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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SEMENTES DA DESGRAÇA / William Voltz
SEMENTES DA DESGRAÇA / William Voltz

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

A desastrosa época de Thomas Cardif já pertence ao passado e desde os acontecimentos descritos no volume 117 já lá se foram mais de onze meses de tempo terrano. Estamos agora em setembro do ano 2.104.

Perry Rhodan que, devido ao ativador celular regulado especialmente para ele, ficou livre das duchas celulares a que tinha de se submeter de sessenta em sessenta anos, a fim de conservar a longevidade, aproveitou inteligentemente este tempo. A situação do Império Solar, no Império Arcônida, bem como em todos os sistemas conhecidos da Via Láctea, não inspirava mais cuidados. O panorama, porém, se alterou subitamente quando um cargueiro terrano penetrou no sistema de Azgos e aterrissou em Azgola, seu segundo planeta.

As sondagens realizadas imediatamente pela Divisão III constatam que os habitantes deste planeta estavam com seus dias contados, aliás de uma maneira grotesca, provocada por estranhos agentes, caso não fossem evacuados prontamente, como felizmente aconteceu.

Porém, o terrível fantasma da morte pela super alimentação, do qual só se pode escapar vivendo em recintos hermeticamente fechados, com sistema especial de aeração, pode irromper a qualquer momento em outros mundos de oxigênio da Galáxia — e a Terra não deixa de ser também um mundo de oxigênio.

Ê mais do que evidente que este raciocínio levou Perry Rhodan, o Administrador do Império Solar, a seguir todas as pistas — e com a mais rigorosa energia — para descobrir aqueles que contaminaram a atmosfera de Azgola com fungos microscópicos de alto teor nutritivo.

A questão é apenas esta: onde, em que planeta, as SEMENTES DA DESGRAÇA poderão germinar?

 

A Scout se materializou no espaço normal e prosseguiu com velocidade crescente rumo ao seu destino. Para os conceitos de seus construtores, a Scout não era propriamente uma espaçonave grande, pois seu bojo cilíndrico não passava de trinta metros de diâmetro e não tinha mais de cem metros de comprimento.

Do ponto de vista técnico, a nave era constituída de uma infinidade de peças, rodas, cubos, relês, servo-mecanismos, dispositivos positrônicos, controles, cabos e instrumentos de medição e de orientação. Aos homens, porém, a Scout haveria de surgir como um organismo de perfeito funcionamento, reagindo como um corpo composto não de peças, mas de órgãos. Falando cientificamente, a nave era essencialmente um robô gigantesco, onde cada peça dependia da capacidade funcional das demais.

Não eram ainda decorridos dez segundos depois que a Scout saíra da transição, quando o vigia automático recebeu um impulso que o despertou para a vida. Saiu de uma lente este impulso, lente esta que fora excitada pela radiação cósmica existente no Universo.

O vigia deslizava num cabo de aço polido que lhe servia de roteiro obrigatório. Era sempre o mesmo caminho e era sempre o mesmo vigia que o utilizava. Depois de executar sua missão, a lente fez surgir uma espécie de pálpebra metálica que lhe velou os órgãos sensores, cessando assim seu leve zumbido. Terminara a missão específica da lente.

O vigia, de uma construção metálica toda diferente, lembrando muito o formato de uma gota d’água, continuava deslizando tranqüilo, sem pressa e mantendo sempre a mesma velocidade. Parou, porém, de repente, esticando para fora de seu corpo dois olhos telescópicos. Poucos instantes após, deixou sair um sensor que controlava o trecho danificado do cabo de aço, onde seu corpo nada leve estava dependurado. Se continuasse deslizando no local estragado, com o rompimento do cabo, perderia o apoio e cairia de uma altura de mais de um metro, com sério perigo.

Com toda suavidade e cautela, o sensor auscultou o dano sofrido pelo cabo e o passou para frente. Ao lado do vigia acendeu-se uma lâmpada muito pequena e o robô voltou lentamente, recolhendo os olhos telescópicos.

A Scout sabia agora que sua missão estava ameaçada de não se realizar. Do ponto de vista humano, era tremendamente difícil e complicado explicar de que maneira a espaçonave se apercebia da situação. Registrava a catástrofe com todos os seus “sentidos” eletrônicos e positrônicos e reagia da forma que seus construtores esperavam: como um conjunto coeso e insuperável.

O vigia transmitiu sua descoberta ao coletor de dados, que, antes de fazer qualquer coisa para reparar o dano, desligou os motores de propulsão. A nave reduziu sua velocidade e depois de alguns segundos era apenas um enorme objeto metálico em queda livre pelo espaço a fora.

Dentro da espaçonave Scout existia um único robô que se podia mover independente do todo. Seu nome é Artur.

O robô era, a bordo da espaçonave, praticamente um criado para tudo, substituindo em caso de necessidade a tripulação. Até o presente momento, seus serviços não tinham ainda sido necessários, já que tudo seguia seu curso normal. Em todos os planetas onde já estivera a Scout, Artur não cometera a menor falta.

O defeito descoberto pelo vigia colocou a nave numa tal situação que o obrigou a tomar medidas pouco comuns. Sendo o vigia uma parte do todo, tinha que continuar o trabalho iniciado, a fim de preparar outros setores para o levantamento que se iniciava. Se o vigia não conseguisse realizar sem nenhum erro sua missão, então toda a ação da Scout estava perdida.

Os construtores sabiam perfeitamente que podia surgir uma situação em que toda a mecânica interligada da nave não fosse mais suficiente e, daí então, a necessidade de dentro do mecanismo todo não faltar a presença de Artur.

Depois de breve investigação, os bancos de dados resolveram que Artur devia ser ativado para proceder ao conserto do cabo de aço. Um impulso eletrônico liberou a trava, abrindo o dispositivo que bloqueara a ação de Artur. Uma, duas, três e mais lâmpadas de controle se acenderam assim que o servo-mecanismo do robô recebeu a corrente energética. Os bancos de armazenamento não se precipitaram, pois uma pressa descomedida só prejudicaria a Artur. Após sua longa pausa, tinha que ser reaquecido aos poucos, não podendo ser submetido a um esforço exagerado. Não se duvidava de sua robustez e resistência, mas a programação previa que Artur devia ser tratado com cautela, quando em atividade.

Para o ser humano, o aspecto de Artur devia ser horroroso ou no mínimo esquisito. O objetivo para que fora construído o transformara num arsenal de todas as coisas imagináveis sobre as quais os maiores cientistas da Terra ainda estavam discutindo. A conformação externa de Artur era por demais estranha. Suas partes visíveis estavam coalhadas de instrumentos.

O robô deixou o lugar onde estivera detido, seguindo o impulso recebido dos dados armazenados. Caminhou num corredor longo e silencioso em cuja extremidade pendiam do teto formações cônicas, semelhantes a enormes morcegos que tivessem escolhido este local para repouso. O ronco do mecanismo de Artur e o ruído metálico de suas rodas motrizes prejudicavam um pouco o silêncio.

A espaçonave Scout continuava caindo no espaço, as lentes haviam fechado suas pálpebras metálicas, não captando mais o cintilar maravilhoso das estrelas. Era um mundo à parte, voando pelo espaço infinito, um corpo isolado, diminuto, pequeno demais para ter importância no cosmo. E no entanto, cabia-lhe uma missão que já provocava inquietação numa boa parte da Galáxia.

Artur não chegou até o final do corredor, pois foi manobrado antes para um poço onde um elevador o levou para baixo. Esperou até que se abrisse um vão em sua frente, entrando em seguida. Dez minutos depois, atingira o ponto de partida do vigia automático. À primeira vista, parecia haver um problema muito sério, pois o caminho de um vigia era demasiadamente estreito para um robô do tamanho de Artur. Mesmo que usasse de toda sua força, não conseguiria continuar o caminho. Mas agora é que se patenteava o que havia de especial neste fantástico robô: sua capacidade de ponderar era independente.

Artur se dividiu. As partes laterais de seu corpo desprenderam-se. Escolheu então as ferramentas que julgava necessárias, prendendo-as no que restava do seu corpo.

Inerte e condenado a ficar esperando, o vigia ficou ao lado dele no início do cabo. O robô podia agora se mover livremente ao longo do cabo e em pouco tempo chegou ao ponto danificado. Começou imediatamente o serviço. Dos dois lados do trecho estragado, Artur afixou eletroímãs que mantinham esticado o resto do cabo de aço, enquanto retirava a parte inutilizada. Da parte central do corpo do robô surgiam braços em forma de ferramentas ou de sustentação, desenvolvendo uma atividade precisa e conseqüente. Enquanto dois pegadores retiravam a parte danificada, dois outros estavam ocupados em preparar a peça de superposição.

Mas ainda não era tudo; Artur tinha muito mais para oferecer. Neste meio tempo, a nova peça já estava pronta para ser reposta. A quantidade de movimentos que ele fazia parecia até sem sentido. Mas Artur era de fato uma construção genial, tanto assim que terminou todo o conserto em oito minutos. Depois disso, retirou todos os seus pegadores e deslizou de volta. Uniu sua parte central com as duas laterais e rolou roncando para o elevador. Pouco depois, voltou ao seu invólucro e foi-lhe cortada a energia. Ligou-se de novo a trava eletromagnética e o interesse do banco de dados por Artur caiu novamente a zero.

E o robô teve mais um período de descanso, que foi, porém, muito curto.

A Scout ligou os motores de propulsão e acelerou até atingir o ponto anterior de velocidade. O vigia automático continuava sua rota predeterminada, passava sem parar pelo trecho consertado, cumprindo sua missão. Deteve-se somente quando atingiu o observador, tocando o aparelho que dava a impressão de desajeitado, depois de rastreá-lo com o sensor.

O observador orientou seu mecanismo e seus olhos eletrônicos para o espaço infinito. Estes olhos perscrutavam o emaranhado de estrelas, enquanto o vigia continuava sem parar o seu giro, ativando outros instrumentos. A Scout encontrava-se agora próxima da Nebulosa M-13, a mais ou menos 33.500 anos-luz da Terra, um planeta de cuja existência os bancos de dados nada sabiam.

Esta espaçonave não fora construída pelos homens e a missão que a fazia percorrer o espaço era demasiadamente esquisita para poder ter sua origem de seres humanos.

O observador captava todas as radiações das estrelas que estavam mais próximas da Scout. Todos os dados captados eram encaminhados aos bancos de armazenamento, que então decidiam se os valores apurados justificavam ou não a aplicação mais minuciosa dos instrumentos de medição e de orientação num ou outro destes sóis. Depois de analisar dados mais exatos de dez sóis, os bancos de armazenamento fizeram recair sua escolha sobre um astro não muito grande, que, conforme os primeiros informes diziam, dispunha de planetas. Era grande a probabilidade de haver entre estes planetas um que lhes servisse.

A Scout alterou sua rota e rumou para o pequeno sol vermelho. Mais apressadamente, o vigia terminou suas andanças de inspeção. Sua participação na tarefa coletiva já estava terminada. Os diversos setores de pesquisa da Scout aguardavam a vez de cooperarem para a execução da grande missão. A nave toda se encheu de roncos e sibilos dos inúmeros instrumentos que recebiam comandos energéticos dos bancos de armazenamento. Por toda parte cintilavam luzes coloridas. Os bancos de dados funcionavam a toda carga e cada resultado era examinado três vezes, antes de ser entregue para a avaliação final e pudesse valer como definitivo.

Ao se aproximar do sistema solar selecionado, constataram os instrumentos que o sol era cercado de cinco planetas. E cada um deles tinha que ser examinado cuidadosamente, pois a espaçonave estava à procura de um tipo especial de planeta, e seus construtores tinham especificações muito rigorosas. Só entravam em consideração planetas com oxigênio e com uma atmosfera rica em vapor d’água e temperatura média de pelo menos 14°C.

A misteriosa nave Scout já percorrera inúmeros sistemas sem conseguir o que desejava. Suas instalações eletrônicas e positrônicas funcionavam agora a plena carga e o espaço aparentemente calmo entre as estrelas estava sendo varrido por raios e impulsos invisíveis que partiam da nave, para investigar o máximo sobre os cinco planetas.

Então, o corpo cilíndrico rumou para o pequeno sistema solar, a fim de circunvoar o planeta que parecia mais apropriado.

 

Quando o velho MacDowell resolveu encaminhar seu filho para a carreira política, dois grandes problemas surgiram. Primeiramente, a categórica negação do filho no modo de freqüentar os grandes salões da diplomacia, onde o jovem, ao invés de se apresentar como um gentleman, mais parecia um lenhador canadense. O segundo ponto foi a obstinada antipatia de Chester contra a carreira de político. Assim não causou nenhuma surpresa quando a estrela de Chester na carreira diplomática se extinguiu totalmente, antes mesmo que começasse a brilhar...

Seu pai, enfurecido, cortou-lhe imediatamente as mesadas, declarando-lhe que, daí para frente, teria que caminhar com as próprias pernas.

Foi este o dia em que Chester deu um passo terrivelmente perigoso, tropeçando nos degraus da escada social até o porão. Tornou-se um vagabundo. Levou mais de um ano nesta vida, até que seus joelhos e cotovelos eram vistos através dos trapos rasgados e seu emagrecimento já se tornava patente.

Em qualquer lugar onde aparecia o jovem MacDowell, o caso se repetia. Era tocado para fora e lhe faziam entender que sua volta não seria bem-vista.

Chegou, porém, o momento em que se cansou da vida boêmia. Propôs-se, então, virar cientista. Se falasse a alguém de seu novo plano, seria ridicularizado.

Seis anos mais tarde, porém, Chester MacDowell era diretor de seção de um instituto terrano para pesquisas de seres vivos extraterrenos. Continuava ainda magro e tornara-se homem de pouco riso. A respeito de sua vida de há seis anos atrás, não falava com ninguém. Já subira na escada social, degrau por degrau, e estava mais experimentado. Falava-se que não havia nenhum problema onde MacDowell não fosse até o fim e achasse a solução.

Não se chamava mais simplesmente Chester MacDowell. Seu nome estava escrito com letras pretas do lado de fora da porta de seu escritório: Dr. Chester MacDowell.

 

No largo parapeito da janela havia um aquário bem iluminado e onde estava somente um peixe, parado entre plantas aquáticas. O peixe era velho e feio e seu nome era Shelby. Ninguém sabia por que o Dr. MacDowell conservava ali aquele peixe desagradável. Ninguém, porém, se atrevia a perguntar.

Quando Joe David entrou no escritório do seu chefe olhou, como de costume, primeiro para Shelby e pensou: “Ainda está vivo!

Depois, virou-se para o Dr. MacDowell, que o examinou com um interesse quase imperceptível.

— Como é, David? — perguntou o chefe da seção e na sua voz vibrava um tom muito especial que parecia demasiadamente estudado.

Parecia mesmo que o cientista controlava exageradamente seu modo de falar e somente usava as palavras depois de estar seguro do efeito que iam causar.

Joe David tirou os papéis de sob seu braço direito.

— Trata-se de Azgola, senhor. Colocou os papéis sobre a mesa e a mão forte de MacDowell os apanhou.

— Recebemos os primeiros resultados do cérebro robotizado de Árcon III — observou David, com jovial entusiasmo. — O senhor vai ficar espantado, pois há muita novidade.

— Muito obrigado, David. Chamá-lo-ei assim que precisar.

O rapaz saiu meio desanimado e desiludido.

Chester MacDowell abriu a pasta que estava com a inscrição “Azgola”. Era o nome de um planeta, do tamanho de Marte, girando em torno do sol Azgos. Aconteceram lá umas tantas coisas não muito tranqüilizadoras que despertaram desconfiança em Perry Rhodan e em seus amigos. Começou a se espalhar por Azgola uma planta que foi chamada apropriadamente por um cientista de “musgo da gordura”. Deste musgo, que crescia por toda parte com facilidade, emanava constantemente um aroma que exercia um efeito fantástico sobre os seres vivos que o respirassem consciente ou inconscientemente. Os fungos continham oitenta por cento de gorduras de elevada saturação, que se depositavam muito rapidamente no organismo. Um grama desta gordura desenvolvia na combustão, realizada pelo corpo, um coeficiente de, na média, dez mil calorias. Os restantes vinte por cento eram constituídos de carboidratos e albumina. O que faltava, no entanto, a estes fungos eram as tão importantes vitaminas e sais minerais.

Os habitantes primitivos de Azgola, que, devido à sua notória magreza recebiam o apelido de “espetos”, quando da chegada dos terranos estavam tão gordos que não podiam mais se mover. Descobriu-se que esta planta misteriosa tinha alguma coisa que ver com duas naves de construção desconhecida, que, em espaços de tempo afastados, aterrissaram em Azgola. Primeiro, veio uma nave pequena e depois uma outra muito maior.

As equipes de cientistas tanto da Terra, do Império Arcônida, como as do mundo dos aras, estavam ocupadas já há três meses em analisar em profundidade os fungos do musgo ou, como diziam, o musgo da gordura.

A ingestão dos fungos nutritivos se dá por infusão lenta, isto é, seres humanos ou humanóides ingerem os fungos do musgo pela respiração ou pelos poros. Do ponto de vista comercial, esta descoberta representaria um progresso descomunal, pois aqui se abririam novos horizontes para solucionar os terríveis problemas de alimentação que constantemente surgem pelo Universo a fora. É claro que tal ingestão também apresentaria efeitos colaterais indesejáveis, como a carência de sais minerais e de vitaminas. Mas seria possível contornar estas carências. Muitos cientistas chamaram a atenção para o fato de que se chegaria infalivelmente a graves perturbações no aparelho digestivo, se os elementos nutritivos fossem administrados exclusivamente por via sangüínea, sem passarem antes pelo estômago e pelo intestino.

De início, tudo não passou de planos para o futuro e só se pensava em descobrir a origem e a finalidade dos musgos da gordura.

— Está vendo, meu amigo Shelby — dizia o Dr. MacDowell para o peixe feio do aquário — você está garantido contra estes fungos do musgo, pois eles não podem existir na água. Não há pois nenhum perigo para você, se nós um dia tivermos de cultivar esta planta aqui na Terra.

Shelby deslizava preguiçoso através das plantinhas aquáticas e perseguia inutilmente uma pulguinha-d’água que dançava à sua frente.

Gonozal VIII, Imperador de Árcon, tentara por meio do robô gigante classificar a atividade das duas misteriosas espaçonaves, cuja existência fora comprovada pela ação dos agentes do cérebro robotizado. Não estava de todo certo se havia uma relação direta entre as duas espaçonaves e o fungo da engorda. Somente um computador com a capacidade do antigo robô gigantesco estava em condições de coordenar os dados auferidos num cálculo lógico e com eles formar uma visão de conjunto.

O que o Dr. Chester MacDowell tinha em mãos era apenas o resultado a que chegara uma máquina fria.

Com o corpo debruçado sobre a mesa, começou a ler, passando de vez em quando a mão nos cabelos precocemente encanecidos.

— Santo Deus! — exclamou pouco tempo depois.

Ligou o intercomunicador e Joe David, sentado na ante-sala, respondeu prontamente:

— Pronto, senhor!

Caso o funcionário estivesse pensando que agora iria entrar no gabinete do chefe, estava completamente enganado, pois o cientista disse apenas:

— Quero uma ligação direta com Terrânia, urgente, David. Procure chamar ao aparelho um dos homens mais importantes no governo, se não conseguir Perry Rhodan.

David olhou pensativo para o pequeno alto-falante de onde saíra a voz de MacDowell.

— Está querendo dizer o administrador, senhor?

— David, se você, para cada ordem de seus superiores, precisar sempre de mais explicações, ficará eternamente sentado numa ante-sala e nunca progredirá.

O rubor subiu às faces de Joe e este apenas conseguiu dizer um afobado:

— Sim, senhor!

Ficou pensando o que poderia fazer para subir na cotação de seu chefe. No momento, só lhe restava mesmo executar com perfeição a ordem dada.

Entrementes, Chester MacDowell leu de novo os documentos. Os dados do cérebro robotizado de Árcon lhe pareciam muito elucidativos. Mais por palpite, dizia a si mesmo que estava faltando algo decisivo. Havia uma lacuna em qualquer lugar. Por mais que quebrasse a cabeça, não conseguiu achar o que não estava dando certo.

Durante a segunda leitura, o cientista teve uma sensação já conhecida, que, no entanto, quase esquecera.

Lembrou-se, então, de que esta sensação lhe vinha sempre quando chegava a polícia para expulsar a ele, o vagabundo, para fora da cidade. Isto, naturalmente, em seus tempos de boêmio.

 

Reginald Bell bocejava à vontade. O Sol dardejava seus raios através das grandes vidraças, refletindo-se nos objetos mais brilhantes. Botou a mão no bolso e tirou um bombom vitaminado, cujo estado externo indicava que já estava ali há muitos dias. Desenrolou-o com cuidado e o meteu entre os lábios com visível prazer.

— Acho que você está um tanto ou quanto enganado — disse ao homem que estava sentado do outro lado da mesa. — A situação em Azgola nada tem a ver com Baalol, Perry.

Rhodan olhou rapidamente para Bell e fez como se não visse as maneiras pouco polidas e gulosas de seu amigo. O administrador apontou para o bolo de documentos acumulados na mesa.

— O cérebro robotizado nos diz umas coisas interessantes. Conforme seus dados, em nossa Galáxia existem pelo menos três espaçonaves, que se dedicam a uma determinada tarefa.

Abriu a pasta e começou a ler:

— Haveria primeiro uma nave menor, cilíndrica, de cem metros de comprimento, que foi também vista em Azgola e isto antes de surgirem os sintomas provocados pelos musgos da gordura. A interpretação lógica do cérebro robotizado leva a crer que esta nave relativamente pequena se trata apenas de um observador ou espião que registra todos os dados.

— Como entre os índios — disse Bell, em voz baixa.

— A segunda nave — continuou Rhodan, sem titubear — é substancialmente maior. Se pudermos confiar nos dados de Azgola, seu comprimento chega no máximo a dois mil metros e seu diâmetro fica em torno de quinhentos. O grande computador de Árcon afirma que, e nós não temos motivo para duvidar de seus resultados, se trata da “Nave Semeadora”.

— “Nave Semeadora”? — repetiu Bell.

— Quem teria interesse em construir uma nave desta dimensão para com ela plantar o musgo da gordura por toda parte, musgo este que poderá um dia solucionar o problema da fome no Universo? Você acredita que este colosso de cosmonave será uma espécie de entidade beneficente anônima que vai aterrissar onde houver gente passando fome?

Bell estava fazendo alusão aos nativos de Azgola, magros como palitos, que através dos musgos da gordura se modificaram tremendamente.

Rhodan alisava uma folha de papel.

— Benfeitores eles não são de modo algum, pois o computador de Árcon calcula com noventa e cinco por cento de probabilidade que há ainda um terceiro aparelho que pertence a este grupo.

— Quem semeia, também quer colher — disse Bell, parafraseando um provérbio.

— Certíssimo! — Portanto, deve estar girando por aí uma terceira espaçonave que vai fazer a colheita, vai ficar com a seara madura. Com toda a lógica, deve aparecer logo em Azgola, pois foi lá que semearam o musgo.

Alguma raça desconhecida procurava, desta maneira fantástica, resolver seus problemas de alimentação, era o que pensava Rhodan com convicção. O que ele ignorava era a origem destes seres, certamente de elevado padrão científico.

— Uma cópia destes documentos foi enviada ao Dr. Chester MacDowell, chefe da divisão para seres vivos extraterranos — explicou a Bell. — Lá será coordenado o trabalho de pesquisa de todas as equipes incumbidas de estudar os fungos nutritivos.

— MacDowell? — repetiu Bell. — Nunca ouvi este nome.

— Não faz muito tempo que trabalha para nós, mas os resultados que obteve neste curto espaço falam a favor dele.

Ouviu-se o estalo do alto-falante e a conversa foi interrompida. Rhodan inclinou-se para frente.

— Que há, sargento? — perguntou.

— A central pergunta se pode pôr o senhor em contato com um tal Dr. MacDowell.

— Perfeitamente, Kenny — concordou Rhodan. — Transfira a ligação aqui para o meu aposento.

O Sargento Kenwood confirmou e Bell, que se levantara, ligou a tela do videofone. Rhodan virou sua poltrona de modo que pudesse olhar de frente para o aparelho.

O homem que apareceu parecia um velho soldado e seu cabelo grisalho confirmava esta impressão. A pele de seu rosto anguloso estava queimada de sol.

— Eu lhe agradeço, senhor — disse o Dr. MacDowell, com sua voz agradável. — Meu nome é MacDowell.

Rhodan o cumprimentou com a cabeça e pegou a pasta de documentos com a inscrição “Azgola”.

— Sei por que o senhor quer falar comigo, doutor.

— Senhor, se estiverem exatos os dados que recebemos de Árcon, então temos que contar com que a “Nave da Colheita” apareça logo no sistema de Azgos para termos uma oportunidade de intervir.

Rhodan sorriu.

— É exatamente o que estava pensando. Neste momento, várias unidades da Frota Solar e naves do imperador de Árcon estão a caminho, para controlar o sistema de Azgos. Quando a “Nave da Colheita” chegar, a “comissão de recepção” já estará a postos.

Viu-se na fisionomia de MacDowell que esta irônica afirmação de Rhodan o tranqüilizou e seus traços duros se relaxaram um pouco. Bell estava crente de que este era um homem em quem se podia confiar, e resolveu guardar bem o nome deste cientista.

— Esta “Nave da Colheita” me é um enigma, senhor — continuou MacDowell. — Não consigo me livrar do pressentimento de que há algum dente de coelho com ela.

Rhodan era um homem que não menosprezava externações de pressentimento, pois sabia por experiência própria que muitas vezes um sentimento assim o salvara de grandes perigos.

— Que tipo de pressentimento é este?

— Imagine apenas de que maneira vai agir esta “Nave da Colheita”, senhor. Nossos colaboradores já constataram que os fungos não se podem colher nem extrair. O musgo da gordura produz seus frutos exclusivamente como fungos microscópicos. Estes se desprendem do tapete de musgo com uma velocidade relativamente muito elevada e espalham-se, para manter seu teor nutritivo, na atmosfera quente de um mundo mais adequado.

MacDowell parecia muito preocupado, quando prosseguiu:

— O senhor pode imaginar de que maneira este negócio de “Nave da Colheita” pode ser liquidado? Já pensei muito a respeito, sem achar solução. Se existir de fato esta nave misteriosa, teremos ainda muita surpresa desagradável.

— Sou de opinião de que devemos exterminar este musgo com ácidos ou radiações térmicas — interveio Bell.

— Não há ainda nenhum motivo para uma medida tão drástica — atalhou Rhodan. — Já evacuamos todos os nativos do espaçoporto da capital Timpik e os levamos para um outro planeta. Além de nossos colaboradores e agentes, não há mais seres inteligentes em Azgola. Se quisermos saber o que de fato aconteceu e por que aconteceu, a única coisa que podemos fazer no momento é esperar.

O Dr. MacDowell ainda acrescentou:

— Conversei muito com conhecidos economistas desta região, perguntando-lhes de que maneira eles colheriam os fungos nutritivos, mas nenhum deles me pôde dar uma idéia útil.

— E se esta nave que vai colher os fungos nunca chegar? — perguntou Bell.

Rhodan meneou a cabeça negativamente. Até hoje, o cérebro robotizado de Árcon III nunca cometera um erro tão grave.

— Ela virá sim — disse ele.

No outro lado da ligação, Chester MacDowell nada perdera de seu sentimento de incerteza. Compreendeu que não havia uma ameaça direta e iminente ao Império Solar, para que se justificasse a intervenção imediata de Rhodan no problema.

Ao terminar a conversa, MacDowell se levantou e deixou o escritório. Na ante-sala, Joe David dava a impressão de timidez.

— Já acabou a conversa, senhor?

— Como você está vendo, acho que sim.

David engoliu a resposta e mentalmente anotou no seu calendário que seu dia estava negro.

— Ali no pequeno saguão, alguém espera pelo senhor — disse logo depois.

O cientista, que estava a caminho do local onde poderia providenciar mais informações sobre o caso do musgo da gordura, não gostou nada da interrupção.

— Quem é que está esperando? David estava com receio de usar uma palavra que o afundasse mais ainda no conceito do chefe e disse com muita cautela:

— O homem não quis dizer o nome, mas afirma que o assunto é de capital importância.

— Disse ao menos o motivo por que veio aqui? Com que projeto ele está trabalhando?

— Nunca o vi antes, senhor — replicou David.

MacDowell resmungou alguma coisa e deixou a ante-sala. Saiu para o corredor e pegou o elevador que o conduziu para baixo. Aos poucos, foi-se amainando a ira a respeito de quem o perturbava e começou a se interessar pelo alguém que o procurava.

Chegando ao pequeno saguão, sentiu logo a temperatura agradável do local e respirou profundamente. Seus passos firmes formavam um eco marcial nos corredores laterais. Viam-se nas paredes quadros coloridos de seres de outros planetas, cada um mais estranho que o outro.

Na outra extremidade do saguão, num banco incômodo, onde nem mesmo os funcionários mais simples se sentavam na hora da pausa, estava um senhor idoso, que se levantou vagarosamente quando da aproximação de Chester. Apoiava-se numa bengala, e os cabelos sob o gorro de pêlo, que ele agora segurava na mão, eram brancos.

Não passa de um homem velho”, pensou Chester decepcionado, embora seu interesse não diminuísse.

Quando MacDowell parou, disse o ancião com voz rouca:

— Procurei você durante seis anos, Chester. Agora o encontrei.

O Dr. Chester MacDowell estremeceu intimamente e uma onda de confusos sentimentos o percorreu. Deu um passo mental para o passado e se viu novamente esfarrapado e sujo a correr pela noite a dentro, fugindo sempre da polícia. Outras recordações lhe vieram à memória.

Chester MacDowell apertou os olhos, fechando-os quase.

— Bom dia, pai! — disse com calma.

 

Os bancos de dados estavam em grande atividade, tentando novas interpretações para novas descobertas, a fim de dar uma decisão definitiva. Por longo tempo, a Scout investigara cada um dos cinco planetas e estava agora, finalmente, em órbita do segundo deles.

Se houvesse neste sistema solar um local adequado para uma boa sementeira, teria que ser neste planeta. Tratava-se de um mundo novo, de oxigênio, com temperaturas elevadas e uma fauna e flora correspondentes.

Após ter sondado minuciosamente a superfície, a nave enviou um mergulhador de atmosfera que disparou na direção do planeta. Em circunstâncias normais, sofreria a intensa aceleração causada pela atração do planeta e se prejudicaria no choque com as altas camadas da atmosfera. Mas a Scout dispunha de meios para guiar e resguardar o mergulhador. Isto, naturalmente, através de complicados instrumentos.

Sob controle positrônico do banco de dados, o mergulhador abriu uma espécie de janela na sua parte da frente. Era o início de uma sondagem mais profunda. A linha aerodinâmica do mergulhador era funcional e disparava como uma seta de metal pelo espaço abaixo. Suas partes externas começaram a esquentar, chegando a ficar de um vermelho incandescente. Mas os bancos de dados acompanhavam atentos estas alterações de temperatura. O vôo do mergulhador diminuiu a velocidade e, uns cem metros para frente, embicou para a superfície.

A Scout examinou todos os elementos da atmosfera e as condições de vida daí resultantes, em cinco pontos diferentes do planeta. Depois disso, o mergulhador foi recolhido a bordo e submetido a rigorosos exames para medir a possibilidade de ser utilizado em outras pesquisas.

Pela contagem de tempo da Terra, a Scout ficou sobrevoando o planeta de sua escolha durante seis dias, até decidir que este era o mundo mais apropriado. Quando chegou este momento, cessou a vida de inúmeros aparelhos de medição e de orientação. Pálpebras metálicas se sobrepuseram às lentes brilhantes, o observador encerrou suas transmissões e o vigia voltou para seu lugar.

Tudo estava claro e resolvido.

A Scout descobrira um planeta adequado. Missão cumprida.

Só faltava ainda uma coisa: a segunda unidade tinha que ser avisada.

A partir deste momento, a Scout passou a irradiar mensagens.

 

O cruzador pesado Golfo do México tinha que realizar um trabalho de rotina. Notava-se que tal trabalho era mesmo de rotina, porque sua tripulação jogava xadrez, pôquer e gamão.

A nave esférica ocupara sua posição de observação na Nebulosa M-13, se é que se pode usar esta expressão numa região de extensões quase infinitas. Os instrumentos de medição e de orientação do cruzador pesado auscultavam sem cessar o silêncio desse infinito e os rastreadores estruturais estavam em permanente prontidão.

Mas não acontecia nada.

O Tenente Roger Yassord iniciava suas quatro horas de serviço e apareceu com cara azeda na central de comando. O Major Ankenbrand, comandante da Golfo do México olhou para ele espantado.

— Que aconteceu, Roger? Você tem agora seis horas para descansar e se distrair à vontade.

O Tenente Yassord não se alegrou muito com esta perspectiva, pelo contrário, seu semblante ficou ainda mais contraído.

— Acabei de perder uma fortuna, senhor — disse se explicando.

O Major Ankenbrand, que até agora não sabia que seu tenente dispunha de uma fortuna, ficou mais interessado no assunto.

— Você não andou jogando com a tripulação, Roger?

— Com a tripulação não, senhor, somente com o sargento Schmidt — explicou meio envergonhado.

— Com o Schmidt? — perguntou Ankenbrand incrédulo.

Yassord não tinha mais coragem de olhar para o rosto do comandante, estava de olhos baixos e soltou apenas um fraco “Foi, sim senhor”.

O Major pigarreou e depois continuou:

— Quanto foi que você perdeu?

Yassord levantou as mãos até a altura dos quadris e deixou-as aí, fazendo movimentos sem sentido.

— Um metro, senhor! Bem empilhado.

— Este Schmidt é um malandro, todo cadete da Frota sabe disso e ninguém joga com ele. E exatamente você foi cair na conversa dele. Como é que você imagina poder pagar sua dívida?

No rosto de Yassord havia um vislumbre de sorriso.

— Por horas extras de trabalho, senhor — propôs ele.

Ankenbrand teve qualquer pressentimento, mas não estava ainda bem seguro.

— Horas extras? — repetiu sem compreender bem.

O tenente, suplicante, estendeu os braços e se aproximou mais do major.

— Senhor, se eu pudesse ficar com o senhor estas seis horas de seu serviço, poderia talvez até ganhar em dobro.

O major, um homem bem-humorado, embora muito duro na disciplina, era muito querido de todos. Bateu com o dedo indicador bem firme no ombro de Yassord:

— Roger, este foi o truque mais vagabundo que você inventou para arranjar umas horas de serviço extra. Mas não vou permitir que você fique na cabina de comando mais do que seis horas.

— Eu sabia que ia conseguir isto com o senhor — disse Yassord, se desculpando e rindo.

O comandante estava ainda com o sorriso nos lábios, quando Pendermann, o primeiro-radiotelegrafista, saiu correndo de sua cabina e forçou passagem entre o comandante e Yassord.

— Senhor — disse excitado — acabamos de receber radiogramas.

— De Terrânia? — perguntou o Major Ankenbrand, cheio de esperança.

— Não, senhor! Os impulsos não são dirigidos e também não se destinam a nós, nem os consigo interpretar.

Ankenbrand e Yassord se entreolharam em silêncio e o tenente pensou: “O seu tempo de serviço acabou, senhor...”

— De onde vem esta transmissão, Pendermann? — perguntou o major, sem dar mais atenção ao tenente.

O radiotelegrafista olhou para os dois oficiais, com ares de técnico no assunto, que por mera contingência se vê obrigado a conversar com leigos coisas que estes não podem entender.

— Em algum canto desta nebulosa deve estar montado o transmissor — disse secamente.

— É... isto nos vai adiantar muito mesmo — observou Yassord furioso.

Pendermann voltou à sua cabina de rádio e os dois oficiais o seguiram. O radiotelegrafista apontou para o oscilógrafo e disse:

— Veja aqui, senhor, é sempre o mesmo impulso.

— Você quer dizer com isto que o radiograma é repetido constantemente, não é? — indagou o Major Ankenbrand.

— Perfeitamente, senhor. Pode-se até supor que haja alguém em extrema necessidade, emitindo sinais de orientação para chamar a atenção de possíveis salvadores.

— Cheira um pouco à fantasia — disse o major. — Como pode alguém supor que o vão salvar se os impulsos transmitidos são indecifráveis e não oferecem nenhuma possibilidade de se constatar o local de partida do radiograma?

E abanando a cabeça, continuou:

— Não, não creio que se trate de pedido de socorro.

— O senhor tem algum palpite, comandante? — perguntou Yassord.

— Sim — disse Ankenbrand. — Acho que alguém deseja transmitir uma notícia e, como é muito importante, a irradia sem parar, até que consiga o que quer.

— Isto quer dizer que... — começou o Tenente Yassord.

— Quer dizer que temos que avisar imediatamente o quartel-general — completou o major.

Enquanto a Golfo do México continuava sua trajetória solitária pelo mar de estrelas, Pendermann se pôs em contato com Terrânia, para falar do misterioso radiograma.

Foi por mero acaso que um comunicado de Atlan chegou, ao mesmo tempo que a notícia do cruzador pesado, às mãos de Rhodan. O imperador de Árcon comunicou ao seu amigo que o robô de Árcon III estava captando já há várias horas sinais de rádio da Nebulosa M-13. Atlan explicou a Rhodan que se tratava sempre dos mesmos impulsos, repetidos constantemente.

O administrador comparou os dois comunicados e sabia que não podia haver aí nenhum erro.

Um minuto depois, começou a agir.

 

— São sempre os mesmos impulsos — constatou Bell. — Não podemos decifrá-los, nem mesmo identificá-los, pois certamente não se trata de um texto, mas de um determinado sinal que para nós nada significa.

— Tem razão — concordou Allan D. Mercant, que estava caminhando ao lado de Bell. — Mas deve existir alguém para quem estes sinais possuem uma grande importância. Perry está muito certo quando tenta descobrir o ponto de partida do transmissor.

Entraram num pequeno carro elétrico e Bell soltou o freio. Mercant estava olhando para ele desconfiado.

— Dirija com mais cautela, por favor! — pediu ele.

Reginald Bell parece que não o ouviu. Muito pensativo, disse para seu colega:

— Vamos necessitar de várias naves se quisermos fazer um rastreamento triangular, pois é a única possibilidade que temos para realizar uma investigação completa. O que será, porém, se nesse meio tempo a transmissão sair do ar?

Mercant segurava nervosamente no apoio lateral da porta, enquanto Bell conduzia o carro na velocidade máxima, numa pista de aço plastificado.

— Teremos de ser mais rápidos — disse o chefe da defesa. — Mas ouça uma coisa, Bell, você tem mesmo necessidade de correr desta maneira?

Enquanto Mercant põe toda sua fé na velocidade da Frota Solar, reclama contra um carro eletrificado que corre um pouco mais”, meditava Bell.

Pensando ainda nesta discrepância disse, concluindo:

— Pressinto uma ação muito interessante.

A faculdade de prever ou de pressentir acontecimentos futuros, para Mercant, estava neste momento completamente bloqueada pela velocidade e pelas façanhas de Bell ao volante, pois a tudo que o grande piloto dizia, ele só respondia com sons incompreensíveis.

— Esta história do musgo da gordura já está me enchendo — disse Bell. — Felizmente parece que alguma coisa interessante está para acontecer.

Estas palavras levaram Mercant a uma idéia muito interessante, mas se precaveu de dizer alguma coisa a respeito ao baixote a seu lado.

Bell conduziu o carro para um edifício quadrado e parou bem em frente à entrada. Ainda um tanto abalado, o chefe da Defesa Solar deixou o carro e acompanhou Bell até o interior da casa. Veio-lhes ao encontro um homem calvo, de boa estatura, cumprimentando-os com muito respeito.

— O senhor já viu o chefe? — perguntou Bell, sem diminuir o ritmo de seus passos.

— O administrador subiu há poucos minutos, senhor — explicou o calvo.

— Vamos, Mercant — disse Bell. — Quem sabe já existem fatos novos?

Tomaram o elevador e encontraram Perry Rhodan nos aposentos do segundo andar, aprofundado em sérias conversas com vários cientistas. Ao ver Bell e Mercant entrando, Rhodan lhes acenou sorrindo.

— Um momento, meus senhores — disse se desculpando. — Queremos deixar Mr. Bell e Mr. Mercant a par de nossos planos.

Na parede estava dependurado um mapa sideral colorido, onde estava bem destacada a Nebulosa M-13. Bell e Mercant repararam que diversos pontos estavam assinalados com alfinetes de cabeça colorida.

— Vamos tentar fazer o rastreamento do transmissor por mais lados — explicou Rhodan. — Já dei ordem de partida a uma pequena unidade. Atlan vai também participar desta campanha e mandar várias naves robotizadas que ficarão em ligação constante com o computador de Árcon III. Desta forma, podemos ser bem-sucedidos na localização do transmissor. A nossa Golfo do México e a grande positrônica de Árcon informaram com a mesma exatidão que o radiograma, ou melhor, os sinais continuam sendo transmitidos.

— Uma coisa eu gostaria de saber, Perry — interveio Bell. — Por que que você está tão interessado neste transmissor desconhecido?

O rosto do gorducho se contraiu num largo sorriso, quando fez uma outra pergunta:

— Você já tem alguma noção clara de tudo isto?

— Sim — confirmou Rhodan de pronto, para decepção de Bell.

Mercant, que observava o administrador com atenção concentrada, estava seguro de que Rhodan tivera a mesma idéia, que também lhe passara pela cabeça durante o percurso do carro elétrico.

 

A música vinha abafada de um pequeno palanque no fundo do vasto recinto. Alguns casais se embalavam ao ritmo da lenta melodia e garçons de fraque branco passavam silenciosos por entre as mesas.

Ernst MacDowell parou e se virou para o filho.

— Você vem sempre a tais locais, Chester?

— Este aqui é o melhor, por sinal — respondeu Chester. — Ali ao lado ainda há uma mesa livre, onde podemos sentar.

O jovem MacDowell era cumprimentado por todos e mesmo Joe David, que estava sentado com uma lourinha, fez questão de saudar seu chefe.

Os dois MacDowell tomaram lugar à mesa e fizeram seus pedidos.

— Informei-me exaustivamente sobre seu novo setor de atividade — disse o ancião. — Hoje sei que cometi grave erro naquela época e estou pronto a reparar tudo.

Chester olhou admirado para seu pai e não disse nada.

— Você está contente com seu trabalho neste instituto? Quero dizer, você se interessa mesmo por seres vivos de outros planetas?

O garçom trouxe dois copos e Chester tomou um longo trago.

— É fascinante — disse ele. — Não poderia imaginar que era realmente tão fantástico lidar com estas coisas.

Ernst MacDowell se aprumou mais na cadeira e seu rosto pálido tomou cores. Tossiu levemente, como fazem os velhos, e seus olhos apagados brilharam de novo. Com a mão trêmula, ergueu a taça.

— Você não gostaria um dia de voar pessoalmente para um destes planetas, a fim de ver de perto todas estas coisas?

Chester MacDowell não pegou bem o sentido desta pergunta, mas a conversa resvalou para um setor que o começou a inquietar, embora não soubesse dizer por quê.

— Sou um cientista, meu pai, e não um cosmonauta.

O ancião lhe disse então em voz bem baixa:

— O que você faria se lhe aparecesse a oportunidade de voar para o espaço?

— Eu aceitaria — respondeu Chester de pronto, sem pestanejar.

O velho se levantou e Chester sentiu uma espécie de orgulho ao vê-lo ali de corpo ereto, cabelos brancos e o rosto anguloso.

— Sou um homem rico — disse Ernst MacDowell — muito rico mesmo e estou muito velho, velho demais para poder fazer alguma coisa com tanto dinheiro. Por este motivo, comprei uma espaçonave.

— Pai! — admirou-se o cientista. Ernst MacDowell pegou sua bengala e olhou saudoso para os músicos, batendo com a ponta da bengala o ritmo da música.

— Não é muito grande, mas pertence a você.

Dizendo isto, virou-se e foi andando por entre os pares de dançarinos. Sua cabeça branca brilhava como uma chama prateada. Como que petrificado, Chester olhava para seu pai, observando como o porteiro lhe abriu cortesmente a porta, fazendo-lhe uma respeitosa reverência.

Foi a última vez que Chester MacDowell viu seu pai. Na manhã seguinte, o carteiro lhe trouxe o título de propriedade da espaçonave. O velho MacDowell não se esquecera de nada. Estava anexada à escritura de posse até mesmo uma licença de decolagem e aterrissagem em todos os planetas livres do Império Solar, lavrada no nome de Chester MacDowell. Nos documentos, a espaçonave estava classificada como veículo espacial privado para fins de pesquisas científicas.

Além dos documentos oficiais, Chester encontrou um envelope com uma pequena folha de papel com a seguinte inscrição:

A nave é superveloz. Quem sabe você consegue assim recuperar os seis anos perdidos?

 

Bell bateu com o punho na mesa muito violentamente. John Marshall, o chefe dos mutantes, confirmou a explosão de entusiasmo com um suave sorriso, enquanto Gucky, sentado pachorrentamente, exibia seu dente de roedor.

— Conseguimos! — gritava Bell. — Amigos, isto é um motivo para comemorarmos.

— Para trabalhar — corrigiu-o Rhodan e o rompante de alegria de Bell definhou num resmungo mal-humorado.

— Sem luta, não há vitória! — exclamou Gucky sério, olhando severo para Bell.

O temperamental Bell estava pensando numa grande panela onde pudesse cozinhar Gucky. E como sabia que Gucky gostava de espionar os pensamentos dos presentes, preparou-lhe com grande prazer uma grande fogueira, embora apenas imaginária, sob a panela, e para que o molho ficasse mais gostoso, adicionou um pouco de cebola.

Rhodan apanhou uma folha de papel, chamando para si a atenção de Bell. Gucky respirou aliviado.

— Conseguimos rastrear o estranho transmissor — disse o administrador. — Nosso amigo positrônico de Árcon interpretou todos os dados e constatou de que ponto vêm os impulsos.

Nas extremidades da Nebulosa M-13 existe um sol vermelho, que no catálogo de Árcon está classificado com o nome de Snarf. Dista da Terra nada menos de 33.486 anos-luz e está cercado de cinco planetas, dos quais o segundo, Snarfot, é um mundo de oxigênio.”

Repôs o papel na mesa e olhou para as pessoas reunidas no salão.

— Snarfot é um planeta de formação primitiva, o único dos cinco que no catálogo está assinalado como vivo, isto é, em condições de ter vida. Aliás, esta vida não é inteligente, não podendo, pois ser responsabilizado pelas transmissões.

— Isso vem confirmar que algum estranho surgiu no espaço de Snarf — constatou Mercant.

— Certo, Allan. E, enquanto sabemos, fora os transmissores fictícios dos acônidas, só existe uma possibilidade de penetrarmos neste sistema: espaçonaves.

Rhodan afastou de si o bolo de documentos, levantou-se e deu a volta pela mesa.

— Temos pois que aceitar que estamos lidando aqui com uma raça sumamente inteligente. É bom frisar que temos que agir com muita cautela. Uma parte da Frota Solar voará para as regiões de Snarf e Atlan enviará algumas naves robotizadas.

Bell fez valer suas dúvidas:

— Acho que isto daria uma forte impressão de ação militar, Perry. Seria psicologicamente errado obrigar os estranhos logo de início a entrar em operações bélicas com nossas várias espaçonaves.

— Você tem plena razão, Bell — acudiu Rhodan. — Antes de enviarmos naves para Snarf, vamos estudar a situação com a Ironduke, planejando nossos primeiros passos. Se ficarmos em apuros, as outras espaçonaves virão ao nosso encontro.

— O senhor tenciona utilizar os mutantes nesta missão? — perguntou John Marshall.

— Sim, John — respondeu Rhodan. — Acho muito útil que, pelo menos, os três teleportadores, Gucky, Tschubai e Kakuta, estejam a bordo da nave linear. Além disso, não haveria de nos prejudicar se ainda outros de sua corporação, que não estejam no momento em missões importantes, pudessem nos acompanhar.

Parou um instante, pensativo.

— Seria ainda muito bom se pudéssemos levar para a viagem um especialista.

— Em quem que você está pensando, Perry? — interveio Bell.

— No Dr. Chester MacDowell — disse Rhodan de pronto.

— Mas MacDowell está ocupado com a história dos musgos da gordura, não é?

— Exatamente por isso — foi a resposta de Rhodan.

Bell ficou boquiaberto.

 

Foi mesmo uma estranha coincidência: o pedido de Perry Rhodan, para que MacDowell integrasse a expedição no sistema do sol Snarf, chegou exatamente um dia depois da entrega dos documentos de posse de sua própria espaçonave. Estava agora diante de duas possibilidades de voar ao espaço.

Não era uma estranha coincidência? Lutara durante cinco ou seis anos para viver este momento supremo e agora que ele lhe chegara às mãos, de maneira tão inesperada, sentia dificuldades em fazer a opção.

MacDowell julgava que no momento de seu triunfo — e era um verdadeiro triunfo o que ele estava realizando — haveria de experimentar uma nova sensação. Mas, nada disso aconteceu. Continuava sentado atrás de sua mesa; como todas as manhãs, dera algum alimento seco ao peixinho no aquário e assinara as remessas do correio que David lhe trouxera.

E, no entanto, era o seu dia!

Olhou pela janela — seu escritório se localizava no terceiro andar — e viu os primeiros raios do Sol surgirem.

Entrou David, trazendo a xícara de café, que vinha balançando numa pequena bandeja. Colocou-a sobre a mesa e retirou o açúcar do armário do chefe. O cientista observava atentamente seu funcionário, perguntando a si mesmo o que o jovem estaria pensando durante o trabalho.

— A partir de hoje, você vai ter uma nova missão, Joe.

David, que estava exatamente colocando o cubinho de açúcar na xícara, esbarrou com a mão nela e entornou um pouco da rubiácea. Ficou vermelho e tentou contornar a situação com um sorriso amarelo.

— Você vai ser tratador de animais — confiou-lhe o chefe.

— Perfeitamente, senhor. — Respondeu automaticamente, para depois acrescentar confuso: — Não sei... não estou entendendo.

— Durante minha ausência, você vai cuidar do Shelby. Vou lhe dar por escrito seu horário de alimentação. A água é limpa automaticamente. Preste atenção para que o peixe não morra.

— O senhor vai viajar?

Não podia protelar por mais tempo a seguinte escolha: ir com Rhodan ou ir na nave dada pelo seu pai. Fazia grande esforço para não depender de impressões pessoais. De um lado, podia se dedicar às suas pesquisas como quisesse, seguindo seu maior interesse, sem que ninguém o incomodasse; enquanto que o trabalho junto com o administrador seria sempre em obediência aos superiores. No entanto, a vantagem de viajar ao lado de Rhodan e poder observar a atividade parapsicológica dos fantásticos mutantes cobria estes inconvenientes.

— Sigo para Terrânia, Joe.

— Meus parabéns pelo seu novo trabalho — disse David. — Muito sucesso, senhor. Não se preocupe conosco, vamos continuar trabalhando com os fungos.

O cientista se levantou e empurrou a bandeja do café.

— Sabe de uma coisa, Joe, tenho um destino muito esquisito. Sempre que viajo jamais volto para o lugar que antes ocupava.

— Mas desta vez o senhor voltará — respondeu o jovem com muita convicção.

— Joe, fui muitas vezes um pouco duro com você. Mas nunca o fiz por maldade, mas sim porque queria tentar estimulá-lo. Talvez mesmo tenha exagerado uma ou outra vez.

— Não tem importância, senhor, o principal é que eu estou aqui vivo — disse Joe, sorrindo.

Houve um aperto de mão sincero e Chester MacDowell retirou do armário muitas coisas importantes. David permanecia mudo, olhando para ele. Depois que retirou o que era dele, não olhou para trás.

Deixou seu escritório às dez horas. Não olhou para trás quando entrou no táxi aéreo e disse ao chofer que rumasse para o aeroporto.

O Dr. Chester MacDowell nunca olhava para trás.

 

A supernave Ironduke terminou seu vôo entre o ser e o não-ser e emergiu do semi espaço que seus conversores kalupianos haviam criado. A nave de oitocentos metros avançara num vôo direto linear, de velocidade superior à da luz, até o sistema do sol Snarf.

— Não vamos ainda penetrar diretamente no sistema, major — disse Rhodan ao epsalense Jefe Claudrin, comandante da Ironduke. — Enquanto não soubermos quem é este estranho, temos que ter muita cautela.

— O transmissor continua irradiando, senhor — disse Claudrin, olhando para os controles. — Talvez possamos rastreá-lo agora com mais facilidade.

— Bem, tome conta disso, Jefe. À menor suspeita de ataque, temos que dar o alarma para as outras naves. Não queremos sofrer nenhuma surpresa desagradável.

— Eu adoro surpresas — anunciou a voz de Gucky lá dos fundos. — Elas me tornam a vida mais alegre.

Olhou em volta, muito disposto, procurando alguém que quisesse discutir por causa de sua opinião, mas somente no rosto de Bell havia uma ponta de sorriso. Gucky bateu os punhos contra o peito peludo.

— Você está duvidando disso? — perguntou ele a Bell.

— Pelo contrário — apressou-se Bell a afirmar — concordo plenamente com você.

O rato-castor ficou tão surpreso que por alguns instantes ali ficou de boca aberta.

— Sim — explicou Bell, pachorrentamente — tenho uma destas surpresas para você, destas de que você gosta.

Bell contava com o fato de a curiosidade do mutante ser maior que sua desconfiança e... tinha razão.

— Qual é a surpresa? — perguntou logo Gucky.

— Aquela caixa que você me passou escondido em Terrânia, esqueci de trazê-la a bordo — disse Bell triste. — Nossa partida foi tão afobada que me esqueci totalmente.

— Puxa! E lá dentro estavam as cenouras — concluiu o rato-castor.

— Que surpresa desagradável! — disse Bell amavelmente, e Gucky furioso teve que agüentar a risada de todo mundo.

— Rastreador de massa está anunciando alguma coisa, senhor — gritou o Major Krefenbac, durante a hilaridade coletiva.

No mesmo instante se fez silêncio. Rhodan, Claudrin e Bell colocaram-se ao lado do primeiro-oficial.

— Localização da nave do sistema Snarf — prosseguiu Krefenbac. — Parece que se trata de uma só nave.

Iniciou-se então uma atividade febril. Instrumentos de orientação e de rastreamento foram postos em intensa atividade e todo o espaço em torno do sol vermelho foi literalmente vasculhado. Como se fosse um diminuto planeta, a Ironduke circunvoava Snarf. Dentro de sua órbita preestabelecida, ela alterava constantemente sua posição. A nave estranha, porém, se mantinha quase parada no mesmo local. Isto só podia significar que ela seguia também uma órbita em torno de um dos planetas.

— A nave estranha não é muito grande, senhor — disse o Dr. Carlos Riebsam do computador de bordo. — A interpretação dos dados indica que deve ter um diâmetro médio de sessenta metros.

— Os sinais de rádio vêm dela — acrescentou Krefenbac. — Continua emitindo sem cessar este sinal, que, para nós, é sem sentido.

Bell, muito animado, esticava a cabeça entre os homens de maior estatura para ver os instrumentos.

— O que estamos esperando, Perry? Vamos ver isto mais de perto, não é?

— Não tão depressa assim, meu gorducho — disse brecando sua afobação.

Depois, virando-se para o Dr. MacDowell, que até então estava calado no seu lugar:

— O que o senhor acha, doutor?

— Se tomarmos em consideração que se trata de inteligências que nos são desconhecidas, então é muito difícil querer descobrir alguma coisa somente à base dos fatos que possuímos. Nada sabemos da mentalidade destes seres. Permito-me, porém, afirmar que, se eles constroem naves espaciais e se utilizam de instalações de rádio que atravessam o hiperespaço, pelo menos no domínio técnico podemos tirar algumas deduções. Naturalmente tudo isto não passa de suposições minhas.

— Por favor, fale à vontade, MacDowell — pediu-lhe Rhodan.

Para MacDowell a maneira cordial e franca com que Rhodan e seus homens se comunicavam era algo completamente novo. Não havia nada daquela rígida e estéril disciplina que ele temia. Havia momentos em que jovens oficiais chamavam o administrador simplesmente de “chefe”, sem com isto lhe faltarem ao respeito. Chester MacDowell sentia um entendimento mútuo nesta comunidade, mas alguma coisa o impedia intimamente de se anexar a ela. Ao invés disso, enclausurava-se em si mesmo e permanecia calado.

Os homens ao seu derredor, é claro, não iam forçar sua amizade, tratavam-no com amabilidade retraída, esperando que ele desse o primeiro passo em sua direção. No entanto, MacDowell era de índole solitária e os anos anteriores o transformaram numa pessoa quase excêntrica.

— As transmissões de rádio somente podem servir para enviar comunicados, portanto temos que supor que haja um receptor em algum lugar — disse Bell.

— Estes sinais de rádio já estão sendo transmitidos há vários dias — lembrou o doutor Riebsam. — Se existir um receptor e este receptor responder ao chamado, não há mais razão para continuar a repetição dos mesmos sinais.

— Correto — disse o doutor MacDowell. — Agora, não podemos admitir que aquele, a quem se destinam estes impulsos, já os tenha recebido, pelo simples fato de que nós já os recebemos. O transmissor vai continuar irradiando, até que consiga ter sucesso.

— E em que consiste este sucesso? — perguntou Bell.

Chester MacDowell já percebera há tempo que a tripulação da Ironduke desabafava o que sentia e os oficiais não formavam nenhuma exceção. Ele, porém, pessoalmente estava habituado a ser mais comedido e somente se externar sobre um problema quando sentisse que suas suposições deixavam de ser suposições.

Um pouco mais reservado do que intencionava, explicou o cientista:

— Minhas opiniões a respeito são de natureza puramente especulativa.

— Apesar disso, nos interessam — respondeu Bell, em tom seco.

— Acho que esta nave misteriosa está esperando por alguma coisa — disse MacDowell, contrariado. — Do contrário não haveria nenhum motivo para ela não trocar de lugar.

Rhodan concordou.

— Nós também vamos fazer o mesmo, isto é, esperar — disse ele.

 

O interligador recebeu a notícia de que a Scout havia encontrado um planeta apropriado e a retransmitiu. Através de várias estações, os sinais do rádio penetraram na gigantesca espaçonave, onde foram captados pelos comandantes. Estes comandantes não eram seres vivos, mas máquinas positrônicas que dirigiam o enorme cilindro voador de mil e oitocentos metros pelo espaço a fora e executavam todas as funções que são realizadas geralmente por altos dirigentes humanos. Em contraste com os computadores de bordo das naves terranas, os comandantes eram três e cada um deles dispunha de um mensageiro. Estes mensageiros eram uma segunda edição, mais reduzida, do robô Artur e estavam permanentemente em contato com os comandantes.

Com o correr do tempo, surgiu desta instalação uma situação cômica ou mesmo embaraçosa, que os robôs não conseguiram superar, pois casos assim não estavam previstos em sua programação.

O mensageiro do comandante Dois sofrera um pequeno dano e não estava mais em condições de executar todas as ordens. Isto queria dizer que os outros dois comandantes positrônicos tinham que adaptar seus mensageiros à morosidade daquele que necessitava de conserto, pelo menos até que se chegasse perto da Scout e de Artur, que poderia reparar o defeito.

Esta adaptação, porém, se tornava cada vez mais um problema incômodo e assim aconteceu que cada um dos mensageiros tomou uma velocidade diferente. Cada comandante administrava uma parte da espaçonave. O Um era responsável pela navegação e pela propulsão; o Dois controlava o andamento no interior da nave e o Três mantinha de prontidão a tripulação da semeadura.

E precisamente era necessária uma coordenação sincrônica do Um e do Dois para que a nave pudesse prosseguir no espaço, pois o que adiantava o primeiro mensageiro transmitir as coordenadas de vôo se o segundo não as conseguisse interpretar logo e cabalmente? Já que o trabalho do terceiro dependia do bom funcionamento do primeiro e do segundo, poderia acontecer que o terceiro alarmasse a tripulação da semeadura, só porque o primeiro quisesse iniciar uma transição que o segundo não podia executar devido ao dano sofrido.

Até o momento, a tripulação da semeadura fora abastecida de energia desnecessariamente cinco vezes. Quantas vezes o interligador já recebera os sinais da Scout, nem se podia mais contar. A ação em curso ficava sempre brecada no segundo mensageiro, embora o terceiro já estivesse em condições de agir, em várias oportunidades. Os três comandantes se esforçavam para corrigir a morosidade do segundo mensageiro, mas a arbitrariedade com que o robô executava seus movimentos não permitia um aproveitamento exato. Estava quebrada a harmonia da grande nave.

A Scout já há muito tempo vinha enviando os sinais convencionais. O interligador os recebia e passava para a frente. Através de inúmeras estações, penetravam no interior da grande nave, onde os comandantes os recebiam. Estes comandantes, porém, continuavam impelidos pelo mesmo dilema, que parecia não ter fim. O primeiro mensageiro entrava em ação e calculava o posicionamento da Scout e os dados referentes à transição. Os resultados iam para o segundo e o terceiro, mas o segundo mensageiro nunca estava preparado naquele exato momento para receber a ligação e iniciar a transição. E então tudo começava de novo. Quanta energia se desperdiçava inutilmente! E como os robôs não eram seres humanos e por isso só podiam agir dentro do roteiro de sua programação, não lhes restava nada a fazer do que tentar sempre de novo.

Um ser inteligente certamente teria chegado à idéia de mandar o terceiro executar o trabalho do segundo ou coisa semelhante. Mas, os cérebros positrônicos calculavam tudo à base das quotas de probabilidade, segundo as ações do mensageiro programado. Não era mais possível controlar exatamente o segundo, por isso, estava de antemão condenada ao fracasso toda iniciativa de reduzir sua velocidade ou de aumentá-la. Os comandantes só conseguiriam alguma coisa unicamente com a alteração do primeiro e do terceiro, que ainda estavam em condições normais de funcionamento. Teriam que fazer com que o primeiro transmitisse os dados para a transição ou para o hipersalto, quando o segundo estivesse pronto para fazer a ligação.

O segundo mensageiro já iniciara 4.146 vezes o processo para a ligação e chegara sempre antes ou depois do momento exato.

Se fosse um homem, já teria se desesperado e desistido, mas os comandantes tentavam sempre de novo, com cada impulso, que o interligador recebia. O planejamento tinha que ser cumprido e os robôs não sabiam o que era desanimar ou desistir.

Finalmente, um mero acaso veio terminar a confusão. O primeiro mensageiro dera de novo as coordenadas para o hipersalto e o segundo se movimentou a fim de acionar a chave de ligação. É claro que os construtores poderiam efetuar a ligação também através de um impulso eletrônico, mas sua mentalidade, diferente da dos homens, preferiu realizá-la por meio de máquinas móveis que chamam de mensageiros.

Afinal, depois de tanto tempo perdido, o comandante Dois conseguiu que seu robô entrasse no tempo exato e o terceiro mensageiro enviou a energia necessária para a tripulação da semeadura. A gigantesca nave foi tragada pelo hiperespaço, surgindo no local onde a Scout já a esperava: no sistema do sol vermelho Snarf.

 

Três dias de tempo terrano já eram passados e até os membros mais calmos da tripulação começavam a ficar nervosos.

Dava a impressão de que a pequena nave não se perturbava com a presença do enorme aparelho linear terrano — supondo-se naturalmente que o tivesse visto — e seus sinais de rádio continuavam indo para o espaço.

Cálculos ulteriores apuraram que a nave estranha girava em órbita do segundo planeta, conhecido com o nome de Snarfot. Este era o único planeta do sistema que possuía oxigênio e sua superfície parecia mais ou menos como os cientistas imaginam a Terra na época cretácea.

No terceiro dia, Perry Rhodan apareceu sozinho na cabina do Dr. Chester MacDowell.

MacDowell marcou o lugar onde estava lendo e afastou o livro. Levantou-se e olhou calmo para Rhodan.

— Estudando de novo, doutor? — perguntou Rhodan, em tom amigável.

MacDowell reconheceu o calor humano nos olhos castanhos do administrador, mas retraiu-se.

— É apenas um romance, senhor.

Rhodan sentou-se no sofá. Trajava um conjunto simples que assentava em seu corpo como uma luva, acentuando a esbeltez de suas linhas. MacDowell estudou atentamente os traços fisionômicos de seu chefe e tinha que confessar a contragosto que ele irradiava um estranho fascínio. O cientista, também uma personalidade marcante, sentia que estava diante de um homem fora do comum, que firmara seu nome não apenas por suas realizações, mas também por seu comportamento exemplar e por seu bom senso.

Embora reconhecesse tudo isto, não conseguia aceitá-lo no seu íntimo.

— Já se foram três dias, doutor — começou Rhodan. — A nave não mudou de posição nem deixou de transmitir seus sinais. Que o senhor acha disso?

— Continua esperando, como antes, senhor — opinou o cientista, dando alguns passos no aposento. — Quem sabe mesmo, nossa presença aqui é um motivo por que não aconteceu nada ainda? Pode muito bem ser que lá a bordo estejam desconfiados e o transmissor continua ligado só para nos enganar.

— Também podia ser, se bem que posso imaginar uma boa dezena de outros motivos. De qualquer maneira não ficaremos mais muito tempo fora do sistema, parados. Vou estabelecer um prazo de duas horas. Se dentro deste espaço de tempo nada acontecer, avançaremos para Snarfot e vamos estudar mais de perto nosso amigo desconhecido.

— E o que acontecerá se o estranho se sentir atacado ou por qualquer motivo abrir fogo contra nós?

Rhodan sorriu e levantou as mãos tranqüilizando:

— Temos um tenente maravilhoso comandando a central de artilharia da Ironduke. Chama-se Brazo Alkher. Tenho a impressão de que não vai dar muita oportunidade ao inimigo. O adversário certamente não passará do primeiro tiro.

— Senhor, posso fazer uma objeção?

Pela primeira vez, parece que o semblante de Rhodan ficou mais duro e sua testa se franziu em rugas.

— Ninguém a bordo desta nave precisa pedir licença para fazer uma objeção — disse Rhodan, numa crítica velada.

MacDowell compreendeu que cometera um erro, mas seu orgulho não permitiu que modificasse sua atitude. Não conseguia quebrar o tal orgulho que o dominava havia anos.

— Se o senhor destruir a nave estranha, não terá oportunidade de descobrir o que ela intencionava.

Rhodan se levantou, sem que suas expressões fisionômicas traíssem seus sentimentos.

— Sei disso, doutor.

Antes de fechar a porta, ainda se virou e olhou um momento para MacDowell. O cientista fazia o mesmo, embora no castanho dos olhos de Rhodan houvesse uma leve cintilação. Fitaram-se alguns segundos em silêncio.

— Nas horas de folga há geralmente uma boa conversa na central de comando — disse Rhodan finalmente. — Acho que o senhor gostaria muito de participar, doutor.

Com estas palavras, deixou a cabina, sem que MacDowell tivesse tempo para uma resposta. O cientista caminhou lento para sua cama e deitou-se.

— Sou um burro, Shelby — disse com certa ênfase, lembrando-se, porém, que o peixe do aquário ficara na Terra e neste momento talvez, estaria recebendo uma quantidade exagerada de alimento das mãos de Joe David.

Pegou novamente no livro, não conseguindo, porém, se concentrar mais nem assimilar o conteúdo do que lia. Deste modo, continuou lendo ainda algumas páginas, até que o alto-falante da porta da cabina deu um estalo e uma voz impessoal disse:

— Todos os homens a postos. Prontidão para um ataque.

MacDowell pôs o livro de lado. Indeciso, ficou ainda uns segundos deitado, escutando a vida borbulhante que então surgira na grande nave.

Vários comandos foram transmitidos pelo alto-falante e depois ouviu a voz de Rhodan, no seu tom objetivo:

— Doutor MacDowell, por favor, venha depressa para o posto de comando. Nosso pequeno amigo recebeu uma interessante visita.

MacDowell precipitou-se para fora da cabina, suspeitando instintivamente que algo decisivo havia acontecido. Rhodan não permitiria um alarma sem motivo grave. Três minutos depois, estava ele chegando à central de comando e de navegação da Ironduke. Achavam-se presentes todos os oficiais que aí trabalhavam. Os mutantes encontravam-se reunidos num canto, formando exceção apenas Gucky, que estava agachado numa poltrona.

— Uma espaçonave acaba de se materializar do hiperespaço — anunciou Rhodan. — Os estremecimentos no complexo tempo-espaço foram medidos pelos rastreadores estruturais. Já temos alguns dados a respeito. Trata-se de um gigante de quase dois mil metros de comprimento. Talvez deva ter uns quinhentos de largura, de construção cilíndrica, semelhante à pequena nave em circunvolução na órbita de Snarfot.

— Formam um conjunto! — exclamou MacDowell excitado.

— Realmente, doutor — confirmou Bell secamente.

— Já pararam os sinais de rádio — comunicou Claudrin com sua voz de trovão. — Isto quer dizer apenas que o transmissor já cumpriu sua missão.

Os semblantes dos homens enrubesceram de súbito e MacDowell podia compreender muito bem por quê. Ele mesmo se sentiu possuído de um sentimento novo, de uma tensão diferente que o impulsionava a agir o mais depressa possível. Agora compreendia também os homens presos ao espaço, que não podiam vencer a atração do brilho frio mas maravilhoso das estrelas, que vagavam de um planeta para o outro, para saciarem uma saudade, uma nostalgia que nunca teria fim. Mas nas profundezas do espaço, surgiam sempre de novo milagres e coisas que faziam com que o homem reconhecesse quão insignificante e pequeno ele realmente é — não chega a ser nem mesmo uma minúscula gota neste imensurável organismo que é o Universo.

Tudo em MacDowell vibrava febrilmente pelo encontro com o desconhecido, embora soubesse que, depois daquilo, viriam outras sensações ainda mais estranhas e incompreensíveis.

— Este cilindro gigantesco foi atraído para o sistema Snarf por sinais de rastreamento — era a voz de Rhodan, interrompendo seus pensamentos.

O administrador era talvez o único que controlava perfeitamente seus sentimentos, pelo menos externamente.

— Quem põe em movimento uma nave deste porte, para chegar até aqui, deve ter um grande objetivo em mente, senhor — disse Claudrin. — O que que atrairia tanto o interesse dos estranhos aqui em Snarfot?

— Quem sabe crescem aí cenouras gigantescas? — indagou o brincalhão do Gucky.

— Não atrapalhe, baixote — disse-lhe Rhodan brandamente. — Gostaria de poder responder à sua pergunta, Major Claudrin. Mas uma coisa me chamou muito a atenção.

— Não aumente nosso suplício desnecessariamente, Perry — pediu Bell.

— Estou me lembrando dos relatórios de nossos agentes de Azgola — continuou Rhodan. — Souberam, através de um habitante da capital, Timpik, da existência de duas naves que aterrissaram no planeta, antes que o musgo da gordura começasse a germinar por toda parte. As dimensões destas naves...

— Eram do mesmo tamanho que estas duas que agora tanto se interessam por Snarfot — interrompeu-o Bell entusiasmado. — E isto não será obra do acaso.

Olhou para Rhodan irritado, apontou para o doutor MacDowell, e continuou:

— Por este motivo o doutor está a bordo conosco! — exclamou ele. — Desde o início você suspeitou de que os sinais de rádio tinham alguma coisa que ver com este musgo da gordura.

Com pequeno gesto, Rhodan interrompeu a loquacidade de seu amigo temperamental.

— Se você não me deixar tempo para explicar, jamais ficará sabendo de algo, gorducho — disse sorrindo Rhodan. — É certo que eu tinha uma leve suposição, que estava apenas engatinhando e por conseguinte seria fora de lógica basear-se nela. Nem mesmo agora podemos dizer com certeza se são os mesmos aparelhos que foram vistos em Azgola. O habitante do planeta pode ter mentido ou mesmo se enganado.

— Não acredito nisso não — respondeu Bell convicto.

— Vamos então entrar em contato com Atlan. O cérebro robotizado em Árcon III pode fazer os cálculos em pouco tempo e nos dar plena certeza a respeito.

Logo depois, foi transmitida uma mensagem por hiper-rádio a Atlan, e o gigantesco computador de Árcon começou seus cálculos.

A resposta não demorou muito. Conforme todos os pontos de vista lógicos, devia se tratar das duas naves que surgiram no sistema de Azgos há dois meses atrás.

 

Nos hangares da Ironduke, ao lado dos pequenos jatos, estavam abrigados vários destróieres de três tripulantes que, devido à sua grande versatilidade, eram uma arma perigosa, quando pilotados pelos homens certos. Estando estes pequenos aparelhos equipados com baterias térmicas e torpedos, eram temidos pelo seu poder de fogo.

Pela tela do videofone, Rhodan podia olhar diretamente para o interior dos hangares. Heystens, o mecânico de torpedos, se esgueirava sob o bojo de um destróier, mandando que um técnico lhe trouxesse determinada ferramenta.

Tuff Pelant, que estava um pouco mais para frente e tinha na mão um microfone, virou para trás e seus lábios se moveram. Rhodan ligou o intercomunicador.

— Torpedos espaciais prontos para entrar em ação, senhor — disse Pelant, com toda naturalidade. — Niles faz um último teste nos envoltórios de proteção especiais contra raios de rastreamento.

— Tudo em ordem, Tuff! — concordou Rhodan, sério. — Avise-me quando os três destróieres estiverem prontos para decolar.

Pelant confirmou e Rhodan ainda viu quando Heystens tocou da superfície de um aparelho um enorme inseto. Depois disso o vidro fosco da tela escureceu.

Rhodan voltou-se para trás e deu com os semblantes curiosos e apreensivos dos homens que estavam na central.

— Vou dar mais uma olhada em nosso plano — disse ele. — Ninguém de nós quer provocar uma batalha espacial e por isso fazemos questão de nos apresentar o menos militarmente possível, conseguindo, porém, o máximo de informações. Quando os três destróieres estiverem prontos para decolar, faremos um curto vôo linear com a Ironduke no sistema Snarf. Sob a proteção da zona de libração, os estranhos não poderão nos localizar. Cada um dos três destróieres terá um teleportador a bordo. Gucky voará com Goldstein e Heystens. Ras Tschubai com Tuff Pelant e André Noir, o hipno. Tako Kakuta será acompanhado por Wuriu Sengu, o espia, e pelo Dr. Chester MacDowell, pois este pediu expressamente para poder participar da ação.

Rhodan se interrompeu, porque foram ouvidos gritos de admiração e todos os olhares se convergiram para o cientista.

— Temos, pois, a bordo de cada destróier, além do teleportador, um mutante adicional, como precioso apoio — continuou o administrador, calmamente. — Os destróieres de três lugares têm que conseguir soltar Tschubai, Kakuta e Gucky nas proximidades de Snarfot. Todo o restante fica aos cuidados dos mutantes. Kakuta tem a missão de saltar para a pequena nave, que nós julgamos ser o espião ou o observador, enquanto Gucky e Ras devem penetrar na nave da semeadura. Os demais membros da tripulação dos pequenos aparelhos devem aterrissar em Snarfot e procurar um bom esconderijo, a fim de se precaverem contra os ataques de surpresa.

Gucky se empertigou todo, louco para entrar em ação, e seus olhos redondos brilhavam.

— Você pode confiar totalmente em nós, Perry — disse com sua voz chiada. — Vamos dar uma lição bem boa neste agricultor do cosmo.

— Eu desejaria que o senhor executasse esta missão com toda seriedade e com a devida responsabilidade, Tenente Guck — respondeu Rhodan.

O rato-castor caiu das nuvens. Pulou da poltrona e se aproximou de Rhodan com seu andar bamboleante.

— Tenente Gucky! — sussurrou indignado.

— Há muitos decênios — confirmou Rhodan, sem pestanejar. — E ainda não subiu de posto na carreira militar, pobre coitado!

Isto era o cúmulo para o ex-habitante do planeta Vagabundo. E para espanto de todos, começou a flutuar a poucos centímetros do teto.

— Não subi agora? Acha pouco esta altura? — disse irritado. — Agora estou até superior a Hunt Krefenbac, que não passa de major.

Seu enorme dente de roedor brilhava como uma peça metálica. Bell olhou para ele lá em cima e deu uma risada.

— Quem se “levanta” por conta própria, poderá ser rebaixado — disse ele com visível solenidade irônica.

Gucky emitiu um ruído, semelhante a uma sirena demasiadamente velha de navio e voltou de novo para o chão. E apontando para o próprio peito, dizia magoado:

— Sou sempre injustiçado, embora não passe de um pobre animalzinho.

Depois disso, passou seis minutos sem falar com ninguém, o que lhe era uma coisa muito difícil.

Continuaram os preparativos para a missão especial dos destróieres. Sengu saiu com MacDowell em direção ao hangar, para informar o cientista sobre os segredos técnicos. Kakuta e Tschubai conversavam em voz baixa e finalmente Gucky se ajuntou a eles.

De repente, o Major Krefenbac, que observava os controles, gritou:

— Atenção! Depressa todos, a nave da semeadura está deixando sua órbita.

Rhodan observou a grande tela do aparelho de orientação e o movimento do oscilógrafo.

— Acho que temos de modificar um pouco nosso plano — disse com ponderação.

Reginald Bell se aproximou dele.

— Que foi que aconteceu, Perry?

— Uma coisa que nós não devíamos ter esquecido... — disse Rhodan. — A nave da semeadura se apronta para aterrissar.

 

Em virtude de sua complicada programação, Arthur era essencialmente mais versátil do que um técnico terrano. Apenas em um único ponto ele perdia para o ser humano: não podia acelerar seu ritmo de trabalho. Cada um de nós é capaz de trabalhar como um louco, quando a situação o exige. Artur não podia fazer uma montagem mais depressa do que sua programação determinava. Os pegadores de seus braços se moviam num determinado ritmo que dependia diretamente do número de rotação de alguns mancais.

A palavra pressa possui um conceito meramente abstrato para um robô. Quando um ser inteligente se apressa, isto acontece sempre em virtude da atuação de sentimentos, os quais nem a mais complicada máquina positrônica alcançara.

Aplicado aos acontecimentos no interior da Nave Semeadora, isto queria dizer que o programa de Artur não conseguia realizar o conserto no mensageiro do comandante Dois, no tempo necessário, porque ele não podia se apressar. Por este motivo, a Nave Semeadora tinha que continuar girando em órbita e esperar até que Artur tivesse terminado o reparo.

Durante todo este tempo, o terceiro mensageiro providenciava o constante fornecimento de energia para a tripulação da semeadura e milhares de pequenos robôs-semeadores despertavam nos grandes celeiros da nave. Abriram-se automaticamente os registros nos tubos de saída dos silos de sementes e a instalação de sucção distribuía as sementes nos diversos pontos de retirada.

A fim de poupar espaço, os construtores simplesmente empilharam estes robôs para a semeadura em grandes poços. Ao lado de cada poço havia um elevador que chegava até rente do teto, onde estava a casa de máquinas. Dali saiu o primeiro impulso e o robô da semeadura se ergueu. Dirigiu-se para o quadro de comando do elevador que rangeu com o seu peso. O elevador disparou para baixo e brecou de repente. Felizmente os robôs não têm estômago para sentir a parada brusca. O robô saiu com seu passo pesado, a fim de apanhar um recipiente de sementes e o levar para encher.

À bordo da gigantesca nave havia nada menos de 300 destes poços e, em cada um, estavam empilhados 100 robôs. A equipe da semeadura era constituída de 28.436 unidades.

Indiferente a tudo que lhe estava em volta, Artur continuava seu serviço e terminou o conserto no segundo mensageiro. Manejando com grande agilidade os vários pegadores, abriu as travas, que fechavam a placa de trás, e afastou a camada de vedação. Os quatro tubos principais estavam intactos, como constatou o robô que viera da Scout. Retirou-os das luvas e pegou os relês que estavam por baixo. Afixou magneticamente em seu recipiente pela ordem de colocação as peças que antes retirara. Sem estas peças, o robô estaria agora desativado, imóvel. E o comandante Dois não era mais que um computador de poucos recursos.

Já estava reunida no setor dos silos quase a metade dos robôs de semeadura e os elevadores continuavam despejando novas levas deles, que se encaminhavam diretamente para a pilha de vasilhames vazios, pegando cada qual uma espécie de balde para as sementes. Equipado com este recipiente, seu caminho o conduzia para o local de enchimento, onde recebia uma certa quantidade de sementes. Tudo isto corria na maior ordem, como se ali estivesse um mago para dirigir aquela orquestra silenciosa. Quem dirigia este setor era o comandante Três. Seu mensageiro corria de um lado para o outro, fazendo as respectivas ligações.

Cerca de 20.000 robôs já estavam providos de semente, quando Artur, na central, fechou novamente a chapa traseira, entregando já pronto o mensageiro do comandante Dois. E este continuou seu serviço como se não lhe tivesse acontecido nada. E os trabalhos decorreram, então, bem coordenados.

O interligador deu a notícia à Scout e Artur deixou a escotilha da nave da semeadura, corrigindo seu rumo por meio de uma válvula nas costas. Por mais de uma hora, ficou reduzido a um satélite artificial de Snarfot, até que a Scout cruzou sua órbita. Artur nivelou sua velocidade com a da pequena nave e foi se aproximando dela. Desembarcou seguro na comporta aberta e voltou para seu lugar.

Na gigantesca Nave Semeadora, o comandante Um procedeu aos cálculos para a iminente aterrissagem e os transmitiu ao Dois. O ronco dos motores de propulsão ainda estavam quase em surdina, mas era só uma questão de tempo, pois não demoraria e o espaço seria abalado por um trovão contínuo. O Dois soltou a nave cilíndrica de sua trajetória fixa e a conduziu suavemente para a superfície do planeta. A nave da semeadura voava sempre em espirais mais fechadas.

No setor dos depósitos, que o Dois controlava, saiu do empilhamento o último robô que não precisou mais de elevador, pois já estava embaixo, no fundo do poço. Precisou apenas se levantar, pegar um recipiente para sementes e esperar que pudesse sair pela grande comporta.

Iria, então, ter início o plantio.

 

O quadro era simplesmente fantástico superando tudo que o que Rhodan e seus homens imaginavam no campo da robotização, mesmo visto na tela fosca panorâmica.

A gigantesca Nave Semeadora aterrissara num planalto e os raios de suas possantes turbinas destruíram florestas inteiras de vegetação baixa, cujos resíduos ou ainda fumegavam ou já estavam carbonizados. Abriram-se as enormes comportas e na fumaça de vegetação queimada surgiam robôs e mais robôs. Era um fluxo contínuo, sem fim, uma massa escura de metal que se movia, como um enxame de abelhas em tarde de verão. Perry Rhodan não se lembrava, em toda sua longa vida, de ter visto tal acúmulo de máquinas automáticas reunidas em tão pequeno espaço.

— São muitos milhares! — exclamou Bell, empolgado.

A massa compacta começou a se espalhar e, pouco depois, Rhodan percebeu o motivo: os robôs saltavam e saíam voando, impulsionados por uma força invisível.

Viu também que havia vários tipos de robôs, ovais, redondos, em forma de trapézio, mas todos voavam para todas as direções com velocidade crescente. O pior é que as comportas não paravam de fornecer constantes levas de robôs, de tal forma que o processo parecia não ter fim.

Sem desviar sua atenção da tela panorâmica, falou Rhodan:

— Prepare tudo para um vôo linear rápido, major!

Teve-se a impressão de que o epsalense acabara de sair de um sonho, pois o seu “perfeitamente, senhor” ecoou bem estranho, como se viesse de outro mundo.

— Vamos executar nosso plano imediatamente — ordenou Rhodan.

De um momento para o outro, cessou o fluxo de robôs e as grandes comportas escancaradas davam a impressão de abandonadas. Mesmo os últimos robôs, que deixaram a nave, se levantaram também no ar, porém, em contraste com os primeiros, não voaram para muito longe. Apenas atravessaram o planalto. Só então os homens da central de comando puderam presenciar como eles espalhavam um pó claro.

— Que significa isto? — perguntou Claudrin.

— Começam a semear — disse Rhodan. — Vão percorrer todo este planeta espalhando a semente. Não deixarão nenhum terreno fértil vazio.

— E para que fim tudo isto? — era a vez de Bell.

— O musgo da gordura vai começar a nascer em Snarfot, como já “floresceu” em Azgola e talvez mesmo em outros planetas que ainda não conhecemos.

Franziu a testa e Bell já imaginava que um pensamento inquietante perturbava o administrador.

— Em que que você está pensando?

Rhodan esticou o braço, apontando para a tela do vídeo.

— Azgola e Snarfot são planetas de oxigênio. Parece que estes robôs de semeadura só trabalham em planetas que são apropriados para o tal musgo.

— Naturalmente — respondeu Bell, admirado. — Sabemos das condições que são necessárias para o desenvolvimento desta planta.

— Exato, Bell, e a Terra é um terreno ideal para elas.

— Nave pronta para partir, senhor! — ecoou o vozeirão de Claudrin pela central.

Rhodan apanhou o microfone e o puxou para mais perto.

— Ótimo, major! O posto de artilharia está pronto?

— Claro, senhor! — era a voz do formidável Brazo Alkher.

— Pelant, como estão os destróieres?

— Tudo certo, senhor.

Rhodan virou-se pensativo. Em cada um dos três destróieres estavam três homens, sendo que dois eram mutantes. Esperavam que a comporta se abrisse para se lançarem no espaço.

— Pronto, major, dê a partida.

Um segundo mais tarde, irrompeu o fluxo energético dos conversores kalupianos para os motores de propulsão e a Ironduke se projetou na região do semi-espaço, obtido artificialmente. Com uma potência descomunal, a nave linear penetrou no sistema do sol vermelho de Snarf.

Durante este vôo dentro da zona de libração, nenhum instrumento de rastreamento poderia descobrir a posição da nave terrana. E mesmo quando chegasse ao espaço normal, formaria uma camada opaca de energia flamejante.

A tela panorâmica estava agora quase totalmente ocupada pelo planeta Snarfot.

— Abrir as comportas do hangar! — ordenou Rhodan.

Os destróieres de três lugares deslizaram nos trilhos para o local de partida. O Dr. MacDowell, em companhia de Kakuta e de Sengu, ouviu no alto-falante de seu capacete a voz firme de Rhodan.

Um técnico confirmou num grito a ordem dada, ou por nervosismo, ou com medo de que não fosse ouvido.

— Para fora! — ordenou Rhodan.

E neste instante, somente o aparelho de absorção de impacto impediu que MacDowell fosse esmagado com a força correspondente a um enorme martelo hidráulico. Semelhantes a três peixes prateados, os destróieres se precipitaram nos abismos escuros do espaço, que só recebia uma tênue luz avermelhada do sol de Snarf. A Ironduke parecia agora estar flutuando.

Num piscar de olhos, os destróieres se afastaram da nave-mãe.

Depois, os acontecimentos se precipitaram e muitas coisas sucederam ao mesmo tempo. Cada uma mais catastrófica que a outra.

 

A pálpebra metálica se abriu e a lente ficou visível, imóvel e brilhante, como o olho de uma serpente. O observador compreendeu a situação e transmitiu a mensagem para o interior da Scout.

Uma espaçonave estranha se materializara nas suas imediações. O interligador da Scout chamou o interligador da Nave Semeadora, e praticamente no mesmo segundo trocaram impulsos de rádio. Iria entrar em ação o armamento de defesa da Nave Semeadora, já que a Scout não tinha armas. A gigantesca nave cilíndrica era a unidade mais importante e seus construtores não se esqueceram de protegê-la contra os ataques.

No mesmo instante em que os interligadores se comunicavam, as armas já estavam preparadas para o ataque.

Assim que a Ironduke saiu do semi-espaço, foi rastreada pela nave da semeadura, que colocou de prontidão toda a sua tripulação.

As duas naves robotizadas estavam em contato permanente.

Aconteceu, então, algo petrificante, algo tão descomunal que seus construtores jamais poderiam ter previsto: a bordo das duas naves controladas por robôs, apareceram seres vivos, dois na Nave Semeadora e dois na Scout.

E naquele emaranhado da mais complexa Cibernética, a presença de dois seres vivos formava um anacronismo berrante.

A arma foi disparada e o vigia automático dentro do observador iniciou uma nova ronda, impulsionado pela automática do banco de dados. Soltaram-se, então, as traves eletrônicas do invólucro de Artur, a quem cabia agora a função de expulsar da nave os intrusos.

Também na nave da semeadura, todos os mensageiros foram solicitados na caça aos intrusos.

E simultaneamente, o comandante Dois acionou de novo a arma.

 

MacDowell estava pensando tão rápido como nunca em sua vida. Tinha na sua frente as costas estreitas de Sengu, que lhe dificultavam a visão dos instrumentos. O espia Sengu estava no posto do piloto, todo encolhido, enquanto Tako Kakuta sorria demonstrando calma obstinação.

Na tela se via a silhueta cilíndrica da pequena nave que mantinha sua órbita em torno de Snarfot.

A ordem de Rhodan aos teleportadores fora categórica: “Todas as máquinas das duas naves devem ser inutilizadas de tal modo que lhes seja impossível fugir.”

Kakuta pensava sobre esta ordem e esperava poder cumpri-la. Sengu, o africano, virou-se para trás e MacDowell pôde ver que seu rosto estava banhado em suor.

— Quando é que você vai saltar, Tako?

Kakuta emitiu um som que parecia uma risada, mas não foi mais do que um ruído ininteligível. O teleportador sentia uma tremenda indecisão, e, somente depois de mais uma olhada para a tela, foi que ele disse:

— Agora!

Para MacDowell, que nunca presenciara coisa semelhante, foi um momento de tremenda sensação ver Kakuta se desmaterializar. Por uma fração de segundo, julgava ter visto uma leve cintilação no lugar onde estava sentado Kakuta.

Sengu fez ainda algumas ligações e disse:

— Então, doutor, vamos agora aterrissar.

 

Os átomos de Kakuta, que, num espaço de tempo impossível de ser medido, se encontravam num espaço de dimensão X, agruparam-se em estruturas celulares. No mesmo instante voltou a capacidade de raciocínio do mutante e ele se atirou no chão.

Jogar-se no chão era uma reação mais do que normal, pois ele se achava de repente dentro de uma nave inimiga e tinha que contar com tiros de todos os lados. Rolou para o lado até esbarrar numa resistência mais forte. Levantou-se. Acima dele passava uma espécie de cabo de aço. Sentia-se perdido no corredor excessivamente iluminado.

Não se via um único ser vivo. Kakuta respirou profundamente e se apoiou com uma das mãos na parede. Antes não o tivesse feito, pois no mesmo instante se moveu alguma coisa na palma de sua mão e ele, sem querer, soltou um grito de pavor.

Seu braço voltou para trás e ele olhou assustado na direção da parede.

Ergueu-se uma espécie de tampa que o tocou. Sob esta tampa havia um olho brilhante que o fitava com frieza.

Incapaz de fazer o menor movimento, o mutante olhou para a coisa estranha. Sabia que estava sendo observado e ficou nervoso. Sacou de seu desintegrador e aponto para o tal olho. No mesmo instante, a tampa se fechou e o olho afogueado desapareceu.

Foi então que Kakuta chegou à conclusão de que sua entrada na nave fora observada. Virou-se para o lado e notou que o cabo de aço acima dele tremia. Na outra extremidade do corredor, surgiu algo semelhante a uma gota d’água. Pendia do cabo e rolava direto contra ele. Kakuta se esqueceu de suas faculdades paranormais e começou a correr.

Finalmente parou e olhou para trás. O aparelho, ou fosse o que fosse, balançava um pouco, pois, na sua fuga, Kakuta se chocara contra o cabo.

A “gota d’água” metálica, porém, não chegara a parar e estava apenas a uns dez metros do japonês, se aproximando cada vez mais. O mutante queria continuar fugindo, mas já havia atingido o fim do corredor e não sabia para onde ir.

Mas seu raciocínio calmo voltou novamente. Ouviu o ruído metálico do autômato, que se aproximava, e tremeu de excitação.

Concentrou-se na parede metálica que lhe impedia o caminho.

Depois saltou.

Estava em plena escuridão e não sentia nada, a não ser a pulsação do coração e a respiração ofegante, depois do grande esforço. O espaço em que se materializou estava escuro. No primeiro instante não teve coragem de se mover. Ficou parado no mesmo lugar, pelo menos uns três minutos e depois arriscou um passo para frente. Esticou os braços para não se chocar com alguma coisa e foi andando com a respiração presa.

Parou de repente. Ouvira um barulho e embora não pudesse dizer de onde vinha, seu instinto lhe inculcava que bem perto dele alguma coisa se movia. Kakuta estremeceu de medo e já pensava em procurar um abrigo. Mas seu senso de determinação se avivou de novo é seus traços fisionômicos se modificaram. Engatilhou o desintegrador.

Quando alguma coisa lhe tocou as costas, o mutante sabia que não estava sozinho neste local. Havia alguma coisa naquela escuridão, em torno dele, que talvez estivesse prestes a matá-lo.

Num grande salto, se atirou para a frente e disparou a arma...

 

Os três destróieres podiam ser vistos na tela da Ironduke como pontinhos amarelos.

— Kakuta saltou, senhor — anunciou Sengu por rádio comum. — Vamos tentar aterrissar.

Rhodan sabia que os outros dois destróieres ainda desceriam mais na atmosfera da Snarfot, antes que Gucky e Tschubai saltassem para a nave da semeadura. Sengu tinha acabado de chegar a bordo da nave de observação e iria tentar deixar as máquinas de propulsão fora de funcionamento.

— Major, coloque a Ironduke em órbita circular — ordenou Rhodan ao comandante.

Seria a última vez que o administrador ia falar nas próximas oito horas, pois passaria todo este tempo numa rigidez quase cadavérica.

Quase no mesmo instante em que falou com o comandante, Rhodan sentiu um súbito mal-estar, que aumentava a olhos vistos. Antes que pudessem pensar de onde provinha tal indisposição, sua vista se turvou e, embora reagisse em poucos segundos perdeu os sentidos.

Em volta dele, caíram também os homens da central e em toda a nave a tripulação sofreu o mesmo destino. E finalmente, a nave toda estava num sono profundo, quase letárgico.

Ao penetrar no sistema Snarf com a Ironduke, Claudrin tinha mandado frear, mas, consciente de que a nave linear ia manter uma órbita circular, não fez nada para impedir a queda livre em que a nave terrana se precipitava contra Snarfot. E agora, o epsalense não tinha mais oportunidade para fazê-lo, pois estava estirado no chão, com os braços abertos e apoiados no peito de Bell. O posto de comando jazia no maior silêncio e abandono.

Sem alguém da tripulação que pudesse agir, e com a velocidade a aumentar cada vez mais, a Ironduke se precipitava contra a superfície de Snarfot.

A voz de Tuff Pelant se fez ouvir no alto-falante do posto de comando:

— Ras Tschubai vai pular agora, senhor!

Por um momento houve silêncio, depois se ouviu de novo a voz de Pelant, agora mais insistente e ao mesmo tempo preocupada.

— Senhor, por que que não responde? Alô, alô, Ironduke!

Mas nenhum daqueles corpos inertes se mexeu, nenhum braço se levantou. Era um quadro tétrico. E, embora Pelant não estivesse vendo o que se passava dentro da nave terrana, teve um pressentimento bem aproximado da realidade.

— Ironduke, alô! — Gritou ele, e com o seu temperamento quente de sul-americano, esbravejou: — Respondam alguma coisa, pelo amor de Deus!

A cada palavra que dizia, sua voz se tornava mais desesperada e irritada.

A Ironduke estava penetrando nas camadas exteriores da atmosfera e sua velocidade era tão grande que as partículas de vapor causavam fricção na carcaça da nave.

 

A fantástica experiência de incontáveis missões perigosíssimas tinha, com o correr dos longos anos, transformado Ras Tschubai num frio calculista, que em cada situação media todas as chances e agia aplicadamente. O africano sabia que era invulnerável, se conseguisse agir sempre com rapidez. Esta rapidez, que era obrigado a praticar quase sempre, depois que se materializava, era a única razão pela qual ainda estava vivo. Em muitos casos, o teleportador foi alvo de disparos, assim que se materializava. Sua salvação era, então, um novo pulo na mesma fração de segundo.

O africano olhou mais uma vez para Pelant, que parecia muito preocupado e abatido, e se concentrou para o pulo. André Noir continuava ali sentado, quase indiferente.

O mutante saltou e materializou-se no planalto, entre vegetação queimada e muitos troncos ainda em combustão. À sua direita, estava a possante nave da semeadura. As comportas deviam estar do outro lado, pois de onde estava não via nada. Nem uma viva alma por perto e Tschubai continuou devagar. Julgou sentir o cheiro de plantas queimadas, mas devia ser mera imaginação, pois seu capacete achava-se hermeticamente fechado.

Estava na hora de entrar na nave inimiga. O rato-castor já devia estar lá dentro e talvez precisasse de auxílio.

Tschubai pulou pela segunda vez... e mergulhou com os pés num pó afarinhado. Parou por uns instantes e procurou não fazer o menor ruído. Já que estava muito escuro, não podia saber onde recuperara sua forma física. Decidiu fazer uso da lanterna do capacete, embora o risco de ser descoberto aumentasse muito. O raio de luz atingiu uma parede escura e na claridade percebeu milhões de partículas do pó que remexera com os pés. Puxou a perna esquerda, mas o galeio que deu foi tão forte que perdeu o equilíbrio e caiu de novo, enfiando o rosto no pó. Quando se levantou, teve que primeiro limpar a viseira.

Sabia agora o que acontecera. Aquele material esquisito cedera e ele, devido ao próprio peso, caiu e perdeu o equilíbrio.

Pisando com cuidado, conseguiu sair do pó e chegou até a parede oposta. Olhou para cima e, apesar da escuridão, julgou perceber o teto a poucos metros, teto este que não parecia muito regular, tendo mesmo a impressão de ver um conjunto de tubos rente a ele. Continuou andando ao longo da parede até encontrar um canto, e virou-se.

Tinha agora certeza do lugar onde pisava: achava-se num silo de grandes dimensões, que estava até a metade com as sementes do musgo da gordura.

 

Gucky era por natureza um otimista, o que o tornava mais ou menos leviano. Rhodan conhecia as fraquezas do grande mutante e o aconselhava sempre a não se meter com brincadeiras nocivas. Esta “pregação de moral”, como Gucky falava, lhe era feita principalmente quando tinha que entrar em ação.

O mutante brincalhão se materializou dentro da nave, num plano inclinado. O que lhe estava em redor parecia tão estranho que precisou de alguns segundos para que seu senso de orientação começasse a funcionar.

O corredor — era o melhor modo de chamar o que estava vendo — fora feito totalmente assimétrico, podendo-se compará-lo com um pesadelo técnico. Tudo estava inundado de uma luz fosforescente e a limpeza era impecável.

Gucky foi descendo a rampa. Quanto mais o rato-castor caminhava, notava que mais estreita ficava. Alguma coisa não estava muito certa com o chão onde pisava. Parou um momento e examinou o que tinha sob os pés. O chão parecia ser constituído de partes justapostas, quase como um tabuleiro de xadrez. Mas não era a aparência que irritava o rato-castor.

Aquele chão não fora mesmo feito para ser pisado nem por homens nem por um rato-castor. O pequeno teleportador se imaginava ali um “corpo estranho”, espalhando, no ambiente, a desordem, o barulho e o desassossego. Pois bem, o corredor não fora feito para homens.

Mas quem, por mais abstrato que seja, julgaria este ambiente normal e certo?”, perguntava-se Gucky.

Quase sentiu um calafrio. Desceu depois o tal corredor, que realmente não era nenhum corredor, mas sim algo que estava além dos conceitos de Gucky.

Inesperadamente, alguma coisa começou a se mover diante dele. Alguma coisa que o fitava lá do teto. Era um braço espiralado, cuja extremidade era grossa e cintilante, como que uma intumescência. Gucky sentiu que os pêlos de sua nuca estavam arrepiados. Fez uso de seus dons telecinéticos e tentou fazer com que a coisa misteriosa se afastasse. Foi para junto do forro do aposento, onde continuou, vibrando no ar, encolhido como uma cobra.

Muito bem, máquina do inferno!”, pensava Gucky mais alegre. “Sua curiosidade vai acabar logo.”

Antes, porém, de passar das palavras para a ação, o braço esquisito se recolheu ao lugar de onde saíra. Gucky tinha agora certeza de que alguém percebera sua entrada.

Quem seria este alguém?

Compreendeu, então, que não era tão simples localizar o conjunto de propulsão desta nave, para não falar do trabalho de paralisá-lo. Sem o auxílio de Ras Tschubai não iria conseguir. Mas, onde encontrar o africano?

Com seus sentidos telepáticos, começou a investigar a redondeza e descobriu impulsos de Tschubai um pouco mais distante.

Meu colega”, afirmou Gucky, mentalmente, “não está exposto diretamente a nenhum perigo.

Outros pensamentos, não lhe foi possível captar. Parece que havia na grande nave somente dois seres pensantes: Gucky e Ras. O rato-castor estava confuso e o problema parecia se complicar ainda mais.

O corredor estava agora tão estreito, que Gucky não podia mais andar e ficou parado, indeciso. Ao seu lado, se abria uma portinhola na parede. Sua abertura era suficiente para o mutante passar.

Antes que tivesse tempo para fazê-lo, rolou algo da abertura que se assemelhava com uma banheira de criança emborcada para baixo, sendo que de seu interior se ouviu um ronco estrondoso. Era uma estranha viatura e, se tivesse realmente alguma finalidade, seria apenas a de destruir Gucky.

 

Logo depois Kakuta percebeu que não atingira seu inimigo no escuro e ele mesmo soltou um grito de dor, quando se chocou contra uma divisão metálica. Cambaleou e saiu engatinhando para frente.

De repente, ficou claro em volta dele e assim conseguiu ver uma passagem que se assemelhava a um grande tubo aberto à sua frente. O local, onde havia estado antes, lhe parecia agora muito estreito e o monstro com quem ele dividira o espaço quase não lhe deixou possibilidade de se mover.

Num esforço desesperado, Kakuta se arrastou para a tal passagem. Por qualquer motivo, o aparelho monstruoso não o seguiu logo. Mas assim que o japonês se virou, os pegadores tentaculares do monstro se agitaram cintilantes no ar. A passagem era tão baixa que Kakuta não podia andar de pé, e agachado não conseguia andar depressa. Não se atrevia mais a dar saltos de teleportação dentro da espaçonave, pois sua imaginação lhe trazia ao consciente sempre mais horrores.

Rrruuum... rrruuum!

Tal ruído lhe perturbava os nervos. O autômato já havia saído de onde estava. Não era tão grande assim, mas comprido e largo e tomava conta de toda a passagem em forma de tubo. Do ponto de vista de Kakuta, o monstro automático parecia estar flutuando num colchão de ar e por ele carregado. Sacou do desintegrador e atirou. Raios azulados se desenharam na frente do aparelho e seus reflexos ofuscavam o próprio Kakuta, obrigando-o a recuar. O robô — e só podia ser mesmo um robô — não foi destruído pelos disparos energéticos e avançou incólume contra o japonês. Sem o perceber, o mutante de baixa estatura soltou uma imprecação pesada e atirou mais três vezes consecutivas. Uma verdadeira catadupa luminosa deu mais vida àquele ambiente morto e os estampidos ecoavam como chicotadas.

Concluiu que desta maneira não ficaria livre de seu perseguidor. No seu íntimo, se perguntava com sarcasmo quando é que teria tempo para pensar no conjunto de propulsão. Continuou correndo e à sua frente surgiam sempre novos e esquisitos aparelhos, geralmente dependurados do teto. Chegou, por um instante, à idéia absurda de se tratar de extintores de incêndio e se atirou contra eles. Os aparelhos eram transparentes e no seu interior pulsava uma massa esverdeada. Num relance de vista, notou não haver nem alavancas nem botões de ligação, onde pudesse tentar a sorte. Empertigou-se todo e veio de punho bem fechado em direção ao tubo. Deu um soco bem forte, mas não atingiu nada. Quem se aproveitou de sua boba tentativa foi o robô, pois mais se aproximou do mutante.

Kakuta percebeu um corredor lateral, que derivava do enorme tubo, e se meteu nele. Parou logo e ficou esperando até que o robô chegasse a meio metro da bifurcação. Concentrou-se no tubo por onde caminhava e deu um salto pequeno de teleportação.

Quando se materializou, pôde ainda ver o robô, que ia desaparecendo na entrada da bifurcação, enquanto ele se encontrava agora no lugar de antes. Deu um sorriso irônico, mas o monstro automático já estava de volta, vibrando e com mais ruído como se estivesse furioso. Kakuta julgou ver que ele estava agora menor, o que devia ser mero engano.

Vamos repetir a brincadeira”, pensou o mutante e saltou para o corredor lateral.

Quando se materializou, já estava sendo esperado. Uma cópia menor do robô estava bem na frente dele, atacando com quatro braços metálicos ao mesmo tempo.

Ele agora se dividiu”, pensava o japonês.

Agora, porém, que o estranho aparelho o apertava e o levava consigo, era tarde demais para esta constatação. Os outros dois terços do robô vinham rolando pelo corredor e se uniram àquela parte que mantinha Kakuta preso.

O pobre japonês deixou-se levar resignado. Não poderia libertar-se com um simples salto de teleportação. Sua esperança era que o robô o levasse para onde ele mesmo queria ir, para o posto de comando ou para a sala de máquinas.

Se pudesse adivinhar para que lugar Artur o carregava, seu sorriso irônico e confiante se converteria, imediatamente, numa careta de desespero.

 

Como qualquer ser inteligente que se possa imaginar, vivendo nas profundezas do cosmo, o homem é uma criatura inseparavelmente ligada ao espaço.

Desde os primórdios da vida humana na Terra, quando surgiu o primeiro pensamento na mente do homem primitivo, ele reconheceu a ação do Sol sobre toda a vida, chegando mesmo a adorá-lo. O animal se aquece instintivamente aos raios do Sol, enquanto o homem, de uma maneira maravilhosa, reconhece sua dependência do astro-rei, em torno do qual gira seu planeta. Esta ligação do homem ao Universo é perfeitamente natural e condicionada ao meio em que vivemos. Quando, no século XX, se levantou de todos os lados um grande clamor contra as pretensões espaciais, dizendo que o homem não devia ser tão ousado para tentar penetrar no espaço, e quando, mais tarde, com os primeiros sucessos o clamor se ampliou e os próprios cientistas teimavam em dizer que devíamos ficar na Terra e primeiro organizá-la, antes de pensar no Universo, foi então que se patenteou pela primeira vez como a dependência e a conseqüente vocação para o infinito é uma coisa inata na alma humana, pois tem raízes dentro de nós.

Apesar dos protestos, apesar de todos os punhos cerrados da má vontade, da superstição, do medo, os foguetes espaciais penetraram chamejantes no espaço. E os dedos em riste daqueles que não se deixavam fascinar pela suntuosidade das estrelas, aos poucos foram se encolhendo e se tornaram uma minoria arcaica e ignorante, transformando-se num leve sussurro.

Por isso, os homens responsáveis inventaram milhares de dispositivos de segurança, para reduzir os acidentes a um mínimo, sendo que as somas gastas para a segurança ultrapassavam de longe os gastos com a realização dos projetos. Com o correr dos tempos, desenvolveu-se um sistema de segurança, hoje implantado obrigatoriamente em todas as naves, sistema este que prevê e previne todo caso possível de acidente.

Como qualquer outra nave do Império Solar, dispunha a Ironduke de uma automática que, em caso de uma falha no sistema de direção, continuava pilotando a nave. Em geral acontecia que o piloto ou quem o substituía ligava para o automático. Se falhasse a pilotagem manual, sem que o piloto automático tomasse as incumbências do seu predecessor, não aconteceria nada durante um espaço de tempo previsto. O aparelho continuaria a rota, manteria a velocidade até ultrapassar as margens de segurança. Só então, o piloto automático se encarregaria de sua missão.

O fato de esta margem de segurança estar abaixo de dez minutos, salvou a vida da tripulação da Ironduke. As temperaturas na superfície externa da nave linear se aproximavam do ponto de fusão para o ferro comum e já estavam sendo aos poucos perigosas, mesmo para o aço especial de ligas polivalentes.

Foi aí que entrou o piloto automático, tomando a si a direção da potente nave. Nenhum dos homens se mexeu quando a nave linear emergiu com toda força das camadas superiores da atmosfera de Snarfot e com toda velocidade.

Os aparelhos de absorção de impacto garantiam que ninguém se ferisse, pois a velocidade com que a nave terrana era atraída para o planeta seria insuportável em casos normais.

Para as tripulações dos três destróieres, o procedimento da nave-mãe era incompreensível, se é que eles notaram alguma coisa de extraordinário.

A Ironduke desapareceu como um fantasma das proximidades de Snarfot, disparando para o espaço interestelar, além do sol vermelho.

A bordo, tudo continuava tranqüilo e no maior silêncio.

Para os homens que ficaram em Snarfot, o quadro se modificou totalmente. Estavam praticamente sozinhos, isolados, sem poderem contar com a cobertura da Ironduke. Eram seis mutantes humanos, dois homens e um rato-castor que estavam sob a superioridade opressora de um terrível conjunto robotizado, de funcionamento perfeito, de singulares características, possuindo inúmeros truques e oportunidades de defesa.

— A questão do musgo da gordura passará de uma coisa monótona — previra Bell — para uma situação ameaçadora.

Cerca de 28.000 robôs circulavam ou flutuavam sobre Snarfot, semeando, sem que nada os impedisse, a semente que retiravam da gigantesca Nave Semeadora. Os comandantes Um, Dois e Três, uma potência positrônica trabalhando em conjunto, enviaram seus mensageiros para tocar para fora os dois intrusos.

A Nave Semeadora, que, do ponto de vista cibernético, formava o mesmo conjunto independente, como o era a Scout, parecia poder executar, agora livremente, toda a programação prevista pelos seus construtores.

 

O Dr. Chester MacDowell estava de pé junto da comporta semi-aberta do destróier, contemplando aquela paisagem quase virgem, dos primeiros dias da criação. Vira, no Instituto de Pesquisas, muitas fotografias e quadros de estranhos planetas, mas todos eles estavam muito abaixo desta vigorosa realidade. A vida polimorfa que irrompia de mil maneiras — se arrastando, correndo, saltando e voando, ou subindo nas árvores ou cavando buracos na terra — prendia toda a atenção do cientista.

Wuriu Sengu se aproximou dele e lhe mostrou uma floresta de cavalinhas ou de árvores de Snarfot equivalentes à cavalinha da Terra, dizendo com calma:

— Lá, além da floresta, vejo duas máquinas de semear.

Quando MacDowell olhou, já eram cinco, que em vôo sereno passavam sobre as árvores, deixando cair as sementes. O cientista sentiu pousar sobre seu ombro a mão do mutante, envolta no traje espacial de proteção.

— A região, em que aterrissou a nave da semeadura, se encontra a três milhas daqui, doutor. Podemos vencer este trecho com a propulsão antigravitacional dos uniformes de combate, mas então estaremos nos expondo ao ataque dos robôs.

Não foi com muita vontade que o Dr. MacDowell desprendeu a vista da atraente paisagem e olhou para Sengu.

O espia sorriu, como se lembrasse no momento de algo interessante.

— Vamos a pé — disse com visível alegria.

MacDowell tinha a impressão de que esta caminhada relativamente pequena seria extremamente cansativa e difícil, pois o terreno à sua frente era ínvio e cheio de empecilhos de toda espécie. Sentia-se, no entanto, muito feliz por poder, pela primeira vez na vida, botar os pés num planeta estranho. Pensou nos tempos em que, como vagabundo, andava de um canto para o outro. Naquela época, deitava nas noites de verão à beira da estrada, e em pleno ar livre ficava contemplando as estrelas. Embora aquelas noites fossem quentes e uma brisa agradável o acariciasse, muitas vezes, a visão das estrelas infinitas o fizera sentir um calafrio e ele então perguntava a si mesmo como seria a vida naqueles mundos distantes, cercados de estrelas.

Ele, naqueles tempos, um homem solitário de roupas esfarrapadas, cuja única fortuna estava no bolso furado do dólmã militar, deitado de costas no capim, já começava a pensar de que maneira podia conquistar uma nesga daquela eternidade. Naqueles momentos, sentia-se tão distante daquelas estrelas, que a tentativa de compreender os abismos infinitos lhe causava dores corporais. Queria ficar dono ao menos de um pedacinho da eternidade, na esperança de, mais tarde, aumentar seus domínios, chegando até as fronteiras do Universo, para captar o infinito.

Numa destas noites, MacDowell, que se tornara uma sombra esguia, cujo corpo debilitado pela fome mal tinha força para se mover, se levantou resoluto para ir até a estrada.

Postou-se na beira da rodovia, barbudo, cansado e com nenhum outro equipamento, a não ser a vontade firme de conquistar um pedaço da realidade do espaço infinito. Começou a fazer sinais para os motoristas, mas os faróis dos carros passavam rápidos por ele e ninguém parava.

A aparência de MacDowell realmente não inspirava confiança e já era mais de meia-noite. Concluiu então que teria de percorrer a pé o trecho até a cidade mais próxima, pois não queria esperar até o dia raiar, pois uma das patrulhas da polícia o pegaria.

Chegou a um motel depois de duas horas de caminhada. Ainda estava tudo aceso e um homem sonolento se embalava numa cadeira de balanço na varanda, contemplando as mariposas que esvoaçavam em torno da lâmpada. Na entrada havia uma tabuleta e, chegando mais perto, pôde ler que ali precisavam de um empregado para a limpeza.

— O que você quer? — perguntou o vigia se espreguiçando.

MacDowell dominou sua ira e procurou esquecer sua revolta interna. Apontou com o indicador para a tabuleta:

— Sou o novo empregado — disse com altivez.

O homem da cadeira de balanço deu uma gargalhada, pegou um jornal, dobrou-o com cuidado e começou a tamborilar no espaldar da cadeira ao ritmo de uma melodia que vinha de dentro da casa. MacDowell olhou firme para ele, mentalizando no seu íntimo uma determinação inquebrável de que agora ele ia conseguir, pois para uma segunda tentativa não teria força.

— Nós aqui não empregamos vagabundos — disse o homem com indiferença.

— Vagabundo, não senhor! Tenho formação universitária completa — disse MacDowell tranqüilo. — Trabalho pela metade do salário normal e não haverá nada que eu não consiga fazer para o senhor.

— Espere até que o dia clareie — respondeu o vigia.

MacDowell sentou-se na escada da varanda e esticou as pernas. Um pouco depois veio um carro, mas quando o motorista abriu a porta e viu MacDowell sentado, pisou na tábua e foi embora.

— Parece que você aí não está fazendo boa propaganda da casa — disse o homem da cadeira de balanço e quando MacDowell se virou para ele, percebeu um largo sorriso nos seus lábios.

Sabia, então, que ganhara a partida...

— Vamos começar, doutor — exclamou Sengu e sua voz arrancou MacDowell do seu passado.

— É uma sensação toda especial para mim, Sengu. É a primeira vez que piso em um planeta, que não seja a Terra. Até hoje só vi quadros a respeito, que naturalmente estão muito distantes da realidade.

Sengu sorriu e seu rosto negro estremeceu.

— Mas o senhor se acostuma com isto. Não me lembro mais do que pensei na primeira vez, naqueles tempos... — interrompeu-se subitamente, como se tivesse receio de falar a respeito.

Ligou o envoltório de proteção para proteger o destróier de eventuais ataques. Esta operação se fazia por meio de um simples transmissor de pulso.

Saíram, e o chão aos pés de MacDowell parecia singularmente macio e cediço. Sengu não perdeu uma só palavra com isso e começou a caminhar em frente. Possuía aquela determinação que o cientista constatara em todos os membros da tripulação e em todos os colaboradores de Rhodan. Em qualquer situação que fosse, todos pareciam serenos e seguros. Talvez fosse o sentimento de afinidade e irmanação de todos os habitantes da Terra que lhes dava esta calma.

MacDowell perguntou a si mesmo se já havia conquistado um pedaço do Universo, se já se aproximara mais da verdade, por ele tanto procurada. A resposta era para ele desencorajadora. Não fizera praticamente nada ainda, não contribuíra ainda em nada para este acontecimento. Apenas viajara pelo espaço sideral e estava agora num mundo diferente. Quando chegasse a noite, iria talvez ver as estrelas, infinitamente longe.

— Nós aqui não empregamos vagabundos! — balbuciou recordando-se.

E o que eram eles senão vagabundos, que andavam sem direção de um sistema para o outro? As estrelas os recusavam, mandavam-nos embora e continuavam estranhas, fascinantes em sua incandescente majestade.

Chocou-se contra Sengu, que de repente parou. Murmurou logo uma desculpa, mas o mutante respondeu apenas com um gesto rápido.

— Acabam de nos descobrir — disse ele.

Um robô-semeador pairou sobre eles e o pó fino que saía de um recipiente os atingiu.

— É um só — explicou o mutante rápido. — Se nos separarmos por um tempo, isto lhe causará dificuldades, pois não saberá a quem seguir. Vamos embora, doutor!

Sengu se escondeu por entre um matagal e MacDowell não titubeou em seguir outra direção. Corria por entre uma espécie de capoeira, raspando o corpo em galhos e folhas. Parou depois para olhar para seu perseguidor.

Constatou para sua surpresa que o robô-semeador não se preocupava com eles e continuava lançando a semente, voando em pequenos círculos para as distribuir melhor.

MacDowell perguntou a si mesmo se devia voltar ao ponto de partida, mas se lembrou depois que, com toda certeza, o mutante iria para a nave da semeadura.

O cientista estava agora sozinho, mas já se achava acostumado a isto e não sentiu medo. Com passos cada vez mais largos continuou seu caminho, examinando sempre com atenção o ambiente em volta.

— Tudo em ordem, doutor?

A voz de Sengu veio inesperada aos seus ouvidos, tão inesperada que levou um susto. Lembrou-se de que tinha um alto-falante no capacete e respirou aliviado.

— O “negócio” nem se preocupou conosco, Sengu.

— A missão dele é apenas semear — respondeu Sengu, laconicamente.

MacDowell afastou com os braços alguns arbustos mais grosseiros para avançar mais rapidamente. Momentos depois ouviu de novo a voz do mutante.

— Em algum lugar à sua frente, cresce uma árvore com folhas muito grandes, doutor. O senhor a vai reconhecer logo porque é a única de sua espécie.

MacDowell olhou em volta e levou a mão em pala à viseira do capacete para não ser ofuscado, até que viu a mencionada árvore a uns cem metros, sobressaindo da vegetação baixa.

— Posso vê-la — disse empolgado. — Vou chegar logo lá.

— O senhor não pode confundir este lugar. Vou esperá-lo, doutor.

Como é que este sujeito conseguiu vencer todo este trecho em poucos minutos?”, perguntou-se MacDowell. “Quem sabe o mutante já na sua fuga se concentrou na grande árvore, enquanto eu, MacDowell, corri a esmo?

— Está certo, Sengu — respondeu ele.

Podia imaginar como o rosto largo do japonês iria se abrir num grande sorriso.

O próximo passo seria também seu último.

Do mato baixo, surge de repente uma sombra escura e se choca contra ele. Deu um grito abafado, perdendo o equilíbrio. Algo peludo e muito rápido escapuliu por ali, provavelmente assustado pela passagem de MacDowell. O cientista caiu para trás, dando com as costas, infelizmente, num tronco nodoso.

— Que aconteceu, doutor? — perguntou Sengu.

Havia simplesmente espantado um animal, que em sua fuga selvagem o atropelara. Queria explicar isto ao mutante, mas ao abrir a boca, notou que o falar lhe causava grande dor. Deu um leve gemido.

E imediatamente a voz de Sengu se fez ouvir apreensiva:

— Que foi? Está ferido? Onde é que o senhor está?

— Chego logo — conseguiu dizer, sem abrir muito a boca.

Um suor frio banhava-lhe a testa e acabou vomitando com violência.

— Tenho de me levantar — disse para si mesmo.

Mas não conseguiu. Mal se podia mover. Um enorme besouro se arrastava na chapa transparente de sua viseira e o cientista não perdeu os movimentos rápidos das pernas do inseto. A sadia serenidade com que o animalzinho se mexia em cima dele, amorteceu um pouco o pânico que começava a surgir.

— Já está bem, doutor? — perguntou de novo Sengu.

— Continue seu caminho, Sengu, não espere por mim.

Deve ser alguma coisa na espinha dorsal”, pensava MacDowell. “Deve estar quebrada.

Sengu disse alguma coisa, mas sua voz não era mais que um ruído incompreensível. Os olhos de MacDowell começaram a embaciar.

Seria uma morte inglória, nada dramática, que o aguardava nesta vegetação esquisita. Um animal espantado o atropelara e por uma infeliz coincidência tropeçara e caíra de costas contra um tronco nodoso. Mero acidente, nada mais.

Era, pois o fim. Chester MacDowell, o cientista, que saíra da Terra à procura de um pedacinho da eternidade, morria tão solitário quanto vivera.

Nós aqui não empregamos vagabundos”, repensou.

Tentou pôr no seu rosto uma impressão de sorriso, para que, quando o mutante o encontrasse, constatasse que nos últimos momentos de vida estivera calmo e sem medo. De repente, porém, MacDowell acreditou estar deitado de costas numa grama fria. Era noite e ao longe se ouvia o ronco dos carros na estrada. As estrelas lhe cintilavam mais claro do que nunca, como se uma teleobjetiva as tivesse trazido mais para perto dele.

Um homem, numa cadeira de balanço, estava ao lado dele, e o vaivém monótono da cadeira o deixava cansado. De tempo em tempo, o barulho dos carros na estrada se intensificava. Um vento suave acariciava o rosto de MacDowell, trazendo-lhe de longe o cheiro de rebentos novos e pinheiros recém-banhados pela chuva.

As estrelas estavam muito pertinho, como um véu que o envolvesse.

Quando, uma hora depois, Sengu o encontrou, já estava morto.

Ao se despedir de Joe David e de seu peixinho no aquário, MacDowell dissera que nunca mais voltaria para seu escritório, e... teve razão.

 

O robô ficou parado e Kakuta esticou o pescoço para ver melhor. Não havia se livrado ainda da condição de prisioneiro, pois esperava, desta maneira, atingir melhor seu objetivo. O que estava vendo agora, no entanto, não o deixava muito alegre.

Não se viam instrumentos de maior importância ou grandes quadros de controle. Paredes e tetos eram sempre do mesmo modelo, aparentemente bem polidos. Os pegadores de ferro que o mantinham deitado preso, aumentaram de tal modo a pressão, que o mutante foi obrigado a trincar os dentes.

Dava a impressão de que o robô chegara ao ponto final, pois não tomara nenhuma providência para continuar carregando Kakuta pelo corredor a fora. O japonês resolveu fazer uma tentativa.

— Alguém aqui me pode entender? — disse em voz alta, usando-se do intergaláctico.

O robô olhou para ele com as lentes brilhantes, sem mostrar a menor reação.

Não podemos ficar parados aqui a vida toda”, pensou Kakuta. “Não haverá uma possibilidade de nos unirmos?

Sem emitir o menor ruído, Artur continuou seu caminho. Bem na frente deles, uma parte da parede recuou para o lado, podendo-se ver uma câmara que despertou recordações no mutante. Este local lhe parecia de alguma maneira conhecido. Antes que tivesse tempo de se preocupar com suas suposições, o robô já tinha chegado ao seu destino. Seus pegadores de ferro se afrouxaram e de repente Kakuta se viu de pé. Olhou com desconfiança para o autômato, de onde saía um intenso zumbido.

Tako Kakuta franziu a testa e esticou os braços para fora.

— Estamos chegando mais perto — disse ele.

O robô entretanto se virou para o outro lado e continuou seu caminho.

— Pare aí, meu amigo! — exclamou Kakuta atrás dele. — Você vai querer me deixar sozinho aqui?

Artur não se manifestou sobre suas intenções e a câmara se fechou atrás dele. Kakuta sentiu uma sensação esquisita, como se alguém estivesse esfregando uma vassoura muito áspera no chão. Perguntou-se se este aposento seria daí para frente sua prisão. Em caso afirmativo, não teria problemas em escapulir dali. O que lhe era incerto era o que o robô e seus donos haveriam de fazer.

Por sinal, onde estavam os donos da máquina? Por que não se mostravam? Ou será que se tratava de uma espaçonave não tripulada?

De braços cruzados é que ele não iria responder a estas perguntas. Kakuta esticou os membros enrijecidos pelos ásperos pegadores do robô.

Mais ruídos chegaram aos seus ouvidos e ele se virou para trás. No mesmo instante se sentiu puxado por uma força irresistível, como se lhe tivessem aplicado uma enorme ventosa nas costas. Sentiu também que estava perdendo o chão debaixo dos pés, passando para uma posição horizontal. Foi acometido de leve tontura e começou a ver, através do vidro de sua viseira, uma escuridão sem-fim... e nela estava caindo.

Percebeu, então, para onde estava sendo carregado e o que iria acontecer com ele.

Nos últimos minutos, estivera parado na escotilha da nave, ou melhor, encostado nela, e quando se abriu a escotilha externa, foi sugado e tragado pelo redemoinho.

Estava no meio do vácuo. Em pleno espaço.

 

Por um triz que Gucky não foi reduzido a pó. Começou a librar no espaço, quase rente ao teto, uma fração de segundo antes que um robô o acertasse de uma câmara invisível. O lugar onde o rato-castor estivera há poucos milésimos de segundo atrás, teve a parede cristalizada, que acabou rolando no chão, deixando enorme rombo.

O mutante ativou suas forças telecinéticas e bloqueou os comandos de propulsão do robô.

Gucky continuava olhando perplexo para baixo. No mesmo instante em que diminuiu sua pressão paramecânica, o robô se moveu. O inteligente mutante sabia que não poderia ficar indefinidamente pairando lá em cima e ao mesmo tempo controlando o mecanismo de propulsão do robô.

Gucky fazia geralmente esta experiência com robôs terranos e arcônidas, e o resultado era este: a máquina que ele parava por telecinese não funcionava mais, a não ser depois de submetida a conserto.

Isto queria dizer que o seu inimigo, o robô, estava em ligação com alguém que secretamente reparava o mecanismo, assim que Gucky diminuía sua pressão mental. O rato-castor estava numa forte concentração. Qualquer momento de descuido lhe podia custar a vida.

Tentou, por telecinese, levantar do chão a máquina toda e atirá-la para longe. Mas entre ele e o robô havia algo, uma espécie de força magnética, que não via, mas sentia; força esta que o impedia de executar o que pretendia. Conseguiu mesmo levantar do chão o autômato, mas acabou aí sua tentativa.

Por mera intuição, recuou um pouco e lá veio o segundo tiro do robô, que felizmente errou o alvo. Gucky não tinha mais dúvida de que não podia hesitar por mais tempo. Seu inimigo mecânico estava equipado com um campo magnético invisível, que tornava quase sem efeito os poderes paranormais do mutante.

Gucky teleportou-se para a direção de onde vinham os conhecidos impulsos mentais de Tschubai. Aterrissou num amplo local, vendo vários depósitos ligados entre si. Teve medo, A uns vinte metros dele, percebeu uma figura que podia ser um ser humano, correndo de maneira estranha ao seu encalço. Sem mais refletir, Gucky lhe aplicou um choque telecinético e o vulto rolou por terra.

— Gucky! — gritou uma voz no seu alto-falante do capacete. — Você ficou maluco?

Horrorizado, o rato-castor arregalou os olhos. Esta figura estranha, coberta com uma substância esbranquiçada, não podia ser ninguém a não ser Ras Tschubai.

— Ras! — chilreou Gucky. — Você parece mais um verme-gigante de farinha.

Tschubai se ergueu e o rato-castor o ouviu sussurrar, apontando com a mão para um dos silos.

— Terminei minha teleportação num celeiro das sementes do tal musgo da gordura — explicou ele. — O negócio ainda está grudado em mim.

Contrariando o costume, foi Gucky quem levou a conversa para a missão que tinham a cumprir, pois em geral o rato-castor tinha sempre de ser lembrado de seus deveres.

— Tenho a impressão de que nestas naves só existem robôs. Não consigo captar nenhum impulso mental. Até agora só encontrei um robô que me queria pôr fora de combate com um tiro, poupando-me qualquer sofrimento. Estava em parte protegido contra minhas forças mentais.

— Como parecia ele? — perguntou Tschubai.

O africano, automaticamente, começou a passar a mão no uniforme espacial, para tirar as sementes que nele se grudaram, levantando uma nuvem branca em torno de si.

— Mais ou menos daquele jeito — explicou Gucky seco, apontando para uma coisa que Tschubai não podia ver no momento, porque se lhe aproximava pelas costas.

Ras virou-se para trás e deu com dois autômatos que vinham deslizando rapidamente de encontro à sua figura avantajada.

— Lá para o outro lado! — chilreou o rato-castor e seu braço curto apontava para o silo.

Executaram um pequeno salto e o tremendo fogo dos robôs foi inútil.

— Devíamos também ter disparado nossas armas — disse para Gucky, que se materializara ao seu lado.

E pegando no desintegrador o apontou para os dois robôs que ficaram boquiabertos — se é que se pode usar tal conceito para autômatos — e parados diante do desaparecimento inacreditável dos dois mutantes.

Gucky puxou para baixo o braço de Tschubai.

— Espere um pouco — pediu ele.

Tschubai resmungou insatisfeito, guardando a arma na cintura.

— Constituem para nós a única oportunidade, no momento, de encontrarmos a casa de máquinas da espaçonave — disse Gucky para acalmá-lo. — Se nós os destruirmos, perderemos muitas horas para achá-la.

O excelente teleportador viu que Gucky estava com razão. Tinham que continuar com este jogo perigoso. A nave era muito esquisita e completamente diferente das demais, dificultando-lhes muito a missão.

— Por aqui — sussurrou Gucky, embora fosse totalmente impossível ambos manterem-se escondidos.

O rato-castor puxou Tschubai e começaram a caminhar sob um dos silos. Os dois robôs já os tinham visto e o primeiro dos tiros disparados por eles estava mostrando seu resultado. A instalação de descarregamento, abaixo dos silos, rebentou com o tiro, atingindo também uma das vigas de sustentação, que igualmente rebentou.

A ação de Gucky foi instintiva — e isto salvou sua vida e a de Tschubai. Não teve tempo de avisar Tschubai, mas simplesmente pegou o africano pela mão e pulou.

Sobre a cintilação das duas figuras que se desmaterializaram, precipitou-se a massa bruta de uma cascata de sementes do musgo da gordura de dezenas e dezenas de toneladas. Do grande rombo aberto na parede da base dos silos continuou a jorrar a preciosa semente, enchendo o espaço e produzindo um redemoinho de pó. Os mensageiros vieram correndo e tiveram que parar devido ao pó e a confusão. A automatização perfeita da Nave Semeadora sofreu um grande golpe. Prejudicara a si mesma.

Os dois teleportadores conseguiram escapar na hora certa e pularam ainda mais para o interior da nave.

 

Quando estava ainda a uma milha da nave, Wuriu Sengu se encontrou com André Noir, o hipno. Numa pequena clareira, Sengu percebeu a esbelta figura do colega e se dirigiu a ele.

— Espere aí, André — exclamou ele pelo rádio do capacete.

Noir parou e acenou. No meio daquela vegetação primitiva, ele parecia um anão.

— Pelant ficou a bordo do destróier — disse o hipno. — Não conseguiu ligação com a Ironduke e quer saber agora o que aconteceu por lá.

Um sentimento desagradável passou pela cabeça de Sengu. A nave linear era seu ponto de referência mais importante e agora estavam entregues à própria sorte, se não quisessem alarmar com um hiper-rádio a Frota Terrana.

— Quem sabe a tripulação da Nave Semeadora instalou um cinturão magnético anti-rádio, que impossibilita qualquer onda hertziana? — indagou Sengu, preocupado.

Noir estava indeciso. Sengu estava agora tão perto de André, que o espia podia ver através do vidro da viseira a palidez do rosto do hipno.

— Num caso assim, Rhodan já teria intervindo — ponderou ele. — O chefe deve supor que os três destróieres foram atacados e nós talvez já estejamos mortos.

— Temos realmente uma notícia triste — disse Sengu, compungido. — MacDowell morreu num acidente.

O rosto de Noir se contraiu numa expressão de tristeza. A morte repentina do cientista mostrava o quanto era perigosa essa tal missão a eles confiada, e como um homem que sobrevivesse a tudo isto podia se dar por feliz.

— Eu acho — disse Noir — que ele era um homem muito solitário.

Sengu concordou com ele, perguntando a si mesmo o que poderiam ter feito para facilitar ao doutor a vida em conjunto. Mas logo a seguir, lembrou-se de ter observado que o cientista jamais dera a entender que não queria passar por solitário.

— Eu o enterrei lá mesmo — disse o japonês, fazendo um movimento indicando a direção. — O chão era muito fofo e pude abrir a cova com um pedaço resistente de casca de árvore. Acho que este local, este ambiente, era a coisa que ele mais admirava.

Continuaram caminhando até que viram ao longe os contornos da Nave Semeadora. Uma visão realmente singular! No meio daquele mundo primitivo, a demonstração da mais avançada tecnologia! Alguns robôs-semeadores pairavam como insetos a poucos metros do solo e seus corpos metálicos refletiam os raios do sol de Snarf. Cem metros mais para frente, encontraram-se com Goldstein e Bob Heystens, que também falaram da impossibilidade de se entrar em contato com a Ironduke.

Goldstein, o telepata, que em virtude de suas incalculáveis experiências com os revitalizadores celulares, recebeu a ducha conservadora das células, como aliás muitos outros mutantes, abanou a cabeça lamentando o trágico fim de MacDowell.

— Seus pensamentos eram orgulhosos e fortes — disse ele.

Tal observação, saindo dos lábios de um telepata, era o maior elogio que se podia imaginar.

Heystens estava bastante pensativo, no momento coçando a cabeça.

— Quando vínhamos para cá, deparamo-nos com alguns destes robôs-semeadores que, surpreendentemente, não se incomodaram conosco, continuando sossegados seu trabalho.

— Isto é verdade — confirmou Sengu. — MacDowell e eu fizemos a mesma constatação.

Dando uma palmada na coxa, com tanta força que deu um bom estalo, Heystens disse:

— Tanto melhor para nós, acho eu. Lá embaixo está a nave cilíndrica, onde Ras e Gucky estão agindo. Temos que nos apressar e ir auxiliá-los.

Wuriu Sengu, o espia, cujos olhos atravessavam paredes de um metro de espessura, examinou seus colegas e lhes disse simplesmente:

— Vamos.

Caminharam unidos em direção ao misterioso aparelho.

 

Kakuta flutuava em pleno espaço e contemplava a massa compacta de estrelas que constituíam o centro da Nebulosa M-13. O japonês não era um homem de muita conversa e preferia, nas noites calmas, ficar sentado na varanda de sua casa na Terra, contemplando o céu maravilhoso. Mas lá havia o barulho dos animais em torno dele, o zumbido longínquo da cidade e, vez por outra, o ronco dos grandes jatos na noite escura.

O isolamento em que agora se achava era completo — era mesmo definitivo e impossível de ser alterado. Aprendeu aos poucos que a calma também pode doer, que nestes abismos mais estáticos ela pode causar opressão.

Virou-se confortavelmente em torno de seu próprio eixo, mas esta operação foi percebida somente por sua inteligência, pois, pelo sentimento, tinha a impressão de que eram as estrelas que se moviam em volta dele. Era o ponto central de uma imensa arena. Todos os acontecimentos giravam em torno dele.

Até a própria Scout caiu no seu campo visual, como uma sombra escura, mais escura mesmo que o próprio espaço...

Tako Kakuta não ignorava que seu traje espacial não lhe ofereceria uma garantia permanente no vácuo absoluto... Tinha que chegar a bordo da nave estranha e executar sua missão.

O sentimento de sua pequenez pareceu de repente dominá-lo; ficou decepcionado consigo mesmo. Este sentimento o surpreendeu, parecendo-lhe um resquício dos complexos infantis, pois como adolescente sentia muitas decepções quando sonhava intensamente com uma coisa e não a conseguia obter.

Mas, aqui no Universo não havia pontos de referência para as suas saudades. Ele nem sabia o que seu íntimo desejava. Estava simplesmente flutuando por ali, olhando as estrelas e lutando contra o vazio dentro de si mesmo.

Talvez eu esteja apenas fatigado”, pensava o mutante, “um homem cansado e velho, que acreditava poder alterar as coisas nas profundezas do espaço!

Kakuta já estava vivendo há muito mais de cento e cinqüenta anos, pois a ducha celular, a que era submetido regularmente, lhe prolongava a vida.

Executou seu próximo salto de teleportação sem muita concentração, um tanto displicente. Materializou-se diante de uma parede resplandecente que parecia constituída de vários componentes diferentes. Não conseguiu ver o robô que o havia lançado para fora da escotilha. A superfície luzidia da parede o ofuscou, obrigando-o a dar um passo para trás. Seus olhos foram se acostumando lentamente com o forte reflexo. Já podia distinguir os contornos.

Teve a impressão de ter saltado diretamente para o posto de comando. A primeira coisa que notou foi a ausência de qualquer inteligência viva e não tinha mais dúvida de que se encontrava a bordo de uma nave robotizada.

De Cibernética não entendia mais do que qualquer membro da Frota Solar de escolaridade média e se perguntava se seus reduzidos conhecimentos poderiam ser aplicados aqui.

Um cérebro positrônico, um computador, isto pelo menos eu sei”, pensava ele, “segue sempre as diretrizes lógicas de sua programação. Mas o que aconteceria, então, se os construtores desta nave tivessem equipado seus robôs com uma lógica não-aristotélica, totalmente fora do alcance da mente humana?

Agora, porém, não era tempo de se filosofar. Tinha que agir e conseguir seu objetivo.

A parede à sua frente não era de uma peça só, mas dividida em várias peças, formando pequenos nichos que interrompiam sua regularidade. Kakuta percebeu logo não ter nenhum sentido procurar ligações ou controles, pois não havia ninguém a bordo que os pudesse manejar. Chegou a supor que deste local é que os impulsos positrônicos manobravam a nave.

Se quisesse paralisar a Scout, tinha que destruir a ligação entre a central e o resto da espaçonave. Penetrou num dos nichos na parede e viu feixes de cabos da espessura de um braço, que corriam rente ao chão, ligando entre si as diversas partes da parede. O material era de um vermelho-escuro e como tudo, aliás, naquela nave, de uma limpeza incrível.

O cabo, se é que era mesmo um cabo, devia servir para a transmissão de energia. Kakuta não era nenhum bobo. Sabia que uma destruição direta do feixe de cabos seria também uma ameaça à sua vida. Os pontos em que o cabo desaparecia na parede estavam reforçados com um largo rebordo.

Hesitante, Kakuta recuou um pouco e começou a examinar sistematicamente nicho por nicho, sem que a nave o impedisse de fazê-lo. O cérebro artificial, que Kakuta tinha agora em suas mãos, sabia de sua presença no posto de comando e não restava nenhuma dúvida de que procurava todas as possibilidades para afastá-lo.

Estava o mutante ocupado em observar o último nicho, quando Artur deslizou pela central de comando e se dividiu. O pedaço maior do meio do robô ficou na entrada, enquanto as duas partes laterais se dirigiram para o mutante. Kakuta sacou de sua arma e ficou esperando de pé.

Os autômatos tiveram que reduzir uma boa parte de sua agressividade e se aproximaram cautelosos. Ficaram parados a poucos metros dele e somente o brilho das lentes indicava que não perdiam Kakuta de vista. O japonês olhou de relance para as três partes do robô e resolveu prosseguir o exame que fazia no posto de comando.

No mesmo instante rolou pelo chão e gritou de dores. Seu corpo tinha convulsões como se estivesse sofrendo de um ataque. Haviam atirado nele com alguma arma de efeito paralisante. Queria se teleportar, mas seu cérebro parecia esvaziado por sucção.

Não podia concatenar seus pensamentos e não sabia de que maneira o choque atingira também seus dons de teleportação.

Gemendo, Kakuta conseguiu se ajoelhar, enquanto lhe passava pela cabeça a idéia de que estava sob constante ação da eletricidade. Uma segunda descarga o atingiu, mais impiedosa que a primeira, e tudo se escureceu diante de seus olhos. Gritava e esperneava, sem notar em que direção. Queria apanhar sua arma, mas suas mãos a apalpavam sem força e sem controle, como que dormentes.

Sentiu como foi seguro e levantado. Esforçava-se desesperadamente para executar um salto de teleportação, mas no seu corpo esfalfado parecia não haver mais energia. Era tão grande seu esgotamento que acreditava perder os sentidos a qualquer momento.

Apesar de tudo, começou a ver melhor, reconhecendo o que se passava com ele. Os robôs estavam ocupados em lhe tirar do corpo o traje espacial. O controle positrônico da nave constatara com clareza que o mutante só pudera retornar à nave porque seu uniforme espacial o protegeu lá fora.

Kakuta não precisava ser nenhum vidente para saber o que os robôs iriam fazer agora. Pela segunda vez, haveriam de atirá-lo para fora da escotilha, só que desta vez sem o traje espacial da Frota Solar.

Perguntava por que não o matavam simplesmente, pois estava preso em suas garras metálicas. Era bobagem pensar a respeito, pois jamais iria compreender a lógica da programação. Talvez fosse vedado alguém morrer a bordo da nave...

Só uma coisa estava fora de dúvida: Tako Kakuta, dentro de poucos minutos, seria atirado para fora da escotilha, onde iniciaria sua viagem interminável em queda livre pelo espaço infinito da Nebulosa M-13, se não caísse na zona de atração de um sol e aí fosse carbonizado.

Mas tudo isso ele não ia sentir mais, pois morreria no mesmo momento em que a escotilha externa se abrisse.

 

Primeiro foi o tique-taque distante de um relógio, depois o ruído se transformou em pancadas mais fortes.

Gucky largou o braço de Tschubai e olhou em volta.

— Sem seu auxílio, eu seria agora um defunto — disse o africano, pousando a mão nas costas de Gucky.

O rato-castor displicente respondeu:

— Quando puder, Ras, pode mostrar sua gratidão me dando uma dúzia de cenouras. Agora vamos nos ocupar com isto aqui.

Assim falando, apontou para três formações arredondadas que sobressaíam do chão e estavam recobertas com chapas fosforescentes.

— Que barulho é este? — perguntou Tschubai desconfiado. — Soa como se houvesse alguém batendo num muro com uma marreta.

— Acho que aqui não existe nem muro nem marreta — respondeu o rato-castor brincando. — As pancadas vêm deste aparelho aqui.

— Talvez tenha alguma coisa que ver com a propulsão da espaçonave — disse Tschubai mais encorajado. — Então já teríamos chegado ao lugar certo.

Não podiam saber que encontravam-se diante dos comandantes da Nave Semeadora, que neste exato momento estavam enviando os três mensageiros para que fizessem algo contra os dois intrusos. Já que os mensageiros só se movimentavam por meios mecânicos, haveriam de levar algum tempo até que tivessem vencido este trecho que os mutantes “percorreram” em milésimos de segundo.

Usando todos os seus sentidos, Gucky apalpou cuidadoso as três quase-cúpulas que emergiam do chão. Um pressentimento lhe dizia que entre elas existiam ligações positrônicas.

Sim, daqui partem os impulsos energéticos para todos os lados, espalhando-se por toda a nave. Estamos no coração do gigantesco cilindro, da misteriosa positrônica, ou sei lá que nome tem isso...”, refletia o rato-castor.

— Você até que não é muito tagarela — disse Tschubai, numa leve ironia.

Com um movimento de cabeça, Gucky deu-lhe a entender que deviam ficar quietos. Estava vendo agora os relês distribuidores e notou que eles eram controlados positronicamente.

Fazendo uso de suas faculdades telecinéticas, começou a manobrá-los, tendo a grata surpresa de constatar como era fácil alterar todas estas ligações ou mesmo destruí-las. Se toda aquela imensa nave dependia destas três cúpulas — e o rato-castor não tinha dúvida a respeito — então devia deixá-las inutilizadas desde agora.

Não podia ainda determinar quais os setores que ainda estavam intactos, mas num sistema de interligação cibernética a falha de uma parte podia significar o fim de tudo.

Quando menos esperava, Gucky captou uma forte corrente de pensamentos, tão forte, que ele tremeu todo, como que atingido por forte pancada. Havia seres humanos fora da nave, entre eles um telepata: Goldstein.

Tentou entrar em contato com Goldstein, mas o mutante parecia transtornado por qualquer incidente inesperado.

— Que aconteceu? — perguntou Tschubai impaciente, notando a tensão nervosa em Gucky.

— Goldstein está aí, na frente da nave. Está com o pensamento voltado para algo esquisito.

E antes mesmo que o africano pudesse expressar a pergunta que tinha pronta na ponta da língua, Gucky disse:

— Os robôs da semeadura estão caindo, projetam-se diretamente no solo.

Seu dente de roedor se tornou visível e ele acrescentou triunfante:

— Sei por quê, Ras!

— Você, sem saber, destruiu alguma coisa nestas instalações.

— Foi isso — confirmou Gucky com modéstia. — É tão simples quando...

Interrompeu-se ao ouvir o forte ruído dos mensageiros que se aproximavam. Com uma ponta de ironia, apontando para as máquinas a poucos metros deles, disse para Tschubai, que já puxava o desintegrador da cintura:

— Agora, eu posso provar que tudo é de fato muito fácil, meu amigo.

 

O despertar foi de longe muito pior do que a queda naquele abismo sem-fim, que suportara antes de perder os sentidos. Rhodan se julgava preso num emaranhado de fios pegajosos e seus membros se moviam com tanta lentidão que tinha a impressão de estar atravessando um grande atoleiro com barro acima dos joelhos. Na boca residia um gosto amargo, e sua cabeça doía como se tivesse recebido uma paulada.

A memória voltou e Perry abriu os olhos. A seu lado, estava ainda deitado Jefe Claudrin, que o olhava espantado. Estavam ainda vivos, como antes, na sala de comando da nave linear Ironduke.

O major queria dizer alguma coisa, mas depois da primeira palavra, botou a mão na cabeça, gemendo. Parece que se sentia pior que o administrador.

Rhodan olhava admirado para uma fila de homens gemendo e se esforçando para se manter de pé. Vendo círculos coloridos à sua frente, todos tinham o rosto muito pálido. Rhodan calculou que ele também não estaria nada bem. Mas começou a sentir que o sangue circulava melhor e aos poucos estava ficando senhor de si.

— Esta é a minha posição predileta! — dizia uma voz arranhada e Rhodan viu Bell, que rolava no chão com um sorriso forçado.

Rhodan sorriu e pensou, no momento, que seu osso occipital tinha desaparecido...

— Que foi que aconteceu, senhor? — perguntou Claudrin, se levantando com sacrifício.

Esta mesma pergunta Rhodan teve que responder muitas vezes no espaço de dez minutos, pois todas as seções da Ironduke queriam saber a mesma coisa.

Rhodan comprimiu as duas mãos contra as fontes.

— Fomos atacados — disse para Claudrin — provavelmente por uma arma, ainda por nós desconhecida, que ataca e paralisa o sistema nervoso.

Pousou os olhos no relógio de bordo e não queria crer no que via.

— Passaram-se oito horas, major! — exclamou horrorizado. — Faz oito horas que enviamos os destróieres!

Claudrin se encaminhou para os controles.

— O piloto automático dirige a nave — gritou ele, novamente com seu vozeirão típico, onde havia muita alegria. — Já deixamos o sistema Snarf para trás de nós.

Sua ira contra este fato estava visível em sua voz e ele se lamentava pelo que acontecera.

— Um pouco mais de sangue-frio, Jefe — disse-lhe Rhodan se levantando finalmente, embora não sentisse as pernas bem firmes.

Chegou até Claudrin e deu uma olhada nos instrumentos do painel. Bell o imitou e ficaram ambos às costas do comandante Claudrin.

— Que devemos fazer agora, Perry?

— De qualquer maneira, temos que voltar. Não podemos deixar nossos homens e Gucky em Snarfot. Acho que nesse meio tempo os teleportadores já conseguiram alguma coisa.

O rosto de Claudrin se contraiu:

— Que acontecerá se recebermos outra descarga no sistema nervoso?

— De qualquer maneira já estamos prevenidos — disse Rhodan. — Chegaremos bem perto de Snarfot sob a proteção da zona de libração e depois instalaremos o envoltório de proteção normal.

— Parece que os “rapazes” têm um grande interesse em semear com toda calma o musgo da gordura em Snarfot — observou Bell. — Ou eles estão morrendo de fome, ou têm em mira outro objetivo. Mas, o que haverá neste planeta, para eles ficarem tão interessados?

— Aqui fala Alkher, senhor! — interrompeu-o a voz do alto-falante. — Existe algum objetivo contra o qual possamos nos vingar deste traiçoeiro ataque?

Rhodan sorriu, puxando para si o microfone.

— Tenente, domine um pouco seu desejo de vingança. Talvez, dentro de pouco tempo, você vai ter um bom alvo. Estamos voltando de novo para Snarfot.

Antes que o oficial do posto de artilharia pudesse dar expansão ao seu entusiasmo, o Major Krefenbac anunciou um hiper-rádio.

— É Pelant, senhor! — disse o major. — Está tentando há muito tempo entrar em contato conosco. Parece desesperado!

A tela do telecomunicador começou a cintilar e logo depois surgiu o rosto de Tuff Pelant, demonstrando já mais tranqüilidade.

— Acho que o senhor não fez esta excursão por vontade própria, senhor — disse ele.

Rhodan lhe fez um pequeno relato do ocorrido.

— Como está a situação em Snarfot? — perguntou o administrador.

Ouviu-se uma gargalhada de Pelant e seu rosto era a expressão de contentamento. A incerteza e o medo das últimas horas haviam desaparecido e isto o tornou senhor de si.

— Perdeu um espetáculo maravilhoso, chefe. Os robôs-semeadores caíram de repente do ar e estão espalhados inertes pelo campo. Parece que todos foram atingidos. Eu, pelo menos, não vejo mais nenhum nos céus de Snarfot.

A lembrança disso deixou o rosto de Pelant afogueado.

— Caíam como pedras lá de cima, senhor, um depois do outro — repetiu sorrindo.

— Isto é arte do Gucky — interveio Bell. — Ele vai dar muito que fazer à Nave Semeadora.

— Isto quer dizer que todos os robôs dependem da nave-mãe, pois Gucky não disporia de tempo para derrubá-los um por um — disse Rhodan, pensativo.

Com um pouco de timidez, observou Pelant:

— Eu também cheguei a este raciocínio, chefe. Acho que o senhor pode agora, sem maior perigo, vir até aqui com a Ironduke.

— Fique de olhos abertos, Pelant — disse-lhe Rhodan, sorrindo. — Dentro de pouco tempo vocês vão ver a Ironduke aterrissando por aí.

Pelant acenou entusiasmado e Rhodan interrompeu a ligação. Perry fez um sinal para Claudrin, que logo acionou os controles. O poderoso conjunto de propulsão da Ironduke estremeceu com a repentina desaceleração, quase brecando o vôo ultra-rápido da nave linear.

— Vamos primeiro nos aproximar da nave de observação e trazer Kakuta para bordo da Ironduke — disse Rhodan, expondo seu plano. — Temos que fazer tudo para que esta nave não saia do sistema Snarf.

Afastaram-se do sistema em vôo normal do piloto automático e agora voltavam para ele com o vôo linear e com velocidade superior à da luz.

 

A nave de observação Scout terminara a tricentésima sexagésima nona volta em torno do planeta Snarfot e já estava iniciando a seguinte. Seu bojo cilíndrico alternava, do lado iluminado para o lado escuro, em períodos de tempo regulares.

Os bancos de dados estavam sobrecarregados, pois constantemente entravam novas observações que tinham que ser interpretadas, para se poder tomar as cabíveis decisões. O interligador perdera o contato com a nave da semeadura e este fato só podia significar que os intrusos terranos tinham conseguido lá um melhor resultado do que na Scout.

A nave de observação Scout vencera realmente o intruso, pois possuía Artur, que podia ativar uma reserva quase inesgotável de medidas preventivas. As ondas de choque deixaram um estranho fora de combate e de tal maneira que não podia mais fazer uso de seus dons de teleportação. A sorte foi que o intruso possuía um traje espacial que lhe garantia a sobrevivência mesmo no vácuo espacial.

Mas os bancos de dados ordenaram a Artur que retirasse do intruso o traje de proteção e o robô estava executando esta ordem. O pobre Kakuta era um farrapo nos pegadores metálicos do robô. O ar que o japonês estava respirando, depois que Artur lhe retirara o capacete, era sufocante e pobre em oxigênio, o que provava que o ar dentro da nave não era renovado. Mas para quê? Não havia nenhum ser vivo a bordo e para o mutante era indiferente se morresse asfixiado a bordo ou na escotilha.

Com uma terceira onda de choque, Kakuta ficou completamente anestesiado. Ficou tão depauperado fisicamente que mal pôde abrir os olhos. Sentia-se já semimorto e sua vontade de resistir, seu instinto de conservação iam se apagando, enfraquecendo.

Artur o arrastou para longe dali, levando-o através de um longo corredor, usando duas vezes o elevador. Kakuta, semi-acordado, sabia que a escotilha não estava longe.

Neste momento, o observador avisou aos bancos de dados que a grande espaçonave esférica dos estranhos voltara e se aproximava da Scout. Esta última percebeu o perigo, pois era improvável que a nave da semeadura estivesse em condições de disparar suas armas. Os bancos de dados emitiram uma série de impulsos positrônicos. O vigia automático começou o seu trajeto ao longo do cabo de aço e seu zumbido enchia o corredor. Um outro impulso foi captado por Artur, que, no mesmo instante, deixou cair Kakuta no chão e tomou outra direção.

O japonês tentou levantar a cabeça; não estava, porém, em condições de fazê-lo. Sabia apenas que o robô o largara em qualquer lugar. Será que já se encontrava na câmara da comporta?

Sabia que a morte estava próxima, o que não assustava o japonês. Teve a impressão de que a nave fora acometida de repente de uma inquietação febricitante. Em volta dele era um pulsar e zumbir constantes e o chão tremia. Nas profundezas de seu cérebro, Kakuta ouvia um som, como se este quisesse despertá-lo a todo custo.

Percebeu, então, o que estava se passando!

A nave cilíndrica robotizada estava deixando a órbita em torno de Snarfot e se preparava para um hipersalto no espaço. Tudo dentro dele se revoltava contra isto, mas continuava ali sem forças. Aliás, não queria no momento sair dali, pois cismava que o desaparecimento repentino do robô se prendia a alguma coisa definitiva. Além disso, a morte ali na eclusa lhe parecia muito mais razoável do que o destino que o esperava.

Tako Kakuta se levantou. Com um esforço ingente, suas pernas o sustentaram, embora cambaleasse como um bêbado. Seu rosto era a máscara da dor, onde apenas os olhos brilhavam. Mas assim mesmo, era a imagem intrépida do desafio, cambaleando pelo corredor, com o desintegrador na mão, à procura de Artur.

 

Rhodan colocou o microfone tão próximo da boca que quase o aparelho lhe roçava aos lábios. Seu rosto anguloso parecia impassível.

— Atenção, comporta D! — exclamou ele. — Tenente Nolinow, reúna-se com cinco homens no hangar e se preparem para atacar a nave inimiga.

— Nosso “amigo” está deixando a órbita de Snarfot — anunciou Bell, que não tirava os olhos dos instrumentos.

Mais do que depressa, Rhodan fez algumas ligações no intercomunicador.

— Alkher!

A voz de Rhodan conservou o tom normal e equilibrado quando indagou:

— Já está tudo pronto?

— Naturalmente, senhor!

A Ironduke emergiu do semi-espaço e se projetou em velocidade de queda para o campo de gravitação de Snarfot. A nave de observação saiu de sua órbita e a energia liberada de seu conjunto de propulsão, que funcionava a toda força, atingia o máximo nos registradores da Ironduke.

— Não gostaria que você a destruísse completamente — lembrou Rhodan ao jovem artilheiro. — Não se esqueça de que dentro desta nave está Kakuta.

— O major deve se aproximar dela pelo flanco, senhor — disse Alkher. — Desta maneira o perigo de maiores danos não é tão grande.

— Vou tentar realizar seus desejos, tenente — prometeu-lhe o próprio comandante Claudrin. — Pague-me o favor que lhe faço, dando um tiro daqueles...!

Todos podiam imaginar como agora um sorriso iluminava o rosto magro de Alkher.

— Vou fazer todo o possível, senhor — respondeu o oficial do posto de artilharia.

— Nave estranha acelera! — exclamou o Major Krefenbac.

— Portanto, vamos embora, Jefe — disse Rhodan tranqüilo. — Mostre a esta gente o que você sabe fazer.

A Ironduke disparou pelo espaço e suas possantes turbinas pareciam não conhecer limites. A atração do planeta Snarfot parecia não interferir na rota da nave terrana.

— Alteração de curso — gritou o vozeirão de Claudrin, dando os novos dados.

Sem nenhuma transição, a Ironduke modificou sua trajetória em alguns graus, aparentemente se afastando agora da nave de observação. Mas esta manobra era mera ilusão, pois a nave cilíndrica haveria também de mudar de direção quando saísse definitivamente das proximidades de Snarfot.

— Atenção, Brazo! — gritou Bell excitado.

O bojo cilíndrico da Scout virou-se um pouco. Aumentara a distância em relação à Ironduke, mas o inimigo estava voando, agora, de lado.

— Você está pronto, Nolinow? — informou-se Rhodan.

— Podemos começar, senhor. O pessoal do comando já está acomodado nos pequenos jatos, pronto para entrar em ação.

Rhodan dispensou a resposta, pois neste momento Alkher já disparara um dos canhões energéticos.

— Acho que isto basta, senhor — disse o tenente com a maior naturalidade.

O administrador foi olhar na tela panorâmica para constatar a reação da nave inimiga. Aparentemente não havia armas a bordo, pois o disparo certeiro de Alkher não teve resposta.

— Nave cilíndrica inimiga desvia-se da sua rota, senhor — anunciou Krefenbac.

— Acho que você pode sair agora, tenente — disse Rhodan ao microfone. — Dê o nosso abraço a Kakuta, em nome de todos.

Logo depois, abriram-se as comportas do hangar e cinco Space-Jets se projetaram no espaço. Pareciam, na tela do posto de comando, pontos claros que se afastavam da Ironduke, disparando ao encontro da nave de observação.

O trabalho de Alkher fora obra de mestre. Não era à toa que tinha fama de ser o melhor artilheiro da Frota Solar. Com uma segurança quase instintiva, com um único disparo, deixara o adversário fora de combate. Estavam agora a caminho cinqüenta especialistas para desvendar os mistérios da nave desconhecida.

— Nolinow tem capacidade para resolver esta situação — disse Rhodan. — Major, prepare tudo para aterrissagem em Snarfot. Envie radiograma para as unidades da frota que estão de prontidão. Devem entrar imediatamente em transição e nos trazer auxílio. Não quero correr o menor risco.

As naves terranas, que estavam acompanhadas de unidades robotizadas provenientes de Árcon, receberam a ordem. Era apenas uma pequena parcela da poderosa frota que Rhodan tinha à sua disposição.

Quando a Ironduke iniciava a aterrissagem, Rhodan pensava consigo mesmo que, não obstante esta imensa frota, não conseguia controlar toda a Via Láctea.

E esta Via Láctea ou esta Galáxia, na qual a Terra girava em torno de um sol insignificante, era apenas uma das muitas, no espaço infindável.

 

O abalo atingiu Kakuta com grande violência, de tal forma que o atirou contra a parede. Sua arma rolou no chão e ele mesmo acreditava que seu tórax tinha rebentado. A muito custo injetou um pouco de ar nos pulmões doloridos e tentou compreender o significado deste tremendo choque. Será que a nave sofrera uma explosão parcial?

Cessou a vibração do piso e das paredes, e um grande pavor se apoderou do japonês. Será que a nave partira e entrara em transição? Não, não podia ser, pois teria, então, que suportar as terríveis dores da desmaterialização.

Afastou-se da parede e andou um pouco à frente, de pernas bem abertas para ter melhor apoio. Só então foi que notou estar sangrando de um ferimento no braço, provavelmente causado pelo robô. Entrou depois numa passagem mais escura onde a iluminação começara a falhar, como se a energia estivesse chegando ao fim.

Novamente a visão desagradável de Artur. O robô estava no fim do corredor ocupado seriamente com alguma coisa numa abertura da parede lateral. Kakuta não sabia o que era, mas presumia ser qualquer coisa ligada com a misteriosa explosão de segundos atrás. Sentiu uma vontade enorme de impedir o autômato de continuar seu trabalho. Continuou andando para frente e seus passos ecoavam. A uns dez metros do robô, levou a mão para apanhar a arma, mas o desintegrador havia sumido. Devia tê-lo perdido ao cair na hora do forte abalo, quando rolou pelo chão. Mesmo assim, continuou seu caminho, com um vago sentimento de teimosia que o levava para frente.

Artur interrompeu o que estava fazendo para soltar uma de suas partes laterais contra o terrano que se aproximava. Com os punhos cerrados, o mutante lhe foi ao encontro. Viu, casualmente, nos fundos do corredor um movimento diferente, sombras que se moviam na penumbra.

Chocou-se com a parte lateral do robô e caiu. Obstinado, levantou-se logo em seguida, pronto para a luta.

— Tako! — gritou alguém. — Suma da frente desde objeto.

Kakuta deu um grito e já queria de novo se lançar ao ataque. Alguma coisa incandescente passou rente à sua cabeça.

— Está sem o uniforme de proteção — disse uma voz do meio da penumbra. — Vá buscar um no jato, Jeffers.

Tenho de me levantar”, pensava Kakuta.

Escorregou em alguma coisa que estava à sua frente. Alguém o pegou e não foram os pegadores rígidos do robô, mas mãos humanas que o ajudavam. O japonês ainda gemia baixinho.

— Maltrataram muito você — disse-lhe uma voz compadecida.

Sentia uma fraqueza enorme. Queria dizer alguma coisa, mas seus lábios mal se mexiam.

Stana Nolinow o pegou sob os braços e o carregou por sobre os restos de Artur. Só então Kakuta sentiu que estava salvo.

 

Como um fantasma, surgiu a Ironduke no planalto. Abriram-se suas comportas e centenas de homens com uniformes de combate arcônidas desembarcavam resolutos.

Rhodan pairava no ar, descendo lentamente, com a pistola energética bem firme na mão. Olhava para seus homens, que desciam também tranqüilos, o que lhe proporcionava uma sensação de segurança.

Lá embaixo, “dormindo” como animal pré-histórico, estava a Nave Semeadora. O comandante Claudrin ficara na Ironduke de prontidão, pois qualquer ataque aos homens de Rhodan, que estavam descendo, seria respondido por ele mesmo com um disparo do destruidor canhão energético.

O mundo aos pés de Rhodan estava ainda no início de sua formação. Eram inúmeros os brejos com vidas primitivas. Sáurios ainda se banhavam nas águas mornas do pantanal e plantas carnívoras pululavam por toda parte. Assim também devia ter sido a Terra há milhões de anos.

O ar vibrou em torno dele e o desviou de seus pensamentos. Olhou com visível alegria para o céu nevoento. Lá estavam centenas de naves, vindas do espaço para as proximidades de Snarfot. Certamente estariam agora em ligação de rádio com a Ironduke, prontas a qualquer momento para, com força irresistível, atacar o inimigo.

Ouviu quando os soldados em torno dele irromperam num brado de entusiasmo. As bem treinadas tropas de assalto sabiam muito bem o que significava a barragem de proteção.

Viu os primeiros homens que chegaram ao planeta começarem a atacar a Nave Semeadora, de acordo com instruções recebidas. Os trajes de combates muito os auxiliavam.

Sobre eles, flutuava a gigantesca esfera da Ironduke. Rhodan estava pensando como o comandante Claudrin estaria andando de um lado para o outro no posto de comando, resmungando e protegendo contra o fato de ter que ficar sempre parado dentro da nave, quando podia estar combatendo lá embaixo.

Com a maior tranqüilidade, o administrador pôs os pés em terra firme, sempre de arma na mão. Ao lado dele, desceu também Bell, agitando triunfante sua arma.

O sargento Hölscher veio correndo até eles e apontou para o aparelho de rádio transmissor e receptor que trazia a tiracolo

— O major comunica, senhor, que nesse instante estão sendo irradiadas diversas mensagens, partindo da Nave Semeadora

— Provavelmente são pedidos de socorro — disse Rhodan, pensativo. — A Nave Semeadora deve ter solicitado auxílio.

Bell olhou-o de lado. Seu rosto cheio se enrubesceu.

— Será que ela vai conseguir reforço?

— Vamos falar com Atlan a respeito — respondeu Rhodan — e ele mandará controlar imediatamente esta região por meio do cérebro robotizado. O regente haverá de constatar se o distribuidor das sementes dos fungos vai ou não receber resposta ao seu pedido de auxílio.

Hölscher, com a mão no aparelho olhava para Rhodan esperando alguma coisa. O administrador apontou para a nave inimiga, dizendo:

— As comportas ainda se encontram abertas e nossos homens já estão esperando prontos para o ataque.

Continuaram caminhando. Diante da nave estavam agrupados os soldados de uma tropa de elite. Aguardavam em silêncio as ordens de Rhodan.

John Marshall, o chefe dos mutantes, que havia também saltado com a tropa, e cujo rosto pálido formava contraste com o ambiente colorido do planeta, se aproximou de Rhodan.

— Consegui entrar em contato telepático com Gucky — disse em voz baixa. — Ele afirma que podemos entrar no aparelho inimigo sem qualquer perigo. Goldstein, Tschubai, Heystens, Noir e Sengu estão lá dentro.

Rhodan se recordou que Pelant ficara no destróier.

— E onde está MacDowell? — perguntou ele.

Marshall se concentrou um pouco, para dizer depois com visível pesar:

— Não está mais vivo, senhor.

O semblante do chefe se modificou. Cerrou os olhos por um momento.

Chamou depois o sargento Hölscher, que logo apareceu a seu lado.

— Claudrin deve ligar logo para Atlan — ordenou. — O imperador poderá constatar se o pedido de socorro da Nave Semeadora já foi respondido. Providencie isto, sargento.

Hölscher evitou olhar diretamente para o rosto abatido de Rhodan. Ligou seu aparelho e chamou Claudrin.

— Marshall, você e Bell venham comigo. Todos os outros esperem aqui fora, até que chamemos. Caso não voltarmos dentro de uma hora, ou não nos comunicarmos, a nave terá que ser totalmente vasculhada.

Um súbito tremeluzir na grande comporta o assustou, mas era somente Gucky que, sorridente, lhe fazia sinal para entrar.

— Acho que lhes devo mostrar o caminho, pois a nave é muito grande e complicada — disse feliz. — Lá dentro, você terá uma boa conversa com o comandante, Perry.

A entonação de voz com que Gucky pronunciou a palavra “comandante”, deixou Rhodan curioso. Sabia, porém, que não valia a pena perguntar a Gucky, pois o rato-castor tinha predileção por surpresas e certamente não haveria de dizer nada.

 

— No primeiro instante, pensávamos, Ras e eu, que eles nos atacariam assim que penetrássemos no posto de comando. De brincadeira, Ras me aconselhou a repetir com eles a mesma coisa que nos foi tão fácil com os relês. Sacamos de nossas armas, para estarmos preparados para o que desse e viesse. Mas eles nos deram a entender que queriam entrar em acordo conosco. Os danos que lhes causamos os tornou mais sensatos e a paralisação de todos os robôs-semeadores lhes deve ter sido um duro golpe.

Gucky ampliou o tom de voz e continuou:

— Mas a visão destes três robôs é uma ilusão, Perry. Pois, na realidade, a nave toda é um único robô, cujas funções estão inextrincavelmente ligadas entre si. Cada peça depende uma da outra. Descobrimos que a nave está dividida em três seções e para cada uma delas há um comandante responsável. No entanto, estes três cérebros positrônicos estão também ligados entre si, não podendo existir o trabalho de um, sem o do outro. A primeira seção é responsável pela navegação. Por exemplo: calcula e aplica todos os dados para um salto no hiperespaço. O comandante Dois supervisiona todo o mecanismo da nave, enquanto que o Três dirige os robôs da semeadura. Como órgão executivo, cada comandante tem um robô móvel, o tal de mensageiro, à sua disposição.

Gucky pôs à mostra seu dente de roedor e concluiu:

— E aqui estão estes três “rapazes”.

— Quer dizer então que não se encontra a bordo nem um único ser vivo? — perguntou Rhodan.

Gucky meneou a cabeça.

— Não podemos comparar esta nave com os aparelhos robotizados dos arcônidas. É completamente diferente. O modo de pensar de seus construtores deve ser basicamente diferente da nossa mentalidade. Seu senso comunitário deve ser muito mais bem desenvolvido do que o nosso, pois é a única explicação para a interdependência das partes da nave. Gostaria mesmo de afirmar que este aparelho foi construído assim, de propósito, pelo simples motivo de que seus construtores viram nele a solução ideal.

— Isto é, naturalmente, uma ilusão — observou Marshall.

— De fato — interveio Tschubai — do nosso ponto de vista, um negócio assim não pode funcionar por muito tempo. Somos individualistas e pensamos independentes e toda estandardização nos é desagradável. Sem que o queiramos, esta mentalidade aplicada às nossas naves seria uma desgraça. Uma criatura que se massifica, se torna dependente desta massa, desta coletividade e com o tempo chega à conclusão de que não pode existir sem o auxílio dos outros. Deste ponto de vista é que estas naves foram construídas.

— Naves como esta aqui — acrescentou Gucky.

Estavam reunidos no posto de comando da Nave Semeadora; os robôs móveis, ou seja, os mensageiros, estavam um pouco mais afastados, bem junto às cúpulas. Rhodan achava o ambiente fantástico e não se lembrava de jamais ter visto algo semelhante. A civilização que produziu uma espaçonave deste tipo devia ser essencialmente diferente de todas as já conhecidas. Estava impressionado com as palavras de Gucky. De onde tirara ele tantas informações?

— Estávamos até tentando ensinar nossa língua ao robô, quando chegaram as tropas da Ironduke — disse Tschubai.

— O que você está dizendo, Ras?! — perguntou Bell, admirado.

— Ele tem razão — interveio Gucky, com sua voz sibilante. — O robô, e temos que considerar a espaçonave toda como um robô, tentava se comunicar conosco. Constatamos que os nossos três amigos aqui estavam em condições de produzir sons, embora fossem sons não-humanos, que para nós nada significavam. Não entendo quase nada de Lingüística, mas os autômatos parecem gênios neste assunto. Ras e eu lhes mostramos vários objetos e lhes dissemos o termo correspondente em inglês.

Incrédulo, perguntou Rhodan:

— Pode-se, pois, conversar com estes robôs?

— Eles são um só — corrigiu-o Gucky.

— Você deve considerá-los como uma unidade, do contrário não vai compreendê-los. Rhodan ficou olhando para o mosaico brilhante das três cúpulas. Os três mensageiros se mantinham impassíveis. Resolveu então fazer uma experiência, embora não acreditasse no resultado.

— Quem foi que construiu vocês... — corrigiu-se — ...você?

Uma voz bem sonora, que parecia vir das cúpulas, respondeu sem nenhuma modulação:

— Os construtores.

Do ponto de vista de um robô a resposta estava completamente certa; para Rhodan, no entanto, estava insuficiente.

— Como parecem estes construtores?

— Eles não parecem. Eles são — foi-lhe respondido.

Olhou para Gucky com cara de quem não compreendeu, mas o rato-castor não lhe podia dizer muita coisa.

— Eles não pensam com nossos conceitos — chilreou o pequeno mutante. — Você deve se dirigir a eles de outra maneira.

— Quando é que vocês foram construídos?

O robô parecia hesitante e levou quase um minuto até chegar sua resposta.

— Ontem — disse ele.

— Ontem! — repetiu Rhodan, perplexo. Lembrou-se, porém, de que o conceito tempo para um robô é totalmente abstrato, relativo. A espaçonave podia ter mil ou milhões de anos ou mesmo dois ou três anos.

— Você foi criado para uma determinada função. Qual é esta função?

— Minha função é semear o musgo da gordura.

Rhodan estava impaciente, notando que suas perguntas eram respondidas com franqueza, honestamente, mas numa lógica tão simples que não lhe adiantava nada.

— Para que serve este musgo da gordura?

— Para alimentação dos construtores — respondeu o robô.

— Quando chega aqui a “Nave da Colheita”?

A resposta foi mais paradoxal do que todas as outras:

— Nunca.

Rhodan levantou os braços, como se quisesse conjurar a máquina. Seus olhos brilhavam vigilantes, pois existia sempre a possibilidade de uma cilada, que o robô os tivesse enganando com uma pista falsa.

— Por que que ela não chega aqui? — perguntou Rhodan, com insistência. — Pois é uma insensatez semear, sem que haja quem possa colher.

— A “Nave da Colheita” desapareceu — foi-lhe explicado.

Rhodan estava com a pulga atrás da orelha. As três naves robotizadas seguiam uma certa programação, mas alguma coisa não estava dando certo. Num momento que ninguém podia determinar, deveria ter surgido um defeito, a “Nave da Colheita” desapareceu, e somente a Scout e a Nave Semeadora executaram sua missão.

Rhodan supunha que os construtores destas naves não deram ordem aos seus robôs de semearem o musgo por toda a Galáxia. O trabalho em conjunto das três naves robotizadas estava aniquilado, a “Nave da Colheita” talvez nem existisse mais e as duas outras prosseguiam no seu serviço, com uma arbitrariedade, aliás, incompreensível.

Rhodan sentia que somente agora é que os problemas começariam a se tornar agudos, pois tudo que, até então, acontecera em Snarfot, não passava de pequenas escaramuças em comparação com o que viria no futuro.

Uma hora já havia se passado. Os homens que esperavam lá fora estavam impacientes. Rhodan lembrou-se do que havia combinado e enviou Tschubai para acalmá-los.

Continuou depois fazendo outras perguntas ao robô.

Ficou sabendo que os construtores programaram a Nave Semeadora para que espalhasse a semente em planetas apropriados. Soube também que estes misteriosos construtores, sobre os quais o robô quase nada podia dizer, não possuíam aparelho digestivo com estômago e intestino. No seu planeta pátrio, o musgo da gordura fora sempre cultivado. A vida inteligente neste mundo tinha, pois, se desenvolvido de uma maneira natural e sua alimentação exclusiva eram os fungos do musgo. Os seres inteligentes se alimentavam somente pela respiração.

— Qual foi a razão que os levou a semear o musgo da gordura em muitos outros planetas? Será que a terra dos construtores estava superpovoada? — perguntou Rhodan.

— Não, não foi excesso de população, mas com o correr do tempo o planeta começou a esfriar e as plantas não podiam mais crescer. Já que os construtores não viam outra possibilidade de se alimentarem, construíram as três naves, a Nave Semeadora, a Scout e a “Nave da Colheita”. Estas três unidades foram enviadas ao espaço. A “Nave da Colheita” devia recolher o fruto deste trabalho, concentrá-lo e trazer para o planeta-pátrio os elementos nutritivos em alta dosagem.

Era uma coisa singular ouvir o robô falar de si, visto que ele era parte da nave.

— Por que os construtores não emigraram para outros planetas? — insistiu Rhodan.

— Eles não emigram. Eles estão lá.

Tal resposta era demais ambígua.

Um pensamento martirizante perseguia o administrador mas ele não lhe deu trelas. Os desconhecidos tentavam conservar seu tipo de alimentação de maneira habitual.

Antes que Rhodan pudesse prosseguir com suas perguntas, chegou Tschubai de volta.

— Hölscher recebeu mensagem de Claudrin — disse ele. — Atlan anunciou que, o robô de Árcon III recebeu impulsos de confirmação dos pedidos de socorro que foram irradiados de muito longe.

— Você enviou algum pedido de socorro? — perguntou ao robô.

— Sim.

As respostas vinham tão rápidas que Rhodan suspeitou de que todas já estivessem programadas.

— Enviamos quatro vezes sinais de alarma, indicando que estávamos em dificuldades.

— Virá alguém para ajudá-los? — Rhodan estava de novo usando o plural, mas não podia se habituar assim tão depressa a considerar toda esta imensa nave como um todo cibernético.

— Nunca! — foi a resposta.

Teria sido enganado? O cérebro positrônico era praticamente infalível. Se ele tinha constatado que houve uma resposta ao pedido de socorro, então não existia mais dúvida.

Rhodan chegou à conclusão de que, mesmo que ficasse horas fazendo perguntas ao robô, não chegaria a melhores resultados. Ou os conhecimentos do autômato eram limitados, a fim de proteger seus construtores, ou ele mentira. Era realmente uma idéia fora do comum, pensar num mentiroso em relação com aquela gigantesca nave. A continuação do trabalho ficaria entregue aos especialistas, mas era de se supor que nem mesmo eles conseguiriam muita coisa.

Determinou, então, o administrador mandar descer algumas naves para aterrissarem em Snarfot, até que chegassem ao planeta os cientistas terranos e arcônidas.

— Não conseguimos apurar muita coisa — comentou Bell, resignado.

— Não era também de se esperar — acudiu Rhodan. — De qualquer forma, vamos insistir um pouco neste assunto, pois os construtores devem ser muito mais sensacionais do que suas naves.

— Não são sensacionais, eles estão — disse Bell, com uma ponta de ironia, fazendo alusão ao modo de falar do robô.

O semblante do administrador do Império Solar ficou mais sério:

— Acho que estas palavras têm um significado muito especial.

Virou-se para Gucky, que andava inquieto de um lado para o outro, como se não pudesse aguardar o fim do interrogatório, e perguntou-lhe:

— A nave tem alguma possibilidade de decolar sem auxílio de fora?

— Aposto minha pata direita que não.

— Leve-nos de novo para fora — disse ele.

Gucky ia gingando na frente e passaram pelo posto de comando. Os mensageiros permaneceram impassíveis em seus lugares, enquanto os comandantes trocavam informações. Desta vez, não seria possível nenhum conserto, pois não havia mais Artur para se encarregar disso. Mesmo que ele, por um milagre, surgisse de novo a bordo, não poderia fazer muita coisa, em virtude dos enormes danos.

Rhodan e seus homens chegaram ao ar livre. Ficou, então, aliviado de um peso interior que o oprimia, e respirou profundamente. Deve ter acontecido a mesma coisa com Bell, pois este disse:

— Aquilo lá dentro me parecia um cemitério.

Atrás de Rhodan jazia a grande nave, impossibilitada de funcionar, uma obra-prima da mais perfeita tecnologia. Diante dele, se estendia aquele planeta primitivo, lembrando as origens do cosmo, quente e úmido, um anfiteatro gigantesco e trepidante de vida. De permeio, jaziam espalhados os milhares de robôs-semeadores, filhos perdidos da Nave Semeadora.

Haviam caído nos brejos, nos desertos, nos mares e nas montanhas. Caso não acontecesse um milagre, haveriam, com o tempo, de desaparecer da superfície. Alterações na crosta terrestre haveriam de arrastá-los, terremotos os carregariam para os abismos e erupções vulcânicas os cobririam com sua lava.

O tempo os enterraria no esquecimento.

Tudo tem seu fim”, pensava Rhodan.

Ligou a tração antigravitacional do uniforme de combate e foi flutuando confortavelmente na direção da Ironduke.

 

 

                                                                  WilliamVoltz

 

 

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