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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SEGREDOS e MENTIRAS / Juliana Dantas
SEGREDOS e MENTIRAS / Juliana Dantas

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

— Vocês entendem que isso tem que ficar no mais completo sigilo?
A pergunta feita em tom preocupado pelo homem loiro e jovem não pegou o casal de surpresa. Marta e Oscar Stewart sabiam onde estavam se metendo e com quem estavam lidando quando concordaram em dar abrigo à criança recém-nascida que agora dormia tranquilamente nos braços da Sra. Stewart, alheia ao sério drama a sua volta.
— Nós entendemos completamente, Sr. Morton. — Oscar Stewart respondeu com a mesma voz grave e séria que lhe tinha aberto muitas portas nos anos em que viveu em Washington. E foi justamente por uma dessas portas que havia entrado o senador George Belford lhe pedindo um favor que mudaria para sempre a vida do assessor do partido republicano, que havia retornado a Seattle há dois anos para ajudar na campanha do atual prefeito, de quem agora era assessor direto.
Ele não esperava um pedido como aquele quando o senador lhe requisitara uma reunião privada há alguns dias. Stewart, no alto de seus quarenta anos, quinze desses dedicados ao partido, já vira muitas tramas escusas, já encobrira boa parte delas, mas nada com a magnitude do pedido do senador Belford. Porém, George era um homem astuto e que não esquecia jamais uma conversa, como aquela que ele e Stewart tiveram há três anos, quando o assessor lhe confidenciara que a esposa não poderia ter filhos, o que era um grande vazio para o casal.
— Ela é uma linda criança. — Marta sorriu enternecida para o bebê em seu colo. Ela não se importava de onde aquele anjinho tinha saído, simplesmente estava feliz por finalmente ter um bebê em seus braços. — Iremos cuidar muito bem dela.
O jovem loiro assentiu. Era óbvio que estava tenso e nervoso com aquela incumbência. E suas mãos pareciam tremer ligeiramente quando entregou o envelope ao assessor.
— Aqui estão todos os documentos. Na certidão de nascimento, a criança é filha legítima de vocês. Não queremos deixar pontas soltas.
Stewart assentiu ao abrir o envelope e ver o nome ali registrado. Ava Carly Stewart.

 


 


O jovem se levantou, parecia aliviado por finalmente ter concluído à contenda. Stewart se perguntou mais uma vez, enquanto abria a porta, por que um homem como George Belford confiaria algo de tal magnitude a um rapaz recém-saído da faculdade. Provavelmente o fato de ele ser noivo de sua filha estava contando a seu favor.

— Achei que o próprio senador estaria aqui hoje. — Não conseguiu deixar de comentar.

— O senador não quer se envolver diretamente nestes assuntos. Ele já está em Washington.

— Sei que provavelmente não é da minha conta, mas o filho de senador está de acordo com isso? — perguntei com cuidado.

O rapaz ficou tenso.

— Tem razão, isto não é da sua conta. O filho do senador está indo para Harvard e como deve saber, sua carreira já foi traçada. Assim como o pai, ele será um senador da república um dia.

— Sim, George me deixou a par do assunto. Uma criança nascida de uma relação com uma modelo adolescente certamente não faria bem ao currículo de um político — Stewart ponderou ao se recordar dos motivos daquela trama.

O filho de vinte e dois anos do senador havia engravidado uma modelo de dezesseis anos, o que para qualquer um já poderia significar problema, mas para alguém da família Belford, com certeza era uma catástrofe.

Isso explicava porque George Belford estava se livrando da criança.

— Espero que mantenha sua palavra e seja discreto em relação a esse assunto. Acho que compreende que, se isso um dia for descoberto, será um problema para todos nós.

— Compreendo completamente.

— Certo. O senador agradece a sua inestimada ajuda.

— Estou à disposição.

— O senador pede que não entre mais em contato direto com ele, entende, não é? — O rapaz estendeu um cartão ao homem. — Caso precise, fale apenas comigo e com mais ninguém.

O homem assentiu, olhando o nome no cartão. James Morton.

— Boa tarde, Sr. Morton.

Oscar Stewart fechou a porta e não viu o rosto de calculada presunção e frieza de James Morton cair, e em seu lugar uma expressão de angústia e apreensão se revelar.

Ele caminhou com passos quase trôpegos até o carro alugado, alheio à chuva que começava a cair. Suas mãos trêmulas abriram a porta do sedan preto e ele pulou para dentro.

Observou a casa estilo vitoriano através do vidro do carro, agora embaçado pela chuva. A casa que seria o lar da criança que ele tinha ajudado a matar.

James Morton não era um assassino, mas era assim que se sentia.

Bem, pelo menos aquela criança teria todo o luxo e o conforto de uma família estável e endinheirada. Muito mais do que ele mesmo poderia dizer de sua infância miserável num gueto qualquer do Queens. Mas ele havia saído daquele buraco. Havia ido para a faculdade. Se tornado melhor amigo de ninguém menos que Noah Belford. Um fodido Belford! Filho de um ilustre e rico senador. Dinheiro antigo. Fazendas na Virginia e tudo o mais. E agora ele trabalhava diretamente para o próprio senador. Homem de confiança, porra. E ainda dormia com a filha do cara. Sim, a vida era boa. E ele não precisava se sentir um merda por apenas estar fazendo o seu caminho.

Havia coisas piores no mundo do que forjar a morte de um bebê para os próprios pais.

Não havia?

 

 

Capítulo 1 - Olivia


A chuva despencou no momento que entrei na limusine naquele fim de tarde. Talvez eu devesse ter encarado como um mau presságio. Um prelúdio do que estaria por vir quando o mundo caísse sobre minha cabeça.

Mas eu nunca fui boa em interpretar os sinais.

— Podemos ir? — o motorista perguntou, solícito, e notei o maço de cigarro em seu bolso.

— Pode me dar um cigarro?

Ele pareceu hesitar, mas dando de ombros me passou um cigarro e ainda me ajudou a acender.

Minha mãe e ex-empresária, Elisa, me mataria se me visse fumando, mas ela não estava ali comigo, então eu não me importava. Mamãe tinha me deixado há quase um ano para se casar. Ainda era incrível que ela tivesse finalmente começado a viver a própria vida e deixado a minha em paz. Ela sempre foi obcecada por meu sucesso na carreira de modelo.

Agora eu havia cumprido toda a minha agenda de trabalho da temporada naquela tarde e estava livre para finalmente tirar férias depois de tantos anos trabalhando sem descanso. E poderia pensar se iria querer continuar naquela vida. Nos últimos tempos, comecei a sentir um certo desânimo com aquele trabalho de modelo. Eu tinha vinte e seis anos e intuía que talvez fosse a hora de parar. Porém, que rumo poderia tomar? Passei os últimos nove anos vivendo e respirando aquela vida, entre ensaios fotográficos, desfiles e viagens pelo mundo, comparecendo a intermináveis festas que nem sempre estava com vontade de ir, vestindo grifes famosas no corpo e um sorriso falso no rosto, quando na maioria das vezes preferiria estar em casa dormindo. Como nesse momento em que usava um vestido Armani Privé exclusivo, depois de horas chatas encarando maquiador e cabeleireiro para ir a uma entediante festa beneficente onde estariam presentes as pessoas mais ricas de Nova York exibindo suas joias e falsas boas intenções.

Abri o vidro para a fumaça sair, a chuva tinha diminuído um pouco enquanto o carro percorria as ruas congestionadas de Manhattan. Deixei meus olhos se perderem através da janela, para o movimento das pessoas nas calçadas apinhadas, as buzinas dos táxis impacientes, as crianças que brincavam em um parque ignorando a chuva fina que ainda caía. Senti aquele velho incômodo por dentro. O carro parou num farol e as risadas ainda chegavam até mim. Eram somente crianças. Anônimas. Sem nome. Que pertenciam a outras pessoas. Eu as admirei por um instante. Uma delas chamou a minha atenção enquanto se equilibrava nas barras de ferro. As roupas de inverno eram coloridas e bonitas. Ela tinha estilo, pensei com um sorriso. Então ela terminou o trajeto e deu um grande pulo, satisfeita. Devia ter uns nove anos. Senti um frio na espinha, que gelou o meu corpo inteiro. O farol abriu e o carro se pôs em movimento no mesmo momento em que a criança se virou, indo brincar novamente.

Fechei o vidro olhando para a frente. Obrigando-me a voltar a respirar.

Já havia se passado nove anos. Eu não poderia vê-la em toda menina que teria sua idade hoje. Era ridículo.

Terminei o cigarro no momento exato em que nos aproximávamos do hotel em que seria o evento e já podia ouvir a horda de fotógrafos lá fora, loucos para ver quem teria o melhor flash.

— Finalmente! — Dana irrompeu no carro se acomodando à minha frente com seu sorriso radiante e seu perfume intoxicando minhas narinas. Seus olhinhos treinados varreram minha imagem, certamente para se certificar que estava tudo no lugar. — Este vestido está incrível, mas o que não fica incrível em você?

— Incrível seria estar em casa, dormindo, depois de ter acordado às cinco da manhã para uma sessão de fotos que durou quase o dia inteiro.

— Não reclama! Foi seu último trabalho, agora pode tirar férias — ela disse, erguendo as mãozinhas atrevidas e arrumando as mechas do meu cabelo castanho, enquanto franzia o nariz. — Que cheiro é esse? Estava fumando?

Rolei os olhos e dei de ombros.

— Preciso de algo para não dormir. Espero que tenha bebida nesse jantar.

— Aposto que sim. Contanto que não fique bêbada e durma com algum ator idiota.

— Ah, por favor, não vai me deixar esquecer? — resmunguei. Sabia que Dana estava se referindo ao meu último e malfadado caso com um ator de Hollywood chamado Sam Larson, que, o que tinha de bonito, tinha de superficial, me entediando em poucas semanas.

— Ele estará nesse evento hoje, então prepare-se.

— Ah não. — Tudo o que eu não precisava era ter um ex, bêbado e carente, atrás de mim.

— Farei o possível para mantê-lo longe.

— Obrigada, estaria me fazendo um grande favor!

— Ah, antes que me esqueça, tenho algo novo para você...

— Dana! Eu te disse para não me agendar mais nada!

Ela deu de ombros.

— Eu posso tentar! Ainda acho que nunca vai conseguir parar, Olivia. Nunca vi alguém trabalhar tanto como você.

— Qual o problema com isso? É o meu trabalho que paga suas roupas de grife.

Ela sorriu.

— Isto é verdade.

Dana Sherman tinha trinta e poucos anos e era minha agente desde que a minha mãe se aposentara, há um ano. E nos tornamos grandes amigas.

Antes que pudesse especular sobre o que seria esse novo trabalho que ela queria me arrumar, seu celular tocou e ela sorriu antes de passar para mim.

— Sua mãe.

Suspirei e apanhei o celular de suas mãos, levando-o à orelha.

— Oi, mãe.

— Por que tenho que ligar para Dana para conseguir falar com você?

— Porque estou ocupada!

— Precisa de férias! Está engatando um trabalho no outro há anos. Agora você já é uma das modelos mais bem pagas do mundo, pode escolher seus trabalhos, Olivia, foi para isso que tanto trabalhamos. Precisa de vida social. Precisa de vida amorosa!

Fechei a cara.

— De novo esse assunto? Eu tenho vida social e amorosa! — Ainda não tinha contado à minha mãe sobre a minha vontade de largar a carreira. Tinha medo de como ela iria reagir. Por muitos anos, a minha carreira foi a vida dela, até que conheceu Paul e se casou, indo morar em outra cidade. Mas ela só fez isso porque eu tinha alçado o tão almejado sucesso. Deixar tudo para trás agora, no auge da minha carreira, certamente não a agradaria.

— Sei... — falou, irônica. — Precisa acordar para a vida, Olivia. O tempo está passando e você não está ficando mais nova! — Desde que se casou, mamãe tinha colocado na cabeça que eu também precisava encontrar um homem, como se só faltasse isso para a minha vida ser perfeita.

Eu revirei os olhos. Estava totalmente farta daquele discurso que Elisa adotou depois que se casou.

— Já está na hora de esquecer o passado e seguir em frente — ela disse baixinho e eu respirei fundo, sentindo a velha dor me quebrar um pouco.

— Mãe, adoraria ouvir toda a sua ladainha ensaiada, mas estou em um evento, nos falamos depois, ok?

— Tudo bem. Vá brilhar!

Desliguei e passei o telefone para Dana.

Antes que ela pudesse fazer qualquer comentário, alguém bateu no vidro e Dana sorriu quando um homem bonito abriu a porta.

— A princesa está pronta? — ele brincou.

— Querido, sabe que Olivia odeia quando a chama de princesa.

— Sim, a princesa está — resmunguei para Logan, o noivo de Dana. — Não sabia que estaria aqui hoje, Logan.

— Minha noiva não te contou que hoje é o nosso aniversário de namoro?

Eu fuzilei Dana com o olhar.

— Não, não me contou.

Ela fez um movimento de descaso e estendeu a mão a Logan, que a ajudou a sair do carro.

— Trabalho é trabalho.

Logan me ajudou a sair também.

— Deveria ter me avisado! Não quero estragar a sua noite de comemoração.

— Não estragou, consegui um convite para o Logan e tudo resolvido, não é, querido?

Logan era um proeminente advogado e um cara muito legal, e sabia que Dana era muito ocupada com a minha vida e parecia entender na maior parte do tempo, mas eu me sentia culpada de qualquer jeito. Dana era a única que tinha uma vida amorosa decente acontecendo ali, e eu deveria ter um certo respeito. Já bastava uma de nós não ter sorte no amor.

— Então, assim que eu entrar, estão dispensamos do trabalho de babá. Vão curtir a noite sozinhos.

— Não, não acho... — Dana começou a protestar, mas eu a calei. — Logan, estamos entendidos?

— Perfeitamente, princesa. — Ele sorriu. Eu gostava de Logan, Dana tinha muita sorte de namorar um cara legal como ele.

— Agora, podem me jogar aos lobos — disse, enquanto Dana me guiava pela horda de fotógrafos estrategicamente colocados em frente ao Waldorf Astoria.

Respirei fundo, colei o sorriso sexy no rosto que todos esperavam ver e posei para as fotos, tentando ignorar as perguntas idiotas e nem sempre educadas.

— Ei, Olivia, vai estar no desfile da Victoria’s Secret esse ano?

— Sam Larson a pediu em casamento?

Lutei para não revirar os olhos.

— Podemos ter uma foto dos dois juntos, Olivia?

— Vai estar na festa no iate do Leonardo de Caprio em Saint-Tropez, Olivia?

Ah, já chega.

Dana entendeu a mudança sutil em minha expressão e deu a sessão por encerrada, e com um último aceno, pude me virar e entrar no hotel, deixando o barulho de flashes para trás.

— Diga que não precisarei ver Sam Larson esta noite — resmunguei enquanto caminhávamos pelo saguão em direção ao salão do jantar.

No lobby, alguns garçons serviam champanhe e eu me apressei em pegar uma taça e a virar quase toda.

— Ei, devagar com isso.

— Pelo menos a bebida é boa. — Ignorei seu aviso e peguei outra taça.

— Não precisa se embebedar pra aguentar o seu ex. Eu chequei quem está na sua mesa. — Ela olhou algumas anotações em seu celular. — Como você demorou para confirmar, eles te encaixaram na mesa de alguns políticos.

Levantei a sobrancelha, minha segunda taça já estava quase vazia.

— Políticos?

— Temos dois deputados, o ex-prefeito Giuliani, suas respectivas esposas e um pré-candidato ao senado, Noah Belford.

Eu paralisei, como se um raio tivesse me atingido.

— Noah Belford? — repeti, achando que tinha ouvido errado.

— Sim, conhece? Eu o vi em uma entrevista esses dias no jornal da manhã. Ele é bem gato...

— Oh, inferno — murmurei, empalidecendo.

— O que foi? Não vai dizer que não quer ficar nessa mesa de políticos, eu falei que precisava da confirmação e você ficou me enrolando...

— Não, não é isso...

— O que foi?

— Noah Belford... Eu o conheço.

— Conhece... Wow. — Dana era rápida para entender as coisas. — Você já pegou esse cara? Um Belford? Como nunca me contou isso?

Suspirei, forçando meus pés para dentro do salão elegante, já que a fila começava a se formar impaciente atrás de mim.

— Foi há muito tempo...

Meus pensamentos foram para dez anos antes, quando pousei meus olhos até então inocentes em toda perfeição que era Noah Belford.

O problema era que ele era perfeito demais até para mim.

A primeira vez que o vi foi também a primeira vez que menti na vida.

— Quem é ele? — Cutuquei Jenny ao meu lado, que rolou os olhos ao ver de quem se tratava. Eu sabia que Jenny devia conhecê-lo. Jenny conhecia todo mundo. Ela era assistente de uma famosa editora de revista e por causa dela eu tinha ido naquela festa exclusiva. Eu estava em Nova York há seis meses tentando a carreira de modelo e tinha certeza que não iria longe, mas minha mãe insistiu que nos mudássemos de Olímpia para cá depois de um olheiro dizer que eu tinha um corpo bom e olhos expressivos.

— Mas nem tenho altura!

— Já ouviu falar de Kate Moss? Tem lugar para você no mundo da moda, se quiser tentar — ele disse e dali em diante isso se tornou a obsessão de Elisa. Ela me tirou da escola, onde eu fazia o segundo ano de high school, e nos mudamos para Nova York.

Eu tinha conseguido alguns trabalhos, mas ainda não tinha estourado como Elisa sonhava.

— É Noah Belford — Jenny sussurrou em meu ouvido. — Lindo, não é?

Sim, ele era totalmente deslumbrante, com cabelo castanho-claro perfeitamente bagunçado e olhos dourados. E desde que ele entrou na sala, eu não conseguia desviar o olhar.

Ele estava acompanhado de um casal muito loiro e bonitos, como Barbie e Ken.

— Isto deveria significar algo? — insisti. Todo mundo na sala parecia querer falar com eles.

— Nunca ouviu falar dos Belford? Eles são de uma longa dinastia política.

— Tipo os Kennedy?

Jenny riu.

— É, é uma boa comparação. Mas sem os escândalos sexuais! O pai dele é senador.

— Uau!

— Sim, uau! E é gato também!

— E quem são aqueles com ele?

— A loira é Barbara, a irmã dele. O loiro é o namorado dela, James. Ele é amigo de faculdade do Noah.

— Noah faz faculdade? Quantos anos ele tem? — Eu quase desanimei. Se ele estava na faculdade, provavelmente me acharia uma criança.

— Ele tem vinte e um. E está indo para a faculdade de direito em Harvard quando terminar o ano. Todo mundo sabe que ele vai seguir o mesmo caminho do pai. — Ela, de repente, me olhou com descrença. — E pare de olhar para ele toda deslumbrada, duvido muito que ele se interesse por você! Namorar uma modelo de dezesseis anos seria um escândalo, o pai dele não ia gostar nada disso! Noah Belford sai com garotas de família rica da sociedade, querida!

Tentei não ficar chateada com as palavras de Jenny. Mas, provavelmente, ela tinha razão, Noah Belford nunca olharia para mim. No entanto, isso não me impedia de olhar para ele. E muito.

Eu estava totalmente atraída. E pensando num jeito de ele me notar. Ele tinha que me notar...

Voltei ao presente, quando Dana tocou meu braço.

— Ei, estou falando com você? Não vai me contar por que bastou falar o nome de Noah Belford para você ficar estranha?

Suspirei e me obriguei a sorrir, apesar do medo que apertava as minhas entranhas. Eu não podia negar que havia um certo frisson em saber que Noah estava ali, em algum lugar daquele salão, depois de tanto tempo.

— Outra hora talvez eu te conte, é uma longa história.

— Uma história de amor? — Os olhinhos de Dana brilharam, excitados, e eu rolei os meus.

— Que acabou bem mal. — Engoli o nó da garganta. Não. Não ia me lembrar disso. Era lembrança proibida, trancada no lugar mais secreto da minha mente e do meu coração.

Mas Noah estava ali e, de repente, eu me perguntei se ele ainda era tão lindo como antes. Será que se lembraria de mim?

— Ah, tem que me contar... — Dana insistiu.

— Dana, acho que você deveria ir — eu a cortei.

— O quê?

— Logan está te esperando. Vá comemorar com seu noivo, em um lugar romântico, não aqui, nesse jantar chato.

— Não, eu tenho trabalho a fazer.

— Estou te dispensando.

— Mas, Olivia...

— Sei tomar conta de mim mesma, Dana. Vá. — Ela continuava a argumentar, mas minha mente e meus olhos já estavam em outro lugar. Estavam varrendo o salão à procura de uma única pessoa.

Entrei no salão e peguei outra taça de champanhe. Minha cabeça começava a rodar, mas era bom, me fazia apenas querer flutuar.

E, de repente, eu o vi. Ele estava de costas, mas eu conhecia aquela compleição física. Alto, ombros largos, vestindo um smoking, os cabelos, como sempre, incríveis. Não pude deixar de sorrir quando ele passou os dedos inquietos pelas mechas rebeldes. Era um gesto tão dele, que não havia mudado com o passar dos anos.

Meus pés, revestidos de Louboutin, caminharam quase como se tivessem vontade própria, como se um imã me puxasse em sua direção.

— Olá, você é Noah Belford? — eu me vi repetindo a mesma frase de anos atrás, quando estava desesperada para que ele me notasse.

Noah se virou no mesmo instante, e eu sabia, pelo seu olhar, que ele havia reconhecido a minha voz. Ele se lembrava.

Deixei meus olhos cobiçarem sua figura por um instante constatando que, sim, Noah Belford ainda era lindo.

E em seus olhos vi que ele fazia o mesmo comigo. Como uma dança. Eu me movimento, ele se movimenta. Foi sempre assim, desde o início.

— Nos conhecemos? — Ele entrou no jogo, também repetindo as mesmas palavras.

Eu sorri.

— Eu conheço seu pai. Quer dizer, votei no seu pai.

— Ah, uma republicana.

— Com orgulho.

Ele fez uma careta, franzindo o olhar. Fim de jogo.

— Você não é republicana, Olivia Miller.

Dei de ombros.

— Culpada, Noah Belford.

— Olivia — ele repetiu meu nome devagar, como se saboreando. Algo antigo se agitou dentro de mim.

— Noah Belford, não esperava o encontrar aqui.

— É, eu não costumo frequentar os mesmos lugares que modelos famosas.

— É um jantar beneficente.

— Então eu deveria dizer que não esperava encontrá-la aqui.

— Talvez nenhum de nós deveria estar aqui.

— Eu não tenho escolha.

— Acho que até tenho, mas gosto de sair do olimpo das modelos e me misturar com os humanos por uma boa causa, de vez em quando.

Ele riu e eu me senti derretendo um pouco. Sabia que havia algumas luzes começando a piscar em minha mente. Luzes de alerta. Mas eu as ignorei.

Era só um maldito jantar! Que mal tinha trocar algumas palavras espirituosas com Noah Belford, e me deixar levar um pouquinho pelas velhas lembranças?

O garçom passou por nós e eu peguei outra taça. Sabia que não deveria estar bebendo quando ainda estava com o estômago vazio, mas não me importei.

— Então, você é candidato ao senado.

— Pré-candidato, por enquanto. E você chegou onde queria.

— Parece que nós dois chegamos onde queríamos.

— Eu sempre disse que um dia ia te ver desfilando para a Victoria’s Secret.

Eu corei. O que era ridículo.

— Eu não disse que ia te ver no senado, mas... Acho que estava escrito, não é? O seu pai deve estar bem satisfeito. — Não consegui esconder o veneno na minha voz. Era inevitável.

Noah ficou sério. O tom leve da conversa foi substituído por uma tensão quase palpável cheia de coisas não ditas.

— Você está linda, a propósito — ele disse de repente e embora eu ouvisse aquilo o tempo todo, saindo da boca de Noah sempre tinha um gosto diferente. As pessoas viam em mim apenas a modelo famosa. Noah via através de mim.

— Você também não está nada mal.

Nós ficamos em silêncio, algumas pessoas passavam e nos cumprimentavam, mas nossos olhares sempre voltavam para o mesmo lugar. E eu sabia que por sua mente estava passando as mesmas coisas que pelas minhas. Lembranças de nós dois juntos. De muitos anos atrás. Lembranças que, assim como eu, ele devia ter enterrado no mundo da memória, mas que agora vinham à tona.

— Noah, finalmente te encontrei e... — Nós nos viramos para o homem loiro que nos interrompeu e ele olhou para mim como se tivesse visto um fantasma. — Olivia!

— Oi, James, quanto tempo. — Eu pouco me recordava de James. Ele era o melhor amigo de Noah na época que saíamos, mas eu estava muito ocupada me enroscando na cama de Noah para me preocupar em fazer amizades.

E depois, bem... Era melhor não pensar em toda a merda que aconteceu depois.

— Bem, acho que não tenho que apresentá-los — Noah disse enquanto James parecia muito tenso.

— Noah, o jantar já vai ser servido, precisamos ir para a mesa.

— Acho que estamos na mesma mesa — esclareci sem saber se ficava animada ou preocupada.

— Realmente? — Noah levantou uma sobrancelha e percebi que ele ficou animado. Ah, droga.

Peguei mais uma taça de champanhe.

— Não, não estão. Eu tive que mudá-lo de mesa, Noah — James disse.

— Por quê? — Noah franziu o cenho, confuso.

James relanceou o olhar nervoso em minha direção brevemente antes de desviá-lo para Noah, e eu entendi o motivo. Hum, isso era interessante, pensei com ironia. James não queria que Noah ficasse na mesma mesa que eu.

— É, nós precisamos falar sobre seu discurso...

— Acho que também preciso ir para a minha mesa — eu disse ao me afastar. Meus pés vacilaram e ri sozinha ao me sentar, fazendo com que as pessoas à minha mesa me encarassem como se eu fosse louca. Bem, talvez eu realmente estivesse naquele momento. Ou talvez um pouco bêbada?

Por que eu continuava pensando que era uma pena que Noah não estivesse na mesma mesa para que pudéssemos continuar conversando ou, quem sabe, flertando? Ah, inferno. Acho que estava mesmo meio bêbada. E foi por isso que tentei comer os suntuosos pratos que foram servidos, prestar atenção na conversa chata das mulheres à mesa, porque, convenhamos, o papo cheio de soberba dos homens era impossível, não que os das mulheres estivessem melhores. Talvez eu precisasse de só mais um pouquinho de bebida.

De repente, senti como se alguém estivesse me observando e levantei o olhar para ver Noah duas mesas à frente, me encarando. Ele tinha um sorriso de lado no rosto que eu não consegui deixar de retribuir. Alguém o chamou na mesa e ele voltou a atenção, mas de vez em quando ainda relanceava o olhar para mim. Foi em um desses momentos que fiz uma careta de tédio, apontando para os meus companheiros de mesa, e ele sorriu em entendimento, colocando o dedo na testa, imitando uma arma e me fazendo rir.

Ah, Deus, como senti falta disso. De ele me fazer rir. Ninguém fazia isso como o Noah.

Depois do jantar começaram os discursos e Noah se levantou e fez um em prol da instituição cujo jantar estava ajudando. E eu me vi bebendo suas palavras como se ele fosse um deus do rock e eu a mais fervorosa groupie. Noah Belford era bonito, de uma árvore genealógica imponente e tinha o dom da palavra. Naquele momento, enquanto ele saía do palco, sendo aplaudido de pé, eu percebia porque George Belford tinha certeza que ele seria presidente um dia. Um sorriso triste se delineou em meus lábios. Não foi justamente por isso que ele fez tanta questão de nos afastar?

— Olivia. — Levei um susto ao ver Sam na minha frente. Oh, droga.

— Oi, Sam...

— Você está linda.

— Eu sei.

— Veio sozinha?

— Não, eu...

— Ela está comigo. — Levei outro susto ao ver Noah se materializar ao meu lado, para a confusão de Sam. — Vamos, Olivia?

E antes que eu me desse conta do que estava acontecendo, Noah estava me puxando pela mão, fazendo com que eu me levantasse e o seguisse.

— O que pensa que está fazendo? — indaguei, divertida, relanceando o olhar para trás para ver Sam ainda confuso.

— Você pode me agradecer.

— Por me livrar de um cara?

— Você não parecia muito contente quando ele se aproximou.

— Realmente.

— Mas, — de repente ele parou e me encarou. — eu te atrapalhei? Achei que ainda sabia ler sua linguagem corporal.

— Você ainda sabe me ler, porque eu queria realmente me livrar dele. Sam é tipo... Um ex, ou quase isso.

— Hum, então temos algo em comum.

— Não é a mesma coisa — eu disse rápido demais, e acho que bastou para Noah. Ele voltou a sorrir daquele jeito que me deixava fraca. Ou eu estava bêbada?

— Quer fugir daqui?

Foi minha vez de franzir o cenho.

— Acho que já ouvi isso antes.

— Acho que é sempre uma boa ideia.

Hesitei, mas, inferno, eu estava tentada. E eu sempre podia culpar a bebida, que realmente estava me deixando menos alerta naquela noite.

Ou seria o efeito Noah Belford?

O que eu sei é que me vi sendo puxada por Noah, junto com um garrafa de champanhe contrabandeada e duas taças para o terraço do hotel.

Ah, o déjà vu.

 

 

Capítulo 2 - Noah


Quão bizarro era o destino por eu estar em um terraço de um dos hotéis mais caros de Nova York com Olivia de novo, depois de dez anos?

Ainda era surreal que eu a tivesse encontrado naquele jantar, para começo de conversa. Não que não me lembrasse dela toda vez que chegasse a Nova York. Era sempre estranho estar de volta depois de ter vivido ali há dez anos. Agora meu lar era Washington. Mas, como sempre, quando respirava o ar denso da cidade, os meus pensamentos iam para aquele lugar proibido. Obscuro. Era fácil não pensar quando estava em Washington, mas ali, eu sempre me lembrava dela.

Olivia.

Quantos anos se passaram desde que eu a vi pela última vez? Não falo de vê-la em alguma página de revista, comercial de TV, ou algo do gênero. Eu falo de estar cara a cara.

Muito tempo.

Tempo demais.

Tempo suficiente para já ter esquecido.

Talvez fosse o fato de ter acontecido tantas coisas... Ruins. Eu parei a linha de pensamento. Não. Nunca era inteligente seguir aquela linha de pensamento. Seria apenas reviver um sofrimento que devia ficar trancado a sete chaves. Nada podia ser mudado... E a vida seguia.

Naquela manhã, James me pegou no aeroporto e me lançou um olhar crítico.

— Precisa se barbear. — Eu ri, coçando a barba que não fazia há alguns dias e acendi um cigarro. — É sério, Noah. Vamos a um evento de gala. Pelo amor de Deus! Precisa ter uma aparência impecável se quiser o apoio dos políticos de Nova York.

Suspirei, cansado. Estava viajando há algum tempo em prol da minha pré-candidatura ao senado. James era o meu principal assessor e, provavelmente, se tudo saísse de acordo com o planejado, ele e a minha irmã se mudariam para Washington em breve.

James tinha perguntado se eu estava animado e dei de ombro. O que eu realmente precisava era tirar férias. Algum lugar onde ninguém falasse de política e eu pudesse ficar sem fazer a barba, tomando cerveja e fumando uns cigarros. Às vezes tinha vontade de sair da linha apenas um pouco e ser um cara comum. Mas quem eu queria enganar? Nunca fui comum. Um Belford nunca era. E a única vez que ousei sair da linha, meu pai se certificou de que eu voltasse rapidinho.

— Só isso? — James indagou com o semblante preocupado. — Noah, está focado, não está? Há meses que estamos planejando tudo e você está prestes a ser escolhido pelo partido nas eleições primárias.

— Eu sei.

— Seu pai está muito animado.

Claro que sim. George Belford me criou para seguir seus passos e eu estava próximo de conseguir meu primeiro cargo político importante.

— Estamos perto agora. Nada de errado pode acontecer neste momento, colocaria tudo a perder.

Eu ri do medo infundado de James naquele momento. O que poderia dar errado? Eu era o preferido para ganhar a pré-eleição que aconteceria dali alguns dias.

Mas, talvez, James tivesse um sexto sentido, pois a única pessoa que se interpôs na minha vida e que quase colocou todos os planos do meu pai a perder estava justamente ali, ao meu lado.

E exatamente como foi há dez anos, eu não conseguia tirar os olhos da sua figura perfeita desde que a vi novamente.

Se fechasse os olhos, ainda podia me lembrar da festa a dez anos atrás, que eu não queria ir, porque estaria acompanhado de James e Barbara. Eu odiava sair com eles. Na verdade, odiava os dois terem se tornado um casal desde que Barbara foi morar comigo em Nova York para fazer faculdade. Antes, James Morton era só meu amigo e, de repente, ele era o namorado da minha irmã e eu tinha que aguentá-los em todos os lugares. Às vezes eu pensava que deveria arranjar uma namorada também, talvez assim me livrasse deles. O problema é que, embora eu saísse com muitas garotas da universidade, não tinha conhecido nenhuma que valesse a pena namorar de verdade. E sem falar dos meus pais. Todos os feriados que eu passava em casa era a mesma coisa, vários desfiles de debutantes com colares de pérolas e bolsas de marca, e sobrenomes importantes.

— Você pode se divertir com muitas garotas, querido — minha mãe dizia. — Mas tem que escolher a garota certa para se casar. Aquela que vai ser a primeira dama dos Estados Unidos.

Ah sim, minha mãe tinha uma fantasia maluca que eu seria o presidente dos Estados Unidos um dia. Meu pai tinha certeza.

Eu estava tão, tão ferrado.

Cresci acreditando que ser um político importante, assim como o meu pai era e o meu avô foi, era o meu destino. Eu entrei para a faculdade acreditando nisso. O problema é que naquele momento, longe das vistas do meu pai e do peso do nome Belford, eu já não tinha tanta certeza se era aquilo que queria para a minha vida. A questão era que eu não tinha certeza também que me seria permitido escolher outro caminho. Então eu aproveitava a minha liberdade enquanto estava lá.

Barbara e James começaram a discutir por ela achar que ele estava olhando demais para as modelos na festa, e eu acabei me afastando à procura de um garçom com bebidas ao acreditar que ficar bêbado era uma boa opção, foi então que uma garota se materializou na minha frente.

— Ei, você é Noah Belford?

Eu franzi o cenho, medindo-a com interesse.

Ela era bonita. Uma pele muito branca e cabelo longo e escuro. Usava um vestido justo de brocado preto e se equilibrava em saltos ridiculamente altos, mordendo os lábios vermelhos, quase como se estivesse envergonhada. Talvez estivesse corando, mas eu não conseguiria perceber com toda aquela maquiagem.

Ali estava uma modelo, deduzi.

— Nos conhecemos? — indaguei, levantando a sobrancelha e ela sorriu.

— Eu conheço seu pai. Quer dizer, votei no seu pai.

— Ah, uma republicana.

— Com orgulho. — Ela sorriu.

Um garçom passou e eu peguei duas taças e passei uma para ela. De repente, eu me perguntei se ela tinha idade para beber. Ela parecia muito jovem embaixo daquela maquiagem pesada.

— Estarei encrencado dando bebida a você?

Ela piscou.

— Um pouco. Eu tenho dezenove, mas ninguém precisa saber.

Dei uma checada de novo em seu corpo. Ela era linda. Eu antevi que a noite poderia ser bem interessante, afinal.

— Eu não sei seu nome.

Ela estendeu a mão.

— Olivia Miller.

— Eu deveria te conhecer? Já te vi em alguma capa de revista? — Mantive sua mão na minha.

— Eu ainda não fiz nenhuma capa. — Ela deu de ombros. — Faz pouco tempo que estou na cidade trabalhando como modelo.

— De onde você é?

— Sou de uma cidade que nunca deve ter ouvido falar.

— Tente.

— Olímpia.

Eu realmente nunca tinha ouvido falar.

— Fica próxima de Seattle — ela explicou.

— Ah, isso ajuda. E está gostando da Manhattan?

— É maravilhosa! Tudo é tão grande e animado... Até meio assustador. E você, é daqui?

— Eu estudo aqui. Estou me formando em Ciências Políticas e irei para Harvard fazer direito no próximo ano.

— Vai ser advogado?

— Provavelmente um político. Você poderá mostrar o quão republicana é votando em mim daqui a alguns anos.

— Mal posso esperar! Podemos tirar uma foto e eu direi para todo mundo que conheci um futuro senador.

— E eu poderia dizer que conheci uma modelo famosa, quando estiver desfilando para a Victoria’s Secret.

— Eu duvido que algum dia isso aconteça!

— Por que não? Aposto que tem um corpo incrível.

Ela mordeu os lábios de novo. E eu quis beijá-la naquele momento.

E do jeito que ela me olhava, a vontade era recíproca. Olhei em volta, Barbara e James continuavam discutindo.

— Quer sair daqui? — perguntei de repente.

— Sair?

— Eu já fiquei hospedado nesse hotel — Estávamos em uma suíte de um dos hotéis mais exclusivos da cidade. —, e tem uma piscina no terraço.

Ela desviou os olhos, parecendo hesitar, então sorriu ao me encarar de novo.

— Claro!

Nós subimos para o terraço e ela tirou os saltos quando pisamos no deque. Assim, ela ficava muito pequena se comparado com o meu quase um metro e noventa, e eu disse isso a ela.

— Me acha baixinha para ser modelo? Sabe a altura da Kate Moss?

Eu ri ainda mais e lhe ofereci um cigarro.

Eu fumava escondido há alguns anos porque meu pai e minha mãe não aprovariam qualquer vício.

Ela hesitou, mas pegou um.

Nós fumamos em silêncio por algum tempo e eu me perguntava em que momento poderia beijá-la.

— Vamos entrar! — Ela ficou em pé de repente e começou a tirar o vestido.

Wow!

Eu a fitava meio embasbacado, enquanto ela ficava de calcinha e sutiã preto. E ela ainda disse que não podia desfilar para a Victoria’s Secret. Puta que pariu!

Ela se virou, pulou na piscina e emergiu me chamando.

— Não vem?

Eu sorri lentamente e joguei o cigarro num canto, começando a tirar a roupa.

Então mergulhei para pegar Olivia Miller.

E foi assim que tudo começou. Naquela mesma noite eu a levei para a cama e não saiu de lá por uns bons meses, até meu pai descobrir que, na verdade, Olivia Miller mentia descaradamente para mim. Ela não tinha dezenove anos, mas tinha completado dezesseis. Eu fiquei puto e terminei tudo. Meu pai ficou aliviado, obviamente temia um escândalo, ainda mais no ano da campanha em que ele tentava a reeleição. Da minha parte, eu só estava enfurecido por ela ter mentido por tanto tempo.

Achei que nunca mais veria Olivia Miller, mesmo sentindo falta dela todos os dias. Mas que futuro nós tínhamos naquela relação que não deveria nem ter começado? O que nenhum de nós dois sabia era que aquele não seria o nosso fim.

— Acho que estou um pouco bêbada — Olivia murmurou, fazendo-me voltar ao presente. Ela estava encostada na cadeira ao lado da minha com os olhos fechados. Seus sapatos estavam esquecidos ao lado, assim como a garrafa de champanhe que já havíamos entornado.

— Talvez devesse esfriar a cabeça.

Ela abriu os olhos sonolentos e sorriu para mim. Linda pra caramba. O tesão fluiu livre em mim, flutuando em sua direção como a fumaça de cigarro que saía da minha boca.

— Ah, você se lembra — Ela sorriu languidamente. — da noite em que pulamos naquela piscina quando nos conhecemos. Eu fiquei espirrando por uma semana. Mas eu queria parecer sedutora e interessante pra você reparar em mim — confessou.

— Eu já tinha reparado em você, Olivia. — Não disfarcei o desejo em minha voz. Não disfarcei daquela vez, e não queria disfarçar agora.

Ela não desviou o olhar.

— Eu sinto muito por ter mentido sobre a minha idade naquela noite — murmurou.

— Eu não sei se teria resistido mesmo se soubesse, Olivia — foi a minha vez de confessar.

Eu estava além da racionalidade do que era certo ou errado naquela noite. Como estava agora, quando me inclinei e pousei meus lábios sobre os dela com gosto de champanhe.

Ela gemeu baixinho e eu fiquei ali, deixando a minha língua matar a saudade da dela, enquanto a puxava para mim para colar seu corpo perfeito ao meu.

Malditamente sim. Era isso. Era exatamente assim que eu a queria desde que pousei meus olhos nela naquela noite. Suspirando e entregue, seus gemidos suaves tão únicos em meu ouvido, seu corpo quente se esfregando no meu. Minhas mãos saudosas buscando o zíper do vestido caro para que eu pudesse acabar com aquela vontade que já durava dez anos, e eu tinha certeza que era a dela também.

Mas então ela parou e me empurrou sem muita convicção, mesmo assim, a mensagem era inconfundível. Quando encarei aqueles olhos verdes incríveis que não mais me fitavam com desejo e sim dor, eu entendi.

Eu senti a mesma dor. Aquela que não me permiti sentir há quase dez anos.

A dor da perda.

— Não podemos... — sussurrou, lutando para se afastar.

— Olivia. — Eu a vi se levantando tropegamente e tentando calçar os sapatos, xingando baixinho quando a tarefa se tornou muito difícil.

— Eu preciso ir embora.

— Eu sei — eu disse por mim, levantando-me e a segurando para que conseguisse calçar os sapatos.

— Obrigada.

— Vem, vamos descer.

Eu a guiei pelo saguão enquanto pegava o meu celular e mandava uma mensagem a James, que já havia deixado vários recados furiosos perguntando onde eu estava. Eu tinha ignorado completamente.

— Oh, droga, eu não sei onde diabos está o carro que me trouxe. Eu nem perguntei para a Dana — Olivia disse, pegando o celular com as mãos trêmulas. — Eu não queria atrapalhá-la...

— Eu a levo.

Ela me encarou.

— Eu apenas te deixarei em casa em segurança, Olivia.

— Tudo bem — concordou por fim. Ela parecia fraca demais para discordar.

Alguns minutos depois, um James enfurecido se aproximou ao mesmo tempo em que uma limusine parava na calçada.

— Onde diabos se meteu... — então ele viu Olivia. — Ah, está de brincadeira?

— James, cala a boca — sibilei enquanto guiava Olivia para dentro do carro. Ela falou o endereço ao motorista e James nos seguiu, agora em silêncio, olhando de mim para Olivia com horror.

— Você está bem? — perguntei a Olivia, tocando seu braço.

— Não — ela sussurrou ao me encarar. — Por que nunca falamos dela?

Eu ouvi suas palavras como se tivesse levado um soco no rosto.

— Por que a gente se encontrou e... Flertou como dois velhos amigos como se não tivesse... — ela engasgou. — Como se ela nunca tivesse existido?

— Porque é assim que nós vivemos desde então — respondi por fim.

— Mas ela existiu.

— Ela morreu, Olivia — eu não queria que as minhas palavras saíssem tão duras. Mas sabia que tinha sido assim, quando Olivia se afastou com o rosto desfigurado pela dor.

Eu tentei alcançá-la de novo, mas ela puxou o braço, afastando-se tanto que achei que fosse abrir a porta do carro e rolar pela rua.

— Não. Tem razão. Por que falar? Ela não está mais aqui, afinal. Ela não existe.

O resto do trajeto foi feito em silêncio. Eu olhei para James e vi que estava branco feito papel, mas nada falou.

A limusine parou em frente ao prédio de Olivia e eu a ajudei a sair. Ela parecia cambaleante demais para rejeitar a ajuda ainda.

— Olivia, eu...

— Não fala nada, Noah. Vamos esquecer essa noite.

— E se eu não quiser? E se eu achar que nós realmente devíamos falar sobre...

— Não. Você tem razão. Para que falar sobre isso? Adeus, Noah.

Ela se afastou e eu a deixei ir pela última vez.

O trajeto até a casa de Barbara e James, onde eu estava hospedado, foi feito no mais absoluto silêncio. James estava verde e eu me perguntei se ele tinha bebido demais também.

— Você está bem? — perguntei quando entramos e ele não respondeu.

— Finalmente chegaram — Barbara surgiu, descendo as escadas. — E aí como foi?

Eu quis dizer a ela que tinha encontrado Olivia, mas me calei. James passou por nós e se trancou em seu escritório.

— O que deu nele? — Barbara indagou, confusa.

Eu dei de ombros, subitamente cansado depois de todos os acontecimentos da noite.

— Eu vou dormir.

Subi para o quarto, tirei a gravata e o paletó, e me deitei assim. O rosto de Olivia não saía da minha cabeça. Agora não mais com uma expressão de prazer, e sim transfigurado pela dor.

A dor da perda da nossa filha.

Eu achava que ela tinha esquecido. Inferno, eu achava que eu tinha esquecido. Mas como se esquece algo assim?

Depois de algum tempo sem conseguir dormir, eu me levantei e abri a janela, acendendo um cigarro.

Meus pensamentos continuaram em Olivia. Eu me perguntava o que ela estaria fazendo. Se estranharia se eu ligasse para perguntar como estava. Depois do que aconteceu, às vezes eu chegava a pensar seriamente em ligar para ela. Mas sempre acabava desistindo. Ligar para quê? Para reviver aqueles mesmos sentimentos? Para não falar do que aconteceu? Esse assunto era proibido. Sempre foi. Eu comecei a sentir de novo aquele princípio de dor. Esmaguei-a do mesmo jeito que apaguei o cigarro sob meus pés.

Então decidi beber. Talvez, se eu me embebedasse, conseguisse dormir, afinal.

Mas ao sair do quarto, encontrei Bárbara no corredor.

— Ei, o que faz acordada?

— Ia ver onde está o James, ele ainda não veio para o quarto. E você, o que está fazendo acordado? Ansioso pelo senado? — brincou.

— E não devo estar desde que nasci? — ironizei. — E você, preparada para morar em Washington?

Eu vi uma sombra passar por seu rosto. Barbara tinha uma carreira de executiva em uma importante multinacional em Nova York, e teria que sair do emprego para seguir James a Washington. Eu nunca exigiria algo assim da minha irmã. Mas James já passava grande parte do tempo em Washington comigo e teria que se mudar de vez quando a campanha começasse de verdade.

Eu havia dito que ela não precisava ir se não quisesse. Eu até cogitei arranjar outro assessor, mas James estava comigo há anos. E para completar, o meu pai achava que Barbara não tinha escolha. Ela tinha que apoiar a família. Eram essas as suas palavras. Seu lema. Família em primeiro lugar. E por família, no jargão de George Belford, queria dizer carreira política.

— Estarei — ela resmungou, por fim.

— Vá dormir, Barbara. Eu vou pedir ao James para fazer o mesmo. Sabe como ele é, deve estar trabalhando.

— Que cheiro é esse, estava fumando?

— Estava fumando sim.

— Ainda com esse hábito horrível?

— Você também fumava. Se bem me lembro, nós fumamos escondidos muitas vezes quando éramos adolescentes.

— Disse bem, quando éramos adolescentes. Você tem quase trinta e dois anos, é ridículo que ainda fume escondido.

— Pare de ser chata, Barbara. — Desci as escadas, notando o barulho de chuva forte contra a janela. Era uma tempestade e tanto.

Abri a porta do escritório e estaquei ao ver James com um copo de uísque em uma das mãos e um envelope em outra, a cabeça recostada no sofá de couro marrom e os olhos fechados.

— James?

Ele abriu os olhos e por um momento não pareceu me focalizar.

— James, está bem, cara? — insisti.

Ele riu e eu percebi que estava completamente bêbado.

— Você andou bebendo, James. — Eu ri. — Barbara vai ficar uma fera.

Eu me aproximei e tentei tirar o copo da sua mão, mas ele tomou todo o uísque do copo em um só gole.

— Vem, vamos para o quarto. Chega de beber...

— Por que eu estou bêbado e ainda não esqueci? — ele perguntou com a voz grogue.

— Esquecer o quê?

— O que fiz com você e Olivia.

— Olivia? Que diabos está falando?

— Da menina.

— Que menina?

— Ava.

— Quem é Ava? James, você está bêbado demais e não está falando coisa com coisa.

— Eu não queria fazer aquilo... Eu juro que não queria, mas o seu pai — ele riu. —, o honorável Senador George. Eu morria de medo dele... Sabe que até hoje ainda tenho?

— James, vamos, pare com isso. — Consegui colocá-lo de pé.

— Ela era filha de vocês...

De repente, eu parei de fazê-lo se mover e o encarei.

— O que disse?

— Da filha de vocês, Ava...

— Não lembro da Olivia ter dado um nome para a menina.

— Não foi ela, fui eu. É um nome bonito, não é? Eu mesmo escolhi, pareceu imponente. Um nome de uma Belford. Mas ela não é uma Belford...

— Não estou entendendo, James. — Por que ele estava falando da minha filha? Ela tinha morrido há nove anos. Tinha nascido morta.

Era um assunto encerrado em nossas vidas.

— Eu achei que podia lidar com isso. Eu lidei com essa merda até hoje... Mas ver você e Olivia... Porra, cara... Acho que senti culpa pela primeira vez em todos esses anos.

— Culpa do quê?

— De ter me livrado da sua filha.

— O quê? — Eu senti minha mente dando voltas, tentando entender que diabos James estava falando. — Por que está dizendo isso? Minha filha está morta.

— Ela não está morta, Noah.

Senti a bílis na minha garganta.

— Pare de falar merda — rosnei, agora enfurecido. — Não vou deixar você brincar com esse assunto!

— Acha que estou brincando? Olhe esse envelope e veja com seus próprios olhos. — Ele se afastou para pegar a garrafa de uísque, voltando a encher o copo enquanto resmungava como se estivesse sozinho. — Tantos anos guardando sozinho essa merda...

Eu peguei o envelope e o abri. Não sei o que esperava. Qualquer coisa, menos o que eu vi.

Era a foto de uma menina de uns nove anos. O cabelo comprido num tom que parecia loiro escuro e os olhos verdes. Eu não conseguia desviar o olhar. Aqueles olhos... Onde eu tinha visto antes?

De repente, eu me lembrei. Os olhos idênticos. O chão fugiu dos meus pés.

Eram os olhos de Olivia.

— Quem é essa menina, James?

— Essa é Ava — ele disse. — Ela é a sua filha e de Olivia.

— Minha filha está morta.

— Seu pai queria que você pensasse assim.

Eu não conseguia respirar. O ar desapareceu dos meus pulmões.

— É a filha da Olivia, é... A minha filha? — Eu consegui fazer a pergunta, embora parecesse ainda surreal. Bizarro. Monstruoso. A nossa filha estava morta. Há nove anos. Mas, aquela criança...

Seus olhos... Eram os olhos de Olivia. Perfeitos. Inconfundíveis.

— Sim, Noah — James parecia derrotado ao falar.

Deus, não podia ser real. Era um pesadelo. A criança estava morta. Morta.

Passei a mão por meu cabelo. Frustrado. Horrorizado. Tentando fazer alguma conexão que tivesse sentido.

— Vocês disseram que ela estava morta. Nasceu morta. Antes do tempo... Eu não a vi. Olivia não a viu. Ninguém a viu a não ser os médicos! — Quanto mais eu pensava, mais minha mente ia enxergando os furos. Isso era cruel demais para ser verdade. — Que merda é essa, James? Isso não pode ser verdade...

— Eu também gostaria que não fosse. Eles não me deram alternativa! — James quase gritou as palavras dessa vez.

Eu senti como se tivesse sido atingido por um murro no estômago e, por um momento, achei que tinha mesmo caído. Mas ainda estava ali. Parado no mesmo lugar.

— Então é verdade... Ela está viva? — balbuciei, perdido.

— Noah, quer saber? Esquece isso. Já se passaram quase dez anos. Esquece essa história! Inferno, eu nem deveria falar sobre isso, seu pai vai me matar...

— Esquecer? Estamos falando da filha que eu acreditava que estava morta! Vocês nos disseram que ela havia morrido, e ela está viva. Viva!

— Eu sinto muito. Você nunca deveria ter conhecimento disso.

Respirei fundo várias vezes. Cores escuras dançavam em frente aos meus olhos numa miríade de sentimentos. Raiva. Dor. Horror.

— A família de vocês achou melhor assim.

— Nossa família? — Comecei a ver tudo vermelho.

— Sim, a mãe dela estava preocupada com a carreira de modelo e seu pai não queria um escândalo em sua ficha política...

— Meu Deus...

— Vocês eram jovens demais. Aquela criança não podia existir e veja só, foi melhor assim, ela foi adotada e a vida continuou para vocês...

Eu não vi a hora em que a minha mão se movimentou. Mas ela esmurrou James. Inúmeras vezes. Eu o espanquei com toda força. Ignorando o grito de Barbara que desceu para ver o que estava acontecendo.

— Seu filho da puta! Eu quero matar você!

— Noah, pelo amor de Deus. O que está fazendo? — Barbara se aproximou, tocando meu braço, mas eu a afastei com um safanão. Olhei para James, voltando a enxergar. Ele estava ensanguentado e com o olho inchado.

Eu o larguei no chão. Com nojo. Peguei a foto, coloquei-a no envelope e saí da sala, só parando para pegar as chaves do carro de James no aparador.

Entrei em seu carro e vaguei sem rumo com a chuva caindo incessantemente à minha volta.

Viva. Ela estava viva. Aquele bebê que nos disseram que havia morrido. O bebê de Olivia. O nosso bebê. Eu me lembrava perfeitamente bem do seu olhar vazio no hospital. Sua dor era a mesma que a minha, mas nunca nos foi permitido compartilhar. A dor da morte. Da perda.

Em vão. Era tudo mentira. Ela estava viva.

Há nove anos uma criança nossa vagava por aí.

Ava.

Parei o carro no meio-fio, incapaz de continuar e, encostando a cabeça no volante, eu chorei. Algum tempo depois, percebi onde me encontrava. Estava em frente ao prédio de Olivia.

Saí do carro e passei pela portaria, sem me importar com o porteiro me chamando e só parei quando bati à sua porta.

E lá estava ela. O cabelo mal preso num rabo de cavalo. O mesmo rosto perfeito. Os mesmos olhos verdes. Os olhos da nossa filha.

— Noah?

— Olivia...

— O que faz aqui?

— Olivia... Ela não está morta.

— O quê?

— Ela está viva.

— Quem? Quem está viva? De quem está falando?

— Nossa filha.

 

 

Capítulo 3 - Olivia


Eu devia estar sonhando. Só isso explicava Noah, na minha porta, dizendo aqueles absurdos.

Eu havia chegado me sentindo um lixo depois de ter me despedido de Noah. O álcool ainda agia em minha mente e eu apenas me arrastei pela casa, tropegamente, retirando o vestido pelo caminho e procurando algo para vestir no guarda-roupa. Era realmente uma merda que a primeira roupa que saltou aos meus olhos fosse uma camiseta velha. Como sempre, meu coração se apertou ao pegar a camiseta que não me pertencia. Eu a tinha roubado de Noah há muito tempo. Havia furos nela agora. Tão antiga... Mas ainda amada. Eu sabia que já devia ter me livrado dela há anos, mas não conseguia. Suspirando, eu a vesti e liguei o som. Ainda estava tocando um velho CD do Arcade Fire. Acorde, dizia a música

— Estou acordada — murmurei para mim mesma.

Embora preferisse estar dormindo – eu precisava do sono do esquecimento como nunca. Mas, apesar do alto teor alcóolico no meu sangue, não conseguia dormir. O barulho dos trovões lá fora me assustaram ao mesmo tempo em que ouvi as batidas à porta.

E a última pessoa que esperava ver estava bem ali, parada na minha frente. Sim, só podia ser um sonho. Um pesadelo.

Ele estava todo molhado. A água pingando do seu cabelo e molhando o chão do corredor. Parecia assustado. Apavorado. Chocado.

— O que disse? — A sensação de surrealismo aumentando e me sufocando com o olhar dele.

Eu devia ter ouvido errado.

O barulho da chuva batendo nas janelas devia ter me confundido. Com certeza, eu não ouvi Noah dizer aquilo.

— Ela não morreu, Olivia, foi tudo mentira. Nos enganaram.

Oh meu Deus. Eu não ouvi errado. Ele estava mesmo dizendo aquele absurdo!

— Noah, está bêbado? — indaguei. — Você usou alguma droga? Não acredito que veio bater à minha porta para falar uma maluquice dessas! Eu disse que não queria mais falar sobre isso e nem te ver!

— Não é maluquice, me ouça... — Tentei fechar a porta na cara dele, não ia admitir que fizesse piada com aquele assunto. Ele foi mais rápido e a segurou, me impedindo.

— Me escuta. O bebê não estava morto. — Fitei seus olhos. Eram sérios. Sérios e sombrios. Por que ele estava fazendo aquilo comigo?

— Pare com isso, pelo amor de Deus — murmurei, assustada.

— Acha que eu não queria parar? Acha que não estou tão chocado quanto você?

— Isso é absurdo... Não sei de onde tirou essa ideia, mas... Ela nasceu morta, Noah! Nós não temos uma filha porque ela morreu! — eu quase gritei as palavras, como se saíssem do lugar mais fundo de dentro de mim. Era um assunto proibido. Um assunto morto e enterrado. E agora estava ali, escancarado. Vindo à tona junto com a tempestade. Junto com Noah. Era demais para mim.

— Não morreu... Foi uma mentira. Olivia, precisa acreditar.

— Eu a vi... Estava morta — murmurei, toda a dor voltando, ameaçando me sufocar.

— Não viu... Porque estava viva. Eles a tiraram de você antes que a visse.

Eu me obriguei a respirar, o ar saia rarefeito, eu estava sufocando. De dor. Não era verdade. Noah estava louco. Minha filha estava morta. Foi tirada sem vida de dentro de mim. Eu ainda podia sentir aquele vazio que nunca ia ser preenchido. Mas minha mente estava embaralhada agora. Eu tinha, todos esses anos, alucinado sobre uma memória que nunca existiu, porque Noah tinha razão. Eu nunca a vi. Não me deixaram vê-la. Nem seu corpo sem vida. Uma lança aguda transpassou meu peito. Eu não podia acreditar naquele absurdo. Mas me vi encarando-o e perguntando.

— Como é possível?

— Eles armaram tudo. Não adivinha por quê? Eles não queriam um escândalo. Eles nunca aceitaram. Não iam permitir que ficasse com o bebê. Nunca pensou nisso, Olivia? Eles simplesmente armaram tudo. Nos fizeram acreditar que ela estava morta e a levaram embora!

— Eles quem? — minha voz saiu trêmula. Minha alma estava tremendo.

— Meu pai e a sua mãe.

— Não, n... — As coisas começaram a fazer sentido de repente, por mais insano que fosse. De alguma maneira horrível e cruel, elas faziam sentido.

Minha mãe quase enlouqueceu quando descobriu a minha gravidez. Ela insistiu num aborto. Quando não conseguiu me convencer, ela passou a gravidez inteira tentando me convencer a dar o bebê para adoção.

Eu não concordei. Eu a queria para mim.

Mas Elisa queria que eu fosse uma modelo famosa. E não uma mãe solteira adolescente. E o pai de Noah, o honorável Senador George Belford, mais do que ninguém, queria que aquela criança não existisse. Eu estava estragando a vida de Noah e a sua futura e brilhante carreira política. George Belford me ameaçou e tentou me coagir de todas as maneiras.

Minha mente começou a rodar.

— Eu não a vi... Eles a levaram de mim... Eu não a tive... Oh, Deus... — Tudo escureceu e eu desmaiei.

Quando voltei a mim, eu me deparei com o olhar preocupado de Noah, deitada no sofá.

— Você está bem?

Bem? Como poderia voltar a ficar bem um dia, depois do que havia me contado? A dor voltou com força, junto com a consciência.

— É mesmo verdade? — murmurei.

— Sim, Olivia. Eu sinto muito.

Sentei-me no sofá, tentando respirar. Tentando não desmaiar de novo. Era tudo tão horrendo.

— Como isso é possível?

— James fez bem o trabalho sujo — ele falou, enojado.

— Então... Se isso for mesmo verdade... Ela está viva?

— Sim. Ela está.

Minha filha estava viva. Viva.

— Não pode ser... Como... Como descobriu?

— James me contou. Eu o encontrei bêbado e falando sobre sentir-se culpado pelo que tinha feito a mim e a você...

— Ainda não faz o menor sentido.

— Eu achei a mesma coisa, então ele despejou tudo. Disse que meu pai arquitetou para que eles nos contassem que a criança morreu, enquanto a levavam embora. Eu não estava acreditando, mas ele me mostrou a foto. E ela era... — Ele parecia estar se lembrando e sentindo algo entre assustado, horrorizado e maravilhado. — Ela tinha os seus olhos. Idênticos. Eu me assustei. Tudo começou a se encaixar, um quebra-cabeça macabro.

— Deus...

— Eles armaram tudo. Nossa própria família, com a ajuda de James. Eles nos disseram que a criança havia morrido e sumiram com ela.

— Isso é horrível demais. Ainda é difícil acreditar que...

— É verdade, Olivia. Eu perdi a cabeça. Eu bati nele. Tanto, que talvez esteja em um hospital agora.

— Eu o teria matado — exclamei, começando a sentir a revolta crescendo.

Se isso fosse mesmo verdade... Mas era verdade. Eu podia ver nos olhos de Noah. Eles tinham nos enganado.

— Talvez ele merecesse — Noah falou, sombrio. — Então eu saí de lá e dirigi sem rumo. Precisava falar com você...

Fechei os olhos com força, incapaz de continuar. O nó na minha garganta se intensificando. Havia uma criança em algum lugar do mundo que era minha e de Noah. E que nem desconfiava disso, como nós nunca desconfiamos.

Abri os olhos finalmente e deixei as lágrimas caírem.

— Ela está viva. — Eu nem sabia mais por que chorava. Se era de dor. De revolta. De felicidade.

Eu tinha uma filha. O bebê que amei dentro de mim, apesar de toda aquela confusão, e que eu achava até minutos atrás que não existia, estava vivo.

— Sim. Está viva — Noah murmurou.

— O que você sabe? Onde ela está?

— Eu não sei nada além do seu nome. Ava.

— Ava?

Ela se chamava Ava. Minha filha.

E a minha própria mãe a levou de mim.

Quão cruel minha mãe podia ter sido? Eu não conseguia pensar nisso. Eu não podia.

— Você disse que tinha uma foto. — Eu só conseguia pensar na minha filha desconhecida.

— Está no carro. Vou pegar.

Ele se afastou e eu me levantei, incapaz de permanecer sentada, e fiquei olhando pela janela. De repente, senti medo. A partir do momento que visse aquela fotografia, que comprovasse a cruel verdade, nada mais seria o mesmo. Eu não sabia se estava preparada. Um medo irracional tomou conta de mim e eu me afastei quase correndo, me trancando no banheiro.

Eu me segurei na pia, olhando minha face pálida no espelho.

— Olivia? — ouvi a voz de Noah e pegando uma toalha, abri a porta. Ele estava mais molhado ainda e segurava o envelope.

Eu lhe estendi a toalha.

— Toma. Precisa se secar — falei calmamente, passando por ele e indo para a cozinha com ele me seguindo.

— Quer beber alguma coisa? — indaguei, vendo-o colocar o envelope sobre a mesa e secar o cabelo com a toalha. Seu olhar sobre mim era estranho, inquiridor. Talvez se perguntando se enlouqueci.

— Eu não sei se estou preparada para ver. Ainda é difícil acreditar.

— Não precisa ver agora. Sei que deve ser assustador. Eu também estou assustado, Olivia. Mas quando você a vir, não haverá mais dúvida.

Eu sacudi a cabeça afirmativamente, incapaz de falar.

— Acho que aceitarei algo para beber.

— O que você quer? Pode ser café?

— Preferia algo alcoólico.

Eu ri com um engasgo.

— Sim, acho que preciso de algo alcoólico também. — Eu me movimentei pela cozinha sob seu olhar atento até achar uma garrafa de vinho.

Nós bebemos em silêncio por um longo tempo. Não havia necessidade de palavras. Estávamos imersos em nossa própria dor. A dor de antes e a de agora se misturavam dentro de mim, causando um redemoinho de emoções.

O envelope ainda estava entre nós como uma víbora pronta para atacar.

Quanto mais pensava, mais lembrava, mais deixava aqueles sentimentos ruins guardados dentro de mim virem à tona, misturados com o horror que eu sentia agora. Foi tudo em vão. Mentiras.

Eu vivi nove anos em cima de uma mentira. A revolta e a dor ameaçaram me engolfar. Eu estava à beira de um colapso.

Olhei para o envelope e, com as mãos trêmulas, coloquei o copo sobre a mesa e o peguei. Meus dedos alcançaram a foto facilmente e eu a retirei. Então a vi.

Aquela estranha. Minha filha.

Os olhos verdes, como Noah falou, eram realmente os meus. Seu cabelo comprido, sua pele branca e o sorriso, eu não sabia definir o que estava sentindo naquele momento. Era algo que nunca senti antes. Eu estava vendo um pedaço de mim que julgava perdido para sempre. Um pedaço de Noah. De repente, soltei um grito abafado!

Meus dedos soltaram a foto, que caiu no chão.

Cobri o rosto com as mãos e chorei. No minuto seguinte, ele estava ao meu lado, me abraçando. Eu estava dilacerada.

Achei que já tivesse sentido a pior dor do mundo. A mais dilacerante. Foi quando me disseram que a minha filha estava morta. Mas a dor que sentia agora, ao saber que ela estava viva, era mil vezes pior. Porque vinha acompanhada daquele sentimento de revolta profunda por nove anos de sofrimento.

Em algum momento, em meio à minha crise de choro, ele me levou para o quarto e se deitou comigo, enquanto eu continuava imersa em puro desespero. E, por mais que eu chorasse, a dor não passava, nem diminuía. Apenas ficava pior.

— Nove anos perdidos. Por quê? — gritei, batendo em seu peito, porque simplesmente precisava descontar em alguém. — Por que fizeram isso comigo?

Noah me apertou mais forte, me segurando em meu descontrole.

— Eu sei, Olivia... Eu sei...

— Nove anos achando que ela estava morta! Eu não sei se aguento. É demais para mim. Demais. — Os soluços cortavam a minha garganta, me deixando exaurida. As lágrimas não diminuíram. Os soluços escapavam do meu corpo sem cessar. E, talvez, eu tivesse enlouquecido se não fossem os braços de Noah ao meu redor, seus dedos em meu rosto retirando os fios de cabelo grudados em minhas lágrimas. E em seu olhar havia o mesmo desespero, a mesma dor. Eu me deixei ficar ali, soluçando baixinho.

— Shhh. — Sua voz chegou até mim como um bálsamo em meu ouvido. Seus lábios frios estavam em minha testa, em minha bochecha, em minha boca. Fechei os olhos, precisando disso. Precisando dele. A única força naquele momento que me impedia de enlouquecer num mar de dor. Meus dedos crisparam em sua camisa molhada e eu suspirei profundamente. Seu cheiro de chuva invadia as minhas narinas, trazendo lembranças num redemoinho de desejo adormecido.

E eu o beijei. Com fome. Com desespero.

Era como se tudo tivesse vindo à tona e explodido. O reencontro com Noah, o desejo misturado com saudade que senti quando estávamos no terraço, as lembranças de como tudo acabou se embaralhando em minha mente e me impedindo de ir em frente, apesar da vontade. A mesma vontade que me fazia mergulhar nele, necessitando dele. Talvez fosse apenas isso. Necessidade de esquecer. Qualquer coisa que me fizesse sentir algo que não fosse dor. E as sensações físicas se avolumaram dentro de mim, enquanto eu sentia o gosto da sua boca sobre a minha misturado com as lágrimas. E, de repente, ele estava me beijando de volta. Os lábios se movendo no mesmo ritmo que os meus, a língua invadindo e explorando. Eu gemi e me aproximei ainda mais. Meus dedos puxando seu cabelo. A necessidade se transformando em desejo cru e real. Então eu soube, por instinto, que a necessidade dele era a mesma que a minha. E deixei um beijo se transformar em muitos. Quentes. Intensos. Doces. Até que tudo se transformasse em pura sensação.

Minha mente entorpecida apenas registrava sutilmente o que estava acontecendo. Os lábios deslizando em meu rosto, meu pescoço. As mãos queimando por cima da roupa. Eu não queria mais pensar. Nossos corpos acharam um caminho para o esquecimento naquele momento, e eu não me importava.

Nada foi dito. Não havia necessidade de palavras, enquanto sentia suas mãos retirando as minhas roupas com movimentos urgentes, frenéticos. Arfei, sem ar, delirando com um desejo que me deixava trêmula e fraca. Seu hálito quente e delicioso em minha pele. A umidade da sua língua em meu pescoço, meus seios, meu umbigo. Eu arquejei, puxando-o para mim, beijando-o com força, com fúria, roçando meu corpo febril contra o dele. Meus dedos percorrendo seu peito, barriga e entrando em sua calça. Seu gemido rouco foi como música para os meus ouvidos, e eu me arrastei ainda mais para aquele mundo de esquecimento, onde existia apenas o desejo puro e simples.

Em poucos minutos, as roupas dele também haviam desaparecido e eu senti a pressão entre minhas coxas aumentar. Enlaçando-o com as pernas e os braços, eu o levei para dentro de mim. E ele se moveu rápido e com força. Uma vez. E outra. Até que não restasse nada a não ser as sensações, nos fazendo perder o último contato com a realidade em um orgasmo intenso, perfeito, efêmero.

E depois, enquanto ainda tremia e arfava, eu deixei que ele me abraçasse e apenas fechei meus olhos cansados, deslizando para o sono antes que a realidade voltasse.

 


Despertei devagar. Mesmo antes de abrir os olhos, podia sentir que estava grudada num corpo masculino bem familiar, embora fizesse muito tempo que não acordava assim. Com Noah. Era estranho. Era errado.

Eu não devia ter transado com Noah. Mas precisava. Precisava de algo para esquecer. Talvez a bebida tenha ajudado. Ou piorado. Não sei. Mas eu devia ter ficado só no álcool. Teria apenas que lidar com uma ressaca. Mas não, eu transei com o Noah. E agora teria que lidar com isso.

De repente, o porquê de ele estar ali me voltou à mente. Não havia mais desespero. Até a dor era menor. Havia uma calma aceitação e um medo do que estava por vir que embrulhava meu estômago. Agora eu vivia em uma nova realidade. Eu tinha uma filha em algum lugar e isso me fez esquecer momentaneamente dos meus erros com Noah. No fundo, não era tão importante. Não se comparado com aquele fato. E, afinal, foi por isso que tinha acontecido.

Abri os olhos e o vi ainda dormindo. Devagar, eu me desvencilhei e sai da cama para tomar um banho. A chuva tinha passado quando olhei pela janela meia hora depois, já vestida.

Passei a mão em meu cabelo molhado, olhando para a foto ainda em cima da mesa. Eu me aproximei e a peguei.

— Ava — murmurei. Meu coração se enchendo com um estranho sentimento.

Agora que não havia mais o horror da descoberta, era fácil me permitir isso. Embora tudo ainda fosse nebuloso e confuso.

Larguei a foto e comecei a fazer um café. De repente, senti que não estava mais sozinha. Ao me virar, eu vi Noah ali, parecendo confuso e sonolento.

Lindo. Uma voz dentro de mim sussurrou e eu tratei de reprimi-la.

— Oi — murmurei meio sem jeito.

Ele passou a mão pelo cabelo revolto.

— Oi — ele parecia meio sem jeito também.

— Quer café? — indaguei.

— Seria uma boa.

Eu lhe dei uma xícara e peguei uma para mim.

— Olivia, sobre ontem... — ele começou e eu o cortei.

— Foi um erro.

Ele não falou nada, apenas ficou me olhando.

— Eu estava descontrolada. Acho que você também. Talvez... Precisássemos esquecer de tudo de alguma maneira.

— Transando? — Sua voz tinha um quê de ironia.

— É — falei secamente, tentando não ficar vermelha. — Droga! Não vamos fazer disso um cavalo de batalha, por favor, não quando temos algo bem maior para resolvermos.

— Você tem razão. — A voz dele parecia cansada. Seu olhar recaiu sobre a foto em cima da mesa.

— O que vamos fazer? — perguntou num murmúrio.

— Eu não sei. Primeiro, eu queria saber essa história toda. Sobre ela. — Apontei para a foto.

— Sim. Eu também quero.

— O que o James te falou?

— Quase nada antes de eu perder o controle. E ele já estava arrependido de ter falado. Pediu que eu esquecesse.

— Ela foi adotada?

— Acho que sim.

Eu mordi os lábios, nervosa.

— Ela tem outros pais... — Essa constatação fez o meu coração doer.

— Provavelmente sim.

— Ainda é difícil achar um sentido.

— Só há uma maneira de descobrirmos tudo. Vou falar com o James, embora continue com vontade de matá-lo.

— Eu vou com você.

— Agora?

— Eu não aguento esperar mais nem um minuto para passar essa história a limpo.

— Nem eu — ele concordou.

 


Minutos depois, Noah estava estacionando em frente à casa de James.

Barbara abriu a porta parecendo surpresa e assustada de nos ver ali.

— Noah... — Ela olhava de Noah para mim, muito pálida.

— Quero falar com o James — Noah falou secamente.

— Não acho que...

— Não tem que achar nada. Você sabia?

— Não! Eu não fazia ideia. Estou tão chocada quanto você. Mas não acho que você e a... Olivia estarem aqui resolveria algo. Acho que temos que esquecer tudo isso.

— Você está louca? — quase gritei, mas Noah segurou meu braço.

— Barbara, nós vamos entrar e falar com o James agora! — Passamos por ela e achamos James no escritório. Ele tinha um olho roxo e lábios rachados. E também pareceu bastante assustado quando nos viu.

— Noah! Espero que esteja mais calmo hoje. Que bom que está aqui, assim poderemos conversar e esclarecer tudo. — Ele se voltou para mim. — E como você está, Olivia.

— Muito mal, por culpa sua. Como pôde participar desse jogo sujo?

— Estou vendo que o Noah te contou...

Noah o cortou.

— Nós viemos aqui para que nos conte tudo.

— Noah, você precisa entender que isso não diz respeito só a mim. Você sabe que eu apenas recebo ordens e...

— Vai contar tudo o que sabe sobre a minha filha — eu o interrompi.

— Ela não é mais a sua filha, Olivia.

— Seu... — Eu avancei um passo na direção dele, mas Noah me segurou.

— Não vale a pena, Olivia.

— Eu estou falando uma verdade. Ela foi adotada. Há nove anos. Vocês precisam esquecer essa história e entender que foi melhor assim. Fizemos isso para o bem de vocês. Eu nunca deveria ter aberto a minha boca.

— Para o nosso bem? Eu sofri durante nove anos, sabe o que é isso? Sabe o que é perder um filho? Não, claro que não! Eu não vou esquecer. Não posso esquecer. Ela é a minha filha sim. Saiu de dentro de mim. E você vai me dizer agora onde ela está!

— Não posso...

Dessa vez, foi Noah que avançou e o segurou pelo colarinho.

— Escuta aqui, seu cretino, você vai dizer agora o que sabe, se não quiser que eu quebre o seu braço para combinar com a sua cara.

— Noah, deixa disso. Sou seu melhor amigo, esqueceu? — James tentou sorrir, mas Noah o sacudiu, enojado.

— Você não é meu amigo. Um amigo não faz o que você fez!

— Você sabe o que podemos fazer com você? — indaguei, enraivecida. — O que fizeram é crime. Eu devia denunciar à polícia!

— Vai denunciar a própria mãe? E você, Noah, vai levar seu pai ao tribunal? E já pensou o que vai aconteceu com a sua candidatura? Toda a sua carreira política estaria acabada!

Eu engoli em seco, sentindo meu coração pesar.

Além do choque de saber que a minha filha estava viva, que mentiram para mim durante todos esses anos, ainda teria que lidar com a cruel realidade de que foi a minha mãe que fez isso.

O que eu ia fazer? Eu não conseguia sequer pensar nisso.

Porque o que mais me interessava no momento era encontrar Ava. E eu tinha certeza que o Noah pensava o mesmo que eu.

— Não me interessa! — Noah largou James, que caiu sentado em sua cadeira. — Apenas comece a falar.

— Noah, por favor, caia na real. Essa menina tem uma outra vida...

Eu respirei fundo.

— Você ainda não entendeu? Nós não vamos desistir. Se não falar, iremos procurar alguém que possa.

Sim, se James se recusasse a falar, teríamos que ir até a minha mãe. Ou ao pai de Noah.

— Ninguém vai falar.

— Então, você vai falar — Noah insistiu. — Porque não vou desistir. Se tem tanta preocupação com a minha carreira, deve entender que, quanto antes resolvermos esse assunto, melhor será para todos.

— Ok, eu contarei a vocês. Mas não esperem que seu pai aceite que queiram remexer no passado depois de tanto tempo...

— Apenas comece a falar. — Noah segurou meu braço e me fez sentar em uma cadeira de frente para James e ocupou a outra cadeira vaga.

— O que querem saber?

— Ela tem outros pais?

— Sim — James respondeu rápido. — Por isso deveriam deixar tudo como está e...

— Não adianta nos esconder nada agora. Sabe que iremos descobrir de qualquer maneira, não é? — Noah falou.

James suspirou, contrariado.

— Ok. Ela foi adotada por um casal em Seattle no mesmo dia. Eram pessoas de confiança.

— Queremos nomes — Noah insistiu.

— Não vai adiantar nada. Eles morreram.

— Morreram? — eu e Noah falamos ao mesmo tempo.

— Sim, morreram em um acidente de carro há seis anos.

— E o que aconteceu com a criança? — Noah indagou.

— Ela tem uma tutora legal. Uma tia.

— Então ela mora com essa tia...

— Quando não está no colégio.

— Está num colégio interno?

— Sim. Colégio que eu pago. Eu a sustento desde que os pais adotivos morreram, foi um pedido da tia da menina. Não poderia negar, não é?

Senti meu coração se apertando. Era tudo horrível. Ela perdeu as pessoas que achava que eram seus pais com apenas três anos, e agora vivia com uma tal tia que a deixava em um colégio interno. Não era justo. Eu encarei Noah e percebi que ele pensava da mesma maneira.

James continuou.

— Essa tia, depois que os pais morreram, achou os documentos e tinha meu nome como testemunha. Ela investigou, descobriu a minha ligação com os Belford, sabia que era coisa importante. Ela desconfiou de parte da verdade. E nós fizemos um acordo. Eu a ajudaria com a criança...

— E ela manteria a boca fechada — completei, enojada. Com que tipo de gente minha filha estava?

— Satisfeitos? — James perguntou. — Agora sabem de tudo e podemos voltar à vida normal.

Eu encarei Noah. Como voltar ao normal depois daquilo? Como continuar vivendo como se nada tivesse acontecido? Era impossível para mim.

E eu pude ver em seu olhar que era impossível para ele também. E não precisávamos de palavras para saber exatamente o que deveria ser feito. Noah se voltou para James.

— Queremos mais informações. O nome da criança, o da tia, o endereço...

— O quê? Não podem estar pensando em continuar com isso!

Noah se levantou.

— Nós vamos para Seattle, você querendo ou não. Não me interessa a sua opinião nesse momento.

— Vocês enlouqueceram.

— O endereço — Noah insistiu friamente. — Ou você nos passa ou conseguiremos de outra maneira.

Sem escolha, James informou o que precisávamos saber.

— O nome da criança é Ava Carly Stewart, o meu contato é o advogado da tia de Ava, Jason Smith. — Ele nos passou um cartão com o telefone do advogado. — E esse é o nome do colégio em que ela estuda.

— Noah, por favor — ele insistiu. — Não faça isso. Está cometendo um grande erro.

— Isso não é mais problema seu.

Nós nos levantamos para sair.

— O que vai dizer ao seu pai?

Noah parou um tanto atordoado. Eu sabia o que ele estava sentindo.

Desgosto. Decepção.

Mas também havia algo mais importante agora.

Esperança.

Nada mais importava.

Segurei o seu braço e ele me encarou. E eu sabia que estava pensando o mesmo que eu.

— Eu só quero encontrar a minha filha. Me preocuparei com toda a sujeira que fizeram depois — respondeu e me guiou para fora do escritório.

Era isso.

Eu e Noah iríamos atrás da nossa filha.

 

 

Capítulo 4 - Olivia


— Você está falando sério? — Eu poderia ter rido da cara de Dana se não estivesse tão ocupada correndo pelo quarto e jogando as coisas dentro da mala de qualquer jeito.

Cada minuto era precioso. Cada minuto era mais um tempo enorme longe da minha filha.

Minha filha.

Eu ainda sentia dor de estômago só de pensar nisso.

— Sim, é sério — respondi, tentando fechar a mala.

Ela se aproximou para me ajudar.

— É difícil acreditar. Parece coisa de novela.

Eu havia contado tudo para a Dana quando ela chegou essa manhã, e ela tinha ficado chocada, como era de se esperar.

— Eu sei. Eles acharam que Noah e eu nunca iríamos descobrir, mas, graças à indiscrição de James, agora nós sabemos.

— E estão indo para Seattle atrás dela. — Dana ainda parecia totalmente estupefata. Não tinha como culpá-la.

— Sim, nós vamos. O que esperava que fizéssemos? Que seguíssemos em frente como se nada tivesse acontecido? É impossível. Minha filha está viva por aí. Não tem como esquecer.

— Olivia, eu sei como você sofreu. Mas, até ontem, você acreditava que ela estava morta. Tem certeza que quer fazer isso? Não seria melhor para todos deixar como está?

— Você também não, Dana, por favor!

— Não me entenda mal. Eu só estou tentando ser sensata. Para pessoas comuns, isso já seria difícil, mas você e Noah... O que acontecerá se esse assunto se tornar público?

Não, eu não tinha pensado naquilo. Eu só pensava que precisava vê-la com meus próprios olhos.

— Não posso recuar. Não posso esquecer. Ela é órfã agora, sabia? Os pais que a adotaram morreram há anos e ela vive com uma tia que a largou num colégio interno!

— Olivia... — Sua voz era cheia de reprovação e preocupação. Em outras circunstâncias, eu teria parado para escutá-la. Mas não agora. Agora eu tinha uma ideia fixa.

— Não, Dana. — Peguei a mala. — Eu preciso ir. Me leva ao aeroporto? — Vendo que eu não ia desistir, ela soltou um suspiro.

— Talvez seja melhor eu ir com você.

— Não. Está tudo bem. Noah e eu preferimos fazer isso sozinhos.

 


A voz do comandante avisou que em poucos minutos pousaríamos em Seattle. E a dor no meu estômago se intensificou.

— Você está bem?

Eu me virei para Noah ao meu lado.

— Não, não estou. Por favor, diga que estamos fazendo a coisa certa, que tudo vai ficar bem. Estou apavorada.

— Eu estou tão apavorado quanto você.

Eu soltei uma risada nervosa.

— Ajudou muito.

— Mas só de pensar que a conheceremos... Não dá para pensar em mais nada — ele falava com um fervor religioso. Com um sorriso ansioso no rosto, eu me vi embarcando na mesma ansiedade. Mas isso apenas me deixou mais temerosa.

Mordi os lábios nervosamente, apertando o cinto para a descida e olhando Seattle começando a se delinear pela janela. A mão de Noah segurou a minha e eu o fitei.

— Vai dar tudo certo, Olivia. Ainda não sei como, mas vai dar. Estamos juntos nisso.

Juntos. Suas palavras e nossas mãos entrelaçadas me fizeram lembrar de todas as maneiras que nossos corpos estiveram entrelaçados na noite passada. E eu pensei em como seria mais fácil se estivéssemos juntos realmente.

Não. Isso não tinha nada a ver. Não seria mais fácil. Puxei a minha mão quando o avião pousou.

Estávamos em Seattle. A cidade de Ava.

 


Eram três da tarde e estava frio, embora já estivéssemos quase em abril. Abri o vidro do carro e olhei mais uma vez para o imponente prédio à nossa frente. O prédio da escola de Ava. Noah e eu havíamos nos informado e depois de debatermos sobre o que fazer, decidimos que, primeiro de tudo, precisávamos conhecê-la.

Depois era uma incógnita. Eu realmente não tinha ideia do que faríamos.

— Segundo a pessoa que me atendeu, elas saem para aquele parque exatamente às 15 horas, todos os dias. — Noah havia falado no hotel onde nos hospedamos e ligamos para o colégio. Claro que eles não costumavam passar informações para qualquer um. Mas, para um Belford, ninguém negava nada.

Talvez devêssemos primeiro falar com a tal tia, mas estávamos ansiosos demais para ver Ava. E saber se era realmente verdade, se não era algo criado pela nossa imaginação.

E lá estávamos nós. Esperando.

Noah ligou o rádio do carro alugado e procurava uma estação quando, de repente, a pesada porta se abriu e algumas crianças saíram. Nós nos endireitamos no assento. Meu coração disparou alarmantemente.

— Será que ela está com elas? — Noah perguntou, ansioso.

— Não sei... São tantas crianças... — Com o ar preso na garganta, eu procurava nos rostos das crianças desconhecidas aquela que era minha.

— Vamos sair — Noah falou, abrindo a porta, e eu fiz o mesmo. O mar de crianças se embaralhava na calçada. Estávamos do outro lado da rua, não ousávamos nos aproximar. Ainda existia um pouco de sensatez em nossos atos, apesar da ânsia desesperada.

Então Noah segurou meu braço.

— Ali. — Segui seu olhar e meu coração parou por alguns instantes.

A visão mais perfeita do mundo. Aquela pequena pessoa vestida com jeans e uma blusa colorida, a pele tão branca quanto a minha e os olhos verdes.

— Ava, não se atrase — a professora gritou mais adiante e ela correu com as outras crianças, enquanto permanecíamos ali. Estáticos. Maravilhados.

Finalmente nós a encontramos. Nossa filha.


Noah


Eu poderia viver cem anos, que jamais me esqueceria daquele momento. O momento em que fitei, pela primeira vez, os olhos da minha filha depois de nove anos perdidos no tempo. Finalmente ela estava ali. Ao alcance das minhas mãos.

E ela sequer sabia quem eu era.

Isso doía. A mesma revolta que me tomara na casa de James desde que soube daquela mentira, ameaçou voltar. A vontade que eu tinha era de correr atrás dela e segurar a sua mão, levá-la comigo.

Senti dedos frios apertarem os meus.

— O que faremos? — Olivia questionou com a voz cansada. Eu apertei a sua mão.

— Eu não sei. Precisamos pensar e não sermos impulsivos.

— Sim, tem razão.

Nós voltamos para o hotel em silêncio e nos deparamos com mais um problema para lidar.

Meu pai e James estavam nos aguardando no saguão.

Eu senti uma raiva fria me invadir. Eu não queria falar com o meu pai depois de descobrir o que ele tinha feito.

— O que estão fazendo aqui?

— Se contenha, Noah. Vamos subir e conversar.

— Não quero falar com você.

— Vamos subir. Não queremos chamar a atenção — James interveio e eu segurei a mão de Olivia, que estava tão tensa quanto eu, e os seguimos.

Obviamente, meu pai estava na suíte mais cara do hotel.

— Sabem que não deveriam estar aqui, não é? — Meu pai começou em tom de censura assim que a porta se fechou. — Noah, tem ideia do que está fazendo ao mexer nesse vespeiro?

— Você mentiu para mim durante todos esses anos e ainda tem coragem de me censurar?

— Sei que está magoado e com raiva. Fiz o que achei certo para você. Teria acabado com a sua vida! E vai acabar agora se não me escutar e seguir a minha orientação...

— Estão perdendo tempo se acham que vamos fazer alguma coisa orientados por vocês. Aliás, não sei como vocês ainda têm coragem de aparecer na nossa frente depois do que fizeram! — Olivia explodiu.

— Senhorita Miller, queremos apenas que tenham bom senso.

— Devíamos denunciá-los e colocá-los na cadeia, isso sim!

— Sua mãe também concordou comigo na época — meu pai disse calmamente e Olivia recuou.

— Escutem, não estou aqui para discutir. Nós estamos aqui apenas para... — James ponderou.

— Para mais uma vez tentar nos manipular — completei. — Talvez devêssemos ficar agradecidos por não fazerem as coisas pelas nossas costas dessa vez? — ironizei.

— Fizemos apenas o que achamos correto para a carreira de vocês naquele momento...

— Não posso acreditar! — Olivia exclamou, enojada. — Vocês forjaram a morte de um bebê! Acham isso certo?

— Não é isso que está em questão agora, senhorita...

— Isso é totalmente a questão! — rebati.

— Por isso mesmo que deveriam pensar no que estão fazendo. Essa criança tem uma vida. Ela não sabe que vocês são os pais biológicos dela. O que acham que fariam com a cabeça dela quando ficasse sabendo?

Olivia e eu nos entreolhamos. Eles estavam tocando no ponto fraco e perceberam isso.

— E o que pretendem? Simplesmente se apresentarem como seus verdadeiros pais e aí? Pensaram no que pode acontecer? A imprensa vai fazer uma festa em cima disso e a carreira de vocês...

— A minha carreira é o que menos importa a essa altura — Olivia exclamou.

— Mas o Noah não pode se envolver em um escândalo nesse momento. Ele está às portas de uma candidatura ao senado.

— Não queremos nenhum escândalo por causa da Ava. Não queremos envolvê-la em nenhum tipo de problema — completei. E era verdade. Claro que existia uma preocupação com a minha candidatura, todavia, Ava era a nossa prioridade.

Mas, e se eles tivessem razão? E se o melhor fosse ficarmos longe dela para o seu próprio bem?

Eu encarei Olivia. Ela mordia os lábios nervosamente e talvez estivesse pensando a mesma coisa que eu.

— Já acabaram? — Ela virou-se para eles.

— Quanto à criança...

— Essa é uma decisão somente nossa — eu cortei.

— Sim, não podem nos impedir de nada. É a nossa filha. Que foi roubada por vocês, então, se alguém aqui tem que ter medo são vocês — Olivia completou. Eu segurei seu braço.

— Chega, Olivia, vamos embora. — Eu a levantei comigo.

— Essa conversa ainda não terminou, Noah — Meu pai continuou. — Você tem que parar com essa loucura agora! Toda a sua vida está em jogo!

Acho que ele ainda não entendia que nenhuma ameaça iria surtir efeito em nós naquele momento. Embora suas palavras sobre o que aconteceria a Ava, caso a história viesse à tona, não saía da minha mente. Por que tudo tinha que ser tão complicado?

— Acabou por agora. Volte para casa, pai. Eu não irei embora até encontrar a minha filha. Mas fique tranquilo, serei o mais discreto possível. Também não quero nenhum escândalo — falei secamente, encaminhando Olivia para fora da sala.

Ela respirou fundo quando finalmente saímos da suíte.

— Eles são inacreditáveis.

— Sim, eu sei. Vamos sair daqui.

Nós seguimos cada um para o seu quarto, cada qual perdido em seus próprios pensamentos. Eu não queria, mas estava começando a admitir que existia alguma lógica nos argumentos do meu pai.

Eu e Olivia não havíamos pensado no que fazer quando a encontrássemos. Apenas queríamos vê-la com nossos próprios olhos. Mas, e depois? Ela tinha uma vida. Uma vida que não nos incluía. Era doloroso pensar nisso. E eu tinha certeza que Olivia estava pensando a mesma coisa e ponderando. O que faríamos agora? Iríamos embora? Deixaríamos aquela história sórdida escondida para sempre? De alguma maneira, talvez fosse o certo a se fazer. Mas, como poderíamos esquecer? Na minha mente, eu ainda via seu olhar, seu cabelo ao vento. Seu sorriso.

Minha. Aquela sensação era apavorante e maravilhosa ao mesmo tempo. E eu não sabia mais o que fazer.


Olivia


Eu estava um poço de contradições e emoções desencontradas.

Tirei os sapatos ao entrar no quarto e puxei as cortinas. As paredes de vidro revelaram a noite iluminada de Seattle. Acendi um cigarro e me sentei, abraçando meus joelhos.

Achei que Noah estava tão indeciso sobre o que fazer quanto eu. Minha mente vagava entre a preocupação com o futuro incerto e a felicidade sufocante de finalmente ter visto Ava. Tão linda, tão perfeita! Tão minha. Mas ela não era minha realmente. Havia saído de dentro de mim e foi levada para outra cidade. Para outros pais. Outra vida.

Eu ainda sentia gana de matar ao pensar na crueldade sem tamanho desse ato. No entanto, de que iria adiantar remexer nessa sordidez?

Para fazê-los pagar? Nossos próprios pais?

Como? Processo? Polícia? Escândalo?

Estremeci ao pensar em todas as consequências. Para mim. Para Noah. Para as nossas vidas. E para Ava. Principalmente, Ava. Ela era apenas uma vítima. Apenas uma criança que não fazia ideia de quem era. Por outro lado, era minha filha. E como eu poderia simplesmente virar as costas e ir embora, continuar a vida como se nada tivesse acontecido?

As horas passaram sem que eu me desse conta. Pensei em ligar para o meu pai, mas ainda não contara nada a ele. Nem sabia como contar ou se iria. Cansada de ficar ali, saí do quarto, entrei no elevador e apertei o botão do último andar.

Saí para o terraço, onde havia uma piscina e percebi que não tinha ninguém. Ou melhor, uma pessoa. Havia um vulto solitário envolvido pela fumaça de cigarro. Noah estava sentado em uma das cadeiras perto da piscina, pensativo. Eu caminhei e me sentei ao seu lado.

— Não conseguiu dormir? — Ele passou o cigarro para mim e eu dei uma longa tragada.

— Nem você. — Foi a sua resposta.

Ficamos em silêncio por um tempo, apenas fumando.

— Eu não sei se consigo fazer o que parece ser o mais sensato — murmurei.

Ele não perguntou o que eu achava mais sensato. Ele sabia.

— Não sei se consigo entrar no avião, voar de volta para Nova York e continuar como se nada tivesse acontecido.

Ele me encarou.

— Não podemos envolvê-la nessa confusão, Olivia. Você sente isso?

— Sinto.

— É só uma criança. Ela tem uma vida aqui. Uma vida que não inclui nem eu ou você.

— Somos os pais dela.

— Não somos.

Fechei os olhos. Sua negação vinha carregada com um pesar profundo. Doeu dentro de mim.

— Você tem noção que a gente poderia passar a vida sem saber? Sem ter ideia da existência dela?

— Sim. Talvez tivesse sido mais fácil.

— Sim... Talvez...

— Eu queria que as coisas fossem diferentes. Por um momento, imaginei se ela não tivesse sido arrancada de mim. Se não houvesse aquela farsa. Como seria? Durante a gravidez eu me abstive de pensar no que aconteceria quando ela nascesse. Era tudo tão surreal. Tão estranho e fora do lugar. Havia uma parte de mim que apenas esperava. Sem fazer planos. Sem pensar no depois. Porque eu não tinha ideia de como seria o depois.

E se fosse diferente? Eu me perguntei novamente. Se Ava estivesse comigo, nós estaríamos juntos até hoje? Por um momento eu vislumbrei nós dois e Ava.

A imagem foi tão poderosa, tão perfeitamente correta, que um nó se formou no meu peito.

Infelizmente, a realidade nunca seria aquela. Nós nunca estaríamos juntos. Ava nunca estaria ali. O nó no meu peito subiu para a garganta. Não queria chorar, mas a dor ameaçava me sufocar.

— Será que ela ficará bem? Se eu souber pelo menos isso... Talvez eu consiga...

— Fazer o que é sensato — ele completou.

— Podemos conversar com a tal tia. Nos certificarmos de que ela é uma boa pessoa e que cuidará dela direito.

— Sim. Podemos.

— Vamos fazer isso amanhã. Acha que... Acha que ela deixará nos encontrarmos com ela, digo, com Ava?

— Talvez não seja uma boa ideia nos envolvermos ainda mais.

— Eu preciso vê-la de novo. Ouvir a sua voz. Saber que ela é feliz. Que não precisa de mim. — Eu me calei, incapaz de continuar. Era doloroso pensar nisso.

— Amanhã — Noah falou, respirando fundo. — Amanhã nós iremos até a tia dela.

— Então é isso? — questionei, apagando o cigarro.

— Sim, é isso. Acho que não há mais nada que possamos fazer.

Mordi os lábios com força. Eu ainda não sabia como aplacar aquela dorzinha por dentro. Talvez ela não passasse nunca. A única certeza que eu tinha era que Ava precisava ficar bem. Mesmo que fosse longe de mim.

Nós ficamos em silêncio por algum tempo. Eu sabia que devia me levantar e ir dormir. Mas não queria ficar sozinha. Não naquela noite, não ainda. E Noah era a única pessoa no momento que entendia o que eu estava sentindo. Porque ele sentia o mesmo. E de certa forma, era reconfortante tê-lo ali. Seria mil vezes pior se estivesse sozinha.

Olhei os reflexos das luzes na piscina e de repente me lembrei de uma outra noite, em outro hotel, em outro tempo, e essa lembrança me fez sorrir. Agora as memórias daquela primeira noite se misturavam com uma noite mais recente. Da primeira vez, ele me beijou na piscina e tudo pareceu mágico. Eu não queria pensar que estava mentindo descaradamente ao dizer que era mais velha para ele ficar comigo. Eu não disse a minha idade nem quando ele me levou para a sua casa, nem quando contei que era virgem antes de ele fazer amor comigo.

E nem nos meses em que ficamos juntos, quando me encontrava com ele escondido da minha mãe. Até seu pai descobrir e contar que eu era uma garota de dezesseis anos e que Noah seria louco se continuássemos juntos.

Noah terminou comigo naquele dia, furioso por minha mentira.

Eu acreditei que devia ficar feliz por me livrar de um cara que colocava a carreira política que ainda nem existia acima do amor.

Mas eu estava grávida.

Então tudo se tornou um pesadelo.

Se eu tivesse falado a verdade desde o começo, provavelmente Noah nem teria dado atenção para mim. Nunca teríamos ficado juntos. Eu nunca teria ficado grávida. Não estaríamos nessa situação agora.

— Está pensando que sempre acabamos em uma piscina? — Noah indagou e eu não consegui deixar de sorrir.

— É, mais ou menos isso...

Ele sorriu de volta.

Senti meu coração se aquecer. Assim como meu corpo.

De repente, ele se levantou e tirou o par de tênis.

— O que está fazendo?

Ele sorriu e puxou a minha mão.

— Deixa tudo de fora, Olivia, e esfria a cabeça.

— Iremos congelar. — Mas eu já estava embarcando na dele. Como ele embarcou na minha a tantos anos atrás.

— Congelaremos juntos, então. — E dando um impulso, ele deu um mergulho perfeito de roupa e tudo. Eu pulei atrás.

A água fria me envolveu e eu perdi o ar por uns segundos até ir à tona, respirando uma longa golfada de ar e ouvindo a risada de Noah. Ele flutuava à minha frente, o cabelo molhado sobre a testa. Deu vontade de me aproximar e ajeitar as mechas úmidas, meus dedos chegaram a coçar.

Talvez porque tenha sido exatamente o que eu fiz da outra vez. Meus dedos em seu cabelo e depois por toda parte. E os dele estiveram em toda parte de mim também.

De repente, a água já não estava tão fria. Não em relação à minha pele, que esquentava movida pelas lembranças. Nossos olhos se encontraram através da água. Havia algo ali. Algo quase palpável. Algo como uma linha invisível que me puxava em sua direção. Ou seria o contrário?

Não foi assim que tudo começou? Eu apenas me deixei levar por todas aquelas sensações tão novas. Algo que não era apenas físico. Vinha de algum lugar desconhecido de dentro de mim.

Abri os olhos, voltando ao presente. Ele continuava ali. Era tão igual. Ainda tão deliciosamente fácil de me deixar levar. A batida da porta nos fez olhar naquela direção.

— Acha que havia alguém ali? — indaguei, preocupada.

— Se tinha, foi embora. Não se preocupe, deve ser apenas algum funcionário uma hora dessas. Vamos sair daqui.

Ele saiu da piscina e me estendeu a mão. Eu a peguei e ele me puxou para fora. Senti o frio da noite através das minhas roupas encharcadas.

Nós nos apressamos em direção ao elevador, em silêncio. Em minutos, estávamos na porta do meu quarto. O dele era no mesmo corredor. Eu abri a minha porta e entrei, deixando-a aberta.

Eu não precisei olhar para saber que ele estava atrás de mim, fechando a porta. Senti frio e estremeci, e ao me virar, Noah se aproximou.

— Você está gelada — murmurou, as mãos deslizando por meus braços, que eu levantei para que ele retirasse a minha camiseta molhada.

— Você também — respondi e fiz a mesma coisa com a dele, encostando meus seios desnudos em seu peito. E estremecemos juntos. De frio e de prazer.

— Ainda está gelada — ele falou, divertido, seu hálito quente em meu ouvido.

Eu dei uma risadinha trêmula.

— Você também.

Ele segurou a minha mão e me levou para o banheiro, onde acabamos de tirar a roupa e entramos sob o jato quente do chuveiro. E quando eu voltei a me encostar nele, seu corpo estava deliciosamente quente. Então seus lábios estavam entreabrindo os meus para a invasão da sua língua e seus dedos estavam abrindo caminho dentro de mim. Eu gemi contra a sua boca, estremecendo de puro prazer. Sua boca se apartou da minha para deslizar por meu rosto, os dentes mordiscando meu pescoço, a barba por fazer arranhando de leve, enquanto seus dedos continuavam me torturando.

— Goze para mim. — Sua voz carregada do mais doce desejo estava dentro do meu ouvido, e eu não tive escolha a não ser obedecer e mergulhar num orgasmo intenso. Em seguida, ele estava me beijando de novo sob a água quente até que os tremores diminuíram, mas não o desejo. Ainda estava ali. Minha mão o envolveu e acariciou.

— Agora, dentro mim — pedi e, com um gemido rouco, Noah me segurou pelos quadris e me penetrou em uma única e perfeita investida, que se transformou em várias, cadenciadas e profundas, e de novo eu me vi arrastada por uma onda de prazer que começava onde nossos corpos se uniam e se espalhava por todos os meus poros. Eu era pura sensação. E de novo os espasmos me tomaram, junto com ele agora, o que tornava tudo mais perfeito e intenso.

Noah me levou para a cama e puxou a coberta sobre nós. Fechei os olhos e acariciei seu cabelo. Eu só queria dormir. Nada mais. Por hoje, deixaria os problemas para depois. Para amanhã.

Porém, não se pode fugir dos pesadelos. E eles vieram. Terríveis e sem aviso. Imagens onde eu estava na sala de parto e James era quem tirava Ava de dentro de mim e ria ao levá-la. Eu gritava e o chamava de volta, mas ninguém me ouvia.

Acordei ainda gritando e me sentei na cama. Já amanhecia, respirei fundo várias vezes, de repente, eu me lembrei que não deveria estar sozinha. Mas estava. Olhei para o lado e não havia ninguém.

Noah não estava lá. Não soube bem o que sentir com aquela ausência. Havia um certo alívio, mas também um certo pesar.

Porém, aquilo não tinha a menor importância. Foi só sexo. Sexo do bom, como sempre era com ele. Foi um conforto, pensei. Eu precisava dele e talvez ele também precisasse de mim naquele momento. Éramos adultos e conseguiríamos lidar com aquilo. Eu assim esperava. A questão era que eu já não estava preocupada com Noah e eu. Outras preocupações me assolavam.

Ava. A dor estava lá de novo.

O telefone tocou e eu atendi.

— Olivia, sou eu, Noah.

A que horas ele teria ido embora? Será que só tinha me esperado dormir? Ou ficou até de manhã?

— Eu liguei para o advogado da tia da Ava e ele marcou um encontro com ela hoje à tarde. Tudo bem?

— Sim — respondi. Embora estivesse longe disso. — Estarei pronta.

— Ok! Nos encontramos lá embaixo?

— Tudo bem. — Eu desliguei.

Hoje iríamos conhecer a mulher responsável por Ava. A figura materna na sua vida. Que não era eu. Nunca seria. E eu rezava para que tudo desse certo.

Jogando as cobertas para o lado, eu me levantei e fui me preparar.

 


Eu estava nervosa quando caminhamos pelo corredor e entramos na sala de reunião do advogado da tia de Ava.

— Sentem-se, por favor. Desejam alguma coisa? — a secretária indagou olhando para Noah toda deslumbrada. Eu tive vontade de rir.

— Não, obrigado — ele respondeu com um sorriso e eu achei ter ouvido um suspiro dela antes de sair.

— Pensei que ela fosse desmaiar — comentei baixinho, sentando-me na cadeira ao seu lado. — Tinha me esquecido de como elas ficam perto de você.

Noah apenas deu de ombros e não respondeu. Ele estava meio calado, ou melhor, ele falava comigo, mas nada sobre a noite anterior.

Eu devia até estar aliviada. Só que, de alguma maneira, isso me deixou meio decepcionada. No percurso até o escritório, fiquei esperando a hora em que Noah iria falar. Nada foi dito. Era como se não tivesse acontecido. Bom, se ele pretendia ignorar, eu podia fazer o mesmo. Já não ia fazer isso de qualquer jeito? Assunto resolvido, ou jogado para debaixo do tapete, então me restou a preocupação em relação ao encontro com a tia de Ava.

A porta do escritório se abriu, um homem afro-americano trajando um terno elegante e uma mulher loira, também usando um eficiente terninho, entraram na sala.

— Espero que nos perdoem pelo atraso — o advogado falou. — Esta é Sharon Alexander, a tia de Ava.

 

 

Capítulo 5 - Olivia


A mulher nos lançou um olhar entre curioso e impaciente, por fim, um com ar de reconhecimento.

— Você não é aquela modelo da Victoria’s Secret?

— Sim, sou eu — respondi rapidamente. — E você é a responsável legal por Ava.

— E eu conheço você também! Você é um Belford! — Ela agora parecia abismada.

Eu e Noah trocamos um olhar alarmado.

— Sharon... — o advogado a chamou.

— Nossa, por essa não esperava! Eu sabia que devia ser alguém importante, mas o filho de George Belford? E uma modelo famosa? Nunca imaginei!

— Isso não vem ao caso agora — Noah interveio, sério. — Nós estamos aqui para falar a respeito de Ava. Somos os pais biológicos dela.

O advogado nos encarou.

— Bom, como vocês insistiram, eu concordei em promover esse encontro. Mas devo dizer que não acho prudente...

— Acho que somos nós que decidimos isso. — Cortei.

— E por que agora? Por que essa preocupação agora? — a mulher falou, irônica. — Estão aqui, na minha frente, enchendo a boca para falar que são os pais dela. Onde estavam nesses nove anos? Ava foi adotada por minha irmã e cunhado há nove anos. Tinha acabado de nascer. E depois que eles morreram, eu me tornei a responsável. Sempre soube que existia alguma coisa importante rolando por trás dessa história, porque eles fingiam que a criança era filha verdadeira deles. Os pais da Ava também sabiam sobre vocês, obviamente. Eles eram desse meio, trabalhavam para o governo. E depois que morreram, eu achei o cartão do tal James Morton. Ele não ficou muito feliz quando meu advogado entrou em contato, mas eu insisti que tinham que ajudar com a criação da menina. Acho que ficou com medo que eu abrisse a boca. Aposto que vocês se livraram dela para evitar um escândalo, sei como são essas coisas...

— Você não sabe de nada — sibilei, contendo a minha ira. — Nós não sabíamos que ela estava viva. Me falaram que ela tinha morrido.

Sharon riu com incredulidade.

— Ok, acredito! — ela disse ironicamente.

— Não precisa acreditar — Noah disse. — Não estamos aqui para falar do passado. E sim sobre Ava.

— Ava está muito bem. Pode perguntar para aquele figurão lá que manda dinheiro. E ela continuará bem, contanto que ele continue mandando o dinheiro. Sabem como é difícil cuidar de uma criança nos dias de hoje? Não fazem ideia, né? Continuam vivendo a vida de vocês cheia de glamour...

— Sharon. — O advogado segurou seu braço numa advertência. — Não estamos aqui para saber a sua opinião sobre a vida deles, e sim para garantir que Ava esteja sendo bem criada.

— Ela está ótima! Está num colégio excelente, um dos melhores de Seattle!

— Por que um colégio interno? — Noah indagou. — Por que ela não mora com você?

— Eu trabalho. Tenho minha carreira no ramo imobiliário. Não posso cuidar dela 24 horas por dia, e esse colégio é muito bom.

Eu mordi os lábios com força, enquanto ela descrevia todas as qualidades do colégio. A vontade que eu tinha era de perguntar tudo sobre Ava. A minha paciência estava se esgotando e sentia que aquela conversa não nos levaria a lugar nenhum. Noah deve ter sentido o mesmo.

— Será que nós poderíamos conhecê-la? — ele pediu, interrompendo o fluxo interminável de palavras da tal Sharon. Ela parou e encarou o advogado.

— Senhor Belford, não achamos prudente. Pense na própria criança. Acho que é o bem-estar dela que está em foco — o homem respondeu devagar.

— Nós não vamos dizer quem somos — falei sem pensar. — Claro que não queremos confundi-la. Queremos apenas passar um tempo com ela. Ver se é feliz.

— Ela é feliz. — Sharon revirou os olhos.

É o que você diz, eu quis dizer, porém me calei. Algo me dizia que era melhor não arranjar confusão com aquela mulher.

— Nós precisamos conhecê-la. É a única coisa que pedimos — falei.

O advogado não parecia convencido, porém acabou concordando.

— Tudo bem, se é o que querem. O que vou dizer a ela? — Sharon questionou.

— Nada. Apenas diga que somos velhos conhecidos seu. — Noah deu de ombros. — E quando isso vai acontecer?

— Amanhã? — Estava tão ansiosa que não queria esperar mais nem um dia.

— Amanhã é sábado — Sharon retrucou.

— Sim, e ela não estará na escola, não é?

— Estará sim. Eu tenho uma viagem marcada.

— Desmarque ou adie — Noah pediu. — Acho que você tem interesse em resolver essa questão tão rápido quanto nós.

Ela não parecia nem um pouco feliz.

— Tudo bem. Podem ir ao meu apartamento amanhã. Ava estará lá. Espero que se convençam de que ela está muito bem.

Eu e Noah nos encaramos, ansiosos. Íamos conhecer Ava. Finalmente!


Noah


Nós entramos no carro alugado e Olivia me encarou.

— Não gostei dela.

— Nem eu — respondi, dando a partida no carro. Eu não tinha gostado nada da tal Sharon. Tudo bem que já estava predisposto a não gostar de qualquer jeito. Afinal, ela era a pessoa que tinha todo o direito de ficar com Ava, e mesmo assim a mantinha num colégio.

— Mas pode ser só uma primeira impressão, não é? — Olivia continuou, como se tentasse arranjar desculpas para suas próprias desconfianças. — Quer dizer, o fato de ela manter a Ava num colégio interno, não significa que seja má pessoa.

— Não.

— Na Inglaterra, isso é normal, não é? — continuou e eu sorri.

— Acho que sim.

— Naquele dia que a vimos, ela pareceu muito bem. Saudável. Estava rindo.

— A gente a viu tão rápido, Olivia.

— Eu sei. Mas amanhã nós a conheceremos de verdade.

Eu parei o carro em frente ao hotel e nós nos encaramos. Olivia sorria num misto de ansiedade e medo. E eu tive vontade de me inclinar e beijá-la. Mas apenas sorri de volta, porque sentia a mesma ansiedade e o mesmo medo. E isso me fazia lembrar os reais motivos de estarmos juntos naquela viagem. E só porque havia passado boa parte da noite dentro dela, não queria dizer que eu tinha qualquer direito de ir mais além agora. Não éramos um casal. Foi por isso que me levantei naquela manhã, deixando-a dormindo, e não toquei mais no assunto. Não havia nada para ser dito.


Olivia


Eu dormi mal naquela noite. O tempo inteiro pensava em como seria conhecer Ava. Estar perto dela. Falar com ela. E ela nem saberia quem eu era de verdade. Mas como poderíamos contar? Era apenas uma criança no meio daquela confusão. E, se tudo desse certo, ela continuaria ali, em Seattle, enquanto Noah e eu voltaríamos para as nossas vidas.

Era mais horrível ainda pensar nisso. Porém eu precisava acreditar que era para o bem de Ava, senão enlouqueceria. E o pior de tudo era que uma parte de mim pensava que seria bem mais fácil dormir se Noah estivesse ali. O que era totalmente insano.

No fim, consegui dormir um pouco, um sono cheio de sonhos estranhos. E, para completar, minha mãe me ligou logo cedo. Eu senti meu estômago embrulhando e pensei em não atender, o que seria pior. Conhecendo a minha mãe, ela ia ficar insistindo até conseguir falar comigo. Também não queria falar que eu descobrira sobre Ava.

Eu queria estar cara a cara com ela quando fosse confrontá-la.

— Onde você se meteu? — ela gritou do outro lado da linha.

Eu tirei o cabelo dos olhos.

— Estou em Seattle.

— Fazendo o quê?

— Trabalho. — Menti.

— Por que eu pressinto que tem algo estranho nessa viagem?

Mordi os lábios com força.

— Eu apenas precisei voltar para refazer umas fotos.

— Sei...

— Agora preciso desligar.

— Tudo bem. Da próxima vez, vê se avisa que vai viajar.

Eu desliguei, sentindo a bílis na minha garganta, e corri para vomitar.

Deus, eu não conseguia mais falar com ela. Não conseguia.

Respirando fundo, tentei jogar minha mãe e sua traição para o fundo da mente, e tomei um banho rápido.

Olhei as roupas na minha mala. Quase nada. Nada adequado para se conhecer uma filha depois de nove anos, pelo menos. Vesti um dos meus jeans e uma camisa, e me olhei no espelho.

Apesar de ser modelo, nunca liguei muito para o que vestir quando não estava trabalhando. Na maioria das vezes, era minha mãe, e agora Dana, quem escolhia minhas roupas para eventos e aparições públicas. No meu dia a dia, eu acabava optando por roupas confortáveis e despojadas.

Porém, hoje eu me sentia insegura.

Quando vi Noah, minha preocupação aumentou. Ele estava sempre lindo e bem vestido, com roupas feitas sob medida.

Hoje ele usava uma camisa branca e uma calça cinza de lã caindo perfeitamente por seu quadril.

— Argh! Estou horrível!

— Do que está falando, Olivia?

— Nós vamos conhecer Ava! E estou totalmente malvestida!

Ele disfarçou um sorriso.

— Não acho que ela vá reparar nisso, Olivia.

— E se reparar? Não quero que ela tenha uma má impressão de mim o resto da vida! Inferno, acho que teremos que fazer compras antes de irmos!

— Tudo bem, se é tão importante.

Nós entramos em uma loja bem famosa e cara. Uma daquelas que eu normalmente não entraria, apenas receberia as roupas na minha casa para escolher se fosse a algum evento, porque só assim para eu tirar meus jeans e camisetas.

— Bom dia. — A mulher arregalou os olhos e achei que tivesse me reconhecido, mas não falou nada. — Em que posso ajudar?

— Preciso de algo que me faça parecer responsável — eu disse, encarando Noah e ele deu de ombros.

— Certo, venha comigo. Tenho a sessão adequada para o que deseja.

Algum tempo depois, eu saí do provador com um vestido preto justo e simples até o joelho e um sapato de salto. E daquela vez eu nem consegui torcer para o “evento” acabar logo e eu poder tirar os sapatos. Aquele eu não ia querer que acabasse nunca. Fui até onde estava Noah e o vi lutando com uma gravata.

— O que está fazendo?

— Achei que podia ficar mais responsável também.

Eu revirei os olhos.

— Você é um político e tem toda essa aura de respeito, mesmo que estiver usando uma roupa grunge! E eu? Estou bem? Pareço uma mulher responsável?

Ele me mediu de um jeito que me deixou em dúvida se tinha escolhido a roupa certa. Eu não queria parecer sexy e sim séria.

— Errei, não é? — perguntei, insegura.

— Não, está ótima.

— Ótima como? Não quero parecer sexy ou algo assim.

Ele levantou a sobrancelha.

— Eu não disse que estava sexy.

— Você me olhou como se eu estivesse.

— Eu acho você sexy de qualquer jeito — ele respondeu acompanhado de um sorriso, então foi a minha vez de achá-lo sexy. Respirei fundo e me aproximei ao vê-lo todo enrolado com a gravata.

— Me deixe ver isso — falei impaciente. Levantei o olhar ao terminar, ainda com os dedos no tecido.

— Pareço um homem responsável? — ele indagou, divertido, ao me imitar. Eu ri e então fiquei séria em seguida.

— E se ela não gostar da gente? — perguntei, insegura.

— Ela precisa mesmo gostar? — Noah questionou, sombrio.

— Talvez seja melhor que ela não goste mesmo, não é? Se vamos deixá-la...

Seus dedos cobriram os meus.

— Vai dar tudo certo, Olivia. Estamos juntos nisso.

— Estou feliz por você estar ao meu lado — falei baixinho.

Ele sorriu levemente, seus dedos acariciando os meus. Estava tão próximo, que bastaria eu ficar na ponta dos pés para minha boca alcançar a sua.

— E aí, gostaram? — A vendedora entrou e eu me afastei na mesma hora.

— Sim, está tudo ótimo.

Nós saímos da loja usando nossas roupas novas e responsáveis, então Noah parou.

— Podíamos levar um presente.

— Presente?

— Sim, ela ficaria com algo nosso... Para lembrar.

Deus, por que eu sentia aquela dor horrível cada vez que ele me lembrava que teríamos de deixá-la?

— Sim, podemos levar um presente.

Nós paramos em uma loja de brinquedos.

— Do que será que ela gosta? — Noah falou, pegando uma boneca.

— Eu odiava bonecas — falei com uma careta e ele riu.

— Ela pode gostar.

— Ou não... — Nós andamos por toda a loja e não encontramos nada.

— É difícil encontrar alguma coisa quando sequer sabemos do que ela gosta.

— Eu queria algo que ela pudesse guardar — Noah falou. — Algo que ela pudesse se lembrar.

Eu parei, levando a mão ao pescoço.

— Sim, já sei o que podemos dar. — Eu tirei o colar que usava. Ele me encarou surpreso ao reconhecer.

— Ainda usa isso?

— Quase sempre...

Eu ganhei aquele colar do meu pai quando fiz quinze anos. Era um simples colar de ouro com um pingente de coração. Eu estava com o colar quando Noah me conheceu e ainda me lembro de ele perguntando.

— Não me parece algo que uma supermodelo usaria — ele brincou.

— Foi presente de alguém importante.

Ele levantou a sobrancelha.

— Um namorado?

Eu ri.

— Não. Meu pai, mas diga-me o que uma supermodelo usaria?

— Eu te cobriria de joias da Tiffany — ele respondeu e me beijou.

E quando nos encontramos pela segunda vez, ele me surpreendeu ao me dar um pingente com o símbolo do infinito – comprado na Tiffany – para colocar no colar. Eu não hesitei em tirar o pueril coraçãozinho do meu pai e trocá-lo pelo infinito de Noah.

Eu voltei ao presente ao colocar o colar na mão de Noah.

— E eu quero dar para a Ava. Seria algo importante.

— Sim. Você disse que era um presente de alguém importante — ele falou quase como que para ele mesmo.

— E um outro alguém importante acrescentou este infinito — completei suavemente sem encará-lo, tentando não me lembrar que achava que aquilo tinha um significado maior. Que o nosso amor seria infinito. — E agora será de Ava. Algo para ela se lembrar de dois estranhos que passaram pela vida dela tão brevemente e que ela nunca terá sequer a ideia de que são seus pais.

 


— Estou nervosa — sussurrei quando paramos em frente à porta do apartamento de Sharon Alexander.

Minha filha estava do outro lado daquela porta. Noah apertou as minhas mãos frias.

— É apenas uma criança, Olivia.

— É nossa filha.

— Então não deveria ser difícil para nós — ele murmurou.

— Sim, tem razão. — Eu respirei fundo algumas vezes.

— Pronta?

— Sim.

Ele tocou a campainha e uma mal-humorada Sharon abriu a porta.

— Então vocês vieram mesmo. Entrem.

Nós passamos por ela e entramos numa sala elegante. Será que o dinheiro que mantinha aquele apartamento chique era o que o James mandava?

— Sentem-se. Querem beber algo?

— Não — Noah e eu falamos ao mesmo tempo. Nós só queríamos uma coisa. Ava.

Então nós a ouvimos. Passos se aproximando pelo corredor.

Meu coração disparou no peito.

Medo e ansiedade se misturando dentro de mim.

As mãos de Noah alcançaram as minhas e estavam tão trêmulas quanto.

— Tia Sharon, quem chegou? — Sua voz nos alcançou antes. Rica e infantil. Perfeita. E lá estava ela. Do jeito que eu me lembrava. O cabelo castanho-claro solto sobre os ombros. Vestindo jeans e uma blusa de moletom. Os pés descalços.

Ela parou ao nos ver, acanhada como toda criança ficava quando se deparava com estranhos. Deus, era isso que nós éramos. Estranhos. Estranhos para a nossa própria filha.


Noah


Era como parar o tempo. Foi o momento mais extraordinário, quando aquela pequena criatura pousou seus olhos verdes em nós. Confusos, tímidos e surpresos. Lindos! Olhos de Olivia.

— Ava, cadê seus sapatos? Já não falei mil vezes para não ficar descalça pela casa? — Sharon falou, nos tirando do transe.

Ava olhou para os pés.

— Desculpa, esqueci. — E antes que pudéssemos falar qualquer coisa, ela voltou correndo pelo corredor. Eu queria chamá-la de volta.

— Crianças! — Sharon revirou os olhos. — E então, vocês têm certeza que não querem beber nada?

— Não — respondi, irritado com a frieza daquela mulher. — Nós não viemos à sua casa para beber, e sim para conhecer a Ava.

— Claro! Ela chegou agora de manhã do colégio. Vou chamá-la de volta.

Ela se afastou e Olivia me encarou.

— Deus, ainda bem que estou sentada, senão teria caído — falou baixinho.

— Pelo menos você cairia em cima de mim, já que eu teria caído antes — respondi e nós rimos nervosamente.

— Ela está tão linda, não está? — exclamou, emocionada.

— Parece que ela não gosta de sapatos tanto quanto você. — Eu me lembrava de Olivia tirando os sapatos de salto quando entramos no elevador na noite que nos conhecemos, e ela me confidenciou depois que só os usava por insistência da sua mãe.

Sharon voltou à sala trazendo Ava pela mão. Ela ainda parecia tímida, mas agora calçava um par de tênis. Eu nunca me senti tão nervoso na vida. Eu sentia que Ava estava nos avaliando.

O que será que se passava por sua cabeça? Quem ela achava que eram aqueles dois estranhos diante dela? Com certeza, nem passaria pela sua cabeça que éramos seus pais. Para ela, os pais estavam mortos.

— Ava, estes são Noah e Olivia — Sharon nos apresentou com um sorriso. — São velhos amigos.

— Oi — ela respondeu timidamente.

Eu e Olivia nem conseguíamos responder. Apenas olhávamos para ela, embasbacados.

Sharon nos lançou um olhar de advertência e eu limpei a garganta, apertando os dedos de Olivia.

— Oi, Ava — falamos ao mesmo tempo, rindo nervosamente.

Sharon revirou os olhos e deu tapinhas nas costas de Ava.

— Sente-se, querida. — Ela olhou para a tia, como se estivesse estranhando seu pedido e Sharon lhe lançou um olhar firme. — Sente-se, eu disse.

Ava obedeceu. Um silêncio tenso recaiu sobre nós.

— Bom, sei que disseram que não queriam beber nada, mas eu quero — Sharon falou, e se levantou, indo até um bar no canto da sala.

Ava continuava sentada em silêncio, sem saber para onde olhar. Eu e Olivia nos entreolhamos e ela pedia socorro com os olhos. Pensei que se eu deixasse Ava e ela sozinhas, elas ficariam caladas durante horas. A timidez em momentos difíceis era genético, com certeza. Eu encarei Ava.

— E então, Ava, fiquei sabendo que estuda num colégio muito bom.

— Sim, é legal lá — ela disse baixinho.

— E você gosta de morar lá também?

— Claro que ela gosta — Sharon se aproximou, respondendo por ela. — Fale para eles, Ava. Você adora a escola!

— Sim, eu gosto — ela concordou, toda tímida.

— Você não preferiria morar aqui com a sua tia? — Olivia indagou.

— A Tia Sharon é muito ocupada. Ela trabalha todos os dias no centro — respondeu seriamente. Como se tivesse decorado aquela resposta, pensei sombriamente.

— E se ela não trabalhasse? — Olivia insistiu.

— Como assim, não trabalhasse? — Sharon riu com sarcasmo. — Todo mundo trabalha.

— E mesmo assim ainda mantém seus filhos com eles — falei rispidamente.

— Ela não é minha filha. — Assim que soltou essa resposta, Sharon ficou vermelha. — Quer dizer. Ela é minha sobrinha. Sou responsável por ela desde que tinha três anos, sei o que é melhor para ela. Talvez vocês, dois estranhos, não possam entender — completou.

— Não somos tão estranhos assim — Olivia respondeu, irritada. — Estamos apenas querendo saber como a Ava se sente em relação a isso.

— Claro que sim — Sharon respondeu com indiferença. — Perguntem o que quiserem para ela.

— Então, você gosta mesmo de morar no colégio? — Olivia insistiu e Ava assentiu com a cabeça.

— Não gosto de ficar sozinha aqui. Quando eu venho nos fins de semana, às vezes eu fico e...

— Você fica sozinha? — Olivia a interrompeu.

— Claro que não. — Sharon interferiu. — Mesmo porque, ela fica mais no colégio do que aqui. Eu tenho muitos compromissos no fim de semana.

— Ela passa os fins de semana lá também? — Indaguei.

— É um colégio interno, é para isso que serve — Sharon respondeu. — E ela já falou. Adora ficar lá. Sou muito ocupada, não tenho tempo de dar a atenção que necessita.

— E lá ela tem atenção de quem? — Olivia perguntou friamente.

— Funcionários pagos para isso. E tem outras crianças que moram lá também. Aqui ela nem teria com quem brincar!

Eu e Olivia nos entreolhamos. Será que Sharon tinha razão? Será mesmo que a melhor solução era uma criança de nove anos morar num internato? Eu sentia que não. Embora passar um tempo com aquela mulher devesse ser bem insuportável também. Talvez por isso Ava preferisse o colégio.

Sharon olhou o relógio, impaciente.

— Eu gostaria muito de continuar conversando com vocês, mas preciso levar Ava para almoçar. Detesto cozinhar!

— Nós vamos com vocês — Olivia falou, ignorando o olhar de Sharon. — Queremos conhecer melhor a sua sobrinha. Acho que não se importa, não é?

— Claro que não — Sharon concordou, vencida. — Ava, vá se trocar. Esta blusa está toda manchada! Mais uma!

Eu reparei que a sua blusa estava suja do que parecia ser tinta de diferentes cores.

— Onde sujou a blusa? — Olivia indagou e Ava ficou vermelha.

— Com as minhas tintas.

— Ela gosta de pintar. Não sossegou enquanto não lhe dei um kit de pintura. Perda de tempo, estas pinturas horríveis, mas, se ela gosta, fazer o quê? Vejam como eu sou compreensiva!

Ava se afastou para trocar de roupa e Olivia me encarou.

— Ela gosta de pintar — murmurou, sorrindo com essa descoberta sobre a nossa menina.

— É só um almoço, ok? — Sharon falou, irritada. — E parem de fazer perguntas, vão deixá-la confusa!

— Como quer que saibamos mais sobre ela se não perguntarmos? — Olivia questionou, irritada.

— E se você parasse de responder por ela, ajudaria muito — acrescentei.

— Vocês se acham, não é? Acabam de aparecer, não fazem ideia do que é criar uma criança sozinha e...

— Você não a cria, você a deixa num colégio sozinha!

— Para o bem dela! Eu tenho uma carreira! Não tive filhos justamente por isso. Foi a minha irmã que a adotou, e não eu! Não escolhi ter que cuidar dela, mas cuidei! Dei tudo o que ela precisava. Não me venham dar lição de moral.

Antes que pudéssemos responder, Ava voltou. Usava um vestido xadrez vermelho, uma jaqueta e o cabelo estava preso.

— Vocês são namorados? — Eu e Olivia nos entreolhamos, surpresos com a pergunta, e só então percebi que ainda estava segurando a sua mão.

Ela a soltou rapidamente.

— Não... Quer dizer...

— Já fomos — completei.

— Ah. — Foi sua resposta, abaixando a cabeça para olhar os próprios pés.

Sharon voltou.

— Vamos logo com isso — censurou impaciente ao abrir a porta. — Anda logo, Ava, não temos o dia inteiro!

Eu e Olivia nos entreolhamos novamente. Eu sabia que ela estava tão irritada quanto eu com as atitudes de Sharon.

Nós chegamos ao restaurante escolhido pela tia de Ava e nos sentamos. Era um lugar supercaro e exclusivo. Pelo menos era tranquilo e ninguém iria nos importunar.

— Ainda bem que troquei de roupa — Olivia murmurou.

— Eu adoro este lugar — Sharon falou, pegando o cardápio.

— Você já esteve aqui? — Olivia perguntou a Ava.

— Não.

— Que interessante. Restaurante preferido da tia e ela nunca trouxe a sobrinha — Olivia falou baixinho ao meu lado.

— Pois é — concordei com ironia. — O que vai querer, Ava?

Ela deu de ombros.

— Não sei.

— Não tem nada que você goste do cardápio? — Olivia perguntou, passando-lhe o cardápio, que ela olhou sem interesse.

— Não.

— Podemos ir a algum outro lugar que você goste — sugeri e ela pareceu animada, mas Sharon lhe lançou um olhar de censura.

— Nada disso. Vamos comer aqui mesmo. — E chamou o garçom, fazendo o pedido para ela e Ava, que brincava com o guardanapo, desanimada.

Se olhar matasse, Sharon teria caído morta naquele momento, tamanha foi a ira de Olivia. Eu segurei seu braço numa advertência. Fizemos nosso pedido e, de repente, o telefone celular de Sharon tocou.

— Com licença, preciso atender.

Ela se afastou e eu reparei na maneira como ela ria ao telefone. Não parecia um telefonema de trabalho.

— Ela parece bem animada. — Olivia reparou o mesmo.

— Deve ser o namorado dela — Ava comentou.

— Ela tem um namorado? — Indaguei.

— Sim, eles iam viajar hoje. Acho que ainda vão depois de almoçarmos. Eu vou voltar para a escola.

— Vai voltar para a escola hoje? Mas é sábado! — Olivia exclamou, horrorizada.

— Eu não ligo. Até prefiro. Não gosto da babá que ela contrata para ficar comigo às vezes.

— E esse namorado dela é legal com você? — Indaguei, preocupado.

Ela deu de ombros.

— Eu não gosto muito dele não... — Então ela parou, alarmada. — Por favor, não contem para ela. Vai ficar brava comigo.

— Não contaremos. — Olivia a acalmou. — Por que não gosta dele?

— Ele não gosta de mim também.

— Há quanto tempo eles namoram?

— Alguns meses. Acho que vão se casar.

— E você não se importa com isso? — Olivia indagou devagar.

De novo, ela deu de ombros.

Sharon retornou à mesa e o nosso pedido chegou em seguida.

— Ava nos contou que você tem um namorado — Olivia comentou e Sharon lançou um olhar irado para a garota, que estava concentrada no seu prato, remexendo de um lado para o outro, sem muito ânimo para comer.

— Sim, eu tenho. E era para eu estar com ele hoje. — Ela olhou o relógio. — Ele está vindo nos buscar.

— Você e Ava?

— É óbvio que Ava e eu.

— Ela disse que você vai viajar e ela voltará ao colégio.

— Sim. Poderia ir com a gente, claro. Não pensem que não convidei! Ela prefere o colégio! Vai entender!

— Talvez ela não goste do cara com quem está saindo — falei e Ava levantou a cabeça, empalidecendo. Aí eu me lembrei que tínhamos prometido não falar nada. Olivia me lançou um olhar ameaçador. Era tarde demais.

— Ela disse isso? — Sharon perguntou devagar.

— Não, não disse — Olivia respondeu rapidamente. — É uma conclusão nossa.

— Sei. Bom, o namorado é meu, não é? Sou eu que tenho que gostar dele! — Ela se levantou. — Vou ao banheiro retocar a maquiagem. E, Ava, acabe logo de comer porque o Finn chega em dez minutos! — E ela saiu batendo os saltos no ladrilho caro do restaurante.

Dez minutos. Era só o que eu e Olivia teríamos com a nossa filha.

— Ava, me desculpe por ter falado sobre o namorado da sua tia — eu me desculpei.

— Não tem problema.

— Ava, você gosta da sua tia? Gosta de morar com ela? — Olivia perguntou.

— Eu não moro com ela, moro no colégio.

— E você é feliz assim?

Ela ficou pensativa, como se nunca tivessem feito essa pergunta, e franziu a testa ao olhar de Olivia para mim, intrigada.

— Por que estão fazendo todas essas perguntas?

— Nada. — Olivia se apressou em responder. — Apenas gostamos muito de te conhecer. Gostamos mesmo de você. Muito. — A sua voz se alquebrou.

— Sim, Ava. Não se esqueça disso, ok? Olivia e eu apenas gostamos de você.

— E queremos te dar um presente. — Ela pegou o colar que tínhamos colocado numa caixinha de joia.

Ava a pegou, meio confusa.

— Para mim?

— Sim. Para que guarde e use. E se lembre de nós.

Ela nos encarou, ainda confusa.

— Nem me conhecem e querem me dar um presente?

— Ava, nós não te conhecemos hoje — confessei.

— Noah... — Olivia falou em tom de advertência.

— Nós a conhecemos quando era pequena.

— Conheceram meus pais?

— Sim, conhecemos. — Menti. Era melhor isso do que ela achar que éramos dois lunáticos.

— Por isso queremos que aceite o nosso presente — Olivia completou.

— Tudo bem. — Ela pegou o colar. — É bonito. Posso colocar?

— Claro. — Eu o coloquei nela e olhei para Olivia. Seus olhos estavam brilhantes e um nó se formou em minha garganta. Respirei fundo. Nada daquilo era justo. Não era justo eu já amá-la daquele jeito e ter que deixá-la.

Olivia mordeu os lábios com força e eu podia ver que ela ia começar a chorar a qualquer momento.

Sharon voltou.

— Vamos, Ava! Finn já está lá fora e ele não gosta de esperar. Foi ótimo “rever” vocês! Façam boa viagem! — E saiu, puxando Ava.

Eu e Olivia nos entreolhamos por um momento e então nos levantamos, apressados. Coloquei um maço de notas na mesa e a seguimos para fora do restaurante.

— Ei, Sharon, nem nos despedimos da Ava — Olivia chamou e ela parou, impaciente.

— Ok, sejam rápidos.

Nós andamos até Ava, que nos encarou timidamente.

— Obrigada pelo presente.

— Guarde-o sempre com você — falei.

— Será que eu posso... Te dar um abraço? — Olivia pediu.

Ava sacudiu a cabeça afirmativamente e Olivia a abraçou. E depois, como um ato natural, Ava me abraçou também. Eu beijei seu cabelo, sentindo o nó na minha garganta se intensificar. Um carro buzinou, impaciente.

— Anda logo, Ava! — Sharon gritou e Ava se afastou.

— Eu preciso ir. Tchau! — E correu para o carro.

Nós ficamos parados, vendo-a desaparecer.

O carro se afastou pela avenida, em meio ao trânsito caótico de Seattle.

Olivia soltou um soluço, apoiando-se em mim. Passei os braços em volta dela.

Ava se foi. Nossa filha se foi. Eu não sabia como faria para me sentir completo de novo.

 

 

Capítulo 6 - Olivia


Eu achava que sabia o que era dor. Estava completamente enganada.

Era como deixar uma parte minha ir embora. Quando me disseram que ela estava morta, algo vital em mim morreu. E eu convivi com aquela perda, com aquele vazio inexplicável. E então ela foi trazida de volta para mim.

Como um milagre. Só que não era um milagre. Era um pequeno e sujo segredo que destruiu as nossas vidas uma vez, e estava destruindo agora. Porque a estavam levando embora de novo.

Ava não era minha. Não podia ser. A dor sacudiu meu corpo em soluços sofridos, num choro compulsivo que ensopava a camisa branca e impecável que Noah usava. Ele não se afastou. Continuou ali, me abraçando em silêncio. E havia algum conforto em saber que eu não estava sozinha no meu sofrimento. Ele também perdeu Ava.

— Vamos sair daqui — ele disse ao me arrastar pela rua, em seguida me colocou dentro do carro.

Por todo caminho, eu sentia uma espécie de revolta crescendo no meu interior. Uma fúria sem tamanho por toda aquela situação injusta. Parei de chorar. Não havia mais lágrimas. Apenas uma revolta fria e dolorida.

Assim que chegamos ao hotel, eu saltei do carro, batendo a porta, e só percebi que Noah estava atrás de mim quando cheguei ao quarto.

— Não devíamos ter deixado a Ava ir. — Eu andava de um lado para o outro. — Aquela tia é uma bruxa da pior espécie! Eu podia matá-la agora mesmo pelo jeito como trata a Ava. Juro que podia!

— Olivia... Calma...

— Calma? Acha que eu devo me acalmar? Eu quero explodir! Eu tenho ódio de mim mesma por tê-la deixado lá com aquela tia horrorosa! Não é possível que não tenha percebido, que não se importe!

— Ei, calma aí! Acha mesmo que eu não me importo? Que não me doeu profundamente vê-la ir e não poder fazer nada?

— Você podia! E mesmo assim não fez!

— Achei que tivéssemos decidido que era o melhor. Deixar como está. Por Ava.

— Por Ava ou por nós mesmos? Eu me sinto tão... Suja! Tão egoísta. Por que temos que aceitar? Por causa de uma merda de escândalo? Eu não ligo nem um pouco! Eu não me importo! Eu apenas quero ter o direito de ter a minha filha! E eles a roubaram de mim. — Os soluços varreram meu corpo de novo.

Noah se aproximou e me segurou.

— Vai ficar tudo bem...

— Não vai ficar tudo bem — gritei, debatendo-me. — Nunca mais vai ficar tudo bem! Eu não quero ouvir você dizer isso! Me enoja!

— Olivia, por favor...

Eu não queria ouvir. Eu estava além de qualquer controle. Estava doendo demais.

— Saia daqui, Noah! Eu quero ficar sozinha!

— Não vou sair. Você está descontrolada.

— Acho que tenho motivos e nada do que faça poderá mudar o que estou sentindo!

— Apenas pare de se torturar...

— Eu não consigo!

— Chega, Olivia, apenas respire. — Ele segurou o meu rosto.

Sua voz era como veludo, no entanto, hoje sua calma não estava ajudando. Apenas piorando. Eu não queria me acalmar. Eu queria queimar alguma coisa. Ou alguém.

— Não, não faça isso — pedi, retirando suas mãos de mim. — Não ponha as mãos em mim!

— Olivia...

— O que é? Acha que agora você vai me abraçar e a gente vai transar e tudo ficará por isso mesmo? — gritei e Noah elevou as mãos no ar, entre assustado e incrédulo.

— Ei, do que está falando?

— Não é o que vem acontecendo? Sexo?

Agora ele estava começando a ficar tão furioso quanto eu.

— Quem aqui falou em fazer sexo? — questionou friamente.

— Nem precisa. É o que acontece quando você está perto de mim. Aliás, é exatamente por isso que hoje estamos no meio dessa confusão! Se eu nunca tivesse transado com você, o filho do honorável Senador George Belford, nada disso estaria acontecendo!

— Se você tivesse contado comigo e não deixado a sua mãe tomar conta de tudo, nunca permitiria que fizessem aquilo!

— Seu pai nunca deixaria que me desse nenhum apoio! Ele me odiava mesmo antes de eu engravidar! Você me deixou porque ele pediu! Tão focado nessa merda de carreira política!

— Eu não sabia que estava grávida!

— E teria sido melhor que nunca tivesse descoberto! Seu pai e seu amigo James levaram a minha filha embora!

— E sua mãe concordou!

— Minha mãe não queria que eu ficasse com o bebê, mas ela não teria a capacidade para fazer essa monstruosidade sem a ajuda deles!

— Sim, foi uma monstruosidade. Eu não sabia que eles seriam capazes de algo tão sórdido, Olivia! Inferno, eu fui atrás de você e pedi que confiasse em mim! Que eu iria cuidar do bebê! E você fugiu! E sua mãe se negava a dizer onde estava!

— Acha que eu acreditava em você? Seu pai e sua corja estavam me ameaçando de todas as maneiras, óbvio que eu tinha que ir embora!

— Não devia ter confiado cegamente em sua mãe! Se tivesse ficado em Nova York, eu teria te protegido.

— Não teria nada! Você só pensa na sua carreira política e é por isso que estamos indo embora, deixando Ava para trás.

— Não coloque a culpa em mim, Olivia. Eu estou sofrendo tanto quanto você! Acha que eu quero deixá-la?

— Saia daqui, Noah! Já dissemos coisas demais para nos arrepender... Não torne as coisas piores.

Ele se afastou, finalmente fechando a porta atrás de si.

Eu caminhei até a cama e me deitei, encolhida. Forcei a respiração a sair dos meus pulmões. Forcei meu coração a continuar batendo.

Mesmo quando tudo o que queria era me entregar à loucura.

E eu queria não ter brigado com Noah, queria que ele estivesse ali e dissesse que tudo ia ficar bem. Mas como poderia ser verdade? Nossa filha estava viva e não podia ser nossa realmente. Ela pertencia a outra pessoa. Que não me convencera em nada que era uma boa mãe substituta para ela.

E eu? Seria?

Pelo menos eu a amaria mais que tudo. Eu já amava.

E então eu soube. Não podia deixá-la. Não podia seguir em frente sem Ava. Tinha que ter um jeito. Uma maneira de tudo ficar bem. E, de repente, eu vi a solução.

Sim. Tinha uma maneira. Não era a mais perfeita, mas havia um jeito de ficarmos com Ava.

Eu me levantei e corri para o quarto de Noah.

Eu corri até a sua porta e bati várias vezes, nada aconteceu. Onde diabos ele tinha se metido? Um certo medo me bateu. Será que Noah teria coragem de ir embora e me deixar sozinha? Tudo bem que eu merecia depois de ter sido tão grosseira com ele. Eu estava tão nervosa, tão decepcionada. Eu só queria descontar em alguém. Agora me sentia péssima.

Eu me deixei escorregar para o chão, encostando a cabeça na parede. Eu não deveria ter jogado a culpa do que aconteceu entre nós no passado em cima dele. Não foi culpa dele. E nem minha.


Noah


Por que eu tinha brigado com Olivia? Justo agora que ela mais precisava do meu apoio? Eu era um imbecil. E por que as coisas tinham que ser tão difíceis quando se tratava de Olivia?

Eu sabia, quando a conheci, que ela era pura encrenca, mesmo sem ter noção que ela tinha apenas dezesseis anos. Deveria ter desconfiado que ela mentia quando descobri que nunca tinha transado. Mas, ao invés de seguir meus instintos e deixar o nosso caso só em uma noite, eu continuei com ela. Era como se uma força invisível me levasse sempre na direção dela.

Então meu pai bateu à minha porta um dia com um relatório. Ele estava furioso pelo meu caso com uma modelo menor de idade.

E eu me senti um idiota por ter acreditado nas mentiras de Olivia.

E terminei tudo.

Eu sofri por deixá-la. Mas precisava ser realista. Ela tinha apenas dezesseis anos. Aquilo não ia durar, mesmo que eu relevasse esse fato. Sem contar que meu pai estava com a razão e tudo poderia se transformar em um grande escândalo.

E, se havia uma coisa que meu pai não permitiria que acontecesse em ano de eleição, era isso.

Sua gravidez foi escondida de mim por meses.

Olivia foi até o meu apartamento para contar e encontrou James, que disse a ela que eu não estava na cidade. E eu realmente estava em Washington, com meus pais. James contou ao meu pai, que decidiu ir atrás de Olivia para resolver a situação sem me envolver. Ele sabia que eu não ia concordar com um aborto e muito menos com adoção.

Eu ainda era jovem e nunca havia pensado em ser pai, no entanto, meu pai me conhecia o suficiente para saber como eu ia reagir.

Então, apesar de tanto sua mãe, quanto meu pai, insistirem para que ela fizesse um aborto, Olivia se negou. Eu só fiquei sabendo cinco meses depois, quando Barbara descobriu e me contou. E fui atrás de Olivia.

Ela não queria me ouvir. Ainda estava ressentida comigo. Ela acreditava que eu não ia ficar contra o meu pai por causa dela. E confesso que realmente, naquela época, não sabia o que estava fazendo, ou como conseguiria enfrentar o meu pai. Mas tinha a intenção de ajudá-la com o bebê.

Porém, ela desapareceu depois disso.

Meu pai pediu que eu ficasse longe de tudo, que a mãe de Olivia havia dito que ela ficaria reclusa até o fim da gravidez e que, quando o bebê nascesse, ela o daria para a adoção.

Eu não queria que isso acontecesse, mas como poderia discordar das decisões de Olivia, que era a mãe? No fundo, eu acreditava que talvez essa fosse a melhor solução. Embora, em minha mente, eu tivesse uma fantasia quase pueril de que poderia casar com Olivia e assumir o bebê, como deveria ser. Obviamente, suas ambições eram outras. Ela tinha só dezesseis anos e uma promissora carreira de modelo pela frente.

Três meses depois, recebi uma ligação da própria Olivia me dizendo que estava com problemas e que o parto havia sido marcado para dali a dois dias. E que queria que eu estivesse com ela.

Eu não hesitei em viajar para Olimpia, Washington.

Meu erro foi ter contado a James, percebia agora. Ele se mostrou um bom amigo e foi comigo. Ainda lembrava como Olivia parecia pálida e tão jovem contra os lençóis, mas sorriu para mim.

— É uma menina, Noah, acho que quero que um dos nomes seja o da minha avó.

— Talvez eu queira que a minha avó seja homenageada também. — Eu segurei a sua mão e ela ficou pensativa.

E, naquele momento, acreditei que tudo ia dar certo. Íamos ter um bebê. E eu ia pedi-la em casamento. Ela não parecia alguém que queria dar o bebê para adoção. Eu tinha certeza que ela tinha mudado de ideia. Nós podíamos criar a nossa filha juntos.

Fui tirado da sala de cirurgia. Sua mãe iria acompanhá-la. Eu disse a James, enquanto esperávamos, quais eram meus planos. Ele falou que me apoiaria. E fui tolo o suficiente para acreditar.

Eu não sabia que naquele momento, tudo já devia estar arquitetado entre ele e Elisa a mando do meu pai.

Então, a criança nasceu morta.

Olivia chorou desesperadamente. Eu queria ficar com ela, sua mãe não permitiu. James me disse que eu devia ir embora, deixar as coisas se acalmarem, que seria melhor assim.

Olivia seria consolada por sua família. E eu, no fundo, não era nada dela.

Nada.

Por que fui eu que a mandei embora naquele dia, meses atrás.

Então eu a deixei.

Mas a criança nunca esteve morta.

Nós ainda tínhamos uma filha. Uma menina linda de nove anos que não nos pertencia.

Não era justo. Eu tomei mais um gole de uísque. Não tinha gosto de nada. A bebida não estava surtindo o efeito desejado essa noite. Joguei umas notas em cima da mesa, ignorando o olhar curioso do garçom, e voltei para o hotel, pensando em como poderia me aproximar de Olivia de novo, em como poderíamos resolver aquela situação. Eu também não queria deixar Ava. Mas não tinha ideia do que fazer para mudar as coisas.

De repente, eu parei no corredor ao ver a figura encolhida na porta do meu quarto. Olivia estava dormindo com a cabeça apoiada na parede.

Eu me aproximei e toquei seu braço.

— Olivia? — chamei.

Eu tive vontade de sorrir ao vê-la abrir os olhos, assustada.

— Oh... Eu dormi aqui?

— É o que parece — confirmei ainda sem saber o que esperar dela depois da explosão de fúria em seu quarto.

Ela se levantou.

— O que faz aqui?

— Podemos entrar? — pediu, hesitante. Parecia ansiosa e perdida.

— Entrar? Não tem medo que eu te ataque em busca de sexo? — rebati, lembrando-me das suas acusações. Não que ela não tivesse certa razão.

Era exatamente o que acabava acontecendo. Só não era algo premeditado da minha parte. Nunca foi. Apenas acontecia. Inevitavelmente. Olivia ficou vermelha.

— Me desculpe por aquilo, eu estava... Descontrolada.

Eu respirei fundo e abri a porta.

— Entre.

Ela entrou e eu fechei a porta.

— Eu encontrei uma solução — ela falou. — Nós podemos ficar com a Ava. Eu posso adotá-la.

Eu demorei um pouco para entender o que ela queria dizer.

— Você quer dizer adotar a nossa própria filha?

— Ninguém sabe da verdade. Ela é apenas uma órfã! E por que eu não poderia adotar uma órfã? Não vê? É a única solução. Ninguém ia falar nada. Ela seria apenas uma criança adotada. Pode não ser a solução perfeita, mas é a única que temos.

Eu comecei a entender onde ela queria chegar.

— Tudo bem, mas “nós” vamos adotá-la, estamos nisso juntos.

Sim, era uma solução. Talvez a única. Mas ainda tínhamos um problema.

— Ela tem uma tia responsável por ela.

— Uma tia que a trata como um estorvo! Com certeza ficaria bem feliz em se livrar dela. Sim, é isso! Vai dar certo. Ava não ficará aqui. — Ela andava de um lado para o outro, elétrica. — Eu...

— Nós. — Eu a interrompi e ela me encarou. — Não apenas você, Olivia.

— Eu sei. E nós vamos tê-la de volta. — Ela sorriu lentamente. E eu sorri também. Pela primeira vez, em dias, eu tinha um motivo real para achar que tudo podia dar certo.

A solução de Olivia podia não ser a mais correta, porém, era uma saída.

— Sim, nós vamos consegui-la de volta.

— Ligue para o advogado da tia dela. Precisamos resolver essa situação o mais rápido possível.

Eu peguei o celular e disquei para o advogado. O homem não pareceu satisfeito. Talvez achasse que já estivéssemos em Nova York. E depois que relatei a ele os nossos planos, a insatisfação se transformou em aversão.

— Vocês estão malucos!

— Nós não vamos desistir. E você sabe que é a única solução.

— Ok, eu falarei com Sharon.

No fim, ele acabou concordando em nos receber na manhã seguinte. Eu desliguei e encarei Olivia.

— O primeiro passo foi dado.

— Eu mal posso esperar.

— Vai dar certo, Olivia.

— Tem que dar. A tal Sharon vai se sentir aliviada em se livrar de Ava.

Então algo me ocorreu.

— E o que diremos a Ava?

Olivia mordeu os lábios, pensativa.

— Eu não sei. Acho que por enquanto devemos nos concentrar na adoção. Depois pensamos no resto. O importante é ela ser nossa. Como tem que ser.

Eu sorri e Olivia sorriu de volta, e então lá estava, aproximando-se sorrateiramente, aquele desejo quase irresistível de me aproximar e tocar seus lábios com meus dedos. Então Olivia parou de sorrir e passou a mão pelo cabelo com nervosismo.

— Eu vou para o meu quarto.

— Ok, nos vemos amanhã — respondi, quase lamentando. Era melhor assim. Já havia problemas demais entre nós, não precisava acrescentar mais um. Talvez um banho frio fosse uma boa agora.

 


Olivia já estava no saguão, quando desci na manhã seguinte, e sorriu ao me ver.

— Oi.

— Oi. Está pronta?

— Há anos! — respondeu e eu ri.

Nós chegamos ao escritório de advocacia e fomos recebidos soturnamente.

— E então, falou com ela? — Olivia indagou, ansiosa.

— Sim, eu falei.

— E aí? — perguntei mesmo já sabendo a resposta. Estava escrito na cara do advogado.

— Ela não concorda.

— O quê? — Olivia se exaltou. — Como assim, não concorda? Ela não é ninguém para não concordar!

— Olivia... — Eu tentei segurar seu braço, mas ela continuou.

— Essa mulher é uma vaca. Trata a Ava como se fosse um estorvo, praticamente jogou a menina num colégio interno e a esqueceu lá! Como pode não concordar? Devia estar feliz com isso!

— Vocês precisam entender. Ela é a tia...

— Não é! Nem de sangue e nem de consideração. Se ela tivesse o mínimo de sentimento por Ava, não a trataria daquele jeito!

— Ela é a responsável...

— Mas nós somos os pais dela! — Intervim.

— Ela foi adotada por outra família. Vocês não têm direito legal sobre a criança. A não ser que queiram abrir um processo para reconhecimento de paternidade.

Olivia gemeu e nós nos olhamos, frustrados. Claro que ele sabia que não queríamos isso.

— Agora, se me derem licença. — Ele nos dispensou.

Eu e Olivia nos levantamos.

— Isso ainda não acabou — Olivia murmurou, furiosa.

Nós saímos do escritório e entramos silenciosamente no carro.

— O que faremos? — Olivia murmurou.

Eu tive vontade de abraçá-la e dizer que tudo ia ficar bem. Só não sabia se era verdade. Eu parei o carro defronte ao hotel e Olivia saltou.

— Eu vou dar uma volta — falei quando ela não me viu saindo do carro. Ela deu de ombros.

— Faça como quiser — respondeu e se afastou.

Eu peguei meu celular e disquei.

— Alô? — falou a voz conhecida.

— Sou eu... Preciso da sua ajuda.

Meia hora depois, parei em frente à porta e bati. Sharon Alexander abriu e pareceu muito surpresa quando me viu.

— Você?!

— Olá. Posso entrar? — Acho que ela pensou seriamente em bater a porta na minha cara, porém me deixou entrar.

— Espero que não tenha vindo tentar me convencer. Eu já disse para o meu advogado o que pensava dessa ideia absurda de vocês — disse friamente.

— Sim, ele nos disse.

Eu me sentei, peguei a carteira e de lá retirei um talão de cheques.

— O que eu quero saber é quanto você quer para desistir da Ava?

Sharon arregalou os olhos e abriu a boca várias vezes, sem voz.

— Está tentando me comprar? — perguntou por fim.

— Não é por dinheiro que não quer desistir da Ava? — questionei friamente.

— Claro que não, ela é minha sobrinha.

— E você recebe uma quantia exorbitante por mês do James. Dinheiro esse que é da minha família. Então não será a primeira vez que receberá dinheiro vindo de mim.

— É uma ajuda de custo para criar a Ava! Sabe como é caro cuidar de uma criança?

— Você não precisa de todo o dinheiro que recebe para cuidar dela. — Sharon ficou vermelha por um instante, depois fez cara de descaso.

— Isso não é nada para vocês! Nunca precisaram se preocupar com dinheiro!

— Sim, o dinheiro não tem a menor importância para mim, ao passo que para você... Por isso vou refazer a pergunta, quanto você quer para concordar com a adoção?

— Escute aqui...

— Escute aqui você — rebati. — Você não tem nenhum sentimento por Ava. Não finja que se importa, sua atitude prova o contrário, pois a deixa naquele colégio o tempo inteiro. O único motivo de não abrir mão dela é o dinheiro que recebe do James. A fonte secou. James não vai mais te mandar nem um centavo.

— Isso é absurdo. Temos um acordo!

— Que acaba de ser desfeito.

— Não podem fazer isso! Vou armar um escândalo...

— E vai ficar sem dinheiro do mesmo jeito. Portanto, é melhor me dizer agora o valor. Porque, se insistir em abrir a boca, quem se dará mal é você.

— Nossa, depois eu é que sou fria! — ironizou. — Você está tentando comprar a própria filha!

— Eu não me importo com o que pensa. Apenas quero Ava longe de você. Somos os pais dela e temos esse direito. E, se para isso tiver que pagar alguns milhares de dólares, não me importo.

— Milhares?

— Quanto? — Eu podia ver a sua cabeça fazendo as contas.

— Ok. Eu quero trezentos mil — falou em desafio. Eu preenchi o cheque e entreguei a ela.

— Eu nunca pedi para ter uma criança e... — Ela tentou se justificar.

— Não me interessam os seus motivos. Apenas esteja no escritório do seu advogado amanhã e assine a autorização de adoção. E espero que isso fique entre nós.

— Claro, como quiser. Não me interessa mesmo.

Eu saí da casa de Sharon Alexander e só voltei a respirar quando cheguei ao carro. Nunca pensei que teria que passar por algo assim. Eu me sentia sujo. Tão sujo quanto Sharon e sua podridão. Mas o importante era que Ava seria nossa. Eu mal podia esperar para contar a Olivia.

Ela nunca poderia saber o que eu tive que fazer. Mas ter Ava era a única coisa que importava.

Eu entrei no saguão do hotel e ela estava vindo em minha direção com um sorriso encantador. Então jogou seus braços ao meu redor e me abraçou com força.

— Ela concordou! Ela concordou! — falou, sorrindo. — Não sei o que aconteceu, só sei que mudou de ideia!

E eu sorri de volta. Sim, se eu tivesse alguma dúvida de que estava fazendo a coisa certa, naquele momento tive certeza. Valeu a pena para ver Olivia feliz.

Eu estava trazendo a nossa filha de volta para ela.

 

 

Capítulo 7 – Olivia


Eu mal podia acreditar. Depois do balde de água fria que foi a resposta do advogado sobre a negação daquela vadia louca da tia da Ava, do nada, ele ligou dizendo que ela tinha mudado de ideia. Iria assinar a autorização de adoção.

Era como voltar à vida novamente. Finalmente poderia ter Ava comigo. Na verdade, eu não fazia ideia de como seria, o mais importante é que ela seria nossa. Sim, minha e de Noah. E eu estava feliz de ele estar comigo nessa, embora tenha ficado levemente contrariada por ele ter me deixado no hotel e desaparecido. Será que não percebeu que eu precisava dele? Era duro admitir, mas precisava. Porque ele era o único que compartilhava os meus sentimentos em relação à Ava.

Ainda não queria contar nada para a minha família. Eu não sabia como confrontar a minha mãe e temia a reação do meu pai. Também não queria sobrecarregar a Dana com meus problemas.

Então Noah voltou e estava ali, sorrindo para mim. E percebi, me afastando meio sem graça, que tinha praticamente pulado em cima dele.

— Eu falei que tudo ia dar certo — ele disse.

Eu revirei os olhos

— Depois daquela resposta, fiquei muito preocupada. Não é, e nunca foi a nossa intenção fazer alarde em cima da situação, embora já achasse que seria a única maneira se aquela louca não mudasse de ideia.

— Mas ela mudou. E não vai mais nos criar problemas.

— Eu espero que sim. O advogado disse que estão providenciando a autorização e acho bom nós contratarmos um advogado de confiança para cuidar dos trâmites legais para nós. Não faço ideia de como tudo funciona.

— Sim, já acionei um bom advogado. Não se preocupe. Ele tem escritório em Seattle.

— Quanto tempo será que vai demorar?

— Eu não sei.

— E enquanto isso, a Ava fica lá... — falei, desanimada. — Se pelo menos pudéssemos encontrá-la de novo... Será que, se a gente pedisse para a Sharon, ela...

— Melhor nos mantermos longe daquela mulher por enquanto — Noah falou soturnamente. — Isso é provisório, Olivia. Em breve ela estará com a gente.

— Para sempre — completei, mal podendo conter a onda de pura felicidade. Ele sorriu de volta.

— Podemos ir até a escola dela. Como fizemos naquele dia.

— Sim! Vou subir e pegar a minha blusa. Me espera!

Eu subi rapidamente, peguei minha blusa e meu celular, e enquanto entrava no carro com o Noah, vi várias ligações da minha mãe.

Noah me lançou um olhar indecifrável por cima dos óculos de sol, quando paramos num semáforo.

— Muita gente te procurando?

Eu dei de ombros

— Minha mãe. Eu não sei como vou conseguir confrontá-la. Acho que ainda não caiu a ficha sobre a maldade que ela fez comigo. Ela sempre foi meio obcecada com a minha carreira e insistiu muito para que eu fizesse um aborto, mas como me neguei, ela queria que eu desse a criança para adoção. Nunca imaginei que ela poderia fazer algo assim.

— Entendo o que sente.

— O que será que vai acontecer quando descobrirem que ficaremos com Ava?

— Não sei. Mas eles não podem nos impedir.

— Sim, tem razão. — Eu respirei fundo. — Eu só quero ter a minha filha de volta. E deixar todos os conflitos para depois...

— Ali. — Noah apontou para várias crianças que se aproximavam, subindo nos brinquedos do parque.

E no meio delas, minha Ava. O cabelo comprido estava preso num rabo de cavalo e ela usava as mesmas blusas coloridas do outro dia. Eu senti meu coração se expandindo com um sentimento único e tão grande, que pensei que iria sufocar.

— Vamos sair — Noah falou.

— Mas... Acha legal ela nos ver?

— Vamos ficar longe.

Nós saímos do carro, caminhamos até ficarmos a uma certa distância e sentamos em um galho caído.

Ava continuava brincando entre as crianças sem fazer ideia de que a observávamos.

— Ela é tão linda — murmurei.

— Ela parece com você.

Eu o encarei.

— Não parece não! Ela parece você quando sorri.

— E tem seus olhos.

— Ok, ela se parece com nós dois! — Nós rimos e ficamos em silêncio.

Era um momento único. Era lindo e triste ao mesmo tempo, porque eu queria me aproximar de Ava e não podia.

— Não ainda — Noah murmurou ao meu lado como se lesse meus pensamentos. Suspirei alto, minha garganta se fechou e eu pisquei para afugentar um choro inconveniente.

— Não ainda — concordei e sua mão cobriu a minha, os dedos se entrelaçando aos meus tão naturalmente como foi um dia. E eu encostei minha cabeça em seu ombro, simplesmente feliz por ele estar ali comigo. E por Ava estar a poucos passos de nós. Por enquanto, era o bastante.

As crianças se dispersaram, voltando para o colégio quando a tarde foi findando e nós voltamos para o hotel, em silêncio. O celular de Noah tocou quando estávamos no elevador e eu fiz sinal de que ia para o meu quarto. Estava cansada, física e emocionalmente.

Tomei um banho e meu telefone estava tocando quando saí do banheiro. Era Noah. Eu senti certo frisson totalmente inconveniente ao pensar que ele provavelmente estava ligando para me chamar para jantar.

— Oi, Olivia. Eu preciso ir a Washington.

— Agora?

— Sim. A eleição primária está para acontecer e tenho de estar presente. O advogado entrará em contato com você dizendo o que precisa ser feito. Eu volto assim que for possível, tudo bem?

— Tudo bem. — Tentei disfarçar o desânimo. — Eu te ligo se tiver qualquer novidade.

— Certo.

— Boa viagem. — Desliguei, me sentindo ridiculamente decepcionada. O que eu estava pensando? A única coisa em comum entre nós era Ava. E era a única em que eu deveria pensar. Ponto final.

 


Passaram-se dois dias até que tivesse notícias do advogado de Noah, informando que havia sido marcada uma audiência preliminar com uma assistente social para saber quais as nossas intenções.

— Isso é mesmo necessário?

— Sim. Ela emitirá um parecer para a aprovação do juiz.

— Certo. Amanhã estarei aí.

Eu comecei a ficar com medo. Liguei para Noah. Ainda não havia falado com ele nesses dois dias.

— Alô. — Ele atendeu em meio a um burburinho de vozes.

— Oi, é a Olivia.

— Oi. Espera um pouco, Olivia. — Eu o ouvi murmurando alguma coisa e depois de alguns segundos o barulho cessou.

— Agora pode falar.

— Onde você está? — perguntei, intrigada.

— Em um jantar do partido.

— Certo. Vamos para as novidades. O advogado ligou e disse que temos uma reunião amanhã com uma assistente social, que vai estudar o nosso caso, emitir um parecer e encaminhar a um juiz.

— Eu estarei aí amanhã.

— Tem certeza que consegue? — questionei mais aliviada.

— Eu darei um jeito.

— Eu estou com medo, Noah — murmurei.

— Não fique, vai dar tudo certo.

— Eu espero que sim.

— Olivia, preciso desligar.

— Ok, te vejo amanhã.

— Até amanhã.

Naquela noite eu mal dormi. E para a minha consternação, quando saí para a audiência, Noah ainda não tinha chegado. O advogado me esperava lá. Eu não sabia bem o que dizer.

Na verdade, não fazia ideia o que Noah tinha dito a ele. Se mencionou que, na verdade, Ava não era simplesmente uma órfã qualquer.

— Ela irá nos receber agora. Apenas responda às suas perguntas.

— O que o Noah disse para você? — indaguei.

— Ele me disse que vocês conheceram essa garota aqui em Seattle. Que é sobrinha de uma velha conhecida e resolveram ajudá-la.

— Certo, é isso mesmo.

Então Noah não contou nada ao advogado. De certa forma, eu sentia que era melhor assim. Quanto menos gente soubesse a verdade, melhor.

Nos chamaram para a sala da assistente social e eu segui o advogado, sentindo um frio na barriga.

A mulher, que se chamava Jillian Garcia, me deu medo. Era simples assim. Não que ela fosse grossa ou algo do tipo. Na verdade, ela era mais jovem do que eu imaginara, mas nós dependíamos apenas da boa vontade dela para ficar com Ava. Ela fez algumas perguntas sobre a minha família e o que eu fazia. Obviamente que sabia quem eu era, pelo menos disfarçou, ou não estava nem aí para isso.

— Então, você quer adotar essa criança, Ava.

— Sim.

— E qual o motivo? — Mordi os lábios nervosamente.

Pensa, pensa, pensa.

— Bem... Ela é uma órfã, não tem pais...

— Mas é criada pela tia desde os três anos.

— Sim, porém, a tia é uma mulher ocupada. — Eu queria dizer cobras e lagartos sobre a Sharon Alexander, mas achei melhor ficar quieta. — E nós a conhecemos e acho que podemos dar mais atenção a ela, como pais. Sharon concordou, já deve saber que ela abriu mão da criança.

— Sim, temos a documentação dela. — Ela remexeu nos papéis na mesa.

— E a adoção seria feita por você e o senhor Noah Belford?

— Sim.

— E qual o relacionamento de vocês?

— Somos... Amigos.

Ela fechou a pasta e me encarou.

— Escute, a situação não é nada fácil. Primeiro o juiz achará estranho duas pessoas como vocês escolherem adotar essa menina.

— Por quê? Nós queremos ajudá-la. Dar um lar a ela. Qual o problema?

— Você é uma modelo famosa. E o senhor Belford de uma família influente na política.

— E daí?

— Isso não é usual. Eu entendo que queiram adotá-la, mas o juiz precisará entender também.

— Nós gostamos dela. Queremos ser os pais dela — afirmei.

— E por que você e o senhor Belford? Se vocês não têm nenhum relacionamento, como pretendem fazer dar certo? O juiz não irá concordar. Talvez se só um de vocês tentasse...

— Não. — Eu podia concordar com ela, mas sabia que Noah não concordaria. E eu nem gostaria que fosse diferente. Estávamos juntos naquela história.

— Nós dois a queremos.

— Olha, para ser sincera, não vejo muita chance.

Eu comecei a me desesperar. Minha vontade era bater na mesa e dizer com todas as letras que a Ava era minha filha e ponto final. No entanto, respirei fundo, tentando pensar racionalmente, perder a cabeça não adiantaria nada. Então uma ideia começou a se formar na minha mente.

— Escute, eu não queria entrar nesse assunto, é particular, mas... O que queria dizer é que nós somos... Pessoas conhecidas e por isso tentamos manter nossa vida privada. E eu não queria revelar nada. Na verdade, Noah e eu estamos juntos. Romanticamente falando.

Eu esperava sinceramente não estar vermelha por mentir tão descaradamente. Eu sentia que era a única maneira de melhorar a nossa situação.

— E por que isso não consta do relatório?

— Porque é um segredo. Ninguém sabe. A não ser as pessoas muito próximas. Nós já tivemos um relacionamento anos atrás e não deu certo e, dessa vez, estamos tentando manter tudo resguardado.

— E há quanto tempo estão juntos?

— Um ano. — Menti.

— E vocês moram na mesma casa?

— Claro. — Estava ficando boa na mentira.

— Seu endereço é em Nova York e o senhor Belford mora em Washington.

— Meu endereço oficial sim, por causa do trabalho, mas sempre viajo a Washington quando a minha agenda permite, e Noah também sempre vem a Nova York. — As mentiras estavam se multiplicando.

— Isso melhora a situação.

Eu quase respirei aliviada.

— Então acha que o juiz concordaria com a adoção?

— Bem, ainda há alguns estudos a serem feitos. Precisamos levar em consideração o bem-estar de Ava.

— Com certeza. Nós também queremos o melhor para ela, acredite. Faríamos qualquer coisa que fosse preciso.

— Então é o seguinte. Primeiro, o juiz pode concordar com um período de experiência. Mas precisarão mantê-la em sua rotina.

— Naquela escola? Eu não quero que ela continue no internato!

— Posso solicitar que ela vá morar com vocês, mas continue estudando lá. Sua rotina não pode ser muito alterada.

— Certo. Podemos fazer isso. Ficaremos em Seattle o tempo que for necessário. — Na verdade, eu não tinha certeza, mas obviamente daria um jeito. Eu falava sério. Faria qualquer coisa.

— Eu avaliaria a situação e daria meu parecer, porém a criança também teria que concordar em ficar com vocês. O juiz sempre leva em consideração a opinião da criança nesses casos.

— Entendi. — Minha cabeça estava girando, pensando em tudo que teria que ser feito. Tinha que dar certo.

— E mais uma coisa. Também se leva em conta o quanto estão comprometidos com a situação familiar para dar estabilidade à criança.

— O que quer dizer? Estamos comprometidos.

— Sim, mas não são casados. Isso pode pesar também.

— Oh... Entendo. — Oh meu Deus. Eu poderia mentir mais ainda? Antes que pudesse responder, ela deu a reunião por encerrada e, quando estávamos saindo, Noah apareceu.

— Me desculpe. Houve atraso nos voos.

— Já acabamos — o advogado disse.

A assistente social ainda estava por ali e nos encarava. O advogado apresentou-a a Noah e, como toda mulher da face da Terra, ela corou quando ele a cumprimentou.

— Muito prazer, senhor Belford, pena que perdeu a reunião.

— Me desculpe.

— Tudo bem. Eu conversei com a senhorita Miller e entendi a situação. Esperem uma ligação para marcarmos uma audiência com o juiz.

— Sim, eu o colocarei a par de tudo. — E, de repente, eu me lembrei que a assistente social provavelmente estava avaliando a nossa conduta. Segurei a mão de Noah nas minhas, ele me encarou com um olhar inquiridor e eu sorri, “por favor, não dê bandeira, Noah!”

— Vamos? — Usei o tom mais carinhoso que encontrei.

— Sim — ele respondeu e nós saímos do escritório.

Na rua, o advogado se despediu e entrou em um táxi. Noah me encarou, ansioso.

— E aí, como foi? Eu me sinto péssimo por ter deixado você sozinha.

— Eu fiquei bastante nervosa, mas acho que me saí bem.

Eu olhei para cima e podia ver algumas sombras na janela. Óbvio que estavam nos espionando. Será que a assistente social também estava? Pensando rápido, fiquei na ponta dos pés e beijei Noah, deixando-o surpreso.

— O que foi isso?

— Eles acham que somos um casal — murmurei contra a sua boca.

— O quê?

— Vamos sair daqui e eu te explico tudo.

Nós entramos no carro e eu me preparei para contar tudo a Noah.

— Deixa ver se eu entendi. — Noah me encarou dentro do carro, parecendo confuso e estupefato com o que eu tinha contado. — Você disse a ela que estamos juntos há um ano. Em segredo.

— Sim, foi necessário. Eu sei que é uma mentira, mas ela disse que se não fôssemos um casal, não teríamos muita chance. Eu me desesperei.

Noah sacudiu a cabeça afirmativamente, pensativo.

— Fala alguma coisa — pedi. — Acha que eu fiz mal em mentir?

— Não, não fez — ele disse, por fim dando partida no carro. — Então agora somos namorados de novo? — ele indagou olhando para o trânsito.

— De mentira — respondi rapidamente, sentindo meu rosto queimar. De alguma forma, eu sentia meu coração dando um pulo no peito. Era esquisito pensar em Noah naqueles termos depois de tanto tempo.

— De mentira — ele concordou e eu podia jurar que estava sorrindo.

— O que vamos fazer?

— Se vamos ficar em Seattle, precisamos encontrar um lugar para morar.

— Você vai ficar?

— Achei que fosse esse o acordo, Olivia.

— Mas eu pensei que, com toda essa situação de eleição e tudo mais...

— Eu ganhei as primárias.

— Wow, meus parabéns! — murmurei, já pensando em como aquilo complicava tudo. Quando a campanha começasse pra valer, eu esperava que a situação de Ava já estivesse resolvida.

— As eleições serão somente daqui a alguns meses. Espero que até lá já tenhamos conseguido a guarda de Ava.

— E se isso vier à tona, não irá afetar toda a campanha?

— Sem dúvida que sim. — Seu tom era sombrio.

— Seu pai deve estar pirando.

— Sim, ele está furioso mesmo eu tendo garantido que tudo está correndo em sigilo. — Ele me encarou, sério. — Eu sei o que está em jogo, Olivia, mas não irei desistir de Ava. Eu nunca faria isso.

Eu sorri meio aliviada, meio preocupada.

Então estávamos mesmo fazendo isso? Indo morar juntos? Eu senti um frio no estômago.

Era apenas encenação para garantir que Ava ficasse conosco, não era?

— Noah, tem mais uma coisa.

Ele me encarou quando paramos num sinal.

— O quê?

— Ela disse que o juiz ainda poderia encrencar.... Porque não somos casados — murmurei num fio de voz. Ele ficou em silêncio por um momento, então o trânsito voltou a andar e ele concentrou a atenção na direção. Eu mordi os lábios nervosamente. — Isso é absurdo... Talvez ela esteja exagerando...

Finalmente chegamos em frente ao hotel e Noah olhou para mim novamente.

— Vamos dar um passo de cada vez, Olivia.

— Tem razão.

— Mas, se for preciso... Estou disposto a qualquer coisa por Ava. A pergunta é, você está?

— Estou — respondi sem pestanejar. Por Ava, eu faria qualquer coisa. Até me casar com Noah, se fosse preciso. Eu só não sabia o que fazer com aquela vozinha dentro da minha cabeça que sussurrava que não seria um sacrifício tão grande assim.

 

 

Capítulo 8 - Olivia


— Eu terei que voltar a Washington para organizar e acertar tudo, já que teremos que ficar aqui por algum tempo — Noah disse assim que chegamos ao hotel.

— Sim, você tem razão. Eu terei que voltar também.

Era estranho deixar Seattle, porque significava deixar Ava. Mesmo que fosse temporariamente, dava uma certa angústia.

— Em breve estaremos de volta, Olivia.

— E se o juiz não concordar? O que faremos?

— Não tem por que não concordar.

— Espero que esteja certo.

Nos despedimos e prometemos nos encontrar dentro de alguns dias em Seattle.

 


Dana me buscou no aeroporto quando cheguei à Nova York.

— Achei que tinha fugido pra Seattle — comentou, pegando minhas malas.

— Quase isso. Tem muita coisa acontecendo e você nem imagina! Vamos para casa e eu te conto tudo.

— Sua mãe me ligou para perguntar o que está acontecendo com você — Dana disse enquanto eu acendia um cigarro e ela fazia um lanche pra mim. Eu fiz uma careta.

— Eu preciso contar a ela que descobri sobre Ava, mas quero primeiro resolver os arranjos da adoção.

— Então vai mesmo morar em Seattle?

— Provisoriamente, até que tenhamos a guarda definitiva dela.

— Você e Noah? — ela indagou devagar.

— Sim, Noah e eu, qual o problema?

— Nada...

— Eu sei o que está pensando. Isso não é — Tentei achar as palavras corretas para expressar aquilo que até para mim ainda era nebuloso. — algum tipo de reconciliação. Eu e Noah estamos fazendo isso pela Ava. Precisamos fingir que estamos juntos, porque o juiz pode se recusar a conceder a guarda dela.

— Ok, entendi.

— Não me critique, Dana, por favor. Essa situação já é bastante difícil! Eu preciso que verifique se tenho algum compromisso e cancele tudo. Nós vamos morar em Seattle, precisamos alugar um apartamento. Deixar tudo pronto.

— Tudo bem. Você parece bastante determinada.

— Nada mais me interessa no momento a não ser ter Ava comigo.

Eu passei três dias ajeitando tudo para voltar a Seattle e o tempo inteiro esperando uma ligação da assistente social, e também morrendo de medo de ter uma resposta negativa.

Dana viajou primeiro para tentar encontrar o apartamento. E nada de Noah me ligar. Tudo bem que a gente não precisava se falar o tempo todo, porém, eu me perguntava se ele ainda estava naquela comigo. Na noite anterior da viagem, eu cansei de esperar e liguei para ele.

— Oi, eu viajo amanhã para Seattle.

— Eu sei. Eu queria poder ir com você, infelizmente, ainda não posso. — De repente, ouvi uma voz feminina e senti algo estranho revirando por dentro.

— Onde você está? Estou atrapalhando alguma coisa?

— Estou com uns assessores.

— Vou deixar vocês em paz então... — Ouvi outra ligação chamando. — Noah, só um minuto. — Eu o deixei na espera.

— Alô.

— Boa noite, desculpa ligar a essa hora, aqui é Jillian Garcia.

Eu estremeci, apreensiva, ao ouvir a voz da assistente social.

— Acho que gostaria de saber que saiu a autorização do juiz. Poderão ficar com Ava em caráter provisório.

Eu não sabia se ria ou gritava. Ou chorava.

— Espero que sigam todas as minhas instruções, então a criança ficará sob a guarda de vocês.

— Entendi. Entraremos em contato assim que voltarmos pra Seattle.

Eu desliguei e voltei à ligação com Noah.

— Noah, era a assistente social. Nós conseguimos!

— Eu disse que iríamos conseguir!

— Sim, conseguimos... Por enquanto — murmurei ainda sem acreditar. Era bom demais para ser verdade. Eu queria tirar aquele peso da minha cabeça. Aquele medo irracional de estar sonhando e de a qualquer momento acordar sozinha em minha existência fria. Sem Ava. Sem Noah. Sem nada.

— Vai dar tudo certo, Olivia. — A voz de Noah chegou até mim e eu tentei acreditar nele.

Eu precisava acreditar.

 


Encontrei-me com Dana quando cheguei a Seattle e ela me levou para ver alguns apartamentos.

— Por que Noah não está aqui? — indagou.

— Ainda não conseguiu se livrar de alguns compromissos.

— Entendi.

Nós vimos vários apartamentos no primeiro dia, nenhum era apropriado e isso me decepcionou.

— Foi só o primeiro dia, Olivia. — Dana tentou me acalmar.

— É mais um dia que a minha filha não está comigo — murmurei.

— Ela estará em breve.

No dia seguinte, fomos a mais um e eu tentava ficar animada.

— Espero que hoje seja melhor.

Nós paramos em frente a um prédio relativamente tranquilo e subimos. E eu fiquei surpresa ao ver Noah nos esperando no corredor.

— De onde você saiu?

— Do avião. — Ele riu e olhou para Dana. — Você deve ser Dana.

— Sim, e você o Noah.

— Culpado.

— Quando chegou? — perguntei curiosa, enquanto Dana abria a porta.

— Hoje de manhã.

Nós entramos no apartamento e eu senti a atmosfera diferente, era espaçoso e iluminado.

— Deste... Eu gostei.

— Eu também — Noah concordou. — Então será este?

— Acho que sim.

— Vou cuidar do aluguel. — Dana tomava nota.

— Teremos um bocado de trabalho para decorar tudo — falei, preocupada.

— Podemos contratar alguém. — Noah deu de ombros.

— Ou podemos fazer tudo — Dana falou com animação. — Podemos imaginar o que Ava iria gostar. Precisamos fazer um quarto para ela!

— Acho que ia gostar de arrumar o quarto dela. — Entrei na onda de Dana e Noah riu da minha empolgação.

— Isso quer dizer que temos que ir às compras.

— Ah, falou a palavra mágica para deixar Dana feliz. — Eu ri.

Nós passamos o dia comprando tudo o que precisava. E realmente foi divertido. Era como brincar de casinha. E, de certa forma, era. As pessoas nas lojas nos encaravam com curiosidade, mas quase nunca mais que isso. Com certeza deduziam que estávamos indo morar juntos ou algo desse tipo. E não era exatamente o que estava acontecendo? Eles só não sabiam o real motivo.

Em uma determinada loja, Dana e eu fomos para um lado e Noah para outro. Quando nos aproximamos, eu o vi conversando com uma mulher. Não precisava ser muito esperto para saber que ela estava totalmente dando em cima dele. Sua linguagem corporal era clara. E o que será que Noah estava pensando? Será que a achava atraente? Será que pegaria seu telefone e ligaria mais tarde para marcar um encontro? E por que diabos eu estava fervilhando por dentro com essa possibilidade?

— Está com ciúmes? — Quase dei um pulo ao ouvir a voz de Dana ao meu lado.

— Claro que não! De onde tirou esta ideia?

— Da sua cara de assassina.

Eu revirei os olhos.

— Está vendo coisas. E, além do mais, Noah é livre para fazer o que quiser! Só estamos aqui por causa de Ava, não somos um casal ou algo assim!

— Tem certeza? — Ela piscou e desapareceu de novo atrás das cortinas.

Noah se aproximou e eu não vi mais sinal da oferecida.

— Cadê a sua amiga? — perguntei, incapaz de me conter.

— Amiga?

— Com quem estava batendo um papo tão animado.

— Ah, ela me reconheceu e veio falar de política.

— Ah, sei que era isso que interessava para ela. — Deus, o que havia de errado comigo? Por que não calava a boca? Podia ouvir umas risadinhas de Dana ali perto. — Oh, me desculpe, isso foi algo inapropriado para se falar! Não tenho nada a ver com seus flertes e...

— Ninguém estava flertando, Olivia.

— Eu não sou cega, aquela moça estava quase tirando a calcinha em plena loja!

— Ei... Calma aí. — Ele riu, entre espantado e divertido.

Eu me irritei comigo mesma.

— Desculpe-me de novo! Não quero que pense que estou cobrando algo de você. Apenas saiba que eu sei que tem a sua vida. Pode continuar com ela. Não me deve explicações ou algo assim. Isso é apenas por Ava, não é? — Eu mal respirei entre as palavras e bufei no fim. Foi a vez de Noah desviar o olhar, avaliando as minhas palavras atropeladas e passando a mão pelo cabelo. Então voltou a me encarar.

— Olivia, eu não estava paquerando aquela mulher.

— Já falei que não me deve explicação...

— Mas quero explicar — falou enfaticamente. — Talvez ela estivesse sim dando em cima de mim, mas não estou em Seattle para ter encontros, seja com quem for. Estou aqui porque quero ter a minha filha de volta.

— Eu sei. Me desculpe por meu ataque.

Ele riu, aliviando a tensão, e estendeu a mão para mim.

— Vamos comprar as coisas para o quarto de Ava.

Eu sorri, meus dedos escorregando entre os dele como se fosse a coisa mais natural do mundo. E talvez fosse.

— Vamos.

 


Finalmente parecia que estava tudo pronto.

Caminhei pelo apartamento e entrei no quarto que seria de Ava e olhei ao redor, insegura. Ouvi passos atrás de mim.

— Parece que acabamos — Noah disse.

Nas últimas horas, ele, Dana e eu havíamos corrido para arrumar tudo.

Eu o encarei, mordendo os lábios nervosamente.

— O que foi?

— Acha que Ava vai gostar? E se odiar?

Ele riu.

— Nós faremos tudo de novo.

— É... Parece bem prático. — Tive que rir da sua teoria simples. O fato era que eu sentia uma dorzinha de estômago de nervoso e ansiedade. Agora faltava bem pouco para termos Ava conosco.

Dana entrou no quarto.

— Eu já vou, Olivia.

— Por que não fica para jantar com a gente?

— Eu tenho que ir ainda hoje pra Nova York. Logan vai arranjar alguma loira peituda se eu não voltar para casa. E não estou a fim de arranjar outro noivo.

Eu sorri e a abracei. Dana namorava Logan há dois anos e eles formavam um casal adorável.

— Obrigada por tudo.

— Boa sorte com a Ava.

Eu suspirei pesadamente.

— Eu te ligo se precisar de algo. — Eu a acompanhei até a porta.

Ela se foi e eu olhei em volta, anoitecia em Seattle. E estava sozinha com Noah naquele apartamento, fingindo que éramos como qualquer casal que acabava de se mudar.

Oh, Oh!

Caminhei até o quarto, pela primeira vez me dando realmente conta que aquele era o único quarto, sem contar o de Ava. E que, obviamente, era um quarto de casal.

Ok. A partir de agora éramos um casal. Pelo menos para o mundo.

Não era tão absurdo assim. Nós havíamos transado duas vezes nos últimos tempos.

Só que agora era diferente. Havia tanto em jogo! Tanto a perder! Eu não queria que nada estragasse a possibilidade de termos Ava. E isso incluía ser sensata e pensar muito bem em como seria a minha relação com Noah.

— Eu liguei para a tia de Ava. — A voz de Noah atrás de mim me fez voltar à realidade.

— E?

— Eu pedi a ela para trazer Ava amanhã. Acho que será mais fácil.

— Sim, pode ser.

— Elas virão para jantar.

— Teremos que jantar com aquela mulher horrorosa?

— É a tia de Ava.

— Ela já explicou para Ava sobre a mudança?

— Disse que explicará amanhã, quando pegá-la na escola.

— Eu só me sentirei tranquila quando ela estiver aqui. Ao nosso alcance — murmurei.

As mãos de Noah tocaram meu ombro.

— Ela estará. Amanhã, Olivia.

Por um momento, eu quis que ainda fôssemos um casal e que pudesse encostar a cabeça em seu ombro e pedir que me abraçasse. Mas me afastei.

— Está com fome? Posso fazer alguma coisa?

— Já trabalhamos demais hoje. Podemos pedir.

— Tudo bem, vou tomar um banho — falei enquanto entrava no banheiro.

Quando eu me encarei no espelho, vi que estava vermelha. O que era totalmente ridículo. Ri de mim mesma. Quando saí do chuveiro, eu podia ouvir uma música tocando na sala. Arcade Fire.

Era algo que Noah tinha me ensinado a gostar quando estávamos juntos. E toda vez que eu a ouvia, me lembrava dele. E, enquanto me enxugava, deixei meus pensamentos voltarem para ele, como sempre acontecia, e foi fácil deixar minha mente imaginar que tudo era diferente. Que era real.

De repente, ouvi uma batida à porta do banheiro.

— Olivia, telefone para você.

Segurei a toalha na minha frente e abri a porta.

Noah me encarou através da névoa de vapor que saía. Peguei o telefone da sua mão, tentando ignorar o fato de que ele me media sem disfarçar e o calor que isso me causava.

— Alô?

— Espero não estar atrapalhando nada. — A voz do meu pai, uma mistura perfeita de acidez e divertimento, chegou até mim.

— Não, não está — falei entre dentes. Ao relancear o olhar para a porta e ver que Noah continuava lá, eu esperei não estar vermelha. Me deu vontade de fechar a porta na sua cara, mas pensei melhor, seria muito descortês da minha parte.

Meu pai riu do outro lado da linha.

— Não sabia que estava namorando.

Oh Deus!

— Não estou!

— Wow. Não quero detalhes.

— Me desculpe, pai. Como descobriu esse número?

— Eu tive que pressionar a Dana para me informar onde diabos você tinha se metido! Sua mãe está me ligando para perguntar se eu sabia. O que está fazendo em Seattle?

— É uma longa história, pai. Eu terei que passar algum tempo na cidade.

— Como assim? A trabalho?

— Não...

— Tem algo a ver com o homem que atendeu ao telefone? Devo ficar preocupado?

— Não! Está tudo bem só... Eu te explicarei tudo quando for possível.

— Olivia, pra que tanto mistério? Por que não me conta o que está acontecendo? Está me deixando preocupado...

— Não precisa ficar.

— Por que está evitando a sua mãe?

— Eu realmente não posso falar com ela agora. Não quero que você diga a ela que estou em Seattle.

— Por que não? Olivia, o que está acontecendo? Você está com problemas?

— Não! — Respirei fundo, sabendo que teria que tranquilizar meu pai de alguma maneira. — Olha, estou morando com alguém.

— Ah, sabia que algo estava acontecendo.

— Não quero que a mamãe saiba por enquanto. Você sabe como ela é, por favor, me deixe acertar tudo primeiro.

— Hum, sim, sei como Elisa é. Claro que não vou contar a ela até que se sinta pronta. Você tem certeza que está fazendo a coisa certa?

— Sim, tenho, pai.

— E quando vou conhecer esse homem?

— Eu juro que vou te contar em breve. Confie em mim. Está tudo bem comigo.

— Ok, Oli. Terá que falar com a sua mãe logo, ela não vai se contentar em ficar de fora.

— Eu sei.

Eu desliguei e encarei Noah, que continuava lá, então passei o aparelho a ele.

— Era meu pai — falei desnecessariamente.

— Eu percebi.

— Ele queria saber se está tudo bem.

— Entendi.

Ok, acabaram-se as palavras. E eu continuava ali, os dedos amassando a toalha em frente ao corpo. O cabelo molhado pingando sobre meus ombros. A névoa do vapor nos envolvendo.

E o seu olhar. Por que ele tinha que me olhar como se eu fosse algo de comer? Eu sentia tudo tremendo dentro de mim. E esquentando. E derretendo. Talvez, se eu desse apenas um passo...

A campainha tocou e quase dei um pulo de susto.

— A pizza — Noah falou, não sem antes limpar a garganta. Eu me virei.

— Melhor atender logo, então.

Ele se afastou e eu corri para o quarto, procurando rapidamente uma roupa. Reparei que a mala dele também estava lá.

Deus, como a gente ia conseguir conviver amigavelmente se tudo o que me passava pela cabeça quando ele me encarava daquele jeito era sexo? Talvez, se fosse um outro momento, se fôssemos outras pessoas... Sinceramente, aquela não era a hora de agir imprudentemente. A verdade era que eu não queria me envolver com ele de novo. Precisava manter meus pensamentos claros, para que tudo desse certo com Ava. Era só o que interessava agora.

Voltei para a sala e Arcade Fire continuava tocando. Meu estômago roncou com o cheiro de pizza.

— Espero não ter me esquecido da sua preferida.

Eu dei uma olhada.

— Não, não esqueceu — respondi, tentando não ficar derretida só porque ele lembrava de um detalhe tão bobo.

Nós comemos em silêncio e minha mente apenas girava em torno do pensamento de que teríamos que dormir juntos. Eu devia ter sido mais esperta e insistido em achar um apartamento com três quartos. Agora era tarde.

— Noah, queria te falar uma coisa.

— Fale.

Eu mordi os lábios nervosamente.

— Sobre nós... Quer dizer... Nós dois... Tendo que fingir e... Espero que saiba que tudo continua o mesmo.

Ele ficou em silêncio por um instante, como se ponderasse as minhas palavras.

— Por que eu acharia diferente? Não estamos aqui fingindo ser um casal para conseguir a guarda de Ava? — Suas palavras estavam carregadas com uma frieza inesperada e isso me feriu um pouco. Quem estava sendo estúpida de novo? Se ele podia lidar com tudo desse jeito, eu também podia.

— Eu só queria deixar bem claro — falei ao me levantar para levar os pratos vazios para a pia.

Eu abri a torneira e comecei a lavá-los com uma certa fúria. Foi um milagre nenhuma louça ter se quebrado.

— Amanhã eu lavo, combinado? — A sua voz chegou até mim em um tom diferente. Com certa suavidade e... Arrependimento?

Eu o encarei. Ele sorria. Um pequeno sorriso de lado, que me deixou com as pernas bambas.

Oh, caramba! Respirei fundo, desviando o olhar.

— Combinado. — Ele se afastou. Eu acabei de lavar a louça e o encontrei na sala com cobertas e travesseiro nos braços.

— O que está fazendo?

— Eu durmo no sofá.

— Não é muito justo.

— Não vou discutir isso, Olivia.

Eu até pensei em dizer que era desnecessário. Mas sabia que não era. Não adiantava me enganar que iríamos dormir na mesma cama como se fôssemos dois amiguinhos.

— Tudo bem. Boa noite.

— Boa noite, Olivia.

Eu fechei a porta atrás de mim e me deitei. Podia ouvir Noah falando com alguém ao telefone. Quem seria?

Eu bufei, fechando os olhos. Era melhor tentar dormir. Amanhã, finalmente, seria o grande dia.

 


Eu acordei tarde. Saí do quarto e Noah já estava na cozinha.

— Boa tarde. — Ele sorriu e eu cocei a cabeça, sonolenta.

— Que horas são?

— Quase meio-dia.

— O quê? — Não fazia ideia que era tão tarde. — Por que não me acordou?

— Parecia cansada...

— Droga! Preciso achar um mercado, comprar as coisas para o jantar e...

— Calma, Olivia, temos tempo. Vou com você e te ajudo.

— Vai me atrapalhar, isso sim! — falei, já entrando no quarto e caçando uma roupa rapidamente.

Nós fomos ao mercado e conseguimos comprar tudo. Noah insistiu para que almoçássemos antes de voltarmos.

— Estou meio nervosa. Acho que não conseguirei comer nada — murmurei.

— Pelo menos tente. — Suspirei e tentei comer sem muito sucesso. Voltamos para casa e eu comecei a preparar o jantar.

— Em que posso ajudar?

— Apenas não me atrapalhe. — Ele riu, pegando um vinho e abrindo. — Não quero ficar bêbada. — Ele me encarou sem entender. — Nem você, espero.

— É só um vinho, Olivia.

— Talvez não seja legal você beber quando a Ava estiver aqui. Não quero que ela pense que somos alcoólatras.

Ele riu.

— Aposto que ela já viu a tia bebendo também.

— A tia dela não precisa provar nada para o juiz.

— Ok, você venceu — ele concordou e guardou o vinho, insistindo em me ajudar a cortar as maçãs para a torta. Há quanto tempo eu não cozinhava? Não tinha tempo. Sempre comia fora ou havia alguém para fazer as coisas para mim. Sem contar que, como modelo, minha alimentação era muito restrita. Não havia a menor graça no fato de comer salada o tempo inteiro. Mas agora era diferente.

— Está com um cheiro bom. — Noah se aproximou e colocou o dedo na torta. Eu bati na sua mão.

— Espero que Ava goste de maçã — falei, insegura.

— Todo mundo gosta de maçã.

— Se a tia chata não gostar, não me importarei.

Noah riu.

— A que horas elas virão?

— Sete, acho — ele respondeu

Eu olhei o relógio

— Certo. Isso nos dá uma hora. Por que não vai tomar banho enquanto termino?

— Por que tenho que tomar banho?

— Não me venha com piadinhas, não quero ouvir!

Ele riu ainda mais enquanto se afastava. E eu estava rindo também.

Seria bem fácil me acostumar com aquilo. Muito fácil. E muito perigoso. E meia hora depois, quando ele voltou para a cozinha com o cabelo molhado, tive que me segurar para não me aproximar e puxá-lo para mim e ver se ele estava cheirando tão bem como parecia.

— Está tudo certo por aqui — falei enquanto tirava o avental. — Vou me arrumar.

Achar uma roupa foi um martírio. Eu nunca ligava para essas coisas, só que nesse momento achava importante. Eu tinha toneladas de roupas de grife em meu apartamento de Nova York, por que trouxera praticamente só jeans?

— Vista seu jeans, Olivia. — Eu me virei ao ouvir a voz de Noah e corei ao perceber que ainda estava de calcinha e sutiã.

O que não tinha cabimento, ele já me vira com muito menos. Já viu, tocou, beijou...

— Não precisa impressionar ninguém sendo quem não é.

— Tem razão — murmurei, pegando um jeans e vestindo.

De repente, a campainha tocou.

— Droga! — gritei, procurando uma blusa desesperadamente.

— Vista isto. — Ele me passou uma camisa dele. Eu vesti rapidamente e corri para a sala atrás dele, passando os dedos pelo cabelo.

Noah me encarou, agora tão nervoso quanto eu, e sorriu.

— Oh Deus, está mesmo acontecendo! — murmurei. — Nosso bebê está voltando.

— Sim, Olivia. Nossa Ava.

Eu sorri de volta e ele abriu a porta.

 

 

Capítulo 9 - Olivia


Eu achei que o meu coração fosse sair pela boca, quando Noah abriu a porta e eu vi Ava. Sua pequena figura, tímida e reticente, parada à porta com a tia segurando a sua mão com cara de poucos amigos.

— Olá, Sharon — Noah falou primeiro. Eu tinha certeza que nenhum som conseguiria sair da minha garganta.

— Olá, senhor Belford — ela respondeu olhando para ele com um sorriso calculado.

— Oi, Ava, que bom vê-la de novo. — Noah a encarou sorrindo daquele jeito só dele e que derretia todo mundo.

Mas não Ava. Ela apenas meneou a cabeça e disse um oi apagado.

— Entrem — Noah pediu e Sharon entrou, puxando Ava pela mão.

Eu não conseguia parar de olhá-la. Maravilhada. Parecia ainda mais perfeita do que antes.

Ela vestia um vestido marrom e meia-calça, e carregava uma mochila que parecia bem grande para ela.

— Lembra-se da Olivia? — Noah fechou a porta e foi para o meu lado, segurando a minha mão trêmula e apertando em um claro aviso para eu parar de agir feito maluca.

Ava já parecia bem assustada e não precisava disso no momento. Eu sorri nervosamente.

— Oi, Ava. Sharon. — Eu me obriguei a encarar a tia.

Estava bem elegante num vestido verde, cabelo e maquiagem perfeitos. Aliás, aquele vestido parecia bem caro.

— Olá — ela disse com o mesmo sorriso inexpressivo.

— Sentem-se — pedi.

— Quer beber alguma coisa? — Noah ofereceu.

Nós parecíamos dois robôs domésticos. Sharon se sentou e Ava também.

— Posso guardar sua mochila? — perguntei ao me aproximar. Eu tinha uma enorme vontade de abraçá-la. Mas me contive, limitando-me a apenas tirar a mochila das suas costas, enquanto Sharon pedia um Martini.

E a pergunta se ela bebia na frente de Ava foi respondida. Percebi que Ava olhava para ela como que perguntando se podia deixar que eu levasse sua mochila.

— Espero que esteja contente de poder passar um tempo conosco — falei insegura, tentando sorrir para ela.

Ava deu de ombros, olhando de novo para Sharon, que pegava a bebida da mão de Noah.

— Eu contei a ela que ficará com vocês por uns tempos — respondeu. — Farei uma viagem para o Caribe com o meu namorado.

Eu e Noah nos entreolhamos. Ela não estava perdendo tempo. Devia estar achando ótimo se livrar de Ava.

— O que você quer beber, Ava? — Noah perguntou.

A menina de novo olhou para Sharon.

— Pode pedir o que quiser — Sharon respondeu com impaciência.

— Posso beber Coca-Cola? — perguntou baixinho, mordendo os lábios.

— Claro que pode — Noah falou enquanto ia buscar. Ele me encarou com um olhar interrogativo, só então percebi que ainda estava parada, segurando a mochila de Ava.

— Ava, por que não vai com a Olivia ver o seu quarto? — Noah sugeriu. E dessa vez, antes que Ava olhasse para a Sharon em busca de aprovação, ela respondeu.

— Isso, vá ver o seu quarto.

Ava se levantou e eu engoli em seco com o súbito medo de ficar sozinha com ela.

Ela me seguiu em silêncio até o quarto e eu abri a porta, acendendo a luz. Ava ficou parada à porta, tímida, enquanto eu entrava e colocava a mochila na cama.

— Nós fizemos especialmente para você — falei.

Ela olhava em volta, curiosa, mas sem falar nada. O que me deixou ainda mais insegura.

— Se não gostar, podemos trocar tudo — falei rápido demais.

De repente, seus olhos se prenderam em algo.

— Que quadro bonito.

Eu segui o seu olhar e vi o quadro que Dana havia escolhido quando comentei que Ava gostava de pinturas, dizendo que seria um presente de “madrinha”.

— Sim, é lindo. E é seu.

Ela me encarou, espantada.

— Meu?

— Sim, é um presente de alguém que quer muito te conhecer. Seu nome é Dana. Ela ficou curiosa para ver as suas pinturas.

— Não sou pintora...

— Sua tia contou que gosta de pintar.

— Eu pedi à tia Sharon para trazer minhas coisas de pintura, ela não deixou — falou baixinho num tom de lamento.

— Oh... — Eu tive vontade de estrangular Sharon naquele momento. — Não tem problema. Podemos buscar amanhã.

— Mas ela vai viajar.

— Ou compramos outras. Você pode pintar aqui o quanto quiser.

— A tia Sharon disse que não precisarei mais ficar no colégio.

— Sim, é verdade. Você fica lá porque a sua tia não tem tempo para cuidar de você. De agora em diante, ficará aqui comigo e com Noah, e só frequentará as aulas.

— Entendi — falou baixinho e era impossível saber o que passava pela sua cabeça. Parecia tão insegura parada ali que, de novo, tive vontade de me aproximar e abraçá-la, dizendo que tudo ia ficar bem, porém, sabia que isso poderia assustá-la ainda mais.

— Vamos voltar para a sala? Deve estar com fome.

Ela somente assentiu e nós voltamos. Noah lhe deu a Coca-Cola e me encarou com uma pergunta muda no olhar. Eu apenas dei de ombros.

— Noah, pode me ajudar na cozinha? — indaguei. Sharon estava num canto da sala no celular e ele me acompanhou até a cozinha.

— Estou tão tensa! — falei, sacudindo as mãos.

— Fique calma, está tudo sob controle.

— Você acha? Ava parece que está indo para uma câmara de tortura e essa tia... Ava me disse que pediu para trazer suas coisas de pintura e ela não deixou! Que bruxa!

— Nós vamos dar um jeito nisso. E não precisa perder seu tempo com Sharon, em breve ela estará longe de Ava. Para sempre.

— Espero mesmo.

— Vamos comer logo.

— Sim, quanto antes terminarmos o jantar, mais rápido essa chata da Sharon irá embora.

Sentamo-nos à mesa para comer e finalmente Sharon desligou o celular.

— Eles parecem não entender que tirei férias por tempo indeterminado. — Bufou, enquanto se sentava.

— Férias sem previsão de retorno? — indaguei. — Está se demitindo do trabalho?

— Estou. Já trabalhei demais, preciso de férias. E, como vão cuidar de Ava, não preciso me preocupar.

— Claro — respondi, irônica. Quer dizer que além das tais férias no Caribe, tinha largado o trabalho? Eu me perguntava com que dinheiro estava se dando essas extravagâncias, porém, não era da minha conta. Sharon se serviu sem fazer o menor movimento para servir Ava. Noah cuidou disso.

— Você come carne, Ava? — indagou e ela fez que sim com a cabeça.

Eu ri. Isso ela não tinha puxado a mim. Eu comia carne, embora fosse mais chegada a comidas vegetarianas. E foi realmente muito fofo ver Noah preocupado em cortar a carne para ela.

— E então, Sharon — falei, tentando manter uma conversa civilizada. —, vai viajar com o seu namorado?

— Sim, estamos bem ansiosos.

— Imagino. Estão juntos há muito tempo?

— Alguns meses. E a assistente social me contou que também estão juntos. Uma novidade para mim.

Eu e Noah nos entreolhamos, preocupados. Deus, será que essa bruxa tinha falado alguma coisa para a assistente social? Procurei me acalmar. Se falou, a assistente não deu ouvidos, porque tínhamos conseguido a guarda provisória de Ava.

— Mas deveria saber, não é? E então, estão noivos ou algo assim? — Encarei Noah sem saber o que responder.

— Sim, estamos — Noah respondeu por mim, parecendo bem natural.

— Uau! Que conveniente — Sharon comentou e eu me perguntei se ela estava sendo irônica.

— Cadê o seu anel? — A voz baixa de Ava se fez ouvir pela primeira vez à mesa. Nós voltamos a nossa atenção para ela. — Seu anel de noivado — ela completou. — Noivas não usam um anel?

— Eu ainda estou devendo um para ela, Ava — Noah respondeu sorrindo e a menina assentiu, voltando ao seu silêncio.

Nós terminamos de comer e fui buscar a torta de maçã.

— Eu não comerei essa coisa — Sharon exclamou. — Preciso estar em forma para as praias. — Explicou, sorrindo.

Tive vontade de tacar a torta na cara dela, mas parei ao encarar Ava, que não parecia muito à vontade.

— Não gostou?

— Não gosto muito de maçã — disse baixinho.

Eu me senti uma idiota.

— Tudo bem, não precisa comer — Noah falou rápido.

O telefone de Sharon tocou novamente. Ela se levantou para atender e eu fui tirar os pratos da mesa. Noah me ajudou.

— Eu devia ter perguntado antes do que ela gostava — murmurei e Noah riu.

— Pare com isso, Olivia.

— E Sharon? De onde ela tirou dinheiro para essas férias mirabolantes?

— Não faço ideia — Noah respondeu, dando de ombros.

Nós voltamos para a sala e Sharon desligou o telefone.

— Era o meu namorado. Ele está vindo me buscar. Tudo certo por aqui, então?

Eu me senti nervosa de repente. Passei a noite inteira querendo me livrar dela e só agora me dava conta de que, com a sua saída, Ava passava definitivamente para as nossas mãos.

Eu a observei sentada no sofá, quieta.

Como deveria ser para ela? Por pior que fosse, Sharon ainda era a sua única parente viva. E agora a estava largando conosco, sem demonstrar o menor remorso. Éramos praticamente estranhos para ela. De repente, eu quis voltar atrás em tudo. Dizer que podia levar Ava para que ela continuasse no seu mundo seguro e conhecido.

Mas como poderia me separar dela agora? Ainda mais sabendo que Sharon não dava a mínima e ia deixá-la naquele colégio? Não tinha volta. Teríamos que seguir em frente e fazer Ava confiar em nós.

Sharon pegou a bolsa.

— Bom, o jantar foi adorável — comentou num tom forçado.

— Pode nos ligar sempre que precisar, se estiver preocupada com Ava — falei, não porque achava que ela ia se preocupar, e sim para deixar Ava tranquila.

— Ah sim, mas confio totalmente em vocês! — respondeu com um certo sarcasmo.

— E pode confiar. Nós gostamos de Ava e vamos cuidar bem dela — Noah falou e eu percebi que era pelos mesmos motivos que os meus.

— Então tchau para vocês. — E sem nem se dar ao trabalho de abraçar Ava ou algo assim, ela se foi.

Pronto. Estava feito. Sharon a tinha deixado com a gente. Aquela menina, tímida e introspectiva, olhando para os próprios pés. Eu sentia meu coração se apertar ao imaginar o que ela estava sentindo.

Encarei Noah, sem saber o que fazer.

— Ava, está com sono? — perguntou e ela assentiu.

— Então vem comigo — falei. — Vou te ajudar a se preparar para dormir.

Ela me seguiu em silêncio.

Se eu achava que ela ficaria mais falante com a saída de Sharon, estava enganada. Agora parecia ainda mais calada e introspectiva.

— Você trouxe um pijama, não é? — indaguei indo abrir a sua mochila, mas ela foi mais rápida, como se não quisesse que eu mexesse. Eu parei no mesmo lugar, enquanto ela retirava algo cor-de-rosa da mochila e se trocava.

— Esse vestido é bonito — falei, pegando-o do chão.

Ela apenas deu de ombros.

— Quer ir ao banheiro?

Ela assentiu.

— Nossa, esqueci de te mostrar o apartamento. Quero que se sinta à vontade aqui, Ava. Será sua casa também — acrescentei.

Ela não falou nada enquanto me seguia. Não era um apartamento grande e na cozinha encontrei Noah lavando a louça.

— Como prometido, hoje era meu dia — ele falou, sorrindo.

— Estou mostrando o apartamento para Ava — expliquei e segui para o quarto.

— Este é o meu quarto.

— O Noah dorme aqui com você?

Eu fiquei vermelha.

— Claro — respondi, evasiva.

Eu a deixei no banheiro e assim que ela saiu, foi para o quarto. Ela se deitou, então puxei as cobertas, e foi tão natural me inclinar para abraçá-la, quanto o seu afastamento abrupto antes que eu a tocasse. Doeu em mim. Muito.

— Boa noite, Ava — falei vencida e saí do quarto.

Noah me encontrou no meio do corredor. Eu tremia inteira, tentando conter a vontade de gritar.

— Olivia, o que foi? — questionou ao se aproximar.

— Está tudo errado... Tudo errado — comecei a chorar sem me conter. Noah me levou para junto dele, me abraçando. — Será que estamos fazendo a coisa certa? Será que somos dois monstros por fazê-la passar por isso? — questionei, soluçando. Noah me levou para o quarto, provavelmente preocupado com o que Ava poderia ouvir.

— É apenas o começo, Olivia — falou, deitando-se comigo.

— Ela parece tão triste... Eu não sei como isso pode ser certo. Não quero vê-la sofrendo.

— É normal que ela se sinta assim no começo.

— Não é justo.

— Não foi justo quando a tiraram de nós. Ela é nossa, Olivia.

— Mas ela não sabe.

— Saberá um dia. Quando estiver preparada.

— Será que não teria sido melhor ela ter ficado com a tia?

— Não. Ava pode não saber ainda, mas ninguém vai amá-la mais do que nós.

— Eu sei — murmurei contra a sua camisa ensopada pelo meu choro. — Eu só queria que fosse mais fácil.

— As coisas vão melhorar. Ela só precisa se sentir segura conosco.

Deixei que ele me abraçasse até que os soluços passassem e, apesar de toda tensão, senti meus olhos se fechando e adormeci.

 

 

Capítulo 10 - Noah


Observei Olivia dormir, me perguntando se seus medos não eram reais.

Será que realmente estávamos agindo certo ao querer manter Ava? Para mim, não havia alternativa. Ava era nossa e mesmo com nove anos de atraso, nós a queríamos. E de maneira alguma a deixaria mais um minuto sequer com Sharon.

Naquela noite ela apenas provou mais uma vez o quanto era fria e calculista, além disso, não dava a mínima para Ava.

Olivia se mexeu no sono, resmungando algo, e eu a soltei antes de ajeitá-la no travesseiro. Deveria acordá-la para trocar de roupa, porém, depois da sua crise, era melhor deixá-la dormir. Então tirei a sua calça jeans e ri comigo mesmo. Eu estava pensando em fazer isso há dias, só que não com ela dormindo. Puxei as cobertas para cima dela e saí do quarto. Então ouvi um barulho vindo do quarto de Ava, fui até lá e a vi toda encolhida chorando baixinho.

Meu coração se apertou de um jeito que eu nunca imaginei ser possível.

— Ava? — eu a chamei e ela olhou em minha direção. Os olhos vermelhos e assustados. — Está tudo bem, não precisa se assustar — falei, tentando acalmá-la. — Por que está chorando?

Ela passou os dedos pelo rosto molhado.

— Nada — murmurou.

Eu me aproximei.

— Posso me sentar aqui com você um pouco? — indaguei.

Ela deu de ombros.

— Ava, eu sei que está assustada, mas não precisa ficar. Eu e a Olivia gostamos de você e queremos cuidar de você. Está protegida aqui.

— Eu não entendo — ela murmurou. — Por que gostam de mim?

Eu sorri. Queria muito poder dizer a ela toda a verdade. Infelizmente, não era possível ainda.

— Sei que pode parecer tudo bem estranho, mesmo assim não precisa ficar preocupada. Eu e a Olivia pedimos à sua tia para cuidar de você e ela concordou. Sua tia é bem ocupada, não é? Por isso deixa você naquele colégio.

— Eu gosto de lá. Eu prefiro ficar lá, porque a minha tia nunca está em casa.

— Não prefere ficar em sua própria casa, em seu próprio quarto?

— Esta não é a minha casa.

— Agora é. Queremos que se sinta bem aqui.

Ela ficou em silêncio, como ponderando as minhas palavras.

— Até quando?

— Para sempre, se você quiser.

— Para sempre? Minha tia vai me deixar ficar com vocês para sempre? — Ela parecia assustada com essa possibilidade.

— Você não gostaria de ficar comigo e a Olivia?

— Eu não sei.

— Não pense nisso agora — falei. — Tente dormir, está tarde.

Ela se deitou e fechou os olhos. Ainda fiquei lá esperando que adormecesse. Puxei a coberta para cima dela, como fiz com Olivia e beijei a sua testa. Saí do quarto, decidido a não contar para Olivia que ela havia chorado. Só a faria se sentir pior.

 


Acordei sentindo que alguém me observava. Abri os olhos e vi Ava parada na porta da sala. Os olhos pesados de sono, os cabelos despenteados. O dia já estava claro, mas devia ser bem cedo.

— Ava, tudo bem?

— Você brigou com a Olivia?

— Não — respondi. — Por que está perguntando?

— Porque está dormindo no sofá. — Eu quase ri da sua lógica. Sim, claro que ela acharia estranho eu estar dormindo ali e não no quarto com Olivia. O que eu poderia responder?

— Não, não brigamos. Eu apenas... Adormeci aqui. — Ela não parecia muito convencida. — Por que está acordada tão cedo? — Mudei de assunto.

— Tenho que ir à escola.

— Escola? Claro. Eu vou chamar a Olivia.

— Eu vou me arrumar. — Ela desapareceu no corredor e eu fui chamar Olivia. Ela já estava de pé, saindo do banheiro do quarto, vestida e prendendo o cabelo.

— Oi, bom dia. — Ela sorriu. — Estava indo te acordar, temos que levar Ava para a escola, não é?

— Sim, ela já está acordada.

— Já? E eu achando que tinha acordado mais cedo. Tem tanta coisa para fazer...

— Ela está se arrumando.

— Será que ela sabe se arrumar sozinha? — questionou, indo em direção à cozinha.

Eu dei de ombros.

— Ela tem quase dez anos, Olivia.

— Estou meio receosa de oferecer ajuda. Ela parece não querer que eu me aproxime — falou, insegura.

— Temos que dar espaço e tempo para ela se acostumar com a gente.

Olivia suspirou.

— Sim, vamos dar tempo ao tempo.

— Eu vou me arrumar.

— Vou preparar o café.

Entrei no chuveiro e quando saí, Olivia estava no quarto falando ao telefone.

— Não, Dana, está tudo bem, já falei que não precisa vir me ajudar! — Ela revirou os olhos para mim, provavelmente irritada com as perguntas de Dana e eu ri, indo procurar uma roupa. Olivia desligou o telefone e ficou me olhando.

Ok, ela podia parar de me olhar como se eu fosse um suculento filé. Porque, sinceramente, estava começando a me deixar constrangido. E excitado.

— Tudo bem com Dana? — indaguei, me vestindo.

Ela assentiu.

— Sim. Apenas curiosa sobre a situação. Eu passei pelo quarto de Ava e vi que está se arrumando, então não entrei. Achei melhor dar um tempo para ela. Não quero que fique mais assustada.

Eu me perguntei se devia contar sobre ontem à noite, decidi que era melhor não.

— Ela perguntou por que eu estava dormindo no sofá.

Olivia me encarou, preocupada.

— Sério? Devíamos ter previsto isso. O que disse a ela?

— Nada, inventei que apenas adormeci. Ela perguntou se tínhamos brigado.

Olivia riu.

— Ela é bem esperta. — Eu acabei rindo também. — Acho melhor você dormir aqui a partir de agora — ela disse.

— Sim, concordo com você — respondi.

Nós nos encaramos e eu sabia que pela mente dela passava a mesma coisa que na minha. Dormir não era bem a definição que tinha ao imaginar Olivia e eu numa cama. E por que isso tinha que ser um problema? Éramos adultos. Já tínhamos sido namorados. E se fosse sincero comigo mesmo, eu ainda a queria. Muito.

E, de repente, me deu vontade de dizer isso a ela. Dizer que a gente não precisava ficar fingindo que éramos um casal. Nós poderíamos voltar a ser um. Será que ela desejaria o mesmo?

— Olivia, eu... — Comecei a dizer, quando ouvi um barulho de alarme vindo da cozinha.

E um inconfundível cheiro de queimado.

— Oh, esqueci a torradeira! — gritou alarmada e correu para a cozinha, e eu a segui.

— Droga! — Olivia praguejou ao entrarmos na cozinha enfumaçada e molhada depois de o alarme ter disparado.

Eu corri para abrir as janelas e desligá-lo. Olivia desligou a torradeira.

— Que desastre! — murmurou ao contemplar o estrago.

Ava apareceu na porta da cozinha, assustada.

— Está pegando fogo?

— Não. Foi apenas a torradeira — eu disse.

— Sim, não se preocupe. — Olivia parecia mortificada. — Vamos dar um jeito, você precisa comer antes de ir à escola...

— Olivia, pare. Vamos sair e tomar café em algum lugar, antes que Ava se atrase.

— É melhor mesmo.

Nós a deixamos na escola meia hora depois. Ela continuava silenciosa e tímida.

Olivia me encarou quando saí com o carro.

— Ela me odeia, não é?

— Claro que não, Olivia.

— Agora deve achar que sou uma louca, colocando fogo na cozinha!

Eu ri.

— Essas coisas acontecem.

— Eu faço tudo errado.

— Não faz não.

Nós voltamos para o apartamento, tínhamos acabado de entrar quando a campainha tocou. E para a nossa consternação, era a assistente social.

— Olá, posso entrar? — A mulher perguntou com um sorriso polido.

Encarei Olivia, que estava branca feito papel. Provavelmente apavorada com essa visita surpresa da assistente, justo quando parecia que tínhamos colocado fogo na casa.


Olivia


Oh Meu Deus! Não era possível que justamente hoje a assistente social aparecesse ali, com a cozinha toda bagunçada, e aquele cheiro de queimado ainda impregnando o ar!

— Olá, entre — Noah falou educadamente e a mulher entrou, olhando em volta. — Nós marcamos algo? Não consigo me lembrar — Noah perguntou.

— Não, não marcaram. Visitas surpresas são de praxe. Onde está Ava? Fui informada que ela viria para cá ontem.

— Na escola — respondi, tentando não parecer nervosa.

— Oh, sim, eu tinha me esquecido. Então terei que voltar em um momento em que ela esteja... Desculpem-me, por acaso tem algo queimando?

Eu fiquei vermelha, sem saber o que responder.

— Não, nada — Noah respondeu por mim. — De manhã esqueci a torradeira ligada.

Eu o fitei, surpresa com a pequena mentira.

— Nada grave aconteceu, espero — a assistente falou.

— Não. Apenas o alarme disparou com a fumaça. — Noah continuou.

— E a Ava estava onde nessa hora?

— No quarto se arrumando. Nós também estávamos nos arrumando. Foi realmente um descuido meu. — Ele sorriu, dando de ombros.

— Sugiro que dê essa tarefa para a Olivia da próxima vez. — A assistente sorriu de volta.

Eu podia perceber seu rosto corando.

Ah claro. Ela estava deslumbrada.

— Vocês podem me mostrar o quarto de Ava?

— Sim. — Eu me prontifiquei e fiquei de pé. — Eu a levo até lá.

A mulher me seguiu, quando chegamos ela olhou em volta, curiosa.

— Muito bonito!

— Noah e eu fizemos tudo. Claro que não conhecemos muito o gosto dela, mas acho que ela aprovou.

— Como foi sua primeira noite?

Eu mordi os lábios. E agora? Mentir ou falar a verdade?

— Foi tranquila. — De novo, Noah veio em meu socorro ao aparecer na porta. — Claro que ela ainda se sente um pouco deslocada, tenho certeza que ficará mais à vontade com o tempo.

— Certo. — A assistente pareceu satisfeita com o que viu. — Bom, já que Ava não está, voltarei outra hora.

Encarei Noah com um sorriso irônico quando a mulher partiu.

— Mais alguns sorrisos seus e tenho certeza que ela nos daria qualquer criança que pedíssemos!

— Não seja exagerada, Olivia. — Mas ele estava rindo enquanto ia para cozinha e eu o segui. Ele sabia bem o que tinha feito. E isso me levava a outra questão.

— Por que falou que foi você que esqueceu a torradeira ligada?

— Porque um homem fazer merda na cozinha é mais aceitável.

— Oh. Eu devia ficar brava com a sua colocação — respondi enquanto o ajudava a arrumar a bagunça. Tinha água para todo lado e ele me jogou um pano.

— Não deveria. Deu certo, não deu?

— Deu porque a assistente ficou toda derretida quando sorriu para ela!

— Vai continuar com isso?

Antes que eu respondesse, do nada, o alarme começou a soar de novo.

— Mas que droga!

— Deve estar quebrado. — Noah foi desligá-lo.

— Ainda bem que não tocou quando ela estava aqui. Aí sim, seria desastre... — Antes que eu conseguisse terminar de falar, um jato de água fria caiu sobre nossas cabeças, molhando tudo de novo.

— Não acredito! — murmurei e Noah riu. — Isso não é engraçado, agora temos que limpar tudo de novo e eu estou toda molhada.

— Está sim.

Algo em sua voz me fez encará-lo e senti um calor repentino ao vê-lo passar os dedos pelo cabelo molhado, enquanto o olhar estava preso na minha blusa. E, sinceramente, qualquer pensamento coerente sumiu da minha mente e eu não me importei nem um pouco quando o vi se aproximar, os olhos presos aos meus. Minha respiração se acelerou e estremeci de pura antecipação.

E então ele estava perto, os dedos me puxando pela camiseta e a boca descendo sobre a minha num beijo quente. Delicioso. Gemi baixinho, ficando na ponta dos pés, me aproximando ainda mais, colando nossos corpos. Meus dedos se enterraram em seu cabelo e mal senti quando seus braços me envolveram e ele me colocou em cima da mesa. Apenas suspirei de satisfação, passando as pernas por sua cintura e o beijando ainda com mais avidez.

De repente, ele interrompeu o beijo e me encarou, ofegante, os dedos foram para a barra da minha blusa e ela foi retirada de mim num segundo. Sem demora, eu fiz o mesmo com a dele e de novo estávamos nos beijando vorazmente.

Eu sentia cada terminação nervosa do meu corpo como um fio desencapado, seus lábios se apartaram dos meus para traçar um caminho por meu rosto, meu pescoço, meus ombros, absorvendo cada gota de água pela frente. Fechei os olhos, gemendo, enquanto ele ia descendo mais, até a língua úmida e quente encontrar meu mamilo intumescido. Joguei a cabeça para trás, arquejando, excitada. Apertando mais meus quadris contra ele.

Incapaz de esperar, puxei seu cabelo, fazendo-o me encarar. Noah estava tão ofegante quanto eu.

— Vamos acabar logo com isso.

Ele riu. Aquele riso delicioso, único. Eu me excitei ainda mais. Desci meus dedos por seu peito até encontrar o zíper da calça, abrindo-o.

— Aqui? — ele perguntou, fazendo o mesmo com a minha calça.

Eu assenti, mordendo os lábios com força. Não me interessava onde estávamos. Eu só sabia que precisava dele dentro de mim sem demora, antes de enlouquecer. Nossas roupas desapareceram em questão de segundos e então lá estava. Duro. Rígido. Quente. Dentro de mim. Para mim.

Fechei os olhos, tentando me lembrar de como respirar, enquanto passava as pernas à sua volta, querendo-o mais fundo, mais rápido. E achei que sussurrei exatamente isso em seu ouvido, ouvindo-o gemer baixinho e fazer exatamente como eu pedia. As estocadas cada vez mais intensas, profundas, perfeitas. Eu sentia o desejo aumentando e me levando, enterrei minhas unhas e dentes em seu ombro, quando tudo explodiu dentro de mim numa onda após outra de puro prazer. Depois, ele me encarou, um sorriso satisfeito nos lábios. E eu sorri de volta e o beijei vagarosamente.

— Fizemos uma bagunça — murmurei.

Ele deu de ombros.

— Eu ajudo você a arrumar.

— Devia arrumar sozinho. A culpa foi sua.

— Vou pensar no seu caso. Agora acho melhor colocar você embaixo do chuveiro.

— Gostei disso. — Ele me levou para o banheiro e então a campainha tocou.

— Quem será?

— Fiquei aqui, vou ver quem é.

Eu o vi passar pelo quarto, vestir uma calça e depois ir abrir a porta.

— Olivia, é o síndico! — ele gritou e eu ri.

Entrei no chuveiro e quando saí fui procurar Noah. Ele estava terminando de limpar a cozinha.

— Não precisava ter feito sozinho.

— Achei que tivesse dito que a culpa era minha.

— Agora estou me sentindo culpada.

— Da próxima vez, lembre-se de não deixar a torradeira ligada.

— Ok, vou aguentar a crítica. Deixa que eu termino e vai tomar um banho. Daqui a pouco temos que buscar Ava.

— Tudo bem. — Ele se afastou e eu fiquei pensando no que tinha acontecido. Será que íamos jogar para debaixo do tapete de novo? Eu não sabia o que pensar. A situação estava começando a ficar complicada. De qualquer maneira, alguma coisa teria que ser dita. Estávamos morando juntos agora e não dava para ficar nenhum clima ruim. Voltei ao quarto e ele estava terminando de se trocar.

— Noah, podemos conversar?

Ele me fitou.

— Vai dizer que o que aconteceu na cozinha foi um erro e devemos esquecer? — ele perguntou.

— É o que você acha? — retruquei.

Ele se aproximou.

— Não. Olivia, acho que...

Antes que ele pudesse falar qualquer coisa, o telefone tocou. Noah pegou o aparelho, irritado.

— Alô?... Sim é ele... O que aconteceu? — De repente, algo em sua voz me deixou alarmada. — Como isso é possível? Ela estava dentro da escola! — Meu coração falhou.

Ava!

— O que aconteceu? — indaguei ao me aproximar.

— Estamos indo para aí — ele disse, parecendo nervoso, desligou e me encarou

— Ava desapareceu da escola.

 

 

Capítulo 11 - Olivia


Era um pesadelo.

Eu não sei como conseguimos chegar em tão pouco tempo na escola de Ava com o trânsito caótico de Seattle.

A diretora, uma mulher elegante de meia-idade que se apresentou como Mary Reyes, nos recebeu com um ar sério.

— Vocês são os responsáveis por Ava?

— Sim, somos — Noah respondeu.

— Sharon nos avisou que ela não iria mais ficar na escola o tempo inteiro e que teria outros guardiões...

— Olha, isso não interessa. Cadê a Ava? — eu a cortei.

— Eu sinto muito. Nós já a procuramos por toda a escola. Tínhamos esperança que tivesse ido para a casa...

— Não, ela não foi.

— Como ela pode ter saído daqui sozinha? Ninguém viu? Que tipo de escola é essa? — Noah questionou, furioso.

— Eu não sei como aconteceu. A professora disse que ela pediu para ir ao banheiro. Parecia mais quieta do que o habitual e quando demorou para voltar, ela nos acionou para procurá-la e não a encontramos. Procuramos por toda parte. Perguntamos para as suas amigas. Achamos que poderia estar no dormitório, mas nada. Agora estamos procurando nas redondezas.

— Há alguma possibilidade de alguém ter entrado aqui e a levado? — Noah perguntou, tenso.

— Não acreditamos nessa possibilidade.

— Acha que ela fugiu, então?

— Sim. — Encarei Noah sem saber o que fazer.

— Chamaram a polícia?

— Preferimos chamar vocês primeiro. — Eu fiquei mais nervosa ainda.

— Noah, se chamar a polícia, se a assistente social descobre...

— O importante é que Ava esteja em segurança, Olivia.

— Sim, tudo bem.

A diretora fez a ligação para a polícia.

— Não acredito que isso está acontecendo — murmurei.

— Vamos encontrá-la, Olivia.

— Ela pode estar em qualquer lugar, sozinha... É só uma criança, Noah.

— Ela é esperta. Deve estar bem.

— Por que será que fez isso?

— Não temos certeza se fez sozinha.

— Acha que alguém pode...

— Não sei.

— A polícia já está a caminho — a diretora avisou, Noah pegou o celular.

— Eu vou ligar para Sharon.

— Ela não está no Caribe? Duvido que possa ajudar.

— Ela pode saber para onde Ava iria.

Noah se afastou para falar com Sharon e eu torcia as mãos, nervosa.

— Sharon? É Noah Belford. Ava desapareceu da escola... Sumiu, provavelmente fugiu... Eu sei que está de férias no Caribe, mas é sua sobrinha... Achamos que podia ter uma ideia... Tudo bem, tudo bem. Não a importunaremos mais. — Ele desligou, irritado. — Ela não sabe de nada!

A polícia chegou e fez várias perguntas.

— Aconteceu alguma coisa que a faria querer fugir? — o policial indagou.

Eu e Noah nos entreolhamos.

— Ela morava aqui no colégio e com uma tia. Apenas ontem ela se mudou para a nossa casa. Somos os responsáveis por ela agora — respondi.

— E ela aceitou essa mudança? Demonstrou alguma resistência?

— É tudo novo para ela, claro. Mas fazemos tudo para deixá-la bem.

— Notaram algo de diferente nela?

— Não. Acho que não.

— Ela chorou ontem à noite. — As palavras de Noah me surpreenderam.

— Ela chorou quando?

Ele me lançou um olhar culpado.

— Depois que foi dormir. Eu conversei com ela. Achei que estivesse tudo bem.

— Certo. Se lembrarem de algo, nos comunique — o policial falou e foi interrogar os colegas de Ava e os funcionários da escola.

— Por que não me disse? — perguntei, irritada.

— Não queria preocupá-la.

— Tinha que ter me contado! Droga, Noah!

— Não adianta nada ficar brava agora, Olivia.

Eu suspirei cansadamente. Sim, ele tinha razão. No momento, a única coisa que interessava era encontrar Ava.

— O que faremos? Odeio ficar aqui esperando.

— Estamos fazendo buscas pela região e já demos o alerta em toda cidade — o policial respondeu.

A tarde ia passando lentamente sem nenhuma novidade e eu já estava ficando maluca. Mil coisas se passavam pela minha cabeça.

— Se não a acharmos... — murmurei.

Noah apertou a minha mão.

— É só uma criança, Olivia, não deve ter ido longe.

— Por que ela fez isso, Noah? Será que nos odeia?

— Ela está confusa. Vamos dar um jeito.

— Eu pensei que seria mais fácil... Que nós bastaríamos para ela. Mas parece que me enganei. Ela não quer ficar com a gente.

— Não fala assim. Foi apenas uma mudança muito brusca. Talvez devêssemos ter feito as coisas mais devagar para não traumatizá-la.

— Sim, o que faremos agora?

— A tia dela está no Caribe e nem um pouco preocupada — Noah respondeu bruscamente.

— Talvez ela preferisse... — De repente, algo me ocorreu. — Eu sei para onde ela pode ter ido!

Eu me levantei e saí quase correndo, Noah me seguiu.

— Onde?

— Para a casa da Sharon!

— Sim, por que não pensamos nisso?

Nós dirigimos rapidamente para lá e quando chegamos o porteiro nos recebeu.

— Ava? Sim, ela está aqui, chegou sozinha hoje de manhã. Eu estranhei, porque pensei que a tia tivesse viajado...

Nós não esperamos o resto e corremos para o apartamento de Sharon.

A porta estava encostada e o apartamento silencioso.

Noah segurou meu braço.

— Calma, Olivia, não queremos assustá-la.

Eu me obriguei a respirar.

Nós seguimos até o quarto dela e quase desmaiei de alívio ao vê-la ali. Ainda vestindo seu uniforme escolar. E pintando.

Por um momento, ela não nos viu. Eu encarei Noah e ele estava tão aliviado quanto eu.

— Ava? — ele a chamou devagar.

Ela levantou o olhar, assustada.

— Está tudo bem. — Noah tentou acalmá-la. O pincel caiu da sua mão e ela deu um passo para trás, como se estivesse com medo de nós.

— Ava, não estamos bravos com você — eu falei, tentando sorrir. — Apenas ficamos preocupados porque saiu da escola e veio para cá sem avisar.

— Sim, estamos aliviados porque está bem — Noah completou, se aproximando e pegando o pincel do chão.

— Me desculpem — Ava murmurou com os lábios trêmulos.

— Tudo bem. Só não faça isso novamente. Ficamos apavorados... — Ela começou a chorar. Eu quis me aproximar, mas fiquei com medo que ela se afastasse. Noah me tranquilizou com um olhar e se aproximou devagar. — Ava, por que veio para cá? Se queria vir, era só nos pedir. Nós faremos qualquer coisa que pedir.

— Eu queria buscar as minhas telas... — eu suspirei, como se um peso fosse tirado de mim. Ela não fugiu de nós. Apenas queria suas coisas de volta. Noah tocou seu rosto molhado, enxugando suas lágrimas.

— Não precisa chorar.

— Vão me deixar de castigo?

Eu quase ri do seu medo infantil.

— Não vamos castigá-la — Noah garantiu.

— Eu não queria que ficassem bravos comigo.

Noah a puxou para si e a abraçou. Ela não se afastou, embora se mostrasse meio tensa no início, então foi relaxando e parando de chorar. Eu senti uma mistura de inveja e alívio.

Alívio porque ela pelo menos aceitava que Noah tocasse nela, e inveja porque não ocorria o mesmo comigo. O olhar de Noah cruzou com o meu e eu pisquei para afugentar minhas próprias lágrimas, então me aproximei e peguei as coisas de Ava.

— Está tudo bem, Ava. Veja, vou pegar todas as suas coisas e vamos embora, Ok? — Ela somente assentiu, o rosto ainda enterrado na camisa de Noah. Ele a pegou no colo, eu juntei todas as suas telas e fomos para o carro. Nós seguimos para casa em silêncio, Ava pelo menos não chorava mais. Só parecia meio receosa.

— Está com fome? — perguntei quando chegamos e ela assentiu.

— Por que não tira a roupa do colégio e vamos comer. Tudo bem?

Ela foi para o quarto e encarei Noah. Ele passou a mão pelo cabelo.

— Graças a Deus a achamos.

— Sim. E me sinto bem aliviada por ela não ter fugido de nós. Acha que a assistente social vai ficar sabendo?

— Eu não sei.

— Espero que não. Vou fazer alguma coisa para comermos.

O telefone tocou e Noah foi atender. Ele voltou minutos depois.

— Quem era?

— Adivinha? Sharon.

— O que ela queria?

— Queria saber se encontramos Ava.

— Agora que ela se preocupa. Que cara de pau.

— Foi o que falei para ela.

Ava apareceu na porta nos fitando timidamente.

Eu sorri.

— Venha, sente-se aqui.

Ela se sentou e comeu em silêncio.

Eu encarei Noah, sem saber o que fazer.

— E então, Ava. — Ele começou. — Como foi na escola?

Ela deu de ombros.

— Eu não gostava da escola — comentei. — E foi um alívio quando não precisei mais estudar lá.

— Parou de ir à escola?

— Com dezesseis anos comecei a estudar com um professor particular por causa do meu trabalho. Mas você gosta do seu colégio, não é?

— Eu gosto...

— Aposto que é a primeira nas aulas de desenho.

Ela ficou vermelha.

— Eu gosto de desenhar... — Naquele momento me passou pela cabeça uma ideia que eu decidi que conversaria com Noah a respeito.

Provavelmente Ava iria adorar. E eu comecei a tirar os pratos da mesa.

— Ava, hoje é o dia de a Olivia lavar a louça — Noah falou e eu o fuzilei com o olhar. — O que acha de escolhermos um filme para assistirmos, enquanto ela lava a louça?

— Eu não posso. Tenho lição de casa — respondeu com sua voz contida.

— Tudo bem — eu disse. — O Noah pode ajudar você com a lição, não é, Noah?

— Vou pegar meu caderno — ela falou pulando da cadeira e indo para o quarto. Noah me encarou, aturdido.

— Por que tenho de ajudar?

— Porque eu tenho que lavar a louça. E pelo amor de Deus, está com medo? Ela está na quarta série! — Eu ri e ele se afastou.

Acabei de lavar a louça rapidamente, então liguei para Dana. Ela ficou bastante preocupada quando contei o que tinha acontecido.

— Se precisar de alguma ajuda, me liga.

— Pode deixar.

Desliguei e fui até a sala. Noah estava sentado com Ava no chão e a mesa de centro à sua frente. Ela parecia entretida fazendo contas.

— Olivia, vem aqui — ele pediu e eu me sentei ao seu lado. — Ava precisa de ajuda com essas contas... — Eu o encarei, divertida, pegando o caderno.

— E você não pode ajudar? Por favor, Noah!

Então olhei para aquele emaranhado de números. O que era aquilo? Encarei Ava. — O que está aprendendo?

— Trigonometria.

— Trigo o quê? — Tentei me lembrar de ter aprendido aquilo na escola, e sinceramente, se aprendi já havia esquecido. Números não eram meu forte. E, pela cara de Noah, também não eram o dele.

— Eu já fiz todas as contas, só não sei se está certo — Ava murmurou, nos encarando em busca de aprovação. Noah e eu nos fitamos sem saber o que falar. Que dois grandes burros nós éramos!

— Acho que deve estar certo — falei. — Tenho certeza que se tiver algum erro também não será um problema, não é, Noah?

— Claro. Sua professora corrigirá amanhã.

— Tudo bem — Ava falou baixinho, fechando o caderno e jogando tudo dentro de sua mochila.

— Acho que ainda podemos assistir a um filme — Noah propôs.

— Sim. Quer escolher Ava? — Dana era tão eficiente que tinha até comprado vários DVDs infantis. Ava foi até a estante e eu cutuquei Noah.

— Você é muito burro, que vergonha — cochichei.

— E você é muito esperta, não é? Aposto que nem sabe o que é trigonometria.

— Eu achei que você era o tipo de aluno mais inteligente da sala, senhor futuro senador!

Ele riu.

— Exatas nunca foi meu forte.

— E eu preferia literatura, se quer saber.

— Ah é? Eu gostava de biologia.

— Pode ser este? — Ava chamou a nossa atenção com o último lançamento da Disney na mão.

— Claro que sim — falamos juntos.

— Minha tia não me deixava ver filmes em casa — ela comentou.

— Por que não? — indaguei

— Ela não gostava de filmes infantis. Na verdade... Acho que ela não gostava de filmes. Dizia que era uma grande perda de tempo.

— Mas nós gostamos. E podemos ver quantos você quiser, e todos que quiser — respondi, colocando o DVD e indo sentar no sofá ao lado de Noah, com Ava no meio.

Cada vez mais eu tinha motivos para odiar Sharon Alexander.

Ava acabou adormecendo quando o filme não estava nem na metade. Noah a pegou no colo e a levou para a cama. Puxei a coberta sobre ela e beijei sua testa.

— Ela fica mais à vontade com você, percebeu? — perguntei, apagando a luz e saindo do quarto com Noah atrás de mim.

— É impressão sua.

Eu o encarei.

— Por que não me disse que ela chorou?

— Eu não queria fazer você se sentir mal.

— Tem razão, eu ficaria mal. Eu fiquei.

Ele sorriu, se aproximando e tocando meu rosto.

— Tudo vai se resolver com o tempo, Olivia. Hoje ela já parecia mais à vontade.

— Sim, acho que tem razão — murmurei e num gesto automático, segurei seu pulso e beijei sua mão. E então o clima mudou sutilmente. O ar se tornou cheio de eletricidade.

— Vou dormir no sofá hoje, Olivia? — Sua voz chegou até mim quase como uma carícia.

— A sua filha muito esperta vai perguntar se eu briguei com você de novo — respondi e nós rimos.

E no minuto seguinte ninguém ria mais, porque estávamos ocupados nos beijando.

— Olivia? — ele murmurou contra meus lábios, as mãos se infiltrando dentro da minha blusa, segurando meu seio.

— Hum? — suspirei, repuxando seu cabelo.

— Posso te levar para a cama, então? — Eu ri, mordendo seus lábios e me colando ainda mais a ele. — Sim, por favor.

E foi fácil deixar que ele me levasse para cama, tirasse nossas roupas e fizesse amor comigo. E enquanto ele se movia devagar e profundamente dentro de mim, como se tivesse todo o tempo do mundo, tudo o mais deixou de ter importância. A não ser os movimentos, a perfeita sincronia de nossos corpos e o prazer incontestável que extraíamos um do outro.

 


Eu acordei assustada. Sentei na cama, meu coração batendo acelerado. Era um pesadelo. Olhei para o lado e Noah dormia tranquilamente. Joguei as cobertas para o lado e, vestindo sua camisa, fui até o quarto de Ava.

Ela dormia toda descoberta. Eu me aproximei e a cobri direito.

Então me sentei no chão ao seu lado.

— Ei, Olivia!

Eu levantei o olhar e Noah estava ali, me fitando com os olhos sonolentos.

— O que faz aqui?

Dei de ombros.

— Tive um pesadelo.

Ele sentou ao meu lado.

— Quer me contar?

— Sonhei que eu acordava e vinha até o quarto de Ava e a cama estava vazia. E eu me desesperava e a chamava por toda casa, mas ela havia desaparecido.

Noah passou os braços à minha volta e eu deitei a cabeça em seu ombro.

— Ela não vai desaparecer, Olivia.

— Eu sei. Mas fiquei com medo. Tanto medo.

— Vamos dormir.

— Podemos ficar aqui mais um pouco? — perguntei baixinho. — Eu gosto de vê-la dormir.

— Sim, podemos.

E nós ficamos ali, abraçados no chão do quarto. Ouvindo a respiração cadenciada de Ava. Até que eu pegasse no sono e nem visse Noah me levar de volta para o quarto.

 

 

Capítulo 12 - Noah


Acordei de repente com batidas à porta e abri os olhos, aturdido. O quarto estava claro.

— O que está acontecendo? — Olivia questionou, sonolenta.

Eu pulei da cama e abri a porta para me deparar com Ava parada, esperando, vestida com seu uniforme escolar.

— Acho que estamos atrasados — ela murmurou.

— Porra! — Olivia gritou atrás de mim, pulando da cama.

— Olivia! — Eu a fuzilei com o olhar.

— Oh, desculpa.

— Espera só um segundo, Ava. Não irá se atrasar.

— Já estamos atrasados — ela murmurou, aflita.

— Por que não nos chamou antes? — Olivia indagou enquanto eu me ocupava em vestir uma camisa de qualquer jeito.

— Eu não queria acordar vocês.

— Mas devia nos acordar se estava atrasada.

— Minha tia não gostava quando eu a acordava. — Sua voz não era mais que um sussurro amedrontado.

Olivia me encarou com os olhos chispando.

— Mas aqui você pode nos acordar sempre que precisar. Não vai levar bronca por isso — respondeu para Ava.

— Vamos, Ava, eu já vou te levar — falei, pegando as chaves do carro.

— Mas eu...

— Eu dou um jeito, Olivia, fiquei aqui.

Ava me encarava no carro.

— O que foi?

— Seu cabelo está engraçado. — Passei a mão pelo cabelo, rindo do seu comentário.

— É, ele costuma ser assim.

Ela riu e sua risada se tornou o som mais perfeito do universo naquele momento.

Chegamos à escola e o portão estava sendo fechado, mas deu tempo de colocá-la para dentro.

— Ei, Ava. Se precisar sair daqui nos avisa, ok?

— Eu não vou mais fugir. Prometo.

— Boa aula. Tchau.

Ela acenou e entrou. Voltei para a casa e encontrei Olivia sentada com o laptop aberto e uma xícara de café na mão.

— O que está fazendo?

— Pesquisando sobre trigonometria no Google.

Eu ri, pegando uma xícara para mim.

— Depois me passa o que encontrar.

— Acho que agora é tarde para você. E então, deu tempo?

— Deu. Acho que precisamos de um despertador.

— Eu acordo cedo quando preciso, mas ontem dormimos tarde. — Ela mordeu os lábios deliciosamente, o que me deu vontade de me inclinar e beijá-la.

— Tive uma ideia ontem à noite — ela disse enquanto eu me inclinava atrás dela, com o intuito de fazer exatamente o que estava querendo.

— Eu tenho várias ideias agora — sussurrei em seu ouvido e toquei com os lábios a pele atrás de sua orelha. Olivia se arrepiou.

— Não estou falando desse tipo de ideia — refutou. — Olha isso.

Eu olhei para a tela. Ela estava procurando escolas de arte.

— O que acha de a colocarmos numa escola de desenho?

— Ela vai amar.

Olivia sorriu, animada.

— Não vai?

— É realmente uma ótima ideia, mas agora, sobre a minhas ideias... — Fechei o laptop e ela se virou com os olhos brilhando. Eu podia perder muitas horas desvendando todos os tons de verde daqueles olhos.

— Fale-me sobre as suas ideias. — Ela sorriu sedutoramente.

— Talvez fosse melhor, — Eu beijei seus lábios entreabertos, adorando ouvir seu suspiro. — se eu te mostrasse?

— Agora?

Eu a ergui.

— Eu sou um cara prático.

Ela riu, enquanto eu a levava para o quarto e a deitava na cama ainda desfeita. Seus dedos impacientes retiraram a minha blusa e ela rolou por cima de mim.

— Achei que eu fosse te mostrar.

— Eu tenho minhas próprias ideias também — falou, tirando a blusa.

— Espero que não tenham saído do Google.

Ela sorriu e se inclinou para me beijar, ainda tinha gosto de café e eu enterrei meus dedos em seu cabelo, desfazendo o rabo de cavalo malfeito e puxando ainda mais perto, capturando sua língua com a minha. Ela gemeu, os quadris se movendo sobre os meus, me enlouquecendo, enquanto os dedos deslizavam por meu peito. Prendi a respiração quando ela falou em meu ouvido exatamente qual era a sua ideia. E então me mostrou.

 


Nós buscamos Ava na escola naquele começo de tarde. Ela ainda parecia meio tímida, enquanto se despedia dos colegas e entrava no carro.

— Como foi a aula hoje? — indaguei.

Ela deu de ombros.

— Bem.

— Nós temos uma surpresa para você — Olivia falou entusiasmada. Antes havíamos passado em uma escola de desenho e matriculado Ava. E agora a levaríamos lá para conhecer. Eu esperava que ela gostasse, porque Olivia ficaria bem decepcionada se fosse diferente.

— Que lugar é esse? — Ava perguntou, curiosa, quando entramos.

— É uma escola de arte. E nós a matriculamos para fazer aulas algumas vezes por semana — Olivia explicou.

— Se você quiser, claro — completei.

Olivia mordeu os lábios tentando refrear a ansiedade.

Ava entrou na sala e nós a seguimos.

O professor, que nós já tínhamos conhecido, se apresentou para Ava e ficou conversando com ele.

— E então, Ava, gostou? — Olivia perguntou. — Se gostou poderá vir para a aula amanhã mesmo.

Ela sorriu, ansiosa.

— Posso mesmo?

— Com certeza.

Ela continuou conversando animada com o professor e Olivia sorriu para mim.

— Acho que fizemos um ponto!

Nós voltamos para casa e almoçamos com Ava. E continuamos indagando coisas sobre a escola e ela respondia ainda meio reticente. Pelo menos parecia estar começando a se sentir mais à vontade.

— E então, Ava, tem lição de trigonometria hoje? — perguntei, piscando para Olivia e ela rolou os olhos.

— Não, hoje eu não tenho lição. Será que posso pintar?

— Claro que sim — Olivia respondeu. Ava se levantou e foi para o quarto.

Olivia foi lavar louça e eu aproveitei para ver meus e-mails. Havia um de Barbara, que ignorei, e alguns do meu pai, que também ignorei. Também havia um de Ben Chaney. Ben era um antigo colega de faculdade. Nós trabalhamos juntos numa pequena firma de direitos civis em Boston e continuamos bons amigos.

Eu cogitei ligar para ele e falar sobre Ava. Seria bom ter alguém com quem conversar sobre todos esses problemas.

— O que acha de sairmos hoje. Podíamos levar Ava ao cinema — Olivia sugeriu ao entrar na sala.

— Acho uma boa ideia. — Eu fechei o laptop. — Vamos falar com ela.

Nós entramos no quarto e Ava estava distraída, pintando.

— Quer ir ao cinema hoje à noite, Ava? — Olivia perguntou.

— Ao cinema? Com vocês?

— Claro! — Ela sacudiu a cabeça afirmativamente.

Ir ao cinema com Ava foi uma experiência única. Ela parecia empolgada com tudo e Sharon perdeu mais pontos quando Ava comentou que a tia nunca a levava ao cinema.

— Podemos vir toda semana, o que acha? — Olivia sugeriu ao ver seu entusiasmo.

Ela nos encarou com um olhar ansioso.

— Não iam preferir ir sozinhos?

— Por que iríamos querer?

— Porque são namorados. Namorados vão sozinhos ao cinema, não vão?

Olivia ficou vermelha e eu ri.

— Nem sempre, Ava.

— Minha tia ia com o namorado dela, mas nunca me levava.

— Sua tia era uma... — Olivia começou a falar entre dentes, então apertei a sua mão em advertência.

— Somos diferentes de Sharon, Ava. A gente vai te levar ao cinema sempre, tudo bem?

— Tudo bem. — Ela pareceu satisfeita.

Quando entramos em casa, Ava estava bocejando.

— Acho que está na hora de dormir — Olivia falou e ela concordou com a cabeça, indo para o quarto.

O telefone tocou naquele momento e Olivia atendeu.

— Alô... É a Olivia... Quem quer falar com ele...? — Ela empalideceu. E eu intuí que havia algo errado antes mesmo de ela me passar o aparelho.

— O que o James ainda tem para tratar com você? — indagou com a voz gélida.

— Ele é o meu assessor de campanha — respondi, tenso.

Eu abominava o que James tinha feito e sabia que, se tivesse escolha, eu o tiraria para sempre da minha vida. Mas, como meu pai frisou na tensa conversa que tivemos depois da confirmação da minha candidatura, eu não podia colocar a campanha a perder tirando James naquele momento.

A verdade era que eu estava tão preocupado e envolvido com o retorno de Ava, que não queria e não podia voltar o foco cem por cento na minha campanha, como teria que fazer se dispensasse James e até meu pai, como deveria.

Olivia me encarou, incrédula por um momento. E eu percebi que ela ia explodir quando uma voz infantil nos interrompeu.

— Olivia? — Nós nos viramos e vimos Ava com seu pijama parada no corredor.

Vi Olivia respirar fundo e encará-la.

— O que foi?

— Não consigo fechar a janela do meu quarto.

— Tudo bem. Eu vou fechar para você.

E sem olhar para mim, ela se afastou com Ava e eu peguei o telefone.

— O que você quer, James?

— Continua brincando de casinha com a Olivia, é? Achei que essa brincadeira não duraria nem uma semana.

— Não estou interessado em sua opinião.

— Tudo bem, me desculpe. Precisamos que volte para Washington.

— Não posso voltar agora. Você sabe.

— O partido está exigindo, Noah. A campanha vai começar mais cedo. Precisamos de você aqui para algumas definições e algumas aparições públicas.

Eu soltei um palavrão.

— Quando?

— Amanhã. E nem adianta pedir para adiar. Será apenas por duas semanas e depois poderá voltar a Seattle. O que me lembra que precisamos conversar sobre esse assunto. A imprensa ainda não está sabendo, mas...

— E vai continuar assim. Não quero ninguém sabendo sobre Ava.

— Sempre há o risco. Eu acho que não deveria voltar a Seattle até que terminem as eleições.

— Isso está fora de cogitação.

— Noah...

— Mais alguma coisa, James?

Ele hesitou.

— Você tem conversado com a Bárbara?

Barbara havia saído de casa depois que descobriu o que James fez. Mas eu não tinha conversado com ela desde então.

— Não.

— Ela não quer falar comigo...

— Olha, James, não quero saber. Isso é problema seu e da Barbara. Se ela acha você um cretino e não quer mais viver com você, só posso apoiá-la.

— Não era para ser assim...

— Não me interessa o que você acha. Lembre-se que você só está nessa campanha porque o partido pediu. Não somos mais amigos.

— Então, seu voo sai amanhã às 9h. — James por fim desistiu. — Estarei te esperando em Washington.

Eu desliguei e passei a mão pelo cabelo, frustrado. E irritado. Primeiro que de maneira alguma eu queria deixar Ava e Olivia agora. Mas era a minha campanha. E era justamente por causa disso que James continuava comigo, por mais que eu odiasse o que ele tinha feito.

Fui até o quarto de Ava e ela já estava dormindo. Então fui procurar Olivia.

Ela estava no quarto, vestindo uma roupa de dormir com cara de poucos amigos.

— Olivia, me deixe explicar...

Ela me fitou muito séria.

— Sim, é bom mesmo ter uma boa explicação para este ser asqueroso ainda não ter sido despedido! Porque é o mínimo que ele merece!

— Desculpe se a minha prioridade era ter Ava de volta e não ficar traçando planos de vingança contra o meu assessor!

— Não sei como pôde perdoá-lo depois do que fez!

— Eu não perdoei! O fato é que tenho um trabalho a ser feito e não dá para, de uma hora para outra, simplesmente dispensá-lo nesse momento crucial!

— Então é isso? Vai aguentar aquele nojento por causa da sua carreira política? Você que está me dando nojo agora, Noah!

— Você parece não compreender a importância do que está em jogo, Olivia.

— Desculpe, mas realmente é difícil entender! Eu odeio o James pelo o que fez conosco. Se pudesse, eu o matava com as minhas próprias mãos. Se bem que ele não vale esse sacrifício. Como consegue continuar trabalhando com ele?

— Minha prioridade é Ava. Tenho vivido para isso todas essas semanas. O James não é nada. Não podemos voltar no tempo e desfazer o que ele fez!

— Mas pode se livrar dele agora!

— Eu sei que estou decepcionando você, no entanto, não posso. Não agora.

— Certo. É sua escolha. Então acho que não tem mais razão para ficarmos discutindo.

— Estou viajando amanhã.

— O quê?

— Tenho reuniões de campanha. Por duas semanas.

— Vai ficar duas semanas fora?

— Sinto muito. Mas o partido quer começar a campanha mais cedo e...

— Certo, não me interessa. Está fazendo suas escolhas, Noah, e não estou nem um pouco feliz com elas. — Ela me virou as costas e foi para a cama. Eu tirei a roupa e deitei ao seu lado. — E nem ouse colocar a mão em mim. Eu só não te ponho para fora do quarto porque não quero a Ava fazendo perguntas!

Eu soltei um palavrão baixo e apaguei a luz. Era horrível toda aquela situação. Como se não bastasse ter que ir embora amanhã, ainda havia essa briga com Olivia. O pior é que ela tinha razão de estar com raiva. De alguma maneira eu estava com raiva de mim mesmo também.

Eu me sentia sendo dividido ao meio. Desde o meu nascimento, fui preparado para aquela vida. Cada passo que dava era para um dia me tornar um político importante. Assim como meu pai era. Como meu avô foi.

Algumas vezes naquele caminho, duvidei se aquele era mesmo o meu destino. Minha missão. Principalmente quando mais jovem.

Eu sabia que um político devia ter a reputação impecável e que a opinião pública não perdoava deslizes. E foi justamente quando me envolvi com Olivia que eu me perguntei se estava preparado para ter a vida restringida por aquelas normas.

Porém, eu era um Belford. E era difícil mudar um pensamento de uma vida inteira. Todos esperavam algo de mim, depositavam sua fé em mim.

A gravidez de Olivia foi a única coisa que me balançou. Que me fez cogitar seriamente a hipótese de abandonar todos os planos construídos para mim. Não foi à toa que meu pai tomou as rédeas do meu destino em suas mãos. Ele devia saber que eu desistiria de tudo.

E ele me tirou o direito de escolha.

Naquela época eu não sabia. Simplesmente achei que aquela perda era um sinal de que deveria continuar o meu caminho. Quando ingressei para a faculdade de direito de Harvard, eu ainda era um pouco do garoto rico e protegido que achava que bastaria ter boas notas, comportamento impecável e que ocuparia algum cargo público conseguido por meu pai, que apenas serviria para me colocar no lugar certo quando chegasse a minha hora de ser eleito senador. Eu não pensava se era realmente o que eu queria. Ou por que queria, além de ser o que se esperava de mim.

Então conheci Ben Chaney. Ele era meu colega na faculdade e rapidamente ficamos amigos. Foi Ben que me levou para estagiar numa pequena firma de direitos civis, onde desejei ter realmente poder para ajudar as pessoas. E comecei a almejar uma ascensão política por meus próprios ideais e não pelos da minha família. Aquela campanha era importante para mim. Era o que iria definir o resto da minha vida. Para o que eu vinha trabalhando uma vida inteira. E nunca imaginei que, de novo, seria a paternidade que viria a bagunçar tudo.

O que o meu pai tirou do meu caminho há nove anos, voltava de novo e justamente num momento tão crucial.

Mas eu jamais desistiria de Ava. Era minha filha. Nunca deveria ter sido tirada de mim e de Olivia.

E agora Olivia me odiava porque ela não entendia que, apesar de amar e querer Ava, eu não podia me livrar do homem que a arrebatou de nós por causa da minha campanha ao senado.

 


Eu acordei cedo. Era sábado e Ava não iria ao colégio. Eu pensei em acordá-la para me despedir, depois achei melhor deixá-la dormir. Assim como Olivia. Ela, com certeza, ainda estaria brava comigo. Então fiz minhas malas e escrevi um bilhete. Deixei ao lado do seu travesseiro e beijei seu cabelo. Eu esperava que ela entendesse e me perdoasse. Pelo que conhecia Olivia, isso não seria nada fácil.

Saí do quarto, fechando a porta devagar, passei no quarto de Ava. Ela dormia tranquilamente. Beijei sua testa e ajeitei suas cobertas. Ia sentir falta dela, ia sentir falta das duas. Eu esperava que essas duas semanas passassem bem rápido.

 

 

Capítulo 13 - Olivia


— Olivia? — Abri os olhos e Ava estava parada em frente à cama, com seus olhos ansiosos.

— Ava... Oh, estamos atrasadas? — indaguei, me sentando rapidamente.

— Não, hoje é sábado. Não tem escola.

— Oh! — Tirei o cabelo do meu rosto. — É verdade.

— Cadê o Noah? — ela perguntou e eu olhei para o lado.

Sim, cadê o Noah? Onde ele deveria estar havia apenas um bilhete. Então eu me lembrei. A briga de ontem à noite por causa de James. Ele havia dito que iria para Washington. Por duas semanas.

Eu me senti mal no mesmo minuto, e nem sabia mais o porquê. Peguei o bilhete que dizia simplesmente que era para ligar caso precisasse.

— Ele está em Washington — respondi para Ava, me levantando.

— Por quê?

— É onde ele mora.

— Ele foi embora? — Sua vozinha infantil traía sua decepção e medo.

Eu me virei.

— Não! Claro que não. Ele está trabalhando. Ele é candidato ao senado, você sabe o que é isso?

— Sei sim. O Obama também foi senador, não é?

— Foi sim, isso mesmo.

— Isso quer dizer que o Noah vai ser presidente um dia?

Eu ri da sua lógica infantil, só não havia humor em meus pensamentos.

Se Noah continuasse focado do jeito que estava, a ponto de conseguir trabalhar com um monstro como James para chegar onde queria, era capaz de ele chegar à presidência sim, pensei sombriamente.

— E por que não foi com ele? — Ava perguntou, curiosa.

— Porque estou cuidando de você. — Eu sorri.

— Não tem nenhum trabalho de modelo para fazer?

— Sabe do meu trabalho de modelo?

Ela deu de ombros.

— Eu já te vi em algumas revistas e uma vez assisti com a minha tia, um desfile em que você usava as asas de um anjo. Foi muito bonito.

Eu ri.

— Eu não faço mais isso.

— Por que não?

— Digamos que estou de férias sem previsão de retorno.

— Como a minha tia.

Eu fiz uma careta.

— É mais ou menos a mesma coisa.

— Minha tia foi embora — ela afirmou baixinho.

— Só que eu não vou a lugar nenhum, Ava — falei suavemente.

— Entendi. E quando o Noah volta?

— Em duas semanas. Está com fome?

Ela sacudiu a cabeça afirmativamente.

— Então vamos comer.

Ela me seguiu até a cozinha.

— O que quer comer?

— Cereal?

— Ok, cereal.

Eu me sentei com ela enquanto comia, mas não tinha o menor apetite. Ainda me lembrava da briga horrível com Noah. E me sentia péssima por ele ter viajado com nós dois brigados. E ainda por cima me deixando sozinha com Ava. Era óbvio que ela se sentia mais à vontade com ele. Noah tinha esse dom. Todo mundo gostava dele. E, sinceramente, não sabia muito bem o que fazer com Ava agora. Ok, não deveria ser difícil. Ela era minha filha, no entanto, eu não sabia nada sobre ela. Nem ela sobre mim. Éramos praticamente desconhecidas. E grande parcela da culpa disso cabia ao James. E agora Noah tinha me deixado ali para estar lá, interagindo com aquele crápula.

A raiva ameaçou me dominar de novo.

— Não vai comer?

A voz de Ava me trouxe de volta à realidade e eu me obriguei a tirar a raiva de James da cabeça.

— Estou sem fome. E então, o que quer fazer hoje? — Ela deu de ombros.

— Não sei.

— O que você fazia com Sharon aos sábados?

— Eu ficava pintando.

— Você não tinha... Sei lá, amigas no prédio ou algo assim?

— A tia Sharon não me deixava brincar com outras crianças. Ela não tinha muita paciência. Dizia que era muito ocupada.

— E o que a sua tia Sharon fazia nos fins de semana?

— Ela ia ao cabeleireiro. Ou fazer compras. Ou saía com o namorado.

— E você ficava sozinha?

— Sim, ficava. Ela contratava babás.

— E não se importava?

— Por isso preferia ficar na escola.

— Entendi. — Eu tinha vontade de matar aquela Sharon! Como ela podia deixar uma criança crescer sozinha daquele jeito?

— Bom, você pode escolher o que quer fazer então. — Eu podia imaginar que ela ia dizer que ia querer pintar e eu, sinceramente, não sabia se era uma boa ideia. Ava gostava de pintar e tinha um talento nato, só que ficava muito tempo sozinha. Talvez por isso ela gostasse tanto de suas pinturas. Porque era uma criança solitária.

Ela deu de ombros em resposta.

— Por que não me mostra as suas pinturas? — perguntei.

— Você quer mesmo ver?

— Claro que sim.

Nós fomos para o seu quarto e ela parecia ansiosa e tímida, enquanto me mostrava seus desenhos.

— São lindos, Ava.

Ela sorriu, mordendo os lábios.

— Um dia quero fazer um tão lindo como aquele da Dana.

— Você vai fazer, com certeza. — Ela sorriu, satisfeita, arrumando os desenhos, foi então que vi um envelope rosa em cima do seu criado-mudo.

— O que é isto?

Ela me encarou timidamente

— Um convite.

— Convite do quê?

— Para a festa de aniversário de uma amiga da escola. É hoje.

— Oh... Por que não me disse?

Ela deu de ombros.

— Você quer ir?

Ela assentiu.

— Então você vai. Eu te levo.

— Eu achei que não ia deixar.

— Por que não? Ah, deixe-me adivinhar. Sua tia Sharon também não gostava de te levar para as festas?

Ela sacudiu a cabeça afirmativamente.

— Olha, Ava, você não mora mais com a Sharon. Você pode pedir qualquer coisa para mim e, se for possível, eu vou deixar, entendeu?

— Sim, Olivia.

— Então, parece que temos que comprar um presente para a sua amiga.

Ela riu.

— Acredito que sim.

— E você tem roupa para ir?

Ela deixou os ombros caírem, desanimada.

— Acho que não.

— Então vamos comprar uma roupa para você.

— Obrigada, Olivia. — E sorrindo, voltou sua atenção para os desenhos, e aquele sorriso valia qualquer coisa. Eu queria muito que Noah estivesse presente naquele momento.

— Eu vou me arrumar e você faz o mesmo. A gente pode almoçar fora também. Onde você quiser, Ok? — Ela assentiu, animada, e eu fui para o quarto. Tomei um banho e quando cheguei à sala, Ava estava desligando o telefone.

— Quem era no telefone?

— Era o Noah.

— O Noah? E ele não pediu para falar comigo?

— Não.

— Ah. — Tentei disfarçar a decepção. — E o que ele te falou?

— Ele pediu desculpas por ter ido viajar sem se despedir e disse que me ligaria todos os dias. — E ela parecia bem feliz com isso.

Ah, Noah. Ava só era uma criança e já estava em suas mãos.

— Também pediu para eu anotar o número dele e disse que poderia ligar sempre que quisesse.

— Que legal! — Eu sorri, sem muito ânimo. — Vamos?

Nós saímos para a rua e Ava segurou a minha mão enquanto andávamos.

Eu me perguntei se as pessoas achariam que ela era a minha filha enquanto caminhávamos na calçada, me sentindo deliciosamente mãe.

Nós entramos numa loja de roupa infantil e Ava escolheu um vestido rosa.

— Tem certeza que é esse que quer vestir? — indaguei, meio horrorizada. Eu nunca fui fã de cor-de-rosa, mesmo quando era criança.

Sempre preferi cores e roupas básicas. E aquele vestido parecia de uma boneca Barbie.

— Sim. Não gostou?

— Oh... É bonito, mas... É rosa!

— Eu gosto deste.

— Tudo bem, mas será que esta calça não é mais legal?

— É uma festa. As pessoas usam vestido, não usam?

— Certo. E este vestido aqui? — Eu peguei um vestido xadrez marrom e preto, porém, Ava ainda parecia preferir o rosa.

— Tudo bem, leva o rosa, então. — Sinceramente, eu não conseguia entender como uma filha minha gostava de rosa. Enfim, não ia impor nada a ela. — Vamos escolher alguma coisa para a sua amiga agora?

 


Eu bati à porta do quarto de Ava à noite.

— E então, já se arrumou? — Ela estava parada no meio do quarto com seu vestido rosa.

Ela parecia uma daquelas pequenas misses.

Apesar da cor do vestido, ela estava linda.

— Está linda, Ava!

Ela me encarou, ansiosa.

— Pode pentear meu cabelo? — Peguei a escova e passei por seu cabelo. Era tão bonito e comprido, da cor do cabelo do Noah. E eu podia passar horas ali, apenas compartilhando algo com ela.

— Pronta? — Ela assentiu e nós saímos. A tal amiga morava num apartamento não muito longe do nosso. Eu levei Ava até a porta, me sentindo nervosa.

— Tem o meu número, não é?

— Tenho.

— Qualquer coisa, se não quiser mais ficar, você me liga, Ok?

— Entendi.

Uma empregada abriu a porta e eu podia ouvir o barulho das crianças lá dentro. Deus, eu queria pegar Ava e sair correndo. Será que todos os pais sentiam isso ou estava sendo ridícula?

— Divirta-se, Ava. — Ela sorriu e entrou.

Eu voltei para o carro, mas, ao invés de voltar para a casa, permaneci ali. Sem a menor vontade de voltar para um apartamento vazio. Sem Ava. Sem Noah.

De repente, meu celular tocou.

— Alô?

— Olivia? Onde se meteu? Liguei em casa e vocês não estavam, cadê a Ava?

— Calma, ninguém foi sequestrada. Ava está numa festa.

— Festa?

— Sim, ela foi convidada para a festa de aniversário de uma amiga e eu acabei de deixá-la lá.

— Você a deixou lá, sozinha?

— Sim, é uma festa infantil.

— E você conheceu os pais da criança?

— Noah, está me chamando de irresponsável? É só uma festinha infantil e ela pediu para ir. Sabe que a tia maldita não a deixava ir às festas? Precisa ver como ela ficou feliz quando eu disse que podia ir.

— Ela ficou feliz, então?

— Ficou sim. E eu a levei para comprar uma roupa e sabe o que ela quis vestir? Um vestido rosa.

Noah riu.

— Ela não puxou a você.

— Nem um pouco. Tentei convencê-la a usar outra coisa, ela nem quis saber.

— Queria ter visto a Ava de rosa.

— Ela parecia uma Barbie.

— Tenho certeza que ficou linda. Mesmo de rosa.

Eu ri.

— Onde você está agora? — ele indagou.

— Em frente à casa da amiga. Não tive coragem de ir embora.

— Eu já sinto saudades dela.

— Ela sente a sua falta também — murmurei. Eu também sinto, quis dizer, mas me calei. E isso me lembrou onde ele estava, e com quem. Então me contive para não deixar a raiva me dominar. Do que iria adiantar?

— Ava me disse que ligou para ela hoje.

— Sim, me senti culpado por não ter me despedido. — Será que ele se sentia culpado por não ter se despedido de mim? — Encontrou meu bilhete?

— Sim.

— Olivia, eu... — Pude ouvir alguém falando com ele e interrompendo seja lá o que ele ia falar. — Desculpe, preciso ir. Me liga se precisar, Ok?

— Ok.

Ele desligou e eu fiquei fitando o telefone por um longo tempo, me perguntando onde ele estaria.

Finalmente chegou a hora de buscar Ava.

Uma mulher elegante abriu a porta.

— Olá, quem veio buscar?

— Ava.

— Claro, entre.

Eu entrei, me sentindo totalmente nervosa.

— Você é a primeira a aparecer — a mulher explicou. — Ainda está cedo. Ava é o que sua?

— É minha filha — falei automaticamente e então parei quando a mulher me encarou.

— Nossa! Você é tão jovem...

— Quer dizer... É como se fosse minha filha. Na verdade, sou a responsável por ela. Estou adotando-a.

— Ah, entendi. Eu te conheço de algum lugar? — Tive que vontade de revirar os olhos. Não era sempre que as pessoas me reconheciam de pronto. Eu estava sem maquiagem, com o cabelo preso, jeans e moletom velho. Nada daquilo era glamouroso para uma modelo.

Nós chegamos a uma sala e vários pares de olhos infantis se fixaram em mim.

— Esta não é...? — uma criança cochichou para a outra.

— A responsável por Ava — a mulher falou. Todas as crianças se voltaram para Ava de boca aberta e ela se levantou e veio até mim. Eu segurei sua mão.

— Pronta para ir? — Ela assentiu e eu encarei a mulher. — Nós já vamos, obrigada.

Eu saí quase arrastando Ava dali, mas ainda pude ouvir.

— Por que estão olhando assim para ela?

— Você não sabe quem é? É a Olivia Miller! Aquela modelo...

Ah que saco!

Ava não falou nada. Entramos no carro e eu dei a partida.

— E então, como foi? Se divertiu?

— Sim, foi muito legal.

Nós chegamos em casa e Ava parecia totalmente sonolenta.

— Estou com sono.

— Então vamos dormir. Eu a levei para o quarto e dessa vez ela não se importou que a ajudasse a vestir o pijama.

— Boa noite, Olivia — murmurou, dormindo assim que colocou a cabeça no travesseiro.

— Boa noite, meu amor. — Eu beijei seu cabelo e saí do quarto.

E fui dormir. Sozinha. Onde Noah estaria nesse momento?

 


Quando acordei no dia seguinte, era bem cedo. Provavelmente, porque tinha dormido mal. Era estranha a rapidez com que nos acostumamos com algumas coisas. Como dormir com alguém. Não qualquer alguém. Eu suspirei, jogando as cobertas para o lado e me levantei. Fui ver Ava e ela dormia ainda, então peguei o notebook e voltei para a cama.

Eu sabia bem o que estava procurando e não demorei a encontrar. Noah esteve num programa de TV ontem à noite. Era um noticiário e eles o entrevistaram e falaram sobre ele ter vencido as primárias do Partido Republicano. Ainda continuei fuçando na internet como uma fangirl idiota e nem vi o tempo passar até que Ava apareceu na porta, sonolenta.

— Bom dia, Olivia.

— Bom dia, vem aqui — eu a chamei e ela entrou, sentando-se ao meu lado. — Quer ver o Noah? — perguntei, abrindo a página com o vídeo dele.

— Oh, onde ele está?

— É um noticiário de TV.

— Por que o cabelo dele está sempre bagunçado?

Eu comecei a rir.

— Acho que é porque ele tem a mania de ficar passando a mão nele.

— Eu acho engraçado — ela disse rindo também.

De repente, a campainha tocou.

— Nossa, quem será? — Eu me levantei para atender e Ava me seguiu.

— Entrega para Ava — o homem falou com uma caixa na mão.

Ava e eu nos entreolhamos.

— Para mim? — ela indagou, surpresa.

— Sim.

— Quem mandaria uma caixa para mim?

Eu quase ri. Só podia ser uma pessoa.

O homem olhou em seus papéis.

— Aqui diz que vem de Noah Belford.

— Pode pegar, Ava — falei e ela pegou a caixa. Eu assinei o recibo e Ava seguiu para a sala.

— Olivia! É um gatinho! — ela gritou, surpresa, e eu corri para ver, enquanto ela tirava um gatinho branco de dentro da caixa.

— Nossa! É mesmo um gato! — murmurei ao mesmo tempo em que ela acariciava o gatinho, maravilhada.

— Ele é tão bonitinho!

— Você gosta de gatos?

— Eu sempre quis ter um, mas a minha tia Sharon não ia deixar.

— Claro — falei, azeda. — Eu também amo gatos. Como a minha mãe é alérgica, nunca pude ter um. Como vai chamá-lo?

— Eu não sei. Posso chamá-lo de Olaf?

— Olaf?

— Ele é branquinho como o Olaf de Frozen, lembra?

Eu ri, me lembrando que Frozen era o desenho que havíamos assistido no cinema dias atrás.

— Claro, é um bom nome.

— Então ele se chamará senhor Olaf. Quer pegá-lo?

Eu peguei o gatinho do seu colo.

— Por que não liga para o Noah?

Ela pegou o telefone e discou, toda empolgada.

— Oi, Noah, é Ava. Eu gostei do gatinho... Muito obrigada... Ele se chama senhor Olaf. — Ela riu de algo que o Noah dizia. — Eu sei, a Olivia me mostrou umas fotos suas no computador...

Oh droga! Agora Noah ia pensar que eu estava caçando coisas sobre ele! Que ótimo.

— Certo. — Ela me passou o telefone. — Ele quer falar com você.

Eu lhe entreguei o gato.

— Oi.

— Oi, ela gostou mesmo do gato?

— Ela amou. Está... Deslumbrada.

— Oh, imaginei que ela ia gostar se fosse como você.

— Como eu?

— Você dizia que amava gatos, ainda me lembro.

Eu mordi os lábios com força, tentando não suspirar como uma adolescente idiota por ele se lembrar de algo tão banal.

— Preciso desligar. Estou no meio de uma reunião.

— Tudo bem. Tchau.

— Tchau. — Eu desliguei e Ava parecia totalmente entretida com o gato. Com certeza ela passaria o dia inteiro assim.

Eu fiz almoço e ela comeu com o gato no colo.

Propus assistirmos a um filme à tarde, e ela continuou acariciando o gato.

À noite, pedimos uma pizza e ela me perguntou se poderíamos pedir uma de atum para Olaf.

E claro, Olaf dormiu com ela, em sua cama.

Na manhã seguinte, eu perguntei a ela se não queria ir ao museu.

— Mas o Olaf vai ficar sozinho.

— Gatos são bastante independentes, Ava. Ele não vai se importar.

— Tem certeza?

Eu sorri e a tranquilizei.

— Tenho sim. Vá se arrumar!

Fomos ao museu de arte de Seattle e como eu previa, ela adorou. Depois fomos tomar sorvete e ela deixou cair um pouco na sua roupa.

— Não se preocupe. — Eu tirei a camisa que usava por cima da camiseta e coloquei nela, rindo.

— Está enorme!

— A gente dá um jeito. — Eu dobrei as mangas e amarrei de lado.

— Pronto.

— Pareço você.

Foi a minha vez de sorrir.

— Sim, um pouquinho — murmurei.

Quando chegamos em casa à noite, ela foi direto procurar Olaf e se certificar de que ele estava bem. Encontrou o gato em cima da minha cama.

— Acho que ele não sentiu a minha falta.

— Eu falei que gatos são independentes. Mas tenho certeza que ele gosta de você.

Ela acariciou seus pelos.

— Minha mãe tinha um gato.

— Sua mãe?

— Eu não lembro direito. Era muito pequena quando ela morreu, me lembro de um gato e que eu gostava de brincar com ele.

— Você se lembra dos seus pais? — indaguei num fio de voz.

— Mais ou menos. Às vezes acho que sim. Nunca consigo ver o rosto deles direito.

Eu senti meu coração se apertando por Ava. Ela era tão pequena quando os pais que a criaram morreram. E foi obrigada a morar com aquela tia horrível. E agora, de novo, sua vida mudava bruscamente. Como seria se ela soubesse que Noah e eu éramos seus verdadeiros pais? Eu não conseguia imaginar. Ela bocejou.

— Eu vou dormir. — Ela foi para o quarto segurando o gato e eu fiquei ali, com uma vontade imensa de chorar. Alguns minutos depois, ela voltou. Estava de pijama e trazia numa mão o gato e em outra a minha camisa.

— Obrigada por me emprestar. É muito bonita.

— Você gostou? Pode ficar com ela, se quiser.

— Eu gostei sim.

— Achei que preferisse vestidos rosa.

Ela ficou vermelha.

— Na verdade, não gosto muito de rosa.

— Não?!

— Eu só não queria ir vestida diferente das outras meninas.

— Ah! Você não tem que ser igual a todo mundo, Ava. Deve usar o que gosta. Não importa a opinião dos outros.

— Eu sei. Posso ficar com a sua camisa, então?

— Claro que sim.

— Eu gosto das suas roupas.

— Então, o que acha se sairmos amanhã à tarde para comprar algumas parecidas para você. E nada de vestido rosa.

— Argh! Nada de rosa. — Ela riu. — Eu topo.

O gato pulou do colo dela e foi para a minha cama de novo.

— Olaf! — Ava foi atrás. — Acho que ele quer dormir com você, Olivia!

— Ele pode dormir comigo. E você também, se quiser

— Dormir aqui com você?

— Por que não? Estou sozinha e vocês podem me fazer companhia.

— Tudo bem. — Ela se deitou ao meu lado e eu a cobri.

— Boa noite, Olivia!

— Boa noite, Ava!

 

 

Capítulo 14 - Olivia


Ava entrou no carro na tarde seguinte, quando fui pegá-la na escola, e parecia que algo a incomodava.

— Oi, Ava.

— Oi — murmurou.

Eu olhei para a frente, enquanto dava a partida e havia várias crianças ali na porta da escola, cochichando e olhando para nós.

E pude imaginar qual era o problema.

— Está tudo bem na escola? — indaguei.

Ela sacudiu a cabeça afirmativamente.

— Tudo bem mesmo?

Ela mordeu os lábios.

— É que... Meus colegas estão agindo estranho comigo desde que...

— Foi morar comigo e Noah?

— É. Elas ficam fazendo perguntas sobre você e até mesmo sobre o Noah. Parece que todas querem ser minhas amigas agora.

— Isso acontece porque as pessoas tendem a ter curiosidades sobre gente famosa. Acham que somos diferentes dos outros. Mas somos iguais. Não somos? — Ela sacudiu a cabeça afirmativamente.

— E você não precisa responder nenhuma pergunta que não queira. Aliás, é melhor que nem responda mesmo. Porque nós nunca sabemos em quem podemos confiar.

— Eu não conto nada, juro.

— Eu sei, querida. E quanto a todas querendo ser suas amigas, também é normal. Mas sugiro que continue com quem era sua amiga antes.

— Tudo bem.

— E agora, vamos às compras? — Ela sorriu, animada.

— Sim!

Assim que chegamos em casa no fim de tarde, Ava correu para procurar Olaf.

Algum tempo depois, recebemos a visita da assistente social.

— Olá. Posso entrar?

— Claro — falei um pouco nervosa.

— Como estão as coisas com Ava?

— Está tudo bem. Acho que ela está se adaptando muito bem — respondi.

— Onde está o senhor Belford?

— Em Washington.

— Não está morando com vocês?

— Está sim, é apenas uma viagem a trabalho.

— Entendi. E cadê a Ava?

— No quarto dela. Quer que eu vá chamá-la?

— Não, pode deixar que vou até lá.

— Certo. Fique à vontade.

Assim que a assistente social se afastou, o telefone tocou.

— Olivia? — Era Noah.

— Oi, não sabe quem está aqui. Jillian Garcia.

— A assistente social? E aí?

— E aí que acho que ela ficou decepcionada por não te ver.

— Pare com isso, Olivia. Onde ela está? Comentou alguma coisa sobre Ava?

— Ela foi conversar com ela no quarto.

— Conversar o quê?

— Eu não sei! — Caminhei nas pontas dos pés pelo corredor e a porta estava fechada.

— Ela fechou a porta! — murmurei.

— Tudo bem. Eu ligo depois para falar com a Ava.

— Certo.

— E está tudo bem com você?

— Tudo. E você, já se livrou do James?

— Olivia...

— Já entendi. Tchau, Noah.

E desliguei. Por que eu tinha que tocar no nome do James?

A assistente social voltou.

— Ava parece muito bem aqui.

— Eu falei que estava bem.

— Eu já vou. Voltarei na próxima semana para a inspeção.

— Claro.

— O senhor Belford já estará de volta?

— Provavelmente não. Ele volta em duas semanas.

— Entendi. Até mais.

Depois que a assistente saiu, eu fui até o quarto de Ava.

— E então, o que a assistente social conversou com você?

— Ela perguntou se eu estava gostando de morar aqui. E respondi que sim.

— E você gosta mesmo?

— Gosto.

Meu coração deu um salto, feliz.

— Eu também gosto de ter você aqui — falei.

— O Olaf também gosta — ela disse e eu ri. — E ele gostou de dormir com você.

— Então, posso estender o convite para ele continuar dormindo comigo.

— E eu também?

— E você também, claro — respondi.

— Até o Noah voltar?

— Isso mesmo.

E então, sem aviso, ela me abraçou. Pela primeira vez, desde que estava ali.

Eu passei meus braços em volta dela, aspirando o cheiro bom do seu cabelo, até que ela se afastasse.

— E então, vamos comer e ver um filme?

— Vamos!

E ela dormiu comigo todas as noites. Estabelecemos uma rotina tranquila durante vários dias. Só faltava uma pessoa. Noah. Ele ligava todos os dias e conversava com Ava. E nossas conversas só se limitavam a Ava. E eu fingia que não me importava. Então, no sábado de manhã, acordei com a sua voz me chamando.

— Olivia? — Abri os olhos e Noah estava lá.

— Noah? — murmurei tirando o cabelo do olho e me sentando.

— O que faz aqui?

— Shhh. Não acorde a Ava.

Eu me levantei.

— Vamos sair daqui. — Eu saí do quarto e ele me seguiu até a cozinha. Eu o fitei, agora conseguindo abrir os olhos direito. E sim, não estava sonhando. Era mesmo o Noah ali, diante de mim.

E eu me dei conta naquele momento que senti muita falta dele. E que gostaria de atravessar o espaço que nos separava e abraçá-lo. Mas algo me impedia.

— O que faz aqui? — indaguei, por fim.

— Eu consegui ficar livre no fim de semana. Quer dizer, tenho algumas reuniões com políticos locais hoje e à noite há um jantar com o governador do estado. Uma festa beneficente.

— Noah! — Ava surgiu na cozinha com seu pijama e olhos sonolentos, e correu para abraçá-lo.

— Nossa, como senti a sua falta. — Ele sorriu, beijando seu cabelo.

— Eu também senti a sua falta. A Olivia me disse que ia ficar em Washington por mais uma semana.

— Sim, e é verdade. Mas vou passar o fim de semana aqui.

— Venha conhecer o senhor Olaf.

E ela saiu puxando sua mão.

Eu os segui até a sala, onde Ava pegou Olaf e foi mostrar a Noah contando tudo o que o gato fez desde que chegou.

— E ele dorme com a Olivia!

— Ah é?

— Sim, e aí a Olivia disse que eu podia dormir lá também. Só até você voltar, viu? Nem e eu nem o Olaf roubamos sua cama.

Noah riu e me encarou. Eu dei de ombros, sem conseguir deixar de rir também.

— Ava, vá tirar o pijama e venha tomar café — pedi.

— Então colocou outro cara no meu lugar, Olivia? — Noah disse quando ela se afastou.

Eu rolei os olhos, enquanto voltava para a cozinha para preparar o café de Ava.

— Você merecia mesmo.

— Olivia, eu...

— Eu não quero discutir, Noah — falei rapidamente. — Não com a Ava por perto, pelo menos.

— Nem estou aqui para discutir.

— Ótimo.

— Mas preciso te dizer uma coisa.

— Diga.

— Minha mãe e Barbara vieram para Seattle comigo.

— O quê?

— Elas querem conhecer a Ava.

— Elas não vão ver a Ava de jeito nenhum!

— Minha mãe e Barbara não têm nada a ver com o que meu pai e James fizeram, Olivia.

— Você tem certeza?

— Tanto quanto você tem que seu pai não faz ideia do que sua mãe fez. — Ele se aproximou. — Minha mãe está numa situação delicada, Olivia. Assim como Barbara.

— Bom, elas têm algo em comum, casaram com dois monstros!

— Elas não têm culpa. Nem minha mãe e nem Barbara sabiam de nada, assim como nós. E assim como nós, elas querem conhecer a Ava.

— Não, não acho que Ava deva conhecer a sua família. Eu não quero que ela fique confusa! Ela mal teve tempo de se acostumar comigo e com você.

— Ela não vai saber de nada.

— E se alguém deixar escapar algo? Não, Noah. De jeito nenhum.

— Está sendo exagerada...

— Estou sendo cuidadosa. É por Ava que faço isso! E não tem discussão. Eu sinto muito. Não chegarão perto de Ava, por enquanto.

Noah passou a mão no cabelo, deixado claro a sua frustração. Seu celular tocou e ele se afastou para atender.

Ava voltou para a cozinha e eu tentei fingir que estava tudo bem.

— Sente-se e coma — pedi com um sorriso.

Noah se afastou na direção da sala para continuar falando e eu o segui, quando vi que desligou.

— Eu preciso ir.

— Quanto a sua mãe e irmã...

— Tudo bem. Eu acho você tem um pouco de razão. Eu falarei com elas.

— Vai ficar fora o dia inteiro então?

— Sim.

Ele se despediu de Ava, explicando a ela que tinha compromissos de campanha naquele dia.

— Mas amanhã passarei o dia com você, tudo bem?

— Tudo bem — ela respondeu e Noah se foi.

À noite, eu assistia à TV com Ava em meu quarto, quando ela me questionou.

— Por que não foi ao jantar com o Noah?

— Ah. São problemas de adultos, Ava. — Eu odiei responder desse jeito. Odiava ouvir coisas do tipo dos meus pais quando eu era criança. Mas não me veio outra resposta no momento.

— Quer ver se saíram fotos? — indaguei pegando o notebook. E como previ, havia várias fotos do evento. Não demorou para encontrar fotos de Noah com Barbara e Laura.

Ava apontou, curiosa.

— Quem são elas?

— Esta é a mãe de Noah, Laura Belford, e a moça loira é Barbara, irmã dele.

— São bonitas. Eu poderei conhecê-las?

— Hum. Você gostaria? — indaguei, incerta.

— Sim, eu ia gostar muito — respondeu e eu fiquei pensativa.

Será que deveria deixar Ava se aproximar de Barbara e Laura?

Ela se levantou com o gato no colo depois de começar a bocejar.

— Eu vou dormir.

— Pode ficar aqui

— Mas o Noah voltou.

— É, o Noah voltou — murmurei. Eu queria dizer para ela que nem tinha certeza se o Noah apareceria de novo essa noite. Mas me calei.

Apenas a acompanhei ao seu quarto e a cobri, beijando seu rosto.

— Boa noite, Ava.

— Boa noite, Olivia.

Eu me deitei, mas não consegui dormir até que ouvi a porta se abrindo.

Noah voltou.

Eu o ouvi quando foi ao quarto de Ava e, depois de alguns minutos, entrou em nosso quarto sem acender a luz, tirando a roupa e se deitando ao meu lado.

— Está acordada? — indagou baixinho e eu me virei.

— Eu não tinha certeza se viria para cá, ou ficaria com a sua família — murmurei.

— Aqui é a minha casa, não é?

— Claro que é. Como foi o jantar?

— Correu tudo bem.

— E acho que você tem razão, estou sendo exagerada mantendo a sua família longe.

— Talvez esteja certa e seja cedo demais.

— Não, amanhã elas podem vir conhecê-la. Acho que Ava gostará disso.

— Eu não quero deixá-la confusa...

— Não tem porque se ninguém falar nada sobre a verdade.

— Minha mãe ficará feliz por saber que mudou de ideia. Ela tem sofrido muito desde que tudo veio à tona.

— Ela ficou brava comigo?

— Não. Ela entende que pensa no melhor para a Ava. Só ficou decepcionada.

— Então amanhã você liga para elas virem almoçar conosco?

— Tudo bem.

O assunto morreu. E um silêncio estranho recaiu sobre nós.

Então, ele se inclinou e me beijou. E eu o beijei de volta. Com toda a falta terrível que senti dele em todos aqueles dias. Até que ele parou de me beijar e me encarou, ofegante.

— Tudo bem? — Era quase como se estivesse pedindo permissão, e eu sacudi a cabeça afirmativamente, meus dedos já migrando para a barra do meu próprio pijama. Então não precisávamos mais de palavras.

Ele me ajudou a tirar o resto das minhas roupas, os lábios passeando por cada centímetro de pele que aparecia, derretendo tudo por onde passava. Eu gemia, perdida em seu toque, seus dedos deslizando para dentro de mim, causando um dano delicioso. E então seus lábios substituíram os dedos e eu poderia morrer naquele momento, com todo meu corpo estremecendo com um prazer infinito.

E depois, ele estava deslizando para dentro de mim, me penetrando fundo várias vezes, sufocando meus gemidos com beijos molhados. E era ali que ele devia estar. Onde senti falta dele. Passei meus braços e pernas à sua volta, não querendo que restasse nenhum espaço. E tudo desapareceu e restou só Noah. E o impulso dos seus quadris contra os meus, e sua voz rouca em meu ouvido, dizendo meu nome enquanto explodia comigo num orgasmo perfeito.

 


Quando acordei, estava sozinha. Eu me levantei, encontrando Noah e Ava na cozinha, tomando café.

— Bom dia, Olivia!

— Bom dia. O que está comendo? — indaguei.

— Ovos mexidos com bacon. — Fuzilei Noah com o olhar.

— É só hoje. — Ele piscou.

— É gostoso — Ava falou, rindo.

— Mas muito gorduroso! Podiam ter me acordado.

— Não queríamos te acordar. E estávamos com fome. Não é, Ava?

— Sim. Noah proibiu até o Olaf de entrar no quarto.

Eu o encarei e ele estava sorrindo. Um sorriso que era só para mim, com mensagens só para mim. Que não chegaria até a percepção inocente de uma criança.

Eu respirei fundo, desviando o olhar e mordendo os lábios. Ainda não estava preparada para me lembrar do quanto era bom tê-lo por perto. Porque ele iria embora de novo. E tudo continuava meio bagunçado entre nós.

— Eu liguei para a minha mãe. Elas virão almoçar, tudo bem?

— Sim, tudo bem. Eu vou tomar um banho e depois começar a preparar o almoço.

— Eu posso te ajudar, Olivia? — Ava indagou, animada, e eu sorri.

— Claro que sim — respondi e ela sorriu satisfeita.

Eu fui para o quarto me arrumar para receber Laura e Barbara, me perguntando como seria aquele encontro.

 

 

Capítulo 15 - Olivia


Barbara e Laura chegaram duas horas depois e eu estava nervosa. Tinha medo que a situação fugisse do controle. Eram as primeiras pessoas que teriam contato com Ava. Não que ela visse algum problema. Parecia bem tranquila ao meu lado, quando Noah abriu a porta para as duas visitantes.

Embora Barbara morasse com Noah na época em que saíamos, nunca tive muito contato com ela. Sempre que visitava o apartamento deles, eu estava muito ocupada trancada no quarto de Noah, mais precisamente na cama de Noah, para perder meu tempo confraternizando. E acho que Barbara também não fazia questão.

Já Laura Belford eu vi apenas uma vez. Ela esteve presente em uma das horríveis reuniões em que George Belford e a minha mãe tentavam me convencer a fazer um aborto.

Eu tentava lembrar agora qual era a sua posição naquela época, mas só me recordo de ela ter um sorriso gentil e um olhar de pena, e de ficar tentando acalmar George quando ele perdia a paciência com a minha teimosia em manter a gravidez.

Por outro lado, se Laura Belford não foi uma das que tentou me convencer a me livrar do bebê que eu esperava, também não fez absolutamente nada para me ajudar.

Então, agora, enquanto elas entravam na minha casa para conhecer a minha filha, era difícil não ficar receosa. Tentei esconder meus medos para não assustar Ava.

— Olá — falei tentando soar normal. — Esta é Ava. Ava, estas são Laura e Barbara.

— Oi, Ava. — Barbara sorriu para ela.

Ava se aproximou timidamente e Barbara a abraçou.

Laura parecia emocionada quando Ava a abraçou também.

— Que bom conhecê-la, finalmente, Ava — ela disse.

— Vocês moram em Washington de verdade? — Ava perguntou, curiosa.

— Eu moro sim.

— Eu nunca estive lá.

— Nós a levaremos — Noah falou e ela sorriu, animada.

Olaf apareceu e ela o pegou.

— Este é o Olaf. Noah me deu de presente. E nem era meu aniversário!

Elas riram e assim já estavam em suas mãos.

E como podia ser diferente? Ela era a criança mais perfeita do mundo.

— Eu vou terminar o almoço — falei, relaxando agora que tudo parecia tranquilo. Eu fui para cozinha e Noah me seguiu. — Parece que correu tudo bem.

— Parece que sim. — Ele sorriu. — Queria que ela pudesse saber de toda a verdade. Que somos a sua verdadeira família.

— Eu também.

— Acha que poderemos contar um dia?

— Eu tenho medo de como ela irá reagir. Ela me contou sobre seus pais adotivos esses dias.

— Ela se lembra deles?

— Disse que lembra alguma coisa. — Respirei fundo. — Eu queria que tudo fosse mais fácil.

— Já passamos pelo mais difícil, Olivia. Ela está morando conosco. E se adaptando bem.

— Sim, mas ainda não temos a guarda definitiva.

— Nós vamos conseguir.

Noah voltou para a sala e eu me surpreendi quando Laura entrou na cozinha.

— Oi, Olivia. Muito obrigada por ter permitido que conhecêssemos a Ava.

Eu dei de ombros.

— É difícil para mim ter vocês aqui.

— Por que meu marido foi quem a tirou de vocês, não é?

— Sim. — Não neguei.

Laura tinha um olhar cuidadoso.

— Eu sinto muito. Eu não fazia ideia...

— Por que não nos ajudou? — Eu não consegui me segurar. — Por que não contou a Noah que eu estava grávida? Por que deixou o seu marido me ameaçar daquele jeito? Eu estava grávida de um neto seu!

— Eu sei que não agi como deveria. Mais do que ninguém, eu sei. Eu compartilhava o sonho de ver Noah ter uma carreira política também. E quando soube que uma menina de dezesseis anos estava grávida dele... É claro que achei errado. Noah tinha só vinte e um anos e estava indo para a escola de direito, sua vida estava apenas começando. Tenho certeza que nem ele e nem você tinham condições de ter um bebê naquele momento.

— Éramos nós que deveríamos decidir isso!

— Eram crianças. Meu Deus, você tinha só dezesseis. E como podíamos apoiá-los para terem um bebê? Então, embora houvesse um lado meu que sentisse muito por isso, achei que a sua mãe e George estavam certos em querer que não o tivessem.

— Não acha que Noah deveria ter uma opinião também?

— Claro que sim. E insisti muito para que George contasse a ele.

— Por que você não contou?

— Eu tinha medo de desafiar George — ela respondeu baixinho. — Não espero que entenda, Olivia, mas... George é meu marido. Eu me casei muito jovem e dediquei a minha vida a apoiá-lo e a sua carreira. E a cuidar da minha família.

— Foi o seu marido quem inventou uma mentira horrível para mim e Noah, forjando a morte da nossa filha! Acha que ele fez certo também?

— Claro que não! Eu nunca poderia imaginar que ele chegaria a esse ponto. Fiquei chocada quando descobri. Eu realmente sinto muito, Olivia.

— Eu nunca vou perdoar o seu marido pelo o que fez.

— E a sua mãe? Você já falou com ela? — Laura perguntou com cuidado.

— Não. E não sei se posso perdoá-la também. E você, perdoou o seu marido?

— Olivia, sei como tudo foi difícil. E está sendo ainda. Mas não encha o seu coração de rancor. Não vale a pena. Pense que existe uma criança agora...

— É só nisso que penso. E não quero que pessoas como minha mãe e seu marido fiquem perto dela. E, por favor, não faça com que eu me arrependa de ter deixado você entrar. Porque sou capaz de qualquer coisa para proteger a minha filha.

Laura apenas sacudiu a cabeça

— Sim, você está certa.

— Tudo bem? — Noah apareceu na porta da cozinha olhando de mim para Laura, preocupado.

— Sim. — Laura sorriu. — Eu e Olivia já conversamos.

Ela se afastou e Noah se aproximou.

— Não parece tudo bem.

— Eu tinha que falar, Noah, me desculpe, mas não entendo como a sua mãe pode apoiar as coisas que seu pai faz.

— Eu também não entendo. Eu... Nós tivemos uma briga horrível em casa, Olivia. Você não faz ideia. Ela está aqui contra a vontade do meu pai. Ele pediu que ela não me apoiasse e ela se negou.

— E Barbara?

— Ela não está mais morando com James. Na verdade, ele se mudou para Washington e ela não foi e... — Ele parou quando Ava apareceu na porta.

— Por que estão aqui? — Ava perguntou e Noah foi em sua direção.

— Eu estou ajudando a Olivia a terminar o almoço.

— Sim, nós já terminamos, na verdade. — Eu sorri para tranquilizá-la. — Por que não vai chamar a Laura e a Barbara?

Ela se afastou e Noah tocou meu ombro.

— Quer que eu peça para irem embora? Não quero que fique nervosa.

— Não, tudo bem. Ava gostou delas, não é? Acho que é isso que interessa. — Eu sorri.

— Tem certeza?

— Tenho sim. Eu não quero ficar brigando com a sua mãe e a sua irmã, Noah. Em uma coisa Laura tem razão, ficar agindo com rancor não vai ajudar Ava em nada, e eu só quero protegê-la.

— É só o que quero também.


Noah


— Ela é muito linda, Noah — Barbara disse depois que terminamos a visita a Ava naquela tarde, agora estávamos no jato particular a caminho de Washington. Na verdade, faríamos uma parada em Nova York para deixar Barbara e depois prosseguiríamos viagem para a capital.

— Sim, ela é linda. — Sorri, cheio de orgulho.

Eu tinha ficado feliz por Ava ter gostado da minha família. Ou, pelo menos, a parte que não achava que ela era um erro.

— Olivia foi legal em nos permitir visitá-la.

— Ela estava receosa.

— Claro. Foi o sacana do meu marido que fez isso com ela. Se eu estou com dificuldade de olhar na cara dele, imagina ela!

— Você tem conversado com James?

— Não. Não quero falar com ele. Sabe que papai tem me ligado e feito ameaças, não é?

Eu soltei um palavrão. Era bem típico do meu pai.

— Ele acha que eu posso te prejudicar se me divorciar de James.

— E você vai fazer isso?

— Eu não sei, sinceramente. A verdade é que meu casamento já estava com problemas bem antes disso tudo estourar, Noah. Sabe que me mudar para Washington e deixar meu trabalho estava sendo difícil para mim. E James... James é um pau mandado do papai, essa é a verdade. Às vezes acho que ele só se casou comigo para ser da família — ela disse com amargor.

Eu segurei a mão dela.

— Pode me contar o que quiser.

— Não. Você já tem problemas demais para eu encher sua cabeça com meus problemas conjugais. — Ela sorriu tristemente e apertou a minha mão. — E você e Olivia? Acha que vai dar certo dessa vez?

Eu suspirei.

— Quem pode saber? Nós fomos morar juntos por causa de Ava, estamos comprometidos com isso, mas ainda há muitas coisas entre nós a serem resolvidas.

— Mas vocês estão transando. — Eu a encarei. — Ah não faz essa cara, dá para ver o tesão que sentem um pelo outro a metros de distância! — Ela rolou os olhos e eu tive que rir. — Então, o que significa?

— Somos adultos, Barbara. Podemos lidar com isso — eu disse com cuidado. Por que era o que vinha dizendo a mim mesmo desde que começamos a dormir juntos de novo. — Nossa prioridade é Ava.

— Sei. — Barbara riu e se inclinou, fechando os olhos e dormindo em seguida.

A verdade era que eu tinha tanta coisa na minha cabeça, que não queria parar para pensar no que significava de verdade Olivia e eu juntos.

O que eu sabia era que quando estava com ela, tudo parecia fazer mais sentido. Mas aonde isso iria nos levar?

Depois de toda a confusão de nove anos atrás, demorara muito tempo até que sentisse vontade de me envolver com alguém de novo. Eu fiquei mais cauteloso e cuidadoso para não me envolver demais. Eu precisava sempre manter o controle nas minhas relações.

Sem contar que existia sempre meu pai atrás me aconselhando a não me envolver de novo com a “garota errada”.

Assim, eu tive algumas namoradas. Algumas colegas de Harvard, algumas moças de boa posição apresentadas por meus pais em Washington. Mas nenhuma delas me fez querer algo sério para toda a vida.

Casar e ter filhos era algo que eu sabia que inevitavelmente aconteceria um dia, simplesmente não desejei isso com nenhuma das mulheres com quem me relacionei. E agora eu tinha Ava de volta. Uma filha de nove anos que se tornou a coisa mais importante para mim. E, por ela, eu estava de novo com Olivia e ela não era mais aquela garota linda e desafiante de dez anos atrás que virou o meu mundo de cabeça para baixo.

Ela agora era uma mulher.

Uma mulher linda que fazia meu coração bater mais rápido apenas com um sorriso.

Que me fazia ter vontade de estar dentro dela com apenas um toque.

Que continuava virando meu mundo de ponta cabeça.

E ela era a mãe da minha filha.

E eu começava a achar que finalmente queria algo para a vida inteira. Eu não queria só Ava. Eu queria Olivia também.

A pergunta era: no fim daquilo tudo, ela iria me querer?

Ou, para a Olivia, eu era apenas um meio para ela conseguir Ava?

Depois que Barbara dormiu, eu fui me sentar ao lado da minha mãe, que permanecia pensativa.

— Mãe, tudo bem?

Ela me encarou seriamente.

— Acha que sou uma mãe ruim por não ter te apoiado há dez anos?

— Eu nunca te culpei, mãe. Eu sei que o papai é quem toma as decisões.

— Por isso mesmo. Eu sempre deixei que George decidisse o que julgava ser melhor para mim e para a nossa família. Eu nunca questionei suas decisões. E olha onde chegamos? Olha do que ele foi capaz? De mentir para todos nós por dez anos e ainda mais envolvendo uma criança. Nossa neta!

— Você não tem culpa. — Eu segurei a sua mão.

— Tenho sim. Eu fui permissiva. Eu fui fraca. Olivia tem razão. Eu deveria ter contado a você quando soube da gravidez. Você tinha o direito de decidir se queria ter um filho ou não.

— Duvido que o papai permitisse.

— Tem ideia de em quantos níveis isso está errado? Todos nós nos acostumamos a deixar George decidir nossas vidas, ser o senhor do nosso destino. E para quê? Eu achava que ele estava agindo certo, que sempre saberia o que era o melhor para a nossa família, nosso futuro, no entanto, isso o que ele fez com você e Olivia me faz questionar tudo o que deixei em suas mãos até agora. — Ela me fitou com um olhar grave. — E não sei se quero continuar vivendo assim.

— O que a senhora quer dizer?

Eu sabia que a minha mãe ficou tão chocada com meu pai quanto eu, quando descobriu o que ele tinha feito e que ele exigiu que ela ficasse de fora.

Também tinha ciência que ela o deixou furioso ao querer conhecer Ava.

Porém, eu conhecia a minha mãe, apesar de ela não concordar com as atitudes do meu pai, ela era totalmente leal a ele. Em toda a minha vida, nunca a vi desafiá-lo.

— Que vou deixá-lo.

Eu não sabia o que dizer à minha mãe. Acho que ainda estava meio anestesiado. Como tudo à minha volta poderia ter mudado tanto em tão pouco tempo? Tudo o que eu considerava certo, meus limites e minhas convicções. As pessoas em quem eu confiava e que eram primordiais para mim. Estava tudo fora do eixo.

E justamente quando eu estava envolvido na campanha para o senado dos Estados Unidos.

Nós desembarcamos em Nova York e Barbara convenceu a minha mãe a ficar com ela, então prossegui sozinho para Washington.

E não demorou para que meu pai aparecesse em meu escritório de campanha, furioso.

— Onde está a sua mãe?

— Deve saber que ela ficou em Nova York com a Barbara.

— Ela disse que não vai voltar para casa. O que ela quer dizer? Isso é alguma brincadeira?

— Sabe que não. Ela está cansada de ter a vida regida por você!

— Ela está fora de si se pensa que pode me deixar! Precisa convencê-la a parar com essa loucura e voltar para casa agora!

— Não posso fazer isso.

— Ela não pode me deixar no meio da sua campanha!

— Ela pode fazer o que quiser, o senhor não entende?

— Quem não entende é você! Tudo o que faço é para que consiga um lugar no senado e você fica colocando tudo a perder. E agora a sua mãe também! Se já não bastasse a Barbara não estar nos apoiando...

— Barbara é dona da vida dela, assim como a minha mãe! O senhor é que não quer entender que elas não pretendem mais seguir tudo o que o senhor diz! Assim como eu também não!

Ele respirou fundo.

— Noah, isso já está passando do limite! Eu deixei que ficasse em Seattle, eu permiti que escondesse aquela modelo e a criança lá, colocando em risco tudo...

— Ei, como é? O senhor permitiu?

— Sim, eu permiti! Mesmo sabendo o risco que estamos correndo!

— O senhor não permite nada! É a minha vida! E aquela modelo se chama Olivia Miller e a criança é Ava, minha filha! E nada disso estaria acontecendo se você não tivesse mentido sobre sua morte há nove anos!

— Eu fiz para o seu bem!

— Meu bem ou o seu?

— Noah, eu sou o seu pai! Eu sei o que é melhor para você...

— Não, o senhor não age como um pai. Um pai coloca a felicidade do filho em primeiro lugar e você faz tudo por causa de política!

— Eu fiz tudo para você sim! Olha onde você chegou! Está concorrendo a uma vaga no senado e sou eu que estou fazendo tudo para que as coisas não saiam dos eixos. Para que tudo o que construímos durante todos esses anos, não seja perdido por causa da sua insensatez!

— Não chamo de insensatez o fato de querer estar com a minha filha! Você a roubou de mim!

— Sim, para que você fosse um senador! Ou você vai me dizer agora que não quer mais isso? Vai desistir de um sonho de toda a vida?

— Não, não vou desistir. Não por você e sim por mim. Pelo o que eu acredito. E só por isso ainda estou trabalhando com você e James. Do contrário, eu não teria porque nem olhar para cara de vocês.

— Você é muito ingênuo. Idealismo é muito bonito, só não vence nenhuma campanha. Eu sei o que se faz uma boa carreira política, e digo que você terá muita sorte se conseguir chegar até o fim sem protagonizar um escândalo.

— Não vai me convencer a abrir mão de Ava. Então, nem tente. Já tivemos essa discussão antes e não levou a lugar nenhum.

— E Olivia? Você me disse que estão morando juntos em Seattle para que a assistente social concorde em deixar a menina com vocês. É só isso mesmo? Uma conveniência?

— Não, não é. Nós estamos juntos. E pretendo me casar com ela assim que tudo isso terminar.

Meu pai soltou um riso nervoso.

— Não pode estar falando sério! Uma modelo de calcinha...

Eu não raciocinei quando segurei meu pai pelos colarinhos e o empurrei contra a parede.

— Cala a sua boca! Não fale assim da Olivia, entendeu? Ou juro por Deus que esqueço que é meu pai e quebro a sua cara agora mesmo!

— Você está perdendo a cabeça.

Eu o soltei com empurrão.

— Sim e estou falando muito sério. — Eu abri a porta. — Por favor, vá embora.

— Noah, precisa colocar a cabeça no lugar...

— Eu tenho muito trabalho a fazer para poder voltar a Seattle, por favor, me deixe trabalhar. E quanto à mamãe. O casamento de vocês não é problema meu.

Ele saiu da sala e eu fechei a porta com um estrondo.

 


Minha mãe não voltou para casa, afinal. Eu soube que meu pai foi atrás dela em Nova York, mas ela se manteve irredutível.

Ela apenas me ligou depois, preocupada com a minha campanha.

— Noah, querido, seu pai disse que eu ia prejudicá-lo se...

— Não se preocupe com isso. Faça o que achar certo para a sua vida, mãe.

— Ah, Noah, não sei o que fazer. São trinta e cinco anos de casamento, não sei.

— Então pense no que você realmente quer. Aproveite o tempo com Barbara para isso e, se decidir voltar, faça porque é o que você quer.

— Seu pai está furioso porque disse que você vai casar com a Olivia, é verdade?

— Sim, é, mãe. Mas esse assunto só será tratado depois da campanha. Por enquanto, estamos focados em conseguir a guarda definitiva de Ava.

— Sim, tem razão. Uma coisa de cada vez. Mas saiba que apoio você. Deveria ter apoiado há dez anos quando ela engravidou, pelo menos estou fazendo o certo agora.

Eu sorri agradecido e desliguei.

Eu consegui concluir todos os trabalhos de campanha programados para aquela semana e voltei para Seattle, viajando num voo noturno na sexta-feira, muito ansioso para ver Olivia e Ava.

Eu sentia muita falta delas e me perguntava quando seria possível levá-las comigo para Washington. O que me trazia a questão: Será que Olivia ia querer ficar lá comigo? Se bem que, de que outra maneira poderia ser, se eu fosse eleito? Era lá que eu morava.

E não conseguia mais imaginar minha vida sem ela e Ava.

Eu cheguei a Seattle nas primeiras horas da madrugada e encontrei o apartamento no escuro. Eu já estava indo ao quarto de Ava, quando ouvi um choro vindo do quarto de Olivia.

Preocupado, fui até lá e ao me aproximar da cama, eu a vi toda encolhida, chorando.

— Olivia, o que houve? — perguntei, passando a mão em seu cabelo e ela abriu os olhos vermelhos.

— Noah, é a Ava.

 

 

Capítulo 16 - Olivia


Ver Noah se despedir e ir embora de novo foi mais difícil do imaginei. Fez-me pensar sobre o quão comprometido ele estava com Ava e comigo.

E, enquanto eu não podia duvidar do seu amor por ela, tinha sérias dúvidas se havia algum tipo de comprometimento comigo. Ou se eu era apenas a mãe de sua filha que, por acaso, era bem fácil de se levar para a cama.

Porém, eu não queria ficar pensando em Noah e eu. Não agora. Por ora, eu podia apenas ficar feliz por Ava viver comigo e estava se tornando fácil demais ser a mãe dela, finalmente. Ela estava pouco a pouco se abrindo para a vida que podíamos ter juntas, como devia ser. E com Ava em minha vida, eu deixava minhas dúvidas em relação a Noah bem escondidas, para que fossem resolvidas, ou não, quando chegasse a hora.

Mas a aparente tranquilidade foi quebrada na sexta-feira seguinte, quando o telefone tocou e era da escola de Ava.

— Eu queria falar com o responsável pela aluna Ava Stewart?

— Eu sou a responsável. Aconteceu alguma coisa? — indaguei, começando a entrar em pânico. Mil coisas se passando pela minha cabeça.

— Precisamos que venha à escola imediatamente.

— Ela está bem?

— Está sim.

— O que aconteceu?

— Preferimos que venha até aqui e explicaremos.

Eu desliguei e peguei as chaves do carro, rezando para que o trânsito não estivesse horrível. O que teria acontecido?

Quando cheguei, fui levada para a sala da diretora, uma mulher de meia-idade com cara de nazista.

— É a senhorita Miller?

— Sim, o que aconteceu? Está tudo bem com Ava?

— Não se preocupe, ela está bem. Apenas com algumas escoriações.

— Escoriações?

— Ava se envolveu em uma briga na hora do intervalo.

— O quê?! Briga?

— Sim. Na verdade, ela começou a briga, agredindo uma colega.

— Ava bateu numa colega?

— Sim, quando chegamos a confusão já estava armada. Aparentemente, elas discutiram e depois Ava começou a bater na garota. Outras se intrometeram e aí a confusão se generalizou.

Eu estava chocada. Era difícil de acreditar no que a diretora dizia. Que Ava tinha batido numa colega.

— A senhora tem certeza disso?

— Sim, temos várias testemunhas. Ava começou a briga. E nós não somos coniventes com esse comportamento agressivo. Ela foi trazida imediatamente à diretoria e nós chamamos você.

— Entendi. Eu não sei o que dizer. Não faço ideia do porquê ela faria isso. Ava não é uma menina agressiva.

— Olha, verifiquei o histórico de Ava e ela nunca nos deu nenhum problema desse tipo. Mas aqui diz que ela se mudou há pouco tempo para a sua casa.

— Sim, ela morava com a tia. E agora está sob a nossa responsabilidade.

— Entendi. Algo assim pode afetar o comportamento de algumas crianças, essas mudanças bruscas.

— Não acho que tenha sido esse o problema. Ela está se adaptando bem. Fazemos tudo o que é possível. Somos bons com ela.

— Talvez seja esse o problema. Talvez esteja sendo permissiva demais. Precisa ser firme.

— Eu... Eu... — Deus, o que fazer naquela situação? Eu não fazia ideia.

— Ser responsável por uma criança significa educá-la também e castigá-la quando necessário. Ela precisa entender o que é certo e errado. E cabe a você ensiná-la agora.

— Talvez tenha razão.

— Verá que tenho, senhorita. Ava é uma boa criança, no entanto, pode estar passando por um momento confuso. Mesmo assim ela precisa de limites.

— Limites... Sei...

— Ela será suspensa das atividades escolares por uma semana. A senhorita pode assinar?

— Claro. — Eu assinei o papel e a diretora chamou Ava. Ela entrou na sala e meu coração se apertou ao ver um arranhão no seu rosto vermelho de chorar.

— Você está bem? — indaguei, preocupada.

Ela anuiu, sentando-se ao meu lado.

— A outra menina está bem pior, acredite — a diretora comentou. — Ava, eu expliquei à senhorita Miller o que aconteceu. Que você agrediu a sua colega, causando uma briga.

— Ava, por que fez isso? — questionei.

Ela não respondeu.

— Por favor, precisa me dizer. O que fez não foi certo. Não pode agredir os outros desse jeito. A sua colega está machucada e você também.

— Eu lhe fiz a mesma pergunta e ela se nega a dizer — a diretora disse.

— Ava, precisa me dizer por que bateu na sua amiga. Se existe algum motivo...

Ela não falou nada, se manteve em silêncio. Talvez não existisse nenhum motivo. Talvez fosse algo que ela fez sem pensar mesmo. Algo errado, como a diretora disse. E que precisava ser punido. Eu respirei fundo.

— Vamos embora.

Ela me seguiu até o carro. Eu me perguntava por todo caminho o que ia fazer com ela. Eu sabia que a diretora tinha razão e precisava puni-la. Caramba, ninguém me contou que ser mãe também tinha dessas coisas!

Quando chegamos em casa, eu pedi que ela se sentasse.

— Ava, o que fez foi muito errado. A escola te suspendeu por uma semana. Entende como é grave?

Ela sacudiu a cabeça afirmativamente.

— Eu vou perguntar novamente. Por que bateu na sua amiga?

Ela não respondeu.

— Se você não me falar, vou entender que fez isso sem motivo.

Ela continuou em silêncio, com os olhos baixos. Eu respirei fundo.

— Certo, então sinto muito, mas vai ficar de castigo.

Fui até o seu quarto e comecei a recolher todas as coisas de pintura.

— O que está fazendo? — ela murmurou atrás de mim.

— A partir de hoje está proibida de pintar até acabar o seu castigo. — Imprimi um tom firme na voz.

— Não, Olivia, por favor, não faz isso.

— Você precisa entender que o que fez foi errado. E pensar sobre o assunto. — Ela começou a chorar. E eu tive que me segurar para não voltar atrás.

— Quando acabar o castigo terá as suas coisas de volta.

Eu saí do quarto, coloquei as coisas no chão do meu quarto, tremendo. Peguei o telefone e disquei para Noah. Ele não atendeu. Liguei para Dana e contei a ela o acontecido.

— Você agiu certo.

— Sinto-me horrível. Ela ficou tão triste.

— Isso passa.

— Eu não gostei de brigar com ela.

— Você é a mãe dela, Olivia, e não sua amiga.

— Ela não sabe disso.

— Mas vai saber. E ela te agradecerá um dia pelo que está fazendo.

Desliguei e fui até o quarto chamá-la para almoçar. Ela me seguiu com o rosto inchado de chorar e quase não comeu. Também não falou comigo. Passou a tarde inteira no quarto apenas com o gato. E eu me perguntava como proceder? Agir como se nada tivesse acontecido? Fazer cara feia também? Eu estava mais chateada do que ela nessa história.

No jantar foi a mesma coisa e eu a chamei para assistir a um filme. Ela foi, mas não parecia nem um pouco animada.

— Quer dormir comigo? — perguntei quando o filme terminou. Ela sacudiu a cabeça negativamente e foi para o seu quarto.

Eu me deitei me sentindo péssima e comecei a chorar.

— Olivia? O que aconteceu? — Abri os olhos e vi Noah parado na minha frente. Eu me sentei.

— Ava...

— O que aconteceu? — perguntou, alarmado.

— Eu fui chamada na escola hoje. Ava bateu em uma colega e foi suspensa.

— Ela fez isso? Sem mais nem menos?

— Ela não me conta o motivo. Nem sei se existe um motivo. Eu tinha que puni-la de alguma forma, então tirei as coisas de pintura e disse que só voltaria a tê-las quando o castigo terminasse. E agora ela me odeia. Deve achar que sou uma bruxa. — Eu recomecei a chorar ainda mais. Ele se sentou na minha frente e me abraçou.

— Ela não te odeia, Olivia.

— Odeia sim.

— Você fez o que foi preciso.

— Eu não gostei dessa parte de ser mãe.

Ele riu, limpando meu rosto com os dedos.

— Vai ficar tudo bem. Tudo isso ainda é muito novo para nós. Procure se lembrar de quando era criança, de quando aprontava. O que seus pais faziam?

— Eles me deixavam de castigo também.

— E você odiava?

— Na hora sim, depois passava.

— Acontece a mesma coisa com Ava. Ela está chateada agora, mas vai passar. O que ela fez foi realmente errado.

— Você consegue imaginá-la batendo em alguém?

— Ela deve ter puxado a você, porque eu geralmente era quem apanhava. — Eu ri, fungando. — Eu era o garoto nerd e até Barbara teve que me defender algumas vezes.

— A diretora disse que ela pode estar confusa com essa coisa de mudança.

— Eu duvido. Ela parece superbem aqui.

— Também acho. E agora eu fico preocupada. Se isso vai fazer com que ela regrida...

— Isso não vai acontecer.

— Eu espero que não.

— Então pare de chorar — falou suavemente e eu assenti.

Ele se levantou.

— Vou tomar um banho. A viagem foi longa.

— Tudo bem. — Funguei.

Ele se afastou para o banheiro e eu me levantei. Sentia-me meio ridícula agora por ter ficado tão abalada com o que ocorreu com Ava. Era normal, afinal de contas. Ela era uma criança ótima, porém, não era perfeita. Eu mesma era terrível quando criança. E como Dana disse, eu teria que assumir meu papel de mãe. Em todos os sentidos.

Caminhei até o seu quarto e abri a porta. Ela dormia com o gato do lado. Eu a cobri direito e beijei seu rosto. Esperava mesmo que Noah tivesse razão e ela não estivesse me odiando.

Fechei a porta devagar e voltei para o quarto. Noah ainda estava no chuveiro. Peguei suas roupas largadas pelo chão e sorri. Ele estava ali. Perto. Ao meu alcance. Depois de longos e solitários dias. Sem pensar muito, entrei no banheiro.

Ele tinha acabado de sair do boxe, pingando água quente.

— Olivia?

Eu sorri, mordendo os lábios e sentindo um calor insidioso descer por minha espinha e se instalar no meio das minhas pernas num pulsar saudoso.

Eu me aproximei e passei os braços em volta da sua nuca.

— Eu senti sua falta.

Ele sorriu. Aquele sorriso perfeito. Delicioso. Que mandava várias mensagens de pura obscenidade para o meu cérebro, e meu corpo reagia a tudo isso, esquentando nos lugares certos.

— Sentiu? — sussurrou com sua voz perfeita em meu ouvido, os dentes mordiscando minha orelha. Eu colei meus lábios em seu ombro. Ele estava morno e com cheiro de sabonete.

— Sim, muita — concordei, deslizando minha língua por sua pele, seu pescoço, seu queixo, até alcançar sua boca. Seus dedos se infiltraram em meu cabelo e sua língua em minha boca.

As mãos desceram por minhas costas, até os quadris, e ele me apertou, me levando para mais perto e eu derreti ao sentir sua ereção contra o meu ventre. E então, não havia mais nada em nossas mentes a não ser o desejo que sentíamos um pelo outro. Seus dedos estavam embaixo da minha camiseta de dormir, buscando o caminho até meus seios, apertando os mamilos de um jeito delicioso e eu me contorcia, excitada até o último fio de cabelo.

— Eu quero te ver — murmurou roucamente ao me virar para o grande espelho do banheiro meio esfumaçado do seu banho quente. Ele sorriu, os dedos seguindo outros caminhos mais ao sul, para dentro da minha calcinha e eu já não sabia mais nem qual era meu nome. Quando finalmente parou sua brincadeira de me observar gemer e me contorcer no espelho, ele empurrou as minhas roupas do caminho e se colocou no meio das minhas pernas.

— Agora? — indagou, ofegante, e eu sacudi a cabeça afirmativamente, me apoiando na pia e encontrando seu olhar quente através do espelho.

— Sim, por favor.

Com um gemido, ele estava dentro de mim. As estocadas firmes e rítmicas me levando para além da razão, para um mundo onde existia só ele e o que me fazia sentir. Nossos gemidos se misturando ao vapor, seu nome escapando dos meus lábios vezes sem fim, enquanto desfalecia de prazer, junto com ele, para ele. E só ele.

Depois, ele me levou para a cama, sorrindo para mim.

— Eu também senti a sua falta. Muita.


Noah


Quando acordei, Olivia não estava na cama. Ainda era cedo, constatei ao olhar o relógio. E hoje era sábado, Ava não tinha aula. Levantei-me, colocando uma roupa, e a encontrei na cozinha tomando um comprimido.

— Oi, o que é isso?

Ela deu de ombros, lavando o copo na pia.

— Anticoncepcional.

— Oh... Isso.

Ela me fitou, levantando a sobrancelha.

— Sim, “isso”. Ou achou que transaríamos sem proteção nenhuma se eu não estivesse tomando pílula?

— Não, claro que não. — Eu me senti meio idiota naquele momento. Lógico que ela tomava pílula. Não iríamos correr nenhum risco. Ava estava ali para provar qual era a consequência. Só que agora era diferente, não era? Não éramos mais dois jovens inconsequentes. Éramos adultos. Éramos um casal. Não seria o fim do mundo se acontecesse uma gravidez.

— O que está pensando? — ela indagou, franzindo a testa.

— Nada. — Desconversei. Era melhor que Olivia não soubesse os rumos dos meus pensamentos.

Ava apareceu na porta da cozinha.

— Noah, você voltou! — Esqueci todo o resto ao vê-la e a abracei forte. Era sempre estranho o quanto eu sentia tanta falta dela. Como se estivesse presente desde sempre.

— Sim, voltei.

Ela se afastou e lançou um olhar ressabiado para Olivia, que estava focada em colocar algumas coisas na mesa. Com certeza, fingindo concentração.

— Sente-se para comer, Ava — falei.

Nós tomamos café e eu a fitei.

— Ava, a Olivia me contou o que aconteceu na escola.

Ela se encolheu, seus lábios tremendo. Eu também precisava ser firme.

— Foi muito errado. Sabe disso, não é?

Ela sacudiu a cabeça afirmativamente.

— E você sabe que mereceu o castigo da Olivia, não sabe?

Ela mordeu os lábios, esforçando-se para não chorar. Olivia desviou o olhar, fazendo a mesma coisa. E eu queria colocar as duas no colo e dizer que tudo ia ficar bem.

— Ava, por que bateu na sua colega? Você pode contar.

Ela fungou.

— Ela falou mal da Olivia.

Olivia e eu nos entreolhamos, surpresos.

— Ela chamou a Olivia de nomes feios. Disse essas coisas porque, vocês sabem, a Olivia desfilava e tirava fotos de lingerie. Eu defendi a Olivia, mas ela continuou falando, então bati nela. — Ela levantou o olhar. — Eu sei que não deveria ter feito isso.

— Não, não deveria. Mesmo sendo para defender a Olivia.

— Eu sei, me desculpem.

— Está tudo bem. Devia ter contado a verdade antes.

Ela deu de ombros, enxugando o rosto.

— Vem aqui. — Eu abri os braços e ela se aproximou, sentando-se no meu colo e encostando a cabeça no meu ombro. — Ava, você vai se deparar com muitas pessoas que falarão mal da Olivia, ou de mim. Ou até mesmo de você. As pessoas não fazem por mal. Elas não nos conhecem, só pensam que conhecem, entendeu?

— Entendi.

— Não pode agredi-las por causa disso. E, acredite, eu também já quis bater em muitas delas. Mas seria processado. — Ela riu, fungando. — Então não fique brava com a Olivia, Ok? Ela fez o que precisava ser feito.

Ela olhou para Olivia.

— Me desculpe, Olivia.

— Está tudo bem, Ava — Olivia respondeu, também fungando.

— Então por que está chorando?

— Porque ela é absurda — falei e Olivia riu, enxugando o rosto. Eu sabia que ela chorava porque Ava a tinha defendido.

— Vem aqui, Olivia. — Ela veio e se sentou em minha outra perna. — Terei que fazer vocês duas darem as mãos para ter certeza que está tudo bem? — Elas riram.

— Não — responderam juntas.

E eu achei que o mundo não poderia ser mais perfeito com as duas mulheres da minha vida em meus braços.

 

 

Capítulo 17 - Noah


Ava se afastou e foi para o quarto à procura de Olaf.

— Viu? Ela não te odeia. Muito pelo contrário, ela bateu na menina por sua causa.

— Me sinto mais horrível agora.

Eu ri, começando a ajudá-la a tirar a mesa do café.

— Pare com isso!

— Não queria que ela tivesse que passar por essas coisas. Eu odeio essa exposição toda.

Eu a fitei, intrigado.

— Por que quis ser modelo, então?

Ela deu de ombros, começando a lavar a louça.

— Eu não tive muita escolha. Era o sonho da minha mãe e ela me impulsionou a isso. — Seu semblante caiu ao falar da mãe.

— Você ainda não falou com ela sobre Ava, não é?

— Eu não sei como vou fazer isso. Fico tentando não pensar, sabe? Parece que ainda não caiu a ficha que ela teve participação nessa maldade. Ela é minha mãe! — Seus olhos se encheram de lágrimas e eu toquei seu cabelo.

— Eu sei como se sente.

— Ela sempre foi obcecada pela minha carreira, sempre correu atrás do meu sucesso. Ficou furiosa quando fiquei grávida, mas nunca achei que ela seria capaz de chegar a tanto! E agora não sei como vou encará-la de novo. Como posso ter qualquer relação com ela depois de tudo? — Ela me fitou. — Não sei como você está lidando com tudo isso.

— Quando penso no que meu pai fez, mesmo com todas as explicações dele, sobre carreira e tudo mais, eu o odeio. Por outro lado, é muito difícil odiar seu próprio pai. Às vezes, eu também penso se dentro de sua lógica distorcida, ele achava que estava fazendo o certo.

— Não foi certo. Por causa do que eles fizeram, Ava cresceu longe de nós. Agora nós temos que lutar para conquistar a nossa própria filha!

Eu a trouxe para mim, beijando seu cabelo e acariciando suas costas devagar.

— Nós vamos conseguir, Olivia. Ela é nossa agora.


Olivia


Naquela tarde eu recebi uma ligação de Dana.

— Oi, Dana!

— E então, tudo bem por aí?

— Perfeitamente bem — respondi, observando Ava conversando com Noah sobre Olaf e sorri, voltando a sentir que tudo poderia mesmo dar certo no final.

Ava estava ali. E ela gostava de estar com a gente.

E, embora não soubesse que éramos seus pais, parecia estar aceitando a nova vida que estávamos vivendo juntos.

— Então, já resolveu os probleminhas com a Ava?

— Sim, graças ao Noah. Digamos que ele conseguiu que ela se abrisse sobre os motivos de ter brigado na escola. E agora está tudo bem.

— Hum, e essa voz toda doce para falar do Noah?

— Dana, não começa. — Corei.

— Não vou. Na verdade, eu te liguei para dizer que tentei cancelar um dos seus compromissos e não consegui.

— Como assim?

— Você tem o Met Gala na próxima semana aqui em Nova York.

— Não, nem pensar.

— Olivia, é só um dia! Você pode vir e voltar. Qual o problema?

— Eu não posso, você sabe. Estou com Ava e Noah aqui.

— Sinto muito, não deu para cancelar. É um evento importante. E você já havia confirmado com a Stella.

— Droga, Dana! — Eu bufei, irritada.

— Não fique brava. É apenas um jantar, você pode vir por dois dias e depois estará livre, eu prometo.

— Tudo bem. Eu vou conversar com o Noah.

— Ah, claro. Noah! — Ela riu maliciosamente e eu desliguei.

Ava foi para o quarto pintar e Noah me encarou.

— O que foi? Era Dana ao telefone?

— Sim, tenho um compromisso em Nova York no próximo fim de semana.

— Hum. Então terá que ir para Nova York?

— Sim, eu não queria ir! Não quero deixar a Ava — nem você, acrescentei mentalmente.

— Então nós podemos ir junto.

— Eu não sei se é uma boa ideia.

— Ava vai gostar de viajar, eu acho. Podemos ir amanhã e passar a semana por lá. Ava está suspensa, não é?

— Você não tem medo? — Mordi os lábios, ansiosa. Na realidade, não me importava que descobrissem sobre Ava. Era Noah que tinha toda aquela coisa de campanha política.

— Eu acho que podemos ser discretos em relação à Ava. Quero preservá-la o máximo possível, principalmente porque não temos sua guarda definitiva. Mas acho que está na hora de as pessoas saberem que estamos juntos.

Eu arregalei os olhos.

— Quer que as pessoas saibam sobre nós?

— Acho que vai ser mais fácil quando abrirmos o jogo sobre a adoção da Ava. Vai ser estranho explicar que adotamos uma garota sem estarmos juntos, não é?

Eu mordi os lábios, ponderando.

Meu coração tinha dado um pequeno salto quando ele disse que queria mostrar a todos que estávamos juntos. Agora eu me sentia decepcionada por saber que era para facilitar a aceitação de Ava.

— E acha que estar comigo não vai atrapalhar a sua campanha? — indaguei, insegura. — Não sei, tenho medo de estragar tudo para você.

— Ei. — Ele segurou o meu queixo. — É óbvio que não quero estragar a minha campanha. Você e Ava fazem parte da minha vida agora e em algum momento as pessoas descobrirão. E eu sei que sempre há um risco, mas quero que as pessoas saibam quem sou de verdade. E o que é importante para mim.

Meu coração voltou a bater freneticamente, e um sorriso bobo se distendeu em meus lábios.

— Tem certeza que está a fim de apresentar aos seus eleitores uma modelo da Victoria’s Secret? Você sabe, desfilo de calcinha.

Ele me puxou para o seu colo, sorrindo de lado.

— E acho que eles morrerão de inveja de mim. — Derreti facilmente com seus braços à minha volta.

— Então acho que eu já tenho um acompanhante para o jantar do Met Gala.

— Com certeza. — Ele beijou a ponta do meu nariz.

— Vamos contar a Ava! — falei, animada. — E aposto que também teremos que levar um gato chamado Olaf.

— Ah, o cara que gosta de dormir no meu lugar.

Eu ri e fomos para o quarto de Ava.


Noah


Eu entrei na sala naquela noite e encontrei Olivia desligando o telefone.

— Dana está insuportavelmente radiante porque falei que levarei a Ava — ela falou, revirando os olhos, e eu ri. — A Ava foi dormir?

Enquanto Olivia conversava com Dana, eu estava no quarto de Ava, que estava fazendo as malas.

— Acho que ela está mais insuportavelmente radiante do que Dana.

Olivia sorriu.

— Ainda fazendo as malas?

— Sim, agora está tentando decidir qual pintura levará de presente para Dana.

— Eu vou ajudá-la, senão é capaz de ficar a noite inteira sem dormir nessa arrumação.

Olivia se afastou para o quarto de Ava e o telefone tocou. Imaginei se seria Dana novamente. Não era ela. E sim Sharon, a tia de Ava.

— Olá, senhor Belford, quanto tempo — falou com sua voz irritante.

— O que quer? — indaguei friamente.

— Ora, ora, nem uma pergunta de como estou.

— Imagino que esteja ótima, gastando o “seu” dinheiro no Caribe.

— Claro, estou me divertindo. E era justamente sobre isso que queria falar com você.

Um alarme soou na minha mente.

— Sobre o quê?

— Dinheiro.

— Não verá mais um centavo do meu dinheiro! — respondi rapidamente.

— Ah, se eu fosse você não falaria assim. Ainda não conseguiu a guarda definitiva de Ava.

— Nós fizemos um acordo. E você já recebeu por ele, assim como já abriu mão da guarda dela.

— Mas continuo sendo a tia dela. E ainda posso ir a juízo revogar a minha autorização.

— Não iria conseguir nada.

— Tem certeza? E o escândalo na mídia se descobrissem, já pensou sobre isso?

— Você é nojenta, Sharon!

— Não, sou apenas uma tia preocupada com a sobrinha.

— É uma mercenária que usou uma criança para conseguir dinheiro. Usou quando ela estava com você e está usando agora.

— Sei que me detesta, por isso mesmo deveria me dar logo o que quero para se livrar de mim.

— Não. Já te dei o suficiente. Mais do que merecia.

— Achei que quisesse a Ava.

— E eu a tenho. E você nunca mais vai chegar perto dela. E, por favor, não ligue mais. Se continuar insistindo, vou processá-la, e nem me importo com o barulho que isso vai provocar. Eu acabo com você, entendeu? — E desliguei. Sharon Alexander que fosse para o inferno.

— Quem era? — Olivia perguntou ao voltar para a sala.

— A tia da Ava.

— Nossa, só agora ela se lembrou que tem uma sobrinha? Porque não deu nenhum sinal de vida nessas duas semanas.

— É melhor assim. Quero essa mulher longe de Ava.

— Eu também, não gosto dela e nem do jeito que ela tratava a Ava. Para o nosso azar é a única parente que a Ava conheceu até hoje, não é?

— Duvido que a Ava sinta falta daquela cretina.

— Você tem raiva dela mesmo — Olivia falou, franzindo a testa.

— E queria que eu não tivesse? — Olivia não fazia ideia do quão baixa Sharon poderia ser.

— Acho que não leva a nada ter raiva dela. Aliás, melhor nem ficar falando mal dela na frente de Ava.

— Pode ter razão. Ava acabou de arrumar a mala?

Olivia sorriu.

— Sim. Mas ainda não foi dormir. Acho que está ansiosa demais. Ela nunca viajou antes para tão longe. Mais uma coisa que Sharon nunca se deu ao trabalho, viajar com a sobrinha.

— E ainda acha que não tenho motivo para odiar aquela mulher! Eu vou tentar pôr Ava para dormir. Amanhã nosso voo sai cedo.

— Boa sorte com isso.

Encontrei Ava com o gato, tentando fazê-lo ficar dentro de uma caixa de transporte que havíamos comprado à tarde para transportá-lo no avião.

— Vamos, Olaf, você tem que ficar aí dentro, senão não vai conhecer Nova York.

Eu ri.

— Não precisa forçá-lo agora, Ava.

Ela me encarou com o rosto preocupado.

— Ele precisa se acostumar.

— Amanhã nós o colocamos. Agora você precisa dormir

— Está bem — falou sem ânimo.

Olivia entrou no quarto com o telefone na mão e passou para Ava.

— Telefone para você Ava, é a sua tia Sharon.

Eu tremi involuntariamente ao ver Ava colocando o telefone no ouvido. Minha vontade era agarrar o aparelho das mãos dela e jogar pela janela. Encarei Olivia com olhos assassinos.

Por que ela não deu um passa fora naquela maldita? Olivia deu de ombros como se falasse “o que eu posso fazer?” Voltei minha atenção para Ava.

— Oi, tia. — Sua voz não traía nenhum sentimento. Nem que sentia falta da tia, ou que não estava gostando de falar com ela. — Sim... Estou bem sim... A Olivia e o Noah são legais... — Então ela abaixou o olhar e ficou em silêncio ouvindo. Eu comecei a me preocupar. O que Sharon estava dizendo? Por alguns minutos intermináveis eu esperei. Se Ava desse qualquer indicação de que estava perturbada, eu arrancaria o telefone das mãos dela e diria poucas e boas para Sharon. Mas ela apenas tinha o olhar baixo, escutando e fazendo “hum, hum” de vez em quando. E, por fim, parece que Sharon deu a ligação por encerrada. — Entendi, tia. Tchau.

Ela passou o telefone para Olivia.

— Tudo bem, Ava? — Olivia indagou, curiosa. Ela sacudiu a cabeça afirmativamente.

— Sim.

— O que sua tia disse? — perguntei, ansioso.

Olivia me encarou, eu ignorei seu olhar de advertência. Ava deu de ombros.

— Nada.

— Mas ela ficou longos minutos falando e você somente ouvindo.

— Ela me disse que está feliz que eu esteja bem com vocês e que sente a minha falta e que gostaria de me ver quando voltasse para Seattle.

— Só isso? — insisti. Ela sacudiu a cabeça afirmativamente.

— Então melhor ir para cama, não é? — Olivia interveio, me lançando um olhar irritado. — Temos que acordar cedo amanhã.

Ava se deitou e Olivia a cobriu e depois beijou sua testa.

— Bons sonhos.

Eu me aproximei e a beijei também.

E novamente me perguntei se Sharon havia falado algo. Possivelmente ela sabia que eu ficaria furioso se perturbasse Ava. E, na mente dela, eu era o cara do dinheiro. Provavelmente Ava estava segura. E eu esperava que continuasse assim.

— O que deu em você? — Olivia indagou quando entramos no quarto.

— O que deu em você pergunto eu! Por que deixou a Ava falar com aquela mulher?

— É a tia dela! Por que não deixaria?!

— Porque ela é uma vadia que não está nem aí para Ava?

— Eu também não gostei, se quer saber. Também falei que era um abuso ligar depois de mais de duas semanas sem ver a menina. E ela veio com um papo de que não queria perturbar, que sempre estava pensando em Ava e queria falar com ela e se certificar que estava bem.

— Era só dizer que sim, ao contrário dela, nós a tratamos muito bem.

— Eu disse. Ela insistiu em falar com Ava. E o que eu posso fazer? É a tia dela e a Ava poderia querer falar com ela também.

— Duvido muito.

— Enfim, já foi! E foi ridículo da sua parte ficar falando com a Ava daquele jeito!

— Eu apenas queria me certificar de que aquela maldita não disse nada para perturbá-la.

— Por que diria? Noah, Sharon não pode mais atingir a Ava.

— Nós ainda não conseguimos a guarda definitiva.

— Mas a Sharon já abriu mão. Acha que ela ia querer a Ava de volta? Ela está adorando a liberdade que tem agora, sem ter que se preocupar com nenhuma criança. Tanto que até está no Caribe!

— Eu não confio nela. Só estarei em paz quando finalmente Ava for nossa e ela não puder mais chegar perto.

Olivia se aproximou e segurou meu rosto.

— Ava já é nossa! Esquece a Sharon, ela não é nada.

— Tem razão. Mas, se essa mulher ligar de novo, por favor, melhor não a deixar falar com a Ava. Deixe que eu falo com ela e...

Olivia riu, soltando um grunhido irritado e puxou meu cabelo.

— Ah, chega de Sharon! Está com fixação por essa mulher, credo!

Eu ri, tentando relaxar. Sharon estava longe e não poderia nos atingir. Ava estava em segurança em nossa casa. Onde deveria estar e onde ficaria.

— Venha, vou fazer você esquecer a chata da Sharon bem rápido. — Olivia sorriu, me empurrando na direção da cama e se jogando em cima de mim. Seus lábios em meu pescoço e sua mão, descendo por meu peito, até minha calça. Soltei um gemido involuntário, me excitando imediatamente.

— Achei que precisávamos acordar cedo.

Ela riu, tirando minha blusa e salpicando beijos molhados e quentes por meu peito, traçando um caminho para a minha barriga e mais além. — Eu vou ser rápida — sussurrou.

— Não se apresse — sussurrei, fechando os olhos. E eu já tinha esquecido tudo e me concentrado nela.

 


Eu acordei a contragosto. Olivia ressonava ao meu lado. Olhei o relógio. Ainda era cedo, podia deixá-la dormir mais um pouco. Mas era melhor me levantar, senão poderia dormir de novo e não acordar, e aí perderíamos o voo. E por mais que Olivia dissesse que sempre conseguia acordar cedo quando queria, ontem tínhamos mesmo ido dormir tarde, porque, como bom cavalheiro, eu insistira em retribuir sua “sessão de relaxamento” e acabamos perdendo mais algum tempo num relaxamento mútuo. Eu sorri ao me lembrar. Pena que não poderia acordá-la agora para um “relaxamento rápido” antes de viajarmos. Teríamos tempo em Nova York.

Eu coloquei uma calça e quando saí no corredor, me deparei com Ava saindo do seu quarto.

— Ava, tudo bem?

Ela sacudiu a cabeça negativamente. Parecia mais sonolenta do que alguém que acabou de acordar e estava muito vermelha.

— Acho que não — murmurou e eu fui em sua direção, preocupado. Antes que a alcançasse, ela se inclinou para a frente e vomitou no corredor. Eu a segurei e minha preocupação se transformou em pânico quando a senti queimando de febre.

 

 

Capítulo 18 - Olivia


— Olivia!

Acordei com a voz de Noah gritando meu nome em algum lugar do quarto e me sentei rápido, abrindo os olhos. Algo em sua voz me assustou. Ele não estava no quarto.

— Noah, o que foi?

— Aqui no banheiro.

Levantei-me e coloquei a primeira camiseta jogada por ali e, quando cheguei ao banheiro, me assustei ainda mais ao ver Noah segurando Ava, inclinada sobre o vaso, vomitando.

— O que ela tem? — indaguei ao me aproximar, preocupada.

— Não sei. Eu acordei e ela estava saindo do quarto, então vomitou no corredor. Ela está queimando em febre. — Senti minha mente girando num começo de pânico.

Ava estava doente. E eu não fazia a menor ideia do que fazer! Era horrível vê-la daquele jeito e se sentir impotente.

Noah e eu trocamos um olhar consternado e tentei manter a minha mente firme sem entrar em pânico total até que Ava parasse de vomitar. Toquei sua testa e ela estava mesmo muito quente.

— Está se sentindo melhor, querida? — indaguei, pegando uma toalha molhada e limpando sua boca e rosto.

— Me desculpe, eu sujei o corredor — murmurou.

Nós rimos.

— Isso não tem a menor importância.

Noah a levou para o quarto e a colocou em nossa cama. Nós nos encaramos, aterrorizados.

— O que vamos fazer?

— Não faço a mínima ideia — respondi atemorizada.

— Não podemos viajar se ela não melhorar.

— Será que temos que levá-la ao médico?

— Vou ligar para a minha mãe — Noah disse enquanto pegava o celular e colocava no viva voz quando Laura atendeu.

Ele explicou que Ava estava doente e que nós precisávamos de orientação.

— Ela está vomitando e com febre.

— Quanto de febre?

— Como assim?

— Quantos graus, Noah?

— Não sei, está quente.

— Não tem um termômetro?

— Claro que não!

— Vai ter que passar a ter e remédios para esse tipo de coisa.

— Talvez eu tenha algum remédio ou posso ir buscar, só não faço ideia do quê.

Laura começou a falar o nome de alguns remédios e eu voltei a minha atenção para Ava, me assustando ao vê-la tremendo.

— Noah — eu o chamei com a voz aterrorizada.

— Ela está tremendo — Noah falou para a sua mãe.

— Procure um médico imediatamente então, a febre deve estar aumentando e ela pode convulsionar.

— Ok. Eu te ligo.

Noah desligou e já estava se vestindo, e eu fui fazer a mesma coisa.

— Devemos por uma roupa nela?

— Não temos tempo. — Noah a pegou no colo e nós fomos para o carro.

No hospital, Ava foi atendida prontamente, medicada e colocada no soro.

— Faremos alguns exames e teremos que aguardar os resultados para ver se é algo mais grave ou apenas uma virose — o médico disse.

Foi o dia mais horrível da minha vida, estávamos ali, impotentes, esperando a febre baixar e o resultado dos exames.

— Eu não aguento isso — murmurei e Noah passou os braços à minha volta.

— Ela vai melhorar.

No fim do dia, o médico trouxe os resultados.

— Não há nada preocupante. Possivelmente é só uma virose.

— Tem certeza? — indaguei, temerosa.

— Sim. Ou também pode ser algo de fundo psicológico. Aconteceu algo que pudesse perturbá-la?

— Não — respondi.

Noah parecia pensativo. Ou até um pouco nervoso, passando a mão pelo cabelo.

— Quando ela vai ter alta?

— A febre ainda não baixou. Então ela ficará internada por uns dias, até que esteja tudo sob controle.

Assim que saímos da sala do médico, eu encarei Noah.

— Acha que pode ser alguma coisa emocional?

— Eu não sei.

— Você pareceu estar pensando em algo.

— Não é nada. Pode ser uma virose mesmo.

— Noah, por favor, se você acha que sabe alguma coisa, precisa me dizer.

Ele me encarou, sério.

— A ligação de Sharon.

— Acha que Sharon disse algo que a perturbou?

— Pode ter dito. Foi a única coisa que aconteceu de diferente ontem.

— Será que ela nos contaria se tivesse?

— Dificilmente, se não contou até agora.

 


Ava passou três dias no hospital até ter alta. E não arredei pé de lá. Noah foi em casa e trouxe coisas para mim e Ava.

— Perdemos a nossa viagem a Nova York — ela constatou, triste.

— Não tem problema. Nós iremos quando você melhorar.

— E o Olaf? Ele ficou sozinho?

— Gatos são independentes, Ava, além disso, Noah vai em casa todos os dias.

E ao fim do terceiro dia, finalmente voltamos para casa. E como um problema nunca vinha sozinho, outro apareceu assim que o telefone tocou.

Eu atendi, achando que era a mãe de Noah ou Dana. E estremeci ao reconhecer a voz de James.

— Não acredito que tem coragem de ligar para cá!

— Preciso falar com o Noah.

— Não.

— Olivia, é urgente.

Eu desliguei.

O telefone voltou a tocar. Noah, que tinha ido colocar Ava na cama, apareceu.

— Por que não atende?

— Porque é o idiota do James.

Noah soltou um palavrão e atendeu.

— O que você quer, James? — Ele ficou ouvindo em silêncio e de repente pareceu nervoso. — Tem certeza... Certo, vou verificar... Não, não vou voltar a Washington agora. Nós vamos contornar... Eu não me importo com o que meu pai diz! — Ele desligou e, soltando uma imprecação, ligou o notebook.

— O que aconteceu? — perguntei, preocupada.

— Tem fotos suas com Ava num site.

— O quê?

Nós entramos rapidamente num famoso site de fofoca e lá estava. Uma foto de Ava comigo em frente à sua escola.

— Droga! Isso não era para acontecer, o que diz?

— Não muita coisa. É só uma nota. Saiu hoje. Eles estão especulando quem seria a criança com você.

— Vou ligar para Dana agora!

Dana atendeu depois de algumas chamadas e disse que ainda não tinham entrado em contato com ela.

— Saiu apenas uma foto e uma nota, mas acho que podem começar a especular.

— Com certeza! E o que faço?

Eu olhei para Noah.

— Eu vou conversar com Noah.

Desliguei e o encarei.

— O que vamos fazer? Eu estarei voltando a Nova York e vão fazer perguntas.

— Acho que deve responder a verdade. Ou aquela que combinamos. Que você está adotando a Ava.

— Eu não queria isso agora. Talvez não devêssemos levá-la a Nova York.

— Não, ela está tão feliz, não seria justo. Acho que a gente tem que encarar a situação, Olivia.

— Eu queria tanto mantê-la afastada disso — murmurei.

— Uma hora ia acontecer.

De repente, a campainha tocou.

— Quem será? — indaguei e Noah foi atender. Era a assistente social, que me pareceu bem feliz ao ver Noah, devo dizer.

Eu rolei os olhos.

— Olá, como vai? — Ela entrou.

— Tudo bem — falei.

— E com Ava?

Eu e Noah trocamos um olhar.

— Ela esteve doente — Noah falou.

— Doente? Espero que esteja melhor.

— Sim, era uma virose. Ela foi hospitalizada e já recebeu alta. Está dormindo.

— Certo, então não irei perturbá-la. — Ela sorriu. Para Noah.

Assim que ela saiu, eu bufei.

— Essa mulher está louca por você.

Noah gargalhou.

— É sério, ela se derrete toda quando você fala, é nojento.

Noah se aproximou, me puxando pela blusa e enterrando o rosto no meu pescoço.

— Com ciúmes, Olivia? — indagou contra a minha pele.

— Não! — Estremeci ao sentir seus dentes. — Eu só acho muita falta de profissionalismo e... — Minhas palavras foram engolidas por sua boca na minha. E eu já tinha esquecido a assistente social no minuto seguinte, enquanto ele me levava para cama.

 


Nós viajamos para Nova York dois dias depois. E, embora eu tentasse embarcar no entusiasmo de Ava, me sentia meio apreensiva.

O que eu não esperava ao abrir a porta do meu apartamento com Noah e Ava era deparar com minha mãe me esperando.

 

 

Capítulo 19 - Olivia


— O que faz aqui? — perguntei friamente, enquanto ela olhava de mim para Noah e depois para Ava, tão chocada quanto eu.

— Como assim? Você desapareceu, nem Dana e nem seu pai quiseram me dizer onde estava! Então resolvi vir e esperar por você aqui, porque sabia que não faltaria ao Met Gala. O que você está fazendo com Noah Belford e... Quem é esta menina com vocês?

Eu respirei fundo e encarei Noah em busca de socorro.

— Ava — ele disse. — Vamos dar uma volta e deixar Olivia conversar com a mãe dela.

Ele saiu com ela, fechando a porta atrás de si, então voltei a encarar a minha mãe.

— Ava... — Elisa me encarou, confusa. — Onde já ouvi esse nome... Olivia, quem é essa garota?

— Acho que você sabe muito bem, mãe.

Elisa arregalou os olhos, chocada.

— Não! — gritou levando a mão à boca.

— Sim! — Eu dei vários passos em sua direção, finalmente largando a bolsa e meu casaco no sofá. — Essa menina, mãe, é a minha filha.

— Meu Deus, como... Isso não é possível. — Elisa se deixou cair em uma poltrona, abismada.

— Não é possível por quê? Por que ela deveria estar morta? Não foi o que me disseram? Que me fizeram acreditar?

— Eu... como...

— Como eu descobri que você e George Belford foram capazes de forjar a morte da minha filha?

— Olivia, meu Deus, não era para você descobrir, nunca...

— Ah, mãe, como pôde? Sabe o que senti quando acreditei que ela estava morta? Eu morri por dentro também! E você viu!

— Eu fiz para o seu bem! Eu queria dá-la em adoção, ela teria um futuro melhor assim como você, mas sabia que não ia concordar.

— Então resolveu entrar no jogo sujo do pai de Noah?

— Eu achei um absurdo quando ele me contou o que pretendia. Eu disse que era perigoso, que poderíamos persuadir você e Noah a dar a criança, porém, ele estava convicto de que agir assim seria o melhor.

— Deus, mãe... — Eu me sentei, minhas pernas enfraquecidas, segurando a minha cabeça.

— Vocês eram duas crianças! Só tinha dezesseis anos! Não sabia nem cuidar de você mesma, como iria cuidar de uma criança?

— Noah...

— Noah seria coagido pelo pai a te abandonar, como já tinha feito! Acha que ele iria te apoiar? Ele teria corrido para Harvard e te deixaria sozinha com uma criança para cuidar! E sua vida estaria acabada! Sua carreira estaria acabada!

— Não tinha o direito de fazer essa monstruosidade!

— Eu sei que foi horrível, só queria te proteger! Que futuro teria sendo uma mãe solteira tão jovem? Olha como a sua vida foi maravilhosa depois de tudo. Eu não tinha razão? Você se tornou uma das modelos mais caras do mundo, o rosto na capa das principais revistas, uma milionária com menos de trinta anos. Você conquistou o mundo, Olivia! E o que teria acontecido se tivesse ficado com aquela criança?

— Eu teria sido feliz! — gritei, as lágrimas rompendo dos meus olhos cheios de acusação e dor.

— Você é tão ingênua.

— E você é sem coração!

— Olivia!

— Você tirou a minha filha de mim! Deixou-me acreditar que ela estava morta, enquanto estava viva e sendo criada por uma mulher horrível!

— Ela foi adotada por um casal maravilhoso, Olivia! Eu mesma me certifiquei disso!

— Eles morreram quando ela estava com três anos!

— Eu não sabia.

— Claro que não! Você não se importava! Ela ficou praticamente num colégio interno, criada por uma tia que só a suportava porque estava chantageando o assessor de Noah, o cúmplice de vocês, para lhe dar dinheiro!

— Eu não fazia ideia de nada disso! Eu queria que ela fosse bem criada, foi a única coisa que pedi! Olivia, precisa acreditar em mim! Eu sei que me odeia nesse momento, que tudo isso é chocante demais, mas só queria o seu bem!

— Nunca, nunca, vou conseguir te perdoar. Você tirou a minha filha de mim, mentiu que ela estava morta, me fez sofrer por quase dez anos. Sabe o que senti quando Noah apareceu à minha porta dizendo que ela estava viva?

— Meu Deus...

— Por um acaso do destino, ele descobriu a foto dela na casa do James, e ele teve que confessar toda a sujeira que fizeram. O que nossos próprios pais foram capazes!

— Eu sinto muito, filha. — Elisa estava chorando, mas suas lágrimas não me atingiam.

Nenhuma lágrima teria sido derramada se ela não tivesse feito o que fez.

— Sentir muito não muda nada. Noah e eu perdemos nove anos da vida da nossa filha. E agora nós estamos passando praticamente por uma guerra para tê-la de volta. Nossa própria filha nem sabe que somos seus verdadeiros pais!

— Ela não sabe? Mas... Ela está com vocês.

— Nós vamos adotá-la. Ainda é um segredo que somos os pais biológicos. Por causa do que fizeram, nós temos que mentir agora. Temos que mentir para todos e para a nossa filha.

— Então vão ficar com ela? Depois de todo esse tempo, acha que...

— Não ouse dizer que é errado! Sim, nós vamos ter a nossa filha de volta, custe o que custar. Ela precisa de nós e nós precisamos dela, e é assim que vai ser.

Elisa apenas assentiu.

— Eu ouvi dizer que Noah está em campanha para o senado, como...

— Esse é um problema nosso.

— George Belford nunca vai permitir.

— George Belford pode ir para o inferno! Noah e eu estamos perfeitamente cientes de todos os problemas relacionados à adoção de Ava. Apesar de tudo, estamos dispostos a ir até o fim.

— Mesmo que custe a eleição?

Eu hesitei.

Por que nós estávamos dispostos a qualquer coisa por Ava, só que o Noah queria muito ser eleito também.

Até que ponto ele iria por Ava, se isso se tornasse um obstáculo para os seus sonhos políticos?

Mas Elisa certamente não tinha nada a ver com isso. Então respirei fundo e me levantei.

— Isso não é problema seu. A minha vida não é mais problema seu. E eu gostaria que a senhora fosse embora.

— Olivia, querida, por favor... — Ela recomeçou a chorar, eu caminhei até a porta e a abri com um olhar firme que não demonstrava nada do que estava sentindo por dentro.

Por dentro, eu estava desabando de decepção e dor.

E essa dor foi aumentando à medida que via a minha mãe, a pessoa mais importante para mim durante toda a minha vida, passando por mim e indo embora.

Infelizmente, foi ela que quis assim. Foi ela quem me tirou aquilo que era mais sagrado.

O direito de ser mãe.

Talvez ela não tivesse mais o direito de ser minha mãe também.


Noah


Eu caminhava segurando a mão de Ava pelas calçadas apinhadas da Quinta Avenida, mas minha mente estava longe. Eu estava preocupado com o que estaria acontecendo no apartamento com Olivia e sua mãe.

Eu não deveria tê-la deixado sozinha, mas havia Ava a proteger. E eu sabia que o embate entre Olivia e Elisa faria voar muita sujeira.

— Noah, estou cansada — Ava resmungou e eu fixei meu olhar em seu rostinho abatido. Foram sete horas de voo de Seattle a Nova York e ela ainda estava se restabelecendo. Eu me sentia culpado de repente. Devia ter inventado outra coisa para distraí-la ao invés de caminharmos no frio.

— Claro que sim, me desculpe. — Eu afaguei seu cabelo. — Quer comer alguma coisa?

— Podemos voltar para a casa da Olivia?

Eu pensei em negar, mas não queria forçar Ava a continuar passeando se ela estava mesmo cansada, então cedi.

— Sim, podemos voltar. — Eu só esperava que a discussão entre Olivia e Elisa tivesse terminado.

Mesmo assim, quando cheguei ao prédio, eu deixei Ava sentada em um sofá na recepção e, pegando meu celular, disquei para Olivia.

Ela atendeu depois de algumas chamadas com a voz enfraquecida.

— Oi.

— Tudo bem? Sua mãe...

— Ela já foi.

— Estou subindo com a Ava — falei sem demora e desliguei. Eu queria estar com ela o mais rápido possível.

Quando fui buscar a Ava, parei, atordoado, ao vê-la caminhando em direção à Elisa, que saía do elevador.

— Ei, você é a mãe da Olivia! — Ava a interceptou e Elisa parou, abalada, sem saber o que fazer. Sem ter noção do que estava fazendo, ela continuou. — Eu sou a Ava. Você se parece com a Olivia um pouquinho — acrescentou, sorrindo.

— Ava... Seu nome é Ava — Elisa repetia, transtornada, e branca feito papel.

— Sim!

— Ava. — Eu consegui sair do meu próprio assombro e me aproximar, segurando-a pelos ombros e a puxando para mim.

Elisa ainda parecia feito pedra no lugar, olhando para Ava, abalada.

— Olha, Noah, é a mãe da Olivia!

— Sim, agora nós precisamos subir. — Eu segurei sua mão firmemente e a puxei em direção ao elevador.

— Mas...

— A Olivia está nos esperando. — Eu dei uma última olhada para Elisa. — Adeus, Elisa.

A porta do elevador se fechou.

Ava me encarou, confusa.

— O que foi? Ela parecia triste. Será que ela e a Olivia brigaram ou algo assim?

Eu passei a mão pelo cabelo, sem saber o que dizer.

Por que Ava tinha que ser tão perspicaz?

— Não se preocupe com isso, querida. Os adultos às vezes se desentendem mesmo.

— Eu sei. — Ela me lançou um olhar entendido, que seria engraçado se eu não estivesse tão tenso.

Nós chegamos ao apartamento e a sala estava em silêncio.

— Cadê a Olivia? — Ava indagou, tirando o casaco.

Eu imaginei que Olivia deveria estar abalada e por isso não estava à vista de Ava.

— Por que não vamos levar a mala para o seu quarto? — falei, pegando a mala dela e a levando pelo corredor, onde eu me lembrava de ter visto um quarto de hóspedes que, para o meu espanto, estava todo decorado como um quarto de menina.

— Uau! Este é meu quarto?

Eu sorri.

— Deve ser obra de Dana.

— Eu adorei! Olha isso! — Ela apontou para um cavalete para pintura.

— Você pode pintar aqui também — comentei, distraído com a sua felicidade.

Ela bocejou.

— Acho que deveria colocar o pijama e dormir

— Ainda está de tarde! — reclamou, mas eu já abria sua mala e encontrava um pijama.

— Está cansada. Saímos cedo de Seattle. Precisa descansar.

— Tudo bem. — Ela cedeu e, minutos depois, estava vestida e eu a colocava sob as cobertas. — E Olivia?

— Não se preocupe com ela, apenas durma.

Ela obedeceu, fechando os olhos.

Eu fechei a porta e saí, indo para o quarto de Olivia e, como previsto, a encontrei toda encolhida na cama, chorando.

Meu coração se apertou e eu pensei que, se Elisa fosse um homem, eu certamente voltaria à rua e quebraria sua cara por ter feito isso com Olivia.

— Ei. — Eu me deitei ao seu lado e puxei as suas costas contra o meu peito. — Está tudo bem.

Ela suspirou.

— Não está. Nunca mais vai estar.

— Eu sei que dói agora, mas vai passar.

— Ela é minha mãe.

— Eu sei. Mais do que ninguém, sei a dor que esse tipo de traição provoca. A gente nunca vai esquecer, pense apenas que temos Ava agora. E é o que importa.

— Sim. — Ela fungou.

Acariciei seu cabelo e esfreguei meus lábios contra seu ombro, embalando-a devagar, enquanto ela ia se acalmando e as lágrimas cessando.

— Durma, Olivia. Estou com você agora.

E nós estávamos quase dormindo, quando passos inseguros soaram no quarto. Olivia e eu abrimos os olhos para ver Ava parada à porta.

— Eu não consigo dormir — murmurou e eu sorri.

Olivia estendeu a mão.

— Vem aqui.

Ava sorriu e pulou na cama, deitando ao lado de Olivia, que a abraçou e acariciou o seu cabelo.

— Durma, meu amor. Nós estamos com você — ela repetiu baixinho e Ava suspirou, fechando os olhos e se aconchegando nos braços da mãe mais perfeita que ela poderia ter.

E eu apertei meus próprios braços à sua volta e deslizei para o sono, sabendo que faria qualquer coisa para mantê-las assim, protegidas em meus braços.

 

 

Capítulo 20 - Olivia


Eu experimentei o terceiro vestido naquela tarde e me coloquei em frente à minha plateia crítica formada por Dana e Ava.

— E aí? — perguntei, dando uma volta. O vestido preto e longo farfalhou sobre meus pés descalços.

As duas trocaram olhares e sorriram.

— Este é fabuloso, sem dúvida — Dana comentou. — E a gente pode prender seu cabelo aqui. — Ela segurou meu cabelo acima do rosto e eu encarei Ava pelo espelho. — E, você, gostou?

— É lindo, Olivia!

Dana sorriu, satisfeita.

— Tenho muito bom gosto mesmo! — Ela consultou o celular. — Daqui a uma hora chega a equipe, é melhor escolher os sapatos.

Eu rolei os olhos e me preparei para a batalha dos sapatos, e Noah chamou Ava para comer.

— Mas eu quero ver a Olivia se arrumar! — ela resmungou.

— Você precisa comer, não quero que fique doente de novo — Noah falou de maneira firme e me encarou. — Você está bem?

Eu sacudi a cabeça afirmativamente e consegui sorrir. Ainda sentia calafrios quando me lembrava da conversa difícil com a minha mãe, estava tentando deixar passar. O que não era nada fácil.

— Estou sim.

Assim que ele e Ava saíram do quarto, Dana me lançou um olhar aguçado, enquanto me ajudava a colocar um Louboutin preto.

— O que foi isso? Por que parece muito tristinha e o Noah está todo preocupado com você? O que, devo dizer, é bem fofo. — Ela piscou e eu sorri tristemente.

— Minha mãe esteve aqui.

— Oh. — Ela ficou séria, fixando o olhar preocupado em mim. — Imagino o quanto foi difícil.

Eu contei a ela toda a conversa.

— Eu fiquei arrasada.

— E não é para menos. Mas, e agora?

— Eu não sei se a perdoarei um dia. Foi traição demais.

— Pelo menos você descobriu e está com a sua filha agora. — Ela apertou meu ombro, ao me livrar do vestido.

— Sim. E isso é tudo o que interessa.

— Vão contar a ela a verdade? — indagou com cuidado.

— Ainda não. Queremos contar no momento certo, quando tudo estiver em seu devido lugar.

— Ela é esperta e está se adaptando bem à vida de vocês, como pude reparar.

— Sim, mas ainda não temos a guarda definitiva. Vamos esperar. — Estremeci com um certo medo de como seria quando o dia da verdade chegasse.

— E a tia dela?

— No Caribe. Ela falou com Ava há alguns dias, foi justamente um dia antes de ela adoecer. Noah acha que pode ter alguma coisa a ver, eu não sei o que pensar.

— Perguntaram a ela?

— Não. Achei melhor não a perturbar mais.

— Acha que essa tia causará problemas?

— Não tem motivo para causar. Ela assinou um documento abrindo mão da guarda de Ava.

— E quando o juiz vai dar o parecer definitivo?

— Ainda não sabemos. A assistente social aparece toda semana, futricando.

— Ela não está futricando e sim verificando se Ava está bem.

— Eu acho que ela vai mesmo para ver o Noah. Precisa ver como ela fica!

— Com ciúmes da assistente social, Olivia? — Dana riu com gosto.

— Claro que não!

— E como vocês estão?

— Vocês quem? — Eu fingi não ter entendido a pergunta.

— Você e Noah. Brincando de casinha.

Eu dei de ombros.

— Estamos indo. Nós nos damos bem. Por Ava.

— Sei. E vocês dormem juntos?

— Dana!

— Ok, não é da minha conta.

— Sim, se quer mesmo saber, a gente transa sim. Somos adultos, podemos lidar com esse tipo de coisa numa boa.

— E até quando vão ficar “lidando com este tipo de coisa numa boa”?

— Eu não sei. E nem estou preocupada. — Menti. — O que interessa é Ava.

Dana sorriu e me passou um robe.

— E ela é tão linda e tão doce!

— Ela é mesmo maravilhosa — concordei, toda orgulhosa. — E você tem certeza que está tudo certo sobre hoje à noite?

— Claro. Logan vai adorar ficar com a Ava durante o evento e depois todos nós podemos nos encontrar para jantar. Vai ser ótimo!

 


Eu estava nervosa, quando a limusine parou em frente ao tapete vermelho.

Dali dava para ouvir os flashes, e gritos dos fotógrafos, e o burburinho das pessoas. Eu devia estar acostumada com aquela agitação toda, mas a verdade era que eu estaria bem mais feliz longe dos holofotes. No fundo, nunca desejei aquela vida de glamour e status. Sempre foi mais um sonho de Elisa do que meu. Eu apenas a seguia, fazendo tudo para que ela se orgulhasse de mim e do que ela se esforçou tanto para me transformar.

Só não fazia ideia do quão longe ela foi capaz de ir para me colocar no topo do mundo.

Eu trocaria todos aqueles anos de luxo, fama e fortuna, pela chance de ser apenas a mãe de Ava.

— Tudo bem? — Fixei meus olhos em Noah, que segurava minha mão, e sorri.

Ele estava lindo em seu smoking e eu tinha vontade de devorá-lo inteiro.

— Uma das modelos mais caras do mundo está nervosa? — Ele brincou e eu mordi os lábios.

— Você deveria estar — murmurei.

Eu não deixava de pensar que estar ali comigo podia custar muito caro a ele. Será que isso não o preocupava?

Noah levou minha mão aos seus lábios, depositando um beijo no meu pulso, que se acelerou.

— Estou onde deveria estar. Com quem gostaria de estar. Por que estaria nervoso?

— Porque está no meio de uma campanha ao senado e qualquer passo errado que der pode ter uma enorme repercussão.

— Acho que estou começando a perceber que não vale a pena sacrificar quem sou e o que é importante para mim, por um simples cargo no governo.

— Simples cargo no governo? Achei que era o primeiro passo para a presidência, ou algo assim. — Levantei a sobrancelha ironicamente, tentando conter as batidas desenfreadas do meu coração.

Ele sorriu, enquanto abriam a porta da limusine e a luz dos flashes nos iluminava.

— Hoje sou apenas o acompanhante da modelo mais bonita do mundo. E isso é o suficiente para mim. — Ele me puxou para fora e me enlaçou pela cintura, sussurrando em meu ouvido. — E até o fim da noite, ela estará na minha cama enquanto a presidência é apenas um sonho distante.

Eu estremeci e me perdi em seu olhar, enquanto seguíamos pelo tapete vermelho.


Noah


Eu seguia Olivia pelo tapete vermelho, enquanto Dana orquestrava quem ia tirar foto e qual repórter ia falar com ela primeiro. E eu apenas fiquei nos bastidores, como já previra. Apenas um acompanhante.

Obviamente, algumas pessoas me cumprimentaram e até me reconheceram. Mas eu havia informado a Dana que não iria conversar oficialmente com ninguém. Afinal, não estava ali em campanha.

E eu podia antever que todo o meu comitê estaria em polvorosa amanhã quando minhas fotos com Olivia surgissem na imprensa.

Eu não me importava. Olivia era parte da minha vida agora e eu queria que continuasse assim. Se eu fosse eleito, ela estaria comigo, e as pessoas que votassem em mim precisavam saber disso.

Assim, como elas saberiam que Ava seria a minha filha.

Para o meu desgosto não saberiam a verdade, pensei com um mal-estar. Será que Olivia e eu tínhamos errado em usar de subterfúgios para ter Ava conosco sem escândalos e sem traumas para ela?

Eu necessitava acreditar que sim, porque não podíamos voltar atrás.

Finalmente pude segurar a mão de Olivia novamente e seguimos para dentro do evento. Nós ficamos somente o tempo necessário para não parecermos mal-educados, então saímos e fomos encontrar Ava e Logan num restaurante japonês.

Foi uma noite ótima e Ava e Dana pareciam amigas de longa data, enquanto Olivia e eu a observávamos maravilhados de ver como ela parecia tão mais à vontade e feliz, tão diferente de quando chegou a nós há algumas semanas.

Foi então que percebi um lampejo de cabelo loiro passando diante de mim e levantei o olhar para ver, horrorizado, Sharon Alexander nos observando com um sorriso astuto.

— Olivia, eu já volto — falei ao me levantar.

— O que foi?

— Nada, só preciso fazer uma ligação.

— Tudo bem.

Eu me afastei e saí do restaurante. Obviamente Sharon Alexander me seguiu.— O que está fazendo aqui? — perguntei friamente.

— Oras, queria ver a minha sobrinha...

— Como soube que estávamos em Nova York?

— Eu me informei. — Ela deu de ombros. — Qual o problema?

— Você vai desaparecer daqui agora. E nem tente chegar perto de Ava.

— Eu não vim perturbar Ava. Vim tentar conversar com você cordialmente.

— Não temos nada para falar.

— Achei que tivéssemos assuntos inacabados. Mas vou te dar o benefício da dúvida. — Ela abriu a bolsa e tirou um cartão. — Este é meu telefone. Entre em contato comigo amanhã sem falta. E trataremos de negócios.

Ela se afastou e só então reparei que Logan estava me olhando com curiosidade.

— Quem é essa?

— A tia da Ava.

— Nossa, e o que ela veio fazer aqui? Ver a sobrinha?

Eu passei a mão pelo cabelo, cansado de lidar com aquilo sozinho, então contei a Logan em poucas palavras o que estava acontecendo.

— Ela quer mais dinheiro — completei. — Tenho certeza que atormentou Ava de alguma maneira. Não sei o que fazer. Se der mais dinheiro, isso nunca terá fim.

— Nisso tem razão. Eu sou advogado e posso cuidar desse problema para você. Darei um jeito de essa mulher nunca mais se aproximar de você e Ava novamente.

— Eu não sei se quero envolver mais alguém.

— Eu só quero ajudar. Sharon Alexander é uma chantagista e você precisa pará-la antes que ela cause mais problemas.

— Sim, tem razão.

 


Ava já estava dormindo quando voltamos para casa. Eu a coloquei na cama e tirei seus sapatos, cobrindo-a em seguida.

Pensei em Sharon e suas ameaças. Talvez eu devesse dar a porcaria do dinheiro se era a única maneira de mantê-la longe de Ava. Por outro lado, se desse mais, ela continuaria voltando. E agora eu via que foi um erro pagar a primeira vez. Mas foi a única maneira de convencê-la a assinar o documento e abrir mão de Ava.

Eu estava realmente numa encruzilhada. Poderia aceitar a ajuda de Logan. Poderia confiar nele?

Voltei para o quarto e Olivia estava lutando com o zíper do vestido. Eu me aproximei e o abri, espalmando minhas mãos em suas costas quentes. Ela tremeu.

— Obrigada — murmurou e o vestido foi ao chão. Eu a virei e a beijei.

Ela apenas gemeu, se enroscando em mim como uma gata e eu a levei para a cama. E, enquanto despia minhas roupas e ela me encarava com os olhos verdes semicerrados, mordendo os lábios daquele jeito tão seu, eu percebi que a queria exatamente daquele jeito para sempre.

E me deu vontade de falar isso em seu ouvido, quando a penetrei fundo e intensamente, seu corpo se encaixando no meu com perfeição, no entanto, eu apenas a beijei e mergulhei mais fundo, várias vezes, até ela gritar meu nome. E eu gritar o dela. E, por fim, gememos juntos numa onda pura de prazer.

 

 

Capítulo 21 - Noah


Quando eu acordei de manhã, Olivia não estava na cama.

— Olivia? — eu a chamei, vendo a luz do banheiro acesa. Eu fui até lá e a encontrei vomitando. Ela me encarou, muito pálida

— Acho que peguei aquela virose da Ava.

Eu fui até ela, ajudando-a a se levantar e lavar o rosto.

— Virose? Você não está com febre — constatei, enquanto a levava de volta para a cama.

— Ou foi aquele sushi que comemos ontem — comentou fracamente.

— Pode ser. Está se sentindo mal ainda?

— Não. Apenas me sinto fraca.

— Acha que devemos ir a um médico?

— Não precisa. Deve ser algo que comi mesmo.

Eu a analisei, parecia frágil e pálida contra os lençóis.

— É sério, Noah, estou bem. Acho que estou até com fome.

Eu ri.

— Acabou de vomitar.

— Por isso mesmo.

— Ok, vou fazer alguma coisa para você comer. Fique aí.

Eu estava na cozinha, quando Ava apareceu ainda vestindo seu pijama.

— Bom dia. — Eu sorri. Eu sempre tinha vontade de sorrir quando a via.

— Bom dia — murmurou, sonolenta. — Cadê a Olivia?

— Está doente.

— Doente? Ela vai ter que ir ao médico?

— Não. A não ser que piore.

— O que está fazendo?

— Café da manhã para ela — falei, colocando torradas e chá numa bandeja.

— Posso te ajudar?

— Claro!

Ela ria animadamente quando entrou no quarto segurando a bandeja. Assim como Olivia, quando a viu.

— Bom dia, Olivia!

— Oh, obrigada!

— Noah disse que está doente.

— Sim, acho que peguei a sua virose.

— Espero que não, é horrível ter que ficar no hospital — ela falou, preocupada.

— Não se preocupe, acho que já estou bem melhor — Olivia respondeu, tranquilizando Ava, mas eu ainda tinha dúvida se ela realmente estava bem.

— Ava, vai se trocar. Vamos sair e comprar um remédio para a Olivia.

— Eu não preciso... — Olivia começou a reclamar.

— É isso ou médico.

— Está bem. Se insiste. — Ela rolou os olhos.

— Volte a dormir. Eu vou sair com Ava. Ficará bem sozinha?

— Sem problema.

Eu me vesti e beijei sua testa.

— Não vamos demorar.

Nós passamos numa farmácia e compramos todos os remédios possíveis. E até me lembrei do tal termômetro que a minha mãe disse que precisávamos. Ava parecia animada e demos uma volta pela cidade com o carro alugado. Se Olivia continuasse doente, não poderíamos sair com ela e seria uma pena.

— Eu gosto de Nova York. Mas não entendo.

— O que não entende?

— Como a Olivia mora aqui e você em Washington? Quando ela casar com você, ela vai para Washington também?

Pensei numa resposta para a sua curiosidade. E o que poderia responder? Ela ainda me encarava, esperando. Dei de ombros.

— Possivelmente. — Optei por ser evasivo.

— Por que a Olivia ainda não tem um anel? — Dessa vez eu ri. Hoje ela estava realmente bastante curiosa. Eu a encarei, enquanto o sinal fechava.

— Essa é uma pergunta justa. Gostaria de me ajudar a escolher um anel para a Olivia? — Ela abriu a boca, espantada.

— Sério?

— Muito sério.

Ela sacudiu a cabeça afirmativamente.

— Sim, eu quero!

Eu a levei numa joalheria e ela se divertiu enquanto eu colocava todos os anéis em seu dedo, até que escolheu um.

— Gostou deste?

— Sim, é lindo!

— Ok, então é este.

No carro, quando estávamos voltando, eu pensava sobre o anel.

Sobre compromisso.

Não era apenas uma necessidade de satisfazer a curiosidade infantil de Ava. Eu queria mesmo colocar aquele anel no dedo de Olivia, que ela fosse realmente minha noiva. Queria que Olivia, Ava e eu fôssemos uma família de verdade. Para sempre. E talvez hoje fosse um bom dia para começar o para sempre.

Infelizmente, esqueci que ainda tínhamos muitos problemas para resolver e quando cheguei em casa, Dana estava lá e Olivia tinha o semblante grave.

— Ava, quer passar a tarde com a Dana? — Olivia indagou.

— Claro que sim! — Ava esboçou um sorriso entusiasmado.

— Então ela vai te levar agora, tudo bem? — Eu imaginei que realmente estava em sérios apuros quando Ava segurou a mão de Dana e elas partiram.

Encarei Olivia.

— Você está bem?

— Quando é que iria me contar sobre as ameaças de Sharon?


Olivia


Assim que Noah saiu eu dormi, mas acordei com Dana entrando no quarto.

— Ei, o que faz dormindo até agora?

— Eu me senti mal agora de manhã — respondi, jogando as cobertas para o lado e me levantando.

— Como assim? — Ela me seguiu até a cozinha.

— Alguma coisa me fez acordar vomitando. Eu pensei que podia ser a mesma virose que Ava teve, porém, parece que foi algo que comi que não caiu bem mesmo.

— Está melhor? — ela perguntou, curiosa, enquanto eu pegava alguns ovos na geladeira e ligava o fogo.

— Estou sim. E você, o que faz aqui?

De repente, eu me atentei para uma coisa. Dana estava muito séria.

Dana nunca era séria.

Eu parei e desliguei o fogo, encarando-a.

— O que houve?

Ela respirou fundo.

— Onde estão Noah e Ava?

— Eles saíram. Foram comprar remédios para mim, embora eu ache que realmente não precise.

— Olivia, tenho que te contar uma coisa e acho que não vai gostar nada.

— Me contar o quê?

— Logan comentou comigo, achando que eu sabia e que você também, então fiquei realmente chocada...

— Fala logo, Dana, está me assustando!

— A tia de Ava esteve ontem no restaurante onde jantamos.

— O quê? Como assim?

— Lembra-se da hora que o Noah saiu? Ele estava falando com ela.

— Mas por que ele não me disse nada?

— Porque ela foi pedir mais dinheiro a ele.

— O quê? Que história é essa?

— Como eu pensei, o Noah não te contou nada. Ele deu dinheiro à tia da Ava para ela assinar a autorização de adoção.

Eu me sentei, sentindo minha mente girar. Noah tinha dado dinheiro a Sharon? E tinha escondido isso de mim? Comecei a sentir a raiva se apossando, enquanto Dana continuava.

— O problema é que agora ela quer mais e o está atormentando, porque Noah se negou a dar. E ela apareceu aqui ontem. Logan viu e disse ao Noah que iria ajudá-lo. E quanto a isso, podem mesmo contar com o Logan. Ela ficará bem ciente que não pode continuar ameaçando vocês.

— E ela está ameaçando sobre o quê?

— Ava, obviamente.

Fechei os olhos, o enjoo voltando só de pensar naquela louca ameaçando a minha filha. Eu me lembrei de Ava doente justamente depois de falar com a tia. Sim, provavelmente Sharon havia dito alguma coisa. E Noah não me contou nada. Todo aquele tempo! Respirei fundo.

Noah teria que me explicar direitinho aquela história!


Noah


Eu a encarei por um momento, que pareceu interminável, sem saber o que dizer. Seus olhos continham uma fúria e eu sabia que ia explodir a qualquer momento E talvez ela tivesse razão de estar brava. Eu só não queria que estivesse.

— Como você pôde esconder algo tão grave de mim?

— Eu não queria preocupar você...

— Por que não me disse que deu dinheiro a ela?

— Eu fiz pela Ava. Porque não havia outro jeito de ela concordar.

— E agora ela está em busca de mais! Não sabe como essas coisas funcionam?

— As coisas fugiram do controle.

— Você foi um imbecil! Primeiro, por ter dado dinheiro àquela cretina e, segundo, por ter escondido esse fato de mim!

— Eu sinto muito por não ter te contado. Eu não queria que se preocupasse. Tínhamos Ava e era o que importava.

— E depois? Quando ela ligou pedindo mais? Por que não me disse? Eu deixei aquela louca falar com a Ava e sabe Deus o que ela falou!

— Eu achei que podia resolver.

— Mas não resolveu! — gritou. — E essa maluca teve a coragem de vir até aqui atrás de nós! E se ela chegar perto da Ava?

— Ela não vai chegar perto da Ava. Eu não vou deixar.

Olivia respirou fundo, passando a mão pelo cabelo.

— O que vai acontecer agora? Vai dar mais dinheiro?

— Se eu acreditasse que isso resolveria, que ela nunca mais ameaçaria pegar Ava de volta, ou fazer qualquer mal a ela, eu daria todo o meu dinheiro. Infelizmente, não vai resolver. Ela sempre vai voltar atrás de mais.

— Acha possível que ela faça algum mal a Ava? — Eu podia sentir o medo na sua voz e era o mesmo medo que eu sentia.

— Não sei, sinceramente. Mas ela é a tia, viveu com ela por muitos anos e, tirando o descaso, nunca a maltratou. Ela apenas quer se aproveitar da situação.

— E o que vamos fazer?

— Vou ligar para o Logan. Acho que ele pode nos ajudar.

Eu liguei para Logan, que me pediu o telefone de Sharon. Meia hora depois, ele retornou dizendo que havia marcado uma reunião para o dia seguinte com ela em seu escritório.

— Eu vou com vocês — Olivia disse.

— Não. — Eu sacudi a cabeça negativamente e continuei antes de ela insistir. — Você e Ava voltarão a Seattle. Ava deve voltar para a escola na próxima semana.

— Mas...

— Por favor, Olivia. Eu quero ter certeza que Ava está bem longe daqui.

Ela pareceu querer insistir, depois sacudiu a cabeça seriamente.

— Tudo bem, acho que tem razão. Eu voltarei amanhã cedo com ela para Seattle. E espero que consiga resolver o problema com a Sharon.

— Eu vou resolver.

Ela me deu as costas e eu a segui.

— Olivia, espere.

Ela se voltou muito séria.

— Eu ainda estou brava com você. — Sua voz fria ricocheteou em mim. Eu quis continuar me explicando. Desisti. Debater com Olivia nesse momento seria apenas complicar ainda mais a situação.

— Você está melhor? Passou mal de novo?

Ela sacudiu a cabeça negativamente.

— Estou bem. Vou arrumar as nossas coisas.

Eu a vi se afastar e não a segui. Lembrei-me do anel em meu bolso.

Não, não era o momento de tocar nesse assunto. E eu me perguntei quando voltaria a ser.

E, como um problema nunca vem sozinho, recebi uma ligação irada do meu pai naquela tarde.

— Que diabos estava pensando, Noah?

— Do que está falando? — Eu me fiz de desentendido.

— Da sua aparição pública com Olivia ontem à noite, claro.

— Não foi nada de mais. Em algum momento, as pessoas terão que saber que estamos juntos.

— Isso não deve ser feito levianamente. Você, mais do que ninguém, sabe disso.

— A maneira que eu decido o que tornar público na minha vida não é da sua conta, pai.

— Noah, não me faça perder a paciência! Estou sendo condescendente com você até agora. Permiti que ficasse com Olivia e que adotasse a garota...

— Você não tem que permitir nada! Eu sou um homem adulto e dono da minha vida!

— Você está no meio de uma campanha! Campanha para a qual foi preparado a vida inteira! E agora quer jogar tudo fora!

— Sinceramente, pai, nesse momento tenho problemas mais graves para resolver. Problemas que não existiriam se não fosse a monstruosidade que cometeu há nove anos.

— Do que está falando? Noah, o que está acontecendo?

— Como eu disse, não é da sua conta.

Eu desliguei e respirei fundo.

Estava cansado dos desmandos do meu pai.

Será que ele sempre foi assim e eu nunca havia percebido? Será que estava cego para a maneira que ele regia a minha vida e eu permitia em nome de uma ambição política incutida em mim desde que nasci?

O que eu começava a perceber era que já não queria mais George Belford regendo a minha vida.

Naquela noite, Dana trouxe Ava e nós jantamos como se nada tivesse acontecido. Olivia parecia estar com o humor melhor. E claro que tinha a ver com Ava e não com o fato de ter me perdoado. Disso eu tinha certeza.

Eu coloquei Ava para dormir e contei que ela iria viajar com Olivia.

— Você vai ficar? — indagou, decepcionada.

— Ainda tenho algumas coisas para resolver.

— Você deu o anel para a Olivia?

— Ainda não.

— Posso estar junto quando você for fazer o pedido? — perguntou, ansiosa, e eu sorri.

— É justo, já que foi você quem escolheu.

Ela sorriu de volta. O sorriso mais lindo do universo.

— Ava, no dia que a sua tia Sharon ligou, ela disse alguma coisa para você. Alguma coisa que te deixou chateada ou preocupada.

Ava abaixou o olhar. Era óbvio que Sharon tinha dito alguma coisa.

— Você pode me dizer — insisti.

— Não, não disse nada. — Ela se deitou, fechando os olhos. Eu quis insistir, mas do que iria adiantar? Ava provavelmente puxou a Olivia. Ela não ia dizer se não queria. Eu beijei sua testa.

— Eu amo você, sabe disso, não é? — murmurei.

Ela abriu os olhos verdes e lindos, como os de Olivia.

— Eu também te amo, Noah.

Seus bracinhos envolveram meu pescoço e eu a abracei. Eu faria qualquer coisa no mundo para mantê-la segura.

Quando voltei para o quarto, Olivia já estava deitada. Mas sabia que ela não estava dormindo.

Eu me deitei ao seu lado e apaguei a luz.

— Eu perguntei a Ava o que a Sharon disse no dia que ligou.

Ela abriu os olhos e me fitou.

— Ela respondeu?

— Não. Mas com certeza a Sharon disse algo. Amanhã eu descubro, não se preocupe.

— Ainda acho que eu devia ir falar com essa mulher.

— Só iria piorar mais a situação. Não se preocupe, Olivia. Eu vou resolver isso amanhã de uma vez por todas. Eu nunca, nunca, vou deixá-la tirar a Ava de nós.

— Eu sei — ela afirmou.

Mas eu sabia que ela ainda tinha dúvidas. E medo E eu entendia o que estava sentindo. Não podíamos perder Ava de novo. Eu quis abraçá-la e prometer que tudo ia ficar bem. Porém não me aproximei.

— Sabe o que me deixou puta, Noah? — ela murmurou depois de um tempo. — Você ter feito tudo sem falar comigo. Ter me deixado de fora. Achei que estávamos juntos.

— Nós estamos juntos! — Eu a encarei. Apesar do escuro, eu podia ver que estava mordendo os lábios. E senti, de alguma forma, que estávamos falando de algo mais do que o problema da tia de Ava.

— Ficar brava com você não vai adiantar nada, não é?

— Eu concordo plenamente. — Ela riu e o riso foi se transformando num soluço.

— Apenas prometa que você vai se livrar daquela mulher — ela falou num sussurro trêmulo. — Eu não vou suportar se Ava for tirada de mim de novo. — Eu a puxei para mim, abraçando-a, enquanto chorava. Meus lábios em seu cabelo, seu rosto molhado.

— Eu prometo que ninguém vai tirar Ava de nós. Eu juro, Olivia.

Mesmo depois que ela dormiu, eu ainda me perguntava como é que conseguiríamos.

 


No dia seguinte, ela partiu com Ava para Seattle.

Eu as levei ao aeroporto.

— Quem é este? — Ava indagou segurando o gato e olhando para o homem grande que se aproximou de nós.

— Este é o Cole Morgan, ele é seu segurança agora.

Eu tinha conversado com Olivia nessa manhã e manifestado a ideia de contratar um segurança para ficar de olho em Ava.

— Acha mesmo necessário? — Ela hesitou.

— Eu não confio em Sharon, se quer saber. Tem também o fato de você ser uma pessoa famosa, e eu estarei em campanha em breve, então a mídia pode se tornar agressiva.

— Tem razão — ela concordou e eu liguei para Cole, que já havia feito alguns trabalhos para a minha família e aceitou viajar para Seattle com elas.

— Segurança? — Ava indagou, curiosa.

— Sim. — Eu sorri para ela. — O Cole é legal.

Ava o encarou por um momento.

— Você gosta de gatos? — perguntou seriamente e Cole pareceu confuso, sem saber o que responder.

— Acho que ele gosta sim — Olivia respondeu por ele.

Acredito que se Cole soubesse onde estava se metendo quando aceitou aquele trabalho, teria fugido correndo. Ele sorriu ao segurar Olaf, enquanto Ava falava animada sobre o gato.

O voo foi chamado.

— Me liga assim que acabar a reunião, Ok? — Olivia pediu depois que eu abracei Ava.

— Pode deixar. — Eu beijei sua testa e a deixei ir. — Nos vemos amanhã.

Eu me encontrei com Logan uma hora depois.

— Me desculpe por ter contado a Dana sobre a Sharon. Eu não fazia ideia que a Olivia estava por fora dessa história. É a filha dela, afinal.

— Ela ficou furiosa comigo.

— E com razão, não é? Não se preocupe, vamos acabar com essa mercenária hoje mesmo. Não vai mais arrancar seu dinheiro.

— E o que pretende?

— Estamos indo para meu escritório de advocacia. Somos os melhores. Ela não terá chance alguma.

Nós chegamos ao escritório e Sharon já estava lá, com cara de poucos amigos.

— Posso saber o que significa isso?

— Achei que queria conversar comigo — falei calmamente ao me sentar.

— Nesse circo armado com seus advogados?

— Você está me chantageando, Sharon. O que imaginou?

— Deixe com os advogados agora, Noah — Logan falou e eu me calei. — Senhorita Alexander, a senhorita já assinou a autorização de adoção de Ava e não tem como voltar atrás. Meu cliente não lhe dará nenhum dinheiro. Se insistir, nós a processaremos por extorsão. E será a senhorita que terá que pagar ao meu cliente, entendeu?

— Não podem fazer isso.

— Podemos e faremos — Logan afirmou. — Esta é a melhor firma de Nova York. E nós usaremos o dinheiro que for preciso para processar você. Então, mantenha-se longe do Noah.

— E da Ava também — acrescentei friamente.

— Então é assim que vai ser? Acham que estão lidando com quem? — Sharon sibilou.

— Com uma chantagista.

— Se eu quiser Ava de volta, eu terei. Eu criei aquela menina por anos e...

— Chega! Você se livrou dela na primeira oportunidade. E com certeza nenhum juiz daria a guarda a alguém como você, quando especificarmos o que anda fazendo.

— Vocês não têm como provar nada.

— Sim, nós temos. — Logan sorriu. — E, como eu falei, nós temos os melhores advogados. Você não.

Sharon se levantou, furiosa.

— Isso não vai ficar assim! — E saiu batendo a porta.

Eu respirei aliviado.

— Está vendo? Ela não fará mais nada — Logan garantiu.

— Tem certeza?

— Ela não vai querer ser processada. Sabe que não adianta insistir. Ela é gananciosa, não é burra.

Eu esperava mesmo que Logan tivesse razão.

Eu liguei para Olivia naquela noite.

— E então? — indagou, ansiosa.

Eu contei a ela sobre o encontro com os advogados e ela ficou aliviada.

— Como está Ava? — perguntei.

— Está dormindo. O dia foi cheio para ela e amanhã tem aula cedo.

— Eu chego amanhã de manhã, Ok?

— Ok. Ava vai ficar feliz.

— Só a Ava? — Eu quase podia vê-la rolando os olhos impacientemente.

— Amanhã eu saberei.

Eu ri. Talvez amanhã fosse uma boa hora para dar a ela o anel.

— Até amanhã, então.

 


Eu cheguei a Seattle na manhã seguinte, depois de um voo na madrugada. Podia ter ido mais tarde, mas estava tão ansioso para ver Ava. E Olivia.

Abri a porta e o apartamento estava silencioso. Ava deveria estar na escola àquela hora.

— Olivia? — eu a chamei e não ouvi resposta. Fui até o quarto.

— Olivia? — eu a chamei de novo e entrei no banheiro. E ela estava vomitando outra vez.

— Está se sentindo mal novamente? — eu me aproximei, preocupado.

— Sim — murmurou, pálida.

— Já chega! Vamos a um médico agora!

— Eu acho que não precisa.

— Precisa sim.

Eu estava realmente preocupado com Olivia, enquanto esperávamos os resultados dos exames pedidos pelo médico.

— Acho isso um exagero, não deve ser nada — resmungou, contrariada.

— Se não for nada, o médico vai dizer, não seja teimosa, Olivia.

Ela revirou os olhos.

— E aquela tia da Ava? Tem certeza que nos livramos dela?

— Espero que sim. Ela deve estar com medo de a processarmos. Como o Logan disse, ela é gananciosa, mas não burra.

— Eu espero que ela desapareça de vez. Ava não precisa daquela louca.

O médico chamou e nós entramos no consultório.

— Eu já tenho os resultados — falou olhando os papéis na sua mesa antes de nos encarar.

— Diz para o Noah que não tenho nenhuma doença grave para ele parar de torrar a minha paciência, por favor — ela pediu.

— Sim, você não está doente. Está grávida.

 

 

Capítulo 22 - Olivia


Eu definitivamente não tinha ouvido direito.

— O quê? — balbuciei.

O médico riu.

— Grávida — repetiu.

Não, não ouvi errado. Ele estava mesmo dizendo que eu estava grávida. Ainda continuava me parecendo absurdo.

— Não, não. Tem algum engano aí. Eu não posso estar grávida. Eu tomo anticoncepcional. É o meio contraceptivo mais seguro que existe — insisti.

O médico tirou os óculos e me encarou com o que ele achava ser simpatia clínica.

— Anticoncepcionais são bastante seguros, no entanto, podem falhar quando há alguma mudança no corpo, causada por doença, por exemplo.

— Não estive doente.

— Também quando se esquece de tomar direito.

— Eu não esqueci. Nem um dia sequer — afirmei categoricamente.

— Não há dúvida de que a senhorita esteja mesmo grávida. Alguma falha no método aconteceu.

Eu engoli em seco. Não, não era possível!

— O senhor tem certeza? — Noah indagou. Só então eu me lembrei que não estava sozinha. Eu me virei e o encarei. Ele parecia tão atordoado quanto eu.

O médico respondeu que sim. Os exames estavam 100% corretos e minha mente disparou, tentando encontrar alguma falha. Não poderia existir nenhuma falha...

— Oh. — Eu senti o mundo girar à minha volta ao me lembrar.

Sim. Houve uma falha. Eu fitei Noah, me sentindo totalmente apavorada porque, o médico e seu exame 100% confiável, realmente estavam corretos.

Eu falhei.

— No dia que me contou sobre Ava. Na manhã seguinte... Eu não tomei... Eu... Esqueci... Deus...

Eu estava mesmo grávida.

Respira. Respira. Respira. Eu estava grávida. A realidade bateu em mim como um soco no estômago. Eu não conseguia encarar Noah.

Eu estava em choque.

O médico pigarreou.

— Bom, tirando isso a senhorita parece bem saudável. Parece que a notícia os pegou de surpresa, então os deixarei à vontade. Tenho alguns pacientes ainda, se quiserem marcar um retorno, podem falar com a minha secretária e...

Eu me levantei.

— Sim, nós já vamos embora — falei e Noah se levantou também, me seguindo para fora da sala.

Nós entramos no carro em silêncio. Eu olhei o movimento na rua, enquanto prosseguíamos.

Minha mente começando a clarear e aceitar.

Eu estava grávida de verdade.

De novo.

De repente, a minha mente voltou para dez anos atrás. Alguns sentimentos ainda eram os mesmos. Quando estava grávida de Ava, fiquei apavorada. Tinha apenas dezesseis anos e estava grávida de um cara que me deu o fora quando descobriu esse fato. E não tinha ideia do que o futuro poderia me reservar.

E agora, por incrível que pudesse parecer, eu também não sabia. Eu não era mais uma adolescente.

Mas ainda era Noah o coautor do crime. E eu me lembrava, como se fosse hoje, como me sentia enquanto batia à sua porta para contar que estava grávida. De como não fazia ideia do que ele ia pensar. De como me senti insegura e sozinha quando não o encontrei. Era esquisito lembrar daquilo. Eu havia apagado da minha mente qualquer coisa relacionada ao meu bebê que eu acreditava estar morto.

E agora estava acontecendo de novo. E de novo eu me sentia insegura. E sozinha. Porque não estávamos juntos. Estávamos vivendo uma mentira. Brincando de casinha para conseguir a guarda de Ava.

— Fala alguma coisa, Olivia — ele disse de repente, quando parou o carro. Eu respirei fundo e tentei rir, mais pareceu um engasgo.

— Que inesperado, hein?

Ele passou a mão pelo cabelo. Nervoso ou frustrado? Ou os dois?

— É só o que tem a dizer?

Eu dei de ombros.b

— Foi inesperado!

Ele não pareceu satisfeito com a minha resposta e eu não conseguia me concentrar em outra. Era simplesmente informação demais para assimilar no momento.

Abri a porta do carro e saltei. Noah saltou atrás de mim e subimos em silêncio. Claro que ele ia insistir no assunto quando entramos no apartamento.

— Olivia, eu sei que é... Inesperado. — Ele parecia estar tentando achar as palavras certas. — Mas... Droga, preciso saber o que você está pensando.

Ele parecia frustrado agora. Eu mordi os lábios nervosamente.

— Eu não sei — murmurei. — Eu não esperava por algo assim, estava tomando a porcaria da pílula! Eu não fazia ideia que isso ia acontecer. Não era para acontecer! — desabafei e lhe dei as costas, indo para o banheiro.

Lavei o rosto e olhei a minha imagem no espelho. Continuava meio pálida. Respirei fundo. Estava com vontade de chorar. Era tudo uma droga. Aquela situação. Não estava nada certo. Noah e eu já era complicado.

E agora íamos ter um bebê.

Levei a mão à minha barriga. Eu não havia me permitido sentir nada na minha gravidez anterior. Eu tinha medo, muito medo.

E percebi que agora estava fazendo a mesma coisa. O nó na garganta se intensificou e eu pisquei várias vezes. Qual era a porra do meu problema?! Por que eu sentia aquela dor? Voltei para o quarto e Noah estava lá.

Então eu soube.

— Eu só preciso te dizer uma coisa. — Ele parecia meio... Furioso? — Não vai me manter de fora dessa vez. O que você fez há dez anos... Não vai se repetir. Eu fui um idiota em concordar com todo aquele absurdo. Do meu pai. Da sua mãe. E de você. Principalmente de você. E não vou permitir que faça a mesma coisa de novo!

Eu engoli em seco. O nó dentro de mim se intensificou.

— E o que mudou agora?

— Como assim o que mudou? Nós estamos juntos. Estamos criando Ava. Tudo mudou!

Meus lábios tremeram.

— Eu achei que fosse tudo de mentira.

Ele soltou um palavrão.

— Para mim sempre foi de verdade, Olivia! O que diabos você acha que estamos fazendo? — Agora ele gritava enquanto se aproximava, parecia realmente furioso. Eu comecei a chorar. — Acha que estou aqui representando um papel? Acha que tudo é mentira? — Ele colocou a mão no bolso e tirou uma caixinha preta pequena e um anel surgiu de dentro dela.

Eu acho que parei de respirar por alguns segundos, meu corpo inteiro tremendo, enquanto ele continuava.

— Sabe o que é isto, Olivia? É um anel de noivado. Eu comprei com Ava, no sábado. Ela continuava achando estranho que você não tivesse um. Sabe por que o comprei? Porque eu ia dar a você. Porque você realmente não tem um anel de noivado.

— Nós não estamos noivos — sussurrei.

— Eu pensei que estivéssemos dividindo uma vida. Que era de verdade. O que sinto é de verdade, Olivia. Eu só quero saber se para você também é.

Eu o fitei ao me lembrar o que estava sentindo antes de ele entrar no quarto e explodir. Sobre qual seria o meu problema.

E eu sabia que era ele. Era não saber o que ele sentia. Se o que vivíamos realmente era verdadeiro.

E me lembrei de quase dez anos atrás. Quando me sentia do mesmo jeito, com a mesma incerteza e por isso deixei outras pessoas decidirem por mim.

Se eu não tivesse fugido... Se ele tivesse dito para mim há dez anos...

Tudo poderia ter sido tão diferente...

— Eu te amo. — Foi fácil deixar as palavras saírem. Como se tivessem esperado por dez anos, presas na minha garganta. — É de verdade. Sempre foi. Eu sinto muito... — E não consegui continuar, minhas palavras foram engolidas por sua boca sobre a minha.

Eu o beijei de volta e ele me afastou, os dedos no meu rosto secando minhas lágrimas.

— Não peça desculpas. Nunca. Eu também errei, devia ter lutado por você.

Eu sorri por entre as lágrimas.

— Nós fizemos tudo errado.

Ele riu também. Aquele riso que me matava.

— Não. Não fizemos tudo errado. Fizemos algo muito certo.

— Ava.

— Sim. Ela é a coisa mais certa em nossas vidas. E erramos com ela, mesmo não sendo nossa culpa. Mas não vamos errar com este bebê.

Sua convicção doce e feroz me contagiou. Me fez amá-lo ainda mais.

— Não, ninguém vai mexer com este bebê dessa vez.

Ele me beijou de novo. E de novo. E de novo. Então me levou para a cama e meu mundo naquele momento era apenas Noah.

Sua voz em meu ouvido, suas mãos em todos os lugares do meu corpo me despindo. E eu fiz a mesma coisa com as roupas dele e, finalmente, quando não havia mais nada entre nós, ele entrou em mim. Várias vezes. E eu fui ao seu encontro num movimento perfeito.

E a sensação mais perfeita explodiu em meu ventre.

Nós éramos perfeitos juntos.

— Olivia? — Noah me chamou baixinho, os dedos percorrendo devagar a minha espinha.

— Hum? — Eu não queria me mexer.

— Ava chega daqui a pouco da escola.

— Verdade. — Eu me obriguei a abrir os olhos, mas não me mexi.

Noah riu.

— Então levanta daí.

— Levanta você primeiro.

— Ok. Darei o exemplo. — Ele beijou meu ombro e se levantou, indo na direção do banheiro. — Levanta daí, Olivia.

— Já vou! — resmunguei, rindo e me espreguiçando. Vi o anel caído no chão.

Eu me levantei e o peguei.

Ainda achava incrível que Noah tivesse comprado um anel de noivado. E junto com Ava.

Eu sorri ao imaginar a cena e o coloquei no meu dedo. Servia direitinho.

Fui para o banheiro e entrei sob o jato de água quente com ele, envolvendo meus braços em sua cintura, beijando suas costas.

Noah se voltou e sorriu, eu me afastei.

— Não temos tempo.

— Então não devia ter entrado aqui.

— Eu sei. Gosto de torturar você.

— Lembrarei disso quando tivermos tempo.

— Estou morrendo de medo.

Ele riu e me puxou, me beijando. Realmente não demoramos, pois Ava chegaria a qualquer momento com Cole.

O telefone tocou enquanto eu estava na cozinha preparando alguma coisa para quando Ava chegasse. Eu ouvi Noah atendendo na sala e fui para lá.

— Quem era?

— Do juizado. Marcaram a audiência. Para amanhã.

— A audiência para a guarda definitiva? — indaguei, sentindo um nó na minha garganta de medo e ansiedade.

— Sim.

— Estou com medo.

Ele sentou e me puxou para o seu colo.

— Nós vamos conseguir.

— Quando vamos contar a Ava sobre a gravidez?

— Eu não sei.

— Eu acho que talvez devêssemos esperar um pouco, pelo menos passar a audiência de amanhã. O que acha?

— Acho certo. E depois vamos contar a ela toda a verdade.

Eu mordi os lábios, receosa.

— Tenho medo da reação dela.

— Quanto mais adiarmos, pior é, Olivia.

— Tem razão.

Noah passou a mão na minha barriga.

— Eu estou... — Ele sorria e eu cobri sua mão com a minha, sorrindo de volta.

— Eu também.

— Vamos ter um bebê — ele murmurou, maravilhado.

Era assim que deveria que ter sido da primeira vez. Tínhamos que ter compartilhado aquilo. Nosso bebê.

Eu o beijei.

— Sim, vamos ter um bebê.

— Você vai ter um bebê? — A voz infantil de Ava chegou até mim e eu levantei a cabeça, vendo-a ainda com a sua mochila nas costas e Cole atrás dela.

Ela nos encarava em busca de uma resposta.

 

 

Capítulo 23 - Olivia


E agora? Não era para Ava saber ainda. Não assim, de repente, sem estar preparada por nós. Era tarde demais.

Eu encarei Noah sem saber o que fazer. Ele deu de ombros, me tirando de seu colo.

— Sim, nós vamos — ele disse como se falasse sobre o tempo.

Ava mordia os lábios e eu quis saber o que se passava em sua cabeça.

— Parabéns! — Cole falou atrás dela e eu sorri.

— Obrigada.

— Como foi a escola Ava? — Noah perguntou, possivelmente porque ela continuava calada.

Eu senti uma ponta de preocupação.

— Tudo bem.

— Está com fome? — Eu me aproximei e tirei sua mochila das costas.

— Estou sim.

— Então vamos comer. Cole, come com a gente?

— Não, obrigado.

— Certo, amanhã não precisa levar a Ava para a escola — Noah avisou.

— Por que não vou à escola? — Ava questionou, confusa.

— Temos um compromisso, vem, vamos almoçar e eu te conto. — Ela pegou a minha mão e então parou.

— É seu anel de noivado.

Eu sorri.

— É sim. Noah me disse que você escolheu. É lindo.

Ela apenas sacudiu a cabeça, pensativa, e de novo eu senti uma preocupação.

Eu me sentei à sua frente enquanto comia calada.

— Ava, amanhã é a audiência com o juiz — falei cautelosamente.

— Audiência?

— Sim, nós vamos conversar com o juiz sobre você ficar aqui com a gente.

— Eu também vou falar com ele?

— Sim, ele vai querer falar com você, com certeza. Não precisa se preocupar. Noah e eu estaremos lá. Vai ser tranquilo. Tudo bem?

Ela sacudiu a cabeça afirmativamente.

 


— Estou preocupada com Ava — comentei naquela noite com Noah, depois que ela foi dormir.

— Por causa da audiência amanhã?

— Ela ficou muito esquisita depois que expliquei a ela.

— Eu espero que não tenha sido nada que a Sharon falou naquele dia.

— Nós nem sabemos o que a Sharon falou. Devíamos ter perguntado.

— Ela parece ter esquecido.

— Talvez não. Não há nenhuma chance de essa mulher aparecer lá amanhã, não é?

— Ela não se atreveria. Já assinou a autorização.

— Espero mesmo que ela não apareça. Nem sei do que sou capaz.

Noah me puxou para a cama e apagou a luz.

— Esqueça a Sharon, Olivia.

— Eu não vejo a hora disso tudo passar. De ter a certeza de que a Ava é nossa para sempre.

— Ela já é nossa. — Noah sorriu e me beijou. Passei a mão por seu rosto, seu cabelo. Ele segurou meus dedos. — Está usando o anel.

Eu ri.

— Claro que sim. Achei caído no chão.

Ele ficou pensativo.

— Ava viu?

— Viu. Ela comentou até. Eu disse que era lindo e tinha adorado.

— Droga...

— O que foi?

— Eu prometi a ela que estaria junto quando eu fizesse o pedido.

— Oh... Por que não me disse?

— Eu acho que esqueci no meio daquela briga dessa manhã.

— Acha que ela ficou chateada?

— Talvez.

— Depois nós conversamos com ela. E você vai pedir desculpas — exigi. — Devia ter se lembrado disso!

Noah riu.

— Eu pedirei, não se preocupe.

— Não sei como consegue rir. São tantas coisas ao mesmo tempo, tantos problemas.

— Ei, Olivia, não surta — ele pediu, segurando meu rosto. — Vai dar tudo certo. Nós estamos juntos. E falta muito pouco para a Ava ser oficialmente nossa.

Eu respirei fundo.

— Mais um dia.

— Mais um dia. — Ele sorriu e eu o beijei. Querendo mesmo acreditar que ia dar tudo certo, porque ele estava ali comigo. Algo que antes parecia tão impossível e distante. E agora era real. Nós éramos reais.

 


Eu acordei de um pesadelo. Nem me lembrava qual, mas estava relacionado com Ava e Sharon.

Eu estremeci sem nenhuma vontade de me lembrar. Noah ainda dormia e eu olhei o relógio. Estava na hora de levantar, senão nos atrasaríamos para a audiência. Eu esfreguei meus lábios contra seu ombro.

— Noah, acorda.

— Hum — ele resmungou, sonolento.

— Precisamos levantar.

Ele abriu os olhos, passando a mão pelo cabelo.

— Vou chamar a Ava — falei ao me levantar e indo para o seu quarto. E ao abrir a porta, estaquei ao ver o quarto vazio.

Meu coração parou por alguns instantes.

— Ava? — chamei. Nada.

Fui para a sala. Nada.

E, finalmente, voltei a respirar normalmente quando cheguei à cozinha e a vi sentada à mesa com o gato no seu colo, uma tigela de cereal e Cole.

— Nossa, que susto! — falei com a mão no coração.

— Bom dia! — Cole falou. — Acho que cheguei cedo. Sorte que a Ava estava acordada.

— Oh... — Eu reparei nela. Estava toda vestida. — Nossa, acordou cedo mesmo, estava indo te acordar.

— Olaf me acordou. Posso levá-lo com a gente para a audiência?

— Não, não pode. — Eu me aproximei e beijei o topo da sua cabeça. — Gatos não são aceitos nos tribunais. Acho — respondi, ficando um pouco mais com ela, mais do que o necessário, apenas sentindo o cheiro bom do seu cabelo. Um medo gelado tomando meu corpo.

Só a palavra audiência me dava calafrios. E se algo desse errado? E se... Eu senti minha garganta se fechando.

— Eu vou me arrumar então — falei rapidamente ao me afastar.

Cheguei ao quarto, tremendo. Noah estava no chuveiro. Eu me sentei sobre a cama. Lutando para respirar, num princípio de pânico.

— Ei, o que aconteceu? — Noah me encontrou apavorada assim que saiu do banheiro.

— Estou com medo. Alguma coisa vai dar errado, tenho certeza.

— Chega, Olivia! — ele me repreendeu. — Não vai dar nada errado.

— E se o juiz achar que não somos capazes de cuidar dela?

— Nós somos capazes. Somos os pais dela!

— Mas ninguém sabe. Eu acho que a gente errou — murmurei. — Acho que devíamos ter dito a verdade, acho que... E se... — Ele segurou as minhas mãos frias entre as suas.

— Agora é tarde. Ava já está aqui. E é aqui que vai ficar. Nós somos uma família, Olivia.

Eu sacudi a cabeça afirmativamente, tentando desesperadamente acreditar em suas palavras.

— Agora respira. Vai tomar um banho. Não podemos nos atrasar.

— Tem razão — concordei e fui para o banheiro. Meia hora depois, achei que já estava mais controlada. Ou pelo menos estava tentando. E nós saímos para a tão aguardada audiência.

E claro que eu não esperava que fosse fácil. Mas chegar lá e dar de cara com Sharon Alexander foi um péssimo começo.

— Olá! — ela disse sorrindo, como se tivesse acabado de encontrar seus melhores amigos. Meus dedos apertaram mais fortemente a mão de Ava. E Cole se colocou na nossa frente. Provavelmente Noah o tinha instruído sobre Sharon ser uma bruxa.

— O que está fazendo aqui? — Noah perguntou friamente.

— Ora, Ava é minha sobrinha, acho que o futuro dela me diz respeito.

— Escuta aqui, sua... — eu sibilei e imediatamente Noah me lançou um olhar de advertência.

— Olivia, não!

Eu me calei, respirando fundo, afinal, Ava estava presente.

Sharon sorriu e encarou Ava.

— Oi, querida!

— Oi, tia Sharon — ela respondeu sem fazer nenhuma menção de se aproximar da tia.

A assistente social apareceu. Claro que muito sorridente, quando viu Noah.

— Vamos entrar? Já vai começar. A Ava ficará comigo aqui fora. Depois o juiz a chamará.

Sharon se levantou.

— Bom, eu queria apenas passar aqui e ver Ava. Preciso ir. Tenho muitos compromissos hoje. É um dia especial, sabe? — Ela sorriu com afetação. — Acho que será especial para vocês também. E Ava, claro.

Eu e Noah trocamos um olhar apreensivo. Do que aquela louca estava falando?

— Tchau, Ava querida! — Ela se foi, com seus saltos batendo no assoalho como um mau agouro.

— O que ela quis dizer com isso? — perguntei para Noah enquanto entrávamos na sala do juiz.

— Eu não faço ideia.

Nós sentamos e o juiz começou a audiência fazendo-nos várias perguntas sobre o porquê de querermos Ava. Não foi difícil.

Até que ele chamou Ava à sala. Ela entrou e eu sorri, tentando acalmá-la.

— Olá, Ava — o juiz falou. — E então, você sabe o motivo de estar aqui?

Ela sacudiu a cabeça afirmativamente.

— Sim, eu sei.

— Você gosta de morar com a senhorita Miller e o senhor Belford?

— Sim, gosto.

— E você quer continuar morando com eles?

Ela mordeu os lábios e então encarou o juiz.

— Não.

Eu achei que não tivesse ouvido direito.

Encarei Noah, ele estava tão surpreso e aturdido quanto eu.

— Ava, você não quer continuar morando com a senhorita Miller e o senhor Belford?

— Não, senhor.

— Ava! — falei, assustada.

O juiz me lançou um olhar de advertência.

— Você tem certeza disso, Ava?

— Tenho.

— E existe algum motivo para não querer mais?

Ela deu de ombros, com os olhos baixos.

Não era possível. Aquilo não estava acontecendo. Como assim ela não queria morar com a gente? Alguma coisa estava errada! Muito errada. E eu até sabia de onde tinha vindo.

— Tudo bem, Ava, pode sair.

A assistente social a levou. Em nenhum momento ela nos encarou. Eu sentia o mundo ruindo embaixo dos meus pés.

Noah cochichou algo com o advogado, que falou para o juiz.

— Excelência, peço um adiamento da audiência. A criança está nitidamente confusa.

— Sim, percebi. Não condiz com os relatórios que tenho da assistente. Terão um adiamento, remarcaremos a sessão em breve.

O juiz se retirou e eu encarei Noah.

— Foi a Sharon — ele afirmou friamente.

— Que bom que acha a mesma coisa. Eu vou matar aquela mulher. Com as minhas próprias mãos!

— Eu quero ir atrás dela agora e saber o que foi que ela fez com Ava!

— Não — falei, respirando fundo. — Precisamos conversar com a Ava primeiro. Já devíamos ter feito isso antes. Talvez não tivesse chegado ao ponto que chegou.

— Tem razão. Vamos embora. — Ao sairmos da sala, Ava estava lá, sentada ao lado de Cole.

Seus olhos estavam baixos.

— Ava, vamos embora — eu a chamei.

Ela me encarou com os olhos entre curiosos e assustados.

— Eu vou embora com vocês?

— Claro que sim — Noah falou. — Você mora conosco.

— Mas eu pensei...

Ele soltou um palavrão baixo e segurou a mão dela.

— Em casa nós conversamos.

— Noah, por favor — eu pedi ao ver o rosto assustado de Ava, ele apenas a levou para o carro em silêncio.

A tensão era quase palpável quando chegamos em casa. Ava parecia assustada, Noah estava irritado e eu nem sabia mais o que pensar. Eu só queria saber por que ela havia dito aquilo ao juiz. Eu tinha que acreditar que era obra de Sharon. Porque não podia nem cogitar a hipótese de que Ava realmente quisesse ir embora. Que não nos quisesse. Seria partir meu coração em dois. E se eu a perdesse de novo, com certeza não iria suportar.

— Ava, sente-se aí — Noah pediu e ela sentou no sofá. — Eu quero saber e quero a verdade. O que foi que a sua tia Sharon disse no dia em que falou com você ao telefone.

— Nada.

— Você está mentindo. Ela disse algo que te deixou mal. Você pode nos dizer.

— Ela disse que eu iria morar com vocês e não seria só por um tempo.

— E?

— E que era para eu ser boazinha, porque se vocês se cansassem de mim, eu iria para um orfanato, porque ela não cuidaria mais de mim.

Eu tive vontade de matar a Sharon ao ouvir a voz trêmula de Ava.

— E o que mais ela disse? — indaguei.

— Só isso.

— Por que você disse ao juiz que não queria mais morar com a gente? — Fiz a pergunta que tanto me incomodava.

Ela abaixou o olhar.

— Ava, seja lá o que a sua tia Sharon disse, não é verdade, você está conosco porque nós a queremos. E nunca vamos nos cansar de você — Noah falou com cuidado. — Nós queremos que more com a gente para sempre.

Ela levantou a cabeça e seus olhos estavam cheios de lágrimas.

— Mas vocês vão ter um bebê — ela falou com os lábios trêmulos.

Oh Deus, era isso. A verdade passou por mim como um raio.

— Sim, nós vamos — Noah concordou. — Mas não significa que gostaremos menos de você.

— Mas agora vocês não precisam mais de mim. Vocês terão um filho de verdade. Quando ele nascer, vocês vão me colocar num orfanato?

— Não! — Noah e eu dissemos ao mesmo tempo.

— Ava, isso nunca vai acontecer. Nunca! Nós somos uma família — falei encarando Noah, que estava tão angustiado com as dúvidas de Ava quanto eu. E nós sabíamos que não podíamos mais esconder a verdade.

Como é que podíamos dizer isso a ela agora, sem nenhum preparo?

— Ava, você quer morar com a gente? — Noah indagou.

Ela sacudiu a cabeça afirmativamente.

— Sim, quero.

— Então você não vai sair daqui.

— Mas eu disse para o juiz...

— Nós daremos um jeito nisso. Você não vai a lugar algum.

Ela ainda chorava. Eu me sentei ao seu lado e a abracei.

— Tudo bem, vai ficar tudo bem.

— Me desculpe, Olivia.

Eu segurei seu rosto entre as mãos, secando suas lágrimas.

— Ava, nunca duvide do meu amor por você, e nada nesse mundo vai mudar esse sentimento.

— Eu te amo, Olivia.

Eu senti meu coração se expandindo de um amor que era maior que tudo.

De repente, bateram à porta.

— Quem será?

— Noah, abre a porta, é urgente! — A voz de James se fez ouvir do outro lado.

Que diabo James estava fazendo ali?

— Nossa, ele vai pôr a porta abaixo! — falei ao me levantar, enquanto Noah abria a porta e James entrava como um furacão.

— Aquela tia maldita disse tudo a uma revista.

— O quê? Disse o quê? — Noah perguntou. E eu senti um horrível pressentimento.

— Tudo! Toda a verdade. A mentira sobre a morte do bebê! Que Ava é filha de vocês de verdade!

Eu empalideci, sentindo o chão ser tirado dos meus pés.

E então olhei para o sofá. Ava continuava lá. Os olhos arregalados em confusão.

 

 

Capítulo 24 - Olivia


Foi como se o tempo parasse por um instante.

Ava apenas nos encarava, os lábios entreabertos, os olhos ainda molhados do choro.

— Oh meu Deus! — exclamei, horrorizada.

— James, cala a boca — Noah interveio, tarde demais.

Só então James viu Ava.

— Oh... Desculpem-me, eu...

— Cala a boca, James! — Dessa vez fui eu que ordenei, encarando Ava com preocupação.

— Não estou entendendo. O que foi que ele disse? — ela perguntou, confusa. — Por que a minha tia diria que sou filha de vocês?

Encarei Noah e ele parecia tão assustado quanto eu.

— Eu realmente não queria, não sabia que ela... — James balbuciou. — Se bem que daqui a pouco todo mundo estará sabendo, essa porcaria vai começar a circular hoje e... O Partido está em polvorosa. Seu pai pediu para você voltar imediatamente a Washington para tentar consertar essa lambança. Ele mesmo queria vir atrás de você, mas está tentando acalmar as coisas com o partido. Eu ia apenas te ligar, quando soubemos pela manhã, mas achei melhor vir pessoalmente, por...

— Chega, James! — Noah o interrompeu, passando a mão pelo cabelo, então me fitou. E eu soube que não poderíamos mais fugir.

Eu me aproximei de Ava, que ainda nos encarava assustada e confusa.

— Ava, Sharon disse a verdade.

Ela continuou me olhando aturdida.

— Como assim? Meus pais morreram...

— Seus pais adotivos morreram — continuei com cuidado.

— Adotivos?

Deus, como é que eu ia explicar toda aquela história sórdida a uma criança?

— Eles adotaram você quando era um bebê. Tinha acabado de nascer — Noah explicou.

— Então eles não eram meus pais de verdade?

— Não, nós somos. Olivia e eu.

— Por isso nós a procuramos — prossegui. — Por isso você veio morar com a gente.

— Mas... Por que fui adotada pelos meus pais?

— É muito complicado, Ava, talvez você nem entenda agora. Nós éramos muito jovens e...

— Nós achamos que você tivesse morrido — Noah completou.

— Noah, não! — eu tentei cortá-lo, mas Noah continuou.

— Chega de mentira, Olivia! É melhor que ela saiba de tudo.

— Ela é só uma criança!

Noah ignorou meus medos e sentou-se ao lado dela.

— Ava, quando você nasceu, meu pai e a mãe da Olivia acharam que Olivia e eu não devíamos ficar com você. E que seria melhor que tivesse outros pais. Por isso você veio morar em Seattle.

— Por que disseram a vocês que eu tinha morrido?

— Porque sabiam que Olivia e eu não deixaríamos você ir embora.

— E só agora que a gente ficou sabendo que você estava viva e morava em Seattle com a sua tia Sharon e viemos te buscar. Porque você é nossa filha.

— Por que não me disseram?

— Porque achamos que seria demais para você ouvir toda essa verdade. Nós íamos contar depois que conseguíssemos a guarda definitiva.

Ela ficou em silêncio, como se avaliasse as nossas palavras. E se odiasse? E se nos odiasse agora? De repente, eu me sentia arrependida de não termos contado a verdade a ela desde o princípio.

— Eu sinto muito, Ava! — murmurei. — Por não contarmos a verdade. Só queríamos protegê-la.

Ela mordeu os lábios nervosamente e nos encarou.

— Então sou filha de vocês de verdade?

— Sim, você é — Noah respondeu e Ava começou a chorar, eu troquei um olhar angustiado com Noah.

— Ava, não fique assim, sei que é difícil aceitar isso assim, de repente.

— Eu gostava de imaginar... — Ela fungou. — Que eu era filha de vocês. Eu queria que fosse verdade. E agora é. — Então ela sorriu por entre as lágrimas e eu soube que nada mais importava. A não ser a felicidade dela. — Eu vou ficar para sempre com vocês, não é? — perguntou, eu a abracei, puxando-a para o meu colo.

— Sim, para sempre. Ninguém mais vai tirar você de nós.

Eu fitei Noah por cima do seu cabelo, e ele sorriu e nos abraçou.

E eu nunca me senti tão completa na minha vida.

— Odeio interromper essa confraternização familiar, mas temos problemas sérios para resolver. — A voz de James chegou até nós e Noah se afastou, encarando-o irritado.

— Achei que tivesse mandado você calar a boca.

— Não, Noah, dessa vez ele tem razão. Precisamos resolver essa confusão. É muito sério — eu disse.

Noah respirou fundo.

— Sharon conseguiu foder com tudo — James murmurou.

— Ei, olha a boca! — Noah reclamou.

— Me desculpe.

Mas Ava estava rindo. E uma parte de mim não estava nem aí para aqueles problemas. Ava estava comigo. Eu finalmente poderia falar que era a minha filha. E ela sabia disso. E eu estava delirando de felicidade, apesar de toda aquela confusão.

De repente, o telefone tocou. Estava começando o inferno.

— Vem, Ava, vamos comer. — Eu queria tirá-la dali, porque, com certeza, teríamos muita coisa para resolver.

Eu preparei um lanche para ela, que brincava com o gato, enquanto ouvia Noah e James ao telefone.

— Minha tia não deveria ter feito isso, não é?

Eu sentei à sua frente. Sharon era uma filha da mãe. Era óbvio que ela iria aprontar alguma porque Noah não quis mais lhe dar dinheiro. Só não sei se valeria a pena detoná-la para Ava.

— Sim, ela não deveria.

— Por que ela fez isso?

E o que eu poderia dizer?

— Às vezes as pessoas erram, Ava. Não se preocupe mais com isso, nós vamos dar um jeito em tudo. — Ela sacudiu a cabeça afirmativamente. Não parecia muito convencida.

E agora, passada a emoção com a revelação da verdade a Ava, eu começava a me preocupar em como aquilo poderia afetar a campanha de Noah.

Eu deixei Ava em seu quarto e voltei para a sala. Noah estava tenso, enquanto James falava ao telefone.

— E aí?

— James está falando com os advogados. Tentando tirar a revista de circulação.

— Acha que vai adiantar alguma coisa?

— Vamos tentar diminuir os danos.

— E a campanha?

— Eu terei que ir para Washington com James.

— Acha que isso vai te prejudicar demais?

— Eu não sei. Preciso estar em Washington o mais rápido possível.

— Entendo. Então você vai com James?

— Sim. Como está Ava?

— Está bem.

— Eu vou matar a Sharon se ela aprontar mais alguma.

— Ela não pode fazer nada pior do que já fez.

James desligou o telefone.

— Os advogados se reunirão com o pessoal da revista agora à tarde. Vamos ver se conseguimos.

O interfone tocou.

Noah atendeu e enquanto escutava, soltou um palavrão.

— O que foi? — perguntei quando desligou.

— A assistente social está subindo.

— Era só o que faltava — falei, amedrontada. — Com certeza já devem estar sabendo. — Falei com medo. Ainda não tinha pensado nisso. Toda aquela confusão poderia atrapalhar e interferir no processo para a guarda de Ava. Pior de tudo: Noah e eu havíamos mentido.

Jillian Garcia entrou na sala muito séria.

— Acredito que tenha vindo porque já está sabendo — afirmei sem rodeios.

— Sim. Eu vim aqui para que me possam me contar o que está acontecendo de verdade. Precisamos saber de tudo antes de tomar qualquer decisão.

— Certo, vamos contar então.

Nós contamos a ela toda a história e, no fim, eu falei.

— Nós omitimos que era a nossa filha biológica não só por toda a confusão que provocaria, mas pelo bem de Ava também.

— E ela já sabe a verdade?

— Agora sabe, nós contamos tudo a ela.

— Olha, nós achamos melhor que a Ava fique sob a responsabilidade do juizado até que seja marcada uma nova audiência.

— Não. Nem pensar. Ninguém vai tirar Ava desta casa — refutei enfaticamente.

— Sim, isso só vai piorar a situação — Noah concordou. — Ela é nossa filha. E vai permanecer aqui. Nós nos submeteremos a qualquer teste que nos peçam, mas nem tente levá-la. Nós não vamos permitir.

Jillian ponderou por um instante.

— Tudo bem. Acho que concordo com vocês. Só que o juiz pode não concordar. Eu farei meu relatório e direi que será melhor para Ava ficar com vocês.

— Muito obrigada!

— Nossos advogados entrarão em contato — Noah falou. — para agilizar o processo de paternidade.

— Certo, colocarei isso no relatório também. — Ela se levantou. — Já vou indo.

— Noah, acompanhe-a até a porta — pedi.

Noah me encarou sem entender e eu insisti.

Quando voltou, ele me fitou confuso e eu revirei os olhos.

— Ela foi legal ao ter ficado do nosso lado permitindo que Ava permanecesse aqui. E é praticamente uma fã sua, achei que merecia uma atenção especial depois disso.

Noah riu.

— Por que não avisou que era esse o motivo? Eu podia ter tornado o momento mais especial...

Eu o fuzilei com o olhar.

— Não exagera.

— Noah, precisamos ir. — James o apressou. — O avião já está pronto. Vou te esperar lá embaixo.

Ele se afastou e meu telefone tocou. Eu vi o nome de Dana no visor.

— O que digo para ela? Como proceder?

— Pede para ela esperar até que eu saiba da definição de Washington, tudo bem?

— Certo.

— Eu vou me despedir de Ava.


Noah


Eu entrei no quarto e Ava estava pintando.

Eu fiquei um momento observando-a em silêncio. Era um alívio pensar que eu poderia finalmente ser seu pai.

Lembrei-me de como me senti inseguro e incerto há dez anos, quando descobri sobre a gravidez de Olivia. De como questionei por um momento toda a minha vida. De como pensei que, com a sua chegada inesperada, tudo poderia mudar.

Dez anos depois, ela mudou mesmo.

Agora eu era um pai.

E, de repente, tudo se tornou tão claro e simples.

E eu sabia exatamente o que fazer.

— Ei — eu a chamei e ela se virou, sorrindo. Eu me aproximei e limpei uma mancha de tinta na sua testa. — O que está pintando?

— Um presente.

Eu olhei o quadro inacabado. Era Alice no País das Maravilhas, bem parecido com o que ela ganhou de Dana.

— Não está tão bonito quanto o que Dana me deu...

— Está lindo! É um presente para ela?

— Não, para o seu bebê. Acha que vai gostar?

— Tenho certeza que sim. — Eu sorri.

— Quando seu bebê nascer... Ele será meu irmãozinho?

Eu senti um nó na minha garganta.

— Ele já é seu irmãozinho ou irmãzinha.

— Você está tão ferrado, Noah, se for mais uma menina — Olivia exclamou parada à porta do quarto.

— Acho que já estou me acostumando.

— Eu posso ajudar a escolher o nome? Por favor? — Ava perguntou esperançosa.

— Sim, você pode escolher — Olivia concordou e nós sorrimos um para o outro.

— Oba! — Ava comemorou e eu a abracei.

— Ava, terei que fazer uma viagem para Washington.

— Ah, e nós não vamos com você?

— Não dessa vez.

— Você não vai demorar pra voltar, não é?

Eu sorri e beijei seu cabelo.

— Eu contarei os minutos para estar com você de novo.

— Eu também.

Ela voltou ao seu quadro, se distraindo e eu saí com Olivia do quarto.

— Eu espero que tudo se resolva em Washington, estou tão preocupada com esse escândalo te prejudicando.

— Tudo vai dar certo. — Eu a tranquilizei, mas ela prendeu os grandes olhos verdes cheios de angústia em mim.

— Será que seu pai tinha razão e estou destruindo a sua carreira? — indagou baixinho.

Segurei seu rosto entre minhas mãos.

— Tudo o que está acontecendo é culpa dele, consequência das atitudes dele e de mais ninguém! Se não tivessem inventado essa mentira sórdida a respeito de Ava, nada disso estaria acontecendo agora. Então não se culpe em nenhum momento.

Ela suspirou e segurou a minha mão, beijando a palma.

— Eu estarei contando os minutos para estar com você de novo. — Ela espelhou minhas palavras e eu roubei seus lábios para mim num beijo rápido de despedida.

— Eu também.

Eu ignorei as ligações do meu pai, não querendo falar com ele até que estivesse em Washington.

Atendi as ligações da minha mãe apenas. Ela estava preocupada com Ava e eu a tranquilizei.

— Isso irá afetar a sua campanha, Noah, como vai ser?

— Estou voltando a Washington, mãe, tudo será resolvido, não se preocupe.

Meu pai estava me aguardando na sede do partido, como era de se esperar.

Nós nos trancamos numa sala com James antes da reunião com os outros membros do partido.

— Eu sabia que isso iria acontecer, eu avisei Noah. Agora você vê que eu sempre tive razão?

— Era um risco que eu corria, estava ciente disso.

— Você colocou tudo a perder. Anos de trabalho, anos de preparação! Estão todos decepcionados com você! Eu estou tentando usar de toda a minha influência para amenizar esse escândalo, mas está sendo muito difícil. Teremos que tomar medidas drásticas para não deixar essa campanha ir para o buraco!

— É só isso que o preocupa, não é? — indaguei friamente. — Com a campanha. Em nenhum momento você está interessado em saber como me sinto diante de tudo isso. Ou como Ava está se sentindo.

— Claro que me preocupo com a sua campanha! E você deveria se preocupar também, se pretende ser senador! Eu dediquei a minha vida inteira ao nome da nossa família na política desse país e você não vai destruir o nosso nome!

— Noah, escute o seu pai. — James se intrometeu. — Estamos numa crise sem precedente. Você precisa saber que os chefes do partido estão com sérias dúvidas sobre manter sua candidatura. Seu pai está tentando arduamente convencê-los que ainda pode vencer, então temos alguns planos.

— Sim — George continuou. — Primeiro você vai falar para eles na reunião que é tudo mentira da tal tia.

— O quê?

— Sim, Noah. Não podemos assumir que essa história é verdadeira de maneira alguma. Estaríamos arruinados.

— Você estaria arruinado, quer dizer — falei ironicamente.

— Sua campanha estaria arruinada, Noah! Não é o momento de ficar contra mim! Precisamos nos unir para salvar a sua carreira. Então você vai negar tudo. Já estamos investigando Sharon Alexander, vamos cavar tudo o que pudermos para desacreditá-la, desmoralizá-la! Ninguém vai acreditar em sua história absurda de criança que não estava morta quando acabarmos com ela!

— Sim, as investigações com certeza acharão muita coisa, essa mulher deve ter muitos podres — James acrescentou.

— E então você sustentará que a criança é apenas adotada. E você admitirá seu erro ao se com envolver com Olivia Miller e essa criança, também lhes garantirá que irá se afastar delas, voltar a Washington para prosseguir com a campanha e que faremos tudo para manter seus números, limpar sua reputação e vencermos a eleição — ele prosseguiu depois de uma pausa na qual eu me mantive em silêncio. — E claro, você realmente vai acabar de vez com essa loucura que inventou de voltar com a modelo e assumir a criança. Tudo entendido?

Eu respirei fundo.

Por alguns instantes mantive o silêncio. Encarando aquele homem que era meu pai.

O homem que cresci admirando, espelhando a minha vida, me inspirando a ser igual, a ter o mesmo sucesso e hombridade política.

O homem que mesmo depois de eu descobrir que foi capaz de mentir de forma monstruosa, me afastando da minha própria filha, ainda mantive ao meu lado.

Não só por causa daquela campanha, que era o objetivo da minha vida inteira, mas, principalmente, porque ele era meu pai, apesar de todos os seus erros.

No fundo, eu justificava para mim mesmo que ele foi capaz de errar tanto porque, apesar de toda a sua lógica distorcida, acreditava que estava agindo para o meu bem.

Mas agora, olhando para ele, suas palavras ressoando ainda em meus ouvidos incrédulos, me dei conta, com uma decepção tão grande como nunca senti na vida, que George Belford não era um pai.

Ele era um articulador político. Sua vida era aquela. Eu era apenas uma extensão de suas ambições. Aquele escolhido para perpetuar seu legado político.

E só.

Porque agora eu sabia o que era ser pai. O que era amar incondicionalmente um filho a ponto de colocá-lo acima de qualquer coisa.

Acima de qualquer ambição política.

Eu respirei fundo e por fim me levantei.

— Noah, você me escutou? — ele insistiu.

— Escutei. Estou pronto para a reunião com os membros do partido.

— Sim, vamos prosseguir com isso — George disse, quase aliviado. — Sabia que você iria cair na real.

— Eu quero estar sozinho nesse momento.

— Claro que não!

— Eu sou o candidato. E digo que quero estar sozinho quando me explicar aos membros do partido — falei seriamente.

George ainda tentou argumentar, porém saiu da sala, vencido, não sem antes me lançar um olhar preocupado.

— Você entendeu o que tem que fazer, não é?

— Sim. Perfeitamente.

 


Algumas horas depois, eu caminhava para o auditório da sede do partido, lotado, com muitos membros preocupados que esperavam uma resolução sobre a minha campanha.

Eu parei à porta ao ver alguém se aproximando.

— O que está fazendo aqui? — indaguei ao ver Olivia parando diante de mim.

— Eu não podia deixá-lo sozinho. Eu quero te apoiar, aconteça o que acontecer. Estamos juntos agora, não é? — ela perguntou com um sorriso nervoso.

Atrás dela, vi meu pai parado, esperando que eu entrasse no auditório e fizesse o pronunciamento para acalmar os membros e a imprensa.

Meu coração se apertou com o que eu teria que dizer a seguir.


Olivia


Assim que Noah saiu do apartamento em Seattle, eu comecei a me arrepender de não ter insistido para ir com ele.

Eu estava com medo e sabia que ele também.

Ser senador era seu sonho, seu objetivo de uma vida inteira, e eu realmente me sentia apavorada em pensar que, por estar comigo e Ava, isso poderia se tornar impossível.

Eu queria estar com ele. Eu queria que ele soubesse que o apoiava em tudo. Que estávamos juntos. Então, recebi uma ligação inesperada de Barbara, que demonstrava sua preocupação com Ava e se colocava à disposição para ajudar no que precisasse.

— Você pode vir pra Seattle e cuidar da Ava? — pedi.

— Claro que sim. O que vai fazer?

— Eu vou a Washington ficar com Noah.

Então pedi a Cole que viesse ficar com Ava até Barbara chegar, e que Dana conseguisse um voo fretado para eu ir o mais rápido possível para Washington.

E agora eu estava com o coração na mão ao ver o rosto tenso de Noah.

— O que está acontecendo? — perguntei, amedrontada.

— Eu tenho que fazer um pronunciamento — ele disse olhando além de mim e eu me virei para ver George com cara de poucos amigos vindo em nossa direção. — Preciso ir. — Noah foi em direção a George e o interceptou no meio do caminho, mas eu ouvi sua conversa tensa.

— O que ela está fazendo aqui? Não vê que isso só vai piorar tudo?

— Estão nos aguardando para o pronunciamento — Noah disse, continuando a andar e James estava com eles agora.

George parecia furioso e James tentava acalmá-lo.

Noah subiu no púlpito e o burburinho foi se acalmando.

Eu mal respirava.

— Boa tarde a todos — ele começou com a voz clara. — Estou aqui para esclarecer os recentes fatos que surgiram sobre mim na mídia que vieram a causar tanta comoção e dúvida sobre a minha candidatura ao senado. Em primeiro lugar, eu queria dizer que a matéria é verdadeira. — O burburinho recomeçou, Noah continuou. — Há dez anos, eu tive uma filha, fruto do meu envolvimento com Olivia Miller. Em comum acordo, nossos pais concordaram que seria melhor que a criança fosse adotada por outra família. O problema é que eu e Olivia não estávamos cientes desse fato e até recentemente acreditávamos que a nossa filha estava morta. — Noah fez uma pausa e agora todo o recinto estava em silêncio. — Quando descobrimos que a criança estava viva, nós resolvemos conhecê-la. Ela vivia em Seattle com Sharon Alexander, após a morte de seus pais adotivos. Nós decidimos que queríamos criá-la e Sharon Alexander abriu mão da sua guarda em troca de uma soma em dinheiro. Nós mantivemos a verdade em segredo por motivos óbvios. Eu estava em meio a uma campanha ao senado e Olivia também é uma pessoa pública e, principalmente, não queríamos confundir Ava. Infelizmente, toda a verdade veio a público através de Sharon Alexander recentemente. Eu peço desculpas aos membros do partido que confiaram em mim e me apoiaram nessa candidatura, por ter mentido e por ter me envolvido na chantagem de Sharon Alexander. Em minha defesa, tenho a dizer que sou apenas um pai zelando pela segurança da sua filha. E, por mais importante que minhas aspirações políticas sejam para mim, há algo que me importa mais. — Seu olhar cruzou com o meu. — Minha família. Minha filha Ava, minha noiva Olivia e o filho que vamos ter são minha prioridade. Por isso, agora, respeitosamente, eu retiro a minha candidatura.

A comoção recomeçou e eu só sentia vontade de me aproximar dele e abraçá-lo.

Eu estava surpresa e chocada.

Também estava orgulhosa pela sua coragem de assumir Ava de forma tão clara, correta e categórica. De assumir a mim e o bebê que teríamos em detrimento de sua chance de ser senador.

Eu sabia o quanto isso deveria estar sendo difícil para ele, também sabia que em seu lugar eu faria a mesma coisa. Nós tínhamos o mesmo objetivo agora.

Cuidar de Ava, juntos.

E do bebê que ia nascer.

Nós seríamos uma família com dez anos de atraso.

— Obrigado a todos. — Noah terminou o discurso e saiu do púlpito, George se aproximou dele, furioso, e eu fui atrás também, preocupada.

— Você enlouqueceu? Noah, como pôde fazer isso?

— Eu fiz o que era certo. Eu fiz pela minha filha.

— Você está jogando a sua vida fora, está sujando o nome da nossa família...

— Você sujou o nome de nossa família, não eu.

Ele me viu e veio em minha direção, segurando a minha mão.

George olhou para mim com ódio.

— Você! A culpa é toda sua! Noah deveria ter me escutado e se mantido longe de garotas como você...

Antes que eu pudesse sequer antever, vi George no chão, atingido com um soco dado por Noah.

— Nunca mais fale assim com a minha mulher.

— Noah... — James tentou segurá-lo, Noah se soltou.

— Eu tentei manter na minha mente que você era meu pai, mas você não sabe o que isso realmente significa. Eu vou embora. E vou seguir em frente, constituir a minha família e seguir a minha vida sendo o melhor pai que puder ser, para que a minha filha saiba que pode contar comigo e ter orgulho de mim.

— Eu fiz tudo por você, por sua carreira! — George parecia, pela primeira vez alquebrado, se dando conta de que Noah estava deixando-o de verdade. — Você poderia ser o melhor senador que este país já teve...

— Eu posso servir o país sendo uma pessoa digna, o que é muito mais que posso dizer de você! Adeus, pai.

Ele me puxou pela mão, ignorando os olhares curiosos até que estivéssemos na rua.

Então ele parou e respirou fundo várias vezes, olhando para o céu.

Eu encostei-me a ele.

— Eu sinto muito, sinto tanto.

Suas mãos trêmulas tocaram meu cabelo, seus lábios em minha fronte.

— Eu já devia ter feito isso há muito tempo.

Eu o encarei.

— Tem certeza que vai desistir da sua candidatura? — indaguei baixinho. — Era o sonho da sua vida.

— Ainda não entendeu? — Seus dedos seguraram meu rosto. — Minha vida agora é você, Ava e todos os filhos que virão.

Eu levantei uma sobrancelha.

— Todos?

Ele sorriu, começando a ficar mais relaxado e me relaxando também.

— Quantos você quiser. Eu vou adorar fazê-los com você.

Eu o abracei pela cintura.

— Então vamos para casa?

— Sim, vamos para casa.

 

 

Capítulo 25 - Olivia


Nós entramos no carro e Noah me perguntou sobre Ava.

— Com quem Ava está?

— Com Cole, claro. E pedi que Barbara fosse para Seattle. Ela deve estar chegando lá essa noite. Eu não sabia até quando precisaria ficar aqui e, por mais que Cole seja confiável, ficaria mais tranquila em deixá-la com alguém da família.

— Isso me tranquiliza também. — Ele sorriu e se inclinou dizendo algo para o motorista.

— O que foi? — Eu olhei em volta e percebi que não estávamos mais a caminho do aeroporto. — Aonde estamos indo?

— Para a minha casa.

Eu levantei a sobrancelha.

— Achei que quando disse casa, estivesse falando de Seattle — repliquei um tanto decepcionada, então seus dedos varreram uma mecha de cabelo do meu rosto, colocando atrás da orelha, deixando um rastro de fogo em minha pele ao se inclinar e deslizar os lábios nela.

— Por esta noite, eu quero que seja apenas nós dois. — Seu olhar me fez perder o rumo dos meus pensamentos e meu fôlego foi para o ralo, quando seus lábios experimentaram de leve os meus, apenas um suave roçar, um aperitivo para o banquete inteiro que meu corpo começou a desejar naquele momento. — Eu vou levá-la para a minha cama e mantê-la lá por algum tempo. — Fechei os olhos e gemi baixinho, quando seus dentes prenderam meus lábios num puxão preciso. — Por um longo tempo. — Ele terminou a explanação lambendo onde mordeu para amenizar a dor e completou com um beijinho no meu nariz antes de se afastar.

Eu estava vermelha feito pimentão quando meu olhar cruzou com o do motorista que acompanhava tudo pelo espelho retrovisor, muito curioso, desviando o rosto quando percebeu e eu soltei um risinho bobo, olhando a paisagem pela janela.

O crepúsculo estava caindo quando saltamos no prédio de Noah e ele me levou através do elevador para o seu apartamento.

— Acho que estou um tanto curiosa para saber onde mora.

Ele sorriu e abriu a porta.

Era um apartamento amplo e iluminado, porém muito sóbrio e sério. Com obras de arte pela parede e móveis escuros e clássicos.

Olhei em volta, enquanto ele fechava a porta atrás de mim e me ajudava a tirar o casaco.

— Esse é um autêntico apartamento de um político.

Ele riu.

— É obra da minha mãe. Eu nunca me importei muito.

— É bonito, apesar de muito austero. — Caminhei pela sala tocando algumas obras de arte.

— Eu adoraria te mostrar o resto, só que é tudo muito parecido com isso e acho que não aprovou — ele disse divertido atrás de mim.

— Não consigo imaginar Ava aqui. — Esbocei um sorriso e então me toquei que nunca tínhamos conversado de como seria depois e fiquei séria. — Acho que precisamos conversar sobre isso, não é? — Eu parei ao me virar e vê-lo retirando a camisa. — Wow...

Ele se aproximou e infiltrou as mãos no meu cabelo e me puxando quase rudemente para me beijar com força. Eu gemi, sobressaltada com a invasão de sua língua que desafiava a minha.

Ah, eu não fugi do desafio.

Na ponta dos pés, lutei com ele num beijo que era puro inferno, minhas pernas amolecendo e levando todos os meus membros para o mesmo caminho. Meus ossos viraram esponja, quando suas mãos percorreram minhas costas e apertaram minha bunda, me puxando para mais perto, nossos quadris se buscando e se roçando num reconhecimento mútuo, num diálogo nada educado que dizia “eu quero. Com força. agora”.

— Sim — murmurei num arquejar sofrido quando seus lábios soltaram os meus e percorreram afoitos meu rosto afogueado, minha garganta ganhando mordidas e lambidas suficientes para me deixar ciente que ficariam vergões depois.

— Pode me levar para a cama agora? — Implorei entre gemidos e ele riu ao me pegar no colo.

Eu nem percebi o caminho para o quarto até que me vi jogada sobre a cama sem a menor cerimônia.

Ele retirou meus sapatos, jogando-os longe.

— Tire a roupa! — Havia uma certa aspereza em sua voz que só me deixava ainda mais excitada.

— Wow, estamos impacientes hoje, hein? — falei começando a fazer o que ele pediu, porque, com certeza, eu também me sentia com pressa.

Noah começou a tirar a própria roupa, de pé, ao lado da cama, me encarando com os olhos que eram um misto perfeito de divertimento e desejo bruto.

Mordi os lábios, a adrenalina fazendo meu sangue circular mais rápido nas veias, um calor capaz de incendiar uma cidade inteira percorrendo minha pele e se instalando em forma de um pulsar úmido e fremente no meio às minhas pernas.

O vento da noite, que entrava através das grandes janelas abertas, soprou em minha pele quente e me arrepiou quando eu me deitei completamente nua para a sua inspeção.

No entanto, parecia que não haver mais pressa em seus atos quando ele retirou a última peça de roupa e eu salivei ao vê-lo todo excitado.

Noah era tão, tão lindo, que me deixava sem fôlego.

— Noah, por favor. — Eu me remexi, ansiosa, levando meus próprios dedos ao meu sexo impaciente. — Por favor. — Eu me acariciei para ele, querendo que visse o que fazia comigo.

Ele sorriu e se aproximou devagar, colocando a mão sobre a minha.

— Isso. — Arqueei os quadris, só que ao invés de continuar, ele retirou a minha mão e levou aos lábios, chupando meus dedos.

Puta! Que! Pariu!

— Não tenha pressa, amor.

— Eu tenho sim — resmunguei, minha mão livre deslizando por seu peito num caminho conhecido até a sua ereção. Noah a segurou também e a colocou em cima do travesseiro.

— Temos a noite inteira. — Ele beijou meu rosto. — A vida inteira. — Seus lábios tocaram a veia que pulsava em meu pescoço e ele se afastou.

— Aonde vai?

— Acho que quero comemorar.

Ele caminhou para fora do quarto, me dando uma boa visão de seu traseiro incrível, e voltou alguns minutos depois com uma garrafa de espumante e uma taça com gelo.

— Achei que íamos comemorar fazendo sexo. — Eu me sentei, toda petulante.

— Tudo a seu tempo. — Ele serviu uma taça e se sentou à minha frente, tomando-a.

Eu fiz uma careta.

— Só você vai comemorar?

— Você não pode beber.

— Oh, é mesmo. Isso faz de você uma pessoa muito insensível.

Ele riu e me beijou, fazendo com que eu sentisse o gosto de champanhe em seus lábios. Delicioso.

— Só um pouquinho não faz mal — murmurei, lambendo seus lábios.

— Deite-se!

— Agora acha que pode ser mandão comigo só porque colocou um anel no meu dedo?

— Pensei que estivesse impaciente — replicou, colocando a taça na mesa ao lado e eu sacudi a cabeça afirmativamente, me deitando sem demora.

Meu ventre vibrou de expectativa. Ah, sim!

Ele se inclinou sobre mim, beijando minha boca de leve de novo e eu me sobressaltei ao sentir o gelo entre seus lábios.

— Wow, isto é gelado.

Ele riu e colocou o gelo entre os dentes.

— Você está quente demais, senhorita Miller. Preciso esfriar seu ânimo.

— Mas isso não é... — gemi alto ao sentir o gelo em meu mamilo. — justo.

Ai. Meu. Deus!

Era gelado. Mas era bom de uma maneira que eu nem sabia definir.

Eu estava toda arrepiada e mais quente ainda, se é que isso era possível.

Abri meus olhos para vê-lo deslizando preguiçosamente o gelo por meus seios, um após o outro. Meu mamilo eriçado mostrando muito de como eu me sentia naquele momento.

Noah prosseguiu, molhando minha pele e descendo. Senti meu estômago sendo sugado para algum lugar nas profundezas e meu ventre se contorcer quando ele passou por ali e o gelo já quase derretido ficou no meu umbigo.

E então ele seguiu com seus lábios, agora meio gelados, por minha barriga e mais ao sul, numa tortura doce e eu estremeci, respirando ruidosamente, quando as mãos abriram minhas pernas e senti seu nariz me inspecionando.

— Ah, por favor. — Eu não aguentei mais e meus braços voaram para seu cabelo, puxando-o para mim. Noah me encarou numa seriedade de araque.

— Eu ainda não terminei, será que vou ter que amarrá-la?

— Você não se atreveria! — Arfei já sentindo meu interior se contorcer na expectativa com a visão que sua sugestão insinuava em minha mente.

Então ele sorriu de um jeito que me fez derreter mais ainda e depositou um beijo bem ali, onde eu estava pulsando de ansiedade e se arrastou para cima de mim.

Movi-me inquieta embaixo dele, movendo meus quadris para que tocassem sua ereção e foi sua vez de gemer roucamente.

Eu sorri maliciosamente.

— Que tal fazermos rápido agora e depois eu deixo você fazer devagar?

— Porra, Olivia, é difícil ser romântico com você falando desse jeito.

Eu ri e ele me beijou, as mãos soltando meus pulsos e pude colocar todos os meus dedos nele, cingindo meus braços possessivamente em volta do que me pertencia e o empurrando para que pudesse ficar em cima dele.

Eu movi meus quadris, e gememos juntos quando nos encaixamos facilmente, tão familiarmente. Eu era dele. E ele era meu.

Nossos corpos se pertenciam como duas partes incompletas de um todo. E só nos sentíamos completos quando estávamos assim, como um só.

Seus dedos varreram meu cabelo do rosto, seu olhar era tão intenso que me deixou sem ar.

— Você é tão linda.

Sorri e o beijei com todo amor, derretendo e deixando que me levasse de volta para debaixo dele, enquanto se movia dentro de mim.

— Está bom?

— Com você sempre é perfeito. — Arfei, passando minhas pernas em volta de seus quadris. — Isso. — Eu sorri e gemi quando suas investidas aumentaram de intensidade, duro e rápido, até estarmos pendurados perto do limite. O orgasmo acenando sedutoramente enquanto tentávamos protelar a sensação de eternidade.

Ele abriu os olhos e eu senti todo o seu amor se derramando naquele olhar.

— Eu te amo — ele sussurrou asperamente, enquanto se desmanchava e gozava dentro de mim.

Foi lindo de se ver, então deixei meu próprio orgasmo se liberar, meu ventre convulsionando em doces e quentes espasmos, enquanto tudo desaparecia, restando apenas Noah. Seu peso sobre mim, seus lábios em meu rosto. Sua respiração quente em meu pescoço.

Seu coração batendo descompassado como o meu.

Eu sorri ao me sentir plena de amor.

— Tudo bem? — ele perguntou preguiçosamente, esfregando seu nariz em meu rosto.

— Acho que devo deixar você me amarrar uma hora dessas.

Ele apenas riu e ficamos ali.

Não havia mais pressa. Como ele disse, tínhamos a vida inteira agora. Por esta noite, seria somente nós dois.

Amanhã voaríamos para encontrar a nossa filha.

E eu sabia que ainda tínhamos uma última batalha pela guarda de Ava, mas estávamos juntos e eu tinha fé que iríamos vencê-la.

Juntos podíamos tudo.

 

 

Capítulo 26 - Noah


Eu acordei nas primeiras horas da manhã e, através das janelas abertas, era possível ver uma chuva fina caindo. Olivia ainda dormia tranquilamente e eu apenas a cobri direito e saí da cama. Pegando meu celular, suspirei pesadamente ao verificar que havia muitas ligações.

Depois da minha renúncia, eu sabia que tudo ficaria uma bagunça por algum tempo, pelo menos agora poderia me dedicar ao que realmente importava.

Eu ainda me sentia um tanto desorientado em relação ao que fazer com a minha vida profissional, porém, isso ficaria em segundo plano até que tudo se resolvesse com Ava.

Ela era o mais importante no momento.

Então, ignorei a maioria das ligações e liguei para a minha mãe.

— Noah, que bom que ligou! Estou tentando falar com você desde ontem. Seu pai está furioso.

— Eu imagino, mas não me importo mais.

— Você está bem, meu querido?

— Agora estou.

— Eu fiquei tão preocupada, você tem certeza que tomou a decisão correta?

— Tenho mãe. Eu preciso me dedicar à minha família.

— Seu pai disse que Olivia vai ter um bebê, isso é verdade?

— É sim. — Eu sorri.

— Ah, isso é maravilhoso. Eu fico tão triste por George não perceber o quanto você está feliz agora. Eu sempre apoiei a sua carreira, mas o mais importante sempre será a família. Eu fico feliz que você tenha percebido. Quero que saiba que te apoiarei sempre, meu filho.

— Obrigado, mãe.

Eu desliguei e liguei para Seattle, ansioso para falar com a minha garotinha.

Ouvir sua voz infantil me fez sorrir.

— Oi, Ava!

— Noah. Tia Barbara, é o Noah — ela gritou.

— Como você está, meu amor? Tudo bem por aí?

— Tudo. Tia Barbara está fazendo muffin para o nosso café da manhã. Tio Cole está ajudando ela.

Eu franzi a testa, tentando imaginar aquela cena. O grande Cole ajudando minha irmã nada boazinha na cozinha.

— Cadê a Olivia?

— Dormindo. Nós vamos voltar para casa hoje à tarde.

— Ah que bom! Eu gosto da tia Barbara, mas sinto saudade da Olivia.

— Só da Olivia? — Brinquei e ela riu.

— De você também, claro, seu bobo! Opa, tia Barbara está me chamando para comer. Quer que eu a chame para falar com ela?

— Não, falo com ela depois. Vai comer, e obedeça a tia Barbara, está bem?

— Está bem!

Fiquei surpreso com o próximo número. Eu não falava com Ben, meu colega de Harvard com quem estagiei em Boston, há alguns meses. Ainda me lembrava que ele havia me convidado para o seu casamento com Tabata, sua namorada de longa data, mas eu estava ocupado com minha pré-candidatura.

Eu disquei o número que deixou e fiquei surpreso quando ele me disse que estava em Washington a trabalho e obviamente ficou preocupado quando soube de minha renúncia.

Aproveitando que Olivia ainda estava dormindo, eu o convidei para tomar café comigo. Seria bom conversar com um amigo e contar todos os problemas pelos quais eu estava passando.

Mas, quando estava saindo do meu prédio, James estava se aproximando. Não parecia nada bem, com roupas amassadas e a barba por fazer.

— O que faz aqui, James.

— Eu fui expulso do partido. Perdi meu emprego.

— Acha isso pouco?

— Está sabendo que o partido vai expulsar seu pai também?

Eu respirei fundo, tentando não me abalar. A vida política era tudo para o meu pai, assim como foi para o meu avô. E isso ser tirado dele era o maior castigo que poderia ter.

— Vocês colheram o que plantaram.

— Sabe onde Barbara está? Ela pediu o divórcio.

— Ela fez bem.

— Sinto muito, cara, não era para acabar assim. Eu só queria ser alguém na vida. Alguém como você.

— Jogando com a vida das pessoas?

— Seu pai sempre fez isso.

— E olha como ele terminou. Você não tomou um bom exemplo, James.

— Eu não sei. O que farei agora...

— Isso é problema seu.

Eu virei e me afastei, deixando James para trás.

 


Quando voltei para casa, Olivia ainda estava na cama.

Eu me aproximei e tirei o cabelo do seu rosto, ela sorriu e se espreguiçou.

— Você está bem? Já é tarde.

— Eu acordei e vi seu bilhete, então aproveitei para continuar dormindo. — Ela se sentou. — Ontem o meu noivo me deixou tão cansada...

— Espero que ele tenha feito um bom trabalho, pelo menos.

— Ele sempre faz. — Ela me beijou, seu estômago roncou e eu ri, me afastando.

— Acho que seu noivo deve te alimentar agora. Vá tomar um banho e se arrumar, enquanto faço algo para você comer e podemos partir.

— Você foi tomar café com quem? Eu conheço?

— Ben Cheney. Nós estudamos e trabalhamos juntos em Boston. Em breve você vai conhecê-lo.


Olivia


Eu estava ansiosa, quando entramos no apartamento em Seattle, e Ava veio correndo e me abraçou.

— Ah, que saudade. — Eu a apertei forte então a deixei para que abraçasse Noah.

— Eu estava com saudade de vocês também! Mas a tia Barbara e o Cole foram muito legais!

Eu levantei o olhar e vi Barbara e Cole.

Ela sorriu vindo nos cumprimentar e eu percebi que Cole parecia acompanhar seus movimentos com interesse. Muito interesse.

Enquanto conversávamos e relatávamos o que aconteceu em Washington, percebi que Barbara também desviava o olhar para o segurança mais vezes do que eu poderia contar.

Hum! Que interessante!

Acho que James seria facilmente superado, afinal.

Barbara se despediu no dia seguinte, voltando à Nova York.

Os dias que se passaram foram tensos. Dana me ligava a toda hora, porque a imprensa ainda tinha interesse em saber sobre o escândalo da paternidade de Ava, a renúncia de Noah e nosso envolvimento. Nós optamos por uma declaração formal e mais nada, esperando que com o tempo a fofoca acabasse. Era sempre assim. Com o tempo, todos esqueceriam e voltariam a viver suas vidas.

A preocupação maior era com a guarda de Ava. O juiz pediu exames de DNA e estávamos aguardando os resultados.

Sharon desapareceu do mapa. Dana soube que ela foi convidada por vários sites e revistas para dar entrevistas sobre o caso, provavelmente ficou com medo das ameaças legais de Noah, pois recusou todos.

— Eu mandei os advogados atrás dela. Se ela insistir, será processada.

E então, a assistente social ligou dizendo que a audiência foi marcada para o dia seguinte.

Eu comuniquei Ava e tentei aparentar calma.

— Ava, amanhã iremos ao juiz de novo.

— Eu não quero ir embora — ela murmurou com medo.

— Você não vai — Noah afirmou enfaticamente. — Vai dar tudo certo.

Nós a colocamos para dormir e eu esperava mesmo que tudo desse certo.

Eu não dormi direito aquela noite. E tenho certeza que Noah também não.

Ainda era bem cedo quando acordei e o vi sentado em frente à janela. Eu me levantei e sentei no seu colo, enterrando a cabeça em seu peito morno. Seus dedos acariciaram meu cabelo.

Eu queria ficar ali para sempre. Sabendo que Ava estava segura em seu quarto. Que nada ia nos separar. Meu estômago deu uma volta e eu gemi.

— Está se sentindo bem? O bebê? — ele perguntou, preocupado, pousando a mão na minha barriga.

— Estamos bem — murmurei. — Só estou amedrontada.

— Eu também.

— O que faremos se o juiz decidir que não somos bons o suficiente para cuidar dela? Com toda essa coisa da mentira...

— Nós somos os pais dela. Ninguém vai cuidar melhor do que nós.

Eu o encarei, tocando seu rosto com barba por fazer. Parecia tudo tão fácil quando ele falava assim. Ele sorriu. Aquele sorriso só dele.

— Amo você.

Eu sorri de volta e o beijei, me levantando a contragosto

— Vou acordar Ava.

Eu acordei Ava e a ajudei a se arrumar. Ela já tinha nove anos. Claro que não precisava de mim, mas eu precisava estar perto dela. E acho que ela também.

Notei o colar em seu pescoço, que Noah e eu lhe demos quando a encontramos.

— Onde estava este colar?

— Estava guardado. Para não perder.

— Não vai perder. Quero que o use sempre. Foi o Noah quem me deu este pingente. Há muitos anos.

— O juiz vai me deixar morar com vocês, não é?

Eu a abracei.

— Claro que vai.

— Mas e se...

Eu a fiz me encarar.

— Ava, nós nunca vamos desistir de você. Entendeu? — Ela sacudiu a cabeça afirmativamente. — Agora vamos comer.

 


Nós chegamos para a audiência e a assistente social estava lá.

— Olá. Daqui a pouco o juiz chamará vocês. Espero que tudo dê certo. Eu disse em meus relatórios que são ótimos pais para Ava.

— Obrigado — Noah falou. E eu teria rido do rosto vermelho de Jillian se não estivesse tão nervosa.

Quando ela se afastou, cutuquei Noah.

— Aposto que ela colocou um coração em volta do seu nome nos tais relatórios.

Ele riu e então o juiz nos chamou.

Como da outra vez, fizeram várias perguntas. Claro que agora era pior porque fomos perguntados sobre o motivo de termos escondido que Ava era nossa filha. E como combinamos com os advogados, respondemos todas as perguntas. O juiz nos encarou.

— Eu não tenho certeza que o melhor para Ava seria ficar com vocês.

— Somos os pais dela — refutei.

— Pais biológicos — o juiz corrigiu.

— Fomos os pais dela desde que veio morar com a gente.

— Ela disse que não queria morar com vocês na outra audiência.

— Estava confusa — Noah falou. — E estava sob a pressão da tia dela.

— Sim, estamos a par do que aconteceu.

— Então, se a Ava não ficar com a gente, o que propõe? Os pais adotivos estão mortos. E a tia não tem a menor condição moral de cuidar de uma criança, depois de tudo o que aprontou.

— Eu compreendo o ponto de vista de vocês. Mas precisamos pensar no que é melhor para a menor. Vamos chamá-la.

Eu e Noah trocamos um olhar apreensivo quando Ava entrou na sala e se sentou.

— Olá, Ava. — O juiz se dirigiu a ela. — Sabe por que está aqui, não é?

— Sim.

— Então vou fazer a mesma pergunta que fiz da outra vez. Com quem você quer morar?

— Eu quero morar com meus pais.

Eu segurei a mão de Noah por baixo da mesa.

— Então quer continuar morando com o Noah e a Olivia?

— Sim, com meu pai e minha mãe.

Desta vez, tive que piscar para não chorar. Os dedos de Noah apertaram os meus.

— Você pode sair agora.

Jillian a levou embora. O juiz ponderou por um momento e então nos encarou.

— Vocês terão a guarda definitiva de Ava.

Eu respirei aliviada pela primeira vez em dias.

O juiz continuou.

— Está tudo certo com os exames de DNA e o estado reconhece Ava Alexander como filha legítima de vocês.

— Em breve não será mais Ava Stewart. — Eu sorri para Noah. — Ela será Ava Miller-Belford.

— Claro, podem requerer a mudança de nome também — o juiz concordou e então me olhou, e eu podia jurar que estava corando. — Agora, será que a senhorita poderia tirar uma foto comigo? Eu sou muito fã dos desfiles da Victoria’s Secret.

Eu concordei e Noah me cutucou quando saímos da sala.

— Parece que você também tem um fã.

Quando chegamos à sala de espera, Ava estava sentada ao lado da assistente social. Seus olhos nos fitaram ansiosos.

— Nós conseguimos! Você agora é oficialmente nossa filha — eu disse e ela me abraçou com um gritinho.

— Não vou precisar ir embora?

— Nunca mais!

Ela abraçou Noah também. Eu me dirigi a Jillian.

— Muito obrigada por tudo.

— Fiz apenas o meu trabalho.

Noah se aproximou e a abraçou, beijando seu rosto. Foi um milagre ela não ter desmaiado.

— Obrigado. Fez um ótimo trabalho.

Ela estava tão vermelha, que parecia que ia entrar em combustão espontânea.

— Ah, certo... Obrigada...

— Vamos para a casa? — Noah disse e Ava e eu seguramos sua mão.

— Sim! Vamos para casa!


Noah


Quando chegamos em casa Ava, estava eufórica e foi procurar Olaf. Segundo ela, para contar que agora ele ficaria ali para sempre.

À noite, eu puxei Olivia para uma conversa.

— O que foi?

— O que acha de mudarmos para Boston?

— Boston?

— Sim, lembra que te falei de Ben Cheney. Ele me chamou para trabalhar com ele na área de direitos civis em Boston. Eu realmente me senti muito bem trabalhando lá na época da faculdade. É algo que eu me sentiria feliz em fazer. Mas não aceitarei se você não concordar.

— Eu acho que seria ótimo! — Ela sorriu.

— Tem certeza? Achei que talvez preferisse voltar para Nova York.

— Qualquer lugar... — Ela segurou meu rosto. — com você e Ava seria maravilhoso.

— Acha que Ava gostará?

— Vamos perguntar a ela!

Ava estava se preparando para dormir quando entramos em seu quarto.

— Ava, precisamos contar perguntar para você — Olivia falou.

— O que acha de irmos morar em outra cidade? — perguntei. — Já ouviu falar de Boston?

— O Olaf poderia ir também?

— Claro! — Olivia respondeu.

— Seria bom ele ter uma cama só para ele, assim não precisa dormir com você. Agora que vão casar, acho que não vão mais querer o Olaf lá.

Nós rimos e eu tirei uma caixinha do bolso.

— Eu já ia me esquecendo. Lembra quando compramos o anel da Olivia?

— Sim, lembro.

— Eu sinto muito por ter dado a Olivia quando você não estava presente, então, como você gostou muito dele, este aqui é seu.

Ela pegou a caixinha e abriu, arregalando os olhos.

— É igualzinho! — Sorri, tirando da caixa e colocando no seu dedo.

— É sim.

— Obrigada! — Ela me abraçou. — Olha, Olivia, igual o seu!

Olivia riu.

— Sim, é lindo!

— Quando eu ficar noiva, vou querer um igual.

— Noiva? Nem pense nisso! — falei sério, já sentindo ciúme só de pensar que não demoraria muito para ela crescer.

— Noah! — Olivia gargalhou. — Não seja idiota. Ava, agora é hora de dormir.

Ela se deitou e eu a cobri.

— Posso perguntar uma coisa para vocês?

— Claro que sim.

— Será que agora que o juiz deixou, eu posso chamar vocês de papai e mamãe?

Eu senti um nó na garganta. Olivia piscou algumas vezes ao meu lado.

— É claro que pode.

Ava sorriu estendendo os braços e me abraçou.

— Boa noite, papai.

E aquela pequena palavra era a mais perfeita do universo.

Ela abraçou Olivia em seguida.

— Boa noite, mamãe.

Olivia riu, engasgando.

— Acho que posso me acostumar com isso.

Ava sorriu e fechou os olhos.

Olivia e eu saímos do quarto. Ela tremia inteira e eu abracei.

— Wow, achei que fosse chorar que nem uma boba!

Eu ri.

— Quase pedi para ela falar papai de novo.

Ela riu também.

— Eu ainda nem acredito que estamos aqui. Que ela está aqui. Que estamos juntos. Que somos uma família agora.

— Acho que ainda falta um pequeno detalhe. — Ela levantou a sobrancelha, confusa. — Ainda temos que casar.

— Oh... Isso! — Ela passou os braços em volta do meu pescoço. — É só um detalhe mesmo. Eu já sou casada com você em todos os outros sentidos.

Eu a trouxe para mais perto, meus dedos se imiscuindo por baixo de sua camiseta. Olivia tinha a pele mais macia do mundo. Feita para as minhas mãos. Ela toda foi feita sob medida para mim.

— Mas eu gostaria mesmo de ouvir você dizendo sim — murmurei contra a sua boca.

— Ah, posso dizer sim agora... Muitas vezes...

Eu a levei para a cama. Não havia pressa em despi-la para contemplar sua perfeição, tocar com meus lábios sua barriga ainda plana.

— Não vejo a hora de vê-la crescer.

Ela sorriu, me puxando para cima.

— Eu também. Acha que teremos um menino dessa vez? Podia parecer com você.

— Ou outra menina parecida com você.

— Oh. Claro, é bom ter uma menina quando a Ava estiver namorando por aí...

Eu senti aquele ciúme de novo.

— Ava não vai...

Olivia gargalhou, rolando por cima de mim.

— Cala a boca, Noah. Não vai ser um pai ciumento!

— Não sou ciumento. Ela poderá namorar. Quando acabar a faculdade.

Olivia riu ainda mais.

— Vamos conversar sobre esse assunto depois. Só espero que Ava tenha tão bom gosto quanto eu e namore alguém lindo como você.

— Se ela ficar linda como você, será um cara de sorte. E morto.

Olivia me beijou, encerrando a discussão. E nada mais foi dito.

Por um longo tempo.

 

 

Epílogo - Noah


Quatro anos depois


Quanta coisa pode mudar em quatro anos?

Eu caminho pelos corredores do comitê democrata, recebendo os cumprimentos dos membros dos partidos depois da minha vitória.

Com quatro anos de atraso e contrariando todas as expectativas, agora sou um senador da república.

Foi uma longa caminhada até ali, mas eu não percorri aquele caminho sozinho. Quando me mudei para Boston com a minha família, eu não tinha a menor ideia de que estaria de volta a Washington um dia, pronto para fazer meu primeiro discurso, agora em um outro partido, que condizia muito mais com meus ideais. Ainda era surreal que há dois anos eu tivesse recebido um convite para ingressar no Partido Democrata, depois de ter passado a minha vida inteira seguindo os passos do meu pai no Partido Republicano. Mas a verdade é que toda a minha trajetória antes foi traçada por meu pai e não por mim. Antes, apenas seguia os passos dos Belford, hoje eu estava ali por mim mesmo e minha família. Porque sentia que podia fazer algo realmente significativo. Fazer a diferença.

Não que tenha sido fácil retornar ao cenário político. Depois do escândalo que foi a descoberta da trama sobre a falsa morte de Ava, os Belford não eram sinônimos de confiança e integridade para ninguém. Meu pai foi expulso do partido e sua influência e poder acabaram ali. Ainda me sentia meio triste em pensar que hoje, George Belford, vivia sozinho na velha fazenda que foi do meu avô, na Virginia, sem ter qualquer contato ou apoio dos antigos aliados, que lhe viraram as costas, assim como nós viramos. Para certas coisas, não há perdão. Minha mãe pediu o divórcio, assim como Barbara se livrou de James, que depois de perder o emprego e todo o prestígio que ser um aliado dos Belford lhe acarretava, tinha voltado para o Queens, o antigo bairro de sua infância, para viver na casa de sua mãe e sobreviver de empregos medíocres. Eu não tinha pena de James. Assim como não tinha pena da mãe de Olivia, que também não foi perdoada por ela. Quanto a tia de Ava, ficamos sabendo a algum tempo atrás que foi presa por ter se envolvido em uma falcatrua na empresa em que trabalhava desviando dinheiro, dentre outros golpes. A gente colhe o que planta.

O estado havia aberto um inquérito para apurar a falsidade ideológica forjada por meu pai, James e Elisa, mas nenhum deles foi condenado com punições mais graves, como a cadeia, por exemplo, isso porque eu e Olivia não fizemos questão de ir até o fim, exigindo algo tão temerário. Eu e Olivia não vivíamos presos no passado ou perdendo nosso tempo odiando as pessoas que nos fizeram mal, apenas concordamos que era melhor seguirmos nossas vidas sem eles, criando nossas filhas com valores bem diferentes daqueles compactuados por nossos pais.

Ademais, a vida era boa para nós dois. Tivemos mais uma filha, Alice, e dessa vez nos sentimos abençoados por poder acompanhar seu crescimento, como devia ter sido com Ava.

Agora eu sorrio para a mulher mais incrível que segura a minha mão e acena feliz para meus aliados e eleitores, enquanto percorremos o comitê lotado com bandeiras e faixas de felicitações e me sinto o cara mais sortudo do mundo, não por ter vencido as eleições, mas por poder dizer que aquela linda mulher era minha.

— Feliz, senador? — ela perguntou e eu realmente gostava quando ela me chamava assim. Era bem sexy.

— Te mostrarei o quanto quando chegarmos em casa, só continue me chamando de senador.

Ela rolou os olhos, mas sorriu sensualmente da minha sugestão.

— Posso pedir para Laura cuidar das crianças — ela sugeriu.

— Que criança? — Ava surgiu no meio da multidão e eu sorri para a minha filha, que estava quase tão alta quanto a sua mãe. Ainda não tinha me acostumado que a menina que pulava em meu colo estava se tornando muito rapidamente uma mulher. Deus, se ela ficasse tão linda quanto Olivia, eu estava muito ferrado. Talvez devesse comprar uma arma ou algo assim.

— Vocês sempre serão crianças para nós, querida. — Olivia veio ao meu socorro e eu sorri para a nossa família e amigos atrás de Ava. Minha mãe, Barbara, seu namorado Cole e o pai de Olivia, Billy, que segurava a pequena Alice no colo. Também Dana e o marido Logan, Ben e mais outros amigos tinham vindo prestigiar a minha vitória.

— Pronto para o discurso? — Barbara indagou.

— Sim — respondi.

— Estou tão orgulhosa de você. — Olivia apertou a minha mão, enquanto me acompanhava ao púlpito.

— E eu de você. Não teria conseguido isso sem o seu apoio.

Olivia havia me apoiado totalmente quando decidi voltar para a vida política. Quando nos mudamos para Boston e eu voltei a trabalhar com direito civil, ela ficou um tempo bem ocupada com a gravidez e depois cuidando de Alice, que ainda era bem pequena, e Ava. Mas depois começou a se engajar em muitas causas sociais e inclusive trabalhou por muito tempo em uma fundação para mulheres que perderam seus filhos.

— Nós conseguimos. — Ela sorriu e eu a beijei antes de subir ao púlpito para o meu discurso.

Sim, nós tínhamos conseguido.

 

 

                                                                  Juliana Dantas

 

 

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