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Series & Trilogias Literarias
Eu era uma garota comum, vivendo uma vida comum, até vender minha alma para salvar minha mãe. Agora estou presa entre dois mundos. Entre os demônios vampiros que possuem o meu contrato, e os Fae cuja linhagem flui em mim. Entre o príncipe pelo qual estou me apaixonando e a raça que a espécie dele escravizou.
Capítulo 1
APRISIONADA
“Vamos apenas dizer que há dor envolvida. Muita dor”.
— Asher
Eu estive aprisionada antes, mas essas prisões estavam cobertas de enfeites para dar a ilusão da liberdade. Os Fae ainda me tratavam como uma princesa, mesmo enquanto me trancavam.
Agora não há enfeites, nem ilusões. As barras são de aço. A terra dura embaixo dos meus pés cheira a urina e sangue. O tapete cheio de palha que serve de cama é coberto de mofo e insetos. É áspero como lixa e pior que o chão. Há uma panela para me aliviar – o único conforto que tenho disponível. Minhas mãos e rosto estão cobertos de lama. Meus olhos doem de tanto chorar. Não vejo outras celas além das grades. Não ouço ninguém além de meus guardas – que não falam comigo. Até mesmo Yami me abandonou. Ele desapareceu e não sinto mais a presença dele.
Passarei o último do que resta da minha vida nesta cela. Sozinha.
Minha mãe perecerá no inferno para sempre.
E Fen.
Fen se foi.
Memórias passam pela minha mente. O corredor de pedra. Ace e Levi em ambos os meus lados. Ace recuando, me protegendo com seu corpo frágil. — Acredito que vou reivindicar meu mês com a princesa, irmão. De agora em diante, ela está sob minha proteção. Se você quiser matá-la... — Ace fez uma pausa, olhando diretamente nos olhos de seu irmão —,... Você deve me matar primeiro.
Os olhos azuis de Levi se suavizaram, mas apenas por um momento. Ele apontou a espada prateada para mim. — Ela é o inimigo, irmão. Você deve ver isso. Deve se afastar.
— Não — disse Ace com um poder em sua voz que nunca ouvi. Ele passou a mão pelo cabelo escuro e bagunçado, seus olhos atentos ao Príncipe da Inveja. — A princesa merece ser julgada antes de ser condenada à morte. — Às vezes era fácil esquecer que o inventor sonhador era na verdade um poderoso demônio-vampiro. Não alguém com quem brincar.
— Não quero te machucar — disse Levi, olhando para seu irmão, sua mandíbula cerrada, uma mecha de cabelo branco caindo na testa.
Eu vi como ele era com Ace. De todos os seus irmãos, Levi tinha um fraquinho pelo Príncipe da Preguiça.
Ele tremeu de raiva, mas não atacou. Ainda não. A presença de Ace foi o suficiente. O suficiente para dar uma pausa.
Ace mancou para frente, mantendo seu corpo entre Levi e eu. Ele sufocou um gemido da dor causada pelo movimento, e percebi que ele ainda estava gravemente ferido. Se chegasse a uma briga, nós estávamos perdidos.
Eu segurei Spero, minha espada. Foi quebrada na batalha, mas renasceu com a magia da Estrela da Meia-Noite, meio metal negro, meio aço.
Yami era invisível para todos, menos eu, enrolado no meu pescoço, tremendo. Eu queria dar um tapa no Dragão bobo. Se ele apenas abraçasse seus poderes, teríamos uma chance. Um dragão gigante com a magia que Yami possuía poderia lutar contra todos os príncipes do inferno, se necessário.
Mas Yami ainda não sabia como controlar seu poder mais do que eu. Um minuto estava lá, no próximo era apenas a sombra de uma lembrança. E não há nada mais enfurecedor do que saber que você tem poder, mas não sabe como canalizá-lo. Especialmente quando seu destino está selado, e seus dias estão contados.
O baque de botas contra o piso de pedra reverberou pelo corredor, e Zeb, Niam e Dean viraram uma esquina correndo. Eles congelaram, franzindo a testa para a cena diante deles. Levi encarou seus irmãos, prestes a dizer alguma coisa, mas eu deveria falar primeiro. Eu precisava que eles ficassem do meu lado.
— Fen está morrendo! — falei. — Preciso voltar até ele.
Apenas Zeb e Dean se contorceram com a menção de Fen. Os outros nem pareciam ouvir. Seus olhares estavam fixos em mim. Em minhas orelhas.
— Como isso é possível? — sussurrou Zeb. O Príncipe da Gula normalmente mantinha uma aparência polida, com o cabelo escuro perfeitamente penteado e as roupas impecáveis. Mas agora ele estava ensanguentado da batalha, desgrenhado, a adrenalina correndo alto, como todos nós.
— Ela é a última dos Alto Fae — disse Levi. — É por isso que os druidas despertaram pouco depois dela vir para cá.
Niam e Zeb ergueram as espadas para o alto.
Ace se aproximou de mim. — Ela não é ameaça, irmãos. Ela me salvou, lembrem-se. Ela está tentando salvar Fen agora.
Desta vez, os príncipes amoleceram a menção de seu irmão. — Onde está Fen? — perguntou Zeb. — Leve-me até ele!
Levi zombou. — Fen pode esperar. Vocês não veem, irmãos? Este é outro esquema. Outro conto elaborado para nos distrair do que realmente importa. Ela. Ela é a Alto Fae. Se a matarmos, os Druidas voltarão ao sono. A paz retornará às nossas terras. Temos que acabar com ela agora. Antes que seja tarde demais.
Niam assentiu, movendo-se para frente com o braço erguido, como se estivesse em batalha. Sua pele escura estava salpicada de sangue, a cabeça raspada polvilhada de sujeira e suor, um brilho selvagem nos olhos de ébano. — Afaste-se, Ace. Não quero te machucar, mas se o que Levi diz é verdade, a Princesa é uma inimiga.
Ace segurou seu cajado, seus dedos ficando brancos. — Você não vai matá-la.
— Não — disse Niam.
Os outros olharam para ele, com os rostos confusos.
O Príncipe da Avareza abaixou a espada em um gesto pacífico. — Nós devemos fazer isso corretamente. Devemos manter o tribunal. Nós precisamos ter um julgamento. Este não é o momento nem o lugar para dispensar a justiça.
Levi suspirou. Ele compartilhou um olhar com cada um dos seus irmãos. — Nós somos a justiça desta terra. Não é nosso dever proteger nosso povo? Terminar esta guerra? Não é melhor sacrificar uma vida para salvar milhares?
Ele estava balançando-os. Eu podia ver na maneira como erguiam as espadas, no modo como seus olhos se encheram de raiva.
— Por favor — disse eu. — Realizem um julgamento se for preciso, mas deixem-me ir até Fen. Ele precisa de remédio. — Estendi o frasco que consegui encontrar como prova.
Zeb passou a mão pelo cabelo castanho curto. Ele se virou para os príncipes ao seu lado. — Vocês podem deliberar tudo que desejam. Eu vou encontrar Fen.
— Eu também — disse Ace. Ele olhou para Levi. — Se você escolher lutar conosco, se escolher matar a futura Rainha, então você se coloca acima da lei, acima de todos os outros príncipes, como se você já fosse o Rei...
Dean e Niam pareciam ponderar as palavras. Pela primeira vez, achei que os príncipes poderiam de fato me deixar ir. Então Levi riu. — Não seja tolo. Você se atreve a deixar isso ir a julgamento? Com ??Asher e Fen presentes? Você sabe que eles se importam com ela mais do que se importam com o nosso reino. Oh, Asher interpreta o mestre de escravos, mas ele é suave no coração. E Fen... Fen não vê mais claramente.
Os príncipes não disseram nada. Eles sabiam que as palavras eram verdadeiras. Eu sequer pude discutir.
Qualquer que fosse o desejo que Zeb tinha de encontrar seu irmão, pareceu se desvanecer.
Levi se virou para mim, erguendo a espada. — Você não me enganará de novo, Fae. Vou tirar sua vida, e então eu encontrarei meu irmão. — Ele deu um passo à frente, mas Dean surpreendeu a todos nós, movendo-se na frente dele e colocando a mão em seu peito. — E quanto ao contrato? Estamos todos ligados a ela. Ela deve escolher o próximo rei.
— Por que precisamos de outro rei? — perguntou Levi. — Nós governamos nossos próprios reinos nestes últimos meses. Por que colocar um de nós acima de tudo? Nós seremos os Sete Senhores. Sete Reis por Sete Reinos. E com ela fora, nós governaremos em paz.
Isto fez todos pararem, até Ace, e o salão ficou em silêncio por um momento, antes de Levi falar mais uma vez, sua voz mais calma, mais controlada... Mais persuasiva. — A Princesa nos enganou. Eu nunca a terei como minha Rainha. Vocês, irmãos? Vocês serão governados pela Alto Fae? Uma mentirosa e traidora? Entregarão nosso mundo, nosso povo, aos Fae, fazendo um deles, nosso governante?
Ace falou suavemente. — Os Fae a usaram como um peão neste jogo. Ela não é responsável por esta guerra.
Zeb agarrou sua adaga, pensando. — Isso pode ser verdade, mas sem ela, os druidas continuariam a dormir. Sem ela, meu povo – aqueles que morreram hoje – ainda viveriam.
Meu coração quebrou um pouco com isso. Pensei que o Príncipe da Gula estivesse do nosso lado. Ele sempre foi gentil comigo e amado por Fen. Mas eu poderia culpá-lo, realmente? Ele assistiu amigos morrerem hoje, tudo porque eu acordei os druidas e trouxe guerra para eles. Se fossem meus amigos, minha família, as pessoas que eu amava em perigo, eu me sentiria diferente?
Eu podia ver que todos, exceto Ace, se voltaram contra mim. Niam queria um julgamento. Zeb queria vingar seu povo. Dean queria ser seu próprio governante. E Levi... Levi me queria morta.
Tentei pensar em outra coisa que eu pudesse dizer. Algo mais que eu poderia fazer para convencê-los. — Por favor, eu não sou seu inimigo. Lutei contra os Fae para salvar Fen. Lutei contra o Druida de Fogo.
Ninguém se mexeu. Mesmo nisso, eles não acreditaram em mim.
Ace falou um argumento final. — Irmãos, vocês não se lembram de quem a trouxe aqui? — perguntou ele. — Não foi um Fae. Foi nosso pai quem providenciou que Arianna entrasse neste mundo. Que arranjou para ela ser rainha. Ele deve ter tido um motivo.
— Nosso pai está morto — disse Levi.
— E você descobriu quem o matou? — Uma nova voz preencheu os corredores de pedra. Uma voz familiar. Uma voz que quase destruiu minha compostura.
Todos nos viramos para ver Fen parado ali, sem camisa, as botas pesadas quase sacudindo o castelo, as luzes brancas do globo tremendo no poder de sua presença. Asher estava ao lado dele, com uma expressão preocupada no rosto. Fen segurava sua espada, uma grande lâmina de aço cinza grossa gravada com runas.
E então eu notei a tatuagem de árvore cobrindo seu corpo... E vi suas orelhas. Orelhas Fae. Como isso era possível? Um feitiço de ilusão? Algum tipo de truque?
O salão permaneceu em silêncio, todos os olhos em Fen enquanto ele falava. — Talvez vocês tenham pensado que os Faes planejaram a morte dele? Talvez vocês tenham pensado que Arianna orquestrou isso? Não. Eu o matei. — Sua voz trovejou pelos corredores, arrancando o ar e puxando-o de volta.
Os outros príncipes estavam frios, congelados no lugar por suas palavras.
Fen adiantou-se. — O pai de vocês me contou sobre seus planos para a paz... Ele falou de fraqueza. Então eu o envenenei.
Eu podia sentir a raiva se formando ao meu redor. Todos, exceto Asher, foram atingidos pelas palavras dele. Até Ace abaixou a guarda por uma fração, dúvida nublando seu rosto.
Por que Fen estava dizendo estas coisas agora? Aqui? Por que estava se colocando contra seus irmãos? Dizendo o pai de vocês em vez de nosso pai? Tornando-se o outro.
Mas então olhei em volta e vi. Eu vi o que ele estava fazendo. E a razão. Todos os olhos se voltaram para ele. Os irmãos avançaram, alertas, concentrados.
Ele fez isso por mim.
Para me dar uma chance de fugir.
Mas eu não podia deixá-lo lá, com eles. Não podia deixar que ele se destruísse para me salvar. Eu avancei para ele, para impedi-lo, para salvá-lo antes que ele começasse uma guerra com seus irmãos.
Antes que eu pudesse alcançar Fen, Ace estendeu a mão para me impedir. Seu aperto era firme, inquebrável. Mesmo em sua fraqueza, ele era forte. Meu coração disparou e bile subiu na minha garganta. Virei para ele, para protestar, para explicar que precisávamos ajudar Fen, mas o rosto de Ace estava frio e distante. Severo.
Lágrimas encheram meus olhos, e eu as limpei com a mão livre e tentei chamar a atenção de Fen, mas ele estava deliberadamente não olhando para mim.
Ele ainda estava falando. Ainda confessando. Ainda os irritando, e Ace não estava imune às palavras dele. Ele ajudara Fen e eu a procurar o assassino de seu pai. O tempo todo, Fen mentiu para ele. Mesmo que houvesse uma boa razão por trás disso, eu podia ver que Ace não entendia. Seus olhos voltaram para o Príncipe da Guerra, agora um estranho, um Fae, um outro. O Príncipe de Preguiça estava no limite. E a maneira como ele cairia seria ditado pelas próximas palavras de Fen.
— E então vocês me escolheram para encontrar o assassino — disse Fen. — Oh, como eu ri de vocês pelas costas. Como eu me regozijo, irmãos. Mas, novamente, nós nunca fomos parentes, não é?
Dean sacou a espada e rugiu. — Seu desgraçado! Nós nunca deveríamos ter tratado você como um dos nossos!
Os olhos de Fen caíram, uma expressão estranha no rosto, como se acabasse de descobrir algo novo. Mas ele retornou, de forma hesitante, à sua performance fria, dura e desconsiderada. E era isso que era, uma performance. — Entendo agora porque eu sempre fui melhor que vocês. Mais forte que vocês. — Ele deu um passo à frente, na direção de seus irmãos. — Eu tenho o poder dos Fae e dos vampiros. Tenho o Espírito da Terra ao meu lado.
Seus olhos brilharam para o lobo branco mostrando os dentes à direita de Fen. Barão era o Espírito da Terra? Tauren? Mas como?
Por seus rostos, ficou claro que os irmãos não sabiam dessa parte. Fen estava dizendo que ele não era apenas Fae, mas um druida também. O Druida da Terra.
Mas não poderia ser verdade, poderia?
Ace falou primeiro, sua voz suave no salão de pedra que ecoava. — Nossa mãe... Nossa mãe disse que encontrou um bebê Fae no campo de batalha e que ela se virou para salvar sua vida. Ela não disse nada sobre Espíritos.
Suas palavras enviaram um calafrio pela minha espinha. Fen não estava mentindo. Mas então... Ele acabou de descobrir? Ou manteve sua verdadeira herança em segredo de mim?
De mim. Depois de tudo que compartilhamos.
— É verdade — disse Asher, falando pela primeira vez. — Eu estava lá, lembra? Vi o lobo entrar no bebê. Ele tomou forma física anos depois.
Niam virou os olhos para Asher, seu queixo duro. — Todo esse tempo, Asher... Você sabia? Sabia que ele era o Druida da Terra e não disse nada?
— Nossa mãe sabia — disse Asher. — Ela me fez jurar manter segredo. Fez-me jurar para ela, nunca falar da herança de Fen. Você teria quebrado seu juramento para ela?
Com isso os príncipes não disseram nada. A raiva e a paixão que passavam por eles estavam desaparecendo em resignação. Relacionamentos antigos estavam quebrando, abrindo caminho para algo novo.
As palavras de Asher me deram um breve conforto. Asher mentiu para seu irmão, mas Fen nunca mentiu para mim. Não sobre isso. Ele não sabia.
Mas...
Oh, Deus. Eu fiz isso com ele. Fiz dele o inimigo.
Fen e eu precisávamos sair daqui. Agora. Antes disso, mudar para algo mais mortal.
Afinal de contas, eu era a razão pela qual os druidas tinham qualquer poder. E agora isso incluía o Príncipe da Guerra.
Fen captou meus olhos e os segurou. Eu poderia dizer que ele queria que eu o deixasse. Para me salvar. Mas como ele poderia pensar que eu faria isso? Como eu poderia deixá-lo aqui para enfrentar a ira de seus irmãos? Homem estúpido e tolo. Balancei a cabeça, mas ele me ignorou, continuando.
— Nenhum de vocês vingará o pai de vocês? — rugiu ele. — O medo de vocês de mim é muito grande? Vocês molham suas calças com a minha visão? Venham! — Ele bateu no peito com os punhos. — Venham para mim, irmãos. — Sua última palavra pingou de zombaria.
Isso foi tudo o que precisou para Levi atacá-lo. Fen pulou no ar e suas espadas se chocaram.
Puxei meu braço de Ace novamente, mas seu aperto aumentou. Ele parecia zangado. Sua mandíbula se apertou enquanto via seus irmãos lutarem.
— O que você está fazendo? — assobiei para ele. — Fen precisa da nossa ajuda. Me solta.
Ace virou seu olhar duro para mim. — Eu acho que você fez o suficiente para ajudar, princesa. — Suas palavras foram cortantes e recuei em choque. Este não era o Ace que eu conhecia.
Fen lutou muito, mas Dean, Levi, Niam e até mesmo Zeb o cercaram, e rapidamente tornou-se claro que Fen ainda não havia se recuperado completamente de sua quase morte, apesar de sua postura. Mesmo com Barão lutando ao seu lado, ele estava fraco. E estava perdendo.
Asher estava ao lado, e pude ver em seus olhos que ele queria ajudar. No entanto, ele não fez nada.
Cutuquei Yami, pedindo para ele fazer alguma coisa. — Use seus poderes. Eu sei que você pode!
Yami recuou, tremendo de medo.
— Por favor — chorei.
E então ele se jogou na luta, cuspindo fogo azul na briga. Suas chamas crepitaram com relâmpagos, incendiando uma tapeçaria na parede. Senti-me encher de raiva quando Yami ficou maior. Mas Levi agitou uma espada no ar, cortando o ombro do meu dragão antes que ele pudesse tomar sua forma completa.
A lâmina cortou fundo. Yami gritou e se dissolveu em poeira enquanto eu me inclinava de dor, sentindo o golpe no meu próprio corpo quando meu dragão foi embora. Caí de joelhos e Ace perdeu o controle sobre mim. Eu gemi de dor, cuspe voando da minha boca.
Fen virou ao som. Seu rosto se encheu de tristeza. Então raiva. Ele correu para mim, e esse foi o único erro que Levi precisava.
Ele agarrou Fen por trás e girou a lâmina em sua garganta. — Pelo nosso pai...
Eu pulei, me movendo mais rápido do que nunca, bloqueando a lâmina de Levi com a minha. — Deixe-o em paz! — gritei.
Levi virou sua ira contra mim, e nós trocamos golpes, nossas espadas soando nos corredores de pedra. Barão rosnou e tentou pular para o meu lado, mas Dean e Niam o mantiveram contido, parecendo não muito contente por ter que manter um lobo irritado parado contra sua vontade.
Atingi Levi.
Ele se defendeu.
Ele se lançou.
E uma terceira lâmina entrou na briga, derrubando nós dois.
— Pare! — gritou Dean, ficando entre nós. Ele era a última pessoa que eu esperava que intervisse. Talvez os outros sentissem o mesmo, porque o salão ficou em silêncio, todos os olhos voltados para o Príncipe da Luxúria. — Eu adoro lutar e matar tanto quanto qualquer outro demônio, mas este não é o nosso caminho. Não contra o nosso. Somos mais civilizados do que isso. Fenris merece um julgamento.
Levi franziu o cenho. — Você o ouviu. Ele admitiu seus crimes.
Dean balançou a cabeça. — Seja como for, não sabemos o todo ainda. Um julgamento é o caminho. O caminho do nosso pai. Nosso caminho.
Os outros irmãos concordaram. A raiva estava deixando-os. Eles não queriam a morte de Fen. Ainda não. Não assim.
— E a princesa? — perguntou Zeb, sua voz misturada com alguma compaixão.
— Ela deve ser julgada também — disse Dean, olhando para mim com uma expressão ilegível nos olhos.
Ace ficou quieto, com a espada flácida ao seu lado, como se não soubesse mais o que sentia.
Levi não parecia feliz, mas todo mundo concordou que assim seria. Niam pegou minha espada enquanto Dean e Zeb mantiveram Fen sob controle. Ele lutou, mas fracamente, drenado pela luta. Juntos, entramos mais fundo no castelo.
Levi caiu ao meu lado e apertou meu braço até me machucar, seu rosto perto do meu. — Aproveite o seu tempo nas masmorras, Princesa. É a última visão deste mundo que você terá antes de ser enforcada.
* * *
Suas palavras provaram ser proféticas. Por aqui eu me sento, esperando um enforcamento ao nascer do sol. Mesmo quando penso nisso, parece surreal, como se eu estivesse vivendo a vida de outra pessoa. Este é apenas um filme ou livro – uma história criada para assustar as crianças desobedientes. Não faça acordos com demônios ou você acabará morto! Parece um bom conto de moralidade.
Pena que não escutei.
Fiz um acordo com o diabo. Achei que eu poderia pensar nisso. Achei que poderia sair disso, salvando minha mãe, eu e todos os Fae, e viver feliz para sempre com o homem que eu amava. Fui tão tola. Ainda sou uma tola, se eu for honesta, porque mesmo agora não acredito inteiramente que é o fim.
Não posso me permitir acreditar que, ao nascer do sol, Fen e eu seremos enforcados. Não por causa de algo que fizemos. Mas por causa do que somos.
O julgamento, se isso pode ser chamado assim, foi uma farsa. Se eu pensava que havia corrupção no sistema de justiça do meu mundo, ele é absolutamente perfeito em comparação com o que eles fazem aqui. Não houve nenhum júri com meus pares, nenhuma evidência, nenhum testemunho real, apenas Levi expondo sua própria retórica odiosa e convencendo os príncipes de que não precisavam se preocupar com o contrato, porque, comigo morta, não havia contrato. Eles estariam livres para governar seus próprios reinos. Enquanto nenhum deles reivindicasse o Castelo Principal, ninguém sofreria.
Ninguém além de mim e Fen, é claro. Fomos mantidos separados o tempo todo, e Fen não teve voz como parte do conselho. Eles me trataram mais como animal do que como humana. Não posso nem imaginar como trataram Fen.
Então votaram a portas fechadas. Eu nunca descobri quem votou em qual direção, mas posso apenas supor que Asher estava do nosso lado. Eu rezo para Ace também estar, mas talvez as mentiras que ele suportou selaram nosso destino. No final, Fen e eu fomos sentenciados à morte.
Asher me trouxe a notícia.
— Sinto muito — disse ele, parado do lado de fora da minha cela. — Eu trouxe isso para você.
Apertei as barras, ainda possuindo alguma energia. — Asher, não. Você lutou por mim no julgamento...
— Não. Antes disso. Eu sou a razão pela qual seu sangue Fae foi revelado. — Ele fez uma pausa. — Eu desfiz o contrato.
O contrato. Aquele que me impedia de revelar minha verdadeira herança. Aquele que Asher e seu pai podiam cancelar. Quando meus poderes Fae surgiram durante a batalha, pensei que talvez minha magia tivesse quebrado o juramento. Na verdade, eu estava lutando pela minha vida, estava lutando por Fen, e mal pensei muito nisso.
— Quando a luta começou — continuou Asher. — Eu queria que você fosse capaz de se defender. Então eu desfiz o contrato, esperando que sua magia a ajudaria. Eu... eu não poderia me perdoar se você tivesse morrido por causa de algum juramento que obriguei você a manter.
— Foi a minha escolha assinar.
— Mas eu organizei isso. Foram meus erros tolos que trouxeram você aqui. — Ele começou a se afastar, mas passei a mão pelas barras e o puxei.
— Minha magia me salvou — disse eu. — Se você não tivesse quebrado o juramento, eu estaria morta. Pelo menos agora há uma chance.
Ele sorriu. — Tão esperançosa como sempre, princesa. — Seu sorriso caiu quando ele segurou meu olhar. — Mas desta vez, eu não sei se você está certa.
Soltei a mão dele e agarrei as barras com força. — Deve haver algo mais que possamos fazer. Você não pode nos libertar? Você tem soldados que poderia enviar. Eles podem...
— Shh — sussurrou ele, levantando um dedo aos lábios. Ele olhou para os dois guardas atrás dele, então manteve a voz baixa. — Estou fazendo tudo em meu poder, princesa, mas meus irmãos estão me observando atentamente. Eles sabem que estou do seu lado. Foi necessário pedir favores apenas para permitir este encontro.
Meus ombros caíram. — Deve haver alguma coisa.
— Talvez outro contrato — disse ele. Eu podia vê-lo pensando, pensamentos e emoções em espiral sobre seu rosto. — Talvez se você e Fen jurassem obedecer aos outros príncipes.
— Então teríamos que lutar contra os Fae — disse eu.
— Talvez. — Ele sorriu. — Mas todos os contratos têm lacunas. Você me ensinou isso.
Recuei, suspirando. — Não posso lutar contra os Fae. E você não iria querer.
Seus olhos caíram. — Não. Eu não iria.
Ficamos em silêncio por um momento, procurando por ideias e não encontrando nenhuma. — Fen sabia? — perguntei.
Asher olhou à distância, para a luz da janela. — Não. Ele nunca soube que era Fae. Ninguém nunca disse a ele.
Por um momento, a cela ficou menos fria, menos escura. Saber que Fen foi honesto comigo certamente fez toda a diferença. — Mas... Ele nunca teria conhecido a terra de onde você veio. A terra antes daqui. Ele nunca se perguntou por que não conseguia lembrar?
— Ele pensou que estava esquecendo, assim como eu tenho esquecido. As peças que ele conseguia recordar, sim, elas eram ficções contadas por nossa mãe, mas contadas tantas vezes que se tornaram memória.
— Então o que mudou? — perguntei
— Você — disse ele. — Você despertou seus poderes. Mas suspeito que foram os ferimentos dele o que finalmente forçou seu corpo a usar suas habilidades naturais.
Balancei a cabeça. Fazia certo sentido, embora tivesse que discutir mais tarde com Fen. Como ele se sentiu sobre isso? Ele me desprezou por revelá-lo como Fae? Por mudar sua vida para sempre?
— Então, o que vem depois? — perguntou Asher.
A única coisa que restava.
— Esperamos — disse eu. — Nós esperamos. — Dum spiro spero. Enquanto respiro, eu tenho esperança. Eu podia praticamente ouvir a voz da minha mãe em minha mente, dizendo essas palavras para mim tantas vezes ao longo da minha infância. O que eu não daria para tê-la comigo agora, para procurar sua sabedoria, para encontrar conforto nos seus braços.
Asher, no entanto, não parecia esperançoso, e com um olhar resignado, ele se afastou. Foi a última vez que o vi. Duas semanas atrás.
Agora eu me inclino contra uma parede fria, envolvendo meus braços em volta dos meus joelhos para manter o calor. Não há relógios aqui embaixo. Nenhuma fonte de iluminação natural. Não tenho como rastrear o tempo, a não ser a vez que um guarda traz algo para eu comer, se é que podia chamar isso de comida. Eu me pergunto se vou receber uma última refeição, como eu faria no meu mundo. Mas parece improvável. Morrerei com o gosto dessa podridão na minha boca.
Meu maior medo, minha mais profunda tristeza, é que os outros tenham que sofrer comigo. Minha mãe cuja alma ainda está presa em uma masmorra infernal me esperando cumprir meu contrato. O homem que eu amo, que morrerá ao meu lado, sendo o único crime dele me amar. Es e Pete, que nunca saberão o que aconteceu com a amiga deles.
Os Fae. Continuarão escravizados, e aqueles que resistirem serão mortos até que não hajam mais Fae.
E a magia neste mundo morrerá.
Os vampiros sabem o que estão fazendo? Que estão condenando a si mesmos e a todos ao redor? Tentei explicar, mas eles me acusaram de mentir para salvar minha própria pele.
Não é minha pele que estou tentando salvar.
Bem, não apenas minha pele.
Mas não importa agora.
Tudo o que posso fazer é esperar.
Esperar pela morte. Esperar pelo fim.
Talvez este mundo esteja melhor sem a magia dos Fae. Talvez esteja melhor sem mim.
Minutos passam. Horas. Dias. O tempo perde o sentido nesse poço frio e úmido de desespero. Não faço ideia de quanto tempo tenho para viver. É uma coisa estranha, saber que você está prestes a morrer e ser impotente para escolher como passará seus últimos momentos. Há tantas coisas que deixei de fazer na minha vida. Assim como muitas palavras não ditas para aqueles que eu amo. E agora será tarde demais.
Uma comoção do lado de fora da minha cela me alerta para os guardas que estão mudando de turno. Eles sempre têm um ou dois me vigiando. Começou com dois, mas ultimamente eles reduziram as sentinelas para um. Talvez imaginem que não tenho mais nada para lutar. Talvez a guerra com os Fae continue e eles precisam de mais soldados do que guardas. Tentei perguntar uma vez, mas ninguém falou comigo. Então eu apenas observo e penso. Mas hoje estou surpresa ao ver um rosto familiar.
— Marco?
Seus olhos escuros piscam para mim, e ele franze a testa, mas não responde. Ele está no lugar do guarda, fora do alcance da minha cela, mas perto o suficiente para me ver, seus ombros largos enchendo o espaço e bloqueando a pequena esfera de luz.
Corro para as barras, segurando-as. — Marco! Fen ou Asher te mandaram? Você está aqui para me ajudar? — Há uma súplica desesperada na minha voz que me faz estremecer, mas não me importo. Esta é a primeira esperança que tive desde que meu destino foi decidido. Mas então Marco se afasta, e minha esperança some.
— Marco? Por que você não fala comigo? Por favor, me deixe sair. Devemos salvar Fen. Precisamos sair daqui. Você era meu guarda pessoal. Você jurou me proteger! — Estou quase frenética agora, lágrimas entupindo a garganta enquanto falo alto demais no espaço cavernoso.
Ele se vira finalmente para mim, com os olhos frios. — Os Fae mataram minha família quando atacaram Stonehill nesta última batalha — diz ele baixinho. — Meus pais, que eram fazendeiros. Meu irmão mais novo, que amava andar de cavalo e queria ser soldado quando crescesse. Minha irmãzinha, que queria ser guarda quando crescesse. Assim como eu. — Ele balança a cabeça, uma mecha de cabelo castanho caindo no seu rosto e fazendo-o parecer infantil em sua tristeza. — Não posso deixar você sair, princesa. Sinto muito.
Não sei o que dizer. Como posso me defender? Como posso defender o que fiz ao liberar essa magia em sua vida? Nas vidas das pessoas inocentes que moram aqui. Por que a escolha certa não é mais fácil de ver? Por que tudo deve estar envolto em cinza?
Marco e eu não compartilhamos mais palavras, e meus pensamentos se voltam para a vida após a morte. A morte neste mundo muda o que acontece no próximo? Ou eu experimentaria o mesmo destino, independentemente do mundo em que vivesse?
Após algum tempo, minha crise existencial é colocada em espera por preocupações mais prementes da carne. Ou seja, minha crescente necessidade de me aliviar. Tenho sido relutante em usar o pote que eles forneceram, com guardas observando cada movimento meu, mas eventualmente a urgência da minha necessidade supera a minha modéstia. Então puxo a panela para o mais longe possível de Marco e faço o melhor que posso para não fazer uma bagunça. Não é uma experiência agradável, pior ainda pelo clarear de uma garganta.
Estou terminando quando ouço algo tocar nas barras e quase chuto o pote. Um homem fica na porta da minha cela.
Apenas a orbe de luz bruxuleante ilumina este canto do inferno encharcado de escuridão, mas mesmo sem ver seu rosto eu sei quem está lá. Ele será realmente a última pessoa que eu verei antes de morrer? Adorável. — Olá, Levi.
O Príncipe da inveja sorri. — Princesa Arianna, quão baixa a queda poderosa. Imaginou-se rainha de tudo, não é? Mas aqui está você, não melhor do que pragas de esgoto, e cheirando a mesma coisa. — Ele enruga o nariz.
Eu olho para ele. — Parece que perdi meus perfumes.
Ele ri. — Devo admitir que respeito seu espírito. Você tem um jeito em você que atrai admiradores de todas as esferas da vida. Você poderia até ter sido uma grande rainha, se os destinos fossem diferentes.
— O que você quer, Levi? Estou ocupada.
Ele franze a testa. — Claro, eu não devo tomar muito do tempo precioso da senhora. Afinal, você tem apenas algumas horas restantes de sua vida. Como se sente, sabendo que está prestes a morrer? Sua vidinha mortal extinguindo-se em apenas alguns anos? E não há mamãe aqui para trocar a alma pela sua.
Esqueci que tudo isso começou quando eu morri uma vez. Que estranho que estou prestes a enfrentar pela segunda vez algo que a maioria só enfrenta uma vez.
Quando não respondo a Levi, ele franze a testa, então se inclina contra as barras e coloca um sorriso em seu rosto que não atinge seus olhos. — Venha até a porta e junte as mãos. Você é necessária em outro lugar.
— Necessária? Para quê? — Meu coração está acelerando. Ele me matará mais cedo? Ele roubará as últimas horas que eu tenho apenas por despeito? Ele realmente me odeia tanto assim?
Considero recusar. Lutar. Mas honestamente, qualquer chance de sair dessa cela é bem-vinda, mesmo que seja para minha execução. Caminho até a porta da cela e junto minhas mãos, deslizando-as através da fenda no aço.
Marco aperta correntes ao redor delas e puxo minhas mãos para trás quando ele destrava minha cela. Levi se afasta, deixando o guarda fazer seu trabalho de me proteger.
— Aonde vamos? — pergunto, quando Levi se recusa a falar mais sobre o que está acontecendo.
— Você verá em breve. Vamos apenas dizer que você nunca teve a apresentação adequada, e agora todo mundo está morrendo de vontade de ver a verdadeira face de sua admirada princesa.
Eu tremo ao pensar na apresentação que Levi arranjou para mim quando cheguei aqui. Olho para o meu corpo coberto de sujeira. Meu cabelo é um emaranhado de palha, lama e quem sabe o que mais. Sinto o cheiro de uma carcaça animal deixada para assar ao sol. É realmente assim que serei apresentada ao mundo?
E então me lembro das minhas orelhas. Meus sinais de Fae. Usei magia de ilusão para me fazer parecer humana nos primeiros dias da minha captura, então parei depois que os guardas me bateram. Não valeu a pena. Agora estou fraca demais para lançar o feitiço, mesmo se eu tentasse.
Posso adivinhar o plano de Levi. Ele quer que o mundo me odeie antes de eu ser morta. Ele quer se voltar para todos os que me amam ou me respeitam para que eles sejam leais ele.
E isso poderia funcionar, se o desdém de Marco por mim for uma indicação. Todo mundo está se voltando contra mim. Ace. Zeb. Pessoas que eu achava que importavam para mim, para Fen. Não há lealdade aqui. Fui uma idiota de acreditar no contrário.
Sou arrastada pelos túneis e subimos as escadas. Quando chegamos ao castelo principal, meu coração aperta. Este é Stonehill. É assim que casa se parece. Ou parecia. Tudo mudou agora. Foi uma reviravolta cruel de ironia que Levi tinha ambos, Fen e eu, trancados na casa de Fen. Em seu próprio reino. Com suas próprias pessoas nos vigiando. Uma torção da lâmina em seu intestino. E no meu também.
Alcançamos uma porta, e de repente eu sou empurrada para a luz do sol. Meus olhos ficam cegos pelo brilho, por ter ficado tanto tempo presa na escuridão. Eu me lembro da Alegoria da Caverna de Platão. Quando vivemos nossas vidas na escuridão, as sombras parecem a única realidade, e a verdade é ofuscante demais para ser aceita. Eu me pergunto se é assim que são as vidas dos príncipes. Eles são amaldiçoados em seus pecados, presos em sua falta de crescimento. Talvez o mal deles não seja culpa deles, mas culpa da maldição e da escuridão em que suas almas estão fadadas a viver. A luz os machuca e, assim, torna as sombras sua única fonte de verdade.
Mas isso não torna seus atos menos nocivos aos que são perpetrados.
Leva tempo para meus olhos pararem de doer, para minha visão retornar. Tropeço no pátio de treinamento, o som das espadas se chocando ao meu redor. Mas quanto mais me aproximo de qualquer grupo, mais silencioso ele se torna. Um silêncio natural cai em torno de nós enquanto as pessoas se embasbacam e encaram. Então o sussurro começa quando eles se juntam à multidão de pessoas nos seguindo. Estou cercada por guardas agora, não apenas Marco, e Levi lidera o caminho como se já tivesse sido coroado rei de todas as terras. Ele aprecia esse poder e cobiça-o como faz com todas as coisas que não são dele por direito.
Aproximamo-nos de um palco de madeira e minhas pernas tropeçam nos degraus, ainda fracas do meu tempo na cela. Meus músculos se atrofiam. Marco agarra meus braços para me impedir de cair de cara, e é gentil enquanto me ajuda a ficar de pé. Uma pequena gentileza em face do que está por vir – uma que eu aprecio.
— Aqui está ela! — grita Levi para a crescente multidão. Nunca vi tantas pessoas em Stonehill. É claro, a partir da diversidade de roupas e estilo, que Levi planejou isso há muito tempo. Todos os reinos estão representados aqui, não apenas o de Fen.
A multidão se cala o suficiente para ouvir o que Levi dirá a seguir.
O príncipe pega meu braço e me empurra para a beira do palco. A mesma plataforma usada para leilão de escravos. A mesma plataforma usada para torturar os Fae que eles capturaram na batalha. Eu não estava aqui para isso, mas ouvi as histórias do que aconteceu enquanto eu estava em Avakiri. Posso ver as manchas de sangue na madeira sob meus pés descalços.
O sangue do meu povo.
Somos todos monstros. Os Fae. Os vampiros. Todos nós, pela guerra que fizemos. Se de alguma forma sobreviver a isso, vou me certificar de que esta plataforma seja destruída. Está encharcada de maldade.
— Dê uma boa olhada nela — diz Levi. Ele puxa meu cabelo para trás e a multidão suspira, vendo minhas orelhas pela primeira vez. — Ela é uma deles. Sempre foi. Ela é Fae. E não apenas Fae. Não!
Ele então puxa meu vestido... Se você pode chamar assim. É uma coisa disforme que costumava ser branco, mas agora está tão manchado que mal se pode dizer. Tem mangas compridas e cai nos meus tornozelos, cobrindo a maior parte do meu corpo. Cobrindo as tatuagens que se formaram quando me tornei a Estrela da Meia-Noite.
Eu sei o que está prestes a acontecer, e fecho meus olhos, as lágrimas presas na minha garganta. Eu respiro e me preparo para o que ele está prestes a fazer, enquanto o ódio e a raiva crescem em mim.
Sinto a picada de uma faca contra a pele das minhas costas quando ele corta o tecido. Ouço alguém – Marco, eu acho – respirar fundo em estado de choque, mas ninguém faz nada para impedir Levi.
E então eu estou nua, o vestido um farfalhar de farrapos aos meus pés. Levi me empurra para frente novamente, desfilando diante da multidão enquanto mostra as tatuagens que definitivamente provam que sou da realeza Fae.
— Ela é a razão pela qual estamos em guerra — grita Levi para a multidão. — Olhem para ela. Ela é a razão pela qual seus entes queridos estão mortos ou feridos. Ela é a razão pela qual os druidas voltaram. Ela traiu vocês. Nós. Nosso mundo. Ela usou o amor de vocês por ela para destruí-los. Ela não é Rainha. Não é amiga do nosso povo. E ao nascer do sol, ela pagará por seus pecados com sua vida.
Suas mãos ainda estão em mim, tomando liberdade para me tocar em qualquer lugar que quiser, para me mover como um mestre de marionetes. Preciso abrir meus olhos porque ele me obriga a andar pela multidão enquanto as pessoas começam a bater, arranhar e apalpar meu corpo nu. Quero me esconder, cobrir meu rosto, mas ao invés disso eu me forço a olhar nos olhos de tantos deles quanto possível. Cada pessoa que me toca. Cada pessoa que aplaude o meu abuso. Olho para eles. Eu os desafio da única maneira que posso. Eles cospem e jogam frutas podres em mim, e continuo olhando. Ainda mantenho o olhar deles e os faço me ver.
Muitos viram os olhos com isso. Muitos ainda têm alguma consciência. Alguns não. Alguns riem e regozijam, e meu desafio os incita ainda mais.
Estão perdidos em seu ódio. Existem centenas, talvez milhares de pessoas, e Levi parece determinado que cada um deles tenha a chance de corromper meu corpo. Meus pés descalços estão machucados e sangrando pelas pedras. Sou forçada a andar. Meu corpo não se saiu muito melhor.
Quando um homem tenta colocar as mãos onde não pertencem, eu o acerto na virilha. Levi me dá um tapa e eu caio no chão. — Veja como ela não se submete ao seu castigo? Como se achasse que é melhor do que vocês?
Ele se inclina e agarra meu braço, depois fala comigo em voz baixa, para que só eu possa ouvir. — Isso pode durar o tempo que eu quiser. Pode piorar também. Eu poderia deixar os homens fazerem o que eles claramente querem fazer. Jogar você em um quarto com o pior deles até que eles terminem.
Estremeço, e ele ri.
— Ou... Há outro jeito. Posso acabar com tudo isso. Posso salvar sua vida, e a vida de Fen – até mesmo a vida de sua patética mãe humana. Posso te fazer Rainha e te devolver todos os seus luxos e dignidade. O que acha disso, Princesa?
Eu olho para ele, imaginando que tipo de jogo ele está jogando, e ele sorri.
— Case comigo. Me escolha como o próximo rei, e anularei todas as acusações contra você, como se nunca tivesse acontecido. Você será minha rainha obediente, e Fen viverá para ver outro dia.
Então esse era seu plano o tempo todo. Não posso dizer que estou surpresa. Mas ele jogou bem suas cartas, me colocando nesse inferno e depois me fazendo escolher. — E se eu escolher um príncipe diferente? Talvez um dos outros goste do mesmo acordo.
Seu rosto endurece. — Eu controlo as pessoas agora. Controlo o seu destino. Eu sou o único com poder suficiente para lhe oferecer liberdade.
Preciso ganhar tempo, mas não posso dizer não. Acredito nas ameaças dele. As multidões mudaram nas horas em que estivemos aqui. Quando o sol se põe, as mulheres e as crianças começam a se dispersar. Agora ficaram os piores homens. Eles querem o que Levi prometeu. Não posso deixar isso acontecer. Não sei se eu viveria com isso.
— Dê-me tempo para pensar. Não posso pensar aqui assim.
Ele faz uma pausa, considerando as minhas palavras. — Muito bem, princesa. Vou te dar tempo. Mas se você não tiver decidido até a meia-noite, esses homens desfrutarão de algumas horas com você antes do amanhecer. — Ele lambe os lábios e olha para mim com um olhar lascivo nos olhos. — E eu ficarei com o primeiro turno.
Capítulo 2
PASSAGENS
“Seu sangue bombeia em minhas veias, como fogo e gelo. Não sou um homem acostumado a temer, mas sinto isso agora, me enchendo com seu veneno de dúvida. O que eles fizeram com ela? O que farão? E se eu nunca mais vê-la?”
— Fenris Vane
Levi coloca uma pedra na minha mão e manda Marco me levar para minha cela. — Você tem a minha marca, Princesa. Use-a antes que seja tarde demais.
Olho para a pedra e vejo sua marca de demônio pintada de preto. Marco coloca a mão nas costas e puxa sua espada, mantendo a multidão à distância enquanto me guia para o castelo. Quando andamos longe o suficiente para evitar sermos detectados por Levi e pela multidão, Marco tira sua capa vermelha e a coloca ao redor dos meus ombros. — Sinto muito, princesa. Você não merecia isso.
Sua voz está rachada e cheia de emoção. Só posso imaginar o que ele está passando agora. Como deve estar sofrendo. Agradeço pela capa e a puxo com mais força, cobrindo minha nudez, contusões e cortes enquanto ele me leva a minha cela.
Meus olhos se ajustam à escuridão novamente, e estou encostada nas barras da minha jaula olhando para a pedra na minha mão. Se eu aceitar a oferta de Levi, vou viver. Fen viverá. Ele não será livre, mas viverá. E minha mãe... Minha mãe viverá. Eu teria cumprido meu contrato, e sua alma estaria livre, sua alma curada.
Como posso recusar?
Mas...
Mas...
Levi seria um rei horrível. Ele é um fanático racista misógino que acha que sabe o que está fazendo, mas não sabe. Ele destruiria os Fae, arruinaria este mundo, corromperia tudo e todos. Ele é um veneno que se infiltraria na própria alma deste lugar.
Se eu recusar sua oferta, estou condenando Fen à morte, e minha mãe a prisão por toda a eternidade. Se aceitar, estou condenando todos os outros à escravidão e a um governante tirânico por quem sabe lá quanto tempo. Eu realmente posso condenar milhares para salvar a vida de alguns? Minha mãe quer que eu sacrifique a segurança do meu povo por ela? Fen gostaria de ficar vivo apenas para me ver casar com Levi enquanto permanece preso?
E quanto a mim? Posso enfrentar minha própria morte? Eu sou a última dos Alto Fae. Se meu sangue morrer, levo o último fio da magia deste mundo.
Olho para a janela, a luz quase desapareceu. Eu devo escolher. E estou ficando sem tempo.
Afundo no meu tapete de palha exausta, meu corpo tão dolorido do abuso que sofri nas ruas que não posso apontar para um único ponto que não doa. Através da dor, mal sinto a bolsa nas minhas costas. Uma bolsa de tecido caro enfiada na palha.
Abro e encontro uma velha chave de esqueleto de aço dentro. Está enferrujada e antiga. Com isso há um pedacinho de pergaminho. Desdobro para encontrar uma nota. Esta chave destrava todas as portas dentro de Stonehill. Liberte Fen. Encontre-nos nas docas no rio noroeste. Haverá um barco. Venha depressa.
Não está assinada, e não reconheço a escrita. É uma armadilha? Algum jogo torcido que Levi está jogando? Ou alguém está realmente tentando me ajudar?
Marco ainda guarda minha porta, mas está sozinho. Não posso sair se ele não me deixar.
Olho para a chave em uma mão, a pedra na outra. Se tentar escapar e resgatar Fen, eu poderia falhar, garantindo nossas mortes. Se eu chamar Levi, poderíamos viver. Dum spiro spero. Enquanto respiro, eu tenho esperança. Não resta esperança se eu estiver morta. Concordar com os termos de Levi nos daria tempo para encontrar uma solução melhor. Mas se eu não encontrar uma...
Peso as escolhas em minhas mãos. Há sérios riscos em ambas.
Largo o conteúdo de uma das mãos no chão cheio de sujeira e olho para a outra mão.
Fiz minha escolha. Agora só espero poder viver com as consequências.
Não demora muito para colocar o meu plano no lugar, mas minha mão ainda treme quando corto meu pulso com a ponta afiada da pedra e desenho a marca de Levi no chão com meu sangue.
Apenas a última linha é deixada inacabada. Olho para Marco, que franze a testa. — Você tem certeza? — pergunta ele.
Eu assinto. — É o único jeito. Você viu do que ele é capaz.
Marco abaixa os olhos em resignação. — Me desculpe, eu fui uma parte disso. Fen nunca me perdoará.
— Se isso funcionar, Fen saberá que você me ajudou hoje. Ele saberá que você fez o seu melhor. Eu terei certeza disso.
Marco acena, ainda franzindo a testa. — Só tenha cuidado. Tenho um mau pressentimento sobre isso.
— Tem certeza de que ele está com Fen? — pergunto.
— Sim. Não é bonito. Você não deveria ter que ver isso.
Meu estômago aperta. — Fen não deveria ter que suportar isso — digo através de uma garganta apertada. — Quanto tempo Levi levará para chegar aqui uma vez que ele sentir a marca?
— Ele tem que atravessar o castelo. Vocês estão em diferentes alas da masmorra. Mas ainda assim não muito longe.
Aceno. — E você tem certeza disso? — Eu sei o que ele está arriscando.
Ele assente. — Tenho certeza. Eu deveria ter feito isso há muito tempo.
Levanto uma caneca de lata para ele e limpo minha garganta. — Existe alguma maneira de você me dar mais água? Estou ressecada.
Ele olha para o copo por mais tempo do que o necessário, e então tira das minhas mãos através das barras. — Sim, princesa.
Assim que ele sai, eu deixo a pedra com meu sangue pingando no chão ao lado da marca de demônio inacabada, e aperto a chave ainda na minha mão.
É hora de salvar Fen.
* * *
Vivi neste castelo tempo suficiente, explorei as passagens secretas e os túneis o suficiente para saber como me locomover sem ser vista. Esse conhecimento vem a calhar agora, ao escapar das masmorras e me esconder atrás de uma tapeçaria na parede e em uma das muitas passagens escondidas dentro das paredes. Fen achou divertido quando descobriu o quanto aprendi sobre seu castelo. Agora minha bisbilhotice salvaria nossas vidas, se eu tiver sorte.
Uso um pequeno globo de luz que roubei da masmorra para viajar pelas passagens, sentindo meu caminho através da poeira e teias de aranha. Meus pés ainda estão machucados e preciso de roupas, mas essas preocupações terão que esperar. Estou em um prazo apertado.
O som de batidas de couro contra carne e osso é tudo que preciso para saber que estou no lugar certo. Engulo o vômito se formando na minha garganta e me preparo para o que sei que verei.
Mas não há como se preparar para ver o amor de sua vida torturado enquanto você não pode fazer nada para parar isso.
E é exatamente isso que eu tenho que fazer.
Fen está de pé, parecendo entrar em colapso caso pudesse, se as correntes não prendessem os seus membros em colunas de pedra. Seus lábios estão manchados de vermelho-escuro. Listras carmesins cobrem suas costas.
Snap.
Um chicote de couro açoita o ar, rasgando outra linha de carne pelas costas de Fen. Ele não grita. Não diz nada.
Levi entra em cena, sussurrando algo para seu irmão.
Observo através de uma rachadura na parede, longe demais para ouvir o que Levi sussurra para Fen, mas o suficiente para ver o que ele faz em seguida.
Isso me deixa nauseada, e brava. Algum dia eu matarei aquele bastardo. Mas estou nua, desarmada e ferida. Expor-me agora só me prejudicará. Devo ficar quieta e esperar que Marco faça o que prometeu.
Após o que aconteceu nas ruas de Stonehill, a raiva de Marco contra mim se transformou em culpa. Ele explicou que passou as últimas semanas em espiral, fora de controle em sua dor por causa de sua família. Que Levi prometeu-lhe vingança contra aqueles que causaram a batalha. Contra Fen e eu.
Mas vendo o tipo de rei que Levi seria, o tipo de governante que ele é, Marco não poderia apoiá-lo. Ele sabia que eu não era o inimigo, que eu não tinha controle sobre como nasci. Então, quando encontrei a chave da minha cela, assumi um risco. Pedi a Marco que me ajudasse.
Ele não poderia me ajudar a escapar sozinho. Isso seria muito arriscado, até mesmo para ele. Mas poderia pegar água para mim. E me dizer onde estava Levi. E poderia terminar a marca de Levi na sujeira com meu sangue, depois que eu saísse. Para me dar mais tempo para libertar Fen e fugir.
Então agora devo esperar que Levi sinta a força da marca. Que vá à minha cela.
Demora tanto tempo que temo que o plano falhe, que Marco tenha se acovardado ou que eu não tenha deixado sangue suficiente. Mas depois Levi para de falar e olha para seu pulso.
Ele diz algo que faz Fen gritar mais alto do que qualquer tortura, e depois deixa a masmorra rindo.
Eu cerro meus dentes e espero até que não consiga mais ouvir seus passos, então empurro as pedras soltas que sei estão lá e saio.
Quando Fen me vê, sua boca se abre.
— Sabe, você realmente tem que parar de ser capturado e espancado — digo, tentando aliviar o humor.
Eu corro até ele e coloco a chave na fechadura, esperando que funcione. É realmente uma chave mestra, porque suas correntes caem e apoio seu corpo quando ele se afasta das vigas.
— Como você chegou aqui? — pergunta ele, sua voz rouca e baixa. Mesmo neste estado quebrado, me acalma ouvi-lo.
— Lembre-se, eu sei os segredos deste castelo — digo. Então algo resmunga atrás de mim e me viro para ver Barão acorrentado no canto. — Oh meu Deus, o que esse monstro fez com você?
Rapidamente libero o lobo branco e procuro por ferimentos. Não há nenhum, e Barão esfrega a cabeça contra Fen e eu. Ainda não consigo acreditar que este lobo é o Espírito da Terra, mas terei de pensar nisso mais tarde.
Fen me puxa para mais perto dele e me conforto no calor de seu corpo, na dureza de seus músculos, e na sensação dele tão perto. E sob as camadas de fedor que ambos trouxemos conosco, eu posso sentir o cheiro dele. A selvageria que se apega a ele sempre. O pinheiro e o aroma amadeirado. Eu o inspiro e enfio minhas unhas nos braços dele para segurá-lo mais apertado.
Soluço em seu peito, todo o medo e tensão das últimas semanas fluindo de mim, liberando um grande volume, como uma onda que não consigo mais controlar ou esperar um pouco. A batida de seu coração é firme e forte e eu suspiro em seu abraço, tão feliz por estar com ele novamente. Não o vejo desde o julgamento, e temia que nunca mais o visse. Após um momento, eu me afasto apenas o suficiente para olhar para ele. Ele ainda é Fen, com suas feições ricamente lindas, seus penetrantes olhos azuis e cabelo castanho-claro com manchas acobreadas sempre um pouco desgrenhadas. Mas ele também é mais. Estendo as mãos para tocar as pontas de suas orelhas, agora tão parecidas com as minhas. — Isso é culpa minha — digo baixinho.
Ele pega minha mão e a puxa contra seu peito. — Não. Você nem sabia o que era até que nós a trouxemos aqui. Isso não é sua culpa. Nunca se culpe.
Eu aceno, enxugando as lágrimas dos meus olhos. — Não temos muito tempo. Devemos partir. Levi vai saber que escapamos assim que chegar à minha cela.
É quando Fen olha para mim e percebe que estou usando apenas uma capa. — O que aconteceu com você? O que ele fez com você? — Um grunhido se forma profundamente em sua garganta, e a nova tatuagem em seu estômago brilha com um azul claro, irradiando sua magia.
— Explico mais tarde. Agora temos que ir.
Fen aperta os lábios, mas acena, pegando a minha mão enquanto voltamos para a passagem secreta. Ele devolve as pedras ao devido lugar e nos apressamos pelas salas escuras e escondidas, tão rápido e silenciosamente como podemos. Eu sei que ele tem muitas perguntas, assim como eu. Elas terão que esperar.
Quando passamos por uma porta, Fen para e levanta a mão. — Precisamos do nosso equipamento. Nossas armas. Normalmente elas estarão no arsenal, mas o nosso é um caso especial, então devem ser mantidos aqui. — Ele olha para os meus pés. — E você não vai longe sem algumas roupas e sapatos.
Não posso discutir com isso. Estou mancando enquanto andamos.
Ele empurra a porta e espia para fora, em seguida, me leva para dentro. É o quarto de Fen, embora esteja claro que não é quem está dormindo aqui. — Levi tomou o meu lugar — diz Fen com veneno em sua voz.
Olho para a cama desgrenhada e roupas desconhecidas jogadas pelo chão e fervendo de raiva. — Aquele bastardo.
Fen abre alguns móveis até que encontra o que procura. Ele me entrega Spero – minha espada – e o punhal que Daison fez para mim antes de morrer. Então me entrega a roupa. — Elas serão muito grandes, mas são melhores que nada.
Dou de ombros sob a pele macia enquanto ele também se despe de seus trapos e coloca sua armadura de couro.
Há luz, mas ainda oferece alguma proteção. Tento desviar o olhar quando ele está nu, mas não tenho sucesso. Ele me pega encarando e sorri pela primeira vez desde a masmorra. — Haverá muito tempo para isso mais tarde, princesa.
Estou nervosa, mas não desvio os olhos. — Espero que sim.
E falo sério. Estou cansada de esperar. Cansada de duvidar. Não temos garantia de nenhum tipo de futuro. Quero viver minha vida agora. O que significa estar com Fen. Amando-o. Independentemente do que o futuro guarda. Passei tanto tempo me preocupando com quem seria o melhor rei que não considerei que o destino poderia conspirar para tomar a decisão por mim. Quase o perdi uma vez na batalha e novamente nas mãos de Levi. Não vou perdê-lo para a minha própria tolice agora.
Ele levanta uma sobrancelha para mim enquanto puxa suas roupas. Ele não diz nada com a boca, mas sim com os olhos. Por um momento é quase fácil esquecer tudo o que aconteceu. Tudo que está acontecendo. Estamos no quarto dele. Estamos seguros. Estamos juntos. Mas não podemos abaixar a guarda. Ele dá três longos passos e está na minha frente. Ele levanta o dedo na minha bochecha e corre pela minha mandíbula. — Esse rosto, esses olhos, essa boca, encheu meus pensamentos a cada momento em que eu estava preso. Eu temia nunca mais te ver.
Pego a mão dele e a seguro contra o meu rosto. — Não é tão fácil se livrar de mim. — Ele se inclina e seus lábios encontram os meus. É um momento que sonhei todas as noites. A sensação dele. O gosto dele. Não quero que isso acabe. Quero me perder em seu abraço. Mas estamos quase sem tempo. Nós ainda poderíamos ser pegos. Ainda poderíamos ser mortos.
Nós nos afastamos um do outro com grande relutância e pegamos nossas espadas. É hora.
Não nos leva muito tempo para sair do castelo. Fen conhecia ainda mais passagens secretas do que eu; esta tem sido sua casa por mais tempo do que posso imaginar.
Mostro-lhe a nota, e ele acena, nos levando para o barco. Posso ver as perguntas em seus olhos, mas ambos sabemos que não é a hora. Primeiro precisamos fugir e chegar a algum lugar seguro.
Não tenho a menor ideia de onde é isso, mas sei que não é aqui.
As luas estão no alto do céu quando chegamos ao nosso ponto de encontro: as docas, que só visitei algumas vezes. Geralmente elas estão cheias de pessoas descarregando mercadorias entregues ou peixes recém-pescados. Há risos e o cheiro do vinho e do rio. Agora está quieto e escuro, com apenas algumas tochas à distância. As águas negras brilham sob a luz pálida e um pequeno barco balança nas ondas. De longe, vejo um homem encapotado de preto, de pé em terra, de costas para nós. Não é até que nos aproximamos que eu percebo quem é.
Fen agarra a minha mão e me para. Nós dois nos mantemos firmes, puxando nossas lâminas. Barão salta à nossa frente rosnando enquanto o homem se vira para nos encarar.
Ele sorri e estende a mão. — Irmão, você não parece feliz o suficiente por me ver.
Fen rosna. — O que você está fazendo aqui, Dean?
Capítulo 3
A LÓTUS PRETA
“Eu sei aonde você vai. E sei o motivo. Mas considere isso antes de agir precipitadamente. Seu povo caiu. Eles precisam de seu príncipe. O que você escolherá? Príncipe de Guerra? Quem você salvará?”
— Ace
Nós estamos estupefatos. Por que Dean está aqui? Eu esperava Asher. Talvez Ace, embora a forma como ele estava se comportando durante o confronto com Levi me faça questionar sua lealdade agora.
Fen caminha até ele. — O que está acontecendo, Dean?
O Príncipe da Luxúria sorri. — Bom te ver também, irmão. Sabe, nós provavelmente deveríamos guardar as perguntas até encontrarmos um lugar onde você não corre o risco de ser enforcado, você não acha?
Fen vira para mim, e ando em direção ao barco. — Ele está certo — digo. — Nós temos que ir. Podemos resolver isso depois. — Coloco uma mão no ombro de Fen e sussurro em seu ouvido. — Não há razão para uma armadilha. Eu já estava sob o poder de Levi.
Fen murmura algo sobre o poder de Levi e outros perigos.
Quando estou prestes a pisar no barco, algo voa pelo ar.
E atinge meu ombro
Olho para baixo em estado de choque, a dor ainda não chegou à minha mente. Uma flecha emplumada sai do meu corpo. Há um momento de pausa, como se o tempo tivesse parado e não ouço nada. Então tudo vem correndo: ruído, gritos, frenesi. Pego minha espada, mas meu ombro tem um espasmo de dor, e não consigo segurar o cabo com a mão direita.
Fico tonta e caio no chão, meus joelhos batendo na terra rochosa com um baque.
Filmes fazem ser atingido por armas e flechas parecer tão fácil. Cara leva um tiro, cara olha para baixo, encolhe os ombros, continua.
Que mentira.
Isso dói malditamente.
Minha visão fica turva. Fen e Dean lutam com soldados vestidos de preto. Nenhuma cor para identificar seu reino, mas não é preciso muito para descobrir. Eu sei que ele vem. Ele sai da névoa e vai para a luz das luas.
Levi.
Sua capa vermelha e cabelos brancos esvoaçam ao vento frio. Ele não se junta na batalha. Em vez disso, me dá um sorriso odioso. E antes que eu possa piscar, ele está ao meu lado, me levantando facilmente do chão e me afastando de Fen e Dean.
— Você deveria ter aceitado minha oferta quando teve a chance, Princesa.
— Eu nunca escolheria você — digo, cuspindo na cara dele. — Você é egoísta, infantil, mesquinho e cruel. Não está apto a governar seu reino, muito menos um reino inteiro. Estou melhor morta do que ao seu lado.
Seu rosto se contorce de raiva. Ele honestamente não esperava que eu o rejeitasse. E como homens tão orgulhosos que pensam que as mulheres lhes devem algo, sua raiva se volta para mim. Ele me agarra e me puxa para mais perto dele, apertando meu peito com tanta força que mal consigo respirar quando a flecha afunda em minha carne. — Sua puta. Você acha que pode me tratar assim e se safar disso?
Meu coração bate com tanta força no meu peito que sinto que vou vomitar, mas não recuo. Não tenho mais nada a perder, e talvez, se for inteligente o bastante, possa comprar algum tempo. — O que você fará, Levi? Matar-me? E negar a todos o prazer de me ver enforcada? Como seus irmãos vão se sentir se você fizer justiça com as próprias mãos na última hora? Você acha que eles perdoarão isso tão facilmente?
Seus dentes se alongam e ele se inclina em direção ao meu pescoço. Eu me preparo. Posso sentir sua respiração, sinto o suor escorrendo de seu corpo. Ele está nervoso, preocupado, excitado. Nunca odiei tanto alguém assim como agora.
E quando os dentes dele afundam em mim, eu estou fervendo de raiva. Dói mais do que com Ace. Levi quer que isso doa.
Ele se alimenta de mim, e é um tipo de estupro, uma espécie de violação. Eu o empurrei longe demais. O que quer que Fen e Dean tenham realizado, será desfeito pela minha estupidez.
Sinto-me desvanecendo. Ele está bebendo muito do meu sangue. Drenando muito. E ganhando mais poder no processo.
Mas então algo muda. Vozes. Passos. Botas pesadas. Homens discutindo. Levi me libera e caio no chão enquanto um lobo uiva e homens gritam.
* * *
Sou atormentada por pesadelos de fogo e morte. De Daison morrendo em meus braços. De Oren me torturando. De Fen ferido em batalha. De desfilar nua enquanto as pessoas que tentei ajudar abusam de mim da mais vil das maneiras. Fico sem sono, encharcada de suor e tremendo.
Braços fortes me envolvem. — Você está segura. Acalme-se, amor.
Eu me agarro a Fen, ainda tremendo. Ainda atormentada por imagens de seu corpo quase morto deitado no campo de batalha chamuscado. — Onde estamos? O que aconteceu?
Lembro-me de tentar fugir. Ele. Dean. Então Levi. Depois nada. Olho em volta para me situar. Estou em uma caverna, deitada em peles grossas com um fogo queimando. Lá fora, uma tempestade se intensifica no céu noturno, jogando neve em nosso abrigo. Nós estamos sozinhos, exceto por Barão, que está enrolado aos meus pés, sua cabeça grande descansando em minhas pernas enquanto olha para mim com preocupação – se o lobo pode parecer preocupado.
— Estamos nos escondendo — diz ele rispidamente. — Você perdeu muito sangue e desmaiou. Tivemos que esperar você acordar antes de partir.
Eu toco meu pescoço, onde Levi tirou um pedaço de mim durante sua alimentação. Está curando rapidamente, mas ainda doloroso. Examino meu ombro com a mão esquerda. Há ataduras onde a flecha esteve. — Há quanto tempo estamos aqui?
— Algumas horas. Você deveria descansar mais, mas não podemos nos dar ao luxo de ficar neste mundo mais do que o necessário. Como você se sente?
— Dolorida. Mas bem o suficiente para andar. — Não estou totalmente certa de que é a verdade, no entanto. Minhas pernas pareciam geleia. Mas posso sentir a urgência em Fen e sei que ele está certo. Todos estarão nos procurando. Caçando. Escapamos da execução, mas por quanto tempo?
— O que aconteceu? — pergunto. Não me lembro de nada depois que Levi se alimentou de mim.
— Barão salvou você tirando um pedaço de Levi. Enquanto o filho da puta fugia, Dean e eu derrubamos os soldados. Nós fugimos na hora certa. Se ele bebesse mais de seu sangue...
Fen deixa o pensamento sumir, e estremeço. Cheguei perto de morrer. Novamente.
Dean se junta a nós através da abertura da caverna, uma oscilação em seu passo, carregando um frasco que ele está claramente absorvendo generosamente. — É bom ver você acordada, princesa.
— Por que você me enviou a chave? — pergunto sem preâmbulo.
Ele balança a cabeça, seu cabelo loiro escuro mudando graciosamente com o movimento. Ele é verdadeiramente um homem lindo, pelo menos do lado de fora. — O quê? Nenhum obrigado ao homem que salvou sua vida? Pensei que ganharia alguns pontos. Salvar a donzela em perigo, ganhar a mão dela?
— Minha mão não é para ganhar — digo. — E você não respondeu minha pergunta.
— Por que eu salvei você? — repete ele, sentando-se à minha frente. — Parecia ser minha única chance de conseguir meu mês com você, já que meus irmãos continuam roubando a minha vez. — Ele lança um olhar para Fen, em seguida, a sua atenção volta para mim. — Estou convencido de que com um pouco de um-em-um, você finalmente verá quão charmoso e irresistível eu realmente sou.
Reviro meus olhos para isso. — Improvável. Mas obrigada, eu acho. Agora o que fazemos? Para onde vamos?
O sorriso de Dean aumenta ainda mais, se é que isso é possível. Esse homem não leva nada a sério? — Só há um lugar em que posso pensar que nos ofereça proteção.
Fen geme. — Tem que haver em outro lugar. Ali não é lugar para Arianna.
Dou uma olhada para Fen. — Com licença? O que isso deveria significar? Não sou uma criança que precisa de proteção. Se estivermos seguros lá, devemos ir. Onde é este lugar?
Dean ri. — Você verá em breve. Vamos embora então, vamos? — Ele toma um gole de seu frasco e o entrega para Fen e eu. Fen recusa, mas enquanto eu tento andar, a dor passa por mim e relutantemente aceito.
A bebida queima minha garganta ao descer, mas então um formigamento agradável alivia um pouco da dor, e caminhar não é tão difícil. Eu o entrego para ele. — Obrigada, isso ajudou.
Seguimos Dean pela caverna. Ele se vira para ter certeza de que estamos acompanhando — É o lugar perfeito — diz ele a Fen. — Podemos relaxar, nos divertir, talvez até obter alguma ajuda com o que fazer a seguir.
— Isso não são férias — diz Fen. — Vamos conseguir um curandeiro para Ari e depois voltar para recuperar Stonehill. Além disso, eu nunca mais ficarei em dívida com esse demônio.
Dean ri, mas não discute.
— Onde estamos indo? — pergunto para quebrar o silêncio constrangedor que se desenvolveu. E porque eu realmente gostaria de saber.
— Devemos nos encontrar com Sly — diz Dean. — Há um lugar chamado A Lótus Preta. Sly é o demônio que o administra. É uma zona de sem morte para seres de todos os reinos e mundos. Um espaço seguro, mais ou menos. Sly sabe tudo o que acontece em todos os lugares, e todos que estão fazendo isso. Se alguém puder nos ajudar, é ele.
— Por um preço alto — murmura Fen.
Dean ri. — Ignore-o. Ele ainda está chateado com o seu último favor a ele. Envolveu uma sereia e um assassino. Contarei a história toda em algum momento, quando Fen não estiver por perto para arruiná-la.
— Onde fica esse lugar? — pergunto.
— Portland — diz Fen. — Assim, parte do seu contrato será cumprida.
— E minha mãe estará segura...
Ele assente, eu aperto sua mão e sorrio. — Então, A Lótus Preta está convenientemente em Portland? — Levanto uma sobrancelha para isso.
Mais como você estava convenientemente em Portland — diz Fen — Nossa mansão está lá porque é um bom local para nosso trabalho com outros seres, além dos humanos. É provável que tenha atraído a sua mãe para essa área. Portland tem uma atração para os que estão envolvidos no outro mundo, o que sua mãe certamente estava, mesmo que fosse apenas humana.
— Vou fingir, pelo bem do nosso relacionamento, que você não acabou de dizer apenas humana em relação a minha mãe. — Eu ainda estou tão cansada, tão fraca, e com tanta dor, e as coisas ainda são tão sombrias para todos nós, mas me esforço para trazer alguma leveza à nossa situação. Para rir. Para provocar. Para encontrar alguma semelhança de normalidade em tudo isso.
O rosto de Fen está apertado e tenso por preocupação, raiva e tensão, mas ele vê o que estou tentando fazer e relaxa, mesmo que apenas marginalmente. Ele se curva graciosamente e usa o mesmo tom que empreguei. Ainda há uma seriedade em seus olhos quando eles travam com os meus. — Por favor, aceite minhas desculpas, Princesa. Tenho apenas o maior respeito pelos humanos.
Sorrio por sua tentativa. — Desculpas aceitas. Mas não deixe que isso aconteça novamente, ou minha punição real será rápida e impiedosa.
Fen ri.
Dean limpa a garganta. — Vocês querem um quarto? E alguma companhia? — Ele pisca para nós dois. — Poderia ser divertido.
— Ugh, você é nojento — digo.
— Você não dirá isso quando nosso mês terminar, Princesa — diz Dean sedutoramente. Sua provocação transformando-se em algo sério. Eu posso sentir sua atração, os hormônios ou feromônios ou qualquer coisa que o torne irresistível, mas isso não me faz perder o meu caminho. Dean não é o que eu quero.
A caverna em que estamos enche com o som de água corrente e brilha com cristais infundidos com algum tipo de magia, eles pairam acima de nós e sobressaem das paredes em todos os tipos de formas e tamanhos. Uma cachoeira flui sobre eles e em uma pequena piscina. É uma visão mágica.
— O espelho está atrás da cachoeira — diz Dean, enquanto tira a camisa e entra na piscina de água.
— Sério? — pergunto, olhando para o seu tronco. — Você sabe que a camisa ficará molhada quer você a use ou segure.
Ele sorri como um menino travesso. — Mas é mais confortável tirá-la. E como eu poderia privá-la desta visão? — Ele flexiona seus músculos para mim e não posso deixar de rir. Fen apenas grunhe.
— Pensei que não havia espelhos nos sete reinos? — digo.
Dean ri. — Não oficialmente, mas somos demônios. Por nossa própria natureza, não seguimos regras. Então cada Príncipe mantém um espelho secreto em seu reino. Para emergências.
Fen sorri. — E eu ainda queria que você nunca soubesse sobre o meu. Você parece ter dificuldade com a palavra... Emergência.
— Ei? Quando eu já voltei sem uma boa razão? Exceto por aquela vez. E a outra. E o tempo com a bebida não conta. Beber é importante.
Suas brincadeiras me deixam mais à vontade, e entro na lagoa. A água é mais quente do que eu imaginava. Quase quente. E alivia as dores frias em meus ossos, lavando o fedor da masmorra. Permaneço debaixo da cachoeira por um momento a mais do que o necessário, deixando-a mergulhar em meu cabelo e me limpar o máximo que eu puder. Posso sentir a sujeira e a lama descascando da minha pele, e suspiro em felicidade temporária. Agora eu só preciso de um pouco de sabão. Quando me lembro de estarmos voltando para o meu mundo, minha felicidade aumenta com a perspectiva do encanamento e das conveniências modernas, supondo que A Lótus Preta tenha tais coisas.
Fen me puxa para além da água até encarar um espelho embutido na rocha. Parece que é feito de algum tipo de cristal reflexivo. Minha imagem está distorcida, parecendo como se fosse um sonho surrealista, e é claro que Fen e Dean não aparecem no reflexo.
Dean pega minha mão e aperta. — Pronta, Princesa?
Eu aceno, e nós três caminhamos, com um lobo em nossos calcanhares.
* * *
Barão nunca viajou conosco para o meu mundo, então não sei o que esperar quando chegarmos lá. Mas não poderíamos deixá-lo para trás desta vez, não quando somos os mais procurados de Inferna. Fico aliviada por ver que ele conseguiu fazer a viagem com segurança e se transformou apenas o suficiente para se misturar ao meu mundo. Ele está menor, parecendo mais um cão selvagem do que um enorme lobo.
Sorrio e acaricio sua cabeça. — Você é forte, não é menino? Você precisa ensinar a Yami esse truque quando ele voltar.
Fen olha para mim com curiosidade.
— Me disseram que quando a magia dele for mais forte ele poderá tomar uma forma em outros mundos, mas ainda não. Agora ele se transforma em joias. Joias muito legais, mas ainda joias. — Coloco uma mão na minha garganta, a dor de sentir falta do meu pequeno dragão parecendo ser física.
— E Barão?
Dou de ombros. — Ele está com você há muitos anos. Ele já é muito forte. Então você também é, imagino. Uma vez que você praticar. Ele deve ficar ainda mais poderoso. Também deve ser capaz de desaparecer perto daqueles que não devem vê-lo. Ele não fez isso ainda?
— Hum, não sei. Não perguntei.
Eu rio e Barão late, andando em um círculo antes de se estabelecer entre Fen e eu, que não fica tão irritado por seu lobo parecer tão leal a mim como com ele. Agora estou contente com esse pequeno conforto. Eu gostaria de saber o que aconteceu com Yami. Certamente ele não se foi para sempre? Ele não pode ter ido embora, não enquanto eu estiver viva.
Olho em volta, observando o beco decadente em que nos encontramos, notando o clube barato de striptease do outro lado da rua.
— Estamos em Portland? — pergunto com ceticismo.
Fen assente.
Não consigo reconhecer essa parte da minha cidade natal. Mas então, esse não é o tipo de vizinhança em que eu normalmente entro. Envolvo meus braços em volta do meu corpo molhado, tremendo. Está frio aqui. O sol já se pôs, e recentemente choveu pela aparência do cimento úmido, embora o céu esteja abençoadamente seco agora.
Dean nos leva a uma grande porta preta esculpida do que parece suspeitamente com osso – mas que espécie de osso eu não sei. No centro está o desenho de uma lótus feita de crânios.
Meus olhos se arregalam. — Isto é...? — Minha mão pousa em um pequeno crânio, esperando que seja argila ou metal. Mas posso sentir a energia de algo morto que uma vez viveu pulsando através do meu corpo, e puxo minha mão, meu coração ricocheteando no meu peito.
Fen pega minha mão e a entrelaça na dele, o calor dele empurrando o frio que sinto, não apenas por estar molhada e com frio, mas por causa daquela porta.
— É melhor não fazer muitas perguntas sobre as coisas que você verá na Lótus Preta — diz ele. — Você não gostará das respostas.
Dean vira um dos crânios na lótus, revelando um grande globo ocular com uma íris negra. Eu sugo a respiração através dos meus dentes e aperto a mão de Fen com mais força, e Barão se coloca entre a porta e eu, rosnando ameaçadoramente para o globo ocular.
Uma voz explode dos ossos da porta. — Quem ousa entrar?
Dean responde. — Os Príncipes do Inferno pedem entrada. Viemos em paz, sem intenção de prejudicar. Precisamos falar com Sly.
— Que príncipes? — pergunta a voz.
— Dean e Fen — diz Dean.
A voz fica em silêncio um momento antes de responder. — E outra pessoa. Alguém muito poderoso.
Os príncipes olham para mim, e então Fen fala. — Ela está sob nossa proteção.
— Congratulamo-nos com Luxúria, como sempre, e estendemos um convite para a Estrela da Meia-Noite. Não permitimos Guerra.
— Não estou aqui para começar uma guerra — diz Fen, e percebo que sua paciência está por um fio. — Estou aqui apenas para obter ajuda.
— Para guerra. — Isso não é uma questão. E eu me pergunto que magia a porta guarda que sempre parece saber a intenção daqueles que pedem entrada.
— Mas não para a guerra aqui. Apenas informação. Estamos com problemas e feridos, e precisamos de um lugar seguro. — Fen pausa, mas a porta não responde. Dean dá a Fen um olhar significativo, e Fen suspira. — Por favor, deixe-nos entrar. Se Sly puder me ajudar, então o Príncipe da Guerra deve um favor a ele.
— Seu favor prometido foi aceito e será convocado no devido tempo. Bem-vindo à Lótus Preta — diz a porta.
Há uma série de estalidos enquanto os ferrolhos rangem e se movem por dentro, depois a porta se abre sozinha, revelando um salão escuro e esfumaçado, com paredes de veludo vermelho-sangue e dourados.
Sinto o cheiro do ar acre e enrugo meu nariz em desgosto. — Isso não é fumaça de cigarro. E não é maconha. O que é?
Fen ri sombriamente. — Você não quer saber. Apenas não respire muito profundamente e deve ficar bem. A primeira vez que vim a Lótus Preta, fiquei de ressaca por uma semana só de respirar os fumos desse corredor. Está vindo dos quartos adjacentes, mas não é para onde estamos indo. A fumaça desaparecerá logo.
Dean, por outro lado, sorri e respira fundo, segurando-a por um momento antes de exalar. — Ah sim, eu amo tanto este lugar.
Fen balança a cabeça em um julgamento silencioso enquanto descemos para A Lótus Preta. Há um poder, uma magia grossa que se envolve ao meu redor, pressionando meus pulmões, empurrando meu corpo como um vírus agressivo. Dean não parece tão afetado, mas a mandíbula de Fen está cerrada, e posso dizer que ele sente isso também.
— Nunca foi assim — diz ele.
Dean franze as sobrancelhas quando vê a nossa luta. — O que está acontecendo?
— Bem, bem, bem... — diz uma voz profunda e estrondosa das sombras antes de entrarmos na sala. — Parece que alguém foi e ficou todo mágico! Que deliciosamente perverso. — O corpo que acompanha a voz parece se materializar da fumaça e aparece diante de nós.
Ficamos na entrada de um grande salão de baile coberto de mais veludo vermelho e dourado. Espalhados pelo espaço estão cadeiras e sofás de veludo. Há um bar em um canto e mesas cheias de comida que revestem as paredes. Alguns dos alimentos ainda estão se movendo. No palco, uma banda ao vivo composta por criaturas saídas direto do filme de ficção científica toca instrumentos que parecem ser parte de seu corpo, criando um estranho som musical, orgânico, carnudo. Estou prestes a perguntar sobre eles, mas meus olhos continuam vagando pela sala e percebendo que há mais criaturas do que eu imaginava originalmente.
Em um canto distante, uma sereia flutua em um enorme tanque de água. Seu cabelo azul ondula ao seu redor como um halo etéreo. Ela tem pele esverdeada, escamas verdes e azuis, e é uma das coisas mais belas que já vi. Seus olhos captam os meus. São grandes orbes azul-esverdeadas que quase brilham. Então seu olhar se desloca para Fen e ela sorri, revelando dentes de tubarão. Quando ele percebe, ela pisca para ele, e ele desvia o olhar, franzindo a testa. Terei que perguntar a ele sobre isso mais tarde.
— Olá, Sly — diz Fen.
O rosto do homem misterioso se enrola em um sorriso. — Olá, Príncipe da Guerra. Você mudou um pouco desde a última vez que nos encontramos, não foi? — Seus olhos se voltam para mim antes que Fen possa responder, e seu rosto se ilumina. — E quem nós temos aqui? A epítome da amabilidade e da inocência, mas muito mais se esconde embaixo, não é? A Estrela da Meia-Noite finalmente retornou ao seu povo. Então os rumores eram verdadeiros. — Ele pega minha mão e a leva aos lábios, beijando-a suavemente. Fen fica tenso ao meu lado, mas eu o ignoro, meus olhos colados a esse homem estranho.
— Eu sou Arianna Spero. É um prazer conhecê-lo. — Tenho o prazer de notar que minha voz é firme, e não tão vacilante quanto me sinto sob o olhar sombrio de Sly. — Mas não é muito bom usar essa magia contundente nos seus convidados, não é? Não é bem uma boa vinda.
Pelo canto do meu olho, vejo Fen sorrir com a minha audácia. Mas ainda parece preocupado. Eu sei que provavelmente estou brincando com fogo, mas está ficando mais difícil de respirar e a magia que ele colocou em nós está fazendo meus ossos doerem.
— Perdoe-me, mas nunca se pode ser muito cuidadoso com poderosos manejadores de magia. Suponho que tenho sua palavra de que nenhum de vocês usará seus poderes para prejudicar qualquer um dos meus convidados enquanto estiver aqui? — Sly está segurando minha mão. Suas palavras são leves, mas seu olhar é forte.
— Você tem a minha palavra — digo.
— E a minha — diz Fen. Ele olha para mim.
— A penalidade por quebrar essa regra é a morte — informa ele.
— Oh. Ok, então.
Barão rosna, mas senta-se entre nós calmamente.
Sly sorri para o lobo e puxa de algum lugar desconhecido em suas vestes pretas de seda um bife cru. — Aqui está, garoto. Desfrute de um deleite.
Ele deixa a carne cair aos pés do Barão. O lobo o fareja uma vez, olha para Fen, depois para baixo, e devora o bife avidamente.
Sly olha para mim por mais um momento, depois usa o dedo indicador para desenhar um símbolo no ar. De repente, a tensão que senti dentro de mim desaparece e posso respirar profundamente de novo. Eu vejo Fen sugar o oxigênio e relaxar uma fração também.
— Obrigada por remover o feitiço — digo.
— Qualquer coisa para uma bela dama como você — diz ele, seus olhos negros segurando meu olhar com um nível de intimidade que está começando a me deixar desconfortável. Tenho a impressão de que esse homem pode ser o que ele quiser, quando quiser.
Fen coloca um braço protetor ao meu redor e reviro os olhos, mas não me afasto.
Sly olha para nós e sorri. — Deve haver alguma história fantástica nisso. Vou insistir em ouvir sobre isso. Mas primeiro, vamos corrigir esse estado em que você está. — Ele enruga o nariz delicadamente em desgosto pela nossa aparência. Provavelmente com o nosso cheiro também. A cachoeira ajudou a tirar um pouco da sujeira da masmorra, mas não tudo.
Sly puxa uma varinha preta feita de osso e cristal de suas vestes e nos estuda um momento. Então estala os dedos e sorri. — Eu cuido disso agora. Fiquem quietos, você três. Isso só doerá um momento.
Antes que eu possa objetar, ele acena a varinha sobre nós e murmura um encantamento de algum tipo em uma linguagem escura gotejando com magia. Meu corpo queima, e Fen enrijece ao meu lado, mas não se move.
Mordo minha língua para não gritar enquanto a magia cava em mim. Há fumaça, luz, dor, e então tudo desaparece, e nós três não estamos mais pingando. Estamos secos, mas não apenas secos, todos usando roupas novas, e meu corpo está fresco e limpo – até mesmo meus dentes. Olho para o meu vestido com admiração. É longo e escuro, com penas cruzando meus ombros e peito, e um colar com cristal prateado está pendurado na minha garganta. Na minha cabeça está uma coroa de cristal e prata. Fen está vestido com perneira e túnica negra, um manto de pele adornado com broche de lobo de prata pendurado em seus ombros. Dean está coberto de seda preta, seu peito está exposto, é claro.
Sly bate as mãos. — Muito melhor. Estão todos vestidos adequadamente para suas posições. Agora venham, juntem-se a mim para uma bebida. Diga-me o que você quer, e lhe direi o que vai custar.
Sly nos conduz através da grande sala, cumprimentando cada convidado por nome com um sorriso e um gracejo espirituoso. Ele é a epítome do charme e do estilo, e todos o amam ou têm um respeito muito saudável por ele. Ele parece bastante humano, exceto os olhos negros que parecem poços para o inferno – bem, a masmorra do inferno, de qualquer maneira.
Quando passamos pela sereia nadando languidamente no espaçoso tanque de água embutido na parede, ela coloca uma mão no vidro. Atrás dela, belos peixes e flora marinha decoram na câmara. Sua voz é transmitida por algum tipo de sistema de alto-falantes. — Fenris Vane. Você não vem me ver a um longo tempo.
Fen olha para ela, franzindo a testa. — Olá, Marasphyr.
Sly pausa para assistir a troca, um sorriso sabido brincando nos lábios.
Marasphyr sorri, seus dentes afiados tornando seu belo rosto muito mais sinistro. — Quer vir comigo, Príncipe? Senti sua falta.
Fen olha para mim, depois volta para a sereia. — Temo que meus dias de natação tenham acabado.
Dean ri. — Eu aceitarei, querida. Sou muito mais excitante do que o meu irmão, eu lhe garanto. — Ele pisca para a sereia, que assobia para ele.
— Parece que não sou a única que seus encantos falham em seduzir — provoco, um sorriso puxando meus lábios.
— Eu nunca falho, Princesa. Tenho a paciência de um imortal. Sempre consigo o que eu quero, eventualmente.
Fen empurra Sly no ombro até o demônio continuar nos escoltando para onde estamos indo.
— Quem é ela? — pergunto enquanto aumento meu ritmo para alcançá-lo. Agora que estou seca e adequadamente – se bem que extravagantemente – vestida, começo a sentir mais a dor dos meus ferimentos.
— Uma velha conhecida — diz Fen rispidamente.
— É assim que chamamos os casos passados ultimamente? — pergunta Dean. — Vou manter isso em mente.
Tenho tantas perguntas. A mais urgente é na verdade uma de biologia. Como exatamente alguém tem um caso com uma mulher que é meio peixe?
Sly para novamente e abre a porta para uma sala de visitas, escoltando-nos para dentro. Guardo minhas perguntas sobre a sereia que era claramente mais do que uma conhecida e olho em volta. Esta sala é mais discreta do que o corredor exuberante em que estávamos. Ela tem estantes de mogno do chão ao teto, principalmente com livros encadernados em couro, uma mesa em um canto e um sofá, duas cadeiras estofadas e um sofá no meio com uma lareira crepitando do outro lado.
Vou primeiro até a estante, admirando a seleção de títulos, até chegar a uma seção com capas modernas de homens e mulheres seminus.
Sly se junta a mim e sorri. — Vejo que você descobriu meus maiores tesouros — diz ele.
— Seus livros?
Ele puxa um romance e admira a imagem de uma mulher sendo abraçada por um homem sem camisa. — Romances. Eu simplesmente os adoro, você não? O amor, o drama, o escândalo quando a razão se aproxima da cabeça com uma luxúria boa e antiquada. Extraordinário.
Balanço a cabeça, meio sorrindo, enquanto eu me junto a Fen no sofá. Dean se senta e Sly se esparrama na espreguiçadeira após servir uma bebida. Ele nos oferece uma; Fen e eu recusamos. Eu tenho a forte opinião de que é melhor manter o seu juízo perfeito quando se lida com um demônio chamado Sly Devil.
Dean obviamente não tem as mesmas reservas, e despeja um duplo de algo amarelo com fumaça saindo. Nem quero saber. — Agora digam, o que o velho Sly pode fazer por vocês?
Fen fala primeiro, dando a Sly uma versão muito curta do que está acontecendo no Inferno. — Nós só precisamos de um lugar seguro para ficar até termos um plano para derrotar Levi e retomar Stonehill. E Ari está ferida. Ela precisa de tratamento médico.
— Estou bem — digo, mais por reflexo do que de verdade. Na realidade, não estou bem. Estou fraca, cansada, dolorida, desnutrida, desidratada e tenho feridas abertas em todo o corpo. Quanto mais eu penso nisso, o tratamento médico pode não ser uma má ideia.
Fen sabe disso também. Ele franze a testa para mim e dou de ombros, cedendo à sua ideia.
Sly cruza as pernas e bebe sua bebida, olhando para nós dois. — Isso é tão intrigante. Não tem havido uma boa guerra no Inferno por muito tempo. Seu povo se tornou complacente em seu poder. Isso é sempre perigoso. Todo império cai eventualmente.
— Não quero que o império deles caia — digo com cuidado. — Quero refazê-lo. Quero criar um mundo que seja bom e justo para vampiros e Faes, onde ambos possam viver em harmonia.
Sly me estuda. — Isso parece completamente impossível. Mas se alguém pudesse fazê-lo, acho que pode ser você. — Ele se levanta e estende a mão para mim. — Posso acompanhá-la até seus aposentos, princesa?
Fen franze a testa enquanto pego a mão de Sly, e então sou eu franzindo a testa enquanto o mundo gira ao meu redor, e se afasta como uma visão fora de alcance. Braços fortes me pegam e me vejo embalada contra o peito de Fen. — Ela precisa de um curandeiro — diz ele rispidamente. — Levi se alimentou dela depois que ela foi deixada para apodrecer na masmorra por semanas.
Tento insistir que estou bem e posso andar, mas minha boca não está funcionando direito. Meu cérebro está tão confuso, e todo mundo está subitamente cercado por auréolas de luz.
— Por que vocês estão brilhando como anjos? — pergunto através de fala arrastada.
Os olhos de Sly se alargam, e seu halo brilha mais forte. — Siga-me.
— Siga o diabo! — digo, tentando levantar meu braço em saudação. Mas eu acho que sai mais como diga quiabo e todo mundo parece confuso.
Desisto e afundo nos braços de Fen, deixando a escuridão me roubar.
* * *
Um lindo lobo branco olha para mim quando acordo. Assim que meus olhos se abrem, Barão lambe meu rosto.
— Eca, vamos lá, cara. Não é uma ótima maneira de acordar uma garota. — Limpo a baba e acaricio sua cabeça. — Você é um bom menino, não é? Onde está Fen?
Barão chora e salta da cama, depois arranha a porta. Antes que eu possa levantar e abrir, Fen entra. Ele sorri para mim quando me vê acordada. — Você dormiu mais do que o curandeiro esperava. Você nos deixou preocupados.
Ele afunda na cama ao meu lado e eu me aproximo dele. — Eu me sinto incrível — digo, me alongando. Os hematomas e cortes no meu corpo estão praticamente curados, e a dor que tem vivido dentro de mim por semanas está quase acabando. Pela primeira vez desde o calabouço, eu quase me sinto como eu mesma novamente. — O que quer que eles usaram em mim, devíamos levar para casa conosco — digo enquanto coloco minha cabeça no colo dele.
— Vou ver o que posso fazer sobre isso. — Sua mão cai suavemente na minha cabeça e seus dedos entram no meu cabelo.
Os músculos de suas coxas se flexionam enquanto ajusto minha posição para que eu possa olhar para ele. — Senti sua falta. Nós não ficamos sozinhos desde antes de... Tudo.
Ele toca meu rosto. — Eu sei. Quando eles te arrastaram para longe após o julgamento, eu nunca mais senti tanta vontade de promover a guerra contra tudo e todos lá. Matei quatro guardas antes que eles pudessem me levar para minha cela.
Respiro fundo. — Nenhum dos nossos, eu espero? — Não sei o momento exato em que comecei a identificar o reino e as pessoas de Fen como nossos ao invés de dele. Não sei quando comecei a me sentir em casa mais do que em qualquer outro lugar da minha vida. Mas aconteceu. Posso sentir isso em mim, essa mudança. Ele é meu. Eu sou dele. Essas pessoas são nossas para proteger.
— Não, não os nossos. De Levi. — Ele rosna o nome de seu irmão com tanta fúria reprimida que eu poderia quase me sentir mal pelo Príncipe da Inveja, se ele não fosse tão deplorável.
Seguro a mão de Fen com mais força, e então me puxo para ficarmos de frente um para o outro. Procuro no meu cérebro a coisa perfeita para dizer. Pelas palavras certas para tornar este momento perfeito. Finalmente estamos juntos. Finalmente sozinhos. Finalmente seguros.
E o que sai da minha boca é... — Eu tenho que fazer xixi.
Minha bexiga de repente está em chamas e prestes a explodir. Não sei há quanto tempo tenho dormido, mas poderia ter sido um mês, baseado na urgência com que agora preciso de um banheiro.
Fen ri com a minha mudança abrupta de assunto. — O banheiro está lá — diz ele, apontando para uma porta. — Você precisa de ajuda para andar?
Balanço a cabeça em não, mas depois percebo que eu realmente não tenho ideia. Eu me arrasto da cama devagar e dou passos pequenos, mas urgentes, em direção à porta apontada por Fen. Está escuro, mas a luz do fogo queimando fornece iluminação suficiente para me impedir de cair de cara no chão.
Não há nada mais instantaneamente gratificante e prazeroso da maneira mais básica do que aliviar-se quando sua bexiga está prestes a rebentar.
Quando volto ao quarto, Fen já está de pé. Eu ando até ele e envolvo meus braços ao redor de sua cintura.
Ele me segura, e nós ficamos lá por não sei quanto tempo, apenas juntos.
— Vai ficar? — pergunto enquanto ele finalmente se afasta.
Ele olha para mim, então se inclina. Fico na ponta dos pés para alcançar seus lábios. O beijo começa doce. Então se aprofunda para algo que faz todo o meu corpo acordar.
Termina cedo demais. — Não posso. Se eu ficar, faremos coisas.
Eu sorrio. — E isso é um problema por que...?
— Porque você pode se sentir melhor, mas ainda precisa descansar. Não quero te machucar. — Ele se inclina e sussurra no meu ouvido. — Não quero ter que me segurar na nossa primeira vez juntos.
O calor se acumula no centro do meu corpo e eu o desejo tanto que mal posso me conter. — Você não precisa se segurar agora.
Ele balança a cabeça e se afasta, colocando espaço entre nós. — Não sou humano — diz ele. — Eu sou muito mais forte. Eu tenho... mais vigor e resistência.
Ele dança em torno das palavras, mas eu entendo. — Se isso é para me dissuadir, temo que você tenha falhado miseravelmente.
Há uma longa pausa enquanto nos encaramos. Então ele se vira e abre a minha porta. — Logo. Muito em breve. — Ele faz uma pausa, a mão na maçaneta, seus olhos fixos nos meus. — Estou do outro lado do corredor, se você precisar de mim... Para qualquer outra coisa.
Ele sai, e Barão o segue com a cabeça pendurada. Fecho a porta e afundo em minha cama, de repente exausta pelo esforço de andar, falar e conter toda a energia sexual reprimida entre nós.
Posso sentir o sono me roubando em instantes. Eu acho que Fen estava certo. Estou mais cansada do que pensava.
* * *
Quando a porta se abre, eu acordo, meu corpo instantaneamente em alerta. Ele voltou. Meu coração bate animadamente em antecipação ao que está para acontecer.
Eu viro, prestes a dizer alguma coisa para ele, quando uma faca pousa no meu travesseiro onde minha cabeça esteve.
Eu grito.
Meu atacante me dá um tapa e tenta novamente com a faca, mas eu o acerto com o joelho na virilha e uso o meu corpo para jogá-lo de cima de mim. Sua lâmina afiada roça minha bochecha, deixando uma mancha carmesim para trás, mas eu mal sinto isso. Meu corpo está bombeado com adrenalina e estou pronta para lutar. Alcanço minha espada sob minha cama e fico de frente para o homem de preto, bem quando minha porta se abre.
Fen está lá, vestindo apenas calças, os olhos selvagens. Ele levanta a espada e ataca o homem.
Eles lutam. Lâminas colidem.
A faca do atacante é afiada, e ela acerta alguns golpes contra Fen. Cada vez que a lâmina atinge sua pele, sinto a dor dentro de mim.
Mas tudo acaba rápido. Fen espera até o momento certo e então ergue a espada e desce, cortando a mão do atacante. Ela cai no chão junto com a faca.
O homem grita enquanto olha para o coto deixado no final de seu braço.
As luzes se acendem.
Sly aparece como se feito de fumaça, envolto em um manto de seda preta. — O que diabos está acontecendo aqui? — pergunta ele.
Fen, cuja espada está pingando sangue, aponta para o atacante. — Ele tentou matar Ari.
Sly vira para o homem. — Isso é verdade? Você corrompeu a santidade do meu refúgio?
O homem balança a cabeça em negação. — Ele me atacou. Sou eu quem perdeu uma mão.
Sly olha para o homem – que ainda está mascarado – longo e forte, então ri. — Nós apenas teremos que ver quem está dizendo a verdade, não é? — Ele pega sua varinha e fala palavras em uma língua estranha.
Há um som estrondoso e o ar se abre ao nosso redor, revelando uma nova cena. É o passado, o passado recente. Sou eu na cama. Tudo acontece do jeito que aconteceu, só que eu vejo do ponto de vista onisciente.
O atacante treme de medo, ou talvez pela perda de sangue. Sly vai até ele e tira a máscara. Ele é um homem corado com um nariz bulboso e uma boca maldosa. Ninguém que eu reconheço. — Quem mandou você?
— O ??Príncipe da Inveja — diz ele sem hesitar. Ele está claramente com medo dele. Que tipo de reputação Sly tem, eu me pergunto? Temo estar prestes a descobrir
— Para quê? — pergunta Sly.
— Matá-la. Então capturá-lo — diz ele, apontando para mim e depois para Fen.
— Você sabe a penalidade por machucar alguém sob minha proteção na Lótus Preta?
O homem abaixa a cabeça.
— Eles nunca aprendem — diz Sly enquanto acena sua varinha.
Nada acontece por um momento, e o homem parece quase aliviado, apesar de ter perdido a mão.
Mas então...
Oh Deus.
Nunca vi nada tão terrível.
O homem grita novamente, e desta vez é um som angustiante que sai de sua garganta. Seu corpo começa a convulsionar enquanto sua pele descasca dos ossos e músculos, essencialmente virando-o do avesso.
Parece uma eternidade antes que o homem finalmente se cale em uma poça de suas próprias entranhas.
Ainda estou em estado de choque enquanto o sangue se espalha pelo chão de madeira, manchando meus pés descalços de vermelho.
Sly abaixa a varinha e suspira. — Eu vou pedir para preparar outro quarto para você. Por favor, aceite minhas desculpas. É raro alguém arriscar a minha ira, quebrando as regras, mas acontece de vez em quando. O Príncipe da Inveja deve estar verdadeiramente desesperado.
— Ele não gosta muito de mim — digo.
— Parece que ele gosta muito de você, mas sabe que ele nunca terá você — diz Sly.
— Não, ele me cobiça. Há uma diferença.
Sly assente. — Você falou verdadeiramente, princesa. — Sly vira para Fen. — Não haverá punições contra você, já que você estava defendendo a si e a outro convidado.
Fen acena.
Então cai no chão inconsciente.
Capítulo 4
TAVIAN GRAY
Kayla Windhelm
“Você não pode fazer muitos inimigos e ainda governar”.
— Kayla
O mensageiro chegou cedo naquela manhã, antes que nossa tropa de ataque acordasse, antes de levantarmos o acampamento e partir. Era uma nota curta, enviada por Levi – desculpe-me, Príncipe Levi – exigindo que voltássemos. Dizendo que éramos necessários para a guerra. Dizendo que Fen e Ari estavam sentenciados para serem executados – eu mentalmente contei os dias e meu coração parou. Hoje. Eles estão programados para serem executados no nascer do sol, hoje.
Olho para um céu que está começando a clarear, lançando longos tons de roxo no crepúsculo. Eu franzo a testa e mordo um lábio em frustração. Não há como voltar no tempo. Estou a pelo menos dois dias de viagem de Stonehill, e isso se eu não me importar se meu corcel sobrevive ou não.
Já estou atrasada. Mas tenho que fazer alguma coisa. Eu amasso a carta com meu punho e olho em volta procurando por Salzar, esmagando a neve sob minhas botas de pele. Ele não está na sua tenda. Vou para a parte de trás do acampamento e encontro a seção em que sei que ele estará.
Aqui há muitos acordados. Eles pertencem à noite em seus trajes escassamente vestidos enquanto usam seus encantos para atrair os desesperados para seus braços. Perturbo alguns casais indignados antes de encontrá-lo. Ele está deitado lá com os olhos fechados, enquanto uma jovem mulher... o atende.
Afasto a garota e atiro a carta amassada em seu colo nu. — Temos que voltar. Agora. Prepare as tropas.
— É o meio da noite — grita ele, cuspe voando de sua boca enquanto arrasta algo para se cobrir. — Eu não vou fazer isso. Agora volte para a sua tenda, Senhorita Kayla Windhelm. E lembre-se do seu lugar. Você não é uma princesa aqui.
— Eu nunca fui uma princesa — assobio. — E quando eu superar você, não será por causa do meu nascimento. Será porque eu não sou um imbecil lascivo com capacidade zero de comandar uma multidão de vampiros a sangue, muito menos uma tropa para invadir aldeias de Fae. Este é um trabalho perigoso. Mortal. E eles precisam de alguém que os proteja. Não alguém como você. Nós partimos hoje à noite, com ou sem você.
Eu saio apressadamente, meu coração batendo freneticamente em meu peito. Posso sentir a raiva nos meus lábios, como se fosse uma um veneno passando por mim. Durante a última quinzena, eu sofri o abuso deste homem vil em um esforço de manter nossa tropa indivisa e eficaz. Mas estou cansada de aplacar esse imbecil.
O que eu faço em seguida pode ser considerado traição, passando por cima do meu superior. Mas sou eu quem segue uma ordem de um príncipe do inferno, e Salzar não.
O sino da companhia fica no meio dos quartos de dormir, e ele toca por toda a aldeia improvisada. Corpos cansados ??saem de suas barracas para ver qual é a emergência.
Resumo rapidamente, e dou meus comandos. — Saímos agora. Embalem apenas o que é necessário para mantê-los em segurança em Stonehill. Deixe todo o resto. Não temos tempo.
Nem todos seguem. Alguns ainda são mais leais à ganância e à ira do que lealdade e justiça. Mas muitos, a maioria, sim. Solto um longo suspiro. Por tudo o que eu sabia, todos os soldados poderiam ter decidido ficar com Salzar, decidido continuar a invadir aldeia após aldeia. Era um trabalho fácil. Cheio de recompensa. Eu mesmo participei de dois ataques e, apesar de, a princípio ter sido levada a pensar em vingança por Daison, eles logo viraram pensamentos de vergonha. Estes não eram soldados que estavam lutando, mas homens, mulheres e crianças inocentes que mal conseguiam segurar uma espada. Argumentei com Salzar para voltar nossa atenção para as tropas militares. Ele disse que não tínhamos uma força grande o suficiente. Eu acho que ele gostava muito do massacre e da caça.
Mas agora, com uma mensagem oficial de um príncipe, eu tenho a maioria da tropa viajando comigo. Felizmente, minha boa sorte continua. Pelos Espíritos, eu precisarei dela antes de tudo ser dito e feito.
Sou mais rápida do que a maioria, e estou pronta com o saco de dormir e as provisões mínimas na mão, montada e usando uma armadura leve. Marquei o ritmo para a marcha do dia e fizemos um bom progresso no início da noite. Mas não é o suficiente. Então eu me esforço mais.
Passo por cima das recomendações dos meus conselheiros.
Passo por minhas próprias reservas sussurradas.
Passo pelo que é seguro enquanto a noite cai na escuridão. Quando uma lua nova nos mantém sombreados. Quando somos bloqueados por um lago que devemos atravessar.
— Devemos voltar e dar a volta — dizem meus conselheiros. — É o único caminho. Os druidas nos punirão se entrarmos na água.
O mapa fica entre nós na terra áspera, a luz do fogo lançando sombras sobre o pergaminho. Coloco uma pedra na parte mais estreita do rio. — Nós cruzaremos lá. Economizaremos dias de viagem. — Eu olho para cada um deles claramente. Ousando-os a me contradizer. Para me desafiar. Para dizer que devemos abandonar meu irmão e amiga para um enforcamento falso.
Nada.
Mas eu sozinha suporto o fardo.
Do que acontece.
Quando nós cruzamos.
Quando o vento nos açoita, e as águas se enfurecem em ondas violentas. Eu vejo um cavalo ser puxado para baixo diante de mim.
E então eu sigo.
Afogando. Sentindo a água encher meus pulmões. Queima. Incita os instintos mais animalescos que temos. O da sobrevivência. Respirar. Eu devo respirar.
Estou morrendo.
Eles estão morrendo.
Estamos todos morrendo.
A água fica mais fria. A dor fica dormente. Tudo fica entorpecido. Minha mente flui para dentro e para fora.
Estou um pouco longe pela falta de ar.
Do grande além.
Do nada.
Da morte.
Eu reúno um último pedaço de luta. Levanto meu braço e lanço contra o gelo congelando entre o ar e eu. O céu e eu.
Dor dispara através do meu pulso. O gelo não se move. É inquebrável. Ele me envolve.
Calor.
Como uma pequena bola de fogo na boca do meu estômago. Mas se espalha, alcança minhas extremidades, me enchendo de delicioso calor. Olho para o gelo e levanto as mãos. Elas brilham com uma luz prateada e enviam seu calor para fora – rompendo o gelo e me levando ao ar.
Respire.
Fora.
* * *
Respire!
Sufocando.
Engasgos.
Os pulmões queimam. A garganta queima.
Alguém está segurando minha cabeça. Uma voz profunda e forte me diz para respirar. Viver. Para ficar.
Eu vomito toda a água que entrou pela minha boca.
E então eu posso respirar. E o rosto dele está sobre o meu, um sorriso irônico nos lábios. Seus olhos verdes estavam cheios de humor. — Boa menina, princesa. Não posso ter você morrendo ainda.
* * *
Não sei quanto tempo se passou, mas acordo em um espaço escuro. Meu corpo estremece, gelo ainda pinicando meus nervos, apesar do fogo que queima ao meu lado
* * *
Há um animal aqui comigo. Mas não me sinto assustada. Ele é grande. Feroz. Um tigre branco com listras pretas. Eu acho que ele até ronrona.
* * *
O tigre se foi e o homem com os olhos misteriosos está de volta. Ele sempre sorri quando eu abro os olhos e sua voz sempre me acalma. Caloroso. Fazendo carinho. Seguro.
* * *
— Onde diabos eu estou? — Eu me empurro para cima do chão duro e quase acerto uma pedra que se projeta da parede de uma caverna.
Eu poderia jurar que vi o tigre, mas quando eu pisco, é o homem, sentado com uma bengala ao lado do fogo, olhando para mim. — Quem é você? — exijo, tentando não ficar muito perdida em seus olhos verdes. Queridos deuses, aqueles olhos. Onde você consegue olhos assim? É algum tipo de feitiço? Onde posso aprender isso?
Não importa. Preciso de respostas. Preciso encontrar minha tropa. Se alguém mais tiver sobrevivido.
Quando eu me sento, as peles caem, expondo minha nudez.
O homem com os olhos não desvia seu olhar.
Olho para ele, mas não tento me cobrir. — Onde estão minhas roupas? — pergunto.
Ele inclina a cabeça para o lado da caverna, onde minhas roupas estão amarradas com corda para secar perto do fogo. Ele fica de pé, apesar de não conseguir ficar em pé totalmente – ele é muito alto e bateria a cabeça – e caminha até as roupas, tocando-as antes de tirá-las da corda. — Elas não estão totalmente secas, mas são melhores que nada — diz ele, sua voz profunda e suave. — Por enquanto.
Ele as joga para mim e se vira enquanto eu me visto. Odeio vestir roupas úmidas, mas não tenho nada mais no momento, então termino o mais rápido possível.
— Você pode se virar agora — digo. — Além disso, eu suponho que foi você quem me despiu, já que somos as únicas pessoas aqui.
Ele me encara novamente e acena com a cabeça. — Você teria congelado em suas roupas. Eu salvei sua vida.
Eu pisco e me lembro da sensação de afogamento. De congelamento. De romper o gelo. Então nada.
Acredito nele. — Obrigada. Eu não queria morrer ainda.
— Melhores lugares para estar? — pergunta.
— Na verdade, sim. — Eu olho para ele. — Devo retornar a Stonehill o mais rápido possível. É questão de vida ou morte. E devo encontrar meu povo. A tropa com quem eu estava viajando. Certamente não posso ser a única que sobreviveu?
Ele está em silêncio, seu olhar inabalável.
— Eu sou a única que sobreviveu?
Ele acena uma vez. — Eu sinto muito. Você era a única que sobrou para salvar na hora que eu cheguei.
Olho em volta enquanto pego o meu manto. — Preciso ir. Agora. Onde está minha espada?
O homem puxa minha espada da bainha pendurada em seu quadril e a gira em sua mão. — É beleza. Arte e artesanato realmente foram feitos para isso.
Cruzo meus braços sobre o peito. — Eu sei. Foi eu quem a fez.
Ele levanta uma sobrancelha. — Impressionante. Ouvi rumores de que a filha bastarda do rei tinha um jeito para o trabalho de metal. Não acreditei muito nisso.
Minha risada sai como um grasnido. — Você realmente tem ideias elevadas de quem eu sou. Eu não sou nada. Uma Shade como o resto.
É quando dou uma olhada no meu salvador. No manto de pele branca caindo nas costas. Nas suas orelhas. — Você é Fae.
Ele se curva. — Ao seu serviço, princesa.
— Pare de me chamar assim. Eu não sou mais uma princesa do que você.
— Certamente alguém sente falta de você?
— O ??único que sentiria minha falta se eu fosse embora está prestes a ser enforcado, se já não foi.
Algo muda no rosto do homem. — Seria por acaso um dos príncipes?
— Sim. Fen, Príncipe da Guerra. Meu irmão.
— E ele está morto?
— Ele está sentenciado a execução. É por isso que eu preciso ir. Agora. — Estendo a mão para minha espada, mas ele não se move para entregá-la.
— Aqui está o meu dilema, Princesa. Você é o meu ingresso para fora desse buraco de merda. Eu ia levá-la aos Sete Reinos e vendê-la para a sua família por um bom lucro, mas se o que você está dizendo é verdade, então não são os vampiros com quem eu preciso negociar.
— Do que você está falando?
A gentileza em seu rosto desaparece. — Eu preciso de dinheiro. Você é esse dinheiro. Se sua família não pagará pelo seu retorno, eu conheço outro que pagará. Certo Druida da Água recém-acordado que, segundo rumores, pagaria um alto resgate para ter você em sua masmorra.
Metsi. — Ela é psicótica. Você não pode me levar para ela.
— Eu posso, e vou. Agora se levante. Nós partimos logo. — Ele embainha minha espada e começa a enrolar a cama em que eu estava deitada.
— Quem você pensa que é para me dizer o que fazer?
— Eu sou o homem com as armas. O homem com o cavalo. E o homem com as provisões. Quanto tempo você acha que sobreviverá sozinha nas Terras Distantes com nada além da sua roupa... Se eu deixar você manter isso?
— E se eu recusar?
Ele sorri, e quero dar um soco nele. — Você vem comigo, de uma forma ou de outra. Você pode andar sozinha ou posso amarrá-la ao meu cavalo. Não faz diferença para mim, mas pode fazer uma grande diferença para você depois de algumas horas. Você decide.
Com isso, ele sai da caverna com todos os nossos suprimentos. Eu olho em volta, mas tudo o que resta a fazer é apagar o fogo. Estou fumegando quando chego lá fora, mas ele está com o cavalo empacotado e pronto para ir. Ele está apenas esperando por mim. — Qual opção a princesa vampira escolherá?
Assobio para ele com as presas reveladas, algo que nunca faço. — Melhor dormir com um olho aberto, idiota. Eu ouvi que sua espécie é particularmente gostosa.
Ele ri e joga uma perna por cima do cavalo, então estende a mão para mim, eu a ignoro e monto sozinha. Isso não é uma rendição, eu digo a mim mesma. Estou apenas comprando tempo para descobrir um plano. Ser amarrada não vai me ajudar.
Mas quando ele ri de novo, eu não posso resistir ao desejo de bater na parte de trás da cabeça dele. — Cale-se.
Na nossa primeira parada, eu não estou mais perto de respostas do que estava há três horas. Ele me entrega pão e carne seca e eu devoro a comida avidamente. Enquanto bebo a água que ele me dá, eu olho para ele novamente. Ele é um homem bonito, e sabe disso. Alto, pele da cor do mel escuro e aqueles olhos. Seu cabelo é escuro e desgrenhado, e ele tem uma sombra de barba escura no queixo.
— Qual o seu nome? — pergunto.
— Tavian. Tavian Gray — diz ele, seus olhos me provocando sobre algo. — E é claro, eu já conheço o seu, Kayla Windhelm. Windhelm foi um nome escolhido aleatoriamente, ou pertenceu à sua mãe?
— Sim — digo bruscamente, não querendo discutir sobre minha mãe ou eu mesma.
— Sim, foi aleatório, ou sim, era da sua mãe?
Suspiro. — Sim, era da minha mãe. Agora podemos não conversar, por favor?
Ele levanta uma sobrancelha. — Toquei em um assunto delicado, não é?
Eu me levanto, tirando a poeira das minhas calças. — Não é hora de ir? Só temos mais algumas horas até o crepúsculo.
Ele encolhe os ombros e fica de pé. — Se você diz, princesa.
— Meu nome não é princesa — sibilo em suas costas enquanto montamos o cavalo mais uma vez.
Ele só ri.
Homem enfurecedor.
É uma longa viagem para onde ele está me levando. Nós viajamos pela floresta, evitando estradas e áreas abertas. Ele está se escondendo de alguém ou sendo muito cauteloso. Mas estamos nas Terras Distantes. Ele é um Fae. Do que ele tem que se esconder? Minhas perguntas não geram nada além de mais perguntas sobre ele.
— Você sente mais lealdade aos Faes ou vampiros? — pergunta ele.
— Nenhum. Eu sou fiel a mim mesma e aos que eu amo. — Incluído nessa lista está um vampiro, um Shade e uma garota humana, embora eu não diga isso a ele.
— Por que você não apoia mais seu próprio povo?
— Suponho que você está falando sobre os Fae? Mas como eles são mais meu povo do que os vampiros? Eu não fui transformada. Nasci assim. E embora eu possa não ter muita posição no mundo dos vampiros, pelo menos não sou completamente evitada como fui por aqueles que são Fae. Sua raça é elitista e não é boa para alguém que não seja puro sangue — digo. — Talvez você devesse perguntar por que o meu povo não me apoia mais.
Tavian estala a língua e seu cavalo responde, virando à esquerda em direção ao som de água corrente. — É verdade, nosso povo nem sempre foi o mais... tolerante, diremos? Mas parece que isso pode estar mudando, se a nova Estrela da Meia-Noite for uma indicação.
— Há uma nova Estrela da Meia-Noite? — Isso é novidade para mim. Conheço as histórias, mais ou menos. Que a Estrela da Meia-Noite é uma nascida do sangue real dos Fae, e é a magia dela que desperta os druidas e a magia dos Fae. Mas os Fae não tiveram uma Estrela da Meia-Noite desde o Desembaraçar, quando os últimos Fae Reais foram mortos e todos os Druidas desapareceram. Eu nasci bem depois disso, então são apenas histórias para mim.
Tavian acena e vira seu corpo para olhar para mim. — Estou surpreso que você não saiba. A história da princesa Meio-Fae se espalhou pelo meu povo como fogo selvagem. E foi o seu povo que a trouxe para cá. A garota do outro mundo, metade humana, metade Fae, está aqui para unir o mundo e trazer o magia de volta para o nosso povo. Lendas já abundam sobre ela.
Quase caio do cavalo com as palavras dele. Estou tremendo e meus pensamentos se formam em pedaços. Ele para o cavalo e me ajuda a desmontar. — Você está doente? — pergunta ele.
— Esta Estrela da Meia-Noite? Qual é o nome dela? — pergunto.
— Arianna. Acho que esse era o nome dela, sim. — Ele me entrega um odre cheio de água e eu bebo profundamente enquanto ele fala. — Havia rumores de que ela estaria com os vampiros, mas os Fae fizeram um forte argumento para ascensão. Ela é a filha do último Príncipe Fae conhecido, que foi exilado para o mundo humano há muitos anos. Ela é uma nova esperança para o meu povo, ou então eles dizem. Eu tenho pouco interesse na política Fae.
Olho para ele, meus olhos queimando. — Ela provavelmente já está morta — digo. — Era isso que eu estava tentando impedir quando você me capturou. — Minha voz é amarga. Irritada. — Ela foi executada esta manhã em Stonehill, pelo menos de acordo com a carta que recebi. — E agora eu sei o motivo. Levi, aquele bastardo, deve ter descoberto o que ela era e a matou. Vou destruí-lo quando encontrá-lo, eu juro. Mas por que Fen? Por que ele foi morto também? Ele provavelmente fez algo estúpido em defesa dela. Homem estúpido.
Enxugo minhas lágrimas e encaro o outro homem estúpido na minha frente. — Parece que o seu povo perdeu a sua esperança — digo, rezando para que minhas palavras ajam como um punhal em seu intestino.
Mas ele não parece chateado. Ele parece um pouco confuso, o que só me irrita mais. — Ela não está morta — diz ele.
— Como você sabe? — É uma esperança que meu coração ainda se apega, mas não confio em meu sequestrador.
— A magia dela ainda vive. Aqueles de nós conectados profundamente a nós mesmos podem sentir o despertar. Estrela da Meia-Noite está viva. Então seu amigo deve estar também. Eu saberia caso estivesse morta.
Nosso intervalo é de curta duração, e ele me coloca no cavalo e assume um ritmo acelerado, presumivelmente para compensar o tempo perdido com o meu quase colapso. — É verdade? — pergunto novamente, pela quinta vez.
— É verdade — diz ele. — Posso ser um bastardo matador de vampiros, sequestrador de princesas, mas não sou mentiroso.
Sufoco um riso com as palavras dele. — Pelo menos você tem padrões — digo sarcasticamente.
Mas ele balança a cabeça gravemente. — A palavra de um homem deve ser digna de confiança. Pois quando estamos despojados de tudo o que nos fez o que éramos, temos apenas a nossa palavra. — Ele se vira novamente para olhar para mim. — Eu te prometo, Princesa... Vou te vender para quem quiser me dar o melhor preço. Não estou dizendo que sou um bom homem. Mas não sou um monstro. Eu vou te proteger nessa jornada. Não vou te machucar ou deixar que algo de mal lhe aconteça, e não vou mentir para você.
— Eu quase poderia gostar de você — digo —, se você deixasse de fora a parte em que me venderia pelo maior lance como um escravo.
Ele se vira abruptamente. — A guerra gera um tipo necessário de mal em tudo que toca. Ela transforma até mesmo homens bons em invasores, assassinos, ladrões.
Suas palavras soam muito como meus pensamentos ultimamente, e olho para baixo, memórias de aldeias em chamas e crianças chorando me enchendo de vergonha e tristeza.
Nós viajamos mais algumas horas em silêncio antes de parar para a noite. Meus sentimentos estão transbordando uns aos outros – entrando em uma cacofonia de medo e esperança. Se Tavian está certo e Ari ainda está viva, isso significa que Fen também está? Eles escaparam? Essa é a única coisa que posso imaginar. Levi não teria alterado sua sentença assim que assumisse uma posição pública. O que significa que ainda pode haver tempo. Para ajudá-los. Salvá-los. Para fazer alguma coisa.
Preciso voltar para Stonehill, e agora estamos indo na direção errada. Faço a minha parte para ajudar a acampar, o que inclui a coleta de madeira seca para o fogo. Eu poderia correr agora, mas precisaria de suprimentos. Então eu planejo.
Mais tarde, enquanto sentamos ao redor do fogo, eu passo a Tavian seu jantar, um guisado feito de carne fresca que ele cozinhou com legumes que eu encontrei.
E então eu espero.
Demora mais do que deveria.
Talvez eu tenha subestimado a dose. Tavian é um homem grande, todo músculo e forte. Mas eventualmente ele começa a enrolar as palavras e inclinar-se para um lado, incapaz de se endireitar. Eu me movo até ele e o ajudo a uma posição de dormir. Então, assim que ele está totalmente inconsciente – graças a algumas ervas que escorreguei em sua refeição – eu amarro seus pés e mãos.
Parte de mim odeia deixá-lo aqui desse jeito. Drogado. Amarrado. Sem um cavalo, já que vou usá-lo para voltar a Stonehill.
Mas afasto minha culpa. Ele é um Fae. Ele encontrará ajuda. E ele tentou me sequestrar e me vender para meus inimigos. Certamente ele não merece minha simpatia.
Ainda. Ele salvou minha vida. Cuidou de mim até minha saúde voltar. E me tratou gentilmente. Por isso, deixo-lhe um pouco de comida, o rolo da cama e sua espada. Ele será capaz de se livrar dos nós, eventualmente, me deixando tempo suficiente para escapar.
Eu atiço o fogo e acrescento madeira a ele, para impedir que as criaturas da noite se aproximem. Enquanto o faço, minha mão atinge o fogo, e eu recuo, esperando a picada de uma queimadura, mas em vez disso, não sinto nada. Não vejo nada. Eu viro minha mão, esperando a vermelhidão e o inchaço aparecer, mas não aparece. Como ferreira, tive minha cota de queimaduras e sei que isso deveria ter doído. Eu aceno minha mão através do fogo novamente.
Quando o fogo não reage à minha pele, eu mergulho minha mão mais profundamente nas chamas, então a retiro. Estou coberta de suor, mas não do calor. Minha mão está perfeita. Não há nenhuma marca.
Não sei o que isso significa, mas não tenho tempo para pensar nisso agora. Em vez disso, eu recupero minha espada, embalo alguns suprimentos e monto no cavalo. Eu já perdi muito tempo. Devo sair antes das drogas percorrerem o sistema de Tavian e ele despertar.
É lento viajar no campo à noite, apesar de uma das luas estar quase cheia. A cobertura das arvores mantém tudo encoberto em intensas trevas, e tenho que andar com meu corcel lentamente para evitar quebrar sua perna.
Então eu ouço imediatamente.
O ruído de galhos à distância.
O som de um grande corpo movendo-se através de árvores e arbustos.
A respiração pesada de um animal muito maior do que eu.
E então há um grande rugido, e o cavalo relincha e empina, me jogando no chão enquanto ele desaparece na noite.
— Inferno! — sussurro através dos meus dentes trêmulos enquanto tento me endireitar. Há outro rugido. Puxo minha espada e olho ao redor, tentando ver algo diferente da silhueta das árvores na escuridão.
Chega mais perto, e é enorme.
Quando vejo, é tarde demais. Uma garra gigante pisca em minha direção, passando na minha cabeça. Eu me abaixo e balanço minha espada às cegas, na esperança de acertar algo crítico.
Acho que acabei de acertar uma árvore.
Xingando, levanto e coloco minhas costas contra o maior tronco perto de mim. É a melhor proteção que posso encontrar. Levantando minha espada, espero pelo próximo ataque.
A besta é rápida, empurrando-se através de arbustos e galhos sem preocupação. Seu peso sacode o chão sob meus pés. Ela se lança em minha direção, uma fera feita de dentes, pelos, músculos e garras. Um urso negro das Terras Distantes.
Minha espada corta o ombro do urso, mas não diminui sua velocidade.
Então algo mais rosna na noite.
E a fera com quem estou lutando grita de dor quando algo a ataca.
Corro para longe e fico de olho no urso enquanto ando para trás em direção à segurança.
Um tigre branco com listras pretas luta contra o urso.
O tigre é grande, mas nada comparado ao seu inimigo. Mas é rápido. E mortal.
Eles lutam ferozmente, e sei que deveria correr, mas estou congelada no lugar, sem saber o que fazer. Este tigre é familiar. Lembro-me de sonhar com ele quando estava inconsciente. Mas foi apenas um sonho, não foi?
Eu me esforço para encontrar qualquer suprimento que possa ter caído do cavalo, mas não encontro nada. Pelo menos eu mantive minha espada comigo. Continuo me afastando dos dois animais, a espada ainda erguida, quando o tigre ataca, expondo seu peito enquanto tentam matar.
O urso não se segura, e morde o ombro do tigre. A besta branca geme em agonia, mas não vacila. Ele atinge a garganta do urso.
Ambos caem no chão, e de repente a floresta fica em silêncio. O urso permanece imóvel, mas o tigre faz um barulho de dor e tenta se levantar. Cai novamente, e então se afasta do urso e se aproxima de mim, até que não consegue mais se mexer.
Está tão quieto.
Espero, prendo a respiração, para ver se ele vai se levantar.
Ele não levanta.
Em vez disso, o tigre lentamente se transforma em um homem nu.
Ele se transforma em Tavian Gray.
Capítulo 5
SLY DEVIL
“As coisas nem sempre são preto e branco. Não em seu mundo, e certamente não no meu”.
— Asher
— Pelo sempre-amoroso Hades? — diz Sly com exasperação enquanto eu corro para Fen.
Sinto seu pulso, que ainda está forte. Há uma ferida em seu lado que não parece fresca, mas está aberta e sangrando muito. — Ele foi torturado antes de vir até aqui. Ele deveria ter sido verificado por um curandeiro.
Sly dá de ombros. — Esse homem tem que estar inconsciente para meus curandeiros chegar até ele.
Levanto uma sobrancelha. — Então agora seria a hora perfeita para convocar um, você não acha?
Dean bate na minha porta, vestindo nada além de uma roupa íntima muito pequena que deixa pouco à imaginação. — O que é todo esse barulho?
Ele percebe Fen inconsciente e a pilha restante de um homem no chão e balança a cabeça. — Eu perdi toda a diversão. Presumo que ele ainda esteja vivo? — pergunta ele, olhando para Fen.
— Sim, me ajude a levá-lo para a cama.
Dean sorri como o tolo que ele é. — Pensei que você nunca pediria. Eu não estava brincando sobre aquele ménage.
— Isso não era uma piada também — digo intencionalmente.
Sly olha para cada um de nós, em seguida, suspira. — Voltarei ao meu sono, gatinhos. Curandeiros estarão aqui em breve. Vamos nos encontrar em meu escritório em algum momento posterior a ser determinado pelo meu nível de consciência.
O demônio se vira com um farfalhar de seu robe preto e sai do quarto como se não tivesse nenhuma preocupação no mundo. Eu olho para o homem-gosma espalhado pelo chão, bile subindo na minha garganta. Dean suspira dramaticamente, mas depois ergue Fen como se o Príncipe da Guerra não pesasse nada.
Barão se queixa e fica nas costas de Dean, beliscando-o de vez em quando.
— Afaste-se cachorro, ou eu deixo seu mestre cair — diz Dean.
Barão rosna e eu cutuco Dean. — Não o irrite. Os dentes dele são mais afiados que os seus.
Dean pisca para mim. — Você nunca sentiu a mordida dos meus dentes, Princesa. Mas nós podemos mudar isso. Eu prometo que não sou um selvagem como Levi. Você iria gostar.
Levi não foi o primeiro a tentar se alimentar de mim à força, e a ideia não provoca pensamentos felizes. Encaro Dean enquanto abro a porta do quarto de Fen, mas o Príncipe da Luxúria me ignora. Ele está colocando Fen na cama quando uma mulher muito pequena com pequenos chifres na cabeça entra. Ela deve ter pouco mais de um metro, e na maior parte parece humana, além dos chifres e pele azul.
— Eu sou Cavery, a curandeira da Lótus Preta — Sua voz é surpreendentemente alta e etérea... não o que eu esperava com base em sua aparência. — Saiam da frente, deixe-me cuidar do meu paciente.
Dean e eu recuamos enquanto Cavery estende as mãos sobre Fen e fecha os olhos. Suas mãos começam a brilhar em azul e ondas de luz fluem sobre ele. Ela cantarola e cria entonações em seus acordes vocais que não são possíveis para os humanos.
Sua música parece moldar a luz, transformando-a em diferentes cores e formas até se fixar no corpo de Fen. Sua pele se cura rapidamente, fechando a ferida e até mesmo afastando o sangue. Mas ele ainda dorme.
— Por que ele não está acordando? — pergunto, quando ela abaixa as mãos.
— A magia ainda está curando suas entranhas. Ele precisa descansar, e a única maneira de alguém como ele descansar é se estiver inconsciente — diz Cavery.
— Então você está mantendo-o adormecido deliberadamente? — pergunto.
Ela assente. — Por agora. Alguém deve ficar com ele. Ele deve acordar naturalmente quando estiver curado o suficiente, mas mesmo assim, tente impedi-lo de se esforçar demais.
Dean ri. — Boa sorte com isso, Ari.
— Eu? Você poderia ajudar, sabe. Ele é seu irmão — lembro a ele.
— Sim, mas ele é muito mais suscetível aos seus encantos do que aos meus — diz Dean.
A curandeira sai e Dean a segue pela porta, depois para antes de fechá-la. — Se você ficar muito solitária, Princesa, eu estou no final do corredor.
Reviro meus olhos. — Boa noite, Dean.
Ele pisca para mim, um sorriso travesso nos lábios. — Boa noite, princesa.
Quando a porta se fecha atrás de Dean, eu olho para o homem que eu amo. Ele ainda está pálido, quase sem vida, mas se eu observar atentamente, eu posso ver uma suave subida e descida de seu peito. Ele ainda está vivo. Curando, presumivelmente. Seguro por enquanto. Eu me familiarizo com o seu quarto, que é semelhante ao meu, e uso um banheiro moderno para lavar a sujeira. Então eu vasculho as roupas de Fen até encontrar uma de suas camisas para dormir. Não quero voltar para o meu quarto ainda. Não com a bagunça ainda no chão.
Barão está dormindo aos pés de Fen quando eu rastejo para a cama e deito perto do inconsciente Príncipe da Guerra. Ele cheira a pinho e madeira. Seu corpo é caloroso, mas não quente. Coloco a mão gentilmente no seu abdômen e fecho meus olhos. Não sei o que estou fazendo, mas me abro para a minha magia, do jeito que Varis me ensinou.
Lá, nas extremidades do meu alcance, posso sentir um pouco de poder, mas não consigo alcançá-lo. Por que alguns usam sua magia aqui, mas eu não posso? Há muita coisa que ainda não sei. Preciso encontrar uma maneira de ser mais forte, melhor. Preciso encontrar uma maneira de ajudar a retomar Stonehill e salvar todo mundo da regência maligna de Levi. Preciso encontrar uma maneira de acabar com esta guerra e trazer paz para os vampiros e Faes.
* * *
Fen já está de pé e vestido quando acordo na manhã seguinte. — Você deveria estar descansando — resmungo, tentando tirar as teias de aranha do meu cérebro matinal.
— Eu descansei muito — grunhe ele enquanto encolhe os ombros em seu manto. O pelo grosso e marrom parece quente demais para ambientes fechados, e eu me pergunto se ele usa mais por hábito do que por necessidade.
— Você foi gravemente ferido ontem à noite — digo, me sentando. — Nós não estamos seguros aqui.
Fen acena, em seguida senta-se ao meu lado e coloca a mão sobre a minha. — Foi apenas um arranhão, e este é o lugar mais seguro que encontraremos.
Olhamos nos olhos, e por um momento eu acredito nele, por um momento me sinto segura.
Então a porta do quarto se abre, revelando um Dean completamente vestido do outro lado. — Bom dia, princesa... Irmão. Prontos para mais um dia emocionante de adivinha quem está aqui para nos matar?
— Muito cedo para piadas — digo, lembrando o homem-gosma da noite passada. — Falando nisso, eu preciso de uma muda de roupa. A da noite passada está arruinada.
— Roupas são superestimadas — diz Dean com um sorriso. — Posso pensar em um visual melhor para você.
Fen caminha até a porta e a chuta, fechando-a. — Vá embora, Dean. Nós sairemos em breve.
— Tanta indelicadeza — diz Dean através da madeira grossa. — E aqui estava eu, apenas vindo dizer-lhe Sly está pronto para nos ver.
Há silêncio por um momento, então o som de botas pesadas se afastando. Fen me joga algumas roupas de sua cômoda. — Elas devem te cobrir bem o suficiente por agora. Sem dúvida, Sly vai apenas transformá-las em algo que ele prefere, então não importa.
— Ele gosta de vestir seus convidados, eu acho? — pergunto, puxando calças enormes e usando um cinto de couro para mantê-las.
— É um dos males necessários de vir a Lótus Preta — diz Fen com uma carranca.
Eu rio. — Há coisas piores do que roupas bonitas — lembro a ele quando saímos do quarto e seguimos para o escritório de Sly.
Fen olha de lado para mim. — Eu prefiro lidar com as coisas piores — diz ele.
Os corredores são longos, largos e decorados elaboradamente com arte e artefatos que parecem estranhos ao nosso mundo: uma escultura de uma criatura que parece meio cobra, meio pássaro. Uma estátua de uma fera atarracada que se assemelha a uma tartaruga e um rato. Não é como nada que eu tenha visto em Inferna ou Avakiri. — De onde é tudo isso? — pergunto.
— Mundos diferentes, diferentes reinos — diz Fen. — Sly é um pouco colecionador. É considerado cortesia quando ficar como convidado para trazer algo do seu mundo para presenteá-lo.
— Trouxemos alguma coisa? — pergunto.
— Não desta vez, mas nós demos a ele muitos artefatos de Inferna.
Sly e Dean estão sentados em frente a um fogo tomando bebidas quando chegamos. Sly se levanta, com os braços estendidos, cumprimentando-nos como se não nos víssemos há meses, em vez de horas. — Tão bom te ver bem e revigorado, se tão mal vestido. — Ele puxa sua varinha e sem outra palavra, nos coloca em roupas novas.
Nós dois usamos agora os mesmos trajes régios em que ele nos colocou na noite passada. — Estou surpresa — digo. — Eu não achei que você fosse do tipo que usava uma roupa repetida.
Ele ri. — Você já me conhece bem, minha querida gatinha. Mas você teve tão pouco tempo neste lindo conjunto que parece apropriado. — Ele nos entrega uma bebida e gesticula para pratos de comida na mesa. — Sirva-se de qualquer coisa que você gosta. Peço desculpas pelo aborrecimento da noite passada. — Seu sorriso escorrega e seus olhos brilham vermelhos por um momento. — O Príncipe da Inveja tem alguma explicação para dar — diz ele com um pouco de ameaça.
Fen e eu sentamos, com Barão aos nossos pés. Percebo que o copo de Fen contém um líquido vermelho-escuro que não é vinho. Eu cheiro meu copo, mas parece ser suco de laranja normal. Bebo com cuidado, só para ter certeza.
— O Príncipe da Inveja é o meu problema para lidar — diz Fen. — Ele não viverá o suficiente para explicar alguma coisa para você, Sly.
Aperto meus lábios e tomo outro gole. Eu não discordo de Fen, mas odeio que após tantos anos de vida imortal, a família deles está desmoronando e indo para a guerra por minha causa.
— Seja como for, eu tomei a liberdade de aumentar a segurança aqui — diz Sly. — Ninguém entra sem a minha permissão.
— Então estamos seguros? — pergunto.
Sly concorda.
Mas Fen não parece convencido. — Há sempre maneiras de chegar a alguém — diz ele.
— Isso é verdade — diz Sly. — Só posso controlar a Lótus Preta. Você está vulnerável de outras maneiras? — pergunta ele, dirigindo-se a mim.
— O que você quer dizer?
— Há mais alguém que Levi possa usar para chegar até você?
Sangue escorre do meu rosto enquanto o significado disso se instala em mim. — Minha mãe — sussurro. — Ele poderia ir atrás do corpo da minha mãe no hospital.
Fen sacode a cabeça. — Não vai acontecer. O contrato a protege. Levi não pode quebrar o contrato.
Solto uma respiração profunda. — Tem certeza?
Fen e Dean acenam.
— Ok, então. Isso é bom. Mas... e os meus amigos? Es e Pete?
Sly dá de ombros enquanto tira um charuto de suas vestes negras de seda e o acende. — Na posição dele, eu os miraria.
O cheiro de pinho e fumaça enche a sala enquanto Sly fuma seu charuto. É um cheiro almiscarado, mas não desagradável.
— Eu preciso avisá-los.
Dean balança a cabeça. — E que bem isso faria? Seus amigos sabem como lutar contra um Príncipe do inferno?
Minha mão aperta minha bebida, meu cérebro lutando por ideias. — Eles podem vir aqui? Por proteção?
— Não — diz Fen.
— É claro — diz Sly, cortando-o com um sorriso e um floreio de mão. — Por um preço.
Fen olha para mim. — Não os traga aqui. Não vale a pena. Sly sempre leva mais do que ele dá.
Sly agarra seu peito. — Por favor... Você me magoou.
Eu o ignoro e me viro para Fen. — Você pode me prometer que eles estarão seguros se eu não o fizer? — pergunto.
Eu o vejo lutando para responder, porque sei o que ele vai dizer se for honesto, e ele sabe o que farei com essa resposta. Finalmente ele fala. — Não.
— Então eu não tenho escolha. — Olho para Sly. — Eu te devo um favor, se você mantiver meus amigos seguros até que a ameaça contra mim seja eliminada.
Sly bate as mãos e sorri de orelha a orelha. — Maravilhoso. Você deve convocá-los imediatamente.
— Ótimo. Como? Você tem algum tipo de portal ou feitiço que eu possa usar?
— Oh querida! Nós não estamos mais na Terra-média do seu príncipe — diz ele, alcançando um dos muitos compartimentos escondidos de suas vestes. — Temos telefones celulares aqui.
Olho para o brilhante aparelho de prata que ele me dá, apreciando o polimento suave de vidro e metal. Parece que foi há muito tempo que isso era uma parte diária da minha vida. Eu ligo e digito o número de Es primeiro. Quando ela atende, tudo que escuto é o som de gritos.
— É melhor você sair daqui se souber o que é bom para você — grita Es com seu sotaque sulista para alguém no fundo.
Um homem solta uma série de palavrões, e ouço vidro se quebrando. Alguém pede uma vassoura.
— Es? Alô? — Ela quis atender ou fui alvo de ligação-bumbum{1}? Estou falando com a bunda dela? Imagino que deve ser. O oposto de bumbum-discagem{2}.
— Alô, um momento. Eu já falo com você — diz ela ao telefone, antes de continuar gritando para quem a irritou.
Ela está no viva-voz, e todos os caras na sala ouvem a troca com uma variedade de expressões faciais. Sly está entretido. Fen confuso. Dean divertindo-se.
— Obrigada por esperar — diz Es. — Algum idiota pensou que poderia nos enrolar o custo da sua refeição e assediar o pessoal, tudo em uma hora gloriosa. Ele está agora na parede da vergonha. Quem é você?
— Es, é Ari. Estou em Portland...
— Oh meu Deus, oh meu Deus, oh meu Deus! — Seu tom sobe em decibéis que ameaçam explodir meus tímpanos. — Ari. Onde você está? Como você está? Onde esteve? Fiquei tão preocupada com você. Você sumiu por mais tempo do que o normal.
É verdade, eu percebo. Meu tempo na masmorra foi extenso. Parecia uma vida inteira. — Tenho muito para lhe contar, mas primeiro eu preciso que você e Pete arrumem uma mala e avisem em seus trabalhos que vocês tiveram uma emergência. Estou mandando um carro para buscar vocês.
Há uma pausa, onde tudo que ouço é a respiração dela. Finalmente ela fala. — Ari, o que diabos está acontecendo?
— Eu conto tudo quando você chegar aqui. Eu só preciso que você confie em mim. Estou em perigo, e você também pode estar. Por minha causa.
— Vai me dizer toda maldita coisa? Sem segredos? Sem mentiras? Sem meias verdades ou evasões como da última vez?
Respiro fundo, faço contato visual com Fen, que acena e respondo a ela. — Sim. Tudo. Apenas esteja pronta.
Sly já mandou um motorista para o endereço que eu dei a ele quando desligo o telefone e o entrego para ele.
— Obrigada, Sly. Eu aprecio isso.
— Você é mais que bem-vinda. Estou ansioso para descobrir que tipo de favor eu posso extrair de alguém tão talentoso e adorável quanto você — diz Sly.
Fen rosna baixinho, e por um momento eu me pergunto com o que eu me meti, mas não posso me preocupar com isso agora. O mais importante é que meus amigos estarão seguros.
— Eles devem estar aqui dentro de uma hora — diz Sly. — Eles sabem sobre... Eles? — pergunta ele, com uma sobrancelha erguida para os príncipes.
— De certa forma — digo. — Mas preciso explicar algumas coisas. — Como... Como eu assinei um contrato de um demônio, e vivo com vampiros, e sou meio Fae, e tenho que escolher um dos príncipes para casar... E como eles estão em perigo por causa de um príncipe vampiro que está atrás de mim. Sim, haverá muita explicação.
— Enquanto isso, vamos ao cerne da questão, ok? — pergunta Sly, olhando para cada um de nós. — Por mais que eu adore suas visitas, vocês estão deixando os outros convidados nervosos.
Fen fica de pé e serve uma bebida. — Você está nos expulsando, Sly?
Sly leva a mão ao seu peito em falso choque. — Eu nunca sonharia com isso, mas devemos discutir como consertar a situação na casa de vocês. Mais cedo ou mais tarde.
Eu me lembro da minha luta com Oren. Como não fui totalmente eu mesma. De alguma forma, meus poderes assumiram e eu derrotei um antigo druida. — Se eu conseguir mais treinamento, se eu aprender a controlar os poderes dentro de mim, isso poderia nos dar uma vantagem em uma luta contra Levi — digo.
Fen franze a testa para mim. — Esta não é a sua luta.
— Você está falando sério agora? — pergunto. — Claro que é a minha luta. Pode ser mais minha luta do que de qualquer outra pessoa, considerando todas as coisas. Posso não ter pedido, ou sabido o que eu estava recebendo no momento em que assinei o contrato, mas o fato é que meu sangue despertar poderes em seu mundo é o que está levando a uma guerra, e posso ajudar.
— Ela não está errada, irmão — diz Dean. — Nós precisamos dela.
Sly se levanta e caminha até a porta. — Você precisa dela, isso é verdade. E eu tenho outra pessoa que você precisa. — Ele abre a porta para um rosto familiar.
Pulo para cima e corro para o homem parado ali, jogando meus braços ao redor dele. — Varis, o que você está fazendo aqui?
O druida dá um tapinha nas minhas costas desajeitadamente e depois me solta. Ele sussurra no meu ouvido. — Eu tive que fugir de Avakiri após tomar uma posição contra Oren. — Então ele fala mais alto para o resto da sala. — A maioria dos Fae livres se uniram com Metsi. Eu não sou mais bem-vindo entre os meus.
Dean se levanta e pega uma espada que não está lá. — Você não é bem-vindo entre os nossos também.
— Pare com isso — digo a ele, e olho para Fen antes que ele possa discutir. — Varis é meu amigo. Ele é o Druida do Ar. Ele foi gentil comigo e nos ajudou na última batalha. Precisamos dele. — Volto para Varis e Barão se aproxima do druida, empurrando a cabeça contra a mão dele. Uau. Não esperava que isso acontecesse. Pelo olhar no rosto de todos, eles também não.
Varis acaricia o lobo suavemente enquanto Fen olha com o cenho franzido.
— Está tudo bem com você? — pergunto ao Druida. — Você já se curou?
Ele sorri. — Sim. Estou bem. — Ele olha para Fen e depois para mim. — Vejo que as coisas mudaram desde a última vez que te vi.
— Sim, parece que mudaram. Varis, este é Fen, Príncipe da Guerra... e o Druida da Terra, aparentemente. — Eu pego a mão de Fen e o puxo. — Fen, este é meu professor, Varis.
Dean franze o cenho e fica de pé como se estivesse pronto para entrar em uma luta a qualquer momento. — Eu sei quem é Varis. Ele é um deles. Ele lutou contra nós uma vez.
Varis suspira. — Eu não lutei contra vocês. Eu só...
— Gente, não importa — digo. — Todos vocês vivem muito tempo para guardar ressentimentos como este. Se você odeia a todos que já estiveram do lado errado de um desentendimento com você, você não terá amigos ou aliados. Varis é um dos bons. Eu atesto por ele.
Sly pega o charuto e bebe o resto de sua bebida. — Varis pode completar o seu treinamento. Vocês podem derrotar Levi. E podem dar o fora do meu estabelecimento e voltar para seus próprios mundos. É uma vitória para todos.
— Há um problema — diz Varis.
— Apenas um? — pergunta Fen com uma sobrancelha levantada.
— Não podemos treinar aqui — continua Varis, ignorando o homem irritado ao meu lado.
— Claro que pode. Posso mantê-lo seguro por tempo até a nossa menina ficar ótima.
Varis balança a cabeça. — Este mundo é muito desprovido da fonte de seus poderes, de onde a Estrela da Meia-Noite se originou. Até Yami não é forte o suficiente para se manifestar aqui ainda. Devemos voltar para...
Ele faz uma pausa e percebo que ele não pode falar sobre Avakiri aqui. Dean e Fen não sabem, embora no mínimo eu precise informar a Fen. Ele é Fae, afinal de contas.
— Retornar para onde? — pergunta Dean.
— Para o nosso mundo — diz Varis, evasivamente. — Para completar o treinamento.
— Somos procurados em nosso mundo. Não é seguro — diz Fen.
— Há um lugar que poderia ser seguro para ela. Um lugar que ela pode treinar — diz Varis.
Dean bate as mãos. — Ótimo, quando vamos embora?
— O ??convite não era para você — diz Varis. — Apenas Ari.
Dean balança a cabeça. — Não pode fazer isso. Ela é minha para o mês. Obrigada por um juramento de sangue. Não é verdade, Princesa?
Olho para Varis, franzindo a testa. — Receio que ele esteja dizendo a verdade. Eu tenho que ficar com Dean.
Fen cruza os braços sobre o peito. — E ela não vai a lugar nenhum sem mim.
— Isso não vai funcionar — diz Varis. — Não posso levar dois príncipes do inferno para... Esse lugar. Seria uma guerra instantânea.
— Então ficamos aqui — diz Fen.
— Poderíamos ir para o meu reino — oferece Dean.
Fen se vira para seu irmão. — Onde Ari e eu seremos enforcados ao voltar?
— Ninguém sabe que eu ajudei vocês a escapar, e eles dificilmente suspeitarão de mim, pelo menos — diz Dean. — Vocês estariam seguros no meu reino, pelo menos por tempo suficiente para Ari treinar.
— Até que alguém nos reconheça e nos denuncie aos homens de Levi — diz Fen.
— Há maneiras de permanecer invisível — garante Dean. — Disfarces. Ilusão. É a solução perfeita. Chegamos em casa, avaliamos os estragos, fazemos planos, treinamos a princesa até que ela consiga chutar o traseiro e nos ajudar.
— Não — diz Fen —, nós não voltamos até sermos fortes o suficiente para derrotar Levi. Não podemos arriscar.
Sly boceja e abre a porta do escritório. — Tudo bem, garotos e garotas, vocês estão me entediando. Vão planejar isto em outro lugar. Tenho assuntos com que lidar. Este clube não funciona sozinho, sabe. Eu...
Um grito alto interrompe Sly, que sorri. — Ah, Lopsi está acordada. Hora de alimentar meu doce animal de estimação.
— Seu animal de estimação? — pergunta Dean.
Barão lamenta e fica mais perto de Fen e eu.
Há outro grito, e eu tremo, imaginando que tipo de animal de estimação pode fazer um som desses.
— De fato. Uma queridinha. Recolhi-a como um presente de um reino conhecido por suas notáveis ??criaturas. Estamos nos dando muito bem. — Com um arco, Sly sai, e a energia parece ser arrancada da sala.
— O que fazemos agora? — pergunto.
Dean se estica e coloca sua bebida na mesa. — Estou para desfrutar de algumas das vantagens de estar aqui. Isso é muito seco para o meu gosto. — Ele sai e Fen franze as sobrancelhas.
— Ele precisa aprender a levar a vida mais a sério — diz Fen.
Varis se vira para mim, seu rosto ilegível. — Como está... Asher? — pergunta ele suavemente.
— Ele está bem — asseguro ao Druida. — Pego no meio disso, mas ileso da última vez que o vi. Sentindo sua falta, sem dúvida.
Fen levanta uma sobrancelha para a troca, mas não diz nada. Ele sabe sobre o relacionamento de seu irmão com o druida? Não é algo que já tivemos a chance de falar.
— Varis, você pode me ajudar a trazer Yami de volta? Ele foi ferido e desapareceu. Eu não o vi por dias. — Tenho mantido meus medos sobre Yami por tanto tempo, é um grande alívio conversar com alguém que sabe onde meu bebê dragão foi e como encontrá-lo.
— Ele é jovem e fraco — diz Varis. — Quando ferido, ameaçado ou com medo, não é inédito os espíritos se retirarem para uma forma etérea enquanto se recuperam. Não deve ser difícil se reunir com ele quando voltarmos para casa. Não podemos convocá-lo aqui, entretanto, não até que você tenha muito mais controle de sua magia.
— Então me ajude.
Varis olha para mim por um momento, então olha para Fen. — Então... As histórias são verdadeiras?
— Que histórias? — pergunta Fen antes que eu possa.
— Quando a última Druida da Terra morreu, ela estava grávida, isso era de conhecimento comum. Supunha-se que a criança morreu na batalha, mas havia rumores. Rumores de que ele ainda vivia e foi criado por lobos selvagens. — Varis olha para Barão e acaricia o lobo na cabeça. — Rumores de que ele foi levado pelos vampiros e usado como um sacrifício de sangue para seus deuses. E um sussurro de que ele era o herdeiro do Espírito da Druida da Terra.
— Você a conheceu? A mulher que me deu à luz? — pergunta Fen.
Percebo que ele não diz mãe. Ele claramente ainda não está pronto para aceitar quem é. Eu acho que isso faz sentido, dado o tempo que ele está vivo e há quanto tempo está vivendo com sua identidade atual. Ele poderia argumentar que o tempo torna essa transição mais difícil para ele do que foi para mim, mas não sei. Pelo menos ele já sabia que todos esses seres e mundos existiam. Toda a minha visão de mundo virou de cabeça para baixo quando eu o conheci.
Varis assente. — Eu a conheci, é claro. Nós fomos ligados pelos Espíritos, assim como estamos agora ligados uns aos outros, e aos Druidas de Água e do Fogo.
— Mas... Oren está morto, certo? Ele não pode voltar, não é?
Suor irrompe na minha testa e sob meus braços ao pensar no Druida de Fogo vindo atrás de mim. O jeito que ele me cortou com sua lâmina de fogo. A dor que devastou meu corpo. É um terror que vive profundamente em mim agora, enterrado em minhas memórias. Fen alcança minha mão para me acalmar enquanto respiro fundo.
— Ele está morto, sim, e o Espírito do Fogo escolheu alguém novo, alguém digno. Então temos Metsi, que tem seu próprio propósito para os Fae, e um desconhecido que devemos encontrar — diz Varis.
— Rastrear druidas rebeldes não é meu trabalho ou prioridade — diz Fen, rispidamente. — Precisamos recuperar Stonehill e parar Levi antes que ele destrua nossos dois reinos.
Varis inclina a cabeça. — Acho que você descobrirá que, para fazer um, precisamos fazer as duas coisas. Mas primeiro, devemos viajar para um lugar onde Arianna possa acessar sua magia. Sem treinamento adicional, ela não será útil na guerra. E você, Fenris Vane, deve superar sua cegueira e abraçar quem você é. Você não é apenas o Druida da Terra, mas o herdeiro de sangue do mais poderoso Selvagem que já vimos. Sua mãe era altamente reverenciada por sua antiga magia e conhecimento dos Antigos Caminhos. Você tem seu sangue e seu espírito... Você é mais forte do que sabe. Seu povo precisa de você.
— E quem é o meu povo? — pergunta Fen. — Eu fui criado como um Príncipe do Inferno, um demônio vampiro odiado e desprezado por seu povo. Você acha que eles me aceitarão como druida, depois da minha espécie quase destruir nosso mundo?
— Os tempos estão mudando — diz Varis, em voz baixa. — Nossa Estrela da Meia-noite é meio humana e está alinhada com os vampiros. Nosso Druida da Terra é um vampiro transformado. Nós nem sabemos quem é o nosso Druida de Fogo. Há muitos Faes que resistem a essas mudanças, que querem que nosso sangue permaneça puro, mas eles não entendem a verdade da magia que flui dentro de nós. Ela não está limitada apenas pelo sangue. Para o nosso povo sobreviver... Todos os nossos povos, temos que ampliar nossas mentes e abraçar um novo mundo. Acho que precisamos repensar nossas escolhas. — Varis olha para mim e eu aceno.
— Diga a ele — digo.
Varis acena com a cabeça. — Você acha que os Fae foram dizimados. Que todos os que restam existam nas Terras Distantes. Mas você está errado.
— O que você quer dizer? — pergunta Fen.
— Existe outro reino, um quase escondido de sua espécie — diz Varis. — Chama-se Avakiri. É o direito inato de Ari como governante prometido. Também é seu direito de nascença, como um Fae e Druida.
— Se você pudesse ver, entenderia — digo. — É mágico. Lindo. Eles têm seus próprios atributos, suas próprias histórias, culturas e comunidades. Há mais neste mundo do que você imagina.
Fen olha para mim com um rosto indecifrável. — Quando você foi lá?
— Quando eles me sequestraram — digo. — Foi onde eu treinei com Varis. Eu queria falar sobre isso, mas nós tivemos muita coisa acontecendo. Você viaja até lá através dos Caminhos das Pedras. Eu tentei te chamar ate lá com a sua marca de demônio.
Ele olha para o pulso dele. — Eu acho que encontrei um Caminho de Pedra. Mas não sabia como abri-lo. Mas... é uma conversa fútil. Mesmo que eu estivesse disposto a entrar no centro do poder Fae – o que não estou – Dean estava certo sobre uma coisa. Ele tem que ficar com Ari.
Varis acena. — Até que saibamos sua lealdade, ele não pode ter acesso a essa informação. Nós teremos que encontrar outro caminho. Outro lugar para treinar.
Fen não parece feliz com essa conversa, e o tempo está passando. Além disso, Es e Pete chegarão em breve, e preciso ir até eles antes que qualquer um faça. Para que não entrem em choque.
Fen e Varis me seguem quando eu saio do escritório de Sly e vou para a porta pela qual nós entramos pela primeira vez. — Eles passariam por aqui? — pergunto a Fen.
— Há outras entradas — diz ele. — Mas esta é a mais usada.
Quando viro uma esquina, ouço a voz de Sly vindo do salão de baile principal. — Bem, bem, você não é uma criatura adorável e cheia de mal humor. A princesa não mencionou como seus amigos são absolutamente encantadores.
— A princesa? Do que você está falando?
Reconheço aquele sotaque sulista falso! Eu corro em torno do canto e entro no salão de baile, e vejo Es e Pete juntos, olhando ao redor da sala com olhos arregalados. Quando Es me vê, ela engasga. — Ari? O que aconteceu com você?
Merda. Meu feitiço de ilusão não está ativo, então minhas orelhas e cabelos Fae estão em plena exibição. E estou vestida como uma princesa medieval de um conto de fadas, graças a Sly e sua obsessão por fantasias e seus convidados. — Es! Pete! Eu posso explicar.
Nós três colidimos um com o outro em uma mistura de braços e abraços, e a sensação dessas duas pessoas solidamente reais e relativamente normais que eu conheço há tanto tempo acalma minha alma de uma forma que nada mais faz. Mas elas estão aqui – e em perigo – por minha causa.
— Que lugar é esse? — pergunta Pete, passando a mão pelo cabelo vermelho. Ele examina a sala, com a boca aberta, percebendo a estranheza de tudo. Ele está olhando para Marasphyr.
— Sim, ela é uma sereia de verdade. Este lugar... é um lugar seguro para todas as pessoas — digo sem jeito.
— Como um abrigo de violência doméstica? — pergunta Es, embora eu possa dizer pelo seu tom e expressão que ela sabe que isso não é um abrigo.
— Mais como zona para seres paranormais ou mágicos de mundos diferentes — elaboro.
Fen se aproxima e estende a mão. — É bom ver você novamente, Es. — Ele se vira para o namorado dela. — Pete. Prazer em finalmente conhecê-lo. Eu ouvi muito sobre você de Arianna.
Es aperta a mão dele com firmeza. — Eu gosto de você, Fen. Eu disse isso a Ari também. Mas se você está metido com algo perigoso...
Quase engasgo com isso. Então começo a rir, porque o que mais eu posso fazer além de rir do absurdo disso? Como eu conto tudo a minha melhor amiga? Sobre o contrato, minha mãe, Inferna, Avakiri, minha linhagem, e que eu sou a rainha de dois reinos. Como eu digo a ela que sou procurada, que passei as últimas semanas em um calabouço, que pensei que certamente morreria e nunca os veria de novo? Como posso dizer que ela agora está em perigo por causa das pessoas que me querem morta?
As palavras estão descansando em meus lábios, esperando para serem ditas, quando Dean entra, de alguma forma mais uma vez tendo perdido a camisa.
Es para de prestar atenção em mim quando os encantos de Dean a iluminam e a transformam em geleia. E ele percebe. Seu sorriso se espalha sobre seu rosto bonito enquanto desliza até nós, seu corpo perfeito brilhando sob as luzes do salão de baile.
— Bem, olá. Eu sou o Príncipe Dean, mas você pode me chamar de Dean. Quem é você? — Ele está segurando a mão de Es em seus lábios enquanto Pete sorri e estende a mão para apertar a de Dean.
— Eu sou Pete, esta é minha namorada Es. Somos amigos de Ari.
Sufoco uma risada quando Es recupera seu foco e dá um passo atrás, permitindo que Dean relutantemente agitasse a mão de Pete.
— Então, o que é isso sobre uma princesa? — pergunta Es, olhando minhas orelhas pontudas. — O que eles fizeram com você?
— Bem, eu...
Algo grita.
Alguém grita.
Fen alcança a espada, mas não está lá, já que Sly mudou nossas roupas. Ele está mais perto de mim, e Barão rosna, andando de um lado para o outro na nossa frente.
Es alcança minha mão. — O que foi isso?
— Não sei. Soou como...
— Lopsi! — Sly parece preocupado. Muito preocupado.
— Quem é Lopsi? — pergunta Pete.
— O animal de estimação de Sly — digo. — Eu não a conheci, mas acho que estamos prestes a fazer isso.
Mais gritos, e então... a sala se enche de escuridão que bloqueia toda a luz. Olho para cima e vejo uma criatura de pelo preto e carne podre, asas abertas, o corpo maciço ocupando metade do salão de baile, a cabeça ligeiramente inclinada para evitar bater nos tetos altos. A besta se assemelha a um morcego com orelhas e asas enormes que se estende de seus membros anteriores, mas seu rosto é torcido e malvado, um rosto tirado de pesadelos. Ele assobia e saliva espessa escorre de seus dentes afiados como navalha.
— O que diabos é essa coisa? — grita Es.
— Um Drakar de Vandaris — diz Sly, pisando entre nós e a fera. — Esta bela fera vale uma fortuna, então não a machuque. — Ele se vira para o morcego e fala com carinho. — Agora, Lopsi, como você saiu da sua jaula? Alguém se esqueceu de fechá-la? Vamos lá, vamos levá-la para lá e...
Lopsi grita, e tenho que cobrir meus ouvidos para bloquear o som agudo. Sly recua, franzindo a testa.
Varis levanta a mão, prestes a usar magia, mas eu a puxo. — Não. Você não está autorizado a machucar ninguém aqui, lembra? Ou Sly vai transformá-lo em gosma.
— Deixe-me lidar com isso, meus queridos — diz Sly. Ele caminha lentamente em direção ao monstro morcego, falando em voz calma. — Boa menina, Lopsi. Você se lembra do seu pai, sim?
Lopsi responde cuspindo algo de sua boca com presas – uma substância amarela e viscosa. Sly sai do caminho e o líquido atinge uma cadeira.
A cadeira sibila, chia, e então derrete no chão.
Droga. — Suponho que isso é duplamente perigoso na pele humana?
Sly fala de costas para nós. — Só se você gosta de ter pele.
Eu recuo. — Estou muito apegada a ela — digo a ele.
— Apenas fique muito parado — diz Sly. — Tudo ficará bem.
— E se não ficar?
— Ninguém coloca uma mão em Lopsi. Ou vai perdê-la.
Muito razoável. O gigante morcego venenoso pode fazer o que quiser para nós, mas temos que jogar bem. Permaneço tão imóvel quanto posso, mas quando Sly se aproxima do animal de estimação, ela assobia e estica as asas, então faz um som estridente que quase me ensurdece.
Então ela ataca.
E todos nós corremos. — Príncipes malditos — diz Sly. — Vocês aparecem e tudo vai para o inferno.
Fen não diz nada. Dean sorri. Homem estúpido. Ele realmente parece estar gostando disso. Eu definitivamente não estou gostando. Os príncipes são rápidos e Es, Pete e eu mal conseguimos acompanhar. A fera começa a fechar a distância entre nós.
— Que tal um pouco daquela magia, Sly? — digo entre respirações ofegantes.
— Como você se atreve — grita ele. — Eu não vou virar Lopsi de dentro para fora. Que tipo de demônio cruel você acha que eu sou? Você ficará bem, e se não, bem, foi um prazer conhecê-la. Vou me certificar de que nenhuma das suas partes seja desperdiçada. — Sly sai para o lado, seja para fugir sem nós ou para levar Lopsi embora, não tenho certeza. Se ele está tentando ajudar, o plano dele falha completamente. Lopsi nos segue.
— Sete Infernos — grita Dean, socando uma parede. — Beco sem saída.
Nós nos viramos, encarando a fera gigante. Procuro por passagens, mas não vejo nenhuma.
Barão rosna, preparando-se para uma briga. Fen se posiciona diante de mim. Eu empurro Es e Pete para a parte de trás do nosso grupo na esperança de mantê-los tão seguros quanto possível.
Dean pega minha mão. — Conheço uma saída — grita ele sobre o grito de guerra da fera.
Ele corre para frente...
Na direção da fera.
Eu xingo, depois o sigo.
Então eu vejo. Ao lado de Lopsi, meio escondida por sua asa, uma porta.
Dean passa pela entrada, deixando o caminho aberto. O resto de nós segue bem no momento em que Lopsi gira, balançando uma garra gigante atrás de nós. Ela erra, batendo na parede e quebrando a pedra. Nós estamos quase seguros...
Algo voa por mim.
E então a dor rasga meu braço.
O veneno de Lopsi chamusca meu vestido, queimando-o acima do meu cotovelo. Minha pele está queimando e vermelha, mas já estive pior.
Dean e Fen fecham a porta, e a mantêm fechada com a força deles enquanto Lopsi tenta abrir a porta.
Olho em volta. — Onde estamos?
— É o Quarto de passagem — grita Fen, cuspe voando de sua boca enquanto se esforça para manter a fera longe.
Espelhos de diferentes tamanhos e formas enchem a sala, brilhando em um esplendor de cores. Cenas piscam nelas: uma árvore balançando, uma tempestade furiosa. — É assim que Sly viaja para mundos diferentes — diz Dean.
Ele aponta para um espelho de prata à esquerda. — Podemos voltar para Inferna por ele.
Fen balança a cabeça. — Estaríamos caminhando para uma sentença de morte.
Preciso concordar com ele.
Até que o morcego cospe veneno na porta e ela apodrece. Fen pula até mim, estendendo as mãos nuas, pronto para lutar.
— Acho que não temos escolha! — grito.
Dean corre para o espelho. — Todo mundo pega uma mão, nós vamos agora!
Minha mão pousa em Barão enquanto Fen alcança o meu braço. Eu me certifico de que Es e Pete se agarram em mim, e corremos através do espelho.
E saímos em um reino familiar. Como por instinto, eu olho para o espelho, temendo que Lopsi siga, mas não vejo nada além do meu reflexo. Eu me viro, examinando a cidade à nossa frente, tem cheiro de vinho e óleos caros, e embora seja tarde e as luas estejam altas no céu, há música e dança, e homens e mulheres seminuas servindo comida em bandejas douradas.
Dean sorri. — Bem-vinda ao meu Palácio dos Prazeres, Princesa.
Capítulo 6
VOCÊ SABE TÃO POUCO.
“Você é um cachorro. E saberá o seu lugar no calcanhar do seu mestre”.
— Rei Lucian
Demora um momento para recuperar minha respiração. A adrenalina passa por mim, fazendo meus membros tremerem. Minha espada ainda está apertada na minha mão, pronta para matar ou mutilar, mas não há mais nada para lutar. O urso está morto. E o tigre... O tigre de alguma forma é Tavian Gray.
Isso não deveria ser possível. Esse tipo de magia não existe.
Tavian está em silêncio. Ainda. Sua pele de caramelo está contrastando contra o branco da neve, mesmo no escuro. Sangue vaza de suas feridas, manchando tudo de vermelho ao redor dele. Esta é a minha chance de escapar, de descobrir o que aconteceu com Fen e Ari – mas, se eu for embora, ele morrerá.
Isso não é problema meu. Ele pretende me vender para Metsi como prisioneira.
Mas ele também salvou minha vida. Duas vezes.
Inferno. Esse homem está tornando minha vida impossível. Porque não posso deixá-lo morrer, mas salvá-lo significa arriscar minha própria vida.
Xingo uma série de palavrões sob a respiração enquanto agarro os braços dele e meio levanto, meio arrasto-o de volta para a caverna. Ele é mais pesado do que parece, uma construção sólida de músculos, e é preciso muito para movê-lo.
Uma vez de volta à caverna, eu acendo o fogo e o cubro com peles para aquecê-lo, então começo a examinar suas feridas. Elas são profundas, mas não fatais. Ainda assim, ele está perdendo muito sangue. Limpo-as o melhor que posso com neve derretida, depois eu pego meu pingente de cristal. Segurando-o com uma mão, com a outra estendida suavemente sobre o peito dele, sussurro as palavras que sei que ajudarão na cura.
Quando termino, a frágil pele rosada tenta juntar as feridas. Ele precisará tomar cuidado para não separá-las novamente.
Agora, tudo que posso fazer é esperar e mantê-lo aquecido.
Em algum ponto da noite, o cavalo que me abandonou volta, mais leal ao seu mestre do que a mim, eu acho. Eu o amarro na entrada da caverna e lhe dou comida e água, depois volto para o meu paciente.
Continuo dizendo a mim mesma que deveria ir embora. Mas enquanto ele luta contra inimigos imaginários em sonhos febris, com o cenho franzido e o corpo contorcido, não consigo me afastar dele. Coloco uma mão em seu rosto e percebo que ele finalmente está esfriando.
Quando levanto as peles para verificar suas feridas, uma mão grande agarra meu pulso. — Sabe, Princesa, se você queria acesso, tudo que você tinha a fazer era pedir.
Solto as peles e retrocedo. Tavian se apoia nos cotovelos e recua ligeiramente na dor causada por seu movimento.
Minha réplica espirituosa morre na minha língua enquanto ele olha para mim com seus olhos de esmeralda. Este homem é totalmente hipnotizante para o meu gosto.
Ele sorri, como se soubesse o que estou pensando. — Estou surpreso que você ficou por aqui, Princesa. Poderia ter me deixado para morrer e salvado a si mesma.
— Poderia — digo. — Provavelmente deveria.
— Por que você não fez? — pergunta ele enquanto se senta lentamente.
Resisto à vontade de ajudá-lo, cruzando as mãos no meu colo. — Eu precisava de respostas primeiro — digo.
Ele levanta uma sobrancelha. — Sério? Que tipo de respostas?
— Você se transforma em um tigre? Como? Eu nunca ouvi falar desse tipo de magia.
— Diz a Shade que viveu com vampiros a vida toda. — Ele sorri enquanto se levanta. A pele cai e meus olhos estão colados às linhas duras de seu corpo enquanto ele se veste.
— E viver nas Terras Distantes teria me ensinado mais? — pergunto.
Ele ri. — Você conhece tão pouco sobre o seu povo. Da sua ancestralidade mágica. Você acha que as Terras Distantes, como você as chama, são tudo o que sobrou dos Fae?
Isso é novidade e me dá uma pausa. — Do que você está falando?
— Venha comigo para conhecer Metsi, e eu te mostro — diz ele. — Há todo outro mundo lá fora. Os vampiros não sabem sobre isso. Alguns Fae até esqueceram. Mas é como nós temos sobrevivido desde o Desembaraçar.
— Não é possível. Nós invadimos cada centímetro deste mundo. Se havia um grupo secreto de Fae vivendo em algum lugar, nós os teríamos encontrado — digo.
— Vocês vampiros acham que sabem tudo. Isso deixa vocês cegos para o óbvio. Vocês acreditam que mapearam o mundo, e então pararam de explorar. — Ele apaga o fogo e embala sua bolsa. — Eu estou indo para Metsi. Ela terá a informação que eu preciso. E ela pode ter um lugar para você. Um propósito. — Ele faz uma pausa. — Nosso povo está em guerra. Os vampiros lutam entre si. Você é tão Fae quanto vampira, você não quer pelo menos ver o que poderia ser?
— Você está me dando uma escolha? — pergunto. — Então eu posso ir embora se eu quiser? De volta a Stonehill?
— Você salvou minha vida quando poderia ter me deixado para morrer. Eu não sou um monstro. Mas... o cavalo, a mochila, a comida... vão comigo. Se você partir, você está por sua conta. Se você partir, nunca saberá onde está o seu povo. Nunca saberá o que você poderia ser. Nunca saberá se Metsi poderia ser uma poderosa aliada ou não.
— Você ainda tentará me vender para Metsi? — pergunto, cruzando os braços sobre o peito.
— Se eu conseguir dinheiro por você, sim. Mas só se você quiser ficar. — Ele estende a mão para apertar a minha. — Combinado?
— E se eu for embora? — Eu ainda tenho Ari e Fen para considerar.
— Se você for agora, eu não vou te impedir. Mas até que ponto você acha que ficará sozinha, sem cavalo, sem provisões, sem alguém vigiando suas costas? — pergunta ele.
Ele tem razão, e me irrita admitir isso. O clima é rigoroso. Estou sozinha com nada além das roupas nas minhas costas.
— Como chegamos lá? Com os Fae? — pergunto, parando.
— Nós viajamos por Caminhos de Pedra. Há uma por perto. Venha, veja por si mesma.
E então eu o sigo, mas não me comprometo. Ainda não. Não até que eu veja o Caminho de Pedra. Não até que tudo comece a clicar.
Porque o Caminho de Pedra é familiar. Eu já vi isso, ou parecido com este. Com Fen, quando Ari estava desaparecida e fomos em busca dela.
É uma parede, escondida dentro de uma caverna úmida, decorada com símbolos dos Fae, uma marca no centro da pedra.
Eu corro meus dedos sobre a pedra esculpida. — Como isso funciona?
— Você vem? — pergunta ele, levantando uma sobrancelha.
Suspiro. — Eu acho que não tenho escolha, não é?
Ele sorri. — Há sempre uma escolha, princesa. Mas eu gosto de dificultar.
— E o cavalo? — pergunto quando Tavian pressiona a mão contra o centro da pedra, contra os picos lá, e seu sangue flui para as esculturas.
— Ele não gosta da viagem.
Eu logo entendo a razão.
A pedra se abre revelando um elevador em que Tavian nos leva. E então ele começa a se mover, caindo na terra, nos movendo rapidamente através do núcleo do nosso mundo.
— Onde estamos indo? — pergunto.
— Avakiri. O reino Fae do outro lado deste mundo.
— Outro lado?
— Você verá em breve. — Tavian pega minha mão. — Prepare-se.
— Para quê?
Tarde demais.
A gravidade deixa de funcionar e eu mal contenho um grito quando começamos a flutuar. Tavian demonstra como virar de modo que seus pés fiquem de frente para o que era o teto. Eu faço o mesmo, e então a gravidade nos atinge com força e nós dois caímos contra a pedra, o chão agora acima de nós.
— O que foi isso? — pergunto, esfregando um novo hematoma na minha canela.
— Estamos no meio do caminho — diz ele.
Meio caminho para o outro lado do mundo pelo que eu sabia. Certamente alguém deve ter descoberto esses segredos, mas eu posso ver por que eles estariam tão bem guardados. Os vampiros quase fizeram os Faes serem extintos, salvo aqueles mantidos como escravos. Os druidas foram colocados para dormir, a Estrela da Meia-Noite e todos aqueles com laços de sangue foram mortos... E ainda assim os Faes encontraram um jeito de sobreviver. Viver. Para se esconder.
E agora eles têm Ari.
Ainda é muito para absorver. Por muito tempo nós vivemos nesta rotina, existimos com o nosso jeito de agir. Então essa garota humana aparece e tudo que eu sei sobre a minha vida é distorcido em algo diferente. Eu não culpo Ari, claro. Se alguma coisa, ela é mais uma vítima nisso do que qualquer um. Mas me faz pensar... Como me tornei tão complacente com as injustiças que vejo? Como fiquei tão cansada deste mundo? E o que essa viagem para Avakiri fará comigo? Com tudo que eu acredito?
Quando o Caminho de Pedra para de se mover, as portas se abrem e saímos em uma caverna diferente, cheia de cintilantes cristais verdes. Eu posso ouvir água corrente e sentir o cheiro de grama fresca. Tavian sai e acena uma mão sobre mim. Eu sinto um brilho de magia, então se desvanece. — O que você fez? — pergunto.
— Lancei uma ilusão sobre você, para mudar sua aparência — diz ele. — Não sei quantos reconheceriam a ilegítima filha Fae do rei dos vampiros, mas provavelmente Metsi o faria.
Estou tocada por sua preocupação e o agradeço de má vontade.
Nós saímos e entramos em um mundo diferente.
Não há mais neve, esta terra é um exuberante crescimento da selva tropical, o sol brilhante e quente na minha pele. Diante de nós flui uma cachoeira, escondendo a caverna com o Caminho de Pedra. Corro para frente, ansiosa para ver mais, contornando a água e subindo em uma pedra coberta de videiras verdes, com vista para um lago.
A água é tão clara que posso ver o fundo. Peixes coloridos nadam ao redor enquanto a luz cintila contra suas escamas. As árvores aqui são altas, com trepadeiras crescendo entre elas como cordas. Tavian nos leva a uma trilha de pedra decorada com símbolos antigos e pontilhada de musgo. Bichos correm pela vegetação rasteira, e o som de pássaros e outras criaturas enche o silêncio com pios, silvos e assobios. É uma cacofonia da vida.
A trilha se estreita e se transforma em degraus de pedra, colocados tão próximos que eu tenho que ter cuidado para não cair. Subir os degraus – parece que são centenas – é o seu próprio tipo de exercício meditativo.
Estou fascinada pela beleza e serenidade de tudo isso até chegarmos a duas esculturas esculpidas que agem como guardiões para a entrada de um jardim. Quando andamos, levo um momento para entender o que estou vendo. No começo, sou atraída pelas muitas cachoeiras e poças de água cristalina espalhada por todo lado, cercadas por explosões de cores florais. Mas os sons da natureza são abafados pelo som de homens e mulheres agonizantes.
Presos às árvores pelas videiras em forma de corda estão dezenas de vampiros, quase despidos. Eles pairam sobre as poças d'água, galhos enrolados em volta de sua carne, perfurando sua pele, fundindo-se com suas veias. O encantamento drena seu sangue, liberando-o através das raízes e na água. As piscinas rodopiam com vermelho enquanto os gritos do meu povo são carregados pelo vento.
E não apenas vampiros. Há Shades lá também, morrendo nas garras das árvores. Eu me preparo para o cheiro de carne podre, o cheiro da morte, mas nada vem. O ar é doce e calmante, o aroma das flores. Quão distorcida essa crueldade é disfarçada de beleza.
Eu paro, minha garganta seca, minha mandíbula apertada com tanta força que posso quebrar meus dentes. Tavian pega minha mão, mas eu a puxo. — É isso que você queria me mostrar? — assobio para ele.
— Não. Nunca vi coisas assim. Eu juro que essa não era a minha intenção.
Pelo olhar em seus olhos, eu posso dizer que ele fala a verdade. Estou prestes a sugerir – não, exigir – que partamos quando quatro Faes chegam empunhando espadas e lanças. Eles usam máscaras que cobrem seus rostos e armaduras verdes e azuis que cobrem seus corpos, brilhando como escamas.
— O Selvagem pede a sua presença — diz um dos soldados, uma mulher.
Tavian me lança um olhar preocupado. Parece que não temos escolha a não ser caminhar com eles.
Alcançamos um enorme e antigo palácio feito de pedra e esculpido com mais dos glifos que vi nos degraus. No interior, as paredes são decoradas com tapeçarias e cortinas de seda azuis e verdes, e em todos os lugares há água. Fontes, piscinas, cachoeiras internas... O som é calmante, e o ar fresco.
Faes se misturam, conversando, rindo, bebendo e comendo, reclinados em almofadas coloridas e em cadeiras de pedras. Suas peles são escuras, ao contrário da maioria dos Fae que eu conheço. Ninguém parece preocupado com os vampiros moribundos e com os Shades do lado de fora da porta deles.
Quando entramos na sala do trono, uma mulher que só pode ser Metsi está sentada num trono elevado, antigo e coberto de trepadeiras. Ela usa um longo vestido de seda e cetim, azuis e brancos. Sua pele é escura, como a dos outros Fae aqui, e tatuagens azul-claro cobrem seus longos braços e cabeça careca. Sua serpente, Wadu, se enrola em torno de seu braço esquerdo.
Ela sorri quando vê Tavian. — Já faz muito tempo desde que fomos agraciados pela sua presença. O que o traz ao nosso canto de Avakiri?
— Os reinos ouviram rumores do retorno da Estrela da Meia-Noite, do poder sendo restaurado. Da guerra travada contra os vampiros. Eu vim para procurar a verdade — diz Tavian.
Permaneço quieta. Esperando. Preocupada. Ele poderia facilmente me trair. Dizer quem eu sou. Obter o dinheiro que tão desesperadamente quer.
Metsi agita a mão e alguém lhe traz uma taça de prata com bebida nela. — Tanta conversa. Tantos rumores. Alguns têm mérito, outros menos. Em breve teremos a Estrela da Meia-Noite em nosso controle. E os vampiros, bem, eles encontrarão o seu fim. A hora deles chegou. É a nossa vez agora. Nossa vez de reclamar o que é nosso.
— Eu vim das Terras Distantes. As pessoas falam da sua derrota em Stonehill enquanto se encolhem e bebem suas mágoas, e ainda assim você fala de vitória? Você não está preparada.
Olho para Tavian, imaginando por que ele fala tão livremente. Quem é ele para questionar um druida?
Metsi ri. — Temos muitas armas e soldados aqui. Temos druidas voltando ao poder. Temos um espião no meio do inimigo. E... Temos um aliado. Um dos príncipes está do nosso lado. Ele garantirá nossa vitória de dentro.
Tavian e eu recuamos com suas palavras. Um príncipe está trabalhando com Metsi? Quem? Não consigo pensar em ninguém que ficasse do lado dos Fae.
Metsi sorri, provavelmente em resposta aos nossos rostos. — Eu adoraria incluir vocês entre os nossos apoiadores — diz ela. — Venha, Tavian. Junte-se a nós. Desista de seus modos vagabundos e eu farei você mais rico do que pode imaginar. Eu te darei qualquer coisa que seu coração desejar. Junte-se à sua família e nos ajude a derrotar nossos inimigos.
Seu discurso é persuasivo, mas eu não lutarei contra meus irmãos. Tavian, no entanto...
— Agradeço a oferta, mas eu cansei da guerra, Metsi. Você sabe disso. — Tavian parece casual, mas percebo a tensão em seus músculos. Essa não parece ser a conversa que ele esperava.
Metsi se levanta do trono e desce os degraus para se aproximar de nós. Ela para a poucos metros na frente de Tavian. — Você não me trouxe nada então? — pergunta ela. — Diga-me, quem é essa sua amiga? Ela tem uma língua?
— Esta é Darnsa, minha aprendiz — diz ele sem perder o ritmo. — Nós estávamos apenas passando por aqui e queríamos pagar nossos respeitos. Não tenho nada para oferecer nesta visita, mas se você tiver um pedido, farei o melhor para providenciar.
Ele é bom, mas está olhando muito atentamente para mim. Resisto à vontade de agarrar a espada no meu quadril, mas minha mão está se contraindo. Estou pronta.
— Oh, Tavian Gray. Como você me desaponta. — Metsi levanta a mão e agita sobre o meu rosto. — Não é uma mera aprendiz, mas sim Kayla Windhelm. A bastarda Shade do falecido rei. E um prêmio bonito, de fato.
Um grunhido baixo se forma sob a respiração de Tavian. — Ela está comigo, sob minha proteção.
Metsi lança um olhar para ele, estreitando os olhos. — Eu vou te pagar muito bem por ela. Há rumores de que você está precisando de uma pequena fortuna. Eu posso fornecer isso, sem amarras. Deixe a garota aqui e você pode ir com o que puder carregar.
Respiro fundo, esperando. Isso é o que Tavian queria. E mesmo se ele recusar, por que isso impediria um druida? Eu olho em volta, procurando por janelas e portas, procurando por uma maneira de fugir, me perguntando se eu posso encontrar meu caminho de volta para o Caminho de Pedra. Não vejo opções.
Um momento. O ar engrossa entre nós.
Tavian toma três respirações medidas antes de responder. — Metsi, você não quer me pressionar. Nós sairemos agora.
— Guardas! — grita a Druida, e dezenas de soldados armados nos cercam.
Puxo minha espada, mas Tavian coloca uma mão na minha. — Confie em mim, por favor — sussurra ele.
Eu não embainho minha espada, mas a abaixo lentamente.
Todos os olhos estão em nós.
Tavian rosna novamente, e o quarto escurece. Velas cintilam. Fumaça preenche o espaço ao redor e o ar crepita com relâmpagos. Sua voz soa mais alta, mais profunda, quando ele fala. — Você esqueceu quem eu sou? Você me trata como um Fae comum? Você não quer me desafiar, Druida.
Os olhos de Metsi se arregalam, e ela dá um passo para trás. Sua serpente recua. Com um movimento de seu pulso, Metsi sinaliza para os guardas, e eles desaparecem de vista. Só então a luz retorna. Só então a tensão deixa o corpo de Tavian.
Metsi volta lentamente para o seu trono e senta graciosamente. Apesar de seu maneirismo, eu posso ver o medo em seu rosto, embora eu não entenda o que um druida tem a temer, a não ser um Príncipe do inferno. — Ora, ora, Tavian. Não há necessidade de tudo isso. Foi apenas um pedido amigável. É claro que você e a princesa estão livres para ir.
O olhar de Metsi para mim me dá um calafrio nas costas. Então me enche de raiva pelos vampiros e Shades lá fora, e seguro minha espada com mais força. Mas Tavian não perde tempo. Ele agarra minha mão e nos leva para fora da sala.
Não falamos nenhuma palavra enquanto seguimos pelo jardim e voltamos ao Caminho de Pedra. Não é até que estamos atrás da porta de pedra e voltando para as Terras Distantes que eu finalmente pergunto. — Quem é você Tavian? Quem é você para assustar um druida?
Ele olha para mim, seus olhos de esmeralda escondendo tantos segredos. — Eu não sou um com quem brincar.
Capítulo 7
O PALÁCIO DOS PRAZERES
“Você acordará os antigos poderes de nossa espécie e trará equilíbrio para as quatro tribos. E então vamos libertar nosso povo e governar nosso mundo mais uma vez”.
— Madrid
Eu me sento em um toco acalmando minha respiração depois da nossa fuga, mantendo meu olho no espelho. Uma parte de mim ainda teme que o animal de estimação de Sly nos siga, e termine o que começou, mas então eu lembro que não é o espelho que é mágico, mas os vampiros que me trouxeram até aqui.
Es se inclina, vomitando e amaldiçoando entre vômitos. — O que acabou de acontecer? — Ela se inclina contra uma árvore ao luar. — O que foi isso... isso... — Ela desmaia, e Pete mal a pega antes que sua cabeça atinja o chão. Ele dá um tapinha no rosto dela, chamando o nome dela, mas ela não responde.
Fen caminha até eles, Barão ao seu lado. — Ela testemunhou demais e antes da hora. Eu já vi isso acontecer. Vai passar com tempo, mas ela precisa de um curador. — Ele alcança o ombro de Pete, para consolá-lo.
Pete bate a mão dele. — Saia de perto dela. Onde diabos você nos levou? Ela ficará bem em casa. Voltar onde...
— Você não pode voltar — diz Fen. — Não se quiser viver.
Pete aperta a mandíbula. — Tudo bem. Um curador então.
Dean se inclina para mim, sussurrando. — Qual o problema do ruivo?
Reviro os olhos, — Que tal o fato de sua namorada ter desmaiado? Ou que eles quase acabaram como jantar de um morcego gigante? Ou talvez seja o fato de que estão em um novo lugar estranho, cercados por coisas e criaturas que eles não entendem, sem caminho para casa?
Dean levanta uma sobrancelha. — Tem certeza de que ele não teve apenas um almoço ruim?
Eu gemo e o empurro, então me levanto e caminho até Es. — Aqui, eu posso ajudar.
Pete olha para mim com frieza, o mesmo olhar que ele deu a Fen, mas então seu rosto se acalma e ele concorda.
Estendo minhas mãos sobre o peito de Es, e sussurro encantamentos que Varis me ensinou. Minha energia flui através de mim, e sinto uma presença que não sinto há muito tempo.
Yami.
Eu viro meu rosto, vendo o pequeno dragão empoleirado no meu ombro, sua pele como estrelas em movimento em um céu escuro. Sua companhia me enche de felicidade, e eu canalizo essa felicidade em Es.
Ela engasga, em seguida, respira profundamente, de forma constante. Seus olhos não se abrem, mas ela está mais forte do que antes.
— Obrigado — diz Pete, evitando contato visual comigo, estou esperando as perguntas, mas o que quer que esteja pensando, ele não pergunta. Tenho certeza de que ele deseja que eu nunca tivesse trazido ele e Es para a Lótus Preta, nunca tê-los envolvido. Eu gostaria que fosse uma opção. Eu gostaria de poder explicar tudo para ele de uma maneira que ele acreditaria. E por um momento, eu gostaria de nunca ter vindo a Inferna.
Fen pega Es pelos ombros. — Eu posso?
Pete concorda, e Fen levanta Es, levando-a para a cidade brilhante.
Varis e Dean estão discutindo sobre algo na beira de um rio. O druida se vira para mim. — Não podemos ficar aqui.
Dean sorri. — Bem, eu não vou sair, e sua preciosa Estrela da Meia-Noite vai aonde eu vou, então...
— Você está muito feliz — diz Varis para Dean, suspirando. Ele volta sua atenção para Fen. — Você não teme a retaliação de seus irmãos?
Fen assente. — O druida tem razão. Não podemos ser vistos vagando em Inferna. Nós escapamos do enforcamento e ainda somos procurados.
Estremeço quando imagino estar trancada nas masmorras novamente, e Yami treme no meu ombro. Oh, como eu senti falta do meu bebê dragão. Eu coço o queixo dele, acalmando-o, e ele ronrona e esfrega a cabeça contra a minha. Ninguém parece notar o comportamento, então eu suponho que Yami está se escondendo novamente, invisível para todos, menos para mim.
Dean ri. — Ninguém no meu reino se preocupa com política. Vocês estão seguros aqui. Agora, deixe-me mostrar porque o Jardim do Luar é a cidade mais popular em todos os Sete Reinos.
— A cidade mais popular? — Levanto uma sobrancelha. — E você acha que ninguém vai nos denunciar a Levi? Nem mesmo alguém passando?
Dean rosna, claramente cansado dessa conversa e pronto para retornar ao seu palácio.
Varis suspira, esfregando os olhos cansados. — Se nós tivermos que ficar, eu posso lançar uma ilusão para esconder quem nós somos. Somente um poderoso portador da magia poderia ver através disso, e somente se soubessem o que olhar.
Dean sorri. — Bem, por que você não disse antes, meu bom amigo? Sabe, essa coisa de ilusão parece incrivelmente útil. Há uma amiga minha, absolutamente linda. Nós não deixamos as coisas tão bem, se você sabe o que eu quero dizer. Ela ainda odeia a visão dessa linda face. Então, talvez possamos alterá-la por uma ocasião. Mas que fique bonito, ok?
Varis ignora o príncipe, dirigindo-se aos outros. — Cada um de nós será capaz de ver através da ilusão, mas estranhos não. Entendido?
Fen franze os lábios, olhando para a mulher em seus braços. — Lance o feitiço nos amigos de Arianna também. Não quero que os vampiros aqui tentem se alimentar deles.
— E nenhuma ilusão para mim no momento — diz Dean. — Meu povo deve ver seu príncipe.
Varis acena e puxa uma pedra de uma bolsa em volta do pescoço. Ele murmura palavras em uma língua que eu reconheço como Fae antigo, mas não entendo, e um vislumbre de magia brilha sobre nós, como uma chuva leve em um dia quente. Por um momento, vejo como Varis, Fen, Es, Pete e até mesmo Barão parecerão para as outras pessoas. Então o brilho desaparece e eles retornam ao normal. Os olhos de Pete estão redondos e assustados, mas ele ainda não está dizendo nada. Eu acho que ele está em choque.
— Truque legal. Você terá que me ensinar isso — digo.
O druida revira os olhos. — Eu tenho tentado te ensinar coisas exatamente assim. Preste mais atenção.
Dean ri às minhas custas e nos leva para sua cidade brilhante.
* * *
Quando entramos no Jardim do Luar, eu perco o fôlego e me perco em suas maravilhas. Isso não é nada como o acidentado Stonehill, nem mesmo o elegante Palácio de Cristal. Isso é como um sonho, em que tudo se move devagar, pois tudo é lindo demais para ser experimentado às pressas e no qual você é feliz, mesmo sem saber por quê. É um sonho do qual você não deseja acordar. Começa com os portões, esculpidos em madeira branca pura lembrando uma árvore, e galhos que você pode ver detalhados. Continua nas flores brancas e roxas, enchendo o ar de aromas que só posso chamar de intoxicante. Aromas que me fazem olhar para Fen e pensar que gostaria que estivéssemos sozinhos. Segue-se nos caminhos de paralelepípedos e as pessoas que os preenchem, escassamente vestidas com roupas prateadas e pretas, dançando uma batida primal que reverbera pela cidade, agitando meu corpo ao movimento. Encontra-se no gaiteiro sentado em um belo barco enquanto desliza pelos canais, e ele preenche as passagens com a melodia doce de maravilha e felicidade. Está lá quando chegamos ao palácio. Uma estrutura das cores da noite, brilhando como a lua na escuridão, seus pináculos desaparecendo nas claras nuvens azuis. Videiras roxas saem de suas varandas, correndo para jardins onde mulheres e homens nadam nus em fontes gloriosas, jorrando água que brilha quando perturbada. Não há lugar como esse sonho. Nenhum lugar como o Jardim do Luar.
* * *
Entramos no salão principal do Palácio dos Prazeres, e levanto meus braços até o teto, muito acima de onde posso ver. Nuvens púrpuras flutuam ali, enganando minha mente, acreditando que ainda estamos do lado de fora na natureza. — Um encantamento do meu Guardião, Baldar — diz Dean, notando o meu olhar. — Ah, olhe, ele está aqui para nos cumprimentar. — Dean gesticula para o Fae diante de nós, seu rosto perfeito e imaculado, sua barba branca curta e bem cuidada. Ele é um homem baixo, o mais baixo que já vi nessas terras, e seu rosto é gentil.
— Príncipe Dean — diz Baldar, sua voz alta e alegre. — Como é esplêndido testemunhar seu retorno. Posso preparar um banho ou...
— Minha amiga precisa de cura — diz Dean, apontando para Es. — Leve-os para a ala leste e use apenas suas melhores poções.
Baldar assente e faz um gesto para um criado próximo, um Fae sem camisa com pele de marfim e longos e elegantes membros. O jovem pega Es em seus braços, depois Baldar guia-o e a Pete para um grande corredor, fora de vista.
— Eu deveria ir com eles. Explicar as coisas. — Dou um passo à frente, e de repente meus joelhos se dobram e eu recuo.
Fen me pega por trás. — Deixe o Guardião fazer o trabalho dele. Mais tarde, quando Es estiver acordada, você pode explicar tudo. Agora você precisa descansar. — Ele olha para o meu braço, onde o veneno de Lopsi queimou meu vestido e deixou uma marca vermelha.
— Tudo bem — digo, sabendo que ele está certo.
Dean acena para nós. — Venha, vou mostrar os seus quartos.
Ele nos guia até uma escadaria de mármore, em andares ainda maiores do que o grande salão. Há tantos degraus que eu fico exausta e Fen me carrega. Eu nem me incomodo em protestar. É bom demais estar tão perto dele. Sentir seu corpo. Inclino minha cabeça contra seu peito, absorvendo seu perfume, e escuto a forte batida de seu coração.
Dean olha para mim e revira os olhos. — Aqui é o seu — diz ele, apontando para um quarto com a maior cama que eu já vi. Lençóis de seda e travesseiros roxos cobrem o colchão. Quatro postes de madeira cercam o estrado de madeira da cama, e cortinas transparentes saem de seu topo, como um vestido que mostra mais do que esconde.
Toda a parede do fundo da sala está faltando, levando a uma grande varanda com vista para a cidade, abrindo caminho para aromas suaves e canções melancólicas.
— Varis, você encontrará o seu quarto ao lado do dela — diz Dean.
Varis acena, olhando para mim. — Chame se os vampiros causarem problemas. — Então ele desaparece em seu quarto.
— E esse — aponta Dean para a porta em frente à minha —, é o meu quarto.
Fen grunhe. — Onde eu durmo?
— No final do corredor. Quatro andares abaixo. À direita. Atrás da cozinha. — O rosto de Dean é pura seriedade. — Não posso ter você se esgueirando no quarto da princesa agora, posso? É a minha vez afinal de contas.
Fen me coloca no chão e murmura algo sobre não querer ser rei e maldito contrato. Então ele segura meu rosto e beija meus lábios suavemente. — Se precisar de alguma coisa, chame meu nome e eu virei.
Ele se vira e desaparece no corredor, embora Barão demore mais alguns segundos para seguir, e eu me pergunto se Fen realmente pode ouvir. Se ele estivesse blefando na frente de seu irmão, eu sempre posso fazer sua marca para convocá-lo. O pensamento me enche de uma sensação de segurança e caio no colchão, deixando-me afundar no colchão macio, Yami enrolando-se contra o meu pescoço. As dores no meu corpo parecem desaparecer instantaneamente, e minha mente começa a cair no sono.
— Bons sonhos, princesa — diz Dean quando ele fecha a porta, e descanso confortavelmente pela primeira vez em muito tempo.
* * *
Eu sonho com fogo e dor. Com prédios desmoronando ao meu redor e deixando nada além de cinzas. Vejo Daison diante de mim, metade de seu corpo enegrecido e morto, a outra metade inocente e suplicante. Pedindo para eu salvá-lo.
Mas não consigo.
Não consigo.
Não consigo.
Não importa o que eu faça, ele se foi. Ele nunca voltará.
Eu me viro e agora, em meio às ruínas em chamas, vejo Es e Pete. Eles estão juntos, seus olhos cheios de lágrimas e raiva. — Como você pode trazer isso para nós? — diz Pete, com a voz fria.
— Você era nossa amiga! — grita Es. — Você era nossa amiga e nos deixou morrer!
Não. Não. Vocês não estão mortos. Ainda há tempo.
Tempo.
Tempo.
Parece parar.
Eu corro. Para alcançar meus amigos. Para salvá-los. Mas não consigo me mexer. Não consigo parar as chamas.
Elas se estendem, ondas de fumaça e calor, enroladas em volta de carne, osso e cabelos em chamas. Observo como seus rostos derretem. Como seus corpos se transformam em sangue, ossos e cinzas.
Eu assisto.
Eu assisto.
Eu assisto.
E não posso fazer nada.
* * *
Acordo com um suspiro, coberta de suor e fedor. Por um momento, não consigo me lembrar de onde estou e o pânico começa a me dominar, mas então me lembro do Jardim do Luar, o Palácio dos Prazeres. Fen.
Eu saio da minha cama e me desnudo, jogando meu vestido suado do outro lado do quarto, e vou ao banheiro. É maior do que o quarto em que eu cresci, e o chuveiro prova ser quente e reconfortante. Uso vários sabonetes no balcão, e eles enchem o ar com um aroma doce cítrico e laranja. Em seguida, encontro um armário ao lado da varanda e procuro por algo novo para usar. Tudo parece mais roupa de baixo do que roupas reais. Previsível. Finalmente escolho um vestido branco simples que é apenas ligeiramente visível. Eu o coloco, e sinto o tecido suave e frio contra a minha pele. Este não é um material que eu já senti. É mais leve que penas, e mais confortável que um abraço caloroso. Existem belezas nesse reino que, de fato, devem ser valorizadas.
Eu penso em voltar para a cama, mas meus pesadelos ainda me assombram, então deixo meu quarto e perambulo pelos salões em busca de algo para distrair. Depois de passar por muitas portas fechadas, me deparo com uma biblioteca aberta, com prateleiras mais altas do que posso alcançar, e escadas mais altas do que ouso subir. Lanternas penduram nas paredes e estão apoiadas nas mesas, iluminando a sala com brilhos alaranjados e quentes. Eu ouço embaralhar o papel e percebo que não estou sozinha.
Um Fae olha para cima de seu livro, um monóculo cobrindo um de seus olhos.
— Me desculpe. Eu não queria incomodá-lo — digo, cruzando os braços, na esperança de encontrar mais modéstia em meu vestido.
— Me perturbar? — diz o Fae, e percebo que é Baldar, o Guardião de Dean. — Você traz uma companhia a um homem velho. Venha, venha, sente-se.
Aceito o convite dele e sento em uma cadeira de veludo na frente dele. Olho para o livro que ele estava lendo. Alguma coisa sobre ervas e seus usos apropriados.
— Não consegue dormir? — pergunta Baldar, erguendo uma gigantesca sobrancelha grisalha por trás do monóculo.
— Só queria olhar em volta. Eu...
Antes mesmo que eu termine de falar, ele pega uma bolsa debaixo da mesa e começa a vasculhar o conteúdo, murmurando para si mesmo. — Não este, não. Este aqui? Não. Não. Definitivamente não é isso. Oh, sim. Aqui está. — Ele puxa um pequeno frasco cheio com um líquido branco e o segura entre nós. — Duas gotas antes de dormir, e afastará os sonhos ruins. Fará você dormir como um bebê cheio de leite.
Eu pego o frasco de suas mãos. — Obrigada.
— Ah, não é problema, minha senhora. Nenhum problema mesmo. Mas... Quando você se esgotar, venha visitar a minha exposição perto da fonte do leão. Eu tenho todos os tipos de poções. Para curar o frio, tratar dor de cabeça. Até mesmo algo para atrair o homem dos seus sonhos.
Eu rio. — Uma poção de amor?
— Como disse, eu tenho todo tipo de bebida. Talvez você precise de algo para o Príncipe Fenris...
— Obrigada, mas estamos bem. Espere. — Um pensamento chocante vem à mente. — Você sabe quem eu sou?
— Desculpe, Princesa, mas posso ver através da ilusão. Eu sou um Guardião, afinal de contas. Mas prometo, eu não contarei a ninguém quem você é. — Ele me lembra de Kal, e isso me deixa à vontade.
— Obrigada.
— Ele está aqui agora? — pergunta Baldar, olhando em volta do ar.
— Ele? Oh, Yami. Sim. Ele está no meu ombro.
O queixo de Baldar cai tanto que quase bate na mesa. — É realmente uma honra estar na presença dele. E na sua, Princesa. Eu só... Por favor, perdoe a minha excitação. Eu nunca conheci uma Estrela da Meia-noite.
— Está tudo bem. Mas eu sou apenas uma garota normal. Bem, na maior parte.
— Claro. Claro. — Ele não parece acreditar em mim.
Tento me lembrar do que estávamos falando, e um pensamento sombrio passa pela minha cabeça. — Quão eficazes são essas poções de amor?
Ele se inclina para trás, relaxando casualmente em sua cadeira de madeira. — Depende das ervas e do artesão, mas nas mãos certas, muito.
— Então alguém pode me dar uma dessas, e vou, apenas...
— Acalme-se, princesa. Essas poções têm efeito limitado em alguém que já está apaixonado, e suspeito que você esteja.
Solto um longo suspiro, grata por não ter que escolher Levi como meu marido só porque ele coloca algumas ervas mágicas na minha bebida. — Fen e eu somos tão óbvios?
Ele ri. — Sim. Mas mesmo que não fosse assim, os rumores da... parceria de vocês... se espalharam por toda parte.
— O que as pessoas dizem?
— Que a princesa já escolheu seu rei. Que Fenris Vane logo governará todos os sete reinos.
Oh, cara. Não admira que a maioria dos príncipes parecesse me odiar. Eles sequer tiveram sua vez e já ouviram falar do seu fracasso. Mas as pessoas estão erradas. Mesmo se eu quisesse escolher Fen, ele não me perdoaria por colocar a coroa em sua cabeça. — Não sei o que estou fazendo.
Baldar ri. — E quem sabe? Por favor, se achar alguém me avise. Preciso estudá-los. Criar uma poção que reproduza os efeitos.
Seu humor traz um sorriso aos meus lábios. — Eu só... Sinto que os sete reinos estão na palma da minha mão, tão delicados e frágeis, e se eu apertar demais, se me mover muito rápido ou tropeçar, vou esmagá-los. Nada que eu faça parece certo, e toda escolha parece à beira de trazer ruína a tudo.
Baldar acena sabiamente. — Espere um momento. Eu conheço a poção certa. — Ele tira uma taça da bolsa e a coloca sobre a mesa. Ele enche com um líquido dourado.
— O que é isso?
— Oitenta por cento de álcool. Vinte por cento algo quase tão forte.
Eu rio tanto que bufo, e depois rio mais um pouco do meu ridículo. Uma vez que me acomodei, eu pego a taça e tento um pequeno gole, temendo que a mistura queime minha garganta. Em vez disso, preenche-a com sensação de frescor e calor, como o mel cobrindo minha língua. — Uau. Isso é incrível.
— Obrigado. Obrigado. Essa é a minha própria bebida. Néctar dos Anciões, eu chamo. São os vinte por cento que dá esse gosto, você vê. Fórmula secreta. Os oitentas são para o chute.
Tomo outro gole, um grande, e já sinto os efeitos entorpecendo minha mente e corpo. — Isso pode fazer uma fortuna.
O Guardião olha para baixo, seu rosto de repente escuro e melancólico. — Sim... Sim, poderia.
— Eu disse alguma coisa errada?
— Não. Não. Você apenas me fez lembrar outra ocasião. Outro lugar. Eu nem sempre fui um Guardião, você vê. Uma vez, antes que os vampiros viessem a esta terra, eu vivia livre, não muito longe daqui. Meus pais eram da Tribo da Terra e possuíam uma pequena casa em uma das árvores que já existiram em Inferna. Eles viviam modestamente, mas trabalhavam duro, constantemente. Passei a maior parte dos meus dias em, bem, eu suponho que você chamaria de uma pousada, onde eu conversava com os moradores locais e ouvia as histórias mais maravilhosas do barman. Passei muito tempo lá, e eventualmente ele me contratou como aprendiz. Mas não limpei muitas mesas e pisos. Não. Eu tinha atividades mais tortuosas. A mistura de bebidas e licores. No início, apenas os verdadeiramente corajosos e aventureiros tentavam minhas misturas. Mas, à medida que o tempo passava, e minhas habilidades e engenhosidades melhoravam, até pessoas comuns tomavam um gole. Eventualmente, eu me tornei o cervejeiro mais famoso em toda a Inferna. Eu servia bebidas que enchiam seus sonhos com visões de grandes aventuras e provações. Misturas que lavariam todas as preocupações do mundo e o trariam de volta aos braços de seu amado.
— Eu fiz uma fortuna. Mais do que qualquer um pensava ser possível em tal comércio. E quando economizei bastante, eu comprei aquela árvore inteira em que meus pais me criaram, e os coloquei no quarto mais chique, com a mais gloriosa das visões. Eles me disseram que eu os deixara orgulhosos então. E eu disse que foi por causa do trabalho e amor deles que eu cheguei onde estava. Depois, eu estava ocupado com o trabalho, tão ocupado que nunca mais os vi.
— O Desembaraçar chegou. E quando os vampiros invadiram nossa cidade, eles incendiaram as florestas, e a árvore em que eu cresci, a árvore onde meus pais moravam... iluminou a noite em chamas. Ainda me lembro das sombras que o fogo lançou. De rostos gritando. Gritando pela noite.
Baldar enxuga os olhos, virando-se, com uma expressão envergonhada. — Desculpe, Princesa. Devo ter tomado demais dos meus próprios produtos.
Estendo a mão e pego a mão dele. — Sinto muito pelo que aconteceu.
— Não. Não. Eu tenho muito mais do que outros. Guardião do Príncipe. E ainda posso preparar minhas misturas, mesmo que sejam mais poções do que bebidas agora. — Ele suspira pesadamente, olhando para a taça entre nós. — Acho que é hora de eu ir, Princesa. Hora de descansar.
— Obrigada pela poção — digo enquanto ele se levanta e apaga as lanternas.
Ele sorri para mim, embora se é genuíno ou não, eu não posso dizer. — Bons sonhos, princesa.
Leva um tempo para eu encontrar meu caminho para o meu quarto. Uma vez de volta na cama, eu tomo duas gotas da poção branca, e isso enche meu corpo com um entorpecimento calmante. É só então que eu o vejo.
— Varis?
Ele está na varanda, com sua capa de pele batendo ao vento. — Não podemos ficar aqui. Os vampiros usarão você até que não haja mais nada.
Eu me sento, embora o movimento seja difícil com todas as ervas e oitenta por cento de álcool correndo pelo meu sangue. — Varis, eu confio em Fen. Ele não deixará ninguém me machucar.
O druida balança a cabeça. — Você estará mais segura em Avakiri. Lá você pode reunir os Faes. Dar-lhes a esperança novamente. Esperança pela paz. Não a raiva e o medo que Metsi alimenta. Se o Príncipe da Luxúria vier com você, assim seja. Eu conheço ervas que o tornarão mais dócil. Nós podemos trazê-lo conosco.
— Não posso ir. Preciso voltar para Stonehill. É a minha casa.
Ele afasta o olhar, aparentemente não convencido.
Eu paro, pensando no que mais posso dizer para convencê-lo. — Eu sei o que você sente por Asher. Vejo na maneira como você olha para ele, no jeito que vocês conversam. Então eu sei que você entende que vampiros são mais do que apenas bestas. Eles são pessoas. Algumas com quem eu me importo profundamente. E não vou abandoná-las.
Finalmente, Varis acena. — Muito bem. Nós ficamos aqui por agora. Vou treiná-la e espero que seja o suficiente para mantê-la segura.
* * *
O sol brilha quando acordo. E Baldar está em pé sobre mim.
— Desculpe, princesa — diz ele. — Mas me disseram para entregar uma mensagem assim que você acordasse. Príncipe Dean e Príncipe Fenris pedem sua presença no pátio de treinamento hoje.
Eu aceno, lembrando-me dos meus primeiros dias em Stonehill, quando eu ainda não sabia o que faria neste mundo. — Como está Es? Ela está bem?
Baldar acena com a cabeça. — Ela está bem. Em repouso. Ambos estão. Dei-lhes um sedativo mais forte para ajudar a dormir. Depois de um choque como o que tiveram, eles precisarão de tempo para descansar e processar.
— Ok, bem, por favor, certifique-se de que alguém me avise quando acordarem. Preciso falar com eles. — Para tentar pedir desculpas... Para explicar.
Baldar concorda, então espera do lado de fora do quarto enquanto eu pego outro vestido branco do armário, e o deslizo sobre o meu atual. É um pouco menos visível assim. Mais ou menos.
Yami encontra sua posição no meu ombro, e o Guardião nos guia para fora do palácio, para um pátio repleto de flores e guerreiros, afiando suas habilidades de espadachim em colunas de madeira e pedra. Fen e Dean estão em volta de uma mesa de madeira, apontando para um grande mapa e conversando.
— Nós podemos usar a passagem secreta atrás da cachoeira — diz Dean. — Entrar em Stonehill e pegar Levi desprevenido.
Fen balança a cabeça. — Ele sabe da passagem. Deve tê-la desmoronado até agora. Ou pior, colocado armadilhas.
— Ponto válido. Bem, isso só deixa um ataque frontal. Mas nenhum grande exército. Tenho poucos homens depois da batalha contra Metsi e Oren, e a maioria deles são desertores.
— Eles terão que ser disciplinados — diz Fen, massageando os nós dos dedos.
Eu me junto a eles na mesa, envolvendo meu braço ao redor de Fen e sorrindo. — Eles fugiram de uma batalha que não valeria a pena lutar. Não devemos culpá-los.
Fen grunhe. — Eles fugiram porque Yami os fez se borrar.
Meu bebê dragão está um pouco mais alto, rugindo no meu ouvido com orgulho. Eu rio.
— Ele voltou, não? — pergunta Fen.
— Sim. E ele sente falta do Barão. Onde está o lobo?
— Caçando. — Pela forma como Fen diz isso, ele parece bastante ciumento.
Dean se aproxima de mim, desconfortavelmente perto enquanto examina meu ombro. — Onde está o bicho? Venha menino, você pode sair. Preciso parabenizá-lo por ter afastado os Fae. Eu estava cercado por cinquenta homens, perto do meu juízo final quando você rugiu no céu e os fez correr. Ah, aí está você.
Eu recuo. — Ele se revelou?
— Eu também o vejo — diz Fen, sorrindo.
Eu me viro para Yami e acaricio suas escamas pequenas. — Que bom menino. Um menino tão bom.
Dean faz um carinho nele também, e meu bebê dragão ronrona de alegria. — Você treina e fica grande agora — diz o príncipe. — Nós vamos precisar de você. — Yami acena, apertando os olhos e tentando parecer sério. — Lá vai você. Bom pequeno animal de destruição em massa. Agora, de volta aos planos. Precisamos de um exército maior.
— Melhor manter a voz baixa — diz Fen. — Em Stonehill, descobri que havia um espião no castelo, reportando-se aos druidas. Eles também podem ter ouvidos aqui também.
Dean assente, baixando a voz para um sussurro, soando como uma velha em seu leito de morte. — Muito bem, então. Vamos todos falar assim. Totalmente não vai chamar a atenção.
Eu rio, em seguida, olho em volta, vendo vampiros treinando, mas nenhum outro. — E quanto aos Faes? Poderíamos recrutar os escravos?
Fen suspira, apoiando-se nos cotovelos. — Os escravos são guerreiros ruins. Eles ou se juntam ao inimigo o mais rápido possível, ou lutam com tão pouco vigor que te perdem a batalha.
— Certo. Bem, e se os motivássemos. — Uma ideia se forma em minha mente, e começo a tremer com o excitamento. — E se oferecermos a eles liberdade após certo período de serviço?
Dean parece mais sério que o normal. — Poderia realmente funcionar.
— Talvez — diz Fen. — Mas os mestres não ficarão felizes se enviarmos seus escravos para morrer.
— Então perdemos o apoio dos vampiros — acrescenta Dean. — Talvez até os Shades.
Mordo meu lábio pensando. — Talvez nós compensemos qualquer um cujos escravos saiam para lutar. Poderíamos pagar-lhes.
Dean assobia. — E quem tem esse tipo de moeda?
— Niam — diz Fen.
— Certo. A pessoa menos propensa a nos ajudar. — O Príncipe da Luxúria senta em uma cadeira, passando as mãos pelos cabelos dourados, resmungando sobre vampiros e Faes estúpidos. Parece que Fen e Dean têm algo em comum.
Alguém grita do lado de fora do pátio. Então outros se juntam. — O que diabos está acontecendo? — pergunta Dean, já em pé e correndo.
Fen e eu o seguimos para as ruas. Três homens, vampiros usando couro e carregando espadas, amarram uma corda no pescoço de um homem. — Você roubou minha adaga, seu Fae sujo! — diz o maior vampiro, com o rosto sujo de lama.
— Não — implora o Fae, de joelhos, com o pescoço vermelho e lutando contra a corda.
— Sim, você roubou. Não minta. Você sabe o que fazemos com mentirosos e ladrões como você?
— Não. Por favor.
— Enrole-o, rapazes.
Os outros dois homens agarram a ponta da corda e começam a amarrá-la em um galho de uma árvore próxima, seca e estéril de folhas.
Fen rosna e avança. — Pare. Agora.
Os vampiros olham em sua direção e riem. Continuam sua tortura. Como? E então eu me lembro da ilusão. Eles não reconhecem Fen como o Príncipe de Guerra.
Dean levanta o braço. — O solte. Agora.
Desta vez os vampiros prestam atenção. Eles fazem uma pausa. — Desculpe, Sua Graça — diz o grande. — Mas este é meu escravo. Posso fazer o que eu quiser com a minha propriedade.
— Você vai soltá-lo — diz Dean, e há intensidade em seus olhos que não vi antes. — Ou vou cortar sua mão com a minha lâmina.
— Talvez devêssemos, Roge — diz o menor dos três.
Roge, o grande, acena. — Muito bem. Eu não quis ofender. Solte-o. — Eles desamarram a corda, libertando o Fae.
Corro para o auxílio do homem, ajudando-o a ficar de pé e sussurrando um encantamento para ajudar com sua dor. Ele está coberto de hematomas roxos, e meu feitiço não faz o suficiente. — Preciso levá-lo a um curador. Há alguém por perto?
Dean aponta para uma árvore ao longe. — Há um curandeiro no prédio lá. Mais rápido do que tentar encontrar Baldar.
Eu aceno e ajudo o Fae a andar enquanto seus acusadores desaparecem em um beco.
— Eu irei com você — diz Fen.
— Não. Eu ficarei bem. Você é mais útil aqui, planejando como retomar Stonehill.
Ele faz uma pausa, em seguida, balança a cabeça e retorna para o pátio com Dean.
Caminho com o Fae, conversando e descobrindo que o nome dele é Lars. O céu fica cinzento enquanto andamos e a neblina começa a se formar ao redor de nossos pés. — Uma tempestade está chegando — diz Lars. As palavras mandam-lhe em um ataque de tosse, e nós descansamos por um momento antes de continuar.
Quando nos aproximamos da árvore, vejo que é muito maior do que eu imaginava, elevando-se sobre as casas próximas, é cinza e morta, e me pergunto se esta é uma das grandes árvores de que Baldar falou. Noto buracos e passagens esculpidas no alto do tronco e me pergunto se é onde ele morava.
Na base da árvore há uma estrutura de pedra branca e cinzenta, construída de forma a envolver o tronco. É um local grande e cheio de espaço. Por dentro, vejo dezenas de camas cheias de homens e mulheres que sofrem de vários ferimentos e doenças. Há vampiros, Faes e Shades. Parece que todos são bem-vindos aqui. Os curandeiros correm, com os vestidos brancos cinzentos de poeira e às vezes vermelhos de sangue. Uma mulher chama minha atenção. — Seri?
Ela encontra meu olhar, seu cabelo curto preso longe de seu rosto. Foi ela quem me ensinou o básico de cura no reino de Asher. Mas... — O que você está fazendo aqui? — pergunto.
Ela pisca duas vezes. — Desculpe-me. Eu te conheço?
Certo. A ilusão. Quero dizer a ela quem eu sou, mas não sei quem está ouvindo. Qualquer um desses pacientes poderia deixar a informação se espalhar. — Eu ajudei a tratar os feridos no Castelo Céu. Você me ensinou.
— Oh, me desculpe. Não lembro.
Dou de ombros, sorrindo. — Não fiquei muito tempo. Esse homem precisa de ajuda.
— Claro — diz Seri.
Ela ajuda Lars a dormir e lhe dá um tônico para dor. Eu trago lençóis limpos e examino suas feridas. O tempo todo, o rosto dela parece confuso, e acho que talvez ela esteja sentindo que sou mais do que aparento.
Após um minuto, Lars dorme, descansando com os remédios que lhe demos, e Seri se vira para mim. — Você quer ficar um tempo? Preciso de mais pessoas como você.
— Claro. — Eu sei que Varis não ficará feliz, já que ele precisa me treinar, mas preciso me sentir útil no momento. Preciso de algo para aliviar a dor dos meus pesadelos. Do que eu permiti que acontecesse a Daison. Do que eu ainda posso permitir.
— Qual é o seu nome mesmo, eu não me lembro? — pergunta Seri.
— Um... Diana.
— Muito bem. Prazer em conhecê-la, Diana. Venha, eu preciso de ajuda com outro paciente.
Aceno, seguindo-a para outra cama e ajudo a arrumar a perna quebrada de uma mulher. — Tantos feridos — digo depois, sentada em uma cama vazia, olhando em volta.
Seri se inclina contra a parede, comendo algum tipo de folha do pacote amarrado em sua cintura. — Muitos foram feridos na batalha de Stonehill, lutando contra os Faes. Outros são apenas azarados ou descuidados.
Ela me oferece uma folha e eu aceito. A mastigação é difícil, mas o sabor é bom e é surpreendentemente fortificante. — O que te trouxe aqui? — pergunto. — Você não é a guardiã do príncipe Asher?
Seri suspira, deixando uma folha meio comida. — As coisas estão mudando no norte para os Faes e Shades. As pessoas estão sendo enforcadas e espancadas sem motivo sob o domínio de Levi, e sua influência está se espalhando. Asher permitiu que eu viajasse para o sul para minha própria segurança.
Eu penso em Lars, quase pendurado naquela árvore. Ele se curou o suficiente para ir embora alguns minutos atrás e eu desejo-lhe bem. — Parece que, mesmo aqui, os Fae estão em perigo como nunca antes.
Seri encolhe os ombros. — Os tempos foram difíceis para o nosso povo antes. Nós sempre sobrevivemos.
Suas palavras me tocam mais profundamente do que ela pode saber. Pois sou a razão pela qual as coisas estão mudando para pior, e sou eu quem deve fazê-las melhorar. Em vez disso, eu sento aqui, conversando, comendo comida saborosa. — Seri, eu...
Alguém grita, e nós duas viramos, olhando para o homem sendo trazido pelas escadas. Eu me levanto, e os curandeiros o colocam na cama enquanto examino a ferida. Sua barriga está coberta de sangue, cortada profundamente por alguma coisa. Uma espada.
Seri lhe dá um tônico para dor e um pedaço de madeira para morder, algo para parar de gritar e ajudar a evitar que ele morda a própria língua. — Alguém atacou esse homem — digo, continuando meu exame. — Razoavelmente recentemente. Eles erraram os principais órgãos, ou estaria morto, mas ele ainda poderia sangrar até a morte. Preciso de linha, uma agulha e...
Algo chama minha atenção. Uma tatuagem de uma serpente. Uma tatuagem que eu vi apenas em Avakiri.
— Este homem é um invasor.
Seri acena com a cabeça, trazendo a linha e agulha. — Ele não deve ter voltado para as Terras Distantes. Deve ter se perdido e encontrou seu caminho até aqui.
Eu recuo, minhas mãos tremendo. O atacante. Ele teria sido parte do ataque a Stonehill. Parte da razão pela qual Daison está morto. — Não podemos ajudá-lo.
Seri agarra minhas mãos. — Não somos guerreiros. Não somos senhores. Somos curadores. E ajudamos todos aqueles que precisam de nossa ajuda. — Ela se vira para o atacante, o paciente, e começa a limpar sua ferida.
Recupero meu fôlego, o choque de minhas memórias desaparecendo, e me junto a ela, preparando os pontos. Quando terminamos, Seri envolve a ferida com bandagens limpas e depois lava as mãos. — Você fez bem — diz ela, olhando para mim. — A primeira vez é sempre difícil. Tratar alguém que causou sua dor.
Eu me inclino contra um travesseiro, suspirando. — Deveria ter sido mais fácil. Eu não me importo com a dor. Apenas a paz. Apenas a cura.
— É assim que deve ser. Mas todos nós temos escuridão no interior. Às vezes vem à tona. Um lembrete de por que devemos mantê-la à distância.
Penso em suas palavras. Talvez haja uma razão por trás do sofrimento e da dor, um propósito para meus pensamentos de vingança contra Levi e Metsi. Talvez eles me lembrem de fazer melhor, ser boa.
— Obrigada — digo.
— Pelo quê?
— Por me lembrar de que eu ainda posso fazer a coisa certa.
* * *
O sol está se pondo na hora que Seri me diz para ir para casa. — Vou precisar de você amanhã, então descanse um pouco.
Tento argumentar, mas ela comanda esta Árvore de Cura, e então eu saio, caminhando para o palácio, admirando as cores douradas no horizonte.
Uma árvore.
Um homem.
Uma corda.
Lars está pendurado em um galho ressequido, seu rosto pálido e azul, seu corpo imóvel. Eles o enforcaram. Quando ninguém estava olhando. Eles o mataram. E eu não pude fazer nada.
Nada.
Nada.
Como você pode trazer isso para nós? As vozes ecoam em minha mente. Você era nossa amiga! Você era nossa amiga e nos deixou morrer!
Afasto os pensamentos e subo na árvore, depois desato a corda. Pego o que restou de Lars e choro pelo que foi feito. E mais tarde, quando o sol se pôs e minhas lágrimas se foram, levo seu corpo para o palácio, para o quarto de Dean, e deito o corpo a seus pés. — Você dará a ele um enterro apropriado — digo. — Você dará a ele o respeito de um homem livre.
Então eu vou para a ala leste e encontro meus amigos.
Fico na porta do quarto, incerta se eu devo entrar, mas ambos olham para cima e sorriem para mim. — Oh querida — diz Es, meio acordada, deitada em uma cama branca com Pete ao seu lado. — Tive o sonho mais desagradável. Meu cabelo estava todo bagunçado.
Sorrio e atravesso a sala para abraçá-la.
E então eu conto tudo.
Desde o começo.
Sobre a minha morte.
Sobre o acordo que minha mãe fez para me salvar.
Sobre o acordo que fiz para salvá-la.
Ambos ficam mais abalados do que chocados com a história, talvez porque estão aqui em Inferna, vendo a verdade com seus próprios olhos.
— Você poderia ter nos contado — diz Pete, com os olhos frios. Ele me lembra de como Ace parecia quando descobriu que Fen tentou matar seu pai. E decido nunca esconder a verdade das pessoas com quem me importo novamente. Só espero que eu ainda tenha tempo para remediar o que passou.
— Tentei protegê-los deste mundo — digo. — Não quero que ninguém sacrifique sua vida, sua felicidade, para tentar me ajudar. Mas eu sei, agora, que eu deveria ter dito a vocês. Deveria ter deixado vocês tomarem sua própria decisão.
Pete concorda e então um calor entra em seus olhos que não vi desde que chegamos no Inferno. A tensão deixa seu corpo e ele começa a chorar.
E então eu o abraço.
E o seguro.
E nós três conversamos durante a noite, rindo sobre o passado, e lembrando como é bom ter amigos.
Capítulo 8
O PRIMEIRO
“Eu quero ser o rei. De todos os meus irmãos, eu acho que seria a melhor escolha. De todos nós, somente eu quero a paz. Só eu quero terminar esta guerra. E com você, eu sei que posso.”
— Asher
Dean faz como eu peço, e Fen me segura quando comparecemos ao funeral de Lars na manhã seguinte, Es e Pete ao meu lado. É um arranjo silencioso. Só nós cinco.
Mais tarde, Varis retoma meu treinamento.
Estudamos na biblioteca que eu encontrei, derramando sobre os livros. Varis me mostra um feitiço para traduzir a língua dos Fae para qualquer idioma que conheço, e começo a progredir rapidamente em minha leitura.
— A quantidade de conhecimento aqui é impressionante — diz o druida enquanto estuda as diferentes prateleiras e seu conteúdo. — Pensei que os vampiros teriam destruído tais volumes. Alguns deles foram perdidos até mesmo de Avakiri.
Penso nisso, grata pela distração dos feitiços matemáticos. — Os Príncipes do Inferno ainda confiam na magia para facilitar a vida. Eles têm Guardiões e outros que lançam feitiços. Estes Fae devem aprender de alguma forma.
Varis esfrega o queixo, estudando um volume particularmente poeirento. Ele parece encantado com a escrita. — Sim, eu acredito que você está certa. Suponho que sempre pensei que o conhecimento fosse transmitido oralmente, através do contar de histórias e lições.
— Geralmente é — diz uma nova voz. Dean está parado no corredor, sem camisa de novo, seus músculos brilhando sob o tom dourado das lanternas. Ele parece um deus entre seus domínios. Perfeito e poderoso.
— Meus irmãos queimaram a maioria dos textos Fae que encontraram — continua ele. — Mas eu não me separaria de tal conhecimento, tal beleza da linguagem. — Ele caminha e se serve de uma bebida na mesa. Ele me oferece uma, mas balanço a cabeça.
— Estamos estudando — diz Varis.
— E eu estou me oferecendo para tornar um pouco mais emocionante.
O druida balança a cabeça.
Eu suspiro e alcanço a bebida. — Por que não? Estudei o dia todo, e mesmo assim não aprendi nada para me ajudar a lutar.
Os olhos de Dean se arregalam e ele se vira para o druida. — O que você está ensinando a ela, velho?
— Velho o que...
— Yami precisa aprender combate, táticas. Você não precisa, Yami? — O dragão assente, lambendo os lábios para o nosso vinho. — Viu?
Varis suspira, parecendo muito velho. — Há princípios básicos a serem dominados primeiro.
Eu tomo um gole do vinho, aproveitando a doçura da bebida, e me asseguro de mantê-la longe do meu dragão rebelde. — Mas eu lutei com Yami antes. Uma vez, quando Oren quase me matou, Yami mudou, cresceu mais do que esta sala, e lutou contra Riku, o próprio Espírito do Fogo.
Varis se senta, fechando seu livro. — Espíritos podem reunir poder quando ameaçados. Mas é uma forma perigosa.
Zyra, sua coruja prateada que está sentada em uma prateleira próxima, concorda.
— Como podemos acessá-la? — pergunto.
— Você não pode. Não intencionalmente. Não, a menos que seja absolutamente necessário e despertada sozinha. Como o momento que você descreveu.
Eu gemo, fechando o livro de feitiços chatos diante de mim. — Deve haver um jeito.
— Não — diz Varis, sem pestanejar —, não há nenhum. — Ele olha para o livro em suas mãos. De volta para mim.
Estudo o volume. É preto como breu, com uma encadernação de couro exclusivo. Glifos Fae antigos decoram a lombada. — Isso parece interessante.
— Não é. Bem, não para você de qualquer maneira. É uma história do quinto Druida de Ar e é primariamente uma descrição de suas muitas reuniões políticas.
De alguma forma, eu simplesmente não acredito nele.
Varis clareia sua garganta. — É tarde. E hora de descansar. Estarei em meus aposentos caso precise de mim. — Ele levanta e deixa a biblioteca, Zyra em seu braço. Embora tente esconder, vejo o volume negro sob suas vestes.
Dean serve outra taça de vinho para mim. — Agora, que tal nós nos divertirmos um pouco?
Olho entre ele e o tomo matemático diante de mim. — É divertido.
* * *
Está escuro no momento em que saímos do palácio, Dean vestido com um colete preto, eu em minhas duas camadas de branco. — Devemos encontrar Fen? — digo.
Dean levanta uma sobrancelha. — E afastá-lo do treinamento?
— Certo. Fen prefere espadas... bem... a qualquer coisa.
— Então o deixe ter sua diversão enquanto nós temos a nossa. — Dean se curva e me oferece seu braço. — Venha, os jogos estão prestes a começar.
— Jogos?
— Você verá, princesa. — Seus olhos brilham de emoção. — E então, você desejará poder ficar para sempre.
Eu rio, pegando seu braço e deixando-o me acompanhar. No caminho, várias mulheres piscam e franzem os lábios para Dean, suas roupas delicadas revelando corpos perfeitos com pernas longas e pele lisa. — Venha me visitar mais tarde — dizem elas em vozes que me lembram da música. — E quem é a nova garota? Seguindo em frente, já?
Dean se dirige a cada uma delas pelo nome, prometendo... Visitá-las... Mais tarde. Se, claro, ele não estiver ocupado. Ele pisca para mim. E reviro os olhos. — Vejo que você é popular.
— Meu reino tem uma visão muito aberta da sexualidade — diz ele. — O foco é no prazer e consentimento, uma experiência benéfica para todas as partes. As coisas que algumas dessas mulheres podem fazer. Você deveria ver um dia.
— Hum. Não, obrigada. — Não tenho interesse em sua oferta, mas uma parte de mim gostaria que meu mundo fosse mais assim. Onde a mulher não tem que lutar com o consentimento e agressão ao longo da vida. Conheci algumas, no Roxy, que lutavam todos os dias para se protegerem de namorados abusivos e chefes desagradáveis. Isso as assustava. Talvez, se pudessem ter crescido aqui, as coisas seriam diferentes.
Deixamos as mulheres para trás e as ruas começam a se amontoar com mais pessoas, todas caminhando para um destino: uma arena de pelo menos dez andares, construída de pilares brancos cobertos de videiras roxas. Dean me escolta para o segundo nível, e o que parece ser o melhor assento, uma cabine privada, com vista para a área abaixo.
— As vantagens de ser um príncipe — diz ele, enquanto nos sentamos em um sofá luxuoso e escravos nos trazem uvas e vinho em pratos de prata. Odeio me beneficiar da injustiça, mas sei que não posso fazer nada ainda, então aceito a comida graciosamente, agradecendo aos Fae e me certificando de que eles saibam que são apreciados. Uma parte de mim quer resistir, recusar tudo o que me trazem, mas sei que isso os deixará mais preocupados do que felizes.
Colocando uma uva na minha boca, estudo a arena abaixo. É uma piscina de águas claras, salpicada de ilhas rochosas brancas. Um locutor chama: — E aqui está ela, senhores e senhoras, a inigualável campeã do Luar, a Dançarina das Ondas, Callisia!
A multidão, centenas de homens e mulheres e crianças, rugem em aplausos, fazendo o próprio sofá tremer embaixo de mim. A energia é inebriante, mas me preocupo com o que está prestes a acontecer. — Esses jogos não são de gladiadores, são? Onde as pessoas se matam? Porque, se é assim, não estou interessada.
Dean sorri e me dá uma piscadela. — Não se preocupe, Princesa. Isso é muito, muito mais interessante.
Eu franzo a testa, ainda cética, e volto minha atenção para a arena. Callisia entra através de um portão de aço, vestindo uma armadura preta que abraça suas curvas e revela suas pernas e abdômen. É claro... tão prático.
Ela salta de pedra em pedra, pulando mais do que qualquer ser humano mortal e, uma vez no centro, puxa um longo pano vermelho do cinto.
— E agora — diz o locutor, — o Ceifador!
De repente, um peixe gigante salta da água, sua boca larga e dentes afiados apontados para a Callisia. A artista se esquiva, seu pano vermelho flutuando atrás dela. O peixe cai de volta na água. Seu corpo lembra um tubarão, mas suas barbatanas são longas e largas, me fazendo pensar em uma arraia-manta.
Dean me cutuca. — Primeira vez vendo um Tubarão de Vento, hein?
— Sim — digo, meus olhos grudados em Callisia enquanto ela evita ataque após ataque, atraindo o tubarão com o tecido vermelho. Isso me lembra dos toureiros na Terra. Mas porque Callisia é uma vampira, ela evade e faz manobras de maneira que nenhum ser humano é capaz, saltando sobre a arena, torcendo e girando no céu, uma faixa de vermelho e preto.
— Eles vivem nos oceanos de Inferna — diz Dean, apontando para o Tubarão de Vento —, mas às vezes eles viajam rio acima, através dos rios. O fato de sobreviverem em água doce faz deles um dos predadores mais mortais da terra. Um vivo é vendido por uma fortuna.
Eu aceno, batendo palmas quando Callisia pula na água, depois volta, quando o tubarão morde os seus pés, mas nunca toca carne. O evento me enche de adrenalina, e mal fico no meu lugar.
— Isso não é divertido? — pergunta Dean.
— Há uma beleza nisso. E não posso nem imaginar a habilidade necessária para sobreviver. Imaginei algo muito mais bárbaro.
— Eu nunca deixo de surpreender. Que tal...
— Príncipe Dean! — Um jovem Shade corre para a cabine privada, ofegante. — Sinto muito sua graça, mas tenho uma notícia urgente — diz ele.
Dean se levanta, preocupação piscando em seus olhos. — Diga-me.
— A caravana do nordeste...
— Sim?
— Se foi, Vossa Graça. Corsários. Pegaram todos os bens e mataram todos, exceto alguns homens que escaparam.
— Mas essa é uma rota nova. De jeito nenhum eles poderiam saber... — Dean esfrega o queixo, seus olhos ficando sombrios. — Certifique-se de que as famílias daqueles que pereceram sejam providas. Agora vá.
O homem se curva e parte enquanto Dean se senta novamente, tremendo de raiva. — Parece que Fenris estava certo. Há um espião em meu reino. Como... Como eu poderia ter permitido isso?
Toco sua mão, na esperança de acalmá-lo. — Não se culpe. O espião pode ser alguém em um reino de milhares.
Ele balança a cabeça. — Somente aqueles com poder sabiam sobre a rota. E os Guardiões sabem mais do que a maioria.
— Meu queixo cai. — Baldar? Você acha que foi ele? Mas ele é tão gentil.
— E ele é um Fae. Um Fae que perdeu sua casa e família quando assumimos suas terras. Por que ele não me trairia?
— Apenas... Não faça nada que você se arrependa. Todo mundo é inocente até que se prove a culpa.
Ele ri. — Não é assim aqui, princesa. Embora talvez... talvez devesse ser. — Ele suspira e vejo alguma felicidade voltar ao seu rosto. — Muito bem, eu não vou punir ninguém ainda, mas ficarei de olho em Baldar e no resto dos meus servos.
Sorrio, deixando-o saber que eu aprovo.
Ele sorri, então parece desapontado. — Me desculpe, princesa, mas perdi o interesse no jogo. Talvez você me acompanhe em outro lugar?
Eu pisco, surpresa que o Príncipe da Luxúria poderia se cansar de algo tão emocionante quanto uma luta, particularmente uma envolvendo uma mulher em uma armadura sexy. Talvez ele seja mais complicado do que lhe dei crédito. — Claro.
Ele me acompanha para fora da arena, longe das multidões, e em um labirinto de arbustos e trepadeiras. — Vamos brincar de esconde-esconde? — pergunto enquanto Yami voa do meu ombro e olha em volta.
Dean sorri. — Por mais divertido que seja, não. O labirinto esconde algo mais precioso. — Ele me guia através de uma série de voltas até chegarmos a uma porta branca ornamentada. Nós entramos.
E em um bosque que eu não acreditava que pudesse existir.
Árvores gigantes, passando além das nuvens, cercam uma clareira de grama e flores. Estes são gigantes da natureza, bloqueando as estrelas, me fazendo parecer inconsequente em sua presença. Eu me pergunto se essas são as árvores de que Baldar falou. As florestas antigas que queimaram.
Dean me guia até o bosque e nos deitamos na grama macia que cheira a menta e mel. O príncipe pousa a mão em uma das árvores, acariciando a casca. — Quando meu pai invadiu esta terra, ele ateou fogo nas florestas e edifícios, queimou tudo em seu caminho até que a vitória era dele. De alguma forma, este bosque sobreviveu. Quando eu o descobri, decidi lutar por este reino como o meu.
Eu me inclino. — O que você quer dizer com lutar?
— Os sete reinos nem sempre foram assim. Após a invasão, a terra teve que ser dividida, e meus irmãos e eu fomos autorizados a escolher qual nós preferimos. Eu solicitei esta terra, por causa do bosque, por causa da beleza que permaneceu aqui. Niam falou sobre usá-la para madeira barata, Levi para queimá-la como um símbolo, mas eu não deixei. Estas árvores são mais do que casca e folhas. Elas são uma parte da história desta terra, uma parte de sua cultura, e isso deve ser protegido.
— Fen teria sido uma criança na época, não é? Então seu pai escolheu o reino por ele? — pergunto. Deveria ter sido uma fraude tão elaborada para todo mundo fingir que Fen foi um deles o tempo todo.
— O reino de Fen não existia na época — diz ele. — Era parte das Terras Distantes. Era selvagem, é por isso que seu reino fica à margem do nosso reino e é o mais desolado e indomável. O Castelo Principal era considerado um reino, e meu pai era o sétimo príncipe, a sétima maldição. Você não percebeu isso ainda? Fen não é amaldiçoado, não com o que somos. Há uma razão pela qual ele é o Príncipe da Guerra e não o Príncipe da Ira, como os sete pecados. Meu pai, o príncipe que se tornou rei, é o verdadeiro Príncipe da Ira.
Tenho muitas perguntas sobre Fen, seus irmãos e Lucian. — Então o que aconteceu quando você reivindicou este reino? — pergunto.
— Eu tinha certeza de que meu pai ficaria do lado de um dos meus irmãos, mas ele me surpreendeu. Embora tenha sido há milhares de anos, eu ainda lembro claramente. Eu me lembro de quando ele me contou a notícia. Ele agarrou meu ombro e disse: já não vivemos nos Jardins de Prata, eu nunca desejaria vê-los queimar, e então ele foi embora. Foi um dos poucos momentos, eu acho, que realmente nos entendemos. E por causa disso, eu nunca vou esquecer.
— É lindo — digo, apontando para a natureza ao nosso redor, este santuário privado, esse segredo.
Ele olha para cima, profundamente em meus olhos. — Não tão bonita quanto a mulher diante de mim.
Não posso evitar. Eu coro. Provavelmente apenas o vinho. — Por favor... Eu vi aquelas mulheres olhando para você na cidade. Eu sequer me comparo.
— Beleza está nos olhos de quem vê. Se eu alegar que a folha é perfeita em sua forma, quem pode dizer que estou errado? Se eu digo que a pedra me traz alegria, quem me questionará? Se eu confessar que você é a mulher mais incrível que eu já conheci, quem me fará mudar de ideia?
— Dean...
Ele se inclina. Mais próximo. Mais próximo. Até que nossos lábios quase se tocam. Seu perfume é doce e inebriante. Seu calor está consumindo.
Ele respira profundamente.
Ele se aproxima.
E então ele se afasta.
— Você está sob a influência da bebida — diz ele.
Eu estou. Tão bêbada que poderia ter deixado ele me beijar. Tão bêbada que é difícil pensar. — E?
— Se houver alguma coisa entre nós, você deve estar com a mente clara. Não desejo nenhum arrependimento para você.
Esta é a última coisa que eu esperava que o Príncipe da Luxúria dissesse. De muitas maneiras, Dean seria um rei melhor que seu irmão. Ele não se concentraria em lutar e acumular riqueza, mas em trazer alegria e conforto. Não é esse o sinal do grande governante? Alguém que poderia trazer uma era de ouro?
— Obrigada — digo. — Por ser um cavalheiro.
Ele sorri, embora eu veja em seus olhos que ele deseja que algo mais pudesse acontecer entre nós. Ele fica em pé e me oferece a mão para me ajudar. — Se você quiser, Princesa. Tenho mais uma surpresa.
Eu aceno e tomo seu braço.
Ele me guia para a periferia da cidade, para um túnel construído pelo homem. Levanto meu vestido, tentando impedi-lo de arrastar na lama. — Devo dizer. Você me surpreende mais uma vez. O que estamos fazendo?
— Os Fae viveram aqui por milênios antes de chegarmos, e quem sabe – talvez houvesse algo ainda mais velho. Eu vi coisas em minhas viagens, artefatos trazidos para meu museu, que não é nem Fae nem vampiro, mas relíquias de uma era antiga. Então tentei encontrar mais.
Nós descemos mais fundo no túnel, e fica mais quente quando tochas acendem luzes amarelas. Dean limpa a testa e tira a camisa. — Eu fiz meus servos procurarem por artefatos por anos. E algumas semanas atrás, eles descobriram isso.
Ele faz um gesto para eu parar, então pega uma tocha da parede e a mergulha em algum líquido preto. Óleo. Está em chamas, cruzando a escuridão, iluminando a caverna gigante a que chegamos.
Diante de nós, uma gigantesca porta de pedra estava aberta no centro. É verde-escura e coberta de glifos antigos. Isso lembra um Caminho de Pedra, e por um momento temo que Dean tenha descoberto Avakiri. Mas depois eu olho além da porta e vejo que ela não leva a um Caminho de Pedra, mas a um jardim. — Que lugar é este? — pergunto.
— Ainda não sei. Eu me impedi de explorar, esperando para que pudéssemos fazer isso juntos. Eu precisava de algo para impressionar a princesa. — Dean sorri e pega minha mão, me puxando pela porta.
E nós emergimos em uma ruína gigante, com tetos tão altos quanto o do palácio, as paredes ao nosso redor de pedras gastas cobertas de musgo verde. Telhas cobrem o chão, e uma fonte estéril está diante de nós, muito seca. Caminhamos, passando por portas e janelas cobertas de trepadeiras e árvores. Passando um lago sujo cheio de flores. E então eu os vejo.
As estátuas.
Cinco delas.
Altas e majestosas, esculpidas em pedra verde-esmeralda. Dois são homens. Três são mulheres. Cada um carregando um animal em seu ombro. — Os druidas — sussurro, percebendo em mim. — Estes são os Quatro Druidas e a Estrela da Meia-Noite.
Dean assente. — Esse deve ter sido algum tipo de templo. Um lugar para honrar os Selvagens. Olhe atrás deles. — Eu sigo Dean até um grande conjunto de escadas para uma parede gigante completamente coberta de texto antigo. — Você consegue ler?
Corro minha mão sobre os glifos e conjuro o encantamento para traduzir idiomas. A maioria das palavras muda, mas não todas. — Parece ser escrito em uma forma de Fae, mas não reconheço todos os caracteres. Essa língua deve ser antiga. Mais antiga do que qualquer coisa que eu já vi.
Dean sorri com alegria. — Você consegue ler alguma coisa?
— Sim — digo, estudando as marcas. — É o conto do Primeiro. É bem conhecido entre os Fae, mas esta versão é mais longa. Há detalhes que nunca ouvi. — Eu ouvi crianças cantarem o conto do Primeiro em Avakiri, mas nunca além disso. Eu me concentro na parede e continuo lendo.
— O Primeiro foi o primeiro da nossa espécie. Quando veio a este mundo, ele o encontrou devastado pelos elementos, em um estado de constante caos. No começo ele procurou combatê-los, mas mesmo ele não poderia conquistar a natureza, por isso o Primeiro domou os elementos, tomando seu poder dentro dele e equilibrando o mundo.
— Mas estava tão vazio.
— Então o Primeiro usou seu poder e criou outros à sua imagem. Os Fae.
— Ele lhes disse como viver, como ser feliz. E eles escutaram. Tão poderoso era o Primeiro, que suas palavras, seus pensamentos se tornaram deles.
— E o mundo era feliz, e ainda assim era triste. Estava cheio, e ainda assim vazio.
— Com o passar dos anos, apesar de todas as pessoas ao seu redor, o Primeiro tornou-se cada vez mais solitário. E em seu desespero, ele atraiu algo mais para este mundo.
— Escuridão. — Eu tremo antes de continuar.
— Um ser que atacou mundos fracos. Atacou Avakiri e Inferna, consumindo tudo em seu caminho. O Primeiro lutou contra a fera o melhor que pôde, usando os Fae como uma extensão de seu braço quando necessário, mas não conseguiu parar a Escuridão.
— Embora estivesse em toda parte, uma parte de todos, ele não podia se concentrar em todas as coisas. Foi quando o Primeiro percebeu, tornando tudo uma parte de si mesmo, que ele não criou nada. Ele havia esvaziado o mundo.
— E foi então que o Primeiro desistiu dos elementos. Ele não os liberou como antes, mas em vez disso deu cada elemento a um guardião, criando os quatro Selvagens.
— Com os poderes divididos, o Primeiro sentiu sua conexão com os Fae desaparecer, mas o que viu foi incrível. Eles começaram a desenvolver pensamentos e ideias próprias.
— Eles receberam o livre arbítrio.
— Agora, eles não lutavam como uma só mente, mas centenas de milhares, e juntos...
— Eles derrotaram a Escuridão.
— Foi então que perceberam que ela não poderia ser destruída, apenas vencida, e assim o Primeiro dominou a Escuridão como ele fez com os elementos, e fez um novo tipo de Selvagem, criando o primeiro Alto Fae.
— Os Druidas estavam ligados, para que o poder dos elementos pudesse manter a Escuridão à distância. E a Escuridão manteria os elementos no controle, os impediria de consumir o mundo em caos.
— Anos de paz se seguiram, felicidade e tristeza. Mas foram felicidade e tristeza criadas pelo livre arbítrio. E depois de muitas, muitas eras passadas, o Primeiro desistiu de seu governo e deixou o mundo, deixando seus filhos para ser verdadeiramente livres.
Eu tiro minha mão da parede, a história terminou.
Dean franze a testa. — Como isso é diferente do original?
Eu me viro para ele. — No conto comum, o Primeiro fica solitário, sim, e divide os elementos que criam o livre arbítrio, sim. No entanto, ele mantém uma conexão com todos, e assim manifesta Yami, que é tudo. E assim, o Primeiro se torna o primeiro Alto Fae. Eventualmente, ele se vai, e seus filhos, os próximos Alto Fae, continuam governando.
Dean levanta uma sobrancelha. — Então, se esse conto é verdade, então...
Olho para o dragão no meu ombro, suas escamas brilhando com estrelas. — Então há uma escuridão dentro de mim. Uma escuridão que pode consumir o mundo.
Dean percebe meu rosto sombrio e ri. — Não se dê muito crédito, Princesa. Eu, por enquanto, já destruí um mundo. Bem. Eu ajudei. Não há como saber se essa história é verdadeira. Se alguma delas é verdadeira.
— Você está certo — digo, suspirando, deixando a tensão escapar. — Esses contos provavelmente foram criados para explicar a criação e o começo da vida. No meu mundo, existem muitas religiões antigas que usaram histórias para explicar o que agora pode ser explicado pela ciência.
— Exatamente. — Ele estala os dedos e, por um momento, não dizemos nada. Então Dean sorri de maneira depreciativa. — Tenho uma confissão a fazer. Fui eu quem deixou Lopsi sair.
Levo minhas mãos para cima em choque. — Você libertou aquela criatura! Por quê?
Ele encolhe os ombros. — Eu precisava de uma maneira de levá-la ao meu reino. Era a única solução real.
Eu gemo, esfregando minhas têmporas. — As pessoas se machucaram. Alguém poderia ter sido morto.
— Mas não foram, não é? Ei, que tal focarmos em outra coisa? Como isso? — Dean aponta para algo na parede. Uma marca de mão coberta de espinhos.
Dou um passo à frente. — Eu sei o que é isso. Eu já vi o tipo.
— Bem, o que...
Antes que ele possa terminar, eu coloco minha mão nos espinhos, deixando meu sangue fluir para a pedra. Os glifos começam a brilhar em prata, e então a parede com a história começa a se abrir. Não é uma parede então. Uma porta.
E atrás dela há um pátio menor com um pedestal no centro. Em cima dele está um copo raso de ouro cheio de água clara.
Dean olha para o vaso, seus olhos se iluminando. — Isso não pode ser. Não pode.
— O que é? — pergunto, caminhando para o lado dele, e então eu vejo meu reflexo na água, e entendo.
Eu me vejo na água, de volta a Portland, em uma formatura. Minha graduação. Da escola de direito. Vejo Es e Pete me parabenizando. Vejo-nos ir jantar em um restaurante mais chique do que eu poderia pagar, e há alguém lá comigo. Um homem alto e bonito, sussurrando no meu ouvido. Eu rio do que quer que ele diga, e então nos beijamos.
Chego a tocar a água, agarrando as gotículas que passam pelos meus dedos, as imagens que parecem ser uma memória. Quase posso sentir...
Dean puxa minha mão. — Não toque na água. Dizem que se você fizer isso, você será levada para outra realidade, outra existência.
Pisco algumas vezes, e as visões começam a desaparecer. Começo a me sentir mais como eu mesma. — O que é isso?
Dean olha para a tigela. — Meu Guardião falou de tal coisa, embora até ele pensasse que era mito. O Espelho de Idis. Dizem que, no mais profundo de seu desespero, o Primeiro chorou, e suas lágrimas criaram um espelho, mostrando como as coisas poderiam ser se ele tivesse escolhido de forma diferente.
Então essa poderia ter sido a minha vida. Se eu nunca tivesse aceitado o contrato. Se tivesse seguido o caminho em que estava. Eu poderia ter sido uma advogada. Poderia estar segura e feliz com meus amigos. Eu poderia até me apaixonar.
Mas eu nunca poderia ter minha mãe.
Ela não estava na visão. Porque a alma dela ainda estaria presa. Presa por toda a eternidade.
Esse caminho se foi. Eu nunca poderei voltar.
Dean toca minha mão, me afastando dos meus pensamentos sombrios. Ele olha para mim, seus olhos cheios de tristeza que eu não vi antes. — O espelho — diz ele —, o espelho me mostrou o que teria acontecido se eu nunca tivesse deixado você partir. Se eu tivesse sido o primeiro como planejado. — Ele sorri, embora seus olhos se encham de lágrimas. — Nós poderíamos ter sido felizes. Mais felizes do que eu imaginava. Talvez ainda possamos. — Ele massageia minhas mãos com as suas, acariciando-as com o toque mais suave. — Eu sei o que quero, Arianna. Você sabe?
Eu recuo, deixando suas mãos caírem.
Porque eu não sei. Não sei o que eu quero.
Fen, porque ele me faz feliz.
Além disso, porque ele pode trazer a paz.
Dean, porque ele me lembra de que a vida pode ser emocionante.
Todos eles. Nenhum deles.
Mas devo escolher.
E minha escolha mudará o mundo inteiro.
Capítulo 9
LIBERTADO
Fenris Vane
“Posso ouvir Fen resmungando suas queixas. Eu as ignoro”.
— Arianna Spero
As minhas habilidades ficaram enferrujadas. Durante semanas fui torturado, açoitado e enjaulado. Agora eu empunho uma espada mais uma vez. Sinto o peso na palma da minha mão, o aperto de couro na minha pele. A lâmina é perfeitamente equilibrada, grossa e afiada para perfurar a armadura e o osso. Foi Kayla quem a fez. Ataco o alvo de madeira diante de mim, cortando o ar, dividindo o tronco ao meio. Eu me movo para um pilar de pedra. O sangue de vampiro percorrendo minhas veias me dá força, torna madeira e carne frágeis demais. A pedra vai lascar a minha lâmina, mas preciso de algo sólido para praticar, algo que não quebre com a força do meu poder. Eu me coloco as margens da grama macia, mudando os meus pés, golpeando a coluna. Acerto a pedra várias vezes e mudo minha técnica. Começo a parar minha lâmina assim que ela atinge meu alvo, praticando controle sobre força. Imagino um corpo onde o pilar está. Cabeça, tronco, pernas. Ataque. Ataque. Ataque. Aponto para onde as principais artérias estariam. Eu aponto para uma matança garantida.
O pátio de treinamento está quase vazio a esta hora da noite, mas alguns praticam nas sombras distantes. O cheiro de rosas e pêssegos trazidos pelo vento fazem cócegas no meu nariz enquanto enxugo o suor da testa. Flores brancas e vinhas verdes espalham-se pelas paredes ao redor do campo, polvilhando a escuridão com toques de luz. Não há um pátio de treinamento mais chique em todos os Sete Reinos, e eu me pergunto por que Dean mistura combates e beleza. A guerra é simples, brutal, desprovida de arte e, no entanto, meu irmão aborda os dois como se fosse o mesmo. Eu vi isso na maneira como ele luta, girando em um campo de batalha, pulando sobre seus inimigos, mais dançando do que lutando. Há elegância em sua técnica, mas tolice também. Várias vezes suas costas ficam expostas. Muitas vezes ele ataca com mais talento que velocidade. Vejo seus métodos nos outros praticando aqui. O Estilo da Rosa, eu os ouço chamar. Um nome tão suave para uma forma tão suave.
Apesar de tudo, começo a adotar sua postura. Na vertical, lâmina longe do corpo. Pernas dobradas ligeiramente e soltas. Eu giro, girando minha lâmina como uma tempestade, devastando o pilar de pedra. Eu pulo, me deixando exposto, mas cobrindo uma distância muito maior do que o habitual. Minha frequência cardíaca começa a subir. Há algum sentido para este método afinal de contas. Talvez eu nunca o use em batalha, mas será útil se alguma vez eu for lutar contra os soldados de Dean. Se alguma vez for forçado a lutar com meu irmão.
Corto a lâmina para a esquerda e para a direita, para cima e para baixo, como se fosse mais corda do que aço. O barulho e o clarão enchem o ar, mas, apesar de tudo, ainda o ouço deslizando pela grama.
— O que você quer, Varis?
Os passos do druida param. Ele está atrás de mim. Posso sentir o cheiro da pele em suas roupas, o cheiro de lugares distantes em sua pele. De Avakiri. Deve ser um mundo muito diferente do meu, uma visão a ser vista um dia. Se eu viver o suficiente para vê-la.
O druida fala suavemente, o vento agitando suas palavras. — Você é feroz com a lâmina, Príncipe de Guerra, mas cego para as outras forças em jogo. Cego para a terra e o vento. Cego para o calor e água em todas as coisas.
— Eu vejo o suficiente — digo, abaixando minha lâmina ao meu lado.
Ele se aproxima. — Deixe-me treinar você. Deixe-me fazer o que sua mãe não pode.
— Você a conhecia. — As palavras escorregam da minha língua. Não quero falar com o druida, não quero saber do seu caminho, mas anseio por aprender mais sobre ela. Mais sobre a mulher que assombra meus sonhos.
— Ela era minha mentora — diz Varis. — Minha amiga. Ela era a mais velha dos quatro Seres Selvagens. Nossa guia em paz e guerra. Eu teria dado a minha vida pela dela se tivesse a chance. Eu daria a minha vida por seu filho...
Suas palavras pairam no ar, espessas e carregadas entre nós. Este homem, ele me vê como mais do que um inimigo, mais do que um vampiro. Talvez até mais que Fae comum. Mas... eu sou um Príncipe do Inferno, e ele é apenas druida. — Não somos amigos.
— Não — diz Varis —, nós não somos. Mas isso não significa que não podemos cooperar, pela prosperidade, pela paz. — Ele faz uma pausa. — Seus poderes continuarão a crescer, e um dia, você perderá o controle. Quem sofrerá quando chegar a hora? Asher? Arianna?
— Eu sou como sempre fui. — É uma mentira. Eu sei. Algo dentro de mim tem se agitado nestes últimos dias, algo primitivo e escuro. Desliza na borda da minha mente, esconde-se ao lado do meu coração.
Ele se aproxima mais uma vez. — Eu já fui o mesmo, sabe. Era apenas um garoto quando o Espírito me escolheu. Eu tinha uma família, uma casa. Foi a sua mãe que chegou para me levar embora. Eu não iria embora com ela. Não deixaria a meus irmãos e irmã e mãe e pai. Não queria o dom que me foi concedido. Não queria o dever. Eu disse a sua mãe tudo isso.
Ele faz uma pausa. — Para minha surpresa, ela não me forçou, como eu ouvi dizer que muitas vezes era feito. Em vez disso, ela ficou na minha casa, fingiu que era pouco mais do que uma convidada de honra, e me permitiu ter minha rotina. Primeiro, eu me ressenti de sua presença, a desprezava como eu não sabia que podia. Ela era uma heroína, compreende, um herói do meu povo, e ainda assim era minha inimiga pessoal. Durante dias, eu não olhei para ela. Embora nós comêssemos juntos e ela compartilhasse palavras com minha mãe e meu pai, eu não falava, não lhe mostraria nenhuma gentileza até que ela me deixasse ficar. Mas, como todas as coisas, com o passar do tempo, minha resistência murchava.
— Comecei a sorrir de suas piadas. Rir quando seu espírito lobo lambia meu rosto. Uma vez, até compartilhei minha refeição com ela. Foi no dia seguinte, quando aconteceu. Minha irmã e eu estávamos brincando de Velho Poço Willow. Alguns garotos da aldeia, mais velhos e maiores do que nós, vieram para jogar do seu próprio jeito. Eles esmagaram meu rosto contra o poço de pedra. Um deles me segurou, porque eu era um garotinho naquela época. O outro estendeu suas mãos para minha irmã. Ela era jovem, uma garotinha, mas isso não o impediu de passar as mãos sobre ela. Uma escuridão me encheu então. Primitiva e com fome. Eu já havia sentido isso, como ódio por Lianna, sua mãe, mas agora se transformava em raiva. Derramou-se de mim como um rio de sangue e gelo, e o vento se inclinou em sua esteira. Ele rasgou o ar como uma onda, derrubando os garotos, jogando-os contra a árvore e a pedra. Ele atingiu minha irmã. Ela caiu para trás. Para trás. No poço.
— Os gritos ainda assombram meus sonhos. Seu rosto ensanguentado ainda marca meus pesadelos. Foi Lianna que nos encontrou, que salvou minha pobre irmã. A menina ainda vivia, mas a cabeça dela foi esmagada perto do topo, como uma maçã. Lianna tentou curá-la, mas até mesmo o poder dos Espíritos não foi suficiente. E depois de alguns dias, ficou claro que minha irmã nunca mais seria a mesma. Foi então que fui embora com sua mãe. Foi então que comecei meu treinamento. Nunca mais perderia o controle, entende? E nunca mais perdi.
Meu coração acelera com as palavras dele. Sua história flui pela minha mente e, em vez dele, me vejo brincando no poço, em vez de sua irmã, vejo Kayla. E quando ela cai. Quando o crânio dela desmorona e muda, vejo Arianna.
Largo minha espada. É apenas o esgotamento do meu treinamento, digo a mim mesmo. Apenas a fadiga.
Varis se afasta. — Quando estiver pronto, eu estarei aqui para você. Sempre. — Ele começa a andar, escorregar para as sombras.
Pela primeira vez, eu o enfrento. — Você o ama?
Ele para, choque em sua voz. — Quem?
— Asher. Você o ama? Porque ele merece ser amado. Mesmo que seja por um Druida Fae.
Varis encontra o meu olhar. Há certeza em seus olhos. — Eu amo.
Eu aceno. Minha bênção de certa forma.
— Como você soube? — pergunta ele. — Você ainda não havia nascido quando Asher e eu nos conhecemos.
— Depois que a Estrela da Meia-Noite caiu, ainda faltava anos para todos os Druidas dormirem. Eu me lembro de uma noite, quando minha mãe... minha Rainha me levou para visitar o reino de Asher. Após uma noite de festa, notei meu irmão saindo. Na cobertura da escuridão. Eu era um menino curioso, e então eu segui. É estranho. É só agora, em minhas memórias, que sou um garoto. Antes, eu era como sou agora. Mas agora eu vejo a verdade. Eu era um garoto. E queria ver onde meu irmão mais velho estava indo no meio da noite. Então fiquei nas sombras, seguindo-o pelo castelo, para a floresta. Lá, ele encontrou você. Você não falou por muito tempo, e embora eu não pudesse ouvir o que você dizia, eu sabia que era uma forma de despedida.
Varis sorri, um brilho nos olhos. — Aquela foi a noite antes de eu voltar para o sono. Asher e eu éramos inimigos até então, mas eu precisava vê-lo uma última vez.
— E o que vocês são agora? — pergunto.
Ele encolhe os ombros. — Não sei. Lutei pelos Fae. Ele lutou pelos vampiros.
— Mas você lutou com Oren. Você protegeu Arianna e eu.
— Sim, mas isso é suficiente? Asher e eu não falamos desde antes da batalha. Sua mente e coração são seus próprios. E eu não sei se algum dia os reconquistarei.
Sorrio. — Talvez se você usar um terno. Talvez se deixar crescer um pouco de cabelo.
Varis passa a mão sobre a cabeça careca e as tatuagens prateadas ali. Ele ri. — Talvez. Os tempos estão mudando. Talvez nós, druidas, possamos ter uma aparência diferente. Mas há vantagens. Meu cabelo nunca bloqueia minha visão em uma briga. Você deveria tentar isso algum dia...
— Eu não vou me barbear.
— Mas é tradição para um Druida...
— Nunca.
— Mas simboliza os Espíritos eternos e...
— Fique quieto ou meu punho simbolizará a dor eterna.
Nós dois rimos.
— O que eu perdi? — Dean sai das sombras, sem camisa, com uma espada pendurada em seu cinto.
Sorrio. — Só as piadas que estávamos fazendo às suas custas. Seus lutadores, eu vi crianças Fae com mais força.
Dean estuda os homens treinando em seu quintal. — Você tem razão.
Varis inclina a cabeça ligeiramente. — Vejo vocês mais tarde. Isto é, se suas tendências vampíricas não assumirem e vocês matarem um ao outro primeiro. — Com isso, ele sai, retornando ao palácio.
Dean joga uma bolsa de couro em mim e eu a pego. Ele sorri. — Pronto para voltar para Stonehill?
Coloco meus dedos na boca e assobio. Depois de um momento, Barão corre do palácio, caindo no meu lado. Ele mostra os dentes para Dean, rosnando.
E eu sorrio. — Pronto.
Juntos, saímos do palácio, brincando e rindo, mas algo me incomoda. Nunca assobiei para Barão de tão longe e ele me dera atenção. Nosso vínculo está crescendo. Algo em mim está mudando. Eu me lembro do conto que Varis me contou, e estremeço pelo que está por vir.
* * *
Eu me despeço de Arianna, e então Dean e eu discutimos sobre ir de barco ou cavalo. Meu irmão espera o conforto de sua barcaça, mas argumento que os corcéis seriam mais rápidos. Eventualmente, ele cede e nós escolhemos dois cavalos dos estábulos e partimos para a noite. O sol começa a se levantar antes de diminuirmos nosso ritmo, permitindo que nossos animais descansem. Barão mantém o ritmo comigo.
— Você está usando a ilusão de novo — digo.
Dean balança a cabeça, ajustando o capuz preto sobre o rosto. — Como você sabe?
Apenas sei. Outra coisa que eu não podia fazer antes. Meu irmão e eu usamos capas, a sua de couro preto, a minha de couro claro. Devemos parecer viajantes, provavelmente nobreza, a julgar pelos nossos cavalos e espadas, mas não muito importante. Pessoas importantes estariam em uma barcaça, afinal de contas. Barão apareceria como um cachorro preto para qualquer um que aparecesse. Um estranho companheiro, mas não inédito nessas terras.
Quando não respondo, Dean encolhe os ombros. — Você me assusta às vezes, sabe. As coisas que você pode fazer. Não é como o resto de nós.
Sorrio. — Dizendo que eu faço você cagar as calças?
— Não... mas não sei se Levi pode dizer o mesmo.
— Você faz parte do conselho desde que Arianna e eu escapamos. Diga, como os outros estão?
Dean inclina a cabeça para o lado, sorrindo de orelha a orelha. — Oh, você deveria ver as reuniões. Que entretenimento maravilhoso elas são. Niam e Levi brigam por Stonehill como um casal de velhos. Levi controla o castelo, sem dúvida, e assim sua renda aumentou. Nosso pobre irmão ganancioso Niam simplesmente não suporta o pensamento. Ele está tentando dividir os lucros, oferecer sua consultoria e mão de obra em troca.
— Deixe-me adivinhar... Levi não se importa com a ajuda dele?
— Levi não se importa com nenhum de nós. Oh, todo mundo falou de governar seu próprio reino em contentamento, mas que pilha de merda que acabou por ser. Todo mundo quer ser rei. E agora que Arianna está fora de cena, eles estão tentando descobrir como fazê-lo com o máximo de traição e o mínimo de honra.
Levanto uma sobrancelha. — Até Zeb? Sempre o imaginei desinteressado em política. Mais preocupado com comida e vinho.
Dean franze a testa, seus olhos ficando escuros. — Eu sei que você sempre gostou dele, mas não subestime o seu querido irmão. Há uma escuridão nele. Eu vi durante a invasão, quando ele liderou as linhas de frente contra os Fae na batalha. Ele dividiu os homens com suas próprias mãos, fez pior para as mulheres.
— Nenhum de nós é inocente — digo.
Ele afasta o olhar, vergonha no rosto. — Não. Suponho que nenhum de nós seja.
Um momento. — O que diz de Ace?
— Não está claro — diz Dean. — Ele está mais frio que o normal. Mais agressivo. Até onde eu sei, ele está tentando se manter neutro, mas é difícil nesses momentos. Eu acho que quando você falou em matar nosso pai, ele levou isso como uma traição. Mais do que Arianna ser Fae. Mais do que você ser um druida.
Eu suspiro, o peso de arrependimentos me ataca. — Ele me ajudou a procurar pelo assassino de nosso pai. Eu não queria, mas também não consegui recusar a ajuda dele.
Dean concorda. E então ele pergunta o que eu temia. — É verdade? Você realmente matou o nosso pai?
— Não — digo, estudando seus olhos, olhando para ver se ele acredita em mim. Seu olhar é duro, inflexível, então eu continuo. — Eu não matei Lucian. Mas eu o droguei. Ele falou comigo de libertar todos os Fae, de fazer deles iguais. Não soava como ele, e não soava possível sem destruir nosso modo de vida. Então eu o droguei, com a intenção de contê-lo, ver se seu estado de espírito voltaria ao normal. No entanto, ele não ficou inconsciente; em vez disso, seus sintomas eram os da morte.
— Sintomas?
Eu aceno. — Nosso pai está vivo. Descobri mais tarde com Asher e Arianna também, nosso pai tomou uma poção para falsificar sua morte. Então ele fugiu até os Fae, com quem tem uma aliança. Juntos, eles planejam trazer os Fae ao poder mais uma vez, para restaurar o equilíbrio entre o nosso povo.
Dean franze a testa, mordendo o lábio. — Mas por que fingir sua morte, por que renunciar a coroa? Por que não ser o Rei Vampiro I, o apoiador Fae?
— Arianna — digo, seu nome aquecendo meu sangue.
— Ah, claro. Quando ele desistiu do trono, o contrato de sua vontade entrou em vigor. Então nós fizemos o resto, trazendo Arianna para este mundo. Com o retorno da Estrela da Meia-Noite, os druidas despertaram e os Fae aumentaram eu poder. Nosso pai é verdadeiramente um gênio. Um louco, mas um gênio. Ainda assim... — Ele olha para o horizonte, onde as pontas de Stonehill começam a aparecer. — Por que a mudança de decisão? Por que se importar com os Fae?
— Arianna me disse que não. Há algum outro jogo que ele joga. Um que exige que os Fae ganhem força total.
Dean ri, batendo na coxa. — Agora isso soa como um bom e velho pai.
Vejo em seus olhos que ele acredita em mim. Isso é bom. Precisarei de todos os aliados que puder reunir nos próximos dias. — Então, qual é a sua posição pública no conselho? — pergunto.
— Publicamente, eu apoio caçá-lo e enfiar sua cabeça em uma lança. — Ele pisca — Mas eu só quero que Arianna me escolha como o novo rei para que todos possam parar de agir como bebês e apenas me deixar governar. — Ele ri, e sei que ele quer que suas palavras saiam como uma piada, mas há verdade nelas que ele não pode esconder.
— Arianna... — digo, a realidade difícil de reunir. — Arianna não vai me escolher. Não quero ser rei, e agora que Inferna sabe que eu tenho sangue Fae, eles também não irão querer isso.
Dean ri. — Por favor, nada disso importa para Arianna. Maldição, o sangue Fae pode até ser um privilégio. Bastardo sortudo.
Eu sei que ele procura me animar, mas isso não muda a verdade. Arianna deve escolher outra pessoa. Alguém que salvará este mundo.
Por um tempo, nós não falamos, ouço o barulho da neve sob os cascos, os pássaros invernais cantando nas árvores. Com o tempo, homens e mulheres começam a aparecer na estrada enlameada, a maioria vestindo trapos e carregando bolsas. Eles viajam na direção contrária a nossa, longe de Stonehill e seus muros. — Exatamente o êxodo — observa Dean, quando uma mulher que evita seu cavalo. — Pessoalmente, espero que eles estejam indo para o meu reino. Exceto aquele. Todos parecem chatos.
— Mantenha a voz baixa — digo, acelerando o meu cavalo. — Para essas pessoas, você não tem um reino. Você não tem um trono. Para eles você é apenas um viajante. Vamos manter assim, tudo bem?
— Muito bem. Talvez nós precisemos de codinomes então. — Dean sorri, ideias brincando em seus olhos. — Eu serei Garupa. E você pode ser... Despejo.
Eu tremo. — Às vezes, eu me pergunto se você entende as coisas que diz.
— O quê? — Ele recua, parecendo chocado. — Algo errado com os nomes?
— Tudo, querido irmão. Tudo.
Os portões começam a aparecer à nossa frente. Muitos deixam a cidade à frente, mas alguns tentam entrar também. Um Shade envolto em vestes azuis e joias cobertas com rubis e diamantes é interrompido em seu caminho por um guarda. O soldado não é um que eu reconheça, nenhum dos meus homens, embora ele use minhas cores vermelhas. — Nenhum Fae é permitido na cidade — diz ele, levantando uma lança.
— Desculpe-me, mas o vampiro corre pelo meu sangue — diz o Shade, sua fala de alta nobreza.
O guarda cospe nos pés do homem. — Meio Fae, todos Fae. Vire-se e vá embora antes que eu faça você ir.
Meu estômago revira com a cena diante de mim. Meu sangue ferve. Este não é o jeito de Stonehill. O jeito do meu povo. Pego minha espada, mas Dean segura minha mão. Ele balança a cabeça em advertência.
Aperto meu queixo, mas não faço nada quando o guarda chuta o Shade para a lama. Repetidamente. Depois de um momento, o homem nobre finalmente rasteja de joelhos e se afasta do portão.
Quando o homem passa por nós, eu movimento para ele, e coloco uma moeda em suas mãos. — Para a jornada à frente — digo.
— Obrigado — diz ele. — Estou feliz que há alguns que ainda respeitam os nossos caminhos. — E então ele desaparece na massa de pessoas na estrada.
Dean inclina-se para mais perto. — Eu vejo que a princesa está amolecendo você, querido irmão. Espero que ela não o torne muito mole.
Grunhindo, desmonto e conduzo meu cavalo. O guarda de vermelho também nos impede.
— Que negócios você tem aqui? — pergunta ele.
— Voltando para casa — digo, mostrando minhas presas enquanto falo.
O homem parece cético, mordendo seu lábio, e então Dean entra em sintonia. — Carregando bens do reino do Príncipe Levi. — Ele aponta para os pacotes de suprimentos em nossos cavalos. — Para o evento.
O homem parece satisfeito, e com um aceno de cabeça, ele nos deixa entrar.
— Que evento? — sussurro.
— Algo que Levi está planejando hoje — diz Dean suavemente. — Ele não me conta os detalhes.
De fato parece haver algo acontecendo. As ruas estão cheias de pessoas jovens e velhas. A maioria é vampira. Os poucos Fae que eu vejo seguem seus mestres, carregando suprimentos ou comida. Não vejo Shades até chegarmos à praça central.
Lá, uma dúzia de homens e mulheres em pilares de madeira, seus braços e pernas pregados na madeira. Sua cor de cabelo varia do azul ao vermelho e ao verde como os Fae, mas seus dentes são os dos vampiros, o sangue de ambos.
— Aquele monstro — assobio, tentando imaginar que tipo de loucura obriga Levi a agir assim.
Uma das mulheres geme e percebo que ela ainda vive. Ela foi pendurada aqui para sangrar até a morte.
Eu corro, desembainhando minha adaga.
Dean grita atrás de mim. — O que você está fazendo?
Desta vez, não atendo seu aviso. Desta vez não posso. Eu pulo no ar, agarrando o pilar de madeira e cortando as cordas que seguram a mulher. Puxo os pregos dos seus membros. Ela sequer grita, tão fraca que está. Ela cai nos meus braços. — Obrigada — sussurra ela, com a boca manchada de sangue. Deito-a no chão de pedra e viro para Dean.
— Água.
Ele joga um odre e despejo o líquido na garganta da mulher. Depois, molho uma parte do manto e lavo delicadamente as manchas carmesins no rosto e nos braços. Ao meu redor, a cidade fica quieta. Como se toda a vida tivesse parado em respeito a este único momento de ternura. Muitos se reuniram para assistir em silêncio. Suspeito ser por causa do que eu fiz para libertá-la. Eu estou errado.
— Quem ousa desobedecer a minha vontade?
Reconheço a voz em um instante. Levi.
Eu me levanto, deixando a mulher sentada contra os degraus de pedra, e enfrento meu irmão traiçoeiro. Ele está de pé, envolto em um manto de vermelho e dourado, entre a companhia de uma dúzia de homens. Sua armadura brilha ao sol e o rubi no punho de sua espada fala da riqueza recém-descoberta. Seu longo cabelo branco ondula ao vento. Seu rosto se contorce de raiva.
Dou um passo à frente, até que estamos a poucos metros de distância. — A mulher é uma Shade. Não parecia adequado tratá-la como Fae.
Levi me estuda, sem dúvida ele pode me reconhecer. Mas a ilusão se mantém e ele parece frustrado. — Talvez você não saiba a quem se dirige — diz ele, com a voz cheia de falsa gentileza. — Eu sou novo nessas terras afinal de contas.
Não digo nada. Não faço nada. Ele não sentirá satisfação de mim.
Levi suspira, desapontado por eu ainda não ter percebido sua importância. — Você se dirige ao Príncipe Levi, Lorde de Stonehill e do Castelo Vermelho.
Eu sei que ele espera que eu fique chocado. Que me ajoelhe e peça perdão.
Dou de ombros. — Ouvi que Fenris Vane é o Lorde de Stonehill.
Os olhos de Levi quase saltam. — Você é um tolo. Você...
— Por favor, sua graça — diz Dean, entrando na minha frente. — Meu irmão e eu chegamos recentemente de longe. As terras de nosso Príncipe Zeb. Temos viajado por dias, e notícias tão recentes ainda não chegaram aos nossos ouvidos.
Levi acena, como se isso explicasse o meu comportamento. — Então você sabe melhor — diz ele, dirigindo-se não só a mim, mas à multidão de centenas. — Agora eu sou o governante dessas terras. Todos os Shades dentro da cidade são traidores, cúmplices nos ataques a Stonehill. Eles devem ser punidos como Fae e nada mais. Todos os escravos devem manter o novo toque de recolher, e se forem pegos sem um selo escrito de seu mestre, serão chicoteados.
Ele encontra meus olhos mais uma vez. — Eu vou te perdoar uma vez. Mas não de novo, entendido?
Não posso dizer as palavras, então eu aceno.
Parece suficiente para Levi, porque ele se dirige à multidão mais uma vez. Desta vez, sua voz é estranhamente alta, amplificada pela magia. — Povo de Stonehill, todos nós nos reunimos aqui hoje para um propósito. Para testemunhar a punição daqueles que nos ofenderam, nos traíram, nos enganaram. — Ele aponta para o castelo e os gigantes portões de pedra se abrem. Uma companhia de guardas lidera dois prisioneiros do lado de fora. Na frente está uma mulher. Seu cabelo preto e azul. Seus olhos verdes. Suas orelhas estão compridas.
Não pode ser...
Dou um passo a frente, mas Dean segura meu braço. Ele sussurra no meu ouvido. — Não é ela, irmão. Não é Arianna.
Estudo a mulher novamente. O rosto dela. Os olhos dela. Eles são de Arianna. São da mulher que eu amo. Mas não pode ser. Ela está segura. Está no palácio. Olho novamente, e quando ela se aproxima, eu vejo os detalhes que não percebi antes. Uma mecha de cabelo roxa onde deveria ser azul. Uma sarda onde não deveria haver nenhuma. É uma ilusão. Bem feita. Mas quem lançou o feitiço não conhecia Arianna tão intimamente como eu.
Examino a multidão e, atrás da comitiva de homens de Levi, vejo um rosto familiar, suave, mas sábio, barbudo e branco. Kal. Seus olhos estão afundados e escuros. Sua postura caída e fraca. Suas vestes brancas são longas, mas nem mesmo elas cobrem os hematomas roxos em suas mãos. Ele foi forçado a usar essa magia. Forçado a ajudar Levi.
Volto meu olhar para os impostores. O homem atrás de Arianna, o homem que deveria ser eu, é ainda melhor em sua falsidade. Seu espesso cabelo castanho é igual ao meu, seus olhos e nariz são meus. Até os músculos do corpo sem camisa combinam com os meus. Kal me conhecia bem, me orientou desde que eu era jovem. Deve ter sido fácil para ele me recriar e, ao mesmo tempo, insuportável.
Busco um palco suspenso, a punição tradicional para criminosos, mas não vejo nenhum. Em vez disso, os imitadores são levados a um bloco de madeira. A mulher é empurrada de joelhos, forçada a encostar a cabeça na laje. Mesmo à distância, vejo as lágrimas nos olhos dela. Lágrimas reais de uma pessoa real. Não sei quem são. Fae ou vampiro, inocente ou culpado, mas sinto o medo dentro de mim. Sinto o medo do destino vindouro.
Levi caminha até o bloco e tira sua grande espada de prata. Eu percebo que ele mesmo pretende fazer isso. Ele quer que o mundo saiba que ele pessoalmente matou a Estrela da Meia-Noite e o Príncipe da Guerra. — Olhem para a mulher que mentiu para você, a mulher que fingiu ser a princesa quando na verdade ela é princesa deles, tramando com os Fae para levar suas próprias casas.
As pessoas começam a gritar, xingar e jogar o que podem na mulher que eles acham que é Arianna. Eles a adoraram. Como isso poderia ser possível?
— Olhe ao redor — diz Dean. — Estas não são pessoas de Stonehill. São homens de Levi, vieram do reino dele. — Eu faço o que ele diz, olhando ao redor. Meu irmão está certo. Há poucos rostos familiares, e são aqueles que ficam em silêncio.
Dean parece ter lido meus pensamentos. Minha raiva deve estar no meu rosto.
— Hoje — continua Levi —, eu mato a Estrela da Meia-Noite. Hoje, eu termino a guerra para sempre. — Ele abaixa a espada.
E corta a cabeça da mulher.
Ela desce os degraus, manchando-os com sangue e cai perto dos meus pés. Não vejo isso. Não desejo ver o rosto de Arianna arrancado de seu corpo. Posso atacar Levi se o fizer.
Em seguida, os guardas forçam o homem a se ajoelhar.
Levi sorri. — Aqui está aquele que vocês pensaram ser seu príncipe. Aquele que vocês pensaram ser vampiro. Em vez disso, ele é Fae. É druida. Por milênios, ele enganou vocês. Por milênios, ele usou vocês. Agora, a farsa dele acabou. Agora, o reinado do Príncipe Levi começa. — Ele abaixa a espada e Fenris Vane não existe mais. Para o mundo, ele está morto.
Levi desce os degraus, sorrindo como um tolo, até ficar diante de mim. — Veja, eu governo Stonehill agora. Diga tudo o que você vê. Levi é o Príncipe da Guerra.
Eu aceno, encontrando seus olhos. Eu sei que ele olhará sinceramente, mas está cheio de ódio. Barão avança, mostrando os dentes.
E Levi recua. Em seu rosto, vejo que ele não entende por que o cachorro o assusta tanto. Mas eu sei. Eu sei que Fenris Vane retornará. E que, um dia, Levi encontrará sua própria cabeça sobre o bloco.
* * *
A multidão se dispersa rapidamente quando Levi retorna ao castelo. Alguns de seus homens ficam para pregar a mulher no pilar, a mulher que eu libertei. Não faço nada para detê-los, embora por dentro eu esteja furioso. É preciso muita força para não lutar contra eles. Eu posso matar dezenas. Mas não posso matar todos os soldados na cidade.
Dean se agacha, estudando a cabeça falsa com cabelo azul e preto.
— O conselho aprovou isso? — pergunto
— Não. — Dean balança a cabeça, sem alegria nele. — Como eu disse, Levi não compartilhou seus planos.
Mantenho minha voz baixa. — Como ele pretende responder quando as pessoas perceberem que Arianna e eu ainda vivemos?
— Você acha que ele pensou muito à frente. — Dean faz uma pausa. — Talvez afirme que você está usando a ilusão para personificá-los. As pessoas acreditarão em qualquer coisa que torne a vida mais simples.
Eu grunho. Esqueço o quão simples pode ser o povo comum, mas tenho visto que é verdade. Um discurso enlouquece centenas, uma mentira muda a mente de milhares e, uma vez que são seduzidos pelo medo e por um charlatão carismático que se alimenta de seus instintos mais básicos, nenhum fato, verdade ou realidade os abalará de sua loucura.
— Você ouviu falar de Asher? — sussurro. — Ele planeja lutar contra isso?
— Se planeja, ele não compartilhou comigo. — Dean se levanta, tirando a poeira da capa preta. — Ele não apoia Levi, no entanto, isso está claro. Ele tentará expor isso pela farsa que é.
Eu aceno, e então percebo um homem se aproximando de nós. Seu manto é cinza, rasgado e cobre o rosto. Ele mantém a cabeça abaixada, sua identidade escondida. Ele escova meu ombro. — O Príncipe da Guerra ainda vive — diz ele. Então ele para, em silêncio, e percebo que ele está esperando por uma resposta.
— O Príncipe da Guerra ainda vive — digo.
O homem concorda. — Vá até a Hospedaria Mare Sangrenta. Diga ao homem o que você acabou de me dizer e que o sangue o abençoe. — Ele se afasta então, deslizando por um beco.
— Bem, devemos ir? — pergunta a Dean. — Parece divertido.
— Ou uma armadilha.
— Ninguém sabe quem nós somos...
— Uma armadilha para aqueles que ainda apoiam Fenris Vane, não importa quem sejam.
Dean faz uma pausa. — Oh, verdade. Bem, se é uma armadilha em alguma pousada decadente, nós apenas lutaremos nosso caminho. Não poderíamos fazer isso aqui, ao ar livre, mas poderíamos fazê-lo lá.
Eu assinto e, em seguida, levo Dean para a pousada. Ainda é cedo, mas as nuvens ficam escuras com uma tempestade que se aproxima e a chuva começa a cair. O Mare Sangrenta fica na parte mais antiga da cidade, o canto podre da parede onde mendigos e prostitutas moram e bandidos praticam seu ofício. Eu me certifico de que meu manto não cubra minha lâmina para manter a fome e o desespero longe. As pessoas se transformam em feras quando todas as coisas humanas são tiradas delas. E não as culpo.
Um homem e uma mulher brigam por um beco. No começo, acho que é uma briga, mas depois vejo o sangue no pescoço dela. Ele está se alimentando dela. Eu corro e enfio meu punho no intestino do vampiro. A mulher, uma humana com pele pálida e olhos escuros, recua. No começo eu não sei por que, mas então eu vejo. Ela tem medo de mim. Ainda mais do que dele. Ela acha que eu bati nele para que eu possa levá-la para mim. O próprio pensamento me enoja. — Saia. Vocês dois. — Enquanto o homem se afasta, eu me viro para a mulher.
— Vá para algum lugar seguro. Nem todos se esqueceram do jeito que as coisas eram. Logo Stonehill será novamente um lugar de paz.
Ela assente, embora eu possa ver em seus olhos que ela não acredita em mim. Então ela corre.
Dean coloca a mão no meu ombro. — Não se culpe, irmão. Isso é o que Levi está fazendo.
— É o meu fracasso que lhe dá o poder. — Eu olho para longe, o sangue humano na lama puxando meus sentidos. Eu proibi a alimentação humana em Stonehill por muito tempo. E Levi profanou até mesmo isso.
Antes da atração do sangue ficar mais forte, eu continuo, e alcanço a estalagem, onde um sinal com uma égua vermelha está pendurado.
Bato na porta assim que o céu se torna escuro e o trovão cai. Alguém abre uma fenda na madeira. — Estamos fechados — diz um homem. — Estamos fazendo reparos.
Eu me inclino e falo baixinho. — Fenris Vane ainda vive.
O homem fecha a fenda na porta. Então o metal range quando uma fechadura é aberta e a estalagem se abre. — Bem vindos, irmãos. Bem-vindos! — O homem me abraça tão forte que minha espinha estala, e vejo que ele é ainda maior do que eu. — Eu sou Bolsten — diz ele. Então gesticula para o resto da pousada, uma coleção de homens e mulheres, alguns vampiros, alguns Shade, bebendo e fumando na luz fraca lançada por tochas. — Aqui estão todos que não apoiam esse filho da puta-mentiroso do Levi.
Dean levanta um dedo. — Se Levi nasceu de uma prostituta, o que isso faz de seus irmãos?
Bolsten balança a cabeça. — De jeito nenhum Levi e os outros príncipes compartilham uma mãe. De nenhuma maldita maneira.
Não posso deixar de sorrir. — Acredito que você está certo, meu amigo. Acredito que você está mais certo do que pensa. — Bolsten sorri e dá um passo para o lado, e Dean e eu sentamos no bar. Meu irmão pede bebidas.
O líquido está cheio de sangue, álcool e algo doce. Eu normalmente não partilho bebida, mas depois de hoje? Para o inferno com isso.
Depois de um tempo, o álcool começa a fazer efeito, e começo a me misturar mais do que eu normalmente faria. Isso não parece uma armadilha, pois uma armadilha já teria surgido. Bebo um pouco mais e ouço os outros.
— Não posso acreditar que eles mataram o príncipe — diz Mary, uma mulher idosa que já foi humana, mas foi transformada muitas centenas de anos atrás.
— Não, eles não mataram — diz Roke, um Shade alto e magro que serve as bebidas. — Eu conheci o príncipe. Ele é muito mais alto do que aquele sujeito que foi decapitado.
— E onde estava seu lobo? — diz Veni, uma garota Shade com cabelo verde brilhante, fumando um cachimbo no canto. — Todo mundo sabe que ele nunca vai a lugar nenhum sem seu lobo.
— Enganação — diz Bolsten, o vampiro gigante. — É truque de mágica. O Guardião sempre foi leal, ele é. Mas se você andar perto o suficiente de Stonehill, ainda pode ouvir os gritos.
Agarro minha caneca com mais força, rezando para que eu possa fazer algo para aliviar a dor de Kal. Em breve. Logo eu vou. Levanto para beber. — Fenris Vane voltará — digo. — E nesse dia, os próprios cães do inferno cavalgarão nos calcanhares deles.
Todos na estalagem jogam suas cabeças para trás e uiva. — Sim — diz Bolsten. — Fenris Vane é o maior dos sete príncipes, ouviu? — Ele estende a caneca para meu irmão.
Dean fala com os dentes trincados, como se estivesse fazendo um voto de celibato. — Sim... maior de todos eles.
Eles brindam, e não posso deixar de sorrir.
Então Bolsten se aproxima de nós dois e abaixa a voz. — Vocês parecem estar do lado certo das coisas, eu posso dizer. Então estou avisando, há planos em andamento. Eu e outras pessoas, estamos no unindo. E não é um grupo pequeno também. Falo de um exército. Estamos nos preparando. E logo vamos arrancar aquele bastardo do castelo e amarrá-lo como fez com os Shades.
Bebo minha bebida, tomando cuidado com minhas próximas palavras. — Tanto quanto eu gosto de beber, eu prefiro lutar. Conte-nos mais, e nós ficaremos ao seu lado.
Bolsten parece pensar nisso, então sorri. — Fique aí por um tempo. Nós temos um membro importante chegando mais tarde. Ele lhe dirá mais então, se ele considerar você bom e tal.
Eu aceno. — Obrigado.
Com o tempo, o dia se transforma em noite, e Dean e eu saímos para um reservado privado enquanto esperamos o membro importante chegar. Eu me sinto pesado com a bebida e digo coisas que talvez não devesse. — Então, por que você está me ajudando, de verdade?
Dean abaixa a voz. Ele olha para a lareira rugindo à nossa frente. — Acredite ou não, eu me importo com você, irmão. Lembro quando a mamãe te trouxe para casa quando era um bebê. Os outros, já eram moldados, já estavam marcados pela guerra, se ressentiram da ideia de outro irmão. Mas eu, talvez por causa da minha maldição. Fiquei emocionado com a ideia de um irmão mais novo. Eu pude ver a beleza nisso, o potencial. Então eu te vi como minha responsabilidade. Você pode pensar em mim como seu irmão mais novo, mas eu era mais velho por uma vez. Lembro-me de te ensinar a como roubar nas cartas, esgueirar o seu primeiro vinho. — Ele sorri e recarrega nossos copos de uma garrafa. — Eu gosto de você, Fenris. Eu sempre gostei. E lutarei por você até o fim.
Tento me lembrar das coisas de que ele fala, mas tudo que eu recebo são flashes. Flashes de um irmão carinhoso me passando um ás sob a manga. Cuidando de um joelho ferido. Não tenho palavras para o que ele compartilhou, então, ao invés, eu levanto o copo para Dean.
Nós brindamos.
Tento dizer alguma coisa. Qualquer coisa. — Eu...
A porta se abre.
Uma rajada de vento entra.
E eu me viro para ver os dois homens que acabaram de chegar. O importante convidado que esperamos aqui.
Asher.
Capítulo 10
SOMBRA E CHAMA
“Haverá muitos buracos de cinzas nesta noite. Muitas novas sepulturas pontilham as paisagens além, algumas marcadas, outras não. Muitas casas vazias e corações que antes estavam cheios. E no final, haverá mais guerra. Isso é o que eu faço. Eu sou o Príncipe da Guerra. Eu sou o Príncipe da Morte.”
— Fenris Vane
Meus dias são preenchidos ajudando Seri na Árvore da Cura e minhas noites treinando com Varis. Ele me ensina feitiços para melhorar os meus sentidos, e nós seguimos um coelho na floresta. Leva meio dia, mas eventualmente começo a ver as impressões onde antes eu só via lama. Sinto o cheiro de pelo onde antes eu podia sentir apenas flores. E quando o sol se põe, eu encontro o coelhinho em um campo, descansando. Nós fazemos o mesmo exercício no dia seguinte.
Às vezes, quando tenho tempo, visito Es e Pete.
Em seus primeiros dias no Jardim do Luar, eles ficaram no palácio, mas com o passar do tempo eu notei que eles exploraram mais. Es encontrou o pátio de treinamento e começou a praticar a espada.
Às vezes, quando Varis ou Seri podem me dispensar, eu a ajudo com o básico, e ela aprende rapidamente. Vejo os soldados gostando dela, e eles ajudam com técnicas mais avançadas, especialmente quando não estou por perto. Logo, Es está perto de superar meu nível, e nós nos gabamos de quem ganharia uma partida séria.
Enquanto isso, Varis se interessa por Pete, e eu os vejo meditando juntos ao amanhecer. Outras vezes, eu pego Pete na biblioteca com Baldar, lendo livros sobre ervas e preparando poções. Ele sempre teve uma ideia da magia, e agora que ele pode experimentá-la em primeira mão, eu o vejo mais feliz do que em um longo tempo.
Cerca de duas semanas depois de chegar ao Palácio dos Prazeres, minha poção de dormir se esgota, e encontro a loja de Baldar perto da fonte do leão. É um local pequeno e pitoresco, escondido entre uma livraria e uma loja de apetrechos. Vinhas verdes cobrem as paredes brancas e lanternas azuis tremulam por dentro. Quando entro, Yami voando ao meu redor, um sino sinaliza a minha chegada e sou agredida por todos os tipos de aromas, alguns agradáveis ??e outros menos.
Baldar está em uma escada, colocando um punhal decorativo em uma prateleira alta, quando ele me vê. — Ah, é bom ver você novamente, minha querida. — O Fae baixo desce a escada e me cumprimenta com um arco formal. — Algo que eu possa ajudar você?
— A poção do sono. Eu gostaria de comprar mais.
Ele balança a cabeça, o rosto vermelho e feliz. — Ah, sim, claro. Precisarei preparar um novo lote, mas vai demorar um pouco. — Ele caminha atrás do balcão, onde fica todo tipo de pilões e caldeirões. Em seguida, colhe ervas diferentes de vários potes e começa a moê-las em pó.
Estudo sua loja enquanto ele trabalha, admirando os diferentes fósseis que adornam as paredes e as armas militares nas prateleiras. Panelas e poções já feitas estavam espalhadas em mesas, rotuladas com seus nomes e usos. Vejo mais poções do amor do que qualquer outra e reviro os olhos.
A campainha toca, e viro para ver três homens entrarem.
Os três homens que penduraram Lars na árvore.
Minhas mãos se fecham em punhos, e aperto meu queixo, tentando resistir à vontade de atacá-los ali mesmo. O maior, Roge, pega uma poção de uma mesa e fareja o conteúdo. — Puta merda! — diz ele, fazendo cara de nojo. Ele deixa o frasco cair e ele se quebra, derramando líquido azul no chão. Seus amigos riem.
— Como você se atreve! — grito.
Roger vira, me notando pela primeira vez. Ele sorri. — Oh, uma fogosa. Eu gosto delas com fogo. Você está procurando algum trabalho, Shade?
Shade. Ele se refere à minha ilusão. — Você se desculpará com o dono da loja neste instante e pagará por essa poção.
— Ou... — Roger finge estar estupefato. — Nós estaremos em apuros? Oh, não... — Seus amigos riem da travessura dele.
É isso. Já tive o suficiente.
Tiro minha espada, Spero. Meio branca e meio preta.
Yami guincha no meu ombro, embora eu saiba que eles não podem vê-lo ou ouvi-lo.
Os vampiros riem da minha exibição.
Eles não riem por muito tempo.
A sala escurece ao nosso redor. O vento aumenta. A terra começa a tremer. Frascos e potes se agitam, alguns caindo no chão. Um calafrio aumenta no ar. E algo se agita dentro de mim. Algo escuro.
— Minha senhora!
Mal ouço as palavras.
— Minha senhora!
Um pouco mais alto.
— Minha senhora! — Baldar agarra meu braço e qualquer coisa que me possui começa a passar. As luzes retornam e o vento diminui. O frio recua e o tremor para. Olho em volta para a destruição que causei, poções quebradas e rachadas no chão de pedra.
Os vampiros também olham, e então eles correm.
Enterro meu rosto em minhas mãos. Lágrimas enchem meus olhos. — Sinto muito. Não sei o que aconteceu.
— Está tudo bem, minha querida. Está tudo bem. — Ele pega minhas mãos, sorrindo com carinho. — Aqueles vagabundos estavam prestes a destruir minha loja inteira, talvez até me agredir. Você os parou.
Eu me movo ao meu redor. — E quase arruinei sua loja inteira.
— Mas você não fez isso. Você parou.
Respiro fundo, processando suas palavras. — Você está certo. Obrigada.
Yami lambe meu rosto, tentando me animar também. Funciona e dou uma risadinha.
Baldar coloca um frasco em minhas mãos. — Para ajudá-la a dormir, minha querida. — Alcanço a bolsa no meu cinto, procurando por moedas, mas ele me impede. — Não precisa. Sua companhia é pagamento suficiente.
Eu sorrio e agradeço, em seguida, ofereço para ajudar a limpar. — Não, mas obrigado. Tenho feitiços para ajudar em tais coisas. Agora eu acredito que é melhor você ir. Acho que Varis espera você a esta hora.
Olho para fora, para o sol. É mais tarde do que eu pensava, e o druida não estará feliz, de fato.
Agradeço a Baldar e vou para a porta, e quando vejo que ele não está olhando, deixo algumas moedas no seu balcão e saio.
No caminho de volta ao palácio, noto uma forja onde os ferreiros se esforçam por rugir, forjando aço e ferro. Uma parte de mim quer se juntar a eles, mas memórias de Daison retornam. E continuo andando, para longe da forja e da chama.
* * *
Quando encontro Varis na biblioteca, ele está sentado de pernas cruzadas no tapete, meditando com Pete. Não interrompo o transe deles, grata pelo atraso antes do meu treinamento. Embora eu tenha aprendido algumas coisas interessantes e até mesmo úteis, nenhum dos meus feitiços me ajudará na luta contra Levi. Eu quero fazer mais, ser mais, para sentir a emoção que senti ao ver Callisia lutar contra o Tubarão de Vento, e usar essa paixão em combate.
Varis sempre prega calma e graça, mas como posso lutar e ficar calma? Como posso lutar sem adrenalina bombeando em minhas veias, me alimentando como me alimentou quando lutei com Oren?
Deslizo em uma cadeira, relaxando, quando Es explode, gritando. — Pete, Ari. Nós temos coisas para conversar.
Varis geme, sua concentração claramente quebrada. — Você não tem nenhum respeito pela arte sagrada de...
— Sentar e ver quem dorme primeiro? Não agora — diz Es, sacudindo seu cabelo loiro. Ela usa um colete de couro preto para a batalha, e uma larga espada grossa está ao seu lado, fazendo-a parecer ainda mais forte do que eu me lembro dela – não que ela tenha tido problemas em cuidar de si.
Pete fica de pé e se alonga, seu manto branco quase tocando o chão. Parece ser emprestado ??de Varis e se encaixa bem nele. Pete parece bastante um Fae com seu cabelo vermelho. Tudo o que está faltando são as orelhas.
— Então — diz Es, sentando-se na cadeira ao meu lado e cruzando as pernas. — Quando podemos voltar para Portland, querida? Porque por mais divertido que seja este palácio de prazer, eu tenho amigos e família que sentem minha falta. Também rezo para não ter sido demitida.
— Eu também — diz Pete, suspirando e passando os dedos pelo cabelo.
Cruzo as mãos no colo, pensando. — Bem, Fen saiu ontem para verificar Stonehill. Quando ele e Dean voltarem, nós devemos ser capazes de elaborar um plano concreto. Então, uma vez que Levi for derrotado, você estará segura para voltar a Portland.
Es suspira. — Esse Levi é realmente tão ruim assim, hein?
— Minhas palavras não lhe fazem justiça. Você realmente tem que conhecê-lo. Ou pensando bem, não. — Nós três rimos e Varis grunhe, ainda tentando meditar.
Depois de um momento, ele finalmente parece desistir. — Arianna, quando Dean retornar, você pode, por favor, pedir para ele me mostrar o Espelho de Idis. É um artefato Fae, um pedaço da história dos Fae, e eu, como um Selvagem, deveria ter acesso a ele. Mas ele o mantém trancado em seu quarto. E pelo que eu ouvi, olhando para ele mais e mais a cada dia.
Inclino minha cabeça, a tristeza me enchendo com o pensamento de Dean e o que ele me disse. Ele ainda olha para o espelho porque vê uma vida mais feliz. Uma vida que pode até ser possível, se eu fosse escolhê-lo como rei. Mas meu coração pertence à Fen.
— Vou perguntar a ele — digo a Varis.
— Obrigado. Agora, já que parece que não faremos nenhum treinamento hoje, vou sair. Espero que você coloque sua leitura em dia. Boa noite a todos. — Ele sai com um floreio de sua capa, e eu reviro meus olhos, cansada do meu texto atualmente atribuído: A História do Queijo Fae e Outras Delícias.
Es olha para mim com uma sobrancelha levantada. — Treinamento indo mal, hein?
Eu grunho. — Lento. Como melaço. Estou aprendendo truques simples e alguns encantamentos úteis, mas nada que nos ganhe uma guerra. Entretanto, se você precisar encontrar um coelho ou mudar sua aparência, eu sou sua garota. — Minha voz é sarcástica, embora as coisas que aprendi tenham sido interessantes. Simplesmente não é suficiente.
— Eu entendo que você está frustrada? — diz Pete.
— Sim. — De muitas maneiras. Fen se foi. Sinto falta dele. Quero explorar mais nosso relacionamento, mas sempre estamos presos em uma bagunça ou outra. Eu gostaria de poder levá-lo ao meu mundo para um encontro normal com jantar e filme. Mas essa é uma vida que jamais terei se eu ficar aqui e cumprir meu contrato com os príncipes.
Es estuda as prateleiras dos livros. — Não há mais nada que ele possa te ensinar?
Meus lábios se curvam em um sorriso quando algo me ocorre. — Não há mais nada que ele esteja disposto a me ensinar, mas... Pode haver outra coisa que eu possa aprender. Vamos!
Eu pulo e corro para o corredor, Pete e Es em meus calcanhares. — E como você aprenderá isso exatamente? — pergunta Pete, ofegante. Ele nunca teve a constituição mais forte.
— Há um livro. Um livro que Varis escondeu de mim no primeiro dia em que estudamos. Aposto que tem algo que eu poderia usar.
— Você já pensou que provavelmente há uma razão para Varis não querer que você leia esse texto? — pergunta Pete. — Eu sei que não o conheço há muito tempo, mas ele compartilhou comigo uma grande sabedoria, e eu ainda não o vi errado.
Eu acelero, meu entusiasmo crescendo. — Tenho certeza que ele acha que tem boas razões, mas ele está me segurando, e não temos tempo para isso. As pessoas estão morrendo!
Pete fica calado o resto do caminho, aparentemente influenciado pelo meu argumento. Ele nunca poderia suportar o sofrimento desnecessário dos outros.
Quando chegamos ao corredor correto, eu uso a ilusão para nos fazer parecer com os muitos funcionários que vagam pelos corredores e quartos do palácio dia e noite. Cada um de nós carrega um prato cheio de comida e bebida e segue para o quarto de Varis, como se tivéssemos todo o direito de entrar.
À sua porta, aprimoro meus sentidos e escuto qualquer respiração. Não há nenhuma. Em vez de se retirar para seu quarto como disse, Varis provavelmente foi até a estalagem local. Ouvi dizer que ele estava desenvolvendo um gosto pelo Néctar dos Anciões de Baldar.
Viro a maçaneta e a porta se abre, destrancada para que os criados possam limpar ou, no nosso caso, coisas mais nefastas.
O quarto dele é tão limpo e arrumado quanto eu imaginava.
— Tenho um mau pressentimento sobre isso — sussurra Pete, mas eu o silencio e olho em volta.
Minha visão aprimorada pega vestígios de impressões recentes de poeira, coisas que Varis tocou. Seu closet.
Olho embaixo do travesseiro, eu não acho nada e depois verifico o armário. Escondido nas camadas profundas de capas de pele, eu descubro o livro de couro preto que ele escondeu de mim.
Quando eu o toco, minhas mãos ficam frias, e ouço algo à distância. — Vocês ouviram isso? — pergunto, mas Pete e Es agitam suas cabeças.
Estranho. Eu abro o couro e corro minha mão pela capa. O gelo penetra nos ossos da minha mão, fazendo-as doer, minha pele se arrepia e o cabelo dos meus braços fica no limite. Fecho o livro rapidamente e enfio em sua capa de couro, em seguida, arrumo tudo como encontrei.
— Então, o que agora? — pergunta Es.
— Agora eu preciso ler.
Eu os guio para o meu quarto e desfaço nossas novas ilusões. Pete e Es ficam comigo enquanto folheio as páginas do antigo manuscrito, usando um feitiço de tradução para entender os glifos. A maior parte do que vejo me assusta: sacrifício humano. Rituais nus. — Pessoal, eu realmente espero que eu não tenha que fazer essas coisas para que Yami fique mais forte. — Mostro-lhes uma foto de uma mulher sendo aberta do queixo até a virilha, e os órgãos puxados para fora para ler.
Pete recua e Es se inclina. — Acho que vou vomitar.
Viro a página e começo a procurar por algo útil. Quanto mais tempo eu tenho o livro aberto, mais frio fica. As páginas parecem estranhas para mim. Não é como papel. E então eu percebo o que são. — Peles humanas.
Pete se inclina sobre o livro para examiná-lo. — Há precedentes para isso, mesmo em nosso mundo.
Es enruga o nariz dela. — Eca... isso cai na categoria de merda que eu não preciso saber.
Suspiro e continuo, me aprofundando no texto. — Aqui. Finalmente. Algo. — Aponto para uma seção que eles não podem ler.
— Ela diz que os Druidas e Espíritos têm uma forma de sombra, aquela que toca na Escuridão. O poder da luz e da escuridão. Vida e morte. Criação e destruição. Às vezes essa forma se manifesta quando os Selvagens estão em grave perigo. No entanto, este poder também pode ser convocado à vontade por aqueles com o conhecimento correto. — Fecho o livro e coloco no envoltório de couro. — Varis sabia de tudo isso. Ele sabia que esta é a informação que eu precisava, e ele não me disse.
— Como você invoca a forma de sombra? — pergunta Pete, olhando para o livro com uma careta.
— Sob a luz das luas à meia-noite eu devo cantar as palavras de ligação e me conectar com o meu Espírito — digo.
Es caminha até a porta que dá para a minha varanda e a abre, deixando entrar o ar fresco e um fluxo de sol. — É o pôr do sol. Temos tempo. O que devemos fazer até a meia-noite?
Dou de ombros. — Sair? Fingir que a vida é normal? Acordar? Nós mal tivemos tempo para conversar desde chegamos aqui. Vamos lá. Vamos encontrar algum lugar neste domínio de prazer para beber café, comer besteira e conversar.
Com esse plano definido, saímos do Palácio dos Prazeres e exploramos o reino de Dean, parando em diferentes vendedores para provar suas mercadorias e, eventualmente, nos estabelecendo em um pequeno café perto da água.
Depois que comemos e bebemos, eu olho para meus melhores amigos... Realmente olho para eles... Pela primeira vez desde que eu os puxei para essa bagunça. — Vocês estão bem? Isso está enlouquecendo vocês?
Pete dá de ombros. — É realmente muito legal. Quero dizer, há coisas que eu sinto falta. Como telefones.
— E televisão — diz Es com um suspiro exasperado. — O que as pessoas fazem aqui para relaxar?
Eu rio. — Não sei. Não tive muito tempo para relaxar desde que cheguei aqui. A menos que você conte o meu tempo na masmorra como relaxante.
— Não, obrigada. Não acredito que o bastardo fez isso com você. Eu cortaria a masculinidade dele se pudesse.
— Obrigada — digo. — Mas ele sofrerá com o que está vindo para ele.
— Você está feliz aqui? — pergunta Es. — Você está feliz com ele?
— Eu poderia estar — digo honestamente. — Quando passei meu mês com Fen em Stonehill... Sim, houve problemas, e todos aqui parecem estar em guerra com alguém, mas também encontramos uma rotina. Treinava com Fen pela manhã e trabalhava com Kayla, aprendendo a trabalhar com ferraria à tarde. À noite, eu estudava tudo o que pudesse sobre esse lugar, sob o olhar atento de Kal, o Guardião. Fiz amigos. Aprendi muito. E...
— E se apaixonou pelo Príncipe da Guerra sexy e duro do lado de fora e suave por dentro — diz Es, terminando meu pensamento da maneira que só ela pode.
— Sim, eu suponho que sim. — Penso em Fen e desejo que ele estivesse aqui conosco agora. Preocupa-me que ele tenha entrado em território inimigo. Mas ele deve voltar logo. — Sem Fen, não tenho certeza se gostaria de estar aqui, mas não tenho escolha. Assinei um contrato. E... é de onde eu venho, pelo menos metade de mim.
Es balança a cabeça. — Isso deve ser tão triste! Ser uma princesa Fae após passar sua vida pensando ser apenas uma criança pobre em Oregon.
— É um pouco surreal — admito.
— Há algo que eu queria perguntar. Como você lida com... coisas femininas? — Es levanta uma sobrancelha como se eu devesse saber do que ela está falando.
— Coisas femininas?
Ela suspira. — Você sabe o que eu quero dizer. Posso ter as partes e, com certeza, elas não funcionam. Mas estou familiarizada com o encanamento. Você é jovem. Fértil. E propensa a aquela visita mensal da tia mais desprezada de toda mulher. Pelo menos no nosso mundo você tem as maravilhas dos tampões e analgésicos. O que você faz aqui?
Eu rio. — Essa é a sua grande pergunta? Nós estamos em um mundo mágico com vampiros, Fae e dragões, e você quer saber o que eu faço no meu período?
— É uma pergunta legítima — diz ela. — Não me diga que não era algo com que você se preocuparia também.
— Para ser honesta, não foi tão ruim quanto você pode pensar — digo. — Enquanto este lugar parece muito medieval, não é. Não quando você leva em conta as influências mágicas e fortes do nosso mundo moderno. Eles não podem replicar tudo, mas fizeram algumas coisas. E há uma poção que bebo uma vez por mês que praticamente elimina cólicas e inchaço. Se eu pudesse levá-la ao nosso mundo e aplicá-la, eu seria a pessoa mais rica que já existiu.
— Não é tão ruim assim — diz Pete. — Mas... em quanto tempo você acha que podemos ir para casa?
— Não sei. — Eu não sei quando vamos derrotar Levi. E se perdermos, eles podem nunca voltar. Mas não tenho coragem de dizer a eles. — Eu sinto muito por puxar vocês para isso. Vocês me odeiam?
Es bebe sua bebida e ri. — Querida, estas são as primeiras férias que tive desde que comecei a trabalhar, quando tinha treze anos. Estamos rodeados de colírio para os olhos e de toda a comida e bebida que podemos comer. Estamos bem.
— E estou recebendo treinamento que nunca poderia ter imaginado — diz Pete, com o rosto iluminado. — Varis é incrível. — Então uma sombra cai sobre seus olhos, provavelmente se lembrando do livro que pegamos emprestado.
— Ha. Sim. Feitor de escravos, mas incrível. Claro.
Nós passamos o resto da noite saindo, explorando o reino de Dean, e apenas conversando. É bom ter um dia semi-normal com meus melhores amigos. Mostro-lhes o bosque de árvores que Dean me levou e explico a história dele. Pete, especialmente, é atraído pela magia da floresta e nos convence a ficar mais tempo. Por que não? Precisamos de um lugar privado para fazer o ritual, e o bosque é tão bom quanto parece. Ficamos lá enquanto as luas sobem mais alto no céu e tudo fica escuro, salvo o que podemos ver à luz do dia. As antigas árvores lançam longas sombras contra nós. É uma cena assombrosa, que envia um arrepio pela minha espinha.
Começo a ter dúvidas, mas preciso de uma vantagem para derrotar Levi. Eu preciso fazer isso.
Yami parece nervoso quando o coloco no chão na minha frente. — Nós vamos fazer isso acontecer, ok, amigo? Não se preocupe, ficará tudo bem.
Abro o livro e leio as linhas conforme as instruções, então eu fecho os olhos e me concentro. Algo redemoinha dentro de mim, como fogo líquido na minha barriga. Eu puxo e puxo para fora, expandindo dentro de mim. Isso aquece os ossos e o sangue e expele o frio causado pelo manejo do livro escuro.
E enquanto medito do modo como Varis me ensinou, sinto o fio de poder que me conecta ao meu dragão. Yami sussurra nervosamente e tento acalmá-lo através de nossa conexão.
Eu falo o encantamento final.
E quando abro meus olhos, a forma de Yami evapora e uma escuridão cobre a luz das luas, bloqueando-as de vista enquanto um vento frio sopra pelo bosque. Sombras se formam diante de mim, fundindo-se em algo muito mais escuro e maior do que já vi da Estrela da Meia-Noite.
Uma onda de excitação se espalha pela minha barriga quando percebo que está funcionando. Nós fizemos isso.
A forma de Yami se materializa na meia-noite cintilante das estrelas. E ele ruge alto na noite, respirando uma corrente de chama azul através do céu. Eu estendo a mão para ele, um sorriso no meu rosto pela magnificência, mas quando ele se vira para mim, não é o Yami que eu conheço e amo.
É um Yami diferente.
Cheio de raiva e escuridão.
Então eu sinto.
As sombras se espalhando por mim como um câncer, infectando cada parte do meu corpo. O dragão guincha novamente e atira mais chamas enquanto sua cauda ataca, batendo em uma árvore antiga e cortando a casca ao meio.
Não.
Pete e Es se arrastam para o meu lado. — O que ele está fazendo? — pergunta Es.
— Não sei.
Yami ruge novamente. Em seguida, volta sua atenção para nós. Ele levanta suas garras, maiores que uma pessoa. E ataca.
Empurro meus amigos para fora do caminho e caímos na grama. — Corra! — grito. — Corra!
Saímos correndo do bosque e, atrás de nós, uma sombra se ergue sobre o céu.
Yami.
As pessoas gritam nas ruas. Elas correm para se esconder.
E o dragão desce, respirando com fogo sobre todos em seu caminho. Ele coloca os edifícios em chamas. E quando olho para trás, eu vejo.
O bosque.
Queimando.
Como pude fazer isso? Como posso pará-lo?
— Yami! — grito para o céu. — Yami, pare. Por favor. Sou eu.
O dragão inclina a cabeça em minha forma, e então ele ataca. Eu saio do caminho.
Mas Es não é rápida o suficiente.
Garras roçam seu ombro e ela grita de dor, caindo nos azulejos de pedra. Pete corre para o lado dela, bloqueando-a com o corpo.
Lágrimas enchem meus olhos. — Yami. Isso não é você.
Uma rajada de vento quase me derruba.
E o dragão pousa diante de mim. Seus olhos roxos olham profundamente em minha alma. Dentro deles vejo tempo e espaço, e o fim de todas as coisas. Dentro deles eu vejo a morte.
O que eu fiz?
O que desencadeei?
Yami...
Ele investe contra mim. Para matar. Para terminar. E então uma coruja prateada cai no seu lado, empurrando-os para dentro de um prédio. Os pedregulhos caem ao redor deles, e as bestas rugem e sibilam enquanto lutam entre si com dentes e garras.
Varis desliza na minha frente, sua capa girando em um vento não natural. Quase desmaio de alívio, medo e completa angústia. — Varis, me desculpe.
Ele não olha para mim enquanto responde. — Este não é o momento. Foco. Você e somente você pode acalmar a Estrela da Noite e afastar a Escuridão. Feche seus olhos.
Sinto-me destruída por sua raiva e desapontamento, e meu próprio fracasso em obedecer a sua orientação, mas eu fecho meus olhos e foco como ele fala. Ele me leva através de exercícios para acalmar meu batimento cardíaco, para aliviar a tensão, manifestar a luz em minha alma e dissipar a Escuridão.
Posso ouvir sua coruja, Zyra, lutando com Yami, lutando para imobilizá-lo e evitar que cause mais danos. Posso ouvir os gritos de homens e mulheres enquanto tentam apagar incêndios e libertar outros dos escombros. Sinto uma onda de pesar pelo que fiz, mas afasto e me concentro.
Afasto a raiva, o medo e a tristeza. Afasto a emoção que eu procurava. Empurro até que não resta mais nada. A não ser calma. A não ser paz.
Quando abro os olhos, meu bebezinho dragão está comigo novamente, empoleirado no meu ombro. E então a exaustão me atinge e eu desmorono. Olho para o bosque ardente, para as árvores antigas que morrem e choro. — Sinto muito. Eu não sabia. Eu não sabia...
Varis não olha para mim. — Eu lhe disse para não convocar a Escuridão. Agora você deve viver com as consequências. — Ele se vira e vai embora, me deixando sozinha com sombras e chamas.
Capítulo 11
CHAMA DE PRATA
Kayla Windhelm
“Não podemos deixar nossos inimigos viverem”.
— Lorde Salzar
Voltamos às Terras Distantes e montamos o cavalo de Tavian novamente. — Metsi está ainda mais louca do que ouvi — diz ele, meio para si mesmo.
Eu franzo o cenho. — E você pensou que ir a ela era uma boa ideia?
— Ela não foi sempre assim. Uma vez ela era gentil, sábia e boa. Ver seu povo ser abatido deve tê-la mudado.
— O que aconteceu lá atrás, quando o quarto ficou escuro?
Ele suspira. — Você sabe dos quatro elementos, sim? Riku, Wadu, Zyra e Tauren. A maioria dos Fae usa seu poder para lançar feitiços. Mas há outro poder. O da Escuridão. Aquele da Estrela da Meia-Noite. É a vida. É a morte. É o começo e o fim.
— É esse o poder que você usa?
Ele olha para longe, algo espreitando em seus olhos. Vergonha, talvez. — Há muito tempo, antes do Desembaraçar, eu era um estudioso. Estudei em uma biblioteca tão grande que não há nenhuma que se compare agora. Meus colegas e eu desenvolvemos uma teoria, uma teoria de que o poder da Estrela da Meia-Noite pode ser acessado. Não apenas pelo Alto Fae escolhido.
— Levou anos de pesquisa e experimentação, mas finalmente criamos um ritual. Nós falamos o encantamento sob a lua cheia, cobertos pelas cores da noite. E nós vimos... a escuridão. Mas não conseguimos controlá-la. O poder se espalhou como uma praga, matando tudo o que tocava. Todos, menos aqueles que lhe chamou.
— Quando percebi o que estava acontecendo. Corri. Corri para casa. Para minha família. Minha esposa. E quando os alcancei. Vi seus corpos apodrecendo, cobertos de carne enegrecida. Ainda me lembro da minha esposa, estendendo a mão para mim, implorando para que eu a salvasse, mas não pude fazer nada.
Ele fica em silêncio, e posso dizer que ele não dirá mais nada.
— Sinto muito — digo, abraçando-o.
— Foi há muito tempo — diz ele.
E então andamos em silêncio.
Olho para o céu fresco e vejo o sol nascente. O clima aqui, mesmo a esta hora do dia, é diferente de Avakiri. Eu tento aliviar o clima. — Então, já que você decidiu que não me venderá para a louca Selvagem, o que vem depois?
Ele não me encara. Apenas olha para a neve, perdido em pensamentos. — Não sei. Mas há uma tempestade. Precisamos de abrigo. — Eu me pergunto como ele sabe. Não vejo sinais. — Nós estaremos lá em breve.
— Lá?
Ele faz um movimento para frente, e então eu vejo, à distância.
Uma pequena vila construída em madeira cinza, cercada por paliçadas. As casas são pouco mais do que cabanas. Quando entramos, uma mulher Fae com cabelo azul e vestes cinza-escuro nos cumprimenta enquanto se apoia na bengala. — Tavian, tão bom ver você, meu rapaz. — Ela o abraça.
— E você, Madrid.
A mulher, Madrid, se volta para mim. — E quem é esta...
— Esta é Kayla Windhelm — diz outro Fae, andando ao nosso lado. Seu cabelo é vermelho, sua barba curta também, e ele usa um colete de couro feito para lutar. — Ela é a bastarda do rei morto. Vi uma vez em Stonehill. Desculpe menina, mas não precisamos de você aqui.
Madrid coloca uma mão em seu companheiro. — Agora Durk, fique calmo. Lembre-se, damos as boas-vindas a todos nesta terra. Desde que eles jurem não causar dano.
Tavian me olha de lado, e eu aceno. — Eu juro.
— Eu também — diz ele.
— Maravilhoso — diz Madrid, sorrindo. — Agora me siga. Vocês parecem que não se banham em semanas.
Ela não está muito errada. Eu estou fedendo.
Durk murmura e xinga em voz baixa, mas nos deixa passar enquanto viajamos pela vila. Crianças brincam na neve, construindo figuras de gravetos e cantando músicas sobre o Primeiro. As mulheres lavam roupas em barris de água. Homens remendam juntos um telhado quebrado.
Um cavalo relincha. No centro da cidade. Algo está errado.
Uma mulher grita enquanto uma gigantesca égua negra quase a esmaga com seus cascos. — O que deu em você, Mally?
Mally, a égua, relincha de novo, ainda inquieta e selvagem.
Eu corro, depois desacelero, minha mão estendida. — Menina calma. Calma. — Eu já fiz isso, quando um dos cavalos puxando meu carrinho ficou assustado, e agora funciona. Mally relaxa, me deixando acariciar sua cabeça. — Boa menina — digo. — O que está errado, hein?
— E quem seria você? — pergunta a mulher que parece ser dona de Mally.
Eu a ignoro e examino o cavalo. — A ferradura dela está solta. Onde está o ferreiro?
— Não há nenhum — diz Durk, recuperando o atraso. — Morreu algumas semanas atrás.
— Então onde está a forja?
— Por que, você tem alguma habilidade?
— Talvez.
Tavian ri. — Então você conhece Kayla Windhelm, mas não sua habilidade na forja?
Durk grunhe, e não diz nada.
— Aqui — digo, passando os arreios para Tavian. — Observe-a enquanto faço uma ferradura nova. — Ele acena, e eu encontro a forja. Uma sombra da que eu tinha em Stonehill, mas boa o suficiente. Leva um tempo para fazer a ferradura e um tempo para calçar o cavalo. Quando termino, Mally é devolvida ao estábulo, e Madrid me agradece.
— Não precisa — digo. — Alguma coisa precisava ser consertada e consertei. Isso é o que eu faço.
— Você tem um coração bondoso — diz ela me levando para uma cabana de madeira. Lá, no centro de um quarto, há uma banheira de madeira. — Eu já esquentei a água. Não tenha pressa. E depois, sinta-se à vontade para se refrescar no lago.
Eu a agradeço e, depois que ela sai, eu tiro minhas roupas e afundo na banheira. Pelos Espíritos, me sinto bem. Deixo a água relaxar e acalmar meus músculos, então eu inclino a cabeça para trás e não penso em nada além de felicidade. Quando a água começa a esfriar, relutantemente saio do banho, em seguida, me envolvo em uma toalha pendurada no poço e saio de casa, para uma varanda com vista para o lago. Eu vejo Tavian lá, e ele está...
Bem...
Ele está nu.
Permanecendo no lado oposto da água, seus músculos ondulando no sol. Ele me percebe olhando e pisca, depois mergulha na água fria. — Woo! — grita ele, quebrando a superfície e sacudindo o cabelo grosso. — Qual o problema, princesa? A água está muito fria?
Reviro os olhos. Então pulo atrás dele, deixando minha toalha cair. A água está congelando, e envia uma sacudida por todo meu corpo. Isso me enche de pressa, e quando quebro a superfície, percebo que estou bem na frente de Tavian. Nossos corpos quase se tocando.
— A princesa é mais corajosa do que eu pensava — brinca ele.
Sorrio. — Oh, você não me assusta.
— Eu deveria, princesa. Eu deveria. — Ele envolve um braço em volta de mim. E me puxa para mais perto.
Eu me inclino, atraindo meus lábios para os dele. E...
— Hora do banquete! — grita alguém. Durk. Ele fica em terra, segurando minha toalha. — A menos que você seja boa demais para comer conosco, Princesa?
— Eu não sou uma princesa! — digo, meu olho quase saindo de suas órbitas pela exasperação de ter que lembrar todo mundo disso.
Durk dá de ombros e se afasta.
Tavian suspira. — Nós devemos ir. Seria desrespeitoso se atrasar.
Eu assinto, o momento entre nós termina cedo demais.
Uma vez que estou vestida, Tavian me leva à fogueira gigante no centro da aldeia. Dezenas de Fae sentam em torno das chamas, enquanto outros tocam tambores e alguns dançam ao som da música. Nós nos juntamos a Madrid e observo enquanto ela passa doces para as crianças. Quando não tem mais para dar, ela se afasta do fogo.
— Algo errado? — pergunto a Tavian.
Ele dá de ombros, seu olhar fixo nos dançarinos, que giram fitas azuis e verdes no ar, seus corpos em sincronia com a batida tribal.
Eu toco Tavian no ombro. — Volto em um momento. — Então eu fico em pé e vou até Madrid, encontrando-a perto de uma lápide.
— Você está bem? — pergunto.
Ela assente, esfregando os olhos. — Sim. Estou bem. Apenas honrando os mortos do meu próprio jeito.
Noto as lágrimas em seus olhos. — Essa pessoa. Ela era importante para você.
— Sim. Sim, ele era. Nós nos separamos no final, mas eu ainda o amava.
— O que aconteceu? — pergunto, esperando não estar pressionando muito, mas também sabendo que discutir a perda pode ajudar com a tristeza.
Ela suspira, inclinando-se mais em sua bengala antes de falar. — Ele morreu. Na batalha em Stonehill. Encontrei o corpo dele lá, no campo de batalha, e eu não o deixaria para trás para apodrecer com o resto. Então o carreguei até aqui. Paguei por isso também. Um vampiro tentou me roubar, mas eu o peguei antes que ele me pegasse. Embora ele tenha ferido minha perna. — Ela bate a bengala na neve.
— Tenho alguma habilidade em curar. Eu poderia tentar ajudar, se você quiser?
Ela ri. — Obrigada, garota, mas eu fiz toda a cura possível nesta perna. Talvez melhore com o tempo, mas duvido. Agora vamos retornar à festa. E honrar os mortos desfrutando pelo que eles lutaram.
Eu a sigo para a fogueira, e nos sentamos juntas perto de Tavian.
— Aqui, deixe-me ver sua palma — diz Madrid, e eu a deixo estudar minha mão. — Sua vida é curta para um Fae — diz ela —, mas não desprovida de dificuldades. No entanto, ainda há muito mais por vir. — Ela fecha os olhos, murmurando algum encantamento. Ela fala baixinho, sua voz baixa e rouca. — Vejo um pássaro prateado e um tigre preto. Vejo uma serpente e não há caminho de volta. — Ela abre os olhos e se vira para trás, como se tivesse saído de um sonho.
— O que isso significa? — pergunto.
Ela olha para Tavian, depois para mim. — Não sei. Mas você verá os sinais.
De alguma forma, eu sinto que ela sabe mais do que diz. Então por que não me dizer? O meu futuro é realmente tão sombrio?
Tento me concentrar em outra coisa. — Então, como você conhece Tavian? — pergunto.
Ela sorri. — Oh, Tavian existe há muito tempo. Eu ficaria surpresa se alguém não o conhecesse.
Olho para trás, para o Fae sexy, estudando seu cabelo e pele. Ele não se parece com um antigo Fae que eu tenha visto. Seu cabelo não é branco, e suas articulações e os músculos estão cheios de poder, mas ele mencionou um tempo antes do Desembaraçar. Um tempo a muito tempo.
— Você viu Metsi recentemente? — pergunta Tavian.
Madrid assente melancolicamente. — Ela não é como era. E temo que, após a morte de Oren, ela tenha caído ainda mais na loucura.
— Oren? — O nome soa familiar. — O Druida de Fogo? Ele morreu?
Madrid olha para longe do fogo, para a escuridão que ela acabara de visitar. — Morto em batalha. — Ela não oferece mais.
— Então o que te trouxe aqui? — pergunta Tavian. A pergunta me surpreende. Assumi que esta era a casa de Madrid.
Madrid olha para as crianças, brincando e dançando perto do fogo. — Durk e eu queríamos ajudar aqueles que estavam feridos na batalha e as famílias cujo pai, mães e filhos nunca mais voltaram. Esse parecia o lugar para começar. — Ela se vira para mim. — E você, Kayla Windhelm? O que te trouxe ao norte?
— Eu... — Eu não consigo reunir as palavras. Não posso dizer a ela que vim aqui para atacar, pilhar e matar as pessoas dela. Meu povo. Não. Ainda somos diferentes, digo a mim mesma. Eu sou Shade. E eles são Fae. Nós não somos os mesmos.
Tavian parece notar meus problemas e coloca uma mão no meu ombro. — Não é de onde viemos, ou por que, que importa — diz ele. —Mas para onde vamos a partir daqui.
Madrid assente. — Palavras sábias, Lorde Tavian.
— Lorde? — pergunto.
Ele olha para Madrid, então ri. — Apenas um apelido que ela gosta de usar para me provocar.
— Sim — diz Madrid, abaixando o olhar. — Sim. Apenas um apelido.
Estudo Tavian. Este homem que é muito mais do que parece. — Quem é você? — pergunto.
Por um momento, ele não diz nada. Então ele olha para mim, seus olhos verdes profundos e hipnotizantes. — Kayla, eu...
Uma flecha passa pelo céu.
Ela acerta um dos dançarinos no peito, e ele desmorona na neve. Pessoas gritam. As crianças choram.
— Assaltante — falo. — Traga todos para dentro. Prendam as portas. Pegue qualquer coisa que possa ser usada como uma arma.
Madrid assente e levanta, movendo-se rapidamente, apesar de sua bengala. — Todos, me sigam! Venham, crianças. — Ela olha para Tavian antes de seguir em frente, e ele assente. Por quê?
Flechas começam a chover do céu, atingindo uma mulher no ombro. Uma cai perto do meu pé. Tavian e eu nos escondemos atrás de uma carroça.
Ele agarra meu braço. — Kayla. Siga-os para dentro. Agora. Você precisa confiar em mim.
— Não. Vou ficar. Posso lutar.
— Confie em mim — rosna.
Algo em seu tom, em seus olhos, me balança. — Tudo bem. Vou me esconder. — Eu toco a mão dele. — Tenha cuidado. — Ele assente, e eu corro, me esquivando de flechas até chegar à forja.
Minha respiração se torna fumaça no ar. Meus membros tremem de frio. Trovões rugem acima, raios riscam o céu. A tempestade que Tavian falou. Encontro uma velha espada enferrujada e me escondo atrás de uma parede, procurando por atacantes. Eu ainda não vejo nenhum, mas eles virão. Eu viro meu olhar para Tavian.
Ele sai de trás da carroça para a neve e a chuva de flechas. Sobre a colina desce uma companhia de dezenas de vampiros empunhando tochas, espadas e lanças, uivam como bestas e riem como loucos.
Tavian não vacila, desata a capa e tira a camisa, e então ele muda.
Ele pula, e no ar sua pele se transforma em pelo, suas mãos em garras. Quando pousa, está em cima de um homem, e ele o rasga ao meio, pulverizando a neve com sangue. Este não é o que Tavian de antes. Ele não é branco. Mas preto com listras prateadas.
O tigre preto, ecoa as palavras de Madrid.
Ele é maior do que qualquer animal natural e muito mais feroz. Enquanto luta, a fumaça se curva ao redor dele, cobrindo o campo de batalha na escuridão. Os invasores que escolhem atacá-lo logo se veem mutilados ou mortos, e aqueles que fogem são apanhados rapidamente, seus corpos transformados em farrapos.
Isso não é uma batalha.
É um massacre.
É a razão pela qual Metsi não enfrentaria Tavian. A razão pela qual ela nos deixou entrar.
Essa é a Escuridão que Tavian falou. O poder da vida e da morte.
Alguém grita. Não é um dos invasores. Mais próximo. A cabana nas proximidades. Alguém conseguiu entrar. Seguro minha espada e corro, entrando no prédio.
Não pode ser...
Salzar está lá dentro, sua adaga na garganta de uma garotinha. Ele grita com Madrid no canto. — Chame seu cachorro, ou mato a criança!
— Por favor — implora Madrid. — Não posso controlá-lo. É tarde demais para isso.
— Então a menina...
— Solte-a — falo, levantando minha espada.
Salzar me percebe pela primeira vez, e seus olhos se arregalam. — Você sobreviveu?
— Solte-a! — repito.
Salzar ri, lambendo os lábios compulsivamente. — Ou o quê? Você me ataca e eu a mato.
Ele está certo. Tem que haver algum outro caminho. Dou um passo à frente, estendendo a mão, uma ideia vem à mente. — Salzar, solte-a agora, e você pode partir. Ninguém seguirá você.
Ele inclina a cabeça, pensando.
Continuo. — Seus homens estão mortos. Esta incursão acabou. Salve-se enquanto pode.
Ele olha para a porta, onde Tavian abate todos os que permanecem.
— Meus homens! — ruge. — Eu preciso deles. Eles são meus. Meus. — Vejo a loucura em seus olhos. Este é um homem que acabou de perder o poder que tanto estima. O homem que não tem nada mais a perder. — Salzar, por favor...
— Não — diz ele —, você trouxe isso para ela. — E então ele aperta a lâmina na garganta da garota.
Penso em Daison. Eu penso em tudo o que foi perdido.
E estendo minha mão.
Chama prateada brilha na ponta dos meus dedos. Brilhante e imensa. Ela atinge Salzar e nada mais, acendendo sua roupa em chamas. Ele cai para trás, soltando a garota, sua garganta apenas ligeiramente ferida. — Como? — grita ele, correndo para fora. Ele cai na neve, rolando, tentando apagar o fogo, mas o fogo queima mais forte. E então seus gritos não mais se assemelham a palavras. Eles se tornam primitivos e cheios de dor.
Eu o sigo, meus passos se iluminam, a neve ao meu redor transformando-se em vapor. Meus movimentos não são meus. Minhas palavras não são minhas. Levanto minha espada. — Você foi testemunha. E foi julgado. E nunca machucará uma alma novamente.
Chama prateada cobre minha lâmina.
E lanço, tirando a cabeça de Salzar de seu corpo. Ela rola na neve, não expelindo sangue, a ferida já cauterizada.
Algo se agita na escuridão.
Olho para cima e vejo o tigre preto diante de mim. Seus olhos são tão verdes. Ele me encara por um momento, depois vira e desaparece na floresta.
O que quer que me domina começa a desvanecer, soltando minha espada eu me viro. A cabana. Ela queima. Mas como? Eu acabei de atingir Salzar.
Olho para minhas mãos, tremendo com o que fiz. Então respiro fundo, me acalmando, e quando me acalmo, também acalma as chamas. Elas desaparecem, até que só restos de fumaça permanecem.
Madrid emerge de dentro, as crianças em seus calcanhares. — Você voltou — diz ela, procurando por mim. — Riku. Você voltou.
Capítulo 12
ESCURIDÃO E LUAR
Kayla Windhelm
“Psicologia reversa. Funciona toda vez”.
— Asher
Meu sangue está fervendo. Não consigo parar de tremer. O que a velha disse não pode ser verdade, pode? Não posso ser o Druida de Fogo. É impossível.
Olho em volta para os corpos espalhados. Todos da tropa de Salzar estão mortos. Eu os matei. Tavian os matou. Sequer sei quem morreu pela minha mão e quem morreu pela dele. Tanta morte. Eu ataquei e matei minha própria espécie para proteger Faes que mal conheço. Matei homens e mulheres com quem lutei ao lado. Homens e mulheres com quem eu invadi.
O que eu me tornei? Olho para as minhas mãos. Elas não brilham mais com a chama prateada do meu novo poder, mas posso senti-lo ali, logo abaixo da superfície. — Tenho que encontrar Tavian. Ele... Ele era diferente desta vez. Sua forma de tigre era preta, e... As coisas que ele fez... Nunca vi aquelas coisas.
Madrid se aproxima de mim em sua bengala. — Aquela é a magia negra. A magia antiga. Aquela de criação e destruição. Ele não tem controle em tal estado. É poderoso. Perigoso. Incapaz. Ele saiu para proteger você, e só isso é notável.
— Ele foi para a floresta. Preciso encontrá-lo. Ajudá-lo. — Preciso estar perto de Tavian agora, é tudo que eu sei. Nada mais faz sentido. Nada mais importa. Todos os outros pensamentos estão confusos em minha mente. Volto correndo para a cabana, pego nossos alforjes e subo no cavalo. Eu paro antes de ir. — Obrigada pela sua hospitalidade. Sinto muito que você tenha sido atacada. E pelo incêndio que causei.
— É por sua causa que vivemos — diz a velha. — Você e Tavian salvaram esta aldeia. Você é a Selvagem. Você é a Druida de Fogo. E sempre terá uma casa em nossa tribo caso precise de uma.
Um soluço cresce no fundo da minha garganta, mas eu engulo. Não posso deixar as palavras dela se fixarem em mim. Não posso considerar o que elas querem dizer, que existem Faes que me aceitariam, que me tratariam com igualdade e justiça, que me ofereceriam um lar e uma vida. Não consigo pensar em tais coisas. Não agora. Talvez nunca. Não sei mais o que sou, mas sei o que devo fazer.
Dirijo-me na direção em que o vi pela última vez, onde ele entrou na floresta. Lá eu pego seus rastros na escuridão e os sigo o mais rápido que posso até chegar a um bosque cercado por árvores e uma piscina de água alimentada por uma cascata da montanha.
O cavalo relincha, e escorregando dele, eu o amarro a uma árvore, então faço meu caminho a pé.
E aí está ele. Um tigre negro gigante. Maior do que qualquer coisa que a natureza faria, rondando pelo arvoredo. Ele parece inquieto. Bravo. Fumaças negras rodopiam ao redor dele e faíscas surgem na escuridão.
Eu me movo devagar, cautelosamente, com a mão estendida, como faria para acalmar um cavalo que está assustado. — Tavian? Sou eu, Kayla. Acabou. A luta acabou. Você precisa voltar para mim agora, ok?
O tigre me observa com olhos que conheço muito bem, mas não posso dizer se ele entende o que estou dizendo. Aproximo mais, prendendo a respiração.
E então ele pula no ar e pousa no meu peito. Ele rosna, saliva escorrendo de seus dentes afiados. Suas garras cavam na minha pele. Ignoro a dor e tento manter a calma. A magia do fogo em mim está aumentando, querendo sair, mas não posso deixar. — Eu não quero te machucar — digo através da dor. — Não quero lutar.
Suas unhas se aprofundam e não consigo segurar o grito. Então seus dentes estão em mim e sinto uma mordida em meu ombro. — Tavian!
Não sei se é o meu grito, ou o gosto do meu sangue, mas algo acontece, e é instantâneo. Ele se afasta, ele sai de cima de mim e arregala os olhos. E eu posso dizer que ele finalmente me vê. Realmente me vê.
Leva um momento, mas o tigre volta a ser Tavian Gray.
Pego meu cristal e o seguro por cima do ombro, murmurando um feitiço como sempre faço. Não me cura completamente, mas vira uma ferida surpreendentemente superficial, e quando Tavian se levanta e se aproxima de mim, eu estou quase recuperada.
— Tavian... — Minha voz cede quando ele me toma em seus braços.
— Eu pensei que havia feito algo horrível — diz ele no meu cabelo enquanto me abraça com força.
— Você os salvou. E não estou ferida. Não de verdade. Mas você está. Deixe-me ver suas feridas.
Eu corro uma mão sobre um corte, mas ele para minha mão com a dele. — São arranhões. Nada mais.
O ar ao nosso redor parece carregado de algo novo. Algo inebriante, espesso e delicioso.
Quando seus lábios pousam nos meus, já estou perdida na sensação de seu toque, de seu corpo pressionado contra mim. De sua necessidade. Da minha necessidade.
Não há pensamentos. Nenhuma consideração com o futuro, para o que isto significa, para qualquer coisa além de nossos corpos se unindo como um só. E então estamos perdidos, flutuando em um lugar onde o tempo não existe.
Estar com Tavian é como nada que já experimentei. É mais que físico. Mais do que emocional. É uma união de duas almas em uma. Até a minha magia recém-despertada se agarra a ele, unindo-se a um redemoinho de poder puxando nossos corpos para mais perto. Quando finalmente nos separamos, saciados e exauridos, estou cheia de uma perda diferente de tudo que já senti, e nos agarramos em uma cama de grama, sem vontade de quebrar o momento com palavras.
Eu não sei por quanto tempo nós ficamos assim, nus e enrolados um no outro, mas é o relincho do cavalo que nos tira do nosso devaneio.
Tavian beija minha cabeça antes de falar. — Você me salvou hoje, princesa.
— Eu não sou uma princesa — murmuro em seu peito, meus olhos ainda meio fechados.
— Você é para mim — sussurra ele, e outra parte de mim derrete.
— O que fazemos agora? — pergunto.
— Não sei — diz ele. — Isso... você... jogou meus planos em desordem. Não posso barganhar muito e trocar uma mulher que estou começando a amar, posso?
— Amor. Essa é uma palavra poderosa. — Escolho minhas próprias palavras com cuidado enquanto meu coração bate muito forte no meu peito.
Ele se desloca de modo que estamos olhando um para o outro. — Estou errado? Você não sente o que sinto?
Eu suspiro, porque não, ele não está errado, e isso me assusta muito.
Ele sorri. — Eu pensei que sim.
— Isso ainda não responde a minha pergunta. E agora?
— Agora — diz ele, levando meus dedos aos seus lábios para beijar. — Agora voltamos para Stonehill e descobrimos o que aconteceu com a Estrela da Meia-Noite e seu irmão.
Capítulo 13
REFORJADO
“Tenho uma espada e um lobo muito irritado. Isso terá que ser o suficiente. Agora eu só preciso de um plano”.
— Arianna Spero
No grande salão do Palácio dos Prazeres, sentada em uma sala ao lado de uma lareira, Es bebe uma caneca de chocolate quente. Pete se senta ao lado dela lendo algo que encontrou na biblioteca. Eu coloco meus pés embaixo de mim e me enrolo no canto da sala, pensando. Yami dorme no meu pescoço, exausto dos recentes acontecimentos. Ele está mais agitado ultimamente, e acho que ele se lembra da destruição que causou. Os soldados conseguiram salvar parte dos bosques. Três árvores, eles me disseram. O resto queimou e morreu.
Não treinei desde então. Não fiz muita coisa.
Uma criada envolta em seda vem e me entrega uma bebida quente, um prato de frutas cristalizadas e carnes. Agradeço e coloco a comida na mesa ao meu lado, mas seguro a bebida. O calor afasta o frio do meu corpo, então eu tomo um gole sem provar nada.
— Você deveria comer, querida — diz Es. — Você parece pálida como um fantasma.
Para satisfazê-la, eu pego um morango com cobertura de mel e dou uma mordida, mas é tudo o que consigo fazer. — Não estou com fome.
— Não foi sua culpa — diz ela. — E estamos bem.
— Pessoas foram feridas. Edifícios arruinados. O bosque foi embora. E foi minha culpa. Varis me avisou, mas não escutei.
Somos interrompidos por uma voz vindo do corredor. — Onde ela está? Ela está ferida?
Coloco minha bebida no chão e fico de pé, um sorriso vindo aos meus lábios pela primeira vez em algum tempo.
Fen corre para mim e me envolve em seus braços fortes e quentes. — Ouvimos as notícias. Um dragão arruinou a cidade? O que aconteceu?
Rapidamente explico o que eu fiz e o dano que causei.
Então Dean entra. — As pessoas vão reconstruir. E o bosque... — Ele se afasta e vejo que ele está devastado pelo que eu fiz. — Vamos plantar mais árvores. Levará séculos, mas eventualmente, o bosque será restaurado.
Relutantemente me afasto de Fen e abraço Dean, sussurrando em seu ouvido. — Sinto muito. Se eu pudesse mudar as coisas, eu faria.
Ele sorri brevemente, depois me deixa para sentar e beber vinho.
— O quê? Nenhum abraço para mim?
Aquela voz...
— Asher!
Ele está na porta, com os braços abertos e um grande sorriso no rosto. Eu corro e abraço meu segundo príncipe favorito.
Ele sorri e acena para Yami. — Vejo que você levou o ditado incendiar o mundo mais literalmente nestes dias?
Olho feio para ele. — Não é engraçado. Mas sim.
— Acabamos de vir de Stonehill — diz Fen. — É pior do que poderíamos ter imaginado.
Acho difícil de acreditar, até que ele descreve o que viu. Asher se inclina contra a parede, estudando suas unhas bem cuidadas. — Não posso dizer como estávamos aliviado a ouvir de Yami em plena forma. Nós vamos precisar dele na próxima batalha.
— Isso não vai funcionar — digo, meu peito apertando. — Não posso controlar o poder.
— Então não faça — diz Asher. — Liberte-o e deixe-o vencer esta guerra por nós.
— Os inocentes vão sofrer — sussurro, envergonhada. — Muitos morrerão.
— Não há inocentes na guerra — diz Asher. Ele está mais sombrio do que o habitual, mais raiva por trás dos olhos. Mas não o vejo há quase um mês, quem sabe o que ele suportou.
Fen olha para mim, apertando meu ombro. — Não pretendo saber o que isso faz com você para despertar tal poder. Mas você não viu o que vimos. A tortura. O sofrimento. As mortes. Se há uma maneira de impedir que Levi espalhe suas trevas para o resto da Inferna e além, devemos fazer isso.
Posso ver a dor em seus olhos, por ter testemunhado o que ele viu – por ter que me pedir para fazer algo que ele sabe me magoa – e parte de mim quebra. — Não posso... — Eu me afasto dele e olho para todos. — Não posso decidir isso agora. Eu devo pensar nisso.
Eu me afasto antes que qualquer um deles possa responder, todo o meu corpo alerta para alguém que tente me para parar. Mas ninguém tenta. Eles permitem o meu tempo, e por isso eu sou grata.
As luas ainda estão altas quando saio do palácio, e uma brisa suave carrega o cheiro de fogo e fumaça no ar. E pior, carne queimada. Tendas foram erguidas na praça do palácio, e elas estão rapidamente se enchendo de vítimas de queimaduras precisando de tratamento. Minha ilusão deve me fazer anônima para quem de outra forma reconheceria a princesa, mas mesmo assim, quantas pessoas realmente poderiam? Sem tecnologia, sem televisões, fotografias e telefones inteligentes capturando cada momento e rosto no cinema, essas pessoas vivem no esquecimento. Eles sabem da realeza, mas não sabem como eles se parecem metade do tempo. E se eles fossem vê-los, seria de uma grande distância, onde são manchas bem vestidas no horizonte.
Ainda assim, a precaução adicional me dá coragem para entrar em uma das tendas e oferecer minha ajuda. Somente outra pessoa se oferecendo para ajudar os necessitados.
Trabalho por várias horas antes de uma voz familiar interromper meu fluxo. — Diana? — pergunta Seri, arrumando seu cabelo. — Não te vi nos últimos dias.
— Eu... Eu estava me sentindo mal.
Ela toca minha mão. — O que aconteceu... Não foi sua culpa.
— É... — Eu me afasto, chocada. — O que você quer dizer?
— Eu sei quem você é. Quem você realmente é.
Não sei o que fazer com isso. — Vamos andar. — Ela assente e nós fazemos uma pausa, deixando as tendas de cura e caminhando pelos canais. A brisa leve da água acalma meus nervos.
— Não foi difícil — diz Seri. — Seus maneirismos. Padrões de fala. O jeito como você sempre lava as mãos antes de trabalhar com os doentes. — Ela sorri. — Assim que eu soube, foi fácil ver além da ilusão com um simples feitiço.
Eu nem percebi que ela sabia. Preciso trabalhar em ser mais atenta. — Mantenha isso em segredo, por favor. Quero apenas ajudar. Eu me sinto tão mal.
— Todos nas tendas ficarão bem. Queimaduras suaves, mas nada sério. Você faz o que deve para vencer esta guerra. É o inferno no norte para o meu povo. — Seu rosto desmorona. — Você tem que pará-lo. Por favor. Prometa.
Como pode ter chegado a esse ponto? Que devo destruir para salvar? Que devo escolher quem sacrificar. E nunca há uma escolha certa.
Antes que eu possa dizer algo, Dean vem até nós, e Seri se desculpa para voltar para seus pacientes.
— Sua presença é solicitada, princesa — diz Dean com um arco e uma piscadela. — Na reunião de guerra. É hora de se preparar para a batalha.
Ele oferece seu braço, então eu aceito e caminho com ele para o Palácio dos Prazeres. À sala de guerra. Entramos no meio de uma discussão entre Fen e Asher, e fico com a nítida impressão de que essa sala não é muito usada. Teias de aranha pendem nos cantos e o ar está seco e úmido, a não ser pelo fogo que resplandece no canto.
— Podemos fazer um ataque frontal? — pergunta Asher, ajustando as abotoaduras nas mangas.
Fen balança a cabeça. — Não até que os que estão dentro da cidade destranquem os portões. Sugiro que enviemos alguns homens, disfarçados de comerciantes, e apoiem os rebeldes lá dentro. Então, quando o portão for rompido, o resto pode seguir.
Dean concorda. — Sólido. Então, qual é o cronograma?
— Nós atacamos em uma semana — diz Asher. — É quando os rebeldes planejam seu ataque de dentro. — Ele aponta para Stonehill no mapa e...
Algo se choca contra a porta de madeira atrás de mim, e sinto um arrepio nos meus braços. Ando até a entrada, e quando eu abro, Seri está lá, prestes a entrar.
— Olá — diz ela, voltando-se para o grupo. — Sinto muito, este não é um bom momento? Eu precisava falar com o Príncipe Asher.
Asher aperta sua mão. — Não é um bom momento. Encontre-me quando isso acabar.
Seri assente. — Desculpe. Vou falar com você mais tarde, então.
Ela fecha a porta enquanto sai, mas meus braços ainda formigam. Algo parece estranho. Seri parecia desconfortável. Então eu saio silenciosamente e a sigo.
Fico longe o bastante para que ela não me veja ou me ouça pelos longos corredores, mas perto o bastante para ver se ela se vira ou muda de direção. É uma dança delicada, mas que no final acaba se desenrolando. Saímos do palácio e nos dirigimos para as margens da cidade, para a floresta. Que negócio Seri tem na floresta?
Entre as árvores, preciso ficar mais perto para avistá-la, por isso uso uma ilusão para abafar meus passos, me deixando quase silenciosa. Às vezes, ainda perco a noção dela, e depois sigo suas pegadas. Eventualmente, ela se depara com uma clareira e se senta em um toco. Perto dela, em uma árvore, senta-se uma coruja negra e vejo sua perna atada a um galho. Seri tira alguma coisa da bolsa. Caneta e papel. E começa a escrever.
O medo me toma. Eu sei o que está acontecendo, mas não quero que isso seja verdade. Silenciosamente, com a ilusão mascarando meus passos, eu ando atrás de Seri e leio a carta que ela escreve.
Eles atacarão Stonehill em uma semana. Esta é a sua chance de atacar enquanto estão distraídos.
Eu sabia a algum tempo que tínhamos um espião entre nós.
E agora eu sei que o espião é Seri.
* * *
A Guardiã vira, me percebendo. Sua voz é fria. — Se você optar por me matar, eu entendo.
Puxo minha espada, segurando-a no pescoço dela. — Por quê?
— Minha família morreu nesta guerra, e agora meu povo é torturado no norte. A era dos vampiros deve chegar ao fim. A era dos Fae deve retornar.
Ela fala tão casualmente, enquanto dentro de mim gira com raiva e tristeza. Puxo minha espada, pronta para atacar.
— Vá em frente — diz ela. — Eu faria o mesmo em seu lugar.
Sinto algo se agitar dentro de mim. O vento uiva para a noite. As sombras ficam mais escuras. A terra começa a tremer.
Minha espada reluz um azul claro, e a estendo contra a garganta de Seri, e quando a lâmina toca a carne dela, ela queima – um fogo tão quente que está queimando.
Fogo que matou tantos. Que matou Daison. Fogo que queimou meu corpo quando Oren me torturou. Fogo que queimou o bosque e os inocentes.
Quantos mais morrerão? Quantos mais sofrerão?
Não. Isso vai parar. Agora.
Acalmo minha mente, afastando todos os pensamentos de raiva e vingança, e o vento e a terra se acalmam. Minha lâmina não brilha mais. A escuridão recua.
Solto a espada e ela se choca contra o chão.
Não estou aqui para destruir. Estou aqui para trazer a paz.
— Eu não vou matar você — digo a Seri, cujos olhos se arregalam de surpresa. Nem sei se posso confiar nela. Ou se ela me trairá novamente. Mas sei que não serei mais a causa da dor. — Em vez disso, você me ajudará. Você me ajudará a trazer paz para todas as pessoas nessas terras.
Ela assente, uma lágrima deslizando por sua bochecha. — Sinto muito...
Agarro seu ombro. — Volte para as tendas de Cura. Queime a carta. Eu te encontrarei mais tarde. Mas agora, tem algo que eu devo fazer.
Caminho para o Jardim de Cristal. De volta à pedra e à chama.
E eu forjo.
* * *
Demora uma semana, trabalhando dia e noite – às vezes com magia, e a ajuda de mestres armeiros que vivem neste reino, para realizar minha tarefa. No último dia, tomo um gole de água fria e admiro nosso trabalho.
Um conjunto de armaduras, meio preta, meio branca. Como minha espada. Ela brilha. Como Yami.
Um dragão iridescente está gravado no peito. E o aço do luar é construído em dobras como escamas. Forte, mas leve. Uma capa da meia-noite flui atrás, agarrada aos ombros.
Eu visto a armadura e vou ver Fen. O olhar em seu rosto é todo o louvor que preciso. Então eu conto meu plano e ele concorda. É hora de nos apresentarmos.
Ele veste sua armadura de couro marrom e capa de pele grossa, e então Dean nos leva para a maior varanda do Jardim do Luar. Ele atrai seu povo para o palácio com promessas de bebida e comida grátis, e uma vez que centenas se reuniram, ele fala para as massas. — Vocês ouviram que Arianna Spero e Fenris Vane foram mortos pelo Príncipe da Inveja. — Ele pausa para o efeito. — Vocês ouviram errado.
Deixo cair nossas ilusões.
Fen e eu avançamos.
E as pessoas aplaudem.
* * *
Depois, há a festa que Dean prometeu. E quando ele promete, ele entrega em dobro. Vinho e cerveja fluem livremente, assim como licores muito mais fortes que brilham suspeitosamente. Néctar dos Anciões é o favorito, é claro. Eu fico longe em favor do vinho e celebro tarde da noite com meus amigos. Eu como demais, bebo demais. Porque amanhã...
Está na hora. Hora de marchar para o norte e parar Levi.
Hora de soltar a Estrela da Meia-Noite. Fen e Barão me escoltam para o meu quarto, e nós ficamos na minha porta olhando profundamente um para o outro.
Eu o beijo e seu corpo responde instantaneamente, agarrando-se ao meu, retornando meus beijos – minha paixão. Sou consumida por ele e não consigo soltá-lo. — Venha comigo — digo, meus olhos implorando para ele fazer o que eu peço. Se junte a mim. Para completar o que começamos tantas vezes.
Seu corpo pressiona mais forte contra o meu, e então ele se afasta, e sei sua resposta antes de falar. — Você teve muita bebida e nós viajamos amanhã. Você precisa descansar.
Antes que eu possa me opor, ele me beija castamente na testa e volta para seu quarto, Barão choraminga em seus calcanhares enquanto o lobo rouba olhares para Yami e eu.
Suspiro e entro no meu quarto. — Eu acho que é isso, meu pequeno dragão. Ele é um idiota teimoso às vezes.
Adormeço rapidamente, meus sonhos pacíficos sem poções pela primeira vez em semanas. E estou cheia de exaustão quando algo me acorda. É a porta do meu quarto, abrindo. Uma figura desliza para dentro. Estou prestes a pegar minha espada quando ele fala das sombras. — Ari, sou eu.
— Fen! — Eu me sento enquanto ele caminha até a minha cama. — Você voltou? Mas pensei...
— Mudei de ideia. — Essas são as últimas palavras que falamos o resto da noite.
Ele avança, me agarrando em um abraço feroz, seu hálito forte contra o meu ouvido, seu coração acelerado contra o meu peito. Sua boca explora a minha com uma paixão faminta, e suas mãos arrancam minha roupa de dormir. Nossos corpos se juntam. Delicadamente, a princípio, depois com um desejo que mal consigo conter. Nós nos perdemos. Para tudo o que somos. Para tudo o que desejamos.
Torna-se como uma droga, estar com ele. Nossa magia se encontra, os poderes misturando-se a um calor que nos enche e nos une em um.
E quando finalmente terminamos, adormecendo nos braços um do outro, olho para fora e vejo o nascer do sol se levantar. E à medida que a noite se transforma em dia, percebo que tudo mudou, e sorrio para o que está por vir.
Capítulo 14
O ACORDO
Kayla Windhelm
“Eles não sonham em se voltar contra você”
— Asher
Quase parte meu coração ver o que Stonehill se tornou quando chegamos aos portões. Tavian usa uma ilusão para mascarar suas feições, a meu conselho, enquanto passamos por uma demonstração de tortura e morte. As estradas são ladeadas por lanças de madeira que ostentam as cabeças de Fae e Shade. No início, os guardas não querem nos admitir na cidade porque eu sou Shade. Mas quando explico quem eu sou, eles concordam.
Tavian está quieto, e não o culpo. Este é o seu povo ainda mais que o meu. E o que foi feito para eles é horrível.
Passamos por uma carroça cheia de barris e Tavian fareja o ar. — Pó. Explosivos.
— Por quê?
— Talvez eles estejam se preparando para a batalha.
Eu aceno, olhando para o que uma vez foi minha forja. Agora, homens que não reconheço forjam armas cruas lá, preparando-se para a guerra com os Fae. Eu sigo frente, ansiosa para removê-los da minha linha de visão.
No centro da cidade, em uma plataforma de madeira que se tornou o palco para os atos mais cruéis, um grupo de soldados tortura dois escravos, enquanto mais homens de Levi observam e riem.
Tavian se tenciona e coloco minha mão ao redor de seu braço.
— Não podemos interferir — digo. — Não podemos lutar contra todos eles.
— Eu sei — diz ele com os dentes cerrados. — Não significa que eu tenha que gostar.
— Vamos encontrar Fen e Ari e descobrir o que está acontecendo... — As palavras morrem em minha garganta quando nos aproximamos do Castelo de Stonehill. Por que lá, em ambos os lados da entrada, há mais dois piques. Com duas cabeças. Chamas ardem em minhas mãos e sinto meu sangue ferver de raiva, tristeza e choque.
— Eles estão mortos! — Eu me viro para Tavian, minha ira saindo de mim enquanto atiro isso em cima dele. — Você disse que ela estava viva. Você me deu esperança.
Ele me puxa para seus braços e, embora minhas chamas chamusquem sua pele, ele não solta. Respiro seu cheiro, me agarro ao seu peito, e deixo o fogo em mim morrer enquanto soluços me rasgam. Não percebi o quanto eu precisava dessa esperança até agora. Até que foi arrancada de mim.
Quando eu me controlo, recuo para olhar para ele. — Pensei que você saberia se ela estivesse morta?
— Eu saberia. Não posso explicar, mas isso não faz sentido. Precisamos de mais informações. Toda a esperança não está perdida — diz ele, enxugando uma lágrima da minha bochecha.
— Dum spiro spero — sussurro. — Enquanto respiro, eu tenho esperança. Ari sempre disse isso. Ela sempre teve esperança. Sempre acreditou que as coisas poderiam melhorar.
— Ainda não fale dela no tempo passado. Nós descobriremos a verdade.
Algo muda no ar. Eu me afasto de Tavian e vejo que estamos cercados por homens em vermelho, suas armaduras brilhando ao sol. Suas armas apontadas para nós.
Levi está à frente deles. — Ora, ora. Quando ouvi que Kayla Windhelm havia finalmente retornado, eu não pude acreditar. Tive que ver por mim mesmo. Mas aqui está você. Viva e bem. Tomou seu tempo respondendo à minha convocação, não foi?
Aperto minha mandíbula, me enchendo de raiva. — Você assassinou Fenris e Ari.
— Ora, ora. Não foi assassinato, mas justiça. Arianna era a Estrela da Meia-Noite. Ela era a razão para o retorno dos Druidas. E Fen era Fae o tempo todo. Seu lobo era o Espírito da Terra.
Recuo. — Isso não é possível.
Levi sorri. — Oh, mas é. Nossa mãe o transformou quando ele era um bebê, você vê. Eu sabia que ele era Fae desde o começo, mas só recentemente descobri que ele era Druida. — Ele inclina a cabeça para mim. — Por que tão chocada? Com ??a Estrela da Meia-Noite desaparecida, os druidas logo voltarão ao sono, e então nós teremos paz mais uma vez.
Eu cuspo a seus pés. — Não pode haver paz sob seu governo.
Levi revira os olhos, depois olha para Tavian. — E quem você poderia ser?
— Um viajante — diz ele. — Salvei Kayla nas Terras Distantes.
— E eu assegurei que ele seria bem recompensado — acrescento.
Levi acena com a cabeça. — Você tem meus agradecimentos. Kayla é uma ferreira valiosa. — Ele faz um gesto para seus homens. — Agora eu tenho certeza que você nos seguirá em silêncio. Seria uma vergonha perturbar os habitantes da cidade.
Pego minha espada. — Nós partimos. Agora.
Levi ri. — Se você tentar, meus homens vão te derrotar. Eles cortarão seu amigo e farão muito mal a você. Vou me certificar de que toda a minha guarnição tenha uma chance. Quem sabe talvez eu até participe no final.
Olho para Tavian. — Não podemos nos render.
Ele olha ao redor, os comerciantes que administram suas lojas, as esposas secando suas roupas, as crianças brincando com pedras. — Sinto muito — diz ele. — Mas não posso lutar aqui. Não posso ferir essas pessoas inocentes.
Lembro a última vez que ele mudou, como atacou sem causa e razão. Eu me lembro de como ele quase me matou.
E solto minha espada.
Levi sorri e abre a mão, revelando um frasco de líquido roxo. — Agora, você seria tão gentil a ponto de beber isso? Isso ajudará a tornar as coisas mais fáceis.
Agarro o frasco e engulo a minha parte, então passo para Tavian. Seus olhos de esmeralda são as últimas coisas que vejo antes da minha força desaparecer, e caio em nada.
Capítulo 15
VINGANÇA
“Eles são fortes, Ari. Poderosos. Nós somos os Caídos. Os primeiros da nossa espécie a vir a este mundo. Os amaldiçoados originais. Você não teria chance contra eles. Contra qualquer um de nós”.
— Fenris Vane
Eu me despeço de Es e Pete, e então marchamos para o norte. Varis não segue.
— Esta é uma luta entre vampiros. Isso não diz respeito aos Fae. — Tento discutir com ele. Convencê-lo de que derrotar Levi é bom para todos, mas ele não escuta. Na verdade, mal nos falamos desde que soltei a Escuridão e queimei o bosque. E mal nos falamos agora. — Adeus, Arianna. Que possamos nos ver novamente. — Então ele sai voando em Zyra, para o nascer do sol.
Demora um dia para chegar aos arredores de Stonehill, e montamos acampamento na floresta, não fazendo nenhuma fogueira para não atrair atenção. Nosso exército não é grande. Apenas algumas centenas. Então vamos esperar pelo amanhã, quando a rebelião começa.
Fen e eu compartilhamos uma tenda, mas não repetimos o interlúdio romântico da noite passada, nem falamos sobre isso. Eu acho que, talvez, nós dois nos preocupemos que fazer isso seria quebrar a felicidade que encontramos e, assim, simplesmente aproveitamos a companhia um do outro, brincando e rindo, adormecendo lado a lado.
No dia seguinte, sou acordada. — Pegue seu equipamento — diz Fen. — A rebelião começou cedo.
Visto minha armadura e pego Spero, depois encontro meu cavalo. Dean, Asher, Fen e eu lideramos as linhas de frente quando saímos da floresta e para uma colina com vista para a cidade. O sol acaba de começar a subir, fundindo tudo em laranja escuro e deixando longas sombras.
Nós esperamos.
Esperamos o portão se abrir.
E quando isso acontece, nós avançamos, soltando gritos de batalha e gritando para os céus. Nossos soldados derrubaram todos em seu caminho. Sangue e lama cortam o ar. Homens e mulheres com dor, com feridas e membros desmembrados. Edifícios são incendiados. Os cavalos perdem seus cavaleiros e fogem em pânico, atropelando as pessoas até a morte. É o caos. Em toda parte. E só posso torcer que os inocentes estejam seguros, pois não posso dizer. Tudo parece loucura e morte.
No meio do tumulto, Fen leva a mim e seus irmãos para o lado do castelo, para uma passagem secreta atrás de uma cachoeira, mas poucos sabem dela. Ele bate em uma pedra incrustada em um muro de pedra e uma porta se abre. Rapidamente corremos para dentro e Fen fecha a passagem. Tochas escuras iluminam nosso caminho enquanto corremos por túneis apertados e por pequenos degraus. Quando chegamos a um beco sem saída, Fen bate na parede e o caminho diante de nós se abre. Lanço uma ilusão sobre todos nós, abafando nossos passos, e vamos para o castelo.
Conheço este lugar.
As masmorras.
O Guarda senta-se à mesa, comendo um pedaço de pão, com as mãos ainda ensanguentadas por causa de seu desagradável trabalho de tortura. Ele começa a se virar, prestes a nos ver, mas então Fen pula e em um movimento quebra o pescoço dele. — Um dos de Levi — diz ele, cuspindo no cadáver.
— Precisamos nos apressar — diz Dean. — Antes de Levi perceber que estamos no castelo e tentar fugir. — Eu aceno e nos movemos para as escadas. Mas algo chama minha atenção.
Um homem no canto, imóvel e sangrando, as costas retalhadas em fitas de carne e pele.
Marco!
Corro para o lado dele e quebro as correntes que o prendem com a minha espada. — Traga-lhe um pouco de água. Agora!
Asher sai, trazendo um jarro da mesa, e despejo a água fria na garganta de Marco.
Ele engole o que pode, então se afasta, sinalizando que está bom. Seu rosto está machucado e roxo. Quase irreconhecível. Quando olha para mim, ele sorri. Sua voz é quase um sussurro. — Arianna... Você voltou...
Eu aceno, acariciando seus cabelos em movimentos suaves. — Sim. Você está seguro agora.
— Levi... ele... depois que eu ajudei...
— Eu sei. — Levi fez isso com ele. Porque ele me ajudou a escapar. Lágrimas enchem meus olhos para o homem diante de mim. Pela dor que sofreu. Levi nunca deve causar essa dor novamente. Não importa o que aconteça, hoje eu capturo o príncipe louco.
Marco inclina a cabeça para o lado. — Lá... amigos...
Sigo seu olhar para os fundos da masmorra, onde grandes jaulas de aço estão cobertas de sombras. — Certifique-se de que ele está confortável — digo para Asher, e então eu corro para o cadáver do Guarda, pego as chaves do cinto e abro a cela na parte de trás.
Dentro, eu encontro uma mulher. Suja e ensanguentada. Enrolada em uma pequena bola. Agitando e murmurando bobagem. Eu me aproximo para oferecer água. E então eu vejo quem ela realmente é. — Kayla?
Kayla se arrasta para trás, seus olhos selvagens e vermelhos. — Não. Não. Não! Não me castigue novamente. Nunca mais. Eu tenho sido boa. Eu juro que tenho sido boa.
Eu me sento, ficando ao nível dela. — Kayla, sou eu. Arianna.
Ela afasta o cabelo desgrenhado dos olhos, apertando os olhos. — Arianna? Arianna! — Ela salta, me agarrando e segurando com força, chorando contra o meu peito. — Eu vi sua cabeça em uma estaca. Você estava morta. Você estava morta!
Agarro seus ombros e a faço olhar para mim. — Foi apenas uma ilusão. Eu estou aqui. Estou viva. Você está segura.
Ela acena com a cabeça, depois olha para longe, para a gaiola. Não. A gaiola ao lado dela. Ela alcança as barras. — Tavian. Tavian!
Não sei de quem ela fala, mas entendo o que ela quer dizer. Saio correndo e abro a segunda gaiola. Um homem está lá dentro, imóvel, com as costas ensanguentadas, o abdômen coberto de feridas recentes costuradas. Eu checo seu pulso. — Ele está vivo!
Kayla cai ao seu lado, apertando-o carinhosamente. — Oh, graças aos Espíritos. Tavian. Tavian, por favor, acorde.
Alguém agarra meu ombro por trás. Fen. — Temos que ir. Antes que seja tarde demais. — Ele olha para Kalya. — Estou feliz que você esteja segura, irmã.
Ela olha para ele. — Vá. Faça Levi pagar.
* * *
Quando chegamos ao andar de cima, é o caos. Os escravos aproveitaram a rebelião e atacaram os guardas usando facas de cozinha. Vassouras. Qualquer coisa que pudessem pegar. Alguns conseguem matar um vampiro e pegar sua espada. Barão se junta à briga, arrancando a garganta de um soldado. Atacando visivelmente qualquer um que considere um inimigo.
Nosso grupo abre caminho pelos corredores, evitando o máximo de combate possível. Alguns aliados se apressam para lutar contra nós, mas então eles veem Fen, encharcado de sangue de seus inimigos, Dean, com o brilho da batalha nos olhos, e Asher, veloz, apesar das novas feridas. Eles me veem, vestida com as cores da meia-noite, um dragão no meu ombro. E então os soldados fogem.
Um grupo de Fae bloqueia o caminho à frente. E reconheço Kara com seu cabelo dourado e Julian com seus olhos verdes, as garotas Fae que atenderam às minhas necessidades em Stonehill e mais tarde no Castelo Céu. Elas lutam contra o atacante, um homem encharcado de sangue, uma espada na mão. Antes que ele possa atacar, eu corro.
E corto o braço dele.
As garotas gritam. Então elas me veem. E seus olhos se enchem de esperança.
— Vão — digo. — Encontrem um quarto e tranquem a porta. Não saiam até não ouvir mais batalhas. — Elas assentem e desaparecem no corredor.
Alguma coisa cutuca meus pés.
Olho para baixo e vejo Kal, encostado na parede, segurando a barriga.
— Quão ruim é? — pergunto, já examinando a ferida.
Ele ri. — Nada que um Guardião não aguente. Eu ficarei bem.
Não sei dizer se ele está sendo honesto ou apenas dizendo o que eu quero ouvir. Kal era um dos meus únicos amigos quando cheguei a Stonehill, um dos poucos que entendeu minha luta para ajudar os Fae. Eu me abaixo e beijo sua cabeça. — Que os Espíritos te abençoem — digo, lançando um encantamento para curar. Então fico de pé e me afasto. Eu fiz tudo o que posso. Nenhum ponto em se preocupar agora. Devo me concentrar. Levi aguarda.
Mais alguns passos, e chegamos à entrada do grande salão. Uma dúzia de guardas de elite protegem a porta, massacrando todos os Fae que tentam invadir. Fen e Dean avançam, engajando-os na batalha. Mas tenho outros planos. Enquanto os irmãos lutam, corro pela abertura que eles criam e abro a porta. Procuro a cabeça. Corte-a e o corpo morre.
Entro na sala do trono, e me vejo longe do caos, em um corredor vazio e silencioso. Folhas cobrem o chão, caídas da grande árvore que fica no centro da sala. Uma vez, este era um lugar de felicidade. Um local de conforto e segurança. Agora é um campo estéril, podre, corrompido. Eu me movo pelo corredor, espada levantada. E então eu o vejo. Sentado no trono em vestes douradas e vermelhas. Deslizando os dedos claros pelos longos cabelos brancos. Ele me estuda e então ri. — Oh, bem jogado, Princesa. Bem jogado. Você fez todo o caminho até aqui. Mas você ainda tem que vencer.
Ele se levanta, puxando sua espada, uma lâmina gigante de prata com um rubi no punho.
Olho para trás, procurando ver se meus aliados me alcançaram. Não chegaram. Os soldados de elite estão mantendo-os afastados. Começo a virar para Levi.
E vejo sua espada se arremessando em direção à minha garganta.
Saio do caminho e ataco. Nossas lâminas se chocam e o som de aço ecoa no vazio. Levi gira e depois ataca minhas pernas. Eu paro e bato nas mãos dele. Yami grita e Levi se encolhe em surpresa. Eu vejo uma abertura e golpeio.
E apunhalo Levi no coração.
Ele cai, o sangue jorrando de seus lábios, seus olhos desaparecendo.
Tremo, incapaz de aceitar que isso acabou. A guerra com Levi acabou. Stonehill foi recuperada. Lágrimas de felicidade enchem meus olhos, misturando alegria com choque. Eu ouvi falar que Levi era um mestre espadachim, mas deve ter sido uma brincadeira. Uma mentira para assustar seus inimigos. Ele era fraco o tempo todo. Tão fraco como era em mente.
Olho para o Príncipe da Inveja uma última vez. E o vejo cair.
E então...
Então eu vejo o sangue começar a desaparecer.
Vejo sua roupa desaparecer.
Vejo seu rosto mudar.
Não. Não pode ser.
O homem a meus pés não é Levi. Ele é um impostor. Um chamariz. Mascarado pela ilusão. Como eu poderia não ter pensado nisso?
Olho em volta, tremendo de pavor. Se isso é falso, então onde está o verdadeiro Levi?
Recuo em cada sombra. Agito a cada som. E então eu olho para as janelas. E lá fora, no topo de um penhasco coberto de neve, vejo Levi.
Seu manto vermelho balança ao vento. Seu cabelo branco cai sobre seus olhos escuros. Ele levanta a mão.
E a sala do trono explode em chamas.
* * *
Sinto primeiro a força da explosão, me empurrando para trás, me jogando contra uma parede, esmagando meus ossos. O salão à minha frente se abre, pedra e madeira se despedaçando. Em seguida, vem o fogo. Ele brilha como o sol ardente, definindo a chama e incendiando a grande árvore, queimando a própria pedra, e ela avança. Em frente. Para mim.
Não há tempo. Nada que eu possa fazer.
Olho para Yami uma última vez, e então sorrio, encarando meu fim. Não temerei as chamas como antes. Cairei em seu abraço caloroso. Eu verei Daison mais uma vez.
Suspiro, deixando de lado todo o meu medo e ódio. Perdoando todos aqueles que eu ainda precisava perdoar. Não sei como faço isso em um piscar de olhos, mas eu faço.
Entrego-me ao que vem a seguir. O fogo cai sobre mim.
E então ele está lá.
Fen.
Ele pula na minha frente, seu rosto torcido em dor e esforço. Ele levanta os braços e uma parede de pedra se ergue do chão. Ela bloqueia o fogo. Bloqueia o fim.
E, finalmente, o tempo parece se mover em um ritmo normal.
Agarro Fen enquanto ele cai no chão, ofegante e tremendo. Ele usou muita energia para controlar a terra e convocar a parede. Ele precisa descansar. Sem treinamento adequado, o ato ainda poderia causar sua morte.
Dean e Asher correm atrás de mim, Barão em seus calcanhares. — Leve-o a um curador — digo.
E então eu corro. Corro além da parede de pedra.
Corro sobre o chão queimado e despedaçado.
Corro através da janela arrancada.
E pulo.
Voo pelo ar, Spero erguida. Eu venho pela justiça. Eu venho para Levi.
Ele me vê e seus olhos se arregalam. Ele corre, pulando do penhasco, descendo até o lago congelado. Eu caio atrás dele, puxando minhas mãos para acelerar o meu descer. E então eu sinto Yami contra mim. Ele está maior que antes. Não tão gigante quanto quando consumido pela escuridão. Ele é mais do meu tamanho. E aperto os espinhos nas costas dele, deixando que ele me leve para baixo e para frente. Juntos, nós deslizamos pelo lago gelado. Mais perto de Levi.
Saio de cima de Yami.
Batendo em Levi enquanto caio.
Ele sai do caminho e Spero perfura o gelo. Solto a minha espada e ataco novamente. Levi desvia, então retalia com uma série de ataques tão rápidos que mal consigo evitar a morte. Este é o verdadeiro Levi. O mestre da espada.
Yami desce, atacando Levi por trás, mas ele evita o ataque, e preciso me esquivar do próprio dragão. Recupero minha postura e invisto. Mas não importa qual ataque eu tente, Levi está sempre um passo à frente. Ele luta contra Yami e eu ao mesmo tempo. E ele está ganhando.
Há uma razão pela qual os vampiros venceram a guerra, eu acho. Mesmo a Estrela da Meia-Noite não aguentaria lutar contra eles.
Giro para frente, atacando com minha espada. Mas Levi vê uma fraqueza na minha técnica. Ele corta meu ataque.
E corta meu ombro.
A dor me deixa de joelhos, me faz tremer e gritar.
Levi levanta sua espada. Um golpe final. Ele ataca.
E o gelo entre nós se quebra, jogando nós dois para trás. Uma serpente, enorme e selvagem, corre da água, rugindo para o céu. Wadu.
Ela está aqui.
Eu levanto e corro.
Wadu se lança para frente, dentes afiados apontados para me rasgar em pedaços. Mas Yami colide com a cabeça dela, arranhando seus olhos. É a distração de que preciso. Eu posso fugir. Esperar por Dean e Asher me alcançarem. Para me ajudar.
Mas eu esqueço.
Onde Wadu está, Metsi não está muito longe. Ela brota do gelo diante de mim, bloqueando meu caminho, sua pele escura brilhando contra o branco da neve e gelo.
— Você é minha agora — diz ela.
E então Wadu rompe o gelo abaixo de mim.
Envolvendo-me. Puxando-me para baixo.
Meus pulmões se enchem de água enquanto me debato e luto, tentando não gritar.
Mas a água está tão fria. E pensar é tão difícil.
Então eu fecho meus olhos.
E deixo o gelo me puxar.
* * *
Meus pulmões queimam enquanto a água escorre da minha boca. Eu engasgo. Engasgo. Tento me mover. Tento me libertar, mas estou algemada. Acorrentada. Meus pulsos e tornozelos imobilizados. Abro meus olhos e vejo Metsi, a Druida de Água, em pé diante de mim, usando sua magia para tirar água dos meus pulmões.
Inalo oxigênio e tento limpar a minha cabeça. Tento lembrar o que aconteceu. A batalha. Stonehill. Levi.
Ele fugiu. Eu o persegui. Lutei com ele. Stonehill era nossa mais uma vez.
E então...
Metsi. Ela sabia onde estávamos. Sabia exatamente quando atacar. Mas como? Seri nos traiu afinal de contas? Fui uma tola por confiar na curadora Fae?
Olho em volta, estudando o edifício de pedra verde em que me encontro. Vejo apenas uma janela. O quarto é escuro. Guardas bloqueiam a entrada. Não sei onde estou. Não sei como escapar ou para onde ir se fizer.
Então faço a única coisa que posso. Acalmo minha mente. E quando minha respiração retorna, eu falo, embora doa a garganta e ainda esteja tonta. — Onde está Yami? O que você fez com ele? — Alcanço meu dragão, tentando convocá-lo, mas não sinto nada.
— Ele está seguro. Capturado e enjaulado até que possa ser empunhado por um que podemos confiar — diz ela.
— O que você quer comigo? Torturar-me como fez Oren? Matar-me? — Tento ser corajosa através do meu medo, mas isso não é como a última vez que os Fae me capturaram. Não há ilusão de respeito. Sou uma prisioneira. Estou em perigo.
— Não — diz ela com um sorrisinho, acariciando meu cabelo e meu estômago. — Eu nunca mataria você. Minha magia começaria a desaparecer. Eu preciso de você viva. Mas... você tem sido um problema. Então eu a manterei contida em algum lugar seguro. Em algum lugar onde você não possa fazer mal.
As tochas piscam na parede, e percebo que estou em uma masmorra mais uma vez.
Alguém grita em agonia.
— Mantenha o outro prisioneiro quieto! — estala Metsi.
— Desculpas, Selvagem. Acho que fomos longe demais desta vez.
Estico meu pescoço para ver quem está falando. É outro Fae em pé sobre um homem amarrado a um poste. O homem está nu e sangra profusamente enquanto tiras de pele caem no chão como queijo ralado. Não o reconheço até que ele vira o rosto para mim.
Levi.
Volto-me para Metsi. — Eu sou a próxima?
Metsi coloca a mão sobre o meu estômago e sorri.
— Não posso arriscar isso — diz ela. — Afinal, não seria bom para a criança que você carrega.
Epílogo
Asher
“Um homem sai das sombras. Um homem que conheci nas últimas semanas. Um homem que eu poderia confiar”.
— Arianna Spero
O castelo é nosso. As pessoas desfilam pelas ruas, festejando e bebendo, celebrando o retorno de Fenris Vane. Eles xingam o nome de Levi e cantam louvores ao Príncipe da Guerra.
Mas nem todos podem estar tão alegres. Muitos caíram na batalha, e a cidade se enche de sepultamentos e piras funerárias, todos honrando seus mortos à sua própria maneira.
Aqueles que foram feridos são levados para as tendas de cura, e Seri trabalha incansavelmente para aliviar a dor e salvar suas vidas.
Kayla se cura rapidamente, recuperando seus sentidos e força depois de alguns dias. O mesmo acontece com o novo homem. Tavian Gray. Ele é desconhecido para mim e isso é preocupante. Mas até agora, ele não causou problemas.
O Guardião Kal'Hallen sobreviveu, embora deva viver com uma cicatriz gigante em sua barriga agora.
Fenris cura mais rápido de todos. Seja qual for o poder que ele desencadeou para salvar Arianna, não o drenou por muito tempo. E ele parece ter se interessado pelos textos Fae desde então. Certa vez, eu o vi em uma varanda, falando com Varis sobre alguma coisa. Suspeito que foi sobre desbloquear mais de suas habilidades.
Uma semana após a batalha, Fenris, Dean e eu nos encontramos na Sala de Guerra. Não é a primeira vez e provavelmente não será a última. — Temos que encontrar Arianna — diz Fenris, apontando para mapas das Terras Distantes. — Devemos enviar todos os guerreiros que podemos poupar para procurá-la.
— Cuidado, irmão — digo, ajustando o colarinho do meu terno e não encontrando nenhuma maneira de torná-lo confortável. — Você esquece, nós nunca achamos Levi. Provavelmente ele escapou e está reunindo um exército com Niam para retomar Stonehill. Zeb e Ace provavelmente também se juntarão a eles.
Fenris rosna. — Faça o que quiser com seus soldados. Mas eu vou atrás de Arianna.
Dean suspira, tirando a camisa, embora eu não possa dizer por quê. — Eu também — diz ele. — Mandarei meus melhores homens para procurar por ela.
Balanço a cabeça pela insensatez deles. — Então suponho que estarei aqui, protegendo a base do poder, e apenas sacrificando tudo para recuperar.
— Suponho que você irá — diz Fenris. Então ele se afasta, batendo a porta.
Dean encolhe os ombros, e nós decidimos que a reunião acabou. Eu saio do quarto quente, passando pelo grande corredor no meu caminho. Os escravos labutam com pedra e madeira, trabalhando para reconstruir a parede arruinada. Levará meses de trabalho, mas percebo que há até vampiros ajudando com os reparos. Talvez eles acelerem o processo.
Uma vez que estou em meus aposentos, sento na cama e puxo o meu terno. É muito apertado para mim. Prefiro muito mais a sensação de armadura.
Em vez disso, coloco uma camisa branca simples e depois a vejo.
Ela se materializa da névoa na minha janela. Sua pele é escura. Suas tatuagens azuis brilhando na luz da lua. — Seu plano funcionou — diz Metsi. — Arianna e Levi estão agora sob meu poder.
Sorrio e olho para ela. — Eu sabia que você encontraria uma maneira de aproveitar o caos.
— Ela está grávida — diz Metis.
Isso é novidade. — Bom. Então nós levantaremos a próxima Estrela da Meia-Noite juntos.
— E os Fae serão livres mais uma vez.
— Sim... — digo, reclinado na cama macia, suave demais para o meu gosto. — E tudo ficará bem. — Olho para a janela e vejo que Metsi se foi. Bom. Eu temia uma conversa mais longa. E, além disso, tenho outros assuntos importantes.
A noite escurece e deixo meus aposentos, descendo profundamente no castelo. Empurro uma pedra em uma parede e abro uma passagem tão antiga que até mesmo Fenris não conhece; ele ainda não havia nascido durante a sua criação. Então eu desço os degraus em espiral, profundamente nas entranhas da terra, até chegar a uma câmara escura, onde tochas lançam sombras maravilhosas.
E lá, no centro, um homem se senta de joelhos, os braços esticados e sustentados por correntes.
Ali está o verdadeiro Asher.
Ele olha para mim, com os olhos afundados, o lábio ensanguentado. — Você não me manterá aqui para sempre. Eu vou escapar. E quando eu fizer isso, pai, eu acabarei com sua vida.
Eu rio, soltando minha ilusão, e examino minhas próprias mãos. As mãos de Lucian. É bom ser eu mesmo novamente, mesmo que só por um tempo.
Dou um passo à frente, pego uma bandeja de carne e queijos do chão e coloco-a diante de Asher. — Um dia, meu filho, você entenderá as razões para o que eu faço. E me agradecerá.
Ele cospe na minha cara.
Limpo o cuspe e sangue e viro para sair. Um dia ele entenderá e pedirá perdão. As peças estão se encaixando. E logo o poder do Primeiro será meu.
{1} Uma ligação não intencional aceita por telefone quando se senta nos botões.
{2} Uma ligação não intencional feita por telefone quando se senta nos botões de discagem rápida
Karpov Kinrade
O melhor da literatura para todos os gostos e idades