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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SHEIK INDOMADO / Lynne Graham
SHEIK INDOMADO / Lynne Graham

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

SHEIK INDOMADO

 

O príncipe Shahir tinha três regras:

― Nunca dormir com uma mulher virgem

― Nunca dormir com uma empregada

― Não se casar jamais

Kirsten Ross não era mais do que uma faxineira, mas o sexy sheik não pôde resistir a seus encantos e não demorou muito para acabarem na cama. Kirsten

era inocente, pobre…, e agora tinha ficado grávida de um príncipe.

Sua honra o obrigava a convertê-la em sua esposa…

                                          

 

Sua majestade o príncipe Shahir bin Harith Al-Assad chegou a sua preciosa propriedade escocesa pouco antes das oito da manhã.

Como de costume, tudo estava preparado e arrumado para sua chegada com o luxo e o detalhe ao que tinha direito por nascimento.

Uma limusine de vidros escuros o tinha recolhido em seu aeroporto particular onde pouco antes tinha aterrizado seu avião.

Ninguém tinha se acercado a ele em nenhum momento, pois disso se cuidava muito seu pessoal, já que a Shahir lhe agradava manter sua privacidade e era um homem muito reservado.

Depois de fazer umas poucas perguntas ao encarregado de sua propriedade escocesa, Fraser Douglas, que o acompanhava na limusine, ambos tinham sumido num cômodo silêncio.

O único caminho que levava até o Castelo Strathcraig era de terra e serpenteava durante alguns vinte quilômetros através de pradarias verdes rodeadas de montanhas azuladas.

O entristecedor e majestoso silêncio daquela paisagem e seu maravilhoso céu azul recordavam ao Shahir o deserto, que amava com a mesma paixão que aquele lugar.

Shahir sempre procurava o resguardo e a força da natureza depois de ter se visto submerso na frenética vida da cidade.

A limusine começou a descer para o frondoso vale onde estava situada sua propriedade quando um rebanho de ovelhas obrigou o veículo a deter-se. Junto a ele também havia esperando uma mulher de cabelo branco em uma bicicleta.

Ao chegar a seu lado, Shahir girou a cabeça e se deu conta de que não se tratava de uma mulher idosa, mas sim de uma garota muito jovem de cabelo loiro platinado e não branco. Tratava-se de uma jovem magra e linda de enormes e inteligentes olhos e boca pequena e atraente.

Apesar de que não usava roupa elegante, nada podia esconder que tinha um corpo tão puro e belo como o daquele anjo que Shahir tinha visto uma vez em um manuscrito.

Entretanto, não houve nada de angélico na instantânea descarga de desejo que Shahir sentiu por aquela mulher e que foi tão intensa, que o surpreendeu, já que fazia muito tempo que não se sentia atraído tão fortemente por uma mulher.

― Quem é essa mulher? ― perguntou ao encarregado do castelo, que estava sentado frente a ele.

― Kirsten Ross, majestade ― respondeu Fraser. ― Parece-me que foi contratada para fazer a limpeza no castelo ― acrescentou ao ver que o sheik não se dava por satisfeito.

A Shahir jamais lhe ocorreria deitar-se com uma empregada e inteirar-se de que trabalhava para ele de criada o incomodou sobremaneira, pois era um homem muito exigente em seus gostos.

― Nunca a tinha visto ― comentou.

― Kirsten Ross não gosta de chamar a atenção ― respondeu Fraser.

― Mas suponho que estará acostumada a chamar a atenção, tendo em conta quão bela que é ― comentou Shahir.

― Não acredito, porque, pelo visto, seu pai é um tipo muito religioso com fama de ser muito rígido em casa ― explicou-lhe fazendo uma careta de desgosto.

Ao dar-se conta de que a estava olhando fixamente, Shahir afastou o olhar justo no momento em que o veículo iniciava a marcha de novo.

O que o encarregado do castelo lhe acabava de contar o tinha surpreendido e Shahir se perguntou onde terminava a devoção religiosa e começava o fanatismo.

A vida do Strathcraig girava em torno das atividades da igreja e as pessoas que ali viviam tinham um código de valores diferente ao que reinava na ambiente mais liberal da alta sociedade.

Por ali, as pessoas eram muito conservadoras, o que surpreendia aos que chegavam de fora, e Shahir supunha que aquilo se devia a que aquele lugar tinha ficado isolado do mundo durante muito tempo.

Encontrava-se muito a gosto ali, muito mais a gosto que imerso em uma cultura mais lassa, já que no Dhemen, o reino do Oriente Médio onde tinha nascido, a disciplina também era restrita e ele estava acostumado e gostava.

Ali, era muito fácil diferenciar o bem do mal, e o bem comum sempre estava por cima do bem individual. Pouca gente se atrevia a saltar-se aquelas normas tão claras, e os que o faziam tinham que sofrer o rejeição social.

De igual maneira, Shahir aceitava as limitações que o destino lhe tinha imposto e sabia que cada vez que se deitava com uma mulher não conseguia mais que substituir durante umas horas à mulher a que realmente amava, uma mulher com a que jamais poderia estar.

Aos seus trinta e dois anos assim era sua vida embora não gostasse.

Sua família se esforçava em lhe apresentar as mulheres para ver se gostava de alguma e decidia casar-se. Ou melhor, isso era exatamente o que tinha que fazer, escolher a uma das candidatas e dar esse passo.

Shahir era consciente de que havia muitas mulheres que estariam encantadas de casar-se com ele porque em troca teriam filhos, riquezas e o prestígio de ter uma maravilhosa posição social.

Naquela equação não havia lugar para o amor e assim devia ser.

Em seu mundo, o casamento estava regido pelo pragmatismo, os contatos familiares e, sobretudo, a idéia de ter um herdeiro.

De momento, seu pai respeitava profundamente seu desejo de permanecer solteiro, mas Shahir era consciente de que era o próximo na linha de sucessão e de que, cedo ou tarde, ele também teria que se casar e dar um herdeiro ao reino.

Para ele, o fato de não possuir nem um só átomo de romantismo em seu corpo era uma grande satisfação, pois lhe tinha permitido manter seu temperamento apaixonado a raia.

Era um homem que sempre se enfrentava à verdade por mais difícil que fosse, jamais cometia erros estúpidos e era consciente da família em que tinha nascido e das responsabilidades que aquilo entranhava, assim seria muito mais inteligente de sua parte aceitar a necessidade de encontrar uma esposa em lugar de perder o tempo admirando a uma muito bonita, mas completamente inaceitável mulher ocidental que não era nada mais que uma empregada...

― Não sabe o que diz ― disse Jeanie Murray para Kirsten se sentando no desgastado banco de madeira e acendendo um cigarro apesar de que fosse proibido fumar no castelo. ― Seu pai jamais a deixará ir para a universidade.

Kirsten seguiu limpando uma delicada molheira de porcelana de Sevres.

― Eu acredito que agora que se casou com Mabel fique mais fácil.

― Certamente, apesar de todas as rezas e as preces, não duvidou em cortejar outra mulher pouco depois de que sua mãe morrera. As pessoas dizem que gosta que lhe tenham bem atendida a casa ― riu a ruiva. ― Ele pode fazer o que quiser, mas não vai consentir que você saia de casa porque trabalha e lhe leva seu salário e todos por aqui sabemos quão avaro é Angus Ross!

Kirsten teve que fazer um grande esforço para não fazer uma careta de desgosto ao inteirar-se de que a austeridade de seu pai era de domínio público.

As francas opiniões de Jeanie e seu pouco tato eram causa habitual de fricção com outros membros do serviço, mas Kirsten a perdoava porque sabia que no fundo tinha bom coração.

― Jeanie...

― Sabe que tenho razão. Inteirei-me de um par de coisas de sua casa e a verdade é que me parece terrível.

― Eu nunca falo de minha vida familiar ― objetou Kirsten.

Jeanie pôs os olhos em branco.

― Aposto o meu pescoço que você cozinha e limpa a casa, e assim é impossível que Mabel queira que vá embora. Kirsten, você tem vinte e dois anos e já é hora de que compreenda que a única maneira de te liberar de tudo isso e de ter uma vida própria é que saia correndo daqui a toda velocidade.

― Já o veremos ― respondeu Kirsten.

Kirsten era consciente de que necessitaria de muito dinheiro para poder se tornar independente, e fugir da casa de seu pai lhe parecia uma covardia. Além disso, fazê-lo só a levaria a pobreza mais terrível e ela queria alugar uma casa decente e ter um bom futuro.

Kirsten se disse pela enésima vez que o que tinha que fazer era ter paciência.

Fazia somente um mês e meio que tinha começado a trabalhar e, dado que seu pai ficava com a maior parte de seu salário para mantê-la, ia demorar ainda alguns meses para poder economizar algo para ir embora.

Tinha que agüentar. Seu trabalho, embora fosse muito humilde, era muito prezado para ela. Kirsten adorava trabalhar rodeada do esplendor medieval do castelo, cujos magníficos arredores eram uma fonte de fascinação sem fim para ela.

Ir a seu lugar de trabalho todas as manhãs de bicicleta lhe dava um sentimento de liberdade que fazia muito tempo que lhe tinha sido negado e o poder de mesclar-se com outras pessoas também lhe agradava sobremaneira, mas também era consciente de que não queria passar toda a vida limpando, e de que para poder acessar a algo melhor precisava de qualificação e estudos.

Entretanto, a idéia de ter que se enfrentar abertamente às rígidas normas de seu pai lhe dava medo, já que desde pequena tinha sido educada na obediência mais cega para ele, que era um homem frio e distante, de caráter violento e intimidatório. Isabel Ross tinha adoecido quando ela tinha treze anos e Kirsten tinha cuidado dela, porque seu pai havia dito que aquilo eram «coisas de mulheres».

Kirsten se tinha visto em tão tenra idade com uma grande responsabilidade. Embora tivesse um irmão, Daniel, cuidar de sua mãe tinha sido só tarefa dela porque ele já tinha bastante trabalho ocupando-se da granja em que viviam.

Assim como tinha sido com Kirsten, que sempre tinha sido a melhor estudante de sua classe, tinha começado a faltar ao colégio e suas notas tinham começado a piorar paulatinamente.

Seu irmão tinha terminado por discutir com seu pai pela falta de liberdade que impunha em seu lar e, ao final, foi-se de casa.

Então, assim que lhe tinha sido legalmente possível, Angus Ross fizera que sua filha deixasse de estudar e a tinha trancado em casa para cuidar de sua mãe e fazer-se acusação dos afazeres domésticos.

Durante cinco anos, Kirsten não tinha saído de casa mais que para ir à igreja e fazer a compra semanal. A seu pai não o fazia nenhuma graça que fosse a nenhum evento social e tampouco lhe permitia as visitas.

Exatamente um ano depois da morte de sua mãe, seu pai se casou com Mabel, uma mulher de muito mau caráter cujo principal passatempo era falar mal dos outros.

Em todo caso, Kirsten lhe estava agradecida porque ela tinha convencido a seu pai para que a deixasse trabalhar lhe dizendo que assim haveria mais dinheiro em casa.

― A veja se pelo menos esta semana, que o sheik está aqui, veja-o e te alegra um pouco a vida ― comentou Jeanie rindo.

― Para que saiba, esta manhã vi sua limusine ― sorriu Kirsten.

― A limusine não é nada comparada com ele. Eu somente o vi em um par de ocasiões e, de longe, mas posso lhe assegurar que é o homem mais bonito que vi em minha vida ― respondeu Jeanie, apagando o cigarro e escondendo o cinzeiro. ― É desses homens pelo que alguém cometeria mais de um pecado.

― Tomarei cuidado então para não cruzar o seu caminho porque não quero perder meu trabalho.

Quando a tinham contratado, tinham-lhe advertido que devia trabalhar no mais absoluto silêncio e que, se alguma vez se encontrasse com o sheik em um corredor, devia ir-se a toda velocidade, assim Kirsten não achava muito provável que pudesse vê-lo de perto.

― Se eu tivesse seu corpo e seu rosto, faria tudo o que estivesse em minha mão para tropeçar nele ― brincou Jeanie. ― Se ele gostasse, poderia te afastar de todo este mundo e te pôr em uma casa para você. Solucionaria sua vida! ― exclamou. ― Imagine as roupas que poderia ter, e as jóias, e, além disso... Um homem impressionante em sua cama! Kirsten é uma mulher realmente bonita. Se houver alguém que possa deslumbrar o príncipe Shahir, essa pessoa é você.

Kirsten a olhou surpresa e se ruborizou.

― Eu não sou assim...

― Pois seria muito melhor fosse ― insistiu a ruiva. ― A vida é para desfrutá-la e para divertir-se. Se não tomar cuidado, no final seu pai vai terminar convertendo-a em uma solteirona!

Depois de terminar de lavar a baixela do Sevres, Kirsten a secou com cuidado apesar de que seus pensamentos estavam a anos luz dali.

Sentia-se muito diferente de Jeanie porque a tinham educado em uma casa em que a única referência que se fazia sobre o sexo a fazia seu pai e sempre dizendo que era «o pecado da fornicação».

A única coisa que lhe era permitido ler era a Bíblia e outros textos sagrados e agora que tinha tido acesso a outro tipo de publicações, jornais e revistas, nos que se falava de outras coisas completamente diferentes Kirsten se sentia secretamente atraída pela roupa e os lugares exóticos que tinha visto nelas.

Quem dera se seu pai fosse um homem mais razoável.

Quem dera lhe permitisse sair e conhecer pessoas, como faziam outras garotas de sua idade. Kirsten raciocinava que, afinal, ele tinha que ter saído com sua mãe antes de casar-se e que aquilo não podia ser mau, não?

À medida que o tempo passava, seu pai foi se fazendo cada vez mais irracional; até o ponto de que tinha discutido com os paroquianos na igreja e tinha decidido deixar de ir, proibindo a Kirsten e a Mabel que o fizessem também.

Kirsten adorava a música e um dos poucos prazeres que tinha na vida era escutar o rádio, mas seu pai o tinha quebrado quando Mabel se queixou de que a garota passava muito tempo escutando-o e demorava muito em preparar o café da manhã.

Kirsten ainda recordava a cara de horror de sua madrasta ao ver a irada reação de seu marido.

Aquela tarde, depois do almoço, outra companheira lhe deu uma revista que ela já tinha terminado de ler e Kirsten a aceitou com a cabeça baixa.

Enquanto se ia, escutou como suas companheiras comentavam que era uma pena a maneira como seu pai a tinha educado e, as palavras de um texto da revista que lhe tinha dado era: «a essa pobre garota dá medo até sua própria sombra».

«Não é verdade», disse-se Kirsten enquanto pedalava rumo a casa.

Não tinha tanto medo, mas tampouco estava tão louca para procurar uma confrontação aberta com seu pai antes de dispor dos meios necessários para ir embora.

A beleza daquele dia de princípios do verão logo apaziguou seu ânimo e a encheu de vitalidade.

Era sexta-feira, seu dia favorito da semana porque terminava de trabalhar cedo e estava acostumado a ter a casa inteira para ela durante a tarde porque seu pai e Mabel estavam fazendo a compra semanal.

Kirsten decidiu passear com o cachorro e ler a revista e, meia hora depois, saía da casa de seu pai e atravessava a pradaria verde em direção ao bosque. Uma vez ali, entre as árvores, tirou os sapatos, desabotoou um par de botões da blusa e soltou o cabelo para deitar um pouco ao sol.

Squeak, um cãozinho manco que Kirsten adorava, deitou-se exausto a seu lado e não a advertiu do ruído de um motor que se aproximava, pois fazia tempo que tinha perdido a audição.

Kirsten começou a devorar a revista e logo esteve completamente imersa no mundo das celebridades, da moda e da fofoca.

De repente, o ensurdecedor ruído de uma moto a tirou de sua leitura e, ao girar a cabeça, comprovou com horror que iam atropelar o Squeak.

Rapidamente, ficou em pé e conseguiu tirar o cão de debaixo das rodas da motocicleta, cujo condutor perdeu o equilíbrio ante a repentina freada e caiu no chão.

Kirsten afogou um grito de horror, mas logo comprovou que ao condutor não tinha acontecido nada, pois ficava em pé tão tranqüilo.

― O que você faz aqui? ― gritou ao ver que o homem se aproximava dela.

Shahir estava furioso por ter encontrado uma mulher sentada na metade do caminho, como se estivesse esperando que alguém a levasse pela frente.

E, para cúmulo, estava lhe gritando.

Ninguém tinha gritado com ele jamais.

Entretanto, a beleza daquela mulher nublou seu aborrecimento. Luzia uma impressionante juba loira que lhe chegava à cintura e tinha alguns maravilhosos olhos verdes que pareciam esmeraldas.

Shahir se sentiu atraído por sua beleza.

― Como se atreve a entrar nesta propriedade? É um delito ― insistiu Kirsten.

― Asseguro-lhe que não sou nenhum delinqüente ― respondeu o motociclista ainda de capacete.

― Ah, não? E o que é a pessoa que entra em uma propriedade que não é dela? ― respondeu Kirsten zangada porque ainda não lhe tinha pedido perdão pelo incidente. ― Não se deu você conta de que vinha muito rápido?

― Sei perfeitamente a velocidade que eu vinha ― respondeu Shahir.

Kirsten se deu conta de que aquele homem não falava como um vândalo, embora se comportasse como um deles. Era impossível não perceber seu sotaque inglês de classe alta, mas a Kirsten deu igual.

Estava se comportando errado e isso era a única coisa que importava, assim levantou o queixo e o olhou em atitude desafiante.

― Deu-nos um susto de morte a meu cão e a mim! ― exclamou deixando Squeak no chão.

Squeak se aproximou de Shahir, moveu o rabo, fez-se um novelo a seu lado e descansou ao sol.

― Pelo menos, ele não grita ― comentou Shahir.

― Eu não estou gritando ― defendeu-se Kirsten. ― A única coisa que quero que compreenda é que poderia tê-lo matado ou ter morrido!

Shahir levantou a viseira do capacete e Kirsten ficou estática.

A primeira coisa que lhe passou pela cabeça ao ver seus olhos foi a imagem de um falcão dos que tinham no castelo. Aquele homem possuía um olhar penetrante e duro, mas também um espetacular brilho dourado nos olhos e uns cílios muito negros.

Kirsten sentiu que o coração lhe dava um salto e começava a pulsar rapidamente.

― Não seja exagerada ― uivou Shahir.

― Você vinha muito depressa... ― insistiu Kirsten.

Shahir não pôde evitar ficar olhando o reflexo do cabelo daquela mulher sob o resplendor do sol e pela primeira vez em sua vida esqueceu do que ia dizer.

― De verdade? ― perguntou tirando o capacete e revirando o cabelo.

Kirsten sentiu que a boca secava.

Aquele homem era tão incrivelmente bonito, que não pôde evitar ficar olhando-o fixamente.

Tinha um rosto impossível de esquecer, uma estrutura óssea fantástica com umas maravilhosas e altas maçãs do rosto, um nariz forte e masculino e sobrancelhas escuras. Sua compleição morena e seu cabelo escuro sugeriam alguns ancestrais de outras terras.

Aquele homem a seduziu rapidamente e Kirsten sentiu que enjoava como se tivesse estado dando voltas sobre si mesma e, de repente, sentiu na pélvis algo que jamais havia sentido antes.

― Como? ― murmurou confusa.

Shahir sorriu e Kirsten se sentiu enfeitiçada por aquele sorriso.

― É verdade que dirijo muito depressa, mas lhe asseguro que sou muito bom motorista ― apontou Shahir.

― Mas a essa velocidade é impossível ver o caminho ― insistiu Kirsten.

― Certamente, o que ninguém espera nem a essa velocidade nem a nenhuma outra é encontrar-se com uma garota e um cão sentados na metade do caminho.

― De qualquer maneira, isto é propriedade particular...

― Eu sei e sei perfeitamente que não há gado solto por aqui porque esta terra é minha ― respondeu Shahir.

― Não, esta terra não é sua. Por acaso eu vivo ali, descendo a colina, e sei perfeitamente a quem pertence esta terra, assim você não pode me enganar ― sorriu Kirsten.

Shahir se deu conta de que aquela mulher não o tinha reconhecido.

― Então não é a primeira vez que entra nestas terras, não é? ― comentou Kirsten recordando os rastros que tinha visto perto de casa de seu pai. ― Para que saiba, você estragou o caminho da colina.

― Asseguro-lhe que eu não fui ― respondeu Shahir ofendido.

― Ah, não? Quantos motoristas como você há por aqui?

― Senhorita, agradeceria-lhe que, tendo em conta que não tem você prova, não me acuse de algo que eu não tenho feito ― defendeu-se Shahir. ― É uma grande ofensa ― acrescentou em tom frio e distante.

Kirsten empalideceu.

― A mim o que me parece uma grande ofensa é que você ainda não tenha me pedido desculpa por ter me dado o maior susto de minha vida ― respondeu ofendida.

Shahir se ruborizou, pois sempre se teve por um homem extremamente cortês.

― É óbvio, lhe peço desculpas por assustá-la.

― Bom, eu também lhe peço desculpas por ter dito que tinha sido você o que tinha entrado nas terras de meu pai com a motocicleta e as tinha estragado ― respondeu Kirsten.

― Você estava lendo? ― perguntou Shahir recolhendo a revista de Kirsten do chão.

― Sim, obrigada ― respondeu Kirsten aceitando-a e ruborizando ao ver que Shahir a olhava intensamente.

Shahir teve que fazer um grande esforço para controlar seu desejo, pois os lábios daquela mulher e seus preciosos e firmes seios lhe faziam desejá-la com tanta intensidade, que estava atônito.

― Terá acontecido algo à moto? ― perguntou Kirsten, nervosa, pois tinha se dado conta de que entre eles se instalou uma estranha tensão cuja origem não chegou a vislumbrar.

― Não acredito ― respondeu Shahir.

Tinha conseguido controlar-se, sim, mas estava zangado consigo mesmo porque não entendia como se sentia atraído por aquela mulher. Por mais bonita que fosse, ele estava acostumado a mulheres incrivelmente belas, assim não era aquela a razão.

― Você vai muito longe? ― quis saber Kirsten.

Em outra circunstância, jamais teria se atrevido a perguntar algo assim a um desconhecido, mas a verdade era que sabia que aquele homem partiria e não queria que se fosse.

― Não, vou ao castelo ― respondeu Shahir, levantando a motocicleta do chão.

Poderia lhe ter dito quem era, mas decidiu que não havia motivo para fazê-la passar tal vergonha porque o mais provável era que jamais voltassem a se ver.

Kirsten supôs que o motociclista estava passando uma temporada como convidado no castelo no qual ela trabalhava e rezou para que não desse um mau relatório dela a ninguém, porque, se fosse assim, perderia o trabalho e seu pai se zangaria.

Shahir pôs o capacete, pôs a motocicleta em marcha, montou e se afastou sem sequer olhá-la, mas pensando nela, em seus maravilhosos olhos verdes e em que parecia assustada e infeliz, o que o levou a se perguntar que tipo de vida levaria com aquele pai fanático do que lhe tinha falado o encarregado do castelo.

De repente, se encontrou se perguntando se Kirsten Ross estaria disposta a converter-se em sua amante.

Shahir se enfureceu consigo mesmo por semelhante pensamento, pois ter uma amante implicava uma relação e ele preferia saltar de cama em cama sem se comprometer com nenhuma mulher.

Não estava disposto a perder sua liberdade por ninguém e, além disso, Kirsten Ross era uma empregada.

Que demônios lhe estava acontecendo?

Em menos de vinte e quatro horas, lhe tinha passado pela cabeça que tinha que encontrar uma esposa e agora estava pensando em ter uma amante!

Depois de fazer um buraco sob as árvores e enterrar a revista, Kirsten correu para casa seguida de perto pelo Squeak.

Ao chegar, entrou pela porta de trás e, para sua desgraça, encontrou-se com seu pai.

― Não sabia que iam voltar tão cedo... Ocorreu algo? ― perguntou nervosa ao perceber a tensão no ambiente.

― A mãe de Mabel está doente ela vai passar a noite com ela ― respondeu Angus Ross. ― Onde esteve?

― Saí para dar um passeio ― respondeu Kirsten. ― Perdão...

― Se eu tivesse estado em casa, não teria estado vadiando por aí. O que esteve fazendo?

Kirsten ficou estática.

― Nada.

― Espero que seja assim ― grunhiu seu pai aproximando-se dela e agarrando-a pelo braço com força. ― Me prepare o jantar agora mesmo. Depois do jantar, leremos a Bíblia e rezaremos para que não volte a cair no pecado da vadiagem ― acrescentou saindo da cozinha.

Uma vez a sós, Kirsten se esfregou o braço com o cenho franzido e se disse que não devia preocupar-se, já que seu pai tinha mau gênio, mas jamais lhe tinha levantado a mão.

Entretanto, tinha a penosa suspeita de que aquilo estava a ponto de mudar.

 

Quatro dias depois, Shahir se levantou da cama às três da madrugada e entrou em seu luxuoso banheiro para dar-se outra ducha de água fria.

Sentia-se como se o tivessem enfeitiçado e, enquanto a água escorregava por seu forte e musculoso corpo, gritou enfurecido.

Nenhuma mulher o tinha perturbado o sono antes.

Havia algo em Kirsten Ross que tinha desatado sua imaginação até cotas de criatividade erótica insuperáveis.

A idéia de que se convertesse em sua amante o tinha obcecado e o fazia ter fantasias sexuais das que não se podia liberar.

Inclusive dormindo, seu cérebro revisava uma e outra vez o breve encontro que eles tiveram e o transformava até convertê-lo em um encontro apaixonado e selvagem mais do gosto sexual masculino.

Não poder controlar sua mente o enfurecia.

Shahir apoiou a testa nos ladrilhos de mármore e pensou em Faria, algo que não se permitia muito freqüentemente porque não era homem de pensar no que não podia ser.

Lembrou de Faria, mulher de belos olhos escuros e grande coração, aquela mulher com a que jamais poderia se casar porque, apesar de que não serem parentes de sangue, a mãe de Faria o tinha amamentado durante um período de tempo e sua religião proibia o casamento entre irmãos de leite.

Shahir não tinha sabido o que era o amor até o dia em que durante um casamento interminável tinha visto uma linda garota de cabelos castanhos que brincava com os meninos e os fazia truques de magia.

Faria tinha se convertido em uma mulher enquanto ele estava trabalhando no estrangeiro e se formou como professora.

No princípio, nem sequer a tinha reconhecido, pois a última vez que se viram era somente uma menina.

Então, deu-se conta de que queria casar-se com ela e nesse mesmo instante tinham começado suas tribulações e seus sofrimentos.

Agora, acontecia-lhe o mesmo.

Embora não se atrevesse a comparar o desejo luxurioso que sentia por Kirsten Ross com o sincero amor que o atraía para Faria, a verdade era que voltava a ver-se apanhado por uma mulher a quem não podia ter.

Shahir repensou e se disse que, talvez, aquele mal que o afligia vinha dado por muito tempo de abstenção sexual e decidiu que aquilo somente o podia curar uma mulher aberta e decidida.

E sabia exatamente a quem recorrer.

Lady Pamela Anstruther, a proprietária da propriedade vizinha, uma viúva de gostos muito caros, mas que não tinha ficado muito bem economicamente e que nunca tinha escondido que estava interessada nele.

No descanso da manhã, Jeanie olhou Kirsten e franziu o cenho.

― Aconteceu algo? Tem olheiras, como se não tivesse dormido bem.

― Estou bem... ― murmurou Kirsten.

A verdade era que levava várias noites sem poder conciliar o sono, incapaz de deixar de pensar no misterioso motorista da motocicleta e, quando se colocava na cama e fechava os olhos, ele voltava a protagonizar seus sonhos, cujo conteúdo Kirsten jamais atreveria a compartilhar com ninguém.

― Algum problema em casa? ― insistiu Jeanie.

― Não ― respondeu Kirsten. ― Um outro dia tropecei com um motociclista, na sexta-feira pela tarde... Acredito que está hospedado no castelo... ― acrescentou mordendo o lábio inferior.

― Por aqui sempre há um montão de caras novas e por acaso veio um escritor para documentar sobre a história do castelo e um passarinho me disse que chegou de moto ― respondeu Jeanie. ― Entretanto, não acredito que seja seu príncipe azul porque é bem mais velho.

― Não, o homem do que eu te falo não é velho ― disse Kirsten. ― Era jovem e parecia de outro país...

― Ah... Esse! ― exclamou Jeanie. ― É o pedreiro polonês que está encarregando do novo estábulo. É alto, moreno, de pele bronzeada e muito bonito?

Kirsten assentiu quatro vezes como uma marionete.

― O vi na cidade no sábado à noite. Certamente, jovenzinha, tem bom gosto.

Kirsten avermelhou dos pés a cabeça.

― Sabe se é casado? ― conseguiu perguntar.

― Não, não é casado ― riu Jeanie. ― Agora entendo por que está nas nuvens. Falou com ele? Foi uma flechada?

― Jeanie! Eu simplesmente estava dando um passeio, nos encontramos e nos falamos durante um minuto. Era só curiosidade.

― Já sei, só curiosidade, claro... ― sorriu Jeanie, ― Bonita como é, não vai ter nenhum problema em conseguir um encontro com ele. Outra coisa será que a seu pai pareça bem.

― Não vou ter nenhum problema com meu pai porque não quero sair com ele ― assegurou-lhe Kirsten. ― Por favor, não vá por aí falando disto. Se meu pai se inteira, me mata.

― Kirsten, não se preocupe, ninguém por aqui te faria a tarefa de ir com uma fofoca assim a seu pai. Depois da briga que teve na igreja, todo mundo tem medo dele.

Kirsten baixou a cabeça envergonhada.

Naquele momento, a chefe de pessoal veio procurá-la para lhe perguntar se podia cobrir o turno de uma companheira que se havia ficado doente e Kirsten aceitou encantada, pois isso significava mais dinheiro e menos horas em casa.

Agradecida, ficou a lustrar os chãos daquela parte do castelo que não conhecia e da que normalmente se encarregava sua companheira.

Então era polonês? Um pedreiro da Polônia. Então, o acento britânico de classe alta deviam ter sido imaginação dela.

Naquele instante, deu-lhe vontade de saber absolutamente tudo sobre a Polônia, mas, por que se preocupava tanto com um homem que não ia voltar a ver? Ele trabalhava fora e ela, dentro. O castelo era imenso e havia muitas pessoas trabalhando nele, assim era virtualmente impossível encontrarem-se por acaso.

A não ser, claro, que ele a procurasse. E por que ele iria fazer isso quando tinha gritado com ele? Se fosse como Jeanie, seria ela quem iria procurá-lo. Menos mal que não se parecesse com sua amiga. Claro que a idéia de não voltar a vê-lo a fazia sentir-se vazia e triste.

De repente, a máquina deixou de funcionar e, ao virar-se, Kirsten se encontrou com um jovem vestido de terno e gravata.

― Senhorita, por favor, estamos em uma reunião muito importante e essa máquina faz um ruído espantoso... Importaria-se de ir limpar em outro lugar? ― disse-lhe em tom furioso.

― Agora mesmo senhor ― murmurou Kirsten.

― Que seja a última vez que fala assim com um de meus empregados ― murmurou outro homem em tom glacial.

― Sinto muito, alteza ― desculpou-se o primeiro ruborizando dos pés a cabeça.

Ao ver o segundo homem, Kirsten ficou sem ar nos pulmões, pois era o homem da moto.

O homem que tinha conhecido na colina era o príncipe Shahir? Não, não podia ser. Era verdade que lhe havia dito que aquelas terras eram deles, mas Kirsten tinha acreditado que ele estava lhe tirando o sarro.

Rapidamente, recolheu o cabo da máquina e tentou sair dali a toda velocidade, mas estava nervosa e suas palmas das mãos suavam, o que entorpecia seus movimentos.

― Deixe que a ajude com isso...

― Não! ― exclamou Kirsten horrorizada ao virar a cabeça e encontrar-se com o Shahir muito perto dela. ― Perdão... ― acrescentou afastando-se pelo corredor por volta da primeira porta aberta que viu.

Shahir duvidou um segundo, franziu o cenho aborrecido e surpreso ante o comportamento da jovem e foi até ela.

― Kirsten...

― Supõe-se que não deve falar comigo! ― exclamou Kirsten com a respiração entrecortada.

― Não diga tolices.

― Não são tolices! O que quer de mim? Quer que lhe peça perdão? Muito bem, pois o peço. Perdão por ter gritado por dirigir sua motocicleta como um louco. Perdão por interromper sua importante reunião... Já está... Não é... majestade ― disse Kirsten abrindo a porta e perdendo-se dentro do novo cômodo.

Shahir se apressou a segui-la.

― Não se mova! ― murmurou. ― Deve me dar atenção enquanto falo com você.

― Isso vai contra as normas! ― defendeu-se Kirsten.

― Que normas? ― riu Shahir.

― As normas do castelo. Supõe-se que o pessoal do serviço deve desaparecer quando você aparece...

― Não quando eu quero falar com um deles ― interrompeu-a Shahir.

― Você vai me colocar em uma boa confusão... Ninguém sabe que nos conhecemos no outro dia e eu não quero que se inteirem.

― Não há problema ― respondeu Shahir abrindo uma porta que havia a sua direita. ― Falaremos aqui.

Kirsten respirou fundo e entrou em uma sala de reuniões elegantemente mobiliada.

― Por que quer falar comigo?

Shahir pensou que jamais tinha ouvido uma pergunta tão estranha. Era óbvio que qualquer homem gostaria de falar com aquela beleza de pele cremosa cor marfim e perfil de uma elegância e perfeição maravilhosas.

A falta de vaidade e a ingenuidade daquela mulher o surpreenderam sobremaneira. Estava acostumado que todas as mulheres se interessassem por ele, algumas, de forma direta, outras, de uma maneira mais sutil. Se ele mostrava o mínimo interesse por alguma garota, desfaziam-se em elogios e ficavam a seus pés.

― Por que não contou a ninguém que nos conhecemos?

Kirsten fixou o olhar nos preciosos sapatos de Shahir.

― Porque se supunha que não teria que ter estado aquela tarde na colina.

― Mas como?

Kirsten não sabia o que responder. Não queria admitir que seu pai a tinha completamente controlada, mas a alternativa de mentir se fazia insuportável porque não estava acostumada a fazê-lo.

― Lhe fiz uma pergunta ― insistiu Shahir.

Kirsten levantou a cabeça.

― Não teria que ter estado aquela tarde na colina porque meu pai não gosta que saia sem sua permissão. Além disso, estava lendo uma revista e ele me proibiu de ler isso.

― Perdão, não deveria ter insistido ― desculpou-se Shahir ao compreender que a tinha envergonhado. ― Sentia curiosidade.

Kirsten tragou engoliu em seco.

― Eu também sentia curiosidade...

Shahir ficou estático ante a sincera admissão, pois não estava acostumado a que o tratassem assim e logo compreendeu que tinha sido sua culpa por ter começado a tratar de assuntos pessoais.

Apressou-se a recordar que aquela garota trabalhava para ele e que estavam a sós em um cômodo porque era sua empregada e confiava nele, assim não devia aproveitar-se da situação.

Dava na mesma se a atração entre eles fosse mútua.

Kirsten não podia deixar de olhá-lo nos olhos.

― O outro dia, disse-me que alguém tinha entrado de moto nas terras de seu pai e as tinha estragado. Fiz que investigassem o caso e, efetivamente, um empregado do castelo foi o culpado. Ele já foi alertado e a situação não voltará a se repetir. Nos poremos em contato com seu pai para informá-lo do ocorrido e para deixar-lhe bem claro que eu corro com os gastos do estrago.

― Ah... ― contestou Kirsten com o pensamento em outro mundo.

― O que acabo de lhe dizer? ― perguntou Shahir, dando-se conta de que Kirsten não o tinha escutado.

― Algo dos campos de meu pai... ― respondeu Kirsten.

― Não estava escutando ― murmurou Shahir, satisfeito.

Adorava que Kirsten não pudesse concentrar-se estando tão perto dele. Adorava que tivesse a respiração entrecortada e os mamilos endurecidos.

Shahir se sentiu como um pirata que poderia tê-la tomado entre seus braços, tê-la deitado na mesa e tê-la possuído de maneira tão deliciosa e prazerosa, que Kirsten teria se convertido voluntariamente em sua escrava.

O sorriso de Shahir cativou Kirsten e se perguntou o que sentiria se a beijasse.

Então, de repente, deu-se conta do que estava pensando e baixou a cabeça envergonhada, sentindo-se como uma prostituta.

― Tenho que voltar para o trabalho ― murmurou ela.

― Não é isso o que gostaria de fazer.

― Não... ― admitiu Kirsten.

― No que estava pensando? ― quis saber ele.

Kirsten se estremeceu.

― Venha, diga-me e não minta para mim.

― Estava-me perguntando o que eu sentiria se me beijasse...

Shahir murmurou algo em árabe e se aproximou dela, segurou-a pelos antebraços. Sentia o sangue pulsando-lhe nas têmporas e não podia parar para escutar a vozinha dentro de sua cabeça que lhe advertia que não devia fazê-lo.

― Deixa que lhe demonstre isso...

Ato seguido, Kirsten sentiu aqueles maravilhosos lábios na boca. O beijo de Shahir foi firme e apaixonado, mas não o suficiente para satisfazer o incrível desejo que Kirsten sentia no mais profundo de seu ser.

Kirsten ficou na ponta dos pés e lhe passou os braços pelo pescoço, lhe acariciando o cabelo. Sentia como se estivessem dentro de uma tormenta, como se o mundo girasse a toda velocidade ao redor deles.

A excitação tomou por completo seu corpo e agora a única coisa que importava era a potente sensação de ter Shahir tão perto, colado a sua pele, sentir seus braços, suas mãos e sua língua.

Kirsten estava tão entregue no que estava fazendo, que quando alguém falou em árabe pelo interfone não pôde evitar dar um pulo assustada.

― Quem é esse? O que disse? ― perguntou.

― É meu secretário pessoal e me informa que uma pessoa veio me ver ― respondeu Shahir.

Fez-se o silêncio entre eles.

Kirsten não se atrevia a olhá-lo e, de repente, abriu a porta que tinha perto e saiu correndo como a alma que é levada ao diabo.

Shahir teria gostado de correr atrás dela e desculpar-se, mas o estavam esperando e era óbvio que Kirsten estava desgostada, assim seria uma loucura arriscar-se a que se produzisse uma cena que unicamente faria atrair a atenção sobre ela e aumentar sua vergonha.

Que demônios, tinha se passado com ele? Não entendia como tinha podido perder o controle daquela maneira e estava furioso por isso. Tinha sido como se sua libido se tivesse extravasado e ele não tivesse podido fazer absolutamente nada para submetê-la.

Kirsten se olhou no espelho e comprovou que havia um brilho de culpa e de surpresa em seus olhos, que tinha os lábios avermelhados e que sentia o corpo mais escuro e volumoso que nunca.

A culpa e a vergonha se apoderaram dela. Como tinha se atrevido a dizer ao príncipe Shahir que estava se perguntando o que sentiria se a beijasse? Comportou-se como uma vadia!

Tentou concentrar-se no trabalho, mas não podia esquecer como tinha respondido ao beijo do Shahir. Jamais a tinha ocorrido que um homem pudesse fazê-la reagir daquela maneira, pudesse fazê-la estremecer de paixão, uma paixão que nem sequer era consciente de possuir até aquela tarde.

Não conhecia o príncipe absolutamente de nada e, entretanto, não tinha duvidado em entregar-se a ele.

Parecia-lhe tão irresistível que teria permitido que lhe fizesse algo e o que a fazia sentir-se pior, era que tinha sido ele quem tinha deixado de beijá-la ao ouvir seu secretário pelo interfone!

Aquela tarde, ao sair do trabalho, Kirsten estava montando na bicicleta quando percebeu que um homem a olhava fixamente de um conversível.

― Olá, sou Bruno Judd, fotógrafo de moda ― disse-lhe a distância. ― Você é consciente do incrivelmente linda que é? Se fosse também fotogênica, poderia ser uma das melhores modelos do mundo, sabe? ― acrescentou aproximando-se. ― Parece-lhe bem que fiquemos para lhe fazer uma sessão de fotografias?

― Não, obrigada ― respondeu Kirsten.

― Mas não ouviu o que eu disse?

― Me deixe em paz ― disse Kirsten afastando-se pedalando a toda velocidade.

 

― Quero que averigüe onde está trabalhando Kirsten Ross porque quero falar com ela em particular. Com a máxima discrição ― disse Shahir a seu secretário particular, que com muita dificuldade conseguiu dissimular sua surpresa.

Uma vez a sós, Shahir ficou olhando as rosas vermelhas que havia no canteiro situado junto à janela. Continuando, acariciou delicadamente uma das pétalas e pensou nos lábios de Kirsten.

Aquilo o fez amaldiçoar, pois, embora a paixão daquela mulher o tivesse surpreendido, não devia permitir que seus pensamentos voltassem outra vez para ela.

Ao final de alguns minutos, bateram na porta e entrou lady Pamela, com quem tinha ficado para fazer a lista da próxima festa que ia fazer no castelo e que ela, como em outras ocasiões, ia organizar.

Ao vê-lo, lady Pamela sorriu encantada e Shahir lhe devolveu o sorriso, mas não era um sorriso de cumplicidade como outras vezes porque agora o certo era que aquela mulher se fazia muito óbvia comparada com o Kirsten e não o atraía.

Kirsten estava limpando as janelas da galeria e, como de costume, ficou olhando o piano de cauda que havia naquela estadia e se perguntou se ainda seria capaz de tocar.

Fazia muitos anos que não o fazia e, em todo caso, não se atrevia a tocar uma peça tão antiga sem permissão.

Sua mãe tinha sido professora de música antes de casar-se e se encarregou de que sua filha fosse uma maravilhosa pianista.

Kirsten tinha chegado inclusive a substituir com assiduidade o organista na igreja, mas quando as pessoas tinham começado a comentar como tocava bem, seu pai tinha decidido que a música era uma frivolidade, tinha vendido o piano e a tinha proibido de voltar a tocar.

Aquilo tinha partido o coração de sua mãe e foi então, aquele mesmo dia, quando Kirsten jurou que algum dia teria um piano próprio que poderia tocar tantas horas ao dia como lhe desse a vontade.

Naquele momento, apareceu um homem e lhe pediu que passasse a outra sala para limpar o chão onde tinham derramado algo. Kirsten assentiu, agarrou um pano e rezou para que não tivessem manchado um dos valiosos tapetes do castelo.

Felizmente, só tinham derramado um pouco de leite sobre o chão de madeira e Kirsten não demorou nada em limpá-lo.

Quando se incorporou, o homem tinha desaparecido e Kirsten se encontrou em um lindo salão cheio de flores.

Quando se preparava para se retirar, outra porta abriu e Shahir apareceu. Kirsten não pôde nem se mover do lugar. Estava tão bonito, que não pôde evitar ficar olhando-o fixamente.

― Espero que me perdoe por ter planejado este encontro.

― Você planejou esse encontro? ― surpreendeu-se Kirsten.

― Sim, queria falar com você a sós. Queria ver você, queria pedir perdão pela forma como me comportei no outro dia. O que fiz foi inapropriado, um equívoco da minha parte.

Kirsten o olhou com a boca aberta.

― Mas eu...

― Você não teve absolutamente nenhuma culpa.

Kirsten ficou gratamente surpresa ao comprovar que Shahir não se deixou levar pelo orgulho, mas, longe disso, tinha querido vê-la para lhe pedir perdão. Certamente, qualquer outro homem em sua posição, não se teria tomado a atitude de fazer isso por uma empregada.

― Eu também tive minha parte de culpa ― insistiu Kirsten.

― Não, você é muito jovem e a inocência não é nenhuma culpa — murmurou Shahir com amabilidade.

Kirsten o olhou nos olhos e Shahir recordou a tarde em que se conheceram, aquele momento em que se fixou em seu cabelo dourado e seus olhos como esmeraldas e se disse que devia comportar-se como um homem adulto e não como um adolescente que não pode deixar de pensar na garota que gostava.

― Eu...

― Suponho que não quer que as pessoas se inteirem de que esteve a sós comigo, assim não é inteligente que fiquemos muito tempo conversando ― interrompeu-a Shahir.

Kirsten baixou a cabeça envergonhada.

― Eu não gosto que faça trabalhos tão duros porque não parece muito forte ― comentou Shahir.

― Asseguro-lhe que sou forte como um cavalo ― riu Kirsten. ― Embora não seja muito bonito dizê-lo...

Shahir ficou olhando-a alguns segundos, até que pôde reagir e tirar do bolso um cartão de visita.

― Se alguma vez precisar de ajuda, não duvide em me chamar neste número.

Kirsten teve que fazer um grande esforço para disfarçar sua surpresa porque Shahir não estava flertando com ela e ela morria para que o fizesse.

Engolindo em seco, aceitou o cartão, o guardou e voltou para seu trabalho.

Naquela mesma semana, voltava para casa uma tarde de bicicleta quando sua roda traseira travou.

O pior era que não tinha nada para arrumá-la e estava chovendo.

Apesar de ter tentado rebocar a bicicleta a toda velocidade, logo se encontrou molhada até os ossos, assim, quando um grande carro parou ao seu lado, assustou-se porque não o tinha visto.

― Olá, eu a levo para casa ― disse Shahir baixando o vidro do carro.

Kirsten teria gostado de negar-se, mas foi completamente impossível porque o motorista, seguindo as instruções do Shahir, estava colocando a bicicleta no porta-malas.

― De verdade... Não precisava ter parado. Poderia ter ido andando perfeitamente... Estou ensopada e vou molhar o carro... ― balbuciou Kirsten entrando na limusine.

Entretanto, ao perceber que Shahir não viajava sozinho, calou imediatamente e se ruborizou dos pés a cabeça.

― Pamela Anstruther ― apresentou-se a elegante mulher que ia sentada junto a ele. ― Com quem tenho o gosto de falar?

― Kirsten Ross ― respondeu Kirsten timidamente.

Sabia perfeitamente quem era aquela mulher, sabia perfeitamente que sua família tinha construído o castelo de Strathcraig e tinha vivido nele durante alguns duzentos anos, mas que desgraçadamente o pai de Pamela se viu forçado a vender a propriedade para pagar suas dívidas, o que tinha provocado que fossem viver em Londres quando ela era menina.

― Está ensopada ― interveio Shahir. ― Pegue ― acrescentou lhe entregando um lenço branco.

Kirsten afastou uma mecha de cabelo molhado da face e secou o rosto com o lenço. Enquanto o fazia, olhou Shahir e, quando seus olhares se encontraram, sentiu que lhe acelerava o coração.

― Obrigada.

― De nada ― murmurou Shahir educadamente.

Kirsten sorriu encantada e Pamela pigarreou, o que a fez deixar de olhar para Shahir. Ao dar-se conta de que a outra mulher a tinha visto olhando-o, envergonhou-se e baixou a cabeça.

― O príncipe Shahir me disse que trabalha como faxineira no castelo ― remarcou lady Pamela. ― Parece uma jovem muito capaz. Não acha que poderia ter outro tipo de trabalho?

― Sim, assim espero, algum dia... Este é meu primeiro trabalho ― respondeu Kirsten olhando pela janela.

Não queria que a levassem até a porta de sua casa porque não queria nem imaginar como ficaria seu pai se inteirasse de que tinha aceitado que alguém a levasse de carro.

― Me acaba de ocorrer uma ótima idéia! ― exclamou lady Pamela, ― por que não me ajuda a organizar a festa que vamos dar no castelo?

― Eu? ― exclamou Kirsten surpresa.

― Por que não? Poderia-me ajudar a dar alguns recados e a escrever os convites à mão.

― Eu adoraria ― respondeu Kirsten encantada ante a idéia de fazer outra coisa que não fosse limpar.

Lady Pamela sorriu.

― Eu adoro ajudar o príncipe a organizar suas recepções, mas é muito trabalhoso para uma pessoa sozinha, assim que me será de grande ajuda.

― Não sei se a minha chefe de limpeza gostará disso ― comentou Kirsten mordendo o lábio.

Continuando, para seu horror, deu-se conta de que tinham chegado a sua casa e de que seu pai os olhava com desprezo da porta.

Shahir, que não havia dito nada enquanto as duas mulheres falavam, estava olhando-o com os olhos entrecerrados e os dentes apertados, notando que Angus Ross parecia furioso.

Kirsten desceu do carro seguida de perto pelo Shahir, que disse ao motorista que tirasse a bicicleta do porta-malas. Enquanto o homem assim o fazia, Shahir se apresentou e explicou ao pai de Kirsten o que tinha acontecido, o que Angus Ross pareceu aceitar.

― Então agora essa vadia trabalha para o príncipe, não é? ― comentou uma vez a sós com sua filha e com sua mulher. ― Obviamente, quer meter-se na sua cama para recuperar o castelo que pertenceu a sua família, mas não tem nada que fazer porque estou certo que o príncipe sabe que é uma vadia que só procura seu dinheiro.

― Pelo que me disseram, não é fácil enganá-lo ― interveio Mabel. ― Todo mundo sabe que, antes de ficar viúva, lady Pamela se deitava com quem lhe dava a vontade. Obviamente, por isso sir Robert lhe deixou tão pouco dinheiro quando morreu.

Kirsten olhou o seu cão com tristeza, desejando que seu pai e sua mulher fossem mais compassivos com os outros.

Viviam em um povoado pequeno onde não havia segredos e ela também conhecia a história da aristocrata.

Lady Pamela se casou fazia já mais de dez anos com sir Robert Anstruther, um próspero homem de negócios que tinha o dobro de sua idade. Uma vez convertidos em marido e mulher, tinham decidido voltar para as terras que antigamente foram propriedade da família dela e logo tinham começado os falatórios.

Sir Robert tinha naquele lugar um pavilhão de caça que não estava acostumado a utilizar muito freqüentemente e sua mulher decidiu reformá-lo e utilizá-lo como casa de férias.

Sir Robert passava muito tempo em Londres e sua mulher estava acostumada ir muito para o imóvel com amigos.

Quando seu marido morreu, os rumores se fizeram cada vez piores e as pessoas chegaram a dizer que ele tinha deixado quase todo o dinheiro aos filhos que tinha tido em seu primeiro casamento como vingança por suas contínuas infidelidades.

Apesar de tudo aquilo, Kirsten acreditava que lady Pamela merecia o benefício da dúvida, já que lhe tinha parecido uma mulher encantadora e nenhuma pessoa que falava mal dela tinha provas definitivas de que a aristocrata tivesse sido infiel a seu marido ou de que se casou com ele por dinheiro.

― Não tenho interesse em que fazer fotografias ― proclamou Kirsten impaciente quatro dias depois enquanto cruzava o pátio do castelo.

Jeanie riu ao ver a cara de confusão do Bruno Judd.

― Se você conhecesse o pai do Kirsten, senhor Judd, entenderia por que o diz ― explicou ela ao fotógrafo. ― Se você conhecesse Angus Ross, jamais teria pedido a sua filha que posasse de minissaia! Eu sou sua amiga a muito tempo e jamais vi os seus joelhos, assim não acredito que você vá ter mais sorte que eu.

― A oportunidade que estou lhe oferecendo é incrível. Asseguro-lhe que não há nada ofensivo em minha proposta. O que acontece é que me dá pena que se desperdice uma beleza tão incrível ― respondeu o homem frustrado. ― Eu acredito que Kirsten poderia chegar a ser uma modelo famosa...

― É claro que poderia ser! ― exclamou Jeanie afastando-se com o Kirsten. ― Você acha que ele fala a sério? ― perguntou a sua amiga uma vez a sós.

― Não sei ― respondeu Kirsten encolhendo os ombros. ― Em todo caso, dá-me igual porque quando for daqui penso ir diretamente a universidade e não penso perder o tempo com estúpidos sonhos de fama e passarelas.

― Como está se saindo com lady Esnobe? ― perguntou Jeanie trocando de assunto.

― Não a chame assim ― respondeu Kirsten. ― Comporta-se muito bem comigo.

― Que estranho porque todo mundo diz que é má pessoa.

― Não é verdade.

― Se você o diz... ― respondeu Jeanie, nada convencida.

Kirsten estava há dois dias trabalhando para lady Pamela e estava encantada atendendo ao telefone, deixando mensagens, organizando a mesa cheia de papéis da aristocrata, desfazendo suas malas, engomando suas roupas e arrumando o quarto em que lady Pamela se hospedava quando estava no castelo.

Lady Pamela a tratava como a uma conhecida em lugar de como a uma empregada e Kirsten não podia evitar querer agradá-la.

Shahir franziu o cenho ao ver o Bruno Judd falando com Kirsten no pátio, pois todos sabiam da falta de escrúpulos do velho fotógrafo.

Quando se dispunha a afastar-se da janela, perguntando-se se devia ou não intervir, chamaram para lhe dizer que lady Pamela queria vê-lo em pessoa imediatamente.

― O que aconteceu de tão importante para que não o possamos tratar por telefone? ― perguntou para a aristocrata alguns minutos depois.

― A verdade é que é uma questão um tanto delicada ― respondeu Pamela. ― Desapareceu uma de minhas jóias do meu quarto.

Shahir ficou muito sério.

― Vou chamar à polícia agora mesmo.

― Não, não quero que os empregados se sintam sob suspeita. A verdade é que o broche que desapareceu não valia muito.

― O valor econômico é o de menos. Não penso tolerar que ninguém roube nada em minha casa.

― Espere um pouco antes de chamar à polícia. Ou talvez, não me roubaram e eu simplesmente o perdi. Vou dizer a Kirsten que procure bem por todo o quarto.

― Como você quiser ― respondeu Shahir perguntando-se por que teria ido falar com ele sem ter procurado bem antes. ― Tem já a lista de convidados para a festa?

― Está quase terminada ― respondeu Pamela. ― Por que não toma café hoje comigo?

― Muito bem, nos vemos dentro de meia hora ― respondeu Shahir apesar de que não ter gostado muito.

Quando Pamela lhe contou o que tinha acontecido com o broche, Kirsten se preocupou seriamente porque sabia que, se algo desaparecia, todos eram suspeitos.

― É obvio, começarei a procurá-lo agora mesmo ― disse-lhe.

― Se não se importar, primeiro procure por esta sala e, quando o príncipe chegar para tomar café dentro de meia hora, procure no meu quarto e continue ali ― pediu-lhe lady Pamela. ― Muito obrigada por sua ajuda. Espero que o encontre.

Kirsten estava de quatro procurando o broche pelo chão quando ouviu Shahir chegar e não pôde evitar sentir uma grande emoção.

Por mais que tentasse, não podia deixar de pensar nele.

De repente, ao apalpar com as mãos sobre o tapete, tocou algo que resultou ser o broche.

― Encontrei-o! ― exclamou incorporando-se. ― Ah, perdão ― acrescentou ao ver que Shahir a olhava do salão da suíte de lady Pamela.

― De verdade o encontrou? ― exclamou Pamela encantada. ― Não posso acreditar nisso! Onde estava?

― No chão, junto à cômoda ― respondeu Kirsten.

― É incrível, não sei como não o vi porque estive procurando por toda parte.

― Está acostumado a ocorrer. Parabéns, Kirsten ― interveio Shahir.

Kirsten ficou olhando-o fixamente. Quando seus olhos se encontraram, sentiu que os músculos do ventre lhe contraíam e que o ar não chegava aos pulmões.

― Sim, muito obrigada ― disse Pamela sorrindo encantada. ― Se importaria se falássemos um momento a sós, Kirsten?

Surpresa, Kirsten a seguiu para o corredor.

― Tinha que tirá-la de lá o quanto antes ― disse uma vez a sós ante a confusão do Kirsten. ― Não se deu conta? Foi vergonhoso, ficar olhando o príncipe Shahir. Ficou completamente ridículo diante ele. Não lhe disseram nenhuma vez que não deve ficar olhando um homem como uma estúpida colegial?

Surpresa pelo inesperado ataque, Kirsten baixou o olhar aflito. Entretanto, algo nela a fez rebelar-se, pois acaso não ele ficou olhando-a também? E como não ia ficar olhando encantada ao único homem que a tinha beijado em sua vida?

― Já tinha me dado conta no dia que a levamos para sua casa que está louca por ele, mas procure dissimular porque não acredito que goste que as pessoas riam de você ― acrescentou Pamela com um desprezo que não era próprio dela.

― Eu não tenho absolutamente a sensação de ter feito o ridículo ― defendeu-se Kirsten levantando o queixo.

Diante aquelas palavras, o duro olhar de Pamela se adoçou.

― Me desculpe se lhe disse isso de maneira muito direta, mas me parecia que alguém tinha que adverti-la para o seu próprio bem. Olhe, por que não vai hoje cedo para casa?

Kirsten decidiu não fazê-lo porque algumas de suas companheiras de trabalho já haviam se queixado de sua nova flexibilidade de horários e não queria ter problemas, assim desceu ao porão e decidiu terminar seu turno de limpeza.

Enquanto trabalhava, recordou que Pamela tinha lhe dado uma primeira impressão favorável e se disse que, talvez, tinha sido ingênua ao julgá-la porque parecia óbvio que os rumores eram verdadeiros, que a aristocrata estava interessada no príncipe.

Quando se dispunha a ir para casa, um dos ajudantes pessoais do Shahir foi procurá-la para lhe indicar que o príncipe queria vê-la.

Kirsten o seguiu até uma sala de recepção onde a estava esperando Shahir e se deu conta de que, por uma parte, morria de vontade de vê-lo e, por outra, teria preferido ir para sua casa.

Pulsava-lhe o coração rapidamente e não pôde evitar passear seu olhar pelo maravilhoso rosto e espetacular corpo do príncipe.

Nesse momento, Shahir imaginou àquela beleza de pele de porcelana deitada em sua cama com os cabelos esparramados sobre o travesseiro.

Embora tentasse apagar de sua mente as eróticas imagens, sua anatomia reagiu de forma violenta.

Shahir se apressou em recordar que aquele encontro não ia ser por seu interesse pessoal, mas sim pelo bem de Kirsten.

― Suponho que estará se perguntando por que queria vê-la ― comentou.

― É verdade ― admitiu Kirsten sentindo uma bola de fogo no baixo ventre.

De novo, Shahir tinha mandado chamá-la. De novo, tinha querido vê-la. Aquilo a fez sentir como se estivesse flutuando.

― Vi o Bruno Judd falando com você e me informaram que não é a primeira vez que isto acontece. Estou preocupado.

Aquela explicação tomou Kirsten completamente de surpresa e a fez descer de sua nuvem rosa e ruborizar por ter sido tão ingênua em acreditar que o príncipe tinha querido vê-la por motivos pessoais.

― Bom, pelo visto, ele quer fazer uma sessão fotográfica comigo porque acredita que tenho o que se necessita para me converter em uma modelo — lhe explicou nervosa.

― Farei tudo o que esteja em minha mão para que não volte a incomodá-la ― informou Shahir.

Com que direito assumia aquele homem que ela não estava interessada na proposta do fotógrafo? Em casa, era obrigada a aceitar a tirania de seu pai, mas não estava disposta a consentir que nenhum outro homem tomasse decisões por ela nem lhe dissesse o que devia ou não fazer.

― O senhor Judd não está me incomodando absolutamente ― defendeu-se ― E, em todo caso, se assim fosse, eu mesma lhe diria que não estou interessada em sua proposta.

― Como de fato deve ser ― insistiu Shahir muito seguro de si mesmo. ― Não tem mundo suficiente para sobreviver na passarela. O mundo da moda é desumano, e lhe asseguro que Judd não tem escrúpulos e não duvidaria em deixá-la na estacada quanto lhe conviesse.

― Sei cuidar de mim mesma! ― exclamou Kirsten indignada.

― Não levante a voz para mim ― respondeu Shahir. ― Não seja impertinente.

Kirsten baixou a cabeça aflita, sentindo-se como uma menina bronca e castigada em um canto. Em seu interior, mesclavam-se a vergonha e o ressentimento. Estava zangada com o mundo em geral e o não poder dizê-lo em voz alta e com liberdade a zangava ainda mais.

― A única coisa que quero é protegê-la para que não a explorem ― murmurou Shahir.

― Talvez, eu tenha mais mundo do que parece ― disse Kirsten doída. ― Talvez eu queira arriscar a me converter em modelo!

Ao ver como Shahir a olhava, Kirsten ficou sem fôlego. Era óbvio que a desejava e aquilo fazia que ela reagisse da mesma maneira.

― É obvio, essa decisão é sua e só sua ― respondeu Shahir lhe abrindo a porta para que se fosse.

Kirsten nunca havia se sentido tão rejeitada, mas conseguiu sair com a cabeça erguida. Quando chegou a ala de serviço e viu que alguém tinha deixado ali um exemplar novo da mesma publicação que estava lendo a tarde em que tinha conhecido Shahir, compreendeu que tinha sido ele e que realmente estava preocupado por ela.

Aquilo a tranqüilizou e de muito melhor humor chegou a casa, onde desgraçadamente a estava esperando seu pai muito zangado.

― Esteve aqui o senhor Judd ― disse-lhe assim que Kirsten entrou na cozinha.

Kirsten engoliu em seco.

― Por sua culpa, esse homem veio encher minha casa de lixo e me mostrar fotografias de mulheres meio nuas. Como se atreveu a lhe dizer onde morava e a lhe pedir que convencesse seu pai para que a deixasse ir para Londres com ele?

― Eu não fiz nada disso ― defendeu-se Kirsten sinceramente.

― Está mentindo e não penso consentir isso ― enfureceu-se Angus Ross levantando um punho e golpeando sua filha.

 

Se pudesse, Kirsten não teria ido trabalhar na manhã seguinte, pois tinha a maçã do rosto arroxeado e inchada e estava certa de que alguém ia lhe perguntar o que tinha acontecido.

Também estava certa de que, se não quisesse denunciar o seu pai à polícia, ia ter que mentir.

Se no momento do impacto não tivesse virado a cabeça, o mais certo seria que tivesse também o nariz quebrado.

O fato de que seu pai se atreveu a bater nela uma vez queria dizer, sem nenhuma dúvida, que poderia voltar a fazê-lo.

Kirsten sentiu que lhe formava uma bola de angústia na boca do estômago ao recordar a fúria de seu pai e o pouco que o tinha importado machucá-la, algo que aparentemente não o tinha feito sentir-se absolutamente envergonhado.

Ao ouvir Kirsten gritar, Mabel tinha descido as escadas a toda velocidade e ficou estática ao ver a cena, mas ao final de uma hora já lhe estava jogando a culpa da visita de Bruno Judd e justificando a violência de seu marido.

Kirsten sentia os olhos inchados e doloridos pelas lágrimas que tinha derramado em silêncio a noite anterior porque, embora seu pai nunca tivesse sido um homem de caráter fácil, tampouco nunca tinha se mostrado tão violento.

Obviamente, Jeanie tinha razão em pensar que era impossível que Kirsten conseguisse sair de casa com a aprovação de seu pai e, entretanto, agora mais que nunca precisava sair dali, assim não tinha mais remédio que ir embora em segredo. Para cúmulo, mal tinha dinheiro e a única coisa que lhe ocorria era fazer horas extras.

― Minha mãe, mas, o que aconteceu com o seu rosto? ― perguntou-lhe Pamela Anstruther assim que a viu aparecer.

― Nada, ontem tropecei e cair sobre a borda de uma mesa ― respondeu Kirsten encolhendo-se de ombros. ― Menos mal que não tenha quebrado nada.

― Pois sim, menos mal ― disse a aristocrata olhando-a sem rastro de suspeita. ― Pobrezinha. Hoje só vou precisar de você por uma hora, assim, quando tiver terminado de limpar e de organizar meu quarto, pode se ocupar de seus afazeres normais.

Kirsten se sentiu profundamente decepcionada e ressentida porque, de novo, outro dia em que não lhe fora permitido ajudar a organizar a festa. Era óbvio que a aristocrata tinha preferido tomá-la como empregada pessoal, algo que desagradava profundamente Kirsten.

Shahir ficou olhando a carta que tinha recebido aquela manhã de um primo dele e apertou as mandíbulas. Continuando, riu com amargura, fez uma bola com o papel e o atirou ao cesto de papéis.

Aquilo, certamente, era a cereja do bolo.

Acabava de inteirar-se de que Faria, a única mulher que tinha amado, acabara de se casar com outro homem.

E ele nem sequer sabia que ela estava comprometida!

Devido à recente morte de um parente, o casamento de Faria tinha sido uma reunião pequena e familiar e aconteceu a toda velocidade para que o casal pudesse ir o quanto antes para Londres, onde o noivo trabalhava como cirurgião.

Shahir se disse que, cedo ou tarde, aquilo tinha que acontecer. O fato de estar casada não queria dizer que a tivesse perdido porque, na realidade, jamais a tinha tido.

«Tenho que ser forte», disse-se.

Uma hora depois, chegou Pamela para recolher a lista de convidados que lhe tinha deixado no dia anterior para que desse uma olhada.

― Parece-me que para Kirsten Ross as coisas não vão bem ― comentou com os olhos em branco.

Shahir a olhou arqueando uma sobrancelha.

― Parece ser verdade que Kirsten esteve se vendo às escondidas com o pedreiro polonês e, na verdade, não me surpreende que tenha tentado que ninguém se inteirasse porque tendo o pai que tem... O ruim foi que ele se inteirou de todas formas.

― Já sabe que eu não gosto de fofocas ― interrompeu-a Shahir.

― Isto não é uma fofoca ― sorriu Pamela. ― Sei que se preocupa muito com essa garota, por isso lhe conto. Enfim, para ir ao ponto, acredito que seu pai lhe bateu.

Shahir não se alterou.

― Ela lhe disse isso?

― Não, claro que não. Ela disse o típico de... «tropecei e me machuquei». Enfim, pelo visto a pegou fazendo o que qualquer garota jovem e sã faria com um homem ― riu Pamela. ― É a única explicação que me ocorre e me parece lógico porque, pelo que me contaram, essa garota não tem nenhum tipo de liberdade, o que não é absolutamente normal.

Uma vez a sós, Shahir decidiu falar com a chefe do departamento de limpeza para que a mulher se assegurasse de que Kirsten estava bem.

Não havia necessidade de que ele se envolvesse de maneira direta.

Seria verdade que Kirsten estava com um homem? E a ele que mais lhe interessava? Não a conhecia. Mesmo assim, não gostava da idéia de que Kirsten tivesse estado com outro homem porque a tinha por uma garota inocente.

Teria se confundido? Então, recordou a paixão que Kirsten tinha demonstrado entre seus braços, mas se disse que não se podia julgar por um beijo e que, em todo caso, dava igual a experiência sexual ou carência dela que Kirsten tivesse, porque aquela mulher não era para ele.

Entretanto, Shahir recordou como desde pequeno o tinham educado para interessar-se pessoalmente por qualquer problema que tivessem seus empregados e às pessoas que o rodeava, e se disse que tinha que se ocupar daquele assunto em pessoa, assim ligou o computador e consultou os horários do pessoal de limpeza para localizar Kirsten.

Que curioso que não se precavesse de que até muito pouco tempo nem sequer tinha sabido da existência daqueles horários nem de que se pudessem consultar no computador.

Kirsten estava encerando o chão de madeira na galeria, perguntando-se de que humor encontraria o seu pai aquela tarde quando chegasse em casa e tremendo ante a possibilidade de que se repetisse o episódio do dia anterior.

― Kirsten...

Ao ouvir seu nome, deu um pulo e lhe caiu a escova das mãos. Surpresa, virou-se e se encontrou com Shahir.

Imediatamente, o príncipe se deu conta de que Kirsten estava atemorizada e de que tinha uma bochecha arroxeada.

― O que aconteceu? ― perguntou Shahir avançando até ela em um par de passos. ― Foi seu pai?

A ternura de Shahir desconcertou Kirsten.

― Não... não sei como pôde pensar algo assim ― respondeu nervosa. ― Tropecei e bati o rosto em uma mesa.

Shahir lhe acariciou a face e sentiu que a fúria se apoderava dele ao compreender que a tinham golpeado. Perguntou-se se poderia fazer algo para ajudá-la porque era óbvio que aquela garota tinha uma vida familiar problemática.

― Kirsten, não minta para mim ― pediu-lhe em tom amável.

Ao sentir os dedos de Shahir sobre a pele com tanta suavidade, Kirsten tinha ficado atônita porque até aquele momento não sabia que um homem pudesse ser tão agradável.

― Não estou mentindo ― murmurou.

― Te bateram e não deve aceitar. Ninguém tem o direito a bater em outra pessoa, nem sequer um pai. Devo saber a verdade ― insistiu Shahir. ― Se não confiar em mim, não vou poder te ajudar.

― De qualquer maneira não poderia me ajudar! ― protestou Kirsten em um arrebatamento e sentindo que as lágrimas escorregavam por seu rosto.

― Equivoca-se ― respondeu Shahir fazendo um grande esforço para não tomá-la entre seus braços e consolá-la. ― Não me parece bem que tratemos um assunto tão delicado aqui na galeria, onde qualquer um poderia nos ver ― acrescentou guiando-a ao fundo da galeria, onde havia uma porta de mogno que levava a ala do castelo de uso pessoal do príncipe. ― Agora que estamos sozinhos, quero que se tranqüilize e que me conte exatamente o que aconteceu ontem ― indicou-lhe fazendo-a sentar-se.

― Não posso lhe contar isso... ― soluçou Kirsten.

Shahir a agarrou pela mão.

― Ser leal à família é muito admirável, mas em seu caso se trata de uma questão de segurança pessoal, de sua segurança, que é o mais importante neste momento. O que aconteceu ontem poderia voltar a repetir-se e as lesões poderiam ser muito piores.

― Foi minha culpa... ― disse Kirsten sentindo-se culpada.

― Por que diz isso?

― Se tivesse permitido que falasse com Bruno Judd, nada disto teria ocorrido, mas me zanguei com você acreditando que estava se metendo em meus assuntos ― respondeu Kirsten com lágrimas nos olhos.

― Eu sei... ― murmurou Shahir sentando-se no braço do sofá e segurando a mão de Kirsten. ― Me conte exatamente o que tem que ver o fotógrafo em tudo isto.

― A esse estúpido não lhe ocorreu outra coisa que apresentar-se em minha casa para falar com meu pai ― explicou Kirsten.

― Judd foi a sua casa? ― perguntou Shahir com o cenho franzido.

― Sim, foi e mostrou a meu pai fotografias de mulheres, segundo ele, «meio nuas». Não pode nem imaginar como o encontrei ao chegar em casa. Estava furioso...

― Muito bem, não precisa continuar ― interrompeu-a Shahir lhe colocando um dedo sobre os lábios. ― Ele não voltará a te fazer dano. Não vou permitir.

― Mas você não pode fazer nada para evitar ― murmurou Kirsten com a respiração entrecortada.

― Dou minha palavra de honra de que vou protegê-la ― jurou-lhe Shahir com determinação, pensando que a melhor maneira de protegê-la seria afastá-la de Strathcraig.

Entretanto, sobreviveria Kirsten ao feito de perder tudo o que tinha ali? E o que tinha? Pobreza e tristeza? A Shahir pensou que não seria nenhuma tolice manter uma relação com ela porque, pelo menos, dar-lhe-ia certa felicidade.

De repente, Kirsten se deu conta do silêncio que tinha envolvido a ambos e do perto que estavam um do outro.

― Não deveria estar aqui contigo ― murmurou sentindo-se culpada.

― Está aqui comigo porque quer estar comigo ― respondeu Shahir olhando-a nos olhos.

Sim, era verdade, queria estar com ele. Se até ele se deu conta, de que valia negar? Kirsten não tinha forças para protestar e se perguntou por que não deixar se levar pelo menos uma vez e fazer o que de verdade queria.

A intensidade do olhar de Shahir a fez sentir espetadas quentes de antecipação por todo o corpo. A tensão era insuportável.

Kirsten sentia o batimento de seu coração acelerado nos ouvidos, a sala dava voltas e o oxigênio não chegava aos pulmões. Em um movimento quase imperceptível, aproximou-se dele. Shahir não pôde controlar-se.

― Desejo você.

― De verdade? ― murmurou Kirsten.

Shahir se inclinou sobre ela e se apoderou de sua boca. Ao sentir sua língua, Kirsten afogou uma exclamação e estremeceu, inclinando a cabeça para lhe permitir melhor acesso.

Os lábios de Shahir eram quentes, experientes e incrivelmente sensuais e cada beijo fazia que Kirsten quisesse cada vez mais.

― Você me deseja tanto como eu desejo você ― uivou Shahir voltando a beijá-la com urgência.

Continuando, a tomou entre seus braços e a sentou em seu colo, baixou-lhe o zíper do uniforme e o deslizou por seus ombros.

― Oh... ― exclamou Kirsten ao sentir a mão de Shahir sobre um de seus seios.

― Oh... ― burlou-se ele com sensualidade.

Kirsten não podia acreditar no que estava acontecendo, mas estava disposta a seguir a insistente demanda de seu corpo. Quando sentiu os lábios de Shahir na erótica zona do pescoço, justo debaixo da orelha, não pôde evitar agarrar-se às mangas de sua camisa com força, pois jamais havia sentido nada parecido.

― Nunca gostei de estar incômodo ― declarou Shahir com voz rouca.

Continuando, a tomou em seus braços como se fosse uma boneca que não pesasse nada. ― A verdade é que estou acostumado a fazer amor na cama.

― Cama?

Kirsten se esticou, pois não tinha lhe passado pela cabeça que aqueles beijos fossem dar em nada mais, mas Shahir escolheu aquele preciso instante para voltar a beijá-la e Kirsten sentiu que se derretia como um sorvete e não pôde reagir até que se viu em seu quarto, entre as pernas do Shahir, que tinha sentado na beira da cama e tinha lhe soltado o cabelo.

― Desejo-a desde a primeira vez que a vi ― confessou Shahir lhe acariciando o cabelo, que caía agora sobre os ombros do Kirsten. ― E cada vez que a vejo a desejo mais e mais...

Kirsten sentia que as pernas lhe tremiam.

― De verdade?

― Parece mentira que não se dê conta, é incrivelmente bonita.

― Hoje não me parece que esteja muito bem... ― respondeu Kirsten tocando a bochecha arroxeada.

Shahir lhe acariciou a mão e a olhou nos olhos com intensidade.

― Hoje está mais bonita que nunca.

Kirsten, hipnotizada por completo por seu olhar, curvou-se para frente e se apoderou com paixão da boca de Shahir.

Imediatamente, ele desabotoou sua blusa e o cinto da calça. Continuando, voltou a sentá-la sobre seu colo e os tirou sem deixar de beijá-la.

― Quanta roupa usa! ― comentou beijando-a no pescoço.

Ao sentir seus seios expostos quando o sutiã caiu no chão, Kirsten não pôde evitar cobrir os seios com as mãos e esticar-se.

Shahir ficou olhando-a estupefato, jogou-a para trás e fez que apoiasse a cabeça nos travesseiros.

― Suponho que tenha experiência, mas se estiver errado, por favor, diga-me, porque não me deito com virgens ― murmurou Shahir deitando-se a seu lado na cama.

Kirsten evitou olhá-lo nos olhos durante alguns segundos. Estava consciente de que, se lhe dissesse a verdade, não se deitariam com ela e ela não poderia suportar.

― Não sou virgem ― mentiu rápido.

― É muito tímida... ― insistiu Shahir.

― E o que?

― E nada.

― Se importaria de fechar as cortinas?

― Só faz amor às escuras? ― perguntou Shahir arqueando uma sobrancelha.

Kirsten assentiu com veemência e Shahir fechou as cortinas, não sabendo se ria a gargalhadas ou se sentia uma profunda ternura por aquela garota.

Já na escuridão, Kirsten se levantou da cama, tropeçou nas roupas que estavam atiradas pelo chão e caiu, mas não deu tempo de cobrir-se de novo quando Shahir acendeu o abajur que havia na mesinha e ficou olhando-a.

― Por que se empenha em esconder a perfeição de seu corpo? ― disse-lhe tomando-a entre seus braços de novo, devolvendo-a à cama e lhe acariciando os mamilos eretos.

Kirsten sentiu que o calor líquido do desejo serpenteava até sua pélvis.

― Shahir... ― murmurou Kirsten lhe acariciando o cabelo.

― Eu adoro como diz meu nome... ― disse Shahir tirando a gravata e a jaqueta.

Aniquilada, Kirsten ficou olhando-o. Aquele homem tinha um maravilhoso torso forte e musculoso, e muito masculino.

Quando ele tirou as calças e ficou de cueca, Kirsten sentiu que ficava vermelha e, quando Shahir tirou a cueca mostrando sua ereção, Kirsten já não pôde ver mais e fechou os olhos.

― Eu não sou nada tímido ― comentou Shahir.

― Já percebi ― murmurou Kirsten.

― Entretanto, seu acanhamento me é atraente.

― Oh...

― Oh... ― voltou a burlar-se Shahir.

Continuando, deitou-se a seu lado e começou a lhe acariciar os seios até chegar a seu ventre e descer por suas coxas enquanto com a boca seguia o mesmo caminho, fazendo Kirsten gemer de prazer, que não duvidou em arquear as costas.

O nó de desejo que sentia no baixo ventre era cada vez maior. Shahir lhe separou as pernas, explorando os cachos loiros que ocultavam seu monte de Vênus e riscou o perfil das dobras de sua feminilidade, quente e úmida.

Kirsten não podia deixar de mover-se, não podia deixar de jogar os quadris para frente.

― Oh, sim... ― disse Shahir satisfeito introduzindo um dedo no interior de seu corpo.

― Por favor...

― Espere um pouco ― ofegou Shahir.

Continuando, brincou com seu corpo até fazê-la suplicar e, quando Kirsten acreditava que já não ia poder sentir mais prazer, Shahir se colocou sobre ela e a penetrou com doçura.

Kirsten morria por senti-lo dentro de si, mas não tinha nem idéia da dor que ia acompanhar o acoplamento e não pôde evitar gritar.

De repente, Shahir ficou petrificado e a olhou nos olhos com dureza.

― Mentiu para mim? É virgem?

Kirsten se ruborizou, fechou os olhos e não respondeu.

Shahir a olhava com incredulidade.

― Kirsten...

― Não pare ― respondeu Kirsten jogando os quadris de novo para frente.

Shahir teria gostado de poder controlar-se, mas era impossível, assim voltou a entrar nas profundidades do corpo de Kirsten e continuou levantando os seus joelhos e tornando para trás para poder penetrá-la em profundidade até que Kirsten gritou e ofegou ao alcançar o êxtase.

Extenuada e feliz, assombrada por sua capacidade de gozo físico, Kirsten mal podia pensar com clareza depois de sua primeira experiência sexual.

Shahir a abraçou e a beijou na testa e Kirsten pôde desfrutar de mais ou menos alguns sessenta segundos de paz antes que Shahir a olhasse com dureza e a separasse de seu lado.

― Não volte a mentir para mim ― advertiu-lhe.

Kirsten, que não estava preparada para aquele ataque verbal, ficou olhando-o com a boca aberta.

 

― Não foi para tanto! ― defendeu-se Kirsten incorporando-se, apoiando-se nos travesseiros e cobrindo-se com o lençol.

― Como não? ― exclamou Shahir.

― Foi uma simples mentira...

― Uma simples mentira? ― repetiu Shahir ficando em pé. ― Eu disse que não a tocaria se fosse virgem e você mentiu. Enganou-me e isso não foi bom, não foi justo.

― Eu decidi assim e deve respeitar minha escolha ― insistiu Kirsten.

― Se tivesse me dito que era virgem, eu teria decidido não tirar sua inocência. Acabo de trair meus princípios ― respondeu Shahir entrando no closet, pegando roupa limpa e entrando no banheiro.

Kirsten ouviu a água correr e sentiu uma horrível vontade de chorar. O castigo para sua mentira tinha chegado mais rapidamente do que ela temia.

Tinha entregado sua virgindade a um homem que não a amava e que não parecia apreciar o fato de que a tivesse dado porque o julgasse especial.

Acaso era especial de verdade?

Kirsten necessitava desesperadamente que Shahir a consolasse, que se mostrasse amável e afetuoso com ela e, em lugar de fazer isso, ele estava se comportando com ela como se tivesse cometido o pior dos crimes.

Era verdade que tinha mentido, mas jamais o faria. Nessa ocasião, a idéia de perdê-lo, de não fazer amor com ele lhe tinha nublado a razão e lhe tinha feito faltar à verdade.

Shahir voltou a aparecer, ainda mais bonito que antes, embelezado com um lindo terno cinza sob medida e Kirsten se apressou em desviar o olhar.

― Me perdoe por mentir, mas não pensava no que fazia ― desculpou-se em voz baixa. ― Não devia ter mentido.

Em Shahir produziu uma imensa admiração que Kirsten fosse uma pessoa que pedisse desculpas tão cedo, pois isso significava que era uma boa pessoa. Entretanto, se tal e como ele queria, passasse a fazer parte de sua vida, precisava aprender a lição e ter muito claro que ele não tolerava mentiras em sua casa.

― As mentiras minam a confiança ― comentou. ― Como vou poder confiar em você agora?

― Talvez nada disto tivesse ocorrido... ― lamentou-se Kirsten com pesar.

― Não somos crianças, Kirsten. Aconteceu o que queríamos que acontecesse.

― Isto foi a coisa mais estúpida que fiz em minha vida!

― Não foi muito inteligente nem da sua parte nem da minha, mas o que a simples vista pode parecer um erro pode transformar-se em algo positivo.

― Não sei como... ― respondeu Kirsten enrolando um lençol no corpo e levantando-se da cama.

Teria gostado de poder fechar os olhos e desaparecer. Por que demônios não se foi enquanto Shahir estava no banho? Estava tão envergonhada pelo ocorrido que, enquanto recolhia sua roupa, não se atrevia nem a olhá-lo. Como tinha tido coragem de se deitar com um desconhecido? Aquele comportamento não era próprio dela.

A impressionante intensidade de suas emoções e a atração sexual tinham destroçado o respeito que deveria ter sentido por si mesma.

Ao Shahir tinha bastado olhando-a e tocando-a para lhe fazer perder o sentido comum e o controle. Como negar que sentia algo por ele? Teria se apaixonado? A verdade era que não tinha podido deixar de pensar nele desde que se conheceram, mas isso não era desculpa para o que acabava de acontecer.

― Espere... ― disse Shahir agarrando-a.

― Tenho que voltar ao trabalho.

― Não ― disse Shahir sentando-a em uma cadeira. ― Me escute. Agora somos amantes.

― Não preciso que me recorde isso! ― exclamou Kirsten aflita.

― Tampouco não precisa ficar assim. O que aconteceu entre nós não é para tanto.

― Fico como me dá a vontade ― interrompeu-o Kirsten.

― Pense que isto poderia ser o começo de uma nova vida para você.

― De que está falando?

― Obviamente, depois do ocorrido, não pode continuar trabalhando aqui, mas não quero que volte para a casa de seu pai. A partir de agora, eu me faço responsável por você.

― Não entendo.

― Estou lhe propondo que se vista, que suba no carro comigo e que não olhe para trás.

Kirsten o olhou atônita.

― Está me pedindo que vá com você?

― Estou lhe pedindo que seja minha amante.

Kirsten não podia acreditar no que estava escutando.

― Mas...

― Me escute antes de responder. Tenho uma casa em Londres em que poderia viver no momento. Quando tiver encontrado uma que goste, a comprarei para você e me farei responsável de todos os seus gastos.

Kirsten compreendeu o que ele lhe estava oferecendo e a surpresa e a fúria se apoderaram dela.

― Não me respeita absolutamente, não é verdade? É porque sou uma faxineira ou porque me deitei com você sem pensar duas vezes?

Shahir a olhou desconcertado.

― O respeito não tem nada que ver com tudo isto...

― Já me dei conta! Comportei-me como uma estúpida, mas isso não quer dizer que esteja disposta a me converter em uma vadia.

― Não é isso o que eu lhe proponho. O que quero é que passe a fazer parte de minha vida.

― Não acredito! ― exclamou Kirsten com lágrimas nos olhos. ― O que acontece é que não acha que eu seja digna de nada melhor e me reserva para a cama. Muito bem. Isso não importa, mas o que não entendo é que tenha se rebaixado a me tocar se me tem em tão pouca estima.

Cega pelas lágrimas, recolheu sua roupa, entrou no banheiro, limpou-se no bidê e se vestiu a toda velocidade.

Como Shahir tinha se atrevido a lhe propor semelhante coisa? Aquela oferta tinha sido horrivelmente humilhante. Claro que, o que esperava? Ter uma relação de igual para igual com um príncipe quando suas vidas não tinham nada em comum?

Não deveria ter se deitado com ele.

Teria gostado de poder reviver o maravilhoso momento de união que se produziu entre eles antes que tudo se estragasse, mas era impossível.

Kirsten tomou ar e, ao abrir a porta, encontrou Shahir passeando pelo quarto com expressão grave no rosto.

Quando ele ficou a sós, seu intelecto havia tornado a reagir e a fria lógica se deu procuração de sua mente. Sua existência perfeitamente orquestrada e racional saiu dos trilhos.

Shahir era um homem disciplinado e não estava acostumado a equivocar-se, mas devia admitir que se comportou sem escrúpulos. Acaso inteirar-se de que Faria se casou o tinha afetado mais do que acreditava?

É obvio, a sugestão de Pamela de que Kirsten mantinha relações com outros homens lhe tinha caído muito bem para acreditar que era mais fácil e para julgar seu desejo por ela mais aceitável.

Agora que podia pensar de novo com clareza, dava-se conta de que nada, absolutamente nada, podia desculpar o fato de que se deitou com uma empregada.

Em lugar de ajudar uma jovem que estava passando por um momento espantoso em sua vida, aproveitou-se dela, tinha traído sua confiança e se comportou muito mal.

Era responsável pelo dano que tinha causado a Kirsten e agora se dava conta de que lhe propor que se convertesse em sua amante tinha sido ainda pior.

Sentia-se envergonhado por seu comportamento e sabia perfeitamente o que tinha que fazer.

― Kirsten, eu gostaria de falar com você ― disse-lhe ao vê-la aparecer.

Kirsten não queria nem olhá-lo, estava conseguindo manter a compostura com muita dificuldade e não queria chorar diante dele.

― Não é preciso que diga nada mais. Suponho que o aliviará saber que não vou continuar trabalhando no castelo e que vou embora de Strathcraig.

― Não, me dizer isso não me alivia absolutamente. Aonde vai? ― perguntou Shahir franzindo o cenho.

― Tenho planos.

― Os planos não são suficientes. Não permita que o que aconteceu entre nós a faça tomar uma decisão equivocada. Não está passando por um bom momento e eu não tenho feito mais que lhe complicar as coisas.

― A verdade é que estava bem até ter me proposto que ganhasse a vida como uma prostituta! ― exclamou Kirsten deixando-se levar pelo orgulho ferido.

― Não vou me defender dessa acusação ― admitiu Shahir. ― Jamais deveria ter dito nada parecido.

Que ele lhe pedisse perdão com tanta facilidade comoveu Kirsten, que terminou de vestir-se e decidiu sair dali o quanto antes.

― Bom, já não temos nada mais que nos dizer ― murmurou indo para a porta.

― Equivoca-se. Devo-lhe uma explicação. Quero que entenda meu comportamento.

― Não.

― Por favor...

Ao ouvir aquela palavra dos lábios de Shahir, Kirsten sentiu lágrimas nos olhos. Era óbvio que Shahir se arrependia do que tinha acontecido entre eles e aquilo doeu em Kirsten ainda mais que a terrível proposta de converter-se em sua amante.

Ao olhá-lo de relance, voltou a maravilhar-se de sua beleza masculina e recordou o roçar de sua pele enquanto faziam amor.

― Vou pedir que nos tragam café ― anunciou Shahir.

― Não, por favor, prefiro que terminemos o quanto antes com isto.

Shahir ficou olhando-a aborrecido.

― Eu não gosto de ver você assim. Ou melhor, as coisas não foram bem entre nós porque ambos estávamos com a cabeça em outro lugar, pensando em outras coisas.

― Em outras coisas? ― disse Kirsten.

― Sim, você em seu pai, que te bateu e eu... E eu também tinha motivos para estar pensando em outras coisas porque esta manhã me inteirei que uma mulher que era importante para mim se casou com outro homem.

Kirsten sentiu que o sangue lhe gelava nas veias, baixou o olhar e pensou que aquilo era como se Shahir lhe acabasse de cravar uma faca no coração.

Uma mulher que era importante para ele.

Obviamente, estava falando de uma mulher por quem estava apaixonado. A Kirsten parecia inconcebível que o príncipe Shahir se apaixonasse por uma mulher que o tivesse rejeitado.

Mas isso era o que ele lhe acabava de contar e o fato era que estava apaixonado por outra mulher, que seu coração pertencia a outra.

Kirsten sentiu que lhe rasgava a alma ao compreender que Shahir estava apaixonado por outra mulher e que, como não podia tê-la, deitou-se com ela, que não tinha sido para ele mais que uma distração, o prêmio de consolação.

Aquilo a fez sentir-se magoada e humilhada.

― Como ela se chama?

Aquela pergunta pegou Shahir de surpresa.

― Faria...

― Não precisava ter me falado dela ― disse Kirsten.

De fato, teria preferido que não o tivesse feito porque, ao lhe contar a verdade, tinha afetado sua dignidade e a tinha enchido de vazio e de angústia.

― Sim, eu precisava. Não estou acostumado a me comportar como o tenho feito hoje. Aproveitei-me de você e quero recompensá-la por isso. Só me ocorre uma maneira de fazê-lo.

― O que está feito, feito está.

― Se case comigo ― murmurou Shahir.

Kirsten esteve a ponto de estourar em gargalhadas, mas tinha ficado tão surpresa, que não conseguiu articular palavra.

― Está louco... ― disse por fim.

― Não, não estou. Vivemos em uma comunidade que não é muito liberal e você cresceu em uma casa em que o sexo fora do casamento é completamente inaceitável. Entendo perfeitamente que esteja magoada pelo que passou entre nós hoje e tem direito de estar. Aproveitei-me de sua confiança e de sua vulnerabilidade e não me orgulho absolutamente disso.

― Mas, pedir que me case com você...

Kirsten estava completamente aniquilada ante a mudança de atitude de Shahir. Agora compreendia por que a tinha tratado com tanto carinho na cama. Obviamente, estava pensando em Faria.

― Por que não? Algum dia terei que me casar com alguém.

― Sim, mas não acredito que queira fazê-lo com uma qualquer ― respondeu Kirsten.

― Você é bonita.

Kirsten se sentiu mal, pareceu-lhe uma ignomínia que a apreciasse somente por seus encantos físicos, mas não devia esquecer que, obviamente, isso era a única coisa que o tinha atraído nela.

Em todo caso, se lhe houvesse dito a verdade, se tivesse confessado que era virgem, Shahir jamais teria feito amor com ela, assim de nada servia jogar toda a culpa nele porque ela também tinha sua parte de responsabilidade no ocorrido.

Shahir estava pedindo que se casasse com ele porque se sentia culpado e ela não estava disposta a ser tão indecente para aceitar uma proposta tão importante naquelas condições.

― O melhor será que nos esqueçamos de tudo isto ― disse-lhe. ― Não me deve nada. Não o culpo por nada. Não é preciso que proponha que me case com você.

― Claro que é preciso ― insistiu Shahir.

― Obrigada pela oferta. Não quero parecer mal educada, mas acredito que não é difícil de entender que não quero me casar com um homem que não me ama.

― É sua última palavra?

― Sim ― respondeu Kirsten. ― Posso ir agora?

― Faça o que quiser ― respondeu Shahir.

Ato seguido, Kirsten saiu a toda velocidade de seu quarto e Shahir ficou ali, de pé, confuso. Nem por um segundo tinha lhe passado pela cabeça que Kirsten fosse recusar sua proposta.

Agora, a única coisa que podia pensar era em que jamais voltaria a tê-la em sua cama.

Kirsten acabava de sair da médica quando se encontrou com Jeanie.

― Onde se meteu? Estou procurando-a já há um bom momento ― disse-lhe sua amiga. ― Pelo visto, desapareceu uma jóia e estão nos fazendo abrir os armários de todos.

Kirsten seguiu Jeanie até os porões, onde ficava os armários do pessoal de limpeza e, enquanto a senhora Cook, a chefe do pessoal de limpeza, abria um depois do outro, não podia deixar de pensar em Shahir.

O que teria acontecido se tivesse aceitado sua proposta? De verdade teria se casado com ela? Não parecia muito próprio de um príncipe pedir algo que não estava disposto a cumprir. Então, teria se convertido em uma princesa? Teriam sido felizes? Ele teria esquecido de Faria e teria terminado apaixonando-se por ela?

― Kirsten, poderíamos conversar? ― disse-lhe a senhora Cook depois do registro.

Continuando, enquanto Kirsten seguia à chefe a seu escritório, fez-se um incômodo silêncio.

― Encontraram isto em seu armário ― disse a senhora Cook lhe mostrando um impressionante diamante.

― Isso é impossível... ― respondeu Kirsten olhando a jóia, que conhecia perfeitamente porque a tinha visto várias vezes no quarto de Pamela Anstruther.

― Há uma testemunha que afirma que a viu guardar isso em seu armário durante o descanso do almoço ― insistiu sua chefe.

Surpresa pela acusação, Kirsten se lançou a defender sua inocência e o que teve lugar a seguir foi a pior experiência de sua vida.

Morag Stevens, uma das ajudantes da senhora Cook, resultou ser a testemunha que a tinha visto guardando a jóia e assim o disse sem olhá-la nos olhos.

Uma hora depois, informaram-lhe que tinha sorte de que lady Pamela não a denunciasse por roubo, entregaram-lhe seus pertences e a puseram, literalmente, na rua.

Ali a estava esperando Jeanie.

― Não fui eu, Jeanie, juro! ― exclamou Kirsten.

― Eu sei ― tranqüilizou-a a ruiva.

― Por que diabos haverá dito Morag que me viu guardar o diamante em meu armário se sabe que não é verdade?

― Talvez porque foi ela que o roubou, há se posto nervosa e o escondeu no primeiro armário que viu, que resultou ser o seu. Lembra-se que ela tem a chave de tudo, mas eu suspeito mais de lady Esnobe.

― De lady Pamela? Por que? O que ela ganha me acusando? ― respondeu Kirsten atônita.

― Não tenho nem idéia, mas não é trigo limpo. O que vai fazer?

Kirsten recordou o cartão de visita que Shahir lhe tinha entregado quando se conheceram e decidiu que devia chamá-lo.

Estava certa de que ele não permitiria que a acusassem de algo que ela não tinha feito. Estava certa de que Shahir não acreditava que ela fosse capaz de roubar. Se ficasse sabendo do ocorrido, poderia fazer com que se investigasse em profundidade e, no final, saberiam da verdade.

― Se seu pai ficar sabendo que a demitiram por roubo, vai ficar furioso ― comentou Jeanie preocupada.

― É sexta-feira, assim tenho todo o fim de semana para contar ― murmurou Kirsten nervosa.

― Kirsten, não conte para ele. Venha para minha casa.

― Não posso...

― Se acontecer algo, me chame por telefone. Já sabe que pode vir para minha casa quando quiser. Meus pais não se importam.

Depois de despedir-se de sua amiga, Kirsten pedalou a toda velocidade e, ao chegar em casa, subiu de dois em dois os degraus que levavam a seu quarto e, uma vez ali, discou o número do celular de Shahir.

― Preciso ver você ― disse quando ele atendeu. ― É urgente.

Produziu-se um breve silêncio antes que Shahir lhe dissesse que se veriam em uma hora no mirante que havia a um quilômetro de sua casa.

Kirsten se disse que tudo ia ficar bem, que por seu tom de voz Shahir ainda não se inteirou do que tinha acontecido.

Do outro lado do telefone, Shahir desligou o aparelho com expressão austera no rosto.

 

Do mirante havia uma vista espetacular do vale do Strathcraig e das montanhas. Rodeado por um espesso bosque, o castelo parecia dali um palácio de conto de fadas. Abaixo, no vale, via-se o lago em forma de lágrima.

O silêncio que abraçava Kirsten se viu interrompido pelo ruído do motor de um carro que chegava.

Alguns minutos depois, efetivamente, viu chegar a limusine de Shahir.

― Suponho que estará se perguntando por que queria ver você ― disse ao entrar no carro.

― Sei perfeitamente o que aconteceu esta tarde ― contradisse-a Shahir olhando-a de maneira intimidadora.

Por um momento, Kirsten teve a sensação de que o que tinham compartilhado aquele dia jamais tinha acontecido.

― Eu não roubei nada ― defendeu-se.

― Jamais justificarei um roubo, mas, em suas circunstâncias, entendo por que o tem feito.

― Eu não roubei nada! ― insistiu Kirsten.

― Kirsten... Eu mesmo vi como tentava roubar uma jóia de lady Pamela na primeira vez.

― Como diz? ― exclamou Kirsten estupefata.

― Recordo que tinha desaparecido um broche misteriosamente e que não aparecia apesar de que Pamela o tinha procurado várias vezes. De repente, você o encontrou como se nada tivesse acontecido. Eu acredito que o que se passou é que te assustou porque se deu conta de que tinha desaparecido e voltou a pô-lo em seu lugar.

― Está me dizendo que acredita que quando encontrei o broche estava mentindo? ― perguntou Kirsten consternada.

― Naquele momento, nem me passou pela cabeça, mas eu não acredito nas coincidências e vou ser sincero: quando me inteirei que o brinco de diamantes estava em seu armário, lembrei-me do broche. Como você compreenderá, parece-me impossível aceitar que lhe tenham acusado falsamente de roubo.

Aquilo fez que Kirsten se sentisse como se ele lhe tivesse dado um murro na boca do estômago, enjoada e com náuseas porque ela, de algum jeito, tinha estado segura de que Shahir saberia ver a verdade.

Agora, dava-se conta de que confiar nele tinha sido uma completa ingenuidade de sua parte.

― De verdade acha que sou uma ladra?

― Saiba que ela não a denunciou à polícia pela situação pessoal em que se encontra ― respondeu Shahir com frieza. ― Quer ir embora de casa e para isso necessita de dinheiro. Sem ir mais longe hoje mesmo me disse que tinha intenção de ir embora do Strathcraig.

― Sim, é verdade, mas lhe asseguro que jamais me passaria pela cabeça roubar uma jóia para financiar minha fuga ― defendeu-se Kirsten.

Doía-lhe a cabeça e tinha uma imensa vontade de gritar e de chorar de frustração, de medo e de dor, sentia-se horrivelmente sozinha.

Não tinha feito nada errado, mas todo mundo estava convencido de que era uma ladra e a face arroxeada não faziam mais que reforçar essa teoria porque justificava porque queria ir embora de sua casa fosse como fosse.

― Tenho intenção de lhe dar o dinheiro que necessita para sair de sua casa ― comentou Shahir.

― Não, obrigada. Jamais aceitaria dinheiro de você! ― respondeu Kirsten olhando-o furiosa.

― Quero ajudá-la. Entendo seu desespero.

Kirsten não podia suportar mais aquela situação e tentou abrir a porta, mas não pôde porque estava trancada.

― É por sua segurança. O que te disse pode ser que não te faça muita graça, mas não sou seu inimigo ― murmurou Shahir.

― Como não é? Eu confiava em você, tinha fé em você. Agora me pergunto por que. Não sei como demônios pude chegar a acreditar que de algum jeito você saberia ver que eu jamais roubaria nada! E agora me encontro com que me acusa não somente de ter roubado o diamante, mas também o broche. Deixe-me sair do carro!

― Tranqüilize-se e não diga tolices.

― Não estou dizendo tolices! ― gritou Kirsten. ― Não sou uma ladra e não penso aceitar sua compaixão. Suponho que quer me fazer desaparecer porque se deitou comigo. Asseguro-o que vou embora de Strathcraig, mas o farei a meu ritmo e com meu dinheiro. Não necessito de você para nada.

― Se controle ― disse Shahir com frieza.

Kirsten tomou ar várias vezes, dando-se conta de que, na realidade, não queria controlar-se absolutamente porque, se sua raiva diminuísse, sua força diminuiria também e então, embora odiasse Shahir com todo seu coração, corria o risco de mostrar a dor que lhe tinha produzido que tomasse por uma ladra.

― Acredite ou não, importa-me o que te aconteça ― insistiu Shahir. ― Se não fosse assim, não teria pedido que se casasse comigo.

― Não é verdade, não se importa absolutamente! ― exclamou Kirsten.

― Quero ter a certeza de que estará a salvo e em sua casa não acredito que vá ser assim. A decisão é sua ― disse Shahir lhe deixando um envelope ao lado.

― É ótimo ter muito dinheiro e poder ir dando de presente por aí, verdade?

― Está disposta a denunciar seu pai por agressão?

― Não ― respondeu Kirsten com veemência.

― Então, não há maneira de se proteger dele. Tem algum parente que possa tentar fazê-lo entrar em razão ou com o quem possa ir viver?

Kirsten negou com a cabeça em silêncio.

― Tenho um irmão, Daniel, mas ele brigou com meu pai faz cinco anos, foi e não sei onde está. Depois, não tornou a entrar em contato conosco.

― Dava-se bem com ele?

― Sim, quando éramos crianças nos dávamos muito bem.

― Talvez pudéssemos encontrá-lo, mas vamos necessitar de tempo. Parece-me que a única coisa que pode fazer agora mesmo é ir embora de Strathcraig e eu estou lhe oferecendo o apoio que necessita para fazê-lo.

― Que apoio? Refere-se ao dinheiro? Decepcionou-me ― respondeu Kirsten vendo satisfeita como Shahir apertava a mandíbula ante sua condenação.

― Dá-me igual o que acha. Estou preocupado seriamente com você. Se for daqui, quero que me diga aonde vai.

― Por que eu iria lhe dizer aonde vou se não acredita absolutamente em nada do que eu digo? ― espetou-lhe Kirsten. ― Estou dizendo a verdade, eu não roubei nada, não sou uma ladra. E repito que não quero nem necessito seu dinheiro. Já me arrumarei sozinha. Muito obrigada. Agora, se não se importar, eu gostaria de descer do carro.

Kirsten necessitava desesperadamente de dinheiro, mas não estava disposta sob nenhuma circunstância a aceitar o dinheiro de Shahir.

Assim que pôs os pés no chão, correu colina abaixo sem olhar para trás, dizendo-se que não devia perder o tempo recordando o que acabava de acontecer, pois seria um desgaste mental desnecessário.

Como tinha podido ser tão ingênua para acreditar que seu príncipe ia vir em seu resgate como em um conto de fadas?

De repente, o mundo desabou deixando Kirsten em um lugar lúgubre e incerto e a ferida que Shahir lhe tinha infligido era o que mais lhe doía de tudo.

Kirsten estava consciente de que não queria ficar em sua casa, assim decidiu colocar seus pertences em uma pequena mala e ir para a casa de Jeanie com o Squeak porque não queria deixar o velho cão para trás por medo de que seu pai a castigasse através dele.

Kirsten deixou a bandeja cheia de pratos sobre a mesa da cozinha.

― Não precisa fazer isso ― disse Donald com amabilidade. ― Você se ocupe de cobrar, não do trabalho duro.

Kirsten assentiu e esperou que seu chefe se fosse para massagear as costas, que a estavam matando de dor.

Na hora do jantar sempre havia um montão de gente e o resto das garçonetes não davam conta, assim se tornava impossível ficar sentada junto à caixa registradora sem dar uma mão a suas companheiras.

Fazia já mais de sete meses que tinha saído de casa deixando detrás de si somente um bilhete.

Donald era o irmão de Jeanie e ele e sua mulher, Elspeth, deram-se muito bem com ela e a tinham ajudado muito.

O fim de semana seguinte ao que Kirsten saiu de casa, Donald e Elspeth se apresentaram ali para recolher suas coisas e a tinham levado a Londres, onde lhe tinham alugado um quarto em sua própria casa e Donald lhe tinha dado trabalho como garçonete na sua cafeteria.

No princípio, havia se sentido muito perdida na cidade e o ruído e a quantidade de gente a tinham esmagado. Freqüentemente, sentia falta da natureza, das montanhas, da paz e do silêncio do vale. Isso a tinha empurrado a explorar os parques londrinos acompanhada por Squeak.

Uma das primeiras coisas que tinha feito além de trabalhar tinha sido informar-se sobre diversos cursos e logo tinha decidido que queria formar-se como professora de música.

Para começar, estava indo a aula duas vezes por semana porque, apesar de que seus conhecimentos musicais eram suficientes, tinha que passar um exame de outras disciplinas antes de poder colocar-se como professora.

A idéia de passar vários anos estudando e vivendo com pouco dinheiro teria deprimido a outra pessoa, mas a enchia de orgulho porque tinha tido a coragem de tentar e de tirar da vida muito mais do que seu pai lhe jamais teria permitido ter.

O futuro lhe desejava muito prometedor, mas logo seus sonhos se viram truncados.

Patsy, uma das garçonetes, ficou enchendo os potes de ketchup e, quando Kirsten tentou ajudá-la, a outra garçonete lhe indicou que se sentasse e ficasse quieta.

― Está tão magra que, se viesse uma rajada de vento um pouco forte, sairia voando ― disse a mulher agarrando-a pelo braço para enfatizar sua preocupação. — Como anda de saúde? Quando foi a última vez que foi ao médico?

― Sempre fui muito magra ― assegurou-lhe Kirsten sem querer responder a sua pergunta porque ficou dormindo e não tinha ido à última consulta. ― Não se preocupe tanto comigo. Não precisa, de verdade.

― Não posso evitar. Não tem forças nem para levantar uma colherinha e o bebê nascerá dentro de poucas semanas ― suspirou Patsy.

― Estou bem ― insistiu Kirsten.

Continuando, girou-se para atender a um cliente e se bateu com a barriga na mesa. Ainda não se acostumou a seu novo corpo e, às vezes, quando se olhava em alguma vitrine pela rua, não se reconhecia.

Deu-se conta de que estava grávida quando estava quase de quatro meses. Tinha descoberto que as contínuas náuseas que sentia não eram o resultado de uma gastrenterites persistente.

A verdade era que tinha chegado a Londres sentindo-se muito mal, tendo que fazer um grande esforço para não pensar dia e noite no Shahir.

Para tentar afastar sua mente do príncipe, dedicou-se a trabalhar e a estudar sem descanso, mal comia e dormia pouco e tinha passado uma eternidade até que se deu conta de que não lhe tinha chegado o período em vários meses.

Então, atribuiu-o ao estresse e à perda de peso e tampouco se preocupou muito, mas, como não parava de ter náuseas, decidiu ir ao médico.

Nem sequer então, tinha lhe passado pela cabeça que pudesse estar grávida, o que o recordando agora lhe parecia incrível porque, embora fosse virgem, obviamente sabia que manter relações sexuais com um homem podia acabar em uma gravidez.

Assim que pensava em Shahir, as emoções a bloqueavam, então, para proteger-se, tinha decidido não voltar a pensar nele nem recordar a paixão que tinham compartilhado aquele dia.

Entretanto, quando o médico lhe disse que podia estar grávida, Kirsten não teve mais remédio que recordar seus momentos de intimidade e então se deu conta de que Shahir não tinha tomado precauções.

Em um princípio, a idéia de converter-se em mãe solteira a encheu de vergonha e de medo. Logo depois, enfureceu-se com o Shahir. Por que demônios não tinha tido mais cuidado? Obviamente, porque não lhe importava nada carregá-la com a responsabilidade de um filho.

Kirsten não tinha nem idéia de como ia fazer quando nascesse o bebê, mas o que era óbvio era que não ia poder trabalhar nem dar aulas.

Evidentemente, ser mãe ia dificultar muito sua vida.

Tinha pensado em chamar Shahir para lhe contar o acontecido, mas ele a tinha acusado de ser uma ladra e talvez pensasse que estava mentindo.

Além disso, não devia esquecer que estava apaixonado por outra mulher e que se arrependia de ter se deitado com ela.

O orgulho que ficava tinha impedido Kirsten de entrar em contato com ele.

― Como está seu cão? ― perguntou-lhe Patsy.

― Dorme muito, o veterinário me disse que não é nada em especial, simplesmente é muito velho... ― respondeu Kirsten com tristeza.

A idéia de perder Squeak se fazia insuportável porque era o único vínculo que ficava com sua mãe.

Quando teve terminado seu turno, saiu à rua. Fazia frio e as luzes iluminavam com sua luz amarela o pavimento úmido. Sob uma das luzes, havia um carro de onde desceu um homem de cabelo negro.

No princípio, Kirsten não o reconheceu porque seu rosto estava na sombra, mas quando se incorporou por completo Kirsten viu que era Shahir e não pôde evitar que o coração lhe subisse à garganta.

― Assustei você?... Não era minha intenção ― a saudou Shahir em tom amável, como se se falassem com regularidade.

― Como ficou sabendo onde eu estava? ― exclamou Kirsten fechando o casaco a toda velocidade para tentar esconder a barriga.

― Tenho meus contatos ― respondeu Shahir. ― Você está bem? ― acrescentou olhando-a com o cenho franzido. ― Está muito pálida.

― De verdade? Deve ser esta luz... A que veio?

― Para ver você.

Kirsten cruzou os braços, mas os descruzou a toda velocidade porque aquela postura lhe marcava a barriga.

― Mas como?

― Disse para você antes de que fosse embora que entrasse em contato e não sabia nada de você. Estava preocupado. Levo-a para casa.

― Não, não precisa.

― Claro que precisa. Está tremendo de frio.

Kirsten se deu conta de que era verdade, de que seu leve casaco não impedia que o frio da noite entrasse em seu corpo. Tinha frio, estava cansada, doía-lhe muito as costas e tudo aquilo era culpa de Shahir.

Então, por que demônios estava tentando esconder a barriga precisamente do homem que a tinha metido em tudo aquilo?

Com um movimento repentino que tomou o Shahir de surpresa, Kirsten deslizou a seu lado e entrou na limusine, onde se sentiu muito bem porque lá dentro estava bem aquecido.

― Poderíamos jantar em meu hotel ― propôs Shahir.

― Tenho que ir primeiro para casa... ― respondeu Kirsten dando-se conta de que virtualmente tinha aceito seu convite.

Era desconcertante, mas a verdade era que sua boca trabalhava mais depressa que seu cérebro. Sem comentar nada mais, Shahir lhe pediu seu endereço e o comunicou ao chofer.

Enquanto o fazia, Kirsten o olhava de esguelha, sem perder nenhum detalhe do bem vestido que estava. Certamente, aquele homem parecia recém saído de uma revista de moda.

Era incrivelmente bonito, o pecado personificado. Não era de se surpreender que Kirsten tivesse se apaixonado perdidamente por ele e se colocou em sua cama.

― Demoro dez minutos ― disse ao chegar em casa.

Ao ver o bairro tão lúgubre em que vivia, Shahir teve que fazer um grande esforço para não se oferecer a acompanhá-la. É obvio, o que fez foi dar instruções ao guarda-costas que estava no assento do co-piloto, que por sua vez entrou em contato com a equipe de segurança que viajava no carro de trás.

Shahir tomou ar lentamente e se disse que Kirsten tinha mudado muito fisicamente. Continuava sendo incrivelmente bonita, mas estava pálida, tinha olheiras e estava horrivelmente magra.

Parecia doente.

Kirsten deu o jantar para Squeak dando-se conta de que não havia como voltar atrás, decidida a contar a Shahir que ele ia ser pai, e não ia fazer isso porque lhe parecia o correto ou porque fosse uma tolice sentir-se humilhada por uma gravidez do qual ele era responsável.

Não, ia lhe dizer que estava grávida para lhe chatear o dia. Sim, era uma vingança infantil e raivosa, mas era assim como se sentia.

De repente, encontrou-se perguntando com quantas mulheres teria estado nos últimos sete meses. Certamente, teria saído com mulheres de sua condição social e não com faxineiras que somente serviam para praticar o sexo.

Aquele pensamento não fez nenhum bem a sua já abalada auto-estima.

Kirsten estava convencida de que, enquanto ela fazia grandes esforços para sobreviver, Shahir devia ter estado passando muito bem. Embora as pessoas dissessem que ele sempre que ia para Strathcraig levava uma vida muito simples e que não fazia mais que trabalhar e dedicar-se a obras de beneficência.

Entretanto, ela estava convencida de que escondia algo mais porque tinha casas por todo mundo nas que podia fazer o que lhe desse a vontade sem que ninguém soubesse e lhe tinha proposto ser sua amante, não?

Não tinha demorado muito em levá-la para a cama, o que significava obviamente que tinha experiência. Qualquer homem que tivesse amantes era um colecionador de mulheres. No melhor, Shahir era um don Juan discreto, mas um don Juan de qualquer modo.

Agora que tinha recuperado o ódio que sentia por ele tinha chegado o momento de que Shahir se inteirasse de tudo, de que soubesse o que pensava dele!

Squeak tinha artrite, assim Kirsten teve que levá-lo nos braços até a limusine, onde o cão se acomodou em um canto e ficou adormecido.

Kirsten se sentou em frente a Shahir e fechou os olhos brevemente, repassando mentalmente o que ia lhe dizer. Entretanto, estava tão cansada, que não pôde evitar adormecer.

Despertou com um som ao qual não estava acostumada: Squeak grunhindo.

― Certamente, é um bom cão de defesa ― comentou Shahir. ― Estava tentando despertá-la e não achou nenhuma graça. Já chegamos ao meu hotel ― acrescentou.

― Nossa, acabei adormecendo ― disse Kirsten passando os dedos pelo cabelo. ― Onde estamos?

― No estacionamento do hotel. Pensou que ia seqüestrá-la ou algo assim?

― Não diga tolices ― riu Kirsten saindo do carro e dirigindo-se ao elevador.

Enquanto caminhavam, Squeak lhe cruzou o caminho e Kirsten tropeçou com a correia, o que a fez tropeçar. Menos mal que Shahir estava perto para agarrá-la.

― Tome cuidado...

Sem dar-se conta do perto que estavam, Kirsten se voltou nervosa para Shahir com a má sorte de que sua barriga se meteu no meio e golpeou Shahir no quadril. Ao dar-se conta, Kirsten baixou o olhar e tentou fechar o casaco, que tinha se aberto ligeiramente.

Shahir seguiu a direção de seu olhar e de repente compreendeu tudo, seu aspecto doentio, seus andar torpe e lento. Sem pensar duas vezes, desabotoou os dois botões do casaco de Kirsten e afastou o tecido.

― Vai ter um filho ― exclamou assombrado. ― E logo. De quem é?

Kirsten colocou as mãos nos bolsos e voltou a fechar o casaco, consciente de que se havia ficado vermelha.

― De quem você acha que é? ― espetou-lhe.

― Então, não faltam mais que umas poucas semanas...

― Já vejo que sabe contar ― comentou Kirsten com acidez.

Shahir não sabia o que dizer.

Se seus cálculos eram corretos, em menos de dois meses ia ser pai. Estava completamente atordoado. O filho que Kirsten ia ter era dele... Por isso estava tão cansada.

Shahir não sabia quase nada de gravidez nem de mulheres grávidas, mas o pouco que sabia, que sua mãe tinha morrido ao dar a luz a ele, fez que um calafrio de terror lhe percorresse as costas.

Um empregado do hotel lhes tinha aberto a porta principal e estavam no salão.

― Quero que saiba que o odeio por ter me posto nesta situação ― disse Kirsten com veemência. ― Odeio-o!

Shahir pensou que era normal que estivesse zangada. Obviamente, não devia ter passado muito bem nos últimos meses e era evidente que estava cansada, mas agora que ele tinha chegado para tomar conta dela tudo ia mudar.

A situação ia melhorar para ela.

Shahir sentiu um tremendo desejo de tomá-la entre seus braços e de correr com ela para o aeroporto, mas estava consciente de que não podia levá-la a seu país e cuidá-la até que fosse sua esposa.

― Está me ouvindo? ― gritou Kirsten.

― Sim. Estou consciente de que não tivemos uma relação convencional...

― Não tivemos nenhuma relação, nem convencional nem não convencional... Simplesmente se deitou comigo!

― Não acredito que recordar o passado de um ponto de vista emocional sirva de nada. Está grávida, vai ter meu filho e isso é a única coisa que importa agora. O que temos que fazer é nos casar o quanto antes ― declarou Shahir muito seguro de si mesmo.

― Por que?

― Porque nosso filho ou filha será o herdeiro ou herdeira do trono do Dhemen, mas somente se nascer dentro do casamento e for declarado legítimo ou legítima.

Kirsten ficou olhando-o furiosa.

― Não disse nada do que eu te falei.

― Não penso comentar o que disse porque tenho muito claro que a única coisa que importa agora mesmo é o filho que vai ter.

― Continua querendo se casar comigo? ― perguntou-lhe Kirsten estupefata.

Não podia acreditar que a vida a voltasse a pôr diante de si Shahir, que de novo tivesse a oportunidade de casar-se com ele. O orgulho e um forte sentido de justiça lhe tinham feito negar-se aquela possibilidade sete meses antes porque então não necessitava de uma aliança para compensar a perda de sua virgindade e, embora já estava apaixonada por ele então, não tinha querido aceitar aquelas condições tão humilhantes.

― É obvio ― respondeu Shahir.

― E não teria sido mais simples tomar precauções e evitar que isto acontecesse?

― Sim, mas não aconteceu assim ― respondeu Shahir apertando a mandíbula. ― Asseguro-lhe que jamais antes tinha me acontecido nada parecido.

― E não lhe passou pela cabeça neste tempo que eu podia ter ficado grávida?

Shahir se ruborizou levemente.

― Quando me passou pela cabeça que não tínhamos usado métodos anticoncepcionais, já era muito tarde e confesso que depois nem me expus isso. Embora tenha pedido que continuasse em contato comigo, ao não fazê-lo, nunca me passou pela cabeça que tivesse ficado grávida.

― E agora que sabe como se sente? Furioso? Nervoso? ― perguntou-lhe Kirsten ansiosa por ter uma resposta.

― Acredito que este é nosso destino e que devemos aceitá-lo com alegria ― respondeu Shahir.

Kirsten não podia acreditar no que estava ouvindo. Estava segura de que Shahir tinha que ter se sentido frustrado e confuso embora não estivesse disposto a admitir.

― O que é isso que comentou antes de que o menino ou a menina herdará o trono de não sei que país?

― Eu sou o príncipe herdeiro de meu país. Meu pai, Hafiz, é o atual rei do Dhemen ― explicou-lhe Shahir. ― Acaso não sabia?

A verdade era que Kirsten sabia que Shahir era príncipe, é obvio, mas não se expôs que fosse o filho de um rei, ela acreditava que ele seria um parente longínquo, um príncipe a mais de tantos. Certamente, não tinha lhe passado pela cabeça que fosse o próximo na linha de sucessão.

― Vamos jantar... ― indicou-lhe Shahir.

Só então Kirsten se deu conta de que alguém tinha aberto uma porta que levava a uma sala em que tinha preparada uma mesa simples e elegante para dois.

Depois de sentar-se à mesa, Shahir lhe serviu água e Kirsten bebeu o copo inteiro.

― Então, Kirsten, está disposta a esquecer sua hostilidade comigo e a se converter em minha esposa? ― insistiu Shahir.

― Não posso acreditar que queira se casar com uma ladra ― comentou Kirsten com malícia.

Shahir a olhou nos olhos com intensidade.

― A vida é cheia de surpresas ― disse-lhe.

Kirsten o olhou triste porque, em segredo, tinha guardado a esperança de que Shahir tivesse mudado de opinião sobre ela.

― Eu não roubei aquela jóia, não sou uma ladra ― assegurou-lhe de novo.

Shahir não respondeu.

Kirsten sabia o que queria dizer seu silêncio e teve que fazer um grande esforço para que não lhe saltassem as lágrimas de raiva. Teria gostado de falar daquele assunto com Shahir, mas estava consciente de que não tinha energias para fazê-lo e de que, além disso, a única coisa que importava naquele momento ao príncipe era o filho que iam ter.

Shahir queria casar-se com ela para que seu filho fosse legítimo e, para ser sincera, Kirsten estava impressionada pelo grau de compromisso para com o bebê que Shahir tinha demonstrado e o pouco que tinha demorado a fazer-se responsável pelo seu futuro.

É obvio, se importava muito pouco, tal e como demonstrava que nem se alterou quando lhe havia dito que o odiava, mas, o que esperava?

Se Shahir era capaz de passar por cima de certos sentimentos e de não fazer caso de situações desagradáveis pelo bem do bebê, acaso ela não deveria fazer o mesmo?

Por desgraça, era evidente que lhe ia custar muito mais porque estava completamente apaixonada pelo Shahir bin Harith al Assad, um homem que lhe tinha feito um dano terrível, e lhe bastava levantar o olhar e ver seus maravilhosos olhos para dar-se conta de que se estava arriscando-se a sofrer de novo.

Entretanto, sentia-se terrivelmente envergonhada porque Shahir foi capaz de considerar única e exclusivamente o bem do bebê e ela, não.

― Vai se casar comigo? ― insistiu Shahir

― Sim ― respondeu Kirsten encolhendo-se de ombros, como dando a entender que lhe dava exatamente igual.

Shahir pensou que Kirsten se educou em um ambiente no que ter filhos fora do casamento era muito mal visto e, obviamente, queria economizar a seu bebê o sofrimento de ter que viver com aquele estigma.

― Prometo que jamais lhe darei motivos para que se arrependa desta decisão. Vou preparar imediatamente o casamento ― sorriu Shahir alongando o braço e lhe acariciando a mão.

Surpresa, Kirsten se apressou a retirá-la.

― Não é preciso que finjamos ― murmurou deixando a um lado o prato de sopa que mal tinha provado. ― Nós dois sabemos que nosso casamento não é de verdade, assim não precisa que fingir quando estivermos sozinhos.

Shahir teve que fazer um grande exercício de disciplina e autocontrole para não responder porque, embora dentro de sua família tivesse fama de ser o mais diplomático de todos, quando estava com Kirsten se sentia como um elefante em uma debandada.

Uma vez a sós, teria que pensar detalhadamente sobre por que quando estava com ela não era capaz de ser discreto e judicioso.

No momento, preferiu se calar.

 

― Pareço uma vaca ― comentou Kirsten com ar triste ao olhar-se no espelho. Ao sentir uma pontada no púbis, fez uma careta de dor e se disse que não era nada.

Jeanie ficou olhando sua amiga e sacudiu a cabeça.

― O vestido é uma preciosidade e está genial ― assegurou-lhe.

― Mas se estiver muito gorda... ― insistiu Kirsten fechando a mala.

Era verdade que estava gravidíssima e que nenhum vestido de noiva poderia ter escondido sua barriga. O vestido que lhe tinham confeccionado era jovem e bonito, mas não deixava de ser um vestido para grávida e Kirsten teria dado algo no mundo por parecer uma noiva aquela manhã e não uma grávida.

Tinha transcorrido uma semana desde que tinha aceitado a proposta de casamento de Shahir e durante esse tempo tinha deixado o trabalho e ele lhe tinha dado um cartão de crédito, que mal tinha utilizado, dois guarda-costas e uma suíte em um hotel.

Squeak tinha se acostumado à vida luxuosa com incrível rapidez e passeava por seu novo entorno com uma dignidade e uma pomposidade que tinham surpreendido Kirsten.

Ela, entretanto, sentia-se como se estivesse interpretando um papel em uma peça de teatro.

Shahir havia ido ao Dhemen para falar com sua família e obter autorização de seu pai para casar-se e, antes de ir, tinha insistido em que Kirsten ligasse para Jeanie para convidá-la para o casamento.

Desde que tinha partido, tinha ligado todos os dias e se mostrou educado, considerado e... Impessoal.

― Sabe o que as pessoas ontem no castelo estão dizendo? ― sorriu Jeanie.

Kirsten negou com a cabeça.

― Que lady Pamela lhe preparou uma armadilha para acusá-la de ladra porque se deu conta de que o príncipe Shahir se apaixonou perdidamente de você!

Kirsten fechou os olhos presa na dor porque estava perfeitamente consciente de que, apesar de que ia se casar com ela, seu futuro marido não a amava.

― Todo mundo sabia que a viúva alegre levava um par de anos tentando lhe jogar o laço, mas por mais minissaias que se pôs não pôde fazer nada ― riu a ruiva. ― a verdade é que me alegro muito de que todas suas artimanhas não tenham podido com seu amor porque... Você está completamente apaixonada pelo príncipe, não é verdade?

― Sim ― murmurou Kirsten.

Naquele momento, soou o telefone.

― O carro já está pronto, está te esperando ― anunciou Jeanie, ― dentro de duas horas, será uma princesa.

― Bom, não sei...

― Como que não? Se casar com um príncipe, obviamente, você se converte em uma princesa. E o bebê? Com certeza também lhe darão algum título, não?

― Não sei ― respondeu Kirsten saindo da suíte.

― Suponho que a família do príncipe Shahir esteja surpresa com tudo isto. Não acredito que lhes seja engraçado que seu filho se case com uma mulher que não é de sangue real! ― comentou Jeanie. ― Oh, perdão, não teria que ter dito isso... ― acrescentou tampando a boca com a mão.

― Por que não? É a verdade ― respondeu Kirsten.

― Já sabe que vou depois da missa ― comentou sua amiga mudando de assunto.

― Não, Jeanie, por favor...

― Sim, já falamos disso. Não poderia comer ao lado de um príncipe. Poria-me muito nervosa.

Donald tinha se oferecido para levar Kirsten ao altar, mas ela o tinha agradecido e lhe havia dito que não era necessário porque ia ser um casamento muito simples em que somente haveria um par de testemunhas.

A verdade era que lhe produzia uma terrível dor que não fosse participar ninguém de sua família. Teria-lhe encantado que seu irmão Daniel estivesse ali com ela, mas não tinha nem idéia de como localizá-lo.

Tinha ligado para sua casa para dizer a seu pai que ia se casar, mas, assim que tinha ouvido a voz de sua filha, Angus Ross tinha desligado o telefone.

Kirsten tinha tentado convencer-se de que dava igual, de que aquele casamento era um casamento de conveniência que ia ter lugar única e exclusivamente pelo bem do bebê, que o anel que Shahir ia lhe entregar não ia lhe entregar com amor.

Nem sequer com respeito porque, se Shahir continuava acreditando que fosse uma ladra, como ia respeitá-la? Claro que, se as pessoas começavam a duvidar da versão de Morag Stevens e a suspeitar de lady Pamela, talvez, Shahir terminasse descobrindo a verdade.

― Vá para ele! ― disse Jeanie no ouvido quando Kirsten chegou ao início do corredor.

Kirsten ruborizou dos pés a cabeça e ficou olhando para Shahir, que a esperava junto ao altar mais incrível e bonito que nunca.

Para que negá-lo? Estava perdidamente apaixonada por ele. Quando Shahir a chamava por telefone, Kirsten sentia mariposas no estômago e, quando lhe sorria, sentia que lhe elevava o coração como se tivesse asas.

A cerimônia foi breve, mas Kirsten não pôde evitar emocionar-se quando Shahir lhe pôs a aliança. Agora era seu marido.

Shahir estava realmente preocupado com Kirsten porque cada dia parecia mais frágil e estava mais pálida embora ela sempre dissesse que se encontrava bem. Estava desejando ir ao Dhemen para que um ginecologista de sua inteira confiança pudesse examiná-la.

Enquanto Shahir pensava em tudo isso, Kirsten não podia deixar de pensar em que nem sequer tinha um buquê de noiva, e que tudo aquilo era uma farsa, e que aquele casamento adoecia de amor por toda parte e em que era melhor que fosse se acostumando porque isso era o que a esperava.

Estavam saindo da igreja quando Kirsten sentiu uma aguda pontada de dor no ventre que a fez dobrar-se para frente.

― O que está acontecendo? ― exclamou Shahir, preocupado.

― Está doendo ― conseguiu responder Kirsten. ― Dói muito!

Shahir deu instruções em árabe a seu irmão Raza, tomou Kirsten em seus braços e a colocou no carro.

― Estou com medo ― confessou Kirsten nervosa.

Continuando, fechou os olhos com força e rezou. Enquanto isso, Shahir a fez deitar-se, ele se sentou, colocou-lhe a cabeça sobre seu colo e lhe agarrou as mãos para lhe dar forças.

― Não se preocupe, chegaremos ao hospital em menos de cinco minutos.

― Suponho que não tinha previsto que isto ocorresse hoje.

― Fique tranqüila... ― respondeu Shahir afastando o cabelo de seu rosto. ― Estou com você e não vai acontecer nada. Os momentos difíceis são mais fáceis se levarem entre dois.

Kirsten estava sinceramente preocupada em ter um parto prematuro, temia que acontecesse algo ao bebê.

Ao chegar ao hospital, Kirsten ficou aniquilada, pois se tratava de uma clínica particular que pertencia a uma das fundações de Shahir.

Assim que a examinou, o médico decidiu que teria que interná-la.

― Deveria comer algo ― indicou Kirsten para Shahir dez minutos depois, uma vez a sós em seu quarto.

― Está de brincadeira?

― Não tem fome?

― Quero ficar com você.

― Não precisa ― mentiu Kirsten porque, na realidade, o que mais necessitava no mundo era de sua companhia.

― Dá-me igual que precise ou não porque vou ficar de todas as formas.

Aquela declaração impressionou Kirsten, que começou a relaxar-se.

― Estou cansada... ― bocejou da cama.

― Durma ― indicou-lhe Shahir.

Kirsten assim o fez e, quando despertou, a primeira coisa em que se fixou foi em sua mão e em como brilhava sua aliança de casamento.

Tal e como tinha prometido, Shahir não se foi. Estava de costas para ela, olhando pela janela.

― Suponho que não era assim que tinha planejado passar o dia de nosso casamento ― comentou Kirsten.

Shahir se virou para ela e a olhou preocupado, o que surpreendeu Kirsten.

― Parece que já não está tão pálida. Sente alguma dor?

Kirsten negou com a cabeça e Shahir sorriu aliviado, aproximou-se da cama e a olhou.

― É uma mulher forte e nosso filho também o será.

― Vou ter que passar a noite aqui?

― Sim ― respondeu Shahir. ― Tem fome?

― Não.

― Estou preocupado pelo peso que perdeu e o médico, também ― comentou Shahir com amabilidade.

― Ter náuseas a todo o momento não me permite desfrutar da comida. Por isso perdi tanto peso ― explicou-lhe Kirsten. ― Você já comeu algo?

― Não, estou tão preocupado com você que não tenho fome ― respondeu Shahir.

Kirsten o olhou nos olhos e suspirou.

― Está bem, mensagem recebida. Tentarei comer um pouco.

Efetivamente, Kirsten conseguiu comer uma comida leve e inclusive saborear uma mousse de chocolate antes de voltar a adormecer.

Despertou a meia-noite e viu que havia luz em um canto do quarto. Shahir estava sentado em uma cadeira junto à cama e Kirsten ficou olhando-o.

― Por que ainda está aqui? ― murmurou surpresa de que não a tivesse deixado aos cuidados do pessoal médico.

Shahir não pôde ocultar sua surpresa pela pergunta.

― E onde quer que esteja? É minha mulher e esta é nossa noite de núpcias ― respondeu olhando-a nos olhos.

Kirsten tinha pensado que ele lhe responderia que era seu dever estar junto a ela e ao bebê que esperavam, mas aquela resposta lhe tinha pegado de surpresa.

― Tinha esquecido...

― A mim, não ― disse Shahir lhe acariciando a mão. ― Durma.

― Sim, chefe ― brincou Kirsten.

Shahir riu de maneira sensual.

― Importaria-se de cuidar de Squeak?

― Não se preocupe, está tudo controlado.

― Estará perdido sem mim ― comentou Kirsten preocupada.

― Não se preocupe, eu mesmo me assegurarei pessoalmente de que esteja bem. Faz quanto tempo que o tem?

― Minha mãe me deu de presente quando era um cachorrinho e eu tinha nove anos. Agora tem treze ― respondeu Kirsten.

― Sim, certamente, é um ancião venerável. Não se preocupe, não lhe acontecerá nada.

Durante os cinco dias seguintes, a Kirsten ficou muito claro que não tinha mais opção que ser extremamente prudente e cuidadosa durante o tempo que restava da gravidez.

― Quando vamos ao Dhemen? ― perguntou a Shahir.

― Agora não é o melhor momento. Teremos que ficar em Londres até depois do nascimento do bebê ― respondeu seu marido encolhendo-se de ombros e aceitando a situação. ― Agora o mais importante é que descanse. Suponho que deve ser duro ter que ficar na cama, mas cada dia que nosso filho passa dentro de seu corpo se fortalece mais.

Kirsten se disse que seriam somente umas poucas semanas e que estava disposta a fazer o fosse preciso para assegurar-se de que seu filho nascesse com boa saúde.

― Vou ter que ficar na clínica?

― Não. Se me prometer que vai ser prudente, contratarei agora mesmo um par de enfermeiras e a levarei até nosso apartamento de Londres.

― Serei prudente ― repetiu Kirsten.

Trinta e seis horas depois, que lhe deram alta, instalou-se em um apartamento de cobertura em que se encontrou com grande júbilo com Squeak e conheceu a primeira das três enfermeiras que a iam cuidar dela por turnos.

O apartamento era incrivelmente grande, mobiliado na última moda e moderno. Kirsten se encontrou logo instalada em um divã situado em um grande quarto em que havia uma vista espetacular do rio Tamisa.

No meio da manhã, recebeu várias caixas com conjuntos de lingerie e, animada pela enfermeira, escolheu uma camisola de seda cor verde clara a jogo com um robe e deixou que lhe escovassem o cabelo para a visita de Shahir na hora do almoço.

― Está bem aqui? ― perguntou-lhe ao chegar. ― Esta é a casa que utiliza toda a família quando vem a Londres. Talvez, devesse comprar algo mais privado...

Ao ver Shahir chegar, a enfermeira sorriu e saiu rapidamente do quarto.

― Esta enfermeira se comporta como se fôssemos recém casados e estivéssemos desesperados para estar sozinhos ― murmurou Kirsten em tom de desculpa.

Em resposta, Shahir baixou a cabeça para ela, tomou seu rosto entre as mãos e a beijou. Desconcertada, Kirsten sentiu que lhe acelerava o coração. Shahir se deitou junto a ela e voltou a beijá-la.

― Talvez pudéssemos aproveitar o tempo que estamos a sós, mas os prazeres melhores sempre nos estão vedados ― sorriu. ― Dei-me conta de que me deseja tanto como eu a desejo e isso me dá forças para ter paciência.

Consternada por aquela conversa, para a qual não estava preparada absolutamente, Kirsten se mostrou ultrajada e indignada.

― Isso não é verdade!

Sem duvidar um segundo, Shahir alongou o braço e lhe tocou os mamilos, que tinham se endurecido sob a seda. Kirsten fechou os olhos com força e ruborizou dos pés a cabeça sem poder evitar desfrutar da sensação de prazer que suas carícias lhe provocavam.

― Seu corpo reconhece e sabe a verdade. Se fosse possível, agora mesmo faria amor com você ― murmurou Shahir com voz rouca. ― Entretanto, o fato de ter que esperar fará muito mais prazenteiro o encontro quando chegar o momento.

― Supõe-se que nosso casamento não seja de verdade! ― protestou Kirsten.

― Você quer que seja assim? A verdade é que eu prefiro não fingir, eu não gosto de fingir ― respondeu Shahir. ― É minha mulher e logo será a mãe de meu filho, assim não quero que haja nada falso em nossa relação. Eu lhe disse que voltaremos a nos casar no Dhemen?

― Não, não havia me dito nada ― respondeu Kirsten olhando-o nos olhos.

― Talvez eu tenha que deixar claro o que quero. Embora pudesse me deitar com você agora mesmo, a verdade é que preferiria agüentar e controlar meu desejo até que toda minha família a considere realmente minha esposa ― disse Shahir.

― Você acha que me aceitarão? ― perguntou Kirsten preocupada.

― É obvio que sim ― respondeu Shahir amavelmente. ― Pelas aparências, fizemos todos acreditarem que nos casamos no ano passado em segredo porque para o meu pai não parecia boa nossa relação e não nos deu autorização para um casamento oficial. Entretanto, o eminente ao nascimento de nosso filho abrandou o coração do rei, que decidiu respeitar minha decisão. Assim, todo mundo ficará contente.

Kirsten pensou que Shahir estava pagando um alto preço por ter se deixado levar pelo desejo sexual que sentia por ela porque, afinal, ele não estava apaixonado por ela e ela, sim.

Naquele momento, o bebê lhe deu um chute.

― Ah! ― exclamou Kirsten colocando a mão sobre a barriga.

― Posso? ― perguntou Shahir estendendo um braço para ela.

― Sim...

Shahir lhe pôs a palma da mão sobre a barriga e sorriu encantado.

― Que feliz está me fazendo ― murmurou com uma sinceridade que emocionou Kirsten.

Embora Shahir não a quisesse, era óbvio que não se sentia mal porque iria ser pai e aquilo significava muito para ela. Evidentemente, estava encantado com o nascimento de seu filho e estava decidido a celebrar sua chegada e não simplesmente a aceitá-lo como algo inevitável.

Além disso, apesar de que sua figura tinha perdido sua esbelteza, acabava de demonstrar que continuava achando-a atraente e Kirsten se disse que ambas as coisas era muito positivas.

Entretanto, não devia esquecer tampouco que se casou com um homem que a considerava uma ladra.

Kirsten pensou e compreendeu que, ao não conhecê-la virtualmente, era lógico que Shahir tivesse acreditado que tinha roubado. Entretanto, estavam construindo uma relação e, cedo ou tarde, teria a suficiente confiança com ele para falar daquele assunto e convencê-lo, demonstrando sua inocência, de que ela não tinha tido nada que ver com o desaparecimento do diamante de lady Pamela.

No dia seguinte, enquanto tomava o café da manhã, chegaram um montão de revistas e de livros, outra amostra de que Shahir pensava nela.

Kirsten se encontrava muito melhor e, de fato, comeu uma tigela de cereais, um croissant e duas xícaras de chocolate.

Durante as duas semanas seguintes, Shahir passou todo o tempo livre que teve com ela, mas não voltou a beijá-la. Entretanto, cancelou todas as suas viagens de negócios ao estrangeiro para estar ao seu lado.

No final, Kirsten entrou em trabalho de parto quinze dias antes do esperado, no meio da manhã. Shahir estava na outra ponta de Londres.

Quando chegou à clínica, Kirsten já estava internada.

― Não se preocupe, não vai doer ― assegurou-lhe apertando a mão. ― Falei com os médicos e eles me asseguraram que não vai sofrer absolutamente.

Kirsten pensou que quem parecia que estava sofrendo muito era ele e se deu conta de que estava muito pálido. Ela estava consciente de que dar a luz implicava certa dor, mas não o disse.

Shahir estava tão preocupado com Kirsten, que ficou rezando. Nem a melhor equipe médica do mundo podia assegurar que a uma parturiente não acontecesse nada. Sua própria mãe, jovem e sã, tinha morrido pouco depois de dar a luz e seu pai jamais se recuperou da perda da mulher a que adorava.

Meia hora depois, nasceu seu filho e tudo foi às mil maravilhas.

― É... É... um milagre ― disse ao vê-lo, visivelmente emocionado. ― Dentro de umas semanas, quando estiver bem, iremos ao Dhemen e o apresentaremos ao meu povo.

 

Quando o avião particular aterrissou no Dhemen, Kirsten tomou em seus braços o seu filho Tazeem e o abraçou com carinho.

― Quem é o menino mais bonito do mundo? ― murmurou beijando-o na testa.

Tazeem a olhou com seus imensos olhos marrons, tão parecidos com os de seu pai, e Kirsten sorriu encantada ao ver que se encontrava bem.

Durante suas primeiras semanas de vida, o menino tinha adoecido constantemente e seus pais se preocuparam muito, mas, pouco a pouco, tinha ganhando saúde e agora estava perfeitamente saudável e feliz.

Entretanto, as constantes enfermidades do pequeno tinham feito com que Kirsten ficasse em Londres enquanto Shahir percorria o mundo com assuntos de negócios.

Agora, Tazeem tinha sete semanas e fazia três que Kirsten não via seu pai. Sentia-se nervosa e desejosa de vê-lo o quanto antes.

Shahir tinha mantido sua férrea promessa de não voltar a tocá-la até que se casassem pela segunda vez e nem sequer havia tornado a beijá-la depois do nascimento do menino.

Aquilo tinha feito que Kirsten se sentisse virtualmente rejeitada, algo que lhe tinha doído sobremaneira e a tinha feito assumir que Shahir estava única e exclusivamente com ela pelo bem do filho.

Depois de entregar o bebê a sua babá, Kirsten ficou em pé. Antes de aterrissar, trocou de roupa, escolhendo um lindo conjunto de jaqueta azul porque o azul era uma cor muita apreciada no Dhemen, tal e como tinha lido nos numerosos livros que tinha devorado sobre o país de origem de seu marido.

Ao ouvir a voz de Shahir, virou-se e se deu conta de seu marido tinha aberto a porta do avião e tinha entrado para procurá-la.

― Shahir... ― murmurou indo para ele.

Shahir a olhou e sorriu, fazendo que ao Kirsten lhe acelerasse o coração.

― Senti sua falta ― disse Shahir pegando-a pela mão e soltando-a quase imediatamente. ― Tazeem ― acrescentou olhando seu filho e sorrindo encantado. ― Parece feliz e não é para menos agora que, por fim, está em casa e com sua família.

Magoada pela fria recepção, Kirsten olhou pela janela e ficou estática ao ver a multidão ali congregada sob o ardente sol.

― Meu Deus, mas o que aconteceu? O que faz toda essa gente aí?

― Vieram para lhes dar as boas-vindas ao menino e a você. Preparada? É de má educação fazer esperar às pessoas sob este sol.

― Minha mãe... ― suspirou Kirsten nervosa.

― Só tem que sorrir ― tranqüilizou-a Shahir tomando-a pela mão e conduzindo-a para escadinha do avião.

Sentindo-se virtualmente cega pelo sol, Kirsten percebeu que uma banda de música começava a tocar. Antes que lhe desse tempo de reagir, Shahir a tirou da mão.

― Não se mova ― ordenou-lhe. ― Mantenha a cabeça erguida. É nosso hino nacional ― explicou-lhe. Kirsten assim o fez.

Alguns minutos depois, já na pista, Shahir a apresentou a um homem vestido com uniforme militar enquanto as pessoas aplaudiam e a saudavam com respeito. Continuando, Shahir a conduziu para uma marquise com toldo, onde se sentaram.

Uma vez ali, uma menina pequena se aproximou para entregar a Kirsten um buquê de flores e ela sorriu sinceramente comovida e lhe agradeceu em árabe.

― Me impressionou ― admitiu Shahir.

― Bem, não é para tanto ― comentou Kirsten com acanhamento. ― Comprei um dicionário em Londres e aprendi umas poucas palavras.

Continuando, um conselheiro ministerial lhes deu as boas-vindas com um discurso entusiasta e, ao finalizar, apareceu uma imensa limusine branca que parou junto aos príncipes herdeiros. Quando ficaram em pé, a orquestra começou a tocar uma peça que ao Kirsten era muito conhecida.

― Em sua honra, os músicos escolheram uma peça composta por um compositor inglês ― explicou-lhe Shahir.

― Chama-se Chanson do Matin ― respondeu Kirsten emocionada. ― Era uma das peças preferidas de minha mãe.

― Não tinha nem idéia de que soubesse tanto de música clássica.

― Em minha casa não havia televisão e minha mãe mantinha meu irmão e a mim ocupados pelas noites com o piano... Até que para meu pai pareceu que nos passávamos isso muito bem e o vendeu.

― Pequeno canalha.

― A minha mãe se acabou e eu prometi a mim mesma que algum dia teria um piano e poderia tocar tudo o que me desse a vontade ― riu Kirsten.

No interior da limusine, havia ar condicionado e Kirsten alongou as pernas e suspirou encantada enquanto Shahir estudava seu delicado perfil e se dizia que, além de ter um caráter independente que adorava, sua mulher tinha uma surpreendente sensibilidade.

Quanto mais sabia sobre aquela mulher, mais queria saber. Kirsten era como um quadro que nunca perde seu atrativo. O elegante traje que tinha escolhido para a ocasião era próprio de uma mulher de sua surpreendente beleza.

Em muitos aspectos, não deixava de surpreendê-lo e sempre agradavelmente. Chegados a aquele ponto, Shahir recordou o amargo incidente do colar de diamantes e não pôde evitar esticar-se aborrecido.

― Minha mãe! ― exclamou Kirsten. ― Mas como? ― acrescentou ao ver uma imensa fotografia dela e do Shahir em uma revista publicitária.

― É o anúncio de nosso casamento ― informou-lhe Shahir com frieza. ― Todo o país o celebrará conosco e será um dia de festa popular.

Kirsten engoliu em seco e se perguntou por que Shahir a estava tratando de maneira tão distante. Seria por que não queria voltar a casar-se com ela? Ter que se casar duas vezes com uma mulher a quem não amava tinha que ser insuportável.

A capital do país, Jabil, parecia ser uma cidade de amplas avenidas com árvores e edifícios modernos situados junto a preciosas mesquitas e a maravilhosas casas com jardim, lojas estupendas e hotéis de nível internacional.

― Nosso casamento será tradicional ― explicou-lhe Shahir, temendo que sua noiva européia sofresse um choque cultural. ― Os festejos começam esta noite e terminarão amanhã pela tarde. Não voltaremos a nos ver até que comece a cerimônia.

Kirsten não achou nenhuma graça que a separassem dele tão cedo.

― E tem que ser assim? Por que não podemos estar juntos?

Ao detectar o pânico de sua voz, Shahir a olhou nos olhos e segurou sua mão.

― É a tradição e me parece que já pulamos algumas regras, não acha? Normalmente, os festejos duram três dias e nós os reduzimos a um e meio pela apertada agenda de meu pai.

― Mas eu não conheço ninguém aqui... ― lamentou-se Kirsten com lágrimas nos olhos.

― Todos em minha família falam inglês e vão se dar muito bem com você ― prometeu-lhe Shahir. ― Minha família está muito aliviada porque, por fim, encontrei uma esposa.

― Aliviada? ― perguntou Kirsten confusa.

― Pelo visto, meu pai nunca me pressionou para que me casasse porque acreditava que era a melhor maneira de que, algum dia, escolhesse uma mulher de meu gosto. Entretanto, ao ver que não tinha nenhuma pressa por contrair casamento, tinha começado a preocupar-se.

Naquele momento, Kirsten se lembrou de Faria e se perguntou quantas pessoas saberiam que Shahir estava apaixonado por ela.

― O que era o que tanto preocupava ao rei?

― Como já se dará conta, meu pai é bastante pessimista e acreditava que, embora me casasse, demoraria anos para ter um herdeiro. Por isso, ao lhe dizer que me tinha casado e que estava esperando um filho ele se mostrou encantado.

Kirsten sorriu mortificada.

― O que contou a seu pai?

― A verdade.

Kirsten o olhou consternada.

― Então, contou-lhe que... O que lhe contou exatamente?

― Que me deitei com uma virgem ― respondeu Shahir. ― O que queria que lhe contasse? ― acrescentou como se aquela pergunta lhe parecesse da mais estranha.

― Mas essa informação era entre você e eu, não para que fosse contando por aí! ― ruborizou Kirsten.

― Queria me assegurar de que meu pai não jogasse em você a culpa de nada, de que entendesse que o único responsável por esta situação era eu e assim foi.

Kirsten respirou fundo e tentou dissimular sua vergonha.

A limusine e o resto dos veículos que a acompanhavam enfiaram a auto-estrada em direção ao palácio Ahmet, domicílio da família real Dhemení do século XIV Enquanto admirava as dunas de areia que os rodeavam, ao Kirsten lhe ocorreu algo muito desagradável.

― Não contou a seu pai do roubo, não é verdade?

― Está de brincadeira? ― respondeu Shahir com frieza. ― Meu pai a tem por uma mulher sem mancha.

― Shahir, não tornei a falar deste assunto contigo em muito tempo com a esperança de que, à medida que fosse me conhecendo, se desse conta de que sou incapaz de roubar algo. Por Deus, será que ainda não me conhece? Eu não roubei aquela jóia nem jamais toquei naquele estúpido broche!

― Por favor, não grite!

― Grito porque é um cabeça dura que se nega a ouvir a outra versão dos fatos! ― exclamou Kirsten indignada. ― É minha reputação que está em jogo neste momento e tenho o direito de me defender. Eu nunca roubei nada em minha vida.

― Não acredito que seja este o momento de falar deste assunto.

― Pois eu, sim ― insistiu Kirsten. ― Pelo visto, em Strathcraig todos estão convencidos de que lady Pamela me preparou essa armadilha porque se deu conta de que se sentia atraído por mim. Por desgraça, não tenho nem idéia de por que a testemunha mentiu e disse que tinha me visto colocar o diamante em meu armário, mas agora o importante é que é meu marido e... Em lugar de me repetir até não poder mais que me respeita e que me protegerá toda a vida, deveria fazer algo útil e limpar meu nome!

Shahir ficou olhando-a lívido.

Como era possível que Kirsten acreditasse que estava disposto a aceitar a versão de que não era uma ladra como se tal coisa fosse fácil? Claro que não, teria lhe encantado poder defendê-la, mas, tal e como tinham ocorrido às coisas, parecia bastante evidente que Kirsten tinha roubado aquele diamante.

Entretanto, pela primeira vez desde que tinha ocorrido o incidente, lhe apresentava a possibilidade de que as coisas tivessem acontecido de outra maneira, de que o roubo tivesse sido falso e se montou com o único propósito de desacreditá-la.

Teria que refletir sobre aquela possibilidade.

Naquele momento, um lacaio abriu a porta do carro e Shahir desceu. Encontrou-se com o primeiro-ministro, que lhe fez uma profunda reverência.

Continuando, a babá entregou a Shahir o seu filho e este esperou com o menino nos braços que Kirsten saísse da limusine.

Kirsten ainda estava tremendo dos pés a cabeça depois do arrebatamento de cólera que tomou conta dela quando uma mulher de quase trinta anos se aproximou deles e Shahir a apresentou como sua irmã Jahan.

― Bem-vinda ao seu novo lar ― saudou-a Jahan com um grande sorriso. ― Quero que saiba que estamos encantados ante a iminência de suas bodas.

Continuando, formou-se uma fila de pessoas que queriam ver o Tazeem, que dormia nos braços de seu pai.

― Meu irmão procederá agora para levar o seu filho para conhecer o rei. Você conhecerá meu pai no casamento ― explicou-lhes Jahan. ― Agora deve vir comigo.

Kirsten olhou de soslaio para seu marido, desejando poder ter cinco minutos a sós com ele para falar tranqüilamente do desagradável incidente do roubo, mas estava consciente de que era impossível.

― Tem uma surpresa ― anunciou-lhe Jahan encantada enquanto cruzavam um imenso vestíbulo de chãos de mármore e entravam em uma passagem que parecia conduzir a uma zona moderna do palácio. ― Espero que você goste porque Shahir se tomou todo tipo de aborrecimentos.

― Uma surpresa? ― perguntou Kirsten confusa, com a mente ainda na discussão que acabava de ter com o Shahir.

― Não posso contar nada mais para não estragá-la ― sorriu sua cunhada. ― Deve esperar aqui para que lhe tragam para Tazeem.

― Vão demorar muito?

― Uma meia hora se muito ― respondeu Jahan abrindo a porta de uma estadia com expressão expectativa no rosto.

Ao entrar no cômodo, perguntando-se qual seria a surpresa, Kirsten viu um homem junto à janela e o reconheceu imediatamente.

― Daniel?

― Sim, sou eu... ― respondeu seu irmão com a voz tomada pela emoção.

Kirsten, com lágrimas nos olhos, cruzou a sala correndo e o abraçou, cheia de sorte e felicidade.

 

Passou um bom momento antes que Kirsten e Daniel deixassem de fazer-se perguntas um ao outro à toda velocidade.

― Não conheço seu marido pessoalmente, mas nos falamos por telefone. Shahir contratou os serviços de vários detetives para que me encontrassem. Pelo visto, falaram com toda as pessoas que tinham me conhecido e em um dado momento um de meus professores do colégio mencionou que eu sempre dizia que queria ir para a universidade estudar biologia marinha.

― Sim, recordo-me perfeitamente.

― Agora, estou terminando o doutorado, mas o estou fazendo enquanto trabalho em um projeto no estrangeiro e os detetives não puderam me encontrar até anteontem. Vim tão rápido quanto pude.

― Ainda não posso acreditar que esteja aqui ― maravilhou-se Kirsten.

― Deveria ter voltado para casa faz muito tempo para me assegurar de que estava bem ― desculpou-se Daniel.

― Papai não teria te deixado entrar.

― Quero que saiba que, quando fui embora eu telefonava freqüentemente, mas ele nunca me deixava falar com você.

― Não tinha nem idéia de que tivesse ligado.

― Inteirei-me da morte de mamãe um ano depois do acontecido e foi por acaso, falando com um colega do colégio ― acrescentou Daniel pesaroso. ― Senti-me muito culpado ao me dar conta de que não tinha podido me despedir dela ao não ter tido a coragem de enfrentar o papai.

― Mamãe sentia sua falta, mas era feliz de que tivesse sua própria vida. Se tivesse chegado a se enfrentar diretamente com papai, a teria destroçado.

Daniel assentiu.

Naquele momento, chegou a babá de Tazeem e Daniel tomou o seu sobrinho nos braços e sorriu encantado.

― Tenho em meus braços o futuro rei...

Kirsten e Daniel comeram juntos no luxuoso apartamento composto por várias suítes que Kirsten ocupava no palácio.

Depois do almoço, Daniel foi conhecer Shahir e para preparar-se para a festa de despedida de solteiro que ia ter lugar àquela noite. Enquanto, ela se reunia com um montão de mulheres da família do príncipe, entre as que se encontravam outra irmã, umas tias avós, várias tias, e inumeráveis primas.

Durante toda à noite, escutou como todas se desfaziam em elogios para seu marido e esperou, em vão, que alguma lhe falasse de uma mulher chamada Faria.

Quando foi para a cama, consciente de que ainda faltavam muitas horas para voltar a ver o Shahir, não pôde evitar perguntar-se se continuaria zangado com ela.

No dia seguinte, assim que amanheceu, levaram-lhe um delicioso café da manhã à cama e não tinha feito mais que terminá-lo quando sua cunhada Jahan foi procurá-la para conduzi-la à parte mais antiga do palácio.

― A noiva recebe agora todo tipo de tratamentos de beleza ― Jahan explicou encantada. ― Deve relaxar e desfrutar. Isso será fenomenal.

O palácio Ahmet, que parecia uma fortaleza por fora, por dentro era um enorme labirinto composto por amplos corredores e tranqüilos pátios. Tinha vários minaretes e preciosos jardins e os edifícios estavam unidos através de escadas de pedra e passarelas aéreas.

Jahan a conduziu a um antiqüíssimo banheiro que tinha formado parte do harém do palácio em tempos remotos. Depois de deixá-la um momento em uma sauna, apareceram duas terapeutas que lhe administraram um fino filme de algas por todo o corpo.

― É muito bom para a pele ― disse-lhe sua cunhada.

Kirsten riu ao imaginar o que diria Shahir se a visse convertida em um monstro marinho. Entretanto, era verdade que, quando lhe tiraram a máscara seca, sua pele estava mais suave que nunca.

Continuando, lavaram-lhe o cabelo com um preparado de ervas e a esteticista do palácio lhe fez uma máscara facial, depilou-lhe as sobrancelhas e a deleitou com muitos outros tratamentos de beleza.

Kirsten perguntou a Jahan como podia entrar em contato com Shahir e Jahan lhe explicou que somente por telefone, assim Kirsten lhe escreveu uma mensagem de texto ao celular.

«Desculpe-me».

Em suas acomodações particulares, Shahir recebeu a mensagem enquanto lhe davam uma massagem e ligou imediatamente para sua mulher.

― Kirsten...?

― Ontem me zanguei muito, mas não deveria ter gritado.

― Não, equivoca-se. Vê-la tão furiosa me tem feito pensar que vou investigar o que me disse ― respondeu Shahir.

Encantada de que, por fim, Shahir a apoiasse, Kirsten se sentiu incrivelmente aliviada, mas decidiu insistir.

― Shahir, eu quero que acredite em mim porque confia em mim e não porque tenha feito investigações.

― Hoje nos casamos e a asseguro que agora mesmo não estou pensando nas investigações a não ser em você.

― Ah, sim? E o que está pensando exatamente?

― Em como vou fazer amor com você esta noite.

Kirsten abriu os olhos surpresa diante essa confissão e sentiu um uma pontada de desejo entre as pernas.

― Surpreende-me porque não voltou a me tocar desde antes de que Tazeem nasceu.

― Isso foi uma amostra de respeito! ― defendeu-se Shahir.

― Tão culpado se sente pelo que aconteceu no castelo naquele dia?

― Não... De fato, penso naquilo constantemente ― admitiu Shahir. ― Lembro perfeitamente de nossa paixão...

― Isso eu gosto ― respondeu Kirsten com o coração pulsando rapidamente.

― Pois me frustra, mas esta noite, por fim, poderei me ressarcir de quase um ano de duchas frias.

― Um ano? ― surpreendeu-se Kirsten. ― Está me dizendo que... Ou seja, que... Que não se deitou com nenhuma outra mulher depois?

― É óbvio que não.

Encantada, Kirsten apertou com tanta força o celular, que se surpreendeu de que não se quebrasse.

― Isso eu gosto ainda mais ― respondeu. ― Por certo e mudando de assunto embora este eu adoro, queria lhe agradecer por ter trazido meu irmão. Foi o presente mais maravilhoso que poderia ter me dado.

― Me alegro de que te tenha gostado da surpresa ― sorriu Shahir. ― Kirsten, tenho que deixá-la, meu pai está me esperando ― despediu-se.

Kirsten desligou o telefone.

Shahir não tornou a se deitar com uma mulher desde que tinha compartilhado com ela aquela maravilhosa paixão. Aquilo a fez sentir incrivelmente especial e, pela primeira vez, teve a sensação de que aquele homem era dela.

Depois de comer, tirou uma pequena sesta e, quando despertou, organizou-se em torno dela um revôo de atividade incrível.

Voltaram a lhe lavar o cabelo até que a água saiu completamente limpa, inundaram-na em um banho de essências florais e lhe massagearam o corpo inteiro com óleos maravilhosos.

Enquanto a penteavam, fizeram-lhe as unhas nos pés e nas mãos desenhos de henna que simbolizavam felicidade e saúde. Para terminar, uma maquiadora profissional se fez responsável pelo seu rosto.

Continuando, entregaram umas meias de renda e uma combinação de seda de toque sensual. Foi a única roupa íntima que lhe deram. Quando a vestiu atrás de um biombo, diante as risadas das presentes por seu excesso de pudor, mostraram-lhe alguns impressionantes sapatos ornamentados com pedras e, por fim, ajudaram-na a vestir um fabuloso vestido de pedraria em tons azuis.

― Está impressionante ― disse Jahan sinceramente enquanto as demais mulheres ali reunidas faziam comentários igualmente positivos e aplaudiam encantadas.

Kirsten se olhou no espelho e realmente gostou do que viu porque tinha adquirido uma aparência muito exótica.

― Chegou o momento de que a noiva recebe seus presentes ― anunciou-lhe Jahan quando chegaram várias caixas.

― Não tinha nem idéia de que iriam me trazer presentes. Eu não comprei nada para ninguém ― lamentou-se Kirsten.

― Você deu ao príncipe o melhor presente que lhe podia dar: um filho ― comentou uma mulher mais velha. ― Proporcionou um príncipe herdeiro no primeiro ano de casados. Isso é todo uma bênção.

Kirsten observou como da primeira caixa tiravam uma coroa de ouro e sua cunhada a colocava com grande cerimônia.

― Isto é presente direto de meu pai. Pertenceu a Bisma, sua primeira mulher, da que ele estava profundamente apaixonado e que morreu ao dar a luz a Shahir.

Também deram de presente um colar de esmeraldas com bracelete e brincos a jogo.

― Este é o presente de meu irmão ― esclareceu Jahan. ― Desenharam-no especialmente para você. É óbvio que meu irmão a adora.

Kirsten baixou o olhar e, nesse momento, outra mulher se aproximou de Jahan e lhe disse algo no ouvido.

― Faria diz que chegou o momento ― anunciou Jahan.

Kirsten só ouviu «Faria diz». Imediatamente, seus olhos verdes se fixaram na atraente mulher que tinha diante de si. Certamente, era incrivelmente bonita. Tinha olhos amendoados, pele da cor do mel e uma preciosa cabeleira de cachos escuros.

― Ficou lívida... não fique nervosa ― disse-lhe sua cunhada interpretando mal seu mal-estar.

Kirsten se apressou a dizer-se que certamente Faria era um nome comum naquele lugar e que aquela mulher não tinha por que ser a Faria de que Shahir estava apaixonado.

O vestíbulo central do palácio estava cheio de gente esperando-a. Enquanto passava entre a multidão, Kirsten viu seu irmão, que sorriu satisfeito e, no final, viu Shahir, embelezado com um espetacular uniforme militar negro e escarlate, com uma espada que pendurava a um lado. Estava magnífico.

Quando chegou a seu lado, Shahir a segurou pela mão e o responsável religioso passou a celebrar o casamento em árabe e em inglês.

― Agora vai conhecer meu pai ― anunciou Shahir ao terminar a cerimônia.

Efetivamente, a seguir conduziu sua esposa para uma sala privada onde os esperava o rei Hafiz, que se mostrou ser um homem alto e corpulento, de rosto muito sério.

Através de Shahir, porque o rei não falava inglês, o monarca disse a Kirsten quão contente estava de que seu filho a tivesse escolhido como esposa porque bastava olhar seus olhos para dar-se conta de que era uma mulher de grande coração e lhe agradeceu por ter dado a luz a Tazeem, que teria que ser a alegria de sua velhice.

Kirsten aceitou o elogio encantada e, continuando, dirigiu-se com Shahir ao enorme salão onde ia ter lugar o jantar. Houve danças populares, leram-se poemas e os noivos beberam mel com água de rosas.

Antes de começar o jantar, Shahir indicou a Kirsten que podia trocar de roupa e a conduziram a uma acomodação onde a esperava um lindo e muito mais cômodo vestido branco e uma tiara de pérolas.

Quando voltou a entrar no salão, Shahir não podia afastar os olhos dela.

― Está linda ― confessou-lhe.

Depois do jantar, composta por todo tipo de pratos delicados e exóticos, apresentaram Kirsten a um montão de dignitários e pessoas notáveis do país e, em um dado momento, Kirsten observou um casal que estava brigando no fundo do salão e reconheceu a jovem que tinha visto umas horas antes.

― Quem é aquele casal ali? ― perguntou a seu marido.

Shahir seguiu a direção de seu olhar e se esticou.

― São minha irmã de leite e seu marido ― respondeu.

― O que é uma irmã de leite?

― Quando minha mãe morreu, a mãe de Faria me amamentou.

Kirsten empalideceu.

Então era ela, era a Faria da qual Shahir estava apaixonado. Kirsten sentiu que lhe formava um horrível nó na garganta e que os olhos lhe picavam.

Ao perceber seu mal-estar, Shahir a pegou pela mão e a conduziu à pista de dança.

― Sei o que está pensando e, obviamente, temos que falar deste assunto, mas não é este o momento ― disse começando a dançar. ― Prometo que iremos logo e falaremos.

Enquanto dançavam, Kirsten não pôde evitar olhar Faria em um par de ocasiões e se perguntou se Shahir estaria se dando conta de quão mal estava passando.

Ao sair do palácio para subir em uma limusine que os estava esperando, os convidados se despediram com pétalas de rosa e arroz.

― Aonde vamos? ― quis saber Kirsten.

― Ao Zurak, ao palácio de meu avô ― respondeu Shahir. ― Tazeem chegará amanhã, não se preocupe. Agora que estamos sozinhos, quero falar com você.

Kirsten sabia perfeitamente do que ia falar e baixou o olhar. Ao Shahir não gostava de nada em ter aquela conversa, mas sabia que era necessária, assim tomou ar e se lançou.

― Faz um tempo que lhe disse que estava apaixonado por outra mulher.

Kirsten se encolheu de ombros.

― E? ― respondeu sorrindo e dizendo adeus às pessoas congregadas para despedi-los.

― Tal e como agora sabe, referia-me a Faria.

Kirsten ficou tensa.

― Não deveria ter lhe dito isso.

― Não aconteceu nada, é impossível que soubesse então que iria se casar com uma mulher com uma memória de elefante ― tentou brincar Kirsten a beira das lágrimas.

― Não deveria ter lhe dito isso, porque me dei conta de que jamais a amei ― acrescentou Shahir. ― Não estou apaixonado por ela e nunca estive. Pensei muito neste assunto e cheguei à conclusão de que simplesmente estava encantado.

― De verdade?

Mas por quem a tomava? Como lhe ocorria lhe dizer algo assim? Acreditava que era tola ou o que?

Kirsten tentou se colocar na pele de Shahir e compreendeu que ele esteve tentando não dar importância ao assunto lhe contando uma mentirinha para não ter que admitir a cruel realidade, assim decidiu fingir e seguir a corrente.

― Não tem necessidade de voltar a pensar neste assunto. Jamais ― concluiu Shahir.

― Não o farei ― prometeu Kirsten.

Um helicóptero os levou ao palácio de Zurak, situado em um oásis de palmeiras no meio do deserto que parecia uma miragem.

― Quando meus antepassados eram nômades, passavam o verão aqui. Meu avô conheceu minha avó aqui quando lhe levou água do poço. Apaixonaram-se imediatamente. Meu bisavô pediu a mão de minha avó a seu pai e se casaram ― riu Shahir segurando sua mão. ― A vida então era muito mais simples que agora.

― Sim, desde que não fosse você que fosse tirar água do poço ― comentou Kirsten.

― Em todos os grandes poemas, retrata-se aos homens do Oriente como aos mais românticos do mundo ― informou-lhe Shahir. ― Quero que saiba que não pude deixar de pensar em você desde que a conheci.

Kirsten pensou que aquilo tinha sido porque a desejava, não porque a amasse, mas mordeu a língua. Acaso Shahir acreditava que tinha esquecido que cada vez que a havia tocado ele se arrependeu? Não se dava conta de que ela se lembrava de que lhe tinha proposto casamento porque se sentia culpado por ter lhe tirado a virgindade?

Bom, agora suas vidas estavam em outro nível, casaram-se e estavam tentando que as coisas saíssem bem. Era óbvio que Shahir era um homem inteligente e pragmático e estava tentando fazê-la sentir bem a seu lado. O cortejo e os elogios eram parte do espetáculo.

Kirsten se perguntou se importava realmente que fosse uma farsa da parte de Shahir. Embora ele não a amasse, ela sim o amava e também queria que a relação funcionasse.

Em um pátio em que havia uma fonte no centro, Shahir a tomou entre seus braços e a beijou lentamente, até fazê-la sentir excitada.

Agarrados pela mão, subiram por uma escada de mármore branco e, ao chegar diante de uma enorme porta, Shahir tomou Kirsten em seus braços.

― Está linda com esse vestido... parece recém saída de um conto de fadas ― disse-lhe entrando no quarto e depositando-a em uma cama com dossel.

Ao deitar-se e olhar para cima, Kirsten viu que o teto estava pintado com todas as estrelas do universo.

― Que lindo ― suspirou.

― Sim, dessa cama se vê o mundo inteiro ― respondeu Shahir desfazendo-se do casaco militar. ― Entretanto, temo que você não vai ter tempo de se fixar muito no mapa das estrelas até manhã pela manhã ― sorriu voltando a beijá-la.

― É uma promessa? ― disse Kirsten completamente excitada.

― Venha aqui...

Kirsten se levantou da cama e foi até ele, que lhe tirou delicadamente a tiara de pérolas, desceu o zíper do vestido, que caiu ao chão, e a abraçou por trás.

― Você é perfeita, alteza ― suspirou lhe acariciando os mamilos e fazendo-a estremecer de prazer.

Kirsten deixou cair a cabeça para trás e a apoiou em seu ombro, no momento que Shahir aproveitou para beijá-la no pescoço.

― Alteza? ― repetiu Kirsten confusa.

― Princesa, minha princesa, minha linda princesa ― respondeu Shahir. ― O título é presente de meu pai.

Shahir estava lhe tirando a combinação de seda, que ao deslizar por sua pele ia deixando um rastro de paixão sem limites e Kirsten sentiu uma pontada de desejo que a fez estremecer, pois nunca havia sentido nada tão forte.

Não esperava por isso.

― Merece isso, você merece tudo isso e muito mais ― respondeu Shahir com voz rouca. ― Passou muito tempo desde que eu entrei em sua vida, Aziz.

― Nem tudo foi ruim ― admitiu Kirsten.

― Tudo deveria ter sido bom ― disse Shahir tirando a camisa.

Kirsten não podia se concentrar na conversa porque Shahir havia tornado a depositá-la na cama e estava acariciando-a com tanto carinho, como se fosse uma deusa, que a cota de prazer era incrível.

― Esta noite é sua, para que aproveite ― disse Shahir lhe lambendo os seios. ― Estou a seu serviço.

Kirsten sentiu que se derretia e, ao olhá-lo nos olhos, o coração começou a pulsar rapidamente. Vibrava-lhe todo o corpo e, quando Shahir voltou a apoderar-se de sua boca e começou a percorrer toda sua anatomia com absoluta devoção, Kirsten compreendeu o que era fazer amor de verdade.

Shahir deslizou sua língua por sua barriga e seus quadris, separou-lhe as pernas e se concentrou no centro de sua feminilidade, fazendo que Kirsten desfrutasse além do que jamais teria imaginado possível.

― Agora... ― disse-lhe segurando-a pelos quadris e introduzindo-se em seu corpo. ― Jamais havia sentido algo tão intenso...

― Oh, Shahir... ― murmurou Kirsten com a respiração entrecortada.

Surpreendendo-a, Shahir lhe deu a volta, colocou-a de joelhos e voltou a penetrá-la por detrás. Aquilo desconcertou Kirsten, que, entretanto, logo se deixou levar pela maravilhosa sensação de senti-lo dentro de si e se dedicou a aproveitar.

Juntos alcançaram um clímax explosivo e, quando Kirsten abriu os olhos, encontrou-se entre os braços de Shahir, que a abraçava com força.

― Não quero me separar de você nunca. Que sorte tivemos que nos encontrar, Aziz.

Saciada e encantada, cheia de amor e de gozo, entretanto Kirsten estava perplexa ante um fato que tinha tido lugar enquanto faziam amor.

― Você usou preservativo? ― perguntou a Shahir.

― Sim, não quero voltar a te deixar grávida.

― Mas como? Eu acreditava que aqui vocês gostavam de ter muitos filhos.

― Não poderia voltar a suportar vê-la dar a luz. Dá-me muito medo que lhe aconteça algo ― confessou Shahir.

Kirsten sorriu encantada, pois durante semanas tinha acreditado que Shahir a valorizava, sobretudo, por sua capacidade de lhe dar filhos e agora lhe acabava de demonstrar que não era assim.

― Isso é pelo que aconteceu a sua mãe? Jahan me contou.

― Sim, eu não quis lhe contar nada enquanto estava grávida porque me pareceu de mau gosto.

Apesar de que o estava passando mal, tinha conseguido guardar seus medos para ele, não os tinha descarregado sobre ela.

Aquela prudência e aquele tato emocionaram sinceramente Kirsten, que agora que tinha compreendido que Shahir se preocupou seriamente por sua saúde tinha decidido que queria ter, pelo menos, dois filhos mais.

― Esta é nossa noite de núpcias e a conversa está ficando muito séria, não? ― disse Shahir beijando-a de novo.

― Você é sempre sério ― respondeu Kirsten.

― Durante estas semanas que vamos estar juntos, dará-te conta de que há outros aspectos de minha personalidade que ainda não conhece.

― Semanas? Vamos estar juntos várias semanas?

― Sim, seis para ser exatos ― sorriu Shahir.

― Mas como? ― perguntou Kirsten encantada.

― Bom, parece-me óbvio que tem que aprender muitas coisas de protocolo e da história do meu país e, que melhor professor que eu? Tampouco estaria mal que aprendesse um pouco mais de árabe, não? Também posso lhe ensinar a dançar e a montar a cavalo...

― E eu serei uma aluna exemplar...

― Pois ainda falta o melhor! Pelas noites, você me ensinará o que gosta e eu lhe ensinarei o que eu gosto ― acrescentou Shahir lhe acariciando de maneira inequívoca o quadril.

― Não sei se com todas essas atividades que tem preparadas para mim, eu vá ter forças... ― brincou Kirsten.

― Já arranjaremos tempo, Aziz. Embora nós tenhamos que ficar aqui para sempre.

 

Os delicados dedos de Kirsten acariciavam as teclas do piano, lhe arrancando notas preciosas que invadiam o salão e saíam para o corredor, onde o pessoal de serviço escutava extasiado.

― Se não tivesse se casado com o Shahir e se convertido em uma esposa e mãe devota, poderia ter sido uma grande concertista ― observou Daniel sentado em sua poltrona enquanto tomava uma limonada.

Kirsten sorriu.

Tinham aberto as portas de vidro e entrava no salão o sol e o aroma do jardim. Levantando do piano, foi ver como estava Squeak, que cochilava tranqüilo, e se sentou junto ao carrinho de Tazeem.

― Não toco tão bem.

― Claro que toca, mas decidiu que preferia se converter em princesa, ter vários palácios, legiões de criados e um maravilhoso piano de cauda ― brincou seu irmão.

― Todos os bens materiais me dão igual, o único importante é que sou feliz ― sorriu Kirsten.

Daniel também sorriu e se despediu de sua irmã para voltar para Londres. Era o terceiro fim de semana que ia visitar os em dois meses, desde que Shahir lhe tinha dado carta branca para utilizar sempre que quisesse.

Desde que haviam retornado do deserto, Kirsten tinha ficado muito amiga de Jahan e a verdade era que toda a família de Shahir a tinha recebido com os braços abertos.

Às vezes, se fazia incrível pensar que já estava há dois meses vivendo no Dhemen. As primeiras semanas, aquelas que tinham passado no Zurak sem separarem-se nem um só momento, tinham sido pura glória, semanas nas que a paixão desenfreada tinha convertido os dias em noites e as noites em dias.

Ninguém teria acreditado jamais que Shahir não estava apaixonado por sua mulher porque era o centro de sua vida... E não somente na cama. Shahir a tinha levado ao deserto para ver o entardecer e ali lhe tinha lido maravilhosos poemas do Kahlil Gibran.

Era raro o dia em que chegava em casa sem um presente para ela ou para o filho. Às vezes, era só uma simples flor, um livro ou um brinquedo e outras uma jóia, mas a verdade era que Shahir era incrivelmente generoso com ela.

Shahir lhe tinha falado da férrea disciplina que lhe tinham imposto na escola militar em que tinha estudado e de como lhe tinha surpreendido a liberdade total que tinha desfrutado em Harvard. Kirsten entendia melhor agora as forças que tinham influenciado a forjar seu caráter reservado.

Durante uma visita a um acampamento beduíno, o tinha visto participar de uma dança com espadas e em uma corrida de camelos e lhe tinha encantado ver aquele lado selvagem de seu temperamento volátil, que normalmente mantinha sob controle.

Naquela ocasião, tinham passado a noite em uma loja cujo chão estava coberto por tapetes antigos e Shahir tinha feito amor com ela de maneira apaixonada sobre eles. No dia seguinte, o tinha acompanhado para fazer voar o seu falcão, que voava muito alto, e Shahir lhe havia dito que era assim como ela o fazia se sentir quando faziam amor.

Kirsten estava completamente apaixonada por seu marido e tentava não pensar muito freqüentemente nisso porque se entristecia ao pensar que ele não estava apaixonado por ela. Tentava não recordar o que ele lhe havia dito no dia de seu casamento sobre que já não estava apaixonado por Faria.

Supunha que jamais lhe teria confessado seu amor a sua irmã de leite e, embora era feliz a seu lado, a verdade era que uma pequena parte de seu coração se sentia profundamente ferido.

Por isso, tentava estar sempre perfeita, comportar-se constantemente como a mulher ideal, tomava muitos cuidados para que sua aparência fosse perfeita e tinha posto muito esmero em ser uma boa companheira de cama.

A julgar por como Shahir tomava um avião de Londres para estar com ela apenas um par de horas antes de voltar por motivos de trabalho, nesse aspecto não tinha queixa.

― Kirsten...? ― Shahir a chamou da porta.

Kirsten levantou o olhar ansiosa, olhou-o e saiu correndo para recebê-lo. Ao chegar junto a ele, Shahir a tomou em seus braços, como estava acostumado a fazer, mas não a beijou como de costume, mas sim a deixou no chão e a olhou muito sério.

― O que aconteceu? ― quis saber Kirsten.

― Pamela Anstruther está aqui ― respondeu Shahir. ― Quer falar com você para lhe pedir perdão.

― Lady Pamela? ― surpreendeu-se Kirsten. ― Me pedir perdão ?Mas como?

― Morag Stevens confessou ontem que Pamela a subornou para que pusesse o brinco de diamantes em seu armário e depois dissesse que tinha te visto pô-lo ali ― explicou-lhe Shahir. ― Temendo que sua falsa testemunha cedesse ante a pressão de minhas investigações, Pamela cometeu o erro de ameaçar Morag, que sentindo-se encurralada entrou em pânico e confessou tudo.

― Então, meu nome ficou limpo?

― É obvio.

Kirsten sorriu encantada.

― E para que ela quer me ver?

― Vou levá-la a julgamento. Sabe que comigo não tem nada que fazer porque não me inspira a mínima compaixão, assim decidiu falar com você para ver se tem mais sorte. Suponho que quer despertar sua compaixão. Lembre-se que ela não teve nenhuma contigo.

― Não sei...

― Se não quiser recebê-la, não tem obrigação.

― Sim, sim quero vê-la, quero que me conte pessoalmente por que fez isso, mas não quero que entre em nosso lar ― respondeu Kirsten.

― Não será necessário.

Shahir a acompanhou ao edifício em que estavam situadas os escritórios do palácio e a fez passar para uma pequena sala de audiências. Uma vez ali, Kirsten lhe indicou que preferia encontrar-se com Pamela a sós.

― Como quiser... ― respondeu Shahir.

Sua formalidade ofendeu Kirsten. Estava encantada porque, por fim, sua reputação tinha ficado impoluta e sua inocência demonstrada e, entretanto, seu marido se mostrava como se tivesse morrido alguém.

Levaram Pamela diante dela. A aristocrata estava visivelmente cansada e com toda a roupa enrugada pela viagem, nada que ver com Kirsten, que luzia fresca e esplêndida num precioso conjunto em tons turquesas e rosas com brincos e colar de pérolas.

― Alteza... ― saudou-a Pamela ajoelhando-se ante ela sem duvidar. ― Obrigada por me receber.

― Só quero saber por que fez tudo isso.

Pamela a olhou com incredulidade.

― Obviamente, porque o príncipe Shahir estava apaixonado por você. Por que mais ia ser?

Kirsten ficou estática.

― Perdão?

― Eu também estava perdidamente apaixonada por ele e não podia suportar que você se pusesse no meio.

― Estava com ciúmes?

― Vi o príncipe com você em duas ocasiões, na limusine naquele dia que a recolhemos e a levamos a sua casa e no dia que o convidei para tomar o chá comigo. Da forma como a olhava, dei-me conta rapidamente de que estava apaixonado por você e você nem sequer tinha percebido.

― Se não podia nem me ver, por que me pediu para que a ajudasse com os preparativos da festa?

Pamela suspirou.

― Porque tinha tudo planejado desde o começo. Queria que a acusassem de roubo. Queria que deixasse de trabalhar no castelo e que se afastasse de Shahir, mas lhe asseguro que não era nada pessoal.

― Ah, não? ― interrompeu-a Kirsten com secura.

― Claro que não ― insistiu Pamela. ― Disse-me que o fim justificava os meios e que eu não tinha nada que fazer com o príncipe enquanto você continuasse por ali. Agora me dou conta de que não tinha nada que fazer de todas as maneiras, de que o príncipe estava completamente louco por você, como demonstra que se casou finalmente contigo. Estou metida em uma bela confusão. Terei que vender minha propriedade do vale e ir embora porque todos se inteiraram do que fiz e me dão as costas.

― Não é minha culpa.

― Não, mas, de verdade acha que mereço ir a julgamento? Depois de tudo, é óbvio que o príncipe Shahir teria casado contigo mesmo que tivesse sido acusada de assassinato ― observou Pamela com acidez. ― Peço-lhe perdão por ter me metido entre vocês, peço-lhe perdão por tê-la acusado de algo que não tinha feito e por ter propiciado que perdesse o trabalho, mas também me sinto na obrigação de lhe fazer notar que é óbvio que nada disso arruinou suas possibilidades sociais.

Kirsten teve que fazer um grande esforço para não chamar o guarda e jogá-la do palácio por semelhante ousadia, mas tinha aprendido com Shahir que teria que manter a calma com os inferiores.

― Já ouvi o bastante ― respondeu Kirsten. ― Volte para a Inglaterra. Pensarei no que me disse, mas não lhe prometo nada.

E, sem mais, Kirsten se virou e saiu da sala de audiências. Enquanto voltava para suas acomodações, a única coisa em que podia pensar era em quão convencida estava Pamela de que Shahir estava apaixonado por ela.

Agora começava a entender por que Shahir se mostrou tão frio com ela. Obviamente, ao dar-se conta de seu erro ao acreditar que ela fosse uma ladra, tinha ficado aniquilado e devastado. Shahir era um homem muito alto de si mesmo e Kirsten já tinha percebido de que ele tinha sido muito duro julgando-se.

De repente, ouviu a voz de Shahir e se perguntou com quem estaria falando.

― Estraguei tudo ― estava dizendo seu marido. ― Estraguei tudo com Kirsten. Como vou lhe dizer agora que, no fundo, não me importava nada que fosse uma ladra ou não? Já nem sequer pensava nisso. Mas ela não vai acreditar, mas lhe asseguro que é verdade.

Seu confessor suspirou quando Shahir lhe acariciou as orelhas e se deitou a seus pés, disposto a dormir junto a seu amo.

― Tudo isso você deveria dizer a mim e não a Squeak ― disse Kirsten.

Shahir se virou surpreso e se ruborizou.

― Não sabia que fosse demorar tão pouco.

― Não gostaria de ficar muito tempo na companhia de Pamela ― respondeu Kirsten nervosa. ― Decidi que não quero denunciar, nem a ela nem Morag. Suponho que Morag foi demitida, não?

― É óbvio.

― Parece-me suficiente. O que quero agora é esquecer para sempre deste assunto.

― Não posso acreditar que vá deixar que Pamela saia impune depois do que lhe fez.

― Eu fui a vítima, mas você foi a causa. A verdade é que não me surpreende que a pobre fosse capaz de chegar até onde chegou por você ― respondeu Kirsten observando divertida como Shahir se surpreendia. ― Deixou-se levar por um arrebatamento de raiva próprio de uma menina com medo que lhe tirassem o menino que gosta.

― Não imaginava que fosse levar isso tão bem.

― Shahir, quero saber uma coisa. Esteve alguma vez com ela?

― Não, mas admito que ela tinha me deixado muito claro que queria algo comigo e que em um par de ocasiões me passou pela cabeça ― confessou Shahir apertando os dentes. ― Entretanto, sempre mantive a distância e, ultimamente, sua franqueza me incomodava.

― Agradeço sua sinceridade ― murmurou Kirsten sinceramente. ― Agora entendo por que Pamela acreditava que tinha que ficar com você e que eu podia estragar tudo.

― Não deveria deixar que isso a influenciasse, não deveria esquecer o que ela lhe fez.

― Você não é uma mulher, Shahir. Você não entende.

Era verdade que, provavelmente, Shahir não entendesse, mas também era verdade que estava se mostrando incrivelmente sincero.

― Quero lhe pedir perdão do mais profundo do meu coração por ter duvidado de sua palavra quando a acusaram de roubo. Eu...

― Está tudo bem... tudo está em ordem ― interrompeu-o Kirsten. ― Pamela é uma mulher muito astuta e planejou tudo para me fazer parecer culpada.

― Por favor, me deixe terminar ― insistiu Shahir.

Kirsten suspirou frustrada, pois teria preferido falar de algo muito mais importante.

― Envergonho-me de que você tenha vindo me procurar para me pedir ajuda e de que eu não tenha acreditado em você. Deixei-a só. Asseguro que essa culpa me acompanhará até o dia de minha morte.

― Sei ― murmurou Kirsten desejando que seu marido não se tornasse tudo tão a peito. ― Shahir, você também é humano.

Shahir a olhou nos olhos.

― Foi embora de sua casa sem dinheiro e sem ajuda. Asseguro que nos sete meses que demorei a encontrá-la o passei muito mal, estava realmente preocupado com seu bem-estar.

Kirsten sorriu pensativa.

― Inclusive antes de que se inteirasse de que estava grávida?

― Sim... Agora compreendo que, ao me inteirar de que estava grávida, deveria ter repensado. Isso me faz sentir ainda pior por não ter acreditado em você desde o começo ― envergonhou-se Shahir.

Kirsten o olhou com decisão.

― Perdôo-o.

Shahir franziu o cenho.

― Mas não pode...

― Se eu disser que o perdôo, eu perdôo!

― Sim, mas...

― Acaso não posso decidir a quem eu perdôo e a quem não, não é? ― exclamou Kirsten, exasperada.

Shahir empalideceu e apertou os dentes.

― É óbvio que sim ― respondeu.

― Então, vai ter que viver com a idéia de que o perdoei ― insistiu Kirsten fazendo um esforço para não sorrir. ― Não nos conhecíamos bem quando concebemos o nosso filho e esse foi o verdadeiro problema. Havia entre nós uma atração física fortíssima, mas não nos conhecíamos de verdade.

Shahir ficou pensativo.

― Não tinha me ocorrido vê-lo por essa perspectiva. Tem razão. É preciso tempo para confiar em outra pessoa. Desde que a vi, um desejo muito forte se apoderou de mim, era como um fogo que queimava meu sentido comum e meu controle. Via você e estava perdido. Tentei lutar contra ele, mas o fogo me apanhou e deu ao traste com minhas boas intenções.

― Eu tampouco o ajudei quando menti e disse que não era virgem. Por favor, deixe de agir como se somente um de nós foi responsável pelo que aconteceu.

Shahir assentiu e Kirsten decidiu que tinha chegado o momento de mudar de assunto e falar do assunto que realmente tinha na cabeça fazia já um bom tempo.

― No dia de nosso casamento, disse-me que não estava apaixonado por Faria...

Shahir a olhou surpreso.

― Assim é.

― Sim, mas eu não acreditei. Naquele momento, pensei que só dizia isso para me fazer feliz.

― Eu jamais a enganaria ― assegurou-lhe Shahir com candura.

Então era verdade, então era verdade que não estava apaixonado por Faria!

― Ou melhor, não soei muito convincente quando lhe falei dela, mas me dava muita vergonha nunca ter estado apaixonado na minha idade e...

― Nenhuma vez? ― exclamou Kirsten surpresa.

― Até que a conheci. Quando a conheci, dei-me conta de que as emoções que você despertava em mim eram muito mais fortes do que eu jamais tinha sentido por ela. Então, dei-me conta de que tinha me equivocado, de que tinha tomado a admiração por amor.

Kirsten o agarrou pelas mãos e as apertou com força.

― O que isso quer dizer?

Shahir a olhou intensamente nos olhos.

― Quer dizer que acredito que sonhava com Faria para não ter que me enfrentar à realidade de que não queria me casar.

― Isso dá igual, o importante é que quando leu no deserto todos aqueles poemas maravilhosos estava sendo romântico.

― É óbvio.

― Estava sendo romântico porque queria ser romântico e não porque acreditasse que era o que tinha que fazer durante nossa lua-de-mel.

Shahir a olhou confuso.

― Fui tão boba! Se houvesse me dito que me amava, eu haveria dito que o amava também ― acrescentou Kirsten lhe desabotoando a gravata.

― Então só tenho que lhe dizer que a amo? ― respondeu Shahir com a respiração entrecortada.

― Sim, e eu digo que eu também o amo, O que lhe parece? Amo você desde a primeira vez que o vi naquela moto quando quase atropelou Squeak.

Continuando, olhando-se nos olhos, Shahir se deu conta de que Kirsten sorria encantada e ela se deu conta de que Shahir estava exultante de felicidade.

― Eu acredito que eu também me apaixonei por você naquele mesmo instante. De verdade eu não entendo como pode me amar quando cometi tantos erros ― lamentou-se Shahir.

― Amo-o e ponto final.

― Eu acreditava que tinha se casado comigo somente porque eu tinha lhe deixado grávida.

― Eu também acreditava que você tinha se casado comigo pelo mesmo motivo.

― Mas a primeira vez que lhe pedi isso, no castelo, ainda não estava grávida ― recordou ele.

― Não, mas então acreditei que o fazia porque se sentia culpado.

Shahir a abraçou com força.

― Admito que me sentia culpado, mas aquela proposta nasceu do amor e do desejo. Desgraçadamente, aquele dia não entendi o meu próprio coração e, quando lhe acusaram de roubo, deixei-me levar e isso me afastou de você. Se isso não tivesse ocorrido, ao final de alguns dias teria me dado conta de que era a mulher com quem queria passar o resto de minha vida, mas a decepcionei...

― Não insista nisso ― repreendeu-o Kirsten lhe pondo um dedo sobre os lábios.

― Amo-a tanto ― disse Shahir beijando-a.

Dezoito meses depois, Kirsten estava no quarto de Tazeem, que por fim adormeceu.

Naquele dia, os príncipes tinham dado uma grande festa para o pessoal de serviço e seus vizinhos e todos o tinham passado muito bem. O rei Hafiz, que ultimamente ia muito ao castelo escocês em que viviam seu filho e sua nora, riu muito com os palhaços que tinham contratado para entreter as crianças.

Inclusive os gêmeos, Amir e Bisma, que dormiam no quarto do lado, tinha agüentado toda a festa.

Sua chegada tinha sido uma completa surpresa e agora os meninos tinham dois meses e faziam as delícias de seus pais. Shahir tinha passado um pouco mal durante o parto, mas logo se repôs.

O último ano e meio de casados tinha sido a glória para Kirsten pois estava segura de contar com o amor e a admiração de seu marido e agora já não tinha que preocupar-se constantemente por ser a esposa perfeita.

Seu irmão Daniel tinha terminado o doutorado e estava trabalhando em um projeto de conservação no Golfo Pérsico, o que lhe permitia ir ao Dhemen para visitá-la quando queria.

A única coisa que tinha embaçado momentaneamente sua felicidade tinha sido que não tinha podido fazer as pazes com seu pai. Angus Ross havia devolvido sem abrir todas as cartas que lhe tinha enviado e tinha morrido repentinamente de um enfarte seis meses atrás.

Daniel e ela tinham ido a seu enterro com a consciência bem tranqüila porque tinham tentado fazer as pazes com seu progenitor

Agora, Kirsten desfrutava e valorizava mais que nunca do amor, da bondade e do apoio que tinha encontrado na família de Shahir.

― Temos duas babás e um montão de empregados, mas, por que eu sabia que ia encontrá-la aqui? ― sorriu Shahir da porta.

― Exatamente no mesmo lugar onde eu encontro você muitas vezes — sorriu Kirsten. ― Seu pai já se deitou? ― acrescentou abraçando-o pela cintura e caminhando a seu lado para seu quarto.

― Sim ― respondeu Shahir. ― Eu disse aos palhaços que eles têm que voltar para seu aniversário porque fazia anos que não via meu pai rir tanto. Muito obrigado ― acrescentou olhando-a com carinho. ― Meu pai nunca gostou de viajar, mas você lhe faz sentir tão bem nesta casa, que por isso vem tão freqüentemente.

― Me alegro.

― Eu adoro estar casado com você ― sorriu Shahir com voz rouca enquanto a agarrava pela cintura.

― De verdade? ― respondeu Kirsten com um sorriso provocante e feminino.

― Deixa-me louco ― assegurou-lhe Shahir lhe acariciando os quadris.

― Eu também o quero muito ― respondeu Kirsten lhe passando os braços pelo pescoço.

Shahir se inclinou sobre ela e a beijou e Kirsten estremeceu de desejo. Continuando, Shahir lhe disse quão feliz era a seu lado e como sua vida não teria sentido sem ela e sem as crianças.

Kirsten escutou enquanto Squeak bocejava sem parar, pois já tinha visto aquela cena muitas vezes, assim que foi dormir em sua cesta, situado no quarto do lado.

 

                                                                                            Lynne Graham  

 

                      

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