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SEXO COM REIS / Eleanor Herman
SEXO COM REIS / Eleanor Herman

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

  

Se a prostituição é a mais antiga profissão do mundo, então a arte refinada de ser uma amante deve ser a segunda.

Ao imaginarmos a amante mais sofisticada - aquela adequada a um rei -, vemos uma imagem enevoada e difusa de uma mulher cujas mãos acariciaram e moldaram a história. Permanece, em geral, nas sombras de um mundo onde a luz dos holofotes brilha apenas para os homens que delinearam a história. Apenas ocasionalmente, ouvimos o farfalhar de uma saia de seda ou um riso musical ecoando atrás do trono.

A ascensão das amantes reais nas cortes européias foi um acontecimento súbito, surgido ao término das névoas medievais. Durante mil anos depois da queda de Roma, o pecado real escondia-se entre as espessas cortinas das camas de dossel e era lamentado na escuridão abafada de um confessionário. A poderosa Igreja Católica desaprovava o adultério e as mulheres pecadoras da corte eram mantidas rigidamente em segundo plano.

 

 

 

 

Algumas vezes, o prenome de uma mulher relacionava-se a um monarca feudal, uma certa Maude ou Blanche, mas nada mais se sabia. Inúmeros bastardos reais reconhecidos pelos reis pareciam ter brotado de um ar etéreo, e podia-se apenas presumir que tinham mães. Esse grande desconhecimento sobre as relações amorosas dos reis origina-se não só das exigências de discrição da Igreja. O analfabetismo reinava tanto quanto os próprios monarcas, a maior parte deles incapazes de assinar seus nomes.

Apenas em razão de sua avareza, conhecemos algo sobre a amante medieval inglesa Allice Perrers. A cortesã de Eduardo III (1312-1377), a gananciosa Alice, usou sua posição durante a última década da vida do velho monarca para pilhar as finanças reais, tornando-se uma das maiores proprietárias de terras da Inglaterra. Explorando habilmente a senilidade de Eduardo, convenceu-o a comprar sem cessar as mesmas jóias para ela, guardando o dinheiro que recebera para adquiri-las. Se isso não bastasse, sentada ao lado do leito de morte do amante, Alice retirou anéis valiosos de seus dedos enrijecidos e os escondeu. O Parlamento, escandalizado, confiscou suas propriedades em 17 condados, suas jóias (incluindo 21.868 pérolas) e outros presentes dados pelo rei. A litigante Alice passou o resto de sua vida na corte tentando recuperar seus bens, como documenta os registros do Tesouro, decretos parlamentares e processos judiciais.

A rusticidade dos ingleses não condizia com o refinamento da corte francesa. Após setenta anos da conduta vergonhosa de Alice Perrers, o protótipo da amante real surgiu envolto em uma glória dourada, como uma fênix ressurgindo das cinzas da Idade Média. Agnes Sorel foi o exemplo típico de uma mulher francesa na corte francesa, que exerceu sua influência política sobre o país e o rei. A graciosa Agnes conseguiu tirar Carlos VII (1403-1461) de sua débil apatia para reorganizar suas tropas e expulsar os invasores ingleses do solo francês. Carlos, um homem tristonho, de baixa estatura e pernas tortas, envolto em seus mantos espessos, foi um rei medíocre antes de Agnes e voltou a ser inexpressivo após sua morte.

O retrato mais antigo de uma amante real foi o de Agnes, pintado por Jean Fouquet em 1449, uma época em que retratos seculares ainda eram raros, e muitas pessoas ricas e famosas subornavam os artistas das igrejas para retratá-las nas imagens dos santos. Curiosamente, Agnes foi retratada como a Virgem Maria em um painel duplo de uma igreja. Nesse painel, agora no museu Koninklijk, em Antuérpia, Agnes, usando uma coroa e uma capa de arminho, mostra um seio firme e farto para o menino Jesus, que parece indiferente e olha em outra direção. O outro painel, no entanto, hoje no Staatliche Museum de Berlim, mostra seu grande amigo, Etienne Chevalier, de joelhos em uma idolatrada devoção. O díptico da amante do rei, mãe de seus filhos ilegítimos, pintada como a Mãe de Deus, deve ter chocado os devotos ainda mais diante da visão do amigo idolatrando seu seio exposto.

 

Logo depois de o quadro ter sido pintado, talvez por coincidência, os poderes do céu enviaram a Ceifadeira para castigar Agnes. Com cerca de 40 anos, após 15 anos como amante, amiga e conselheira do rei, Agnes morreu ao dar à luz. Talvez contemplasse um lugar grandioso quando, ao olhar para seu corpo que se esvaía, disse com suavidade: "É algo tão insignificante, maculado e exalando nossa fragilidade." Cerrou os olhos. O rei, dilacerado pela dor, concedeu-lhe o título póstumo de duquesa e a enterrou em grande esplendor.

Nosso conhecimento sobre as amantes reais aumenta significativamente com o advento do século XVI. O desabrochar do pensamento na Renascença trouxe novos ares para uma Europa estagnada. De súbito, navios cruzavam os sete mares, trazendo de volta novos-ricos que jamais haviam sonhado com a riqueza. Os monastérios foram pesquisados para encontrar manuscritos que ilustrassem a sabedoria das lendas pagãs antigas. Sociedades que idolatraram, durante milhares de anos, as estátuas da Virgem extasiavam-se diante da imagem curvilínea da Vênus de Milo. Nesse processo, o Vaticano perdeu a chave do cofre de todo o conhecimento; sua tenaz de ferro sobre a moral e os costumes enfraqueceu de modo substancial - mesmo em nações que permaneceram católicas após a Reforma.

A invenção da imprensa provocou uma explosão de instrução entre a nobreza. A escrita de cartas tornou-se um passatempo favorito de cortesãos ansiosos para saciar a curiosidade de parentes incultos sobre fofocas picantes da corte. Dessas cartas extraem-se as lágrimas das rainhas, os acessos de raiva das amantes e a luxúria insaciável dos reis. Madame de Maintenon, a última favorita e esposa morganática do rei Luís XIV (1638-1715), escreveu mais de 90 mil cartas durante a vida. A cunhada de Luís XIV, Elizabeth Charlotte, duquesa de Orléans, escreveu 60 mil cartas sobre a vida na corte de Versalhes, cobrindo um período de cinqüenta anos. Madame de Sévigné, que conheceu pessoalmente as amantes de Luís XIV, escreveu três vezes por semana durante 25 anos para sua filha querida, que morava na Provença. Algumas correspondências pessoais de reis e de suas amantes sobreviveram a incêndios, inundações, traças, destruição proposital; e parte dessas missivas aborda o lado romântico da vida.

Além disso, os relatórios dos embaixadores fornecem opiniões detalhadas sobre a vida na corte. Em uma época em que um capricho do rei significava paz ou guerra, abundância ou fome, nenhum detalhe real era considerado insignificante. Alguns despachos oficiais discutiram até mesmo o funcionamento dos intestinos do rei. Luís XIV, ciente da grande influência que muitas amantes de Carlos II (1630-1685) tiveram sobre ele, instruiu seus embaixadores na Inglaterra para enviar "relatórios detalhados sobre todos os acontecimentos da corte da Grã-Bretanha, sobretudo, sobre a vida privada". Muitos desses relatos maliciosos sobreviveram.

Os diários tornaram-se moda, dando testemunho de intrigas reais. Um dos mais conhecidos memorialistas, Samuel Pepys, trabalhou como funcionário graduado no English Naval Office na década de 1660 e sentiu um fascínio lascivo pela amante de Carlos II. Mencionou tê-los visto no parque e no teatro, comparou a beleza deles, descreveu suas roupas e fez sexo com eles em seus sonhos. Escreveu com entusiasmo que beijara Nell Gwynn ao final de sua peça e que a visão das ricas roupas íntimas de Lady Castlemaine penduradas em um varal lhe fora muito prazerosa.

As memórias tornaram-se populares, embora devam ser lidas com cautela e comparadas com outros documentos do mesmo período. Escritas para serem publicadas, muitas delas tinham o duplo propósito de vingança pessoal e delação. Pouco antes de sua morte em 1615, a rainha Margarida da França escreveu uma autobiografia enaltecendo sua virtude imaculada e descrevendo numerosas histórias sobre o comportamento censurável do marido com as amantes, eximindo-se de contar histórias semelhantes protagonizadas por ela e seus amantes. O vingativo duque de Saint-Simon, desiludido com o tratamento que lhe fora dispensado, partiu da corte de Versalhes em 1722. Teimosamente, empunhou sua pena para escrever quarenta volumes de memórias, a tinta misturada com grandes doses de veneno.

Biografias contemporâneas começaram a surgir, mas também devem ser lidas com espírito crítico. O conde Karl von Pöllnitz iniciou suas viagens pelas cortes da Europa em 1710 e, em 1740, converteu-se em mestre-de-cerimônias de Frederico, o Grande. Fascinado pelas aventuras amorosas de Augusto, o Forte, da Saxônia (1670-1733), que teve mais de trezentos filhos ilegítimos, o conde Von Pöllnitz publicou uma biografia do rei em 1734, um ano após sua morte. Embora os fatos básicos relativos aos casos amorosos do rei sejam verdadeiros, percebe-se que o conde refinou as conversas relatadas em seu livro para dar-lhes um efeito cômico.

Concomitante à educação formal, surgiu uma nova apreciação da influência valiosa da mulher na sociedade. A corte francesa no século XVI começou a aceitar a idéia de que as mulheres eram tão inteligentes e capazes quanto os homens, porém muitíssimo mais atraentes. Subitamente, as amantes reais passaram a ser admiradas, imitadas e enaltecidas.

Do século XVI ao século XVIII, a posição de amante do rei foi tão oficial quanto a do primeiro-ministro. Esperava-se que cumprisse certos deveres - sexuais e outros -, recompensados por títulos, honrarias e um papel influente na corte. Ela encorajava as artes - teatro, literatura, música, arquitetura e filosofia. Usava seu encanto como arma contra os embaixadores estrangeiros. Acalmava o rei quando ele se zangava, animava-o quando estava desanimado, encorajava-o à grandeza em seus momentos de fraqueza. Assistia à missa diariamente, dava esmolas para os pobres e entregava suas jóias ao Tesouro em épocas de guerras.

Francisco I de França (1494-1547) foi o primeiro rei a conferir o título de maîtresse-en-titre - amante oficial - à sua favorita. Francisco I desfrutou de diversas amantes, uma após outra, com grande auto-­confiança. Na segunda metade do século XVI, as amantes francesas exerceram mais poder que quaisquer outras na Europa em duzentos anos. Diane de Poitiers, amante de Henrique II (1519-1559), tornou-se membro do Conselho francês, uma assembléia seleta, constituída para deliberar sobre assuntos governamentais. Diane promulgou leis e criou impostos, assim como assinou decretos oficiais com uma assinatura conjunta, Henrique-Diane. Gabrielle d'Estrées, amante de Henrique IV (1553-1610), também participou do Conselho, publicou leis, recebeu embaixadores e contribuiu de forma decisiva para o fim da guerra civil religiosa.

Na Inglaterra, Henrique VIII (1491-1547) provocou um grande conflito ao insistir em se casar com duas mulheres a quem desejara para, depois, ordenar que fossem decapitadas. No século seguinte, Carlos II escolheu uma amante no dia em que ascendeu ao trono. No dia de sua coroação, em 1660, fez sexo com a jovem de cabelos acobreados, Bárbara Palmer, que nove meses depois lhe deu uma filha. Como retribuição, o rei lhe concedeu o título de condessa de Castlemaine. Carlos explicou que "não era ateu, mas não poderia pensar que Deus pudesse fazer um homem infeliz por usufruir um pouco de prazer". Livre do jugo da fidelidade - até em relação à amante -, Carlos foi um dos raros monarcas a possuir várias amantes importantes ao mesmo tempo. Nunca igualou os franceses na auto-confiança e seu harém assemelhava-se a um galinheiro cacarejante. Na semana de sua morte, em 1685, o rei estava rodeado por todas as suas mulheres, como descreveu escandalizado o memorialista John Evelyn, que criticou "a inexprimível luxúria e profanação, jogatina e a total devassidão" que testemunhou. O rei Carlos, "sentado, divertia-se com suas concubinas Portsmouth, Cleveland, Mazarin etc., um garoto francês cantava músicas românticas na maravilhosa galeria, enquanto uns vinte cortesãos notáveis e outras pessoas dissolutas jogavam cartas em torno de uma grande mesa, onde havia no mínimo 2 mil em ouro diante deles". 

O primo em primeiro grau de Carlos, Luís XIV de França, enfeitava a corte com uma coleção de amantes. Athénaïs de Montespan - que ostentava a posição de 13 anos como sua amante - era, em muitos aspectos, um clone de sua contrapartida inglesa, Bárbara, Lady Castlemaine, que se manteve no posto por 12 anos. Ambas eram bonitas, gananciosas, difíceis e brilhantes, embora Athénaïs fosse para seus contemporâneos talvez mais palatável, suas asperezas suavizadas pela verve melíflua francesa. As duas contribuíram para a glória de suas respectivas nações, ao mesmo tempo em que saquearam as finanças públicas, e a falta delas foi muito sentida ao serem trocadas por substitutas menos atraentes.

Assim como a moda francesa, a arquitetura, a música e a arte eram imitadas em versões mais inexpressivas em toda a Europa, o conceito francês de maîtresse-en-titre também foi copiado. No final do século XVII, o papel da amante real em uma grande corte era considerado tão indispensável que até mesmo os reinos alemães mais rígidos seguiram o costume. Frederico III, eleitor de Brandemburgo (1657-1713), um príncipe apaixonado pela esposa e que desprezava a infidelidade, escolheu uma bela senhora da corte como sua amante oficial e a encheu de jóias, embora nunca a tenha tocado porque: sua mulher o teria matado.

Augusto, o Forte, da Saxônia foi designado rei da Polônia em 1697 e, viu-se, de súbito, governando duas nações. Possuía há nove anos uma amante na Saxônia e seu ministro o aconselhou a escolher uma mulher polonesa para ocupar a mesma posição honorífica em Varsóvia. Segundo o conde Von Pöllnitz, o rei recebeu o seguinte conselho: "Como sua majestade tem duas cortes, uma na Saxônia e outra em Varsóvia, deve ser um monarca completo e, com toda a justiça, manter uma amante em cada corte. Isso contribuirá, sem dúvida, para a satisfação de ambas as nações. No momento, os poloneses protestam contra a manutenção de sua amante na Saxônia. Se renunciar a ela para se enamorar de uma senhora polonesa, os saxônios terão a mesma razão de reclamar. Ao passo que se ficar seis meses enamorado na Polônia e os outros seis na Saxônia, as duas nações ficarão satisfeitas”. 

Enquanto os reis da França, Inglaterra e Alemanha do século XVII possuíam amantes bem recompensadas, a corte real espanhola permanecia um oásis de catolicismo medieval sufocante. O país que originara a Inquisição era mais devoto que o Vaticano, onde cardeais joviais entregavam-se a animadas orgias. Geneticamente doentes, os franzinos reis espanhóis governavam uma corte sombria, em que o espetáculo de hereges sendo queimados na fogueira constituía o esporte favorito.

A amante real espanhola não tinha uma posição reconhecida, nenhuma esperança de obter poder na corte e uma recompensa financeira bem modesta. Sua expectativa de vida após ser rejeitada era ainda mais lúgubre - o exílio em um convento. Como o rei ficava a apenas um passo aquém de Deus, nenhum mortal comum teria a audácia de tocar uma mulher que fora santificada pelas carícias do monarca.

Relata-se que Filipe IV da Espanha (1605-1665) perseguiu uma jovem pelo seu palácio e esmurrou a porta que ela fechara diante dele, ordenando que o deixasse entrar. A moça aos prantos gritou: "Não, não, sire! Não quero ser uma freira”! 

O rei João V de Portugal (1689-1750) não se importava em enviar suas antigas amantes para o convento; encontrava outras entre as freiras e transformou um convento em Lisboa em seu harém pessoal e em um local de acolhida de crianças. Seu filho com a madre superiora tornou-se arcebispo.

Mas os costumes ibéricos não eram populares no resto da Europa. Tentando imitar Carlos II, Jorge, eleitor de Hanôver (1660-1727), quando herdou o trono da Grã-Bretanha, em 1714, importou não uma, mas duas amantes para seu novo país. As amantes alemãs de Jorge chocaram os súditos britânicos - não por sua lassidão moral, mas pelo gosto do rei por mulheres. Uma era alta e magérrima, a outra baixa e tão gorda que parecia que ia explodir, ambas irremediavelmente horrorosas. Por sua vez, o rei comprazia-se quando os súditos ingleses ridicularizavam suas amantes, mesmo quando um cavalo velho com uma sela quebrada andou pelas ruas de Londres exibindo um cartaz com os dizeres: "Não deixe que ninguém impeça minha passagem - sou a carruagem do rei de Hanôver que vai buscar Sua Majestade e sua prostituta para irem para a Inglaterra." Essas piadas faziam apelo à sua masculinidade, concluiu Jorge.

Quando seu filho, príncipe Jorge de Hanôver, o futuro Jorge II (1683­-1760), escolheu uma amante inglesa, sua avó aplaudiu a opção como uma excelente maneira de aperfeiçoar o conhecimento da língua. Cerca de vinte anos depois, lorde Hervey descreveu o relacionamento do rei Jorge II com essa mesma mulher, Sra. Howard, como mais uma formalidade que uma paixão. O rei "parecia encarar uma amante mais como um complemento de sua grandeza principesca que um acréscimo aos seus prazeres masculinos e, assim, apenas dissimulava seu desinteresse evidente e afetava acarinhar alguém que não amava". Ouviu-se o rei chamar a fiel amante de "um animal velho, tedioso, surdo e rabugento". 

Mais uma vez, esses costumes eram conduzidos com um estilo muito mais requintado ao sul do canal da Mancha. O contemporâneo de Jorge, Luís XV (1710-1774), alçou Madame de Pompadour à condição de maîtresse-en-titre em 1745. Bela, graciosa, brilhante e gentil, Madame de Pompadour praticamente governou a França durante 19 anos. Encorajou artistas e escritores, produziu peças em que cantou e dançou, investiu na indústria francesa, projetou castelos, lapidou pedras preciosas, fez gravuras, experimentou horticultura e conduziu o Exército durante a Guerra dos Sete Anos.

Mas no auge de seu poder anteviu a tormenta que se aproximava. "Depois de nós, o dilúvio", disse, embora coubesse à sua sucessora, Madame du Barry, o destino de ter a bela cabeça empoada rolando no estrado de palha do cadafalso. Os palácios franceses foram saqueados e queimados. Os túmulos dos reis e cortesãos foram violados e pilhados, os ossos espalhados no local. Com o golpe súbito da guilhotina, a Revolução Francesa abalou o poder das amantes reais na Europa e seus efeitos agitaram-se como ondas em todas as direções. A pródiga auto-indulgência de uma civilização fora atingida por um dilúvio, afogada em um mar de sangue. Desapareceu com isso a glorificação de uma mulher enfeitada com as jóias da Coroa.

No despontar da Revolução, embora os costumes tenham se modificado, os apetites sexuais dos reis não se alteraram. As amantes reais continuaram abundantes, mas aquelas condenadas a viver na mediocridade do século XIX tinham expectativas bem menores que as de suas predecessoras mais afortunadas. Não recebiam títulos de duquesa ou condessa, nem palácios, castelos, renda vultosa, um lugar no Conselho ou magníficos aposentos no palácio. As amantes reais do século XIX esperavam apenas ter uma casa confortável na cidade, algumas jóias, crédito na modista mais em voga e o perfume embriagante do poder que garantia os convites para as melhores festas.

Luís I da Baviera (1786-1868) rompeu com essa tendência e pagou caro por isso. Em 1847, ele forçou um Parlamento relutante a conceder o título de condessa de Landsfeld à sua desagradável amante, Lola Montez. Em poucos meses ocorreu uma revolução; Lola foi expulsa da cidade por uma multidão enfurecida e Luís abdicou. Se Lola houvesse tentado sua manobra setenta anos antes, é provável que tivesse sido bem-sucedida.

Antes da Revolução Francesa os jornais eram cuidadosamente censurados e não era permitido fazer nenhuma menção desrespeitosa em relação ao rei. As sátiras penduradas nos lampiões proliferavam, e eram arrancadas e lidas nas tavernas por cidadãos deliciados. Muitas delas ridicularizavam a amante do rei. Mas, com o advento da imprensa livre no século XIX, as manchetes dos jornais passaram a alardear o último escândalo real. Cartuns retratavam monarcas gordos e idosos na cama com suas amantes ambiciosas. Os reis tornaram-se mais circunspectos diante de ligações ilícitas. No entanto, essa mudança de comportamento era apenas aparência. O sexo adúltero entre eles era tão freqüente como antes, só que escondido atrás de uma tênue nuvem de respeitável hipocrisia.

Em 1900, o velho monarca belga Leopoldo II (1835-1909) passeava com freqüência em jardins públicos com a amante de 16 anos, Caroline Delacroix. Mas, quando um ministro de seu Gabinete aproximava-se dele, Caroline deveria recuar submissa e fingir ser irmã de um dos ajudantes-de-ordens do rei.

O filho mais velho da rainha Vitória, Eduardo VII (1841-1910) foi tão hábil em ocultar seus relacionamentos que muitas pessoas estavam convencidas que as senhoras eram apenas boas amigas e que qualquer especulação era uma calúnia. Eduardo visitava as amigas à tarde, na hora do chá, quando os maridos trabalhavam - ou visitavam suas amantes - e ninguém jamais pensou em voltar para casa em um momento inconveniente.

A revolução sexual do século XX atingiu as famílias reais européias, que se aferravam às tradições vitorianas com uma das mãos e ao cetro com a outra. As dinastias que resistiram ao surgimento da democracia mantiveram suas amantes em segundo plano, com uma exceção importante. Assim como seu ancestral Henrique VIII, o rei Eduardo VIII da Grã-Bretanha (1894-1972) causou problemas ao insistir em se casar com a amante, Wallis Warfield Simpson. Ao contrário de Henrique, Eduardo não mandou decapitar a mulher - embora na época talvez quisesse fazer o mesmo - mas pode-se dizer que cortou a própria cabeça. Um escândalo público, que teria sido silenciado na forca ou na fogueira no reinado de Henrique, resultou na abdicação de Eduardo.

A antiga paixão do príncipe Charles da Inglaterra por Camilla Parker-Bowles provocou o fim de seu casamento com a princesa Diana e surpreendeu o mundo. Tradicionalmente, os príncipes casavam-se com virgens feias, porém adequadas, e tinham belas amantes. Mas quando Charles preteriu a radiante beleza de Diana em detrimento da feia Camilla, o público ridicularizou a escolha.

Desde os primórdios da humanidade, o poder representou um possante afrodisíaco. As amantes dos reis, exibidas ou escondidas, sempre existiram e sempre existirão. "Nada foi mais fatal para os homens e, em especial, para os grandes homens, do que se deixarem levar pelo amor proibido das mulheres", queixou-se o idoso monarca Jaime II da Inglaterra (1633-1701). "De todos os vícios, este é o mais fascinante e mais difícil de dominar, se não for esmagado ao brotar." Porém, como Jaime, a maioria dos reis não esmagava o amor proibido pelas mulheres em seu desabrochar, só o faziam quando murchava em seu galho.

 

                                 Sexo com o Rei

 

Quando existe um casamento sem amor, haverá amor fora do casamento.

                         - Benjamin Franklin –

 

Imaginamos a amante de um rei, primeiro e sobretudo, como uma pessoa sensual. Colo amplo, sorriso conhecido, olhos brilhando de desejo. Pronta a levantar as saias de veludo a qualquer exigência, oferece deleites irresistíveis a um monarca lascivo. As súplicas de sua família angustiada, as repreensões dos bispos, sua própria noção de pecado e culpa eram inúteis diante da sedução das amantes comparada à castidade petrificada das rainhas.

Na verdade, os casamentos infelizes da realeza criaram espaço para a propagação das amantes. O casamento de um príncipe, celebrado em cerimônia suntuosa, era, em geral, nada mais que uma catástrofe pessoal para as duas vítimas ajoelhadas no altar. O objetivo do matrimônio não era a felicidade do marido, da mulher ou um sexo prazeroso, nem mesmo uma compatibilidade básica. A produção de príncipes era o único propósito e se a noiva trouxesse tratados e riquezas em seu dote, tanto melhor.

Napoleão, mais franco que a maioria dos monarcas, declarou: "Quero casar-me com um útero”. E, de fato, a maior parte das noivas dos reis era considerada nada mais que um útero com pernas, com uma coroa em cima e saias embaixo.

 

As princesas eram educadas desde o nascimento a serem castas ao ponto da frigidez, mas, ao mesmo tempo, com a capacidade de assegurar herdeiros legítimos. Enquanto a virtude podia ser ensinada, a beleza não. Embaixadores, mencionando a beleza de princesas desconhecidas para um marido potencial, exaltavam sua aparência com elogios exagerados, trazendo com freqüência um retrato lisonjeiro como prova.

Em 1540, Henrique VIII foi ludibriado pelo truque do retrato em sua busca pela quarta esposa. Queria solidificar uma aliança com a França e escreveu para Francisco I pedindo sugestões. Francisco respondeu gentilmente enviando os nomes e retratos de cinco jovens nobres. Mas Henrique não ficou satisfeito. "Por Deus", disse, examinando os rostos inexpressivos e estáticos, "só confio em mim mesmo. Este assunto é muito íntimo. Desejaria vê-las e conhecê-las por algum tempo antes de me decidir." Queria realizar uma espécie de cerimônia pública na cidade de Calais, ocupada pela Inglaterra, na costa norte da França, onde selecionaria pessoalmente a vencedora após uma inspeção cuidadosa.

O embaixador francês respondeu com rispidez que talvez Henrique devesse dormir com todas as cinco, uma após outra, e casar com a que tivesse tido melhor desempenho. Francisco comentou com sarcasmo: "Na França, não temos o hábito de enviar donzelas dessa estirpe, de famílias tão nobres e principescas, para serem examinadas como se fossem hacanéias [prostitutas] à venda”. 

Punido, Henrique voltou a examinar com cuidado os retratos e decidiu fazer uma aliança com os protestantes baseada na aparência adorável de Ana de Cleves. No entanto, ao encontrar Ana ficou chocado com a pouca semelhança entre a valquíria volumosa e com o rosto marcado pela varíola, e a mulher delicada e de cútis suave que aparecia no retrato. O rei ficou "consternado ao encontrar a rainha" e nunca se sentiu "tão desalentado em sua vida ao deparar-se com uma jovem tão diferente do que lhe fora mostrado" . Vociferou: "Não vejo nada nesta mulher do que me foi relatado e surpreendo-me que homens sérios tenham feito esse relatório." Continuou: "Em quem os homens poderão confiar? Os retratos e comentários eram falsos. Envergonho-me que pessoas a tenham elogiado dessa forma - e não a amo”! 

Apesar de todas as tentativas, o rei não pôde desvencilhar-se do casamento com a "égua de Flandres", como ele apelidou Ana. O ducado de Cleves ficaria ofendido com a rejeição de Henrique. Dois dias antes da cerimônia. Henrique resmungou: "Nunca faria esse casamento se não fosse em razão de ela ter vindo de tão longe, e dos grandes preparativos e celebrações que meus súditos organizaram em sua homenagem. Além disso, temo provocar um conflito no mundo e levar seu irmão a aliar-se ao imperador e ao rei da França. Agora é tarde demais, embora lamente o fato”. 

Henrique compareceu ao casamento com menos boa vontade que muitas de suas vítimas demonstraram em suas execuções. No caminho para a capela, comentou com seus conselheiros: "Senhores, se não fosse para satisfazer o mundo e meu reino, jamais cumpriria esse compromisso”. 

A noite do casamento foi um fiasco. Na manhã seguinte, quando lorde Thomas Cromwell, que intermediara o matrimônio, nervosamente perguntou a Henrique se apreciara a noiva, o rei trovejou: "Com certeza, meu lorde, se antes não gostava muito dela, agora gosto ainda menos! Não possui nenhum traço de beleza e cheira horrivelmente mal. Pensei que não fosse virgem em virtude dos seios caídos e outras características, e ao tocá-los senti um choque tão profundo que não quis nem tive coragem de provar o resto. Não tenho apetite para coisas repulsivas. Deixei-a tão virgem como a encontrei." Durante o dia comentou com todos que pudessem ouvi-lo que "achara seu corpo desastroso e incapaz de excitá-lo ou provocar algum desejo".

Como era costume na época, ninguém perguntou a Ana o que pensava da aparência do rei. O noivo ostentava um enorme ventre (142cm) e uma ferida supurada na perna. Ana divorciou-se logo após e partiu contente de ter conservado sua cabeça. Mas lorde Cromwell sentiu toda a força da fúria de Henrique na forma de um machado cortando seu pescoço.

Em razão de desastres como esses, logo todos perceberam que os retratos eram mentirosos. Em 1680, Luís XIV escolheu a princesa da Baviera, Maria Anna Christina, como noiva para seu filho e herdeiro. O retrato adorável que circulou na corte era irrelevante comparado ao tratado de casamento. Segundo Madame de Sévigné, quando a noiva estava chegando, "o rei estava tão curioso para saber como era sua aparência que enviou Sanguin [seu mordomo-chefe], em quem confiava e que não o bajulava, para vê-la. 'Sire', disse-lhe Sanguin, após superar a primeira impressão, ficará encantado." O infeliz casal conseguiu catapultar três crianças no mundo antes que a esposa negligenciada morresse.

O futuro José II da Áustria (1741-1790) teve ainda menos sorte com sua princesa da Baviera. Em 1765, José achou sua noiva, a princesa Josefa, tão repulsiva que foi incapaz de consumar o matrimônio. "É de baixa estatura", comentou com amargura, "gorda e sem vestígio de charme. Seu rosto é coberto de manchas e espinhas. Os dentes são horríveis". 

"Queriam que eu tivesse filhos", lamentou-se em outra carta. "Como poderia tê-los? Se pudesse colocar a ponta do meu dedo na menor parte de seu corpo que não estivesse coberto de espinhas, tentaria ter um filho”. José não sofreu quando sua jovem esposa morreu de varíola logo após o casamento.

Nem todos os príncipes concordavam em serem sacrificados no altar do Hímen para o bem do Estado. Na década de 1670, o futuro Jaime II da Inglaterra, viúvo e sem filhos, procurou na Europa uma esposa jovem e atraente. Luís XIV, com a esperança de pôr uma francesa no trono da Inglaterra, teve, claro, dificuldade de encontrar uma candidata bonita e virtuosa na corte de Versalhes. Por fim, decidindo que a aparência de uma esposa não teria grande importância, Luís indicou Madame de Guise, uma viúva francesa de origem nobre, mas horrenda. O ministro francês Louvois escreveu esperançoso para a Inglaterra: "Se o duque de York deseja casar-se para ter filhos, não poderia fazer melhor escolha que Madame de Guise, que engravidou três vezes em dois anos, c cuja linhagem, riqueza e perspectivas de fecundidade compensam sua falta de beleza”. 

Jaime declinou a oferta e o embaixador francês, desapontado, escreveu com ironia para seu rei dizendo que o duque de York insistia em encontrar uma bela esposa. Madame de Guise e sua fecundidade foram descartadas. Jaime casou-se com a mais linda princesa da Europa, Maria de Modena, de 15 anos, alta, esbelta, uma jovem morena arrebatadora, por quem ficou profundamente apaixonado.

O futuro Jorge IV da Grã-Bretanha (1762-1830) evitara arriscar-se em um casamento infeliz durante anos, mas, pressionado por dívidas, foi subornado pelo pai e pelo Parlamento a casar-se com a princesa Caroline de Brunswick. Jorge, um dândi que passava horas dando nó na gravata, era pouco adequado para uma princesa gentil, porém desleixada, que não se importava em vestir-se bem ou em cuidar de sua higiene pessoal.

Quando o príncipe foi apresentado à noiva recém-chegada, ficou tão aterrorizado com seu aspecto que enxugou a fronte e murmurou, "Não estou me sentindo bem", e pediu um conhaque para evitar um princípio de desmaio. Tampouco a noiva gostou de seu pretendente. Depois que Jorge partiu com um passo vacilante, Caroline disse para sua dama de honra: "O príncipe é sempre assim? Eu o achei muito gordo e nem um pouco bonito como parecia no retrato”. 

Jorge conseguiu cumprir seus deveres conjugais três vezes nas primeiras duas noites de casamento. Escreveu a um amigo: "Tinha... tantas marcas de sujeira no corpo tanto na frente quanto atrás... que fiquei nauseado e jurei nunca mais tocá-la." Felizmente, conseguira com seus esforços desanimados engravidar Caroline. Com o nascimento de um herdeiro a pressão sobre ele cessou e Jorge nunca mais a tocou. Em 1821, o povo britânico viu uma cena insólita - pugilistas contratados pelo novo rei barrando as portas da abadia de Westminster, e Caroline aos gritos pedindo permissão para entrar e ser coroada ao lado do marido que a desprezava. Naquele mesmo ano, quando Napoleão morreu, o rei foi informado que seu "mais temível inimigo" falecera. A fisionomia de Jorge ficou inundada de alegria ao exclamar: "Meu Deus, ela se foi”! 

No entanto, um dos casais mais díspares foi, sem dúvida, o irmão de Luís XIV, Filipe, duque de Orléans, chamado de "Monsieur", um travesti que preferia muito mais amantes masculinos que femininos, e Elizabeth Charloue, filha do eleitor do Palatinado. Muitos na corte da França desprezavam a aliança com o eleitor, um homem tão pobre que remendava os sapatos. Porém, as princesas alemãs eram reconhecidas por sua fertilidade. Além disso, desde que o amante do marido, o cavaleiro de Lorraine, fora suspeito de ter envenenado a bela primeira esposa de Monsieur, princesa Henrietta da Inglaterra, em um ataque de ciúme, Luís XIV decidiu que uma segunda mulher feia teria melhores chances de sobreviver.

Quando, em 1670, a esperançosa noiva chegou à França para encontrar o marido, já havia se casado por procuração. Deparou-se com um janota efeminado usando ruge, brincos de brilhantes, cascaras de renda e babados, dúzias de pulseiras retinindo, calças enfeitadas com fitas e sapatos de salto alto. Seu rosto submergia sob uma peruca negra frisada e as emanações de sua água-de-colônia quase a sufocaram. Ao ser apresentado, Monsieur fez uma mesura, olhando o rosto largo e bem­-humorado, recém-limpo após a viagem, as grandes nádegas alemãs e as roupas de uma simplicidade tão rústica que suas novas damas de honra ficaram atônitas. O marido horrorizado sussurrou para seus acompanhantes: "Oh! Como poderei dormir com isto”? 

Levantando-se de sua reverência, a noiva ficou tão chocada com a aparência do novo marido que não conseguiu proferir uma palavra de seu discurso elaborado. Por fim, esboçou um sorriso forçado. Podia-se ouvi-la murmurar para si mesma atrás do leque pintado: "Oh! Como poderei dormir com isto?”

Elizabeth Charlotte suportou mais adversidades durante seus trinta anos de casamento que a maioria das esposas reais. Monsieur insistia em maquiá-la - talvez com a esperança de torná-la mais atraente -, mas ela retirava imediatamente a maquiagem. Irritava-a com freqüência ao roubar seus vestidos e diamantes para ele e seus amantes masculinos usarem. Gostava de soltar peidos - quiçá isso fosse a única coisa que tinham em comum. Para evitar que o marido a tocasse enquanto dormia, Elizabeth Charlotte deitava tão próximo da beira da cama que, quase sempre, caía, despertando com a queda.

Como prova da autodisciplina do casal, o matrimônio produziu três crianças, embora seja provável que os medalhões tilintantes dos santos que Monsieur amarrava em suas partes íntimas tenham influenciado esse fato. Quando finalmente decidiu interromper as indesejáveis relações sexuais, Elizabeth Charlotte ficou tentada a contar para os amantes dele: "Sejam bem-vindos para devorar as ervilhas; eu não as aprecio”.

 

Em contraste com o desempenho forçado de um príncipe com a esposa, podemos imaginar suas relações mais prazerosas com a amante - as ternas carícias preliminares, a técnica artística, o frenesi do orgasmo, a sonolência satisfeita depois do ato. Usamos nossa imaginação porque a história nos deixou poucos registros da vida sexual dos reis e suas amantes. A maioria das cartas sobre sexo sugestivas escritas pelo ardente casal foi queimada durante a vida de seus autores - algumas vezes em seus últimos momentos - ou logo após por parentes envergonhados. Algumas cartas restaram para nos deleitar, assim como inúmeras histórias que ilustram as relações sexuais entre os reis e suas amantes.

A descrição de Bárbara, Lady Castlemaine, sobre os magníficos dotes físicos de seu amante, Carlos II, inspirou essa pequena estrofe do amigo lorde Rochester:

 

Seus desejos mais exaltados não excediam sua força

Seu cetro e seu pênis eram longos

 

Ao ouvir esses versos, a princesa de Mônaco, amante de Luís XIV, comentou que embora o poder de Luís fosse grande, seu "cetro" era pequeno comparado ao do primo do outro lado do canal da Mancha.

Na década de 1540, o futuro Henrique II da França estava tão fascinado pela bela amante de cabelos dourados, Diane de Poitiers, que tinha pouco apetite pela esposa, a delfina Catarina de Médici, morena e desprovida de charme. A culta Catarina foi descrita por um embaixador como uma mulher de traços delicados quando coberta com um véu, mas seu rosto descoberto parecia talhado na madeira. Fora escolhida para casar com Henrique apenas em virtude de seu relacionamento próximo com o papa e o rico dote que incluía várias cidades, jóias, cavalos e mobiliário. Em 1542, após nove anos de casamento, Henrique e Catarina não haviam gerado filhos, nem mesmo uma gravidez.

Apesar de ser 18 anos mais velha que seu amante, Diane tinha uma aparência impecável e era muito mais sensual que a delfina. Esguia e atlética, iniciava os dias com um passeio revigorante a cavalo de mais de três horas. Preocupada com a pele muito clara, sempre usava um véu negro ao ar livre e, diariamente, bebia uma mistura contendo ouro, e lavava as partes íntimas posteriores com leite e água fria. Aterrorizada com a possibilidade de ter rugas, Diane dormia sentada apoiada em travesseiros. Seu regime de beleza funcionava. Henrique fazia sexo com Diane quase todas as noites, abandonando a esposa no leito frio.

O castigo para uma princesa estéril era em geral anulação do casamento, banimento e vida no convento. Embora não fosse muito amiga de Catarina, Diane se comprazia com sua inexpressividade e falta de atrativos, E, também, por não exercer nenhuma influência sobre o marido. Temendo uma nova aliança com uma bela estrangeira que poderia conquistar o amor de Henrique, Diane decidiu ajudar Catarina a gerar um herdeiro.

Em determinadas noites, Diane começava a sessão amorosa deixando Henrique extremamente excitado e depois o mandava para o quarto da esposa para terminar o ato sexual. Ao acabar seu dever dinástico, o príncipe descia as escadas para dormir nos braços de Diane. Logo após o início dessa prática, Catarina engravidou e gerou um filho saudável. Henrique recompensou a amante "pelos bons e recomendáveis serviços" que prestara à delfina. 

Catarina não compreendia as razões da atração do marido pela amante mais velha. Curiosa, pediu a um marceneiro italiano que fizesse dois furos no chão em seus aposentos, em cima do quarto de Diane. A rainha e sua dama de honra olhavam Henrique e Diane fazendo sexo nas sombras bruxuleantes do fogo, rolarem da cama e exaurirem sua paixão no chão. Catarina surpreendeu-se com a enorme gentileza de Henrique em relação à Diane e, chorando, confessou à dama de honra que ele "jamais a tratara tão bem". 

Já Madame de Pompadour, uma mulher encantadora de olhos cor de avelã, que se tornou amante de Luís XV em 1745, dizia que era tratada bem demais. A mulher que era símbolo de uma amante real tinha um segredo perturbador - era frígida. Há evidências de que ela sofria de uma infecção vaginal crônica, que provocava um corrimento malcheiroso branco, para a qual não havia cura na época. "Adquiri uma ave dos mares gelados", lamentava-se Luís XV. Algumas vezes, ficava tão desapontado com o desempenho da amante que saía de sua cama sem o beijo de despedida usual.

Luís XV tinha um apetite sexual voraz e adorava fazer sexo várias vezes por dia. Mas a amante, sempre oscilando entre períodos de doença c saúde, logo ficava exausta e fingia apreciar seu vigor físico. É possível imaginá-la: uma mulher de pele suave deitada em lençóis de cetim, sua nudez iluminada pelo brilho das velas, esperando que o rei terminasse o ato sexual.

Com a esperança de estimular sua libido, Madame de Pompadour começou a fazer uma dieta de aipo, trufas e baunilha que só prejudicou sua saúde. Certo dia quando sua amiga, a duquesa de Brancas, demonstrou preocupação, a amante real rompeu em lágrimas e disse: "Sinto pavor de não agradar mais o rei e perdê-lo. Os homens dão grande importância ao sexo e, infelizmente, sou muita frígida por natureza. Pensei que poderia me estimular se seguisse uma dieta para aquecer o sangue. (...) Semana passada, o rei disse que fazia muito calor, mera desculpa para passar metade da noite no sofá. Ele se cansará de mim e encontrará outra pessoa”.

A duquesa sabiamente aconselhou a amiga: "Porém, sua dieta não vai arrefecê-lo e a matará. Não, se faça indispensável ao rei sendo sempre gentil com ele. Não o rejeite, claro, nesses outros momentos; deixe o tempo passar e, por fim, ele ficará unido a você para sempre por força do hábito”.

 

Madame de Pompadour teria perdido sua posição quando a relação sexual com o rei terminou no início dos anos 1750. Mas, habilmente, trocou o sexo por uma amizade profunda, tornando-se uma consultora política astuciosa e a única mulher que sabia entretê-lo.

É irônico que a principal amante de Luís XV quando jovem -­ Madame de Pompadour - fosse frígida e sua amante em idade avançada - Madame du Barry - uma das prostitutas mais talentosas de sua época. Ou talvez não. Quando jovem, Luís confiava na devoção de Madame de Pompadour, em seu charme e inteligência, e obtinha prazer sexual com outras mulheres. Como um monarca idoso, tremendo diante dos portões da morte, precisava pouco de inteligência. Preferia freqüentes sessões atléticas de sexo para se sentir vivo. À medida que envelhecia, tinha dificuldade em encontrar mulheres que o excitassem, até que conheceu a ardente prostituta parisiense que se tornou sua última amante.

Jeanne du Barry surgiu na vida de Luís no momento certo para ambos. Alguns anos antes, sob o firme reinado de Madame de Pompadour, teria sido apenas uma experiência breve. Assim, sua entrada na corte, uns quatro anos após a morte prematura de Pompadour, deu novamente vida a um monarca melancólico e criou para ela uma carreira que jamais sonhara.

O duque de Richelieu, um velho libertino, gostara tanto da bela loura que a recomendou para o debilitado rei. Depois do primeiro encontro sexual, o rei comentou com o duque: "Estou encantado com sua Jeanne. É a única mulher na França que me fez esquecer que tenho 60 anos”. 

Mas, em vez de fazer sexo com ela e depois rejeitá-la, como fizera com todas as outras, ele a conservou ao seu lado. Quase se desculpando, disse ao amigo, duque de d'Ayen, "que descobrira prazeres até então totalmente insuspeitados". Em resposta, o duque comentou com desdém: "Isso, sire, porque nunca fostes a um bordel”.

Haviam dito ao rei que Jeanne era uma mulher casada e respeitável, que tivera alguns casos amorosos com nobres e banqueiros. Lebel, seu fiel criado pessoal e alcoviteiro - preocupado com a inclinação do rei por uma mulher tão inapropriada -, contou por fim a Luís durante suas abluções matinais que os talentos sexuais de Jeanne eram resultado de anos de treinamento profissional e que, além disso, não possuía a capa de respeitabilidade de um casamento. Luís, ao ser empoado e perfumado, ordenou, com um meneio das mãos, que Lebel se calasse e procurasse um marido adequado para ela. Chocado, o criado que servira ao rei durante a maior parte de sua vida morreu logo depois.

 

Os médicos da corte advertiram Luís que sua amante era jovem demais e sugeriram que uma mulher mais velha seria mais saudável para seu coração. Porém, essa recomendação não o convenceu. Nesse ínterim, alguns cortesãos comentaram que nunca haviam visto o rei em melhor forma - parecia mais jovem e mais ativo que em muitos anos.

No entanto, poucas semanas antes de sua morte, o monarca de 64 anos percebeu que até mesmo Jeanne estava perdendo sua habilidade de excitá-lo. Confiou a seu médico: "Estou envelhecendo e chegou o momento de controlar-me." O médico imediatamente respondeu: "Sire, não é uma questão de controle. Seria melhor aposentar-se”.

O monarca, ao se deparar com a morte e com o julgamento divino que se aproximava, algumas vezes sentia remorsos amargos por seus pecados carnais e recusava-se a ver a amante. Mas esses arrependimentos eram substituídos por outros sentimentos, e Luís via-se de novo em seus belos braços brancos. O temperamento excitável dos Bourbons persistiu até o momento de sua morte. Mesmo com o corpo putrefato devastado pela varíola, Luís estendia a mão supurada para afagar os seios excitantes da amante.

Talvez Luís XV tenha herdado sua infatigável libido do antepassado, Luís XIV, que tiranizou as amantes, não apenas com seu apetite sexual voraz, mas, ainda pior, com sua fertilidade infinita. Louise de La Valliere deu à luz quatro crianças em sete anos. Sua sucessora, a brilhante Athénaïs de Montespan, gerou sete filhos em nove anos. Madame de Maintenon já ultrapassara a menopausa quando se casou em segredo com Luís, mas aos 75 anos reclamava com seu confessor que o rei insistia em fazer sexo todos os dias, algumas vezes várias vezes ao longo do dia. O padre retrucou que como Deus a elegera para evitar que o rei pecasse, deveria suportar seu destino. Acreditava-se que a inclinação tão forte para o sexo causava nos homens "gota, constipação, respiração difícil e nariz congestionado", todos os sintomas que afetavam Luís, mas que não diminuíam seu apetite. 

Em geral, até mesmo a libido entre casais que se desejam ardentemente termina após alguns anos. Contudo, o czar Alexandre II (1818­-1881) e sua bonita amante morena, Katia Dolguruky, compartilharam uma vida sexual apaixonada durante 15 anos, que só terminou com a morte dele. Apesar de muitíssimo tola, Katia era trinta anos mais nova que Alexandre e adorava fazer sexo. Em 1870, o czar escreveu a ela: "Você percebe como a desejo, assim como noto o quanto se sente atraída por mim. Por isso, nos agarramos como gatos famintos de manhã e à noite, a sensação é tão inebriante que chega às raias da loucura e, mesmo agora, quero gritar de prazer e ainda estou possuído em todo o meu ser”. 

Em 1876, a saúde do czar debilitou-se. O médico da corte que o examinou não encontrou nenhum problema e, diplomaticamente, observou que o czar de 58 anos sofria de exaustão e "excesso de relações sexuais". Mas essa opinião médica não o deteve. Logo após, escreveu a Katia: "Vibro loucamente com nosso ato sexual e ainda estou impregnado por essa sensação. Você é tão tentadora, é impossível resistir! Não há palavras para descrever esse delírio”.

Nesse mesmo ano, prestes a dar à luz seu terceiro filho, Katia lamentou que precisaria abster-se de sexo por algum tempo após o parto. "Sinto-me tão pesada", escreveu, "porém não reclamo porque é minha culpa, e confesso que não posso viver sem sua fonte, que amo tanto, e assim, após minhas seis semanas de resguardo, espero retomar minhas injeções”. 

As relações amorosas de Napoleão III (1808-1873) não eram menos satisfatórias. A libido do imperador o levara a casar-se com a única mulher que se recusara a fazer sexo com ele, Eugênia de Montijo, a bela filha de um grande de Espanha, de parcos recursos. Comentava-se em tom de pilhéria que Napoleão III tornara-se imperador por eleição e Eugênia imperatriz por ereção.

Mas quando Napoleão descobriu que a virtude de sua esposa era, na verdade, frigidez, percorreu a corte como um leão farejando sua presa, rondando os salões de baile em expedições sexuais. Na década de 1860, já com cerca de 50 anos, o imperador era incapaz de deter-se em carícias preliminares e esgotava seu prazer com pouca consideração por suas parceiras.

A marquesa de Taisey-Châtenoy passou por uma dessas experiências, após ter marcado um encontro com o imperador em um baile nas Tulherias. Depois da meia-noite, ele entrou no quarto vestido com pijamas lilases, com um ar ridículo. Segundo ela: "Seguiu-se um breve período de esforço físico durante o qual ele respirava profundamente, a brilhantina nas pontas de seu bigode derreteram e escorreram e, por fim, partiu apressado, deixando-a desapontada e insatisfeita”. 

Jules de Goncourt, um jornalista e amigo da família imperial, escreveu: "Quando uma mulher é levada às Tulherias, ela despe-se em um quarto e depois vai nua para outro quarto onde o imperador a espera também nu. [O camareiro] incumbido da missão dá-lhe a seguinte instrução: Pode beijar Sua Majestade em qualquer parte do corpo, exceto no rosto."

A esposa de um oficial da corte solicitou uma audiência com o imperador para discutir a carreira do marido. Ela comentou que "não tivera tempo de fazer qualquer protesto antes que ele a levasse para um lugar íntimo. (...) Foi tão rápido que até mesmo os princípios mais rígidos foram impotentes para contê-lo". 

Algumas das expedições predatórias de Napoleão redundavam em total fracasso. Certa noite, o lascivo imperador entrou em uma sala de estar mal iluminada, sentou-se em um sofá ao lado de uma criatura cativante com um belo traje, deslizou a mão embaixo de sua saia e, ao encontrar uma perna bem torneada com uma meia de seda, a beliscou. O bispo de Nancy levantou-se protestando aos gritos.

A relação sexual mais perversa de que se tem notícia entre um monarca e sua amante é a de Lola Montez e Luís I da Baviera. Luís desenvolveu uma obsessão pelo pé da bailarina. Durante seu exílio, escreveu­-lhe: "Levo seus pés à minha boca onde nunca houve outros, pois me teria sido repugnante, mas com você é exatamente o oposto”. Em outra carta disse: "Quero levar seus pés à minha boca, agora, sem lhe dar tempo de lavá-los depois de chegar de uma viagem”.

 Essas cartas sugerem que Lola fazia sexo oral com Luís e, em outras ocasiões, ele masturbava-se enquanto chupava seus pés. É provável que essas práticas ocorressem em vez de um ato sexual, que Lola só fizera com o rei em poucas ocasiões. Talvez tivesse pouca atração sexual por um homem 34 anos mais velho que ela, com um caroço protuberante no meio da testa. Escusava-se, com freqüência, de fazer sexo justificando um período menstrual, doença ou o perigo de uma gravidez.

Além disso, durante os 15 meses de seu relacionamento em Munique, Luís pedia que ela usasse roupas íntimas de flanela em dois lugares próximos à sua pele - pode-se imaginar quais eram os dois lugares - e dá-las para ele depois. Mais tarde, à época do exílio de Lola, fazia o mesmo pedido e ela lhe enviava as roupas que usara. Ele queria, sobretudo, saber que lado do tecido encostara-se à sua pele para usá-lo contra a dele. Insistia em saber se ela usara as roupas em ambos os lugares.

Durante o exílio, Lola enviou a Luís uma carta com um pequeno círculo que desenhara representando sua boca para que ele a beijasse. Luís respondeu: "Pensei a princípio que o desenho em sua carta fosse (cada vez que o olho, eu o beijo) seu cuño [vagina], e meu jarajo [pênis] começou uma ereção. Apesar do grande prazer que sua boca me deu, seu cuño teria me agradado ainda mais. Mando beijos para ambos”. 

 

Segundo as evidências, Lillie Langtry e o futuro rei Eduardo VII da Inglaterra tiveram uma vida sexual intensa. Em 1877, Eduardo ficou estupefato ao ver pela primeira vez a ruiva voluptuosa que andava com suas longas pernas "como um bonito sabujo pronto para o ataque". Logo converteu-a em sua primeira amante oficial e durante três anos foram quase inseparáveis. Lillie contou que certa vez o príncipe lhe dissera: "O que já gastei com você daria para comprar um navio de guerra." Ela retrucou mordaz: "E com o que você gastou dentro de mim, um navio de guerra poderia flutuar”.

 

Assim como os patriarcas bíblicos, sultões turcos e imperadores chineses, os reis europeus envolviam-se em relações sexuais com diversas mulheres ao mesmo tempo. Apesar de só uma mulher ter o título de amante oficial - maîtresse-en-titre -, havia sempre outras de menos importância, algumas logo desapareciam, outras ocupavam uma órbita inferior, porém brilharam fracamente por muitos anos.

De acordo com a tradição da época, os reis e príncipes tinham casos amorosos com outras mulheres, mas suas amantes deviam esperá-los em seus aposentos, talvez bordando ou planejando um jantar de gala para entreter o amante infiel. Como Mademoiselle de Choin, a amante de Luís, delfim de França (1661-1711), herdeiro do trono do pai, Luís XIV. A devoção de Luís à amante - casou-se secretamente com ela após a morte da esposa - não o impedia de ter relações sexuais com atrizes que via nos teatros de Paris ou qualquer mulher que o atraísse.

Em uma ocasião, o delfim convidou uma jovem atriz bonita para visitá-lo em Versalhes. Ela chegou acompanhada de uma mulher mais velha e feia. Ao ser informado da chegada da atriz, o delfim abriu a porta da antecâmara, segurou a moça bem próximo a ele - que por acaso era a acompanhante - e puxou-a para dentro do quarto. Quando o amigo e mediador de seus casos amorosos, Monsieur Du Mont, encontrou a bela e sensual atriz esperando na antecâmara, achou o engano muito divertido e bateu à porta do delfim gritando: "Esta não é a que você quer! Enganou-se de mulher!" A porta abriu e o delfim expulsou a mulher do quarto. "Espere, aqui está a que você quer!", disse Du Mont empurrando a jovem bonita em direção a ele. "Não quero mais", disse o delfim, "ela terá de esperar outra ocasião”.

Em contraste, a maioria das amantes dos reis não ousava ter relações amorosas com outros homens. Poucas que tiveram esse comportamento foram perdoadas por monarcas mais generosos e compreensivos. Mas muitas poderiam esperar uma punição similar à que foi reservada a Madame d'Esterle, que se tornou amante de Augusto, rei da Polônia e eleitor da Saxônia em 1704. Quando o rei, um homem muito mundano, descobriu que Madame d'Esterle mantinha relações com diversos homens na corte, deu-lhe 24 horas para fazer as malas e deixar o país. Ainda pior foi a vingança de Pedro, o Grande (1672-1725), que descobriu, em 1703, que sua amante de apenas 13 anos, Anna Mons, tinha um caso amoroso com o embaixador sueco. Pedro, que durante todo o seu relacionamento com Anna fizera rotineiramente orgias etílicas, ficou tão furioso com sua infidelidade que a mandou para a prisão junto com trinta amigos.

Para uma mulher que declarava em público que a prostituição era sua profissão, a ousada Nell Gwynn foi extremamente fiel a Carlos II, mesmo após sua morte. Privada de seu amante real, a bonita Nell foi cortejada por numerosos pretendentes. Com tristeza, informou a um de seus ardorosos admiradores que "não iria acolher um cachorro onde um cervo deitara". 

 

Ironicamente, as amantes de origem nobre de Carlos, duquesas voluntariosas, não eram fiéis como sua corajosa prostituta. A jovem de cabelos acobreados, Bárbara Palmer, a quem Carlos concedeu o título de condessa de Castlemaine e duquesa de Cleveland, foi a mais notória. Talvez Carlos tolerasse sua flagrante infidelidade porque era a parceira sexual de seus sonhos. Uma amiga de infância descreveu Bárbara como uma "menina libidinosa... [que] costumava esfregar os dedos em seu sexo". 

Em 1667, Lady Castlemaine envolveu-se com Harry Jermyn, um conhecido devasso da corte. Certa vez, quando o rei fez uma visita inesperada à amante, Harry escondeu-se embaixo da cama. Quando ela ficou grávida pela sexta vez, o rei tinha certeza de que a criança não era dele. Não estava seguro em relação aos outros cinco, mas decidira assumir a paternidade das crianças, pois havia grandes chances de que fossem. No entanto, não reconheceu a sexta criança como sua.

Lady Castlemaine ficou furiosa quando o comportamento do rei a fez parecer uma prostituta. "Seu miserável, vou conseguir esse reconhecimento! Eu a batizarei na capela de Whitehall como se fosse sua... ou a levarei a Whitehall Gallery e esmagarei seu crânio diante de você." Mas

Carlos manteve a decisão: "Não assumirei a paternidade' desta criança”. "Seja quem for o pai, você o fará", gritou a megera. Segundo relatos, poucos dias depois o rei pediu perdão de joelhos à amante.

Em 1671, contaram ao rei que Lady Castlemaine e o dramaturgo William Wycherley encontravam-se na casa de uma amiga. Carlos foi investigar por conta própria e deparou-se com Wycherley na casa, tentando se disfarçar envolvendo-se na capa. O rei não fez comentários, subiu as escadas e encontrou Lady Castlemaine na cama. Pediu-lhe que explicasse o que estava fazendo ali. "É o início da Quaresma", disse, "e recolhi-me aqui para fazer minhas devoções." O rei riu com desdém: "Claro, e foi seu confessor que encontrei nas escadas”. 

Ao envelhecer, Lady Castlemaine passou a adorar rapazes jovens e musculosos de classes inferiores. No mais total desrespeito aos limites sociais, permitiu que seu criado fizesse sexo com ela no banho e teve relações sexuais com Jacob Hall, um funâmbulo, em sua tenda, durante uma feira no campo, diante de um público fascinado.

Um cortesão fez um verso sobre suas aventuras amorosas:

 

Quarenta homens eram oferecidos por dia para esta prostituta

Ainda assim, como uma cadela sacudia o rabo pedindo mais.

 

Lady Castlemaine estava sempre apaixonada e amava com lascívia. Era generosa com os amantes jovens, sustentando-os com as rendas recebidas do rei. John Churchill, o futuro duque de Marlborough, estava na cama com ela quando o rei apareceu inesperadamente. Churchill pulou pela janela. Carlos dirigiu-se à janela, olhou para baixo e disse seco: "Eu o perdôo porque faz isso para seu sustento”. Quando Churchill lhe pediu 5 mil libras, Lady Castlemaine concordou em prostituir-se com o septuagenário sir Edward Hungerford, que expressara o desejo "de estar onde Carlos estivera antes". Lady Castlemaine disse-lhe que seu preço era 10 mil libras - queria guardar um dinheiro extra -, e o rico e libidinoso sir Edward aquiesceu prontamente. Mas ela mandou outra mulher encontrá-lo em um quarto escuro c recebeu o pagamento. Depois fez sir Edward saber que fora ludibriado e ofereceu-se para se prostituir de verdade pela mesma quantia. Sabiamente, sir Edward recusou a oferta.

Lady Castlemaine dava parte significativa de sua renda como amante do rei - estimada em 100 mil libras - ao ambicioso John Churchill. Contudo, quando uma noite ela pediu-lhe emprestado alguns guinéus em um jogo de cartas, ele recusou indignado. Lady Castlemaine ficou tão furiosa que teve uma hemorragia nasal e arrebentou os cordões de seu espartilho.

Dois séculos depois, a deslealdade de Lola Montez com seu amante real igualava-se ou, talvez, excedia a de Lady Castlemaine. Sua infidelidade flagrante era um triste contraste com o amor inabalável do rei Luís. Logo após ter sido forçada a partir de Munique, o rei escreveu-lhe uma carta jamais enviada, suplicando que lhe fosse fiel. Quanto à sua fidelidade, escreveu: "Minha adorada, nestes últimos 16 meses, seu Luís portou-se como na época em que nos conhecemos. Você nunca encontrará um coração como o meu”. 

Mas Lola já tivera inúmeros casos enquanto ocupava sua posição como amante do rei em Munique e continuava sua vida dissipada no exílio. Em Munique, acolhia numerosos amantes na suíte de seu hotel e, depois, na casa que Luís comprara e mobiliara para ela. Lola raramente saía para dançar sem um grupo de acompanhantes sob o disfarce de guarda-costas, e mais um fã-clube de estudantes da Universidade de Munique.

O rei recebia relatórios regulares sobre os casos amorosos de Lola. Recusava-se a acreditar neles, concluindo que a caluniavam. Quando ela foi exilada e após sua abdicação, Luís teve muito tempo para refletir com frieza sobre os numerosos relatos de seus casos espalhafatosos em vários lugares na Europa. Quando Lola implorou a Luís que lhe enviasse dinheiro e prometeu-lhe lealdade eterna, seu estilo de vida era tão chocante que suas duas acompanhantes, cujo propósito era dar-lhe um ar de respeitabilidade, a deixaram.

O ex-monarca teve outras amantes que reconfortaram seu coração solitário, porém nunca se recuperou completamente do relacionamento com Lola. A perda do trono não o incomodou tanto quanto o reconhecimento de que sua amada Lolita era uma mentirosa desleal. Durante vinte anos, até sua morte, o rei percorreu suas propriedades escrevendo poemas medíocres sobre seu coração partido.

Francisco I foi mais feliz que a maioria dos reis ao perpetrar sua vingança contra o namorado de sua amante infiel - embora tenha sido um ato involuntário. Em 1518, sua maîtresse-en-titre, Françoise de Foix, dama de Châteaubriant, de 23 anos, lhe foi infiel. Certa noite, seu amante, o almirante Bonnivet, ao ouvir a chegada do rei pulou da cama de Françoise e escondeu-se em uma grande lareira. Felizmente, era verão e a chaminé estava cheia de galhos de pinho perfumado atrás dos quais Bonnivet se escondeu. Porém, a lareira também servia de vaso sanitário e antes de fazer sexo com a amante o rei, sem saber, urinou no pobre Bonnivet, encharcando-o.

 

                              Além da Cama - A Arte de Agradar um Rei

 

Não são lábios ou olhos que exprimem beleza, mas a força e o pleno resultado de um conjunto de atributos.

           - Alexander Pope –

 

Só os talentos sexuais não eram suficientes para elevar uma mulher à posição de maîtresse-en-titre. O rei podia levantar as saias de quase todas as mulheres no reino, tantas vezes quanto quisesse, sem lhe dar o título oficial e as recompensas correspondentes. Os criados do rei, conhecendo seu gosto, com freqüência faziam a higiene de alegres prostitutas e as depositavam na cama real. Agradecidas, essas mulheres aceitavam uma moeda de ouro ao partir. As arrumadeiras encarregadas da limpeza do quarto do rei deparavam-se, às vezes, com a súbita e incontida luxúria do monarca. Alisando as dobras das saias, apanhavam as vassouras e baldes, e discretamente iam limpar o quarto seguinte.

Com as damas da corte o rei tinha flertes - que incluíam jantares privados seguidos de sexo e presentes de jóias caras. Essas mulheres da nobreza, ao contrário das prostitutas e arrumadeiras, poderiam tornar-­se amantes oficiais do monarca, caso ele as escolhesse para receber essa honraria. Mas, na maioria dos casos, ele não concedia esse privilégio. Que qualidades eram necessárias para que uma mulher fosse uma séria candidata a ser amante do rei?

Somos tentados a escolher a beleza como a qualidade mais importante. Imaginamos a amante do rei como uma Afrodite barroca brilhando em meio às sedas e rendas, faiscando de jóias. Andando majestosa em um baile, seduziria o rei com um só olhar, levando-o, enleado, a dizer as palavras fatais: “Quem é ela”?

Tem a pele translúcida, cachos brilhantes, o rosto e o corpo de uma beleza arrebatadora. Atrás da aparência elegante, oculta-se uma paixão animal perceptível aos homens no salão. A voz é baixa e rouca, o sorriso devastador. Exerce seu fascínio sobre os homens apenas com um breve olhar luminoso. Rindo, parte, a cauda do vestido farfalhando, e sentimos seu perfume embriagador no ar. Compreende-se então por que o rei a escolheu.

No entanto, se escolhermos a beleza como a única qualidade importante de uma amante real, poderemos estar muito enganados. Essas mulheres que possuíam todos esses atributos externos, porém internamente nada tinham a oferecer, eram efêmeras. A formosura sem inteligência e gentileza resultava em interlúdios excitantes de calças pelo chão e saias amassadas, mas raro em uma proposta de maîtresse-en-titre. Diversos monarcas encantavam-se pelas mulheres mais belas da corte e depois as consideravam extremamente tediosas.

Muitas mulheres de aparência banal cativavam o rei mesmo sem uma entrada triunfante em um baile. Seriam precisos contatos freqüentes com o monarca para revelar-lhe sua beleza interna, a boa índole, um intelecto perspicaz e um espírito sagaz. O rei começaria a ansiar por suas conversas, pela sensação de prazer que sentia em sua presença, pelo riso que provocava nele. Logo, a corte faria comentários mordazes sobre a falta de atrativos da amante do rei.

Com ou sem beleza, com ou sem talentos sexuais, as amantes bem­-sucedidas de um rei tornavam-se insubstituíveis, fazendo vibrar cada um de seus cinco sentidos. Estavam prontas a conversar animadamente, mesmo cansadas, a fazer sexo a qualquer momento, mesmo doentes, a atender a todos os seus caprichos, servir suas comidas preferidas, confortá-lo quando estivesse aborrecido, massagear seus pés, decorar suas casas e educar seus filhos ilegítimos - algumas vezes de outras mulheres. E tudo deveria ser feito com alegria.

Poucos monarcas gostavam de discussões violentas com as amantes. Em geral, a amante do rei não repreendia, não intimidava ou fazia cenas de ciúme. Sentada em sua posição de digna serenidade, selecionava as disputas com cuidado, só raramente exaltando-se.

Na presença do rei, sua amante jamais mostraria cansaço, doença, queixas ou amarguras. Usava uma máscara radiosa de prazer diante de qualquer adversidade. Quando Luís XIV concedeu às suas amantes e aos amigos a honra de viajar em sua carruagem de um palácio para outro, essa honraria foi, na verdade, um grande tormento. O duque de Saint­-Simon relatou: "A carruagem ainda não tinha percorrido um quarto de uma légua quando o rei perguntou às senhoras se não queriam comer algo. (...) Todas foram obrigadas a dizer como estavam famintas com um ar satisfeito e mostraram um grande apetite e aquiescência, pois de outro modo o rei ficaria aborrecido e demonstraria seu ressentimento abertamente. (...) O rei gostava de ar fresco e insistia em abaixar todas as janelas; ficaria extremamente mal-humorado se alguma das senhoras ousasse fechar uma das cortinas para proteger-se do sol, do vento ou do frio. A única alternativa era fingir que nada acontecia nem mostrar qualquer tipo de desconforto. (...) Ficar indisposta era um crime imperdoável”. 

Talvez ainda pior, não era permitido às senhoras mencionar as necessidades da natureza. Durante a viagem de seis horas de Versalhes a Fontainebleau, a duquesa de Chevreuse sentiu tamanha urgência de um urinol, que quase desmaiou. Com um sorriso fixo no rosto, não mencionou sua agonia para o rei. Ao chegar a Fontainebleau, correu para o quarto mais próximo, na verdade, uma capela, e aliviou-se no primeiro recipiente que encontrou, por acaso um cálice sagrado.

Mas os desconfortos da amante real não terminavam aí. Era forçada a compartilhar dos passatempos prediletos do rei, mesmo se não gostasse. Sorridente, caçava com ele nas florestas frias e mostrava sua aprovação quando ele encurralava e matava animais aos gritos, depois esquartejando suas carcaças sangrentas. Rindo alegremente, passava horas em campos molhados olhando os gaviões do rei devorarem pequenos pássaros. Divertindo-se, fingia sentir prazer em jogos de cartas enfadonhos até o amanhecer. E depois, com um êxtase fingido, suportava um sexo indesejável.

Raramente uma rainha extenuava-se para agradar o rei. Enquanto a amante cantava, caçava, recitava poesias, convidava malabaristas para entretê-lo, fazia sexo a noite inteira, comia sem fome, negava as necessidades da bexiga ou dos intestinos, a rainha deslizava pelo casamento com uma letargia solene. Por que a amante precisava esforçar-se tanto, ao contrário da rainha? Simplesmente porque podia ser dispensada a qualquer momento, ao passo que a rainha era um acessório permanente do palácio - como os pisos de mármore ou as colunas de pedra – até a morte. Seu comportamento não importava - adultério discreto ou flagrante -, ela conservaria o casamento e a posição. Por sua vez, a amante poderia perder tudo que possuía com um estalar de dedos do rei.

 

O exemplo mais perfeito de uma amante real foi Jeanne-Antoinette d'Etioles, marquesa de Pompadour, que reinou durante 19 anos sobre Luís XV e a França. Essa jovem de 24 anos, oriunda da classe média, atravessou os portões proibidos de Versalhes em 1745, sobreviveu a incontáveis conspirações de nobres ciumentos para tirá-la do poder e apenas a morte a fez partir da corte. Quais foram as cordas de seda que a uniram ao rei?

No início, ela seduziu o bem-apessoado Luís com sua beleza e charme. Segundo relato do conde Dufort de Cheverny: "Qualquer homem ambicionaria tê-la como amante. Alta, embora não muito; belo corpo; um rosto redondo com traços regulares; pele, mãos e braços lindíssimos; olhos não muito grandes, mas os mais brilhantes e inteligentes. Tudo nela era harmonioso, até mesmo seus gestos. Todas as outras mulheres na corte eclipsavam-se diante dela, embora algumas fossem muito bonitas”. 

Mas a beleza de Madame de Pompadour comparava-se a uma flor cultivada em estufa e logo começou a fenecer na atmosfera envenenada de Versalhes. Aos vinte e poucos anos, possuía um frescor, uma beleza etérea, uma pele perfeita, cabelos castanhos luzidios e olhos cor de avelã escura. Sua simplicidade e elegância destacavam-se por trajes singelos de seda e cetim cor-de-rosa ou azul, enfeitados com rendas. Porém, quando as crueldades da corte exauriram sua beleza natural, começou a usar vestidos e jóias mais suntuosos para distrair o observador de seu rosto - ­rendas mais refinadas, pedras maiores, brocados pesados e veludos bordados com ouro, prata e pérolas. Certa noite usou um vestido adornado com rendas no valor de 22.500 livres, o custo de uma grande propriedade.

Frigidez, claro, era uma grande desvantagem para uma amante. Para compensar seu desempenho medíocre à noite, durante o dia Madame de Pompadour devotava cada momento a entreter o monarca, que se entediava facilmente. Luís escapava das etiquetas rígidas de Versalhes refugiando-se nos aposentos dela e trancando a porta. Lá encontrava um mundo inteiro criado para seu conforto pessoal. Sua amante decorava seus aposentos com cores e tecidos que ele achava relaxantes. Ela os enchia com flores com perfume suave, cultivadas na estufa do palácio, mesmo no inverno. Encomendava pratos e vinhos que agradavam ao paladar do rei.

Madame de Pompadour tornou-se uma estudante ávida dos humores do rei, de todas as suas expressões faciais, da cadência de suas palavras. Sabia quando estava escondendo tédio, raiva ou frustração, atrás da máscara de serenidade. O piscar de uma pálpebra, o tom de uma sílaba indicavam o comportamento necessário para agradá-lo. Gostaria de um silêncio confortável? Ela deveria contar uma história divertida, tocar uma música melancólica no cravo, ficar de pé e fazer um monólogo?

Luís subia a escada secreta em espiral que levava aos aposentos da amante com grande expectativa. O que discutiria com ele esta noite? Construção, talvez. Madame de Pompadour adorava construir palácios e pedia conselhos ao rei sobre arquitetura, melhoramentos e decorações. Talvez tivesse projetos arquitetônicos para sua aprovação. Ou o assunto fosse sobre botânica. A amante criara um jardim botânico no palácio Trianon, no terreno de Versalhes, onde fazia experimentos e cultivou os primeiros morangos na França, especialmente para seu amante real. Também mandou construir uma estufa para que Luís tivesse laranjas e limões frescos durante o ano inteiro.

Talvez relatasse os progressos da fazendola que criara para o rei no terreno do palácio, com gado leiteiro. Ou discutisse sobre a arte de lapidação de pedras preciosas que passara a estudar, ou seus planos para uma fábrica de porcelana.

Uma das distrações favoritas de Luís era ouvir Madame de Pompadour ler as cartas privadas dos cortesãos. Todas as cartas que circulavam interna ou externamente na corte eram abertas, lidas para descobrir propósitos traiçoeiros e, depois, eram lacradas com cuidado. Madame de Pompadour obtinha da segurança do palácio cópias das missivas mais divertidas - as que continham detalhes mais íntimos -, para lê-las para o rei. Após um dia difícil de trabalho, Luís gargalhava ao ouvi-la ler algumas passagens com vivacidade e humor.

Para entreter o rei, Madame de Pompadour criou um pequeno teatro para apenas um grupo restrito de convidados, onde fazia os papéis principais, e o rei era sempre o convidado de honra. Era uma atriz talentosa; depois de sua primeira atuação, Luís a cumprimentou com uma sinceridade franca: "Você é a mulher mais encantadora da França”. Seu teatro foi tão bem-sucedido que ela apresentava comédias às segundas-feiras e cantava ópera às quartas-feiras - entre outras obrigações exaustivas. Os cortesãos disputavam entre si para conseguir convites.

Talvez seu melhor papel fosse o de ouvinte do rei, que tinha o mau hábito de repetir as mesmas histórias inúmeras vezes e discutir os mesmos temas - caçadas, doenças e morte. E sua amante, que detestava conversar sobre caçadas, doenças e morte, disfarçava os bocejos com um sorriso, meneava a cabeça encorajando-o, e esperava que seus olhos brilhassem com interesse suficiente ao ouvir de novo as mesmas antigas histórias, tediosas e macabras.

A dedicação incessante de Madame de Pompadour para distrair o rei a deixava extremamente cansada. Acordava cedo para ir à missa e sujeitava-se a jantares tardios seguidos de sexo indesejável. A comida pesada, as grandes quantidades de vinho, uma correspondência interminável e as obrigações da corte a exauriam. Tampouco podia sair de seus aposentos para fazer algum exercício ou uma mudança de cenário por medo que o rei aparecesse subitamente querendo comer, conversar ou fazer sexo. A despeito dos enormes desafios de sua programação, ela nunca se permitiu demonstrar cansaço, tédio ou uma indisposição física, jamais expressou frustração, raiva ou irritação.

No início de sua vida como amante do rei, Madame de Pompadour era solicitada com freqüência a acompanhar Luís em suas caçadas constantes, a cavalo ou de carruagem, em qualquer tipo de clima. Apesar de contrair constantemente pneumonia em razão desses passeios, vestia seu traje de montaria e com seu sorriso onipresente ia encontrar-se com o rei. Essa obrigação foi a única que abandonou ao envelhecer e adoecer.

Madame de Pompadour escondia os círculos escuros ao redor dos olhos e a pele pálida com um pó espesso branco à base de chumbo. Os danos causados pelo pó de chumbo eram encobertos por mais pó ou por pintas pretas à guisa de enfeite. Para criar a ilusão de um aspecto saudável, usava um ruge espesso nas faces. As camadas de ruge, as pintas e o pó serviam de máscara condescendente atrás da qual escondia exaustão, dor e raiva.

Certa noite, Madame de Pompadour, sofrendo com uma de suas terríveis enxaquecas, enviou um bilhete para o rei informando-lhe que não poderia acompanhá-lo no jantar. Luís franziu o cenho e perguntou ao mensageiro se ela estava febril. Diante da resposta negativa, ordenou: "Muito bem, então a faça descer!" E sua amante, sentindo-se muito mal, foi forçada a levantar-se, vestir o vestido de baile, pendurar diamantes nas orelhas e no pescoço, empoar e pôr carmim no rosto e, mais importante, ostentar um sorriso em seus lábios sofridos.

Em 1754, a única filha de Madame de Pompadour, a pequena Alexandrine, morreu subitamente aos 10 anos em sua escola no convento. Dias depois, seu pai, com o coração partido pela perda da única neta, também morreu. Apesar de dilacerada pela dor, a amante do rei sabia que ele gostava de conversar sobre morte e doença, mas se aborrecia ao presenciá-las. Após perder um pai amado e uma filha querida em 15 dias, mais uma vez secou as lágrimas e pôs seus diamantes. O príncipe de Croy que a visitou logo depois relatou: "Vi a marquesa pela primeira vez desde a perda da filha, um golpe terrível que pensei que despedaçaria seu coração. Porém, como tamanha dor pudesse prejudicar sua aparência e talvez sua posição, não a encontrei mudada nem deprimida." Embora o príncipe a visse conversando alegremente com o rei, pensou que "com toda a probabilidade internamente sente-se tão infeliz quanto aparenta felicidade". Na verdade, durante muitos anos Madame de Pompadour confessou aos amigos: "Minha felicidade extinguiu-se com a morte de minha filha." Só não lhe era permitido mostrar sua dor.

Madame de Pompadour, que amava de fato Luís, escreveu a um amigo: "Exceto pela felicidade de ser amada por alguém que amo, o que é maravilhoso, uma vida solitária e menos brilhante seria preferível."? Sua dama de honra, Madame du Hausset, que compreendia bem as circunstâncias difíceis da vida de Madame de Pompadour, disse: "Apiedo-me sinceramente da senhora, Madame, enquanto todos a invejam."

Madame de Pompadour estava sempre à disposição do rei para lhe fazer companhia. Por ter perdido os pais aos três anos, vivendo isolado do mundo por ser considerado um semi-deus, Luís era inexoravelmente solitário por natureza. Em seus aposentos no andar inferior, sob as arcadas de Versalhes, ela lhe oferecia calor humano e o aconchego de um lar que ele nunca tivera com os pais ou parentes e, com certeza, jamais com a esposa inadequada. Com um grande custo para si mesma, ela atenuava sua vida difícil, a solidão no meio de uma multidão que só um monarca poderia sentir.

Desolado com a morte prematura de Madame de Pompadour ­apressada sem dúvida pelos 19 anos exaustivos passados como sua amante -, Luís esperou quatro anos para escolher outra maîtresse-en-titre, a prostituta parisiense Madame du Barry, em 1768.

Madame du Barry não possuía a inteligência de sua predecessora, porém era extremamente bonita. Um jovem oficial que solicitou uma audiência à nova favorita ficou tão estupefato com sua beleza que quase esqueceu o motivo da entrevista. "Ainda posso vê-Ia sentada negligentemente, ou melhor, reclinada em uma grande espreguiçadeira", lembrou, "vestindo um traje branco com uma guirlanda de rosas. Era a mulher mais linda da corte onde havia tantas outras e a perfeição de seu encanto a tornava ainda mais fascinante. O cabelo, que usava em geral sem empoar, era de um belo tom dourado e tão farto que era difícil prendê-lo. Seus grandes olhos azuis encaravam as pessoas com uma franqueza encantadora. O nariz era reto e pequeno, e a tez perfeita. Em resumo, como todos os demais, fiquei imediatamente subjugado pelo seu charme. A cútis "deslumbrante" de Madame du Barry era, na verdade, uma raridade em uma época em que a maioria das mulheres tinha a pele marcada por cicatrizes de varíola. E enquanto muitas jovens haviam perdido os dentes - algumas vezes todos os dentes -, Madame du Barry exibia um amplo sorriso com dentes alvos.

Seus cuidados pessoais meticulosos eram raros no século XVIII. A maior parte dos cortesãos cobria a crosta de sujeira e o extremo mau cheiro dos corpos com veludos, rendas e uma grande dose de água-de-colônia. As mulheres enfiavam grampos de cabelo nos penteados elaborados para aliviar as mordidas das pulgas no couro cabeludo oleoso. Mas não havia sujeira, mau cheiro ou pulgas nos cabelos de Madame du Barry, que se banhava em água com perfume de rosas diversas vezes por semana.

Madame du Barry acentuava sua grande beleza natural com roupas espetaculares. Alguns de seus vestidos enganavam pela simplicidade - mas o custo de um vestido branco diáfano, amarrado com descuido com poucas fitas delicadas, teria permitido a uma família parisiense viver com conforto durante um ano. Outros eram mais suntuosos - de tecido dourado ou prateado, bordados com fio de ouro ou prata e milhares de pérolas miúdas. As mangas, saias e anáguas eram enfeitadas com as rendas mais requintadas.

No casamento do neto do rei, em 1773, Madame du Barry surgiu "brilhando como o Sol em um vestido dourado coberto de pedras preciosas no valor de mais de 5 milhões de livres", segundo uma testemunha. O corpete era incrustado com belos diamantes bordados em formato de laços entrelaçados, que hoje custariam milhões de dólares. Cada um de seus vestidos era acompanhado de um par de sapatos, especialmente criado para ele, ornado com fivelas de diamantes, ametistas ou safiras.

Mas Madame du Barry ofereceu a Luís muito mais que sua radiosa beleza. Seus talentos sexuais o atraíam e sua alegria dissipava as freqüentes depressões dele. Era uma mulher completa para ele - uma criança divertida, uma prostituta talentosa, uma mãe reconfortante. E, assim como Madame de Pompadour, estava sempre pronta a perdoar os cortesãos maldosos que a prejudicavam.

Seguindo o exemplo de sua predecessora, Madame du Barry tornou-se o centro principal de entretenimento do rei. Decorou seus aposentos de modo a agradá-lo e encheu-os com suas flores favoritas. Sua mãe fora cozinheira em muitas cozinhas nobres e enquanto os cortesãos a ridicularizavam, Madame du Barry seduzia o paladar blasé do rei com incontáveis pratos deliciosos recomendados pela mãe. Além disso, convidava malabaristas e palhaços para diverti-lo e organizava operetas e farsas.

Enquanto entreter o rei no palácio era, sem dúvida, um grande desafio, na década de 1590 a bela Gabrielle d'Estrées assumiu a tarefa de dotar de conforto o ambiente de Henrique IV no campo de batalha. Durante muitos anos, desde o início de seu relacionamento, Henrique vivia sempre em campanha com seu Exército contra forças rebeldes em toda a França. A loura Gabrielle, mesmo quando em estado avançado de gravidez, insistia em ficar ao seu lado, abrigando-se em tendas frias e expostas ao vento. Providenciava um bom jantar para ele após um dia de batalha e ocupava-se pessoalmente em manter as roupas do rei tão limpas quanto possível - com freqüência batendo-as com pedras quando não havia sabão. Durante as batalhas, Gabrielle permanecia em sua tenda escrevendo os despachos políticos e diplomáticos de Henrique. À noite, discutiriam os eventos do dia.

Gabrielle era alta, com um corpo bem delineado e um andar gracioso. Abençoada com um colorido bonito - cabelos louro-claros e grandes olhos azuis -, tinha uma fronte grande, maçãs do rosto salientes, um nariz um pouco longo demais para ser perfeito. Seus contemporâneos - até mesmo os inimigos que a detestavam por seu catolicismo, seu envolvimento político e sua relação sexual com o rei - enalteciam sua beleza.

Além de proporcionar ao seu amante real uma formosura radiosa e um ambiente confortável, Gabrielle lhe oferecia total lealdade política. Durante um baile em Paris, um mensageiro chegou com a notícia que os espanhóis haviam feito um ataque de surpresa e haviam capturado a cidade de Amiens. Gabrielle calmamente dirigiu-se para seus cofres no Louvre, retirou 50 mil moedas de ouro e entregou a Henrique cada centavo para custear as despesas iniciais com a organização das tropas e provisões. Enquanto Henrique reunia os soldados, Gabrielle visitou as casas da nobreza pedindo doações, obtendo 250 mil écus.

Ainda não satisfeita, Gabrielle levou suas maravilhosas jóias para o banqueiro mais rico de Paris e as empenhou. Vestida com trajes e sapatos de baile, Gabrielle partiu para a frente de batalha, onde insistiu em cuidar de seu amante, apesar do perigo. Henrique escreveu: "Na noite anterior achei três balas queimadas no tecido da tenda de minha amante e supliquei para que retornasse à sua casa em Paris, onde sua vida não corria perigo, mas ela riu e ignorou minhas súplicas. (...) Retrucou que só sentia prazer em minha presença. Não sentia medo por mim, mas tremia a cada dia por ela”. 

Certo dia, durante uma batalha particularmente violenta, uma coluna de soldados austríacos surgiu, provocando a fuga desordenada das tropas francesas. Sem se importar com as balas de canhão que explodiam ao seu lado, Gabrielle gritou a plenos pulmões para que as forças francesas não recuassem e lutassem. Os austríacos chegaram a quinhentos passos da amante do rei, mas ela continuava a exortar seus compatriotas a lutar com bravura. Alarmado, Henrique cavalgou até alcançá-la, ordenando-lhe que montasse em um cavalo e fosse para a retaguarda do acampamento. Das 56 amantes conhecidas durante sua vida, Henrique só foi fiel a Gabrielle. O rei era tão apaixonado pela corajosa e bela amante que jurou casar-se com Gabrielle e convertê-la em rainha da França.

 

Do século XVI ao século XVIII, o rei alçava a amante ao seu nível majestoso e a abrigava em aposentos no palácio. Em geral, ela não reclamava do frio intenso que congelava a tinta em seu tinteiro e cobria a água na bacia de banho com uma camada de gelo. Compreendia que, em razão da distância dos banheiros externos do palácio, havia vasilhas com excremento humano em quase todos os cômodos, escondidos atrás de biombos elegantes de pau-rosa até que fossem removidas. Não esperava que sua comida fosse servida quente; a distância das cozinhas do palácio até as suítes reais impedia isso. Sabia que atrás da fina camada de requinte, a corte era um "tecido de malícia", como Madame de Pompadour dissera, um local de maledicência perversa e autopromoção petulante.

Já no século XIX, o monarca, em vez de elevar a amante à sua posição eminente, apesar de desconfortável, descia de bom grado ao nível dela. Escapava de sua prisão dourada refugiando-se na casa burguesa e limpa, que oferecia calor humano, conforto e privacidade impossíveis de encontrar na corte.

O imperador austro-húngaro Francisco José (1830-1916), um homem pequeno, triste e abatido, curvado sob o peso de um império em ruínas, sentia prazer com os cafés e croissants compartilhados com a amante Kamarina Schratt, uma atriz cômica de 33 anos do Teatro Imperial. Quando a relação amorosa começou em 1886, Katharina era a única mulher que fazia o imperador dar gargalhadas. Durante trinta anos, Francisco José encontrou em sua casa graciosa um oásis de entretenimento e repouso, muito distante da etiqueta rígida do palácio.

Katharina não o fatigava com política, ao contrário, contava-lhe piadas c fofocas divertidas.

Katharina era uma dessas mulheres em que a aura de beleza desintegra-se rapidamente quando se analisa seus traços. O rosto parecia um bolo de batata; tinha um queixo obstinado, sobrancelhas grossas e pretas emoldurando os olhos risonhos, um nariz pequeno e arrebitado e lábios finos lutando para conter um sorriso. Seu corpo curvilíneo amatronou-se com a meia-idade. Era sua alegria, seu calor humano e bondade que a embelezavam.

Por isso, em 1895, o embaixador alemão, conde Eulenberg, descreveu a atriz de 42 anos como "uma beleza arrebatadora, com uma aparência extremamente jovem, um colorido maravilhoso, cabelo louro brilhante e grandes olhos azuis com uma expressão muito suave, uma boa alma incapaz de uma grosseria, sempre alegre, gentil e prestativa. Além disso, é uma companhia deliciosa e tem uma maneira muito original de contar pequenas anedotas". 

O imperador gostava de sua bela esposa, a imperatriz Elizabeth, que estava sempre oscilando precariamente em suas crises de insanidade, Mas a angústia da imperatriz a impedia de divertir e confortar o marido, e ela passava a maior parte do tempo viajando pela Europa em um esforço infrutífero para afastar seus demônios internos. Na verdade, foi a imperatriz que escolheu Katharina para ser amante do marido, tentando amenizar sua culpa por abandoná-lo. Promoveu encontros entre os dois - ambos demoraram um pouco para entender seus propósitos até o início do relacionamento. Foi uma escolha sensata. Francisco José escreveu a Katharina dizendo que as visitas à sua casa tão alegre eram "os únicos raios de luz em minha vida melancólica". Com os filhos casados e a esposa sempre viajando, o imperador percorria com freqüência os corredores intermináveis do palácio sozinho, sem ninguém para velar pelo seu conforto pessoal. Tinha dúzias de criados prontos a atender suas ordens, mas ninguém ousava verificar o que lhe faltava e fazer sugestões. Katharina preencheu esse papel, dando-­lhe um biombo pintado para protegê-lo das correntes de ar, um casaco de lã grossa, um pequeno tapete confortável. Seu presente favorito foi um espelho de mão com as palavras em francês "retrato de quem eu amo”.

 

Enquanto a maioria das amantes mostrava sempre um rosto alegre para o rei, houve algumas exceções notáveis. Duas das piores harpias reinaram nos anos 1660 e 1670. Athénaïs de Montespan, amante de Luís XIV, e Bárbara, Lady Castlemaine, amante de seu primo, Carlos II, eram astuciosas, temperamentais, vingativas e gananciosas.

 

Quando se tornou amante de Luís XIV, Athénaïs de Montespan era a mulher mais bonita na corte francesa. O cabelo era dourado e espesso, grandes olhos azuis com pesadas pálpebras, um nariz reto, belos dentes e os lábios querubínicos tão apreciados na corte. O pescoço era longo e bem torneado, os seios grandes e os ombros alvos, perfeitos para os decotes audaciosos dos anos 1660. Como relatou um cortesão: "Seu maior encanto era a graça, o espírito, uma certa maneira de falar ditos espirituosos." Ao contrário da sua predecessora, Louise de La Valliere, cuja beleza durara tanto quanto as violetas com as quais era comparada, Madame de Montespan conservou sua bela aparência até os 40 anos, mas com enorme esforço. Aplicava diariamente cremes, óleos e essências florais na pele para manter seu frescor. Gastava fortunas em cosméticos, como se a natureza não tivesse sido pródiga o suficiente para dotá-la dos tons marfins, róseos e pêssegos perfeitos de sua tez.

Participando todos os dias dos jantares onde serviam uma comida extremamente pesada - que o rei insistia que ela comesse - e com a limitação de exercícios disponíveis para as mulheres de alta classe social à época, Madame de Montespan engordava com freqüência, mais que os ditames da moda à época preconizavam. O cartomante italiano da corte, Primi Visconti, observou com ironia: "Certo dia, ao descer da carruagem, vi de relance uma de suas pernas e juro que era tão grossa como meu corpo inteiro." Para lutar contra essa tendência à obesidade, Madame de Montespan era massageada com creme durante duas horas, diversas vezes por semana, enquanto jazia nua na cama. Periodicamente, desaparecia para fazer um spa, onde passava fome para emagrecer. 

Em 1676, permaneceu várias semanas em um spa em Bourbon. Quando Madame de Sévigné visitou a corte, encontrou a amante do rei bem esbelta... sua beleza é estonteante. (...) Ao emagrecer, mantivera sua aparência radiosa... a pele, os olhos, os lábios, tudo brilhava. (...) Seu traje era repleto de renda francesa, os cabelos penteados com milhares de cachos, dois bem longos, caindo na face, o penteado arrematado com fitas de veludo preto e grampos de pedras preciosas, seu colar de pérolas famoso... com fechos e fivelas de diamantes sublimes. Em resumo, uma beleza triunfante para ser exibida diante de todos os embaixadores.

Athénaïs de Montespan era uma leoa loura, uma beleza felina majestosa, ronronando contente, que a qualquer momento podia mostrar garras e presas, pronta para estraçalhar. Seus acessos de cólera eram famosos. Quando os cortesãos ouviam sua voz aguda e zangada ecoando no vestíbulo, evitavam passar pela sua ala do palácio para não "atravessar fogo cruzado". 

Certo dia, ao entrar com a rainha e a amante na carruagem, Luís sentiu o cheiro do perfume forte de Madame de Montespan e repreendeu-a asperamente, dizendo que pedira reiteradas vezes para usar menos perfume, porque o odor o nauseava. A amante replicou que era obrigada a usar perfume, visto que o rei jamais tomara banho em sua vida e, francamente, fedia. Uma briga violenta explodiu quando o rei e a amante entraram na carruagem, a infeliz rainha os seguindo. Os cortesãos faziam apostas sobre quanto tempo a amante duraria.

No entanto, Madame de Montespan reinou durante 13 anos. Provavelmente, o rei gostava de discutir com a amante voluntariosa. E algumas vezes ela demonstrou o espírito esportivo que a maioria das amantes reais possuía. Por exemplo, no inverno de 1678, insistiu em acompanhar Luís em uma viagem às fronteiras do país, embora estivesse com cinco meses de gravidez. Teve febres sucessivas, mas se recusou a voltar para Versalhes, sacolejando em estradas lamacentas com o rei, dormindo em fazendas, nunca se queixando. Era esse comportamento que a unia ao amante, no intervalo de suas crises de raiva.

Carlos II, primo de Luís, conservou sua linda megera, Bárbara, Lady Castlemaine, durante quase 12 anos. Bárbara tinha um cabelo cor de cobre escuro, um corpo bem torneado, uma pele de porcelana, um rosto oval e olhos amendoados brilhantes sob sobrancelhas castanhas lindamente arqueadas. Havia algo de delicado no seu nariz clássico e lábios carnudos, evidenciando com ironia um quê de vulnerabilidade.

Lady Castlemaine atormentava, ameaçava e intimidava Carlos com pedidos intermináveis de dinheiro, títulos de nobreza e honrarias para ela e os filhos e, algumas vezes, em um rompante de desprendimento, para seus amigos. Seu comportamento ultrajante não tinha limites. Em 1666, o grande incêndio em Londres destruiu a catedral medieval de St. Paul e estragou muitos túmulos. O corpo mumificado do bispo de Londres do século XIV - "duro e ressecado como um couro curtido" - foi encontrado intacto e exibido para visitantes nas ruínas. Lady Castlemaine pediu ao guardião que a deixasse só com o corpo por alguns momentos. Ao retornar, o guardião viu que o pênis do corpo do bispo fora torcido e suspeitou que ela fizera isso com a boca.

Porém, mesmo a geniosa Lady Castlemaine sabia que era seu dever providenciar um bom jantar para o rei. Sua casa em Londres situava-se às margens do Tâmisa e, uma noite, quando a cozinheira reclamou que não poderia preparar o bife porque o rio transbordara e a água inundara a cozinha, Lady Castlemaine gritou: "Com os diabos, você pode atear fogo na casa, mas a carne terá de ser assada”. 

Quase dois séculos depois que, de cada lado do canal da Mancha, duas megeras idênticas digladiaram-se com os amantes reais, Lola Montez mostrava suas garras afiadas na Baviera, reproduzindo as piores qualidades de ambas. Ambiciosa como Lady Castlemaine, arrogante como Madame de Montespan, Lola, com seus cabelos negros luzidios, rapidamente dominou o idoso Luís I da Baviera. O arrebatamento de Lola o inflamou. Sua esposa, há muito tempo doente, e as amantes antigas pareciam tão tediosas quanto ovelhas comparadas ao brilho e ardor de Lola. Olhos azuis faiscantes e atrevida, Lola ameaçava cometer uma violência contra si mesma quando seus caprichos não eram atendidos. Lola guardava em segredo facas e pistolas para proteger-se. Envolveu-­se em problemas legais em diversas ocasiões por chicotear homens que, segundo ela, a tinham insultado. O infeliz Luís, escravizado por sua paixão, a teria mantido ao seu lado por muitos anos, se os seus súditos não a tivessem expulsado da Baviera após apenas 16 meses como sua amante.

No entanto, essas três harpias indomáveis eram exceção aos padrões estabelecidos para as amantes reais. A maioria dos reis, como Luís XV, exigia entretenimento. Quando Madame du Barry, em geral cordata, começou a fazer cenas de ciúme em razão de sua proposta de casamento com uma princesa estrangeira, o rei parou de visitá-la. Só voltou quando ela retomou sua compostura.

 

Na primeira década do século XVIII, Augusto, o Forte, eleitor da Saxônia e rei da Polônia, apaixonou-se à primeira vista por uma certa Mademoiselle Dieskau, em virtude de seu cabelo louro platinado, de seus grandes olhos azuis e do "pescoço de uma alvura deslumbrante". Segundo o biógrafo do eleitor, Mademoiselle Dieskau "era, exceto por seu intelecto, a criatura mais perfeita que a natureza jamais criara".

Mas, continuou, "embora fosse tão bonita, Mademoiselle Dieskau assemelhava-se a um floco de neve. Não possuía nenhuma vivacidade, suas únicas respostas eram sim e não. O rei, encantado com sua beleza, dirigiu-lhe algumas palavras... mas desesperou-se ao encontrar tão pouca vida nela".      

Porém, os desejos carnais logo superaram as deficiências intelectuais e Augusto viu-se nos braços de Mademoiselle Dieskau, após pagar uma grande soma à mãe pela virgindade da jovem. Logo depois de saciar suas necessidades físicas, deixou-a em busca de uma mulher mais inteligente.

Do mesmo modo, em 1680 Luís XIV ficou seduzido por Mademoiselle de Fontanges, um novo rosto na corte. Os cortesãos enalteciam sua formosura. Um embaixador a descreveu como "uma extraordinária beleza loura, como não se via em Versalhes há muito tempo. Seu porte e altivez surpreenderam e encantaram até mesmo a galante e sofisticada corte".

Quando esse entusiasmo inicial pela beleza de Mademoiselle de Fontanges desapareceu, os novos mexericos comentavam sua chocante estupidez. No momento em que a jovem dizia algo, as fantasias amorosas inspiradas por sua aparência desvaneciam-se imediatamente.

Madame de Caylus escreveu: "O rei, na verdade, estava atraído apenas por seu rosto. Constrangia-se com sua conversa tola... Acostuma-se à beleza, porém não com a inépcia." Um cortesão descreveu a nova amante do rei como sendo "bela como um anjo e estúpida como um cesto de palha". Luís logo se cansou de seu cesto estúpido.

Sem dúvida, a beleza mais estonteante, mas desprovida de inteligência, foi Virginie di Castiglione, de 19 anos, que em 1856 foi enviada pelo primeiro-ministro italiano Camillo Cavour para seduzir o imperador da França, Napoleão III; missão que cumpriu com a rapidez de um raio. Sem nenhuma modéstia, Virginie referia-se a si mesma como a mulher mais bonita do mundo, expandindo mais tarde esse elogio para "a mulher mais bonita do século". 

Muitos concordavam com a opinião de Virginie. Segundo o príncipe Metternich, ela possuía "um rosto oval encantador, olhos verde­-escuros e aveludados, emoldurados por sobrancelhas que poderiam ter sido desenhadas pelo lápis de um miniaturista, o nariz pequeno... seus dentes pareciam pérolas".

O cortesão Viel Castel registrou em seu diário que Virginie "carregava o peso de sua beleza com insolência e a exibia com atrevimento". Assim como muitos cortesãos, encantou-se com o tamanho "admirável" de seus seios e confessou que se esforçara para olhar sob a gaze diáfana que os cobria para discernir sua forma. Virginie recusava-se a usar espartilho, peça indispensável do vestuário de uma mulher no século XIX, o que fazia com que as curvas suaves de seus seios parecessem uma fortaleza inexpugnável. Deixava-os moverem-se livremente. Viel Castel observou que eles "pareciam lançar um desafio a todas as mulheres".

Mas o que Virginie exibia em seu belo colo, faltava-lhe entre os ouvidos. Enquanto as amantes reais bem-sucedidas estavam absorvidas em seus homens, Virginie estava absorta apenas em si mesma. Sua conversa versava, em geral, sobre sua beleza gloriosa. Napoleão confessou à prima Mathilde que apesar de Virginie ser "muito bonita, ela me entedia mortalmente".

A aparência de Virginie não foi suficiente, a longo prazo, para superar seu egoísmo gélido. Seu reinado durou apenas um ano. "Mal havia começado minha vida e meu papel já terminara", ela comentou com amargura.

 

Quando Jorge I partiu de Hanôver para reivindicar o trono britânico em 1714, trouxe como amantes as duas mulheres mais feias que seus novos súditos jamais haviam visto. A alta e magra tinha um nome imponente - Ermengarda Melusina, condessa de Schulenberg. Perdera o cabelo ao contrair varíola e usava perucas e vestidos pouco atraentes. Seus atrativos escassos eram compensados pela gentileza e lealdade, e não por uma conversa brilhante. Lady Mary Wortley Montagu escreveu que, se para ela o rei Jorge era um homem entediante, Ermengarda era "mais tediosa que ele e, portanto, não o achava maçante". 

A amante pequena e gorducha chamava-se Sophia Charlotte Kielmansegge. Apesar de ser ridicularizada na corte por sua obesidade, tinha uma personalidade notável, uma educação primorosa e gostava de sexo. Como sua mãe fora amante do pai de Jorge I, especulava-se que o rei tinha relações sexuais com a meia-irmã. Enquanto a esquelética condessa de Schulenberg foi apelidada de "Varapau", a robusta Madame Kielmansegge ganhou o epíteto de "Elefante e Castelo". Segundo Horace Walpole, "tinha dois olhos pretos e intensos, grandes e vivos, sob duas sobrancelhas altas e arqueadas, dois acres de bochechas cobertas de ruge carmim, um oceano de pescoço que submergia em seu corpo flácido"

Philip Dormer Stanhope, o futuro lorde Chesterfield, descreveu as amantes como "dois espécimes que revelam o mau gosto e o estômago resistente do rei". Ao referir-se a Madame Kielmansegge, acrescentou: "O padrão de gosto de Sua Majestade, exemplificado por suas amantes, leva a todas as aspirantes a obter seu favor, com uma idade adequada, a distender-se e inchar como as rãs na fábula, para rivalizar com o tamanho e a dignidade de um touro. Algumas são bem-sucedidas, outras explodem."

Carlos II da Inglaterra disse certa vez que o irmão, o futuro Jaime II, aceitava as amantes recomendadas por seus padres como uma penitência. Em um século que adorava a carne macia de seios, coxas e braços roliços, Jaime gostava de mulheres bem magras. Sua amante Arabella Churchill era uma "criatura alta, pálida, e nada mais além do que pele e osso". Os cortesãos zombavam de sua aparência, até que um dia ela caiu do cavalo diante de uma multidão mostrando umas pernas magníficas. Uma testemunha atônita espantou-se que "membros de tal beleza pudessem pertencer ao rosto de Miss Churchil". Embora forçada pela moda da época a esconder seus atributos mais belos dentro de metros de saias pesadas, Arabella com freqüência demonstrava seu raciocínio rápido e grande inteligência, o que a uniu a Jaime durante dez anos e lhe deu quatro filhos.      

A nova amante de Jaime, Catherine Sedley, de 16 anos, além de magra e pálida, era míope e estrábica. Embora viva e inteligente, surpreendeu-se ao ser escolhida por Jaime. "Não foi por minha beleza, porque ele não viu nenhuma", comentou incrédula. "Nem por minha sagacidade, pois ele não a tem para discernir que a possuo”. 

Até sua morte, Luís, delfim da França e herdeiro de Luís XIV, viveu com uma amante totalmente desprovida de charme durante vários anos. Desajeitada, pescoço taurino, lábios grossos e nariz aquilino, Emilie de Choin comportava-se como um tanoeiro. Em uma corte conhecida por suas mulheres graciosas e argutas, Mademoiselle de Choin assemelhava-se a um buldogue e parecia ter o cérebro de um.

A cunhada de Luís XIV, Elizabeth Charlotte, escreveu que Mademoiselle de Choin tinha dentes podres e pretos que fediam tanto que se podia sentir o cheiro através da sala. Mas acrescentou: "Tinha os seios maiores que jamais vi; o delfim deleitava-se com esses seus dois enormes atrativos”. Horrorizada, Elizabeth Charlotte viu o delfim tocando música com os dedos nos seios de Emilie, como se fossem tímpanos.

Mas a gentil Emilie proporcionou uma vida agradável ao seu amante real, que fora infeliz em seus casamentos com duas princesas estrangeiras. Indiferente à notória avareza do rei, Emilie, sem reclamar, vivia com uma pensão pouco melhor que a de uma criada. Algumas vezes, Luís comprava um pequeno presente para a amante e passava dias ansioso, decidindo se deveria dá-lo ou devolvê-lo para receber o dinheiro de volta. Contudo, em vez de enfrentar um altar de sacrifício pela terceira vez, Luís casou-se secretamente com Emilie, a moça mais feia da corte, e deliciou-se tocando seus tímpanos até morrer.

Talvez o governante mais conhecido por escolher amantes feias tenha sido Filipe, duque de Orléans, que se tornou regente da França em 1715. Filipe era sobrinho de Luís XIV e filho da brilhante Elizabeth Charlotte, que se escandalizava com seu gosto pelas mulheres. Em uma corte com as mulheres mais belas do mundo, Filipe sempre escolhia a mais feia, mas que lhe desse prazer na cama. Sua mãe comentava irritada: "Ele não é exigente nesse aspecto; desde que sejam bem-humoradas, petulantes e com grande apetite por comida e bebida, a aparência não o preocupa."

Sempre franca em suas opiniões, certa vez disse ao filho que ele visitava as amantes tal como o fazia com o urinol de seu quarto e o repreendeu em voz alta pela feiúra delas.

"Ora! Maman", retrucou Filipe com ironia, "de noite todos os gatos são pardos”.

 

                                Rivais do Amor de um Rei - A Amante e a Rainha

 

Jamais uma mulher que ama o marido gosta de sua prostituta.

               - Rainha Catarina de Médici -

 

Em 1726 a rainha Sofia Dorotéia da Prússia, ao informar sua filha Guilhermina sobre o possível casamento com o príncipe Frederico Guilherme da Inglaterra, observou que o jovem tinha "boa índole e era gentil, mas muito tolo. Se você tiver bom senso suficiente para tolerar suas amantes, poderá manipulá-lo como quiser".

Para uma princesa, treinada desde o nascimento para assumir o papel importante de rainha, a probabilidade de o futuro marido ter uma amante não era estranha. Bastava-lhe olhar em sua própria corte e notar as amantes do pai, tios e irmãos.

Contudo, a noiva recatada de um rei invariavelmente esperava que seu marido fosse uma exceção; seu marido só se entreteria no sagrado do Hímen, nunca retornando à cama maculada de Jezebel. Quase sempre, desapontava-se.

Educada em uma estufa, uma princesa era retirada com aspereza de sua terra natal e jogada em um frio país estrangeiro, onde iria, ao longo do tempo, definhar. Cega pelas lágrimas, embarcava no navio engalanado para levá-la ao seu novo país, sabendo que provavelmente nunca mais veria os pais, irmãos e amigos. Com o coração pulsando de medo, desembarcaria em um país onde a língua lhe era estranha. Com o jubiloso repicar de sinos da igreja e o crepitar das fogueiras, seria introduzida em uma corte com costumes, modas e política estranhos.

N o início, a noiva, a nova rainha, era a estrela resplandecente da corte. Os cortesãos faziam-lhe reverências e mesuras, davam-lhe presentes caros, elogiavam-na, escarneciam dela por trás. Mas quando os rufos de tambor das festividades do casamento acabavam, os sinos da igreja silenciavam e as fogueiras viravam cinzas, os cortesãos intrigantes reuniam-se em torno da atraente amante do rei, ignorando a rainha estrangeira sem nenhum encanto.

Apesar de sua posição elevada, a rainha estava à mercê dos caprichos do marido como qualquer mulher no reino. O rei decidia se sua esposa usufruiria de aposentos reais espaçosos no centro do palácio ou ficaria confinada em quartos frios em uma ala distante. A escolha do rei para suas damas de honra podia recair em jovens bonitas e radiosas, ou em feias e sem viço. O rei determinava se ela viveria em rico esplendor ou em extrema penúria. Ditava até mesmo os eventos reais a que compareceria - bailes, festas, recepções ao ar livre, peças teatrais - ou quando permaneceria em seus aposentos.

Os cortesãos imitavam o rei no tratamento dispensado à rainha. Se a tratasse com respeito, eles também o faziam. Comportavam-se do mesmo modo se ele a ignorasse ou insultasse. Se a rainha quisesse ser presença significativa na corte, precisaria do sólido apoio do marido.

Contudo, esse apoio era, em geral, incerto, dependendo de quão bem a rainha tratava sua amante.

 

"É mais fácil estabelecer a paz na Europa que entre duas mulheres", lamentava-se Luís XIV nos anos 1670. A história, antes e depois do Rei Sol, provou que ele tinha razão.

Havia uma lenda que, em 1176, a rainha Eleanor da Aquitânia, aos 54 anos, envenenara a bela amante jovem do marido, Henrique II da Inglaterra. Ou a apunhalou. Ou a afogou no banho. Os relatos são imprecisos, embora a lenda provavelmente tenha surgido em razão do ódio explícito que Eleanor nutria por Rosamund de Clifford, não apenas a parceira sexual do rei, mas a rival da rainha na corte. Sabe-se, no entanto, que a irascível Eleanor, encolerizada com os adultérios flagrantes do marido, conspirou para derrubá-lo. Vestida de homem para escapar da fúria dele, Eleanor foi capturada fugindo a cavalo e passou os últimos 16 anos da vida de Henrique na prisão.

A vida era mais fácil para a rainha que aceitasse os namoros do marido. Nos anos 1440, a rainha Maria de França permaneceu em bons termos com Agnes Sorel, a amante do marido, Carlos VII. Um visitante holandês à corte apiedou-se da rainha sem atrativos, com um rosto miúdo, olhos grandes e assustados, e um longo e inquisitivo nariz. Maria, que nunca fora bonita, mesmo no auge de sua juventude, suportava a presença da bela amante loura do marido ao seu lado a maior parte do tempo. A rainha, escreveu o visitante, era forçada "a ver sua rival andar ao seu lado e lhe permanecer próxima todos os dias, a ter seus aposentos e criadagem no palácio real, a compartilhar a companhia dos lordes e da nobreza, e de todas as suas reuniões, a exibir-se diante dela, possuir roupas de cama mais bonitas, anéis e jóias mais caras, saborear refeições mais requintadas e usufruir do que havia de melhor. Ela não apenas deve suportar essa situação, mas fingir que lhe dá prazer".

Enquanto a devota rainha Maria vestia-se sempre de negro após a morte de quatro de seus 14 filhos, Agnes liderava a moda na corte. O cortesão Jean Juvenal des Ursins criticou o que lhe parecia indecência e comentou com desprezo que o rei não deveria permitir decotes tão grandes que expunham os mamilos e os seios. Mas, aparentemente, o rei gostava dessa moda e não tomou nenhuma atitude para banir tal costume.

Maria, sem reclamar, dedicava-se à sua família, a seus deveres religiosos e à sua prole. "Ele é meu senhor, tem autoridade sobre todos os meus atos, ao passo que não tenho nenhum", repetia a devotada esposa. Isso seria um mote útil das rainhas nos séculos seguintes.

 

Em uma agradável manhã de maio de 1662, o navio que transportava a jovem de 23 anos, Catarina de Bragança, princesa de Portugal, entrou na baía de Portsmouth. Além de católica fervorosa, Catarina não era bonita, mas fora escolhida como esposa de Carlos II em razão de seu rico dote - a cessão de Bombain e Tânger, que abriria as portas da Índia para a Inglaterra.

De pé no convés do navio, a pequena jovem morena sentia uma enorme esperança, ansiedade e medo. Esperança de vir a ser uma boa rainha, uma esposa amada, uma mãe feliz. Ansiedade de encontrar o marido - Carlos, um rapaz bonito, de pele trigueira. Medo de se encontrar em um país estrangeiro sem sua família.

Mas, além de esperança, ansiedade e medo, Catarina fora para a Inglaterra com um firme propósito. Prometera à mãe, a orgulhosa rainha regente, que não toleraria nunca, jamais, a desprezível amante de Carlos, Bárbara, Lady Castlemaine, em sua corte. Sua mãe a prevenira contra a mulher ardilosa de cabelos acobreados que traía com desfaçatez um marido gentil, roubava o erário, dera ao rei um bastardo real nove meses depois do início de sua relação e que já estava de novo grávida.

Sir John Reresby, que recebeu oficialmente a princesa em Portsmouth, comentou com certa apreensão que Catarina "não tinha atrativos para que o rei esquecesse sua atração pela condessa de Castlemaine, a mulher mais sofisticada de sua época". E, na verdade, quando os sinos da igreja tocaram para anunciar a chegada da noiva em solo inglês, Carlos permaneceu em Londres jantando com sua belíssima amante, em avançado estado de gravidez. Enquanto sua noiva esperava em Portsmouth e acendiam-se fogueiras em todo o país, Carlos passou cada momento de lazer com Lady Castlemaine durante seis dias.

Quando Carlos finalmente seguiu para Portsmouth, a pobre Catarina, humilhada pela espera, adoecera com febre. Ao ser apresentado à noiva, Carlos ficou menos chocado com seus dentes salientes do que com o penteado no estilo ibérico com cachos em espiral projetando-se horizontalmente de cada lado da cabeça e pendurando-se como salsichas até os ombros. "À primeira vista", Carlos comentou com um amigo, "pensei que me haviam trazido um morcego em vez de uma mulher."

O rei deu-lhe um beijo rápido e depois foi para seu quarto e deitou-­se na cama aliviado. Estava cansado da viagem e escreveu à irmã que se sentia contente de não precisar ter relações sexuais com Catarina naquela noite. Tentando manter-se otimista em relação à noiva, no dia seguinte Carlos disse ao seu chanceler que "seu rosto não é exatamente uma beleza, embora os olhos sejam muito bonitos, e nada em seu semblante pode chocar alguém".

No dia do casamento, em protesto, Lady Castlemaine ordenou que suas roupas íntimas fossem lavadas e penduradas no pátio do palácio para que todos vissem. O memorialista Samuel Pepys, ao andar no Privy Garden, "viu as mais requintadas camisolas e anáguas de linho de minha Lady Castlemaine, com laços de renda suntuosa e deu-me prazer olhá-las".

Catarina apaixonou-se imediatamente pelo marido alto, moreno e fanfarrão, e Carlos dizia com freqüência um tanto exagerada que também estava encantado. Um atleta sexual, Carlos deparou-se com uma jovem muito reprimida, que nunca desabrocharia. Podemos imaginá-la, tímida e pudica, uma esposa obediente na cama, enquanto Lady Castlemaine entregava-se a ele em total abandono sensual.

Atrás do sorriso de Carlos no início da vida de casado fervilhava um segredo que causaria profunda infelicidade à esposa. Para aplacar a fúria de Lady Castlemaine com seu casamento, prometeu-lhe a honra de tornar-se dama de companhia da rainha. Não apenas ela viveria na corte, como também, como acompanhante da rainha, Lady Castlemaine participaria dos mais íntimos detalhes da sua vida, inclusive das relações sexuais com o marido, funções do corpo, menstruação e gravidez. A posição representava um grande status, porque era um dos poucos postos que poderiam ser oficialmente concedidos a uma mulher. Consolidaria o prestígio de Lady Castlemaine em uma corte invejosa e maledicente.

Dois meses após o casamento do rei, sua amante deu à luz ao segundo filho e Carlos, taciturno, decidiu que chegara o momento de cumprir a promessa que lhe fizera, mesmo com o risco de desgostar a esposa. Convidou Lady Castlemaine a Hampton Court e, conduzindo-a pelo braço, caminhou até a rainha para apresentá-la. Admirando a bela visitante, Catarina permaneceu de pé sorrindo e estendeu a mão quando o marido a apresentou. Ao ouvir seu nome, a reação de Catarina foi dolorosa. Empalideceu e sentou-se visivelmente aborrecida. Lágrimas rolaram rápidas e pesadas em suas faces. De súbito, o sangue escorreu de seu nariz e ela desmaiou. Foi carregada para um aposento contíguo, mas Carlos não a seguiu. Interpretou o mal-estar da esposa como uma provocação e a raiva sombreou seu rosto ao levar de volta a amante para a carruagem.

Quando repreendeu a rainha pelo comportamento insolente, ela mostrou-se intransigente em vez de contrita. Carlos lhe infligiu um castigo enviando para Portugal seu séqüito de damas portuguesas e padres - muitos deles seus amigos de infância. Depois isolou a esposa, ignorando-a completamente. Divertia-se à noite com amigos enquanto a rainha jazia insone na cama.

O fiel chanceler de Carlos, Edward Clarendon. suplicou-lhe para renunciar a Lady Castlemaine e retomar seu casamento. Isso apaziguaria qualquer conflito entre seus súditos, pois dentre eles alguns já haviam perdido o respeito pela vida pessoal do rei. Mas Carlos, indignado, defendeu Lady Castlemaine. "Eu desonrei essa senhora", disse, "e arruinei sua reputação que era virtuosa e imaculada até iniciar sua amizade comigo, e vejo-me obrigado por consciência e honra a repará-la ao máximo”. 

Carlos sentia-se contrafeito com a perspectiva de tornar-se "ridículo aos olhos do mundo", se não vencesse esse debate público com a nova mulher. Obrigou o infeliz lorde Clarendon, que desprezava Lady Castlemaine, a persuadir a rainha a aceitá-la como dama de honra. Diante de seu pedido, a rainha retrucou: "A insistência do rei sobre este assunto específico advém unicamente de seu ódio por mim. Ele quer expor-me ao desprezo do mundo. E o mundo achará que mereço essa afronta caso me sujeite. Antes de ceder, embarcarei em qualquer pequeno navio e retornarei a Lisboa."

Teimosamente, Carlos apresentou à esposa uma lista de senhoras para serem aprovadas como damas de honra. Encabeçando a lista via-se o nome de Bárbara, Lady,Castlemaine. Com igual teimosia, Catarina riscou o nome e ameaçou de novo embarcar no primeiro navio de volta ao seu país.

O rei instalou a amante em aposentos luxuosos em Hampton Court, acima dos seus, ligados por uma escada secreta. Sentava-se ao lado de Lady Castlemaine durante as refeições, rindo e conversando alegremente com ela, enquanto a rainha permanecia em uma postura de muda rejeição. Ninguém queria ser visto falando com a rainha, porque poderia despertar o desagrado do rei e de Lady Castlemaine. Assim que Catarina partia, os cortesãos faziam piadas grosseiras sobre ela.

No final do verão, Catarina sucumbiu. Sozinha, longe de casa, não suportou mais o isolamento. Desculpou-se com Carlos e recebeu sua amante em seu círculo íntimo como uma amiga. A rainha e Lady Castlemaine compartilhavam com freqüência um coche com o rei entre elas. Agradecido, Carlos tornou-se um marido atencioso. Seu respeito por Catarina converteu-se em amizade e, por fim, em uma espécie de amor. Quando Lady Castlemaine pediu ao rei que tivesse a primazia de acompanhá-lo em um passeio em um novo e revolucionário modelo de carruagem aberta - e ameaçou ter um aborto no local caso ele recusasse -, Carlos escolheu Catarina para ter essa honra. Enquanto o rei segurava a mão da esposa radiante, sua amante foi obrigada a juntar-se ao cortejo que seguia a cavalo e, desalentada, manteve distância dos cortesãos turbulentos.

Ao fazer o marido curvar-se diante de seus desejos em virtude de sua prazerosa obediência, Catarina algumas vezes via-se em uma posição que lhe permitia vingar-se. Dois dias depois de Lady Castlemaine dar à luz ao terceiro bastardo real em setembro de 1663, a rainha, fingindo que desconhecia a existência desses filhos ilegítimos, insistiu que Lady Castlemaine cavalgasse com ela até Oxford sob pena de perder sua posição de dama de honra. A mãe recente, ainda dolorida e sangrando, subiu com dificuldade no cavalo e cavalgou sem reclamar, embora rangesse os dentes.

Por ironia, quando a rainha Catarina adoeceu gravemente em 1663, ninguém ficou mais interessado em sua recuperação que a amante do rei. Lady Castlemaine sabia que, se Catarina morresse, Carlos se casaria com uma linda nobre de 16 anos, Frances Stuart, que despertara seu desejo, mas recusara saciá-lo. Alçado das profundezas da perda aos cimos da paixão, Carlos não precisaria da amante rancorosa. Bárbara rezou com devoção pela vida da esposa de seu amante.

Do mesmo modo, em 1670 as amantes de Carlos - agora ele possuía um harém - uniram-se à rainha Catarina quando lorde Buckingham promulgou uma lei que permitia que o rei se divorciasse de sua esposa estéril e se casasse de novo. As amantes do rei insistiram que a rainha infértil e submissa permanecesse em sua posição. Uma nova rainha em plena juventude com certeza afundaria seus navios com toda a sua carga. E que os céus impedissem que a nova rainha gerasse muitos filhos. Certamente, Carlos negligenciaria seus numerosos bastardos.

Mas Carlos, em um ato de consciência, sustou a lei declarando: "Seria uma atitude perversa desgraçar uma pobre senhora apenas porque era sua esposa e não tivera filhos com ele, o que não era sua culpa."

 

Em contraste com a época gloriosa do feliz monarca inglês Carlos II há um século e meio, em 1714, segundo o cortesão Brimley Johnson, "a dinastia de Hanôver parecia ter trazido... uma espécie de triunfo do chouriço, dos nabos e da cerveja escura sobre as rendas, os mastros enfeitados com flores e fitas nos festejos do dia 1º. de maio, o champanhe e o vinho do período precedente".

A rainha Carolina da Inglaterra, loura e corpulenta, seguiu a moda do chouriço e do nabo. Em vez de suportar com nobreza as infidelidades do marido como uma coroa de espinhos na cabeça de uma rainha martirizada, Carolina comentou certa vez com um cortesão que em relação às amantes do marido: "Lamentava o escândalo que isso causava aos outros, mas, quanto a ela, o fato a incomodava menos que as idas dele à privada”. 

Ainda como príncipe de Hanôver, o marido de Carolina, o futuro rei Jorge II da Inglaterra, escolheu como sua primeira amante Henrietta Howard, de 30 anos, bonita, agradável e discreta. Um cortesão descreveu Henrietta como "educada com todos, amistosa com muitos e jamais injusta com alguém". Carolina ficou aliviada com a escolha de Jorge. Enquanto uma esposa típica sentia enorme rancor em relação à primeira amante do marido, a sensível Carolina percebeu que Henrietta não iria saquear o Tesouro, não a humilharia quando se tornasse rainha, não tramaria para obter poder político nem espalharia intrigas maledicentes na corte.

Como descreveu o amigo de Carolina, lorde Hervey: "A rainha, conhecendo a vaidade do marido e sua necessidade de mostrar ao mundo que possuía sexualmente uma mulher, suportou com sabedoria uma situação ignominiosa e tirou o melhor partido dela, pois temia que uma sucessora pela qual ele se apaixonasse pudesse lhe ser prejudicial”. 

Como a maioria das amantes dos reis, Henrietta tornou-se dama de honra da rainha. Ao contrário das outras, no entanto, a posição de Henrietta não era especialmente invejada. Sabia-se que Jorge, gordo e rubicundo, tinha o hábito de arrancar sua peruca e chutá-la no chão quando zangado, não seguia o padrão usual, visto que amava a esposa e apenas tolerava suas amantes. Embora pensasse que Carolina era a mulher mais bonita, inteligente e encantadora do mundo, também considerava uma amante um acessório indispensável, junto com a coroa e o cetro. Jorge visitava Henrietta todas as noites e permanecia em seus aposentos, trancados durante muitas horas. Os cortesãos especulavam maldosamente sobre sua vida sexual - um deles comparou Jorge a um cavalo de carga diligente percorrendo seu caminho interminável - e a maioria concordava que eles passavam o tempo jogando cartas.

Em 1722, quando tinha cerca de 40 anos, Henrietta começou a ficar prematuramente surda. Como havia agradado no início a Jorge por ser uma boa ouvinte, agora sua deficiência o impacientava. Entretanto, para Henrietta sua surdez foi uma bênção que a livrara da monotonia diária de escutar as conversas do rei.

Jorge, contudo, irritava-se tanto com a amante que em uma ocasião, quando Henrietta pôs uma echarpe em torno do pescoço de Carolina, Jorge a arrancou. "Como você tem um pescoço feio gosta de esconder o da rainha", esbravejou.

Porém, como um homem de hábitos, não dispensou a amante. Em 1729, o marido de Henrietta, que se mantivera afastado da esposa durante 15 anos, decidiu que não poderia mais viver com essa humilhação e ordenou que ela reassumisse seus deveres conjugais. Obteve uma autorização do presidente do Conselho de Justiça que lhe permitia detê-la em qualquer lugar ou momento em que fosse encontrada. Ao ser informada do fato, Henrietta escondeu-se no palácio dia e noite. A rainha, inquieta com o desinteresse do rei pela amante e o desejo do marido dela de tê-la de volta, tramou para mantê-la no palácio. Se Henrietta fosse obrigada a partir, Jorge escolheria outra amante oficial que talvez não fosse tão afável.

Quando o rude Mr. Howard - sempre furioso, raramente sóbrio - aproximou-se da carruagem da rainha e ameaçou retirar de lá sua esposa, Carolina percebeu que algo precisava ser feito. Uma hipótese seria subornar Howard oferecendo-lhe 1.200 libras por ano para deixar a esposa em paz, mas a rainha objetou que lhe seria muito penoso não apenas manter as "prostitutas do marido sob meu teto, como também pagar por elas".

Jorge galantemente pagou as 1.200 libras anuais, o que, sem dúvida, era o que esperava Mr. Howard ao provocar tanta confusão. Lorde Hervey relatou que Mr. Howard assinou um documento em que jurava a Henrietta "causar no futuro tão poucos problemas como seu marido, do mesmo modo que não lhe proporcionara felicidade". E assim o assunto encerrou-se com o rei pagando 1.200 libras por ano pela posse de algo do qual não queria desfrutar, e Mr. Howard recebendo-as para renunciar a algo que lamentaria conservar". Em 1734, Jorge começou a humilhar Henrietta por sua amizade com diversos homens proeminentes, como o poeta Alexander Pope, cujos versos políticos satíricos faziam críticas ao rei. Quando Carolina recriminou-o pelo tratamento rude que dispensava a Henrietta, ele retrucou, zangado: "O que você pretende esforçando-se para que um animal velho, tedioso, surdo e rabugento permaneça ao meu lado e me importune quando eu tive uma oportunidade tão boa para me livrar dele".

E assim terminou um relacionamento de vinte anos. O animal velho, tedioso, surdo e rabugento enviuvou e logo se casou de novo. Quando a rainha contou-lhe sobre o casamento, Jorge riu e comentou: "minha velha amante casou-se com o velho dissoluto George Berkeley e sinto-­me muito contente com isso. Jamais daria este tipo de presente aos meus amigos e, quando meus inimigos me roubarem, Deus seja louvado, que seja sempre dessa forma." Não foi uma maneira muito amável de despedir-se de uma relação amorosa tão longa, mas Henrietta livrou-se dele e saiu-se muito bem. Teve um casamento muito feliz com o velho dissoluto George Berkeley, 12 anos mais novo que sua despretensiosa esposa. Henrietta sobreviveu vinte anos ao segundo marido, vivendo confortavelmente no campo.

Como Caroline temera, Henrietta foi substituída por amantes mais jovens, mais bonitas e mais manipuladoras. Ao morrer de uma ruptura umbilical em 1737, envolta em toalhas enquanto seus intestinos rompiam-se, a rainha, sensível até o final, aconselhou Jorge a casar-se de novo. Mas o rei, inconsolável, velando por ela em seus últimos momentos de vida, jurou que só teria amantes e jamais se casaria de novo.

"Ah, meu Deus!", disse em francês a rainha agonizante, com seu característico espírito prático, "isso não faria a menor diferença!"

 

Luís XIV, o homem mais poderoso da Europa, sofreu sua cota de disputas entre a esposa e as amantes. Em 1660, aos 22 anos, o rei, jovem e bonito, casou-se com a infanta Maria Teresa de Espanha, tão pequena que parecia uma anã, produto de gerações de casamentos consangüíneos. Felizmente, a rainha não sofria da insanidade e das deficiências físicas de seus parentes como Joana, a Louca, João, o Imbecil, e Isabel, a Insana. Sua única deficiência era uma simplicidade infantil - ainda assim cruelmente ridicularizada no mundo sofisticado de Versalhes.

Maria Teresa nunca aprendeu a falar bem francês e seus novos súditos irritavam-se com seu acentuado sotaque espanhol. Desconhecia política, literatura, era incapaz de manter uma conversação inteligente e preferia passar horas jogando cartas. Os cortesãos esperavam pacientemente para sentarem-se à mesa de jogo da rainha - onde, em geral, circulavam quantias enormes, como se ela tivesse ganho a loteria -, porque ela apostava alto e jogava mal. Primi Visconti relatou que "as perdas da rainha provêm à pobre princesa d'Elbeuf seu único meio de sustento".

Luís foi fiel à sua devotada esposa durante um ano inteiro antes de começar a flertar com a esposa do irmão, princesa Henrietta da Inglaterra. Para distraí-lo dessa escolha infeliz, sua mãe, a rainha viúva Ana, pôs um trio de jovens em flor em seu caminho. Essas três graças usavam penas especiais de garça nos cabelos e sentavam-se bem próximas a ele nos banquetes.

Esse ardil funcionou melhor do que sua mãe esperara. O rei apaixonou-se perdidamente por uma delas, Louise de La Valliere, uma jovem de 17 anos, filha de um nobre empobrecido. Tinha cabelos louro­-acinzentados, uma pele alva deslumbrante e grandes olhos azuis. Uma perna era mais curta que a outra e, por isso, usava saltos especiais. Mas o rei sentia-se mais atraído por sua genuína inocência e bondade, piedade e modéstia.

A rainha ficou desolada ao saber que o marido tinha uma amante. "Essa jovem com brincos de brilhantes", disse com mordacidade Maria Teresa em espanhol a uma dama da corte, "é aquela pela qual o rei está apaixonado."

Comparada a outras amantes reais. a meiga Louise de La Valliere não merecia ser o alvo da raiva malévola da rainha. Envergonhada diante de Deus por seu adultério, humilhada ante a rainha pelos momentos de carinho roubados de seu marido, Louise tratava Maria Teresa com humildade e respeito. Mas a rainha a humilhava em cada oportunidade.

Embora sabendo que o marido tinha uma amante, Maria Teresa continuou muito ingênua. A prima do rei, Anne-Marie de Montpensier, escreveu: "Certo dia à mesa ela contou-me que o rei só viera para o quarto às quatro horas da manhã. Ao responder às suas perguntas, dissera que ficara ocupado lendo e respondendo à sua correspondência. Quando a rainha lhe perguntou se não havia outra hora para dedicar-se a esse trabalho, desviou o rosto para que ela não o visse sorrir. Temendo que ela me visse fazendo o mesmo, mantive os olhos baixos, fixos em meu prato."

Maria Teresa era sempre a última a saber que o marido tinha uma nova amante. Pensava que Luís ainda estava apaixonado por sua cunhada Henrietta quando, na verdade, ele já estava envolvido com Louise de La Valliere. Sete anos depois, ainda destilando veneno contra Louise, a rainha não percebeu que o tornado mudara de direção e seguia um rumo totalmente diferente. Luís, no apogeu de seus 30 anos, não mais queria uma amante meiga e modesta. Estava pronto para defrontar-se com a personalidade difícil e brilhante de Athénaïs de Montespan, a melhor amiga de Louise e dama de honra da rainha.

Madame de Montespan instigava com freqüência a rainha contra Louise de La Valliere, jurando que preferiria morrer a fazer papel semelhante. Subitamente, Madame de Montespan tornou-se a nova favorita do rei, enquanto Louise retinha um lugar desconfortável e ambíguo. Os cortesãos zombavam da ignorância da rainha sobre essa mudança inesperada, mas, por fim, alguém a informou.

Madame de Caylus escreveu: "Ela gostava de Madame de Montespan porque a considerava uma mulher honrada, leal a suas obrigações e a seu marido. Assim, a surpresa de Sua Majestade igualou-se ao seu sofrimento quando soube que ela não era o que imaginava. A tristeza da rainha não foi amenizada pela falta de consideração de Madame de Montespan. (...) De todas as amantes do rei, Madame de Montespan foi a que provocou maior angústia à Sua Majestade; não só porque a paixão especial entre Madame de Montespan e o rei durou tanto tempo e era tão evidente, mas, acima de tudo, porque foi uma dor infligida por uma mulher em quem a rainha confiara e a quem dedicara uma amizade especial."

Enquanto Louise de La Valliere sempre tratara a rainha com deferência, Madame de Montespan tentava ofuscá-la e insultá-la todo o tempo. Como dama de honra da rainha, em vez de atendê-la com docilidade, a amante do rei com freqüência a admoestava por demorar a se vestir. Maria Teresa raramente se queixava com o marido, porém sempre se lamentava com os amigos, dizendo: "Esta prostituta é minha sentença de morte”! E “Esta meretriz Irá me matar”!

Em 1670, o rei, ansioso para que Madame de Montespan o acompanhasse em uma campanha militar, foi obrigado a levar também a rainha para evitar um escândalo e Louise para confundir o público sobre sua relação com a amante. Como relatou o duque de Saint-Simon: "Exibia-se com ambas na carruagem junto da rainha ao longo da fronteira, nos acampamentos. (...) Multidões acorriam de todas as partes apontando para a carruagem, chamando, ingenuamente, os outros para olhar as três rainhas!"

A infeliz rainha viu-se de novo, em 1671, em outra viagem na mesma carruagem com o marido e as duas amantes. Uma noite, sete nobres viajantes foram obrigados a compartilhar o mesmo quarto onde havia uma só cama. O leito foi cedido a Maria Teresa enquanto os outros seis - o rei, seu irmão e a cunhada, sua prima Anne-Marie, Louise de La Valliere e Athénaïs de Montespan dormiram em colchões no chão. A rainha, atônita, exclamou com seu sotaque áspero espanhol: "Como? Todos nós no mesmo quarto?" O marido respondeu-lhe: "Se deixar as cortinas da cama abertas poderá vigiar todos nós!"

Maria Teresa sempre esperava até tarde pelo marido que, por cortesia, nunca deixou de ir para seu quarto, mesmo ao amanhecer. Quando finalmente chegava, ainda quente do abraço da amante, sua esposa o recebia com um sorriso. Ela lhe era grata pelo respeito explícito que lhe demonstrava diante da corte. Segundo um cortesão: "O rei lhe presta todas as homenagens devidas à sua posição. Faz as refeições e dorme com ela... conversa galantemente com ela como se não houvesse amantes em sua vida... e cumpre seus deveres conjugais. (...) Costuma ter relações sexuais com ela cerca de duas vezes por mês."

Em dado momento a rainha cessou de resistir à maré de jovens bonitas que se precipitavam em direção ao marido. Talvez o tempo tenha curado as feridas profundas tornando-as cicatrizes espessas e fortes. Adotou até mesmo o estilo de penteado de Madame de Montespan ­- cachos caindo na testa e ao lado do rosto logo abaixo da orelha, e uma trança atrás da cabeça entremeada de fitas e pérolas. Certo dia, percebendo que estavam com o mesmo penteado, a rainha explicou: "Arrumei meu cabelo assim porque o rei gosta e não para roubar seu modo de pentear."

 

Em 1725, aos 15 anos, Luís XV casou-se com uma princesa polonesa de 22 anos, feia e desajeitada, em razão da comprovada fertilidade familiar. Enfadonha, religiosa e limitada intelectualmente, Maria Leczinska era considerada pelo próprio pai uma das duas rainhas mais tediosas da Europa, sendo a outra rainha sua esposa. Maria preferia passar as manhãs na igreja e dedicava as tardes a trabalhos manuais e a jogar cartas. Assim como as senhoras do século XVIII, estudara música e pintura. Porém, suas pinturas nunca evoluíram do nível de desenhos infantis e nada horrorizava mais suas damas de honra do que quando a rainha anunciava que iria tocar piano para elas.

Maria destoava da refinada corte francesa que exibia os homens e as mulheres mais atraentes, inteligentes e sofisticados da Europa. No entanto, cumpriu sua promessa de fertilidade, gerando não menos que dez filhos. Sua queixa freqüente era: "Sempre na cama, sempre grávida, sempre dando à luz”! 

Durante oito anos Luís foi um rei anômalo em virtude de sua estrita fidelidade à esposa. O jovem promissor transformou-se em um homem extremamente bem-apessoado, com um físico másculo, maxilares fortes, maçãs do rosto altas e um nariz aquilino. Apesar da estupidez de Maria, em contraste com a inteligência brilhante de Luís, ele raramente olhava para outras mulheres. Sua tristeza foi imensa quando Luís tornou-­se amante de uma de suas damas de honra, Madame de Mailly, uma mulher sem atrativos, gentil, que se contentava em andar em Versalhes com anáguas rasgadas, em vez de pedir dinheiro ao seu amante real. As duas amantes que a precederam - ambas irmãs da primeira - não eram tão generosas. Insolentes e gananciosas, insultavam publicamente a rainha, vangloriando-se de sua beleza contra seu aspecto pouco atraente, sua argúcia contra sua inépcia. A terceira amante, Madame de Châteauroux, fizera até mesmo buracos nas paredes dos aposentos da rainha para que seus amigos a pudessem espionar. Quando o rei escolheu uma nova amante, uma parisiense do meio burguês em vez de uma nobre arrogante, Maria esperou um tratamento melhor.

Para obter a posição de maîtresse-en-titre e viver em Versalhes, as amantes de Luís precisavam receber um título e serem oficialmente apresentadas à corte. O título era fácil - o rei concedeu a Jeanne-Antoinette d'Etioles, uma jovem de 24 anos, o marquesado de Pompadour. Mas a apresentação era tensa. A marquesa foi apresentada ao rei e à rainha em duas salas separadas diante da corte inteira. A candidata não poderia cometer o mínimo erro. Sua apresentação envolvia caminhar em direção ao rei e à rainha vestida com uma saia enorme com uma roda de 1 metro e pesando mais de 20 quilos. Faria uma reverência para os monarcas, escutando as poucas palavras que eles se dignavam a lhe dizer, depois caminharia de costas, inclinada, puxando todo o tempo sua longa cauda. Todo o procedimento deveria parecer natural. Se tropeçasse no vestido ou, que Deus a protegesse, caísse, seria ridicularizada para sempre na corte.

Quando Madame de Pompadour lhe foi apresentada, o rei estava muito nervoso e murmurou poucas palavras para sua amante. A sala da apresentação tinha apenas uma audiência moderada, porque, ansiosos, a maioria dos cortesãos se aglomerara na outra sala para presenciar o encontro mais interessante entre a amante e a esposa. Era uma apresentação à noite e a rainha, gorducha e de meia-idade, coberta de fitas, rendas e lantejoulas permaneceu silenciosa em meio ao brilho das velas tremulantes enquanto a jovem radiosa aproximava-se dela. Talvez tenha sentido o terror perceptível que Madame de Pompadour escondia cuidadosamente atrás de uma postura inabalável e do lindo vestido. A pior coisa que a rainha poderia dizer - mostrando o completo desdém pela pessoa apresentada - seria uma breve observação sobre a roupa dela. Com a respiração suspensa, os espectadores inclinavam-se para observar melhor.

A rainha Maria sorriu e manifestou o desejo de conhecê-la. A amante, sem dúvida serenada com o gesto público de gentileza, sussurrou: "Tenho um desejo profundo de agradá-la, Madame." Surpreendentemente, as duas trocaram 12 frases - contadas pelos cortesãos -, o que assegurou a Madame de Pompadour as boas-vindas à corte. Foi uma gentileza que jamais seria esquecida e que seria útil à rainha no futuro.

Poucas semanas depois, o rei teve uma leve crise de icterícia e Maria pediu permissão para visitá-lo em seu castelo de Choisy. Luís - que normalmente teria recusado - respondeu com um entusiasmo incomum. Quando Maria chegou, ele mostrou pessoalmente a nova decoração. Durante o jantar, que contou com a presença da rainha e de Madame de Pompadour, Luís tratou a esposa com grande deferência e ela "não demonstrou desejo de partir e conversou amavelmente com Madame de Pompadour, que a tratou com respeito e sem um traço de petulância". 

A rainha sabia que seu marido agia com mais gentileza com ela estimulado por Madame de Pompadour. O príncipe de Croy observou que a amante "tinha um bom relacionamento com a rainha e persuadira o rei a ser mais delicado com ela".

Além de sua afabilidade natural, Madame de Pompadour sabia que sua amizade com a rainha lhe seria útil no covil de cobras da corte de Versalhes. Sua atitude respeitosa em relação à rainha conquistou a aprovação dos cortesãos mais imparciais. A amante enviava regularmente à rainha buquês de suas flores favoritas e convenceu Luís a pagar as dívidas da esposa - a maioria contraída em atividades de caridade. Ainda mais surpreendente, enquanto a corte estava em Fontainebleau, artistas ocuparam-se a redecorar os aposentos da rainha em Versalhes. Ao retornar, Maria encontrou seus antigos e poeirentos aposentos decorados na última moda, repletos de espelhos e paredes com motivos dourados, móveis estofados de cetim branco e uma cama nova, com ricas cortinas vermelhas. Para agradar mais ainda a rainha, tapeçarias foram penduradas nas paredes com cenas bíblicas. Maria reconheceu o gosto refinado de Madame de Pompadour nessa nova decoração.

A rainha surpreendeu-se ainda mais quando recebeu um presente caro de Ano-novo do marido - o primeiro em anos. Era uma magnífica caixa de rapé de esmalte e ouro, com um pequeno relógio na tampa.

Felizmente, a rainha não soube que Luís encomendara o presente para a mãe de Madame de Pompadour, falecida recentemente.

No entanto, todas as esposas ressentiam-se quando seus maridos tinham amantes. A rainha teria preferido ter Luís só para ela. Suspirando, dizia com freqüência: "Desde que tenha de haver uma, melhor ela que outra."

 

Assim como muitos outros reis, Henrique IV da França acreditava ser dever de uma rainha obedecer cegamente ao marido, seguir cada ordem sua, sem nunca se queixar. O dever incluía aceitar e até mesmo acolher bem suas amantes. Henrique teve a má sorte de se casar com duas mulheres rebeldes.

Nos primeiros anos de casamento com a princesa Margarida, Henrique, à época apenas rei de Navarra, apaixonou-se por diversas damas de honra. Margarida, uma bela jovem morena; que tivera também diversos amantes, fingiu não perceber. Ela nunca quisera casar com Henrique, um príncipe coxo e empobrecido, com um nariz maior que seu reino, como diziam, e com tamanha aversão ao banho que cheirava como um bode. Depois, seu marido apaixonou-se por Françoise de Montmorency, filha do barão de Fosseuse, conhecida também por esse nome. Como Margarida escreveu em suas memórias: "Ele gostava do convívio com mulheres e, além disso, estava profundamente apaixonado pela Fosseuse. (...) Fosseuse não me causava problemas e, assim, o rei meu marido e eu continuamos a ter um bom relacionamento, sobretudo quando ele percebeu que não me oporia às suas inclinações."

Mas, em 1581, aos 15 anos, a jovem Fosseuse ficou grávida e alardeou na corte que Henrique prometera divorciar-se de Margarida e casar-se com ela caso lhe desse um filho. Margarida, que não tinha filhos, sentiu-se ameaçada. Tentou afastá-la da corte, mas Henrique, furioso, insistiu que ela permanecesse. Henrique tornou-se "frio e indiferente" com a esposa, como escreveu Margarida. Mesmo com a barriga da moça crescendo a cada dia, tanto Fosseuse como o rei juraram a Margarida que ela não estava grávida.

Certa manhã, o médico da corte entrou no quarto e anunciou ao rei que a Fosseuse estava em trabalho de parto. Margarida acordou com Henrique, com ar envergonhado, enfiando seu grande nariz entre as cortinas de sua cama. "Minha querida", disse, olhando-a constrangido, "... poderia fazer-me o grande favor de levantar-se e ir até o quarto da Fosseuse, que está se sentindo muito mal? (...) Você sabe quanto a amo e espero que atenda ao meu pedido."

A esposa, condescendente, respondeu: "tenho-lhe extremo respeito para ficar ofendida com qualquer atitude sua e vou ajudá-la imediatamente, por ela ou como se fosse minha própria criança."

Margarida aconselhou Henrique a ir caçar, convidando grande parte da corte, enquanto levaria a jovem para um local distante do palácio, onde ninguém poderia ouvir seus gritos. Quando o rei voltou à noite, foi informado de que a amante dera à luz uma menina natimorta. Desolado com as notícias, pediu à esposa que fosse consolar a amante. Porém, a paciência de Margarida com seus deveres de esposa terminou nesse momento. Lembrou-se de como, nos meses anteriores, Fosseuse vangloriara-se das atenções do rei, dizendo que ele repudiaria Margarida c casaria-se com ela se desse à luz um varão. Exausta com o esforço despendido naquele dia, Margarida se recusou categoricamente a atender o pedido de Henrique, mencionando que acompanhara a jovem durante todo o trabalho de parto e nada mais poderia fazer. Henrique ficou furioso com sua recusa. "Pareceu muito aborrecido com minhas palavras", escreveu Margarida, "o que me contrariou mais quando pensei que não merecia esse tratamento após o que fizera esta manhã."

O casamento continuou a deteriorar-se. Depois que Margarida tentou organizar uma rebelião contra o marido, ele a exilou em um castelo remoto. Quando o irmão de Margarida, Henrique III morreu sem herdeiros, o primo, Henrique de Navarra, tornou-se rei da França e, por fim, divorciou-se de Margarida, que nesse ínterim passara a beber muito, a exceder-se na comida e a fazer sexo com jardineiros e cavalariços.

Em 1599, após a morte de sua amante, Gabrielle d'Estrées, com quem planejara se casar, o rei, aos 46 anos, começou a procurar uma princesa adequada para contrair matrimônio. Sua escolha recaiu em Maria de Médici, sobrinha do grão-duque da Toscana. A feliz noiva foi escolhida mais pela falta de atrativos de suas rivais do que por seus próprios atributos. A infanta espanhola era de uma feiúra repulsiva, as princesas alemãs gordas e desajeitadas e a atraente princesa de Guise fora criada no ninho de escorpiões dos inimigos mais implacáveis do rei. Além disso, Henrique contraíra um enorme empréstimo com o tio de Maria e esperava que a dívida fosse perdoada se a convertesse em rainha da França.

Durante as negociações do casamento, o rei apaixonou-se pela jovem nobre de 22 anos, Henriette-Catherine de Balzac d'Entragues. Uma cortesã perfeita, Henriette ofereceu ao rei muito mais que beleza - ela possuía graça, charme e sagacidade, assim como paixões exaltadas e impetuosas que o excitavam. Tinha um porte elegante, ágil e sinuoso, uma frieza calculista que capturava com rapidez cada palavra ou ação que pudesse alimentar sua ambição insaciável. E uma de suas ambições era ser rainha da França.

Antes de Henriette fazer sexo com o rei, ela lhe pediu uma quantia ultrajante de 1.200 coroas, a qual o rei sedento de amor prontamente aceitou. Seu ministro, duque de Sully, que chamava Henriette de "vespa maligna", foi obrigado a retirar a soma do Tesouro. Em protesto, o duque trouxe o dinheiro em moedas de prata em vez de ouro, e as espalhou pelo gabinete do rei para mostrar a Henrique quanto dinheiro estava gastando com essa jovem tola. "Ventre saint-gris!", exclamou o rei entrando na sala. "É um prazer largamente recompensado.”

"Sim", replicou Sully secamente, "sem dúvida é uma mercadoria muito preciosa."

Após receber o dinheiro, Henriette declarou que, antes de consumar sua paixão, o rei deveria lhe dar uma prova escrita de que pretendia casar-se com ela assim que possível. Uma proposta insultuosa - sobretudo em meio às negociações com a casa de Toscana -, mas Henrique a desejava tanto que escreveu do próprio punho: "Nós, Henrique IV... prometo e juro pela nossa fé e palavra de rei... que se Henriette-Catherine de Balzac, dentro de seis meses, iniciando neste dia, engravidar e der à luz um filho, neste momento celebrarei o casamento publicamente na Santa Igreja de acordo com os rituais de praxe."

Antes de enviar o documento, Henrique mostrou-o ao duque de Sully e pediu sua opinião. O duque agarrou a carta e a rasgou. O rei, estupefato, perguntou ao seu conselheiro se enlouquecera. O duque retrucou que desejaria ser “o único homem louco na França”! Sentindo-se menosprezado, o rei pediu a um secretário para escrever uma promessa idêntica e enviá-la à sua amada.

Henriette regozijou-se com a carta, que, na época, era um contrato legítimo e poderia em uma corte de Justiça anular um casamento subseqüente de Henrique. Agora, só precisaria gerar um filho sadio e seria rainha da França. No entanto, sua alegria diminuiu quando Henrique continuou as negociações de casamento com Maria de Médici. No final de abril de 1600, quando Henriette estava com sete meses de gravidez e pronta para cumprir sua parte da barganha, Henrique assinou o contrato de casamento com a casa de Toscana. A falsa aparência de afabilidade de Henriette desvaneceu-se e pela primeira vez o monstro calculista que ela dissimulava revelou-se.

Oferecendo-lhe uma rica recompensa, Henrique rapidamente concedeu-lhe o título de marquesa de Verneuil, presenteou-a com uma grande propriedade e um castelo. Mas ela não ficou apaziguada. Ameaçou tornar pública a promessa de casamento se o rei continuasse com o projeto de união com a casa de Toscana. Henrique conscientizou-se que sua promessa tola poderia resultar em um escândalo internacional e na perda de prestígio de seu reino. Enviou uma carta para Henriette. "Mademoiselle”, escreveu, "Amor, Honrarias, assim como todos os favores que recebeu de mim teriam bastado para a alma mais frívola do mundo, a menos que fosse dotada de um caráter tão perverso quanto o seu. (...) Peço-lhe que me devolva a promessa em questão, sem me dar o trabalho de recuperá-la por outros meios. Por favor, devolva-me também o anel que lhe dei outro dia. (...) Gostaria de uma resposta imediata." O rei esperou em vão.

Henriette, apesar de negar-se a devolver a carta, retomou sua máscara de gentileza. Em razão de seu estado avançado de gravidez, Henrique relutou em provocá-la e, assim, a trouxe para o palácio real de Fontainebleau para dar à luz. Embora não soubesse o sexo da criança - fato que a irritava profundamente -, Henriette tomou grandes precauções em relação à saúde, combinando repouso, exercício e uma boa alimentação. Implorou a Henrique para acompanhá-la no parto, mas o rei, sem dúvida ainda zangado com sua recusa em devolver sua promessa, ignorou suas súplicas e partiu para Lyon a negócios.

Infelizmente para Henriette, o trabalho de parto começou durante uma tempestade violenta. Relampejava fora do palácio e um raio atravessou seu quarto. Henriette ficou histérica e gritou durante horas incontrolavelmente. De manhã deu à luz um filho natimorto. Quando soube que seu caminho para o trono jazia frio e sem vida, Henriette mergulhou em um profundo desespero. Durante semanas permaneceu muda na cama. Chegara perto, tão perto. O duque de Sully, extremamente preocupado com a promessa tola de Henrique, pensou que o clarão do relâmpago fora enviado por Deus para evitar que todos caíssem nas garras malévolas da rainha Henriette.

O rei, aliviado com aquele desfecho, tornou-se um amante atencioso e terno. Ao perceber por fim que jamais seria rainha, Henriette tornou-se uma cortesã ainda mais calculista, exigindo os privilégios de um trono. Quando se recobrou, visitou Henrique em Lyon "em uma liteira descoberta como se fosse a rainha", relatou uma testemunha. O embaixador inglês escreveu: "O rei abraçou a amante com mais carinho do que os reis comumente testemunham às esposas e tratou-a com tanto respeito como se fosse sua rainha."

Em 3 de novembro de 1600, Maria de Médici foi recebida no porto de Marselha como rainha da França. Já com 26 anos, a noiva tinha tendência a engordar. Demonstrava uma virtude genuína, uma postura de rainha e um temperamento calmo. O povo francês aprovou sua aparência majestosa. Seu aspecto amatronado a fazia parecer ainda mais régia com seus vestidos espessos e incrustados de pedras preciosas. Sua apatia lhe conferia nobreza. Uma duquesa assim descreveu a nova rainha: "Maria de Médici tem olhos grandes e um rosto redondo. (...) A pele é morena, mas sem imperfeições. (...) é um pouco gorda. O rosto transmite uma grande bondade mas", acrescentou circunspecta, lembrando a beleza da falecida amante do rei, "não há nada que a aproxime de Gabrielle d'Estrées."

"Fui enganado! Ela não é bonita!", reclamou o noivo com um amigo após encontrar Maria. Henrique IV fora ludibriado pelo velho truque do retrato e esperava uma beleza esguia com traços elegantes, não a mulher rechonchuda com um rosto sem atrativos como uma camponesa. No entanto, cumpriu seus deveres dinásticos e Maria engravidou na lua-de-mel. Logo depois, Henrique partiu - segundo ele, para resolver negócios de Estado urgentes - e visitou Henriette, que também ficara grávida. Quando Maria fez sua entrada oficial em Paris sozinha, surpreendeu-se com a falta de pompa. Ainda pior, quando chegou ao Louvre, encontrou seus aposentos escuros e vazios. O rei se esquecera de encomendar o mobiliário.

Henriette atormentou Henrique para apresentá-la à rainha o mais rápido possível, pois essa apresentação lhe daria prestígio na corte. As mulheres plebéias precisavam ser introduzidas por uma mulher nobre de alta estirpe e a tarefa coube à infeliz duquesa de Nemours, que sabia que a nova rainha nunca a perdoaria. Trêmula, a duquesa apresentou Henriette. Embora o francês de Maria não fosse ainda perfeito, ela já ouvira esse nome e suas associações desagradáveis. Henrique, com sua franqueza rude, disse bruscamente: "Essa é minha amante que agora deseja ser sua súdita." Essa declaração feriu ainda mais a pobre esposa, que se agarrava aos últimos vestígios de sua dignidade.

Fervilhando de ressentimento em relação à intrusa, Henriette inclinou-se diante da rainha, mas não o suficiente e, então, Henrique empurrou sua cabeça mais para baixo. Ela demonstrou também grande desagrado ao beijar a bainha do vestido da rainha. O embaixador toscano em seu relatório para o grão-duque, tio de Maria, descreveu cada detalhe desse evento histórico. Escreveu com orgulho sobre a compostura real de Maria: "A rainha recebeu-a com sua maneira usual e tratou-a com cortesia durante toda a noite, sem demonstrar nenhum desprazer."

Mas a máscara estudada de dignidade encobria um coração angustiado. O sangue italiano de Maria ferveu com o insulto. Ágil quando Maria era morosa, graciosa quando Maria era desajeitada, Henriette usava todas as artimanhas possíveis para punir a mulher que usurpara o que considerava seu lugar de direito. Um cortesão escreveu: "A marquesa, acreditando que dominava o rei, e tirando partido como de hábito de sua vivacidade e de seu espírito mordaz, atormentava e ofendia sem cessar a rainha; e primeiro uma frieza, depois indignação e raiva surgiram entre elas, e o rei foi obrigado a separá-las para manter a paz."

Henriette adorava imitar o sotaque italiano e o francês tosco da rainha, assim como seu andar deselegante. Henrique e seus cortesãos gargalhavam com essas imitações, que eram contadas a Maria e a irritavam profundamente. Henriette, referindo-se aos ancestrais comerciantes de Maria, chamava-a de "a banqueira florentina obesa". Por sua vez, a rainha se referia a Henriette como "a meretriz do rei".

À medida que os meses passavam, a rainha Maria, gorda e grávida, observava o marido e a amante, também gorda e grávida, rirem e flertarem. Silenciosa, zangada, incapaz de entender esse encanto mútuo, as trocas rápidas de ditos sagazes, Maria remoía seu rancor. Pouco mais de nove meses depois de sua noite de núpcias, ela cumpriu seu dever fundamental e deu a Henrique, agora um homem cansado e de 48 anos, um herdeiro. Maria estimulou o orgulho do marido. Durante quatro semanas seu prestígio foi muito maior que o de Henriette, e ela adorou isso.

Mas Henriette também deu à luz um menino, diminuindo um pouco o brilho da realização da rainha. Apesar da genuína demonstração de afeto e respeito pelo seu presente de um príncipe e herdeiro, Maria percebeu com clareza que mesmo o nascimento de um filho não despertara o amor do marido. Sua atração por Henriette era forte demais. O amor frustrado de Maria transformou-se em uma dor profunda, manifestada em uma raiva intensa.

Maria ficou encantada ao receber de um cortesão um pacote de cartas de Henriette, em que ela ridicularizava o rei. A rainha, dissimulando um sorriso de triunfo, entregou as cartas ao marido. Ele ficou rubro e trêmulo de raiva ao lê-las. Enviou então um mensageiro para prender Henriette por traição e privá-la de todos os seus privilégios. Porém, a ardilosa Henriette convenceu Henrique de que as cartas eram forjadas, provavelmente por instigação da rainha Maria. Henriette concedeu perdoá-lo se recebesse a soma exorbitante de 6 mil libras. O rei ficou furioso com a esposa por ter-lhe apresentado essa fraude ultrajante.

Após esse episódio Maria perdeu por completo o amor do marido. O casamento, que gerou cinco crianças que viveram até a idade adulta, reduziu-se a brigas violentas e a copulação a um dever político. Com a reabilitação de Henriette, o embaixador inglês relatou que a rainha "permanecia fechada em seu quarto, deitada o dia inteiro, em lágrimas e lamentações, ou, caso se levantasse, vestia apenas roupas de dormir. Recusava-se a abrir a porta quando o rei batia".

Em 1602, Maria deu à luz uma princesa e, como usual, Henriette deu à luz uma menina logo após. Ao ouvir essa notícia, a fúria da rainha não teve limites. O duque de Sully a viu arranhar o rosto do rei em meio a uma discussão. Quando ela levantou o braço para golpeá-lo, o duque agarrou-o para evitar a pancada.

Henrique confessou: "Não recebi de minha mulher nem companhia, alegria ou consolo; lhe era impossível ou talvez não quisesse mostrar-­me qualquer atitude gentil ou ter uma conversa agradável, tampouco acomodava-se às oscilações de meu temperamento e disposição. Em vez disso, exibia uma expressão fria e desdenhosa quando eu entrava para beijá-la ou abraçá-la, e entreter-me um pouco com ela, e, humilhado, sentia-me impelido a procurar em outro lugar meu momento de diversão."

Finalmente, Henrique repeliu Henriette, em 1608, em razão de negociações traiçoeiras com os espanhóis para depô-lo e pôr seu filho bastardo no trono. Rejeitada pelo rei, Henriette esperou um pedido eventual de retorno. Mas, quando Henrique foi assassinado, em 1610, a nova regente da França, a rainha Maria de Médici, pôde expressar livremente seu ódio por Henriette e a exilou da corte. A antiga favorita afogou suas frustrações na comida e tornou-se obesa. Henriette viveu até 1633, 23 anos além de Henrique, e morreu com 55 anos só e sem que ninguém a velasse.

 

                                  O Corno do Rei - O Marido da Amante

 

Não se pode colher rosas sem temer os espinhos, nem desfrutar uma esposa fiel sem o perigo dos cornos.

                       - Benjamin Franklin -

 

Em muitos casos, o triângulo amoroso tradicional - rei, rainha e amante - era, na verdade, um quadrilátero amoroso. Muitas amantes eram casadas, antes ou depois de sua ligação com o rei ou durante a relação por imposição do monarca. Uma contradição perfeita à luz dos preceitos morais do século XXI, mas pensava-se que o casamento conferia uma capa de respeitabilidade à amante do rei. A aprovação tácita do marido legitimava uma relação ilícita. Além disso, uma mulher solteira que engravidasse convertia-se automaticamente em um foco de estigma social. Mesmo que uma amante grávida de um rei não dormisse com o marido há anos, o fato de ser casada a protegia.

Entretanto, alguns reis, sobretudo Luís XIV e seu bisneto Luís XV, afligiam-se com a idéia de cometer um duplo adultério e, do ponto de vista de um pecado mortal, preferiram ter amantes solteiras, desse modo justificando suas transgressões carnais. Luís XIV viveu feliz com uma jovem solteira, Louise de La Valliere, durante sete anos, nos quais ela deu à luz, escandalosamente, quatro filhos. Quando se apaixonou por Athénaïs de Montespan, que era casada e lhe deu sete filhos, a preocupação com a salvação de sua alma aumentou. Na verdade, sua angústia era tão profunda que após a morte da rainha casou-se em segredo com Madame de Maintenon, que apesar da idade ainda era virgem, para desfrutar o sexo sem culpa.

Nas pegadas do bisavô, Luís XV, que não se sentia culpado ao trair sua esposa, atormentava-se com o pecado de ter relações sexuais com Madame de Pompadour porque era casada. Suas crises de consciência eram especialmente agudas durante a Páscoa. período de reflexão sobre o ano precedente.

Mas Luís não teve escrúpulo em casar sua última amante, a deslumbrante prostituta Jeanne Becu, com um nobre empobrecido para elevar sua posição social. Luís procurou nas tavernas e bordéis da França o irmão do alcoviteiro de Jeanne, o conde du Barry. No altar, o homem recebeu uma bolsa de ouro, uma pensão vitalícia e um cavalo para partir. Essa mulher casada e respeitada, agora uma condessa, poderia ser apresentada à corte apesar dos sarcasmos atrás dos leques pintados.

No entanto, o casamento de fachada retomaria para atormentar os amantes. Quatro anos depois, em 1773, o monarca adoentado e viúvo pensou em se casar com sua amante favorita e, assim, morrer em estado de graça santificada como seu bisavô Luís XIV com Madame de Maintenon. Madame du Barry ficou em êxtase. Após a humilhação constante na corte, via-se como rainha da França diante da qual todos os seus inimigos teriam de fazer mesuras. Porém, tinha um marido, bebendo em algum lugar, que nesse momento enviou uma mensagem para o rei dizendo que faria uma aparição embaraçosa em Versalhes, a menos que fosse generosamente compensado. Foi logo pago com milhares de livres e recebeu o título de cavaleiro da Ordem de São Luís - uma condecoração concedida por elevados méritos, embora nesse caso tenha sido por chantagem ostensiva. Todos os planos de casamento foram abandonados.

No século X a.C., o rei Davi livrou-se do marido inconveniente de Betsabá, Urias, o Hitita, enviando-o para a frente de batalha. No século XVII, os reis adotaram uma solução um pouco mais humana - exilavam o marido no estrangeiro a pretexto de uma missão diplomática. Esse foi o caso de Roger Palmer, marido de Barbara, Lady Castlemaine, amante de Carlos II. Roger percorreu penosamente as cortes da Europa a mando de Carlos. Era chamado de volta sempre que Barbara fosse dar à luz um bastardo real e esperava-se que permanecesse solícito após o parto como se a criança fosse dele.

Dois séculos mais tarde, Nicholas von Kiss, o marido bonitão mas inexpressivo de Katharina Schratt, amante do imperador Francisco José da Áustria, foi convidado pelo imperador a juntar-se ao serviço diplomático - um pedido que ele não ousou recusar. Quando Nicholas queixava-se do tédio de um local, Katharina pedia ao imperador para transferi-lo para outro. Nicholas visitava periodicamente a esposa em Viena para rechear os bolsos com o dinheiro dela, antes de ir para o exterior mais uma vez.

 

Em 1855, o indulgente esposo da amante de Napoleão III, Virginie di Castiglione, resumiu o papel tradicional de marido traído por um rei ao dizer: "Sou um marido modelo. Nunca vejo ou ouço nada." E, na verdade, muitos homens gostariam de ceder a esposa para o bem de seu país.

Nos anos 1670, a princesa de Soubise teve uma breve ligação com Luís XIV com a ajuda do príncipe, seu marido. Uma noite o camareiro do rei, Bontemps, bateu à porta da princesa para chamá-la para seu encontro com o rei. O príncipe fingiu roncar alto. Embora o relacionamento tenha sido rápido, o príncipe viu-se objeto de escárnio na corte. Mas o marido traído ria do desprezo dos cortesãos à medida que enriquecia. "Nunca uma fortuna familiar tão prodigiosa cresceu tão depressa", escreveu o duque de Saint-Simon. O Hôtel de Soubise tornou-se a casa mais grandiosa de Paris e hoje abriga os Arquivos Nacionais da França. Está claro por que tantos cortesãos encorajavam suas esposas a fazer sexo com o rei - as pagas do pecado eram altas.

Na década de 1820, o rei Jorge IV cortejou sua amante, Lady Conyngham, na presença do marido condescendente. O rei segurava sua mão embaixo da mesa e sempre tocava primeiro seu copo com o dela antes de beber. Tinha o hábito escandaloso de cheirar rapé entre seus generosos seios. Durante essas manifestações de afeição, lorde Conyngham com freqüência sentava-se ao lado do casal feliz, bebendo muito satisfeito. Devia estar saboreando as riquezas que a família acumulou com tanta rapidez. O rei designou esse indulgente cavalheiro tesoureiro da Casa Real, nomeação que foi rapidamente anulada pelos membros indignados de seu Gabinete.

O destino do conde polonês Anastase Walewski - que empurrou sua esposa Maria para os braços ansiosos de Napoleão Bonaparte - não foi tão feliz. O rico conde casara-se com Maria quando ela tinha 16 anos e ele 68. Fora uma excelente barganha para a família da noiva, que perdera sua fortuna em decorrência da guerra e das redistribuições de terras, A Polônia não era mais uma nação soberana e seu território fora dividido, a partir de 1786, entre a Rússia, a Prússia e a Áustria, em uma espécie de rapina internacional.

Mas o jovem coração de Maria definhou nos braços do velho conde. No altar de auto-imolação, Maria escreveu lamentosa para uma amiga: "Ele é gentil. Paga todas as dívidas da fazenda de minha mãe. (...) Preciso ser uma boa esposa para ele. (...) Alguém consegue tudo que deseja na vida?"

O conde, que aparentava menos idade, envelheceu rapidamente após o casamento. Tornou-se rabugento, criticando a aparência e o comportamento da esposa e fazendo cenas de ciúme quando os homens lhe dirigiam a palavra. Contudo, o marido tinha ambições sociais e levava Maria a bailes e jantares, onde sua beleza atraía admiradores. No turbilhão social das mulheres da corte, a modéstia genuína de Maria era talvez seu maior trunfo - mais ainda que seu longo cabelo louro, seus grandes e inocentes olhos e sua pele branca perfeita.

Em dezembro de 1806, Napoleão e o Exército francês entraram em Varsóvia e foram recebidos de braços abertos pelo povo em adoração. Os poloneses estavam convencidos que Napoleão iria libertá-los da ocupação estrangeira e reorganizar a Polônia como uma nação livre e soberana. Dezenas de milhares de jovens poloneses juntaram-se aos Exércitos imperiais, para pagar, com seu sangue, a dívida da Polônia com Napoleão, que seria, sem dúvida, quitada.

Em janeiro de 1807, Napoleão ofereceu um luxuoso baile para a sociedade de Varsóvia. O conde Anastase Walewski e sua jovem esposa foram convidados. Maria ficou extremamente nervosa diante da perspectiva de encontrar seu herói, o homem que, com certeza, salvaria a Polônia. Pediu então ao marido para ficar em casa. Não apenas ele recusou, como a mandou pôr seu vestido mais bonito e ordenou que o colar de brilhantes e safiras pertencente à família fosse trazido de sua propriedade rural. O conde, embora muito ciumento da atenção masculina que a beleza da esposa despertava, queria exibi-la para o imperador.

Com um vestido justo azul-claro para combinar com os olhos e um cordão prateado em volta da cintura, Maria foi apresentada a Napoleão. Ele olhou-a com atenção e seguiu seu caminho em silêncio. Mais tarde, voltou-se para o ministro Talleyrand e falou estas palavras antigas e fatais que mudaram a vida de tantas mulheres: "Quem é ela?"

Maria voltou para casa naquela noite contente por ter conhecido seu herói e depois não pensou mais no assunto. Todos, menos Maria, sabiam que o conquistador da Europa ficara fascinado com sua beleza e que seu comentário "Há muitas mulheres belas em Varsóvia" referia-se especialmente a Maria.

Poucos dias depois, durante o baile do ministro de Relações Exteriores, Napoleão não perdeu tempo em convidar Maria para dançar. Viram-no apertar sua mão após a dança e olhar para ela detidamente através do salão. Na verdade, parecia que Napoleão passara a noite inteira só contemplando Maria.

A infeliz jovem tornou-se, repentinamente, o principal objeto de interesse no baile. Centenas de pares de lábios aristocráticos sussurravam comentários sobre ela atrás dos leques. Centenas de pares de olhos perspicazes a observavam. Maria sentiu-se humilhada com toda essa atenção, mas seu marido exibia-se como um pavão vaidoso. Finalmente, ela fizera algo do qual ele se orgulhava.

No dia seguinte, o marechal Duroc, chefe da casa imperial, enviou a Maria um buquê de flores e uma carta fechada com o selo verde do imperador. Dizia: "Só a vi; só a admirei; desejo apenas a senhora; peço­-lhe que responda prontamente para acalmar meu ardor e impaciência. Napoleão."

Atônita, Maria disse ao marechal que não haveria resposta. Nessa noite chegou um novo buquê e outra carta. "Eu a desagrado, Madame? Seu interesse por mim parece ter se desvanecido, enquanto o meu aumenta a cada momento. (...) A senhora destruiu minha paz. (...) Suplico-lhe que conceda um pouco de alegria para meu pobre coração, tão pronto a adorá-la. É difícil enviar uma resposta? Deve-me duas. N." Mais uma vez, Maria não enviou resposta.

Logo após chegou uma terceira missiva, em que Napoleão depositava seu coração nos pés de Maria e sagazmente acrescentara: "Ah, venha, venha... todos os seus desejos serão satisfeitos. Seu país será tão mais querido por mim, se a senhora apiedar-se do meu pobre coração."

Esta frase era ardilosa, pois invocava o espírito patriótico de Maria em uma linguagem que ela compreendia. Polônia. Ela poderia usar sua influência com o Grande Homem para salvar a Polônia. Mas Maria não sabia a opinião de Napoleão sobre mulheres imiscuindo-se na política. "Estados são perdidos, assim que as mulheres interferem nas questões políticas", ele dissera. "(...) Se uma mulher sugerir alguma iniciativa política, isso me parecerá razão suficiente para seguir o caminho oposto." Em uma mensagem para o Exército, escreveu: "Como são infelizes esses príncipes que, em assuntos políticos, deixam-se ser guiados por mulheres."

Logo todos em Varsóvia souberam do encantamento de Napoleão por Maria. Muitas pessoas foram à sua casa para oferecer-lhe conselho. Senhoras da sociedade lhe fizeram congratulações indesejadas pela conquista e, até mesmo, felicitaram o marido. Seu irmão mais velho, Benedict, que já servia havia dez anos o Exército francês, pensava ser seu dever patriótico fazer sexo com o imperador. O conde sentiu-se honrado pelo fato de Napoleão desejar sua esposa e a incitou a visitá-lo assim que solicitasse.

Na realidade, parecia que todos queriam que Maria fizesse sexo com Napoleão, exceto ela. Todos a censuravam: o que aconteceria se o imperador, desprezado por Maria, se voltasse contra a Polônia? Seria culpa de Maria! Então, Maria, tremendo, posta na carruagem pelo marido insistente, visitou Napoleão em seus aposentos no castelo de Varsóvia. Na primeira noite ele conversou com ela durante quatro horas e nada mais aconteceu. Na segunda noite ela tornou-se "a vítima relutante de sua paixão", como escreveu uma década depois em suas memórias, uma frase que soava alarmante como um estupro. Mas a ternura deve ter vindo mais tarde, porque despertou uma sexualidade que ela jamais conhecera com um marido doente e idoso.

O velho conde incitara uma relação amorosa que não poderia deter. Maria apaixonou-se por Napoleão e sua gratidão pelo marido extinguiu-se quando ele a forçou para outros braços masculinos. Separaram-­se e, por fim, divorciaram-se. Maria enamorou-se profundamente por Napoleão e durante os três anos de seu tórrido romance seguiu-o pela Europa em campanhas militares. Porém, quando ficou grávida, Napoleão - que sempre pensara ser estéril - constatou que podia gerar um príncipe e herdeiro. Divorciou-se da estéril Josefina, abandonou a infeliz Maria e casou-se com uma princesa austríaca de 18 anos.

O sacrifício de Maria em benefício de sua amada nação foi tão adverso como o seu romance com o imperador. Ao lhe prometer reconstituir a Polônia, Napoleão instruíra seu embaixador na Rússia para dizer ao czar: "Sua Majestade estava disposto a que as palavras Polônia e os poloneses desaparecessem de todas as transações políticas em curso", e "concordaria que o reino da Polônia nunca fosse restaurado."

Duplamente traída por Napoleão, Maria não hesitou em visitá-lo em sua desgraça e exílio na ilha de Elba. Levando o filho de cinco anos e todas as suas jóias para ajudá-lo em suas dificuldades financeiras, chegou à ilha preparada para permanecer em sua companhia. Mas Napoleão, temendo que o escândalo impedisse que sua esposa, a imperatriz Maria Luísa, e o filho se reunissem a ele, ordenou-lhe que partisse três dias depois de sua chegada. Maria e a Europa inteira sabiam que a imperatriz estava tendo um caso com um cavalariço bem-apessoado em Viena e jamais trocaria seu luxuoso estilo de vida para exilar-se em meio a rochas. Sem querer desiludir Napoleão, Maria não protestou e embarcou no navio. Nunca mais o viu.

 

Nem todos os maridos alegravam-se quando o rei cobiçava sua esposa. Em 1716, a nova amante de Filipe de Orléans, regente da França, possuía um acessório inconveniente - um marido apaixonado e ciumento. Apesar de Marie-Madeleine de Parabere ostentar as jóias caras que o regente lhe dera e esmerar-se em usá-las, ela precisava explicar ao marido como as obtivera.

Madame de Parabere contou ao marido que alguns amigos em dificuldades financeiras queriam vender as jóias por um preço ridiculamente baixo. Seu marido generoso deu-lhe dinheiro para comprá-las. Quando mostrou suas pedras faiscantes em público e os cortesãos perguntaram onde as obtivera, respondeu que seu gentil marido as comprara para ela. Ninguém acreditou, exceto o marido. Confiante na aparente fidelidade da mulher, Monsieur de Parabere replicou que um marido deveria ser magnânimo com uma esposa que amava apenas a ele. A sala encheu-se de risos. Monsieur de Parabere morreu pouco depois, poupando sua mulher de cenas traumáticas quando inevitavelmente descobrisse a verdade. Livre desse fardo, Madame de Parabere pôde exibir os presentes do regente com mais liberdade.

Mas a maioria das amantes reais não tinha maridos que lhes conferiam a liberdade de uma viuvez precoce. Na década de 1740, Madame de Pompadour foi forçada a livrar-se de um marido que a adorava quando se tornou amante de Luís XV. Nascida Jeanne Poisson, casara-se ­ acima de sua posição social - com um rico e bonito burguês chamado Le Normant d'Etioles. Monsieur d'Etioles era sobrinho de Le Normant de Tournehem, amante da mãe de Jeanne, que também era presumivelmente seu pai. Monsieur d'Etioles idolatrava a esposa e deu-lhe uma generosa mesada para embelezar-se e às suas casas, e para reafirmar sua posição que fora diminuída pelo passado duvidoso da mãe.

Desde criança, a única ambição de Madame d'Etioles era tornar-se amante do rei. É provável que seu casamento com Monsieur d'Etioles tivesse um duplo propósito - usufruir os frutos de uma posição social mais elevada e usá-la como um trampolim para encontrar o rei. Embora a bela e jovem esposa tivesse muitos admiradores, nunca teve amantes, um fenômeno raro em Paris no século XVIII. Sabia-se que em jantares animados comentavam que apenas o rei a faria ser infiel ao marido. Os risos sempre espalhavam-se pelo salão ante esse comentário, o marido rindo mais alto que todos. Desconhecia a verdade crua que se ocultava atrás do comentário espirituoso e a dor que lhe causaria.

Após quatro anos de casamento, Jeanne realizou seu desejo de encontrar o rei e conquistá-lo. Monsieur de Tournehem ocupava o posto de rendeiro - um rico cobrador de impostos - e, demonstrando mais lealdade para sua possível filha que para seu sobrinho, rapidamente enviou seu marido para uma longa viagem pelas províncias. Quando Monsieur d'Etioles voltou dois meses mais tarde, o tio deu-lhe a indesejada notícia que sua bela esposa tornara-se amante do rei. Monsieur d'Etioles desmaiou com o choque.

Quando se recobrou, reagiu de modo tão violento que o tio teve medo que tentasse se matar e retirou todas as armas da casa. Monsieur d'Etioles ameaçou ir a Versalhes para reaver a esposa, porém o tio o fez ver a loucura dessa atitude.

Nesse ínterim, Madame d'Etioles aproveitou a reação violenta do marido para pressionar o rei a convertê-la em maîtresse-en-titre oficial. Cansada de utilizar passagens laterais e escadas secretas à noite, queria ter sua posição reconhecida; desejava sentir o gosto do poder, de desfrutar o luxo de Versalhes em todo o seu esplendor diurno. Madame d'Etioles contou ao rei que corria perigo com um marido ciumento e insano e apenas ele poderia protegê-la. Chorou copiosamente derramando suas lágrimas em um lenço de seda. Luís, abalado, foi vencido pelas suas lágrimas e cedeu a todos os seus pedidos. Como um sinal de aceitá-la como maîtresse-­en-titre, concedeu-lhe o título de marquesa de Pompadour.

Monsieur d'Etioles foi mandado em viagem de negócios para a Provença com a esperança que a mudança de ares dissipasse sua tristeza. Em 1747, o rei recompensou-o por sua aquiescência dando-lhe o cargo recentemente vago que havia ocupado seu tio, o que lhe propiciou uma renda enorme de 400 mil livres por ano. Tornou-se amante de uma cantora de ópera, Mademoiselle Raime, e viveu com ela uma espécie de casamento por muitos anos, gerando diversas crianças. Ao lhe ser oferecido o posto de embaixador da França em Constantinopla recusou, porque não lhe permitiriam levar a amante e os filhos, e enquanto Madame de Pompadour viveu, não se casou de novo.

Em 1756, Madame de Pompadour empenhou-se para obter o posto de dama de honra da rainha. Essa posição lhe daria respeitabilidade, mas seu romance com o rei, que lhe abrira tantas possibilidades gloriosas, nesta ocasião dificultou seu caminho. As damas de honra da rainha precisavam comungar todos os dias, mas a Igreja proibiu Madame de Pompadour de receber os sacramentos em razão de sua ligação adúltera com o rei e seu contínuo afastamento do marido. Embora após anos sem ter relações sexuais com Luís, continuava banida do altar. Madame de Pompadour, que não gostaria de se reconciliar com o marido, porém precisava agora se reconciliar com a Igreja, seguiu as instruções de seu confessor e escreveu uma carta para Monsieur d'Etioles pedindo-lhe que a aceitasse de volta. "Meu pecado terminou", explicou, "tudo que preciso é acabar com essa aparência - algo que desejo ardentemente. Estou decidida pela minha conduta futura a apagar os erros do passado. Aceite-me de volta; verá meu desejo de edificar o mundo com a harmonia de nossa vida, tanto quanto eu o escandalizei ao abandoná-lo." Essa carta intencional foi acompanhada por outra mensagem, informando a Monsieur d'Etioles que o rei ficaria muito irritado se aceitasse a oferta de Madame de Pompadour.

Mas Monsieur d'Etioles não tinha a mínima intenção de aceitar de volta uma mulher que o humilhara tão publicamente. "Recebi, Madame, a carta em que declara sua determinação de retomar nosso casamento e seu desejo de se submeter à vontade de Deus", respondeu. "Só posso admirar essa resolução. Compreendo que lhe seria muito embaraçoso ver-me, e deve concordar que meus sentimentos seriam os mesmos. Sua presença só intensificaria recordações dolorosas. Portanto, a melhor atitude é vivermos separados. Apesar da infelicidade que me causou, acredito que esteja preocupada com minha honra, e consideraria isso como um compromisso se a recebesse em minha casa e vivesse como minha esposa. Porém, como sabe, o tempo não pode alterar o que a honra requer."

Com um grande suspiro de alívio, Madame de Pompadour mostrou a carta do marido a um padre indulgente, foi purificada de seus pecados carnais e lhe permitiram receber os sagrados sacramentos. Reconciliada com a Igreja, poderia realizar seu sonho de tornar-se dama de honra da rainha.

A história de Monsieur d'Etioles teve um final feliz. Quando Madame de Pompadour morreu aos 42 anos, seu marido rejeitado casou-se com Mademoiselle Raime, legitimou seus filhos e viveram felizes durante muitos anos. Sobreviveu à Revolução e morreu em 1800, aos 83 anos.

Alguns maridos que no início ficavam horrorizados com a perda de suas mulheres para o rei, logo se reconciliavam. Augusto, o Forte, eleitor da Saxônia, teve essa sorte com os maridos de diversas amantes. Alto, bonito, sua força brutal apenas parcialmente suavizada pelos refinamentos usuais, Augusto tornou-se eleitor em 1694, aos 24 anos. Casou-se segundo os costumes com uma princesa e gerou um herdeiro, mas sua natureza inquieta impeliu-o a continuar as viagens que desfrutara antes de subir ao trono. Um rei coroado passeando pela Europa era uma raridade à época, e o monarca itinerante encontrou muitíssimas mulheres nobres desejosas de atirarem-se em sua cama quando visitava as cortes estrangeiras.

Em Viena, na corte de José I, rei do Sacro Império Romano, Augusto apaixonou-se por Madame d'Esterle, cuja resistência foi conquistada com o presente de um par de brincos de 40 mil florins. Impressionada com tal prova de desejo de um rei, Madame d'Esterle ignorou a prudência e tomou a iniciativa de seduzi-lo. Logo depois, seu marido entrou em seu quarto de manhã e deparou-se com a mulher dormindo, com a cabeça de cabelos encaracolados e espessos do rei da Saxônia pousada em seus seios desnudos. O marido horrorizado exclamou: "Ah, sua miserável traiçoeira!" Quando o rei, assustado, pulou da cama e segurou sua espada, Monsieur d'Esterle fugiu. Vestindo-se rapidamente, Augusto enviou a amante para a casa inviolável de seu enviado em Viena, levando uma caixa cheia de jóias.

Encolerizado, Monsieur d'Esterle correu para a antecâmara do imperador, onde os cortesãos se entretinham, e extravasou sua vergonha e raiva para os amigos. Porém, eles acharam que Monsieur d'Esterle não deveria estar zangado. Segundo o biógrafo de Augusto: "Os amigos consolaram-no da melhor maneira possível, dizendo que ele não tinha razão de estar perturbado por um assunto tão trivial. Citaram exemplos de casos semelhantes descritos em obras de poetas, além de fatos da história antiga e moderna."

Os amigos observaram que, segundo um mito antigo, Anfitrião ficou furioso ao descobrir que sua mulher o traía. Mas quando soube que seu rival era Júpiter, rei dos deuses, acalmou-se imediatamente. Lembraram quantos nobres romanos cederam suas esposas aos imperadores. Quando Monsieur d'Esterle replicou que sua esposa não fizera sexo nem com um deus nem com seu próprio imperador, o embaixador austríaco o aconselhou: "Para imitar os exemplos desses maridos que mencionei, fique a serviço do eleitor da Saxônia; e ele poderá ter relações sexuais com sua mulher sem que isso lhe acarrete problemas."

O marido traído sentiu-se tão reconfortado com a idéia que estava emprestando a esposa a Júpiter que escreveu de imediato para o eleitor oferecendo-lhe seus préstimos. Confuso com o curso dos eventos, Augusto pediu a opinião de Madame d'Esterle. A perspectiva de o marido voltar com o eleitor para sua corte, onde ficaria sempre muito próximo deles e em uma posição fácil para criar problemas, apavorou-a. Aconselhou então o eleitor a conceder ao marido uma pensão generosa sob diversas condições, entre as quais, assegurando-lhe liberdade e respeitabilidade. Seu marido renunciaria a todos os direitos maritais, mas daria seu nome aos bastardos do rei que sua mulher gerasse. Em contrapartida ao seu estipêndio anual, o marido traído seguiu rigorosamente os termos do contrato.

Outro marido que não resistiu ceder sua mulher a Júpiter foi Edward Langtry, cuja mulher fascinante, Lillie, tornou-se a primeira amante oficial de Eduardo, príncipe de Gales, em 1877. Edward Langtry seguia a brilhante trajetória de Lillie para a fama e a glória, porém jamais conseguiu igualá-la, Quando Lillie sobressaía em uma festa, Edward sentava-­se taciturno em um canto, bebendo.

Edward nunca demonstrou publicamente qualquer ressentimento em relação ao príncipe de Gales, porém, às vezes, desafogava suas frustrações em repentinos ataques de fúria contra a mulher. Certa vez, Lillie e Edward hospedaram-se com o príncipe na casa de lorde Malmesbury. Lillie escreveu uma carta provocante ao amante, e o marido a decifrou segurando o mata-borrão que ela utilizara diante de um espelho. Edward ficou tão furioso que reduziu Lillie, que comumente demonstrava uma personalidade forte, a um poço de lágrimas, A casa inteira ouviu a discussão. Lorde Malmesbury também zangou-se com o fato de os criados não terem trocado o mata-borrão todos os dias nos quartos dos hóspedes como instruíra para evitar esse tipo de inconveniência.

 

Após três anos, Lilie foi substituída pela atriz Sarah Bernhardt, que conquistara Londres e o príncipe de Gales como um tornado. Lillie dirigiu suas atenções para o príncipe alemão Luís de Battenburg e logo engravidou. O príncipe de Gales, ainda enamorado de Lillie, providenciou para que ela desse à luz na França, longe de olhos curiosos. Até mesmo Edward Langtry não soube que sua esposa tivera uma criança.

Lillie, separada do marido, agora praticamente arruinado, viu-se privada da generosidade financeira do príncipe. Para sustentar-se e prover a filha, decidiu imitar sua rival, Sarah Bernhardt, e ganhar a vida como atriz de teatro. Sua notoriedade como a antiga amante do príncipe garantia boa bilheteria, e o príncipe e a princesa de Gales assistiam constantemente às suas peças em Londres. Viajando por toda parte em seu próprio vagão de trem com dez aposentos luxuosos, atuou em diversos lugares nos Estados Unidos durante seis anos e obteve enorme sucesso nas cidades de mineração do Velho Oeste.

Edward, agarrando-se a antigas lembranças de amor, negou-se a dar o divórcio a Lillie apesar de seus pedidos, e as cortes britânicas sem o consentimento de ambas as partes recusaram a concessão do divórcio. Em razão da maior flexibilidade das cortes norte-americanas, Lillie tornou-se cidadã americana para livrar-se do marido humilhado. Ao perder a esposa, primeiro para um príncipe e depois para uma carreira fulgurante, Edward mergulhou no alcoolismo e na depressão. Lillie, embora encantada de ter se libertado do marido, fielmente lhe enviava dinheiro quatro vezes por ano até a morte dele.

 

Enquanto alguns maridos rejubilavam-se com o fato de seus monarcas fazerem sexo com as suas esposas, outros sofriam resignados, e poucos tinham estrutura emocional para tolerar essas intrusões adúlteras. Um dos primeiros registros de uma oposição ocorreu durante o reinado de João (1167-1216), outorgante da Magna Carta, na Inglaterra. Eustace de Vesci, um aristocrata, era odiado pelo rei João "porque pusera uma mulher do povo em vez de sua esposa na cama real".

Em geral, depreende-se dos registros do século XIII sobre esses atos de rebeldia mais perguntas que respostas. No entanto, imaginemos o rei João divertindo-se na escuridão profunda de um aposento feudal com o que presumia ser uma virtuosa e bela moça da nobreza. Depois, quando os dedos frios da aurora iluminaram a pessoa na cama, deparando-se consternado com uma copeira ou uma lavadeira.

Na década de 1520, o rei Francisco I foi ao quarto de uma senhora e encontrou o marido esperando-o ao lado da cama, com uma espada na mão para preservar a honra da esposa. Furioso, o rei declarou ao marido que se molestasse sua esposa seria assassinado, expulsou o infeliz do quarto e foi para a cama com a mulher dele.

Henrique IV da França enfrentou a resistência não apenas de um, mas de dois maridos teimosos. Quando Gabrielle d'Estrées lhe deu um filho, Henrique temeu que seu marido idoso, Nicolas d' Amerval, reivindicasse a paternidade c separasse o menino da mãe, Henrique decidiu pressioná-lo a divorciar-se. Porém, um dos poucos motivos para a Igreja anglicana conceder divórcio era em caso de impotência do marido.

O infeliz d'Amerval viu-se em uma posição extremamente incômoda. Admitir a impotência - desagradável para um homem em qualquer circunstância - era um destino pior que a morte no século XVI. Por outro lado, enfurecer o rei poderia prejudicar suas propriedades e mesmo ameaçar sua vida, se Henrique decidisse que esse homem insignificante que se interpunha em seu caminho fosse assassinado. D'Amerval testemunhou: Para obedecer ao rei e temendo por minha vida, sinto­-me pressionado a consentir com a dissolução do meu casamento com a senhora d'Estrées. (...) Declaro e protesto diante de Deus que se essa anulação for ordenada e promulgada, será pela força, contra minha vontade, e apenas por respeito pelo rei, e assevero que a confissão e declaração de minha impotência e incapacidade é falsa. Na verdade, d' Amerval tivera 14 filhos com sua primeira mulher.

Poucos dias do decorrer do processo, d'Amerval subitamente reverteu sua posição e admitiu que era impotente. A razão desse procedimento não é conhecida. Henrique não era uma pessoa dada a ameaças, mas pode tê-lo subornado. Os criados de d'Amerval foram chamados como testemunhas adicionais e atestaram que seus lençóis jamais apareceram manchados. O divórcio foi concedido.

Após a morte de Gabrielle, em 1599, e o casamento infeliz no ano seguinte com Maria de Médici, Henrique passou um período ainda mais complicado com um marido traído, quando se apaixonou pela bela Charlotte de Montmorency em 1609. O ardor desse monarca sempre romântico não diminuíra em virtude de seus 54 anos nem pela diferença de idades; o objeto de seu desejo tinha 14 anos e brincava até pouco tempo com bonecas. Charlotte estava comprometida com um rapaz viril e bonito. O rei rompeu esse compromisso e a casou com o inexpressivo príncipe de Condé, um ser débil e magro que tinha a fama de ser homossexual.

Em maio, Charlotte comemorou seu aniversário de 15 anos e casou-se com o príncipe de Condé em uma cerimônia esplendorosa. O rei não compareceu ao casamento, mas enviou presentes principescos para a nova esposa. Infelizmente, o marido insignificante e franzino não era tão maleável quanto Henrique pensara. O orgulho do príncipe ficou espicaçado pela dor aguda e pública de estar sendo traído. Um mês após o casamento, pediu permissão ao rei para retirar-se com a esposa para suas propriedades rurais. A resposta foi uma firme negativa.

Enraivecido, Condé confrontou o rei e o chamou de tirano. Henrique ameaçou suspender sua pensão se deixasse a corte sem permissão. Impávido, o príncipe partiu com a esposa. Henrique, disfarçado de caçador - disfarce completado com um tapa-olho -, espionou a propriedade do príncipe na esperança de vislumbrar a amada. Esse truque romântico de disfarçar-se tinha todos os ingredientes das lendas da sua juventude - cruzar disfarçado as linhas inimigas para visitar sua amante Gabrielle por algumas horas preciosas -, mas agora soava deplorável em um velho devasso. Charlotte, de qualquer modo, não apreciou essa intrusão. Quando caminhava nos jardins, viu o rei vestido com seus andrajos de caçador e começou a gritar a plenos pulmões até ele partir. Ao ser informado da visita do rei, Condé percebeu que teria de levar Charlotte para o exterior.

Logo depois, Henrique recebeu a notícia que o príncipe buscara a segurança de Charlotte na Holanda. O conselheiro de Henrique, duque de Sully, relatou: "Quando cheguei ao Louvre, encontrei o rei no quarto da rainha andando de um lado para outro, com a cabeça inclinada e as mãos cruzadas nas costas." Ele disse: "Bem, nosso homem partiu e carregou tudo com ele." E acrescentou: "Estou perdido." Henrique permaneceu em seus aposentos durante vários dias depois dessa fuga, mergulhado em profunda depressão, sem ver ninguém.

Nesse ínterim, Filipe III da Espanha, prosseguindo com a tradição espanhola de criar conflitos com a França, assegurou ao príncipe de Condé o apoio da Espanha em sua luta justa contra o lascivo rei. Filipe ofereceu hospedagem a Condé na Espanha ou em regiões da Itália sob dominação espanhola. Enquanto isso, o papa - chamado por Henrique, Filipe da Espanha e o príncipe de Condé -, desejoso de não desagradar nem a Espanha nem a França, tentava fazer o papel de conciliador. Durante diversos meses, políticos europeus receberam informações incômodas sobre a paixão de Henrique por uma jovem de 15 anos e a recusa teimosa do marido em cedê-la ao seu rei.

Quando as semanas sc converteram em meses, a impaciência de Henrique de recuperar Charlotte tornou-se uma obsessão. Escreveu para seu agente em Bruxelas: "Estou tão torturado por minha angústia que fiquei magérrimo. Tudo me incomoda; evito companhia e se, para agradar outras pessoas, vou a algum encontro, em vez de alegrar-me só agrava meu estado”. 

O enviado da corte da Espanha escreveu para o rei: "Soube que o rei da França trocaria o delfim e todos os seus outros filhos pela princesa de Condé, o que me leva a acreditar que arriscará tudo por seu amor. Sua saúde está alterada; perdeu o sono e algumas pessoas começaram a pensar que está enlouquecendo. Ele, que gostava tanto da convivência social, agora fica horas sozinho, andando de um lado para outro mergulhado em sua melancolia."

Em março a situação reverteu-se. O pai de Charlotte abriu um processo contra o príncipe de Condé solicitando o divórcio da filha. O marido aceitou o divórcio, e Charlotte decidiu voltar para a França e tornar-se amante do rei. Condé cansara-se do confronto com o rei e talvez Charlotte tenha preferido uma vida brilhante na corte a um exílio tedioso. No entanto, os inimigos de Henrique não estavam dispostos a conceder-lhe o prêmio de Charlotte voltar para a França. Recusaram a permissão para que ela viajasse. Henrique declarou guerra a eles e organizou um exercito.

Contudo, Henrique jamais veria sua Charlotte de novo. Em 14 de maio de 1610, quando se encontrava sentado em sua carruagem com seus conselheiros, foi apunhalado no peito por um louco chamado Ravaillac e morreu momentos depois. Cabisbaixa, Charlotte voltou rapidamente para o marido e humilhou-se com desculpas abjetas à viúva de Henrique, rainha Maria, a nova regente e agora a mulher mais poderosa da França.

Cerca de sessenta anos depois, o neto de Henrique, Luís XIV, também sofreu as recriminações de um marido desafiador. Athénaïs de Mortemart, que cobiçava em vão a posição de amante do rei, desistiu da perseguição e casou-se com o marquês de Montespan, em 1663. Não foi um arranjo vantajoso para a noiva, que era filha de um marquês muito mais rico que o marido. Moreno e bonito, as melhores qualidades do marquês não incluíam a polidez ou o bom senso. Logo após o casamento, gastou sua pequena fortuna - e o dote da esposa - e arruinou-se.

O marquês era um soldado e possuía todos os atributos de um militar do século XVII - fazia pilhagens, estupros e incêndios. Passava meses em campanhas militares, passando raramente por períodos extensos sem se envolver em enrascadas. Em uma ocasião, seduziu uma moça, vestiu-a com um uniforme masculino e deu-lhe uma posição na cavalaria até que sua família apareceu com o intendente local. Apesar de suas longas ausências, sua esposa lhe deu dois filhos, uma menina em 1664 e um menino no ano seguinte. Logo após, deixou as crianças com parentes do marido para devotar-se por completo aos prazeres da corte.

Em 1666, o marido fanfarrão partiu para uma longa campanha no sul da França. Nessa época, os encantos do marquês bonitão já não mais atraíam a esposa refinada. No ano seguinte, Athénaïs de Montespan conseguiu tornar-se maîtresse-en-titre do rei.

Embora o marquês certamente tivesse conhecimento da posição elevada da mulher como amante do rei, no início não causou problemas. Talvez esperasse ansioso as recompensas financeiras e as honrarias que poderia receber em troca. Quando voltou a Versalhes, em 1668, encontrou a esposa grávida do rei. Ainda pior, Madame de Montespan, como um cortesão observou, "ao gostar das carícias do rei, desenvolvera rejeição pelo marido".

A reação enlouquecida do marquês foi típica de seu temperamento. Vociferava com qualquer pessoa disposta a ouvir sobre o caso imoral do rei com sua esposa - embora muitos pensassem que essa nova beatice era inusitada em um homem conhecido por ter assaltado conventos para deflorar moças. Algumas mulheres da corte ficaram tão chocadas com seu linguajar que se recolheram aos quartos revoltadas. Certa vez, entrou nos aposentos da esposa, esmurrou ruidosamente seus ouvidos e desapareceu. Corriam rumores que o marquês freqüentava os bordéis mais sórdidos para pegar uma doença venérea e transmiti-la ao rei por intermédio da mulher. Caso isso fosse verdade, havia um enorme erro em sua lógica. Madame de Montespan recusava-se a dormir com seu marido embaraçoso.

Certo dia, o marquês dirigiu-se ao castelo real de Saint-Germain em uma carruagem com cortinas negras - luto pela esposa, explicou - decorada nos cantos com quatro pares gigantescos de chifres de veados, o símbolo tradicional de um marido traído. O rei mandou-o para a prisão por um breve período e depois o exilou em suas propriedades rurais no sul. Mas o marquês não desistira de importunar a esposa. Convidou todos os amigos e parentes para um funeral ridículo de Madame de Montespan em seu castelo, lamentando sua morte "em razão de sua vaidade e ambição". Permaneceu de pé na porta principal com os dois filhos pequenos, aceitando pesaroso as condolências pela perda.

Elizabeth Charlotte, duquesa de Orléans, observou que o rei poderia tê-lo subornado para obter a sua complacência. "Monsieur de Montespan é um oportunista notório", escreveu. "Se o rei estivesse disposto a pagar-lhe generosamente, ele teria sido conciliatório."

Um ano após o arremedo de funeral, o marquês desatinado atacou um convento para depravar uma jovem que estava se escondendo dele. No tumulto, a jovem, a mãe dela, o padre superior e diversos camponeses ficaram feridos. Luís aproveitou a oportunidade para enviar o marquês para a prisão, da qual escapou dirigindo-se para o sul para alcançar a Espanha, como o rei esperara. Mas, na piedosa corte espanhola, o marquês queixou-se com tamanha veemência do adultério da esposa com o rei da França que Luís decidiu que seria melhor perdoá-lo e deixá-lo voltar para a França, onde não poderia desonrar sua reputação internacionalmente.

Essa atitude teve um efeito positivo. O marquês permaneceu no exílio que lhe foi destinado no sul da França, administrando suas propriedades, fazendas e vinhedos, caçando, jogando, bebendo e fazendo orgias. Porém, Luís tinha espiões que o vigiavam com cuidado. O rei soube de rumores segundo os quais o marquês pretendia reivindicar a paternidade dos numerosos bastardos reais de Athénaïs, nascidos durante o casamento, e levá-los para a Espanha, onde até mesmo Luís seria impotente para retirá-los do país. Em 1670, quando permitiram que o marquês visitasse Paris, Luís escreveu para o ministro Colbert: "Monsieur de Montespan é louco. Vigie-o bem... para privá-lo de qualquer pretexto para prolongar sua estada em Paris. (..,) Sei que ameaçou visitar a esposa. (...) Faça-o partir de Paris o mais rápido possível."

No mesmo ano, Athénaïs encaminhou uma petição solicitando a separação legal do marido, para impedir que um seqüestro ou reivindicação de paternidade de seus filhos bastardos fosse ilegal. A corte judicial arrastou o processo por quatro anos apesar ou, talvez, pela insistência do rei em obter uma resolução mais rápida. Esses árbitros morais criticavam o estilo de vida libertino do rei. Em 1674, quando o decreto foi promulgado, um trecho de seu texto declarava que Madame de Montespan, "uma senhora de posição elevada e importante... deve e continuará morando em domicílios separados do marido. (...) ele, ademais, doravante... [está] proibido de freqüentar ou assediar essa senhora".

A história tem suas reviravoltas do destino. Em 1680, Madame de Montespan perdeu sua posição como amante do rei, mas permaneceu teimosamente na corte. Em 1691, aos 50 anos, foi banida de Versalhes e amargou seus dias em sua propriedade no campo.

Martirizada com o longo exílio, a antiga amante do rei foi persuadida por seu confessor a "pedir perdão ao marido e a submeter-se a ele", escreveu o duque de Saint-Simon. "Escreveu para ele, de seu próprio punho, em termos de total submissão, oferecendo voltar para sua casa se aceitasse recebê-la; caso contrário, iria para qualquer destinação que ele lhe ordenasse". 

Madame de Montespan foi tão bem-sucedida em seu pedido como Madame de Pompadour um século mais tarde. O duque de Saint­-Simon relatou: "Ela obteve crédito com seu gesto sem precisar sofrer as conseqüências. Monsieur de Montespan enviou uma resposta dizendo que não a receberia em sua casa nem lhe faria nenhuma recomendação; tampouco gostaria de ter notícias dela de novo durante toda a sua vida."

Sem dúvida, a pílula mais amarga que Madame de Montespan engoliu foi a recepção cordial do marido na corte no final dos anos 1690. Enquanto ela continuava a sofrer um exílio humilhante, o marquês de Montespan, com seu antigo comportamento inconseqüente atenuado com a idade, mudou-se para Versalhes. Seu filho com a esposa, nascido em 1665, foi favorecido pelo rei, e para seu próprio bem, o pai foi recebido. As fofocas da corte giravam em torno do espetáculo divertido do marquês, que criara tanta confusão com o caso amoroso da mulher, jogando cartas calmamente com as duas filhas bastardas que ela tivera com o rei. Como Elizabeth Charlotte escreveu: "Mesmo ele deve ter percebido a comicidade da situação, porque, às vezes, voltava-se para trás e dava um leve sorriso satisfeito."

 

                                   A Vigilância Ininterrupta - O Preço do Sucesso

 

O coração de um príncipe é assediado como uma cidadela.

                     - Luís XIV –

 

Ao contrário da rainha, cuja posição era construída de pedra, a da amante era de uma matéria muito menos sólida. Não havia paz para ela e nenhum repouso. Após ter obtido o grande prêmio, a nova amante não poderia relaxar e usufruir suas recompensas. Não poderia olhar para seus aposentos magníficos com satisfação ou sorrir feliz diante de suas jóias reluzentes - não se isso significasse ficar menos alerta por um momento.

"Cada mulher nasceu com a ambição de tornar-se a favorita do rei", escreveu Primi Visconti, um cartomante italiano que viveu na corte de Luís XIV. Havia centenas, talvez milhares de mulheres na expectativa de obter a posição, o que significava destituir a maîtresse-en-titre atual, do mesmo modo que esta fizera com sua predecessora. Em geral, reter a posição exigia mais esforço que ganhá-la. A posição de amante de um rei era como uma maratona onde a linha de chegada movia-se continuamente.

Para defender seu território, a maîtresse-en-titre mantinha olhos atentos em mulheres bonitas que tentassem atrair a atenção do rei. Prostitutas, camareiras e similares nunca teriam a possibilidade de obter essa posição, portanto, não significavam nenhuma ameaça. Embora essas infidelidades menores pudessem ferir, a maîtresse-en-titre fingia que eram insignificantes demais para serem notadas. Algumas amantes até procuravam mulheres de classes inferiores para distrair a atenção do rei da ameaça real de belas nobres.

Mas quando uma condessa sorridente insinuava-se no caminho de um rei, sua amante condescendente convocava seus amigos. Ela tinha cortesãos amáveis e serviçais bem pagos prontos a sussurrar para o rei que a mulher em questão tinha uma doença venérea, uma família ambiciosa ou falta total de discrição. Esses sussurros em geral diminuíam o interesse do rei.

A maior parte dos trabalhos de uma amante para identificar e destruir suas inimigas tinha de ser feito às escondidas do rei. A amante não poderia degenerar-se em uma esposa ranzinza e ciumenta. O monarca já tinha uma assim e dela não se poderia livrar. Mas uma amante intolerante e ciumenta poderia ser banida da corte com um estalar dos dedos reais.

"Há um cheiro de carne fresca no ar", escreveu Madame de Sévigné à sua filha com uma imparcialidade irônica. Quando o olhar do rei esquadrinhava o ambiente, como acontecia com uma freqüência alarmante, acionava uma série de especulações sobre se o seu objeto de desejo viria a ser um flerte sem maiores conseqüências ou se substituiria totalmente a estrutura de poder existente. Qualquer que fosse a decisão do rei, sempre havia comemorações do lado vencedor. Em 1677, Madame de Sévigné escreveu sobre outra vitória da veterana, Madame de Montespan, a amante oficial havia dez anos, sobre rivais efêmeras da afeição de Luís XIV.

"Ah, minha filha, que triunfo em Versalhes!", escreveu com entusiasmo Madame de Sévigné. "Que orgulho redobrado! Que restabelecimento sólido de um favoritismo! (...) Existem provas de um estímulo na relação - todo o carinho, agora, depois de brigas de namorados e reconciliações. Que reafirmação de posse! Passei uma hora com ela - Madame de Montespan - em seu quarto... que recendia a alegria e prosperidade”! 

As amantes dos reis manobravam com grande habilidade em um ambiente cheio de intrigas, onde as questões humanas fundamentais sobre a vida, a morte e o amor significavam pouco comparadas às migalhas do sucesso ou às da derrota na corte. Para os cortesãos, um ligeiro aceno do rei ao passar exprimia uma vitória exultante; e a falta dele, um fracasso humilhante. A corte era um mundo de valores distorcidos, uma estranha noção de honra e desgraça incompreensível para as gerações seguintes.

Em 1671, François Vatel, o mordomo-chefe do príncipe de Condé, foi instruído a preparar uma festa suntuosa para Luís XIV. Antes da visita do rei, Vatel passara 12 noites sem dormir preparando um banquete para cerca de cem pessoas. "Perdi minha honra", disse a um amigo que notara sua inquietação, "É uma desgraça maior do que posso suportar." Na manhã seguinte, quando sua encomenda de peixe não chegou à hora prevista para preparar a festa, Vatel suicidou-se com sua espada.

A carruagem que levou seu corpo à igreja da paróquia cruzou na estrada com o veículo que iria entregar o peixe.

Assim como cetins requintados e rendas delicadas encobriam o mau cheiro dos corpos de cortesãos cheios de pulgas, também sorrisos calorosos e palavras educadas escondiam as armas afiadas como lâminas usadas no campo de batalha da corte. As mulheres, envolvidas na armadilha ilusória da beleza e do charme, estavam prontas a desfechar a mais implacável vingança contra as rivais, e todos que circulavam sorrindo pelos salões esplendorosos tinham medo pulsando em seus corações.

Alguns cortesãos, ao menos, eram autênticos em relação à sua inautenticidade. Segundo o escrito de um deles: "É um país onde os prazeres são visíveis, mas falsos, e os desgostos são escondidos, porém reais." E um visitante em Versalhes observou: "Um sentimento genuíno é raro e, assim, quando partia da corte algumas vezes detinha-me na rua para ver um cachorro roer um osso."

 

Athénaïs de Montespan foi a amante que mais se esforçou para obter e manter sua posição contra as rivais. Extremamente bonita, possuía uma sagacidade venenosa e durante anos acalentou a esperança de substituir a maîtresse-en-titre de Luís XIV, Louise de La Valliere. Mas o rei não ficou seduzido com as tentativas de Madame de Montespan. "Ela é perseverante", disse ao irmão, "mas não estou interessado." Em 1667, na expectativa de romper a relação, Madame de Montespan visitou uma bruxa para pedir ajuda.

La Voisin, como era chamada, aparentava mais idade que seus 35 anos. Morava em uma casa escura em ruínas nos arredores de Paris, rodeada por um jardim grande e malcuidado. Envolta em vestidos esvoaçantes bordados com símbolos antigos, La Voisin, junto com seus colegas, fazia truques, praticava a quiromancia, lia cartas de tarô, fazia horóscopos, balbuciava em línguas estranhas e atendia as pessoas mediante um pagamento vultoso.

Seus serviços mais inócuos incluíam ofertas de loções para embelezar a pele e fórmulas mágicas para aumentar os seios e firmar coxas flácidas. Seus serviços mais sinistros envolviam espetar bastões em bonecas para incapacitar ou matar o inimigo; realizar abortos; fornecer veneno para ser administrado a maridos incômodos e a celebração de missas negras com sangue de um bebê morto enquanto preparava suas poções mágicas. Durante anos as carruagens dos ricos e famosos alinharam-se diante de sua casa à espera de seus donos que disputavam para obter seus serviços, em troca de ricas recompensas. Mas Madame de Montespan não precisava de poções para aumentar os seios ou embelezar as coxas. Ela queria que o rei deixasse Louise e se apaixonasse por ela.

Louise de La Valliere era um alvo inusitado de magia negra. Extremamente religiosa, provinha de uma família nobre, porém obscura, e por um golpe de sorte viu-se em Versalhes e, logo após, nos braços do jovem rei. O abade de Choisy relatou que Louise tinha "uma belíssima cútis, cabelos louros, olhos azuis, um sorriso suave... uma expressão ao mesmo tempo terna e modesta". Embora todos concordassem que era uma jovem adorável, ternura e modéstia não se adequavam ao campo de batalha sangrento de Versalhes, uma corte em que as exageradas demonstrações de etiqueta e um borrifo de perfume disfarçavam a ambição selvagem e a cobiça viciosa.

Após cinco anos como sua amante, Louise sentiu que Luís tornava-­se cada dia mais inquieto. Já nos últimos meses de gravidez do quarto filho, passou a convidar sua grande amiga Athénaïs de Montespan para participar de suas refeições privadas com o rei. Louise sabia que a amiga tinha uma conversa inteligente e brilhante, qualidade que ela não possuía. Ironicamente, a tediosa rainha Maria Teresa também estava grávida e, do mesmo modo, precisava de ajuda para divertir o rei. Pensou em todas as damas que conhecia e escolheu sua querida amiga Madame de Montespan para entretê-lo durante as refeições. Tanto a rainha como a amante cometeram um erro ingênuo e fatal.

Madame de Montespan aproveitava essas oportunidades para pôr poções de amor em seu vinho e na carne - misturas repugnantes de sangue de bebês mortos, ossos e intestinos, junto com partes de sapos e morcegos. Subitamente, Luís - talvez por sua conversa ou em razão de suas poções - apaixonou-se por Madame de Montespan. Sem nenhum remorso em relação à rainha ou a Louise, afixou, triunfal, o selo de traição no altar da amizade.

Depois do nascimento do quarto filho, em 1667, Louise nunca mais engravidou, ao passo que Madame de Montespan estava constantemente grávida. Para proteger sua nova amante do ciúme insano do marido, Luís instalou Louise de La Valliere e Madame de Montespan em aposentos contíguos no palácio. A corte comentava com ironia: "Sua Majestade foi reunir-se às senhoras." Ninguém sabia ao certo a quem o rei visitava. Ou visitava ambas simultaneamente? As línguas maliciosas agitavam-se.

Aos poucos, ficou claro como um cristal que Madame de Montespan era a nova amante do rei e a infeliz Louise apenas um engodo para disfarçar a situação. Madame de Montespan pediu, com a aquiescência do rei, que Louise a ajudasse em sua toalete. Só Louise, argumentou, conseguia domar um cacho rebelde, fechar um colar, ajeitar com elegância a renda de seu vestido para que ela ficasse atraente para o rei. Embora a antiga favorita possa ter se sentido humilhada realizando essas obrigações para sua sucessora voluntariosa, jamais reclamou. Amável, obsequiosa como qualquer camareira, Louise ajudava Madame de Montespan em sua toalete e a via partir radiosa para encontrar seu amante real.

A cunhada do rei, Elizabeth Charlotte, ao abrigo dessas intrigas românticas, observava com acuidade como nos bastidores de uma corrida de cavalos. "La Montespan tem a pele mais alva que La Valliere", escreveu, "tem a boca bonita e belos dentes, mas sua expressão é sempre insolente. Basta olhá-la para perceber que trama algo. O cabelo louro é lindo e os braços admiráveis, mas La Valliere era asseada, ao passo que La Montespan não cuidava de sua higiene pessoal."

Elizabeth Charlotte observou que Madame de Montespan zombava de Madame de La Valliere em público, a tratava extremamente mal e influenciava o rei a ter o mesmo comportamento. (...) O rei precisava atravessar os aposentos de La Valliere para chegar aos de La Montespan. Ele tinha um spaniel chamado Malice; instigado por Madame de Montespan, jogava o pequeno cão no colo de La Valliere ao passar por ela, dizendo: Agora estou deixando você em boa companhia. (...) Então não se sinta rejeitada. E a deixava sozinha com Malice.

Louise escreveu em sua autobiografia: "Eu permanecia neste mundo de luxúria para expiar meus pecados no mesmo cadafalso em que O ofendi. Do meu pecado originou-se minha penitência. (...) Aqueles a quem adorara agem agora como meus carrascos."

Em 1674, talvez por causa das poções de Madame de Montespan ou pela humilhação sofrida, Louise retirou-se para um convento. Mas Madame de Montespan não podia dispensar suas poções. O olhar do rei continuava ansioso à procura. Seu camareiro Bontemps trazia jovens solícitas para os aposentos reais, muitas delas instigadas por mães e tias ambiciosas. O objetivo principal era, claro, encontrar uma jovem para substituir Madame de Montespan como maîtresse-en-titre. Mas os prêmios de consolação não eram ruins. Mesmo após um breve interlúdio com o rei, as jovens de linhagens insignificantes casavam-se com nobres ilustres.

Em 1675, ao perceber o interesse do rei por diversas damas de companhia bonitas da rainha, Madame de Montespan conseguiu ardilosamente dispensá-las e substituí-las por senhoras mais velhas. Segundo Primi Visconti, a amante do rei, que dera à luz sete crianças ilegítimas, ficou "chocada, dizendo que essas jovens estavam dando má reputação à corte".

No final da década de 1670, Madame de Montespan fora amante de Luís por mais de uma década. Engordara e perdera o viço; essa rosa perfumada estiolara-se; sua fragrância desaparecera, as pétalas dobraram-­se; mas os espinhos estavam mais afiados que nunca. Como o duque de Saint-Simon comentou: "Madame de Montespan continua a ter seus acessos de cólera. (...) Nunca aprendeu a controlar seus humores... que em geral dirigiam-se ao rei. Ele ainda a amava, mas sofria com isso."

Madame de Sévigné escreveu que Madame de Montespan demonstrava com petulância sua irritação diante do sucesso de suas rivais, encerrando-se em seus aposentos. Algumas vezes, abria as portas desesperada à procura do brilho alegre das festas. Madame de Sévigné previu que o fim estava próximo, pois "tanto orgulho e tanta beleza não aceitariam facilmente ocupar um segundo plano. O ciúme era violento, mas desde quando o ciúme mudou o curso dos acontecimentos?"

Em 1676, a princesa de Soubise foi objeto desse ciúme. Embora alta e bonita, tinha a má sorte de ter cabelos ruivos flamejantes. Pensava-se à época que as ruivas eram produtos de sexo durante a menstruação e acreditava-se que exibiam a mesma falta de auto-disciplina sexual inerente ao momento inadequado de copulação dos pais. Os olhos perspicazes de Madame de Montespan notaram que a princesa usava sempre o mesmo par de brincos de esmeralda em forma de pingente quando seu marido partia para Paris. A amante do rei instruiu seus espiões a observarem os movimentos do rei assim que os brincos de esmeralda aparecessem, e ficou furiosa ao descobrir que eram um sinal para um encontro amoroso. Mas o rei, embora no início estimulado pelas inclinações lascivas sugeridas pelo cabelo da princesa, logo se desinteressou.

Seguiu-se a bela Madame de Ludres, que se considerava a substituta de Madame de Montespan e exibia um ar vitorioso. Fingiu estar grávida. Os nobres importantes levantavam-se quando ela passava, uma honra reservada pela etiqueta da corte às princesas de sangue e à maîtresse-en-titre do rei. Foi esse tumulto de nobres erguendo-se diante de Madame de Ludres que levou a rainha a perceber que o marido tinha outra amante.

Os ares pomposos de Madame de Ludres logo afastaram o rei que se apaixonou por Marie-Angélique de Fontanges, uma jovem lindíssima de cabelos louros, no esplendor de sua tenra juventude. Subitamente, Madame de Montespan viu-se na posição incômoda que Louise de La Valliere ocupara há uma década - cacheando os cabelos e dando laços nos vestidos da nova amante de Luís. Mas a orgulhosa Athénaïs de Montespan não cedeu com a mesma brandura de Louise de La Valliere. O marquês de La Fare relatou que: "Madame de Montespan estava prestes a explodir de ódio e, como outra Medéia, ameaçava esquartejar seus filhos diante do rei."

Desde criança, a bela Mademoiselle de Fontanges fora destinada por sua família a agradar um rei. Quando essa jovem oriunda de nobres empobrecidos fez 17 anos, seus parentes contribuíram com um pequeno dote para que fosse enviada a Versalhes com um único propósito. O investimento foi amplamente recompensado - recebeu o título de duquesa e lhe foi concedida uma pensão anual de 40 mil écus.

Porém. a substituta de Athénaïs de Montespan não seria a efêmera Mademoiselle de Fontanges. A balança da justiça daria ao rei alguém que Athénaïs lhe havia apresentado. Quando Madame de Montespan precisou encontrar uma ama e governante para seus filhos com Luís, a mulher com quem o rei teria de conviver, jamais escolhia uma jovem bonita. Seus olhos argutos observaram ao redor e o olhar deteve-se na viúva virgem e piedosa de um poeta inválido, Madame Françoise Scarron. Agitando com estrépito rosários e crucifixos, a viúva Scarron sempre se vestia de preto, atenuado com bordados de fios prateados ou dourados, só porque a etiqueta da corte assim o exigia. Quando o Rei Sol, o centro da beleza, do brilho, da arte e do escândalo, encontrou pela primeira vez a mulher que a amante escolhera para cuidar de seus filhos, ficou horrorizado com a aparição fantasmagórica. "Não aprecio seu bel esprit”, disse à Madame de Montespan. Sua escolha fora perfeita.

Mas logo Luís passou a admirar essa mulher inteligente e bondosa. Enquanto sua amante se ocupava pouco com os filhos, Madame Scarron dedicava-se a eles sem cessar quando adoeciam e iniciou a educação das crianças. Era inteligente, sensível e eficiente, e sua devoção rígida atraiu a necessidade reprimida de religião do monarca. Em gratidão por seus esforços, o rei deu-lhe a propriedade de Maintenon, um castelo e terras cercadas, e, a partir de então, ela adotou o nome de Madame de Maintenon.

Quando os acessos de ciúmes e as incursões rapaces às finanças reais de Madame de Montespan aumentaram, o rei começou a perceber a grande beleza da governanta de seus filhos. "Madame de Maintenon sabe dar amor", disse certa vez pensativo. "Seria um enorme prazer ser amado por ela."

Certo dia, o monarca apaixonado aproximou-se desse improvável objeto de seus desejos e disse-lhe que a queria como amante. Mas, provavelmente na única vez em sua vida, ouviu uma recusa baseada em argumentos religiosos. Embora sua devoção fosse genuína, havia um pouco de argúcia atrás de sua recusa. "Nada é mais inteligente que se conduzir de modo irreprochável", Madame de Maintenon escreveu a uma amiga. Sua conduta irrepreensível só aumentou o ardor do rei­ - como ela sabia -, e no final da década de 1670 Luís passava cada momento livre com Madame de Maintenon em seus requintados aposentos em Versalhes, conversando sobre política, religião, economia, assuntos profundos que mesmo a brilhante Madame de Montespan tinha pouca capacidade de discutir.

A bela e charmosa amante do rei ficou totalmente surpresa com o fascínio dele por este "feixe de ossos", como denominou Madame de Maintenon. Houve inúmeras brigas violentas entre as duas ex-amigas, quando a antes onipotente amante viu seu poder escorrer por seus dedos brancos perfumados. Um cortesão relatou que ouvira Madame de Montespan dizer para Madame de Maintenon: "O rei tem três amantes. A jovem namoradeira [Mademoiselle de Fontanges] cumpre as funções atuais de uma amante; eu possuo o título; você, o coração."

O declínio de Madame de Montespan começou em 1679, quando a polícia de Paris iniciou uma investigação sobre as numerosas alegações de envenenamento na cidade. As suspeitas recaíam em algumas das mais importantes damas do país que - depois de visitarem a bruxa La Voisin - tinham-se tornado viúvas ricas após o súbito falecimento de maridos inoportunos. Algumas dessas senhoras preferiram partir da França imediatamente a enfrentar um interrogatório.

No ano seguinte, 218 pessoas foram interrogadas - algumas sob tortura - e 36 foram executadas pela espada, corda ou patíbulo. A investigação policial era como uma teia de aranha gigantesca que crescia, não só de forma ampla, como também atingindo as classes sociais mais elevadas. Havia uma dama em especial, entre as várias acusadas intimadas, que ocupava uma posição tão eminente e era tão poderosa que não ousaram mencioná-la. Em 1680, a bruxa La Voisin foi morta no cadafalso jurando categoricamente que essa mulher jamais fora sua cliente. Porém, logo depois sua filha admitiu que a senhora em questão nada mais era que Madame de Montespan, a amante do rei há 13 anos, e mãe de seus filhos.

A jovem relatou: "Cada vez que alguém novo incomodava Madame de Montespan, cada vez que sentia diminuir os favores do rei, vinha correndo procurar minha mãe em busca de um remédio, e então minha mãe chamava um de seus padres para celebrar uma missa e enviava à Madame de Montespan os pós que deveria administrar ao rei."

Descreveu as missas negras nos anos 1666-1668 para obter favores do rei, celebradas em capelas abandonadas e ministradas pelo abade de Guiborg destituído de suas funções sacerdotais - com o santo cálice preso à virilha de Madame de Montespan, "Em uma dessas missas, vi minha mãe trazer uma criancinha... obviamente prematura... e colocá-la em uma bacia na qual Guiborg cortou sua garganta, derramando o sangue em um cálice... onde consagrou seu sangue e a hóstia... declamando os nomes de Madame de Montespan e do rei. (...) O corpo da criança foi incinerado no forno do jardim e as entranhas foram levadas no dia seguinte por minha mãe... para serem destiladas junto com o sangue e o corpo consagrado... essa mistura foi vertida em um recipiente de vidro que Madame de Montespan buscou mais tarde..."

Em outra missa negra, segundo a jovem La Voisin, Madame de Montespan invocou os demônios do inferno para a ajudarem. "Ah Ashtaroth e Asmodeus, Príncipes da Amizade", cantara. "Conjuro-os a aceitar o sacrifício desta criança em retorno pelos favores que lhes pedi, para possuir e manter o amor do rei... a rainha deve permanecer estéril... para que o rei abandone seu leito e vá para o meu... dar tudo que lhe pedir para mim e para os meus... para ser incluída nos conselhos do rei, compartilhando todos os negócios do Estado... e que o amor do rei por mim continue e floresça... que rejeite e nunca mais olhe o rosto de La Valliere... que a rainha seja repudiada... e assim o rei poderá casar-se comigo." Nesse momento, a garganta da criança foi cortada com uma faca e seu sangue vertido no cálice.

Relatos sobre ossadas de crianças encontradas no jardim de La Voisin levaram a polícia a escavá-lo. E cavá-lo, sem cessar. Foram descobertos os restos de 250 crianças - abortados, natimortos, prematuros, além dos que foram sacrificados vivos. Havia um pequeno forno no pavilhão do jardim onde La Voisin poderia queimar o corpo de uma criança caso fosse muito grande para enterrá-lo.

Luís, por fim, compreendeu por que durante 13 anos acordara todas as manhãs com dor de cabeça após ter jantado com Athénaïs de Montespan na noite precedente. Ficou revoltado com a quantidade de poções tóxicas que consumira ao longo dos anos, mas talvez tenha ficado ainda mais indignado com o comportamento da mulher a quem amara. Era impossível permitir à polícia interrogar Madame de Montespan - Luís seria a chacota da Europa se o assunto fosse descoberto. As testemunhas que haviam mencionado seu nome foram executadas ou presas em masmorras solitárias em fortalezas distantes até a morte. A antiga favorita permaneceu em Versalhes por mais uma década, oferecendo festas e deslumbrando os convidados com sua inteligência brilhante. Mas as visitas do rei eram raras e sempre em companhia de outras pessoas, e ele jamais bebia ou comia algo que ela lhe oferecesse.

A revelação dos atos de bruxaria de Madame de Montespan provocou a busca de consolo religioso do rei em Madame de Maintenon. Ela o aconselhou a voltar para o leito de sua esposa, o que ele acatou, fazendo os últimos três anos da vida da rainha Maria Teresa os mais felizes de todos. Após sua morte, em 1683, o rei casou-se secretamente com Madame de Maintenon, que, de outra forma, jamais teria tido relações sexuais com ele. A pobre viúva, a babá dos filhos do rei, agora era a rainha sem coroa da França.

 

Algumas amantes reais que, discretamente, descobriam e destruíam rivais potenciais eram ludibriadas por seus parentes, com freqüência jovens pobres que moravam em propriedades rurais, convidadas a usufruir os prazeres da corte.

Madame de Mailly, a primeira amante de Luís XV, ganhou a distinção dúbia de ser destronada por suas três irmãs sucessivamente. Nascida Louise-Julie de Mailly-Nesle, casou-se com o primo, o conde de Mailly, e foi designada dama de honra da rainha. Madame de Mailly era uma mulher comum, gentil, que durante sete anos na década de 1730 ajudara o jovem rei a vencer sua dolorosa timidez. Paradoxalmente, um de seus grandes atributos para Luís era sua falta de beleza e grandeza -­ uma contrapartida para os ataques audaciosos de inúmeras mulheres deslumbrantes na corte que, na verdade, atemorizavam o tímido monarca.

Segundo um contemporâneo, Madame de Mailly tinha "um rosto comprido, um longo nariz... uma grande boca. (...) [Era] alta, sem graça ou presença... mas era divertida, alegre, com boa índole, e uma amiga generosa e gentil". Sua irmã mais nova, Pauline-Félicité, também não era atraente, porém não possuía seu caráter amável. Roída de inveja pelo fato de sua irmã ser amante do rei enquanto ela mofava no campo, Pauline-Félicité implorou para ser convidada a Versalhes para desfrutar a vida da corte. Enquanto sua carruagem vencia penosamente os vários dias de viagem de sua propriedade rural, percorrendo estradas esburacadas e sujas em direção ao palácio, ela teve tempo suficiente para maquinar um plano para roubar o rei da irmã.

Mais alta, além de mais extrovertida e inteligente que a irmã, Pauline-Félicité logo fez sucesso nos jantares íntimos oferecidos pelo rei. Sua hábil intriga, combinada com a ingenuidade de Madame de Mailly, fez com que ela obtivesse o prêmio, e Luís logo se apaixonou perdidamente pela irmã mais nova. Quando engravidou, o rei a casou com um nobre, Monsieur de Ventimille, enviado imediatamente depois para o campo. Madame de Mailly, embora conservasse oficialmente o título de maîtresse-en-titre, permanecia em uma posição incômoda diante do favoritismo da irmã. O rei visitava todos os dias Madame de Ventimille, deixando sua amante oficial sozinha em tamanha penúria que os cortesãos a viam andando pelo palácio com suas anáguas esfarrapadas. Enquanto a irmã mais nova ganhou um belo castelo mobiliado em azul e dourado, Madame de Mailly espremia-se em dois quartos pequenos e frios em Versalhes.

Alguns dias após ter dado à luz o filho do rei, Madame de Ventimille teve convulsões e morreu. Luís, desolado, retornou ao consolo dos braços de Madame de Mailly. Durante dois anos ela reinou de novo como a amante sem rivais. Ingênua como sempre, Madame de Mailly acedeu ao desejo de outra irmã de ser recebida em Versalhes. Marie-Anne, viúva do marquês de La Tournelle, planejou eliminar a irmã e apossar-se de Versalhes - e do rei - como uma tempestade. Dotada de uma inteligência arguta, era a mais bonita das irmãs Mailly-Nesle, com grandes olhos azuis e um belíssimo corpo.

Madame de La Tournelle usou todos os artifícios para atrair Luís e logo foi bem-sucedida. Mas não suportava ver Madame de Mailly perambular pelo palácio com suas anáguas furadas, ainda se aferrando ao título de maîtresse-en-titre. Antes de ceder sua honra ao rei, Madame de La Tournelle pediu-lhe que expulsasse do palácio a indesejável Madame de Mailly, e ele concordou. Seu segundo pedido foi que ele lhe desse o título de duquesa de Châteauroux. Só então, quando o ato de amor fora pré-pago com o gélido tilintar das moedas e o som das trombetas, a nova duquesa recebeu o rei em sua cama branca e macia.

A arguta Madame de Châteauroux trouxe outra irmã, Madame de Lauragais, gorda e muito divertida, para Versalhes. Porém, sabia que essa irmã não seria uma rival. Embora o rei fizesse às vezes sexo com Madame de Lauragais, era Madame de Châteauroux que prevalecia. Divertidos com o fascínio de Luís pelas irmãs Mailly-Nesle, os cortesãos perguntavam-se se era inconstância ou fidelidade o fato de um homem escolher todas as suas amantes na mesma família.

O sucesso de Madame de Châteauroux foi tão breve quanto espetacular. Apenas dois anos depois de seu auge, morreu de uma febre súbita. Obstinando-se em sua posição mesmo após a morte, Madame de Châteauroux continuou a percorrer os mármores brancos de Versalhes como um fantasma, vista pela própria rainha. E a infeliz Madame de Mailly, banida da corte, substituída no leito de seu amante real pelas três irmãs, usou uma camisa de cilício branca em penitência o resto da vida e prosternou-se em altares de mármore frio com os joelhos feridos e sangrando.

Após as quatro irmãs Mailly, Luís XV viu-se de súbito sem uma amante real e começou a procurar ativamente uma substituta adequada. Sua escolha recaiu em Jeanne-Antoinette d'Etioles, a quem conferiu o título de marquesa de Pompadour. Assim Madame de Pompadour iniciou sua carreira como amante do rei surgindo em um palco vazio, em vez de ter expulsado outra mulher do posto.

Mas se, no início, a única rival de Madame de Pompadour era um fantasma, o território logo ficou povoado de mulheres de carne e osso. Essas rivais ficaram mais perigosas após sete ou oito anos como amante real, quando o viço e a beleza de Madame de Pompadour feneceram e sua crescente frigidez a impedia de ter relações sexuais com o rei. Continuou a atender todos os demais desejos do rei e sub-contratou os préstimos sexuais de outras jovens, estabelecendo um pequeno bordel chamado de Le Parc aux Cerfs, construído no final do parque de Versalhes. Nesse lugar, uma ou duas adolescentes - recolhidas das sarjetas e esfregadas com água e sabão - estariam prontas, cada uma por seu turno, a receber o rei.

"Todas essas jovenzinhas incultas nunca o tirarão de mim", dizia a propósito das meninas de Parc aux Cerfs. No entanto, seu maior temor era ser suplantada por uma rival com mais valor. Madame de Pompadour comentou certa vez com a criada que exercia uma "batalha perpétua", como um gladiador exausto na arena, enfrentando desafios incessantes, forçada a confiar e, ao mesmo tempo, defender-se até o final de seus dias. O medo das rivais a levava a disfarçar sua palidez com maquiagem e a abandonar o leito quando doente inúmeras vezes durante os 19 anos como maîtresse-en-titre. Luís tinha pouca paciência com doenças e Madame de Pompadour preocupava-se que ele se voltasse para outra mulher para entretê-lo, caso ela se permitisse uma longa recuperação.

Se o rei morresse ou a rejeitasse, Madame de Pompadour poderia se refugiar em sua mansão luxuosa em Paris - atualmente a moradia do presidente da França. Teria adorado descansar lá algumas semanas por ano, longe da "rede de malícia", Mas raramente a visitava com medo de deixar o rei sozinho. E com boa razão. Candidatas mais jovens e mais belas brotavam como cogumelos no caminho do rei. Uma dessas rivais ambiciosas suscitou em Madame de Pompadour uma preocupação especial. Marie-Anne de Coislin era prima da família Mailly, e Madame Pompadour sabia muito bem que o rei tinha uma fascinação irresistível pelas mulheres Mailly.

Certa noite, Madame de Pompadour voltou para seus aposentos em Versalhes e retirando seu agasalho, disse à sua dama de honra, Madame du Hausset: "Nunca vi uma insolência semelhante à de Madame de Coislin. Estive na mesma mesa que ela em um jogo de brelan essa noite; não pode imaginar o que fui obrigada a suportar. Os homens e mulheres pareciam se revezar observando-me ou a ela. Uma ou duas vezes Madame de Coislin olhou-me e disse: 'Ganhei a partida!', com uma maneira insultante. E pensei que iria desmaiar ao ouvi-la dizer triunfalmente: 'Tenho a quina de reis!' Gostaria que houvesse visto sua reverência ao partir."

Madame du Hausset perguntou: "E o rei a recebeu calorosamente?" Madame de Pompadour respondeu: "Você não o conhece, minha querida. Se tivesse a intenção de instalá-la em meus aposentos essa noite a trataria com frieza em público e seria extremamente amigável comigo."

Mas Madame de Coislin cometeu um erro estratégico. Segundo um amigo de Madame de Pompadour, o escritor Charles Duelos, "ela teria sido bem-sucedida, porém em vez de seduzi-lo pouco a pouco até a conquista final, o que significaria a derrocada de sua rival, em vez de provocar seu desejo escondendo o dela, cedeu tão depressa que extinguiu o desejo do rei; entregou-se como uma prostituta e foi tratada e abandonada como tal".

Um dos melhores conselheiros de Madame de Pompadour foi Madame de Mirapoix, que lhe disse: "É a sua escada que o rei gosta; acostumou-se a subi-la e a descê-la. Porém, se encontrar outra mulher com quem possa conversar sobre caçadas e negócios, isso lhe será indiferente após três dias."

Madame de Pompadour, que se mudara para os espaçosos aposentos que Madame de Montespan ocupara havia oitenta anos, estudou as vidas das amantes de Luís XIV, procurando tirar lições de seus triunfos e fracassos. "Madame de La Valliere deixou-se enganar por Madame de Montespan", comentou com sua camareira, "mas foi por sua culpa, ou quase, em razão de sua boa índole. No início, não percebeu nada porque não podia acreditar na traição da amiga. Madame de Montespan foi substituída por Madame de Fontanges e suplantada por Madame de Maintenon; porém, sua altivez e seus caprichos a afastaram do rei."

Apesar de Madame de Pompadour saber que Louise de La Valliere fora enganada e perdera Luís XIV para sua melhor amiga, o perigo mais próximo de Luís XV foi orquestrado por sua própria prima. Madame d'Estrades era uma mulher inteligente, mas inescrupulosa, que devia sua posição na corte à amizade e generosidade de Madame de Pompadour. Madame d'Estrades fora designada dama de honra da filha do rei e trilhou seu caminho em direção ao afeto de Luís como uma amiga divertida. Tentou seduzi-lo, porém, como Luís só era atraído pela beleza, sua tentativa falhou. O sucesso da sua prima continuou a atormentá-la e ela planejou um novo plano para destronar Madame de Pompadour.

Madame d'Estrades trouxe sua sobrinha Charlotte-Rosalie de Choiseul-Romanet, uma bela jovem de 19 anos, para a corte. Madame de Pompadour arranjou um casamento brilhante para a moça e obteve uma ótima posição para ela como uma das numerosas damas de honra das filhas do rei. A tia aspirava substituir Madame de Pompadour pela sobrinha e obter para si riqueza, poder e glória.

Madame d'Estrades convidava a sobrinha para jogar cartas nos aposentos de Madame de Pompadour durante suas noites íntimas com o rei e uns poucos amigos. Os amigos de Madame de Pompadour observavam contrafeitos que a jovem parecia determinada a seduzir Luís, porém Madame de Pompadour recusava-se ingenuamente a suspeitar que a meiga e bela Charlotte-Rosalie pudesse ser tão traiçoeira. Ao longo dos meses, continuou a convidá-la para eventos em que o rei estivesse presente.

Gradualmente, Luís interessou-se pelos flertes com Charlotte­-Rosalie e teve diversos encontros secretos com ela, nos quais a jovem se recusou terminantemente a fazer sexo com ele. Madame d'Estrades e seu amante, o conde d'Argenson, haviam aconselhado Charlotte-Rosalie a rejeitar os avanços do rei até que se assegurasse de que se tornaria sua maîtresse-en-titre- derrotando assim Madame de Pompadour. Um dia, Charlotte-Rosalie entrou nos aposentos de Madame d'Estrades e d'Argeson, demonstrando ter mantido relações sexuais com o rei. "Aconteceu. Ele me ama, está feliz e ela será rejeitada. Deu-me sua palavra de honra." Havia até mesmo obtido uma carta do rei com a promessa de livrar-se de Madame de Pompadour.

A jovem tola, orgulhosa de seu grande feito, mostrou triunfante a carta ao primo, o conde de Stainville. O conde, embora não fosse amigo de Madame de Pompadour, sagazmente decidiu ganhar a eterna gratidão de uma mulher tão poderosa. Convenceu Charlotte-Rosalie a deixá-lo guardar a carta por algumas horas e visitou imediatamente Madame de Pompadour. Disse-lhe que sua prima era muito imatura para ocupar uma posição tão importante, ao passo que Madame de Pompadour era perfeita para a função. Entregou-lhe a carta e partiu polidamente.

Dessa vez Madame de Pompadour revelou sua raiva ao amante. Quando Luís a visitou naquela noite, ela lhe mostrou a carta e - pela única vez em seu relacionamento - teve um grande acesso de cólera.

O rei, indignado com a atitude da indiscreta Charlotte-Rosalie de ter dado a alguém sua carta apaixonada, concordou em bani-la da corte na mesma noite. Sete meses depois ela morreu, ao dar à luz. Tinha apenas 21 anos.

Como uma maneira de desculpar-se, poucos dias após o rei elevou a posição de Madame de Pompadour de marquesa para duquesa. Ao ser apresentada oficialmente ao rei e à rainha como duquesa, fez com que sua malévola prima, Madame d'Estrades, testemunhasse o seu triunfo, e depois a baniu da corte. O conde de Stainville apostara no cavalo vencedor; embora o rei não suportasse vê-lo - uma lembrança do episódio doloroso -, Madame de Pompadour nomeou-o embaixador no Vaticano e, depois, ele foi nomeado ministro das Relações Exteriores da França.

Algumas vezes as moças do Parc aux Cerfs, apesar de contratadas para poupar Madame de Pompadour de rivais perigosas, causavam problemas. Uma delas, uma jovem de 14 anos, Louise O'Murphy, estava sendo envenenada pelos inimigos de Madame de Pompadour. Certa noite, Louise perguntou a Luís como estava o relacionamento com sua "mulher idosa", referindo-se à Madame de Pompadour. O rei ficou chocado, e sua "mulher idosa" rapidamente casou Louise dando-lhe um grande dote, pouco antes que ela desse à luz um bastardo do rei.

 

Após esse episódio, o rei visitava Le Parc aux Cerfs incógnito como um nobre polonês. Contudo, uma moça vasculhou seus bolsos enquanto ele dormia e descobriu que não era um nobre polonês, mas o rei da França. Atirando-se aos seus pés, declarou seu amor incondicional. A infeliz jovem foi levada para um hospício - um método seguro de invalidar quaisquer histórias que pudesse relatar sobre o rei - e após um período adequado de encarceramento casaram-na no campo.

Outra jovem, uma prostituta lindíssima apresentada pelo principal cafetão de Paris, foi procurada para seduzir o rei com seus talentos sexuais e esperou mais que uma breve estada no Parc aux Cerfs. Mas seus intentos foram frustrados pelo camareiro e alcoviteiro do rei, Lebel, um amigo leal de Madame de Pompadour, que contou a Luís que a moça tinha uma doença venérea grave, encerrando de imediato suas chances.

Quando Luís mostrou-se apaixonado pela bela Mademoiselle de Romans, Madame de Pompadour mais uma vez temeu perder sua posição. Essa ameaça agravou-se ao saber que sua rival estava grávida. Mademoiselle de Romans, certa de que em razão de sua gravidez substituiria Madame de Pompadour, alardeou a notícia. O rei, horrorizado com os rumores que ela provocara, ordenou uma busca em sua casa resgatando suas cartas de amor, prova de que a engravidara.

Mademoiselle de Romans, segura que sua criança se tornaria um duque poderoso, carregava-o com freqüência em uma cesta no Bois de Boulogne. Sentava-se na grama com seu belo vestido de renda e o amamentava. O espetáculo de ver a antiga amante do rei amamentar seu bastardo logo se tornou um passatempo dos parisienses. Certo dia, Madame de Pompadour foi com sua criada espiar a jovem mulher e seu filho. Com o intuito de que não a reconhecesse, puxou a touca abaixo dos olhos e segurou um lenço no queixo como se estivesse com dor de dentes.

Era uma cena triste: a amante envelhecida, que sofrera tantos abortos em seus esforços de dar um filho a Luís, olhando a jovem mãe, os cabelos reluzentes presos com um pente de diamantes, amamentando o bebê do rei. Madame de Pompadour e a criada trocaram algumas palavras agradáveis com ela e comentaram a beleza da criança antes de partirem às pressas. Esse encontro a deixou extremamente triste.

No final da vida, Madame de Pompadour abandonou sua luta contra suas rivais. O preço dessa constante vigilância foi uma saúde debilitada. Em 1763, um ano antes de sua morte, aos 42 anos, afastou-se duas vezes da corte para breves períodos de repouso, algo que jamais fizera durante os 18 anos com o rei.

 

Enquanto a maioria das rivais esperançosas de suplantar a amante do rei eram criaturas ambiciosas em busca de recompensas financeiras, algumas eram candidatas maleáveis postas na cama do poder por poderosas coalizões políticas.

Porém, Madame Cosel, amante de Augusto, o Forte, eleitor da Saxônia e rei da Polônia, não se deixou dominar. Essa senhora com seu enorme penteado empoado e olhos atentos manteve-se em sua posição pagando um contingente de espiões para informá-la de todos os movimentos de seu amante. Ao final, no entanto, não conseguiu superar uma coalizão de ministros do rei.

Madame Cosel acompanhava Augusto quase 24 horas por dia, exceto quando ele protestava que precisava encontrar sozinho seus conselheiros para discutir assuntos de Estado. Essas reuniões a deixavam extremamente nervosa e com muita razão. Em geral, eram desculpas para ter relações sexuais com outras mulheres. Ela era tão atenta que, mesmo em estado avançado de gravidez, insistiu em acompanhá-lo ao campo de batalha contra os suecos. Mas a decisão do rei prevaleceu e ele a enviou sob protestos para Dresden, onde estaria segura.

Segundo o biógrafo de Augusto, Karl von Pöllnitz, quando Madame Cosel descobriu que o rei aproveitara sua ausência para ter uma relação amorosa com a filha de um comerciante em Varsóvia, ela explodiu: "Estou decidida a não aceitar suas outras amantes. Por você abandonei um marido, perdi minha reputação e assim fiz, porque você me jurara uma eterna fidelidade. Não suportarei suas infidelidades, salvo se puder pagar com sua vida. Estou resolvida a dar um tiro em sua cabeça com uma pistola e depois usá-la contra mim, como uma punição por amá-lo."

Outra cena infeliz ocorreu quando ela se recuperava de um parto na corte de Augusto em Dresden. O rei, acompanhado de seu secretário de Estado, Mr. Caspar Bose, estava sentado ao lado do leito de Madame Cosel quando recebeu um bilhete. Ao lê-lo seu rosto ficou púrpura. Sua amante ficou tão curiosa para ler a missiva que, quando se levantou da cama, segundo o relato, "as intimidades que ela exibiu ao rei e a Mr. Bose nessa ocasião nenhuma mulher recatada teria mostrado ao marido sem muitas persuasões".

Agarrando a carta, Madame Cosel viu que era de Henrietta, a filha do comerciante de vinhos em Varsóvia. Ainda pior, na carta ela informava ao rei que dera à luz a sua filha bastarda. Madame Cosel encolerizada gritou: "Eu desejo que ela morra! E se Deus permitir a mãe terá o mesmo destino!" Augusto riu, mas Madame Cosel disse-lhe que se respondesse à carta ou reconhecesse a criança, ela iria, ainda se restabelecendo do parto, apanhar a próxima carruagem para Varsóvia para estrangular a mãe e a filha.

O temperamento irascível de Madame Cosel não se dirigia apenas às rivais do amor do rei, mas também a cortesãos e funcionários do governo e, ainda mais grave, ela se intrometia nos assuntos políticos.

 

Após suportar nove anos de sua tirania, em 1713, uma coalizão de ministros decidiu que ela teria de ser substituída por uma amante mais cordata. Quando Madame Cosel estava novamente no final de uma gravidez em Dresden e o rei teve de partir para Varsóvia, seus conselheiros usaram essa oportunidade para encontrar uma nova amante real. Realizaram uma reunião na qual avaliaram todas as possíveis candidatas na corte polonesa. Por fim, escolheram a condessa Maria Magdalena von Denhoff, porque "era amável o suficiente para ser capaz de agradar, mas seu intelecto não era desenvolvido o suficiente para permitir-lhe dar ordens".

Após a escolha da nova amante, os conspiradores só precisariam promover um encontro entre os dois. Primeiro, persuadiram Madame Denhoff, usando a influência de sua mãe, a suprimir quaisquer escrúpulos de trair o seu marido para tornar-se a amante do rei. Felizmente, Madame Denhoff logo concordou com o plano.

Os conspiradores sabiam que a reação do rei seria mais difícil. "Só uma personalidade mais forte e mais atraente o cativaria", escreveu seu biógrafo, "e essa era a principal qualidade que Madame Denhofr não possuía. Ao contrário, com um ar desprovido de graça e humor, afetava o recato de uma virgem, exatamente o oposto à personalidade requerida de suas amantes." Os conselheiros "percebiam que ela não preencheria as fantasias do monarca, mas não conheciam nenhuma dama da corte que lhe poderiam propor".

Augusto demonstrou grande interesse em encontrar a beleza tão elogiada por seus amigos, mas, como previsto, desapontou-se no primeiro encontro. Ele "não gostou de sua maneira de dançar" e "seu coração não foi tocado por sua beleza". Nessa ocasião, percebeu que seus ministros queriam impingir-lhe uma nova amante. Comentou com alguém: "Vi-me forçado a amar, porém, até que encontrem uma mulher mais atraente que Madame Denhoff, duvido que seja infiel a Madame Cosel."

Impávidos, os conselheiros do rei o atraíam com tanta freqüência para a companhia de Madame Denhoff - que lhe dirigia "olhares ternos e lânguidos" - que vagarosamente seu coração foi "escravizado". No entanto, em Dresden, os espiões de Madame Cosel a haviam informado sobre a existência da rival. Assim que deu à luz o filho, partiu para Varsóvia para confrontar seu amante infiel. Os defensores de Madame Denhoff, ao saberem que a voluntariosa amante estava a caminho para destruir seu elaborado plano, decidiram que sua chegada deveria ser evitada a qualquer custo. Rapidamente, aconselharam Madame Denhoff a fazer uma cena, fingindo temer por sua vida se Madame Cosel chegasse à corte.

Chorando copiosamente, Madame Denhoff disse a Augusto que preferiria deixar a cidade a enfrentar sua violenta rival. Comovido com as lágrimas da amante, Augusto ordenou que impedissem a entrada de Madame Cosel em Varsóvia. Fiel à sua reputação, quando se aproximou da cidade e recebeu a mensagem informando-a de que deveria voltar em cumprimento às ordens do rei, sacou a pistola e ameaçou atirar no mensageiro caso não a deixasse passar. Por fim, decidiu retornar para não desagradar o rei e, em vez disso, procurar resgatar seu amor quando voltasse para Dresden. Mas os conspiradores políticos tomaram providências para que a reconciliação fosse impossível. O rei permitiu à amante viver em retiro luxuoso, dando-lhe o palácio Pillnitz. Porém, Madame Cosel não tinha temperamento para viver tranqüila. Depois de arquitetar intrigas políticas contra Augusto, fugiu para Berlim, onde o rei da Prússia a capturou e a enviou de volta à Saxônia. Augusto, percebendo, por fim, que ela causaria problemas, a prendeu em uma fortaleza apesar de seus gritos agudos de demência. Lá permaneceu mesmo após a morte de Augusto, em 1733, até sua morte em 1765, depois de 49 anos em uma prisão luxuosa.

 

A alegre Nell Gwynn, uma atriz cômica, nascida e criada nas sarjetas de Londres, manteve seu posto no harém de Carlos II por quase duas décadas apesar da rancorosa rivalidade das duquesas e condessas. Em 1667, com 17 anos, transformou-se de vendedora de laranjas nas coxias do teatro em atriz. Logo após, recebeu o primeiro convite para visitar o palácio Whitehall para entreter convidados nas festas do rei. O embaixador francês relatou a Luís XIV que Carlos divertia-se com suas "bufonarias".

Embora tenha começado seu relacionamento com o rei nessa época, não lhe foi concedida a posição de amante real com suas honrarias e recompensas financeiras. Qualquer que tenha sido a retribuição ofertada por Carlos, devia ser uma quantia modesta, porque Nell continuou a atuar durante quase três anos. Após ter dado um filho ao rei em 1670, Nell voltou para o teatro sob protesto. Queria que todos os seus admiradores soubessem como Carlos a tratava de modo mesquinho em comparação com suas amantes de alta estirpe. Sua estratégia funcionou. Só depois que Carlos a instalou em uma casa modesta na cidade, mobiliou-­a e concordou em pagar suas despesas, ela retirou-se do palco.

A origem social de Nell lhe causava sérios problemas. A tempestuosa Lady Castlemaine, a quem Carlos dera recentemente o título de duquesa de Cleveland, perdia sua influência após uma década como amante real; mas em vez de conceder a Nell a mesma honraria e instalá-la no palácio, Carlos começou a procurar uma mulher da nobreza. Mesmo entre os artistas das classes sociais mais pobres de Londres, Nell tinha uma grande rival em Moll Davis, uma charmosa cantora e dançarina.

A competição entre Nell e Moll Davis acirrou-se. O rei comprou uma linda casa para Moll enquanto apenas alugava a de Nell. Presenteou Moll com cavalos, uma carruagem e jóias valiosas. Sentindo-se ameaçada, Nell convidou a rival para almoçar no dia em que Moll tinha um encontro à noite com Carlos. Nell pôs um laxante forte na comida de Moll que lhe causou uma dolorosa diarréia, e a infeliz passou a noite em um urinol em vez de estar na companhia do rei.

Em 1671, a francesa Louise de Kéroualle, dama de honra da rainha, de 22 anos, cedeu por fim à sedução do rei e lhe permitiu romper a casca de sua virgindade. Embora tivesse tendência à frigidez, exercia forte domínio sobre o rei e possuía a educação e a polidez que faltavam a Nell. Com Lady Castlemaine definhando nos bastidores, Louise tornou-se a maîtresse-en-titre do rei. Mas, se sua posição poderosa na corte fosse um leito de rosas, o espinho seria Nell Gwynn.

Em 1674, Louise foi retratada com um vestido branco, com um dos seios à mostra, reclinada em almofadas sob um fundo de cortinas, com o filho pairando ao seu lado como um Cupido. Nell procurou o artista que pintara o quadro e posou da mesma forma, com seus dois filhos retratados como Cupidos com sorrisos ridículos e o rei ao fundo contemplando-a embevecido.

Louise criou o hábito afetado de pôr luto sempre que uma pessoa importante morria na França, para mostrar que eram parentes próximos. Nell não resistiu a ridicularizar esse costume, jurando que não poria luto quando o próximo cã dos tártaros morresse. Nell comentou: "Diz que todos na França são seus parentes; sempre que alguém prestigioso morre, ela põe luto. Bem! Se sua estirpe é tão elevada, por que age como uma meretriz? Deveria morrer de vergonha. Quanto a mim, é minha profissão. Não finjo ser nada mais que isso."

Nell adorava dizer que todas as suas rivais de sangue nobre eram tão prostitutas quanto ela, um comentário que as aterrorizava. Certo dia, visitou Lady Castlemaine e sentiu-se humilhada com sua frieza. Nell "deu-lhe um tapinha no ombro dizendo-lhe que presumia que pessoas do mesmo ramo não se davam muito bem"!

A fim de mostrar a Nell sua posição, Lady Castlemaine passou repetidamente em frente à casa de Nell, com sua carruagem puxada por seis cavalos - um luxo que nunca o rei lhe dera. No dia seguinte, Nell, em um coche velho puxado por seis bois, passava na frente da casa de Bárbara, gritando: "Olá, prostitutas, vamos ao mercado!"

Nell tinha um senso de humor que as outras amantes não possuíam. Um dia, ela e as outras amantes acompanharam o rei em uma pescaria. Carlos não conseguiu pescar nada e sentiu-se frustrado. Nell pediu que alguém o distraísse enquanto punha um peixe frito - que carregava em sua cesta de piquenique - em seu anzol e o atirava na água. Quando o rei retornou, Nell pediu-lhe que olhasse sua vara de pescar. Para sua surpresa, ele viu que havia fisgado um peixe - um peixe frito.

Além de suas brincadeiras divertidas, Nell tinha um grande dom para a mímica. O bispo Burnet relatou "que ela tinha um enorme talento para imitar pessoas, e isso entretinha tanto o rei que mesmo uma nova amante não o atraía".

Quando Carlos concedeu a Louise os títulos de baronesa Petersfield, condessa de Farnham e duquesa de Portsmouth, Nell ficou lívida. Tudo que o rei lhe dera resumia-se a uma casa alugada, alguns móveis e um pouco de dinheiro. Quando lhe pediu mais, para ela e seus dois filhos, Carlos alegou que a guerra com a França consumira os recursos do Tesouro. Nell respondeu com aspereza: "Então lhe darei um conselho. Mande a francesa [Louise de Kéroualle] de volta para a França, faça-me atuar de novo e feche a sete chaves seu cofre."

Louise era um Golias de nobre estirpe, maneiras polidas e poder político, mas Nell era um pequeno Davi arremessando pedras com extrema precisão. Pouco tempo após receber seus títulos de nobreza, Louise encontrou Nell e, condescendente, elogiou seu lindo vestido. "Nelly, você enriqueceu, creio, pelo seu vestido; está à altura de ser uma rainha”. Nell replicou asperamente: "A senhora tem toda razão. E sou prostituta suficiente para ser uma duquesa”. Outra história relata um fato ocorrido durante uma ceia em que Nell, o rei e Louise se reuniram contrafeitos. Em um esforço supremo para parecer espirituosa, Louise disse que poderia fazer as duas galinhas servidas à mesa virarem três. "Há uma sentada", disse, "e na mesa há duas, logo uma e duas somam três”.

Nell pôs uma delas no prato do rei e outra no seu e sugeriu que Louise comesse a terceira.

Sem nenhum senso de humor, Louise era incapaz de defender-se dos comentários sarcásticos de Nell. Sua única defesa era exibir a todo momento sua dignidade e elevada posição.

Algumas vezes, até Carlos se comprazia em ironizar a morosidade e a falta de humor de Louise. O embaixador francês relatou que o rei, certa vez, provocou Louise dizendo "que gostaria de brindar com ela à saúde de Nell Gwynn", que "fazia da duquesa de Portsmouth o alvo de seus sarcasmos".

Por volta de 1674, Moll Davis retirou-se da corte e Lady Castlemaine partiu para a França. Essas mudanças no harém do rei não faziam diferença para Nell, mas Louise de Kéroualle ficou encantada com o caminho livre que se abriu à sua frente. Porém, sua alegria foi efêmera. Logo uma nova rival surgiu em cena: a bela e temperamental Hortense Mancini, duquesa de Mazarin. O rei começou a perseguir ardorosamente a sensual sedutora que tivera relacionamentos amorosos com os homens e mulheres mais bonitas da Europa. Louise, inclinada ao melodrama, emagreceu, lamentando-se e chorando quase todo o tempo. Agora era a vez de Nell espicaçá-la. A atriz, que sabia lidar com os envolvimentos amorosos de Carlos, disse que lamentava seu "ar patético" e suas esperanças perdidas.

Algumas vezes, Louise esmorecia diante dessa luta constante contra as intrigas de suas rivais. Uma noite o embaixador francês, Honoré Courtin, a visitou e a encontrou muito aflita. "A amante chorou amargamente", escreveu em seu despacho para Luís XIV. "Suspiros e soluços sufocavam suas palavras. Na verdade, jamais vira algo tão triste, tão comovente. Permaneci com ela até meia-noite e tentei de todas as formas restaurar sua coragem e fazê-la entender como era essencial para sua posição esconder seu sofrimento."

Os cortesãos adoravam essas disputas e em regozijo batiam palmas com as mãos enfeitadas com anéis ao pensarem no assunto. No final do ano, a paixão arrebatada do rei por Hortense arrefeceu em razão de sua flagrante infidelidade - tivera até mesmo um relacionamento com Anne Palmer, a filha adolescente de Carlos com Lady Castlemaine. No entanto, permitiu que a insinuante Hortense continuasse oficialmente no harém.

Enquanto muitos homens sonhavam com mulheres que fizessem o papel de uma dama no salão e de prostituta na cama, Carlos, sem nenhum esforço, satisfazia sua fantasia de passar o dia com a fria e refinada Louise e as noites com a ardente Nell. Além de sexualmente reprimida, Louise contaminara-se com uma doença venérea de Carlos em 1674 que lhe causou enorme sofrimento durante meses. Por sua exigência, Carlos a recompensou com dois colares magníficos, um de brilhante e outro de pérolas, mas os médicos a aconselharam a nunca mais ter relações sexuais com o rei. Mas Carlos lhe testemunhava seu amor mantendo-a como sua amante oficial. No entanto, havia suas necessidades sexuais a saciar e Nell deliciava-se em satisfazê-las.

Certo dia, Nell encontrou, nos aposentos de Hortense Mancini, Louise de Kéroualle com seu amigo íntimo, o embaixador francês. Era um grupo estranho. Lady Harvey relatou: "Não imagino que em toda a Inglaterra fosse possível reunir três mulheres tão díspares entre si." Sem dar oportunidade a Nell de destilar seu sarcasmo contra ela, Louise saiu rapidamente do quarto. Nell voltou-se para o embaixador e perguntou-lhe por que o rei da França, "em vez de presentear essa 'figura patética' que acabara de sair, não enviava presentes a ela própria?" Disse que Luís XIV gastaria seu dinheiro de modo mais sensato enviando-lhe presentes, já que o rei Carlos gostava mais dela do que de Louise. Na verdade, fazia sexo com sua Nell todas as noites! O embaixador murmurou algo, enrubesceu e inclinou a cabeça, constrangido.

Hortense habilmente mudou de assunto e elogiou a beleza reputada das roupas íntimas de Nell. De súbito, Nell levantou as saias e mostrou ao embaixador suas anáguas, meias e ligas. Poderia até mesmo ter mostrado suas calcinhas impecáveis. Não importa o que tenha visto, o embaixador ficou deliciado. Em seu relatório oficial à Secretaria de Relações Exteriores em Paris, esse ilustre senhor exaltou a beleza das roupas íntimas de Nell "e outras coisas que nos foram mostradas", e declarou que jamais vira algo "tão magnífico".

 

                           O Amor Lucrativo - As Recompensas do Pecado

 

A beleza é poderosa, mas o dinheiro é onipotente.

               - John Ray, provérbios ingleses -

 

No final da década de 1850, um grupo de cortesãos franceses visitou um antigo castelo que estava sendo restaurado. No grupo estava a amante de Napoleão III, Marie-Anne de Ricci, condessa Walewska, e Napoleão. A condessa apontou para uma gárgula e observou: "Está muito bem restaurada, mas deve ser uma obra muito cara." O ministro da Casa Imperial, marechal Vaillant, retrucou zangado: "Menos caro que a senhora, madame." Quando outro membro do grupo comentou sua rudeza, ele continuou: "Pois bem, esse ornato nos custou 4 milhões de francos!"

A amante, ao contrário da esposa, poderia ser dispensada a qualquer momento, sem nenhuma recompensa financeira. Seus amigos influentes na corte a apoiavam apenas enquanto estivesse no poder. Exilada e rejeitada, uma ex-amante do rei poderia passar subitamente do zênite do luxo às profundezas da pobreza e desgraça.

Assim, logo que assumia sua posição, uma amante real prudente começava a acumular bens para seu futuro longe da corte, para assegurar um estilo de vida suntuoso que amenizaria sua inevitável queda. Dinheiro era sempre providencial, bem como jóias, carruagens luxuosas, cavalos de raça e objetos de ouro e prata, que poderiam ser facilmente convertidos em dinheiro caso fosse necessário partir para o exílio repentinamente.

As amantes reais também cobiçavam títulos de nobreza - condessa, marquesa e duquesa - que lhes conferiam uma posição na corte igual à dos outros cortesãos. Os títulos eram acompanhados de castelos e propriedades rentáveis, que também poderiam render dinheiro se fossem bem administradas. Além disso, muitas amantes reais recebiam pensões anuais para seu sustento. O problema com títulos, terras e pensões era que poderiam ser sempre confiscados, se os ventos políticos mudassem de direção. Dinheiro e seus equivalentes sempre eram preferíveis em momentos emergenciais.

Ironicamente, como essas recompensas financeiras eram fornecidas pelos tributos, enfurecendo a família real, a corte e os súditos, a nova amante deveria agir o mais rápido possível.

Athénaïs de Montespan era extremamente ambiciosa. Quando começou seu relacionamento com Luís XIV, seu melhor par de brincos de brilhantes estava no penhor. Em pouco tempo, ela construiu três navios para o rei com seus próprios recursos e recrutou a tripulação de sua região natal de Poitou.

As amantes reais inglesas não eram tão bem recompensadas como suas contrapartidas na França. Enquanto a palavra do Rei Sol era lei, seu contemporâneo, Carlos II, via com freqüência seus presentes para as amantes bloqueados pelos funcionários da Corte. O lorde chanceler Clarendon - que controlava grande parte do dinheiro de Carlos - era "um inimigo implacável contra o poder e a ambição de [Barbara, Lady Castlemaine] e envidou todos os seus esforços para destruí-la". Ele sabia que "seu principal interesse era obter uma propriedade rural para ela e os filhos", e "pagar suas dívidas que em poucos anos tornaram-se muito vultosas e para custear suas despesas constantes, despendidas em excesso em carruagens, cavalos, roupas e jóias". Os pedidos do rei de presentes para Lady Castlemaine nunca eram aprovados por lorde Clarendon, e o rei tinha de buscar outros meios para satisfazer a cupidez da amante.

 

A maioria das amantes reais era conhecida pelo apetite voraz por jóias caras e muitas exibiam gemas mais preciosas que as da rainha. Não era apenas vaidade que levava as amantes a encherem o pescoço, as orelhas, os pulsos e os dedos com jóias e brilhantes, mas o medo onipresente de uma súbita desgraça. De fato, jóias eram os objetos mais próximos do dinheiro. As jóias poderiam ser postas em um pequeno saco ou costuradas nas bainhas das saias e dos corpetes, se a amante precisasse realizar uma fuga rápida - como algumas fizeram.

Em 1662, quando o embaixador russo trouxe valiosos presentes do czar para Carlos II - peles e jóias no valor de 150 mil libras -, o lorde chanceler Clarendon suplicou ao rei que não os desse a "ninguém". Por “ninguém" o chanceler referia-se à ambiciosa Lady Castlemaine. Carlos prometeu. Para compensar essa perda, ela persuadiu o amante a dar-lhe nos Natais os presentes que recebia de seus pares - muitos deles eram jóias destinadas à rainha. Logo, Lady Castlemaine acumulou uma grande quantidade de jóias, "muito mais faiscantes que as da rainha", segundo o memorialista John Evelyn, que a viu em uma festa no palácio. Os cortesãos não gostavam de ver seus presentes enfeitando a desagradável amante.

Lady Castlemaine tinha excelente crédito nos joalheiros londrinos porque estes sabiam que o rei pagaria suas despesas. Existem alguns registros de suas compras - um anel por 850 libras e dois anéis de brilhantes totalizando 2 mil libras.

Em 1666 - o ano em que os marinheiros da Royal Navy receberam um pagamento simbólico em vez do soldo -, o rei quitou as dívidas da amante, que montavam a 30 mil libras, nelas incluídas as contraídas com a compra de jóias e peças de ouro e prata, e comprou mais jóias para ela. Insatisfeita com essa generosidade, Lady Castlemaine recorreu à Casa Real de Jóias, na Torre de Londres, e assinou documentos concordando em devolver tudo que pedira emprestado. Mas sempre conseguia transformar o empréstimo em presente.

O príncipe regente da Inglaterra, mais tarde rei Jorge IV, era tão pródigo em seus presentes de jóias caras para as amigas, que converteu seu joalheiro em um milionário. Mesmo cheio de dívidas e perseguido pelos credores, o herdeiro do trono fazia visitas mensais à loja de Rundell and Bridge, em Londres. Em outubro de 1807, o príncipe gastou quase 2 mil libras (aproximadamente 200 mil dólares atuais) em mais de trinta peças de jóias incrustadas com pedras preciosas, incluindo oito pulseiras, quatro broches, várias baixelas de prata e caixas de rapé refinadas. Tinha o hábito, quando iniciava um novo relacionamento afetivo, de presentear a amante com a miniatura de um retrato seu ou um pedaço de seu cabelo em uma caixa circundada por diamantes. À medida que a relação prosseguia, ele lhe ofertava anéis de esmeralda, colares de rubi e pulseiras de safira.

Em virtude dessa prodigalidade, a amante de Jorge IV superou todas as amantes conhecidas. Lady Conynghan não seguia os cânones das amantes reais - era gorda, gentil e rica -, mas possuía uma característica comum às outras, a ganância. Em 1820, aos 50 anos, encontrou o caminho da cama do rei de 60 anos, ainda mais gordo que ela.

Lady Conynghan imediatamente pediu para ser recompensada por seus serviços com jóias. O rei deu-lhe uma grande safira rodeada de diamantes que pertencera aos monarcas da dinastia Stuart. Ao tirá-la do Tesouro Real, o rei dissera que a safira seria incrustada em sua coroa de coroação. Em vez disso, apareceu na ampla cintura de Lady Conynghan. Após a morte de Jorge, em 1830, o governo achou por bem fazê-la recordar o trágico fim de Madame du Barry na guilhotina, e, ela, prudente, devolveu a safira e outras pedras preciosas que pertenciam à Coroa para o guardião do Tesouro, dizendo que não estava segura de que realmente o falecido rei lhe dera as jóias.

Lady Conynghan sempre resplandecia nas festas com suas gemas. Uma testemunha a descreveu como muito tediosa e, ao mesmo tempo, muito inteligente. As despesas de Jorge com joalheiros nessa época incluíam 3.150 libras por um colar de pérolas orientais fabulosas, 400 libras por um par de brincos de diamante, 437 libras por um par de pulseiras de pérolas, 530 libras por um colar de esmeraldas e 740 libras por outro colar de pérolas. Algumas pessoas estimaram que dera à sua amante jóias no valor de 100 mil libras, o equivalente a 10 milhões de dólares atuais.

Madame de Pompadour, amante de Luís XV, preferia colecionar mais propriedades que jóias. Não lhes dava tanta importância, embora sua posição a obrigasse a usá-las diariamente. Suas pedras preciosas eram de extrema qualidade. Parte de sua coleção incluía um colar de brilhantes com 547 pedras, um conjunto de esmeraldas e 42 anéis caríssimos. Porém, isso não possuía grande significado para ela; por duas vezes enviou suas jóias ao Tesouro para custear despesas em época de guerra.

Sua sucessora, Madame du Barry, jamais teria sido tão generosa. Adorava suas pedras preciosas e lançava novos estilos em jóias. Durante as primeiras sete décadas do século XVIII, as damas da corte usavam, em geral, diamantes e pérolas de cada vez, ou, às vezes, esmeraldas ou rubis contornados por finos cordões de brilhantes, mas nunca duas cores conflitantes. Quando se tornou amante real em 1769, Madame du Barry estimulou os joalheiros a experimentar a combinação de pedras de cores diferentes na mesma jóia - ametistas e safiras, rubis e esmeraldas, águas­ marinhas e granadas.

O fabuloso colar que causaria tantos problemas à rainha Maria Antonieta uma década mais tarde foi feito, originalmente, para Madame du Barry, com as maiores e mais fantásticas gemas escolhidas em toda a Europa. O colar consistia em enormes pedras, entre as quais se entremeavam fios de diamantes. Em um momento de crise financeira do país, esse colar indignou até mesmo os cortesãos mais frívolos de Versalhes. Apesar da qualidade das gemas, muitos achavam o colar extremamente feio e o comparavam a um cabresto. Contudo, Madame du Barry o teria usado com orgulho se Luís não tivesse morrido antes de comprá-lo para ela.

Em 1847, Lola Montez dominara de tal forma o rei Luís I da Baviera que o monarca avarento - fazia a esposa usar vestidos velhos para ir ao teatro - encheu-a de jóias. Uma noite, na ópera, a audaciosa Lola apareceu cintilando com diamantes no valor de 13 mil florins - incluindo uma tiara -, eclipsando a rainha com suas jóias de família fora de moda e vestidos gastos.

De todas as amantes reais, Lola Montez foi a mais odiada e, sem dúvida, precisaria de uma grande quantidade de jóias para uma fuga rápida. Ironicamente, a expulsão de Lola aconteceu de modo tão súbito que ela não teve tempo de apanhar sua caixa de jóias. Ameaçada por uma multidão enfurecida diante de sua casa, Lola foi levada por amigos para uma carruagem contra sua vontade e partiu célere da cidade. Vestida com uma roupa banal e sem casaco em uma noite fria do mês de fevereiro, Lola fugiu para o exílio.

Luís conseguiu impedir que a multidão saqueasse sua casa e vendeu o imóvel e o mobiliário, vestidos e jóias para pagar suas dívidas. O rei enviou o pouco que restara para Lola, visto que suas dívidas eram significativas.

 

Um dos maiores benefícios concedidos às amantes reais - embora só durante sua permanência na posição - eram aposentos luxuosos nos palácios reais, em geral, ligados aos do rei por uma porta ou escada secretas. Aposentos na corte proclamavam o status pessoal. Centenas de famílias nobres rivalizavam-se para obter um pequeno espaço, ansiosos por um único aposento, um quarto simples sob as arcadas. Embora a maioria dos cortesãos tivesse casas confortáveis próximas ao palácio, eles cobiçavam a honra de abrigar-se sob o teto do rei.

Podemos imaginar a alegria inexprimível de uma mulher obscura - que em circunstâncias normais nunca teria acesso à mais mísera água­ furtada na casa real -, quando se visse dona não só do rei, mas de enormes aposentos no palácio. Com freqüência, suas suítes eram maiores e mais bonitas que as da rainha. Por exemplo, nos anos 1670 a rainha Maria Teresa ocupava apenas 11 suítes em Versalhes, ao passo que Madame de Montespan ocupava vinte aposentos.

A amante de Carlos II, Louise de Kéroualle, possuía uma suíte luxuosa e um mobiliário tão ostensivo que os aposentos da rainha, em comparação, chocavam pela simplicidade. O memorialista John Evelyn visitou a amante real e a encontrou sentada, vestida com um traje suntuoso e os cabelos arrumados em um belo penteado. Ao olhar em volta de seus aposentos surpreendeu-se com "o luxo e o esplendor dos objetos e móveis, comprados com vício e desonra, o novo tecido da tapeçaria francesa, o desenho e a delicadeza do trabalho de imitação das melhores pinturas francesas, jamais visto. (...) Escrivaninhas japonesas, biombos, relógios de pêndulo, enormes vasos de prata ornamentada, mesas, estantes, os utensílios da lareira, castiçais, braseiros etc. tudo de prata maciça, além das melhores pinturas de Sua Majestade".

Como aposentos na corte eram tão cobiçados, esse era o primeiro privilégio que uma amante real em desgraça perdia. Quando saía de sua suíte ricamente decorada, cabisbaixa, sua mudança seria feita de imediato junto com a bagagem. Portanto, justifica-se seu interesse em adquirir uma propriedade fora da Corte.

As propriedades rurais eram as mais cobiçadas, pois forneciam rendimentos financeiros com os arrendamentos e a venda de grãos e vinho produzidos nas terras. Nos anos 1440, Carlos VII da França presenteou Agnes Sorel com diversos castelos e casas no campo; o primeiro deles foi o Château de Beauté - o Castelo da Beleza -, do qual lhe adveio sua alcunha, a Dama da Beleza. Ganhou ainda outras propriedades, por ocasião do nascimento dos seus filhos.

Descontente com suas amplas suítes em cada um dos três palácios reais, Athénaïs de Montespan queria que Luís XIV construísse um castelo especialmente para ela. Ele já havia lhe dado uma linda casa perto do Louvre em Paris, mas ela também queria outra propriedade, no campo. Quando Luís obteve a planta da construção de uma casa próxima ao seu palácio de Saint-Germain, Athénaïs a rejeitou porque "só servia para uma corista". Então Luis deu-lhe o Château de Clagny, que demorou dez anos para ser construído, com mais de 120 operários, e custou 11 milhões de dólares atuais.

Em 1668, Carlos II presenteou Bárbara, Lady Castlemaine, com a bela Berkshire House. O presente tinha um duplo propósito - deter seus pedidos de dinheiro por algum tempo e remover sua presença turbulenta do Whitehall Palace. Logo o embaixador francês relatou: "Ela ocupa-se em valorizar o presente e a mobiliá-lo." Ao perceber o valor das terras, Lady Castlemaine demoliu a venerável mansão, vendeu toda a madeira e a terra, exceto um pequeno canto da propriedade, onde construiu uma nova casa. Ela embolsou considerável quantia de dinheiro com essa transação.

No início da década de 1700, Augusto, eleitor da Saxônia e rei da Polônia, construiu um palácio para Madame Cosel. Seus dois aposentos preparados para o verão tinham o chão de mármore; os dois de inverno eram revestidos de uma madeira preciosa e enfeitados com porcelanas e cortinas de brocado. Além disso, decorou o palácio com peças de prata, mesas de cristal e camas forradas com brocado ricamente bordado.

Em seus 19 anos como amante de Luís XV, Madame de Pompadour ganhou 17 propriedades, além de numerosas casas que comprara como investimento. Gastou o equivalente a milhões de dólares com melhorias e decoração dessas propriedades, sobretudo para agradar o rei. Só as roupas de cama e mesa custaram uma fortuna - um item do inventário listava 112 pares de lençóis, 160 toalhas de mesa, 1.600 guardanapos e 388 aventais de cozinha. A lenha para as lareiras, as velas e a comida custou-lhe somas vultosas adicionais. Mas as despesas com suas propriedades não eram tão frívolas como poderiam parecer; elas produziam rendimentos com os rendeiros e com a venda de vinho e grãos. Vendeu muitas propriedades com lucro.

Porém, as propriedades, ao contrário de jóias, não podem ser escondidas em um corpete e desaparecerem. No final da década de 1690, Pedro, o Grande, presenteou sua amante com 295 propriedades rurais e uma mansão perto de Moscou. Anna perdeu todas essas propriedades quando o czar tomou conhecimento de sua infidelidade.

Mesmo sua posição como amante real durante vinte anos não impediu que Guilhermina Rierz fosse privada de sua casa. Em 1775, Frederico, o Grande, ficou preocupado com as dissipações financeiras do sobrinho e herdeiro, príncipe Frederico Guilherme, em Berlim. Com a esperança de poupar algum dinheiro a longo prazo, o rei deu ao sobrinho 20 mil táleres para que comprasse uma propriedade rural fora de Berlim para ele e sua amante. Mas, em 1797, após a morte de Frederico Guilherme, Guilhermina foi expulsa da propriedade pelo novo rei, que a tomou para si.

 

Um dos maiores privilégios de uma amante real era viver no ar rarefeito da nobreza, receber o título de condessa ou duquesa com um simples toque da pena do rei.

Havia várias razões para um rei elevar o status de uma amante. Carlos VII concedeu, em 1450, o título de duquesa a Agnes Sorel, mas só após sua morte, para que tivesse um funeral esplêndido.

Alguns reis nobilitavam suas amantes como preparação para o casamento. Um rei que se casasse com uma mulher sem sangue nobre ou de um grau de nobreza inferior seria censurado, porém casar-se com uma mulher de alta estirpe era mais aceitável. Ao preparar-se para casar com Ana Bolena, em 1532, Henrique VIII concedeu-lhe o título de marquesa de Pembroke, elevando-a à posição de um par do reino, uma honra sem precedências recebida por uma mulher. O título deu-lhe ainda grandes rendimentos e privilégios. De modo similar, Henrique IV concedeu a sua amante, Gabrielle d'Estrées, o título de marquesa de Monceaux, em 1594, e duquesa de Beaufort em 1597, e os presentes a seguiram no caminho do altar.

Às vezes, o título de nobreza era concedido como prêmio de consolação, quando o rei decidia substituir a amante. Em 1853, o imperador Napoleão III dignificou sua amante, Harriet Howard, com o título de condessa de Beaurégard, quando ficou noivo da linda espanhola Eugênia de Montijo. Harriet, que almejara ser imperatriz da França, subitamente viu-se rejeitada e exilada. "Sua Majestade visitou-me na noite passada, oferecendo-me uma recompensa", Harriet escreveu melancólica para um amigo. "Sim, um condado, um castelo e um marido francês digno na barganha. (...) Sua Majestade passou duas horas argumentando comigo. (...) Mais tarde, dormiu no sofá vermelho e roncou enquanto eu chorava."

Em 1670, Carlos II, enfastiado de Lady Castlemaine, concedeu-lhe o título de duquesa de Cleveland, uma honra acompanhada de terras extensas e vultosa renda. Essa concessão abrandou a consciência do rei enquanto perseguia sua nova amante, a francesa Louise de Kéroualle.

Nessa mesma época, do outro lado do canal da Mancha, o primo de Carlos, Luís XIV, deparou-se com o mesmo problema. Deu o título de marquesa a Louise de La Valliere, sua amante por sete anos, uma recompensa ostensiva pelo nascimento do quarto filho bastardo. Mas, na realidade, Luís desinteressara-se dela e cobiçava sua bela amiga, Madame de Montespan. Como uma duquesa, Louise poderia usar uma cauda de 3 metros e sentar-se em um tamborete na presença da rainha.

Esse tamborete tão ambicionado era uma banqueta de madeira utilizada pelas duquesas da França - que possuía a etiqueta mais rígida da Europa -, na qual era reservado a poucas pessoas o direito de sentar-se na presença da família real. O tamborete consistia em algumas peças de madeira encurvadas no lugar de pés, guarnecido com uma tapeçaria no assento, arrematada por borlas. Era carregado pomposamente por um criado com uma peruca e vestido com uma libré que o abria com uma mesura, depositando-o no solo no momento em que a duquesa estava pronta para sentar-se.

Apesar de ser um objeto tão pequeno, o tamborete representava uma das maiores honrarias da corte francesa. Quando o nobre polonês John Sobieski, que se tornou rei da Polônia em 1674, casou-se com Marie d'Arquien e foi viver em Versalhes, sua esposa lhe pedia sem cessar que usasse sua influência com Luís XIV para conceder-lhe o título de duquesa, o que lhe daria imediatamente acesso a um tamborete. Sobieski o chamava de "banqueta miserável". Em 1650, a mãe de Luís XIV, a regente Ana, deu dois tamboretes para duas damas que não eram duquesas, causando uma torrente de protesto. A regente, envergonhada, os tomou de volta.

No entanto, ao receber seu tamborete, Louise de La Valliere não se deixou impressionar. Disse que parecia uma espécie de presente de aposentadoria dado a um serviçal.

Com freqüência, as amantes eram nobilitadas porque sua posição refletia a glória de seus amantes reais. Augusto, o Fone, eleitor da Saxônia, concedeu o título de princesa de Teschen à sua nova amante, Madame Lubomirski, logo após ter sido designado rei da Polônia em 1704, dando-lhe o certificado de seu novo status junto com uma caixa repleta de jóias de todos os tipos. Mas logo depois Augusto enamorou-se de Madame Hoym que pediu a mesma honra - queria ser dignificada com o título de condessa do Sacro Império Romano. Augusto, que não era o imperador, convenceu com dificuldade o imperador a dar o título de condessa Cosel para sua amante.

Em 1745, Jeanne-Antoinette d'Etioles recebeu o título de marquesa de Pompadour de Luís XV. O marquesado lhe conferiu uma propriedade e o título de uma família nobre extinta que a doara à Coroa, junto com todos os rendimentos da propriedade. Em 1752, converteu-a em duquesa. Essa nova posição lhe outorgou, além do direito de possuir um tamborete, uma quebra na rígida etiqueta da corte, permitindo-lhe sentar-se em uma poltrona como uma princesa com a família real em jantares públicos. Sua carruagem, ostentando as "armas do ducado, podia agora entrar nos pátios internos dos diversos palácios reais. As mulheres menos privilegiadas precisavam sair de suas carruagens nos pátios externos e andar entre pilhas de excremento dos cavalos. Porém Madame de Pompadour, apesar de usufruir dos privilégios do novo título, nunca o usou, proclamando-se ainda marquesa de Pompadour em respeito à rainha.

Algumas vezes os reis favoreciam suas amantes estrangeiras com títulos para ajudá-las a se adaptar melhor em seus países de adoção. Jorge I converteu sua severa amante alemã, Ermengarda Melusina von Schulenberg, na suave duquesa inglesa de Suffolk. De modo similar, a amante do rei Jorge II de Hanôver, Amelia von Walmoden, tornou-se condessa de Yarmouth. Carlos II honrou a francesa Louise de Kéroualle oferecendo-lhe um buquê de títulos ingleses perfumados - baronesa Petersfield, condessa de Farnham e duquesa de Portsmouth.

Talvez Lola Montez, observando o passado, tenha decidido que como amante de um rei merecia ser nobilitada. Caso tenha pensado nessa hipótese, deve ter reconhecido que vivia em uma época diferente, época em que a palavra de um rei não era lei. O tímido miado da oposição política da maior parte dos séculos XVII e XVIII transformara-se em um rugido com a Revolução Francesa e nunca mais emudeceria. Lola pedira a Luís para conceder-lhe o título de condessa da Baviera, honraria que ela tinha esperança que lhe conferisse um ar de respeitabilidade ou, ao menos, elevar sua posição acima de seus zangados detratores.

Luís só conseguiu, com muita dificuldade, obter a cidadania bávara para Lola e a nobilitá-la com o título de condessa de Landsfeld. Mas todo o conselho de Estado renunciou em protesto. Porém, agora, Lola podia andar em uma carruagem com o escudo de uma coroa de nove pontas de uma condessa da Baviera e sua postura ficou ainda mais imperiosa. Para sua tristeza, a nova condessa não era recebida pela alta sociedade bávara, pois a rainha Maria Teresa dissera que ela não receberia ninguém que tivesse recebido Lola.

Durante dois anos após seu exílio, Lola viajou pela Europa onde seu título era ridicularizado pela verdadeira nobreza. Curiosamente, o título foi mais bem acolhido nos Estados Unidos, onde ela morou até a década de 1850. Ao contrário da formal nobreza européia, os americanos adoravam conhecer uma condessa bávara de verdade e não se importavam com a forma como obtivera o título.

 

Nos séculos passados as dívidas de jogo rotineiras faziam parte significativa do custo de vida. Comumente, as pessoas do alto escalão da sociedade jogavam cartas e dados e despendiam grandes somas no jogo. Aqueles que se recusavam a participar eram considerados aborrecidos ou, ainda pior, pobres. Não é preciso dizer que muitos jogadores perdiam extraordinárias somas de dinheiro e era uma questão de honra pagar imediatamente as dívidas. Um dos mais satisfatórios privilégios de uma amante real era a certeza de que o rei pagaria suas dívidas de jogo.

Durante o reinado de uma década de Lady Castlemaine na corte ­ e por mais uma década depois -, Carlos II pagou o equivalente hoje a milhões de dólares em dívidas de jogo da amante. Ela perdia e algumas vezes ganhava somas extraordinárias e, depois, gastava o dinheiro num piscar de olhos. Em 1679, Lady Castlemaine voltou para a Inglaterra após uma longa estada na França. Um cortesão relatou que ao ouvir a notícia de sua chegada, "Sua Majestade preveniu os comissários do Tesouro que ela os iria procurar para pedir dinheiro, pois perdera 20 mil libras em dinheiro e jóias em uma só noite".

Athénaïs de Montespan, contemporânea e contrapartida francesa de Lady Castlemaine, também era uma ávida jogadora, e apostava alto, algumas vezes arriscando centenas de milhares de libras em uma só partida. Ela ganhava com freqüência e, quando perdia, Luís XIV pagava suas dívidas. No dia de Natal ela perdeu a espantosa quantia de 230 mil libras, continuou jogando e ganhou 500 mil libras em uma partida.

Desde o início de seu relacionamento com o imperador Francisco José, em 1886, Katharina Schratt beneficiou-se de ter suas dívidas de jogo pagas. Era uma jogadora compulsiva e perdia rotineiramente enormes somas no cassino em Monte Carlo. Em 1890, perdeu todo o dinheiro que levara para a viagem e foi obrigada a pedir emprestado para pagar a passagem de trem para Viena. Esse fato se repetiu em 1906, quando perdeu não menos que 200 mil francos e viu-se em dificuldades na Riviera e, ademais, doente, com o corpo coberto de erupções vermelhas. Procurou imediatamente pelo imperador que ficou tão zangado que demorou um pouco a responder-lhe. Por fim, enviou-lhe dinheiro e uma carta repleta de recriminações.

A amante respondeu: "Muitíssimo obrigada por sua amável carta. O médico, que a princípio pensou que eu estava com catapora, agora acha que Monte Carlo é responsável por meu precário estado físico. A grande perda de dinheiro no jogo afetou meu estômago, depois meus nervos e, finalmente, minha pele. Se Vossa Majestade tivesse herdado os instintos de jogo de alguns de seus ancestrais, seria solidário comigo e me compreenderia, e, assim, eu não precisaria vagar pelo mundo desfigurada e incompreendida."

O imperador, tão avarento que escrevia telegramas urgentes em velhos pedaços de papel, respondeu: "Estou contente que você esteja feliz de novo e espero que esteja totalmente recuperada. A ciência médica fez, é óbvio, uma nova descoberta por meio de sua doença, porque jamais ouvira falar de erupções causadas por azar no jogo."

 

As amantes reais recebiam, em geral, pensões mensais - com freqüência somas altíssimas - que desapareciam rapidamente deixando-as não raro com dívidas no final do mês. O que acontecia com os frutos da generosidade do rei? Simples, a amante precisava manter as aparências de sua posição. Devia ser um acessório glorioso para o rei. Nem todos os seus vestidos e jóias surgiam em caixas de presente; a amante mantinha­-se elegante com parte de sua pensão. Era uma regra incondicional que o guarda-roupa de uma amante real devia ofuscar todas as outras damas da corte, inclusive a rainha.

Mesmo Lillie Langtry, que não recebia uma pensão regular de Eduardo VII, precisava exibir sempre vestidos novos deslumbrantes. Mais tarde, Lillie relatou que tivera uma única briga com Eduardo durante os três anos de seu relacionamento. "Usei um vestido branco e prateado em dois bailes sucessivos", relembrou. "Não sabia que ele estaria presente nos bailes. Aproximou-se de mim na segunda noite e exclamou: 'Este vestido maldito de novo!' E partiu encolerizado. (...) Levei muito tempo para acalmá-lo. (...) Essa foi a única briga que tivemos."

Lillie, que chegara a Londres com um único vestido preto bem simples, agora se vestia nas lojas da moda de Worth and Doucet. Seus vestidos de noite eram bordados de pérolas, suas roupas para a hora do chá tinham golas de pele de raposa cinza, seus négligés rodeados de arminho. Em um baile em Marlborough House, Lillie apareceu com um traje de tule amarelo com um xale de filó dourado preso por borboletas desidratadas de vários tamanhos e cores.

Nos anos 1890, a segunda amante oficial de Eduardo, Daisy Warwick, nunca pagava menos que o equivalente a 5 mil dólares atuais por um vestido - com freqüência mais. As colunas sociais comentavam o "vestido de veludo violeta com dois esplêndidos broches de turquesa e diamantes no corpete" que usara em um baile; o "vestido de gaze branco com fitas matizadas entrelaçadas com um desenho delicado" que usara em um jantar; o "esplêndido vestido adornado com fios violeta e o véu branco bordado de pérolas" que usara em uma recepção na corte.

Mais cara e, com certeza menos compensadora do que a glorificação de uma amante, era a administração de sua família e de seus serviçais. Na década de 1590, Gabrielle d'Estrées tinha 83 damas e fidalgos, 17 funcionários da Coroa e mais de duzentos criados a seu serviço. Essas pessoas eram alimentadas, abrigadas, recebiam um salário e, algumas vezes, ganhavam roupas.

Parte da pensão da amante destinava-se a manter o símbolo máximo de status do século passado: uma carruagem magnífica. A amante precisava manter a carruagem impecável - recém-pintada e reluzente, com um estofado confortável e almofadas macias. A carruagem era puxada por cavalos que ela alimentava. Além disso, pagava empregados para cuidar deles. Madame de Montespan, a orgulhosa proprietária de uma luxuosa carruagem conduzida por seis cavalos, ficou estupefata ao ver sua rival mais jovem, Mademoiselle de Fontanges, em uma carruagem maior, conduzida por oito cavalos.

A amante organizava entretenimentos para o rei, com freqüência dispendiosos, onde pagava não apenas a comida, cozinheiros e garçons, mas também atores, cantores, músicos, cenários de teatro, figurino e fogos de artifício. Em 1671, em agradecimento pelo título de duquesa, Louise de Kéroualle ofereceu um jantar para toda a corte inglesa.

Parte da pensão da amante real destinava-se à compra de presentes caros para cortesãos, embaixadores e serviçais, assim como para o rei. Esperava-se também que contribuísse para caridade - Igreja, famílias pobres, soldados feridos, hospitais, orfanatos, entre outros. Em época de guerra, poderia ouvir insinuações para devolver dinheiro para o Tesouro quaisquer que fossem as fontes recebidas.

Compreendemos as finanças da vida de uma amante real ao examinar os registros meticulosos mantidos por Madame de Pompadour de 9 de setembro de 1745, quando foi oficialmente instalada como amante do rei em Versalhes, até sua morte em abril de 1764. Durante esses 19 anos, ela dispendeu a espantosa soma de 36.827.268 livres, o equivalente a 200 milhões de dólares.

Mas, apesar de generosa, Madame de Pompadour em geral gastava com sabedoria, comprando e reformando propriedades, que poderia alugar ou vender, e colecionando pedras preciosas e objetos de porcelana, que valorizavam e eram, por fim, legados à família real. Investiu até mesmo em navios piratas para pilhar mercadores ingleses, e compartilhava o lucro obtido. Liderava o movimento para renovar a indústria francesa, fundando a fábrica de porcelana de Sevres, mundialmente conhecida, que existe até hoje, e a indústria de vidro que produzia garrafas e peças esmaltadas.

Embora gostasse de comprar e depois embelezar suas propriedades, Madame de Pompadour era bondosa e contribuía com dotes para noivas pobres, chegando mesmo a vender diamantes para custear um hospital para os menos favorecidos. Durante a atuação desastrosa na Guerra dos Sete Anos, doou ao Tesouro a maioria de suas jóias para ajudar a pagar os soldados. Em virtude de sua generosidade e a presteza surpreendente com que pagava as despesas de seus fornecedores - uma qualidade praticamente desconhecida na França no século XVIII -, Madame de Pompadour nunca poupou muito dinheiro. Os retornos financeiros de seus investimentos eram logo gastos. Ao morrer, só encontraram poucas moedas de ouro em sua escrivaninha.

Sua sucessora, Madame du Barry, estava sempre endividada apesar da enorme pensão mensal dada pelo rei. Em certo momento, a dívida atingiu a cifra de 300 mil livres. Além de vestidos suntuosos e jóias, rodeava-se de objetos caros - um candelabro de cristal de rocha, um espelho de ouro puro, garrafas de perfume de cristal com tampas de ouro maciço. Empregava 16 cavalariços e no mínimo a mesma quantidade de criadas, a quem precisava vestir, alimentar e abrigar, ademais de pagar pelas cocheiras e pela alimentação de seus numerosos cavalos.

Carlos II, que jamais se preocupou em pagar os salários de seus soldados e marinheiros, era sempre pródigo com a amante. Em 1674, Lady Castlemaine recebia 15 mil libras por ano diretamente do rei, 10 mil libras de tributos aduaneiros, 10 mil libras dos impostos arrecadados com a fabricação de cerveja, 4.700 libras dos correios e 3.500 libras das licenças de fabricação de vinho. Louise de Kéroualle recebia 18.600 libras de Carlos e, ironicamente, uma pensão anual advinda dos impostos pagos pelo clero. Aos poucos, sua pensão aumentou até atingir o montante de 40 mil libras, embora, em 1681, tenha recebido a quantia extraordinária de 136 mil libras. Nell Gwynn, sempre mais modesta, recebia apenas 4 mil libras para se sustentar e aos dois filhos.

Enquanto novos monarcas cortavam a pensão de amantes dos antigos reis, Lady Castlemaine, miraculosamente, manteve a sua. Muitos de seus rendimentos continuaram após a morte de Carlos em 1685, depois do exílio do irmão Jaime II em 1688, ao longo do reinado de Guilherme e Mary, assim como no período da rainha Ana. Apesar de importunar periodicamente os monarcas e seus funcionários pedindo-lhes dinheiro, ela conservou suas pensões até sua morte em 1709. Seu sucesso devia-se sem dúvida a uma combinação de empenho incessante com o fato de haver casado seus bastardos reais com as melhores famílias da Inglaterra, que apoiavam seus esforços para manter suas rendas.

No final do século XIX, um monarca não estava em posição para dar grandes somas de dinheiro à amante nem do erário nem de sua própria renda. O Parlamento observava com cuidado as despesas do monarca; os tablóides, maliciosamente, publicavam rumores escandalosos e os súditos aborreciam-se ao lê-los. Mas o imperador Francisco José e seu contemporâneo Eduardo VII encontraram um meio de ajudar financeiramente as amantes evitando o escrutínio público. Ambos nomearam conselheiros financeiros inteligentes para transformar rapidamente as modestas poupanças das amantes em enormes fortunas. Ambos encontraram empregos lucrativos para seus maridos, com o duplo propósito de ganhar ainda mais dinheiro e fazê-los sair de casa quando o amante real fosse visitá-las.

 

Além dos benefícios concedidos pelo rei, as amantes reais com freqüência recebiam presentes legítimos de embaixadores, funcionários da corte e cortesãos, e outros oferecimentos na forma de suborno para conseguir influência. Prática aceitável antes da Revolução Francesa - a remuneração para influenciar pessoas -, foi vista como corrupção pela geração posterior.

Um embaixador africano, ao conhecer Madame de Montespan, considerou-a a segunda rainha da França. Quando se apresentou a Luís XIV, trouxe presentes fabulosos para o rei, para a rainha e para a amante real. Sem querer cometer um deslize, esse senhor respeitável, que possuía três esposas, deu pérolas e safiras para "a segunda esposa do rei". Madame de Montespan adorou os presentes, mas a rainha ficou furiosa.

Gabrielle d'Estrées recebia presentes regularmente de monarcas estrangeiros e de nobres franceses. Fez um registro detalhado dos que recebeu quando visitou a cidade de Rouen com Henrique IV. A rainha Elizabeth I da Inglaterra enviou-lhe um grande broche de ouro com diamantes e safiras; o arquiduque Ferdinando de Médici da Toscana deu-lhe um conjunto de 24 cálices de prata entalhada; um político francês presenteou-a com um alfinete de esmeralda; um nobre deu-lhe um vidro de um refinado óleo perfumado e um cortesão ofereceu-lhe dois cervos que acabara de matar.

Em 1669, o voraz apetite de Bárbara, Lady Castlemaine, para receber presentes e suborno consumiu o orçamento do embaixador francês. "Despendi tudo que trouxe da França", lamentou, "exceto as saias de minha mulher. (...) Quanto à Lady Castlemaine, se lhe dermos presentes caros, o rei Carlos pensará que acreditamos que ela o domina, apesar de suas negativas. Devemos dar-lhe apenas fitas, vestidos e outras pequenas lembranças."

Mas Luís XIV tinha uma missão difícil para Lady Castlemaine, que requereria uma recompensa maior do que simples fitas. Primeiro, ela precisava convencer Carlos II a não conceder uma indulgência religiosa. Segundo, precisava persuadi-lo a não convocar o Parlamento.

O ministro de Relações Exteriores da França respondeu ao embaixador que: "O rei aprecia a confiança que o senhor deposita em Lady Castlemaine... e como... acredita que ela pode influenciar mais o rei Carlos... do que qualquer outra pessoa, Sua Majestade deseja que cultive essas boas relações com ela. (...) Neste sentido, ordenou ao seu irmão que lhe envie um presente de jóias da França que o senhor deverá dar­-lhe em seu próprio nome - e jóias são sempre apreciadas pelas mulheres, qualquer que seja seu humor."

Esse presente valia mil libras. Encantada, Lady Castlemaine mostrou-o ao rei Carlos que, indiferente com o fato de sua amante estar sendo subornada para influenciá-lo, concordou que as jóias eram de extremo bom gosto. A aliança entre a Inglaterra e a França levou dois anos para formar-se, mas Bárbara abandonou a causa logo no início. Mas conservou os diamantes.

O rei da França teve mais sorte com a substituta de Lady Castlemaine, Louise de Kéroualle, que, felizmente para Luís, era francesa. Ela prestou serviços tão inestimáveis ao seu país, ao influenciar a posição favorável de Carlos II em relação aos franceses, que, em 1675, Luís presenteou-a com um par de brincos no valor da espantosa soma de 18 mil libras, o presente mais caro oferecido à Inglaterra nesse ano e, com certeza, muito mais valioso do que qualquer presente que jamais dera à esposa de Carlos.

Além dos presentes oficiais, havia os que recendiam levemente a podridão, e outros cujo odor era inconfundível. Ermengarda Melusina, condessa de Schulenberg, amante de Jorge I, ficou encantada com sua promoção de mero eleitor de Hanôver para rei da Grã-Bretanha, imaginando certamente as recompensas financeiras que ela poderia obter com sua nova posição. O rei deu-lhe uma pensão anual de 750 libras e sugeriu que obtivesse renda extra por si mesma caso esse valor não fosse suficiente. A condessa aceitava de bom grado subornos de até 10 mil libras de cortesãos que pensavam que ela poderia influenciar o rei em favor deles. Jorge tinha conhecimento desses subornos e, com a tradicional avareza alemã, os aprovava, pois assim podia economizar os recursos dos cofres reais.

Jorge II provavelmente aprendeu com o pai como manter a amante rica sem consumir o Tesouro. Quando Lady Yarmouth pediu-lhe 30 mil libras, ele com tato sugeriu oferecer seus serviços pessoais a dois nobres para obter o dinheiro. Lady Yarmouth embolsou o dinheiro, feliz, e Jorge ficou contentíssimo que isso não tivesse tenha custado um centavo.

Nos anos 1660 e 1670, Lady Castlemaine vendia seus favores a políticos, arrecadando cerca de 15 mil libras por ano. Sua sucessora, Louise de Kéroualle, fez um ótimo negócio conquistando o perdão do rei para criminosos ricos. Mas, em 1809, a conjuntura havia se alterado, quando o duque de York, filho de Jorge III, foi investigado pelo Parlamento porque sua amante, Mary Anne Clark, negociava comissões militares.

Ao iniciar seu relacionamento afetivo com Mary Anne, o duque prometeu-lhe uma renda anual de 12 mil libras. A impulsiva mulher imediatamente alugou uma enorme casa; contratou inúmeros criados; comprou cavalos, carruagens, vestidos e jóias, sempre a crédito. Quando o duque, mantido com modesto rendimento pelos pais parcimoniosos, não pôde cumprir sua promessa e os credores a pressionaram, Mary Anne decidiu obter o dinheiro oferecendo promoções a funcionários ambiciosos.

Foram feitas oito acusações contra o duque, mas nada foi provado. Embora tenha se beneficiado com essas transações, não foi possível comprovar que ele soubesse de sua existência. Apesar de o envolvimento ser de domínio público, Mary Anne não foi processada e converteu-se em uma espécie de heroína popular, festejada pelas pessoas na rua. Foi uma vitória breve. O duque de York rompeu com ela, escondeu-se envergonhado e renunciou ao posto de comandante-em-chefe, perdendo a renda anual de 6 mil libras, de que tanto necessitava. E Mary Anne Clark voltou para as ruas de onde saíra.

 

Nem todas as amantes obtinham pilhas de ouro e diamantes de seus amantes reais. Algumas, na verdade, perdiam dinheiro. Outras viviam em extrema frugalidade. Quando Jorge, eleitor de Hanôver, tornou-se rei da Grã-Bretanha em 1714, partiu em um barco para reivindicar sua rica herança. No entanto, sua amante, Sophia Charlorre Kielmansegge, foi detida em Hanôver por seus credores. Quando o novo rei da Grã-­Bretanha recusou-se a ajudá-la a pagar suas dívidas, ela escapou disfarçada e seguiu-o para sua nova terra.

Frederico, o Grande, da Prússia mantinha seu sobrinho e herdeiro, príncipe Frederico Guilherme, com um orçamento limitado. O príncipe vivia em uma charmosa propriedade nos arredores de Berlim com sua amante, Guilhermina Rietz, seus filhos e os filhos de diversas outras amantes. Guilhermina precisava gerir bem sua pequena pensão para manter as aparências. Escolheu com cuidado um mobiliário elegante, porém não muito caro. Certa vez, para oferecer uma excelente refeição para o príncipe, ela empenhou sua prataria. Sua paciência foi recompensada quando seu amante tornou-se o rei Frederico Guilherme II, em 1786. Ganhou um belo palácio em Berlim, uma pensão generosa, jóias deslumbrantes e, mais tarde, recebeu o título de condessa.

De todas as amantes reais, a menos favorecida financeiramente foi a atriz cômica Dorothy Jordan. Mas, ela dizia, se seu antigo amante, o futuro rei Guilherme IV: "A deixasse morrer de fome, ela nunca falaria algo para lhe prejudicar!" O comentário era verdadeiro. Ele realmente a deixou morrer de inanição e ela foi tão leal que jamais pronunciou uma palavra contra ele.

Dorothy, urna ótima comediante, já tinha quatro filhos de dois homens diferentes quando Guilherme, duque de Clarence, a viu no teatro Drury Lane e a desejou. Segundo um de seus contemporâneos: "Seu rosto, apesar de não ser bonito, era irresistivelmente agradável; sua postura e andar eram muito ágeis; sua voz ao cantar era suave e melodiosa, e, ao falar, era precisa e marcante."

Em 1791, o preço de Dorothy para ceder ao desejo ardente de Guilherme - tal como relatado nos jornais - foi a vultosa soma de 3 mil libras e mais mil libras anuais. Junto com seus rendimentos como atriz, isso a converteria em uma mulher rica. Mas a bondosa Dorothy e seu dinheiro rapidamente se desvaneceram.

Logo os jornais noticiaram que o duque, obrigado a viver com modestíssimo rendimento fornecido pelo seu parcimonioso pai, o rei Jorge III, não apenas retirara a pensão de Dorothy, como também fizera contratos vantajosos para suas atuações e ia ao teatro para receber por ela os rendimentos. Comentava-se ironicamente:

 

Já que o luxuoso estilo de vida de Jordan

Não compromete o lucro de seu teatro

Algumas pessoas indagam com malícia

Se é ele que a mantém ou o contrário.

 

Em vinte anos, Dorothy gerou dez filhos de Guilherme. Para ganhar mais dinheiro, atuava em toda a Inglaterra e passava com freqüência dias dentro de carruagens em estradas lamacentas. Contudo, embora seu rendimento como atriz fosse considerável, era imediatamente empregado nas despesas com seus 14 filhos - educação para os meninos, dotes para as meninas e dívidas de jogo dos filhos e genros. Em 1797, o duque e Dorothy mudaram-se para Bushy House. Essa mansão elegante c venerável não foi um presente de Guilherme para a amante, mas um presente de Dorothy para o príncipe. Em uma carta lamentando-se do ritmo de suas atuações, Dorothy escreveu: "Matei-me de trabalhar, mas isso me permitiu pagar grande parte da compra de minha casa."

Em 1810, quando Guilherme afundou-se em dívidas, Dorothy sentiu que seu interesse por ela desaparecia e trabalhou ainda mais para ganhar um dinheiro que ela esperava que o unisse a ele; porém, enquanto ela percorria a Inglaterra atuando, o duque começou a cortejar uma jovem herdeira de 22 anos. Quando a herdeira o rejeitou, Guilherme secamente comunicou a Dorothy que deveriam se separar, pois considerava o relacionamento deles um obstáculo fundamental para conseguir um casamento adequado.

Em 1815, doente e importunada por seus credores e por sua família pobre, Dorothy fugiu para a França para escapar da prisão em razão de suas dívidas. O duque, seu amante durante vinte anos e pai de dez de seus filhos, não lhe ofereceu a mínima ajuda. Ela não teve permissão nem para escrever para o príncipe.

Na França, atormentada pelo desapontamento e preocupação, a saúde de Dorothy deteriorou-se. Esperava ansiosa pela chegada do correio, esperançosa apesar de tudo por notícias que lhe permitissem regressar à Inglaterra. Seus vizinhos na França, inclusive muitos ingleses expatriados, admiravam a lealdade e a firmeza de Dorothy. Jamais ouviram um comentário desatencioso em relação ao príncipe. Um dia, quando mais uma vez o correio falhou, Dorothy desmaiou e morreu. Foi enterrada em um canto do pátio da igreja por meio da caridade dos amigos. Ninguém de sua família esteve presente ao funeral.

Quando Guilherme foi designado rei em 1830, os rumores negativos sobre o tratamento que dispensara a Dorothy foram duramente divulgados. Um jornal o criticou com aspereza: "O povo... testemunhou o comportamento de um homem que inundou seu país de bastardos e rejeitou a digna porém indefesa mulher, mãe de seus filhos e, por fim, deixou-a morrer como um cão abandonado e ser enterrada como um miserável à custa de amigos, ao cessar de mantê-lo com seu próprio esforço."

Após a morte de Dorothy, uma de suas filhas revelou que o duque de Clarence pedira emprestado e nunca pagara cerca de 30 mil libras de Dorothy.

 

Pensava-se com freqüência que o rei era mais suscetível a sugestões políticas em meio aos lençóis e que, após obter seu poder por meio do sexo, a amante real saía da cama, alisava as saias amassadas e, vitoriosa, exibia sua onipotência para a corte e para o país. Com poucas exceções notáveis, muitas amantes exerceram influência política, a influência de um ser amado persuadindo o monarca a encarar um problema de um ângulo diferente, a considerar soluções distintas. Algumas amantes agiam de comum acordo com os ministros do rei, informando-os sobre seu humor e o melhor momento para lhe apresentar propostas. Acalmavam-no quando zangado e animavam-no quando estava deprimido, assim azeitando as rodas do Estado.

Muitas amantes não eram tão egoístas ou tolas a ponto de se imiscuírem em assuntos políticos, ou indicar amigos ou parentes para cargos no governo. A maioria dos reis, orgulhosos de sua autoridade divina, repelia a idéia de uma mulher interferindo nos assuntos do governo. Após horas discutindo com seus ministros, os reis visitavam as amantes para um jantar íntimo, conversas amenas e bom sexo.

Nos anos 1570 e 1580, o arquiduque Francesco de Médici (1541-­1587) declarou que não permitiria a interferência de mulheres na política. Mas sua amante, Bianca Cappello, o fazia habilmente acreditar que suas próprias idéias eram fruto da mente brilhante do amante. O arquiduque sofria de depressões tão profundas que, freqüentemente, Bianca conduzia a Toscana com seu amigo, o secretário de Estado, Serguidi. Juntos, deliberaram a maioria das decisões políticas e indicaram os postos mais importantes. Mesmo após seu casamento com o arquiduque em 1578, Bianca, agora arquiduquesa da Toscana, ainda permanecia em seu papel nos bastidores, discretamente dirigindo os assuntos de Estado.

Entretanto, alguns reis apreciavam o conselho político de suas amantes inteligentes, muitas das quais eram francas, ao contrário de seus ministros. A conversa reservada nos travesseiros atrás das cortinas espessas dos baldaquinos tinha muito mais efeito do que as interferências de ministros ambiciosos propondo planos grandiosos para si mesmos ou para outrem. "Ah, quem terei agora para contar a verdade?", lamentou-se Luís XV, ao saber do falecimento da amante, Madame de Châteauroux.

Naturalmente, a primeira amante a ter poder real foi francesa. Na década de 1550, Diane de Poitiers, a amante mais velha e sábia de Henrique II, assinava documentos oficiais, designava ministros; concedia honrarias, pensões e títulos; e concedia ou revogava a posse de grandes propriedades rurais. Tornou-se membro do conselho privado e exerceu grande influência entre os outros membros.

Para ajudar os cofres vazios do Tesouro, Diane instituiu impostos - sobretudo na produção de sal e sinos de igrejas. Ela assinava seu nome como apenas Diane, assim como os reis o faziam, sem se importar em acrescentar seus títulos, que os nobres ostentavam com tanto orgulho. Algumas vezes, Diane e o rei assinavam um documento com uma assinatura "HenriqueDiane". Quando um grupo de cardeais protestou contra sua influência, Diane enviou 13 deles de volta a Roma, a pretexto de estar defendendo interesses franceses, mas, na verdade, para tirá-los de seu caminho na corte.

 

Na década de 1590, Henrique IV da França promulgou um decreto real no qual todos os embaixadores estrangeiros a serem apresentados à sua amante na corte, Gabrielle d'Estrées, além da nobreza francesa, cléricos e funcionários, deveriam saudá-la logo após que houvessem falado com o rei.

Gabrielle possuía grande dom para utilizar as armas femininas ­ persuasão, conciliação e charme -, mais que as masculinas - batalhas com machados, canhões e espadas -, para apaziguar os conflitos que afligiam a França. Católica de nascimento, Gabrielle convenceu o rei protestante a converter-se ao catolicismo para encerrar a guerra religiosa, dizendo-lhe: "Paris vale uma missa."

Embora o rei houvesse concedido a Gabrielle o título de marquesa de Monceaux e, mais tarde, de duquesa de Beaufort, ela não possuía uma posição oficial que lhe conferisse direitos para intervir em questões diplomáticas. Henrique, insensatamente, designou-a "Amante Titular de Sua Majestade, o Rei da França". Munida de seu novo título, Gabrielle comunicava-se diretamente com o papa. O Vaticano apoiava a Liga Católica liderada pela Espanha que se opunha a Henrique e continuou a apoiá-la após sua conversão fraudulenta ao catolicismo, motivada, segundo o papa, por interesses políticos. Filipe II da Espanha fazia incursões rotineiras ao sul da França, minando os recursos de Henrique.

Gabrielle enviou ao papa cartas em nome da "amante titular", solicitando polidamente que Sua Santidade cessasse de apoiar uma guerra inútil agora que Henrique tornara-se um filho da Igreja. Lembrou-lhe que fora ela que o convencera a converter-se e mencionou a possibilidade de a França cortar relações por completo com a Igreja, como a Inglaterra fizera havia sessenta anos, se o Vaticano mantivesse seu apoio aos inimigos do rei. Dois anos depois, o papa instruiu todas as instituições religiosas na França para rezarem pela saúde do rei Henrique IV. Ao ser informado sobre a aceitação do papa à sua conversão o rei comentou: "Gabrielle teve êxito onde outros falharam."

Gabrielle começou então a aplainar as diferenças entre Henrique e o duque de Mayenne, chefe da poderosa família Guise. Mayenne fora o líder da Liga Católica e ainda possuía um grande contingente de tropas, além de recusar-se a estabelecer a paz com o rei. As mulheres da família de Mayenne eram amigas de Gabrielle e elaboraram um plano para forçar os dois homens a fazerem a paz. Gabrielle persuadiu Henrique a ser mais conciliatório com seu adversário e as mulheres da casa de Guise começaram a convencer o duque de Mayenne a desistir de uma causa perdida. Por fim. Gabrielle conversou com Mayenne durante dois dias em um pequeno castelo, amenizando os detalhes de sua rendição. Henrique fez muitas concessões - inclusive a doação de uma vultosa quantia de ouro e três castelos - para apaziguar seu inimigo.

Gabrielle tornara-se a diplomata mais eficiente de Henrique, mas não ocupava um posto oficial no Conselho, onde a política do país era discutida. Contudo, havia um precedente: havia apenas quarenta anos Diane de Poitiers fora membro do Conselho. Em março de 1596, sem seguir os trâmites usuais, Henrique deu a Gabrielle um conjunto de chaves de ouro que lhe conferiu o direito de participar do Conselho. Para evitar as críticas, sabiamente presenteou ao mesmo tempo sua irmã com um conjunto idêntico, a devota huguenote Catherine. Assim, designou de uma só vez duas mulheres como membros do Conselho, Gabrielle conhecida por sua habilidade diplomática e Catherine por sua piedosa religiosidade. Após esse fato, Gabrielle foi vista em diversas cerimônias públicas usando orgulhosa as pequenas chaves de ouro presas em uma corrente ao pescoço, em vez de exibir seus magníficos diamantes.

Em 1597, o duque de Mercoeur, o virtual governante do estado de Britânia, liderou o último foco de rebelião. Quando a guerra parecia inevitável e os dois exércitos enfrentaram-se no campo de batalha, Gabrielle convidou a esposa de Mercoeur para uma conversa íntima em sua carruagem. As duas mulheres confabularam para obter a rendição de Mercoeur sob condições honrosas e um casamento entre seus filhos, Depois persuadiram os dois homens a concordar com essa decisão. Assim, a última vitória de Henrique foi obtida sem derramar uma gota de sangue. Foi a vitória de uma mulher.

A guerra civil fora por fim encerrada e Henrique dirigiu sua atenção para evitar outro conflito. As tensões entre católicos e protestantes agravaram-se e Henrique buscou uma maneira para reconciliar os dois grupos. Sua irmã e Gabrielle começaram a preparar uma estratégia. O duque de Montmorency, condestável da França, escreveu: "Madame [Catherine] e a duquesa de Beaufort iniciaram sua formidável tarefa de reconciliar o irreconciliável. Precisam exercitar suas habilidades de persuasão ao máximo e usar todo o charme natural com o qual são dotadas, pois seguramente nunca duas mulheres empreenderam uma missão tão difícil”. 

Alguns católicos ressentiam-se de serem conduzidos em assuntos religiosos pela amante do rei. Mas lhes foi lembrado que fora Gabrielle que convencera o papa a aceitar Henrique como filho da Igreja. Henrique maravilhava-se com o sucesso de Gabrielle em convencer os poderosos católicos, um a um, a aceitar seu decreto estabelecendo a tolerância religiosa. Escreveu: "Minha amante converteu-se em um orador de excelência inigualável defendendo com extraordinário empenho a causa do novo Édito." Com uma combinação de uma sedução calorosa e ameaças gélidas Gabrielle exercia seu poder. Em 1598, o Édito de Nantes foi assinado concedendo aos huguenotes determinados direitos conferidos aos católicos. A indicação visível da justiça do édito foi o fato de que as duas facções apaziguaram-se. Henrique sabia que não teria conseguido promulgar o édito sem a habilidade política de Gabrielle.

 

O neto de Henrique, Luís XIV, no entanto, não permitiu que sua amante exercesse poder político. Em suas memórias escritas com a intenção de ajudar seu herdeiro a governar, assinalou: "O tempo despendido com assuntos amorosos não devem jamais prejudicar as questões de Estado. (...) E se abrimos nosso coração, jamais devemos deixar nosso pensamento ou nossa força de vontade divagarem. (...) É preciso conservar uma distinção rigorosa entre a ternura amorosa e a soberana resolução... e precisamos nos assegurar que a bela fonte de nosso prazer não tenha a liberdade de interferir em assuntos políticos."?

A amante de Luís, Madame de Montespan, tinha pouco interesse por política, mas pedia que suas opiniões nos campos da arte, arquitetura, literatura e música fossem acatadas. Seus protegidos incluíam personalidades como Moliere, Racine, Boileau-Despréaux e La Fontaine. Seu único sucesso no domínio político foi obter posições eminentes para seus candidatos, porém, mesmo nesse aspecto, em geral prometia muito e concedia pouco.

Um cortesão, o marquês de Puyguilhem, cansado de esperar que Madame de Montespan lhe conseguisse a posição ambicionada a serviço do rei, escondeu-se embaixo de sua cama enquanto ela almoçava com Luís. sabendo que retornariam ao quarto para fazer sexo. Silencioso como um túmulo, o marquês ouviu seus gemidos de prazer e a conversa posterior. Ficou furioso ao escutar que Madame de Montespan argumentava contra sua indicação, apesar de suas promessas brilhantes.

Mais tarde, quando Madame de Montespan e suas damas de honra encaminhavam-se para o teatro do palácio, o marquês aproximou-se dela chamando-a de prostituta e mentirosa, e repetiu as palavras trocadas com o rei. Tremendo de medo, certa de que o diabo aliara-se a Puyguilhem contra ela, entrou cambaleante no teatro onde imediatamente desmaiou e só se restabeleceu com enorme dificuldade.

 

Luís XIV não permitia que a amante se imiscuísse em assuntos políticos, mas sabia que o primo Carlos II era muito mais suscetível aos encantos de suas amantes. Em 1670, Carlos viu pela primeira vez Louise de Kéroualle em meio à comitiva de sua irmã, a princesa Henrietta, que se casara com o irmão de Luís XIV, durante sua visita à Inglaterra. Seduzido por sua beleza, Carlos pediu para manter a jovem na corte inglesa. Conhecendo o comportamento lúbrico do irmão, Henrietta levou Louise de volta para a França. Dentro de poucas semanas a princesa faleceu e o rei da França esperançoso que Louise lhe fosse mais útil que a amante de Carlos, Lady Castlemaine, concordou que a jovem partisse para a Inglaterra.

O embaixador da Savóia relatou ao seu monarca a chegada de Louise à corte. "Mademoiselle de Kéroualle... é muito bonita. O plano é convertê-la em amante do rei da Grã-Bretanha. Ele [Luís XIV] gostaria de destronar Lady Castlemaine, que era sua inimiga, e... Sua Majestade não ficaria aborrecido se sua posição fosse ocupada por um de seus súditos porque sabe que as mulheres têm grande influência sobre o rei da Inglaterra”.

Louise não tinha pressa de ofertar sua virgindade ao rei. Desejava assegurar-se de que ele realmente apreciaria seu valioso presente e sua gratidão fosse proporcional ao tempo que precisaria esperar. Com o passar dos meses, quando a admiração de Carlos por Louise permanecia estimulada. porém não saciada, o embaixador francês demonstrou seu nervosismo. A longa demora de Louise em ceder poderia causar o total desinteresse do rei..

Após um ano, os emissários franceses deram as boas notícias ao ministro da França que Louise sentira náuseas. O despacho relatava: "A afeição do rei por Mademoiselle de Kéroualle aumenta a cada dia e o pequeno acesso de náusea que ela sentira na véspera quando jantávamos juntos fez-me esperar que a boa sorte continue”.

O ministro francês respondeu: "O rei surpreendeu-se com sua notícia a respeito de Mademoiselle de Kéroualle cuja conduta na corte francesa e desde que foi para a Inglaterra não inspira grande expectativa de que venha ser bem-sucedida. Sua Majestade está ansioso para ser informado se esse relacionamento com o rei realmente existe”.

Mas as esperanças reais haviam se inspirado, na verdade, em um pequeno ataque de indigestão. Não houvera sexo entre Carlos e Louise. Desapontados, os emissários perceberam que Louise não compreendera a importância de sua posição e não cumpria seu dever para com seu país. Temeram que um novo rosto bonito - menos recatado que Louise - se apoderasse do rei, e Louise perdesse para sempre sua chance. Porém, após pressioná-la de todas as formas - inclusive ameaçando-a de enviá-la para um convento rigoroso -, o embaixador francês escreveu: "Creio que posso assegurar que Mademoiselle de Kéroualle fez progressos suficientes em relação à afeição do rei para servir à Sua Majestade e cumprir seu dever."

No final de outubro de 1671, Louise cumpriu por fim seu dever. Relatou-se que demonstrava intimidade na maneira de vestir-se só de anáguas e blusas, mas sem espartilho, e, após um casamento ridículo, fizera amor com o rei. Como prova, nove meses depois deu à luz um menino, a quem chamou Carlos.

O embaixador francês e Luís XIV ficaram extasiados com seu sucesso. Agora tinham finalmente o rei Carlos sob seu domínio. O embaixador Colbert escreveu para o ministro Louvois: "Mademoiselle de Kéroualle ficou feliz quando lhe assegurei que Sua Majestade muito apreciará seu bom relacionamento com o rei. Existem muitos indícios que o possuirá por muito tempo, sem rivais."

O embaixador tinha razão. Louise inicialmente assumiu as obrigações oficiais da rainha e, por fim, algumas tarefas do rei extenuado. No início da década de 1680, Carlos fizera 50 anos e envelhecia rapidamente. Uma vida difícil, aliada aos efeitos de longo prazo de uma doença venérea, conduzia com suavidade o rei para o túmulo. Afastava-se com freqüência de Londres para divertir-se com Nell Gwynn em Windsor, deixando os assuntos de Estado nas mãos capazes de Louise que, embora não tivesse poder oficial, trabalhava com afinco atrás dos bastidores nas eleições, designações, prisões e política externa. Carlos, que vinte anos antes não teria permitido que uma mulher segurasse as rédeas do poder, as cedia com gratidão a Louise. 

Foi uma escolha sábia, porque Louise tinha talentos políticos como nenhuma das outras amantes do rei. Lady Castlemaine só se preocupara em receber honrarias, títulos, jóias, sempre com sua cupidez voraz. Hortense Mancini estava por demais envolvida em relacionamentos amorosos com homens e mulheres para imiscuir-se em assuntos do Estado. Nell Gwynn não se interessava por política e preferia divertir-se e contar piadas, chamando a si mesma de "uma parceira adormecida no navio do Estado".

 

Ainda mais triunfante que Louise de Kéroualle, Madame de Pompadour exerceu o maior poder em toda a história das amantes reais. No início, interessava-se apenas por seu romance com Luís XV. Mas quando se viu lutando para sobreviver no ninho de cobras da corte de Versalhes, percebeu que precisaria de amigos mais influentes. A nova amante começou, a princípio, tentando sondar quem eram seus amigos e inimigos, Usou sua influência com Luís para demitir altos funcionários que a enfrentavam resolutamente e substituí-los por seus amigos. Seu primeiro passo foi demitir o tesoureiro que demonstrara desagrado com sua extravagância e substituí-lo por um amigo que pagava imediatamente suas contas sem questionamentos.

Logo, Madame de Pompadour controlava as valiosas concessões de pensões, títulos, honrarias e posições na corte. O rei, aliviado por não ter de tomar todas as decisões sozinho, deixou nas mãos da amante a administração desses assuntos. A maior parte dos cortesãos, ministros, funcionários do governo e mesmo artistas no início da carreira decidiu apoiá-la, De manhã, lhes era permitido se aglomerarem em seu quarto para admirá-la enquanto se maquiava. Um jovem escritor, chamado Marmontel, deu-lhe um manuscrito que estava escrevendo pedindo-lhe seus comentários. Alguns dias depois, ele escreveu: "Apresentei-me uma manhã à hora de sua toalete quando o quarto estava cheio de cortesãos." Para sua surpresa, Madame de Pompadour levou o jovem ao seu gabinete para devolver o manuscrito com suas correções e sugestões. Ao retornarem para o quarto: "Todos os olhos voltaram-se para mim", relatou Marmontel, "e por todos os lados fui saudado com pequenos acenos e sorrisos amistosos, e, antes de sair do aposento, recebera tantos convites para jantar que toda a minha semana estava ocupada."

À medida que o relacionamento sexual entre Madame de Pompadour e o rei arrefecia, seu poder político aumentava, As mensagens dirigidas apenas ao rei passavam antes por sua leitura e era ela quem decidia se eram suficientemente importantes para incomodar Luís. Os embaixadores só se encontravam com o rei na presença de sua maîtresse-en-titre, que observava cuidadosamente se Luís estava com o semblante carregado, clara indicação de que a conversa o aborrecia. Quando Monsieur de Maurepas, ministro de Paris, bem como secretário de Estado e secretário da Marinha, envolveu o rei em um discurso tedioso e longo, Madame de Pompadour o mandou embora com um sorriso, dizendo: "Monsieur de Maurepas, o senhor está aborrecendo o rei. Bom-dia, Monsieur de Maurepas." O ministro esperou em vão que o rei contradissesse a ordem da amante. E partiu furioso porque uma mulher de classe média o dispensara.

Após cinco anos como amante do rei, Madame de Pompadour mudou-se de seus aposentos nas arcadas de Versalhes para suítes palacianas diretamente embaixo dos aposentos do rei. Novamente, os aposentos eram ligados por uma escada secreta. Nesses grandes aposentos exerceu informalmente as funções de primeiro-ministro da França durante 13 anos. Na verdade, tinha mais poder que qualquer dos ministros de Luís, pois era ela quem os nomeava. Em 1753, o marquês d'Argenson escreveu: "A amante é o primeiro-ministro e torna-se cada vez mais despótica, como jamais uma favorita o fora na França."

Ao tomar conhecimento do poder de Madame de Pompadour, o rei Frederico, o Grande, da Prússia, um famoso misógino, sentiu-se tão ofendido que deu o nome dela ao seu animal de estimação, na verdade uma cadela. Segundo a condessa Lichtenau, a amante do sobrinho e herdeiro de Frederico, o rei "pensava que uma nação tão poderosa não poderia ter recebido o destino de ser governada e enganada por mulheres e um conjunto de parasitas ociosos. Segundo ele, essas pessoas eram, em geral, ligadas a aventureiros que não tinham outro objetivo a não ser obter favores do príncipe governante, sob a proteção de uma cortesã inteligente e, assim que caíam nas graças, interferiam nas questões mais sérias e iminentes do Estado". 

Talvez tenha sido um pensamento profético de Frederico, pois Madame de Pompadour usou seu poder para rejeitar a Prússia - uma aliada tradicional da França - e unir-se à imperadora Maria Teresa da Áustria durante a Guerra dos Sete Anos (1757-1763). O apoio da França a esse território de disputa entre a Prússia e a Áustria não condizia com a política francesa. E os comentários cáusticos de Frederico fizeram com que Madame de Pompadour, além da imperatriz Maria Teresa, se aliasse a outra mulher poderosa, a imperatriz Elizabeth da Rússia, nomes igualmente de duas cadelas do imperador. Algumas vezes, chamava seus cães com nomes tão majestosos de Anágua I, II e III. E se deliciava quando com um estalar de dedos Madame de Pompadour, a imperatriz Maria Teresa e a imperatriz Elizabeth da Rússia vinham correndo ou quando se comportavam mal e ele batia nelas. Porém eram apenas cães. As mulheres com as garras afiadas o ameaçavam.

A aliança com a Áustria não era popular entre o povo francês que perdera, recentemente, filhos e pais pelas espingardas e baionetas do Exército austríaco. Mas Madame de Pompadour convenceu o rei que a Prússia tornara-se muito poderosa sob o domínio de Frederico e que uma aliança com a Áustria criaria melhor equilíbrio político na Europa.

Madame de Pompadour converteu-se em ministro não oficial da guerra, escolhendo pessoalmente os generais. Suas opções eram muito limitadas. Os generais deviam ser selecionados entre membros da nobreza e muitos dos mais destacados eram ou muito velhos ou muito doentes para participarem. Alguns homens competentes estavam disponíveis, porém não eram admiradores de Madame de Pompadour, que insistia em indicar seus amigos.

Os franceses acreditavam que uma boa linhagem e sangue nobre eram mais importantes que o talento militar para vencer a guerra. Os exércitos indisciplinados franceses compunham-se de cozinheiros, barbeiros, camareiros e cortesãos, e tornaram-se uma espécie de corte itinerante. Os cavalos destinados às batalhas carregavam barris de pó para empoar cabelos, brilhantina e perfume. Uma noite, após uma brilhante vitória da Prússia, um oficial francês capturado participou de um alegre jantar com Frederico, o Grande. O oficial perguntou ao rei como obtivera esse triunfo inusitado. "É fácil", respondeu Frederico. "O príncipe de Soubise", disse referindo-se ao general francês, "tem vinte cozinheiros e nenhum espião; ao passo que eu tenho vinte espiões e um cozinheiro."

Após sete anos, as forças de ambos os lados estavam exauridas, O Tesouro francês esgotara-se e, ainda pior, a França perdera cerca de 200 mil homens. Ao assinar o acordo de paz, a França concordou em ceder inúmeras possessões, inclusive o Canadá e parte da Índia. Esse foi o único caso em que uma amante real exerceu desastrosamente seu poder entre suas delicadas mãos alvas.

Talvez tenha sido melhor para a França que a sucessora de Madame de Pompadour, Madame du Barry, fosse menos interessada em política, Notava-se com freqüência que quando os cortesãos discutiam assuntos oficiais com Madame du Barry, na expectativa de obter sua influência, ela apenas sorria sem entender uma só palavra. Madame du Barry tinha mais êxito como patrona das artes e da literatura, oferecendo generosamente dinheiro a jovens artistas e escritores que a procuravam. Todas as manhãs, quando se banhava com óleos perfumados, suas damas de companhia liam para ela as petições e cartas solicitando sua ajuda.

Os solicitantes esperavam pacientemente na antecâmara até que a amante emergisse envolta em um traje matinal enfeitado com fitas. Enquanto seus cabeleireiros davam os últimos retoques em seu penteado, comerciantes acotovelavam-se ansiosos para mostrar-lhe jóias, porcelanas e fivelas requintadas. Os políticos mais importantes esperavam sua recepção matinal, assim como banqueiros, artistas e filósofos, Muitos lhe traziam propostas, buscando seu conselho ou apoio. Outros contavam-lhe mexericos divertidos. Apesar de Madame du Barry não ter influência política, a visita durante a toalete da favorita era o melhor caminho para se chegar ao rei, que freqüentemente parava em seus aposentos antes de ir à missa.

 

Frederico, o Grande, que morreu satisfeito com sua vitória contra Madame de Pompadour, fato que, provavelmente, apressou a morte da amante real, teria se revirado no túmulo se houvesse visto a Prússia ser governada por uma cortesã americana quase um século depois. Mary, condessa von Waldersee, era uma americana profundamente católica, filha de um negociador de grãos de Nova York. Casara-se com o coronel Alfred von Waldersee, um general do Exército alemão e, em Berlim, essa senhora de cabelos prateados criou um salão onde entretinha prodigamente os convidados, entre eles o príncipe William, herdeiro do trono.

A mulher mais velha e mais prudente sabia aplacar o nervosismo do jovem príncipe, que se esforçava para seguir seus conselhos. Logo, despachos diplomáticos secretos enviados de Berlim para diversos lugares na Europa levantavam suspeitas sobre a natureza do relacionamento entre os dois, apesar da devota Mary ser dois anos mais velha que a mãe do príncipe. Os ministros e embaixadores rapidamente tornaram-se muito respeitosos em relação a ela. O embaixador francês lhe fazia um grande cumprimento chamando-a de Pompadour, mas da parte do embaixador alemão significava um insulto mortal.

Em 1888, o príncipe Willy tornou-se o cáiser Guilherme II, e logo passou a consultar Mary sobre todos os assuntos políticos antes de emitir sua opinião. Os jornais americanos adoraram o assunto. O New York Tribune declarou: "Uma Dama de Nova York Domina o Novo Imperador." O New York Transcript publicou: "Princesa Americana Exerce Grande Influência em Sua Alta Majestade, o Cáiser - Uma História Romântica da Filha de um Comerciante que se Encontra nos Bastidores do Poder do Trono Alemão." Um jornal de Boston escreveu: "Cada medida tomada pelo cáiser é reflexo de sua influência e intriga."

O New York Tribune publicou: "A condessa von Waldersee exerce sua função de comandante-em-chefe com tanto poder que pode dispensar generais que ocupam os postos mais elevados." O New York Times relatou: "Afortunado é o embaixador que consegue o favor de seu prestígio pessoal. Então, para ele se abre uma porta mágica de um círculo íntimo encantador, que, de outra forma, só seria abordado após inúmeros conflitos com a intricada burocracia da oficialidade germânica”.

Mary planejava uma demissão rápida do todo-poderoso chanceler Bismarck. Persuadiu o rei que jamais poderia governar com toda a soberania com a figura popular de Bismarck em seu caminho. Embora o conselho fosse verdadeiro, o principal objetivo de Mary era destituir o Chanceler de Aço para que seu marido o sucedesse. Usando toda a sua persuasão com o cáiser, Mary trabalhou arduamente para derrubar o gigante.

Em março de 1890, Bismarck perdeu o poder. Mary e Alfred esperaram confiantemente pelos frutos de 17 anos de trabalho em conjunto para alçar Alfred ao posto de chanceler. Mas, em vez de substituir Bismarck pelo conde Von Waldersee, o cáiser escolheu outro homem para o posto. Influenciado por seus novos aliados corruptos, Willy decidiu que agora que Bismarck partira, Mary era o único empecilho para seu exercício total do poder. Encolerizara-se ao ler os artigos dos jornais referindo-se a Mary como o poder nos bastidores do trono.

Em vez de promover o conde Von Waldersee, o cáiser o dispensou publicamente de seu elevado posto no Exército, nomeando-o comandante de uma tropa nos arredores de Hamburgo, tornando sua desgraça o mexerico de Berlim. Mary e Alfred viveram com dignidade sua vida no exílio. Sem a influência apaziguadora de Mary, Willy gradualmente mergulhou em uma megalomania paranóica, acionando o motor da Primeira Guerra Mundial.

 

A única amante real que nunca experimentou o poder durante trinta anos foi Henrietta Howard, a amante de Jorge II da Grã-Bretanha. Embora Henrietta não tivesse interesses políticos, procurava boas posições para seus amigos e sua família, à época em que era a favorita. "Juro", disse a um antigo amigo, que "não tenho nenhum posto disponível, senão eu lhe houvera dado."

Lorde Hervey, um amigo de Henrietta, escreveu sobre sua aguda consciência "que era objeto de um certo desprezo por não ter obtido os favorecimentos de sua posição, embora nunca tenha desejado possuí-los; e que uma amante sem poder não era mais agradável ou mais respeitável que um ministro que não conseguia mantê-lo”.

Após o afastamento da gentil Henrietta, a nova amante de Jorge II, Lady Deloraine, abalou a serenidade da rainha e da corte. A nova favorita era uma jovem afetada que se vangloriava de todas as vezes em que o rei fazia amor com ela. Certo dia, lorde Walpole comentou como lamentava que o rei houvesse escolhido Lady Deloraine como amante. Mas lorde Hervey retrucou: "Se ela tiver ascendência sobre alguém poderoso isso poderá ter más conseqüências, porém, desde que se limita ao rei, o fato não tem grande importância."

Após a morte da rainha, Jorge suavizava sua dor procurando ocasionalmente Lady Deloraine, apesar de ela nauseá-lo com seu hálito dos vinhos espanhóis que bebia em excesso. Temendo sua intromissão em assuntos políticos, o primeiro-ministro decidiu que seria melhor trazer para Hanôver a amante alemã do rei, Madame Walmoden, que parecia inócua em termos políticos. Nesse ínterim, não se importou com os encontros esporádicos do rei com a Deloraine. "As pessoas usam luvas velhas até conseguirem um novo par", comentou.

Para alegria do rei, Madame Walmoden veio para a corte. Foi recompensada com o título de duquesa de Yarmouth, e para satisfação dos ministros não se imiscuiu em política. Lady Yarmouth tornou-se o canal benéfico de comunicação entre o rei e seus ministros, Informava aos ministros os momentos adequados para abordar o rei com assuntos importantes e como apresentá-los. Além disso, evitava que políticos aborrecidos perturbassem Jorge.

Os franceses, quando estudam a influência das amantes reais inglesas, constatam que ninguém se igualou a Madame de Pompadour, Uma nobre francesa residente em Londres escreveu desdenhosa para Paris: "Enquanto Madame de Pompadour compartilhava o poder absoluto de Luís XV, Lady Yarmourh partilha a absoluta impotência de Jorge II."

Ao contrário de Luís XV, que encorajava a amante a realizar reuniões políticas, Jorge indignou-se ao saber que o secretário de Estado, William Pitt, solicitara uma audiência a Lady Yarmouth para discutir a indicação de candidatos para diversos postos, "Mr. Pitt não deve mais recorrer a esse canal", o rei vociferou. "Ela não se intromete nem se intrometerá em assuntos políticos."

No entanto, os cortesãos sabiam que a amante do rei tinha influência política. Como o sagaz lorde Chesterfield observou, Lady Yarmouth é a pessoa-chave para influenciar a opinião de Sua Majestade, "pois mesmo o homem mais sábio assume, como um camaleão, a nuança que mais lhe convém".

 

               Grandes Meretrizes da Babilônia - A Opinião Pública e a Amante

 

Alguns louvam pela manhã o que condenam à noite,

Mas sempre consideram certa a última opinião.

               - Alexander Pope

 

Podemos apenas conjecturar como o destino das mulheres na sociedade ocidental teria sido melhor nos últimos 4 mil anos se o livro do Gênesis houvesse condenado Adão por tentar a inocente Eva com uma banana. Mas como foi Eva que deu uma maçã para Adão, a Mulher Pecadora tornou-se um alvo fácil por haver tentado o Homem Virtuoso a desviar-se do caminho correto lançando mão das suas estratégias sexuais.

Em relação à amante do rei, isso era ainda mais verdadeiro. Enquanto a maioria das mulheres vivia os seus casos ilícitos às escondidas, mantendo uma imagem externa de castidade, por sua posição, todos sabiam do relacionamento sexual da amante do rei com um homem que não o seu marido. Além disso, por mais que um país estivesse insatisfeito com seu rei, expressar esse sentimento era considerado traição e, por isso, a amante tornava-se alvo da fúria do povo e dos descontentes da corte. A amante real quase sempre perdia na esfera cruel da opinião pública, não importando o que ela tivesse feito. Se desse à luz filhos do rei, era considerada uma prostituta que havia posto caros filhos bastardos no mundo. Se não tivesse filhos com o rei, era ainda pior - a consideravam uma prostituta estéril. Se fosse bonita, sua beleza era um presente do demônio para que ela pudesse seduzir o infeliz monarca. Se não fosse atraente, o rei merecia coisa melhor. Se tivesse uma vida luxuosa, era considerada uma egoísta que gastava o dinheiro dos impostos pagos pelas pessoas pobres. Se vivesse uma vida simples, estaria depreciando a glória do rei.

As amantes vindas de famílias nobres e poderosas geralmente se engajavam na política e com os seus familiares formavam partidos políticos, causando conflitos na corte. Por essa razão, alguns reis evitavam as armadilhas das condessas encantadoras e das duquesas excitantes e procuravam amantes entre as pessoas comuns. Essas mulheres eram muito mais gratas pelas bênçãos concedidas e eram muito menos intrigantes. As pessoas comuns em geral gostavam da idéia de que um deles houvesse ascendido socialmente, mas os de sangue azul pulsando nas veias ficavam loucos de ciúme quando alguém de fora invadia o Consagrado dos Sagrados.

As prostitutas nativas eram mais aceitas do que as importadas, freqüentemente suspeitas de serem espiãs estrangeiras, o que, de fato, às vezes acontecia. Em 1736, quando Jorge II insistiu em levar para o país uma amante alemã, os ingleses questionaram por que ele não se contentava com uma prostituta inglesa. Afinal de contas, diziam eles: "Há muitas prostitutas disponíveis aqui, e elas são mais baratas."

 

Madame de Montespan, a radiosa amante de Luís XIV, era igualmente detestada pela corte e pelo povo porque esbanjava dinheiro, além de ser muito dominadora. Ela instigava o rei a construir palácios, jardins e a promover divertimentos em profusão. Os cortesãos e os franceses que imitavam os costumes da corte agitavam-se com a música, as danças, os fogos de artifícios, os jogos, com a ostentação de sedas coloridas e com o brilho reluzente de pedras preciosas.

Durante os 13 anos em que ocupou essa posição, essa Grande Meretriz da Babilônia foi considerada uma destruidora voraz do Tesouro real, um fardo para os pobres trabalhadores. Sabendo da sua reputação sórdida, as tropas alemãs marcharam diante dela gritando: "Königs Hure! Hure!” (Puta do Rei! Puta!) Como não entendia alemão, Madame de Montespan perguntou a outro espectador o que os soldados estavam gritando c foi informada que eles a estavam chamando de “a prostituta do rei”. Mais tarde, sem demonstrar nenhum embaraço diante do ocorrido, ela disse ao rei que embora tivesse gostado do desfile, preferiria que os alemães não tivessem sido tão precisos ao nomearem as pessoas.

Após deixá-la, Luís XIV casou-se em sigilo com a piedosa Madame de Maintenon, que possuía todas as virtudes que desagradavam os franceses e nenhum dos vícios que eles admiravam. De súbito, a opinião pública mudou de posição e mostrou-se a favor de Madame de Montespan. Os franceses queriam que o rei e a corte deslumbrassem o mundo. Eles sentiam falta dos bailes, das festas, dos bailes de máscaras. Para seguir os novos costumes, muitos cortesãos trocavam dados por terços e romances por Bíblias, mas isso não significava que eles gostassem das novas aquisições. E como a cunhada de Luís XIV, Elizabeth Charlotte, escreveu sobre Madame de Maintenon: "Nem todas as amantes do rei juntas fizeram tanto estrago quanto ela!"

 

Madame de Pompadour, apesar da sua generosidade e incentivo à arte e à indústria francesas, foi objeto de um menosprezo cruel e de poemas com críticas ácidas durante todo o tempo em que passou na corte. Muitos cortesãos sentiam ciúme por Luís XV ter escolhido uma mulher de classe média para conceder honrarias e ridicularizavam sua origem e seu nome de solteira, Poisson, que significa "peixe" em francês. Certa vez, ela achou embaixo do guardanapo na mesa de jantar um poema acusando-a de ter uma doença venérea. Longe da elegância envenenada da corte, o povo francês gostava de zombar dela nos bares e de pendurar versos maldosos nos postes de luz.

Quando chegou a Versalhes, os nobres aristocratas a desprezavam e torciam o nariz para ela. "Ela é excessivamente comum", escreveu o conde de Maurepas, "uma burguesa fora de lugar, que será capaz de desalojar todo mundo se ninguém conseguir desalojá-la." O duque de Luyne também a ridicularizava: "Provavelmente ela deve ser apenas uma ilusão passageira e não uma amante que perdurará,"

Seus inimigos na corte deleitavam-se espalhando entre as pessoas comuns comentários sobre a extravagância de Madame de Pompadour, exagerando o dinheiro que gastava. Quando construiu um pequeno teatro em Versalhes para divertir o rei, espalhou-se em Paris a notícia de que havia custado uma soma exorbitante arrecadada com impostos. Quando visitou Paris - a cidade de sua infância e um lugar que ela preferia muito mais do que Versalhes -, ovos e lama foram arremessados contra sua carruagem e ela foi vaiada e até ameaçada de morte.

Quando Madame de Pompadour tomou a liderança da Guerra dos Sete Anos, iniciada em 1757, os insultos foram ainda mais veementes. Cerca de 200 mil franceses foram mortos ou feridos, o Tesouro nacional teve todo o seu dinheiro extorquido, os impostos foram aumentados. Madame de Pompadour era objeto de constantes ameaças de morte, algumas delas apareciam misteriosamente no consolo da lareira de seus aposentos.

A odiada amante real caiu em profunda depressão e sofria de insônia, que tentava debelar com remédios. Quando a paz foi declarada, em 1763, a França havia perdido a maior parte de suas possessões. O povo francês não culpava o rei Luís, o Bem-amado, pelas perdas devastadoras, mas sim a sua amante diabólica. Madame de Pompadour, que sempre tivera a saúde delicada, sofria muito com as farpas e ferroadas provocadas pela sua falta de popularidade. "Se eu morrer," suspirava, "será de desgosto." Ela morreu no ano seguinte.

Os parisienses comemoraram sua morte com um verso de desdém:

 

Aqui jaz alguém que foi uma virgem por vinte anos,

Uma prostituta por sete anos e uma cafetina por oito anos.

 

A sucessora de Madame de Pompadour, Jeanne du Barry, começou sua carreira como cortesã real com uma desvantagem terrível - ela fora uma prostituta parisiense execrável, com a qual muitos ministros e cortesãos do rei tinham tido relações sexuais, Para tornar-se maîtresse-en-titre, Madame du Barry deveria ser oficialmente apresentada à corte por uma senhora nobre. E aqui estava a dificuldade - nenhuma dama nobre se arriscaria a facilitar a entrada de uma prostituta em espaço tão privilegiado. Finalmente, o rei convenceu a pobre condessa de Béarn a aceitar a tarefa, prometendo sanar todas as suas dívidas e promover seus filhos, que serviam nas forças armadas.

No entanto, no dia da cerimônia de apresentação, a bem-recompensada condessa de Béarn, temendo o repúdio da corte por sua atitude, ficou emocionalmente perturbada. Mancando, dizia que havia torcido o tornozelo e quase não podia andar. Muitos achavam que, se fosse verdade, ela se machucara de propósito. A cerimônia foi cancelada para a alegria dos cortesãos e do povo francês.

Pressionada pelas artimanhas do rei e de Madame du Barry, a condessa de Béarn cumpriu sua parte no acordo e apresentou a amante real em Versalhes três meses depois. As salas estavam lotadas de cortesãos ansiosos por testemunhar um fracasso total. Madame du Barry atrasou-­se, mas quando chegou até os seus mais cruéis inimigos, ficaram extasiados com sua beleza. Usava jóias de diamantes que valiam uns 100 mil livres e um traje suntuoso nas cores prata e ouro, com enormes anquinhas e uma longa cauda que ela manejava graciosamente para fazer suas três reverências. Se os cortesãos esperavam ver uma mulher inculta, se decepcionaram. O refinamento gracioso de Madame du Barry era o mesmo daquele das duquesas bem nascidas.

Entretanto, em razão de ter sido amante do rei durante seis anos, Madame du Barry foi condenada ao ostracismo pelos cortesãos. Quando se sentava à mesa de jogo, todos os outros lugares ficavam vazios. Quando dava uma festa, ninguém aparecia. Por fim, o rei ordenou que os cortesãos fossem às suas festas.

O maior desafio que Madame du Barry enfrentou foi quando o neto do rei, o futuro Luís XVI, recebeu como sua futura esposa Maria Antonieta, a filha de 14 anos da imperatriz austríaca Maria Teresa. Determinada, bonita e charmosa, a nova Delfina conquistou o coração do rei e desprezou Jeanne du Barry. Maria Antonieta exigiu que, como Delfina, fosse considerada a primeira dama da corte, e desconsiderava a amante do rei socialmente apesar das reclamações de Luís. Os cortesãos deleitavam-se com o espetáculo de duas mulheres – uma princesa nascida na alta corte e uma prostituta – brigando pelo afeto do rei.

Dois anos depois, a recusa de Maria Antonieta de dirigir ao menos uma única palavra à favorita tornou-se um escândalo internacional. O rei, a imperatriz Maria Teresa e o embaixador austríaco na França, finalmente, convenceram a Delfina a dirigir em público algumas palavras a Madame du Barry. Em uma ocasião cuidadosamente orquestrada pelos três, a princesa repreendida fez o frio comentário à maîtresse-en-titre: "Há muitas pessoas hoje em Versalhes." O rei e a amante ficaram extremamente gratos. As relações estremecidas entre a França e a Áustria melhoraram, mas o ódio de Maria Antonieta por Madame du Barry intensificou-se. Ela nunca era convidada para fazer parte da entourage jovem e divertida da Delfina, que se tornou rapidamente o centro da vida social da corte.

Madame de Pompadour, odiada até o final, foi então santificada pelo manto de virtude com que em geral a morte envolve aqueles que partem, não importando os pecados difamatórios cometidos em vida. Porém, os vivos estão fadados a sofrer pelas suas transgressões e uma ex­-prostituta adornando os salões dourados de Versalhes revoltou o povo francês. Escrever poemas pornográficos e músicas indecentes sobre a favorita tornou-se o novo passatempo nacional. Nos últimos meses como amante real em 1774, Madame du Barry tornara-se tão impopular que tinha medo de ir a Paris. A população, que a chamava de "a Prostituta Real", atacava sua carruagem. O povo atribuía a seu estilo de vida de desperdício o alto índice de desemprego, os impostos assombrosos e a escassez de comida. Um cortesão escreveu que os divertimentos de Madame du Barry "ocorriam num nível indecente de luxo como se para insultar a pobreza do povo".

Muitos anos depois da morte do rei, Madame du Barry levou uma vida tranqüila numa propriedade rural fora de Versalhes. Tendo enriquecido durante o seu tempo de amante real, ela divertia os visitantes da Europa que vinham conhecer a mulher que enfeitiçara um rei. Um cortesão de Versalhes desfrutando de sua hospitalidade disse-lhe em tom de desculpas: "Não havia ódio, mas todos nós queríamos o seu lugar."

 

Quando Carlos II foi convidado a ascender ao trono inglês em 1660, sua vida de esbanjamento era um contraste marcante com uma década de um Protetorado puritano extremamente obscuro. Mas, em poucos anos, muitos ingleses tementes a Deus censuravam as orgias da corte, protestando - talvez com um pouco de exagero - contra o excesso de tempo que o rei passava com suas amantes, "sentindo os seus corpos e beijando-os nus na cama".

A primeira amante real de Carlos, Lady Castlemaine, era constantemente alvo da ira do povo. "Na companhia da condessa de Castlemaine, o rei não se importa com o sofrimento da nação", diziam. Depois do nascimento do seu quarto filho bastardo, alguns ingleses atingiram o limite de aceitação. Uma noite, enquanto caminhava pelo St. James Park, ela foi abordada por três homens que a chamaram de prostituta barata e lembraram-lhe que duzentos anos antes Jane Shore, a amante do rei Eduardo IV, havia morrido na lama, sozinha e odiada.

Em 1665, enquanto permanecia em Oxford com a corte, Lady Castlemaine deu à luz o seu quinto filho e, imediatamente após o parto, achou um verso com insultos preso na porta do seu quarto, escrito em latim e em inglês, e que fazia referência ao castigo dado, na água, a mulheres imorais e esbanjadoras:

 

A razão pela qual ela não é afogada?

Porque por César ela é possuída.

 

O rei anunciou uma recompensa de mil libras para quem achasse os autores do delito, mas ninguém apareceu.

Em 1668, um grupo de londrinos destruiu alguns bordéis deploráveis e ameaçou destruir o maior de todos os prostíbulos, o Whitehall Palace, a casa do rei Carlos. Logo em seguida, uma petição satírica foi publicada com o título "Petição das Pobres Prostitutas à Esplêndida, Ilustre, Serena e Eminente Senhora do Prazer, Condessa de Castlemaine", implorando por sua interferência em nome das meretrizes "em uma transação na qual Vossa Senhoria tem larga experiência". À medida que Lady Castlemaine vociferava e enfurecia-se, alguém publicou uma "Graciosa Resposta" às pobres prostitutas dando a entender que fora escrita por ninguém menos que a própria amante do rei.

A substituta de Lady Castlemaine, Louise de Kéroualle, era conhecida por ser uma ávida defensora da política francesa, não importando as desvantagens que isso pudesse trazer para a Inglaterra, além de ser também uma agente do rei francês Luís XIV. O povo inglês ficou estarrecido quando Carlos concedeu-lhe a cidadania inglesa e honras de duquesa. Em tempos de guerra, eles ressentiram-se profundamente do montante de dinheiro e jóias que o rei depositara aos pés da amante. Um dia, Louise encontrou o seguinte verso preso à porta dos aposentos do seu palácio:

 

Dentro desse lugar uma cama foi destinada

A uma puta francesa e ao ungido de Deus.

 

Louise teve a infelicidade de ser uma amante católica em um país de raízes fortemente protestantes em uma época em que o ódio religioso corria solto. A mãe do rei Carlos era católica, Jaime, seu irmão mais novo, se convertera e supunha-se - corretamente - que o próprio Carlos era um católico às escondidas. A população protestante temia uma volta à época não muito distante, havia apenas 120 anos, quando Maria, a Sanguinária, queimava os hereges nos mercados.

Os ingleses estavam enfurecidos com a idéia de haver uma amante católica estrangeira bajulando o rei tão irresoluto. Lembravam-se com saudade do tempo de Lady Castlemaine, afirmando, com orgulho, que ela fora a melhor prostituta de todas - dando à luz diversos bastardos reais, extorquindo todo o dinheiro do Tesouro com esperteza e ainda por cima gabando-se de ser inglesa.

Os problemas chegaram ao ápice em 1680, com inúmeros tumultos entre católicos e protestantes nas ruas. O retrato do papa era queimado diariamente. O embaixador francês escreveu para Luís XIV dizendo que o novo Parlamento exigia a saída de Louise da corte e que ela fosse presa na Torre de Londres e possivelmente executada. Os líderes protestantes tentaram acusar Louise de ser uma prostituta comum perante um júri encarregado da pronúncia dos réus. Felizmente para Louise, o juiz cancelou o caso.

Se o povo inglês escandalizava-se com o fato de o rei Carlos ter escolhido Louise de Kéroualle, os cortesãos estavam ainda mais chocados com a chegada de Nell Gwynn, de origem tão humilde. O conde de Arlington, um dos ministros do rei, disse ao embaixador francês que "era conveniente para os criados do rei que Sua Majestade gostasse de Mademoiselle Kéroualle, que tinha uma boa índole e era uma lady. Era melhor conviver com ela do que com mocinhas volúveis ou atrizes vulgares e lascivas que nenhum homem pode controlar".

Muitos nobres que haviam acolhido as outras amantes de Carlos de braços abertos recusaram-se terminantemente a aceitar Nell, devido à sua origem. A duquesa viúva de Richmond disse ao rei que ela "não podia tolerar ter de conversar com Nell", ao que o monarca respondeu que "aquelas com as quais se deitava eram companhias dignas para a melhor mulher do país". 

O povo, por sua vez, achava que se Carlos tivesse de ter uma amante, ela deveria ser uma inglesa protestante como Nell em vez de uma papista francesa aristocrática como Louise de Kéroualle. Muitas pessoas da classe média e classe média baixa admiravam Nell por ter saído da sarjeta usando o seu talento, trabalho duro e senso de humor, tornando­-se uma lady.

Durante o Pânico católico no final de década de 1670 e início da de 1680, Nell apareceu como a preferida em uma pesquisa de opinião pública. Ela foi considerada uma "boa mulher da república inglesa", uma protestante que nunca "havia procurado obter ganhos pessoais provocando a ruína de uma nação". Louise de Kéroualle, por sua vez, era considerada uma espiã da França, inimiga histórica e aliada do papa. Enriquecendo com o dinheiro público, ficou conhecida como uma das "prostitutas magras do Faraó" que "quase liquidou totalmente com a nação". 

Certa vez, Nell foi cercada por uma multidão que pensava que sua carruagem pertencesse a Louise de Kéroualle e, quando as pessoas ameaçaram virá-la, Nell botou a cabeça para fora da janela e gritou: "Eu suplico, senhores, sejam corteses, eu sou uma prostituta protestante." Em resposta, a multidão riu e a abençoou, deixando que ela seguisse seu caminho.

 

Em 1848. Lola Montez foi tão execrada na Bavária que provocou uma revolução. No final de 1846, a dançarina foi a Monique com a intenção de permanecer cerca de uma a duas semanas e conseguir algum dinheiro para as suas apresentações. Mas ela acabou encantando o velho rei Luís, que a convenceu a ficar como sua amiga especial. Os cidadãos de Munique sabiam das freqüentes visitas do seu governante ao hotel da dançarina. De binóculos, eles a observavam em seus mínimos detalhes no camarote que ela convenceu Luís a presenteá-la.

Como sempre, o povo não se interessava muito pelo comportamento sexual do monarca, mas sim pelas influências exercidas sobre ele por uma fonte externa. Essa mulher não era alemã como as outras. E, pior, Lola não possuía uma nacionalidade clara, afirmando ser espanhola apenas para esconder sua verdadeira identidade. Nascida na Irlanda, criada na índia, casou-se na Inglaterra e lá se divorciou por motivo de adultério. Lola falava um pouco de espanhol com sotaque britânico e irlandês. Quem era ela? Se de fato trabalhava para um governo estrangeiro, qual seria ele?

Pior do que sua nacionalidade e seus planos políticos incertos, era o temperamento genuinamente difícil de Lola. Petulante, impetuosa, incontrolável, ela esbofeteava donos de lojas ou pessoas na rua que achasse que a estavam insultando. Um dia, quando andava pelas ruas de Munique, seu imenso cachorro preto mordeu o pé de um entregador. O pobre homem pegou um porrete para se defender, mas foi espancado várias vezes pela amante do rei. Uma multidão se formou e perseguiu Lola, e ela se refugiou numa loja que vendia prataria. Quando a noite caiu e cerca de quatrocentos cidadãos enraivecidos gritavam por ela em frente à loja, Lola escapou pelos fundos.

Os lugares perto do camarote de Lola geralmente ficavam vazios, pois ninguém queria ser visto perto dela. Durante as peças, quando o rei, abandonando a esposa, filhos e convidados, ia até o seu camarote para lhe fazer uma visita, Lola permanecia sentada e o rei em pé, o que era uma inaceitável quebra de protocolo.

As pessoas na rua davam-lhe encontrões e a insultavam. Meninos jogavam fezes em seu cavalo. Apesar de Lola estar longe de ser uma donzela em apuros, esses incidentes logo atraíram um grupo de estudantes universitários que começaram a agir como os seus guarda-costas. Os seus admiradores formaram uma confraria à qual chamaram de Alemannia, nome de uma antiga tribo germânica, e usavam um boné vermelho que os distinguia. 

Com o dinheiro de Luís, Lola convidava os membros da confraria para festas sensacionais - alguns diziam que eram orgias - na sua esplêndida casa. Em um dos jantares, quando os estudantes completamente bêbados e sem calças carregaram Lola nos ombros, ela bateu com a cabeça em um lustre e ficou inconsciente. A arrogância de uns poucos confrades enfureceu os outros 2 mil universitários que começaram a vaiar todas as vezes em que viam um boné vermelho. Quando os meninos da confraria de Lola iam a palestras, os outros se levantavam e saíam. Em algumas ocasiões, havia apenas dois ou três meninos da Alemannia em um enorme auditório.

Irritado com os constantes relatórios de destruições e tumultos, Luís decidiu fechar a universidade por um semestre. Seguiu-se um conflito, com estudantes e cidadãos perseguindo os membros da confraria e lutando com eles nas ruas. Ao saber do ocorrido, Lola foi para o meio da briga com o seu característico destemor. Mas logo foi reconhecida e perseguida. Ficou coberta de fezes e a jogaram no chão. Conseguiu ir para uma igreja, mas o padre a expulsou imediatamente. Por fim, vários policiais a ajudaram a fugir para o palácio real.

Centenas de revoltosos tomaram o quartel-general da polícia, tiraram as pedras do calçamento e quebraram todas as janelas do prédio. No dia seguinte, os protestos continuaram. Para desarmar essa bomba-relógio, o comandante anunciou para uma multidão que Lola Montez deixaria a cidade em uma hora. Gratificado, o povo rumou para a casa de Lola para testemunhar a partida da prostituta real. Mas o anúncio era falso. Lola saiu de casa com uma arma e desafiou a multidão a matá-la. Quando uma chuva de pedras foi arremessada em sua direção, ela gritou: Aqui estou eu! Matem-me se vocês são capazes.

Com receio que a imprudência de Lola pudesse de fato lhe custar a vida, seu cocheiro e um tenente arrearam os cavalos na carruagem e a empurraram para dentro. O cocheiro subiu rápido e chicoteou os cavalos, passando através da multidão achincalhadora. Contra a sua vontade, Lola deixou Munique.

Após alguns dias, com trajes masculinos e usando uma barba falsa, Lola entrou sorrateiramente em Munique e conseguiu encontrar-se com Luís para assegurar suas futuras finanças. Os dois marcaram um encontro na Suíça para daí a poucas semanas, quando os ânimos tivessem se acalmado. Mas a notícia da visita de Lola espalhou-se pela cidade e uma multidão enraivecida começou a destruir os prédios onde diziam que ela pudesse estar.

No meio dessa revolta, Luís abdicou do trono, com a esperança de poder sair da Baviera e ir ao encontro de sua Lola. Mas os habitantes, furiosos com o fato de que ele pudesse estar fugindo com o dinheiro público e levando as jóias da Coroa para a sua prostituta, insurgiram-se quando souberam dos planos do rei. O filho de Luís, o novo rei, implorou ao pai para que permanecesse na Baviera, de modo a preservar seu trono. Durante dois anos, apesar de todo o esforço, os encontros de Luís e Lola foram sempre frustrados. E, lentamente, com as notícias que recebia sobre a vida que Lola levava, ele tirou-a do seu coração. Porém, recordava-se com melancolia dos seus sonhos de amor irreais e tolos.

Mas as revoluções de 1848 foram as últimas revoltas sociais da Revolução Francesa. No final do século XIX, havia sido implantada na Europa ocidental uma forma de civilização mais polida, onde a sociedade não podia entrar em turbulência por causas tão enfadonhas como uma amante do rei. Quando Eduardo VII tornou-se rei da Grã-Bretanha em 1901, ele foi rotulado de "Rei Eduardo, o Sedutor", um trocadilho sobre o seu santo antecessor rei Eduardo, o Confessor. Os ingleses morriam de rir quando ouviam uma história contada por um oficial da Marinha que trabalhava no iate real. Ele contava que quando passava perto da portinhola da cabine de Eduardo, o ouvia com freqüência gritar: "Pare de me chamar de senhor e ponha outra almofada embaixo de você."

 

                                       Os Frutos do Pecado - Os Bastardos Reais

 

Esse engrandecimento dos bastardos

E enduquesamento de qualquer puta

Enfraquecem o saldo e o Tesouro

E estão me deixando muito pobre

                 - Poema dos anos 1680 sobre Carlos II –

 

Mais valiosa do que uma tiara de diamantes, uma barriga volumosa era a maior prova do afeto do rei. Um filho estabelecia uma ligação do rei com sua amante mesmo depois que ela caísse em desgraça ou fosse banida da corte, e lhe garantia pensões generosas pelo resto da vida. Com isso, não é surpresa que existissem tantos bastardos reais na maioria das cortes européias.

Geralmente, acreditava-se que os filhos bastardos eram mais inteligentes e mais bonitos que os legítimos. Considerava-se o relacionamento entre um homem e sua amante como uma relação verdadeira de amor ou, pelo menos, de desejo verdadeiro. E, no momento da concepção, o amor e o desejo misturavam-se para formar uma criança mais capaz de enternecer do que aquelas geradas por um sexo forçado. Luís XIV, angustiado com o fato de cinco de seis dos seus filhos legítimos terem morrido jovens enquanto muitos dos seus filhos bastardos cresciam com vigor, foi informado pelos médicos que dera o seu melhor esperma para as amantes, deixando a rainha apenas com o resto do frasco. Além disso, o sexo compulsório entre primos, na maioria das vezes, produzia uma geração geneticamente inferior, com uma saúde frágil, pouca inteligência e um aspecto hediondo.

Certo dia nos anos 1670, a rainha Maria Teresa. esposa de Luís XIV, mãe de um príncipe tão tedioso e pouco atraente quanto ela, ficou muito irritada quando ouviu alguns cortesãos desmancharem-se em elogios para os filhos adoráveis e precoces do rei com Madame de Montespan. "Todos ficam extasiados com essas crianças, mas nunca mencionam o Senhor Delfim", reclamava ela.

Além de mais inteligentes e bonitos, os bastardos reais eram menos arrogantes do que os seus meios-irmãos, que andavam pela corte com ares provocativos e orgulhosos de serem nobres puros de nascimento. Os bastardos não possuíam nenhuma posição oficial a não ser aquela conferida pelo pai e eram extremamente leais a ele em troca dessa generosidade. Em 1189, nos últimos momentos de vida de Henrique II da Inglaterra, de todos os seus filhos, somente o filho bastardo Geoffrey Plantageneta permaneceu a seu lado. Os filhos legítimos, John e Richard, tinham se aliado ao rei da França e rebelaram-se contra o pai. "Só você provou ser meu filho legítimo e verdadeiro", Henrique resmungava. "Os verdadeiros bastardos são os meus outros filhos."

 

O rei geralmente gostava mais dos filhos bastardos do que dos príncipes e princesas gerados por obrigação no leito matrimonial. Nada entristecia mais Henrique IV da França do que constatar que o seu herdeiro, o delfim, era o retrato fiel da mãe, a rainha Maria de Médici, a quem ele não amava. Segundo um nobre, logo após o nascimento do filho bastardo de Henrique com Henriette d'Entragues, o rei disse que esse "era muito mais bonito do que o filho que tivera com a rainha, parecido com os Médici, de tez morena e gordo". Quando a rainha tomou conhecimento do comentário do rei, "chorou copiosamente". Henrique costumava apontar para o filho bastardo e dizer: "Vejam como esse filho tem uma boa natureza e o quanto ele se parece comigo. Ele não é uma criança teimosa como o delfim”. 

O médico da corte de Henrique, Dr. Hérouard. escreveu: "A rainha não consegue entender como... o rei... pode dar mais carinho para os filhos bastardos do que para os legítimos... (e teme que por isso) todos vão pensar que os bastardos são mais amados pelo pai do que os filhos da rainha."

Quando a carruagem real virou em uma enchente durante a travessia de um rio em 1606, Henrique agarrou-se a César, seu filho bastardo de 12 anos com Gabrielle d'Estrées e correu com ele para um lugar seguro, deixando o resto da família em perigo. Podemos imaginar a gorda rainha Maria, cuspindo água, afundando com as suas vestimentas pesadas de veludo nas correntes lamacentas, vendo o marido afastar-se dela para cuidadosamente levar o bastardo para a margem a salvo. A rainha foi resgatada por um cortesão que a salvou puxando-a pelos cabelos. Ela o recompensou dando-lhe uma caixa de jóias, uma pensão anual e a posição de capitão da Guarda da Rainha. E nunca perdoou o marido.

Para desgosto de Maria, Henrique IV insistia em criar os oito filhos bastardos que teve com várias amantes no mesmo quarto do palácio destinados aos seus seis filhos legítimos. No início, Henriette d'Entragues, que havia conseguido do rei uma promessa de casamento por escrito e considerava-se sua verdadeira esposa, recusou-se a permitir que seu filho compartilhasse esse aposento. "Eu não permitirei", gritava ela, "que meu filho fique em companhia de todos aqueles outros bastardos!" Por fim, Henrique insistiu, esperando que o contato diário criasse um amor fraterno entre as crianças em vez de uma rivalidade amarga. O rei visitava os filhos freqüentemente e tinha dificuldade em mantê-los todos sob controle. Fez então uma lista que guardava no bolso, contendo as descrições dos filhos, com informações detalhadas sobre o nome, a idade e a mãe de cada um.

Muitos bastardos reais, amados pelo rei, não gostavam de suas mães, que viviam em um estado de infortúnio completo ou parcial. O filho de Luís XIV com Madame de Montespan, o duque de Maine, teve paralisia infantil aos três anos de idade e passou a mancar como conseqüência da doença, o que era considerado uma tragédia de proporções incalculáveis em um mundo requintado como Versalhes, onde o ridículo era exacerbado. O duque culpava a mãe pela sua desgraça e nunca a perdoou pela sua frieza para com ele. Em 1691, o duque sentiu tamanha emoção quando soube que o rei tinha finalmente expulsado a mãe da corte que insistiu para que ele mesmo desse a ela a notícia. Apenas uma hora depois que a mãe partiu, ele fez questão de mandar toda a sua bagagem para seu destino em Paris. Em seguida, deu ordens para que todos os seus móveis fossem jogados pelas janelas, temendo que ela viesse buscá-los. O duque ocupou imediatamente todos os aposentos principais.

O mesmo aconteceu com o filho de Carlos II e Louise de Kéroualle, a duquesa de Portsmouth. Ele era muito próximo do pai e não gostava da mãe. Quando o rei morreu em 1685, Louise levou Carlos, então com 14 anos, para a França, onde obrigou esse jovem protestante convicto a se converter ao catolicismo. Aos 19 anos, Carlos fugiu para a Inglaterra, diziam até que com as jóias da mãe, retomou a religião protestante, casou-se com uma nobre inglesa e ocupou o seu lugar na Câmara dos Lordes, desgostando profundamente a mãe, francesa e muito católica.

O caso mais triste foi o da atriz Dorothy Jordan. Os seus dez filhos com o futuro Guilherme IV a deixaram morrer sozinha e pobre enquanto se divertiam em festas com o pai na corte. Para eles, a mãe era motivo de vergonha, mas a sociedade os recebia de braços abertos quando eles estavam acompanhados por Guilherme. Oito dos dez filhos casaram-se com membros da nobreza inglesa e viviam uma vida de luxo e, por conveniência, esqueceram o fato de que a mãe fora enterrada como indigente na França.

 

Os reis geralmente legitimavam esses filhos por decreto real. Essa legitimação era um reconhecimento oficial de paternidade. Os filhos continuavam sendo bastardos, porém com grandes expectativas. Em 1360, o rei Pedro de Portugal queria legitimar seus filhos com a amante Inês de Castro, com quem se casara após o nascimento deles. O papa declarou que só poderiam ser legitimados quando a mãe fosse coroada rainha - e Inês morrera havia cinco anos, Sem se deixar abater, o rei Pedro desenterrou-a, vestiu seu esqueleto com um manto suntuoso, colocou-a em uma cadeira na catedral e realizou a coroação em uma cerimônia pomposa, à qual todos os nobres foram obrigados a assistir. Depois disso, ninguém mais protestou quando ele legitimou os filhos.

Por volta do século XVI, a Europa havia, de certa maneira, se tornado civilizada. Quando Henrique IV da França quis legitimar seu filho com Gabrielle d'Estrées em 1594, ele simplesmente emitiu alguns documentos declarando que César era seu filho. "Nós concedemos a ele essa certidão legal de reconhecimento”, escreveu o rei, “visto que o estigma atrelado ao seu nascimento o exclui do direito de sucessão ao nosso trono. (...) Sua condição seria muito precária, se não obtivesse sua legitimidade, por meio da qual se torna apto a receber todos as doações e benefícios a ele conferidos por nós e por outros."

Além de legitimar seus filhos bastardos, os reis muitas vezes davam a eles títulos de nobreza, criando uma quantidade considerável de condes e condessas, duques e duquesas. Os bastardos reais não eram considerados bons pretendentes para a realeza estrangeira, mas eram, contudo, muito disputados pelas famílias nobres da mesma nacionalidade, misturando, assim, o sangue delas com o sangue sagrado do rei. Em virtude de muitos casamentos de duques e duquesas bastardos com membros de famílias nobres, grande parte da nobreza européia está hoje diretamente ligada a filhos frutos de uniões extra-conjugais.

Sobre Carlos II, o cortesão George Villiers fez o seguinte comentário: "Um rei deve exercer o papel de pai para o seu povo, e Carlos certamente o foi para muitos deles." Carlos reconheceu 14 filhos bastardos - nove homens e cinco mulheres. Criou seis ducados e um condado para seus filhos bastardos e fez de quatro de suas filhas condessas. Foram tantos os seus filhos ilegítimos que receberam o nome de Carlos que ele, tal como Henrique IV, tinha dificuldade para diferenciá-los. Carlos prestava especial atenção aos jovens herdeiros e herdeiras que pudessem ser potenciais pretendentes para os seus filhos bastardos e fazia-os casar ainda muito jovens - alguns mesmo aos cinco anos - para garantir que as fortunas tão invejadas não escapassem pelos dedos.

A rivalidade feroz entre as amantes reais muitas vezes se estendia às honras que o rei conferia aos filhos tidos com elas. Em 1674, Louise de Kéroualle ficou felicíssima ao saber que Carlos, seu filho de dois anos, recebera o título de duque de Richmond. Mas sua alegria não foi muito duradoura, porque soube que Carlos II também havia concedido o título de duque de Grafton ao filho de 11 anos com Barbara, Lady Castlemaine, que exigia que esse tivesse a precedência. Oficialmente, a precedência era dada ao duque cuja patente tivesse sido a primeira a ser assinada. As duas mulheres atormentaram tanto o pobre Carlos que ele, já exausto, sugeriu que as patentes fossem assinadas precisamente ao mesmo tempo; mas nenhuma das duas saberia quando isso iria ocorrer.

As duas patentes foram formuladas com as mesmas datas, porém necessitavam da assinatura do tesoureiro, lorde Danby, para terem validade. Danby planejava viajar na manhã seguinte para Bath e Lady Castlemaine ordenou a um empregado que permanecesse à espreita esperando sua saída. Louise, no entanto, soube que ele havia mudado de plano e que partiria na noite anterior e seu empregado entregou a patente para Danby no momento em que ele entrava na carruagem, o que o fez voltar para casa e assinar o documento. Na manhã seguinte, quando o encarregado de Lady Castlemaine chegou, descobriu que o filho de Louise ia ter sempre precedência sobre o de Lady Castlemaine. É cômico imaginar a fúria flamejante da amante derrotada ao saber do ocorrido.

Por causa da origem da mãe, os filhos de Nell Gwynn não foram incluídos nesses impulsos de generosidade. Com tristeza, Nell disse aos dois que "eram príncipes por parte do pai para seu engrandecimento, mas que tinham uma prostituta como mãe para sua humilhação". Certo dia, em 1676, quando Carlos veio visitá-los, Nell, frustrada pelos anos de espera para que o rei honrasse seus filhos, gritou para o de seis anos: "Vem cá, seu pequeno bastardo!" Quando Carlos a repreendeu, ela disse: "Eu não tenho um nome melhor pelo qual o chamar." Rindo, Carlos respondeu: "Então eu devo dar-lhe um nome", e logo em seguida o converteu em conde de Burford. Depois de oito anos nos quais Nell arquitetou planos, o adulou e implorou, Carlos deu ao filho o título de duque de St. Albans. O belo rapaz de 13 anos recebeu de presente aposentos esplêndidos no palácio de Whitehall e uma mesada anual de 1.500 libras. Conseguiram-lhe um casamento lucrativo com uma jovem herdeira e, mais tarde, o duque de St. Albans serviu ao seu país como embaixador na França.

 

Ao passo que os bastardos reais do século XVII podiam contar em geral com um ducado, os bastardos do rude e confuso mundo medieval tinham grandes chances de ganhar um trono. Guilherme, o Conquistador, o valente filho bastardo de Roberto, o Diabo, duque da Normandia, sacou da espada e derrotou tropas inglesas em 1066; quase mil anos depois, sua descendente mais refinada Elizabeth II usa a coroa serenamente. Nos séculos XII e XIII, aos bastardos reais da Noruega foi entregue o trono quando o pai morreu e não havia tido filhos legítimos. No século XIV, os bastardos reais fundaram dinastias em Portugal e em Castela. Por ironia a Renascença, período que marcou o início do poder das amantes reais, foi, ao mesmo tempo, a época em que os direitos de seus filhos foram extintos. O mundo medieval, mesmo tendo sido formado por lutas e batalhas, pode se orgulhar de ter sido o período quando mais leis de casamento, divórcio e de reconhecimento de paternidade foram criadas comparado com sociedades mais refinadas e civilizadas de séculos posteriores.

Não é surpresa que alguns bastardos reais da Renascença e do período barroco sentissem uma certa tristeza ao observarem o que ocorria em séculos anteriores, quando bastardos corajosos poderiam ter um reino para si próprios. Jaime, duque de Monmouth, o filho favorito de Carlos II, conspirou para conseguir o trono inglês. O pai não tinha filhos legítimos e Jaime, irmão de Carlos e herdeiro, era detestado por ser católico. Depois da morte de Carlos em 1685, o popular duque convocou algumas tropas e lutou contra Jaime II. Monmouth foi capturado enquanto dormia em uma trincheira e decapitado por ordem de seu tio.

Muitos filhos bastardos, reconhecendo a imprudência de brigar por um trono, descobriam a honra e a glória lutando em nome dos pais reais e de seus meios-irmãos. Dom Juan da Áustria (1547-1578), filho ilegítimo de Carlos V, imperador do Sacro Império Romano, e de Bárbara Blomberg, tornou-se almirante, defendendo os mares de piratas e derrotando os turcos na Batalha de Lepanto para seu meio-irmão Filipe II.

Maurice, conde de Saxe (1696-1750), filho bastardo de Augusto, o Forte, da Saxônia, e Aurora von Königsmarck, tornou-se grande general e estrategista militar. James Fitzjames, grão-duque de Berwick (1670-­1734), filho de Jaime II da Inglaterra e de sua amante Arabella Churchill, tornou-se general e lutou com triunfo pelo seu pai exilado e, em seguida, pelo primo Luís XIV. Durante a Guerra da Sucessão da Áustria, quando o duque tinha 64 anos, foi decapitado por uma bala de canhão em uma explosão de glória.

Enquanto os filhos ilegítimos de reis geralmente saíam vitoriosos das batalhas, as filhas eram usadas como joguetes matrimoniais para apaziguar famílias nobres conflituosas, porém muito poderosas. Luís XIV casou duas de suas filhas bastardas com membros do clã Condé, uma família poderosa com uma história de traição que perpassava várias gerações. Louise-Françoise, Mademoiselle de Nantes, filha do rei com Madame de Montespan, só tinha 12 anos quando se casou com um Condé, um anão de 17 anos com uma cabeça enorme. Em razão da idade da noiva, o casamento teria de esperar de dois a três anos para se consumar. Mas a ganância de Madame de Montespan, depositando nesse casamento muita expectativa, fez com que ela forçasse a menina a perder a virgindade no dia do casamento.

A família do noivo sentia-se igualmente lisonjeada com essa ligação tão próxima com o rei, apesar de insistirem que o sexo deveria esperar. Madame de Caylus escreveu: "As núpcias foram celebradas em Versalhes nos aposentos oficiais do rei... com gloriosa iluminação nos jardins e todo o fausto que o rei é capaz de proporcionar. O Grande Condé [pai do noivo] e seu filho esmeraram-se para mostrar a enorme satisfação com a consumação do contrato de casamento que eles tanto se esforçaram para que se efetivasse."

 

O caso mais estranho já registrado de um bastardo real foi o de dom Antonio de Médici, o filho - mas que na verdade não o era - do arquiduque Francesco de Médici da Toscana e de sua amante Bianca Cappello. Em 1576, após uma década como amante do arquiduque, Bianca ainda não havia concebido. A arquiduquesa Joana já tinha oferecido ao marido várias jovens que não lhe tinham interessado, e Francesco prometeu à amante que se ela lhe desse um filho ele se casaria com ela e a faria arquiduquesa logo que sua esposa, sempre com a saúde precária, exalasse o último suspiro. O filho tão desejado, legitimado pelo casamento, certamente herdaria o trono. 

Sendo uma pessoa determinada que não aceitava derrotas, Bianca lançou mão de uma estratégia perigosa para dar a Francesco o filho que ele queria. Mandou que um cúmplice escolhesse três mulheres grávidas, em situação financeira difícil, acreditando que, com certeza, uma delas daria à luz um menino. Custeou-lhes moradia em diferentes lugares da cidade. Em seguida, Bianca anunciou sua gravidez cheia de orgulho, para alegria de Francesco. Pôs enchimentos nas roupas e não deixava que o amante a tocasse alegando que isso poderia prejudicar a gravidez.

Duas das mulheres tiveram meninas, para tristeza de Bianca, e foram pagas e dispensadas. A terceira mulher, Lucia, escolhida pela sua beleza e boa saúde, deu à luz um menino. Logo após saber a notícia, Bianca começou a fingir que estava entrando em trabalho de parto; soltando falsos gritos de dor. Ao saber disso, Francesco correu para confortá-la e trouxe com ele o médico da corte. O bebê, que havia sido tirado da mãe, abruptamente, foi trazido para a casa de Bianca em uma cesta e ficou escondido até que pudesse ser colocado na cama de capitel com as cortinas cerradas.

O trabalho de parto durou algumas horas até que Francesco desistiu e voltou para o palácio. O médico, no entanto, permaneceu para ajudar no parto. Quando o médico, que não tinha permissão de examinar Bianca durante suas falsas contrações, viu a velha aia Santi trazendo uma cesta pelo jardim, entendeu toda a trama. Com muito tato, foi buscar um copo de vinho que Bianca lhe pedira. Ao retornar, foi apresentado ao filho recém-nascido.

E a mãe verdadeira? Lucia, sem o filho e ainda sangrando, foi obrigada a ir para Bolonha a cavalo acompanhada de Gazzi, o médico corcunda de Bianca, que cuidara dela durante a gravidez. Gazzi conseguiu um emprego para ela como ama-de-leite na casa de uma família muito rica com nome falso e depois contou-lhe tudo que havia ocorrido. Disse-lhe que o filho, que recebeu o nome de Antonio, dado por Francesco e Bianca, teria uma vida esplendorosa. Mas Lucia temia que os Médici não hesitassem em mandar matá-la para proteger o segredo do nascimento de Antonio. Por 12 anos vagou pela Itália usando nomes falsos, sempre com o sentimento de estar sendo apunhalada pelas costas por um Médici.

Logo após o nascimento de Antonio, a arquiduquesa Joana finalmente deu um filho e um herdeiro ao marido e, pelo menos temporariamente, a importância de Antonio diminuiu muito. Nesse ínterim, Santi, a cúmplice de Bianca nos planos do falso nascimento, começou a chantageá-la. Durante uma viagem com outros empregados, Santi foi atacada e esfaqueada por bandidos misteriosos que ignoraram os outros do grupo. Santi morreu - podemos concluir que foi assassinada a mando de Bianca -, mas antes confessou toda a história a um padre.

A arquiduquesa Joana morreu em 1578 e logo após Francesco casou-se com Bianca. Boatos sobre o estranho nascimento de Antonio espalharam-se rapidamente quando as cortes européias, perplexas, receberam a notícia que o arquiduque se casara com a amante e a coroara. Francesco, Bianca e Antonio tornaram-se alvo de escárnio por toda a Europa.

Quando o menino tinha dois anos, Bianca soube que a história de seu nascimento fora revelada a Francesco. Como ele já tinha um filho legítimo, não havia razão para continuar sustentando a mentira sobre Antonio. Então ela contou o segredo como se tivesse sido uma brincadeira que fizera para fazê-lo feliz. Contente com seu filho legítimo, Francesco aceitou a explicação. Mas continuou a criar Antonio como seu. Ele já devia amar o menino como filho e, além disso, não queria tornar-se alvo de ridículo na Europa ao admitir que sua amante tinha lhe impingido um bastardo de uma estranha como filho.

Em 1582, quando o único filho legítimo de Francesco morreu aos quatro anos, Bianca pressionou para que Antonio se tornasse o herdeiro do trono. Francesco pediu permissão ao rei Filipe II da Espanha, que exercia grande poder sobre os Estados italianos. Foi um pedido que causou grande impacto, sobretudo porque a história dúbia da criança era bem conhecida. Com muita diplomacia, Filipe deu o consentimento para que lhe fosse concedido o título de príncipe de Capestrano do reino de Nápoles, mas não o direito de tornar-se herdeiro do trono da Toscana.

Sem esperar pela resposta de Filipe, Francesco legitimou Antonio em uma manobra completamente ilegal, apresentou-o para seu corpo legislativo de conselheiros, o Conselho dos Duzentos, como seu filho e ordenou que fosse chamado de Vossa Alteza. Francesco enviou o menino para a Toscana em uma carruagem acompanhada da Guarda Alemã, um privilégio reservado apenas para os príncipes. O povo da Toscana ficou chocado. Os Médicis legítimos já eram extremamente medíocres, mas o fato de impor como príncipe um bastardo plebeu - sem um pingo de sangue Médice – era desejar fomentar uma rebelião.

O irmão de Francesco, Ferdinando, o herdeiro legítimo do trono, temia que Francesco convencesse o rei Filipe a reconhecer Antonio e apóia-lo com o poder da Espanha. Ferdinando começou a vigiar Bianca com mais cuidado ainda e a detestava cada vez mais.

Em 1587, Francesco e Bianca morreram, com uma diferença de poucas horas, aparentemente de uma infecção por malária, apesar de muitos pensarem que haviam sido envenenados. Ferdinando, o novo arquiduque, logo destituiu Antonio, então com 11 anos, de todos os títulos e propriedades, e recusou-se a reconhecê-lo como sobrinho. Mas no dia seguinte, após essa demonstração de força, Ferdinando devolveu a Antonio todas as suas propriedades, prometendo protegê-lo e honrá-lo, uma vez que ele lhe fosse leal. Um ótimo guardião, Ferdinando pessoalmente cuidou para que o menino tivesse excelente educação.

Ao tomar conhecimento da morte de Bianca e Francesco, Lucia, mãe de Antonio, arriscou-se e voltou a Florença e, com o incentivo de Ferdinando, uniu-se ao filho. Ferdinando, tentando evitar a formação de uma futura geração de herdeiros ilegítimos reivindicando o trono dos Médicis, forçou Antonio a tornar-se um Cavaleiro de Malta, uma ordem cujos membros não podiam obter certidão de casamento legal e válida. Antonio viveu feliz e bem-sucedido e morreu em 1626, encerrando a história do bastardo real que quase herdou um trono - sem uma gota de sangue real.

 

                                 A Morte do Rei

 

Eu sou como alguém que é deixado sozinho em um banquete,

As luzes se apagaram e as flores murcharam.

                   - Edward Robert Bulwer, primeiro conde de Lytton

 

A morte, com seu manto negro, era uma visitante freqüente dos palácios reais nos séculos passados. Os mais nobres eram atingidos por ela no auge da juventude e do poder. Um membro da corte ou da família real podia estar dançando numa noite e morrer na manhã seguinte.

Mesmo os reis deviam morrer. Inevitavelmente, chegava o dia em que a Morte, com seu olhar lúgubre e traiçoeiro, começava a apoderar-se da alma do monarca com suas garras, puxando-a pacientemente até que ela, numa agonia aguda, fosse arrancada através de ossos e fibras. Esse não era, com certeza, momento para lembranças afetivas de cenas amorosas à luz de velas, de noites nas quais o vinho levava ao arrebatamento, de lábios, seios e coxas de mulheres. Não agora, quando o rei preparava­-se para ir para o abismo sozinho. Pela primeira vez na vida ele iria ficar verdadeiramente só, sem o séqüito de cortesãos e ministros bajuladores jogando pétalas de rosas no seu caminho. No fim, ficaria sem coroa, reduzido à condição do mendigo mais miserável, valendo o mesmo que qualquer outra alma tentando escapar da carne humana rançosa. 

Encarando a Morte depois de um reinado de setenta anos, Luís XIV refletiu com sensatez: "Fazemos o que escolhemos quando estamos vivos, mas mortos temos menos poder do que o indivíduo mais ínfimo."

A proteção à amante terminava com a batida do seu coração; algumas vezes, mais cedo, em um ataque de arrependimento. Com freqüência, parentes enfurecidos impediam a amante de entrar no quarto onde o rei doente se encontrava, a não ser em casos de doenças contagiosas como varíola, quando então ela deveria cuidar dele. Mesmo que conseguisse entrar e chegar até o seu leito para despedir-se do amante, ela era expulsa antes que o padre chegasse para dar a extrema-unção. Para o monarca agonizante, a amante tornara-se uma acusação viva de pecado mortal e não lhe era permitido macular sua alma recém-purificada ao olhá-la.

Ninguém era mais digna de pena do que a cortesã de um rei morto. Sua posição tão cuidadosamente arquitetada - que fora preservada apenas por insistência do rei - entrava de súbito em colapso, lançando-a para uma posição mais inferior que a do mais comum dos mortais. Não tinha nem permissão de acompanhar as exéquias do amante ou vê-lo morto, como era de direito até do cidadão mais pobre.

A retribuição da família real pelos insultos recebidos era rápida e cruel. Enquanto as antigas amantes, há muito tempo dispensadas pelo monarca falecido, eram esquecidas e podiam levar uma vida agradável no campo, a última amante do rei tinha de agüentar as ofensas da família real, dos cortesãos e do povo. Em 1350, quando Afonso XI de Castela morreu durante a peste negra, sua amante Leonor de Gusmão foi presa pela desprezada esposa de Afonso, rainha Maria, e assassinada na cela por sua ordem expressa.

O século seguinte foi um pouco mais civilizado. Depois da morte de Eduardo IV da Inglaterra em 1483, a corte e a opinião pública demonstraram uma hostilidade tão violenta com Jane Shore, sua última amante, que ela foi obrigada a andar por Londres usando um manto branco e o chapéu de um penitente, segurando uma vela. Apesar de haver provas de que ela viveu por mais quarenta anos, correu a lenda de que morreu em uma lixeira depois de apedrejada e, seguindo-se a isso, o povo muitas vezes desejou ardentemente que amantes reais tivessem a mesma morte de Jane Shore.

O novo rei, em geral o filho do antigo monarca, muitas vezes ansiava por punir a mulher que magoara sua mãe, a rainha. Luís, filho e herdeiro de Carlos VII, enfurecia-se com os insultos dirigidos pela amante do pai, Agnes Sorel, à sua mãe. Certo dia, em 1444, Luís, encontrando Agnes por acaso, gritou: "Pelo amor de Deus, essa mulher é a causa de toda a nossa desgraça", e deu-lhe um soco no rosto. Para sorte de Agnes, ela morreu antes de seu amante real; é impossível imaginá-la vivendo em paz durante o reinado de Luís XI.

Em 1760, quando o rei Jorge II da Inglaterra agonizava, sua amada amante não estava diante do seu leito de morte. Lady Yarmouth, que sabia que o futuro rei Jorge III não era um admirador seu, ocupava-se em encher às escondidas seu cofre com 10 mil libras para levar para Hanôver, onde Jorge não poderia alcançá-la.

Ao saber da doença grave de um monarca, os amigos abandonavam a amante em uma tentativa de serem aceitos pelo futuro rei. Madame de Pompadour passou por essa experiência em 1757, quando um louco esfaqueou Luís XV no momento em que ele entrava na carruagem em Versalhes. Apesar de superficial, o ferimento sangrava muito e Luís achou que sua morte estava próxima. Madame de Pompadour, cujos salões viviam cheios de cortesãos com sorrisos afetados, de repente começou a receber cada vez menos visitas e todas com olhares maldosos. "Eles vieram para ver como ela está enfrentado o problema", escreveu sua camareira. Seu inimigo, o marquês d'Argenson, não conseguia esconder a alegria quando disse: "Ela finge que não está sofrendo, mas aos poucos as pessoas a estão abandonando."

Aos prantos e rejeitada, a amante real arrumou as malas e preparou-se para fugir para seu refúgio seguro em Paris, caso o rei morresse. Mas depois de vários dias Luís reanimou-se, pegou uma bengala, recusou a ajuda do filho dizendo "Não se aproxime" e desceu as escadas cambaleando em direção aos aposentos da amante. A posição de Madame de Pompadour estava assegurada e os cortesãos subservientes mais uma vez esperavam na ante-sala para serem recebidos em audiência.

A morte era uma grande amiga da rainha traída por tanto tempo e lhe oferecia o marido para que se vingasse. Ele era todo dela pela primeira vez desde a lua-de-mel. Ela sabia onde ele estava, e ele não tinha condições de escapar de suas garras para visitar a amante. Os poucos dias entre a morte do rei e o seu enterro eram geralmente sagrados para a esposa negligenciada e a última coisa que ela desejava era que a amante maculasse esse momento.

Logo após a morte de Eduardo VII em 1910, sua viúva, a rainha Alexandra, convidou o amigo lorde Esher para ver pela última vez o corpo do rei antes do funeral. Ele ficou perplexo com o ar de alegria estampado no rosto da rainha até que compreendeu que essa era a primeira vez que, em quase cinqüenta anos de casamento, Alexandra tinha o marido por inteiro para si, sem nenhuma competição visível. "Afinal de contas", disse ela ao lado do corpo, "eu fui a que ele mais amou."

 

Em 1559, Diane de Poitiers, a mulher mais poderosa da França, perdeu tudo repentinamente quando uma lança estilhaçou a proteção da armadura e perfurou o olho de seu amante Henrique II em uma luta durante um torneio. Tanto Diane como a rainha Catarina estavam presentes torcendo pelo rei no momento em que ocorreu o acidente. Quando o corpo desfalecido foi carregado, com sangue jorrando e pedaços da lança enfiados no cérebro, a rainha desprezada tornou-se a monarca legal e governou no lugar do filho.

Diane tentou passar pela multidão e chegar perto de Henrique, mas não conseguiu. Carregaram-no em uma padiola até o palácio, onde a entrada da amante foi barrada. Inconsolável, voltou para sua casa em Paris e tentou desesperadamente obter notícias sobre o estado do rei. Nada chegou até ela. Nunca soube que seu amante agonizante chamava pelo seu nome sem cessar, pois a rainha Catarina recusou-se a mandar buscá-la. Finalmente, o destino deu à esposa desprezada total controle sobre o rei, e ela não pretendia compartilhar esse momento com a tão odiada Diane.

O rei resistiu a vários dias de sofrimento enquanto os cirurgiões investigavam sua órbita ocular estilhaçada. A rainha friamente mandou decapitar quatro criminosos condenados para que seus crânios pudessem ser usados em um esforço inútil de salvar o marido.

Dez dias depois do acidente, a rainha mandou um mensageiro até Diane exigindo de volta as jóias da Coroa que Henrique lhe dera. Diane perguntou com uma voz calma: "O rei morreu?" O mensageiro respondeu que a morte estava próxima. Então Diane respondeu: "Até que ainda exista um sopro de vida nele, quero que meus inimigos saibam que eu não os temo. Ainda não há ninguém que possa mandar em mim. E ainda sou muito corajosa. Mas quando ele morrer, eu não quero continuar vivendo e todo o rancor que alguém possa ter de mim será como doçura comparado à minha grande perda."

Dois dias depois o rei morreu e outro mensageiro foi até Diane para reaver as jóias da Coroa e as chaves dos armários e da mesa de trabalho do rei. Diane entregou-lhe uma caixa com as jóias e as chaves, uma lista de todos os itens e uma carta pessoal para a rainha pedindo o seu perdão.

Diane não teve permissão para ir ao funeral de Henrique, porém assistiu ao cortejo quando passou embaixo da janela de sua casa em Paris. Em seguida, sentou-se e esperou ser presa. Mas os guardas nunca apareceram. Diane governara a França com muita prudência durante os 12 anos do reinado de Henrique e não podia ser acusada de traição. Talvez, o fato mais importante foi que Diane casou suas duas filhas com membros de famílias que eram aliados poderosos da rainha. Catarina ficou satisfeita em reaver Chenonceaux, o castelo de contos de fada que Henrique dera a Diane, e mandou apagar os monogramas "HD" que Henrique colocara em todos os lugares dos seus muitos castelos. A rainha os removia e queimava ou contratava um talhador para transformá-los em "HC".

Diane recolheu-se ao castelo de Anet, que herdara do marido há muito falecido. Dedicou seus últimos anos a trabalhos sociais, construindo um hospital e uma casa para mães solteiras, órfãos e viúvas. Legou uma quantia em dinheiro para vários conventos em pagamento para missas que deveriam ser rezadas por sua alma. Em 1566, sete anos depois da morte de Henrique, ela morreu em paz depois de uma breve doença, aos 65 anos de idade, ainda muito bonita. Um cortesão escreveu: "É uma tristeza que um corpo bonito como esse vá permanecer escondido embaixo da terra."

 

Diferente de muitos reis que ao morrerem só tinham uma amante oficial, Carlos II deixou, em 1685, um harém. As suas duas principais amantes tiveram destinos muito diferentes.

Quando o idoso rei de 55 anos agonizava por causa de um derrame, provavelmente em conseqüência da sífilis, foi Louise de Kéroualle que prestou a Carlos um último grande favor. Como era uma das poucas pessoas que sabiam que ele era um católico às escondidas e, por razões políticas, nunca se convertera oficialmente, ela quis que o rei recebesse o sacramento da extrema-unção de acordo com a religião católica. Ele recusara o sacramento protestante no seu leito de morte e ninguém sabia ao certo o porquê - exceto Louise e o irmão Jaime. Mas Jaime estava perturbado com a iminência de tornar-se rei.

Louise não foi até o quarto do rei por medo de constranger a rainha que lá estava em vigília, Dirigiu-se ao embaixador francês e pediu­-lhe que falasse com Jaime e que chamasse um padre. Segundo o embaixador, ela disse: "Procure-o e diga-lhe que eu implorei que fizesse algo para salvar a alma do rei, seu irmão." Tentando cumprir sua missão, Jaime foi até Carlos imediatamente e perguntou-lhe se poderia enviar-­lhe um padre, ao que o rei respondeu: "Pelo amor de Deus, meu irmão, faça-o, e não perca tempo!"

Logo após esse ocorrido, subindo pela escada secreta, a mesma usada pelas prostitutas nas suas visitas ao rei, chegou o padre para dar a extrema-unção. Em seguida, Carlos falou sobre Louise: "Eu sempre a amei e morro amando-a."

Ao saber da notícia da morte de Carlos, Louise, aterrorizada, encontrou refúgio na casa do embaixador francês. Sabendo que nunca fora benquista, que se intrometera na política e era odiada por ser uma whig, papista e espiã estrangeira, Louise temia tanto o novo governo quanto o povo. Fugiu por mar até a França. O rei Jaime, temendo a ira do poderoso Luís XIV, cuidou da sua segurança e garantiu-lhe uma pensão de 3 mil libras por ano. Mas também exigiu que ela permanecesse na Inglaterra para pagar seus credores e devolver algumas das jóias da Coroa que estavam em sua posse.

Acalmando sua irritação, Louise voltou à corte reclamando as pensões que Carlos havia lhe concedido - 19 mil libras anuais como sua amante e 25 mil libras anuais advindas da receita irlandesa. Jaime permitiu que mantivesse as 19 mil libras, porém retirou a outra pensão. Seis meses depois da morte de Carlos, ela retornou à França com navios lotados com seus pertences - 200 mil francos de ouro, baús de madeira cheios de jóias e baixelas de prata, móveis, carruagens, liteiras e obras de arte.

Acostumada a viver com extravagância e a esbanjar dinheiro, Louise logo precisou se desfazer dos seus ricos pertences. Pressionada pelos credores, vivia indo a Londres e a Versalhes implorando por pensões aos dois países pelos serviços prestados e, em geral, conseguia obtê-las. Mas, com a morte de Carlos, viu-se forçada a encerrar essa encenação porque, subitamente, passara de primeira dama a uma espectadora relutante. Para sua tristeza, viveu durante quase cinqüenta anos como um objeto interessante de um reino passado, ainda atraente, mas sem dúvida irrelevante. Curou-se da doença venérea virulenta que pegara do rei e morreu, em 1734, aos 85 anos.

Ao contrário de Louise de Kéroualle, ficou estabelecido que as pensões de Nell Gwynn cessariam após a morte de Carlos. Ela não possuía nenhum ducado ou renda em regime perpétuo. Pouco antes de morrer, Carlos, talvez arrependido de não a ter recompensado melhor pelos 17 anos de serviços leais, implorou ao irmão Jaime: "Não deixe a pobre Nelly morrer de fome."

Depois da morte de Carlos, Nell teve problemas financeiros. Seus credores, vários comerciantes com os quais contraíra muitas dívidas, batiam à sua porta exigindo o pagamento. No início, Jaime ignorou seus pedidos urgentes de ajuda. Nell possuía inúmeras propriedades de grande valor, mas todas estavam em nome de seu filho com Carlos e ela não tinha permissão para vendê-las.

Finalmente, Nell hipotecou algumas de suas propriedades e empenhou as jóias e as baixelas para obter dinheiro para pagar os credores. Acreditava que Jaime honraria o pedido feito pelo irmão no leito de morte. Ela estava certa - três meses depois da morte de Carlos, Jaime enviou-lhe dinheiro para as suas necessidades mais prementes e prometeu-lhe mais ajuda. Ao fim daquele ano, ele havia quitado as dívidas de Nell com muitos comerciantes e lhe dado 2.300 libras em dinheiro. Além disso, em janeiro de 1686, Jaime concedeu a Nell uma pensão anual de 1.500 libras - apenas uma fração do que lhe dera Carlos, mas o bastante para que vivesse com conforto como uma cidadã comum.

Nos dois anos que se seguiram à morte de Carlos, Nell viveu em Londres. Visitava os amigos, dava jantares e ia ao teatro. Ao longo dos anos, passou por algumas doenças, mas em geral recuperava-se rápido. É provável que Nell tenha pegado de Carlos a mesma doença venérea que Louise, porém, no seu caso, a moléstia enrijeceu as artérias e aumentou a pressão sanguínea.

Em março de 1687, Nell sofreu um derrame, Parecia estar se recuperando lentamente quando, dois meses depois, sofreu outro, ainda mais intenso. Paralítica, permaneceu em sua cama de prata, a mesma da qual o rei Carlos tinha usufruído tantas vezes, e lá deu seu último suspiro aos 37 anos.

 

Não foi Madame de Pompadour, mas sim sua sucessora, Madame du Barry, que teve a infelicidade de perder Luís XV quando ela ainda era maîtresse-en-titre.

Com 64 anos o rei, que sempre tivera uma fascinação mórbida por corpos de mortos, contraiu varíola depois de observar em minúcias o caixão de uma menina que ia ser enterrada. O rei, com rosto amarelado e coberto de pústulas, sofreu terrivelmente.

Após ter cuidado do amante real durante o horrível período da doença, arriscando-se inclusive a contrair varíola, Madame du Barry foi dispensada e ficou livre do mau cheiro de suor e putrefação, para que o rei pudesse receber absolvição pelos seus pecados mundanos. Quando o rei febril perguntou por ela e foi informado que Madame du Barry havia partido, disse: "O que, já?", e chorou. Antes de ministrar os ritos de conforto, os padres forçaram o monarca agonizante a assinar uma carta ordenando a prisão de sua amante fiel no convento de Pont aux Dames. O amante infiel, tremendo diante dos portões do inferno, assinou o vergonhoso documento.

O novo rei, Luís XVI, incentivado por sua esposa, expulsou da corte todos com o nome du Barry e, por isso, muitos parentes que haviam sido beneficiados por Madame du Barry rapidamente mudaram seus nomes, Mas a mãe de Maria Antonieta, Maria Teresa da Áustria, censurou sua filha por olhar com satisfação maldosa para uma “infeliz criatura que perdera tudo e era mais digna de pena do que qualquer outra”.

Enquanto o corpo de Luís já exalando mau cheiro foi posto com ervas aromáticas em um caixão de chumbo e carregado para o lugar do seu descanso final, a ex-amante favorita encaminhava-se com o coração pesaroso para seu cárcere. Alguns amigos fiéis da corte providenciaram para que tivesse uma criada, alguns móveis - uma cama, duas cadeiras, um pequeno tapete e um biombo para protegê-la de correntes de ar. Munida desse mínimo conforto, Madame du Barry foi confinada a um pequeno quarto em um úmido convento de praticamente mil anos.

Apesar de algumas freiras escandalizarem-se com o fato de terem entre elas uma mulher de tamanha notoriedade - algumas até temiam que, só por olharem para ela, poderiam estar maculando suas almas -, logo começaram a admirar a gentileza de Madame du Barry. Sua educação religiosa ajudou-a a comportar-se corretamente. Gostava de ajudar nos afazeres domésticos, nunca se atrasava para as orações e, em poucas semanas, já exercia certo domínio sobre as tão recatadas freiras. Um ano depois, quando foi solta, todas choraram ao vê-la partir. Inicialmente, Madame du Barry foi impedida de aproximar-se tanto de Paris como de Versalhes, mas seu exílio foi suspenso e ela voltou para o pequeno castelo de Louveciennes, nos arredores de Versalhes, presente de seu amante real. Tornou-se a protetora da vizinhança, fazendo caridade para os pobres e doentes, e proporcionando muito entretenimento. Mas Jeanne du Barry não fora destinada a viver uma vida burguesa e de luxo. Os camponeses franceses que morriam de fome enquanto ela se divertia com o rei tinham ótima memória. Em 1789, seu mundo começou a desmoronar. Houve a Queda da Bastilha, Luís XVI foi guilhotinado e o amante de Madame du Barry, o duque de Brissac, foi esquartejado em praça pública e sua cabeça, cravada em uma lança. Doce, ingênua e tola, Madame du Barry viveu uma vida de fantasia em Louveciennes. Comprou estátuas para colocar no jardim, vestidos para ela, novas mobílias. Quando suas jóias foram roubadas e depois apareceram em Londres, conseguiu os documentos do governo revolucionário permitindo que fosse à Inglaterra reconhecê-las. Em uma época em que muitos tentavam fugir da França para escapar da guilhotina, Madame du Barry fez o caminho contrário e voltou para a França. Retornou ao seu castelo para tomar banhos perfumados e encontrar-se com sua modista. 

Mas logo após seu retorno, Madame du Barry foi presa, declarada culpada por acusações falsas de traição e espionagem, e condenada à guilhotina. Tentou barganhar com seus acusadores - revelaria a eles em que lugares do castelo estavam escondidos todos os seus bens em troca de sua vida. Durante três horas eles registraram com atenção suas declarações sobre as jóias enterradas secretamente no jardim, as pratas escondidas no lago e os quadros no velho moinho.

Em seguida, mandaram um homem cortar-lhe o cabelo e amarrar suas mãos. Prestes a desmaiar, a queridinha do rei foi jogada como uma carga em uma carroça junto com outros prisioneiros. Gemendo e soluçando, foi empurrada pela escada até a guilhotina, gritando: "Vocês vão me machucar! Por favor, não me machuquem!"

Quando sua cabeça caiu dentro do cesto, um grito soou: "Vive la révolution!" A mais bela mulher da Europa, a última grande maîtresse­-en-titre, foi despejada em um túmulo sem nome, ao lado de outras vítimas da Revolução Francesa.

 

Durante uma viagem pela Itália em 1796, Guilhermina Rietz, condessa de Lichtenau, foi informada de que seu amante há 26 anos, o rei Frederico Guilherme II da Prússia, estava gravemente doente. Um oficial de alta patente lhe escreveu dizendo que "somente a presença da condessa Lichtenau talvez pudesse salvar o rei, que ansiava por vê-la". Ela partiu imediatamente para Berlim.

Ao retornar, Guilhermina encontrou o rei muito abatido em virtude da doença. Contudo, ao ver sua amada companheira, começou logo a sentir-se melhor. Ela cuidou de Frederico Guilherme com dedicação, contratando peças de teatro para serem encenadas no quarto do rei, orientando as cozinheiras para prepararem seus pratos favoritos. O rei, devastado pela dor, irritava-se com facilidade, a não ser que sua condessa estivesse ao seu lado. Muitos cortesãos achavam que seus cuidados prolongavam a vida do monarca.

Mas. após 18 meses de recuperação progressiva, a doença agravou-se e ficou claro para todos que o rei estava morrendo. Os amigos de Guilhermina aconselharam-na a fugir do país com suas jóias que valiam 50 mil coroas e que fizesse um saque no Banco da Inglaterra no valor de 120 mil libras. Mas a amante continuou fiel ao rei até sua morte. Queria estar presente no momento de sua morte. Só então pensaria em seus próprios problemas.

As pernas de Frederico Guilherme incharam muitíssimo. Teatro e música não eram mais diversões apropriadas para um homem que agonizava. Guilhermina convidava cortesãos com os quais o rei gostava de conversar. Lia livros pelos quais ele se interessava. Quando o sofrimento do rei aumentou, ela começou a ter convulsões. Os médicos aconselharam-na a voltar para casa e repousar um pouco. Eles lhe informariam o estado de saúde do rei. Extenuada, Guilhermina cedeu. Quando ela se encontrou com o príncipe herdeiro, o filho de Frederico Guilherme, de 27 anos, ele gritou: "Tirem essa mulher da minha vista." Era o sinal do que estava por vir.

O príncipe herdeiro mandou um mensageiro dizer a Guilhermina que o rei estava bem para evitar que ela retornasse ao palácio. E assim Frederico Guilherme desceu ao abismo da morte sem a mão da amada na sua.

Mergulhada em uma tristeza profunda, Guilhermina logo soube que outros infortúnios a esperavam. Os amigos desapareceram da noite para o dia. Ninguém aparecia para consolá-la. Seus próprios empregados a ofendiam. E o pior, a novo rei enviou seus guardas para vasculhar a casa à procura de documentos oficiais e exigir que devolvesse as chaves da escrivaninha e dos armários. Os documentos tão procurados eram nada mais que poemas românticos, músicas e cartas de amor.

Três dias após a morte do rei, ela foi posta em prisão domiciliar. Sua mãe enferma foi levada junto com sua criada fiel. Os filhos assustados jogaram-se em seus braços, mas foram arrancados dela. Durante seis semanas, soldados vigiaram Guilhermina que permanecera sozinha fechada dentro da casa sofrendo pela perda do amante. Finalmente, a comissão que investigava os crimes deu-lhe permissão para que fizesse uma caminhada de duas horas todos os dias. Quando ela passava perto do palácio do amante, caía em prantos.

Foi condenada por inúmeros crimes, inclusive o de tirar os anéis dos dedos do rei agonizante, entre os quais um enorme diamante conhecido como Solitário. Em resposta, Guilhermina descreveu o armário no quarto do rei onde o Solitário e outras jóias poderiam ser encontradas. Tirara os anéis dos dedos do rei a seu pedido, para que pudesse lavar as mãos. Depois, quando quis colocá-los de volta, percebeu que as mãos de Frederico Guilherme estavam muito inchadas. Sem querer alarmá-lo, guardou as jóias no armário.

Guilhermina debilitou-se muito durante os três meses em que ficou em prisão domiciliar desde o dia da morte do rei. Finalmente, um mensageiro apareceu uma noite trazendo a decisão de Frederico Guilherme III. Ela tinha permissão de ficar com os móveis e as jóias que o falecido rei havia lhe dado e iria receber uma pequena pensão de 4 mil táleres por ano. No entanto, teria de trocar sua propriedade no campo e seu palácio em Berlim por uma fortaleza-prisão na Silésia. Sem derramar uma lágrima, ela fez as malas e partiu imediatamente.

Mas a amante tinha vários amigos influentes que queriam apoiá-la e defendê-la contra as medidas punitivas da corte. Eles lembraram ao novo rei as conseqüências sofridas por Luís XVI pelos maus-tratos infligidos a Madame du Barry. Um amigo de Guilhermina, o poeta italiano Filistri, aconselhou o novo rei muitas vezes a não desonrar a memória do pai. Encarregou-se também de tentar convencer a rainha mãe - a esposa rejeitada do rei -, a jovem rainha, os príncipes e os ministros a libertar Guilhermina da fortaleza. Depois de apenas dois meses de cárcere ela foi libertada. Alguns anos após, Napoleão, em visita à corte de Berlim, interessou-se pelo caso e, ao saber que ela vivia miseravelmente, convenceu Frederico Guilherme III a devolver-lhe parte da fortuna confiscada.

Contudo, a amante punida não se aposentou com tranqüilidade e teve diversos amantes. Aos 50 anos, casou-se com um jovem artista, que a deixou dois anos depois. Mudou-se para Viena e depois para Paris, e morreu na obscuridade em 1822, aos 68 anos.

 

Em razão de sua idade e da duração de seu relacionamento com o imperador austro-húngaro Francisco José, Katharina Schratt recebeu um tratamento especial depois da morte do amante. Ela ajudara a amenizar o sofrimento do imperador, em 1889, quando seu único filho, o príncipe herdeiro Rudolf, assassinou sua amante de 17 anos, Maria Vetsera, e depois se suicidou no alojamento de caça real em Mayerling. Havia sido seu único consolo quando sua amada esposa, a imperatriz Elizabeth, foi assassinada em 1898. E ao longo de 33 anos, ela o confortou quando seu império destruído desmoronava.

Em 1916, quando Francisco José morreu, aos 86 anos, sua amante tinha 66 anos. Não parecia mais aquela atriz sedutora que o imperador tinha visto no teatro imperial. Era agora uma senhora gorda e envelhecida. Durante a Primeira Guerra Mundial, a bondosa Katharina fundou um hospital para os soldados feridos e supervisionava pessoalmente a preparação de alimentos nutritivos, extremamente escassos à época.

Durante suas visitas ao imperador, os dois eram vistos caminhando com dificuldade pelo jardim. Algumas vezes, ela lia documentos imperiais para ele porque sua vista já começara a falhar. Acalmava o homem franzino que se sentia arruinado, mas que havia erguido um império e o sustentara por quase setenta anos, mas que agora afundava com a guerra mundial.

Assim que o imperador morreu, Katharina foi chamada ao palácio. Apanhou duas rosas brancas em sua estufa e pegou a carruagem. Uma antiga inimiga, a filha do imperador, a arquiduquesa Valerie, correu ao seu encontro chorando e lhe agradecendo a dedicação que dispensara durante tantos anos ao pai. Katharina entrou nos aposentos, viu Francisco José deitado em sua cama estreita, o corpo contraído e sem vida, e pôs as rosas em suas mãos sobrepostas.

Com a propriedade e as jóias que ganhara como amante imperial, Katharina sustentou a família e os dependentes durante o terrível período entre guerras. Conhecida pela generosidade, recolheu vários cachorros abandonados pelos donos, que não tinham mais condições de alimentá-los.

Na década de 1930, alguns jornalistas a importunavam tentando obter informações sobre seu relacionamento com o falecido imperador. Editores lhe imploravam para que escrevesse suas memórias. Katharina sempre respondia: "Eu sou uma atriz. não uma escritora, e nada tenho a dizer porque eu nunca fui uma Pompadour, muito menos uma Maintenon."

Um dia, aos 86 anos, Katharina - que vivera durante o esplendor do Império Habsburgo, uma época de carruagens puxadas por cavalos, valsas elegantes e vestidos de baile com anquinhas - olhou pela janela e viu o desfile de automóveis de Hitler, em um cortejo triunfante pelas ruas de Viena, passando em frente à sua casa. Finalmente, 56 anos após ter se tornado uma amante imperial, Katharina fez um pronunciamento político e revelou sua vida íntima.

 

Em 1910, o rei Eduardo VII, aos 68 anos, sentiu seu físico forte como o de um touro por fim enfraquecer-se devido a uma vida inteira de desregramento. Ao saber da notícia, a amante Alice Keppel vasculhou rapidamente seus documentos em busca de uma carta que o rei lhe tinha escrito havia oito anos, depois de ter se recuperado de uma grave crise de apendicite - durante a qual ela foi impedida de entrar nos aposentos do rei pela rainha Alexandra. Na carta, o rei pedia que permitissem a visita de Alice caso viesse a ter outra doença grave.

Assim, munida de autorização, Alice entrou furtivamente nos aposentos, sentou-se próximo ao monarca agonizante e acariciou-lhe as mãos. Alexandra, olhando pela janela, mantinha-se de costas para não assistir a essa cena de carinho entre seu marido e a amante. Eduardo murmurou com uma voz rouca para sua esposa: "Você deve beijá-la. Você deve beijar Alice." Uma extrema repugnância podia ser vista no semblante da rainha. De fato, tanta repugnância que depois ela negou que o beijo tivesse sido dado.

Quando Eduardo entrou em coma, Alexandra chamou de lado sir Francis Laking, o amigo do rei, e o instruiu: "Tire essa mulher daqui." Alice ficou histérica e recusou-se a sair do lado do amante. Quando era arrancada do quarto, gritou: "Nunca causei nenhum mal. Não havia nada de errado entre nós. O que vai ser de mim?"

Sentindo-se segura com a porta fechada. diante do corpo do marido, Alexandra finalmente revelou para sir Francis os sentimentos que mantivera em segredo por quase cinco décadas. "Eu não a teria beijado se ele não tivesse me ordenado", a rainha gritou, "Mas eu faria qualquer coisa que ele me pedisse. Há 12 anos, quando eu estava furiosa com Lady Warwick e o rei me repreendeu ameaçando divorciar-se, se minha atitude persistisse, disse-lhe que ele poderia ter as mulheres que quisesse e eu não diria uma palavra; e, desde então, esse foi meu comportamento. Ele significava tudo para mim e agora que está morto, nada mais importa."

Depois de recuperar-se, Alice voltou para casa e contou para todos os seus amigos que a rainha Alexandra não apenas a beijara, mas que tinha lhe assegurado que toda a família real iria cuidar dela, o que foi negado por todas as testemunhas que estavam ao redor do leito de morte. Alice foi de luto fechado ao funeral de Eduardo, coberta até o pé por véus negros e com plumas pretas de avestruz, como se fosse a viúva, porém entrou na capela pela porta lateral. Depois do período de luto, Alice concluiu que o novo rei apreciaria se ela desaparecesse. Com seus bens, obtidos de maneira ilícita, Alice embarcou para uma viagem de dois anos pela Índia e China com seu marido e filhos. Quando retornaram para a Inglaterra, viveram uma vida de luxo e entretenimento.

Em 1936, Alice, aos 67 anos, almoçava no Ritz em Londres quando ouviu a notícia que o rei Eduardo VIII estava abdicando do trono para casar-se com sua amante Wallis Warfield Simpson. Ela teve um sobressalto. "As coisas eram feitas de uma forma melhor na minha época", falou com sarcasmo.

 

                   O Fim de uma Carreira Brilhante e suas Conseqüências

 

As marcas da decadência destruíram os traços

Nos quais a beleza teimava em permanecer.

                   - Lorde Byron –

 

Vagando em silêncio pelos corredores dourados do palácio, a Morte, às vezes passava pelos aposentos do rei e entrava sorrateira em outro, onde visitava uma amante real. Após sua morte, levavam-na rapidamente para o cemitério, jogavam-na em uma cova, e os cortesãos a esqueciam e voltavam suas atenções para a substituta.

A maioria das amantes, no entanto, não estava destinada a morrer ainda jovem ou a sofrer punições terríveis dos amantes reais depois da morte. Muitas estavam destinadas a uma sorte mais mundana - viviam até uma idade na qual começariam a desprezar seus espelhos, eram rejeitadas e substituídas por rostos mais jovens e mais bonitos. Em séculos passados, a força cruel do tempo agia mais cedo e descarregava sua fúria sobre a beleza feminina. A bela amante loura de Luís XIV, Louise de La Valliere, encarcerou-se em um convento para esconder a decadência da sua beleza no auge de seu amadurecimento, aos 29 anos. Samuel Pepys descreveu uma das amantes de Carlos II, uma adorável jovem de 23 anos, como alguém que começava a "decair".

Certo dia, ao encontrar por acaso na corte com seu inimigo, o duque de Ormonde, Lady Castlemaine, aos gritos, o amaldiçoou, desejando que ele fosse desfigurado, esquartejado, e que sufocasse com a corda do carrasco no pescoço. Sem se alterar, o duque olhou para a jovem de 29 anos e respondeu: "Pois eu não tenho nenhuma pressa em acabar com a sua vida, senhora, pois tudo que desejo é viver para vê-la envelhecer."

O que acontecia com as amantes rejeitadas quando ficavam velhas? Muitas continuavam a ter uma vida ativa longe da corte, casando-se, criando os filhos, visitando os amigos, desfrutando o que tinham ganho de forma ilícita em casas de campo decoradas com móveis requintados.

Nos últimos anos de vida, muitas ex-amantes reais encontravam na religião o antídoto para seus pecados da juventude. E, enquanto muitas se rendiam à ação destrutiva sobre sua beleza empreendida pelo seu maior inimigo, o tempo, algumas lutavam bravamente até o fim.

 

Não era surpreendente que a Morte levasse tantas amantes reais no auge da sua juventude e beleza. Os seus fins lamentáveis eram muitas vezes prognosticados com meses de antecedência, quando sabiam que por fim haviam conseguido a tão desejada gravidez, um laço definitivo e permanente com o rei.

A Morte deve ter se divertido muito quando procurou Gabrielle d'Estrées porque veio visitá-la de forma extremamente irônica - algumas horas apenas antes de Gabrielle casar-se com seu amante, Henrique IV, e tornar-se rainha da França, abrindo o caminho para que seu filho César herdasse o trono. Em março de 1599, Gabrielle estava grávida de cinco meses. Gozara de plena saúde nas três gravidezes anteriores. Entretanto, essa era bem diferente. Sentia-se irritada, impaciente, deprimida. Reclamava constantemente do seu mal-estar, temia por algum problema iminente. Passava várias noites insones e tinha pesadelos terríveis quando conseguia dormir.

Três dias antes do casamento, que deveria acontecer no domingo de Páscoa, Gabrielle viajou para Paris de barca, a fim de preparar-se para a cerimônia enquanto Henrique permaneceu no palácio de Fontainebleau. Quando Henrique despediu-se dela na margem do rio, ela caiu em prantos e agarrou-se a ele. O rei pensou que Gabrielle estivesse com problemas nervosos; mas talvez no fundo de sua alma ela soubesse que essa seria a última vez que veria Henrique e que poderia sentir seu corpo quente e firme contra o dela.

Chegando a Paris, Gabrielle jantou na casa de um amigo, o banqueiro Zamet, mas a comida, que fora temperada com limão, lhe fez mal. Sentindo-se indisposta, Gabrielle cancelou vários compromissos para comparecer a eventos de gala. Na tarde do dia seguinte, ela entrou em trabalho de parto - quatro meses antes do previsto. As suas dores foram as mais intensas que já sentira. Contorcia-se de dor enquanto os médicos retiravam os pedaços da criança morta. Apesar da presença de dois cirurgiões, três farmacêuticos e um padre, Gabrielle morreu em um Domingo de Páscoa, um dia antes de se tornar a rainha da França.

O momento da morte de Gabrielle foi tão inusitado que, claro, rumores de que fora envenenada se espalharam pela França. Os prováveis culpados eram o Vaticano ou a Casa dos Médicis, que eram radicalmente contra o casamento de Henrique com Gabrielle, pois esperavam que ele se casasse com a duquesa da Toscana, Maria de Médici. Os médicos, frustrados apesar de uma cuidadosa autópsia, concluíram que um limão "estragado" a havia matado. Atualmente, os médicos, ao analisarem os relatórios sobre os sintomas e o tipo de sofrimento de Gabrielle, concluiriam que ela morreu de uma gravidez séptica. Seja qual for a causa da morte de Gabrielle, muitos católicos acreditavam que Deus a levou na hora H, livrando-os da indignidade de ter uma prostituta como rainha.

Ao saber da grave doença repentina de Gabrielle, Henrique correu para vê-la, mas foi interrompido no caminho pela notícia da morte da amante. Devastado pela dor, mergulhou em profunda tristeza, e vestiu­-se de preto em vez do tradicional branco e roxo, o que os monarcas franceses nunca haviam feito. Seu amor tinha sido profundo; inicialmente seu luto foi intenso. Henrique fora sempre muito sedutor e só tinha sido fiel a uma mulher, e essa mulher era Gabrielle.

As amantes reais, que recebiam tantas honras em vida, foram alvo de indignidades após a morte. Os empregados roubavam anéis valiosos de seus dedos. Ao saber da notícia de sua morte, o pai de Gabrielle arreou os cavalos e retirou do depósito os móveis que ela comprara para seus aposentos de rainha. Gabrielle contraíra tanto os músculos em sua agonia que sua boca entortou-se em direção à nuca e enrijeceu; nem os médicos nem os assistentes conseguiram trazê-la para o lugar. Seu corpo desfigurado, sem nenhum traço da sua antiga beleza, não estava em condição de ser visto. Fechado no caixão, foi posto debaixo da cama na sua casa em Paris enquanto as pessoas viam sua efígie de cera deitada na cama e ofereciam-lhe comida, de acordo com o costume. Henrique ­impedido de realizar o funeral na igreja de Notre-Dame em razão de Gabrielle não ser nobre - foi forçado a fazê-lo em uma igreja menos importante.

Após o funeral, a efígie foi colocada em um pequeno quarto dentro dos aposentos privados do rei no Louvre e todos os dias trocavam-lhe o vestido. Henrique escreveu: "A raiz do meu amor está morta; não germinará novamente." Ele visitou a efígie por muitos e muitos anos mesmo depois que, cedendo aos desejos do papa, casou-se com Maria de Médici e, talvez em protesto, arranjou uma jovem amante. Apesar da tristeza verdadeira do rei pela perda de Gabrielle, a raiz do seu amor continuou germinando até o dia da sua morte.

A belíssima Mademoiselle de Fontanges também morreu em virtude de uma gravidez. Em 1680, ela deu à luz o filho de Luís XIV, mas a criança morreu logo em seguida. Apesar de ter sobrevivido ao parto, seu sangramento não parava. Depois de várias semanas, abatida e fraca, deixou Versalhes para se recuperar em um convento. O rei não tinha paciência com doenças, e a amante esperava reconquistá-lo voltando em excelente forma e bela.

 

Madame de Sévigné descreveu o contraste marcante entre as ricas e inúmeras vantagens de Mademoiselle de Fontanges e sua doença fatal. "Mademoiselle de Fontanges partiu para Chelles", escreveu. "Seu séqüito consistia em quatro carruagens, puxadas por seis cavalos cada uma delas, sua própria carruagem puxada por oito, e todas as irmãs a acompanhavam, mas era uma cena tão triste de contemplar - aquela bela mulher perdendo sangue, pálida, arrasada pela tristeza, desprezando os 40 mil ecus de sua pensão anual e o seu tabouret, e apenas ansiando pela sua saúde e pelo coração do rei que havia perdido."

A ex-favorita do rei sangrou até a morte, vagarosamente, perdendo força e cor a cada dia, até que um ano depois morreu, aos 22 anos. Conta-se que Luís a visitou em seus momentos finais e sentou-se ao lado da cama chorando. "Depois de ver lágrimas nos olhos do meu rei", supõe-se que tenha dito, "posso morrer feliz." Mas essa história não pareceu verossímil em Versalhes porque, na verdade, o rei já havia esquecido Mademoiselle de Fontanges.

Em 1743, Madame de Ventimille, a amante de Luís XV, deu-lhe um filho saudável, mas poucos dias após o parto teve uma convulsão fatal. O corpo da "prostituta do rei" que tanto desagradava o povo foi posto em uma casa na cidade de Versalhes e vigiado por guardas. Quando eles saíram para beber algo, uma multidão enfurecida invadiu a casa e agrediu o corpo.

A amante seguinte, Madame de Châteauroux, também morreu jovem. Algumas semanas antes do seu falecimento repentino, o rei tinha quase morrido em uma campanha militar devido a uma febre e, nessa ocasião, aceitara as exigências dos padres da corte de expulsar Madame de Châteauroux e retirar-lhe todos os títulos e privilégios. Enquanto ele se recuperava, Madame de Châteauroux esperava inquieta por um chamado para que retornasse à corte. Finalmente a convocação chegou. Triunfante, a favorita fez as malas e aprontou-se para correr para os amplos aposentos no palácio e recomeçar sua vida. Planejou avidamente punições adequadas para aqueles que haviam assistido à sua queda com maldosa satisfação.

Contudo, antes de entrar na carruagem, Madame de Châteauroux foi acometida de uma dor de cabeça lancinante e deitou-se. Impaciente com o atraso do seu retorno triunfal, esperou que a dor de cabeça passasse. Mas aí veio a febre. Começou a ter convulsões e seus gritos agudos eram ouvidos em toda a casa enquanto ela se contorcia. Suas ambições desenfreadas, que tinham irritado a corte, definharam e viraram cinzas frias de um corpo sem vida.

O rei ficou desolado. O marquês d'Argenson escreveu: "Nosso pobre Mestre está com uma aparência que faz qualquer um temer por sua vida."

Luís já havia perdido duas amantes em dois anos e perderia mais uma, essa, a mais amada. Por 19 anos, Madame de Pompadour reinara suprema para um rei e para um país. Mas, em 1763, sua saúde deteriorou-se rapidamente e ela contou a uma amiga, Madame de La Ferté­-Imbault, seus longos anos de sofrimento. "Nunca ouvira um depoimento mais notável sobre o castigo da ambição", escreveu. "Parecia tão alterada, tão altiva, tão violentamente perturbada e sufocada pelo seu enorme poder que, depois de uma hora de conversa, comecei a achar que a morte era sua única saída."

Aos 41 anos, provavelmente sofrendo de tuberculose e deficiência coronariana, Madame de Pompadour tinha muita dificuldade para subir escadas e, por isso, uma cadeira mecânica foi instalada nas escadas de Versalhes. No início de 1764, ficou claro para todos que a amante real estava morrendo. Em fevereiro daquele mesmo ano, ela teve uma hemorragia pulmonar, seguida de calafrios e febre. O rei a visitava todos os dias. Em abril, o frio e a umidade da primavera e as correntes de ar no palácio pioraram seu estado de saúde. Nos seus últimos dias de vida, usava ruge em suas faces pálidas, vestia um vestido de brocado por cima de uma anágua branca de tafetá e penteava os cabelos. Como sabia que o rei detestava doença, quando ele vinha visitá-la, não comentava sua enfermidade e fingia estar muito bem de saúde. Mesmo à morte, ouvia as histórias sem graça do rei e fazia comentários espirituosos nos momentos precisos.

No dia 13 de abril o rei, após conversar com os médicos, revelou a Madame de Pompadour que ela tinha apenas alguns dias, talvez até apenas horas, de vida. Perguntou ao rei se desejava que ela recebesse a visita de um padre e ele confirmou. Não era seu desejo porque Luís precisaria afastar-se dela na presença do padre devido à natureza pecaminosa do relacionamento dos dois, e ela poderia nunca mais vê-lo de novo. As amantes católicas eram fadadas a morrer sem a presença dos amantes.

Como se a morte de um mero mortal fosse poluir a atmosfera divina dos deuses, não era permitido a ninguém, exceto membros da família real, morrer em Versalhes. Porém, Luís insistiu que Madame de Pompadour permanecesse lá sem ser molestada e com o maior conforto possível.

Despedindo-se da vida, ela fez seu testamento, deixando muitas doações para amigos e empregados leais. Na sua última noite de vida, dormiu sentada em uma cadeira porque seus pulmões depauperados só podiam inalar um pouco de ar naquela posição. Na tarde seguinte, o delfim escreveu: "Ela está morrendo com uma coragem rara nas mulheres. Toda vez que consegue respirar, pensa que é a última. É um fim dos mais tristes e cruéis que alguém possa imaginar. (...) O rei não a vê desde ontem."

Em seus últimos dias, Madame de Pompadour começou a sujar as roupas de cama. Quando as empregadas queriam levantá-la para poder trocá-las, dizia: "Sei que vocês são muito habilidosas, mas sinto-me tão fraca que não vão conseguir levantar-me sem me machucar, portanto, não vale a pena, pois só me resta muito pouco tempo."

Quando o padre pôs-se de pé para sair, ela deu um último radiante sorriso e disse: "Espere um momento, Monsieur le Curé, e vamos embora juntos." Seus pulmões, que nunca haviam sido fortes, mas que agora estavam destruídos, soltaram o último suspiro. E então houve o terrível silêncio.

Quando o rei foi informado de que sua amante falecera, fechou-se em silêncio nos seus aposentos na companhia das melhores amigas de Madame de Pompadour. Nesse ínterim, a duquesa de Praslin, olhando pela janela, viu o corpo de uma mulher, "coberto apenas com um lençol amarrado tão apertado que se podia ver claramente o formato da cabeça, dos seios, do estômago e das pernas". Alguns momentos depois da morte de Madame de Pompadour, o corpo foi levado.

No dia do funeral, um vento frio soprou sobre Versalhes. Enquanto a procissão solene passava em frente ao palácio, o rei - que fora proibido pela etiqueta de comparecer à cerimônia - ficou na varanda embaixo de chuva, sem chapéu ou casaco, e com lágrimas correndo pela face. "Essas lágrimas são o único tributo que posso oferecer a ela", disse ao criado.

Quando Voltaire, que era seu amigo, soube de sua morte, escreveu: "Sinto-me profundamente triste com a morte de Madame de Pompadour; choro quando penso nisso. É um absurdo que um velho escriba como eu esteja vivo e aquela bela mulher tenha sido levada aos 40 anos, no meio da mais brilhante carreira do mundo. Se tivesse tido a tranqüilidade de que desfruto, talvez estivesse viva agora."

Poucos dias depois do funeral a rainha disse: "Finalmente aqui ninguém mais fala dela, como se nunca tivesse existido. Assim é o mundo; é muito difícil apreciá-lo."

 

Nem todas as amantes reais tiveram fins trágicos. A maioria envelheceu, foi dispensada e ocupou-se das questões da vida cotidiana, com os bolsos cheios do dinheiro do pecado.

No início do reinado de Jorge I da Inglaterra, três velhas amantes reais de reis já mortos encontraram-se por acaso na corte inglesa. As duquesas de Portsmouth, Dorchester e Orkney, amantes de Carlos II, Jaime II e Guilherme III, respectivamente, superaram as adversidades e viveram até uma idade avançada e com saúde. Como três barcaças velhas bamboleando no porto, as velhas damas entreolharam-se. De repente, a resoluta duquesa de Orkney falou com voz esganiçada: "Quem poderia imaginar que nós, três velhas prostitutas, iríamos nos encontrar aqui?"

Depois do exílio de seu amante, Jaime II, Catherine Sedley, duquesa de Dorchester, recebeu uma pensão dada por Guilherme III. Depois comentou que "os dois reis foram gentis com ela, mas que as duas rainhas a destrataram". Jaime havia lhe concedido uma boa pensão advinda de propriedades rurais, mas depois do exílio do rei, a Câmara dos Comuns ameaçou suspendê-la. Catherine procurou os juristas da Câmara, apresentou seu caso e ganhou a questão.

Quando Catherine tinha 40 anos, um jovem barão escocês, sir David Colyear, transformou-a em uma mulher honesta. Sir David era um oficial muito respeitado do Exército de Guilherme III e, tão respeitado, que muitos se preocuparam com sua escolha. Apesar da idade, Catherine deu-lhe dois filhos saudáveis. "Se alguém chamá-los de filhos de uma prostituta, vocês terão de enfrentar o fato, porque essa é a verdade", ela aconselhava-os, "mas se chamarem vocês de bastardos, lutem até morrer, porque vocês são filhos de um homem honesto."

Elizabeth Villiers, duquesa de Orkney, nunca se vangloriou de sua posição como amante de Guilherme III na corte. Mas, em 1694, a rainha Maria, ao morrer de varíola aos 32 anos, deixou uma carta para Guilherme em que o repreendia ofensivamente em razão de seu caso amoroso com Elizabeth. Reprimendas advindas dos mortos são as mais atormentadoras de todas. Assim, Guilherme dispensou Elizabeth depois de dar-lhe um dote de 90 mil alqueires na Irlanda e uma renda anual de 5 mil libras.

Quando Elizabeth foi rejeitada, tinha quase 40 anos e nunca se casara. Apesar da idade c da falta de atributos físicos - era descrita como vesga “como um dragão” – logo encontrou um marido digno de respeito, George Hamilton, o filho mais moço do duque de Hamilton. O rei Guilherme concedeu-lhe imediatamente o título de conde de Orkney e sua esposa tornou-se condessa. Sempre franca, Elizabeth dissera ao marido, logo depois de se conhecerem, que "tivera um relacionamento com uma certa pessoa, mas que não queria ouvir nenhuma censura ou insinuação sobre ocaso".

O casamento foi ao mesmo tempo feliz e frutífero. Elizabeth, que não tivera filhos com Guilherme, deu três ao marido, mesmo aos 40 anos. Viveu ainda por trinta anos depois da morte de seu amante real. Uma testemunha a descreveu durante a coroação de Jorge II em 1727: "Ela apareceu em público com um físico que era uma mistura de gordura e rugas, um considerável par de peitos murchos, uma barriga enorme e, além disso, seus olhos mexiam-se sem cessar e os cabelos estavam brancos. Era impossível imaginar um espetáculo de maior deleite."

Outra amante de Jaime II, Arabella Churchill, feia de rosto, mas dotada de um belo corpo, casou-se com o coronel Charles Godfrey depois que a sua ligação com Jaime terminou. Já tendo dado a Jaime duas filhas e dois filhos, teve mais duas filhas com o marido. Viveram felizes durante quarenta anos.

Maria Walewska, a amante rejeitada de Napoleão, também encontrou a felicidade no casamento, embora por pouco tempo. Depois da queda de Napoleão em 1815, ela dedicou-se ao filho Alexandre e a recuperar as propriedades deixadas para ele pelo imperador. Após a morte de seu primeiro marido, de quem havia se divorciado, Maria foi assediada pelo bonito general Philippe Antoine d'Ornano, que se apaixonou perdidamente por ela. Por fim, ela cedeu e casou-se com ele em 1816. Nove meses depois, deu à luz um menino. Mas a gravidez causou um sério dano aos seus rins já debilitados. Passou suas últimas semanas ditando suas memórias - tentando deixar para a posteridade a imagem de uma polonesa patriota em vez de uma amante lasciva - e morreu em dezembro de 1817, aos 31 anos.

 

Em seu exílio em Santa Helena, ninguém teve coragem de contar a Napoleão que Maria morrera. Ele pensou que ela havia parado de escrever porque estava muito feliz no casamento. Ao morrer, três anos depois, ainda usava o anel que da havia lhe dado e guardou uma mecha dos seus cabelos louros em uma caixa com a inscrição: "Quando você deixar de me amar, lembre-se, eu ainda estarei amando você."

Depois de separar-se de Lady Castlemaine após uma ligação de 12 anos, Carlos II disse: "Tudo que lhe peço para seu próprio bem é que tenha uma longa vida, mas que seja o mais discreta possível, e assim não vou dar importância a quem você ama." Mas Lady Castlemaine não pôde ajudar a quem amava, e causou muitos problemas. Depois de incontáveis casos amorosos desastrosos, aos 65 anos, livrou-se, por fim, do infortunado marido. Logo depois a viúva alegre casou-se com o bem­-apessoado Robert Fielding, de 54 anos, que fora casado com duas mulheres ricas e tivera a sorte de enviuvar de ambas.

Fielding estava à procura de uma terceira fortuna quando encontrou duas viúvas ricas: Anne Deleau, com uma renda estimada em cerca de 60 mil libras anuais, e Lady Castlemaine, cujos rendimentos vultosos eram conhecidos em todo o reino. Fielding decidiu que poderia ficar com as duas - casaria com as duas e tomaria posse das fortunas.

Mas, em vez de casar-se com a Sra. Deleau, Fielding casou-se com uma desconhecida, uma impostora chamada Mary Wadsworth, amiga da cabeleireira da herdeira, e que fingia ser a viúva rica. No terceiro encontro, um padre casou os dois e eles consumaram o casamento. A "herdeira", no entanto, disse que precisava retornar para casa até que contasse ao pai a novidade. Visitou Fielding muitas vezes e em todas faziam sexo e ela recebia presentes generosos dele.

Nesse ínterim, Fielding também se casou com Lady Castlemaine - enganando-a com esse casamento bígamo e ilegal. Fielding logo descobriu que sua esposa não era a Sra. Deleau, mas uma aventureira pobretona. Enfurecido, a agrediu fisicamente, assim como a sua amiga cabeleireira. Ao mesmo tempo, começou a apossar-se da pensão de Lady Castlemaine dada por Carlos II e a vender toda a sua valiosa mobília. Quando ela protestava, ele a trancava em um quarto sem comida até que concordasse com a venda. Quando Lady Castlemaine contou aos filhos o que estava ocorrendo, Fielding arrombou a porta de sua escrivaninha, retirou 400 libras e a espancou até que ela conseguiu correr para a janela e gritar: "Assassinato!" Em seguida, Fielding deu um tiro em direção à rua. Os filhos de Lady Castlemaine conseguiram um mandado de prisão contra Fielding, que foi levado para a Penitenciária Newgate e condenado por bigamia. Mas Fielding deve também ter exercido sua sedução sobre a rainha Ana, pois ela o perdoou. Após dois anos, o casamento de Lady Castlemaine foi anulado.

A experiência com Fielding encerrou a série de acontecimentos desagradáveis vivenciados ao longo da vida por Lady Castlemaine. Logo após o desfecho, mudou-se para Londres e foi morar com um neto. Em 1709, aos 69 anos, começou a sofrer de hidropisia e seu corpo que fora incomparavelmente belo deformou-se com a doença. Três meses depois ela morreu.

 

A frase de Benjamin Franklin "Quando as mulheres deixam de ser bonitas, esforçam-se para serem bondosas" poderia ser aplicada à maioria das amantes reais. Muitas voltavam-se para a religião após cair em desonra e serem banidas da corte. Raramente tornavam-se religiosas quando ocupavam a posição de maîtresse-en-titre. A maioria pecava por conveniência, na medida em que se apoiava na beleza e vitalidade, e logo se arrependia ao sentir o peso da idade ou da doença. Muitas mulheres esperavam ser bem recebidas no céu depois de terem levado uma vida pecaminosa, como dizia sir Horace Walpole, "dando a Jesus o resto de sua beleza".

Em 1678, quando Louise de Kéroualle, a amante de Carlos II, pressentiu que sua morte se aproximava, "implorou ao rei, com um crucifixo nas mãos, para que ele se afastasse das mulheres". Mas sua devoção durou apenas o tempo de sua doença. Poucos dias após a súplica feita no leito de morte, ao saber que Carlos estava em um teatro com sua rival, Hortense Mancini, Louise maquiou-se e arrastou-se até o camarote do rei e, furiosa, recuperou sua posição. Ela não mais se encontrou com Deus nos quarenta anos que se seguiram.

Não devemos pensar que as amantes reais negaram os deveres religiosos enquanto estavam no poder ou que a Igreja não as chamasse a participar dos serviços religiosos, apesar de suas vidas adúlteras. A maioria ia à igreja diariamente e muitas se envolviam em obras de caridade. Nos anos 1670, Primi Visconti descreveu duas das amantes de Luís XIV na igreja: "terço e livro de orações nas mãos, olhos elevados para o céu, extáticas como duas santas!".

Uma dessas duas santas extáticas, Louise de La Valliere, abandonou a corte reluzente de Versalhes e refugiou-se na santidade de um convento, aos 29 anos. Louise, que por muitos anos fora dama de honra, ajudando a vestir sua substituta, Madame de Montespan, disse a Luís que "depois de dedicar-lhe sua juventude, toda a vida que lhe restava não seria suficiente para devotar à sua salvação".

Antes que Louise deixasse a corte, Madame de Maintenon, uma grande devota, perguntou-lhe se havia levado em consideração os desconfortos materiais que esperavam por ela vivendo com as carmelitas, a ordem mais rígida da época: vestimentas que picavam e coçavam, longos jejuns, trabalhos que cansavam a coluna, muito calor e muito frio. As freiras eram proibidas de falar e eram obrigadas a dormir em camas duras semelhantes a um caixão. "Quando eu estiver sofrendo no convento", respondeu, "só terei de lembrar meu sofrimento na corte e toda a dor vai me parecer muito leve." Acenou para Madame de Maintenon através do salão e com um riso afetado sussurrou algo no ouvido do rei.

No dia em que Louise despediu-se de seus amigos na corte, jogou­-se aos pés da rainha Maria Teresa e implorou seu perdão. "Meus crimes foram públicos", disse, "meu arrependimento também deve ser público." A rainha, apesar de detestá-la há muitos anos, preferiria que a respeitosa Louise recuperasse seu antigo lugar e expulsasse a detestável Montespan. Mas Louise, deixando seus dois filhos para serem criados em Versalhes, subiu na sua carruagem de duquesa e rumou para o convento, renunciando a tudo.

"Ela bebeu do cálice da humilhação da ralé", relatou Madame de Sévigné. Durante a cerimônia para se tornar noviça, Louise cortou os cabelos louro-acinzentados, apesar de Madame de Sévigné ter notado que felizmente "deixara dois cachos caídos na testa!". Talvez o que mais tenha ferido a vaidade de Louise foi ser privada de seus sapatos especiais, com um dos saltos um pouco mais alto do que o outro, para compensar a diferença de comprimento de suas pernas. O uso de sandálias sem saltos recomendadas para a vida no convento obrigaria Louise a andar mancando.

Um ano mais tarde, cortesãos aglomeraram-se no convento para assistir a um espetáculo único: uma amante real receber os votos finais para tornar-se freira e receber o véu negro das mãos da rainha, que a beijou e a abençoou. Foi muito difícil conseguir convites para a cerimônia e, por isso, as pessoas se acotovelavam e se empurravam tentando abrir espaço à força para ver o espetáculo. Uma testemunha escreveu: "Ela nunca esteve mais bonita e mais feliz. Sua felicidade deve-se ao simples fato de não ter mais de apertar os espartilhos de Madame de Montespan."

O rei, que se sentira lisonjeado pelos anos de olhares de censura e de sofrimento silencioso de Louise quando ele exibiu sua sucessora, queria mantê-la na corte como uma lembrança do quão ele era irresistível. Ficou muito irritado por ela ter preferido Deus a ele, seu rei. Durante anos, cortesãos ansiosos por ver a novidade de uma amante real que se tornara freira, visitavam Louise no convento. Depois das orações para afastar as tentações, ela, que abandonara o mundo lá fora, era forçada a encontrar pessoas pertencentes a esse mundo no locutório do convento. Mas nunca recebeu o rei. Ele nunca mais a viu.

Talvez a piedosa rainha tenha desejado algumas vezes seguir Louise para a vida de santidade em um convento, a fim de afastar-se da perversa Montespan e dos cortesãos traiçoeiros. Mas as rainhas, diferente das amantes, partiam da corte somente no caixão. Durante anos, Maria Teresa passou breves temporadas no convento das carmelitas em busca de consolo espiritual e repouso. Certo dia, depois que Louise já tinha recebido os votos, a rainha olhou pela janela do convento e viu uma pequena freira com um hábito tosco mancando pelo pátio carregando uma enorme trouxa de roupas sujas. Essa freira fora a amante de seu marido, a quem ela tratara com crueldade por ciúmes. De Louise haviam sido tiradas as pérolas e as sedas além do amor do rei e, por isso, essa meiga e esperançosa jovem escolheu a vida religiosa. A rainha chorou.

Tudo se passava muito rápido em Versalhes. Atores e atrizes que haviam feito papéis gloriosos eram logo esquecidos assim que saíam do palco; havia milhares de novos personagens pressionando para obter lugares nos conselhos repletos. Louise de La Valliere jamais se adequara ao papel resplandecente que lhe fora designado. Tinha muita personalidade e perspicácia para o papel a encenar. O cenário ao seu redor era excessivo, os trajes demasiado enfeitados, a música muito estridente e os enredos muito falsos. Seu isolamento em um convento era o assunto mais comentado na corte, mas logo os cortesãos já procuravam por mexericos mais recentes. "Afinal de contas", dizia entediada Anne-Marie de Montpensier, a prima do rei, "ela não é a primeira pecadora a se converter."

Madame de Montespan, embora feliz com o afastamento de sua rival, continuou muito devota. Era conhecida por jejuar durante a Quaresma e pesar seu próprio pão. Quando algum visitante se surpreendia com esse fato, a amante de Luís XIV respondia: "Tendo cometido um pecado não significa que vou cometer todos!"

O duque de Saint-Simon escreveu: "Mesmo com sua vida pecaminosa, ela nunca perdeu a fé; sempre deixava o rei para ir rezar no seu quarto e nada a fazia quebrar nem mesmo um dia de abstinência, além de nunca negligenciar as obrigações da Quaresma. Dedicava-se à caridade, respeitava os beatos e nunca disse nada que soasse como ceticismo ou falta de devoção. Mas, disse com tom de crítica, "ela era voluntariosa, insolente e muito sarcástica, e tinha os defeitos de uma mulher que atingira uma posição em virtude apenas de seus atributos físicos”.

Em 1691, aos 51 anos, Madame de Montespan recebeu ordens do rei para retirar-se da corte, mas não se dirigiu humildemente para um exílio. Gritando, vociferando, debatendo-se, teve um último encontro com Luís. Madame de Noyer o descreveu: "Encolerizada, o acusou de ingratidão diante dos sacrifícios que fizera por ele. O rei suportou o acesso de raiva em respeito à sua condição feminina e também porque seria o último que ele teria de agüentar."

Madame de Montespan era uma mulher extremamente rica e vangloriava-se de possuir castelos, propriedades no campo e uma elegante casa em Paris. Mas a elite da sociedade francesa acompanhava o rei, em geral, em seu palácio favorito de Versalhes. Madame de Montespan cansou-se das festas, da obrigação de usar jóias e vestidos de seda, do poder, das homenagens e das mesuras de todos.

Apesar de não lhe ser permitido ir aos casamentos dos seus filhos em Versalhes, tinha permissão para visitá-los periodicamente na corte. Madame de Caylus escreveu que ela "vagava como uma alma perdida, condenada a voltar constantemente ao cenário de uma antiga vida como castigo por seus pecados passados". Durante essas poucas visitas a Versalhes, sua arrogância insolente e o temperamento voluntarioso desapareciam. Sentindo-se insegura e desejando ser aceita, a antes imperiosa amante real parecia um fantasma nos corredores de mármore, ignorada no lugar em que por décadas havia reinado. Nas suas breves visitas à corte, conseguia ver o rei apenas de relance, sempre acompanhado por outras pessoas.

Madame de Montespan comprou um castelo na floresta de Fontainebleau, onde o rei costumava caçar. Quando ouvia as trombetas reais, entrava no castelo e contemplava o rei galopando ao longe. Durante esse exílio forçado, comprou outro castelo, Oiron, em sua terra natal, Poitou, e transformou-o em um santuário do rei, colocando retratos e estátuas dele decorando todos os aposentos. Retratos de Luís em um cavalo branco, tapeçarias representando suas conquistas, um busto de prata com os cabelos feitos de ouro. Só seu quarto de dormir ostentava quatro imagens do ex-amante.

Madame de Montespan decorou um quarto especial e o designou de o Aposento do Rei, como se esperasse que o monarca viesse visitá-la. Havia uma enorme cama com dosséis ornamentados com uma coroa e cortinas de veludo negro bordadas em ouro e prata, postas atrás de uma balaustrada dourada usada pela realeza. Na verdade, corriam rumores na corte de que, sobretudo após a morte do marido de Madame de Montespan em 1701, Luís a chamaria de volta e possivelmente se casaria com ela. Algumas pessoas até torciam para que Madame de Maintenon morresse, abrindo caminho para que Madame de Montespan retornasse à corte e, então, todos voltariam a se divertir. Mas Luís nunca visitou o Aposento do Rei em Oiron. E Madame de Maintenon viveu mais três anos que o rei.

Aos poucos, Madame de Montespan aceitou o fato de que nunca mais seria convidada a morar na corte. Nos seus últimos anos, tornou-se muito religiosa - talvez para redimir-se de seu envolvimento com a magia negra com o intuito de manter o amor do rei. Construiu um hospital para abrigar idosos, e todas as despesas corriam por sua conta. Embora tenha sido sempre generosa com os pobres, agora fazia roupas para eles com suas próprias mãos todos os dias e deu a eles quase tudo o que possuía. A mulher que se deleitava com os banquetes de Versalhes agora jejuava quase todos os dias. Interrompia com freqüência seus pequenos prazeres - jogar cartas com visitas - para ir ao oratório rezar.

Em um gesto que se assemelhava ao de Louise de La Valliere, praticado há mais de trinta anos, começou a castigar sua carne usando tecidos ásperos para fazê-la sangrar. O duque de Saint-Simon escreveu: "Sempre usava cintos e argolas nos pulsos e nos tornozelos feitos de ferro com pregos que, atritando com sua pele, provocavam feridas horríveis."

Por uma ironia do destino, Madame de Montespan ia constantemente visitar Louise de La Valliere no convento. A amante real, que se arrependera e por vontade própria abandonara as glórias da corte, sentia-se feliz com sua vida monástica. Contudo, a outra amante real só se arrependera ao ser forçada a abandonar a corte agredindo a todos. Velha e rejeitada, não havia outro lugar para ela a não ser o altar. Queria aprender como Louise pudera aceitar a perda de sua posição e com alegria substituí-la pelo amor de Deus. Perdoando a cruel traição do passado, Louise deu prazerosamente conselhos à ex-amiga sobre os mistérios da graça divina. Mas, diferente de Louise, cuja penitência e trabalhos para o bem eram feitos atrás das paredes do claustro, Madame de Montespan tornava público seu zelo religioso com a mesma ostentação com que proclamara seus antigos pecados.

A devoção de Madame de Montespan atenuara sua devassidão, ganância e gula, porém seu orgulho continuava mais acentuado do que nunca. O duque de Saint-Simon relatou que no seu isolamento ela era tão insolente quanto à época em que reinava em Versalhes, ainda apegada aos ornamentos da realeza dos seus dias de glória. Recebia os visitantes sentada em uma poltrona, enquanto eles eram obrigados a ficar de pé. Para um seleto grupo de membros da família real ela mandava vir algumas cadeiras, mas mesmo assim não se levantava para recebê-los ou para acompanhá-los até a porta. Muitos pararam de visitá-la. No entanto, as mulheres da corte ansiavam pelo momento em que suas filhas pudessem ser apresentadas à ex-amante para contemplar o rosto que havia encantado o rei e que retratava toda uma era.

Aterrorizada com a possibilidade de morrer sozinha, Madame de Montespan contratou algumas mulheres para lerem e jogarem cartas no quarto durante a noite enquanto ela dormia. Mantinha as cortinas sempre abertas e várias velas iluminando o aposento. Talvez sentisse a Morte vagando silenciosamente pelo castelo à sua procura.

Quando a morte a encontrou, ela estava pronta para recebê-la. Não sentia mais medo. No seu leito de morte, segundo o duque de Saint­-Simon, "ela reuniu todos os empregados, até o mais humilde, e fez uma confissão pública dos seus já tão conhecidos pecados ofensivos e pediu perdão pela sua longa vida de escândalos. O pavor da morte que tanto a inquietava desapareceu de repente. (...) Agradeceu a Deus por lhe ter permitido que morresse longe dos filhos, frutos de sua vida adúltera".

O corpo de Madame de Montespan - que encantara o rei, que a levara à riqueza e ao poder e que fora massageado com óleo - agora recebia insultos. Um aprendiz de cirurgião fez a autópsia. Só os criados mais humildes rezaram sobre seu corpo, pois o resto desaparecera. O corpo foi depositado fora do quarto enquanto vários padres discutiam o destino a lhe dar. A paróquia ganhou a questão; o caixão foi depositado na igreja e, aparentemente, o esqueceram por dois meses. Finalmente, um cortejo fúnebre "notável pela sua vergonhosa parcimônia" saiu em direção a Poitiers, onde seus restos mortais foram postos na cripta da família, sob uma pedra de mármore preta.

Nesse ínterim, de acordo com os costumes, suas vísceras foram depositadas em uma urna para serem enterradas à parte. Um portador foi contratado para levá-la para um convento, mas como cheirava mal, ele decidiu examinar a caixa que estava mal lacrada. O homem ficou tão revoltado com o que viu que jogou seu conteúdo em uma sarjeta e um bando de porcos devorou tudo. Quando contaram essa história em Versalhes, ouviram-se muitas gargalhadas e um nobre comentou: "Suas vísceras? É mesmo? E ela de fato as tinha?"

O filho bastardo de Madame de Montespan, o duque du Maine, "não conseguia esconder sua alegria" com a morte da mãe. O único filho legítimo, o duque d'Antin, regozijava-se: "Aqui estou e finalmente mais desenvolto!" - talvez referindo-se ao fato de poder usufruir do Rei Sol sem a presença da mãe fazendo sombra e evitando que o brilho chegasse até ele.

Surpreendentemente, Madame de Maintenon, que sempre demonstrara frieza para com Madame de Montespan nos seus últimos anos de vida, ficou muito triste com a notícia de sua morte e fechou-se em seu toucador. A total indiferença do rei com a morte da amante a quem amara por muito tempo e que lhe dera sete filhos a chocou. Quando sua querida neta perguntou-lhe por que não lamentava a morte da amante, respondeu friamente: "quando me separei de Madame de Montespan, nunca esperei vê-la de novo", desde aquele dia ela morrera para ele.

A mais compungida de todas foi a impetuosa Lola - a infiel, egoísta e mentirosa Lola, que deixou o rei inconsolável e fez com que ele perdesse o reino. Após a amante ser expulsa da Baviera, em 1848, e depois de sua abdicação, Luís suplicava para que ela um dia percebesse seu erro e se arrependesse sinceramente.

Ele não se decepcionou, mas levou anos até que Lola cedesse. Lola tinha uma grande capacidade para reinventar-se. Após ter sido exilada da Baviera, mudou-se para os Estados Unidos, onde multidões corriam para ver os shows de dança da ex-amante real. Com 30 anos, quando perdeu seu preparo físico como dançarina, lançou-se na carreira de atriz. Estrelou uma peça de sucesso sobre sua própria vida chamada Lola Montez na Baviera, na qual se retratava como uma ardorosa defensora da liberdade constitucional, uma conselheira política do rei e - na maior das ironias - uma grande amiga de sua esposa, a rainha Teresa, que a detestava do fundo do coração.

Sempre romântica, Lola casou-se mais duas vezes, mas nenhum dos casamentos foi legalizado porque seu primeiro marido ainda vivia. Em 1853, Lola fixou residência em Grass Valley, uma cidade de mineração na Califórnia, e adaptou-se muito bem à vida do Oeste dos tempos dos pioneiros. Criava um urso no seu quintal, investiu dinheiro em uma mina e era conhecida por visitar as minas mordendo um charuto. Durante sua estada de dois anos em Grass Valley, houve apenas um momento de grande tumulto, quando perseguiu um jornalista em um bar e o agrediu a chicotadas por ele ter mencionado seu nome de modo indelicado no jornal. Salvo esse incidente, Lola era conhecida pelas suas obras de caridade e, surpreendentemente, pelos seus estudos bíblicos.

Em 1857, aos 37 anos, Lola começou a dar palestras em várias cidades americanas. Em sua palestra mais conhecida, "Mulheres Bonitas", descreveu os atributos das belezas européias mais celebradas, muitas das quais nunca vira, mas que afirmava serem suas grandes amigas. Lola divertia suas platéias americanas com relatos sobre a natureza e os hábitos europeus. Em muitas cidades, era censurada por sua imoralidade, o que atraía ainda mais público. Essas palestras proporcionaram-lhe um dinheiro substancial e, ao mesmo tempo, limparam sua reputação. O público surpreendia-se com a devoção íntegra daquela mulher outrora tão licenciosa.

Em junho de 1860, Lola sofreu um derrame que a paralisou. Os médicos não esperavam que ela sobrevivesse e muitos jornais europeus noticiaram a morte da famosa dançarina. Com sua característica determinação, Lola lutou para recuperar sua saúde. Com os cuidados de seus grandes amigos, em dezembro daquele ano, já podia andar e falar de novo. Mas durante um passeio em uma carruagem aberta, Lola contraiu pneumonia e morreu, no dia 17 de janeiro de 1861, aos 40 anos. Foi enterrada no cemitério de Greenwood, no Brooklyn, em Nova York. Um jornal europeu publicou a manchete "Lola Montez está morta - ­realmente morta desta vez".

Apesar do sucesso como palestrante, Lola deixou apenas 1.247 dólares, porque doara muito de seus rendimentos para obras de caridade. No testamento, Lola deixou 300 dólares para a Magdalen Society, que cuidava de prostitutas aposentadas.

Após sua morte, uma amiga escreveu para Luís, então com 74 anos e morando em Munique, dizendo que Lola "muitas vezes conversou comigo sobre Vossa Majestade e sobre sua delicadeza e benevolência, demonstrando muita sinceridade - e queria que eu lhe dissesse que mudara de vida e de companhias. (...) Desejava que Vossa Majestade soubesse que sentira um profundo e sincero agradecimento pela sua enorme gentileza até o fim da vida. Morreu realmente arrependida, confiando no perdão e na aceitação do Salvador, triunfando somente em Sua glória".

O antigo rei respondeu: "É com grande satisfação que tomo conhecimento do arrependimento de L.M. em relação ao seu comportamento no passado. (...) É um grande consolo saber que morreu como uma cristã."

Nos seus últimos anos de vida, a crescente surdez de Luís o isolou da sociedade. Presenciou a morte de muitos de seus filhos, inclusive de seu sucessor, Maximiliano II. Em 1866, assistiu à derrota da Baviera para a Prússia. Viu o insano neto adolescente, Luís II, provocar sua própria ruína política. 

No seu isolamento, Luís escreveu um poema sobre seu relacionamento amoroso com Lola Montez:

 

Por você, perdi a coroa

Mas não sinto raiva de você por isso

Porque você nasceu para o meu infortúnio,

Você era uma luz que cegava, uma luz abrasadora!

Seja feliz!

E minha alma chama por você

Na distância cada vez mais longínqua;

Agora, finalmente, escolha o caminho da salvação;

Vícios só causam ruína e vergonha.

O melhor amigo que você já teve

Você o repeliu, traindo-o,

As portas da felicidade fecharam-se para você,

Pois simplesmente seguiu seu desejo lascivo.

Por toda a vida permanecemos afastados

E nunca mais nos encontraremos,

Deixe-me!

Meu coração dolorosamente encontrou a paz,

Sem ela, a vida é pesada.

 

A força destrutiva do tempo geralmente é menos agressiva com mulheres feias do que com aquelas que nasceram com uma beleza excepcional. Há menos contraste entre as glórias da juventude e os estragos causados pela idade.

A cunhada de Luís XIV, a robusta princesa alemã Elizabeth Charlotte, costumava fazer comentários espirituosos dizendo que como nunca fora bonita, mesmo quando jovem, não lastimava a perda da beleza com o passar dos anos. Impressionada ao ver como a idade nivelava as mulheres, Elizabeth Charlotte escreveu: "Vejo que as mulheres que me pareciam muito belas são agora tão feias como eu. Madame de La Vallière está irreconhecível, a pele de Madame de Montespan parece um papel. É muito divertido quando as crianças brincam de quem pode dobrá-la em mais pedaços porque todo o rosto está coberto de pequenas rugas. Seu lindo cabelo está branco como a neve e as faces avermelhadas; sua beleza desapareceu."

A amante de Carlos II, a belíssima Hortense Mancini, com olhos pretos brilhantes e negros cabelos cacheados, foi outra amante cuja beleza desapareceu rapidamente. Depois da morte do rei, Hortense entregou-se ao álcool, arruinando seu corpo e sua saúde. Adoentada, isolou­-se em uma casa de campo na esperança de que o ar fresco melhorasse sua saúde. Mas isso não aconteceu e ela morreu em 1699, aos 53 anos. Conseguira livrar-se do marido demente por 33 anos, porém caiu de novo em suas mãos ao morrer.

O duque de Mazarin tinha um ciúme louco de Hortense em razão de seu desejo por outros homens, um ciúme tão doentio que mandou pessoalmente decepar as partes íntimas das estátuas romanas antigas da sua coleção. Sua insanidade não tinha limites. Um dia, disse aos empregados, que ficaram em estado de choque, que ele era uma tulipa; plantou o próprio pé na terra e ordenou-lhes que o molhassem, no que foi prontamente atendido. Esse homem de comportamento tão bizarro comprou o corpo de sua esposa dos credores dela. Levou-o para a França e carregava-o para todos os lugares. Por fim, o duque ciumento conhecia seu paradeiro e a tinha sob seu completo controle pela primeira vez desde que ela fugira do convento, onde ele a encarcerara havia trinta anos.

Depois a deixou descansar em paz em um túmulo, feliz por saber que ela nunca mais lhe seria infiel.

A encantadora Harriet Howard, amante de Napoleão III, envelheceu terrivelmente depois que seu relacionamento com o imperador terminou, em 1853. Harriet cumprira sua parte do acordo de separação indo para a Inglaterra e lá se casando, mas voltou inesperadamente 11 anos após. Mudara muito nesse período. Aos 41 anos, era tão obesa que a porta da carruagem precisou ser aumentada para que pudesse entrar. Andava pelo Bois de Boulogne e pelos Champs-Elysées nessa elegante carruagem como se ainda fosse de novo a amante do imperador. Certa noite foi à ópera e fixou o olhar em Napoleão com seus binóculos, constrangendo o imperador e a imperatriz.

A aparição inesperada de Harriet causou diversos comentários mordazes. Muitos pensaram que essa atitude de tanto mau gosto era o uma tentativa de humilhar o imperador. Outros imaginavam a razão que levara uma mulher que fora tão bonita a reaparecer feia e gorda, em vez de preferir que guardassem a imagem de outrora. Mas o fato era que Harriet estava com câncer e só queria reviver por alguns momentos aqueles dias de glória antes de morrer. Faleceu logo após sua visita a Paris.

Em seu testamento, Harriet deixou uma grande soma de dinheiro para fundar uma casa na Inglaterra para abrigar jovens que haviam abandonado a família para serem prostitutas.

Outra amante de Napoleão III não suportou a devastação do tempo e da doença de modo tão estóico quanto Harriet Howard. Virginie di Castiglione enlouqueceu quando perdeu a beleza - sobretudo por nunca haver cultivado outras qualidades que não as físicas. Não tinha passatempos favoritos, desprezava os amigos e zombava da religião. Aos 20 anos, no auge da beleza e da juventude, seu marido rejeitado disse-lhe que o espelho, na época seu melhor amigo, um dia se tornaria seu mais ferrenho inimigo.

Com a imensa fortuna obtida com os casos amorosos com homens ricos e poderosos após ter sido repelida pelo imperador, Virginie adquiriu um apartamento em Paris na bela Place Vendôme. Continuou com suas maquinações políticas, encontrando-se com diplomatas, escrevendo cartas para chefes de Estado e atribuindo-se mais capacidade de influência internacional do que de fato possuía.

Entretanto, a previsão do marido tornou-se realidade. O inimigo mais implacável de Virginie não era o imperador austríaco Francisco José, como pensava, mas o tempo, que tudo devasta. Quando seu filho, aos 16 anos, tornou-se um adolescente desajeitado, Virginie temeu que ele fosse a prova viva do seu processo de envelhecimento; obrigou-o a vestir-se como um cavalariço e andar na parte de trás da carruagem com os criados.

Depois da queda do império francês em 1870, Virginie tentou em vão influenciar o novo governo, que ignorou sua existência e sua sabedoria política. Logo após, ela quebrou um dente. Deixou cair uma pesada cavilha no dedo do pé e parte dele teve de ser amputada. Sua antiga beleza sem defeitos estava irremediavelmente destruída. Começou a odiar o mundo e as pessoas.

Tornou-se cada vez mais excêntrica com o passar do tempo. Quando fez 40 anos, mandou pintar de preto as paredes. Fechou os postigos e virou todos os espelhos contra as paredes. Sem muitos admiradores, começou a descuidar-se. Recebia poucos amigos - todos eram homens, pois ela detestava mulheres -, que eram obrigados a tomar chá com ela no escuro. Às vezes, vestia trajes de noite de seda em farrapos e de veludo mofado de seus dias de glória para lembrar o papel fundamental que exercera na política européia. "Eu criei a Itália!", gritava ela. "Eu salvei o papa!"

Sua beleza deteriorava-se na exata medida em que suas excentricidades aumentavam. O belo cabelo castanho ficou branco. Sem o suporte de um espartilho, os magníficos seios caíram. Vivia mais na companhia de seus cachorros, e todos os dias passava horas escrevendo cartas com desvarios para os poucos amigos. "Quanto mais conheço os homens", queixava-se em uma delas, "mais gosto de cachorros." Só após a meia-noite, quando tinha certeza de não encontrar ninguém conhecido, é que saía com os cachorros para passear. Um fantasma noturno perambulando com longos roupões pretos e grossos véus negros, essa ex-amante real deve ter aterrorizado as pessoas que iam à Place Vendôme de madrugada.

Quando sua loucura ficou fora de controle, Virginie não permitia que os empregados entrassem no quarto para limpá-lo e ali ficava, no aposento escuro, cheio de ratos e lixo, contemplando sua beleza perdida e os idos dias de glória. Tinha 62 anos quando os criados arrombaram a porta do quarto depois de terem passado sete dias impedidos de entrar. Encontraram seu corpo já em decomposição sendo devorado pelos ratos.

Em seu testamento, ela estipulava que em dois de seus cachorros mortos, que mandara empalhar, deveriam ser postos colares valiosos e eles fariam vigília perto do caixão durante seu velório. Antes que o caixão fosse fechado, os dois deveriam ser colocados dentro do caixão para servirem de almofadas para seus pés. Queria entrar na eternidade com a camisola cinza com belos laços que usara na primeira noite em que dormiu com o rei, seu famoso colar de pérolas brancas e negras com nove voltas e duas pulseiras.

Mas os desejos de Virginie não foram realizados. As jóias foram vendidas para pagar suas dívidas em um leilão muito concorrido, atingindo o montante de 2 milhões de francos. Ninguém sabe o que aconteceu aos dois cachorros empalhados. Apenas um visitante curioso foi ao funeral.

Ao contrário de Virginie, a amante de Eduardo VII, Daisy Warwick, não se incomodou com a perda da beleza, mas teve um choque ao encontrar sua substituta, Lillie Langtry, no leito real, quando ainda mantinha uma luta infrutífera para conservar o amor do rei. Durante a Primeira Guerra Mundial, aconteceu um curioso encontro de duas velhas amantes de um rei falecido - Lillie, com uns 60 anos, e Daisy, com uns cinqüenta e poucos. "Aconteça o que acontecer, não pretendo envelhecer!", Lillie protestava. "Por que a beleza não pode derrotar o tempo?"

"Esqueci o que respondi", disse Daisy, porque estava ocupada analisando suas palavras. Olhei rapidamente para ela e, com certeza, os estragos do Tempo, apesar de perceptíveis aos olhos perspicazes de alguém que a conhecera no auge da beleza, estavam disfarçados com muito talento e ela ainda parecia deslumbrante. Mas comecei a pensar que a trágica vida dessa mulher, cuja beleza era famosa em todo o mundo, deveu-se ao fato de que não encontrara tempo durante sua constante busca pelo prazer de assegurar alguma paz interna para o revés inexorável do tempo. Agora, ao envelhecer, só restava a Lillie protestar, dizendo que era apenas um prolongamento dos seus dias de glória que, na verdade, não existiam mais”.

Lillie ficou sozinha nos seus últimos anos de vida, andando apática pelo jardim e brincando com seus cachorrinhos. O jovem nobre com quem se casara a ignorava e roubou todo o seu dinheiro; todos os reis e rainhas da sua juventude já estavam mortos. Após sua morte, em 1929, aos 75 anos, um editor que a conhecia escreveu: "Ela sempre pareceu ser uma folha que subsiste em uma árvore de outono, sustentando-se no galho, e que não morrerá ou perecerá sob os ventos do inverno porque sempre pertenceu a um verão inesquecível. Ela não podia renunciar à luta."

Mas Daisy Warwick desistira de lutar contra o tempo. Não mais existia a figura esbelta que tinha extasiado o príncipe de Gales na década de 1880. Por volta dos anos 1930, estava tão gorda que não conseguia sair de uma cadeira sozinha. Tinha uma enorme coleção de pássaros, jumentos, macacos, gatos e cachorros, e cambaleava pelos jardins arrastando um boá de plumas dando comida para os animais. Um visitante chocou-se ao ver a famosa amante real naquela situação. Mas Lady Warwick afirmou, com muita sinceridade: "Eu sou uma mulher muito feliz”.

 

                                     Monarcas, Amantes e Casamentos

 

Eu não seria uma Rainha por nada desse mundo.

                 - William Shakespeare –

 

O primeiro caso registrado na história ocidental de um monarca que se casou com a amante foi o do rei Davi e Betsabá. A tragédia que se seguiu de penitência e morte estabeleceu a tendência para os milênios vindouros. Os casamentos de reis com suas amantes tinham quase sempre um toque de malogro ou eram ameaçados com uma catástrofe.

O mundo dos séculos passados não era redondo, mas sim piramidal, e quanto mais alto alguém estivesse na escala social mais estaria preso à religião e à etiqueta, Sentado no vértice da pirâmide social, o rei sofria tantas restrições que tinha pouco espaço para manobras. Qualquer monarca que tentasse quebrar as convenções era logo tragado por uma onda internacional de escárnio.

Ainda pior do que aumentar impostos e travar uma guerra sem sentido, era casar-se com a amante. A noiva e o noivo não eram os únicos a ajoelharem-se diante do altar. O prestígio da nação também punha-se de joelhos, destruído. Os súditos ficavam sob o domínio do medo, quando não entravam totalmente em pânico. Como o monarca era a personificação de um povo e de uma nação, seu desprezo por antigas leis e tradições contaminava a todos.

Muitas das amantes que se tornaram esposas reais logo descobriram que a vigilância ininterrupta necessária para manter sua posição quando eram amantes deveria continuar depois do casamento. A esposa-amante era constantemente desafiada a legitimar sua posição, do mesmo modo que o fizera antes do casamento. Era até mesmo mais detestada pelo fato de haver ultrapassado os limites sociais prescritos. Pressentindo que era um animal ferido, os cortesãos a cercavam na esperança de liquidá-la.

Em 1354, o príncipe Pedro de Portugal casou-se com a amante que mantinha havia 14 anos, Inês de Castro, depois que sua esposa, a princesa Constança, morreu. O pai de Pedro, o rei Afonso IV, ficou furioso e temeu que os quatro filhos ilegítimos de Pedro com Inês usurpassem o trono dos filhos de Constança. O rei contratou assassinos para matar Inês enquanto seu amante real estava em uma caçada. Eles a atacaram a facadas perto de uma fonte no seu jardim e dilaceraram-na.

As amantes reais que se casaram com os monarcas e foram coroadas sofriam, invariavelmente, um desgaste velado. Tantas foram as pessoas que protestaram contra o casamento de Henrique VIII com Ana Bolena, em 1533, e contra a coroação de Ana, que o rei aprovou uma lei considerando traidor aquele que escrevesse ou agisse contra o casamento e obrigou todos os homens adultos a jurarem defender essa lei. Aqueles que se recusaram a fazer o juramento foram executados. Ana, que se casou grávida, não conseguiu ter o herdeiro homem tão esperado, e sim uma menina. Depois de dois abortos naturais, em 1536 foi condenada por adultério e decapitada. Cortesãos ingleses e súditos não sofreram nem um pouco com sua morte.

Em 1568, o desequilibrado rei Eric XIV da Suécia casou-se com a amante, Karin Mansdotter, a quem coroou rainha. Johan, o meio-irmão de Eric, declarou que esse ato era a prova da insanidade do rei. Em 1577, trancou-o em um aposento e o envenenou, apoderando-se do trono. A rainha Karin foi exilada em uma propriedade rural.

Em 1578, o arquiduque Francesco da Toscana casou-se com a amante de 12 anos, Bianca Cappello, e teve a coragem de coroá-la em uma catedral. Ao saber da notícia, o duque de Mântua, que pouco tempo antes do ocorrido havia pedido a mão da filha de Francesco, Eleonora, em casamento, retirou o pedido. Escreveu furioso: "O caráter da nova grã-duquesa, sob cujos cuidados vivem as princesas, é digno de crescente objeção que não pode ser superada.”

Desprezada pelo povo da Toscana e pela família do marido, Bianca sabia que sua vida seria extremamente difícil sem a proteção de Francesco. Em 1587, os dois caíram doentes com febre ao mesmo tempo, mas o arquiduque morreu primeiro. "E agora eu devo morrer com o meu senhor", disse ela gemendo e, como se na verdade o desejasse, deu o último suspiro. Ferdinando, irmão de Francesco, o novo arquiduque, detestava Bianca. Impedido de se vingar dela em vida, dentro dos limites da decência, ele a desonrou na morte. Como o faraó fez com o desgraçado Moisés, Ferdinando mandou retirar o nome dela de todos os retratos e monumentos. Mandou também remover seu brasão de todos os prédios públicos e substituí-lo pelo de Joana da Áustria. Quando lhe perguntaram se Bianca deveria usar o diadema ducal no caixão, Ferdinando respondeu que ela já o havia usado por um período de tempo mais longo do que devia. Enquanto Francesco teve um funeral de chefe de Estado, Bianca foi colocada em um caixão comum e despejada em uma sepultura sem identificação.

Era muito mais aceitável para a nação quando as amantes se contentavam em permanecer esposas morganáticas - sem serem coroadas. Assim, pelo menos os súditos do rei não teriam de fazer reverências para alguém que consideravam quase uma prostituta.

Em 1612, o viúvo Cristiano IV da Dinamarca estava tão embevecido com sua amante Kirsten Munk, de 17 anos, que se casou com ela. Sabiamente, não a coroou, conferindo-lhe apenas o título de condessa. Em 16 anos, a detestável Kirsten trouxe ao mundo 12 filhos. Surrava-os, deixava-os morrendo de fome e obrigava-os a vestirem-se com farrapos. Ela nunca amou o monarca que a adorava e começou um caso amoroso com um belo conde alemão, oficial da Cavalaria. Durante o funeral da filha de um ano com o rei, Kirsten retirou-se e teve relações sexuais com o conde em um jardim.

O rei nunca encontrava camisas limpas para vestir porque a esposa dava todas para o amante. Kirsten dançava enquanto o marido estava doente e até tentou envenená-lo, fazendo-o tomar seu remédio para acne. Uma noite, quando o rei encontrou duas camareiras dormindo diante da porta trancada dos aposentos de Kirsten, ordenou que um artífice gravasse aquela data em uma pedra no pátio do palácio e nunca mais a tocou: Recusou-se também a reconhecer a filha que ela deu à luz dez meses depois. O casamento turbulento terminou em 1628, quando o rei a exilou em suas propriedades no campo, onde, não obstante, continuou a criar problemas.

Em 1880, logo após a morte da esposa, o czar Alexandre II da Rússia casou-se com a amante de 15 anos, Katia Dolguruky, apesar dos apelos dos amigos e da família para que esperasse passar o período de luto. Tendo sobrevivido a seis tentativas de assassinato, o czar queria transformar sua amante, uma linda jovem morena, mas muito tola, em uma mulher honesta e legitimar seus três filhos bastardos antes que algo de fatal lhe acontecesse. Profundamente constrangidos, os membros da família imperial fingiam ignorar o casamento morganático, mesmo ao circularem boatos que o czar pretendia coroar Katia imperatriz.

Quando o czar foi assassinado oito meses após o casamento, um cortesão comentou que a morte do czar o poupava de cometer mais loucuras com Katia - coroando-a para prejuízo de todo o país. Embaraçada com a presença inconveniente da viúva, a sociedade russa suspirou aliviada quando ela se auto-exilou na França.

Em 1900, o rei Alexandre II da Sérvia (1876-1903) anunciou que se casaria com a amante de muitos anos, Draga Mashin, uma mulher sem atrativos, e a coroaria rainha na catedral de Belgrado. O país inteiro ficou horrorizado com a escolha da noiva, uma plebéia pobre de moral duvidosa, e não mais em idade para ter filhos. Além disso, a Sérvia, um país muito pobre, estava emergindo de um século de violência cruel e necessitava obter uma posição melhor por meio de uma aliança com uma família nobre européia. Ao saber da notícia do casamento do rei, todo o seu Gabinete renunciou. 

Durante três anos, o casal real tão odiado escapou de tentativas de assassinato e raramente saía do palácio, porque sabia que a Morte espreitava fora dos portões do palácio. Em 1903, a Morte cansou-se de esperar c invadiu o palácio. Um grupo de revolucionários irrompeu e esquartejou o rei e a rainha. Em seguida, mandou rezar uma missa para celebrar a libertação do país de um tirano e de uma prostituta, a qual ele fizera rainha.

Encontramos quase uma lição de moral bíblica nas histórias de casamentos reais indignos. A ira divina era rápida e certa. Era como se o Todo-Poderoso não aprovasse a atitude do rei de transformar a concupiscência no sexo santificado do casamento. Um pecado ainda pior do que a luxúria era o desconhecimento de seu lugar adequado dentro de um contexto pré-estabelecido. Quando um mero peão tornava-se rainha em um tabuleiro de xadrez, o jogo estava perdido.

O mundo no século XX não era mais piramidal e os membros de uma sociedade igualavam-se, exceto os príncipes, que ainda encontravam restrições em relação ao casamento. O maior escândalo desse século ocorria quando um rei insistia em se casar com a amante.

 

No dia 11 de dezembro de 1936, Eduardo VIII (1894-1972) disse ao mundo: "Considero impossível suportar a pesada carga de responsabilidade e cumprir meus deveres como rei da forma que gostaria sem a ajuda e o apoio da mulher que amo."

Como um gato vitorioso trazendo para casa a carcaça de um esquilo para seu dono aterrorizado, Eduardo depositou o presente sagrado de sua abdicação no colo da amante. Wallis Warfield Simpson, uma mulher com grandes ambições de ascensão social, tentara ardilosamente durante anos tornar-se rainha da Inglaterra, uma posição que amenizaria sua infância pobre em Baltimore. Mas, agora, com o mundo olhando-a com assombro, ela tinha de aceitar o prêmio de consolação. Quando ouviu o discurso do rei pelo rádio, lágrimas rolaram-lhe pela face e, com certeza, não eram lágrimas de alegria.

Wallis não possuía atributos adequados a uma rainha. Americana, divorciara-se do primeiro marido, um piloto da Marinha, em razão de sua agressividade causada pelo alcoolismo. Quando conheceu o príncipe Eduardo em 1931, ela estava feliz no casamento com Ernest Simpson, um corretor de navios que a trouxera para Londres. Mas, apesar disso, começou um caso amoroso com o príncipe; cinco anos mais tarde, Jorge V morreu e Eduardo tornou-se rei. Logo após, Wallis pediu seu segundo divórcio, agora para converter-se em rainha da Inglaterra.

Wallis ficou fascinada com os privilégios da realeza. Escreveu sobre Eduardo: "O seu menor desejo era instantaneamente transformado na mais impressionante realidade. Os trens o esperavam; iates se materializavam; as melhores suítes nos hotéis mais luxuosos eram abertas de imediato; aviões ficavam esperando. (...) Ele representava a possibilidade de entrar em um mundo novo deslumbrante que me excitava como nada antes tinha me estimulado”.

Enquanto a fascinação de Wallis pelo rei era compreensível, ninguém podia entender a paixão avassaladora dele por uma mulher cujo rosto se parecia com uma pá de jardinagem; e o corpo, com um cabo de madeira. O nariz era coberto de caroços, a boca grande e feia, e as mãos curtinhas e grossas. Alguns especulavam que Wallis conquistara Eduardo com estranhas técnicas sexuais asiáticas que aprendera na China depois de se separar do primeiro marido. Outras pessoas afirmavam que os dois haviam se aproximado devido a uma enorme aversão ao sexo - Eduardo era impotente e Wallis frígida como gelo. A teoria sobre a frigidez de Wallis revelou-se incorreta em 2003, quando o governo britânico liberou arquivos secretos que revelaram que, em 1935, Wallis, ainda casada com Ernest Simpson e já tentando conquistar o príncipe de Gales, teve um ardente caso amoroso com Guy Trundle, um vendedor de carros bonitão. Poderia especular-se se o príncipe, apesar de oferecer a Wallis uma vida luxuosa, não teria um desempenho insuficiente na cama.

Qualquer que seja a relação sexual deles, Wallis tinha forte controle psicológico sobre o príncipe. Enquanto outras mulheres se derretiam aos pés de Eduardo, Wallis o dominava por completo e ele se tornou extremamente subserviente. E, como muitas outras amantes reais antes dela, Wallis tinha um charme estonteante e uma graça deliciosa.

Mas por que Eduardo insistia em se casar com essa mulher? Por que não a manteve apenas como amante? Talvez Eduardo, teimoso, egoísta e intelectualmente limitado, beirando a imbecilidade, não se imaginasse no trono sem ela sentada ao seu lado, amenizando os fatos, dizendo-lhe o que fazer. Ou talvez ele nunca tenha desejado ser rei e usou Wallis como desculpa conveniente e romântica para livrá-lo das responsabilidades de um monarca.

Na Constituição britânica, nada proibia o rei de se casar com uma divorciada, uma plebéia ou uma americana. A lei de 1701 - aprovada quando um aspirante católico procurava astutamente assumir o trono britânico - dizia que o monarca não podia ser católico nem se casar com uma católica. (Estranhamente, essa lei ainda é vigente.) A Lei dos Casamentos Reais de 1772 - outorgada por Jorge III, furioso com o fato de seus irmãos terem se casado por amor e não por conveniência real - dizia que os herdeiros do trono deveriam obter o consentimento do monarca para se casarem, a não ser que tivessem mais de 25 anos. Nenhuma dessas leis teria impedido Eduardo de se casar com Wallis.

No entanto, ele teria uma posição desconfortável em relação à Igreja Anglicana, que proibia uma pessoa divorciada de casar-se de novo se o ex-cônjuge estivesse ainda vivo. Wallis não tinha só um, mas dois ex­-cônjuges muito presentes. Como rei, Eduardo era também o comandante supremo da Igreja Anglicana e deveria preservar seus preceitos. Ainda mais grave foi a opinião pública contra o casamento. Mas, se Eduardo tivesse tido paciência e habilidade para acalmar a indignação dos bispos e a agitação dos seus súditos, certamente poderia ter se casado com Wallis.

Ignorando os conselhos sensatos de amigos e conselheiros, Eduardo cometeu todas as possíveis impropriedades políticas e de relações públicas, insistindo em se casar logo para que os dois pudessem ser coroados juntos. É provável que Wallis o tivesse pressionado a apressar o casamento, em vez de persuadir o rei a esperar até que a oposição pública abrandasse. Wallis sabia que Eduardo fora volúvel e covarde com as amantes anteriores. Decidia dispensar uma amante de um dia para o outro, mas pedia a alguém para dar a má notícia.

À medida que a crise provocada pela proposta de casamento do rei se agravava, o povo reunia-se ao redor do palácio segurando cartazes com os dizeres: "Abaixo a Prostituta!", "Wally - Devolva-nos o nosso rei!", "Fora com o lixo americano!". Tijolos e pedras eram arremessados na janela do quarto de Wallis. As crianças cantavam: "Ouçam os anjos-­arautos cantarem, a senhora Simpson roubou nosso rei!"

Concordando com o velho ditado de que não podemos casar com aquele que levamos para a cama, o dono de um bar londrino dizia: "Não vai funcionar. Não podemos ter dois camaradas comentando por aí que dormiram com a rainha da Inglaterra."

Os costumes dos séculos passados - que poderiam ter rapidamente resolvido o problema - não eram aceitáveis em 1936. A família real não podia mais simplesmente contratar cortesãos para matar Wallis como fizeram com a infeliz Inês de Castro seiscentos anos antes, apesar do desejo de fazê-lo. Nem Eduardo estava em posição de mandar enforcar ou queimar quem se pronunciasse contra o casamento, como seu antepassado Henrique VIII fizera havia quatro séculos. E, assim, o rei apaixonado abdicou, ocultando sua incapacidade para exercer sua função com uma lenda de romance cavalheiresco e sacrifício honroso.

Eduardo e Wallis casaram-se na França no dia 3 de junho de 1937, pouco mais de um mês depois do término do processo de seu segundo divórcio. Eduardo deu para a noiva, entre outros presentes de casamento, uma tiara de diamantes - um substituto para a coroa de qualidade muito inferior. O irmão de Eduardo, rei Jorge VI, concedeu a eles os títulos honorários de duque e duquesa de Windsor. Mas a família real a desconsiderou até o fim dos seus dias. Nunca a receberam e não tinha permissão para ser chamada de Alteza Real. É provável que o rancor da família real em relação a Wallis tenha se intensificado após a revelação de seu namoro com o vendedor de carros. Contudo, o duque insistia que enquanto sua esposa não fosse recebida e não a chamassem de Alteza Real, ele se ausentaria da Grã-Bretanha.

Apesar de o casamento ter provocado uma crise constitucional para a monarquia britânica, a abdicação de Eduardo salvou a Inglaterra de ter no trono um defensor da Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Eduardo, um entusiasta da Alemanha e fluente na língua alemã, era visto freqüentemente fazendo a saudação nazista nas ruas de Londres durante os anos 1930. Quando Hitler soube que havia abdicado, lamentou: "Perdi um defensor da minha causa!"

Em 1937, os recém-constituídos duque e duquesa de Windsor fizeram uma visita de 14 dias ao Führer, cumprimentando as multidões com "Heil Hitler!", escandalizando Jorge VI e o povo britânico. Há, inclusive, alguns documentos mostrando que Hitler planejava, depois de conquistar a Inglaterra, conduzi-los ao posto de rei e rainha como meros fantoches, marchando sob o comando nazista.

Depois da missão como governador das Bahamas durante a Segunda Guerra Mundial - onde Eduardo fora posto para mantê-lo o mais longe possível dos seus amigos nazistas -, o duque e a duquesa viveram em plena ociosidade: compras em Paris, desfiles de moda em Nova York, o mês de agosto no sul da França, invernos em Palm Beach. O tão famoso charme de Wallis escondia-se atrás de uma máscara de decepções e o duque, cada vez mais senil e trêmulo, tocava gaita-de-foles no meio da noite ou falava só em alemão durante horas em uma festa onde ninguém podia entendê-lo. O casal, sem vigor físico ou mental, parecia grudado um no outro pelos quadris, cada um segurando um drinque em uma das mãos e um cigarro na outra. Como retratos danificados e rachados de si mesmos, ficaram com a pele amarelecida por causa do tabaco e ressecada em virtude do álcool.

 

Ao separar-se de Ernest Simpson, Wallis renunciara a um marido extremamente inteligente e ativo, e o substituiu por um homem sem nenhuma inteligência e ocioso, um fardo pesado de quem ela só poderia se divorciar sob gritos de escárnio do mundo inteiro. Em uma festa. quando o duque se retirou, a esposa disse aos convidados: "Ninguém jamais saberá meu esforço para que esse homenzinho sinta-se ocupado!" Em eventos sociais, sempre o fazia recordar: "Não se esqueça, querido, você não é mais rei!"

Em 1972 o duque morreu em Paris. A duquesa logo ficou senil, bebendo ainda mais para acalmar os fantasmas do passado e, em 1977, pesava apenas quarenta quilos. Mas mesmo assim viveu até 1986, apegando-se à vida mesmo quando o corpo definhava e a mente entrava em devaneios. Enquanto estava lá, deitada, imóvel, era perseguida por visões de coroas e cetros, de trono e trajes de cerimônias de coroação e da glória daqueles tempos.

 

Quando criança, Camilla Shand, a bisneta da última amante de Eduardo VII, Alice Keppel, adorava ouvir as histórias de vovó Alice e sempre ria quando ela dizia: "Meu trabalho é cortejar... e depois pular para a cama!" Mal sabia Camilla que ela teria sua própria chance de cortejar c pular em uma cama real.

Ela conheceu o príncipe Charles em 1970, durante uma chuva forte em um campo de pólo. Com um par de botas enlameadas, Camilla, de 23 anos, dirigiu-se ao príncipe, de 22, e apresentou-se. "Minha bisavó foi amante de seu tataravô", disse ela. "O que acha disso?”

Camilla, de fato, possuía muitas das qualidades que fizeram de sua bisavó uma amante bem-sucedida. Apesar de não serem bonitas, tinham personalidades marcantes, sagacidade apurada, delicadeza e inteligência, qualidades que atraíam mais que maçãs do rosto salientes ou lábios carnudos. Ambas eram ferozmente leais aos seus amantes reais, confiáveis, calmas, capazes e - o que é mais raro em um mundo de cetros e coroas - não eram pretensiosas. Eram descritas como mulheres que exalavam um encanto sensual natural difícil de ser capturado em fotografias.

Charles mostrou-se imediatamente interessado. Camilla já era uma mulher experiente, com fama de ser ardente parceira sexual; em contrapartida, o príncipe era inexperiente. Os dois namoraram durante quase três anos, e Charles queria muito se casar com ela. Mas a família real não aprovava a idéia porque, apesar de ser de uma família inglesa respeitada, Camilla não era mais virgem. Nem Camilla estava interessada em viver na vitrine do palácio de Buckingham. Enquanto Charles estava na Marinha Real, Camilla casou-se com sua antiga paixão, Andrew Parker-­Bowles. Ao saber da notícia, o príncipe trancou-se em sua cabine durante horas e reapareceu com os olhos vermelhos.

Porém, continuaram amigos e tornaram-se amantes de novo em 1980, depois que o casamento de Camilla se deteriorou. Sempre na expectativa de encontrar uma noiva real em potencial, Camilla jogou Charles nos braços de Diana, Lady Spencer. Achava que Diana era jovem e maleável o bastante para se adaptar a Charles e à vida palaciana. Procedia de uma família nobre e possuía o pré-requisito mais importante para tornar-se princesa: um hímen intacto. Charles, profundamente apaixonado por Camilla: teve sérias dúvidas; seus sentimentos por Diana não eram intensos e não tinham brilho. No entanto, fora educado para cumprir seus deveres para com seu país e, assim, permitiu-se ser conduzido até o altar.

Segundo o camareiro do príncipe na época, Stephen Barry, pouco antes do seu noivado com Diana ser anunciado, Charles disse: "Estou cometendo um erro terrível." Alguns dias antes do casamento, Barry comentou: "O príncipe disse a mim e a lorde Romsey que Camilla era a única mulher que ele amava e que nunca poderia ter o mesmo sentimento por Diana." Como nos costumes do século XVIII, o amigo da família, lorde Romsey, garantiu a Charles que, com o tempo, seus sentimentos mudariam, e ele se apaixonaria por Diana.

Apesar de ter só 19 anos, Diana rapidamente percebeu o amor de Charles por Camilla e começou a odiá-la. Camilla fora convidada para o casamento, mas Diana tirou o nome dela da lista de convidados para o café-da-manhã e para a recepção. Poucos dias antes do casamento, Diana achou um presente de Charles para Camilla na escrivaninha de seu assistente. Ela o abriu e encontrou uma pulseira. Diana considerou inaceitável que Charles presenteasse a antiga namorada dias antes do casamento e quase cancelou o matrimônio do século.

Diana com certeza o teria cancelado se soubesse que na noite anterior, durante sua vigília virginal, seu príncipe fazia sexo com Camilla. Ele pretendia ser fiel à esposa, mas queria ter mais uma noite com a amante como um homem solteiro.

Charles debatia-se entre as tradições barrocas e os valores contemporâneos. O casamento por razões dinásticas com uma mulher que não amava - não importava que fosse bonita - foi tão penoso quanto o de Luís XIV com a diminuta infanta da Espanha. Por outro lado, Diana vivia no final do século XX - e não no século XVII -, acreditando piamente que Charles estava casando-se com ela por amor. Não fora educada em uma corte onde a existência de amantes era urna convenção aceita, que as esposas reais desprezadas deveriam suportar com dignidade. Ainda mais grave, Diana nutria a esperança de que Charles fosse a solução para sua vida de incertezas, sem aspirações e de muita solidão.

Durante a viagem de navio na lua-de-mel, Diana encontrou fotos de Camilla na agenda de Charles e ficou furiosa. "Por que você não encara a verdade e me diz que é ela que você ama?", disse chorando. chocada com a terrível realidade. Sofrendo de bulimia, Diana correu para o banheiro e vomitou.

Depois do nascimento do príncipe Harry, em 1984, e de três anos de fidelidade conjugal, Charles não suportou mais os acessos de cólera de Diana e correu para os braços de Camilla. Diante do fato de que seu marido nunca a amara, Diana procurou conforto em casos amorosos, mas jamais teve uma relação duradoura. Seu ódio visceral de Camilla, considerada como a única responsável por todo o seu sofrimento, não amenizou com o tempo. Consciente de sua beleza, talvez Diana soubesse que não poderiam ter sido os dotes físicos de Camilla que seduziram Charles e o afastaram do casamento; era algo interno que nela faltava e que Camilla possuía, e a percepção disso abriu mais sua ferida.

Mas Charles suportaria um fato ainda pior que os acessos de raiva de sua esposa. No dia 13 de janeiro de 1993, a imprensa britânica noticiou uma conversa de telefone celular entre Charles e Camilla. A conversa de sexo explícito deixava claro que Camilla era amante de Charles há algum tempo. A fita do caso “Camillagate” foi ouvida diversas vezes nas televisões e rádios de todo o mundo. O público a considerou um ultraje; a opinião pública sobre a família real nunca foi tão desfavorável.

Charles dissera ao telefone que gostaria de reencarnar como o Tampax de Camilla. A partir daí, a imprensa estrangeira começou a chamá-lo de príncipe Tampax e as mulheres inglesas a referirem-se a absorventes internos como "Charlies". Humilhado e insultado, Charles pensou seriamente em desistir da sua posição de herdeiro do trono e deixar o país.

O momento mais difícil foi quando o velho pai de Camilla, major Shand, solicitou um encontro com o sedutor de sua filha e o repreendeu em uma conversa que durou uma hora e meia. "A vida da minha filha está destruída e seus filhos estão sujeitos ao ridículo e ao desprezo", vociferou o major. "Você desgraçou toda a nossa família."

Foi um protesto radicalmente oposto ao do pai de Madame de Montespan, que em 1667, ao saber que sua filha tornara-se amante de Luís XIV, bradou: "Louvado seja Deus! Esse é um golpe de sorte para nossa família!"

O que aconteceu ao longo de três séculos? Muita coisa. Primeiro, as recompensas financeiras de uma amante real hoje são extremamente limitadas, e ela também não é aceita na corte. Antes da Revolução Francesa, Camilla teria recebido o título de duquesa e Diana corria o risco de encontrá-la sentada na carruagem real entre ela e Charles. Camilla daria oficialmente as boas-vindas a embaixadores estrangeiros, ao passo que a rebelde Diana poderia ser trancada em uma torre. Camilla teria suplantado Diana na quantidade de vestidos de noite e jóias, no número de aposentos no palácio onde coabitavam, no poder e na influência.

Segundo, a amante real moderna não tem poder político - na medida em que o próprio príncipe também não o tem e, portanto, não há nada a compartilhar. Ela não anda mais majestosa pelos corredores palacianos para comparecer a reuniões de conselho, elaborar leis e indicar generais, ministros e embaixadores. Tampouco tem mais um papel influente na literatura e nas artes. Sua posição hoje é muito parecida com a da amante do século XIX, mantida discretamente, e o sexo ilícito aceitável apenas se não fosse do conhecimento de ninguém.

Terceiro, a amante real moderna e seu príncipe têm hoje um novo inimigo. Vigiando os caminhos das imprudências reais mais atentamente que a mais ciumenta das esposas, a imprensa entra na guerra munida de lentes teleobjetivas e aparelhagem de gravação secreta, capturando os momentos mais íntimos e depois ostentando seus troféus para o mundo inteiro. A história não nos oferece sequer uma única conversa gravada de telefone celular entre Luís XIV e Madame de Montespan na qual Sua Majestade cristã expresse o desejo de ser um absorvente interno ou fotos de Nell Gwynn tomando sol de seios nus, em seu jardim cercado por muros altos perto do palácio de Whitehall. Certamente somos nós que saímos perdendo.

Não é de admirar que as reações do major Shand e do pai de Madame de Montespan tenham sido tão diferentes. Mas, se Camilla sofreu com os aborrecimentos das amantes reais modernas, ela não enfrentou os inconvenientes que cercavam suas antecessoras. Não teve de caçar em dias chuvosos nem suportar viagens intermináveis sem um urinol à vista. Não contraiu varíola no palácio ou sífilis do príncipe Charles e tampouco morreu dando à luz um bastardo real. Porém, se tivesse podido escolher entre as intromissões da imprensa e os horrores dos séculos passados, Camilla talvez preferisse enfrentar a varíola.

Depois do encontro constrangedor com o major Shand, Charles quase desistiu de Camilla com a intenção de aplacar a opinião pública e recuperar sua honra. No entanto, mais uma vez percebeu que não poderia viver sem ela. Camilla voltou como o inevitável retorno de uma maré e só sairia de cena mais uma vez, voltando para o mar, depois da morte de Diana em um acidente de carro em 1997. Mas o filho mais velho de Charles e Diana, príncipe William, logo convidou Camilla para tomar chá e, em 1999, William e seu irmão Harry pediram-lhe que acompanhasse a eles e o pai em um cruzeiro pelo Mediterrâneo. Em 2003, Camilla mudou-se para a residência londrina do príncipe, Clarence House.

Charles e Camilla foram vistos juntos com freqüência em eventos públicos, durante os quais se pôde perceber que sua aparência ia melhorando nas mãos de bons profissionais. Cabeleireiros trataram seu cabelo extremamente crespo. Maquiadores ensinaram-lhe os melhores segredos de sua arte. Costureiras sugeriram vestidos mais atraentes, que ela combinou com jóias de bom gosto. Tudo isso contribuiu para transformar Camilla em uma mulher mais elegante. Retrospectivamente, podemos ver que o palácio a estava preparando para um status real.

O casal estava junto havia surpreendentes 34 anos - mais do que o imperador Francisco José da Áustria e Katharina Schratt - quando, em 10 de fevereiro de 2005, o príncipe espantou o mundo ao anunciar seu casamento para abril do mesmo ano. Ao contrário da desastrosa corrida ao altar de Eduardo VIII em 1936 para se casar com Wallis Warfield Simpson, o anúncio de Charles foi a culminação de quase oito anos de cuidadoso planejamento.

Na época da morte de Diana, a mesma regra da Igreja Anglicana a respeito de segundas núpcias que fez Eduardo VIII abdicar ainda estava vigente. Divorciados cujo ex-cônjuge ainda estivesse vivo não podiam se casar na Igreja. Embora Diana estivesse morta, o ex-marido de Camilla, Andrew Parker-Bowles, teimava em permanecer vivo. Em 2002, a Igreja mudou essa regra, talvez pensando em Charles.

Dado que o adultério de Charles e Camilla era notório, o casal decidiu que seria de melhor gosto casar-se em uma cerimônia civil. Para mostrar seu apoio, o mais alto representante da Igreja Anglicana - o arcebispo de Canterbury - concordou em abençoar os recém-casados em uma cerimônia religiosa logo após a união civil. De fato, ele estava contente que o casal santificasse seu relacionamento dentro dos preceitos da Igreja.

Porém, se o arcebispo aprovava o casamento, parecia que o Destino não o fazia. Inúmeras dificuldades atrapalharam os planos da cerimônia. Duas semanas depois do anúncio do noivado, a rainha Elizabeth II declarou que não compareceria. Respeitava o desejo do filho de manter a celebração discreta, declarou; compareceria à bênção e daria a recepção. Mas o mundo quase inteiro considerou sua atitude desdenhosa.

Então a cerimônia teve de ser transferida de Windsor, pois o castelo não tinha alvará para casamentos. Era possível providenciar um alvará para o castelo, mas então todos que quisessem poderiam se casar lá durante os três anos seguintes. Já que o castelo é uma de suas residências, a rainha não gostava da idéia. O casamento foi então transferido para Guild Hall, que fica do outro lado da rua, em frente ao castelo de Windsor. Por fim, a data da cerimônia, 9 de abril, caiu no mesmo dia do funeral do papa João Paulo II. O casamento foi então adiado para 10 de abril.

Foi tudo muito diferente do casamento de conto de fadas de Charles e Diana em 1981, na catedral de Saint Paul, onde tudo funcionou à perfeição, exceto o matrimônio em si. O casamento de Charles e Camilla foi cheio de problemas, mas o matrimônio, esperamos, será o verdadeiro conto de fadas.

Cedendo à opinião pública negativa sobre Camilla, o príncipe declarou que sua noiva não adotaria o título de princesa de Gales - que evidentemente ainda pertence a Diana, por mais que ela já tenha morrido -, mas sim o de duquesa da Cornualha. Além disso, prosseguiu, quando ele se tornar rei, sua mulher será conhecida não como rainha Camilla, mas como princesa consorte.

No entanto, segundo a lei britânica, a mulher do rei é automaticamente rainha, a não ser que uma medida do Parlamento declare o casamento morganático. O Parlamento não aprovou tal medida, o que teria constituído uma humilhação internacional para a Grã-Bretanha. Assim, apesar das declarações apaziguadoras do príncipe Charles, sua mulher será rainha. Provavelmente, o príncipe torce para que, quando ele herdar o trono, o público já esteja suficientemente acostumado com a duquesa da Cornualha para acolhê-la como sua nova rainha.

Tendo se casado com seu príncipe, Camilla provavelmente terá um destino melhor do que o de suas predecessoras. Tem poucas chances de ser decapitada como Ana Bolena. Tampouco deve ser esquartejada como a rainha Draga da Sérvia, embora no auge do escândalo do “Camillagate” uma horda de mulheres a tenha apedrejado com brioches no supermercado. Como amante do rei, Camilla foi de fato enforcada, destroncada e apedrejada na imprensa. Agora que o príncipe fez dela uma mulher honesta, a crítica está arrefecendo. O casal de meia-idade, que irradia felicidade na presença um do outro, está levando a vida adiante.

O casal formado por Diana e Charles combinava muito pouco. Para começar, Diana era mais alta do que Charles, mais magra e ágil e mais estilosa, uma deusa mercurial que alternadamente exalava compaixão e chorava de dor. Mas Charles e Camilla são exatamente iguais e muito humanos. Gostam de cavoucar jardins lamacentos e cavalgar cavalos enlameados. Ambos se vestem um pouco mal, são amarrotados, ligeiramente estabanados, usam roupas que nem sempre caem bem c ostentam um sorriso torto de boa vontade. Os dois estão começando a ficar parecidos, sinal inconfundível de um casal em completa harmonia.

Se a rainha Elizabeth viver tanto quanto sua mãe - 101 anos -, Charles terá 79 anos quando herdar o trono, e Camilla 80. Podemos imaginá-los, curvados pelo peso dos anos e da túnica de coroação de arminho, subindo com dificuldade a nave da abadia de Westminster, um apoiado em uma bengala e o outro em um andador. Quem então ousará fazer acusações a um casal real que se amou por quase 60 anos?

 

As razões que levavam um príncipe a casar-se com uma princesa virgem não existem mais. A antiga tradição de manter "puro" o sangue real casando-se em família resultou no aumento de casos de insanidade e hemofilia na realeza européia. Não só o sangue real não é superior ao dos plebeus, como também pode ser até geneticamente inferior por conta de séculos de casamentos consangüíneos. Se pudéssemos examinar essa substância sagrada em um microscópio, ficaríamos chocados ao ver quantos componentes estariam faltando.

As princesas modernas não participam de tratados ou pactos comerciais ou de paz. Também não trazem dotes que enriquecem os cofres reais. Nem a virgindade para elas é considerada uma mercadoria muito valiosa. Hoje, a maioria das mulheres de vinte e poucos anos bem-nascidas, com bom nível educacional e saudáveis não são virgens.

Depois de testemunhar pessoalmente o grave desastre do casamento de Charles com uma nobre virgem, os príncipes modernos preferem agora casar-se com plebéias que não são virgens, mas escolhidas por eles, e brigam por esse direito de escolha. Em 2001, o príncipe herdeiro Haakon da Noruega, de 28 anos, casou-se com sua namorada, que já morava com ele, Mette-Marit Tjessem Hoiby, uma loura alta e de bela aparência. Também com 28 anos, Mette-Marit não era só plebéia, mas "uma plebéia das mais comuns", de acordo com uma pesquisa de opinião pública. Foi garçonete, colhedora de morangos e nunca completou seus estudos. Ainda pior, tinha um filho ilegítimo de quatro anos, cujo pai estava preso por tráfico de drogas.

O príncipe Haakon lutou muito contra as pressões e até ameaçou renunciar a seus direitos ao trono do pai, rei Harald. Muitos comparam esse fato à crise constitucional instalada por Wallis Warfield Simpson e Eduardo VIII. Mas os noruegueses têm valores modernos e não faziam objeção ao casamento; uma pesquisa mostrou que 70% da população concordavam em tê-la como rainha. E, então, a maculada Mette-Maril foi perdoada, prometeu nunca mais cair em tentação e ganhou seu reino.

O príncipe Charles foi ao casamento. Dizem que voltou com o coração mais leve e com mais determinação.

Em 2002, o príncipe herdeiro Willem da Holanda, de 33 anos, casou-se com a argentina Maxima Zorreguieta de 29 anos, a despeito de inúmeros protestos. Pode-se imaginar que Maxima não fosse mais virgem, mas esse não era o problema. Nada havia de errado com ela, uma moça educada que trabalha em um banco em Wall Street.

Mas o pai de Maxima fizera parte da junta militar que governou a Argentina durante um regime que torturou e matou 30 mil pessoas. Alguns políticos diziam que Willem deveria renunciar ao seu direito de herdar o trono caso se casasse com uma mulher com essa ascendência. E Willem deu sinais de que assim o faria se tentassem impedir seu casamento. Apesar dos protestos, Maxima conseguiu grande apoio popular entre os cidadãos holandeses. Casaram-se em fevereiro de 2002, mas foi solicitado aos pais da noiva que permanecessem na Argentina.

Charles foi provavelmente o último príncipe a imolar-se no altar do casamento para servir a seu país. Os príncipes modernos como Haakon e Willem casam-se com as mulheres que amam. Mas muitos de nós, pessoas comuns que casamos com parceiros de nossa escolha, somos muito conscientes de um fato doloroso - um casamento se destrói e, em geral, termina em uma audiência de divórcio, com o casal sentado nos duros bancos de um tribunal, por interferência da cama macia de uma terceira pessoa. Um casamento, mesmo por amor, quando minado pelo excesso de intimidade, não previne o adultério.

A opinião pública, geralmente generosa com príncipes que se casam com princesas feias por obrigação e que depois têm amantes de sua escolha, não será condescendente com príncipes como Haakon e Willem do século XXI que lutaram pelo direito de se casarem com as mulheres que amavam se tiverem amantes. E reis e príncipes, mesmo aqueles completamente desprovidos de atrativos físicos, nunca ficam sem admiradoras. Extasiadas com o erotismo da realeza, as mulheres dos próximos séculos continuarão, como disse Luís XIV, a "assediar o coração de um príncipe como uma cidadela".

 

Ao longo da história, as mulheres têm sido relegadas a cuidar dos afazeres domésticos e dos filhos. Poucas conseguiram chegar até os quartos e salas do trono dos reis. Nunca saberemos quais são as virtudes e os vícios dessas poucas mulheres, ofuscadas como são pelas pesadas sombras do tempo ou ao menos pouco iluminadas pela chama quase apagada do semi-analfabetismo. Mas podemos focalizar outras e examiná-las minuciosamente.

Primeiro, fechamos os olhos e sentimos seu estonteante perfume - lírios aquáticos, flor de laranja e água-de-rosa. Ouvimos o estalar de um leque e sentimos um rodopio de ar. Abrindo os olhos, vemos que as amantes diante de nós não preenchem nossas expectativas. Algumas são jovens e sensuais, com pele macia, oferecendo sua sexualidade de forma irreverente. Algumas são maternais e protetoras, enquanto outras são feias, mas com uma aura de sensualidade mundana.

Olhando com mais atenção, observamos que nosso foco de luz revela, sem demência, muitos vícios. Vemos ganância, sem dúvida: Alice Perrers arrancando os anéis dos dedos enrijecidos de Eduardo III, que acabara de morrer; Lady Castlemaine apoderando-se de tanto dinheiro, pratas, jóias, propriedades e pensões que Carlos II não pôde pagar os soldados e marinheiros; Madame du Barry, tão faiscante quanto o sol, cobrindo-se de jóias e passeando em jardins enquanto camponeses franceses morriam de fome. Vemos intrigas cruéis: as venenosas irmãs Mailly-Nesle lutando para usurparem o lugar uma da outra; a traiçoeira Madame de Montespan colocando grandes quantidades de excrementos de sapo e intestinos de bebês na carne que o rei comia para conservar seu amor.

Vemos a ambição desenfreada de Bianca Cappello, Lola Montez e Wallis Warfield Simpson, desequilibrando nações inteiras e arruinando seus homens para atingir seus objetivos. Constatamos os danos causados em esposas desprezadas: Catarina de Bragança, esposa de Carlos II, com o sangue jorrando pelo nariz, desmaiando ao encontrar Lady Castlemaine, porque sabia que ela era quem seu marido amava de verdade; a desajeitada rainha Maria, esposa de Luís XV, suspirando por causa de Madame de Pompadour, mais jovem, bonita e espirituosa que ela, transbordando de alegria com os abraços do rei; e a princesa Diana, com suas crises de bulimia pelo fato de seu marido não a amar e sim a Camilla.

Podemos esperar encontrar amor em um terreno cheio de ganância, ambição e adultério cruel? Uma mulher que deposita oferendas de flores - ou serão de espinhos? - em um altar não para adorar o amor, mas sim um ídolo, uma imagem da fama, da riqueza e do poder? Como disse um cortesão francês do século XVIII, será que o verdadeiro objetivo da amante real é "alcançar a glória em um mundo de prostituição que faz parte da história"?

Mas no emaranhado de luz e sombra, do bem e do mal que é a natureza humana, nosso foco de luz ilumina também as virtudes. Nelas vemos Agnes Sorel, sentada diante de uma lareira bordando e, com delicadeza, persuadindo o covarde Carlos VII a ordenar a retirada dos ingleses de território francês; vemos a corajosa Gabrielle d'Estrées, que enfrentou balas de canhão em campos de batalha, permanecer ao lado de Henrique IV e com habilidade encerrar uma guerra sangrenta com inteligência e diplomática persistência; Madame de Pompadour, conselheira de artistas e escritores, entregar, com muito empenho, sua prataria, móveis e valiosos diamantes para construir hospitais e pagar os soldados de Luís XV.

Vemos Guilhermina Rietz preferindo enfrentar a prisão e uma possível morte, em vez de abandonar Frederico Guilherme II no leito de morte. Contemplamos lealdade em Maria Walewska, há muito rejeitada por Napoleão quando estava grávida, subindo a pé uma montanha íngreme em Elba para visitar no exílio um homem que fora abandonado pela mulher e por cortesãos bajuladores.

E Katharina Schratt, gorda e matrona, com óculos pendurados na ponta do nariz, sentada em um banco de concreto no jardim lendo os despachos para o imperador Francisco José, de 80 anos, cuja visão diminuíra. E Camilla Parker-Bowles dando conselhos apaziguadores e apoio emocional a um homem pressionado entre o dever e o desejo.

Aqueles que caminham pela terra usando coroas, assim como nós plebeus, todos fazemos adorações em altares de ganância, ambição e desejo. Mas, às vezes, flores brotam nos campos de batalha encharcados de sangue ou em uma floresta devastada pelo fogo, e uma árvore gloriosa cresce de uma fenda de um muro em ruínas. Com medo de ver a verdade daquilo que adoramos, baixamos os olhos. Contudo, se levantarmos a vista, poderemos descobrir que em nosso altar não há ídolos ou que os ídolos que lá pusemos desmoronaram e agora contemplamos outra coisa brilhante em seu lugar. Na busca pela escuridão, encontramos a luz.

 

                                                                                Eleanor Herman  

 

 

                      

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