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SHOGUN – Volume II - P.2 / James Clavell
SHOGUN – Volume II - P.2 / James Clavell

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

SHOGUN – Volume II

Segunda Parte

 

Blackthorne estava sentado sozinho ao sol da manhã, num canto do jardim, fora da casa de hóspedes, devaneando, o dicionário na mão. Fazia um dia ótimo, sem nuvens - o primeiro em muitas semanas -, e era o quinto dia desde a última vez que vira Toranaga. Todo esse tempo estivera confinado ao castelo, incapaz de ver Mariko, visitar seu navio ou sua tripulação, explorar a cidade, ou caçar ou cavalgar. Uma vez por dia ia nadar num dos fossos com outros samurais, e para passar o tempo ensinou alguns a nadar e a mergulhar. Mas isso não tornava a espera mais fácil.

- Sinto muito, Anjin-san, mas é a mesma coisa para todo mundo - dissera Mariko na véspera, quando a encontrara por acaso na sua seção do castelo. - Até o Senhor Hiro-matsu está sendo mantido à espera. Faz dois dias que ele chegou e ainda não viu o Senhor Toranaga. Ninguém viu.

- Mas isso é importante, Mariko-san. Pensei que ele tivesse compreendido que cada dia é vital. Não há algum modo de eu lhe enviar uma mensagem?

- Oh, sim, Anjin-san. Isso é simples. Simplesmente escreva. Se me disser o que quer dizer, escreverei para o senhor. Todo mundo tem que escrever para uma entrevista, são essas as ordens atuais. Por favor, seja paciente, é tudo o que podemos fazer.

- Então, por favor, peça uma entrevista. Eu agradeceria... - Isso não é problema, o prazer é meu.

- Onde a senhora esteve? Faz quatro dias que não a vejo. - Por favor, desculpe-me, mas tive que fazer muitas coisas. É ... é um pouco difícil para mim, tantos preparativos ...

- O que está acontecendo? Este castelo todo está como uma colmeia prestes a levantar vôo há quase uma semana.

- Oh, sinto muito. Está tudo ótimo, Anjin-san.

- Está? Sinto muito, um general e um administrador cometem seppuku no adro do torreão. Isso é normal? O Senhor Toranaga se tranca na torre de marfim, mantendo as pessoas à espera

sem razão aparente... isso também é normal? E. o Senhor Hiromatsu?

- O Senhor Toranaga é faz é certo.

- E a senhora, Mariko-san? Por que não a tenho visto? - Por favor, desculpe-me, sinto muito, mas o Senhor Toranaga ordenou que eu o deixasse com os seus estudos. Estou visitando a sua consorte agora, Anjin-san. Não o senhor.

- Por que ele objetaria a isso?

- Meramente, suponho, para que o senhor seja obrigado a falar a nossa língua. Foram só alguns dias, neh?

- Quando parte para Osaka?

- Não sei. Esperava partir há três dias, mas o Senhor Toranaga ainda não assinou o meu passe. Arranjei tudo, carregadores e cavalos, e diariamente apresento os meus papéis de viagem ao

secretário deie, para que sejam assinados, mas são sempre devolvidos. "Apresente-os amanhã."

- Pensei que ia levá-la a Osaka por mar. Ele não disse que eu devia levá-la por mar?

- Sim. Sim, disse, mas... bem, Anjin-san, nunca se sabe com o nosso suserano. Ele muda os planos.

- Ele sempre foi assim?

- Sim e não. Desde Yokosé ele tem estado cheio de... como dizer... melancolia, neh? ... sim, melancolia, e muito diferente. Ele... sim, está diferente agora.

- Desde a Primeira Ponte a senhora está cheia de melancolia e muito diferente. Sim, está diferente agora.

-- A Primeira Ponte foi um fim e um começo, Anjin-san, e a nossa promessa. Neh?

- Sim. Por favor, desculpe-me.

Ela se curvara tristemente e partira, e depois, a uma distância segura, sem se voltar, sussurrara em latim: - Você. . . - A palavra pairou no corredor com o seu perfume.

À refeição noturna ele tentara interrogar Fujiko. Mas ela também não sabia nada de importante, ou não podia explicar o que havia de errado no castelo.

- Dozo gomen nasai, Anjin-san.

Ele foi para a cama perturbado. Perturbado pela frustração com os adiamentos e as noites sem Mariko. Era sempre ruim saber que ela estava tão perto, que Buntaro estava fora da cidade,

e agora, por causa do "Você...", que o desejo dela continuava tão intenso quanto o seu. Alguns dias atrás ele fora à casa dela, sob o pretexto de que precisava de auxílio com o japonês. Os guardas samurais lhe disseram: "Sinto muito, ela não está". Ele lhes agradecera, depois caminhara à toa até o portão principal sul. Dali podia enxergar o oceano. Como a terra era muito plana, não conseguia ver nada além dos embarcadouros e dos cais, embora pensasse poder distinguir os altos mastros do seu navio a distância.

O oceano o chamava. Era o horizonte mais que o mar, a necessidade de um vento calmo soprando contra ele, olhos semicerrados contra a sua força, a língua sentindo-lhe o sal, o convés adernando, e no topo dos mastros o cordame, as adriças estalando e gemendo sob a pressão das velas que, de vez em quando, dariam estalidos de alegria quando a brisa forte mudasse um ponto ou dois.

E era a liberdade mais que o horizonte. A liberdade de ir em qualquer direção, com qualquer tempo, conforme o capricho.

Erguer-se no seu tombadilho e ser árbitro, assim como, ali, Toranaga sozinho era árbitro.

Blackthorne levantou os olhos para a parte mais elevada do torreão. O sol cintilava nas suas curvas simetricamente cobertas de telhas. Ele nunca vira movimento ali, embora soubesse que cada janela abaixo do último andar era guardada.

Gongos soaram a mudança da hora. Pela primeira vez sua mente lhe disse que aquilo era a metade da hora do Cavalo, e não oito badaladas do turno - pleno meio-dia.

Colocou o dicionário na manga, contente de ser a hora da primeira refeição de verdade.

Naquele dia foi arroz, camarões grandes grelhados, sopa de peixe e vegetais em conserva.

- Aceita mais um pouco, Anjin-san?

- Obrigado, Fujiko. Sim. Arroz, por favor. E um pouco de peixe. Bom... muito. . . - Procurou a palavra "delicioso" e disse-a várias vezes para memorizar. - Sim, delicioso, neh?

Fujiko ficou satisfeita. - Obrigada. Este peixe é do norte. Água mais fria ao norte, compreende? O nome é "kurima-ebi". Ele repetiu o nome e guardou-o na memória. Quando terminou e as bandejas foram levadas, ela lhe serviu mais chá e tirou um pacote da manga.

- Dinheiro, Anjin-san. - Mostrou-lhe as moedas de ouro. - Cinqüenta kobans. Valem cento e cinqüenta kokus. O senhor quer, neh? Para os marinheiros. Por favor, está compreendendo? - Sim, obrigado.

- Não há de quê. Suficiente?

- Sim. Acho que sim. Onde conseguiu?

- O. . . - Fujiko procurou um meio simples de dizer. - Eu vou importante homem Toranaga. Chefe. Como Mura, neh? Não samurai... só prestamista. Assino meu nome pelo senhor.

- Ah, compreendo. Obrigado. Meu dinheiro? Meus kokus? - Oh, sim.

- Esta casa. Comida. Criados. Quem paga? - Oh, eu pago. Do seu... dos kokus um ano. - É suficiente, por favor? Kokus suficientes? - Oh, sim. Sim, acredito que sim - disse ela. - Por que preocupação? Preocupação no rosto?

- Oh, por favor, desculpe-me, Anjin-san. Não estou preocupada. Não preocupação...

- Dor? Queimadura dor?

- Não dor. Veja. - Cuidadosamente Fujiko se levantou das espessas almofadas que ele insistia que ela usasse. Ajoelhou-se diretamente sobre os tatamis sem qualquer sinal de desconforto, depois se sentou sobre os calcanhares e se acomodou. - Pronto, tudo melhor.

- Iiiiiih, muito bom - disse ele, satisfeito por ela. - Mostrar, hein?

Ela se ergueu com cuidado, levantou a barra das saias e permitiu-lhe que olhasse as costas das pernas. O tecido da cicatriz não se fendera e não havia supuração. - Muito bom - disse ele. - Sim, logo como pele de bebê, neh?

- Obrigada, sim. Macia. Obrigada, Anjin-san.

Ele notou a leve mudança na voz dela, mas não comentou. Naquela noite não a mandou embora.

O "travesseiro" foi satisfatório. Nada mais. Para ele não houve crepúsculo ou alegre lassidão. Foi apenas um acasalamento. Tão errado, pensou ele, e no entanto não errado, neh?

Antes de deixá-lo, ela se ajoelhou, curvou-se novamente e pousou as mãos sobre a testa dele. - Agradeço-lhe de todo o coração. Por favor, durma agora, Anjin-san.

- Obrigado, Fujiko-san. Durmo mais tarde.

- Por favor, durma agora. É meu dever e me daria grande prazer.

O toque da mão era quente e seco e não era agradável. Ainda assim, ele fingiu adormecer. Ela o acariciou inabilmente, embora com grande paciência. Depois, silenciosamente, voltou para o seu quarto. Agora sozinho de novo, e contente por estar sozinho, Blackthorne apoiou a cabeça nos braços e olhou na escuridão.

Tomara uma decisão em relação a Fujiko durante a viagem de Yokosé a Yedo.

- É o seu dever - dissera-lhe Mariko, deitada nos seus braços.

- Acho que seria um erro, neh? Se ela engravidar, bem, vou levar quatro anos para navegar até em casa e voltar, e Deus sabe o que pode acontecer até lá.

Ele se lembrava de como Mariko tremera então. - Oh, Anjin-san, isso é muito tempo.

- Três então. Mas você estará a bordo comigo. Vou levá-la de volta com...

- A sua promessa, meu querido! Nada do que é, neh?

- Tem razão. Sim. Mas com Fujiko muitas coisas ruins poderiam acontecer. Não acho que ela desejaria um filho meu. - Você não sabe isso. Não o compreendo, Anjin-san. É o seu dever. Ela sempre poderia evitar um filho, neh? Não esqueça, ela é sua consorte. Na verdade, você lhe tira a dignidade se não a convida para "travesseirar". Afinal de contas, o próprio Toranaga ordenou que ela fosse para a sua casa.

- Por que ele fez isso?

- Não sei. Não tem importância. Ordenou, por conseguinte é o melhor para você e o melhor para ela. Foi bom, neh? Ela tem cumprido seu dever do melhor modo que pode, neh? Por favor, mas você não acha que devia cumprir seu dever?

- Chega de sermões! Ame-me e não fale mais.

- Como devo amá-lo? Ah, como Kiku-san me disse hoje? - Como é isso?

- Assim.

- Isso é muito bom ... muito bom.

- Oh, esqueci, acenda a lâmpada, por favor, Anjin-san. Tenho uma coisa para lhe mostrar.

- Mais tarde, agora eu...

- Oh, por favor, desculpe-me, tem que ser agora. Comprei para você. É um livro de "travesseiro". As figuras são muito engraçadas.

- Não quero ver um livro de "travesseiro" agora.

- Mas, desculpe, Anjin-san, talvez uma das gravuras o excitasse. Como se pode aprender sobre "travesseiro" sem um livro de "travesseiro"?

- Já estou excitado.

- Mas Kiku-san disse que é o melhor meio de escolher posições. São quarenta e sete. Algumas parecem surpreendentes e muito difíceis, mas, ela disse que é importante tentar todas... Por que está rindo?

- Você está rindo... por que eu não deveria rir também? - Mas eu estava rindo porque você também estava, e eu senti o seu estômago balançando e você não vai deixar que eu me levante. Por favor, deixe-me levantar, Anjin-san!

- Ah, mas você não pode ser tão rabugenta, Mariko, querida. Não há mulher no mundo que possa realmente ser tão rabugenta assim...

- Mas, Anjin-san, por favor, deve deixar que eu me levante. Quero lhe mostrar.

- Está bem. Se isso ...

- Oh, não, Anjin-san, eu não queria - você não deve - não pode só esticar a mão - por favor, ainda não - oh, por favor, não se afaste - oh, como o amo assim...

Blackthorne lembrava-se daquela noite. Mariko excitou-o mais do que Kiku, e Fujiko não era nada comparada às duas. E Felicity?

Ah, Felicity, pensou ele, concentrando-se no seu grande problema. Devo estar louco por amar Mariko, e Kiku. E no entanto.. . a verdade sobre Felicity é que agora ela não pode se comparar sequer com Fujiko. Fujiko é limpa. Pobre Felicity. Nunca serei capaz de lhe dizer, mas a lembrança de nós dois no cio como um par de arminhos sobre o feno ou sob cobertas rançosas faz a minha pele se arrepiar. Agora conheço coisa melhor. Agora poderia ensiná-la, mas ela gostaria de aprender? E como poderíamos nos limpar, permanecer limpos e viver limpos?

Meu lar é lixo amontoado sobre lixo, mas é lá que se encontra a minha mulher, é lá que estão meus filhos e é lá que eu sou. - Não pense nesse lar, Anjin-san - dissera Mariko uma vez, quando ele se deixara envolver pela névoa escura das lembranças. - O lar real é aqui, o outro está a dez milhões de vezes dez milhões de bastões de distância. Aqui é a realidade. O senhor vai enlouquecer se tentar atingir a wa a partir de tais impossibilidades. Ouça, se o senhor quer paz deve aprender a tomar chá de uma xícara vazia.

Ela lhe mostrara como. - O senhor pensa na realidade na xícara, pensa que o chá está lá, a quente e verde-clara bebida dos deuses. Se se concentrar intensamente... Oh, um professor zen poderia lhe mostrar, Anjin-san. É muito difícil, mas muito fácil. Como gostaria de ser inteligente o bastante para lhe mostrar, pois então todas as coisas do mundo podem ser suas, bastando pedi-Ias... até o presente mais inconquistável: a tranqüilidade perfeita.

Ele tentara muitas vezes, mas nunca conseguiu tomar a bebida quando ela não estava lá.

- Não tem importância, Anjin-san. Leva muito tempo para aprender, mas o senhor aprenderá, algum dia.

- A senhora consegue?

- Raramente. Apenas em momentos de grande tristeza ou solidão. Mas o sabor do chá irreal parece dar um sentido à vida. É difícil de explicar. Fiz uma ou duas vezes. Às vezes se atinge a wa com a simples tentativa.

Agora, deitado no escuro do castelo, o sono tão remoto, ele acendeu a vela com a pederneira e se concentrou na pequena xícara de porcelana que Mariko lhe dera e que ele agora mantinha sempre ao lado da cama. Tentou durante uma hora. Mas não conseguiu purificar a mente. Inevitavelmente os mesmos pensamentos se atropelavam: quero partir, quero ficar. Tenho medo de voltar, tenho medo de permanecer aqui. Odeio a ambos e amo a ambos. E depois há os "eters".

Se dependesse apenas de mim, eu não partiria, ainda não. Mas há outros envolvidos e eles não são "eters" e eu assinei como piloto: "Pelo Senhor Deus, prometo partir com a frota e, com a graça de Deus, trazê-la para casa de novo". Quero Mariko. Quero ver a terra que Toranaga me deu e preciso ficar aqui, para gozar o fruto da minha grande sorte só mais um pouquinho. Sim. Mas também há dever envolvido e isso transcende a tudo, neh?

Com o amanhecer, Blackthorne soube que, embora fingisse ter adiado a decisão novamente, na realidade se decidira. Irrevogavelmente.

Que Deus me ajude, primeiro e último sou piloto.

Toranaga desenrolou a minúscula tira de papel que chegou duas horas após o amanhecer. A mensagem de sua mãe dizia simplesmente: "Seu irmão concorda, meu filho. A carta de con firmação dele partirá hoje, por mensageiro. A visita de cerimônia do Senhor Sudara e família deve começar dentro de dez dias". Toranaga sentou-se, fraco. Os pombos esvoaçaram nos poleiros, depois pousaram de novo. O sol da manhã filtrava-se no pombal de modo agradável, embora nuvens de chuva estivessem se formando. Reunindo as forças, ele desceu às pressas os degraus para os aposentos abaixo, para começar.

- Naga-san! - Sim, Pai? - Mande Hiro-matsu aqui. Depois dele, o meu secretário! - Sim, Pai.

O velho general veio calmamente. Suas juntas rangiam devido à subida e ele se curvou profundamente, a espada frouxa nas mãos como sempre, o rosto mais feroz do que nunca, mais velho do que nunca, e ainda mais resoluto.

- Seja bem-vindo, velho amigo.

- Obrigado, senhor. - Hiro-matsu levantou os olhos. - Entristece-me ver as preocupações do mundo no seu rosto. - E entristece a mim ver e ouvir tanta traição.

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- Sim. Traição é uma coisa terrível.

Toranaga viu os firmes olhos velhos medindo-o. - Pode falar à vontade.

- Alguma vez não fiz isso, senhor? - O velho estava grave. - Por favor, desculpe por tê-lo feito esperar.

- Por favor, desculpe-me por perturbá-lo. Qual é o seu desejo, senhor? Por favor, dê-me a sua decisão sobre o futuro da sua casa. É Osaka afinal... curvar-se àquele monte de esterco?

- Alguma vez você já me viu tomar alguma decisão final sobre qualquer coisa?

Hiro-matsu franziu o cenho, depois pensativamente endireitou as costas para abrandar a dor nos ombros. - É por isso que não consigo compreendê-lo agora. Não é próprio do senhor desistir.

- O reino não é mais importante do que o meu futuro? - Não.

- Ishido e os outros regentes ainda são governantes legais, de acordo com o testemunho do táicum.

- Sou vassalo de Yoshi Toranaga-noh-Minowara e não reconheço outro senhor.

- Bom. Depois de amanhã é o dia que escolhi para partir para Osaka.

- Sim. Ouvi sobre isso.

- Você estará no comando da escolta, Buntaro será o segundo em comando.

O velho general suspirou. - Também sei disso, senhor. Mas desde que voltei, senhor, conversei com seus conselheiros mais velhos e gene ...

- Sim. Eu sei. E qual é a opinião deles?

- Que o senhor não devia deixar Yedo. Que as suas ordens deviam ser temporariamente anuladas.

- Por quem?

- Por mim. Por ordens minhas.

- É isso o que eles desejam? Ou é o que você decidiu? Hiro-matsu pousou a espada no chão, mais perto de Toranaga, e agora, indefeso, olhou diretamente para ele. - Por favor, desculpe-me, senhor, gostaria de lhe perguntar o que devo fazer. Meu dever parece dizer-me que eu deveria tomar o comando e impedi-lo de partir. Isso forçará Ishido a vir imediatamente contra nós. Sim, claro que perderemos, mas esse parece ser o único caminho honroso.

- Mas estúpido, neh?

As sobrancelhas grisalhas do general se franziram. - Não. Morremos em batalha, com honra. Recuperamos a wa. O Kwanto torna-se um espólio de guerra, mas não veremos o novo amo nesta vida. Shigata ga nai.

- Jamais gostei de gastar homens desnecessariamente. Nunca perdi uma batalha e não vejo razão para começar agora.

- Perder uma batalha não é desonra, senhor. A rendição é honrosa?

- Estão todos de acordo quanto a essa traição?

- Senhor, por favor, desculpe-me, apenas pedi a alguns indivíduos uma opinião militar. Não há traição ou conspiração. - Ainda assim você deu ouvidos à traição.

- Por favor, desculpe-me, mas se eu concordar, na qualidade de seu comandante-chefe, então não se tornará traição, mas política legal de Estado.

- Tomar decisões longe do suserano é traição.

- Senhor, há muitos precedentes de deposição de um suserano. O senhor fez isso, Goroda fez, o táicum - todos fizemos isso e pior. Um vencedor nunca comete traição.

- Você resolveu me depor?

- Peço a sua ajuda para essa decisão.

- Você é a única pessoa em quem eu pensei que pudesse confiar!

- Por todos os deuses, só desejo ser o seu vassalo mais devotado. Sou apenas um soldado. Quero cumprir o meu dever para com o senhor. Penso apenas no senhor. Mereço a sua con fiança. Se isso ajuda, tire-me a cabeça. Se vai convencê-lo a lutar, de bom grado lhe entrego a minha vida, o sangue do meu clã, hoje, em público, em particular ou do modo como o senhor desejar - não foi isso o que o nosso amigo General Kiyoshio fez? Sinto muito, mas não compreendo por que lhe devo permitir desperdiçar uma vida de esforço.

- Então você se recusa a obedecer às minhas ordens de comandar a escolta que partirá para Osaka depois de amanhã? Uma nuvem passou por sobre o sol e os dois homens olharam pelas janelas.

- Logo vai chover de novo - disse Toranaga.

- Sim. Houve chuva demais este ano, neh? As chuvas devem cessar logo ou a colheita estará perdida. Entreolharam-se.

- Bem?

Punho de Aço disse simplesmente: - Formalmente lhe pergunto, senhor: ordena-me que o escolte de Yedo, depois de amanhã, para começar a viagem para Osaka?

- Já que o contrário parece ser o conselho de todos os meus conselheiros, aceitarei a opinião deles, e a sua, e adiarei a minha partida.

Hiro-matsu estava totalmente despreparado para isso. - Hein? Não vai partir?

Toranaga riu, a máscara caiu, e ele se tornou de novo o velho Toranaga. - Nunca pretendi ir a Osaka. Por que eu seria tão estúpido?

- O quê?

- Meu acordo em Yokosé não foi mais que um truque para ganhar tempo - disse Toranaga afavelmente. - Ishido mordeu a isca. O imbecil me espera em Osaka dentro de poucas semanas. Zataki também mordeu a isca. E você e todos os meus bravos vassalos indignos de confiança também morderam a isca. Sem concessão real de qualquer tipo, ganhei um mês e confundi Ishido e seus imundos aliados. Ouvi dizer que já estão se engalfinhando pelo Kwanto. Foi prometido a Kiyama, assim como a Zataki.

- O senhor nunca pretendeu ir? - Hiro-matsu balançou a cabeça, então, quando a clareza da idéia repentinamente o atingiu, seu rosto fendeu-se num sorriso deliciado. - Foi tudo uma manobra astuciosa?

- Claro. Ouça, todo mundo tinha que ser convencido, neh? Zataki, todo mundo, até você! Ou os espiões teriam contado a Ishido e ele se teria movido contra nós imediatamente e nenhuma boa fortuna na terra ou deuses no céu poderiam ter impedido a catástrofe.

- Isso é verdade ... ah, senhor, perdoe-me, sou tão estúpido. Mereço perder a cabeça! Então foi tudo um absurdo, sempre absurdo. Mas... mas e quanto ao General Kiyoshio?

- Ele disse que era culpado de traição. Não preciso de generais traiçoeiros, apenas de vassalos obedientes.

- Mas por que atacar o Senhor Sudara? Por que retirar dele o seu favor?

- Porque me agrada fazer isso - disse Toranaga asperamente.

- Sim. Por favor, desculpe-me. Isso é privilégio exclusivo seu. Peço-lhe que me perdoe por ter duvidado do senhor.

- Por que eu deveria lhe perdoar por ser o que é, amigo velho? Eu precisava que você fizesse o que fez e dissesse o que disse. Agora preciso de você mais do que nunca. Preciso de

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alguém em quem possa confiar. É por isso que estou lhe fazendo a confidência. Isto tem que ficar em segredo entre nós.

- Oh, senhor, faz-me tão feliz...

- Sim - disse Toranaga. - É a única coisa de que tenho medo.

- Senhor?

- Você é comandante-chefe. Só você pode neutralizar esse motim estúpido que está sendo tramado enquanto aguardo. Confio em você e devo confiar. Meu filho não pode controlar os meus generais, embora nunca viesse a demonstrar alegria com o segredo, se o soubesse, mas o seu rosto é o portão da sua alma, amigo velho.

- Então deixe-me tirar a vida depois de ter acomodado os generais.

- Isso não é ajuda. Você deve mantê-los unidos, à espera da minha pretensa partida, neh? Simplesmente terá que vigiar o seu rosto e o seu sono como nunca antes. Você é o único no mundo que sabe - é o único em quem devo confiar, neh?

- Perdoe-me minha estupidez. Não falharei. Explique-me o que devo fazer.

- Diga aos meus generais a verdade: que você me persuadiu a aceitar o seu conselho, que também é o deles, neh? Formalmente ordeno que a minha partida seja adiada por sete dias. Depois adiarei de novo. Por doença, dessa vez. Você é o único que sabe.

- E depois? Depois será Céu Carmesim?

- Não, conforme o planejado originalmente. Céu Carmesim foi sempre um último plano, neh?

- Sim. E o Regimento de Mosquetes? Não poderia abrir caminho através das montanhas?

- Parte do caminho. Mas não o caminho todo até Kyoto. - Mande assassinar Zataki.

- Isso poderia ser possível. Mas Ishido e seus aliados ainda são invencíveis. - Toranaga revelou-lhe os argumentos de Omi, Yabu, Igurashi e Buntaro, no dia do terremoto. - Naquela época ordenei Céu Carmesim como outro ardil para confundir Ishido.. . e também tive as partes certas da discussão cochichadas em ouvidos errados. Mas o fato é que a força de Ishido ainda é invencível.

- Como podemos dividi-Ia? E quanto a Kiyama e Onoshi? - Não, esses dois estão implacavelmente contra mim. Todos os cristãos estarão contra mim, exceto o meu cristão, e logo o colocarei, a ele e ao seu navio, em uso, um uso ótimo. Tempo é o que mais preciso. Tenho aliados e amigos secretos por todo 0 império, e se tivesse tempo. . . Cada dia que eu ganho enfraquece mais Ishido. Esse é o meu plano de batalha. Cada dia de atraso é importante. Ouça, depois das chuvas, Ishido virá contra o Kwanto, numa manobra de tenazes, Ikawa Jikkyu avançando contra o sul, Zataki ao norte. Nós vamos deter Jikkyu em Mishima, depois recuar até o passo Yokosé e Odawara, de onde fazemos nossa resistência final. Ao norte reteremos Zataki nas montanhas ao longo da estrada Hosho-kaido, em algum lugar perto de Mikawa. O que Omi e Igurashi disseram é verdade: podemos rechaçar o primeiro ataque e não deve haver outra grande invasão. Lutamos e esperamos atrás das nossas montanhas. Lutamos e protelamos e esperamos e depois, quando a fruta estiver madura. .. Céu Carmesim.

- Iüüüh, que esse dia chegue logo!

- Ouça, amigo velho, só você pode controlar os meus generais. Com tempo e o Kwanto seguro, completamente seguro, podemos vencer o primeiro ataque e então as alianças de Ishido começarão a se romper. Uma vez que isso aconteça, o futuro de Yaemon está garantido e o testamento do táicum, inviolável.

- Não tomará o poder sozinho, senhor?

- Pela última vez: "A lei pode subverter a razão, mas a razão não pode subverter a lei, ou a nossa sociedade toda se rasgará como um tatami velho. A lei pode ser usada para confundir

a razão, a razão certamente não pode ser usada para subverter a lei". O testamento do táicum é lei.

Hiro-matsu curvou-se em aceitação. - Muito bem, senhor. Nunca mencionarei isso de novo. Por favor, desculpe-me. Agora. . . - Deixou seu sorriso mostrar-se. - Agora, o que devo fazer?

- Finja que me convenceu a adiar. Simplesmente controle-os todos com o seu punho de aço.

- Quanto tempo devo manter o fingimento? - Não sei.

- Não confio em mim mesmo, senhor. Posso cometer um engano, sem a intenção disso. Acho que posso manter a alegria longe do rosto por alguns dias. Com a sua permissão, as minhas "dores" devem se tornar sérias, e ficarei confinado ao leito, sem visitas, neh?

-- Bom. Faça isso dentro de quatro dias. A partir de hoje, demonstre que está sentindo dor. Não será difícil, neh?

- Não, senhor. Sinto muito. Fico contente de que a bata

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lha comece este ano. No próximo . . .     posso não ser capaz de ajudar.

- Absurdo. Mas será este ana se eu disser sim ou não. Dentro de dezesseis dias partirei de Yedo para Osaka. Até lá você terá dado a sua "aprovação relutante" e liderará a marcha. Só você e eu sabemos que haverá adiamentos posteriores e que bem antes de atingir as minhas fronteiras, voltarei a Yedo.

- Por favor, perdoe-me por ter duvidado do senhor. Não fosse porque devo permanecer vivo para ajudar os seus planos, eu não poderia viver com a minha vergonha.

- Não há de que se envergonhar, amigo velho. Se você não tivesse sido convencido, Ishido e Zataki teriam percebido 0 truque. Oh, a propósito, como estava Buntaro-san quando você o viu?

- Perturbado, senhor. Será bom termos uma boa batalha para ele lutar.

- Ele sugeriu me substituir como suserano?

- Se ele me dissesse isso, eu lhe teria arrancado a cabeça. Imediatamente!

- Mandarei chamar você dentro de três dias. Peça para me ver diariamente, mas eu recusarei até lá.

- Sim, senhor. - O velho general curvou-se humildemente. - Por favor, perdoe este velho tolo. Deu-me um sentido para a vida novamente. Obrigado. - E saiu.

Toranaga tirou a pequena tira de papel da manga e releu a mensagem da mãe com uma satisfação enorme. Çom a estrada nordeste possivelmente aberta e Ishido possivelmente traído lá, as suas probabilidades melhoravam enormemente. Atirou a mensagem às chamas. O papel contorceu-se reduzindo-se a cinzas. Contente, ele desmanchou a cinza, transformando-a em pó. Agora, quem deve ser o novo comandante-chefe? perguntou a si mesmo.

Ao meio-dia, Mariko atravessou o adro do torreão, por entre as silenciosas fileiras de guardas, e entrou. O secretário de Toranaga a esperava numa das ante-salas do térreo. - Sinto muito ter mandado chamá-la, Senhora Toda - disse ele sem prestar-lhe atenção.

- O prazer foi meu, Kawanabi-san.

Kawanabi era um samurai velho, de traços severos, com a cabeça raspada. Já fora sacerdote budista. Fazia anos, agora, que lidava com toda a correspondência de Toranaga. Normalmente era brilhante e entusiasmado. Naquele dia, como a maioria das pessoas no castelo, estava grandemente inquieto. Estendeu a ela um pequeno rolo de pergaminho. - Aqui estão os documentos de viagem para Osaka, devidamente assinados. Deve partir amanhã e chegar lá o mais rápido possível.

- Obrigada. - A voz dela soou minúscula para ela mesma. - O Senhor Toranaga diz que talvez tenha alguns despachos particulares para a senhora levar à Senhora Kiritsubo e à Senhora Koto. Também para o Senhor General Ishido e a Senhora Ochiba. Ser-lhe-ão entregues amanhã ao amanhecer se . . . sinto muito, se estiverem prontos. Providenciarei para que the sejam entregues.

- Obrigada.

Dentre uma quantidade de rolos empilhados com um esmero pedante na escrivaninha baixa dele, Kawanabi selecionou um documento oficial. - Fui instruído para lhe entregar isto. É o aumento do feudo do seu filho, conforme o prometido pelo Senhor Toranaga. Dez mil kokus anuais. Está datado do último dia do mês passado e... bem, aqui está.

Ela aceitou, leu e examinou os selos oficiais. Estava tudo perfeito. Mas não lhe deu felicidade alguma. Ambos acreditavam que era um papel vazio agora. Se a vida do seu filho fosse pou pada, ele se tornaria ronin. - Obrigada. Por favor, agradeça ao Senhor Toranaga pela honra que me confere. Posso ser autorizada a vê-lo antes de partir?

- Oh, sim. Quando sair daqui, a senhora é solicitada a se dirigir ao navio bárbaro. É solicitada a esperá-lo lá.

- Devo . . . devo traduzir?

- Ele não disse. Eu presumiria que sim, Senhora Toda. - O secretário examinou uma lista na sua mão. - O Capitão Yoshinaka recebeu ordem de comandar a sua escolta até Osaka, se lhe aprouver.

- Eu ficaria honrada em estar sob o comando dele novamente. Posso perguntar como vai o Senhor Toranaga?

- Parece bastante bem, mas para um homem ativo como ele, engaiolar-se por dias a fio. . . O que posso dizer? - Espalmou as mãos, desamparado. - Sinto muito. Pelo menos hoje ele viu o Senhor Hiro-matsu e concordou com um adiamento. Também concordou em tratar de outras coisas. . . os preços do arroz devem ser estabilizados agora, para o caso de uma má colheita. . . Mas aqui há tanto o que fazer. . . simplesmente não parece ele,

Senhora Toda. Os tempos são terríveis, neh? E terríveis os presságios: os adivinhos dizem que a colheita estará perdida este ano. - Não acreditarei neles... até o tempo da colheita.

- Sábio, muito sábio. Mas não serão muitos de nós que verão o tempo da colheita. Devo ir com ele para Osaka. - Kawanabi estremeceu e se inclinou para frente nervosamente. - Ouvi um boato de que a peste começou de novo entre Kyoto e Osaka... varíola. Será que é outro sinal do céu de que os deuses estão desviando o rosto de nós?

- Não é próprio do senhor acreditar em boatos ou em sinais do céu, Kawanabi-san, ou passar boatos. Sabe o que o Senhor Toranaga pensa disso.

- Sei. Sinto muito. Mas, bem . . . ninguém parece estar normal hoje em dia, neh?

- Talvez o boato nãa seja verdadeiro. . . rezo para que não seja. - Ela afastou o pressentimento. - A nova data para a partida já foi marcada?

- Tomei conhecimento de que o Senhor Hiro-matsu disse que estava adiada por sete dias. Estou muito contente de que o nosso comandante-chefe tenha retornado e muito contente de que tenha canvencido... gostaria de que a partida fosse cancelada para sempre. É melhor combater do que ser desonrado lá, neh? - Sim - concordou ela, sabendo que não havia mais sentido em fingir que esse não era o pressentimento na mente de todo mundo. - Agora que o Senhor Hiro-matsu voltou, talvez o nosso senhor veja que a rendição não é a melhor linha de conduta. - Senhora, apenas para os seus ouvidos. O Senhor Hiromatsu... - Ele parou, levantou os olhos e pôs um sorriso no rosto. Yabu estava entrando na saia, as espadas retinindo. - Ah, Senhor Kasigi Yabu, que prazer em vê-lo. - Curvou-se, Mariko curvou-se, houve algumas amenidades e depois ele disse: - O Senhor Toranaga o aguarda, senhor. Por favor, suba imediatamente.

- Bom. Para que ele me quer ver?

-- Sinto muito, senhor, ele não me disse... só que queria vê-lo.

- Como vai ele?

Kawanabi hesitou. - Não houve mudança, senhor. - A partida. . . foi marcada uma nova data?

- Tomei conhecimento de que será dentro de sete dias. - Talvez o Senhor Hiro-matsu consiga adiá-la ainda mais, neh?

- Isso dependeria do nosso amo, senhor. - Claro. - Yabu saiu.

- O senhor estava dizendo sobre o Senhor Hiro-matsu? - Apenas para os seus ouvidos, senhora, já que Buntaro-san não está aqui - sussurrou o secretário. - Quando o velho Punho de Aço voltou do encontro com o Senhor Toranaga, teve que repousar quase uma hora. Estava sentindo fortes dores, senhora. - Oh! Seria terrível se alguma coisa lhe acontecesse agora! - Sim. Sem ele, haveria uma revolta, neh? Esse adiamento não resolve nada, não é? É apenas uma trégua. O verdadeiro problema... tenho medo... tenho medo desde que o Senhor Sudara agiu como assistente formal do General Kiyoshio, cada vez que o nome do Senhor Sudara é mencionado o nosso senhor fica furioso ... Foi apenas o Senhor Hiro-matsu quem o convenceu a adiar e isso é a única coisa que. . . - Lágrimas começaram a correr pelas faces do secretário. - O que está acontecendo, senhora? Ele perdeu o controle, neh?

- Não - disse ela com firmeza, sem convicção. - Tenho certeza de que tudo dará certo. Obrigado por me dizer. Tentarei ver o Senhor Hiro-matsu antes de partir.

-- Vá com Deus, senhora.

Ela ficou surpresa. - Não sabia que o senhor era cristão, Kawanabi-san.

- Não sou, senhora. Mas sei que isso é um costume seu. Ela saiu para o sol, grandemente preocupada com Hiromatsu, ao mesmo tempo agradecendo a Deus o fato de a espera ter terminado e no dia seguinte poder escapar. Dirigiu-se para o palanquim e a escolta, que a esperavam.

- Ah, Senhora Toda - disse Gyoko, avançando das sombras, interceptando-a.

- Ah, bom dia, Gyoko-san, que prazer em vê-Ia. Espero que esteja passando bem - disse ela cordialmente, um calafrio repentino percorrendo-a.

- Nada bem, em absoluto, estou com medo, sinto muito. E muito triste. Parece que não gozamos do favor do nosso senhor, Kiku-san e eu. Desde que chegamos aqui, fomos confinadas a um imundo hotel de terceira classe, onde eu não colocaria um prostituto de oitava classe.

- Oh, sinto muito. Tenho certeza de que deve ter havido algum engano.

-.Ah, sim, um engano. Certamente espero que sim, senhora. Finalmente, hoje, recebi permissão de vir ao castelo, finaimente há uma resposta à minha solicitação de ver o grande senhor, finalmente permitem-me curvar-me diante do grande senhor de novo, ainda hoje, mais tarde. - Gyoko sorriu-lhe, falsa. - Ouvi dizer que a senhora também vinha ver o secretário do senhor, então pensei esperar para saudá-la. Espero que não se importe.

- É um prazer vê-Ia, Gyoko-san. Eu a teria visitado, e a Kiku-san, ou pedido que ambas viessem me visitar, mas infelizmente isso não foi possível.

- Sim... muito triste. Estes tempos são tristes. Difíceis para os nobres. Difíceis para os camponeses. A pobre Kiku-san está doente de preocupação de não contar mais com o favor do nosso senhor.

- Estou certa de que ela está enganada, Gyoko-san. Ele... o Senhor Toranaga tem muitos problemas urgentes, neh?

- É verdade ... é verdade. Talvez pudéssemos tomar um chá agora, Senhora Toda. Eu ficaria honrada em poder conversar com a senhora um momento.

- Ah, sinto muito, mas recebi ordem de tratar de um assunto oficial. Senão ficaria muito honrada.

- Ah, sim, a senhora tem que ir ao navio do Anjin-san agora. Ah, esqueci, sinto muito. Como vai o Anjin-san?

- Acredito que esteja bem - disse Mariko, furiosa de que Gyoko soubesse dos seus assuntos particulares. - Vi-o apenas uma vez, e ainda assim só por alguns momentos, desde que chegamos.

- Um homem interessante. Sim, muito. É triste não ver os amigos, neh?

As duas mulheres sorriam, faiavam com voz polida e despreocupada, ambas conscientes dos impacientes samurais que observavam e ouviam.

- Ouvi dizer que o Anjin-san visitou os amigos, a tripulação. Como os encontrou?

- Ele não me disse nada, Gyoko-san. Como lhe falei, só o vi um momento. Sinto muito, mas tenho que ir...

- É triste não ver os amigos. Talvez eu lhe pudesse falar sobre eles. Por exemplo, que vivem numa aldeia eta.

- O quê?

- Sim. Parece que os amigos dele pediram permissão para morar lá, preferindo a aldeia a áreas civilizadas. Curioso, neh? Não são como o Anjin-san, que é diferente. Corre o boato de que eles dizem que lá é mais como em casa para eles ... a aldeia eta. Curioso, neh?. ..

Mariko lembrou-se de como o Anjin-san estivera estranho na escada naquele dia. Isso explica, pensou ela. Eta! Minha Nossa Senhora, pobre homem. Como deve ter ficado envergonhado. - Desculpe, Gyoko-san, o que foi que disse?

- Só que é curioso que o Anjin-san seja tão diferente dos outros.

- Como são eles? A senhora os viu? Os outros?

- Não, senhora. Eu não iria lá. O que eu teria a ver com eles? Ou com etas? Devo pensar nos meus clientes e na minha Kiku-san. E no meu filho.

- Ah, sim, o seu filho.

O rosto de Gyoko se entristeceu sob o guarda-sol, mas os olhos continuaram insensivelmente marrons como o quimono. - Por favor, desculpe-me, mas suponho que a senhora nem tenha idéia de por que estamos em desgraça com o Senhor Toranaga? - Não. Tenho certeza de que a senhora está enganada. O contrato foi firmado, neh? Conforme o combinado?

- Oh, sim, obrigada. Tenho uma carta de crédito junto a um rico mercador de Mishima, pagável contra apresentação. Menos do que combinamos. Mas o dinheiro estava longe da minha mente. O que é o dinheiro quando se perdeu o favor do protetor - seja ele ou ela quem for? Neh?

- Tenho certeza de que a senhora conserva o favor dele. - Ah, favores! Estava preocupada com o seu também, Senhora Toda.

- A senhora conta sempre com a minha boa vontade. E amizade, Gyoko-san. Talvez possamos conversar uma outra vez, realmente tenho que ir agora, sinto muito...

- Ah, sim, é muito gentil de sua parte. Eu gostaria muito. --Quando Mariko se voltou, Gyoko acrescentou no seu tom mais adocicado: - Mas a senhora terá tempo? Parte amanhã, neh? Para Osaka?

Mariko sentiu uma súbita farpa de gelo no peito, enquanto a armadilha se fechava.

- Alguma coisa errada, senhora?

- Não... não, Gyoko-san... Esta... durante a hora do Cão, esta noite.. . seria conveniente?

- É muito gentil, senhora. Oh, sim. Oh, sim, como vai ver o nosso amo agora, antes de mim, a senhora intercederia por nós? Precisamos de um favorzinho. Neh?

- Eu ficaria contente em fazer isso. - Mariko pensou um instante. - Alguns favores podem ser pedidos, mas ainda assim não serão concedidos.

Gyoko retesou-se ligeiramente. - Ah! A senhora já pediu a ele o. . . pediu-lhe que nos favorecesse?

- Naturalmente. .. por que não o faria? - disse Mariko com cuidado. - Kiku-san não é uma favorita? A senhora não é uma vassala devotada? Não recebeu favores no passado?

- Minhas solicitações são sempre tão pequenas. Tudo o que eu disse antes ainda se aplica, senhora. Talvez ainda mais.

- Sobre cães de barriga vazia?

- Sobre ouvidos aguçados e línguas seguras. - Ah, sim. E segredos.

- Seria tão fácil me satisfazer. O favor do meu senhor - e o da minha senhora - não é pedir demais, neh?

- Não. Se ocorrer uma oportunidade... Não posso prometer nada.

- Até a noite, senhora.

Curvaram-se uma para a outra e nenhum samurai desconfiou de nada. Mariko subiu ao palanquim para mais mesuras, ocultando os tremores que a acometiam, e o cortejo pôs-se em marcha. Gyoko ficou olhando para ela.

- Você, mulher - disse asperamente um jovem samurai, ao passar. - O que está esperando? Vá tratar dos seus negócios. - Ah! - disse Gyoko desdenhosamente para diversão dos outros. - Mulher, é, jovenzinho? Se eu fosse procurar o seu negócio, poderia ter muita dificuldade em encontrá-lo, hein, embora você ainda nem seja homem bastante para ter pêlos!

Os outros riram. Com uma sacudidela de cabeça, ela se afastou sem medo.

- Alô - disse Blackthorne.

- Boa tarde, Anjin-san. Parece feliz!

- Obrigado. É a vista de uma dama tão adorável, neh?

- Ah, obrigada - respondeu Mariko. - Como está o seu navio?

- De primeira classe. Gostaria de subir a bordo? Eu gostaria de mostrá-lo à senhora.

- Isso é permitido? Recebi ordem de vir aqui para encontrar o Senhor Toranaga.

- Sim. Estamos todos à espera dele agora. - Blackthorne voltou-se e falou ao samurai mais velho no ancoradouro.

Capitão, levo a Senhora Toda lá. Mostrar navio. Quando o Senhora Toranaga chega, o senhor chama, neh?

- Como desejar, Anjin-san.

Blackthorne tomou a dianteira do molhe. Samurais guardavam as barreiras e a segurança estava mais cerrada do que nunca, na praia e no convés. Primeiro ele foi ao tombadilho. - Isto é meu, todo meu - disse com orgulho.

- Algum dos seus tripulantes está aqui?

- Não, nenhum. Hoje não, Mariko-san. - Mostrou tudo tão depressa quanto pôde, depois guiou-a para baixo. - Esta é a cabina principal. - As vigias da popa davam para a praia. Ele fechou a porta. Agora estavam totalmente sozinhos.

- É a sua cabina? - perguntou ela.

Ele meneou a cabeça, observando-a. Ela foi para os braços dele. Abraçou-a com força. - Oh, como senti saudades de você...

- E eu também . . .

- Tenho muito para lhe dizer. E para lhe perguntar - disse ele.

- Não tenho nada a dizer. Exceto que o amo de todo 0 coração. - Ela estremeceu nos braços dele, tentando afastar o terror de que Gyoko ou alguém os denunciasse. - Tenho muito medo por você.

- Não tenha medo, Mariko, minha querida. Vai dar tudo certo.

- Isso é o que digo a mim mesma. Mas hoje é impossível aceitar que karma é a vontade de Deus.

- Você estava tão distante a última vez.

- Isto é Yedo, meu amor. E além da Primeira Ponte. - Foi por causa de Buntaro-san. Não foi?

- Sim - disse ela simplesmente. - Isso e a decisão de Toranaga de se render. É uma inutilidade tão desonrosa. . . Nunca pensei que diria isso em voz alta, mas tenho que dizer. Sinto muito. - Ela se aninhou mais ainda à proteção dos ombros dele. - Quando ele for para Osaka, você está liquidada, também? - Sim. O clã Toda é poderoso e importante demais. Em qualquer eventualidade, não me deixariam viva.

- Então deve vir comigo. Escaparemos. Nós... - Sinto muito, mas não há escapatória.

- Amenos que Toranaga autorize, neh? - Por que ele deveria autorizar? Rapidamente Blackthorne contou-lhe o que dissera a Toranaga, mas não que também a pedira. - Sei que posso forçar os padres a trazer Kiyama ou Onoshi para o lado dele, se ele me autorizar a tomar esse Navio Negro - concluiu excitadamente -, e sei que posso fazer isso!

- Sim - disse ela, contente, pela salvação da Igreja, de que ele fosse impedido pela decisão de Toranaga. Examinou novamente a lógica do plano dele e considerou-o sem falhas. - Deve funcionar, Anjin-san. Agora que Harima é hostil, não haveria razão por que Toranaga-sarna não devesse ordenar um ataque, se ele fosse combater e não render-se.

- Se o Senhor Kiyama ou o Senhor Onoshi, ou ambos, se juntassem a ele, isso faria a balança pender para o lado dele?

- Sim - disse ela. - Com Zataki e tempo. - Ela já havia explicado a importância estratégica do controle da estrada norte por Zataki. - Mas Zataki está contra Toranaga-sarna.

- Ouça, posso estrangular os padres. Sinto muito, mas eles são meus inimigos, embora sejam os seus padres. Posso dominó-los em nome dele - no meu também. Você me ajudará a ajudá-lo? Ela o encarou. - Como?

- Ajude-me a persuadi-lo a me dar a chance, e convença-o a adiar a ida para Osaka.

Houve o ruído de cavalos e vozes que se erguiam no embarcadouro. Distraídos, eles se dirigiram às janelas. Os samurais estavam puxando para o lado uma das barreiras. O Padre Alvito esporeou a montaria e avançou para a clareira.

- O que ele quer? - resmungou Blackthorne, carrancudo. Observaram o padre desmontar, puxar um rolo da manga e entregá-lo ao samurai mais velho. O homem leu. Alvito olhou o navio.

- Seja o que for, é oficial - disse ela com voz débil.

- Ouça, Mariko-san, não sou contra a Igreja. A Igreja não é má, os padres é que são. E nem todos são maus. Alvito não é, embora seja um fanático. Juro por Deus que acredito que os jesuítas se curvarão ao Senhor Toranaga se eu tomar o Navio Negro deles e ameaçar o do ano que vem, porque eles têm que ter dinheiro - Portugal e Espanha têm que ter dinheiro. Toranaga é mais importante. Você me ajudará?

- Sim. Sim, eu o ajudarei, Anjin-san. Mas, por favor, desculpe-me, não posso trair a Igreja.

- Tudo o que peço é que converse com Toranaga, ou me ajude a conversar com ele, se achar melhor.

Soou uma trompa distante. Olharam pelas janelas de novo.

Estavam todos de olhos fixos na direção oeste. A dianteira de um cortejo de samurais em torno de uma liteira acortinada aproximava-se da direção do castelo.

A porta da cabina abriu-se. - Anjin-san, venha agora, por favor - disse o samurai.

Blackthorne tomou a dianteira rumando para o convés e para o embarcadouro. Seu aceno de cabeça foi friamente polido. O padre foi igualmente glacial. Com Mariko, Alvito foi gentil. - Alô, Mariko-san. Que prazer em vê-Ia.

- Obrigada, padre - disse ela, fazendo uma profunda mesura.

- Que as bênçãos de Deus recaiam sobre a senhora. - Fez o sinal-da-cruz sobre ela. - In nomine Patris et Filii et Spiritui Sancti.

- Obrigada, padre.

Alvito olhou de relance para Blackthorne. - Então, piloto? Como está o seu navio?

- Tenho certeza de que o senhor já sabe.

- Sim, sei. - Alvito correu os olhos pelo Erasinus; o rosto tenso. - Que Deus o maldiga e a todos os que viajarem nele, se for usado contra a fé e contra Portugal!

- Foi para isso que veio aqui? Para espalhar mais veneno? - Não, piloto - disse Alvito. - Pediram-me que viesse aqui para encontrar o Senhor Toranaga. Acho a sua presença tão desagradável quanto o senhor acha a minha.

- A sua presença não é desagradável, padre. Apenas o mal que o senhor representa.

Alvito corou e Mariko disse rapidamente: - Por favor. É mau discutir assim em público. Peço a ambos que sejam mais circunspectos.

- Sim, por favor, desculpe-me, Mariko-san. Peço desculpas, Mariko-san. - O Padre Alvito voltou-se e olhou para a liteira que vinha atravessando a barreira, a flâmula de Toranaga esvoaçando, samurais uniformizados à frente e atrás, encerrando um outro grupo esparso e heterogêneo de samurais.

O palanquim parou. As cortinas se descerraram. Yabu desceu. Todos ficaram atônitos. No entanto, curvaram-se. Yabu retribuiu a saudação arrogantemente.

- Ah, Anjin-san - disse Yabu. - Como vai? - Bem, obrigado, senhor. E o senhor?

- Bem, obrigado. O Senhor Toranaga está doente. Pediume que viesse em seu lugar. Compreende?

- Sim. Compreendo - retrucou Blackthorne, tentando dissimular o desapontamento com a ausência de Toranaga. - Sinto muito Senhor Toranaga doente.

Yabu deu de ombros, cumprimentou Mariko com deferência, fingiu não notar Alvito, e estudou o navio um instante. Estava com um sorriso retorcido quando se voltou para Blackthorne. - So desu, Anjin-san. Seu navio está diferente desde a última vez que o vi, neh? Sim, o navio está diferente, o senhor está diferente, tudo está diferente - até o nosso mundo está diferente! Neh?

- Sinto muito, não compreendo, senhor. Por favor, desculpe-me, mas suas palavras são muito rápidas. Como o meu. . ., - Blackthorne começou a frase de reserva, mas Yabu interrompeu guturalmente: - Mariko-san, por favor, traduza para mim.

Ela fez isso.

Blackthorne assentiu e disse lentamente: - Sim. Diferente, Yabu-sama.

- Sim, muito diferente. O senhor não é mais bárbaro, e sim samurai, assim como o seu navio, neh?

Blackthorne viu o sorriso nos lábios grossos, a postura belicosa, e repentinamente foi projetado de volta a Anjiro, de volta à praia, de joelhos, Croocq no caldeirão, os gritos de Pieterzoon soando-lhe aos ouvidos, o mau cheiro do buraco nas narinas, e sua mente gritava: Tão desnecessário tudo aquilo, todo o sofrimento, o terror, Pieterzoon, Spillbergen, Maetsukker, a cela, os catas, e tudo por sua culpa!

- Está se sentindo bem, Anjin-san? - perguntou Mariko, apreensiva com a expressão nos olhos dele.

- O quê? Oh ... oh, sim. Sim, estou bem. - O que há com ele? - disse Yabu.

Blackthorne meneou a cabeça, tentando aclarar as idéias e apagar o ódio do rosto. - Sinto muito. Por favor, desculpe-me. Eu ...  não é nada. Cabeça ruim...           não dormir. Sinto muito. - Sustentou o olhar de Yabu, esperando ter dissimulado o seu perigoso lapso. - Pena Toranaga-sama doente... espero não problema Yabu-sama.

- Não, problema algum - disse Yabu, mas pensando: problema, sim, você não passa de um problema, e só tive problemas desde que você e o seu navio imundo chegaram às minhas praias. Izu foi-se, minhas armas foram-se, a honra foi-se, e agora minha cabeça está perdida por causa de um covarde. - Problema algum, Anjin-san - disse muito cordialmente. - Toranaga-sama pediu-me que lhe entregasse os seus vassalos, conforme ele prometeu. - Seus olhos deram com Alvito. - Ora, Tsukku-san! Por que o senhor é inimigo de Toranaga-cama?

- Não sou, Kasigi Yabu-sama!

- Os seus daimios cristãos são, neh?

- Por favor, desculpe-me, senhor, mas somos apenas padres, não somos responsáveis pelas idéias políticas daqueles que adoram a verdadeira fé, nem exercemos controle sobre os daimios que...

- A verdadeira fé na Terra dos Deuses é a xintoísta, junto com o Tao, o caminho de Buda!

Alvito não respondeu. Yabu desdenhosamente lhe deu as costas e berrou uma ordem. O grupo de samurais dispersos começou a se alinhar diante do navio. Nenhum deles estava armado. Alguns tinham as mãos atadas.

Alvito avançou e curvou-se. - Talvez o senhor me dê licença, senhor. Eu devia ver o Senhor Toranaga. Como ele não virá...

- O Senhor Toranaga queria o senhor aqui para servir de intérprete entre ele e o Anjin-san - interrompeu-o Yabu com maus modos deliberados, conforme Toranaga lhe dissera que fizesse. - Sim, para servir de intérprete como apenas o senhor pode fazer, falando direta e imediatamente, neh? Naturalmente o senhor não tem objeções em fazer para mim o que o Senhor Toranaga solicitou, antes de se ir?

- Não, claro que não, senhor.

- Bom. Mariko-san! O Senhor Toranaga pede-lhe que veja que as respostas do Anjin-san também sejam corretamente traduzidas.

Alvito corou, mas se conteve.

- Sim, senhor - disse Mariko, odiando Yabu.

Yabu berrou outra ordem. Dois samurais foram até a liteira e voltaram com a caixa-forte do navio. - Tsukku-san, comece: ouça, Anjin-san, em primeiro lugar, o Senhor Toranaga me pediu que devolvesse isto. É propriedade sua, neh? Abram-na - ordenou aos samurais. A caixa estava transbordando de moedas de prata. - Está conforme foi tirado do seu navio.

- Obrigado. - Blackthorne mal podia acreditar nos próprios olhos, pois aquilo lhe dava poder para contratar a melhor tripulação do mundo, sem promessas.

- Deve ser colocada na sala-forte do navio. - Sim, naturalmente.

Yabu acenou para dois samurais a bordo. Então, para fúria crescente de Alvito, que continuava com a tradução quase simultânea, Yabu disse: - Segundo: o Senhor Toranaga diz que o senhor é livre para ir ou ficar. Quando estiver na nossa terra, será samurai, hatainoto e governado pela lei samurai. Ao mar, além das nossas costas, é como era antes de vir aqui, e governado por leis bárbaras. É-lhe concedido o direito vitalício de atracar em qualquer porto sob controle do Senhor Toranaga, sem vistoria por parte das autoridades portuárias. Finalmente: estes duzentos homens são vassalos seus. Ele me pediu que os entregasse formalmente, com armas, conforme o prometido.

- Posso partir quando e como quiser? - perguntou Blackthorne, incrédulo.

- Sim, Anjin-san, pode partir, conforme determinou o Senhor Toranaga.

Blackthorne fitou Mariko, mas ela lhe evitou os olhos, então ele olhou de novo para Yabu. - Eu poderia partir amanhã? - Sim, se quiser. Quanto a estes homens - acrescentou Yabu -, são todos ronins. Todos das províncias do norte. Todos concordaram em jurar lealdade eterna ao senhor e aos seus descendentes. São todos bons guerreiros. Nenhum deles cometeu crime que pudesse ser provado. Todos se tornaram ronins porque os respectivos suseranos foram assassinados, morreram ou foram depostos. Muitos combateram em navios contra wakos. - Yabu sorriu ao seu modo malévolo. - Alguns podem ter sido wakos, compreende "wako"?

- Sim, senhor.

- Os que estão amarrados são provavelmente bandidos ou wakos. Apresentaram-se como um grupo e se ofereceram voluntariamente para servi-lo sem medo, em troca de perdão por quaisquer crimes passados. Juraram ao Senhor Noboru - que selecionou todos estes homens por ordem do Senhor Toranaga - que nunca cometeram crime algum contra o Senhor Toranaga ou qualquer um dos samurais dele. O senhor pode aceitá-los individualmente, ou como um grupo, ou recusá-los. Compreende? - Posso recusar qualquer um deles?

- Por que faria isso? - perguntou Yabu. - O Senhor Noboru os escolheu cuidadosamente.

- Claro, sinto muito - disse Blackthorne a Yabu, consciente do crescente mau humor do daimio. - Compreendo totalmente. Mas os que estão amarrados... o que acontece se eu os recusar?

- A cabeça deles será cortada. Naturalmente. O que tem isso a ver?

- Nada. Sinto muito.

- Siga-me. - Yabu dirigiu-se empertigado para a liteira. Blackthorne deu uma olhada em Mariko. - Posso partir. Ouviu só!

- Sim.

- Isso significa ... É quase como um sonho. Ele disse . . . - Anjin-san!

Obedientemente Blackthorne se apressou na direção de Yabu. Agora a liteira servia de estrado. Um escrevente armara uma mesa baixa, sobre a qual havia rolos de pergaminho. A pouca distância, samurais vigiavam uma pilha de adagas e espadas longas, lanças, escudos, machados, arcos e flechas, que alguns carregadores estavam descarregando de cavalos. Yabu fez sinal a Blackthorne que se sentasse ao seu lado, Alvito bem em frente e Mariko do outro lado. O escrevente chamou nomes. Cada homem se aproximou, curvou-se com formalidade, deu seu nome e linhagem, jurou fidelidade, assinou o pergaminho que lhe correspondia, e selou com uma gota de sangue que o escrevente ritualmente picou-lhe do dedo. Cada um se ajoelhou para Blackthorne uma última vez, depois se levantou e correu ao alfageme. Primeiro recebeu a espada mortífera, depois a adaga. Cada um aceitou as duas lâminas com reverência e examinou-as meticulosamente, expressando orgulho ante a sua qualidade, e enfiou-as ao sash com uma alegria selvagem. Depois recebeu outras armas e um escudo de guerra. Quando os homens tomaram seus novos lugares, completamente armados agora, samurais de novo e não mais ronins, estavam mais fortes, mais eretos e pareciam ainda mais ferozes.

Os ronins amarrados ficaram por último. Blackthorne insistiu em cortar pessoalmente as amarras de cada um. Um a um juraram fidelidade, conforme tinham feito todos os outros: - Pela mi nha honra de samurai, juro que os seus inimigos são os meus inimigos, e total obediência.

Depois de ter jurado, cada homem foi apanhar suas armas. Yabu chamou: - Uraga-noh-Tadamasa!

O homem avançou. Alvito ficou desconcertado. Uraga - Irmão José - estivera despercebido entre os samurais agrupados por perto. Estava desarmado e usava um quimono simples e

um chapéu de bambu. Yabu sorriu malicioso ante a agitação de Alvito e voltou-se para Blackthorne. - Anjin-san. Este é Uraga-noh-Tadamasa. Samurai, agora ronin. Reconhece-o? Compreende "reconhecer"?

- Sim, compreendo. Sim, reconheço. - Bom. Antes padre cristão, neh? - Sim.

- Agora não. Compreende? Agora ronin. - Compreendo, Yabu-sama.

Yabu observou Alvito. O padre olhava fixamente o apóstata, que o encarava com ódio. - Ah, Tsukku-san, também o reconhece?

- Sim. Reconheço-o, senhor.

- Está pronto para traduzir de novo... ou perdeu a vontade para isso?

- Por favor, continue, senhor.

- Bom. - Yabu apontou para Uraga. - Ouça, Anjin-san, o Senhor Toranaga lhe dá estephomem, se o quiser. Ele antes era padre cristão, um padre noviço. Agora não é. Agora abjurou ao falso deus estrangeiro e reconverteu-se à verdadeira fé xintoísta e... - Fez uma pausa, porque o padre parara de falar. - Disse exatamente isso, Tsukku-san? Verdadeira fé xintoísta?

O padre não respondeu. Suspirou, depois traduziu exatamente, acrescentando: - É o que ele diz, Anjin-san, que Deus o perdoe. - Mariko deixou passar sem comentário, odiando Yabu ainda mais, prometendo a si mesma vingar-se dele num dia muito breve.

Yabu observou-os, depois continuou: - Então Uraga-san não é mais um cristão. Agora está preparado para servi-lo. Sabe falar bárbaro e a língua particular dos padres, e foi um dos quatro jovens samurais enviados para as suas terras. Até conheceu o cristão chefe de todos os cristãos, como eles dizem - mas agora ele os odeia a todos, exatamente como o senhor, neh? - Yabu observava Alvito, engodando-o, os olhos esvoaçando na direção de Mariko, que ouvia de modo igualmente atento. - O senhor odeia os cristãos, Anjin-san, neh?

- A maioria dos católicos são meus inimigos, sim -- respondeu ele, completamente consciente de Mariko, que olhava fixamente o vazio. - A Espanha e Portugal são inimigos do meu país, sim.

-- Os cristãos são nossos inimigos também. Hein, Tsukku-san?

- Não, senhor. E o cristianismo dá a chave para a vida imortal.

- Dá mesmo, Uraga-san? - disse Yabu.

Uraga balançou a cabeça. Sua voz soou áspera. - Não penso mais assim, senhor. Não.

- Diga ao Anjin-san.

- Senhor Anjin-san - disse Uraga, com uma pronúncia pesada, mas as palavras portuguesas corretas e facilmente compreensíveis -, não acredito que o catolicismo seja a trava, perdão, a chave da imortalidade.

- Sim - disse Blackthorne. - Concordo.

- Bom - continuou Yabu. - Portanto o Senhor Toranaga oferece-lhe este ronin, Anjin-san. É renegado, mas de boa família samurai. Uraga jura, se for aceito, que será seu secretário, tradutor, e fará qualquer coisa que o senhor queira. O senhor terá que lhe dar as espadas. O que mais, Uraga? Diga-lhe.

- Senhor, por favor, desculpe-me. Primeiro... - Uraga tirou o chapéu. Seu cabelo era restolho, a cabeça raspada ao estilo samurai, mas ele ainda não tinha o rabo-de-cavalo. - Primeiro, estou envergonhado de que o meu cabelo não esteja correto e não tenho rabo-de-cavalo como um samurai deve ter. Mas o cabelo crescerá e não sou menos samurai por isso. - Recolocou o chapéu. Disse a Yabu o que havia dito, e os ronins que estavam próximos e conseguiam escutar também ouviram atentamente. - Segundo, por favor, desculpe-me enormemente, mas não sei usar espadas... ou qualquer arma. Eu... eu nunca fui treinado nelas. Mas aprenderei, acredite-me, aprenderei. Por favor, desculpe a minha vergonha. Juro-lhe absoluta fidelidade e peço que me aceite. . . - O suor lhe escorria pelo rosto e pelas costas.

Blackthorne disse compadecidamente: - Shigata ga nai, neh? Ukeru anata wa desu, Uraga-san. O que importa isso? Eu o aceito, Uraga-san.

Uraga curvou-se, depois explicou a Yabu o que dissera. Ninguém riu. Exceto Yabu. Mas a sua risada foi interrompida pelo começo de uma altercação entre os ultimos dois ronins sobre a escolha das espadas remanescentes. - Vocês dois, calemse! - gritou ele.

Os dois giraram sobre os calcanhares e um vociferou: - Você não é meu amo! Onde estão as suas maneiras? Diga "por favor", ou cale a boca você!

Imediatamente Yabu se pôs de pé com um pulo e se precipitou sobre o ronin, espada em riste. Homens se dispersaram e o ronin saiu na disparada. Perto do ancoradouro, o homem sacou a espada com um puxão e abruptamente se voltou para o ataque, com um diabólico grito de batalha. Imediatamente todos os seus amigos arremeteram em seu socorro, espadas preparadas, e Yabu foi encurralado. O homem atacou. Yabu evitou uma violenta estocada, revidou, e errou, enquanto o grupo se lançava maciço à matança. Tarde demais os samurais de Toranaga se precipitaram, sabendo que Yabu era um homem morto.

- Parem! - gritou Blackthorne em japonês. Todos ficaram paralisados ante a potência da sua voz. - Vão lá! - Apontou para o local onde os homens estavam alinhados antes. - Agora! Ordem!

Por um instante todos os homens no ancoradouro permaneceram imóveis. Depois começaram a se mover. O encanto rompeu-se. Yabu lançou-se ao homem que o insultara. O ronin saltou para trás, moveu-se para o lado, a espada levantada acima da cabeça, nas duas mãos, esperando sem medo pelo próximo ataque. Seus amigos hesitaram.

- Vão lá! Agora! Ordem!

Relutante mas obedientemente, o resto dos homens recuou para fora do caminho, embainhando as espadas. Yabu e o homem andavam lentamente em círculo.

- Você! - gritou Blackthorne. - Pare! Baixe a espada! Ordeno!

O homem mantinha os olhos furiosos em Yabu, mas ouviu a ordem e umedeceu os lábios. Simulou investir pela esquerda, depois pela direita. Yabu recuou, e o homem deslizou para fora do seu alcance, correu para perto de Blackthorne e colocou a espada diante deste. - Obedeço, Anjin-san. Eu não o ataquei. - Quando Yabu investiu, ele se desviou com um pulo e recuou sem medo, mais veloz do que Yabu, mais jovem do que Yabu, escarnecendo dele.

- Yabu-san - chamou Blackthorne. - Sinto muito... acho foi engano, neh? Talvez...

Mas Yabu esguichou um jorro de palavras japonesas e atacou o homem, que disparou de novo, sem medo.

Alvito agora estava friamente divertido. - Yabu-san disse que não há engano, Anjin-san. Esse cabrón tem que morrer, diz ele. Nenhum samurai poderia aceitar tal insulto!

Blackthorne sentia todos os olhos sobre si enquanto desesperadamente tentava decidir o que fazer. Observou Yabu se aproximar cauteloso do homem. Bem à esquerda, um samurai de Toranaga assestou o arco. O único ruído era o dos dois arquejando, correndo e gritando um para o outro. O ronin recuou, depois se voltou e saiu correndo, em torno da clareira, ziguezagueando, dando voltas e pulos, o tempo todo mantendo um fluxo gutural e sibilante de insultos.

- Ele está iludindo Yabu, Anjin-san - disse Alvito. - Ele diz "Sou samurai ... não mato homens desarmados como você ... você não é samurai, você é um camponês, esterco fedo rento... ah, então é isso, você não é samurai, é eta, neh? Sua mãe era eta, seu pai era eta e. . . - O jesuíta parou quando Yabu soltou um urro de cólera e apontou para um dos homens e gritou alguma coisa. - Yabu disse: "Você! Dê-lhe a espada!" O ronin hesitou e olhou para Blackthorne.

Blackthorne pegou a espada. - Yabu-san, peço não lutar - disse ele, desejando o outro morto. - Por favor, peço não lutar...

- Dê-lhe a espada!

Um murmúrio encolerizado percorreu os homens de Blackthorne. Ele levantou a mão. - Silêncio! - Olhou para o seu vassalo ronin. - Venha cá. Por favor! - O homem observou Yabu, negaceou à direita, à esquerda, e a cada vez Yabu golpeou com uma cólera desvairada, mas o homem conseguiu se esquivar e correr para junto de Blackthorne. Desta vez Yabu não o seguiu. Simplesmente esperou e observou, como um touro enlouquecido preparando o ataque. O homem curvou-se para Blackthorne e pegou a espada. Depois voltou-se para Yabu e, com um uivante grito de batalha, se arremessou ao ataque. Espadas chocaram-se e chocaram-se de novo. Agora os dois homens circulavam em silêncio. Houve outra troca frenética, as espadas cantando. Então Yabu tropeçou e o ronin arremeteu para a matança fácil. Mas Yabu habilmente se desviou e investiu. As mãos do homem, ainda agarrando a espada, foram decepadas. Por um momento o ronin se manteve ali, uivando, os olhos fixos nos cotos, depois Yabu cortou-lhe a cabeça.

Houve silêncio. Então um troar de aplausos envolveu Yabu. O daimio golpeou uma vez o corpo que se contorcia. Então, com a honra vingada, pegou a cabeça pelo topete, cuspiu cuida dosamente no rosto e atirou-a ao chão. Calmamente caminhou de volta para junto de Blackthorne e curvou-se.

- Por favor, desculpe-me os maus modos, Anjin-san. Obrigado por ter dado a espada a ele - disse, em voz polida, Alvito traduzindo. - Peço desculpas por haver gritado. Obrigado por me permitir banhar a minha espada em sangue com honra.

Baixou os olhos para o legado que Toranaga lhe oferecera. Cuidadosamente examinou-lhe a ponta. Ainda estava perfeita. Desatou o sash de seda para limpar o sangue. - Nunca toque uma lâmina com os dedos, Anjin-san, isso a arruinaria. Uma lâmina deve sentir apenas seda, ou o corpo de um inimigo. - Parou e levantou os olhos. - Posso polidamente sugerir que o senhor permita aos seus vassalos testarem suas lâminas? Será um bom presságio para eles.

Blackthorne voltou-se para Uraga. - Diga-lhes isso.

Quando Yabu retornou a casa, o dia estava quase findando. Criados tiraram-lhe as roupas suadas, deram-lhe um quimono limpo e lhe calçaram tabis limpos. Yuriko, sua esposa, o esperava ao frescor da varanda com chá e saquê, escaldantes, do modo como ele gostava.

- Saquê, Yabu-san? - Yuriko era uma mulher alta e magra, com cabelo raiado de cinza. Seu quimono escuro de pobre qualidade realçava-lhe agradavelmente a pele bonita.

- Obrigado, Yuriko-san. - Yabu tomou o vinho apreciando a raspadela doce e áspera enquanto a bebida lhe descia pela garganta ressecada.

- Foi tudo bem, ouvi dizer. - Sim.

- Que impertinência daquele ronin!

- Ele me serviu bem, senhora, muito bem. Sinto-me ótimo agora. Mergulhei em sangue a espada de Toranaga e a fiz realmente minha. - Yabu terminou o cálice e ela o encheu de novo. Sua mão acariciou o punho da espada. - Mas a senhora teria apreciado a luta. Ele era uma criança... caiu na primeira armadilha.

Ela o tocou ternamente. - Estou contente de que tenha feito isso, marido.

- Obrigado, mas quase não me deu trabalho. - Yabu riu. - A senhora devia ter visto o padre! Teria ficado encantada de ver aquele bárbaro transpirando - eu nunca o tinha visto tão zangado. Estava tão furioso que quase sufocava para se conter. Canibal! São todos canibais. Pena que não haja meio de aniquilá-los antes de partirmos desta terra.

- Acha que o Anjin-san poderia fazer isso?

- Ele vai tentar. Com dez daqueles navios e dez dele, eu poderia controlar os mares daqui até Kyushu. Com apenas ele eu poderia prejudicar Kiyama, Onoshi e Harima, e esmagar Jikkyu e conservar Izu! Só precisamos de um pouco de tempo e logo cada daimio estará combatendo com o seu inimigo especial. Izu estaria segura e seria minha de novo! Não compreendo por que Toranaga vai deixar o Anjin-san partir. Outro desperdício estúpido! - Fechou o punho e socou-o no tatami. A criada sobressaltou-se mas não disse nada. Yuriko não fez o menor movimento. Um sorriso esvoaçou-lhe pelo rosto.

- Como foi que o Anjin-san encarou sua liberdade, e seus vassalos? - perguntou ela.

- Ficou tão feliz que parecia um velho sonhando que tinha um Yang com quatro pontas. Ele... ah, sim... - Yabu franziu o cenho, lembrando-se. - Mas houve uma coisa que ainda não compreendo. Quando aqueles wakos me cercaram, eu era um homem morto. Não há dúvida quanto a isso. Mas o Anjin-san os deteve e me devolveu a vida. Não havia razão para que ele fizesse isso, neh? Pouco antes, eu tinha visto o ódio escrito nele inteiro. Tão ingênuo fingir outra coisa... como se eu confiasse nele.

- Ele lhe deu a vida?

- Oh, sim. Estranho, neh?

- Sim. Muitas coisas estranhas estão acontecendo, marido. - Ela dispensou a criada, depois perguntou baixinho: - O que Toranaga realmente queria?

Yabu inclinou-se para a frente e sussurrou: - Acho que ele quer que eu me torne comandante-chefe.

- Por que ele faria isso? Punho de Aço está morrendo? - perguntou Yuriko. - E o Senhor Sudara? Ou Buntaro? Ou o Senhor Noboru?

- Quem sabe, senhora? Estão todos em desgraça, neh? Toranaga muda de idéia com tanta freqüência, que ninguém pode predizer o que ele fará agora. Primeiro me pediu que fosse em seu lugar ao ancoradouro e detalhou como queria que cada coisa fosse dita, depois falou sobre Hiro-matsu, de como ele estava envelhecendo, e perguntou o que eu realmente pensava sobre o Regimento de Mosquetes.

-- Ele poderia estar preparando Céu Carmesim de novo? - Isso está sempre pronto. Mas ele perdeu a Fruta para isso. Isso necessitará de liderança e habilidade. Antes ele a tinha, agora não. Agora é uma sombra do Minowara que foi. Fiquei chocado com a aparência dele. Sinto muito, cometi um erro. Deveria ter ido com Ishido.

- Penso que o senhor escolheu corretamente.

- O quê?

- Primeiro tome o seu banho, depois acho que tenho um presente para o senhor.

- Que presente?

- O seu irmão Mizuno virá após a refeição noturna.

- Isso é um presente'? -- indignou-se Yabu. - O que eu poderia querer com esse imbecil?

- Informação ou prudência especial, mesmo vinda de um imbecil, pode ter valor igual à que vem de um conselheiro, neh? Às vezes até mais.

- Que informação?

- Primeiro o seu banho. E comida. Precisará estar com a cabeça fresca esta noite, Yabu-chan.

Yabu a teria pressionado, mas o banho o tentava e, na verdade, estava dominado por uma agradável lassidão que não sentia há muitos dias. Parte dela devia-se à deferência de Toranaga naquela manhã, parte à deferência geral dos últimos dias. Mas a maior parte vinha da matança, a ondulação de alegria que correra para o braço, para a cabeça. Ah, matar tão habilmente, de homem para homem, diante de homens, isso é uma alegria concedida a muito poucos, muito raramente. Rara o suficiente para ser apreciada e saboreada.

Então deixou a esposa e entregou-se mais ainda à sua alegria. Permitiu que mãos lhe cuidassem do corpo e depois, refrescado e revigorado, dirigiu-se para um aposento com varanda. Os últimos raios de crepúsculo adornavam o céu. A lua estava baixa, crescente, e delgada. Ele comeu frugalmente, em silêncio. Um pouco de sopa e vegetais em conserva.

A garota sorriu, convidativa. - Devo desdobrar os futons agora, senhor?

Yabu balançou a cabeça. - Mais tarde. Antes diga à minha esposa que quero vê-Ia.

Yuriker chegou, usando um quimono asseado mas velho. - So desu ka?

- Seu irmão está esperando. Devemos vê-lo sozinho. Primeiro o senhor o vê, depois conversamos, o senhor e eu - também a sós. Por favor, seja paciente, neh?

Kasigi Mizuno, irmão mais novo de Yabu e pai de Omi, era um homem pequeno com olhos bulbosos, testa alta e cabelo ralo. Suas espadas não pareciam lhe cair bem e ele mal sabia manejá-las. Mesmo com arco e flecha não era muito melhor.

Mizuno curvou-se e cumprimentou Yabu pela habilidade daquela tarde, pois a notícia da façanha se espalhara rapidamente em torno do castelo, intensificando ainda mais a reputação de Yabu como lutador. Depois, ansioso por agradar, foi ao ponto. - Recebi uma carta em código hoje, do meu filho, senhor. A Senhora Yuriko achou que seria melhor entregá-la ao senhor pessoalmente. - Estendeu o pergaminho a Yabu, com a decodificação. A mensagem de Omi dizia: "Pai, por favor diga ao Senhor Yabu rapidamente e em particular, primeiro, que o Senhor Buntaro veio a Mishima, secretamente via Takato. Um dos homens dele deixou isso escapar durante uma noite de bebedeira que organizei em honra deles. Segundo: durante essa visita secreta a Takato, que durou três dias, Buntaro viu o Senhor Zataki duas vezes e a senhora mãe dele, três. Terceiro: antes de o Senhor Hiro-matsu partir de Mishima, disse à sua nova consorte, a Senhora Oko, que não se preocupasse, porque `enquanto eu viver, o Senhor Toranaga nunca deixará o Kwanto'. Quarto: que...

Yabu levantou os olhos. - Como Omi pode saber o que Punho de Aço disse privadamente à consorte? Não temos espiões na casa dele.

- Agora temos, senhor. Por favor, continue a ler. "Quarto: que Hiro-matsu está decidido a cometer traição, se necessário, e confinará Toranaga em Yedo, se necessário, e ordenará Céu Carmesim contra a recusa de Toranaga, com ou sem o assentimento do Senhor Sudara, se necessário. Quinto: que isto são verdades a que se pode dar crédito. A criada pessoal da Senhora Oko é filha da mãe adotiva de minha esposa, e foi introduzida no serviço da Senhora Oko aqui em Mishima quando, lamentavelmente, a criada dela curiosamente contraiu uma indisposição devastadora. Sexto: Buntaro-san está como louco, meditabundo e furioso: hoje desafiou e massacrou um samurai de propósito, amaldiçoando o nome do Anjin-san. Por último: espiões relatam que Ikawa Jikkyu concentrou dez mil homens em Suruga, prontos para se derramar pelas nossas fronteiras. Por favor, apresente ao Senhor Yabu as minhas saudações. . . " O resto da mensagem era inconseqüente.

- Jikkyu, hein!? Será que vou para a morte sem tomar vingança desse demônio!?

- Por favor, seja paciente, senhor - disse Yuriko. - Digalhe, Mizuno-san.

- Senhor - começou o homenzinho -, durante meses tentamos pôr em prática o seu plano, aquele que o senhor sugeriu quando o bárbaro chegou. Lembra-se, com todas aquelas moedas de prata, o senhor mencionou que cem ou até quinhentas, nas mãos do cozinheiro certo, eliminariam Ikawa Jikkyu de uma vez por todas. - Os olhos de Mizuno pareceram tornar-se ainda mais anfíbios. - Parece que Mura, o cabeça de Anjiro, tem um primo, o qual tem um primo, cujo irmão é o melhor cozinheiro de Suruga. Ouvi dizer hoje que ele foi aceito na casa de Jikkyu. Já recebeu duzentas por conta e o preço total é quinhe ...

- Não temos esse dinheiro! Impossível! Como posso levantar quinhentas - estou tão endividado agora, que não posso levantar nem cem!

- Por favor, desculpe-me, senhor. Sinto muito, mas o dinheiro já está separado. Nem todas as moedas do bárbaro continuaram na caixa-forte. Mil moedas extraviaram-se antes de o dinheiro ser oficialmente contado. Sinto muito.

Yabu olhou-o apalermado. - Como?

- Parece que Omi-san recebeu ordem de fazer isso em seu nome. O dinheiro foi trazido para cá secretamente, para a Senhora Yuriko, cuja permissão foi solicitada e concedida antes de se correr o risco de contrariá-lo.

Yabu pensou sobre isso um longo tempo. - Quem ordenou? - Eu. Depois de obter permissão.

- Obrigado, Mizuno-san. E obrigado, Yuriko-san. - Yabu curvou-se para ambos. - Ora! Jikkyu, hein? Finalmente! - Bateu calorosamente no ombro do irmão e o homenzinho foi quase patético no seu prazer servil. - Agiu muito bem, irmão. Mandarlhe-ei alguns rolos de seda. Como vai a senhora sua esposa?

- Bem, senhor, muito bem. Pede-lhe que aceite os seus melhores votos.

- Vamos comer juntos. Bem... bom. Agora, quanto ao resto do relatório ... quais são os seus pontos de vista?

- Nada, senhor. Eu estaria mais interessado no que o senhor acha que significa.

- Primeiro. . . - Yabu parou ao captar o olhar da esposa, advertindo-o, e mudou o que ia dizer. - Primeiro e último, significa que Omi-san, seu filho, é leal e um excelente vassalo. Se eu tivesse controle sobre o futuro, eu o promoveria - sim, ele merece promoção, neh?

Mizuno ficou untuosamente encantado. Yabu foi paciente com ele, tagarelando, cumprimentando-o de novo, e, tão logo a polidez o permitiu, dispensou-o.

Yuriko mandou buscar chá. Quando ficaram absolutamente a sós de novo, ele disse: - O que significa o resto?

O rosto dela refletia sua excitação agora: - Por favor, desculpe-me, senhor, mas quero lhe dar uma nova idéia: Toranaga está nos fazendo a todos de tolos e não tem intenção, nem nunca teve, de ir a Osaka render-se.

- Absurdo!

- Deixe-me dar-lhe fatos... Oh, senhor, não sabe como é feliz em ter o seu vassalo Omi e esse estúpido irmão que roubou mil moedas. A prova da minha teoria poderia ser esta: Buntaro san, um íntimo de confiança, é enviado secretamente a Zataki. Por quê? Obviamente para levar uma nova oferta. O que tentaria Zataki? O Kwanto - apenas isso. Por isso a oferta é o Kwanto - em troca de lealdade, desde que Toranaga seja novamente presidente do conselho de regentes - um conselho novo com um novo mandato. Ele poderia se permitir dar o Kwanto então, neh? - Ela esperou, depois continuou meticulosamente: - Se ele convence Zataki a trair Ishido, está a um quarto do caminho até a capital, Kyoto. Como o pacto com o irmão pode ser consolidado? Reféns! Ouvi esta tarde que o Senhor Sudara, a Senhora Genjiko, suas filhas e filho vão visitar a veneranda avó em Takato, dentro de dez dias.

- Todos eles?

- Sim. Depois Toranaga devolve o navio ao Anjin-san, tão bom quanto se estivesse novo, com todos os canhões e pólvora, duzentos fanáticos e todo aquele dinheiro, certamente o suficiente para contratar mais mercenários bárbaros, wakos de Nagasaki. Por quê? Para permitir-lhe atacar e tomar o Navio Negro dos bárbaros. Se não houver Navio Negro, não haverá dinheiro, e haverá um problema imenso para os padres cristãos que controlam Kiyama, Onoshi e todos os traidores daimios cristãos.

- Toranaga nunca ousaria fazer isso! O táicum tentou e falhou, e era todo-poderoso. Os bárbaros partirão furiosos. Nunca comerciaremos de novo.

- Sim. Se nós o fizermos. Mas desta vez é bárbaro contra bárbaro, neh? Não tem nada a ver conosco. E digamos que o Anjin-san ataque Nagasaki e lhe ateie fogo. Harima não é hostil agora, e Kiyama e Onoshi e, por causa deles, a maioria dos daimios de Kyushu? Digamos que o Anjin-san queime alguns dos seus outros portos, pilhe a navegação deles, e ao mesmo tempo ... - E ao mesmo tempo Toranaga desencadeie Céu Carmesim! exclamou Yabu.

- Sim. Oh, sim - concordou Yuriko, exultante. - Isso não explica Toranaga? Essa intriga não se ajusta a ele como a própria pele? Não está fazendo o que sempre fez, apenas espe rando como sempre, jogando para ganhar tempo como sempre, um dia aqui, um dia ali, e logo um ipês se passa e novamente ele tem uma força esmagadora para arrasar toda oposição? Ele já ganhou quase um mês desde que Zataki trouxe a convocação a Yokosé.

Yabu podia ouvir o pulso explodindo-lhe nos ouvidos. - Então estamos salvos?

- Não, mas não estamos perdidos. Acredito que não haverá rendição. - Ela hesitou. - Mas todo mundo ficou desapontado. Oh, ele é tão inteligente, neh? Todo mundo logrado como nós. Até esta noite. Omi me deu as chaves. Todos nos esquecemos de que Toranaga é um grande ator nó, que pode usar o próprio rosto como uma máscara, se necessário, neh?

Yabu tentou ordenar os pensamentos, mas não conseguia. - Mas Ishido ainda tem o Japão inteiro contra nós!

- Sim. Menos Zataki. E deve haver outras alianças secretas. Toranaga e o senhor podem defender as passagens até o momento certo.

- Ishido tem o Castelo de Osaka, o herdeiro e o tesouro do táicum.

- Sim. Mas ficará escondido lá dentro. Alguém o trairá. - O que devo fazer?

- O contrário de Toranaga. Deixe-o esperar, o senhor deve apertar o passo.

- Como?

- O primeiro a fazer, senhor, é isto: Toranaga se esqueceu de uma coisa que o senhor notou esta tarde. A fúria do Tsukku-san! Por quê? Porque o Anjin-san ameaça o futuro dos cristãos, neh? Por isso o senhor tem que colocar o Anjin-san sob a sua proteção imediatamente, porque aqueles padres ou seus fantoches vão assassiná-lo dentro de horas. Depois: o Anjin-san necessita de que o senhor o proteja e guie, que o ajude a conseguir a nova tripulação em Nagasaki. Sem o senhor e seus homens, ele fracassará. Sem ele e o navio dele, os canhões e mais bárbaros, Nagasaki não arderá, e isso tem que acontecer, ou Kiyama, Onoshi e Harima, e os padres imundos não serão distraídos para temporariamente retirar seu apoio de Ishido. Nesse meio tempo, Toranaga, agora miraculosamente apoiado por Zataki e seus fanáticos, com o senhor comandando o Regimento de Mosquetes, atravessa os desfiladeiros de Shinano, descendo para as planícies de Kyoto. - Sim. Sim, tem razão, Yuriko-chan! Tem que ser assim. Oh, a senhora é tão inteligente, tão sábia!

- A sabedoria e a sorte não são boas sem os meios de pôr um plano em prática senhor. Apenas o senhor pode fazer isso - o senhor é o líder, o lutador, o general de batalha que O senhor deve vê-lo esta noite.

Toranaga deve ter. - Não posso astúcia dele, neh? - Não, mas dirá que tem que razão plausível. - Mas se eles não vão parar de comerciar e partir?

- Sim. Possivelmente. Mas isso será no ano que vem. Pelo ano que vem Toranaga será um regente, presidente dos regentes. E o senhor o comandante-chefe dele.

Yabu caiu das nuvens. - Não - disse com firmeza. - Assim que tiver o poder, ele me ordenará

- Muito antes disso o senhor terá o Os olhos dele piscaram. - Como?

- Toranaga na realidade nunca dará o irmão. Zataki é uma ameaça perpétua. É um homem selvagem, cheio de orgulho, neh? Será muito difícil para Toranaga manobrar Zataki no sentido de que ele peça a posição avançada na batalha. Se Zataki não for morto... talvez uma bala ou seta extraviada? Provavelmente uma bala. O senhor deve comandar o Regimento de Mosquetes na batalha, senhor.

- Por que eu não seria atingido por uma bala extraviada, igualmente?

- Talvez portanto não é o senhor lhe pedirá para ir com o Anjin-san, partir imediatamente. Podemos pensar numa o Anjin-san atacar Nagasaki e o Navio Negro, que cometa seppuku. Kwanto.

Kwanto ao meio seja, senhor. Mas não é parente de Toranaga e ameaça ao poder dele. O senhor se tornará o seu mais devoto vassalo. Ele precisa de generais de combate. O senhor merecerá o Kwanto, e esse deve ser o seu único objetivo. Ele o dará ao senhor quando Ishido for traído, porque tomará Osaka para si.

- Vassalo? Mas a senhora disse para esperar e logo eu. . . - Agora o aconselho a apoiá-lo com todas as forças. Não seguir as ordens dele cegamente, como o velho Punho de Aço, mas com inteligência. Não se esqueça, Yabu-chan, balas extraviadas são coisas que acontecem. Enquanto comandar o regimento, o senhor poderá escolher, também . . . a qualquer momento, neh?

- Sim - disse ele, admirado com ela.

- Lembre-se, Toranaga é digno de ser seguido. É Minowara, Ishido é camponês. Ishido é o idiota. Posso ver isso agora. Ishido deve estar forçando os portões de Odawara agora, com chuva ou sem chuva. Omi-san não disse isso também, meses atrás`.> Odawara não é insuficientemente equipada? Toranaga não está isolado? Yabu martelou o punho no chão, encantado. - Então é a guerra, afinal! Como a senhora é esperta de ver através dele! Ah, então esteve fazendo o papel de raposa o tempo todo, rreh?

- Sim - disse ela, enormemente satisfeita.

Mariko chegara à mesma surpreendente conclusão, embora não a partir dos mesmos fatos. Toranaga deve estar fingindo, jogando um jogo secreto, raciocinou ela. É a ímica explicação possível para o seu comportamento inacreditável - dar ao Anjinsan o dinheiro, o navio, todos os canhões e a liberdade na frente do Tsukku-san. Agora o Anjin-san com certeza irá contra o Navio Negro. Ele o tomará, e ameaçará o do próximo ano, e em conseqüência prejudicará a Santa Igreja e forçará os santos padres a conpelirem Kiyama e Onoshi a traírem Ishido. . .

Mas por quê? Se isso for verdade, pensou ela, perplexa, e Toranaga estiver considerando um plano de longo alcance assim, então é claro que ele não pode ir a Osaka e se curvar diante de Ishido, neh? Ele deve. .. Ah! E o adiamento de hoje que Hiromatsu convenceu 'Toranaga a fazer? Oh, minha Nossa Senhora nas alturas, Toranaga nunca pretendeu se render! É tudo um truque.

Por quê? Para ganhar tempo.

Para conseguir o que? Esperar e tramar não importa o quê, só que Toranaga é mais pre foi: o todo-poderoso titeriteiro.

Quanto tempo até que a paciência de levante o estandarte de batalha e se mova - no máximo dois. Não mais do que isso. deste quinto ano de Keicho, rr batalha pelo Mas o que Toranaga ganhou em dois sei que agora meu filho tem uma chance de herdar os seus dez mil kokus, e de viver c ter filhos, e agora, talvez, a estirpe de meu pai não desaparecerá da face da Terra.

Ela saboreou o seu conhecimento recém-descoberto, brincando com ele, examinando-o, considerando a sua lógica impecável.

mil truques mais, e uma vez o que sem

Ishido se esgote e ele contra nós? Um mês Então, pelo nono mês Kwanto começa.

Mas o que fazer até lá? perguntou-se ela. Nada além do que você tem feito - e decidiu fazer. Neh?

- Ama?

- Sim, Chimmoko?

- Gyoko-san está aqui. Ela diz que tem um encontro.

- Ah, sim. Esqueci de lhe dizer. Primeiro aqueça o saquê, depois traga-o para cá, e depois ela.

Mariko refletiu sobre a tarde. Lembrou-se dos braços dele ao seu redor, tão seguros, quentes e fortes. - Posso vê-Ia esta noite? - perguntara ele cautelosamente, depois que Yabu e Tsukku-san se tinham ido.

- Sim - dissera ela impulsivamente. - Sim, meu querido. Oh, como sou feliz por você. Diga a Fujiko-san ... peça-lhe que me mande chamar depois da hora do Javali.

No silêncio da casa, sua garganta se contraiu.

Examinou a maquilagem e o penteado no espelho e tentou se compor. Passos se aproximaram. A shoji se abriu. - Ah, senhora - disse Gyoko, curvando-se profundamente. -- Que gentil da sua parte me receber.

- Seja bem-vinda, Gyoko-san. Tomaram saque, Chimmoko servindo-as. - Que louça adorável, senhora. Tão bonita.

Tiveram algum tempo de conversação polida, depois Chimmoko foi mandada embora.

- Sinto muito, Gyoko-san, mas o nosso amo não foi esta tarde. Não o vi, embora eu espere vê-lo antes de partir.

- Sim, ouvi dizer que Yabu-san foi ao embarcadouro no lugar dele.

-- Quando eu vir Toranaga-sama, pedirei a ele mais uma vez. Mas receio que sua resposta seja a mesma. - Mariko serviu saque para ambas. - Sinto muito, ele não concederá o meu pedido.

- Sim, acredito. A menos que haja uma grande pressão. - Não há pressão que eu possa usar. Sinto muito.

- Sinto muito também, senhora.

Mariko pousou o cálice. - Então a senhora resolveu que algumas línguas não são seguras.

- Se eu fosse cochichar segredos a seu respeito - disse Gyoko asperamente -, diria isso na sua cara? Considera-me tão ingênua?

- Talvez seja melhor que a. senhora vá embora, sinto muito. Tenho muito o que fazer.

- Sim, senhora, eu também tenho! -- replicou Gyoko, a voz ríspida. - O Senhor Toranaga me perguntou, na minha cara, o que eu sabia sobre a senhora e o Anjin-san. Esta tarde. Eu lhe disse que não existia nada entre os dois. Eu disse: "Oh, sim, senhor, também ouvi os abomináveis rumores, mas não há verdade neles. Juro pela cabeça do meu filho, senhor, e pelos filhos dele. Se houvesse alguém para saber, com certeza seria eu. O senhor pode crer que é tudo uma mentira maliciosa - tagarelice, tagarelice invejosa, senhor..." Oh, sim, senhora, pode acreditar que fiquei convenientemente chocada, minha atuação foi perfeita e ele ficou convencido. - Gyoko tragou o saque, e acrescentou amarga: - Agora estamos todos arruinados se ele conseguir provas... o que não seria difícil de conseguir. Neli?

- Como?

- Ponha o Anjin-san à prova... com métodos chineses. Chimmoko - com métodos chineses. Eu, Kiku-san. Yoshinaka... sinto muito, até a senhora - com métodos chineses.

Mariko tomou fôlego profundamente. - Posso. . . posso lhe perguntar. . . por que decidiu correr esse risco?

- Porque em certas situações as mulheres devem se proteger mutuamente contra os homens. Porque na realidade eu não vi nada. Porque a senhora não me fez mal. Porque eu gosto da senhora e do Anjin-san e acredito que ambos têm seus próprios karnias. E porque prefiro tê-la viva c amiga a tê-la morta, e é excitante vê-]os fazer circular a chama da vida.

- Não acredito na senhora.

Gyoko riu suavemente. - Obrigada, senhora. - Controlada agora, disse com completa sinceridade: - Muito bem, eu lhe direi a razão real. Preciso da sua ainda. Sim. Toranaga-sama não me concederá o pedido, mas talvez a senhora possa pensar num jeito. A senhora é a única chance que jamais tive, que jamais terei nesta vida, e não posso perde-la levianamente. Pronto, agora sabe. Por favor, humildemente lhe peço que me ajude com a minha solicitação. - Colocou as duas mãos sobre os futons e se curvou profundamente. - Por favor, desculpe a minha impertinência, Senhora Toda, mas tudo o que tenho será posto ao seu dispor se me ajudar. - Depois acomodou-se sobre os calcanhares, arrumou as dobras do quimono, e terminou o saque.

Mariko tentou pensar direito. Sua intuição lhe dizia que confiasse na mulher, mas sua mente ainda estava parcialmente aturdida com a compreensão recente sobre Toranaga e com o alívio por Gyoko não a ter denunciado, conforme esperara, por isso resolveu pôr a decisão de lado, para consideração posterior.

- Sim, tentarei. A senhora tem que me dar tempo, por favor.

- Posso lhe dar coisa melhor. Eis um fato: conhece os Amida Tong? Os assassinos?

- O que há com eles?

- Lembra-se daquele no Castelo de Osaka, senhora? Ia atacar o Anjin-san mesmo, não Toranaga-sama. O copeiro-chefe do Senhor Kiyama deu dois mil kokus por aquele atentado.

- Kiyama? Mas por quê?

- Ele é cristão, neh? O Anjin-san era o inimigo até então, neh? Se era naquela altura, o que não se dirá de agora? Agora que o Anjin-san é samurai e está livre, com seu navio.

- Outro Amida? Aqui?

Gyoko sacudiu os ombros. - Quem sabe? Mas eu não daria a tanga de um eta pela vida do Anjin-san se ele for descuidado fora do castelo.

- Onde está ele agora?

- Nos seus aposentos, senhora. Vai visitá-lo logo, neh? Talvez fosse bom preveni-lo.

- A senhora parece saber de tudo o que acontece, Gyoko-san!

-- Conservo os ouvidos abertos, senhora, e os olhos. Mariko controlou a preocupação com Blackthorne. - Falou isso a Toranaga-sama?

- Oh, sim, falei. - Os cantos dos olhos de Gyoko se enrugaram enquanto ela sorvia o saquê. - Na realidade, não acho que ele tenha ficado surpreso. Interessante, não acha?

-- Talvez a senhora se tenha enganado.

- Talvez. Em Mishima ouvi um boato de que havia uma trama para envenenar o Senhor Kiyama. Terrível, neh?

- Que trama?

Gyoko contou-lhe os detalhes.

- Impossível! Um daimio cristão nunca faria isso a outro! Mariko encheu os cálices.

- Posso perguntar o que mais foi dito, pela senhora e por ele?

- Em parte, senhora, a minha súplica para recuperar o favor dele e sair"daquela hospedaria infestada de pulgas, e com isso ele concordou. Agora devemos ter alojamentos adequados dentro do castelo, perto do Anjin-san, numa das casas de hóspedes, e posso ir e vir como quiser. Ele pediu que Kiku-san o distraísse esta noite e isso é outra melhora, embora nada o vá tirar daquela melancolia. Neh? - Gyoko observava Mariko especulativamente. Mariko mantinha o rosto inocente, e simplesmente assentiu. A mulher suspirou e continuou. - Sim, ele está muito triste. É uma pena. Parte de tempo foi gasto com os três segredos. Ele me pediu que repetisse o que eu sabia.

Ah, pensou Mariko, outra peça que se encaixa perfeitamente. Ochiba? Então foi essa a isca para Zataki. E Toranaga também tem um porrete sobre a cabeça de Omi, se necessário, e uma arma a usar contra Onoshi com Harima, ou mesmo Kiyama.

- Está sorrindo, senhora?

Oh sim, queria Mariko dizer, desejando compartilhar o seu júbilo com Gyoko. Como a sua informação deve ter sido valiosa para o nosso amo, queria ela dizer a Gyoko. Agora ele deve recompensá-la! A senhora mesma devia ser promovida a daimio! E como Toranaga-sama é fantástico: ouviu com tanto desinteresse aparente! Como ele é maravilhoso!

Mas Toda Mariko-noh-Buntaro apenas meneou a cabeça e disse calmamente: - Sinto muito que a sua informação não o tenha animado.

- Nada do que eu disse lhe melhorou o humor, que estava sombrio e derrotado.

- Sim, sinto muito.

- Sim. - Gyoko fungou. - Outra informação partir, para interessá-la, senhora, para cimentar a nossa É muito possível que o Anjir-san seja muito fértil.

- O quê?

- Kiku-san está grávida. - Do Anjin-san?

- Sim. Ou do Senhor Toranaga. Possivelmente de Omi-san. Todos estiveram dentro do período de tempo correto. Naturalmente ela tomou precauções depois de Omi-san, como sempre, mas como a senhora sabe, nenhum método é perfeito, nada é garantido sempre, os enganos acontecem, neh? Ela acha que esqueceu depois do Anjin-san-, mas não tem certeza. Foi no dia em que o mensageiro chegou a Anjiro e na animação de partir para Yokosé e da compra do contrato dela pelo Senhor Toranaga - é compreensível, neh? - Gyoko ergueu as mãos, grandemente perturbada. - Depois do Senhor Toranaga, por sugestão minha, ela fez o contrário. Também acendemos bastões de incenso, nós duas, e rezamos por um menino.

Mariko estudou a estampa do seu leque. - Quem? Quem a senhora acha que foi?

- Esse é o problema, senhora. Não sei. Eu ficaria grata pelo seu conselho.

- Esse começo deve ser interrompido. Naturalmente. Não há risco para ela.

- Concordo. Infelizmente Kiku-san não concorda.

- O quê? Estou abismada, Gyoko-san! Claro que ela deve. Ou o Senhor Toranaga deve ser informado. Afinal de contas, aconteceu depois de ele...

- Talvez tenha acontecido, senhora.

- O Senhor Toranaga terá que ser informado. Por que Kiku-san é tão desobediente e tola?

- Karma, senhora. Ela quer um filho. - Filho de quem?

- Ela não dirá. Tudo o que disse foi que qualquer um dos três tinha vantagens.

- Ela seria prudente em deixar esse ir-se e ter certeza na próxima vez.

- Concordo. Pensei que a senhora devia saber para o caso ... Há muitos e muitos dias antes que qualquer coisa apareça ou antes que um aborto fosse risco para ela. Talvez mude de idéia. Nisso não posso forçá-la. Não é mais propriedade minha, embora, por enquanto, eu esteja tentando tomar conta dela. Seria esplêndido se a criança fosse do Senhor Toranaga. Mas digamos que tenha olhos azuis... Um último conselho, senhora: diga ao Anjin-san que confie nesse Uraga-noh-Tadamasa apenas por enquanto, e nunca em Nagasaki. Nunca lá. A lealdade final desse homem será sempre para o tio, o Senhor Harima.

- Como descobre essas coisas, Gyoko-san?

- Os homens precisam cochichar segredos, senhora. É isso o que os faz diferentes de nós - precisam compartilhar segredos, mas nós, mulheres, só os revelamos para obter alguma vantagem. Com um pouco de prata e um ouvido preparado - e eu tenho os dois -, é tudo muito fácil. Sim. Os homens precisam compartilhar segredos. É por isso que lhes somos superiores e eles estarão sempre em nosso poder.

 

Na escuridão, pouco antes do amanhecer, o rastrilho de um portão lateral ergueu-se sem ruído e dez homens atravessaram rapidamente a estreita ponte levadiça do fosso interno. A grade de ferro fechou-se atrás deles. Na extremidade oposta da ponte, as sentinelas alerta deliberadamente voltaram as costas e permitiram que os homens passassem ilesos. Todos usavam quimonos escuros e chapéus cônicos, e seguravam com firmeza as espadas: Naga, Yabu, Blackthorne, Uraga-noh-Tadamasa, e seis samurais. Naga ia na dianteira, Yabu atrás dele, conduzindo-os certeiramente através de um labirinto de desvios laterais, escadas acima e escadas abaixo, e por passagens pouco usadas. Quando topavam com patrulhas ou sentinelas - sempre alerta -, Naga levantava um símbolo de prata e o grupo era autorizado a passar, sem estorvo e sem perguntas.

Por tortuosos caminhos secundários, Naga levou-os ao portão principal sul, que era o único caminho sobre o primeiro grande fosso do castelo. Ali uma companhia de samurais os aguardava.

Silenciosamente esses homens rodearam o grupo de Naga, protegendo-o, e juntos atravessaram a ponte às pressas. Sempre sem serem interceptados. Prosseguiram, descendo a leve elevação que levava à Primeira Ponte, mantendo-se tão próximos quanto possível das sombras deixadas pelos archotes que abundavam perto do castelo. Uma vez do outro lado da Primeira Ponte, tomaram a direção sul e desapareceram num labirinto de vielas, rumando para o mar.

Exatamente junto ao cordão que cercava o atracadouro do Erasmus, os samurais acompanhantes pararam e fizeram sinal aos dez que avançassem, depois saudaram, deram meia-volta e se fundiram na escuridão de novo.

Naga tomou a dianteira por entre as barreiras. Foram admitidos sobre o molhe sem comentários. Havia mais archotes e guardas ali do que antes.

- Está tudo pronto? - perguntou Yabu, assumindo o comando agora.

- Sim, senhor - respondeu o samurai mais velho. - Bom. Anjin-san, o senhor compreendeu?

- Sim, obrigado, Yabu-san. - Bom. É melhor se apressar. Blackthorne viu seus próprios samurais alinhados descuidadamente de um lado, e com um gesto mandou Uraga juntar-se a eles conforme fora combinado previamente. Seus olhos percorreram o navio, examinando e reexaminando enquanto corria para bordo e exultante se erguia no seu tombadilho. O céu ainda estava escuro, sem sinal de alvorecer. Todos os sinais indicavam um ótimo dia, com mares calmos.

Olhou para o embarcadouro, atrás, Yabu e Naga mergulhados numa conversa, Uraga explicando aos seus vassalos o que estava acontecendo. Então as barreiras se abriram de novo e Baccus van Nekk e o resto da tripulação, todos obviamente apreensivos, entraram aos tropeções na clareira, rodeados de guardas cáusticos. Blackthorne dirigiu-se à amurada e gritou: - Ei! Subam a bordo!

Quando o viram, seus homens pareceram menos receosos, e começaram a correr, mas os guardas os cobriram de imprecações e eles pararam.

- Uraga-san! - gritou Blackthorne. - Diga-lhes que deixem meus homens subir a bordo. Imediatamente. - Uraga obedeceu com vivacidade. Os samurais ouviram e se curvaram na direção do navio, e soltaram a tripulação.

Vinck foi o primeiro a chegar, Baccus arrastando-se por último. Os homens ainda estavam assustados, mas nenhum subiu ao tombadilho, que era domínio exclusivo de Blackthorne.

- Grande Jesus, piloto! - arquejou Baccus, por sobre o tumulto de perguntas.

- O que está acontecendo?

- O que há de errado, piloto? - ecoou Vinck, com os outros. - Cristo, estávamos dormindo, e de repente tudo explodiu, a porta se escancarou e os macacos estavam nos fazendo marchar para cá...

Blackthorne ergueu a mão. - Ouçam! - Quando houve silêncio, começou calmamente: - Vamos levar o Erasmus para uma enseada segura do outro lado do ...

- Não temos homens suficientes, piloto - exclamou Vinck, ansioso. - Nunca ...

- Ouça, Johann! Vamos ser rebocados. O outro navio estará aqui a qualquer momento. Ginsel, vá para a proa - você indicará o rumo. Vinck, tome o leme, Jan Roper e Baccus, cuidem da cabresteira de proa, Salamon e Croocq à popa. Sonk, desça e verifique as nossas provisões. Providencie um pouco de grogue, se conseguir encontrar. Mãos à obra!

- Espere um minuto, piloto! - disse Jan Roper. - Para que toda a pressa? Aonde vamos e por quê?

Blackthorne sentiu uma onda de indignação por ser questionado, mas lembrou-se de que eles tinham o direito de saber, não eram vassalos nem etas, mas a sua tripulação, seus companheiros de bordo e, em alguns aspectos, quase sócios. -- Este é o começo da estação das tempestades. Que eles chamam de tai-funs, grandes tempestades. Este atracadouro não é seguro. Do outro lado da enseada, algumas léguas ao sul, fica o melhor e mais seguro ancoradouro deles. É perto de uma aldeia chamada Yokohama. O Erasmus estará seguro lá e poderá enfrentar qualquer tempestade. Agora mãos à obra!

Ninguém se moveu.

- Apenas algumas léguas, piloto? - disse Van Nekk. - Sim.

-- Para quê, então? E, bem, para que a pressa?

- O Senhor Toranaga concordou em me deixar fazer isso agora - respondeu Blackthorne, dizendo meia verdade. - Quanto mais depressa, melhor, pensei eu. Ele pode mudar de idéia novamente, neh? Em Yokohama... - Desviou o olhar quando Yabu subiu a bordo, com seus seis guardas. Os homens saíram às pressas do seu caminho.

- Jesus - exclamou Vinck, a voz sufocada. - É ele! É o bastardo que liquidou Pieterzoon!

Yabu aproximou-se do tombadilho, sorrindo largamente, sem notar o terror que contaminou a tripulação ao reconhecê-lo. Apontou para o mar. - Anjin-san, olhe! Lá! Está tudo perfeito, neh?

Uma galera parecida com uma monstruosa lagarta marinha movia-se silenciosamente na direção deles, saída da escuridão. - Bom, Yabu-sama! Quer subir aqui?

- Mais tarde, Anjin-san. - Yabu dirigiu-se para o topo da escada de embarque.

Blackthorne voltou-se para os seus homens. - Tomem seus lugares. Depressa. E cuidado com a língua. Falem apenas holandês - há um a bordo que compreende português! Conversarei com vocês quando estivermos a caminho! Mexam-se!

Os homens se dispersaram, contentes por se afastarem da presença de Yabu. Uraga e vinte dos samurais de Blackthorne subiram a bordo. Os outros estavam se formando no molhe, para embarcar na galera.

- Estes são seus guardas pessoais, se lhe aprouverem, senhor - disse Uraga.

- Meu nome é Anjin-san, não "senhor" - disse Blackthorne.

- Por favor, desculpe-me, Anjin-san. - Uraga começou a subir os degraus.

- Pare! Fique embaixo! Ninguém jamais sobe ao tombadilho sem a minha permissão! Diga a eles.

- Sim, Anjin-san. Por favor, desculpe-me.

Blackthorne foi até o costado para observar a galera atracando, exatamente a oeste deles. - Ginsel! Vá a terra e observe-os pegar as nossas espias! Veja que sejam presas adequadamente. Parecem vivas agora!

Então, com o navio sob controle, Blackthorne examinou os vinte homens. - Por que foram todos escolhidos do grupo amarrado, Uraga-san?

- Eles são um clã, sen... Anjin-san. Como irmãos, senhor. Rogam a honra de defendê-lo.

- Anata wa - anata wa - anata wa Blackthorne apontou dez homens ao acaso e ordenou que desembarcassem, para serem substituídos por outros vassalos seus, também a serem seleciona dos por Uraga ao acaso. E disse a Uraga que deixasse claro que todos os seus vassalos deviam ser como irmãos, ou podiam cometer seppuku imediatamente.

- Wakarimasu?

- Hai, Anjin-san. Gomen nasai.

Logo as espias de proa estavam a bordo da outra embarcação. Blackthorne inspecionou tudo, examinou o vento novamente, usando todo o seu sentido marítimo, sabendo que, mesmo dentro das águas benignas da vasta enseada de Yedo, a jornada poderia ser perigosa se um temporal repentino começasse.

- Zarpar! - gritou. - Ima, capitão-san!

O outro capitão acenou e deixou a galera afastar-se do molhe. Naga estava a bordo da outra embarcação, apinhada com samurais e o resto dos vassalos de Blackthorne. Yabu erguia-se ao lado de Blackthorne no tombadilho do Erasmus. O navio adernou ligeiramente e um tremor percorreu-o quando foi tomado pelo peso de uma corrente. Blackthorne e toda a tripulação ficaram cheios de júbilo, a excitação de estarem mais uma vez ao mar sobrepujando as preocupações. Ginsel estava debruçado sobre a minúscula plataforma de estibordo, atado a uma corda, indicando o rumo e avisando das braças. O atracadouro começou a ficar distante.

- Ó de bordo à freme! Yukkuri sei! Devagar!

- Hai, Anjin-san - foi o grito em resposta. Juntos os dois navios dirigiram-se para fora da enseada, luzes de âncora ao topo dos mastros.

- Bom, Anjin-san - disse Yabu. - Muito bom!

Yabu esperou até que estivessem bem ao largo, então chamou Blackthorne à parte. - Anjin-san - disse cautelosamente -, o senhor me salvou a vida ontem. Compreende? Detendo aqueles ronins. Lembra-se?

- Sim. Apenas meu dever.

-J Não, não dever. Em Anjiro, lembra-se daquele outro homem, o marinheiro ... lembra-se?

- Sim, lembro-me.

- Shigata ga nai, neh? Karma, neh? Aquilo foi antes de samurai ou hatamoto. . . - Os olhos de Yabu cintilavam à luz da lanterna. Ele tocou a espada de Blackthorne e falou suave e claramente: - . . . antes de Vendedor de Óleo, neh? De samurai para samurai, peço que esqueça tudo antes. Comece o novo. Esta noite. Por favor? Compreende?

- Sim, compreendo.

- Precisa de mim, Anjin-san. Sem mim, nenhum wako bárbaro. Não pode consegui-los sozinho. Não em Nagasaki. Nunca. Eu posso consegui-los, ajudá-lo a consegui-los. Agora lutamos do mesmo lado. O lado de Toranaga. O mesmo lado. Sem mim, não wako, compreende?

Blackthorne observou a galera à frente um instante, examinou o convés e seus marujos. Depois olhou para Yabu. - Sim, compreendo.

- Compreende "ódio", a palavra "ódio"? - Sim.

- O ódio vem do medo. Eu não o temo. O senhor precisa não ter medo de mim. Nunca mais. Eu quero o que quero: os seus novos navios aqui, o senhor aqui, capitão dbs novos navios. Posso ajudá-lo muitíssimo. Primeiro o Navio Negro... ah, sim, Anjin-san - disse ele, vendo a alegria perpassar pelo rosto de Blackthorne -, convencerei o Senhor Toranaga. O senhor sabe que sou um lutador, neh? Comandarei o ataque. Tomarei o Navio Negro para o senhor por terra. Juntos, o senhor e eu, somos mais fortes do que um só. Neh?

- Sim. Possível conseguir mais homens? Mais do que os meus duzentos?

- Se o senhor precisar de dois mil. .. cinco mil! Não se preocupe, o senhor comanda o navio, eu comando o combate. Concorda?

- Sim. Acordo justo. Obrigado. Concordo.

- Bom, muito bom, Anjin-san - disse Yabu satisfeito. Sabia que aquela sociedade beneficiaria a ambos, por mais que o bárbaro o odiasse. Novamente a lógica de Yuriko fora impecável.

Antes, naquela mesma noite, ele vira Toranaga e pedira permissão para ir imediatamente a Osaka para preparar o caminho para ele. - Por favor, desculpe-me, mas considerei o assunto muito urgente - dissera Yabu deferentemente, conforme ele e a esposa planejaram. - Afinal de contas, o senhor devia ter alguém de posição lá para se certificar de que todos os arranjos estão perfeitos. Ishido é um camponês e não entende de cerimônia, neh? Os preparativos devem estar perfeitos ou o senhor não deve ir, neh? Poderia levar semanas, neh?

Ele ficara encantado com a facilidade com que Toranaga fora persuadido. - Depois também há o navio bárbaro, senhor. É melhor colocá-lo em Yokohama imediatamente, para o caso de tai-fun. Supervisionarei isso pessoalmente, com a sua permissão, antes de ir. O Regimento de Mosquetes pode guardar o navio, isso lhe dá alguma coisa para fazer. Depois prosseguirei diretamente para Osaka com a galera. Por mar seria melhor e mais rápido, neh?

- Muito bem, sim, se acha que isso é prudente, Yabusan, faça. Mas leve Naga-san consigo. Deixe-o no comando em Yokohama.

- Sim, senhor. - Depois Yabu contara a Toranaga sobre a raiva do Tsukku-san e dissera que, se o Senhor Toranaga quisesse que o Anjin-san vivesse tempo suficiente para conseguir homens em Nagasaki, para o caso de Toranaga desejar que o navio se fizesse ao mar, então talvez isso devesse ser feito imediatamente, sem hesitação. - O padre ficou muito furioso. Acho que furioso o bastante para lançar seus convertidos contra o Anjin-san!

- Tem certeza?

- Oh, sim, senhor. Talvez eu devesse colocar o Anjin-san sob a minha proteção no momento. - Depois, como se se tratasse de um pensamento súbito, acrescentou: - O mais simples seria levar o Anjin-san comigo. Posso dar início a preparativos em Osaka, continuar até Nagasaki, conseguir os novos bárbaros, depois completar os preparativos no meu regresso.

- Faça o que achar melhor - dissera Toranaga. – Deixo a seu critério, meu amigo. O que importa, neh? O que importa qualquer coisa?

Yabu ficou feliz de, finalmente, poder agir. Apenas a presença de Naga não fora planejada, mas isso não tinha importância e, na verdade, seria prudente tê-lo em Yokohama.

Yabu estava observando o Anjin-san - a postura alta, arrogante, os pés ligeiramente afastados, oscilando tranqüilamente com o jogo da embarcação e o jogo das ondas, aparentemente uma parte do navio, tão imenso, forte e diferente. Tão diferente de quando estava em terra. Conscientemente Yabu começou a assumir uma postura semelhante, imitando-o com cuidado.

- Quero mais do que o Kwanto, Yuriko-san - sussurrara à esposa pouco antes de sair de casa. - Só mais uma coisa. Quero o controle do mar. Quero ser almirante supremo. Investi remos toda a renda do Kwanto no plano de Omi de escoltar o bárbaro ao país dele, para comprar mais navios e trazê-los para cá. Omi irá com ele, neh?

- Sim - dissera ela, igualmente feliz. - Podemos confiar nele.

O ancoradouro em Yedo estava deserto agora. Os últimos guardas samurais estavam desaparecendo pelas vielas, retornando ao castelo. O Padre Alvito surgiu das sombras, com o Irmão Miguel ao lado. Alvito olhou na direção do mar. - Que Deus o amaldiçoe e a todos os que navegam nele.

- Menos um, padre. Um dos nossos navega no navio. E Naga-san jurou que se tornará cristão no primeiro mês do próximo ano.

- Se houver um próximo ano para ele - disse Alvito, sombrio. - Não sei sobre Naga, talvez fale a sério, talvez não. Aquele navio vai nos destruir e não há nada que possamos fazer. - Deus nos ajudará.

- Sim, mas enquanto isso somos soldados dele e temos que ajudá-lo. O padre-inspetor deve ser prevenido imediatamente, e o capitão-mor. Já encontrou um pombo-correio para Osaka?

- Não, padre, por dinheiro algum. Nem para Nagasaki. Meses atrás Toranaga-sama ordenou que todos os pombos fossem colocados sob a sua guarda.

O abatimento de Alvito se acentuou. - Deve haver alguém que tenha um! Pague o que for necessário. O herege vai nos prejudicar terrivelmente, Miguel.

- Talvez não, padre.

- Por que eles estão levando o navio? Claro que por segurança, mas mais para colocá-lo fora do nosso alcance. Por que Toranaga deu ao herege duzentos wakos e o seu dinheiro de volta? Claro que para usá-lo como uma força de combate, e o dinheiro é para comprar mais piratas atiradores e marujos. Por que dar a liberdade a Blackthorne? Para nos destruir através do Navio Negro. Deus nos ajude, Toranaga também nos abandonou! - Nós o abandonamos, padre.

- Não há nada que possamos fazer para ajudá-lo! Tentamos tudo com os daimios. Estamos indefesos.

- Talvez, se orássemos mais intensamente, Deus nos mostrasse um caminho.

- Eu rezo e rezo, mas... talvez Deus nos tenha abandonado, Miguel, com razão. Talvez não sejamos dignos da sua mercê. Eu sei que não sou.

- Talvez o Anjin-san não encontre atiradores ou marujos. Talvez nunca chegue a Nagasaki.

- A prata que ele tem comprará todos os homens de que necessita. Até católicos - até portugueses. Os homens tolamente pensam mais neste mundo do que no outro. Não vão abrir os olhos. Vendem a alma facilmente demais, todos eles. Sim. Rezo para que Blackthorne não chegue nunca lá. Ou os emissários dele. Não se esqueça, não há necessidade alguma de que ele vá até lá. Os homens poderiam ser contratados e trazidos a ele. Venha, vamos para casa agora. -- Desanimado, Alvito tomou a dianteira na direção da missão jesuítica, que ficava a uma milha e pouco a oeste, perto dos cais, atrás de um dos grandes depósitos que normalmente abrigavam as sedas e o arroz da estação, e formavam parte do complexo comercial que os jesuítas dirigiam em nome de comprador e vendedor.

Caminharam um pouco pela praia, então Alvito parou e olhou para o mar de novo. A manhã estava rompendo. Ele não conseguiu ver nada dos navios. - Que chance tem a nossa men sagem de ser entregue? - Na véspera Miguel descobrira que um dos novos vassalos de Blackthorne era cristão. Quando, na noite passada, correra a notícia, através da rede clandestina de Yedo, de que alguma coisa ia acontecer com o Anjin-san e o seu navio, Alvito rapidamente escrevera uma mensagem cifrada para Dell'Aqua, dando todas as últimas notícias, e implorara ao homem que a entregasse secretamente, se conseguisse atingir Osaka.

- A mensagem chegará - acrescentou o Irmão Miguel calmamente. - O nosso homem sabe que navega com o inimigo. - Que Deus olhe por ele e lhe dê forças e amaldiçoe Uraga. - Alvito olhou de soslaio para o homem mais jovem. - Por quê? Por que ele se tornou apóstata?

- Ele lhe disse, padre - respondeu o Irmão Miguel. - Queria ser padre, ordenado na nossa Companhia. Isso não era pedir muito, para um orgulhoso servidor de Deus.

- Ele era orgulhoso demais, irmão. Deus, na sua sabedoria, tentou-o e encontrou-o desejando.

- Sim. Rezo para não ser encontrado desejando, quando chegar a minha vez.

Alvito desviou da missão, tomando a direção do grande terreno que fora designado por Toranaga para a catedral que logo se ergueria do chão para a glória de Deus. O jesuíta já conseguia vê-Ia mentalmente, alta, majestosa embora delicada, dominando a cidade, sinos incomparáveis trazidos de Macau ou Goa, ou até de Portugal, tocando as mudanças de hora, as imensas portas de bronze sempre escancaradas para a aristocracia fiel. Podia sentir o odor do incenso e ouvir o som dos cànticos em latim.

Mas a guerra destruirá esse sonho, disse a si mesmo. A guerra virá de novo para assolar este país, e será como nunca foi antes. - Padre! - sussurrou o Irmão Miguel, chamando-lhe a atenção.

Uma mulher estava à frente deles, olhando para as fundações iniciais que já tinham sido marcadas e parcialmente escavadas. A seu lado estavam duas criadas. Alvito esperou sem fazer ruído, observando na meia-luz. A mulher estava velada e ricamente vestida. Então o Irmão Miguel se moveu ligeiramente. Seu pé tocou uma pedra e a fez chocar-se ruidosamente contra uma pá de ferro, invisível na escuridão. A mulher voltou-se, surpresa. Alvito reconheceu-a.

- Mariko-san? Sou eu, o Padre Alvito.

- Padre? Oh, eu ia ... eu estava mesmo indo vê-lo. Vou partir brevemente, mas queria conversar com o senhor antes. Alvito aproximou-se. - Estou contente em vê-Ia, Marikosan. Sim. Ouvi dizer que vai partir. Tentei vê-Ia diversas vezes, mas, no momento, o castelo ainda me está proibido. - Sem dizer palavra, Mariko baixou os olhos para as bases da catedral. Alvito olhou para o Irmão Miguel, que também estava espantado de que uma senhora de tanta importância estivesse tão insuficientemente acompanhada, vagando por ali tão cedo e sem ser anunciada.

- Veio aqui apenas para me ver, Mariko-san? - Sim. E para ver o navio partir.

- O que posso fazer pela senhora? - Gostaria de me confessar.

- Então que seja aqui - disse ele. - Que a sua confissão seja a primeira neste lugar, embora o terreno mal esteja consagrado.

- Por favor, desculpe-me, mas o senhor poderia dizer missa aqui, padre?

- Não há igreja ou altar ou paramentos ou eucaristia. Eu poderia fazer isso na nossa capela se a senhora...

- Não poderíamos tomar chá numa xícara vazia, padre? Por favor - pediu ela, numa voz minúscula. - Sinto muito por pedir, padre. Há tão pouco tempo.

- Sim - concordou ele, compreendendo-a imediatamente. Então caminhou para o ponto onde um dia, talvez, ficaria o altar, dentro da nave magnífica, sob um teto em abóbada. Naquele dia o céu clareando era o teto, e os pássaros e o som da rebentação, o coro majestoso. Começou a entoar a beleza solene da missa e o Irmão Miguel ajudou, e juntos trouxeram o infinito à terra.

Mas antes de oferecer o simulacro de sacramento, ele parou e disse: - Agora devo ouvir a confissão, Maria. - Fez sinal ao Irmão Miguel para que se afastasse, sentou-se sobre uma pedra, dentro de um confessionário imaginário, e fechou os olhos. Ela se ajoelhou. - Diante de Deus...

- Antes de começar, padre, quero pedir um favor. - Meu ou de Deus, Maria?

- Peço um favor, diante de Deus. - Qual é o favor?

- A vida do Anjin-san em troca de informação.

- A vida dele não é minha para que eu a dê ou retire.

- Sim. Sinto muito, mas poderia ser divulgada uma ordem entre todos os cristãos de que a vida dele não deve ser tirada como sacrifício a Deus.

- O Anjin-san é o inimigo. Um terrível inimigo da nossa fé. - Sim. Ainda assim, peço pela vida dele. Em troca ... em troca talvez eu possa ser de grande auxílio.

- Como?

- Meu favor está concedido, padre? Diante de Deus?

- Não posso conceder tal favor. Não cabe a mim dar ou retirar. A senhora não pode negociar com Deus.

Mariko hesitou, ajoelhada sobre a terra dura diante dele. Depois se curvou e começou a se levantar. - Muito bem. Então, por favor, descu...

- Apresentarei a solicitação ao padre-inspetor - disse Alvito.

- Isso não basta, padre, por favor, desculpe-me.

- Apresentarei o pedido a ele e lhe rogarei em nome de Deus que o considere.

- Se o que eu lhe disser for muito valioso, o senhor, diante de Deus, jurará que fará tudo o que estiver em seu poder, tudo para socorrê-lo e protegê-lo, desde que não seja diretamente contra a Igreja?

- Sim. Se não for contra a Igreja.

- E, sinto muito, concorda em apresentar a minha solicitação ao padre-inspetor?

- Diante de Deus, sim.

- Obrigada, padre. Ouça, então... - Contou-lhe seu raciocínio sobre Toranaga e o embuste.

De repente tudo se encaixou no lugar para Alvito. - A senhora tem razão, tem que ter razão! Deus me perdoe, como pude ser tão estúpido?

- Por favor, ouça, padre, há mais segredos sobre Zataki e Onoshi.

- Isso não é possível!

- Também há os rumores envenenar o Senhor Kiyama. - Impossível!

- Por favor, desculpe-me, migos de longa data.

- Quem lhe contou tudo isso, Maria? - O boato é que Onoshi envenenará durante a festa de São Bernardo, este ano - sada, deliberadamente não respondendo à pergunta. - O filho de Onoshi será o novo senhor de todas as terras de Kiyama. O General Ishido concordou com isso, desde que meu amo já tenha partido para o Grande Vazio.

- Prova, Mariko-san? Onde está a prova?

- Sinto muito, não tenho nenhuma. Mas o Senhor Harima está a par da informação.

- Como a senhora sabe disso? Como Harima sabe? Diz que ele faz parte da conspiração?

- Não, padre. Apenas parte do segredo.

- Impossível! Onoshi é fechado demais e esperto demais. Se ele planejou isso, ninguém jamais saberia. A senhora deve estar enganada. Quem lhe deu a informação?

Alvito deixou a mente correr sobre as possibilidades. Então: - Uraga! Uraga era o confessor de Onoshi! Oh, mãe de Deus, Uraga quebrou a santidade do confessionário e contou ao seu suserano...

- Talvez o segredo não seja verdadeiro, padre. Mas acredito que sim. Só Deus conhece a verdade, neh?

Mariko não levantara os véus e Alvito não podia ver nada do rosto dela. Acima, o amanhecer estava se espalhando pelo céu. Ele olhou para o mar. Agora conseguia divisar os dois navios rumando para o sul, os remos da galera mergulhando em uníssono, o vento bom e o mar calmo. Seu peito doía e a cabeça ecoava com a enormidade do que lhe fora revelado. Rezou por ajuda e tentou separar os fatos da fantasia. No íntimo sabia que os segredos eram autênticos e o raciocínio dela impecável.

- A senhora está dizendo que o Senhor Toranaga vai superar Ishido... que ele vencerá?

- Não, padre. Ninguém vencerá, mas sem a sua ajuda o Senhor Toranaga perderá. O Senhor Zataki não merece confiança. Será sempre uma grande ameaça ao meu senhor. Zataki saberá disso e que todas as promessas de Toranaga são vazias, porque Toranaga deve tentar eliminá-lo no final. Se eu fosse Zataki, destruiria Sudara, a Senhora Genjiko e os filhos deles no momento em que se entregassem às minhas mãos, e imediatamente me moveria contra as defesas setentrionais de Toranaga. Lançaria as minhas legiões contra o norte, o que arrancaria Ishido, Ikawa Jikkyu e todos os outros da sua estúpida letargia. Toranaga pode ser arrasado com muita facilidade, padre.

Alvito esperou um momento e disse: - Levante os véus, Maria.

Viu que o rosto dela estava tenso. - Por que me disse tudo isso?

- Para salvar a vida do Anjin-san.

- A senhora comete traição por ele, Maria? A senhora, Toda Mariko-noh-Buntaro, filha do General Akechi Jinsai, comete traição por causa de um estrangeiro? Pede-me que acredite nisso?

- Não, desculpe, também... também para proteger a Igreja. Primeiro para proteger a Igreja, padre... não sei o que fazer. Pensei que o senhor poderia... o Senhor Toranaga é a única esperança da Igreja. Talvez de algum modo o senhor possa ajudálo... para proteger a Igreja, o Senhor Toranaga precisa de ajuda agora, ele é um homem bom e sábio e a Igreja prosperará com ele. Sei que Ishido é o verdadeiro inimigo.

- Muitos daimios cristãos acreditam que Toranaga destruirá a Igreja e o herdeiro, se dominar Ishido e conseguir o poder.

- Talvez, mas duvido. Ele tratará a Igreja com justiça. Sempre fez isso. Ishido é violentamente anticristão. Assim como a Senhora Ochiba.

- Todos os grandes cristãos estão contra Toranaga.

- Ishido é um camponês. Toranaga-sama é justo e sábio, e quer o comércio.

- Tem que haver comércio, governe quem governar.

- O Senhor Toranaga sempre foi seu amigo, e se o senhor for honesto com ele, ele sempre o será com o senhor. - Ela apontou para as fundações. - Isto não é uma medida da justiça dele? Deu esta terra voluntariamente - quando o senhor lhe falhou e ele perdeu tudo, até a sua amizade.

- Talvez.

- Finalmente, padre, apenas Toranaga-sama pode impedir uma guerra perpétua, o senhor deve saber disso. Como mulher, peço que não haja uma guerra para sempre.

- Sim, Maria. Ele é o único que poderia fazer isso, talvez. Os olhos dele se desviaram dela. O Irmão Miguel estava ajoelhado, perdido em oração, as duas criadas mais perto da praia, esperando pacientemente. O jesuíta sentia-se oprimido, embora exaltado, exausto, embora cheio de vigor. - Estou contente de que a senhora tenha vindo aqui e me contado isso. Agradeçolhe. Pela Igreja e por mim, um servo da Igreja. Farei tudo o que combinei.

Ela curvou a cabeça e não disse nada.

- A senhora levará uma mensagem, Mariko-san? Para o padre-inspetor?

- Sim. Se ele estiver em Osaka. - Uma mensagem particular? - Sim.

- A mensagem é oral. A senhora lhe dirá tudo o que disse e o que eu disse à senhora. Tudo.

- Muito bem.

- Tenho a sua promessa? Diante de Deus?

- O senhor não precisa dizer isso a mim, padre. Eu concordei.

Ele a olhou nos olhos, firme e forte. - Por favor, desculpeme, Maria. Agora vamos ouvir a sua confissão.

Ela desceu os véus de novo. - Por favor, desculpe-me, padre, não sou digna sequer de me confessar.

-- Todo mundo é digno à vista de Deus. - Menos eu. Não sou digna, padre.

- Deve confessar-se, Maria. Não posso prosseguir com a sua missa. Deve apresentar-se diante de Deus purificada.

Ela se ajoelhou. - Perdoe-me, padre, pois pequei, mas só posso confessar que não sou digna de me confessar - sussurrou ela, a voz entrecortada.

Compadecido, o Padre Alvito pousou a mão levemente sobre a cabeça dela. - Filha de Deus, deixe-me implorar o perdão de Deus pelos seus pecados. Deixe-me, em seu nome, absolvê-la e torná-la íntegra aos olhos dele. - Abençoou-a e depois continuou a missa, na catedral imaginária, sob o céu se abrindo ... o serviço mais real e mais belo que jamais houvera, para ele e para ela.

O Erasfnus estava ancorado na melhor enseada que Blackthorne jamais vira, longe o suficiente da praia para ter muito espaço para a manobra e ao mesmo tempo próximo o bastante para ter segurança. Seis braças de água clara sobre um forte leito marítimo estavam abaixo e, com exceção da estreita garganta de entrada, montanhas a toda volta, o que manteria qualquer frota protegida da cólera do oceano.

A viagem diurna de Yedo fora sem incidentes, embora cansativa. A galera estava atracada a um quebra-mar perto da aldeia de pesca de Yokohama, e agora estavam sozinhos a bordo, Blackthorne e todos os seus homens, tanto os holandeses quanto os japoneses. Yabu e Naga estavam em terra inspecionando o Regimento de Mosquetes, e antes de desembarcar haviam dito a Blackthorne que se juntasse a eles logo. A oeste o sol estava baixo no horizonte e o céu vermelho prometia que o dia seguinte seria igualmente ótimo.

- Por que agora, Uraga-san? - estava Blackthorne perguntando do tombadilho, os olhos estriados de vermelho devido à falta de sono. Ele acabara de ordenar que a tripulação e todo mundo descesse para o convés inferior e Uraga pedira que adiasse isso um momento para descobrir se havia algum cristão entre os vassalos.

- Isso não pode esperar até amanhã?

- Não, senhor, sinto muito. - Uraga olhava-o diante de todos os vassalos samurais reunidos, a tripulação holandesa amontoada num grupo nervoso perto do parapeito do tombadilho. - Por favor, desculpe-me, mas é muito importante que o senhor descubra imediatamente. O senhor é o principal inimigo deles. Portanto deve saber, pela sua proteção. Só desejo protegê-lo. Não vai levar muito tempo, neh?

- Estão todos ao convés? - Sim, senhor.

Blackthorne chegou mais perto do parapeito e gritou em japonês: - Alguém aqui é cristão? - Não houve resposta. - Ordeno que qualquer cristão dê um passo à frente. - Ninguém se mo veu. Então se voltou para Uraga: - Escolha dez guardas de convés, depois dispense-os.

- Com a sua permissão, Anjin-san. - De sob o quimono Uraga tirou um pequeno ícone pintado que comprara em Yedo e atirou-o de face para cima sobre o convés. Depois, deliberada mente, pisou sobre a imagem. Blackthorne e a tripulação ficaram grandemente perturbados com a profanação. Menos Jan Roper. - Por favor, mande cada vassalo fazer o mesmo - disse Uraga. - Por quê?

- Conheço os cristãos. - Os olhos de Uraga estavam meio ocultos pela aba do chapéu. - Por favor, senhor. É importante que cada homem faça o mesmo. Agora, esta noite.

- Está bem - concordou Blackthorne, relutante.

Uraga voltou-se para os vassalos reunidos. - Por sugestão minha, nosso amo solicita que cada um de nós faça isso.

Os samurais resmungaram entre si e um interrompeu: - Já dissemos que não somos cristãos, neh? O que prova pisar na figura de um deus bárbaro? Nada!

- Os cristãos são inimigos do nosso amo. Os cristãos são traiçoeiros - mas cristãos são cristãos. Por favor, desculpem-me, mas conheço os cristãos - para minha vergonha, eu abandonei os nossos verdadeiros deuses. Sinto muito, mas acredito que isto é necessário para a segurança do nosso amo.

Imediatamente um samurai na frente declarou: - Nesse caso, não há nada mais a ser dito. - Avançou e pisou na figura.

- Não adoro religião bárbara alguma! Vamos, vocês todos, façam o que foi pedido!

Avançaram um a um. Blackthorne olhava, achando a cerimônia inútil.

Preocupado, Van Nekk disse: - Não parece direito.

Vinck olhou para o tombadilho: - Bastardos imbecis. Eles nos cortariam o pescoço sem um pensamento sequer. Tem certeza de que pode confiar neles, piloto?

- Sim.

- Nenhum católico jamais faria isso, hein, Johann? - disse Ginsel. - Esse Uraga-san é esperto.

- Que diferença faz que esses pederastas sejam papistas ou não, são todos samurais cheios de merda!

- Sim - disse Croocq.

- Ainda assim, não é direito fazer isso - repetiu Van Nekk.

Os samurais continuaram a pisar sobre o ícone no convés um a um, e moviam-se para grupos meio dispersos. Era uma atividade tediosa e Blackthorne se arrependeu de ter concordado, pois havia coisas mais importantes a fazer antes do crepúsculo. Seus olhos fitaram a aldeia e os promontórios. Centenas de cabanas de sapé, do acampamento do Regimento de Mosquetes, pontilhavam os contrafortes das montanhas. Tanto o que fazer, pensou ele, ansioso por desembarcar, querendo ver a terra, ufano com o feudo que Toranaga lhe dera, que continha Yokohama. Senhor Deus nas alturas, disse a si mesmo, sou dono de uma das maiores enseadas do mundo.

Abruptamente um homem desviou do ícone, sacou a espada e saltou para Blackthorne. Uma dúzia de alarmados samurais se lançaram corajosamente no caminho dele, protegendo o tomba dilho enquanto Blackthorne girava rápido sobre os calcanhares, uma pistola engatilhada e apontada. Outros se dispersaram, acotovelando-se, tropeçando, empurrando-se no alvoroço. O samurai vacilou, berrando de raiva, depois mudou de direção e atacou Uraga, que de algum modo conseguiu evitar o golpe. O homem rodopiou quando outros samurais arremeteram contra ele, combateu ferozmente um instante, depois disparou para o lado e se atirou na água.

Quatro samurais que sabiam nadar atiraram de lado as espadas mortíferas, colocaram as facas curtas na boca, e saltaram atrás dele, o resto e os holandeses se amontoando contra a amurada. Blackthorne lançou-se para a amurada. Não conseguiu ver nada lá embaixo. Então divisou algumas sombras rodopiando na água. Um homem veio à tona para respirar e mergulhou de novo. Logo quatro cabeças surgiram à superfície. Entre elas um cadáver, com uma faca no pescoço.

- Sinto muito, Anjin-san, foi a faca dele mesmo - gritou um por sobre os urros de aplauso dos outros.

- Uraga-san, diga-lhes que o revistem e depois o deixem aos peixes.

A busca não revelou nada. Quando estavam todos de volta ao convés, Blackthorne apontou para o ícone mais uma vez. - Todos os samurais, mais uma vez!

Foi obedecido instantaneamente e se certificou de que cada homem passava pelo teste. Depois, por causa de Uraga, e como cumprimento a ele, ordenou à tripulação que fizesse o mesmo. Houve o início de um protesto.

- Vamos - falou Blackthorne, ríspido. - Depressa ou meto o pé nas costas de vocês!

- Não é preciso falar assim, piloto - disse Van Nekk. - Não somos bastardos pagãos e fedorentos!

- Eles não são bastardos pagãos e fedorentos! São samurais, por Deus!

Eles o olharam fixamente. Raiva, junto com medo, encrespou por entre eles. Van Nekk começou a dizer alguma coisa, mas Ginsel intrometeu-se.

- Sarmirais são bastardos pagãos e eles - ou homens como eles - assassinaram Pieterzoon, o nosso capitão-mor e Maetsukker!

- Sim, mas sem estes samurais nunca voltaremos para casa - compreendeu?

Agora todos os samurais observavam. Agourentamente aproximaram-se mais de Blackthorne, a título de proteção. - Vamos dar o caso por encerrado, hein? - disse Van Nekk. - Estamos todos um pouco melindrosos e exaustos. Foi uma longa noite. Não somos senhores de nós mesmos aqui, nenhum de nós. Nem o piloto. O piloto sabe o que está fazendo, ele é o comandante, é o capitão-mor agora.

- Sim, é. Mas não é direito que tome o lado deles contra nós, e por Deus, ele não é um rei, somos iguais a ele - sibilou Jan Roper. - Estar armado como eles e vestido como eles e saber falar com os bastardos não o faz nosso rei. Temos direitos e essa é a nossa lei e a lei dele, por Deus, embora seja inglês.

Fez juramentos sagrados de respeitar as regras - não jurou, piloto?

- Sim - disse Blackthorne. - É a nossa lei nos nossos mares, onde somos senhores e em maioria. Agora não somos. Por isso façam o que eu estou dizendo e depressa.

Resmungando, obedeceram. - Sonk! Encontrou grogue? - Não, senhor, nem uma maldita gota!

- Vou mandar trazer saquê para bordo. - Depois, em português, acrescentou: - Uraga-san, venha à praia comigo e traga alguém para remar. Vocês quatro - disse em japonês, apontando para os homens que haviam mergulhado -, vocês quatro agora capitães. Compreendem? Tomem cinqüenta homens cada um.

- Hai, Anjin-san.

- Qual é o seu nome? - perguntou a um deles, um homem alto e quieto com uma cicatriz no rosto.

- Nawa Chisato, senhor.

- Você é o capitão hoje. O navio todo. Até eu voltar. - Sim, senhor.

Blackthorne dirigiu-se para a escada de embarque. Um bote estava amarrado lá embaixo.

- Aonde vai, piloto? - perguntou Van Nekk ansioso. - A terra. Volto mais tarde.

- Bom, vamos todos!

- Por Deus, voltarei com ... - E eu. Vou...

- Jesus Cristo, não me deixem... - Não! Vou sozinho!

- Mas, pelo amor de Deus, e nós! - exclamou Van Ñekk. - O que vamos fazer, piloto? Não nos abandone, piloto. O que... - Vocês simplesmente esperam! - disse Blackthorne. - Providenciarei para que mandem comida e bebida a bordo.

Ginsel postou-se diante de Blackthorne. - Pensei que fôssemos voltar esta noite. Por que não vamos voltar esta noite?

- Quanto tempo vamos ficar aqui, piloto, e quanto tempo... - Piloto, e Yedo? - perguntou Ginsel mais alto. - Quanto tempo vamos ficar aqui com esses malditos macacos?

- Sim, macacos, por Deus! - disse Sonk, alegre. - E o nosso equipamento e a nossa gente?

- Sim, os nossos "eters", piloto? Nossa gente e nossas garotas.

- Estarão lá amanhã. - Blackthorne controlou a aversão que sentia. - Tenham paciência, voltarei assim que puder. Baccus, você fica encarregado. - Voltou-se para descer.

- Vou junto - disse Jan Roper truculentamente, seguindo-o. - Estamos numa enseada, portanto temos precedência e quero algumas armas.

Blackthorne voltou-se para ele e uma dúzia de espadas deixaram as bainhas, prontas para matar Jan Roper. - Mais uma palavra sua e você é um homem morto. - O mercador alto e magro corou e parou. - Dobre a língua perto destes samurais porque qualquer um deles lhe arrancará a cabeça antes que eu possa detê-los por causa da sua maldita grosseria - sem falar de outras coisas! Eles são suscetíveis, e perto de você eu também estou ficando suscetível, e você terá armas quando precisar delas. Compreendeu?

Jan Roper assentiu, mal-humorado, e recuou. Os samurais ainda estavam ameaçadores, mas Blackthorne os acalmou e lhes ordenou, sob pena de morte, que deixassem a tripulação em paz. - Voltarei logo. - Desceu a escada e entrou no bote, seguido de Uraga e outro samurai. Chisato, o capitão, aproximou-se de Jan Roper, que estremeceu sob a ameaça, curvou-se e recuou.

Quando já estavam bem afastados do navio, Blackthorne agradeceu a Uraga por capturar o traidor.

- Por favor, não agradeça. Foi apenas o meu dever. Blackthorne disse em japonês, de modo que o outro homem pudesse compreender: - Sim, dever. Mas os seus kokus mudam agora. Agora não vinte, mas cem por ano.

- Oh, senhor, obrigado. Não mereço. Eu estava apenas cumprindo o meu dever e devo...

- Fale devagar. Não compreendo.

Uraga pediu desculpas e disse mais lentamente. Blackthorne elogiou-o de novo, depois acomodou-se mais confortavelmente na popa do bote, sua exaustão dominando-o. Forçou os olhos a continuarem abertos e olhou para o navio, lá atrás, para se certificar de que estava bem posicionado. Van Nekk e os outros estavam à amurada, e ele se arrependeu de tê-los trazido a bordo, embora soubesse que não tivera opção. Sem eles a viagem não teria sido segura.

Escória rebelde, pensou. Que diabo faço com eles? Todos os meus vassalos sabem sobre a aldeia eta e todos eles são tão repulsivos quanto... Jesus Cristo, que mixórdia! Karma, neh? Adormeceu. Quando o bote embicou na praia perto do molhe, despertou. De imediato não conseguiu se lembrar de onde estava. Sonhara que estava de volta ao castelo, nos braços de Mariko, exatamente como na noite anterior.

Na noite anterior, estavam deitados, meio adormecidos depois de terem feito amor, Fujiko totalmente a par, Chimmoko de guarda, quando Yabu e seus samurais esmurraram o batente da porta. A noite começara de modo muito agradável. Fujiko discretamente também convidara Kiku, e ele nunca a vira mais bela e exuberante. Quando os sinos soaram a hora do Javali, Mariko chegara pontualmente. Houvera muita alegria e saquê, mas logo Mariko quebrara o encanto.

- Sinto muito, mas está correndo grande perigo, Anjinsan. - Ela explicou e quando acrescentou o que Gyoko dissera sobre não confiar em Uraga, tanto Kiku quanto Fujiko ficaram igualmente perturbadas.

- Por favor, não se preocupem. Eu o vigiarei, não temam - tranqüilizara-as ele.

Mariko continuara: - Talvez o senhor também devesse vigiar Yabu-sama, Anjin-san.

- O quê?

- Esta tarde vi o ódio no seu rosto. Ele também viu.

- Não tem importância - dissera ele. - Shigata ga nai, neh?

- Não. Sinto muito, foi um engano. Por que o senhor chamou os seus homens de ~volta quando Yabu-sama estava cercado? Com certeza isso tamm foi um engano grave. Eles o teriam rapidamente liquidado e seu inimigo estaria morto sem risco para o senhor.

- Não teria sido direito, Mariko-san. Tantos homens contra um só. Não seria justo.

Mariko explicara a Fujiko e a Kiku o que ele dissera. - Por favor, desculpe-me, Anjin-san, mas todas nós acreditamos que esse é um modo de pensar muito perigoso e pedimos que renuncie a ele. É totalmente errado e muito ingênuo. Por favor, desculpeme por ser tão brusca. Yabu-san o destruirá.

- Não. Ainda não. Ainda sou importante demais para ele. E para Omi-san.

- Kiku-san disse: "Por favor, diga ao Anjin-san para tomar cuidado com Yabu, e com esse Uraga. O Anjin-san pode achar difícil avaliar `importância' aqui, neh?"

- Sim, concordo com Kiku-san -- dissera Fujiko.

Mais tarde Kiku partira para ir distrair Toranaga. Então Mariko rompera a paz na sala de novo. - Esta noite devo dizer sayonara, Anjin-san. Parto ao amanhecer.

- Não, não há necessidade disso agora - dissera ele. - Pode,ser tudo mudado agora. Eu a levarei a Osaka. Arranjarei uma galera ou um navio costeiro. Em Nagasa...

- Não, Anjin-san. Sinto muito, devo partir conforme o ordenado. - O argumento mais persuasivo não conseguira demovê-la. Ele sentira Fujiko a observá-lo em silêncio, o coração doendo com a idéia da partida de Mariko. Olhara para Fujiko. Ela pedira licença por um momento. Fechara a shoji atrás de si e eles ficaram sozinhos, sabendo que Fujiko não voltaria, que estavam seguros por algum tempo. O amor foi urgente e violento. Depois houve vozes e passos e tempo apenas suficiente para se recomporem antes que Fujiko se juntasse a eles pela porta interna e Yabu entrasse na sala, trazendo ordens de Toranaga para uma partida imediata, secreta. - . . . Yokohama, depois Osaka para uma breve parada, Anjin-san, em frente até Nagasaki, de volta a Osaka, e para casa! Mandei buscar a sua tripulação e que se apresentasse ao navio.

Ele fora dominado pela excitação ante a vitória enviada pelo céu. - Sim, Yabu-san. Mas Mariko-san... Mariko-san vai a Osaka também, neh? Melhor conosco, mais rápido, mais seguro, neh?

- Impossível, sinto muito. Deve se apressar. Vamos! A maré - compreende "maré", Anjin-san?

- Hai, Yabu-san. Mas Mariko-san vai a Osaka...

- Sinto muito, ela tem ordens, assim como nós temos ordens. Mariko-san! Explique-lhe. Diga-lhe que se apresse. Yabu fora inflexível, e tão tarde da noite era impossível ir até Toranaga. pedir-lhe que anulasse a ordem. Não houvera tempo ou privacidade para conversar mais com Mariko ou com Fujiko, além de dizer os adeuses formais. Mas logo se encontrariam em Osaka. - Muito em breve, Anjin-san - dissera Mariko...

- Senhor Deus, não me deixe perdê-la - disse Blackthorne, as gaivotas grasnando acima da praia, seus gritos intensificandolhe a solidão.

- Perder a quem, senhor?

Blackthorne voltou à realidade. Apontou para o navio à distância. - Chamamos navios de "ela", pensamos em navios no feminino, não no masculino. Wakarimasu ka?

- Hai.

Blackthorne ainda podia ver os vultos minúsculos da sua tripulação e seu dilema insolúvel despontou mais uma vez. Você precisa tê-los a bordo, disse a si mesmo, e mais homens como eles. E os novos também não vão se dar com os samurais, e serão católicos igualmente, a maioria deles. Deus no paraíso, como controlá-los todos? Mariko tinha razão. Perto dos católicos sou um homem morto.

- Até eu, Anjin-san - dissera ela na noite passada. - Não, Mariko-san. Você não.

- Você disse que éramos inimigos, esta tarde.

- Eu disse que a maioria dos católicos são meus inimigos. - Eles o matarão se puderem.

- Sim. Mas você ... nós vamos nos encontrar mesmo em Osaka?

- Sim. Eu o amo. Anjin-san, lembre-se, tenha cuidado com Yabu-san ...

Estavam todos certos sobre Yabu, pensou Blackthorne, diga ele o que disser, prometa o que prometer. Cometi um grave erro chamando os meus homens de volta quando ele estava encurra lado. Esse bastardo me cortará o pescoço assim que eu tenha esgotado a minha utilidade, por mais que finja o contrário. E no entanto Yabu também tem razão: preciso dele. Nunca entrarei em Nagasaki, e sairei de novo, sem sua proteção. Ele com certeza poderia ajudar a convencer Toranaga. Com ele comandando dois mil fanáticos mais, poderíamos arrasar Nagasaki toda e talvez até Macau ...

Nossa Senhora! Sozinho estou indefeso.

Então se lembrou do que Gyoko dissera a Mariko sobre Uraga, sobre não confiar nele. Gyoko errou sobre ele, pensou. No que mais terá errado?

 

Mais uma vez nas apinhadas estradas costeiras de Osaka, após a longa viagem de galera, Blackthorne sentiu de novo o mesmo peso esmagador da cidade que sentira ao vê-Ia a primeira vez. Grandes setores tinham sido devastados pelo tai-fun e algumas áreas ainda estavam enegrecidas pelo fogo, mas sua imensidade permanecia quase intacta e ainda dominada pelo castelo. Mesmo daquela distância, mais de uma légua, ele podia ver o colossal cinturão da primeira muralha, as ameias sobranceiras, tudo diminuído pela pairante malignidade do torreão.

- Cristo - disse Vinck nervosamente, em pé ao lado dele na proa -, parece impossível ser tão grande. Amsterdam seria um cocozinho de mosca ao lado dela.

- Sim. A tempestade danificou a cidade, mas não seriamente. Nada poderia tocar o castelo.

O tai-fun açoitara violentamente de sudoeste duas semanas atrás. Tinham tido sinais em profusão, com céu baixo, lufadas e chuva, e haviam impelido a galera para uma enseada segura a fim de esperar passar a tempestade. Esperaram cinco dias. Para além da enseada, o oceano se encrespara e os ventos foram os mais violentos e fortes que Blackthorne experimentara.

- Cristo - repetiu Vinck. - Gostaria que estivéssemos em casa. Deveríamos estar em casa há um ano.

Blackthorne trouxera Vinck consigo de Yokohama e mandara os outros de volta a Yedo, deixando o Erasmus ancorado em segurança e guardado sob o comando de Naga. A tripulação ficara feliz em partir - assim como ele ficara feliz de ver o último deles. Houvera mais contendas naquela noite e uma violenta discussão sobre a prata do navio. O dinheiro era da companhia, não dele. Van Nekk era o tesoureiro da expedição e mercadorchefe e, juntamente com o capitão-mor, tinha jurisdição legal sobre ele. Depois de terem contado e recontado, e de se descobrir que faltavam mil moedas, Van Nekk, apoiado por Jan Roper, discutira sobre a quantia que Blackthorne poderia levar para contratar novos homens.

- Está querendo demais, piloto! Terá que oferecer-lhes menos!

- Jesus Cristo! Seja quanto for, temos que pagar. Preciso de marujos e atiradores. - Esmurrara a mesa da grande cabina. - De que outro modo vamos poder voltar para casa?

Finalmente acabara convencendo-os a deixá-lo levar o suficiente, e ficara aborrecido de que eles o tivessem feito perder a calma com toda aquela rabularia.

No dia seguinte embarcara-os de volta a Yedo, um décimo do tesouro dividido entre eles, o resto sob guarda no navio.

- Como sabemos que estará seguro aqui? - perguntou Jan Roper, carrancudo.

- Fique e vigie-o você mesmo, então!

Mas nenhum deles quisera ficar a bordo. Vinck concordara em ir com ele.

- Por que ele, piloto? - perguntara Van Nekk. - Porque é um marinheiro e precisarei de ajuda. Blackthorne ficara contente em ver o último deles. Uma vez ao largo, começou a modificar Vinck segundo hábitos japoneses. Vinck enfrentou isso estoicamente, confiando em Blackthorne, tendo navegado anos demais com ele para não lhe conhecer a fibra. - Piloto, pelo senhor eu tomarei banho e me lavarei todos os dias, mas serei amaldiçoado diante de Deus antes de usar uma dessas camisolas sifilíticas!

Dentro de dez dias Vinck estava alegremente indicando o rumo, semidespido, o largo cinturão de couro sobre a pança, uma adaga enfiada na bainha e presa às costas e uma das pistolas de Blackthorne segura dentro da camisa esfarrapada, mas limpa. - Não temos que ir ao castelo, temos, piloto?

- Não.

- Jesus Cristo... eu prefiro mesmo ficar longe de lá.

O dia estava ótimo, o sol alto fazendo tremeluzir o mar calmo. Os remadores ainda estavam fortes e disciplinados.

- Vinck, ali é que foi a emboscada!

- Jesus Cristo, olhe aqueles bancos de areia!

Blackthorne lhe contara sobre a dificuldade da sua fuga, os sinais de fogo naqueles parapeitos, as pilhas de cadáveres na praia, a fragata inimiga caindo-lhe em cima por barlavento.

- Ah, Anjin-san. - Yabu juntou-se a eles. - Bom, neh? - Apontou para a devastação.

- Mau, Yabu-sama. - É inimigo, neh?

- O povo não é inimigo. Apenas lshido e samurais são inimigos, neh?

- O castelo é inimigo - disse Yabu, refletindo seu desassossego e o de todos a bordo. - Aqui todos são inimigos. Blackthorne observou Yabu mover-se para a proa, o vento agitando-lhe o quimono sobre o torso rijo.

Vinck baixou a voz. - Quero matar esse bastardo, piloto. - Sim. Também não me esqueci do velho Pieterzoon, não se preocupe.

- Nem eu, Deus seja o meu juiz! É de espantar o modo como o senhor fala a língua deles. O que foi que ele disse?

- Só estava sendo polido. - Qual é o plano?

- Atracamos e esperamos. Ele vai desembarcar por um dia ou dois e nós baixamos a cabeça e esperamos. Toranaga disse que enviaria mensagens para os salvo-condutos de que necessi taríamos, mas ainda assim, vamos ficar a bordo. - Blackthorne examinou as águas à procura de perigos, mas não descobriu nada. No entanto, disse a Vinck: - É melhor calcular as braças agora, só como precaução!

- Sim!

Por um instante Yabu observou Vinck indicando o rumo, depois, meio a esmo, voltou para junto de Blackthorne. - Anjinsan, talvez fosse melhor o senhor tomar a. galera e seguir até Nagasaki. Não esperar, hein?

- Está bem - disse Blackthorne cordialmente, sem morder a isca.

Yabu riu. - Gosto do senhor, Anjin-san! Mas, sinto muito, sozinho morrerá logo. Nagasaki é muito ruim para o senhor!

- Osaka ruim, todo lugar ruim!

- Karma. - Yabu sorriu de novo. Blackthorne fingiu compartilhar da piada.

Tinham tido variações da mesma conversa muitas vezes durante a viagem. Blackthorne aprendera muito sobre Yabu. Odiava-o ainda mais, desconfiava ainda mais, respeitava-o mais, e sabia que seus karmas estavam interligados.

- Yabu-san tem razão, Anjin-san - dissera Uraga. - Ele pode protegê-lo em Nagasaki, eu não.

- Por causa do seu tio, o Senhor Harima?

- Sim. Talvez eu já esteja declarado criminoso, neh? Meu tio é cristão, embora eu o ache um cristão de arroz.

- O que é isso?

- Nagasaki é feudo dele. Nagasaki tem uma grande enseada sobre a costa de Kyushu, mas não a melhor. Então ele rapidamente vê a luz, neh? Torna-se cristão e ordena que todos os seus vassalos façam o mesmo. Ordenou-me que me tornasse cristão e que fosse para a escola jesuítica, depois me mandou como um dos enviados cristãos ao papa. Deu terra aos jesuítas e - como o senhor diria - adula-os. Mas o coração dele é apenas japonês. - Os jesuítas sabem o que você pensa?

- Sim, claro.

- Acreditam nessa história de cristãos de arroz?

- Eles não dizem a nós, convertidos deles, no que é que realmente acreditam, Anjin-san. Nem a si mesmos na maioria das vezes. São treinados para terem segredos, usá-los, acolhê-los, mas nunca para revelá-los. Nisso são muito japoneses.

- É melhor que fique aqui em Osaka, Uraga-san.

- Por favor, desculpe-me, senhor, sou seu vassalo. Se o senhor for a Nagasaki, eu irei.

Blackthorne sabia que Uraga estava se tornando um auxiliar inestimável. O homem estava revelando muitos dos segredos dos jesuítas: o como, porquê e quando das suas negociações comer ciais, seus funcionamentos internos e inacreditáveis maquinações internacionais. E era igualmente informativo sobre Harima e Kiyama e sobre como pensavam os daimios cristãos, e por que, provavelmente, permaneceriam do lado de Ishido. Deus, sei coisas agora que não teriam preço em Londres, pensava ele, e ainda há muito a aprender. Como posso passar a informação? Por exemplo, que o comércio da China com o Japão, só de seda, vale dez milhões em ouro por ano, e que, bem agora, os jesuítas têm um dos seus padres na corte do imperador da China em Pequim, honrado com dignidade de corte, um confidente dos governantes, falando chinês perfeitamente. Se ao menos eu pudesse mandar uma carta... se ao menos tivesse um mensageiro.

Em troca de todo o conhecimento, Blackthorne começou a ensinar Uraga sobre navegação, sobre o grande cisma religioso, e sobre o parlamento. Também ensinou a ele e a Yabu como disparar uma arma de fogo. Uraga é um bom homem, pensava ele. Não há problema. Exceto a vergonha que ele tem pela falta do rabo-de-cavalo de samurai. Isso crescerá logo.

Houve um grito de advertência do vigia de popa.

- Anjin-san! - O capitão japonês apontava para a frente, para um elegante cúter, remado por vinte homens, que se aproximava por estibordo. No topo do mastro estava o emblema de Ishido. Junto dele, o emblema do conselho de regentes, o mesmo sob o qual Nebara Jozen e seus homens tinham viajado para Anjiro, para a morte.

- Quem é? - perguntou Blackthorne, sentindo a tensão por todo o navio, todos os olhos perscrutando a distância.

- Ainda não consigo enxergar, sinto muito - disse o capitão.

- Yabu-san?

Yabu sacudiu os ombros. - Um oficial.

Quando o cúter chegou mais perto, Blackthorne viu um ancião sentado sob o dossel de popa, usando um traje cerimonial enfeitado e o manto com asas. Não usava espadas. Ao seu redor estavam os cinzentos de Ishido.

O mestre do tambor cessou a batida para permitir ao cúter emparelhar. Homens acorreram para ajudar o oficial a subir a bordo. Um piloto japonês pulou atrás dele e após numerosas mesuras assumiu o comando formal da galera.

Yabu e o ancião também foram formais e meticulosos. Finalmente se sentaram sobre almofadas de nível desigual, o oficial tomando a posição mais favorecida na popa. Samurais, cinzentos e de Yabu, rodearam-nos, sentando-se de pernas cruzadas ou ajoelhando-se no convés principal, em lugares ainda mais inferiores. - O conselho lhe dá as boas-vindas, Kasigi Yabu, em nome de Sua Alteza Imperial - disse o homem. Era baixo e atarracado, um tanto acabado, um conselheiro graduado de protocolo junto aos regentes, que também tinha posição na corte imperial. Chamava-se Ogaki Takamoto, era um príncipe de sétimo grau, e sua função era agir como um dos intermediários entre a corte de Sua Alteza Imperial, o Filho do Céu, e os regentes. Seus dentes eram tingidos de preto, à maneira que todos os cortesãos da corte imperial, por costume, haviam adotado há séculos.

- Obrigado, Príncipe Ogaki. É um privilégio estar aqui em nome do Senhor Toranaga - disse Yabu, enormemente impressionado com a honra que lhe estava sendo feita.

- Sim, estou certo de que é. Naturalmente o senhor está em seu próprio nome também, neh? - disse Ogaki secamente. - Naturalmente - retrucou Yabu. - Quando chega o Senhor Toranaga? Sinto muito, mas o tai-fun me atrasou cinco dias e não recebo notícias desde que parti.

- Ah, sim, o tai-fun. Sim, o conselho ficou muito feliz ao saber que a tempestade não o atingiu. - Ogaki tossiu. - Quanto ao seu amo, lamento dizer-lhe que ainda nem chegou a Odawara. Houve adiamentos intermináveis e algumas doenças. Lamentável, neh?

- Oh, sim, muito ... nada sério, espero? - perguntou Yabu às pressas, imensamente contente por estar a par do segredo de Toranaga.

- Não, afortunadamente nada de sério. - Novamente a tosse seca. - O Senhor Ishido tomou conhecimento de que o seu amo chegará a Odawara amanhã.

Yabu ficou convenientemente surpreso. - Quando parti, vinte e um dias atrás, estava tudo pronto para a sua partida imediata, então o Senhor Hiro-matsu adoeceu. Sei que o Senhor Toranaga ficou gravemente preocupado, mas ansioso por dar início à sua viagem, assim como eu estou ansioso por começar os preparativos para a sua chegada.

- Está tudo preparado - disse o homenzinho.

- Naturalmente o conselho não fará objeções se eu verificar as providências, neh? - Yabu foi expansivo. - É essencial que a cerimônia seja digna do conselho e da ocasião, neh?

- Digna de Sua Majestade Imperial, o Filho do Céu. A convocação é dele agora.

- Naturalmente mas... - A sensação de bem-estar de Yabu extinguiu-se. - O senhor que dizer... quer dizer que Sua Alteza Imperial estará lá?

- O Exaltado concordou com a humilde solicitação dos regentes de aceitar pessoalmente a obediência do novo conselho, de todos os principais daimios, inclusive do Senhor Toranaga, sua família e vassalos. Os conselheiros superiores de Sua Alteza Imperial foram solicitados a escolher um dia auspicioso para esse... esse ritual. O vigésimo segundo dia deste mês, neste quinto ano da era Keicho.

Yabu ficou estupidificado. - Dentro de ... de dezenove dias?

- Ao meio-dia. - Enfastiado, Ogaki tirou um lenço de papel da manga e delicadamente assoou o nariz. - Por favor, desculpe-me. Sim, ao meio-dia. Os presságios foram perfeitos. O Senhor Toranaga foi informado por um mensageiro imperial há catorze dias. Sua humilde e imediata aceitação chegou aos regentes faz três dias. - Ogaki puxou um pequeno pergaminho. - Aqui está o seu convite, Senhor Kasigi Yabu, para a cerimônia. Yabu estremeceu ao ver o selo imperial com o crisântemo de dezesseis pétalas, sabendo que ninguém, nem mesmo Toranaga, poderia recusar tal convocação. Uma recusa seria insulto impensável à Divindade, uma rebelião declarada, e como toda a terra pertencia ao imperador reinante, resultaria em perda imediata de toda a terra, junto com o convite imperial para se cometer seppuku no mesmo instante, emitido em seu nome pelos regentes, também selado com o Grande Selo. Tal convite seria absoluto e teria que ser obedecido.

Aflito, Yabu tentou recuperar a compostura.

- Desculpe, o senhor está indisposto? - perguntou Ogaki solicitamente.

- Sinto muito - balbuciou Yabu -, mas nunca, nem nos meus sonhos mais desvairados... Ninguém poderia ter imaginado que o Exaltado nos... nos honraria tanto, neh?

- Concordo, oh, sim. Extraordinário!

- Surpreendente... que Sua Alteza Imperial considere a. . . possibilidade de sair de Kyoto e ... e vir a Osaka.

- Concordo. Ainda assim, no vigésimo segundo dia, o Exaltado e a Insígnia Imperial estarão aqui. - A Insígnia Imperial, sem a qual nenhuma sucessão era válida, eram os Três Tesouros Sagrados, considerados divinos, que todos acreditavam terem sido trazidos à terra pelo deus Ninigi-no-Mikoto e passado por ele, pessoalmente, ao seu neto, Jimmu Termo, o primeiro imperador humano, e por este, pessoalmente, ao seu sucessor, até o detentor atual, o Imperador Go-Nijo: a Espada Sagrada, a Jóia e o Espelho. A Espada Sagrada e a Jóia sempre viajavam formalmente com o imperador, toda vez que ele tivesse que pernoitar fora do palácio; o Espelho era conservado dentro do santuário interno no grande relicário xintoísta de Ise. A Espada, o Espelho e a Jóia pertenciam ao Filho do Céu. Eram símbolos divinos da autoridade legítima, da sua divindade, de que quando ele estava em movimento, o trono divino movia-se com ele. E assim, de que com ele ia todo o poder.

Com a voz áspera e baixa, Yabu disse: - É quase impossível acreditar que os preparativos para a chegada dele possam ser feitos em tempo.

- Oh, o Senhor General Ishido, em nome dos regentes, solicitou ao Exaltado no momento em que foi informado pelo Senhor Zataki em Yokosé de que o Senhor Toranaga concordara, de modo igualmente surpreendente, em vir a Osaka curvar-se ao inevitável. Apenas a grande honra que o seu amo concede aos regentes os prontificou a solicitar ao Filho do Céu que agraciasse a ocasião com a Presença. - Novamente a tosse seca. - Por favor, desculpe-me, o senhor me daria talvez a sua aceitação formal por escrito, tão logo seja conveniente?

- Posso fazê-lo imediatamente? - perguntou Yabu, sentindo-se fraco.

- Estou certo de que os regentes apreciariam isso. Debilmente Yabu mandou buscar material para escrever. Dezenove martelava-lhe o cérebro. Dezenove dias! Toranaga pode adiar apenas dezenove dias e então tem que estar aqui também. Tempo suficiente para eu chegar a Nagasaki e voltar em segurança a Osaka, mas não o suficiente para desferir o ataque por mar contra o Navio Negro e tomá-lo, portanto tempo insuficiente para pressionar Harima, Kiyama ou Onoshi, ou os padres cristãos, em conseqüência, tempo insuficiente para desencadear Céu Carmesim, em conseqüência o esquema inteiro de Toranaga é apenas outra ilusão ...    oh, oh, oh!

Toranaga fracassou. Eu deveria ter sabido que ele fracassaria. A resposta ao meu dilema está clara: ou confio cegamente em Toranaga para forçar passagem para fora desta rede e ajudo

o Anjin-san, conforme o planejado, a conseguir os homens e tomar o Navio Negro ainda mais depressa, ou tenho que me dirigir a Ishido e contar-lhe tudo o que sei e tentar negociar pela minha vida e por Izu.

Qual?

Papel, pincel e tinta chegaram. Yabu pôs de lado a angústia um momento e se concentrou em escrever de modo tão perfeito e bonito quanto podia. Era impensável responder à Presença com uma mente desordenada. Quando concluiu a aceitação, havia tomado a decisão crítica: seguiria completamente o conselho de Yuriko. Imediatamente o peso rolou de sobre a sua wa e ele se sentiu grandemente purificado. Assinou com um floreio arrogante.

Como ser o melhor vassalo de Toranaga? Muito. simples: remova Ishido desta terra.

Como fazer isso e contar com tempo suficiente para escapar? Então ouviu Ogaki dizer: - O senhor está convidado para uma recepção formal, amanhã, oferecida pelo Senhor General Ishido em honra do aniversário da Senhora Ochiba.

Ainda com trajes de viagem, Mariko abraçou Kiri primeiro, depois a Senhora Sazuko, admirou o bebê, e abraçou Kiri de novo. Criadas particulares se apressavam, alvoroçadas, ao redor delas, trazendo chá e saquê, levando embora as bandejas, correndo para dentro e para fora com almofadas e ervas aromáticas, abrindo e fechando as shojis que davam para o jardim interno naquela seção do Castelo de Osaka, abanando leques, tagarelando, e também chorando.

Finalmente Kiri bateu palmas, dispensou as criadas, e dirigiu-se pesadamente para a sua almofada especial, dominada pela excitação e felicidade. Estava muito corada. Rápidas, Mariko e a Senhora Sazuko abanaram-na e serviram-na e só depois de três xícaras grandes de saquê ela conseguiu recuperar o fôlego.

- Oh, assim está melhor - disse ela. - Sim, obrigada, criança, sim, tomarei mais um pouco! Oh, Mariko-chan, você está aqui de verdade?

- Sim, sim. De verdade, Kiri-san!

Sazuko, parecendo muito mais jovem do que os seus dezessete anos, disse: - Oh, estivemos tão preocupadas apenas com rumores e ...

- Sim, nada além de rumores, Mariko-chan - interrompeu Kiri. - Oh, há tanta coisa que quero saber, sinto-me fraca. - Pobre Kiri-san, tome, beba um pouco de saquê - disse Sazuko solicitamente. - Talvez devesse afrouxar o obi e...

- Estou perfeitamente bem agora! Por favor, não se incomode, criança. - Kiri exalou e cruzou as mãos sobre o amplo estômago. - Oh! Mariko-san, é tão bom ver um rosto amigo de novo, vindo de fora do Castelo de Osaka.

- Sim - ecoou Sazuko, chegando mais perto de Mariko, e disse num turbilhão: - Sempre que saímos pelo nosso portão, cinzentos enxameiam à nossa volta como se fôssemos abelhas rainhas. Não temos autorização de deixar o castelo, exceto com permissão do conselho - nenhuma das senhoras, nem as do Senhor Kiyama -, e o conselho quase nunca se reúne e eles só falam por meias palavras, portanto nunca há permissão alguma, e o médico ainda diz que não devo viajar por enquanto, mas estou ótima e o bebê está ótimo e. . . Mas primeiro conte-nos ...

Kiri interrompeu: - Antes diga-nos como vai nosso amo. A garota riu, com a mesma vivacidade. - Eu ia perguntar isso, Kiri-san!

Mariko respondeu conforme Toranaga ordenara: - Está comprometido com a sua linha de ação, está confiante e contente com a decisão que tomou. - Ela ensaiara muitas vezes durante a viagem. Ainda assim, a força da tristeza que criou quase a fez querer irromper com a verdade. - Sinto muito - disse.

- Oh! - Sazuko tentou não soar assustada.

Kiri se ajeitou, tomando uma posição mais confortável. - Karma é karma, neh?

- Então... então não houve mudança... esperança alguma? - perguntou a garota.

Kiri deu-lhe tapinhas na mão. - Acredite que karma é karma, criança, e que o Senhor Toranaga é o maior e o mais sábio homem vivo. Isso basta, o resto é ilusão. Mariko-chan, tem mensagens para nós?

- Oh, desculpe. Sim, tome. - Mariko tirou os três pergaminhos da manga. - Dois para a senhora, Kiri-chan, um do nosso amo e outro do Senhor Hiro-matsu. Este é para você, Sazuko, do nosso senhor, mas ele me pediu que lhe dissesse que está com saudades e quer ver o filho mais novo. Ele me fez memorizar três coisas para lhe dizer. Ele sente muita saudade de você e quer ver o filho mais novo.

Lágrimas rolaram pelas faces dido de desculpas e saiu correndo nho nas mãos.

- Pobre criança. É muito duro para ela aqui. - Kiri não rompeu os lacres dos seus pergaminhos. - Você sabe que Sua Majestade Imperial estará presente?

- Sim. - Mariko foi igualmente grave. - Um mensageiro do Senhor Toranaga me alcançou há uma semana. A mensagem não dava detalhes além disso, e citava o dia em que ele chegará aqui. Recebeu notícias dele?

- Diretamente não... nada de particular, já faz um mês. Como está ele? Realmente?

- Confiante. - Ela tomou um gole de saquê. - Oh, posso servi-Ia?

- Obrigada.

- Dezenove dias não é muito tempo, é, Kiri-chan?

- É tempo suficiente para ir a Yedo e voltar se você se apressar, tempo suficiente para viver uma vida, se você quiser, mais que suficiente para realizar uma batalha ou perder um império - tempo para um milhão de coisas, mas não o suficiente para comer todos os pratos raros e tomar todo o saquê ... - Kiri sorriu levemente. - Eu certamente não vou fazer dieta

Ele sente muita saudade... da garota. Murmurou um pela sala, apertando o pergaminho nos próximos vinte dias. Estou. .. - Parou. - Oh, por favor, desculpe-me ... ouvir-me tagarelar e você ainda nem se trocou ou tomou banho.

- Oh, por favor, não se preocupe. Não estou cansada. - Mas deve estar. Vai ficar na sua casa?

- Sim. É lá que o passe do Senhor General Ishido me permite ir. -- Mariko sorriu atravessado. - A acolhida dele foi brilhante.

Kiri fez uma carranca. - Duvido de que ele fosse bemvindo mesmo no inferno.

- Oh? Sinto muito, o que foi agora?

- Nada mais do que antes. Sei que ele ordenou que o Senhor Sugiyama fosse torturado e assassinado, embora não tenha provas. Na semana passada uma das consortes do Senhor Oda tentou safar-se com os filhos, disfarçada de varredora de rua. As sentinelas atiraram neles "por engano".

- Que horror!

- Naturalmente, grandes "desculpas"! Ishido alega que a segurança é tudo o que há de importante. Houve um atentado forjado contra o herdeiro, é a desculpa dele.

- Por que as senhoras não partem abertamente?

- O conselho ordenou que esposas e famílias esperem pelos maridos, que devem retornar para a cerimônia. O grande senhor general sente "com grande gravidade a responsabilidade pela se gurança delas para permitir-lhes vagar por aí". O castelo está mais fechado do que uma ostra velha.

- Lá fora também, Kiri-san. Há muito mais barreiras na Tokaido do que antes, e a segurança de Ishido está muito forte dentro de cinqüenta ris. Patrulhas por toda parte.

- Todo mundo está com medo dele, menos nós e os nossos poucos samurais, e não somos mais problema para ele do que uma bolha no traseiro de um dragão.

- Até os nossos médicos?

- Eles também. Sim, ainda nos aconselham a não viajar, mesmo que fosse permitido, coisa que não será nunca.

- A Senhora Sazuko está bem, o bebê está bem, Kiri-san? - Sim, você pode ver por si mesma. E eu também estou. - Kiri suspirou, o esforço mostrando-se agora, e Mariko notou que havia mais cinza no cabelo dela agora do que antes. - Nada mudou desde que escrevi para o Senhor Toranaga em Anjiro. Somos reféns e continuaremos como reféns com todo o resto até o Dia. Então haverá uma resolução.

- Agora que Sua Alteza Imperial vai chegar... isso torna tudo conclusivo, neh?

- Sim. Parece que sim. Vá descansar, Mariko-chan, mas coma conosco esta noite. Então poderemos conversar, neh? Oh, a propósito, uma novidade para você. O seu famoso bárbaro hatamoto - abençoado seja por ter salvado o nosso amo, ouvimos falar sobre isso - atracou em segurança esta manhã com Kasigi Yabu-san.

- Oh! Eu estava tão preocupada com eles. Partiram um dia antes de mim, por mar. Fomos todos apanhados pelo tai-fun, perto de Nagoya, mas para nós não foi muito sério. Eu estava com medo que ao mar... Oh, isso é um alívio...

- Aqui não foi muito grave, exceto pelos incêndios. Milhares de casas arderam, mas não morreram mais de duas mil pessoas. Ouvimos dizer que a intensidade maior da tempestade atingiu Kyushu, na costa leste, e parte de Shikoku. Dezenas de milhares morreram. Ninguém sabe ainda a extensão total dos danos.

- Mas a colheita? - perguntou Mariko rapidamente.

- Grande parte, aqui, foi destruída, campos atrás de campos. Os fazendeiros esperam que se recupere, mas quem sabe? Se o Kwanto não for prejudicado durante a estação, o arroz de lá pode ter que sustentar o império inteiro neste ano e no próximo. - Seria muito melhor se o Senhor Toranaga controlasse essa colheita e não Ishido. Neh?

- Sim. Mas, sinto muito, dezenove dias não é tempo suficiente para tomar posse de uma colheita, nem com todas as preces do mundo.

Mariko terminou o seu saquê. - Sim.

- Se o navio deles partiu um dia antes de você - disse Kiri -, você deve ter se apressado.

- Achei melhor não perder tempo, Kiri-chan. Para mim não é prazer viajar.

- E Buntaro-san? Está bem?

- Sim. Está encarregado de Mishima e da fronteira toda no momento. Vi-o brevemente no caminho para cá. A senhora sabe onde Kasigi Yabu-sama está alojado? Tenho uma mensagem para ele.

- Numa das casas de hóspedes. Descobrirei em qual e lhe mandarei um recado imediatamente. - Kiri aceitou mais vinho. - Obrigada, Mariko-chan. Ouvi dizer que o Anjin-san continua na galera.

- Ele é um homem muito interessante, Kiri-san. Tornou-se muito útil para o nosso amo.

- Ouvi dizer. Quero que você me conte tudo sobre ele, o terremoto e todas as novidades. Oh, sim, haverá uma recepção formal amanhã pelo aniversário da Senhora Ochiba, oferecida pelo Senhor Ishido. Naturalmente você será convidada. Fui informada de que o Anjin-san também vai ser convidado. A Senhora Ochiba quer ver como ele é. Você se lembra de que o herdeiro o encontrou uma vez. Não foi a primeira vez que você o viu também?

- Sim. Pobre homem, então tem que ser exibido, como uma baleia cativa?

- Sim - disse Kiri, e acrescentou placidamente: - Como todas nós. Somos todas cativas, Mariko-chan, gostemos disso ou não.

Uraga desceu furtivamente a viela, às pressas, na direção da praia, a noite escura, o céu claro e estrelado, o ar agradável. Estava vestido com o hábito laranja de sacerdote budista, seu inestimável chapéu, e sandálias baratas de palha. Atrás dele estavam os depósitos e a massa alta, quase européia, da missão jesuítica. Dobrou uma esquina e apertou o passo. Havia poucas pessoas nas proximidades. Uma companhia de cinzentos carregando archotes patrulhava a praia. Ele diminuiu a marcha ao passar cortesmente por eles, embora com a arrogância de um sacerdote. Os samurais mal o notaram.

Seguiu, certeiro, pela praia, passou por botes de pesca embicados na areia, os odores do mar e da praia densos na brisa ligeira. A maré estava baixa. Dispersos pela baía e pelos bancos de areia estavam pescadores noturnos, parecendo muitos vagalumes, caçando com lanças à luz de archotes. Duzentos passos à frente ficavam os atracadouros e molhes, com muita craca incrustada. Atracada a um deles estavam uma lorcha jesuítica, as bandeiras de Portugal e da Companhia de Jesus esvoaçando, archotes e mais cinzentos perto da enseada de embarque. Ele mudou de direção para se esquivar ao navio, voltando alguns quarteirões para dentro da cidade, depois tomou a Rua Dezenove, virou por ruelas sinuosas, e saiu mais uma vez na rua que acompanhava os ancoradouros.

- Você! Alto!

A ordem veio da escuridão. Uraga parou, em pânico repentino. Cinzentos avançaram para a claridade e o cercaram. - Aonde vai, sacerdote?

- Ao leste da cidade - disse Uraga vacilante, a boca seca. -- Ao nosso santuário nicheren.

- Ah, é nicheren, neh?

Outro samurai disse asperamente: - Eu não sou desses. Sou zen-budista, como o senhor general.

- Zen. . . ah, sim, zen é o melhor - disse outro. - Gostaria de poder entender isso. É difícil demais para minha velha cabeça.

Ele está suando um bocado para um sacerdote, não está? Por que está suando?

- Está querendo dizer que sacerdotes não transpiram? Alguns riram e alguém aproximou mais um archote.

- Por que deveriam suar? - disse o homem, áspero. - Tudo o que fazem é dormir o dia todo e "travesseirar" a noite toda - monjas, meninos, cães, eles mesmos, qualquer coisa que arranjem -, e o tempo todo se empanturrar com alimento pelo qual não trabalharam. Sacerdotes são parasitas, como pulgas.

- Ei, deixe-o em paz, é apenas... - Tire o chapéu, sacerdote.

Uraga empertigou-se. - Por quê? E por que insultar um homem que serve a Buda? Buda não lhe está fazendo...

O samurai avançou, ameaçador. - Eu disse: tire o chapéu! Uraga obedeceu. Sua cabeça fora recentemente raspada como a de um sacerdote, e ele bendisse o kami, ou espírito ou dom de Buda que fosse, que o induzira a tomar essa precaução a mais, no caso de ser apanhado infringindo o toque de recolher. Todos os samurais do Anjin-san tinham sido confinados na embarcação pelas autoridades do porto, à espera de instruções superiores. - Não há motivo para ter essas péssimas maneiras - enfureceu-se ele com uma inconsciente autoridade de jesuíta. - Servir a Buda é uma vida honrosa, e tornar-se sacerdote é honroso e deveria ser a parte final da velhice de todo samurai. Ou você não sabe nada sobre o bushido? Onde estão as suas boas maneiras?

- O quê? Você é samurai?

- Claro que sou samurai. De que outro modo ousaria falar a um samurai sobre más maneiras? - Uraga colocou o chapéu. - Seria melhor que você estivesse patrulhando do que abordando e insultando sacerdotes inocentes! - Afastou-se com arrogância, os joelhos moles.

Os samurais o observaram algum tempo, depois um cuspiu. - Sacerdotes!

--- Ele tinha razão - disse com acrimônia o samurai mais velho. - Onde estão as suas maneiras?

- Sinto muito. Por favor, desculpe-me.

Uraga seguiu pela estrada, muito orgulhoso de si mesmo. Mais perto da galera, acautelou-se de novo e esperou um instante ao abrigo de uma construção. Depois, tomando ânimo, encaminhou-se para a área iluminada por archotes.

- Boa noite - disse polidamente aos cinzentos, à toa ao lado da prancha de embarque, e acrescentou a bênção religiosa: - Namu Amida Butsu. Em nome do Buda Amida.

- Obrigado. Namu Amida Butsu. - Os cinzentos o deixaram passar sem embaraços. Suas ordens eram que o bárbaro e todos os samurais estavam proibidos de desembarcar, exceto Yabu e sua guarda de honra. Ninguém dissera nada sobre o sacerdote budista que viajava no navio.

Muito cansado agora, Uraga subiu ao convés principal.

- Uraga-san - chamou baixinho Blackthorne, do tombadilho. -- Aqui em cima.

Uraga semicerrou os olhos para se adaptar à escuridão. Viu Blackthorne e sentiu o antigo e forte cheiro de corpo e teve certeza de que a segunda sombra ali era o outro bárbaro, de nome impronunciável, que também sabia falar português. Ele quase se esquecera de como era estar longe do odor bárbaro, que era parte da sua vida. O Anjin-san era o único que ele conhecera que não tresandava, o que era uma razão pela qual podia servi-lo.

- Ah, Anjin-san - sussurrou, e aproximou-se saudando rapidamente os dez guardas que estavam dispersos em torno do convés.

Esperou ao pé da escada até que Blackthorne lhe fizesse sinal para subir ao tombadilho. - Foi muito...

-- Espere - advertiu Blackthorne igualmente baixo, e apontou. - Olhe na praia. Ali, perto do depósito. Está vendo? Não, um pouco ao norte ... ali, vê agora? -- Uma sombra moveu-se rapidamente, depois mergulhou na escuridão de novo.

-- Quem era?

- Eu estive observando você desde que apareceu na estrada. Ele o vinha seguindo. Nunca o viu?

- Não senhor - respondeu Uraga, sentindo de novo o pressentimento. - Não vi ninguém, não senti ninguém.

- Ele não tinha espadas, portanto não era samurai. Um jesuíta?

-- Não sei. Acho que não. Fui muito cuidadoso lá. Por favor, desculpe-me por não tê-lo visto.

- Não tem importância. - Blackthorne olhou para Vinck. - Desça agora, Johann. Terminarei este turno e o acordarei ao amanhecer. Obrigado por esperar.

Vinck tocou o topete e desceu. O cheiro pegajoso partiu com ele. - Eu estava ficando preocupado com você - disse Blackthorne. -- O que aconteceu?

- O mensageiro de Yabu-sama foi lento, Anjin-san. Eis o meu relatório: fui com Yabu-sama e esperei do lado de fora do castelo do meio-dia até pouco depois de escurecer, quando ... - O que ficou fazendo esse tempo todo? Exatamente?

- Exatamente, senhor? Escolhi um lugar tranqüilo perto do mercado, dando para a Primeira Ponte, e coloquei a mente em meditação - a prática jesuítica, Anjin-san, mas não sobre Deus, só sobre o senhor e Yabu-sama e o seu futuro, senhor. - Uraga sorriu. - Muitos passantes puseram moedas na minha tigela de pedinte. Deixei meu corpo descansar e a mente vagar, embora vigiasse a Primeira Ponte o tempo todo. O mensageiro de Yabu-sama veio após o escurecer e fingiu rezar comigo até ficarmos completamente sozinhos. Ele sussurrou isto: "Yabusama diz que ficará no castelo esta noite e que retornará amanhã de manhã. Haverá uma função oficial no castelo amanhã à noite, oferecida pelo General Ishido, para a qual o senhor será convidado. Finalmente o senhor deve considerar `setenta' ". - Uraga o examinou, atento. - O samurai repetiu isso duas vezes, de modo que presumo que seja um código particular, senhor.

Blackthorne assentiu mas não esclareceu que aquele era um dos muitos sinais pré-combinados entre ele e Yabu. "Setenta" significava que ele devia providenciar que o navio estivesse pre parado para uma retirada imediata. Mas com todos os seus samurais, marujos e remadores confinados a bordo, o navio estava pronto. E como todos estavam muito conscientes de que se encontravam em águas inimigas e todos muito perturbados, Blackthorne sabia que não exigiria esforço pôr o navio ao largo.

- Continue, Uraga-san.

- Isso foi tudo, exceto que eu devia lhe dizer que Toda Mariko-san chegou hoje.

- Ah! Ela. .. Não foi muito rápida essa viagem por terra de Yedo até aqui?

- Sim, senhor. Na realidade, enquanto esperava, vi o destacamento dela cruzar a ponte. Foi durante a tarde, na metade da hora do Bode. Os cavalos estavam cobertos de suor e lama, e os carregadores muito cansados. Yoshinaka-san os comandava. - Algum deles viu você?

- Não, senhor. Acho que não. - Quantos eles eram?

- Cerca de duzentos samurais, com carregadores e cavalos de bagagem. A escolta de cinzentos tinha duas vezes esse número. Um dos cavalos de bagagem tinha cestos de pombos-correio. - Bom. E depois?

- Assim que pude, parti. Há uma casa de talharim perto da missão, que muitos mercadores freqüentam, corretores de seda e arroz, gente da missão. Eu... eu estive lá, comi e ouvi. O padre-inspetor está de novo exercendo aqui. Muitos convertidos mais na área de Osaka. Foi concedida permissão para uma missa enorme dentro de vinte dias, em honra dos senhores Kiyama e Onoshi.

- Isso é importante?

- Sim, e surpreendente que um serviço assim seja permitido abertamente. É para celebrar a festa de São Bernardo. Vinte dias é o dia, após a cerimônia de obediência diante do Exaltado.

Yabu contara a Blackthorne sobre o imperador por intermédio de Uraga. A notícia correra pelo navio inteiro, aumentando a premonição de catástrofe de todo mundo.

- O que mais?

- No mercado ouvi muitos rumores. Muitos de mau agouro. Yodoko-sama, a viúva do táicum, está muito doente. Isso é grave, Anjin-san, porque o conselho dela é sempre ouvido e sempre razoável. Alguns dizem que o Senhor Toranaga já está perto de Nagoya, outros dizem que ainda não atingiu Odawara, por isso ninguém sabe no que acreditar. Todos concordam em que a colheita será terrível este ano, aqui em Osaka, o que significa que o Kwanto se torna muitíssimo mais importante. A maioria das pessoas acha que a guerra civil começará assim que o Senhor Toranaga estiver morto, quando os grandes daimios começarão a combater entre si. O preço do ouro está muito alto e os índices de juros subiram a setenta por cento...

- Isso é impossivelmente alto, você deve estar enganado. - Blackthorne se levantou, descontraiu as costas, depois se debruçou cautelosamente à amurada. Polidamente Uraga e todos os samurais também se levantaram. Teria sido falta de boas maneiras que eles continuassem sentados com o amo em pé.

- Por favor, desculpe-me, Anjin-san - disse Uraga - nunca é menos do que cinqüenta por cento, e geralmente de sessenta e cinco a setenta, até oitenta. Há quase vinte anos, o padre-inspetor solicitou a Sua Sant... solicitou ao papa que nos permitisse... que permitisse à Sociedade emprestar a dez per cento. Ele tinha razão ao afirmar que a sugestão - foi aprovada, Anjin-san - traria resplendor e muitos convertidos ao cristianismo, pois, naturalmente, apenas os cristãos podiam conseguir empréstimos, sempre modestos. Não se pagam taxas assim no seu país?

- Raramente. Isso é usura! Compreende "usura"?

- Compreendo a palavra, sim. Mas usura não começaria para nós abaixo de cem por cento. Eu também ia lhe dizer que o arroz está muito caro e que é um mau presságio - está o dobro do que estava quando estive aqui há poucas semanas. A terra está barata. Agora seria uma boa ocasião para comprar terra aqui. Ou uma casa. Com o tai-fun e os incêndios, talvez dez mil casas se tenham perdido e duas, três mil pessoas morrido. Isso é tudo, Anjin-san.

- Isso é muito bom. Você agiu muito bem. Errou de vocação!

- Senhor?

-- Nada - disse Blackthorne, ainda sem saber até que ponto podia arreliar Uraga. - Você fez muito bem.

- Obrigado, senhor.

Blackthorne pensou um instante, depois perguntou sobre a comemoração do dia seguinte e Uraga aconselhou-o da melhor maneira que pôde. Finalmente Uraga lhe contou como escapara da patrulha.

- O seu cabelo o teria traído? - perguntou Blackthorne. - Oh, sim. Seria o suficiente para que eles me levassem consigo. - Uraga enxugou o suor da testa. - Sinto muito, está quente, neh?

- Muito - concordou Blackthorne polidamente, e deixou a mente classificar as informações. Olhou para o mar, inconscientemente examinando o céu, o mar e o vento. Estava tudo ótimo e em ordem, os barcos de pesca complacentemente à deriva com a maré, por perto e afastados, um lanceiro na proa de cada um, sob uma lanterna, espetando de tempos em tempos, e quase sempre trazendo na volta uma bela brema-do-mar, um mugem ou um vermelho que se contorciam e agitavam na lança. - Uma última coisa, senhor. Fui à missão... perto da missão. Os guardas estavam muito alerta e eu nunca conseguiria entrar... pelo menos, acho que não, a não ser que passasse ao lado de um deles. Espiei algum tempo, mas antes de vir embora vi entrar Chimmoko, a criada da Senhora Toda.

- Tem certeza?

- Sim. Havia outra criada com ela. Acho ... - A Senhora Mariko? Disfarçada?

- Não, senhor. Tenho certeza de que não era. .. essa segunda criada era alta demais.

Blackthorne olhou o mar novamente e murmurou, meio consigo mesmo: - Qual é o significado disso?

- A Senhora Mariko é crist.. . é católica, neh? Conhece muito bem o padre-inspetor. Foi ele quem a converteu. A Senhora Mariko é a dama mais importante, mais famosa do reino, depois das três mais altas: a Senhora Ochiba, a Senhora Genjiko e Yodoko-sama, a esposa do táicum.

- Mariko-san poderia querer se confessar? Ou uma missa? Ou uma consulta? Ela mandou Chimmoko para arranjar isso? - Qualquer uma dessas coisas, Anjin-san, ou todas elas. Todas as damas dos daimios, tanto dos amigos do senhor general quanto as dos que poderiam se opor a ele, estão confinadas no castelo, neh? Uma vez lá dentro, ficam lá, como peixes num aquário dourado, esperando para serem pescados.

- Basta! Chega de conversa agourenta.

- Sinto muito. Ainda assim, Anjin-san, acho que agora a Senhora Toda não sairá mais. Até o décimo nono dia.

- Eu lhe disse que basta! Tomei conhecimento dos reféns e de que há um último dia. - Estava silencioso no convés, todas as vozes abafadas. A guarda descansava tranqüila, espe rando pelo turno. A água batia molemente no casco e as cordas rangiam agradavelmente.

Após um momento, Uraga disse: - Talvez Chimmoko tenha levado um convite ... uma solicitação para que o padreinspetor vá vê-la. Ela estava realmente sob guarda quando cruzou a Primeira Ponte. Certamente Toda Mariko-noh-Buntaro-nohJinsai esteve sob guarda desde o primeiro momento em que atravessou as fronteiras do Senhor Toranaga. Neh?

- Podemos saber se o padre-inspetor vai ao castelo? - Sim. Isso é fácil.

- Como saber o que é dito... ou feito?

- Isso é muito difícil. Sinto muito, mas eles falariam português ou latim, neh? E quem fala essas duas línguas além de mim e do senhor? Eu seria reconhecido por ambos. - Uraga apontou para o castelo e a cidade. - Há muitos cristãos lá. Qualquer um obteria grande favor eliminando o senhor, ou a mim... neh?

Blackthorne não respondeu. Não era necessário resposta. Estava vendo o torreão delineado contra as estrelas e lembrou-se de Uraga falando-lhe do lendário e ilimitado tesouro que o torreão protegia, o saque-arrecadação do império, do táicum. Mas agora sua mente estava no que Toranaga poderia estar fazendo, pensando ou planejando, e exatamente onde Mariko estava e qual era a finalidade de ir a Nagasaki. - Então o senhor está dizendo que o décimo nono dia é o último, um dia de morte, Yabu-san? - repetira ele, quase nauseado com a informação de que a armadilha estava lançada sobre Toranaga. E portanto sobre ele e o Erasmus.

- Shigata ga nai! Vamos rapidamente a Nagasaki e voltamos. Depressa, compreende? Apenas quatro dias para conseguir homens. Depois voltamos.

- Mas por quê? Toranaga aqui, todos morrem, neh? - dissera ele. Mas Yabu desembarcara, dizendo-lhe que partiriam dois dias depois. Agitado, ele o observara afastando-se, dese jando ter trazido o Erasmus e não a galera. Se tivesse o Erasmus, sabia que de algum modo teria desviado de Osaka e rumado direto para Nagasaki, ou ainda mais provavelmente, teria investido para o horizonte a fim de encontrar alguma enseada de boa conformação e teria tirado tempo da eternidade para treinar seus vassalos a lidar com o navio.

Você é um imbecil, repreendeu-se ele. Com os poucos tripulantes que tem, você não teria conseguido atracá-lo aqui, quanto mais encontrar essa enseada para esperar passar a tempestade do demônio. Você já estaria morto.

- Não se preocupe, senhor. Karma - estava dizendo Uraga.

- Sim. Karma. - Então Blackthorne ouviu perigo vindo do mar, seu corpo se moveu antes que a mente o ordenasse, e ele estava girando quando a seta passou zunindo, errando-o por uma distância mínima para ir se fincar no tabique. Saltou para Uraga para fazê-lo se abaixar quando outra seta da mesma saraivada sibilou na direção de Uraga, cravando-se na sua garganta. Os dois se encolheram em segurança sobre o convés, Uraga guinchando e samurais gritando e perscrutando o mar por sobre a amurada. Cinzentos da guarda na praia subiram a bordo. Outra saraivada veio da noite, do mar, e todos se dispersaram para se proteger. Blackthorne rastejou até a amurada, espreitou através de um embornal e viu um barco de pesca próximo apagando o seu archote para sumir na escuridão. Todos os botes estavam fazendo o mesmo, e numa fração de segundo ele viu remadores. puxando freneticamente, a luz cintilando nas suas espadas e arcos.

O uivo de dor de Uraga transformou-se numa agonia balbuciante, enquanto os cinzentos se precipitavam para o tombadilho, arcos preparados, o navio todo em tumulto agora. Vinck subiu depressa ao convés, pistola pronta, correndo em ziguezague. - Cristo, o que está acontecendo, o senhor está bem, piloto? - Sim. Cuidado, eles estão em barcos de pesca! - Blackthorne escorregou para junto de Uraga, que estava segurando a flecha, sangue vazando-lhe pelo nariz, boca e ouvidos.

- Jesus - arquejou Vinck.

Blackthorne agarrou a farpa da seta com a mão, colocou a outra sobre a carne quente e pulsante, e puxou com toda a força. A seta saiu habilmente, mas no seu rastro o sangue esguichou num jorro pulsante. Uraga começou a sufocar.

Agora cinzentos e samurais de Blackthorne os rodeavam. Alguns haviam trazido escudos e protegiam Blackthorne, descuidados da própria segurança. Outros tremiam, embora o perigo tivesse passado. Outros soltavam imprecações contra a noite, disparando na noite, ordenando que os desaparecidos barcos do pesca voltassem.

Blackthorne segurou Uraga nos braços, impotente, sabendo que havia alguma coisa que ele devia fazer, mas não sabendo o quê, sabendo que nada podia ser feito, o nauseante cheiro adocicado da morte obstruindo-lhe as narinas, o cérebro berrando como sempre "Jesus Cristo, graças a Deus não é o meu sangue, não o meu, graças a Deus".

Viu os olhos de Uraga implorando, a boca movendo-se em emitir som algum, o peito arfando, depois viu seus próprios dedos moverem-se por si mesmos e fazerem o sinal-da-cruz diante dos olhos, sentiu o corpo de Uraga estremecendo, palpitando, a boca gritando sem som, fazendo-o lembrar-se dos peixes fisgados. Uraga levou um tempo atroz para morrer.

 

Agora Blackthorne estava entrando no castelo com a sua guarda de honra de vinte vassalos rodeada por uma escolta de cinzentos com dez vezes esse número. Usava orgulhosamente um uniforme novo, um quimono marrom com os cinco emblemas de Toranaga e, pela primeira vez, um manto formal, com asas imensas. Seu cabelo dourado e ondulado estava amarrado num rabo esmerado. As espadas que Toranaga lhe dera sobressaíam do sash corretamente. Os pés calçavam tabis novos e sandálias com correias.

Havia cinzentos em abundância a cada intersecção, protegendo cada muralha, numa vasta demonstração da força de Ishido, pois cada daimio, cada general e cada oficial samurai de importância em Osaka fora convidado aquela noite ao Grande Saguão que o táicum construíra dentro do anel interno de fortificações. O sol estava baixo e a noite se aproximava rapidamente.

É um azar terrível perder Uraga, estava pensando Blackthorne, ainda sem saber se o ataque fora contra Uraga ou contra ele mesmo. Perdi a melhor fonte de conhecimento que poderia ter tido.

- Ao meio-dia o senhor vai ao castelo, Anjin-san - dissera Yabu aquela manhã, quando retornara à galera. - Os cinzentos vêm buscá-lo. Compreende?

- Sim, Yabu-sama.

- Completamente seguro agora. Sinto muito pelo ataque. Shigata ga nai! Os cinzentos o levam a lugar seguro. Esta noite o senhor fica no castelo. Na parte do castelo que é de Toranaga. Amanhã vamos a Nagasaki.

- Temos permissão? - perguntara ele.

Yabu sacudira a cabeça, exasperado. - Fingimos ir a Mishima buscar o Senhor Hiro-matsu. Também o Senhor Sudara e família. Compreende?

- Sim.

- Bom. Durma agora, Anjin-san. Não se preocupe com o ataque. Agora todos os botes receberam ordem de se manter longe daqui. Aqui, agora, é kinjiru.

- Compreendo. Por favor, desculpe-me, o que acontece esta noite? Por que eu no castelo?

Yabu dera o seu sorriso retorcido e lhe dissera que ele seria exibido, que Ishido estava curioso por vê-lo de novo. – Como hóspede o senhor estará seguro - e deixara a galera de novo.

Blackthorne descera, deixando Vinck de guarda, mas, no momento em que se encontrou profundamente adormecido, sentiu Vinck a sacudi-lo e correu para o convés de novo.

Uma pequena fragata portuguesa, de vinte canhões, vinha entrando na enseada, o freio entre os dentes, adernando sob a pressão do velame todo desfraldado.

- O bastardo está com pressa - disse Vinck, estremecendo.

- Tem que ser Rodrigues. Mais ninguém poderia entrar na enseada a toda vela assim.

- Se eu fosse o senhor, piloto, daria o fora daqui com a maré ou sem a maré. Jesus Cristo, estamos como mariposas numa garrafa de grogue. Vamos embora...

- Vamos ficar! Não consegue enfiar isso na cabeça? Ficamos até sermos autorizados a partir. Ficamos até que Ishido diga que podemos ir, mesmo que o papa e o rei da Espanha desembarquem aqui junto com a maldita Armada inteira!

Descera novamente, mas perdera o sono. Ao meio-dia, os cinzentos chegaram. Pesadamente escoltado, foi com eles para o castelo. Insinuaram-se através da cidade, passando pelo pátio de execução, as cinco cruzes ainda lá, vultos ainda sendo amarrados e trazidos para baixo, cada cruz com os seus dois lanceiros, a multidão assistindo. Ele revivera aquela agonia e o terror da emboscada, e a sensação da mão sobre o punho da espada, o quimono sobre a pele, seus próprios vassalos com ele não lhe diminuíram o temor.

Os cinzentos o conduziram à parte de Toranaga no castelo, que ele visitara na primeira vez, onde Kiritsubo, a Senhora Sazuko e o filho dela ainda estavam abrigados, junto com o remanescente dos samurais de Toranaga. Ali ele tomara um banho e encontrara as roupas novas que haviam sido estendidas para ele.

- A Senhora Mariko está aqui?

- Não, senhor, sinto muito - dissera-lhe a criada.

- Então onde posso encontrá-la, por favor? Tenho uma mensagem urgente.

- Sinto muito, Anjin-san, não sei. Por favor, desculpe-me. Nenhum dos criados o ajudou. Todos diziam: "Sinto muito, não sei".

Ele se vestira, depois recorrera ao seu dicionário, para recordar palavras-chave de que precisaria, e preparara-se da melhor maneira que pudera. Em seguida dirigira-se para o jardim, para observar as rochas crescendo. Mas elas não cresciam nunca. Agora estava atravessando o fosso interno. Havia archotes por toda parte.

Pôs de lado a ansiedade e avançou pela ponte de madeira. Havia outros convidados acompanhados de cinzentos a toda volta, encaminhando-se na mesma direção. Ele podia senti-los a observá-lo dissimuladamente.

Seus pés levaram-no por sob o último rastrilho e os seus cinzentos o conduziram através do labirinto novamente até a grande porta. Ali o deixaram. Assim como seus próprios homens. Foram para um lado com outros samurais, para esperá-lo. Ele avançou para a entrada iluminada de archotes.

Era uma sala imensa, de vigas altas e um teto dourado ornamentado. Colunas apaineladas de ouro sustentavam as vigas, que eram feitas de madeira rara, polida e tratada, assim como os reposteiros nas paredes. Quinhentos samurais e suas damas encontravam-se lá, usando todas as cores do arco-íris, seus perfumes misturando-se com a fragrância de incenso que vinha das madeiras preciosas queimando em minúsculos braseiros de parede. Os olhos de Blackthorne percorreram a multidão para encontrar Mariko, ou Yabu, ou qualquer rosto amistoso. Mas não encontraram ninguém. A um lado estava uma fila de convidados que esperavam para se curvar diante da plataforma elevada na extremidade oposta. O cortesão, Príncipe Ogaki Takamoto, estava em pé ali. Blackthorne reconheceu Ishido - alto, magro e autocrático -, também ao lado da plataforma, e lembrou-se vividamente da força ofuscante do golpe do homem no seu rosto, e depois dos seus próprios.dedos agarrados ao pescoço do homem.

Sobre a plataforma, sozinha, estava a Senhora Ochiba, confortavelmente sentada sobre uma almofada. Mesmo daquela distância, ele podia ver a rara riqueza do seu quimono, fios de ouro sobre uma seda do azul-negro mais raro. "A Mais Alta", chamara-a Uraga com admiração, contando-lhe muita coisa sobre ela e sua história durante a viagem.

Era delgada, quase infantil de compleição, com um brilho luminoso na pele magnífica. Seus olhos negros eram grandes sob as sobrancelhas arqueadas, pintadas, o cabelo penteado como um elmo alado.

A procissão de convidados arrastou-se para a frente. Blackthorne erguia-se a um lado, num ponto inundado de luz, uma cabeça mais alto do que os que lhe estavam próximos. Polidamente deu um passo para o lado, para sair do caminho de alguns convidados passando, e viu os olhos de Ochiba voltarem-se para ele. Ishido também o estava olhando. Disseram alguma coisa entre si e o leque dela moveu-se. Os olhos dos dois voltaram a pousar sobre ele. Constrangido ele se dirigiu para uma parede, a fim de se tornar menos proeminente, mas um cinzento barrou-lhe o caminho. - Dozo - disse polidamente esse samurai, apontando para a fila.

- Hai, domo - disse Blackthorne, e lá se postou.

Os que estavam à frente se curvaram, e outros que vinham atrás dele também. Ele retribuiu as mesuras. Logo toda conversa se extinguiu. Todos o olhavam.

Embaraçados, homens e mulheres à sua frente na fila saíramlhe do caminho. Num instante não havia ninguém entre ele e a plataforma. Momentaneamente ele se enrijeceu. Depois, sob silêncio completo, avançou.

Diante da plataforma, ajoelhou-se e curvou-se formalmente, uma vez para ela, uma vez para Ishido, como vira outros fazerem. Levantou-se, petrificado com a possibilidade de suas espadas caírem ou de ele escorregar e estar desgraçado, mas tudo correu de modo satisfatório e ele começou a recuar.

- Por favor, espere, Anjin-san - disse ela.

Ele esperou. Sua luminosidade parecia ter aumentado, assim como sua feminilidade. Ele sentiu a extraordinária sensualidade que a rodeava, sem esforço consciente da parte dela.

- Diz-se que o senhor fala a nossa língua? - A voz dela era inexplicavelmente pessoal.

- Por favor, desculpe-me, Alteza - começou Blackthorne, usando sua já antiga frase de reserva, vacilando ligeiramente devido ao nervosismo. - Sinto muito, mas tenho que usar pala vras curtas e respeitosamente peço-lhe que use palavras muito simples, de modo que eu possa ter a honra de compreendê-la. - Sabia que, sem dúvida alguma, sua vida podia facilmente depender das suas respostas. Toda a atenção na sala estava voltada para eles agora. Então notou Yabu movendo-se cuidadosamente através da massa, aproximando-se mais. - Possa eu respeitosamente cumprimentá-la pelo seu aniversário e orar para que a senhora viva para gozar de mais mil.

- Dificilmente , se poderia dizer que essas palavras sejam simples, Anjin-san - disse a Senhora Ochiba, muito impressionada.

- Por favor, desculpe-me. Alteza. Aprendi a noite passada. O modo correto de dizer, neh?

- Quem lhe ensinou isso?

- Uraga-noh-Tadamasa, meu vassalo.

Ela franziu o cenho, depois olhou para Ishido, que se inclinou para a frente e falou, rapidamente demais para que Blackthorne pudesse compreender alguma coisa além da palavra "setas".

- Ah, o padre cristão renegado que foi morto a noite passada no seu navio?

- Alteza?

- O homem... o samurai que foi morto, ~:eh? A noite passada no navio. Compreende?

- Ah, desculpe. Sim, ele. - Blackthorne olhou para Ishido, depois para ela de novo. - Por favor, desculpe-me, Alteza, sua permissão para saudar o senhor general?

- Sìm, o senhor tem permissão.

- Boa noite, senhor general - disse Blackthorne com polidez estudada. - A última vez encontramos, eu muito terrível louco. Sinto muito.

Ishido correspondeu à mesura superficialmente. - Sim, estava. E muito descortês. Espero que o senhor não enlouqueça esta noite ou em qualquer outra noite.

- Muito louco aquela noite, por favor, desculpe-me. - Essa loucura é habitual entre bárbaros, neh?

Tal grosseria pública com um convidado era muito séria. Os olhos de Blackthorne relampejaram para a Senhora Ochiba um instante e notaram surpresa nela também. Então arriscou. - Ah, senhor general, tem toda a razão. Bárbaros sempre a mesma loucura. Mas, sinto muito, agora sou samurai - hatamoto - isso grande, muita honra para mim. Não sou anais bárbaro. - Ele usou a sua voz de tombadilho, potente mas não gritada, e encheu os quatro cantos da sala. - Agora compreendo maneiras de samurai, e um pouco de bushido. E wa. Não sou mais bárbaro, por favor, desculpe-me. Neh? - Pronunciou a última palavra como um desafio, sem medo. Sabia que os japoneses compreendiam a masculinidade e o orgulho e respeitavam-nos.

Ishido riu. - Ora, samurai Anjin-san - disse, jovial agora. - Sim, aceito o seu pedido de desculpas. Os boatos sobre a sua coragem são verdadeiros. Bom, muito bom. Também devo me desculpar. Terrível que ronins imundos pudessem fazer uma coisa assim, compreende? Atacar de noite?

- Sim, compreendo, senhor. Muito ruim. Quatro homens mortos. lim dos meus, três cinzentos.

- Ouça, ruim, muito ruim. Não se preocupe, Anjin-san. Não mais. - Ishido correu os olhos pela sala atentamente. Todo mundo o compreendeu com muita clareza. - Agora ordenei guardas. Compreende? Guardas muito cuidadosos. Não mais ataques assassinos. Nenhum. c) senhor está muito cuidadosamente guardado agora. Completamente seguro no castelo.

- Obrigado. Desculpe o incômodo.

- Não há incômodo. O senhor importante, neh? O senhor samurai. O senhor tem um lugar especial de samurai com o Senhor Toranaga. Não esqueço. Não receie.

Blackthorne agradeceu a Ishido novamente e voltou-se para a Senhora Ochiba. - Alteza, no meu país nós tem rainha . . . nós temes uma rainha. Por favor, desculpe o meu japonês . . . Sim, meu país governado por uma rainha. Na minha terra temos o costume sempre dar a uma senhora um presente de aniversário. Mesmo uma rainha.. - Do bolso da manga tirou um botão de camélia cor-de-rosa que cortara de uma árvore no jardim. Pousou-o diante dela, receanda estar exagerando. - Por favor, desculpe-me se não for boas maneiras dar.

Ela olhou a flor. Quinhentas pessoas esperavam sem fôlego para ver como ela responderia à ousadia e à galanteria do bárbaro - e à armadilha em que ele, talvez sem perceber, a colocara.

-- Não sou uma rainha, Anjin-san -- disse ela lentamente. - Apenas a mãe do herdeiro e viúva elo senhor táicum. Não penso aceitar o seu presente como uma rainha, pois não sou rainha, nunca poderia ser rainha, não simulo ser rainha e oão desejo ser rainha. - Depois sorriu para a sala c disse a todos: -- Mas como uma senhora no seu aniversário, talvez cu possa ter a permissão de todos para aceitar o presente do Anjin-san'?

A sala explodiu em aplausos. Blackthorne curvou-se e a;radeceu-lhe, tendo compreendido apenas que o presente fora aceito. Quando a multidão ficou em silêncio de novo, a Senhora Ochiba exclamou: -- Mariko-san, o seu aluno é uma honra para a senhora, neh?

Mariko estava vindo por entoe os convidados, com um jovem ao lado. Junto deles ele reconheceu Kiritsubo e a Senhora Sazuko. Viu o jovem sorrir para uma garota e depois, embaraçado, al cançar Mariko. - Boa noite, Senhora Toda - disse Blackthorne, e acrescentou perigosamente em latim, inebriado pelo próprio sucesso: - A noite está mais bela por causa da sua presença. - Obrigada, Anjin-san - respondeu ela em japonês, as faces colorindo-se. Dirigiu-se para a plataforma, mas o jovem ficou dentro do círculo de assistentes. Mariko curvou-se para Ochiba. - Fiz pouco, Ochiba-sarna. Foi tudo trabalho do Anjinsan e do livro de palavras que os padres cristãos lhe deram.

- Ah, sim, o livro de palavras! - Ochiba fez Blackthorne mostrá-lo a ela e, com a ajuda de Mariko, explicá-lo elaboradamente. Ficou fascinada. Assim como Ishido. - Precisamos pro videnciar cópias, senhor general. Por favor, ordene-lhes que nos dêem cem livros. Com eles, os nossos jovens poderiam aprender bárbaro logo, neh?

- Sim. É uma boa idéia, senhora. Quanto mais depressa tivermos nossos próprios intérpretes, melhor. - Ishido riu. - Vamos deixar os cristãos quebrarem o seu próprio monopolio, neh?

Um samurai grisalho por volta dos sessenta anos, que se encontrava à frente dos convidados, disse: - Os cristãos não possuem monopólio, senhor general. Pedimos aos padres cris tãos... na realidade insistimos em que eles sejam intérpretes e negociadores porque são os únicos que sabem conversar com os dois lados e merecem confiança dos dois lados. O Senhor Goroda deu início ao costume, neh? E depois o táicum continuou.

- Naturalmente, Senhor Kiyama, não tive a intenção de desrespeitar os daimios ou samurais que se tornaram cristãos. Referi-me apenas ao monopólio dos padres cristãos - disse Ishido. - Seria melhor para nós se a nossa gente e não padres estrangeiros - quaisquer padres, no que diz respeito ao assunto - controlassem o nosso comércio com a China.

- Nunca houve um caso de fraude, senhor general - disse Kiyama. - Os preços são justos, o comércio é fácil e eficiente, e os padres controlam a sua gente. Sem os bárbaros meridionais, não há seda, não há comércio com a China. Sem os padres poderíamos ter muitos problemas. Muitíssimos, sinto muito. Por favor, desculpe-me por mencionar isso.

- Ah, Senhor Kiyama -- disse a Senhora Ochiba. - Estou certa de que o Senhor Ishido ficou honrado de o senhor o ter corrigido, não é assim, senhor general? O que o conselho seria sem as sugestões do Senhor Kiyama?

- Naturalmente - disse Ishido.

Kiyama curvou-se rigidamente, não descontente. Ochiba olhou para o jovem e agitou o leque. - E você, Saruji-san? Talvez gostasse de aprender bárbaro?

O menino corou com o exame deles. Era esbelto e bonito, c tentava arduamente aparentar mais idade que os seus quase quinze anos. - Oh, espero não ter que fazer isso, Ochiba-sarna, oh, não... mas se for ordenado, tentarei. Sim, tentarei arduamente. Eles riram com a sua ingenuidade. Mariko disse orgulhosamente em japonês: - Anjin-san, este é o meu filho, Saruji. - Blackthorne estivera concentrado na conversa, a maior parte da qual era rápida e vernacular demais para que ele compreendesse. Mas ouvira "Kiyama" e um alarma soou. Curvou-se para Saruji e a mesura foi formalmente retribuída. - Ele é um homem muito vistoso, neh? Sorte ter um filho tão vistoso, Mariko-sarna. - Seus olhos disfarçadamente fitavam a mão direita do jovem. Era permanentemente retorcida. Então se lembrou de que uma vez Mariko dissera que o nascimento do filho fora prolongado e difícil. Pobre rapaz, pensou ele. Como poderia usar uma espada? Desviou os olhos. Ninguém notara a direção do seu olhar, exceto Saruji. Viu o embaraço e sofrimento no rosto do jovem. - Sorte ter filho vistoso - disse a Mariko. - Mas com certeza impossível, Mariko-sarna, a senhora ter filho tão grande... não idade suficiente, neh?

- O senhor é sempre tão galante. Anjin-san? - disse Ochiba. - Sempre diz coisas tão inteligentes?

- Por favor?

- Ah, sempre tão inteligente? Elogios? Compreende?

- Não, desculpe, por favor, sinto muito. - A cabeça de Blackthorne estava doendo devido à concentração. Ainda assim, quando Mariko lhe disse o que fora dito, respondeu com uma gravidade zombeteira. - Ah, sinto muito, Mariko-sarna. Se Saruji-san é realmente seu filho, por favor, diga à Senhora Ochiba que eu não sabia que as senhoras aqui se casam com dez anos. Ela traduziu. E acrescentou alguma coisa que os fez rir.

- O que foi que a senhora disse?

- Ah! - Mariko notou os malévolos olhos de Kiyama sobre Blackthorne. - Por favor, desculpe-me, Senhor Kiyama, posso apresentar-lhe o Anjin-san?

Polidamente Kiyama retribuiu a mesura muito correta de Blackthorne. - Dizem que o senhor alega ser cristão.

- Por favor?

Kiyama não se dignou repetir, então Mariko traduziu.

- Ah, desculpe, Senhor Kiyama - disse Blackthorne em japonês. - Sim. Sou cristão. .. mas seita diferente.

- Sua seita não é bem-vinda nas minhas terras. Nem em Nagasaki - ou Kyushu, eu imaginaria -, ou nas terras de quaisquer daimios cristãos.

Mariko conservou o sorriso no lugar. Perguntava a si mesma se Kiyama teria pessoalmente ordenado o assassino Amida, e também o ataque da noite passada. Traduziu, suprimindo o gume da descortesia de Kiyama, todo mundo na sala ouvindo atentamente.

- Não sou padre, senhor - disse Blackthorne, diretamente a Kiyama. - Se eu na sua terra... só comércio. Nada de conversa de padre ou ensino.

Respeitosamente peço comércio apenas.

- Não quero o seu comércio. Não o quero nas minhas terras. O senhor está proibido de entrar nas minhas terras sob pena de morte. Compreende?

- Sim, compreendo - disse Blackthorne. - Sinto muito. - ótimo. - Arrogante, Kiyama voltou-se para Ishido. - Deveríamos excluir completamente do império esses bárbaros e essa seita. Proporei isso ao conselho na próxima reunião. Devo dizer abertamente que acho que o Senhor Toranaga foi desavisado em tornar qualquer estrangeiro, particularmente este homem, samurai. É precedente muito perigoso.

- Isso com certeza não tem importância! Todos os erros do atual senhor do Kwanto serão corrigidos muito em breve. Neh?       ,

- Todo mundo comete enganos, senhor general - disse Kiyama, enfaticamente. - Apenas Deus é onividente e perfeito. O único engano real que o Senhor Toranaga jamais cometeu foi ter colocado os próprios interesses à frente dos do herdeiro.

- Sim - disse Ishido.

- Por favor, com licença - disse Mariko -, mas isso não é verdade. Sinto muito, mas estão ambos enganados sobre o meu amo.

Kiyama voltou-se para ela. Polidamente. - É perfeitamente correto que a senhora tome essa posição, Mariko-san. Mas, por favor, não vamos discutir isso esta noite. Então, senhor general, onde se encontra o Senhor Toranaga agora? Quais são as suas notícias mais recentes?

- Pelo pombo-correio de ontem, fui informado de que ele estava em Mishima. Agora estou recebendo relatórios diários sobre o seu progresso.

- Bom. Então dentro de dois dias ele deixará suas fronteiras? - perguntou Kiyama.

- Sim. O Senhor Ikawa Jikkyu está pronto para lhe dar as boas-vindas, conforme merece a sua posição.

- Bom. - Kiyama sorriu para Ochiba. Gostava muito dela. - Neste dia, senhora, em honra da ocasião, talvez a senhora perguntasse ao herdeiro se ele permitiria que os regentes se curvassem diante dele?

- O herdeiro ficaria honrado, senhor - respondeu ela, para aplauso dos presentes. - E depois, talvez o senhor e todos aqui fossem convidados dele para uma competição de poesia. Talvez os regentes fossem os juízes?

Houve mais aplausos.

- Obrigado, mas, por favor, talvez a senhora, o Príncipe Ogaki e algumas das damas fossem os juízes.

- Muito bem, se o senhor assim deseja.

- Agora, senhora, qual será o tema? E a primeira linha do poema? - perguntou Kiyama, muito contente, pois era renomado pela sua poesia assim como pela habilidade com a espada e ferocidade na guerra.

- Por favor, Mariko-san, a senhora responderia ao Senhor Kiyama? - disse Ochiba, e novamente muitos ali lhe admiraram a sagacidade - ela era uma poetisa medíocre, enquanto Mariko era famosa.

Mariko ficou contente de que tivesse chegado o momento de começar. Pensou um momento. Depois disse: -- Deveria ser sobre hoje, Senhora Ochiba, e a primeira linha: "Num galho sem folhas. . .

Ochiba e todos eles a cumprimentaram pela escolha. Kiyama estava cordial agora, e disse: - Excelente, mas teremos que ser muito bons para competir com a senhorá, Mariko-san.

- Espero que me desculpe, senhor, mas não vou competir. - Claro que vai! - riu Kiyama. - A senhora é uma das melhores do reino! Não seria a mesma coisa se a senhora não competisse.

- Sinto muito, senhor, por favor, desculpe-me, mas não estarei aqui.

- Não compreendo.

- O que quer dizer, Mariko-san? -- disse Ochiba.

- Oh, por favor, desculpe-me, senhora - disse Mariko -, mas deixo Osaka amanhã... com a Senhora Kiritsubo e a Senhora Sazuko.

O sorriso de Ishido desapareceu. - Parte para onde? - Ao encontro do nosso suserano, senhor.

- Ele... o Senhor Toranaga estará aqui dentro de poucos dias, neh?

- Faz meses que a Senhora Sazuko não vê o marido, e o meu Senhor Toranaga ainda não teve o prazer de conhecer o filho mais novo. Naturalmente a Senhora Kiritsubo nos acompa nhará. Também faz muito tempo que ele não vê a ama de suas damas, neh?

- O Senhor Toranaga estará aqui tão em breve que ir ao encontro dele é desnecessário.

- Mas eu considero necessário, senhor general.

- A senhora acabou de chegar - disse Ishido, incisivo - e estivemos esperando com ansiedade pela sua companhia, Mariko-san. A Senhora Ochiba particularmente. Concordo com o Senhor Kiyama, claro que a senhora deve competir.

- Sinto muito, mas não estarei aqui.

- Obviamente está cansada, senhora. Acabou de chegar. Com certeza este não é o momento de discutir um assunto tão particular. - Ishido voltou-se para Ochiba. - Talvez, Senhora Ochiba, a senhora devesse saudar o remanescente dos convidados? - Sim. .. sim, naturalmente - disse Ochiba, desconcertada. Imediatamente a fila começou a se formar, obediente, e uma conversação nervosa se iniciou, mas o silêncio tombou de novo quando Mariko disse: - Obrigada, senhor general. Concordo, mas isto não é um assunto particular e não há nada a discutir. Partirei amanhã para prestar meus respeitos ao meu suserano com as damas dele.

Ishido disse friamente: - A senhora está aqui por convite pessoal do Filho do Céu, junto com as boas-vindas dos regentes. Por favor, seja paciente. O seu senhor estará aqui muito em breve.

- Concordo, senhor. Mas o convite de Sua Majestade Imperial é para o vigésimo segundo dia. Não me ordena - nem a ninguém - que fique confinada em Osaka até lá. Ou ordena? - Esquece-se da sua educação, Senhora Toda.

- Por favor, desculpe-me, era a última coisa que eu pretendia. Sinto muito, peço desculpas. - Mariko voltou-se para Ogaki, o cortesão. - Senhor, o convite do Exaltado exige a minha presença aqui até que ele chegue?

O sorriso de Ogaki foi rijo. - O convite é para o vigésimo segundo dia deste mês, senhora. Exige a sua presença para esse dia.

- Obrigada, senhor. - Mariko curvou-se e encarou a plataforma de novo. - Exige a minha presença para esse dia, senhor general. Não antes. Portanto partirei amanhã.

- Por favor, seja paciente, senhora. Os regentes deram-lhe as boas-vindas e há muitos preparativos em que necessitarão da sua assistência, para a chegada do Exaltado. Agora, Senhora Ochi ...

- Sinto muito, senhor, mas as ordens do meu suserano têm precedência. Devo partir amanhã.

- A senhora não partirá amanhã e pedimos-lhe, não, solicitamos-lhe, Mariko-san, participar na competição da Senhora Ochiba. Agora, Senhora ...

- Então estou confinada aqui, contra a minha vontade? - Mariko-san - disse Ochiba -, deixemos o assunto agora, por favor?

- Sinto muito, Ochiba-sama, mas sou uma pessoa simples. Disse abertamente que tenho ordens do meu suserano. Se não obedecer a elas, então devo saber por quê. Senhor general, estou confinada aqui até o vigésimo segundo dia? Em caso afirmativo, por ordem de quem?

- A senhora é uma hóspede de honra - disse Ishido cuidadosamente, desejando que ela se submetesse. -- Repito, senhora, seu senhor estará aqui muito em breve.

Mariko sentiu-lhe o poder e se esforçou para resistir a ele. - Sim, mas, sinto muito, de novo pergunto respeitosamente: estou confinada em Osaka pelos próximos dezoito dias e, em caso afirmativo, por ordem de quem?

Ishido mantinha os olhos cravados nela. - Não, a senhora não está confinada.

- Obrigada, senhor. Por favor, desculpe-me por falar tão diretamente - disse Mariko. Muitas das damas na sala voltaramse para as suas vizinhas, e algumas cochicharam abertamente o que todos os retidos em Osaka contra a própria vontade pensavam: - Se ela pode ir, eu também posso, neh? E você também, neh? Vou amanhã... oh, que maravilha!

A voz de Ishido cortou a onda de sussurro. - Mas, Senhora Toda, já que resolveu falar de modo tão presunçoso, sinto que é meu dever pedir aos regentes uma rejeição formal - para o caso de outros compartilharem do seu equívoco. - Sorriu melancolicamente em meio ao silêncio congelado. - Até lá a senhora se manterá preparada para responder às perguntas deles e receber a disposição regulamentar.

- Eu ficaria honrada, senhor - disse Mariko -, mas meu dever é para com o meu suserano.

- Naturalmente. Mas isso será por apenas alguns dias.

- Sinto muito, senhor, mas meu dever é para com o meu suserano para os próximos dias.

- A senhora se imbuirá de paciência, senhora. Não levará mais que pouco tempo. O assunto está encerrado. Agora, Senhor Ki.,.

- Sinto muito, mas não posso atrasar a minha partida por pouco tempo.

Ishido berrou: -- Recusa-se a obedecer ao conselho de regentes?

-- Não, senhor - disse Mariko com orgulho. - Não, a menos que eles violem o meu dever para com o meu suserano, que é dever primordial de um samurai!

- A-senhora-se-preparará-para-encontrar-os-regentes-compaciência-filial!

- Sinto muito, tenho ordens do meu suserano de escoltar suas damas ao encontro dele. Imediatamente. - Tirou um pergaminho da manga e estendeu-o a Ishido formalmente.

Ele o abriu com violência e o examinou. Depois levantou os olhos e disse: - Ainda assim, a senhora esperará uma determinação dos regentes.

Mariko olhou esperançosa para Ochiba, mas ali havia apenas gélida desaprovação. Voltou-se para Kiyama. Kiyama ficou igualmente silencioso, igualmente inabalável.

- Por favor, desculpe, senhor general, mas não há guerra - começou ela. - Meu amo está obedecendo aos regentes, portanto pelos próximos dezoito...

- O assunto está encerrado!

- Este assunto estará encerrado, senhor general, quando o senhor tiver a educação de me deixar concluir! Não sou uma camponesa para ser pisoteada. Sou Toda Mariko-noh-Buntaro noh-Hiro-matsu, filha do Senhor Akechi Jinsai, minha linhagem é Takashima e somos samurais há mil anos, e digo que nunca serei cativa, refém ou confinada. Nos próximos dezoito dias e até o dia, por ordem do Exaltado, sou livre para ir aonde quiser - assim como todo mundo.

- Nosso ... nosso amo, o táicum, foi camponês uma vez. Muitos ... muitos samurais são camponeses, foram camponeses.

Cada daimio foi, no passado, camponês. Até o primeiro Takashima. Todo mundo foi camponês uma vez. Ouça atentamente: a-senhora-esperará-pela-vontade-dos-regentes.

- Não. Sinto muito, meu primeiro dever é a obediência ao meu suserano.

Enfurecido, Ishido começou a caminhar na direção dela. Embora Blackthorne não tivesse compreendido quase nada do que fora dito, sua mão direita deslizou despercebida para a manga esquerda para preparar a faca de arremesso escondida. Ishido parou diante dela. - A-senhora-. . .

Nesse momento houve um movimento à porta. Uma criada em frente abriu caminho através da multidão e veio correndo para Ochiba. - Por favor, desculpe-me, ama - choramingou ela -, mas é Yodoko-sama... ela pede que a senhora, ela está... A senhora deve se apressar, o herdeiro já está lá. .. Preocupada, Ochiba olhou para Mariko e Ishido, depois para os rostos que a fitavam. Fez meia mesura aos convidados e saiu às pressas. Ishido hesitou. - Lidarei com a senhora mais tarde, Mariko-san - disse, e seguiu Ochiba, seus passos pesados sobre os tatamis.

No seu rastro, o sussurro começou a fluir e refluir de novo. Sinos tocaram a mudança da hora.

Blackthorne aproximou-se de Mariko. - Mariko-san - perguntou -, o que está acontecendo?

Ela continuou a fitar a plataforma sem vê-Ia. Kiyama tirou a mão apertada ao punho da espada e flexionou-a: - Mariko-san! - Sim? Sim, senhor?

- Posso sugerir-lhe voltar para casa? Talvez eu tivesse permissão para conversar cora a senhora mais tarde, digamos à hora do Javali?

- Sim, sim, naturalmente. Por favor. .. por favor, desculpe-me, mas eu tinha que. . . - Suas palavras esmoreceram.

- Este é um dia de mau agouro, Mariko-san. Que Deus a tome em sua guarda. - Kiyama deu-lhe as costas e dirigiu-se à sala com autoridade: - Sugiro que retornemos às nossas casas para esperar... esperar e orar para que o Infinito leve a Senhora Yodoko rápida e tranqüilamente, e com honra, para a sua paz, se o momento dela chegou. - Olhou para Saruji, que ainda estava pasmado. - Venha comigo. - Saiu. Saruji começou a segui-lo, não querendo deixar a mãe, mas impelido pela ordem e intimidado pela atenção sobre ele.

Mariko fez uma meia mesura para a sala e começou a sair.

Kiri passou a língua pelos lábios secos. A Senhora Sazuko estava ao lado dela, tremulamente apreensiva. Kiri tomou a mão da Senhora Sazuko e as duas mulheres acompanharam Mariko. Yabu avançou com Blackthorne, atrás delas, muito consciente de que eram os únicos samurais presentes usando o uniforme de Toranaga.

Do lado de fora, cinzentos os esperavam.

- Mas o que, em nome de todos os deuses, possuiu a senhora para que tomasse tal posição? Estúpido, neh? - enfureceu-se Yabu.

- Sinto muito - disse Mariko, ocultando a verdadeira razão, desejando que Yabu a deixasse em paz, furiosa com as maneiras odiosas dele. - Simplesmente aconteceu, senhor. Num momento era uma comemoração de aniversário e depois. .. Não sei. Por favor, desculpe-me, Yabu-sama. Por favor, desculpe-me, Anjin-san.

Novamente Blackthorne começou a dizer alguma coisa, mas mais uma vez Yabu o subjugou e ele se apoiou à janela, totalmente irritado, a cabeça latejando com o esforço de tentar compreender.

- Sinto muito, Yabu-sama - disse Mariko, e pensou: como os homens são cansativos, precisam de que tudo seja explicado com tantos detalhes. Não conseguem nem ver os pêlos nas próprias pálpebras.

- A senhora desencadeou uma tempestade que nos engolirá a todos! Estúpido, neh?

- Sim, mas não é certo que sejamos trancados e o Senhor Toranaga realmente me deu ordem de ...

- Essas ordens são loucas! A sua cabeça deve ter sido possuída por demônios! A senhora terá que pedir desculpas e recuar. Agora a segurança será mais cerrada do que o buraco do eu de um mosquito. Ishido certamente cancelará nossas permissões para partir e a senhora arruinou tudo. - Olhou para Blackthorne. - O que fazemos agora?

- Por favor?

Os três haviam acabado de chegar à principal sala de recepção na casa de Mariko, que ficava dentro do anel externo de fortificações. Cinzentos haviam-nos escoltado até ali e muitos mais do que o habitual estavam agora estacionados do lado de fora do portão dela. Kiri e a Senhora Sazuko tinham ido para os seus próprios aposentos com outra guarda "de honra" de cinzentos, e Mariko prometera juntar-se a elas após o seu encontro com Kiyama.

- Mas os guardas não a deixarão, Mariko-san - dissera Sazuko, perturbada.

- Não se preocupe - dissera ela. - Nada mudou. Dentro do castelo podemos nos mover livremente, embora com escoltas. - Eles a impedirão! Oh, por que a senhora...

- Mariko-san tem razão, criança - disse Kiri, sem medo. - Nada mudou. Vemo-nos em breve, Mariko-chan. - Depois Kiri seguira para a sua ala no castelo, marrons fecharam o portão fortificado e Mariko respirara de novo, vindo para sua casa com Yabu e Blackthorne.

Agora estava se lembrando de como, no momento em que estivera lá sozinha, carregando a bandeira sozinha, vira a mão direita de Blackthorne preparando a faca de arremesso e de como se sentira mais forte por causa disso. Sim, Anjin-san, pensou. Você era o único com quem eu sabia que podia contar. Estava lá quando precisei de você.

Seus olhos dirigiram-se para Yabu, sentado de pernas cruzadas à sua frente, rilhando os dentes. Que Yabu tivesse, em público, tomado uma posição de apoio a ela, seguindo-a, surpreen dera-a. Por causa desse apoio, e porque perder a calma com ele não adiantaria nada, ela ignorou a sua truculenta insolência e começou a representar. - Por favor, desculpe a minha estupidez, Yabu-sama - disse, numa voz penitente e embargada de lágrimas. - Claro que o senhor tem razão. Sinto muito, sou apenas uma mulher estúpida.

- Concordo! É estupidez enfrentar Ishido no seu próprio ninho, neh?

- Sim, sinto muito, por favor, desculpe-me. Posso oferecerlhe saquê ou chá? - Mariko bateu palmas. Imediatamente a porta interna se abriu e Chimmoko apareceu, o cabelo em desalinho, o rosto amedrontado e inchado de choro. - Traga chá e saquê para os meus convidados. E comida. E faça-se apresentável! Como se atreve a aparecer assim! O que está pensando que isto é, uma cabana de camponeses? Envergonha-me diante do Senhor Kasigi! Chimmoko saiu correndo, em lágrimas.

- Sinto muito, senhor. Por favor, desculpe a insolência dela. - Eh, isso não tem importância, neh? E quanto a Ishido? Iiiiih, senhora... a sua alfinetada sobre "camponês" atingiu o alvo, feriu o poderoso senhor general. A senhora tem um inimigo e tanto agora! Iiiiiih, isso arrancou-lhe as Frutas e espremeu-as na frente de todo mundo!

- Oh, o senhor acha? Oh, por favor, desculpe-me, não tive a intenção de insultar a ele.

- Eh, ele é um camponês, sempre foi, sempre será, e sempre odiou aqueles de nós que somos autênticos samurais.

- Oh, que inteligente de sua parte, senhor, saber isso. Oh, obrigada por me dizer. - Mariko curvou-se e fez que secou uma lágrima. - Posso por favor dizer que me sinto muito protegida agora... a sua força... Não fosse o senhor, Senhor Kasigi, acho que eu teria desmaiado.

- Estupidez atacar Ishido na frente de todo mundo -- disse Yabu, ligeiramente apaziguado.

- Sim. Tem razão. É uma lástima que todos os nossos líderes não sejam tão fortes e inteligentes quanto o senhor, porque então o Senhor Toranaga não se encontraria numa enrascada tão grande.

- Concordo. Mas a senhora ainda nos enfiou numa latrina até o nariz.

- Por favor, desculpe-me. Sim, a culpa é toda minha. - Mariko fingiu conter as lágrimas bravamente. Baixou os olhos e sussurrou: - Obrigada, senhor, por aceitar as minhas desculpas. O senhor é muito generoso.

Yabu assentiu, considerando o elogio merecido, a servilidade dela necessária, e a si próprio inigualável. Ela pediu desculpas novamente, acalmou-o e bajulou-o. Logo ele estava complacente. - Posso, por favor, explicar a minha estupidez ao Anjin-san? Talvez ele possa sugerir um modo de. . . - Deixou as palavras esmorecer, penitentemente.

- Sim. Muito bem.

Mariko curvou-se em agradecimentos reconhecidos, voltouse para Blackthorne e falou em português. - Por favor, escute, Anjin-san, escute e não faça perguntas em português. Sinto muito, mas primeiro tive que acalmar este baasterdo mal-humorado - é assim que se diz? - Rapidamente contou-lhe o que fora dito e por que Ochiba saíra às pressas.

- Isso é grave - disse ele, perscrutando-a com o olhar. - Neh?

- Sim. O Senhor Yabu pede o seu conselho. O que deveria ser feito para superar a confusão em que a minha estupidez colocou os senhores?

- Que estupidez? - Blackthorne observava-a e a inquietação dela aumentou. Baixou os olhos para as esteiras. Ele falou diretamente a Yabu. - Não sei ainda, senhor. Agora compreendo, agora penso.

- O que há para pensar? - retrucou Yabu, azedo. - Estamos trancados.

Mariko traduziu sem levantar os olhos.

- Isso é verdade, não é, Mariko-san? - disse Blackthorne. - Isso sempre foi verdade.

- Sim, sinto muito.

Ele deu-lhes as costas para contemplar a noite. Havia archotes colocados em suportes nos muros de pedra que cercavam o jardim da frente. A luz tremeluzia sobre as folhas e as plantas que tinham sido aguadas apenas com essa finalidade. A oeste ficava o portão de ferro, guardado por alguns marrons.

- Você - ela o ouviu dizer em latim, sem se voltar. - Preciso falar-lhe em particular.

- Você. Sim, e eu com você - respondeu ela, mantendo o rosto desviado de Yabu, não confiando em si mesma. - Esta noite o encontrarei. - Olhou para Yabu. - O Anjin-san concorda com o senhor, sobre a minha estupidez, sinto muito.

- Mas de que serve isso agora?

- Anjin-san - disse ela, a voz segura -, mais tarde, ainda esta noite, vou ver Kiritsubo-san. Sei onde ficam os seus aposentos. Eu o encontrarei.

- Sim. Obrigado. - Ele continuava de costas para ela. - Yabu-sama - disse ela humildemente -, esta noite vou ver Kiritsubo-san. Ela é sábia, talvez tenha uma solução.

- Há apenas urna solução - disse Yabu com uma determinação que a envenenou, os olhos dele em fogo. - Amanhã a senhora pedirá desculpas. E ficará.

Kiyama chegou pontualmente. Saruji vinha com ele e o coração dela pesou no peito. Quando se concluíram as saudações formais, Kiyama disse gravemente: - Agora, por favor, explique por quê, Mariko-chan.

- Não estamos em guerra, senhor. Não deveríamos estar confinados, nem ser tratados como reféns, portanto posso ir-me conforme me agradar.

- Não é preciso que se esteja em guerra para que se tenha reféns. Você sabe disso. A Senhora Ochiba foi refém em Yedo contra a segurança do seu amo aqui e ninguém estava em guerra. O Senhor Sudara e família são reféns com o irmão dele hoje, e eles não estão em guerra. Neh?

Ela mantinha os olhos baixos.

- Há muitos aqui que são reféns contra a respeitosa obediência dos seus senhores ao conselho de regentes, os dirigentes legais do reino. Isso é prudente. É um costume comum. Neh? - Sim, senhor.

- Bom. Agora, por favor, conte-me a verdadeira razão. - Senhor?

Kiyama disse com impaciência: - Não jogue comigo! Também não sou camponês! Quero saber por que você fez o que fez esta noite.

Mariko ergueu os olhos. - Sinto muito, mas o senhor general simplesmente me aborreceu com a sua arrogância, senhor. Realmente tenho ordens. Não há mal em levar Kiri e a Senhora Sazuko embora por alguns dias, ao encontro do nosso amo.

- Você sabe muito bem que isso é impossível. O Senhor Toranaga deve saber disso igualmente bem.

- Sinto muito, mas meu amo deu-me ordens. Um samurai não contesta as ordens do seu senhor.

- Sim. Mas eu as contesto porque são um absurdo. Seu amo não lida com absurdos nem comete erros. Insisto em que tenho igualmente o direito de questioná-la.

- Por favor, desculpe-me, senhor, não há nada a discutir. - Mas há. Há Saruji a discutir. Além do fato de que a conheço a vida toda, honrei-a a vida toda. Hiro-matsu é o meu amigo vivo mais velho, seu pai foi um amigo querido e um honrado aliado meu, até os últimos catorze dias de sua vida.

- Um samurai não questiona as ordens de um suserano. - Agora você pode fazer apenas de duas uma, Marikochan:_ pede desculpas e fica, ou tenta partir. Se tentar partir, será detida.

- Sim. Compreendo.

- Você pedirá desculpas amanhã. Convocarei uma reunião dos regentes e eles darão uma orientação sobre esse assunto todo. Então você será autorizada a partir com Kiritsubo e a Senhora Sazuko.

- Por favor, desculpe-me, quanto tempo isso levará? - Não sei. Uns poucos dias.

- Sinto muito, não tenho uns poucos dias, tenho ordem de partir imediatamente.

- Olhe para mim! - Ela obedeceu. - Eu, Kiyama Ukonnoh-Odanaga, senhor de Higo, Satsuma e Osumi, regente do Japão, da linhagem Fujimoto, daimio cristão chefe do Japão, peço-lhe que fique.

- Sinto muito. Meu suserano me proíbe de ficar. - Você não entende o que estou dizendo?

- Sim, senhor. Mas não tenho escolha, por favor, desculpe-me.

Ele apontou para o filho dela. - O acordo de casamento entre minha neta e Saruji... Mal posso permitir que isso vá em frente se você ficar em desgraça.

- Sim, sim, senhor - replicou Mariko, sofrimento nos olhos. - Compreendo isso. - Viu o desespero no menino. - Sinto muito, meu filho. Mas devo cumprir o meu dever.

Saruji começou a dizer alguma coisa, mas mudou de idéia e depois, após um momento, disse: - Por favor, desculpe-me, Mãe, mas... o seu dever para com o herdeiro não é mais impor tante do que o seu dever para com o Senhor Toranaga? O herdeiro é o nosso verdadeiro suserano, neh?

Ela pensou nisso. - Sim, meu filho. E não. O Senhor Toranaga tem jurisdição sobre mim, o herdeiro não.

- Então isso não significa que o Senhor Toranaga também tem jurisdição sobre o herdeiro?

- Não, sinto muito.

- Por favor, desculpe-me, Mãe, não compreendo, mas parece-me que se o herdeiro dá uma ordem, ele deve prevalecer sobre o nosso Senhor Toranaga.

Ela não respondeu.

- Responda a ele - vociferou Kiyama.

- O pensamento foi seu, meu filho? Ou alguém o colocou na sua cabeça?

Saruji franziu o cenho, tentando se lembrar. - Nós... o Senhor Kiyama e... e a senhora dele... nós discutimos. E o padre-inspetor. Não me lembro. Acho que pensei nisso sozinho. O padre-inspetor disse que eu estava certo, não disse, senhor? - Ele disse que o herdeiro é mais importante do que o Senhor Toranaga no reino. Legalmente. Por favor, responda a ele diretamente, Mariko-san.

Mariko disse: - Se o herdeiro fosse um homem, maior de idade, kwampaku, dirigente legal do reino como o táicum, pai dele, era, então eu lhe obedeceria antes de ao Senhor Toranaga neste caso. Mas Yaemon é uma criança, de fato e legalmente, portanto incapaz. Legalmente. Isso responde à sua pergunta?

- Mas.. . mas ele ainda é o herdeiro, neh? Os regentes ouvem a ele ... O Senhor Toranaga o honra. O que ... o que significa um ano, alguns anos, Mãe? Se a senhora não se desc... Por favor, desculpe-me, tenho medo pela senhora. - A boca do menino tremia.

Mariko teve vontade de abraçá-lo e protegê-lo. Mas não o fez. - Eu não estou com medo, meu filho. Não temo nada neste mundo. Temo apenas o julgamento de Deus - disse ela, voltando-se para Kiyama.

- Sim - disse Kiyama. - Sei disso. Que Nossa Senhora a abençoe por isso. - Fez uma pausa. - Mariko-san, você pedirá desculpas publicamente ao senhor general?

- Sim, de bom grado, desde que ele publicamente retire todas as tropas do meu caminho e dê a mim, à Senhora Kiritsubo e à Senhora Sazuko permissão por escrito para partir amanhã. - Você obedecerá a uma ordem dos regentes?

- Por favor, desculpe-me, senhor, neste assunto, não. - Você respeitará um pedido deles?

- Por favor, desculpe-me, senhor, neste assunto, não.

- Você atenderá a um pedido do herdeiro e da Senhora Ochiba?

- Por favor, desculpe-me, que pedido?

- Para visitá-los, para ficar com eles por alguns dias, enquanto resolvemos este assunto.

- Por favor, desculpe-me, senhor, mas o que há para se resolver?

A contenção de Kiyama se rompeu e ele gritou: - O futuro e a boa ordem do reino de um lado, o futuro da Madre Igreja de outro, e você de outro! Está claro que o seu contato íntimo com o bárbaro a contaminou e aturdiu o seu cérebro, como eu sabia que farra!

Mariko não disse nada, simplesmente sustentou-lhe o olhar. Com um esforço Kiyama recuperou o controle.

- Por favor, desculpe a ...   a minha irritação. E minha falta de educação - disse, rígido. - Minha única justificativa é que estou gravemente preocupado. - Curvou-se com dignidade. -- Peço desculpas.

- A culpa foi minha, senhor. Por favor, desculpe-me por lhe destruir a harmonia e lhe causar um problema. Mas não tenho alternativa.

- Seu filho deu-lhe uma, eu lhe dei diversas. Ela não respondeu.

O ar na sala se tornara sufocante para todos eles, embora a noite estivesse fria e uma brisa atiçasse os archotes.

- Está resolvida, então?

- Não tenho escolha, senhor.

- Muito bem, Mariko-san. Não há mais nada a se dizer. Além de lhe repetir que lhe ordeno não forçar a questão, e pedirlhe isso.

Ela inclinou a cabeça.

- Saruji-san, por favor, espere por mim lá fora - ordenou Kiyama.

O jovem estava perturbado, quase incapaz de falar. - Sim, senhor. - Curvou-se para Mariko. - Por favor, com licença, Mãe.

- Que Deus o conserve em suas mãos por toda a eternidade. - E à senhora.

- Amém - disse Kiyama. - Boa noite, meu filho. - Boa noite, Mãe.

Quando ficaram sozinhos, Kiyama disse: - O padre-inspetor está muito preocupado.

- Comigo, senhor?

- Sim. E com a Santa Igreja - e o bárbaro. E com o navio bárbaro. Primeiro fale-me sobre ele.

- Ele é um homem singular, muito forte e muito inteligente. Ao mar é... ele pertence ao mar. Parece tornar-se parte de um navio e de mar e, ao largo, não existe homem que se aproxime dele em bravura e astúcia.

- Nem o Rodrigues-san?

- O Anjin-san superou-o duas vezes. Uma aqui e uma quando nos dirigíamos para Yedo. - Contou-lhe sobre a chegada de Rodrigues à noite, durante a estada deles perto de Mishima, e sobre as armas escondidas, e tudo o que acontecera. - Se os navios deles fossem iguais, o Anjin-san venceria. Mesmo que não fossem, acho que ele venceria.

- Fale-me sobre o navio dele. Ela obedeceu.

- Fale-me sobre os vassalos dele. Ela lhe contou, conforme acontecera.

- Por que o Senhor Toranaga lhe daria o navio, dinheiro, vassalos e liberdade?

- Meu amo nunca me revelou, senhor. - Por favor, dê-me a sua opinião.

- A fim de lançar o Anjin-san contra seus inimigos - disse Mariko de imediato, e acrescentou sem se desculpar: - Já que me pergunta, neste caso os inimigos particulares do Anjin san são os mesmos do meu senhor: os portugueses, os santos padres que instigam os portugueses, e os senhores Harima, Onoshi, e o senhor mesmo.

- Por que o Anjin-san nos consideraria seus inimigos especiais?

- Nagasaki, comércio, e o seu controle costeiro de Kyushu, senhor. E porque o senhor é o daimio cristão chefe.

- A Igreja não é inimiga do Senhor Toranaga. Nem os santos padres.

- Sinto muito, mas penso que o Senhor Toranaga acredita que os santos padres apóiam o Senhor General Ishido, assim como o senhor.

- Eu apóio o herdeiro. Estou contra o seu amo porque ele não o apóia e porque arruinará a nossa Igreja.

- Desculpe, mas isso não é verdade, senhor, meu amo é muito superior ao senhor general. O senhor combateu vinte vezes mais como aliado dele do que contra ele, sabe que ele pode me recer confiança. Por que se alinhar com esse inimigo confesso? O Senhor Toranaga sempre desejou o comércio e simplesmente não é anticristão como o senhor general e a Senhora Ochiba.

- Por favor, desculpe-me, Mariko-san, mas diante de Deus acredito que o Senhor Toranaga secretamente detesta a nossa fé cristã, secretamente tem aversão à nossa Igreja, e secretamente está empenhado em destruir a sucessão e aniquilar o herdeiro e a Senhora Ochiba. O que o atrai é o xogunato - apenas isso! Secretamente ele deseja ser xógum, trama para tornar-se xógum, e tudo está apontado unicamente para esse fim.

- Diante de Deus, senhor, não acredito nisso.

- Eu sei... mas isso não lhe dá razão. - Observou-a um momento, depois disse: - Conforme você mesma admitiu, esse Anjin-san e o seu navio são perigosos para a Igreja, neh? O Ro drigues concorda com você que se o Anjin-san pegasse o Navio Negro ao mar seria muito sério.

- Sim, também acredito nisso, senhor.

- Isso prejudicaria muitíssimo a nossa Madre Igreja, neh? - Sim.

- Mas ainda assim você não ajudará a Igreja contra esse homem?

- Ele não é contra a Igreja, senhor, nem realmente contra os padres, embora desconfie deles. Só é contra os inimigos da sua rainha. E o Navio Negro é o seu objetivo - por lucro.

- Mas opõe-se à verdadeira fé e portanto é um herege. Neh?

- Sim. Mas não creio que tudo o que os padres nos contaram seja verdadeiro. E muita coisa nunca nos foi revelada. Tsukku-san admitiu muitas coisas. Meu suserano ordenou-me que me tornasse confidente e amiga do Anjin-san, que lhe ensinasse a nossa língua e costumes, que aprendesse com ele o que poderia ser de valor para nós. Descobri...

- Você quer dizer valioso para Toranaga. Neh?

- Senhor, a obediência a um suserano e o pináculo da vida de um samurai. Não é obediência o que o senhor exige de todos os seus vassalos?

- Sim. Mas heresia é terrível e parece que você se aliou ao bárbaro contra a sua Igreja e está contaminada por ele. Rezo para que Deus lhe abra os olhos, Mariko-san, antes que você perca a sua própria salvação. Agora, por último, o padre-inspetor disse que você tinha uma informação particular para mim.

- Senhor? - Aquilo era totalmente inesperado.

- Ele disse que havia uma mensagem de Tsukku-san alguns dias atrás. Um mensageiro especial de Yedo. Você tem uma informação sobre. .. sobre os meus aliados.

- Pedi para ver o padre-inspetor amanhã de manhã. - Sim. Ele me disse. Bem?

- Por favor, desculpe-me, depois que eu o tiver visto amanhã, eu ...

- Não amanhã, agora! O padre-inspetor disse que tinha alguma coisa a ver com o Senhor Onoshi e interessava à Igreja, e que você devia me contar imediatamente. Diante de Deus, foi isso o que ele disse. Terão as coisas chegado a um ponto tão vil que você não confiará nem em mim?

- Sinto muito. Fiz um acordo com o Tsukku-san. Ele me pediu que falasse abertamente com o padre-inspetor, isso é tudo, senhor.

- O padre-inspetor disse que você falasse comigo agora. Mariko percebeu que não tinha alternativa. Os dados estavam lançados. Contou-lhe sobre a conspiração contra a sua vida.

Tudo o que sabia. Ele, também, escarneceu do boato até que ela lhe revelasse de onde procedia a informação.

- O confessor dele? Ele? - Sim. Sinto muito.

- Lamento que Uraga esteja morto - disse Kiyama, ainda mais mortificado de que o ataque noturno contra o Anjin-san tivesse sido um fiasco tão grande - como a emboscada anterior - e agora tivesse matado o homem que podia provar que seu inimigo Onoshi era um traidor. - Uraga arderá no inferno para sempre por esse sacrilégio. É terrível o que ele fez. Merece excomunhão e as chamas do inferno, mas ainda assim prestou-me um serviço revelando o segredo... se for verdade. - Kiyama olhou para ela, repentinamente um homem velho. - Não posso acreditar que Onoshi faria isso. Ou que o Senhor Harima estivesse a par.

- Sim. O senhor poderia... poderia perguntar ao Senhor Harima se é verdade?

- Sim, mas ele nunca revelaria uma coisa assim. Eu não o faria, você sim? Muito triste, neh? Como são terríveis os caminhos do homem.

- Sim.

- Não vou acreditar, Mariko-san. Uraga está morto, portanto nunca poderemos obter provas. Tomarei precauções mas... mas não posso crer.

- Sim. Um pensamento, senhor. Não é muito estranho que o senhor general coloque uma guarda em torno do Anjin-san? - Por que estranho?

- Por que protegê-lo? Quando ele o detesta? Muito estranho, neh? Poderia ser que agora o senhor general também veja o Anjin-san como uma possível arma contra os daimios cristãos? - Não estou acompanhando o raciocínio.

- Se, Deus o livre, o senhor morrer, senhor, o Senhor Onoshi torna-se supremo em Kyushu, neh? O que o senhor general poderia fazer para refrear Onoshi? Nada - exceto, talvez, usar o Anjin-san.

- É possível - disse Kiyama lentamente.

- Há apenas uma razão para proteger o Anjin-san: usá-lo. Onde? Apenas contra os portugueses - e assim os daimios cristãos de Kyushu. Neh?

- É possível.

- Creio que o Anjin-san é tão valioso para o senhor quanto para Onoshi, Ishido ou o meu amo. Vivo. O conhecimento dele é enorme. Apenas o conhecimento pode nos proteger dos bárbaros, mesmo dos portugueses.

- Podemos esmagá-los - disse Kiyama com desdém -, expulsá-los no momento em que quisermos. São mosquitos num cavalo, mais nada.

- Se a Santa Madre Igreja vencer e o país todo se tornar cristão, como rezamos para que ocorra, o que acontecerá? A nossa lei sobreviverá? O bushido sobreviverá? Contra os manda mentos? Suponho que não, como em todos os lugares do mundo católico, não quando os santos padres são supremos, não a menos que estejamos preparados.

Ele não respondeu.

Em seguida ela disse: - Senhor, imploro-lhe, pergunte ao Anjin-san o que aconteceu por toda parte no mundo.

- Não farei isso. Acho que ele a enfeitiçou, Mariko-san. Acredito nos santos padres. Acho que o seu Anjin-san foi instruído por Satã, e imploro-lhe que perceba que a heresia dele já

a contaminou. Você usou "católico" três vezes referindo-se a cristão. Isso não sugere que você concorda com ele em que existam duas fés, duas versões igualmente verdadeiras da verdadeira fé? A sua ameaça desta noite não é uma faca no ventre do herdeiro? E contra os interesses da Igreja? - Ele se levantou. - Obrigado pela sua informação. Vá com Deus.

Mariko tirou da manga um pequeno e delgado rolo de papel lacrado. - O Senhor Toranaga pediu-me que lhe entregasse isto. Kiyama olhou para o selo intacto. - Você sabe o que contém, Mariko-san?

- Sim. Recebi ordem de destruí-lo e passar a mensagem verbalmente se fosse interceptada.

Kiyama rompeu o lacre. A mensagem reiterava o desejo de Toranaga de que houvesse paz entre eles, seu apoio total ao herdeiro e à sucessão, e dava brevemente a informação sobre Onoshi. Terminava: "Não tenho provas sobre o Senhor Onoshi, mas Uraga-noh-Tadamasa terá e, deliberadamente, foi colocado à sua disposição em Osaka, para interrogá-lo caso o deseje. Contudo, tenho provas de que Ishido também traiu o acordo secreto entre o senhor e ele, de dar-lhe o Kwanto, e aos seus descendentes, assim que eu estiver morto. O Kwanto foi secretamente prometido ao meu irmão, Zataki, em troca de que este me traia, como já o fez. Por favor, desculpe-me, velho camarada, mas o senhor também foi traído. Assim que eu estiver morto, o senhor e a sua linhagem serão isolados e destruídos, assira como a Igreja cristã inteira. Imploro-lhe que reconsidere. Dentro em breve terá provas da minha sinceridade".

Kiyama releu a mensagem e ela o observou conforme lhe fora ordenado. - Observe-o muito cuidadosamente, Mariko-san - dissera-lhe Toranaga. - Não tenho certeza do acordo dele com Ishido sobre o Kwanto. Espiões relataram isso, mas não tenho certeza. Você saberá pelo que ele fizer - ou não fizer -, se lhe entregar a mensagem no momento correto.

Ela vira Kiyama reagir. Então isso também é verdade, pensou.

O velho daimio levantou os olhos e disse inexpressivamente: - E você é a prova da sinceridade dele, neh? O holocausto, o cordeiro sacrifical?

- Não, senhor.

- Não acredito em você. E não acredito nele. A traição de Onoshi, talvez. Mas o resto ... o Senhor Toranaga está apenas lidando com os seus velhos truques de misturar meias verdades com mel e veneno. Receio que você é que tenha sido traída, Mariko-san.

 

- Partiremos ao meio-dia.

- Não, Mariko-san. - A Senhora Sazuko estava quase em lágrimas.

- Sim - disse Kiri. - Sim, partiremos conforme você diz. - Mas eles nos deterão - exclamou a garota. - É tudo tão inútil.

- Não - disse-lhe Mariko -, está enganada, Sazuko-chan, é muito necessário.

- Mariko-san tem razão -- disse Kiri. - Temos ordens. - Sugeriu alguns detalhes para a partida. - Poderíamos facilmente estar prontas ao amanhecer, se você quisesse.

- Meio-dia é a hora em que devemos partir. Foi o que ele disse, Kiri-chan - retrucou Mariko.

- Precisaremos de muito poucas coisas, neh?

- Sim.

- Pouquíssimas! - disse Sazuko. - Sinto muito, mas tudo é tão tolo, eles nos deterão!

- Talvez não, criança - disse Kiri. - Mariko diz que eles nos deixarão partir. O Senhor Toranaga também pensa isso. Portanto imagine que o farão. Vá descansar. Vamos, preciso conversar com Mariko-san.

A garota saiu, muito perturbada.

Kiri cruzou as mãos. - Sim, Mariko-san?

- Estou enviando uma mensagem cifrada por pombo-correio, contando ao Senhor Toranaga o que aconteceu esta noite. Partirá à primeira luz da manhã. Os homens de Ishido certamente tentarão destruir o restante dos meus pássaros amanhã se houver problema, e não posso trazê-los para cá. Há alguma mensagem que a senhora queira enviar imediatamente?

- Sim. Escreverei agora. O que acha que vai acontecer? - O Senhor Toranaga tem certeza de que nos deixarão ir, se eu for forte.

- Não concordo. E, por favor, desculpe-me, também não acho que você tenha muita fé na tentativa.

- Está enganada. Oh, claro que podem nos deter amanhã, e se fizerem isso haverá discussão e as ameaças mais terríveis, mas tudo isso não vai significar nada. - Mariko riu. - Oh, tantas ameaças, Kiri-san, e continuarão o dia todo e a noite toda. Mas ao meio-dia do dia seguinte, teremos permissão de partir. Kiri balançou a cabeça. - Se fôssemos autorizadas a escapar, cada refém em Osaka também partiria. Ishido ficará seriamente enfraquecido e perderá dignidade. Ele não pode se permitir isso.

- Sim. - Mariko estava muito satisfeita. - Ainda assim, está encurralado.

Kiri observava-a. - Dentro de dezoito dias nosso amo estará aqui, neh? Tem que estar aqui.

- Sim.

- Desculpe, mas então por que é tão importante que partamos imediatamente?

- Ele considera importante o suficiente, Kiri-san. O suficiente para ordenar isso.

- Ah, então ele tem um plano?

- Ele não tem sempre muitos planos?

- Uma vez que o Exaltado concordou em estar presente, nosso amo está numa armadilha, neh?

- Sim.

Kiri olhou para a shoji. Estava fechada. Inclinou-se para a frente e disse baixinho: - Então por que ele me pediu que pusesse secretamente essa idéia na cabeça da Senhora Ochiba?

A confiança de Mariko começou a se empanar. - Ele lhe disse que fizesse isso?

- Sim. De Yokosé, depois de se encontrar com o Senhor Zataki a primeira vez. Por que ele mesmo armou a armadilha? - Não sei.

Kiri mordeu os lábios. - Gostaria de saber. Logo saberemos, mas acho que você não está me contando tudo o que sabe, Mariko-chan.

Mariko começou a se eriçar, mas Kiri tocou-a, novamente advertindo-lhe silêncio, e sussurrou: - A mensagem dele me disse que confiasse completamente em você, portanto não vamos dizer mais nada. Confio em você, Mariko-chan, mas isso não faz a minha mente parar de funcionar. Neh?

- Por favor, desculpe-me.

- Tenho muito orgulho de você - disse Kiri em voz normal. - Sim, erguendo-se daquele jeito à frente de Ishido e todos eles. Gostaria de ter a sua coragem.

- É fácil para mim. Nosso amo disse que devíamos partir. - O que fazemos é muito perigoso, acho. Ainda assim, como posso ajudar?

- Dê-me o seu apoio.

- Você já tem isso. Sempre teve.

- Ficarei aqui com a senhora até amanhecer, Kiri. Mas primeiro tenho que conversar com o Anjin-san.

- Sim. É melhor que eu vá com você.

As duas mulheres saíram dos apartamentos de Kiri, uma escolta de marrons com elas, passando por outros marrons, que se curvaram, visivelmente orgulhosíssimos de Mariko. Kiri con duziu-a corredores abaixo, atravessou a extensão da grande sala de audiências, e o corredor adiante. Havia marrons de guarda ali, e cinzentos. Quando viram Mariko, todos se curvaram, marrons e cinzentos igualmente a honrando. Tanto Kiri quanto Mariko ficaram perplexas de encontrar cinzentos no seu domínio. Dissimularam a própria confusão e não disseram nada.

Kiri apontou uma porta.

- Anjin-san? - chamou Mariko.

- Hai? - A porta abriu-se. Blackthorne apareceu. Ao seu lado, dentro do aposento, mais dois cinzentos. - Alô, Mariko-san.

- Alô. - Mariko olhou para os cinzentos. - Tenho que conversar com o Anjin-san em particular.

- Por favor, converse com ele, senhora - disse o capitão dos cinzentos com grande deferência. - Infelizmente recebemos ordem do Senhor Ishido pessoalmente, sob pena de morte imediata, de não deixá-lo sozinho.

Yoshinaka, oficial do turno daquela noite, avançou. - Desculpe-me, Senhora Toda, tive que concordar com estes vinte guardas para o Anjin-san. Foi uma solicitação pessoal do Senhor Ishido. Sinto muito.

- Como o Senhor Ishido está apenas preocupado com a segurança do Anjin-san, eles são bem-vindos - disse ela, nem um pouco satisfeita.

- Ficarei responsável por ele enquanto a Senhora Toda estiver com ele - disse Yoshinaka ao capitão dos cinzentos. - O senhor pode esperar lá fora.

- Sinto muito - disse esse samurai com firmeza. - Eu e meus homens não temos alternativa senão vigiá-lo com nossos próprios olhos.

- Ficarei contente em permanecer aqui - disse Kiri. - Naturalmente é necessário que alguém fique.

- Sinto muito, Kiritsubo-san, devemos estar presentes. Por favor, desculpe-me, Senhora Toda - continuou o capitão, desconfortável -, mas nenhum de nós fala bárbaro.

- Ninguém sugeriu que os senhores seriam descorteses a ponto de ouvir - disse Mariko, prestes a se enfurecer. - Mas os costumes bárbaros são diferentes dos nossos.

- Obviamente os cinzentos devem obedecer ao seu senhor - disse Yoshinaka. - A senhora foi totalmente correta esta noite ao dizer que o primeiro dever de um samurai é para com o seu suserano, Senhora Toda, e totalmente correta em enfatizar isso em público.

- Perfeitamente correta, senhora - concordou o capitão dos cinzentos, com a mesma demonstração de orgulho. - Não há outra obrigação na vida de um samurai, neh?

- Obrigada - disse ela, reconfortada pelo respeito deles. - Também devemos honrar os costumes do Anjin-san, se pudermos, capitão - disse Yoshinaka. - Talvez eu tenha uma solução. Por favor, siga-me. - Conduziu-os de volta à sala de audiência. - Por favor, senhora, traga o Anjin-san e sentem-se ali. - Apontou para o estrado distante. - Os guardas do Anjin-san podem ficar junto às portas e cumprir seu dever para com o seu suserano, nós cumprimos o nosso, e a senhora conversa como deseja, de acordo com os costumes do Anjin-san. Neh?

Mariko explicou a Blackthorne o que Yoshinaka dissera, depois continuou, prudentemente em latim: - Eles não se afastarão de você esta noite. Não temos alternativa, a menos que eu mande matá-los imediatamente, se for isso o que você desejar.

- Minha vontade é conversar em particular com você - retrucou Blackthorne. - Mas não ao custo de vidas. Agradeço-lhe por me perguntar.

Mariko voltou-se para Yoshinaka. - Muito bem, obrigada, Yoshinaka-san. Quer, por favor, mandar alguém providenciar braseiros de incenso, para afastar os mosquitos?

- Naturalmente. Por favor, desculpe-me, senhora, há alguma notícia sobre a Senhora Yodoko?

- Não, Yoshinaka-san. Ouvimos dizer que ela ainda está repousando, sem sofrimento. - Mariko sorriu para Blackthorne. - Vamos sentar lá, Anjin-san?

Ele a seguiu. Kiri voltou aos seus aposentos e os cinzentos se postaram junto às portas da sala de audiências.

O capitão dos cinzentos ficou perto de Yoshinaka, a alguns passos dos outros. - Não gosto disso - sussurrou ele asperamente.

- A Senhora Toda vai puxar uma espada e matá-lo? Sem ofensa, onde estão os seus miolos?

Yoshinaka afastou-se coxeando para examinar os outros postos. O capitão olhou para o estrado. Mariko e o Anjin-san estavam sentados um diante do outro, bem iluminados por archotes. Ele não conseguia ouvir o que estavam dizendo. Concentrou-se nos lábios deles mas nem assim conseguiu entender, embora seus olhos fossem muito bons e ele soubesse falar português. Suponho que estejam falando a língua dos santos padres de novo, pensou. Língua hedionda, impossível de aprender.

E depois, que importância tem? Por que ela não deveria conversar com o herege em particular, se é isso o que quer? Nenhum dos dois vai durar muito tempo mais neste mundo. Muito triste. Oh, bendita Nossa Senhora, tome-a sob a sua guarda eterna, pela sua bravura.

- Latim é mais seguro, Anjin-san. - O leque dela fez um mosquito fugir zumbindo.

- Eles podem nos ouvir daqui?

- Não, não creio, se mantivermos a voz baixa e conversarmos conforme você ensinou, com muito pouco movimento da boca.

- Bom. O que ocorreu com Kiyama? - Eu o amo.

- E eu a amo. - Senti saudades. - Eu também. Como podemos nos encontrar sozinhos?

- Esta noite não é possível. Amanhã à noite será, meu amor. Tenho um plano.

- Amanhã? Mas e a sua partida?

- Amanhã eles podem me deter, Anjin-san - por favor, não se preocupe. Depois de amanhã estaremos todos livres para partir como desejarmos. Amanhã à noite, se eu for detida, estarei com você.

- Como?

- Kiri me ajudará. Não me pergunte como, o quê ou por quê. Será fácil...

Parou quando criadas trouxeram os pequenos braseiros. Logo os fios espiralados de fumaça repeliram as criaturas da noite. Quando se viram seguros de novo, conversaram sobre a viagem, contentes apenas com o fato de estarem juntos, amando-se sem se tocarem, sempre evitando falar em Toranaga e na importância do dia seguinte. Então ele disse: - Ishido é meu inimigo. Por que todos esses guardas estão à minha volta?

- Para protegê-lo. Mas também para vigiá-lo de perto. Penso que Ishido também poderia desejar usá-lo contra o Navio Negro e Nagasaki, o Senhor Kiyama e o Senhor Onoshi.

- Ah, sim, também pensei nisso.

Ela viu os olhos dele a esquadrinhá-la. - O que é, Anjin-san? - Ao contrário do que crê Yabu, acho que você não é estúpida, que tudo esta noite foi dito intencionalmente, deliberadamente planejado - por ordem de Toranaga.

Ela alisou uma ruga no seu quimono de brocado. - Ele me deu ordens. Sim.

Blackthorne passou ao português. - Ele a traiu. Você é um engodo. Sabe disso? É apenas uma isca para uma das armadilhas dele.

- Por que diz isso?

- Você é a isca. É óbvio, não é? Yabu é isca. Toranaga mandou-nos todos para cá como um sacrifício.

- Não, engana-se, Anjin-san. Sinto muito, mas está enganado.

Em latim ele disse: - Digo-lhe que é linda e a amo, mas que é mentirosa.

- Ninguém nunca me disse isso antes.

- Você também disse que ninguém tinha dito "Eu a amo". Ela baixou os olhos para o leque. - Vamos conversar sobre outras coisas.

- O que Toranaga ganha sacrificando-nos? Ela não respondeu.

- Mariko-san, tenho o direito de lhe perguntar. Não estou com medo. Só quero saber o que ele ganha.

- Não sei.

- Você! Jure pelo seu amor e pelo seu Deus.

- Até você? - replicou ela amargamente em latim. - Também você com os seus "jure por Deus" e perguntas, perguntas, perguntas?

- É a sua vida e a minha vida, e eu prezo a ambas. O que ele ganha?

A voz dela soou mais alta. - Ouça, sim, eu escolhi o momento, sim, não sou uma mulher estúpida e...

- Tenha cuidado, Mariko-san, por favor, conserve a voz baixa ou isso seria muito estúpido.

- Desculpe. Sim, foi feito intencionalmente e em público como Toranaga desejava.

- Por quê?

- Porque lshido é um camponês e tem que nos deixar partir. O desafio tinha que ser diante dos seus pares. A Senhora Ochiba aprova que vamos ao encontro do Senhor Toranaga. Con versei com ela e ela não se opõe. Não há nada para perturbá-lo. - Não gosto de vê-Ia inflamada. Ou venenosa. Ou malhumorada. Onde está a sua tranqüilidade? E onde estão as suas maneiras? Talvez você devesse aprender a observar as pedras crescendo. Neh?

A cólera de Mariko desapareceu e ela riu. - Ah! Você tem razão. Por favor, desculpe-me. - Sentiu-se revigorada, ela mesma de novo. - Oh, como o amo, e o honro, e fiquei orgulhosa de você esta noite, quase o beijei, ali na frente deles, como é seu costume.

- Nossa Senhora, isso os teria feito explodir, neh?

- Se eu estivesse sozinha com você, eu o beijaria até que os seus gritos por piedade enchessem o universo.

- Agradeço-lhe, senhora, mas está aí e eu aqui, e o mundo se ergue entre nós.

- Ah, mas não existe mundo entre nós. Minha vida é plena por sua causa.

Um momento depois ele disse: - E as ordens que Yabu lhe deu? De pedir desculpas e ficar?

- Não podem ser obedecidas, sinto muito. - Devido às ordens de Toranaga?

- Sim. Mas não pelas ordens dele, realmente. É a minha vontade, também. Tudo isso foi sugestão minha a ele. Fui eu que implorei para ser autorizada a vir aqui, meu querido. Diante de Deus, é essa a verdade.

- O que acontecerá amanhã?

Ela lhe contou o que dissera a Kiri, acrescentando: - Tudo vai sair melhor do que o planejado. lshido já não é o seu protetor? Juro que não sei como o Senhor Toranaga pode ser tão inteligente. Antes de eu partir ele me contou o que aconteceria, o que poderia acontecer. Sabia que Yabu não tinha poder em Kyushu. Apenas lshido ou Kiyama podiam protegê-lo lá. Não somos engodos. Estamos sob a proteção dele. Totalmente seguros.

- E os dezenove dias, dezoito agora? Toranaga tem que estar aqui, neh?

- Sim.

- Então isso não é, como diz lshido, um desperdício de tempo?

- Realmente não sei. Só sei que dezenove, dezoito ou mesmo três dias podem ser uma eternidade.

- Ou amanhã?

- Amanhã também. Ou o dia seguinte. - E se lshido não a deixar partir amanhã?

- Esta é a única chance que temos. Todos nós. lshido tem que ser humilhado.

- Tem certeza?

- Sim, diante de Deus, Anjin-san.

Blackthorne se arrancou de um pesadelo de novo, mas, no momento em que se viu realmente desperto, o sonho desapareceu. Cinzentos o fitavam de olhos arregalados através do mosquiteiro à luz do amanhecer que despontava.

- Bom dia - disse-lhes ele, odiando ser vigiado durante o sono.

Saiu de sob o mosquiteiro e dirigiu-se para o corredor, desceu as escadas, até atingir o toalete no jardim. Guardas, tanto marrons quanto cinzentos, acompanhavam-no. Ele mal os notava.

O amanhecer estava enevoado. A leste o céu já estava limpo da cerração. O ar cheirava a sal, carregado de maresia. As moscas já enxameavam. Vai fazer calor hoje, pensou ele.

Passos aproximaram-se. Através da abertura da porta, Blackthorne viu Chimmoko. Ela esperou pacientemente, tagarelando com os guardas, e quando ele saiu, curvou-se e saudou-o.

- Onde Mariko-san? - perguntou ele. - Com Kiritsubo-san, Anjin-san.

- Obrigado. Quando parte? - Logo, senhor.

- Diga Mariko-san eu gostaria dizer bom-dia antes partir - disse ele novamente, embora Mariko já tivesse prometido encontrá-lo antes de voltar para casa a fim de reunir seus pertences. - Sim, Anjin-san.

Ele assentiu do modo adequado a um samurai e se dirigiu para o banho. Não era costume tomar banho quente de manhã. Mas todas as manhãs ele ia lá e derramava água fria pelo corpo todo. - Iiiiih, Anjin-san - sempre diziam os seus guardas ou observadores -, isso com certeza faz muito bem para a sua saúde.

Vestiu-se e rumou para as daquela ala do castelo. Estava espadas, a pistola escondida no davam-no como a um deles, embora muito apreensivos pela presença dos cinzentos que o seguiam. Outros cinzentos amontoavam-se nas ameias opostas, olhando-os de cima, e fora do portão deles.

- Muitos cinzentos, muito mais do que o habitual. Compreende, Anjin-san? - disse Yoshinaka, saindo para o balcão. - Sim.

O capitão dos cinzentos aproximou-se. - Por favor, não chegue muito perto da beirada, Anjin-san. Sinto muito.

O sol estava no horizonte. O seu calor causou uma sensação agradável na pele de Blackthorne. Não havia nuvens no céu e a brisa estava se extinguindo.

O capitão dos cinzentos apontou para a espada de Blackthorne. - Essa é a Vendedor de Óleo, Anjin-san?

- Sim, capitão.

- Posso ter permissão de ver a lâmina?

ameias que davam para o adro usando um quimono marrom e sash. Marrons de sentinela sal.

Blackthorne puxou a espada parcialmente da bainha. O costume decretava que uma espada não devia ser totalmente sacada a menos que fosse para ser usada.

- Iiiiih, linda, neh? - disse o capitão. Os outros, marrons e cinzentos, amontoaram-se ao redor, igualmente impressionados. Blackthorne empurrou a espada de volta, não descontente. - Honra usar Vendedor de Óleo.

- Sabe usar uma espada, Anjin-san? - perguntou o capitão. --J Não, capitão. Não como samurai. Mas aprendo.

- Ah, sim. Isso é muito bom.

No adro, dois andares abaixo, marrons treinavam, ainda na sombra. Blackthorne observou-os. - Quantos samurais aqui, Yoshinaka-san?

- Quatrocentos e três, Anjin-san, incluindo os duzentos que vieram comigo.

- E lá fora?

- Cinzentos? - Yoshinaka riu. - Muitos... muitíssimos. O capitão dos cinzentos mostrou os dentes com o sorriso. - Quase cem mil. Compreende, Anjin-san, "cem mil"?

- Sim. Obrigado.

Todos olharam à distância quando uma coluna de carregadores, cavalos de carga e três palanquins contornaram a esquina oposta, vindo sob guarda da extremidade do acesso. A avenida ainda estava profundamente obscurecida entre os altos muros vigiados. Archotes ainda ardiam nos suportes de parede. Mesmo àquela distância, eles podiam ver o nervosismo dos carregadores. Os cinzentos do outro lado pareceram mais silenciosos e atentos, o mesmo acontecendo com os marrons de guarda.

Os altos portões se abriram para dar passagem ao grupo, a escolta de cinzentos ficando de fora com os camaradas, depois se fecharam de novo. A grande barra de ferro retiniu de volta aos grandes apoios cravados bem fundo nos muros de granito. Não havia rastrilho guardando esse portão.

- Anjin-san - disse Yoshinaka -, por favor, desculpe-me. Preciso ver se tudo está bem. Tudo pronto, neh?

- Espero aqui.

- Sim. - Yoshinaka afastou-se.

O capitão dos cinzentos foi até o parapeito e olhou para baixo. Jesus Cristo, estava pensando Blackthorne, espero que ela tenha razão. Toranaga também. Não falta muito agora, hein? Avaliou a altura do sol e murmurou vagamente consigo mesmo em português: - Não falta muito para partir.

Inconscientemente o capitão grunhiu sua aquiescência e Blackthorne percebeu que o homem o compreendia claramente em português, era portanto católico e outro possível assassino. Sua mente precipitou-se de volta à noite passada, e ele se lembrou de que tudo o que dissera a Mariko fora em latim.

Foi mesmo? Mãe de Deus, e ela dizendo "... posso mandar mata-los"? Foi em latim? Será que ele também fala latim, como aquele outro capitão, o que foi morto durante a primeira fuga de Osaka?

O sol reunia forças agora e Blackthorne desviou os olhos do capitão. Se não me assassinou durante a noite, talvez nunca o faça, pensou ele, colocando aquele católico num compartimento.

Viu Kiri sair para o adro abaixo. Supervisionava criadas carregando cestos e baús até os cavalos de carga. Parecia minúscula, em pé nos degraus principais onde Sazuko fingira escorre gar, colaborando para a fuga de Toranaga. Ao norte ficava o agradável jardim e a minúscula casa rústica onde vira Mariko e Yaemon, o herdeiro, pela primeira vez. Mentalmente acompanhou o cortejo do meio-dia saindo do castelo, serpeando através do labirinto, depois em segurança através dos bosques e descendo até o mar. Rezou para que ela estivesse em segurança e todos estivessem seguros. Uma vez que elas tivessem partido, Yabu e ele poderiam voltar à galera e zarpar.

Dali das ameias o mar parecia muito perto. Chamava-o. E o horizonte.

- Konbanwa, Anjin-san.

- Mariko-san! - Ela estava tão radiante como sempre. - Konbanwa - disse ele, depois em latim, com indiferença: - Cuidado com este homem cinzento, ele compreende - conti nuando instantaneamente em português para dar tempo a ela de se resguardar -, sim, não compreendo como pode estar tão bela tendo dormido tão pouco. - Pegou-lhe o braço e colocou-a de costas para o capitão, trazendo-a mais para perto do parapeito. - Olhe, lá está Kiritsubo-san!

- Obrigada. Sim, sim, eu ... obrigada. - Por que não acena a Kiritsubo-san?

Ela fez o que lhe era pedido e chamou o nome da outra. Kiri os viu e retribuiu o aceno.

Após um momento, novamente descontraída e controlada, Mariko disse: - Obrigada, Anjin-san. O senhor é inteligente e muito sábio. - Cumprimentou o capitão casualmente e caminhou a esmo até uma saliência onde se sentou, depois de se certificar de que estava limpa. - Vai fazer um dia excelente, neh?

- Sim. Como dormiu?

- Não dormi, Anjin-san. Kiri e eu tagarelamos o resto da noite afora e eu vi o dia amanhecer. Adoro amanheceres. E o senhor?

- Meu descanso foi perturbado, mas... - Oh, sinto muito.

- Estou bem agora, realmente. Vai partir agora?

- Sim, mas voltarei ao meio-dia para buscar Kiri-san e a Senhora Sazuko. - Desviou o rosto do capitão e disse em latim: - Você. Lembra-se da Hospedaria das Flores?

- Certamente. Como poderia esquecer?

- Se houver um adiamento... esta noite será tão perfeita quanto cheia de paz.

- Ah, gostaria de que isso fosse possível. Mas prefiro vê-Ia em segurança a caminho.

Mariko continuou em português: - Agora tenho que ir, Anjin-san. O senhor me dá licença?

- Acompanho-a até o portão.

- Não, por favor, olhe daqui. O senhor e o capitão podem olhar daqui, neh?

- Naturalmente - disse Blackthorne no mesmo instante, compreendendo. - Vá com Deus.

- Você também - retrucou ela em latim.

Ele ficou junto ao parapeito. Enquanto esperava, a luz do sol incidiu sobre o adro, expulsando as sombras. Mariko apareceu lá embaixo. Viu-a saudar Kiri e Yoshinaka e conversarem os três, sem cinzentos inimigos por perto. Depois se curvaram. Ela levantou os olhos para ele, e acenou alegremente. Ele correspondeu. Os portões foram puxados para os lados e, com Chimmoko alguns discretos passos atrás, ela saiu, acompanhada pela sua escolta de dez marrons. Os portões giraram nos gonzos mais uma vez. Por um momento ele a perdeu de vista. Quando reapareceu, cinqüenta cinzentos da multidão que se encontrava fora dos muros rodearam-na como outra guarda de honra. O cortejo marchou pela avenida sem sol. Ele a observou até que ela dobrasse a última esquina. Sem se voltar nem uma vez.

- Vou comer agora, capitão - disse ele. - Sim, naturalmente, Anjin-san.

Blackthorne dirigiu-se para os seus aposentos e comeu arroz, vegetais em conserva e pedacinhos de peixe cozido, seguidos de frutas de Kyushu - pequenas maçãs ácidas, abricós e ameixas de polpa dura. Saboreou as frutas amargas e o chá.

- Mais, Anjin-san? - perguntou a criada.

- Não, obrigado. - Ofereceu frutas aos guardas, que aceitaram agradecidos, e quando terminaram ele voltou às ensolaradas ameias. Teria gostado de examinar a escorva de sua pistola escondida, mas achou melhor não chamar atenção para a arma. Examinara-a uma vez, durante a noite, da melhor maneira que pudera, sob o mosquiteiro, sob o lençol. Mas, sem ver realmente, não podia ter certeza quanto à bucha ou à pederneira.

Não há mais nada que você possa fazer, pensou. É um títere. Seja paciente, Anjin-san, o seu turno termina ao meio-dia. Avaliou a altura do sol. Deve ser o começo do período de duas horas da Cobra. Depois da Cobra vem o Cavalo. No meio da hora do Cavalo é pleno meio-dia.

Sinos nos templos por todo o castelo e a cidade badalaram o início da Cobra e ele ficou contente com a própria exatidão. Notou uma pedrinha no chão do parapeito. Foi até ela, pegou-a e colocou-a cuidadosamente numa saliência de uma seteira ao sol, depois recostou-se, apoiou os pés confortavelmente, e pôs-se a contemplá-la.

Os cinzentos observavam cada movimento seu. O capitão franziu o cenho. Depois de algum tempo, disse: - Anjin-san, qual é o significado da pedra?

- Por favor?

- A pedra. Por que a pedra, Anjin-san? - Ah! Observo a pedra crescer.

- Oh, desculpe. Compreendo. Por favor, perdoe-me por tê-lo perturbado.

Blackthorne riu consigo mesmo e voltou a fixar o olhar na pedra. - Cresça, sua bastarda - disse. Mas por mais que imprecasse, ordenasse ou bajulasse, ela não crescia.

Você realmente espera ver uma rocha crescer? perguntou-se. Não, claro que não, mas isso passa o tempo e gera tranqüilidade. Você não pode ter wa suficiente. Neh?

Iiiiiih, de onde virá o próximo ataque? Não há defesa contra um assassino se o assassino estiver preparado para morrer. Há?

Rodrigues examinou a escorva de uns mosquetes que pegara no cavalete ao lado do canhão de popa. Achou que a pederneira estava usada, portanto perigosa. Sem uma palavra, jogou o mosquete em cima do atirador. O homem mal teve tempo de agarrá-lo antes que a coronha lhe atingisse o rosto.

- Nossa Senhora, senhor piloto - exclamou o homem -, não há necessidade ...

- Ouça, seu bosta sem mãe, da próxima vez que eu encontrar alguma coisa errada num mosquete ou canhão durante o seu turno, você vai levar cinqüenta chicotadas e perder a paga de três meses. Contramestre!

- Sim, piloto? - Pesaro, o contramestre, aproximou mais o seu corpanzil arfante e fez uma carranca para o jovem atirador. - Pegue os dois turnos! Examine cada mosquete e canhão, tudo. Só Deus sabe quanto vamos precisar deles.

- Providenciarei, piloto. - O contramestre voltou-se para o atirador. - Vou mijar no seu grogue desta noite, Gomez, por todo o trabalho extra, e é melhor que você o lamba com um sorriso. Ponha-se ao trabalho!

Havia oito pequenos canhões a meia-nau no convés principal, quatro a bombordo, quatro a estibordo e um morteiro de proa. O suficiente para rechaçar quaisquer piratas sem canhões, mas não o suficiente para enfrentar um ataque. A pequena fragata tinha dois mastros e chamava-se Santa Luz.

Rodrigues esperou até que os tripulantes estivessem realizando suas tarefas, depois deu-lhes as costas e se debruçou na amurada. O castelo cintilava fracamente ao sol, a cor de estanho envelhecido, exceto pelo torreão com seus muros brancos e azuis e telhados dourados. Ele cuspiu na água e observou a saliva para ver se chegava aos pilares do ancoradouro, como esperava, ou se caía no mar. Caiu no mar. - Merda - murmurou para ninguém, desejando estar com a sua própria fragata, a Santa Maria, sob o seu comando bem naquele momento. Maldito azar que ela esteja em Macau bem quando precisamos dela.

- Qual é o problema, capitão-mor? - perguntara ele alguns dias antes em Nagasaki, quando fora arrancado da sua cama quente, na sua casa que tinha vista para a cidade e a enseada.

- Tenho que ir a Osaka imediatamente - dissera Ferreira, emplumado e arrogante como um galo de briga, mesmo àquela hora matinal. - Chegou uma mensagem urgente de Dell'Aqua. - Qual é o problema agora?

- Ele não disse, só que era vital para o futuro do Navio Negro.

- Nossa Senhora, qual é a brincadeira de mau gosto que estão tramando agora? O que é vital? Nosso navio está tão sólido quanto qualquer navio ao mar, o casco está limpo e o cordame perfeito. O comércio vai melhor do que jamais imaginamos e no prazo previsto, os macacos estão se comportando, o maldito Harima está confiante e. . . - Parou quando a idéia lhe explodiu na cabeça. - O Inglês! Ele zarpou?

- Não sei, mas se tiver zarpado ...

Rodrigues olhara boquiaberto para a entrada da grande enseada, como que esperando ver o Erasmus já a bloqueá-los, ostentando a odiada bandeira da Inglaterra, esperando ali como um cão raivoso até o dia em que eles tivessem que se pôr ao largo, dirigindo-se para Macau e depois para casa. - Jesus, mãe de Deus e todos os santos, não deixem isso acontecer!

- Qual é o nosso meio mais rápido? Uma lorcha?

- A Santa Luz, capitão-mor. Podemos zarpar em menos de uma hora. Ouça, o Inglês não pode fazer nada sem homens. Não se esqueça...

- Minha Nossa Senhora, ouça você! Ele sabe falar a algaravia deles, eh? Por que não poderia usar macacos, eh? Há japonas piratas suficientes para lhe dar vinte vezes uma tripulação.

- Sim, mas não atiradores e marinheiros, como ele precisaria. Ele não teve tempo suficiente para treinar japonas. No ano que vem talvez, mas não contra nós.

- Por que, em nome da Virgem e dos santos, os padres lhe deram um dicionário eu nunca entenderei. Bastardos intrometidos! Deviam estar possuídos pelo Diabo! É quase como se o Inglês fosse protegido pelo Diabo!

- Digo-lhe que ele é apenas esperto!

- Há muitos que estão aqui há vinte anos e não sabem falar uma palavra da algaravia dos japonas, mas o Inglês sabe, eh? Digo-lhe que ele entregou a alma a Satã e em troca é pro tegido por magia negra. De que outro modo você explicaria? Há quantos anos você vem tentando falar a língua deles e você até vive com uma japonesa? Leche, ele poderia facilmente usar piratas japonas.

- Não, capitão-mor, ele tem que conseguir homens aqui, estamos à sua espera e o senhor já colocou todos os suspeitos a ferros.

- Com vinte mil cruzados em prata e uma promessa sobre o Navio Negro, ele pode contratar todos os homens de que necessita, inclusive os carcereiros e a maldita cela em torno deles. Cabrón! Talvez consiga até comprar você também.

- Cuidado com a língua!

- Você é o espanhol mais sem mãe e sem leite que existe, Rodrigues! A culpa é sua que ele esteja vivo, você é responsável. Deixou-o escapar duas vezes! - O capitão-mor postou-se diante dele enfurecido. - Deveria tê-lo matado quando ele esteve em seu poder.

- Talvez, mas isso é espuma na esteira da minha vida, já ficou para trás - dissera Rodrigues asperamente. - Fui até lá para matá-lo quando pude.

- Matou?

- Eu lhe disse vinte vezes. O senhor não tem ouvidos! Ou é a bosta espanhola de sempre nas suas orelhas, assim como na sua boca! - A mão dele se estendera para a pistola e o capitão mor sacara a espada, então a assustada garota japonesa se colocara entre eles. - Pro favoo, Rod-san, no raivas - no discusson, pro favoo! Criston, pro favoo!

A cólera ofuscante se extinguira e Ferreira dissera: - Digolhe diante de Deus que o Inglês foi gerado pelo Demônio! Quase o matei e você a mim, Rodrigues. Vejo claramente agora. Ele colocou um feitiço em todos nós, particularmente em você!

Agora ao sol de Osaka, Rodrigues estendeu a mão até o crucifixo que usava ao pescoço e rezou uma prece desesperada para ser protegido de todos os feiticeiros e para sua alma imortal ser conservada a salvo de Satã.

O capitão-mor não tem razão? Essa não é a única resposta? raciocinou ele de novo, cheio de pressentimentos. A vida do Inglês é encantada. Agora é íntimo do arquidiabo Toranaga, conseguiu

o seu navio de volta, o dinheiro de volta e wakos, a despeito de tudo, e realmente fala como um deles e isso e impossível tão depressa, mesmo com o dicionário, mas ele conseguiu o dicionário e uma ajuda inestimável. Jesus Deus e Nossa Senhora, tirem o mau-olhado de cima de mim!

- Por que deu o dicionário ao Inglês, padre? - perguntara ele a Alvito em Mishima. - Certamente deveria ter adiado isso. - Sim, Rodrigues - confidenciara-lhe o Padre Alvito -, e eu não precisava ter me desviado do meu caminho para ajudá-lo. Mas estou convencido de que existe uma chance de convertê-lo. Tenho certeza. Toranaga está liquidado agora... É apenas um homem e uma alma. Tenho que tentar salvá-lo.

Padres, pensou Rodrigues. Leche em todos os padres. Mas não em Dell'Aqua e Alvito. Oh, minha Nossa Senhora, peço desculpas por todos os meus maus pensamentos sobre ele e o Padre Alvito. Perdoe-me e destrua o Inglês de algum modo antes que eu o tenha sob as minhas vistas. Não desejo matá-lo por causa do meu voto sagrado, embora, diante da Senhora, eu saiba que ele deve morrer depressa.

O timoneiro em serviço virou a ampulheta e tocou oito badaladas. Era pleno meio-dia.

 

Mariko caminhava pela avenida apinhada de gente e banhada de sol, rumo aos portões na extremidade. Atrás dela vinha uma guarda pessoal de dez marrons. Usava um quimono verde-claro, luvas brancas e um chapéu de viagem verde-escuro, de aba larga, atado sob o queixo por uma fita dourada. Protegia-se do sol com uma sombrinha iridescente. Os portões abriram-se girando sobre os gonzos e ficaram abertos.

Estava tudo muito calmo na avenida. Cinzentos alinhavam-se de ambos os lados e em todas as ameias. Ela podia ver o Anjin-san no parapeito da sua ala do castelo, Yabu ao lado dele e no pátio, a coluna à espera, com Kiri e a Senhora Sazuko. Todos os marrons estavam cerimoniosamente no adro, sob o comando de Yoshinaka, exceto vinte deles que se erguiam no parapeito com Blackthorne e dois a cada janela que dava para o adro.

Ao contrário dos cinzentos, nenhum dos marrons usava armadura ou portava arcos. Suas únicas armas eram espadas. Muitas mulheres, mulheres samurais, também observavam, algumas das janelas de outras casas fortificadas que se alinhavam ao longo da avenida, e outras de parapeitos. Outras, ainda, erguiam-se na avenida entre os cinzentos, algumas crianças alegremente vestidas com elas. Todas as mulheres carregavam sombrinhas, embora algumas portassem espadas, direito que tinham caso desejassem.

Kiyama se encontrava próximo ao portão com meia centena dos seus homens, não cinzentos.

- Bom dia, senhor - disse-lhe Mariko, e curvou-se. Ele retribuiu a reverência e ela atravessou a arcada.

- Alô, Kiri-chan, Sazuko-chan. Como estão bonitas! Está tudo pronto?

- Sim - retrucaram elas, com falsa jovialidade.

- Bom. - Mariko subiu ao seu palanquim aberto e sentouse, as costas eretas. - Yoshinaka-san! Por favor, em marcha. Imediatamente o capitão deu um salto à frente e gritou as ordens. Vinte marrons formaram-se numa vanguarda e se puseram em marcha. Carregadores levantaram o palanquim sem cortinas de Mariko e seguiram os marrons através do portão, o palanquim de Kiri e o da Senhora Sazuko logo atrás, a jovem segurando 0 bebê nos braços.

Quando o palanquim de Mariko surgiu à luz do sol do lado de fora dos muros, um capitão de cinzentos avançou entre a vanguarda e o palanquim, e postou-se diretamente no caminho dela. A vanguarda parou abruptamente. O mesmo fizeram os carregadores.

- Por favor, com licença - disse ele a Yoshinaka -, posso ver os seus papéis?

- Sinto muito, capitão, mas não necessitamos de papéis - respondeu Yoshinaka em meio a grande silêncio.

- Sinto muito, mas o Senhor General Ishido, governador do castelo, capitão da guarda pessoal do herdeiro, com a aprovação dos regentes, instituiu ordens para o castelo todo, que têm que ser executadas.

- Sou Toda Mariko-noh-Buntaro - disse Mariko formalmente -, e tenho ordem do meu suserano, Senhor Toranaga, de escoltar suas damas ao seu encontro. Gentilmente deixe-nos passar.

- Eu ficaria contente em fazer isso, senhora - disse o samurai com orgulho, plantando os pés no chão -, mas sem papéis o meta suserano diz que ninguém pode deixar o Castelo de Osaka. Por favor, desculpe-me.

- Capitão, qual é o seu nome, por favor? - disse Mariko. - Sumiyori Danzenji, senhora, capitão da Quarta

a minha linhagem é tão antiga quanto a sua. - Sinto muito, Capitão Sumiyori, mas minho, ordenarei que o matem.

- A senhora não passará sem papéis! - Por favor, mate-o, Yoshinaka-san.

Yoshinaka avançou com um pulo sem hesitação, sua espada um arco rodopiante, e atingiu o cinzento. A lâmina enterrou-se funda no flanco do homem e foi arrancada instantaneamente, e

o segundo golpe, mais violento, decepou-lhe a cabeça, que rolou no pó.

Yoshinaka limpou a lâmina e embainhou-a. - Avante!

Legião, não sair do Ca ordenou à vanguarda. - Depressa! - A vanguarda formou-se de novo e, seus passos ecoando, pôs-se em movimento. Então, vinda de nenhum lugar, uma flecha cravou-se no peito de Yoshinaka. O cortejo parou com uma guinada. Yoshinaka silenciosamente arrancou a haste, depois seus olhos se vitrificaram e ele caiu de borco.

Um leve gemido escapou dos lábios de Kiri. Um sopro de ar tocou as extremidades da fita muito leve de Mariko. Em algum ponto na avenida os gritos de uma criança foram silenciados. Todo mundo esperava, a respiração sustida.

- Miyai Kazuko-san - chamou Mariko. - Por favor, assuma o comando.

Kazuko era jovem, alto e muito orgulhoso, bem barbeado, com faces fundas, e avançou dos marrons agrupados perto de Kiyama, que se erguia ao lado do portão. Passou a passos largos pelas liteiras de Kiri e Sazuko, deteve-se ao lado da de Mariko e curvou-se formalmente. - Sim, senhora. Obrigado.

- Vocês! - gritou aos homens à frente. - Movam-se! - Tensos, alguns com medo, todos fora de si, eles obedeceram e mais uma vez a procissão começou, Kazuko caminhando junto da liteira de Mariko. Então, cem passos à frente deles, vinte cinzentos se moveram das fileiras cerradas de samurais e se colocaram silenciosamente de atravessado na rua. Os vinte marrons fecharam a brecha. Então alguém vacilou e a vanguarda foi parando aos poucos.

- Tirem-nos do caminho! - gritou Kazuko. Imediatamente um marrom saltou à frente, os outros o seguiram, e a matança tornou-se rápida e cruel. Cada vez que um cinzento tombava, outro calmamente avançava do grupo à espera para se unir aos companheiros no massacre. Foi sempre justo, sempre equilibradamente equiparado, homem a homem, agora dezenove contra quinze, agora oito contra oito, alguns cinzentos feridos debatendo-se no pó, agora três marrons contra dois cinzentos, outro cinzento que avançou, e logo estava um a um, o último marrom, sujo de sangue e ferido, já vitorioso quatro duelos. O último cinzento liquidou-o facilmente e postou-se sozinho entre os corpos, olhando para Miyai Kazuko.

Todos os marrons estavam mortos. Quatro cinzentos jaziam feridos, dezoito mortos.

Kazuko avançou, .desembainhando a espada em meio ao enorme silêncio.

- Espere - disse Mariko. - Por favor, espere, Kazuko-san.

Ele parou, mas ficou de olhos no cinzento, ansioso por lutar. Mariko desceu do palanquim e voltou até junto de Kiyama. - Senhor Kiyama, formalmente lhe peço, por favor, que ordene àqueles homens saírem do caminho.

- Sinto muito, Toda-sama, as ordens do castelo devem ser obedecidas. As ordens são legais. Mas se a senhora desejar, convocarei uma reunião dos regentes e pedirei uma orientação.

- Sou samurai. Minhas ordens são claras, de acordo com o bushido e santificadas pelo nosso código. Devem ser obedecidas e têm prioridade legal sobre qualquer direito feito pelo homem. A lei pode subverter a razão, mas a razão não pode subverter a lei. Se eu não tiver permissão para obedecer, não poderei viver com essa vergonha.

- Convocarei uma reunião imediata.

- Por favor, desculpe-me,- senhor, o que o senhor faz é assunto seu. Eu estou preocupada apenas com as ordens do meu senhor e com a minha vergonha. - Deu-lhe as costas e voltou calmamente até a frente da coluna. - Kazuko-san! Ordeno-lhe que por favor nos leve para fora do castelo!

Ele avançou. - Meu nome é Miyai Kazuko, capitão, da família Serata, do Terceiro Exército do Senhor Toranaga. Por favor, saia do caminho.

- Eu sou Biwa Jiro, capitão da guarnição do Senhor General Ishido. Minha vida não tem valor; ainda assim o senhor não passará - disse o cinzento.

Com o repentino grito de batalha "Toranagaaaaa!", Kazuko investiu contra o cinzento. As espadas retiniram à medida que os golpes e contragolpes foram aparados. Os dois homens faziam círculos. O cinzento era bom, muito bom, assim como Kazuko. As espadas ressoavam no choque. Ninguém mais se movia. Kazuko venceu, mas ficou gravemente ferido e ergueu-se sobre o inimigo, oscilando sobre os pés, e com o braço bom brandiu a espada no ar, soltando o seu grito de guerra, regozijando-se com a sua vitória: - Toranagaaaaa! - Não houve aplauso à sua vitória. Todos sabiam que isso seria inadequado no ritual que os envolvia agora.

Kazuko forçou um pé à frente, depois o outro, e cambaleando ordenou: - Sigam-me! - numa voz fragmentada. Ninguém viu de onde vieram as setas, mas elas o massacraram. E o ânimo dos marrons mudou de fatalismo para ferocidade ante o insulto ao valor de Kazuko. Ele já estava morrendo rapidamente, e teria caído logo, sozinho, ainda cumprindo o seu dever, ainda a liderá-los para fora do castelo. Outro oficial dos marrons se precipitou com vinte homens para formar uma nova vanguarda, e o resto amontoou-se em torno de Mariko, Kiri e a Senhora Sazuko.

- Avante! - gritou, ríspido, o oficial.

Pôs-se em marcha e os vinte samurais o seguiram. Como sonâmbulos, os carregadores levantaram os seus fardos e, trôpegos, se puseram em movimento, desviando-se dos cadáveres. Então, cem passos à frente, mais vinte cinzentos com um oficial se moveram silenciosamente das centenas que esperavam. Os carregadores pararam. A vanguarda acelerou o passo.

- Alto! - Os oficiais se curvaram brevemente um ao outro e anunciaram cada um a sua linhagem.

- Por favor, saia do caminho.

- Por favor, mostre-me os seus papéis.

Desta vez os marrons arremeteram imediatamente com gritos de "Toranagaaaaa!", que foram respondidos com "Yaemoooooonn!", e a carnificina teve início. E cada vez que um cinzento tombou, outro avançou friamente, até que todos os marrons estivessem mortos. O último cinzento limpou sua lâmina e embainhou-a, barrando sozinho a passagem. Outro oficial avançou com vinte marrons da companhia atrás das liteiras.

- Esperem - ordenou Mariko. Pálida, desceu do palanquim, pôs a sombrinha de lado, pegou a espada de Yoshinaka no chão, desembainhou-a e começou a avançar sozinha.

- O senhor sabe quem eu sou. Por favor, saia do meu caminho.

- Sou Kojima Harutomo, Sexta Legião, capitão. Por favor, desculpe-me, a senhora não pode passar - disse o cinzento com orgulho.

Ela arremeteu, mas o golpe foi aparado. O cinzento recuou e ficou na defensiva, embora pudesse tê-la matado sem esforço. Foi-se retirando lentamente avenida abaixo, ela o seguindo, mas ele a fez se esforçar por cada passo. Hesitantemente a coluna pôs-se em movimento atrás dela. Novamente ela tentou trazer o cinzento à luta, cortando, golpeando, sempre atacando ferozmente, mas o samurai se esquivava, evitando-lhe os golpes, guardando-se, não atacando, deixando-a se exaurir. Mas fazia isso gravemente, com dignidade, com toda a cortesia, concedendo-lhe a honra que lhe era devida. Ela atacou de novo, mas ele aparou o assalto violento que teria dominado um espadachim inferior, e recuou outro passo. A transpiração dela escorria. Um marrom começou a avançar para ajudá-la, mas o seu oficial calmamente ordenou-lhe que parasse, sabendo que ninguém podia interferir. Samurais de ambos os lados esperavam o sinal, ansiando pela ordem para matar.

Na multidão, uma criança escondeu os olhos nas saias da mãe. Gentilmente ela a forçou a olhar e se ajoelhou. - Por favor, olhe, meu filho - murmurou. - Você é samurai.

Mariko sabia que não agüentaria muito tempo mais. Estava arquejando agora devido ao esforço e podia sentir a malevolência que pairava ao seu redor. Então, à frente e em toda a volta, cinzentos começaram a se afastar dos muros e o laço em torno da coluna rapidamente se cerrou. Alguns cinzentos caminharam para tentar cercar Mariko e ela parou de avançar, sabendo que podia, com toda a facilidade, ser encurralada, desarmada e capturada, o que destruiria tudo imediatamente. Agora marrons moveram-se para assisti-Ia e o resto tomou posições em torno das liteiras. O ânimo na avenida era agourento agora, cada homem comprometido, o odor adocicado de sangue nas narinas de cada um. A coluna foi espremida junto do portão e Mariko viu como seria fácil para os cinzentos separá-los se desejassem e deixá-los impotentes no meio da rua.

- Esperem! - gritou ela. Todos pararam. Fez uma meia mesura ao seu atacante, depois, cabeça erguida, deu-lhe as costas e se dirigiu para Kiri. - Sinto ... sinto muito, mas não é possível

lutar por entre estes homens, no momento - disse, o peito arfando. - Nós... nós devemos voltar um instante. - O suor escorria-lhe pelo rosto quando atravessou o alinhamento de homens. Chegando junto de Kiyama, parou e curvou-se. - Esses homens me impediram de cumprir o meu dever, de obedecer ao meu suserano. Não posso viver com essa vergonha, senhor. Cometerei seppuku ao pôr-do-sol. Formalmente lhe peço que seja meu assistente.

- Não. A senhora não fará isso.

Os olhos dela faiscaram e sua voz ressoou destemida: - A menos que sejamos autorizados a obedecer ao nosso suserano, conforme o nosso direito, cometerei seppuku ao pôr-do-sol.

Curvou-se e caminhou na direção do portão. Kiyama curvou-se para ela e seus homens fizeram o mesmo. Então todos os que estavam na avenida e nas ameias e nas janelas, todos se curvaram em homenagem. Mariko atravessou a arcada, passou pelo adro, cruzou o jardim. Seus passos a levaram à rústica casa de chá isolada. Entrou e, uma vez sozinha, chorou silenciosamente por todos os homens que haviam morrido.

 

- Lindo, neh? - Yabu apontava para os mortos lá embaixo.

- Por favor? - perguntou Blackthorne. - Foi um poema. Compreende "poema"? - Compreendo a palavra, sim.

- Foi um poema, Anjin-san. Não vê?

Se Blackthorne soubesse as palavras, teria dito: - Não, Yabu-san. Mas vi claramente pela primeira vez o que realmente estava na cabeça dela, no momento em que deu a primeira ordem e Yoshinaka matou o primeiro homem. Poema? Foi um ritual extraordinário, sem sentido, corajoso e hediondo, onde a morte é tão formalizada e inevitável quanto na Inquisição espanhola, e todas as mortes meramente um prelúdio para a de Mariko. Estão todos comprometidos agora, Yabu-san - você, eu, o castelo, Kiri, Ochiba, Ishido, todo mundo -, tudo porque ela decidiu fazer o que decidiu que era necessário. E quando decidiu? Há muito tempo, neh? Ou, mais corretamente, Toranaga tomou a decisão por ela.

- Sinto muito, Yabu-san, não palavras suficientes - disse ele.

Yabu mal o ouviu. Havia silêncio nas ameias e na avenida, todos tão imóveis quanto estátuas. Então a avenida começou a voltar à vida, vozes abafadas, movimentos contidos, o sol batendo, à medida que cada um ia saindo do seu transe.

Yabu suspirou, cheio de melancolia. - Foi um poema, Anjin-san - disse novamente, e se afastou do parapeito.

Quando Mariko pegara a espada e avançara sozinha, Blackthorne tivera vontade de pular para a arena e saltar em cima do seu atacante para protegê-la, arrancar a cabeça do cinzento antes que ela fosse abatida. Mas, como todo mundo, não fizera nada. Não porque tivesse medo. Já não tinha medo de morrer. A coragem dela mostrara-lhe a inutilidade daquele medo e ele chegara a um acordo consigo mesmo há muito tempo, naquela noite na aldeia com a faca.

Eu pretendia enterrar a faca no coração aquela noite. Desde então meu medo da morte foi eliminado, exatamente como ela disse que seria. "Só vivendo à beira da morte o senhor pode compreender a indescritível alegria da vida." Não me lembro de Omi detendo o golpe, só de me sentir renascer quando acordei no amanhecer seguinte.

Seus olhos observaram os mortos, lá na avenida. Eu poderia ter matado aquele cinzento para ela, pensou, e talvez outro, e talvez vários, mas teria sempre havido outro e a minha morte não teria feito a balança pender nem uma fração. Não tenho medo de morrer, disse-se ele. Só estou estarrecido de que não haja nada que eu possa fazer para protegê-la.

Alguns cinzentos recolhiam corpos agora, marrons e cinzentos tratados com igual dignidade. Outros cinzentos estavam se dispersando, Kiyama e seus homens entre eles, mulheres, crianças e criadas partindo também, seus pés levantando poeira na avenida. Ele sentiu o acre e levemente fétido odor da morte, misturado à brisa salgada, a mente eclipsada por ela, a coragem dela, o indefinível calor que a sua destemida coragem lhe transmitira. Levantou os olhos para o sol e mediu-o. Seis horas para o pôrdo-sol.

Dirigiu-se às escadas que levavam para baixo. - Anjin-san? Aonde vai, por favor?

Ele se voltou, esquecido dos seus cinzentos. O capitão o fitava.

- Ah, desculpe. Vou lá! - Apontou para o adro.

O capitão dos cinzentos pensou um instante, depois relutantemente concordou. - Está bem. Por favor, siga-me.

No adro Blackthorne sentiu a hostilidade dos marrons para com os cinzentos. Yabu estava em pé junto aos portões, observando os homens voltarem. Kiri e a Senhora Sazuko abanavam-se, uma ama de leite alimentava o bebê. Estavam sentadas sobre mantas e almofadas colocadas às pressas à sombra, numa varanda. Os carregadores amontoavam-se a um lado, acocorados num grupo cerrado e assustado em torno da bagagem e dos cavalos de carga. Ele se encaminhou para o jardim mas os guardas menearam a cabeça. - Sinto muito, isto está fora de limites no momento, Anjin-san.

- Sim, claro - disse ele, voltando-se. A avenida estava se esvaziando agora, embora ainda restassem quinhentos e tantos cinzentos, acocorados ou sentados de pernas cruzadas num largo semicírculo, encarando os portões. O remanescente dos marrons encaminhou-se com gravidade de volta à arcada.

- Fechem os portões e barrem-nos - ordenou Yabu.

- Por favor, desculpe-me, Yabu-san - disse o oficial -, mas a Senhora Toda disse que deviam ser deixados abertos. Devemos guardá-los contra todos os homens, mas devem permanecer abertos.

- Tem certeza?

O oficial se empertigou. Era um homem cuidadoso, ar resoluto, por volta dos trinta anos, com um queixo saliente, bigode e barba. - Por favor, desculpe-me, mas é claro que tenho.

- Obrigado. Não tive a intenção de ofender, neh? O senhor é o oficial superior aqui?

- A Senhora Toda honrou-me com a sua confiança, sim. Naturalmente o senhor é superior a mim.

- Estou no comando, mas o senhor é o encarregado.

- Obrigado, Yabu-san, mas é a Senhora Toda quem comanda aqui. O senhor é um oficial superior. Eu ficaria honrado em ser o segundo em relação ao senhor. Se o senhor permitir.

Yabu disse, maligno: - Está permitido, capitão. Sei muito bem quem nos comanda aqui. Seu nome, por favor?

- Sumiyori Tabito.

- O primeiro cinzento também não era Sumiyori? - Sim, Yabu-san. Era meu primo.

- Quando estiver pronto, Capitão Sumiyori, por favor convoque uma reunião de todos os oficiais.

- Certamente, senhor. Com a permissão dela.

Os dois homens desviaram o olhar quando uma senhora surgiu claudicando no adro. Era idosa, samurai, e apoiava-se penosamente numa bengala. Tinha o cabelo branco mas as costas eretas. Dirigiu-se a Kiritsubo, a criada segurando uma sombrinha acima dela.

- Ah, Kiritsubo-san - disse formalmente. - Sou Maeda Etsu, mãe do Senhor Maeda, e compartilho das opiniões da Senhora Toda. Com a permissão dela, eu gostaria de ter a honra de esperar com ela.

- Por favor, sente-se, a senhora é bem-vinda - disse Kiri. Uma criada trouxe outra almofada e as duas criadas ajudaram a velha senhora a se sentar.

- Ah, assim está melhor... muito melhor - disse a Senhora Etsu, contendo um gemido de dor. - São as minhas juntas, pioram a cada dia. Ah, isso é um alívio. Obrigada.

- Aceitaria um pouco de chá?

- Primeiro chá, depois saquê,'Kiritsubo-san. Muito saquê. Toda essa excitação dá sede, neh?

Outras mulheres samurais estavam se separando da multidão que partia e voltando através das fileiras de cinzentos para a sombra agradável. Algumas hesitaram, três mudaram de idéia, mas logo havia catorze senhoras na varanda, duas das quais haviam trazido crianças consigo.

- Por favor, com licença, sou Achiko, esposa de Kiyama Nagasama, e também quero ir para casa - disse timidamente uma jovem, segurando a mão do filhinho. - Quero voltar para casa, para o meu marido. Posso pedir permissão para esperar também, por favor?

- Mas o Senhor Kiyama ficará furioso, se a senhora se juntar a nós.

- Oh, desculpe, Kiritsubo-san, mas o Avô mal me conhece. Sou apenas a esposa de um neto muito secundário. Tenho certeza de que ele não se importará e não vejo meu marido há meses e também não me importo com o que digam. Nossa senhora tem razão, neh?

- Toda a razão, Achiko-san - disse a velha Senhora Etsu, firmemente assumindo o controle. - Claro que você é bemvinda, criança. Venha sentar-se ao meu lado. Qual é o nome do seu filho? Você tem um belo menino.

As senhoras concordaram em coro e outro menino, de quatro anos, balbuciou queixosamente: - Por favor, eu também sou um belo menino, neh? - Alguém riu e logo todas a imitaram. - Você é, sim - disse a Senhora Etsu, e riu de novo.

Kiri secou uma lágrima. - Pronto, assim é melhor, eu estava ficando séria demais, neh? - Soltou uma risadinha. - Ah, senhoras, fico muito honrada em saudá-las em nome dela. Devem todas estar famintas, e a senhora tem toda a razão, Senhora Etsu, tudo isto dá muita sede! - Mandou criadas buscarem comida e bebida, e apresentou as senhoras que necessitavam de apresentação, admirando um belo quimono aqui ou uma sombrinha especial ali. Logo estavam todas tagarelando e felizes, remexendo-se como muitos periquitos.

- Como um homem pode compreender as mulheres? - disse Sumiyori inexpressivamente.

- Impossível! - concordou Yabu.

- Num momento estão assustadas e em lágrimas, no momento seguinte... Quando vi a Senhora Mariko pegar a espada de Yoshinaka, pensei que eu morreria orgulhosamente.

- Sim. Uma pena que o último cinzento fosse tão bom. Eu gostaria de tê-la visto matando. Ela teria matado um homem inferior.

Sumiyori esfregou a barba no ponto onde o suor secando irritava a pele. - O que o senhor teria feito, se fosse ele?

- Eu a teria matado, depois atacado os marrons. Houve sangue demais lá. Fiz o que pude para não massacrar todos os cinzentos perto de mim no parapeito.

- É bom matar às vezes. Muito bom. Algumas vezes é muito especial, e então é melhor do que uma mulher desejosa. Houve uma gargalhada entre as senhoras, quando os dois menininhos começaram a se pavonear de um lado para o outro com ar de importância, seus quimonos escarlates dançando. - É bom ter crianças aqui novamente. Agradeço aos deuses que as minhas estejam em Yedo.

- Sim. - Yabu olhava as mulheres especulativamente.

- Eu estava me perguntando a mesma coisa - disse Sumiyori calmamente.

- Qual é a sua resposta?

- Só há uma agora. Se Ishido nos deixar partir, ótimo. Se o seppuku da Senhora Mariko for desperdiçado, então... então ajudaremos essas senhoras a ir para o Vazio e começaremos o massacre. Elas não vão querer viver.

- Algumas talvez queiram - disse Yabu.

- O senhor pode decidir isso mais tarde, Yabu-san. Beneficiaria nosso amo que todas cometessem seppuku aqui. E as crianças.

- Sim.

- Depois guarnecemos os muros e em seguida abrimos os portões ao amanhecer. Combateremos até o meio-dia. Será o bastante. Depois aqueles que sobrarem voltarão para dentro e atearão fogo a esta parte do castelo. Se eu estiver vivo, ficaria honrado se o senhor fosse o meu assistente.

- Naturalmente.

Sumiyori sorriu, malicioso. - Isto vai dilacerar o reino, neh? Todas essas mortes e o seppuku dela. Vai se espalhar como fogo - vai devorar Osaka, neh? Acha que isso atrasará o Exaltado? Seria esse o plano do nosso amo?

- Não sei. Ouça, Sumiyori, vou voltar à minha casa por um momento. Vá me buscar assim que a senhora volte. -- Aproximou-se do Anjin-san, sentado na escada principal. - Ouça, Anjin-san - disse Yabu furtivamente -, talvez eu tenha um plano. Secreto, neh? "Secreto", compreende?

- Sim. Compreendo. - Sinos tocaram a mudança de hora. O tempo soou na cabeça de todos, o começo da hora do Macaco, seis badaladas do turno da tarde, três da tarde. Muitos se voltaram para o sol e, sem pensar, mediram-no.

- Que plano? - perguntou mais tarde.

Blackthorne. Fique por perto.

- Conversamos nada, compreendeu? - Sim.

Em silêncio Yabu encaminhou-se para o marrons. Vinte cinzentos se engataram à escolta e, juntos, desceram a avenida. A casa de hóspedes onde Yabu se alojava não ficava longe da primeira esquina. Os cinzentos ficaram de fora do portão. Yabu fez sinal aos marrons que esperassem no jardim e entrou sozinho.

- É impossível, senhor general - disse Ochiba. - O senhor não pode deixar uma dama da posição dela cometer seppuku. Sinto muito, mas o senhor foi encurralado.

- Concordo ---- disse o Senhor Kiyama vigorosamente.

- Com toda a humildade, senhora - disse lshido -, qualquer coisa que eu diga ou deixe de dizer não importa a bosta de um eta para ela. Ela já se decidiu, pelo meros Toranaga já.

- Claro que ele está por trás disso - disse Kiyama enquanto Ochiba recuava ante a grosseria de Ishido. - Sinto muito, mas ele o superou em astúcia de novo. Ainda assim o senhor não pode deixá-la cometer sepprikrt!

-- Por quê?

- Por favor, desculpe, senhor general,

nossas vozes baixas - disse Ochiba. Estavam esperando na espaçosa antecâmara do quarto de doente da Senhora Yodoko nos aposentos internos do torreão, no segundo andar. - Tenho certeza de que a culpa não foi sua e de que deve haver uma solução.

Calmamente Kiyama disse: - O senhor não pode deixá-la continuar com o plano, senhor general, porque isso estimulará cada dama no castelo.

Ishido cravou-lhe os olhos. - O senhor parece se esquecer de que alguns foram abatidos por engano e isso não criou agita devemos conservar alguma entre eles - exceto deter outras tentativas de escapada.

- Esse foi um engano terrível, senhor general - disse Ochiba.

- Concordo. Mas estamos em guerra, Toranaga ainda não está em nossas mãos, e até que ele esteja morto a senhora e o herdeiro se encontram em perigo absoluto.

- Sinto muito, não estou preocupada comigo mesma, apenas com o meu filho - disse Ochiba. - Eles todos têm que estar de volta aqui dentro de dezoito dias. Aconselho-o a deixá-los partir.

- Isso é um risco desnecessário. Sinto muito. Não temos certeza se ela realmente fala a sério.

- Fala - disse-lhe Kiyama com desdém, desprezando a truculenta presença de Ishido nos opulentos e suntuosos aposentos que o lembravam claramente do táicum, seu amigo e venerado protetor. - Ela é samurai.

- Sim - disse Ochiba. - Sinto muito, mas concordo com o Senhor Kiyama. Mariko-san fará o que diz. Depois há aquela megera Etsu! Esses Maeda são um bando orgulhoso, neh?

Ishido aproximou-se da janela e olhou para fora. - No que me concerne podem todos pegar fogo. A mulher Toda é cristã, neh? O suicídio não é contra a sua religião? Um pecado especial?

- Sim, mas ela terá um assistente, portanto não será suicídio.

- E se não tiver? - O quê?

- Digamos que ela fosse desarmada e não tivesse assistente? - Como o senhor poderia fazer isso?

- Capturando-a. Confinando-a com criadas cuidadosamente escolhidas até que Toranaga atravessasse as nossas fronteiras. - Ishido sorriu. - Então ela poderá fazer o que quiser. Eu ficaria encantado em ajudá-la.

- Como poderia capturá-la? - perguntou Kiyama. - Ela sempre teria tempo para cometer seppuku, ou para usar a própria faca.

- Talvez. Mas digamos que ela pudesse ser capturada, desarmada e confinada por alguns dias. Esses "alguns dias" não são vitais? Não é por isso que ela está insistindo em ir hoje, antes que Toranaga cruze as nossas fronteiras e se castre?

- Poderia ser feito? - perguntou a Senhora Ochiba. - Possivelmente - disse Ishido.

Kiyama ponderou sobre a idéia. - Dentro de dezoito dias Toranaga deve estar aqui. Poderia protelar junto à fronteira por mais quatro dias, no máximo. Ela teria que ser detida por uma semana no máximo.

- Ou para sempre - disse Ochiba. - Toranaga vem adiando tanto que às vezes penso que nunca chegará.

- Ele tem que vir até o vigésimo segundo dia - disse Ishido. - Ah, senhora, a idéia foi brilhante, brilhante.

- Com certeza a idéia foi sua, senhor general? - A voz de Ochiba era apaziguadora, embora estivesse muito cansada devido à noite insone. - E quanto ao Senhor Sudara e minha irmã? Estão com Toranaga agora?

- Não, senhora. Ainda não. Serão trazidos para cá por mar. - Ela não deve ser tocada - disse Ochiba. - Nem seu filho.

- Seu filho é herdeiro direto de Toranaga, que é herdeiro dos Minowara. Meu dever para com o herdeiro, senhora, me faz assinalar isso novamente.

- Minha irmã não deve ser tocada. Nem o seu filho. - Como desejar, senhora.

- Senhor - disse ela a Kiyama -, quão boa cristã é Mariko-san?

- Pura - respondeu Kiyama na hora. - A senhora se refere a suicídio sendo pecado? Eu ... eu acho que ela respeitaria isso ou a sua alma eterna estaria perdida, senhora. Mas não sei se ...

- Então há uma solução mais simples - disse Ishido sem pensar. - Mande o sumo-sacerdote dos cristãos ordenar a ela que pare de incomodar os dirigentes legais do império!

- Ele não tem poder para isso - disse Kiyama. E acrescentou, com a voz ainda mais cheia de farpas: - Isso é interferência política - coisa a que o senhor foi sempre severamente contra, e com razão.

- Parece que os cristãos interferem apenas quando lhes convém - disse Ishido. - Foi apenas uma sugestão.

A porta interna se abriu e um médico apareceu. Tinha o rosto grave, a exaustão o envelhecia. - Sinto muito, senhora, ela a está chamando.

Está morrendo? - perguntou Ishido.

- Está perto da morte, senhor general, sim, mas quando, não sei.

Ochiba atravessou às pressas o comprido aposento, cruzou a porta interna, seu quimono azul justo, as saias ondulando graciosamente. Os dois homens a observaram. A porta se fechou. Por um momento os dois evitaram os olhos um do outro, depois Kiyama disse: - Acha mesmo que a Senhora Toda poderia ser capturada?

- Sim - disse Ishido, olhando para a porta.

Ochiba atravessou o aposento ainda mais opulento e se ajoelhou ao lado dos futons. Criadas e médicos rodeavam-nos. A luz do sol filtrava-se pelas venezianas de bambu e deslizava pelos entalhes dourados e vermelhos das vigas, colunas e portas. A cama de Yodoko estava rodeada de biombos decorativos entalhados. Ela parecia adormecida, o rosto exangue emoldurado pelo capuz de seu hábito budista, os pulsos- magros, as veias nodosas, e Ochiba pensou em como era triste envelhecer. A idade é tão injusta para as mulheres. Não para os homens, apenas para as mulheres. Os deuses me protejam da velhice, orou. Buda proteja meu filho e o ponha em segurança no poder e me proteja apenas enquanto eu for capaz de protegê-lo e ajudá-lo.

Pegou a mão de Yodoko, respeitando-a. - Senhora? - O-chan? - sussurrou Yodoko, usando-lhe o apelido. - Sim, senhora?

- Ah, como você está bonita, tão bonita, você sempre o foi. - A mão se ergueu e acariciou o belo cabelo e Ochiba não se ofendeu com o toque, pelo contrário, apreciou-o como sempre, gostando imensamente dela. - Tão jovem e bela e perfumada. Como o táicum teve sorte.

- Sente dor, senhora? Posso trazer-lhe alguma coisa?

- Nada... nada. Só queria conversar. - Os velhos olhos estavam encovados mas não haviam perdido nada da sua astúcia. - Mande os outros embora.

Ochiba fez-lhes sinal que saíssem e, quando ficaram as duas sozinhas, disse: - Sim, senhora?

- Ouça, minha querida, faça o senhor general deixá-la ir. - Ele não pode, senhora, ou todos os outros reféns partirão e perderemos força. Todos os regentes concordam - disse Ochiba.

- Regentes! - disse Yodoko com uma ponta de desprezo. - Você concorda?

- Sim, senhora, e à noite passada a senhora disse que ela não devia ir.

- Agora você deve deixá-la ir ou outros a seguirão no seppuku e você e nosso filho serão maculados por causa do engano de Ishido.

- O senhor general é leal, senhora. Toranaga não, sinto muito.

- Você pode confiar no Senhor Toranaga, não nele. Ochiba meneou a cabeça. - Sinto muito, mas estou convencida de que Toranaga se empenha em tornar-se xógum e destruirá nosso filho.

- Está enganada. Ele disse isso mil vezes. Outros daimios estão tentando usá-lo pelas suas próprias ambições. Sempre fizeram isso. Toranaga era o favorito do táicum, Toranaga sempre respeitou o herdeiro. Toranaga é Minowara. Não se deixe influenciar por Ishido, ou pelos regentes. Eles têm seus próprios karmas, seus próprios segredos, O-chan. Por que não deixá-la partir? É tudo tão simples. Proíba-lhe o mar, então ela sempre pode ser atrasada em algum lugar dentro das nossas fronteiras. Ela ainda está na rede do seu general, e Kiri e todas as outras, neh? Estará rodeada de cinzentos. Pense como o táicum pensaria, ou como Toranaga. Você e nosso filho estão sendo levados... - As palavras se arrastaram e suas pálpebras começaram a palpitar. A velha senhora reuniu as forças remanescentes e continuou: - Mariko-san nunca poderia objetar a guardas. Sei que ela pretende fazer o que diz. Deixe-a ir.

- Claro que isso foi considerado, senhora - disse Ochiba, a voz gentil e paciente -, mas fora do castelo Toranaga tem grupos secretos de samurais, escondidos dentro e em torno de Osaka, não sabemos quantos, e tem aliados - não temos certeza de quem. Ela poderia escapar. Uma vez*que se vá, todas as outras a seguiriam imediatamente e perderíamos uma grande segurança. A senhora concordou, Yodoko-chan, não se lembra? Sinto muito, mas eu lhe perguntei ontem à noite, não se lembra?

- Sim, lembro, criança - disse Yodoko, a mente devaneando. - Oh, como gostaria que o senhor táicum estivesse aqui de novo para orientá-la. - A respiração da velha estava se tornando forçada.

- Posso dar-lhe um pouco de chá, ou saquê? - Chá, sim, por favor, um pouco de chá.

Ela ajudou-a a beber. - Obrigada, criança. -- A voz estava mais débil agora, o esforço da conversa apressando a agonia. - Ouça, criança, deve confiar em Toranaga. Case-se com ele, negocie com ele pela sucessão.

- Não, não - disse Ochiba, chocada.

- Yaemon poderia governar depois dele, e então o fruto do seu novo casamento depois do nosso filho. Os filhos do nosso filho jurarão honrosamente fidelidade eterna a essa nova linhagem Toranaga.

- Toranaga sempre odiou o táicum. Sabe disso, senhora. Toranaga é a fonte de todo o problema. Há anos, neh? Ele!

- E você? E o seu orgulho, criança? - Ele é o inimigo, nosso inimigo.

- Você tem dois inimigos, criança. Seu orgulho e a necessidade de ter um homem que se compare ao nosso marido. Por favor, seja paciente comigo, você é jovem, bela, fértil e merece um marido. Toranaga é digno de você, você dele. Toranaga é a única chance que Yaemon tem.

- Não, ele é o inimigo.

- Ele era o melhor amigo do nosso marido e seu mais leal vassalo. Sim... sem Toranaga ... você não vê ... foi a ajuda de Toranaga... não percebe? Você poderia manobrar ... manobrá-lo ...

- Sinto muito, mas eu o odeio, ele me enoja, Yodoko-chan. - Muitas mulheres ... O que eu estava dizendo? Ah, sim, muitas mulheres se casam com homens que as enojam. Graças a Buda eu nunca tive que sofrer isso. . . - A velha dama sorriu brevemente. Depois suspirou. Foi um longo e sério suspiro, prolongou-se muito tempo, e Ochiba pensou que o fim tivesse chegado. Mas os olhos se abriram um pouco e uma voz minúscula soou de novo. - Neh?

- Sim.

- Faça. Por favor? - Pensarei nisso.

Os velhos dedos tentaram apertar. - Imploro-lhe, prometame que se casará com Toranaga e eu irei para Buda sabendo que a linhagem do táicum viverá para sempre, como o nome dele ... o nome dele viverá par...

As lágrimas correram livremente pela face de Ochiba enquanto ela acariciava a mão lânguida.

Pouco depois os olhos tremeram e a velha sussurrou: - Você deve deixar Akechi Mariko partir. Não... não a deixe tomar vingança contra nós pelo que o táicum fez... fez ao... ao pai dela...

Ochiba foi pega desprevenida. - O quê?

Não houve resposta. Alguns instantes depois Yodoko começou a murmurar. - . . . Querido Yaemon, alô, meu querido filho, como... você é um menino tão belo, mas tem muitos inimigos, tão tolos, tão... Você também não é apenas uma ilusão, não é. . .

Um espasmo torturava-a. Ochiba segurou-lhe a mão e acariciou-a. - Namu Amida Butsu - sussurrou em homenagem. Houve outro espasmo, então a velha dama disse claramente: - Perdoe-me, O-chan.

- Não há nada a perdoar, senhora.

- Há muito a perdoar. . . - A voz se tornou mais tênue, e a luz começou a se esvair do seu rosto. - Ouça... prom-prometa sobre... sobre Toranaga, Ochiba-sarna... importante ... por favor... pode confiar nele.. . - Os velhos olhos suplicavam, desejavam.

Ochiba não queria obedecer, embora soubesse que devia. Sua mente estava perturbada pelo que fora dito sobre Akechì Mariko, e ainda ressoava com as palavras do táicum, repetidas dez mil vezes: - Pode confiar em Yodoko-sarna, O-chan. Ela é a Sábia, nunca se esqueça disso. Ela tem razão a maior parte das vezes e você pode sempre confiar nela com a própria vida, a vida do meu filho e a minha...

Ochiba cedeu. - Eu prom. . . - Parou abruptamente.

A luz de Yodoko-sarna bruxuleou uma última vez e extinguiu-se.

- Namu Amida Butsu. - Ochiba levou-lhe a mão aos lábios, curvou-se, estendeu a mão de novo sobre a coberta e fechou-lhe os olhos, pensando na morte do táicum, a única outra morte que presenciara tão de perto. Daquela vez a Senhora Yodoko fechara os olhos, como era privilégio de esposa, e fora naquela mesma sala, Toranaga esperando do lado de fora, assim como Ishido e Kiyama estavam agora, continuando a vigília que se iniciara na véspera.

- Mas por que mandar chamar Toranaga, senhor? - perguntara ela. - O senhor devia descansar.

- Descansarei quando estiver morto, O-chan - dissera o táicum. - Preciso determinar a sucessão. Finalmente. Enquanto tenho forças.

Então Toranaga chegara, forte, vital, transbordante de poder. Os quatro ficaram sozinhos: Ochiba, Yodoko, Toranaga e Nakamura, o táicum, senhor do Japão, em seu leito de morte, todos à espera das ordens que seriam obedecidas.

- Bem, Tora-san - dissera o táicum, recebendo-o com o apelido que Goroda dera a Toranaga fazia muito tempo, os olhos fundos perscrutando do minúsculo e mirrado rosto simiesco, cravado num corpo igualmente minúsculo, um corpo que tivera a força do aço até, poucos meses antes, quando a devastação começara. - Estou morrendo. Do nada para o nada, mas você estará vivo e meu filho, indefeso.

- Indefeso, não, senhor. Todos os daimios honrarão seu filho como honram o senhor.

O táicum riu. - Sim, respeitarão. Hoje. Enquanto estou vivo, ah, sim! Como posso garantir que Yaemon governará depois de mim?

-- Designe um conselho de regentes, senhor.

- Regentes! - dissera o táicum com desdém. - Talvez eu devesse tornar você meu herdeiro e deixá-lo julgar se Yaemon é digno de segui-lo.

- Eu não seria digno de fazer isso. Seu filho deve segui-lo. - Sim, e os filhos de Goroda deveriam tê-lo seguido.

- Não. Eles romperam a paz.

- E você os destruiu por ordem minha.

-- O senhor detinha o mandato do imperador. Eles se rebelaram contra o seu mandato legal, senhor. Dê-me as suas ordens agora, e obedecerei.

- Foi por isso que o chamei aqui.

Depois o táicum dissera: - É uma coisa rara ter um filho aos cinqüenta e sete anos e uma coisa abominável morrer aos sessenta e três - se ele é o único filho e você não tem parentes e é senhor do Japão. Neh?

- Sim -- dissera Toranaga.

- Talvez fosse melhor eu nunca ter tido um filho, assim poderia passar o reino a você, conforme combinamos. Você tem mais filhos do que um português tem piolhos.

- Karma.

O táicum rira e um fio de saliva, salpicada de sangue, escorrera-lhe da boca. Com grande cuidado, Yodoko limpara a saliva e ele sorrira para a esposa. - Obrigado, Yo-chan, obrigado. - Depois os olhos se voltaram para Ochiba e Ochiba sorrira, mas os olhos não estavam sorridentes agora, apenas perscrutadores, inquisitivos, ponderando sobre a pergunta, a pergunta que nunca ousara fazer, que ela tinha certeza estivera sempre na mente dele: Yaemon é meu filho mesmo?

- Karma, O-chan. NA? - dissera gentilmente, mas o medo de Ochiba de que ele lhe perguntasse diretamente atormentara-a e lágrimas cintilaram-lhe nos olhos.

- Não há necessidade de lágrimas, O-chan. A vida é apenas um sonho dentro de um sonho - dissera o velho. Estivera um momento cismando, depois perscrutara Toranaga de novo, e com um repentino e inesperado calor, pelo qual era famoso, dissera: - Iiiih, amigo velho, que vida tivemos, neh? Todas as batalhas? Lutando lado a lado - imbatíveis juntos. Fizemos o impossível, neh? Juntos humilhamos os poderosos e cuspimos no rabo levantado deles, enquanto pediam mais. Nós... nós o fizemos, um camponês e um Minowara! - O velho casquinara. - Ouça, mais alguns anos e eu teria esmagado os comedores de alho adequadamente. Depois, com legiões coreanas e as nossas legiões japonesas, uma arremetida violenta até Pequim e eu no Trono do Dragão da China. Então eu lhe teria dado o Japão, que você deseja, e teria tido o que desejo. - A voz era forte, desmentindo a fragilidade interior. - Um camponês pode se aboletar no Trono do Dragão com dignidade e honra - não é como aqui. NA? - A China e o Japão são diferentes, sim, senhor.

- Sim. Eles são sábios na China. Lá o primeiro de uma dinastia é sempre um camponês ou o filho de um camponês, e o trono é sempre tomado à força, com mãos ensangüentadas. Nada de castelo hereditário lá - não é essa a força da China? - Novamente a risada. - Força, mãos ensangüentadas e camponês - isso sou eu. NA?

- Sim. Mas o senhor também é samurai. O senhor mudou as regras aqui. É o primeiro de uma dinastia.

- Sempre gostei de você, Tora-chan. - O velho tomara um gole de chá, contente. - Sim, imagine só, eu no Trono do Dragão, imagine! Imperador da China, Yódoko imperatriz, e depois dela Ochiba, a Bela, e depois de mim Yaemon, e a China e o Japão unidos para sempre, como deveriam estar. Ah, teria sido tão fácil! Depois, com as nossas legiões e as hordas chinesas eu dispararia para noroeste e, como prostitutas de décima classe, os impérios do mundo inteiro se deitariam arquejantes no pó, as pernas arreganhadas para que nós pegássemos o que quiséssemos. Somos imbatíveis - você e eu éramos imbatíveis -, os japoneses são imbatíveis, claro que são - conhecemos todo o sentido da vida. NA?

- Sim.

Os olhos cintilavam estranhamente. - O que será? - Dever, disciplina e morte - respondera Toranaga. Novamente uma risadinha, o velho aparentemente mais mi núsculo do que nunca, mais mirrado do que nunca, e depois, num repente igual, pelo que também era famoso, toda a cordialidade o abandonara. - Os regentes? - perguntara, a voz maligna e firme. - A quem você escolheria?

- Os senhores Kiyama, Ishido, Onoshi, Toda Hiro-matsu e Sugiyama.

O rosto do táicum se arreganhara num sorriso malicioso. - Você é o homem mais esperto do império - depois de mim! Explique a estas senhoras por que você escolheria esses cinco.

- Porque todos se odeiam mutuamente, mas em conjunto podem governar de modo eficaz e aniquilar toda oposição.

- Até você?

- Não, não a mim, senhor. - Depois Toranaga olhara para Ochiba e falara diretamente a ela: - Para que Yaemon herde o poder, a senhora tem que resistir mais nove anos. Para isso, acima de tudo o mais, deve preservar a paz do táicum. Escolho Kiyama porque é o daimio cristão chefe ... um grande general, e um vassalo muito leal. Depois, Sugiyama porque é o daimio mais rico do país, sua família é antiga, detesta visceralmente os cristãos, e tem tudo a ganhar se Yaemon assumir o poder. Onoshi, porque detesta Kiyama, contrabalança o poder dele, também é cristão, mas um leproso que se agarra à vida, viverá vinte anos e odeia todos os outros com uma violência monstruosa, particularmente lshido. Ishido, porque estará farejando conspirações, porque é camponês, detesta os samurais hereditários, e é violentamente contra os cristãos. Toda Hiro-matsu porque é honesto, obediente e leal, tão constante quanto o sol e tão abrupto quanto a melhor espada do melhor mestre espadeiro. Deveria ser o presidente do conselho.

- E você?

- Eu cometerei seppuku com meu filho mais velho, Noboru. Meu filho Sudara está casado com a irmã da Senhora Ochiba, portanto não representa ameaça, nunca poderia ser uma ameaça. Poderia herdar o Kwanto, se lhe aprouvesse, desde que jure lealdade perpétua à sua casa.

Ninguém se surpreendera de que Toranaga se tivesse oferecido para fazer o que obviamente estava na mente do táicum, pois Toranaga, dentre todos os daimios, era a única ameaça real. Então Ochiba ouvira o marido dizer: - O-chan, qual e o seu conselho?

- Tudo o que o Senhor Toranaga disse, senhor - respondera ela de imediato -, exceto que o senhor deve ordenar que minha irmã se divorcie de Sudara, o qual deve cometer seppuku. O Senhor Noboru deve ser o herdeiro do Senhor Toranaga e deve herdar as duas províncias de Musashi e Shimoosa, e o resto do Kwanto deve ir para o seu herdeiro, Yaemon. Aconselho que isso seja ordenado hoje.

- Yodoko-sama?

Para surpresa de Ochiba, Yodoko dissera: - Ah, Tokichi, o adoro com todo o coração, e a O-chan, e a meu próprio filho. Digo que torne Toranaga o você sabe que Yaemon como único regente. - O quê?

- Se lhe ordenar que morra, penso que você filho. Apenas o Senhor Toranaga tem habilidade suficiente, prestígio suficiente, astúcia suficiente para herdar agora. Coloque Yaemon sob a custódia dele até que tenha idade. Ordene ao Senhor Toranaga que adote formalmente o nosso filho. Deixe Yaemon ser preparado pelo Senhor Toranaga e herdar depois de Toranaga.

- Não, isso não deve ser feito - protestara Ochiba. - O que diz a isso, Tora-san? - perguntou o táicum. - Com humildade devo recusar, senhor. Não posso aceitar e imploro-lhe que me autorize mata nosso isso antes do senhor.

- Você será o único - Nunca me recusei nosso trato. Mas esta ordem eu recuso. Ochiba lembrou-se de como tentara deixar Toranaga se destruir, conforme sabia que o táicum já decidira. Mas o táicum mudara de idéia e, finalmente, aceitara parte do que Yodoko aconselhara, e fizera o compromisso de que Toranaga seria um regente e presidente do conselho. Toranaga jurara fidelidade eterna a Yaemon, mas agora ainda estava tecendo a trama que os enredava a todos, como a crise que Mariko precipitara. - Sei que foi por ordem dele - murmurou Ochiba, e agora a Senhora Yodoko queria que ela se submetesse totalmente a ele.

Casar com Toranaga? ter que acolhê-lo e dentro de mim.

Vergonha? Ochiba, qual é que você já o desejou uma vez - antes do táicum, neh?

Buda me proteja dessa vergonha, de sentir-lhe o peso e sua vida esguichando

a verdade? perguntou-se ela. A verdade é durante, neh? Muitas vezes, no seu coração secreto. Neh? Yodoko, a Sábia, estava certa de novo quando disse que o orgulho é seu inimigo, e quando falou da necessidade de um homem, um marido. Por que não aceitar Ishido? Ele a respeita, deseja-a, e vai vencer. Seria fácil de manobrar. Neh? Não, não aquele porco grosseiro! Oh, eu sei dos rumores infames espalhados pelos inimigos - despropósito infame! Juro que preferiria me deitar com as minhas criadas e confiar num harigata por mais mil vidas a abusar da memória do meu senhor com Ishido. Seja honesta, Ochiba. Considere Toranaga. Na realidade você não o odeia só porque talvez ele a tenha visto naquele dia de sonho?

Fora há mais de seis anos, em Kyushu, quando ela e suas damas estavam falcoando com o táicum e Toranaga. O grupo estava disperso sobre uma área muito vasta e ela galopava atrás de um dos seus falcões, separada dos outros. Encontrava-se nas colinas, num bosque, e de repente topara com aquele camponês colhendo amoras ao lado da trilha solitária. Seu primeiro e doentio filho morrera há dois anos e não houvera mais agitações no seu útero, embora tivesse tentado todas as posições, truques, dietas, todas as superstições, poções, preces, aflita por satisfazer a obsessão do seu senhor por um herdeiro.

O encontro com o camponês fora muito repentino. Ele a olhara apalermado como se ela fosse um kami e ela a ele porque era a imagem do táicum, pequeno e simiesco, mas tinha juventude.

Sua mente gritara que ali estava o presente dos deuses pelo qual orara, e desmontara, tomara a mão dele, entraram juntos alguns passos no bosque, e ela fora como uma cadela no cio.

Tudo tivera uma qualidade de sonho, o desvario, a luxúria, a rudeza, deitados sobre a terra, e mesmo hoje ela ainda sentia o esguicho do seu líquido de fogo, sua respiração doce, suas mãos a apertá-la maravilhosamente. Então sentira todo o peso morto dele e abruptamente sua respiração se tornara pútrida e tudo nele vil, exceto o líquido, por isso ela o empurrara. Ele quisera mais, mas ela lhe batera, amaldiçoara-o, e lhe dissera que agradecesse aos deuses que ela não o transformasse numa árvore pela insolência, e o pobre imbecil supersticioso se encolhera de joelhos, implorando-lhe perdão - claro que ela era um kami, por que outro motivo uma beleza como aquela se contorceria no pó por alguém como ele?

Enfraquecida ela subira para a sela e se afastara, entorpecida, o homem e a clareira logo perdidos, meio perguntando a si mesma se tudo não fora um sonho e o camponês um verdadeiro kami, _rezando para que fosse um kami, sua essência dada pelos deuses, para que fizesse outro filho para a glória do seu senhor e a paz que ele merecia. Então, bem do outro lado do bosque, Toranaga a esperava. Será que me viu? perguntara-se ela, em pânico.

- Estava preocupado por sua causa, senhora - dissera ele. - Eu ... eu estou perfeitamente bem, obrigada.

- Mas o seu quimono está todo rasgado... está com folhas nas costas e no cabelo...

- Meu cavalo me derrubou ... não é nada. - Então o desafiara para uma corrida até em casa, para provar que não havia nada de errado, e disparara como o vento selvagem, as costas ainda doendo por causa dos arbustos espinhosos, mas óleos perfumados logo as aliviariam e, na mesma noite, ela dormira com seu senhor e amo, e nove meses mais tarde dera à luz Yaemon, para eterna alegria dele. E dela.

- Claro que nosso marido é pai de Yaemon - disse Ochiba com toda a certeza ao cadáver de Yodoko. - Ele gerou meus dois filhos - o outro foi um sonho.

Por que se iludir? Não foi um sonho, pensou ela. Aconteceu. Aquele homem não era um kami. Você se entregou a um camponês no chão para gerar um filho de que você precisava tão desesperadamente quanto o táicum, para atá-lo a você. Ele teria tomado outra consorte, neh?

E o seu primogênito?

- Karma - disse Ochiba, ignorando esse sofrimento latente também.

- Beba isto, criança - dissera Yodoko quando ela tinha dezesseis anos, um ano depois de ter-se tornado consorte formal do táicum. E ela bebera o estranho e quente chá de ervas e se sentira muito sonolenta, e na noite seguinte quando despertou lembrava-se apenas de estranhos sonhos eróticos, cores bizarras e uma misteriosa ausência de tempo. Yodoko estava lá quando ela acordara, assim como quando adormecera, muito atenciosa, e tão preocupada com a harmonia do seu senhor quanto ela mesma. Nove meses mais tarde ela dera à luz, a primeira de todas as mulheres do táicum a fazer isso. Mas a criança era doentia e morreu logo.

Karma, pensou.

Nunca se dissera nada entre ela e Yodoko. Sobre o que acontecera, ou que poderia ter acontecido durante aquele vasto e profundo sono. Nada, exceto o "Perdoe-me. . ." alguns minutos antes, e o "Não há nada a perdoar".

A senhora é irreprochável, Yodoko-sama, e não ocorreu nada, nenhum ato secreto, nada. E se ocorreu, descanse em paz, agora o segredo jaz enterrado com a senhora. Seus olhos fitaram

o rosto vazio, tão frágil e patético agora, exatamente como o táicum no fim, a pergunta dele também nunca formulada. Karma que ele tenha morrido, pensou ela, sem emoção. Se tivesse vivido mais dez anos, eu seria imperatriz da China, mas agora... agora estou sozinha.

- Estranho que tenha morrido antes que eu pudesse prometer, senhora - disse, o odor de incenso e o almíscar da morte rodeando-a. - Eu teria prometido, mas a senhora morreu antes. Será meu karma também? Obedeço a um pedido e a uma promessa não pronunciada? O que devo fazer?

Meu filho, meu filho, sinto-me tão desamparada.

Então se lembrou de uma coisa que a Sábia dissera: - Pense como o táicum pensaria - ou como Toranaga pensaria. Ochiba sentiu uma nova força percorrê-la. Sentou-se no silêncio e, friamente, começou a obedecer.

Em meio a um silêncio repentino, Chimmoko saiu dos pequenos portões para o jardim, dirigiu-se para Blackthorne e sorriu. - Anjin-san, por favor, com licença, minha ama deseja vê-lo. Se esperar um momento eu o acompanharei.

- Está bem. Obrigado. - Blackthorne levantou-se, ainda mergulhado no seu devaneio e na acabrunhaste sensação de perdição. As sombras estavam longas agora. Parte do adro já estava sem sol. Os cinzentos prepararam-se para se mover com ele.

Chimmoko aproximou-se de Sumiyori. - Por favor, com licença, capitão, mas a minha senhora pede que o senhor, por favor, prepare tudo.

- Onde ela quer que seja feito?

A criada apontou para o espaço diante do arco. - Ali, senhor.

Sumiyori ficou surpreso. - Vai ser em público? Não em particular, com apenas algumas testemunhas? Ela vai fazer para que todos vejam?

- Sim.

- Mas, bem ... se deve ser aqui ... o ...     o ... e o assistente dela?

- Ela acredita que o Senhor Kiyama a honrará. - E se não o fizer?

- Não sei, capitão. Ela... ela não me disse. - Chimmoko curvou-se e se dirigiu à varanda, para se curvar de novo. - Kiritsubo-san, minha ama diz que retornará em breve.

- Ela está bem?

- Oh, sim - disse Chimmoko com orgulho.

Kiri e as outras estavam quietas agora. Quando ouviram o que foi dito ao capitão, ficaram igualmente perturbadas. - Ela sabe que há outras senhoras esperando para saudá-la?

- Oh, sim, Kiritsubo-san. Eu ... eu estava olhando, e disse a ela. Disse que fica honrada com a presença dessas senhoras e que lhes agradecerá pessoalmente em breve. Por favor, com licença.

Todos viram-na voltar para os portões e chamar Blackthorne com um gesto. Os cinzentos começaram a segui-lo, mas Chimmoko meneou a cabeça e disse que sua ama não os havia convidado. O capitão permitiu que Blackthorne partisse.

Do outro lado dos portões do jardim era como um mundo diferente, verdejante e sereno, o sol batendo no topo das árvores, pássaros chilreando e insetos à cata de alimento, o córrego caindo suavemente no tanque de lírios. Mas ele não conseguiu dissipar a própria tristeza.

Chimmoko parou e apontou para a pequena casa de chatio-yu. Ele avançou sozinho. Descalçou as sandálias e subiu os três degraus. Teve que se dobrar, pondo-se quase de joelhos, para passar pela minúscula porta.

- Você - disse ela em latim. - Você - respondeu ele.

Ela estava ajoelhada, encarando a porta, maquilada de pouco, lábios carmesins, um penteado imaculado, um quimono azul-claro barrado de verde, com um obi mais claro e uma fina fita verde no cabelo.

- Você está linda.

- E você. - Um esboço de sorriso. - Sinto muito que tenha sido necessário que você presenciasse.

- Era meu dever.

- Dever, não - disse ela. - Eu não esperava, nem planejei, tantas mortes.

- Karma. - Blackthorne arrancou-se do transe em que se encontrava e parou de falar em latim. - Você vinha planejando tudo isto há muito tempo - o seu suicídio. Neh?

- Minha vida nunca foi minha, Anjin-san. Sempre pertenceu ao meu suserano e, depois dele, ao meu amo. Essa é a nossa lei.

- É uma péssima lei.

- Sim. E não. - Ela levantou os olhos das esteiras. - Você vai discutir sobre coisas que não podem ser alteradas?

- Não. Por favor, desculpe-me.

- Eu o amo - disse ela, em latim.

- Sim. Sei disso agora. E eu a amo. Mas a morte é o seu objetivo, Mariko-san.

- Engana-se, meu querido. A vida do meu amo é o meu objetivo. E a sua vida. E sinceramente, Nossa Senhora me perdoe ou me abençoe por isso, há momentos em que a sua vida é mais importante.

- Não há escapatória agora. Para mais ninguém. - Seja paciente. O sol ainda não se pôs.

- Não confio nesse sol, Mariko-san. - Ele estendeu a mão e tocou-a. - Gomen nasai.

- Prometi-lhe que esta noite seria como na Hospedaria das Flores. Seja paciente. Conheço Ishido, Ochiba e os outros.

- Que va com os outros - disse ele em português, seu ânimo se alterando. - Você quer dizer que está se arriscando porque Toranaga sabe o que está fazendo. Neh?

- Que va com o seu mau humor - retrucou ela gentilmente. - Este dia é curto demais.

- Desculpe. Você tem razão novamente. Hoje não há tempo para maus humores. - Olhou-a. O rosto dela estava raiado com a sombra lançada pelo sol através das ripas de bambu. As som bras subiram e desapareceram quando o sol mergulhou atrás de uma ameia. - O que poso fazer para ajudá-la?

- Acredite que existe um amanhã.

Por um momento ele apreendeu um lampejo do terror dela. Seus braços a rodearam e a espera deixou de ser terrível. Passos se aproximaram.

- Sim, Chimmoko? - É hora, ama.

- Está tudo pronto? - Sim, ama.

- Espere-me junto do tanque de lírios. - Os passos se afastaram, Mariko voltou-se para Blackthorne e beijou-o suavemente.

- Eu o amo - disse. - Eu a amo.

Curvou-se para ele e atravessou a porta. Ele a seguiu. Mariko parou ao lado do tanque de lírios, desatou o obi e deixou-o cair.

Chimmoko ajudou-a a tirar o quimono azul. Por baixo Mariko usava o quimono e o obi do branco mais brilhante que Blackthorne jamais vira. Era um quimono de morte formal. Ela desatou a fita verde do cabelo e colocou-a de lado. Depois, completamente de branco, pôs-se em movimento e não olhou pára Blackthorne.

Do outro lado do jardim, todos os marrons estavam postados num quadro formal de três lados em torno dos oito tatamis que tinham sido estendidos no centro da entrada principal. Yabu, Kiri

e o restante das senhoras estavam sentados numa linha no lugar de honra, voltados para o sul. Na avenida os cinzentos também estavam postados cerimoniosamente, e, misturados a eles, outros samurais e mulheres samurais. A um sinal de Sumiyori, todos se curvaram. Ela retribuiu-lhes a mesura. Quatro samurais deram um passo à frente e estenderam uma manta carmesim sobre os tatamis.

Mariko dirigiu-se a Kiritsubo e a saudou, assim como a Sazuko e a todas as senhoras. Elas lhe retribuíram a reverência e pronunciaram as saudações mais formais. Blackthorne esperava junto aos portões. Viu-a se afastar das senhoras, ir para o quadro carmesim e se ajoelhar no centro, diante de uma minúscula almofada branca. Sua mão direita sacou o estilete do obi branco e colocou-o sobre a almofada à sua frente. Chimmoko avançou e, ajoelhando-se também, ofereceu-lhe uma manta pequena e de um branco puro, e um cordão. Mariko arrumou as saias do quimono com perfeição, a criada ajudando-a, depois amarrou a manta em torno da cintura com o cordão. Blackthorne sabia que aquilo era para impedir suas saias de serem manchadas de sangue e desarrumadas pelos espasmos da morte.

Depois, serena e preparada, Mariko levantou os olhos para o torreão do castelo. O sol ainda iluminava o último andar, reluzindo nas telhas douradas. Rapidamente a luz flamejante subia pelo cone. E desapareceu.

Ela parecia minúscula, sentada ali imóvel, um salpico de branco sobre o quadro carmesim.

A avenida já estava escura e criados acendiam archotes. Quando acabaram, desapareceram tão rápida e silenciosamente quanto haviam chegado.

Ela se inclinou para a frente, tocou a faca e endireitou-a. Depois olhou fixamente mais uma vez através do portão para a extremidade da avenida, que continuava tão imóvel e vazia quanto sempre estivera. Olhou novamente para a faca.

- Kasigi Yabu-sama! - Sim, Toda-sama?

- Parece que o Senhor Kiyama recusou-se a me assistir. Por favor, eu ficaria honrada se o senhor fosse o meu assistente. - A honra é minha - disse Yabu. Curvou-se, pôs-se de pé e parou ao lado dela, à esquerda. Sua espada cantou ao deslizar para fora da bainha. Firmou os pés e levantou a espada com as duas mãos. - Estou pronto, senhora - disse.

- Por favor, espere até que eu tenha feito o segundo corte. Os olhos dela estavam na faca. Com a mão direita, fez o sinal-da-cruz sobre o peito, depois se inclinou para a frente, pegou a faca sem tremer e tocou-a com os lábios como que para testar o aço polido. Depois mudou a posição da faca na mão e segurou-a firmemente sob o lado esquerdo do pescoço. Nesse momento archotes contornaram a extremidade da avenida. Um cortejo se aproximou. Ishido vinha à frente.

Ela não moveu a faca.

Yabu ainda estava como uma mola enrolada, concentrado no alvo. - Senhora - disse -, espera ou continua? Quero ser perfeito para a senhora.

Mariko forçou-se a voltar da beira do abismo. - Eu ... nós esperamos... nós... eu.. . - Sua mão baixou a faca. Estava tremendo agora. De modo igualmente lento, Yabu descontraiu-se. Sua espada sibilou de volta para dentro da bainha e ele enxugou as mãos nos flancos.

Ishido surgiu ao portão. - Ainda não é o crepúsculo, senhora. O sol ainda está no horizonte. Está tão ansiosa por morrer? - Não, senhor general. Apenas para obedecer ao meu senhor. . . - Apertou uma mão contra a outra para fazê-las parar de tremer.

Um rolar surdo de cólera percorreu os marrons ante a arrogante rudeza de Ishido e Yabu preparou-se para pular em cima dele, mas parou quando Ishido disse sonoramente: - A Senhora Ochiba implorou aos regentes, em nome do herdeiro, que abrissem uma exceção no seu caso. Concedemos a sua solicitação. Aqui estão as licenças para a senhora partir ao amanhecer de amanhã - disse Ishido, empurrando-as para as mãos de Sumiyori, que estava próximo.

- Senhor? - disse Mariko, não compreendendo, sua voz um fio.

- Está livre para partir. Ao amanhecer.

- E ... e Kiritsubo-san c a Senhora Sazuko?

- Isso também não faz parte do seu "dever"? As licenças delas estão aí também.

Mariko tentou se concentrar. - E... e o filho dela?

- Ele também, senhora. - A sarcástica risada de Ishido ecoou. - E todos os seus homens.

Yabu gaguejou: - Todos têm salvo-condutos?

- Sim, Kasigi Yabu-san - disse Ishido. - O senhor é o oficial superior, neh? Por favor, vá imediatamente ao meu secretário. Ele está preenchendo todos os passes, embora eu não en tenda por que hóspedes de honra desejem partir. Mal vale a pena, por dezessete dias. Neh?

- E eu, senhor general? - perguntou debilmente a velha Senhora Etsu, ousando testar a totalidade da vitória de Mariko, o coração disparado e doendo. - Posso... posso, por favor, partir também?

- Naturalmente, Senhora Maeda. Por que conservaríamos qualquer pessoa aqui contra a vontade? Somos carcereiros? Claro que não! Se a acolhida do herdeiro é tão ofensiva que a senhora deseje partir, então parta, embora eu não compreenda como a senhora pretende viajar quatrocentas ris até casa e outras quatrocentas de volta, dentro de dezessete dias.

- Por favor, desc.. . desculpe-me, a. .. a acolhida do herdeiro não é ofen ...

Ishido interrompeu gelidamente. - Se deseja partir, solicite uma licença pelas vias normais. Levará um dia ou pouco mais, mas nós a veremos em segurança a caminho. - Dirigiu-se aos outros: - Quaisquer senhoras podem solicitar, qualquer samurai. Eu disse antes: é estupidez partir por dezessete dias, é insultaste desconsiderar a acolhida do herdeiro, a acolhida da Senhora Ochiba, e a acolhida dos regentes... - seu olhar implacável voltou a se fixar em Mariko - . . . ou pressioná-los com ameaças de seppuku, o que, para uma senhora, deveria ser feito em particular e não como um arrogante espetáculo público. Neh? Não viso à morte de mulheres, apenas à dos inimigos do herdeiro, mas se mulheres são abertamente inimigas dele, então eu logo cuspirei em seus cadáveres também.

Ishido girou sobre os calcanhares, gritou uma ordem aos cinzentos, e se afastou. Imediatamente capitães ecoaram a ordem e todos os cinzentos começaram a se formar e a mover-se dali, exceto alguns, que permaneceram em honra aos marrons.

-- Senhora - disse Yabu, rouco, enxugando as mãos úmidas de novo, um gosto amargo de vômito na boca devido à inconclusão -, senhora, terminou agora. A senhora... ganhou. A senhora venceu.

- Sim... sim - disse ela. Suas mãos sem forças procuraram o nó do cordão branco. Chimmoko avançou, desfez os nós e retirou a manta branca, depois se afastou do quadro car mesim. Todo mundo observava Mariko, esperando para ver se ela conseguiria caminhar.

Mariko estava tentando se pôr de pé às apalpadelas. Não conseguiu. Tentou uma segunda vez. Não conseguiu de novo. Impulsivamente Kiri se moveu para ajudá-la, mas Yabu meneou

a cabeça e disse: -- Não, é privilégio dela -- e Kiri se sentou de novo, mal podendo respirar.

Blackthorne, ao lado dos portões, ainda num turbilhão que a alegria sem limites da suspensão da sentença lhe causava, lembrou-se de como sua própria vontade estivera prostrada naquela noite do seu quase-seppuku, quando tivera que se levantar como homem e caminhar como homem, sem apoio, e se tornara samurai. E observou-a, desprezando a necessidade daquela coragem, embora a compreendesse, até a honrasse.

Viu-lhe as mãos sobre o carmesim de novo, de novo ela fez força e desta vez Mariko se pôs a prumo. Oscilou e quase caiu, depois seus pés se moveram e lentamente ela cambaleou através do carmesim e vacilou sem ajuda em direção à porta principal. Blackthorne resolveu que ela já fizera o bastante, suportara o bastante, provara o bastante, por isso avançou, segurou-a nos braços e ergueu-a bem no momento em que os sentidos a abandonaram.

Por um instante ergueu-se sozinho ali na arena, orgulhoso por estar sozinho e por ter ele decidido. Ela jazia como uma boneca quebrada nos seus braços. Então carregou-a para dentro e ninguém se moveu ou barrou-lhe a passagem.

 

O ataque ao baluarte dos marrons começou no momento mais escuro da noite, duas ou três horas antes do amanhecer. A primeira onda de dez ninjas - os infames furtivos - veio dos telhados das muralhas em frente, agora não guardadas por cinzentos. Atiraram ganchos enrolados em pano e presos à ponta de cordas ao outro telhado e se penduraram sobre o abismo como muitas aranhas. Usavam roupas pretas bem justas, tabis pretos e máscaras pretas. Também estavam levemente armados com facas presas a correntes e shurikens - farpas e discos de arremesso, pequenos, em forma de estrela, aguçados como agulhas e com as pontas envenenadas, do tamanho da palma da mão. Às costas traziam mochilas a tiracolo e pequenos bastões finos.

Os ninjas eram mercenários. Eram artistas na ação furtiva, especialistas no infamante - espionagem, infiltração e morte repentina.

Os dez homens aterrissaram sem ruído. Enrolaram os arpéus, quatro os engancharam de novo numa saliência e imediatamente se lançaram para baixo, para uma varanda vinte pés abaixo. Assim que a atingiram, de modo igualmente silencioso, seus companheiros soltaram os arpéus, atiraram-nos para baixo, e se moveram por sobre as telhas para se infiltrar em outra área.

Uma telha estalou sob o pé de um homem e todos eles se imobilizaram. No adro, três andares e sessenta pés abaixo, Sumiyori interrompeu a ronda e olhou para cima. Seus olhos pers crutaram a escuridão. Esperou sem se mexer, a boca aberta um nada para aguçar a audição, os olhos procurando lentamente. O telhado dos ninfas estava envolto em escuridão, a lua tênue, as estrelas nubladas no ar úmido e denso. Os homens continuaram absolutamente imóveis, até a respiração controlada e imperceptível, aparentemente tão inanimados quanto as telhas sobre as quais se erguiam.

Sumiyori fez outro circuito com os olhos e os ouvidos, depois outro, e, ainda incerto, saiu do adro para ver com mais clareza. Agora os quatro ninfas na varanda também se encontravam no seu campo de visão, mas estavam tão imóveis quanto os outros e ele também não os notou.

- Ei - chamou ele os guardas da entrada, as portas fortemente trancadas agora -, estão vendo alguma coisa, ouvindo alguma coisa?

- Não, capitão - disseram as sentinelas alerta. - As telhas estão sempre estalando, mudando um pouco de posição. Deve ser a umidade ou o calor.

- Vá até lá em cima e dê uma olhada - disse Sumiyori a um deles. - Ou melhor, diga aos guardas do último andar que dêem uma busca, só como prevenção.

O soldado saiu às pressas. Sumiyori levantou os olhos novamente, depois meio que encolheu os ombros e, tranqüilizado, continuou a patrulha. Os outros samurais voltaram a seus postos, vigiando o lado exterior.

No alto do telhado e na varanda, os ninjas aguardavam nas suas posições congeladas. Nem seus olhos se moviam. Eram treinados para permanecerem imóveis durante horas, se necessário - o que representava apenas uma parte do seu treinamento perpétuo. Então o líder lhes fez um sinal e eles se moveram de novo ao ataque. Seus arpéus e cordas levaram-nos silenciosamente a outra varanda onde podiam se insinuar pelas estreitas janelas nas paredes de granito. Abaixo desse último andar, todas as outras janelas - posições de defesa para arqueiros - eram tão estreitas, que ninguém poderia entrar por fora. A outro sinal os dois grupos entraram simultaneamente.

Os dois aposentos se encontravam mergulhados em escuridão, com dez marrons dormindo em linhas nítidas. Foram mortos rapidamente e quase sem ruído, uma única estocada na garganta de quase todos, os treinados sentidos dos atacantes levando-os certeiramente aos alvos, e em poucos momentos o último dos marrons estava se debatendo desesperadamente, seu grito de advertência garroteado antes de começar. Depois, os quartos garantidos, as portas garantidas, o líder sacou uma pederneira e uma isca, acendeu uma vela, protegeu-a cuidadosamente com a mão e levou-a até a janela, de onde fez três sinais para a noite. Atrás dele seus homens estavam se certificando pela segunda vez de que todos os marrons estavam mortos. O líder repetiu os sinais, depois se afastou da janela e gesticulou, falando com eles numa linguagem de sinais, com os dedos.

Imediatamente os atacantes desfizeram as mochilas e prepararam as armas de ataque - facas curtas, em forma de foicinhas, com gume duplo, com uma corrente presa ao cabo, shurikens e facas de arremesso. A uma outra ordem, homens selecionados desembainharam os bastões curtos. Tratava-se de lanças e zarabatanas, extensíveis, que assumiam o comprimento total com uma velocidade surpreendente. Assim que completou seus preparativos, cada homem se ajoelhou, acomodou-se encarando a porta e, aparentemente sem esforço consciente, tornou-se totalmente imóvel. O último homem se aprontou. O líder soprou a vela.

Quando os sinos da cidade tocaram a metade da hora do Tigre - quatro da manhã, uma hora antes do amanhecer -, a segunda onda de ninjas se infiltrou. Vinte deles deslizaram silen ciosamente de um grande aqueduto fora de uso que servira uma vez aos córregos do jardim. Todos esses homens usavam espadas. Como uma multidão de sombras, atropelaram-se tomando posição entre moitas e arbustos, puseram-se imóveis e quase invisíveis. Ao mesmo tempo outro grupo de vinte subiu do solo com cordas e arpéus para atacar a ameia que dava para o adro e o jardim.

Havia dois marrons ali, cuidadosamente vigiando os telhados vazios do outro lado da avenida. Quando um deles correu os olhos em torno e viu os arpéus atrás deles, começou a apontar como alarme. Seu companheiro abriu a boca para gritar um aviso quando o primeiro ninja atingiu a seteira e atirou um shuriken farpado rodopiando até o rosto e a boca desse samurai, estrangulando o grito de modo hediondo, e se lançou contra o outro samurai, sua mão estendida transformada em arma letal, o polegar e o indicador esticados, investindo contra a jugular. O impacto paralisou o samurai, outro golpe violento quebrou-lhe a nuca com um estalo seco, e o ninfa saltou sobre o primeiro samurai agonizante, que se agarrava às farpas profundamente cravadas na sua boca e no seu rosto, o veneno já atuando.

Com um último esforço supremo, o samurai moribundo sacou a espada curta e atacou. O golpe feriu fundo e o ninfa arquejou, mas isso não lhe deteve a investida: sua mão atingiu a garganta do marrom, quebrando a cabeça do homem para trás e deslocando-lhe a coluna vertebral. O samurai morreu em pé. O ninfa sangrava seriamente, mas não emitiu ruído algum e ainda segurou o marrom morto, baixando-o cuidadosamente até as lajes de pedra, e caindo de joelhos ao seu lado. Agora todos os ninfas haviam subido pelas cordas e se erguiam no parapeito. Desviaram-se do companheiro ferido até que o parapeito estivesse garantido. O homem ferido ainda estava de joelhos ao lado dos marrons mortos, apertando o flanco. O líder examinou o ferimento. O sangue escorria num fluxo constante. Ele balançou a cabeça e falou com os dedos; o homem assentiu e se arrastou penosamente para um canto, o sangue deixando um rastro largo. Acomodou-se confortavelmente, apoiado ao muro, e puxou um shuriken. Arranhou as costas de uma mão várias vezes com as farpas envenenadas, depois encontrou o estilete, pousou a ponta da arma na base do pescoço e, com as duas mãos, com toda a força, empurrou-a para cima.

O líder certificou-se de que o homem morrera, depois voltou para a porta fortificada que levava para o interior. Abriu-a com cautela. Nesse momento ouviram passos aproximando-se e imediatamente se fundiram à parede em posição de emboscada.

No corredor daquela ala, a oeste, Sumiyori aproximava-se com os marrons. Deixou dois junto da porta do parapeito e, sem parar, prosseguiu. Os dois reforços saíram para o parapeito quan do Sumiyori dobrou a esquina adiante e desceu um lanço circular de escada. Embaixo havia outro posto de controle, onde os dois samurais cansados se curvaram e foram substituídos.

- Juntem-se aos outros e voltem aos seus aposentos. Serão despertados ao amanhecer - disse Sumiyori.

- Sim, capitão.

Os dois samurais subiram'as escadas de novo, contentes por não estarem mais em serviço. Sumiyori continuou, descendo para 0 outro corredor e substituindo sentinelas. Finalmente parou junto a uma porta e bateu, os últimos dois guardas consigo.

- Yabu-san?

- Sim? - A voz estava sonolenta. - Desculpe, é a mudança da guarda. - Ah, obrigado. Por favor, entre.

Sumiyori abriu a porta mas cautelosamente permaneceu à soleira. Yabu estava com o cabelo desgrenhado, apoiado sobre um cotovelo às cobertas, a outra mão na espada. Quando teve certeza de que era mesmo Sumiyori, descontraiu-se e bocejou. - Alguma novidade, capitão?

Sumiyori também se descontraiu e meneou a cabeça, entrou e fechou a porta. O quarto era grande, arrumado, e havia outra cama de futons convidativamente desdobrados. Janelas, que eram fendas, davam para a avenida e a cidade, um declive abrupto trinta pés abaixo. - Está tudo tranqüilo. Ela está dormindo agora... pelo menos a criada, Chimmoko, disse que estava. - Dirigiu-se para a escrivaninha baixa onde uma lâmpada a óleo bruxuleava e se serviu de chá frio. Ao lado do bule estava o passe deles, formalmente selado, que Yabu trouxera do escritório de Ishido.

Yabu bocejou de novo e se espreguiçou voluptuosamente. - O Anjin-san?

- Estava acordado na última vez que verifiquei. Foi à meia noite. Pediu-me que não verificasse de novo até pouco antes do amanhecer - alguma coisa sobre os seus hábitos. Não compreendi claramente tudo o que ele disse, mas não há perigo, há uma segurança muito cerrada por toda parte, neh? Kiritsubo-san e as outras senhoras estão silenciosas, embora ela, Kiritsubo, tenha estado acordada a maior parte da noite.

Yabu levantou-se da cama. Estava usando apenas uma tanga. - Fazendo o quê?

- Simplesmente sentada à janela, olhando para fora. Não havia nada para ver. Sugeri que seria melhor que ela dormisse um pouco. Agradeceu-me polidamente, concordou e continuou onde estava. Mulheres, neh?

Yabu flexionou os ombros e cotovelos e coçou-se vigorosamente para fazer o sangue circular. Começou a se vestir. -- Ela devia descansar. Tem um longo caminho a fazer hoje.

Sumiyori pousou a xícara. - Acho que é tudo um truque.

- O quê?

- Não acho que Ishido fale a sério.

- Temos autorizações assinadas. Aqui estão. homens estão relacionados. Você verificou os nomes. pode voltar atrás num compromisso público conosco Senhora Toda? Impossível, neh?

- Não sei. Perdão, Yabu-san, truque.

Yabu amarrou o sash lentamente. - Seremos emboscados.

- Fora do castelo? Sumiyori assentiu. - Sim, - Ele não ousaria.

- Ousará. Vai nos emboscar ou nos atrasar. Não consigo vê-lo deixando que ela se vá, ou a Senhora Sazuko ou o bebê. Mesmo a velha Senhora Etsu e os outros.

- Não, você está enganado.

Sumiyori meneou a cabeça tristemente. - Acho que teria sido melhor se ela se tivesse cravado a faca e o senhor a tivesse degolado. Deste modo nada está resolvido.

Yabu pegou as espadas e enfiou-as no cinto. Sim, estava ele pensando, concordo com você. Nada está resolvido e ela falhou no seu dever. Você sabe disso, eu sei, e. Ishido também. Vergonhoso! Se ela tivesse morrido, teríamos todos vivido para sempre. Assim como é agora... ela voltou da beira da morte, desonrou a nós e a si mesma. Shigata ga nai, neh? Mulher estúpida!

- Que tipo de truque? é nisso que estou pensando.

Mas em voz alta disse: - Acho que você está enganado. Ela venceu Ishido. A Senhora Toda venceu. Ishido não se atreverá a nos emboscar. Vá dormir, eu o acordarei ao amanhecer.

Novamente Sumiyori meneou a cabeça. - Não, obrigado, Yabu-san, acho que vou fazer a ronda de novo. - Aproximou-se de uma janela e perscrutou o exterior. - Alguma coisa não está certa.

- Está tudo excelente. Tome um pouco. .. espere um instante! O que foi isso? Você ouviu alguma coisa?

Yabu aproximou-se de Sumiyori e fingiu procurar na escuridão, ouvindo atentamente, e então, sem qualquer sinal de advertência, sacou a espada curta e com o mesmo movimento espontâneo e fulminante cravou a lâmina nas costas de Sumiyori, tapando a boca do homem com a outra mão para impedi-]o de gritar. O capitão morreu instantaneamente. Yabu segurou-o cuidadosamente com o braço esticado, e com uma força imensa, de modo a não se manchar de sangue, carregou o corpo até os futons, arranjando-o numa posição adormecida. Depois puxou a espada e começou a limpá-la, furioso de que a intuição de Sumiyori tivesse forçado a morte não planejada. Ainda assim, pensou Yabu, não posso tê-lo rondando por aí agora.

Naquele mesmo dia, quando Yabu voltava do escritório de Ishido com o salvo-conduto, fora abordado em particular por um samurai que nunca vira antes.

- A sua cooperação é solicitada, Yabu-san. - Para quê e por quem?

- Por alguém a quem o senhor fez um oferecimento ontem. - Que oferecimento?

- Em troca de salvo-condutos para o senhor e o Anjin-san, o senhor providenciaria que ela estivesse desarmada durante a emboscada na sua viagem... Por favor, não toque na espada, Yabu-san, há quatro arqueiros aguardando um sinal!

- Como ousa me desafiar? Que emboscada? - blefara ele, sentindo os joelhos fracos, pois não havia dúvida agora de que o homem era intermediário de Ishido. Na véspera, à tarde, ele fizera o oferecimento secreto por meio dos seus próprios intermediários, numa desesperada tentativa de poupar alguma coisa ao naufrágio que Mariko causara aos seus planos para o Navio Negro e o futuro. Na mesma hora soubera que era uma idéia extravagante. Teria sido difícil, se não impossível, desarmá-la e continuar vivo, conseqüentemente correndo perigo de ambos os lados, e quando Ishido, através de intermediários, rejeitara a idéia, ele não se surpreendera.

- Não sei de nada sobre emboscada alguma - vociferara ele, desejando que Yuriko estivesse ali para ajudá-lo a sair daquele pântano.

- Ainda assim, o senhor é convidado a participar de uma, embora não do modo como o senhor planejou.

- Quem é o senhor?

- Em troca o senhor fica com Izu, o bárbaro e o navio dele - assim que a cabeça do principal inimigo estiver no pó. Desde que, é claro, ela seja capturada viva e o senhor permaneça em Osaka até o dia e jure fidelidade.

- A cabeça de quem? - dissera Yabu, tentando pôr o cérebro a funcionar, entendendo apenas agora que Ishido usara a sua solicitação para liberar os salvo-condutos meramente como uma artimanha, de modo que o oferecimento secreto pudesse ser feito em segurança e negociado.

- É sim ou não? - perguntara o samurai.

- Quem é o senhor e de que está falando? - Ele estendera o pergaminho. - Aqui está o salvo-conduto do Senhor Ishido. Nem mesmo o senhor general pode cancelar isto depois do que aconteceu.

- Isso e o que muitos dizem. Mas, sinto muito, os bois vão cagar ouro em pó antes que o senhor ou qualquer pessoa seja autorizada a insultar o Senhor Yaemon ... Por favor, tire a mão da espada!

- Então tome cuidado com a língua! - Naturalmente, desculpe. Concorda?

- Sou governador de Izu agora, e tenho Totomi e Suruga prometidas - dissera Yabu, dando início ao trato. Sabia que embora estivesse encurralado, assim como Mariko, Ishido se encon trava igualmente encurralado, porque o dilema que Mariko precipitara ainda existia.

- Sim, é verdade - autorização para negociar.

Yabu terminou de limpar a espada e arrumou o lençol sobre a figura aparentemente adormecida de Sumiyori. Depois enxugou o suor do rosto e das mãos, conteve a raiva, soprou a lâmpada, e abriu a porta. Os dois marrons esperavam alguns passos adiante no corredor. Curvaram-se.

- Eu o acordarei ao amanhecer, Sumiyori-san - disse Yabu à escuridão. Depois, a um dos samurais: - Você fique de guarda dissera o samurai. - Mas não tenho Os termos são esses. É sim ou não?

Ninguém deve entrar. Ninguém! Providencie para que o capitão não seja perturbado, ele precisa descansar.

- Sim, senhor.

O samurai tomou seu novo posto e Yabu seguiu a passos largos pelo corredor, acompanhado pelo outro guarda, subiu um lanço da escada até a seção central principal daquele andar e cruzou-a, rumando para a sala de audiência e os apartamentos que ficavam na ala leste. Logo chegou ao corredor sem saída da sala de audiência. Guardas curvaram-se e permitiram-lhe entrar. Outro samurai abriu a porta para o corredor e o conjunto de aposentos particulares. Yabu bateu à porta.

- Anjin-san? - disse baixinho.

Não houve resposta. Ele empurrou a shoji. O quarto estava vazio, a shoji interna entreaberta. Ele franziu o cenho, depois fez sinal ao acompanhante que esperasse e atravessou correndo o quarto até o corredor interno fracamente iluminado. Chimmoko interceptou-o, uma faca na mão. Sua cama em desordem estava no corredor, junto à porta de um dos quartos.

- Oh, sinto muito, senhor, eu estava cochilando - disse, baixando a faca. Mas não se moveu do caminho.

- Eu estava procurando o Anjin-san.

- Ele e a minha ama estão conversando, senhor, com Kiritsubo-san e a Senhora Achiko.

- Por favor, diga-lhe que eu gostaria de vê-lo um momento. - Certamente, senhor. - Polidamente Chimmoko apontou o outro quarto para Yabu, esperou até que ele estivesse lá, e fechou a shoji interna. O guarda no corredor principal observava inquisitivamente.

Num instante a shoji se abriu de novo e Blackthorne entrou. Estava vestido e portando a espada curta.

- Boa noite, Yabu-san - disse.

- Sinto muito incomodá-lo, Anjin-san. Só queria ver - ter certeza de que estava tudo bem, compreende?

- Sim, obrigado. Não se preocupe.

- A Senhora Toda está bem? Não está doente?

- Está ótima agora. Muito cansada, mas ótima. Logo amanhece, neh?

Yabu assentiu. - Sim. Só quis ter certeza de que ia tudo bem. Compreende?

- Sim. Esta tarde o senhor disse "plano", Yabu-san. Lembra-se? Por favor, que plano secreto?

- Não secreto, Anjin-san - disse Yabu, arrependendo-se de ter sido tão aberto. - O senhor compreendeu mal. Digamos que apenas alguns devem saber do plano... muito difícil escapar de Osaka, neh? Devemos escapar ou. . . - Yabu simulou passar uma faca no pescoço. - Compreende?

- Sim. Mas agora temos passe, neh? Agora seguro sair de Osaka. Neh?

- Sim. Partimos logo. De barco muito bom. Logo arranjaremos.homens em Nagasaki. Compreende?

- Sim.

Muito amistoso, Yabu foi embora. Blackthorne fechou a porta atrás dele e voltou ao corredor interno, deixando a sua porta interna entreaberta. Passou por Chimmoko e entrou no outro quarto. Mariko estava apoiada em futons, parecendo mais diminuta do que nunca, mais delicada e mais bela. Kiri estava ajoelhada sobre uma almofada. Achiko estava adormecida, enrodilhada a um lado.

- O que ele queria, Anjin-san? - disse Mariko. - Só ver se estávamos bem.

Mariko traduziu para Kiri.

- Kiri disse se o senhor lhe perguntou - Sim. Mas ele se esquivou à pergunta. dado de idéia. Não sei. Talvez eu me tenha enganado, mas pensei que esta tarde ele tivesse alguma coisa planejada ou estivesse planejando alguma coisa.

- Trair-nos?

- Claro. Mas não sei como. Mariko sorriu-lhe. - Talvez Estamos salvos agora.

A jovem Achiko murmurou no sono e pedira para ficar com Mariko, assim como a que estava dormindo sonoramente num quarto contíguo. As outras senhoras haviam partido ao pôr-do-sol, dirigindo-se cada uma à sua casa. Todas haviam enviado requisições formais de permissão para partida imediata. Já correra o rumor pelo castelo de que perto de cento e cinco pessoas também se apresentariam no dia seguinte. Kiyama mandara chamar Achiko, esposa do seu neto, mas ela se recusara a se afastar de Mariko. Imediatamente o daimio a repudiara e exigira a posse da criança. Ela entregara o filho. Agora estava em meio a um pesadelo, mas passou, dormiu pacificamente de novo. Mariko olhou para Blackthorne. estar em paz, neh? o senhor sobre o "plano"? Talvez tenha um se tenha enganado.

Eles a olharam. Ela velha Senhora Etsu,

- Sim - disse ele. Desde que ela acordara e se descobrira viva e não morta, seu espírito se unira ao dele. Durante a primeira hora tinham estado sozinhos, ela nos braços dele.

- Estou muito contente que você esteja viva, Mariko - dissera ele em latim. - Vi-a morta.

- Pensei que estivesse. Ainda não consigo acreditar que Ishido capitulou. Nunca, em vinte vidas... Oh, como amo os seus braços ao meu redor, e a sua força.

- Eu estava pensando que esta tarde, a partir do primeiro momento do desafio de Yoshinaka, não vi nada além da morte - a sua, a minha, a de todos. Compreendi o seu plano, elaborado há muito tempo, neh?

- Sim. Desde o dia do terremoto, Anjin-san. Por favor, perdoe-me, mas não quis... não quis assustá-lo. Fiquei com medo que você não compreendesse. Sim, daquele dia em diante eu soube que era o meu karma tirar os reféns de Osaka. Apenas eu podia fazer isso para o Senhor Toranaga. E agora está feito. Mas a que preço, neh? Nossa Senhora me perdoe.

Então Kiri chegara e eles tiveram que se sentar separados, mas isso não fez diferença. Um sorriso, um olhar, uma palavra lhes bastava.

Kiri aproximou-se das janelas. No mar havia salpicos de luz dos barcos de pesca perto da costa. - Vai amanhecer logo - disse ela.

- Sim - disse Mariko. - Vou me levantar agora.

- Daqui a pouco. Agora não, Mariko-sama - disse-lhe Kiri. - Por favor, descanse. Precisa recuperar forças.

- Gostaria que o Senhor Toranaga estivesse aqui.

- Sim.

- A senhora preparou outra mensagem sobre... sobre a nossa partida?

- Sim, Mariko-sama, outro pombo partirá ao amanhecer. O Senhor Toranaga será informado da sua vitória hoje - disse Kiri. - Ficará muito orgulhoso da senhora.

- Estou muito contente que ele tenha tido razão.

- Sim - disse Kiri. - Por favor, perdoe-me por duvidar da senhora e dele.

- No íntimo também duvidei dele. Sinto muito.

Kiri voltou-se para a janela e olhou a cidade. Toranaga está errado, queria ela gritar. Nunca sairemos de Osaka, por mais que finjamos. É nosso karrna ficar - karma dele perder.

Na ala oeste, Yabu parou na sala de guarda. As sentinelas de substituição estavam prontas. - Vou fazer uma inspeção rápida.

- Sim, senhor.

- O resto de vocês espere por mim aqui. Você, venha comigo.

Desceu a escada principal seguido de um único guarda. Ao pé da escada, no vestíbulo principal, encontravam-se outros guardas, e, fora, o adro e o jardim. Uma olhada superficial mostrou que estava tudo em ordem. Então ele voltou para dentro da fortaleza e, após um momento, mudou de direção. Para surpresa do seu guarda, desceu a escada que levava aos aposentos dos criados. Os criados arrancaram-se do sono, colocando às pressas a cabeça sobre as lajes. Yabu mal os notou. Continuou descendo para as entranhas da fortaleza, ao longo de pouco usados corredores em arco, as paredes de pedra úmidas e mangradas, embora estivesse tudo bem iluminado. Não havia guardas ali nos porões, pois não havia nada a proteger. Logo começaram a subir de novo, aproximando-se dos muros externos.

Yabu parou repentinamente. - O que foi isso?

O samurai marrom parou, ouviu, e morreu. Yabu limpou a espada e puxou o corpo caído para um canto escuro, depois correu para uma pequena porta de ferro, pesadamente trancada com barras, quase despercebida, cravada numa das paredes de que o intermediário de Ishido lhe falara. Precisou usar de força para levantar as barras enferrujadas. A última soltou-se retinindo. A porta girou sobre os gonzos. Uma corrente de ar frio veio de fora, depois uma lança tocou-lhe a garganta e parou bem a tempo. Yabu não se moveu, quase paralisado. Ninjas o fitavam da escuridão total além da porta, armas assestadas.

Yabu ergueu uma mão trêmula e fez um sinal, conforme lhe disseram que fizesse. - Sou Kasigi Yabu - disse.

O líder quase invisível, encapuzado e vestido de preto, assentiu, mas manteve a lança pronta para o golpe. Fez sinal a Yabu. Obedientemente o dainnio recuou um passo. Então, muito cau telosamente o líder caminhou para o meio do corredor. Era alto e forte, com grandes olhos chatos por trás da máscara. Viu o marrom morto e com um estalido do pulso atirou a lança reluzindo no cadáver, depois puxou-a com a leve corrente presa à extremidade da arma. Silenciosamente enrolou de novo a corrente, esperando, ouvidos atentos a qualquer perigo.

Finalmente satisfeito, fez um sinal à escuridão. Instantaneamente vinte homens surgiram e arremeteram para o lanço de escada, o caminho, de há muito esquecido, para os andares acima. Esses homens carregavam instrumentos de assalto. Estavam armados com facas presas a correntes, espadas e shurikens. E no centro dos seus capuzes negros havia uma pinta vermelha.

O líder não os observou a subir, mas manteve os olhos em Yabu e começou a contar com os dedos da mão esquerda. Um... dois... três... Yabu sentia muitos homens a vigiá-lo da passagem além da porta. Não conseguia ver ninguém.

Os atacantes com a pinta vermelha subiram a escada dois a dois, e no alto daquele lanço pararam. Uma porta barrava-lhes o caminho. Esperaram um momento, depois, cautelosamente, tenta ram abri-Ia. Estava trancada. Um homem com um instrumento de assalto, uma curta barra de aço, curva a uma extremidade e cinzelada à outra, avançou e arrombou-a. Do outro lado da porta havia outra passagem e eles a tomaram em silêncio. Na esquina seguinte, pararam. O primeiro homem perscrutou ao seu redor atentamente, depois chamou os demais com um gesto para outro corredor. Na extremidade oposta, uma réstia de luz brilhava através de um visor no pesado painelamento de madeira que cobria a porta secreta. O homem encostou um olho ao visor. Viu a extensão da sala de audiência, dois marrons e dois cinzentos enfadonhamente de sentinela, guardando a porta do conjunto de aposentos. Olhou em torno, fez um sinal de cabeça aos outros. Um dos homens ainda estava contando com os dedos, sincronizado com a contagem do líder, dois andares abaixo. Os olhos de todos acompanharam a contagem.

Embaixo, no porão, os dedos do líder continuavam no tempo, assinalando os momentos, os olhos sempre cravados em Yabu. Yabu observava e esperava, o odor do seu próprio suor de medo pegando-lhe nas narinas. Os dedos pararam e o punho do líder se fechou pontualmente. Apontou para o corredor. Yabu assentiu, voltou-se e refez o caminho por onde viera, caminhando lentamente. Atrás dele a contagem inexorável começou de novo. Um ...            dois ...            três ...

Yabu sabia do risco terrível que estava correndo, mas não tivera alternativa e amaldiçoou Mariko mais uma vez por forçá-lo a tomar o lado de Ishido. Parte do trato era que ele teria que abrir aquela porta secreta.

- O que há atrás da porta? - perguntara, desconfiado. -- Amigos. O sinal é este e a senha é dizer o seu nome. - Aí eles me matam, neh?

- Não. O senhor é valioso demais, Yabu-san. O senhor tem que providenciar para que haja proteção para a infiltração deles. . .

Ele concordara, mas nunca negociara com ninjas, os odiados e temidos mercenários semilendários, que prestavam fidelidade apenas às suas unidades familiares intimamente unidas e secretas, que transmitiam seus segredos apenas para parentes de sangue - como nadar vastas distâncias sob a água e escalar paredes quase lisas, como se tornar invisível e permanecer um dia e uma noite sem se mover, e como matar com as mãos, os pés ou quaisquer armas, incluindo veneno, fogo e explosivos. Para um ninja, a morte violenta por pagamento era a única finalidade da vida.

Yabu tentou manter o passo comedido à medida que se afastava do líder ninja pelo corredor, o peito ainda doendo do choque de que a força de ataque fosse ninja e não ronin. Ishido deve estar louco, disse a si mesmo, todos os sentidos vacilando, esperando uma lança, uma seta ou um garrote a qualquer momento. Agora se encontrava quase na esquina. Dobrou-a, a salvo mais uma vez, deu às pernas e subiu as escadas aos saltos, três degraus de cada vez. Ao topo, disparou pelo corredor em arcos, depois dobrou a esquina que levava aos aposentos dos criados.

Os dedos do líder ainda assinalavam os momentos, depois a contagem parou. Ele fez um sinal mais urgente à escuridão e disparou atrás de Yabu. Vinte ninjas o seguiram saindo da escuri dão, e outros quinze tomaram posições de defesa às duas extremidades do corredor, para guardar aquela via de fuga que levava por entre um labirinto de porões esquecidos e passagens que uniam o castelo a um dos esconderijos secretos de Ishido sob o fosso, e dali para a cidade.

Yabu corria velozmente agora, tropeçou no corredor, mal e mal conseguiu manter o equilíbrio, e irrompeu pelos aposentos dos criados, esparramando panelas, frigideiras, cabaças e pipas.

- Ninjaaaaas! - gritou, o que não fazia parte do acordo, mas que era o seu ardil para se proteger, caso fosse traído. Histericamente os homens e mulheres se dispersaram, uniram-se ao grito e tentaram sumir sob bancos e mesas enquanto ele continuava correndo, rumando para o outro lado, subindo outros degraus até um dos corredores principais para encontrar os primeiros - dos guardas marrons, que já haviam sacado as espadas.

- Toquem o alarma! - gritou Yabu. - Ninjas... há ninjas entre os criados!

Um samurai disparou para a escada principal, o segundo arremeteu bravamente para se postar sozinho no topo da escada em caracol que levava para baixo, a espada em riste. Vendo-o, os criados pararam, depois, gemendo de terror, amontoaram-se cegamente nas pedras, os braços sobre a cabeça. Yabu correu para a porta principal e atravessou-a, atingindo a escada. - Toquem o alarma! Estamos sendo atacados! - gritou conforme combinara fazer, para provocar a manobra diversionista do lado de fora, que cobriria o ataque principal através da porta secreta da câmara de audiência, para raptar Mariko e levá-la embora às pressas, antes que qualquer pessoa percebesse.

Os samurais junto aos portões e no adro giraram sobre os calcanhares, não sabendo onde proteger, e nesse momento os atacantes no jardim enxamearam para fora do esconderijo e sub jugaram os marrons. Yabu recuou para o vestíbulo, enquanto outros marrons desciam rapidamente da sala da guarda, a fim de apoiar os homens lá fora.

Um capitão correu na sua direção. - O que está acontecendo?

- Ninjas, lá fora e entre os criados. Onde está Sumiyori? - Não sei... no quarto dele.

Yabu saltou para a escada quando outros homens se precipitaram para baixo. Nesse momento o primeiro ninja vindo dos porões investiu por entre os criados para o ataque. Shurikens far pados eliminaram o defensor solitário, lanças mataram os criados. Num instante essa força de invasores se viu no corredor, gritando e berrando violentamente para criar confusão, os marrons, fora de si e movendo-se em círculos, sem saber de onde rebentaria o ataque seguinte.

No último andar, os ninjas à espera haviam escancarado suas portas ao primeiro alarma e caído em cima dos últimos marrons, que desciam às pressas, matando-os. Com dardos envenenados e shurikens, os ninjas repeliram-lhes o assalto furioso. Os marrons foram rapidamente dominados, e os atacantes pularam por sobre os cadáveres para atingir o corredor principal no andar de baixo. Uma furiosa investida de reforços marrons foi rechaçada pelos ninfas, que giravam as pesadas correntes e lançavam-nas contra os samurais, estrangulando-os ou embaraçando-lhes as espadas, para tornar mais fácil atingi-los com as facas de fio duplo. Shurikens cortavam o ar e os marrons foram logo dizimados. Alguns ninjas foram atingidos, mas rastejavam como animais hidrófobos e paravam de atacar somente quando a morte os tomava completamente.

No jardim a primeira arremetida dos reforços defensores foi enfrentada com facilidade enquanto marrons se precipitavam pela porta principal. Mas outra onda de marrons corajosamente organizou uma segunda investida e empurrou os invasores para trás com a sua absoluta superioridade numérica. A uma ordem dada aos gritos, os assaltantes recuaram, suas roupas negras fazendo deles alvos difíceis. Exultantes os marrons correram no seu encalço, para uma emboscada, e foram aniquilados.

Os atacantes com a pinta vermelha ainda se encontravam à espera do lado de fora da sala de audiência, seu líder com o olho colado ao visor. Via os preocupados marrons e cinzentos de Blackthorne, que guardavam a porta fortificada do corredor, ouvindo com ansiedade o holocausto que se elevava lá debaixo. A porta se abriu e outros guardas, marrons e cinzentos, se aglomeraram na abertura e então, incapazes de agüentar a espera, oficiais de ambos os grupos ordenaram a todos os homens que saíssem da sala de audiência para tomar posições defensivas à extremidade do corredor. Agora o caminho estava limpo, a porta do corredor interno aberta, apenas o capitão dos cinzentos ao lado dela, e também ele estava se afastando. O líder da pinta vermelha viu uma mulher surgir apressada à soleira, o bárbaro alto com ela, e reconheceu sua presa, outras mulheres reunindo-se atrás dos dois:

Impaciente por completar a missão e assim aliviar a pressão sobre os seus parentes embaixo, e açoitado pela ânsia de matar, o líder vermelho deu o sinal e irrompeu pela porta.um instante cedo demais.

Blackthorne viu-o vindo e automaticamente sacou a pistola de sob o quimono e disparou. A cabeça do homem desapareceu, momentaneamente detendo o ataque. Simultaneamente, o capitão dos cinzentos se precipitou de volta e atacou com ferocidade, descuidado da própria segurança. Abateu um ninja, então o bando todo caiu em cima dele e o massacrou, mas esses poucos segundos deram tempo suficiente a Blackthorne para puxar Mariko para a segurança e bater a porta. Desesperado, agarrou a barra de ferro e colocou-a no lugar bem no momento em que os ninfas se lançavam contra ela enquanto outros se desdobravam para guardar a porta principal.

- Jesus Cristo! O que está...

- Ninjaaaaas! - gritou Mariko enquanto Kiri, a Senhora Sazuko, a Senhora Etsu, Chimmoko, Achiko e as outras criadas surgiam histericamente dos outros quartos, golpes martelando a porta.

- Depressa, por aqui! - berrou Kiri por sobre o tumulto, e disparou para o interior.

As mulheres a seguiram, aflitas, duas delas ajudando a velha Senhora Etsu. Blackthorne viu a porta balançar sob os golpes furiosos das alavancas de assalto. A madeira estava lascando. Blackthorne voltou correndo ao seu quarto, para pegar o chifre de pólvora e as espadas.

Na sala de audiência, os ninjas já haviam eliminado os seis marrons e cinzentos junto à porta externa principal, e haviam sobrepujado os demais no corredor abaixo. Mas haviam perdido dois homens, dois se feriram antes que a luta estivesse terminada, as portas externas fechadas e barradas e todo o setor garantido. - Depressa - rosnou o novo líder da pinta vermelha. Os homens com as alavancas não precisavam ser instados para tentar demolir a porta. Por um momento o líder parou junto ao cadáver do irmão, depois deu-lhe um pontapé furioso, sabendo que a impaciência do irmão destruíra o seu ataque de surpresa. Juntou-se aos seus homens, que rodeavam a porta.

No corredor Blackthorne recarregou a arma rapidamente, a porta rangendo sob as batidas. Primeiro a pólvora, socá-la cuidadosamente... um dos painéis da porta estalou... depois o tam pão para apertar a carga, depois a bala e outro tampão. .. uma das dobradiças da porta cedeu e a extremidade da alavanca atravessou... depois, soprar cuidadosamente o pó da pederneira.

- Anjin-san! - gritou Mariko de algum lugar nos quartos. - Depressa!

Mas Blackthorne não prestou atenção. Encaminhou-se para a porta, pôs o bocal numa fenda lascada e puxou o gatilho. Do outro lado da porta houve um berro e o assalto à porta cessou. Ele recuou e começou a recarregar. Primeiro pólvora, socá-la cuidadosamente... novamente a porta toda estremeceu quando homens se lançaram contra ela com ombros, punhos e pés enfurecidos, e armas... depois o papel para apertar, a bala e outro papel... a porta urrou, estremeceu e um dos ferrolhos pulou fora e caiu no chão...

Kiri seguia às pressas por uma passagem interna, resfolegando, as outras meio que arrastando a Senhora Etsu consigo, Sazuko chorando: - Para que isso, não há para onde ir. . . -, mas Kiri corria, enveredou, trôpega, por outro quarto, atravessou-o e puxou para o lado uma parte da parede shoji. Havia uma porta de ferro fortificada escondida na parede de pedra atrás da shoji. Ela a abriu. Os gonzos estavam bem oleados.

-- Isto... isto é o refúgio sec-secreto do meu amo - ofegou ela, e começou a entrar, mas parou. - Onde está Mariko? Chimmoko voltou-se e saiu correndo.

No primeiro corredor, Blackthorne soprou cuidadosamente o pó da pederneira e avançou de novo. A porta estava prestes a desabar, mas ainda oferecia cobertura. Novamente ele puxou o gatilho. Novamente um berro e um momento de trégua, depois os golpes recomeçaram, outro ferrolho caiu e a porta inteira oscilou. Ele começou a recarregar.

- Anjin-san! - Mariko estava ali na outra extremidade do assento, acenando-lhe freneticamente, então ele agarrou as armas e correu na sua direção. Ela se voltou e disparou, guiando-o. A porta despedaçou-se e os ninjas se lançaram atrás deles.

Mariko corria velozmente. Blackthorne nos seus calcanhares. Ela atravessou um aposento, tropeçou nas saias e caiu. Ele a agarrou e, juntos, arremeteram por outra sala. Chimmoko correu ao seu encontro. - Depressa! - grinchou ela, esperando que passassem. Seguiu-os um momento, depois, despercebida, voltou e parou na passagem, a faca na mão.

Ninjas invadiram a sala com ímpeto. Chimmoko se atirou, a faca estendida, contra o primeiro homem. Ele aparou o golpe e atirou-a para o lado como um brinquedo, arremetendo atrás de Blackthorne e Mariko. O último homem quebrou o pescoço de Chimmoko com o pé e continuou correndo.

Mariko corria velozmente, mas não o suficiente, suas saias atrapalhando-a, Blackthorne tentando ajudá-la. Cruzaram uma sala, depois à direita, passando por outra, e ele viu a porta, Kiri e Sazuko esperando aterrorizadas, Achiko e as criadas amparando a velha senhora na sala atrás delas. Ele empurrou Mariko para a segurança. Depois deu-lhe as costas, a pistola descarregada a uma mão, a espada à outra, esperando Chimmoko. Como ela não aparecesse imediatamente, ele começou a voltar, mas ouviu a carga de ninjas se aproximando. Parou e entrou na sala com um pulo assim que o primeiro ninja apareceu. Bateu a porta, e lanças e shurikens retiniram contra os ferrolhos antes que os atacantes se lançassem contra a porta.

Entorpecido, agradeceu a Deus pela sua escapada e depois, quando viu a força da porta e percebeu que as alavancas não poderiam quebrá-la com facilidade e que por enquanto se encon travam seguros, agradeceu a Deus novamente. Tentando recuperar o fôlego, olhou em torno. Mariko estava de joelhos, arquejando. Havia seis criadas, Achiko, Kiri e Sazuko, e a velha senhora, deitada, o rosto cinza, quase inconsciente. A sala era pequena, com paredes de pedra, e havia outra porta lateral que levava a, uma pequena varanda no parapeito. Ele tateou até uma janela e olhou para fora. Aquele canto da cornija projetava-se sobre a avenida e o adro, e ele podia ouvir sons da batalha trazidos pelo vento, lá debaixo, berros e guinchos e alguns gritos de batalha histéricos. Diversos cinzentos e samurais disponíveis já estavam começando a se reunir na avenida e nas ameias opostas. Os portões embaixo estavam fechados contra eles e defendidos por ninjas.

- Que diabo está acontecendo? - disse Blackthorne, o peito doendo.

Ninguém lhe respondeu. Ele voltou, ajoelhou-se ao lado de Mariko e sacudiu-a suavemente. - O que está acontecendo? - Mas ela ainda não podia responder.

Yabu corria por um amplo corredor na ala oeste, em direção aos seus aposentos. Dobrou uma esquina e parou, derrapando. À frente um grande número de samurais estavam sendo repelidos por um feroz contra-ataque de invasores, que se haviam precipitado do último andar.

- O que está acontecendo? - gritou Yabu por sobre o tumulto, pois não estavam previstos ninjas ali, só embaixo.

- Estão por toda parte - arquejou um samurai. - Estes vieram de cima...

Yabu soltou uma imprecação, percebendo que fora logrado e que não fora posto a par do plano de ataque integral. - Onde está Sumiyori?

- Deve estar morto. Eles dominaram este setor, senhor. O senhor teve sorte de escapar. Eles devem ter atacado pouco depois de o senhor ter saído. Para que os ninjas estão atacando?

Uma enxurrada de gritos distraiu-os. Na extremidade oposta, marrons desferiam outro contra-ataque a um canto, cobrindo samurais que lutavam com lanças. Os lanceiros rechaçaram os ninjas, e os marrons se atiraram em perseguição. Mas uma nuvem de shurikens envolveu essa onda de assalto e logo estavam todos berrando e morrendo, bloqueando a passagem, o veneno provocando-lhes convulsões. Momentaneamente o restante dos marrons recuou, para se reagrupar.

Yabu, fora de perigo, gritou: - Tragam arqueiros! - Homens saíram correndo para lhe obedecer.

- Para que é o ataque? Por que eles são tantos? - perguntou de novo o samurai, o sangue de um ferimento na face escorrendo-lhe pelo rosto. Normalmente os detestados ninjas ata cavam isoladamente ou em pequenos grupos, para desaparecerem tão rapidamente quanto apareciam assim que a missão estivesse cumprida.

- Não sei - disse Yabu, todo aquele setor do castelo em rebuliço agora, os marrons ainda descoordenados, ainda desnorteados com a velocidade aterrorizadora do ataque.

- Se ... se Toranaga-sama estivesse aqui, eu poderia compreender que Ishido tivesse ordenado um ataque repentino, mas. . . mas por que agora? - disse o samurai. - Não há ninguém nem nada... - Parou, entendendo de súbito. - A Senhora Toda! Yabu tentou dominá-lo, mas o homem gritou: - Estão atrás dela, Yabu-san! Têm que estar atrás da Senhora Toda! - Comandou uma investida para a ala leste. Yabu hesitou, depois o seguiu.

Para atingir a ala leste, tinham que cruzar o andar central, que os ninjas agora defendiam maciçamente. Havia samurais mortos por toda parte. Estimulados pelo conhecimento de que sua reverenciada líder estava em perigo, a primeira carga impetuosa rompeu o cordão. Mas esses homens foram abatidos rapidamente. Agora mais dos seus companheiros haviam se unido aos gritos de advertência e a notícia se espalhou rapidamente e os marrons redobraram esforços. Yabu acorreu para dirigir a luta, permanecendo em segurança o mais que ousava. Um ninja abriu a sua mochila, acendeu uma cabaça explosiva num archote de parede e atirou-a sobre os marrons. Despedaçou-se contra a parede e explodiu, espalhando fogo e fumaça, e imediatamente esse ninja comandou um contra-ataque que pôs os marrons numa confusão fumegante. Sob a coberta de fumaça, reforços ninjas surgiram do andar inferior.

- Recuem e reagrupem-se! - gritou Yabu num dos corredores que davam início ao patamar principal, querendo protelar o mais que ousasse, presumindo que Mariko já tivesse sido capturada e estivesse sendo carregada para o porão, esperando a qualquer momento o toque de clarim que indicaria o sucesso e ordenaria a todos os ninjas que cessassem o ataque e se retirassem. Então uma força de marrons vinda de cima se arremessou num assalto suicida a uma escada e rompeu o cordão. Morreram, mas outros também desobedeceram a Yabu e investiram. Mais bombas foram atiradas, ateando fogo aos reposteiros das paredes. As chamas começaram a lamber as paredes, fagulhas inflamaram os tatamis. Um súbito jato de fogo encurralou um ninja, transformando-o numa tocha humana uivante. Então o quimono de um samurai também pegou fogo e ele se atirou sobre outro ninja, para arderem juntos. Um samurai em chamas estava usando a espada como um machado de batalha para abrir caminho por entre os atacantes. Dez samurais o seguiram e, embora dois morressem e três caíssem mortalmente feridos, os demais desobstruíram a passagem e dispararam para a ala leste. Logo mais dez os seguiram. Yabu comandou o ataque seguinte em segurança, enquanto os ninjas remanescentes faziam uma retirada ordeira para o térreo e a sua rota de fuga embaixo. A batalha pela posse do beco sem saída na ala leste começou.

Dentro do pequeno aposento, eles olhavam fixamente para a porta. Podiam ouvir os atacantes raspando os gonzos e o chão. Então houve um súbido martelar e uma voz áspera e abafada lá fora.

Duas criadas começaram a soluçar.

- O que ele disse? -- perguntou Blackthorne.

Mariko passou a língua pelos lábios secos. - Disse... disse que abríssemos a porta e nos rendêssemos ou ele ... ele explodiria a porta.

- Eles podem fazer isso, Mariko-san?

- Não sei. Eles... eles podem usar pólvora,, naturalmente, e. . . - A mão de Mariko foi para o sash e voltou vazia. - Onde está a minha faca?

Todas as mulheres procuraram suas adagas. Kiri não tinha a sua, nem Sazuko. Tampouco Achiko ou a Senhora Etsu. Blackthorne havia armado a pistola e tinha a espada longa. A curta caíra na corrida desesperada para a segurança.

A voz abafada tornou-se mais encolerizada e mais insistente, e todos os olhos no aposento se fixaram em Blackthorne. Mas Mariko sabia que fora traída e que seu momento chegara.

- Ele disse que, se abrirmos a porta e nos rendermos, todos estarão livres menos o senhor. - Mariko tirou uma mecha de cabelo da frente dos olhos. - Disse que o querem como refém, Anjin-san. Isso é tudo o que querem ...

Blackthorne avançou para abrir a porta, çou-se pateticamente em seu caminho.

- Não, Anjin-san, é um truque! - não querem o senhor, querem a mim! acredito neles.

disse. - Sinto muito, Não acredite neles, eu eles não

Ele sorriu para para um ferrolho.

- Não é o senhor, sou eu... é um truque! Juro! Não acredite neles, por favor - disse ela, e agarrou-lhe a espada. Estava fora da bainha pela metade quando ele percebeu o que ela estava fazendo e segurou-lhe a mão.

- Não! - ordenou. -Pare!

- Não me entregue às mãos deles! Não tenho faca! Por favor, Anjin-san! - Tentou se libertar do aperto dele, mas ele a levantou, tirou-a do caminho e colocou a mão sobre o ferrolho superior. - Dozo - disse às outras, enquanto Mariko desesperadamente tentava detê-lo. Achiko avançou, suplicando a ela, e Mariko tentou empurrá-la e gritou: - Por favor, Anjin-san, é um truque.. . pelo amor de Deus!

A mão dele fez saltar o primeiro ferrolho, abrindo-o.

- Eles me querem viva - gritou Mariko desvairadamente. - Não entende? Querem me capturar, não compreende? Querem-me viva e então será tudo por nada, amanhã Toranaga tem que cruzar a fronteira, rogo-lhe, é um truque, diante de Deus... Achiko tinha os braços em torno de Mariko, suplicando, puxando-a, e fazia sinal a ele que abrisse a porta. - Isogi, isogi, Anjin-san ...

Blackthorne abriu o ferrolho central.

- Pelo amor de Deus, não torne inútil Ajude-me! Lembre-se do seu voto!

Então a realidade do que ela estava dizendo o atingiu e, em pânico, ele trancou de novo os ferrolhos. - Por que eles ...

Um feroz martelamento na porta interrompeu-o, ferro retinindo sobre ferro, então a voz começou, num violento crescendo. Todos os sons exteriores cessaram. As mulheres correram para a parede oposta e se encolheram contra ela.

- Saia de perto da porta - gritou Mariko, correndo para junto delas. - Ele vai explodi-Ia!

- Retarde-os, Mariko-san - disse Blackthorne, e saltou para a porta lateral que levava para as ameias. - Nossos homens logo estarão aqui. Mexa nos ferrolhos, diga que estão emperra dos, qualquer coisa. - Ele puxou com força o ferrolho superior da porta lateral, mas encontrou-o enferrujado. Obedientemente Mariko correu para a porta e simulou débeis tentativas de deslocar o ferrolho central, suplicando ao ninja do outro lado. Então começou a chocalhar o ferrolho inferior. A voz tornou-se mais insistente e Mariko redobrou suas súplicas chorosas. Blackthorne esmagou a mão fechada contra a lingüeta de novo, mas ela não se moveu. As mulheres olhavam, impotentes. Finalmente esse trinco se abriu ruidosamente. Mariko tentou cobrir o som e Blackthorne atacou o último ferrolho. Suas mãos estavam esfoladas e ensangüentadas agora. O líder ninja do lado de fora renovou a advertência colérica. Em desespero, Blackthorne agarrou a espada e usou o cabo como um porrete, sem se importar com o barulho agora. Mariko abafou os sons da melhor maneira que pôde. O ferrolho parecia soldado.

Do lado de fora da porta, o líder da pinta vermelha estava quase louco de fúria. Aquele refúgio secreto era totalmente inesperado. As ordens que recebera do líder do clã eram para cap turar Toda Mariko viva, certificar-se de que ela estava desarmada, e entregá-la aos cinzentos que esperavam na extremidade do túnel que saía dos porões. Sabia que o tempo estava se esgotando. Podia ouvir a batalha devastadora no corredor, fora da sala de audiência, e sabia, desgostoso, que já estariam a salvo lá embaixo, a missão cumprida, não fosse aquele buraco de rato secreto e aquele imbecil superansioso do irmão, que começara o ataque prematuramente.

Karrna ter um irmão assim!

Segurava uma lâmpada acesa na mão e estendera uma trilha de pólvora até os barriletes que haviam trazido nas mochilas para explodir a entrada secreta dos porões, a fim de assegurar a reti rada. Mas estava num dilema. Explodir a porta era o único meio de entrar. Mas a mulher Toda estava bem do outro lado da porta e a explosão com certeza mataria todos os que estavam lá dentro e arruinaria a sua missão, tornando inúteis todas as suas perdas. homens. - Depressa! agüentar muito tempo

Passos correram até ele. Era um dos seus - sussurrou o homem. - Não podemos mais! - E afastou-se correndo.

O líder vermelho decidiu-se. Acenou a seus homens que se protegessem e gritou uma advertência através da porta: - Afastem-se! Vou explodir a porta! - Colocou a vela na trilha e deu um pulo para a segurança. A pólvora crepitou, inflamou-se e serpeou para os barriletes.

Blackthorne escancarou a porta lateral com um último empurrão. O doce ar noturno invadiu a sala. As mulheres se precipitaram para a varanda. A velha Senhora Etsu caiu, ele a agarrou, empurrou-a para fora, voltou-se para Mariko, mas ela se havia encostado ao ferro e anunciou firmemente: - Eu, Toda Mariko, protesto contra este ataque vergonhoso, e com a minha morte. . .

Ele saltou para cima dela, mas a explosão o atirou para o lado enquanto a porta era arrancada das dobradiças, voava pela sala e se chocava com estrondo à parede oposta. A detonação derrubou Kiri e as outras fora, no parapeito, mas deixou-as ilesas. A fumaça derramou-se pela sala, os ninfas seguindo-se instantaneamente. A porta de ferro chamuscada deslizou para um canto.

O líder da pinta vermelha estava de joelhos ao lado de Mariko, enquanto outros se desdobravam em leque, protegendo-o. Viu de imediato que ela tinha muitas fraturas e estava morrendo depressa. Karma, pensou, e pôs-se dé pé com um pulo. Blackthorne jazia atordoado, um filete de sangue a escorrer-lhe dos ouvidos e do nariz, tentando rastejar de volta à vida. A pistola, retorcida e inútil, estava a um canto.

O líder deu um passo à frente e parou. Achiko moveu-se no vão da porta.

O ninja olhou para ela, reconhecendo-a. Dèpois baixou os olhos para Blackthorne, desprezando-o por causa da arma de fogo e da covardia em atirar cegamente através da porta, matando um de seus homens e ferindo outro. Olhou novamente para Achiko e estendeu a mão para a faca. Ela atacou cegamente. A faca dele atingiu-a no seio esquerdo. Estava morta quando caiu e ele, sem raiva, retirou a faca do corpo que se contraía, efetuando a última parte das ordens que recebera de cima - de Ishido, presumia ele, embora isso não pudesse nunca ser provado -, que se falhassem e a Senhora Toda conseguisse se matar, ele devia deixá-la intacta e não lhe cortar a cabeça; devia proteger o bárbaro e deixar ilesas todas as outras mulheres, exceto Kiyama Achiko. Ele não sabia por que recebera a ordem de matá-la, mas isso fora ordenado e pago, portanto ela estava morta.

Fez sinal para a retirada. Um de seus homens pôs um chifre curvo aos lábios e soprou um toque estridente, que ecoou pelo castelo e através da noite. O líder fez um último exame em Mariko. Um último exame na garota. E um último exame no bárbaro, que ele gostaria muito que estivesse morto. Depois girou sobre os calcanhares e comandou a retirada através dos quartos e passagens até a sala de audiência. Ninfas estavam defendendo a porta principal e esperaram até que todos os vermelhos estivessem na rota de fuga, depois atiraram mais bombas de fogo e fumaça no corredor e arremeteram para a segurança. O líder dos vermelhos deu-lhes cobertura. Esperou até que estivessem todos seguros, depois espalhou punhados de estrepes quase imperceptíveis e mortíferos pelo chão - pequenas balas de metal pontudo, cheias de veneno. Saiu na disparada quando marrons irromperam por entre a fumaça na sala de audiência. Alguns lhe saíram no encalço e outra falange arremeteu para o corredor. Seus perseguidores berraram quando as agulhas dos estrepes se enterraram nas plantas dos pés e eles começaram a morrer.

Na pequena sala, o único som era o dos pulmões de Blackthorne lutando por respirar. No parapeito Kiri pôs-se de pé, vacilante, o quimono rasgado e as mãos e os braços com esco riações. Entrou na sala, trôpega, viu Achiko e gritou, depois cambaleou na direção de Mariko e caiu de joelhos ao seu lado. Outra explosão em algum lugar no castelo sacudiu o pó ligeiramente, e houve mais gritos e berros distantes de "fogo". A fumaça aumentou na sala. Sazuko e algumas das criadas puseram-se de pé. Sazuko tinha escoriações no rosto e ombros, e estava com o pulso quebrado. Viu ,Achiko, olhos e boca arregalados no terror da morte, e soluçou.

Entorpecida, Kiri olhou para ela e fez sinal na direção de Blackthorne. A jovem cambaleou na direção de Kiri e viu Mariko. Começou a chorar. Depois conseguiu se controlar, aproximou-se de Blackthorne e tentou ajudá-lo a se levantar. Criadas acorreram para ajudá-la. Ele se apoiou nelas, fez força para se erguer, depois oscilou e caiu, tossindo c vomitando, o sangue ainda a the escoar dos ouvidos. Marrons irromperam na sala. Olharam em torno, consternados.

Kiri continuava de joelhos ao lado de Mariko. Um samurai ergueu-a. Outros se aglomeraram em torno. Afastaram-se quando Yabu entrou, o rosto pálido. Quando viu que Blackthorne ainda estava vivo, grande parte da ansiedade desapareceu.

- Tragam um médico! Depressa! - ordenou ele, e ajoelhou-se ao lado de Mariko. Ainda estava viva, mas extinguindo-se rapidamente. O rosto mal fora tocado mas o corpo estava ter rivelmente mutilado. Yabu tirou o quimono e cobriu-a até o pescoço.

- Apressem o médico - disse, a voz rascante, depois se aproximou de Blackthorne. Ajudou-o a se sentar contra a parede. - Anjin-san! Anjin-san!

Blackthorne ainda estava em choque, os ouvidos ressoando, os olhos quase não enxergando, o rosto uma massa de contusões e queimaduras de pólvora. Então seus olhos cïarearam e viram Yabu, a imagem se desfigurando, o cheiro de fumaça de pólvora a sufocá-lo, e não sabia onde estava nem quert~ era, apenas que estava a bordo, numa batalha, e seu navio fora atingido e precisava dele. Então viu Mariko e se lembrou.

Pôs-se de pé, oscilante, Yabu ajudando-o, e cambaleando.

Ela parecia em paz, adormecida. Ele se ajoelhou pesadamente e afastou o quimono. Estendeu-o de~ novo. Seu pulso estava quase imperceptível. Depois cessou.

Ele ficou olhando para ela, balançando, quase caindo, então chegou um médico, que meneou a cabeça e di sse alguma coisa, mas Blackthorne não conseguiu ouvir ou come reender. Só sabia que a morte a levara e que ele também estava morto.

Fez o sinal-da-cruz sobre ela e disse as palavras sagradas em latim que eram necessárias para abençoá-la, e Orou por ela, embora não the saísse som algum da boca. Os outros o observavam. Quando terminou de fazer o que tinha que fazer, esforçou-se por se levantar novamente e ficou ereto. Então sus cabeça pareceu explodir numa luz vermelha e púrpura e ele desabou. Mãos gentis o seguraram e ajudaram-no a se deitar no chãe~, deixando-o descansar.

- Está morto? - perguntou Yabu.

- Quase. Não sei como estão seus ouvïdps, Yabu-sarna - disse o médico. - Ele pode estar sangrando por dentro.

- Melhor nos apressarmos - disse Rm samurai, nervoso -, tirem-nos daqui. O fogo pode se alastrar e ficaremos encurralados.

- Sim - disse Yabu. Outro samurai chamou-o urgentemente do parapeito e ele foi até lá fora.

A velha Senhora Etsu estava deitada contra a ameia, amparada pela criada, o rosto cinéreo, os olhos reumpsos. Fitou Yabu, focalizando com dificuldade. - Kasigi Yabu?

- Sim, senhora.

- O senhor é o oficial superior aqui? - Sim, senhora.

A velha senhora disse me levantar.

- Mas a senhora devia esperar, o - Ajude-me a me levantar! Samurais ali na varanda observaram-na.

Ouçam - disse ela, a voz rouca e frágil em meio ao silêncio. - Eu, Maeda Etsu, esposa de Maeda Arinosi, senhor de Nagato, Iwami e Aki, declaro que Toda Mariko-sarna pôs fim à vida para poupar-se de captura desonrosa por esses homens hediondos e vergonhosos. Declaro que... que Kiyama Achiko optou por atacar o ninfa, preferindo perder a vida a correr o risco da desonra de ser capturada... que não fosse a bravura do samurai bárbaro a Senhora Toda teria sido capturada e desonrada, assim como todas nós, c nós, que estamos vivas, devemosIhes gratidão, assim como nossos senhores lhes devem gratidão por nos proteger dessa vergonha... Acuso o Senhor General Ishido de preparar esse ataque desonroso... e de trair o herdeiro e a Senhora Ochiba. . . - A velha senhora cambaleou e quase caiu, e a criada soluçou e segurou-a com mais firmeza. - E. . . e o Senhor Ishido os traiu e ao conselho de regentes. Peço a todos que prestem testemunho de que não posso mais viver com essa vergonha...

- Não, não, ama - soluçou a criada. - Não a deixarei. . . - Afaste-se! Kasigi Yabu-san, por favor, ajude-me. Vá embora, mulher!

Yabu aparou o e ordenou à criada que se afastasse. Ela obedeceu.

A senhora Etsu sentia muita dor e respirava pesadamente. - Atesto a verdade disso com a minha própria morte - disse ntima voz tênue, e levantou os olhos para Yabu. - Eu ficaria honrada se . . .        se o senhor fosse o meu  assistente.

Ajude-me até o parapeito.

- Não, senhora. Não há necessidade de morrer.

Ela desviou o rosto dos outros e sussurrou apenas para ele: - Já estou morrendo, Yabu-sarna. Estou sangrando por dentro - alguma coisa se rompeu lá dentro - a explosão. . . Ajude-me

a cumprir o meu dever... Sou velha e inútil, e a dor tem sido minha companheira de cama há vinte anos. Deixe a minha morte amo, neh? - Houve um lampejo nos

peso da Senhora Etsu, que era desprezível,

Por favor,

também ajudar o nosso velhos olhos. - Neh? Gentilmente ele a lado na cornija, o adro Todos se curvaram para ela.

- Eu disse a verdade. Atesto isso com a minha morte -disse, em pé, sozinha, a voz trêmula.

agradecida, e deixou-se tombar para a vindas à morte.

ergueu e parou orgulhosamente ao seu muito lá embaixo. Ajudou-a a erguer-se.

Depois fechou os olhos.

Os regentes estavam reunidos no Grande Salão no segundo andar do torreão. Ishido, Kiyama, Zataki, Ito e Onoshi. O sol do amanhecer lançava sombras compridas e o odor de fogo ainda pairava pesadamente no ar.

A Senhora Ochiba estava perturbada.

- Sinto muito, senhor general, discordo - estava dizendo Kiyama na sua voz irritadiça. - É impossível ignorar o sepprrkrr da Senhora Toda, a bravura da minha neta e o testemunho e a morte formal da Senhora Maeda - junto com cento e quarenta e sete homens de Toranaga mortos e aquela parte do castelo quase arrasada! Simplesmente não pode ser ignorado.

- Concordo - disse Zataki. Chegara de Tarato na véspera, de manhã, c quando soubera os detalhes da confrontação de Mariko com Ishido ficara secretamente encantado. - Se ela tivesse sido autorizada a partir ontem, conforme aconselhei, não estaríamos nessa enrascada agora.

- Não é tão sério quanto os senhores pensam. - Aboca de Ishido era uma linha compacta e Ochiba sentiu aversão por ele naquele momento, repugnando-lhe que ele tivesse falhado e os tivesse encerrado a todos naquela crise. - Os ninfas estavam apenas atraís de saque - disse Ishido.

- O bárbaro é saque? - zombou Kiyama. um ataque tão vasto por um bárbaro?

- Por que não? Poderiam pedir resgate por ele, neh? - Ishido encarou o daimio, que estava ladeado por Ito Teruzumi e Zataki. - Os cristãos em Nagasaki pagariam muito bem por ele, morto ou vivo. Neh?

- É possível - concordou Zataki. - baros combatem.

- Está sugerindo, cristãos planejaram c pagaram por esse ataque presente, também grandemente

- Organizariam

É assim que os bar formalmente - disse Kiyama com firmeza -, que infame? era possível. E é possível.

- Sim. Mas não é provável - interveio Ishido, não querendo que o precário equilíbrio que existia entre os regentes fosse destruído por uma discussão aberta agora. Ainda estava muito irritado de que os espiões não o tivessem prevenido sobre o esconderijo secreto de Toranagà, e ainda não compreendia

- Eu disse que como pudera ser elaborado com tanto sigilo, sem nem um sopro de rumor sobre ele. - Na minha opinião os ninjas estavam atrás de saque.

- É muito sensato e muito correto - disse Ito com um lampejo malicioso nos olhos. Era um homem pequeno, de meiaidade, resplendentemente adornado com espadas ornamentais, em bora tivesse sido arrancado da cama como todos os demais. Estava maquilado como uma mulher e tinha os dentes escurecidos. - Sim, senhor general. Mas talvez os ninjas não pretendessem cobrar resgate por ele em Nagasaki, mas em Yedo, do Senhor Toranaga. Ele não continua sendo lacaio dele?

O cenho de Ishido se ensombreceu à menção do nome. - Concordo em que devemos gastar o nosso tempo discutindo sobre o Senhor Toranaga e não sobre ninjas. Provavelmente ele ordenou o ataque, neh? É traiçoeiro o suficiente para fazer isso.

- Não, ele nunca usaria ninjas - disse Zataki. - Traição, sim, mas não esse lixo. Mercadores fariam isso - ou bárbaros. Mas não o Senhor Toranaga.

Kiyama observava Zataki, odiando-o. - Os nossos amigos portugueses não poderiam instigar tal interferência nos nossos assuntos. Nunca!

- O senhor acreditaria que eles e/ou os padres deles conspirariam com um dos daimios cristãos de Kyushu para combater os não-cristãos - a guerra apoiada por uma invasão estrangeira? - Quem? Diga-me. Tem provas?

- Ainda não, Senhor Kiyama. Mas os rumores correm e um dia terei provas. - Zataki voltou-se para Ishido. - O que podemos fazer em relação a esse ataque? Qual é a saída do dilema? - perguntou, e olhou de relance para Ochiba. Ela observava Kiyama, depois seus olhos moveram-se na direção de Ishido, depois de volta a Kiyama, e ele nunca a tinha visto mais desejável.

- Todos concordamos - disse Kiyama - que é evidente que o Senhor Toranaga tramou para que fôssemos enredados por Toda Mariko-sama, por mais corajosa que ela tenha sido, por mais impelida pelo dever e honrada, Deus tenha piedade dela. Ito arrumou uma dobra nas saias do seu quimono impecável. - Mas o senhor não concorda que seria um estratagema perfeito para o Senhor Toranaga atacar seus próprios vassalos desse modo? Oh, Senhor Zataki, sei que ele nunca usaria ninjas, mas é esperto o bastante para levar os outros a tomar-lhe as idéias e acreditar que são suas. Neh?

- Tudo é possível. Mas usar ninjas não seria característico dele. - inteligente demais para usá-los. Ou para levar alguém a fazer isso. Não são dignos de confiança. E por que forçar Marikosama? Muito melhor esperar e nos deixar cometer o erro. Estávamos encurralados. Neh?

- Sim. Ainda estamos encurralados. - Kiyama olhou para Ishido. - E quem quer que tenha ordenado o ataque foi um imbecil, e não nos prestou serviço algum.

- Talvez o senhor general esteja certo e não seja tão sério quanto pensamos - disse Ito. - Mas é muito triste, uma morte deselegante para ela, pobre senhora.

- Isso foi o karma dela, e não estamos encurralados. - Ishido encarou Kiyama. - Foi muito afortunado que ela tivesse aquela toca aferrolhada para onde correr, ou aquela ralé a teria capturado.

- Mas não

a capturaram, senhor general, e ela cometeu uma forma de seppuku, e o mesmo fizeram os outros, e agora, se não deixarmos todos se irem, haverá mais mortes de protesto e não podemos nos permitir isso - disse Kiyama.

Não concordo. Todos devem ficar aqui - pelo Toranaga-sama entre em nossos domínios. sorriu. - Esse será um dia memorável.

Acha que ele não fará ïsso? - perguntou Zataki.

O que penso não tem valor, Senhor Zataki. Logo saberemos o que ele vai fazer. Seja o que for, não faz diferença. Toranaga deve morrer, se é para o herdeiro herdar. - Ito olhou para Ishido. - O bárbaro já morreu, senhor general?

Ishido balançou a cabeça e olhou Kiyama. - Seria azar que ele morresse agora, ou que ficasse mutilado, um homem corajoso assim, Neh?

- Acho que ele é uma praga e quanto mais depressa morrer, melhor. O senhor esqueceu?

- Ele nos poderia ser útil. Concordo com o Senhor Zataki - e com o senhor - em que Toranaga não é nenhum imbecil. Tem que haver uma boa razão para Toranaga estimá-lo. Neh?

-- Sim, tem razão novamente -- disse Ito. - O Anjin-san agiu bem para um bárbaro, não? Toranaga estava certo em fazêlo samurai. - Olhou para Ochiba. - Quando ele lhe deu a flor, senhora, considerei o gesto poético, digno de um cortesão.

Houve uma aquiescência geral.

- E a competição de poesia, senhora? - perguntou Ito. - Deve ser cancelada, sinto muito - disse Ochiba. - Sim - concordou Kiyama.

- O senhor havia decidido participar? - perguntou ela. - Não - respondeu ele. - Mas agora eu poderia dizer:

Num ramo sem vida A tempestade caiu... Lágrimas de um verão escuro.

- Deixemos que isso seja o epitáfio dela. Ela era samurai - disse Ito calmamente. - Compartilho dessas lágrimas de verão.

- Por mim - disse Ochiba -, eu preferiria um final diferente:

Num ramo sem vida A neve ouviu... Silêncio de inverno.

Mas concordo, Senhor Ito. Também acho que todos nós compartilharemos dessas lágrimas de verão escuro.

- Não, sinto muito, senhora, mas está enganada - disse Ishido. - Haverá lágrimas, sim, mas serão Toranaga e seus aliados quem as derramará. - Começou a conduzir a reunião para um encerramento. - Darei início a um inquérito sobre o ataque ninja imediatamente. Duvido que jamais descubramos a verdade. Enquanto isso, por questão de segurança pessoal, todos os passes serão lamentavelmente cancelados e todas as pessoas lamentavelmente proibidas de partir até o vigésimo segundo dia.

- Não - disse Onoshi, o leproso, o último dos regentes, do seu lugar solitário do outro lado da sala, onde se encontrava, invisível, atrás das cortinas opacas da sua liteira. - Sinto muito, mas isso é exatamente o que o senhor não pode fazer. Agora deve deixar todos partirem. Todos.

- Por quê?

A voz de Onoshi era malévola e destemida. - Se não o fizer, desonrará a senhora mais corajosa do reino, desonrará a Senhora Kiyama Achiko e a Senhora Maeda. Deus tenha piedade da alma delas. Quando esse ato infame for do conhecimento comum, só Deus, o pai, sabe que prejuízo causará ao herdeiro - e a todos nós, se não formos cautelosos.

Ochiba sentiu um calafrio. Um ano atrás, quando Onoshi viera prestar seus respeitos ao táicum moribundo, os guardas haviam insistido para que as cortinas da liteira fossem abertas, para o caso de Onoshi ter armas ocultas, e ela vira o meio rosto devastado - sem nariz, sem orelhas, coberto de crostas -, os olhos fanáticos e candentes, o toco da mão esquerda e a direita, boa, agarrada à espada curta.

A Senhora Ochiba rezou para que nem ela nem Yaemon jamais contraíssem lepra. Também ela queria que aquela reunião se encerrasse, pois tinha que decidir agora o que fazer - o que fazer em relação a Toranaga e o que fazer em relação a Ishido. - Segundo - dizia Onoshi -, se o senhor usar esse ataque infame como desculpa para reter qualquer pessoa aqui, estará deixando implícito que nunca pretendeu permitir que partissem, embora tenha dado a sua garantia solene por escrito. Terceiro: o senhor...

Ishido interrompeu: - O conselho todo concordou em emitir os salvo-condutos!

- Desculpe, o conselho inteiro concordou quanto à sábia sugestão da Senhora Ochiba de oferecer salvo-condutos, presumindo, com ela, que poucos tirariam partido da oportunidade de partir, e ainda que o fizessem, que ocorreriam atrasos.

- Está sugerindo que as mulheres de Toranaga e Toda Mariko não teriam partido e que outras não as teriam seguido? - O que aconteceu a essas mulheres não desviaria o Senhor Toranaga um nada do seu objetivo. Temos que nos preocupar com os nossos aliados! Sem o ataque ninja e os três seppukus, todo este absurdo teria abortado!

- Não concordo.

- Terceiro e último: se o senhor não deixar todos partirem, depois do que a Senhora Etsu disse publicamente, será acusado pela maioria dos daimios de ordenar o ataque - embora não publicamente - e todos correremos o risco deter a mesma sorte, e então haverá muitas lágrimas.

- Não preciso contar com ninjas.

- Naturalmente - concordou Onoshi, a voz venenosa. - Nem eu, ou qualquer pessoa aqui. Mas acho que é meu dever lembrá-lo de que existem duzentos e sessenta e quatro daimios, que a força do herdeiro repousa sobre a coalizão de talvez duzentos, e que o herdeiro não pode se permitir ter o senhor, seu guia mais leal e comandante-chefe, supostamente culpado de tais métodos vis e de uma ineficiência tão monstruosa, já que o ataque falhou.

- Está dizendo que eu ordenei o ataque?

- Claro que não, desculpe. Simplesmente disse que o senhor será acusado de negligência se não deixar todo mundo partir.

- Há alguém aqui que pense que eu ordenei o ataque? -- Ninguém desafiou Ishido abertamente. Não havia provas. Corretamente, ele não os consultara e conversara apenas através de vagas alusões, mesmo com Kiyama e Ochiba. Mas todos sabiam e estavam todos igualmente furiosos de que ele tivesse tido a estupidez de falhar - todos, menos Zataki. Ainda assim, Ishido continuava sendo o senhor de Osaka, governador do tesouro do táicum, portanto nâo podia ser tocado ou eliminado.

- Bom - disse Ishido com determinação. - Os ninfas estavam atrás de saque. Votaremos sobre os salvo-condutos. Voto que sejam cancelados.

- Discordo - disse Zataki.

- Sinto muito, também me oponho - disse Onoshi.

Ito corou com o escrutínio deles. - Tenho que concordar com o Senhor Onoshi, ao mesmo tempo, bem... é tudo muito difícil, neh?

- Vote - disse Ishido com severidade.

- Concordo com o senhor, senhor general. - Sinto muito, eu não - disse Kiyama.

- Bom - disse Onoshi. - Está resolvido, mas concordo, senhor general, temos outros problemas urgentes. Temos que saber o que o Senhor Toranaga fará agora. Qual é a sua opinião?

Ishido sustentava o olhar de Kiyama, o rosto imóvel. Então disse: - O que responde a isso?

Kiyama estava tentando eliminar da mente todos os seus ódios, temores e preocupações para fazer uma escolha final - Ishido ou Toranaga. Esta deve ser a hora. Lembrou-se vivida mente de Mariko falando sobre a suposta traição de Ishido e a suposta prova dessa traição que Toranaga teria, sobre o bárbaro e seu navio - e sobre o que poderia acontecer ao herdeiro e à igreja se Toranaga dominasse o país e o que poderia acontecer à lei deles se os santos padres dominassem a terra. E por sobre isso tudo estava a angústia do padre-inspetor quanto ao herege e seu navio, e o que aconteceria se o Navio Negro se perdesse, e a convicção do capitão-mor, jurada por Deus, de que o Anjinsan fora gerado por Satã, Mariko enfeitiçada como Rodrigues estava enfeitiçado. Pobre Mariko, pensou ele tristemente, morrer assim depois de tanto sofrimento, sem absolvição, sem os últimos ritos, sem um padre, passar toda a eternidade afastada da doce graça celestial de Deus. Nossa Senhora tenha piedade dela. Muitas lágrimas de verão.

E Achiko? O líder ninfa a escolheu ou foi apenas mais uma morte? Como foi corajosa em atacar e não se encolher de medo, pobre criança. Por que o bárbaro ainda está vivo? Por que o ninfa não o matou? Deveriam ter recebido ordem para fazer isso, se esse ataque imundo foi concebido por Ishido, como naturalmente deve ter sido. Que vergonha para Ishido fracassar - que repugnante fracassar. Ah, mas que coragem Mariko teve. como foi inteligente em nos enredar na sua teia corajosa! E o bárbaro.

Se eu fosse ele, nunca teria sido capaz de retardar os ninfas com tanta coragem, ou de proteger Mariko da hedionda vergonha da captura - e Kiritsubo e Sazuko e a Senhora Etsu, sim, e até Achiko. Não fosse ele e o refúgio secreto, a Senhora Mariko teria sido capturada. E todos eles. É meu dever de samurai honrar o Anjin-san como samurai. Neh?

Deus me perdoe, não fui até Mariko-chan para ser seu assistente, o que era meu dever cristão. O herege ajudou-a e ergueu-a, assim como Jesus Cristo ajudou a outros e os ergueu, mas eu, eu a abandonei. Quem é o cristão? Não sei. Ainda assim, ele tem que morrer.

- E quanto a Toranaga, Senhor Kiyama? - repetiu Ishido. - E quanto ao inimigo?

- E quanto ao Kwanto? - perguntou Kiyama, observando-o.

- Quando Toranaga estiver destruído, proponho que o Kwanto seja dado a um dos regentes.

- Que regente?

- O senhor - respondeu Ishido, brando, e acrescentou: - ou talvez Zataki, senhor de Shinano. - Kiyama considerou prudente a observação, pois Zataki era muitíssimo necessário enquanto Toranaga estivesse vivo e Ishido já the dissera, um mês antes, que Zataki solicitara o Ihwanto como pagamento por se opor a Toranaga. Juntos haviam combinado que Ishido prometeria o Kwanto a ele, ambos sabendo que se trataria de uma promessa vazia. Ambos haviam combinado que Zataki perderia a vida e a sua província pela impertinência tão logo fosse conveniente.

- Naturalmente eu dificilmente seria a escolha certa para tal honra - disse Kiyama, cuidadosamente calculando quem na sala era a seu favor e quem era contra.

Onoshi tentou disfarçar sua desaprovação. - Essa decisão certamente é valiosa, digna de discussão, neh? Mas é para o futuro. O que o atual senhor do Kwanto vai fazer agora?

Ishido ainda estava olhando para Kiyama. - Bem? Kiyama sentiu a hostilidade de Zataki, embora o rosto do inimigo não demonstrasse nada. Dois contra mim, pensou, e Ochiba, mas ela não vota, Ito votàrá sempre com Ishido, portanto eu venço - se Ishido estiver falando a sério. Estará? perguntou a si mesmo, estudando o rosto à sua frente, sondando a verdade. Então decidiu e disse abertamente o que concluíra. - O Senhor Toranaga nunca virá a Osaka.

- Bom - disse Ishido. - Então está isolado, proscrito, e o convite imperial para que ele cometa seppuku já está preparado para a assinatura do Exaltado. E esse é o fim de Toranaga e da sua linhagem. Para sempre.

- Sim. Se o Filho do Céu vier a Osaka. - O quê?

- Concordo com o Senhor Ito - continuou Kiyama, preferindo tê-lo como aliado a tê-lo como inimigo. - O Senhor Toranaga é o mais manhoso dos homens. Acho que tem até astúcia suficiente para impedir a chegada do Exaltado.

- Impossível!

- E se a visita for adiada? - perguntou Kiyama, subitamente apreciando o desconforto de Ishido, detestando-o por haver falhado.

- O Filho do Céu estará aqui, conforme o planejado! - E se o Filho do Céu não estiver?

- Digo-lhe que estará! - E se não estiver?

- Como o Senhor Toranaga poderia fazer tou a Senhora Ochiba.

- Não sei. Mas se o Exaltado quisesse que sua visita fosse adiada por um mês. . . não há nada que possamos fazer. O senhor Toranaga não é um mestre na subversão? Eu não o considero incapaz de nada - nem de influenciar o Filho do Céu.

Houve silêncio mortal na sala. A enormidade daquele pensamento, e suas repercussões, envolveu-os.

- Por favor, desculpem-me, mas. . . mas qual é a resposta? - disse Ochiba, por todos eles.

- Guerra! - disse Kiyama. - Mobilizamo-nos hoje, secretamente. Esperamos até que a visita seja adiada, como será. Esse será o nosso sinal de que Toranaga influenciou o Altíssimo. No mesmo dia marchamos contra o Kwanto, durante a estação das chuvas.

Repentinamente o chão começou a tremer.

Primeiro o terremoto foi leve e durou apenas alguns momentos, mas fez as vigas estalarem.

Depois houve outro tremor. Mais forte. Uma fenda rasgou uma parede de pedra e parou. Poeira desprendeu-se do teto. Colunas, traves e telhas guincharam e telhas se soltaram de um telhado e se lançaram no adro lá embaixo.

Ochiba sentiu-se tonta e nauseada, e se perguntou se era o seu karma ser soterrada por entulho naquele dia. Agarrou-se ao soalho tremendo e esperou, assim como todo mundo no castelo,

e a cidade e os navios na enseada, que o verdadeiro abalo começasse.

Mas não começou. O terremoto terminara. A vida recomeçou. A alegria de viver invadiu-os de novo, e seu riso ecoou pelo castelo. Todos pareciam saber que desta vez - aquela hora, aquele dia - o holocausto passara perto deles.

- Shigata ga nai - disse Ishido, ainda convulsionado. - Neh?

- Sim - disse Ochiba gloriosamente.

- Vamos votar - disse Ishido, saboreando a própria existência. - Voto pela guerra!

- Eu também! - Eu também! - Eu também! - Eu também!

Quando Blackthorne recuperou a consciência, soube que Mariko estava morta, e soube como ela morrera e por que morrera. Estava deitado sobre f utons, cinzentos guardando-o, um teto de vigas no alto, a ofuscante luz do sol ferindo-lhe os olhos, o silêncio estranho. O primeiro dos seus grandes temores se esvaneceu. Posso ver.

O médico sorriu e disse alguma coisa, mas Blackthorne não conseguiu ouvir. Começou a se levantar, mas uma dor ofuscante disparou um ressoar violento nos seus ouvidos. O acre gosto de pólvora ainda lhe estava na boca e o seu corpo inteiro doía.

Por um momento perdeu a consciência de novo, depois sentiu mãos gentis erguer-lhe a cabeça, encostar-lhe uma xícara aos lábios, e o agridoce sabor do chá com cheiro de jasmim eliminou o gosto de pólvora. Forçou os olhos a se abrirem. Novamente o médico disse alguma coisa, novamente não conseguiu ouvir, e novamente o terror começou a brotar, mas ele o deteve, sua mente lembrando-se da explosão, de vê-Ia morta e, antes de ela morrer, de dar-lhe uma absolvição que não era qualificado para dar. Deliberadamente afastou a lembrança e se concentrou na outra explosão - a vez em que fora atirado ao mar depois de o velho Alban Caradoc ter perdido as pernas. Daquela vez também tivera o mesmo ressoar nos ouvidos, a mesma dor, a mesma ausência de som, mas sua audição voltara alguns dias depois.

Não há motivo para se preocupar, disse a si mesmo. Ainda não.

Podia ver a extensão das sombras do sol e a cor da luz. Amanheceu há pouco tempo, pensou, e novamente bendisse a Deus por sua visão estar incólume.

Viu os lábios do médico moverem-se, mas nenhum som atravessou a turbulência ressoante.

Cuidadosamente apalpou o rosto, a boca e os maxilares. Não havia dor ali, nem ferimentos. Depois o pescoço, braços e peito. Nada de ferimentos. Depois desceu mais as mãos, sobre os rins,

a sua masculinidade. Mas não estava mutilado, como Alban Caradoc fora, e agradeceu a Deus por não ter sido ferido ali e deixado vivo para saber, como o pobre Alban Caradoc soubera.

Descansou um momento, a cabeça doendo de modo abominável. Depois apalpou as pernas e os pés. Tudo parecia em ordem. Cautelosamente pousou as mãos sobre as orelhas e fez pressão, depois abriu parcialmente a boca, engoliu e meio que bocejou, para tentar clarear os ouvidos. Mas isso só aumentou a dor.

Você esperará um dia e meio, ordenou a si mesmo, e dez vezes esse tempo se for necessário, até lá você não terá medo. O médico tocou-o, seus lábios movendo-se.

- Não consigo ouvir, sinto muito - disse Blackthorne calmamente, ouvindo as palavras apenas no cérebro.

O médico assentiu e falou novamente. Desta vez Blackthorne leu nos lábios do homem: "Compreendo. Por favor, durma agora".

Mas Blackthorne sabia que não dormiria. Tinha que planejar. Tinha que se levantar e deixar Osaka e ir a Nagasaki - arranjar atiradores e marujos para tomar o Navio Negro. Não havia mais nada em que pensar, mais nada de que se lembrar. Não havia mais razão para brincar de ser samurai ou japonês. Agora estava livre, todas as dívidas e amizades canceladas. Porque ela se fora.

Novamente levantou a cabeça e novamente sentiu a dor cegante. Dominou-a e se sentou. O quarto girou e ele vagamente se lembrou de que em seus sonhos estivera de volta a Anjiro, durante o terremoto, quando a terra se fendera e ele pulara lá dentro para salvá-la e a Toranaga de serem tragados. Ainda podia sentir a fria e pegajosa umidade, e aspirar o mau cheiro da morte que vinha da fenda, Toranaga imenso, monstruoso e rindo no seu sonho.

Forçou os olhos a verem. O quarto parou de girar e a náusea passou. - Chá, dozo - disse, o gosto de pólvora na boca de novo. Mãos ajudaram-no a beber, depois ele estendeu os braços

e elas o ajudaram a se erguer. Sem elas teria caído. Seu corpo era um grande ferimento, mas agora tinha certeza de que nada se quebrara internamente, nem externamente, exceto os seus ouvidos, e que descanso, massagem e o tempo o curariam. Agradeceu novamente a Deus por não ter sobrevivido cego ou mutilado. Os cinzentos ajudaram-no ase sentar de novo e ele se deitou um momento. Não notou que o sol se moveu um quadrante do momento em que se deitou até o momento em que abriu os olhos.

Curioso, pensou, avaliando a sombra do sol, sem perceber que dormira. Eu poderia ter jurado que amanhecera há pouco. Meus olhos estão me pregando peças. Está perto do fim do turno da manhã agora. Isso fê-lo lembrar-se de Alban Caradoc e suas mãos se moveram pelo corpo mais uma vez, para certificá-lo de que não sonhara que estava ileso.

Alguém tocou-o e ele levantou os olhos. Yabu estava a observá-lo e falando.

- Sinto muito - disse Blackthorne lentamente. - Ainda não consigo ouvir, Yabu-san. Logo estarei bem. Ouvidos doem, compreende?

Viu Yabu assentir e franzir o cenho. Yabu e o médico conversaram e depois, com sinais, Yabu fez Blackthorne compreender que logo voltaria e que Blackthorne descansasse até que ele o fizesse. E saiu.

- Banho, por favor, e massagem - disse Blackthorne. Mãos ergueram-no e levaram-no até lá. Ele dormiu sob os dedos calmantes, o corpo mergulhado no êxtase do calor, a maciez e o aroma doce dos óleos que lhe foram esfregados na carne. E o tempo todo sua mente planejou. Enquanto dormiu, os cinzentos vieram, ergueram-lhe a maca e carregaram-na aos aposentos internos do torreão, mas ele não despertou, drogado pela fadiga e pela poção curativa e sonífera.

- Ele estará seguro agora, senhora - disse Ishido. - Contra Kiyama? - perguntou Ochiba.

sinal aos guardas para o corredor,

- Contra todos os cristãos. - Ishido fez que estivessem muito alerta e saiu do quarto depois para o jardim inundado de sol.

- Foi por isso que a Senhora Achiko era cristã?

Ishido ordenara isso para o caso de ela ser uma assassina introduzida lá pelo avô Kiyama, a fim de matar Blackthorne. - Não tenho idéia - disse.

- Eles se agarram uns aos outros como abelhas numa colmeia. Como é que alguém pode acreditar no absurdo religioso deles?

- Não sei. Mas logo serão todos destruídos.

- Como, senhor general? Como o senhor fará isso quando tanta coisa depende da boa vontade deles?

- Promessas - até que Toranaga esteja morto. Aí eles cairão uns sobre os outros. Dividimos e governamos. Não é isso o que faz Toranaga, o que o senhor táicum fez? Kiyama quer

o Kwanto, neh? Pelo Kwanto ele obedecerá. Por isso foi-lhe prometido, para um momento no futuro. Onoshi? Quem sabe o que esse louco deseja... exceto cuspir na cabeça de Toranaga e na de Kiyama antes de morrer?

- E se Kiyama descobrir a sua promessa a Onoshi - que todas as terras de Kiyama serão dele -, ou que o senhor pretende manter sua promessa a Zataki e não a ele?

- Mentiras, senhora, espalhadas por inimigos. - Ishido olhou para ela. - Onoshi quer a cabeça de Kiyama. Kiyama quer o Kwanto. Assim como Zataki.

- E o senhor, senhor general? O que deseja?

- Primeiro o herdeiro em segurança aos quinze anos, depois governando o reino em segurança. E a senhora e ele seguros e protegidos até lá. Nada mais.

- Nada?

- Não, senhora.

Mentiroso, pensou Ochiba. Colheu uma flor perfumada, aspirou-lhe o aroma e ofereceu-a a ele. - Adorável, neh?

- Sim, adorável - disse Ishido, pegando-a. - Obrigado.

- O funeral de Yodoko-sama foi lindo. Merece ser cumprimentado, senhor general.

- Sinto muito que ela tenha morrido - disse Ishido polidamente. - O seu conselho era sempre valioso.

Andaram a esmo, em silêncio, um momento. - Elas já partiram? Kiritsubo-san, a Senhora Sazuko e seu filho? - perguntou Ochiba.

- Não. Partirão amanhã. Depois do funeral da Senhora Toda. Muitos partirão amanhã, o que é grave.

- Sinto muito, mas isso faz diferença? Agora que todos concordamos em que Toranaga-sama não virá aqui?

- Acho que sim. Mas não é importante, não enquanto detivermos o Castelo de Osaka. Não, senhora, temos que ser pacientes, conforme Kiyama sugeriu. Esperaremos até o dia. Então marcharemos.

- Por que esperar? O senhor não pode marchar agora? - Vai levar tempo reunir as nossas hostes.

- Quantos enfrentarão Toranaga? - Trezentos mil homens. Pelo menos de Toranaga.

- E a minha guarnição? - Deixarei uma elite de mais cinqüenta mil nas passagens. - E Zataki?

- Trairá Toranaga. No final ele o trairá.

- O senhor não acha curioso que o Senhor Sudara, minha irmã e todos os filhos dela estejam visitando Takato?

- Não. Claro que Zataki fingiu algum acordo secreto com o meio irmão. Mas é apenas um truque, nada mais. Ele o trairá. - Ele deveria. . . ele tem o mesmo sangue corrompido - disse ela com desagrado. - Mas eu ficaria muito aborrecida se alguma coisa acontecesse à minha irmã ou a seus filhos.

- Nada acontecerá, senhora, tenho certeza.

- Se Zataki estava pronto a assassinar a própria mãe . . . neh? Tem certeza de que ele não o trairá?

- Não. Não no final. Porque odeia a Toranaga mais do que a mim, senhora, e respeita a senhora e deseja o Kwanto acima de tudo. - Ishido sorriu para os andares que se elevavam

acima dele. - Enquanto o castelo for nosso e o Kwanto existir para ser oferecido, não há nada a temer.

- Esta manhã tive medo - disse ela, segurando uma flor junto ao nariz, apreciando o perfume, desejando que ela extinguisse o travo de medo que ainda perdurava. - Tive vontade de sair correndo, mas aí me lembrei do adivinho.

- Hein? Oh, ele. Tinha me esquecido - disse Ishido, divertido mas sério. Era o adivinho, o emissário chinês, que predissera que o táicum morreria no leito deixando um filho sau dável para segui-lo, que Toranaga morreria pela espada na meiaidade, que Ishido morreria muito velho, como o general mais famoso do reino, os pés firmes no solo. E que a Senhora Ochiba terminaria seus dias no Castelo de Osaka, rodeada pelos maiores nobres do império.

- Sim - repetiu Ishido. - Eu tinha me Toranaga é de meia-idade, neh?

- Sim. - Novamente Ochiba sentia a profundidade do olhar dele, e foi como se seus rins se fundissem com o pensamento de um homem de verdade em cima dela, dentro dela, abraçando-a, tomando-a, dando-lhe uma nova vida dentro dela. Desta vez uma concepção honrosa, não como a última, quando ela se perguntara horrorizada como seria a criança e como se pareceria.

Que tola você é, Ochiba, disse a si mesma, enquanto perambulavam pelos caminhos perfumados e sombreados. Afaste esses pesadelos imbecis - não passam disso. Você estava pensando num homem.

De repente Ochiba teve vontade de que Toranaga estivesse ali ao seu lado e não Ishido, que Toranaga fosse senhor do Castelo de Osaka e senhor do tesouro do táicum, protetor do herdeiro e general-chefe dos exércitos de oeste, e não Ishido. Então não haveria problemas. Juntos eles possuiriam o reino, o reino todo, e agora, hoje, neste momento, ela o chamaria

leito ou para uma clareira convidativa e amanhã ou no guinte eles se casariam, e, acontecesse o que acontecesse no hoje ela possuiria e seria possuída e estaria em paz.

Ponha os sonhos de lado, Ochiba, disse-se ela. Seja realista como o táicum - ou como Toranaga.

- O que vai fazer com o Anjin-san? - perguntou.

Ishido riu. - Protegê-lo, deixá-lo tomar o Navio Negro talvez, ou usá-lo como ameaça contra Kiyama e Onoshi, se for necessário. Ambos o odeiam, neh? Oh, sim, ele é

na garganta deles - e na imunda Igreja deles.

- No jogo de xadrez entre o herdeiro e Toranaga, como julgaria o valor do Anjin-san, senhor general? Um peão? Um cavaleiro, talvez?

- Ah, senhora, no Grande Jogo, meramente um peão - disse Ishido imediatamente. - Mas no jogo do herdeiro contra os cristãos, uma torre, facilmente uma torre, talvez duas.

- O senhor não acha que os jogos estão interligados?

- Sim, interligados, mas o Grande Jogo será decidido por daimio contra daimio, samurai contra samurai, e espada contra espada. Naturalmente, em ambos os jogos, a senhora é a rainha.

- Não, senhor general, por favor, desculpe-me, não uma rainha - disse ela, contente de que ele percebesse isso. Depois, por questão de segurança, mudou de assunto. - Corre o boato de que o Anjin-san e Mariko-san "travesseiravam" juntos.

- Sim. Sim, também ouvi dizer. Deseja saber a verdade sobre isso?

Ochiba meneou a cabeça. - Seria impensável que isso tivesse acontecido.

Ishido observava-a atentamente. - A senhora acha que haveria algum valor em destruir a honra dela? Agora? E junto com a dela, a de Buntaro-san?

- Não quis dizer nada, senhor general, nada disso. Só estava me perguntando... apenas uma tolice de mulher. Mas é como o Senhor Kiyama disse esta manhã: lágrimas de um verão escuro, triste, muito triste, neh?

- Eu preferi o seu poema, senhora. Prometo-lhe que o lado de Toranaga terá as lágrimas.

- Quanto a Buntaro-san, talvez nem ele nem o Senhor Hiro-matsu lutem pelo Senhor Toranaga nu batalha.

- Isso é um fato?

- Não, senhor general, não um fato, mas uma possibilidade. - Mas existe alguma coisa que a senhora possa fazer, talvez? - Nada, senão pedir-lhes o apoio ao herdeiro

todos os generais de Toranaga, no esteja resolvida.

- Está resolvida agora, um sul e o ataque final a Odawara. - Sim, mas não de fato. exército no campo de batalha. - mas o senhor tem certeza de que os exércitos?

- Eu comandarei os exércitos, presente. Aí Toranaga não poderá vencer. mais atacará o estandarte do herdeiro.

- Não seria mais seguro que o herdeiro ficasse aqui por causa de assassinos, de Amidas ... ? Não podemos pôr a vida dele em risco. Toranaga tem um braço comprido, neh?

- Sim. Mas nem tanto, e o estandarte pessoal do herdeiro torna o nosso lado legal e o de Toranaga ilegal. Conheço Toranaga. No final respeitará a lei. E apenas isso colocará a sua cabeça na ponta de um chuço. Ele está morto, senhora. Assim que estiver morto de fato, destruirei a Igreja cristã - toda ela. Então a senhora e o herdeiro estarão seguros.

Ochiba levantou o olhar para ele, uma promessa não dita nos olhos. - Rezarei pelo sucesso ... e pelo seu regresso seguro. O peito dele se apertou. Ele esperara muito tempo. - Obrigado, senhora, obrigado - disse, compreendendo-a. - Não lhe falharei.

Ela se curvou e deu-lhe as costas. Que impertinência, estava pensando. Como se eu fosse tomar um camponês por marido! Agora, devo realmente descartar Toranaga?

Dell'Aqua estava ajoelhado em oração diante do altar nas ruínas da pequena capela. A maior parte do telhado e de uma parede estava desmoronada, mas o terremoto não danificara o presbitério, e nada tocara o belo vidro colorido da janela, ou a Nossa Senhora esculpida que era o seu orgulho.

O sol da tarde incidia através das vigas quebradas. Lá fora, trabalhadores já estavam removendo entulho do jardim, consertando e conversando e, misturados à tagarelice deles, Dell'Aqua podia ouvir os gritos das gaivotas vindos da praia e sentir um travo na brisa, parte sal, parte fumaça, algas marinhas e pântanos. O odor transportou-o para casa, a sua quinta perto de Nápoles, onde, misturados aos odores do mar, havia o perfume dos limões e laranjas e o de pães frescos assando, e massa e alho e abbacchio assando sobre brasas, e, na grande vila, a voz de sua mãe, dos irmãos e irmãs e seus filhos, todos felizes, alegres e vivos, aquecidos pelo sol dourado.

Ó minha Nossa Senhora, deixe-me voltar para casa em breve, orou ele. Estou longe há muito tempo. De casa e do Vaticano. Nossa Senhora, alivie-me do fardo. Perdoe-me, mas estou farto de japoneses, Ishido, matança, peixe cru, Toranaga, Kiyama, cristãos de arroz, tentar manter viva a sua Igreja. Dê-me a sua força.

E proteja-nos dos bispos espanhóis. Os espanhóis não compreendem o Japão ou os japoneses. Eles destruirão o que começamos pela sua glória. E perdoe a sua serva, a Senhora Maria. e tome-a sob a sua guarda. Vele por...

Ouviu alguém entrar na nave. Quando terminou as orações, levantou-se e voltou-se.

- Desculpe interrompê-lo, Eminência - disse o Padre Soldi -, mas o senhor queria saber imediatamente. Há uma mensagem cifrada do Padre Alvito. De Mishima. O pombo acabou de chegar.

- E?

- Ele só diz que verá Toranaga hoje. A noite impossível porque Toranaga estava fora de Mishima, se que regresse ao meio-dia de hoje. A mensagem desta manhã.

Dell'Aqua tentou reprimir o desapontamento, depois olhou as nuvens e o tempo, buscando confiança. A notícia do ataque ninfa e da morte de Mariko tinha sido enviada a Alvito ao amanhecer, a mesma mensagem por dois pombos, por questão segurança.

- As notícias logo estarão lá - disse Soldi. - Sim. Sim, espero que sim.

Dell'Aqua saiu da capela, tomou

os seus escritórios. Soldi, pequeno, um passarinho, tinha que se apressar para acompanhar as grandes passadas do padre-inspetor. - Há mais uma coisa de extrema importância, Eminência disse Soldi. - Nossos informantes relatam que pouco depois amanhecer os regentes votaram pela guerra.

Dell'Aqua parou. - Guerra?

- Parece que estão convencidos de que Toranaga nunca virá a Osaka, ou o imperador. Por isso decidiram em conjunto ir contra o Kwanto.

- Não há engano nisso?

- Não, Eminência. É a guerra. Kiyama acabou de mandar um aviso pelo Irmão Miguel, que confirma a nossa fonte. Miguel acabou de voltar do castelo. A votação foi unânime.

- Dentro de quanto tempo?

- No momento em que souberem perador não virá aqui.

- A guerra não terminará nunca. Deus tenha piedade de nós! E abençoe Mariko - pelo menos Kiyama e Onoshi foram prevenidos da perfídia de Toranaga.

- E quanto a Onoshi, Eminência? E quanto à perfídia dele contra Kiyama?

- Não tenho provas disso, Soldi. É coisa forçada demais. Não posso acreditar que Onoshi fizesse isso.

- Mas se fizer, Eminência?

- Neste exato momento não é possível, mesmo que tenha sido planejado. Agora precisam um do outro.

- Até o falecimento do Senhor Toranaga...

- Você não precisa me lembrar da inimizade desses dois, ou de que eles não têm escrúpulos; Deus perdoe a ambos. - Pôs-se em movimento de novo.

Soldi alcançou-o. - Devo mandar essa informação ao Padre Alvito?

- Não. Ainda não. Primeiro tenho que resolver o que fazer. Toranaga ficará sabendo bem depressa, pelas suas próprias fontes. Deus tome esta terra sob a sua guarda e tenha piedade de todos nós.

Soldi abriu a porta para o padre-inspetor. - O único outro assunto de importância é que o conselho formalmente recusou que ficássemos com o corpo da Senhora Mariko. Ela terá um funeral cerimonial amanhã e não fomos convidados.

- Era de se esperar, mas é esplêndido que queiram honrá-la assim. Mande algum dos nossos buscar uma parte das suas cinzas - isso será permitido. As cinzas serão enterradas em solo santi ficado em Nagasaki. - Endireitou um quadro automaticamente e sentou-se atrás da escrivaninha. - Direi um réquiem por ela aqui - o réquiem completo, com toda a pompa e cerimônia que pudermos, será quando os seus despojos forem formalmente enterrados. Ela será sepultada em solo de catedral, como uma filha muito abençoada da Igreja. Providencie uma placa, contrate os melhores artistas, calígrafos -- tudo deve ser perfeito. A abençoada coragem e auto-sacrifício dela serão um enorme encorajamento ao nosso rebanho. Muito importante, Soldi.

- E a neta de Kiyama, senhor? As autoridades nos deixarão ficar com o corpo. Ele insistiu.

- Ótimo. Então os seus despojos devem ser enviados para Nagasaki imediatamente. Consultarei Kiyama sobre quão importante ele deseja que o funeral seja.

- O senhor realizará o serviço, Eminência?

- Sim, desde que seja possível que eu saia daqui.

- O Senhor Kiyama ficaria muito satisfeito com essa honra. - Sim, mas devemos nos certificar de que as suas exéquias não prejudiquem as da Senhora Maria. As de Maria são, politicamente, muitíssimo importantes.

- Claro, Eminência. Compreendo perfeitamente.

Dell'Aqua examinou o seu secretário. - Por que não confia cm Onoshi?

- Desculpe, Eminência, provavelmente porque ele é leproso e me petrifica de terror. Peço desculpas.

- Peça desculpas a ele, Soldi, ele não tem culpa pela doença - disse Dell'Aqua. - Não temos provas da conspiração.

- As outras coisas que a senhora disse eram verdadeiras. Por que não isso?

- Não temos provas. É tudo suposição. Sim, suposição.

Dell'Aqua moveu o frasco de água, observando a luz se refrangendo. - Nas minhas orações, senti o cheiro de flores de laranjeira e de pães frescos, e, oh, como gostaria de ir para casa.

Soldi suspirou. - Sonho com abbacchio, Eminência, e com carne pizzaiola c um jarro de Lacrima Christi e... Deus me perdoe pelas fomes da fome! Logo poderemos ir para casa, Eminên cia. No próximo ano. Pelo próximo ano estará tudo acomodado aqui.

- Nada estará acomodado aqui no próximo ano. Essa guerra nos atingirá. Prejudicará a Igreja e os fiéis terrivelmente.

- Não, Eminência. Kyushu será cristã vença quem vencer - disse Soldi confiantemente, querendo consolar o superior. -- Essa ilha pode esperar pelo bom tempo de Deus. Há mais que

o suficiente a fazer em Kyushu, Eminência, não há? Três milhões de almas a converter, meio milhão de fiéis a quem atender. Depois há Nagasaki e o comércio. Eles precisam ter comércio. Ishido e Toranaga vão se rasgar em pedaços. O que importa isso? São ambos anticristãos, pagãos e assassinos.

- Sim. Mas infelizmente o que acontecer em Osaka e em Yedo controlará Kyushu. O que fazer, o que fazer? - Dell'Aqua pôs de lado a melancolia. - E o Inglês? Onde está agora?

- Ainda sob guarda no torreão.

- Deixe-me sozinho um pouco, amigo velho, preciso pensar. Tenho que decidir o que fazer. Finalmente. A Igreja está em grande perigo. - Dell'Aqua olhou pelas janelas para o adro. Então viu o Frei Perez se aproximando.

Soldi foi para a porta a fim de interceptar o monge. - Não - disse o padre-inspetor. - Eu o verei agora.

- Ah, Eminência, boa tarde - disse o Frei Perez, coçando-se sem perceber. -- Queria me ver?

- Sim. Por favor, traga a carta, Soldi.

- Ouvi dizer que a sua capela foi destruída - disse o monge.

- Danificada. Por favor,

na sua cadeira de espaldar alto atrás da escrivaninha, o monge à sua frente. - Ninguém se feriu, graças a Deus. Dentro de alguns dias estará nova outra vez. E a sua missão?

- Intacta - disse o monge, com satisfação evidente. - Houve incêndios em toda a nossa volta depois dos tremores e muitos morreram, mas não fomos tocados. O olho de Deus vela por nós. - Depois acrescentou, crítico: - Ouvi dizer que pagãos estiveram assassinando pagãos a noite passada.

- Sim. Uma das nossas mais importantes Senhora Maria, foi morta na escaramuça.

- Ah> sim. Também recebi relatórios. "Mate-o, Yoshinaka", disse a Senhora Maria, e deu início à carnificina. Ouvi dizer que ela até tentou matar alguns pessoalmente, antes de cometer suicídio.

Dell'Aqua corou. - O senhor não compreende nada sobre os japoneses depois de todo esse tempo, e até fala um pouco da língua deles.

- Compreendo heresia,

política, e falo a língua pagã muito bem. Compreendo muita coisa sobre esses pagãos.

- Mas não sobre boas maneiras.

- A palavra de Deus não exige boas maneiras. É a Palavra. Oh, sim. Também compreendo sobre adultério. O que pensa sobre adultério - e meretrizes, Eminência?

A porta abriu-se. Soldi estendeu a Dell'Aqua e saiu.

O padre-inspetor passou o papel ao monge, saboreando a própria vitória. - Isto é de Sua Santidade. Chegou ontem por um mensageiro especial vindo de Macau.

O monge pegou a ordem papal e leu-a. Ordenava, com o acordo formal do rei da Espanha, que todos os padres de todas as ordens religiosas deviam, no futuro, viajar para o Japão apenas via Lisboa, Goa e Macau; que todos estavam proibidos, sob pena de excomunhão imediata, de ir diretamente de Manila para o Japão; e, finalmente, que todos os padres que não jesuítas deviam deixar o Japão imediatamente e dirigir-se para Manila, de onde poderiam, se seus superiores assim o desejassem, a data, releu cuidadosamente a ordem, depois riu zombeteiro, e atirou a carta sobre a mesa. - Não acredito nisso!

- É uma ordem de Sua Santidade o . . .

- É mais uma heresia contra o rebanho de Deus, contra nós e todos os mendicantes que levamos a Palavra aos pagãos. Com esse ardil ficamos proibidos de vir ao Japão para sempre, porque os portugueses, instigados por certas pessoas, vão tergiversar para sempre e nunca nos concederão passagem ou vistos. Se isto for genuíno, serve apenas para provar o que vimos dizendo há anos: os jesuítas podem corromper até o vigário de Cristo em Roma!

Dell'Aqua se controlou. - O senhor recebeu ordem de partir. Ou será excomungado.

- As ameaças jesuíticas não têm significado, Eminência. O senhor não fala com a língua de Deus, nunca falou, nunca falará. Não são soldados de Cristo. Servem a um papa, a um homem, Eminência. São políticos, homens da terra, homens do luxo com suas sedas pagãs e terras e poder e riquezas e influência. O Senhor Jesus Cristo veio ao mundo disfarçado de homem simples, que se coçava, andava descalço e cheirava mal. Nunca partirei - nem os meus irmãos!

Dell'Aqua nunca sairá-do-Japão!

- Diante de Deus, não sairei! Mas esta é a venho aqui. Se no futuro o senhor me quiser ver, santa missão, venha e sirva aos pobres, aos doentes dos, como fez Cristo. Lave-lhes os pés, como fez a sua própria alma antes de ser tarde demais. - O senhor recebeu ordem, sob pena de partir do Japão imediatamente.

- Ora vamos, Eminência, não estou excomungado e estarei. Claro que aceito o documento, a menos que tenha çado. Vem datado de 16 dc setembro de 1598, quase dois anos atrás. Tem que ser verificado, é importante demais para ser aceito imediatamente - e isso levará no mínimo quatro anos.

- Claro que não caducou! - Engana-se. Como Deus é caducado. Dentro de poucas semanas, no máximo dentro de alguns meses, teremos finalmente um arcebispo no Japão. Um bispo espanhol! As cartas que tenho de Manila relatam que a ordem real é esperada a qualquer momento.

- Impossível! Isto é território português e nossa província!

- Era português. Era jesuítico. Mas agora tudo mudou. Com a ajuda dos nossos irmãos e a orientação divina, o rei da Espanha derrotou o seu geral em Roma.

- Isso é um absurdo. Mentiras e boatos. Pela sua alma imortal, obedeça às determinações do vigário de Cristo.

- Obedecerei. Escreverei a ele hoje mesmo, prometo-lhe. Enquanto isso, aguardo um bispo espanhol, um vice-rei espanhol e um novo capitão do Navio Negro - também espanhol! Isso também deve fazer parte da ordem real. Também temos amigos em altos postos e, finalmente, eles venceram os jesuítas, de uma vez por todas! Fique com Deus, Eminência. - O Frei Perez levantou-se, abriu a porta e saiu.

Na antecâmara, Soldi observou-o partir, depois voltou correndo para a sala. Assustado pela cor de Dell'Aqua, correu para o frasco de conhaque e serviu um pouco de bebida. - Eminência?

Dell'Aqua meneou a cabeça e continuou a fitar o vazio, inexpressivo. Durante o ano anterior houvera inquietantes notícias dos seus delegados na corte de Filipe da Espanha, em Madri, sobre a crescente influência dos inimigos da Companhia.

- Não é verdade, Eminência. Os espanhóis não podem vir aqui. Não pode ser verdade.

- Pode ser verdade, facilmente. Facilmente demais. - Dell'Aqua tocou a ordem papal. - Este papa pode estar morto, o nosso geral morto... até o rei da Espanha. Enquanto isso.. . - Pôs-se de pé e ergueu-se em toda a sua altura. - Enquanto isso nós nos prepararemos para o pior e rezaremos por ajuda, faremos o melhor que pudermos. Mande o Irmão Miguel trazer Kiyama aqui imediatamente.

- Sim, Eminência. Mas Kiyama Seria pouco provável que viesse agora.

- Diga a Miguel que use quaisquer argumentos que julgar necessários, mas deve trazer Kiyama aqui antes do crepúsculo. Depois mande imediatamente a notícia sobre a guerra a Martim, para ser passada a Toranaga o mais rápido possível. Escreva você os detalhes, que quero mandar uma mensagem particular junto. Depois, mande alguém trazer Ferreira aqui.

- Sim, Eminência. Mas quanto a Kiyama, com certeza Miguel não será capaz.. .

- Diga a Miguel que the ordene vir aqui, em nome de Deus, se necessário! Somos soldados de Cristo, vamos à guerra - à guerra de Deus! Depressa!

nunca esteve aqui antes.

 

- Anjin-san?

Blackthorne ouviu seu nome no sonho. Vinha de muito longe, parecendo ecoar para sempre. - Hai? - respondeu.

Depois ouviu repetir o nome e uma mão o tocou, seus olhos se abriram e se concentraram na meia-luz do amanhecer, sua consciência fluiu de volta e ele se sentou ereto. O médico estava novamente ajoelhado ao lado da sua cama. Kiritsubo e a Senhora Ochiba erguiam-se ali perto, olhando-o atentamente. Havia cinzentos por toda parte na sala. Lanternas a óleo bruxuleavam validamente.

O médico falou-lhe de novo. O ressoar ainda lhe estava nos ouvidos e a voz tênue, mas não havia erro agora. Podia ouvir de novo. Involuntariamente suas mãos foram para os ouvidos e aper taram. Imediatamente a dor explodiu-lhe na cabeça e disparou faixas e luzes coloridas e um latejar violento.

- Desculpe - murmurou ele, esperando que o sofrimento diminuísse, querendo que diminuísse. - Desculpe, ouvidos doem, neh? Mas eu ouço agora - compreende, doutor-san? Ouço agora - um pouco. Desculpe, o que disse? - Prestou atenção aos lábios do homem para se ajudar a ouvir.

- A Senhora Ochiba e Kiritsubo-sarna o senhor está.

- Ah! - Blackthorne olhou para elas. Notou que estavam vestidas formalmente. Kiritsubo toda de branco, exceto por uma fita verde no cabelo, o quimono de Ochiba verde-escuro, sem estampado ou adornos, o longo xale branco de gaze. - Melhor, obrigado. - Depois observou a claridade lá fora e percebeu que era quase amanhecer e não crepúsculo. - Doutor-san, por favor, dormi um dia e uma noite?

- Sim, Anjin-san. Um dia e uma noite. Deite-se de novo, por favor. - O médico pegou o pulso de Blackthorne com seus longos dedos e pressionou, ouvindo com as pontas dos dedos as nove pulsações, três na superfície, três no meio e três profundas, conforme a medicina chinesa ensinava desde tempos imemoriais. Todos na sala esperavam pelo diagnóstico. O médico assentiu, satisfeito. - Parece tudo em ordem, Anjin-san. Nenhum ferimento sério, compreende? Muita dor de cabeça, neh? - Voltou-se e explicou com mais detalhes à Senhora Ochiba e a Kiritsubo.

querem saber como

- Anjin-san - disse Ochiba -, hoje é o funeral de Marikosama. Compreende "funeral"'?

- Sim, senhora.

- Bom. O funeral será pouco depois do amanhecer. É privilégio seu ir se quiser. Compreende?

- Sim. Acho que sim. Sim, por favor, também vou.

- Muito bem. - Ochiba falou com o médico, dizendo-lhe que tratasse do paciente com todo o cuidado. Depois, com uma polida reverência a Kiritsubo e um sorriso a Blackthorne, saiu.

Kiri esperou até que ela tivesse ido embora. - Está bem, Anjin-san?

- Ouço mal, senhora. Sinto muito.

- Por favor, desculpe-me. Eu queria lhe dizer obrigada. Compreende?

- Dever. Apenas dever. Falhei. Mariko-sama morta, neh? Kiri curvou-se para ele em homenagem. - Não falhou. Oh, não, não falhou. Obrigada, Anjin-san. Por ela, por mim e pelas outras. Mais tarde falo mais. Obrigada. - E também foi embora. Blackthorne apoiou-se e se pôs em pé. A dor de cabeça era monstruosa, fazendo-o querer gritar. Forçou os lábios numa linha apertada, o peito doendo muito, o estômago contorcendo-se. Num instante a náusea passou, mas deixou um gosto repugnante na boca. Moveu os pés para a frente e caminhou até a janela, apoiouse ao peitoril, esforçando-se para não vomitar. Esperou, depois caminhou de um lado para o outro, mas isso não lhe eliminou a dor de cabeça nem a náusea.

- Eu bem, obrigado - disse, e sentou-se de novo.

- Tome, beba isto. Faz melhorar. Acomoda a hara. - O médico tinha um sorriso bondoso. Blackthorne bebeu e teve ânsias. A beberagem cheirava a esterco envelhecido de aves e a algas, misturados com folhas fermentando num dia quente de verão. O gosto era pior ainda.

- Beba. Logo estará melhor, sinto muito.

Blackthorne teve ânsias de novo, mas forçou o líquido a descer.

- Logo estará melhor, sinto muito.

Algumas criadas se aproximaram, pentearam-no e prenderam-lhe o cabelo. Um barbeiro barbeou-o. Trouxeram toalhas quentes para o rosto e mãos, e ele se sentiu muito melhor. Mas

a dor de cabeça permanecia. Outras criadas ajudaram-no a vestir o quimono formal e o manto com asas. Havia uma espada curta nova. - Presente, amo. Presente de Kiritsubo-sama - disse uma criada.

Blackthorne aceitou-a e enfiou-a ao cinto, junto com a espada mortífera, a que Toranaga lhe dera, o cabo lascado e quase quebrado no ponto onde ele golpeara o ferrolho. Lembrou-se de Mariko em pé, de costas para a porta, depois de mais nada até o momento em que ele se ajoelhara ao lado dela e a vira morrer. Depois nada até agora.

- Desculpe, este é o torreão, neh? - perguntou ao capitão dos cinzentos.

- Sim, Anjin-san. - O capitão curvou-se respeitosamente, corpulento como um gorila, e igualmente perigoso.

- Por que estou aqui, por favor?

O capitão sorriu e respondeu polidamente: - O senhor general ordenou.

- Mas por que aqui?

- Foram ordens do senhor general - disse o samurai. - Por favor, desculpe, compreende?

- Sim, obrigado - disse Blackthorne, cansado.

Quando finalmente ficou pronto, sentiu-se péssimo. Um pouco de chá ajudou-o um momento, depois o enjôo subiu num turbilhão e ele vomitou na tigela que uma criada segurou, o peito e a cabeça trespassados por agulhas quentes e vermelhas a cada espasmo.

- Sinto muito - disse o médico com paciência. - Tome, por favor, beba.

Ele tomou mais da beberagem, mas não adiantou.

O amanhecer agora estava se espalhando pelo céu. Criadas o chamaram com um sinal e o ajudaram a sair do amplo aposento, seus guardas na frente, os demais atrás. Desceram a escada e saíram para o adro. Havia um palanquim à espera, com mais guardas. Ele se acomodou, agradecido. A uma ordem do seu capitão de cinzentos, os carregadores pegaram as hastes e, rodeados de guardas protetores, juntaram-se à procissão de liteiras e de samurais e senhoras a pé que coleava através do labirinto para fora do castelo. Estavam todos vestidos com esmero. Algumas mulheres usavam quimonos escuros com fitas pretas no cabelo, outras estavam todas de branco, exceto por uma fita de cor.

Blackthorne tinha consciência de estar sendo observado. Fingiu não notar isso e tentou manter as costas eretas e o rosto despido de emoção, e orou para o enjôo não voltar e envergonhá-lo. A dor aumentou.

O cortejo se insinuou por entre as muralhas do castelo, passou por milhares de samurais alinhados em filas silenciosas. Ninguém foi detido, nenhum documento solicitado. Sem parar, o cortejo fúnebre atravessou posto de controle após posto de controle, sob rastrilhos e através dos cinco fossos. Uma vez do outro lado do portão principal, fora das fortificações principais, ele notou que os seus cinzentos se tornaram mais cautelosos, os olhos vigiando todo mundo por perto, mantendo-se perto dele, protegendo-o muito cuidadosamente. Isso lhe diminuiu a ansiedade. A procissão cruzou uma área desimpedida, atravessou uma ponte, depois fez alto na praça ao lado da margem do rio.

Esse espaço tinha trezentos passos por quinhentos. No centro havia um poço de quinze passos quadrados e cinco de profundidade, cheio de madeira. Sobre o poço havia um alto telhado de esteiras, enfeitado com seda branca e rodeado de paredes de tela de linho branco, pendendo de bambus, que apontavam exatamente para leste, norte, oeste e sul, um pequeno portão de madeira no meio de cada parede.

- Os portões são para que a alma os atravesse, Anjin-san, no seu vôo para o paraíso - dissera-lhe Mariko em Hakoné. - Vamos nadar ou conversar sobre outras coisas. Coisas felizes.

- Sim, claro, mas primeiro me deixe concluir, porque isto é uma coisa muito feliz. O nosso funeral é muitíssimo importante para nós, por isso você deve aprender a respeito dele, Anjin-san, neh? Por favor?

- Está bem. Mas por que quatro portões? Por que não apenas um?

- A alma deve ter uma escolha. Isso é sábio - oh, somos muito sábios, neh? Eu já lhe disse hoje que o amo? - dissera ela em latim. - Somos uma nação muito sábia em oferecer uma escolha à alma. A maioria das almas escolhe o portão sul, Anjinsan. É o portão importante, onde há mesas com figos secos, romãs frescas e outras frutas, rabanetes e outros vegetais, e folhas de arroz, se a estação for correta. E sempre uma tigela de arroz fresco cozido, Anjin-san, isso é muito importante. Você entende, a alma pode querer comer antes de partir.

- Se for eu, ponha um faisão assado ou. . .

- Sinto muito, nada de carne. Nem mesmo peixe. Somos sérios sobre isso, Anjin-san. Além disso, sobre a mesa também haverá um pequeno braseiro com carvões queimando agradavelmente com madeiras preciosas e óleos, para que tudo tenha um cheiro suave. . .

Blackthorne sentiu os olhos se encherem de lágrimas.

- Quero que o meu funeral seja perto do amanhecer - dissera ela sempre, com muita serenidade. - Amo o amanhecer. E se também pudesse ser no outono . . .

Minha pobre querida, pensou ele. Você sabia o tempo todo que não haveria um outono.

Sua liteira parou num lugar de honra na fila dianteira, perto do centro, e ele ficou próximo o suficiente para ver lágrimas sobre as frutas borrifadas de água. Estava tudo ali, conforme ela dis sera. Em torno alinhavam-se centenas de palanquins e na praça se aglomeravam mil samurais e suas senhoras a pé, todos silenciosos e imóveis. Ele reconheceu Ishido e, ao seu lado, Ochiba. Nenhum dos dois olhou para ele. Estavam sentados em liteiras suntuosas e fitavam as paredes de linho branco que sussurravam à brisa suave. Kiyama estava do outro lado de Ochiba, Zataki perto, com Ito. A liteira fechada de Onoshi também estava lá. Todos tinham destacamentos de guardas. Os samurais de Kiyama usavam cruzes. E os de Onoshi.

Blackthorne olhou em torno, procurando Yabu, mas não conseguiu encontrá-lo em parte alguma, nem qualquer marrom ou rosto amistoso. Kiyama agora o fitava vitreamente e, quando Blackthorne viu a expressão nos olhos dele, sentiu-se contente por ter guardas. Entretanto, curvou-se polidamente. Mas o olhar de Kiyama permaneceu inalterado e não deu mostras de ter notado a polidez de Blackthorne. Dali a pouco Kiyama desviou os olhos e Blackthorne respirou com mais facilidade.

O som de tambores e sinos e metal batendo em metal rasgou o ar. Dissonante. Lancinante. Todos os olhos se dirigiram para a entrada principal do castelo, de onde surgiu um palanquim co berto e adornado, carregado por oito sacerdotes xintoístas, um sumo sacerdote sentado como um Buda grave. Outros sacerdotes batiam em tambores de metal à frente e atrás da liteira, e depois vinham duzentos sacerdotes budistas usando hábito laranja, mais sacerdotes xintoístas vestidos de branco, e depois o esquife.

Era rico, coberto, todo branco. Ela estava vestida de branco e sentada, a cabeça ligeiramente para a frente, o rosto maquilado, o penteado meticuloso. Dez marrons carregavam o andor. Diante do esquife dais noviços atiravam minúsculas pétalas de rosas de papel, que o vento levava e espalhava, significando que a vida era efêmera como uma flor; atrás deles dois sacerdotes arrastavam duas lanças com a ponta para baixo, indicando que ela era samurai e o dever, forte como as lâminas de aço. Depois deles vinham quatro sacerdotes com archotes apagados. Saruji, o filho, vinha em seguida, o rosto tão branco quanto o quimono. Depois Kiritsubo e a Senhora Sazuko, ambas de branco, o cabelo solto mas coberto de gaze verde. O cabelo da garota caía-lhe abaixo da cintura, o de Kiri era mais longo. Depois havia um espaço, e por último vinha o restante da guarnição de Toranaga. Alguns marrons estavam feridos e muitos mancavam.

Blackthorne via apenas a ela. Parecia estar em oração e não apresentava marca alguma. Ele se mantinha rígido, sabendo que honra aquela cerimônia pública, com Ishido e Ochiba como tes temunhas principais, representava para ela. Mas isso não lhe aliviava o sofrimento.

Por mais de uma hora, o sumo sacerdote entoou encantamentos e os tambores soaram. Depois, num silêncio repentino, Saruji deu um passo à frente, pegou um archote apagado e foi a cada um dos quatro portões, leste, norte, oeste e sul, para se certificar de que não estavam obstruídos.

Blackthorne viu que o menino tremia e que estava de olhos baixos quando voltou para junto do esquife. Então ergueu a corda branca atada a ele e guiou os carregadores pelo portão sul. A liteira toda foi cuidadosamente colocada sobre a madeira. Outro encantamento solene, depois Saruji encostou o archote encharcado de óleo nas brasas do braseiro. Ardeu imediatamente. Ele hesitou, depois voltou novamente pelo portão sul, sozinho, e atirou o archote na pira. A madeira impregnada de óleo pegou fogo. Rapidamente se tornou uma fornalha. Logo as chamas estavam com dez pés de altura. Saruji foi forçado a recuar pelo calor, depois pegou madeiras e óleos perfumados e atirou-os ao fogo. Agora toda a área do poço era uma massa devastadora, pirogênica - redemoinhando, crepitando, ávida.

Os pilares do telhado ruíram. Um suspiro percorreu os assistentes. Sacerdotes avançaram e puseram mais madeira na pira, e as chamas se ergueram mais alto, a fumaça em grandes rolos. Agora restavam apenas os quatro pequenos portões. Blackthorne viu o calor chamuscá-los. Depois também arderam nas chamas. Então lshido, a principal testemunha, saiu do seu palanquim, avançou e fez a oferenda ritual de madeira preciosa. Curvou-se formalmente e se sentou de novo na sua liteira. A uma ordem sua, os carregadores o ergueram e ele voltou ao castelo. Ochiba seguiu-o. Outros começaram a partir.

Saruji curvou-se para as chamas uma última vez., Voltou-se e caminhou até Blackthorne. Parou à sua frente e curvou-se. - Obrigado, Anjin-san - disse. Depois se afastou com Kiri e a Senhora Sazuko.

- Tudo acabado, Anjin-san - disse o capitão dos cinzentos com um sorriso. - Os kamis seguros agora. Vamos ao castelo. - Espere. Por favor.

- Sinto muito, ordens, neh? - disse o capitão, preocupado, os outros guardas aproximando-se.

- Por favor, espere.

Sem se preocupar com a ansiedade deles, Blackthorne desceu da liteira, a dor quase o cegando. Os samurais se espalharam, dando-lhe cobertura. Ele caminhõu até a mesa, pegou alguns pe dacinhos de madeira de cânfora e atirou-os na fornalha. Não conseguia ver nada através da cortina de chamas.

- In nomine Patris et Filii et Spiritui Sancti - murmurou ele numa bênção, e fez um pequeno sinal-da-cruz. Depois se voltou e se afastou do fogo.

Quando despertou, a cabeça estava muito melhor mas ele se sentia esgotado, a dor surda ainda latejando atrás das têmporas e na testa.

- Como se sente, Anjin-san? - disse o médico com o seu sorriso dentuço, a voz ainda tênue. - Dormiu muito tempo. Blackthorne ergueu-se sobre um cotovelo e fitou sonolentamente as sombras do sol. Devem ser quase cinco horas da tarde agora, pensou. Dormi mais de seis horas. - Dormi o dia todo, neh?

O médico sorriu. - Ontem o dia todo, a noite e a maior parte de hoje. Compreende?

- Compreendo. Sim. - Blackthorne deitou-se, um brilho de transpiração na pele. Bom, pensou. A melhor coisa que eu poderia ter feito, não admira que me sinta melhor.

A sua cama de acolchoados macios estava rodeada por três lados agora de requintados tabiques móveis, com pinturas de paisagens campestres e marítimas, emolduradas com marfim. A claridade vinha pelas janelas opostas e moscas enxameavam, o quarto imenso, agradável e silencioso. Fora havia os sons do castelo, agora misturados ao trote de cavalos passando, rédeas retinindo, os cascos desferrados. A brisa leve trazia o aroma de fumaça. Não sei se gostaria de ser queimado, pensou ele. Mas espere um minuto, não é melhor do que ser colocado numa caixa, depois enterrado e depois os vermes... Pare com isso, ordenou a si mesmo, sentindo-se ir à deriva numa espiral descendente. Não há nada com que se preocupar, karma é karma, e quando você estiver morto, estará morto, e não saberá de mais nadae qualquer coisa é melhor do que afogamento, a água enchendo você, o seu corpo se tornando enlameado e pútrido, os caranguejos... Pare com isso!

- Beba, por favor. - O médico deu-lhe mais daquela beberagem repugnante. Ele teve ânsia de vômito, mas reteve-a no estômago.

- Chá, por favor. - A criada serviu e ele agradeceu. Era uma mulher de meia-idade e rosto redondo, fendas no lugar de olhos e um fixo sorriso vazio. Depois de três xícaras sua boca ficou suportável.

- Por favor, Anjin-san, como está ouvindo?

- A mesma coisa. Ainda longe. .. distância, compreende? Muito distante.

- Compreendo. Comer, Anjin-san?

Uma pequena bandeja the foi servida com arroz, sopa e peixe grelhado. O seu estômago estava nauseado, mas lembrou-se de que praticamente não comia há dois dias, por isso se sentou e se forçou a ingerir um pouco de arroz e a tomar a sopa de peixe. Isso acomodou-lhe o estômago, então comeu mais e deu cabo de tudo, usando os pauzinhos agora como extensões dos próprios dedos, sem esforço consciente. - Obrigado. Faminto.

- Sim - disse o médico. Colocou uma bolsa de linho com ervas sobre a mesa baixa ao lado da cama. - Faça chá com isto, Anjin-san. Uma vez por dia até sarar. Compreende?

- Sim. Obrigado.

- Foi uma honra servi-lo. - O velho fez sinal à criada, que levou embora a bandeja vazia, e depois de outra mesura seguiu-a e saiu pela mesma porta interna. Blackthorne ficou sozinho. Deitou-se sobre os futons sentindo-se muito melhor.

- Eu só estava com fome - disse alto. Estava usando apenas uma tanga. Suas roupas formais estavam numa pilha desarrumada onde ele as deixara, e isso o surpreendeu, embora hou vesse um quimono marrom limpo ao lado das suas espadas. Deixou-se devanear, depois de repente sentiu uma presença estranha. Inquieto, sentou-se e correu os olhos ao redor. Depois pôs-se de joelhos e olhou por sobre os biombos e antes de se dar conta estava em pé, a cabeça se fendendo com o repentino movimento de pânico ao ver o jesuíta japonês tonsurado fitando-o, ajoelhado imóvel ao lado da porta principal, um crucifixo e um rosário nas mãos.

- Quem é você? - perguntou Blackthorne através da sua dor.

Blackthorne afastou-se das divisórias e se dirigiu para as suas espadas. - O que quer comigo?

- Mandaram-me perguntar como o senhor está Miguel calmamente, num português claro, embora com - Quem o mandou?

- O Senhor Kiyama.

Subitamente Blackthorne percebeu que sozinhos. - Onde estão os meus guardas? - O senhor não tem guardas.

- Claro que tenho! Tenho vinte meus cinzentos?- Não havia nenhum quando cheguei, senhor. Sinto muito. O senhor ainda estava dormindo. - Miguel apontou gravemente para fora. - Talvez devesse perguntar àqueles samurais.

Blackthorne pegou a espada. - Por favor, saia de junto da porta.

- Não estou armado, Anjin-san.

- Ainda assim, não se aproxime de mim. Padres me deixam nervoso.

Obedientemente, Miguel pôs-se de pé e se afastou com a mesma calma enervante. Do lado de fora dois cinzentos encostavam-se insolentes à balaustrada do patamar.

- Boa tarde - disse Blackthorne polidamente, nhecer nenhum dos dois.

Ambos se curvaram. - Boa tarde, Anjin-san - retrucou um. - Por favor, onde estão os meus guardas?

- Todos os guardas foram levados embora na hora da Lebre esta manhã. Compreende "hora da Lebre"? Não somos os seus guardas, Anjin-san. Este é o nosso posto habitual.

Blackthorne sentiu o suor gelado escorrer-lhe pelas costas. -- Guardas levados embora - quem ordenou?

Os dois samurais riram. O alto disse: - Aqui, dentro do o senhor general dá ordens - ou a sente agora?

Em poucos momentos um oficial saiu de uma sala com quatro samurais. Era jovem e teso. Quando viu Blackthorne seus olhos se iluminaram. - Ah, Anjinsan. Como se sente?

- Melhor, obrigado. Por favor, desculpe-me, mas onde estão os meus guardas?

- Recebi ordem de lhe dizer, quando acordasse, que o senhor deve voltar ao seu navio. Aqui está o seu passe. - O capitão tirou o papel da manga e deu-o a ele, apontando com desdém para Miguel. - Esse sujeito será o seu guia.

Blackthorne tentou pôr a cabeça a funcionar, o cérebro gritando perigo. - Sim. Obrigado. Mas primeiro, por favor, devo ver o Senhor Ishido. Muito importante.

- Sinto muito. Suas ordens são para voltar ao navio assim que despertar. Compreende?

- Sim. Por favor, desculpe-me, mas é muito importante eu ver o Senhor Ishido. Por favor, diga ao seu capitão. Agora. Devo ver o Senhor Ishido antes de partir. Muito importante, sinto muito.

O samurai coçou as marcas de varíola no queixo. - Vou perguntar. Por favor, vista-se. - Afastou-se a passos largos e com ar de importância, para alívio de Blackthorne. Os quatro samurais ficaram. Blackthorne voltou e se vestiu rapidamente. Eles o observavam. O padre esperava no corredor.

Seja paciente, disse-se ele. Não pense e não se preocupe. É um engano. Nada mudou. Você continua tendo o poder que sempre teve.

Colocou as duas espadas no sash e tomou o resto do chá. Então viu o passe. O papel estava selado e coberto de caracteres. Não há engano quanto a isto, pensou, o quimono limpo já a lhe colar no corpo.

- Ei, Anjin-san - disse um dos samurais -, ouvi dizer que o senhor matou cinco ninjas. Muito, muito bom, neh?

- Sinto muito, apenas dois. Talvez três. - Blackthórne moveu a cabeça de um lado para o outro para aliviar a dor e a vertigem.

- Ouvi dizer que foram mortos cinqüenta e sete ninjas e cento e dezesseis marrons. É verdade?

- Não sei. Sinto muito.

O capitão voltou ao quarto. - Suas ordens são para o senhor ir para o seu navio, Anjin-san. O padre é o seu guia.

- Sim. Obrigado. Mas primeiro, desculpe, devo ver a Senhora Ochiba. Muito, muito importante. Por favor, pergunte ao seu...

O capitão virou-se para Miguel e falou guturalmente e muito depressa. - Neh? - Miguel curvou-se, impassível, e voltou-se para Blackthorne. - Sinto muito, senhor. Ele diz que o seu su perior está perguntando ao superior, mas enquanto isso o senhor deve partir imediatamente e seguir-me - para a galera.

- Ima! - acrescentou o capitão, com ênfase.

Blackthorne sabia que era um homem morto. Ouviu-se dizer: - Obrigado, capitão. Onde estão os meus guardas, por favor? - O senhor não tem guardas.

- Por favor, mande buscar no meu navio. Por favor traga meus vassalos do . . .

- Ordem ir navio agora! Compreende, neh? - As palavras foram descorteses e muito conclusivas. - Ir ao navio! - acrescentou o capitão com um sorriso falso, esperando que Blackthorne se curvasse primeiro.

Blackthorne notou isso e tudo se transformou em pesadelo, tudo retardado e enevoado. Desesperado, sentiu vontade de enxugar o suor do rosto e curvar-se, mas teve certeza de que dificil mente o capitão retribuiria a mesura, talvez nem sequer polidamente e jamais como igual, e ele estaria envergonhado diante de todos eles. Estava claro que fora traído e vendido ao inimigo cristão, que Kiyama, Ishido e os padres faziam parte da traição, e, fosse pela razão ou o preço que fosse, não havia nada agora que ele pudesse fazer senão enxugar o suor, curvar-se e partir, e eles estariam à sua espera.

Então sentiu Mariko ao seu lado e se lembrou do terror dela, de tudo o que quisera dizer, tudo o que fizera, e tudo o que lhe ensinara. Forçou a mão sobre o punho quebrado da espada e truculentamente separou os pés, sabendo que o seu destino estava decidido, seu karrnn fixado, e que, se tinha que morrer, preferia morrer agora, com orgulho, a morrer mais tarde.

- Sou John Blackthorne, Anjin-san - disse, sua decisão absoluta emprestando-lhe um poder estranho e uma rudeza perfeita. - General do navio do Senhor Toranaga. De todos os navios. Samurai e hatamoto! Quem é o senhor?

O capitão corou. - Saigo Massakatsu de Kaga, capitão da guarnição do Senhor Ishido.

- Sou hatamoto. O senhor é hatamoto? - perguntou Blackthorne, ainda mais rudemente, sem sequer tomar conhecimento do nome do adversário, apenas vendo-o com uma clareza enorme, irreal - vendo cada poro, cada pêlo da barba curta, cada salpico de cor nos hostis olhos castanhos, cada pêlo nas costas da mão do homem que agarrava o punho da espada.

- Não, não hatamoto.

- O senhor é samurai... ou ronin? - A última palavra sibilou e Blackthorne sentiu homens atrás de si, mas não se preocupou. Estava apenas observando o capitão, esperando pelo golpe súbito e mortal que reuniria toda a hara-gei, toda a fonte interna de energia, e preparou-se para retribuir o golpe com a mesma força cegante, numa morte mútua e honrosa, e assim derrotar o inimigo.

Para seu espanto, viu os olhos do capitão mudarem, o homem se contrair e curvar-se, profunda e humildemente. O homem manteve-se curvo, apresentando-se indefeso. - Por favor... por favor, desculpe a minha falta de maneiras. Eu ...  eu fui ronin, mas... mas o senhor general deu-me uma segunda chance. Por favor, desculpe a minha falta de maneiras, Anjin-san. - A voz estava entrecortada de vergonha.

Era tudo muito irreal e Blackthorne ainda estava pronto para investir, esperando para investir, esperando a morte e não a vitória. Olhou para os outros samurais. Como um único homem, curvaram-se e mantiveram-se curvados como o capitão, outorgando-lhe a vitória.

Após um momento Blackthorne curvou-se rigidamente. Mas não como um igual. Eles se mantiveram curvados até que ele se voltasse e tomasse o corredor, Miguel seguindo-o, saindo para a escada principal, descendo os degraus até o adro. Agora não sentia dor alguma. Estava invadido apenas por um ardor enorme. Cinzentos o observavam, e o grupo de samurais que o escoltou, e a Miguel, até o primeiro posto de controle manteve-se cuidadosamente fora do alcance da sua espada. Um homem foi enviado à frente, às pressas.

No posto de controle seguinte, o novo oficial curvou-se polidamente como um igual e ele retribuiu a reverência. O passe foi examinado meticulosa mas corretamente. Outra escolta levou-os ao posto seguinte, onde tudo se repetiu. Dali rumaram para o fosso interno, depois para o seguinte. Ninguém interferiu. Os samurais mal prestavam atenção nele.

Gradualmente ele foi notando que a cabeça quase não doía. O suor secara. Soltou os dedos do punho da espada e flexionou-os um momento. Parou junto a uma fonte num muro, bebeu e borrifou água na cabeça.

A escolta cinzenta parou e esperou polidamente, e o tempo todo ele tentava entender por que perdera o favor e a proteção de lshido e da Senhora Ochiba. Nada mudou, pensou, aflito. Levantou os olhos e viu Miguel a fitá-lo. - O que você quer?

- Nada, senhor - disse Miguel polidamente. Depois o rosto do padre se iluminou com um sorriso, cheio de cordialidade. - Ah, senhor, fez-me um grande serviço lá atrás, fazendo aquele cabrón de modos repugnantes beber a própria urina. Oh, foi ótimo de ver! - disse, e acrescentou em latim: - Agradeço-lhe.

- Não fiz nada por você - disse Blackthorne em português, não querendo falar em latim.

- Sim. Mas que a paz esteja com o senhor. Saiba que Deus se move por caminhos misteriosos. Foi um serviço para todos os homens. Aquele ronin foi envergonhado e mereceu. É uma coisa repugnante insultar o bushido.

- Você também é samurai?

- Sim, senhor, tenho essa honra - disse Miguel. - Meu pai é primo do Senhor Kiyama e meu clã é da província de Hizen, em Kyushu. Como o senhor sabia que ele era ronin?

Blackthorne tentou se lembrar. - Não tenho certeza. Talvez porque ele disse que era de Kaga e isso fica muito longe e Mariko... a Senhora Toda disse que Kaga é no extremo norte. Não sei... não me lembro realmente do que disse.

O oficial da escolta aproximou-se. - Por favor, com licença, Anjin-san, mas este sujeito o está perturbando?

- Não. Não, obrigado. - Blackthorne pôs-se em movimento de novo. O passe foi verificado novamente, com cortesia, e eles prosseguiram.

O sol estava baixo agora, mas ainda faltavam algumas horas para o escurecer, e diabinhos de poeira rodopiavam em espirais minúsculas nas correntes de ar quente. Passaram por muitos es tábulos, todos os cavalos com a cara para fora - lanças, chuços e selas prontas para partida imediata, samurais tratando dos cavalos e limpando equipamento. Blackthorne ficou pasmado com a quantidade de animais.

- Quantos cavalos, capitão? - perguntou.

- Milhares, Anjin-san. Dez, vinte, trinta mil aqui e em outros pontos do castelo.

Quando cruzavam o penúltimo fosso, Blackthorne chamou Miguel com um gesto. - Você está me levando à galera?

- Sim. Foi o que me disseram que fizesse, senhor. - A nenhum outro lugar?

- Não, senhor.

- Quem lhe disse?

- O Senhor Kiyama. E o padre-inspetor, senhor.

- Ah, ele! Prefiro Anjin-san, não "senhor" ... padre.

- Por favor, desculpe-me, Anjin-san, mas não sou um padre. Não fui ordenado.

- Quando será?

- Quando Deus quiser - disse Miguel confiantemente. - Onde está Yabu-san?

- Não sei, sinto muito.

- Você está apenas me levando ao meu navio, a nenhum outro lugar?

- Sim, Anjin-san.

- E depois estou livre?

Livre para

- Disseram-me que lhe perguntasse pois para guiá-lo até o navio, nada mais. geiro, um guia.

- Diante de Deus?

- Sou apenas um guia, Anjin-san.

- Onde aprendeu a falar português tão bem? E latim?

- Fui um dos quatro... dos quatro acólitos enviados pelo padre-inspetor a Roma. Tinha treze anos, Uraga-noh-Tadamasa, doze.

- Ah! Agora me lembro. Uraga-san me disse que você foi um deles. Você era amigo dele. Soube que morreu?

- Sim. Fiquei doente ao ser informado. - Foram cristãos que fizeram isso.

- Foram assassinos que fizeram isso, Anjin-san. Serão julgados, esteja certo.

Após um momento, Blackthorne disse: - O Roma?

- Detestei. Todos nós detestamos. Tudo, a comida, a sujeira, a feiúra. São todos etas lá - inacreditável! Levamos oito anos para chegar lá e voltar, e, oh, como bendisse Nossa Senhora quando finalmente voltei.

- E a Igreja? Os padres?

- Detestáveis. Muitos deles - disse Miguel calmamente. - Fiquei chocado com seus costumes, amantes, ganância, pompa, hipocrisia e falta de educação - e seus dois critérios, um para

o rebanho, outro para os pastores. Foi tudo odioso.. . e no entanto encontrei Deus entre alguns, Anjin-san. Muito estranho. Encontrei a verdade, nas catedrais, nos claustros e entre os padres aonde quiser?

- Miguel olhou para ele com inocência, uma ternura irradiando dele. - Foi raro, Anjin-san, muito raramente encontrei um vislumbre - isso é verdade. Mas realmente encontrei a verdade e Deus, e sei que o cristianismo é o único caminho para a vida eterna... por favor, desculpe-me, o cristianismo católico.

- Você viu os autos-de-fé, a Inquisição, as celas, julgamentos de feitiçaria?

- Vi muitas coisas terríveis. Muito poucos homens são sábios - a maioria é de pecadores e muito mal ocorre na terra em nome de Deus. Mas não é mal de Deus. Este mundo é um vale de lágrimas e apenas uma preparação para a paz eterna. - Orou em silêncio um momento, depois, revigorado, levantou os olhos. - Até alguns hereges podem ser bons, neh?

- Talvez - replicou Blackthorne, gostando dele.

O último fosso e o último portão, o portão sul principal. O último posto de controle, e o passe foi retido. Miguel atravessou o último rastrilho. Blackthorne seguiu-o. Fora do castelo, cem samurais os esperavam. Homens de Kiyama. Viu-lhes os crucifixos, a hostilidade, e parou. Miguel não. O oficial fez sinal a Blackthorne que continuasse. Ele obedeceu. Os samurais estreitaram-se atrás e à volta dele, encerrando-o no meio. Carregadores e comerciantes naquela via principal dispersavam-se, curvavam-se e rastejavam até que eles tivessem passado. Alguns erguiam cruzes patéticas e Miguel os abençoava, tomando a dianteira pela ligeira vertente, passando pelo pátio funerário onde o buraco não fumegava mais, cruzando a ponte e seguindo para a cidade, em direção ao mar. Cinzentos e outros samurais vinham da cidade por entre pedestres. Quando viram Miguel, fizeram uma carranca e o teriam forçado a se afastar para o lado não fosse a massa de samurais de Kiyama.

Blackthorne seguia Miguel. Já não sentia medo, embora continuasse desejando escapar. Mas não havia para onde correr, ou onde se esconder. Em terra. Sua única segurança estava a bordo do Erasinus, partindo para o largo, uma tripulação completa com ele, com provisões e armas.

- O que vai acontecer na galera, - Não sei, Anjin-san.

Agora estavam nas ruas da cidade, aproximando-se do mar. Miguel dobrou uma esquina e saiu num mercado de peixe aberto. Criadas bonitas, criadas gordas, velhas senhoras, jovens, homens, compradores, vendedores e crianças, todos o olharam pasmados, depois começaram a se curvar apressadamente. Blackthorne seguiu os samurais por entre as barracas, cestos, tabuleiros de bambu com todos os tipos de peixe, peixe rutilante de água, expostos com toda a limpeza - muitos nadando em tanques, pitus e camarões, lagostas, caranguejos e lagostins. Limpo assim em Londres, nunca, pensou ele, distraído, nem os peixes nem os vendedores. Então viu uma fileira de barracas de comida a um lado, cada uma com um pequeno braseiro, e sentiu todo o perfume de lagostins cozinhando.

- Jesus! - Sem pensar, mudou de direção. Imediatamente os samurais lhe barraram o caminho. - Gomen nasai, kinjiru - disse um deles.

- Iyé! - retrucou Blackthorne de modo igualmente áspero. - Watashi tabetai desu, neh? Watashi Anjin-san, neh? Estou com fome. Sou o Anjin-san!

Blackthorne começou a empurrá-los. O oficial apressou-se para interceptá-lo. Rapidamente Miguel voltou atrás e falou, apaziguador, embora com autoridade, pedindo permissão que, relutantemente, foi concedida.

- Por favor, Anjin-san - disse ele -, o oficial diz que o senhor pode comer se quiser. O que gostaria?

- Um pouco disto, por favor. - Blackthorne apontou para os camarões gigantes, sem cabeça e cortados ao longo do comprimento, a carne branca e rosada, as cascas torradas à perfeição. - Um pouco disto. - Não conseguia arrancar os olhos deles. - Por favor, diga ao oficial que não como há quase dois dias e de repente fiquei esfomeado. Sinto muito.

O peixeiro era um velho com três dentes e uma pele coriácea, e usava apenas uma tanga. Estava inchado de orgulho de que a sua barraca tivesse sido escolhida, e pegou os cinco melho res pitus com pauzinhos ágeis, estendeu-os com capricho sobre uma bandeja de bambu e pôs outros a assar.

- Dozo, Anjin-san!

- Domo. - Blackthorne sentia o estômago roncando. Queria se empanturrar. Ao invés disso, pegou um com os pauzinhos novos, mergulhou-o no molho e comeu com prazer. Estava delicioso.

- Irmão Miguel? - perguntou, oferecendo. Miguel pegou um, mas apenas por educação. O oficial recusou, agradecendo. Blackthorne terminou aquele prato e comeu mais dois. Poderia ter comido mais dois, mas resolveu não fazê-lo por uma questão de boas maneiras e também porque não queria forçar o estômago.

- Domo - disse, pousando o prato com um polido arroto obrigatório. - Bimi desu! Delicioso.

O homem sorriu, curvou-se, e os feirantes por perto curvaram-se, e então Blackthorne percebeu, para seu horror, que não tinha dinheiro. Corou.

- O que foi? - perguntou Miguel.

- Eu, há, eu não tenho dinheiro algum comigo... ou, há, coisa alguma para dar ao homem. Eu ... você poderia me emprestar, por favor?

- Não tenho dinheiro, Anjin-san. Não carregamos dinheiro. Houve um silêncio embaraçado. O vendedor sorria, esperando pacientemente. Então, com igual embaraço, Miguel voltou-se para o oficial e pediu-lhe dinheiro em voz baixa. O oficial ficou friamente furioso com Blackthorne. Falou bruscamente a um de seus homens, que avançou e pagou generosamente ao feirante, para ser agradecido profusamente, enquanto, róseo e transpirando, Miguel se voltava e se punha em marcha novamente. Blackthorne alcançou-o. - Desculpe, mas isso... isso nunca me aconteceu! É a primeira vez que compro qualquer coisa aqui. Nunca tive dinheiro, por mais maluco que isso soe, e nunca pensei ... Nunca usei dinheiro. . .

- Por favor, esqueça, Anjin-san. Não foi nada.

- Por favor, diga ao oficial que lhe pagarei quando chegarmos ao navio.

Miguel fez o que lhe foi pedido. Caminharam em silêncio algum tempo, Blackthorne tomando posições mentalmente. Na extremidade da rua ficava a praia, o mar calmo e monótono sob

a luz do crepúsculo, Então ele viu onde estavam e apontou para a esquerda, para uma rua larga que corria no sentido leste-oeste. - Vamos por ali.

- Este caminho é mais rápido, Anjin-san.

- Sim, mas por aí temos que passar pela missão jesuítica e pela lorcha portuguesa. Prefiro fazer um desvio e tomar o caminho comprido.

- Disseram-me que fosse por aqui.

- Vamos pelo outro caminho. - Blackthorne parou. O oficial perguntou o que estava acontecendo e Miguel explicou. O oficial apontou-lhe que continuasse - pelo caminho de Miguel.

Blackthorne ponderou os resultados de uma recusa. Seria forçado, ou amarrado e carregado, ou arrastado. Nenhuma das alternativas lhe convinha, então deu de ombros e foi em frente. Deram na rua larga que margeava a praia. Meia ri à frente estavam os ancoradouros e depósitos jesuíticos, e cem passos adiante, o navio português. Mais além, cerca de duzentos passos, a sua galera, longe demais para que ele visse homens a bordo.

Blackthorne pegou uma pedra e atirou-a zunindo no mar. - Vamos caminhar pela praia um pouco.

- Claro, Anjin-san. - Miguel desceu para a areia. Blackthorne caminhou pelos baixios, apreciando o frio do mar, o sussurrar da leve arrebentação.

- É uma hora excelente do dia, neh?

- Ah, Anjin-san - disse Miguel com uma súbita e aberta amistosidade -, há muitas horas, Nossa Senhora me perdoe, em que eu gostaria de não ser um sacerdote, mas apenas o filho de meu pai, e esta é Uma delas.

- Por quê?

- Eu gostaria de levá-lo em segredo, o senhor e o seu estranho navio, de Yokohama para Hizen, para a nossa grande enseada de Sasebo. Então lhe pediria para negociar comigo - pedir-lhe-ia que me mostrasse e aos nossos capitães marítimos as peculiaridades do seu navio e a sua técnica marítima. Em troca lhe ofereceria os melhores professores do reino, professores de bushido, hara-gei, ki, meditação zazen, arranjo de flores, e todos os conhecimentos especiais e únicos que possuímos. - Eu gostaria disso. Por que não fazemos agora?

- Não é possível hoje. Mas o senhor já sabe muito e num tempo muito curto, neh? Mariko-sama foi uma excelente professora. O senhor é um samurai digno. E tem uma qualidade que é rara aqui: imprevisibilidade. O táicum a tinha, Toranaga-sama também a tem. O senhor entende, geralmente somos pessoas muito previsíveis.

- Você é? - Sim.

- Então preveja me encontro.

- Sinto muito, não existe, Anjin-san - disse Miguel.

- Não acredito. Como soube que o meu navio está em Yokohama?

- É de conhecimento comum. - É?

- Quase tudo a seu respeito - e o fato de ter defendido o Senhor Toranaga, e a Senhora Maria, Senhora Toda - é bem conhecido. E respeitado.

- Também não acredito nisso. - Blackthorne pegou outra

um modo de eu escapar da armadilha onde pedra e atirou-a roçando as ondas. Prosseguiram, Blackthorne cantando de boca fechada uma cantiga do mar, gostando muito de Miguel. Logo o seu caminho foi bloqueado por um quebramar. Contornaram-no e subiram para a rua mais uma vez. O depósito e a missão jesuítica eram altos, pairando contra o céu avermelhado. Ele viu os irmãos leigos de hábito laranja guardando a entrada de pedra em arco, e sentiu-lhes a hostilidade. Mas isso não o afetou. Sua cabeça começou a doer de novo.

Conforme esperava, Miguel rumou para os portões da missão. Ele se preparou, decidido a que teriam que deixá-lo inconsciente antes que ele entrasse e o forçassem a entregar as armas. - Você só estava me guiando até a galera, hein?

- Sim, Anjin-san. - Para seu espanto, Miguel fez-lhe sinal que parasse do lado de fora da entrada. - Nada mudou. Disseram-me que informasse ao padre-inspetor quando passássemos por aqui. Sinto muito, mas o senhor terá que esperar um momento.

Pego desprevenido, Blackthorne observou-o atravessar sozinho os portões. Esperara que a missão fosse o término da jornada. Primeiro uma inquisição e um julgamento, com tortura, depois entregue ao capitão-mor. Olhou para a lorcha, cem passos à frente. Ferreira e Rodrigues estavam na popa, e marujos armados se apinhavam no convés principal. Passando o navio, a estrada do ancoradouro serpeava ligeiramente e ele mal podia ver a sua galera. Homens o observavam das amuradas e ele pensou reconhecer Yabu e Vinck entre eles, mas não conseguiu ter certeza. Parecia haver algumas mulheres a bordo também, mas não sabia quem poderiam ser. Rodeando a galera havia cinzentos. Muitos cinzentos.

Seus olhos voltaram a fitar Ferreira e Rodrigues. Estavam ambos pesadamente armados. Assim como os marujos. Atiradores postavam-se indolentes por perto dos dois pequenos canhões apontados para a praia, mas na realidade estavam encarregados das armas. Reconheceu o grande vulto de Pesaro, o contramestre, seguindo pelo passadiço com um grupo de homens. Seus olhos seguiram-nos, e seu sangue gelou. Um alto queimadeiro estava erguido sobre a terra amontoada na extremidade oposta do ancoradouro. Havia madeira empilhada em torno da base.

- Ah, capitão-piloto, como vai?

Dell'Aqua vinha vindo através dos portões, fazendo Miguel parecer um anão ao seu lado. O padre-inspetor estava usando um hábito jesuítico, sua altura imensa e a luxuriante barba cinza e branca dando-lhe a agourenta dignidade de um patriarca bíblico, um inquisidor em cada polegada, aparentemente benigno, pensou Blackthorne. Fitou os olhos castanhos, achando estranho ter que levantar os olhos para qualquer homem, e mais estranho ainda ver compaixão naqueles olhos. Mas sabia que não haveria piedade atrás deles, e não esperava compaixão alguma. - Ah, padre-inspetor, como vai? - replicou, os camarões agora pesando-lhe no estômago, enjoando-o.

- Vamos?

- Por que não?

Então a inquisição será a bordo, pensou Blackthorne, com um medo desesperado, desejando ter pistolas ao cinto. Você seria o primeiro a morrer, Eminência.

- Fique aqui, Miguel - disse Dell'Aqua. Depois olhou na direção da fragata portuguesa. Seu rosto se endureceu e ele se pôs em movimento.

Blackthorne hesitou. Miguel e os samurais o observavam estranhamente.

- Sayonara, Anjin-san - disse Miguel. - Vá com Deus. Blackthorne assentiu brevemente e começou a caminhar por entre os samurais, esperando que lhe caíssem em cima para lhe arrancar as espadas. Mas deixaram-no passar sem o molestar. Ele parou e olhou para trás, o coração disparado.

Por um momento sentiu-se tentado a sacar a espada e atacar. Mas não havia escapatória daquele modo. Não lutariam com ele. Muitos tinham lanças, portanto o acertariam e o desarma riam, ele seria amarrado e passado adiante. Não irei amarrado, prometeu a si mesmo. Seu único caminho era para a frente e lá suas espadas eram impotentes contra as armas de fogo. Investiria contra as armas, mas simplesmente lhe mutilariam os joelhos e ele seria amarrado ...

- Capitão Blackthorne, venha - chamou Dell'Aqua.

- Sim, só um instante, por favor. - Blackthorne chamou Miguel com um gesto. - Ouça, irmão, lá na praia você disse que eu era um samurai digno. Falou a sério?

- Sim, Anjin-san. Isso e todo o resto.

- Então peço-lhe um favor, como samurai - disse, calmamente mas com urgência.

- Que favor?

- Morrer como samurai.

- A sua morte não está nas minhas mãos. Está na mão de Deus, Anjin-san.

- Sim. Mas peço esse favor a você. - Blackthorne apontou para o queimadeiro distante. - Aquilo não é jeito. É infame. Perplexo, Miguel olhou na direção da lorcha. E viu o queimadeiro pela primeira vez. - Bendita mãe de Deus. ..

- Capitão Blackthorne, por favor, venha - chamou Dell'Aqua de novo.

Com mais urgência, Blackthorne disse: - Explique ao oficial. Ele tem samurais suficientes aqui para insistir, neh? Explique a ele. Você esteve na Europa. Sabe como é lá. Não é pedir demais, neh? Por favor, sou samurai. Um deles poderia ser o meu assistente.

- Eu ... eu pedirei. - Miguel voltou para junto do oficial e começou a falar, baixo e urgentemente.

Blackthorne voltou-se e concentrou a atenção no navio. Avançou. Dell'Aqua esperou até que ele estivesse ao seu lado, então pôs-se em movimento de novo.

À frente, Blackthorne viu Ferreira deixar a popa, empertigado, descer o convés principal, pistolas ao cinto, florete do lado. Rodrigues o observava, a mão direita na coronha de uma arma de cano longo. Pesaro e dez marujos já estavam preparados no quebra-mar, apoiados a mosquetes com baionetas. E a sombra comprida do queimadeiro se esticava na direção de Blackthorne.

Oh, Deus, um par de pistolas, dez bons lobos-do-mar e um canhão, pensou ele, quando a brecha se fechou inexoravelmente. Oh, Deus, não me deixe ser envergonhado. ..

- Boa noite, Eminência - disse Ferreira, os olhos vendo apenas Blackthorne. - Então, Ingl...

- Boa noite, capitão-mor. - Dell'Aqua apontou encolerizado para o queimadeiro. - Aquilo é idéia sua?

- Sim, Eminência.

- Volte para o seu navio! - Isto é uma decisão militar. - Volte para o seu navio!

- Não! Pesaro! - Imediatamente o contramestre e o grupo armado de baionetas pôs-se em guarda e avançou para Blackthorne. Ferreira sacou a pistola. - Então, Inglês, encontramo-nos de novo.

- Isso é coisa que não me satisfaz em absoluto. - A espada de Blackthorne saiu da bainha. Segurou-a desajeitadamente com as duas mãos, o punho quebrado machucando-o.

- Esta noite você ficará satisfeito no inferno - disse Ferreira, sombrio.

- Se você tivesse um pouco de coragem, lutaria de homem a homem. Mas você não é homem, é um covarde, um covarde espanhol sem colhões.

- Desarmem-no! - ordenou Ferreira.

Imediatamente os dez homens avançaram, baionetas apontadas. Blackthorne recuou, mas foi cercado. Baionetas cutucaramlhe as pernas e ele golpeou um atacante, mas quando o homem recuou, outro atacou por trás. Então Dell'Aqua voltou a si e gritou: - Baixem as armas! Diante de Deus, ordeno que parem! Os marujos ficaram confusos. Todos os mosquetes apontavam para Blackthorne, que se erguia indefeso, encurralado, espada em riste.

- Voltem, todos vocês! - ordenou Dell'Aqua. - Voltem! Diante de Deus, voltem! São animais?

- Quero esse homem! - disse Ferreira. - Eu sei, e já lhe disse que não pode tê-lo! É surdo? Deus me dê paciência! Ordene que seus a bordo!

Ordeno-lhe que faça Ordena a mim?

Sim. Ordeno ao senhor! Sou capitão-mor, governador de oficial-chefe de Portugal na Ásia, e esse homem é uma ao Estado, à Igreja, ao Navio Negro e a Macau! Diante de Deus, eu o excomungarei e a toda a sua trise este homem for ferido. Estão ouvindo? - Dell'Aqua e hoje!

Ontem homens voltem meia-volta e vá embora!

Macau, ameaça pulação girou para os mosqueteiros, que recuaram, atemorizados. Menos Pesaro. Este permaneceu no lugar, desafiador, a pistola frouxa na mão, esperando a ordem de Ferreira. - Subam naquele navio e saiam do caminho!

- Está cometendo um erro - vociferou Ferreira. é uma ameaça! Sou comandante militar na Ásia e digo - Isto é assunto da Igreja, não milit...

Blackthorne estava perplexo, quase incapaz de pensar ou enxergar, a cabeça novamente explodindo de dor. Tudo acontecera tão depressa, num momento protegido, no momento seguinte

não, num momento entregue à Inquisição, no momento seguinte livre, para ser traído de novo e agora defendido pelo inquisidorchefe. Nada fazia sentido.

Ferreira estava gritando: - Advirto-o novamente! Como Deus é o meu juiz, o senhor está cometendo um erro e informarei Lisboa!

- Ele que...

- Enquanto isso ordene que seus homens voltem a bordo ou eu o removo do posto de capitão-mor do Navio Negro!

- O senhor não tem poder para isso!

- A menos que ordene a seus homens que voltem a bordo e que não toquem no Inglês, imediatamente, eu o declararei excomungado - e qualquer homem que sirva sob suas ordens, em qualquer comando, excomungado, e amaldiçôo-o e a todos que o servem, em nome de Deus!

- Por Nossa Senhora... - Ferreira parou. Não tinha medo por si mesmo, mas agora o seu Navio Negro estava em risco e ele sabia que a maior parte da sua tripulação o desertaria se não obedecesse. Por um momento contemplou a possibilidade de atirar no padre, mas isso não suprimiria a maldição. Por isso cedeu. - Muito bem... de volta a bordo, todos vocês!

Obedientemente os homens se dispersaram, contentes por se afastarem da cólera do padre. Blackthorne continuava desnorteado, perguntando-se se a sua cabeça não lhe estaria pregando uma peça. Então, em meio ao tumulto, o ódio de Pesaro explodiu. Fez pontaria. Dell'Aqua viu o movimento dissimulado e saltou para a frente a fim de proteger Blackthorne com o próprio corpo. Pesaro puxou o gatilho, mas nesse momento foi varado de setas, a pistola disparou inofensivamente, e ele desabou gritando.

Blackthorne girou sobre os calcanhares e viu seis arqueiros de Kiyama, com outras setas prontas nos arcos. Junto deles, Miguel. O oficial falou asperamente. Pesaro soltou um último guincho, os membros contorcidos, e morreu.

Miguel tremia ao romper o silêncio. - O oficial diz que sente muito, mas temeu pela vida do padre-inspetor. - Miguel estava implorando a Deus que o perdoasse por ter dado o sinal de ataque. Mas Pesaro tinha sido advertido, pensou ele. E é meu dever providenciar para que as ordens do padre-inspetor sejam obedecidas, que sua vida seja protegida, que assassinos sejam destruídos e ninguém seja excomungado.

Dell'Aqua estava de joelhos ao lado do cadáver de Pesaro. Fez o sinal-da-cruz e disse as palavras sagradas. Os portugueses ao seu redor observavam os samurais, ansiando pela ordem de matar os assassinos. O restante dos homens de Kiyama vinha correndo do portão da missão, onde haviam ficado, e uma quantidade de cinzentos afluía da área da galera a fim de investigar. Apesar da sua raiva quase cegante, Ferreira sabia que não poderia enfrentar um combate ali, agora. - Todos de volta a bordo!

Tragam o corpo de Pesaro! - Carrancudo, o grupo começou a obedecer.

Blackthorne baixou a espada, mas não a embainhou. Esperava, estupidificado, na expectativa de um truque, de ser capturado e arrastado para bordo.

No tombadilho Rodrigues disse calmamente: - Alerta para repelir abordadores, mas com cuidado, por Deus! - Imediatamente homens deslizaram para posições de ação. - Protejam o capitão-mor! Preparem a chalupa ...

Dell'Aqua levantou-se e voltou-se para Ferreira, que se erguia arrogante no passadiço, preparado para defender o seu navio. - O senhor é responsável pela morte deste homem! - sibilou o padre-inspetor. - A sua ambição fanática e vingativa e ...

- Antes que o senhor diga publicamente alguma coisa de que possa se arrepender, Eminência, é melhor pensar com cuidado - interrompeu-o Ferreira. -- Curvei-me à sua ordem, mesmo sabendo, diante de Deus, que o senhor estava cometendo um erro terrível. O senhor me ouviu ordenar a meus homens que voltassem a bordo! Pesaro desobedeceu-lhe, não eu, e a verdade é que, se alguém é responsável, é o senhor. O senhor impediu a ele e a nós de cumprirmos o nosso dever. Esse Inglês é o inimigo! Foi uma decisão militar, por Deus! Informarei Lisboa. - Seus olhos certificaram-se da prontidão de combate do seu navio e dos samurais que se aproximavam.

Rodrigues movera-se para a ponte do convés principal. - Capitão-mor, não posso zarpar com esse vento e essa maré.

- Prepare uma chalupa para nos rebocar se for necessário. - Isso está sendo feito.

Ferreira gritou aos homens que carregavam Pesaro, dizendolhes que se apressassem. Logo estavam todos de volta a bordo. Os canhões foram equipados, embora discretamente, e todo mun do tinha dois mosquetes por perto. À esquerda e à direita, samurais se aglomeravam no ancoradouro, mas não fizeram qualquer movimento declarado para interferir.

Ainda no cais, Ferreira disse peremptoriamente a Miguel: - Diga-lhes que se dispersem! Não há problema aqui, não há nada para eles fazerem. Houve um engano, um engano grave, mas eles tiveram razão em atirar no contramestre. Diga-lhes que se dispersem. - Odiou dizer isso e queria matá-los a todos, mas quase podia farejar o perigo no ancoradouro, e não tinha alternativa agora senão recuar.

Miguel fez o que lhe foi ordenado. Os oficiais não se moveram.

- É melhor ir embora, Eminência - disse Ferreira asperamente. - Mas isto não encerrou a questão. O senhor vai se arrepender de tê-lo salvado!

Dell'Aqua também sentia a tensão prestes a explodir que os rodeava. Mas isso não o afetava. Fez o sinal-da-cruz e disse uma pequena bênção, depois deu as costas. - Vamos, piloto.

- Por que está me deixando ir? - perguntou Blackthorne, a dor de cabeça atormentando-o, ainda não se atrevendo a acreditar.

- Vamos, piloto!

- Mas por que está me deixando ir? Não compreendo.

- Nem eu - disse Ferreira. - Eu também gostaria de saber a verdadeira razão, Eminência. Ele não continua sendo uma ameaça para nós e para a Igreja?

Dell'Aqua encarou-o. Sim, queria dizer, para apagar a arrogância daquele rosto casquilho à sua frente. Mas a ameaça é a guerra imediata e como ganhar tempo para você e cinqüenta anos de Navio Negro, e a quem escolher: Toranaga ou Ishido. Você não entende nada dos nossos problemas, Ferreira, ou dos riscos envolvidos, ou a delicadeza da nossa posição aqui, ou os perigos.

- Por favor, Senhor Kiyama, reconsidere. Sugiro que o senhor escolha o Senhor Toranaga - dissera ele ao daimio na véspera, usando Miguel como intérprete, não confiando no seu próprio japonês, que era apenas razoável.

- Isso é uma imperdoável interferência nos negócios japoneses e está fora da sua jurisdição. Além disso, o bárbaro deve morrer.

Dell'Aqua usara toda a sua habilidade diplomática, mas Kiyama fora irredutível e se recusara a se comprometer ou a mudar a sua posição. Então, naquela manhã, quando se dirigira

a Kiyama para lhe dizer que, graças à vontade de Deus, o Inglês fora neutralizado, houvera um lampejo de esperança.

- Considerei o que o senhor disse - dissera-lhe Kiyama. - Não vou me aliar a Toranaga. Deste momento até a batalha, observarei os dois contendores com todo o cuidado. No momento correto, escolherei. E agora consinto que o bárbaro se vá... não por causa do que o senhor me disse, mas por causa da Senhora Mariko, para honrá-la ... e por que o Anjin-san é samurai...

Ferreira ainda o olhava fixamente. - O Inglês não continua sendo uma ameaça?

- Faça uma viagem segura, capitão-mor, e adeus. Piloto, vou leva-lo à sua galera... O senhor está bem?

- É que... a minha cabeça está... Acho que a explosão... O senhor realmente vai me deixar ir? Por quê?

- Porque a Senhora Maria, a Senhora Mariko, pediu-nos que o protegêssemos. - Dell'Aqua pôs-se em marcha.

- Mas isso não é razão! O senhor não faria isso só porque ela pediu!

- Concordo - disse Ferreira. Depois exclamou: - Eminência, por que não lhe diz a verdade toda?

Dell'Aqua não parou. Blackthorne começou a segui-lo, mas não deu as costas ao navio, sempre aguardando traição. - Isso não faz sentido. O senhor sabe que vou destruí-lo. Tomarei o seu Navio Negro.

Ferreira riu com escárnio: - Com quê, Inglês? Você não tem nenhum navio!

- O que quer dizer?

- Você não tem navio. Ele está destruido. Se não estivesse, eu nunca o deixaria ir, fosse qual fosse a ameaça de Sua Eminência.

- Não é verdade...

Através da névoa da cabeça, Blackthorne ouviu Ferreira repetir e rir mais alto, e acrescentar alguma coisa sobre um acidente e a mão de Deus e: o seu navio queimou até a medula, portanto você nunca prejudicará o meu navio agora, embora ainda seja herege e inimigo, e ainda seja uma ameaça à fé. Então viu Rodrigues nitidamente, piedade no rosto, e os lábios soletraram: sim, é verdade, Inglês.

- Não é verdade, não pode ser verdade.

Então o padre inquisidor estava dizendo, de um milhão de léguas de distância: - Recebi uma mensagem esta manhã do Padre Alvito. Parece que um terremoto causou um macaréu, a onda...

Mas Blackthorne não estava ouvindo. Sua mente estava grítando: o seu navio está destruido, você o abandonou, seu navio está destruído, você não tem navio, não tem navio, não tem navio...

- Não é verdade! Estão mentindo, o meu navio está numa enseada segura protegido por quatro mil homens. Está a salvo! Alguém disse: - Mas não a salvo de Deus! - e depois o inquisidor estava falando de novo: - O macaréu fez o seu navio adernar. Dizem que as lâmpadas a óleo no convés viraram e o fogo se alastrou. O seu navio foi arrasado...

- Mentiras! E o vigia de convés? Sempre há um vigia de convés! É impossível - gritou ele, mas sabia que de algum modo o preço da sua vida fora o navio.

- Você está encalhado, Inglês - espicaçava-o Ferreira. - Está perdido. Vai ficar aqui para sempre, nunca conseguirá passagem num dos nossos navios. Você está encalhado para sempre...

Aquilo continuou, continuou, ele se sentia afogando-se, então seus olhos clarearam. Ouviu o grito das gaivotas, sentiu o mau cheiro da praia e viu Ferreira, viu o inimigo e soube que era tudo uma mentira para enlouquecê-lo. Soube com certeza, e que os padres faziam parte da trama. - Deus os leve para o inferno! - gritou, e investiu contra Ferreira, a espada em riste. Mas foi uma investida apenas no seu sonho. Mãos agarraram-no com facilidade, tiraram-lhe as espadas e puseram-no a caminhar entre dois cinzentos, por entre todos os outros, até ele estar no passadiço da galera, onde lhe devolveram as espadas e o soltaram. Era-lhe difícil ver ou ouvir, o cérebro quase não funcionando agora devido à dor, mas tinha certeza de que era tudo um truque para enlouquecê-lo, e que conseguiriam se ele não fizesse um grande esforço. Ajude-me, rezou ele, alguém me ajude, depois Yabu estava ao seu lado, e Vinck, e seus vassalos, e ele não conseguia distinguir as línguas. Guiaram-no para bordo, Kiri lá em algum lugar e Sazuko, uma criança chorando nos braços de uma criada, o remanescente da guarnição marrom aglomerada no convés, remadores e marujos.

Cheiro de suor, suor de medo. Yabu falava com ele. E Vinck. Levou muito tempo para se concentrar. - Piloto, por que, em nome de Cristo, eles o deixaram ir?

- Eu... eles... - Não conseguia dizer as palavras. Então de algum modo encontrou-se no tombadilho e Yabu estava ordenando ao capitão-mor que zarpasse antes que Ishido mudasse de idéia quanto a deixa-los partir, e antes que os cinzentos no atracadouro mudassem de idéia quanto a permitir que a galera partisse, dizendo ao capitão que rumasse a toda velocidade para Nagasaki. Kiri dizendo, sinto muito, Yabu-sama, por favor, primeiro Yedo, devemos ir a Yedo ...

Os remos da embarcação impeliram-na para longe do ancoradouro, contra a maré e contra o vento, e saiu para a correnteza, gaivotas grasnando na sua esteira, e Blackthorne arrancando-se de algum modo do seu estupor para dizer de modo coerente: - Não. Sinto muito. Ir Yokohama. Deve ir Yokohama.

- Primeiro conseguimos homens em Nagasaki, Anjin-san, compreende? Importante. Primeiro os homens. Primeiro os homens! Tenho plano - disse Yabu.

- Não. Ir Yokohama. Meu navio.. . meu navio perigo. - Que perigo? - perguntou Yabu.

- Cristãos dizem ... dizem fogo! - O quê!?

- Pelo amor de Cristo, piloto, qual é o problema? - gritou Vinck.

Blackthorne apontou tremulamente para a lorcha. - Eles me disseram que o Erasmus está perdido, Johann. Nosso navio está perdido.. . incendiado. - Depois explodiu. - Ó Deus, que seja tudo mentira!

 

Em pé, no raso, Blackthorne olhou para o esqueleto crestado do seu navio, encalhado e adernado, à flor da leve arrebentação, setenta jardas mar adentro, sem mastros, sem conveses, sem nada, exceto a quilha e as costelas da caverna que se salientavam para o céu.

- Os macacos tentaram abicá-lo - disse Vinck, sombrio. - Não. A maré o trouxe para cá.

- Pelo amor de Cristo, por que dizer isso, piloto? Se se tem um maldito incêndio e se se está perto de uma maldita praia, abica-se o navio para combater o fogo! Jesus, até esses bastardos de mijo sabem disso! - Vinck cuspiu na areia. - Macacos! O senhor nunca deveria tê-lo deixado com eles! O que vamos fazer agora? Como vamos voltar para casa? O senhor deveria tê-lo deixado em Yedo, a salvo, e a nós a salvo, com os nossos "eters".

A lamúria na voz de Vinck irritou Blackthorne. Tudo em Vinck o irritava agora. Três vezes na semana anterior ele quase dissera a seus vassalos que apunhalassem Vinck e o atirassem ao mar, para se livrar da tortura quando os lamentos, queixumes e acusações se tornaram excessivos. Mas conseguira sempre se conter e subira ao convés ou descera à cabina para procurar Yabu. Perto de Yabu, Vinck não emitia som algum, ficava petrificado, e com razão. A bordo fora fácil se conter. Ali, envergonhado ante a nudez do seu navio, não era fácil.

- Talvez o tenham abicado, Johann - disse ele, com um cansaço de morte.

- Pode apostar como esses bastardos comedores de esterco o abicaram! Mas não apagaram o fogo, Deus os amaldiçoe a todos com o inferno! Não deveria ter deixado japonas nele, esses macacos fedorentos...

Blackthorne cerrou os ouvidos e se concentrou na galera.

Estava atracada a sotavento em relação ao embarcadouro, a algumas centenas de passos dele, perto da aldeia de Yokohama. As cabanas do Regimento de Mosquetes ainda estavam dispersas pela praia e pelos contrafortes das montanhas, homens treinando, correndo, uma mortalha de ansiedade sobre todos eles. O dia estava quente e ensolarado, com um vento bom soprando. O nariz de Blackthorne captou um rastro de perfume de mimosas. Podia ver Kiri e a Senhora Sazuko conversando sob sombrinhas alaranjadas na popa, e perguntou-se se o perfume viria de lá. Depois observou Yabu e Naga caminhando de um lado para o outro sobre o ancoradouro, Naga falando e Yabu ouvindo, ambos muito tensos. Viu-os olhar para ele. Sentiu-lhes o desassossego.

Quando a galera contornara o promontório duas horas antes, Yabu dissera: - Por que olhar de mais perto, Anjin-san? O navio está liquidado, neh? Tudo acabado. Vamos a Yedo! Preparar para a guerra. Não há tempo agora.

- Sinto muito, parar aqui. Tenho olhar de perto. Por favor. - Vamos a Yedo! Navio destruído - liquidado. Neh?

- O senhor quer, o senhor vai. Eu nado. - Espere. Navio destruído, neh?

- Sinto muito, por favor, pare. Pouco tempo. Depois Yedo. Finalmente Yabu concordara, eles atracaram e Naga foralhes ao encontro. - Sinto muito, Anjin-san. Neh? - dissera Naga, os olhos turvos pela falta de sono.

- Sim, sinto muito. Por favor, o que aconteceu?

- Desculpe, não sei. Não honto. Eu não estava aqui, compreende? Recebi ordem de ir a Mishima por alguns dias. Quando voltei, os homens disseram do terremoto durante a noite - tudo aconteceu à noite, compreende? Compreende "terremoto", Anjin-san?

- Compreendo. Sim. Por favor, continue.

- Um pequeno terremoto. Durante a noite. Alguns homens dizem que foi o macaréu, outros dizem que não, que foi apenas um vagalhão, um vagalhão de tempestade. Houve urna tempes tade naquela noite, neh? Um pequeno tal-fun. Compreende "taifun"?

- Sim.

- Ah, sinto muito. Noite muito escura. Dizem que o vagalhão veio. Dizem que as lâmpadas a óleo no convés se quebraram. O navio pegou fogo, neh? Tudo queimou, depressa, muito...

- Mas os guardas, Naga-san? Onde os homens de convés?

- Muito escuro. Fogo muito rápido, compreende? Sinto muito. Shigata ga nai, neh? - acrescentou, esperançoso.

- Onde os homens de convés, Naga-san? Deixei guarda. Neh?

- Quando voltei, um dia depois, senti muito, neh? Navio liquidado, ainda ardendo ali nos baixios - perto da praia. Navio liquidado. Reuni todos os homens do navio e toda a patrulha da praia daquela noite. Pedi a eles que fizessem relatório. Ninguém tem certeza do que aconteceu. - O rosto de Naga se ensombreceu. - Ordenei-lhes que salvassem, que trouxessem tudo o que fosse possível, compreende? Está tudo no acampamento agora. - Apontou para o planalto. - Sob guarda. Meus guardas. Depois condenei-os à morte e corri a Mishima, para relatar ao Senhor Toranaga.

- Todos eles? Todos à morte?

- Sim. Eles falharam no seu dever. - O que disse o Senhor Toranaga?

- Muito zangado. Toda a razão de estar zangado, neh? Ofereci seppuku. O Senhor Toranaga recusou permissão. Iiiiiih! O Senhor Toranaga furioso, Anjin-san. - Naga fez um gesto nervoso, abrangendo a praia. - O regimento inteiro em desgraça, Anjin-san. Todo mundo. Todos os oficiais chefes aqui em desgraça, Anjin-san. Mandados para Mishima. Cinqüenta e oito seppukus já.

Blackthorne pensara naquele número e tivera vontade de berrar: cinco mil ou cinqüenta mil não podem reparar a perda do meu navio! - Mau - disse a sua boca. - Sim, muito mau.

- Sim. Melhor ir para Yedo. Hoje. Guerra hoje, amanhã, depois de amanhã. Sinto muito.

Depois Naga falara com veemência a Yabu alguns momentos, e Blackthorne, apalermado, odiando as palavras de som abominável, odiando Naga e Yabu e todos eles, mal conseguira aconpanhá-lo, embora visse crescer a apreensão de Yabu. Naga com uma determinação embaraçada. Nada mais que eu pudesse fazer.

voltara-se para ele de novo, - Sinto muito, Anjin-san. Honto, neh?

Blackthorne se forçara a assentir. - Honto. san.Shigata ga nai. - Pedira licença e os deixara para caminhar at¢o seu navio, para ficar sozinho, já não confiando em si mesmo paia conter a fúria insana, sabendo que não havia nada que pudesse fazer, que jamais saberia mais nada sobre a verdade, que os padres de algum modo haviam conseguido pagar, adular ou ameaçar alguém para cometer aquela profanação infame. Escapara de Yabu e Naga, caminhando lentamente e ereto, mas antes que pudesse deixar o ancoradouro Vinck correra atrás dele e implorara para não ser deixado para trás. Vendo o medo abjeto e servil do homem, concordara e lhe permitira acompanhá-lo. Mas fechara a mente a ele.

Então, de repente, seguindo pela praia, haviam topado com horríveis restos de cabeças. Mais de cem, escondidas do ancoradouro pelas dunas e espetadas em lanças. Aves marinhas ergue ram-se numa nuvem branca e guinchante quando eles se aproximaram, e pousaram para continuar pilhando e disputando depois de eles terem passado depressa.

Agora, estudando o casco do seu navio, um pensamento o obcecava: Mariko vira a verdade e a sussurrara a Kiyama ou aos padres: "Sem o navio, o Anjin-san fica indefeso contra a Igreja. Peço-lhes que o deixem vivo, matem-lhe apenas o navio. . .

Podia ouvi-Ia dizendo isso. Ela tinha razão. Era uma solução muito simples para o problema dos católicos. Sim. Mas qualquer um deles poderia ter pensado a mesma coisa. E como passaram pelos quatro mil homens? A quem subornaram? Como?

Não importa quem. Ou como. Eles venceram.

Deus me ajude, sem o meu navio estou morto. Não ajudar Toranaga e a guerra o engolirá.

- Pobre navio - disse ele. - morrer de modo inútil assim. Depois - Hein? - disse Vinck.

- Nada - disse ele. - Pobre navio, perdoe-me. Não fui eu que negociei com ela ou com qualquer pessoa. Pobre Mariko. Perdoe a ela também.

- O que disse, piloto?

- Nada. Só estava pensando alto.

- Sim, é? - O corpo todo de Vinck tremia, e Blackthorne se preparou. - A culpa é sua. O senhor disse que viéssemos ao Japão, viemos, e quantos morreram vindo para cá? A culpa é sua! - Sim. Sinto muito, você tem razão!

- Sente muito, piloto? Como vamos voltar para casa? Esse é o seu maldito trabalho, levar-nos para casa! Como vai fazer isso? Hein?

- Não sei. Outro temos que esperar outr. - Esperar? Quanto

bosta, vinte? Jesus Cristo, o senhor mesmo disse que todos esses cabeças de merda estão em guerra agora! - A mente de Vinck fragmentou-se. - Vão nos cortar a cabeça e espetá-la como aquelas ali e os pássaros nos comerão. . . - Um paroxismo de gargalhada insana sacudiu-o e ele enfiou a mão na camisa esfarrapada. Blackthorne viu o bocal da pistola e teria sido fácil derrubar Vinck no chão e tomar a arma, mas não fez nada para se defender. Vinck brandiu-lhe a pistola no rosto, dançando ao seu redor com uma alegria disparatada, lunática. Blackthorne aguardou sem medo, esperando a bala, depois Vinck saiu em disparada pela praia, as gaivotas alçando vôo espavoridas, saindo-lhe do caminho grasnando e gritando. Vinck correu uns cem ou mais passos desvairados, depois desabou, caindo de costas, as pernas ainda se movendo, os braços gesticulando, proferindo obscenidades mudas. Após um momento pôs-se de bruços com um último guincho, encarando Blackthorne, e se imobilizou. Houve um silêncio.

Quando Blackthorne chegou perto, a pistola estava apontada para ele, os olhos fitando-o com um antagonismo demente, os lábios repuxados sobre os dentes. Vinck estava morto.

Blackthorne fechou-lhe os olhos, pegou-o, atirou-o ao ombro e voltou. Samurais vinham correndo na sua direção, Naga e Yabu à frente:

- O que aconteceu, - Ele enlouqueceu. - Está morto?

- Sim. Primeiro enterro, - LI ai.

Blackthorne mandou buscar uma pá, pediu-lhes que o deixassem sozinho um instante e enterrou Vinck acima da linha d'água, numa elevação que dava para os destroços do navio. Disse uma oração e plantou uma cruz sobre a sepultura, que moldou com dois pedaços de madeira flutuante. Foi muito fácil fazer

nossos navios virá aqui, Johann. Só o serviço fúnebre. Já o fizera um sem-número de vezes. Apenas naquela viagem, mais de cem vezes para os seus tripulantes, desde que partiram da Holanda. Os únicos sobreviventes agora eram Baccus van Nekk e o rapaz Croocq; os outros tinham vindo de outros navios - Salamon, o mudo; Jan Roper; Sonk, o cozinheiro; Ginsel, o veleiro. Cinco navios e quatrocentos e noventa e seis homens. E agora Vinck. Todos mortos, menos nós sete. E para quê?

Para circunavegar o globo? Para sermos os primeiros?

- Não sei - disse ao túmulo. - Mas isso não acontecerá agora.

Fez tudo com esmero. - Sayonara, Johann. - Depois caminhou até o mar e nadou despido até o navio para se purificar. Dissera a Naga e Yabu que aquilo era hábito da sua gente, depois de sepultar um de seus homens em terra. O capitão tinha que fazê-lo em particular, se não houvesse mais ninguém, e o mar era o purificador diante do Deus deles, que era o Deus cristão, mas não exatamente o mesmo Deus cristão dos jesuítas.

Pendurou-se a uma das costelas do navio e viu que já havia craca grudando, areia acumulando-se na quilha, três braças abaixo. Logo o mar reclamaria o navio e a embarcação desapareceria. esmo. Nada a salvar, disse a si mesmo, sem

Olhou em torno, a esperar nada. Nadou para a com roupas limpas. de volta. Perto do - Anjin-san!

Um pombo-correio, perseguido por um falcão, disparava freneticamente para a segurança do pombal na aldeia. O pombal ficava no sótão da construção mais alta dos arredores, sobre uma leve elevação. Com cem jardas a percorrer, o falcão em posição, bem acima da presa, fechou as asas e mergulhou. A queda culminou com uma explosão de penas, mas imperfeita. O pombo caiu arrulhando como se estivesse mortalmente ferido; então, perto do chão, recuperou-se e disparou para casa. Arrastou-se com dificuldade, por um buraco no viveiro, para a segurança, o falcão guinchando de raiva alguns passos atrás, e todo mundo exultou, menos Blackthorne. Nem a esperteza e a coragem do pombo o tocaram. Nada mais o tocava.

- Bom, neh? - disse um dos seus vassalos, embaraçado pela casmurrice do amo.

- Sim. -- Blackthorne voltou à galera. Yabu estava lá, com

praia. Alguns de seus vassalos o esperavam Vestiu-se, pôs as espadas no sash e caminhou atracadouro, um dos seus vassalos apontou: a Senhora Sazuko, Kiri e o capitão. Estava tudo pronto. - Yabusan. Ima Yedo ka? - pediu ele.

Mas Yabu não respondeu e ninguém o notou. Todos os olhos se concentravam em Naga, que estava correndo na direção da aldeia. Um tratador de pombos saiu da construção, indo ao seu encontro. Naga quebrou o lacre e leu a tira de papel: "Galera e todos a bordo em Yokohama até que eu chegue". Estava assinado: "Toranaga".

Os cavaleiros surgiram rapidamente sobre a borda da colina ao sol matinal. Primeiro vinham os cinqüenta batedores e patrulheiros da vanguarda comandada por Buntaro. Depois os estan dartes. Em seguida Toranaga. Depois dele o grosso da expedição de guerra, sob o comando de Omi. Seguindo-os vinham o Padre Alvito Tsukku-san e dez acólitos num grupo cerrado e, depois, uma pequena retaguarda, no meio da qual caçadores com falcões sobre as luvas, todos encapuzados, e um grande milhafre de olhos amarelos. Todos os samurais estavam pesadamente armados, usando peitoral e armadura de combate.

Toranaga cavalgava com desenvoltura, o espírito mais leve agora, um homem revigorado e mais forte, e estava contente por se encontrar perto do fim da sua jornada. Fazia dois dias e meio que ordenara a Naga que mantivesse a galera em Yokohama e que partira de Mishima em marcha forçada. Tinham vindo muito depressa, trocando os cavalos a cada vinte ris, mais ou menos. Numa parada onde os cavalos não estavam disponíveis, o samurai encarregado fora destituído, seu estipêndio dado a outro e ele convidado a cometer seppuku ou a raspar a cabeça e tornar-se sacerdote. O samurai escolheu a morte.

O idiota tinha sido advertido, pensou Toranaga, o Kwanto inteiro mobilizado e em pé de guerra. Contudo, esse homem não foi um desperdício total, disse a si mesmo. Pelo menos a notícia desse exemplo vai percorrer toda a extensão dos meus domínios e não haverá mais atrasos desnecessários.

Tanto que fazer ainda, pensou ele, a mente frenética com fatos, planos e mais planos. Dentro de quatro dias será o dia, o vigésimo segundo dia do oitavo mês, o mês da Contemplação da Lua. Hoje, em Osaka, o cortesão Ogaki Takamoto formalmente vai se dirigir a Ishido e anunciar que lamentavelmente a visita do Filho do Céu a Osaka foi adiada por alguns dias devido a ele estar mal de saúde.

Fora tão fácil manipular o adiamento. Embora Ogaki fosse um príncipe de sétimo grau e descendesse do Imperador GoShoko, o nonagésimo quinto da dinastia, estava empobrecido, como todos os membros da corte imperial. A corte não possuía renda própria. Apenas os samurais tinham renda e fazia já centenas de anos que a corte tinha que existir com um estipêndio - sempre cuidadosamente controlado e parco - concedido pelo xógum, kwampaku ou junta governante do momento. Então Toranaga humildemente e com toda a cautela atribuíra dez mil kokus anuais a Ogaki, através de intermediários, para que ele socorresse parentes necessitados conforme desejasse, dizendo com a devida humildade que, sendo Minowara e portanto também descendente de Go-Shoko, ficava encantado em ser útil e esperava que o Exaltado tomasse cuidado com a sua preciosa saúde num clima tão traiçoeiro como o de Osaka, particularmente por volta do vigésimo segundo dia.   '

Naturalmente não havia garantia de que Ogaki pudesse persuadir ou dissuadir o Exaltado, mas Toranaga supusera que os conselheiros do Filho do Céu, ou o próprio Filho do Céu, dariam as boas-vindas a uma desculpa para adiar - e, esperava ele, finalmente cancelar - a visita. Apenas uma vez, em três séculos, um imperador reinante deixara o seu santuário em Kyoto. Isso fora há quatro anos, a um convite do táicum para contemplar as flores de cerejeira perto do Castelo de Osaka, coincidindo com a sua renúncia ao título de kwampaku em favor de Yaemon - e assim, por implicação, colocando o selo imperial na sucessão.

Normalmente daimio algum teria ousado fazer tal oferecimento a qualquer membro da corte, porque isso insultava e usurpava a prerrogativa de um superior - nesse caso, o conselho de regentes -, e imediatamente seria interpretado como traição, como legalmente era. Mas Toranaga sabia que já fora acusado de traição.

Amanhã, Ishido e seus aliados se moverão contra mim. Quanto tempo mais ainda tenho? Onde deve ser a batalha? Em Odawara? A vitória depende apenas do tempo e do lugar, e não do número de homens. Eles vão me superar no mínimo em três contra um. Não tem importância, pensou, Ishido vai sair do Castelo de Osaka! Mariko o forçou. No jogo de xadrez pelo poder, sacrifiquei a minha rainha, mas Ishido perdeu duas torres.

Sim. No entanto você perdeu mais que uma rainha na última jogada. Perdeu um navio. Um peão pode se transformar numa rainha - mas não num navio!

Estavam descendo a colina num trote rápido, de chocalhar os ossos. Lá embaixo estava o mar. Dobraram uma curva do caminho e lá estava a aldeia de Yokohama, com os restos do navio a pouca distância da praia. Toranaga podia ver o planalto onde o Regimento de Mosquetes estava alinhado em posição de revista de batalha, com seus cavalos e equipamentos, mosquetes nos coldres, outros samurais igualmente bem armados formados como uma guarda de honra mais perto da praia.

Nos arredores da aldeia, os aldeãos estavam ajoelhados em fileiras precisas, esperando para homenageá-lo. Adiante deles estava a galera, os marinheiros esperando com o capitão. Em cada lado do ancoradouro, havia barcos de pesca abicados em disposição meticulosa e Toranaga fez uma anotação mental para admoestar Naga. Ordenara que o regimento estivesse pronto para partida imediata, mas tirar pescadores ou camponeses da pesca ou do trabalho nos campos era irresponsável.

Voltou-se na sela e chamou um samurai, ordenando-lhe que dissesse a Buntaro que fosse na frente, ver se estava tudo seguro e preparado. - Depois vá até a aldeia e dispense todos os al deãos, mandando-os de volta ao trabalho, exceto o chefe da aldeia. - Sim, senhor. - O homem cravou as esporas no cavalo e se afastou a galope.

Agora Toranaga estava perto do planalto o suficiente para distinguir rostos. O Anjin-san e Yabu, depois Kiri e a Senhora Sazuko. Sua excitação aumentou.

Buntaro descia a trilha a galope, seu grande arco e as aljavas cheias às costas, meia dúzia de samurais bem atrás dele. Saíram da trilha e surgiram no planalto. Imediatamente Buntaro viu Blackthorne e seu rosto tornou-se ainda mais severo. Então puxou as rédeas e olhou em torno, cauteloso. Um estrado coberto, com uma única almofada, estava colocado de frente para o regimento. Ao lado, outro, menor e mais baixo. Kiri e a Senhora Sazuko esperavam sob este último. Yabu, na qualidade de oficial superior, estava à testa do regimento, Naga à sua direita, o Anjinsan à esquerda. Tudo parecia seguro, e Buntaro acenou ao grupo principal que prosseguisse. A vanguarda chegou a trote, desmontou e se espalhou em torno do estrado, a título de proteção. Então Toranaga cavalgou para dentro da arena. Naga levantou bem alto o estandarte de batalha. Imediatamente quatro mil homens gritaram: - Toranagaaaaaa! - e se curvaram.

Toranaga não tomou conhecimento da saudação. Em silêncio absoluto, sondou o ambiente. Notou que Buntaro dissimuladamente observava o Anjin-san. Yabu usava a espada que ele lhe dera, mas estava muito nervoso. A reverência do Anjin-san foi correta e imóvel, o punho da sua espada quebrado. Kiri e a sua consorte mais nova estavam ajoelhadas, as mãos estendidas sobre os tatamis, o rosto modestamente inclinado. Os olhos de Toranaga se abrandaram momentaneamente, depois fitaram o regimento, com ar de desaprovação. Cada homem ainda estava curvado. Ele não retribuiu a mesura, apenas assentiu secamente e sentiu o tremor que percorreu os samurais quando eles se endireitaram de novo. Bom, pensou ele, desmontando com agilidade, contente de que lhe temessem a vingança. Um samurai tomou os freios do seu cavalo e levou o animal embora enquanto ele dava as costas ao regimento e, suado como todos eles por causa da umidade, se aproximava das duas damas. - Bem, Kiri-san, bem-vinda ao lar!

Ela se curvou de novo, jovialmente. - Obrigada, senhor. Nunca pensei que teria o prazer de vê-lo novamente.

- Nem eu, senhora. - Toranaga deixou um lampejo da sua felicidade se mostrar. Olhou para a garota. - Bem, Sazukosan? Onde está o meu filho?

- Com a ama-de-leite, senhor - respondeu ela sem fôlego, gozando do seu favor declarado.

- Por favor, mande alguém buscar o nosso filho imediatamente.

- Oh, por favor, senhor, com a sua permissão, posso trazê-lo pessoalmente?

- Sim, sim, se você quiser. - Toranaga sorriu e observou-a se afastar um momento, gostando muito dela. Olhou novamente para Kiri. - Está tudo bem com você? - perguntou, para os ouvidos dela apenas.

- Sim, senhor. Oh, sim... e vê-lo tão forte enche-me de alegria.

- Perdeu peso, Kiri-chan, e está mais jovem do que nunca. - Ah, sinto muito, senhor, não é verdade. Mas obrigada, obrigada.

Ele sorriu. - Seja o que for, então, assenta-lhe bem. Tragédia, solidão, estar abandonada... Estou contente de vê-Ia, Kiri-chan.

- Obrigada, senhor. Estou muito feliz de que a obediência e o sacrifício dela tenham destrancado Osaka. Ela ficaria enormemente satisfeita, senhor, de saber que teve êxito.

- Primeiro tenho que lidar com essa canalha, depois conversaremos. Há muito de que falar, neh?

- Sim, oh, sim! - Os olhos dela cintilavam. - O Filho do Céu será atrasado, neh?

- Isso seria prudente. Neh?

- Tenho uma mensagem particular da Senhora Ochiba.

- Ah? Bom! Mas isso terá que esperar. - Ele fez uma pausa. - A Senhora Mariko morreu honrosamente? Por escolha e não por acidente ou engano?

- Mariko-sama escolheu a morte. Foi seppuku. Se ela não tivesse feito o que fez, eles a teriam capturado. Oh, senhor, ela foi maravilhosa durante todos aqueles dias ruins. Tão corajosa. E o Anjin-san. Não fosse ele, ela teria sido capturada e envergonhada. Nós todas teríamos sido capturadas e envergonhadas.

- Ah, sim, os ninfas. - Toranaga bufou e seus olhos ficaram injetados, e ela estremeceu apesar de si mesma. - Ishido tem muito por que responder, Kiri-chan. Por favor, desculpe-me. - Dirigiu-se, arrogante, para o estrado e se sentou, severo e ameaçador novamente. Seus guardas o rodearam.

- Omi-san!

- Sim, senhor? - Omi avançou e curvou-se, parecendo mais velho do que antes, mais magro agora.

- Escolte a Senhora Kiritsubo até os seus aposentos, e certifique-se de que os meus estão adequados. Passarei a noite aqui. Omi fez uma saudação e se afastou, e Toranaga ficou contente de ver que a súbita alteração de planos não produziu sequer uma centelha nos olhos de Omi. Bom, pensou, Omi está aprendendo, ou seus espiões lhe informaram que secretamente ordenei a Sudara e Hiro-matsu que viessem aqui, portanto não poderei partir até amanhã.

Em seguida concentrou toda a atenção no regimento. A um sinal seu, Yabu avançou e saudou-o. Toranaga retribuiu o cumprimento polidamente. - Bem, Yabu-san! Seja bem-vindo.

- Obrigado, senhor. Permita-me dizer-lhe como estou feliz de que o senhor tenha evitado a traição de Ishido.

- Obrigado. E o senhor também. As coisas não se passaram bem em Osaka. Neh?

- Não. Minha harmonia está destruída, senhor. Tive a esperança de comandar a retirada de Osaka trazendo-lhe suas senhoras em segurança, seu filho, e também a Senhora Toda, o Anjin-san, e marujos para o navio dele. Infelizmente, sinto muito, fomos ambos traídos - aqui e lá.

- Sim. - Toranaga olhou para o destroço a distância, banhado pelo mar. A cólera faiscou-lhe no rosto e todos se prepararam para a explosão. Mas não houve explosão. - Karma -- disse ele. - Sim, karma, Yabu-san. O que se pode fazer contra os elementos'? Nada. Negligência é outra coisa. Agora, quanto a Osaka, quero ouvir tudo o que aconteceu, em detalhes, assim que o regimento tiver sido dispensado e eu tiver tomado um banho.

Tenho um relatório por escrito para o senhor.

Bom. Obrigado, mas primeiro prefiro que o senhor me

conte

É verdade que o Exaltado não irá a Osaka? O que o Exaltado decide depende do Exaltado. O senhor deseja passar em revista o regimento antes que

eu o dispense? - perguntou Yabu formalmente.

- Por que eu deveria lhes conceder essa honra? O senhor não sabe que eles estão em desgraça, apesar dos elementos?

- Sim, senhor. Desculpe. Terrível. - Yabu estava tentando, em vão, ler a mente de Toranaga. - Fiquei horrorizado ao ser informado do que aconteceu. Parece quase impossível.

- Concordo. - O rosto de Toranaga se ensombreceu e ele olhou para Naga e, atrás dele, para as fileiras cerradas. - Ainda não consigo compreender como pôde ocorrer tal incompetência. Eu precisava daquele navio!

Naga agitou-se. - Por favor, senhor, com licença, ja que eu faça outra investigação?

- O que você pode fazer que já não tenha feito?

- Não sei, senhor, nada, senhor, por favor, desculpe-me. - A sua investigação foi completa, neh?

- Sim, senhor. Por favor, perdoe a minha estupidez. - A culpa não foi sua. Você não estava aqui. Nem comando. - Impaciente, Toranaga voltou-se para Yabu. - É curioso, até sinistro que a patrulha da praia, a patrulha do acampamento, a patrulha do convés e o

homens de Izu naquela noite - com ronins do Anjin-san.

-- Sim, senhor. Curioso, mas não sinistro, sinto muito. O senhor foi perfeitamente correto em julgar os oficiais responsáveis, assim como Naga-san o foi ao punir os outros. Desculpe, fiz minha própria investigação assim que cheguei, mas não tenho outra informações, nada a acrescentar. Concordo que é karma - karma ajudado de algum modo por cristãos comedores de lixo. Ainda assim, peço desculpas

- Ah, está dizendo que foi sabptagem?

- Não há evidência, senhor, mas um macaréu e um simples incêndio parecem uma explicação fácil demais. Com certeza qualquer incêndio teria sido apagado. Novamente peço desculpas.

- Aceito as suas desculpas, mas, por favor, diga-me como substituo aquele navio. Preciso daquele navio!

Yabu podia sentir a acidez no estômago. - Sim, senhor. Eu sei. Sinto muito, não pode ser substituído, mas o Anjin-san nos disse durante a viagem que em breve outros navios de guerra do país dele chegarão aqui.

- Em breve quando? - Ele não sabe, senhor.

- Um ano? Dez anos? - Sinto muito, eu gostaria de Saber. Talvez devesse perguntar a ele.

Toranaga olhou diretamente para Blackthorne vez. O homem alto erguia-se sozinho, a luz do recida. - Anjin-san!

- Sim, senhor?

- Mau, neh? Muito navio. - Neh?

- Sim, muito mau, senhor.

- Quando chegam outros navios? - Meus navios, senhor?

- Sim.

- Quando... quando Buda disser,

- Esta noite conversaremos. Vá agora. Obrigado por Osaka. Sim. Vá para a galera ou para a alder. Conversamos esta noite. Compreende?

- Sim. Conversamos esta noite, sim, Obrigado. Esta noite quando, por favor?

- Mando-lhe um mensageiro. Obrigado por Osaka. - Meu dever, neh? Mas fiz poucp, Toda Mariko-sarna tudo. Tudo por Toranaga-sarna.

- Sim. - Gravemente Toranaga retribuiu a reverência. O Anjin-san começou a se afastar, mas parou. Toranaga olhou de relance para a extremidade do planalto. Tsukku-san e seus acó litos haviam acabado de surgir e estavam desmontando. Ele não concedera uma entrevista ao padre em Mishima - embora lhe tivesse mandado imediatamente uma mensagem sobre a destruição do navio e deliberadamente o mantivera à espera, na dependência do resultado de Osaka e da chegada da galera a Anjiro em segurança. Só então resolvera trazer o padre até ali, para permitir que a confrontação ocorresse, no momento correto. Blackthorne começou a se dirigir para o sacerdote.

- Não, Anjin-san. Mais tarde, não agora. Agora vá para a aldeia! - ordenou ele.

- Mas, senhor! Aquele homem matou o meu navio! Ele é o inimigo!

- Você irá para lá! - Toranaga apontou para a aldeia lá embaixo. - Esperará lá, por favor. Esta noite conversaremos. - Senhor, por favor, aquele homem...

- Não. Vá para a galera - disse Toranaga. - Vá agora, por favor. - Isto é melhor do que domar um falcão, pensou ele excitado, momentaneamente distraído, usando a própria vontade para impelir Blackthorne. É melhor porque o Anjin-san é igualmente perigoso e imprevisível, sempre uma qualidade desconhecida, única, diferente de qualquer homem que eu tenha conhecido.

Com o canto dos olhos, notou que Buntaro se colocara no caminho do Anjin-san, pronto e ansioso por forçar a obediência. Que tolice, pensou Toranaga de passagem, e tão desnecessário. Manteve os olhos cravados em Blackthorne. E dominou-o.

- Sim. Vou agora, Senhor Toranaga. Desculpe. Vou agora - disse Blackthorne. Enxugou o suor do rosto e começou a se afastar.

- Obrigado, Anjin-san - disse Toranaga. Não permitiu que seu triunfo se mostrasse. Observou Blackthorne obedientemente caminhar - violento, assassino, mas controlado agora pela vontade de Toranaga.

Então mudou de idéia. - Anjin-san! - chamou, decidindo que era tempo de soltar os pioses e deixar o matador voar livremente. O teste final. -- Ouça, vá até lá se quiser. Acho que é

melhor não matar o Tsukku-san. Mas se você quiser matá-lo, mate. Melhor não matar. - Falou lenta e cuidadosamente, e repetiu. - Wakarimasu ka?

- Hai.

Toranaga olhou dentro daqueles olhos inacreditavelmente azuis, cheios de uma animosidade irracional, e se perguntou se aquela ave selvagem, lançada contra a presa, mataria ou não, apenas por capricho seu, e se retornaria ao punho sem comer. - Wakarimasu ka?

- Hai.

Toranaga fez um gesto de dispensa. Blackthorne voltou-se e encaminhou-se a passos largos na direção norte. Rumo ao Tsukkusan. Buntaro saiu-lhe do caminho. Blackthorne não parecia notar ninguém além dos padres. O dia pareceu tornar-se mais sufocante. - Então, Yabu-san, o que ele vai fazer? - perguntou Toranaga.

- Matar. Claro que o matará se puder pegá-lo. O padre merece morrer, neh? Todos os padres cristãos merecem morrer, neh? Todos os cristãos. Tenho certeza de que estavam por trás da sabotagem - os padres e Kiyama, embora eu não possa provar.

- Aposta a sua vida como ele matará o Tsukku-san?

- Não, senhor - disse Yabu rapidamente. - Não. Eu não apostaria. Sinto muito. Ele é bárbaro, são ambos bárbaros. - Naga-san?

- Se fosse eu, mataria o padre e todos eles, agora que o senhor deu a sua permissão. Nunca conheci alguém que odiasse tanto alguém, e tão abertamente. Nos últimos dois dias o Anjin san tem estado como um demente, andando de um lado para o outro, resmungando, olhando fixamente para os destroços do navio, dormindo lá, enrodilhado na areia, quase não comendo ... - Naga olhou para Blackthorne de novo. - Concordo que não foi apenas a natureza que destruiu o navio. Sei que os padres, de algum modo, estiveram por trás disso. Também não posso proNão acredito que tenha aconte

var, mas de algum modo... tido por causa da tempestade. - Escolha!

- Ele explodirá. Olhe matará. Espero que mate. - Buntaro-san?

Buntaro voltou-se, os pesados maxilares por barbear, as pernas musculosas plantadas no chão, os dedos no arco. - O senhor o aconselhou a não matar o Tsukku-san, portanto o senhor não deseja que o padre seja morto. Se o Anjin-san mata ou não mata, não me importa, senhor. Só me preocupo com o que importa ao senhor. Posso detê-lo se ele começar a desobedecer-lhe? Posso fazê-lo facilmente desta distância.

- Pode garantir que iria apenas feri-lo? - Não, senhor.

Toranaga riu suavemente e quebrou o encanto. - O Anjinsan não o matará. Vai gritar e se enfurecer ou sibilar como uma cobra e chocalhar a espada, e o Tsukku-san vai se inchar de

o modo como anda... Acho que zelo "sagrado", completamente sem medo, e sibilará de volta, dizendo: "Foi um ato de Deus. Nunca toquei no seu navio!" Então o Anjin-san o chamará de mentiroso e o Tsukku-san se imbuirá de mais zelo e provavelmente o amaldiçoará e se odiarão mutuamente por vinte vidas. Ninguém morrerá. Pelo menos agora.

- Como sabe disso, Pai? - perguntou Naga.

- Não sei com certeza, meu filho. Mas é isso o que acho que vai acontecer. É sempre importante dedicar tempo a estudar os homens - os homens importantes. Amigos e inimigos. Com preendê-los. Observei a ambos. São ambos muito importantes para mim. Neh, Yabu-san?

- Sim, senhor - disse Yabu, subitamente inquieto.

Naga deu uma olhada rápida em Blackthorne. O Anjin-san ainda estava andando com a mesma marcha sem pressa, agora a setenta passos do Tsukku-san, que esperava à frente dos seus acólitos, a brisa movendo-lhes os hábitos alaranjados.

- Mas, Pai, nenhum dos dois é covarde, neh? Como podem recuar agora, com honra?

- Ele não matará por três razões. Primeira, porque o Tsukku-san está desarmado e não revidará, nem com as mãos. É contra o código deles matar um homem desarmado - é uma desonra, um pecado contra o Deus cristão deles. Segunda, porque é cristão. Terceira, porque resolvi que

mento.

- Por favor, desculpe-me, senhor - disse posso compreender a terceira razão, até a primeira, real do ódio deles não é que ambos acreditam que o outro é cristão, mas mau, um adorador de Satã? Não é assim que chamam?

- Sim, mas esse Deus Jesus deles ensinou-lhes ou supõe-se que tenha ensinado que se deve perdoar a cristão.

- É estupidez, neh? - disse Naga. migo é estupidez.

- Concordo. - Toranaga olhou para perdoar a um inimigo. Neh, Yabu-san?

- Sim - concordou Yabu.

Toranaga olhou na direção norte. As duas muito próximas e agora, reservadamente, Toranaga diçoando a própria impetuosidade. Ainda necessitava de ambos, e não houvera necessidade de pôr em risco um deles. Soltara o Anjin-san por excitação pessoal, não para matar, e lamentou a própria estupidez. Agora esperava, de respiração suspensa como todos os demais. Mas aconteceu conforme ele predissera e o choque foi rápido, impetuoso e cheio de rancor, mesmo daquela distância, e ele se abanou, enormemente aliviado. Teria gostado muitíssimo de compreender o que fora dito na realidade, para saber se fora correto. Logo viram o Anjin-san se afastar. Atrás dele, o Tsukku-san esfregou a testa com um lenço de papel colorido.

- Iiiiih - exclamou Naga em admiração. - Como podemos perder com o senhor no comando?

- Com toda a facilidade, meu filho, se esse for

karnna. - Depois a sua disposição mudou. - Naga-san, ordene a todos os samurais que chegaram de Osaka na galera que se dirijam aos meus aposentos.

Naga saiu apressado.

- Yabu-san, fico contente em dar-lhe as boas-vindas. pense o regimento. Depois da refeição noturna conversaremos. Posso mandar buscá-lo?

- Naturalmente. Obrigado, senhor. - Yabu saudou e se foi. Sozinho agora, com exceção dos guardas, que afastou para longe do raio de audição, Toranaga estudou Buntaro. Buntaro ficou desassossegado, como um cão ficaria, quando observado. Quando não conseguiu mais suportar, disse: - Senhor?

- Uma vez você pediu a morte dele, neh? Neh? - Sim ...        sim, senhor.

- Bem? - Ele... envergonhado. - Ordeno que essa vergonha seja ignorada.

- Então está ignorada, senhor. Mas ela me traiu com ele, isso não pode ser ignorado, não enquanto ele viver. Tenho provas. Quero-o morto. Agora. Ele... por favor, se, que utilidade tem ele agora para o senhor? Peço-o como favor de vida.

- Que provas?

- Todo mundo sabe. No com Yoshinaka. Todo mundo sombrio.

- Yoshinaka i,ìu-os juntos? Acusou-a?

- Não. Mas o que disse. . . - Buntaro levantou os olhos, agoniado. - Eu sei, isso basta. Por favor, rogo como um favor de vida. Nunca lhe pedi nada, neh?

- Preciso dele vivo. Não fosse ele, os ninjas a teriam capturado, envergonhado, e conseqüentemente envergonhado a você. - Um desejo de vida - disse Buntaro. - Eu peço. O navio dele está arruinado... ele, ele fez o que o senhor queria. Por favor.

- Tenho provas de que ele não o envergonhou com ela. - Desculpe, que provas?

- Ouça. Isto é apenas para os seus ouvidos - conforme combinei com ela. Ordenei a ela que se tornasse amiga dele. Eram amigos, sim. O Anjin-san a adorava, mas nunca o envergo nhou com ela, ou ela com ele. Em Anjiro, pouco depois do terremoto, quando ela sugeriu pela primeira vez ir a Osaka libertar todos os reféns - desafiando 1shido publicamente e depois forçando uma crise cometendo seppuku, fosse o que fosse que ele tentasse fazer -, naquele dia eu dec...

- Foi planejado, então?

- É claro. Você nunca aprenderá? Naquele dia ordenei a ela que se divorciasse de você.

- Senhor?

- Que se divorciasse. A palavra não está clara? - Sim, mas. . .

- Que se divorciasse. Ela o punha demente há anos, você a tratava de modo abominável há anos. E o seu tratamento à mãe adotiva e às damas dela? Eu lhe disse que precisava dela para interpretar com o Anjin-san, no entanto você perdeu o controle e espancou-a - a verdade é que quase a matou daquela vez, neh? Neh?

- Sim... por favor, desculpe-me.

- Tinha chegado o momento de terminar esse casamento. Ordenei que terminasse. Naquela altura.

- Ela pediu divórcio?

- Não. Eu decidi e ordenei. Mas a sua esposa implorou que eu revogasse a ordem. Recusei. Então sua esposa disse que cometeria seppuku imediatamente, sem a minha permissão, antes de permitir que você fosse envergonhado desse modo. Ordeneilhe que obedecesse. Ela se recusou. - Toranaga continuou, encolerizado: - Sua esposa forçou-me, a mim, seu suserano, a retirar uma ordem legal e fez-me concordar em tornar a minha ordem absoluta apenas depois de Osaka - nós dois sabemos que Osaka para ela significava morte. Está entendendo?

- Sim... sim, entendo.

- Em Osaka, o Anjin-san salvou a honra dela e a honra das minhas damas e do meu filho mais novo. Não fosse ele, elas e todos os reféns em Osaka ainda estariam em Osaka, eu estaria morto ou nas mãos de lkawa Jikkyu, provavelmente a ferros como um criminoso comum!

- Por favor, desculpe-me ...           mas por que ela fez isso? Odiava-me ... por que adiaria o divórcio? Por causa de Saruji? - Pela sua honra. Ela compreendia o significado do dever. A sua esposa estava tão preocupada com a sua honra - mesmo depois da própria morte -, que parte do meu acordo foi que isto seria um assunto particular, entre mim, ela e você. Ninguém jamais saberia, nem o Anjin-san, o filho dela, ninguém - nem mesmo o confessor cristão dela.

- O quê?

Toranaga explicou de novo. Afinal Buntaro compreendeu com clareza e Toranaga dispensou-o. Então, finalmente sozinho um momento, levantou-se e espreguiçou-se, exausto por todo o

trabalho que tivera desde que chegara. O sol ainda estava alto, embora já fosse de tarde. Toranaga sentia muita sede. Aceitou chá frio de um guarda-costas pessoal, depois desceu até a praia. Despiu o quimono ensopado e nadou, sentindo o mar glorioso, refrescante. Nadou embaixo da água, mas não ficou submerso muito tempo, sabendo que seus guardas se preocupariam. Voltou à tona e boiou de costas, olhando para o céu, reunindo forças para a longa noite que tinha pela frente.

Ah, Mariko, pensou, que mulher extraordinária você é. Sim, é, porque certamente viverá para sempre. Está com o seu Deus cristão no seu paraíso cristão? Espero que não. Seria um terrível

desperdício. Espero que o seu espírito esteja apenas aguardando os quarenta dias de Buda para renascer em algum lugar aqui. Rezo para que o seu espírito venha para a minha família. Por favor. Mas de novo como mulher - não como homem. Não podemos nos permitir ter você como homem. Você é especial demais para ser desperdiçada como homem.

Sorriu. Acontecera em Anjiro exatamente como ele contara a Buntaro, embora ela nunca o tivesse forçado a rescindir suas ordens. - Como poderia me forçar a fazer qualquer coisa que

eu não quisesse? - disse ao céu. Ela lhe pedira respeitosamente, corretamente, que não tornasse público o divórcio senão depois de Osaka. Mas, garantiu ele a si mesmo, ela certamente teria cometido seppukce se eu lhe tivesse recusado. Ela teria insistido, neh? Claro que teria insistido, e isso arruinaria tudo. Concordando antes, simplesmente poupei-lhe a vergonha e uma discussão desnecessárias, e a mim mesmo um problema desnecessário - e mantendo o assunto em particular agora, como tenho certeza de que ela gostaria que acontecesse, todos saem ganhando. Estou contente de ter cedido, pensou ele benevolamente, depois riu alto. Uma pequena onda quebrou sobre ele, que engoliu água e engasgou.

- Está bem, senhor? - chamou seu guarda ansioso, nadando por perto.

- Sim. Claro que sim. - Toranaga tossiu de novo e cuspiu, mantendo-se à tona com os pés, e pensou: isto lhe ensinará a ser convencido. É o seu segundo erro hoje. Então viu o destroço do navio. - Vamos, vou competir com você! - disse, chamando um guarda.

Uma competição com Toranaga era uma competição. Uma vez um de seus generais deliberadamente lhe permitira vencer, esperando obter favor com isso. O engano custara tudo ao homem.

O guarda venceu. Toranaga cumprimentou-o, segurando-se a uma das costelas da carcaça, e esperou que o fôlego se normalizasse, depois olhou em torno, sentindo uma enorme curiosidade. Mergulhou e inspecionou a quilha do Erasmus. Quando se sentiu satisfeito, nadou para a praia e retornou ao acampamento, refrescado e pronto.

Uma casa provisória fora instalada para ele numa boa posição sob um largo telhado de sapé, sustentado por resistentes pilares de bambu. Paredes shojis e biombos tinham sido erguidos sobre um soalho elevado, de madeira e tatamis. Já havia sentinelas postadas, e aposentos para Kiri, Sazuko, criadas e cozinheiros, unidos por um complexo de passagens simples, erguidos sobre estacas provisórias.

Toranaga viu o filho pela primeira vez. Obviamente a Senhora Sazuko nunca teria sido impolida a ponto de levar a criança até o planalto na mesma hora, temendo poder intrometer se em assuntos importantes - como teria feito realmente -, ainda que ele lhe tivesse alegremente concedido a oportunidade.

Gostou muito da criança. - É um belo menino - gabou-se ele, segurando o bebê com uma confiança experiente. - E você está mais jovem e atraente do que nunca, Sazuko. Precisamos ter mais filhos imediatamente. A maternidade lhe assenta bem. - Oh, senhor - disse ela. - Tive medo de nunca mais revê-lo, e de nunca poder lhe mostrar seu filho mais novo. Como vai escapar da armadilha... os exércitos de Ishido...

- Olhe que belo menino ele é! Na semana que vem construirei um santuário em homenagem a ele e o dotarei com ... - Parou e dividiu ao meio a cifra que pensara inicialmente, depois tirou mais metade. - . . . com vinte kokus por ano.

- Oh, senhor, como é generoso!

O sorriso dela era sincero. - Sim - disse ele. - É o suficiente para que algum sacerdote miserável e parasita diga alguns Namu Amida Butsu, neh?

- Oh, sim, senhor. O santuário será perto do castelo de Yedo? Oh, não seria maravilhoso se desse para um rio ou um riacho?

Ele concordou relutante, embora tal escolha fosse custar mais do que ele queria gastar na extravagância. Mas o menino é lindo, posso me permitir ser generoso este ano, pensou ele.

- Oh, obrigada, senhor... - A Senhora Sazuko parou. Naga vinha correndo na direção do local onde eles estavam sentados, numa varanda sombreada.

- Por favor, com licença, Pai, mas os seus samurais de Osaka? Como deseja vê-los, individualmente ou todos juntos?

- Individualmente.

- Sim, senhor. O Padre Tsukku-san gostaria de vê-lo, quando fosse conveniente.

- Diga-lhe que mandarei chamá-lo assim que possível. - Toranaga começou a conversar novamente com a consorte, mas, polida e imediatamente, ela pediu licença para se retirar, sabendo que ele desejava lidar com os samurais imediatamente. Ele lhe pediu que ficasse, mas ela implorou para ser autorizada a se retirar, e ele concordou.

Entrevistou os homens cuidadosamente, peneirando as histórias deles, chamando um samurai de volta ocasionalmente, conferindo tudo. Pelo pôr-do-sol, sabia claramente o que aconte cera, o que todos pensavam que tivesse acontecido. Então comeu, ligeira e rapidamente, sua primeira refeição do dia, e chamou Kiri, afastando todos os guardas do raio de audição.

- Primeiro conte-me o que você fez, o que viu, e o que testemunhou, Kiri-chan.

A noite caiu antes que ele se sentisse satisfeito, embora ela estivesse perfeitamente preparada.

- Iiiiih! - exclamou ele. - Isso foi uma coisa e tanto, Kiri-chan.

- Sim - replicou Kiri, as mãos cruzadas sobre o amplo regaço. E acrescentou com grande ternura: - Todos os deuses, grandes e pequenos, o estavam guardando, senhor, e a nós. Por

favor, perdoe-me por haver duvidado do resultado do senhor. Os deuses estavam velando por nós.

- Parece que sim, realmente, parece muitíssimo. - Toranaga olhou a noite. As chamas dos archotes estavam sendo sopradas pela leve brisa marítima, que também afastava os insetos noturnos e tornava a noite mais agradável. Uma bela lua flutuava no céu, ele podia ver-lhe as marcas escuras na face e se perguntou, distraído, se o escuro era terra e o resto gelo e neve, e por que a lua estava lá, e quem vivia lá. Oh, há tantas coisas que eu gostaria de saber, pensou.

- Posso fazer-lhe uma pergunta, Tora-chan? - Que pergunta, senhora?

- Por que Ishido nos deixou partir? Não precisaria ter feito isso, neh? Se eu fosse ele, nunca o teria feito, nunca. Por quê?

- Primeiro diga-me qual é a mensagem da Senhora Ochiba. - A Senhora Ochiba disse: "Por favor, diga ao Senhor Toranaga que eu respeitosamente gostaria que houvesse um meio de as suas diferenças com o herdeiro serem resolvidas. Como símbolo da afeição do herdeiro, eu gostaria de dizer a Toranaga-sama que o herdeiro disse muitas vezes que não deseja comandar quaisquer exércitos contra o tio, o senhor do Kwa. . ." - Ela disse isso!?

- Sim. Oh, sim.

- Certamente ela sabe - e Ishido - que se Yaemon levantar o estandarte contra mim eu perco!

- Foi o que ela disse, senhor.

- Iiiiiih! - Toranaga cerrou o grande punho calejado e socou-o sobre os tatamis. - Se isto for um oferecimento verdadeiro e não um truque, estou a meio caminho de Kyoto, e um passo além.

- Sim - disse Kiri. - Qual é o preço?

- Não sei. Ela não disse mais nada, senhor. A mensagem era só isso, além de saudações à irmã.

- O que posso dar a Ochiba que ela já não tenha? Osaka é dela, o tesouro é dela, para mim Yaemon sempre foi o herdeiro do reino. Esta guerra é desnecessária. Aconteça o que acontecer, dentro de oito anos Yaemon torna-se kwcrunpaku e herda a terra, esta terra. Não sobra nada para dar a ela.

- Talvez ela deseje um casamento?

Toranaga meneou a cabeça enfaticamente. - Não, ela não. Aquela mulher nunca se casaria comigo.

- É a solução perfeita, senhor, para ela.

- Ela nunca a consideraria. Ochiba, minha esposa? Por quatro vezes ela rogou ao táicum que me convidasse a partir para o Vazio.

- Sim. Mas isso foi quando ele estava vivo.

- Farei qualquer coisa que consolide o reino, preserve a paz e faça Yaemon kwanipaku. É isso o que ela deseja?

- Isso confirmaria a sucessão. É o que interessa a ela.

Novamente Toranaga contemplou a lua, mas agora sua mente estava concentrada no quebra-cabeça, lembrando-se mais uma vez do que a Senhora Yodoko dissera em Osaka. Como não conse guia antever nenhuma resposta imediata, colocou a questão de lado para continuar com o presente, mais importante. - Acho que ela está usando os seus truques de novo. Kiyama disse a você que o navio bárbaro tinha sido sabotado?

- Não, senhor.

Toranaga franziu o cenho. - É de surpreender, porque ele deve ter sabido na ocasião. Comuniquei ao Tsukku-san assim que fui informado - ele enviou um pombo-correio imediata mente, embora isso só fosse confirmar o que eles já deviam estar sabendo.

- A traição deles deveria ser punida, neh? Tanto gadores quanto os imbecis que a autorizaram.

- Com paciência eles terão Fui informado de que os padres "ato de Deus".

- Que hipocrisia! Estupidez, neh?

- Sim. - Muito estúpido num sentido, pensou Toranaga, não em outro. - Bem, obrigado, Kiri-san. Repito que estou encantado que você esteja salva. Ficaremos aqui esta noite. Agora, por favor, com licença. Mande buscar Yabu-san e, quando ele chegar, traga chá e saquê, e depois nos deixe` a sós.

- Sim, senhor. Posso fazer uma pergunta agora? - A mesma pergunta?

- Sim, senhor. Por que Ishido nos deixou partir?

- A resposta, Kiri-chan, é que eu não sei. Ele cometeu um engano.

Ela se curvou e saiu, contente.

A noite ia quase pela metade quando Yabu partiu. Toranaga curvou-se em despedida, de igual para igual, e agradeceu-lhe por tudo novamente. Convidara-o para o conselho de guerra secreto do dia seguinte, confirmara-o como general do Regimento de Mosquetes, confirmara-o por escrito no governo de Totomi e Suruga, assim que estivessem conquistadas e garantidas.

- Agora o regimento é absolutamente vital, Yabu-san. O senhor será o único responsável pela sua estratégia e treinamento. entre nós. Use o conhecimento do Omi-san pode ser a ligação Anjin-san - tudo. Neh? - Sim, isso será decer-lhe?

- O senhor me damas, o meu filho e aconteceu ao navio - noite, meu amigo.

Toranaga tomou cansado agora.

- Naga-san? - Senhor?

- Onde está o Anjin-san? - Perto do navio com alguns - O que está fazendo lá?

- Apenas olhando. - Naga sentiu-se inquieto sob o olhar penetrante do pai. - Desculpe, ele não deveria estar lá, senhor? - O quê? Oh, não, isso não tem importância. Onde está Tsukku-san?

- Numa das casas de hóspedes, senhor. - Você lhe disse que quer se tornar cristão - Sim, senhor.

- Bom. Vá buscá-lo.

Poucos momentos depois Toranaga viu o padre alto aproximar-se sob os archotes - o rosto tenso profundamente sulcado, o cabelo preto tonsurado sem um salpico de cinza -, e lembrou-se subitamente de Yokosé. - A paciência é muito importante, Tsukku-san. Neh?

- Sim, sempre. Mas por que disse isso, senhor?

perfeito, senhor. Posso humildemente agra

fez um grande serviço trazendo as minhas o Anjin-san em segurança. Terrível o que karina. Talvez um outro chegue logo.

- Oh, eu estava pensando em Yokosé. Como tudo estava diferente lá, há tão pouco tempo.

- Ah, sim. Deus se move por caminhos curiosos, sim, senhor. Estou muito contente de que o senhor ainda esteja dentro das suas fronteiras.

- Queria me ver? - perguntou Toranaga, abanando-se, secretamente invejando ao padre o estômago chato e o dom para as línguas.

- Apenas para me desculpar pelo que aconteceu. - O que disse o Anjin-san?

- Muitas palavras coléricas - e acusações de que eu queimei o navio dele.

- O senhor queimou? - Não, senhor.

- Quem queimou?

- Foi um ato de Deus. Aconteceu uma tempestade e o navio pegou fogo.

- Não foi um ato de Deus. O senhor diz que não contribuiu para isso, o senhor ou qualquer padre ou qualquer cristão? -- Oh, contribuí, senhor. Rezei. Todos nós fizemos isso. Diante de Deus, acredito que aquele navio era um instrumento do Demônio, disse isso muitas vezes. Sei que sua opinião não era essa e novamente lhe peç-) perdão por me opor ao senhor nesse assunto. Mas talvez esse ato de Deus tenha ajudado e não atrapalhado.

- Oh? Como?

- O padre-inspetor não está mais perturbado, senhor. Agora pode se concentrar nos senhores Kiyama e Onoshi.

- Já ouvi isso antes, Tsukku-san - disse Toranaga abruptamente. -- Que ajuda prática o padre cristão chefe pode me dar? - Senhor, deposite a sua fé em. . . - Alvito se conteve, depois disse com sinceridade: - Por favor, desculpe-me, senhor, mas acho, de todo o coração, que se o senhor depositar sua fé em Deus, ele o ajudará.

- Eu confio, mas mais em Toranaga. Entrementes sou informado de que Ishido, Kiyama, Onoshi e Zataki reuniram suas legiões. Ishido terá trezentos ou quatrocentos mil homens em campo contra mim.

- O padre-inspetor está pondo em execução o seu acordo com o senhor. Em Yokosé relatei fracasso. agora penso que há esperança.

- Não posso usar esperança contra espadas.

- Sim, mas Deus pode vencer contra quaisquer desigualdades.

- Sim. Se Deus existe, pode vencer contra quaisquer desigualdades. - A voz de Toranaga se aguçou ainda mais. - Que esperança o senhor está concedendo?

- Não sei, de fato, senhor. Mas Ishido não virá contra o senhor? Fora do Castelo de Osaka? Esse não é outro ato de Deus?

- Não. Mas o senhor compreende a importância dessa decisão?

- Oh, sim, muito claramente. Estou certo de que o padreinspetor também compreende isso.

-- Está dizendo que o trabalho dele é esse?

- Oh, não, senhor. Mas isso está acontecendo.

- Talvez Ishido mude de idéia, faça o Senhor Kiyama comandante-chefe, esconda-se em Osaka e lance Kiyama e o herdeiro contra mim?

- Não posso responder a isso, senhor. Mas se Ishido sair de Osaka será um milagre. Neh?

- Está alegando, a sério, que esse é outro ato do seu Deus cristão?

-- Não: Mas poderia ser. Creio que nada acontece sem o seu conhecimento.

- Mesmo depois de mortos, pode ser que nunca venhamos a saber sobre Deus. -- Então Toranaga acrescentou abruptamente: - Ouvi dizer que o padre-inspetor partiu de Osaka - e ficou contente de ver uma sombra cruzar o rosto de Tsukku-san. A notícia chegara no dia em que ele partira de Mishima.

- Sim - disse o padre, a apreensão aumentada. - Ele foi a Nagasaki, senhor.

-- Para conduzir um funeral especial para Toda Marikosama?

- Sim. Ah, senhor, sabe tanto! Somos todos argila no torno do oleiro que o senhor gira.

- Isso não é verdade. E não gosto de lisonja inútil. Esqueceu-se?

- Não, senhor, por favor, desculpe-me. Isso não teve a intenção de ser lisonja. - Alvito pôs-se ainda mais em guarda, quase sem forças. - Opõe-se ao serviço fúnebre, senhor?

- A mim não interessa. Ela era uma pessoa muito especial e seu exemplo merece ser honrado.

- Sim, senhor. Obrigado. O padre-inspetor ficará muito contente. Mas ele acha que isso tem muita importância.

- Claro. Porque ela era minha vassala e cristã, o seu exemplo não passará despercebido - por outros cristãos. Ou por aqueles que estão considerando a possibilidade de conversão. Neh?

- Eu diria que não passará despercebido. Por que passaria? Pelo contrário, ela merece grande louvor pela sua auto-imolação. - Dando a vida para que outros pudessem viver? - perguntou Toranaga criticamente, não mencionando seppuku ou suicídio.

-- Sim.

Toranaga sorriu consigo mesmo, notando que Tsukku-san não mencionara nem Lima vez a outra garota, Kiyama Achiko, sua bravura, morte ou funeral, também com grande pompa e cerimônia. Endureceu a voz. - E o senhor não sabe de mais ninguém que tenha ordenado ou auxiliado na sabotagem do meu navio?

- Não, senhor. De outro modo que não através de orações, não sei.

- Fui informado de que a construção da sua igreja em Yedo está indo bem.

- Sim, senhor. Agradeço-lhe novamente.

-- Bem, Tsukku-san, espero que os esforços do sumo sacerdote dos cristãos gerem fruto logo. Preciso de mais do que esperança e tenho uma excelente memória. Agora, por favor, solicito os seus serviços como intérprete. -- Instantaneamente sentiu o antagonismo do padre. - O senhor não tem nada a temer.

- Oh, senhor, nao tenho medo, por favor, desculpe-me, só não quero estar perto dele.

Toranaga levantou-se. - Solicito-lhe que respeite o Anjinsan. Sua coragem é inquestionável e ele salvou a vida de Marikosama muitas vezes. Além disso, compreensivelmente, ele está quase fora de si -- a perda do navio, neh?

-- Sim, sim. Sinto muito.

Toranaga tomou a dianteira em direção à praia, guardas corri archotes iluminando o caminho.'- Quando terei o relatório do seu sumo sacerdote sobre o incidente do contrabando de armas? - Assim que ele obtiver todas as informações de Macau. -- Por favor, peça-lhe que acelere as investigações.

- Sim, senhor.

- Quem eram os daimios cristãos envolvidos?

- Não sei, sinto muito, nem se havia algum envolvido.

- É uma pena que o senhor não saiba, Tsukku-san. Isso me pouparia muito tempo. Não são poucos os daimios que estariam interessados em saber a verdade a esse respeito.

Ah, Tsukku-san, pensou Toranaga, mas você sabe, e eu poderia encostá-lo à parede agora e, enquanto você se contorcesse e se debatesse como uma cobra encurralada, eu lhe ordena ria que jurasse pelo seu Deus cristão, e aí, se você fizesse isso, teria que dizer: Kiyama, Onoshi e provavelmente Harima. Mas o momento não é oportuno. Ainda. Nem para que você saiba que acredito que os seus cristãos não têm nada que ver com a sabotagem. Nem Kiyama, Harima ou mesmo Onoshi. De fato, tenho certeza disso. Mas também não foi um ato de Deus. Foi um ato de Toranaga.

Sim.

Mas por quê? você poderia perguntar.

Kiyama prudentemente recusou o oferecimento que Mariko lhe entregou com a carta. Precisava ter provas da minha sinceridade. O que mais eu poderia dar além do navio - e o bárbaro -, que aterrorizava vocês, cristãos? Eu esperava perder os dois, embora só tivesse dado um. Hoje, em Osaka, intermediários meus dirão a Kiyama e ao chefe dos seus padres que isso é um presente espontâneo de mim para eles, uma prova da minha sinceridade: que não me oponho à Igreja, apenas a Ishido. É uma prova, neh?

Sim, mas você pode confiar em Kiyama? perguntará você, com toda a razão.

Não. Mas Kiyama é japonês em primeiro lugar, e cristão em segundo. Você sempre se esquece disso. Kiyama compreenderá a minha sinceridade. O presente do navio foi absoluto, assim como o exemplo de Mariko e a bravura do Anjin-san.

E como sabotei o navio? você poderia querer saber.

O que lhe importa isso, Tsukku-san? Basta que eu o tenha feito. E ninguém está a par, além de mim, alguns homens de confiança, e o incendiário. Ele? Ishido usou ninfas, por que eu não poderia? Mas contratei um homem e tive êxito. Ishido fracassou.

- Estupidez fracassar - disse alto. - Senhor? - perguntou Alvito.

- Estupidez fracassar em conservar um segredo tão inflamável como o dos mosquetes contrabandeados - disse ele asperamente - e incitar daimios cristãos à rebelião contra o seu suserano, o táicum. Neh?

- Sim, senhor. Se isso for verdade.

- Oh, tenho certeza de que é, Tsukku-san. - Toranaga deixou a conversa esmorecer, agora que o Tsukku-san estava evidentemente agitado e pronto para ser um intérprete perfeito.

Estavam na praia agora e Toranaga ia na dianteira, a passos seguros na semi-escuridão, pondo de lado o próprio cansaço. Ao passarem pelas cabeças na praia, viu Tsukku-san se persignar com medo e pensou: que estupidez ser tão supersticioso - e ter medo de nada.

Os vassalos do Anjin-san já estavam de pé, curvando-se, muito antes de ele chegar. O Anjin-san não. Ainda estava sentado, contemplando o mar com ar inexpressivo.

- Anjin-san - chamou Toranaga gentilmente.

- Sim, senhor? - Blackthorne voltou do devaneio e se pôs pé. - Desculpe, quer conversar agora?

- Sim. Por favor. Trago Tsukku-san porque quero convercom clareza. Compreende? Rápido e claro?

- Sim. - Toranaga viu a fixidez dos olhos do homem à cios archotes e sua total exaustão. Olhou para Tsukku-san. - Ele compreendeu o que eu disse? - Observou o padre falar, e ouviu a língua que tinha o som do mal. O Anjin-san assentiu, o olhar acusador não fraquejando nunca.

- Sim, senhor - disse o padre.

- Agora traduza para mim, por favor, Tsukku-san, como antes. Tudo exato: ouça, Anjin-san, trouxe Tsukku-san a fim de que possamos falar direta e rapidamente sem perder o sentido de palavra alguma. É muito importante para mim, por isso peçolhe paciência. Acho que é melhor assim.

- Sim, senhor.

- Tsukku-san, primeiro jure diante do seu Deus cristão que nada do que ele disser passará dos seus lábios

outra pessoa. Como num confessionário. Neli? grado! Para mim e para ele.

- Mas, senhor, isto não é...

- Isso é o que o senhor fará. Agora. Ou meu apoio, para sempre, ao senhor e à sua Igreja. - Muito bem, senhor. Concordo. Diante de Deus.

- Bom. Obrigado. Explique o trato a ele. - Alvito obedeceu, depois Toranaga acomodou-se sobre as dunas de areia e agitou a leque contra os insetos noturnos. - Agora, por favor, conte-me, Anjin-san, o que aconteceu em Osaka.

Blackthorne começou vacilante, mas aos poucos sua mente começou a reviver tudo e logo as palavras fluíam e o Padre Alvito tinha dificuldade em acompanhá-lo. Toranaga ouvia em silêncio, nunca interrompendo o fluxo, apenas acrescentando um encorajamento cauteloso quando necessário, o ouvinte perfeito. Blackthorne terminou ao amanhecer. Nessa altura Toranaga sabia tudo o que havia a contar - tudo o que o Anjin-san estava preparado para contar, corrigiu-se ele. O padre também sabia mas Toranaga tinha certeza de que não havia nada no que fora dito que os católicas ou Kiyama pudessem usar contra ele, contra Mariko ou contra o Anjin-san, o qual, nessa altura, mal notava o padre.

- Tem certeza de que o capitão-mor o teria colocado na fogueira, Anjin-san`? - perguntou de novo.

- Oh, sim. Não fosse o jesuíta. Sou um herege aos olhos dele - supõe-se que o togo "limpe" a alma de um herege de algum modo.          .

- Por que o padre-inspetor o salvou?

- Não sei. Tinha alguma coisa a ver com Mariko-sarna. Sem o meu navio não posso tocá-los. Oh, eles teriam pensado nisso por si mesmos, mas talvez ela lhes tenha dado um indício de como fazê-lo.

- Que indício? O que ela saberia sobre incendiar navios`.> - Não sei. Ninjns entraram no castelo. Talvez os rrinjas pudessem se infiltrar entre os homens aqui. Meu navio fai sabotado. Ela viu o padre-inspetor no castelo no dia em que morreu. Acho que disse a ele como incendiar o Ercrsrnus -- em troca da minha vida. Mas não tenho vida sem o meu navio, senhor. Nenhuma.

-~- Está enganado, Anjin-san, Obrigado, Tsukku-san - disse Toranaga, dispensando-o. -- Sim, agradeço-lhe o trabalho. Por favor, vá descansar um pouco.

-- Sim, senhor. Obrigado. - Alvito :~esitou. - Peço desculpas pelo capitão-mar. Os homens nascem em pecado, a maioria permanece em pecado, embora sejam cristãos.

- Os cristãos nascem em pecado, nós não. Somos um povo civilizado que compreende o que é realmente pecado, não camponeses iletrados que não conhecem coisa melhor. Ainda assim, Tsukku-san, se eu fosse o seu capitão-mor, não teria deixado 0 Anjin-san ir embora, tendo-o ao meu alcance. Foi uma decisão militar, uma boa decisão. Acho que ele viverá para lamentar não ter insistido - e o mesmo fará o padre-inspetor.

- Quer que eu traduza isso, senhor?

- Isso foi para os seus ouvidos. Obrigado pelo seu auxílio. - Toranaga retribuiu as saudações do padre e mandou alguns homens acompanharem-no de volta a casa, depois se voltou para Blackthorne. - Anjin-san. Primeiro nadar.

- Senhor?

- Nadar! - Toranaga se despiu e entrou na água à luz crescente. Blackthorne e os guardas o seguiram. Toranaga nadou vigorosamente mar adentro, depois voltou e contornou o navio. Blackthorne vinha atrás dele, revigorado pelo frio da água. Logo Toranaga retornou à praia. Criadas tinham toalhas prontas, quimonos limpos, chá, saquê e comida.

- Coma, Anjin-san.

- Desculpe, não tenho fome. - Coma!

Blackthorne engoliu alguns bocados e vomitou. - Sinto muito.

- Estupidez. E fraqueza. Fraco como um comedor de alho. Não como um hatamoto. Neh?

- Senhor?

Toranaga repetiu. Brutalmente. Depois apontou para o navio, sabendo que agora tinha toda a atenção de Blackthorne: - Aquilo nâo é nada. Shigata ga nai. Sem importância. Ouça: Anjinsan é hatamoto, neh? Não comedor de alho. Compreende?

- Sim, sinto muito.

Toranaga chamou o guarda-costas com um aceno, e o homem lhe estendeu um pergaminho lacrado. - Ouça, Anjin-san, antes de partir de Yedo Mariko-sarna deu-me isto. Mariko-sarna disse que, se você vivesse depois de Osaka - se vivesse, compreende? -, pediu-me que lhe desse isto.

Blackthorne pegou o pergaminho oferecido e, após um momento, rompeu o lacre.

- O que diz a mensagem, Anjin-san? - perguntou Toranaga.            "

Ela escrevera em latim: "Você. Eu o amo. Se isto for lido por você, então terei morrido em Osaka e talvez, por minha causa, seu navio esteja morto também. Eu talvez sacrifique essa parte muito estimada da sua vida por causa da minha fé, para salvaguardar a minha Igreja, mas mais para salvar a sua vida, que para mim é mais preciosa do que tudo - até do que o interesse do meu Senhor Toranaga. Eu talvez chegue a uma escolha, meu amor: você ou o seu navio. Desculpe, mas escolho a vida para você. Esse navio está condenado de todo modo - com ou sem você. Entregarei o seu navio ao seu inimigo, de modo que você possa viver. Esse navio não é nada. Construa outro. Isso você pode fazer - você não aprendeu a ser um construtor de navios, assim como um navegador de navios? Acredito que o Senhor Toranaga lhe dará todos os artesãos, carpinteiros e ferreiros necessários - ele precisa de você e dos seus navios -, e da minha fortuna pessoal leguei a você todo o dinheiro necessário. Construa outro navio e construa outra vida, meu amor. Tome o Navio Negro do próximo ano, e viva para sempre. Ouça, meu querido, a minha alma cristã reza para vê-lo de novo num paraíso cristão - minha hara japonesa reza para que na próxima vida eu seja tudo o que for necessário para dar-lhe alegria e para estar com você esteja você onde estiver. Perdoe-me - mas a sua vida é tudo o que importa. Eu o amo".

- O que diz a mensagem, Anjin-san?

- Desculpe, senhor. Mariko-sama diz que esse navio não é necessário. Diz para construir um novo navio. Diz...

- Ah! É possível? É possível, Anjin-san?

Blackthorne viu o interesse cintilante do daimio. - Sim. Se tiver... - Não conseguiu se lembrar da palavra "carpinteiro". - Se Toranaga-sama der homens, homens que fazem navio, neh? Sim. Eu posso. - Na sua mente esse novo navio começou a tomar forma. Menor, muito menor do que o Erasmus. Entre noventa e cem toneladas seria tudo o que ele poderia dirigir, pois nunca supervisionara ou projetara um navio completo antes, embora Alban Caradoc o tivesse educado como construtor naval e como piloto. Deus o abençoe, Alban, exultou ele. Sim, noventa toneladas para começar. O Gondel Hind de Drake tinha mais ou menos isso, e lembre-se do que ele agüentou! Posso pôr vinte canhões a bordo e isso seria o suficiente para. . . - Jesus Cristo, os canhões!

Saiu correndo e foi olhar os restos do navio, então viu Toranaga e todos eles a fitá-lo e percebeu que estivera falando em inglês. - Ah, desculpe, senhor. Pensar rápido demais. Armas grandes - lá, no mar, neh? Preciso pegar depressa!

Toranaga falou com seus homens, depois encarou Black

thorne de novo. - Os samurais dizem que tudo o que estava no navio está no acampamento. Algumas coisas retiradas do mar aqui, na maré baixa, neh? Agora no acampamento. Por quê?

Blackthorne sentia-se em delírio. - Posso fazer navio. Se tiver armas grandes, posso lutar inimigo. Toranaga-sama pode conseguir pólvora?

- Sim. Quantos carpinteiros? Quantos são necessários?

- Quarenta carpinteiros, ferreiros, carvalho para os costados, o senhor tem carvalho aqui? Depois preciso de ferro, aço, construirei uma forja e precisarei de um mestre. . . - Blackthor ne percebeu que estava falando inglês novamente. - Desculpe. Escrevo no papel. Cuidadosamente. E penso cuidadosamente. Por favor, o senhor dá homens para ajudar?

- Todos os homens, todo o dinheiro. Já. Preciso do navio. Já! Em quanto tempo você pode construí-lo?

- Seis meses a partir do dia em que aprontarmos a quilha. - Oh, não mais depressa?

- Não, sinto muito.

- Depois conversamos mais, Anjin-san. O que mais Marikosama diz?

- Pouco mais, senhor. Diz que dá dinheiro para ajudar navio, dinheiro dela. Também diz que sente muito se ... se ajuda meu inimigo a destruir navio.

- Que inimigo? Que meio de destruir navio?

- Não diz quem - ou como, senhor. Nada. claro. Só se desculpa. Mariko-sama diz sayonara. Espera seppuku sirva Senhor Toranaga.

- Ah, sim, serve enormemente, neh? - Sim.

Toranaga sorriu para ele. - Contente tudo bem agora, Anjin-san. Iiiih, Mariko-sama tinha razão. Não se preocupe com aquilo! - Toranaga apontou para o casco. - Construir navio novo imediatamente. Um navio de combate, neh? Compreende? - Compreendo muitíssimo.

- Esse navio novo. .. poderia lutar com o Navio Negro? - Sim.

- Ah! O Navio Negro do próximo ano? - Possível.

- E a tripulação? - Por favor?

- Marujos, atiradores?

- Ah! Até o próximo ano posso treinar meus vassalos como atiradores. Não marujos.

- Você pode ter a nata de todos os marujos de Nagasaki. - Então no próximo ano possível. - Blackthorne sorriu malicioso. - Próximo ano possível? Guerra? E a guerra? Toranaga deu de ombros. - Guerra ou não. . , tentar assim mesmo, neh? Essa é a sua presa - compreende "presa"? E nosso segredo. Entre mim e você apenas, neh? O Navio Negro.

- Padres logo quebrarão o segredo.

- Talvez. Mas desta vez nada de macaréu ou tai-f un, meu amigo. Você vigiará e eu vigiarei.

- Sim.

- Primeiro Navio Negro, depois ir para casa. Trazer-me uma marinha. Compreende?

- Oh, sim.

- Se eu perder... karma. Se não, então tudo, Anjin-san. Tudo conforme você disse. Tudo: Navio Negro, embaixador, tratado, navios! Compreende?

- Sim. Oh, sim! Obrigado.

- Agradeça a Mariko-sama. Sem ela. . . - Toranaga saudou-o calorosamente, pela primeira vez de igual para igual, e se afastou com seus guardas. Os vassalos de Blackthorne se cur varam, totalmente impressionados com a honra concedida ao amo.

Blackthorne observou Toranaga partir, exultante, depois viu a comida. As criadas estavam começando a recolher as sobras. - Esperem. Agora comida, por favor.

Comeu cuidadosamente, lentamente e com boas maneiras, seus próprios homens brigando pelo privilégio de servi-lo, a mente errando por todas as vastas possibilidades que Toranaga lhe abrira.

Você venceu, disse ele, querendo dançar uma honpipe de alegria. Mas não dançou. Releu a carta mais uma vez. E abençoou-a novamente.

- Sigam-me - ordenou, e tomou a dianteira na direção do acampamento, o cérebro já projetando o navio e as portinholas. Jesus Deus do paraíso, ajude Toranaga a manter Ishido longe do Kwanto e de Izu e, por favor, abençoe Mariko, esteja ela onde estiver, e faça com que os canhões não estejam enferrujados demais. Mariko tinha razão: o Erasmus estava condenado, com ou sem mim. Ela me restituiu a vida. Posso construir outra vida e outro navio. Noventa toneladas! Meu navio terá a proa em ponta, será uma plataforma de batalha flutuante, tão lustroso quanto um galgo, de tipo melhor que o do Erasmus, o gurupés sobressaindo arrogantemente e uma adorável figura de proa logo embaixo, e o rosto será exatamente parecido com o dela, com os seus adoráveis olhos oblíquos e as maçãs do rosto salientes. O meu navio será... Jesus Deus, há uma tonelada de coisas que posso aproveitar do Erasrnus. Posso usar a parte da quilha, algumas costelas - e haverá mil pregos, e o resto da quilha dará guarnições e braços e tudo de que preciso.. . se eu tiver tempo.

Sim. Meu navio será como ela, prometeu-se ele. Será bem adaptado, uma miniatura, perfeito como uma lâmina Yoshitomo, e isso é a melhor coisa do mundo, e igualmente perigoso. No ano que vem ele tomará uma presa com vinte vezes o seu peso, como Mariko fez em Osaka, e expulsará o inimigo da Ásia. E depois, no outro ano ou no seguinte, eu o levo para o Tâmisa, para Londres, os porões cheios de ouro e os sete mares na sua esteira. - O nome dele, será The ,Lady - disse ele alto.

 

Duas manhãs depois, Teranaga estava examinando as cilhas da sua sela. Habilmente fez o cavalo se ajoelhar, relaxando os músculos do estômago, e apertou a correia mais dois furos. Animal degenerado, pensou ele, desprezando os cavalos pelas constantes manhas, traições e periculosidade mal-humorada. Este sou eu, Yoshi Toranaga-noh-Chikitada-noh-Minowai~a, não uma criança qualquer de cérebro confuso. Esperou um momento forçou o cavalo a se ajoelhar de novo. O cavalo grunhiu o freio, e ele apertou as corïeias completamente.

- Bom, senhor! Muito bom - disse o mestre de admiração. Era um homem velho, enrugado, tão forte quanto um barril de salmoura. - Muitos teriam ficado da primeira vez.

- Aí a sela do cavaleiro teria escorregado e o idiota sido atirado ao chão e suas costas talvez estivessem quebradas ao meio-dia. Neh?

Os samurais riram. - Sim, e merecendo isso, senhor!

Em torno deles no estábulo estavam guardas c falcoeiros, segurando falcões e gaviões encapuzados. Tetsu-ko, o peregrinus, estava no lugar de honra e, ao seu lado, menor, o único sem capuz, Kogo, o milhafre, seus olhos dourados e inclementes inspecionando tudo.

Naga aproximou-se a cavalo. - Bom dia, Pai. - Bom dia, meu filho. Onde está seu irmão?

- O Senhor Sudara está esperando no acampamento, senhor.

- Bom - Toranaga sorriu para o jovem. Depois, porque gostava dele, puxou-o a um lado. - Ouça, meu filho, em vez de ir caçar, escreva as ordens de batalha para eu assinar quando voltar esta noite.

- Oh, Pai - disse Naga, explodindo de orgulho com a honra de formalmente aceitar o desafio lançado por Ishido, escrito pessoalmente por ele, pondo em execução a decisão, tomada na véspera pelo conselho de guerra, de ordenar aos exércitos que rumassem para os desfiladeiros. - Obrigado, obrigado.

- Depois: o Regimento de Mosquetes tem ordens de partir para Hakoné ao amanhecer de amanhã. Depois: o comboio de bagagem chegará de Yedo esta tarde. Certifique-se de que esteja tudo pronto.

- Sim, certamente. Dentro de quanto tempo iremos à luta?

- Muito em breve. Na noite passada recebi notícias de que Ishido e o herdeiro partiriam de Osaka para revistar os exércitos. Portanto agora está resolvido.

- Por favor, perdoe-me por não poder voar até Osaka como Tetsu-ko e matá-lo, e a Kiyama e a Onoshi, e resolver todo esse problema sem ter que incomodá-lo.

- Obrigado, meu filho. - Toranaga não se deu ao trabalho de revelar a ele os monstruosos problemas que teriam que ser solucionados antes que tais mortes pudessem tornar-se um fato. Correu os olhos ao seu redor. Todos os falcoeiros estavam prontos. E os guardas. Chamou o mestre de caça para perto de si. - Primeiro vou até o acampamento, depois tomaremos a estrada costeira por quatro ris para o norte.

- Mas os batedores já se encontram nas colinas. . . - O mestre de caça engoliu o resto da queixa e tentou se recompor. - Por favor, desculpe a minha, há, devo ter comido alguma coisa estragada, senhor.

- É o que parece. Talvez você devesse passar a sua responsabilidade a outro. Talvez esteja com o raciocínio afetado, sinto muito - disse Toranaga. Se eu não estivesse usando a caçada como um disfarce, teria substituído o mestre de caça. - Hein? - Sim, sinto muito, senhor - disse o velho samurai. - Permita-me perguntar, há, o senhor gostaria de caçar nas áreas que escolheu a noite passada ou gostaria, há, gostaria de caçar ao longo da costa?

- Ao longo da costa.

- Certamente, senhor. Por favor, com licença, vou providenciar a alteração. - O homem saiu correndo. Toranaga manteve os olhos nele. É tempo de que ele se aposente, pensou sem maldade. Então notou Omi aproximando-se dos estábulos com um jovem samurai ao seu lado, que mancava muito, um cruel ferimento de faca ainda lívido no rosto, resultado do combate em Osaka.

- Ah. Omi-san! - Retribuiu-lhes a saudação. - É esse o sujeito?

- Sim, senhor.

Toranaga chamou os dois à parte e interrogou o samurai habilmente. Fez isso por cortesia para com Omi, já tendo chegado às mesmas conclusões quando conversara com o homem na pri meira noite, assim como fora polido com o Anjin-san, perguntando o que continha a carta de Mariko, embora já soubesse o que Mariko escrevera.

- Mas, por favor, coloque com as suas próprias palavras, Mariko-san - dissera ele antes que ela partisse de Yedo para Osaka.

-- Devo entregar o navio dele ao inimigo dele, senhor?

- Não, senhora - dissera ele, enquanto os olhos dela se enchiam de lágrimas. - Não. Repito: você vai sussurrar ao Tsukku-san os segredos que me contou, imediatamente aqui em Ycdo, depois ao sumo sacerdote e a Kiyama em Osaka, e dizer a todos que sem o navio o Anjin-san não é ameaça para eles. E escreverá a carta ao Anjin-san conforme sugeri, agora.

- Eles destruirão o navio.

- Tentarão fazer isso. Claro que pensarão na mesma resposta por si mesmos, portanto, na realidade, você não estará revelando nada, neh?

- Pode proteger o navio dele, senhor? - Será guardado por quatro mil samurais.

- Mas se tiverem êxito... o Anjin-san não vale nada sem o navio. Rogo pela vida dele.

- Não é preciso, Mariko-san. Garanto-lhe que ele é valioso para mim, com ou sem um navio. Prometo-lhe. Diga-lhe também, na carta, que, se o navio dele se perder, que por favor construa outro.

__ O quê?

- Você me disse que ele pode fazer isso, neh? Tem certeza? Se eu lhe der todos os carpinteiros e ferreiros?

- Oh, sim. Oh, como o senhor é inteligente! Oh, sim, ele disse muitas vezes que é um construtor de navios...

-- Tem toda a certeza, Mariko-san? - Sim, senhor.

- Bom.

- Então o senhor pensa que os padres cristãos terão êxito, mesmo contra. quatro mil homens?

- Sim. Sinto muito, mas os cristãos nunca deixarão o navio intacto, ou a ele mesmo vivo, enquanto o navio estiver flutuando e pronto para zarpar. É uma ameaça grande demais para eles. Esse navio está condenado, portanto não há mal em entregá-lo a eles. Mas você e eu sabemos e devemos saber que a única esperança do Anjin-san é construir outro navio. Sou o único que pode ajudá-lo a fazer isso. Resolva Osaka para mim e providenciarei para que ele construa o seu navio.

Eu disse a verdade a ela, pensou Toranaga ali no amanhecer em Yokohama, por entre o odor de cavalos, excremento e suor, seus ouvidos mal ouvindo agora o samurai ferido e Omi, todo o seu ser entristecido por Mariko. A vida é tão triste, disse a si mesmo; cansado dos homens, de Osaka, de jogos, que causavam tanto sofrimento à existência, por maiores que fossem os prêmios a atingir.

- Obrigado por me dizer, Kosami -- disse ele, quando o samurai terminou. -- Agiu muito bem. Por favor, venha comigo. Vocês dois.

Toranaga voltou para junto da sua égua e fê-la ajoelhar uma última vez. Desta vez ela choramingou, mas ele não apertou mais a cilha. - Cavalos são muito piores do que homens em traição - disse, a ninguém em particular, e saltou para a sela e saiu a galope, seguido de seus guardas, Omi, e Kosami.

No acampamento, parou. Buntaro estava lá, ao lado de Yabu, Hiro-matsu e Sudara, este com ura peregrinus no punho. Saudaram-no. - Bom dia -- disse ele jovialmente, chamando Omi com um gesto a participar da conversa, mas afastando todos os demais. -- Está pronto, meu filho?

- Sim. Pai -- disse Sudara. - Mandei alguns dos meus homens para as montanhas, a fim de verificarem que os batedores sejam perfeitos para o senhor.

- Obrigado, mas decidi caçar ao longo da costa. Imediatamente Sudara chamou um dos guardas e mandou-o a galope para trazer os homens de volta das colinas e conduzi-los para a costa. - Sinto muito, senhor, eu deveria ter pensado nisso e estar preparado. Por favor, desculpe-me.

- Sim. Então, Hiro-matsu, como vai o treinamento? Hiro-matsu, a espada inevitavelmente frouxa nas mãos, fez uma carranca. - Ainda acho que isso é desonroso e desnecessário. Logo seremos capazes de esquecê-lo. Mijaremos em cima de Ishido sem este tipo de traição.

- Por favor, desculpe-me - disse Yabu -, mas sem estas armas e esta estratégia, Hiro-matsu-san, perderemos. Esta é uma guerra moderna, deste modo temos uma chance de vencer. - Olhou para Toranaga, que ainda não desmontara. - Fui informado durante a noite de que Jikkyu morreu.

- Tem certeza? - Toranaga fingiu surpresa. Obtivera a informação secreta no dia em que partira de Mishima.

- Sim, senhor. Parece que ele esteve doente algum tempo. Meu informante relata que ele morreu há dois dias - disse Yabu, regozijando-se abertamente. - O herdeiro é o filho dele, Hikoju.

- Aquele jovenzinho enfatuado? - disse Buntaro, com desdém.

- Sim. Concordo que ele não passa de um filhote. - Yabu parecia várias polegadas mais alto do que o habitual. - Senhor, isso não abre a estrada meridional? Por que não atacar pela estrada Tokaido imediatamente? Com a velha raposa morta, Izu está segura agora, e Suruga e Totomi estão tão indefesas quanto um. atum encalhado. Neh?

Toranaga desmontou pensativo. - Bem? - perguntou a Hiro-matsu calmamente.

O velho general respondeu imediatamente: - Se pudéssemos dominar a estrada até o passo de Utsunoya e todas as pontes, e chegar á vertente Tenryu rapidamente - com todas as nossas comunicações garantidas -, retalharíamos o baixo-ventre de Ishido. Poderíamos conter Zataki nas montanhas, reforçar o ataque pela Tokaido e investir contra Osaka. Seríamos invencíveis.

- Enquanto o herdeiro comandar os exércitos de Ishido - disse Sudara -, poderemos ser vencidos.

- Não concordo - disse Hiro-matsu.

- Nem eu, sinto muito - disse Yabu.

- Mas eu concordo - disse Toranaga, tão inexpressivo e grave quanto Sudara. Ainda não lhes falara sobre o possível acordo de Zataki em trair Ishido quando o momento fosse opor tuno. Por que deveria lhes dizer? pensou. Não é um fato ainda. Mas como é que você propõe pôr em prática o seu acordo solene com o seu meio irmão, casando-o com Ochiba se ele o apoiar, e ao mesmo tempo casar você mesmo com Ochiba, se for esse o preço dela? É uma pergunta razoável, disse-se ele. Mas é altamente improvável que Ochiba traia Ishido. Se o fizesse e esse fosse o preço, a resposta seria simples: meu irmão teria que se curvar ao inevitável.

Viu-os todos a olhá-lo. - O que é?

Houve um silêncio. Então Buntaro disse: - O que acontece, senhor, quando nos opomos à bandeira do herdeiro?

Nenhum deles jamais formulara essa pergunta formalmente, diretamente e publicamente. - Se isso acontecer, eu perco - disse Toranaga. - Cometerei seppuku e aqueles que honram

o testamento do táicum e a inconteste herança legal do herdeiro terão que se submeter com humildade, imediatamente, ao seu perdão. Os que não o fizerem não terão honra. Neh?

Todos assentiram. Então ele se voltou para Yabu para concluir o negócio que estava à mão, e tornou-se cordial de novo. -- Entretanto, ainda não estamos nesse campo de batalha, por tanto continuamos conforme planejamos. Sim, Yabu-sama, a estrada meridional é possível agora. De que morreu Jikkyu?

- De doença, senhor.

- Uma doença de quinhentos kokus?

Yabu riu, mas interiormente ficou furioso de que Toranaga houvesse rompido a sua rede de segurança. - Sim - disse - eu presumiria que sim, senhor. Meu irmão lhe contou? - Tora naga assentiu e pediu-lhe que explicasse aos demais. Yabu aquiesceu, não descontente, pois era um estratagema inteligente, e contou-lhes como Mizuno, seu irmão, passara o dinheiro proveniente do Anjin-san a um ajudante de cozinheiro que fora introduzido na cozinha particular de Jikkyu.

- Barato, neh? - disse Yabu alegremente. - Quinhentos kokus pela estrada meridional?

Hiro-matou disse rigidamente a Toranaga: - Por favor, desculpe-me, mas acho essa história repugnante.

Toranaga sorriu. - Traição é uma arma de guerra, neh? - Sim. Mas não de um samurai.

Yabu indignou-se. - Sinto muito, Senhor Hiro-matou, mas presumo que o senhor não tenha tido a intenção de me insultar? - Ele não teve a intenção. Teve, Hiro-matou? - disse Toranaga.

- Não, senhor - replicou o velho general. - Por favor, desculpe-me.

- Veneno, traição, deslealdade, assassinato sempre foram armas de guerra, amigo velho - disse Toranaga. - Jikkyu era um inimigo e um imbecil. Quinhentos kokeís pela estrada meri dional não é nada! Yabu-sama serviu-me bem. Aqui e em Osaka. Neh, Yabu-san?

- Sempre tentei servi-lo com lealdade, senhor.

- Sim, então, por favor, explique por que matou o Capitão Sumiyori antes do ataque ninja - disse Toranaga.

O rosto de Yabu não se alterou. Estava usando sua espada Yoshitomo, a mão, como sempre, frouxa sobre o punho da arma. - Quem diz isso? Quem me acusa disso, senhor?

Toranaga apontou para o grupo de marrons a quarenta passos de distância. - Aquele homem! Por favor, venha aqui, Kosami-san. - O jovem samurai desmontou, avançou coxeando e curvou-se.

Yabu cravou-lhe os olhos. - Quem é você, camarada?

- Sokura Kosami, da Décima Legião, designado para a guarda pessoal da Senhora Kiritsubo em Osaka, senhor - disse o jovem. - O senhor me pôs de guarda à porta dos seus aposentos - e de Sumiyori-san -, na noite do ataque ninja.

- Não me lembro de você. Atreve-se a dizer que matei Sumiyori?

O jovem hesitou. Toranaga disse: - Diga-lhe!

Kosami disse num fôlego: - Só tive tempo, senhor, antes de os ninjas caírem em cima de nós, de abrir a porta e gritar um aviso a Sumiyori-san, mas ele não se moveu. - Voltou-se para Toranaga, estremecendo sob o olhar de todos eles. - Ele... ele tinha sono leve, senhor, e foi só um momento depois de. . . isso é tudo, senhor.

- Você entrou no quarto? Sacudiu-o? - pressionou Yabu. - Não, senhor, oh, não, senhor, os ninjas chegaram tão depressa, que recuamos imediatamente e contra-atacamos assim que pudemos, foi como eu disse...

Yabu olhou para Toranaga. - Sumiyori-san estivera em serviço durante dois dias. Estava exausto - todos nós estávamos. O que isso prova? - perguntou a todos eles.

- Nada - disse Toranaga, ainda cordial. - Mas mais tarde, Kosami-san, você voltou ao quarto. Neh?

- Sim, senhor, Sumiyori-san ainda estava deitado nos futons do jeito que eu o vira e.. . e o quarto não estava em desordem, em absoluto, senhor, e ele tinha sido esfaqueado, senhor, esfa queado nas costas uma vez. Na hora pensei que tivessem sido os ninjas e mais nada, até que Omi-san me interrogasse.

- Ah! - Yabu voltou os olhos para o sobrinho, toda a sua hara centrada no seu traidor, medindo a distância entre eles. - Então você o interrogou?

- Sim, senhor - replicou Omi. - O Senhor Toranaga pediu-me que reexaminasse todas as histórias. Essa foi uma das mais estranhas que achei que poderiam ser trazidas à atenção do nosso amo.

- Uma das mais estranhas? Há outra?

- Seguindo as ordens do Senhor Toranaga, interroguei os criados que sobreviveram ao ataque, senhor. Havia dois. Sinto muito, mas ambos disseram que o senhor atravessou os aposentos deles com um samurai e retornou pouco depois, sozinho, gritando: "Ninfas"! Então eles...

- Eles nos atacaram e mataram o infeliz com uma lança e uma espada, e quase me abateram. Tive que recuar para dar o alarma. - Yabu voltou-se para Toranaga, cuidadosamente pondo os pés numa posição melhor para o ataque. - Já lhe tinha contado isso, senhor, tanto pessoalmente quanto no relatório escrito. O que criados têm a ver comigo?

- Bem, Otni-san? - perguntou Toranaga.

- Sinto muito, Yabu-sama - disse Omi -, mas ambos o viram abrir os ferrolhos de uma porta secreta no porão e ouviram-no dizer aos ninfas: "Sou Kasigi Yabu". Foi isso o que deu tempo a eles de se esconderem e não serem massacrados.

A mão de Yabu moveu-se uma fração. Instantaneamente Sudara saltou para a frente de Toranaga para protegê-lo e no mesmo momento a espada de Hiro-matsu disparou na direção do pescoço de Yabu.

- Pare! - ordenou Toranaga.

A espada de Hiro-matsu parou, seu controle miraculoso. Yabu não fizera movimento algum. Encarou-os, depois riu, insolente. - Serei eu um ronin imundo que atacaria seu suserano? Este é Kasigi Yabu, senhor de Izu, Suruga e Totomi. Neh? - Olhou diretamente para Toranaga. - De que sou acusado, senhor? De ajudar ninfas? Ridículo! O que têm as fantasias de criados a ver comigo? São mentirosos! Assim como este sujeito, que insinua uma coisa que não pode provar e eu não posso justificar!

- Não há provas, Yabu-sama - disse Toranaga. - Concordo integralmente. Não há provas em absoluto.

- Yabu-sama, o senhor fez essas costas? - perguntou Hiro-matsu.

- Claro que não!

- Mas eu acho que fez - disse Toranaga -, portanto todas as suas terras estão confiscadas. Por favor, rasgue o ventre hoje. Antes do meio-dia.

A sentença era decisiva. Era o momento supremo para o qual Yabu estivera preparado a vida toda.

Karma, pensou, o cérebro trabalhando a uma velocidade frenética. Não há nada que eu possa fazer, a ordem é legal, Toranaga é meu suserano, eles podem me tirar a cabeça ou posso morrer com dignidade. De um jeito ou de outro estou morto. Omi traiu-me, mas esse é o meu karma. Os criados deviam ter sido todos mortos, conforme o plano, mas dois sobreviveram, e esse é o meu karma. Seja digno, disse-se ele, reunindo coragem. Pense com clareza e seja responsável.

- Senhor - começou ele, com uma demonstração de audácia -, primeiro, sou inocente desses crimes, Kosami está enganado, e os criados são mentirosos. Segundo, sou o melhor general de batalha que o senhor tem. Imploro pela honra de comandar o ataque pela Tokaido - ou o primeiro lugar na primeira batalha -, de modo que minha morte seja de uso direto.

- É uma boa sugestão, Yabu-san - disse Toranaga cordialmente -, e concordo sinceramente que o senhor é o melhor general para o Regimento de Mosquetes, mas, sinto muito, não

confio no senhor. Por favor, rasgue o ventre afites do meio-dia. Yabu controlou a fúria cegante e satisfez sua honra como samurai e como líder do seu clã com a totalidade do seu autosacrifício. - Formalmente absolvo o meu sobrinho Kasigi Omisan de qualquer responsabilidade pela minha traição e formalmente o designo meu herdeiro.

Toranaga ficou tão surpreso quanto todos os demais.

- Muito bem - disse. - Sim, acho que isso é muito sábio. Concordo.

- Izu é o feudo hereditário dos Kasigi. Lego-o a ele.

- Izu já não é seu para dá-lo. O senhor é meu vassalo, neh?

Izu é uma das minhas províncias, a ser dada conforme eu desejar, neh?

Yabu encolheu os ombros. - Lego-o a ele, - Riu. - É um favor de vida. Neh?

- Pedir é justo. Sua solicitação está recusada. E, Yabusan, todas as suas últimas ordens estão sujeitas à minha aprovação. Buntaro-san, você será a testemunha formal. Agora, Yabusan, a quem deseja como assistente?

- Kasigi Omi-san.

Toranaga olhou para Omi. Omi curvou-se, - A honra será minha - disse.

- Bom. Então está tudo arranjado.

- E o ataque pela Tokaido? - disse Hiro-matsu.

- Estaremos mais seguros atrás das nossas montanhas. - Jovialmente Toranaga retribuiu-lhes o cumprimento, montou, e partiu a trote. Sudara fez um gesto polido de cabeça e seguiu-o. Assim que Toranaga e Sudara se encontraram fora de alcance, Buntaro e Hiro-matsu se descontraíram, mas Omi não, e nenhum deles tirou os olhos do braço da espada de Yabu.

- Onde quer que seja, Yabu-sama? - perguntou Buntaro. - Aqui, ali, na praia, ou num monte de bosta - para mim é tudo a mesma coisa. Não preciso de vestes cerimoniais. Mas, Omi-san, você não dará o golpe até que eu tenha feito dois cortes.

- Sim, senhor.

- Com a sua permissão, Yabu-sama, também serei testemunha - disse Hiro-matsu.

- Por que não se preocupa com as suas hemorróidas?

O general indignou-se e disse a Buntaro: - Por favor, mande me chamar quando ele estiver pronto.

Yabu cuspiu. - Já estou pronto. O senhor está? Hiro-matsu girou sobre os calcanhares.

Yabu pensou um momento, depois tirou a espada Yoshitomo, embainhada, do sash. - Buntaro-san, talvez pudesse me fazer um favor. Dê isto ao Anjin-san. - Ofereceu a espada, depois franziu

o cenho. - Pensando melhor, se não for incômodo, quer, por favor, mandar chamá-lo, para que eu possa entregar-lhe pessoalmente?

- Certamente.

- E, por favor, traga aquele padre fedorento também, de modo que eu possa conversar diretamente com o Anjin-san.

- Bom. Que providências o senhor deseja que sejam tomadas?

- Só quero papel, tinta, um pincel para o meu testamento e o meu poema de morte, e dois tatamis - não há razão para eu machucar os joelhos ou me ajoelhar no pó, como um camponês fedorento. Neh? - acrescentou Yabu, com bravata.

Buntaro dirigiu-se aos outros samurais, que mudavam de posição de um pé para o outro, com uma excitação contida. Negligentemente Yabu sentou-se de pernas cruzadas e esgaravatou os dentes com um talo de grama. Omi acocorou-se perto, cautelosamente longe do alcance da espada.

-- Iiiiih! - disse Yabu -, estive tão perto do sucesso! - Esticou as pernas e martelou-as contra a terra num repentino acesso de raiva. - Iiiiiih, tão perto! Eh, karma, neh? Karina! - Depois riu sonoramente, pigarreou e cuspiu, orgulhoso de ainda ter saliva na boca. - Isto em todos os deuses, vivos, mortos ou que ainda vão nascer! Mas, Omi-san, morro feliz. Jikkyu está morto e quando eu cruzar o último rio e o vir esperando lá, rilhando os dentes, poderei cuspir-lhe no olho para sempre.

- Prestou um grande serviço ao Senhor Toranaga, senhor - disse Omi, falando com sinceridade, embora o observasse como um falcão. - O senhor tinha razão, e Punho de Aço e Sudara estão errados. Poderíamos atacar imediatamente - as armas nos farão atravessar.

- Aquele velho monte de esterco! Imbecil! - Yabu riu de novo. - Você o viu ficar roxo quando eu mencionei as hemorróidas dele? Ah! Pensei que elas iam explodir naquela hora. Samurai? Sou mais samurai do que ele! Vou mostrar a ele! Você não dará o golpe até que eu lhe dê a ordem!

- Posso humildemente agradecer-lhe por me conceder essa honra, e também por me fazer seu herdeiro? Formalmente juro que a honra dos Kasigi estará segura nas minhas mãos.

- Se eu não pensasse isso, não teria sugerido. - Yabu baixou a voz. - Você agiu certo me traindo a Toranaga. Eu teria feito o mesmo se fosse você, embora seja tudo mentira. É a desculpa de Toranaga. Ele sempre teve inveja das minhas proezas em combate, e da minha compreensão das armas de fogo e do valor do navio. É tudo idéia minha.

- Sim, senhor, eu me lembro.

- Você salvará a família. É tão astuto quanto um rato velho e sarnento. Conseguirá Izu de volta e mais - é tudo o que importa agora, e vai conservá-lo para os seus filhos. Você compreende as armas. E Toranaga. Neh?

- Juro que tentarei, senhor.

Os olhos de Yabu deram com a mão de Omi sobre a espada, notando-lhe a postura alertamente defensiva. - Acha que vou atacá-lo?

- Sinto muito, claro que não, senhor.

- Fico contente de que você esteja em guarda. Meu pai era como você. Sim, você é muito parecido com ele. -- Sem fazer qualquer movimento brusco, colocou as duas espadas no chão, fora de alcance. - Pronto! Agora estou indefeso. Há alguns momentos queria vé-lo morto, mas agora não. Agora você não precisa me temer.

- É sempre necessário temê-lo, senhor.

Yabu soltou uma risadinha e chupou outro talo de grama. Depois atirou-o fora. - Ouça, Omi-san, estas são minhas ordens como senhor dos Kasigi. Você levará meu filho para a sua casa

e o usará, como ele é digno de ser usado. Depois: encontre bons maridos para a minha esposa e a minha consorte, e agradeça-lhes profundamente por me terem servido tão bem. Quanto ao seu pai, Mizuno: ordeno-lhe que cometa seppuku imediatamente.

- Posso solicitar para ele a alternativa de raspar a cabeça e tornar-se monge?

- Não. Ele é imbecil demais, você nunca poderá confiar nele - que atrevimento o dele, passar meus segredos a Toranaga! - e estará sempre no seu caminho. Quanto à sua mãe . . . - Ele arreganhou os dentes -         . . . fica ordenada a raspar a cabeça, tornar-se monja, entrar num mosteiro fora de Izu e passar o resto da vida dizendo orações pelo futuro dos Kasigi. Budista ou xintoísta - prefiro xintoísta. Você concorda, xintoísta?

- Sim, senhor.

- Bom. Desse modo - acrescentou Yabu com um deleite malicioso - ela parará de distraí-lo dos assuntos Kasigi com seus lamentos constantes.

- Será feito.

- Bom. Ordeno-lhe que vingue as mentiras levantadas contra mim por Kosami e aqueles criados traiçoeiros. Cedo ou tarde, não me importa, desde que você o faça antes de morrer.

- Obedecerei.

- Esqueci de alguma coisa?

Cuidadosamente Omi se certificou de que não estavam sendo ouvidos. -- E quanto ao herdeiro? - perguntou com cautela. - Quando o herdeiro estiver em campo contra nós, perderemos, neh? - Pegue o Regimento de Mosquetes, abra caminho à força e mate-o, diga Toranaga o que disser. Yaemon é o seu alvo primordial.

- A minha conclusão também era essa. Obrigado.

- Bom. Mas melhor do que esperar todo esse tempo é colocar a cabeça dele a prêmio agora, secretamente, entre os ninjas. .. ou os Amidas.

- Como os encontro? - perguntou Omi, um tremor de voz. - A bruxa velha, Gyoko, a Mama-san, é uma das que sabem como.

-- Ela?

-- Sim. Mas cuidado com ela, e com os Amidas. Não os use levianamente, Omi-san. Nunca a toque, sempre a proteja. Ela sabe segredos demais e o pincel de escrita é um braço que se alonga da sepultura. Foi consorte não oficial de meu pai durante um ano... pode até ser que o filho dela seja meu meio irmão. Eh, cuidado com ela, sabe segredos demais.

- Mas onde arrumo dinheiro?

- Isso é problema seu. Mas arrume. Em qualquer lugar, de qualquer modo.

- Sim. Obrigado. Obedecerei.

Yabu aproximou-se mais. Imediatamente Omi se preparou, desconfiado, a espada quase fora da bainha. Yabu sentiu-se satisfeito de, mesmo indefeso, ainda ser um homem contra quem se acautelar. -- Enterre este segredo muito profundamente. E ouça, sobrinho, seja um ótimo amigo do Anjin-san. Tente controlar a marinha que ele trará uni dia. Toranaga não compreende o valor real do Anjin-san, mas está certo em ficar atrás das montanhas. Isso dá a ele e a você tempo. Temos que sair da terra e nos pormos ao largo - nossos tripulantes nos navios deles -, com Kasigi no comando supremo. Os Kasigi devem se pôr ao mar, para comandar o mar. Ordeno.

- Sim... oh, sim - disse Omi. - Confie em mim. Isso acontecerá.

- Bom. Por último, jamais confie em Toranaga.

Omi disse com toda a sinceridade: -- Não confio, senhor. Nunca confiei. E nunca confiarei.

- Bom. E quanto a esses imundos mentirosos, não se esqueça, trate deles. E de Kosami. - Yabu suspirou, em paz consigo. - Agora por favor, com licença, preciso pensar no meu poema de morte.

Omi levantou-se, recuou e, quando estava bem afastado, curvou-se e se afastou mais vinte passos. Em meio à segurança dos seus próprios guardas, sentou-se de novo e começou a esperar.

Toranaga e sua comitiva trotavam ao longo da estrada costeira que contornava a ampla baía, o mar chegando quase até a estrada, do lado direito. Ali a terra era baixa e pantanosa, com muitos charcos. Algumas ris ao norte a estrada se unia à Tokaido, a artéria principal. Mais vinte ris ao norte ficava Yedo. Toranaga tinha cem samurais consigo, dez falcoeiros e dez aves sobre o punho enluvado dos falcoeiros. Sudara tinha vinte guardas e três aves, e cavalgava como vanguarda.

- Sudara! - chamou Toranaga, como se fosse uma idéia súbita. - Pare na próxima estalagem. Quero comer alguma coisa!

Sudara acenou, dando a entender que ouvira, e prosseguiu a galope. Quando Toranaga chegou, criadas curvavam-se e sorriam, o estalajadeiro fazendo mesuras com toda a sua gente. Guardas cobriam o norte e o sul, e suas bandeiras estavam orgulhosamente plantadas.

- Bom dia, senhor, por favor, o que posso lhe servir para comer? - perguntou o estalajadeiro. - Obrigado por honrar a minha pobre hospedaria.

- Chá, e um pouco de talharim com soja, por favor. - Sim, senhor.

A comida foi trazida numa bela tigela quase imediatamente, cozida exatamente do modo como ele gostava, já que Sudara prevenira o estalajadeiro. Sem cerimônia, Toranaga se acocorou numa varanda e consumiu com prazer o prato simples, camponês, e observou a estrada à frente. Outros hóspedes se curvaram e foram tratar de seus próprios negócios, contentes, orgulhosos de se encontrarem na mesma hospedaria que o grande daimio. Sudara inspecionou os postos avançados, certificando-se de que estava tudo perfeito. - Onde estão os batedores agora? - perguntou ao mestre de caça.

- Alguns ao norte, alguns ao sul, e tenho homens extras nas colinas ali. - O velho samurai apontou para o interior na direção de Yokohama, infeliz e transpirando. ~ Por favor, desculpe-me, mas o senhor tem alguma idéia de aonde nosso amo gostaria de ir?

- Nenhuma, absolutamente. Mas não cometa mais enganos hoje.

- Sim, senhor.

Sudara terminou sua ronda, depois apresentou-se a Toranaga. - Está tudo satisfatório, senhor? Há alguma coisa que eu possa fazer pelo senhor?

- Não, obrigado. - Toranaga terminou a tigela e tornou o resto da sopa. Depois disse numa voz inexpressiva: - Você estava correto no que disse sobre o herdeiro.

- Por favor, desculpe-me, tive medo de talvez tê-lo ofendido, sem intenção.

- Você estava certo - por que eu ficaria ofendido? Quando o herdeiro se erguer contra mim, o que você fará?

- Obedecerei às suas ordens.

- Por favor, mande o meu secretário vir aqui e volte com ele.

Sudara obedeceu. Kawanabi, o secretário - um ex-samurai e ex-sacerdote -, que sempre viajava com Toranaga, chegou rapidamente com a sua caixa de papéis de viagem, tintas, carimbos, e pincéis que se ajustavam no seu cesto de sela.

- Senhor?

- Escreva isto: "Eu, Yoshi Toranaga-noh-Minowara, reemposso meu filho Yoshi Sudara-noh-Minowara como meu herdeiro, com todas as suas rendas e títulos restituídos".

Sudara curvou-se. - Obrigado, Pai - disse, a voz firme, mas perguntando a si mesmo: por quê?

- Jure formalmente aceitar todos os meus preceitos, testamentos - e o Legado.

Sudara obedeceu. Toranaga esperou em silêncio até Kawanabi escrever a ordem, depois assinou e tornou-a legal com seu carimbo, um pequeno pedaço quadrado de marfim com seu nome esculpido a uma extremidade. Pressionou-o contra a tinta escarlate quase sólida, depois na base do papel de arroz. A marca saiu perfeita. - Obrigado, Kawanabi-san, ponha a data de ontem. É tudo por enquanto.

- Por favor, desculpe, mas o senhor precisará de mais cinco cópias, para tornar a sua sucessão inviolável: uma para o Senhor Sudara, uma para o conselho de regentes, uma para a Casa de Registros, uma para os seus fichários pessoais, e outra para os arquivos.

- Faça-as imediatamente. E dê-me uma cópia extra.

- Sim, senhor. -- O secretário deixou-os. Toranaga olhou para Sudara e estudou o rosto estreito, inexpressivo. Quando fizera o anúncio deliberadamente repentino, Sudara não deixara transparecer nada, nem no rosto nem nas mãos. Nenhum contentamento, gratidão, orgulho - nem mesmo surpresa, e isso o entristeceu. Mas, pensou Toranaga, por que ficar triste, você tem outros filhos que sorriem, riem, cometem erros, gritam, enfurecem-se, "travesseiram" e têm muitas mulheres. Filhos normais. Este filho é para seguir você, para comandar depois que você estiver morto, para manter os Minowara unidos e passar o Kwanto e o poder a outros Minowara. Para ser gelado e calculista, como você. Não, não como eu, disse-se ele com sinceridade. Eu posso rir às vezes, ter compaixão às vezes, e gosto de peidar e "travesseirar", enfurecer-me, dançar, jogar xadrez, representar, e algumas pessoas me alegram, como Naga, Kiri, Chano e o Anjin-san, e gosto de caçar e vencer, vencer, vencer. Nada o alegra, Sudara, sinto muito. Nada. Exceto a sua esposa, a Senhora Genjiko. A Senhora Genjiko é o único elo fraco na sua corrente.

- Senhor? - perguntou Sudara.

- Eu estava tentando me lembrar de quando o vi rir pela última vez.

- Deseja que eu ria, senhor?

Toranaga meneou a cabeça, sabendo que educara Sudara para ser o filho perfeito para aquilo que tinha que ser feito. - Quanto tempo você levaria para se certificar de que Jikkyu está realmente morto?

- Antes de deixar o acampamento, enviei uma mensagem cifrada de alta prioridade para Mishima, para o caso de o senhor já não saber se isso era verdade ou não, Pai. Terei uma resposta dentro de três dias.

Toranaga bendisse os deuses por ter tido conhecimento antecipado da conspiração contra Jikkyu através de Kasigi Mizuno, e a notícia da morte desse inimigo. Por um momento reexaminou seu plano e não conseguiu encontrar falha alguma nele. Então, levemente nauseado, tomou a decisão. - Ordene aos Décimo Primeiro, Décimo Sexto, Nonagésimo Quarto e Nonagésimo Quinto regimentos, em Mishima, que se ponham em alerta imediatamente. Dentro de quatro dias lance-os pela Tokaido.

- Céu Carmesim? - perguntou Sudara, desconcertado. - O senhor vai atacar?

- Sim. Não vou esperar que venham contra mim.

- Então Jikkyu está morto? - Sim.

- Bom - disse Sudara. - Posso sugerir-lhe que acrescente o Vigésimo e o Vigésimo Terceiro?

- Não. Dez mil homens devem ser suficientes - com surpresa. Ainda tenho que defender toda a minha fronteira, para o caso de fracasso, ou de uma armadilha. E também há Zataki a conter.

- Sim - disse Sudara.

- Quem deve comandar o ataque?

- O Senhor Hiro-matsu. É uma campanha perfeita para ele. - Por quê?

- É direto, simples, conservador e dá ordens claras, Pai. Será perfeito para essa campanha.

- Mas já não é conveniente como comandante-chefe?

- Sinto muito, Yabu-san tinha razão, as armas de fogo mudaram o mundo. Punho de Aço está ultrapassado agora.

- Quem, então?

- Apenas o senhor. Até depois da batalha, aconselho-o a não ter ninguém entre o senhor e a batalha.

- Considerarei isso - disse Toranaga. - Agora, vá a Mishima. Você preparará tudo. A força de assalto de Hiro-matsu terá vinte dias para atravessar o rio Tenryu e garantir a estrada Tokaido.

- Por favor, desculpe-me, permita-me sugerir que o objetivo final deles seja um pouco adiante, o cume do Shiomi. Dê-lhes trinta dias.

- Não. Se eu der essa ordem, alguns homens atingirão o cume. Mas a maioria será morta e não será capaz de desferir o contra-ataque, ou acossar o inimigo enquanto nossas forças se retiram.

- Mas certamente o senhor enviará reforços imediatamente nos calcanhares deles?

- Nosso ataque principal atravessa as montanhas de Zataki. Isto é uma simulação. - Toranaga estava avaliando o filho com todo o cuidado. Mas Sudara não revelou nada, nem surpresa, nem aprovação, nem desaprovação.

- Ah. Desculpe. Por favor, desculpe-me, senhor.

- Com Yabu morto, quem deve comandar as armas de fogo?

- Kasigi Omi. - Por quê?

- Ele as compreende. Mais que isso, ele é moderno, muito corajoso, muito inteligente, muito paciente - e também muito perigoso, mais perigoso do que o tio. Aconselho-o, se o senhor vencer e ele sobreviver, a encontrar alguma desculpa para mandálo para o Vazio.

- Se eu vencer?

- Céu Carmesim sempre foi um último plano. O senhor disse isso cem vezes. Se formos batidos na Tokaido, Zataki descerá com tudo para as planícies. As armas não nos ajudarão então. É um último plano. O senhor jamais gostou de últimos planos.

- E o Anjin-san? O que aconselha a respeito dele?

- Concordo com Omi-san e com Naga-san. Ele deve ser refreado. O resto dos homens dele não representam nada - são etas e logo se devorarão entre si, portanto não são nada. Aconse lho que todos os estrangeiros sejam contidos ou expulsos. São uma praga - a ser tratada como tal.

- Então não haverá comércio de seda. Neh?

- Se o preço fosse esse, eu pagaria. Eles são uma praga.

- Mas precisamos ter seda e, para nos proteger, devemos aprender sobre eles, aprender o que sabem, rneh?

- Eles deveriam ser confinados em Nagasaki, sob guarda muito cerrada, e seu número estritamente limitado. Ainda poderiam comerciar uma vez por ano. Dinheiro não é o motivo essencial deles? Não é o que diz o Anjin-san?

- Ah, então ele é útil?

- Sim. Muito. Ensinou-nos a sabedoria dos editos de expulsão. O Anjin-san é muito sábio, muito corajoso. Mas é um brinquedo. Ele o diverte, senhor, como Tetsu-ko, portanto é valioso, embora continue sendo um brinquedo.

- Obrigado pelas suas opiniões. Assim que se desencadear o ataque, você regressará a Yedo e esperará outras ordens. - Disse-o deliberadamente. Zataki ainda detinha a Senhora Genjiko,

e o filho e três filhas do casal, como reféns na sua capital, Takato. Por solicitação de Toranaga, Zataki concedera a Sudara uma permissão de ausência, mas apenas por dez dias, e Sudara solenemente concordara com o trato e com a volta nesse prazo. Zataki era famoso pela sua rigidez quanto à honra. Legalmente ele poderia, e o faria, aniquilar todos os reféns por causa desse ponto de honra, independentemente de qualquer tratado ou acordo aberto ou sigiloso. Tanto Toranaga quanto Sudara sabiam que sem dúvida alguma Zataki faria isso se Sudara não retornasse conforme o prometido. - Você esperará em Yedo por outras ordens.

- Sim, senhor.

- Parta imediatamente para Mishima.

- Então poupará tempo se eu for por aqui. - Sudara apontou para o entroncamento à frente.

- Sim. Mando-lhe uma mensagem amanhã.

Sudara curvou-se, dirigiu-se para o seu cavalo c, com seus vinte guardas, partiu.

Toranaga pegou a tigela e comeu um último bocado de talharim, agora frio. - Oh, senhor, sinto muito, deseja mais um pouco? - disse a jovem criada sem fôlego, acorrendo. Tinha o rosto redondo, não era bonita, mas esperta e atenta - exatamente do jeito como ele gostava que fossem os seus criados c criadas. - Não, obrigado. Como você se chama?

- Yuki senhor.

- Diga ao seu amo que ele faz um bom talharim, Yuki. - Sim, senhor, obrigada. Obrigada, senhor, por honrar a nossa casa. Basta estalar os dedos para qualquer coisa que deseje e o senhor a terá instantaneamente.

Ele piscou para ela, que riu, recolheu a bandeja e saiu apressada. Contendo a impaciência, ele examinou a curva distante na estrada, depois os arredores. A hospedaria estava em boas condi ções, as passagens cobertas até o poço limpas e a terra varrida. Fora, no pátio, e em toda a volta, seus homens esperavam pacientemente, mas ele detectou nervosismo no mestre de caça e resolveu que aquele dia seria o último de serviço ativo do homem. Se Toranaga estivesse seriamente interessado na caçada em si, teria dito a ele que voltasse a Yedo agora, dando-lhe uma generosa pensão, e designado outro para o seu lugar.

Essa é a diferença entre mim e Sudara, pensou ele sem maldade. Sudara não hesitaria. Ordenaria ao homem que cometesse seppukií agora, o que pouparia a pensão e todo o incômodo posterior, e aumentaria a perícia do substituto. Sim, meu filho, conheço-o muito bem. Você é muito importante para mim.

E quanto à Senhora Genjiko e os filhos? perguntou-se ele, trazendo à tona a questão vital. Se a Senhora Genjiko não fosse irmã de Ochiba - c estimada como irmã favorita -, eu pesaro samente permitiria a Zataki eliminá-los a todos agora e assim pouparia Sudara de urra risco enorme no futuro, se eu morrer cedo, porque eles são o seu único elo fraco. Mas felizmente

Genjiko é irmã de Ochiba, portanto uma peça importante no grande jogo, e não tenho que permitir que isso aconteça. Eu deveria, tuas não o farei. Desta vez tenho que arriscar. Portanto me lembrarei de que Genjiko é valiosa em outros sentidos - é tão afiada quanto uma espinha de tubarão, faz filhos ótimos, e é fanaticamente implacável na defesa da prole, assim como Ochiba, com urna enorme diferença: Genjiko-san é leal primeiro a mim, Ochiba primeiro ao herdeiro.

Então isso está resolvido. Antes do décimo dia, Sudara deve estar de volta às mãos de Zataki. Uma extensão do prazo? Não, isso poderia deixar Zataki ainda mais desconfiado do que já está, e ele é o último homem que quero desconfiado agora. De que modo Zataki reagirá?

Você foi sábio em designar Sudara. Se houver um futuro, o futuro estará seguro nas mãos dele e de Genjiko, desde que sigam o Legado à letra. E a decisão de reempossá-lo agora foi correta e vai agradar a Ochiba.

Ele já escrevera a carta naquela manhã e a enviaria a ela na mesma noite, com uma cópia da ordem. Sim, isso lhe removerá uma espinha de peixe da goela, que a estava fazendo sufocar e que tinha sido deliberadamente cravada ali, há muito tempo, com essa finalidade. É bom saber que Genjiko é um dos elos fracos de Ochiba, talvez até o único. Qual é a fraqueza de Genjiko? Nenhuma. Pelo menos ainda não descobri uma, mas se houver, descobrirei.

Estava examinando seus falcões. Alguns estavam palrando, outros se alisando com o bico, todos em boa forma, todos encapuzados, menos Kogo, os grandes olhos amarelos dardejando, olhando tudo, tão interessado quanto ele próprio.

O que você diria, minha beleza, perguntou Toranaga à ave em silêncio, o que você diria se eu lhe contasse que devo ser impaciente e explodir e que o meu ataque principal será ao longo da Tokaido, e não através das montanhas de Zataki, conforme disse a Sudara? Você provavelmente diria: por quê? E eu responderia: porque confio em Zataki tanto quanto confio em eu mesmo poder voar. E eu não posso voar em absoluto. Neh?

Então viu os olhos de Kogo mover-se rapidamente para a estrada. Semicerrou os olhos para ver à distância e sorriu ao distinguir os palanquins e os cavalos de bagagem que se aproximavam dobrando a curva.

- Então, Fujiko-san? Como vai?

- Bem, obrigada, senhor, muito bem. - Ela se curvou de novo e ele notou que ela não sentia dores nas cicatrizes da queimadura. Seus membros agora estavam tão flexíveis como sempre, e havia um rubor agradável nas suas faces. - Posso perguntar como está o Anjin-san? - disse ela. - Ouvi dizer que a viagem de Osaka foi muito ruim, senhor.

- Ele está passando bem agora, com muito boa saúde.

- Oh, senhor, é a melhor notícia que poderia ter me dado. - Bom. - Ele se voltou para o palanquim seguinte para saudar Kiku, que sorriu alegremente e cumprimentou-o com grande afeto, dizendo que estava muito feliz de vê-lo e que sentira muita falta sua. - Faz muito tempo, senhor.

- Sim, por favor, desculpe-me, sinto muito - disse ele, excitado pela surpreendente beleza e alegria interior dela, apesar das suas próprias ansiedades opressivas. - Estou muito satis feito em vê-Ia. - Depois seus olhos foram para a última liteira. - Ah, Gyoko-san, há quanto tempo - acrescentou, seco como lenha.

- Obrigada, senhor, sim, renasci agora que estes velhos olhos tiveram a honra de vê-lo novamente. - A reverência de Gyoko, que estava cuidadosamente resplandecente, foi impecável, e ele captou um lampejo mínimo de um sobquimono escarlate, da seda mais cara. - Ah, como está forte, senhor, um gigante entre os homens - entoou ela.

- Obrigado. Está com boa aparência, também.

Kiku bateu palmas ante o gracejo e todos riram com ela. - Ouçam - disse ele, feliz por causa dela -, tomei providências para que todas vocês fiquem aqui por enquanto. Agora, Fujikosan, por favor, venha comigo.

Tomou Fujiko à parte e, depois de lhe oferecer chá e de tagarelarem sobre coisas sem importância, foi ao ponto. - Você concordou com meio ano e eu concordei com meio ano. Sinto muito, mas devo saber hoje se você mudará o acordo.

O rosto pequeno e quadrado perdeu o atrativo quando a alegria se esvaneceu. A ponta da sua língua tocou os dentes agudos um momento. - Como posso mudar o acordo, senhor? - Muito fácil. Está terminado. Ordeno.

- Por favor, desculpe-me, senhor - disse Fujiko, a voz sem modulação. - Eu não quis dizer isso. Fiz o acordo espontânea e solenemente diante de Buda, com o espírito do meu falecido marido e do meu falecido filho. Não pode ser mudado.

- Ordeno que seja.

- Sinto muito, senhor, por favor, desculpe-me, mas então o bushido me desobriga de obediência ao senhor. O seu contrato foi igualmente solene, e qualquer alteração tem que ser aceita por ambas as partes, sem coerção.

- O Anjin-san lhe agrada?

J Sou sua consorte. O necessário é que eu agrade a ele.

- Você poderia continuar vivendo com ele se o outro acordo não existisse?

- A vida com ele é muito, muito difícil, senhor. Todas as formalidades, a maioria das cortesias, todo tipo de costume que torna a vida segura, digna, polida e suportável tem que ser posto de lado, ou contornado, por isso a casa dele não é segura, não tem wa, não há harmonia pàra mim. É quase impossível fazer os criados compreender, ou eu mesma compreender... mas, sim, eu poderia continuar a cumprir o meu dever para com ele. - Peço-lhe que dê por encerrado o acordo.

- Meu primeiro dever é para com o senhor. Meu segundo dever é para com o meu marido.

- Minha idéia, Fujiko-san, era que o Anjin-san se casasse com você. Aí você não seria uma consorte.

- Um samurai não pode servir a dois senhores, nem uma esposa a dois maridos. Meu dever é para com o meu falecido marido. Por favor, desculpe-me, não posso mudar.

- Com paciência tudo muda. Logo o Anjin-san saberá mais dos nossos hábitos e a casa dele também terá wa. Ele aprendeu incrivelmente desde que...

- Oh, por favor, senhor, não me interprete mal, o Anjinsan é o homem mais extraordinário que já conheci e, oh, sim, sei que a casa dele logo será uma casa de verdade, mas. .. mas, por favor, desculpe-me, devo cumprir o meu dever. Meu dever é para com o meu marido, meu único marido.. . - Esforçou-se por se controlar. - Deve ser, neh? Deve ser, senhor, ou então toda... toda a vergonha, o sofrimento, a desonra perdem o significado, neh? A morte dele, de meu filho, as espadas dele quebradas e enterradas na aldeia eta... Sem dever para com ele, todo o nosso bushido não é uma pilhéria imortal?

- Deve responder a uma pergunta, Fujiko-san: o seu dever para com uma solicitação minha, seu suserano, e para com um homem surpreendentemente corajoso que está se tornando um de nós e é seu amo, e - acrescentou, acreditando reconhecer o rubor no rosto dela - o seu dever para com o filho dele ainda não nascido, isso tudo não tem precedência sobre um dever anterior?

- Eu... eu não estou carregando o filho dele, senhor. - Tem certeza?

- Não, não tenho. - Está atrasada?

- Sim... mas só um pouco e isso poderia ser. .. Toranaga observava e esperava. Pacientemente. Ainda havia muito a fazer antes que ele pudesse partir a galope e soltar Tetsu-ko ou Kogo, e sentia-se ávido por esse prazer, mas isso seria apenas para ele, portanto sem importância. Fujiko era importante e ele prometera a si mesmo que pelo menos hoje fingiria ter vencido a guerra, que tinha tempo, podia ser paciente e resolver assuntos que era seu dever resolver. - Bem?

- Sinto muito, senhor, não.

- Então é não, Fujiko-san. Por favor, desculpe-me por ter perguntado, mas era necessário. - Toranaga não estava nem zangado nem satisfeito. A garota estava apenas fazendo o que

era honroso fazer, e ele soubera, desde o momento em que concordara em fazer o trato com ela, que nunca haveria uma alteração. É isso o que nos torna únicos na terra, pensou ele com satisfação. Um trato com a morte é um trato santificado. Curvou-se para ela formalmente. - Cumprimento-a pela sua honra e senso de dever para com o seu marido, Usagi Fujiko - disse ele, citando o nome que cessara de existir.

- Oh, obrigada, senhor - disse ela, ante a honra que ele lhe fazia, as lágrimas escorrendo devido à total felicidade que a invadia, sabendo que esse gesto simples limpava o estigma do único marido que ela teria nesta vida.

- Ouça, Fujiko, vinte dias antes do último dia, você partirá para Yedo - aconteça o que acontecer a mim. A sua morte deve ocorrer durante a viagem e deve parecer acidental. Neh?

- Sim, sim, senhor.

- Isso será segredo nosso. Seu e meu apenas. - Sim, senhor.

- Até lá você continuará como cabeça da casa dele. - Sim, senhor.

- Agora, por favor, diga a Gyoko que venha aqui. Mandarei chamá-la de novo antes de partir. Tenho outras coisas a discutir com você.

- Sim, senhor - Fujiko curvou-se profundamente e disse: - Eu o abençôo por me libertar da vida. - Afastou-se.

Curioso, pensou Toranaga, como as mulheres podem mudar como camaleões - num momento feias, no outro atraentes, às vezes até bonitas, embora na realidade não sejam.

-- Mandou me chamar, senhor?

- Sim, Gyoko-san. Que notícias tem para mim?

- De todo tipo, senhor - disse Gyoko, o rosto bem maquilado sem medo, um brilho nos olhos, mas as tripas se contorcendo. Sabia que não era por coincidência que aquele encontro estava ocorrendo, e seu instinto lhe dizia que Toranaga estava mais perigoso do que o habitual. - As providências para a corporação de cortesãs avançam satisfatoriamente, e as regras e regulamentos estão sendo rascunhados para a sua aprovação. Há uma área excelente ao norte da cidade que. ..

- A área que já escolhi fica perto da costa. O Yoshiwara. Ela o cumprimentou pela escolha, gemendo por dentro. O Yoshiwara - Brejo Vermelho - era atualmente um pântano, infestado de mosquitos, e teria que ser drenado e recuperado, antes de poder ser cercado e suportar uma construção. - Excelente, senhor. Depois: as regras e regulamentos para as gueixas também estão sendo preparados para o seu exame.

- Bom. Faça-os breves e concisos. Que inscrição você colocará sobre a entrada do Yoshiwara?

- "A luxúria não se refreia - alguma coisa tem que ser feita com relação a isso."

Ele riu, e ela sorriu, mas não se descontraiu, e acrescentou séria: - Permita-me agradecer-lhe de novo em nome das gerações futuras, senhor.

- Não foi por você ou por elas que eu concordei - disse Toranaga, e citou uma das suas notas no Legado: - "Os homens virtuosos no decorrer da história sempre censuraram as casas de tolerância ou lugares de `travesseiro', mas os homens não são virtuosos, e se um líder banir as casas e o `travesseiro', será um tolo, porque males maiores logo irromperão como uma peste de furúnculos".

- Como é sábio, senhor.

- E quanto a colocar todos os lugares de "travesseiro" numa única área, isso quer dizer que todos os não-virtuosos poderão ser vigiados, taxados e controlados, todos ao mesmo tempo. Você tem razão de novo, Gyoko-san, "a luxúria não se refreia". Logo se deteriora. O que mais?

- Kiku-san recuperou a saúde, senhor. Perfeitamente.

- Sim, eu vi. Ela está deliciosa! Desculpe.. . Yedo certamente é quente e rude no verão. Tem certeza de que ela está bem agora?

- Sim, oh sim, mas ela sentiu saudades do senhor. Devemos acompanhá-lo a Mishima?

- Que outros boatos você ouviu?

- Apenas que Ishido deixou o Castelo de Osaka. Os regentes formalmente declararam o senhor fora da lei - que impertinência, senhor.

- De que modo ele está planejando me atacar?

- Não sei, senhor - disse ela cautelosamente. - Mas imagino que seja um ataque bifurcado, ao longo da Tokaido com Ikawa Hikoju, partindo de Shinano, já que o Senhor Zataki tola mente se aliou ao Senhor Ishido contra o senhor. Mas atrás das suas montanhas o senhor está seguro. Oh, sim, estou certa de que o senhor viverá até uma idade bem avançada. Com a sua permissão, senhor, vou transferir todos os meus negócios para Yedo.

- Certamente. Enquanto isso, veja se consegue descobrir onde será a investida principal.

- Tentarei, oh, sim, senhor. Estes são tempos terríveis, senhor, quando irmão vai contra irmão, filho contra pai.

De olhos velados, Toranaga anotou mentalmente para aumentar a vigilância sobre Noboru, seu filho mais velho, cuja fidelidade última era para com o táicum. - Sim - concordou. - Tempos terríveis. Tempos de grandes mudanças. Algumas más, outras boas. Você, por exemplo, está rica agora, e o seu filho, por exemplo. Ele não está encarregado da sua fábrica de saquê em Odawara?

Sim, senhor. - Gyoko ficou cinza por baixo da maquilagem.

Tem tido grandes lucros, neh?

Ele com certeza é o melhor administrador de Odawara, senhor.

Assim ouvi dizer. Tenho um serviço para ele. O Anjinsan vai construir um novo navio. Estou providenciando todos os artesãos e materiais, por isso quero o lado comercial tratado com o maior cuidado.

Gyoko quase desmaiou de alívio. Presumira que Toranaga ia destruí-los a todos antes de partir para a guerra, ou taxá-la de modo exorbitante, porque descobrira que ela mentira sobre o Anjin-san e a Senhora Toda, ou sobre o infeliz aborto de Kiku, que não fora por acaso, como ela relatara tão lacrimosamente um mês atrás, mas por cuidadosa indução, por insistência, junto com a submissa anuência de Kiku. - Oh ko, senhor, quando quer meu filho em Yokohama? Ele garantirá que seja o navio mais barato jamais construido.

- Não o quero barato. Quero que seja o melhor - pelo preço mais razoável. Ele será supervisor e responsável, subordinado ao Anjin-san.

- Senhor, tem a minha garantia, o meu futuro, as minhas esperanças de futuro, de que será como o senhor deseja.

- Se o navio for construido perfeitamente, exatamente como o Anjin-san quer, dentro de seis meses a contar do primeiro dia, farei seu filho samurai.

Ela se curvou profundamente e por um momento não conseguiu falar. - Por favor, perdoe uma pobre imbecil, senhor. Obrigada, obrigada.

- Ele tem que aprender tudo o que o Anjin-san sabe sobre a construção do navio, de modo que se possam construir outros depois que ele parta. Neh?

- Será feito.

- Depois: Kiku-san. Os seus talentos merecem um futuro melhor do que apenas estar sozinha numa caixa, uma dentre muitas mulheres.

Gyoko levantou os olhos, novamente esperando pelo pior. - Vai vender o contrato dela, senhor?

- Não, ela não deveria ser cortesã novamente, ou mesmo uma das suas gueixas. Deveria estar numa família, uma senhora dentre poucas, muito poucas.

- Mas, senhor, se ela o vir, ainda que ocasionalmente, como poderia ter uma vida melhor em outro lugar?

Ele permitiu que ela o cumprimentasse, retribuiu, estendendo o cumprimento a Kiku, e disse: - Francamente, Gyoko-san, estou gostando demais dela e não posso me permitir ser distraído. Francamente ela é bonita demais para mim ... perfeita demais ... Por favor, desculpe-me, mas este deve ser outro dos nossos segredos.

- Concordo, senhor, claro, tudo o que desejar - disse Gyoko fervorosamente, ignorando tudo o que fora dito como mentiras, quebrando a cabeça à procura da verdadeira razão. -- Se a pessoa pudesse ser alguém que Kiku pudesse admirar, eu morreria contente.

- Mas somente depois de ver o navio do Anjin-san navegando, no prazo de seis meses - disse ele secamente.

- Sim ... oh, sim. - Gyoko moveu o leque, pois o sol estava quente agora, o ar úmido e abafado, tentando sondar por que Toranaga estava sendo generoso com elas duas, sabendo que o preço seria pesado, muito pesado. - Kiku-san ficará muito perturbada por deixar a sua casa.

- Sim, naturalmente. Acho que deveria haver alguma compensação pela obediência dela a mim, seu suserano. Deixe isso comigo, e por enquanto não toque no assunto com ela.

- Sim, senhor. E quando deseja que meu filho esteja em Yokohama?

- Você será informada antes de eu partir.

Ela se curvou e se afastou a trote. Toranaga foi nadar um pouco. Ao norte o céu estava muito escuro, e ele sabia que devia estar chovendo pesadamente lá.. Quando viu o pequeno grupo de cavaleiros vindo da direção de Yokohama, retornou.

Omi desmontou e desembrulhou a cabeça. - O Senhor Kasigi Yabu obedeceu, senhor, pouco antes do meio-dia. - A cabeça fora recentemente lavada, o cabelo penteado, e estava espetada na ponta de um pequeno pedestal, utilizado normalmente para esse exame.

Toranaga inspecionou um inimigo como já fizera dez mil vezes na vida, perguntando-se, como sempre, como se pareceria a sua própria cabeça depois da morte, examinada pelo seu conquistador, e se demonstraria terror, agonia, raiva, horror, ou tudo isso junto ou nada disso. Ou dignidade. A máscara de morte de Yabu mostrava somente uma cólera frenética, os lábios repuxados para trás num desafio feroz. - Ele morreu bem?

- O melhor que já vi, senhor. O Senhor Hiro-matsu disse o mesmo. Os dois cortes, depois um terceiro na garganta. Sem auxílio e sem ruído - acrescentou Omi. - Aqui está o seu testamento.

- Você decepou a cabeça com um único golpe?

- Sim, senhor. Pedi permissão ao Anjin-san para usar a espada do Senhor Yabu.

- A Yoshitomo? A que eu dei a Yabu? Ele a deu ao Anjin-san?

- Sim, senhor. Eles conversaram por intermédio do Tsukku-san. Ele disse: "Anjin-san, dou-lhe isto para celebrar a sua chegada a Anjiro e como um agradecimento pelo prazer que o pequeno bárbaro me deu". Inicialmente o Anjin-san se recusou a aceitá-la, mas Yabu rogou-lhe que o fizesse e disse: "Nenhum destes comedores de esterco merece uma lâmina assim". O Anjinsan acabou concordando.

Curioso, pensou Toranaga. Eu esperava que Yabu desse a lâmina a Omi.

- Quais foram suas últimas instruções? - perguntou.

Orni contou-lhe. Exatamente. Se não estivessem todas escritas no testamento, que fora dado publicamente à testemunha formal, Buntaro, Omi não as teria comunicado todas e, na reali dade, teria inventado outras. Yabu tinha razão, pensou ele, furioso, lembrando-se de que devia ter sempre em mente que o pincel de escrita era um braço que se alongava da sepultura.

- Para honrar a bravura da morte do seu tio, devo respeitar-lhe os desejos de morte. Todos eles, sem alteração, neh? - disse Toranaga, testando-o.

- Sim, senhor. - Yuki!

- Sim, senhor - disse a criada. - Traga chá, por favor.

Ela saiu correndo, e Toranaga deixou a mente ponderar sobre as últimas vontades de Yabu. Eram todas muito sábias. Mizuno era um imbecil e totalmente no caminho de Omi. A mãe era uma megera velha, irritante e untuosa, também no caminho de Omi. - Muito bem, desde que você concorde, estão confirmadas. Todas elas. E também desejo aprovar os desejos de morte de seu pai antes de se tornarem finais. Como recompensa pela sua devoção, designo-o comandante do Regimento de Mosquetes.

- Obrigado, senhor, mas não mereço essa honra - disse Omi exultante.

-- Naga será o segundo em comando. Depois: você fica nomeado cabeça dos Kasigi e o seu novo feudo serão as terras fronteiriças a Izu, de Atami, a leste, a Nimazu, a oeste, incluindo a capital, Mishima, com a renda anual de trinta mil kokus.

- Sim, senhor, obrigado. Por favor . . . não sei como agradecer-lhe. Não sou digno dessas honras.

- Faça por sê-lo, Omi-sarna -- disse Toranaga afavelmente. - Tome posse do castelo de Mishima imediatamente. Parta de Yokohama hoje. Apresente-se ao Senhor Sudara em Mishima. O Regimento de Mosquetes será enviado para Hakoné e estará lá dentro de quatro dias. Depois, em particular, apenas para o seu conhecimento: estou mandando o Anjin-san de volta a Anjiro.

Ele construirá um novo navio lá. Você passará o seu feudo atual a ele. Imediatamente.

-- Sim, senhor. Posso dar-lhe a minha casa?

- Sim, pode - disse Toranaga, embora, naturalmente, um feudo contivesse tudo+ o que estivesse no local, casas, propriedade, camponeses, pescadores, botes. Os dois homens olharam quan do a risada gorjeaste de Kiku veio ao ar, e viram-na no pátio fazendo o jogo de atirar o leque com a criada, Suisen, cujo contrato Toranaga também comprara como presente de consolo pelo infeliz aborto de Kiku.

A adoração de Orni foi evidente -todos poderiam notála, por mais que tentasse ocultá-la, tão súbita e inesperada fora a aparição dela. Então viram-na olhar na direção deles. Um sorriso adorável espalhou-se peio rosto dela, que acenou alegremente. Toranaga retribuiu e ela voltou ao jogo.

- É bonita, neh?

Omi sentiu as orelhas queimando. - Sim.

Originalmente Toranaga comprara o contrato de Kiku para separá-la de Omi, porque ela era uma das fraquezas de Orni e claramente um prêmio, a ser dado ou recusado, até que Omi tivesse declarado e provado sua real dedicação, e ajudado ou não na eliminação de Yabu. E ele ajudara, miraculosamente, e provara a si mesmo muitas vezes. Investigar os criados fora sugestão de Omi. Muitas, se não todas, das excelentes idéias de Yabu provieram de Omi. Um mês atrás Omi havia desvendado os detalhes da conspiração a fim de assassinar Naga e os outros oficiais marrons durante a batalha.

-- Não há engano nisso, Omì-san? -- perguntara ele quando Omi se apresentara secretamente a ele, em Mishima, enquanto ele esperava o resultado do desafio de Mariko.

- Não, senhor. Kiwami Matano, do Terceiro Regimento de Izu, está lá fora.

O oficial de Izu, um homem de meia-idade, bochechudo, atarracado, revelara a conspiração toda, dando as senhas e explicando como funcionaria o esquema. - Eu não podia mais viver com a vergonha desse conhecimento, senhor. O senhor é o nosso suserano. Claro, para ser justo devo dizer que o plano era apenas para o caso de ser necessário. Imaginei que isso significasse a possibilidade de 1'abu-cama resolver mudar de lado durante a batalha. Sinto muito, o senhor era o alvo principal depois de Naga-san. Depois o Senhor Sudara.

- Quando foi dada a ordem para esse plano e quem está a par dele?

- Pauco depois de o regimento ser formado. Cinqüenta e quatro de nós sabemos, dei todos os nomes por escrito a Omisama. O plano, de codinome "Ameixeira", foi confirmado pessoal mente por Kasigi Yabu-sarna antes de ele partir para Osaka a última vez.

- Obrigado. Cumprimento-lhe a lealdade. Deve manter isso em segredo até que eu the diga. Depois receberá um feudo no valor de cinco mil kokus.

- Por favor, desculpe-me. não mereço nada, senhor. Imploro permissão para cometer .reppuku, por ter guardado esse segredo vergonhoso tanto tempo.

- A permissão é recusada. Será conforme eu ordenei.

- Por favor, desculpe-me, não mereço essa recompensa. Pelo menos permita-me continuar como estou. Era o meu dever e não merece recompensa. Na realidade eu deveria ser punido. - Qual é a sua renda agora?

- Quatrocentos kokus, senhor. É suficiente. - Considerarei o que você diz, Kiwa-mi-san.

Depois que o oficial se fora, ele dissera: - O que prometeu a ele, Omi-san?

- Nada, senhor. Ele me procurou espontaneamente ontem. -- Um homem honesto? Está me dizendo que ele é um homem honesto?

- Não sei nada sobre isso, senhor. Mas ele me procurou ontem, e eu corri para cá para lhe dizer.

- Então ele realmente será recompensado. Tal lealdade é mais importante do que qualquer coisa, neh?

- Sim, senhor.

- Não diga nada sobre isso a ninguém.

Omi partira e Toranaga perguntara a si mesmo se Mizuno e ele não teriam forjado a conspiração para desacreditar Yabu. Imediatamente colocou seus espiões para descobrirem a verdade. Mas a conspiração era autêntica, e a queima do navïo fora uma desculpa perfeita para eliminar os cinqüenta e três traidores, todos os quais tinham sido calocados entre os guardas de Izu naquela noite. Kiwami Matano fora mandado para a norte, com um bom feudo, embora modesto.

- Com certeza esse Kiwami é o mais perigoso de todos -~ dissera a Sudara, o único a ser informado da trama.

- Sim. E será vigiado o resto da vida e nunca merecerá

confiança. Mas geralmente o bem exïste nas pessoas más e a mal nas pessoas boas. Deve-se escolher o bem e eliminar o mal, sem sacrificar o bom. Não há desperdício nos meus domínios para ser jogado fora levianamente.

Sim, pensou Toranaga com grande satisfação, você certamente merece um prêmio, Omi.

- Ouça, Omi-san, a batalha começará em poucos dias. Voeé me serviu lealmente. No último campo de batalha, após a minha vitória, nomeá-lo-ei governador de Izu, e farei novamente da linhagem Kasìgi daimios hereditários.

- Sinto muito, senhor, por favor, desculpe-me, mas não mereço essa honra - dìsse Omi.

- Você é jovem mas promete muito, mais do que a sua idade deixaria supor. Seu avô era muito parecido com você, muito inteligente, mas não tinha paciência. - Novamente o som da risada das senhoras, e Toranaga observou Kiku, tentando resolver sobre ela, o plano original agora posta de lado.

- Passo perguntar-lhe o que quer dizer com "paciência", senhor? - dìsse Omí, instintivamente sentindo que Toranaga desejava que a pergunta fosse feita.

Toranaga ainda olhava para a garota, entusiasmado com ela. - Paciência quer dizer conter-se. Existem sete emoções, neh? Alegria, ira, ansiedade, adoração, pesar, medo e ódio. Se um homem não cede a elas, é paciente. Eu nãa sou tão forte quanto poderia ser, mas ,sou paciente. Compreende?

- Sim, senhor. Com toda a clareza.

- A paciência é muito necessária num líder. - Sìm.

- Aquela senhora, par exemplo. É uma distração para mim, bela demais, perfeita demais para mim, Sou simples demais para uma criatura tão rara. Por isso resolvi que ela pertence a outro lugar.

- Mas, senhor, mesmo como uma das suas damas menores. . . - Omi pronunciou a cortesia que os dois homens sabiam ser um fingimento, embora obrigatória, e o tempo todo rezava como nunca rezara antes, sabendo o que era possível, sabendo que nunca poderia pedir.

- Concorda totalmente - disse Toranaga. - Mas um grande talento merece sacrifício. - Ainda a observava jogando o leque, pegando o leque da criada de volta, sua alegria conta giaste. Então a vista das duas mulheres foi obscurecida pelos cavalos. Sinto muito, Kiku-san, pensou ele, mas tenho que passá-la adiante, instalá-la fora do meu alcance rapidamente. A verdade é que realmente estou gostando demais de você, embora Gyoko nunca acreditasse que eu lhe disse a verdade, nem Omi, nem você mesma. - Kiku-san é digna de ter sua própria casa. Com seu próprio marido.

- Melhor ser consorte do samurai mais baixo do que esposa de um fazendeiro ou mercador, por mais rico que seja.

- Não concordo.

Para Omi essas palavras encerraram o assunto. Karnza, disse a si mesmo, seu sofrimento dominando-o. Afaste a tristeza, imbecil. O seu suserano decidiu, portanto está encerrado. Midori

é uma esposa perfeita. Sua mãe vai se tornar monja, portanto agora a sua casa terá harmonia.

Tanta tristeza hoje. E felicidade: futuro daimio de Izu; comandante do regimento; o Anjin-san será mantido em Anjiro, conseqüentemente o primeiro navio será construído em Izu. Ponha de lado a sua tristeza. A vida é toda feita de tristeza. Kiku-san tem seu lcurzzuz, eu o meu, Toranaga o dele, e o meu Senhor Yabu mostra como é tolo preocupar-se sobre isto, aquilo ou qualquer coisa.

Omi levantou os olhos para Toranaga, a mente clara, tudo no respectivo compartimento: - Por favor, desculpe-me, senhor, peço-lhe perdão. Eu não estava pensarvdo com clareza.

- Pode saudá-la se desejar, antes de partir.

- Obrigado, senhor. - Omi envolveu a cabeça de Yabu. - Deseja que eu a enterre ou que a exiba?

- Espete-a numa lança, de frente para os destroços do navio.

- Sim, senhor.

- Qual foi o pomar de morte dele? Omi disse:

- "O que são nuvens

Senão uma desculpa para o céu? O que é a vida

Senão uma fuga da morte?"

Toranaga sorriu. - Interessírnte - disse.

Omi curvou-se, entregou a cabeça embrulhada a um de seus homens e dirigiu-sc por entre os cavalos e samurais até o pátio. - Ah, senhora - disse ele, com uma formalidade gentil. - Estou muito satisfeito de vê-la bem e feliz.

- Estou com meu senhor, Omi-san, e contente. Como poderia eu estar senão feliz? - Sayonara, senhora.

- Sayonara, Omi-san. - de um imenso caráter final que ma brotou e ela a secou e se afastava.

Observou-lhe o prestes a se romper.

Ela se curvou, consciente agora nunca percebera antes. Uma lágrima curvou de novo, enquanto ele se andar firme e teria chorado alto, o coração mas então, como sempre, ouviu na memória as palavras tantas vezes pronunciadas, faladas gentilmente, faladas sabiamente: "Por que chora, criança? Nós, do Mundo Flutuante, vivemos apenas para o momento, dando todo o nosso tempo aos prazeres das flores de cerejeira, da neve, das folhas de bordo, do chamado de um grilo, da beleza da luz, minguando, crescendo e renascendo, cantando nossas canções e tomando chá e saquê, conhecendo perfumes e o toque das sedas, acariciando por prazer, e devaneando, sempre devaneando. Ouça, criança, nunca fique triste, sinta-se sempre vagando como um lírio na correnteza cio rio da vida. Como você tem sorte, Kiku-chan, você é uma princesa do Ukiyo, do Mundo Flutuante, devaneie, viva o momento..." Kiku secou uma segunda lágrima, uma última lágrima. Garota tola, chorando assim. Pare de chorar! ordenou a si mesma. Você tem uma sorte inacreditável! É consorte do maior daimio, embora seja uma consorte menor, não oficial, mas o que importa isso? Os seus filhos nascerão samurais. Esse não é o presente mais inacreditável do mundo? O adivinho não predisse essa boa fortuna incrível, que era para não se acreditar nunca? Mas agora é verdade, neh? Se você tem que chorar, há coisas mais impórtantes por que chorar. Sobre a semente crescendo no seu ventre, que o chá de gosto esquisito tirou de você. Mas por que chorar por isso? Ainda nem era uma criança, e quem era o pai? De verdade?

- Não sei, não com certeza, Gyoko-san, sinto muito, mas acho que é do meu senhor - dissera ela finalmente, desejando muito um filho dele para concretizar a promessa de samurai.

- Mas digamos que a criança nasça com olhos azuis e a pele clara? Poderia, neh? Conte os dias.

- Contei e retomei, oh, como contei!

- Então seja honesta consigo mesma. Sinto muito, mas o futuro de nós duas depende agora de você. Tem muitos anos férteis pela frente. Está só com dezoito anos, criança, neh? É melhor ter certeza, neh?

Sim, pensou ela de novo, como a senhora é sábia, Gyoko-san, e como eu fui tola, estava enfeitiçada. Era apenas um começo, e como somos sensatos, nós, japoneses, em saber que uma criança não é uma criança propriamente dita até trinta dias após o nascimento, quando o espírito se fixa firmemente no corpo e seu ,karma se torna inexorável. Oh, como tenho sorte, e quero um filho, outro e outro e nunca uma filha. Coitadas das meninas! ó deuses, abençoem o adivinho e obrigada, obrigada pelo meu karma, por eu ser favorecida pelo grande daimio, por meus filhos serem samurais e, oh, por favor, façam-me digna de tanta maravilha...

- O que é, ama? - perguntou a pequena Suisen, amedrontada com a alegria que parecia brotar de Kiku.

Kiku suspirou, contente. - Eu estava pensando no adivinho, no meu senhor, no meu karma, apenas devaneando, devaneando... Avançou pelo pátio, protegendo-se com a sombrinha escarlate, à procura de Toranaga. Ele estava quase escondido pelos cavalos e samurais e falcões no pátio, mas ela conseguiu vê-lo ainda na varanda, tomando chá agora, Fujiko curvando-se à sua frente de novo. Logo será a minha vez, pensou ela. Talvez esta noite possamos começar uma nova criança. Oh, por favor . . . Então, extremamente feliz, voltou ao jogo.

Fora dos portões, Omi montou e partiu a galope com seus guardas, cada vez mais depressa, a velocidade revigorando-o, limpando-o, o pungente cheiro de suor do seu cavalo agradando-lhe. Não se voltou para olhar para ela, porque não havia necessidade. Sabia que abandonara toda a paixão da vida, e tudo o que adorara, aos pés dela. Tinha certeza de que nunca conheceria a paixão novamente, o êxtase de união espiritual que incandescia homem e mulher. Mas isso não lhe desagradou. Pelo contrário, pensou ele com uma claridade de gelo recém-descoberta, abençôo Toranaga por me libertar dessa servidão. Agora nada me prende. Nem pai nem mãe nem Kiku. Agora também posso ser paciente. Tenho vinte e um anos, sou quase daimio de Izu, e tenho um mundo a conquistar.

- Sim, senhor? -- estava dizendo Fujiko.

- Você irá diretamente daqui para Anjiro. Resolvi trocar o feudo do Anjin-san, Yokohama, por Anjiro. Vinte ris em cada direção a partir da aldeia, com uma renda anual de quatro mil kokus. Você ficará com a casa de Omi-san.

- Permita-me agradecer-lhe em nome dele, senhor. Sinto muito, estou entendendo que ele ainda não sabe disso?

- Não. Vou dizer-lhe hoje. Ordenei-lhe que construísse outro navio, Fujiko-san, para substituir o que se perdeu, e Anjiro será um estaleiro perfeito, muito melhor que Yokohama. Combi nei com a mulher Gyoko para que o filho mais velho dela seja supervisor comercial para o Anjin-san, e todos os materiais e artesãos serão pagos pela minha tesouraria. Você terá que ajudá-lo a estabelecer alguma forma de administração.

- Oh ko, senhor - disse ela, imediatamente preocupada. - O tempo que me sobra com o Anjin-san será tão curto.

- Sim. Terei que encontrar outra consorte para ele - ou esposa. Neh?

Fujiko levantou os olhos, os olhos estreitando-se. E disse: - Por favor, como posso ajudar?

- A quem sugere? - perguntou Toranaga. - Quero que o Anjin-san esteja contente. Homens contentes trabalham melhor, neh?

- Sim. - Fujiko rebuscou na mente. Quem se compararia a Mariko-san? Então sorriu. - Senhor, a atual esposa de Omi-san, Midori-san. A mãe dele a odeia, conforme o senhor sabe, e quer que Omi se divorcie - sinto muito, mas ela teve a surpreendente falta de educação de dizer isso na minha frente. Midori-san é uma senhora adorável e, oh, tão inteligente.

- Acha que Omi quer se divorciar? - Outra peça do quebra-cabeça que se encaixa no lugar.

- Oh, não, senhor, tenho certeza de que não. Que homem realmente deseja obedecer à mãe? Mas essa é a nossa lei, por isso ele deveria ter-se divorciado na primeira vez em que os pais mencionaram isso, neh? Ainda que sua mãe tenha um temperamento péssimo, com certeza ela sabe o que é melhor para ele, claro. Sinto muito, tenho que ser sincera, já que este assunto é muito importante. Claro que não tenho a intenção de ofender, senhor, mas o dever filial para com os pais é o sustentáculo da nossa lei.

- Concordo - disse Toranaga, ponderando sobre essa nova e feliz idéia. - O Anjin-san consideraria Midori-san uma boa sugestão?

- Não, senhor, não se o senhor ordenar o casamento ... mas, desculpe, não há necessidade de o senhor ordenar.

- Oh?

- O senhor talvez pudesse encontrar um meio de fazê-lo pensar nisso por si. Isso certamente seria melhor. Com Omi-san, claro, o senhor simplesmente ordena.

- Claro. Você aprovaria Midori-san?

- Oh, sim. Ela tem dezessete anos, seu filho é saudável, ela é de boa linhagem samurai, portanto daria belos filhos ao Anjin-san. Suponho que os pais de Omi insistirão para que Midori entregue o filho a Omi-san, mas, se não o fizerem, o Anjin-san poderia adotá-lo. Sei que o meu amo gosta dela, porque Marikosama contou-me que o arreliava com ela. Ela é de ótima linhagem samurai, muito prudente, muito inteligente. Oh, sim, ele estaria muito seguro com ela. Além disso seus pais estão mortos, portanto não haveria ressentimento por parte deles quanto ao casamento dela com um ... com o Anjin-san.

Toranaga brincou com a idéia. Eu certamente tenho que manter Omi desnorteado, disse a si mesmo. O jovem Omi pode se tornar um estorvo ao meu lado com toda a facilidade. Bem, não terei que fazer nada para que Midori se divorcie. O pai de Omi certamente terá últimas vontades definidas antes de cometer seppuku, e a esposa insistirá, com certeza, em que a última coisa mais importante que ele faça neste mundo seja casar o filho corretamente. Então Midori estará divorciada dentro de poucos dias, de qualquer modo. Sim, ela seria uma ótima esposa.

- Além dela, Fujiko-san, que tal Kiku, Kiku-san?

Fujiko olhou-o fixamente. - Oh, sinto muito, senhor, vai abandoná-la?

- Talvez. Bem?

- Eu teria pensado que Kiku-san seria uma perfeita consorte não oficial, senhor. É brilhante e maravilhosa. Mas embora eu entenda que ela seria uma distração enorme para um homem comum, sinto muito, levaria anos até que o Anjin-san fosse capaz de apreciar a qualidade rara do seu canto, da sua dança ou do seu espírito. Como esposa? - perguntou ela, com a ênfase suficiente para indicar total desaprovação. - As damas do Mundo do Salgueiro geralmente não são educadas do mesmo modo que... que as outras, senhor. Seus talentos repousam em outra parte. Ser responsável pelas finanças e os negócios da casa de um samurai é diferente do Mundo do Salgueiro.

- Ela poderia aprender?

Fujiko hesitou um longo momento. - O ideal para o Anjinsan seria Midori-san como esposa, Kiku-san como consorte.

- Elas poderiam aprender a viver com as, há, atitudes diferentes dele?

- Midori-san é samurai, senhor. Seria dever dela. O senhor lhe ordenaria. Kiku-san também.

- Mas não o Anjin-san?

- O senhor o conhece melhor do que eu. Mas em coisas de "travesseiro", há... seria melhor que ele, bem, pensasse nisso sozinho.

- Toda Mariko-sama teria dado uma esposa perfeita para ele. Neh?

- Essa idéia é extraordinária, senhor - replicou Fujiko, sem piscar. - Certamente ambos tinham um enorme respeito mútuo.

- Sim - disse ele secamente. - Bem, obrigado, Fujikosan. Considerarei o que você disse. Ele estará em Anjiro dentro de uns dez dias.

- Obrigada, senhor. Se eu puder sugerir, o porto de Ito e a nascente de Yokosé deveriam ser incluídos no feudo do Anjin-san.

- Por quê?

- Ito só para o caso de Anjiro não ser grande o bastante. Talvez fossem necessárias carreiras maiores, para um navio tão grande. Talvez estivessem disponíveis lá. Yokosé porq ...

- Estão?

- Sim, senhor. E ... - Você esteve lá?

- Não, senhor. Mas o Anjin-san se interessa pelo mar. O senhor também. Era meu dever tentar aprender sobre navios e navegação, e, quando fomos informados de que o navio do Anjin san tinha pegado fogo, perguntei a mim mesma se seria possível construir outro, e se fosse, onde e como. lzu é a escolha perfeita, senhor. Será fácil manter os exércitos de Ishido a distância.

- E por que Yokosé?

- E Yokosé porque um hatamoto deve ter um lugar nas montanhas, onde o senhor pudesse ser recebido no estilo que tem o direito de esperar.

Toranaga observava-a atentamente. Fujiko parecia muito dócil e modesta, mas ele sabia que era tão inflexível quanto ele mesmo, e nem um pouco pronta a ceder em nenhum dos dois pontos, a menos que ele ordenasse. - Concordo. E considerarei o que você disse sobre Midori-san e Kiku-san.

- Obrigada, senhor - disse ela com humildade, contente por haver cumprido o dever para com o amo e saldado seu débito com Mariko. Ito pelas carreiras, e Yokosé porque Mariko dissera que fora lá que o "amor" deles realmente começara.

- Tenho tanta sorte, Fujiko-chan - dissera-lhe Mariko em Yedo. - Nossa viagem para cá trouxe-me mais alegria do que eu tenho o direito de esperar em vinte vidas.

- Imploro-lhe que o proteja em Osaka, Mariko-san. Sinto muito, ele não é como nós, não é civilizado como nós, pobre homem. O nirvana dele é a vida e não a morte.

Isso ainda é verdade, pensou Fujiko novamente, abençoando a memória de Mariko. Mariko salvara o Anjin-san, ninguém mais - não o Deus cristão ou quaisquer deuses, não o próprio Anjin san, nem mesmo Toranaga, ninguém -, apenas Mariko, sozinha. Toda Mariko-noh-Akechi Jinsai o salvara.

Antes de morrer, vou erigir um santuário em Yokosé e deixarei um legado para outro em Osaka e outro em Yedo. Será um dos meus desejos de morte, Toranaga-sama, prometeu ela a si mesma, olhando para ele pacientemente, animada pelas outras coisas agradáveis que ainda havia por fazer em nome do Anjin-san. Midori como esposa, certamente, nunca Kiku como esposa, apenas como consorte e não necessariamente consortechefe, e o feudo aumentado até Shimoda, no extremo sul da costa de Izu. - Deseja que eu parta imediatamente, senhor?

- Fique aqui esta noite, depois vá direto amanhã. Não via Yokohama.

- Sim. Compreendo. Desculpe, posso tomar posse do novo feudo do meu amo em seu nome - e de tudo o que contém -, no momento em que eu chegar?

- Kawanabi-san lhe dará os documentos necessários antes que você parta. Agora, por favor, mande Kiku-san a mim. Fujiko curvou-se e saiu.

Toranaga grunhiu. Uma pena que essa mulher vá pôr fim à vida. Ela é quase valiosa demais para se perder, e esperta demais. Ito e Yokosé? Ito é compreensível. Por que Yokosé? E o que mais ela tinha em mente?

Viu Kiku atravessando o pátio banhado de sol, os pezinhos em tabis brancos, quase dançando, tão doce e elegante com suas sedas, a sombrinha carmesim, o desejo de cada homem à vista dele. Ah, Kiku, pensou ele, não posso me permitir esse desejo, desculpe-me. Não posso me permitir ter você nesta vida, sinto muito. Você deveria ter continuado onde estava, no Mundo Flutuante, cortesã de primeira classe. Ou, até melhor, gueixa. Com que idéia ótima aquela velha megera me saiu! Então você estaria segura, propriedade de muitos, a adorada de muitos, o ponto central de suicídios trágicos e disputas violentas e encontros maravilhosos, adulada e temida, coberta de dinheiro, que você trataria com desdém, uma lenda - enquanto a sua beleza durasse. Mas agora? Agora não posso conservá-la, sinto muito. Qualquer samurai a quem eu a dê leva para a casa uma faca de dois gumes: uma distração completa e a inveja de todos os outros homens. Neh? Poucos concordariam em se casar com você, sinto muito, mas essa é a verdade e este é um dia de verdades. Fujiko tinha razão. Você não foi educada para dirigir a casa de um samurai, sinto muito. Assim que a sua beleza se for... oh, a sua voz durará, criança, e o seu espírito, mas logo você será atirada ao monte de esterco do mundo. Sinto muito, mas isso também é verdade. Outra verdade é que as mais altas damas do Mundo Flutuante são conservadas no seu Mundo Flutuante para dirigir outras casas quando a idade se abate sobre elas, mesmo sobre as mais famosas, para chorar pelos amantes perdidos, pela juventude perdida em barris de saquê, aguado pelas suas lágrimas. As inferiores quando muito tornam-se esposas de um fazendeiro, um pescador, um mercador ou um rico vendedor ou artesão, de cuja vida você nasceu - a flor rara e inesperada que aparece na selva por nenhuma outra razão senão karma, para florescer rapidamente e se extinguir rapidamente.

Tão triste, muito triste. Como lhe dou filhos samurais? Conserve-a para o resto da vida, disse-lhe o seu coração secreto. Ela merece. Não se iluda como ilude aos outros. A verdade é que você poderia conservá-la facilmente, tirando-lhe um pouco, deixando-lhe muito, exatamente como à sua favorita, Tetsu-ko, ou Kogo. Kiku não é exatamente como um falcão para você? Apreciada, sim, única, sim, mas apenas um falcão que você alimenta no punho, para lançar sobre uma presa e chamar de volta com um engodo, para, após uma estação ou duas, soltar a esmo e desaparecer para sempre? Não minta a si mesmo, isso é fatal. Por que não conservá-la? Ela é apenas um falcão, embora muito especial, de vôo muito alto, muito bela de ver, mas nada mais, rara certamente, única certamente, e, oh, tão "travesseirável" ...

- Por que ri? Por que está tão feliz, senhor? - Porque você é uma alegria de se ver.

Blackthorne apoiou o próprio peso contra um dos três cabos grossos que estavam presos à quilha do navio. - Hipparuuuuuuu! - gritou - Puuuuuuuuuxem!

Havia cem samurais, só de tanga, puxando cada corda vigorosamente. Era de tarde agora, a maré estava baixa, e Blackthorne esperava poder deslocar o resto do navio e trazê-lo para a praia, para aproveitar tudo. Adaptara o primeiro plano quando descobrira, para júbilo seu, que todos os canhões tinham sido resgatados ao mar no dia seguinte ao holocausto e que estavam quase tão perfeitos quanto no dia em que haviam deixado a fundição perto de Chatham, no condado de Kent. Além disso quase mil balas de canhão, correntes e muitas coisas de metal tinham sido recuperadas. A maior parte estava retorcida e esfolada, mas ele tinha o essencial de um navio, melhor do que sonhara possível.

- Maravilhoso, Naga-san! Maravilhoso! - cumprimentara-o ele ao descobrir toda a extensão do que fora poupado.

- Oh, obrigado, Anjin-san. Tentei arduamente, sinto muito. - Não se lamente mais. Tudo bem agora!

Sim, regozijou-se ele. Agora The Lady pode ser um nadinha mais comprida e um nadinha mais larga, mas ainda será um galgo, para acabar com o inimigo.

Ah, Rodrigues, pensara ele sem rancor, estou contente de que você esteja a salvo, este ano, e que haja outro homem para afundar no ano que vem. Se Ferreira for capitão-mor de novo, será um presente do céu, mas não vou contar com isso e estou contente que você esteja indo embora. Devo-lhe a vida e você foi um piloto formidável.

- Hipparuuuuuuuu! - gritou ele de novo, e os cabos estremeceram, o mar escorrendo deles como suor, mas o navio não se moveu.

Desde aquele amanhecer na praia com Toranaga, a carta de Mariko nas mãos, os canhões descobertos logo depois, os dias deixaram de ter horas suficientes. Ele esboçara projetos iniciais, fizera e refizera listas, mudara os planos e muito cuidadosamente oferecera listas de homens e materiais necessários, não querendo que houvesse erro algum. E quando o dia findava, ele trabalhava no dicionário noite adentro, para aprender as novas palavras de que precisaria para dizer aos artesãos o que desejava, para descobrir o que eles já tinham e o que já podiam fazer. Muitas vezes, em desespero, tivera vontade de pedir ao padre que o ajudasse, mas sabia que não havia ajuda ali agora, que sua inimizade estava inexoravelmente fixada.

Karma, disse-se ele sem mágoa, com pena do padre pelo seu fanatismo ilegítimo.

- Hipparuuuuu!

Novamente os samurais fizeram força contra a garra da areia e do mar, então começaram a entoar uma canção e puxaram em uníssono. O casco moveu-se um nada, eles redobraram os esfor ços, então o resto do navio soltou-se com um estremecimento e eles se esparramaram na areia. Levantaram-se, rindo, cumprimentando-se, e se agarraram às cordas de novo. Mas o navio estava firme de novo.

Blackthorne mostrou-lhes como levar as cordas para um lado, depois para outro, tentando soltar o navio para bombordo ou estibordo, mas estava tão fixo como se estivesse ancorado.

- Terei que colocar bóias nele, depois a maré fará o trabalho e o erguerá - disse ele alto em inglês.

- Dozo? - disse Naga, desorientado.

- Ah, gomen nasal, Naga-san. - Por meio de sinais e desenhos na areia, explicou, amaldiçoando a sua falta de palavras, como fazer uma balsa e amarrá-la às costelas na maré baixa; depois a maré alta faria flutuar o navio e eles poderiam puxá-lo para a praia e abicá-lo. Na outra maré baixa seria fácil lidar porque eles teriam colocado rolos onde apoiar o casco.

- Ah so desu! - disse Naga, impressionado. Quando explicou aos demais oficiais, eles também se admiraram muito, e os vassalos de Blackthorne se envaideceram com a importância que deduziram disso.

Blackthorne notou isso e apontou um dedo para um deles. - Onde estão as suas maneiras?

- O quê? Oh, desculpe, senhor, por favor, desculpe-me por tê-lo ofendido.

- Hoje desculparei, amanhã não. Nade até o navio - desamarre esta corda. - O samurai roam tremeu e rolou os olhos nas órbitas. - Sinto muito, senhor, não sei nadar.

Fez-se silêncio na praia e Blackthorne sabia que estavam todos esperando para ver o que aconteceria. Ficou furioso consigo mesmo, pois uma ordem era uma ordem e involuntariamente ele dera uma sentença de morte que desta vez não era merecida. Pensou um momento. - As ordens de Toranaga-sama todos os homens aprender nadar. Neh? Todos os meus vassalos nadam dentro de trinta dias. Melhor nadar em trinta dias. Você, na água - a primeira aula agora.

Receoso, o samurai começou a entrar no mar, sabendo que era um homem morto. Blackthorne juntou-se a ele e, quando a cabeça do homem afundou, puxou-o para cima, sem nenhuma delicadeza, e fê-lo nadar, deixando-o submergir mas nunca perigosamente, até os destroços, o homem tossindo, tendo ânsias de vômito e prosseguindo. Depois puxou-o de volta à praia e a vinte jardas dos baixios empurrou-o para a frente. - Nade!

O homem fez isso como um gato semi-afogado. Nunca mais ele se daria ares de importância na frente do amo. Os companheiros aplaudiram e os homens na praia rolaram de rir na areia, os que sabiam nadar.

- Muito bom, Anjin-san - disse Naga. - Muito sábio. - Riu de novo, depois disse: - Por favor, mandei homens buscar bambu. Para balsa, neh? Amanhã tentar trazer tudo para cá. - Obrigado.

- Puxar mais hoje?

- Não, não, obrigado. . . -Blackthorne parou e seus olhos se turvaram. O Padre Alvito estava em pé sobre uma duna, observando-os. - Não, obrigado, Naga-san. Acaba tudo por aqui hoje. Por favor, com licença um momento. - Foi pegar as roupas e espadas, mas seus homens lhe trouxeram tudo rapidamente. Sem pressa, vestiu-se e enfiou a espada no sash.

- Boa tarde - disse ele, aproximando-se de Alvito. O padre parecia abatido, mas havia cordialidade no seu rosto, como houvera antes da violenta discussão nos arredores de Mishima. A cautela de Blackthorne aumentou.

- Ao senhor também, capitão-piloto. Vou partir esta manhã. instante. Importa-se?

Não, em absoluto.

O que vai fazer, tentar fazer flutuar o Sim.

Receio que isso não vá ajudar. Não tem importância. Vou tentar. Realmente acredita que pode construir outro navio?

Oh, sim - disse Blackthorne com paciência, perguntanque Alvito teria em mente.

- Vai trazer o resto da sua tripulação para cá, para ajudá-lo?

- Não - disse Blackthorne após um momento. - É melhor que fiquem em Yedo. Quando o navio estiver quase acabado. .. há muito tempo para trazê-los para cá.

- Eles vivem com etas, não? - Sim.

- É essa a razão pela qual o senhor não os quer aqui? - Uma delas.

- Não o censuro. Ouvi dizer que estão todos muito turbulentos e bêbados a maior parte do tempo. O senhor soube que, ao que consta, há uma semana mais ou menos houve uma pequena desordem entre eles e a casa se incendiou?

- Não. Alguém se feriu?

- Não. Mas só pela graça de Deus. rece que um deles fez uma destilaria. É faz a um homem.

- Sim. É uma pena rão outra.

Alvito assentiu e olhou de novo para as costelas banhadas pelas ondas. - Eu queria lhe dizer, antes de partir, que sei o que a perda de Mariko-san representa para o senhor. Fiquei extre mamente entristecido com a sua história sobre Osaka, mas de certo modo exaltado. Compreendo o que significou o sacrifício dela... Ela lhe contou sobre o pai, toda aquela outra tragédia? - Sim. Alguma coisa.

- Ah. Então o senhor também compreende. Conheci Ju-san Kubo muito bem.

- O quê? Refere-se a Akechi Jinsai?

- Oh, desculpe, sim. É esse o nome pelo qual ele é conhecido agora. Mariko-sama não lhe contou?

- Não.

- O táicum ironicamente o apelidou assim: Ju-san Kubo, Xógum dos Treze Dias. A rebelião dele - ao condenar seus homens ao grande seppuku - durou apenas treze dias. Era um homem excelente, mas odiava-nos, não porque éramos cristãos, mas porque éramos estrangeiros. Freqüentemente me perguntei se Mariko não se tornou cristã apenas para aprender os nossos procedimentos, a fim de nos destruir. Ele dizia freqüentemente que eu tinha envenenado Goroda contra ele.

- Envenenou? -- Não.

- Como era ele?

- Um homem baixo, calvo, muito orgulhoso, um excelente general e um poeta de grande notoriedade. Muito triste terminar daquele jeito, todos os Akechi. E agora a última deles. Pobre Mariko... mas o que ela fez salvou Toranaga, se Deus assim o desejar. - Os dedos de Alvito tocaram o rosário. Após um momento, disse: - Além disso, piloto, antes de partir quero me desculpar por... bem, estou contente que o padre-inspetor estivesse lá para salvá-lo.

- Desculpa-se pelo meu navio também?

- Não pelo Erasimis, porque não tive nada a ver com isso. Peço desculpas apenas por aqueles homens, Pesaro e o capitãomor. Estou contente que o seu navio tenha sido destruído.

- Shigata ga nai, padre. Logo terei outro. - Que tipo de embarcação tentará construir? - Uma que seja grande e forte o suficiente. - Para atacar o Navio Negro?

- Para navegar de volta à Inglaterra e me defender de qualquer um.

- Será um desperdício, todo esse esforço. - Haverá outro "ato de Deus"?

- Sim. Ou sabotagem.

- Se houver e o meu navio falhar, construo outro, e se esse falhar, outro. Vou construir um navio e quando voltar à Inglaterra vou pedir, emprestar, comprar ou roubar um privateer e então voltarei para cá.

- Sim. Eu sei. É por isso que nunca partirá. O senhor sabe demais, Anjin-san. Disse-lhe isso antes e digo de novo, mas sem maldade. Realmente. É um bravo homem, um excelente adver sário, digno de respeito, e eu o respeito, e deveria haver paz entre nós. Vamos nos ver muito um ao outro ao longo dos anos - se algum de nós sobreviver à guerra.

- Vamos nos ver?

- Sim. O senhor está muito bom em japonês. Logo será o intérprete pessoal de Toranaga. Não deveríamos discutir, o senhor e eu. Receio que nossos destinos estejam interligados. Mariko-san também lhe disse isso? A mim disse.

- Não. Ela nunca disse. O que mais ela lhe disse?

- Rogou-me que fosse seu amigo, que o protegesse se pudesse. Anjin-san, não vim aqui para espicaçá-lo, ou para discutir, mas para pedir paz antes de partir.

- Aonde vai?

- Primeiro a Nagasaki, de navio, saindo de Mishima. Há negociações comerciais a concluir. Depois para onde quer que Toranaga vá, onde quer que seja a batalha.

- Eles o deixarão comerciar livremente, apesar da guerra? - Oh, sim. Eles precisam de nós, vença quem vencer. Com certeza podemos ser razoáveis e fazer a paz, o senhor e eu. Peço por causa de Mariko-sama.

Blackthorne não disse nada por um instante. - Uma vez tivemos uma trégua, porque ela quis. Ofereço-lhe isso. Uma trégua, não uma paz - desde que o senhor concorde em não chegar

a mais de cinqüenta milhas do ponto onde estiver o meu estaleiro. - Concordo, piloto, claro que concordo, mas o senhor não tem nada a recear de mim. Uma trégua, então, em memória dela. - Alvito estendeu a mão. - Obrigado.

Blackthorne apertou a mão com firmeza. Então Alvito disse: - O funeral dela será logo em Nagasaki. Deve ser na catedral. O padre-inspetor dirá o serviço pessoalmente. Parte de suas cinzas serão sepultadas lá.

- Ela gostaria disso. - Blackthorne observou os destroços do navio um momento, depois olhou de novo para Alvito. - Uma coisa que eu ... eu não mencionei a Toranaga: pouco antes de ela morrer eu a abençoei como um padre faria, e dei-lhe os últimos ritos do melhor modo que pude. Não havia mais ninguém e ela era católica. Não creio que me tenha ouvido, não sei se estava consciente. E repeti na cremação. Isso... isso seria a mesma coisa? Seria aceitável? Tentei fazê-lo diante de Deus, não o meu, nem o seu, mas Deus.

- Não, Anjin-san. Somos ensinados que não seria a mesma coisa. Mas dois dias antes de morrer ela pediu e recebeu absolvição do padre-inspetor, e foi santificada.

- Então ...       então ela sabia o tempo todo que tinha que morrer... acontecesse o que acontecesse, ela era um sacrifício. - Sim, Deus a abençoe e estime!

- Obrigado por me dizer - disse Blackthorne. - Eu... eu estive sempre preocupado que a minha intercessão não servisse, embora eu ... Obrigado por me dizer.

- Sayonara, Anjin-san - disse Alvito, oferecendo a mão de novo.

- Sayonara, Tsukku-san. Por favor, acenda uma vela para ela ... por mim.

-- Farei isso.

Blackthorne apertou a mão e ficou olhando o padre se afastar, alto e forte, um adversário digno. Seremos sempre inimigos, pensou. Ambos sabemos disso, com trégua ou sem trégua. O que você diria se soubesse do plano de Toranaga e do meu plano? Nada além do que já ameaçou, neh? Bom. Compreendemos um ao outro. Uma trégua não fará mal algum. Mas não vamos nos ver tanto assim, Tsukku-san. Enquanto o meu navio estiver sendo construído, tomarei o seu lugar como intérprete com Toranaga e os regentes, e logo você estará fora das negociações de comércio, mesmo enquanto os navios portugueses ainda carregarem a seda. E tudo isso também mudará. Minha frota será apenas o começo. Em dez anos o Leão da Inglaterra dominará estes mares. Mas primeiro The Lady, depois o resto ...

Contente, Blackthorne voltou para junto de Naga e estabeleceu planos para o dia seguinte, depois subiu a vertente até a sua casa temporária, perto da de Toranaga. Lá comeu arroz e peixe cru desfiado que um dos seus cozinheiros preparara para ele, e achou delicioso. Pegou um segundo prato e começou a rir.

- Senhor?

- Nada. - Mas mentalmente estava vendo Mariko e ouvindo-a dizer: - Oh, Anjin-san, um dia talvez até consigamos que o senhor goste de peixe cru, e então o senhor estará a caminho do nirvana, o Lugar da Paz Perfeita.

Ah, Mariko, pensou ele, estou muito contente com a absolvição verdadeira. E agradeço-lhe.

Agradece o quê, Anjin-san? ouviu-a dizer. A vida, Mariko, minha querida. Você ...

Muitas vezes, durante o dia e a noite, ele conversava com ela mentalmente, revivendo partes da vida deles juntos e contando-lhe sobre hoje, sentindo-lhe a presença muito próxima, sempre tão próxima que uma ou duas vezes ele olhara por sobre o ombro, esperando vê-Ia em pé, ali. Fiz isso esta manhã, Mariko, mas em vez de você era Buntaro, com Tsukku-san ao lado, ambos me fitando. Eu tinha a minha espada, mas ele estava com o grande arco nas mãos. Iiiiih, meu amor, precisei de toda a minha coragem para me aproximar e cumprimentá-los formalmente. Você estava assistindo? Teria tido orgulho de mim, tão calmo e samurai e petrificado. Ele disse rigidamente, falando por intermédio do Tsukku-san: - A Senhora Kiritsubo e a Senhora Sazuko me informaram de como o senhor protegeu a honra de minha esposa e a delas. Como o senhor a salvou da vergonha. E a elas. Agradeço-lhe, Anjin-san. Por favor, desculpe-me pelo meu desprezível desequilíbrio de antes. Peço desculpas e agradeço. - Então se curvou para mim e foi embora, e eu tive muita vontade de que você estivesse aqui - para saber que está tudo protegido e ninguém jamais saberá.

Muitas vezes Blackthorne olhara por sobre o ombro, esperando vê-Ia ali, mas ela nunca estava e nunca estaria, e isso não o perturbava. Ela estava com ele para sempre, e ele sabia que a amaria nos bons tempos e nos tempos trágicos, mesmo no inverno da sua vida. Ela estava sempre presente nos seus sonhos. E agora esses sonhos eram bons, muito bons, e misturados com ela estavam esboços, planos, a escultura da figura de proa e velas e como fazer a quilha e como construir o navio, e depois, que alegria, a forma final de The Lady a toda vela, enfunada por um impetuoso vento sudoeste, subindo canal acima, o freio entre os dentes, adriças rangendo, botalós estirados numa manobra de bombordo e depois: "Todas as velas, ho! Joanetes, velas mestras, sobrejoanetes!" soltando-se das cordas, dando-lhe cada polegada, o canhoneio das velas com o navio tomando outra posição e "Conservem o rumo!", cada partícula de lona respondendo ao seu grito, e depois, finalmente, encorpada, uma dama de beleza inestimável virando a bombordo perto de Beachy Head para Londres ...

Toranaga subiu a elevação perto do acampamento, sua comitiva agrupada ao seu redor. Trazia Kogo sobre a luva, havia caçado ao longo da costa e agora se dirigia para as colinas acima da aldeia. Ainda restavam duas horas de sol e ele não queria desperdiçá-las, não sabendo quando teria tempo para caçar outra vez. Hoje foi para mim, pensou ele. Amanhã irei à guerra, mas hoje foi para pôr a minha casa em ordem, fingindo que o Kwanto estava seguro e Izu estava seguro, e a minha sucessão - que viverei para ver outro inverno e, na primavera, caçar por lazer. Ah, hoje foi muito bom.

Matara duas vezes com Tetsu-ko e a ave voara como num sonho, nunca estivera tão perfeita nem mesmo quando caçara com Naga, perto de Anjiro - aquele belo mergulho, de não se esque cer nunca, para pegar aquele astuto galo velho. Hoje ela pegara um grou com várias vezes o seu tamanho e voltara à isca perfeitamente. Um faisão fora apontado pelos cães e ele lançara o falcão para a posição circulante no ar. Depois o faisão fora abalado e o eleva-se, sobe e cai começara, para durar para sempre, um abate lindo. Novamente Tetsu-ko voltara à isca e se alimentara sobre o punho orgulhosamente.

Agora ele estava à procura de uma lebre. Ocorrera-lhe que o Anjin-san gostaria de carne. Assim, em vez de dar o dia por encerrado, satisfeito, Toranaga decidira caçar comida. Apertou o passo, não querendo falhar.

Seus batedores à dianteira passaram pelo acampamento, subiram a estrada coleante até o cume, e ele se sentia extremamente contente com o dia que tivera.

Seu olhar crítico varreu Q acampamento, procurando perigos, e não descobriu nenhum. Pôde ver homens em treinamento de armas - todo o treinamento e tiroteio do regimento estava proi bido enquanto Tsukku-san se encontrasse por perto -, e isso lhe agradou. A um lado, cintilando ao sol, estavam os vinte canhões que haviam sido salvos com tanto cuidado, e ele notou que Blackthorne estava sentado de pernas cruzadas no chão ali perto, concentrado sobre uma mesa baixa, sentado, agora, como qualquer pessoa normal se sentaria. Adiante via os restos do navio, notou que ainda não saíra do lugar, e perguntou-se como o Anjin-san o traria para a praia, se não pudesse ser puxado.

Porque, Anjin-san, você o trará para a praia, disse-se Toranaga, com toda a certeza.

Oh, sim. E construirá o seu navio e eu o destruirei como destruí o outro, ou o entregarei, outro bocado para os cristãos, que são mais importantes para mim do que os seus navios, meu amigo, sinto muito, e do que os outros navios esperando no seu país. Seus compatriotas os trarão para mim, e o tratado com a sua rainha. Não você. Preciso de você aqui.

Quando o momento for oportuno, Anjin-san, eu lhe contarei por que tive que queimar o seu navio, e então você não se importará, porque outras coisas o estarão ocupando, e compreenderá que o que eu lhe disse era verdade igualmente: era o seu navio ou a sua vida. Escolhi a sua vida. Foi correto, neh? Então riremos sobre o "ato de Deus", você e eu. Oh, foi fácil designar um turno especial de homens de confiança a bordo, com instruções secretas de espalhar pólvora com abundância na noite escolhida, depois de dizer a Naga - no momento em que Omi sussurrara sobre a conspiração de Yabu - que refizesse a escalação, de modo que a patrulha da praia e o vigia de convés fossem apenas homens de Izu, particularmente os cinqüenta e três traidores. Depois um único ninfa saído da escuridão com uma pederneira e o seu navio se tornou uma tocha. Claro que nem Omi nem Naga jamais estiveram a par da sabotagem.

Sinto muito, mas foi muito necessário, Anjin-san. Salvei-lhe a vida, que você desejava acima do seu navio. Cinqüenta vezes ou mais já tive que considerar a possibilidade de entregar a sua vida, mas até o momento consegui dar um jeito de evitar isso. Espero continuar a fazê-lo. Por quê? Este é um dia para verdade, neh? A resposta é que você me faz rir e eu preciso de um amigo. Não me atrevo a fazer amigos entre a minha própria gente, ou entre os portugueses. Sim, cochicharei isso num poço ao meio

dia, mas só quando tiver certeza de estar sozinho: preciso ele run amigo. E também do seu conhecimento. Mariko-sarna estava certa de novo. Antes de você partir, quero saber tudo o que você sabe. Eu lhe disse que nós dois tínhamos muito tempo, você e eu.

Quero saber como navegar em torno da terra e compreender como uma pequena ilha pode derrotar um império imenso. Talvez a resposta se aplicasse a nós e à China, neh? Oh, sim, o táicum estava certo ein algumas coisas.

Na primeira vez que o vi, eu disse: - Não há desculpa para rebelião. - E você disse: - Há uma: se se vence! - Ah, Anjinsan, afeiçoei-me a você naquele momento. Concordo. Está tudo certo se se vence.

Estupidez fracassar. Imperdoável.

Você não fracassará, e estará seguro e feliz no seu grande feudo de Anjiro, onde Mura, o pescador, o protegerá dos cristãos e continuará a lhes fornecer informações falsas, conforme eu de termine. Que ingenuidade do Tsukku-san acreditar que algum dos meus homens, ainda que cristão, roubaria os seus portulanos e os daria secretamente aos padres sem o meu conhecimento ou a minha orientação. Ah, Mura, você tem sido fiel há trinta anos ou mais, logo receberá a sua recompensa! O que diriam os padres se soubessem que o seu verdadeiro nome é Akira Tonomoto, samurai - espião sob a minha orientação, assim como pescador, chefe de aldeia e cristão! Eles peidariam pó, neh?

Por isso não se preocupe, Anjin-san, eu estou me preocupando quanto ao seu futuro. Está em boas e fortes mãos e. ah, que futuro planejei para você!

- Devo ser consorte do bárbaro? oh! oh! oh! - gemera Kiku.

- Sim, dentro de um mês. Fujiko-san formalmente concordou. - Mais uma vez contara a verdade a Kiku e a Gyoko, pacientemente. - E mil kokus por ano após o nascimento do primeiro filho do Anjin-san.

-- Hein, mil... o que o senhor disse?

Ele repetira a promessa e acrescentara suavemente: - Afinal de contas, samurai é samurai, e duas espadas são duas espadas, e os filhos dele serão samurais. Ele é hatamoto, um dos meus vassalos mais importantes, almirante de todos os meus navios, um conselheiro pessoal íntimo - até um amigo. Neh?

- Sinto muito, mas, senhor. . .

- Primeiro você será consorte dele. - Desculpe, primeiro senhor?

- Talvez você devesse ser sua esposa. Fujiko-san disse-me que não deseja se casar, nunca mais, mas acho que ele deve se casar. Por que não com você? Se você lhe agradar o suficiente, e imagino que possa, e ainda, se o mantiver construindo o navio... neh? Sim, acho que você deve ser esposa dele.

- Oh sim, oh sim, oh sim! - Ela atirara os braços em torno do pescoço dele e o abençoara e pedira desculpas pela impulsiva falta de modos, interrompendo e não ouvindo com submis são, e o deixara, caminhando quatro passos acima do solo, quando um momento atrás estivera prestes a se atirar do penhasco mais próximo.

Ah, mulheres, pensou Toranaga, confuso e muito contente. Agora ela tem tudo o que deseja, assim como Gyoko - se o navio for construído em tempo, e será -, assim como os padres, assim como ...

- Senhor! -- Um dos caçadores estava apontando para uma moita ao lado da estrada. Ele freou e preparou Kogo, afrouxando os pioses que prendiam a ave ao seu punho, - Já - ordenou ele suavemente. Soltaram o cão.

A lebre irrompeu dos arbustos, correndo à procura de proteção, e nesse instante Toranaga soltou Kogo. Com batidas de asas imensamente potentes, ela se lançou em perseguição, direto como uma seta, passando à frente do animal em pânico. Adiante, cem passos do outro lado da ondulação do terreno, havia um matagal espinhoso, e a lebre disparou em ziguezague, a uma velocidade frenética, rumando para a segurança, Kogo fechando a brecha, cortando as extremidades, investindo sempre mais perto, a alguns pés do solo. Então postou-se acima da presa, atacou, a lebre guinchou, levantou-se nas patas traseiras e voltou em disparada, Kogo ainda em perseguição, chiando de raiva porque errara. A lebre rodopiou de novo numa arremetida final para um abrigo e guinchou quando Kogo atacou outra vez, fincou firme as garras no pescoço e na cabeça da lebre, e se agarrou sem medo, fechando as asas, sem se importar com as frenéticas contorções e volteíos do animal, enquanto sem esforço o milhafre lhe quebrava o pescoço. Um último guincho. Kogo largou a presa e lançou-se ao ar por um instante, sacudiu as penas arrepiadas de volta ao lugar com um estremecimento violento, depois pousou novamente sobre o corpo quente, contorcendo-se, as garras mais uma vez no aperto mortal. Então, e só então, soltou o seu guincho de vitória e sibilou de prazer com a matança. Seus olhos fitavam Toranaga.

Toranaga aproximou-se a trote e desmontou, oferecendo o engodo. Obedientemente o milhafre abandonou a presa e então, como Toranaga habilmente escondera o engodo, pousou sobre a luva esticada. Os dedos do daimio seguraram os pioses e ele pôde sentir o aperto das garras através do couro reforçado com aço do indicador.

- Iiiiih, foi muito bem-feito, minha beleza - disse ele, recompensando-a com um bocado, uma parte da orelha da lebre que um batedor cortara para ele. - Pronto, empanturre-se com isto, mas não demais - você ainda tem trabalho a fazer.

Sorrindo, o batedor levantou a lebre. - Amo! Deve ter três, quatro vezes o peso dela. O melhor que vimos há semanas, neh? - Sim. Mande-a para o acampamento, para o Anjin-san. - Toranaga subiu à sela de novo e acenou aos outros que prosseguissem, à caça novamente.

Sim, o abate foi muito bem executado, mas não teve nada da excitação do de um peregrinus. Um milhafre é apenas o que é, uma ave de cozinheiro, um matador, nascido para matar toda e qualquer coisa que se mova. É como você, Anjin-san, neh?

Sim, você é um gavião de asas curtas. Ah. mas Mariko era um peregrinus. Lembrou-se dela muito claramente e sentiu uma vontade imensa de que não tivesse sido necessário que ela fosse a Osaka e para o Vazio. Mas era necessário, disse-se ele pacientemente. Os reféns tinham que ser libertados. Não os meus parentes, mas todos os outros. Agora tenho mais cinqüenta aliados comprometidos secretamente. A sua coragem e a coragem e o auto-sacrifício da Senhora Etsu trouxeram-nos e a todos os Maeda para o meu lado, e, através deles, toda a costa ocidental. lshido tinha que ser atraído para fora do seu covil inexpugnável, os regentes divididos, e Ochiba e Kiyama trazidos, domados, ao meu punho. Você fez tudo isso e mais: deu-me tempo. Apenas o tempo monta armadilhas e produz engodos.

Ah, Mariko-chan, quem teria pensado que um nadínha de mulher como você, filha de Ju-san Kubo, meu velho rival, o arquitraidor Akechi Jinsai, poderia fazer tanto e descarregar uma vingança tamanha, tão lindamente e com tanta dignidade, contra o táicum, inimigo e assassino do seu pai. Um único mergulho apavorante, como Tetsu-ko, que são as minhas.

Muito triste que você rece favor especial.

Toranaga estava no topo agora.

O falcoeiro tirou-lhe Kogo e Toranaga e você matou todas as suas presas, não exista mais.

Chamou o encapuzado sobre o punho uma última vez, depois removeu-lhe o capuz e lançou-o ao céu. Observou-lhe a espiral ascendente, sempre ascendente, procurando uma presa que ele não mais lhe apontaria como isca. A liberdade de Tetsu-ko é o meu presente a você, Mariko-san, disse ele ao espírito dela, observando o falcão circular cada vez mais alto. Para honrar a sua lealdade a mim e a sua devoção filial à nossa regra mais importante: que um filho respeitoso, ou filha, não pode descansar sob o mesmo céu enquanto o assassino de seu pai estiver vivo.

- Ah, muito sábio, senhor - disse o falcoeiro. - Hein?

- Soltar Tetsu-ko, libertá-la. Da última vez que o senhor a soltou, pensei que ela nunca mais voltaria, mas não tinha certeza. Ah, senhor, é o maior falcoeiro do reino, o melhor, para saber, para ter certeza de quando devolvê-la ao céu.

Toranaga permitiu-se fazer uma carranca. O falcoeiro empalideceu, sem compreender por quê, rapidamente ofereceu Kogo de novo e recuou às pressas.

Sim, o momento de Tetsu-ko chegara, pensou Toranaga irritado, mas ainda assim foi um presente simbólico ao espírito de Mariko e à qualidade da sua vingança.

Sim. Mas e quanto a todos os filhos de todos os homens que você matou?

Ah, isso é diferente, aqueles mereceram morrer, todos eles, respondeu ele a si mesmo. Assim, você sempre se acautela contra quem avança até o raio de uma seta - isso é prudência normal. A observação agradou a Toranaga e ele resolveu acrescentá-la ao Legado.

Semicerrou que já não era cima, além de todas as cóleras, elevando-se sem esforço. Então alguma força fora do alcance visual de Toranaga tomou-a, fê-la girar para norte, e ela desapareceu.

- Ah, Tetsu-ko, obrigado. Faça muitas filhas - disse ele, e voltou a atenção para a terra, aqui embaixo.

A aldeia era nítida ao sol se pondo, o Anjin-san ainda estava à sua mesa, samurais treinando, fumaça elevando-se das cozinhas. Do outro lado da baía, vinte ris mais ou menos, ficava Yedo. Quarenta ris a sudoeste, Anjiro. Duzentas e noventa ris a oeste Osaka, e trinta ris ao norte, depois de Osaka, Kyoto.

É lá que deve ser a batalha principal, pensou ele. Perto da capital. Ao norte, contornando Gifu ou Ogaki ou Hashima, trans

os olhos para o céu mais uma vez e viu o falcão, seu. Era uma criatura de imensa beleza lá em

versalmente sobre a Nakasendo, a Grande Estrada Norte. Talvez onde a estrada dobra para o sul, para a capital, perto da pequena aldeia de Sekigahara, nas montanhas. Em algum lugar lá. Oh, eu estaria a salvo durante anos atrás das minhas montanhas, mas esta é a chance pela qual esperei: a jugular de lshido está desprotegida.

Minha investida principal será ao longo da estrada Norte e não pela Tokaido, a estrada costeira, embora daqui até lá eu vá fingir mudar de idéia cinqüenta vezes. Meu irmão cavalgará co migo. Oh, sim, acho que Zataki se convencerá de que lshido o traiu com Kiyama. Meu irmão não é tolo. E manterei meu voto solene de dar-lhe Ochiba. Durante a batalha Kiyama mudará de lado, acho que mudará de lado, e quando o fizer, se fizer, cairá em cima do seu odiado rival, Onoshi. Esse será o sinal para as armas de fogo atacarem, eu enrolarei os flancos dos exércitos deles e vencerei. Oh, sim, vencerei - porque Ochiba, prudentemente, nunca deixará o herdeiro se pôr em campo contra mim. Sabe que, se o fizesse, eu seria forçado a matá-lo, sinto muito.

Toranaga começou a sorrir secretamente. No momento em que tiver vencido, darei a Kiyama todas as terras de Onoshi, e o convidarei a designar Saruji seu herdeiro. No momento em que eu for presidente do novo conselho de regentes, apresentaremos a proposta de Zataki à Senhora Ochiba, que ficará tão enraivecida com a impertinência dele que, para aplacar a primeira dama da terra do herdeiro, os regentes lamentavelmente terão que convidar meu irmão a partir para o Vazio. Quem deverá tomar o seu lugar como regente? Kasigi Omi. Kiyama será a presa de Omi ... sim, isso é sábio, e muito fácil, porque com certeza, nessa altura, Kiyama, senhor de todos os cristãos, estará ostentando a sua religião, que ainda é contra a nossa lei. Os editos de expulsão do táicum ainda são legais, neh? Certamente Omi e os outros dirão: - Voto para que os editos sejam invocados. - E uma vez que Kiyama se tenha ido, nunca mais deverá haver um regente cristão, e pacientemente o nosso arrocho se reforçará sobre o estúpido mas perigoso dogma estrangeiro que é uma ameaça à Terra dos Deuses, que sempre ameaçou a nossa wa. . . e que portanto deve ser destruído. Nós, regentes, encorajaremos os compatriotas do Anjin-san a tomar o comércio português. Tão logo seja possível, os regentes ordenarão que todo o comércio e todos os estrangeiros se confinem a Nagasaki, a uma parte minúscula de Nagasaki, sob uma guarda muito séria. E fecharemos o país a eles para sempre... a eles, às suas armas e aos seus venenos.

Tantas coisas maravilhosas a fazer, depois que eu tiver vencido, se eu vencer, quando eu vencer. Somos um povo muito previsível.

Será uma idade áurea. Ochiba e o herdeiro majestosamente instalarão a corte em Osaka, e de vez em quando nós nos curvaremos diante deles e continuaremos a governar em seu nome, do lado de fora do Castelo de Osaka. Dentro de três anos mais ou menos, o Filho do Céu me convidará a dissolver o conselho e a me tornar xógum pelo resto da minoridade do meu sobrinho. Os regentes me pressionarão a aceitar e, relutantemente, aceitarei. Depois de um ano ou dois, sem cerimônia, renunciarei em favor de Sudara, conservarei o poder como sempre, e ficarei de olhos firmes no Castelo de Osaka. Continuarei a esperar pacientemente e um dia aqueles usurpadores lá dentro cometerão um engano e desaparecerão, e de algum modo o Castelo de Osaka desaparecerá, apenas outro sonho dentro de um sonho, e o verdadeiro prêmio do grande jogo que começou assim que eu pude pensar, que se tornou possível no momento em que o táicum morreu, o verdadeiro prêmio será conquistado: o xogunato.

É por isso que venho lutando e planejando a vida toda. Eu, sozinho, sou o herdeiro do reino. Serei xógum. E darei início a uma dinastia.

É tudo possível agora, por causa de Mariko-san e do bárbaro estrangeiro, que veio do mar oriental.

Mariko-san, era seu karma morrer gloriosamente e viver para sempre. Anjin-san, meu amigo, é seu karma não deixar nunca esta terra. O meu é ser xógum.

Kogo, o milhafre, esvoaçou sobre o seu pulso e se acomodou, observando-o. Toranaga sorriu para a ave. Não escolhi ser o que sou. É o meu karma.

Naquele ano, ao amanhecer do vigésimo primeiro dia do décimo mês, o Mês sem Deuses, os exércitos principais se chocaram. Foi nas montanhas perto de Sekigahara, cortando a estrada Norte, o tempo péssimo - neblina, depois granizo. Pelo fim da tarde Toranaga havia vencido a batalha e o massacre começou. Quarenta mil cabeças rolaram.

Três dias depois Ishido foi capturado vivo. Toranaga cordialmente lembrou-o da profecia e mandou-o a ferros para Osaka, para exibição pública, ordenando aos etas que plantassem firmemente os pés do Senhor General Ishido na terra, deixando apenas a cabeça do lado de fora, e que convidassem os passantes a serrar o pescoço mais famoso do reino com uma serra de bambu. Ishido durou três dias e morreu muito velho.

 

                                                                                            James Clavell

 

                      

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