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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Selva de Estrelas / Kurt Brand
Selva de Estrelas / Kurt Brand

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Selva de Estrelas

 

A missão foi cumprida, tendo a morte como glória... mas promessa é dívida...!

Os acontecimentos dos anos 2.326 e 2.327 dão uma prova inequívoca de que, sem dúvida, os mundos da Galáxia com suas miríades de sóis e planetas ainda permanecem em grande parte inexplorados, apesar das milhares de naves exploradoras que há muitos anos se dedicam aos trabalhos de pesquisa.

Há séculos os terranos, chefiados por Perry Rhodan, vêm praticando a Astronáutica — de início com as naves de transição, depois com as naves kalup — mas só em 2.326 se teve conhecimento, por acaso, da existência dos gafanhotos-do-inferno e dos vermes do pavor. Especialmente estes últimos, que representam uma grande ameaça para toda a Via Láctea, pois trata-se de seres monstruosos que possuem armas terríveis, e além disso são praticamente invulneráveis.

Alguns comandos especiais terranos, formados por cientistas, soldados, agentes especiais e mutantes, que tentaram desvendar os mistérios dos vermes do pavor, sofreram derrotas marcantes para o Império Unido, até que finalmente quatro membros da USO, o chamado “Corpo de Bombeiros Galáctico” dirigido pelo Lorde-Almirante Atlan, conseguem entrar em contato com um espécime jovem do verme do pavor do planeta Euhja.

Este verme do pavor revelou o segredo de sua espécie e fez com que seu povo se unisse com os terranos na luta contra os “benévolos” que, com suas frotas espaciais formadas por naves com blindagem de molkex, dominam um grande império estelar situado no setor leste da Via Láctea e já representam uma ameaça para a Aliança Galáctica. Ê muito estranha a aliança que os terranos celebraram com as monstruosas inteligências do planeta Tombstone. E esta aliança envolve um risco enorme porém não se pode fugir a este risco... Quando Tombstone chama, os terranos têm de provar que sempre cumprem sua palavra, mesmo na Selva de Estrelas...

 

                                                    

 

— Ainda existem milagres — ironizou Bell enquanto se acomodava na confortável poltrona articulada junto a Perry Rhodan. — Você à paisana, Atlan à paisana, e eu também. Dá vontade de chorar.

Perry Rhodan e o arcônida entreolharam-se discretamente. Quando o gordo fazia alusões desse tipo, geralmente era um inimigo decidido de qualquer conversa séria. Pela forma de sentar, de olhar em torno e de pegar um copo com um gesto relaxado e colocá-lo à sua frente, Bell mostrou o que esperava daquela noite agradável na casa de Perry.

— O conhaque Napoleão está no bar, gordo — informou Rhodan.

Bell lançou um olhar de espanto para o amigo e para Atlan.

— Quer dizer que você vai oferecê-lo de sua livre vontade? Será que vocês me acompanharão?

— Isso mesmo. Não queremos que você exagere na bebida, Bell — disse Rhodan com um sorriso.

Reginald Bell disse alguma coisa em voz baixa, que tanto Rhodan quanto Atlan não entenderam. Colocou mais dois copos sobre a mesa baixa e redonda em torno da qual estavam sentados, levantou-se com um gemido e foi ao bar. Voltou com uma garrafa fechada. Perry e Atlan notaram que ele se sentia muito satisfeito por poder servir sua bebida predileta aos amigos e a si mesmo.

— Bem que você poderia servir mais um pouco — reclamou o arcônida.

Bell fez-se de surdo quanto ao pedido de Atlan. Colocou a garrafa sobre a mesa e envolveu seu copo com ambas as mãos, para aquecer o precioso líquido. Quando ergueu ligeiramente o copo e aspirou o aroma da bebida, Perry Rhodan lembrou-se de certa noite do ano de 1.971, do estabelecimento denominado White Horse House e do então Capitão Reginald Bell. Naquela oportunidade aquecera o conhaque que se encontrava no copo imitando o mesmo gesto de mãos do amigo e com igual compenetração. Haviam ido ao local em grupo de três, antes do início da viagem para a Lua, e falaram sobre o futuro. Quem se mostrou menos loquaz foi Reginald Bell, que geralmente não costumava ficar calado. Só participou da conversa depois de ter tomado alguns conhaques. Perry Rhodan lembrou-se de uma frase que Bell pronunciara naquela oportunidade: “As estrelas nos pertencerão.”

O Capitão Clark G. Flipper, ao ouvir a afirmativa do amigo, soltara, na ocasião, uma estrondosa gargalhada. De certa forma o capitão era um realista. Bell só teve uma resposta lacônica diante da gargalhada: que Flipper apenas acreditasse naquilo que ele, Bell, dissera!

Ao ver o amigo sorver o conhaque, Rhodan sorriu sem querer. O gordo transformava isso numa verdadeira cerimônia. Descansou lentamente o copo e dirigiu-se para a janela comprida. Contemplou a Terrânia noturna, levantou os olhos para as estrelas e disse:

— Vocês nos causam muitas preocupações!

— Quem não queria falar no trabalho hoje de noite? — perguntou Atlan. — Quem disse que só por uma vez queria ser uma simples criatura humana? Não foi um homem chamado Reginald Bell?

Bell virou-se para ele e sorriu.

— É assim que nós somos quando estamos reunidos em caráter particular, lorde-almirante. Perry, você ainda se lembra de como discutimos gostosamente até o amanhecer? Falamos sobre as estrelas e o que nos esperava por lá. Já faz três séculos e meio. Foi antes de partirmos para a Lua, onde fomos os primeiros humanos a colocarem o pé. Quase não consigo acreditar que já faz tanto tempo. E é ainda mais inacreditável que nunca desvendaremos todas as maravilhas das estrelas. — Voltou a encher o copo e disse: — Saúde, amigos. Brindemos às estrelas.

Perry e Atlan acompanharam-no. Uma expressão de espanto surgiu no rosto do arcônida. Rhodan fitou-o. Atlan compreendeu. Não deveria perturbar o estado emocional de Bell, pois raramente se mostrava dessa forma.

O homem baixo voltou a acomodar-se na poltrona articulada. Sacudiu a cabeça e sorriu.

— Pode-se saber por que está tão alegre, gordo? — perguntou Rhodan.

O sorriso de Bell tornou-se ainda mais intenso, mas não houve tempo para uma resposta. O sistema de comunicação emitiu um sinal, perturbando o encontro agradável dos três homens.

Era a estação de rádio central de Terrânia que estava chamando. A imagem estabilizou-se sobre a tela que ficava num dos cantos da sala. Viu-se uma cabeça jovem com traços enérgicos. Em sua tela o jovem viu que o chefe estava com visitas.

— Senhor — disse com um pigarro. — Acabo de receber uma hipermensagem codificada do planeta Tombstone. Segundo a norma B-1238, de 1o de julho, devo informá-lo imediatamente sobre o conteúdo da mensagem. Posso transmitir?

A alegria de Bell desvaneceu-se. Ficou aborrecido porque o homem perdia tantas palavras, em vez de chegar diretamente ao assunto.

— Pois não! — limitou-se Rhodan a dizer.

— Obrigado senhor. O texto é o seguinte: Administrador Geral Rhodan. Precisamos imediatamente de espaço numa nave para transporte de três indivíduos de nossa raça. Expedido por Ooff. Fim da mensagem, senhor.

— Obrigado. Pode desligar.

Rhodan fitou os amigos.

— É uma surpresa, mas também não é. Afinal, deveríamos estar preparados para isso face ao relatório do cientista Leyden. Mas estou surpreso porque o pedido de uma nave transportadora veio tão depressa. Acho que terei de cuidar disso imediatamente.

— Isso não pode esperar até amanhã, Perry? — perguntou o arcônida.

Bell reforçou a pergunta com um gesto de cabeça.

— Não pode, arcônida. Diante dos vermes do pavor não podemos dar-nos ao luxo de uma demora. Firmamos um contrato pelo qual nos obrigamos a providenciar uma espaçonave assim que um verme do pavor chegue à idade madura. A cláusula principal do contrato diz que devemos levá-los a um mundo de oxigênio desabitado. Não acredito que essa raça teria muita compreensão por uma negligência de nossa parte. Sinto muito que esta reunião agradável tenha chegado ao fim tão depressa, mas temos de sacrificar as horas de privacidade para provar aos vermes do pavor que somos cumpridores de nossos contratos, ao pé da letra.

— Mas você pode resolver isso pelo intercomunicador — exclamou Bell, no intuito de salvar a reunião.

Rhodan não era da mesma opinião.

— Prefiro não fazer isso. Depois que as operações de transporte estiverem em pleno andamento e quando tivermos conquistado toda a confiança dos vermes do pavor, isso será apenas uma questão de rotina. Mas prefiro tratar pessoalmente do primeiro caso que aparece. Não sei por que, mas depois desta chamada estou com uma sensação nada agradável.

— O que poderia acontecer? — perguntou Bell. — Afinal, levar três vermes do pavor a três mundos de oxigênio desabitados, deixá-los lá e desejar-lhes boa sorte não é nenhum problema. Posso servir-lhe mais um conhaque?

— Não, gordo. Tenho o que fazer e não deixarei que nada me perturbe. É claro que vocês podem ficar e esperar minha volta.

Bell levantou-se no mesmo instante.

— Muito obrigado, Perry. Seria um pouco arriscado. Conheço a fúria com que você se atira ao trabalho. Cinco minutos depois que você tiver sentado atrás de sua escrivaninha, você nem se lembrará de que existimos.

O arcônida também lamentou a desagradável surpresa.

— Que pena! Parecia que depois de tantos meses iríamos ter uma noite agradável.

— É... — foi o único comentário de Rhodan.

 

O Major Faro Urgina era o comandante do cruzador ligeiro Kostana. A nave só saíra do estaleiro há poucos meses e era uma das unidades mais modernas da classe Cidade.

A tripulação de 150 homens foi treinada e familiarizada cora a nave numa missão contínua, que durou quase um mês. Depois desse trabalho cansativo, houve um pequeno período de férias. No momento a Kostana estava estacionada, juntamente com outras unidades da Frota do Império Unido, na periferia dos setores conhecidos da Via Láctea, e vez por outra participava de missões destinadas à observação dos movimentos da frota dos blues.

Antes de cada missão, a recomendação era sempre a mesma: evitar qualquer ação de combate contra as naves dos blues, haja o que houver.

A Kostana realizara sua última missão há três dias, tempo padrão. Dali em diante servia de elemento de ligação entre uma nave da classe Stardust e um cruzador pesado.

Intimamente o Major Faro Urgina, que era natural do sistema Bell-09, sentia-se orgulhoso porque ninguém conseguia distingui-lo de um terrano. A partir desse orgulho surgiram, de forma quase imperceptível, atitudes um tanto pretensiosas, de que o próprio Urgina ainda não se dava conta.

Dizia-se que os colonos nascidos em Bell-09 eram portadores de uma elevada sensibilidade. Mas no que dizia respeito à estética eles não se saíam muito bem. Geralmente tinham mais de dois metros de altura, eram muito magros e tinham pernas tortas. Irritavam-se facilmente e suas condições emocionais muitas vezes os levavam à prática de atos que mais tarde eles mesmos não conseguiam explicar.

Por motivos facilmente compreensíveis, a Frota dificultava a admissão dos nativos de Bell-09 ao serviço astronáutico. Submetia-os a testes rigorosos, especialmente na área dos complexos afetivos. Faro Urgina fora aprovado em todos os testes e, com 30 anos, já chegara ao posto de comandante de um cruzador ligeiro.

Há duas horas o Major Urgina transferira o comando da Kostana ao Capitão Clark Yak, um terrano de 31 anos. Quando essa espaçonave da classe Cidade entrou em serviço, há alguns meses, o Capitão Yak contara com sua promoção e já se considerara comandante desse veículo espacial supermoderno. Mas as coisas saíram diferentes, e o jovem terrano ficou aborrecido por várias semanas, mas acabou reconhecendo que Faro Urgina era um elemento mais experiente que ele.

Depois disso, o relacionamento entre ambos tornou-se ótimo. Yak raramente se lembrava da decepção que sofrera.

No momento estava realizando um controle no centro de comando. Nem chegava a tomar conhecimento conscientemente das notícias que iam chegando. Afinal, o que poderia acontecer com a Kostana no interior de uma formação da Frota? Por outro lado, dificilmente lhe escaparia alguma coisa que representasse um perigo para a nave. Se houvesse alguma novidade, as naves estacionadas de ambos os lados da Kostana, que possuíam aparelhos de rastreamento muito mais potentes, avisariam a nave de cem metros de diâmetro se surgisse alguma novidade.

O Capitão Clark Yak, cujo uniforme lhe assentava tão bem que parecia costurado sobre o corpo, dirigiu-se à sala de rádio. Também aqui não havia nada de novo. Leu as mensagens recebidas nos últimos trinta minutos. Quando quis retirar-se, o cabo de serviço reteve-o à porta.

— Terrânia chamando nossa nave, senhor.

Isso era uma coisa fora do comum.

— Não há algum engano? — perguntou Yak por precaução.

O cabo sentiu-se ofendido na sua dignidade. Nem respondeu à pergunta do capitão, apenas disse:

— Senhor, é o chefe em pessoa. Rhodan, o Administrador Geral.

Fez-se um silêncio profundo na sala de rádio. Os traços estabilizaram-se na tela do hiper-receptor e o rosto de Rhodan apareceu no mesmo.

O Capitão Clark apresentou-se:

— Capitão Clark, imediato da nave Kostana, senhor.

Os olhos cinzentos de Rhodan fitaram-no tranqüilamente.

— O comandante da nave é o Major Urgina, não é mesmo?

— Sim, senhor.

— Ligue-me com ele, capitão.

Um homem ligou a intercomunicação com o Major Faro Urgina. O comandante dormia seu primeiro sono. Como alguns segundos passaram sem que ele respondesse, o alarme soou em sua cabine.

— Major, é urgente! Rhodan, o Administrador Geral, quer falar com o senhor.

De início Urgina pensou que fosse uma brincadeira de mau gosto. Quando o rosto de Rhodan apareceu na tela de sua cabine, ainda estava alisando o cabelo.

— Fique à vontade, major.

— A Kostana me foi indicada pelo quartel-general da Frota. Foi o senhor quem maior número de missões realizou contra os blues. A partir deste momento sua nave torna-se independente do grupo a que pertence. Viajará por ordem minha em missão especial ao planeta Tombstone, onde três vermes do pavor subirão a bordo dela. Depois disso o senhor decolará imediatamente. Em hipótese alguma o pouso e a decolagem em Tombstone devem ser observados pelas naves de molkex dos blues. Deixo a seu critério a melhor maneira de chegarem ao planeta e saírem do mesmo ilesos. A missão que lhe confio é muito importante. E o transporte dos vermes do pavor não é menos importante. Cada um deles será deixado a sós num mundo de oxigênio desabitado. O senhor receberá as coordenadas dos três planetas depois que tiver saído de Tombstone. Em hipótese alguma deve afastar-se mais de dez mil anos-luz. Não se esqueça de que vez por outra os blues realizam controles em Tombstone. Mais alguma pergunta, major?

— Sim, senhor. Falta a direção.

— A direção é o centro da Galáxia. Repito: é muito importante que os vermes do pavor sejam transportados sem incidentes. No banco de memória de seu computador de bordo existem outros dados sobre essa raça inteligente. Outras indicações lhe serão fornecidas por uma nave Explorer. Instrua o pessoal da sala de rádio para que preste atenção a eventuais sistemas de raios vetoriais. Mais alguma pergunta?

— Nenhuma pergunta, senhor.

Teve vontade de formular centenas de perguntas, mas a expressão daqueles olhos cinzentos deixava-o meio inibido.

— Obrigado, major. Apresente seus relatórios ao quartel-general. Desligo.

A tela escureceu. Só agora Faro Urgina teve tempo de examinar-se. Não ficava muito bonito no pijama desabotoado, mas se o chefe não se importava, ele também não se incomodaria.

Dali a alguns segundos estava embaixo do chuveiro. Cinco minutos depois de ter recebido suas ordens, o major estava caminhando em direção à sala de comando.

Mandou soar o alarme em toda a nave. Enquanto os homens corriam para seus postos, fez com que o banco de dados do computador de bordo lhe fornecesse todos os fatos conhecidos sobre a raça dos vermes do pavor.

Antes que o Major Urgina comunicasse a partida de sua nave ao chefe do grupo a que pertencia, os técnicos da Kostana estavam removendo paredes divisórias em um dos conveses da nave e retirando os objetos dos recintos, para que os três vermes do pavor pudessem ser abrigados ali.

Quatro especialistas fizeram uma verificação no conversor de símbolos que se encontrava a bordo, e que permitia a comunicação com os estranhos lagartos gigantes.

O chefe do grupo deu permissão para a partida. O sistema positrônico de bordo calculou e fixou a rota para Tombstone. Os motores de impulso da nave entraram em funcionamento. Acelerando fortemente, a Kostana desprendeu-se do grupo de naves e foi-se afastando rapidamente.

Tal qual numa missão de observação, as diversas estações foram anunciando que tudo estava em ordem. Para um terço dos tripulantes o regime de prontidão chegou ao fim. Estes tripulantes voltaram aos alojamentos, enquanto os outros continuaram em seus postos.

A nave atingiu a velocidade necessária à penetração normal no espaço linear. O kalup passou a exercer as funções dos motores de impulso. O sistema de rastreamento comum desligou-se automaticamente. O sistema de rastreamento de relevo assumiu a maior parte de suas funções.

O vôo para Tombstone não era uma expedição que levasse a regiões cósmicas desconhecidas. O Terrânia, um cruzador da classe Cidade, registrara uma série de concentrações estelares importantes e suas posições na rota que levava para o centro da Galáxia. Os dados haviam sido transmitidos imediatamente a todas as naves do Império. Mas em comparação com os dados sobre outras rotas, estes eram muito escassos.

O Major Urgina pensava nisso quando estava parado à frente da tela do rastreador de relevo e contemplava a estrela à qual se destinava. Tratava-se de um sol amarelo que nada tinha de especial — segundo o catálogo era a estrela de Leyden — em torno do qual orbitava Tombstone, o planeta dos vermes do pavor. O major franziu a testa, muito preocupado, ao lembrar-se de que o sistema de Leyden era inspecionado pelos blues a intervalos irregulares. Faro Urgina sabia por experiência própria que os blues eram muito competentes na localização de espaçonaves desconhecidas. Olhou para a tela. Estava pensativo. As palavras de Perry Rhodan, segundo as quais o transporte dos três vermes do pavor era uma missão muito importante, ainda soavam em seus ouvidos.

Urgina levantou os olhos. O Capitão Yak estava parado a seu lado.

— Que tal se vez por outra regressássemos ao espaço normal para tirar fotografias destinadas a completar nossos mapas cósmicos?

— Acho que não é recomendável — objetou Clark Yak. — Afinal, temos os nossos próprios mapas. Pouco importa que provenham do planetário destruído em Impos, ou que tenham sido elaborados com base nos dados dos acônidas. O que importa é que estejam certos, senhor. Não pensa assim?

— De forma alguma, Clark. Não existem mapas do setor que atravessaremos, nem mapas provenientes dos acônidas ou dos arcônidas, e nem reproduções do extinto planetário de Impos. Os técnicos de Impôs não dispunham de tempo para tirar todas as fotografias necessárias a um mapa cósmico completo. Apesar disso concordo com o senhor em que não devemos retornar ao espaço normal para tirar fotografias, mas por outro motivo. Este motivo são as naves de molkex dos blues. Na Frota ainda nos acusarão por termos fugido deste trabalho.

Clark fez um gesto afirmativo.

— A ordem de Rhodan é prioritária, senhor. E ela nos protege contra as acusações que por ventura nos forem feitas.

— Clark, o senhor também é um terrano! — disse Urgina.

O outro espantou-se. Ficou refletindo apressadamente sobre o que deveria responder. Resolveu fazer de conta que não ouvira a observação de Urgina.

Na sala de comando da Kostana não havia muita coisa para fazer. A nave aumentava constantemente sua velocidade no semi-espaço. Esta velocidade já era superior à da luz. O major dirigiu-se à sala de rádio. Não encontrou nada de importante. Dali a pouco encontrava-se no convés em que uma equipe técnica, ajudada por robôs, estava criando um recinto grande, em que pudessem ser abrigados os três vermes do pavor.

O Major Faro Urgina resolveu continuar o sono interrompido. Entregou novamente o comando da Kostana ao Capitão Clark e retirou-se para sua cabine.

 

A potente emissora de hiper-rádio de Terrânia irradiou uma mensagem na qual pedia que todas as naves Explorer que se encontrassem em determinado setor da Via Láctea indicassem sua posição.

As naves Explorer 5207 e 6955 responderam. O comandante da 6955, Coronel Beto Hiesse, acompanhou a troca de mensagens com sua nave, quando ouviu que o chefe pretendia transmitir uma ordem muito importante.

Embora se encontrasse a mais de 45.000 anos-luz da Terra, o coronel viu perfeitamente o rosto do chefe na tela do hiper-rádio.

— Coronel, vasculhe juntamente com a Explorer 6955 o espaço situado atrás do sistema de Leyden, em direção ao centro da Galáxia, à procura de três planetas de oxigênio desabitados. A distância do sistema de Leyden deverá ser de oito a dez mil anos-luz, aproximadamente. Avise o comandante da 6955 de que a missão é muito importante e deve ter prioridade sobre qualquer outro problema. Espero que as duas naves Explorer encontrem, num tempo relativamente curto, três mundos de oxigênio em que reine uma temperatura suportável. O cruzador Kostana descarregará um verme do pavor em cada um desses planetas. O senhor e seu colega da 6955 conhece os termos do contrato verbal que celebramos com a raça que habita Tombstone. Na execução da missão o senhor se aterá aos termos do contrato.

— Sir, onde encontraremos a Kostana depois de termos descoberto os mundos de oxigênio?

— No plano resultante da posição do sistema solar terrano em relação ao sistema de Leyden. Estará a uma distância de cerca de dez mil anos-luz de Tombstone. O intercâmbio de rádio com a Kostana deve ser feito somente por meio de mensagens condensadas direcionais, para não despertar a atenção dos blues. Coronel Hiesse, mande repetir estas instruções pelo sistema positrônico de bordo de sua nave. Deixe eventuais perguntas para o fim.

Seguiu-se a repetição da mensagem. O Coronel Hiesse quis formular uma dezena de perguntas. Pediu indicações mais precisas. Rhodan, que se encontrava em Terrânia, não estava em condições de fornecê-las.

— O senhor e o comandante da 6955 agirão segundo seu critério, coronel. Mas não se esqueça do que está em jogo. Devemos conquistar a confiança dos vermes do pavor, e devemos evitar de qualquer maneira que os blues desconfiem de que possamos ter celebrado uma aliança com a raça que habita Tombstone. Instrua sua central de hiper-rádio de que na emissão de mensagens relativas a esta missão deverá ser usada apenas a potência estritamente necessária para fazer chegar as mesmas ao destino.

O comandante da Explorer 6955 acompanhara a troca de mensagens. No momento não havia necessidade de uma troca de idéias entre ele e o Coronel Hiesse. Ambas as naves exploradoras encontravam-se no mesmo setor da Via Láctea, a 180 anos-luz uma da outra, uma distância que diante do lugar a que se dirigiriam imediatamente não representava quase nada.

 

Quando a tela se apagou e a ligação com a grande emissora foi interrompida, Rhodan levantou os olhos e lembrou-se de Bell e Atlan.

Entrou em contato com Bell pelo telefone direto.

— Sim — respondeu este. — Já esperava sua chamada, Perry.

— Só quero avisar que vou trabalhar mais um pouco. Onde posso encontrar Atlan?

— Já está a bordo de sua nave-capitânia. Talvez já tenha decolado. Tem alguma coisa importante a discutir com ele?

— Ainda não posso dizer se é importante. Só queria pedir-lhe que mande a linha de frente prestar muita atenção à freqüência da Kostana e das naves Explorer 5207 e 6955.

— O que é que as naves exploradoras têm que ver com a Kostana?

— O Major Urgina, que comanda a Kostana, ainda não sabe para onde levar os três vermes do pavor. As naves exploradoras têm de procurar três mundos de oxigênio... e desabitados.

— Meu Deus, o que é isso? Temos muitos mundos de oxigênio desabitados, Perry. Já não compreendo mais nada.

— Você parte de um pressuposto errado, gorducho. Quero evitar que um verme do pavor tenha de ser levado através das áreas dominadas pelos blues. Além disso, quero que ponham seus ovos num lugar em que não existam naves de molkex. Recorri a Natan, e o dispositivo positrônico do grande computador confirmou meus pensamentos. A área mais próxima ao centro da Galáxia, que fica a cerca de dez mil anos-luz do sistema de Leyden, é relativamente segura e garante a tranqüilidade durante a postura dos lagartos gigantes. Acontece que nesta área não conhecemos um único mundo de oxigênio. Já compreendeu por que tive de recorrer às duas naves exploradoras, gorducho?

— Compreendi, Perry — respondeu Bell, um tanto contrariado. — Por que tudo isso? Para que servem tantas complicações? Por que temos cem vezes mais trabalho com os vermes do pavor do que com os blues? De qualquer maneira, os blues acabarão por descobrir que temos ido freqüentemente a Tombstone, e quando isso acontecer, o conflito será inevitável.

— Se isso acontecer dentro de dez anos, os vermes gigantes de Tombstone serão nossos aliados fiéis, muito embora o tratado que celebramos com eles estipule que no próximo conflito permanecerão neutros. Com o tempo o desenrolar dos acontecimentos fatalmente levará a uma ligação estreita entre nós e os vermes do pavor. Quero que de qualquer maneira os acontecimentos tomem esse curso. Não deve ser muito difícil para nossas naves chegarem a Tombstone sem que os blues as percebam e ainda por cima levando um carregamento de vermes do pavor em idade madura. Por que está sacudindo a cabeça, gorducho?

Bell continuava confortavelmente instalado em sua poltrona articulada. Havia um copo de água mineral na mesa. Ninguém conhecia Perry Rhodan melhor que Reginald Bell; este último se levantou e perguntou:

— Perry, o que há mesmo com esses vermes do pavor? Vamos logo! Fale!

Fitava ininterruptamente a tela. Um sorriso fugaz passou pelo rosto de Rhodan. Seguiu-se um suspiro.

— O que há é que estou nervoso, Bell. Tenho a impressão de que durante o transporte dos vermes do pavor haverá problemas.

— Que é isso? Você não costuma martirizar-se com pressentimentos.

— Acho que nem chega a ser um pressentimento, gorducho. Apenas acontece que quando penso nisso fico nervoso. Deixe pra lá! Procurarei entrar em contato com Atlan em sua nave-capitânia. Aliás, tenho de felicitá-lo por estar bebendo água mineral.

Neste momento Rhodan viu a cabeça de Gucky, o rato-castor, aparecer ao lado de Bell.

O que Gucky estava mostrando a Rhodan? Apenas uma garrafa de conhaque Napoleão da qual já fora consumida mais da metade.

Os olhos de Gucky brilharam enquanto piava:

— Perry, você realmente acredita que o gorducho estava tomando água mineral? Acha que ele seria capaz de tamanha falta de gosto? O copo de água só está sobre a mesa porque esperávamos sua chamada.

— Cale a boca, Gucky! — gritou Bell.

O rato-castor não calou a boca.

— O gorducho descobriu uma excelente fonte de suprimento, Perry. Conseguiu este conhaque em condições extremamente favoráveis.

— Um momento — disse Rhodan. Seu rosto desapareceu da tela de imagem. Não havia nenhuma garrafa sobre sua mesinha redonda, e também não a encontrou no bar.

— Mostrarei a vocês! — disse com um sorriso. Já sabia qual era a excelente fonte de suprimento.

Quando voltou ao gabinete, a tela estava desligada. Rhodan não se surpreendeu nem um pouco.

— Divirtam-se — disse em voz alta. A seguir voltou aos seus pressentimentos.

Precisava entrar em contato com Atlan.

 

Tombstone, um planeta de quatro continentes, o mundo dos vermes do pavor, girava embaixo da Kostana. O Major Faro Urgina mandou que a nave seguisse por uma rota de aproximação que a faria penetrar nas camadas mais densas da atmosfera no trecho do oceano situado entre dois continentes. A energia da frenagem fez a nave parar a 5.000 metros de altitude. O major esperou que o conversor de símbolos ligado ao hiper-rádio desse um sinal. Mas o conversor permaneceu mudo. Ooff, o porta-voz dos vermes do pavor, não deu sinal de vida.

Para os tripulantes da Kostana, Tombstone não passava de um mundo de oxigênio igual a muitos outros. Mas quando a nave se preparou para pousar numa pequena área livre e centenas de vermes do pavor saíram da floresta, os homens que se encontravam na sala de comando estremeceram.

O aspecto nada agradável do grande grupo de seres muito inteligentes não deixou de produzir seus efeitos.

Assim que cessou o movimento dos amortecedores das colunas telescópicas de apoio da Kostana, Ooff chamou pelo conversor de símbolos.

— Nossos cumprimentos aos amigos. Ficamos felizes por saber que estão prontos para cumprir sua promessa. Chamamos vocês para confiar-lhes três indivíduos de nossa espécie. Levem-nos a um lugar em que possam desempenhar suas funções em prol da multiplicação da espécie. Os três estão atrás de mim, à espera do momento em que deixarão nosso mundo, que vocês costumam chamar de Tombstone.

Faro Urgina não tirava os olhos da grande tela panorâmica, que mostrava a aglomeração dos vermes do pavor junto à nave. Viam-se perfeitamente três lagartas gigantes, que não se moviam, atrás do único verme do pavor que ficava bem à frente da linha de corpos gigantescos.

Urgina pigarreou e começou a falar.

— Meu nome é Faro Urgina. Quero transmitir meus cumprimentos a Ooff e seus companheiros. Cumpriremos nossa palavra, haja o que houver. Os amigos cujo transporte iniciaremos daqui a pouco poderão cumprir sua tarefa em três mundos diferentes. Daqui a pouco a eclusa principal da nave se abrirá. Tomamos todas as providências necessárias para acolher três indivíduos de sua espécie.

Durante certa parte de seu diálogo, Urgina usou as frases com que se familiarizara através do conversor de símbolos. Nem imaginava a impressão que estas frases tão simples estavam causando entre os vermes do pavor. Todas as inteligências que viviam em Tombstone acompanharam a troca de mensagens entre seu porta-voz Ooff e Faro Urgina, fosse qual fosse o continente em que se encontravam.

O major transmitiu o sinal combinado. O oficial que estava de serviço junto à eclusa principal recebeu ordem para abri-la. No mesmo instante foi baixada a grande rampa. Os oito homens que se encontravam na eclusa aberta nunca haviam visto um verme do pavor. Na visão direta eram ainda mais apavorantes, com seus corpos de vinte metros de comprimento e três metros de espessura, e sua enorme cabeça. Vez por outra um dos homens soltava um gemido: lembravam-se dos raios energéticos que as lagartas gigantes sabiam expelir de sua enorme boca.

De repente todos os homens que se encontravam no interior da nave estremeceram. Foram atingidos por impulsos estranhos. Esses impulsos estavam em toda parte e a cada segundo que passava tornavam-se mais intensos, mas não causavam o menor incômodo.

A euforia começou a dominar os homens. Até mesmo os rostos dos oito homens que se encontravam no interior da eclusa descontraíram-se. Fitaram a falange de vermes do pavor com um sorriso satisfeito.

O conversor de símbolos instalado na sala de comando voltou a dar um sinal. Ooff comunicou que os indivíduos de sua espécie acabavam de despedir-se dos três exemplares que abandonariam Tombstone. Sentiram uma compulsão cordial de fazer com que os homens participassem de sua alegria.

Enquanto falava, a euforia dos terranos foi diminuindo. Os três vermes do pavor foram subindo pela rampa, um após o outro, serpenteando pelo convés, e dirigiram-se imediatamente ao alojamento preparado para eles.

O intercomunicador e o circuito de televisão mantiveram os tripulantes informados sobre o que estava acontecendo. Fazia alguns minutos que Ooff permanecia em silêncio. Finalmente formulou uma pergunta:

— Urgina, o que acontecerá quando os filhotes saírem dos casulos? Chamarão Tombstone por meio de hiperimpulsos e pedirão que nós os busquemos, é isso? Sendo assim, os benévolos também ouvirão os chamados e logo quererão saber quem levou os indivíduos de nossa espécie a esses mundos estranhos. Urgina, você tomou alguma providência para enfrentar essa situação, que será inevitável?

O homem nascido em Bell-09 começou a suar. De um instante para outro viu-se colocado diante de um problema insolúvel. A primeira idéia que lhe veio à cabeça foi entrar em contato com Perry Rhodan para pedir um conselho. Mas logo abandonou esta idéia.

Sua voz lhe soou estranha enquanto falava no microfone do conversor de símbolos.

— Ooff, precisamos refletir para encontrar um meio de impedir que os filhotes saídos dos casulos de molkex emitam hiperimpulsos em direção a Tombstone. Dê-me um pouco de tempo, para conferenciar com minha equipe de cientistas.

— Fico às ordens para responder a qualquer pergunta — disse Ooff, o velho e sábio verme do pavor.

Depois disso o conversor de símbolos permaneceu em silêncio. Faro Urgina pegou o microfone do sistema de comunicação de bordo.

— Aqui fala o comandante. Surgiu o seguinte problema:... — seguiu-se uma descrição exata da hipótese. — Toda pessoa que encontrar uma solução deverá fazer o favor de apresentar-se imediatamente ao Capitão Yak. É o coordenador do assunto.

Um sorriso triste surgiu no rosto do Capitão Yak. Urgina desligou. Notou a expressão contrariada no rosto de seu oficial.

— Compreendo perfeitamente o que está sentindo, Yak. Acontece que em minha opinião o senhor é a única pessoa que talvez esteja em condições de encontrar um denominador comum para as sugestões que forem apresentadas. Não imagino como se pode impedir um verme do pavor que acaba de sair do casulo de emitir seus hiperimpulsos.

Clark Yak admirou a sinceridade de seu comandante. Precisava-se de certa coragem para dizer a um oficial que não se sabia nada sobre certo assunto.

— Gostaria de ter uma conversa rápida com nossos especialistas em hiper-rádio, senhor.

— Pois não, Yak. Faça o que julgar mais acertado.

No mesmo instante houve o primeiro chamado pelo sistema de comunicação de bordo.

Quatro pessoas que tinham concluído há pouco tempo um curso de extensão de conversores simbólicos queriam falar com Yak.

— Compareçam à sala de comando — ordenou este.

Dali a pouco quatro homens entraram na sala de comando. O sargento Lionel Erskine foi o porta-voz do grupo.

— O problema só pode ser solucionado por meio de um conversor de símbolos, senhor. Naturalmente será necessário adaptar o aparelho a essa tarefa específica. As modificações podem ser realizadas perfeitamente com os recursos de que dispomos a bordo da nave.

— Sargento, o senhor poderia ter a gentileza de explicar em que consistiriam essas modificações? — perguntou Yak.

— Naturalmente. A freqüência em que são expedidos os impulsos-símbolos dos vermes do pavor é conhecida. Nessa mesma freqüência nosso conversor transmite as palavras em forma de símbolos. Pelo que aprendemos no curso recém-concluído, qualquer verme gigante, jovem ou velho, está em condições de transmitir e receber símbolos com o mesmo comprimento de onda. Meus amigos e eu partimos deste princípio.

“Se colocarmos uma fita hipnosug à frente do conversor de símbolos, naturalmente esta fita não pode ser preparada por nós, pois só um dos vermes do pavor que se encontram lá fora poderá fazê-lo, e se entregarmos a cada verme do pavor um conversor com este acessório, deve ser possível impedir os vermes do pavor recém-saídos do casulo de transmitirem hiperimpulsos que contenham mensagens perigosas.”

Yak ouvira o sargento com um interesse cada vez maior.

— Como é preparada a fita hipnosug, sargento Erskine?

O sargento sobressaltou-se, juntamente com seus colegas.

— Como é preparada a fita hipnosug, senhor? Santo Deus, não sei. Por acaso vocês sabem? — perguntou, dirigindo-se aos três companheiros. Estes sacudiram a cabeça.

— Quem sabe se Ooff não pode ajudar-nos? — disse o Capitão Yak e ligou o microfone do conversor de símbolos.

Ficou perplexo ao notar que o verme do pavor entendeu imediatamente sua mensagem. Nem sequer foi necessário explicar o sentido das palavras “hipnose” e “sugestão”.

— Você não é Urgina, terrano.

O espanto do Capitão Yak cresceu. Não sabia como Ooff poderia descobrir a diferença. Para o ouvido do capitão não havia nenhuma diferença sonora na transmissão do conversor.

— Meu nome é Clark Yak, Ooff.

— Traga três fitas virgens, para que possamos prepará-las.

Os quatro especialistas em conversores de símbolos ficaram atordoados. O fato de um verme do pavor ser capaz de preparar uma fita hipnosug não queria entrar-lhes na cabeça.

— Onde estão as fitas? — perguntou Yak.

O sargento Erskine procurou controlar-se.

— Estão no depósito, senhor. Quer fazer o favor de acompanhar-me? Caso queira falar com o verme do pavor Ooff, o depósito ficará no caminho.

Enquanto caminhavam, o capitão perguntou se ainda havia três conversores de símbolos a bordo.

— Temos cinco, senhor. Mas são pequenos. Tão pequenos que tenho minhas dúvidas de que um verme do pavor seja capaz de ligá-los com as garras.

— Quando eu voltar, saberemos. É aqui?

Esperou na entrada do depósito. Erskine desapareceu no interior do mesmo. Quando voltou, entregou três fitas a Yak.

— Verifiquei pessoalmente, senhor. Estão virgens.

Dali a pouco Clark Yak desceu pela rampa, em direção ao lugar em que estava Ooff. Não se espantou ao notar que seu coração não palpitava enquanto se aproximava da gigantesca criatura. Sem conversor de símbolos não podia comunicar-se com a mesma.

“Como direi a ele que estou com as fitas?”, pensou Clark.

Mas estava se preocupando sem necessidade.

Ooff baixou a enorme cabeça esférica. Uma das garras retirou as três fitas de sua mão. O movimento do verme foi tão cuidadoso que Clark Yak quase não o sentiu.

Depois disso não aconteceu nada. O capitão não notou qualquer acontecimento extraordinário. Só viu Ooff permanecer imóvel, de olhos fechados.

A verme gigante voltou a baixar a cabeça.

“Vai devolver as fitas”, pensou Yak.

Realmente recebeu-as de volta. Sem querer, disse:

— Obrigado, Ooff!

Enquanto caminhava em direção à Kostana, sentiu-se assediado pelas primeiras dúvidas. Quando já se encontrava perto da sala de comando, as dúvidas tornaram-se mais fortes. Constatou que a bordo da nave não havia ninguém que fosse capaz de verificar uma fita hipnosug. Clark Yak não teve outra alternativa senão entrar em contato com Ooff, através do conversor de símbolos, a fim de certificar-se de que tudo estava em ordem. Também perguntou se um conversor automático de quarenta centímetros de comprimento não era muito pequeno para ser manipulado pelas garras de um verme do pavor.

— Yak, os filhotes de nossa espécie que saírem dos casulos de molkex receberão os comandos contidos nesta fita e em hipótese alguma expedirão uma mensagem para Tombstone, mas aguardarão pacientemente que suas naves os tragam de volta para o nosso mundo — a não ser que os conversores de símbolos falhem. Não se preocupe. Gostaria de falar mais uma vez com Urgina.

O major aproximou-se do Capitão Yak. Um silêncio carregado reinava na sala de comando. Não havia ninguém que não se impressionasse com a linguagem modesta de Ooff.

— Muito bem, Ooff, estou esperando para ouvir o que você tem a me dizer — disse Urgina para dentro do microfone.

— Nosso amigo Tyll Leyden, a quem queira transmitir nossos cumprimentos, sugeriu que, uma vez que passem da idade madura os indivíduos velhos que vocês levarão, alguns deles sejam levados de volta para Tombstone, para que aqui possam entregar seu ego. Acontece que os três indivíduos de nossa espécie que partem para a viagem com vocês desistem de rever Tombstone. Era só o que tinha a dizer. Meus cumprimentos, amigos.

Uma sensação estranha apoderou-se dos homens. Seria porque Ooff usara em sua despedida uma fórmula antiga, quase caída em desuso? Ou seria por simples acaso? Será que a formulação da despedida resultará de um conjunto de símbolos?

— Vamos decolar — ordenou Faro Urgina com a voz áspera. Sentiu-se emocionado e não conseguiu superar esse estado. Seria uma decolagem diferente de qualquer outra que ele já realizara.

— Bem que gostaria que pudéssemos ficar aqui, senhor — disse Clark Yak.

Urgina não respondeu. Sentia o mesmo desejo.

— Que nada! — acabou por retrucar com uma aspereza forçada, para reprimir o estranho sentimento. — Os vermes do pavor estão soltando outra onda emocional sobre nós. Só de pensar no que eles são capazes de fazer sinto calafrios.

Logo voltaram às tarefas rotineiras.

Os motores de impulsos da Kostana começaram a trabalhar. O dispositivo positrônico de bordo fixou a rota. Na fita perfurada emitida pela mesma apareceu um sinal de advertência sobre a região desconhecida da Galáxia na qual penetraria a espaçonave.

Urgina entregou a fita a Yak sem dizer uma palavra. Os dois fitaram-se com uma expressão estranha.

A eclusa da Kostana fechou-se. A rampa foi recolhida. Os motores de impulsos instalados na protuberância circular começaram a uivar. A pequena nave esférica foi subindo lentamente. A área em que a nave estivera pousada foi diminuindo nas telas panorâmicas. A cor do céu mudou. À medida que a nave subia, o azul foi-se tornando cada vez mais intenso e passou para o preto.

Tombstone, embaixo da espaçonave, girava em torno de seu sol.

 

Explorer 5207, Coronel Beto Hiesse para Kostana, Major Faro Urgina. Verde, 3,00,14, amarelo, 56,66,01, vermelho, 35,52,30. Distância do sistema Leyden: 6.403 anos-luz. Sistema condensado. Catalogado sob o nome de condensação de Hiesse. Total de 49 sóis, mais de metade com planetas. Cuidado! Efeitos gravitacionais e hiperenergias praticamente imprevisíveis. Distância média entre os sóis, de 0,3 a 0,5 anos-luz. Existem supergigantes e astros-anões, mas muito pesados. Aguarde próxima mensagem.

Coronel Beto Hiesse

Explorer 5207

 

— Até que enfim — disse Faro Urgina com um suspiro.

No mesmo instante começou a falar de si para si:

— Valor negativo no amarelo? Quando sairmos do semi-espaço ainda estaremos pelo menos mil e oitocentos anos-luz altos demais. Capitão Yak!

O capitão estava parado à frente do sistema positrônico, alimentando o computador com novos dados.

— Pois não — disse, sem olhar para trás.

— Olhe isto, Yak!

Yak pegou a placa perfurada com uma expressão de desconfiança. Também se espantou ao ver o amarelo com um valor negativo.

— Bem. Neste caso a 5207 abandonou o plano formado pela posição do nosso sistema solar e do sistema de Leyden. Temos que descer, major.

O major deu uma risada.

— Isso me faz muito feliz, Yak. O senhor fala objetivamente errado que nem eu. Vamos chegar a um acordo sobre onde é em cima e onde é embaixo no espaço cósmico?

A tripulação da sala de comando nunca vira seu major tão alegre e descontraído. Há várias horas a Kostana mantinha-se em posição de espera no semi-espaço, aguardando a mensagem simbólica enfeixada das duas naves Explorer. Do enorme salão em que estavam alojados os três vermes do pavor tinham vindo notícias preocupantes. Os animais pareciam muito nervosos. Até se recusavam a dialogar pelo conversor de símbolos.

A tensão começou a espalhar-se pela nave.

A Kostana corria para baixo no semi-espaço, em direção a um ponto situado a 1.800 anos-luz de distância.

A mensagem do Coronel Beto Hiesse foi transmitida aos três vermes do pavor. O momento em que seriam largados num mundo de oxigênio estava próximo.

Mas depois de duas horas, tempo padrão, Faro Urgina perdeu a paciência, e o Coronel Beto Hiesse, comandante da Explorer 5207, levou uma tremenda bronca:

— Os três vermes do pavor estão se fazendo de malucos e formularam um ultimato, isto é, fixaram um prazo de cinco horas, tempo padrão — comunicou Urgina. — Depois desse prazo considerarão o acordo rompido propositadamente por nós.

Três das cinco horas já tinham passado.

E não chegou outra mensagem, seja da Explorer 5207, seja da outra nave de sua classe.

A Kostana mergulhou no espaço normal. No mesmo instante soou o alarme gravitacional. A pequena espaçonave penetrara na estrutura espácio-temporal nas proximidades de um gigante gravitacional. Todos os conversores de reserva da nave entraram em ação. A Kostana agiu quase que às cegas para libertar-se do abraço mortal.

Gigantescas rodas de fogo atravessaram a tela panorâmica da sala de comando. A nave parecia cercada de sóis. As estrelas estavam numa proximidade inacreditável. A mensagem da 5207 mencionara o fato de que a concentração estelar era formada por 49 sóis. Mas a tela estava mostrando um verdadeiro inferno solar que os cercava de todos os lados.

— Kostana acelerando com metade dos valores normais, senhor — gritou um oficial para o major.

Esta informação contribuiu para deixá-lo ainda mais contrariado. Ele e seus tripulantes haviam cometido um erro grave. Antes de retornar ao espaço normal deveriam ter reconhecido na minúscula estrela um gigante gravitacional.

Usando todas as energias possíveis, a pequena espaçonave foi-se libertando do poderosíssimo campo gravitacional. Os controles de emergência foram acionados. Com isso, os dispositivos de segurança, que costumavam entrar em ação sempre que a solicitação gravitacional ultrapassava a marca dos cem por cento, foram bloqueados. Muitos ponteiros e escalas giratórias movimentavam-se na faixa vermelha. Do setor de máquinas vinha o uivo e o ribombar assustador dos mecanismos sobrecarregados. Por enquanto isso não representava nenhum perigo. Durante um tempo relativamente curto podia-se recorrer a uma sobrecarga de até cento e cinqüenta por cento. Mas depois de uma hora esse ato de potência se transformaria num ato de irresponsabilidade.

Os minutos pareciam arrastar-se.

Sentado na poltrona do co-piloto, Faro Urgina observava o painel de instrumentos. Os oficiais que lhe transmitiam novos dados tinham de berrar para superar o barulho das máquinas.

Depois de 18 minutos o perigo ficou reduzido a um nível insignificante. A Kostana abandonou a rota de escape e seguiu em direção ao ponto assinalado pelas coordenadas fornecidas pela Explorer 5207.

Mas, com isso, foram de mal a pior...

O major não acreditou no que seus olhos viam. Ponteiros voltaram a oscilar na faixa vermelha. O computador de bordo trabalhou ininterruptamente, sem chegar a um resultado definitivo. As pessoas que contemplaram a tela panorâmica tiveram certeza de nunca terem estado numa nave que passasse tão perto de vários sóis. Haviam 49 estrelas concentradas num espaço extremamente reduzido. Há bilhões de anos a concentração deslocava-se em direção a um sol três vezes maior que Betelgeuze.

O cosmonauta ficou desesperado. As falsas indicações não chegavam ao fim.

— O dispositivo positrônico da nave também nos está deixando na mão.

A aparelhagem já se recusara a trabalhar por três vezes.

— A situação em que nos encontramos é semelhante a uma entrada de porto na qual há milhares de recifes embaixo d’água — constatou Clark Yak.

— É isso mesmo! — confirmou Urgina.

— Gostaria de saber o que andou pensando o Coronel Hiesse quando entrou aqui com sua nave.

Dali a pouco conseguiu compreender o que levara o Coronel Hiesse a desempenhar sua tarefa nessa área, apesar dos milhares de “recifes” que dificultavam a navegação. O número de sóis que possuíam planetas era muito grande. Em comparação com a média da Galáxia, era um verdadeiro enxame de corpos celestes circulando em torno de seus sóis.

Urgina abanou a cabeça. Yak fitou-o com uma expressão indagadora. O major achou que devia uma explicação ao capitão. Apontou para os instrumentos, e depois para a tela panorâmica.

— Eu imagino como não devem ser as condições do centro da Galáxia, se aqui, a milhares de anos-luz de distância, encontramos tamanha turbulência — falou para si mesmo.

De repente os conjuntos da sala de máquinas silenciaram. A Kostana acabara de atingir o ponto de coordenadas previamente fixado. Prosseguiu em queda livre. O major lançou um olhar para o relógio. O ultimato dos três vermes do pavor pendia sobre sua cabeça que nem uma espada de Dâmocles.

O sistema de intercomunicação de bordo transmitiu o grito de júbilo vindo da sala de máquinas:

— Explorer 5207 chamando!

Tiveram de esperar um pouco. Segundo as ordens de Rhodan, no curso desta missão só seria permitido o intercâmbio de rádio por meio de símbolos transmitidos por raios direcionais. Ao lado de inúmeras desvantagens, estes raios tinham a vantagem de só poderem ser captados no setor espacial em direção ao qual eram irradiados. Graças a isso tornava-se impossível a escuta, praticada nas últimas modalidades de comunicação pelo hiper-rádio. As duas naves Explorer e a Kostana podiam ter certeza de que os blues não captariam nenhuma das mensagens trocadas no interior da concentração de Hiesse.

Finalmente a mensagem do Coronel Beto Hiesse foi transmitida, decodificada e ampliada para a duração normal:

 

Explorer 5207, Coronel Beto Hiesse chamando Kostana, Major Faro Urgina. Rota estabelecida: siga em direção...

O terceiro sol é do tipo G e possui oito planetas. O quarto planeta é um mundo de oxigênio com as características de Marte. Gravitação de 0,92 gravos. Temperatura média: 11,3 graus.

Recomendamos a seguinte rota, para abandonar a concentração de Hiesse sem maiores dificuldades:...

A Explorer 5207 prosseguirá em queda livre a uma distância de 30 anos-luz, em direção ao nosso sistema solar.

A Explorer 6955 mudou de rumo para dedicar-se novamente à tarefa anterior.

Coronel Beto Hiesse

Explorer 5207

 

A transmissão chegou ao fim. O Major Urgina sorriu.

— A 5207 preparou nossa rota. Por essa eu não esperava! Acontece que para os cientistas que fazem parte de sua tripulação, com os recursos de que dispõem, isso é uma ninharia. Economizamos muito tempo. Quer fazer a gentileza de informar nossos três hóspedes tão impacientes de que sua chegada a um planeta de oxigênio realmente é iminente?

O Capitão Yak transmitiu a informação aos três vermes do pavor, por meio do conversor de símbolos, mas não notou qualquer reação nos mesmos. Também não responderam. Saiu do recinto e saiu à procura do sargento Lionel Erskine. Encontrou-o juntamente com os três colegas. Todos estavam desesperados.

— Senhor, as três fitas hipnosug que Ooff diz ter preparado devem estar vazias, ou então meus amigos e eu não entendemos nada de conversores de símbolos.

Erskine estava muito pálido.

Clark Yak pôs-se a refletir intensamente. Agarrou-se a uma solução de emergência. Poderia mandar vir da Terra alguns conversores de símbolos com fitas hipnosug. Restava saber como os três vermes do pavor reagiriam diante da perturbação em seu processo de postura.

Falou em tom mais violento do que pretendia.

— Erskine, o senhor e seus amigos andaram se gabando de que poderiam fazer a adaptação dos conversores de símbolos. Está na hora de provar isso. Já pensou no que acontecerá se a coisa não der certo? Será a guerra, sargento Erskine, uma guerra que nem o Administrador Geral nem nós desejamos. O senhor e seus amigos representam o fiel da balança, meus caros. Façam as adaptações, para que essas malditas geringonças funcionem! Dentro de algumas horas devemos pousar no primeiro planeta. É o tempo de que os senhores dispõem.

 

Bell entrou no escritório de Perry Rhodan. Este pedira seu comparecimento.

Acomodou-se na poltrona que ficava à frente da escrivaninha e esperou para ouvir o que o amigo queria dizer-lhe.

Rhodan pegou uma placa.

— Há uma hora recebi um relatório da Explorer 6955. Como sabe, a 6955 e a 5207 receberam uma ordem expressa para vasculhar a área situada atrás do sistema de Leyden, em direção ao centro da Via Láctea, à procura de três mundos de oxigênio destinados a igual número de vermes do pavor.

— Não encontraram? — interrompeu Bell, assustado.

— Encontraram, sim. A 6955 já voltou à tarefa anterior. Já se retirou da missão, enquanto a 5207 permanece em posição de espera. Neste momento a Kostana provavelmente está descarregando o primeiro verme do pavor. Reflita um pouco, gordo, para descobrir algum detalhe que esquecemos e as conseqüências que forçosamente resultarão de tal esquecimento.

Reginald Bell pôs-se a refletir. Recapitulou mentalmente, em ordem cronológica, toda a seqüência de fatos.

O verme do pavor seria descarregado e, por meio de seus raios energéticos, começaria imediatamente a fundir um labirinto na rocha. Seguir-se-ia a postura dos ovos e a morte do velho verme do pavor. Dos ovos sairiam os gafanhotos córneos, que se multiplicariam com uma rapidez extraordinária, por subdivisão. Tudo que crescia na superfície do planeta seria devorado, e simultaneamente haveria a secreção de molkex pelos vermes. Os bilhões de gafanhotos que devoram tudo, morreriam. Haveria uma concentração do molkex, seguida da formação de casulos, dos quais sairiam novos vermes do pavor.

Bell abanou a cabeça.

— Não me lembro de nada, Perry. Se a Kostana cumprir rigorosamente as ordens recebidas, tudo sairá de acordo com os planos.

— Sim, de acordo com os planos, gordo. Será tudo planejado com tamanha precisão que até poderemos fixar o dia em que irromperá a guerra com os blues.

— O quê? — Bell franziu a testa. Voltou a fazer uma recapitulação ligeira de todos os pontos, mas não descobriu nada de anormal.

— Eu mesmo só me lembrei há cinco minutos, gordo. Ninguém se lembrou de que todo verme do pavor recém-nascido se comunica por meio de hiperimpulsos com o planeta Tombstone.

Bell estremeceu. Arregalou os olhos.

— Para que servem nossas equipes científicas? — exclamou, furioso.

A pergunta tinha toda razão de ser. Os especialistas que haviam cuidado do transporte dos vermes do pavor deviam estar cegos.

Rhodan apontou para uma pasta que se encontrava a seu lado.

— Examinei este dossiê e nele não encontrei uma única palavra sobre os hiperimpulsos que os vermes do pavor emitem assim que saem do casulo. Foi por puro acaso que me lembrei disso, Bell. Estava trabalhando num assunto bem diferente. De repente a idéia surgiu em minha cabeça. Foi por isso que mandei chamá-lo. Resta saber o que devemos fazer para consertar o estrago.

— Meus parabéns, Perry! — disse Bell, que parecia completamente desligado do assunto.

— Não compreendo.

— Lembre-se de como você ficou nervoso ao dar a ordem de buscar os três vermes do pavor em Tombstone e soltá-los em planetas adequados. Agora você conhece o motivo. Os responsáveis agiram com uma negligência imperdoável. De qualquer maneira, sei o que podemos fazer. Devemos mandar a nave mais rápida que possuímos atrás da Kostana. Esta nave irá aos três planetas em que foram colocados os vermes do pavor. Levarão conversores de símbolos com fitas hipnosug. Se agirmos imediatamente, os três indivíduos ainda estarão ocupados na construção de suas cavernas na rocha. Chegaremos em tempo.

Perry Rhodan levantou-se.

— Faça o favor de acompanhar-me — disse.

Saíram apressadamente do escritório. Entraram no elevador antigravitacional e subiram ao campo de pouso construído na cobertura do edifício. Rhodan dirigiu-se ao planador mais rápido. O piloto-robô ativou automaticamente o aparelho, assim que captou os impulsos individuais de Rhodan.

— Vamos para a pesquisa, setor dezoito — ordenou Rhodan.

A porta de entrada fechou-se atrás de Bell. O robô fez decolar o planador, que ergueu-se do campo de pouso.

— Setor dezoito, Perry? Os peritos em vermes do pavor mudaram de endereço?

— No momento não estou interessado neles, Bell. Quero falar com os cientistas que estudam a área dos impulsos. Sua idéia de um conversor com fita hipnosug é simplesmente formidável. Mas em minha opinião tem um pequeno defeito.

— Que defeito é esse? — perguntou Bell, desconfiado, fitando Rhodan de lado.

— Como você imaginou mesmo a fita hipnosug? Que espécie de impulsos hipno-sugestivos devem ser gravados na mesma? Impulsos provenientes de seres humanos? Realmente acredita que os vermes do pavor reagiriam aos mesmos, deixando de irradiar hiperimpulsos para Tombstone?

O planador passou em alta velocidade sobre o oceano de edifícios de Terrânia. Os dois ocupantes não tinham olhos para o panorama deslumbrante. Bell olhava fixamente para a nuca metálica do robô. Disse alguma coisa a si mesmo; parecia que estava praguejando. Perry Rhodan acabara de levantar um problema cuja solução não seria nada fácil.

— Os impulsos mentais dos vermes do pavor estão guardados em nossos registros, Perry. O tal do Tyll Leyden nos forneceu uma base de comparação, com o conversor de símbolos através do qual conversou com Ooff em Tombstone. Diante disso deve ser relativamente simples... — estacou e esfregou o queixo. — Não, você tem razão. Gravar em fita uma série de impulsos mentais que possam produzir efeitos hipno-sugestivos nos vermes do pavor realmente é um problema infernal. Acha que os homens que tratam dos impulsos encontrarão uma solução?

— Sozinhos, não. Mas é possível que com Nathan, o computador positrônico gigante, consigam descobrir.

O planador fez a aproximação para o pouso, descansou suavemente sobre a cobertura de um edifício e parou. Rhodan e Bell saíram do veículo. Entraram no elevador antigravitacional e desceram onze andares. As pessoas que passavam por eles não conseguiam disfarçar a curiosidade.

Quando entraram na sala em que se encontravam os cientistas dos impulsos, provocaram um grande alvoroço. Perry Rhodan disse que desejava falar com o chefe da equipe de pesquisas de impulsos mentais. Um homenzinho desajeitado de cavanhaque aproximou-se.

— Timothy Alvesleben, senhor.

— Onde fica seu escritório?

— Aqui mesmo, senhor. Neste lugar. Apontou para uma escrivaninha sobre a qual havia pilhas enormes de pastas, e que não era a única existente no grande salão.

Bell procurou imaginar o barulho que muitas vezes se devia ouvir por ali. Diante disso perguntou:

— O senhor é capaz de trabalhar com tamanho barulho, senhor Alvesleben?

— Preciso de uma cortina sonora viva para poder concentrar-me, senhor. Sentem-se por favor.

Fez uma mesura que revelava seu estado de inibição.

“Este Alvesleben também não conseguirá solucionar o problema”, pensou Bell. Mas Rhodan teve uma opinião muito diferente a seu respeito. Não deu atenção aos movimentos desajeitados do homem. Uma pessoa que conseguia chegar ao cargo de chefe de equipe de um setor de pesquisa devia ter qualidades extraordinárias.

— Alvesleben, o problema é o seguinte...

Enquanto Rhodan explicava o problema, Bell observou o homenzinho. Espantou-se com a modificação que se processou em Alvesleben de um instante para outro. O cientista parecia irradiar autoridade. Por três vezes Timothy Alvesleben tomou a liberdade de interromper o chefe com perguntas. Dispensou as fórmulas de cortesia, que só serviriam para roubar seu tempo.

— É um problema muito difícil, senhor. O computador positrônico instalado na Lua não poderá ajudar-nos muito. O senhor disse que o problema deve ser resolvido dentro de dez horas? É impossível, senhor, completamente impossível.

— Por quê? — perguntou Rhodan em tom penetrante.

— Porque nesta área nossos conhecimentos sobre os vermes do pavor são nulos. Quando os combatemos, nossas armas que trabalham no setor hipnótico ou sugestivo falharam por completo. Estamos numa área inexplorada. Não cometerei nenhuma heresia ao afirmar que os vermes do pavor não são influenciáveis por via hipno-sugestiva.

— Já soube que as forças mentais unidas dos vermes do pavor de Tombstone desviaram uma nave de molkex de sua rota e a fizeram cair no sol de Leyden?

— Ouvi falar sobre isso, senhor. Tomei conhecimento da ocorrência. Que mais poderia fazer? Não dispomos de dados precisos sobre o fenômeno. Ainda lhe peço que considere outra circunstância. Um verme do pavor não é um ser vivo no sentido geralmente aceito. Pelas faculdades técnicas estes seres deveriam ser classificados como robôs. Basta lembrar o poder de emitir hiperimpulsos, de disparar raios energéticos e de nutrir-se com a energia de um sol não muito distante. Acontece que são exatamente o contrário. São vida, mas uma forma de vida sem paralelo.

E continuou:

— Permita que eu faça uma sugestão, senhor. Mande levar fitas hipnosug virgens para Tombstone e peça ao porta-voz dos vermes do pavor que grave seus impulsos hipnosug nas mesmas.

Num gesto impulsivo que era típico de sua pessoa, Bell bateu com tamanho entusiasmo no ombro de Alvesleben que fez este dobrar os joelhos:

— Muito obrigado, senhor Alvesleben. Bom dia.

O cientista não conseguiu retribuir o cumprimento.

O planador levou Rhodan e Bell de volta. Pediram uma ligação com a estação central de rádio e disseram que desejavam falar com Atlan, cuja nave-capitânia já devia ter chegado à área de tensão situada entre os territórios dos humanos e dos blues.

A ligação foi estabelecida. Rhodan comunicou suas preocupações ao arcônida. Os olhos de Atlan revelaram certo sobressalto.

— Enviarei imediatamente um cruzador da classe Cidade da última série para Tombstone, Perry. Não colocarei três fitas nessa nave, mas encherei a mesma com fitas. Se o tal do Ooff for capaz de gravar impulsos hipno-sugestivos numa fita, mandaremos confeccionar tantas fitas que no futuro nunca mais precisaremos consertar situações deste tipo. Concorda, Perry?

— De acordo. Diga ao comandante que o vôo deve ser realizado nas mesmas condições da Kostana. A troca de mensagens de rádio só poderá ser feita por meio de símbolos transmitidos por raios direcionais.

 

Lionel Erskine era sargento e servia a bordo da Kostana. Além disso era técnico de conversores de símbolos. Olhou para o relógio. Dali a uma hora e dez minutos a espaçonave pousaria no primeiro planeta de oxigênio. Até lá o conversor de símbolos com o respectivo acessório deveria ser posto a funcionar.

Três companheiros seus examinaram pela enésima vez o circuito de saída. Tinham desmontado dois aparelhos, para certificar-se de que as ligações do conversor com a qual estavam trabalhando realmente estavam em ordem.

— Droga! — suspirou Hal Pillar, atirando sobre a mesa de ensaios a ferramenta com a qual estivera trabalhando. — Desisto! Quem quiser que experimente esta geringonça.

Olhou obstinadamente para o lado e acomodou-se numa poltrona articulada. Ficou ainda mais obstinado ao retribuir o olhar enérgico de Lionel Erskine.

— É, pelo que estou vendo, vou ser deixado na mão — disse Erskine num tom propositadamente agressivo.

Hal Pillar não reagiu.

Seu exemplo foi contagiante. Dali a cinco minutos Aurel Gargin também começou a praguejar, enfiou as mãos nos bolsos e assobiou uma melodia.

Este comportamento também só mereceu uma observação mordaz de Erskine.

Walter Zims, que parecia bastante contrariado, enfiou violentamente um bloco de comandos na respectiva trilha. Graças à construção sólida do conversor de símbolos, o tratamento inamistoso não causou dano ao mecanismo.

— Não adianta — resmungou Zims. — Por que vamos iludir-nos? Eu lhe fiz uma pergunta, Lionel. Foi você que teve essa idéia fabulosa. Foi você que nos arrastou até a sala de comando, para falarmos com o comandante. Foi você que abriu a boca. E, agora, todos nós passamos por convencidos. Você pelo menos poderia responder quando alguém lhe faz uma pergunta. Por que devemos enganar-nos a nós mesmos, dizendo que entendemos alguma coisa disto? Não entendemos coisa alguma! Somos uns principiantes, ou então as fitas estão virgens e o tal do Ooff nos fez de bobos.

Walter Zims sentou num banco.

Três homens acabavam de largar o trabalho. Três conversores de símbolos pequenos haviam sido desmontados. O sargento Lionel Erskine levantou-se. Lançou um olhar para Hal Pillar, para Aurel Gargin e para Walter Zims. Depois disse em tom frio:

— Isto é uma ordem! Vamos para o trabalho. Enfatizo a palavra trabalho. Isto significa que também devemos forçar a cabeça. Se não fizerem isso, conhecerão o outro lado do sargento Erskine, um lado com o qual ainda não estão familiarizados. Não se preocupem. Não os denunciarei ao major. Saberei arranjar-me sem vocês. Querem uma prova?

De repente Hal Pillar não pôde deixar de fixar os olhos nas duas medalhas que Erskine trazia sobre o peito. A ordem da cauda do cometa ainda não fora conferida a cem pessoas em toda a Frota! E Lionel Erskine já a usava há quatro anos. E há quatro anos fizera jus, graças à sua atuação em Berleban, no setor de Orion, ao anel de Saturno de 1a classe. Se não fosse sua intervenção, três espaçonaves do Império teriam sido destruídas.

As condecorações hipnotizaram Hal Pillar. Levantou-se da poltrona articulada e procurou assumir uma atitude obstinada. Mas ele mesmo teve de constatar que não conseguiria.

Erskine fitava-o ininterruptamente. Pillar pegou as ferramentas que acabara de atirar sobre a mesa de ensaios. Erskine continuava a fitá-lo.

— Está aparecendo alguma coisa em mim? — perguntou Pillar em tom agressivo.

— Você é um amotinado!

— Nunca esquecerei que você me disse isso, Lionel! — ameaçou Pillar.

— Eu também não esquecerei. Mas vamos aguardar. Vejamos quem consegue dar o primeiro lance, meu caro cabo Pillar. Faça o favor de usar a cabeça além das mãos! Ainda dispomos de vinte e cinco minutos até o pouso da nave. Neste vinte e cinco minutos não teremos ura minuto de descanso. Entendido?

Lionel Erskine não se iludiu. Não havia clima para um trabalho produtivo.

Walter Zims, que voltou a segurar o medidor de fases, teve uma expressão tão obstinada no rosto que era de se esperar que a qualquer momento atiraria o aparelho contra a parede. Aurel Gargin deixou correr a fita a seu lado. Atrás deles Erskine trabalhava com a regulagem intermediária do computador positrônico.

— Mais caldo? — perguntou Pillar.

Gargin não levantou os olhos.

— Suba mais dez por cento.

Pillar aumentou o suprimento de energia em dez por cento.

— Nada — resmungou Aurel Gargin. — Nem consigo modificar a velocidade do transportador de fita. Gostaria...

Walter Zims, que se encontrava a seu lado, estremeceu.

— Deixe-me ver! — aproximou-se, empurrando os outros para o lado. Lionel Erskine não lhe deu atenção. Sentia-se satisfeito porque a tensão estava diminuindo.

Zims pegou outro aparelho.

— Aqui está tudo claro — disse de si para si. — Aqui também. O mecanismo de freio e de comando. Hum... vamos experimentar desta forma.

Voltou a descansar o aparelho.

— O que andou fazendo? — perguntou Gargin.

Zims fez como se não tivesse ouvido a pergunta.

— Mande mais caldo, Pillar.

— Está ligado.

— Lionel! — gritou Gargin. — Venha com o medidor de variofreqüências e procure medir a saída.

Lionel pôs a mão na prateleira e tirou o instrumento. Não sabia aonde Aurel Gargin queria chegar. Mas preferiu não fazer perguntas.

— Coloque aqui, Lionel! — disse Gargin, apontando para certo lugar.

O sargento atravessou toda a escala do instrumento.

Este não deu sinal de vida.

— Nada, Lionel?

O que estaria esperando o Zims?

— Nada. Até eu quase chego a acreditar que as três fitas estão vazias. Mas ainda temos um pouco de tempo. O que está fazendo, Zims?

Será que Zims não ouvira a pergunta?

Erskine olhou-o por cima do ombro.

— Está mudando a ligação? Por quê?

— Nem sabemos se com os vermes do pavor as rotações também são feitas no sentido horário — respondeu Walter Zims sem levantar os olhos.

Hal Pillar deu uma risada irônica. Gargin fez um sinal de desprezo. Zims já mudara a ligação.

— Vamos começar tudo de novo!

Diante das circunstâncias, Zims acabara de assumir o comando da equipe de quatro homens.

Lionel Erskine saiu do zero e passou para a primeira faixa de seu medidor de vario freqüências.

Não aconteceu nada, conforme se esperava. Passou para a faixa seguinte. Walter Zims manipulava a velocidade da fita.

— Passou? — limitou-se a perguntar.

— Passei. Irei para a terceira faixa — respondeu o sargento.

— Não adianta! — afirmou Aurel Gargin.

Sua previsão parecia confirmar-se. O pequeno instrumento de medida de Erskine só tinha seis faixas. As faixas 5 e 6 correspondiam às freqüências dos hiperimpulsos. Atrás delas não havia mais nada, segundo afirmavam os aconenses, os arcônidas e os cientistas terranos. Mas desde o momento em que se travara conhecimento com os vermes do pavor, muita gente passou a duvidar disso.

Lionel Erskine soltou um gemido e olhou para o relógio. Se a Kostana pousasse pontualmente, poderiam encerrar seu trabalho improdutivo dali a dezoito minutos.

— Faixa seis! — anunciou Erskine.

Demonstrando uma paciência admirável, Zims regulou a velocidade da fita hipnosug.

O medidor de variofreqüências trabalhava na faixa para a qual era regulado, com base num processo de rastreamento positrônico.

De repente o ponteiro se moveu, atravessou rapidamente a escala e entortou-se no pino.

— Pare! — gritou Lionel Erskine. — Meu Deus, quebramos e medidor de variofreqüências! — seus olhos brilhavam, e seu coração exultava ao ver Zims rir a seu lado.

— Que idiotice! — gritou Walter Zims, procurando reduzir seu mérito consistente na descoberta de que entre os vermes do pavor os giros normalmente são feitos no sentido anti-horário. Enquanto a interminável fita corria no sentido errado, o conversor de símbolos recebia impulsos que não lhe diziam nada. Graças à sua estrutura, ele nem os transferia aos diferentes estágios, mas simplesmente os apagava.

O sargento mandou que Aurel Gargin fosse ao depósito para trazer outro medidor de variofreqüência. Este aparelho permitiria a Zims regular exatamente a velocidade da fita.

— Será que o conversor de símbolos também transmitirá impulsos hipno-sugestivos, aos quais os jovens vermes do pavor reagirão? — perguntou Hal Pillar.

Não havia nenhuma hostilidade em sua voz.

— Não senti nenhuma influência sugestiva — explicou Gargin.

— Ainda bem — disse Zims. — Se tivesse sentido, você seria um verme do pavor. Além disso, preocupações desse tipo representarão uma simples perda de tempo. Diante da inteligência que se costuma atribuir aos vermes do pavor, não seria de esperar que cometessem uma tolice. De quanto tempo ainda dispomos?

Lionel Erskine olhou para o relógio.

— Justamente do tempo suficiente para aprontar este conversor. Acho que em seis minutos conseguiremos, se todo mundo puser mãos à obra. A Kostana pousará dentro de seis minutos.

Entreolharam-se. Todos pareciam ter esquecido a discussão que haviam travado há pouco. O orgulho que sentiam por terem cumprido a tarefa fez com que todos trabalhassem com entusiasmo. Nem ouviram o Capitão Yak entrar. Ele não trazia muitas esperanças. Mas quando viu os quatro tripulantes colocarem o revestimento do conversor de símbolos, seus olhos brilharam, dando-lhe nova esperança.

Finalmente Walter Zims notou sua presença.

— O capitão está aqui — disse, dirigindo-se a Erskine.

O sargento apresentou seu relato.

— Senhor, o conversor de símbolos com o respectivo acessório está em condições de funcionar, se estivermos avaliando corretamente o processo de hipno-sugestão dos vermes do pavor!

Um ligeiro abalo sacudiu a Kostana. O veículo espacial acabara de pousar num mundo de oxigênio desabitado, para largar um dos três vermes do pavor.

— Acabam de terminar o trabalho? — perguntou Yak.

— Terminamos há seis minutos, senhor — respondeu Lionel Erskine, orgulhoso. — O cabo Zims descobriu a origem do problema.

O cabo interveio na conversa.

— Isso não tem muita importância, senhor. Estávamos a ponto de desistir. Se não fosse o sargento Erskine, a esta hora estaríamos escondendo o rosto de vergonha. Ele nos pôs a trabalhar. Não me pergunte como.

O Capitão Clark deu uma risada. Lançou um olhar ligeiro para o sargento. Imaginava que o mesmo devia ter esquentado o inferno para os três cabos. Então Clark voltou ao assunto:

— Como devo interpretar a restrição que o senhor acaba de formular, sargento?

— Não temos meios de verificar se os impulsos emitidos pela fita hipnosug influenciam os vermes do pavor.

Yak refletiu.

— Geralmente o caminho mais simples é o melhor. Perguntaremos ao verme do pavor que será descarregado aqui e lhe pediremos que ponha a funcionar o conversor com o respectivo acessório. Depois disso deverá estar em condições de informar se sofreu qualquer influência sugestiva e o que significavam as paraordens. Erskine, chame um robô trabalhador para que leve o aparelho para fora.

— Podemos ir também, senhor? — perguntou Erskine.

— Naturalmente. Afinal, se nossa missão ainda se transformar num êxito completo, devemos isso aos senhores.

 

Na última mensagem da Explorer 5207, os sistemas em cujos planetas seriam descarregados os vermes do pavor não foram identificados pela designação usual EX, mas pela palavra “Labin”, que era uma abreviatura da expressão “laboratório de incubação”.

Quando os tripulantes da Kostana desceram a rampa, seguindo o verme do pavor, os mesmos tiveram a impressão de que estavam penetrando numa porção de ar incandescente.

Havia dois sóis no céu verde. Uma delas era uma estrela gigante, enquanto a outra era pequena e derramava uma luz branca como a neve. Qualquer ser humano que se atrevesse a olhar para este sol ficaria cego por algumas horas. Um vento quente forte e constante uivava em torno dos homens. Estes tiveram a impressão de que não conseguiriam respirar e o suor porejava-lhes por todo o corpo.

— Aqui ninguém pode viver! — exclamou um dos oficiais, exausto. Outro homem apontou para o tapete de musgo verde-claro que se estendia até a parede de rocha marrom-avermelhada.

Subiram no tapete de musgo e afundaram até os joelhos. Parecia macio que nem seda e apresentava uma estranha tecitura de fios grosseiros. Um homem arrancou um pedaço. No mesmo instante ficou completamente molhado com uma infinidade de esguichos muito finos.

— Já compreendo por que durante a manobra de aproximação não vimos um único lago. Foi só esta vegetação verde-clara! — exclamou o Capitão Yak, perplexo. — Este musgo é um gigantesco reservatório de água.

Também fez sua experiência. Enfiou a mão no musgo, arrancou o que conseguiu segurar e deixou que a água fria o molhasse.

O exemplo de Yak fez escola. As duas dezenas de homens que seguiam o verme do pavor — este já tinha uma boa dianteira e estava parado junto ao paredão de rocha — paravam constantemente, arrancavam pedaços de musgo e liberavam veios de água que os molhavam.

Dessa forma a atmosfera impregnada de calor tornou-se um pouco mais suportável. O estado de ânimo dos homens melhorava constantemente. Caminharam cada vez mais depressa em direção ao paredão marrom-avermelhado, em cujo interior pretendiam fundir uma caverna para o verme do pavor.

Normalmente os vermes do pavor executam este trabalho no início da idade de postura. Inicialmente, porém, não se previra que os indivíduos desta espécie deixariam de cumprir esta tarefa. Acontece que pouco antes do pouso os três vermes gigantes haviam dito ao major que não dispunham de tempo para isso. Haviam dito também que estavam prestes a perder seu ego, e os humanos teriam de ajudá-los, pois haviam sido eles, os humanos, que levaram tanto tempo para descobrir os planetas em que poderiam ser deixados.

Faro Urgina concordara prontamente. Por isso duas dezenas de homens estavam a caminho do paredão, juntamente com alguns robôs trabalhadores, a fim de fundirem uma caverna para o verme do pavor.

Enquanto a rocha começava a derreter sob a ação dos raios energéticos concentrados e o calor nas proximidades tornava-se ainda mais forte, o Capitão Yak, o sargento Erskine e os três cabos perguntaram ao verme do pavor o que eles desejavam saber.

— Por que os terranos duvidam da palavra de nosso porta-voz Ooff? — disse a voz transmitida pelo conversor de símbolos.

Yak insistiu em que fosse feita pelo menos uma experiência com a fita hipnosug, mas logo se viu que o pensamento do verme era inteiramente lógico.

— Querem que sob a influência da compulsão hipno-sugestiva eu desista da tarefa de minha vida e abandone meu ego sem ter feito nada pela conservação de minha espécie? — perguntou.

Os homens tiveram que dar-se por satisfeitos. Tentaram explicar ao verme do pavor o funcionamento do conversor de símbolos e a forma de manipular seus controles, mas o verme do pavor respondeu com uma observação:

— Só vocês sabem que somos seres inteligentes, mas confiam menos em nós que os benévolos, para os quais não passamos de feras selvagens.

O Capitão Yak ordenou aos quatro homens que voltassem para a Kostana. Enquanto caminhavam para a nave, ninguém disse uma única palavra. Só voltaram a conversar no interior da nave. Ninguém se sentia muito contente com a lição que o verme do pavor lhes dera com sua última observação.

Hal Pillar deu vazão à sua contrariedade, mas logo foi interrompido pelo Capitão Yak.

— Seu ponto de vista não é correto, Pillar. Realmente cometemos um erro em não confiar na capacidade técnica do verme do pavor. Isto nunca deveria ter acontecido. Mas não daremos prova de muita inteligência se não estivermos dispostos a receber lições de outras raças.

— Acontece que ainda não sabemos se aquela fita realmente irradia hipno-impulsos — objetou Pillar.

— Quanto a mim, não tenho a menor dúvida de que a fita irradiará estes impulsos — disse Yak em tom convicto. — O senhor também deveria dar-se por satisfeito com isso, Pillar.

Duas horas depois dessa conversa a Kostana decolou em direção a Labin 2, o nono planeta de um grande sistema que possuía um total de vinte e um planetas, onde seria descarregado o segundo verme do pavor.

Com a operação de fixação de rota, a Explorer 5207 prestara um serviço inestimável à Kostana. O pequeno veículo espacial, que não media mais de cem metros de diâmetro, foi-se aproximando de Labin 2, passando entre imensos campos gravitacionais, reforçados a cada instante por hiperenergias que irrompiam entre eles. A rota levou-os através da concentração de Hiesse. Só aqui se teve uma visão real da inacreditável proximidade dos diversos sóis. E a concentração era cercada de todos os lados por um verdadeiro oceano de estrelas. Em alguns pontos este tinha o aspecto de uma muralha que ninguém conseguiria atravessar.

Ali tinha-se uma visão clara do que aconteceria aos humanos se estes um dia chegassem ao centro da Galáxia. Muitos astrofísicos eram de opinião que o centro da Via Láctea era uma zona cheia de hidrogênio incandescente, onde sóis submergiam e outros sóis nasciam. Os cientistas ficaram muito decepcionados quando notaram que as fotografias do planetário de Impos não revelavam nada sobre as condições reinantes no centro da Via Láctea.

Pela terceira vez tornou-se necessário fazer um novo ajuste do sistema de rastreamento energético da sala de comando da Kostana. Também três vezes o Major Faro Urgina observara que os campos defensivos da nave foram solicitados ao máximo de sua potência. Ninguém soube dar uma explicação física para estas cargas energéticas. Lamentaram a proibição de comunicar-se livremente pelo rádio. Gostariam tanto de chamar a Explorer 5207, que se mantinha em posição de espera, para pedir a esta que lhes desse uma interpretação dos fenômenos.

A equipe científica da nave exploradora certamente estaria em condições de fornecer uma explicação sobre as perturbações verificadas em seu sistema de rastreamento. Se não fosse o computador positrônico, a nave estaria perdida em meio a esta condensação esférica de estrelas. Nem se podia pensar em passar para o vôo linear no semi-espaço. Faro Urgina consultara o computador a este respeito, mas além de uma advertência enérgica só recebera um terminante “impossível” incluído na mensagem codificada.

Bastante contrariado, Urgina continuava a examinar a chapa de plástico. No momento a Kostana desenvolvia 0,83 vezes a velocidade da luz. A pequena espaçonave aproximava-se das coordenadas que a Explorer 5207 lhe recomendara. A partir dali o veículo espacial prosseguiria no semi-espaço, onde atingiria Labin 2 em vôo linear. No momento a distância era de 3,95 anos-luz.

Urgina virou-se para Yak e fez sinal para que ele se aproximasse.

— O que acha, Yak? — perguntou, entregando-lhe a placa fornecida pelo cérebro positrônico.

Yak leu com muita atenção os sinais codificados. Fitou o comandante e disse:

— A nave exploradora tem um computador bem maior que o nosso. E graças à sua equipe científica, a sala de comando dessa nave deve dispor de um volume muito maior de dados que nós. Só assim se explica que a 5207 nos tenha sugerido o ingresso imediato no semi-espaço. O senhor acha que podemos agir de outra forma, major? Os dois vermes do pavor que temos a bordo estão quase morrendo. Se não fizermos tudo que estiver ao nosso alcance para descarregá-los quanto antes, será um desastre.

— Acredita que neste caso os vermes do pavor emitirão hiperimpulsos para acusar-nos de termos violado o contrato?

Urgina fitou o capitão com uma expressão tensa.

— Isso mesmo, major! — respondeu Yak em tom firme.

Faro Urgina adiou sua decisão. A advertência de seu cérebro positrônico de bordo pesava bastante. Teve suas dúvidas sobre se o pessoal da 5207 calculara sua rota com o necessário cuidado.

— Decida logo, major — advertiu Yak. — Levaremos menos de um minuto para atingir o ponto assinalado pelas coordenadas que nos foram fornecidas. Não se esqueça de que dificilmente teremos possibilidade de calcular nossa própria rota. Além disso o vôo no espaço normal consumiria algumas décadas.

Vinte e oito segundos antes do momento em que a Kostana atingiria o ponto previamente fixado no interior da concentração estelar, o Major Urgina tomou sua decisão:

— Entraremos no semi-espaço!

A reação do piloto foi imediata. Os maquinismos da nave reagiram prontamente aos controles. Um rugido sacudiu a Kostana.

A seguir veio a fase de transição. Diante do primeiro aviso, concluiu-se que uma catástrofe era iminente. O rastreador de relevo falhara, e era o único meio de orientação no semi-espaço.

A tela estava apagada. Não se via uma única sombra. Três homens retiraram o revestimento.

— Fiquem longe disso — disse o Capitão Yak, que se aproximou tranqüilamente.

O Major Urgina não interveio. Clark fizera vários cursos sobre rastreadores de relevo. Entre os homens que se encontravam a bordo da nave, era o que havia concluído o maior número de cursos.

Pediu certos aparelhos de controle, que lhe foram entregues apressadamente.

— Dou-lhe dez minutos, Yak. Em hipótese alguma me arriscarei a correr pelo semi-espaço por mais tempo.

Urgina, o homem nascido em Bell-09, acabara de dirigir um ultimato ao capitão.

— Até lá descobrirei o defeito, major — respondeu Yak, sem tirar os olhos do aparelho. — Se é que existe um defeito — acrescentou.

— O que quer dizer com isso, Yak?

O capitão não teve tempo para conversar. O comandante teria de esperar.

— Quero a projeção dos mapas! — ordenou o major.

Depois da decolagem de Labin 1, haviam sido tiradas fotos em direção a Labin 2, por meio do telescópio eletrônico. O computador positrônico de bordo forneceu a projeção numa questão de segundos. As reproduções mudavam constantemente, parecendo mostrar novas regiões a cada instante. Mas uma pessoa conhecedora do assunto saberia que não era assim. Fotografias em infravermelho eram substituídas por outras em ultravioleta, e estas eram tiradas, por sua vez, em diversos comprimentos de onda.

Quando a oitava fotografia foi projetada na tela, os homens que se encontravam na sala de comando tiveram a impressão de que uma mão invisível lhes comprimia a garganta.

A Kostana voava diretamente para uma rádio-estrela invisível!...

Não poderiam sair do semi-espaço e mergulhar no espaço normal naquele momento, nem dali a dez minutos. O pequeno veículo espacial teria de permanecer por mais algum tempo na área de libração.

— O que houve? — perguntou Yak, que sentiu a aflição reinante na sala de comando.

Sem dizer uma palavra, Urgina apontou para a projeção.

Clark Yak foi informado sobre o comprimento de onda em que havia sido tirada a fotografia.

— Neste caso não tenho mais nada a fazer no rastreador de relevo. Mas gostaria de dizer umas boas aos idiotas da 5207. Não poderiam ter-nos informado de que esta maldita radioestrela irradia ondas desdobradas? Calling, traga as grades três e dezessete. Acho que com elas conseguiremos resolver o caso.

Aquilo que Clark Yak chamara de grades antes pareciam peças de gelatina em folhas. Mas as áreas lapidadas eram feitas de um material duro que nem aço.

Clark Yak arrancou alguns contatos do rastreador de relevo, abriu o revestimento na parte superior do aparelho e enfiou as grades.

— Liguem! — ordenou.

Os contatos ligaram-se com um estalido. O rastreador de relevo voltou a receber seu suprimento de energia, mas continuou morto.

— Desliguem!

Yak esperou que o aparelho fosse desligado. Colocou a grade 17 à frente da grade 3.

— Liguem!

O olho da Kostana voltou a funcionar. A tensão reinante na sala de comando diminuiu.

— O que são ondas desdobradas, Yak? — perguntou Urgina.

— É um nome que se usa à falta de uma palavra mais adequada para designar um fenômeno inexplicável. Diante das radioestrelas de certo tipo verificou-se invariavelmente a falha dos rastreadores de relevo de uma nave em vôo linear. Pelo que se diz, esta falha é provocada por uma superposição múltipla de todas as hiperondas. Para corrigir o defeito, basta colocar as grades três e dezessete à maneira de uma peneira na frente do setor de entrada do aparelho. Até mesmo o Professor Kalup gostaria de saber por que, como aconteceu aqui, a grade dezessete muitas vezes tem de ser colocada à frente da grade três. Além disso ainda não se encontrou qualquer resposta à pergunta principal: por que as grades provocam esse efeito? Todas estas observações foram feitas há menos de seis meses.

— Isso não me deixou mais inteligente que antes — disse Urgina, contrariado. — As tais das radioestrelas invisíveis pertencem à classe de sóis que há algum tempo foram catalogadas na lista das estrelas proibidas?

— Sim, senhor. No último curso de rastreadores de relevo que fiz foram mencionadas oitenta e três estrelas deste tipo. Nem os aconenses nem os arcônidas sabiam da existência desses sóis. Ou melhor, eles os conheciam como corpos celestes, mas não sabiam que os mesmos desencadeiam um fenômeno que se torna perceptível no semi-espaço e no hiperespaço.

Urgina parecia cada vez mais contrariado.

— Deixe para lá. Não compreendo como a 5207 não nos advertiu sobre a existência desta radioestrela.

O piloto chamou.

— Fim do vôo linear dentro de dois minutos, tempo padrão, senhor.

No rastreador de relevo via-se Labin 2, a estrela à qual se dirigiam. Mas ainda não se notava o menor sinal de seus 21 planetas.

Os motores de impulsos foram ligados assim que a nave mergulhou no conjunto espácio-temporal comum. A tela acendeu-se e mostrou que estavam cercados de estrelas por todos os lados.

— As pessoas que calcularam a rota na 5207 não estavam dormindo — disse Urgina, chamando a atenção de Yak para o fato de terem saído no interior do sistema Labin 2.

A Kostana cruzou duas órbitas planetárias, desenvolvendo metade da velocidade da luz. Seguiu em direção ao oitavo planeta, onde seria descarregado outro verme do pavor.

O sargento Erskine comunicou que mais dois conversores simbólicos de tamanho reduzido estavam prontos para serem usados, juntamente com o respectivo acessório. Os dois vermes do pavor foram avisados que o pouso provavelmente ocorreria dentro de pouco mais de uma hora.

O Capitão Clark Yak assumiu a direção do comando que derreteria uma caverna na rocha para o segundo verme do pavor. O sargento Erskine e os três cabos não mais se mostraram interessados numa visita ao mundo desconhecido, quando souberam que a temperatura média do mesmo era de 27,8 graus. A sauna que haviam levado no planeta anterior bastava.

Duas horas e oito minutos depois do pouso a eclusa principal da Kostana voltou a fechar-se. A rampa foi recolhida, e a nave preparou-se para dirigir-se a seu último destino, Labin 3, que era um sol amarelo comum.

 

Reginald Bell estava bastante nervoso quando entrou no escritório de Perry Rhodan. Quando ainda se encontrava na porta, gritou:

— Acabo de ter uma palestra com Atlan. Por causa de certo ponto da mesma quase perdi a fala.

Rhodan não usou suas reduzidas capacidades telepáticas para ler os pensamentos de Bell, o que lhe permitiria saber mais depressa o que deixava o amigo tão alegre.

— Gordo — preferiu dizer — já o vi repreender Gucky várias vezes para que ele relate tudo objetivamente e na devida ordem, quando o mesmo parece transbordar de entusiasmo. Posso pedir-lhe que siga essa recomendação?

— Pode! — respondeu Bell, alegre. No momento não seria capaz de aborrecer-se com coisa alguma. Acomodou-se na poltrona articulada e esfregou as mãos. — Perry, você deve lembrar-se de que enviamos um cruzador da classe Cidade para Tombstone. Pois bem. Este cruzador está no caminho de volta para a Terra.

— Você se refere à nave que se dirigiu ao sistema de Leyden com fitas virgens hipnosug?

— Naturalmente. O cruzador deveria pousar em Tombstone e procurar reter os paraimpulsos dos vermes do pavor nas fitas, recorrendo ao auxílio dessas criaturas. Depois disso a nave se dirigiria à concentração estelar de Hiesse a fim de entregar as fitas preparadas à Kostana. Mas quando o cruzador pousou no mundo dos vermes do pavor, constatou-se que a tripulação da Kostana levou muito a sério a incumbência de descarregar três vermes do pavor em três planetas diferentes.

— Tropeçou no ponto em que os vermes do pavor recém-saídos do casulo costumam irradiar hiperimpulsos. E esses homens chegaram à mesma conclusão que nós. A ação que se esperava dos jovens vermes do pavor só poderia ser impedida por meio de um processo hipno-sugestivo.

— Quando a Kostana saiu com sua carga de Tombstone, em direção à concentração de Hiesse, levava consigo três fitas hipnosug nas quais haviam sido gravadas os paraimpulsos dos vermes do pavor. Dessa forma, a missão que seria desempenhada pela nave que iria atrás da Kostana tornou-se sem efeito. No momento esta nave está fazendo a segunda travessia do semi-espaço, com alguns milhares de registros hipno-sugestivos gravados em fita. Deverá chegar dentro de duas ou três horas. Alvesleben já foi avisado. Ele já mobilizou oito equipes de pesquisa, que se preparam para a nova tarefa.

Bell ficou calado. Perry Rhodan lançou-lhe um olhar penetrante. O gorducho não gostou nem um pouco.

— Até parece que você não está contente por ter uns rapazes tão inteligentes a bordo da Kostana — disse, decepcionado.

— Por que Alvesleben mobilizou oito equipes de uma vez? Tem receio de que aconteça alguma coisa?

Rhodan atingira com o sentimento o núcleo amargo da questão. Bell resmungou alguma coisa, que felizmente não foi entendida por Rhodan. Havia em seu rosto uma expressão de nervosismo e contrariedade.

— O Alvesleben é um pessimista inveterado. Não compartilho de metade de suas dúvidas. O mais engraçado é que ninguém consegue convencê-lo de que nossos conversores de símbolos são capazes de irradiar os paraimpulsos dos vermes do pavor. Além disso, chegou a afirmar que os tripulantes de um cruzador da classe Cidade não dispõem dos instrumentos necessários para fazer uma verificação cabal da combinação de aparelhos. É claro que isso não passa de uma tolice rematada. Não pensa como eu?

Rhodan continuou calmo.

— Gordo, ainda me lembro que certa vez você disse, todo entusiasmado, que Alvesleben merece o dinheiro que ganha. Por que faz tanta questão de pintá-lo como pessimista?

Reginald Bell levantou-se e começou a caminhar de um lado para outro.

— Porque deu uma ducha fria no meu entusiasmo. Se não o tivesse interrompido, a esta hora ainda estaria desfiando seus mas e poréns.

— Não vamos discutir mais sobre isto, Bell. Esperemos até que a nave tenha pousado e Alvesleben possa dispor das fitas. Interessar-me-ei pessoalmente pelo caso, que para mim é muito importante. Afinal, da solução deste problema depende que sejamos ou não envolvidos numa guerra com os blues.

Um sorriso teimoso apareceu no rosto de Bell.

— E eu me interessarei pelo caso porque quero ver um grupo de gente prática derrotar estes teóricos que se julgam tão inteligentes.

— Você realmente está convencido disso, gordo? Ou só fala assim porque a verdade é amarga demais?

— Estou convencido de que os homens que se encontram na Kostana fizeram um trabalho de boa qualidade. As pessoas que conseguiram esta proeza deveriam receber uma promoção, e mais: uma condecoração.

— Estou de acordo, desde que realmente seja como você diz. Avise-me assim que as fitas estiverem em poder de Alvesleben.

Dali a quatro horas Bell voltou a entrar em contato com Perry Rhodan.

— Está bem. Encontramo-nos no escritório de Alvesleben.

Quando entrou no laboratório, Rhodan testemunhou uma discussão muito animada. Grande parte dos especialistas afirmava que as fitas hipnosug trazidas de Tombstone estavam vazias. Nem desconfiavam de que a bordo da Kostana fora afirmada a mesma coisa.

Naquele momento um pequeno conversor de símbolos, do tipo que cada espaçonave leva alguns a bordo, e um aparelho maior estavam sendo examinados, para verificar se havia algum defeito técnico. Rhodan e Bell foram de um grupo ao outro. Todos os canais de intercomunicação estavam ocupados o tempo todo. Qualquer perito, de quem se desconfiasse de que pudesse saber qualquer coisa sobre os hiperimpulsos dos vermes do pavor, era consultado.

O grupo de peritos que afirmava não haver nada gravado nas fitas cresceu para o dobro. Alvesleben mantinha-se teimosamente junto a uma mesa, observando uma dúzia de instrumentos acoplados a um computador positrônico. Vermelho! De novo. Alvesleben olhou para o lado. Rhodan e Reginald Bell estavam a seu lado. O cientista respirava fortemente.

— Daqui a pouco também acreditarei, senhor.

— Acreditará que não há nada gravado nas fitas?

— Isso mesmo.

— Em que fundamenta essa suposição? — perguntou Bell.

Alvesleben dava a impressão de que não sabia o que dizer.

— Não posso indicar nenhum fundamento. Nem sequer posso afirmar categoricamente que não há nada gravado nestas fitas. Observamos uma delas com o aparelho de resolução de espectro e notamos uma estranha disposição das moléculas. Para fazer uma comparação, mandamos preparar uma fita vazia por um dos nossos sugestores. Ao exame no aparelho de resolução espectral, a mesma revelou uma disposição muito diferente das moléculas. A comparação entre os dois quadros não permite qualquer avaliação.

— Não se notaram impulsos nos estágios de saída? — perguntou Bell.

— Nenhum impulso, senhor. Se houvesse impulsos, ao menos o medidor de variofreqüências deveria reagir aos mesmos. Acontece que o mesmo não deu o menor sinal. Já não me atrevo a nutrir a esperança de que os tripulantes da Kostana tenham conseguido montar um conjunto utilizável com o conversor de símbolos e a fita hipnosug.

Perry Rhodan lançou um olhar para Bell, mas este abanou a cabeça. O gordo não queria partilhar as preocupações de Alvesleben.

— Já concluiu a série completa de experiências, Alvesleben? — perguntou Bell.

— Não; ainda faltam muitas. Estamos agindo sistematicamente. Podemos levar alguns dias para alcançar um resultado conclusivo.

— Hum! — fez Perry Rhodan.

Bell logo compreendeu que dali a pouco viria uma das célebres idéias do amigo.

Alvesleben lançou um olhar indagador para o chefe.

Rhodan perguntou, então:

— Já pensou em recorrer, no curso das experiências, ao conversor de símbolos por meio do qual Tyll Leyden conversou em certa oportunidade com Ooff? Pelo que me consta, a memória do conversor deve ter registrado paraimpulsos dos vermes do pavor.

— Obrigado pelo conselho, senhor. É possível que este aparelho nos ajude.

Perry Rhodan e Bell saíram do laboratório e mandaram que o planador os levasse de volta ao edifício principal de Terrânia.

— Ainda está convencido de que a tripulação da Kostana conseguiu arranjar-se com as três fitas hipnosug?

— Estou sim. Mesmo que você queira rir de mim, quero dizer que, desde o momento em que vi o bando de teóricos trabalhando, tenho certeza de que para os homens da Kostana o conjunto conversor de símbolos-fita hipnosug é uma questão de rotina. Até senti coceira na ponta dos dedos, de tanta vontade de fazer algumas experiências. Será que ninguém se lembra de fazer correr a fita de trás para frente?

— Examinei algumas fitas, gordo. Todas elas foram bobinadas de forma normal.

— E daí? Isso não significa nada.

— Podemos voltar. Ou você prefere falar com Alvesleben pelo intercomunicador?

— Deixe para lá — respondeu Reginald Bell, bastante contrariado. — Isso tem tempo. Direi a Alvesleben quando lhe fizer outra visita. Se é que até lá ele e seus peritos ainda não se lembraram disso.

A próxima visita foi feita de noite.

As oito equipes de pesquisa não haviam progredido nem um pouco.

Perry Rhodan não pôde acompanhar Bell, porque de sua agenda constava a visita de uma delegação dos saltadores do planeta Archetz. Sua depressão ameaçava estender-se a Bell, mas a natureza robusta deste resistiu às influências negativas.

— Já tentou fazer correr isso de trás para a frente, Alvesleben? — vociferou Bell. — No sentido anti-horário?

Um sorriso presunçoso apareceu no rosto de Alvesleben, que nem desconfiava que com isso deixava Bell furioso. Mas este soube controlar-se e até ficou calado diante da resposta:

— Não custa experimentar, se bem que não espero nenhum resultado interessante.

Teve razão.

Nada aconteceu, nenhuma indicação, nenhuma reação dos aparelhos.

O estágio final do conversor de símbolos continuou morto.

Para Bell a experiência malsucedida representou um tremendo golpe. Uma dúzia de peritos discutia perto dele. Os pensamentos de Bell vagavam em torno do problema aparentemente insolúvel. Não queria conformar-se com a idéia de que os vermes do pavor os haviam enganado.

Reginald Bell praguejou. Sempre demonstrara diante de Rhodan sua antipatia pelos teóricos, já que ele, que também era um perito em sua área, sempre permanecera no terreno prático. Os cientistas pareciam indignados. Bell notou. Ficou aborrecido por não se ter controlado melhor. E dentro deste estado de espírito exclamou:

— Agora eu vou fazer um teste. Alguém quer ajudar?

Alvesleben foi o único que respondeu ao convite.

— Ninguém foi convidado para assistir ao espetáculo! — disse Bell em tom áspero, dando as costas aos cientistas, que fugiram do lugar.

Sorriu para Alvesleben.

— Vamos começar? — perguntou no tom de quem está atrás de uma aventura.

O cientista foi contaminado pelo espírito juvenil de Alvesleben.

— Estou muito curioso — disse. — O que pretende fazer?

— Manipular os aparelhos, Alvesleben. Inverta os pólos do aparelho acessório. Se é que a fita deve correr de trás para frente, não poderá fazer mal inverter a polarização do aparelho. Que cara é essa?

Alvesleben, que criara fama em sua área porque em seu trabalho sempre seguia um sistema, viu-se obrigado, diante do dinamismo de Bell, a abandonar todos os princípios que aprendera.

Além disso, aquele homem de cavanhaque ficou surpreso ao notar que era muito fácil seguir as instruções aparentemente desordenadas de Bell. Sentiu-se tomado de uma vontade de trabalhar que há muito não experimentava. Estava bastante curioso para ver o resultado da experiência.

— Pronto — disse Alvesleben.

— Enfie na máquina — ordenou Bell, que segurava um medidor de variofreqüências.

Naquelas salas nunca haviam sido transmitidas instruções em tais termos.

— Mande o caldo!

Alvesleben fitou-o com uma expressão de espanto.

— O caldo?

No mesmo instante compreendeu e riu.

Os homens que serviam nas espaçonaves raramente usavam a palavra energia. Costumavam falar em caldo.

A experiência começou. Foram interrompidos duas vezes. Bell não permitiu que ninguém passasse pela porta.

Os dois nem desconfiavam de que a bordo da Kostana a mesma série de experiências fora realizada, na mesma ordem, com pleno sucesso.

— Então? — perguntou Bell a seu colaborador, em cujos olhos brilhava um fogo juvenil.

— O senhor sabe improvisar muito bem — exclamou Alvesleben, entusiasmado.

— Que nada! — respondeu Bell. — Os ocupantes da Kostana também descobriram como lidar com o problema. Serão promovidos e condecorados. Mas como poderemos saber se os paraimpulsos agem sobre os vermes do pavor?

— É simples — disse Alvesleben em tom impulsivo. — Devemos acreditar nas incríveis faculdades dos vermes do pavor, e também devemos confiar em que os mesmos tenham preparado as fitas de maneira tal que os espécimes jovens de sua raça sejam impedidos de anunciar sua presença por meio de um hiperimpulso irradiado para Tombstone.

— O senhor estaria disposto a assumir este risco, Alvesleben?

— O senhor, com seu jeito impulsivo, fez com que um velho como eu criasse coragem para isto. Foi um prazer trabalhar com o senhor.

Enquanto Reginald Bell se encontrava no planador que o levou de volta ao edifício principal, onde relataria o ocorrido a Perry Rhodan, ele se sentiu como um jovem de vinte anos.

Cantou. Podia tomar essa liberdade, pois estava só, já que o robô não contava.

Sua voz não era bonita, mas forte. E era só o que importava.

 

O sistema Labin 3 apareceu nas telas da Kostana, diante de um fundo formado por um mar de estrelas que parecia impenetrável. A muralha cintilante feita de milhões de sóis conferia um aspecto irreal à estrela amarela. O veículo espacial teria de passar junto ao sol, para atingir o planeta que era o quarto entre oito. Tal qual acontece no Sol terrano, gigantescas protuberâncias precipitavam-se espaço adentro, descreviam curvaturas depois de algumas centenas de milhares de quilômetros e voltavam a cair lentamente sobre o sol desconhecido.

Entre os homens que se encontravam na sala de comando, muito poucos se interessaram pelo espetáculo deslumbrante. A maioria dedicava sua atenção aos instrumentos, aparelhos de rastreamento e sistemas de segurança. Até mesmo na área de Labin 3 reinavam condições físicas extraordinárias, que não permitiam que se cruzasse normalmente o espaço. O piloto e o co-piloto estavam sentados em sua poltrona, prontos para entrar em ação. Três oficiais prestavam atenção ao computador positrônico, que registrava os resultados das medições e os impulsos de comando da nave. A análise do espectro solar não revelou nada de extraordinário. As medições da massa e da gravidade indicavam que se tratava de uma estrela normal em meio ao respectivo grupo.

Mas ninguém confiava neste sol.

A Kostana passou a 45 milhões de quilômetros do mesmo. Para evitar que os homens que se encontravam na sala de comando fossem ofuscados, a tela panorâmica foi parcialmente escurecida por meio da oclusão dos diafragmas. Uma luz tranqüilizadora parecia entrar na sala de comando.

Demorou alguns minutos até que o primeiro ocupante da sala de comando experimentasse uma sensação desagradável diante dessa luz. Dentro de pouco tempo esta opinião foi compartilhada por outros. Clark Yak foi o último a fazer esta constatação surpreendente.

A seguir passou-se a trabalhar febrilmente na interpretação dos dados relativos à luz daquela estrela. Com exceção de sua potência expressa em lumens, os resultados mais uma vez não revelaram qualquer característica especial. O Major Urgina, que teve uma sensação desagradável mais intensa que os outros, diante do efeito calmante da luz, dirigiu-se em voz alta ao Capitão Yak:

— Será que a radioestrela invisível a que o senhor aludiu não é responsável por isso?

Clark Yak era o único que continuava a estudar o fenômeno.

Suspeitava daquele sol amarelo completamente normal. Quando estava a ponto de realizar as primeiras medições, alguém o chamou pelo intercomunicador. O sargento Lionel Erskine estava do outro lado da linha.

— Senhor, permita que eu pergunte se na sala de comando foi observado algo de anormal.

— Algo de anormal? — repetiu Yak, perplexo.

O major interveio na conversa.

— Será que esta luz esquisita não é uma coisa anormal?

Lionel Erskine ouvira a pergunta.

— Sua presença ainda é notada?

As pessoas que se encontravam na sala de comando entreolharam-se. Cada um perscrutou seus sentimentos.

— Tudo voltou ao normal — constatou um dos oficiais, ainda um tanto inseguro.

— Até parece que o vento a levou — afirmou o Major Urgina.

— Obrigado, senhor — disse Erskine. — E agora?

Os homens que se encontravam na sala de comando encolheram-se, como se uma força invisível ameaçasse tomar conta deles. O major natural de Bell-09 não demonstrou nenhum senso de humor.

— Que diabo está fazendo, sargento?

— Estamos experimentando a última fita hipnosug, senhor.

— Pois desligue ou faça qualquer outra coisa para evitar que essa bobagem continue! — berrou Faro Urgina no intercomunicador.

— Vá até lá e veja o que esses idiotas estão fazendo — disse, dirigindo-se ao Capitão Yak.

Clark Yak saiu correndo, pegou o grande elevador antigravitacional e desceu para o convés em que o sargento Erskine e os três cabos faziam suas experiências.

Quando entrou na sala em que se encontravam, lançou-lhes um olhar ameaçador. Os quatro não se abalaram com sua repreensão.

— Tem algo a dizer em sua defesa, sargento Erskine? — gritou.

— Não sei por que está tão nervoso — respondeu o homem com a maior tranqüilidade. — Deveria dar-nos os parabéns por termos provado que a fita contém impulsos hipno-sugestivos. Em vez disso nos recrimina.

— O que quer dizer com isso? — a pergunta foi formulada ainda em voz alta.

— Durante o último curso sobre conversores de símbolos que freqüentei, ouvi uma conferência sobre a Parafísica Teórica.

Houve muita coisa que eu não compreendi, porque a conferência se destinava aos engenheiros. Mas sempre entendi alguma coisa, e usei os conhecimentos assim adquiridos para fazer minhas experiências.

“Partimos do valor apurado com o medidor de variofreqüências em seis, colocamos algumas faixas de reflexos no setor de saída, fizemos uma série de experiências com este dispositivo e utilizamos outro conversor de símbolos. Está aqui.

“É claro que cientificamente nossas experiências não têm validade. O fato é que constatamos a presença dessa estranha luz tranqüilizadora numa área de três metros e reconhecemos sua origem. Aumentamos paulatinamente a potência dos dois conversores. Quando consultamos a sala de comando, só tínhamos atingido a décima parte da potência máxima.

“É só, senhor.”

Clark Yak não sabia o que dizer. Não tinha por que condenar as experiências realizadas por aqueles homens. Mas havia um ponto na exposição de Erskine que ele não entendia.

— O que são áreas reflexológicas, sargento?

— Trata-se de uma expressão pouco feliz da Física das ondulações. As áreas reflexológicas representam certos tipos de moduladores que refletem as ondas moduladas, isto é, não as deixam sair. Se usarmos várias áreas reflexológicas, a potência de cada um dos moduladores cresce segundo certo expoente, atingindo freqüências muito diferentes da freqüência inicial.

— Por quê?

— Passamos por isso durante a experiência, senhor. Segundo as informações de Ooff, a fita tem impulsos gravados que impedem os jovens vermes do pavor de irradiar hipermensagens de socorro para Tombstone. Estes impulsos ficam situados em faixas de freqüência que não atingem o ser humano. Utilizando as áreas reflexológicas, conseguimos modificá-las a tal ponto que não têm mais nada em comum com os impulsos originais. Mas nem por isso perderam o efeito hipno-sugestivo. É o que acabamos de verificar.

— Bem! Não sei se conseguirei impedir que os senhores recebam uma pena de censura. O comandante não aceitará sua argumentação com a mesma facilidade que eu. Não se lembraram da possibilidade de que suas experiências poderiam colocar em perigo todos os ocupantes desta nave? Afinal, os impulsos modulados poderiam ter provocado um choque sugestivo que paralisasse toda a tripulação. Em hipótese alguma as experiências podem prosseguir. Desmontem isso.

O sargento Erskine não acreditou no que acabara de ouvir.

— Desmontar isto? — perguntou, estupefato.

Hal Pillar, Walter Zims e Aurel Gargin também fitaram o capitão com uma expressão de perplexidade.

— Não poderíamos experimentar com uma potência bem reduzida? — perguntou Aurel Gargin na esperança de fazer o oficial mudar de opinião.

— Não. Na situação em que nos encontramos, no interior da concentração de Hiesse, uma experiência deste tipo é uma ação suicida. Reflitam um pouco. Experiências em base hipno-sugestiva! Repito o que já disse: desmontem tudo.

Quando o Capitão Clark Yak se retirou, a mesa de ensaios estava vazia. O conversor de símbolos com o respectivo aparelho suplementar estava junto à porta, pronto para ser levado.

Quando Yak entrou na sala de comando, os primeiros resultados do sistema de rastreamento a respeito do quarto planeta estavam chegando. Confirmavam as informações fornecidas pela Explorer 5207. A Kostana desceu para 5 000 metros e contornou o planeta, mas os homens procuraram em vão por um oceano. Até onde alcançava a tela panorâmica, só se viam desertos de pedra e areia. A cor do oxido de ferro era predominante. Viram-se algumas faixas, identificadas como aglomerações de minúsculas samambaias e líquens. Portanto, devia haver ao menos vestígios de água no planeta.

A cadeia de montanhas que mal sobressaía sobre a linha de horizonte quando a nave se aproximava, vinda do espaço, voltou a aparecer. A Kostana saiu da noite e voou para o dia claro. À medida que se aproximava das rochas entrecortadas, que a rigor não mereciam o nome de cadeia de montanhas, a temperatura na superfície ia subindo. A temperatura máxima foi de 13,4 graus.

A Kostana foi baixando lentamente. O último verme do pavor foi informado de que o pouso estava iminente, mas o lagarto rastejante parecia esperar o fim. Nem reagiu à notícia.

— Era só o que faltava — disse Faro Urgina, contrariado. — Há uma coisa que não consigo compreender, Yak. Por que as naves exploradoras 5207 e 6955 levaram tanto tempo para localizar os três planetas, se isto aqui é uma aglomeração enorme de estrelas? Tenho a impressão de que o pessoal das duas naves não quis trabalhar.

— Pode ser — disse Yak, esquivando-se a uma resposta categórica. Não queria pronunciar-se sobre a afirmativa de Urgina. — É possível que os tripulantes das duas naves enfrentassem maiores dificuldades de astronavegação que nós. Afinal, foi por causa deles que conseguimos chegar ao destino nesta selva de estrelas.

— Talvez... — o major não estava satisfeito. Dali em diante teve que dedicar toda sua atenção às operações de pouso.

A Kostana descansou suavemente sobre o anel de colunas telescópicas de apoio, a cem metros do flanco de uma cadeia de montanhas de pedra.

O comando que desembarcaria no planeta estava de prontidão junto à eclusa principal. Quando esta se abriu e a rampa foi descida entre as titânicas colunas de apoio, os homens tiveram de saltar para o lado para não serem esmagados pelo verme do pavor, que de repente parecia ter recuperado a vitalidade. Mas quando o gigantesco réptil deu o primeiro salto em direção ao paredão de rocha e voltou a tocar o chão a menos de 70 metros de distância, todo mundo se deu conta de que o mesmo estava moribundo.

Era de admirar, mas naquele planeta desolado a composição do ar atmosférico era quase idêntica à da atmosfera terrana. Face à temperatura média relativamente baixa — 11,3 graus — podia-se dispensar o traje protetor pelo meio-dia.

Juntamente com os robôs trabalhadores, uns vinte homens atravessaram a vegetação formada por samambaias baixas, que provocava uma sensação estranha ao contato, lembrando o couro.

Deram trinta passos e atingiram o lugar indicado. Os robôs já se encontravam junto ao verme do pavor, que aproveitara o tempo de espera para sondar a composição da rocha. Indicou o lugar em que deveria ser fundida a caverna. Na região já havia sistemas de cavernas naturais.

Urgina e Yak acompanharam os trabalhos pela tela de imagem.

— Bem que poderíamos aproveitar a oportunidade para andar um pouco — disse o major. — Quer vir comigo?

O capitão parecia hesitar.

— Nesse caso a sala de comando ficaria parcialmente desguarnecida.

— O senhor gosta de criar caso, hein!

Esta observação deixou Clark Yak bastante contrariado, se bem que ele não tivesse a intenção de dar uma resposta tão mordaz.

— Acontece que tenho senso de responsabilidade, senhor.

Os olhos de Faro Urgina chamejaram.

— Está aludindo ao meu mundo, Bell-09, Capitão Yak?

— De forma alguma! Muito menos tive a intenção de criticar o senhor. Mas a nave não pode ficar desguarnecida.

— Lá me vem o senhor novamente com esse seu senso de responsabilidade, capitão! — ironizou Urgina. Virou-se sobre os calcanhares e saiu da sala de comando, bastante aborrecido.

O Capitão Yak fitou seus companheiros com uma expressão indagadora.

— Será que eu falei demais? — perguntou.

Os homens fizeram um sinal negativo. O único que quis falar foi o Tenente Brooks.

— A partir do momento em que fomos atingidos por essa luz tranqüilizadora, o comportamento do comandante mudou bastante.

Alguns dos oficiais riram. Ninguém percebera a mudança que se processara com o comandante. Mas Brooks insistiu no que acabara de afirmar.

— Tem o olhar inquieto. É possível que vocês não tenham percebido, mas eu notei. E o tom de voz que usou ao dar a ordem de pousar? Então, o que dizem?

O piloto resolveu participar da palestra.

— É verdade — disse. — Prefiro não dizer o que pensei. O comandante realmente nunca se comportou assim.

Mas a maioria dos oficiais disse que não tinha percebido nada de anormal no comandante. O Capitão Yak aborreceu-se por ter servido de estopim para esta conversa.

Olhou casualmente para a tela de imagem. Empertigou-se, levantou-se e chegou mais perto.

— Ampliação máxima. Rápido! — exclamou, nervoso.

Teve a impressão de ter visto movimentos entre as rochas que guardavam a entrada de um vale.

A ampliação da imagem saltou para o máximo. As rochas pareciam ter o tamanho de uma casa. Mas entre elas nada se movia.

“Estive enganado”, pensou Clark Yak, mas logo voltou a ter suas dúvidas. Vira perfeitamente um movimento entre as rochas.

A sala de comando estava mergulhada em silêncio. Yak sentiu os olhares indagadores pousados sobre ele. Por enquanto não explicou o motivo por que mandara regular a imagem para a ampliação máxima.

“Devo estar enganado”, pensou. “A 5207 examinou este planeta. E essa nave dispõe de controles que lhe permitem verificar se um planeta está ou não habitado.”

— Volte para o normal! — ordenou. Virou-se e notou os olhares dos outros. — Devo ter-me enganado, mas tive a impressão de ter visto um movimento entre as rochas. Isso acontece a qualquer um.

Apesar disso teve uma sensação nada agradável quando voltou a acomodar-se na poltrona, e não encontrou nenhuma explicação para a mesma.

Um dos oficiais foi sacudido por um tremor.

— Esse sargento devia ser preso! — disse.

Clark Yak aguçou o ouvido.

— O senhor também continua com esta sensação esquisita?

— Naturalmente. Gostaria de fugir de mim mesmo. Provavelmente reajo muito bem aos choques hipno-sugestivos. Estou com a testa banhada em suor.

— Saia um pouco. Dizem que lá fora a temperatura está muito agradável — recomendou Yak. — Mais alguém tem vontade de dar um passeio?

Todo mundo riu.

De repente vieram dois homens da sala de rádio. Pareciam muito tensos.

— Podemos pegar um pouco de ar puro, senhor? — perguntaram, dirigindo-se a Yak.

Se os dois saíssem, ainda haveria três homens na sala de rádio. Como havia ordem para não usar o radiotransmissor, três homens seriam suficientes para controlar os instrumentos. O Capitão Yak deu permissão para que os dois saíssem da nave.

— Quase chego a acreditar que o senhor tem razão — disse, dirigindo-se a Brooks, assim que a escotilha se fechou atrás dos dois homens. — Parece que realmente houve modificações no comportamento do comandante. Parece que com sua última experiência o sargento Erskine nos meteu numa boa, não é mesmo?

O intercomunicador chamou. Dezessete homens que se encontravam em três depósitos diferentes pediram licença para sair por pouco tempo da nave. Indicaram a mesma justificativa. Yak disse que queria falar com os respectivos oficiais de convés. Estes não objetaram nada a que os homens abandonassem seus postos.

— Parece que neste planeta deserto só há mesmo micróbios — argumentou um deles. — E sempre soubemos lidar com estes microorganismos. Mas não estou gostando do aspecto dos quatro homens que pediram permissão para sair da nave. Parecem nervosos e doentes.

— Deixe-os sair!

Clark Yak olhava constantemente para o lugar da tela em que parecia ter observado movimentos entre as rochas. O vale que cortava a cadeia de montanhas ficava a menos de dois quilômetros do lugar em que os raios energéticos estavam abrindo uma caverna na rocha, tangendo ininterruptamente para o céu nuvens de gás proveniente da fusão da rocha.

“Até parece que estou sendo contaminado por uma psicose coletiva que se espalha nesta nave”, pensou, bastante contrariado. “Maldita experiência!”

O pessoal da eclusa chamou.

— Comandante subindo a bordo!

Clark Yak respirou profundamente e sentiu-se aliviado. A vontade de andar um pouco lá fora tornava-se cada vez mais forte.

Quando entrou na sala de comando, Faro Urgina nem olhou para ele.

— O senhor está dispensado do serviço, capitão! — disse Urgina com a voz arranhada, ao passar perto dele.

Yak estremeceu. Esteve a ponto de dar uma resposta grosseira, mas conseguiu controlar-se.

— Não entendeu, capitão? O senhor está dispensado do serviço — repetiu o Major Urgina.

Yak abandonou a sala de comando, fervendo de raiva. Enquanto caminhava em direção à eclusa, tomou a decisão de que esta seria a última vez que viajaria sob o comando do Major Urgina. Na primeira oportunidade, mudaria para outra nave.

 

Alvesleben espantou-se em meio a um sono profundo. Demorou bastante para compreender onde estava. Constatou que estava banhado em suor. Mas não se lembrou de ter sonhado.

Olhou ansiosamente para o relógio.

Quatro horas.

Às cinco ainda estava acordado. Dali a dez minutos estava embaixo do chuveiro, batendo com os dentes à medida que a água gelada lhe corria por cima do corpo.

Às seis horas entrou em seu laboratório. Encontrou três colaboradores, que despertara pouco depois das cinco pelo intercomunicador. Os três demonstraram sem rebuços que não estavam nada satisfeitos por terem de trabalhar tão cedo.

— Por que estamos aqui? — perguntou Shaft, um importante estudioso de ondas de impulsos.

— O senhor não me deixou dormir, Shaft — disse Alvesleben. — Há uns sete ou oito meses tomei a liberdade de assistir à sua conferência sobre Parafísica Teórica.

— Um momento — interrompeu Shaft. — Isso só pode ser uma piada! Às seis da manhã? A esta hora não estou em condições de discutir coisa alguma. O senhor foi longe demais ao arrancar-nos da cama por isso.

Uma boa bronca entre os cientistas parecia iminente. Os outros dois também protestaram.

— Por que todo esse nervosismo, colegas? — disse Alvesleben para tranqüilizá-los. — Entre as quatro e as cinco horas fiquei refletindo sobre sua conferência. Sabe que na mesma descreveu um meio de modular impulsos estranhos?

— São seis horas, colega — disse Shaft em tom enfático. — Seja breve.

— Resolvi convocá-los para verificar se os impulsos hipno-sugestivos dos vermes do pavor gravados em fita podem ser decifrados. Colega Shaft, na conferência que o senhor fez perante um grupo de engenheiros, o senhor deu a entender que teoricamente existe a possibilidade de modular os paraimpulsos.

— Tenha a santa paciência! — gritou Shaft, apavorado. Recuou um passo e abanou a cabeça. — Isso foi apenas uma hipótese, Alvesleben, uma insinuação a que recorri para passar de um trecho da conferência a outro.

— Quanto a isso não tenho a menor dúvida, Shaft — respondeu o cientista barbudo sem se abalar. — Partindo dessa hipótese, quero fazer a experiência a que o senhor aludiu.

— O quê? O senhor quer fazer uma experiência sem base?

— Isso mesmo — disse o homenzinho com um sorriso. — Pela segunda vez. Andei aprendendo alguma coisa. Os senhores devem estar lembrados de como o problema de reunir um conversor de símbolos e uma fita hipnosug numa unidade foi resolvido depressa. Devemos a solução exclusivamente ao senhor Reginald Bell. Tive o privilégio de ajudá-lo nas experiências. Posso pedir-lhes o favor de me ajudarem?

Às suas costas três conhecidos cientistas entreolharam-se com uma expressão desesperada. Estavam afirmando que Alvesleben tinha enlouquecido. Este parecia não perceber nada. Houve alguns pigarros impertinentes quando Alvesleben começou a dar suas instruções.

Às 6:42 os homens pigarrearam pela última vez. A positrônica já estava funcionando há mais de três minutos. Os colaboradores de Alvesleben poderiam ter esperado tudo, menos que aquele teste isolado pudesse produzir algum resultado.

De repente a marca vermelha surgiu na positrônica.

Alvesleben não se abalou.

— Acho que na área reflexológica estamos no caminho correto. Dê-me mais um modulador, Shaft.

Regulou cuidadosamente o aparelho, fez ensaios com meia dúzia de instrumentos, modificou ligeiramente a distância entre o aparelho e o estágio de saída do primeiro conversor de símbolos, controlou as outras áreas reflexológicas já ajustadas e verificou se cada área refletia cem por cento.

— Ligue o aparelho! — disse.

Shaft fez a ligação.

Do conversor de símbolos número 1 saíram impulsos modulados vindos da fita hipnosug devidamente preparada. Estes impulsos foram transferidos para o conversor de símbolos número 2, que traduziu os impulsos modificados, tornando-os compreensíveis para o ser humano.

Quatro homens entreolharam-se. Eram a calma em pessoa. Esta situação durou alguns minutos. Shaft foi o primeiro em cujos olhos se viu uma expressão tensa.

— Este silêncio me deixa louco! — disse para si mesmo.

Alvesleben parecia sentir menos que os outros. Regulou os dois conversores para a potência máxima.

— Que é isso? Droga! — berrou Shaft. — Não há quem agüente um silêncio destes. Alvesleben, des... Ora! Desligou. Até que enfim! Que coisa horrível! Tenho vontade de arrebentar esta geringonça.

— Eu também — disseram dois outros cientistas como se estivessem falando pela mesma boca.

— Que horas são? — perguntou Alvesleben, sem dar a menor atenção às palavras dos colegas.

— Onze e trinta.

— Obrigado — disse Alvesleben. — Gastamos cinco horas e meia para provar que nestas fitas estão gravados impulsos hipno-sugestivos. Como nós os modulamos, captamos coisa diferente dos vermes do pavor recém-saídos do casulo. Como vai, Shaft? Está melhor?

— Se disser que estou bem, estarei exagerando. Quando me lembro deste silêncio, tenho de sacudir o corpo. Mas deixemos nossas impressões pessoais para lá. Meus parabéns, colega! Mas não me venha com esta de que eu lhe teria apontado o caminho na minha conferência. Isso é especulação pura, colega. Apenas usei uma suposição não demonstrada para passar de um item a outro.

— É verdade, Shaft. O senhor se enganou. É possível que numa espécie de clarividência o senhor nem se tenha dado conta de que fez uma descoberta, mas a esta hora não poderá negar que realmente fez.

Junto ao laboratório ficava o gabinete de Alvesleben, que ele dividia com alguns colegas. Shaft correu até a porta, abriu-a, pôs-se a escutar e fez um gesto apressado para que os outros se aproximassem.

Alvesleben e seus dois colegas foram à porta. Ouviram o que estava sendo falado na outra sala.

Cerca de dez cientistas estavam reunidos. Todos se queixavam de que sentiam uma vontade irresistível de sair um pouco.

Quando olhou para Shaft e viu a expressão tensa em seu rosto, Alvesleben se espantou. O homem que se encontrava a seu lado parecia nervoso.

— Deixe-me passar — pediu e caminhou energicamente em direção à saída.

— Vá com ele, Shaft — recomendou Alvesleben.

Shaft não perdeu tempo. Correu atrás do colega.

Alvesleben perscrutou sua mente, numa intensa auto-observação.

O que vinha a ser mesmo este desejo leve, que não aumentava nem diminuía, de caminhar um pouco? Seria a segunda onda, que já atingira Shaft e mais alguns colegas? Às 12:30 Perry Rhodan e Reginald Bell foram informados de que alguma coisa misteriosa estava acontecendo no setor 18.

— Alvesleben? — perguntou Bell, estupefato, ao ouvir o nome desse cientista. — Irei ao setor dezoito Perry. Avisá-lo-ei assim que tiver descoberto alguma coisa.

Sobrevoou Terrânia num planador, pousou à frente do setor 18 e parou, perplexo. Uma multidão andava de um lado para outro, à frente do portão principal.

Ninguém falava com os outros. Todos se evitavam quando se encontravam. Bell fez um grande esforço, aproximou-se da primeira pessoa que viu pela frente e perguntou:

— O senhor poderia fazer o favor de explicar o que...?

O homem ao qual fora dirigida esta pergunta não interrompeu sua caminhada. Se quisesse insistir na pergunta, Bell teria de gritar.

Não teve necessidade de abrir caminho entre a multidão. Todos se desviavam dele. Bell passou pelo portão. Correu para o gabinete de Alvesleben. O corredor estava vazio. Quando abriu a porta, Bell viu o homenzinho de cavanhaque encolhido na poltrona que ficava atrás da escrivaninha.

— O que está acontecendo por aqui, Alvesleben?

O cientista não fez o menor movimento. Bell aproximou-se e sacudiu-o. Alvesleben fitou-o, e Bell notou a expressão tensa em seu olhar.

— Não me conhece mais? — as cordas vocais de Reginald Bell eram muito potentes.

Não repetiu o berro. Notou que o cientista franzino procurava concentrar-se. Seus lábios se moviam, mas Bell não entendeu o que ele quis dizer.

— Hipnosug... modulado. ...segunda onda... No setor dezoito todos... — disse Alvesleben num cochicho quase imperceptível.

Depois disso o cientista saiu correndo como se as fúrias do inferno estivessem atrás dele.

Bell também saiu. Correu para o setor 19.

Nesse local já não reinava o mesmo caos.

Pediu à administração do setor que comparecesse ao portão. Essa administração era formada por três homens. Bell teve de esforçar-se para controlar o nervosismo.

— O sonambulismo destas pessoas não durará muito, se conhecermos o motivo. Quer dizer que também no setor dezenove os locais de trabalho foram abandonados de repente e todo mundo saiu para andar um pouco?

— Sim, senhor — disse o porta-voz. — A inquietação começou pelas 12 horas.

— Inquietação? Como? — perguntou Bell.

— Não foi bem uma inquietação, mas uma tranqüilidade. De repente ouvi queixas de toda parte de que o silêncio era tamanho que as pessoas tinham vontade de sair correndo.

— Onde se encontrava o senhor?

— Na extremidade da ala direita, senhor.

— E antes disso?

— Aqui, junto ao portão.

— Por aqui também ouviu as mesmas queixas?

— Ouvi, mas só das pessoas que se encontravam na extremidade da ala direita.

— Quer dizer que os outros não foram atingidos? Como foi mesmo que o senhor disse? Atingidos pela tranqüilidade?

— Não, senhor. Não posso dizer mais nada. Não ouvi nada.

Bell agradeceu e retirou-se. Quando saiu para a rua, verdadeiros enxames de planadores-ambulância estavam pousando. A clínica universitária de Terrânia fora alarmada. Até mesmo o contingente de reserva da equipe médica foi mobilizado. Os primeiros caminhantes inquietos já estavam amarrados às mesas, onde recebiam o tratamento adequado.

De repente um grande alto-falante começou a berrar:

— Aplicar injeções de hipnolina C-3! Aplicar injeções de hipnolina C-3...

A recomendação foi repetida várias vezes.

Bell pediu que o levassem ao chefe da equipe médica. Este tinha uma expressão muito séria no rosto.

— Diagnosticamos um hiperchoque, senhor. Só podemos combatê-lo com injeções de hipnolina C-3. Acontece que precisamos tratar sete mil e quinhentos paciente. Em Terrânia não existe tanta hipnolina C-3.

— Existe em algum lugar?

— Em Nova Iorque, onde... Bell tornou-se desagradável.

— Já ouviu falar numa estação de transmissor? Posso pedir a gentileza de providenciar o transporte pela mesma? Esperamos que em dez minutos tenhamos um grande suprimento em Terrânia.

De repente deu as costas ao médico, mexeu nos controles de seu minicomunicador, colocando-o na faixa médica, identificou-se pelo nome e mandou que procurassem localizar o senhor Alvesleben, que deveria receber imediatamente uma injeção de hipnolina C-3.

No momento em que Bell foi avisado de que uma grande quantidade do medicamento acabara de chegar pelo transmissor, alguém apareceu com Alvesleben.

O homenzinho de cavanhaque já havia voltado ao estado normal, mas o fato de ter provocado a catástrofe com sua experiência parecia deixá-lo profundamente abalado.

Bell procurou tranqüilizá-lo à sua maneira.

— Meu caro Alvesleben, se a coisa pior que pode acontecer aos homens fosse um choque hipnótico que os levasse a andarem por aí que nem uns sonâmbulos, então deveríamos agradecer a Deus de joelhos. Não se preocupe com o êxito notável de sua experiência. Diga como chegou lá.

A atitude segura de Bell reanimou o cientista abatido. À medida que falava, suas palavras tornavam-se cada vez mais precisas.

— Isso prova que todas as fitas hipnosug foram preparadas por Ooff — disse Bell. — Tenho certeza de que o senhor, meu caro Alvesleben, já não tem a menor vontade de fazer experiências com as mesmas.

— Gostaria de queimar estas fitas, senhor. Nunca mais porei as mãos nelas.

Um médico aproximou-se.

— Pois não — disse Bell.

— Tenho uma boa notícia — principiou o médico. — Os efeitos do choque hipno-sugestivo já começam a diminuir. Resolvemos não aplicar mais injeções de hipnolina C-3. Preferimos não impedir os processos normais de recuperação.

— O senhor é que sabe — respondeu Bell. — Não sou médico. Muito obrigado pela informação.

O médico retirou-se e Bell despediu-se do cientista, recomendando que as fitas fossem trancadas num lugar seguro. Voltou a entrar no planador e, assim que pousou na cobertura do edifício da administração central, procurou Perry Rhodan.

Bell procurou “bagatelizar” o fenômeno de hipnose em massa. Perry lançou-lhe um olhar penetrante, o que levou Bell a desistir da tentativa.

— Gordo, você ainda não informou se a série de experiências de Alvesleben foi simples ou complicada.

— Isso depende — respondeu Bell. — Em suas experiências, Alvesleben partiu de uma hipótese levantada por Shaft, que é colega dele, e aludiu ligeiramente a esta hipótese durante uma conferência pronunciada há mais de seis meses.

— Quais foram as pessoas que assistiram a esta conferência?

— Um momento! Quem foi mesmo? — Bell pôs-se a refletir intensamente por um instante. — Ah, sim. Foi um grupo de engenheiros que participavam de um curso sobre conversores de símbolos.

— Faça-me um favor, Bell. Arranje a lista dos participantes.

Bell espantou-se.

— Para quê? O que pretende fazer com esta lista?

— Tive uma idéia, gordo. Sem querer pensei na Kostana. Por que está rindo?

— De prazer, Perry, porque nas pequenas naves da classe Cidade não existem postos de planejamento de conversores de símbolos. Isto evidentemente aplica-se à Kostana, que pertence a esta classe.

— Assim mesmo peço-lhe que arranje a lista, gordo.

— Está bem. É pra já.

Bell ligou o intercomunicador.

— Também quero uma lista de tripulantes da Kostana, Bell! — apressou-se Rhodan a dizer, antes que Bell pudesse transmitir a mensagem.

Tudo foi realmente muito rápido. As listas de nomes chegaram, vindas de duas repartições diferentes de Terrânia.

— O que pretende fazer com isso? — voltou a perguntar Bell.

Rhodan segurava a lista de tripulantes da Kostana. Os técnicos de conversores de símbolos que se encontravam a bordo dessa nave eram o sargento Erskine e os cabos Zims, Pillar e Gargin.

Depois disso verificou a lista de presença da conferência sobre Parafísica Teórica, proferida por Shaft.

— Veja! Aqui! — apontou para o nome Lionel Erskine. — Este nome também aparece nesta lista.

— E daí? — perguntou Bell, que parecia não compreender nada. — Ainda não sei onde você quer chegar, Perry.

— Não sabe? Pois eu explico. Normalmente um homem que freqüentou vários cursos que o transformaram em técnico num setor especial não freqüenta uma conferência destinada a engenheiros formados, porque não seria capaz de compreendê-la. Acontece que o tal Erskine compareceu à conferência. Arranje imediatamente o texto da conferência de Shaft.

Também só demorou alguns minutos até que o texto se encontrasse à frente de Rhodan. Tratava-se de um extrato, com realce do trecho que interessava no momento.

Rhodan e Bell leram o texto.

— Mas é claro! — resmungou o gordo. — Já compreendi seus receios, Perry. Se esse sargento tiver um pouco de imaginação, ele pode ter a idéia de realizar a mesma experiência de Alvesleben.

Rhodan afastou os documentos.

— Façamos votos de que meus receios não se confirmem, Bell.

— Seria uma terrível coincidência.

— Já tivemos várias coincidências deste tipo, meu caro. Se confiamos nessa equipe de quatro pessoas a ponto de julgarmos a mesma capaz de reunir o conversor de símbolos e as fitas preparadas por Ooff numa unidade, neste caso é natural recearmos que estes mesmos homens tenham tentado modular os paraimpulsos.

— Acho que não tiveram tempo para isso. Aposto que dentro de vinte e quatro horas a Kostana avisará que está regressando depois de ter descarregado os três vermes do pavor de acordo com as ordens recebidas.

Rhodan respirava com dificuldade.

— Tomara — limitou-se a dizer diante da suposição otimista de Bell.

E não disse mais nada...

 

A modulação levada a efeito, no curso das experiências realizadas pelo sargento Erskine, foi feita com uma potência muito menor que em Terrânia. E entre os tripulantes da Kostana os efeitos pareciam ser diferentes. O Major Faro Urgina era o melhor exemplo disso.

Os oficiais que permaneceram na sala de comando não se atreveram a fitar os olhos do major. Urgina corria furiosamente de um lado para outro. Parava junto aos rastreadores, olhava por cima do ombro do piloto, circulava em torno do rastreador de relevo e da positrônica de bordo. Quanto mais corria, maior era o nervosismo reinante na sala de comando. Todo mundo acreditava que era o major que estava irradiando esse nervosismo. Mas na verdade eles mesmos eram portadores desse nervosismo inexplicável, porém não sabiam.

Alguma coisa envolvia seus cérebros em névoa, mas eles não perceberam.

O sistema de intercomunicação de bordo transmitiu novos pedidos de tripulantes que desejavam sair da nave. Só um dos homens que se encontravam junto à eclusa principal respondia aos chamados. Os outros tinham abandonado seus postos.

Dois oficiais passaram por Faro Urgiria sem dizer uma palavra e dirigiram-se à escotilha. Urgina não perguntou aonde iam. Acompanhou-os, transformando-se no terceiro homem do grupo. Dali a pouco o piloto não agüentou mais ficar em sua poltrona.

Dentro de dez minutos a sala de comando ficou vazia. Na sala de rádio também não havia mais ninguém à frente dos aparelhos.

Além dos robôs, só o verme do pavor se encontrava junto ao paredão, e este compreendeu o que tinha acontecido com os homens. Mas como estava prestes a liberar seu ego e se encontrava sob a compulsão natural de contribuir para a conservação de sua espécie, não estava em condições de fazer qualquer coisa pelos homens, que corriam desordenadamente de um lado para outro, esquivando-se sempre que alguém passava perto deles.

Os membros do comando que deveria fundir uma caverna no flanco da cadeia de montanhas largara seus fuzis de radiação e se misturara aos outros tripulantes da Kostana. Os robôs, que haviam recebido ordens bem claras, eram os únicos que ainda estavam trabalhando. Mas eram poucos e não podiam manipular todos os fuzis de radiação. Por isso a escavação da caverna progrediu muito devagar.

O último verme gigante e os dois exemplares de sua raça que tinham sido deixados em outros planetas perceberam, quando ainda se encontravam no interior da Kostana, que os homens estavam realizando experiências com as fitas hipnosug. Quando o primeiro paraimpulso inequívoco se espalhou pela nave esférica, estiveram em condições de mobilizar suas defesas.

O verme do pavor também fora atingido pelos impulsos modulados, mas quando percebeu que os terranos estavam realizando uma experiência muito perigosa, já era tarde para preveni-los por meio do conversor de símbolos. Já não havia como evitar os efeitos do choque hipno-sugestivo.

O verme do pavor percebeu que um terrível acaso interferira no curso dos acontecimentos. Adaptou seu comportamento a essa circunstância. Seus grandes olhos acompanharam a fusão das camadas de pedra cinza-marrons sob o efeito dos raios, que penetravam cada vez mais profundamente na cadeia de montanhas.

Os robôs trabalhavam sem descanso. O calor resultante do processo de fusão não os perturbava. As nuvens turbulentas de vapores que saíam da caverna e teriam sufocado qualquer ser humano, não os fizeram recuar um passo. Mantendo os fuzis de radiação junto das paredes em estado de liquefação, deixavam a energia investir furiosamente contra a rocha.

As nuvens de vapor também não pareciam turvar a visão do verme do pavor. Ligou um conversor de símbolos com uma das garras e mandou que os robôs abandonassem a caverna. Desligou imediatamente, porque os impulsos da fita hipnosug, que continuava em movimento, o perturbavam.

Os robôs trabalhadores saíram da caverna fumegante. A garra esquerda do verme do pavor segurou o conversor, levantou-o como se fosse um brinquedo e carregou-o para dentro do buraco escuro, que penetrava mais de trinta metros na rocha. Colocou depois o conversor de símbolos no chão, junto à entrada da caverna, abriu a boca larga, e a escuridão foi rompida por um raio energético expelido pelo pólo de irradiação de sua enorme boca.

Aquela criatura estava perto da morte, mas devia ser uma verdadeira concentração de energia, pois expelia um raio energético após o outro. A rocha desmanchava-se sob o efeito desses raios.

O revestimento de molkex tornava o verme do pavor invulnerável contra o calor, por mais intenso que fosse, e os vapores venenosos não atacavam seu organismo, que era completamente diferente do de outros seres.

Não se interessou mais pelo que acontecia lá fora, junto ao paredão. Não dedicou um pensamento sequer aos seres humanos que o haviam trazido a este mundo de oxigênio desabitado, para que sua prole pudesse desenvolver-se livremente, devorando a superfície deste mundo tão pobre em recursos.

Impulsos violentos atravessavam seu corpo, dando-lhe forças para cuidar da multiplicação de sua espécie, houvesse o que houvesse. O corredor estreito e comprido estava quase pronto, mas a carga energética dos raios que expelia de sua boca larga, colocando-os exatamente no lugar desejado, era tão forte como antes.

O verme do pavor não se interrompeu e muito menos cessou sua atividade quando um ribombo penetrou na caverna, fazendo tremer violentamente o chão. Continuou a expelir raios energéticos em rápida seqüência, e o segundo corredor estreito e comprido foi concluído tão depressa quanto o primeiro.

A paisagem entre a Kostana e o paredão de rocha continuava praticamente inalterada. Os tripulantes continuavam a andar desordenadamente de um lado para o outro, como se fossem sonâmbulos.

O último homem já havia abandonado a Kostana. A enorme eclusa estava vazia, e não havia uma única pessoa sobre a rampa.

O Capitão Yak e o sargento Erskine encontraram-se por acaso. Fizeram o que todos faziam: desviaram-se um do outro quando se encontravam a uma distância de dez metros. Desta vez Yak deu mais um passo em direção a Erskine, mas logo voltou a afastar-se na direção oposta.

Este fenômeno repetia-se sempre que duas pessoas se encontravam, e a expressão aflita nos olhos de Clark Yak foi empalidecendo, dando lugar a uma expressão mais ou menos normal.

Yak não sabia que, nele, os efeitos do choque hipno-sugestivo estavam diminuindo lentamente. A certa altura, sem o menor motivo, fez meia-volta e retornou pelo mesmo caminho por onde tinha vindo. Pela primeira vez tropeçou numa pedra. Conseguiu evitar a queda no último instante e parou abruptamente.

O capitão passou as mãos pelo rosto.

Seus olhos foram clareando.

— O que está acontecendo por aqui? — perguntou, olhando para os lados. Viu os tripulantes da Kostana andarem nervosamente de um lado para outro. Ninguém dizia uma palavra, e todos se desviavam uns dos outros.

Um sentimento de pavor apoderou-se do Capitão Yak.

“Procure manter a cabeça limpa”, pensou, procurando controlar-se.

— Major Urgina! — gritou, dirigindo-se ao comandante que passava a quinze metros do lugar em que ele se encontrava.

O Major Faro Urgina nem reagiu. Yak correu para junto do homem mais próximo, sacudiu-o fortemente e fitou seu rosto. A expressão aflita no olhar do outro obrigou-o a recuar. O medo ameaçava estrangulá-lo. Não compreendia o que acontecera com todos.

— O que houve comigo? — perguntou a si mesmo. — Por que estou aqui, quando deveria estar na sala de comando?

Viu o sargento Lionel Erskine aproximar-se. O fato provocou certa reação em sua mente, mas nem por isso chegou a compreender quem fora o autor de tudo isso.

Clark Yak sacudiu a cabeça. Olhou para a Kostana, fitando a eclusa e a rampa. Três homens que vestiam trajes espaciais atravessaram a eclusa aberta.

“Bem”, refletiu, “pelo menos há uma tripulação de emergência na nave.”

Lionel Erskine desviou-se dele. Yak correu em sua direção, sacudiu-o e gritou para ele. Erskine procurou libertar-se com um gesto indiferente.

— Sargento — berrou o capitão ao seu ouvido.

Erskine não esboçou a menor reação. Yak não desistiu. Prosseguiu nos esforços para despertar o sargento.

— Sim... — não foi nem uma pergunta, nem uma exclamação. O capitão não se importou. Esboçou um pequeno sorriso: para ele era um sinal de que o cérebro daquele homem voltara a funcionar normalmente.

O sargento procurou desvencilhar-se de suas mãos. O Capitão Yak fê-lo tropeçar sobre sua perna. Lionel Erskine caiu ao chão.

Quando o oficial se inclinou sobre o homem que se esforçava em vão para pôr-se de pé, ouviu-o praguejar.

Então Yak voltou a gritar:

— Erskine! Sargento Erskine!

— Que barulho... — resmungou o homem.

Yak pegou-o pela gola da blusa e puxou-o para cima.

— Que tratamento é este...

O sargento acabara de recuperar suas faculdades. Da mesma forma que o Capitão Yak, olhou para os homens que caminhavam ao acaso e sentiu-se dominado pelo pavor. Também não soube explicar como fora parar ali.

— Deixe que os outros andem por aí, Erskine — pediu o capitão. — Quero ajudá-lo a refrescar a memória. Lembra-se de que o senhor, juntamente com Pillar, Zims e Gargin fizeram uma experiência de modulação com a fita hipnosug?

O sargento forçou a memória. Depois de algum tempo fez um sinal afirmativo.

— Lembro, sim. E daí?

— Também não sei mais que isso, Erskine. Não tenho a menor lembrança dos motivos que me levaram a abandonar a nave. Venha comigo. Acho que é necessário que pelo menos dois homens no pleno gozo de suas faculdades mentais montem guarda na Kostana.

— Alguns dos nossos estão andando no interior da eclusa. Que pena, desapareceram... Por que estão usando trajes espaciais?

Clark virou lentamente o rosto em direção à eclusa. Este movimento lhe mostrou que ainda não recuperara toda sua capacidade de reação.

— Devem ser os mesmos homens que vi há pouco. Venha comigo, sargento!

O sargento acabara de descobrir Walter Zims e correu em sua direção.

Dali a pouco eram três homens que tinham recuperado a capacidade de pensar e agir normalmente. A primeira coisa que Walter Zims fez foi perguntar:

— Onde estão os robôs?

Yak comprimiu a cabeça com as mãos.

— O que aconteceu conosco? O que será?

O rugido dos motores de impulsos tornou impossível a conversação.

A Kostana saltou para o céu límpido.

A nave subiu numa velocidade louca. Girou em torno do próprio eixo. Uma sombra desprendeu-se de seu corpo esférico.

— Um pedaço da protuberância circular! — gritou Clark Yak, apavorado, mas ninguém ouviu suas palavras.

O pedaço da protuberância circular foi-se afastando da nave e bateu ruidosamente contra o flanco da montanha, produzindo uma chuva de fagulhas, até cair ao chão.

Walter Zims foi o único que percebeu esse detalhe. Yak e Erskine ficaram paralisados de susto quando viram a Kostana sair da vertical, descrevendo uma curva fechada. A nave prosseguiu na mesma rota. O rugido dos motores tornou-se insuportável.

Os homens soltaram um grito de pavor.

A Kostana estava caindo. Desceu com toda a potência dos motores de impulsos que funcionavam a toda força. O corpo esférico de cem metros de diâmetro penetrou profundamente no chão do deserto vermelho. Gigantescas nuvens de poeira espalharam-se rapidamente para todos os lados. Um verdadeiro inferno de energias liberadas fez surgir um pequeno sol sobre o quarto mundo do sistema Labin 3.

Os homens cobriram os olhos com as mãos. Por alguns longos segundos foram ofuscados pela luz forte. Quando recuperaram lentamente a visão, a onda de pressão desabou sobre eles. Foram atingidos por forças titânicas e puderam dar-se por felizes por terem sido atirados ao chão em vez de serem arrastados.

Um estrondo indescritível acompanhou o uivo das massas de ar deslocadas. O chão tremia.

Areia e pedras bateram no rosto de Yak, quando este tentou levantar a cabeça. As fúrias da natureza do mundo desconhecido só foram amainando lentamente.

O primeiro trabalho do capitão consistiu em cuidar de Erskine e Zims. Sua voz superou o uivo da tormenta. Zims respondeu. Mas não havia o menor sinal de Erskine. O oficial arriscou-se a levantar do chão. Deu dez passos, mas desistiu. A tormenta tangia-lhe a areia nos olhos, deixando-o completamente cego.

Finalmente a fúria da tempestade foi diminuindo. Houve um vento, e este também cedeu. Porém toneladas de areia continuavam suspensas no ar. Não se enxergava mais de dois metros.

— Capitão! Zims! Alô! Capitão! Zims...! Não havia dúvida: era a voz de Lionel

Erskine. Clark Yak respondeu várias vezes, e Lionel Erskine foi avançando por entre o ar impregnado de massas de areia vermelha. De repente o sargento apareceu à frente do oficial. Parecia uma sombra confusa. A primeira coisa que Erskine disse foi uma coisa que Clark Yak andara pensando durante todo tempo, com muita aflição:

— Escapamos, senhor... apenas para morrer mais tarde sob o efeito das queimaduras provocadas pelas radiações.

A atmosfera devia estar fortemente impregnada de radiações nocivas. As energias da Kostana haviam sido liberadas subitamente com o impacto sobre o solo.

Finalmente Zims encontrou o caminho para junto deles. Ninguém perguntou por que a Kostana decolara, ninguém perguntou quem a fez decolar. Todos sabiam que seria inútil formular perguntas deste tipo. Nunca encontrariam a resposta.

A pessoa que fez isso — fosse ela quem fosse — perecera juntamente com a nave...

Ficaram agachados, cismando. Vez por outra um deles passava a mão cautelosamente pelo olhos.

Quando o Capitão Yak levantou a cabeça, Zims fez a mesma coisa. Puseram-se a escutar. Gritos vindos de longe atravessavam a escuridão cinzenta.

— Ao meu comando, respondam alô! — ordenou Yak, e contou: — Um, dois, três!

Três homens berraram a plenos pulmões. Depois puseram-se a escutar. Em torno deles reinava o silêncio.

 

Há várias horas estavam sentados, encostados uns aos outros e sentindo um frio terrível. Devia ser noite, pois há muito não enxergavam a mão na frente do rosto. A maior diferença entre o cinza da atmosfera impregnada de areia e a noite de verdade era a temperatura, que se aproximava cada vez mais do zero.

Ao contrário de Erskine e Zims, o Capitão Clark ainda não dormira um minuto que fosse. Sabia perfeitamente que o quarto planeta do sistema Labin 3 seria seu túmulo. Mesmo que acontecesse um milagre, e o comandante da Explorer 5207, Beto Hiesse, se preocupasse com a ausência da Kostana, para eles seria tarde.

Seus corpos estavam contaminados de radiações. Era bem verdade que havia remédios muito eficientes, que eliminavam os danos produzidos pelos raios radioativos, mas nem mesmo estes remédios seriam capazes de salvar um organismo fortemente atingido pelas radiações. Pelo menos três dias se passariam antes que a Explorer 5207 iniciasse as buscas destinadas a localizar a pequena espaçonave na concentração de Hiesse. Em virtude do elevado teor de radiações na atmosfera deste mundo, os instrumentos da nave exploradora logo descobririam o lugar em que a Kostana fora destruída. Também encontrariam os três homens — porém mortos.

Alguma coisa o atingiu. Clark Yak passou a mão pelo rosto. Além da areia fina, havia um pingo de chuva em sua pele. Dali a alguns minutos já não teve a menor dúvida.

Estava chovendo.

Com isso as coisas ficariam ainda piores, pois a chuva despejaria a poeira radioativa sobre eles. Parte da mesma, que talvez viesse ao chão a milhares de quilômetros de distância, cairia ali mesmo.

A chuva ficou mais forte. Erskine e Zims foram despertados do sono leve.

— Era só o que faltava — disse o sargento, comentando o fenômeno da natureza. — Não faz mal. Assim não demorará tanto.

Reconhecera a situação em que se encontravam.

Era uma chuva morna, o que parecia estranho face à temperatura reduzida do ar. Nenhum dos três homens interessou-se pelo fenômeno. Dentro de pouco tempo ficaram completamente encharcados.

A chuva pelo menos tinha uma coisa de bom: limpava a atmosfera impregnada de massas de poeira.

Pela terceira vez Zims sugeriu que avançassem até o paredão de pedra e se abrigassem na caverna do verme do pavor. O Capitão Clark não concordou.

Walter Zims não se deu por satisfeito.

— Por quê? Não perturbaremos o verme gigantesco e não ficaremos expostos à chuva radioativa. Será que esta chuva realmente é radioativa? Será que com a queda da Kostana foram liberadas radiações que não sejam limpas? Não acredito. Não sinto nada, a não ser uma terrível fome.

O Capitão Clark Yak não chegou a responder.

Um raio atravessou a escuridão.

Mas não foi só isso: um matraquear infernal rompeu o ruído da chuva!...

Os três levantaram-se de um salto. Mais uma vez uma luminosidade verde atravessou a noite. O matraquear tornava-se cada vez mais selvagem. Aqueles homens nunca haviam ouvido nada igual. Os lampejos já vinham de três lados diferentes.

— Fogo de armas térmicas! — gritou Lionel Erskine, entusiasmado. — Isso é... — interrompeu-se e parecia respirar com dificuldade. — Santo Deus, em que estão atirando com desintegradores?

“Taque-taque-taque.” Línguas de fogo surgiram em vários pontos. O número de raios de luz parecia multiplicar-se por dez.

— Já não compreendo mais nada, mas acho que deveríamos procurar aproximar-nos do front — disse o Capitão Yak.

— Front? Que front? — perguntou Walter Zims.

— Veremos... — Yak não estava disposto a dizer muita coisa. De repente lembrou-se de uma coisa: lembrou-se de ter visto um movimento na entrada de um vale estreito, entre dois blocos de pedra quando a bordo da nave. Ao mandar ampliar a imagem ao máximo, não vira mais nada.

Taque-taque-taque — era o ruído que se ouvia no meio da noite. O fogo das armas energéticas tornara-se menos nutrido, mas o matraquear aumentara.

— O que é isso? — esbravejou o sargento Erskine.

— Pela grande Via Láctea! — gritou Zims. — São metralhadoras! Há séculos os povos da Terra se combatiam com esse tipo de arma. Já vi um negócio destes num museu, mas...

— Sim — disse Yak — mas de onde vêm essas metralhadoras?

Três homens estavam parados no meio da chuva e da noite impenetrável, escutando atentamente. O matraquear não diminuía. Vez por outra a escuridão era rompida por um lampejo.

— Zims, o senhor ainda me deve uma resposta — disse o capitão. — De onde vêm as metralhadoras?

— Não faço a menor idéia. Não estamos sós no planeta.

Lionel Erskine protestou contra a observação, resmungando alguma coisa. Yak ficou calado. Zims não estava de acordo.

— Acha que minha opinião é absurda, capitão.

— Infelizmente não, Zims. Se essa gente que faz taque-taque ainda usa trajes espaciais, acho que já sei quem decolou com a Kostana.

Esta observação fez com que Lionel Erskine se lembrasse do que vira na eclusa da Kostana, pouco antes de a mesma realizar aquela decolagem maluca. Vira homens que vestiam trajes espaciais.

Mas não teve tempo para fazer qualquer comentário a este respeito.

— Vamos andando! — ordenou Yak. — Tenham cuidado para não atrair o fogo energético de nossos companheiros. Quero saber quem continua vivo, e principalmente quem está atirando com metralhadoras.

— Devem ser os homens com trajes espaciais que vi na eclusa principal de nossa bela Kostana — interveio Lionel Erskine.

Foram atravessando a noite chuvosa. Levavam desintegradores e armas de impulsos, que finalmente não tinham sido perdidas durante os acontecimentos inexplicáveis que se haviam verificado.

Zims contou os passos. Quando chegou a trezentos, alguma coisa chiou perto de seu ouvido. Era uma música diabólica, que fez com que os três imediatamente procurassem abrigo.

Mas o chiado continuou. Até tiveram a impressão que passava por cima de suas costas.

— Infravermelho! — gritou Lionel Erskine.

Yak e Zims, que se encontravam à sua esquerda e direita, praguejaram. O inimigo desconhecido via-os por meio de aparelhos infravermelhos.

— O que vem a ser uma metralhadora, Zims?

— É uma construção metálica que expele projéteis através da pressão de uma explosão. Ai...! — soou seu grito de dor. — Para trás, capitão.

— Onde foi atingido, Zims?

— De raspão, no ombro esquerdo. Vou separar-me dos senhores.

— Iremos com o senhor — disse o Capitão Yak.

Se o inimigo podia vê-los por meio dos raios infravermelhos, a vantagem estava do lado deles, apesar das armas antiquadas que usavam. Assim que o capitão e seus companheiros fizeram o primeiro movimento, ouviu-se o matraquear infernal vindo de todos os lados.

Comprimiram-se contra o solo, enquanto os projéteis zumbiam por cima de suas cabeças.

— Temos de recuar, senão ainda nos pegarão! — gritou Yak. No mesmo instante viram-se feixes de raios que romperam a escuridão. Alguma coisa que os três não viram foi destruída com um estrondo. Na mesma hora cessou o matraquear infernal vindo de um dos lados. Não perderam tempo: recuaram, rastejando na areia úmida. Zims voltou a gemer baixinho. O ferimento no ombro incomodava mais do que ele queria confessar.

Nenhum deles, porém, prestou atenção à direção em que rastejavam.

— Será que vocês enlouqueceram? — gritou Clark Yak, quando um raio de impulsos finíssimo tocou a areia, bem à sua frente.

O raio desapareceu.

— Quem vem aí?

— O Capitão Clark Yak, o sargento Erskine e o cabo Zims — gritou o capitão.

Ouviram-se exclamações de espanto.

— Não se levantem! — gritou alguém. — Os caras estão nos observando pelo infravermelho.

— Acha que ainda não percebemos? — perguntou Lionel Erskine. — Que caras são estes?

— Talvez sejam piratas que se estabeleceram neste setor da Via Láctea — disse Zims.

Não tiveram mais tempo de falar. Era muito cansativo avançar rastejando sobre a barriga. Finalmente atingiram os companheiros, que formavam um grupo de onze homens. Retiraram-se até o flanco da rocha. Yak perguntou pelo Major Faro Urgina.

— Está morto. Foi atingido pela primeira salva — disse alguém. — O senhor é o último oficial vivo.

Ouviu Zims dar um gemido.

— Alguém sabe como tratar uma ferida nestas condições precárias?

Um dos homens observou que sua situação era muito crítica, já que se defrontavam com um inimigo que sabia o que queria.

— Mas Zims precisa de tratamento. Entendido? — gritou Yak, indignado.

Mas tratá-lo com quê? Não havia ataduras. As roupas dos homens estavam encharcadas. Finalmente um dos homens encontrou num dos bolsos do uniforme um pequeno estojo ara de primeiros socorros. Segundo as normas, todos deveriam ter levado um estojo destes, mas viu-se que dificilmente havia alguém que se preocupasse com isso.

Enquanto dois homens cuidavam da ferida de Zims, Yak pediu que lhe contassem o que tinha acontecido.

Um cabo pertencente ao grupo de onze homens iniciou o relato. Começou pela queda da Kostana e pela liberação das energias da mesma.

— Muitos foram mortos pela onda de pressão. Tivemos muito trabalho para reunir os que restavam. Éramos trinta e dois homens. O Major Urgina só sofrerá uma ligeira contusão. Estava em ótimas condições. Lembrou-se, então, da entrada do vale recortado no meio das rochas, que vira na tela panorâmica. Fomos avançando passo a passo em meio à tempestade e às massas de areia. Por três vezes desviamo-nos do rumo. Levamos mais de uma hora para chegar ao paredão. Depois seguimos rente ao mesmo, em fila indiana. A tempestade foi diminuindo. Depois de algum tempo começou a chover.

“Um dos oficiais, não sei qual foi, tinha um medidor de radiações. Quando a chuva começou a cair, pensamos que receberíamos um banho de lixo radioativo. Mas não foi nada disso.”

Iak interrompeu o cabo.

— Quer dizer que durante a explosão não foram liberadas radiações?

— Isso mesmo. Não tivemos a menor dificuldade em acreditar no milagre. Quando disseram que a chuva não continha poeiras radioativas, chegamos a acreditar que o pior tinha passado.

“Quando a notícia de que a ponta da fila acabara de chegar ao destino correu de homem para homem, ouvimos pela primeira vez o matraquear em meio à chuva noturna.

“O major foi um dos primeiros que tombaram. Quando compreendemos que estávamos sendo observados por meio de visores infravermelhos e que atiravam contra nós com armas antiquadas, já haviam morrido dezoito homens.

“A certa altura um grupo de três homens viu pequenas chamas na escuridão. Começaram a atirar com as armas de radiações na direção das mesmas. Ouviu-se um terrível estrondo do lado dos atacantes. Tivemos alguns minutos de paz, e pudemos retirar-nos. Mas os inimigos que se encontravam do outro lado devem ter-nos seguido. Mais uma vez abriram fogo contra nós com essas malditas metralhadoras, e novamente sofremos algumas perdas. Quando atiraram contra o senhor e seus companheiros, mais uma vez vimos chamas, e os raios de nossas armas provocaram uma segunda explosão. Aí foi quando o senhor apareceu.”

— O senhor falou nuns caras, cabo. Por quê? — perguntou Yak em tom enérgico.

Ninguém podia ver o rosto do outro, mas Yak teve a impressão de ter notado um sorriso do cabo.

— Durante o primeiro ataque encontramos um dos atacantes, senhor. Infelizmente estava morto. Usava traje espacial cinza-marrom, de um tipo muito primitivo. O mais incrível é que se tratava de um dos nossos.

— Um dos nossos?! Como!

— Infelizmente não cheguei a vê-lo, e os que o viram estão mortos. Mas foram unânimes em dizer que viram o rosto de um terrano.

Alguém avisou Yak de que o curativo da ferida de Zims estava concluído.

— Foi atingido de raspão, senhor. É muito doloroso, mas não é perigoso.

O capitão agradeceu. Não confiava nas informações que o cabo lhe fornecera. Aquelas metralhadoras, que na Terra só eram encontradas em museus, não combinavam com a afirmação de que o inimigo morto era um terrano. E havia outra circunstância que dava o que pensar: a queda da Kostana. Só mesmo um leigo em astronáutica, que não entendesse nada das modernas naves esféricas, seria capaz de fazer cair uma unidade desse tipo, pertencente à Frota do Império; porque um pirata saberia lidar tranqüilamente com um veículo espacial como este.

Finalmente, o inimigo não poderia pertencer à raça dos terranos, porque no tempo em que no planeta Terra se usavam metralhadoras, ainda não havia vôos espaciais tripulados.

Yak não externou esses pensamentos.

— Como puderam reconhecer o morto em seu traje espacial numa escuridão destas?

— Um dos trinta e dois homens de nosso grupo possuía uma lâmpada portátil, senhor. Agora não temos mais nenhuma.

— Daqui a pouco não precisaremos mais de lâmpadas — exclamou alguém que se encontrava mais ao fundo. — Se não estou muito enganado, o dia está começando a raiar.

Realmente era verdade. Em certo lugar um tom de cinza apareceu entre os véus de chuva cada vez mais tênues. Era o sinal de que um novo dia estava para raiar no quarto mundo de Labin 3.

O Capitão Yak procurou ativar seus conhecimentos sobre combates em superfície, que adquirira na academia espacial. Eram ao todo quatorze homens. Constataram que cada um possuía duas armas de radiações.

— Alguém tem um minicomunicador? Ninguém respondeu.

A chuva continuava a cair lentamente. Mais ao longe o cinza começava a tornar-se mais claro. Mas em torno deles a escuridão ainda era completa.

Yak colheu outras informações.

Assim que o grupo de 32 homens se reunira, o mesmo foi comandado por Urgina e outro oficial. Os outros tripulantes haviam sido vitimados pela onda de pressão, ou tinham perecido de outra forma na tempestade de areia.

Yak pediu que todos lhe dessem seu nome.

Um terço dos homens ele não conhecia apenas pelo nome. Destacou um e mandou que este se dirigisse ao lugar em que a tripulação da Kostana fora atingida pela onda de pressão. Deveria tirar os minicomunicadores dos oficiais mortos.

— Precisamos de pelo menos seis comunicadores — advertiu Yak. — Se juntarmos estes ao meu aparelho, estaremos em condições de vencer as distâncias astronômicas que nos separam da Explorer 5207. Não se esqueçam de trazer também as pulseiras.

Tratava-se de fitas que não eram simples pulseiras, pois serviam de elementos de ligação, permitindo ligar os minicomunicadores em circuitos paralelos. Transformava a série de aparelhos num transmissor de hiper-rádio que, conforme o número de unidades ligadas, era capaz de vencer vários anos-luz de distância.

O chuvisco parou. A luz do dia começou a encher aquele desolado mundo desértico. Os homens mantinham-se imóveis, com o corpo comprimido contra a rocha. Em sua maioria haviam tirado as armas dos companheiros mortos. Por isso no momento não estavam muito receosos de ficarem indefesos diante do inimigo. Mas o Capitão Clark Yak desistiria de bom grado das armas de radiações, se possuísse um único projetor hipnótico.

Enquanto refletia a este respeito, a luz se fez de repente em sua mente. Clark Yak já conhecia a origem da catástrofe. Ela tivera início com a experiência do sargento Lionel Erskine, que resolvera modular os impulsos expedidos pela fita hipno-sugestiva. Esta experiência exercera uma influência hipno-sugestiva sobre os tripulantes da Kostana. É bem verdade que naquele momento Clark não conseguiu reconhecer o que havia acontecido depois disso.

Não guardara a menor lembrança a respeito do tempo decorrido entre o momento em que abandonara a sala de comando e aquele em que despertara.

— Está clareando, senhor.

O capitão olhou para os lados. Havia blocos de pedra de uns dois metros de altura junto ao paredão, dispostos na maior confusão. Representavam uma proteção ideal na direção do vale em que se encontrava o inimigo. Bastava que ele e seus companheiros se abrigassem atrás dessas pedras, para, por meio de suas armas de radiações, impedir o inimigo de avançar em direção do deserto.

Yak transmitiu suas instruções. Diante de seus comandos, um grupo correu para a direita e outro para a esquerda. A pressa realmente era necessária, pois logo se ouviu o fogo das metralhadoras e o ruído provocado pelo impacto dos projéteis contra o paredão. O fogo de metralhadora, que não provocou vítimas, mostrou que parte dos inimigos se encontrava na borda do deserto.

Os homens colocaram-se numa posição em que estavam bem abrigados e podiam dispor de uma boa linha de tiro. O Capitão Yak encontrou o lugar mais favorável, e juntou depois uma dezena de pedras para construir uma posição de tiro razoavelmente protegida contra as balas. O fogo inimigo cessou. Yak virou a cabeça e olhou para o flanco aberto na rocha. O paredão não era liso; havia vários terraços, que se estendiam ao longo do mesmo, em várias altitudes. Resolveu levantar a cabeça um pouco acima das pedras atrás das quais se abrigara, para enxergar a entrada do vale. Logo voltou a ouvir o matraquear das metralhadoras, e em torno dele zumbiam as balas em ricochete como se fossem vespas enfurecidas.

Yak não pôde deixar de olhar constantemente para cima. Teve uma impressão repentina de que a desgraça desabaria sobre eles, vinda do alto.

Gritou alguma coisa para o grupo que se encontrava do lado oposto. A esta distância a comunicação não era muito boa. Demorou alguns minutos até que sua advertência fosse bem compreendida. Perguntou se ainda não havia sinal do homem que saíra para procurar alguns minicomunicadores. Recebeu resposta negativa.

Deu ordem a dois dos homens que se encontravam a seu lado para que não observassem o deserto vermelho, mas as bordas dos terraços.

À medida que ia clareando, a visibilidade aumentava. Em alguns lugares havia grandes poças de água da chuva. Junto a essas poças o verde começou a medrar.

De repente ouviu um grito estridente. O chiado inconfundível das armas desintegradoras terranas chegou ao seu ouvido. Virou para ficar de costas e viu confirmadas suas previsões.

O inimigo se instalara no segundo terraço e começava a atirar neles de metralhadora.

Mas não teve nenhuma chance diante do fogo concentrado dos desintegradores terranos. Apesar da distância relativamente grande, essas armas não deixaram de produzir seus efeitos. Onde há pouco estivera um atacante, não se via mais nada. Ouviu-se um grito vindo de cima. Todavia, um grito ainda mais estridente partiu do homem que se encontrava à direita de Yak.

— Eles também têm desintegradores!

A notícia não surpreendeu o capitão. Ao saber que o inimigo os observava por meio de aparelhos infravermelhos, logo supusera que ele iria apoderar-se dos desintegradores de seus mortos.

Yak passou a ter cada vez mais medo do inimigo que lançava ataques tão implacáveis e persistentes contra eles.

O primeiro ataque lançado do terraço acabara de ser rechaçado. O grupo inimigo fora vitimado pelo fogo de seus desintegradores. Em compensação, um segundo grupo, que se encontrava no solo, procurou desmanchar seu abrigo com os desintegradores que tinha apanhado dos cadáveres da Kostana.

— Deixe-me passar! — disse Yak, que queria dirigir-se à ala direita de seu grupo. Agachou-se ao lado de um homem que estava abrigado atrás de uma pedra de três metros de grossura e lhe disse com a voz entrecortada:

— Nós não somos tão avarentos com a energia de nossas armas, quando disparamos contra um alvo. Gostaria de saber quem ensinou esses caras em tão pouco tempo a atirar nossas...

Não teve tempo de dizer a última palavra. Ele e Yak tiveram de recuar às pressas para trás de outro abrigo, já que o grande bloco de pedra que se encontrava à sua frente se desmanchou.

O fato de Yak ter-se deslocado para a ala direita de seu grupo representava certa vantagem. Conhecia a posição aproximada do grupo inimigo que atirava contra eles com os desintegradores que estavam em seu poder.

Enquanto saltava de um abrigo para outro, as metralhadoras voltaram a matraquear. O chiado dos projéteis o levou a apressar-se tanto que saltou para as costas de um homem.

O sargento Lionel Erskine esfregou o lado esquerdo do tórax. O capitão ficou deitado no chão, comprimido contra ele, à espera de que o fogo de metralhadora cessasse.

Dali a pouco as metralhadoras se calaram.

Os primeiros raios de sol atingiram os homens. Por cima do planeta desértico estendia-se um céu límpido. Yak e Erskine espiaram pela fenda estreita que o sargento abrira.

Os homens que se encontravam do lado esquerdo de seu grupo deviam ter avistado as posições de metralhadora do inimigo. Atiravam com seus desintegradores.

Ouviram-se vários estampidos saídos de uma nuvem de vapores claros que se espalhava rapidamente para os lados. O Capitão Yak segurou o sargento Lionel Erskine pelo ombro e obrigou-o a olhar para ele.

— Preste atenção, Erskine. Temos de subir nesse paredão. À nossa direita está um grupo que atira contra nós com desintegradores. Se não conseguirmos colocá-lo fora de combate bem depressa, será inútil resistir. Quer ir comigo?

— Naturalmente. Quer um? — o sargento sorriu e ofereceu um desintegrador superpesado ao Capitão Yak. Dispunha de outra arma do mesmo tipo.

O capitão pegou a arma sem dizer uma palavra. Avisou o homem mais próximo, aos gritos, sobre o que pretendiam fazer.

— Transmita o aviso ao outro grupo. Yak e Erskine saíram do abrigo rastejando de quatro.

Por enquanto não tinham por que temer um ataque vindo da entrada do vale.

Estavam subindo em direção ao primeiro terraço por uma espécie de chaminé que se abria na rocha, a uns cinco metros do paredão. Só poderiam ser vistos quando atingissem a primeira plataforma, que se estendia a mais de quinze metros de altura, se houvesse um inimigo na extremidade superior da chaminé.

— Caramba! — disse Erskine, quando viu pela primeira vez aquilo que Yak designara como chaminé. Em nenhum lugar a fenda chegava a ter mais de um metro de largura. — Vamos subir aí sem outros recursos, senhor?

— Irei na frente. Preste atenção ao que eu fizer. Dessa forma nada lhe poderá acontecer.

Yak colocou-se no interior da chaminé, com as costas e a mão esquerda comprimida contra um dos lados, enquanto a outra mão segurava uma saliência do lado oposto. Levantou o pé direito e apoiou a ponta da bota numa saliência. Endireitou a perna, fez força com a mão esquerda para afastar as costas da parede de rocha e subiu meio metro.

— Que coisa louca! — cochichou Erskine, entusiasmado. — Assim é fácil.

O sargento seguiu seu capitão. Quando tinha percorrido aproximadamente a terça parte da chaminé, olhou para baixo. Sentiu-se inseguro. O cascalho espalhado ao acaso deixava-o nervoso. Começou a transpirar.

— Por que está ficando para trás, Erskine? Não consegue subir mais? — gritou Yak.

— Consigo, sim! — gritou o sargento. — Já estou subindo! É fácil!

Sabia que nunca mentira tão desavergonhadamente. Enquanto subia com grande esforço, teve a impressão de sentir uma força invisível que queria arrastá-lo para baixo.

Depois de bastante tempo voltou a ouvir a voz de Yak.

— Dê-me a mão.

Yak puxou-o para fora da chaminé. Estavam num dos terraços. Lionel Erskine quase não conseguia acreditar.

— Encoste-se à parede, senão nos vêem de cima.

Yak deu um empurrão no sargento, e este agachou-se junto ao paredão, perto dele.

— Erskine, siga-me numa distância de dez passos. Não se esqueça de ficar abrigado.

Confirmaram com um aceno de cabeça. Yak saiu, saltando de uma pedra para outra e mantendo-se sempre junto ao paredão.

A chaminé descreveu uma curva ligeira em torno do paredão. Yak resmungou alguma coisa. Por ali não havia possibilidade de abrigar-se. Clark Yak agachou-se, olhou para trás e fez sinal para que o sargento, que estava alerta, ficasse à espera.

Clark Yak pegou as armas. Segurou o desintegrador superpesado e a arma comum. Havia um desintegrador de reserva num dos bolsos. Saiu correndo. Quando tinha dado cinco passos, parou desesperadamente e procurou atirar-se para trás.

À sua frente havia um raio de arma desintegradora, que parecia ter vindo do nada.

“É tarde”, pensou o Capitão Yak, e resolveu aplicar os ensinamentos que recebera na escola de guerra da academia espacial. Num movimento rapidíssimo levantou a arma superpesada, atirou com a segurança de um sonâmbulo e deixou-se cair para a frente.

Não conseguiu deter a queda, mas pelo menos não caiu dentro de um raio mortífero. Na verdade, o raio desaparecera. E o homem que atirara contra ele com uma das armas desintegradoras tiradas dos terranos, deixara de existir.

Clark Yak levantou-se de um salto. Seu joelho doía, mas ele não deu atenção a isso. De repente sentiu-se muito seguro. Continuou a correr — trinta metros, quarenta — e de repente viu o vale do qual deviam ter saído os atacantes desconhecidos, e de onde provavelmente tinham observado o pouso da Kostana.

À sua frente alguma coisa balançava junto ao paredão íngreme. Fitou o ponto e reconheceu uma corda. O inimigo usara a mesma para descer da segunda plataforma e interceptar o caminho que passava no paredão.

Abaixou-se e apalpou o material. Não se lembrou de jamais ter posto as mãos numa substância como esta. Resolveu não perder tempo com isso. De qualquer maneira, a plataforma terminava dali a três metros. Foi rastejando até a borda, com uma arma em cada mão.

Conseguiu agarrar-se à rocha com a ponta dos pés. De repente viu alguma coisa movimentar-se entre enormes blocos de pedra, que algum dia deviam ter despencado para baixo.

No mesmo instante lembrou-se do que vira ao contemplar esse lugar na tela da Kostana: vira um movimento.

— Preciso descobrir quem são e por que nos atacam com uma raiva tão insensata — disse para si mesmo.

Seu coração palpitava fortemente, não de medo, mas de surpresa. A menos de vinte metros do lugar em que se encontrava viu seres humanos. Usavam trajes espaciais, mas estes eram de um tipo antiquado e estranho, o que levou Yak a supor que não se tratava de terranos.

De repente a atenção de Clark Yak foi atraída por outro imprevisto. Um terrível estrondo fez com que olhasse para o vale estreito e muito reto. Viu uma nuvenzinha em forma de cogumelo.

“Santo Deus”, pensou apavorado, “é um cogumelo atômico.”

Atirou-se de lado e olhou para trás. Ouvira passos. Deu um suspiro de alívio e baixou o desintegrador superpesado. Era o sargento Lionel Erskine que se aproximava.

Os dois ficaram deitados lado a lado, junto à borda da plataforma. A nuvem atômica em forma de cogumelo, que neste meio tempo se estendera bastante, levou Erskine a praguejar.

— O senhor compreende isso? — perguntou aos cochichos.

Yak fez um movimento muito ligeiro com a cabeça. Apontou para baixo. Ouviu-se um zumbido surdo que subia entre os blocos de pedra, e que aumentava a cada segundo que passava. Os dois fitaram-se com uma expressão de dúvida. Não conseguiram identificar o ruído.

— São mais de trezentos homens — cochichou Lionel Erskine, que fizera uma avaliação ligeira dos diversos grupos.

Uma pedra bateu ruidosamente no terraço atrás deles. Yak ficou deitado na posição em que se encontrava. O sargento recuou um pouco e levantou-se. Olhou para o terceiro terraço, onde descobriu alguns homens.

— Capitão! — gritou. — Estão colocando em posição uma peça de artilharia pesada.

O zumbido que subia do vale transformara-se no som de um órgão. Clark viu um vulto cinzento e fosco, que contornava lentamente uma das rochas. Tratava-se de um canhão.

Estava todo ele fortemente blindado. A peça de autopropulsão devia pesar muito mais de duzentas toneladas. As esteiras largas reduziam a poeira pedras de vinte centímetros de diâmetro. A peça foi avançando lentamente em direção à saída do vale. A julgar pelos ruídos, devia haver outras peças atrás dela.

Yak não conseguiu descobrir nada acima dele. A contragosto recuou da borda do terraço, deitando ao lado de Erskine, que estava com o corpo meio levantado.

Ainda não olhara lá para cima.

— O que é isso, Erskine? — perguntou, perplexo, ao ver uma armação longa e maciça.

A resposta era desnecessária. Aquela armação cinzenta era uma rampa de disparo. Um projétil em forma de foguete foi colocado sobre a rampa por uma espécie de braço mecânico.

O sargento Erskine foi levantando a arma desintegradora.

Clark Yak baixou-a.

— Ainda é cedo, sargento. Só atire no momento em que lá em cima estiver tudo preparado para o disparo. Voltarei à borda do terraço. Se não estou enganado, as pesadas peças blindadas com esteira que vemos lá embaixo também são rampas de disparo. Atiraremos no mesmo instante. O senhor fará pontaria para o terraço e eu para a rampa pesada na saída do vale. Se possível, destrua somente a arma.

O sargento Erskine confirmou com um gesto. Clark Yak voltou rastejando para a borda do terraço. Fez um movimento repentino com a cabeça e olhou para baixo. Viu o rosto de três desconhecidos, que por acaso olhavam em sua direção.

Um deles fez um movimento apressado. Segurou com ambas as mãos uma peça de metal cilíndrica e alongada, que estava pendurada ao seu peito, e apontou-a para Yak. Numa fração de segundo seus companheiros agiram da mesma forma. O capitão compreendeu. Os inimigos queriam destruí-lo.

“Taque-taque-taque”, fez uma arma automática no interior do vale. O Capitão Yak não conseguira acionar sua arma energética. Mas quando os projéteis mortíferos começaram a zumbir em torno dele, disparou a arma desintegradora.

Os três desconhecidos tombaram mortos. O tiroteio terminou, mas em compensação os inimigos que se encontravam no vale foram alarmados. E o sargento Erskine fez com que outros inimigos entrassem em estado de alarme.

Até parecia que o mundo desértico em que se encontravam fosse desabar. Alguma coisa explodiu no terceiro terraço com tamanho estrondo que nem mesmo a rocha resistiu ao impacto da explosão. Embaixo do terraço o paredão estourou em grande extensão, caindo ruidosamente sobre o segundo terraço.

O Capitão Yak retirou-se assim que disparou sua arma desintegradora.

— Erskine — gritou o mais alto que pôde. Num instante descobrira uma boa chance para ambos.

— Capitão? — disse uma voz. O sargento saiu rastejando de uma nuvem de pó. Dali a pouco viram-se envolvidos numa nuvem de poeira ainda mais cinzenta.

— Não faça perguntas, Erskine. Siga-me.

O sargento estava acostumado a obedecer.

A nuvem de poeira tornou-se menos espessa. A visibilidade ia aumentando. O Capitão Yak ia avançando cada vez mais depressa. De repente Erskine pôde enxergar à sua direita. O abismo estendia-se bem à sua frente. Até então haviam avançado sobre um terraço de um metro de largura. Contudo, este terraço chegou ao fim.

— Salte, Erskine!

Clark Yak saltou. O sargento começou a admirar o capitão pelo seu arrojo. Também saltou. Foi agarrado por um par de braços e sentiu-se arrastado para o lado. Os mesmos braços comprimiram-no contra o chão. Clark Yak construiu um abrigo provisório com pedras de vinte centímetros. Não houve necessidade de pedir a Erskine que fizesse a mesma coisa.

Lionel Erskine segurou-se com ambas as mãos no braço do capitão. Este estremeceu repentinamente. Ouviu um forte ruído vindo do céu sem nuvens.

— Um ponto, senhor! Um ponto bem em cima de nossa cabeça. É um foguete... um foguete que descansa sobre um raio de fogo! Não está vendo?

A vista de Erskine era fantástica. O capitão só via um pontinho que passava lentamente por cima do vale.

— Preste atenção aos veículos de esteira, sargento! — advertiu Yak.

Erskine soltou o braço do oficial. Yak olhou em sua direção. Arregalou os olhos. O sargento estava rastejando de quatro; logo desapareceu atrás de uma rocha.

De repente Yak teve a impressão de que ouvira um grito abafado. Prestou atenção ao que se passava na direção em que Lionel Erskine desaparecera, mas tudo continuou em silêncio.

Dali a pouco apareceu o sargento. Não estava só. Arrastava um desconhecido, que estava inconsciente.

— O que vamos fazer com isso? — perguntou Yak, aborrecido. — Para nós este homem só representa um peso.

O pontinho no céu sem nuvens que, segundo dizia o sargento, estava repousando sobre uma coluna de fogo, desaparecera de seu campo de visão. O barulho vindo do alto foi cessando. Em compensação o rugido vindo do vale tornava-se cada vez mais forte.

Quatro veículos de esteira pretendiam dobrar para a esquerda, no fim do vale. Outros saíam dos esconderijos de pedra.

— Sargento, nenhum veículo deve passar! Encarregar-me-ei dos dois que vão na frente, e o senhor dos que vão logo atrás. Preparado?

— Estou com o objetivo na mira da arma, senhor — respondeu Erskine sem demonstrar o menor nervosismo. Confiava no seu desintegrador superpesado, e na sua imaginação já via todos os veículos de esteira destruídos.

— Fogo! — ordenou Yak.

Esperou até o último instante para dar a ordem. Do lugar em que se encontrava só via metade do primeiro veículo.

Assim mesmo o veículo foi destruído. O segundo monstro blindado também deixou de existir. Os números 3 e 4 também tiveram de ser riscados do inventário dos desconhecidos.

— Vamos aos dois pares seguintes!

Os raios de seus desintegradores haviam traído sua posição. Clark Yak e Lionel Erskine conseguiram destruir mais três veículos de esteira. Depois tiveram de ficar deitados atrás dos abrigos improvisados, com as balas zumbindo em torno deles.

— Vamos dobrar o canto, senhor. Ali não poderão atingir-nos! — gritou Erskine ao ouvido do capitão. A excursão que Lionel Erskine fizera por conta própria acabara sendo muito útil. Ao menos sabia como era o terreno atrás de seu nicho. Achou que a fenda na parede, de onde trouxera aquele desconhecido, pudesse representar um caminho de fuga.

— Vamos embora! — gritou Yak. Teve de esperar até que Erskine se pusesse em movimento. Desta forma pôde observar o rosto do desconhecido por alguns segundos.

Ficou estupefato. O homem não era nenhum nativo; quanto a isso não havia dúvida. Mas certamente era um ser humano. Não pôde estudar mais o rosto sem vida que se desenhava atrás da chapa transparente. Seguiu o sargento, rastejando rente ao chão.

Mal atingiu o canto na rocha, voltou a ouvir o taque-taque que já conhecia, e o chiado de um raio energético. Teve um pressentimento vago e gritou o nome de Erskine.

— Sim... senhor! Aqui... — era uma fala entrecortada.

Quando Clark Yak dobrou o canto da rocha, o sargento Lionel Erskine já estava morto. A seu lado jazia um desconhecido. Também estava morto.

O Capitão Yak agia automaticamente. A morte do sargento deixara-o mais abalado do que ele queria confessar.

Sabia que nenhum dos tripulantes da nave que ainda restavam escaparia vivo. Teve uma certeza apavorante.

Os desconhecidos corriam atrás dele que nem uns loucos.

Desde o início da luta não compreendera por que agiam com tamanha determinação e vontade de destruição. Sacrificavam-se inutilmente, para matar aqueles que se encontravam em situação tão difícil.

Já levara dois tiros de raspão e naquele momento arrastava-se pelo segundo terraço, que alcançara através da fenda no paredão. Já não acreditava que encontraria algum sobrevivente da Kostana. Já sabia o que se ocultava sob a blindagem pesada dos desajeitados veículos de esteira: eram canhões que disparavam granadas atômicas. Diante disso já sabia por que os desconhecidos usavam trajes espaciais. Queriam proteger-se contra as radiações nocivas de suas minicargas atômicas.

Clark Yak já vira mais de trinta cogumelos atômicos. Por trinta vezes aquelas formas pouco agradáveis à vista haviam aparecido em frente ao flanco do maciço montanhoso. Por igual número de vezes seu corpo desprotegido atravessara as nuvens radioativas.

De qualquer maneira, era o fim. Mas seria menos difícil ser morto por uma bala do que definhar lenta e penosamente sob os efeitos das radiações.

Olhou para cima e mais uma vez viu uma arma automática apontada para ele. Atirou.

— Para a frente!

Havia um lugar em que podia descer ao primeiro terraço. Era onde se estendia a corda que levava do segundo ao primeiro terraço. Não sabia se ainda teria forças para descer pela mesma.

Teve forças. Dois desconhecidos que estavam no deserto atiraram contra ele, mas não o atingiram.

Correu para a chaminé. Por que só pensava em chegar lá embaixo, onde estavam seus companheiros mortos? Não sabia. Quando ia entrar na chaminé, voltou a ouvir o matraquear.

Uma bala acertou, não nele, mas no seu minicomunicador.

Foi a primeira vez que Clark Yak chorou, desde que se tornara homem. Chorou de desespero. O último fio de esperança de informar a Explorer 5207 sobre a destruição da Kostana acabara de desvanecer-se.

Mas foi descendo pela chaminé, conseguindo chegar lá embaixo.

Quando viu os mortos, fechou os olhos.

Não pôde deixar de olhar para eles. Já não tinham armas. Os desconhecidos as haviam tirado. Na verdade, haviam tirado tudo. Os bolsos estavam virados para fora.

Ficou de pé entre dois mortos. Por que tiveram de morrer? Por que os desconhecidos haviam penetrado em sua espaçonave e procuraram decolar com a mesma? Por que não fizeram nenhuma tentativa de estabelecer contatos pacíficos?

Mais uma vez ouviu um rugido vindo do céu sem nuvens. Olhou instintivamente para cima.

Sim, era uma espaçonave que seguia seu caminho. Uma espaçonave que parecia descansar sobre um feixe de fogo.

“São propulsores químicos!”, pensou Yak, “mas, o que importa?”

Seguiu aos tropeços, sempre encostado ao paredão. Queria afastar-se dos mortos. Pretendia esconder-se num canto para morrer.

Clark Yak não olhava para a direita nem para a esquerda. A areia, ainda úmida da chuva, rangia embaixo de suas botas. Quando enxergou a abertura da caverna que levava ao labirinto do verme do pavor, teve de desviar-se de um cadáver, que estava bem longe dos outros. Sem querer olhou seu rosto, e reconheceu-o: era o homem que ele mandara procurar minicomunicadores junto aos oficiais mortos.

Os bolsos deste homem não haviam sido revistados.

O Capitão Yak ajoelhou a seu lado.

— Morreu de radiações — disse em voz baixa, enquanto suas mãos revistavam os bolsos do cadáver.

Colocou oito aparelhos à sua frente. Oito minicomunicadores intactos.

Clark Yak esqueceu que estava condenado a morrer. Tirou as tomadas e os pinos de cada pulseira e ligou um minicomunicador atrás do outro.

Não se virou ao ouvir o ruído surdo de um veículo de esteira vindo de trás.

Ligou a faixa da Explorer 5207, colocou o último minicomunicador junto à boca e começou a falar:

— Capitão Clark Yak da Kostana chamando a Explorer 5207. Favor falar em linguagem comum.

Ouviram-se alguns estalos. Finalmente uma voz disse:

— Aqui fala a 5-2-0-7. Por que em linguagem comum? Câmbio.

“Por que será mesmo?”, pensou Yak.

— Sou o último sobrevivente... e estou contaminado por radiações — disse para dentro do microfone. — Kostana destruída. Foi atacada por desconhecidos no quarto planeta. Dispõem de espaçonaves primitivas. Parece que pousaram neste mundo...

Clark Yak não ouviu o disparo e muito menos uma granada atômica que explodia poucos metros atrás dele, levantando uma nuvem atômica que se espalhou para todos os lados.

Mas na Explorer 5207 a explosão foi ouvida. Depois o silêncio passou a reinar na faixa da nave. Foi um silêncio tão profundo que o oficial de rádio da 5207 nem chegou a pedir: “Câmbio, Capitão Yak!”

No quarto planeta de Labin 3 não havia mais um único terrano que lhe pudesse responder...

 

No mesmo instante Perry Rhodan fez uma pergunta a seu amigo Bell.

— Ainda não soube de nenhuma notícia da Kostana, Gordo?

— Não, e nem da 5207. Na minha opinião é um bom sinal. Se alguma coisa tivesse saído errado, uma das duas naves sem dúvida teria enviado uma mensagem condensada. Ainda continua preocupado, Perry?

— Não sei como direi... De qualquer maneira, avise-me assim que a Explorer ou a Kostana transmitir qualquer notícia. Não se esqueça, Bell!

— Não se preocupe. Acho que nas próximas horas deveremos receber uma mensagem da Kostana, dizendo que a nave conseguiu colocar os três vermes do pavor nos lugares previstos. Nem poderia ser de outra forma. Afinal, o transporte de três vermes do pavor não é uma missão de perigo máximo. Trata-se de uma simples operação de rotina. Quando a mensagem chegar, levá-la-ei pessoalmente a você, Perry. Antes que o dia termine, estarei com você.

— Tomara, gordo.

Rhodan retirou-se do escritório do amigo. Bell logo esqueceu as preocupações de Perry. Tinha certeza absoluta de que a Kostana chamaria ainda no mesmo dia, para comunicar o cumprimento da missão.

Afinal, era apenas uma operação de rotina; mas a verdade era bem outra...

 

                                                                                            Kurt Brand  

 

                      

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