinho e se limitou a abraçá-la, com sua cabeça colocada sob o queixo; balançou-se brandamente com ela em um movimento de vaivém, como se a embalasse — Bom, de acordo —Sussurrou em seu cabelo — Nos casaremos amanhã pela manhã, a primeira hora. —De novo tentou lhe ver a cara, esta vez com êxito — O que provocou isto de repente? E por que a decisão de se casar comigo te faz chorar?

Megan tratou de recuperar a compostura; de verdade, o tentou… Mas ao imaginar o homem que estava diante dela como aquele menino pequeno que tinha visto…

— Viu a sua família morrer! — Gemeu, e voltou a afundar a cara em sua camisa.

Ele ficou absolutamente quieto.

— O que está dizendo? — Sussurrou em tom tenso — O que aconteceu?

— Já s-sei toda a história — Soluçou ela — O do acidente, e como tentou salvá-los. O condutor do caminhão incluso contou a Franks como te levou a rastros pela estrada para te afastar de… Meu Deus, deve ter sido espantoso!

Jack tomou pelos ombros e a afastou à força. Megan estremeceu, piscando entre as lágrimas, e viu que agarrava o relatório que estava em cima da mesa. Em silêncio, folheou-o, com o rosto absolutamente vazio de expressão.

— Mandou a uma pessoa a Medicine Lake para que me investigue? — Perguntou com voz apenas audível; deteve-se em uma página em concreto durante vários segundos, depois continuou. Por fim voltou a dirigir seu olhar para ela — Não pôde me perguntar, sem mais?

Seu olhar era distante, e Megan sentiu que uma greta fria e insondável se abria entre eles.

— Ah, não, espera, me esqueci… Você não acredita em nada do que te digo. —Atirou o relatório sobre a mesa, e aquele suave som fez que Megan estremecesse — Acabo de recordar que tenho coisas que fazer amanhã, assim não acredito que haja bodas. Tampouco é que tenha pressa por me casar com uma mulher que não confia em mim, e muito menos, com uma mulher que se casa comigo por pena.

Voltou-se e se dirigiu à porta.

— Jack, espera! — Gritou Megan; agarrou o relatório, foi correndo a lareira e o atirou às brilhantes brasas — Nem sequer o tenho lido. Já não preciso lê-lo!

— Dá igual.

Sem fazer ruído, Jack fechou a porta ao sair.

Megan foi atrás dele, mas Jack já estava no final do corredor, e teve que abrir-se caminho com esforço entre uma turfa de meninos até poder chegar por fim à porta principal, justo quando se fechava. Abriu-a de um puxão e correu à ponte que cruzava sobre o arroio.

— Jack! Espera! Espera, por favor! — Suplicou.

Ele se deteve o final da ponte e se deu a volta para olhá-la.

— Me perdoe. Quando veio não confiava em você, assim contratei a uma pessoa para que comprovasse sua história. Mas agora confio em você, Jack. Queimei o relatório porque confio em você.

— Seriamente? O suficiente para me dizer que favor está fazendo a Kenzie? —Perguntou ele; sua voz desprovida de toda emoção atravessou a distância que os separava.

— Por favor, não me peça isso — Suplicou Megan ao tempo que avançava para ele com a mão estendida — Eu dei minha palavra.

— E sua excursãozinha de ontem à noite à montanha Bear com sua irmã? —Perguntou ele — Prometeu não me contar isso tampouco?

Ela deu um passo atrás e se chocou com a porta.

— Sou chefe de polícia, carinho. Achou que não ia descobrir de que uma máquina de limpar neve do complexo turístico de Tarstone vagava pelo povoado a altas horas da madrugada? Bom, aonde foram você e Camry até as seis desta manhã?

O silêncio se instalou entre os dois.

— Entendo — Disse Jack por fim — É curioso quão seletiva é a confiança. —Levou os dedos à testa em uma breve saudação militar — Te verei pelo povoado.

Dito isso, deu-se a volta e partiu, entrando na noite.

Megan ficou olhando-o até que desapareceu nas sombras; depois entrou de novo e correu pela frente das pessoas que ia a sala de jantar seguindo Grace, que levava o bolo. Correndo, subiu a escada até o quarto de sua infância, lançou-se na cama e cravou a vista no teto, incapaz sequer de chorar.

Tinha feito muito mal com Jack. Viu em seus olhos e ouviu em sua voz, e, além disso, temia que estivesse tão ferido que possivelmente não a perdoasse nunca.

Nesse momento se abriu a porta e sua mãe entrou; sem fazer ruído, tombou-se na cama junto a ela e ficou também olhando fixamente ao teto em silêncio.

— Desta vez fiz tudo errado, mamãe — Sussurrou Megan na escuridão suavizada pela luz da lua — Acredito que esta noite lhe parti o coração. —Voltou a cara para sua mãe — Serei capaz de arrumar como ele tem feito com o meu?

— Não sei, neném. As mulheres são mais resistentes que os homens em assuntos do coração, porque a esperança é o fundamento de nosso ser. Se não, faz várias centenas de gerações que a raça humana teria extinto, já que não teríamos trazido filhos a um mundo cheio de guerras, fome, dor e tristeza — Grace a olhou e sorriu com tristeza — Mas os homens… Os homens não têm tanta sorte. Para eles tudo parece ser claro e definido. Branco ou negro. Tudo ou nada.

— Eu disse a Jack que confiava nele, mas quando me perguntou de Kenzie e o dragão, não pude contar.

— Por que não?

— Porque prometi que não o contaria.

— E sua promessa ao Kenzie é mais importante que seu amor por Jack?

Megan se voltou de lado e se apoiou em um cotovelo para olhar de frente a sua mãe.

— Está dizendo que deveria ter quebrado minha promessa?

— Estou dizendo que não deveria ter dado sua promessa a Kenzie para começar. Ele te pediu um favor e também, que ficasse entre vocês, mas não estava obrigada a aceitar suas condições. Pôde dizer a Kenzie que Jack chegou primeiro a sua vida.

— Mas é que em realidade não estava em minha vida por então.

— E quando já o estava? Disse a Kenzie que já não podia manter seu segredo? Que ou teria que pôr fim a seu favor, seja o que for, ou contar a Jack?

Megan se tombou de barriga para cima outra vez e olhou para o teto, piscando.

— Não tinha pensado nisso. Kenzie impôs as condições do favor, e eu aceitei o acordo cegamente, sem pensar — Olhou a sua mãe com o cenho franzido — Sou um alvo tão fácil… Quero agradar a todo mundo, e não vivo tranquila se não gostarem. Como todas as vezes que substituí Winter no passado outono, quando ela fazia de tola com Matt… — Suspirou e voltou a cravar a vista no teto — Agora entendo que não tinha o coração nem muito menos tão partido como disse ao voltar para casa. No mais fundo de meu interior sabia que Jack me disse que me partisse por um bom motivo, mas de todas formas segui como uma imbecil — Olhou a sua mãe de novo — Dava medo que todos pensassem que era uma fracassada por voltar correndo junto a meus pais, grávida e sem marido.

Grace riu baixinho.

— Sim chorou muito — Apoiou a cabeça na mão e apertou o braço — Mas a única pessoa a quem tem que agradar é o homem que ama, neném. Se seu coração pertencer a Jack Stone, ele é o primeiro para você. Ele deveria ter sua confiança incondicional, seu respeito e sua completa lealdade. E me dá a impressão de que Jack é a espécie de pessoa que devolve essas qualidades em quantidades industriais, se lhe dá ocasião.

— Sim — Sussurrou Megan — E como o arrumo?

— Começa por dizer a Kenzie que já não pode ater às condições de seu favor, e que, se quer seguir o que fazem abaixo no laboratório todos os dias, seja o que for, tem que deixar que conte a Jack. Se não, não pode seguir ajudando-o.

— E o dragão?

— Deixa já de te andar com rodeios com esse condenado monstro e o conte a Jack tudo o que sabe dele.

— Mas isso equivaleria a contar da magia. E as regras são que papai e Robbie têm que dizer.

Grace dirigiu a Megan um sorriso maternal e deu um tapinha no braço.

— O dia que entregou seu coração, sua responsabilidade para seu pai se mudou a Jack. Possivelmente os homens desta família queiram controlar todas as situações, mas isso não significa que nós tenhamos que deixar que o façam — Suspirou — Sigo dizendo que Walter não teria deixado levar pelo pânico se chegar a ser Elizabeth quem contasse nossa história familiar. Um homem o intimida muito menos inteirar-se de algo assim de boca da mulher que ama em vez de por seu futuro sogro, em particular, se resultar que é Grei.

— Mas como o digo a Jack?

— Com amor, neném — Disse ela, dando um tapinha outra vez — E com sentido de oportunidade. Escolhe o momento e o lugar adequados, preferivelmente justo depois de que tenha comido. Os homens são muito mais agradáveis quando têm a pança cheia.

Megan suspirou.

— Obrigado, mamãe. Acredito que já o entendo.

— Sim? Porque não é tão simples como ir até Jack e enumerar todos seus segredos como se fosse a lista da compra. Não só tem que confiar nele totalmente, vai ter que fazer sentir que pode te confiar seus segredos.

Megan olhou a sua mãe franzindo a cara.

— E se não querer me contar seus segredos?

— Pois então não é autêntico amor, não? Assim é como seu coração saberá que é de verdade — Grace colocou uma mechazinha de cabelo atrás da orelha — Junto com confiança, lealdade e respeito, também necessitam intimidade entre vocês. Essas são as quatro pedras angulares sobre as que deve levantar-se seu amor.

— Como você e papai. Acha que dentro de trinta e quatro anos Jack e eu teremos o que têm vocês?

— Sim — Disse Grace, ao tempo que rodava até o bordo da cama e ficava de pé — Por que não fica aqui esta noite, em vez de voltar para sua casa? Você e Camry devem estar cansadas de sua subida à montanha Bear ontem à noite.

Megan se incorporou dando um bufo.

— Mas como é que todo mundo sabe? — Perguntou, com os olhos como pratos e uma expressão de alarme — Sabe papai?

Grace foi para a porta.

— Importa isso? Não é a seu pai a quem deve dar conta agora, e sim Jack. —Arqueou uma sobrancelha quando Megan abriu a boca para protestar — Está a ponto de me dizer que não se importaria que Jack se escapulisse em metade da noite sem dizer isso.

— Claro que me importaria.

Grace assentiu.

— Não vai pedir permissão como se fosse uma menina, Megan… Vai falar de algo que se preocupa. Há uma enorme diferencia entre as duas coisas, e isso contribuirá em boa medida a desenvolver uma relação equitativa e sincera.

— Compreendo-o. De verdade. Volta para a festa antes que se acabe todo o bolo.

— Estará bem?

Sorrindo, Megan voltou a tornar-se e cruzou as mãos em cima da barriga.

— Sim, estarei ótima — Disse — Walker e eu vamos ficar tombados aqui para calcular como explicaremos a magia a Jack.

— Walker?

— Vou ter um garoto, e vamos pôr o nome do irmão de Jack, Walker.

Grace se apressou a voltar para a cama e deu um enorme abraço.

— Parabéns! Seu pai vai se emocionar muito por ter outro neto varão.

— Não o digamos ainda, certo? Se não, passará os próximos três meses tentando convencer o Jack de que se troque o sobrenome pelo de MacKeage… —Meneou a cabeça — Igual tentou com todos os genros que deram um neto varão.

Grace voltou para a porta.

— Quase conseguiu que Walter trocasse de sobrenome — Disse, rindo — Até que Elizabeth e eu o sentamos e explicamos que não o converteriam em sapo se não o fazia — Abriu a porta — Walker… Eu gosto. Walker Stone… — Sorriu — Talvez Walker MacKeage Stone?

— Talvez. Embora me inclino mais pelo Walker Coiote Stone — Disse Megan, rindo ao ver a expressão de perplexidade de sua mãe — Te direi por que quando o diga ao meu futuro marido.

Depois de tudo, sua primeira obrigação era com o Jack.

 

Jack subiu o volume do televisor e voltou para a tarefa de preparar suas coisas enquanto escutava as notícias. O Grande Descobrimento, ocorrido três dias antes, seguia sendo notícia de capa; decididamente, já todo mundo conhecia o Canadá.

E, além disso, Cùram de Gairn era muito mais poderoso do que Jack acreditava, por não dizer um gênio. Produziu-se uma pequena catástrofe natural, isso era seguro, mas o que subiu borbulhando até a superfície não foi petróleo cru. Em vez disso, o terremoto gerou vários espumantes gêiseres da água mais pura e mais doce jamais descoberta, procedente do que já chamavam o aquífero subterrâneo maior do mundo. E o lado positivo era que o Povo Indígena que vivia nessa zona estava apressando-se a engarrafar aquele transparente ouro líquido para a exportação internacional.

Jack fechou a mochila e se aproximou para recolher o rifle. Depois de abrir e fechar a antecâmara para comprovar de novo que a arma não estivesse carregada, substituiu o olho telescópico normal por um olho telescópica de visão noturna. Depois colocou o rifle na capa acoplada à mochila e pulsou o controle remoto para desligar o televisor antes de entrar em seu quarto a trocar-se.

Não se sentia orgulhoso por ter evitado Megan durante aqueles três dias, nem por ignorar as três notas que deixou pegas com fita adesiva na porta convidando-o para jantar três noites seguidas… Incluída aquela. Mas até que o assunto do dragão resolvesse de um modo ou outro, não estava de humor para ocupar-se da relação.

Caso que houvesse uma relação que salvar quando retornasse. Provavelmente, matar o dragão seria o último passo para o desastre do futuro dos dois, e isso queria dizer que estava a ponto de condenar-se a ter que ver seu filho segundo um regime de visitas de fim de semana.

Kenzie tinha seu tempo acabado, e embora completou sua promessa de que não haveria mais roubos, Jack não teve mais notícias delas. Em realidade, ultimamente houve muito pouco movimento no setor policial. Talvez algo que ver com a tempestade de fazia dois dias, que deixou quase setenta centímetros de neve; ou talvez o pequeno exército de carros patrulha da polícia do Estado, que levavam toda a semana no povoado investigando a morte de Peter Trump, aguava os planos à delinquência. Certamente Ethel não se queixava. E Simon, luzindo quatro pontos na face esquerda, estava trabalhando outra vez; quase passava o dia indo daqui para lá, ufano, depois de descobrir que uma cicatriz facial recebida no cumprimento de seu dever, era um autêntico ímã para as garotas.

Vestido com umas cueca longas finas e roupa que lhe proporcionava liberdade de movimentos, Jack pegou a suas coisas e saiu em direção a moto de neve. Assegurou a mochila à parte traseira do trenó, pô-lo em marcha e, depois de cruzar a toda velocidade a baía para a montanha Bear, torceu ao norte para ir parar bem longe da cabana de Matt e Winter.

Faltava talvez uma hora para o pôr-do-sol, e Jack queria começar sua caminhada montanha acima enquanto ainda ficava um pouco de luz do dia. Alcançou a borda em um promontório onde havia uma velha e torcida cabana colocada entre os pinheiros, e estacionou entre ela e um abrigo ainda mais desmantelado. Depois, colocou a mochila nas costas, colocou as raquetes de neve, tirou o rifle e colocou cartuchos no depósito. Do outro lado do abrigo encontrou um atalho que subia pela montanha. Tinha largura mais que de sobra para que subisse uma máquina de limpar neve, mas ninguém esteve ali depois da tempestade; os únicos rastros que viu eram de animais de quatro patas.

Assim, enquanto subia penosamente a montanha, perguntou-se: onde escolheria ele viver se fosse um dragão?

 

Megan ouviu a moto de neve em movimento e imediatamente correu para a janela que dava ao lago, de onde, para sua consternação, viu sair o Jack. Deu um grito afogado quando se fixou no que parecia um rifle que se sobressaía da mochila; saiu correndo a terraço e o chamou em vão enquanto ele se afastava a toda velocidade.

— Maldita seja sua imagem, Jack! — Gritou; ficou olhando, impotente, como cruzava a baía como uma exalação por volta de onde se elevava a vazia cabana de Tom o Falador — Como sabe sempre exatamente aonde ir?

Voltou a entrar correndo e ligou o celular de Camry.

— Tem que se reunir comigo na garagem do complexo turístico agora mesmo —Disse quando Camry respondeu, sem dar sequer a oportunidade de saudar — Temos que tomar emprestada a máquina de limpar neve outra vez e subir à caverna! Jack acaba de sair na moto de neve em direção à montanha Bear, e leva um rifle. Vejo-a ali dentro de dez minutos.

— Acredita que vai caçar o dragão?

— Acabou a semana de Kenzie. Aonde, se não, iria Jack com um rifle?

— Mas não chegaremos ali a tempo, Meg. E ainda não são as cinco, assim que a garagem estará cheia de trabalhadores. Não posso entrar como se nada tivesse acontecido, agarrar uma máquina de limpar neve. Além disso, disse que Jack vai na moto de neve; estará ali antes de que ponhamos a máquina de limpar neve em marcha sequer.

— Seu trenó vai bem sobre o lago calcado pelo vento, mas não está desenhado para a neve em pó que vai encontrar no bosque. Terá que subir a montanha caminhando com as raquetes, e depois segue tendo a tarefa de encontrar a caverna. Você rouba a maldita coisa quando ninguém olha. Temos que subir à caverna, e já!

— Certo, certo. Mas em vez de na garagem, se reúna comigo onde a estrada de Matt se encontra com a estrada principal. Passarei a mão à máquina de limpar neve, cruzarei todo reto pelo povoado e nos aproximaremos da caverna da direção contrária. Se tivermos sorte, chegaremos ali antes dele — Produziu-se um repentino silêncio — Bem… E então o que?

— Então imagino que apresentarei a William.

 

O atalho que Jack seguiu, desembocou em uma pradaria de montanha justo quando o sol ficava por cima das montanhas do lado ocidental de Pene Creek. O primeiro em que se fixou, foi na construção que estava em andamento na parte superior da pradaria, onde um penhasco se sobressaía mais de trinta metros por cima das árvores. Também ouviu correr água do outro lado e soube que era o arroio Bear que descia até o lago.

Jack também sentiu uma revigorante energia vibrar pelo ar, e se deu conta de que estava vendo o futuro lar da irmã e o cunhado de Megan. Recordou então que Megan havia dito que Winter e Matt viviam na cabana junto ao lago só até que estivesse acabada sua casa… Para o qual parecia faltar alguns anos ao menos, a julgar pelo tamanho dos alicerces pegos ao penhasco, como se Matt e Winter fossem incorporar a escarpada parede de granito a seu lar.

Se ele fosse um dragão, não viveria perto de uma obra que era um viveiro de operários todo o dia. Então, perguntou-se enquanto esquadrinhava o topo, onde quereria que estivesse sua guarida? Devia estar o bastante alta para ver tudo o que se aproximasse, e se possível em uma caverna, ou pelo menos em um afloramento rochoso para poder refugiar-se, e, provavelmente, orientada ao sul.

Jack voltou a esquadrinhar a pradaria, cada vez mais em penumbra; era consciente da falta de rastros tão grandes para corresponder à criatura que ele e Megan viram no lago. Por outro lado, Kenzie havia dito que o dragão estava doente, assim talvez aquela besta já tinha morrido.

Esperando ter essa sorte, Jack começou a subir pela linha de árvores que ficava no lado norte da pradaria. Ao cabo de meia hora, e de uns três quilômetros, chegou a um bem cuidado atalho de moto de neve. Parou e tirou a garrafa de água para beber um bom gole enquanto decidia em que direção ir.

Como não queria correr o risco de encontrar-se com motoristas que talvez se perguntassem que fazia lá em cima de noite levando um rifle, Jack seguiu direito, cruzou o atalho e se meteu de novo no bosque antes de girar para o sul, em direção a outro escarpado penhasco que se via ao longe. Ia aproximando-se dele mais ou menos uma hora depois quando de repente se deteve e ficou absolutamente quieto. Só corria uma muito leve brisa, mas bastava para levar um quase imperceptível aroma à lama que encontrou nos roubos. Como caminhava de frente à brisa, soube que ia na direção correta.

Apesar de que estava completamente escuro salvo pela luz de lua que se filtrava por entre as árvores, acelerou o passo ao tempo que levava o rifle ao peito e movia o ferrolho para deslizar um cartucho na antecâmara. Manteve o dedo no seguro e o olhar semi enfocado, atento se por acaso via algum movimento.

O aroma era um pouco mais forte à medida que se aproximava do penhasco, mas passaram outros vinte minutos até que encontrou um caminho muito trilhado que o levou direito a uma abertura que havia na parede rochosa. Jack se deteve justo à entrada da caverna, tirou as raquetes sem fazer ruído e escutou uns segundos se por acaso ouvia sons dentro.

Ao não ouvir nada, entrou em silencio na boca da montanha. Havia muitas possibilidades de que Kenzie Gregor estivesse ali, e mais ainda, de que fizesse todo o possível para impedir que matasse ao dragão.

Usando o rifle para abrir caminho, com um dedo no seguro e outro no gatilho, Jack entrou muito devagar e sem fazer ruído na tortuosa caverna. Justo quando colocava a mão no bolso para procurar uma pequena lanterna, deu-se conta de que, em vez de estar mais escuro ao afastar-se da entrada, inclusive havia mais claridade. O aroma de petróleo de abajur e fumaça de lenha se misturava com o fétido vapor da lama.

Caramba, o dragão não estava sozinho.

De repente, o sinuoso corredor que ia seguindo desembocou em uma sala grande e tenebrosa, tão alta que não via o teto, e tão ampla que mal distinguia o fundo. A luz de um pequeno fogo se refletia nas escuras paredes, e vários abajures estavam estrategicamente colocados em saliências rochosas. Mas não foi o dragão, feito um novelo sobre um grande ninho de palha, o que esteve a ponto de provocar que Jack falhassem os joelhos.

Não; foi ver Megan sentada junto a aquela besta.

Kenzie não se via em nenhuma parte; Megan estava absolutamente só com a criatura, e completamente indefesa. Jack levantou a culatra do rifle até seu ombro.

— Se afaste devagar dele, Megan — Disse em voz baixa, ao tempo que caminhava para o centro da caverna — Por favor, carinho, levante e se afaste dele.

Ao ouvir sua voz Megan se voltou, mas não pareceu muito surpreendida de vê-lo. Sim, ficou de pé, mas em vez de afastar-se, interpôs-se entre Jack e seu objetivo.

— Chama-se William Kilkenny — Disse — E é um aristocrata irlandês do século IX.

Jack baixou o cano do rifle mas manteve a culatra no ombro.

— Está aqui porque descobriu que talvez Kenzie pode ajudá-lo a transformar-se em homem outra vez — Olhou por cima do ombro quando o dragão se queixou, dormido — Uma bruxa o transformou em dragão para lhe dar uma lição — Aproximou-se mais de Jack, embora permaneceu entre ele e o animal, e baixou a voz — Pelo visto William queimou sua cabana do bosque porque acreditava que atrapalhava a caça. Em represália, ela jogou uma maldição e assegurou que até que não aprendesse a tratar às velhas indefesas, William Kilkenny vagaria pela terra em forma de monstro.

Nesse momento Camry entrou na sala com os braços cheios de palha; enquanto rodeava o Jack, perguntou:

— Sabe por que o transformou em dragão? — Pôs a palha no chão junto ao animal que dormia e ficou de pé junto a sua irmã — Porque lá no século IX os dragões eram o pior pesadelo. Embora sejam seres mitológicos, eram o cocô mau com que os pais assustavam a seus filhos para que não se perdesse no bosque. Assim, em vez de transformar William em rã ou algo assim, a bruxa o transformou em um pesadelo.

— O qual, embora se pensa, não tem lógica — Disse Kenzie Gregor, passando pela frente de Jack; levava dois cubos de água, que deixou no chão junto ao fogo antes de ir ficar junto a Megan e Camry — É impossível que um homem expie sua falta se for uma criatura arrepiante, pois ninguém deixará que se aproxime o suficiente para dar a oportunidade de fazê-lo.

Jack só pôde cravar a vista nos três sem dizer uma palavra. De verdade esperavam que acreditasse que o dragão era um aristocrata do século IX, e para cúmulo, que inclusive tinha viajado no tempo para chegar até ali?

Megan se aproximou mais; seus grandes olhos verdes brilhavam, parecia a ponto de chorar…

— Sei que o que estamos te contando é incrível — Disse — Por isso fui tão receosa a te dizer — Parou diretamente diante dele — Sabe? Toda minha família é… Bom, somos bastante… Diferentes. A magia existe, Jack. Meu pai, Callum, Morgan e o pai de Robbie, Michael, procedem da Escócia do século XII. E Matt e Kenzie vêm do século X.

Por mais que o tentava, Jack seguiu sem poder dizer nada.

Megan esfregou os braços como se fizesse frio, embora dentro da caverna a temperatura devia estar perto dos 26ºC.

— Tem minha palavra de que nosso bebê será normal, igual a você e eu. Eu não possuo a magia, só sou filha dela. Igual Camry e todas minhas irmãs, menos Winter. Winter é… Ela é…

— É uma drùidh — Disse Camry — E Matt também. E antes o velho sacerdote que vive lá em cima em Tarstone era drùidh, até que entregou seu poder a Winter. O nome verdadeiro de Pai Daar é Pendaär, e tem mil e oitocentos anos de idade. E se quer saber minha opinião, também é o motivo de que todos nós estejamos aqui.

Naquele instante Megan parecia completamente vulnerável.

— Você nos contou que seu bisavô era chamán, Jack — Disse — Deve ter visto funcionar a magia. Devem ter ocorrido coisas que não compreendia e que não sabia explicar — Assinalou para o dragão — Pois William é precisamente uma dessas coisas. Não deveria existir, mas existe… E seria trágico que morresse sendo um dragão. —Sua voz se transformou em um sussurro — Por favor, não o mate, Jack. Em vez disso, nos ajude a salvá-lo. Se possui uma grama sequer do dom de seu bisavô, ou se recordar ao menos que ervas empregava, por favor, nos ajude a salvar o William; assim viverá o suficiente para aprender a lição — Alargou a mão e roçou o peito, enquanto as lágrimas corriam pelas bochechas — Merece morrer sendo um homem, não o pesadelo que é agora.

Jack soltou um fundo suspiro, ao tempo que se perguntava como tinha ocorrido pensar que poderia ter matado o dragão embora o tivesse encontrado sozinho.

— Não o matarei — Disse, afastando o rifle de lado.

Com um soluço de alívio, Megan se lançou a seu peito e o abraçou forte.

— Me perdoe — Sussurrou — Fui uma imbecil por não lhe contar isso antes. Tinha medo.

— Do que?

Ela elevou a vista para olhá-lo nos olhos.

— Tive medo que pensasse que era… Que era muito estranha para me amar — Disse em um soluço, enquanto afundava a face em seu peito.

Jack pousou o queixo sobre sua cabeça e a abraçou, olhando como Camry e Kenzie (que certamente pareciam incômodos) de repente foram trabalhar. Kenzie verteu um cubo de água em uma panela e a pôs no fogo, e Camry, com cara de asco, agarrou a cauda do dragão e colocou palha debaixo.

Muito bem. Não mataria a aquela besta, mas, ia ajudar a salvá-la?

— Megan esteve me ensinando a ler — Disse Kenzie, em tom um pouco defensivo.

Surpreendida, Camry girou sobre seus calcanhares.

— A ler? — Repetiu — E esse é o grande segredo? Mas se não tem por que envergonhar-se disso. Agora vive neste século, Kenzie, e se não saber ler, estará em uma desvantagem tremenda.

— Gregor, o que ocorre se seriamente consigo salvar a seu fedorento amigo? —Perguntou Jack — O que o impedirá de voltar a entrar e roubar nas lojas? Imagino que um dragão são, não será fácil de controlar.

— Já decidi partir de Pene Creek — Disse Kenzie com expressão esperançosa — Minha vocação não está aqui nas montanhas. Temo que William Kilkenny só seja o primeiro de muitos deslocados que me buscarão com a esperança de que os ajude a assumir de novo a forma humana.

— Por que vão acreditar os deslocados que os ajudará? — Perguntou Jack, surpreso.

— Porque até o passado solstício de inverno eu era como William. Levei inumeráveis vidas sendo diversos animais, embora nunca como animal mitológico —Olhou para Jack diretamente — Se fizer que William melhore outra vez, penso levar ele e o velho sacerdote comigo para buscar um novo lar. Junto ao mar.

Pegando Jack por surpresa, Megan se soltou.

— Vai embora? — Gritou — Mas por quê?

— Porque devo partir, lass. O destino me chama — Sorriu — Mas me inteirei que Maine tem uma costa maravilhosamente abrupta, mais ou menos como a de Escócia. Seguirei estando tão perto para que vá me visitar.

Jack voltou a pôr o ferrolho do rifle, esvaziou a antecâmara e o carregador e meteu as balas no bolso. Depois se desprendeu da mochila, tirou o jaquetão e subiu as mangas enquanto se aproximava até onde dormia o dragão.

Fez um exame visual da criatura, do tamanho de um cavalo, do focinho até a cauda, e se fixou na lama que gotejava por debaixo das escamas como se fosse suor. Decididamente, agora que o via tão de perto, era um animal de aspecto estranho. Parecia… Bom, parecia justo um pesadelo, nem mais nem menos.

A besta tinha umas orelhas bicudas, do tamanho aproximado da mão de um homem, e entre elas havia dois curtos apêndices semelhantes aos das girafas. A cabeça era parecida com a de um cavalo, só que o focinho se alargava em uns enormes narizes. Estava todo recoberto de escamas em vez de pele, como um peixe ou uma serpente, e isso supunha uma aberta contradição com a lama… A menos que a substância de fétido aroma fosse uma espécie de suor, e a besta já estivesse doente no momento dos roubos.

Jack agarrou o focinho e levantou um pouco o beiço para olhar dentro da boca. O dragão gravemente doente nem sequer abriu os olhos. Jack se sentou junto a ele e pôs a mão sobre o lado onde acreditou que deveria estar o coração. Ao sentir um forte e potente batimento do coração, deslizou a mão pelo torso até deter-se na inchada barriga e sentiu um forte e gorgorejante ruído sob as escamas. Depois de limpar a mão na palha, voltou-se para o calado trio que o olhava espectador.

— Bom, Gregor — Disse — Necessito que busque umas quantas coisas no bosque.

Quando Gregor assentiu, Jack olhou para Camry.

— Como você e Megan vieram esta noite?

— Na máquina de limpar neve. Está estacionada a uns duzentos metros daqui.

— Estupendo, necessito que vá a minha casa buscar umas quantas coisas. Debaixo de minha cama há uma velha carteira escolar de couro. Poderia me trazer isso e, além disso, algumas das velhas mantas de lã que há no roupeiro de meu quarto?

Camry assentiu.

— E já que está ali, pega a vasilha de seis cervejas que há no frigorífico — Olhou o dragão e deu um suspiro — Me parece que vai ser uma longa noite.

Enquanto Camry saía correndo da caverna, Jack recitou a Kenzie uma lista de plantas que teria que encontrar no bosque em metade do inverno.

— Possivelmente tenha que cavar na neve para procurar algumas. Reconhecerá as plantas que acabo de nomear quando as vir?

Kenzie assentiu também, pegou o cubo vazio e, dando grandes pernadas, saiu pela entrada da caverna. Jack voltou a limpar as mãos nas calças ao tempo que se aproximava de Megan e tomava pelos ombros.

— Penso ir à tumba afirmando que não sou chamán — Disse — Mas sim que pelo visto… Sei coisas — Atraiu-a até seu abraço — Obrigado por me confiar o segredo de sua família.

— Meu pai e Robbie teriam contado isso antes de que nos casássemos — Disse ela em sua camisa; recuou e o olhou — Porque ainda vamos nos casar, não é?

— Bom, não sei… — Disse ele, dirigindo um torcido sorriso — Continuo esperando que me peça que case com você.

— Que eu lhe peça isso? Mas se sou uma garota tradicional… Tem que me pedir isso você, e já decidirei se for digno de mim ou não.

Jack se engasgou com uma risada.

— Tradicional? — Balbuciou — Não tem nem um cabelo de tradicional em…

Pegou suas bochechas, as apertou para fazê-lo calar e baixou a cabeça para dar um beijo que era tudo menos tradicional. Em realidade foi muito aceso… E necessitado… E muito, mas que muito exigente. Digno dela? Diabos, não, não era digno dela, mas certamente não tinha a mínima intenção de dizer.

Um forte e gorgorejante gemido chegou do leito de palha, e por fim Megan desfez o beijo e afundou o ruborizado rosto no peito dele. Jack a estreitou forte e soltou uma risadinha. Enquanto a balançava brandamente de um lado a outro sem deixar de observar ao agitado dragão, perguntou:

— Quer saber o que acontece de verdade a William?

— O que? — Perguntou ela, pega a sua camisa.

— William Kilkenny está pagando por seus delitos: tem uma indigestão.

Ela subiu a cabeça de repente e o olhou piscando.

— Uma indigestão? Quer dizer que não está morrendo?

— Não digo que não vá morrer — Disse Jack — Se de verdade proceder do século IX, não está acostumado à comida moderna, em particular donuts e barras de chocolate. Não só se abarrotou de açúcares refinados, mas também ingeriu muitas substâncias químicas e conservantes modernos que seu antiquíssimo organismo não sabe digerir.

— E como vamos curá-lo? — Perguntou Megan; deu a impressão de que já sabia a resposta… E não gostava.

— Limparemo-lhe as tripas de cima abaixo.

Ela recuou, meneando a cabeça.

— Huy, não. Não vamos pôr um…

Jack soltou uma gargalhada. Foi até o fogo, pegou a um pau e separou das chamas a panela de água fervendo.

— Não, parece-me que evitaremos esse trâmite em concreto. Só poremos em encharcamento uma infusão de ervas, a jogaremos pela garganta e esperaremos a que a natureza siga seu curso — Riu ao ver a expressão horrorizada de Megan — Ouça, esse tipo de coisa não te dará náuseas, não? Porque dentro de três meses vai experimentá-lo em direto, embora certamente em menor escala.

Ela subiu o queixo.

— Levo todo o outono fazendo de babá de Angus, o bebê de Robbie e Catherine, e troquei dúzias de fraldas — De repente uma faísca brilhou em seus olhos, e foi para ele ao tempo que baixava a voz — Mas não diremos a Camry o que vamos fazer exatamente, certo? Venha, vamos surpreendê-la, tá?

Jack deixou ver um amplo sorriso.

— Ah, não se preocupe, não o diremos a Camry… Nem a Kenzie tampouco.

 

Não foi até perto do anoitecer do dia seguinte quando uma muito calada Camry deteve a máquina de limpar neve diante da casa de Megan, e uns igualmente calados Jack e Megan desceram. Mas logo que Camry partiu a toda velocidade pela estrada sem asfaltar, direita para a rua principal, os dois soltaram uma gargalhada.

— Quando tiver noventa anos — Disse Megan rindo — Ainda recordarei a expressão de Cam ao dar-se conta por fim do que ocorria.

Jack rodeou os ombros com o braço enquanto subia com ela os degraus do alpendre.

— Sabe mover-se rápido quando não tem mais remédio — Disse.

— Não demoraremos para pagá-lo — Megan fez girar o trinco; só então reparou em que não tinha fechado com chave quando partiram tão depressa o dia antes. De verdade fazia menos de vinte e quatro horas? Pelo cansadíssima que estava, parecia toda uma vida — Acha que tirarão esse cheiro da máquina de limpar neve? —Perguntou com uma risadinha.

Jack a deteve justo quando começava a abrir a porta.

— Bem, quieta! Você sim que não tirará o cheiro de sua casa se entrar aí com a roupa posta.

— Quer se despir aqui fora? — Gritou Megan, olhando a seu redor.

Jack começou a lhe tirar o jaquetão.

— A única outra pessoa que vive neste promontório é o chefe de polícia — Disse com ironia; atirou o jaquetão no canto do alpendre e agarrou a barra do pulôver — E estou bastante seguro de que entre seus deveres jurou proteger seu pudor — Prosseguiu, enquanto tirava o pestilento pulôver pela cabeça.

Megan estremeceu quando o fétido aroma roçou seu nariz. Como estava despindo-a tão bem, decidiu fazer o mesmo por ele, mas quando tentou descer o zíper do jaquetão, Jack capturou as mãos e as levou a seu peito.

— Se entrar com você, não penso partir até manhã pela manhã — Disse; seus olhos de aço azul se fundiram com os seus.

Ela se soltou de um rebolado e desceu o zíper do jaquetão.

— Imagino que agora sua casa estará muito fria — Disse, ao tempo que tirava o jaquetão dos ombros; deixou-o cair no alpendre e imediatamente começou a desabotoar os botões da camisa — E eu tenho um aquecedor de água maior, assim podemos esfregarmos um ao outro até nos fartar sem temor a ficar sem água quente. — Mandou a camisa atrás do jaquetão — Além disso, sempre me perguntei como seria me deitar com você em uma cama de verdade.

Com rapidez, tirou a camiseta pela cabeça.

— Bom, se prepare. Despimo-nos até ficar em roupa interior e entramos na casa antes que nosso corpo se dê conta de que tem que ficar arrepiado.

Ela deu a risada ao ouvir aquilo.

— Como é que não está bocejando a cada cinco minutos? Tem levantado tanto tempo como eu e, além disso, fez quase todo o trabalho.

Ele deu um toque com o dedo na ponta do nariz; depois desabotoou a fivela do cinto e abaixou o zíper da braguilha.

— Porque não estou incomodado — Deteve para dar um tapinha no ventre — Que tal vai o bebê?

Megan tirou as botas.

— Shhh… Está tirando uma soneca.

— Ah — Disse ele, agachando-se para desatar a dela também — É provável que tenhamos que queimar a roupa e usar todo um bote de xampu para tirar o cheiro do cabelo… Tire as calças e entra correndo.

— Certo; no três, corremos — Disse Megan sem tirar as calças — Certo… Três! —Gritou, ao tempo que dava uma ligeira cotovelada e entrava como um raio na casa.

Jack ia um passo de trás dela quando de repente Megan se deteve dando uma derrapada.

— Mamãe! Papai! O que fazem aqui?

 

Poderia as coisas piorarem ainda mais?

Jack recolheu a roupa, as botas, a mochila e o rifle, e com tudo isso nos braços foi descalço a sua casa. “Sim, laird: eu tentava despir sua filha até deixá-la em pelos no alpendre dianteiro para fazer amor primeiro na ducha e depois em uma cama de verdade, para variar…”

Subiu os degraus do alpendre de duas grandes pernadas, deixou cair as botas e descobriu que a porta principal estava fechada com chave ao se chocar com ela quando tentava entrar a toda velocidade. Atirou o resto da roupa na neve amontoada, desta vez incluídos as calças, e depois mostrou o traseiro sem reparo a todo Frog Point quando se agachou a pegar a chave de debaixo do tapete.

Maldita fosse sua sorte… Não esqueceria a imagem de Grace MacKeage com a vista cravada nele e Megan, e uma expressão de choque surpresa na face… Nem tampouco o golpe que deu no chão o atiçador da estufa ao cair da mão de Greylen.

Em vez de meter-se no banheiro, Jack foi ao armário da cozinha, tirou o uísque escocês e bebeu diretamente da garrafa.

Não havia nenhum veículo estacionado no caminho de acesso, então, como tinham chegado ali? Tomou outro gole de uísque, saboreando o fogo que descia pela garganta, e foi a uma janela que dava ao leste. Olhou e viu uma moto de neve estacionada no lago, diante da casa de Megan. Bom, isso o explicava. Abriu de um puxão a porta da estufa e aproximou um fósforo à lenha miúda que havia dentro.

Dando outro gole, voltou a sair ao alpendre, pegou o rifle e a mochila e os colocou; não precisava deixar uma arma disponível ali, não que o laird decidisse aproximar-se de manter com ele um bate-papo paternal. Depois de voltar para a estufa e acrescentar umas lenhas, Jack ficou de pé, nu, diante seu miserável calor.

Como ia casar com Megan sem ter que olhar outra vez a Grace MacKeage?

Por fim o uísque chegou até seus cansados músculos, e nesse momento Jack soube que mais valia meter-se na ducha enquanto ainda tinha forças. Maldita fosse sua sorte, em teoria Megan ia esfregar suas costas… E, por sua parte, ele pensava esfregar bem a parte da frente.

Abriu a ducha, esperou até que a água saísse quente e se meteu debaixo da orvalhada. Talvez melhor se aproximava às escondidas depois, uma vez que seus pais voltassem para sua casa. Soltou um bufo enquanto se vertia a metade do xampu sobre a cabeça. Com a sorte que tinha, provavelmente se meteria na cama de Camry.

 

Apesar de seu absoluto esgotamento, Jack despertou quando as mantas se moveram e um corpo um pouco frio, mas fragrante, meteu-se na cama junto a ele. Sorriu na escuridão.

— É que não tem vergonha, mulher, vindo aqui furtivamente depois do que acaba de ocorrer em sua casa?

Ela se aconchegou contra ele com um calafrio.

— Parece-me que você tem vergonha de sobra para nos dois — Disse com a risada frouxa — Não sabia que uma pessoa podia ficar tão vermelha… Nem que se ruborizasse até o último centímetro da pele — Terminou, ao tempo que deslizava a fria mão pelo torso e encontrava uma zona especialmente sensível.

Jack aspirou um grito afogado e se apressou a ir atrás da dissoluta mão.

— Como é que está tão fria — Perguntou, enquanto subia a mão e a segurava contra seu peito.

Os dedos dos pés dela começaram uma lenta e sensual viagem subindo pela perna de Jack.

— Acabo de por as botas e o penhoar para correr até aqui.

Jack se voltou para olhá-la de frente e jogou uma perna por cima da sua enquanto seguia agarrando-se a sua mão.

— Que horas são? — Perguntou… E deu um grito afogado quando os lábios dela roçaram a clavícula.

— Três horas depois de nosso encontro para tomar banho — Respondeu ela entre dois beijos; seus lábios subiram pela bem raspada mandíbula até a boca — Tem uma cama muito cômoda, Jack — Sussurrou, prosseguindo a viagem até o maçã do rosto e a orelha — Vejamos se nosso lugar mágico é igualmente formoso em um colchão de verdade. Quer me levar ali? — Sussurrou diretamente ao ouvido.

— C-claro — Jack meio resmungou, meio chiou quando mordeu com doçura o lóbulo da orelha — Bom, já.

Ficou de barriga para cima e puxou-a até que esteve escarranchada sobre sua cintura. Depois a soltou e imediatamente tomou seus seios nas mãos, a fazendo gemer, primeiro de surpresa e logo depois de prazer, enquanto ela se inclinava para ele.

Então ela rebolou de forma provocadora, levantou-se sobre os joelhos, e com decisão própria de “Megan, a pirata”, acomodou-se sobre sua ereção ao tempo que emitia outro agradável som de prazer.

Quando começou a mover-se em cima dele, Jack mal pôde dizer:

— Parece que começou sem mim…

Ela gemeu e acelerou o ritmo.

— Se apresse então…

Jogou atrás a cabeça para arquear os seios nas mãos dele, enquanto se apoiava em seu peito e afundava os dedos em seus músculos.

Jack sentiu que os músculos de Megan se esticavam e que seu corpo se contraía, e então soltou os seios para agarrar os quadris.

— Mais devagar, carinho — Pediu em tom desesperado — Faz que dure.

— Da próxima vez — Disse ela ainda mais desesperada; agarrou uma mão e a baixou com energia até pô-la entre os dois — Veem comigo, Jack. Já!

Com um grunhido resignado, e não pouca ilusão, ele começou a acariciá-la intimamente com suavidade. Megan sempre prometia ir devagar da próxima vez, e quando a próxima vez chegava, era ainda mais exigente. Possivelmente chegasse a acalmá-la dentro de trinta ou quarenta anos.

Mas de repente até o último pensamento coerente desapareceu de sua cabeça ao sentir que ela o levava ao lugar mágico, arrastando-o consigo sobre a crista de uma onda de calor cegador. Seu grito de liberação se misturou com o dela, e juntos cruzaram o cosmos, voando da mão, enquanto seus três corações pulsavam como um só.

Megan desabou em cima dele dando um gemido, e em seguida aconchegou a cabeça debaixo de seu queixo com um suspiro.

— Certo — Murmurou pega a seu pescoço — É digno de se casar comigo.

Jack puxou as mantas por cima deles.

— Já? — Disse sem soltá-la, para não perder nenhuma só das persistentes contrações de Megan — Essa é sua proposta de matrimônio?

— Não estou pedindo que se case comigo, Jack. Estou dizendo que vamos nos casar em março, o dia do equinócio da primavera. A minha família adora os solstícios e os equinócios. Há algum problema com isso, Coiote?

— Não, senhora.

Megan baixou a cabeça e a apoiou em seu pescoço com outro bocejo.

— Bem. Porque William, Kenzie e o Pai Daar quererão assistir, assim temos que celebrá-la antes que partam.

Jack sentiu seu sorriso no peito.

— Vou ser a primeira de minha família que tenha um dragão como testemunha do noivo.

Jack a aconchegou contra ele dando um resignado suspiro. Apostava suas botas que ia ser o primeiro de sua família também.

 

Justo às sete e oito minutos da tarde de vinte de março, a hora exata do equinócio da primavera, e durante uma das piores tempestades de neve primaveris que se recordavam ultimamente, por fim Jack beijou a sua gravidíssima esposa diante um sacerdote de mil e oitocentos anos de idade, dois drùidhs, seis guerreiros das Highlands escocesas que viajaram no tempo e todo um montão de parentes MacKeage e MacBain… A nenhum dos quais parecia nada estranho contar com um dragão nas bodas.

Bom, a uns quantos cônjuges sim, em particular Walter Sprague, o marido de Elizabeth. O pobre diretor de instituto esteve quase a ponto de desmaiar quando William entrou no enorme salão de Gù Brath dando o braço a Elizabeth e depois tomou assento junto a Kenzie e a Matt, as outras duas testemunhas do noivo. Jack pensou pedir a Simon que fosse seu padrinho, mas ao ver que ia assistir um animal mitológico, em vez disso o pediu a Robbie MacBain.

— Venha — Disse Megan, enquanto levava a rastros Jack pelo improvisado corredor do altar, atrás do cortejo de assistentes à bodas que se dirigiam para a sala de jantar — Temos que manter o William afastado da mesa do bufei. Vai ficar mau outra vez!

Jack sorriu amplamente como o homem feliz que era.

— Se William não aprender que os doces acabarão com ele, como espera Kenzie que sobreviva o suficiente para aprender a tratar às mulheres indefesas? — Perguntou.

— Ai, Senhor… Se dirige ao bolo. Rápido! — Megan empurrou Jack para o enorme bolo de bodas que estava no canto oposto da sala — Vá distraí-lo enquanto preparo uma bandeja de verduras.

“Com certeza que a William vai se encantar”, pensou Jack rindo com dissimulação. Embora, certamente, o dragão tinha muito melhor aspecto que fazia um mês. Perdeu muito peso e já não era pestilento, mas tinha um agradável aroma de terra. Levava as grandes asas, parecidas com as de um morcego, pregadas com esmero e bem pegas ao corpo, e suas escamas, que pareciam enceradas, brilhavam irisadas quando batia a luz. Alguém (Camry, conforme suspeitava Jack) inclusive convenceu William para que usasse uma fita de seda vermelha.

Depois de tudo, Camry não foi a França de avião, mas sim, se encerrou no laboratório de sua mãe e ali procedeu a amassar um fax e um servidor de correio eletrônico apoiada de acaloradas discussões com os cientistas franceses que afirmavam ter resolvido o assunto da propulsão por íons. Quando se deixava ver, pelo geral ia murmurando algo sobre algum arrogante francês imbecil que não saberia fazer o com um canudo nem que tivesse a equação escrita na mão com tinta indelével.

Nos momentos em que não estava mandando faxes e correios eletrônicos a seu homólogo francês, ou esbravejando com dele, Camry ensinava Kenzie e William a ler, assim como as normas de seu novo mundo moderno. Em realidade William já era mais homem que animal e, além disso, até falava, embora normalmente se negava a fazê-lo, salvo com Kenzie e Camry.

Nesse momento Camry ficou diante de William, e o pobre animal parou em seco, quase tropeçando com a cauda, ao dar de focinho com sua professora particular, que Jack suspeitava que devia ser mais uma tirana que uma professora.

Justo então a mãe de Megan entrou na sala de jantar no braço de seu marido. Durante as duas semanas que seguiram ao incidente das poucas roupas, Jack as arrumou para esquivar de Grace, até que por fim ela o encurralou em seu escritório, com a evidente colaboração de Ethel, que se transformou de competente administrativa em intrometida mãe galinha tanto para Jack como para Simon. Jack se viu obrigado a passar uma hora bastante incômoda com Grace; além disso, tinha a suspeita de que ela sabia exatamente o violento que se sentia enquanto conversava com ele sobre o tempo, os bebês e o folclore dos índios norte-americanos.

Falando de bebês, Megan já parecia William quando caminhava. O pequeno Walker crescia, e Megan se queixava a todos o que queria escutá-la de que o menino sempre dava de fazer ginástica quando ela estava pronta para ir dormir. A mão de Jack rodeando a barriga era quão único tranquilizava o Walker, assim Jack continuou deixando acreditar que tinha um toque mágico.

De repente Megan, que se encontrava junto à mesa do bolo, disse em voz alta:

— Por favor, querem prestar atenção? Obrigado a todos por sair com esta tempestade de neve para vir a nossas bodas — Estendeu a mão para Jack, e sua simples aliança de ouro brilhou à luz da aranha — Desejo anunciar umas quantas coisas.

Sem ter nem ideia do que sua esposa estava a ponto de anunciar, Jack ficou junto a ela com gesto nervoso.

— Em primeiro lugar, como não posso esperar outros dois meses até que saibam, Jack e eu vamos ter um menino — Disse, dando um tapinha na barriga — E se chamará Walker MacKeage Stone.

Jack exalou um suspiro de alívio; em comparação com outros, aquele anúncio não estava tão mal. Debateu umas quantas vezes o nome completo de Walker, e Jack se mostrou inflexível: Coiote não seria um deles. Prometeu a Megan que consideraria a possibilidade de colocar no seu seguinte filho menino… Mas o que não disse foi que só teriam meninas.

— Em segundo lugar, alguns talvez não saibam ainda, mas esta é a última noite de Pai Daar conosco. Ele, Kenzie e William — Assinalou com a cabeça o dragão que estava no canto — Partem amanhã para a costa. Não sabem onde terminarão exatamente, mas é provável que seja em algum lugar a Nordeste.

Ouviram-se alguns murmúrios, e o Pai Daar pigarreou ruidosamente e ficou muito avermelhado quando várias pessoas se aproximaram de abraçá-lo.

— Deixem de se comportarem como este fosse meu condenado enterro! —Protestou, agitando a bengala no ar para afugentá-los — Não sou muito velho para começar uma nova aventura… E, além disso, alguém tem que ir com estes idiotas pagãos para evitar que saiam do bom caminho! — Acrescentou, apontando com a bengala para Kenzie e William.

Megan voltou a dirigir-se a todos.

— E por último — Prosseguiu — Quero dar a meu marido meu presente de casamento.

Estirou o braço por trás do bolo e pegou um grande envelope, que passou a Jack.

Jack deixou cair a alma aos pés. Tinham que trocar presentes de casamento? Estavam dando um ao outro até que a morte os separasse, não tinham que trocar coisas. Pegou o envelope sorrindo, embora se sentia um imbecil. Não tinha levado nada!

— Vamos, abre-o — Animou ela, dando um empurrãozinho no braço.

Jack colocou o dedo sob a lapela do envelope, abriu-o e olhou dentro com atenção. Incapaz, pelo visto, de esperar que ele tirasse a parte de papel, Megan o tirou por ele e quase o pôs de um empurrão diante do nariz.

Jack não tinha nem ideia do que estava vendo.

Megan agitou o papel como se isso fosse ajudá-lo a ler.

— É uma escritura — Disse — Comprei a montanha Springy, mas a escritura está em nome dos dois e construiremos uma pequena cabana lá no alto.

Jack franziu o cenho, ainda sem compreender.

Megan voltou a colocar com energia a escritura no envelope.

— É a montanha onde passamos a noite — Explicou com suave exasperação — Incluída a terra onde viu as marcas do puma. De modo que já não temos que nos preocupar porque urbanizem essa zona.

Dito isso, cruzou os braços sobre a barriga debaixo de seus preciosos e seios cheios, e elevou o olhar para ele, espectadora.

Jack deu uma olhada a igual espectadora audiência.

— Bem… Meu presente de casamento para Megan… — Lançou um rápido e cordial sorriso — É que não pude trazer isso justo aqui esta noite, porque é… Já sabe…

Por fim acendeu a lâmpada, e seu sorriso se alargou.

— Comprei um barco rapidíssimo para que subamos a toda velocidade pelo lago até a cabana que vamos construir. Não é estupendo, carinho?

 

 

[1] Drùidh – Em gaélico significa sacerdote, mago.

[2] Laird – É uma forma abreviada de ‘laverd’, que é uma antiga palavra escocesa vinda de um termo anglo-saxão, que significa Senhor. Também um título para um latifundiário da nobreza, vem logo a baixo de um Barão.

[3] Lass – É um termo gaélico para “moça”.

[4] Linces – São felinos de dimensões um pouco maiores que o gato doméstico.

[5] Cree – Povo indígena oriundo da América do Norte.

[6] Promontório – Porção de crosta terrestre, no litoral de um continente ou ilha, que avança para o mar, apresentando estreitamento da sua largura entre a terra e a sua extremidade.

[7] RESI – Rede Estadual de Atalhos Interconectados.

[8] Nanook, o Esquimó – Este filme é considerado como a primeira obra cinematográfica em que implicitamente é desenvolvido o conceito de antropologia visual.

[9] Discovery Channel – É um canal de televisão por assinatura, destinado a apresentação de documentários, séries e programas educativos sobre ciência, tecnologia, história, meio ambiente e geografia.

[10] Cessna – Empresa de fabricação de aeronaves.

[11] Kilt – É um saiote masculino, utilizado na Escócia.

[12] OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo.

 

                                                                                Janet Chapman 

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades

 

 

              Biblio"SEBO"