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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SERVOS DO DESEJO / Carol Marinelli
SERVOS DO DESEJO / Carol Marinelli

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

A Casa Real dos Karedes

SERVOS DO DESEJO

 

Effie Nicolaides, a competente e tímida funcionária da coroa, foi convocada ao deserto para servir o rei. O sheik Zakari Al' Farisi fora em busca de solidão em meio às vastas arêtís, embora não estivesse acostumado a passar as noites sozinho. Para isso, tinha um acordo com sua serva... No entanto, ele teria de se contentar com uma substituta dessa vez.

Effie sequer suspeitava do quanto era atraente, e de como seduzi-la seria agradável... mas o que ninguém imaginava era que sua paixão poderia determinar o destino da coroa...

 

Só ali ele poderia se encontrar.

Ao olhar para aquele vasto vazio resplandecente, o sheik rei Zakari Al' Farisi, de Calista, deu boas-vindas à solidão do deserto de Azahar. Ele governou Calista e seu povo, mas agora era o deserto que lhe ensinava.

Ele era um rei virtuoso, um governante vigoroso. Poderoso, algumas vezes até impiedoso, fazia o que precisava ser feito. O caminho fácil nunca era uma opção para Zakari, e seu povo o amava por isso. Com l,85m e robusto, seus ombros eram largos o bastante para carregar os medos e as esperanças de seu povo e seus braços fortes aguentariam carregar qualquer mulher. Era considerado um playboy, mas seu povo entendia e perdoava sua única fraqueza. Nenhuma mulher prendia sua atenção por muito tempo. Elas eram só uma distração necessária.

Não havia nada de temporário no deserto.

Zakari correu os olhos pelo infinito oceano de areia dourada. O vento modificava a paisagem, e as rochas e desfiladeiros eram os únicos marcos permanentes.

Ali a terra era o verdadeiro mestre; selvagem, inóspito e belo, que sempre o rebaixava e o exauria para, depois, voltar a preenchê-lo. Precisava passar pela prova do deserto para relembrar sua força inata.

Para muitos, o tempo modificara os meios. Carros substituíram os camelos e caçava-se com armas em lugar de falcões, ainda que o deserto e seus princípios vitais ainda fossem respeitados por algumas pessoas. E, assim como ele zelava por eles e lutava para proteger sua existência, eles também cuidariam dele enquanto estivesse ali.

Às vezes, distinguia ao longe uma pequena sombra e sabia que era alguma tribo de nômades, que mantinha sua caravana de camelos bem longe de sua visão. Zakari sabia que eles não invadiriam sua privacidade, mas se sentia seguro ao saber que o olhavam a distância para ter certeza de que seu rei voltaria a salvo para o lugar que amava.

Ele pedira, para horror de seus serviçais, para ficar sozinho durante a primeira parte de seu retiro ali, sem ninguém para servir cada capricho seu nem nada para distraí-lo de si mesmo enquanto se concentrava em encontrar a metade desaparecida do diamante Stefani. E, se o achasse, quando o achasse, governaria não só Calista, como também Aristo.

O legado estaria cumprido.

O rei Christos Karedes governara ambas as ilhas há mais de 30 anos, ainda que as queixas de seu povo lhe afetassem. O povo de Aristo achava que não tirava suficiente proveito das minas de diamantes, e o povo de Calista desejava preservar sua terra e seus recursos.

Rei sábio, Christos sabia que os aristanos precisavam deixar de contar com os calistanos para sustentá-los. E que precisavam construir sua própria economia em vez de depender dos diamantes de Calista. Por essa razão, decidira deixar uma ilha para cada filho e tomara a dolorosa decisão de dividir o precioso diamante Stefani. Tanto seu filho como sua filha seriam coroados e trariam metade do diamante em cada uma das novas coroas.

Calista seria governada por sua filha, Anya.

Aristo seria governado por seu filho, Aegeus.

Mas o tempo prosseguiu, transformando as coisas como a areia no deserto.

A madrasta de Zakari, Anya, morrera cinco anos antes, junto com seu pai. E agora, com a morte repentina do rei Aegeus, era hora de mudança nas ilhas.

Sem o diamante, a coroação do filho de Aegeus, príncipe Alex, não podia acontecer e, embora os nobres de Aristo tivessem tentado ocultar o desaparecimento da pedra, Zakari, como sempre, descobrira.

Zakari sentou-se e se esforçou para se concentrar, embora sua mente divagasse, como nos dias anteriores. Ele gostara da sugestão de Hassan de que sua governanta se juntasse a ele em sua segunda semana no deserto. Quando voltasse para a tenda, ao anoitecer, Christobel estaria lá. Cuidaria dele à noite para que pudesse se concentrar mais profundamente durante o dia no futuro de seu povo.

Zakari fechou os olhos.

O povo, que ele devia proteger das conquistas insaciáveis da ilha vizinha, e também as minas de diamantes, que os aristanos adorariam colocar suas mãos.

E Zakari poderia obter essa vingança.

O vento soprou em volta dele e a areia bateu em seu rosto, mas Zakari permaneceu sentado imóvel.

Logo se vingaria pelo que Aegeus fizera com Anya.

O rosto altivo que estava imóvel abriu-se em um sorriso.

A vingança estava tão próxima que ele podia sentir seu gosto.

 

Effie esticou o pescoço e deu uma última olhada no palácio enquanto o helicóptero levantava voo no céu noturno.

Era sua primeira vez em um helicóptero, e Effie sabia que ficaria nervosa. Só que estava aterrorizada demais com o que tinha pela frente para se preocupar com o voo. A tarde toda fora como andar numa montanha-russa desenfreada.

Começara com rumores de que Christobel, a assistente pessoal do rei Zakari, teria fugido com seu mais recente namorado enquanto o rei estava no deserto.

Christobel estava sempre arrumando problemas. Em seus dois anos no palácio, Effie nunca deixava de se espantar pelo fato de Christobel ser a governanta do rei. Quando os empregados ouviram dizer que ela fugiu, houve muitas risadas e falatório, até que chegaram notícias de que Christobel era solicitada naquele mesmo dia no retiro do rei no deserto. Iniciara-se uma busca frenética para encontrar uma substituta adequada, o que havia sido mais difícil que o esperado. Duas das principais empregadas do palácio estavam fora, outra estava grávida, outra com o filho doente, até que, por fim, para sua surpresa absoluta, Effie fora cogitada para a posição. Com sua mãe falecida e sem família, não havia motivo para que ficasse em Calista. O único problema seria sua falta de experiência com a nobreza. Effie era só uma das empregadas mais simples do palácio, e suas tarefas em geral se restringiam a cuidar das áreas mais gerais do castelo.

— Todas as vontades do rei devem ser atendidas! — disse Stavroula. — Você ficará disponível dia e noite enquanto estiver lá...

— Claro!

— O rei pediu para não ter contato com o palácio ou com seus assistentes. Quer isolamento completo. Christobel seria a única que iria ajudá-lo com suas refeições e com os serviços domésticos após sua primeira semana lá. Com todos os problemas, ele quer ficar sozinho. — Stavroula passou a mão sobre a sobrancelha em um gesto de preocupação. — Há tantos problemas nesse momento, Effie...

Havia mesmo.

Desde a morte do rei Aegeus, sobravam escândalos na ilha vizinha, Aristo. Mas Calista também vivia seus próprios dramas. Para comoção geral, a noiva do rei Zakari, Kalila, se casara com o irmão do rei, Aarif, enquanto o irmão mais novo, sheik Kaliq, casara-se com uma empregada dos estábulos.

Effie sabia que Stavroula estava certa. Com tantos problemas nas duas ilhas, havia muita coisa para o rei pensar.

— Ele necessita de total solidão — explicou Stavroula. Ele insistiu em não ter contato com o palácio, então você não vai poder mudar de ideia quando estiver lá.

— E se o rei ficar doente?

— Ele pode mesmo ficar. — Stavroula franziu a testa, preocupada. – Mas o rei Zakari conhece bem as provações do deserto... Ele sente que é do que ele precisa agora. E o que o rei deseja, o rei obtém — Stavroula deu um débil sorriso. A noção de meio-termo não combinava muito com o rei Zakari. — Um helicóptero vai te trazer de volta na semana que vem. Até lá, serão apenas você e o rei.

— Vou trabalhar duro — Effie prometeu com fervor.

— E nada da sua tagarelice! — Stavroula advertiu.

— Ele nem vai saber que estou lá — Effie disse com ar sério.

Ao olhar para o rosto gentil e entusiástico de Effie, seus cabelos pretos cacheados e seus sinceros olhos azuis, Stavroula abrandou-se um pouco, pois sabia que Effie faria tudo pelo rei.

— É um período turbulento, Effie, precisamos que o rei faça as escolhas certas. Nosso trabalho pode parecer insignificante para muitos, mas, se o rei não for incomodado, pode conseguir tomar decisões correras. Agora venha — Stavroula bateu palmas e ficou de pé. — Não há tempo a perder. Christobel deveria ter partido há mais de meia hora. O helicóptero está esperando.

— Tenho que arrumar a mala.

— Não há tempo. — Stavroula disse enquanto a levava às pressas pelo palácio com a mala de Christobel nas mãos. — Vai ter que se virar com as coisas de Christobel.

O que seria ótimo, exceto pelo fato de que Christobel tinha a metade de seu tamanho. Mas Stavroula ignorou seus protestos.

— Está começando a ventar. — Passavam pelos magníficos jardins do palácio. — Se o helicóptero não sair agora, só será possível ir amanhã. O rei não pode esperar!

O gramado verde era uma evidência da riqueza de Zakari, já que o palácio era construído à beira do deserto. Os quartos dos fundos tinham uma vista arrebatadora, e Effie muitas vezes admirava o deserto enquanto trabalhava, mas vê-lo do alto, com o palácio a distância, lhe causava um misto de temor e excitação.

Entre todos os nobres que já havia visto, todos os príncipes e sheiks que passaram por sua insignificante existência, Zakari sempre fora o mais fascinante. Às vezes, ela o via de relance enquanto trabalhava no palácio. Seu vestuário era tão variado como sua personalidade complexa. Estivesse vestido para uma solenidade militar ou com túnicas tradicionais, ele sempre estava impressionante. Mas, para Effie, nada se comparava a quando ele usava roupas ocidentais.

Mais glamoroso e fashion que os outros aristanos, ela achava que ele parecia um galã de cinema, mas seu maior prazer havia sido quando o vira sorrir pela primeira vez. Uma certa manhã, quando carregava lençóis em um dos corredores, apressada para tentar preparar os quartos para um casamento real, ela grudou-se a uma das paredes para o rei passar. Ele conversava com seu irmão Kaliq, que iria se casar. Kaliq, também ele um vistoso playboy, deve ter dito algo engraçado, pois a expressão altiva de Zakari de repente se desfizera em um largo sorriso, e, para Effie, havia sido como olhar para o nascer do sol. Ficara tão fascinada com sua beleza majestosa que se esquecera de abaixar-se e fazer uma reverência.

Não que ele tivesse notado.

Não que Zakari alguma vez fosse notá-la.

Mas naquele instante ela entendeu por que ele tinha fama de derreter corações. Com apenas um sorriso, ele conquistara seu coração. E agora iria ficar sozinha com ele no deserto.

Ficar isolada no deserto com um patrão exigente e temperamental poderia não parecer uma experiência agradável, mas Effie levava seu trabalho a sério, e essa era uma chance de provar. Iria trabalhar duro para o rei que adorava e, como Stavroula disse, daria em sua humilde maneira, o povo de Calista durante aquele período turbulento.

Assim que o helicóptero pousou, o piloto saiu da cabine, ansioso por partir antes que o vento aumentasse, e Effie desembarcou bem depressa.

O calor era sufocante. O ar estava tão quente que causava dor ao respirar. O lenço fino com que ela cobriu sua boca e nariz não protegia seus olhos, e Effie abaixou a cabeça. Mas era difícil correr sob o ruído das hélices com aquele calor, e o esforço a deixou exausta. A areia entrava em seus ouvidos, olhos e cabelos quando o helicóptero levantou voo, mas nem quando ele se foi a areia assentou. A areia golpeava suas pernas e seu rosto, e ela parou por um momento para olhar a paisagem sem fim, interrompida apenas pelos desfiladeiros em que os ventos silvavam. Só então Effie se deu conta do quanto estavam isolados.

Por ter crescido na parte mais pobre de Calista e passado muito tempo cuidando da mãe doente, Effie conhecia a adversidade, e o trabalho duro não a incomodava. Mesmo assim, ficou apreensiva ao ver a enorme tenda de Zakari, que mais parecia um pequeno grão na imensidão do deserto.

Ela não esperava que ele viesse cumprimentá-la. Por que um rei cumprimentaria uma serviçal? Além disso, haviam dito que ele desapareceria de manhã cedo e só voltaria depois do pôr do sol, que só aconteceria em algumas horas.

Effie decidiu que começaria a trabalhar logo. Esse plano lhe ajudou a controlar seu nervosismo. Quando o rei Zakari voltasse, ela já estaria familiarizada com as coisas, e teria conhecimento de tudo que ele pudesse pedi-la. Ao perceber que as rodinhas não funcionavam na areia, levantou a pesada mala de Christobel. Logo se formaram círculos de suor sob seus braços e seu rosto estava vermelho pelo calor e o esforço da caminhada. Effie adicionou um item ao seu plano: tomaria algo bem gelado e depois começaria a trabalhar!

Entrou na tenda e tirou os sapatos. Era escuro e fresco lá dentro. Seus olhos levaram um tempo para se adaptar, depois da luz intensa lá de fora. O barulho do vento era mais brando dentro do agradável refúgio. Os tapetes estendidos no chão eram macios sob seus pés. As paredes da tenda também eram forradas, o que tornava o ambiente mais acolhedor. Havia mesas baixas rodeadas de passadeiras acolchoadas, e uma parede inteira era coberta de cortinas. Almofadas coloridas de veludo e cetim estavam espalhadas pelo chão e eram tão fofas que Effie sentiu vontade de se deixar afundar nelas.

Mas estava uma bagunça!

Além de areia por toda parte, também havia xícaras, pratos e jarras espalhados. Effie soltou a mala e foi explorar o resto do local. Encontrou a cozinha e se maravilhou por, mesmo em pleno deserto, a riqueza do rei possibilitar que ela se servisse de água da geladeira e pudesse lavar o rosto com água fresca.

Viu a comida estocada na geladeira e na despensa. Se o helicóptero não voltasse em um ano, eles não morreriam de fome! E atrás da cozinha era o alojamento para empregados, pequenas áreas separadas por cortinas, com colchões e mobília simples, mas ainda assim com todas as comodidades modernas. Effie percebeu, aliviada, que estava ansiosa para passar um tempo no deserto. Com o rei Zakari ausente o dia inteiro, e só uma tenda para cuidar, não importava de que tamanho fosse, seriam umas férias em comparação com o trabalho no palácio!

Com um sorriso, Effie se preparou para começar. Primeiro limparia o quarto dele e arrumaria a cama. Nenhum homem, nenhum príncipe e, com certeza, nenhum rei fazia sua própria cama. Ela trocaria os lençóis e lhe prepararia um bom banho.

Quando o rei Zakari voltasse, não se importaria nem um pouco que sua assistente habitual não tivesse ido. Ele logo veria que ela podia trabalhar mais e melhor que Christobel.

Zakari já estava impaciente. Ele sabia que ela estava ali, então por que não vinha até ele?

Devido à força do vento, ele voltou mais cedo do deserto e tomou um longo banho, grato pelo luxo que seu título lhe garantia. Era isso que o deserto fazia, ele refletiu, com a água escorrendo pelo seu corpo ao se levantar. Os óleos de banho formavam gotas em seu corpo. Fazia apreciar as coisas essenciais da vida que nunca valorizamos.

E sexo era essencial para Zakari.

Ele não fumava nem bebia, seu corpo estava soberbamente em forma e, apesar de sua paixão por cavalos e por polo, ele se recusava a fazer apostas com o dinheiro que seu título lhe concedia. Ganharia através de meios mais calculados.

Mulheres eram sua única fraqueza.

E uma aposta muito segura também, pensou um pouco insatisfeito. As cartas que segurava em suas mãos reais significavam que sempre, sem exceção, iria vencer.

Apenas uma mulher não cedera a seus encantos.

A princesa Kalila Zadar sempre fora considerada uma noiva adequada por seu pai. Ela lhe fora prometida em casamento desde que era pouco mais que uma criança.

E, embora ele não se entusiasmasse com a ideia de casamento, percebera que seu povo queria que o rei constituísse família. Aos 37 anos, era hora de começar a ter herdeiros. Com relutância, ele cedera à pressão e instruíra seu principal auxiliar, Hassan, a iniciar os preparativos para o tão esperado casamento. Como estava ocupado tentando encontrar o diamante Stefani, ele enviara seu irmão, sheik Aarif, para Hadiya, para buscar sua prometida.

Aarif e Kalila se apaixonaram...

Por medo de sua ira, eles tentaram esconder, mas Aarif, por fim, confessara, e ficara estarrecido com a reação de Zakari. O rei havia ficado radiante com a notícia e satisfeito em ver seu irmão feliz, apenas perplexo por não ver motivo para tanto segredo.

Kalila teria sido a esposa perfeita para um rei, mas Zakari não sentira a menor atração ao conhecê-la, e nem se perguntara como teria sido, ao vê-la casar-se com o irmão. Sentira apenas genuína alegria pela felicidade de seu irmão e tivera consciência de que jamais chegara perto de sentir o que Kalila e Aarif sentiam um pelo outro.

Ele era um rei, lembrou a si mesmo.

Reis não têm tempo para romance.

Ele não fez a barba. Estava com uma barba de vários dias. Zakari nunca se barbeava quando fazia retiro. E, de qualquer modo, não havia necessidade de impressionar Christobel.

Seu título era suficiente para isso.

Em breve... ele poderia sentir queimar o fogo que fazia dele um mortal. Naquela noite, seria só um homem. No dia seguinte voltaria para o deserto e continuaria a ser rei.

Ao ouvir o helicóptero, Zakari pegou uma toalha e andou pela tenda vazia. Enxugou o peito enquanto caminhava nu, à vontade com sua própria nudez. Abriu a cortina e viu o helicóptero aterrissar. A areia no ar atrapalhava sua visão, mas ele viu a mala azul de Christobel e, de imediato, teve uma ereção pelo que o aguardava.

Fechou a cortina e voltou para seu quarto. Um rei não se apressa para cumprimentar ninguém.

Ela o cumprimentaria.

Por um segundo ele cogitou vestir-se. Mas para quê?

Fora uma semana inteira sem poder se aliviar, e, agora que estava próximo, seu desejo se tornara urgente.

Sua cama estava cheia de almofadas e ele se recostou para esperá-la. Christobel não iria distrair sua mente com conversas sem sentido, nem contaria com uma união afetuosa. Ela sabia por que estava ali.

Ele fechou os olhos e sorriu...

Assim como ela sorriria quando entrasse e o visse ali...

Ao imaginar a habilidade de seus lábios e o rápido alívio que eles proporcionariam, ele segurou seu membro magnífico e o acariciou em todo seu impressionante comprimento. Ele podia ouvir seus passos, e o suave ruído das cortinas anunciava que ela se aproximava. Ele continuou a se acariciar. Sabia que nenhuma palavra seria dita quando Christobel entrasse... era evidente a urgência de seus serviços.

 

Effie pensara que ele estava fora. O silêncio, e as instruções de Stavroula, indicavam que ele devia estar no deserto. Enquanto ia para os alojamentos de dormir dele, só pensava sobre a beleza do ambiente, no fato de terem criado, ali no deserto, acomodações tão suntuosas quanto as do palácio. Mas, ao entrar no quarto, ela congelou.

Ele era lindo.

Foi seu primeiro pensamento ao ser recebida por seu corpo nu.

Até a luxuosa cama colorida, com uma profusão de almofadas e sedas, parecia gasta em comparação àquela beleza esplendorosa. Os músculos dele sobressaíam-se em sua pele oliva sedosa, seus cabelos pretos estavam molhados do banho. Estava com os olhos fechados e os cílios faziam sombras que desciam na direção das maçãs do rosto, barbeadas. Os olhos de Effie também desciam lentamente.

Tinha ombros largos, e os braços longos e musculosos. O peito era liso, e a barriga dura e reta, com uma trilha de pelos pretos que serpenteava abaixo do umbigo. Estava com uma das pernas estendidas sobre a cama e a outra dobrada. E então ela viu o que não deveria ter visto.

Uma camareira deveria desviar os olhos. Mas ela nunca exercera esta função.

E, com certeza, uma camareira não esperaria ver tal coisa.

Mas naquela fração de segundo, antes de fechar os olhos, viu seus dedos longos que seguravam seu imenso membro. Ele o acariciava em sensuais movimentos vagarosos que deixaram Effie rígida. E, por um segundo, ela observou um pouco tímida e fascinada, porque era a coisa mais bonita e erótica que já vira. Sabia que deveria retirar-se em silêncio, e foi o que tentou fazer, mas seu corpo parecia não reagir mais. A vassoura que segurava firmemente caiu no chão com um forte barulho, e Effie resfolegou assustada.

— Desculpe... — Cobriu os olhos enquanto ele abria os dele. Ela tentou recuar, tentou virar-se, mas suas pernas estavam como geleia. — Vossa Majestade, lamento muito...

Ele saiu da cama no mesmo instante, mas os olhos cobertos não impediram que ela ouvisse seu xingamento, nem que percebesse que ele vinha furioso em sua direção.

— Onde está Christobel?

— Ela não pôde vir, Vossa Alteza...

Ficou tentada a cair de joelhos e pedir perdão, mas ficar frente a frente com aquilo... Tudo que conseguiu fazer foi continuar de pé com os olhos cobertos e continuar a repetir que lamentava muito!

— Eu deveria ter feito algum barulho. Foi culpa minha, por entrar em silêncio... — Ela mal conseguia respirar. O calor do deserto não se comparava a seu rosto em chamas e estava encharcada de suor, aterrorizada. — Vou sair... — ela disse. Suas pernas se moveram dessa vez. — Pode continuar... — Ela queria ficar calma, só que não estava. Queria diminuir o embaraço dele... Eles ficariam ali muitos dias, afinal de contas.

— Continuar? — ele perguntou. — Continuar o quê?

— A satisfazer-se. — Effie recuou, então tentou fazer uma expressão mais natural, e tirou a mão dos olhos. Ficou aliviada ao ver que agora pelo menos ele se cobrira com um lençol. — Tem todo o direito. Vou sair agora.

Ela virou-se e andou rápido, desesperada para sair dali. Espantou-se quando ele a segurou pelo punho, quando o sheik rei Zakari AlTarisi a fez girar para encará-lo. Seus olhos negros estavam furiosos.

— Acha que eu estava me satisfazendo? — ele gritou. — Sou o sheik rei Zakari Al Tarisi. Não tenho que satisfazer a mim mesmo.

— Mas... — Effie franziu a testa, espantada com sua raiva. Como se só agora ele estivesse envergonhado e ofendido, ela se deu conta horrorizada. Quando ele voltou a falar, a mesma face que ela vira entreaberta de prazer estava agora contorcida em desprezo.

— Você — ele urrou — é quem foi enviada para me satisfazer!

 

Ela nunca iria até lá de novo.

Nunca!

Effie se contorcia de humilhação, com o rosto enfiado em sua cama. Cheia de vergonha e medo, ela refletiu sobre suas opções.

Vagar pelo deserto e desaparecer para sempre?

Ou colocar um sorriso no rosto e servir o jantar?

O deserto parecia ser a opção mais agradável.

Como poderia encará-lo? Ao mesmo tempo, como não poderia?

O que Stavroula quis dizer com estar disponível dia e noite?

Todas as vontades do rei deviam ser atendidas?

E ele estava furioso com ela! Suas desculpas exageradas só tornaram as coisas piores!

Seu trabalho estava liquidado, só que não tinha como sair dali...

Effie chorou pela situação desesperadora. Até seu útero chorava de tristeza, como prova da impossibilidade de sua condição. Porque, mesmo que ela fosse desse tipo, mesmo que soubesse como satisfazer não apenas um homem, mas o rei, estava em seu período menstrual e não poderia.

E estava presa ali por muitos dias!

Ali!

Congelou pela segunda vez em uma hora.

Com o rosto enfiado no travesseiro, ela congelou ao ouvir a voz dele e sentir sua presença imponente. Mas, dessa vez, sua voz não era de raiva, era calma.

— Preparei uma bebida para você. Beba...

O rei lhe preparara uma bebida!

Surpreendida, ela virou-se e olhou para a xicarazinha que ele lhe oferecia. Ela a pegou, e levou aos lábios o café. A bebida quente e doce era um consolo, mas não a recuperou do choque. Estava ainda mais estarrecida pelo sheik rei Zakari não só estar em seu quarto, mas também por falar com ela sem raiva. Sentiu-se mais confusa quando ousou olhá-lo e viu que quase sorria.

— Posso saber seu nome?

— Effie. — Lutou para ficar de pé, para se lembrar de seu lugar. —Vossa Alteza, lamento muito que...

— Basta! — ele interrompeu suas desculpas repetitivas com uma palavra e, após pensar um momento, sentou-se ao lado e a olhou demoradamente.

Zakari a ouvira chorar por uma hora inteira.

Enquanto se vestia, sua raiva inicial se dissipou e a situação lhe pareceu divertida. Zakari não sentira vergonha, talvez um pouco de raiva pelo que ela pensou ter visto, mas vergonha não.

No entanto, ele percebera seu embaraço.

E, quando sua raiva e desapontamento por Christobel não diminuíram, ele se deu conta do que aconteceu, e também do medo de Effie.

E, como ainda passariam vários dias isolados no deserto, ele escolheu, como em geral escolhia, cuidar diretamente do problema.

— Pensei que fosse Christobel. Ela era aguardada essa tarde e, claro que, quando vi a mala dela sair do helicóptero...

— Ela deixou o palácio pela manhã, Vossa Alteza. — Effie começara a tagarelar. Estava aterrorizada por falar com o rei, mas também grata pela chance de se explicar. — Fui escolhida para substituí-la no último instante. Não tive tempo de fazer minha mala. Tenho que vestir as coisas dela...

Zakari fez um olhar bondoso, mas não comentou nada.

— Pensei que estivesse no deserto e que não voltaria antes do pôr do sol. Queria arrumar seu quarto. Stavroula disse que eu ficasse disponível noite e dia e que todas as suas vontades deveriam ser atendidas. Ela tentou deixar claro quais seriam as minhas tarefas e eu aceitei com tanto entusiasmo... Eu não entendi bem... Eu não entendo dessas coisas.

— Stavroula falava sobre limpar, preparar minhas refeições. Ou talvez se eu quisesse um drinque ou conversar um pouco... — Zakari explicou. — O que aconteceu essa tarde... — ele desconsiderou o ocorrido com apenas um gesto — Christobel e eu tínhamos nosso próprio acordo.

— Oh... — Effie franziu a testa. Agora entendia por que a irresponsável e preguiçosa Christobel alcançara uma posição tão importante!

— Então não estou aqui para... quero dizer, não espera que eu...

— Não. — Zakari se encolheu só de pensar, embora não tenha demonstrado. Estava habituado a amantes magras, bem-arrumadas e habilidosas. Pensar que aquela mulher sem graça, roliça e tímida tomaria o lugar de Christobel tornou sua resposta definitiva!

— E precisa mesmo de uma doméstica?

Ele não queria nem precisava de uma doméstica, mas, ao olhar para seu rosto molhado de lágrimas, algo balançou dentro dele, a mesma sensação de quando reagiu a seu choro e que fez com que lhe preparasse uma bebida.

— Sim — ele respondeu, confuso por acalmá-la, quando era sempre o contrário que acontecia. — Preciso de uma empregada, mas não essa noite. Desfaça sua mala e descanse. Você começa seu trabalho amanhã.

Então, ele saiu majestoso e Effie permaneceu ali, incrédula com tudo que acontecera.

A vergonha e o espanto foram obscurecidos por pura perplexidade.

O rei lhe preparara uma bebida e a consolara por estar envergonhada.

O rei Zakari de repente tornara melhor o que era insuportável.

Ficou de pé com as pernas bambas e abriu a mala conforme ele havia instruído. Suas mãos tremiam e seu rosto ficou vermelho ao ver o conteúdo. Estava cheia de curiosidade, depois que o acordo entre Christobel e o rei se revelara mais profundo.

A não ser por um uniforme de empregada que ficaria muito justo em Effie, havia meias de seda, camisinhas na bolsinha de maquiagem, cintas-ligas e sutiãs transparentes que não cobriam nada. Tudo aquilo parecia zombar da inocência de Effie. Arregalou os olhos ao ver as loções e poções que Christobel devia usar para criar sua magia. Separou uma túnica fina e o uniforme, que eram as peças mais decentes, fechou a mala com toda pressa e tentou esquecer o que viu ali dentro. Preferia usar as mesmas roupas a semana inteira a mexer nas coisas de Christobel! Já havia lavado sua roupa íntima e o vestido para usá-los na manhã seguinte, e deslizou para dentro dos lençóis. A túnica e o uniforme estavam dobrados sobre a cadeira, caso Zakari a chamasse, e Effie tentou relaxar. Só que não conseguia. Desligou a lamparina da cabeceira e se esforçou para descansar, como Zakari a instruíra, mas, pela primeira vez, desafiou as ordens do rei.

Acendeu a luz de novo e tornou a pegar a mala. Dessa vez, percorreu seu conteúdo com curiosidade. Passou os batons nas costas da mão, borrifou perfume no ar e então, ao abrir um dos potes, Effie sentiu o cheiro doce de creme depilatório. Podia ser ingênua, mas não era burra. Sabia que em Calista não havia bons institutos de depilação como os de Aristo, e que, para ficar bem tratada, Christobel devia cuidar disso sozinha.

Ao olhar para seu próprio corpo, Effie reparou nos pelos ásperos de suas pernas, os pelos grossos que escondiam sua feminilidade. E pela primeira vez se sentiu incomodada com eles. Queria que seu corpo fosse liso, macio e bonito... Então repreendeu a si própria por ousar pensar essas coisas. Tapou o pote e apagou a luz com raiva. Recusava-se a pensar nisso, mas sua mente não a obedecia, não lhe dava o descanso de que precisava.

Foi um dia em que conheceu um mundo diferente, em que viu coisas que nunca imaginara. Ficou de olhos bem fechados para forçar o sono a vir, só que não era o rei nem o deserto o que a preocupavam... Mesmo seus sonhos mais delirantes eram uma pálida versão dos acontecimentos do dia.

 

No deserto, Zakari gostava de preparar seu próprio café da manhã, simples.

Mas, naquela manhã, foi recebido com um banquete.

Sentiu o cheiro defatir, uma panqueca doce que Effie preparara. Potinhos com amêndoas em óleo de argan e mel esperavam por ele na mesa, e também queijos, xarope de frutas e o costumeiro café forte e bem doce. Mas ela também havia feito um refrescante chá de menta.

— Isso é bom — Zakari disse entusiasmado ao morder um pedaço defatir. Ele tinha os melhores chefes de cozinha, estava acostumado a uma comida excelente, mas não havia nada como um fatir bem preparado.

— É receita da minha mãe — Effie sorriu.

— Ela é uma boa cozinheira!

— Era. — Ele viu seu sorriso vacilar. — Ela morreu há dois anos. Era só uma empregada de palácio em Aristo. Ela costumava prepará-lo...

— Eles não têm fatir lá — Zakari disse com desdém. Lá só tem doces franceses e croissants. Pelo menos, em Calista ainda seguimos a tradição!

— Estou certa de que tem razão — Effie concordou. — Mas minha mãe trabalhou lá há muitos anos, quando eu nasci.

— Quando o rei Christos estava vivo. — Zakari sorriu pela lembrança de um homem que nunca conhecera, e então concordou om Effie. — Eles deviam ter fatir no palácio naquela época.- Ele molhou o doce no óleo raro e ofereceu a ela.

— E Argan.

Effie recusou, chocada.

— Sente-se — Zakari ordenou. — Estou há dias sem falar com ninguém. Como empregada, aqui no deserto, pode falar comigo quando eu quiser. — Ele estendeu-lhe o doce e ela pegou. — No entanto, quando voltarmos ao palácio, vou ignorá-la — Zakari a lembrou.

— Claro! — Effie concordou hesitante, espantada por ele sorrir e perdida pelo efeito daquele cobiçado sorriso voltado para ela.

— Foi só uma brincadeira — Zakari falou. — Se eu a vir, é claro que vou lhe cumprimentar. Então, como está o argan? — ele perguntou, enquanto Effie corava com a ideia do rei cumprimentá-la no palácio.

— É maravilhoso! — Ela já havia comido fatir antes, mas molhado apenas no mel. O óleo de argan era um luxuriante ouro líquido, um produto derivado de árvores que crescem somente no sudoeste de Marrocos. Era uma iguaria com um sabor divino.

— Dá energia — Zakari explicou. — Também é considerado... — ele hesitou ao ver o rubor que lhe tomou o rosto, e pensou que, depois do ocorrido no dia anterior, talvez um afrodisíaco não fosse apropriado no café da manhã — ...por seus efeitos medicinais — ele preferiu dizer. Olhar aquele rosto bonito e sem remorsos sorrir-lhe de novo tornava fácil que ela também sorrisse. — Minha mãe também sempre insistiu em fatir.

— Sua mãe verdadeira ou a rainha Anya?

Era uma pergunta inocente, um mero detalhe na conversa. A informalidade que ele propiciou servira para baixar sua guarda, mas, ao ver que os olhos dele se estreitaram e que seu rosto ficou rígido, Effie amaldiçoou a si mesma por ter se esquecido do aviso de Stavroula, pois agora se metera mais uma vez em confusão.

— Seu trabalho é ouvir! — Zakari reagiu de imediato. — Não é perguntar.

— Claro, Vossa Alteza... — Effie se levantou, com as bochechas queimando. Levou os pratos sujos embora, arrependida por ter tocado em um assunto que passara dos limites. Mas, ao entrar na área de serviço, a voz de Zakari a alcançou.

— Minha primeira mãe. —A voz dele estava mais suave, e os olhos mais gentis quando Effie virou-se. — Minha primeira mãe insistia que comêssemos de manhã.

Com medo de dizer outra coisa errada, Effie concordou com uma inclinação de cabeça.

— Gostei do meu café da manhã. — Zakari disse. —Amanhã, porém, vou querer só café. Gosto de uma vida simples quando estou aqui.

— Não pode ir para o deserto sem comer! — Effie calou-se depressa, aterrorizada por ter ido longe demais outra vez. Só respirou de novo quando, em vez de lhe dar uma bronca, ele comeu outro pedaço defatir.

— Café e defatir... — ele cedeu. — E só.

 

Os ventos do dia anterior alteraram o lugar.

Quando Zakari se pôs a caminho do deserto, estudou a paisagem em constante mudança.

Se se perdesse, as rochas o guiariam, como o guiavam agora, Zakari lembrou a si mesmo, apesar de se sentir desamparado. Sua procura pela metade do diamante tivera muitas reviravoltas. Desde a morte de Aegeus, quando descobrira que a pedra fora substituída por uma falsa, sua busca fora incansável, e o levara ao Egito, à América e a Londres. Muitas jóias aristanas apareceram nos mais exclusivos leilões, e Zakari as readquirira anonimamente. Agora tinha certeza de que Aegeus mantinha uma amante, a quem cobria de presentes, e Zakari concluiu que talvez tivesse lhe dado até mesmo a pedra.

Mas quem?

Cada pista que seguia parecia deixá-lo mais distante da verdade. Cada jóia descoberta confundia mais a situação. Diziam que seria uma empregada dele, mas sua busca foi infrutífera. Também falavam de uma amante em seus primeiros anos de casamento, mas, se era assim, Aegeus havia sido mais do que discreto.

Em cada nova hipótese, nada.

Era por isso que estava ali, que escolhera se retirar para o deserto. Toda a confusão dos últimos meses, a morte de Aegeus, seu filho Sebastian, que abdicara do direito ao trono, os casamentos de seus próprios irmãos, sua busca pela pedra... Zakari escolhera clarear suas ideias. Ir para o deserto e rogar humildemente por sua ajuda.

Vagava sem destino agora.

Effie ter falado de sua mãe, ter ousado falar de sua mãe, acendeu algo... Primeiro uma lembrança de um tempo em que a vida era menos complicada, de correr pelo palácio, em outra terra, outra época, o som da voz de sua mãe.

Sua verdadeira mãe.

Ele não nascera para ser rei de Calista e, durante um tempo, isso o perturbou, e, sem dúvida, ao povo de Calista também.

Sua mãe morrera dando à luz o sétimo filho, Zafir. Seu pai, shfik Ashraf Al Farisi, o terceiro da família no Sheikado de Xadiya, após um período de luto, apaixonou-se pela rainha Anya, governante de Calista.

Ela não podia ter filhos, e criou e amou os filhos de Ashraf como se fossem seus, e preparou Zakari para um dia ser rei. Um dia que ainda estaria longe de acontecer se Ashraf e Anya não tivessem morrido em um acidente de helicóptero, colocando o peso da responsabilidade da ilha sobre seus ombros.

Agora, cinco anos depois, e aos 37 anos de idade, ele sentia que tal peso nunca fora tão grande.

Poder era tudo para Zakari.

Encontrar a jóia era sua única missão agora. Então por que perguntava a si mesmo, não conseguia se concentrar somente nisso?

 

O dia foi longo. Zakari desapareceu depois do café da manhã e Effie começou a limpeza, feliz em estar ocupada, para não ter tempo de pensar sobre o que aconteceu no dia anterior.

Havia muito a ser feito.

Ele podia fazer sua própria comida, mas não lavava um prato ou xícara. O chão atapetado estava cheio de roupas e toalhas espalhadas, e Effie encarregou-se de catá-las, lavar e limpar tudo. Entregou-se a uma fantasia de fazer um trabalho tão bom, ser tão discreta e eficiente que, quando Zakari voltasse ao palácio, a escolheria para substituir Christobel como sua assistente. Mas só para tarefas domésticas, Effie tratou de esclarecer com o rosto em fogo!

Só muito mais tarde ela criou coragem para limpar o lugar em que ele dormia. Voltou a corar ao entrar no quarto.

Começou pela limpeza do chão e dos móveis escuros ornamentados. Depois, tirou todas as almofadas e travesseiros da cama e trocou os lençóis de seda. Não importava o quanto ela tentasse não pensar sobre isso. Na verdade, quanto mais tentava não pensar, mais pensava. Simplesmente não conseguia tirar aquela imagem do rei Zakari da cabeça.

Effie sabia de seu lugar e, ao contrário de muitas, não se ressentia nem um pouco disso. Sua mãe a educara para adorar a realeza. Lydia explicara que foram generosos com ela. Seu trabalho duro no palácio, quando era jovem, fora recompensado por uma boa soma quando foi embora, e, com alguns investimentos, Lydia pudera comprar uma casa e ter uma renda moderada mesmo sem trabalhar.

Effie nunca questionara isso.

Assim como nunca questionara por que alguns tinham tudo e outros nada. Sentia-se privilegiada por trabalhar no palácio. Mesmo quando só tinha que limpar os enfeites, ainda assim podia olhar eles. Mesmo se só polia a prataria e as jóias, ao menos podia tê-los em suas mãos.

Nunca seriam dela. Aceitava isso.

Assim como o homem que vira ali, nu e sensual, também nunca prestaria atenção nela. Mesmo assim, um arrepio percorria seu corpo quando se lembrava do que viu. Mordeu os lábios ao tirar o lençol da cama, pois o cheiro masculino dele se espalhou pelo ar, e, por um rápido instante, Effie desejou.

Pela primeira vez, ela desejou que aquele tesouro que encontrara fosse seu pelo menos por um instante. Enfiou o rosto no lençol e o cheirou com toda sua alma.

Desejou ser magra e bonita como Christobel.

Desejou que o rei estivesse à sua espera.

Desejou não desapontá-lo.

Mas não estava sendo paga para sonhar, então continuou seu trabalho e, nos dias seguintes, criou-se uma rotina entre eles.

Zakari levanta-se ao amanhecer enquanto Effie preparava o café da manhã. Em geral, ele comia em silêncio. Às vezes, perguntava se ela havia dormido bem, ou murmurava um bom-dia, mas depois voltava a ficar pensativo e quieto. Na verdade, para Effie, era quase um alívio quando ele saía para o deserto para voltar só ao anoitecer.

Só que era um Zakari diferente que voltava.

Ele tomava banho, se vestia e comia o jantar que ela preparava. Depois, sentava-se nas almofadas do chão e tomava seu café. E, enquanto Effie limpava tudo, ele começava a falar com ela.

Atenta à advertência de Stavroula e aos erros que já cometera, Effie tentava conter sua língua, mas o rei Zakari era uma companhia tão cativante que era fácil se descontrair e falar sobre sua família, conversar e permanecer ali um pouco mais. Como recompensa, aquele rosto impiedoso abria-se em um sorriso de tirar o fôlego quando ela dizia alguma piada boba. E o mais surpreendente de tudo é que ele não a mandava calar-se quando fazia alguma brincadeira com ele.

O rei Zakari desprezava os nobres de Aristo, mas Effie os adorava e se recusava a curvar-se ao que ele achava.

— Os nobres de Aristo trataram minha mãe bem — Effie disse de modo severo numa noite, enquanto empilhava uns pratos. — Estou juntando dinheiro para ir a Aristo ver a coroação do príncipe Alex em janeiro.

Não haveria coroação para o príncipe Alex se ele encontrasse a jóia, Zakari pensou, sombrio. Effie não podia saber disso. A única coisa com que as duas famílias reais concordavam era que o desaparecimento do diamante devia ser mantido em segredo.

— Acha realmente que Alex seria um bom rei? — As palavras de Zakari eram cheias de desdém. — Seu irmão Sebastian é que foi preparado para ser rei, mas renunciou ao trono para se casar com uma mulher que não era apropriada.

— Mas isso é adorável! — Effie insistiu.

— Isso é fraqueza! — Zakari rejeitou o sentimento dela. — 0 povo de Aristo está preocupado com esse comportamento. Sabem que Alex e sua nova esposa não querem assumir esse papel e tudo que isso vai acarretar.

— Bem, eu não estou preocupada.

— Você vive em Calista, então não precisa estar — Zakari observou. — O transtorno deles não a afeta, você tem um rei forte.

— Tenho! — Effie corou. — Tenho um rei maravilhoso, que tenho orgulho de servir, mas mesmo assim me importo com Aristo e acho que, sob a orientação da rainha Tia, o príncipe Alex será um rei maravilhoso!

Effie se manteve inflexível, e Zakari admirou sua lealdade quando, em vez de voltar atrás, ela deu apenas um breve sorriso e lhe desejou uma boa noite antes de ir para o alojamento dos empregados.

Ela tocara em um ponto importante, Zakari refletiu ao recostar-se nas almofadas e fechar os olhos por um instante. Seu corpo estava exausto pelo longo dia, mas sua mente ainda estava alerta. A rainha Tia era a única salvação de Aristo. Mulher digna, elegante, ela permanecera leal e recatada ao lado de Aegeus e dedicara-se a seus filhos e a fazer caridades e, Zakari admitiu relutante, havia educado bem os seus filhos. Zakari sempre admirara o príncipe Sebastian. Pelo menos até ele virar as costas a seu povo por uma mulher.

Effie era interessante de se conversar e, com a noite se aproximando, Zakari pensou em chamá-la de volta. Sentiu sua falta quando ela foi se deitar, daqueles vivos olhos azuis e do modo como corava quando ria. Mas se refreou.

Talvez a causa disso fosse o isolamento, mas Zakari começava a perceber que falava demais quando ela estava por perto. Sob seu olhar firme, era fácil esquecer as regras, a discrição e a distância, que estavam tão arraigadas em cada partícula de seu DNA.

Então, em vez de chamá-la, ele também foi se deitar, não em sua cama luxuosa, mas lá fora. Fez uma fogueira, deitou-se sob as estrelas e ouviu o chamado do deserto. E lembrou a si mesmo do lugar de Ellie, porque não poderia se esquecer disso jamais.

Mas na sexta noite, enquanto estava sentado nas almofadas baixas, a mesa estava limpa e ela não tinha motivo para continuar ali, pediu que se juntasse a ele.

— Você não mora no palácio?

— Tenho minha casinha. — As bochechas de Effie ficaram ruborizadas ao sentar-se hesitante na almofada ao lado dele. — Bem, era de minha mãe.

— Disse que ela era uma empregada do palácio. Como conseguiu comprá-la?

— Ela era empregada antes de meu nascimento — Effie disse. Mas ela poupou seu dinheiro e soube investir. É uma casa bem pequena, mas suas economias duraram até um pouco antes de ela morrer. Nunca mais precisou trabalhar.

Ela era tão ingênua. Zakari ocultou um sorriso. As únicas mães solteiras que possuíam propriedade em Calista trabalharam extremamente duro por seu dinheiro! Ainda assim, era uma gracinha que ela acreditasse nas mentiras que sua mãe devia tê-la contado- Zakari refletiu.

— Sente muita falta dela?

— Demais! — Ele viu que ela piscou para afastar as lágrimas de seus olhos. — Também deve sentir falta de sua mãe — Effie disse. — Ou melhor, mães. — Ele não a repreendeu dessa vez, apenas inclinou de leve a cabeça. Havia sido duro perder a mãe aos 11 anos, mas a perda de Anya, há cinco anos, fora igualmente ruim. Zakari nunca fora muito próximo de seu pai. Respeitavam um ao outro, mas nunca existira nenhuma conversa de verdade, nem carinho. Com Anya era diferente. Ela era louca por ele como se fossem do mesmo sangue e o ajudara com a perspectiva aterrorizante de que um dia seria rei e governante, e também confidenciava a ele seus medos e temores.

Zakari não estava com a atenção toda voltada para o que Effie dizia, mas franziu a testa para silenciá-la quando ela disse:

— E com o que aconteceu com seu irmão mais novo também...

— Isso não é para ser discutido. — Dessa vez, Zakari foi severo. Ele queria falar sobre ela, não contar como se sentia em relação às coisas. — Então, que bom você ter sua própria casa... — Mas ela já não estava mais tão receptiva. Por mais que tentasse persuadi-la a se sentir livre para falar, não havia mais espontaneidade, e ela respondia somente o necessário.

Ela podia ser ingênua e doce, Zakari pensou, mas havia muito mais nela além disso. Havia uma inteligência em seus olhos e uma obstinação dentro dela que o fascinaram durante aqueles dias, mas nunca como agora. Embora ela fosse sempre educada, não cedia, recusava-se a bancar a boba da corte só para diverti-lo. Zakari se deu conta, após outra resposta monótona, de que ela não revelaria mais nada sobre si se ele não lhe concedesse a mesma honra.

Ela esperava dele o que ele raramente concedia: uma conversa verdadeira.

— Você daria uma ótima jogadora de xadrez... — Ele esboçou um sorriso diante de outra resposta polida em que ela o forçava a refletir sobre sua próxima jogada. Zakari se perguntava se abrir-se seria pior ou se o liberaria de alguma forma.

— Duvido. — Effie deu um leve sorriso. — Eu não jogo.

Após uma longa hesitação, ao avaliar seu rosto simpático e gentil com desconfiança, Zakari optou por falar:

— Penso nele todos os dias. — Foi Zakari quem quebrou o tenso silêncio interminável. Ele, que nunca admitia essas coisas nem para si mesmo, pôde ouvir as palavras saírem de seus lábios, e não fez nada para impedi-las. — Até hoje, no fundo do meu coração, não consigo aceitar que ele está morto.

— Então não pode chorar por ele... — Ela entendeu sua dor e, por instinto, colocou a mão no braço dele, mas, assim que o tocou, se deu conta de que não era apropriado, e tirou a mão e a fechou, mas ainda sentia seus dedos formigarem.

Zakari, por sua vez, lutava consigo mesmo. Deixara que ela visse sua dor, que compartilhasse o bastante para que agora pudesse continuar, pudesse conversar. Mas aquele breve toque em seu braço o confortou. Seus olhos negros contemplaram os dela e ela soube que aquela parte dolorida de sua alma, talvez apenas por um segundo, tinha sido compreendida.

Ele nunca demonstrara tristeza.

Nunca lhe fora permitido sofrer.

Um príncipe que um dia seria rei não poderia chorar. Anya sofrera. Por um instante, lembrou-se de Anya soluçando na cama. Gostaria de ter chorado com ela, mas tinha 16 anos, era um rei em formação. Ao olhar para os olhos safira de Effie, cheios de lágrimas, seu ombro esquerdo se contraiu ao sentir mais uma vez a mão de seu pai sobre ele.

— Seja forte! — Seu pai, sheik Ashraf, apertou seu ombro, quando só o que Zakari queria era ser confortado. — Não devemos procurar por respostas.

Ele nunca questionara isso, mas o fazia agora, diante de sua doce presença.

— Posso perguntar o que aconteceu?

Sua voz era meiga como a dele ao responder.

— Você sabe o que aconteceu.

— Só sei o que li e o que ouvi falar — Effie desmentiu. — Mas não sei a verdade.

— Sabe o suficiente.

— Falar pode ajudar.

— Como? — ele perguntou. E Effie percebeu que ele realmente não sabia como. Diante dela estava um homem que nunca expressava seus sentimentos, que fora educado para agir mais do que sentir.

— Simplesmente ajuda. — Ela poderia chorar. Não pelo irmão dele, mas pela confusão que via por detrás daquela expressão defensiva. Podia sentir que ele quase cedia, mas voltava a recuar a todo instante. O que vinha com tanta facilidade para ela, era difícil para ele.

Então ele lhe deu o presente mais doce de todos. O sheik rei Zakari Al Farisi, com palavras sofridas, a convidou para entrar em seu mundo e Effie soube que o amaria para sempre por isso.

— Meu irmão Emir estava doente. Com gripe... — Sua voz forte estava reduzida a um sussurro. — Eu nunca brinquei com as crianças mais novas. Fui educado para ser rei, não podia fazer coisas de criança... Aarif e Kaliq, os gêmeos, planejavam construir uma jangada. Eram adolescentes, deviam ter pensado melhor, mas foram bobos ao planejar essa aventura de que iriam construir uma jangada para velejar no mar. Zafir descobriu o plano deles... — A voz dele ficou presa por um instante, mas ela continuou tranquila e esperou que ele se sentisse pronto para continuar. — Ele implorou para ir com eles. Eles perderam o controle, foram levados pelo mar...

Effie ouvira falar sobre essa tragédia quando tinha apenas quatro anos de idade. Também vira a cicatriz do tiro que o príncipe levara no rosto, e lera sobre o acidente na biblioteca, mas ter tudo contado pelo próprio rei, do irmão que sofrera tanto pela perda, fez com que ela chorasse.

— Eles foram resgatados por contrabandistas de diamantes.

Zafir era orgulhoso e berrou a eles quem era seu pai. Assim que s contrabandistas souberam quem tinham em suas mãos, tornaram-se gananciosos. Eles amarraram seus pulsos com cordas. Aarif e Kaliq ainda têm as cicatrizes das cordas que os feriam enquanto os contrabandistas discutiam o valor que iriam pedir... Em Calista, o palácio estava em polvorosa. Lembro-me da busca dos helicópteros e dos barcos... — Zakari balançou a cabeça.

— Zafir conseguiu se libertar, soltou os irmãos mais velhos e correram todos para a jangada e partiram. Eles quase se safaram, mas foram avistados. Aarif levou um tiro no rosto, você viu as cicatrizes que ele tem...

Effie concordou com ar solene.

— Não são nada se comparadas à dor que sentiu... Aarif caiu no mar. Kaliq pulou para salvar seu irmão gêmeo. Eles tentaram alcançar a jangada, mas o mar a levou para longe com Zafir sobre ela. Os contrabandistas recapturaram os gêmeos, bateram várias vezes neles... meu pai pagou o resgate dos dois filhos, mas Zafir...

Ele não conseguia continuar, então Effie o fez por ele:

— Nunca mais foi encontrado.

— Se estivesse vivo, faria 27 anos esta semana. Zafir seria um homem.

— Talvez esteja vivo — Effie cogitou. Mas Zakari fechou os olhos e balançou a cabeça. — Meu coração diz que está, minha cabeça diz que está morto e que devo deixá-lo descansar. Mas, em meu íntimo, não consigo. — Ele sacudiu a cabeça. Nunca se revelara tanto e isso o esgotara. Seu consolo e a compaixão em seus olhos agora pareciam incomodá-lo. — Vou me deitar agora.

Foi o que ele fez, sem dizer mais nada. Effie continuou sentada por um instante, antes de se forçar a se levantar para afofar as almofadas e deixar o local limpo para o dia seguinte. Pôs a mesa para o café da manhã, foi para seu quarto, se despiu e se enfiou na cama.

Teve que se forçar a cumprir suas obrigações e a ficar na cama. A cada passo, a cada movimento e pensamento, tinha que resistir ao desejo de ir até ele, de se enroscar como um gatinho ao lado dele na cama, lhe oferecer seu calor e ouvir aquela voz profunda em seus ouvidos.

De passar a noite, não com o rei, mas com o homem Zakari.

 

Concentre-se!

Zakari estava encontrando dificuldade nisso! O sol estava alto no límpido céu azul, quase não se via sua sombra sob seus pés que, mesmo sendo só meio-dia, já estavam prontos para voltar para ela.

No início, sua conversa o irritava. Sentia-se pressionado por aquele rosto ansioso, que esperava pelo seu retorno todas as noites. Seu jeito desengonçado enquanto preparava-lhe o banho e suas lorotas sobre a vida de sua mãe no palácio de Aristo o enervavam. Pelo modo como Effie descrevia sua mãe, mais parecia uma princesa do que uma empregada.

Sim, no começo aquilo o irritava.

Mas agora...

Aguardava ansiosamente por isso.

O dia parecia interminável. Ainda faltavam algumas horas para o pôr do sol e, embora tentasse se concentrar nos problemas das ilhas, sua mente vagava. Por mais que tentasse desobstruir seus pensamentos, ou era a imagem de seu irmão que dançava diante de seus olhos, ou era o rosto dela que flutuava diante dele... O cheiro dela, que parecia levá-lo de volta muito antes do anoitecer.

— Chegou cedo!

(*),ela estaria deitada no sofá lendo revistas ordinárias e bebendo vinho, Zakari pensou... No entanto, ali estava Effie, ajeitando as cortinas coloridas em volta das almofadas do chão.

— Desculpe por encontrar o lugar nesse estado, Vossa Alteza.

— Continue.

— Eu as levei lá para fora para limpá-las — Effie explicou.

— Não tem problema. — Ele franziu um pouco a testa, mas não por ela estar trabalhando. Havia algo diferente nela, mas ele não sabia o quê. Ela estava sobre uma pequena escada e Zakari observou, interessado, quando ela se esticou. Seu vestido subiu e revelou coxas brancas e macias, e Zakari sentiu um nó na garganta. Conseguia ver o tecido esticado que cobria seus seios fartos e a curva de suas nádegas ao deitar-se sobre as almofadas.

— E então, como foi seu dia? — Deu um leve sorriso ao pendurar a última cortina. — Não que seja da minha conta.

— Foi... — Zakari refletiu por um momento. — Pouco produtivo.

— Oh!

Seu rosto estava corado pelo esforço, e seus olhos azuis ainda mais azuis, como duas jóias brilhantes. E sua boca era bonita e macia.

Como, Zakari pensou consigo mesmo, pôde não ver sua beleza?

Então, Zakari sentiu seu coração parar. Quando ela se esticou para ajeitar a cortina, o vestido justo de Christobel deixou que visse as axilas lisas de Effie. Ao olhar mais uma vez para suas pernas, viu como sua pele estava macia e percebeu o brilho do hidratante. Só agora se dava conta de que ela usara as coisas de Christobel.

— Posso perguntar por quê? — A pergunta dela o confundiu. Era incapaz de se lembrar sobre o que conversavam. — Disse que seu dia não foi produtivo.

— Oh, sim! — Zakari confirmou, aliviado que ela não tivesse notado sua distração, e envergonhado por quase ser pego olhando.

Passei muito tempo perdido em pensamentos sobre meu irmão.

— Ele a viu parar e virar seu rosto, gentil e preocupado, para ele. Seus cabelos estavam se soltando do laço e vários cachos caíam sobre seu pescoço esguio. — Pensava no homem que poderia ter sido, se estivesse vivo.

— É porque falou nele.

— É bom lembrar. — Zakari deu um sorriso pálido. — Dói, mas é bom.

— Lamento por sua dor— Effie disse, e Zakari sabia que era sincera, que não falava só por educação. — Algum dia ela diminui?

Sabia que ela perguntava para si mesma, por causa de seu próprio sofrimento, que era mais recente do que o dele.

— Você aprende a viver com isso. Não diminui, mas aprendemos a suportá-la. Você também vai aprender — ele acrescentou.

— Obrigada. — O sorriso de gratidão que ela deu o tocou era algum lugar bem lá no fundo. Só que Zakari não sorriu de volta, só olhou-a nos olhos por um momento e esperou que ela ruborizasse ainda mais e que baixasse os olhos, para que ocorresse aquele momento de conexão que sempre acontecia tão facilmente com as mulheres, aquela consciência de que era desejado.

Só que isso não aconteceu. Em vez disso, ela deu um sorriso largo e mudou de assunto.

— Já vou terminar isso aqui, e vou preparar seu banho. Mas, antes, vou trazer algo para beber...

Ele fez um leve gesto afirmativo com a cabeça.

Deitado nas almofadas enquanto ela trabalhava a apenas uns centímetros dele, Zakari pela primeira vez se interrogou sobre uma mulher.

Porque, até agora, sempre soubera a resposta.

Sempre.

Sempre havia sinais quando uma mulher o queria, sinais que reconhecia com facilidade. Interpretava bem as mulheres. Calma, neurótica, carente, devassa. Tinha prazer em domá-las. Interpretava seus sinais involuntários, e então as atraía para si e exigia seu prêmio triunfante. Era rara a mulher que recusaria um rei, embora elas fossem o tipo que Zakari mais apreciava. Adorava a dança de sedução entre um homem e uma mulher, sobretudo se ela era inalcançável, quando ele podia usar sua sensualidade e habilidade para colocar a mais difícil das mulheres em suas mãos.

Só Effie era indecifrável.

Usara as coisas de Christobel apenas por curiosidade, ou fora por ele?

—Pronto!

Quando desceu da escada, ficou um pouco tonta. Não tanto, mas era desculpa suficiente para que Zakari a segurasse para ajudar a descer os dois últimos degraus.

— Obrigada.

Segurava o pulso dela, sua pele era macia, seu cheiro o arrebatou. Não era perfume, era o seu próprio cheiro, combinado com a sensação de sua pele sob seus dedos, e ali estava a reação dele.

Embora ela parecesse não se perturbar, ele podia sentir sua pulsação acelerada. Sabia que o contato mexia com seus instintos.

Um pássaro voou para dentro do palácio.

Um pequeno pássaro cinza e feio que causou um caos momentâneo.

O pequeno Zafir dava gritinhos de alegria enquanto o perseguia, as empregadas corriam com vassouras atrás do pássaro que esvoaçava em pânico. Seu voo aterrorizado o levou até o escritório, onde se chocou contra o vidro da porta.

Anya mandou as empregadas saírem e disse a Zafir que se sentasse para observar o que ensinaria ao irmão mais velho.

— Quando vem a confusão, e as pessoas correm e gritam, e você, Zakari, deve deter o caos com calma. Não ceda à primeira reação que lhe vier à cabeça. Não corra com a multidão. Como rei, deve sentar-se um pouco e observar. Veja como o palácio, que é tão grande para nós, é minúsculo e limitador para ele. Veja como luta para se libertar, mas logo ele vai desistir.

Então eles se sentaram e esperaram, até que o pássaro foi descansar atrás de uns livros, e Anya o pegou.

—Aqui está ele, Zakari. Está morto de medo de você, mas está parado, então agora você pode ajudá-lo.

A ave não pesava nada em sua mão, aos 13 anos de idade. O feio pássaro cinza, quando olhou mais de perto, tinha vários tons de cinza, e, ao segurar seu corpinho aterrorizado, pôde sentir o batimento de seu coração em sua mão.

Levou-o para o jardim, colocou-o sob uma árvore e observou durante 20 minutos ele ficar ali empoleirado, espantado e depois voar.

Zakari podia sentir sua pulsação em seus dedos, rápida como a do passarinho, e, embora estivesse parada e parecesse tranquila, sabia que estava aterrorizada. Podia sentir seus batimentos acelerados, e Zakari desejou que ela voasse.

Ela libertou sua mão, virou-se e sorriu. Com a voz serena e gentil de sempre, negou o que ambos sabiam.

— Vou preparar uns refrescos.

Estava com o rosto em fogo quando foi para a cozinha. Seu pulso estava quente onde Zakari a tocara e ela ficou tentada a correr para enfiá-lo debaixo d'água, só que isso não iria aliviar o calor de outro lugar...

A tenda parecia estar minúscula, como se estivesse sob uma lente de aumento e todo o calor do deserto estivesse concentrado ali.

Effie queria seu antigo trabalho de volta. Queria as paredes familiares do palácio, suas rotinas habituais e o anonimato que lhe proporcionavam. Desejava voltar para onde uma empregada não despertaria a atenção do rei.

O deserto confundia a cabeça das pessoas, Effie disse para si mesma enquanto carregava a bandeja e tentava se acalmar. Ele nos faz ver coisas que não existem... cria miragens. Era o que tinha acabado de acontecer, insistiu consigo mesma. Zakari não olhara para ela daquele jeito.

O sheik rei Zakari Al Farisi nunca a olharia com desejo. O fato de ela querê-lo não tinha a menor importância. Ajoelhou-se para servir o chá de menta. O uniforme de Christobel ficava pequeno demais nela, com o tecido agarrado às suas curvas, o botão de cima não fechava, e, ao inclinar-se para frente, oferecia a ele uma breve visão de seu decote. Zakari cerrou o maxilar ao ver o colar em seu pescoço, pois o peso do pingente o fazia descer e depositar-se entre seus seios. Desejou que seu dedo ou sua língua fossem aquela pedra sortuda, aninhada naquele calor aconchegante, Zakari pensou, cheio de cobiça. Ficou tentado a acariciar sua nuca e segurar-lhe o queixo, só que sabia qual seria a sua reação...

Ficaria aterrorizada.

— Junte-se a mim — Zakari ordenou, apesar de ela ainda ter muitas tarefas a cumprir. — Tome um pouco de chá.

Dessa vez, tremia de nervosismo ao sentar-se ao lado dele. Seus olhos azuis lutavam para encará-lo, tentando ficar à vontade.

— Seria decadente construir uma piscina no meio do deserto?

— Pecaminoso! — Effie riu, assim como Zakari.

— Vergonhoso! — Zakari encolheu os ombros. — É a única coisa que algumas vezes me faz falta quando estou aqui.

Ambos desviaram o olhar por saberem que omitira algo.

— Também adoro piscinas! — Effie falou mais do que depressa, na tentativa de preencher o súbito silêncio constrangedor. — Bem, gosto de olhar para elas. A piscina do palácio de Calista é esplêndida. Minha mãe me contou sobre a piscina da residência real de Aristo, em Kionia.

— Sua mãe não trabalhava no palácio?

— Trabalhava. — Effie encolheu os ombros. — Talvez tenha sido enviada até lá por um dia, para fazer a limpeza. Tem uma piscina imensa que dá para o mar. Minha mãe disse que é uma vista inigualável...

Zakari apenas sorriu com outra história extravagante. Sabia que o que dizia era bobagem. A piscina fora encomendada pela rainha Tia quando sua filha mais nova nascera, a princesa Elissa. E isso devia ter sido muito depois da mãe dela ter parado de trabalhar no palácio. Era só a gloriosa imaginação de Effie em ação outra vez. Ela devia ter ouvido falar da piscina e a incluíra em suas histórias fantasiosas sobre sua mãe. E Zakari não se importava nem um pouco, mesmo que isso o fizesse rir. Ele gostava de ouvi-la falar.

No começo, isso o irritava, agora o acalmava, e ele queria saber tudo sobre ela.

— Você está noiva?

— Não... — Ela deu uma risadinha tímida.

— Mas está com 25 anos. — Viu que ela ruborizou com seu comentário. A maioria das mulheres pobres da idade de Effie já era casada e tinha filhos.

— Não tenho família para arranjar essas coisas — Effie respondeu bastante envergonhada. — Estive ocupada cuidando de minha mãe todos esses anos e, de qualquer modo, não tenho tempo para isso. Já é bem duro trabalhar no palácio, para voltar para casa e ter que começar tudo de novo.

— Casamento é isso para você? Ser uma criada?

— Não tenho muito mais a oferecer... — Effie deu de ombros.

— Discordo — Ouvi-la falar assim fez crescer uma raiva dentro dele. Raiva de si mesmo também, pela primeira impressão que teve. Ela não era a mulher gorducha e sem graça que pensara ter visto. Com orientação e autoconfiança, ela poderia ser muito bonita.

Olhou de novo para a curva de seus seios que pressionavam a roupa apertada de Christobel, para seus olhos tristes ao falar com ele, e havia qualquer coisa a mais quando seus olhos se encontravam que fez Zakari refletir.

Sortudo do homem a quem ela entregasse seu coração, Zakan pensou.

— Pode ser que eu ainda conheça alguém. — Effie deu de ombros. —Alguns criados do palácio demonstram interesse, mas só porque tenho minha própria casa... Sei que não estão interessados de verdade em mim.

— Não deveria falar assim de você mesma.

— Como deveria falar, então?

— Deveria esperar ser bem tratada. — Ele se irritou por ter dado de ombros. — Se seus namorados a trataram mal no passado, foi porque permitiu.

Mais uma vez ela deu de ombros e ele se irritou outra vez.

— Talvez.

— Quando um rei dá um conselho, as pessoas costumam aceitá-lo — Zakari disse azedamente.

— Claro, Vossa Majestade! — Humilhada, Effie se desculpou de imediato. — Não é que não concorde, é que... — Ela encolheu os ombros de novo, mas ele não se irritou. — Não houve nenhum namorado. Se esse dia chegar, vou seguir seu conselho. Fico muito agradecida por ele. Só que, nesse momento, não sonho em me casar.

— Então, com o que sonha?

— Não sei... — Effie fez uma expressão confusa.

— Se não é casamento...

— Ser feliz, acho.

— Não é feliz?

— Sou... —Agora estava realmente confusa, pois, na verdade, estava feliz, ali, falando com ele, pela primeira vez desde a morte sua mãe, Effie estava feliz. Olhou para ele e admitiu a verdade que acabara de perceber.

— Estou feliz agora.

— Mas não tem sonhos?

— Claro que tenho... — O rosto de Effie ficou mais vermelho. Mas sonhos são íntimos, são apenas sonhos, não são reais.

— Com o que sonha? — Sustentou seu olhar. — Me diga.

— Lhe dizer?

— Me diga — ele repetiu.

Ela hesitava, insegura em revelar seus pensamentos, envergonhada só por considerar tal ideia. Mas Zakari cuidou disso para ela. Como se pudesse ler seu pensamento, ele o revelou, ou pelo menos parte dele. — Sonha com príncipes que vão tirá-la de seu trabalho?

— Não seja bobo. — Seus lábios se abriram em um leve sorriso, mas seu coração batia forte...

— Com o quê, então? — Zakari perguntou. E não dava para fingir que era uma conversa desinteressada. Seus olhos negros a olhavam aborrecidos , o ar estava tão denso pela tensão que ela encontrava dificuldade em puxar o ar para os pulmões. O flerte e as pequenas provocações que ela ignorara nos últimos dias, convencida de que eram fruto de sua imaginação, estavam concentrados naquele momento impetuoso.

— Sonho com reis... — Effie suspirou e mordeu os lábios ao revelar sua verdade mais íntima.

— Reis? — Zakari confirmou, com um leve sorriso nos lábios.

— Um rei — Effie sussurrou com os olhos fixos nos dele.

— E em seu sonho esse rei a enche de jóias e roupas?

— Não... — Seu rosto queimava ao ser analisada por ele. — Isso seria um sonho impossível para uma mulher na minha posição. — Embora não escrito, Effie sabia que começava a ser feito um contrato entre eles.

— O que iria querer desse rei? — Ele viu um brilho de lágrimas em seus olhos, e a confusão que os deixava agitados. Então ela sacudiu a cabeça e quebrou o encanto, e dispersou o desejo que pairava entre eles. Mas, ao levantar, ele viu que estava tonta.

— Preciso continuar.

Como ela queria estar no palácio, com paredes que os separassem, com outras pessoas, a rotina, mas ali no deserto não havia escapatória. Apesar de ele tê-la ignorado no jantar, mesmo que naquela noite não a tivesse chamado para ir juntar-se a ele nas almofadas, ainda assim não havia como escapar do gênio que ela deixara sair da garrafa, o conhecimento de que flertara, de que permitira que ele vislumbrasse seus desejos mais íntimos.

A noite se arrastou interminável. Sentada no alojamento dos empregados, ela lia um livro enquanto esperava que Zakari fosse se deitar, para então limpar o salão antes de também ir dormir. Mas o sono lhe fugiu.

A noite estava abafada, e Effie estava deitada, acordada, naquele calor opressivo, sem conseguir evitar seus pensamentos.

Sexo nunca fora uma das coisas que mais a preocupavam. Não a preocupava de modo algum. Sua virgindade não fora guardada como um prêmio para quando o amor de sua vida aparecesse, era apenas algo que ela conservara.

Consciente de que não tinha uma beleza clássica, ela presumira que era por isso que nenhum homem jamais fizera nenhuma proposta. Mas o que Zakari havia dito? Que devia esperar ser bem tratada? Talvez pudesse, se tivesse dez por cento da autoconfiança de Christobel... ou um pouquinho de sua experiência!

Effie ruborizou-se com seus pensamentos perigosos. Sexo e romance não passavam de um sonho distante, uma dança ocasional e insignificante na periferia de sua vida. Mas, desde que chegara ali, desde que o encontrara, tão bonito e nu, havia despertado para isso. Não conseguia tirar a imagem dele da cabeça.

Talvez tivesse conseguido, se ele não tivesse conversado com ela.

Se a tivesse tratado como uma simples empregada, talvez ela tivesse seguido em frente. Mas, ao deitar-se à noite, toda noite, era o rosto dele que aparecia diante de seus olhos fechados.

Deitada ali, pensou nele e no momento íntimo que testemunhou, aqueles lindos olhos castanhos cheios de contentamento. Ao lembrar dele segurando seu membro, sentia suas coxas ficarem pesadas e uma palpitação embaixo de seu ventre. Ela respirou fundo. Quase podia sentir as mãos dele em sua cintura, seus quadris. Percebeu que ele havia olhado para seus seios naquela noite e seus mamilos se enrijeceram pela lembrança, enquanto ela explorava seu corpo com culpa, através dos olhos de Zakari.

E então ela parou, e, com um soluço de frustração nos lábios virou para o lado e se esforçou para dormir. Repreendeu a si mesma por ousar imaginar que um rei poderia honrar seus sonhos.

Queria que já fosse de manhã, quando ele iria para o deserto e ela poderia respirar livremente de novo.

 

Só que o deserto tinha outros planos.

Effie acordou de um sono nada tranquilo para os gritos e uivos dos ventos do deserto.

Ela já vira tempestades do deserto de dentro dos limites seguros do castelo, olhara pela janela espantada enquanto os ventos levantavam-se da paisagem e a modificavam, e também ouvira histórias.

De que os gritos do vento eram, na verdade, almas perdidas clamando por companhia. Gritos que pareciam tão reais que atrairiam pessoas sensatas e racionais para fora da segurança do abrigo para investigar.

Que as almas o atrairiam para a morte.

Effie nunca acreditara nas histórias, mas, quando o vento açoitou a tenda e a fez ouvir seu lamento selvagem, passou a acreditar. Enquanto se lavava, tentou ignorá-lo, mas pôde jurar que ouviu uma mulher chorar, gritar e implorar por ajuda.

— Droga! — Effie resmungou ao ver que sua calcinha e sutiã ainda estavam molhados. Em seu delirante dilema da noite anterior, esquecera-se de pendurá-los, e, como não levara sua bagagem para o deserto, teve que escolher algo entre as coisas de Chnstobel. Coisas novas, Effie percebeu enquanto suas mãos trêmulas abriam o papel que as envolvia. O rei devia lhe dar algum dinheiro, pois nenhuma criada poderia comprar seda, cetim e veludo.

Coisas de prostituta, Effie pensou ao ver o sutiã indecente e a calcinha minúscula que jogou sobre a cama como se fossem carvão em brasa. Mas sua curiosidade foi instigada de novo, e, claro não podia servir café da manhã ao rei sem roupa de baixo, pensou consigo mesma ao escolher a opção mais segura. Eram um sutiã e calcinha brancos. Só que não tinham nada de virginal.

A minúscula calcinha ficou cavada em seu corpo e era possível ver o pouco que ela cobria de suas partes íntimas através do tecido transparente. E, quanto ao sutiã...

A única coisa que tinha em comum com Christobel era o busto generoso, mas quando o colocou, as tiras marcaram suas costas e ombros. Por mais desconfortável que estivesse, olhou-se com curiosidade no espelho. Seus seios estiveram sempre apertados em um sutiã prático que servia apenas para cobri-la, mas que não os sustentavam. Agora, estavam erguidos, aumentando seu decote e sufocando o colar de sua mãe entre eles. Podia-se ver suas auréolas rosadas através da audaciosa renda transparente, seus mamilos duros no tecido. Effie mal acreditava nas mudanças que uma roupa tão pequena causara em seu corpo. Pela primeira vez, tinha cintura. Ao escovar os dentes, viu suas bochechas coradas e seus cabelos rebeldes no espelho. Prendeu-os em um rabo de cavalo e jogou água fria no rosto, mas de nada adiantava... O gênio saíra mesmo da garrafa e nada domaria sua sexualidade.

Nem colocar seu uniforme de empregada antiquado ajudou a acalmá-la.

Ela sabia.

Ao ir preparar o café da manhã, Effie sabia o que queria.

Totalmente descontrolada e nervosa, levou café e sucos de frutas para a mesa. Derramou uma jarra e teve que limpar tudo e trocar a toalha de mesa antes que Zakari fosse comer.

Havia alguma dúvida de que ela estava agitada e transtornada? Zakari não sairia por causa dos ventos. Podia ouvi-lo naquele momento. Em geral, ele saía ao amanhecer para seu fatir, mas, nessa manhã, estava silencioso e pensativo, o que só a deixava mais confusa.

— Bom dia, Vossa Alteza. — Effie abaixou a cabeça quando ele entrou na sala de jantar. — Dormiu bem?

— Não . a voz de Zakari era de mau humor. — E você?

— Não — Effie admitiu, e então corou ao lembrar por que não conseguira dormir. — Os ventos me mantiveram acordada.

— Só começou a ventar meia hora antes de amanhecer... —

Não tirou os olhos de seu rosto ruborizado ao desmenti-la. — Talvez tenha tido outras razões para não dormir.

Veio um grito estridente do deserto, tão alto que ela deu um pulo.

— Quando o vento passa pelos desfiladeiros, faz esses barulhos. — Zakari explicou. — Esqueça as histórias que lhe contaram.

— Parece tão real, como o grito de uma mulher...

— Alguns ventos parecem crianças rindo — Zakari disse. — Outros, gatos brigando. Não se deixe enganar por eles. Nem pense em sair para investigar. Só está segura aqui.

Só que ela não se sentia segura. Mas não era do vento ou de Zakari que tinha medo. Era de si mesma.

— Vou tomar meu café na cama esta manhã... — Baixou os olhos por um rápido instante e engoliu em seco pelo nervosismo, então, quando voltou a erguê-los, estavam com um brilho de triunfo. — Vá servi-lo lá para mim.

 

Quando Effie entrou com a bandeja, ambos sabiam que a única vez em que ela o vira na cama ele estava nu. E, mesmo que agora estivesse coberto até a cintura, Effie sabia o que havia sob os lençóis de seda.

A xicarazinha tilintou ruidosamente na bandeja quando ela a abaixou, aterrorizada de excitação ao colocá-la sobre o colo dele.

Ele podia sentir o cheiro de seu desejo quando ela veio em sua direção, podia sentir seu gosto no ar. Zakari raramente beijava. Era tedioso e desnecessário. Mulheres queriam beijar, reis queriam sexo...

Mas, quando ela se inclinou sobre ele para tirar o café da bandeja e colocá-lo na cabeceira, estava tão nervosa que, se ele dissesse para que tirasse o vestido e se juntasse a ele, Zakari sabia que ela sairia correndo.

Então, Zakari refletiu, teria que se dignar a beijá-la.

A sensação da barba dele em seu rosto era inigualável. Era puro êxtase. O leve peso de sua boca nem mesmo a sobressaltou, só causou um alívio que levou lágrimas a seus olhos enquanto sua boca se movia com a dele. Ela não sabia o que fazer com sua respiração, a prendeu em sua boca até que ousasse abri-la para deixar o ar sair. Seus lábios se abriram... e então ela sentiu a língua dele.

Fresca e ultrajante em sua boca.

Deliciosamente ultrajante.

E a acariciava, a provocava um pouco, e depois mais um pouco. Primeiro estava quase parada, escorregava devagar lá dentro, e então se fundiu à dela, saboreou, acariciou, até que ela relaxou e sua boca aceitou a dele em um beijo profundo ao qual ela não queria pôr fim.

Então ele parou.

Parou de repente e olhou para ela. Dera uma amostra, cabia a ela pedir mais.

— Seu sonho não é tão bobo.

— Não? — Ela hesitou perto da cama dele. Não sabia se pulava nela ou se fugia.

— Pelo menos por um dia podemos torná-lo real.

— Mas, Vossa Alteza...

— Pode me chamar de Zakari se voltar para pegar a bandeja em cinco minutos... — Os olhos dele cintilavam ao fazer a oferta. — Se não voltar, vou deixar a bandeja ali fora, e então vou ficar na minha cama, mas... — A imagem que ele evocou lhe deixou tensa. — Não quero ser incomodado.

Ela correu para seu quarto e sentou na cama, cheia de indecisões. Os ventos gritavam seu aviso lá fora, mas ela não quis ouvir, mesmo que a advertissem para que fosse cuidadosa, não fosse boba, não se entregasse a um homem que não podia prometer nada além de algumas horas em seus braços. De repente parecia sentir o colar de sua mãe avisá-la, como Zakari já fizera, que esse homem a usaria e a descartaria. Mas que homem!

Por um dia poderia ser uma princesa, viver um conto de fadas. Com as mãos trêmulas, tirou o colar e virou a foto de sua mãe para a parede.

Zakari nunca admitiria ter dormido com alguém de nível tão baixo. E que futuro marido, se um dia aparecesse, acreditaria que ela dormira com um rei?

Ele dera a ela cinco minutos para pensar. Em três ela já estava de volta.

— Tire seu vestido — Zakari ordenou quando ela entrou.

Só que ela não queria que fosse assim.

Queria que ele a beijasse de novo, que a despisse devagar sob a segurança dos lençóis. Mas o que ela poderia saber? Que homem iria querê-la em seu severo vestido branco?

— Tire seu vestido! — Zakari repetiu, com visível impaciência. Cada botão que ela abria era uma humilhação, uma visita ao purgatório, mas, quando jogou seu vestido no chão, mergulhou direto no inferno. Pálida ali de pé, estava envergonhada de suas formas generosas. Com um braço tentava esconder os seios, e com a outra mão procurava esconder mais do que a calcinha o fizera.

Mas Zakari estava hipnotizado. Ela era mais bonita do que ele imaginara.

Magnífica, na verdade.

Ainda que tão tímida, tão constrangida, algo dentro dele mudou. A voz que ordenara que ela se despisse passou a falar com mais suavidade.

— Effie, não há nada mais bonito para um homem do que a nudez de uma mulher inocente.

— Desculpe se discordo — Effie respondeu com a voz trêmula. — Atualmente, nem sempre a inocência é considerada atraente.

Havia alguma verdade em suas palavras. Ela podia ser uma amante desajeitada e inexperiente. Não era do que ele precisava. Seu tempo era valioso e suas necessidades urgentes demais. Mas Zakari se deu conta de que, naquele dia, Effie e sua preciosa inocência eram justamente o que queria.

— Vou ensinar você.

Sexo era sua intenção, mas, ao vê-la tão tímida, Zakari foi tomado por um senso de responsabilidade, a mesma responsabilidade com que acordava toda manhã, com que vivia cada momento. Mas era uma responsabilidade que nunca sentira por uma mulher, apesar de senti-la naquele instante. Queria que aquele dia, aquele momento, fosse especial para Effie. Decidiu que pelo menos naquele dia os sonhos dela se tornariam realidade.

Ele levantou-se da cama e foi até ela.

Nu, ereto e lindo, ele ficou em pé diante dela enquanto ela chorava de medo, desejo e vergonha.

Ele a pegou pela mão e a conduziu até seu quarto. A cama estava desarrumada, o banho não fora preparado, a rotina matinal gloriosamente abandonada. Podia senti-la tremer. Respirou sua inebriante mistura de medo e desejo, deitou-a na cama e jogou o lençol sobre ela na esperança de que isso a fizesse se sentir mais segura. Viu que relaxou um pouco assim que a seda a cobriu, e jurou a si mesmo que não seria ele a descobri-la.

Ela mesma tiraria o lençol.

Sentiu um arrepio de excitação quando decidiu que Effie seria amada como só um mestre no assunto poderia fazer. Ele olhou para sua boca trêmula, sentia que estava sem jeito, rígida em seus braços, e, em vez disso incomodá-lo, o excitou. Não haveria presentes, nem demonstrações de afeto depois desse dia, mas ele lhe daria o maior presente de todos, os segredos e prazeres de seu próprio corpo.

Passou o dedo em sua bochecha, roçou seu lábio inferior com o polegar e o empurrou para baixo para abri-lo. Então abaixou a cabeça e tomou-lhe os lábios, essa parte do corpo que, para Effie, era tão constrangedora no começo.

Acariciou-lhe os lábios e esperou que ela relaxasse. Esperou que a mulher que ele vislumbrara uns minutos antes se mostrasse de novo, impaciente por ela relutar. Então se controlou. Essa era Effie, Zakari lembrou a si mesmo.

Seu passarinho prateado.

Seus braços a puxaram contra si, não só para excitá-la, mas também para acalmá-la.

Gostava de beijá-la... Zakari foi surpreendido enquanto suas bocas se fundiam.

Sua vida inteira, desde a infância, ele havia acreditado que não gostava de damascos, e um dia, sem querer, ele pegara um da fruteira enquanto trabalhava, e descobrira, surpreso, ao morder a polpa aveludada e provar a fruta madura, que gostava de damascos no final das contas. Mas naquele momento não havia surpresa, só prazer, supremo prazer ao beijá-la sem parar, ao sugar sua língua, e depois, ao encher seu rosto de beijos e senti-la se contorcer de prazer em seus braços.

Ali no mágico deserto, com mais ninguém além deles, ele a iniciou nos segredos de seu corpo, e para Effie foi maravilhoso.

Primeiro suas mãos estavam presas junto ao corpo, ainda que às vezes passasse os dedos nos cabelos sedosos dele enquanto se beijavam. O roçar da barba em seu queixo doía, mas era uma dor deliciosa quando seus lábios a beijavam com mais força.

Ela aprendeu, como aprendeu, que um beijo, um simples beijo podia colocá-la em fogo, e a ele também. Que um beijo podia fazer com que ela aos poucos saísse do casulo seguro do lençol porque queria sua pele colada a dele. Que um beijo fazia ele pressionar seu calor contra seu ventre. Que o prazer da excitação de um homem colada ao seu corpo poderia fazê-la ficar molhada e querer apertar-se contra ele numa tentativa de acalmá-lo.

Tímida no início, ficou entorpecida com os gemidos baixos e roucos que ele dava ao passar as mãos em seu corpo, arrepiada de prazer pela aprovação que ele demonstrava.

E Zakari claramente a aprovou.

Em geral, Zakari achava que uma mulher ficava mais bonita vestida, fosse em um vestido, um sutiã e uma bonita calcinha que cobrisse sua parte mais íntima, ou apenas joias em volta do pescoço, cuidadosamente pensadas para atrair o olhar.

As mulheres usavam essas coisas porque provocavam, e funcionavam. Revelavam detalhes que faziam a imaginação correr solta.

Mas...

Tantas vezes Zakari sentira bordas duras de silicone em seios empinados, havia visto minúsculas cicatrizes de cirurgias plásticas e barrigas fabricadas, pescoços enrugados sob um colar. Essas coisas não o excitavam. Assim, enquanto Effie se contorcia em seus braços, ficou excitado ao ver que ela não possuía nada disso.

Effie era o que nenhuma mulher conseguira antes. Melhor, muito melhor nua, ele notou ao tirar seu sutiã e descer a calcinha pela generosa curva de seus quadris.

Só ali, sob sua sensual orientação, sua beleza se revelara por inteiro.

Ao colocá-la na cama, ela parecia um delicioso travesseiro branco nos lençóis escuros de seda, com apenas um delicado rubor rosa em suas bochechas, que passou rapidamente para seus seios enquanto ele a olhava com admiração.

Sua boca e depois sua língua desceram languidamente por seu pescoço até irem beijar seus seios volumosos e seus mamilos.

E então, colocou um de cada vez dentro de sua boca e os sugou devagar enquanto Effie se contorcia de prazer. Pressionava seus lábios com os dedos e ela os sugou com avidez. Ficou imóvel quando ele tirou os dedos de sua boca e sua mão insinuou-se em sua parte íntima, e começou a se mexer de novo enquanto ele a tocava ternamente.

Ela ficou sem ar quando os dedos dele entraram em ação, e queria que continuasse, não queria que ele parasse. Intimidou-se quando ele se ajoelhou diante dela, quando as regras do jogo mudaram e ele abaixou a cabeça entre suas pernas.

Abaixou sua nobre cabeça e provou seu lindo sexo rosado.

Preparou-a com sua língua.

E Effie, assim que sua timidez desapareceu, e fechou os olhos para entregar-se à carícia macia, ficou nas nuvens.

Seus cabelos sedosos em suas coxas, sua barba que roçava em seu monte intumescido, e a pressão de sua língua molhada ao acariciá-la, combinados a uma massagem rítmica de seus seios, eram como ser envolvida por um turbilhão de sensações. Por um longo momento, ela se esqueceu de respirar enquanto ele a levava mais ao fundo daquele estado fascinante.

E os sons.

Como suas fantasias eram incompletas, como eram vazias, sem celebrar os sons sensuais e prazerosos que um homem e uma mulher criavam quando suas peles dançavam.

O som delicioso que os dois faziam, um abundante banquete de satisfação e audácia, impossível de ser contido enquanto ele lhe mostrava novos prazeres.

E, para Zakari, nunca houve tanto prazer em dar e em senti-la se abrir sob ele. Por um momento, seu gosto doce e sua amabilidade ofegante e rouca ameaçaram vencê-lo. Sua ereção estava tão violenta, seu clímax tão próximo, que ele queria tê-la naquele instante.

Ficou de joelhos, olhou para ela e viu como estava molhada e pronta.

Ele sempre usava camisinha, consciente de que as mulheres cobiçavam sua valiosa semente. Era inconcebível pensar de outro modo. Mas a visão daquela carne virginal rosada e úmida que o esperava o fez sentir uma necessidade, um desejo de sentir sua preciosa pele intocada em volta dele.

— Quando... — Zakari estava com dificuldade em falar. Sua respiração irregular tornava sua voz baixa e rouca — ...é seu período?

Como ela não respondeu, ele perguntou de novo:

— Não pode engravidar! Preciso saber quando menstruou.

Ela nunca falara sobre essas coisas com ninguém, muito menos com um homem. E Effie fechou os olhos com força ao responder a uma pergunta tão pessoal:

— Acabou por esses dias. —Aponta de sua ereção tocava seu clitóris.

— Por esses dias? — Zakari confirmou.

— Ontem.

O diabo em seu ombro nunca falara tão alto nem recebera tanta atenção. Se havia terminado no dia anterior, eles ainda tinham alguns dias. Com certeza, não... sua cabeça lhe disse. Sem dúvida, sim... o diabo o convenceu. Ele estava prestes a penetrar, podia sentir seu calor e que estava molhada. Queria senti-la só um pouco mais, e seria cuidadoso, Zakari assegurou à sua enfraquecida voz da razão.

— Vai doer?

— Não. — Sua voz era doce, ele não iria machucá-la. Sua ereção forçava sua entrada, mas ele procurava se conter, só sua glande forçava sua inocência resistente, e umedecia sua barreira com uma urgência inesperada.

Calma... Zakari disse a si mesmo enquanto a experimentava. Recuou um pouco, e depois mais um pouco, até que ela implorou que ele fosse mais fundo. Sua ereção salivava pelo banquete que o aguardava.

Enquanto sua resistência era vencida, ela soltava uns gemidos e então deu apenas um pequeno soluço quando ele a desvirginou. Ele esperou que ela se habituasse a senti-lo dentro dela, palavras de carinho que dizia sem perceber. Até que Effie relaxou de novo. E até que ele foi mais fundo na piscina macia e deliciosa da intimidade dela...

Suficientemente recompensado, Zakari disse a si mesmo, já a sensação sem a restrição habitual era divina, com ela tão lubrificada e cheia de desejo. Ele queria continuar, explorar mais aquele aconchegante território desconhecido. Ela se mexia com ele, que estava bem próximo do clímax. Ele sabia que tinha que parar, embora quisesse continuar a se divertir um pouco mais. Ao olhar para baixo, podia ver seu membro entrar e sair, podia vê-la erguer o quadril para ser penetrada, e isso era muito erótico. Se ele continuasse a olhar não aguentaria, então, em vez disso, ele deitou-se sobre ela e penetrou mais fundo.

Ele podia aguentar, disse a si mesmo. Quando estava próximo assim, droga, conseguia se segurar.

Ele realmente devia usar o preservativo. Ao penetrá-la mais fundo, beijar seu rosto e pescoço, apertar suas nádegas com os dedos e sentir suas pernas entrelaçadas, com os pés dela apoiados em suas pernas e depois em seus quadris, ele sabia que era melhor parar um pouco e colocar a camisinha, mas não queria.

Com certeza já soltara milhares de gotinhas de seu sêmem dentro dela, uma voz insensata observou, então era tarde demais para se preocupar. Só dessa vez ele se permitiria toda a dimensão desse raro prazer.

Essa mulher tímida e doce que ele levara pela primeira vez para a cama estava entregue embaixo dele, e gemia ao atingir o clímax. Enfiava os dedos na pele dele enquanto ele a conduzia até aquele lugar esplêndido. Ele podia sentir seu corpo em frenesi, a pulsação de seu orgasmo em volta dele inteiro. Nas coxas que o apertavam, nos braços que o agarravam e no pescoço arqueado que ele beijava. Era um orgasmo tão intenso que o consumia tanto quanto a ela. Zakari estremeceu aliviado ao ejacular dentro dela e, se isso era proibido, foi totalmente sem sentimento de culpa, apenas um jorro violento, o êxtase não só do orgasmo dele ou dela, mas deles.

Que eles alcançaram juntos.

Continuou deitado sobre ela por um longo tempo, ainda dentro dela. Zakari saboreou cada pulsação de seu orgasmo, sentia a doce fusão de seus corpos suados, seus corações que batiam acelerados e depois voltaram ao normal. Mas estava tonto.

Tonto enquanto descansava a cabeça sobre o pescoço de Effie, seus cabelos molhados em seu rosto. Sentia o cheiro inebriante dos amantes entrelaçados, orgulhoso e seguro de que a primeira vez dela tinha sido maravilhosa. Sentia quase que uma estranha... paz. Enquanto sua mente vagava nos lugares mais estranhos, ele parou por um momento, como se também tivesse sido a primeira vez dele.

Ele nunca falava depois do sexo.

Só dormia. Ou observava, em geral entediado, enquanto sua parceira se vestia e ia embora.

Mas agora era diferente. A cama estava quentinha, o corpo dela tão macio, e os ventos berravam sua fúria pelo que acabara de acontecer.

— Os espíritos estão zangados! — Effie zombou. — Eles me avisaram que não fizesse isso, sabia?

Ele gargalhou. Pela primeira vez em muito tempo, ele gargalhou de verdade.

— Está feliz por ter feito? — Zakari a olhou e eles se encararam.

— Totalmente! — Effie suspirou. Sem nenhum sinal de arrependimento, ela sorriu para ele. Um dia perfeito era mais do que suficiente para Effie. E tinha sido perfeito. Sentia seu corpo diferente, quente e vivo. E, graças aos elogios que recebera durante o ato, se sentia bonita pela primeira vez na vida. — Foi o melhor dia da minha vida. Nunca mais vou ter medo do vento de novo. Pelo resto da minha vida, toda vez em que o ouvir, vou me lembrar do que senti.

Passou os olhos pelo corpo dele e viu as marcas de arranhão de suas unhas e os hematomas que sua boca deixara. Não podia acreditar na paixão que ele despertara nela. E, deitada ali em sua coxa, tinha a melhor visão de todas, e queria tocá-lo.

— É tão bonito. — Effie suspirou.

E ele esperou, desejou que ela fosse delicada com seus dedos. Sua respiração estava irregular como a dela.

Seus dedos macios davam uma sensação relaxante ao tocar seu membro inchado. Com a ponta do dedo, ela acariciava devagar, e de um modo delicioso, uma veia grossa.

— Você fez todas essas coisas fantásticas para mim e eu ainda não fiz nada para você.

— Fez o bastante. — Zakari sorriu. Sentiu que crescia na mão dela.

— Mas, mesmo assim... — Effie o olhou. Seu coração parou quando Zakari falou como se os termos do contrato de repente tivessem mudado.

— Ainda temos essa noite.

Por que não? Zakari disse a si mesmo, enquanto ela arregalava os olhos. Por que ela não poderia ter uma noite perfeita?

Ela beijava-lhe o mamilo.

Ela, a mulher devassa e sensual que ele criara.

Cachos de cabelo escuro dançavam em seu peito enquanto sua língua o investigava e sua boca o examinava minuciosamente.

Ele entrelaçou os dedos em seus cabelos e sentiu que ficava tão rígido que quase implorou que sua boca obedecesse seus pensamentos. Que seus lábios interrompessem o prazer que estavam dando, para fazer adormecer o súbito desejo.

Só que esperar daria ainda mais prazer.

Ele ergueu seu queixo e fitou seus olhos azuis enquanto resistia à tentação de sua boca.

— Vista-se para mim...

— O quê?

— Essa noite quero que se vista para mim, como uma princesa.

— Não tenho nada que sirva — Effie disse, perplexa.

— Você tem várias opções de tecidos. — Ele apontou para as cortinas de organza, seda e veludo. — A maquiagem de Christobel...

Envergonhada, Effie virou-se para o outro lado. Por um momento, se sentira bonita. Oh, sabia que não iria durar, mas esperava que passasse mais algum tempo antes que a normalidade voltasse.

— Essa noite vamos festejar...

Beijou-a no ombro, espantando a súbita tensão instalada ali.

— Vá e se prepare. Também vou me arrumar para você... Pelo menos essa noite, vai ser tratada como uma rainha.

 

Nunca se vestira para um homem, quanto mais para um rei...

Mas a sensação era maravilhosa.

Uma cortina com um lindo tom de roxo-escuro era sua escolha para aquela noite. E tinha a sua disposição todo o luxo necessário para transformá-la no vestido de seus sonhos. Costuras simples e uma fenda lateral criavam uma visão provocante quando ela andava. A cava recatada que ela tentou fazer para o decote tornou-se um magnífico estilo imperatriz. Quando ela o enfiou pela cabeça, viu que o efeito era estonteante e, num passe de mágica, seu corpo indefinido ganhou um formato violão.

Ele lhe deu acesso ao alojamento de amantes e Effie perdeu o fôlego ao entrar ali.

— Todas essas coisas... — Espelhos antigos de corpo inteiro cintilaram para ela em boas-vindas, junto com minúsculas garrafas que prometiam transformá-la.

— Use o que quiser. — Zakari sorriu, entregando a ela uma caixa prateada toda trabalhada. — São joias...

— Minha mãe tinha uma caixa de joias igual a essa lá em casa...

— É do século XVIII.

— Deve ser uma réplica — Effie reconheceu enquanto passava os dedos na estampa familiar. Devia ser um sinal de que sua mãe se não aprovasse, ao menos entenderia o que fazia. Então abriu a caixa e olhou para as joias, muito absorta para reparar que Zakari franzia a testa.

Quando ele a deixou sozinha, Effie descobriu que, corretamente posicionados, os espelhos faziam milagres pela sua autoconfiança. Só a penteadeira já era um deleite, inundada de brilhantes fivelas de cabelo, pesadas escovas e pentes de prata, e caixas de veludo cheias de maquiagem. Parecia a penteadeira de sua mãe, com lindos vidros de perfume e um monte de caixas de joias e maquiagem.

Sentada num banquinho, Effie não sabia por onde começar. Ao olhar para os pincéis de cabo de marfim e a paleta que, com um pouco de sorte, iria transformá-la, ela realmente não sabia por onde começar.

Menos é mais.

Podia ouvir a voz de sua mãe, muito anos antes, quando estava doente, mas insistira em sair. Foi como ela a havia instruído para que a maquiasse.

Effie cobriu seu vestido e passou pó compacto no rosto, então passou o pincel em uma caixinha de prata que continha sombra marrom para os olhos, a cor favorita de sua mãe para acentuar seus olhos azuis...

E funcionou.

Assim como o delineador e o rímel. Effie olhou para as duas joias azuis que brilhavam no espelho diante dela. Sua empolgação aumentou ao pintar as bochechas de rosa. Depois, passou um vermelho nos lábios, mas achou que era demais e tirou.

Estava agitada de excitação. Segurou os pesados cachos castanhos no alto e os enrolou com seus dedos inexperientes, mas os espíritos do deserto devem tê-la perdoado, pois ficaram no lugar com apenas uma fivela de prata. Só umas poucas mechas caíam sobre seu pescoço e seu olho esquerdo.

Tendo sempre sido a menos vaidosa das pessoas, ela ficou estarrecida quando se olhou no espelho escuro, surpresa com a linda mulher que viu, com a mulher sensual em que ele a transformara. Tirou as tampas dos vidros de perfume, uma após a outra e levou todo o tempo do mundo para escolher. Inalava profundamente cada fragrância, todas divinas. Finalmente escolheu uma com notas de musgo e âmbar que combinavam com seu estado de espírito. Passou a tampa de vidro nos pulsos, lembrando-se de cada beijo que ele lhe dera ali. E esperou receber outros mais.

Não sentia vergonha nenhuma.

Nem um pingo de vergonha de se vestir para seu homem.

Tanto que voltou ao alojamento dos empregados, tirou o colar da mãe de dentro do tecido com que o envolvera, e o colocou. A pesada joia rosa ficou estupenda em seu decote e, de algum modo, Effie sabia que tinha a bênção de sua mãe. Perdera sua virgindade pela melhor das causas.

Jantaria com Zakari e depois fariam amor.

A noite era dela.

 

Ela era diferente, bem diferente das mulheres pouco sinceras e bem tratadas a que Zakari se habituara demais.

Effie não esperava nada dele, o que, ele refletiu, o fazia querer fazer coisas por ela.

Coisas diferentes, como ficar diante do espelho e se barbear.

Normalmente ele voltava para o palácio com barba, mas, pela primeira vez em muitos dias, Zakari barbeou-se. Na verdade, pela primeira vez, Zakari fez, ele mesmo, a própria barba!

Usou uma colônia e escolheu sua túnica com mais cuidado que o habitual, preta com enfeites dourados, e gostou de passar muito tempo nessa escolha. As últimas horas revelaram-se o elixir de que precisava após tantos meses tumultuados, e nunca passara pela sua cabeça real que iria se vestir para impressionar!

Mas algo o afligia.

Ela abrira aquela caixa de joias com facilidade, com muita prática, Zakari notou. O que podia não significar nada. Só que era um fecho difícil. Ele sabia disso porque muitas mulheres lhe pediram ajuda para abrir, e Effie o abrira na primeira tentativa.

Uma réplica barata geralmente não alcançaria tais nuances.

E também havia a lembrança da mãe dela sobre a piscina de Kioma. Na ocasião, ele achou que fosse só imaginação de Effie, mas agora...

Em sua procura pelo diamante, investigara os boatos de que Aegeus tinha por amante uma criada do palácio, mas sua busca não dera em nada. Ou os boatos eram falsos, ou Aegeus escondera bem as pistas.

Mas por que esconderia? Zakari questionou.

Não havia escândalo algum em um príncipe ou rei aceitar o calor do corpo de uma mulher. Zakari era uma prova viva disso. Só se tomava escândalo quando havia emoções envolvidas...

Quando reis ou príncipes cuidavam das mulheres que os mantinham aquecidos.

Sua boca curvou-se em um sorriso pecaminoso. Não teria problemas em fazer Effie se abrir para ele.

Mas não havia pressa. Tudo ao seu tempo. Naquela noite, o dever também seria um prazer.

Ao deixar seus aposentos, ele examinou a mesa que ela havia preparado. Effie estivera ocupada! A mesa estava requintada. As taças de cristal resplandeciam junto com a prataria à luz das velas. O ar estava perfumado de incenso. Não havia necessidade de ele fazer nada, embora rumasse para a cozinha vazia, para dar seu toque final ao banquete. Então sorriu quando uma Effie, tímida, nervosa e incrivelmente linda, chegou.

Como, Zakari perguntou a si mesmo ao vê-la ali de pé. Como podia não ter visto sua beleza?

Como, no dia em que ela chegora, ele pudera ter ficado desapontado?

Majestosa foi a primeira palavra que lhe veio à cabeça.

O vestido roxo que vestia revelava suas curvas com perfeição, seus cabelos escuros ondulados estavam presos no alto da cabeça, mechas brilhosas emolduravam seu rosto claro, e tudo em que Zakari conseguia pensar era em como ela estava deslumbrante. Tudo que queria era soltar seus cabelos e deslizar seus dedos em cada uma das mechas. Aqueles lindos olhos azuis demonstravam nervosismo pela expectativa de sua reação. E ele também ficou excitado ao perceber a aprovação em seus olhos. Ela o aprovara.

— Você está bonito.

Poderia ter sido ele a dizer, mas foi ela. E deixou com uma sensação estranha no peito, que ele não sabia se era orgulho de que seus esforços tivessem sido reconhecidos. Sentia-se confiante agora, ao ser observado por ela. Ela passou os dedos em seu queixo barbeado.

— E está com um cheiro divino!

— Você também. — Segurou o rosto dela e a beijou.

Ela tremia de nervosismo, embora se mostrasse impetuosa para ele e aquilo o tocou. Colocou a mão em seus ombros e olhou-a nos olhos durante um longo tempo, maravilhado pela mágica que criaram naquele dia. E esperava ansioso pela mágica que criariam naquela noite.

E então o coração dele parou.

Porque ali, entre os seios dela, brilhando sob a luz das velas, estava a resposta que tanto procurava, o diamante pelo qual rezara nos últimos dias para que voltasse para sua terra.

O deserto nunca falhara com ele.

E, apesar de suas dúvidas, também não falhara agora. Seus dedos percorreram devagar o pescoço dela, e então pegaram a pesada pedra rosa. Seu rosto estava sem expressão quando finalmente segurou a joia que buscara por tanto tempo. Sua cabeça zumbia. Era por isso que não conseguia se concentrar. O deserto mandara os ventos, o deserto o mandara continuamente de volta para ela, de volta para a pedra, de volta para tudo que procurava.

— Esse colar é bonito... — Ele encontrava dificuldade em manter a voz equilibrada. Talvez ela o tivesse encontrado enquanto se vestia. Talvez um de seus parentes o tivesse esquecido em uma das caixas de joias...

— Obrigada.

— Onde... — Ele limpou a garganta. — Onde o encontrou?

— Encontrei? — Ela arregalou os olhos. — Não o encontrei. É meu.

— Seu?

— É a coisa de que mais gosto... — Effie sorriu ao tirar a joia das mãos dele. Segurou-a entre o polegar e o indicador e a olhava com carinho. — Provavelmente é só vidro, não vale nada, mas significa tudo para mim.

Ela soltou o diamante e ele se aninhou entre seus seios. Os olhos dele foram atraídos para o seu esplendor. A luz das velas o fazia brilhar e cintilar como só um diamante poderia, e ele teve medo por ela tê-lo em seu poder e desconhecer sua importância.

— Eu o uso o tempo todo.

— Não o usou mais cedo — Zakari observou. — Tenho certeza de que teria notado.

Ele viu seu rosto corar. Um sorrisinho tímido curvava seus lábios volumosos ao responder.

— Não me parecia certo, diante do que fazíamos... Era da minha mãe, ela o deixou para mim.

Um turbilhão de vozes em sua cabeça o prevenia, o alertava para agir com cuidado, mas nada nele traía sua ansiedade. Sua expressão era de leve curiosidade ao pegar de novo a joia e colocá-la na palma da mão. Ele a examinou mais de perto e, para Zakari, não havia dúvida, sua procura finalmente chegara ao fim.

Mais uma vez o deserto falara, sua distração nos últimos dias fora um chamado. Não era Effie que perturbava sua cabeça, era o deserto que o guiava e o levava de volta ao diamante Stefani.

Agora, tudo que tinha que fazer era recuperá-lo.

— Sente-se... — Soltou a pedra e a observou cair de volta em sua pele clara. Seus olhos voltaram-se para os dela. Sentaram-se nas almofadas baixas enquanto Effie servia a comida. — Permita-me... — Ele a serviu de champanhe.

— Não quer beber?

— Eu não bebo — Zakari explicou. — Não significa que você não possa.

— Nunca tomei champanhe.

— Então aproveite!

Ele a observou experimentar. Percebeu que um tom rosado logo tomou seu rosto.

— Disse que sua mãe lhe deixou o colar.

— Foi.

— E seu pai...

O rubor que se espalhou em seu rosto não tinha nada a ver o champanhe... De repente seus lindos olhos azuis ficaram abatidos, a luz das velas lançava sombras escuras em seu rosto, fazendo seus cílios parecerem enormes.

— Eu não tenho pai.

— Eles se separaram? — ele perguntou. Ela sacudiu a cabeça.

— Você o vê?

Effie não estava gostando dos rumos da conversa. Queria romance, queria o que tiveram antes, mas Zakari agia como se a testasse.

— Já o viu alguma vez?

Effie sacudiu a cabeça.

— Podemos falar sobre outra coisa, por favor?

— Quero conhecer você... — Zakari deu um breve sorriso, mas seu tom de voz fez Effie lembrar que falava com o rei. — Então nunca o viu? Mas sem dúvida ele dava apoio a sua mãe...

— Eles se separaram antes de eu nascer.

— Sabe o nome dele?

O rosto dela estava em fogo e seus olhos cheios de lágrimas de tanta vergonha.

— Não! — A palavra era uma mistura de soluço e grito. Sua frustração não era só pelas perguntas de Zakari, mas também pela imprecisão de sua mãe em todos aqueles anos. Sua mãe sempre lhe negara a informação que buscava desesperadamente, e até agora isso doía e a envergonhava. — Ela disse que se apaixonou, mas que sabia desde o início que não poderia durar. Acho que ele devia ser casado... — Uma lágrima solitária rolou em seu rosto. — Então, não... eu não sei quem é meu pai.

Zakari viu seu desagrado e sua tristeza e preferiu não insistir no assunto.

Por enquanto.

Aegeus... Ele acabou de encher a taça de champanhe dela e tomou um grande gole de água gelada. Seus olhos escuros estavam negros de ódio ao pensar no homem que tratara sua madrasta de modo tão cruel. Um ódio que, por enquanto, Effie não devia ver.

Como ele não desvendara isso antes?

Havia mais do que emoções proibidas envolvidas. Ali, diante dele, estava o resultado daquela união proibida.

Ela era descendente de Aegeus!

— Tudo bem, Zakari? — Effie perguntou enquanto enxugava uma lágrima. Esperara por aquela noite, mas, desde que eles sentaram ali, era só pergunta atrás de pergunta. Não havia nada da ternura anterior, e Zakari parecia diferente. Embora conversasse com ela, podia sentir sua distração.

— Claro... — Ele forçou um sorriso. Viu sua expressão tensa e tratou de acalmá-la. — Como não poderia estar?

Majestosa. Quando a vira vestida, penteada e maquiada, foi a primeira palavra que lhe veio à cabeça. Com razão.

Corria sangue azul em suas veias.

Não era de se admirar que o velho bastardo tivesse morrido do coração, Zakari pensou. Sem dúvida, Aegeus sabia que seus segredos podres estavam prestes a ser descobertos.

Vingança. Dessa vez, o sorriso de Zakari era verdadeiro ao encher a taça. Ele sabia que estava próximo, mas finalmente estava ali.

Em posse da joia, ele poderia governar Calista e Aristo.

Agora que a joia era dele, Zakari lembrou a si mesmo, enquanto refletia sobre o próximo passo. A resposta lhe veio numa fração de segundo.

— Case-se comigo. — Não era um pedido. Reis não têm que pedir duas vezes. Então, por que ela ria e balançava a cabeça?

— Não seja ridículo!

— Nunca falei tão sério.

— Claro que não. — Effie sorriu

Mas foi bom fazer de conta por um instante.

— Effie. Eu não brinco com essas coisas. Falo sério.

Ele viu que ela empalideceu ao perceber que era sério. — Essa é a razão de todas essas perguntas. Preciso saber sua história, se vai ser minha noiva.

— Não podemos... — Ela deu um riso nervoso. — Sou uma criada do palácio. O povo nunca vai me aceitar.

Desconcertada, ela se levantou. Fim do jogo, fantasia arruinada, agora que ele fora longe demais.

— Sou o rei de Calista — Zakari a advertiu. — Eu quero, eu tenho.

Ainda assim ela sacudiu a cabeça, ao sair depressa da mesa. E, se havia alguma dúvida quanto a seu status, para Zakari ela se extinguiu ali.

Corria sangue real em suas veias, ela possuía uma força inata, e Zakari enfrentava o novo desafio de convencê-la a ser sua esposa.

E, se tinha algo de que Zakari gostava, era de um desafio.

— Esses dias com você... — Ele a pegou pelo ombro enquanto tentava sair. — Foram os mais felizes que tive. Não pode negar que foi especial quando fizemos amor. Você me dá paz...

— Especial! — Effie arregalou os olhos. Naquele dia, ela ganhara vida. Seu corpo inteiro, sua vida, e até sua alma pareciam diferentes. Mas, por mais maravilhoso que tivesse sido, por mais que ela o amasse, nunca havia esperado que esse amor fosse recíproco. Nunca passara pela sua cabeça que aquele momento juntos tivesse sido tão mágico para Zakari como fora para ela, que ele poderia sentir o mesmo. — Foi mais do que especial. Foi completo! Mais do que eu sonhava...

— Me diga... — Zakari implorou. — Me diga como fiz se sentir,

— Bonita. — Effie suspirou, tonta com o rumo dos acontecimentos.

— Amada, talvez? — ele disse com afeição.

Ele viu que estava agitada enquanto absorvia suas palavras. Viu a linda joia entre seus seios e soube que agora era dele.

— Você me ama? — Effie franziu a testa.

— E você ama Calista — Zakari continuou com suavidade evitando responder. — Você ama o povo de Calista, Effie. Com você ao meu lado, como esposa, sei que vou ser um rei melhor — Ele não estava mentindo, embora a noção de honestidade de Zakari diferisse da maioria das pessoas! — Com você como esposa serei um governante melhor para o povo.

— Eu?

— Você.

— Mas você me ama?

Que diferença isso fazia? Zakari olhou para ela confuso. Fizera uma proposta de casamento, para que essa criada do palácio se tornasse esposa do rei. Todo desejo, toda vontade sua seria atendida. O que era esse amor que ela exigia? Esse amor de que seus irmãos falavam, o mesmo amor que fizera com que o príncipe Sebastian renunciasse ao trono.

— Você me ama, Zakari? — ela repetiu. Zakari sabia qual devia ser a resposta. Pelo bem de seu povo, essa mentira era válida.

— Eu te amo. — Sua voz estava rouca, as palavras soavam estranhas. Era estranho dizer aquilo, mas, ao sentir sua maciez em seus dedos e ver o poder mágico de suas palavras fazer desaparecer a preocupação de sua expressão, Zakari exerceu seu novo poder, um abracadabra que abriu o coração dela. Quando voltou a falar, estava mais gentil. Puxou-a de encontro a si e não encontrou resistência.

— Eu te amo, Effie.

Ele beijou sua boca trêmula enquanto passava a mão em sua nuca e seus cabelos, e Effie mal conseguia respirar. A dimensão do que ele acabara de oferecer, de que seria a noiva do rei, não era o mais incrível, mas sim que ele a amasse, que o amor que sentia por Zakari fosse retribuído.

— Case-se comigo.

O amor de Zakari tornara o impossível fácil. O sim de Effie não passou de um suspiro, já que, com o jantar deixado de lado, ele tirou seu vestido, seus sapatos, sua calcinha e a deixou nua, deixando apenas o colar de sua mãe, numa visão do que ele mais valorizava... o diamante Stefani.

Ela viu seus olhos brilharem ao passar a mão em seus seios, e achou que fosse de desejo por ela.

— Logo... — Beijou seu pescoço e seus seios. Segurava seu prêmio entre os dedos e sentia-se bem em possuí-lo. — Vamos nos casar logo, antes que mude de ideia.

— Por que eu mudaria de ideia? — Effie disse com voz ofegante. Ele sugava seu mamilo, com as mãos em seus cabelos, enquanto a idolatrava por inteiro.

O sheik rei Zakari Al Tarisi a amava. Era algo que jamais ousara sonhar.

— Por que mudaria de ideia se nos amamos?

 

— Não precisa se casar com ela, Vossa Alteza. — Hassan, seu principal assessor, deu a notícia com um sorriso. Assim que o helicóptero pousou no palácio, Zakari ordenou que Effie fosse levada para os aposentos reais por empregados perplexos. Seus advogados e conselheiros passaram horas em reunião urgente, assim como Aarif teve uma conversa urgente com seu irmão mais velho, Zakari.

Aarif e sua esposa Kalila dividiam seu tempo entre Hadiya e Calisto, e estavam ali para se prepararem para uma partida de polo beneficente que aconteceria em três semanas. Um casamento, o casamento do rei, não estava em seus planos.

— Não se apresse, Zakari — Aarif pediu. — Entendo a questão da joia, seu desejo de governar Calista e Aristo, mas casar-se com ela... — Aarif balançou a cabeça. — Há alguns meses eu nem questionaria sua decisão. Casamento para mim é união, compromisso, uma noiva adequada...

— Ela será adequada — Zakari o interrompeu — assim que tiver sido instruída e tratada.

— Não entendeu o que quero dizer — Aarif reagiu. — Não vê como sou feliz? — Ele só continuou quando Zakari, após uma breve hesitação, concordou. — Para mim também não passava de dever, prazer nenhum. Agora sou feliz com Kalila. Vou jogar

minha primeira partida de polo dentro de poucas semanas. Estou fazendo coisas, para mim...

— Eu sou o rei — Zakari respondeu. Porque, como príncipe, nunca poderia entender totalmente. — Meu primeiro dever é com o povo.

Aarif fechou os olhos e apoiou a cabeça nas mãos por um momento. Zakari olhou para a cicatriz em seu rosto, as marcas das cordas em seus pulsos e pôde entender seu ponto de vista. Ver o irmão, que era tão infeliz e cheio de culpa, finalmente enchia Zakari de alegria. Só que as mesmas regras não se aplicavam a ele. Sua primeira obrigação não era consigo mesmo, era com seu povo.

— Você tem direito de ser feliz, Zakari — Aarif insistiu.

— Vou ser — Zakari disse. — Quando a joia for devolvida, quando eu governar o reino de Adamas, então serei feliz.

— Não estou falando de dever — Aarif argumentou. Embora soubesse que era impossível fazê-lo mudar de ideia, tentou mesmo assim. — Kalila e eu queríamos que fosse o primeiro a saber. Ela está esperando um bebê...

Zakari abriu um sorriso.

— Você vai ser pai? — Ao ver Aarif, que lutara tanto por isso, tão animado e feliz, Zakari lhe deu um abraço. — É uma ótima noticia.

— Quero o mesmo para você! — Aarif declarou. — Não quero que viva um casamento de conveniência ou obrigação, Zakari. Quero que sinta a felicidade que o amor proporcionava. A vida é muito curta para ser só dever e poder. Escute o que os conselheiros dizem, com certeza há outras opções.

Existiam sim.

A joia pertence ao palácio. Tecnicamente, Aegeus não tinha direito de presenteá-la com ela — Hassan explicou, e Aarif e os assistentes sorriram com a boa notícia. — Claro que vamos oferecer um generoso pagamento pela tristeza de perder o colar que achava que era de sua mãe. E vamos lhe explicar que, na verdade, ele nunca pertenceu à sua mãe, o que, por sua vez significa que ele não pertence à Effie Nicolaides.

Era a primeira vez em que ele ouvia seu sobrenome. A empregada do palácio de que falavam tornava-se cada vez mais uma pessoa, mas, a cada palavra de Hassan,ela era mais diminuída.

— Se ela protestar e criar confusão, podemos exigir a venda de sua casa para cobrir o custo das joias que sua mãe vendeu ao longo dos anos.

— Isso pode não ser tão simples... — Zakari respondeu com calma, embora seu estômago revirasse ao imaginar a reação de Effie às notícias, ao imaginar aqueles senhores diante dela forçando-a a se submeter.

— Então nosso trabalho é fazer com que seja simples. — Hassan sorriu. — Não tem mais que se preocupar com ela, Vossa Alteza.

— Eu dormi com ela.

— Não tem problema. — Hassan não se intimidou com a informação. Seu trabalho envolvia enviar flores e bugigangas às ex-amantes do rei. Às vezes, tinha que ameaçar processar quando uma ex-amante amargurada ia aos jornais de Aristo com sua história. Os jornais de Calista não ousariam publicar a notícia. Não que as fofocas atingissem a popularidade de Zakari, pelo contrário. — Vou falar com ela — Hassan disse. — Talvez possamos arranjar um lindo colar em substituição. Estou certo de que um presente seu ajudaria a acalmá-la! E naturalmente vamos afastá-la do castelo. Não terá mais que vê-la.

Eles solucionaram tudo, Zakari pensou, exceto por um pequeno detalhe!

— Dormi com ela sem proteção. — Zakari permaneceu impassível ao lançar o meteorito na sala. Os olhos de Hassan quase saltaram ao receber a notícia. Para um homem com o status de Zakari, era impensável sequer cogitar a ideia de dormir com unia mulher sem tomar as precauções necessárias! Os consultores jurídicos cochichavam furiosamente entre eles, e Aarif fechou os olhos e colocou a mão na testa num gesto de preocupação enquanto Zakari acrescentou: — Complicaria tudo se descobrirmos que ela esta grávida. — Zakari interrompeu os comentários frenéticos. A voz segura. — Preparem os papéis imediatamente. Vamos nos casar antes do anoitecer. A reunião foi encerrada na hora. Zakari sentou-se com seu irmão.

— Em que estava pensando? — Aarif estava chocado. Ele, tanto quanto Zakari, sabia que sexo sem proteção para homens como eles era inconcebível.

— Eu claramente não estava pensando, na ocasião. — Zakari deu um sorriso irônico ao se levantar. — Eu fiz minha cama, agora vou ter que me deitar nela...

Ao afastar-se da compaixão de seu irmão, ao passar por sua equipe preocupada no corredor, e enquanto o palácio ficava agitado para preparar a cerimônia, a única pessoa que não estava perturbada, nem assustada, era o próprio Zakari.

Ele sabia que deitar-se na cama com Effie seria um prazer.

Em vez de ir para o alojamento dos empregados, Effie foi levada para uma suíte privada onde esperou, ansiosa, durante algumas horas, até que Zakari entrasse no quarto para contar seus planos.

Eles se casariam naquele mesmo dia.

Haveria uma cerimônia fechada no palácio, Zakari explicou rapidamente, seguida de uma cerimônia formal depois de trinta dias, em que as pessoas lhe dariam oficialmente as boas-vindas.

Agora o importante era legalizar as coisas, ele acrescentou antes de sair de modo abrupto e deixar Effie ali, boquiaberta. As perguntas que fervilhavam na cabeça de Effie foram todas adiadas quando de repente apareceu uma equipe e começou a dar banho nela; traziam vestidos e túnicas, mexiam em seus cabelos e aplicavam maquiagem, enquanto falavam em voz baixa.

Não havia nenhuma camaradagem, nenhum sorriso ou congratulação por uma deles mudar de classe social e se casar com o rei, porque Effie não era um deles.

As camareiras e copeiras reinavam supremas sobre uma mera empregada do palácio e Effie podia ver a dúvida em seus olhos, a incredulidade que suas vozes deixavam escapar. Duas empregadas mais jovens chegaram a sufocar uma risadinha enquanto a vestiam.

Effie quis chorar ao olhar-se no espelho quando terminaram o trabalho. Estava tudo errado.

Haviam alisado seus cabelos, a maquiagem era severa demais e a túnica branca, embora bonita, era ornada com pedrarias demais e muito espalhafatosa.

Ela estava uma noiva corada, mas por motivos errados. Foi conduzida através do palácio até o enorme escritório de Zakari. Havia tapetes escuros e uma mesa imponente era a peça central, na qual vários homens estavam sentados. Eles a olharam solenes quando entrou.

As janelas em estilo francês estavam abertas e o cheiro que vinha dos jardins ornamentais eram o único calmante para seus nervos abalados. Sobretudo quando viu seu noivo.

Ele estava esplêndido.

O sheik rei Zakari Al Farisi a fez perder o fôlego enquanto ia timidamente até ele. Vestido com o uniforme militar verde-oliva, em que se via o brilho das medalhas de seu exemplar serviço, botas longas e uma espada prateada presa na lateral, e o tradicional turbante árabe preto e branco, ele estava imponente e bonito.

E ele a amava, Effie lembrou a si mesma. Ela apertou a joia da mãe e desejou que ela estivesse ali para apoiá-la, pois estava aterrorizada. Queria que ele a tomasse nos braços e sussurrasse palavras de conforto, mas tudo o que ele fez foi um aceno com a cabeça enquanto ela se colocava humildemente de pé ao lado dele.

— Há algumas formalidades que temos que seguir... — Zakan fez um gesto para que se sentasse e depois fez o mesmo, seguido dos homens da sala. Havia uma série de documentos espalhados na pesada mesa em frente a eles. — Como sou rei, é preciso tratar de uma papelada inevitável, mesmo em um casamento às pressas como o nosso, deve entender que (*)

— Claro.

Ele não comentou sua aparência, mal olhou para ela quando entrou, e sua voz austera e formal não ajudava em nada a acalmar seus nervos.

— O normal é que a discussão fosse conduzida pelo seu pai — Zacari explicou. — Obviamente, isso não é possível, então fiz o melhor em nome dele para que você seja sempre bem assistida. Temos que assinar esses documentos diante do juiz.

— Bem assistida? — Effie franziu a testa. Ela seria esposa dele. O que mais poderia querer?

— Há a questão do mahr... — A expressão de Effie se desanuviou. Sabia um pouco sobre o mahr, um dote que era pago à esposa. Zakari estava realmente cuidando dela, ela nem teria pensado em perguntar... — Esse é seu auxílio pessoal e esse vai ser seu abono para roupas. Claro que vai precisar de mais, isso não vai ser problema, há só alguns detalhes a serem negociados... — Zakari mostrou a ela as cifras que encheram seus olhos de lágrimas. — Então há o muta 'akhir... — Ele a viu franzir a testa de novo.. — Se nos divorciamos, deve receber uma pensão minha...

— Posso ler antes? — Ela viu que um dos conselheiros tossiu, e, pelo seu olhar, entendeu que isso era, sem dúvida, irregular. Eles provavelmente pensavam que ela não sabia ler, mas sua mãe a ensinara e ela queria ler os documentos antes de assiná-los. Só Zakari parecia não estar perturbado por seu pedido.

— Claro. Não há pressa.

Era muita papelada. Seu título, seu status, tudo estava especificado nos mínimos detalhes, embora isso fosse apenas uma pequena parte. Seus direitos e os direitos de seus filhos estavam todos demarcados, e Effie ficou com um nó na garganta pela dimensão do que iria começar ao anoitecer.

— Sheika Stefania de Calista... — Effie engoliu a seco ao ler. Sim, ele cuidara dela, porque, mesmo que se divorciassem, e para Effie era impensável, ainda assim ela teria uma casa luxuosa perto do palácio e ganharia uma pensão generosa, e teria completo acesso aos príncipes e princesas a que poderia dar à luz, embora eles devessem crescer no palácio...

— Meu colar vai ser seu? — Effie demorou a reagir ao ler aquele jargão complicado. — Por que quer o colar de minha mãe?

— Tenho que declarar seus bens. — Zakari fez um gesto de indiferença. — Tem que haver uma divisão dos bens para mostrar seu compromisso com o casamento.

— Mas mesmo assim... — Effie protestou. Segurou o pingente e balançou a cabeça. — Foi um presente que ela me deixou ao morrer!

— Você também tem uma casa — Zakari explicou. — E toda a mobília. Eu não queria pôr isso, sei que significa muito para você. Você disse que ele não vale nada, é só uma formalidade.

— Claro. — Ele estava cuidando dela, Effie refletiu. O rei nunca iria precisar da casa dela, mesmo assim Zakari entendera como aquilo era precioso para ela. Apertou a pedra entre os dedos e se deu conta de como estava sendo estúpida em relutar por um pedaço de vidro. Como se Zakari fosse querer aquilo... como se fosse haver divórcio.

Ele a amava, Effie assegurou a si mesma, lembrando-se das palavras que ele dissera, e elas a acalmaram ao pegar a caneta. Como ele disse, era só uma formalidade.

— Onde assino?

— Ainda não... — A porta se abriu a Aarif e Kalila entraram. Aarif vestia um uniforme igual ao do irmão e segurava a mão de sua esposa. Effie desejou que Zakari também segurasse a sua. Kalila usava um vestido de chiffon lilás e os cabelos presos. Parecia pálida e preocupada, mas deu um sorriso gentil para Effie.

— De pé, por favor — o juiz ordenou. Effie ficou de pé ao lado de Zakari, que a segurava pelo cotovelo enquanto o juiz falava em árabe.

— Ele vai perguntar três vezes se quer ser minha esposa —Zakari traduziu. — Na terceira, você diz sim.

As palavras foram repetidas três vezes.

— Sim! — Effie respondeu.

O juiz repetiu a pergunta para Zakari, mas apenas uma vez.

— Na 'am — Zakari concordou. — Sim.

Só então o juiz entregou a caneta à Effie, e ela assinou, um por um todos os documentos, enquanto Zakari fazia o mesmo a seu lado. Então eles permanecerem de pé, num tempo que pareceu infinito, enquanto o selo real era colocado em cada papel.

— O que acontece agora? — Effie sussurrou quando o juiz e os assistentes recolheram a papelada.

— Agora? — Zakari franziu a testa. — A cerimônia privada. Era só isso. — Zakari disse, e o coração de Effie parou por um segundo. — Estamos oficialmente casados.

 

Seus auxiliares estavam nervosos.

Zakari sabia disso.

Em seu bolso estava o colar que sua madrasta lhe dera para que entregasse à sua noiva no dia de seu casamento. Naquele exato momento, tinha que tirar a pedra Stefani do pescoço de Effie e entregá-la a Hassan, para que a colocasse no cofre do palácio. Mas a lembrança das palavras de sua madrasta o impediu.

Ame a mulher a quem der isso, Zakari, como seu pai me amou. Ainda podia ouvir a voz intensa de Anya ao mostrá-lo sua joia mais querida, que seu pai mandara fazer para ela poucos anos antes que morresse. Quando tudo acaba, Zakari, so nos resta o amor. Quando as luzes se apagam à noite, quer esteja em uma tenda ou em um palácio, é ela que vai estar em seus braços.

Ele olhou para Effie e viu as lágrimas em seus olhos, sua expressão confusa e o pânico que sentia. Zakari viu que estava emocionada, e naquele momento não poderia fazer isso com ela, revelar o motivo real de ela estar ali.

— Espere por mim lá fora. — Ele lhe deu um beijo no rosto e esperou que ela saísse antes de se dirigir a seus auxiliares.

— Vou pegar o colar esta noite.

— Mas Vossa Alteza esperou tanto tempo pela joia... — Hassan implorou.

— Então posso esperar um pouco mais. Vá. — Ele não queria discutir porque não tinha argumento para dar. Claro que podia pedir o colar naquele momento, só que não conseguiria. Queria conversar com ela, explicar por que o diamante era tão importante e por que casamento havia sido necessário, mas longe dos olhos dos auxiliares. Então dispensou Hassan, os auxiliares, o juiz e até seu irmão e Kalila. Livrou-se de todos com um simples gesto. — Quero ficar sozinho. Esta noite, quero ficar em paz com minha noiva.

 

Sua suíte fora preparada para a noite de núpcias.

Zakari dispensou as empregadas, que iam preparar Effie para sua noite com o noivo, e também as que esperavam para ajudar a tirar seu uniforme. Escolheu cuidar disso ele mesmo. Abriu o cinturão que segurava sua espada e tirou a farda pesada, enquanto Effie olhava em torno do quarto de Zakari, um ambiente em que, até então, nunca tivera permissão para entrar, nem como empregada.

Era um quarto que combinava com Zakari, Effie pensou. A decoração era mais suave que a da tenda, que era mais colorida. Havia os mesmos tapetes refinados no chão, só que mais escuros. E uma pesada mobília de madeira entalhada, com várias raridades sobre ela, ficava ao longo das paredes de pedra, que eram um pouco suavizadas por algumas prateleiras. A peça central era a cama. Grande, alta e imponente, com um cortinado de veludo bege e marrom. Effie não conseguia assimilar que era ali que dormiria a partir de agora, naquele quarto masculino.

Naquela noite, porém, o quarto estava suavizado pela luz das velas, que tremeluziam em todas as superfícies disponíveis. Uma banheira rebaixada fora enchida, e a água decorada com pétalas. As janelas estavam abertas para uma sacada com vista para o deserto.

Effie desejou que estivessem lá.

Queria estar de volta na tenda em que estavam, só os dois. Desejou terem mais tempo sozinhos para poder conhecer melhor o homem que agora era seu marido.

Um homem que, desde que acordara em seus braços naquela manhã, estivera distante e impessoal. Suas perguntas ficavam sem resposta, e não a olhava nos olhos. Um homem que ela não reconhecia mais.

— O que tem aqui atrás? — Effie estava de pé diante de uma pesada porta de madeira.

— Abra e veja.

— Oh! — Effie exclamou ao abri-la. — É para onde fui trazida hoje.

— É a sua suíte — Zakari explicou. — Pode se vestir e tomar banho aí. Antigamente, os casais dormiam separado, o que não é minha intenção.

Effie deu uma risadinha feliz. Também não era sua intenção.

— E aquela porta? — Effie perguntou ao cruzar o quarto e parar diante de outra porta idêntica.

— Para a amante do rei. — Zakari riu ao ver que Effie ficou sem reação. — Outro costume antigo.

— Você não vai ter uma amante, vai? — Ela estava horrorizada. — Eu nunca poderia...

— Effie. — Finalmente ele a tomou nos braços. Entendeu como aquilo era confuso para ela. Que os rituais e costumes com que crescera eram estranhos a ela. — Por que eu precisaria de uma amante?

— Eu sei... — Ela fechou os olhos e descansou a cabeça em seu peito, feliz que ele a abraçasse de novo. — Estou sendo boba. Acho que antigamente os casamentos eram por conveniência e obrigação, mas nós nos amamos.

Ele não respondeu. O cheiro de musgo do incenso que queimava penetrou cada canto do quarto, mas era o cheiro dela que ele desejava, e Zakari descansou a cabeça em seus cabelos. Apesar de sua corpulência, parecia tão frágil e delicada que lhe pareceu natural abraçar seu corpo trêmulo e acalmá-la um pouco antes de dizer a ela. Podia sentir sua batida do coração enquanto acariciava sua nuca e em vez de lhe dizer, preferiu tranquilizá-la.

— Por 30 dias, o palácio vai ficar pronto e você terá o casamento de seus sonhos — ele explicou.

— Não é isso — Effie esclareceu. — Hoje tudo pareceu tão frio, tão formal.

— Casamentos são assim.

— Tão vazio...

— Como eu disse, a cerimônia pública vai ser diferente.

Ela não queria nada diferente.

Queria aquilo. Queria o que tinham quando estavam longe das formalidades, que eram tão presentes na vida de Zakari.

Zakari era alto, e de botas ficava mais alto e mais forte. Sentir seu cheiro masculino a acalmava. Era esposa dele, isso a emocionava. Saber que ele era seu marido fazia seu coração derreter. Effie só não se acostumava com ele também ser o sheik rei Zakari Al' Farisi de Calista. Mas, ali em seus braços, longe de toda pompa e cerimônia, somente os dois, seu nervosismo desaparecera e ela se sentia segura.

— Vamos comer — Zakari disse. Levou-a para a mesa baixa luxuosamente preparada, onde Effie sentou-se em uma das almofadas, provou os sucos de frutas e examinou as iguarias que iriam compartilhar.

Prepararam um banquete para eles.

A mesa fora posta com guloseimas requintadas e pratos tradicionais de núpcias: mansaf, um prato de arroz e cordeiro que Zakari explicou que devia ser comido com a mão direita, argan, que comeram em sua primeira noite juntos, e para sobremesa havia kanafeh, feito com queijo doce e pistache. Até Zakari relaxou, partindo fatias de halwah, um doce tradicional. Mas, para sua própria surpresa, Effie não conseguia comer. Comida sempre a confortara, sobretudo desde que sua mãe morrera, mas naquela noite não precisava dela. À luz de velas, as feições dele parecia mais suaves, seu sorriso mais gentil, sua gargalhada mais solta. Effie conseguia falar com honestidade.

— Tenho medo de decepcionar a todos — ela admitiu. – Não conheço os costumes, as regras...

— Vou te ensinar.

— Foi tudo tão rápido.

— Então agora vamos desacelerar... — Zakari sorriu. — a pessoas vão levar um tempo para se acostumar com a ideia... minha família, os nobres de Aristo... mas estamos casados, nada pode mudar isso. Não importa o que aconteça.

— O que poderia acontecer? — Effie arrepiou-se com o tom agourento em sua voz.

— Nada! — Zakari sorriu, mas Effie não sorriu de volta.

— Queria que minha mãe estivesse aqui... — Effie largou o kanafeh. — Ela estaria muito orgulhosa.

— Tenho certeza de que estaria — Zakari concordou.

— E você? Deve sentir falta de seu pai em um dia como o de hoje.

Zakari encolheu os ombros.

— E de Anya também.

— Claro. — Zakari respirou fundo. Iria corrigi-la no dia seguinte, para que não fizesse mais esse tipo de pergunta, não tocasse nesse tipo de assunto com ele.

Os olhos azuis dela brilhavam como duas joias, sua boca encantadora estava relaxada, mais confiante agora que estavam sozinhos.

— Seus irmãos vão estar na cerimônia?

— Claro.

— Aarif parece feliz.

— Ele é — Zakari concordou, e então se descontraiu um pouco. Era a noite de seu casamento, disse a si mesmo, tinha o direito de relaxar e conversar. — Ele nunca foi feliz, até conhecer Kalila.

Sentia muita culpa pelo que aconteceu com Zafir. Mas agora está mudando, fazendo coisas para si mesmo.

— Faz bem. — Effie sorriu. — Você deveria fazer o mesmo.

— Tenho mais responsabilidades que Aarif. — Subitamente, Zakari ficou na defensiva. — Às vezes tenho que fazer coisas que, se não fosse rei, talvez escolhesse não fazer...

— Como o quê? — O diamante Stefani brilhava entre os seios. Seus olhos confiantes sorriam para ele, e Zakari começou a suar por ter que lhe dizer.

— Meu povo tem que vir primeiro. Seu futuro e seu bem-estar estão em minhas mãos. Às vezes, tenho que fazer escolhas difíceis. Está feliz? — Zakari perguntou repentinamente. — Por tudo ter acabado assim?

— Nunca imaginei que pudesse ser tão feliz. — Effie sorriu.

— Vai ter ajuda para suas roupas, joias, tudo que quiser. E, se quiser modificar a decoração de algum quarto...

— Não é por isso que estou feliz! — Effie o repreendeu. — O título, as joias... — Ela balançou a cabeça. — Zakari, eu seria feliz se morássemos em uma minúscula tenda no meio do nada, contanto que tivéssemos um ao outro.

As palavras eram tão parecidas com as de Anya que, por um segundo, Zakari fechou os olhos. Seu entusiasmo e sua devoção o alegravam e entristeciam ao mesmo tempo. Era a primeira mulher que conhecia que não ligava para seu título, que parecia se importar só com ele. Mas, agora que estavam casados, ela podia parar de representar e saborear seu novo status, ou pelo menos perceber como sua nova riqueza era maravilhosa. Mas ela realmente parecia não se importar e isso o entristecia porque, agora, tinha que contar a ela...

— Para dizer a verdade... — Effie continuou alegremente. Estou apavorada. Não tenho a menor vontade de me tornar Sheika Stefania e tudo que isso possa acarretar, mas, contanto que tenha você, sabendo que tenho seu amor, posso aguentar qualquer coisa. Vou fazer o melhor que puder para orgulhar você.

— Vai, sim — A voz de Zakari estava ríspida. — Já faz. Preciso... —Ambos começaram a falar juntos.

— Eu adoraria tomar um banho. — Ela deu um suspiro exausto. — Desculpe, o que dizia? Precisa...?

— Nada. — Zakari balançou a cabeça. — Isso pode aguardar — Indicou a banheira com um gesto. — Tome seu banho. Você merece relaxar depois de um dia desses.

— A água já deve estar fria! — Effie foi até lá, pronta para esvaziá-la, mas ainda estava deliciosamente quente.

— Ela permanece quente pelo tempo que quiser.

— Igual a você. — Effie corou pelas próprias palavras. Zakari apenas olhou para ela e, por um instante, ela hesitou. Tirar a roupa e ficar nua na frente dele era assustador. Mas ele a amava, lembrou a si mesma. Esse homem, que podia ter qualquer uma, escolhera ela, a considerava bonita. Ela não queria desapontá-lo sendo tímida. Naquela noite, queria ser para ele a mulher em que estava, aos poucos, se tornando.

E então se despiu.

Tirou o vestido e a roupa de baixo enquanto ele observava, e então deslizou para dentro da água quente. Afundou a cabeça e sentiu o laquê de seu cabelo se dissolver.

E Zakari observava.

Observava seu corpo glorioso reluzente de óleo e água, e, quando ela emergiu, viu seus cabelos agarrarem-se a ela em ondas escuras.

Amanhã, Zakari decidiu com a boca subitamente seca. Diria a ela amanhã.

Por que estragar a noite?

Pela primeira vez, tirou as próprias botas, enquanto a olhava na água cheia de sabão. Seus olhos lhe convidavam para juntar-se a ela, e Zakari se despiu num segundo. Quando ele entrou na água, seu corpo quente deslizou até o dele e sua boca ávida o saudou com um beijo. E Zakari maravilhou-se com a mulher que ele fez desabrochar. Ele massageou seus seios ensaboados. Ela enlaçou em sua cintura e deu um risinho ao escorregarem e afundarem a cabeça na água. Ao voltarem para a superfície os dois gargalharam.

Como ele nunca gargalhara antes.

E pela primeira vez, entendeu as palavras de Aarif. Pela primeira vez vislumbrou um futuro em que, não importava quais fossem as pressões do dia, não importavam quais fossem os fardos e responsabilidades do reino de Adamas, ele poderia voltar para casa para isso. Para o amor, o riso e a paixão. Para ser apenas ele mesmo.

Apenas ser.

Poderia enfrentar qualquer desafio se tivesse essas horas preciosas à noite com Effie.

Enquanto ela ensaboava seu peito e massageava sua ereção, ele explorava o corpo de Effie, mais leve dentro da água, envoltos no tênue vapor, Zakari aprendeu o que era relaxar, como se desligar de um mundo cheio de pressões, como se soltar e aproveitar.

Ela era tão deliciosa.

Apesar do calor do quarto, Effie tremia pelo longo banho quando, finalmente, saíram. Ele a enrolou com uma toalha felpuda e então a colocou na cama e começou a enxugar bem devagar cada cantinho de seu corpo, até ela ficar macia e quentinha. Depois, deitou-se ao lado dela, e falava com ela em meio a beijos, conhecendo sua linda noiva e querendo evitar a manhã seguinte.

Ela estava com gosto de sabonete e com a pele divina. Seus cabelos ainda estavam úmidos e caíam sobre seu peito enquanto ela passava a língua em seu corpo. E sua mão, quente e macia, subiu pelas suas coxas e segurou seu membro.

— Lembra-se de como me beijou lá...?

— Claro. — A lembrança fez ele crescer na mão dela.

— Se eu te beijasse do mesmo jeito... — Effie hesitou, sem saber se ofenderia, incerta se saberia o que fazer — Seria bom?

— Seria... —Zakari prendeu a respiração. Não conseguiu continuar a falar quando ela começou a beijá-lo de modo tão inexperiente. Mesmo assim, era maravilhoso. Beijos quentes e recatados que faziam ele prender a respiração quando alcançavam a ponta. Sua língua se enroscava nele de um jeito que fazia seu coração parar.

— Está bom assim?

— Está... — Zakari não conseguiu completar a frase, pois ela o beijava minuciosamente.

Assim como, primeiro, beijou-lhe a boca de modo incerto e então ficou faminta por mais, Effie beijou-o com cada vez mais vontade. Sua língua rodopiava, seu corpo ansiava pelo dele.

E então ela parou por um segundo, interrompendo o prazer. Seus olhos azuis brilhavam ao olhá-lo, enquanto sua boca rosada ainda o envolvia, e os dedos de Zakari se emaranharam em seus cabelos quando ela voltou ao trabalho. E, pela primeira vez na vida, Zakari relaxou. Apenas relaxou e aproveitou, pois sabia que ela também estava gostando. Porque com Effie não havia pressa, não havia nada a provar, só o mútuo prazer que ultrapassava qualquer outra experiência que tivera.

Ao sentir que o volume macio de sua intimidade pressionava sua coxa, ele começou a massageá-la, não para impressionar, mas porque queria. Sentir seu calor doce e escorregadio o fez querer ir além da superfície, aceitar o deleite que ela oferecia. Só que não podia...

O diamante Stefani pesava em sua coxa enquanto a língua dela agia. Por ele ainda estar em seu pescoço é que deviam consumar o casamento.

O dever devia prevalecer.

— Vem aqui. Puxou-a para cima dele.

Segurou suas nádegas enquanto a prendia sobre seu membro esticado, e descobriu que dever também podia significar prazer ao observar seus lábios íntimos o envolverem e acariciarem.

Fixou os olhos em um prêmio diferente ao atingirem, juntos, o clímax: o diamante Stefani, esquecido ali enquanto ele a olhava se contorcer de prazer e estremecia dentro dela. Ele a prendeu ali até que ela se esgotasse, até sentir as últimas palpitações de seu orgasmo, enquanto a penetrava bem fundo. Só quando ela caiu para o lado e estavam quase adormecendo, com ele abraçado por detrás dela segurando seu seio, lembrou-se do diamante Stefani, que escorregou pela corrente e veio descansar nas costas de sua mão. O casamento estava consumado. Não havia motivo para não dizer a ela. Exceto um, teria que esperar até a manhã seguinte.

 

Era seu dever, Zakari lembrou a si mesmo. Tinha que obter o diamante e fora por isso que consumara o casamento.

Ou não fora?

Desde que acordara, não era a primeira vez que questionava seus motivos para a noite anterior, mas pela primeira vez não conseguia rejeitar seus pensamentos. O sol ia nascer em alguns minutos, lançando luz no dia que vinha pela frente, exigindo que ele enfrentasse as coisas. Mas como poderia contar para ela agora?

Deveria ter dito a verdade no deserto?

Pela primeira vez na vida, Zakari estava com a consciência pesada. Effie não teria discutido com um rei, não teria lhe negado a pedra. E, mesmo que tivesse se casado com ele por obrigação, ou estivesse carregando seu herdeiro, ela lhe entregara seu coração antes do casamento. A noite anterior não fora necessária.

Fora sim!

Ele a queria, queria aquela noite perfeita com ela antes de lhe dizer a verdade.

— Zakari? — Ela apareceu atrás dele na sacada. Colocou a mão em seu ombro tenso e beijou suas costas enquanto ele olhava para o deserto.

— Volte para a cama... — Effie disse. — Está muito frio aqui.

Como seria mais fácil levá-la de volta para a cama e fazer amor. Sentiu seu membro enrijecer quando seus lábios quentes acariciaram seu ombro. Queria negar o alvorecer e prolongar seu tempo.

Hoje ela iria descobrir, quer ele contasse ou não.

Havia uma linha laranja no horizonte distante, dedos cor de açafrão abriam-se em leque. Um grito estridente soou quando os pássaros acordaram e ele olhou para cima ao ver uma sombra escura que planava.

Zakari nunca gostou de falcoaria.

Um esporte de seu povo, mas que nunca o atraíra. Algumas vezes, participara dele quando necessário, e, ao ver aquele belo animal rodeando sua presa, ao vê-lo voar tão alto enquanto a minúscula caça o ignorava, ele se arrepiava, quando era pequeno, com o que ia acontecer. Mesmo quando adolescente, embora ficasse firme diante de seu pai, se arrepiava quando o pássaro mergulhava sobre a presa, e sentia náuseas quando ele voltava para seu braço com a caça em seu bico sangrento.

Ele se sentia um falcão agora.

Rodeando sua presa ingênua.

Seu passarinho cinza sorria de modo inocente quando ele se virou para encará-la, para confrontar a verdade.

— Há algo que precisa saber. Hoje haverá um anúncio.

— Sobre nós?

— Isso foi comunicado ontem — Zakari explicou.

Hoje será noticiado que a metade desaparecida do diamante Stefani foi encontrada. Effie arregalou os olhos.

— Estava perdida?

— Foi substituída por uma falsa, e ambos os palácios guardaram segredo, mas a coroação do príncipe Alex não podia continuar sem a metade perdida do diamante Stefani.

— Então, agora pode?

— Não. — Zakari balançou a cabeça. — As pedras vão ser unidas. O legado do rei Christos será cumprido.

— Não entendo.

— Possuo a metade desaparecida do Stefani. — A voz de Zakari era grave, seus olhos não encontravam os dela. — Isso significa que agora vou governar Calista e Aristo.

— Você... — Um sorriso surgiu em seu rosto, fascinante como o sol que nascia rapidamente. —Zakari, estou tão orgulhosa de você. Vou fazer tudo para apoiá-lo...

A cada palavra, ela tornava as coisas mais difíceis. Sua fé e confiança nele eram tão absolutas que só um machado as destruiria.

— Quando isso aconteceu? — Effie continuou. — Quando foi encontrado?

Ele virou-se, segurou o pingente pendurado entre seus seios brancos e, com o coração na mão, ergueu o machado para golpeá-la.

— Esse... — Zakari pigarreou — é o diamante Stefani. — Viu que ela franziu a testa. — Essa é a metade perdida do diamante Stefani.

— Não seja estúpido! — Effie sorriu. Era a única mulher que poderia falar assim com um rei e se safar. — Já te disse que o colar era de minha mãe. Não vale nada... Deve ser de vidro.

— Não. — Zakari balançou a cabeça. — É a joia que procurava. Eu a reconheceria em qualquer lugar.

— Por que minha mãe teria um diamante tão precioso? — Effie questionou. — Ela era uma criada no palácio... — Ele viu o sorriso desaparecer de seus lábios e seu lindo rosto ficar preocupado. — Minha mãe não era ladra.

— Uma ladra não conseguiria roubá-lo. É uma joia real, protegida, acessível apenas aos mais altos membros da família.

— Então, como?

— Sua mãe era amante do rei Aegeus — Zakari disse devagar.

— Minha mãe? — Effie balançou a cabeça sem acreditar. — Zakari, é impossível. Como pode pensar isso?

— A piscina de Kionia... — Zakari interrompeu.

— O quê?

— A rainha Tia a encomendou. — A voz de Zakari estava tão baixa e profunda que ela teve que se esforçar para ouvir. — No dia em que a princesa Elissa nasceu. Muito depois de sua mãe ter trabalhado no palácio.

— Isso não quer dizer nada. — Ela não queria entender o que ele tentava explicar. Effie queria voltar para a cama quente, queria seu rei, queria que ele fizesse amor com ela como na noite anterior, que a amasse como ela pensava que ele amava.

— Para sua mãe tê-la visto, para até mesmo saber que existia... — Zakari continuou, mas Effie se recusava a ouvi-lo.

— Talvez ela tenha voltado — Effie arriscou. — Talvez tenha feito um trabalho ocasional.

— Não existe trabalho informal em Kionia.

— Talvez tenha só lido sobre isso — Effie implorou. — Ouvido alguém falar...

— Sua mãe era amante de Aegeus — Ele disse o nome com desprezo. Pelo homem que ele mais odiava no mundo. — Ele deu a ela muitas joias. Algumas ela vendeu ao longo dos anos. Eu as devolvi ao lugar certo, mas a única que ela conservou foi o diamante Stefani. Ele a mantinha em sua casa. Criadas não compram casas. Era Aegeus quem a sustentava.

— Não. — Ela continuava a negar. — Não minha mãe e Aegeus!

— Aegeus sim. — Zakari cuspiu. Estava voltando sua raiva por Aegeus contra ela. — Seu nome! É Stefania. Não pode negar, está em sua certidão. É por causa da joia que ele deu a ela. Sua mãe era prostituta dele.

— Minha mãe não era prostituta... — Ela deu um tapa no rosto dele; como isso não ajudou em nada, ela deu outro. — Se ela era prostituta, isso me torna o quê?

— Você é minha esposa.

— Não era quando dormimos juntos pela primeira vez.

— É minha esposa agora.

— Por quê? — Ela o desafiou. — Porque me ama? Porque me deseja? Ou por causa disso? — Então ela se deu conta... quando ele ficou sem ar por vê-la arrumada, o brilho em seu olhos não fora por ela, não fora por sua beleza, mas pelo poder que ele vislumbrou.

— Você, Zakari, é "a prostituta". — Ela arrancou o colar e lançou contra ele. — Foi você que dormiu comigo para ganhar algo! Toma!

Era muito doloroso tirar a joia da mãe, mas também era impossível ficar com ela. Era um objeto, uma posse, que não lhe pertencia, e não poderia continuar com ela. Assim como ela também era uma posse, um objeto, um meio de se obter algo.

— Aonde está indo?

Effie correu para a suíte e ele viu que ela começou a se vestir rápido.

— Para casa.

— Casa? Sua casa é aqui, comigo. É minha esposa. — Ele segurou-a pelo punho e ela tentou se libertar, mas não conseguiu. Seu pé descalço era sua única arma, e ela chutou a canela dele. Machucou mais a si mesma, mas o choque foi suficiente para que ele a soltasse.

Não o choque pela dor que ela causou.

Mas pela raiva dela.

O sofrimento.

E o mais estranho... a culpa.

 

Bem, o que ela esperava?, Zakari ponderou enquanto andava pelo quarto depois que ela se fora. Reis não se apaixonam por criadas. Ela devia estar satisfeita, com o tempo ficaria... Tinha status agora, um título, tinha mais do que jamais sonhara na vida.

Pegou o telefone e convocou a presença de Hassan em seu quarto. Com seu tesouro nas mãos, lhe disse que comunicasse ao palácio e à imprensa que o diamante agora era dele.

Que o legado de Christos seria cumprido!

— Vossa Alteza! — Hassan segurou a joia com mais ternura do que se fosse uma criança. — Esperou tanto por esse momento.

— Onde está a sheika Stefania? — Zakari perguntou.

— Pediu que a levassem para a casa de sua mãe. — Hassan deu um suspiro exagerado. — Ela vai se acalmar, logo vai voltar.

Zakari não tinha tanta certeza. Quando assinara os papéis do casamento, ele esperava que houvesse mágoa e até raiva, quando lhe contasse. Mas a mulher que aos poucos fora se revelando na noite anterior, era uma mulher que ele não negociava . Ela desabrochou diante de seus olhos e floresceu sob o falso amor dele, e, naquela manhã, ele viu seu coração partir.

— Quero um carro na frente da casa dela — Zakari instruiu. — O guarda deve cuidar para que não seja incomodada e para que não fale com a imprensa. Quando ela estiver pronta para voltar para o palácio, ele a trará até aqui.

A notícia de que Zakari tinha a pedra alvoroçou os reinos de Aristo e Calista. Até Zakari ficou atordoado com as consequências quando viu as notícias na TV. A programação normal foi suspensa e em todos os canais esse era o único assunto. Houve lamentação nas ruas de Aristo. E o povo de Calista, para surpresa de Zakari, estava mais atordoado e deprimido do que celebrando. Os nobres de Aristo não teceram comentários, mas seus principais assessores foram enviados à Calista para confirmar a autenticidade da pedra. Os jornais tiveram duas, três, quatro edições, que arriscavam adivinhar o que aconteceria em seguida, como seria a transição do poder e as mudanças assustadoras que se seguiriam.

Parecia que apenas os nobres de Calista estavam com humor para celebrar.

Zakari estava à cabeceira da mesa, acompanhado de seus irmãos e irmãs, além das esposas de Aarif e Kaliq. Effie foi lembrada apenas por sua ausência.

— Ela logo vai aceitar — Aarif disse.

— Claro que vai — Kalila concordou com o marido. — Afinal, ela tem sangue real.

De repente, os lábios de Zakari ficaram secos. Tomou um gole e suco, mas não matou sua sede. Ele fez um gesto impaciente para que enchessem seu copo com água e tomou um longo gole mas também não o aliviou em nada.

Ela podia ser bastarda de Aegeus, mas havia mais sangue nobre nas veias de Effie do que nas suas, e ele confirmara isso naquela manhã. Aquele fogo, orgulho e uma força indefinível que a caracterizavam como nobre. Era algo que Zakari trabalhara duro para construir do nada, mas Effie nascera para aquilo.

— Quer que eu fale com ela? — Eleni, a esposa de Kaliq, ofereceu. Ela era empregada dos estábulos antes que Kaliq a desposasse, e, de algum modo, devia saber como Effie se sentia. — Sei como é difícil se adaptar. Talvez, se tiver uma amiga...

— Eu vou falar com ela! — Zakari rejeitou a oferta de Eleni com uma resposta brusca. — Amanhã ela volta para o palácio.

Eleni ainda não dominava as regras de jantar com um rei e franziu os lábios e revirou os olhos de um modo que fez com que todos soubessem o que pensava. A salvação, Kaliq lhe disse depois, tentando não rir dos modos da esposa, foi que Zakari estava muito distraído para notar.

Zakari sentiu falta de Effie na cama aquela noite.

Não só de fazer amor, mas do sossego, do riso e do conforto que ela levava para o quarto.

Traria sua esposa de volta no dia seguinte. Zakari estava decidido.

Diria a ela para deixar de insensatez e tomar seu lugar de direito ao lado dele.

 

As coisas de sua mãe, a casa de sua mãe, sua casa, sempre a confortaram.

Mas não hoje.

Ao caminhar pelo ambiente familiar, Effie ansiava pela ilusão que perdera.

Olhou a caixa de joias vazia da mãe e se lembrou de quando era criança e experimentava suas coisas... Os colares que colocava no pescoço, os anéis que botava nos dedos gordinhos.

Joias da realeza! Effie encolheu-se com a recordação ingênua. Brincava com joias reais, joias que sua mãe vendera para sustentá-las.

Cada parte de seu corpo parecia estar contaminada.

Que idiota! Effie sentou-se no sofá gasto, se encolheu no canto e olhou para as ricas pinturas a óleo na parede e para os livros nas estantes. Como fora boba por nunca questionar sua mãe, que estupidez cega acreditar que sua mãe poderia mantê-las com as economias de uma criada de palácio.

De onde estava sentada podia ver o luxuoso carro cor de creme estacionado na rua. Os vidros escuros ocultavam o ocupante, mas às vezes o vidro abaixava e um cigarro tremeluzia, revelando um passageiro robusto de óculos escuros. A cena fazia Effie estremecer.

Estava prisioneira em sua própria casa.

Ávida por informações, por respostas, pegou uma escada de lá de fora, passou pelo hall apertado e subiu até o sótão. Com total descuido por sua segurança, ela arrastou caixa por caixa e as jogou no chão lá embaixo. A tarefa de vasculhar as coisas de sua mãe, suas fotos, suas cartas, lhe era dolorosa demais, mas era importante para Effie que o fizesse agora.

Sentada no chão do hall, não sabia por onde começar. Pegou uma carta ao acaso, e, no instante em que a abriu, todos os seus medos foram confirmados, todos os sonhos destruídos, como, no fundo, ela saberia que seriam.

Zakari não cometeria tal erro.

 

19 de maio de 1985

           Lydia,

Mais uma vez esperei por você ontem à noite, assim como fiz no ano passado. Sabe que é muito perigoso para mim ir até ai. Suplico que venha até aqui, que entre em contato, que me faça saber se está tudo bem com você.

Sei que não podemos ficar juntos, mas prometemos nos encontrar uma vez por ano. Por favor, não nos negue esse único prazer.

Até o ano que vem, seu eterno, Ax

 

Ela devia estar com um ano de idade, Effie se deu conta chorando. E, um ano antes, sua mãe devia estar grávida dela e não ousaria ir encontrá-lo.

Ela leu um pouco mais. A cada carta, a cada ano que passava, as súplicas de Aegeus eram mais desesperadas, mais urgentes. E então, de repente, as cartas pararam. Aegeus claramente desistira.

Com um olhar abatido, Effie olhou para as caixas, mas não conseguiria enfrentá-las agora. Ela começou a ler pelo final da história deles, pois estava muito exausta para começar do início.

Effie sabia que haveria tempo para isso depois. Viu a porta da frente escurecer e soube que seu tempo acabara.

Zakari viera buscá-la.

— Você vai voltar! — Zakari estava de pé imponente, enorme e completamente deslocado na minúscula sala de estar. — Não tem escolha a não ser voltar.

— Tem uma cláusula de divórcio no contrato de casamento! — Effie não conseguia nem olhar para ele. — Eu mesma li!

Ele andava de um lado para o outro como um leão enjaulado. Parava de vez em quando para olhar as fotos, os quadros e tirava uns livros da estante.

— Esses livros são primeira edição! — Ele balançou a cabeça. — Só este quadro deve valer o mesmo preço da sua casa, e você ficava trabalhando como empregada!

— Eu não sabia — Effie arrepiou-se com sua própria desgraça. — Essas coisas sempre estiveram aí. Eu nunca pensaria que eram presente de um rei.

Ele estava tão invasivo, tão consumido por sua própria integridade de caráter, que não pensou duas vezes antes de entrar no quarto de sua mãe e atirar seu desprezo contra as coisas dela.

— Esses porta-joias são do Egito! — Zakari balançou a cabeça em descrença. — Devem ter sido presente dos reis do Egito para o palácio aristano. — Ele pegou os vidrinhos de perfume que Effie antes adorava, e sua tristeza aumentava a cada lembrança que se maculava. — Fazem parte de uma coleção rara. Sua casa é mobiliada pelo palácio aristano! — Zakari debochou. — Não precisa se preocupar em não conseguir se adaptar, esteve rodeada de preciosidades a vida inteira!

— Eu não sabia! — Effie soluçou.

— Goste ou não, as coisas mudaram — Zakari disse, com um tom um pouco mais gentil. — É impossível você voltar para sua vida antiga. Agora, as pessoas sabem quem era seu pai. Vai ser impossível você trabalhar, continuar como antes... — Ele viu as lágrimas que desciam em seu rosto e sentiu culpa por tê-la feito passar por isso, mas logo se corrigiu. Que escolha ele tinha? E, de qualquer modo, ele a resgatara. Ela não passava de uma empregada do palácio quando a conhecera, agora iria vestir as melhores roupas, conviver com reis... Então, por que ela estava chorando?

— Você tem um dever com o povo.

— Que dever?

— Que bem vai fazer ao povo de Aristo e Calista saber que o rei se divorciou? Já existem muitos problemas sem uma crise de casamento surgir. Vai voltar comigo agora. Vai servir ao povo que vou governar.

— Já tem o que quer — Effie alegou. — Para que ainda precisa de mim?

— Porque reis não se divorciam! — Zakari urrou. — Suas esposas não os abandonam depois de apenas uma noite de casamento, e você não vai me deixar. Vai permanecer ao meu lado.

Ela sabia quando estava derrotada, sabia que ele estava certo. Por mais que quisesse voltar, sua antiga vida não existia mais.

— Vou caminhar ao seu lado, vou comer em sua mesa... — Apesar das lágrimas, a voz de Effie estava firme. — Mas nunca mais meu coração vai ser seu.

Ele não entendeu o que ela dizia. Ela concordara com as regras dele, ficaria no palácio, não haveria escândalo de divórcio. Tudo que ele quisera, ele conseguiu... menos uma coisa.

— Arrume um outro quarto para mim.

— Não. Vai dormir comigo.

— Nunca. — Effie não admitia nem pensar nisso. — Se tradição é tão importante para você, pode arranjar uma amante e voltar aos velhos tempos, Zakari. Já tem um quarto à espera dela.

— Precisamos de herdeiros.

Como era triste que as coisas descessem a esse ponto.

— Vou até você quando estiver fértil. — A voz de Effie estava completamente fria. — Pode me usar então.

— Usar você?

— Fazer seu trabalho — Effie disse. — E tudo o que vai ter.

As coisas não saíram como ele planejou. Ele esperava que estivesse chateada, com raiva até, mas ela fora além disso. Os olhos dela, ao encontrarem os seus, estavam frios e duros. Aquela linda boca, que rira e conversara com ele, reduzira-se a uma linha fina.

— Você está abalada — Zakari reconheceu. — Aceito isso, mas, com o tempo, vai ver que não há outro jeito.

— Podia ter me falado sobre a joia. Podia ter dito que precisava dela.

— Realmente pensa que eu discutiria assuntos reais com uma criada? — Zakari fez uma careta. —Até tornar-se minha esposa, não havia nada que pudesse ser discutido.

— Bem, conseguiu o que queria — Effie respondeu.

— Ótimo — Zakari rebateu. Mas a última palavra seria dele.

— Pode dormir sozinha até que aconteça a cerimônia oficial e o conselho do palácio vai aceitar isso, e assim você vai ter tempo de se acostumar com sua nova posição. Mas, depois disso, vai ser minha esposa, em todos os sentidos.

 

Ela nunca se sentira tão só.

Rodeada de pessoas, com cada minuto de seu dia planejado e justificado, Effie nunca se sentira tão sozinha.

Ela era acordada cedo, sua camareira e sua maquiadora chegavam juntas. Seu rosto era maquiado, suas roupas eram escolhidas e seus cabelos escovados e rigorosamente enrolados, até que fosse considerada adequada para tomar café da manhã com o rei.

Ela podia ver que ele a cumprimentava com olhos entediados pela manhã, sabia que o desapontara de várias maneiras, mas ele também a desapontara.

Ela não passava de uma sombra do que fora. A cada aula de dicção, a cada aula da história de Calista, ou de política, a cada degradante minuto gasto em lições de como andar, como sentar, como sair de um carro, como retribuir a um aperto de mão ou cortesia, parecia que tiravam mais um pedacinho dela.

E agora, após três semanas de treinamento, parecia estar pronta para ser revelada ao público faminto.

Estava acontecendo um campeonato beneficente de pólo em Calista, que arrecadaria grandes somas de dinheiro para o orfanato.

Uma causa nobre para um esporte nobre, Zakari explicou ao ler os jornais matinais, algo que fazia toda manhã enquanto ela bebia seu café.

Aarif iria se juntar a seus irmãos e participar da partida oficial de pólo pela primeira vez, o que já era suficiente para atrair um grande público, mas, com o casamento real, que aconteceria em uma semana, o povo de Calista estava ansioso para ver a noiva de seu amado rei.

Todos os assentos mais caros já tinham sido vendidos.

— Está nervosa? — Zakari perguntou. Franziu o rosto ao ver que em vez de responder, ela só baixou a cabeça. — Kalila e Eleni estarão com você. — Ficava irritado por não conseguir tranquilizá-la, pelo diálogo que, antes, era tão fácil entre eles, agora estar afetado e forçado. — Suas roupas já foram escolhidas, vão cuidar de seus cabelos e maquiagem. Não há por que ficar nervosa.

— Preferia escolher minhas próprias roupas. Eles parecem não saber o que combina comigo.

— Você tem a melhor estilista de Calista — Zakari respondeu com um olhar involuntário para o doce que ela comia, e Effie corou. Odiou não ser magra, assim como odiava cada humilhante prova de seu vestido de casamento. — Ela era a principal estilista da rainha.

— Mas ela não me escuta... — Effie tentou falar, mas depois desistiu. Como Zakari poderia entender seu conflito? As estilistas e maquiadores eram como deusas para Effie, e ela arrumara suas camas e limpara seus quartos. Embora nenhuma delas tivesse dito sequer uma palavra, embora todos os funcionários do palácio fossem bem educados, ela podia sentir seus olhares zombeteiros, podia sentir sua hostilidade por terem que servir a mais baixa das empregadas. — As empregadas não me respeitam.

— Então você tem que se impor. Elas estão aqui para servi-la-Espere por isso, que acontece. — Ele fazia parecer tão fácil. — Você vai estar bem.

— Claro — Effie concordou, escondendo as lágrimas nos olhos pela palavra que ele usou sem pensar. Com a melhor estilista, a melhor maquiadora e tudo à sua disposição, a palavra com que ele a descrevia era bem, o que a fazia se sentir inadequada para o papel que lhe fora atribuído.

— Tenho que ir agora. — Ele se levantou para sair. — Noor — Ele estalou os dedos para chamar uma empregada. — Leve os jornais.

— Deixe os jornais aqui, Noor — Effie disse, e então olhou para ele. — Disse que eu deveria me impor.

— Por que insiste em ler os jornais? — Zakari suspirou, cansado.

— Você os lê — Effie comentou.

— Tenho que ficar a par de tudo que acontece. Tenho que avaliar as reações das pessoas às notícias de que logo vou ser rei de Aristo.

— Se não os deixar aqui, vou sair para comprar outros para mim. O que, com certeza, vai dar a eles o que escrever!

— Ótimo! — Zakari deu de ombros. — Se insiste, vejo você depois da partida.

Quando a porta foi aberta para ele, Zakari virou-se, bem a tempo de vê-la pegar outro doce, e seu sofrimento era palpável.

— Tente divertir-se hoje... É por uma boa causa. Um monte de dinheiro está sendo arrecadado para o orfanato de Calista. — Ela não disse nada, apenas ficou com a mão parada sobre o doce. —É um esporte bem emocionante também. E, o fato de Aarif estar participando, é especialmente importante para mim.

— Tenho certeza de que vai ser maravilhoso — ela respondeu de modo educado. Só que não era o suficiente.

Ele ouviu Kalila rir nos corredores do palácio enquanto ia para o saguão de entrada com o marido. Sem dúvida era para dar-lhe um beijo de despedida, e ele queria o mesmo de Effie.

— Não vai me desejar sorte? — Zakari perguntou.

— Não precisa de sorte, Zakari — Effie respondeu, entristecida. — Quando quer alguma coisa, você a consegue. — Ela deu um sorriso pálido. — Estou certa de que hoje vai ser igual.

 

ELA não tinha como escapar da humilhação.

Ao pegar os jornais que Zakari tinha acabado de ler, leu sobre seu vexame público.

Os jornais calistanos eram discretos, mais animados com a notícia de que seu rei iria passar a governar ambas as ilhas do que preocupados com seus métodos.

Os jornais aristanos, no entanto, eram duros.

Comentavam como Zakari era sedento de poder, e até onde poderia chegar. Que podia ter qualquer mulher que quisesse, mas que se casaria com uma criada bastarda e gorda se isso o desse o governo das duas ilhas.

Zakari apenas deu de ombros quando ela lamentou as notícias, e explicou que, quando a transição do poder estivesse completa, eles não ousariam publicar tais coisas, mas isso só magoou ainda mais Effie; ele havia dito coisas, em vez de mentiras.

Eles estavam particularmente brutais naquela manhã.

Uma notícia mais mordaz, em um dos jornais mais ordinários, chegou a questionar a legalidade do casamento, ao duvidar se Zakari teria chegado ao ponto de consumá-lo!

Havia uma caricatura horrível dos dois na página seguinte. Zakari com uniforme militar, com a cabeça abaixada para beijá-la, mas com um pregador no nariz.

Fizeram-na parecer uma porca.

E agora tinha que enfrentá-los.

Tinha que se manter altiva sabendo o que as pessoas haviam lido sobre ela.

Effie fechou os olhos e chorou.

 

Ela podia ter sido a estilista de Anya, mas a rainha Anya morrera aos 60 anos de idade, e Effie tinha apenas 25.

A rainha Anya era alta e elegante, enquanto Effie era baixa e gordinha.

Anya morrera há cinco anos, Effie engoliu seco, em pé com os outros nobres enquanto aguardavam para entrar. Escolheram para ela um traje de seda rosa-pálido, com uma saia longa até o chão e um paletó, com ornamento de pérolas e bordado extravagantes, que cobria suas nádegas, mas fazia suas pernas parecerem curtas.

Cinco anos era tempo demais em moda, Effie pensava ao olhar com nervosismo para sua nova família, todos elegantes sem esforço.

Quando a entrada deles foi anunciada, a tribuna real e o estádio inteiro levantaram em atenção. Todas as cabeças abaixaram em reverência, mas foi um rápido momento de paz. Terminadas as formalidades, Effie sentiu os olhares da multidão fixos nela examinando-a, assimilando cada detalhe enquanto avaliavam a noiva que Zakari escolhera. Effie percebeu quando os flashes das câmeras começaram a espocar.

Effie sempre vivera nas sombras, e era feliz. Era torturante ficar sentada ouvindo o sussurro da multidão e saber que falavam dela.

— Eles logo se acostumarão a você — Kalila disse de modo gentil. — Por enquanto, é claro, há muita curiosidade. — Ela deu um sorriso gentil. — Você também vai se acostumar.

Ela duvidava disso. Sentada ao lado da mulher que fora considerada uma noiva adequada para seu marido, Effie cada vez mais se dava conta do quanto era inadequada.

Kalila possuía uma elegância natural, sua conversa com os outros dignitários era polida e agradável. Effie sabia que Zakari estava contente por seu irmão e que não tinha ciúme de sua união com sua ex-prometida. Mas Effie ficou desconcertada ao ver de tão perto o que se esperava da esposa de Zakari. Sabia que o decepcionara de modo lamentável.

— Está ansiosa com o casamento? — Kalila perguntou pouco antes do final da partida. Estavam no chukka final, Eleni explicou, e Effie queria que a partida acabasse para poder escapar. Estavam empatados, e a crescente excitação da multidão os deixava muito ocupados para olharem para ela! — Ou essa pergunta é boba? Lembro-me de como estava nervosa em meu casamento... — Ela se deteve, talvez por lembrar que era destinada a Zakari. – Conte-me sobre seu vestido — ela pediu. — Deve ser deslumbrante.

— É muito... — Effie lutou para fazer uma descrição positiva. Não tinha uma única coisa de que gostasse em seu vestido. Seus pequenos murmúrios de protesto foram ignorados pelos costureiros, que continuavam a espetá-la com os alfinetes. —Elaborado!

— Como ele é? -Eleni, que também estava sentada ao lado de Effie era um pouco menos intimidante, mas, mesmo tendo sido plebeia, ela era tão segura de si e tão conhecedora do jogo, que Effie se sentia tediosa em comparação a ela. — O começo é muito difícil. — Ela deu um sorriso simpático. — Lembro-me de como sofria com minhas roupas. Mas Kaliq sugeriu que eu experimentasse os estilistas de Aristo.

Sim, Effie pensou com amargura, mas Kaliq ama você.

Eleni era gentil, e tentou incluí-la na conversa, mas ela continuou a se divertir vendo seu marido e os últimos minutos do jogo com verdadeira alegria.

— Rápido demais! — Eleni estava na beirada da cadeira, mas lembrou-se de sua posição social e se sentou direito. Contudo, Effie notou sua tensão, e, ao olhar para o campo, descobriu a razão.

Zakari atravessava o campo como um doido. Faltava só um minuto para o fim da partida e, como Eleni havia explicado, com mais um gol o time de Zakari venceria. Mas, mesmo para os olhos inexperientes de Effie, ele estava indo rápido demais. Estava quase fora de sua sela para tentar atingir a bola e Effie estava com o coração aos pulos, certa de que ele não pararia a tempo. Ela mordeu os lábios quando ele levantou o taco e acertou na bola, marcando o gol da vitória. Ele ergueu o punho em comemoração, enquanto seu time o parabenizava e a multidão delirava...

Mais uma vez, Zakari conseguira!

Zakari olhou para a tribuna real e viu que Eleni aplaudia ruidosamente até que se lembrou de se conter um pouco, e Kalila dava um sorriso recatado. Mas, no rosto de sua noiva, em vez de orgulho e admiração, tudo o que pôde ver foi uma expressão pálida e abatida, que ele não identificou como medo.

Nada a fazia sorrir?, Zakari pensou, irritado.

Nada a deixava orgulhosa?

Ele quase quebrara o pescoço para pegar aquela bola! Ele se havia se exibido um pouco, talvez, mas, diabos, nada a impressionava?

Ele poderia ter a mulher que quisesse naquela multidão. Bateu com raiva os calcanhares em seu cavalo, virou-o usando a força das coxas e saiu correndo. O estádio inteiro estava aos seus pés mas a mulher que podia tê-lo, que, ele admitiu relutante, tentara impressionar, só parecia triste e entediada.

— Excelente trabalho, Vossa Alteza.

Tanya, uma linda garota do estábulo, pegou as rédeas quando Zakari desceu do cavalo. Apesar do forte calor e do esforço da partida, ele quase não suara, mas seus músculos e suas veias pulsavam com a testosterona da vitória. Podia ver os seios de Tanya sobressaírem-se na camiseta. Também viu que, antes de baixar os olhos, ela sustentou seu olhar por um segundo a mais... Sua virilha estava em fogo, e em qualquer outra ocasião ele teria se permitido flertar, poderia tê-la depois do banho e antes de se vestir...

Só que não queria.

Enquanto recebia as congratulações e sorria cada vez que recebia um tapinha nas costas, Zakari corria os olhos pela multidão voraz. Só a elite tinha permissão para aquela área e ele viu as pessoas se afastarem enquanto sua esposa abria caminho, nervosa, sem atrativos, acima do peso e com uma roupa horrível.

De repente se compadeceu dela, ao perceber o quanto aquele dia devia ter sido humilhante e assustador para ela, e desejou que ela o deixasse apoiá-la. Estava furioso com os jornais, enojado e também envergonhado.

Envergonhado por considerarem que o rei dormia com uma porca, quando na verdade ela era a mais bonita de todas. Ele e só ele podia enxergar isso, só ele havia visto sua verdadeira beleza, aquele rosto pálido corado de excitação, aquele lábio tenso entreaberto de prazer a sussurrar seu nome. Sua virilha estava quente de novo. Todas as noites que ela lhe negara estavam chegando ao fim. Em pouco mais de uma semana iria tê-la de novo em seus braços, e ela seria bonita de novo, como fora antes.

— Pa-parabéns — Effie gaguejou, com ódio de que todos os olhos estivessem nela, de que observassem como eles interagiam, de todos rirem dela e de Zakari estar envergonhado. Então, de repente ele fez algo estranho... Zakari quebrou o protocolo, puxou-a de encontro a si e a beijou. Foi um beijo muito breve, mas foi como se quisesse marcá-la, mostrar para todos que era dele. Effie pôde sentir sua ereção. Seu cheiro masculino invadiu suas narinas e por um instante, ficou entregue. A delícia de sua boca quente e a sensação dele se pressionado contra ela era como se um fósforo encontrasse o fogo, e ela se acendeu. Pega de surpresa, por um momento ela correspondeu a seu beijo, depois se refreou. Zakari podia tentar dar demonstrações públicas de afeto, mas ela se recusava a representar para as câmeras quando a verdade era que, na intimidade, estavam separados.

— Gostou? — Ele ainda a abraçava. Seus olhos negros a perfuravam.

— Não entendi muita coisa.

— Foi sua primeira vez. —Zakari sorriu. — As primeiras vezes costumam ser confusas, mas você vai tomar gosto. — Sua virilha estava colada a ela, numa clara mensagem. — Você vai adorar...

Quando a soltou, a multidão se apinhava para cumprimentá-lo.

Eleni, no entanto, não conseguia se concentrar no que o marido dizia. A esposa de Zakari era adorável de se conversar, era um amor de pessoa, mas, claramente, Eleni pensou, estava deslocada. Pelo que Kaliq contara, não havia amor entre os dois... pelo menos era o que ela achava...

O modo como Zakari se lançou em direção a ela fez pensar em um garanhão libertado de sua baia, mas o mais curioso foi a reação de Effie, que parecia uma égua nervosa. Eleni podia jurar que, por um momento, ela havia ficado excitada.

Kalila não conseguia desvendar essa questão.

Naquela noite, deitada nos braços de seu marido, voltou a pensar na partida de polo.

— A esposa de seu irmão... — Kalila falou — Ela se esforçou hoje...

— Com o tempo, ela vai aprender — Aarif a interrompeu — Vai ser difícil se ajustar a um papel para o qual não nasceu, sobretudo sabendo que tudo que ele queria dela era a pedra.

— Ele quer mais do que a pedra. — Kalila sorriu no escuro. Acho que a sheika Stefania pode surpreender a todos. Seu irmão está apaixonado.

— Zakari? — Aarif riu. — Não está. A única paixão de meu irmão é o poder.

— Não tenho tanta certeza — Kalila discordou, enquanto, em outra parte do palácio, Zakari se debatia com a mesma questão.

Ele tinha tudo.

Tudo que pedira.

Todo o poder que sempre sonhara.

Mesmo assim se sentia vazio.

Os lábios dela estavam tão doces naquela tarde, e ele a sentira ceder por um segundo. E experimentar um pouco do que queria o fez querer mais. Pela primeira vez ele quebrou sua promessa e, impaciente, excitado, ele atravessou seu quarto até a porta que dava para o quarto de Effie, e praguejou ao ver que ela a trancara. Ele pensou em bater, em exigir que ela se juntasse a ele, mas se controlou.

Reis não imploram!

Em uma semana, ela viria até ele!

 

Para um casamento real, tudo fora bastante contido.

A multidão comparecera, alegre como devia. A cerimônia tivera toda a pompa e grandeza que se espera do casamento de um rei. Só que a cada foto, cada apresentação, cada reverência, Effie era mais humilhada.

A breve cerimônia civil fora seu casamento. E aquela noite maravilhosa, em seguida, fora sua lua de mel.

Isso era uma farsa.

Mas na verdade, Effie refletiu, o casamento anterior também havia sido!

Depois da cerimônia, dos inúmeros discursos e sessões de fotos, as camareiras a despiram e deram-lhe um banho. Soltaram seus cabelos e os escovaram, mas os cachos, a escova suave e a quantidade excessiva de laquê só os deixaram armados, e Effie estava tão farta que as dispensou. Preferia se preparar sozinha para a noite com Zakari. Como se estivesse se vestindo para ir para a forca, ela enfiou a camisola de seda branca que estava separada. Sentiu a renda francesa apertar seus seios ao abrir a porta do quarto adjacente.

As empregadas também estiveram ocupadas ali. O quarto, como na noite de seu primeiro casamento, estava perfumado e iluminado por velas, a banheira funda estava tampada e os lençóis afastados. Pensaram em cada detalhe, Effie pensou. Pela primeira vez em 30 dias, desde que assinaram os papéis, Zakari havia insistido para que ela se juntasse a ele em sua cama.

— Tome... — Ele segurava uma taça de champanhe gelado talvez para relaxá-la, mas isso só a fez recordar da primeira e última vez que bebera champanhe, quando interpretara mal o desejo nos olhos dele, quando ingenuamente acreditara que era por ela.

— Effie, estamos casados agora, em todos os sentidos da palavra.

— Sei disso.

— Estava linda hoje. — Ela sabia que mentia. Nada fora escolhido por ela. O pesado vestido de cetim, as pregas e os bordados eram elaborados demais para suas formas arredondadas. Seus cachos foram esticados e presos com laquê em uma trança francesa. Sua maquiagem era pesada por causa das fotos, mas, já de banho tomado, ainda se sentia usando uma máscara quando ele passou os dedos em seu rosto.

Lágrimas de amargura e raiva caíram de seus olhos por lembrar da última vez em que ele havia feito o mesmo e de como ela cedera com facilidade, amando-o imensamente.

— Vamos para a cama — Effie disse, com a voz afetada e ríspida. Queria que aquilo acabasse, e esperava, rezava, para que fizesse herdeiros logo, pois assim seu dever estaria cumprido. Então ele não teria que humilhá-la fingindo mais uma vez que poderia amá-la.

Ela se deitou com o rosto voltado para o outro lado, e fechou os olhos enquanto ele se deitava ao seu lado. Seu cheiro de sabonete pairava sobre ela. Sentiu que ele alongava os músculos, que deviam estar doídos por causa do esforço da partida. Era difícil acreditar que já se sentira amada por ele, que se jogara em seus braços sem hesitar, segura de que a protegeria com seu amor.

Que amor?

Mordeu os lábios ao sentir a mão dele roçar em seu braço e depois na curva de sua cintura. Sentiu seu membro rígido contra si, enquanto ele levantava seus cabelos e beijava bem devagar sua nuca.

Colocou a mão na frente da camisola, abriu os cordões e acariciou com habilidade seus seios fartos.

Seu carinho era uma ilusão, Effie lembrou a si mesma — um meio de conseguir o que queria, pensou ao sentir seus mamilos endurecerem. Não deixaria que seus beijos a enternecessem.

— Effie -Ele sussurrou em seu ouvido. — Podemos começar tudo de novo esta noite. Não haverá divórcio.

— Aceito que seja assim. — Sua voz estava ríspida.

— Estou certo de que entende por que agi assim...

— Poderia ter me contado... — Ela deu uma risada estridente. — em vez de me fazer acreditar que me amava.

Ela virou-se e o encarou. Os olhos que o fascinaram naquela noite estavam cheios de lágrimas, a boca que o provocara, que o beijara com tanta intimidade, estava retorcida de raiva e humilhação.

— Você se diverte ao lembrar o quanto foi fácil me enganar, Zakari? Te dá satisfação ver a facilidade com que sua empregada gorda se rendeu aos seus encantos?

— Não fale assim comigo, sou seu rei.

— Sei disso — Effie retrucou. — Cada vez mais sei disso.

Mas ele podia fazê-la mudar de opinião. Buscou sua boca, abriu-lhe os lábios com a língua, enquanto seus joelhos separavam suas coxas brancas e, com os dedos, tentava persuadir seu clitóris a sair de seu abrigo seguro.

Ela odiava seu corpo por ele corresponder, odiava a súplica silenciosa de seus mamilos quando a língua dele se aproximava, ou o desejo que sentia quando seus dedos tiravam proveito dela e a umedeciam por dentro. Mas ela não se moveria, não se renderia a ele, embora seu corpo implorasse para que ela se entregasse.

Enquanto ainda a beijava profundamente, sua ereção deslizou para dentro com facilidade, pois, embora ela se odiasse por isso, seu corpo estava no ponto para ele, mesmo que estivesse ali, imóvel, enquanto ele se mexia. Sentia que, se o perdoasse agora, estaria perdida para sempre.

— Effie... — Ele deslizava dentro dela, ia até o fundo. Ela precisou de toda sua resistência para não se mexer junto com ele. Ele lambia seu ouvido e ela continuava imóvel, não daria a ele o pouco que restava de si mesma, não importava o quanto ela queria, nem o quanto ele implorasse. — Vamos deixar isso de lado... — Ele se mexia dentro dela, a preenchia, e ela continuava deitada, rígida — Vamos voltar ao que éramos, ao que sentíamos.

— Não podemos.

Ele beijou seu rosto e sentiu o gosto salgado de suas lágrimas.

— Quero você como era — ele pediu.

Só que, para Effie, era impossível.

— Quer que eu finja?

Enraivecido, ela parou antes do fim.

— É minha esposa — Zakari berrou. — Aceito que estivesse chateada, mas agora chega. Isso já foi longe demais. — Zakari se controlou. Admitiu que talvez não fosse demais e, embora não acreditasse no que estava fazendo, fez um raro pedido de desculpas. — Sinto muito por tudo que fiz você passar, mas, como minha esposa, vai ter tudo que desejar. Então, por que não deixamos tudo para lá? Por que não pode ser a mesma mulher de quando era apenas por uma noite?

— Porque eu confiava em você! — Effie berrou como ele. — E nunca mais posso confiar!

— Então vai ser assim?

— É o único modo possível. — Effie soluçou.

— Tenho que me masturbar em minha esposa? Devo imaginá-la se contorcendo de prazer como fazia antes?

— Sim! — Effie respondeu com lágrimas no rosto. Odiava que fosse assim, mas aceitava que era só como podia ser. — Se quer herdeiros, então sim!

 

Ele estava furioso.

Sempre havia uma solução. Pelo menos com as mulheres. Mas não com Effie, ou Stefania, como era conhecida agora.

Era a esposa perfeita. Recatada em público, e na intimidade o chateava com assuntos estúpidos. Na verdade, não exigia nada dele.

Mas era como se seu entusiasmo tivesse se extinguido.

Por mais que seus vestidos fossem caros, parecia sempre malvestida.

A maquiagem não favorecia em nada suas feições.

Todos tinham certeza de que ele se casara com essa mulher gorda e sem graça só para obter o diamante.

Todos, inclusive sua noiva gorda e sem graça.

Inclusive ele mesmo. Ainda assim...

Ao deitar-se, todas as noites, sozinho em sua cama enorme, sabendo que ela estava do outro lado da porta, tinha que se conter para não chamá-la. Mas sabia que não adiantaria nada.

Poderia arranjar uma amante.

Não queria.

Queria o que tinham antes.

Queria que todos vissem a Effie bonita que ele uma vez vira. E Zakari queria encontrá-la de novo. Sentia falta das conversas, de seus lindos olhos que dançavam enquanto falava, das piadinhas que trocavam. E sentia mais falta ainda do que experimentara uma vez, do que haviam sido um dia.

Não haveria herdeiros enquanto ela não mudasse.

Ele não queria suas sobras.

Aguentaria firme até que ela viesse até ele, Zakari decidia toda noite, até que pegava no sono.

Até acordar sobressaltado antes do alvorecer e perceber que não havia esperança.

Sim, Zakari estava furioso...

Consigo mesmo.

 

— O que vai fazer hoje? — Zakari perguntou, olhando-a por cima do jornal.

— Tenho que me preparar para a ópera hoje à noite — Effie respondeu. Corou ao pensar o que lhe aguardava. Um príncipe grego estaria lá com sua noiva e os nobres calistanos compareceriam em peso naquela noite. Primeiro a ópera, e depois jantar e dançar longe das câmeras, no iate real. Para Effie, seria mais uma noite embaraçosa, com câmeras espocando e todos os olhos em cima dela. Sabia que enfrentaria os risinhos maldisfarçados, enquanto atravessasse o tapete vermelho, ao verem, mais uma vez, a nova esposa do rei chegar com tudo errado. — E tem minhas aulas, claro.

Ele sabia que ela achava humilhante que a ensinassem a caminhar, como responder as perguntas, como cumprimentar os dignitários, mas, claro, era essencial.

Um raro sorriso surgiu em seu rosto cansado ao imaginar a Effie dos velhos tempos rindo e conversando com um nobre, e dizendo um "Não seja bobo" quando recebesse um elogio.

Ela não notou seu sorriso. Tomava seu café com os olhos baixos. Fora arrumada e vestida para o café da manhã, mas sentia-se desconfortável e gorda em outra roupa enorme.

Em um esforço de disfarçar suas curvas, a costureira simplesmente as escondia sob uma roupa disforme de cetim após a outra.

Essa era lindamente bordada a mão, claro, mas ela não queria botões de rosa se abrindo nem borboletas flutuando em seu peito. Ela odiava esse último modelo com todas as suas forças. Queria a coragem de pedir a Zakari para visitar algumas lojas dos estilistas de Aristo, ou, pelo menos, mandar alguém para lhe dar uma orientação mais atual.

Ela não o incomodaria com algo tão trivial.

Ele já tinha muito com que se preocupar.

Desde que fora atingida pela notícia do diamante Stefani, Aristo estava tumultuada. Saber que o rei de Calista passaria a governá-los causara ondas de medo, não só no palácio, mas também entre o povo. E as ondas também atingiam Calista.

O povo de Calista estava cada vez mais convencido de que a lealdade do rei ficaria dividida, e havia muita inquietação, que Zakari tentava minimizar. Mas quando, no dia anterior, alguns anciãos de tribos do deserto fizeram uma rara visita à cidade para manifestarem suas preocupações, e acamparam em frente ao palácio em protesto, ela sentira seu marido hesitar. Quando Hassan dera a notícia, Effie viu seu rosto se contrair ao olhar pela janela e ver seu povo querido se voltar contra ele.

Zakari tratara disso depressa, claro. Convidara os anciãos ao palácio e tentara acalmá-los, mas, por sua expressão carrancuda na hora do jantar, Effie tivera certeza de que a reunião não havia sido boa.

Ainda estava carrancudo agora. Recusou o café da manhã e deu um gole na segunda xícara de café. Vestido com roupas ocidentais, estava agitado nessa manhã e, para Effie, sua beleza nunca estivera tão selvagem.

Estava elegante em um terno preto de linho. A camisa branca acentuava sua pele morena. Embora parecesse tranquilo, Effie Podia sentir sua tensão, podia ouvir o tamborilar de seus dedos na mesa e os ocasionais bufos de irritação ao ler os jornais. Ele iria Para Aristo naquele dia para encontrar a atual família real, que se recuperava do choque de, não só pelo diamante estar nas mãos de Zakari, como também por Aegeus ter tido uma amante que lhe dera uma filha. Ela.

— Vai ser um dia difícil... — ela disse, para oferecer o devido apoio.

Não era necessário!

— Por quê? — Zakari deu de ombros. — O legado de Christos será cumprido, o diamante e as ilhas serão reunidos. Agora vai haver apenas um governante. Um governante forte! Com toda certeza, melhor do que o príncipe Alex, que nem quer ser rei. — Seus olhos a desafiaram.

— Mesmo assim... — Effie engoliu seco — vai ser difícil para eles.

— Discordo. Sebastian abdicou do trono por amor. — Pronunciou a palavra como se a considerasse ofensiva. —Alex seria um rei relutante. Sua esposa, Maria, acaba de ter um bebê.

— A pequena Alexandra. — Effie sorriu, pois já tinha lido sobre isso. — O mesmo nome do pai.

Zakari não demonstrou sentimento, apenas deu de ombros.

— Maria é apaixonada por seu trabalho. Prefere desenhar coroas a usá-las. Estou fazendo um favor a todos.

Largou os jornais e se levantou. Não daria nela um beijo de despedida, Effie sabia disso. Desde que se recusara a fingir ao fazerem amor, não houvera mais falsas demonstrações de afeto, nem outras tentativas de sexo. Mas Zakari estava como uma mola encolhida, e ela sabia que ele não aguentaria por muito tempo, sabia que seu apetite sexual era famoso. Toda noite, temia que ele atendesse ao chamado de seu corpo, que fosse a noite em que finalmente arranjaria uma amante. Mas isso era melhor, Effie pensou entristecida, do que ela ceder.

Ele a machucara bem fundo.

Suas mentiras, sua dissimulação, o modo como brincara com suas emoções ainda a arrepiavam até a medula.

Mas, ainda assim, ela o amava.

Contudo, ainda estava com raiva dele.

Odiava que esse homem poderoso, bonito e apaixonado pudesse às vezes, ser tão frio, tão impiedoso em sua busca pelo poder.

— Seja gentil com ela.

Ela viu que ele se enrijeceu ao ouvir o que disse, e Effie prendeu a respiração quando ele se virou.

— Com quem?

— Com a rainha Tia. — Effie respirou fundo. — Por favor, seja gentil com ela.

— Com certeza não foi uma grande surpresa para ela — Zakari disse com desprezo. — Reis sempre têm amantes! Tia foi considerada uma noiva ideal anos antes de eles se conhecerem. Houve um longo noivado. Tratava-se de dever, não de amor. Tia sabia, desde o início, que era um casamento de conveniência.

— Não — Effie sussurrou. — Não — Ela repetiu com mais força. Mesmo que tenha começado como dever, mesmo se era um casamento de conveniência... — Ela suspirou. — Tiveram cinco filhos, Zakari.

— Nós também teremos. — Zakari deu de ombros. — Assim que parar com esse joguinho.

— Não é um jogo — Effie disse. — Homens conseguem fazer só sexo, mulheres não.

— Isso não faz sentido.

— Quando uma mulher faz amor, pelo menos naquele momento, ela ama o homem com quem está.

— Como sabe disso? — Zakari debochou. — De seus cinco minutos de experiência?

— Sei que é assim. — Ousou encará-lo. — Não tem nada a ver com experiência, mulheres são assim. É como me sinto, presa em um casamento sem amor no qual se espera que eu tenha desejo sexual. Tia devia amá-lo. Então, por favor, peço que tente ser gentil quando falar com ela.

Ele não respondeu nada, e Effie sentou-se enquanto ele saía. Sabia que não a ouviria, que provavelmente já esquecera suas palavras. Foi até a janela e viu a limusine que o levaria até o jato real, que faria o curto voo até Aristo, e sentiu alívio.

Sem a presença de Zakari ela poderia respirar, poderia pensar melhor, e estava determinada a usar cada segundo de sua ausência para colocar a cabeça no lugar.

— É hora de sua aula, sheika Stefania. — As palavras foram ditas com educação, mas sem consideração ou atenção, do mesmo modo que era ajudada com suas roupas.

E hoje Effie não queria brincar de sheika. Só queria um tempo sozinha, para pensar em tudo que mudara em sua vida.

— Cancele as aulas — Effie falou, e a empregada arregalou os olhos. — Estou com dor de cabeça.

— Mas estão marcadas.

— Então desmarque — Effie respondeu, irritada e assustada. Recusava-se a bancar a marionete. Hoje, pelo menos por um instante, ela movimentaria as cordinhas.

— Quero que tragam minhas caixas para o quarto.

— Que caixas, sheika?

— As caixas que foram trazidas de minha casa. Traga-as e depois não quero ser incomodada.

A criada se inclinou em reverência quando Effie fez um gesto para que saísse, mas ainda tentou insistir.

— Precisamos arrumá-la para hoje à noite.

— Apenas traga minhas coisas. — Naquele momento, Effie não ligava nem um pouco para a solenidade real daquela noite, já tinha problemas suficientes em conseguir lidar com os próximos minutos.

As caixas com as coisas de sua mãe foram devidamente trazidas até o quarto. Effie podia perceber a ansiedade das criadas, e até Hassan rondava o quarto, todos inseguros sobre como reagir a Effie, que em geral era dócil, mas que, de repente, resolvera afirmar sua autoridade. Sobretudo com o rei ausente!

Bem, que se preocupem, Effie pensou, olhando para as caixas a seus pés, pronta para enfrentar uma tarefa que, por muito tempo, adiara.

Queria a verdade. Gostasse ou não, queria saber toda a história.

 

Zakari estava em outra limusine, que percorria as chamativas ruas modernas de Aristo, quando recebeu uma ligação de Hassan, que estava muito preocupado ao informá-lo de que a sheika Stefania não só cancelara suas aulas, como também estava enfiada em seu quarto com as coisas de sua mãe.

Zakari sorriu pela pequena revolução que Effie criara. Sabia que isso iria acontecer.

Com todos os dias silenciosos e noites separados que passaram, Zakari sabia que esse dia iria chegar.

O pássaro que ele colocara na gaiola estava agitando suas asas e, embora isso o transtornasse, também o fazia sentir um certo orgulho. Dela.

— Obedeça aos desejos dela — Zakari disse de maneira brusca a um Hassan perplexo.

Seu empregado lhe serviu um copo de água gelada e Zakari o bebeu em um só gole. Mas, apesar da sensação refrescante e do ar-condicionado do carro luxuoso, Zakari começou a suar quando avistou o palácio de Aristo. Lembrou-se das palavras de Effie quando os portões se abriram, o carro deslizou pela entrada imponente e ele viu que a rainha Tia o esperava de pé nos degraus com alguns de seus filhos a seu lado. Seja gentil com ela.

Ao subir as escadas do palácio, a única coisa que o preocupava era que, sem Effie, isso nunca teria entrado em sua cabeça.

 

Ele a amara.

Enquanto lia as cartas que Aegeus escrevera para sua mãe, parecia que seu coração era raspado, camada por camada.

Uma daquelas frágeis cartas gastas pelo tempo era cheia de angústia, de impossibilidade. Leu sobre a crescente pressão quando Christos morrera e as ilhas foram divididas. Quando o dever o convocara e Aegeus fora feito rei.

Leu a angústia revelada à sua mãe quando ele fora forçado a escolher entre o amor e o dever. E, ao continuar a ler, com lágrimas nos olhos, soube que, pelo bem de seu povo, o dever vencera.

Ainda assim, ele a amara.

Zakari estava certo. Kionia era o refúgio dos nobres, o único lugar para onde poderiam fugir sem medo de serem vistos. E apesar do casamento de Aegeus com Tia, eles fizeram um pacto de se encontrar ali todo ano, no dia 18 de maio.

Até ela ser concebida, Effie se deu conta. Para tristeza de ambos.

Para tristeza de sua mãe, que preferiu criar sua filha sozinha a envergonhar o rei. Para tristeza de seu pai, que nunca soubera de sua existência. Voltou a mexer na caixa e desamarrou uma fita. Tentava encontrar sua certidão de nascimento, tentava calcular as datas, mas seu rosto congelou ao perceber que aquilo não era uma certidão de nascimento.

Ficou encharcada de suor pelo impacto do que tinha em suas mãos. Com dolorosa lentidão, tocou em cheio a ferida.

Aegeus casara-se com sua mãe.

Em 18 de maio de 1968, seu pai e sua mãe se casaram. Dezesseis anos antes de ela nascer. Effie continuou a procurar freneticamente. Remexeu cartas e documentos para tentar entender o que parecia impossível.

Não fora um breve caso de amor, seus pais foram casados... Procurou muito em meio aos papéis, certa de que deveria ter havido um divórcio discreto, mas, quando a procura mostrou-se infrutífera, Effie leu uma nova pilha de cartas. Acompanhou, tensa, a angústia crescente das palavras de Aegeus, que, primeiro, implorava para que Lydia lhe respondesse, e, depois, para que ficasse quieta, pois ninguém poderia descobrir que não houvera divórcio!

Effie olhava estarrecida para a certidão de casamento. Não sabia por quanto tempo ficara sentada ali, mas depois, numa reação automática, pegou o telefone.

Agora sabia o que tinha que fazer.

Era como ser atingido por várias pedrinhas, enquanto se preparava uma rocha. A cada texto, a mensagem era mais urgente. Effie exigia que fossem trazidos estilistas e maquiadores para Aristo. Zakari olhava as mensagens de relance, mas não respondia, pois conversava com a rainha Tia de um modo que nunca imaginara.

— Desculpe, tenho que atender essa chamada — Zakari disse, quando não pôde mais ignorar as ligações. Possuía três números em que podia ser contatado. Um privado, que desligara hoje, outro para Hassan e seus principais assessores, que, devido às mensagens irritantes, ele também desligara, e um número usado para emergências, que não parava de tocar.

A rainha Tia dispensara as criadas, e eles tiveram uma longa conversa, mas agora, quando seria negligência ignorar as chamadas, Zakari se desculpou com a rainha, que pediu licença e saiu pra que ele atendesse a ligação.

— Sua esposa pediu que levem a joia Stefani para ela.

Zakari não respondeu nada. Ficou em silêncio enquanto observava a sala de estar privativa em que passara a tarde.

Em lugar dos retratos mais formais que ocupavam as paredes do palácio, ali havia simples fotografias de família. De Aegeus, Tia e seus filhos, Alexander, Andreas, Katarina, Elissa e Sebastian. Este último fora educado para ser rei, mas abdicara de seu direito por amor à sua esposa, Cassie.

E se Sebastian tivesse desistido do amor e decidido ser rei? Onde estaria agora?

Teria perdido tudo.

Agora, Alex estava sendo preparado para tal papel, mas ele não queria.

E havia Andreas, que largara tudo e morava com o amor de sua vida, Holly, na Austrália.

Sentia suas têmporas latejarem por Hassan apressá-lo a reagir, ouvira a rainha Tia hoje, assim como escutara sua esposa.

Vira o sofrimento nos olhos das duas e isso o fez se sentir mal. Toda essa dor, todo esse sofrimento... e por quê?

Poder!

O poder de machucar, destruir, arruinar vidas e famílias, de separar as ilhas para agora exigir que voltassem a se unir, mas em uma união falsa.

— Claro que eu disse que isso é impossível. — A voz de Hassan causava náuseas em Zakari. — Fingi que só você sabe o segredo do cofre que guarda a pedra Stefani...

— Pedras — Zakari corrigiu.

Duas pedras, duas famílias, e toda a angústia que fora criada.

— Como disse antes... — Zakari pigarreou — Vai fazer o que minha esposa pedir. Não minta mais para ela.

— Mas, Vossa Alteza — Hassan protestou, o que só serviu para irritar Zakari.

— Vai dar a ela o respeito que a esposa do sheik rei Zakari Al Farisi merece. O respeito que sheika Stefania merece, algo que nenhum de vocês fez até agora. O que minha esposa exige deve ser atendido. Não quero mais ser incomodado com coisas sem importância de novo.

Saiu da sala, sem acreditar no que tinha acabado de dizer, e encontrou o rosto gentil e cansado da rainha.

— Podemos dar um passeio? — Zakari pediu. Sentia-se sufocado, desesperado para sair, para respirar ar fresco.

— Isso seria ótimo — a rainha Tia respondeu com tranquilidade. — Está tudo bem? — ela perguntou mais tarde, enquanto caminhavam pelos jardins perfumados.

— Aparentemente não! — Ele deu um sorriso tenso.

— Então, tenho certeza de que vai deixar tudo sob controle.

— E isso é possível? — Zakari fitou seus olhos cansados.

— Não — Tia admitiu.

—Mesmo assim tentamos — Zakari insistiu. Ambos sabiam que tentavam convencer a si próprio.

— Tentamos —Tia concordou. — Mas é quando aceitamos que temos o controle que a vida acontece. Zakari, sei que tem sido difícil. Sei que não é fácil tratar assuntos tão pessoais comigo.

Zakari sentiu um rubor estúpido se espalhar em seu rosto ao pensar como não teria sido fácil, se não fosse por Effie.

— As notícias não me chocaram. Sempre soube que nosso casamento era de conveniência, que o coração de Aegeus era distante. Nos primeiros anos de nosso casamento, eu tinha quase certeza de que ele tinha uma amante. Durante muito tempo me senti acuada; meus filhos eram minha vida. Odiava que o protocolo, as babás e sua educação os tirassem de mim.

Zakari olhou para seu rosto elegante, seu cabelo grisalho preso com cuidado, as rugas em volta de seus olhos, e seu coração se enterneceu por aquela mulher esplêndida.

— Posso contar um segredo, Zakari?

— Ficaria honrado em ouvi-lo.

— Eu amava meu marido. Não no início. Os primeiros dez anos de nosso casamento foram difíceis, e muito dolorosos para mim. Eu me entregava a meus deveres e dava meu coração a meus filhos. Então, um dia... — Eles pararam de andar, estavam parados de pé enquanto essa digna senhora abria seu coração, — foi como se meu marido tivesse me olhado pela primeira vez. Não só como sua esposa, ou sua rainha, ou mãe de seus filhos. Acredito que, no final, o amor cresceu entre nós. Que, no final, meu marido me amava.

— Amava. — Zakari olhou para seus doces olhos castanhos e notou um brilho de lágrimas. — Sabe que não gostava de Aegeus, mas o dever fazia com que nos encontrássemos nas solenidades. Eu via o orgulho em seu rosto quando estava com a senhora. O ouvi falar com carinho da senhora.

— Obrigada — Tia sussurrou. — Estava tão nervosa por causa de hoje, tão preocupada por minha família. A última coisa que esperava era que esse dia me trouxesse paz de espírito. Sei que ainda há muito a ser discutido, detalhes a resolver, mas obrigada por ser tão gentil.

— Há alguém mais que merece um agradecimento por isso — Zakari deu um sorriso saudoso ao voltarem a andar. Seguiu-se uma longa conversa íntima com a matriarca de Aristo, e falaram de um modo que nunca imaginara que poderiam, guiado por uma força aparentemente impossível, até o anoitecer.

Mais tarde, ao pensar sobre o dia, Zakari aceitou que, embora pudesse ter ser guiado por alguma força desconhecida, não havia controle.

Orientação, sim. Controle, não.

Ele a pegara, a colocara numa gaiola, e agora a porta estava aberta.

Ele a abatera, mas ela havia se reerguido.

E, se ela assim escolhera, estava livre para partir.

A única revelação para Zakari era que a amava.

 

Era realmente divertido.

Trazer estilistas de verdade de Aristo, que sabiam como lidar com suas curvas, que a enchiam de elogios e a faziam se sentir bonita de novo.

E também tinha trazido o melhor cabeleireiro, um homem baixinho, que fazia o maior alvoroço e deixava seus cachos adequados para uma rainha. Ele a apresentou ao maravilhoso mundo do creme antifrizz. Agora, seus cabelos eram cachos de um preto brilhoso que emolduravam seu rosto.

E também havia a maquiagem. Effie ficou pasma que um toque de blush rosa em seu rosto pudesse transformá-la tanto, pois, não somente conseguiam lhe dar as bochechas que os maquiadores calistanos sempre tentavam criar, como também a deixavam orgulhosa das duas maçãs róseas que destacavam mais seus olhos azuis.

Oh, e havia o delineador aplicado de modo perfeito!

— O rei está voltando! — Hassan dava a impressão de querer vomitar ao tentar ser bem-educado com Effie quando lhe entregou o jóia. Ela estava em pé com seu vestido novo, um modelo como o que ela criara para sua mágica noite no deserto para Zakari. Só que esse vestido, lhe foi dito, era um modelo exclusivo da Casa Kolovsky, o que pouco significava para Effie, contanto que ele ressaltava sua cintura e tinha um decote audacioso, o tecido era uma seda macia escovada e, aparentemente, a Casa Kolovsky era famosa pelas cores que mudavam, como quartzos, de acordo com o humor de uma mulher! A cada movimento, ele mudava. Em um momento, era roxo-escuro, como o vestido que usava quando Zakari fizera o pedido; no outro, era azul-claro como seus olhos. E, ao se afastar do espelho, ele mudou de novo, escureceu para um tom preto-nanquim, tão sedutor quanto os olhos de Zakari quando ele havia mentido para ela.

— O rei instruiu para que fique pronta para sair...

Effie o interrompeu com um sorriso que só podia ser visto no espelho, enquanto dava um toque final em seu cabelo.

— Oh, eu estarei pronta!

E então ela deitou-se na cama e esperou pacientemente até que seu momento chegou.

 

— Temos que sair se quisermos chegar na hora, mas, quando voltarmos, Effie... — Ele parecia exausto. Seu rosto altivo parecia cansado e abatido. Seus olhos absorveram as mudanças ao chegar à porta. Effie, linda de morrer, estava deitada, com um vestido de seda, tão linda como fora um dia, mas com um brilho perigoso naqueles magníficos olhos azuis. — Precisamos conversar.

— Então fale.

— Agora não há tempo! O dever...

— Ótimo! — Como um gato preguiçoso, ela rolou para fora da cama. Seguiu-a com os olhos enquanto andava em direção à penteadeira. Ela notou sua tensão quando pegou o diamante Stefani e o colocou sem pressa em volta do pescoço. A pedra se aninhou no familiar espaço de seu decote. Ao qual pertencia.

— Oh, desculpe. — Effie sorriu com doçura para seu rosto pálido. — Esqueci que estamos com pressa! Tome... — Ela lhe estendeu a certidão de casamento de sua mãe e viu que ele sacudiu a cabeça com impaciência.

— Não há tempo para isso agora, Effie, se quisermos chegar lá...

— Stefania — ela corrigiu. — Na verdade, meu título correto é rainha Stefania de Aristo. — Estendeu mais uma vez a certidão e, dessa vez, ele a pegou. Seu rosto estava impassível enquanto lia os detalhes. Mas desde quando Zakari demonstrava emoção? Effie lembrou a si mesma.

— Vossa Alteza... — Hassan bateu à porta e foi entrando. — Se querem chegar a tempo...

— Não vamos comparecer! — A única indicação de que as novidades o atordoaram era a leve rouquidão em sua voz, mas ele logo se recuperou. Pigarreou e ordenou com a voz mais clara:

— Dê uma desculpa! — Zakari berrou e dispensou Hassan com um gesto.

Mas Effie tinha outros planos.

— Por que não vamos? — Effie sorriu, pegou sua bolsa e se encaminhou para a porta do quarto. — Estou ansiosa para ir!

 

Não há presença mais explosiva do que a de um casal que adiou uma discussão para sair.

Zakari, que pensava que conhecia as mulheres, se deu conta de que ainda tinha muito a aprender. A desculpa terna e sincera que pretendia dar depois de conversar com Tia, era, ele percebeu, insignificante, tardia e lamentavelmente inadequada agora.

Como fogos de artifício, Effie sentou-se ao seu lado toda radiante, batia o pé num ritmo desconhecido e seus olhos brilhavam. Em vez do nervosismo habitual ao se aproximarem da multidão que lhes daria as boas-vindas, quando o carro parou Zakari viu um sorriso satisfeito surgir em seus lábios vermelhos.

Ele viu a surpresa da multidão quando Effie pisou no tapete vermelho, a explosão de câmeras que a fotografavam, ao testemunhar, pela primeira vez, a beleza que ele sempre vira.

Oh, fogos de artifício era uma descrição errada, Zakari logo percebeu.

Fogos de artifício explodem rápido, enquanto Effie brilhava a noite inteira.

Era como uma girândola de fogos, Zakari decidiu, bonita, encantadora, mas perigosa de se tocar.

Como mariposas na luz, ela prendia a atenção de todos. Seus cachos balançavam e ela revelou a pele branca aveludada de seu pescoço quando jogou o pescoço para trás ao rir de uma piada. a joia entre seus seios era uma mera sombra da mulher que a usava aquela noite.

Em alguma horas, ela se tornara uma mulher, totalmente mulher.

A ópera era uma tortura para Zakari. Estava sentado ao lado de uma Effie maravilhada, que parecia hipnotizada. Cantarolou o prelúdio de Carmem, riu e chorou durante a exuberante apresentação. Conversou com ele no intervalo, mas o jogo que fazia estava bem ali em seus olhos, e, ao longo da noite, Zakari descobriu suas regras.

Estava se exibindo para ele.

Mostrava tudo que poderia ser.

Mostrava o que ele nunca mais poderia ter.

— Foi uma noite maravilhosa! — Kalila sorriu calorosamente para Effie enquanto os nobres se preparavam para ir até seus carros.

— Mesmo? — Aarif revirou os olhos. — Quero ir comer. E você, Zakari?

— Não vamos ao iate.

— Mas estão à sua espera! —Aarif disse.

— Minha esposa não está se sentindo bem! — Zakari respondeu ao pegar a mão de uma sorridente Effie. Essa noite estava grato por seu status, que o permitia ir embora primeiro, pois Effie estava como fogos de artifício de novo, pronta para explodir. — Ela está com dor de cabeça.

Havia um atrevimento nela, podia senti-lo fluir através de seus dedos ao segurar-lhe a mão, podia senti-lo no ar em torno dela, e o ouviu quando o desafiou em público pela primeira vez.

— Estou? — Seguiram-se uns risinhos um pouco nervosos. — Bem, se diz que estou, então devo estar!

 

A viagem de volta para casa foi angustiante.

Um silêncio tenso no ar. Ambos desceram do carro e entraram bem depressa. Zakari jogou o paletó para uma criada que aguardava, subiu a escada de dois em dois, ou três em três, e virou-se para olhá-la quando ela entrou no quarto. Estava furioso com ela, mas cheio de desejo.

— Nossos problemas não devem se tornar públicos. Nunca mais fale comigo daquele jeito diante dos outros!

— Não vou falar! — Effie respondeu com uma raiva contida — porque nunca mais vamos ser vistos em público de novo, Zakari.

Ele sabia que isso aconteceria. Não só por causa da certidão de casamento que Effie lhe entregara. Desde o dia em que ele lhe dissera a verdade na varanda, sabia que esse momento chegaria, e ele estava relutante em enfrentá-lo, só que, agora, por razões diferentes.

— Effie, sei que há coisas a serem discutidas.

— Então, de repente, está interessado no que tenho a dizer? Agora que não sou filha bastarda de Aegeus, minha opinião conta?

— Assim que cheguei em casa, disse que precisávamos conversar. Estive pensando sobre você, sobre nós, o dia inteiro.

— Sério? — Desafiou-o com um olhar de incredulidade. Ficou de pé para que ele pudesse ver o que nunca teria. Aquilo era para ser um contentamento para ela, só que a satisfação pela qual esperava não aconteceu. — Bem, também estive pensando. Vou deixar você, Zakari. Estou levando a pedra, que é minha por direito, e parto esta noite para Aristo. Sei que vai tentar me impedir — Effie acrescentou antes que ele falasse. — Afinal de contas, assinei um papel que passava a pedra para você, só que, quando assinei, não sabia de seu valor. Agora, como rainha, vou ter a melhor assessoria jurídica em Aristo.

— Vai destruir as duas ilhas com nossa disputa — Zakari observou.

— Isso não o deteve... — Ela hesitou por um segundo, as palavras dele atingiram o alvo, mas ela as desconsiderou com um sacudir de cabeça. — Você não se importa com o povo de Aristo quando é uma questão de poder para você.

— Tudo era! — Zakari a segurou pelo pulso quando ia sair. — Como eu disse, Effie, pensei em você o dia inteiro. Durante todo o dia com a rainha Tia estive pensando em você e quero: dizer que sinto muito pelo que te fiz, por minha dissimulação. Finalmente entendi como te fiz mal...

— Oh, agora entende, não é?

— Effie. — Ele segurou suas mãos tensas, olhou-a nos olhos e disse as palavras que queria dizer durante toda a lamentável noite.

— Percebi que te amo...

— Desgraçado! — Ela cuspiu no rosto dele uma vez, e mais outra, e ele não recuou. — Agora decide que me ama. Agora que tirei seu poder, de repente decide que me ama. Acha que sou tão burra, Zakari? — Ela bateu em seu peito, mas ele continuou firme. — Acha que vou cair nas suas palavras vazias de novo? Que poderia me humilhar, que eu iria aceitar?

— Desde o dia em que Anya me contou a verdade, eu odiei Aegeus. — Zakari estava ereto e confiante enquanto ela andava em volta dele, evitava suas palavras, se recusava a lhe dar espaço.

— Odiei Aegeus de modo feroz e perigoso. Agora percebo o dano que esse ódio causou, mas, na época, eu achava que tinha razão.

— Porque Aegeus governou Aristo, porque você queria o poder...

— Não. — Zakari balançou a cabeça. Sabia que chegara o momento da revelação, que não poderia mais guardar segredo.

— Aegeus e Anya eram meio-irmãos. Christos adorava Anya, mas o direito masculino de primogenitura significava que Aegeus seria rei.

— Sei disso tudo. — Effie balançou a cabeça.

— Sempre houve rivalidade entre eles, mas, quando Christos decidiu separar as ilhas, tudo piorou.

— Sei disso. — Effie repetiu entre os dentes, sentada na cama. Amassava os cabelos entre as mãos, incerta de quais táticas, que mentiras ele usaria para convencê-la a ficar.

— Anya ficou grávida de um jardineiro...

A declaração de Effie o parou. Sabia o quanto Zakari estimava sua madrasta, estava certa, quase certa de que ele nunca mancharia sua memória com uma mentira. Mas era com Zakari que estava lidando, Effie lembrou a si mesma, um homem impiedoso que diria e faria qualquer coisa para alcançar seus objetivos, e ela não podia esquecer disso.

— Aegeus estava furioso com a vergonha que ela levaria para a família, houve uma briga, Aegeus bateu nela, ela caiu para trás e perdeu o bebê.

Effie sentia sua maquiagem escorrer ao se misturar com suas lágrimas. Pensou que, mesmo que ele estivesse dizendo a verdade, isso não corrigia seus erros.

— Anya era uma madrasta maravilhosa, mas teria dado tudo para ter um filho seu. Ela me disse isso, me disse como meu pai e seus filhos enchiam sua vida de felicidade, como se sentia orgulhosa por nos ter como herdeiros. Mas também me falou de sua tristeza por Aegeus ter feito isso e ela não ter tido um filho. Vi sua dor e tristeza e jurei vingança. Desde aquele dia, era só o que desejava, e em minha busca por isso destruí pessoas. Destruí e machuquei você, a mulher que eu amo, e agora Tia. Quando ela descobrir a verdade... — Zakari fechou os olhos, apreensivo pelo que a notícia poderia causar naquela mulher digna com quem passara o dia.

— Não sou melhor que Aegeus...

— Você quase me convenceu! — Effie se levantou e enxugou as lágrimas com as mãos trêmulas. Sua boca estava contorcida de amargura. — Quase, mas não o suficiente. Você não aprende, não é? — Ela empurrou seu peito com o dedo. — Se tivesse me dito que queria o diamante, que seria um casamento de conveniência, eu poderia ter aceitado. Mesmo agora, quando me conta sobre Anya e Aegeus, posso entender o que o levou a isso, por que achava tão difícil perdoá-lo, mas dizer novamente que me ama... — O soluço que escapou de seus lábios veio de tão fundo, e era tão cheio de dor, que Zakari tentou confortá-la, mas ela repeliu sua mão.

— Eu te amava tanto. — Effie desabafou sua humilhação, quase a vomitou nos pés dele. — A tal ponto que poderia até aceitar que não me amasse. Quando fizemos amor naquela primeira noite, eu aceitei as condições, estava feliz com aquilo, mas, quando mentiu, me fez achar que você também me amava. — Ela cuspiu cada palavra, porque queimava de humilhação ao se lembrar de tê-lo tomado em sua boca e de ter se contorcido em seus braços. Lembrou-se de aceitar suas palavras de afeto, muito envergonhada por ter acreditado que ele a achava bonita. — E agora você mente de novo. Agora que tem tanto a perder, de repente decide que me ama.

— Amo — Zakari insistiu. — Effie, hoje me dei conta de que por mais que o odiasse, Aegeus e eu somos iguais.

— Quer dizer que os dois têm um fraco por empregadas! — Effie caçoou.

— Não. — Zakari balançou a cabeça. Seus olhos lhe imploravam que acreditasse. — Ele amava a mãe, eu amo a filha.

— E os dois machucaram a mulher que diziam amar. — Effie soluçou. — Algumas feridas não podem ser curadas, Zakari.

— Podem, com o tempo.

— Não. — Ela balançou a cabeça com lágrimas nos olhos, e Zakari pôde ver a dor a que a submetera. Ela virou-se para sair. — Vou mandar trazerem minhas coisas.

— Está indo embora? — Entrou em pânico. Se pudesse falar de novo com ela, se tivesse mais uma noite para convencê-la, talvez... Ele segurou seu braço para tentar impedi-la de sair. — Está tarde.

— Tarde demais — Effie respondeu, livrando-se dele. Seu rosto bonito estava cheio de amargura. — Uma serva com dois patrões mente para um dos dois! — Ela viu seu rosto empalidecer ao ridicularizá-lo com o antigo provérbio árabe. — Para você, tudo isso não passa de uma busca pelo poder! Como acha que pode servir ao povo de Aristo, quando seu coração pertence à Calista? Quando tudo que quer deles é vingança?

— Silêncio! — Zakari gritou, e ela concordou de bom grado.

— Silêncio é tudo que vai conseguir de hoje em diante de Aristo e sua rainha! — Effie berrou. Fugiu do quarto dele, do homem que amava, pois, se ficasse um segundo a mais, Effie sabia que cederia, que aceitaria suas mentiras para não viver sem ele.

— Sheika Stefania... — Hassan correu atrás dela enquanto descia as escadas. — Espero que esteja tudo bem.

— Não tem nada bem. — Effie ia abrir a boca para solicitar o avião real, para que alertassem Aristo sobre sua chegada, mas não disse nada.

Mais corajosa com Zakari do que sem ele.

— Preciso pensar...

— Claro. — Hassam inclinou-se em reverência com a voz extremamente calma, mas isso só a irritou mais. Oh, ela sabia que estava horrorosa, seu rosto estava borrado de maquiagem e lágrimas, seu corpo tremia por seu mundo ter desabado, mas, se pudesse ter cinco minutos sozinha, voltaria a se controlar e poderia resolver o que fazer!

— Sozinha! — ela insistiu ao ser levada como uma paciente perturbada ao escritório. Uma criada abriu a porta e ela entrou de olhos baixos, conduzida por Hassan. — Não diga ao rei onde estou.

Sozinha, tentou organizar seus pensamentos, mas era impossível fazer isso ali.

Ali, na mesma sala em que se casaram, onde assinara o documento do diamante.

Ali, onde confiara nele.

As janelas em estilo francês do escritório, que iam até o chão, abriam para os jardins, já escuros, do palácio. Ela podia ouvir o ruído suave das fontes, sentir o perfume do ar, e saiu para respirar o ar fresco da noite, mas isso não a aliviou. Ainda se sentia sufocada, oprimida...

Os altos muros de pedra, os enormes portões de metal e até mesmo o vasto jardim só a oprimiam ainda mais. Mas, para além deles, estava o deserto...

Era para lá que Zakari ia, Effie pensou, quando precisava de orientação, e agora ela o entendia, podia sentir o apelo do deserto.

E aquilo era um palácio, não uma prisão, Effie se deu conta quando girou a maçaneta pesada e o portão se abriu. Fora construído para manter as pessoas fora, não dentro dele. Effie respirou fundo ao tentar dar seu primeiro passo rumo à liberdade. Ouviu o portão se fechar, moveu a maçaneta e sabia o que iria acontecer, sabia que estaria fechada, e ficou aliviada que estivesse.

 

Ela correu.

A estrada de pedras que dava acesso aos fundos do palácio logo deu lugar às areias macias do deserto, só que ela estava com muita raiva para ter medo.

Com raiva de Zakari e suas mentiras, Effie pensou, ao tirar um dos sapatos e lançá-lo no ar. Ela gritou insultos como se estivesse louca.

Mas só estava com raiva!

Com raiva de sua mãe também, Effie soltou um longo gemido de tristeza ao lançar o outro sapato para o alto. Estava tão zangada com sua mãe por ter morrido sem nunca ter lhe revelado a verdade, por lhe negar durante todos esses anos seu direito à sua história pessoal, por deixá-la descobrir isso despreparada e inconsciente.

Com raiva, com muita raiva do mundo, enquanto corria.

De seu pai, por enganar, por mentir, por sua bigamia e o estrago que ela iria causar.

E com raiva de si mesma...

O deserto não a assustava... Ela apenas correu através dele, cortando-o com sua raiva. Ele podia reclamá-la para si se quisesse, não se incomodava se só a encontrassem cinquenta anos depois e tirassem a joia de seu esqueleto, por enquanto ela só corria, corria o mais rápido que podia, pois sabia que, se não corresse, poderia voltar.

Ainda poderia voltar.

Exausta, desabou na areia e chorou.

A raiva se transformou em perplexidade por ainda conseguir pensar em voltar para ele depois do modo como a tratara.

Por, depois de toda a vergonha, todo o sofrimento que ele a Infligira, ela ainda querer voltar.

Certamente, fechar os olhos e acreditar que ele a amava era melhor do que ficar sem ele.

Como, ela suplicou à escuridão, como poderia ficar melhor sem ele, quando o amava do fundo do coração?Como poderia ser melhor dormir sozinha do que com o homem que amava?

Podia ver as luzes do palácio brilhando ao longe e queria voltar; queria cada minúsculo pedacinho de Zakari que ele estivesse pronto para dar. Queria seus beijos fingidos, o corpo dele colado ao seu, e queria acreditar que o sorriso que ele casualmente dera era mesmo para ela. E estava envergonhada por seu desejo.

Abraçou os joelhos e desejou que sua dignidade voltasse.

Rogou para que o desejo passasse. Sabia, por experiência, que passaria. Como passara quando a maçaneta da porta trancada de seu quarto girou naquela noite, como passara em tantas noites em que seu corpo insistia para que se juntasse a ele, como passara quando ele a beijara na partida de pólo, Effie lembrou a si mesma, abalada pelo desejo, assim como passara quando ele estava dentro dela na noite do casamento...

Iria passar, Effie disse a si mesma pela milionésima vez.

Logo iria passar.

 

Igual, mas diferente.

Em outra terra, em outra época, Zakari podia lembrar-se de entrar no quarto de seu pai, de vê-lo olhar para as areias distantes, na noite em que sua mãe, a princesa Saffiya Al Farisi, morrera. A boa saúde de Zafir, os gritos do recém-nascido sendo acalmados por uma enfermeira suada.

Zafir era o único que tinha permissão de chorar.

— Seja forte! — Seu pai, sheik Ashraf, apertou o ombro de seu filho, quando Zakari só queria ser acalentado. — Não devemos procurar por respostas.

Um tempo depois, na mesma sala em que estava agora, seu pai lhe pedira o mesmo quando sua esposa, Anya, estava deitada na cama chorando, com o pequeno Zafir perdido.

Igual, mas diferente.

Seus olhos viram algo se mover no jardim, mas Zakari não estava se concentrando, os guardas tomariam conta disso. Depois ouviu gritos, talvez uma briga tivesse se seguido, mas ele não ligou. Ouviu o falatório insano desaparecer ao longe, olhou para a terra que lhe trouxera tanto consolo e desejou que ela pudesse lhe trazer um pouco agora.

Sim, isso era igual, mas diferente.

Porque o rei chorou.

— Vossa Alteza... — Hassan fez uma reverência ao entrar.

— Disse que não queria ser perturbado! — Zakari respondeu sem se virar, ainda muito orgulhoso para deixar que um empregado o visse chorar.

— Eu sei — Ele quase encostava no chão, curvado para se desculpar, mas, ao mesmo tempo, frenético. — Sheika Stefania ordenou que eu não contasse seu paradeiro, mas ela foi embora...

— Sei disso! — Ele poderia sentir vergonha, raiva, mas tudo que sentia era tristeza e um vazio horrível.

— Não podemos deixar! — Hassan implorou.

— É escolha dela. — Zakari balançou a cabeça com cansaço. — Tem o direito de ir.

— Mas pode acontecer alguma coisa! — Hassan alegou.

— E provavelmente vai. — Zakari deu de ombros, sem ligar naquele momento para o caos que se seguiria, muito consumido pela ausência de Effie.

— Não podemos deixá-la sozinha no deserto! — Hassan se lamuriou. O sangue de Zakari congelou.

— Ela está no deserto? — A voz de Zakari soou como uma chicotada.

— Ela saiu pelos jardins do palácio e foi para o deserto. —As palavras de Hassan golpeavam suas costas enquanto ele atravessava o palácio correndo. — Os guardas ouviram um barulho e checaram os portões, mas não encontraram nada. Mas ela não está no escritório, nem em seu quarto...

— Ela não foi para Aristo?

— Não! Ela estava perturbada. Deixei-a sozinha no escritório e não foi mais vista. Saiu há mais de uma hora. Não estamos conseguindo encontrá-la!

 

Zakari nunca temera o deserto. Respeitava-o, mas não o temia. Mas agora ele o aterrorizava. De pé à beira dele, olhava para o céu escuro, os resquícios de lua nova não ajudavam a iluminá-lo. Era um vazio escuro e sem fim. O ar frio ficaria cada vez mais frio, e o pensamento de que Effie estava ali fez com que o sheik rei Zakari Al Farisi sentisse medo pela primeira vez na vida. Ficou cada vez mais em pânico com a possibilidade da terra que amava reclamar pra si a mulher que ele amava ainda mais.

Seu helicóptero se ergueu na escuridão.

Piloto habilidoso, Zakari tomou a direção enquanto Hassan operava o holofote. O feixe de luz rompia a escuridão ao esquadrinharem o terreno selvagem por causa dela.

Não pelo diamante, nem pela rainha Stefania de Aristo, mas por Effie.

Sua Effie, que o amara.

O amara completamente, assim como ele, Zakari logo se deu conta, sempre a amara totalmente.

Ela devia estar apavorada.

Arrepiou-se ao pensar que os cães do palácio deviam estar correndo no deserto agora, latindo e rosnando ao farejarem o cheiro dela, e rezou para chegar primeiro, antes dos outros helicópteros, que logo decolariam. Só o que conseguia pensar era nela, tão pequena ali sozinha.

— Ali — Hassan gritou pela, talvez, vigésima vez. — Ali atrás — Zakari pairava no céu enquanto Hassan movimentava o holofote para tentar encontrar a sombra que achava ter visto, mas houve tantos alarmes falsos que Zakari não ousava ter esperanças. Até que a viu.

Um ponto claro debaixo dele entrava em foco à medida que o helicóptero baixava. Effie estava sentada na areia, com o rosto abaixado e abraçando os joelhos.

Era por isso que odiava a falcoaria, Zakari pensou ao rodear sua presa. Não se sentia poderoso, não queria dar o bote, só queria que ela ficasse a salvo, queria mais uma chance de dizer que a amava e que ela era livre.

— Cancelem tudo! — Zakari ordenou pelo microfone. — Hassan, desligue o holofote.

 

E PASSOU MESMO...

Effie ouvia os cães latirem ao longe, podia ouvir o helicóptero e ver o holofote procurar por sua joia no deserto. Ele poderia ficar com ela. Tirou o colar e o segurou na mão, pronta para entregá-lo a ele.

Sentiu a areia açoitar seu rosto ao pousarem, e ela segurou o diamante contra o peito uma última vez quando Zakari se aproximou. Ela nem olhou para o alto. Pedia ao deserto que lhe dissesse o que fazer.

— Ela precisa saber? — Effie não levantou a cabeça quando ele se sentou ao lado dela. — Se eu te der a pedra, se continuar a ser sua esposa, se continuarmos como antes...

— Não podemos continuar como antes — Zakari disse. — Se tem uma coisa que aprendi nos últimos dias é que a verdade sempre vem à tona.

— Não posso fazer isso com a rainha Tia — Effie sussurrou. — Falei sério quando disse que ia, mas quando penso nela...

— Você é uma pessoa boa — Zakari disse. — O que torna tudo isso tão difícil para você.

— E eu não conseguiria ficar no palácio com você. — Effie balançou a cabeça, desesperançada com a situação — Mas, se é meu dever...

— Esqueça o dever — Zakari disse, pela primeira vez na vida. Chocada com sua afirmação, Effie virou-se para olhar para ele.

— Esqueça o dever e o protocolo pelo menos por um instante. Aqui no deserto, a verdade pode ser dita.

— Tome. — Effie abriu a mão. — Por favor, pegue isso.

Foi o que ele fez.

Pegou a pedra que procurara tão desesperadoramente, pegou o poder e a vingança pelos quais ansiava, e, sem hesitação, colocou-a no pescoço dela. Seus dedos mexeram no fecho até que a pedra pendeu, pesada e bela, de volta ao lugar em que pertencia.

— Eu poderia governar sozinho, mais sei que vou governar com mais sabedoria com você a meu lado, com a mulher bondosa, doce e sexy que você é. — Ele lhe deu um raro sorriso, e não era de deboche, era gentil. — Reis não fazem café para suas empregadas, por mais que chorem. Lembra-se disso, Effie?

— Claro que sim.

— Reis não falam de seus medos e tristezas com criadas, nem com ninguém. Me dei conta de que já amava você do mesmo modo que agora.

Ela balançou a cabeça.

— Reis não fazem amor com criadas. Fazem sexo... — Com um meneio de seus ombros largos ele desconsiderou qualquer conflito anterior, deixou-os de lado ao perceber a realidade — mas não fazem amor.

Pela primeira vez a acalentou, colocou o braço em volta de seus ombros e puxou seu corpo frio contra ele.

— Mesmo se naquele momento eu não sabia, fizemos amor naquela noite, Effie.

Como ela queria acreditar nele.

E como estava com medo de acreditar.

— Quando te levei de volta para o palácio, meus assessores disseram que eu não precisava me casar com você, que poderíamos recuperar a pedra, que você não teria opção a não ser devolver. Disseram que não podia tê-la dado à sua mãe. Todos estavam contentes, menos eu. Então contei a eles que dormi com você.

— Contou a eles? — Effie encolheu-se contra seu peito.

— Não parecia ser um problema... — Ele a abraçou com força, falou entre seus cabelos, acariciou seu corpo trêmulo. — Até eu revelar que não usei preservativo. Que você poderia estar esperando um filho meu.

— Mas eu não estava.

— Eu não queria esperar para descobrir, porque senão você teria que ir embora. — Sua voz segura e suave vacilou por um instante. — Não queria perdê-la. Pensei que, desse jeito, poderia manter você. Só que não queria ser mantida, queria?

Ele fechou os olhos de felicidade quando ela balançou a cabeça em seu peito. Era a única mulher no mundo que o amava pelo era. Não por seu título, e sim apesar dele.

— Você moraria mesmo em uma tenda, não é?

— Mas preferiria que fosse sua tenda luxuosa... — pela primeira vez desde sua noite de casamento ela deu uma risada, e era o som mais lindo que eleja ouvira. — Em vez da que eu tinha em mente. Mas, sim, Zakari, se acreditasse que me amava, eu iria pro fim do mundo para estar com você.

— Por que não te levo agora para a minha tenda? — Zakari levantou-lhe o queixo para que o olhasse. — Por que não vamos para lá agora e ficamos até eu conseguir te convencer que te amo?

— Não podemos. — Effie se espantou. — Parecia maravilhoso, mas era impossível. — Temos coisas para resolver... o que vamos fazer, como vamos dizer à rainha Tia... — Seu coração estava acelerado pelo medo de tudo que enfrentariam. E então ele a beijou. Um beijo lento e carinhoso, e tão carregado de amor, que não precisavam se esconder até que ele a convencesse, pois já a convencera.

— A certidão de casamento está comigo — Zakari disse. — Por enquanto, ninguém vai descobrir. Vamos resolver isso juntos. Pela primeira vez em minha vida, o dever pode esperar. Faz ideia de como é bom dizer isso?

— Faz ideia de como é bom ouvir isso? — Effie disse. — Então... ela o provocou com um sorriso — Se formos para sua tenda, como vai me convencer que me ama?

— Mais ou menos assim... — Ele a beijou de novo, deitou-a na areia e beijou-a com mais vigor e então parou.

— Isso não é muito convincente — Effie resmungou, porque, se e a amasse, se a amasse de verdade, faria amor com ela ali e agora. Ela brincava com os botões da camisa dele, para poder tocar aquele peito sexy, aquela pele que desejara por tanto tempo — Faça amor comigo, Zakari.

— Claro. — Ele abriu os lábios naquele sorriso que sempre derreteria seu coração. — Mas devo dizer a Hassan para voltar daqui a pouco, ou torcer para que ele olhe para outro lado?

— Oh!

Ele adorava que ela corasse, que ela se esquecesse de seus funcionários e do protocolo, que conseguisse deixar tudo de lado às vezes, para se concentrar no que realmente importava.

— Vamos. — Ele se levantou, sacudiu a areia da roupa e estendeu as mãos para ajudá-la a levantar-se. Então, deu as mãos para ela enquanto andavam até o helicóptero. — Nossa tenda nos espera.

 

EFFIE olhou, através das janelas enormes, para o infinito lago que se estendia desde as águas agitadas que ligavam as duas ilhas até depois de Calista.

Tremia de nervoso, mas se controlou quando seu rei entrou. As criadas que a banharam, passaram óleo e a vestiram saíram quando Zakari chegou, vestido com uniforme militar completo. Ele estava imponente, mas, ao contrário do dia de seu casamento, não era ele que a deixava nervosa e sim o enorme compromisso que enfrentaria hoje.

— Está linda.

Estava mesmo. Em pé no mesmo quarto em que, sem dúvida, fora concebida, Effie tentava assimilar tudo que acontecera nos últimos meses. Nos sete meses em que estavam casados, o ódio que Zakari nutria por Aegeus fora minimizado pelo amor que sentia por sua esposa.

A coroação de Alex estava planejada para janeiro, mas, com tudo que acontecera, e com as modificações que precisavam ser feitas, a coroação de Effie fora marcada para maio.

Para 18 de maio, como realmente seria.

Aniversário de casamento de seus pais.

Ela estava usando um vestido longo dourado que acentuava as curvas. Cada cacho de seus cabelos fora minuciosamente tratado por seu cabeleireiro favorito, preso no alto de sua cabe de onde caía uma mecha entrelaçada numa tira de seda dourada.

— Beleza não vai fazer de mim uma governante sábia -olhou para a carta que segurava. — É de Sebastien e Cassie. Effie respirou fundo, nervosa ao refletir sobre tudo que estava assumindo. — Ele foi educado para ser rei. Como posso governar melhor que ele?

— É seu direito de nascença, goste ou não — Zakari disse de modo gentil. — Eu enfrentei a mesma questão, só que por um outro ângulo. Não nasci para ser rei, mas sou. Às vezes, a vida muda e só o que podemos fazer é seguir o novo rumo.

— Oh! — Effie se surpreendeu. — Foi o que Sebastien disse. Vocês dois têm pontos de vista parecidos.

— Também acho. Sempre admirei Sebastien — Zakari disse. — Embora achasse que eu devia governar, ainda assim o admirava e sabia que ele governaria bem. E, embora tivéssemos os mesmos pontos de vista, não entendia por que ele iria renunciar ao trono por amor. Nunca pensei que pudesse entender isso. — 0 amor brilhava em seu rosto seguro e orgulhoso ao olhar para sua amante, esposa e rainha, e sabia que as duas primeiras eram as que mais importavam. — Agora entendo.

Effie lhe entregou a carta, que ele leu com atenção, sem comentar nada, antes de dobrá-la e lhe devolver.

— Ele parece estar muito feliz.

— Está sim. — Effie sorriu. — Quando ele e Cassie recusaram o convite, achei que pudesse haver algum ressentimento. Estava errada. Eles têm uma boa razão para se manter a distância: seu segundo filho é esperado para hoje.

— Isso não pode ser uma coincidência. — Zakari sorriu. -Hoje é dia de transformação, de aceitar novas responsabilidades, novos desafios...

— Com bondade! — Effie sussurrou.

— Sempre com bondade... — Ele passou a mão em seu rosto — Vai conseguir fazer isso. Você tem sabedoria, é gentil, linda e nasceu para isso — Zakari disse com convicção, pois ela o era.

A vergonha da rainha Tia por seu casamento bígamo e por descobrir que seus filhos eram ilegítimos, foi, de algum modo, atenuada pela orientação de Effie. Os medos e ressentimentos foram vencidos quando a própria Effie, com Zakari a seu lado, dera as notícias.

Effie consolara Tia quando seu mundo desabara.

Zakari, então, chegara e ajudara Tia a reconstruí-lo.

— Seu segredo é seu prisioneiro — Zakari disse a ela ao enfrentarem um público que queria respostas. — Liberte-o!

Pois não podia haver insinuações nem rumores quando segredos vinham à tona.

A vergonha de Tia desapareceu quando o homem que poderia, sem a sua rainha, tê-los esmagado na palma de sua mão, pôs-se de pé orgulhoso ao lado da família Karedes. Em um gesto benevolente, mas totalmente justo, Zakari e Effie insistiram para que a família Karedes mantivesse seu status de realeza, e os assegurou que tudo que eram, a família que construíram, o povo a que serviam, iria permanecer como antes.

Que o povo de Aristo os amava e necessitava deles.

— Sabe o quanto as coisas teriam sido diferentes sem você? — Ele fitou seus olhos azuis. — Você nasceu para isso. Corre sabedoria em suas veias, e o reino de Adamas é melhor por ter você.

— Mas vai me ajudar?

— Ajudaremos um ao outro.

— Me diga de novo o que vai acontecer... — Começou a ficar nervosa.

— Vamos passar pelas ruas de Aristo e você vai saudar o povo, seu povo. Então, vamos para o palácio e a coroação vai acontecer conforme ensaiado. Depois, haverá discursos formais e então um jantar e uma festa, na qual vai cumprimentar pessoalmente todos durante horas. — Ele riu de seu rosto pálido. — Vai ser um dia cansativo.

— Seu discurso está preparado? — Effie perguntou ao perceber, pela primeira vez, que ele também estava nervoso.

— Estou pronto. — Ele beijou seu rosto frio e tomou seu corpo trêmulo em seus braços. Iriam enfrentar o grande dia das duas ilhas.

O poder que buscara e a vingança que desejava foram deixados de lado.

— Vamos governar juntos o reino de Adamas e as joias serão reunidas, assim como as ilhas. Maria já começou a desenhar a nova coroa, que, se Deus quiser, nosso herdeiro um dia vai usar. — Ele notou que algo mudou em sua expressão...

— Effie?

— Stefania — ela corrigiu com um sorriso irônico. — Deve se habituar a me chamar assim.

— Você está bem?

— Claro.

— Vai acontecer em seu devido momento.

— Eu sei. — Ela sorriu.

— E, se não acontecer, isso não nos muda em nada.

— Também sei disso.

— Me diria se algo estivesse te preocupando? Farei qualquer coisa para que seu dia de hoje seja mais fácil.

— Sei disso.

Queria muito dizer a ele.

Já estavam casados há sete meses e, embora ainda fosse cedo, a cada mês que passava Effie ficava cheia de expectativa e depois se desapontava. Todas pareciam estar grávidas ou tendo bebês, e, embora Zakari não tivesse feito nenhum comentário e ela estivesse segura de seu amor, queria muito um bebê. Queria o herdeiro de que o reino precisava. E agora acontecera.

O médico real a examinara na noite anterior e confirmara a preciosa verdade. Mas ainda não encontrara o momento para dizer a Zakari. Com a programação de pré-coroação, eles foram dormir às 2h e se levantaram às 5h para se prepararem para o dia.

A notícia que queria dar era muito valiosa para ser dita às pressas. Havia muita coisa acontecendo naquele dia e muitos detalhes a serem preparados. Effie decidiu que diria a ele naquela mesma noite, quando estivessem a sós, quando o dever, pelo menos por um instante, estivesse cumprido, e fossem somente os dois.

— Vossa Alteza...

A porta do quarto foi aberta, não havia lugar para privacidade naquele dia, e Effie continuou a guardar seu segredo e pegou seu marido pelo braço, grata por poder apoiar-se nele, por saber que estava ao lado dela.

Ela repassara o programa da coroação várias vezes, mas nada poderia tê-la preparado para a visão dos carros, motos e aclamações que a esperavam fora dos portões do palácio.

Foram conduzidos em um carro aberto, precedido por motocicletas e seguido por carros que faziam a segurança. As ruas no longo caminho até o palácio estavam cheias de faixas de congratulações. As saudações e os acenos ficavam mais frenéticos, e a multidão aumentava à medida que eles se aproximavam.

Muitas vezes eles ficavam de pé e ela sorria para todos, acenava para cada rosto que conseguia ver, e Zakari fazia o mesmo.

As pessoas corriam, aplaudiam e esticavam o pescoço para dar uma olhada no belo casal real.

— Estão aplaudindo você — Zakari disse. — Seu povo está feliz. Eles sabem que vamos lhes servir bem. Que o reino de Adamas está seguro.

Finalmente chegaram ao palácio.

Effie tremia de nervoso, mas Zakari segurou-lhe a mão ao serem recebidos pela guarda de honra. Mas agora era hora de deixá-la.

Tinha que completar o itinerário sozinha. — Olhe para você! — Eleni a deteve por um instante enquanto tomava seu lugar e os últimos detalhes eram verificados. — Está linda.

— Estou com medo — Effie admitiu, feliz pela amizade que sua cunhada tão prontamente ofereceu.

— Também estou... — Kalila se aproximou. Para Effie sempre parecera um pouco distante, mas, de repente, ficaram próximas, quando Effie viu aquela bela mulher que fora preparada para ser a rainha de Zakari, agora grávida de nove meses e assustada. — E se minha bolsa arrebentar durante a cerimônia?

Effie deu um riso nervoso e percebeu que, naquele momento eram todas iguais, um grupo de mulheres, de amigas, que tentava fazer o melhor.

— Eu vou ter um ataque! — Eleni anunciou, orgulhosa. — §e a bolsa arrebentar, prometo que caio no chão e faço uma cena para que ninguém perceba a poça!

— Promete? — Kalila indagou, sorrindo.

— Estamos juntas nisso — Eleni disse ao segurar a mão de Effie enquanto a banda tocava mais alto.

— Eles estão aguardando — Hassan lhe disse com gentileza. Kalila e Eleni foram ficar ao lado de seus maridos.

Effie nunca achou que recorreria à Hassan, mas, em desespero, voltou-se para ele.

— Estou assustada, Hassan.

— Por quê?

— Não sou boa o bastante! — Ela admitiu, entre os dentes, a verdade.

— É mais do que boa! — Hassan olhou para a rainha de Aristo e revelou sua verdade. — Tenho orgulho em servi-la.

— Como? — Effie perguntou enquanto a música de apresentação começava. — Como pode ter orgulho se não tenho preparo, se não sou mais do que uma criada de palácio? Como podia confiar que eu seja a pessoa certa?

— Porque é. — Hassan simplesmente respondeu. — Porque é — repetiu.

Todas as cabeças se viraram.

Menos a de Effie.

Queria procurar por Zakari, mas devia olhar para frente na caminhada mais longa de sua vida.

Seu marido a esperava próximo ao trono calistano enquanto ela fazia sua caminhada solitária.

Em direção à rainha Tia.

Aos olhos de Effie, ela era a mais bonita e elegante de todas.

Era ela que iria colocar a coroa em sua cabeça.

O medo e o nervosismo foram momentaneamente esquecidos quando encontrou aqueles bondosos olhos castanhos.

Ela fechou os olhos enquanto o juiz lia em voz alta. Um choro de bebê elevou-se do palácio e ela sentiu o peso da coroa que a rainha Tia colocou em sua cabeça. A joia que sua mãe adorava estava a salvo de volta à coroa aristana. E de repente Effie soube que poderia fazer aquilo.

Soube que erraria às vezes, mas também sabia que daria o melhor de si.

E seu melhor, pensou ao levantar-se com a ajuda da rainha Tia enquanto se adaptava ao novo peso que carregava, era tudo que seu povo lhe pedia.

Seu melhor era o melhor que podia dar.

 

O jantar formal foi longuíssimo. Os discursos ainda mais. E, pela primeira vez, Effie se dirigiu a seu povo. Balbuciava seu discurso e sentia gotas de suor escorrerem de sua testa ao se esforçar com as palavras que se turvavam diante dela.

Ia passar mal.

Effie sabia que, se ficasse de pé um pouco mais... bem, não aguentava pensar nisso, então, rapidamente, com os lábios pálidos, falou para seus ansiosos ouvintes. — Peço que ouçam meu marido...

— Ainda não acabou seu discurso! — Zakari fez uma careta.

— Fale por mim!— ela pediu.

— Precisam de você — Zakari começou a falar, mas ficou preocupado ao ver seu rosto pálido e levantou-se enquanto ela se sentava. O curto discurso que escrevera não seria suficiente. Respirou fundo e falou do fundo do coração.

— Vossas Majestades, dignitários, Camaradas de Armas... Zakari foi breve nas introduções necessárias e passou logo para a verdade. — Não falo por minha esposa, mas com ela. Minha madrasta, rainha Anya Al' Farisi de Calista, estava entre as mulheres mais sábias e mesmo assim cometeu erros. Zakari olhou para a audiência e deu um sorriso irônico.

— Quando eu tinha 14 anos, ela comprou sem querer a edição para professor do meu livro escolar. Durante um ano tive todas as respostas. Tive a melhor educação, fui para a melhor escola, mas por um ano não precisava prestar atenção porque tinha todas as respostas. Não fiz dever de casa naquele ano, e não ficava depois da aula porque nunca errava. Só precisava olhar no final do livro.

A plateia riu com sua confissão.

— Mas, no ano seguinte, sem as respostas, e sem um ano de estudos, fui reprovado.

Voltou a fazer a plateia rir.

— Não aprendi nada naquele ano. Tinha todas as respostas, mas não aprendi nada.

As pessoas não riam mais, as expressões estavam sérias enquanto Zakari ia direto ao ponto. Por mais que todos quisessem correr, algumas coisas finais precisavam ser ditas.

— Eu sabia o legado de Christos de cor, mas só agora o entendo de verdade. Como quando era adolescente, pensei que tinha todas as respostas, mas agora vejo que me faltava sabedoria. — Olhou para sua esposa. — Agora fui abençoado pela sabedoria.

— Todos nós fomos abençoados — Zakari disse. Parou por um momento enquanto a plateia o aplaudia, e então pararam para que continuasse. — Todos nós aprendemos que o amor, a bondade e a verdade sempre vencem. É assim que vamos construir o reino de Adamas. É assim que vamos prosperar e ficar para sempre fortes.

— Ele levantou sua taça e todos fizeram o mesmo. — Um brinde à rainha de Aristo. Que seu reinado seja longo!

A fila era intimidante.

Reis e rainhas, príncipes e princesas da Europa, do Oriente de terras que Effie nunca ouvira falar esperavam para cumprimentá-la.

O primeiros, no entanto, não a intimidavam tanto.

A família real de Aristo, a pedido de Effie, foi a primeira a saudá-la.

A rainha Tia lhe deu um caloroso abraço, palavras eram desnessárias entre elas e o protocolo foi deixado de lado, para contentamento de todos, ao se abraçarem.

— Vossa Majestade. — Maria fez uma reverência com seu bebê nos braços, enquanto Alex, o homem que, com relutância, seria o rei, inclinou-se.

— Effie! — Stefania sorriu. — Para vocês, sou Effie...

— Melhor você do que eu. — Príncipe Alex sorriu e beijou a mão de sua cunhada.

Embora o tempo fosse crucial, Effie não teve pressa, acariciava o rostinho do bebê. Alexandria, assim batizada em homenagem ao pai, era uma garotinha linda, com os olhos escuros do pai e os cabelos cacheados da mãe.

Effie insistiu para que fosse permitida a presença de bebês. Os assessores e cortesãos resistiram à ideia, mas Effie alegara que eles eram a joia mais preciosa, eram o futuro, e precisaram ser vistos.

E, naquela noite, foram vistos.

Príncipe Andreas e sua esposa, Holly, ambos com os bebês em seus braços, voaram da Austrália para compartilhar esse dia precioso.

— Os lindos gêmeos...

Uma pequena menina, chamada Sofia, saiu facilmente do colo do pai e se aninhou no ombro da rainha, o que fez Effie e Holly rirem.

— Nicholas ainda é um pouco tímido — Holly explicou.

— Vai deixar que se acostume conosco? — Effie perguntou.

Andreas fora com seu amor para a Austrália e estava preparado para rejeitar qualquer coisa para ficar com Holly, embora tivesse vindo para esse dia.

— Claro. — Holly sorriu, sentindo o peso de seu filho em seus braços com prazer. Ela não temia mais o título de seu marido, segura de seu amor. — Vai nos ver sempre.

— Da Grécia, princesa Katarina de Aristo... — Hassan anunciou, mas Effie não ouvia.

Effie deu um abraço em Kitty e sorriu para sua cunhada, com quem sempre trocava e-mails, e que lhe disse que era bonita, e que, entre todos, lhe era mais próxima, porque enfrentara os mesmos problemas de Effie com sua auto imagem e vencera.

— Anastasia é linda!

O coração de Effie se derreteu ao ver a filha de Nikos e Kitty, que recebera o nome da falecida mãe de Nikos. E a felicidade daquela pequena família a encheu de alegria.

— Ela não é tão bonita às 3h da manhã. — Kitty sorriu. Mas não havia mais tempo para conversar, já estava sendo apressada.

— Princesa Elissa Karedes... — Hassan disse desnecessariamente quando Effie cumprimentou sua outra cunhada.

— Está magnífica! — Lissa apertou suas mãos.

— Você também. — Effie sorriu enquanto observava o lindo vestido de Lissa. — Tino Dranias — Effie disse, certa de que Lissa vestia uma de suas criações. Seu sorriso se alargou quando Lissa confirmou. — Estou aprendendo.

— Todas nós estamos. — Lissa sorriu entre lágrimas.

— Está feliz na Austrália?

— Muito feliz — Lissa confirmou. — Vejo sempre Holly e Andreas.

Mas Hassan a apressava.

Para reis e rainhas da Europa, princesas de países distantes tinham que ficar dois passos atrás, Effie pensou, diante de rostos desconhecidos, em uma obrigação que, às vezes, era muito irritante. Mas só agora entendia que o dever, em geral, prevalecia.

Cumprimentar a família era um prazer, mas, ao olhar para a fileira de pessoas que deveria conhecer, Effie sentiu uma fraqueza.

A voz de Hassan parecia diminuir e aumentar. Effie perdeu a apresentação de seu próximo convidado, tentava identificá-lo, confusa, pois seus olhos negros lhe pareciam familiares, só que não conseguia se lembrar de seu nome. Tentava chamar a atenção de Hassan, mas ele falava ao microfone.

— Espero que tenha aproveitado o dia. — Effie sorriu e percebeu que teria que improvisar.

— Foi um prazer, Vossa Majestade. — Ele inclinou-se de modo gracioso e beijou sua mão.

O salão estava quente demais. Zakari estava a apenas duas pessoas atrás dela, e, ao olhar para a fila, Effie viu que faltavam apenas umas poucas pessoas.

Só que ela não conseguiria.

— Vossa Majestade? — Ela conseguiu ouvir a voz do dignitário enquanto apertava a mão dele com mais força.

— Me desculpe. Não me sinto bem, não me deixe dar um vexame...

— Está tudo bem — Ele disse com voz calma e segurou a mão dela enquanto a tontura diminuía e a náusea melhorava. — Respire — ele disse enquanto Effie expirava lentamente o ar, concentrando-se nos dedos que seguravam os seus ao puxar mais um pouco de ar para dentro, determinada a não desmaiar.

— Vou fingir que está conversando comigo — o dignitário disse. — Ninguém vai notar. Só continue a respirar fundo.

— Obrigada. — Sentiu que parou de suar frio, agora as palavras desse homem desconhecido não pareciam mais vir de tão longe. — Obrigada — Effie repetiu e apertou-lhe a mão com gratidão. Franziu a testa ao ver as cicatrizes em seu punho, sua cabeça aturdida tentava compreender onde o vira antes...

— Effie? — Zakari colocou a mão em sua cintura. — Chega. Vamos beber água e depois nos despedimos de todos. Está exausta.

— Obrigada. — Effie sorriu para o homem de olhos escuros que a salvara de dar um vexame.

— Venha. — Zakari a levou para longe de todos e lhe deu água. — Foi um dia muito longo.

— Tudo bem.

— Está de pé desde antes do amanhecer. Agora chega, é demais.

— É a coroação. Não posso ir para casa porque estou cansada.

— Você não está bem... — Ferozmente protetor, Zakari se recusava a ceder. — Você estava branca como um lençol. Está exausta.

— Estou muito bem. — Effie sorriu. — Graças àquele homem gentil, não dei vexame. Zakari, quem era ele? — Effie franziu de novo a testa ao tentar lembrar. — Quando estava prestes a desmaiar, vi que tinha cicatrizes nos...

— Quase desmaiou? — Zakari estava horrorizado. — Chega. Vou dizer a Hassan que não está bem e que prepare os convidados para sua despedida.

— Zakari, não estou doente. — Effie deu um sorriso largo. — Lembra como Kalila estava pálida e indisposta? — Ela viu que o rosto de Zakari ficou paralisado ao entender. — É completamente normal se sentir assim...

— Um bebê? — A voz dele estava rouca.

Ele parabenizara seus irmãos, segurara sobrinhos e sobrinhas no colo, e achava que sabia como iria se sentir se um dia recebesse essa notícia, mas, ao ouvir dizê-la, ao descobrir no dia da coroação que Effie estava grávida, disse a si mesmo que tudo era certo no mundo.

Tudo ter ficado bem nas duas ilhas lhe trouxera uma paz de espírito que nunca imaginara.

Saber que teria um herdeiro tornara o futuro brilhante como nunca.

Mas, naquele momento, nada disso importava.

— Se for menino, vamos chamá-lo Zafir — Effie disse com voz suave.

— E se for menina, será Lydia.

Como era bom dizer esses nomes em voz alta e sorrir ao dizê-los.

Que todos os segredos estivessem seguros agora, porque foram revelados.

Que o amor dos dois tenha unido o reino de Adamas.

 

                                                                                Carol Marinelli  

 

                      

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