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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SIM, OS DEUSES ERAM ASTRONAUTAS/Erick Von Däniken
SIM, OS DEUSES ERAM ASTRONAUTAS/Erick Von Däniken

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

SIM, OS DEUSES ERAM ASTRONAUTAS

 

Aconteceu há cerca de 55 anos na escola primária da cidade de Schaffhausen, na Suíça. Eu estava com dez anos de idade e ouvi nosso professor de religião afirmar que no Céu acontecera uma luta. Um dia, o arcanjo Lúcifer teria se apresentado com suas hostes angelicais diante do trono do bom Deus e declarado:

Não Te servimos mais!

Então, Deus Todo-Poderoso teria ordenado ao forte arcan­jo Miguel que jogasse Lúcifer para fora do Céu com seus insu­bordinados. Miguel executou essa missão com uma espada flamejante. A partir de então — segundo nosso professor de religião — Lúcifer teria se transformado em Diabo, e todos os seus seguidores estariam ardendo no Inferno.

Naquela noite, pela primeira vez em minha jovem vida, fiquei realmente pensativo. O Céu, assim haviam ensinado a nós, crianças, seria o lugar da bem-aventurança absoluta, o lugar aonde todos os bons chegariam depois da morte. Seria também o lugar onde todas as almas estariam intimamente unidas a Deus. Como poderia surgir um conflito num campo tão paradisíaco? Ali onde reina a felicidade completa, onde a união com Deus é perfeita, não pode nascer nenhuma oposi­ção, nenhuma briga. Por qual motivo Lúcifer se insurgiria re­pentinamente com seus anjos contra Deus Todo-Poderoso, de misericórdia infinita?

Minha mãe, a quem pedi conselho, tampouco soube en­contrar solução. Ela disse, muito preocupada, que, para Deus, tudo é possível. Deve mesmo ser assim. Até o impossível.

Mais tarde, no ginásio, quando aprendi latim, percebi que o nome Lúcifer é composto pelas palavras lux (luz) e ferre (fa­zer, trazer). No fundo, Lúcifer quer dizer o fazedor de luz, o portador da luz. Justamente o Diabo ser o portador da luz? Meus novos conhecimentos de latim tornavam a questão ainda mais desconcertante.

Vinte anos depois, tendo estudado a fundo o Antigo Testa­mento, como os cristãos chamam o antiqüíssimo legado, pude ler nos ensinamentos do profeta judaico Isaías (cerca de 740 a.C.):

Como caíste do céu, estrela brilhante da manhã! Como caíste por terra, tu, vencedor dos povos! Tu havias dito em teu âmago: "Quero subir ao céu, estabelecer meu assento bem acima das estrelas de Deus, eu quero tronar sobre o monte dos deuses..."1

Os dizeres do profeta Isaías podem ter sido modificados di­versas vezes ao longo dos séculos. Mesmo assim, podemos indagar sobre o que ele pretende nos revelar? Também na as­sim chamada "Revelação Secreta" do apocalíptico João, pode- se perceber, no capítulo 12, versículo 7, inequívocas referên­cias a lutas no céu:

E surgiu guerra no céu, de modo que Miguel e seus anjos guerrearam com o dragão. E o dragão guerreou com seus an­jos; e ele não logrou resistir e no céu já não podia encontrar um lugar para si.

Estranho. As grandes tradições de outros povos comprovam que, no que diz respeito a essas batalhas no céu, não pode se tratar de

livre invenção. No livro egípcio dos mortos, aquela coletânea de textos que era colocada nos túmulos dos cadáveres mumifica­dos para que estes se comportassem corretamente no Além, po­de-se ler que Rá, o poderoso rei do sol, teria lutado contra os filhos rebeldes do universo. Deus Rá, assim está escrito, não teria nunca abandonado seu "ovo” durante a batalha.2

Lutas no céu? No universo? Ou será que nossos antepas­sados ignorantes se referiam apenas aos embates entre o bem e o mal, que ocorrem somente no interior dos homens? Tal­vez eles imaginassem a tensão atmosférica durante um tem­poral como uma batalha no espaço cósmico? As nuvens es­curas contra o sol? Ou a origem desse pensamento estaria num eclipse solar, em que algo terrível parece devorar o sol? Conforme quero demonstrar ainda, todas essas explicações naturais não ajudam. Se a referência à batalha entre Lúcifer e Miguel fosse encontrada apenas nos antigos círculos judai­cos, poderia ser desprezada. Isto, porem, não acontece, e es­sas antigas histórias coincidem de forma espantosa e com demasiada freqüência.

Também, durante milênios, foram conservados textos chamados Dzyan em mosteiros tibetanos. Um texto origi­nal qualquer, o qual não se sabe se ainda existe, deve bem ter servido de base para os muitos fragmentos de Dzyan que surgiram nas bibliotecas dos templos hindus. Trata-se de centenas de folhas em sânscrito, inseridas entre duas tábuas de madeira, como um sanduíche. Ali pode se ler que, no "quarto mundo", foi ordenado aos filhos que criassem suas imagens. Um terço dos filhos se recusou a executar essa ordem:

As rodas mais antigas se viram para baixo e para cima. As ovas maternas preenchem o todo. Ocorreram lutas entre os cria­dores e os destruidores, e lutas pelo espaço... Faze teus cálculos, Lanoo, se queres chegar a saber a verdadeira idade da tua roda.3 (Grifos do autor)

Em meu último livro, A odisséia dos deuses, referi-me a trechos da mitologia grega,4 que também se inicia com uma luta no céu. Os filhos de Urano sublevaram-se contra a ordem divina e o criador. Daí resultaram batalhas terríveis — Zeus, pai dos deuses, é apenas um dos vencedores. Prometeu, por sua vez, lutou contra Zeus, justamente “no céu", já que Prometeu foi aquele que roubou o fogo lá de cima e o trouxe para a Terra. Prometeu-Lúcifer. O portador da luz?

A Nova Zelândia fica do outro lado do globo terrestre, bem longe da Grécia. Há mais de cem anos, o etnólogo John White interrogou os velhos sacerdotes dos maoris acerca de suas len­das, e estes também começaram narrando uma guerra no uni­verso.5 Parte dos filhos dos deuses insurgiu-se contra seus pais. O comandante desses guerreiros do universo chamava-se Ronga-mai, e, após a batalha vitoriosa, ele deixou que o vene­rassem na Terra:

Sua aparição era como uma estrela luminosa, como uma la­bareda de fogo, como um sol. Quando ele descia aqui, a terra era revolvida, nuvens de poeira velavam o olhar, o ruído ri­bombava como trovão vindo de longe, como o rumorejar de uma concha.

Essas descrições não podem ser descartadas como se fossem conversa de psicólogos. Trata-se de uma lembrança remota que foi preservada. No Drona Parva,6 o mais antigo legado hindu, as batalhas no universo são descritas exatamente do mesmo modo que em lendas judaicas que não fazem parte do Antigo Testamento.7 Ali também se fala em "rodas sagradas, nas quais vivem os querubins". Naturalmente, não num lu­gar qualquer, mas "no céu" e "entre as estrelas".

Os etimologistas asseguram que tudo isso deve ser consi­derado simbolicamente.8 Essas histórias estranhas9 seriam so­mente mitos. Somente? Em que raiz devemos nos agarrar se na mitologia de nossos antepassados há apenas simbologia? E mesmo admitindo que seja simbologia: o que representam os símbolos? A palavrinha símbolo é derivada do grego symballein e significa "unir". Se os mitos devem ser concebi­dos apenas simbolicamente, gostaria de saber o que foi uni­do ali. A tentativa de persistir no descomprometimento dos mitos não nos leva nem um passo adiante. Nós nos torna­mos uma sociedade que acredita sem nenhum problema nos legados mais contraditórios. Cremos em nome da religião. Porém, é evidente que não estamos dispostos a aceitar al­guns fatos. Quando sustento que as Sagradas Escrituras, prin­cipalmente os primeiros livros de Moisés, regurgitam de con­tradições e histórias de horror e que o Deus que teria falado com Moisés nunca poderia ser considerado o verdadeiro Deus da criação, as pessoas ficam indignadas e, escandalizadas, exigem provas. E, quando as apresento, atraio com isso a ira pública. Por quê? Porque não se deve atacar a crença. Natu­ralmente, só a crença das grandes comunidades religiosas. Se, pelo contrário, eu atacar a crença de um pequeno grupo, essa regra já não vale mais.

A humanidade chegou a um novo milênio. No meu en­tender, está mais consciente de sua responsabilidade de anali­sar as velhas fábulas e de formular novos conhecimentos a partir delas.

 

 

UM OUTRO TIPO DE LEITURA DOS TEXTOS BÍBLICOS

 

O único meio contra a superstição é a ciência.

HENRY T. BUCKLE

 

Ninguém nega que os homens duvidem de Deus,freqüentemente desesperem. Todos conhecem a frase: como pôde Deus permitir isto? Os milhões de judeus esfolados e assassinados durante a Segunda Guerra Mundial. As vítimas do arbítrio de todas as ditaduras. Como pôde Deus permitir que crianças inocentes fossem atormentadas e mortas? Como pôde ele permitir catástrofes naturais que trouxeram fome e dor para muitos povos? Como pôde Ele permitir que, em Seu nome, cristãos fossem perseguidos, homens fossem chacina­dos de modo cruel, que fanáticos cristãos levassem à morte outros cristãos, bruxas ou pessoas supostamente possuídas pelo demônio, por métodos de tortura indizivelmente atrozes e inimagináveis? A lista das perguntas que indagam como Deus pôde permitir tudo isso é infindável — e as respostas com as quais engolimos o inconcebível são sempre as mesmas.

Convenceram-nos de que Deus teria reservado um lugar espe­cial no céu para os oprimidos. Ali, naquele reino do além, seriam recompensados. O decreto de Deus seria incompreen­sível, porém sábio. O homem pensa e Deus o guia. Não deve­ríamos perguntar pelo porquê, assim nos asseguram os teólo­gos de boa-fé. Somente Deus o saberia.

Pode ser. Entretanto, o mesmo Deus — de acordo com o legado cristão, judaico e muçulmano — teria "criado os ho­mens de acordo com sua imagem". Pode-se ler em Moisés, sendo isso válido para as três grandes religiões do mundo:

 

E Deus disse: façamos homens de acordo com nossa imagem, semelhantes a nós; eles devem reinar sobre os peixes no mar e as aves do céu, sobre o gado e tudo quanto é caça no campo e sobre tudo o que rasteja, que se ergue na terra. E Deus criou o homem à Sua imagem, à imagem de Deus Ele o criou. (Gn 1:26-27, grifos do autor)

 

Se o homem é a imagem de Deus, também deveria ser inteli­gente. Afinal, ninguém irá contestar que aquilo que entende­mos por Deus deve ser a mais elevada de todas as inteligências imagináveis. Acontece que formas de vida inteligentes pos­suem o hábito de formular perguntas e procurar respostas. A inteligência não acredita em futilidades. E, caso não cor­respondamos à imagem de Deus, ainda permanece o fato de que somos mesmo inteligentes. Com ou sem a "imagem de Deus". Por inteligência compreendemos aqui a cultura no sen­tido mais amplo, a que falta aos animais. E mais: Deus deve ser não apenas a potência de toda inteligência, mas, evidente­mente, também impecável. Entretanto, aquele Deus com o qual

nós nos deparamos no Antigo Testamento não é impecável. Depois de ter criado os seres humanos como homem e mu­lher, Ele percebeu: "Estava muito bem." (Gn 1:31.) Eu tam­bém gostaria de supor assim, tratando-se de uma obra divina. Não obstante, o mesmo Senhor que criou os homens logo cm seguida lamentou seu feito:

 

O Senhor arrependeu-se de ter criado os homens na Terra e isso O afligiu profundamente... Quero exterminar da face da Terra os homens que criei, bem como o gado e também os animais rastejantes e as aves do céu; porque me arrependi de tê-los feito. (Gn 6:6-7)

 

Inconcebível! Primeiramente, o Deus impecável cria bicho e homem, constata que está bem e, em seguida, arrepende-se de sua ação. Divino?

Outra qualidade mínima que deve pertencer a Deus é a atemporalidade. Um verdadeiro Deus está fora do tempo. Ele nunca vai precisar realizar experimentos para depois ter que aguardar o resultado. No entanto, é exatamente isso o que acontece no Antigo Testamento. Diversas vezes. Depois de ter criado os homens, Deus os transplantou para o Paraíso. Ali, Adão e Eva podiam fazer tudo, menos comer a maçã. Não im­porta se a maçã é apenas um símbolo para algo totalmente diferente — para o pecado ou para a primeira relação sexual. Reinava uma proibição. O Deus atemporal devia bem saber desde o início que Suas criaturas desconsiderariam a proibi­ção — e é o que elas fazem prontamente, e Deus, profunda­mente ofendido, expulsa do Paraíso os atormentados funda­dores da raça. A Igreja cristã ainda acrescentou um elemento a essa ilogicidade: um pecado original ominoso pesa sobre toda a descendência de Adão e Eva, o qual só pode ser extinto pelo Filho de Deus, por meio de um sacrifício de sangue. Uma noção horripilante.

Sou um ser que crê em Deus e é devoto — e repito isso em cada livro. Também rezo. Diariamente. Meu pobre cére­bro não é capaz de definir Deus — outros mais espertos o intentaram —, mas, ainda assim, Deus é para mim algo ex­traordinário e sem par. Estou de acordo com as grandes reli­giões do mundo: só pode existir um Deus. E aquilo a que cha­mamos de Deus deve ser impecável, atemporal, onipresente e todo-poderoso. Essas são as qualidades mínimas que devemos atribuir a Deus, com profundo respeito. E não será nunca pos­sível circunscrever Deus por perífrase ou fixar o espírito divi­no em qualquer ponto da linha do tempo.

A ciência nos ensina que o hidrogênio foi o início, ou a explosão cósmica original: o big-bang. E o que deu origem ao big-bang? O que havia antes da explosão cósmica original? Essa explosão original, conforme ficamos sabendo por astrofísicos experts, teria ocorrido cerca de quinze bilhões de anos atrás e teria durado apenas uma fração de segundo. En­tretanto, não podemos explicar essa fração de segundo. Do nada não surge nada, e até mesmo minuciosas fórmulas ma­temáticas não nos podem ajudar. Albert Einstein (1879-1955) formulou uma teoria da gravitação, muito menos conhecida que sua teoria da relatividade. Ambas explicam o macrocosmo, por assim dizer, nosso "universo maior".

Então, apareceu outro gênio da física, Werner Heisenberg (1901-1976), que desenvolveu fórmulas da física quântica que são compreendidas até hoje por uns poucos especialistas apenas. Por meio da física quântica, pode-se explicar o compor­tamento do microcosmo. O que acontece por trás das partícu­las subatômicas? Com efeito, esses dois conceitos, a teoria gravitacional e a física quântica, deveriam coincidir no que tange à explosão cósmica original. Não obstante, as teorias matemáticas com as quais se procurou estabelecer uma liga­ção entre ambas não passam ainda de números absurdos e fórmulas sem sentido. Nada quer se encaixar. Não existe uma teoria plausível, que provavelmente chamaríamos de “gravitação quântica". A câmara de incubação do universo se mantém inacessível até hoje. Simultaneamente à explosão cós­mica original, surgiram o espaço e o tempo, que não pare­ciam existir. Então, o que existia antes que o tempo e o espaço começassem a ser?

Em suas análises aguçadíssimas, nossos astrofísicos des­cobriram que o tempo e o espaço se constituíram ao mes­mo tempo. Para se chegar a esse conhecimento de época, inúmeros cálculos, alimentados por computadores, foram realizados. Foram organizadas conferências internacionais e proferidas palestras complexas. Nossa ciência poderia ter conseguido a resposta de forma mais fácil. Bastava consul­tar o diálogo Timeu do filósofo Platão, redigido há cerca de 2.500 anos:

 

Assim, então, o tempo se constituiu simultaneamente com o universo, para que ambos, criados em conjunto, também se­jam novamente desfeitos em conjunto...

 

Partindo da pergunta "o que é Deus?", poderíamos perfeita­mente continuar indagando: quem (ou o que) criou Deus?

Não chegaremos a um fim — ou melhor: a um início. Os ho­mens fazem de Deus uma figura paterna, uma pessoa que dá ordens e pune, que elogia e repreende. Decerto, isso não é criação. Os teólogos argumentam que devemos admitir a fa­culdade de esse ser da criação poder se transformar numa pes­soa a qualquer momento, assumir uma forma humana. Isso pode bem ser possível. No entanto, mesmo essa pessoa-Deus deveria conservar suas qualidades divinas. Estou familiariza­do com as representações que as diferentes religiões e escolas filosóficas têm de Deus e, no fundo, todas possuem um deno­minador comum: independentemente do que for Deus, “este" deveria ser eterno, atemporal, impecável e onipresente. Albert Einstein cunhou esta frase: "Deus não joga dados."

Mas o do Antigo Testamento joga. E, cm casos que podem ser comprovados, Ele não conhece o futuro. Vejamos um exem­plo. Esdras (em hebraico, ajuda) foi um dos poucos profetas que, em 458 a.C., regressou do cativeiro da Babilônia para Jerusalém. No Antigo Testamento, há um único capítulo so­bre Esdras (outras referências podem ser encontradas nos tex­tos apócrifos), onde ele pergunta ao bom Deus — ou a seu enviado — a respeito dos sinais que chegariam e sobre sua própria vida. Eis a resposta:

 

Sobre os sinais pelos quais perguntas, posso te contar só par­cialmente. Não estou em condição de te dizer algo sobre tua vida, eu mesmo não o sei.' (Grifos do autor)

 

Acontece que Esdras já não pertencia à mesma época que Moisés. É provável que ele mantivesse seus diálogos com uma pessoa qualquer, e não apenas com Deus. Mas o Deus dos tempos de Adão e Eva tampouco parecia saber o que acontecia. Depois que Eva serviu a maçã a seu marido, este se escondeu na mata "por vergonha”, e Deus não sabia onde se encontra­va Adão:

 

E Deus, o Senhor, chamou o homem e perguntou-lhe: Onde estás? (Gn 3:9)

 

Adão assegurou ao Senhor que, embora O tivesse ouvido che­gar, escondera-se por vergonha. Então, o Senhor quis saber quem teria dito a Adão que ele estava nu. E se ele tinha comi­do da árvore que era proibida. E Adão respondeu:

 

A mulher que Tu me deste me deu da árvore, então eu comi. (Gn 3:12)

 

De acordo com essa versão, é inequívoco que Deus não estava informado. Ele não sabia onde Adão estava e não tinha a menor idéia de que Eva tentara seu marido a regalar-se com a maçã. Os bíblias alegam que passagens desse tipo não devem ser tomadas literalmente, que tudo teria sentido metafórico. Pois não — mas a "ilogicidade metafórica" também não pode ser compreendida na continuação.

Depois que Adão descobriu sutilmente como fazer sexo, Eva pariu seus filhos Caim e Abel. Abel se torna pastor e Caim, agricultor, duas profissões que resistem a crises e são sempre subvencionadas. Os dois meninos oferecem um sacrifício ao Senhor. E o que faz o Deus impecável? Volta os olhos com agrado para Abel, mas não olha para Caim (Gn 4:4).

Até aquele momento, nem Caim nem Abel haviam dado motivo para que houvesse duas medidas. Não se pode estra­nhar que Caim reaja mal ao Deus parcial:

 

E o Senhor disse a Caim: Por que te irritas e por que olhas de forma tão sombria? (Gn 4:6)

 

Um Deus onisciente deveria ter sabido. Mas este sequer impe­de que Caim mate seu inocente irmão Abel. Precisa, inclusi­ve, informar-se:

 

Então o Senhor disse a Caim: Onde está teu irmão Abel? Mas ele disse: Não sei. Serei eu o guarda do meu irmão? (Gn 4:9)

 

Embora "o bom Deus" castigue em seguida Caim, este se tor­na ainda assim o fundador de uma linhagem fenomenal que escreveria a história bíblica. Contudo, Caim não é o único assassino diante dos olhos de Deus; mais tarde, Moisés carre­gará a mesma mácula. Voltarei mais tarde a Moisés.

O que é transmitido no sexto capítulo da Bíblia é absolu­tamente dramático:

 

Mas quando os homens começaram a se multiplicar na Terra e lhes foram pandas filhas, os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram bonitas, e eles tomaram para si como mulhe­res todas as que queriam... Naqueles tempos, e depois ainda, quando os filhos de Deus se juntavam às filhas dos homens e estas lhes pariam crianças, elas eram gigantes na Terra. Estes são os heróis dos tempos primitivos, os ilustríssimos. (Gn 6:1-4)

 

Não quero mais entrar no mérito dos gigantes, já o fiz em meu último livro.2 A pergunta sobre esses "filhos de Deus" também foi várias vezes por mim formulada.3 Para mim, é inconcebível que as bíblias, que pregam todos os outros pos­síveis dizeres das Sagradas Escrituras, ignorem essa passagem decisiva. Ali se fala de forma clara e evidente de "filhos de Deus". O conflito entre os eruditos em torno desta palavri­nha desde tempos imemoriais, que gerou milhares de páginas de comentários contraditórios, arranca-me hoje apenas um sorriso fraco. Ora a expressão "filhos de Deus" é traduzida como "anjo caído", ora é interpretada como "ser espiritual apóstata" ou "guardião do céu". É de sair correndo! Uma úni­ca expressãozinha deturpa a crença em seu contrário. Entre­tanto, os especialistas que lêem hebraico sabem exatamente o que as sílabas em questão significam: os que caíram do alto.

Esse conflito entre teólogos acerca do significado da ex­pressão "filhos de Deus" é, na verdade, insignificante. Isso porque fossem "anjos caídos" ou "guardiães do céu", o fato é que o bom Deus deveria saber o que eles faziam, mas salta aos olhos que ele não tinha a menor noção a esse respeito. E aque­les que transformam de bom grado "os filhos de Deus" em "seres espirituais" bem que deveriam prosseguir na leitura de suas escrituras ímpias. Eles praticavam sexo com os homens. Espíritos não fazem isso.

A confusão no Gênese é completa. O que me deixa triste é que milhões de pessoas acreditam que o Deus contraditório do qual se fala ali seja idêntico ao espírito grandioso por meio do qual o universo se constituiu. E isso não acontece exclusi­vamente na crença popular: na literatura teológica especializa­da, em que cada contradição é endireitada e justificada pela inconcebível rabulice, o Deus do Antigo Testamento passa por Deus único e universal, com qualidades divinas. O famoso jesuíta e professo, de teologia Karl Rahner, padre docente de de uma verdadeira multidão de jovens sacerdotes, assegurou que a história do Antigo Testamento "partiu daquele Deus que se revelou definitivamente em Jesus Cristo”.4 o Antigo e o Novo Testamento, de acordo com Rahner, teriam o mesmo autor. Deus teria "fechado uma aliança especial" com o povo de Israel, a qual teria sido planejada, porém, "há tempos eternos", apenas como prólogo do nascimento de Cristo. E tem mais, o Antigo Testamento teria sido, desde o início, "um movimen­to aberto e conduzido por Deus para a salvação definitiva".

Na verdade, engenhosos professores de teologia, hábeis com as palavras, reconhecem que o Antigo Testamento é com­posto de textos que surgiram em diferentes épocas e que fo­ram redigidos por muitos autores. Relatos de patriarcas origi­nados num passado remoto teriam sido reunidos. Admitem até "artifícios" das diferentes escolas teológicas — cada uma de acordo com sua época. Supõe-se que as obras históricas de Israel, como, por exemplo, as dos jeovistas ou as dos sucesso­res de Davi, teriam tido apenas a finalidade de legitimar o trono de Salomão ou a apropriação da Palestina por Israel. Tendo em vista alegações desse tipo, não é de admirar que judeus e cristãos convivam tão dificilmente. A despeito de todas essas concessões e deturpações, reina nas esferas teoló­gicas a incompreensível teimosia de sustentar que as narrati­vas históricas da Bíblia sejam, "sem exceção, relatos ratifican­do a palavra de Deus. Esse esquema é válido universalmente", de acordo com o professor de teologia Jacques Guillet.5

Então, como gostaríamos que fosse? O Antigo testamento seria "um movimento guiado por Deus em direção à salvação definitiva" (Rahner). Esse esquema seria "válido universalmente" (Guillet). E — para que, decerto, não possa surgir dúvida — a história do Antigo e do Novo Testamento teria partido do único Deus, que se revelou em Jesus Cristo, "de modo que as Escrituras do Antigo e do Novo Testamento possuem o mesmo autor" (Rahner). Simultaneamente, muitos relatos de patriar­cas, com origem "num passado muito remoto , ratificariam, "sem exceção, a palavra de Deus".

O único recurso contra esse pretensioso disparate teológi­co é, certamente, o esclarecimento. Não é preciso que me di­tem o modo como eu devo enxergar algo. Para isso eu sei ler.

A história do dilúvio e da arca de Noé é conhecida univer­salmente e já foi tratada por mim em livros anteriores. Para o leitor mais recente, digo apenas isto: o que se pode ler em Gênese, capítulo 6, versículo 9 e seguintes sobre o dilúvio têm sua origem em textos babilónicos e até sumérios, muito mais antigos.67 Portanto, em tempos remotíssimos, uma pessoa qualquer incorporou uma história oriunda de fontes totalmen­te distintas ao Livro dos livros, à Sagrada Escritura, à palavra de Deus, e, ainda por cima, inventou o nome de Noé. E ainda assim — de acordo com a teologia — o Antigo Testamento seria composto "sem exceção de relatos ratificando uma pala­vra de Deus” (Guillet).

Depois da inundação e da arca ter aterrado sobre uma montanha, Noé ofereceu um sacrifício para o Senhor e "o Se­nhor sentiu o aroma delicado" (Gn 8:21). Não acontece algo muito diferente na Epopéia de Gilgamesch. O sobrevivente, de nome Utnapishtim, sacrifica sobre a montanha um cordeiro, com cereais, cedro e murta: "Os deuses sentiram o aroma, o cheiro se erguia agradavelmente até o olfato eles. Os deuses se juntaram como moscas em torno da oferenda."8

Que deuses estranhos, que podem até cheirar um assado! Depois do aroma agradável, o Deus do Antigo Testamento resolveu que "dali em diante já não queria mais amaldiçoar a Terra por causa dos homens" (Gn 8:21), e que, a partir daque­le momento, não desejava "mais ferir aquilo que lá vive". Ele exorta Noé e seus filhos a serem prolíficos, a se multiplicarem e a encherem a Terra. Todos os animais são expressamente subordinados aos futuros homens:

 

Diante de vós, todos os bichos da terra, todas as aves do céu, tudo o que rasteja na terra e todos os peixes no mar hão de se cobrir de medo e de espanto: eles são entregues em vossas mãos. (Gn 9:2)

 

É provável que os defensores dos animais jamais possam obe­decer a esse mandamento divino.

Na história paralela mais antiga, presente e na Epopéia de Gilgamesch, logo diversos deuses cheiram o assado e se reú­nem sobre a arca. Os deuses brigam entre si e insultam o deus Enlil, o qual trouxera a inundação. "Como pudeste Tu, Deus soberano, Tu, poderoso, suscitar de forma tão impensada a tempestade inundante?"9 Por fim, "o deus da terra e dos cam­pos adentra a embarcação", leva Utnapishtim junto com sua mulher para fora do barco, pousa as mãos sobre eles e os aben­çoa. (Em Enuma Elis, o "poema didático da criação", de ori­gem babilónica, também se descreve uma história adicional de dilúvio, com conteúdo semelhante.)10

Não importa quem era considerado Deus ali, seguramente não se tratava do criador do universo. O Antigo Testamento e a Epopéia de Gilgamesch retratam o mesmo acontecimento.

Entretanto, a diferença decisiva é que, na epopéia, é uma tes­temunha ocular que toma a palavra, o relato foi registrado em primeira pessoa — usando a forma eu. Utnapishtim é o sobrevivente da enchente. Como Noé na Bíblia. Só que nesta última, a história foi narrada em terceira pessoa.

O Deus do Antigo Testamento também abençoa Seus pro­tegidos e sela com eles e com todos os Seus descendentes um "pacto eterno":

Nunca mais devem as águas se transformar novamente em dilúvio que corrompe toda carne." (Gn 9:12)

 

No fundo seria uma conslataçao tranquilizadora, caso se ori­ginasse da boca de Deus. Os habitantes da Terra de todos os tempos não precisariam nunca mais temer o impacto de meteoritos no mar. Conforme os astrônomos sabem hoje, esse tipo de impacto seria absolutamente possível — trazendo con­seqüências devastadoras para toda a humanidade. Mas acon­tece que a promessa não provém do criador do universo, da­quela inteligência incompreensível da origem. Os textos de Gilgamesch e do Antigo Testamento falam de outros deuses. Deuses? O Antigo Testamento não fala em um Deus? Já tive que destruir essa ilusão em livros anteriores. A palavra hebraica utilizada no Gêneses para "Deus" é "elohim". Trata-se de um conceito plural. Não existe "elohim" no singular. O que se quis dizer é "os deuses". Isso pode ser desalentador — trata-se, po­rém, da verdade.

As religiões judaica, islâmica e crista são fundamentadas nos livros de Moisés. No Islã, as velhas histórias envolvendo Moisés e Salomão (Suleiman) são consideradas legados res- peitáveis. Desde sempre, os estudiosos da Torá pertencentes à religião judaica não se limitaram a acreditar; seus antigos le­gados foram continuamente objeto de interpretação e de bus­ca. Isso pode ser observado, por exemplo, nos muitos livros Midrasch. (As obras literárias conhecidas sob o nome de Midrasch contêm as pesquisas de eminentes eruditos judeus de muitos séculos. Midrasch é a obra da interpretação, da bus­ca do sentido.)1112 A cristandade foi a única a forjar, a partir dos textos do Antigo Testamento, uma "palavra de Deus. Re­latos ratificando uma palavra de Deus válida universalmente e sem exceção" (Rahner).

No entanto, nenhuma religião está "simplesmente aí". Cada religião possui uma história, uma espécie de religião primeva; afinal, os homens devem poder confiar nos depoi­mentos de seus antepassados. Não existem relatos escritos dessa crença original. Talvez tenham se passado séculos an­tes que as diversas histórias fossem comprimidas em um só corpo. É provável que cada uma dessas histórias contenha um grão de verdade em alguma parte, mas designar o con­junto das histórias como a "palavra de Deus" soa mais como ofensa à força criadora infinita. (Pelo menos, até onde a in­teligência existente por trás da criação se deixe insultar por criaturas microscópicas como os homens.) Os legados reuni­dos no Antigo Testamento falam bem de deuses que atua­ram num lugar qualquer e num tempo qualquer, embora esses não se coadunem sob a ampla capa de um espírito original inteligente.

O Deus do Antigo Testamento sela diversas vezes "pactos eternos” com Abraão (Gn 13:15, 15:5, 15:18). Um pacto real­mente divino teria bastado. A cada vez, são exigidos novos holocaustos e "sacrifícios de elevação". Não consigo compre­ender o que um Deus metafísico poderia ter feito com aquilo. E, então, vem a história repugnante de Sodoma e Gomorra. Subordiná-la à força criadora inteligente de Deus equivale a uma blasfêmia.

Inicialmente, o Deus bíblico fica sabendo que, em Sodoma e em Gomorra, os homens estariam cometendo pecados terrí­veis. Entretanto, não está seguro disso, por isso anuncia: "quero descer e ver se eles se comportaram realmente daquela manei­ra, conforme o alarido a seu respeito que chegou até Mim" (Gn 18:21). Deus não está a par. Triste. Então, Deus comunica sua intenção a Abraão, e este começa a discutir com Ele. Divi­no? Por fim, Deus envia dois anjos para Sodoma, os quais devem salvar Lot e sua família da destruição das cidades (ver Figura 1). A principio, esses anjos desejam pernoitar numa praça pública (por que mesmo anjos necessitam de sono?), mas Lot pede-lhes com insistência que descansem na casa dele. Entretanto, isso não é do agrado dos pederastas de Sodoma que, imediatamente, cercam a casa de Lot e exigem a entrega os anjos, "para copularem com eles". O aperto deve ter sido grande, já que Lot oferece suas duas filhas virgens aos liberti­nos sexuais: "Façam com elas o que lhes apraz." Isso não inte­ressa aos sodomitas, que decidem arrombar a porta e assaltar a casa de Lot. Somente nesse momento, os dois anjos passam à ação. Por meio de uma arma secreta qualquer, "lançaram cegueira sobre os sodomitas, grandes e pequenos, fazendo com que estes se esforçassem à toa na tentativa de encontrar a por­ta" (Gn 19:10).

A situação alcança um ápice dramático. Os dois anjos pres­sionam Lot e sua família a deixarem a cidade o mais depressa possível. Lot hesita. Então, os anjos apelam para a violência. Arrastam Lot, sua mulher e as duas filhas para fora da casa:

 

Salva-te! Tua vida está em jogo! Não olhes para trás e não te deixes ficar em lugar algum das redondezas. Salva-te nas montanhas, para que não sejas arrebatado. (Gn 19:17)

 

A despeito de todos esses apelos urgentes, Lot ainda se lamen­ta. Em vez de se refugiar nas montanhas, ele insiste teimosa­mente em ir para a pequena cidadezinha de Zoar, consideran­do que se sentiria mais seguro ali. Resignados com tanta obs­tinação, os anjos esclarecem:

 

Rápido, salva-te; porque não podemos fazer nada até que te­nhas chegado lá." (Gn 19:22)

 

Porém, o Senhor — o bom Deus? — fez chover enxofre e fogo sobre Sodoma e Gomorra, "partindo do céu, aniquilou assim as cidades e toda a vizinhança e todos os habitantes das cida­des e aquilo que havia crescido na terra".

Salta aos olhos que, nas cidades de Sodoma e Gomorra, prosperava uma raça que dera errado. Não obstante, o Onis­ciente não tivera como saber de antemão o que aconteceria? E para que a pressa, o empurra-empurra? Estava ocorrendo uma contagem regressiva qualquer, que nem os anjos nem Deus podiam interromper? Qual Deus?

Minha lição da Bíblia retém apenas uma observação, nem mais nem menos que isto: está descrita ali uma figura de Deus que comete erros, que sente arrependimento, que é capaz de cometer sangrentas ações de destruição e que não é atemporal. Todos estes são atributos não divinos, que não combinam com

a noção de um ser onisciente que está acima de tudo. Tam­bém não ajuda exigir aqui uma definição de Deus, uma vez que Deus é representado justamente assim e não de outra maneira no Antigo Testamento, e os homens são exortados a acreditar nessas descrições como sendo a palavra de Deus.

Diga-se de passagem: o aniquilamento de Sodoma e de Gomorra não foi a única destruição de cidades pecadoras oca­sionada por deuses quaisquer. No Mahabharata indiano, é re­latado algo idêntico, com alguns ingredientes especiais: com consternação, pode-se ler acerca de uma arma que foi extin­guindo aos poucos as cidades e todos os seus arredores.13 Deve ter sido uma visão horripilante, os cadáveres não teriam con­servado o aspecto de homens, os corpos apagados não teriam mais sido reconhecíveis. Todos os alimentos teriam se torna­do venenosos, e jamais dantes teriam os homens se deparado com uma arma tão medonha, e muito menos teriam ouvido falar dela.

Enquanto a destruição de Sodoma e de Gomorra é resumi­da a duas frases, a representação no oitavo livro do Maha­bharata é mais detalhada. Em ambos os casos, um Deus teve de tomar a Si a responsabilidade pelo terrível extermínio. O Deus de todas as religiões? Não é que eu queira compreender os antigos legados frase por frase, palavra por palavra. Trata- se de noções advindas de um passado muito remoto. Um deus qualquer ou deuses se enfureceram e interromperam um ex­perimento malogrado ou apoiaram com suas armas superio­res um grupo privilegiado de homens. Esses deuses sempre vinham do céu. A opinião corrente de que nossos antepassa­dos teriam tido forçosamente de imaginar seus deuses como estando no céu, porque o céu com suas constelações teria representado para eles o infinito, o inalcançável, não resiste a nenhuma consideração crítica. Afinal, também existiam inú­meras figuras que provinham das trevas do Inferno. As descri­ções das lutas dos deuses no céu e o comportamento de tais seres celestes na Terra não são explicáveis, nem do ponto de vista metafórico nem do psicológico. Além disso, conforme eu ainda gostaria de demonstrar, elas são demasiadamente precisas: os deuses celestes falavam, ofereciam indicações, davain ordens e, com freqüência, instruções de natureza téc­nica. O Antigo Testamento oferece excelentes exemplos disso.

Tal Deus exige de Abraão o sacrifício de seu único filho, "o qual amas" (Gn 22). Imediatamente antes da execução da terrível ação, Ele envia um anjo do céu para impedir o in­concebível. Os teólogos explicam essa contradição como sen­do uma provação. Deus teria querido verificar se Abraão es­tava pronto a abater seu filho querido por Ele. Entretanto, Ele deveria saber disso antes. Como prêmio pela não-ação, possível pela intervenção do anjo, Deus abençoou Abraão e lhe prometeu fazer com que sua linhagem "se tornasse tão numerosa quanto as estrelas no céu, quanto a areia nas cos­tas do mar" (Gn 22:17). Promessa esta que, pelo menos em sua fase inicial, só pôde ser realizada por meio da poligamia. O primeiro livro de Moisés (Gênese) está repleto de exem­plos disso (Gn 25, 29 e 34).

Em seu segundo livro, chamado Êxodo, Moisés desempe­nha o papel principal. Um homem da casa de Levi teria des­posado uma levita, que deu à luz um belo menininho. Três meses depois do nascimento, sem mais lograr esconder a criança dos egípcios, ela trançou uma caixinha de junco, na qual deitou O filho, e lançou-a no Nilo. Naturalmente, a caixinha fora impermeabilizada com asfalto e breu. Uma fi­lha do faraó teria recolhido a caixinha do rio e, por fim, ado­tado o menino.

É uma história comovente que, entretanto, pode também ter acontecido originalmente na índia distante. O fato é que, no livro Adi Parva, do Mahobhorota, está escrito o mesmo. A solteira Kunti fora procurada reservadamente pelo deus-sol. Como conseqüência dessa conjunção insólita, ela teve um fi­lho, muito bonito, já que seu semblante reluzia como 0 sol. A ex-virgem Kunti, porém, teve medo do escândalo, motivo pelo qual ela confeccionou uma caixa impermeável em que lan­çou secretamente o bebê ao rio. Uma mulher corajosa chama­da Adhirata resgatou a caixa da água, educou o menininho como sendo seu filho e chamou-o Karna.

No século passado, na colina de Kuyunjik, antiga Ninive, 0 professor Gcorge Smith desenterrou, no sentido literal da palavra, uma terceira história com o mesmo conteúdo. É que os arqueólogos britânicos descobriram ali uma biblio­teca de tábuas de argila do Rei assírio Assurbanipal, con­tendo, entre outros, a biografia do Rei Sargon I (cerca de ( 2400 a.C.). A seu respeito também se afirma que ele fora posto, quando menininho, dentro de uma cesta de junco revestida de breu, que flutuou pelo rio Eufrates abaixo. O estranho barquinho foi encontrado por um aguadeiro cha­mado Akki e, por fim, o menininho foi criado por uma prin­cesa. Entre a história de Moisés e a de Sargon passaram-se pelo menos mil anos. Já não é mais possível determinar quantos anos separam a história da virgem indiana Kunti da história de Moisés.

Palavra de Deus? Quem copiou de quem?

Moisés cresceu e observou que seus irmãos hebreus tinham que trabalhar como escravos. Certa vez, ele testemunhou um guarda egípcio batendo num hebreu:

 

E ele olhou para todos os lados ao seu redor e, quando viu que não havia ninguém presente, assassinou o egípcio e en­terrou-o na areia. (Êx 2:12)

 

No dia seguinte, Moisés reparou que dois hebreus estavam brigando. Moisés tentou apaziguá-los, porém um hebreu revidou:

Quem te colocou acima de nós como juiz supremo? Tencionas me matar também, como mataste o egípcio?

Moisés começou a ter medo, já que, pelo visto, seu homi­cídio cometido na véspera contra o guarda egípcio se tornara conhecido. Ele fugiu para a terra de Midian, obteve ali a jo­vem filha de um (pretenso) sacerdote e gerou com ela seu filho Gerson. Claramente, não fora reservado para este últi­mo nenhum papel especial na Bíblia — com uma única exce­ção, ele desapareceu sem deixar vestígios (Êx 18:3).

Enquanto Moisés guardava as ovelhas de seu sogro, foi até Horeb, a montanha dos deuses, e presenciou quando labare­das de fogo saíram de um espinheiro, sem queimar o arbusto. Moisés, curioso, aproximou-se e ouviu, para seu espanto, uma voz saindo do espinheiro. Esta o incitava a tirar os sapatos, já que ele se encontraria em solo sagrado, e a chegar mais perto. Por fim, a voz disse ser o Deus de seus ancestrais Abraão, Isaac e Jacó. "Então, Moisés ocultou o rosto; porque ele estava com medo de olhar para Deus." (Ver Figura 2) Deus anunciou a Moisés que Ele conhecia o sofrimento dos israelitas que viviam

sob o jugo dos egípcios, e que Ele teria "baixado" para condu­zir os israelitas para uma terra bonita e vasta, onde fluíssem o leite e o mel.

Dever-se-ia supor que, até aí, tudo bem. É verdade que o bom Deus encarrega um assassino de conduzir os israelitas para fora do Egito, mas, em se tratando de Deus, tudo faz sentido. Ele envia Moisés ao faraó para exigir a libertação de seus conterrâneos e, quando este último se recusa a atendê-lo, cobre o Egito com diversos flagelos.

 

Mas eu sei que o rei do Egito não deixará vocês irem, a nao ser que ele seja forçado a isso. Portanto, estenderei minha mão e lançarei sobre o Egito todos os meus feitos milagrosos. (Êx 3:19-20)

 

Antes de começarem as calamidades, porém, Deus ainda or­dena que os egípcios sejam roubados. Os israelitas não devem ir-se de mãos vazias, devem antes tomar emprestadas diversas jóias e roupas, para assim "despojar os egípcios" (Êx 3:22 e 12:35-37). Exatamente assim está escrito na Bíblia e isso não combina nem um pouco com os mandamentos que Deus iria impor mais tarde ao mesmo povo. Não roubarás nem cobiça­rás os bens do próximo. Aqui, torna-se evidente uma das ra­zões pelas quais o faraó não queria deixar os israelitas se mu­darem sem mais nem menos.

No decorrer da história, Aarão desempenhou o segundo papel principal. Quem era Aarão? A Enciclopédia judaica 14 nos informa: Aarão era o filho mais velho do hebreu Amram, da linhagem de Levi. Moisés, segundo filho de Amram, era três anos mais novo que Aarão, e a irmã de ambos, Miriam, al­guns anos mais velha. Aarão, bisneto do sumo sacerdote Levi, exercia um ofício sacerdotal em sua tribo. Enquanto Moisés fora criado na corte egípcia, Aarão vivera com parentes na terra oriental fronteiriça com o Egito e era conhecido como um excelente orador. Quando Moisés recebeu do Senhor a ordem de tirar os israelitas do cativeiro egípcio, ele chamou seu irmão Aarão em auxílio.

Isso aconteceu porque Moisés não possuía inclinação al­guma para a oratória, mas precisava de um orador oficial, o qual expusesse de forma convincente as exigências de Israel ao faraó. Durante os anos do Êxodo que se seguiram, Aarão avançou para o posto de representante de Moisés e sumo sa­cerdote; ele gozava da proteção especial do "Senhor da coluna de nuvens". Sempre que surgiam problemas que requeressem uma mente tecnicamente dotada, ali estava Aarão. Também passava por mago e produzia fenômenos que pareciam mila­gres para as massas. Uma vez, assim está escrito em Moisés, Aarão arremessou para o chão, d:ar :e do grande faraó, o seu bastão, e este se converteu numa serpente viva. Quando os feiticeiros da corte imitaram o truque a cobra de Aarão devo­rou todas as outras (Êx 7:10-12). Com a mesma vara mágica, as águas do Egito foram transforrr.idis numa inundação ver­melha e fedorenta, e, num piscar de olhos, milhões de rãs nojentas e de mosquitos repugnantes flagelaram o reino do faraó.

A própria chegada de Moisés e de Aarão à corte do faraó foi espetacular. Fora da Bíblia, nas Lendas judaicas, foi trans­mitido que Moisés e Aarão teriam sentido medo do encontro com o faraó. Então, o arcanjo Gabriel teria aparecido e con­duzido a dupla de irmãos para dentro do palácio — passando por entre as sentinelas. Embora os guardas tenham sido dura­mente castigados em função de seu descuido, esse processo misterioso se repetiu quando da visita seguinte: Moisés e Aarão chegaram desimpedidos diante do trono do farao. Na realida­de, deviam impressionar enormemente o orgulhoso sobera­no do Egito, porque "eles pareciam anjos, seu exterior refletia e resplandecia como o sol, as pupilas de seus olhos eram como o brilho da estrela da manhã, suas barbas eram como jovens ramos de palmeira e, quando falavam, chamas erguiam-se em labaredas de suas bocas".15 De fato, uma encenação fabulosa.

Tudo aconteceu conforme está escrito. Moisés, apoiado por seu irmão Aarão e pelos encantamentos mágicos de seu Deus, venceu todas as intrigas do faraó. O bom Deus deixou até que trevas recobrissem o Egito e que todos os primogênitos dos egípcios fossem mortos de modo misterioso. Por fim, o faraó desistiu e deixou os israelitas partirem. E o que foi que eles fizeram?

Eles ficaram zangados e vociferaram contra Moisés, Aarão e seu novo Deus. Mas por que mesmo? Deus tinha realizado diante de seus olhos inacreditáveis feitos milagrosos. Os israelitas ainda não confiavam no encanto?

De acordo com a Bíblia, o êxodo envolveu 600.000 pes­soas, "sem contar as crianças. Também muita gente estranha os acompanhou, somando-se a isso ovelhas e bois, uma enor­me quantidade de gado" (Êx 12:37-38). Mesmo que O número de 600.000 tenha sido exagerado, ou tenha sido produzido so­mente por escritores mais tardios, o comboio teve de ser organi­zado rigorosamente. Para que a massa de pessoas não ficasse v andando por aí sem rumo, "o Senhor marchava diante deles, de dia em uma coluna de nuvens, para mostrar-lhes o caminho e, de noite, numa coluna de fogo, para alumiá-los" (Êx 13:21). Entrementes, os egípcios notaram que haviam sido roubados pelos israelitas e o faraó enviou seu exército contra estes. Esta­va na hora do milagre seguinte. "Aí, o anjo de Deus que mar­chava diante da multidão de Israel partiu e colocou-se atrás dela; a coluna de nuvens diante dela saiu e posicionou-se atrás dela." O Deus israelita secou uma faixa de mar e. em seguida, deixou que o conjunto das forças armadas egípcias se afogas­se nela com cavalos e carros, "de tal modo que nenhum deles permaneceu vivo" (Êx 14:28). Então, finalmente, os isr2e»:tas passaram a crer em seu Deus e também em seu servo Moisés. Essa fé, entretanto, não vingaria por muito tempo.

Por que na nossa sociedade ninguém levanta a questão de saber de que Deus afinal se fala aqui? Ele privilegia um giupo étnico que não acredita Nele! Esse povo é tornado dócil por meio de mágicos feitos milagrosos, e não tem importância alguma se o lado oposto combate porque foi roubado. Os primogênitos dos egípcios são mortos, entre eles milhares de crianças inocentes. Uma coluna, ora nuvem que reluz clara­mente, ora fogo que causa medo, põe-se à frente do incrédulo movimento, e um exército egípcio é afogado sem que um sol­dado sequer tenha sacado a espada. Não se deve esquecer que a coluna de fogo deixou propositadamente que o exército egíp­cio marchasse para a perdição.

Seguramente, para Deus, nada é impossível. E Ele pode fazer com suas criaturas o que quiser, só que Ele deveria ser um modelo para os homens e não impor mandamentos à "Sua imagem" que Ele mesmo não cumpre. Ademais, todo o feitiço e as calamidades que se abateram sobre o Egito me parecem ter sido ou inventados ou indignos da onipresente criação do universo. O Alcorão, a escritura sagrada dos muçulmanos, re­fere-se a isso de forma lapidar: "Quando Ele [Alá] decide algo, Ele só diz: que se faça — e se faz” (Sura 2, versículo 118). Eu penso exatamente dessa maneira.

Poder-se-ia supor que, após os feitos milagrosos com os quais Deus demonstrou seu poder tanto para os egípcios como para os israelitas, a paz tenha se restabelecido, e que todos soubessem enfim quem era o Senhor da casa. Entretanto, isso não aconteceu. Os filhos de Israel resmungavam constante­mente contra seu Deus (Êx 15:24 ou 16:2). Eles não estavam convencidos de que lidavam com um ser Todo-Poderoso. Até mesmo o Senhor reconheceu isso e resolveu Se mostrar ao povo recalcitrante:

Quando Aarão deu ordem a toda a comunidade de Israel, ela se voltou para o deserto e eis que a magnificência do Senhor apareceu na nuvem. (Êx 16:10)

É lógico que os homens e o gado necessitavam de água e de alimento no deserto. O Senhor providenciava ambos. Ele fez brotar nascentes e, de noite, verdadeiras multidões de codorni- zes precipitavam-se sobre o comboio. E, a cada manhã, no de­serto, havia "algo fino e granulado sobre o solo". Os israelitas não sabiam o que era, mas Moisés, instruído com antecedência pelo Senhor, lhes ensinava. Essa coisa se chamava maná, um pão celeste, enviado por Deus. Desagradável era que o pão ce­leste apodrecia se não fosse consumido imediatamente e derre­tia como manteiga no calor (Êx 16:20-21). Afinal, o que é maná?

O conflito dos estudiosos a esse propósito já dura séculos. De forma geral, pressupõe-se que maná seja uma secreção do coccídio Coccus manniparus, o qual suga os tamariscos Tamarix mamífera que ocorrem na região do Mediterrâneo. A seiva dos tamariscos é rica em carboidratos, e o que nao é absorvido pelos insetos é secretado sob forma de gotas transparentes que, ao contato com o ar, se cristalizam em bolinhas brancas contendo frutose e pequenas quantidades de pectina (a mes­ma usada na preparação de geléias). Essa substânoa é tam­bém coletada pelas formigas, que a levam para seus formi­gueiros. Até hoje, os beduínos utilizam esse tipo de maná como substituto do mel. Eles o chamam de man.

Embora haja uma semelhança entre essa substânc.a e o maná bíblico, faltam-lhe os traços característicos do famoso alimento de Moisés. Man não contém albumina, enquanto que o maná do segundo livro de Moisés é descrito como ‘ pão" e gênero alimentício básico. Além disso, man só pode ser en­contrado durante poucos meses e, ainda por cima, em quan­tidades tão reduzidas que jamais poderiam saciar um povo vagando pelo deserto. Outros são da opinião que maná corresponderia à espécie de líquen Aspicilia esculenta (líquen maná). Esse líquen, porém, cresce na tundra e nas pastagens dos Alpes, não sendo encontrado no deserto. O maná dos israelitas era um alimento fresco, colocado diariamente a sua disposição.

Uma terceira solução para o problema do maná foi divulgada na primavera de 1976 pela revista científica New Scientist.16 Seus autores foram os britânicos George Sassoon e Rodney Dale, que posteriormente publicaram suas pesquisas em forma de livro.17 A proposta dos dois ingleses para resolver a questão é tão fascinante e, ao mesmo tempo, táo convin­cente que eu quero expor rapidamente a história.

 

Na tradição escrita judaica, de caráter edificante e miste­rioso, não havia somente os livros da Torá ou do Midrasch, mas também a Cabala, uma mistura de antigos textos secre­tos. Desde o século XII, a Cabala foi utilizada para os ensinamentos esotéricos do judaísmo, como conceito cole­tivo derivado do hebraico QBLH (aquilo que é percebido). Uma parte desse compêndio da tradicional mística judaica pode ser encontrada nos três livros do Sepher-ha-Zohar (Li­vro do Esplendor), o qual teria sido organizado por escrito por Simon Bar Jochai, no século II. As versões modernas da Cabala foram transcritas das antigas escrituras pelo judeu espanhol Moses Ben Schemtob de Leon (século XIII). A Kabbala Denudata (1644) latina e a versão inglesa da Kabbala Unveiled (1892) se originaram de outra fonte, do Cremona Codes (1558) aramaico.

No Livro de Zohar da Cabala (subdivisão Hadra Zuta Odisha), aproximadamente cinqüenta páginas são dedicadas à Arca da Aliança que Moisés teve de construir por ordem de seu Deus. (Ver Figura 3) A maneira de passar a tarefa é mais ou menos idêntica à descrição que consta em Moisés no segundo livro, capítulo 25, versículo 10 e seguintes mais adiante, po­rém, o enredo fica um pouco esquisito. No Livro de Zohar, Moisés não somente deve construir uma arca, mas também uma criatura com o nome estranho de "o velhíssimo dos dias". Ambos, a Arca da Aliança e "o velhíssimo dos dias" foram colocados no tabernáculo sagrado, e os israelitas os levaram consigo durante sua longa peregrinação. Um clero especial­mente treinado cuidava de sua montagem e desmontagem: os levitas. O que está escrito no Livro de Zohar sobre esse "velhíssimo dos dias"? Aqui está uma passagem curta e descconcertante (a partir do versículo 51 do Hadra Zuta Odisha):

 

O crânio superior é branco. Não há nele nem início nem fim.

O espaço côncavo dos humores é dilatado e destinado para fluir... A cada dia, desse espaço côncavo para o humor do crânio branco cai o orvalho nos de rosto pequeno... E sua cabeça está repleta e dos de rosto pequeno o orvalho cai so­bre um campo de maçãs [ou foles]. E todo o campo de maçãs flui daquele orvalho. O velhíssimo dos dias é misterioso e dissimulado. E a sabedoria superior é dissimulada no crânio, o qual foi encontrado [foi visto]. E deste para aquele o velhíssimo não está aberto... E não existe filho de homem que o conheça. [Não é compreensível para ninguém]... Três cabeças são escavadas. Esta naquela e esta sobre a outra. E todos os seus cabelos e suas cordas estão dissimulados e direto no recipiente. E o pescoço não pode ser visto totalmente...Há uma senda que flui do cérebro onde estão partidos os ca­belos...

 

E continua assim por muitas páginas. Pode-se ter a impressão de estar diante de uma tagarelice infantil, mas o lingüista George Sassoon destrinchou essa confusão. Sassoon lê aramaico e esteve em condição de dar sentido a muitos conceitos incompreensíveis. O que é isto, um "velhíssimo dos dias” com diversas cabeças, cordas, orvalho, cérebros especiais e fontes de luz na barriga? De acordo com a descrição no Livro de Zohar, esse "velhíssimo dos dias" era constituído de uma parte mas­culina e de outra feminina. Essas duas partes podiam ser des­montadas e limpas pelos sacerdotes levitas. Estranho. Como poderia algo divino ser desmontado e novamente recompos­to? George Sassoon eliminou algumas notas marginais no texto e logo observou que ali se tratava não de um ser vivo, mas de uma máquina. Esse equipamento produzia uma substância que diariamente estava fresca e à disposição. Maná?

Foi nessa altura que George Sassoon necessitou da ajuda do biólogo Rodney Dale, que tem a capacidade de traduzir confusos termos técnicos de processos biológicos. Também foi escalado para a equipe o desenhista científico Martin Riches, e logo o "velhíssimo dos dias" foi decifrado como uma máquina bioquímica.

O confuso texto da Cabala possui um sentido desconcer­tante: o "velhíssimo dos dias" possuía dois crânios, um sobre o outro; ambos eram circundados por um crânio externo. O crânio superior ççntinha O cérebro superior, no qual era des­tilado orvalho. O cérebro inferior continha o óleo celeste. O "velhíssimo" possuía quatro olhos, sendo que um deles bri­lhava de dentro para fora com uma luz muito forte, e os três outros brilhavam fracamente e, da esquerda para a direita, em preto, amarelo e vermelho. Como é de bom tom para um "velhíssimo", ele possuía uma barba volumosa em treze for­mas diversas. Muitos pêlos cresciam para fora do rosto e em­baixo novamente para dentro do rosto. Esses pêlos eram ma­cios e o óleo sagrado corria por dentro deles.

E ainda, havia um "crânio pequeno" (o de rosto pequeno), no qual se desenvolvia, de um lado, fogo e, de outro, ar. Um óleo qualquer fluía do crânio superior para o inferior e ali mudava sua cor de branco para vermelho. Através das "cor­das" fluía algo parecido com mel para baixo, num testículo. Quando um testículo estava cheio, o mel excedente fluía para um segundo testículo. O testículo esquerdo era esvaziado dia­riamente através do "pênis" e era então limpo; o testículo di­reito se enchia a cada dia mais e era esvaziado sonente no Sabá e limpo no dia seguinte. Mas o que significa tudo isso?

A parte superior do "velhíssimo dos dias" era um aparelho de destilação com superfície ondulada e refrigerada sobre a qual era conduzido ar e era condensada água. Por mão das "cordas" (tubulações), a água chegava até um recipiente com uma forte fonte de luz. Esta irradiava uma cultura de algas — provavelmente de tipo chlorella. Existem dezenas de tipos de chlorella, cujo equilíbrio de albumina, carboidratos e gordura pode ser modificado de acordo com as condições de cresci­mento. A cultura de algas circulava por um sistema de tubos que possibilitava a troca de oxigênio e dióxido de carbono com a atmosfera e deixava escapar o calor excedente. A lama de chlorella era conduzida para outro recipiente. Neste ela era tratada de tal maneira que o amido era hidrolisado parcial­mente em maltose, a qual, ao ser ligeiramente aquecida pro­duzia o gosto de waffle de mel. Como está escrito em Moisés?

 

Era branco como sementes de coriandro e tinha o gesto de bolo de mel. (Ex 16:31)

 

O produto seco era conduzido para dois vasos (os “testícu­los"). Um deles servia às necessidades diárias; o outro se en­chia gradativamente, para que houvesse uma provisão para o Sabá. O equipamento permanecia parado e recebia manuten­ção durante a pausa semanal do Sabá, para que estivesse no­vamente em condições de ser usado a partir de domingo.

Esse maná era um gênero alimentício básico contendo albumina, comparável a farinha, a partir do qual se podiam assar diversos tipos de pães ou bolos na areia quente do deserto. Era produzido por meio de um equipamento maravi­lhoso, de alta tecnologia. Nele, a água acumulada pelo orva­lho da noite era misturada com pequenas porções de algas do tipo chlorella. Quando essa espécie de alga é irradiada, ela se multiplica de forma absolutamente inacreditável no intervalo de 24 horas. A máquina tinha de fornecer um omer por dia e por família. Como naquela época só restavam apro­ximadamente seiscentas famílias para serem abastecidas, a capacidade da máquina de maná deve ter comportado cerca de 1,5 metro cúbico por dia. (O omer era uma medida hebraica de volume que correspondia a aproximadamente três litros.) Mas onde foi parar essa maravilha de máquina de maná? (Ver Figura 4)

Os sacerdotes dos levitas eram os únicos que sabiam lim­par e fazer a manutenção do equipamento. Aarão, o irmão de Moisés, era chefe dos levitas e havia obtido instruções direta­mente do Senhor. Quando a máquina deixou de receber ma­nutenção adequada, não se produziu mais pão celeste. O pro­feta Josué queixa-se disso: "Neste dia exato o maná acabou" (Js 5:12). Após a tomada de Jericó, o equipamento foi monta­do num silo (1 Sm 4:3). Mais tarde, os filisteus capturaram a máquina de maná, juntamente com a Arca da Aliança. Isso porque, segundo Sassoon e Dale, esta última não era outra coisa senão o gerador (o fornecedor de energia) para a máqui­na de maná. E, de fato, o "velhíssimo dos dias" e a Arca da Aliança sempre foram montados um ao lado do outro no tabernáculo (1 Sm 6:7-8). Ninguém se admira que, quando essa Arca da Aliança era cuidada de forma inapropriada, sem­pre aconteciam acidentes mortais, mesmo com a mão-de-obra especializada dos levitas (1 Sm 5:11-12; 2 Sm 6:3-7). Os filisteus que haviam capturado o equipamento não sabiam como li­dar com a Arca da Aliança e com a máquina de maná. Muitos dentre eles morreram de doenças terríveis, porque chegavam perto demais do monstro tecnológico sem proteção. Cheios de medo, os filisteus despacharam os despojos da máquina de volta para Israel (ver Figura 5). Gratuitamente. O Rei Salomão (o Sábio) mandou construir no Templo um santuário especial para a Arca da Aliança e a máquina de maná. Naquela época, havia muito, nada mais funcionava; nem Salomão, nem Davi conseguiram recolocar a maravilha em operação. Por fim, um filho de Salomão roubou partes do equipamento e as levou para sua mãe, a Rainha de Sabá. Assim está escrito de forma pormenorizada no Livro dos Reis Etíopes.18

E hoje? As sobras estão enterradas profundamente, debai­xo da catedral de Maria, na cidade etíope de Axuxn.

Pode-se achar graça da reconstrução de uma máquina de maná extraída da Cabala, mas, mesmo assim, esta foi reproduzida perfeitamente e de modo científico e nteligente. Muitos pormenores desse quebra-cabeça não pocem ser en­contrados na Bíblia, ainda que "a palavra de Deus ofereça algumas indicações que criam perplexidade. Quem tem co­nhecimento de que para o transporte da Arca da Aliança eram

necessárias duas carretas? Isso pode ser conferido no segundo livro de Samuel, capítulo 6, versículo 3:

 

E eles assentaram a Arca de Deus sobre um novo carro... Mas Ussa e Achjo conduziam o novo carro.

 

O mesmo Ussa faleceu mais tarde, "como que atingido por um raio", quando ele tocou a Arca num lugar errado, durante o transporte. Uma punição divina? Por quê? Porque ele tenta­ra evitar a queda da Arca da Aliança da carreta?

Mesmo nos círculos teológicos reinam somente adivinha­ções sobre a própria Arca da Aliança. De início, Moisés teve que confeccionar uma curiosa caixa seguindo exatamente as instruções de seu Senhor (Êx 25:10). Essas instruções, entre­tanto, não podem ter sido unicamente verbais, já que o bom Deus possuía inclusive um original delas:

 

E toma cuidado para executares tudo exatamente de acordo com o modelo que te deverá ser mostrado na montanha. (Êx 25:40)

 

Há controvérsia no que diz respeito à função dessa caixa es­tranha. O teólogo Reiner Schmitt considera a Arca "um recep­táculo para uma pedra sagrada".19 O famoso teólogo Martin Dibelius o contradiz, ao opinar dizendo que se trataria de "um trono de Deus vazio e errante, ou de um carro de Deus dirigí­vel, sobre o qual havia uma divindade em pé ou sentada".20 Já o teólogo R. Vatke pensa de forma distinta: na Arca da Alian­ça "não teria havido nada, porque Deus teria morado nela".21 Harry Torczyner acredita que as Tábuas da Lei teriam sido trans­portadas na Arca da Aliança.22 Martin Dibelius questiona esse fato. Existe inclusive uma passagem na Bíblia, em que a Arca da Aliança se deslocou "três dias de viagem à frente, para fa­zer o reconhecimento de um local de descanso para eles" (Nm 10:33). O Senhor não sabia já de antemão onde os israelitas deviam acampar? E assim vai! Esse tema não tem mais fim. Quem tiver se dado ao trabalho de folhear uma vez as mais de mil páginas da obra teológica de Otto Eissfeldt possui uma idéia daquilo que eu estou dizendo.23

A Arca da Aliança era um objeto que colocava a vida em risco, isso pode ser lido não somente nos livros de Moisés: os estudiosos da Torá também sabem disso. O filósofo e mate­mático Lazarus Bendavid (1762-1832), ex-diretor de uma es­cola judaica, escreveu, há mais de 150 anos:

 

... que o tabernáculo religioso dos lempos de Mchsb rerj contido um aparato bastante completo de instnnaones elé­tricos. De acordo com os talmudistas, o perigo de macte óeve ter sempre sido associado com esse manuseio do O sumo sacerdote o abordava sempre com certo tenor e, quando regressava são e salvo, ficava na boa vida. 24

 

Contudo, que tipo de Deus, e esta é a pergunta cardinal deste capítulo, manda Seus servos mais graduados e mais secretos (Moisés e Aarão) construírem uma caixa especial para a qual existe um original? Desmontar e limpar um “velhíssimo dos dias"? Transportar um equipamento altamente perigoso, que, como se pode comprovar, acarretou diversas mortes? O espí­rito onipresente do universo necessitaria desse gênero de tea­tro? Pode-se alegar que todas estas são puras questões de in­terpretação e que Deus exortou nós homens a crer profunda­mente. Mas aqui está o cerne do problema. Devemos acredi­tar obstinadamente num Deus que Se mostra cheio de con­tradições e erros? Caso fosse esta a intenção da palavra de Deus, cada seita receberia carta branca e teria que acreditar em sua interpretação da Bíblia. Cada agrupamento estaria obviamente convencido de boa-fé de que sua interpretação e sua tradução das Sagradas Escrituras são as únicas verdadeiras. Minha sensação é que contraria a inteligência divina per­mitir que suas criaturas acreditem em algo cujo teor, elas se­jam obrigadas a reconhecer, não condiz com o bom senso. A ordem "deveis crer, mesmo percebendo os enganos" não é inteligente. O caminho para a assim chamada "salvação" não pode se constituir da perseverança em equívocos e disparates. Ademais, o espírito criador do universo é atemporal. Ele sabe­ria que suas criaturas inteligentes procurariam encontrar, no futuro, novas explicações para as velhas contradições. Se é que existe realmente uma "salvação" no princípio divino, então esta reside na cognição. "Crer é um conforto, pensar, um esforço" (Ludwig Marcuse, 1894-1971).

O Deus descrito no Antigo Testamento dispunha de ins­trumentos de poder que ultrapassavam amplamente aquilo que os homens daqueles tempos remotos podiam compreen­der. Conforme sabemos hoje, um povo de tecnologia subde­senvolvida percebe qualquer arma avançada como magia. Já escrevi um livro a esse respeito.25 No Antigo Testamento, os fatos não são diferentes. Surge uma luta entre os israelitas e os amalecitas. Moisés envia seus combatentes para a batalha, conduzidos por Josué, enquanto ele mesmo sobe numa coli­na próxima com Aarão e Hur. Para quê?

 

Enquanto Moisés mantinha os braços erguidos, Israel se im­punha; porém, quando ele abaixava os braços, Amalek pre­dominava. Entretanto, como os braços de Moisés foram ficando pesados, pegaram uma pedra e a colocaram debaixo dele, e ele sentou-se nela, enquanto Aarão e Hur sustenta­vam seus braços, um de cada lado. Assim, seus braços ficaram firmes até que o sol se pôs. (Êx 17:11-12)

 

Os israelitas ganharam a batalha e o bom Deus falou para Moisés que Ele queria "eliminar totalmente debaixo do céu" a memória de Amalek.

Que situação! Por falta de indícios, não sabemos que arma Moisés utilizou de seu lugar estratégico na colina, mas bem que deve ter sido um aparelho pesado. Os seus homens de maior confiança tiveram que sustentar seus braços. E os ini­migos foram completamente "eliminados". Divino?

O ponto alto absoluto dos encontros entre Moisés e seu Deus ocorre nos capítulos 19 e 20 do Êxodo. Moisés se desloca "para cima, junto a Deus". Este encarrega Moisés de pregar a seu povo que eles agora já haviam visto o que Ele fizera aos egípcios e como Ele "os carregara em asas de águia e os trouxera para cá". Por isso, o povo devia agora obedecer apeias à Sua voz e manter sua aliança. "Assim, de todos os povos vós sereis minha propriedade." É inútil perguntar por que o espírito cria­dor do universo quer ter uma "propriedade”. Contudo, na medida em que o povo indeciso ainda hesita o Senhor resolve: "Olha, eu virei a ti em nuvens espessas para ç-e o povo ouça quando eu falar contigo e ele confiará em em para sempre." Fi­nalmente, assim ordena o Senhor, no dia depois do seguinte, Ele quer descer sobre o Monte Sinai diante dos olhos de todo o povo. Isso, entretanto, não parece ter sido possível, já que Moisés teve de estabelecer uma delimitação em torno do monte:

 

Traça uma fronteira circulai em volta do monte e diga para eles: Cuidem de não subir à montanha, ou mesmo de somen­te tocar sua aba; porque quem tocar a montanha será da morte. Nenhuma mão deve tocá-la; ele será apedrejado ou fuzilado; seja bicho ou gente, não permanecerá vivo! (Êx 19:12)

 

Alguns versículos depois, acrescenta:

 

... avisa ao povo para que não avance para o Senhor para vê-lo; senão muitos dentre eles deverão morrer. (Êx 19:21)

 

A proibição também vale para os sacerdotes, “para que o Se­nhor não abra uma brecha entre eles".

Caso ainda seja necessária uma indicação de que Moisés não falou com o espírito onipresente do universo, mas com qualquer outra coisa, podemos indagar. Por que Deus incom­parável e sem par não pode proteger a Si mesmo? E de que, de modo geral? Para que essa demarcação em volta da monta­nha? Por que as terríveis ameaças de morte? O Senhor deveria saber que os que foram criados "de acordo com Sua imagem" são curiosos. E se Ele realmente não desejava — independen­temente de quais eram os motivos — que os homens ou até os bichos chegassem em Sua proximidade, então por que não colocou uma espécie de amparo protetor em volta da monta­nha? Não teria Ele tido capacidade para tanto?

Naturalmente, os teólogos encaram isso de modo bem diferente. Também, foram necessários milhares de anos para inventar uma explicação complicada para algo banal. O bom Deus teria querido traçar uma fronteira entre o profano e o sagrado, entre o ordinário e o extraordinário. É que o profano teria justamente que ficar fora da esfera do sagrado. Mais tar­de, fora do Templo. Dentro de um âmbito sagrado se situaria o inconcebível, o secreto, aquilo de que os homens não de­vem se aproximar e que, de qualquer modo, não compreen­deriam. O âmbito sagrado — de acordo com A grande casa desmoronada 26 - conteria o infinitamente superiot o incon­cebível, o poder do mundo superior.

Deve ser mesmo assim. Desde o passado mais remoto até o presente, em todos os cultos e religiões, sempre existiram e continuam a existir fronteiras sagradas e locais rrfpeito. Qual a origem desse pensamento? Em Moisés, o Senbor fixa as fronteiras ao redor da montanha. Não teria bastado casti­gar com pancadas aqueles homens (e bichos) que ultrapasas­sem a linha mágica? Impedi-los de adentrar a zona sagrada por meio de uma barreira insuperável? Obviamente, isto não era exeqüível por Moisés. Por quê? Porque o Senhor desceu para a montanha. E como! (Ver Figura 6)

 

Mas o Monte Sinai estava completamente envolto em fuma­ça, porque o Senhor descera sobre ele em fogo. E a fumaça se erguia dele como de um forno de fundição, e toda a monta­nha estremecia fortemente..., quando o Senhor desceu sobre o Monte Sinai, sobre o cume da montanha... (Êx 19:18-20)

Porém, quando o povo inteiro percebeu as trovoadas e os raios, o som de trombetas e a montanha em fumaça, o povo se ame­drontou e tremeu e deixou-se ficar à distância. (Êx 19:16)

 

Quem não teria estremecido com uma demonstração dessas? Decerto, foi supérfluo delimitar um âmbito sagrado. O povo recalcitrante pareceu ter compreendido que o Deus de Israel dispunha de imenso poder, que Ele era o verdadeiro Deus e que a palavra de Moisés possuía absoluta força de lei. Mas essa percepção durou muito pouco. Moisés deu um passo para den­tro da nuvem “na qual Deus estava", e recebeu Dele os Dez Mandamentos. Nós todos tivemos que aprendê-los alguma vez nas aulas de religião. Trata-se de maravilhosas regras de convivência, que inclusive seriam razoáveis para todas as for­mas de vida inteligente no universo. E, na verdade, somente os dois primeiros mandamentos oferecem motivos para in­terpretações divergentes. Ali, o Senhor manda:

 

Não terás outros deuses além de mim. (Êx 20:3)

 

Por quê? Teria havido outros ainda? Seguramente, naqueles tem­pos sem história, os povos veneravam diversos deuses da nature­za, como o sol, a lua, as estrelas. E também adoravam ídolos autofabricados. Porém deuses, os que desceram do alto (em hebraico "elohim")? Quem foi que, além do Deus dos israelitas, também descera do alto? No segundo Livro dos Reis, nos capítu­los 17 a 21, estão listados os mais diversos deuses, os quais eram venerados então por "outros povos”. E o quinto Livro de Moisés está repleto de brutais extermínios daqueles povos que haviam adorado "outros deuses". O Deus dos livros do Antigo Testamento não tolerava rival algum. E também ordenou expressamente que não se fizesse nenhum retrato de Deus:

 

Não deves criar nenhuma imagem de Deus, nenhuma espé­cie de retrato, nem daquilo que está no alto, no céu, nem daquilo que está embaixo, na terra, nem daquilo que está nas águas, embaixo da terra. (Êx 20:4)

 

Portanto, tampouco imagem alguma Dele próprio. De qual­quer modo, isso não era possível, já que os homens jamais chegaram a ver esse Deus ciumento. Não obstante, puderam admirar diversas vezes "a magnificência do Senhor", uma for­ma qualquer, reluzente, enfumaçada, barulhenta, levantando areia em redemoinhos e, ainda por cima, extremamente peri­gosa. Entretanto, o Deus do Antigo Testamento desejava que os homens também não retratassem aquilo. Por qve mesmo? Não teria sido útil à mística divina que os homens tivessem desenhado essa coisa misteriosa? Teria temido o Senhor que os homens do futuro distante pudessem identificar esse tipo de desenho com algo técnico?

Não o sabemos, já que tudo permanece, em última análi­se, uma questão de interpretação, de exegese ou da reflexão de um outro tempo. Hoje em dia, as imagens rescritas no Antigo Testamento possibilitam uma noção bastante clara daquilo que aconteceu então. Porém, exatamente isso devia ser também do conhecimento do Deus onipresente, em sua atemporalidade. Não há como fugir desse fato, caso se reco­nheça atemporalidade no ente que é Deus.

A descida do alto da magnificência de Deus teria se efetuado sobre o Monte Sinai, o Jebel Musa (Montanha de Moisés). A montanha teria ficado enfumaçada "como um fomo de fundi­ção". Como podem ser verificadas declarações dessa natureza? Não se deveria encontrar em Jebel Musa partes de rochas cha­muscadas ou até mesmo derretidas? Afinal, "toda a montanha estremeceu fortemente”. Algo assim não deveria deixar algum vestígio? A aterrissagem é descrita como risco de vida, ninguém devia ultrapassar a fronteira sagrada. Poderia o numinoso ser averiguado com os modernos instrumentos de medição?

Em princípio, sim, mas ninguém o faz. O Jebel Musa, na península do Sinai, fica no Egito moderno e é visitado por turistas. A montanha em si parece um deserto de pedra resse­cado e alcantilado. Na melhor das hipóteses, um contador gêiger popular forneceria vagos dados de medições de radioa­tividade. Mas quem disse que o perigo era de natureza radioa­tiva? Ninguém sabe em que ano o Senhor baixou sobre a montanha. Os teólogos alegam que os dados da vida de Moisés são conhecidos e que o Antigo Testamento é organizado im­pecavelmente do ponto de vista cronológico. Infelizmente, isso não é verdade. A cronologia do Antigo Testamento está cheia de contradições, sem falar de pensamentos ilusórios. Para determinar os disparates da montanha de Moisés, seria necessário conhecer o período de tempo em que o aconteci­mento se deu e utilizar instrumentos de medição totalmente diferentes de meros e simples contadores Gêiger. Além do mais, os eruditos não estão sequer de acordo em relação à "descida do alto" do bom Deus sobre o Jebel Musa. O arqueólogo italia­no Dr. Emmanuel Anati acredita que, na realidade, o aconte­cimento dramático tenha se desenrolado sobre a montanha Har Karkom, no sul de Israel. O arqueólogo britânico Lawrence Kyle tem opinião distinta e identifica a montanha sagrada como o moderno Hallat-al-Bedr, na Arábia Saudita. O profes­sor Dr. Kamal S. Salibi também sustenta, num livro excitante e com base em pesquisa impecável, que toda a história de Moisés jamais aconteceu na península de Sinai, mas sim na Arábia Saudita.27 Como se chegou a essa conclusão?

Todo mundo sabe que os israelitas atravessaram diversas vezes o Jordão durante sua peregrinação. O que se quer dizer é o riozinho Jordão, em Israel. Na realidade, o Jordão é uma cor­dilheira na província de Asir, na Arábia Saudita. Todos sabem que Moisés libertou seu povo da escravidão no Egito — e o Senhor aniquilou o exército egípcio. Um fato curioso é que não haja nem em inscrições egípcias antigas, nem em qualquer legado transmitido, nenhum vestígio de ptiâcceios israelitas. Isso para não falar de indicações acerca de um êxodo ou do extermínio do exército egípcio. Sequer o historiador grego Heródoto, que permaneceu no Egito por um longo período e anotou cada detalhe, cada data da história egípcia Scou saben­do de algo sobre Israel, sobre uma tribo hebraica em escravidão no Egito, sobre um êxodo do povo do Egito e, muito menos, sobre um aniquilamento "divino" do exército egípcio. Todos já leram sobre as trombetas de Jericó, por meio das quais as muralhas da velha cidade desmoronaram. Entretanto a arqueo­logia sabe há muito tempo, e sem a menor rnargen òe dúvida, que o acontecimento relatado pelo profeta Jos_r mdusive a partir de sua datação, não se encaixa em absoluto com aquela Jericó na atual Palestina. Teólogos que crêem na Bíblia distorceram muitíssimos dados para tornar a história do Anti­go Testamento verossímil. Sempre que em qualquer lugar da Palestina se encontrasse uma ruína, uma inscrição, um poço de água, um caco de argila ou um farrapo de pano velho, imedia­tamente se tentava transformar cada insignificância em supos­tas provas da veracidade da palavra da Bíblia. O que acontece de fato, observou Der Spiegel numa crítica de três obras arqueo­lógicas sobre a Bíblia: "Todos os três volumes estão coalhados de pseudoconhecimentos arqueológicos."28 Pouco do que há nos livros de Moisés condiz com a península do Sinai — em contrapartida, muito se encaixa com a Arábia Saudita, inclusi­ve os nomes de montanhas, bem como os das covas.

A cento e trinta quilômetros ao sul da cidade de Taif (na Arábia Saudita, província de Asir) está localizado o Dschebel Ibrahim (2.595 metros de altura), a montanha de Abraão. A outros cento e cinqüenta quilômetros daí para o sul situa-se a região original própria de Salomão: Al Suleiman. No topo do Dschebel Shada encontram-se os restos de um altar da idade da pedra lascada, com inscrições indecifráveis: Musalla Ibrahim – local de oração de Abraão. O Dschebel Harun, a montanha de Aarão, de 2.100 metros de altura, fica a sudeste de Abha (Asir). Muitos fundadores de linhagens e profetas do Antigo Testamento estão enterrados nas montanhas da Arábia Saudita e do vizinho Iêmen. Ainda em 1950, os turistas eram levados aos túmulos de Caim e Abel, no Dschebel Hadid. A sepultura do patriarca Hiob se localiza no pico intermediário do Dschebel Hesha, no Iêmen do Norte, e a cripta do profeta Hud até hoje conta entre os grandes santuários árabes. Ela está localizada ao norte de Tarim, na serra de Hadramaut.

Tudo isso é muito desconcertante e, no fundo, não seria tão importante, caso não se incutisse a inúmeras gerações, até os dias de hoje, que o Antigo Testamento teria se ambientado no Sinai e na Palestina. Assim, existem também na Palestina e em Israel de hoje diversos túmulos de profetas, embora os próprios senhores, de acordo com a Bíblia, nunca pudessem estar enterrados ali. No quinto livro de Moisés, capítulo 34, o Senhor diz que esta seria a terra que Ele prometera a Abraão, a Isaac e a Jacó. "Mas não deves ir para o outro lado ali..., e Moisés, o servo do Senhor, faleceu ali mesmo, na terra de Moab..., e ninguém conhece seu túmulo até o dia de hoje."

Então, por qual motivo mais de cem mil pessoas vão to­dos os anos em romaria até o túmulo de Moisés, na Palestina? Certa vez, o Sultão Saladin sonhou que Alá trouxera os restos mortais de Moisés da sepultura desconhecida para a Palesti­na. Esse sonho foi o suficiente para que se criasse um santuá­rio com um túmulo de Moisés. Em 1265, o Sultão Baibars mandou erigir uma mesquita sobre o túmulo e, no século XV, os mamelucos construíram ao seu lado uma suntuosa pousa­da com quatrocentos quartos. Hoje, o túmulo de Moisés é um dos maiores sítios de peregrinação do Islã — só que Moisés não está enterrado ali. O mesmo acontece com as descrições contidas no Antigo Testamento e com as contradições exis­tentes na dura realidade.

Também a localização da sepultura de Aarão é rena de um emaranhado de confusões. A 2.100 metros de altura a sudes­te de Abha (na Arábia Saudita, próximo à capital ca província de Asir), está o Dschebel Harun, com o túmulo de Aarão. Uma segunda sepultura pode ser encontrada no cume da monta­nha Ohod, junto de Medina.29 Um terceiro túmulo está loca­lizado em Moseroth, no atual Estado de Israel, enquanto Aarão repousa uma quarta vez sobre o pico de uma montanha junto da cidade de Petra, na Jordânia. Anos atrás, eu mesmo visitei este túmulo.30 De acordo com a Bíblia, Aarã faleceu sobre o cume da montanha Hor:

Então, os israelitas, toda a comunidade, saíram de Kades e che­garam à montanha Hor. E o Senhor falou com Moisés e Aarão na montanha Hor, na fronteira da terra de Edom, e disse: Aarão deve agora se reunir com seus companheiros de linhagem; isto porque ele não deve chegar à terra que eu destinei aos israelitas, já que vós fostes desobedientes de minhas palavras nas águas da contradição. Leva Aarão e seu filho Eleasar para a monta­nha Hor. Então, deves desvestir Aarão de suas roupas e vesti-las em seu filho Eleasar; porém, Aarão deverá morrer ali mesmo. E Moisés fez como o Senhor mandara: Eles subiram à monta­nha Hor diante dos olhos de toda a comunidade. E Moisés tirou a roupa de Aarão e a vestiu em seu filho Eleasar; e Aarão morreu ali mesmo, no cume da montanha. Quando toda a comunidade viu que Aarão falecera, toda a casa de Israel o chorou durante trinta dias. (Nm 20:22-29)

 

Nas Lendas judaicas31 circula outra variante sobre a morte de Aarão. Sobre a montanha Hor teria se aberto repentinamente uma caverna, e Moisés teria intimado seu irmão a entrar nela. Então, Moisés teria dito que não era razoável adentrar uma caverna suja com roupas sacerdotais e, assim, Aarão teria reti­rado suas roupas. Imediatamente, Moisés as entregou a Eleasar, e Aarão compreendeu que ali devia ser o sítio em que morre­ria. Como Aarão ficou nu diante da caverna, oito peças de roupa divinas vieram flutuando e cobriram a nudez de Aarão. Na lenda, tudo é possível. Nela, inclusive, o leito de morte de Aarão voa pelos ares e Aarão morre por um beijo de Deus.

Já o Islã enxerga o episódio de forma um pouquinho dife­rente:

 

Mousa e Haroun [Moisés e Aarão] viram uma vez uma caver­na, da qual saía luz. Eles entraram e lá encontraram um tro­no dourado com a inscrição: Destinado àquele, a quem couber. Como pareceu pequeno demais para Mousa, Haroun sentou- se nele. Imediatamente apareceu o anjo da morte e recebeu sua alma. Ele estava com 127 anos de idade.32

 

É bastante insensato visitar os túmulos dos veneráveis patriar­cas e dos profetas bíblicos na Terra Santa. Primeiro, eles estão duplicados, e mais: as veneráveis grandezas da Bíblia não es­tão ali. O túmulo do legendário Abraão é sintomático para o caos instaurado pelos muçulmanos e pelos homens que crêem na Bíblia e na Torá. Sua área de atuação era o lugarejo Mambre, dois quilômetros ao norte da cidade de Hebrom, no atual Estado de Israel. A região montanhosa representa a base clássica para a história de Abraão, já que ali deve ter havido milhares de anos atrás. Segundo a Bíblia, Abraão havia se estabelecido ali com seus rebanhos e suas tendas, e havia erguido um altar ao Senhor juntamente com 318 servos, ele perseguiu a partir dali os guerreiros babilónicos, para libertar Lot e sua família. Mambre foi, in­clusive, o local do encontro memorável entre Deus e Abraão, já que ali o Senhor prometeu que os descendentes de Abraão seriam tão numerosos quanto as estrelas no céu. Por fim, foi também em Mambre que Deus ordenou a circuncisão ritual. Abraão, que com seus então 99 anos estava além do bem e do mal, foi à frente exemplarmente e deixou que lhe cortasse fora o prepúcio — junto com seu filho Ismael, treze anos de idade.

Há muito, muito tempo, Mambre deve ter sido um lugar excitante. Certo dia, Abraão estava sentado diante de sua tenda, quando surgiram três estranhos. Hospitaleiro como o patriarca era, mandou abater um jovem bezerro e servir os forasteiros. Contudo, não passou despercebido ao filho Isaac que os estrangeiros "não eram descendentes da espécie dos habitantes da Terra".33 No Testamento de Abraão, antiga tra­dição judaica, os visitantes são descritos como “homens ce­lestes", que desceram do céu e também voltaram a desapare­cer lá em cima.

Então, a Bíblia anuncia que Abraão teria comprado para si, por quatrocentas onças de prata, um terreno com uma ca­verna sepulcral, "defronte de Mambre" (Gn 23:9-20). Ele teria mandado que o enterrassem lá, bem como sua mulher Sara.

No jazigo da família também teriam sido depositados seus filhos Isaac e Jacó, com suas mulheres Rebeca e Lea. Claro?

Nada está claro. No quinto livro de Moisés, capítulo 34, o Senhor diz que esta seria a terra que Ele prometera a Abraão, Isaac e Jacó, mas que ele (referindo-se a Moisés) não deveria ir lá.

Por que motivo ninguém questiona esse disparate? Como o Senhor pôde prometer a Abraão uma terra que seus descen­dentes receberiam no futuro, se o próprio Abraão já residia ali – em Mambre! — desde tempos imemoriais?

E o que dizer do jazigo familial de Abraão? No centro da cidade de Hebron, eleva-se atual a impressionante mesquita retangular de Haram-al-Ibrahimi, um santuário maravilhoso para muçulmanos, judeus e cristãos. De ambos os lados do espaço central estão localizadas criptas, nas quais estariam os túmulos de Isaac e de Rebeca. Através de grades de latão, pa­nos verdes escuros reluzem, bordados com letras arábicas dou­radas. A inscrição diz: "Este é o túmulo do profeta Abraão. Descanse em paz." Quatro pequenas colunas brancas susten­tam uma estrutura em mármore como um baldaquim, cober­to com uma placa de madeira escura. Ali debaixo, 68 degraus íngremes levariam ao túmulo de Abraão. A mesquita está en­tre os sítios mais sagrados para os muçulmanos. Entretanto, o túmulo de Abraão é inacessível.

Já nos tempos das cruzadas (séculos XI a XIII), existia na­quele local uma mesquita islâmica. Não se sabe o que havia ali antes ainda. Os cruzados transformaram a mesquita num mosteiro cristão. Então, Hebron passou a se chamar Cidade de São Abraão.

Certa vez, ao rezar, um monge sentiu um ventinho saindo de um canto qualquer. Junto com seus irmãos frades, ele se­guiu a corrente de ar. Esses senhores espirituais percutiram as paredes e descobriram um lugar que soava oco. Removeram uma placa de pedra, pondo a descoberto uma caverna. Até esse momento, os monges só sabiam, por meio da tradição arábica, que seu mosteiro teria sido erguido sobre a caverna Machpela, o sepulcro de Abraão. Perfurou-se uma parede e, atrás dela, apareceu um pequeno recinto circular Contudo, nenhum vestígio de qualquer jazigo.

Um dos religiosos envolvidos na busca não se deu por sa­tisfeito com essa amarga decepção. Ele continuou a tatear as paredes e achou uma pedra encaixada, em forma de cunha. Com dificuldade, a pedra foi removida e, vejam só, uma pare­de ruiu. Na luz bruxuleante dos archotes, os monges desco­briram, no chão, ossos desbotados e, num nicho, quinze ur­nas, nas quais também repousavam ossos. No jazigo, não fo­ram encontrados quaisquer escritos, peças ou panos, nada que pudesse remeter a Abraão e a sua família. Não obstante, ressoa­ram hinos para a glória do Senhor e, mais tarde, alguns dos ossos foram vendidos como relíquias de Abraão. “Desde en­tão, ninguém mais esteve lá embaixo, na cavema Machpela", observou o pesquisador dinamarquês Ame Falk Ronne, que viaja procurando vestígios de Abraão.34

Hoje, já não se pode mais averiguar se o descobrimento do túmulo se deu exatamente desse jeito e se os monges e os cavaleiros cruzados realmente encontraram algum indício que remetesse a Abraão. É de conhecimento de todos que, na épo­ca das cruzadas, muitos objetos foram retirados da Terra San­ta e enviados para mosteiros europeus e para o Vaticano. Os muçulmanos, que atualmente zelam pela mesquita de Abraão, recusam-se a pisar no jazigo de Abraão porque Alá puniria com cegueira todos aqueles que viessem a perturbar a paz do sepulcro do patriarca. Lançando mão de justificativas seme­lhantes, os judeus ortodoxos impedem qualquer pesquisa ar­queológica. Ainda não amadureceu o tempo de se solucionar todos esses mistérios sem preconceitos. Afinal, poderia acon­tecer de os espatos trazerem repentinamente à luz do dia sur­presas que não são convenientes. Mesmo porque os seus des­cendentes diretos não deixariam desaparecer num jazigo, sem mais nem mais, uma figura como Abraão. No fim das contas, ele era o patriarca de todas as linhagens, um daqueles que falou com Deus e Seus servos. Por isso, a veneração que lhe era devida devia ser muito profunda. Se os filhos de Abraão realmente sepultaram seu pai na caverna de Machpela, esse lugar teria se tornado alvo das peregrinações de todas as raças. Ainda mais que, no túmulo de Abraão, jaziam ainda cinco Outras figuras dignas de veneração, adoradas por todas as três grandes religiões do mundo. No entanto, nada disso pode ser visto em Hebron. Então, onde Abraão pode ter sido enterrado e por que motivo seu túmulo não é conhecido?

Segundo o professor K. Salibi, tanto Mambre como a caver­na Machpela estão localizados na província saudita de Asir.35 A mata na qual Abraão se estabeleceu "consiste hoje em peque­nos bosques de acácias e de tamariscos nas proximidades de Namira e Hirban, no interior de Qunfudha". Na mesma região montanhosa, junto do lugarejo de Maqfala (mqflh), na forma hebraica situa-se também a caverna dupla com o nome de Machpelah (mkplh). E por que esse lugar importante nunca foi promovido para ser um sítio de peregrinação significativo?

Os israelitas foram vencidos e raptados pelos babilônios, espalhados por todos os cantos. Os babilônios, porém, co­nheciam deuses totalmente diferentes, para eles Abraão não valia nada. Eles tinham outra religião. Os sucessores de Abraão – Salomão, Davi etc. — se estabeleceram no atual Estado de Israel, e lá não havia nenhum túmulo de Abraão.

Caso se tome a Bíblia literalmente, Abraão gerou além de muitas outras crianças) também Isaac — o mesmo que Abraão deveria ter sacrificado por ordem de seu Deus, o que não acon­teceu em função da intervenção de um anjo. Por sua vez, Isaac engendrou os filhos Esaú e Jacó. Esaú era o filho mais velho e, conseqüentemente, o primeiro na linha da sucessão hereditá­ria. Contudo, Jacó não se preocupou com isso e contestou a primogenitura de seu irmão. As intrigas foram se tomando mais pérfidas: quando o velho Isaac ficou cego e, como man­dava a boa e antiga tradição, quis abençoar seu filho Esaú, sua mulher Rebeca e seu segundo filho Jacó o enganaram. O an­cião acabou por abençoar Jacó (Gn 27). É compreensível que Esaú, extorquido de sua herança, não quisesse saber mais nada de sua família.

Uma lenda fenícia relata que Esaú teria sido um descen­dente direto da linhagem de deuses dos Titãs e que teria "lu­tado com as forças celestes".36 A Bíblia nada sabe sobre a morte de Esaú, isso para não falar do local em que foi sepul­tado. Acontece diferente nas pseudo-epígrafes do Antigo Tes­tamento. São chamados pseudo-epígrafes os textos que, em­bora fiquem fora da Bíblia, pertencem à história bíblica. En­tre eles está também "o Testamento de Judá, o quarto filho de Jacó e Lea". O texto foi registrado na primeira pessoa do singular.37

Judá relata seu nascimento, sua juventude e suas lutas. Com estupefação, fica-se sabendo como Judá lutou com o gigante Achor, que "lançava projéteis do cavalo, para frente e para trás". Em seguida, o eu-narrador descreve como seu pai Jacó teria vivido em paz com seu irmão Esaú durante dezoito anos. Somente então, Esaú teria exigido sua herança e avan­çado com numerosas tropas contra Jacó. Esaú teria morrido na batalha, sendo enterrado na cordilheira Seir. Seja onde for que se localize esse lugar, com certeza não é na Terra Santa. Mas é exatamente nesta, numa aldeia árabe ao norte de Hebron, que os turistas são levados até a mesquita de Si'ir. Ali debaixo estaria — pretensamente — o túmulo de Esaú.

Era um tempo desconcertante, e as histórias sobre ele ga­nharam independência. Exatamente como os túmulos. A Bí­blia é apenas uma das muitas fontes oriundas daquela época pré-histórica. Se fosse histórica, então os sítios geográficos, as histórias afins e também os túmulos das figuras heróicas de­veriam poder ser encontrados nos lugares corretos. No entan­to, isso não acontece. Abraão tampouco jaz ali onde deveria, como todos os outros patriarcas.

De acordo com o legado judaico, nos tempos de Abraão teria existido uma cidade chamada Salém (slm).38 Esta Salém, porém, não pode ser idêntica à Jerusalém posterior, já que Jerusalém só foi fundada por Salomão — até aí está correto. A respeito de Abraão, já ficamos sabendo que ele gozava da as­sistência celeste desde o seu nascimento, e que Deus "o ama­va particularmente". Um rei chamado Melquisedeque teria reinado sobre a cidade misteriosa de Salém, e sua origem não teria se dado por meio de uma procriação normal: o próprio Deus teria plantado o seu sêmen em Sopranima — a mãe de Melquisedeque. (A literatura antiga está coalhada desse tipo de procriações in vitro divinas.) O mesmo Melquisedeque en­controu Abraão "e o abençoou". Está claro que toda essa con­fusão em torno da cronologia de Abraão nunca será desfeita.

Os teólogos da Igreja e muitos líderes de comunidades re­ligiosas menores continuam a perceber a Bíblia como a pala­vra de Deus. Essa falta de discernimento é sistemática. Afinal, desde seu nascimento, os homens foram criados dentro da fé e foram instados a rejeitar categoricamente influências estra­nhas. Qualquer dúvida trazida a uma comunidade religiosa passava — e passa — por algo diabólico. O Papa Paulo IV sa­bia muito bem o motivo pelo qual ele mancara confeccionar uma lista de livros proibidos, já em 1559, quando eram mino­ria os homens que sabiam ler. Trata-se do Index libwrum prohibitorum. É verdade que esse Index foi suprimido em 1967 pelo Papa Paulo VI, mas, ainda assim, até r. o t os crentes não devem consumir livro algum que questione a soa religião. No entanto, acho que, para o religioso crítico e para todos aque­les que não estão dispostos a aceitar tudo e que têm coragem de fazer perguntas, a Bíblia unicamente já basta para deixá-los de cabelos em pé.

Depois de Moisés ter recebido os Dez Mandamentos e de o povo todo ter assistido à forma impressionante como o Se­nhor descera do alto para a montanha, a descrença logo vol­tou a reinar. A plebe que se encontrava no acampamento ao sopé da montanha sagrada ficou impaciente e começou a modelar um bezerro de ouro com jóias derretidas e todo tipo de metal precioso. Eles passaram a adorar esse ídolo. Parece inconcebível que também Aarão, irmão de Moisés e sumo sa­cerdote dos levitas, tenha participado desse sacrilégio. É lógi­co que Moisés "se irritou" com a visão desse bezerro de ouro. Ele arrojou as Tábuas da Lei novinhas em folha, estilhaçando-as, e ordenou que, por incumbência de seu Deus, três mil ho­mens fossem chacinados:

 

Percorram o acampamento para cima e para baixo, andem de uma porta a outra e matem todos, irmãos, amigos e parentes! E os levitas fizeram como Moisés lhes ordenara. Assim, na­quele dia caíram três mil homens do povo. (Êx 32:27-28)

 

O Senhor, que já não sabia mais como os teimosos israelitas se comportariam durante a ausência de Moisés, ficou irado, mas prometeu, ainda assim, levar o povo para a terra onde fluem o leite e o mel. Ele próprio já não sentia mais vontade de viajar junto com os Israelitas: "Eu não quero subir convosco, porque sois um povo teimoso; senão, eu poderia exterminar-vos no cami­nho" (Êx 33:3-6). Não obstante, ele se deixa abrandar por meio de jóias: "E, agora, removei vossas jóias, então verei o que posso fazer por vós." Daria um reino por uma explicação plausível que me dissesse o que o bom Deus poderia querer com as jóias!

Entretanto, Ele colocou à disposição dos israelitas um anjo, representando-o, o qual desalojou os povos que já se haviam estabelecido na Terra Prometida: "E eu quero enviar para lá um anjo antes de ti, e expulsar os cananeus, amoritas, heteus, fariseus, heveus e jebuseus" (Êx 33:2). Sensacional!

Antes que a viagem prosseguisse, Moisés ainda armou o tabernáculo fora do acampamento e o chamou de "Taber­náculo do Concerto". Ali, não somente foram conjugados a Arca da Aliança com o "velhíssimo dos dias", como, além dis­so, era posicionada uma estranha coluna de nuvens diante da entrada do tabernáculo, protegendo-a, quando Moisés e Aarão estavam lá dentro. No tabernáculo, o Senhor teria falado com Moisés face a face, "como alguém fala com um amigo". Mas, alto lá! No mesmo capítulo 33 do segundo livro também está escrito exatamente o contrário. Enquanto o versículo 11 asse­gura que o Senhor teria falado com Moisés face a face como com um amigo, os versículos 18, 19 e 20 transmitem uma impressão distinta. Ali, Moisés pede a seu Deus: “Deixa que eu veja Tua magnificência!" E a resposta? "Tu não podes olhar minha face, porque nenhum homem que me olha permane­ce vivo." E, no versículo 23: "... e quando eu entâo retirar minha mão, poderás me seguir com o olhar, mas minha face ninguém pode ver."

Bastante evidente também parece ser essa recusa na Epopéia de Gilgamesch: "Quem olhar na face dos deuses, deve perecer."

Será que haveria o perigo de os homens se infectarem com vírus ou bactérias estranhas e os deuses não pudesse evitar isso? Ou seria o contrário? Temeriam os deuses infectar-se com os homens? Seria este o verdadeiro motivo da existência dos espaços sagrados, dos adros dos templos e do interior dos san­tuários, os quais somente os sacerdotes mais bem instruídos, e purificados diversas vezes, podiam adentrar? Deus em qua­rentena? Qual Deus? Quais deuses? No quarto livro de Moisés (Números), os diálogos entre Deus e Seu servo são novamente estabelecidos. Agora, Deus se comunica com Moisés somente por meio de uma espécie de alto-falante:

 

E quando Moisés penetrou no tabernáculo para falar com o Senhor, ele ouviu a voz falar consigo de uma plataforma que estava apoiada sobre a Arca da Lei, vinda de um ponto entre dois querubins; e Ele falou com ele. (Nm 7:89)

 

Não é brincadeira o que se tenta impor em termos de contra­dições aos pobres crentes. Pela enésima vez, o povo voltou a se queixar de seu Deus. O motivo era a monótona lista de alimentos. Aí, Moisés teve a idéia insensata de pedir carne ao seu Senhor. Este organizou prontamente uma ventania que trouxe codornizes do mar e as deixou cair sobre o acampa­mento dos israelitas. Deve ter se tratado de uma quantidade imensa, pois os bichinhos jaziam "à distância de um dia de viagem em todas as direções ao redor do acampamento, e até dois côvados de altura acima do chão" (Nm 11:31). Como não esperassem mais nada, os israelitas recolheram as codor­nizes para secá-las e também para consumi-las imediatamen­te. Entretanto, quando ainda estavam com a carne "entre os dentes, a ira do Senhor se acendeu e Ele feriu o povo com uma praga terrível" (Nm 11:33). Por que motivo o Senhor providencia primeiro uma quantidade enorme de codornizes e, em seguida, pune o povo faminto? Os israelitas deveriam, por alguma razão específica, ingerir somente alimentos pro­duzidos a partir do gênero alimentício básico maná?

Diversas vezes o Deus do Antigo Testamento disse a Seu povo que foi Ele quem "segregou" os israelitas dos outros po­vos (Lv 20:24). Então, as novas regras a serem cumpridas seriam também, consoantemente, muito rígidas. Quem comete adul­tério deve ser morto. Homem e mulher. O mesmo vale para genro e sogra, como também para sua própria mulher e a mãe dela, no caso de o esposo "tomar ambas como mulher". Os homossexuais também eram mortos. "Devem ser mortos. O seu sangue recaia sobre eles." Essas determinações duríssimas podem ser lidas no terceiro livro de Moisés (Lv), capítulo 20, versículo 10 e seguintes. Os adivinhos também eram tratados com a mesma inclemência: "Se num homem ou numa mu­lher estiver o espírito de um morto ou o espírito de adivinho, eles devem ser mortos. Devem ser apedrejados; seu sangue recaia sobre eles" (Lv 20:27).

É claro que isso não valeu para os inúmeros adivinhos que mais tarde foram chamados de profetas. Eles percebiam cons­tantemente visões, iluminações ou rostos, sem que por isso fossem massacrados. Também para os sacerdotes valiam re­gras especiais, que hoje descreveríamos como discriminatórias. Quem sofresse de uma enfermidade, ainda que mínima, ou tivesse algum tipo de impedimento, não podia se aproximar do altar. Isso valia para os cegos e os aleijados para aqueles que tinham o rosto estropiado e para aqueles “em que um membro fosse comprido demais". Ai de qualquer ministro de Deus que sofresse de uma enfermidade ou que se ferisse num acidente. "Ninguém que tiver um pé quebrado ou uma mão quebrada, nenhum corcunda ou tísico, ninguém que tiver uma mancha na vista ou que estiver acometido de sarna ou de impigem e nenhum castrado" devia se aproximar da mesa do Senhor (Lv 21:17-21).

Até uma injúria contra o novo Deus, uma maldição dita baixinho era imediatamente punida com a morte por apedrejamento (Lv 24:13-14). Contudo, a quem causava um dano ao próximo dever-se-ia lhe fazer o mesmo, isto é "olho por olho, dente por dente". Naquela sociedade estranha, os israelitas também podiam manter escravos. Autorizados expres­samente pelo Senhor. Aos escravos, ninguém perguntava nada.

A terra na qual deviam fluir o leite e o mel, e que fora prometida aos israelitas, teve que ser primeiro reconhecida e, depois, conquistada. Moisés enviou exploradores para a Terra Prometida e mandou que espionassem o destino longamente ansiado. Os exploradores, porém, tinham medo dos povos que já viviam nessa terra, onde haveria até mesmo gigantes:

 

 

Vimos lá também os gigantes, os filhos de Enac da raça gi­gante, e comparados com eles nós nos sentimos como gafa­nhotos, e também parecemos assim para eles. (Nm 13:33)

 

Mais uma vez, o povo "queixou-se” de Moisés e de seu Deus – o queixume não acabava mais. Duzentos e cinqüenta levi­tas formaram uma quadrilha e disseram: "Agora já chega!" (Nm 16:3). Justamente os filhos de Levi, ou seja, aquela tur­ma que podia transportar a Arca da Aliança e que tomava conta do "velhíssimo dos dias", rebelaram-se. É bem verdade que ali se acumulara uma grande quantidade de raiva. Moisés ordenou que os três cabecilhas fossem até ele e, como se recu­sassem, Moisés mesmo foi até eles — para matá-los, assim como suas famílias. Naturalmente, com o auxílio da técnica armamentista divina:

 

Mal pronunciara ele todas estas palavras, o chão se abriu debai­xo deles, e a terra abriu sua boca e os tragou juntamente com suas famílias e todos os homens que pertenciam ao Corá, e to­dos os seus pertences. E eles desceram vivos ao Inferno, com tudo o que possuíam, e a terra os encobriu. (Nm 16:31-33)

 

E o que aconteceu com os outros duzentos e cinqüenta filhos de Levi?

 

Fogo saiu do Senhor e consumiu os duzentos e cinqüenta homens... (Nm 16:35)

 

O que são duzentos e cinqüenta mortes quando comparadas às inúmeras raças que os homens de Moisés aniquilaram — em geral, com o auxílio dos excelentes feitiços de seu Deus?

Pelo menos, é assim que está escrito na Bíblia. Se tudo se pas­sou mesmo assim, é outra questão. De acordo com a Bíblia, o exército de Moisés degolou todos os medianitas homens e tam­bém "todas as mulheres que já haviam tido cópula com um homem" (Nm 31:7-9). A cada vitória caíam nas mãos dos israelitas enormes quantidades de despojos. Os sacerdotes deviam entregar uma parte bem determinada deles ao Senhor, como "sacrifício de elevação". Mas isto só não bastava: o Se­nhor também exigia homens, "dos quais trinta e duas almas como doação ao Senhor" (Nm 31:40).

Tudo pode soar terrível e incompreensível, mas, evidente­mente — segundo os teólogos —, grande parte desses aconte­cimentos só teria significado simbólico. Até agora, porém, não encontrei em lugar algum sequer uma explicação convincen­te que me dissesse o que o Senhor faria com as jóias dos des­pojos ou — mais absurdo ainda — com homens. E não estou citando apenas qualquer passagem isolada do Antigo Testa­mento. Longe de mim! Repetidas vezes, o Senhor cobiçou jóias, pedras preciosas, metais nobres, tecidos finos e até pe­les de foca.

Acontece que os textos dos livros de Moisés se originaram em tempos distintos e, além do mais, trazem a caligrafia de diversos autores. A esse respeito, os exegetas estão de acordo. Há coisas que nunca estiveram no original e que foram acres­centadas mais tarde. É provável que algumas das leis incle­mentes tenham sido introduzidas nos livros de Moisés por um fanático qualquer. Mesmo os modernos estudiosos das escrituras já não sabem mais determinar qual é o texto origi­nal. Portanto, só se pode estranhar que tantos teólogos exi­jam de seus fiéis que considerem os textos do Antigo Testa-

mento como a "palavra de Deus". "Sem exceção, relatos rati­ficando a palavra de Deus.39 Esse esquema é válido universal­mente."

Pelas narrações acerca de Sodoma e Gomorra, sabe-se que os habitantes das duas cidades pecadoras não impunham qual­quer tipo de limite a sua avidez sexual. Não somente a prati­cavam com ambos os sexos, mas também com animais.40 Daí a palavra sodomia. Esse foco perverso deveria ser eliminado radicalmente, e as punições eram consoantes com essa neces­sidade:

 

Não te ajuntarás também com bicho algum, de forma a que te manches com ele. Nenhuma mulher deve ter que copular com um animal, porque isso é hediondo... Se alguém se dei­tar com bicho, ele deve morrer de morte e o bicho deve ser estrangulado. Se uma mulher se chegar a um bicho de forma a ter cópula com ele, deves matá-la e ao animal também. Devem morrer de morte. (Lv 18:22-23, 20:15-16)

 

Incontestavelmente, o Senhor dos israelitas entendia dos modernos preceitos de higiene, e comunicou Seu saber a Seu povo eleito, tintim por tintim:

 

O homem, em cuja superfície da carne se abra alguma coisa, ou que fique branca de pus, como se fosse se formar lepra na superfície da sua carne, será conduzido ao sacerdote Aarão...

Se o sacerdote olhar a marca na superfície da carne e ver que os pêlos se tornaram brancos e que o aspecto no local é mais fundo que o restante da superfície da carne, então tratar-se-á seguramente de lepra... Porém, se tiver alguma coisa branca como pus na superfície da carne, mas o aspecto geral nâo for mais fundo que o resto da superfície da carne, e os pêlos não tiverem se tornado brancos, o sacerdote deverá encerrar 0 mesmo por sete dias... (Lv 13:1-4)

 

Tratava-se de diagnosticar doenças e — como neste caso – de colocar os pacientes numa estação de isolamento. Também foram emitidas instruções modernas acerca oe uma desinfec­ção total e cuidadosa. As prescrições de comportamento não deixavam margem para interpretação:

 

... todo lugar onde ele se deitar e tudo em que ele se sentar se tornará imundo e quem tocar seu lugar deverá lavar suas ves­tes e banhar-se... e quem se sentar onde o doente esteve sen­tado, deverá lavar suas vestes e banhar-se... quem tocar sua carne deverá lavar suas vestes e banhar-se... se o doente lan­çar sua saliva sobre aquele que está limpo, este deverá lavar suas vestes e banhar-se... a sela sobre a qual ele se assentar ficará imunda e quem tocar em qualquer coisa que houver estado embaixo dele ficará imundo... se ele tocar um reci­piente de barro, este deverá ser despedaçado... (Lv 15:4-12)

 

Essas prescrições de higiene são tratadas de forma minuciosa no terceiro livro de Moisés, capítulos 13 a 16. São regras per­feitas para combater a lepra. Não somente os homens com doenças contagiosas eram excluídos da comunidade, mas ten­das e até mesmo casas inteiras se transformavam em zonas proibidas quando nelas permanecia alguém com determina­dos sintomas de doenças. Nos edifícios, o reboco devia ser removido, "as pedras, a madeira e toda a argamassa da casa" deviam ser carregadas "para um lugar impuro fora da cidade". Os cadáveres de animais não deviam ser tocados e mesmo o sumo sacerdote Aarão não devia adentrar o tabernáculo em absolutamente nenhum caso — a não ser que ele tivesse se banhado exaustivamente antes. Caso Aarão não cumprisse exatamente as prescrições de limpeza e de vestimentas de seu senhor, "ele deveria morrer" (Lv 16:2).

Amargo, porém verdadeiro. Nada de "impuro" podia che­gar na vizinhança do Senhor e muito menos um rapaz f6ÜO- rento. Não obstante, as contradições contidas no Antigo Tes­tamento saltam aos olhos. Por um lado, Moisés nunca pôde ver a face de seu Senhor; logo, ele não chegava a ter contato direto com Ele. Por outro lado, quando alguém chegava na proximidade do Senhor, deviam ser respeitadas meticulosas prescrições de banho e de vestimentas. Na Bíblia, todas essas precauções higiênicas valem exclusivamente para o povo elei­to, e foi ensinado somente aos israelitas como se podiam evi­tar doenças contagiosas ou até o início da lepra. Os outros povos não parecem ter tido privilégio algum desse tipo. E aí teria que se fazer a observação de que também os deuses dos outros povos, na medida em que se tratava de seres vivos e não de estátuas, exigiam de seus sacerdotes absoluta limpeza corporal. Aos santuários só se podia ir banhado e cheiroso, bem como em vestes totalmente limpas.

Neste capítulo, não quero mais uma vez referir-me ao fato de que, na Bíblia, aparecem descrições técnicas cujos cálculos podem, hoje em dia, ser conferidos e, a partir das quais, podem-se elaborar modelos maravilhosos que apon­tam para tudo, menos para a existência de um Deus me­tafísico.

O que resta do Deus do Antigo Testamento depois dessa listagem de contradições? Segundo um jesuíta ancião, com o qual conversei certa vez, talvez Deus nos tivesse oferecido uma espécie de charada. Vocês conseguem chegar à resposta? Com certeza, desde que os homens possam pensar e fazer combina- ções livremente. Entretanto, cada comunidade religiosa procu­ra impedir justamente isso — e não me refiro apenas à cristã! O livre raciocínio é um horror para o cérebro dos fanáticos cren­tes. A fé não precisa de comprovação, transmite segurança, muito embora, na verdade, nela só reine o caos. Ter fé significa não querer saber, porque pesquisar e pensar devem levar-nos forçosamente a outras respostas. Contudo, os pensamentos, como os resultados das pesquisas, não se deixam suprimir. En­quanto os homens estiverem vivos, estarão pensando. Esse flu- xo é interminável, e mesmo que agrupamentos teimosos lo­grem estancar o rio de pensamentos, sempre brotará uma nova fonte, e um novo arroio se transformará numa torrente.

Na Bíblia, Deus selou tanto com Moisés como com Abraão diversas alianças eternas. A pesquisa histórica comprova que, até os nossos dias, nenhuma foi respeitada. Repetidas vezes fol profetizado o regresso de Deus, um novo reino deveria iniciar-se — só que nada aconteceu. Com base em todas as possíveis passagens bíblicas, os fanáticos religiosos vaticinaram o retorno do Messias. Sequer uma única dessas citações está correta (quem quiser saber mais a esse respeito, leia o capítulo 3 de Der jungste Tag hat längst begonnen).41 No segundo livro de Moisés, capítulo 34, o Senhor confirma que Ele é ciumento (versículo 14) e que Moisés não devia em hipótese alguma fazer acordos com os habitantes de outra nação. Onde estaria a terra sem acordos internacionais? O Senhor promete:

 

Porque eu expulsarei outros povos diante de ti e ampliarei tua região, e ninguém deverá cobiçar tua terra. (Êx 34:24)

 

Onde vive “o povo próprio de Deus” hoje em dia? Espalhado por todos os continentes, e a terra de Israel é importunada por todos os vizinhos. Os judeus ortodoxos, que se agarram em cada palavra da Torá desde que lhes sirva, aguardam o novo reino para qualquer momento no futuro. De preferên­cia, logo para amanhã. Não lhes incomoda o fato de que não é possível obter algum consenso razoável com países vizinhos mantendo esse tipo de mentalidade.

Já apontei para o fato de que Moisés nunca viu seu Senhor face a face. Entretanto, algo parece ter acontecido com o rosto de Moisés. A saber, quando ele desceu da montanha sagrada com as Tábuas da Lei, "ele não sabia que a pele de sua face se tornara radiante enquanto o Senhor falava com ele" (Êx 34:29). Após ter se encontrado por quarenta dias com o Senhor, Moisés estaria sofrendo dos excessos de radiação? Peter Krassa já des­confiou disso trinta anos atrás.42 De acordo com o Antigo Tes­tamento, parece que realmente aconteceu algo estranho com Moisés:

 

Então, quando Aarão e todos os israelitas viram Moisés, no­taram que a pele de seu rosto emitia raios; por isso, eles tive­ram medo de se aproximar dele... Mas, quando Moisés parou de falar com Eles, cobriu o rosto com um véu. E quando Moisés entrava na presença do Senhor para falar com este, tirava o véu até que Ele saía novamente... então os israelitas viam que a pele do rosto de Moisés lançava raios; mas Moisés vol­tava a colocar o véu sobre o seu rosto até que ele entrava novamente para falar com o Senhor. (Êx 34:30-33)

 

Bota véu, tira véu. No resto do texto não se fala nunca mais no véu. O rosto de Moisés teria ficado desfigurado de alguma forma, depois que ele recebeu do Senhor Suas instruções na montanha? Não o sabemos, como tampouco sabemos se esta passagem da Bíblia é autêntica ou se também foi acrescentada mais tarde por outros escritores, como tantas outras. Porém, os relatos da Bíblia são "sem exceção, relatos ratificando a palavra de Deus. Esse esquema é válido universalmente".43

Se toda a Bíblia é constituída de "relatos ratificadores" e se de acordo com o professor de teologia Karl Rahner — as Escrituras Sagradas do Antigo e do Novo Testamento "pos­suem o mesmo autor", e isso foi planejado desde "um passa­do muito remoto" para a "salvação definitiva", então os fiéis também deveriam interpretar os trechos do Apocalipse como algo líquido e certo. Ou tudo, ou nada. O Apocalipse está in­corporado ao Novo Testamento c teria sido redigido por São João Evangelista. Ali pode-se ler acerca de pragas terríveis que anjos punitivos quaisquer deveriam derramar sobre a Terra. Naturalmente, somente sobre os ímpios, pois o Senhor exige constantemente juízos e castigos. Entretanto — oh, milagre – depois de todos os tempos horrendos, surgirão um novo céu e uma nova terra:

 

E eu vi um céu novo e uma terra nova; porque o primeiro céu e a primeira terra desapareceram e o mar já não é. E eu vi a cidade santa, a nova Jerusalém, descer do céu... e a rua da cidade [na nova Jerusalém, EvDl era de puro ouro, como vi­dro transparente e eu não vi templo nela... e a cidade não precisava de sol nem de lua que a iluminassem... (Ap 21:1-2)

 

Eu conheço gente que acredita em óvnis e que sustenta há anos que extraterrestres aparecerão e seqüestrarão uma parce­la da humanidade para levá-la a outro mundo. Cientistas e políticos reclamam desse disparate, porque ele representaria uma tentação a cruzar os braços e a esquecer os problemas deste mundo. Eles têm razão. Não obstante, eles não parecem compreender onde se deve buscar a fonte desse pensamento: no Apocalipse da Bíblia.

Como ficamos, então? Onde está o Deus que se deixa in­serir em todas as escolas de pensamento sem protestos? Com certeza, não na Bíblia, tampouco nas outras escrituras, sagra­das ou não. Nos últimos decênios, a astrofísica apresentou diversos modelos explicativos para o surgimento e a compo­sição do universo. Todas as teorias, desenvolvidas por cabeças íntegras e inteligentes, se contradizem. De acordo com as fór­mulas de Einstein, não pode existir um universo em repouso; assim, o físico e astrônomo George Gamow chegou, em 1948, à teoria da explosão cósmica original. Nos meus tempos de escola, ela valia como verdade intangível, já que, pelo menos, ela podia ser comprovada por meio do deslocamento verme­lho (o assim denominado efeito Doppler) de Edwin Powell Hubble. As galáxias se afastam rapidamente umas das outras. Isso durou até que astrônomos descobriram galáxias que são tão longínquas que já não cabiam mais sob a grande capa daquela teoria. Além disso, considerando o efeito Doppler, algumas dessas galáxias deviam alcançar uma velocidade su­perior à da luz, o que também contrariava Einstein.

Tornavam-se necessárias novas teorias. O físico Andrei Linde, da Universidade de Stanford, desenvolveu a teoria do "universo em bolha": como numa banheira cheia de água mineral, sempre surgem novas borbulhas — novas explosões cósmicas originais. Um universo de bolhas que explodem e se formam de novo de forma contínua. Naturalmente, isso não era o suficiente para abranger o universo, então novas dimen­sões se tornaram necessárias e, como não se dispunha de nenhuma, elas foram inventadas matematicamente. No mundo complicado da astrofísica, já chegaram a existir 25 dimensões espaciais para compor o sarapatel, no momento os especialis­tas contentam-se novamente com dez. Mesmo essas dez não são acessíveis para o comum mortal — elas existem apenas nas cabeças e nos computadores da ciência.

O astrofísico Oskar Klein inventou a "teoria das cordas" (o universo é perpassado por "fios de energia”. Pode ser que essas cordas existam, ninguém o sabe com certeza, mas elas não esclarecem a formação do universo. Por isso, o físico Edward Wittcn elaborou a teoria das membranas vibratórias. A partir de então, o mundo passou a ter a “Teoria-M". "M" não representa apenas membrana, mas também mística. Bu­racos negros foram calculados matematicamente, os quais por sua vez contrariavam teorias mais antigas. Outros astrofísicos não somente se debruçavam sobre a questão de saber como o universo se constituiu, mas se ele se constituiu mesmo. Sem­pre esteve aí. Inconcebível! Este é um conc^.to que não existe na astrofísica. Ali, o mais inconcebível se toma possível. O que importa é que uma nova charada mantenha ocupadas as circunvoluções cerebrais. E de onde surgiu aquilo que sempre esteve aí? E como tudo isso vai acabar? O físico Paul Davies44 postula, paralelamente à explosão cósmica original (big-bang), também um “big crunch” (grande colapso). Depois, a história do universo recomeçaria desde o início. Isso já era de conhe­cimento dos velhos indianos. Pode-se consultar, a esse respei­to, as escrituras védicas.

Sobra um universo gigantesco com trilhões de estrelas e planetas, sobre o qual aprendemos que ele é infinito; porém, não sabemos se ele se renova constantemente e renasce novamente num lugar qualquer ou se ele termina por engolir sua energia. (O que, é lógico, contraria a lei de conservação de energia na física.) Apenas uma verdade se destaca com clare­za: nós, os homens deste planeta minúsculo, somos compará­veis a micróbios, micróbios dentro de um oceano imenso.

No entanto, nós nos achamos tão importantes que acredi­tamos que o grandioso espírito da criação tenha armado esse teatro gigantesco com a mera intenção de visitar nosso micros­cópico planeta a bordo de um veículo fedorento, fumacento, barulhento e perigoso. Tudo isso para eleger para si, dentre os homens, um povo predileto recalcitrante que se queixa sem parar e que — pelo menos de acordo com os relatos do Antigo Testamento — não se determina nem mesmo a crer nesse Deus durante um longo período de tempo. Tudo isso para encenar neste planeta uma tragédia maligna, aniquilar crianças e povos e — no futuro — condenar uma pessoa qualquer e cobri-la de castigos. E tudo isso para que a humanidade destrambelhada o reconheça, creia nele e o ame. Não se parece nada com o que se chama de amor cristão para corn o próximo!

Onde encontrar um lugar para o "bom Deus" nesse mode­lo? A poderosa força original, o espírito primevo, para assim dizer, que se constituiu antes do início de todo ser, deve ter sido na língua dos homens um neutro: Illud*. Illud existia antes da explosão cósmica original, antes dos buracos negros e dos fios, antes dos universos cm bolhas e antes de todos os pensa­mentos que podemos inventar. Não é possível à razão huma­na abranger, circunscrever ou ate calcular Illud. A não ser que essa razão fosse ampliada um dia por influência de uma inte­ligência mais velha. Mas, mesmo assim, gostaria de represen­tar este Illud inconcebível de forma pelo menos exemplar. No decorrer de discussões, procuro fazer isso com a seguinte se­qüência de pensamento:

Imaginemos um computador, equipado com cem trilhões de unidades de memória — em termos técnicos, bits. Imagi­nemos, ainda, que esse supercomputador tenha desenvolvi­do uma consciência pessoal. Essa consciência, entretanto, mantém uma ligação firme com os trilhões de bits. Caso o computador lançasse a si mesmo no universo, essa cons­ciência pessoal seria destruída. Naturalmente o cérebro do computador também sabe disso, já que o computador sabe tudo. Com o passar do tempo, saber tudo se toma enfado­nho — independentemente de se existe mesmo um concei­to temporal ou não. Então, o computador ce::de acabar com seu enfado e armazenar novas experiência- De onde? Se ele já sabe tudo! Agora, o cérebro do computador começa a nu­merar todas as suas unidades de memória e i marcá-las numa determinada seqüência. E, então, ele se deixa explodir. Big- bang — explosão cósmica original. Trilhões de bits disparam com velocidades variadas — de acordo com o seu tamanho – pelo vazio do universo. A consciência inicial do computador é dissolvida, já não existe mais. Não obstante, o auto-destruidor esperto houvesse programado o futuro após a ex­plosão. Todos os bits marcados com suas informações indi­viduais voltarão, num momento qualquer, novamente para o centro da explosão. Cada unidade de memória assumirá novamente o seu lugar original, a consciência pessoal do supercérebro estará novamente intacta — com uma diferença fundamental: cada bit terá vivenciado alguma coisa entre o momento da explosão e seu retorno. Alguma coisa aconte­ceu. Uma experiência adicional, que não existia antes do despedaçamento, passa agora a ser parte constitutiva da cons­ciência pessoal. A onisciência do computador ampliou-se. Evidentemente, isso é uma contradição em si, mas — eu peço compreensão! —, afinal, trata-se aqui somente de um mode­lo de representação.

A partir do momento da explosão até o instante de regres­so, nenhum bit sabia que ele já fora certa vez uma partícula minúscula de uma consciência maior. Caso um bit tivesse se perguntado, durante a longa viagem, "Qual é o sentido e a finalidade de minha corrida a toda pressa?", ou "Quem me criou?", "De onde venho?", não teria obtido resposta. A não ser que toda uma aglomeração de unidades de memória tives­se se encontrado e pressentido que deveria haver algo ainda maior por detrás daquilo. Mesmo assim, cada bit foi início e fim de um ato, uma espécie de criação, multiplicada pelo fa­tor da nova experiência.

Se essa comparação simplificada oferecer-se de alguma aju­da para chegar mais próximo ao fenômeno Illud, já me senti­rei bastante recompensado. Todos nós somos partes integran­tes dessa força original, Illud. Somente lá no fim, no "ponto ômega" de Teilhard de Chardin (1881-1955),45 é que vamos compreender novamente que nós unificamos em nós mes­mos causa e efeito da criação. Que Illud, sinônimo para o con­ceito de Deus, deve necessariamente ter existido antes de qual­quer tipo de explosão cósmica original, me parece bastante lógico. Essa imagem mental não é nova, nova é apenas a com­paração contemporânea com um computador. É fascinante, contudo, que legados antiqüíssimos conheçam representações parecidas. João Evangelista descreve a gênese assim:

 

No princípio, era o Verbo e o Verbo estava com Deus, e Deus era o Verbo. Todas as coisas foram feitas pelo mesmo, e nada do que foi feito, foi feito sem o Verbo.

 

Não sabemos onde João obteve seu lampejo. O que entristece, apenas, é que o conceito de Deus tenha sido carregado com idéias impossíveis no decurso de dois milênios, com pensa­mentos que possibilitam transmitir uma história narrável para crianças e semi-selvagens. Mas se o fenômeno Illud (Deus) decidiu se transformar em matéria por um curto período de tempo, então Illud é a própria criação e, ao mesmo tempo, um produto de sua criação. Conforme os bits do computador, nós também nos encontraremos novamente numa unidade. Jun­to com os trilhões de outros sóis e o conjunto da matéria, somos partes microscópicas de Illud, que retornarão para a comunidade cosmológica infinita. Todas as filosofias se afli­gem em tomo das perguntas "Por quê?", “De onde?", "Para quê?" — embora "o saber", conforme escreve o filósofo e teó­logo Professor Puccetti, "não deve necessariamente ser encon­trado de forma científica. E, com efeito, nem uma única das assim chamadas verdades religiosas significativas foi alcançada desta maneira."46

Um novo milênio começou. Como ficamos?

 

A humanidade está fragmentada em cinco grandes religiões e milhares de seitas, que rivalizam entre si.

A genética, a astronomia e os meios de comunicação amplia­ram nossos horizontes em proporções nunca dantes vistas. Não se vê o fim.

Mais cedo ou mais tarde, teremos contato com inteligências extraterrestres. Contrariando todas as teorias, a velocidade da luz será ultrapassada.

 

Como imaginamos os extraterrestres? Vamos deixar que uma inteligência forasteira nos trate como menos dotados espiri­tualmente porque aos sábados não acendemos as luzes (ju­deus ortodoxos)? Porque não comemos carne de porco (ju­deus, muçulmanos)? Porque consideramos vacas e ratos gor­dos sagrados (hindus e afins)? Ou porque torturamos o Filho de Deus e o pregamos na cruz de forma terrível? Eu defendo que, ao ingressar no terceiro milênio, seja declarado o fim dos muitos deuses na Terra. Com exceção, porém, do imenso Illud de que somos todos minúsculas partes, e para o qual as religiões utilizam o conceito de Deus. Desse ponto de vista também, qualquer discriminação racial se torna puro disparate. Nós todos pertencemos a ele. E as religiões, com sua mania de ter sempre razão, com guerras e suas ações medonhas, conduzi­ram-nos, afinal, para o caminho do conhecimento. A solução da charada poderia consistir em analisar as contradições da Bíblia e de outras escrituras antigas — ainda vou chegar a esse assunto! — e, no fim dessa tarefa, reconhecer de forma clara e evidente: nas manifestações da Bíblia, o Deus do Antigo Tes­tamento não era, definitivamente, um ser metafísico (espiri­tual). A resposta está em outra parte. Lá fora, no universo. Então, o que deveria ser feito? Devemos demolir os templos? Dinamitar as igrejas?

Nunca, jamais!

Ali, onde os homens se reúnem e exaltam a criação, reina uma comunhão benfazeja e fortalecedora. Como que tocado pelo tom de um diapasão, flutua no ambiente o pressenti­mento coletivo daquele ente magnífico que chamamos de Deus. Templos e igrejas são locais de reflexão, são espaços de louvor coletivo para o Indefinível, para Illud, para o espírito grandioso do universo. Esses locais de reunião continuam necessários. O resto é bastante supérfluo.

 

MENTIRAS EM TORNO DE FÁTIMA

 

A indignação moral é a auréola dos hipócritas.

HELMUT QUALTINGER

 

No dia 26 de junho de 2000, o Vaticano tornou público o "terceiro segredo de Fátima". Nele, teriam sido previstos, em linguagem simbólica, a perseguição da Igreja no século XX e o atentado contra o papa. É de conhecimento público que, no dia 13 de maio de 1981, o Papa João Paulo II escapou por pouco da morte, quando Ali Agca abriu fogo com uma pistola contra o Santo Padre, na praça São Pedro. O presidente da congregação da fé romana, o alemão Joseph Ratzinger, co­mentou a divulgação dos segredos com palavras suntuosas:

 

A doutrina da Igreja estabelece uma diferença entre "a revela­ção pública" e as "revelações privadas". Entre as duas, existe uma diferença não somente gradual, mas também fundamen­tal. A expressão "revelação pública" designa toda a ação de revelação de Deus, direcionada para toda a humanidade, que se manifestou nas duas partes que formam a Bíblia, o Antigo e o Novo Testamentos. É chamada de "revelação", porque, nela, Deus deu a conhecer a Si próprio aos homens, passo a passo, até ao ponto em que Ele próprio se tornou homem, para atrair a Si e reunir Consigo o mundo todo, por meio de Seu filho Jesus Cristo, tornado homem. Porque Deus é um só, também é única a história que Ele compartilha com a hu­manidade, e ela vale para todos os tempos, tendo alcançado a plenitude com a vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo.

A autoridade das "revelações privadas" é fundamentalmente distinta de uma "revelação pública"...

 

Mais adiante, fica-se sabendo que a revelação privada está re­lacionada à fé e à "certeza" de que Deus esteja falando. A reve­lação privada seria um auxílio para a fé. A medida e o valor de uma revelação privada seriam o quanto ela remete para o pró­prio Cristo.

 

Se a revelação privada se desviar do caminho de Cristo... ou se ela se apresentar meramente como uma outra e melhor ordem, ou como mais importante que o Evangelho, então seguramente ela não terá vindo do Espírito Santo, já que este nos conduz para o Evangelho e não para fora dele.1

 

É uma lógica obscura. Se é que Deus onipresente faz distinção entre público e privado, então também a revelação privada viria de Deus. Mas não é bem assim, segundo o cardeal pro­fundamente crente: uma revelação privada só pode vir de Deus "se ela conduzir para o Evangelho". Devo concluir daí que o lado oposto, o diabo, também faz revelações privadas?

Em todo o mundo, as expectativas em torno do conteúdo do terceiro segredo de Fátima eram grandes, já que, ainda em 1960, o papa dissera não poder revelar o segredo porque ele afetava "nossa fé”. E em Fulda, em 1980, o Papa João Paulo II esclareceu aos jornalistas desconcertados:

 

Por causa da gravidade do conteúdo, meus predecessores na cátedra de São Pedro privilegiaram uma disposição diplomá­tica. Ademais, já deveria ser suficiente a cada cristão saber o seguinte: na medida em que se pode ler que os oceanos sub­mergirão partes inteiras da terra, que os homens serão cha­mados de volta a qualquer momento, e aos milhões, então já não se deveria mais ansiar pela revelação desse segredo... Re­zem e não continuem a perguntar. Confiem na Mãe de Deus para todo o resto.2

 

Depois de graves declarações desse tipo, bem que se podia esperar algo que fosse transtornar o mundo. Mas o que está realmente escrito no (suposto) terceiro segredo? Nenhuma sensação, nenhum fim do mundo, nenhum transbordamen- to dos mares com milhões de mortos, e tampouco nada que afete "nossa fé". Além do mais, o texto publicado sequer está em conformidade com a realidade. Aqui está a versão liberada pelo Vaticano:

 

Escrevo por obediência diante de Vós, meu Deus, que me atribuístes esta missão, por meio de Sua Excelência, o Reverendíssimo Senhor Bispo de Leiria e por meio de Vossa e minha Mãe Santíssima.

Após as duas partes que eu já descrevi, vimos, à esquerda e um pouco acima de Nossa Senhora, um anjo que segurava uma espada ígnea na mão esquerda; faiscava e dela saíam chamas, como se devessem incendiar o mundo; mas as cha­mas se extinguiram quando entraram em contato com o bri­lho que Nossa Senhora derramava sobre ela com sua mão

direita. O anjo apontava com a mão direita para a terra e clama­va em alta voz: penitência, penitência, penitência! E vimos, na enorme luz que é Deus, "algo que parece como pessoas num espelho, quando estas transitam diante dele", um bispo trajado de branco, "tivemos o pressentimento de que era o Santo Pa­dre". Diversos outros bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas escalavam uma montanha íngreme, sobre cujo cume se encon­trava uma grande cruz de troncos toscos, como que de sobreiros com córtice. Antes de chegar ali, o Santo Padre atravessava uma cidade grande, semidestruída, e, meio tremendo e com passo claudicante, oprimido pela dor e pela preocupação, ele rezava pelas almas dos cadáveres que ele encontrava em seu caminho. Tendo alcançado a montanha, ajoelhou-se ao pé da grande cruz.

Ali, foi morto por um grupo de soldados que atiraram nele com armas de fogo e flechas. De forma idêntica moneram, um após o outro, os bispos, os sacerdotes e os religiosos, bem como di­versas personalidades leigas, homens e mulheres de diferentes classes e posições. Embaixo de ambos os braços da cruz estavam dois anjos, sendo que cada um deles segurava na mão um rega­dor de cristal. Juntavam neles o sangue dos mártires e com este molhavam as almas que se aproximavam de Deus.3

 

Essa publicação do Vaticano, que não deixa de ser a instância suprema da Igreja Romana à qual pertence uma multidão com­posta por bilhões de fiéis e que representa, para esses seus fiéis, também a instância máxima da verdade, pode ser, na melhor das hipóteses, a meia verdade — ou a meia inverdade. Ou os papas mentiram anteriormente, quando se referiram ao terceiro segredo de Fátima, ou o Reverendíssimo Cardeal Ratzinger está mentindo agora. A versão publicada pelo Vaticano não descreve nada que tenha acontecido no passado ou que esteja acontecendo no presente — tampouco o atenta­do contra o papa. Ao contrário, fala-se de uma "cidade grande, semidestruída", na qual o Santo Padre seria morto a tiros juntamente com muitos outros. Lamento, Excelências, mas no dia 13 de maio de 1981, quando se atirou no papa, nem Roma ficou "semidestruída", nem outras pessoas foram alve­jadas por tiros. E como o presidente da congregação da fé ro­mana interpreta essas contradições?

De acordo com o Cardeal Ratzinger, o terceiro segredo faria referência às palavras-chave dos segredos anteriores, "salvare le anime" (salvar as almas), expressas nas palavras "penitenza, penitenza, penitenza" (penitência, penitência, penitência). Esta­ríamos sendo lembrados do início do Evangelho segundo São Marcos: "Façam penitência e creiam no Evangelho." O anjo com a espada ígnea representaria a ordem da lei. O próprio homem teria disponibilizado, com suas invenções, a espada ígnea. E toda a visão que as crianças de Fátima teriam enxerga­do não seria nenhum "futuro imutável", nenhum filme que mostrasse um futuro determinado, mas um plano para "trans­formar em positivo" esse futuro (possível). Por meio de quê? Naturalmente, por meio de penitência e compreensão. Segun­do o Cardeal Ratzinger: "Por causa disso, interpretações fatalis­tas do segredo fogem por completo do assunto quando afir­mam, por exemplo, que o perpetrador do atentado do dia 13 de maio de 1981 teria sido um mero instrumento do plano divino guiado pela Providência, e que, portanto, não teria de forma alguma podido agir livremente..."

A esta altura, gostaria de perguntar com humildade: o que o perpetrador do atentado do dia 13 de maio de 1981 tem a ver com uma "cidade semidestruída"? Com um "grupo de sol­dados"? E com o assassinato de muitas outras pessoas, além do papa?

Parece que quanto mais alto se encontram os teólogos na hierarquia da Igreja, mais confusa se torna sua forma de pen­sar. O Cardeal Ratzinger distorce a anunciada imagem de fu­turo num passado vago. Eis seu comentário:

 

O Papa precede os outros, tremendo e sofrendo de todos os sustos que o circundam. Não somente as casas da cidade estão parcialmente destruídas — seu caminho o leva a passar pelos cadáveres dos que foram mortos. O caminho da Igreja é, por­tanto, descrito como uma via-crúcis... Pode-se ver, nessa ima­gem, o retrato da história de todo um século... Na visão, podemos reconhecer o século que passou como o século dos mártires... como o século das guerras mundiais e de muitas guerras locais... Nisto, a figura do Papa desempenha um papel especialmente importante. Em sua penosa escalada da monta­nha podemos com tranqüilidade reconhecer diversos Papas resumidos... Na rua dos mártires, segundo a visão, também o Papa é assassinado. Depois do atentado do dia 13 de maio de 1981, quando permitiu que lhe fosse apresentado o texto do terceiro segredo, o Santo Padre não teria reconhecido nele sua própria sorte? Ele estivera muito próximo do limiar da morte, e ele mesmo interpretara sua salvação com as palavras seguin­tes: "... foi uma mão maternal que conduziu o percurso do projétil e que permitiu ao Papa, que agonizava, de permanecer na soleira da morte" (declaração do Papa no dia 13 de maio de 1994). O fato de uma "mano materna" (mão maternal) conduzir o projétil mortal para outra parte mostra, mais uma vez, que não existe um destino imutável, que a fé e a oração são forças que podem interferir na história, e que, no fim, as orações são mais fortes que as balas, e a fé é mais poderosa que as divisões.

 

O que é proposto aqui ao público é uma impertinência. A cidade semidestruída" é deslocada para o século passado, os sacerdotes e os religiosos que não foram assassinados durante o atentado contra o papa são convertidos em mártires do pas­sado, a "espada ígnea" é equiparada a uma invenção terrestre, e o projétil, que por fim não matou o papa, é desviado pela Mãe Maria. E, supostamente, o papa teria lido pela primeira vez o terceiro segredo de Fátima depois do atentado de 1981, quando na realidade ele já se manifestara público a seu respeito em 1980.

Como surge uma atitude espiritual desse tipo? A Mãe de Deus teria inspirado pessoalmente suas visões às crianças de Fátima — qual mãe de Deus? O que aconteceu de fato em Fátima, no ano de 1917? Como essas mensagens — segredos

se uniram? O que pode conter o primeiro e o segundo se­gredos, já que o terceiro foi adulterado?

Tudo se originou do mundo da representação; outros diriam, da imaginação; outros, ainda, da falsificação da histó­ria da Igreja, há uns bons 1.900 anos. Mas vamos pela ordem.

Espero ter deixado claro, no primeiro capítulo, que as Sa­gradas Escrituras do Antigo Testamento são uma coletânea repleta de contradições, indignas de um ente Deus metafísico, que surgiram em tempos distintos e foram redigidas por di­versos autores. A cristandade se fundamentou sobre o Antigo e sobre o Novo Testamento. Lembrem-se: a escrita do Antigo e do Novo Testamento teria o mesmo autor. Deus teria — de acordo com a teologia — feito uma aliança especial com o povo de Israel, a qual, entretanto, teria sido planejada "há tempos eternos” somente como prólogo para a vinda de Cris­to.4 Conseqüentemente, o Novo Testamento é a continuação do Antigo Testamento. Afinal, quem foi que redigiu esse Novo Testamento? Quem são os autores? O bom Deus?

 

Os leitores que me acompanham que me perdoem, mas vou citar agora uma passagem de um livro anterior meu. Tra­ta-se aqui do início para a história inacreditável de Fátima.5

Cada cristão praticante está convencido de que a Bíblia seja e contenha a palavra de Deus. E, no que diz respeito aos Evange­lhos, a crença popular é de que os companheiros de jornada de Jesus de Nazaré teriam escrito essas falas, regras de conduta e profecias enquanto assistiam a elas, por assim dizer. Acredita-se, por fim, que os evangelistas teriam vivenciado as andanças e os milagres de seu Mestre e, logo a seguir, os teriam anotado numa crônica. Um nome foi dado a essa "crônica": "os originais".

Na prática — e todo teólogo que tenha alguns anos de for­mação superior o sabe — nada disso corresponde à verdade. Os originais, que custaram muito empenho e que são tão lucrati­vos na rabulice teológica, não existem em absoluto. O que te­mos em mãos? Cópias que, sem exceção, foram produzidas entre os séculos IV e X depois de Cristo. E essas aproximadamente 1.500 cópias são, por sua vez, cópias de cópias, e sequer uma única cópia está em conformidade com outra cópia. Mais de 80.000 (oitenta mil!) discrepâncias foram contadas. Não existe uma única página desses supostos "originais" em que não apa­reçam contradições. De cópia em cópia, os versículos foram sendo concebidos de forma diferente por autores que interpre­tavam os sentimentos alheios e foram sendo modificados opor­tunamente, de acordo com as necessidades.

Esses "originais" bíblicos estão repletos de milhares e mi­lhares de erros que não são difíceis de comprovar. O "origi­nal" mais conhecido, o Codex Sinaiticus — que, como o Codex Vaticanus, tem origem no século IV —, foi encontrado em 1844, no convento de Sinai. Ele contém um número não inferior a 16.000 (dezesseis mil!) emendas, que remetem a pelo menos sete revisores. Certas passagens foram alteradas diver­sas vezes e substituídas por um novo "original". O professor Friedrich Delitsch, um perito de primeira linha, encontrou sozinho três mil erros de cópia no "original".6

Isso tudo se torna compreensível caso se leve cm conside­ração que nenhum dos evangelistas foi contemporâneo de Je­sus, e que nenhum contemporâneo redigiu um relato como testemunha ocular. Somente após a destruição de Jerusalém pelo Imperador romano Tito (39-81 d.C.), no ano 70 d.C., é que uma pessoa qualquer começou a redigir escritos sobre Jesus e sua turma. O evangelista Marcos, o primeiro do Novo Testa­mento, rabiscou sua versão não antes de quarenta anos após a crucificação de seu mestre. E os patriarcas da Igreja dos pri­meiros séculos da era cristã já estavam pelo menos concor­dando que os "originais" haviam sido falsificados. De forma bem clara, falavam em "inserir, profanar, aniquilar, melhorar, arruinar, apagar". Mas isso já faz muito tempo, e a logomaquia não altera em nada o estado objetivo das coisas. O especialis­ta de Zurique Dr. Robert Kehl observou a esse respeito:

 

Já aconteceu com bastante freqüência que a mesma passa­gem tenha sido corrigida por um revisor num determinado sentido, e depois tenha sido corrigida de volta em sentido con­trário por outro revisor — tudo dependendo da concepção dogmática da escola que estivesse se fazendo representar ali.

Seja como for, um caos inextricável se produziu nos textos por meio das emendas isoladas, e mais ainda por meio de correções planejadas.7

 

Esses São os fatos que ninguém se atreve a contar para os cren­tes. E o que Fátima tem a ver com isso? A Mãe de Deus, a Mãe de Jesus, teria se manifestado em Fátima. Ela teria aparecido para as crianças de Fátima, ela teria transmitido sua mensa­gem — os três segredos — para as crianças. Como a cristanda­de chegou a uma Mãe de Deus?

Tudo começou com os concílios. No ano 325 de nossa era, o Imperador Constantino (cerca de 274-337) convocou o pri­meiro concílio do jovem mundo cristão, em Nicéia. A maneira como Constantino escolheu os 318 bispos não teve nada a ver com religião. Tratava-se de uma política de poder. O próprio imperador (que então não havia ainda sido batizado cristão, ele recebeu o batismo somente no leito de morte!) presidiu o concílio pessoalmente. À moda imperial, ele deixou claro que sua vontade era lei eclesiástica. Os arcebispos, inclusive, aceita­ram o não-batizado como "bispo universal" que, naturalmen­te, tomava parte de todas as votações, mesmo sem possuir a mínima idéia em relação aos ensinamentos de Jesus. Ele era apegado ao culto do sol de Mithras, antigo Deus persa da luz. Ainda por muito tempo na era cristã, este foi representado em moedas como "sol invencível". Quando emprestou seu nome à antiga cidade grega comercial de Bizâncio e fez de Constantinopla — a Istambul de nossos dias — a capital do Império Romano, ele mandou erigir para si, destituído de qual­quer modéstia cristã, uma enorme coluna para sua consagração. Em cima dela, o imperador com o sol invencível. Constantino tampouco aboliu a escravidão, tendo mandado verter chumbo candente dentro da boca de escravos que fossem apanhados roubando aiimentos. E, ainda, permitiu que os genitores, em tempos de penúria, pudessem vender os seus filhos.

Mas em que decisões políticas da Igreja esse soberano atuou efetivamente. Até o Concílio de Nicéia prevaleceu a opinião de Ário de Alexandria: Deus e Cristo não eram idênticos, so­mente parecidos. Constantino pressionou o concílio a delibe­rar pela unidade dos entes de Deus Pai e Jesus. Por meio de uma lei imperial, isso se tornou um dogma para a Igreja (doutrina da fé). Assim surgiu a igualdade de Jesus com Deus. Com base nisso, os bispos votaram por aclamação o Símbolo de Nicéia.

O não-cristão Constantino prestou outro serviço enorme à Igreja. Até aquela data, o local da sepultura de Jesus era des­conhecido. Aí, no ano de 326, o imperador descobriu, guiado por inspiração divina , abracadabra, o túmulo de Jesus, que acabava de ser equiparado a Deus. Quatro anos mais tarde, mandou construir em Jerusalém a Igreja do Santo Sepulcro. Essa descoberta maravilhosa, porém, não impediu Constantino de mandar assassinar, no mesmo ano, alguns parentes próxi­mos: seu filho Crispo, sua esposa Fausta, que ele mergulhou em água fervente, e seu sogro Maximiano, o qual ele obrigou a cometer suicídio. É esta a imagem do imperador e pontífice que forjou o Símbolo de Nicéia e, em seguida, divulgou numa circular para todas as comunidades cristãs que as resoluções dos 318 bispos eram "a sentença de Deus". Constantino, que obteve ainda o apelido de "o Grande", acabou sendo elevado a santo das Igrejas armênia, grega e russa.

O segundo concílio aconteceu no ano de 381 em Constan­tinopla e foi convocado pelo Imperador Teodósio I (347-395). Ele também foi enfeitado pela Igreja com o apelido de "o Gran­de". Esse imperador romano não ficou atrás de seu colega Constantino no que diz respeito às qualidades morais. A his­tória nos diz que ele era um verdadeiro esfolador de gente pobre, que impunha fardos insuportáveis à plebe. Quem não obedecesse era torturado. No ano de 390 — exatos dez anos após o concílio mandou matar, no circo da cidade de Tessalônica (Salônica), sete mil cidadãos insurretos, num pa­voroso banho de sangue. Esse Teodósio elevou a doutrina cristã à condição de religião de estado (por isso, "o Grande"!). Ele encarregou seu Bispo Ambrosio de Milão de destruir todos os santuários pagãos, e quem não se deixasse batizar era chaci­nado. O que aconteceu durante o Concílio de Constantinopla?

A reunião decidiu pela doutrina da trindade de Pai, Filho e Espírito Santo. Tornou-se o Símbolo de Nicéia-Constantinopla. E aí vai uma informação para os gourmets teológicos — a unidade dos entes de Nicéia se transforma, daí em diante, em igual­dade dos entes de Pai, Filho e Espírito Santo. A Igreja está basea­da, ainda nos dias de hoje, nessa doutrina da Trindade.

O concílio seguinte foi realizado no ano de 431, em Éfeso, tendo sido convocado conjuntamente pelo imperador roma­no do Oriente, Teodósio II (409-450), e pelo imperador roma­no do Ocidente, Valenciano III (425-455). Nenhum desses dois imperadores se preocupava com problemas seculares ou espi­rituais, pois ambos eram playboys. Sendo assim, raramente prestigiavam o concílio com sua presença.

Teodósio II era um fraco, vivia sob domínio de sua irmã mais velha Pulcheria, intrigante e obcecada pelo poder. Du­rante certo tempo, exerceu a regôncia pelo seu irmão e se van­gloriava a cada ocasião, conveniente ou não, de ser virgem (a respeito de que seus contemporâneos já sorriam). Já seu cole­ga, o imperador romano do ocidente Valenciano, obedecia à tutela da mãe, Galla Placídia, fato que acabou em assassinato. Não se trata bem de exemplos cristãos.

O que determinou o Concílio de Éfeso? O culto de Maria como Mãe de Deus. Emprestou-se lhe o título honorífico de "matriz de Deus”. E isso não foi por inspiração de um espírito qualquer, mas por uma ação politicamente motivada, já que Éfeso era o domínio da deusa-mãe Artêmis. O objetivo era desqualificar as deusas-mães já existentes em outras religiões e unificá-las na religião cristã. Por isso, logo após a promulga­ção do concílio, as estátuas de Artêmis que se encontravam em Éfeso receberam auréolas e seu nome foi alterado para Mãe de Deus e Matriz de Deus. A maior parte das outras religiões, mais antigas que o cristianismo, já conheciam "deusas-mães", sendo que, naturalmente, todas elas haviam concebido de forma não natural. Alguma divindade qualquer sempre en­trava na jogada. Portanto, também para Maria era imprescin­dível dar à luz como virgem. Ela teria sido engravidada por um anjo chamado Gabriel, que n3o significa nada menos que "homem de Deus".

E de onde surgiu o nome Maria? A irmã mais velha de Moisés, aquela que chamou a atenção da filha do faraó para a cestinha boiando com o bebê, chamava-se Miriam (Maria). Até mesmo o Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, ape­sar de ter sido escrito cerca de seiscentos anos após o nasci­mento de Cristo, registra o parto virginal de Maria:

 

Menciona [pondera] também no livro [o Alcorão] a história de Maria. Quando ela se afastou de sua família e se retirou para um local ao leste, e se cobriu com um véu, então envia- mos-lhe nosso Espírito [o anjo Gabriel] na forma de um ho­mem formoso. Ela disse: "Por medo de ti, tomo refúgio no Todo-misericordioso. Se tu o temes também, então não te aproximes de mim." Ele revidou: "Fui enviado pelo teu Se­nhor, para te dar um santo filho." Mas ela respondeu: "Como posso ter um filho, se nenhum homem me tocou e eu

tampouco sou prostituta?" Ele respondeu: "Contudo, será assim; porque teu Senhor falou: ‘Isto e facil para mim. Nós o fazemos [o filho] para ser um sinal milagroso para os homens, e ele será a prova de nossa misericórdia.' Portanto, a coisa está terminantemente decidida."(Sura 19, versículos 17 e se­guintes)8

 

E, poucos versículos mais adiante: "Ela chegou assim com a criança nos braços para seu povo, que disse: 'Oh, Maria [Miriam], tu realizaste uma ação singular! Oh, irmã de Aarão, teu pai realmente não era um homem mau, e também tua mãe não era prostituta'.''

Na Sura 66, versículo 13, é confirmado o parto virginal: "Também Maria [Miriam], filha de Amran [seja um exemplo para vós]. Ela conservou sua castidade, e nós sopramos nosso espírito nela..."

O Alcorão foi publicado em língua árabe entre 610 e 632 d.C. (o ano de morte do Profeta Maomé). De acordo com a história islâmica, o Profeta Maomé recebeu, ao longo de 23 anos, as revelações de Alá — nome árabe do Deus único. Maomé reitera no Alcorão que Alá teria confirmado Sua pala­vra enviada antes, de onde se conclui que na terceira Sura, a Torá judaica e os Evangelhos cristãos são reconhecidos como a palavra do profeta. Com a diferença decisiva, porém, de que o Alcorão seria a revelação mais atual de Deus e, em conformi­dade com isso, as palavras anteriores do profeta seriam pelo menos parcialmente ultrapassadas:

 

Acreditamos cm Alá e naquilo que Ele nos enviou, e naquilo que Ele revelou a Abraão, a Ismael, a Isaac, Jacó e aos patriar­cas, bem como naquilo que Moisés, Jesus e outros profetas obtiveram parcialmente de seu Senhor; não fazemos diferen­ças entre nenhum deles. Somos muçulmanos [submissos de Alá]. Quem procurar uma outra religião que não o islamismo – que nunca a aceite —, este pertencerá certamente, na vida futura, aos perdidos. (Sura 3, versículo 85)

 

De acordo com a concepção maometana, somente e unica­mente o islamismo é a religião correta, porque Maomé foi o último — ou mais novo — profeta a receber a palavra de Deus. Os teólogos católicos percebem isso de modo exatamente oposto. Na medida em que o islamismo é a única verdadeira religião, o Alcorão ordena também que seus fiéis não façam "amizade alguma com aqueles que não pertencem à vossa re­ligião" (Sura 3:119). É bem verdade que, no Alcorão, Maria concebeu de forma imaculada, porém ela nunca subiu ao céu. E Jesus era certamente um profeta, embora em hipótese algu­ma fosse filho de Deus:

 

Entretanto não convém a Alá que tivesse um filho. (Sura 19:36)

 

O nome de Maria (Miriam, Maya) também aparece no con­texto do nascimento de Buda. Buda nasceu de uma rainha virgem chamada Maya. Só que isso se deu séculos antes do surgimento do cristianismo.

Neste, Maria não foi somente promovida por meio dos concílios, mas especial, por intermédio dos papas mais tardios. Em 1854, o Papa Pio IX proclamou que a mãe de Jesus teria concebido "de forma imaculada", isenta do "pecado original" da Igreja. E, em 1950, Pio XII ainda acrescentou a sua versão. Ele elevou a Assunção de Maria à categoria de dogma (doutrina religiosa obrigatória). A Mãe de Jesus — segundo o dogma – teria sido recebida no céu com "corpo e alma". E em con­tradição frontal com o islamismo, a Igreja Católica declarou ainda na "constituição dogmática", de modo solene e oficial, no dia 18 de novembro de 1965, que a Bíblia:

 

teria Deus como autor;

seria sagrada em todas as suas partes;

teria sido redigida em todas as suas partes sob influência do Espírito Santo;

ensinaria de forma segura, fiel e sem erro.

 

Três anos mais tarde, no dia 30 de junho de 1968, o Papa Paulo VI insiste expressamente, em seu Credo solene, que a Igreja Católica:

 

seria a única igreja verdadeira;

seria a única a divulgar a verdade infalível;

seria necessária para a salvação;

teria a missão de resguardar o tesouro completo dos bens celestes;

seria a única herdeira verdadeira da promissão divina;

seria a única de posse do espírito de Cristo;

teria recebido, com exclusividade, a infalível tarefa de ensinamento;

seria a única de posse da verdade completa e total.

 

Esse Credo solene do Papa Paulo VI foi feito há mais de três décadas. De lá para cá, os dignitários da Igreja falaram inúme­ras vezes com os apóstatas de outras Igrejas que o ecumenismo foi e está declarado. Finge-se para o povo crente que as Igrejas estejam se dando as mãos para acabar, enfim, com essa indescritível mania de ter sempre razão. Mas que nada! No outono de 2000, a Igreja Católica declarou-se novamente sem par e superior a todas as outras. O jornal Die Welt escreveu:

 

A Igreja Católica se descreveu, numa declaração divulgada agora, como única verdadeira Igreja de Cristo e, com isso, contrariou a igualdade de direitos de diversas orientações religiosas. Na declaração Dominus Jesus pela congregação da Fé Católica, sob direção do Cardeal Joseph Ratzinger, insiste-se que existe apenas uma única Igreja de Cristo, a Igreja Católica, que é dirigida pelo papa, o suces­sor de São Pedro, e pelos bispos.9

 

O Conselho das Igrejas Evangélicas da Alemanha (EKD) rea­giu com insatisfação a essa teimosa unilateralidade de Roma. O presidente do EKD definiu a declaração como "um revés para o coletivo ecumênico" e completou dizendo que "os si­nais de Roma estão em compasso de espera". Isso não impe­diu que o presidente da conferência alemã dos bispos, o cató­lico Karl Lehmann, insistisse, agora de forma pública, em que só existiria uma única Igreja de verdade, ou seja, a "sagrada, católica e apostólica".

Os não-católicos e não-cristãos bem podem estar se per­guntando: o que tudo isso tem a ver com o terceiro segredo de Fátima? Em que nos interessa o mandonismo teológico den­tro das comunidades cristãs? De fato, não deve interessar a ninguém, entretanto, isso afeta toda a humanidade, porque se uma religião se coloca de forma autocrática sobre as de­mais, isso obviamente atinge as outras religiões. E, em conse­qüência, também os homens, já que o indivíduo está ligado a seu respectivo sistema de Estado e, este último, à religião do­minante. As religiões exercem o poder. E Fátima depende da religião católica e de sua Mãe de Deus, porque se a religião estiver errada, também não poderá ter aparecido nenhuma mãe de Deus que haveria revelado um segredo para abalar o mundo. Nas cabeças dos atuais mestres do Vaticano, reinam concepções que causam horror, ou diante das quais só se pode menear a cabeça. Assim, o Cardeal Joseph Ratzinger afirma que Cristo seria também o Messias de Israel, e que os judeus deveriam reconhecer Jesus (e, com isso, a religião católica como sendo a única verdadeira).10

Em quem o atormentado fiel deve crer? Em todo caso, o mundo cristão católico tem obrigação de acreditar na concep­ção imaculada de Maria, que subiu aos céus e é Mãe de Deus. Pode-se dizer que ela é a representante celeste do Filho de Deus, Jesus. E esta mais alta personalidade feminina no céu apare­ceu às crianças de Fátima, para transmitir-lhes mensagens misteriosas. Que estranho! Mas, no céu, nada é impossível.

Entretanto, o que aconteceu realmente em Fátima? Sem­pre no dia 13 dos meses entre maio e outubro de 1917, três crianças pastoras de Fátima (província de Estremadura, em Portugal) vivenciaram aparições de Maria. (Ver Figura 7) A "Mãe de Deus do Rosário"’1 lhes apareceu como uma mulher vestida de branco, com uma coroa de estrelas em volta da cabeça. Animadas e entusiasmadas, as crianças contaram so­bre suas visões. Durante o verão e o outono de 1917, elas fo­ram o centro dos acontecimentos, bem além das fronteiras de Portugal. Já haviam ocorrido aparições de Maria em outros lugares mundo afora, mas as de Fátima eram diferentes de todas as outras, porque a Mãe de Deus mandou que as Crian­ças voltassem ao mesmo lugar, a cada mês, no mesmo dia e na mesma hora. Elas cumpriram a ordem, e cada vez mais gente acompanhava as crianças para o campo. Os demais partici­pantes não vivenciavam a aparição, mas podiam observar como as três crianças caíam de repente de joelhos, como o rosto delas se iluminava e como elas evidentemente falavam com alguém "lá de cima".

Desse modo, não deve causar estranheza que, no dia 13 de outubro de 1917, uma caravana humana somando cerca de setenta mil pessoas tenha peregrinado com as crianças até o campo, já que a Mãe de Deus anunciara um milagre. Naque­le dia, chovia aos cântaros, na realidade se anunciava uma óbvia predisposição para o acontecimento maravilhoso. En­tão, repentinamente, as nuvens se rasgaram, liberando um pedaço de céu límpido e azul, e o "prodígio do sol de Fátima" iniciou-se.12,13

O sol começou a tremer e a oscilar. Realizou movimentos abruptos para a esquerda e para a direita e, pôs-se, iniciou a girar sobre si mesmo em grande velocidade, como uma roda de fogo gigante. Cascatas de cores verde, vermelha, azul e roxa eram lançadas do astro e mergulhavam a paisagem numa luz irreal, sim, é isso mesmo, numa luz não terrena. Setenta mil pessoas, entre elas jornalistas, vivenciaram e testemunharam o ocorrido; depois, o sol ficou parado por alguns minutos, como se tivesse querido propiciar aos homens um momento de descanso. Logo, o fantástico fogo recomeçou. Algo indescritível, de acordo com os depoimentos das testemunhas. Após nova pausa, a dança do sol reiniciou-se uma terceira vez, em toda sua magnificência. No total, o prodígio do sol durou exatos doze minutos e pôde ser observado num raio de qua­renta quilômetros. (Ver Figura 8)

Atualmente, pinturas em vidros representam o prodígio do sol na Basílica de Fátima. A despeito das medidas contrá­rias tomadas de início pelo Estado, Fátima se tornou o alvo de inúmeras viagens de peregrinação. Hoje, conta entre os sítios de romaria mais significativos do mundo. No primeiro e no último dia das aparições, nos dias 13 de maio e 13 de outu­bro, todos os anos, Fátima se converte em um gigante jardim da esperança. Milhares e milhares de pessoas esperam por uma aparição, por um milagre; de preferência, gostariam de vivenciar mais uma vez o prodígio do sol — inclusive os pa­pas, que diversas vezes visitaram Fátima. Mas não num dia qualquer — sempre no dia 13 do mês.

Três crianças — Jacinta Martos, Francisco e Lúcia Santos – vivenciaram as aparições de "Nossa Senhora de Fátima" e receberam suas palavras em seu cérebro, como que telepati­camente. O menino Francisco faleceu no dia 4 de abril de 1919, com apenas onze anos de idade. Em seu nome aconte­cem milagres em Fátima. A garota Jacinta também morreu jovem; só Lúcia sobreviveu. Ela foi para o Convento Mostei­ro de Santa Teresa de Coimbra e em 2001 completou 94 anos de idade. Segundo as declarações da Igreja, a Freira Lúcia só teria divulgando o segundo segredo de Fátima, por escrito, no dia 13 de junho de 1929, e o terceiro, apenas no dia 31 de agosto de 1941.

Vinte e quatro longos anos após a incumbência da Mãe de Deus. Por que tão tarde?

No primeiro segredo, as crianças teriam visto o fogo do Inferno. "Nossa Senhora nos mostrou um grande mar de fogo, que parecia estar nas profundezas da terra. Mergulhados den­tro desse fogo, vimos o diabo e as almas, como se fossem car­vões ardentes, transparentes, pretos ou marrons, em forma humana..."

Essa declaração das crianças visionárias contradiz diame­tralmente uma proclamação do Papa João Paulo II. Em julho de 1999, ele deixou claro o que devia ser entendido por Paraí­so e por Inferno. Tal proclamação foi publicada no órgão Civilta Cattolica, da ordem dos jesuítas.14 O Paraíso não seria, de acor­do com o Santo Padre, um local acima das nuvens, onde os anjos tocam harpas, porém um estado de existência que se instaura após a morte. Na praça de São Pedro, o pontífice an­cião esclareceu aos peregrinos que o Paraíso seria uma relação viva e pessoal com a Santa Trindade. Tratar-se-ia de "uma co­munhão abençoada daqueles que, durante sua vida, perma­neceram fiéis a Jesus Cristo". Depois desses esclarecimentos, o papa logicamente também teve de se posicionar em relação ao Inferno. Este não seria "um império no qual as almas dos condenados ardem em fogo eterno e são torturadas de outra maneira qualquer". Não, segundo João Paulo II, o Inferno se­ria "um estado de existência no qual acabam aqueles que re­jeitaram Deus constantemente e que praticaram o mal de for­ma consciente". Esses indivíduos seriam condenados a nunca poder gozar a presença de Deus.

Como as crianças de Fátima poderiam ter olhado dentro de um Inferno que, de acordo com a divulgação papal, não existe?

No segundo segredo, a Senhora com a coroa de estrelas divulgou que um grande império seria exterminado, caso não se a reconhecesse e venerasse no mundo todo, e caso a huma­nidade não renunciasse por fim a suas "heresias". Os papas — ou uns cardeais quaisquer, não se sabe nada de exato — fize­ram deste "grande império" a Rússia, muito embora no texto original da visionária Lúcia não apareça em lugar algum o nome desse país. O Papa Pio XII falou num império no qual, em tempos remotos, foram adorados "ícones veneráveis". Contudo, ícones não foram venerados somente na Rússia, já o haviam sido nos primeiros séculos da Igreja cristã. Essa pro­fecia me lembra fatalmente do Oráculo de Delfos, na Grécia antiga. O Soberano Kroisos, muito rico, havia mandado per­guntar se ele devia entrar na batalha contra os persas ou não. A sentença de Pítia de Delfos foi que, se ele ultrapassasse o rio Halis, ele destruiria um grande império. No ano de 546 a.C. o Rei Kroisos atravessou o Halis com suas tropas, certo da vitó­ria — e foi aniquilado pelos persas. O "grande império" que ele destruíra fora o próprio.

No segundo segredo de Fátima também é anunciado que, durante o pontificado do Papa Pio XII, aconteceria uma nova e mais terrível guerra mundial. "Quando vocês enxergarem uma noite iluminada por uma luz desconhecida, então sai­bam que este é o grande sinal que Deus vos dá de que Ele castigará o mundo por vossos crimes, por meio de guerra, fome, perseguições à Igreja e ao Santo Padre."

Estou agora com 66 anos e não me lembro de que a noite em algum momento tenha sido iluminada por uma "luz desconhecida" e tampouco de que a terrível Segunda Guerra Mundial tenha representado uma punição qualquer que teria aniquilado os ímpios. A Rússia (integrante da cn- tão União Soviética) pertencia às potências vitoriosas, e a Alemanha é que foi vencida. Também foram destruídas incontáveis igrejas católicas.

Agora, aparece o terceiro segredo de Fátima e recomeça novamente a dança dos véus. A Irmã Lúcia teria começado a escrever o segredo no dia 31 de agosto de 1941 e o teria com­pletado no dia 8 de dezembro do mesmo ano. Entretanto, somente no dia 3 de janeiro de 1944 é que Lúcia teria passado a limpo suas notas, "seguindo instruções de Sua Excelência, o Reverendíssimo Senhor Bispo de Leiria e da Santíssima Mãe". O bispo lacrou o envelope com o segredo e o conservou du­rante treze anos em seu cofre. Só no dia 4 de abril de 1957 é que ele entregou o envelope lacrado ao arquivo secreto do Santo Ofício, em Roma. Magnânimo, o misericordioso bispo informou Irmã Lúcia a esse respeito.

É inconcebível! No ano de 1917, uma criança recebe uma mensagem misteriosa, porém muito importante, da Mãe de Deus, da rainha dos céus e mais alta representante da Igreja Romana. Somente 24 anos mais tarde, a criança que, nesse ínterim, tornou-se freira faz apontamentos. Outros três anos depois, esses apontamentos são passados a limpo "seguindo instruções do bispo... e da Santíssima Mãe". A despeito da força explosiva do documento, o bispo o mantém por treze longos anos consigo e acaba por entregá-lo ao Santo Ofício em Roma. E o que fazem os senhores desse círculo secreto com ele?

No dia 1o de agosto de 1959 — somente um ano e meio mais tarde! — o segredo é transmitido ao chefe supremo da Igreja, Papa João XXIII, com o consentimento do "Reve­rendíssimo Cardeal Alfredo Ottaviani e do Comissário do Santo Ofício, Padre Pierre Paul Philippe O. P.". Afinal, quem manda no Vaticano? O papa ou um eclesiástico qualquer do Santo Ofício? E por que mesmo se faz necessário um "consentimento" para entregar ao chefe supremo da Igreja um documento tão importante? E por que no ano de 1959?

Porque "Nossa Senhora de Fátima" havia exigido que o segredo fosse divulgado para a humanidade no dia 17 de ou­tubro de 1960 — 43 anos após as aparições em Fátima. Isso fora escrito pessoalmente pela Irmã Lúcia sobre o envelope lacrado contendo o terceiro segredo. Ali estava escrito tam­bém que tanto o patriarca de Lisboa como o Bispo de Leiria podiam abrir o envelope. Posteriormente, Irmã Lúcia disse que "a Senhora" não havia fixado a data, que ela mesma o fizera, "porque sentia que o segredo não seria compreendido antes de 1960".

Se tudo isso for verdade, uma simples freira de convento teria decidido em que momento uma mensagem de suma importância, transmitida pessoalmente pela rainha dos céus, poderia ser repassada para seus representantes na Terra. E o que fazem tais representantes terrenos com a singular mensa­gem? O Papa João XXIII disse aos senhores do Santo Ofício: "Vamos esperar. Eu vou rezar. Mandarei comunicar-lhes o que eu decidir."15

Então, o Papa João XXIII decidiu lacrar novamente o en­velope, devolvê-lo ao Santo Ofício e não divulgar o segredo para a humanidade. O sacerdote supremo da Igreja Romana se considera mais esperto e mais sábio que a própria Mãe de Deus, a qual bem que devia saber por que fizera com que as crianças tivessem essas visões.

O Papa seguinte, Paulo VI, leu o segredo, em conjunto com o substituto, Sua Excelência Monsignore Angelo DelFAcqua, no dia 27 de março de 1965 - e decidiu restituir, mais uma vez, o envelope ao Santo Ofício, com a ordem de não publicar o texto. É absolutamente inconcebível! Caso o segredo fosse tão simples quanto se pretende fazer crer hoje em dia, consi­derando a forma como foi publicado, então os Papas João XXIII e Paulo VI não teriam tido o menor motivo para não liberar o texto. A versão que eu apresentei no início deste capítulo fala – supostamente! — do martírio da Igreja e do papa no século passado, de acordo com a explicação do Cardeal Ratzinger. O que poderia ter impedido os papas de tornar pública uma his­tória que se refere ao passado?

Não se sabe quando João Paulo II — o atual papa — leu pela primeira vez o terceiro segredo de Fátima. Contudo, deve ter sido antes de 1980, senão ele não poderia ter falado a esse res­peito durante sua visita a Fulda, naquele mesmo ano. Depois do atentado do dia 13 de maio de 1981, João Paulo II solicitou pela segunda (ou terceira?) vez o envelope lacrado. Sua Emi­nência, o Cardeal-Prefeito da Congregação, Franjo Seper, en­tregou no dia 18 de julho de 1981 dois envelopes a Sua Exce­lência Monsignore Eduardo Martinez Somalo: um branco, com o texto original da Irmã Lúcia, em português, e um laranja, com a tradução em italiano. O papa abriu os envelopes explo­sivos e os devolveu ao Santo Ofício (por meio de Martinez).16

E, novamente, não se seguiu publicação alguma. O aten­tado contra o papa acontecera dois meses antes, o Santo Pa­dre sobrevivera e estava se recuperando em seus aposentos no Vaticano. Qual motivo urgente poderia ainda ter existido para não se divulgar o segredo? A crer na versão publicada, tudo o que fora anunciado no segredo já havia acontecido. Apesar disso somente no ano 2000 é que o papa resolveu que se devia transmitir o segredo à opinião pública mundial. Mas por que, se o conteúdo era tão inócuo?

Porque a história não está correta. Já em 1983, a revista Der Spiegel escrevia a esse respeito:

 

Existe, cm livros há muito amarelados, documentação com­provando que não é a humanidade, mas apenas o Vaticano que deve temer a publicação.17

 

Os papas ajudaram de modo decisivo a transformar a antiga aldeiazinha de Fátima num fenomenal sítio de romaria. No dia 17 de outubro de 1942, no meio da Segunda Guerra Mun­dial, o Papa Pio XII consagrou Fátima ao "Imaculado Coração de Maria". No dia 13 de maio de 1982, o Papa João Paulo II visitou Fátima e rezou uma missa diante de cem mil fiéis, na qual a Santíssima Mãe de Deus, a Concepção Imaculada, a Mãe do Rosário foi venerada com fervor. No dia 19 de abril de 2000, o Papa João Paulo II escreveu a seguinte carta à anciã Freira Lúcia, no convento de Coimbra:

 

No júbilo dos dias de festa pascoais, saúdo-a com o voto que o Ressuscitado dirigiu a seus discípulos: "A paz esteja convosco!" Alegro-me de poder encontrar V. Sa. no ansiado momento da beatificação de Francisco e de Jacinta que — se Deus quiser — deverá ser realizada no próximo dia 13 de maio. Entretanto, como naquele dia não haverá tempo para con­versarmos, mas apenas para uma breve saudação, encarre­guei Sua Excelência Monsenhor Tarcisio Bertone, Secretário da Congregação para a Doutrina, de procurá-la e de conver­sar com V. Sa. Essa Congregação trabalha no mais estreito contato com o Papa para proteger a verdadeira fé católica e, desde 1957, tem guardado, como é do conhecimento de V. Sa., sua carta manuscrita contendo a terceira parte do segredo que foi revelado em 13 de julho de 1917 na Cova da Iria, em

Fátima. Monsenhor Bertone, que será acompanhado de Sua Excelência Monsenhor Serafim de Sousa Ferreira e Silva, Bis­po de Leiria, irá em meu nome fazer algumas perguntas para a interpretação do "terceiro segredo''.

Venerável Irmã Maria Lúcia, fale aberta e sinceramente com Monsenhor Bertone, o qual me informará pessoalmente de suas respostas.

Rezo efusivamente à Mãe do Ressuscitado por V. Sa., pela comunidade de Coimbra e por toda a Igreja. Maria, a mãe da humanidade no caminho da romaria, mantenha-nos sempre estreitamente ligados a Jesus, seu querido filho e nosso ir­mão, o Senhor da vida e da glória.

Com uma benção apostólica especial,

João Paulo II.

 

Passaram-se 83 anos desde que os segredos foram revelados às crianças de Fátima. Há pelo menos dezoito anos, o Papa João Paulo II conhecia o terceiro segredo, mas somente em 2000 o Santo Padre envia um emissário de alto escalão ao convento de Coimbra, "para fazer algumas perguntas para a interpreta­ção do terceiro segredo" à velha e venerável Freira Lúcia.

Naturalmente, ninguém sabe o que de fato foi dito na­quela conversa. O Vaticano mandou divulgar apenas que Irmã Lúcia teria identificado como seu o papel no qual está rabis­cado o segredo, e que ela teria dito que "a Senhora" (Mãe de Deus) não haveria mencionado durante a visão nenhum nome para o papa em questão. "Nós não sabíamos se era Benedito XV, Pio II, Paulo VI ou João Paulo II, mas era o papa, que sofria e também nos fazia sofrer."

Quem acredita nisso parte do pressuposto de que o bom Deus ou a Mãe de Deus sejam incapazes de se manifestarem de forma clara, de que não seja possível ao poder divino trans­mitir imagens e mensagens inequívocas para um cérebro in­fantil. Para rasgar o véu nebuloso de Fátima, devem-se escla­recer algumas questões:

 

Algo aconteceu mesmo em Fátima, ou tudo não passou de uma invenção das crianças visionárias?

Por que a onipotência divina deveria transmitir mensa­gens para cérebros infantis e não para adultos ou, hoje em dia, não logo diretamente por meios eletrônicos?

Quem ou o que se manifestou?

O Vaticano está mentindo?

Caso esteja, por quê?

 

A única sobrevivente dos acontecimentos do ano de 1917 é a irmã de convento Lúcia. Pode-se questionar sua fidedignidade, já que, afinal, ela só colocou no papel sua grandiosa aven­tura 24 anos mais tarde. Entretanto, não se pode negar o pro­dígio do sol de Fátima, que foi vivenciado por pelo menos setenta mil pessoas. O que aconteceu com essa massa huma­na no dia 13 de outubro de 1917 se tornou parte do noticiário da imprensa. Foi fotografado, ainda que, na época, somente em preto-e-branco. Não há como escapar do prodígio do sol, em Fátima ocorreu indubitável algo extraordinário. Os seten­ta mil espectadores não eram perturbados mentais. Cientistas céticos e jornalistas críticos puderam observar o espetáculo, que durou exatos doze minutos. Além do mais, esse prodígio do sol fora anunciado antecipadamente às crianças de Fáti­ma. Com precisão de dia e hora. Foi somente por causa desse aviso que as setenta mil pessoas se deslocaram em romaria ao campo. Logo, Lúcia deve ter recebido uma mensagem. Mas o que ocorrera? E por que acontecera por meio das crianças? Para se chegar ao cerne da questão, devo esclarecer antes al­guns detalhes.

Infelizmente, nunca testemunhei uma aparição. No en­tanto, desde que em 1964 estive pela primeira vez em Lourdes, compreendi que o fenômeno das aparições de fato existe. Eu presenciei pessoas em extase, ouvi seus cânticos que doem na alma e observei seu grande sofrimento. Cento e cinqüenta anos atrás — muito antes de Fátima — uma garota de quatorze anos vivenciou, em Lourdes (na França), a aparição de uma senhora branca numa pequena gruta. Desde então, cinco mi­lhões de pessoas peregrinam todos os anos para Lourdes e rezam com fervor para a Mãe de Deus. Por sua intercessão, ocorreram inúmeras curas milagrosas, casos que podem ser comprovados cientificamente. Como algo assim pode ser pos­sível, se a Mãe de Deus não passa de uma invenção da Igreja, decidida pelo Concílio de Éfeso?

No início, há sempre a visão, a aparição, o encontro de indivíduos ou de pequenos grupos de pessoas com membros da família de Deus. No ocidente cristão, preferencialmente com Maria, a Mãe de Jesus. As aparições não são espíritos neu­tros: passam instruções acerca do que os homens podem e devem fazer e do que não lhes é permitido em hipótese algu­ma. Cada aparição personificada assegura ser enviada do céu e mensageira divina, e ter o poder de ajudar ou aniquilar a humanidade. As aparições se intrometem em assuntos de in­teresse político e religioso; sim, elas nidificam inclusive no cérebro de exércitos inteiros. Para poder explicar esse fenô­meno, preciso primeiro esboçar o perfil de alguns visionários, dos locais e das circunstâncias em que se encontravam.

Na primavera de 1947, ocorreu uma aparição em Montichiari, a dez quilômetros ao sul de Brescia, na Itália. Lá, na capela do hospital, a jovem enfermeira Pierina Gilli viu uma bonita senhora de vestido roxo, flutuando sobre o altar. A senhora estranha chorava. De seu peito saíam, sem que um pingo de sangue fosse vertido, três espadas. Tristemente, a desconhecida disse: "Oração — Sacrifício — Penitência."

É compreensível que a piedosa senhorita Pierina tenha fica­do perplexa. Seus olhos e seu juízo estariam fazendo troça dela? Ou ela, a simples Pierina, de fato estaria diante de uma verda­deira aparição? No dia 13 de julho de 1947, o milagre se repe­tiu. Desta vez, a bela desconhecida trajava branco, faltavam as terríveis espadas, mas ela estava enfeitada com três rosas — uma branca, uma vermelha e outra amarela — que lhe saíam do peito. Amedrontada e corajosa, Pierina perguntou:

Quem é você?

A senhora respondeu amigavelmente e sorrindo:

Sou a Mãe de Jesus e a mãe de todos... Eu gostaria que todos os anos fosse celebrado o dia 13 de julho em homena­gem à Rosa Misteriosa [Rosa Mística].18

Lentamente, a imagem da aparição desvaneceu.

O inconcebível voltou a acontecer nos dias 22 de outubro e 16 e 22 de novembro, sendo que, desta feita, a senhora des­conhecida prometeu solenemente aparecer de novo no dia 8 de dezembro, ao meio-dia, porém não mais na capela do hos­pital, mas sim na igreja da aldeia.

Havia muito que a notícia das estranhas experiências de Pierina circulara bem além de Montichiari, pela Lombardia afora. Assim, não representou nenhum milagre o fato de, no dia 8 de dezembro, alguns milhares de pessoas chegarem à cidade. A pessoa-chave do espetáculo, Pierina Gilli, entrou na igreja com dificuldade e precisou recorrer levemente à força para passar pelas paredes humanas. Em companhia dos ou­tros fiéis e de muitos curiosos, ela rezou o rosário. De repente, exclamou, alto:

Oh, a Madonna!

Fez-se silêncio na igreja. Contudo, ninguém viu nada — isto é, alguns não estavam seguros de não ter percebido algo. Em todo caso, todos grudaram o olhar sobre Pierina, para não perder seu diálogo com a mãe de Deus. De forma sucinta, em palavras cochichadas, chegavam comunicados à multidão que aguardava diante da igreja.

Pierina viu, assim se percebeu, a Mãe de Deus sobre uma alta escadaria branca como a neve, novamente enfeitada com as rosas branca, amarela e vermelha. Com um sorriso do além, a Senhora revelou:

Sou a Concepção Imaculada, sou Maria da Graça, Mãe de meu Filho Divino Jesus Cristo.

Enquanto ela descia a escadaria branca como num espetá­culo teatral, disse a Pierina:

Com minha vinda a Montichiari desejo ser chamada de "Rosa Misteriosa".

Tendo chegado aos degraus inferiores, ela prometeu:

Quem rezar aqui nestes ladrilhos e derramar lágrimas de arrependimento encontrará uma escada segura para os céus e receberá de meu coração maternal proteção e misericórdia.

Durante dezenove anos, nada mais ocorreu. Pierina, como costuma acontecer, foi ridicularizada por uma parte das pessoas e venerada como santa por outras. Desde aquele 8 de dezembro de 1947, a igreja de Montichiari se tornara o desti­no de milagreiros e de pessoas em busca de cura, já que ali se realizavam milagres e mais milagres, não havia dúvida a esse respeito.

Pierina passou o "domingo branco" do dia 17 de abril de 1966 na localidade vizinha de Fontanelle, distante apenas três quilômetros. Enquanto ela descansava sobre os degraus de uma pequena fonte, a "Rosa Misteriosa" flutuou de modo absolu­tamente inesperado sobre a água. Ela intimou Pierina a beijar três vezes a escada de cima para baixo, e mandou, além disso, que fosse instalado um crucifixo, à esquerda ao lado do de­grau inferior. Antes de tirar água da fonte, todos os doentes deveriam, disse a aparição, pedir a Jesus a absolvição de seus pecados e beijar o crucifixo. Pierina executou as ordens.

No dia 13 de maio de 1966, às llh40, enquanto cerca de vinte pessoas rezavam com Pierina ao lado da fonte, a "Rosa Misteriosa" apareceu novamente e emitiu o seguinte desejo:

Eu quero que aqui seja construída uma bacia cômoda, para poder mergulhar os doentes nela.

Gozando já de alguma intimidade, Pierina perguntou à Senhora dotada de rosas:

Como a fonte deve ser chamada?

A senhora respondeu:

Fonte da Graça.

Pierina indagou ainda:

O que a Senhora quer que aconteça aqui em Fontanelle?

Obras de caridade para os doentes que virão para cá.19

Depois, a "Rosa misteriosa" desapareceu.

Oito de junho de 1966, à tarde. Mais de cem pessoas esestão ajoelhadas e oram junto à fonte. Pouco depois das três da tar­de, Chega Pierina. Ela pede aos visitantes para que rezem o rosário com ela. Momentos depois, ela cessa a oração e exclama:

Olhem para o céu!

Desta vez, alguns fiéis vêem uma Senhora branca que flu­tua seis metros acima da fonte.

Novamente, a Senhora traz consigo Suas três rosas e pede que sejam feitas hóstias do grão do campo vizinho. Essas hós­tias deveriam ser levadas para Fátima no dia 13 de outubro. A "Rosa Misteriosa" já quer se afastar, quando Pierina pede que fique ainda. De fato, a Senhora se vira e ouve Pierina expor as inquietações dos presentes.

Seis de agosto, à tarde. Mais de duzentas pessoas oram junto à fonte. Às 14h30 chega Pierina e pede novamente que todos rezem o rosário com ela. Durante o quarto mistério do rosário, Pierina interrompe:

Nossa querida Senhora está aqui!

As falas e as orações emudecem. Todos ficam à escuta, enquanto Pierina conversa com um ente invisível para eles. Tendo sido pedidas instruções mais detalhadas do que deve­ria acontecer com as hóstias caseiras, a “Rosa Misteriosa" exi­ge que um pouco do grão seja enviado a seu "amado Filho, Papa Paulo", com a indicação de que ele fora abençoado por meio da presença d'Ela. Com o restante do grão deviam-se assar pãezinhos e reparti-los em Fontanelle como recordação de sua vinda. Desde então, ora-se e espera-se tanto em Fontanelle como em Montichiari. Todos os dias e todas as noites. Como em muitos outros lugares onde aconteceram aparições.

 

Em suma, trata-se de um caso clássico de aparição. Um homem desconhecido até o evento milagroso vê algo, adver­te os outros, e a roda das orações se põe em movimento. Mas como a Mãe de Deus pode manifestar-se, se ela sequer existe do ponto de vista histórico? Como pode a aparição dizer de si que ela é a "Imaculada Concepção" e a "Mãe do Filho Divino Jesus Cristo", se ambas as afirmações são falsas? Por que a senhora desconhecida surge de início com espadas no peito e, depois, com rosas que parecem crescer de seu corpo? Por que motivo a Mãe de Deus faria tanta questão de ser chamada de "Rosa Misteriosa"? E por que a "Rosa Mística" celebra sua che­gada sempre ali onde Pierina está no momento? Primeiro, na capela do hospital, depois, na igreja da aldeia e, por fim, em Fontanelle? Por que Ela não se mostrou mais por dezenove anos, e o que ganha uma força divina ao mandar a jovem Pierina beijar uma escada três vezes? E, mais intrigante: "por que não aconteceu mais nada durante os últimos 25 anos? Uma força qualquer lá fora estaria brincando conosco, seres humanos?

O método de restringir um problema a suas possibilidades de solução não é de minha invenção. O esclarecimento de fenômenos curiosos exige um procedimento metódico, os fa­tos devem ser representados.

Já faz 35 anos que me ocupo de aparições de toda espécie. Quando iniciei o arquivo, não tinha noção da quantidade imponente de material impresso com que eu teria de lidar. Eu precisei selecionar, ou seja, escolhi casos que são análogos a inúmeros outros, para poder oferecer uma explicação possí­vel a partir da soma das características. O fato de que apenas na comunidade cristã possam ser contadas mais de quarenta mil (!) aparições já deixa entrever o quanto este assunto pode suscitar interpretações variadas. O que rapidamente chamou minha atenção, durante a classificação do material, foi que as aparições não constituem um problema na atualidade. Elas atra­vessam a história da humanidade. Com isso, deve-se excluir qualquer explicação psicológica. É que sempre ouço dizer que as aparições só se dariam nas cabeças das crianças porque elas não conseguiriam lidar com os problemas presentes. Insisto, estou convencido de que tudo isso é bobagem.

No dia 16 de agosto de cada ano, um pano impregnado de sangue é adorado pelos crentes em Iborra, na Espanha — des­de o ano de 1010! Enquanto tocava a sineta da transmutação durante a missa, o Reverendíssimo Bernard Olivier teria duvi­dado de que o vinho tinto se transformasse realmente no san­gue de Cristo. De repente, o vinho tinto (ou o sangue) teria se multiplicado de forma misteriosa e escorrido do altar pelos degraus em direção ao chão da capela. Os freqüentadores da igreja teriam sido tomados de horror. Algumas mulheres reso­lutas foram buscar panos e começaram a limpar o sangue. O Papa Sergio IV (1009-1012) permitiu a adoração pública do pano ensangüentado de Iborra. E isso acontece até os dias de hoje. Daí pode-se concluir que não são apenas as figuras sa­gradas que provocam aparições.

O devoto Monsieur Thierry, reitor da Universidade de Pa­ris, foi assassinado em 1073, em Pirlemont, Brabant. Os assas­sinos rudes jogaram seu cadáver num charco de água turva. Quando o grupo de busca estava procurando por Monsieur Thierry pela vizinhança, surgiu de repente uma luz maravi­lhosa do charco. Como agradecimento para essa aparição sin­gular, um artista pintou, sobre uma tábua de madeira, a Mãe de Deus pairando sobre a água. Em 1297, o quadro foi trans­ferido para uma nova capela. Durante as cerimônias de con­sagração, o quadro começou a brilhar, e ficou envolto numa verdadeira fulguração de chamas.20 Centenas de pessoas assis­tiram à cena e algumas a descreveram. Durante esse fenôme­no não apareceu em lugar algum uma figura sagrada.

No dia 23 de fevereiro de 1239, um pequeno exército de guerreiros cristãos enfrentou forças armadas islâmicas bas­tante superiores no monte Codol, a cinco quilômetros de Javita, nas proximidades de Valência, na Espanha. Antes da batalha, seis capitães cristãos pediram a sagrada comunhão. Conseguiram fazer sua confissão, mas não tiveram tempo para receber o sacramento, porque justamente naquele mo­mento começou a ressoar, vindo do vizinho castelo de Chio e adentrando a igreja, o chamado dos inimigos às armas. Os capitães se precipitaram para a batalha. Temendo que os mu­çulmanos pudessem destruir a igreja, o padre ocultou a toa­lha do altar e as hóstias embaixo de um monte de pedras. Os combatentes cristãos saíram vitoriosos. Quando o padre ti­rou a toalha do altar do esconderijo, seis hóstias ensangüen­tadas estavam coladas nele. Mas esse milagre não bastava! No dia seguinte, os muçulmanos avançaram com mais re­forços. A situação parecia desesperadora, os cristãos tiveram de se retirar para o castelo de Chio, conquistado na véspera. Seguindo uma inspiração repentina, o padre amarrou a toa­lha com as seis marcas sangrentas a uma barra e lançou-a das ameias do castelo contra os inimigos. Segundo narra a tradição, raios luminosos saíram da toalha do altar, espa­lhando tamanha força que fez fugir o adversário amplamen­te superior.

Seria essa uma comprovação de que as aparições podem dominar exércitos inteiros? Ou tratar-se-ia apenas de uma len­da religiosa? Desde o século XIII, qualquer viajante pela Espanha pode ver com os próprios olhos a toalha do altar, com seis manchas sangrentas, na igreja de Daroca.21 Entretan­to, deve-se salientar que também o contrário foi transmitido, isto é, que exércitos cristãos fugiram de aparições muçulma­nas. Será que as forças divinas ajudam ora um lado, ora ou­tro? Será que esses acontecimentos milagrosos só se dão nos mundos cristão e muçulmano?

De acordo com a lenda, Roma teria sido fundada por Rômulo e Remo, filhos gêmeos de Marte. Certo dia, Rômulo, que depois viria a governar Roma entre 753 e 716 a.C., foi procurado pela aparição de Sérvio Túlio (sexto rei romano, 578-534 a.C.), filho de Vulcão, o qual se mostrou num "bri­lho de fogo sobre sua cabeça".22 No templo de Epidauro, na Grécia, Asclépio, Deus da Cura, aparecia com tanta freqüência quanto o médico titular junto aos leitos dos doentes em nos­sas clínicas. Naturalmente, inúmeros milagres ocorreram em Epidauro — muito antes de o cristianismo existir. O legisla­dor romano Numa Pompílio, Mino (rei de Cnossos) e Licurgo (legislador de Esparta) recebiam suas idéias criadoras sobretu­do pela aparição direta dos deuses. Enéas, herói da saga troiana, apareceu depois de morto a seu filho Ascânio, com armadura completa e com escolta. Zaratustra, fundador da antiga reli­gião iraniana, e que surgiu como profeta por volta de 600 a.C., obteve os trechos decisivos de seus escritos religiosos (Avesta) de diversas aparições. Maomé, fundador do Islã e anunciador de Alá, recebeu muitas de suas revelações, que resultaram no Alcorão, de aparições.

 

E ainda tem mais. Aparições de qualquer natureza influen­ciaram o pensamento durante toda a história da humanida­de, até os acontecimentos modernos de Fátima. O que cha­ma atenção é que, em noventa por cento de todos os casos, são crianças que recebem ou que transmitem esses fenôme­nos transcendentais. Parece-me algo bastante lógico. As crian­ças em idade anterior à puberdade ainda não têm grandes preocupações. Sua opinião ainda não está solidificada e sua consciência ainda não foi submetida à lavagem cerebral do dia-a-dia. Ainda possuem a curiosidade ingênua, a fantasia infantil.

Posso compreender perfeitamente que imagens possam ser projetadas na cabeça de uma criança, e mais, que as informa­ções apropriadas a elas sejam transferidas por meio de trans­missão de pensamento. As aparições não seriam, então, obje­tivas, nem poderiam ser fotografadas ou medidas. Do ponto de vista da criança, são subjetivas e, portanto, perceptíveis de forma absolutamente clara por meio do sistema límbico. A criança jura por todos os santos que vivenciou uma aparição, enquanto todos os demais presentes não viram nada. Mas como pode se constituir numa mente o pensamento absurdo de que uma senhora enigmática queira ser chamada de "Rosa Misteriosa"? As pessoas sujeitas a esse tipo de representação seriam apenas psiquicamente suscetíveis, ou a aparição, com todos os seus pormenores, seria constituída exclusivamente pela fantasia? E se fosse pura fantasia, então de onde se origi­naram todas as aparições externas derivadas, como as curas médicas ou o prodígio do sol de Fátima, presenciado por se­tenta mil pessoas? E, no caso de se tratar de uma "projeção de imagens diretamente para o cérebro, mais telepatia", então, quem faz a projeção? Quem é o emissor da transmissão de pensamentos?

Todas as aparições estão apinhadas de contradições. Nas aparições de Maria, a Mãe de Deus sempre se reporta a Seu poder, proporcionado por Seu Filho. Se Ela assim dispõe e pos­sui o desejo urgente de ser adorada pelos fiéis no mundo in­teiro, então por que Ela se mostra sempre em locais afastados ainda por cima, na maioria das vezes, a pobres e pequenos esbirros que, no fim das contas, muito pouco podem fazer para realizar a Sua vontade? Locais de romaria como Fátima, Lourdes ou Guadalupe (no México) são exceções em termos de centros marianos, por serem mundialmente conhecidos — a maior parte das outras aparições se desenrolaram sem que houvesse publicidade digna de ser mencionada. Ademais, as aparições de Maria sao uma questão predominantemente católica. Os fiéis de todas as outras religiões pouco sabem de Maria como Mãe de Deus, ou não reconhecem sua Assunção ("erguida aos céus'').

Ano após ano, nos dias de festividades solenes da Igre­ja, o papa lança a bênção urbi etorbi (à cidade de Roma e ao mundo ao redor) do terraço de seu palácio em Roma. Os canais de televisão transmitem esta mais elevada bênção papal mundo afora, e uma multidão de duzentos mil fiéis jubila na praça São Pedro, em Roma. Se uma força divina qualquer realmente desejasse ser venerada mais do que foi até agora e quisesse que os homens fizessem penitência em uma esfera qualquer, então por que — me digam, por favor – não apelaria logo para uma aparição certeira sobre a pra­ça São Pedro?

A história se torna ainda mais desconcertante. Em setem­bro de 2000, o jornal Welt am Sonntag noticiou aparições de Maria no Egito.23 A Virgem Santíssima teria aparecido diversas vezes sobre a igreja de São Marcos, na cidade de Assiut. Pri­meiramente, teriam surgido pombas brancas, depois, um raio de luz tão sobrenatural, penetrante e forte, que os observado­res tiveram que desviar o olhar. O hebdomadário oficial da Igreja Ortodoxa Cóptica do Egito, a revista Watani, informou que bandos inteiros de pombas brancas teriam permanecido de repente fixas no ar, sobre as cúpulas da igreja. Essas pom­bas teriam penas extraordinariamente compridas. Depois das pombas, haveriam chegado o raio de luz penetrante e, em seguida, "a Virgem Maria Santíssima". Desde então, o fluxo de peregrinos em Assiut não acaba mais. Os fiéis vão até a igreja de São Marcos e imploram a bênção da Mãe de Deus. Segundo diversas fontes, devem ter ocorrido muitíssimas apa­rições da Mãe de Deus no Egito. Somente no século XX, três dessas aparições foram oficialmente confirmadas pela Igreja Cóptica.

Onde se enquadram essas aparições de Maria? Afinal, a Mãe de Deus, "elevada aos céus”, é um dogma da Igreja Cató­lica Romana. Será que a mais alta representante feminina da Igreja Católica no céu não se atém a sua igreja específica? Os católicos não teriam direito exclusivo sobre sua Mãe de Deus? Ela se mostraria também a fiéis de outras religiões? E por quê? Em Assiut, nenhuma mensagem telepática foi comunicada.

A primeira aparição da Mãe de Deus na América se deu no dia 9 de dezembro de 1531. Naquela época, os espanhóis ha­viam conquistado a América Central. No México, grassava uma guerra religiosa, que foi vencida pelos espanhóis. Centenas

de milhares de maias e de astecas haviam sido assassinados e qualquer reconciliação das duas culturas parecia ser impossí­vel. Então, em dezembro de 1531, Juan Diego, um índio de 51 anos de idade, ouviu de manhã cedo uma estranha música que parecia vir do nada. Juan olhou fixamente para cima e percebeu uma voz oriunda do firmamento, que o exortava a subir ao monte Tepeyac. Tendo chegado lá em cima, ele viu uma senhora muito formosa, cujas vestes brilhavam como o sol. As pedras em volta, e também a rocha sobre a qual a se­nhora se encontrava, faiscavam e cintilavam como ouro e es­meraldas.

Ouça, Juanito, o menor de meus filhos, aonde queres ir? — perguntou a voz.

Na realidade, Juan queria descer peio outro lado do mor­ro, mas a senhora lhe pediu que ele fosse ao bispo do México e lhe contasse sobre o encontro. O bispo não acreditou numa única palavra do índio. Sendo assim Juan voltou ao monte e pediu à senhora, que prontamente tornou a aparecer, que lhe desse uma prova. A senhora ordenou que Juan colhesse flo­res, as colocasse dentro de sua capa e as levasse ao bispo.

Juan obedeceu. Embora a sentinela do palácio o repelisse inicialmente, Juan acabou por conseguir forçar seu caminho até o bispo. Na sala encontravam-se, ainda, outras pessoas. Juan relatou o que a senhora lhe ordenara e abriu sua capa com as flores. Naquele momento, reluziu uma luz brilhante, e a capa de Juan se transformou, diante do olhar de todos os presentes, numa imagem da senhora. Ela vestia um manto luminoso azul, bordado com estrelas douradas, e do manto saíam raios vermelhos e brancos. (Ver Figura 9)

Lá, no monte Tepeyac, está hoje o maior santuário mariano de toda a América, a Nacional Basílica de La Santíssima Maria de Guadalupe. Milhões de fiéis rezam à Mãe de Deus, com os olhos fixos no pano colorido do ano de 1531. Na realidade, tal pano não deveria existir, pois ele é constituído de fibras de agaves que perecem rapidamente, durando, na melhor das hipóteses, vinte anos. Entretanto, faz quase quinhentos anos que o pano está pendurado sobre o altar-mor da basílica. E mais: o pano, que foi examinado em diversas universidades, inclusive por pintores, não possui cor. Não contém absoluta­mente nenhum vestígio de cor. Contudo, vinte milhões de pessoas todos os anos enxergam o pano colorido. A constela­ção no manto azul corresponde às 46 estrelas que se encon­travam no inverno do ano de 1531 sobre o México. E, como se fossem fotografias microscópicas, nos olhos da senhora está espelhada a imagem do bispo e de todos aqueles que na época estavam presentes na sala quando Juan Diego abriu sua capa com as flores.

Eu fui à Basílica de Guadalupe, percorri, com muitos ou­tros fiéis, a esteira rolante e mirei, respeitosamente como to­dos os outros, a imagem colorida que não contém cores. Um milagre. Em Guadalupe não há saída. Ali manifestou-se uma Senhora divina e deixou para trás uma prova palpável de sua existência. A propósito: depois da aparição, caíram as barrei­ras sexuais existentes entre os conquistadores espanhóis e os povos indígenas, e surgiu um tipo de ser humano totalmente novo. E mais: houve a total reconciliação das religiões inimigas.

O papa é infalível — esse também é um dogma da Igreja Católica — e, conforme disse Jesus ao apóstolo Pedro, "o que tu atares na terra será atado nos céus, o que tu na terra desatastes será desatado nos céus". Os papas romanos se con­sideram os descendentes diretos de apóstolo Pedro e, claro, não podem fazer nada de errado em matéria de religião, por­que ainda que eles divulgassem algo às avessas, isso não rece­beria a bênção no céu. Agora, já sabemos pela história que os papas não eram infalíveis sequer em assuntos religiosos. Meu conterrâneo, o teólogo católico e professor Dr. Hans Küng, opinou a esse respeito: "Os erros da doutrina religiosa são numerosos e graves; hoje, na medida em que já não se pode proibir a discussão aberta, eles não podem mais ser desmenti­dos por lideranças da Igreja e por teólogos conservadores."24 A condenação de Galileu, que ensinou que a Terra gira em torno do Sol, e não o contrário, a condenação da teoria da evolução de Darwin e a excomunhão do patriarca de Constantinopla estão entre os enganos mais conhecidos.

Não vamos nem nos referir ao controle da natalidade ca­tólico. A lista das decisões equivocadas seria comprida.

Acontece que os papas acreditam que são guiados pelo Espírito Santo em seu professorado. Como assim? Com tama­nhos erros? Segundo o credo católico, o Espírito Santo é igual a Deus, já que Pai, Filho e Espírito Santo são um. De acordo com esse preceito, Deus proclamaria o falso por meio do Espí­rito Santo e de seu representante na Terra. A ilogicidade é fla­grante. Por causa de seus questionamentos críticos, o registro de docente religioso do professor Dr. Hans Küng foi cassado. Depois disso, ele atuou como professor de teologia ecumênica da Universidade de Ttibingen e teve oportunidade de refletir sobre os princípios morais do mundo. O mesmo se deu com seu contemporâneo Eugen Drewermann. Também retiraram 0 registro de docente desse doutor em teologia porque ele pensava em voz alta. Drewermann meditava sobre o Deus misericordioso e bondoso e não agüentou mais:

 

Um Deus que tudo pode e, mesmo assim, nada faz não merece ser considerado bondoso, já que Ele assiste a tantas calamida­des passivamente; ou, ao contrário, se Ele fosse bondoso mas Ele próprio não pudesse impedi-las, então não seria Todo-Po- deroso; essas duas qualidades não se coadunarão enquanto o mundo for do jeito que é: um vale de lágrimas. Não obstante, as duas qualidades, a onipotência e a bondade, pertencem, de acordo com a teologia cristã, indissoluvelmente ao Divino. Assim, não resta outra conclusão: é o próprio mundo que refu­ta o Deus cristão como seu criador. Ou, dito de outra forma: a exigência moral que se incorpora na idéia cristã da divindade é levada pela própria realidade do mundo ad absurdum.25

 

            Não é Erich von Däniken quem levanta essas questões críticas e lógicas. Muitos outros o fizeram, entre eles alguns professores de teologia que, por isso, tiveram que se despedir. A Igreja não tolera a inteligência. Ao contrário do que acontece com os pro­fessores, entretanto, não tenho docência alguma a perder.

Também a pergunta sobre a Mãe de Deus, que apareceu em Fátima e em outros lugares, e que, evidentemente, tem o poder de realizar prodígios, como o do sol, foi feita por ou­tros.26 Quem é que se mostra aí? Quem influencia os homens

ou, pelo menos, tenta fazê-lo? Para aqueles que são versa­dos no assunto, é absolutamente certo o fato de que algumas aparições realmente aconteceram, não foram produto das ca­beças de pessoas individuais.

Johannes Fiebag, brilhante pensador que faleceu muito prematuramente e que pode com tranqüilidade ser alçado à mesma categoria de Hans Kíing e Eugen Drewermann, apresentou alguns anos atrás uma tese que procura esclarecer al­guns desses casos de aparições: a tese do mimetismo.27 Por mimetismo compreende-se, nos círculos científicos, a adap­tação de animais e plantas a seu meio ambiente. O mimetismo é também uma espécie de traje de proteção ou de camufla­gem. Existem borboletas, gafanhotos e camaleões que se adap­tam tão perfeitamente a seu meio que seus inimigos não con­seguem reconhecê-los. Eles assumem formas e cores que os tornam quase invisíveis. A natureza está repleta de mimetismo. Com base nesse fato, Dr. Fiebag se perguntava se o mimetismo também poderia ser utilizado por extraterrestres:

 

Vista um traje Ganzkõrper-Datenanzug (do tipo conhecido no mundo da cibernética), entre num mundo de bits e bytes criado por um programador, adote a forma que lhe agradar ou a que você acha que agradaria aos habitantes e determina­do mundo. Fada ou elfo, Deus ou diabo, passageiro de nave espacial ou homenzinho cinza. Tanto faz. üé livre curso à sua fantasia. Ou utilize as vestes de seus companheiros do mundo vertical, instalada de acordo com o programa.

As figuras virtuais que você encontra acreditam em entes superiores, que se apresentam como homens voadores de Magônia? Isso nâo é problema para você: com um toque no menu inserido para você, ao alcance de sua mão, você já se torna um aeronauta de Magônia. Você aparece alguns séculos mais tarde. (Os séculos, para você que está fora do conjunto do sistema, não significam nada.) Você descobre que as inteligên­cias forasteiras são imaginadas como homenzinhos verdes que passam sibilando pelos ares em naves interesteiares e que rou­bam os bebês de mulheres grávidas? Sem problema. Você tecla uma seqüência do menu e você é um óvni-nauta daquele tipo.

Por que você faz isso? Talvez isso seja apenas um jogo para você. Talvez seja um teste. Talvez seja um experimento.

Talvez seja um programa superior, no qual você e seus colegas estão trabalhando. Talvez sirva para "levantar" os con­teúdos de consciência formados em mundos virtuais, desenvolvê-los, incitá-los a superar fases de regressão e de inércia para alcançar fases de evolução ulterior.

Naturalmente, você sabe que não é um Deus. Erros pas­sam-lhe despercebidos. Você precisa enganar os conteúdos de consciência que se desenvolveram ali, no meio ambiente artificial de seu computador. Eles não podem ficar sabendo da "verdade" — não importa qual esta possa ser. Ainda não. Tudo precisa de tempo. Você simula algo para esses "seres": você age como ator. Você lhes narra contos de fadas, de pre­ferência exatamente aquilo que eles querem ouvir: que você é realmente uma fada, que você de fato veio de Magônia, que você rouba embriões. Sempre em conformidade com o que querem. E você, no final, simplesmente some de novo com as "peças de evidência"...

Aparições de OVNIs, aparições de Maria, aparições de Pés- grandes, de astronaves que se dissolvem, de naves espaciais que caem, de cadáveres extraterrestres e de fetos semiterrestres: tudo é tão real ou irreal quanto nossa realidade global. Os ou­tros procedem com muita habilidade nessa matéria e até mes­mo com um certo senso de humor. Eles se encontram com nossos antepassados, que os consideram deuses, não somente como entes perpassados por luz, mas como astronautas. Eles utilizam naves espaciais, que hoje podem ser construídas; eles transformam templos em bases terrestres, cuja utilidade só pode ser reconhecida agora; eles deixam para trás aparelhos técni­cos e outros artefatos que precedem sua jornada aventurosa através da história, e mandam construir edificações que se re­velam portadoras de informações imutáveis no tempo.

 

E para que isso tudo? Fiebag: "Devemos começar a nos recolo­car em questão, bem como a nossa origem e a nossa concepção de mundo. É a mudança do ponto de vista que leva a novas perspectivas e conhecimentos."

Estará a solução para tudo o que não for explicável no mundo das religiões na tese do mimetismo? Essa tese seria capaz de esclarecer por que um anjo chamado Moroni teria aparecido a Joseph Smith (fundador da religião dos mórmons) e lhe ditado o Livro de Mórmon? As mensagens recebidas por diversos fundadores de religiões teriam sua origem num mun­do sobrenatural? Seriam os anões, que alguns viandantes soli­tários dizem ter encontrado nas montanhas, o mesmo que os Dschinnen (espíritos), dos quais a literatura árabe está reple­ta? Seriam as aparições nada mais que manifestações causa­das por uma tecnologia forasteira e extremamente superior à nossa? Quem argumentar que por detrás disso tudo está o bom Deus ou a onipotência divina de Deus possui uma con­cepção totalmente diferente da minha. Se as muitas religiões, que — como todos sabem — vivem se engalfinhando por que­rerem sempre ter razão. Fossem inspiradas pelo espírito de Deus, então tal espírito estaria fazendo um jogo caprichoso e, acima de tudo, sujo, levando em consideração que milhões de pessoas perderam a vida e conteneas de milhares foram torturadas até agora em nome dessa suposta razão. Os ilustres teólogos cristãos que se c:.:cltxzl i.zcra a postura de um pseudo-Deus foram todos expurgados, sem exceção. Em nome da religião. E, no mundo islâmico, sequer é possível atrever-se a fazer perguntas críticas.

Pelo menos dez por cento de todos os casos de aparições de que se tem notícia são fatos. Fátima, com o prodígio do sol, está entre eles. Há três possibilidades de explicação:

 

Do ponto de vista histórico, não existe Mãe de Deus. Ela é uma invenção da jovem Igreja. E, em muitas religiões pré-cristãs, existiram por muito tempo deusas-mães. Assim,

nem pode haver aparição da Mãe de Deus. As aparições devem ter outras causas.

É bem verdade que a Mãe de Deus é uma invenção da jovem Igreja Cristã, mas os papas permitiram que essa invenção se tornasse realidade. Segundo a palavra do Evangelho: "... o que tu atares na terra será atado nos céus, e o que tu na terra desatares será desatado nos céus" (Mt 16:19). Portanto, uma Mãe de Deus inventada se trans­forma numa Mãe de Deus verdadeira.

Uma pessoa qualquer lá fora está brincando conosco. O poder desses forasteiros está muito além da tecnologia na Terra (tese do mimetismo). Da mesma forma que brincam conosco, podem nos aniquilar a qualquer momento. En­tão, deve-se perguntar: quem é esse jogador do espaço? Exis­tiria, entre os jogadores, uma hierarquia que cuida para que civilizações subdesenvolvidas como a nossa não sejam destruídas? E, nesse caso, quem ou o que seria o Deus su­premo por detrás dos jogadores? Afinal, até mesmo uma civilização de entes espirituais, como sequer podemos imaginá-la, deve ter tido seu começo em algum momento.

A variante 1 é razoável por si só. O problema é só um: as aparições de Maria existem.

A variante 2 é a menos provável. Por quê? Porque, então, Jesus teria realmente sido o "Filho de Deus encarnado". Con­tudo, qualquer perito, ainda que possuindo muitos títulos de doutorado, que tenha se ocupado com essa pergunta e que saiba como os Evangelhos se constituíram, nega a filiação de Deus.28 29-30 E se o Espírito Santo estivesse por detrás dos Evan­gelhos como está por detrás do Alcorão, como poderia ele ter mandado proclamar, por meio do Profeta Maomé: “Entretan­to, não convinha a Alá que tivesse um fUho." Afinal, esse Fi­lho de Deus teria sido enviado aos homens para libertá-los do pecado original. Com isso, somos novamente remetidos às contradições do Antigo Testamento.

A variante 3 é possível, porém não temos provas à mão. Acontece que eu sou um daqueles que sempre perguntam pe­las causas. (Quem ou o quê seria o Deus supremo por detrás dos jogadores?) Todo acontecimento possui um outro aconte­cimento como fator desencadeador. Na física quântica, indizivelmente complicada, essa suposição já não é mais cor­reta. O princípio da causalidade, causa igual efeito, está suspenso. A física quântica vive numa espécie de mundo dos espíritos, em que o sujeito se pergunta de onde vem algo tão estranho como a informação. Ou de onde vêm estados como a consciência, a fantasia, a criatividade. A fantasia encontra- se bem na minha cabeça, e eu sei em linhas gerais como fun­cionam os neurônios e seus circuitos no cérebro. Porém, isso por si só não me explica a fantasia. Se ela se constitui por meio de efeitos quântico-físicos, esses efeitos não podem ser medidos e, além de uma teoria, não possuo nenhum outro conhecimento. Caso as crianças de Fátima tivessem vivenciado suas aparições unicamente em suas cabeças, então de onde teria vindo o prodígio real do sol? E se a aparição de Fátima repousasse somente em efeitos da física quântica, então como os "espíritos" por detrás da física quântica poderiam predizer com toda a certeza, um mês antes do acontecimento, que no dia 13 de outubro de 1917 ocorreria um prodígio do sol?

Neste mundo, sentimo-nos bastante abandonados e corremos de contradição em contradição. O prodígio do sol de Fátima, no dia 13 de outubro de 1917, foi uma realidade. Desenca­deado por uma Mãe de Deus, que, do ponto de vista histórico, sequer deve existir. Confirmado por uma religião que pretende ser a única verdadeira, muito embora existam outras religiões com as mesmas pretensões. Por detrás disso, estaria um Espí­rito Santo, que é, ao mesmo tempo, Deus e que guiaria os papas, os quais já divulgaram vários erros. Em toda essa con­fusão, a variante 3 me parece a mais alentadora. E, de 1960 para cá, os três papas fizeram de tudo para que a variante 3 se tornasse, no mínimo, concebível. Vejamos:

Fátima, 1917. Somente em 1941, a Freira Lúcia passa a limpo o terceiro segredo de Fátima e entrega o envelope ao Bispo de Leiria. Este o conserva durante treze anos em seu cofre e, então, o envia ao Santo Ofício em Roma. Ali, o enve­lope permanece ainda por mais dezoito meses esquecido, até que o Papa João XXIII o abre, no dia Io de agosto de 1959. João XXIII lacra o envelope, devolve-o ao Santo Ofício com a ordem de que a mensagem não seja divulgada. Seis anos de­pois, a cena se repete com Paulo VI e, quatorze anos mais tarde, com João Paulo II. No dia 18 de julho de 1981, depois do atentado contra o papa, o mesmo fato se dá pela quarta vez. Todos os papas negam a publicação sob o argumento prin­cipal de que algo ali “atinge a nossa fé". Oitenta e três anos depois de Fátima (no dia 19 de abril de 2000), o papa manda um enviado de alto nível até a Freira Lúcia, já uma anciã, a fim de esclarecer algumas questões para a interpretação do terceiro segredo. A situação, portanto, estava pouco clara: oi­tenta e três anos antes, a Mãe de Deus Santíssima havia se expressado de forma obscura. Além disso, o Espírito Santo não guiara a razão da freira quando ela passara a limpo a mensagem, em 1941. Em meados de 2000, o Santo Ofício resolve repentinamente liberar o texto contendo o segredo e nada se encaixa. Se aquele texto, publicado em junho de 2000 e comentado de forma prolixa pelo Cardeal Ratzinger, é idênti­co ao texto original, então não houve motivo algum para os papas não tê-lo divulgado anteriormente. Inclusive a declara­ção dos papas, de que não poderiam tornar público o segredo porque atingiria "a fé" e "desencadearia o pânico entre os homens", seria absurda de acordo com aquela versão publicada no verão de 2000. Está havendo trapaças no Vaticano. Origi­nalmente, Irmã Lúcia havia contado que "a senhora" teria exigido que o segredo fosse divulgado no dia 17 de outubro de 1960. Mais tarde, Lúcia afirmou que não fora "a Sennora", mas ela mesma que fixara a data, “porque sentia que o segre­do não seria compreendido antes de 1960". Mesmo que tal declaração esteja correta e não tenha sido atribuída inde­vidamente à freira anciã, conforme eu suspeito, os papas tam­bém não compreenderam a mensagem em 1960, já que todos eles negaram sua publicação. Temo que o Vaticano tenha se imiscuído numa história terrível, da qual não consegue mais sair. E por motivos graves.

No dia 17 de outubro de 1942, o Papa Pio XII consagrou a Fátima o "Imaculado Coração de Maria". Pio XII não conhe­cia o segredo! (Foi aberto somente em 1959.) Com a consa­gração, Fátima fora elevada definitivamente a um sítio de pe­regrinação católico em honra da Mãe de Deus. Isso já não podia ser desfeito, na medida em que os papas são infalíveis. Fátima cresceu e cresceu, até se tornar um incrível centro do culto católico a Maria. Em 1959, João Paulo XIII leu pela pri­meira vez a mensagem e deve ter tomado um susto terrível, já que ela não continha nenhuma proclamação da Mãe Maria. O mesmo sucedeu com os papas seguintes. Logicamente, não podiam mais tornar pública a mensagem de Fátima, porque, entrementes, Fátima se transformara num local de romaria sem par. A declaração dos papas de que a mensagem atingiria "nossa fé" era correta. O mesmo se pode afirmar de João Pau­lo II, o qual dissera em Fulda, em 1980: "Por causa da gravida­de do conteúdo, meus predecessores na cátedra de São Pedro privilegiaram uma disposição diplomática." Verdade. Aquilo atingia a fé deveras, e possuía "gravidade de conteúdo". Afi­nal, como se teria podido explicar aos fiéis a posteriori que a revelação não se tratava de uma mensagem "da querida Mãe de Jesus"? Isso também justifica que o Bispo de Leiria tenha mantido consigo a mensagem durante treze anos. Natural­mente, ele a lera e não sabia o que fazer com ela. Talvez espe­rasse que a roda do tempo passasse a girar um dia em outro sentido, talvez a criança Lúcia tivesse só fantasiado qualquer coisa em 1917. (De acordo com uma declaração da Irmã Lú­cia, o patriarca de Lisboa e/ou o bispo de Leiria podiam abrir o envelope.)

E o que poderia estar de fato realmente escrito no texto original do terceiro segredo de Fátima? Excetuando-se os ini­ciados no segredo, ninguém o sabe. Não obstante, setenta mil pessoas vivenciaram um prodígio do sol, um disco luminoso e giratório, que se mostrou durante doze minutos. Eu consi­dero isso um bom indício da presença de um grupo de extra­terrestres. Talvez estivessem saudando a humanidade com a mensagem e chamando atenção para o fato de que não vive­mos sozinhos no universo. Talvez estivessem também infor­mando que voltariam em breve e que seria razoável que a

humanidade estivesse preparada para um acontecimento des­se tipo. Enquanto o Vaticano não divulgar a verdade nua e crua, qualquer pensamento minimamente sensato estará jus­tificado, tendo em vista que. com certeza, a situação não está esclarecida como alegaram os papas e o Cardeal Ratzinger. Quod erat demonstrandum.

Como, em geral, os papas e os membros do Santo Ofício entendem pouco de astronáutica, e ainda menos de ETs, de distâncias interestelares ou das múltiplas possibilidades de vida extraterrestre, para não falar em tecnologias de um futuro re­moto, é de se temer que eles próprios não compreendam a “gravidade do conteúdo” (João Paulo II) da mensagem de Fá­tima. Em sua fé inabalável, poderiam supor que a mensagem tivesse sido originada pelo adversário celeste, o diabo. Isso seria tão negativo quanto uma mensagem vinda de extrater­restres, porque Fátima já se transformara num centro de peregrinação católica.

Pessoalmente, toda essa história me agrada tão pouco quan­to aos inúmeros católicos praticantes. Eu mesmo fui criado no catolicismo. Também me dói muito ter de despedir-me de lindas concepções cultivadas desde a infância. Conheço os maravilhosos cânticos para a glória da Mãe de Deus. Tenho consciência da agradável sensação de comunhão com os ou­tros fiéis numa igreja, estou familiarizado com os cantos gregorianos, com a música de órgão, com o cheiro do incenso e com o cintilar das velas. Se levantei aqui questões que já foram abordadas por eminentes teólogos, e se apresentei pos­síveis respostas que a teologia ainda não concebeu, nem por isso se devem buscar motivações psicológicas para tanto. Não procuro acertar as contas com um passado qualquer, nem gostaria de desconcertar os fiéis (que, de qualquer maneira, não lêem este livro). Para que, então, essas considerações so­bre Fátima e sobre o Antigo Testamento? Porque não está cor­reto o modo como as coisas foram apresentadas. Porque os homens não gostam de ser enganados. Porque as outras pes­soas também deveriam refletir sobre o seu Deus e a sua reli­gião, e não deveriam acreditar obstinadamente numa histó­ria. A fé não necessita de comprovação — e traz felicidade. Exatamente aí é que está o perigo: cada Igreja ou seita preten­de ser dona da única verdade válida. Assim, luta-se pela (su­posta) verdade e lança-se mão da espada e da pistola automá­tica. Pode-se também apelar — em nome de Deus — para a bomba atômica ou para armamentos químicos para exterminar os fiéis de outras religiões? O número de conflitos que têm a religião como pano de fundo aumenta a cada ano, no mundo inteiro. Este planeta está apinhado de fanáticos religiosos e de guerreiros de Deus sem escrúpulos. Os homens bons e sensa­tos se comportam diante de outros homens de forma decente – independentemente de serem religiosos ou não. Apesar disso, para que homens bons e decentes tenham atitudes ter­ríveis e más é preciso, para tanto, da religião. Em seu nome, qualquer ação medonha está justificada. Esse é o motivo pelo qual faço o que faço. Combato a mania das religiões de serem as donas da verdade e me considero com isso "trabalhador na seara do Senhor", porque a maior parte daquilo que nós, ho­mens, atribuímos ao bom Deus é uma afronta à grandiosa criação. O caminho do conhecimento sempre foi árduo e nossas concepções terrestres da moral e da ética não precisam necessariamente ser idênticas com o modo de pensar de ex­traterrestres.

            Considerando que a Mãe de Deuas apareceu mesmo (não somente em Fátima), existe para os fiéis uma tênue via de saída para o dilema, para colocai o mundo de certa forma de volta no prumo. Tomemos a variante 3, a tese do mimetismo. Um alguém qualquer lá fora está brincando conosco. Natu­ralmente, esse alguém conhece os homens e suas religiões e sabe que diversos milhões de nós acreditam de forma inabalá­vel em uma Mãe de Deus. Então, é só se projetar no papel dessa Mãe de Deus, chamar-se assim e manifestar-se dessa maneira. E o mundo volta ao normal. Ave Maria!

 

FLORESTAS REPLETAS DE ESTUPAS*

 

É verdade que a pernsmaoitos são livres, mas, mesmomnim. té amolação.

KARL KRAUS

 

A rua estava na penumbra. Em toda parte, bruxuleavam pequenas fogueiras para assar comida. Parecia um formigueiro, de tantos homens morenos, todos sentados em cadeirinhas minúsculas de apenas quinze centímetros de altura; até as mesinhas não eram mais altas que as da terra dos anões. Encontrar-me-ia entre liliputianos? Não, os homens ao meu redor eram perfeitos e normalmente desenvolvidos e, por causa das cadeirinhas mínimas, seus joelhos lhes tocavam o peito. Só de pensar em ter de me sentar ali, senti-me perdido. Como um gigante numa cre­che. E olha que meço somente 1,68 m. Como rastros de diferen­tes cores, diversos odores penetravam meu nariz. De adocicado a azedo, de rançoso a queimado, havia de tudo.

            O cruzamento seguinte da cidade, em padrão de tabuleiro de xadrez, levou-me à artéria principal de trânsito. Os odores que sentira até então se misturaram com o fedor dos gases de escape dos automóveis. Nas laterais da rua principal, também havia centenas de cadeirinhas e mesinhas. Entremeadas, ex­postas no chão, quantidades enormes de mercadorias: porca­rias de plástico para as crianças, sandálias e sapatos ao lado de camisas e peças de pano de todas as cores e, espalhados ao longo de cerca de sessenta metros, óculos para todos os feitios de rostos e narizes do país. Eu procurava, com dificuldade, não pisar em nada daquilo.

As cidades da Ásia se parecem todas, têm um sabor similar e, quando observadas superficialmente, também as pessoas parecem ser semelhantes. Entretanto, a cidade pela qual esta­va passeando naquele momento parecia bastante diferente.

Diante de mim, a menos de trezentos metros de distância e bem no meio de um cruzamento de ruas, um foguete espa­cial de diversos andares estava apontado para o céu. Ilumina­do por muitos holofotes e revestido, de cima a baixo, de ouro puro. Era uma visão que impunha respeito. Respeito diante de uma obra grandiosa realizada em nome da religião. Aquilo que se parecia com um foguete, era um dentre os vários mi­lhares de pagodes que existem na terra das estupas douradas. Outrora chamado Birmânia, hoje esse país, situado entre a Tailândia, a China e a índia, chama-se Mianmar. A cidade que eu estava percorrendo se chama Yangon (antiga Rangun). Em pleno bulício de automóveis, lojas e pedestres, como também às margens do rio Ayeyarwady, pode-se ver uma infinidade de pagodes indescritivelmente suntuosos. (Ver Figuras 10 e 11) Nessa terra, somente Buda e o governo são ricos. Em nenhum outro lugar do mundo Buda é venerado como em Mianmar. Há milhares de anos, os fiéis oferecem toneladas de folhas de ouro e de pedras preciosas para enfeitar os pagodes e assegurar um alívio qualquer nesta ou na próxima vida. Eu estava defronte do pagode Sule que é chamado de "cora­ção da cidade". Embora a noite tivesse caído houvesse muito, e o tráfego em volta do pagode exalasse mau cheiro, descobri, aqui e ali, diante de pequenos santuários, fiéis que olhavam fixa e fervorosamente as figuras e pequenas luzes atrás das grades. Em Mianmar reina um encanto que não tem igual em todo o mundo.

Essa terra está impregnada de religião e astrologia.

As crianças não recebem um nome verdadeiro, e também não adotam o sobrenome de seus pais. Aliás, não se pode de­duzir, a partir do nome, quem é homem e quem é mulher. Tanto os homens como as mulheres podem chamar-se Kyan Kyan, Zan Zan, Maung Maung ou Cho Cho. A diferença entre masculino e feminino é acrescentada mais tarde, apenas no tratamento de "senhor" ou “senhora”. Todos os nomes têm relação com o dia da semana e o mês do nascimento, mas eles podem ser modificados pela vida afora. Assim, alguém só pode utilizar as cinco primeiras letras de um mês caso tenha nasci­do na segunda-feira. Além disso, os símbolos equivalentes às 33 letras do alfabeto devem ir crescendo.

Ou seguir em seqüência, como terça-feira, quarta-feira, quinta-feira. E isso, porque também a vida vai crescendo. Se alguém fundar uma empresa, o nome dessa empresa será de­terminado por astrólogos. Apenas um astrólogo mais bem qualificado poderá alterar o nome da empresa, caso os negó­cios estejam indo mal. Alguém que tiver nascido na sexta- feira deverá fazer oferendas preferencialmente num altar de­dicado à sexta-feira. Nessa terra, não é de se estranhar que milhares e milhares de pagodes sejam orientados de acordo com a astronomia. O pagode Sule, diante do qual me encon­trava, é dedicado aos planetas, aos animais celestes e aos oito pontos cardinais.

Antes da chegada dos britânicos, Mianmar era uma mo­narquia. Exatamente no 2.400° aniversário da morte de Buda, no ano de 1861, o então Rei Mindon (1853-1878) transferiu sua residência para Mandalay, uma cidade de contos de fada no centro de Mianmar. O próprio nome de Mandalay já soa como música aos ouvidos ocidentais. Mandalay era a cidade de Buda e, em função da ameaça britânica, o Rei Mindon convocou em Mandalay o "quinto grande sínodo". Trata-se de uma reunião comparável aos concílios da Igreja Cristã. Naquela época, no ano 1872, 2.400 sábios budistas se en­contraram em Mandalay e produziram o cânone de Tipitaka, a "doutrina budista das três cestas". Antigamente, essa dou­trina estava registrada apenas em folhas de palmeiras, mas, no quinto sínodo, o Rei Mindon mandou que fosse esculpi­da em 729 placas de mármore, que deveriam permanecer intactas até o aparecimento do próximo Buda. De acordo com a doutrina, a cada cinco mil anos chegaria um novo Buda. Como já haviam se passado 2.400 anos desde o últi­mo Buda, as placas de mármore deviam ser conservadas por outros 2.600 anos. Por isso, o Rei Mindon mandou erguer um pagode sobre cada placa de mármore. O resultado é uma instalação que é conhecida como o "maior livro do mun­do". E com razão. Nos dias de hoje, existe uma cópia em papel que consiste de 38 volumes com quatrocentas páginas cada. A cristandade não produziu nada que se lhe possa com­parar.

Naturalmente, os britânicos venceram os reis de Mandalay, o que, tendo em vista sua superioridade em termos de tecnologia de armamento, não foi milagre algum. Eles construíram uma fortificação e dominaram a terra e o rio até o norte, junto da fronteira chinesa. O cronista literário e prota­gonista da dominação colonial inglesa, Rudyard Kipling, tor­nou Mandalay imortal por meio de um poema:

 

On the road to Mandalay,

Where the flyin’ fishes play…

Como you back to Mandalay,

Where the ol Flotilla lay

For the wind in the trees

and the tempte bells they say,

you british soldier,

come you back to Mandaly.*

(R. Kipling, The road to Mandalay, 1887)

 

            Os britânicos ainda chamam Mianmar de Birmânia; mas, des­de 1989, o país voltou a adotar seu nome original. Como acon­tece com todos os países, aqui a história iniciou-se em tempos mitológicos. Num momento qualquer, dragões ou serpentes voadoras (najas) teriam descido do céu e instruído os primei­ros homens.1 Também mostraram aos homens como extrair ouro e pedras preciosas da terra e da água. Ainda hoje, os mianmarenses consideram os 2.170 quilômetros do rio Ayeyarwady a "guia do dragão" e até mesmo os contornos do país são vistos como os de um dragão. O Ayeyarwady é a arté­ria vital do país, comparável ao Nilo no Egito. O motivo do dragão é bem conhecido em toda a Ásia e se constitui num enigma pré-histórico da humanidade. Nenhum ser humano pode ter visto alguma vez um dragão voador e, ainda por cima, cuspindo fogo, porque na evolução das espécies não existiu um ser desse tipo. Eu já ouvi dizer que se trata de lembranças primevas da época dos sáurios. Contudo, essa comparação também não se encaixa. Quando os sáurios se espalharam pela terra, há mais de sessenta milhões de anos, ainda não havia sequer pré-hominídeos. Na China, país vizinho a Mianmar, os reis-dragões foram os que trouxeram originalmente a cul­tura e fundaram a primeira dinastia. Diversos soberanos chi­neses gozavam do privilégio de experimentar uma viagem ao céu num dragão voador, com casa e tudo.2 A mitologia chine­sa relata acerca desse dragão celeste, como ele teria voado so­bre a terra fazendo barulho e espalhando medo, mas que tam­bém teria trazido aos homens bens culturais e os instruído em assuntos diversos.3 Ainda durante o reinado de Chuen, um dos primeiros imperadores da China, o divino construtor civil Yü teria mandado erigir uma torre alta no meio de um lago, para poder observar melhor os movimentos de vôo do dragão no firmamento.4 O dragão celeste é onipresente nas mitologias — inclusive as da era cristã, muito embora certa­mente não se tenha visto dragões naquele tempo. Os santos Jorge, Silvestre e Miguel são associados ao dragão, e ele apare­ce na "Revelação Secreta” do Novo Testamento e, claro está, também nos profetas do Antigo Testamento. Representações pictóricas de dragões já existiam em selos sumérios e nas tá­buas de caracterização egípcias, ou nos túmulos dos faraós, no Vale dos Reis, sob forma de serpentes voadoras. Isso para não mencionar os povos (muito mais recentes) da América Central. Lá, a serpente alada é o símbolo dos deuses que des­ceram certa vez dos céus. E — digo só de passagem — para os índios norte-americanos, trata-se do símbolo do Thunderbird (ave do trovão).

Ninguém contesta o fato de que o dragão voador possui um lugar cativo em muitos mitos de criação. Por quê? Os psi­cólogos acham que nossos antepassados teriam observado uma ave fora do comum. Contudo, esta não cuspia fogo, não fazia barulho, não estremecia os vales, não levava passageiros, não gerava crianças (fato que ocorreu na China) e tampouco ins­truía as pessoas. Os homens da idade da pedra conheciam aves e tinham até uma palavra para designá-las. Porém, aqui­lo que foi visto pelo mundo afora não pode ter sido uma ave. Precisou-se apelar para palavras e comparações, porque o indescritível não existia. Num momento qualquer, aquilo se transformou numa serpente cuspindo fogo e, na região asiáti­ca, num dragão. Chocados pela experiência, os pais relata­vam aos filhos sobre os acontecimentos impressionantes, e estes últimos contavam para seus netos. Com o passar do tem­po, os antigos relatos sobre os fatos foram perdendo cada vez mais seus contornos e acabaram por enraizar-se no mito. O mito é a vaga memória do povo.

O mesmo se dá em Mianmar. Como na idade da pedra não havia fronteiras territoriais, aquilo que valia para a mito­logia chinesa era também determinante para o país (atual) vizinho, Mianmar. O primeiro grupo étnico, segundo dados históricos, identificado na região do rio Ayeyarwady, foi o povo de Mon. Os Mon vieram da Ásia Central e pertenciam lingüisticamente à cultura Mon-Khmer. Sabe-se disso pelas suas inscrições. O povo de Mon havia adotado o budismo e, de acordo com a lenda, teria erigido o primeiro pagode há mais de 2.500 anos: o pagode Shwedagon, em Yangon.

O atual pagode Shwedagon é indescritível. (Ver Figura 12) "Costuma-se dizer que há mais ouro no Shwedagon do que no cofre do banco da Inglaterra." Esta citação foi tirada do único guia de viagem notável sobre Mianmar, de autoria de Wilhelm Klein e Günter Pfannmüller. Ambos são extraordi­nários conhecedores desse país:

 

Só a estupa maciça em forma de sino se constitui numa arca do tesouro única, de cem metros de altura. Em seu Interior encontram-se, segundo quer a lenda, oito cabelos do último Buda, bem como outras relíquias dos três budas que viveram antes dele [deles se diz que teriam vindo numa distância de cinco mil anos]. E, pelo lado de fora... bem, a estupa está revestida com 8.688 placas de ouro, sendo que cada uma de­las custaria, de acordo com o valor atualizado, cerca de mil marcos alemães. Enfeitam seu topo 5.448 diamantes, bem como 2.317 rubis, safiras e topázios; e uma esmeralda gigan­tesca, que colhe os primeiros e os últimos raios de sol de cada dia, coroa a construção.5

 

Quando eu visitei o pagode Shwedagon, tive dificuldade para separar o passado do presente. Tive também a sensação de estar num filme de ficção científica. Galga-se uma subida in­terminável, de átrio em átrio, para se chegar — após centenas de degraus - à proximidade do centro dourado e redondo. Aqui, os santuários espremem-se um ao lado do outro. Por detrás das cabeças de Buda, encontram-se lâmpadas em miniatura, comandadas eletronicamente, fazendo com que círculos e raios sejam disparados do cérebro de Buda. Anéis e feixes de raios parecem se precipitar do universo sobre Buda. Ilumina­ção total. (Pode soar sarcástico, mas esta não é minha inten­ção.) Em nossos centros cristãos de romaria, a ambiência não é tão diferente. Só que, no pagode Shwedagon, o ouro cinti­lante e os diamantes quase esmagam.

Involuntariamente, tive de pensar nos conquistadores es­panhóis que partiram para a América do Sul e para América Central e, tendo chegado ali, assassinaram os maias e os incas por causa do ouro. Graças aos céus, os conquistadores euro­peus nada sabiam acerca da terra do ouro de Mianmar, a qual já existia havia milhares de anos. Senão, em nome da cruz, uma cultura incomparável teria sido aniquilada.

Durante horas a fio, perambulei pelo pagode Shwedagon e senti bastante dificuldade para arrancar meu olhar das figu­ras. Ali, havia estátuas em ligas indefiníveis de ouro e prata — era como se elas tivessem saído do filme Guerra nas estrelas. Acrescentam-se a isso os acólitos místicos, os protetores de Buda que, pelo menos nos tempos do último Buda, não po­dem ter existido. (Ver Figuras 13, 14 e 15) Neste caso, a mito­logia foi vazada em ouro e prata. De forma a não poder enfer­rujar e permanecer para a eternidade. Uma singular aula de contemplação. É claro, o motivo do dragão também não po­dia faltar.

O terraço superior é guarnecido com placas de mármore branco. Bem no meio, trona a estupa dourada com uma cir­cunferência de 433 metros. A estupa em si está assentada numa placa octogonal, no chão, sendo que em cada um de seus can­tos há oito estupas menores, totalizando, portanto, 64 estupas.

 

Diante delas há algumas criaturas mistas, parecidas com es­finges. Pura mitologia. A estupa, de aproximadamente cem metros de altura, eleva-se em direção ao céu como um dedo luminoso no universo, circundado de diamantes cuspindo co­res, e, por cima de tudo, há uma pequena esfera de 25 centí­metros de diâmetro, em ouro maciço. Como se isso não bas­tasse, na esfera de ouro resplandece uma esmeralda de 76 qui­lates que, do primeiro ao último raio de sol, se carrega de energia. Os técnicos de laser se encantariam com ela.

Nosso sistema planetário e o universo são onipresentes no pagode Shwedagon. De acordo com o legado mianmarense, também o sol e a lua contam como esferas.6 Por esse motivo é que existe um local para a adoração do sol, ao qual são atribuí­dos o domingo e a ave dos deuses, Garuda. Já a segunda-feira e o tigre pertencem ao local de adoração da lua. Cada planeta possui seu dia e seu animal. Conseqüentemente, no pagode Shwedagon, existe um local de adoração para cada planeta.

 

Marte corresponde à terça-feira. O animal é o leão.

Vênus corresponde à sexta-feira. O animal é o porquinho- da-índia.

Júpiter corresponde à quinta-feira. O animal é o rato.

Saturno corresponde ao sábado. O animal é um ser mitoló­gico em forma de serpente (naja).

Mercúrio corresponde à quarta-feira. O animal é o elefante.

 

            A tudo isso, somam-se os locais de adoração dos planetas des­conhecidos, dos oito dias da semana e dos Reis Sakka, que deram origem à campina divina do monte Meru. Como todos os mianmarenses já estão ligados aos dias da semana e, portanto, aos planetas, em função de seu nome, os fiéis também rezam nos locais que lhes são atribuídos: os com o nome de terça-feira, junto de Marte, os de quinta-feira, junto de Júpiter, e assim por diante. Naturalmente, os mianmarenses também possuem um calendário próprio. Nele, a semana tem oito dias. O ano de 1999, no qual visitei o país, correspondia em Mianmar ao ano de 1361.

E assim como nos centros cristãos de romaria acontecem milagres, o mesmo se passa em mianmar. Determinados pon­tos no pagode Shwedagon são expressamente reservados aos milagres. Neles, os fiéis oram de modo particularmente in­tenso e rogam por alívios para a vida presente e por vir. Os fiéis inclinam-se diante da "pedra da realização dos desejos" e a levantam enquanto dizem:

Que esta pedra se torne leve se o meu desejo for reali­zado.

Caso a pedra permaneça tão pesada quanto ela é, o mila­gre terá de esperar ou o desejo não será realizado pela provi­dência divina. Muitos milagres tiveram lugar ali e em outros pagodes do país. E quem é responsável por isso? O espírito grandioso do universo? 77lud, que está em volta de nós e em nós e do qual somos uma microscópica parte integrante? No pagode Shwedagon existe, inclusive, uma plataforma eleva­da, à qual apenas os homens têm acesso. Ali também aconte­cem milagres.

Caíra a noite. O ouro do pagode fulgurava num brilho amarelo escuro. Lá no alto, no cume da estupa, a esmeralda cintilava. De repente, uma coluna de pessoas surgiu na plata­forma de mármore, cada uma armada de uma vassoura. Sob comando, a coluna deslizava ao redor da plataforma do templo, deixando para trás, aqui e acolá, montinhos de sujeira, que eram recolhidos à lata de lixo por uma segunda coluna. Fiquei sabendo que senhoras e senhores realizam esse traba­lho voluntariamente, mas só é autorizado a fazê-lo quem co­memora aniversário naquele dia. (Ver Figura 16)

Assim são as coisas para os mianmarenses. A astrologia determina a vida desde o nascimento até o gongo da morte, e, também, na passagem para outra esfera.

Em relação à formação original do pagode de Shwedagon, há uma tradição que remonta a um passado anterior ao bu­dismo. Mas o que é afinal esse budismo?

Buda significa, em indiano antigo, "o despertado", "o ilu­minado". O nome civil de Buda era Sidarta, o que em sânscrito significa "aquele que atingiu sua meta". O nascimento de Buda é situado aproximadamente no ano de 560 a.C. Ele provinha da família nobre dos Sakaja e cresceu no palácio principesco de seu pai, na região do Himalaia nepalês. Seguindo o costu­me das linhagens nobres indianas de acrescentar ao próprio nome retirado das escrituras sagradas (os Vedas), adotou o nome pessoal de Gotama (Gautama). Aos 29 anos de idade, estava insatisfeito com sua existência aborrecida, inútil e lu­xuosa. Abandonou sua pátria, perambulou como mendigo e praticou durante anos a arte da meditação. Ele procurava um novo caminho, que pudesse dar um sentido à vida. Ninguém sabe ao certo quando tudo isso aconteceu. Um dia, enquanto estava sentado sob um figueira em Bodhgaya, abriu-se-lhe o universo: o dia da iluminação chegara. De repente, sentiu a si mesmo como a encarnação de um ente divino. Ele começou a pregar, adotou discípulos e enalteceu o caminho do conheci­mento, o qual deve ser percorrido por toda a carne. Ele fundou a ordem dos monges Sangha, atravessou o norte da índia e faleceu na fronteira nepalesa.

O próprio Buda — como foi o caso de Jesus — não deixou uma única escritura. Suas pregações foram postas no papel e disseminadas por seus discípulos. Assim, Buda ensinou "as quatro verdades nobres", o caminho pelo qual cada ser hu­mano poderia se tornar um iluminado. Nelas, Buda partia do princípio de que existiam Budas (iluminados) passados e fu­turos. Em seu discurso de despedida, em Mahaparinibbana-Sutta, ele fala dos Budas futuros. Um deles, divulgou, chegaria numa época em que a índia estaria superpovoada. As aldeias e as cidades estariam tão densamente ocupadas quanto latas de sardinhas. Em toda a índia, existiriam 84 mil cidades. Na ci­dade de Ketumati (atualmente Benares), viveria um rei cha­mado Sankha, o qual dominaria o mundo inteiro, mas não com violência, e sim exclusivamente por meio da justiça. O elevado Metteyya (também chamado de Maitreya) surgiria na Terra durante o seu reinado. Metteyya seria um extraordiná­rio e singular "auriga e conhecedor de mundos", um mestre para os deuses e para os homens. O Buda perfeito.

Ao contrário do que ocorre no cristianismo, em que Jesus, fundador da religião, foi erguido à condição de Deus, Buda não é um Deus. Os fiéis não rezam diretamente para ele, mas gostariam de obter ajuda e iluminação por meio de seus ensinamentos e de seu espírito. No curso de 2.500 anos, as mais diversas escolas budistas se desenvolveram. Cada uma se reporta aos legados dos discípulos originais de Buda e ao co­nhecimento por meio da iluminação. Entretanto, no que toca aos pontos principais, todas estão de comum acordo.

            Os mianmarenses budistas acreditam que no centro do mundo esteja o monte sagrado de Meru. Ao redor dele estão sete mares, e ali, por sua vez, situam-se diversos níveis do ser. Por exemplo, há ali o reino dos sentidos, o reino do amorfismo, ou o reino das matérias finas. No total, são 31 níveis do ser, que conduzem bem além do monte Meru, para dentro do universo. Lá fora, existem incontáveis mundos e céus, que se localizam a grandes distâncias uns dos outros. Até as galáxias chegam e passam. Atualmente haveria 10.100.000 universos iguais ao nosso. Com vida de todo tipo.

De acordo com a concepção mianmarense do budismo, a cada cinco mil anos chega um novo Buda. Acontece que a lenda que gira em torno do pagode Shwedagon quer que o monte, sobre o qual foi erigido mais tarde esse santuário, já tenha sido um lugar sagrado muito tempo antes, e que na­quele local tenham sido conservadas as relíquias de um Buda ainda anterior — a saber, uma peça de roupa, um colherão e um bastão. Quando quase cinco mil anos haviam passado, um rei chamado Okkalapa estava esperando pelo novo Buda.

E isso numa época em que o atual Buda, ainda adolescente, vivia no palácio luxuoso de seus pais. O milênio estava quase esgotado quando o atual Buda vivenciou sua iluminação sob a figueira em Bodhgaya e apareceu ao Rei Okkalapa naquele mesmo sítio em Mianmar, onde presentemente está o pagode de Shwedagon.

Portanto, o local do pagode de Shwedagon era um lugar sagrado desde tempos remotos, já que ali eram veneradas as relíquias de um Buda anterior.

A estupa, uma construção em forma de sino, que termina numa torre estreita, corresponde no budismo à torre das igre­jas cristãs e aos minaretes islâmicos. Para os budistas, uma estupa possui muitos significados: pode ser considerada um símbolo para o fim da viagem da vida, pode ser um túmulo ou o centro da força criadora. A estupa reflete, também, em suas três subdivisões — base, domo e torre — a trindade bu­dista. O número três representa no budismo a dimensão ca­racterística do espaço. A estupa também é interpretada como "o meio de transporte para o mundo dos deuses", e é por isso que em algumas estupas há um Buda sentado que realiza mo­vimentos rituais com as mãos. Originalmente, a estupa teria tido apenas a forma de uma metade de ovo com um mastro no topo — os mestres teriam saído do ovo. Mas a estupa tam­bém remete a uma representação do cosmo: sua forma sim­boliza o monte Meru. Ao estudar as estupas, eu, velho globe-trotter e trabalhador "na seara dos deuses", tracei imediata­mente um paralelo com um continente muito longínquo. Eis um pequeno desvio, que me trará de volta às estupas:

América do Sul. Na Sierra Nevada de Santa Marta, na Co­lômbia, vivia antigamente a tribo dos índios Kogi (ou Kagaba), que quase foi exterminada pelos espanhóis no século XVI. Apenas uns poucos sobreviveram. Somente no nosso século XX é que suas cidades, recobertas pela selva, foram redescobertas e pelo menos parcialmente desentranhadas. O pri­meiro pesquisador europeu que se ocupou dos índios Kogi foi o professor austríaco Theodor Preuss.7 Preuss descobriu que os Kogi atribuíam a criação a uma mãe original, chamada Gauteovã. Ela também gerou os quatro sacerdotes primevos, os patriarcas da linhagem dos sacerdotes. A pátria desses sa­cerdotes primevos ficava no universo, e as leis chegavam "de fora" para a tribo dos Kogi. Quando os sacerdotes primevos chegaram à Terra, usavam máscaras, que abandonaram só muito tempo depois. Os sacerdotes transmitiam seu ofício aos filhos. Estes eram educados em templos durante um novicia­do que durava nove anos, para que o saber dos pais pudesse ser repassado de uma geração para a outra sem sofrer influên­cias. Essa educação realizava-se numa escuridão de nove anos.

Na mitologia dos Kogi, relatam-se lutas dos quatro sacer­dotes primevos contra demônios e animais. Foram lançados raios, voou-se para todos os pontos cardinais e as sementes de diversas plantas foram trazidas para a Terra. Máscaras eram usadas pelos deuses, sendo que uma delas foi escondida numa montanha. Passou-se um longo tempo e, então, surgiram no mundo homens com inclinações tão antinaturais que eles te­riam utilizado todos os tipos de animais para o coito. Em fun­ção disso, o chefe supremo teria aberto os portões do céu e deixado chover durante quatro anos. Os sacerdotes, porém, teriam construído um navio mágico e recolhido nele todas as espécies de bichos e aves, mas também de plantas e sementes. Durante quatro anos teria chovido água vermelha e azul, e lagos teriam se espalhado sobre toda a Terra. Por fim, o navio mágico teria encalhado sobre um cume da Sierra Negra (como era chamada ainda na lenda Kogi).

 

Então, todos os homens maus haviam perecido e os sacerdo­tes, os irmãos mais velhos, desceram todos do céu, depois de que Mulkueikai [um sacerdote] abriu a porta e colocou aqui na terra todas as aves e bichos quadrúpedes, todas as árvores e plantas. Isso foi realizado pelas pessoas divinas, chamadas Kalgusiza. E deixaram uma lembrança em todos os templos, como monumento.8

 

Isto é bastante estranho: o legado Kogi fala em sodomia. O primeiro livro de Moisés, capitulo 19, também fala sobre o aniquilamento de Sodoma e Gomorra. "Desceram todos do céu", diz o mito dos Kogi. Na lista suméria dos reis pode-se ler: "Depois que a enchente fora embora, a realeza desceu de novo do céu abaixo." E se alguém estiver pensando agora que os cristãos espanhóis teriam levado esse conhecimento para a Colômbia, está redondamente enganado, porque o mito dos Kogi já existia antes de os espanhóis chegarem, e a lista dos reis sumérios só foi descoberta no século passado. Mas o que tudo isso tem a ver com as estupas da Ásia?

Dr. Reichel-Dolmatoff era o professor que conhecia mais a fundo a cultura dos Kogi. Ele os estudou durante anos. Reichel- Dolmatoff descobriu que todas as construções Kogi tinham forma de estupas e que só podiam ser compreendidas com o entendimento de como o universo funciona. Para os Kogi, o cosmo era um espaço em forma de ovo, determinado por sete pontos: norte, sul, oeste, leste, zénite, nadir (o ponto inferior ao pé da esfera celeste, em oposição ao zénite) e central. Den­tro do espaço assim definido, havia nove camadas, nove mun­dos, dos quais a camada intermediária, a quinta, representava

o nosso mundo. Todas as casas dos Kogi são construídas de acordo com esse padrão. Todas elas são ao mesmo tempo modelos do cosmo dos Kogi. (Ver Figura 17)9

Quatro níveis estão embaixo da terra, no quinto existem os seres humanos, e há mais quatro acima deste. Isso resulta no formato de um ovo, sendo que os quatro níveis acima dos homens formam a estupa. Do telhado da estupa da casa dos homens ergue-se um poste imponente em direção ao céu, como um mastro de bandeira. Situada diagonalmente em fren­te, há a casa das mulheres, de cujo telhado em estupa se pro­jetam duas estacas cruzadas. A cada ano, no dia 21 de março (inicio da primavera), o poste do telhado da casa dos homens lança uma comprida sombra sobre a sombra das estacas cruzadas da casa das mulheres. As duas sombras se fundem. O falo penetra na vagina, símbolo da primavera, a semente deve ser colocada no chão. (Ver Figuras 18 e 19)

Todas as construções Kogi são posicionadas umas sobre as outras em forma de terraços, como nos pagodes de Mianmar. A maior cidade Kogi, que eu visitei vinte anos atrás,10 chama-se Burritaca. Na verdade, ainda não vi em parte alguma uma conexão entre as construções e o saber dos Kogi da Colômbia e as dos antigos povos da Ásia. Entretanto, o vínculo é evi­dente. (Ver Figuras 20 a 23)

A forma em sino das estupas é muito mais antiga do que o budismo atual. Não é de se estranhar, pois, de acordo com a tradição budista, diversos Budas já apareceram na Terra antes do último Buda. Afinal, somos honrados a cada cinco mil anos com um novo. Séculos antes da iluminação do último Buda, a religião dos jainistas reinava sobre a totalidade do subconti­nente indiano. Em seus escritos, os adeptos do jainismo ale­gavam que a fundação de sua religião datava de uma época remota, de vários milênios, e que seu saber se originara de um ente celeste. (Já me ocupei disso no livro Der jüngste Tag hat langst begonnen.)

O que nos resta é a estupa, um tipo de construção em forma de sino que se ergue em direção ao firmamento, e que já existia antes do budismo atual. E Mianmar é o ponto em que culminam todos as estupas, uma terra com "florestas de estupas". Só nas vizinhanças de Bagan, uma cidade às mar­gens do Ayeyarwady, há mais de dois mil exemplares. De ta­manhos variados, muitas vezes parecem amontoadas, uma ao lado da outra. Há as que têm mais de dois mil anos. Algumas menores têm aspecto bem antigo e estão começando a ruir, enquanto outras, do século passado, são constantemente re­formadas. Durante os cerca de duzentos anos decorridos en­tre 1075 e 1287, foram erigidos na planície de Bagan treze mil templos, pagodes e estupas. "Em nenhum outro lugar pode- se gozar de uma vista tão impressionante quanto na planície de Bagan — uma seqüência de pagodes cor de tijolo, um ao lado do outro, eventualmente com um cume branco, que se estende pela extensão vaporosa das margens do maior rio mianmarense, até o céu."11

No caminho que leva às mais grandiosas edificações de Bagan, o templo Ananda e o pagode Shwesandaw, passei di­ante de algumas banquinhas de venda, que me chamavam atenção pelos tabuleiros redondos, repletos de folhas verdes, dobradas. Os indígenas enfiavam as folhas na boca e, por fim, cuspiam um líquido vermelho. O que estariam mastigando? Meu primeiro pensamento foi cato, uma droga consumida sobretudo no Iêmen, mas também pensei nas folhas de coca do Peru e do Equador. No caso das folhas verdes dobradas, tratava-se mesmo da droga nacional dos mianmarenses, que cresce em esbeltas palmas arequeiras. Ali medra a noz-de-areca, uma pequena noz de palmeira com uma casca muito dura, parecida com a nossa noz-moscada, inclusive por dentro. Os mianmarenses picam as nozes, colocam-nas sobre folhas de bétele parecidas com folhas de pimenta e misturam-lhes cal e diversos temperos. Então, o conjunto é dobrado para formar um pacotinho, que é colocado diretamente na boca. O tanino contido nas folhas de areca provoca uma grande produção de saliva, que adquire uma coloração vermelha por causa do bétele. Eu experimentei, mas logo cuspi fora o suco verme­lho. (Ver Figuras 24 e 25)

Conforme acontece no pagode de Shwedagon em Yangon, também para chegar ao templo de Ananda, em Bagan, é pre­ciso subir inúmeros degraus. A construção original foi erigida pelo povo de Mon e concluída no ano de 1091, sobre um solo sagrado que — como não poderia ser diferente — possui um significado mitológico. A crônica do palácio de vidro dos reis de Mianmar é uma obra histórico-mitológica, registrada por es­crito no século XVIII. De acordo com essa crônica, um dia, oito monges teriam surgido diante do palácio do Rei Kyanzittha. Os monges contaram ao rei que vinham de uma terra longínqua e que, em tempos remotos, haviam morado na caverna de Nandamula. Nessa caverna teria também vivi­do um Buda anterior. O rei pediu que os monges lhe mostras­sem a caverna sagrada. Por força de sua meditação, os monges fizeram com que aparecesse diante dos olhos do rei aquela paisagem encantadora, juntamente com a caverna de Nandamula. O rei decidiu construir em Mianmar uma cópia daquela gruta sagrada, que fica num lugar qualquer do Himalaia coberto de neve. Sobre essa caverna ergue-se hoje o templo de Ananda. Para demonstrar a infinidade do tempo, as quatro altas estátuas douradas de Buda no templo de Ananda representam, em seqüência lógica, os quatro últimos Budas do tempo universal: Kakusanda, Konagamana, Kassapa e Gautama. Uma dessas estátuas sorri tranqüilamente quando contemplada a alguns metros de distância, embora optica­mente adote traços fisionômicos sérios quando é olhada de mais perto. Multo bem bolado. O templo em sl é uma obra- prima de arquitetura, de um luxo inconcebível, com uma estupa gigantesca no centro. Há milhares de Budas e, junto com eles, os espíritos e demônios de todos os tempos da era pré-budista também estão representados. Além disso, há os símbolos e os altares dos planetas da astrologia mianmarense. Quando sur­ge um pouco de neblina ou quando é visto através de uma luz difusa, o estupa central ergue-se com seu alto mastro até aos céus. Como ocorre na casa dos Kogi, na distante Colômbia, do telhado de folhas da selva.

Em Bagan, o pagode do cosmo, com seu eterno movimen­to circular, é onipresente. Cada pagode indica outros pesos- pesados da mitologia que, para os mianmarenses crentes, não representam o mito e sim uma realidade remota. Aqui foram transformadas em pedra lembranças primevas de algo que o mundo ocidental não compreende. A cada passo que dá, o visitante se depara com representações as mais impossíveis — porém, na fantasia e no passado remoto, nada é impossível. Alguns cabelos de Buda estariam guardados como relíquias no pagode de Shwesandaw. O pagode carrega o nome secun­dário de Ganesha, o qual, na verdade, é um deus-elefante hindu. O que este último tem a ver com Buda? Como o budis­mo é atemporal, as figuras dos deuses hindus estão entretecidas com o budismo. No hinduísmo, Ganesha é um dos cinco gran­des deuses, um filho do Deus Shiva. Foi ele quem eliminou todos os obstáculos sobre a terra. Ganesha, em sânscrito, é uma palavra composta: ganas são "os exércitos", e Isa signifi­ca "o senhor". O sentido, portanto, é "o senhor dos exérci­tos". Ele vale como elo entre os homens e o Onipotente. No hinduísmo, acredita-se que ele não tenha sido gerado por seus pais – Shiva e Parvati —, acha-se que tenha sido criado inte­lectualmente. Tal concepção nasce da crença de que os entes celestes teriam se aconselhado, antes de sua visita à Terra, so­bre como poderiam eliminar os obstáculos do novo planeta. Então, Shiva e Parvati elaboraram um ser com corpo de ho­mem c cabeça de elefante, que podia olhar em todas as dire­ções e alcançar a massa com as mãos, bem como os pés e a tromba. Essa cria de deuses, que costuma ser representada com uma auréola, era um produto artificial, criado com base em design genético.

Uma dissertação reuniu todos os nomes e propriedades atribuídos a Ganesha, dando mostra de grande zelo científi­co.12 Condutor, vencedor dos obstáculos, o que traz sucesso, o da barriga pendente, o da tromba retorcida etc. Como uma máquina, ele é posicionado como sentinela diante de portas e entradas, onde ele dá cabo de qualquer um cujo acesso seja proibido. Na índia, ele pode ser encontrado em toda parte. Quando um hindu constrói uma casa, ele coloca imediata­mente uma imagem de Ganesha sobre o sítio da obra. Esta deve remover os obstáculos que são esperados. Se um hindu escreve um livro, primeiramente saúda Ganesha.

Oi Ganesha! Bem-vindo!

Ganesha também é invocado no início de uma viagem, por isso ele está presente nas portas de acesso das estações de trens na índia. Assim, tudo segue suas regras e ninguém repa­ra que por detrás disso há uma verdade remotíssima. Mal en­tendida através dos milênios, porém mantida viva por meio das religiões.

Até alguns anos atrás, Mianmar estava fechada ao turis­mo. Então, o governo militar precisou de divisas e abriu as fronteiras do país. Atualmente, existe uma indústria de turis­mo organizada e hotéis de todas as categorias. Pelo rio

 

Ayeyarwady trafega um navio de luxo, com cabines com ar-condicionado e abundante bufê, que, para os simples mora­dores de beira-rio, deve parecer uma nave espacial vinda de outro mundo. O navio leva o nome de Road to Mandalay e começa sua navegação de vários dias de duração sempre aos domingos, o dia do Sol, dedicado à ave dos deuses, Garuda.

Em toda parte, em Mianmar, é possível encontrar peque­nos monges e discípulos de banho recém-tomado e vestindo trajes vermelhos e laranjas, porque cada budista mianmarense deve servir seu tempo num mosteiro. Aqui as pessoas não parecem andar de modo costumeiro, tem-se a impressão de que estão suspensas no ar. Com o tronco quase imóvel, pare­ce que se locomovem sobre rodízios. Isso vale especialmente para as mulheres graciosas, quando levam cargas sobre as ca­beças. E a cada manhã, os automóveis são ornados com novas flores — por causa do perfume.

O cosmo dos pagodes e das estupas paira por todo o país. No domingo, reina Garuda que, segundo as tradições india­nas, é o príncipe de todas as aves (ver Figuras 26 e 27). Ele é representado com as asas e o bico de uma águia, mas também pode ter uma cara de dragão, com o corpo de um homem. Ele servia ao Deus Vishnu como montaria e dispunha de qualida­des notáveis. Garuda era muito inteligente, atuava de forma autônoma e chegava a vencer batalhas sozinho. Os nomes de seus pais também são familiares: chamavam-se Kasyata e Vinata. Certa vez, a mãe Vinata pôs um ovo, do qual saiu Garuda. Portanto, tudo começou de forma absolutamente normal, ou assim parece.

         O rosto de Garuda era branco, seu corpo, vermelho, e suas asas, cor de ouro. Teria feito boa figura em qualquer obra de ornitologia. Porém, quando Garuda erguia suas asas, a terra tremia. Ele também empreendia vôos pelo universo e odiava serpentes. Aliás, possuía motivos justos para essa represa.

Acontece que sua mãe Vinata fora mantida aprisionada por cobras, depois de ter perdido uma aposta. As serpentes prometeram libertar a mãezinha se o filho lhes levasse uma cuia cheia de alimentos dos deuses, que as tornariam imor­tais. O esperto Garuda tentou de tudo para cumprir essa exi­gência mas, lamentavelmente, o alimento dos deuses que con­feria imortalidade só podia ser encontrado no meio de um mar de chamas. Sendo assim, o astuto Garuda encheu seu corpo dourado até a borda com água, que ele sugou dos rios das vizinhanças. Em seguida, ele apagou o mar de chamas. Porém — oh, que pavor! — a montanha dos deuses estava apinhada de outras cobras, e todas elas cuspiam fogo. Então, Garuda levantou um turbilhão de nuvens de poeira para que as serpentes não pudessem mais localizá-lo. Por fim, ele lan­çou "ovos divinos" no covil de cobras e as estraçalhou em mil pedaços. Ele fendeu a língua de algumas que lhe chegaram perto demais. É compreensível.

Imediatamente após a libertação de sua mãe, Garuda par­tiu para a lua. Esta, entretanto, era propriedade de deuses des­conhecidos, que não lhe concederam autorização de pouso. Atiraram setas incandescentes contra Garuda, mas ele era imune a elas. O corpo de Garuda era invulnerável. Quando os deuses da lua perceberam isso, resolveram fazer um acordo. Garuda obteria a imortalidade e se tornaria montaria do Deus Vishnu. Desde então, Vishnu (do sânscrito, o bondoso, o amistoso) perambula pelo universo sobre o imortal e inatacável Garuda.

Tratar-se-ia de uma mera história boba e sem significado? Essa história é muito antiga e contém elementos extremamente utópicos: invulnerabilidade, lançamentos de bombas, um vôo para a lua e até mesmo o Deus Vishnu necessitando de uma nave espacial. Em Mianmar, as crianças aprendem cedo essas histórias. Não como um conto bonito, como acontece na nossa sociedade, mas como parte integrante de uma verdade não compreendida, que ocorreu certa vez em algum lugar e em algum momento. Todas essas histórias pertencem à religião. A origem de nossa palavra religião é controversa. Pode ser derivada do latim relegere (observar escrupulosamente) ou de religari (ligado a Deus). A religião deve conservar o antigo. Isso ocorre tanto no budismo quanto no hinduísmo. "Obser­var escrupulosamente algo ligado a Deus" e conservá-lo. mes­mo que nao seja compreendido. Pode-se comprovar que essas histórias religiosas são eternizadas nos templos e nas figuras. No mundo ocidental, não acontece diferente, ainda que con­testemos esse fato. Quem já visitou alguma vez uma das ma­ravilhosas catedrais góticas ou barrocas entende o que eu quero dizer. Ali existem representações magníficas de São Miguel lutando com o dragão, representações de santos que vão para o céu, de rapazes que estão sentados num forno em chamas sem se ferir, de Moisés falando com um espinheiro, de ani­mais que escutam Santo Antônio, pensativos, de anjos que voam do céu para a terra e de voita para o céu, de espadas de fogo manejadas pelos arcanjos, de objetos dos quais são lan­çados raios (Arca da Aliança, Custódia), de um diabo com chifres e um tridente em brasas, de Jesus que caminha sobre as águas e de hostes angelicais que habitam o universo. Nós pretendemos que tudo isso e muito mais sejam representa- ções artísticas de uma realidade antiga. Os budistas e os hinduístas pensam o mesmo. A fé profunda nessas realidades de outrora não se concentra apenas no âmbito cultural de uma religião, pode conter também um saber (em contraposição ao crer) original. Peter Fiebag nos apresenta um exemplo dis­so em seu livro Geheimnisse der Naturvölker.13

Fiebag, professor por natureza, viaja para fazer pesquisas, é globetrotter e escritor. Alguns anos atrás, ele visitou a ilha Sulawesi, (na Indonésia), e, lá mesmo, a região montanhosa da tribo dos Toraja. Logo, logo, ele constatou que os Toraja consideram a si mesmos os "filhos das estrelas". Aguçando o ouvido, Fiebag começou a estudar os incríveis legados dessa tribo. Os Toraja asseguram que os predecessores de seus ante­passados teriam descido do céu, vindos do universo, em tem­pos remotíssimos, crença que eles até hoje manifestam em sua religião, em determinadas palavras que usam e em suas casas. Os Toraja chamam sua religião “manurun di langi", "aquilo que veio do céu abaixo" ou "ele veio do céu abaixo". Inclusive suas casas seriam inspiradas nas "naves" que os pa­triarcas teriam usado ao vir do universo para a Terra. (Ver Fi­gura 28) Fiebag: "A casa é interpretada cosmologicamente e não celebrada como nave. O telhado da casa é associado a uma ave, ao ato de voar. Ele representa simbolicamente o uni­verso. Um "katik", uma ave celeste de pescoço comprido pro­veniente da mitologia Toraja, estende-se para fora da cabeça de búfalo sobre a área da entrada, reforçando essa afirmação simbólica. A roda do sol é outro símbolo do universo, bem como o galo na região da cumeeira, cuja cabeça está relacio­nada com a constelação das Plêiades, e o corpo, com Orion e Sirius... O filólogo Armin Achsin, nascido na tribo Toraja, formula a interpretação da seguinte maneira: "A casa Tongkonan simboliza o universo. O telhado representa o céu e é mental­mente relacionado com o universo. A coluna central... conecta a terra e o céu." (Ver Figura 28) Os índios Kogi da Colômbia mandam lembranças.

Fiebag descobriu que o patriarca dos Toraja, Tamborolangi, alcançou a terra em "uma construção de ferro", uma "casa que foi oscilando para baixo". Aqui, tomou uma esposa e via­jou diversas vezes entre a terra e sua residência celeste. Certo dia, teria ficado irado e destruído a "escada celeste".

 

Mas como ele ainda queria visitar a terra mais uma vez, ele veio voando das estrelas até a terra em sua casa celeste. Ater­rissou nas montanhas de Uliin, em Tana-Toraja, não longe de Rantepao. Então, foi assim que as casas dos Toraja se torna­ram cópias de uma nave estelar que Tamborolangi trouxe outrora das Plêiades para a Terra.14

 

Não se trata simplesmente de uma história do tipo contos de fada, mas do saber de uma tribo que ainda está viva nos dias de hoje. Demonstrado em nomes e fatos.

Casas no céu? Nada mais que adornos fantásticos? Eu re­comendo a qualquer turista que resolva viajar para a Tailândia, seja por qual motivo for, que visite em Bangcoc a parte do palácio real aberta ao público. Ali, numa esplêndida galeria, estão expostas reproduções ilustrando a história da realeza tailandesa. Entre outras, casas e palácios inteiros que voam pelas nuvens. E, no templo de Emerald Buda, pode-se admirar a representação pictórica de Ramakian, versão tailandesa da epopéia indiana de Ramayana. Ao longo de 178 seções, as histó­rias do Ramayana são ilustradas em vivas cores, em que o observador descobre deuses com armamentos sobrenaturais. Não poucas entre as figuras divinas se movem pelo ar e disparam

seus projéteis de raios mortíferos a partir das nuvens. (Ver Figuras 29 a 32)

Os deuses da região asiática manejam armas terríveis. Hoje, já conhecemos algumas delas, mas outras ainda permanecem para nós no reino da utopia. Conversaremos mais a esse respeito no próximo capítulo.

 

AS ARMAS DOS DEUSES

 

Quem bate nos seus, já os perdeu.

MAX RYCHNER

 

Você consegue conceber uma máquina que retorne ao seu agressor como um bumerangue, mas que seja constituída de fogo brilhante? Uma arma que faça evaporar todos os corpos de água e oculte todo o planeta em vapor d'água? Uma arma que, feito um raio, ponha o exército inimigo para dormir? Uma arma que produza "ilusões", fazendo com que o inimigo teime em atirar em algo que nem existe? Uma arma suscetível de estraçalhar um planeta inteiro? Uma arma que torne invi­sível o agressor, juntamente com sua tecnologia? Uma arma que queime países inteiros disparada do universo? Você pode fantasiar habitats espaciais que sejam de tal tamanho que vá­rios milhares de pessoas possam viver neles? Com seus jar­dins, campos, água corrente e todas as comodidades que se pode pensar? Naves espaciais dos tipos mais variáveis, que funcionem segundo um princípio de antigravitação qualquer e que alcancem velocidades inconcebíveis?

Você é capaz de conceber imagens tão utópicas? Talvez dentro de mil anos? Pois bem, todas essas criações, e muito mais ainda, já existiram. Quando se quer, fica-se sabendo. De onde? Da antiga literatura indiana.

Durante séculos, desde que se espalharam pela índia, os ocidentais torceram o nariz para os antigos legados indianos, considerando-os uma maluquice, algo saído da fantasia. In­telectuais espertos traduziram os grandes épicos indianos para o inglês e o francês, mas sempre com a postura arrogante de que não existe ciência além da ocidental. Como é de costume

já nem quero mais escrever sobre esse assunto —, psicólo­gos e teólogos se ocuparam dos velhos textos e falsificaram e deturparam quase tudo. Não por má vontade, mas por insen­satez. O tempo ainda não estava maduro.

Mas os tempos mudaram. Os estudiosos indianos de sânscrito acordaram de seu sono de bela adormecida e come­çaram a examinar minuciosamente os próprios épicos, os Vedas e outros textos originais e a confrontá-los com o saber de nos­sos tempos. Apareciam sempre novos textos, a montanha de informações crescia e crescia — os indólogos ocidentais pas­mam diante daquilo tudo. Na índia antiga, não se fabulou sobre ficção científica, não se especulou em torno de armas lendárias, não se fantasiou acerca de naves espaciais — outro- ra, tudo isso foi realidade. Não há mais como negar, e aqueles indólogos que ainda não compreendem esse fato deveriam abandonar suas cátedras.

Iniciemos de forma bem modesta. No Vymaanika-Shaastra, antiqüíssimo legado composto de diversos textos, são descri­tas as seguintes tecnologias:1

 

um dispositivo que armazena energia de radiação;

um instrumento que mede a intensidade dos raios;

instrumentos que localizam com precisão as mais diversas riquezas no subsolo do planeta (minerais, minérios, ouro etc.);

um aparelho que transforma o dia claro em escuridão;

um dispositivo que neutraliza a pressão do vento;

um canhão de som;

doze diferentes espécies de eletricidade;

um aparelho que gera energia "a partir do nada";

um aparelho que capta imagens e conversas em aeronaves inimigas;

uma máquina que captura a energia do sol;

um aparelho que pára o movimento de uma aeronave ini­miga;

um instrumento que torna o próprio avião invisível;

cristais que produzem energia;

um aparelho que repele armamentos químicos e biológicos;

um escudo de proteção em volta da própria máquina;

diversos metais que repelem o calor;

motores para aeronaves, cuja energia provém de mercúrio;

ligas indescritíveis que ainda não compreendemos até hoje porque as palavras em sánscrito não são traduzíveis.

Dr. Kanjilal, professor estudioso de sánscrito, cita as seguintes fontes antigas, nas quais se fala sobre armas terríveis, bem como sobre aeronaves e naves espaciais diversas:2

Yuktikalpataru

Mayamatamm

O Rig-Veda da Yajurveda

Mahabharata

Ramayana

Os Puranas

Bhagavata

Raghuvamsam

O Abimaraka de Bhsa

As Jatakas

A literatura de Avadana

As Kathasaritsagara

O Yuktikalpataru de Bhoja

As palavras impronunciáveis só são compreendidas por estu­diosos de sânscrito, mas são justamente estes últimos que deveriam saber onde encontrar textos sobre as utopias do pas­sado remoto. As primeiras traduções dos textos contendo aque­les incríveis acontecimentos apareceram em 1968, na índia, sob a direção de Swami Brahamuni Parivrajaha, sendo segui­das, em 1973, pela publicação da Academy of Sanskrit Research (Academia para a Pesquisa do Sânscrito) localizada na cidade indiana de Mysore. Essa edição de Mysore do Vymaanika-Shaastra contém uma tradução corrida, em inglês, mas ne­nhum comentário. Em contrapartida, a edição em hindi pos­sui uma introdução, na qual se descobre que o original do Vyrnaanika-Shaastra já havia sido encontrado em 1918 na Baroda Royal Sanskrit Library (Biblioteca Real de Sânscrito de Baroda). (Uma cópia desse texto, fotografada e datada de 19 de agosto de 1919, é conservada no Poona College. Verbete: Venkatachalam Sarma.)

O capítulo 31 do Samarangana Sutradhara apresenta mui­tos pormenores sobre a construção de máquinas voadoras. Ainda que algumas dessas obras tenham aparecido apenas na nossa época, todas, sem exceção, referem-se a textos indianos antiquíssimos. A edição em hindi do Vymaanika-Shaastra faz referência a 97 textos indianos antigos que tratam de aerona­ves; o Yuktikalpataru de Bhoja menciona os aparelhos voado­res nos versos 48 a 50. A tradução mais antiga é de 1870, quan­do o mundo ocidental não tinha a menor noção a respeito de aviões, e muito menos de naves espaciais.

A primeira referência a aparelhos voadores que cruzavam o firmamento e o universo com pessoas vivas a bordo, mas também com deuses, surgiu nos hinos aos gêmeos Asvina e aos semideuses Rbhus, no Rig-Veda. Os Vedas (veda, em india­no antigo, significa "saber") abrangem a literatura religiosa mais antiga dos indianos. O indiano antigo, em que os Vedas fo­ram elaborados, é significativamente mais antigo que a litera­tura sânscrita posterior. Os Vedas são uma coleção de todos os escritos que eram considerados "sobre-humanos" e inspira­dos. No total, existem quatro grandes blocos de Vedas. Os 1.028 hinos do Rig-Veda são dirigidos a deuses individuais. A eles soma-se, em indiano antigo, o épico nacional Mahabharata, com cerca de 160 mil versos. Claramente, trata-se do poema mais extenso que um povo já produziu. Por fim, há o Ramayana, constituído de outros 24 mil shloka (um metro indiano constituído de dois versos cada). E, por fim, mas não com menor importância, os Puranas. Eu vou listá-los aqui, para que o leigo tenha uma idéia da abrangência e da incrível quantidade de literatura que está disponível:

Vishtiu Purana, 23.000 versos

Naradiya Purana, 25.000 versos

Padma Purana, 55.000 versos

Garuda Purana, 19.000 versos

Varaha Purana, 18.000 versos

Bhagavata Purana, 18.000 versos

Brahmanda Purana, 12.000 versos

Brahmavaivarta Purana, 18.000 versos

Markandeya Purana, 9.000 versos

Bhavisya Purana, 14.500 versos

Vamana Purana, 10.000 versos

Brahma Purana, 10.000 versos

Matsya Purana, 14.000 versos

Kurma Purana, 17.000 versos

Linga Purana, 10.000 versos

Siva Purana, 24.000 versos

Skanda Purana, 81.000 versos

Agni Purana, 15.400 versos

No caso de se contar também o Uahabharata e o Ramayana, chegaremos a um total de aproximadamente 560 mil ver­sos. É isso mesmo! A literatura indiana antiga é muito ex­tensa. Nenhum outro povo da Terra possui legados tão enor­mes — nosso Antigo Testamento é um regato se comparado com essa torrente de informações. Os textos indianos anti­gos sempre estiveram aí, ainda que parcialmente escondi­dos em mosteiros e porões. Por que somente agora se teve a

idéia de procurar por aeronaves e naves espaciais naqueles textos?

Os tradutores dos séculos XIX e XX estavam cegados pelo espírito de seu tempo. Por exemplo, se em Ramayana se falas­se de um carro voador, "que faz estremecer as montanhas, que se ergue com trovões e que incendeia florestas, campos e o topo dos edifícios", o tradutor comentava a descrição as­sim: "Não resta a menor dúvida de que se está fazendo refe­rência a uma tempestade tropical."3 No ano de 1884, o erudi­to não podia compreender esse trecho de outro modo, seu mundo estava em ordem assim. Lamentavelmente, essa visão grassa no conjunto da literatura ocidental que se ocupou da índia antiga. Que coisa terrível! Em 1893, o professor alemão Hermann Jacobi traduziu o Ramayana. Porém, não o fez do jeito como manda o figurino, verso por verso; simplesmente, simplesmente ele excluiu complexos inteiros que lhe pareceram supérfluos. Cheio de petulância, guarneceu as passagens com observa­ções do tipo "palavrório sem sentido" ou "esta parte pode ser deixada de fora tranqüilamente, só contém fantasquices".4

Na biblioteca da cidade e da Universidade de Berna, que é magnificamente dotada, encontrei inúmeros volumes sobre literatura indiana antiga, sobre mística indiana, sobre mitolo­gia indiana e comentários, metro por metro, acerca do Mahabharata, acerca do Ramayana e acerca dos Vedas. Só não havia tradução direta alguma. Dá vontade de sair correndo. Todas as mentes inteligentes que já transpuseram algum tex­to do antigo indiano para o alemão devem ter sido homenzi­nhos provenientes de alfa. Você terá opinião semelhante à minha. Estavam arrulhados pelo espírito do tempo — que os tornam bem-aventurados –, funcionalmente cegos e, ainda por cima, haviam sido imunizados pela Bíblia. Então, não me restou outra opção a não ser a de me ater às grandes traduções inglesas, à tradução do Mahabharata, de Chandra Potrap Roy (Calcutá, 1896) e à do Ramayana, de M. Nath Dutt (Calcutá, 1891).5'6 A literatura adicional que empreguei foi notada em colchetes e indicada no índice de literatura no final deste livro.

Até agora, só conheço duas obras em língua alemã que se aventuraram pelos textos antigos indianos com uma vi­são moderna: o livro Gott under die Götter, contendo no­tável pesquisa, do indólogo Lutz Gentes,7 e a moderna interpretação de textos védicos no livro Deus e os deuses, do indólogo Armin Risi.8

Em Samarangana Sutradhara de Bhoja são explicados em 230 linhas os princípios fundamentais para a construção de máquinas voadoras. Parecidas com nossos helicópteros, são descritas como extraordinariamente manobráveis. Podem fi­car paradas no ar e se mover em torno do globo terrestre ou além dele. É bem verdade que as descrições não são suficien­tes para poder produzir, hoje, uma cópia de um veículo desse tipo, mas ali havia — já naquela época — metodologia. Dize­mos isso porque o autor desconhecido já observava, milhares de anos atrás, que ele assim escrevia não por desconhecimen­to, mas como forma de prevenir o uso abusivo de tais equipa­mentos. O domínio do espaço aéreo e do universo já era re­servado, naquele tempo, a uns poucos eleitos. Ali, pode-se ler:

 

O corpo tem que ser construído para ser forte e durável... de material leve [é mencionada a mica, EvD]... Com a força que repousa no mercúrio e que o turbilhão de vento impulsionador coloca em movimento, o homem pode percorrer uma longa distância no firmamento de forma maravilhosa. Também é possível construir um vimana [antiga aeronave indiana] tão grande quanto o templo para o "Deus-em-movimento". É preciso instalar quatro depósitos bem potentes de mercúrio. Quando eles são aquecidos pelo fogo controlado dos depósi­tos de ferro, o vimana desenvolve a força do trovão, por meio do mercúrio, e logo aparece como uma pérola no céu.9

 

Já no Vishnu-Purana está escrito:

 

Enquanto Kalki ainda está falando, descem do céu, diante deles, dois carros brilhantes como o sol, constituídos de to­dos os tipos de pedras preciosas e se movendo autonoma­mente, protegidos por armas radiantes.10

 

O Rei Rumanvat dispunha, inclusive, de um vimana do tama­nho de um jumbo:

 

Tanto o rei quanto o pessoal do harém e o grupo de digni­tários de cada parte da cidade sentam-se agora no carro celeste. Eles alcançaram a amplidão do firmamento e se­guiram a rota dos ventos. O carro celeste sobrevoou a ter­ra, passou sobre os oceanos e, então, foi guiado em direção à cidade de Avantis, onde justamente estava sendo cele­brada uma festa. O vimana parou para que o rei pudesse comparecer à festa. Depois dessa curta parada intermediá­ria, o rei partiu novamente, sob o olhar de incontáveis cu­riosos, que admiravam o carro celeste.11

 

Nos hinos do Rig-Vecia, ali onde se fala do vimana dos dois irmãos Asvina, também podem-se descobrir particularidades acerca desse aparelho de vôo. Era triangular, grande e de três andares ("trivrt") e era conduzido por três pilotos ("tri bandhura"). Dispunha de rodas retráteis e era fabricado num metal leve, que tinha a aparência de ouro. Como combustí­vel, o carro voador continha líquidos, chamados de “madhu” e "anna", cuja tradução estudiosos de sânscrito desconhecem. O vimana se movia no céu com mais leveza que uma ave e podia com tranqüilidade voar para a lua e voltar. Quando ater­rissava na terra, produzia um grande estrondo. No Rig-Veda são mencionados diversos tipos de combustível, que se en­contravam em diferentes reservatórios. Cada vez que o veícu­lo descia das nuvens, grandes aglomerações de pes

soas se reu­niam para assistir ao espetáculo. No total, esse equipamento, adequado para viajar pelo universo, transportava oito pessoas. Nada mal.

No parágrafo 1.46.4 do Rig-Veda são apresentados três ve­ículos de aviação, sendo que todos eram aptos a realizar operações de libertação no ar. Pelo menos um desses vimanas possuía também propriedades anfíbias, já que ele se movi­mentava na água com a mesma segurança que no ar. São men­cionadas trinta operações de resgate no mar, em cavernas e, inclusive, em câmaras de torturas.

Nos parágrafos 1.166.4 a 5.9 do Rig-Veda está descrito como os edifícios eram abalados, as árvores eram arrancadas e como o eco do barulho da partida era reverberado pelas colinas, quando a nave celeste levantava vôo. Hoje não é muito dife­rente. No conjunto da literatura clássica e dos Purarias da ín­dia antiga, a palavra vimana designa um veículo voador, o qual ilumina com brilho o firmamento — e não o céu omino­so!           e contém substâncias líquidas, utilizadas como com­bustível.

A despeito desses textos extremamente claros e que da­tam de milhares de anos atrás, os indólogos europeus conti­nuam a se comportar como se nada daquilo existisse, como se os textos não passassem de poesia, ainda que contendo um cerne possivelmente verdadeiro. Os especialistas acreditam que esse cerne esteja relacionado com uma disputa entre duas antigas famílias. Pode ser que tenha havido essa disputa, mas isso não esclarece nem as armas terríveis, nem os vimanas, e muito menos as cidades no espaço.

O enredo fundamental do Mahabharata (a antiga e mais extensa epopéia indiana) é a luta entre duas linhagens de reis. A linhagem dos Kurus seria descendente de um rei da dinastia da lua e teria gerado dois irmãos, Dhritarastra, o mais velho, e Pandu, o mais novo. O jovem Pandu dominou o trono, por­que seu irmão mais velho era cego. Contudo, o cego gerou cem filhos: os Kaurava. Pandu, o mais jovem, teve somente cinco filhos: os Pandava. O destino quis que Pandu falecesse quando seus filhos ainda eram crianças. Não é de se estranhar que os Kaurava tentassem, com as astúcias as mais diversas, remover os menores Pandava de seu caminho. Como não fo­ram bem-sucedidos nesse intento, tiveram que ceder pelo menos parte do reino para seus primos. Com isso, iniciou-se o drama da família.

Os Kaurava, que apesar de tudo eram maioria, desafiaram os Pandava para um jogo de dados. Os Pandava perderam e foram forçados a entregar sua parte do reino e a permanecer durante treze anos no exílio. Inevitavelmente, depois de ter­minar seus treze anos de desterro, os Pandava exigiram seu reino de volta. Mas os Kaurava, que haviam se tornado extre­mamente poderosos, recusaram. Assim começou a guerra mais horrível que já foi descrita na literatura do mundo antigo. No Mahabharata diz-se, inclusive, que todos os povos da Terra teriam auxiliado um ou outro lado dos beligerantes. A última batalha teria sido travada no campo de Kurukshetra, com te­nacidade extraordinária. Ali foram utilizadas terríveis "armas de deuses" contra as quais os homens não tinham nada a opor. Os famosos e fortes guerreiros caíram um após o outro. Os Pandava venceram somente no décimo oitavo dia, sendo que dezoito "grandes unidades" do exército foram massacradas. De acordo com cálculos atuais, isso daria cerca de quatro mi­lhões de pessoas. No fim, da enorme massa de guerreiros que tomaram parte da batalha sobraram apenas seis dos comba­tentes do lado dos Pandava — dentre eles, os cinco filhos de Pandu. Já dos Kaurava, só três sobreviveram ao fim da guerra fratricida.

Esta é a trama do Mahabharata, o seu fio condutor. Os heróis da guerra — eles mesmos parcialmente de origem divina — exi­giam de seus protetores celestes sempre novas armas quando eram ameaçados com a derrota numa batalha. E os deuses — sem melindres — atendiam aos pedidos. Assim, armas inimagináveis foram empregadas, todas provenientes do arse­nal das divindades. Estas passeavam por aí em seus vimanas ou gozavam da boa vida em gigantescas cidades no espaço — en­quanto os homens morriam exangues sobre o campo de batalha.

O herói Vasudeva pediu a seu Deus Agni (Deus do Fogo) uma nova arma, e este o presenteou com o disco charka. Esse disco possuía no centro um manipulo de metal e sempre retornaria para Vasudeva, mesmo que os inimigos estivessem já abatidos. E é isso o que acontece no segundo capítulo do Mahabharata: o disco derruba guerreiros e até decapita um rei bem protegido, para por fim voltar voando para Vasudeva. Medonho.

Em Pana Parva (terceiro livro do Mahabharata), Arjuna pede uma arma a seu Deus Shiva. É surpreendido pelas palavras:

 

Eu quero te dar Pashupata, minha arma preferida. Ninguém, nem mesmo o mais poderoso aos deuses a conhece. Deves ter muita cautela para não utilizá-la do modo errado, porque se a empregares contra um inimigo fraco, ela poderá destruir o mundo inteiro. Não há ninguém que não possa ser abatido com esta arma. Podes dispará-la com um arco, mas também com o olho ou com a força de tua razão.

 

Em seguida, Arjuna é instruído por seu Deus nos segredos de utilização da arma. Logo depois, um semideus, Kuvera, junta- se a eles e dá a Arjuna a arma "antardhana" de presente. Esta possuía o poder de adormecer de forma instantânea todos os inimigos. Uma arma de hipnose? Por fim, ainda apareceu Indra, o senhor do céu, em seu tanque de guerra, e convidou Arjuna a subir no carro voador e a visitar os campos celestes com ele. Em Varia Parva (parte integrante do Mahabharata), pode-se ler que Kaurava também foi convidado a visitar as regiões celestes:

 

Deves subir ao céu. Portanto, preparas-te. Meu próprio carro celeste com o piloto [charioteer] Matali voará logo para a ter­ra. Ele te levará para os campos celestes e eu te prometo todas as minhas armas celestiais [celestial weapons].12

 

Procuro traduzir o melhor possível do inglês do século XIX aquilo que não está disponível em alemão. Nos casos de

dúvida, em que diversas alternativas são possíveis, indico também o texto original em inglês. A passagem seguinte provém da seção XLII do Vana Parva, com o título Indralo- kagamana Parva:

 

E enquanto Gudakesha, dotado de profunda inteligência, ainda refletia, apareceu o carro saindo das nuvens, equipa­do com grande superioridade e guiado por Matali. Ele ilu­minou todo o firmamento e encheu toda a região com um estrondo parecido com o do trovão. Projéteis em formas horríveis e... setas aladas de esplendor celeste [winged darts of celestial splendour] e luzes de brilho magnífico como raios e "tutagudas" [não traduzível], dotado de rodas que traba­lhavam com a expansão da atmosfera [atmospheric expansion] e produziam um barulho semelhante a trovoa­das provenientes de muitas nuvens — tudo isso era parte integrante do carro voador. E no carro celestial havia tam­bém "nagas" selvagens [não traduzível, provavelmente algo parecido com serpentes] com orifícios quentes... E o carro celeste decolou como que puxado por mil cavalos dourados e alcançou prontamente a velocidade do vento. Mas o carro celeste atingiu de forma muito rápida, por meio de sua for­ça inerente, uma velocidade tal que o olho já não podia acompanhar [that the eye could hardly mark its progress]. E Arjuna também viu no carro celestial uma espécie de "mas­tro de bandeira" [flag-staff], chamado de "Vaijayanta", e bri­lhando de modo radiante, cuja coloração parecia a de uma esmeralda escura, guarnecido com brilhantes ornamentos dourados... Arjuna disse: "Oh Matali, é maravilhoso como guias este espetacular carro celeste, sem perder tempo, como se centenas de cavalos estivessem unindo suas forças. Até mesmo reis de grande fortuna... não estão em condição de dirigir este carro celeste..."

 

E Arjuna, o rebento branco da linhagem dos Kurus, subiu aos céus naquela coisa mágica, o carro parecido com o sol. O carro celeste se movia com velocidade extraordinária e rapi­damente se tornou invisível para os mortais na Terra.

 

Seção XLIII:

E a cidade celeste de Indra, à qual Arjuna chegou, era en­cantadora, e era também um local de repouso para "Siddhas" e "Charanas"... E Arjuna viu jardins celestiais, nos quais res­soava música celestial. E, então, lá em cima, onde o sol já não brilha e a lua também não, onde o fogo já não alumia, mas onde tudo reluz com brilho próprio, Arjuna viu outros carros celestes, aos milhares, que eram capazes de ir a qual­quer parte de acordo com a vontade, alinhados em lugares próprios [and he beheld there celestial cars by thousands, capable ofgoing everywhere atwill, stationed in properplaces].

E então, ele notou dezenas de milhares de carros desse tipo, que se moviam em todas as direções possíveis. O que lá embaixo, na terra, é visto como forma de estrelas, como lâmpadas, devido à grande distância, são, na realidade, gran­des corpos.13

 

Nessa história fantástica, que aconteceu há milhares de anos em alguma parte do universo, relata-se mais adiante como Arjuna visita todos os segmentos desse lugar no universo, onde lhe são apresentadas as mais diversas armas celestiais para testá- las. Ele mesmo deve aprender a dominar essas terríveis armas. O programa de treinamento durou cinco anos completos no paraíso, em que esteve circundado por todo tipo de luxo de conforto [he lived for full five years in heaven, surrounded by every comfort and luxury]. Arjuna foi instruído, inclusive, no manejo de instrumentos musicais que eram reservados unicamente para os habitantes celestiais, e que "não existem no mundo dos homens".

Tudo isso soa como saído dos contos de fada, mas não é bem assim. Aqui estão descritas realidades. Eu me lembro de conversas, nas quais sempre se menciona que os homens de­sejariam ter uma arma definitiva, para os momentos em que se sentissem acuados. Pode ser. Mas não armas que jamais poderiam existir no mundo imaginário dos homens da idade da pedra lascada, como é o caso de armas hipnóticas.

Já foi dito que os homens teriam observado as aves en­quanto elas traçam seus círculos pacíficos no firmamento, e que teriam sentido o desejo de copiá-las. Muito bem. Mas as aves não produzem barulhos medonhos e não estremecem nem montanhas nem vales. As aves também não necessitam de pilotos, e muito menos de pilotos que recebam treinamen­to especial. As aves tampouco dispõem de motores com qual­quer acionamento de mercúrio. E, mais: as aves não saem voando pelo universo afora.

Arjuna, o herói do Mahabharata, esteve inequivocadamente lá, e não na esfera dos sonhos. Afinal, está dito que lá em cima nem o sol nem a luz brilham, mas que tudo reluz apenas com brilho próprio. Fica-se sabendo que milhares de outros carros voadores estacionavam lá em cima, e que, devido à gran­de distância, aquilo que da terra se parece com lâmpadas são, na realidade, grandes corpos.

Não, meus amigos de outros campos, com psicologia e mágicas baratas não conseguiremos avançar mais neste caso. Afinal, os homens ligados à terra, ao olharem para o céu, de­veriam justamente achar que o sol brilha muito mais claro la em cima do que na terra. O contrário é o que ocorre: no um verso reina a escuridão. Algo assim não pode ser sonhado. E quem negar que o Mahabharata contenha descrições de cida­des no espaço, de naves espaciais, de naves de ligação e de milhares de veículos voadores, não quer é admitir as evidên­cias, porque estas não se coadunam com sua visão de mundo.

Além do mais, o raciocínio de que não pode ter havido veículos espaciais no passado mais remoto contradiz a nor­malidade das leis da evolução, segundo as quais nós, homens, também passamos por um desenvolvimento progressivo. Con­tudo, se a evolução é de fato um processo contínuo, gostaria que me explicassem por que cargas d'água surgiram repenti­namente, em todos os cantos do mundo, descrições de veícu­los celestes nos livros antigos. Por que nossos antepassados sempre contam acerca de deuses que desceram do céu? De onde foi que nossos precursores, que ainda se encontravam em plena idade da pedra, conseguiram os desenhos de constru­ção dos carros celestes descritos? De onde obtiveram os con­hecimentos sobre as ligas a serem empregadas e sobre os ins­trumentos de navegação? Mesmo os deuses não devem ter voado "no olhômetro". Afinal, não se tratava de pipas infan­tis ou de balões de ar quente. Os vimanas eram compostos de diversos andares, eram grandes como templos e desenvolviam velocidades com as quais até as aves só podiam sonhar.

Em toda a literatura sânscrita, não há sequer uma linha que indique técnicos, fábricas ou vôos experimentais. De re­pente, as aeronaves celestes estavam lá. Deuses as criaram e as operaram. Nenhuma das etapas de inovação, planejamento e execução foi realizada no nosso planeta. Não houve evolução nesse contexto. Absolutamente nada que tivesse sido desen­volvido passo a passo. Caso tivesse havido, a humanidade já teria aterrissado em Marte milhares de anos atrás! Os veículos descritos nos textos indianos estavam muito adiantados em relação à nossa tecnologia atual. Podiam voar em torno da Terra, alcançar a Lua brincando, permanecer parados em qual­quer lugar e quando quisessem, e dispunham de fontes de energia que nós sequer podemos imaginar. Há quarenta anos, o pesquisador da evolução Loren Eiseley, professor de antro­pologia da Universidade da Pensilvânia, reconheceu que algo estava errado:

 

Temos todos os motivos para acreditar que, sem prejuízo das forças que estiveram envolvidas na formação do cérebro hu­mano, seria impossível que uma persistente e longa luta pela existência, travada entre diversos grupos humanos, tivesse resultado em capacidades espirituais tão elevadas como po­dem ser observadas atualmente em todos os povos da Terra. Algum outro fator qualquer, um outio elemento de formação deve ter passado despercebido dos teóricos do desenvolvi­mento.14

 

É isso aí. O professor Eiseley se encontra hoje na melhor com­panhia. Cada vez mais, antropólogos e geneticistas que se ocupam da teoria da descendência com base molecular no­tam isso. O fator de formação que falta possui um nome: deu­ses. É lamentável apenas que os novos conhecimentos não sejam divulgados pelos meios de comunicação, porque nessas instituições ainda reinam costumes atrasados.

Não obstante, caso se aceite o fator deuses (extraterres­tres), ainda que num único exemplo, então até mesmo os antiqüíssimos textos não indianos logo se tornam claros. In­clusive o Deus ciumento e polêmico do Antigo Testamento. E

esse reconhecimento simples também lança luz sobre certas tecnologias construtivas da história primitiva. Uma vez acei­to, ele provoca uma iluminação por toda a Terra.

 

Mahabharata, seção CLXV, Nivata-Kavacha-yuddha Parva:

Guiado por Matali, iluminando repentinamente o firma­mento, com o aspecto de línguas de fogo sem fumaça ou como um meteoro luminoso nas nuvens, surgiu o veículo celeste.15

 

Aves? Sonhos? Abracadabra?

 

Mahabharata, seção CLXXII, Nivata-Kavacha-yuddha Parva:

Ainda invisíveis, os Daityas começaram a lutar com auxílio de ilusões. Eu também lutei com eles e utilizei a energia das armas invisíveis [the energy ofinvisible weapons]... E quando os Daityas fugiram e tudo se tornou novamente visível, cen­tenas de milhares de caídos jaziam sobre a terra... Eu fiquei inseguro, e Matali notou isso. Quando ele me viu assustado, disse:

Oh, Arjuna, Arjuna! Não tenhas medo. Usa a arma dos raios do trovão.

Quando eu ouvi essas palavras, engatilhei a arma predi­leta do rei dos celestiais [I then discharged that favorite weapon of the king ofthe celestiais].16

 

Devaneios bobos? Absolutamente, pois, quando a arma en­trou em ação, destroçou montanhas e vales inteiros, incen­diou florestas e causou devastadores estragos nas fileiras dos inimigos.

Da mesma forma, começou outra batalha no firmamento, pois os celestiais haviam declaradamente tomado partido de um lado ou outro dos terráqueos — também os deuses começaram a se matar uns aos outros. No terceiro capítulo do livro Sabha Parva (parte integrante do Mahabharatá), são descritas cidades espaciais de diferentes tamanhos. Elas eram chefiadas por Indra, Brahma, Rudra, Yama, Kuvera e Varuna. Essas cida­des espaciais correspondiam ao conceito coletivo de Sabha. Sua circunferência era gigantesca e elas brilhavam — vistas da terra — como cobre, ouro ou prata. Nas cidades, havia ali­mentos de todos os tipos, água em grandes quantidades, jar­dins e arroios, habitações e salas de reuniões. Além disso, tam­bém havia enormes galpões para os vimanas e, claro, armas terríveis. Uma cidade desse tipo, que girava sobre si mesma, levava o nome de Hiranyaoura (cidade de ouro) e original­mente fora construída por Brahma. Outras duas chamavam- se Gaganacara e Khecara. Com o tempo, porém, essas cidades passaram a ser habitadas por seres maus — chamados de "de­mônios" no Mahabharata. Esses demônios haviam tomado o partido do lado errado da humanidade. O Deus supremo Indra deve ter considerado essa situação muito negativa, pois ele ordenou que tais cidades celestes fossem destruídas. Essa tare­fa foi assumida por Arjuna, que, afinal, fora treinado durante cinco anos pelos celestiais no manejo das terríveis armas, e que, ademais, tinha à disposição o melhor piloto de nave es­pacial: Matali. Além de tudo, Arjuna não estava só, recebeu apoio de outras naves espaciais com pilotos treinados para o combate.

Tudo se transformou numa verdadeira batalha espacial. Os demônios faziam com que suas imensas formações celestiais se tornassem invisíveis. Além disso, também dispunham de armas pérfidas, com as quais rechaçaram os atacantes por al­gum tempo. AS Cidades espaciais dos demônios foram catapultadas para longe, espaço afora, e Arjuna aguardou até conseguir uma posição segura para atirar:

 

Então, quando as três cidades se encontraram no firmamento, atravessou-as com seu terrível raio de fogo triplo. Os demônios foram incapazes de contrapor algo a esse raio, que era animado com fogo Yuga e composto de Vishnu e Soma. Quando as três cidades começaram a arder, Tarvati dirigiu-se apressada­mente para lá, para observar o espetáculo.17

 

Já me referi a essa batalha no universo em livros anteriores, mas, desta vez, tive à disposição uma tradução ainda mais antiga. Todos os tradutores do século XIV traduziram a passa­gem em questão da mesma maneira, embora nenhum deles pudesse ter tido, em seu tempo (entre 1860 e 1890), sequer a menor noção acerca de cidades espaciais. Todos eles, contudo, empregaram os conceitos "celestial cities in the sky" [cidades celestiais no espaço] e "the three cities came together on the firmament" [as três cidades se encontram no firmamento].

Nas séries televisivas dos nossos dias, não há nada de novo em poderosas cidades espaciais, nas quais se desenrolam ba­talhas entre raças que rivalizam entre si, pois tudo isso já foi descrito na antiga literatura indiana. Só que essa interpreta­ção não condiz com o contexto, quando se analisa o simples padrão evolutivo do pensamento. Essa lógica é concludente.

O mesmo vale para as armas dos deuses, que entram em ação no Mahabharata. Exemplos:

 

Esta arma provocou medo e consternação, quando Karna a retirou da sala de armamento... Das aves no ar elevou-se uma terrível gritaria, desencadeou-se uma tempestade violenta, os

raios fulminaram e o trovão rolou. A arma precipitou-se com grande estrondo sobre o coração de Ghatotkacha, perfurou-o e desapareceu no céu noturno salpicado de estrelas.

Aswathama lançou sua arma mais perigosa contra as tropas Pandava. Ela voou pelo ar e milhares de setas saíram logo dela como serpentes sibilantes e caíram para todos os lados sobre os guerreiros. Vasudeva ordenou às tropas para não continuar lutando e jogar fora suas armas, porque ele sabia que à arma Narayana se seguia um encanto. Ela matava to­dos que lutavam ou queriam lutar, mas poupava aqueles que depunham suas armas.18

 

Um dos mais corajosos, Bhima, não quis deitar fora sua arma, e logo foi circundado por um mar de chamas. Então, Arjuna entrou no campo de batalha e utilizou a arma divina "baruna". Ela apagou o fogo, o que só foi possível, porém, depois que Bhima finalmente se desfez de sua arma.

Hoje, conhecemos armamentos sofisticados, mas não pro­jéteis que só atacam aqueles adversários que estão armados. Como funciona isso? Para os deuses, muita coisa é possível e, no Mahabharata, até mesmo armas radioativas foram empre­gadas:

 

Seguindo sua ordem, Arjuna disparou as armas que tinham a força inerente para afastar o aniquilamento... As armas subi­ram bem alto pelos ares e delas irromperam chamas pareci­das com o grande fogo que engole a terra no fim de uma era. Milhares de estrelas cadentes caíram do céu, os animais das águas e da terra tremiam de medo. A terra estremecia... Nesse exato momento, aproximou-se o sábio mais famoso que vi­via naquela época, Veda Vyasa,... ele aconselhou insistentemente Arjuna que recolhesse a arma que este havia desatado.

Se não o fizesse, Arjuna teria que combater essa arma com seu "Brahmastra", que seria infalível. Entretanto, caso se che­gasse a esse ponto, doze anos de aridez acometeriam a terra. Arjuna sabia disso e, portanto, para o bem da humanidade, aguardara até salvar-se desse modo. Em resposta, Aswathama devia recolher sua arma e se separar de sua pedra preciosa... Aswathama disse:

– ... Essa arma infalível matará todas as crianças ainda não nascidas...

E então, todas as crianças que vieram ao mundo estavam mortas.

 

Esta não é a única passagem no Mahabharata que aponta para a utilização de radiação mortífera. A citação seguinte, que já estava traduzida em 1891, está no quinto livro do Mahabharata:

 

O sol parecia girar em círculo. A terra cambaleava de calor, chamuscada pelo ardor da arma. Os elefantes haviam pegado fogo e corriam ferozes para cá e para lá... A fúria do fogo fez cair as árvores, uma linha após a outra, como num incêndio florestal... Cavalos e carros de combate ardiam, tudo parecia como após um incêndio terrível. Milhares de carros foram destruídos, e então um silêncio profundo baixou sobre a ter­ra... A visão era aterradora. Os cadáveres dos caídos estavam estropiados pelo calor medonho, nem pareciam mais huma­nos. Nunca dantes vimos uma arma tão horrível e nunca dan­tes havíamos ouvido falar em arma desse tipo... Ela é como um raio brilhante, um devastador mensageiro da morte, que desintegrou todos os familiares dos Vrishni e dos Andhaka e os transformou em cinzas. Os corpos carbonizados eram irreconhecíveis. Caíram os cabelos e as unhas dos que se salvaram. Os utensílios de barro despedaçavam-se sem motivo, as aves sobreviventes ficaram brancas. Em pouco tempo, os ali­mentos se tornaram venenosos. O raio baixou e se transformou em poeira fina.19

 

O oitavo livro do Mahabharata, o Musala Parva, oferece-nos in­formações adicionais. Ali pode-se ler que Curkha, um dos deu­ses, lançou um único projétil, mais claro que o sol, sobre a cida­de tripla. Os elefantes bramiam e queimavam, todas as aves caí­ram do céu, o alimento ficou venenoso, os guerreiros que não foram atingidos diretamente se jogaram nos riachos e nos lagos, "porque tudo estava recoberto pelo hálito mortífero do deus. Morre­ram também as crianças ainda não nascidas, no útero de suas mães".

Não, venerados céticos, aqui temos que dar nome aos bois. O que os cronistas preservaram de milhares de anos atrás não se originou da fantasia, por mais macabra que fosse. Aqui foi retratada uma realidade de outrora. Antes de Hiroshima e Nagasaki durante a Segunda Guerra Mundial, ninguém podia saber algo acerca de armas tão terríveis. Ninguém podia imagi­nar que a radioatividade envenena todo e qualquer alimento; nin­guém podia adivinhar que a radioatividade, relacionada com um raio dos deuses, é mais clara que o sol e que também mata as crianças ainda não nascidas no útero da mãe; ninguém podia prever que os resíduos radioativos fazem cair os cabelos e as unhas. Por quê? Porque tudo estava recoberto pelo hálito mortífero do Deus.

Vestígios dessas armas dos deuses podem ser encontrados, ainda, no poema épico sumério-babilônico Gilgamesh, na quinta tábula: "O céu gritou, a terra berrou uma resposta, um raio relampejou, um fogo ergueu-se em chamas, choveu mor­te. A claridade sumiu, o fogo se extinguiu. O que foi atingido pelo raio tornou-se cinza." E na oitava tábua, Gilgamesh pergunta a seu amigo Enkidu, moribundo: "O hálito veneno­so do animal celeste te atingiu?"20

Por que, na fantasia de nossos ancestrais, uma ave qual­quer deveria produzir "um hálito venenoso", mortífero? Por que, no Mahabharata, Aswathama deveria se separar de sua "pedra preciosa" e, com isso, recolher uma arma terrível? O que designava a pedra preciosa? Um pequeno instrumento de comando qualquer, fabricado por um alfageme dos deuses? Esses deuses eram hipócritas; vistos da perspectiva humana, poder-se-ia chamá-los de criminosos. Eles equipavam seus queridinhos com medonhas armas de destruição e, então, fi­cavam olhando para vê-los se aniquilarem uns aos outros. Os homens exerciam um mero papel estatístico. A vida humana parecia não ter valor algum para os deuses. Afinal, os deuses haviam criado os homens, os deuses reinavam sobre sua vida e morte como nós temos poder de vida e morte sobre as for­migas. E, obviamente, o tempo desempenhava para esses deu­ses um papel secundário. Eles sabiam que os homens se mul­tiplicariam novamente — como as formigas. Não nutro sim­patia alguma por esse tipo de deuses.

Ninguém que tenha estudado a antiga literatura indiana pode duvidar que esses deuses utilizassem os mais diversos tipos de aeronaves, aptas para o espaço. Professor Kanjilal, especialista em sânscrito, aponta 41 passagens que o com­provam, somente no Vana Parva (parte integrante do Mahabharata).21 Aqui estão os trechos mais importantes:

Ei, tu, Uparicara Vasu, a espaçosa máquina voadora virá a ti. (Cap. 63, 11-16)

Ei, tu, descendente dos Kurus, aquele homem mau veio num veículo que voa autonomamente, que pode se mo­ver por toda parte e é conhecido como Saubhapura. (Cap. 14, 15-22)

Quando ele escapou do ângulo de visão dos mortais, no alto do firmamento, notou milhares de estranhas aerona­ves. (Cap. 42, 30-34)

Ele adentrou o palácio divino preferido de Indra e viu mi­lhares de veículos voadores para os deuses, estando alguns estacionados, e outros, em movimento. (Cap. 43, 7-12)

Os grupos de Maruts chegaram em aeronaves divinas e Matali me levou junto com ele em seu veículo voador e me mostrou as outras aeronaves. (Cap. 168, 10-11)

Os deuses apareceram em seus veículos voadores para ob­servar a luta entre Kripacarya e Arjuna. Até mesmo Indra, o Senhor do céu, surgiu com seu objeto voador especial, e, junto com ele, 33 entidades divinas. (Cap. 274 e 275.)

Ele presenteou-o com uma aeronave que se move autono­mamente, conhecida como Puspaka. (Cap. 207, 6-9)

Em Kathasaritsagara, uma coletânea de textos indianos de tem­pos antigos, é mencionada uma aeronave que "nunca preci­sava reabastecer" e transportava os homens para países lon­gínquos, do outro lado dos mares. Ali mesmo, o leitor, admi­rado, fica sabendo de uma aeronave que percorreu, converti­do para o nosso sistema de medidas, um trecho de 3.200 qui­lômetros sem parar, bem como de outra aeronave do Rei Narabahanadutta, na qual foram transportados para Kausambi mil homens, num único vôo. (Cap. 43, 21 e seguintes)

No século V d.C., o maior dramaturgo e poeta da índia, Kalidasa, viveu na corte dos reis indianos Gupta. Ele utilizou material extraído do Mahabharata e do Ramayana em seus poemas épicos e em seus dramas, inclusive em sua obra Raghuwamsha. As diversas etapas do vôo de Rama para Ayodhya são descritas com pormenores plásticos e com es­pantosa precisão científica. Lê-se sobre a visão fenomenal do oceano encapelado e das montanhas sob a água. O carro voa­dor de Rama atingiu diversas alturas, às vezes fazia curvas entre as nuvens, então passava por debaixo das aves e, de vez em quando, por caminhos "percorridos pelos deuses" (Cap. 13, 19). A aeronave atravessou todo o planalto Decã, inclusive a serra de Alyaban e, então, um lago e o rio Godavari, a ermida de Agastya, bem como a de Sasabhanga e, por fim, a monta­nha Chitrakuta. O vôo continuou sobre a confluência dos rios Ganges e Yamuna, passando pela capital do reino de Nisada, em direção a Uttarakosala, à beira do rio Sarayu. Quando o veículo aterrissou em Uttarakosala, uma multidão de gente havia se juntado. Rama, seguido de seus passageiros, deixou o veículo por uma reluzente escada de metal (Cap. 13, 69). De­pois do encontro com o soberano do lugar, Rama e seus acom­panhantes subiram para sua máquina voadora por meio da mesma escada metálica. A rota do vôo, que hoje pode facil­mente ser verificada, comportava aproximadamente 2.500 quilômetros.

O mesmo dramaturgo Kalidasa também relatou uma via­gem aérea feita no veículo celeste de Indra, pilotado — mais uma vez — por Matali. A aeronave se movia por entre nuvens úmidas, sendo que as rodas haviam sido recolhidas. Ela al­cançou regiões mais altas, onde já não existia mais ar respirável, mas também voou tão baixo sobre a massa das folhagens, que as aves fugiram, horrorizadas. Depois da aterrissagem, Duhsantra, um dos passageiros, notou com espanto que as rodas não haviam levantado poeira alguma e sequer haviam tocado no solo. O piloto Matali esclareceu, solícito, que a flutuação sobre o chão se devia a uma técnica superior de Indra. Indra possuiria um dispositivo que anulasse a gravidade?

Kalidasa era um poeta que, além de dramas, também com­pôs uma comédia. Por assim dizer, ele tomou a fantasia em­prestada, que pertencia ao poeta. Contudo, também a fanta­sia necessita ser estimulada. Kalidasa extraiu esses estímulos dos poemas épicos Mahabharata e Ramayana, muito mais an­tigos. O que é o Ramayana?

A palavra significa "a vida de Rama". A origem dessa ação se perde em algum lugar da índia antiga. O Ramayana conta sobre um rei da dinastia do sol, que viveu outrora em Ayodhya. O rei tinha quatro filhos de quatro mulheres diferentes, sen­do que Rama, o mais velho, era bastante superior a seus ir­mãos em todos os campos. Por isso, seu pai o elegeu como seu sucessor. Mas uma intriga materna impediu isso, e Rama teve de deixar o país por quatorze anos. Rama tinha uma esposa extremamente bela, chamada Sita, que foi raptada por Rawana, soberano de Lanka (Ceilão). (Um caso igual ocasionou, na Grécia, as guerras púnicas.) O esperto Rama construiu uma ponte, que uniu a índia a Lanka e que foi utilizada, mais tar­de, por suas tropas. O próprio Rama foi buscar de volta sua amada Sita — com auxílio de seus vimanas voadores. Final­mente, Rama pôde subir ao trono de seu pai. Final feliz.

A trama da história é simples, mas a tecnologia empregada é, em contrapartida, complexa. No Ramayana, são empregados dois tipos de aparelhos de vôo: os vimanas e os rathas. Os pri­meiros se moviam com extraordinária velocidade, terminavam na parte frontal em ponta e continham diversos recintos lu-

xuosos. Havia até janelas guarnecidas com pérolas, e todas as áreas internas eram forradas com tapetes. A maioria dos vimanas mencionados no Ratnayana carregava doze passageiros. Um vôo entre Lanka e Vasisthasrama é descrito com detalhes: a distân­cia percorrida equivale a 2.880 quilômetros e acontecia, nos confortáveis vimanas, no espaço de poucas horas. Ao contrário do que ocorria no Mahabharata, no Ramayana essas extraordi­nárias aeronaves eram pilotadas majoritariamente por seres humanos, sendo comandantes treinados ou reis. É evidente, treinados por deuses. É indicado reiteradamente que a tecnologia para a construção dos vimanas provinha dos deu­ses. Os homens não inventaram nada. São apontadas, também, claras diferenças entre os homens que podem pilotar um vimana e os deuses em suas fenomenais cidades celestes.

A propósito, o que esses deuses queriam aqui? Eles teriam vindo para a terra em tempos remotíssimos para estudar os homens. Um belo estudo, tendo em vista as guerras devasta­doras que eles tramaram! Os deuses devem ter estado aqui ainda antes disso, para criar os homens, o que parece não ter lhes saído muito bem, senão não teriam tido que matar suas criaturas mais tarde.

Para os indólogos mais céticos, mas também para os lei­gos interessados que gostariam de verificar os fatos, listo a seguir algumas cenas de vôo do Ramayana:

Juntamente com Khara, ele sobe no veículo voador, que era ornado com jóias. Este produziu um barulho que parecia com o trovão vindo das nuvens. (Cap. 3, 35, 6-7)

Podes ir para onde queiras, levarei Sita para Lanka por via aérea... Assim, Ravana e Maricha entraram na aeronave, que parecia um palácio. (Cap. 3, 42, 7-9)

Acreditas, patife, alcançar a prosperidade ao adquirir este veículo voador? (Cap. 3, 30, 12)

A aeronave que alcança a velocidade do pensamento apare­ceu novamente em Lanka. (Cap. 4, 48, 25-37)

Esta é a mais primorosa aeronave, que é chamada puspaka e que brilha como o sol. (Cap. 4, 212, 10-30)

O objeto voador... ergueu-se com grande estrondo nos ares.

(Cap. 4, 123, 1)

Todas as damas do harém do Rei dos Macacos concluíram o mais rápido possível a decoração e subiram no veículo ce­leste. (Cap. 4, 123, 1-55)

Já delineei o pano de fundo da história. No parágrafo "Rama e Sita" há a descrição de como o malvado Rawana rapta a encantadora Sita num "carro dos ares que se parece com o sol". O vôo passa sobre vales, altas montanhas e florestas. Nem os pedidos dc socorro nem os apelos da seqüestrada Sita con­seguem convencer o raptor a voltar atrás. Quando Rama toma conhecimento do seqüestro, lança um curto comando mili­tar: "Que se traga para fora o carro dos ares, sem demora!"

Entrementes, o malvado Rawana já está voando sobre o oceano, em direção a Lanka. Contudo, o carro voador de Rama é mais veloz. Ele alcança Rawana e o ajusta para a luta aérea. Com uma "seta celeste", ele dispara contra o veículo do se­qüestro, que se precipita no oceano. Sita é salva e passa para o carro celestial de seu marido, que sobe uma montanha de nuvens com um poderoso estrondo.

Rama, o herói do Ramayana, possuía aliados hábeis. Um desses camaradas talentosos era o Rei dos Macacos, com seu Ministro Hanuman. Segundo o próprio desejo, o Rei dos Macacos podia se transformar num gigante ou num anão. Além disso, ele era um piloto destemido. Quando começava seu vôo a partir da serra, quebrava os cumes das rochas, arrancava ár­vores gigantescas e as montanhas ribombavam. Aves e bichos fugiam, horrorizados, para seus esconderijos mais recônditos. Às vezes, o audacioso e temerário piloto também decolava de uma cidade. Então, os viveiros transbordavam, e "o vimana se erguia sobre os telhados com a cauda queimando e desen­cadeava grandes incêndios, fazendo com que as edificações e todas as torres desabassem e os jardins recreativos ficassem devastados".

Deveras uma aeronave terrível. Mas, afinal, ela fora cons­truída pelos alfagemes dos deuses, e eles não estavam nem aí para a destruição das casas dos homens. E quando leio em textos indianos que o veículo voador teria causado grandes incêndios, devastado jardins e feito desabar torres, penso em Kebra Negest, o livro dos reis etíopes.22 Ali está escrito que Baina- lehkem, um filho do Rei Salomão, teria sobrevoado o Egito com uma carruagem celeste, no caminho entre Jerusalém e a Etiópia. Os egípcios se queixaram de que o veículo voador teria derrubado estátuas dos deuses e obeliscos ("... quando se locomoveram sobre um carro como os anjos, e mais velozes que as águias no céu").

As escrituras (hoje menos) sagradas da índia, os Vedas, contêm descrições que só puderam ser compreendidas na nossa era. Reconheço aí uma certa lógica. Naturalmente, os celestiais, aqueles deuses autocráticos, sabiam que os ho­mens dos tempos de outrora não podiam entender nada acerca da tecnologia. O mesmo acontece hoje com o con­ceito etnologicamente aceito de "cargo-cult" (mais detalhes no meu livro Der Götter-Schock). Para os homens daquele tempo, a tecnologia celeste parecia saída do reino da ma­gia, do encanto. Justamente, divina. Não obstante, pessoas treinadas deviam relatar a esse respeito. Tal é o procedimen­to. Somente graças aos legados daqueles tempos lendários é que os homens do futuro — nós! — poderiam ficar saben­do do que acontecia então. E apenas esse conhecimento nos levaria, a nós, vindouros, a formular novas perguntas, que jamais seriam feitas sem a existência dos textos anti­gos. Quando, em 1968, levantei provocativamente a ques­tão, com o livro Erinnerungen an die Zukunft, de se nossos antepassados haviam recebido visitas do espaço, talvez mi­lhares de anos antes, não tirei essa pergunta da minha fan­tasia ou do nada. Determinados indícios me obrigaram a formulá-la. Contudo, somente após ter feito a pergunta de se nossos antepassados haviam recebido visitas de outras partes do universo, é que novos questionamentos se torna­ram possíveis. Extraterrestres? Afinal, eles existem realmente? Como são eles? Por que teriam nos visitado? E por que mo­tivo justamente nós? E por que logo agora? Com que tecnologia? Como conseguiram se sobrepor aos anos-luz? De onde souberam acerca de nossa existência? Por que fize­ram o que fizeram? Quais eram suas motivações? Teriam deixado alguma prova qualquer? Voltarão, eventualmen­te? E, caso afirmativo, quando? Como nós nos comportaría­mos? Etc., etc. Todo esse catálogo de perguntas só se tor­nou possível após ter feito a pergunta de se nossos antepas­sados receberam visitas do espaço. Antes disso, não existia a pergunta principal e, portanto, não havia perguntas secun­dárias. É por detrás disso que percebo que há um sistema.

Uma espécie de guia, para que os homens do futuro fossem obrigados a formular as perguntas corretas e, por fim, a obter as respostas certas.

Nesse contexto, tanto fazia se os homens de então com­preendiam o que viam e vivenciavam, ou de que forma místi­ca ou nebulosa eles conservavam suas experiências. Unica­mente o conteúdo, sem importar sua embalagem, deveria fa­zer com que os homens do futuro ficassem desconfiados. E é o que está acontecendo. Vocês lá em cima, a ficha caiu! No Rig-Veda, por exemplo, são descritas tecnologias, mas tam­bém pensamentos filosóficos, que naquele tempo não faziam sentido e não se encaixavam em lugar algum. Aqui estão al­gumas amostras:

 

Todos os que viajam para fora deste mundo vão primeiro para a Lua... a Lua é a porta do mundo celeste, e ela se deixa ultra­passar por quem puder responder às suas perguntas, [da lua]

(Rig-Veda 1, Adhyana)23

 

Naturalmente, a Lua é o ponto de partida para viagens interplanetárias e interestelares. Por causa de sua diminuta força de gravidade, pode-se lançar, da Lua, naves espaciais de tamanho maior. Ou então, elas podem ser montadas — por meio de um sistema de módulos — numa órbita da Lua, o que é mais fácil do que numa órbita da Terra. Com certeza, porém, essas peças deveriam primeiramente ser transportadas da Ter­ra para a Lua, só que as partidas a partir da superfície da Lua, ou a partir de uma órbita da Lua, até a nave-mãe utilizada na construção são ridiculamente simples quando comparadas às partidas saindo da Terra. Entretanto, nenhum ser humano podia saber disso milhares de anos atrás.

 

O universo é maior que a incandescência, já que no universo estão ambos, o Sol e a Lua, estão o raio, as estrelas e o fogo. É em virtude do universo que chamamos, ouvimos e responde­mos; no universo, nós nos alegramos e nós não nos alegra­mos; nascemos no universo, nascemos para o universo; respeitarás o universo. Quem respeita o universo, obtém riquezas do univer­so, mundos de riquezas do espaço da luz, irrestritos, para conti­nuar a jornada, e lhe caberá vaguear por aí à vontade até onde o universo se estende." (Rig-Veda 7)24

 

Cada uma dessas afirmações está correta. Agora, o que é preci­so resgatar é seu sentido original. Frases como "Quem respei­ta o universo, obtém riquezas do universo'' também podem ser traduzidas como: "Quem pratica a exploração do univer­so, obtém riquezas do universo." Em Calcutá, o professor indólogo Kanjilal me disse que, em sânscrito, a raiz das pala­vras "respeitar" e "praticar" é a mesma, já que o homem pra­tica também seu respeito. E o fato de que nascemos no universo e para o universo não é novidade para nenhum astronauta. Serão construídas naves espaciais para gerações, e se viverá, amará, morrerá e parirá a bordo. Só que, novamente, nin­guém podia saber disso milênios atrás.

Ao ler no Mahabharata que Indra, o mais importante da­queles deuses, explica para Arjuna que o tempo é a semente do universo, tudo faz sentido para mim — talvez não para todos. É só perguntar a um astrofísico moderno quando ou como o tempo começou: o tempo se constituiu juntamente com o universo. Ele é a semente do universo. Quando leio que, na

cidade celeste, Arjuna foi instruído no manejo de instrumen­tos musicais que eram reservados apenas para os celestiais e que não existem no mundo dos homens, tenho vontade de dar saltos de alegria. Por quê? Porque aqui (como em outras partes) é traçada uma clara diferença entre os celestiais e nós, humanos. Não se tratava de uma massa coesa.

E quando percorro uma passagem como guiado por Matali, iluminando repentinamente o firmamento, com o aspecto de lín­guas de fogo sem fumaça ou como um meteoro luminoso nas nu­vens, é como se o mundo desabrochasse para mim. Por quê? Em diversos trechos, Matali é apontado de forma explícita como o piloto do carro celestial de Indra. Os homens olhan­do fixamente para cima reconhecem as línguas de fogo no veículo, mas estranham o fato de que esse fogo não provoca fumaça alguma, e, ainda por cima, comparam aquela coisa com um meteoro. Afinal, um meteoro é um objeto no firmamento que puxa atrás de si uma cauda (aos olhos dos homens). A aeronave de Indra era comparada a um meteoro luminoso, que cuspia línguas de fogo sem fumaça. O que mais podemos querer?

Quando leio a respeito de uma arma terrível que a huma­nidade jamais vivenciara dantes, uma arma que torna todos os alimentos venenosos, e que também mata as crianças ainda não nascidas, no útero de suas mães, como cidadão do mundo do século XXI sei perfeitamente do que deve se tratar. Só que os homens de milênios atrás não podiam saber disso. Há mais perguntas?

Hoje em dia, estamos confusos, e essa confusão se deve à milenar doutrinação das religiões. A cada verme, na terra, foi dito que ele deve se sentir circundado por Deus em toda parte e que ele é observado por Deus mesmo nos locais mais recôn­

 

ditos. Isso requer um Deus-espírito, que precisa ser onipresente. Somente um Deus-espírito pode penetrar tudo e todos. O universo é Deus — o panteísmo, a doutrina da totalidade de Deus, é dominante em todas as doutrinas filosófico-religiosas nas quais Deus e o mundo são idênticos. De acordo com essa doutrina, Deus tem de ser impessoal. Essa concepção foi apostrofada pelo grande filósofo Arthur Schopenhauer (1788- 1860) como "ateísmo cortês". Até mesmo o cristianismo, que permite o aparecimento do Filho de Deus como ser humano, contém uma porção de panteísmo, senão o Deus-Cristo não poderia ser onipresente também. Deus deve ser espírito. Onipresente, todo-poderoso e onisciente, ele possui o dom onipotente de saber de antemão o que ainda vai acontecer. Estando situado dessa forma acima de tudo, ele desconhece as aflições humanas. Como Deus-espírito, ele não necessita de veículos objetivos e visíveis para se mover de um local para o outro. O espírito está em toda parte. Justamente: Illud.

Tanto no Antigo Testamento quanto na antiga religião indiana, o Deus ou os deuses que se manifestaram neles utili­zaram veículos, não eram perfeitos, usavam armas terríveis, exterminavam crianças inocentes e concederam privilégios. Que lógica desponta daí? Independentemente de quem era que outrora brincou com os homens, não se tratava de Deus.

Nos antigos escritos indianos, são enumeradas as ligas metálicas dos veículos dos deuses e são mencionados os líqui­dos que serviam de combustível, entre outros, o mercúrio. O que significa isso, de fato?

O mercúrio pertence à categoria de metal nobre e, em es­tado de pureza, ele é muito consistente. Essa substância pratea­da solidifica-se a uma temperatura de 38,83°C, formando uma massa cristalizante mais leve que o chumbo. Aos 357°C, ele começa a entrar em ebulição. Diga-se de passagem que ele evapora a baixas temperaturas, liberando vapor de mercúrio, que é extremamente venenoso. O estranho metal dissolve a maioria dos outros metais, inclusive o ouro, a prata, o cobre, o chumbo e até a platina — porém somente a altas tempera­turas. Ele, porém, não age sobre ferro, níquel, silício nem manganês. Então, como se pode armazenar o mercúrio, se ele dissolve até o ouro? Somente em vidro, ferro ou grés vitrificado (cântaros). E qual a origem do mercúrio? É muito fácil obtê-lo a partir do minério, já que mero vapor ou vinagre são suficien­tes para sua extração. Na Antiguidade, o mercúrio era associa­do ao planeta Mercúrio. Muitos povos o processavam. (É men­cionado pelo grego Aristóteles, 384 a.C., como "prata lí­quida", eTeofraso, 315 a.C., descreve inclusive a extração desse metal.) O mercúrio e também o vapor de mercúrio entram nas mais diversas combinações, que encontram na indústria todo tipo de utilizações.

Caso se creia nas indicações dos antigos textos indianos, o mercúrio era usado como combustível e transportado no vimana fosse num reservatório de ferro, fosse num cântaro ou num depósito de mica.

Sempre fico espantado com fatos com os quais os arqueó­logos se deparam num lugar qualquer, sem que tenham con­dição de classificá-los. No túmulo do imperador chinês Shihuangdi, da dinastia Quin, cujas datas de nascimento e morte são controversas, foi encontrado mercúrio. E como! Em março de 1974, camponeses que estavam cavando em busca de água acharam um túmulo, nas proximidades de Lingtong (província de Shaanxi), no qual posteriormente foram desco- bertos cerca de sete mil soldados de barro do imperador. Ali­nhados em formação de marcha. (Diga-se de passagem: as sete mil figuras indicam, por si só, uma fabricação industrial.) Ve­dados por paredes estanques à água feitas de camadas de argi­la, surgiram, um após o outro, diversos rios, o Yangzi, o Huanghe e o mar — todos de mercúrio. E, acima de tudo, um firmamento magnífico, com muitos corpos celestes. Grandes quantidades de mercúrio no túmulo de um imperador místi­co da China, seria esta uma descoberta sem par? Não: a uma distância de 25 mil quilômetros dali, em linha reta, na Améri­ca Central, foi feita uma descoberta ainda mais espantosa en­volvendo mercúrio.

Copan, localizada no que é hoje Honduras, equivale à "Pa­ris do mundo maia". Com suas pirâmides e templos, Copan parece gigantesca. O significado de muitas esculturas misterio­sas e das assim chamadas "representações antropomórficas" não foi elucidado até agora. (Ver Figuras 33 a 38) A cidade de Copan controlava outrora um importante jazigo de jade, no vale de Motagua. Para os maias, jade era mais importante que ouro. Em Copan, também é famosa a "escada dos hieróglifos", em cujos 56 degraus de pedra foi esculpida a lista dos reis de Copan. Essa realização engenhosa se deveu a um rei chamado Butz'Yip, que significa algo como "o fumo é sua força". Qual fumo?

Ricardo Agurcia, diretor das escavações do projeto Copan, descobriu, em 1992, um templo subterrâneo. A parte acima da terra é chamada de Templo Dezesseis, a subterrânea, de Rosalia. Naturalmente, Rosalia é muito mais antigo que o Tem­plo Dezesseis, já que este último foi construído sobre Rosalia. "A gente sai de um túnel baixo — e, de repente, se depara com uma parede gigantesca, de doze metros de altura; é a parte frontal do antigo templo, azul brilhante, vermelho e ocre", escreveu o escavador, Nikolai Grube.25 Na parede colo­rida do templo estavam penduradas as máscaras de rostos de deuses ou de pessoas, bem como a "máscara, medindo mais de dois metros, do deus-ave supremo, com numerosos orna­mentos muito bem conservados".26 A partir daí, um poço le­vava mais para baixo ainda; na escada, havia alguns hieróglifos maias que não puderam ser decifrados sequer pelos melhores especialistas (L. Schele e N. Grube). Somente mais tarde, com o auxílio de um computador, os decifradores acharam ter des­coberto que o templo tinha sido inaugurado por um rei cha­mado Jaguar da Lua. Por fim, os peritos lograram desentulhar os alicerces de Rosalia e acreditaram ter descoberto o túmulo do fundador da dinastia, Yax K'uk'Mo.

Contudo, nenhum escavador pôde penetrar no túmulo: estava abarrotado de mercúrio altamente venenoso! Caiu a ficha?

Um especialista parece ter descido na cripta cheia de mer­cúrio, usando roupa de proteção. Então, foi constatado que no jazigo não repousava o fundador da dinastia, mas sim uma mulher. Um pouco mais abaixo, havia outra câmara. Através de um poço, ter-se-ia visto um túmulo masculino "com agre­gados de alto valor'.27 O mundo dos especialistas mantém Silêncio sobre qual tipo de agregados de alto valor se trata — como sempre, esse é o procedimento quando a situação se torna incompreensível ou até misteriosa.

A propósito, os turistas podem admirar, no novo museu de Copan, uma cópia perfeita de Rosalia, com suas máscaras de meter medo. Durante a contemplação, é como se nos sen­tíssemos deslocados para a índia antiga, como também ocor­re na América Central. Basta comparar os ornamentos ou os trejeitos das esculturas destas com as daquelas, ou as pirâmi- des-templos da América Central com as da índia. Como é mesmo que dizia o Kathasaritsagar, a coletânea de textos india­nos de tempos remotos? “O veículo do ar nunca precisava reabastecer e transportava os homens para países longínquos, do outro lado dos mares."

Aos nossos arqueólogos falta fantasia — porque eles não podem ter nenhuma. A arqueologia é um ramo de pesquisa conservador, praticado por cientistas brilhantes, espirituosos e, em sua grande maioria, íntegros. Entretanto, em suas uni­versidades, todos eles tiveram que pôr em suas cabeças a mes­ma geléia geral de uma ciência que se orienta obstinadamen­te pelo princípio da evolução. Tudo se desenvolveu de forma lenta, constante, uma coisa após a outra. O especialista em América Central não sabe nada sobre os mitos indianos, e tampouco se interessa por eles. O especialista em Egito n3o tem a menor idéia a respeito das fenomenais edificações pré- históricas do planalto do Peru. O indólogo nunca estudou o Antigo Testamento, não sabe nada sobre as descrições técnicas de um veículo espacial contidas no livro do Profeta Ezequiel. Caso soubesse, é provável que descobrisse interligações. Mas, espere aí! Isso não pode ser, porque um dos dogmas dessa ciência da Antigüidade afirma que, milhões de anos atrás, não existiam ligações entre um e outro continente.

Extraterrestres? Deuses reais há milhares de anos? Impos­sível! Venham cá com a camisa de força! E um perito que pos­sua ainda um resquício do dom da livre associação guardar- se-á de discutir com colegas de profissão aqueles achados que

não se encaixam no quadro geral, e já nem se fala em escrever a respeito do assunto. Ele logo seria exposto ao ridículo. O que não pode ser remediado, remediado está. Portanto, não é de se estranhar que descobertas extremamente interessantes sejam escamoteadas e não sejam sequer apresentadas ao pú­blico. E pior ainda: sequer o círculo científico toma conheci­mento dos achados misteriosos.

O mesmo sistema vale para os nossos meios de comunica­ção. Para que um jornalista consiga se tornar redator de cultu­ra ou até redator-chefe, ele deve demonstrar seriedade e com­petência. As duas qualidades, porém, provêm da velha geléia geral. Um arqueólogo com um achado sensacional que não condiz com nenhum esquema não pode apresentar-se ao pú­blico; assim também um jornalista que quer ser levado a sério não pode divulgar um fato sensacional, antes de ter-se respal­dado em especialistas. Entretanto, não é bem isso que estes últimos fazem — conforme já dissemos antes. Funcionando dessa forma, não é de admirar que a sociedade persista mer­gulhada num conhecimento de anteontem, sobretudo quan­do se lhe sugere que o conhecimento atual é o ponto em que culmina todo o saber.

Acontece que eu sou um daqueles que, de vez em quando, conseguem ficar sabendo de algo extraordinário por meio de especialistas. Mas, naturalmente, sempre sob o selo da discri­ção e — a lealdade o exige — de guardar o silêncio acordado. Isso também vale para mim. Eu não gostaria de expor um confidente, entregando-o ao escárnio de seus colegas. Eu des­truiria o relacionamento entre pessoas e secaria o fluxo de informações. O que se pode fazer contra esse círculo vicioso? Eu consulto a pessoa que me confidencia o segredo se posso divulgar uma ou outra informação. Às vezes, isso dá certo, mas quase sempre a autorização é acompanhada do pedido para não citar nomes. Tenho, então, que me ater à solicitação, nutrindo uma sensação boa e uma mim. A sensação boa é que eu não coloquei o informante numa saia justa, não o abando­nei. A ruim é que guardo para mim informações preciosas. Quem tem prioridade? Para mim, é a palavra dada. No meio jornalístico, esse comportamento é protegido por lei. Nenhum jornalista pode ser forçado a citar o nome de sua fonte.

A esse dilema soma-se o problema da confiabilidade. Es­tou acostumado a listar com exatidão as fontes de minhas informações, para que possam ser verificadas. Não gosto de apelar para a boa-fé, porque a fé está no domínio da religião. Porém, mesmo que eu revele as fontes, sem poder comprovar o que digo, não resta outra saída ao leitor que acreditar em mim ou não.

O túmulo mais antigo contendo mercúrio foi descoberto em Copan. Sei que também foram feitas descobertas pareci­das em outras partes da terra dos maias, em Tikal e em Palenque. De acordo com os antigos indianos, o mercúrio ser­via como combustível, e, hoje, sabemos que os vapores de mercúrio são altamente venenosos. Por que tantos dos supre­mos sacerdotes maias usam máscaras? Na índia, até máscaras com tubos, parecidas com as nossas máscaras antigas? O mer­cúrio, assim ficamos sabendo dos antigos textos indianos, era transportado, entre outros, em recipientes de mica. Por que foram encontradas na América Central, tanto na civilização maia como na de Teotihuanaco, no planalto do México, câ­maras subterrâneas de mica? (Ver Figura 39) Acho que não significa muito que nessas câmaras não tenha sido encontrado mercúrio — aliás, nada impede que os escavadores não tenham feito batota. Se as câmaras de mica não foram veda­das de forma absolutamente estanque, o mercúrio pode ter evaporado com o passar dos milênios. Isso explicaria os estra­nhos casos de morte de pontífices — os detentores do saber — e de soberanos. Mas o que é mica?

Mica é um mineral que se constitui durante milhões de anos nas montanhas. Granito — gnaisse — mica. É composto de íons de sílica, de alumínio e de oxigênio. Da mica é possí­vel fabricar folhas como as páginas de um livro, e ela pode assumir diversas colorações. Camadas finas de mica encon­tram de há muito aplicação como janelas de altos-fornos, já que a mica é resistente ao calor. Também podemos encontrar a mica na indústria elétrica e na fabricação de antenas, por­que ela comprovou ser excelente isolante elétrico. Essa maté­ria é inclusive resistente aos ácidos, pelo menos a todos os ácidos orgânicos.

Nos antigos túmulos de príncipes norte-americanos — depreciativamente chamados de chefes — foi encontrada mica. Saberiam eles das múltiplas funções da mica? E como as teriam descoberto? Uma câmara subterrânea de mica já fora encon­trada vinte anos atrás, em Teotihuacan, aquele complexo gi­gantesco nas vizinhanças da Cidade do México.28 Nos primei­ros anos após o descobrimento, a direção responsável pela arqueologia e pela antropologia da Cidade do México fez disso um segredo sagrado. Por quê? Ninguém pode negar este fato: depois de minha publicação, em 1984, o segredo se despedaçou, e há três anos que os turistas, caso insistam, podem admirar o revestimento da câmara de mica. Um guarda ergue a placa metálica, que fora instalada quando do descobrimento, e que

 

era mantida trancada com cadeados. Será que algum arqueó­logo poderia me dar um motivo convincente para todo esse teatro de ocultação? Costuma-se falar, em casos desse tipo, em "proteção". Uma coisa qualquer deveria ser protegida da estupidez do público. Desculpem-me! Mas mica não enferruja, é indestrutível, e nem impactos de raios nem ácidos, que po­deriam ser produzidos por plantas mortas, lhe são prejudiciais.

O turista de boa-fé acha que, agora que já não há mais segredo, as autoridades responsáveis estejam jogando de car­tas abertas. Ilusão! Há um túnel que leva para dentro da pirâ­mide do sol de Teotihuacan — proibido aos turistas. No cen­tro, sob a pirâmide, encontram-se alguns recintos — proibi­dos a turistas e pesquisadores. Nunca se soube publicamente o que foi descoberto naqueles recintos. Eu bem que gostaria de ter visto tudo, e não apenas os poucos objetos que estão franqueados. E é isto que o público não fica sabendo — eu sei de fonte segura: de um desses recintos subterrâneos sai um tubo isolado com mica. Indo para um lugar qualquer. Seria importante seguir o trajeto desse tubo para descobrir até onde ele vai e o que pode ser encontrado ali. Ainda não chegou aos meus ouvidos, se é que isso já não aconteceu há muito tem­po, em segredo.

Na primavera de 2001, arqueólogos americanos descobri­ram na serra de Nabta — a 1.350 quilômetros ao sul do Cairo — dois túmulos com esqueletos pré-históricos. Ambos os túmulos não somente estavam enfeitados com pinturas da deusa do céu Hathor, como também eram isolados maciçamente com mica. Como naquela região não se pode encontrar mica, ela deve ter sido importada das montanhas sudanesas. Para quê e por quem? Quatro mil anos antes de Cristo?

Essa história de segredinhos cheira mal, e o que mais me irrita é a afetação hipócrita das repartições competentes, que agem como se essa capa de segredos não existisse. Mas ela existe, e como! Há quase oito anos, o engenheiro alemão Rudolf Gantenbrink descobriu, no interior da pirâmide de Quéops, um poço de vinte por vinte centímetros de largura, medindo mais de sessenta metros de profundidade. No fim do poço, havia uma portinha com duas ferragens de cobre. Já relatei esse caso.29 Não falta nem dinheiro, nem tecnologia para abrir a portinha diante dos olhos do público. Contudo, o que acontece? A mania de fazer segredo. A repartição que ad­ministra os bens da Antigüidade no Cairo impede sua abertu­ra com argumentos inacreditáveis, que não convencem nin­guém. E se a abertura for feita por debaixo dos panos, talvez já tenha até ocorrido, os arqueólogos responsáveis pela Grande Pirâmide terão perdido qualquer direito à credibilidade. Eles ficam sentados em sua torre de marfim e acham, indignados, que o público tem obrigação de acreditar em suas declara­ções. Eles não conseguem conceber que o público se tornou crítico e cético — como se nas décadas passadas não tivesse ocorrido desinformação política e científica.

E já que estou colocando a casa em ordem — aqui vão mais algumas palavras acerca da desinformação atual: após a publicação de meu livro Erinnerungen an die Zukunft, foi fun­dada, nos EUA, uma nova organização com a finalidade de desmascarar de uma vez por todas esse "disparate" à la Däniken e Uri Geller e informar objetivamente o público acerca da ver­dade. Essa sociedade se chama CSICOP (Committee for Scientific Investigation of Claims of the Paranormal) na Ale­manha, Organização "Skeptiker". Agora, qualquer cético e crítico está livre para externar em alto e bom som sua opinião contrária e, caso queira, pode inclusive indignar-se. Contudo, sem se esconder por detrás de imposturas. Mas é isso que tem acontecido em nome da CSICOP. Robert Wilson, autor de um livro instrutivo sobre a organização, afirma, em seu prefácio:

 

Com o termo "nova inquisição” gostaria de designar deter­minados processos desgastados de repressão e intimidação que se estabelecem cada vez mais no meio da ciência de nos­sos dias.30

 

Como isso acontece? É só unir em volta de si alguns cientistas que, naturalmente, estão convencidos de que não necessitam aprender nada e que sabem o que é possível e o que é impos­sível. Com essa boa reputação, ec;:a-se uma revista; no caso da CSICOP, The Sceptical Inquirer. O próximo passo consiste em fazer com que produtores ce televisão, confiantes na boa fama dos cientistas, organize— um seriado televisivo. No mundo anglofônico, trata-se ce Horizon, produzido pela BBC. Como tanto a BBC como os estudiosos que participam do pro­grama possuem renome os programas Horizon são difundi­dos pelo mundo afora. E di:‘ 0 que há de errado nisso? Omis­sões, entrevistas retiradas ce contexto, fatos dados como provados e manipulação direcionada, tudo é transmitido ao telespectador num quadro objetivo e aparentemente verda­deiro — porém, na realidade, a situação é bem diferente. O fato a seguir aconteceu em outubro e novembro de 1999.31 Os britânicos Robert Bauval e Adrian Gilbert haviam publicado um livro com o título Das Geheirnnis des Orion e haviam, in­clusive, realizado um documentário para televisão sobre ele.32

 

Com a colaboração de egiptólogos e astrônomos, os dois au­tores puderam comprovar que as grandes pirâmides de Gizé foram orientadas de acordo com a constelação de Orion e, portanto, deviam ser consideravelmente mais antigas do que sustenta a opinião dos estudiosos de arqueologia. O progra­ma Horizon da BBC estraçalhou essa opinião, falsificou as de­clarações de Robert Bauval, distorceu a imagem de Orion e sequer permitiu que o astrônomo que fizera os cálculos deci­sivos para embasar a nova teoria tomasse a palavra. Isso tudo, em nome da verdade científica! Um esclarecimento sensacio­nal. Talvez, alguns dos competentes cientistas que atuam para a CSICOP sequer saibam quem mexe os pauzinhos por detrás daquela organização. Estão sendo manipulados.

Hoje em dia, qualquer aluno do ensino fundamental sabe o que é um teste de DNA e que com ele se podem incriminar autores de delitos e revelar relações de parentesco. Agora, pe­ritos japoneses querem executar testes de DNA em algumas múmias para esclarecer, entre outros, se o pai de Tutankâmon possuía sangue real. O Supreme Council of Antiquities (Conse­lho Supremo de Antigüidades) do Cairo proibiu a realização desses testes a curto prazo. O professor Dr. Zahi Hawas, chefe da administração do Conselho, declarou logo à News-Agentur Associated Press o porquê: "Os resultados das investigações poderiam ser utilizados para reescrever a história do Egito." E mais: "Existem algumas pessoas que querem modificar a his­tória do Egito."33 E outras, ao que parece, querem impedir que isso aconteça.

Nos antigos escritos indianos, a credibilidade não é posta em questão. Ninguém precisa acreditar nesses textos, já que neles o conteúdo fala por si só. E ele não se preocupa com o acreditar ou não. O testemunho basta, ainda que seja apre­sentado de maneira mitológica. Acontece que os antigos india­nos não podiam saber nada sobre os terríveis sistemas de ar­mas que foram utilizados, e menos ainda acerca dos vimanas de diversos tipos, para não falar em habitats no espaço. A des­peito disso, eles estão mencionados nos escritos, quer queira­mos quer não.

Desde a década de cinqüenta do século XIX, estudiosos indianos — às vezes, também sábios ou mestres (Swami) — contemplaram a antiga literatura de seu país com os olhos da modernidade. Existem textos que possuem um verniz religio­so, como os do movimento de Krishna. Isso não modifica em nada seu conteúdo, já que a idade do texto é comprovada. A história seguinte provém do décimo canto do Srimad- Bhagavatam.34

Conta-se a história da batalha entre a dinastia Yadu e um demônio chamado Salva, que conseguira se apossar de uma maravilhosa aeronave celestial, chamada Saubha. Salva se di­rigiu ao semideus Siva para obter forças adicionais contra Krishna, a quem odiava e queria matar. Assim, Salva pediu a Siva um veículo aéreo que deveria ser tão poderoso a ponto de não poder ser destruído por nenhum semideus, demônio, homem, Gandharva ou Naga, e nem sequer por um Raksasa. Exprimiu também seu desejo de que a cidade aérea estivesse em condição de poder voar para toda parte. Siva, o semideus, concedeu-lhe um, e com o auxílio do fenomenal construtor Maya _ mencionado nesta mesma função também nos poe­mas épicos e puranos — surgiu um objeto voador estável e de provocar medo, que ninguém podia destruir. Era tão grande quanto uma cidade e podia voar tão alto e com tal velocidade que era quase impossível vê-lo. Depois de ter tomado posse dessa maravilhosa aeronave, Salva voou imediatamente com ela para Dvaraka, para atacar a cidade dos Yadu, contra a qual nutria ódio inesgotável.

Antes de atacar a cidade de Dvaraka pelo ar, Salva man­dou que fosse cercada por um gigantesco exército de infanta­ria. Os locais estratégicos mais importantes da cidade foram tomados de assalto, bem como todos os sítios em que os mo­radores se reuniam. Havia um motivo para tanto. Salva pode­ria ter aniquilado a cidade pelo ar, mas antes disso ele queria ter alguns homens escolhidos. Além disso, sob a cidade esta­vam instaladas forças de defesa contra ataques aéreos, e era preciso neutralizá-las. Quando as tropas terrestres alcançaram seu objetivo, Salva bombardeou a cidade com raios, nacos de rochas, serpentes venenosas e outros objetos perigosos. Tam­bém provocou um furacão tão forte que envolveu toda Dvaraka em escuridão, porque a poeira obscureceu o céu.

Então, os grandes heróis de Dvaraka se reuniram e decidi­ram contra-atacar. Seu comandante chamava-se Pradyumna, que também dispunha de armas mágicas, e reagiu contra o po­der mágico e místico que emanava do veículo aéreo de Salva. Pradyumna e seus heróis impuseram terríveis perdas às forças beligerantes inimigas. Milhares de carros de combate foram destruídos e milhares de elefantes foram mortos. Entretanto, ainda havia a terrível aeronave, da qual Salva conduzia seus ataques. Esse veículo aéreo era tão misterioso que, às vezes, poder-se-ia crer que diversos aviões estavam voando no firmamento, e, outras vezes, que não havia absolutamente nenhum. De vez em quando, era visível, mas logo tornava-se invisível. Os guerreiros da dinastia Yadu estavam muito confusos, porque a cada momento viam o estranho veículo aéreo surgir num lugar diferente. Por vezes, parecia estar pousado no chão então, aparecia no firmamento, depois, permanecia por um curto tempo sobre o cume de uma montanha para voltar a surgir, logo em seguida, sobre a superfície da água. O veículo maravilhoso se movia no firmamento como um piri­lampo no vento, permanecendo sempre por um curto espaço de tempo no mesmo local. A despeito dessas manobras, os guerreiros da dinastia Yadu se precipitavam sobre o aparelho voador, no momento mesmo em que o viam. As setas dos guerreiros eram radiantes como o sol e perigosas como lín­guas de cobras.

A batalha durou 27 dias. Naquele tempo, Krishna, Deus supremo, havia assumido a forma humana e encontrava-se com um rei. Ali ficou sabendo da batalha e soube também que Salva queria matá-lo. Com seu próprio veículo celeste, brilhante como o sol, Krishna voou até a cidade de Dvaraka e viu a catástrofe que havia sido provocada. Num piscar de olhos, virou-se para seu auriga, Daruka, e ordenou: “Me leves rápido até Salva. É bem verdade que ele é muito poderoso e misterio­so, mas não precisas ter medo dele." O carro de combate de Krishana levava uma bandeira com o retrato de Garuda. Salva notou a aproximação de Krishna e disparou um projétil pode­roso contra ele, que voou pelo ar produzindo o estrondo do trovão. Ele brilhava com tamanha intensidade que o céu todo ficou iluminado. Krishna, porém, atirou um contraprojétil, que estilhaçou o projétil de Salva em mil pedaços. Então, recobriu a cidade celeste de Salva com uma verdadeira torren­te de setas, como o sol inunda todo o céu com inúmeras par­tículas de luz, num dia claro.

Salva não se deu por vencido c projetou diversas ilusões no céu, mas Krishna percebeu essa tática. Sem se deixar enga­nar pelas mágicas, localizou a formação celeste de Salva e dis­parou saraivadas de línguas de fogo contra ela. A belicosidade de Salva era parecida com a paixão dos aviadores que se lan­çam diretamente no fogo inimigo. Krishna atirou numerosas setas, com uma força tão inconcebível que a armadura de Sal­va foi estraçalhada e seu capacete incrustado de jóias estilha­çou-se em mil pedaços. Com um poderoso golpe, Krishna des­troçou em seguida o maravilhoso veículo aéreo de Salva, que despencou no mar em muitos pedaços. Salva ainda conseguiu chegar à terra antes que sua aeronave se chocasse contra a água, mas então Krishna ergueu sua maravilhosa roda de fogo, que brilhava como o sol radiante. Quando isso aconteceu, Krishna assumiu o aspecto do sol vermelho, quando se levan­ta sobre uma montanha. No mesmo instante, Salva foi deca­pitado pela roda de fogo e sua cabeça despencou sobre o solo, juntamente com os brincos e o resto de seu capacete. Os sol­dados de Salva emitiram clamores e um horripilante lamento de dor. Então, os semideuses surgiram em seus veículos voa­dores e fizeram com que flores de diversos planetas celestes chovessem sobre o campo de batalha. Um pouco mais tarde, Krishna visitou o planeta Sutala, e o soberano de lá "abismou- se num oceano de alegria".

É fantasmagórico. Ali estão descritas armas de raios, armas que criam ilusões, foguetes antifoguetes e armas que modifi­cam o clima, bem como estruturas espaciais capazes de alterar suas posições dentro do mais curto lapso de tempo. Depois de ler textos desse tipo, pergunto-me sempre o que nossos autores de ficção científica ainda têm de novo para inventar.

É inevitável que se pergunte pelas sobras desses sistemas de armas. Se algumas das guerras relatadas nos textos india­nos foram travadas, onde estão os resíduos? Onde se encon­tram as partes das cidades espaciais desabadas, onde ficam os abrigos deixados para trás pelos defensores, onde foram parar os restos dos canhões de raios que dispararam setas brilhantes de inacreditável poder para o espaço?

Eis a resposta, em forma de pergunta: onde estão os restos dos milhares de carros blindados e aviões da Segunda Guerra Mundial? Ela terminou há meros sessenta anos e, fora dos museus, já não se pode encontrar mais nada. As batalhas na índia antiga se deram há milênios — exatamente quando, ninguém sabe. Está escrito que países inteiros foram transfor­mados em escombros e cinzas, que foram utilizadas inclusive armas de radiação e que cidades do espaço, estilhaçadas, des­pencaram nos oceanos. Quem, nessas condições, ainda quer ser bem-sucedido na procura de vestígios? E se, de fato, algu­ma vez forem encontrados objetos inexplicáveis — eu conhe­ço alguns —, então, os que querem se dar ares de importância os depositarão dignamente embaixo de sua capa de segredos guardados. Entretanto, estou convencido de que logo desco­briremos vestígios de batalhas no universo. Com certeza, na Lua, na faixa de asteróides e em Marte. Contudo, se procurar­mos, nós os encontraremos também na Terra. Essa busca já começou — com sucesso.

Na história relatada, a cidade Dvaraka foi atacada pelo ar pelo malvado Salva. A mesma história aparece de forma um pouco alterada também no Mahabharata (nos livros Sabha Par­va, Bhishma Parva e Mausala Parva). Mais uma vez, trata-se da destruição da cidade de Dvaraka. Esse local existiu?

Há cinqüenta anos que os arqueólogos indianos se fazem essa mesma pergunta — e acabaram descobrindo algo. Exata­mente como Heinrich Schlieman, que acreditava nas histó­rias de Homero, os estudiosos indianos crêem nos relatos do Mahabharata. Ali são fornecidas indicações bastante úteis em relação à situação geográfica de Dvaraka, encontrada após um trabalho minucioso que durou trinta anos. A cidade descrita situava-se outrora no (atual) Golfo de Kutsch (entre Bombaim e Karachi, na posição exata de 22° de latitude, 14 minutos leste, 68° de longitude, 58 minutos norte). Como aconteceu em Tróia (atual Turquia), os escavadores encontraram em Dvaraka um total de oito camadas, uma em cima da outra, até à cidadezinha atual, que surgiu no século XVI sobre as ruínas mais antigas. Como na baixa-mar havia muralhas água aden­tro, os especialistas resolveram investigar também por meio da arqueologia submarinha. No começo, foram utilizadas câmeras subaquáticas, então, deu-se início a medições com magnetômetros. Na etapa seguinte, lançou-se mão de detectores de metal subaquáticos e, por fim, mergulhadores entraram em ação. Enquanto os meios de comunicação oci­dentais noticiavam os achados subaquáticos no Mediterrâneo, perto de Alexandria, os indianos descobriam, longe de qual­quer burburinho da imprensa, a cidade de Dvaraka, descrita no Mahabharata. A princípio, as objetivas das câmeras capta­ram blocos de pedras trabalhados artificialmente, "cujos ta­manhos excluíam qualquer possibilidade de terem sido trans­portados naturalmente", por meio de correntes submarinas ou pelas marés. Depois, surgiram muros que formavam ângu­los retos entre si, ruas e os contornos de antigas construções, de templos e palácios de uma outrora "alta civilização", de acordo com as afirmações constantes do relatório sobre Dvaraka.35 Finalmente, foram encontrados pregos ferruginosos com componentes de silício e magnésio. “Não resta dúvida que no fundo do mar de Dvaraka devem estar ainda outras ligas de metal." Essa hipótese se baseia nas indicações dos detectores de metal. O relatório científico sobre as descober­tas, que chegam a estar até várias centenas de metros afasta­das da costa, encerra-se com as seguintes palavras: "As indica­ções existentes no Mahabharata sobre a cidade de Dvaraka não eram nem exageros nem mitos. Tratava-se da realidade, na mais verdadeira acepção da palavra.'

Geólogos indianos que colaboram nas investigações das ruínas subaquáticas de Dvaraka se depararam restos de muros que apresentavam vestígios de vitrificações rochosas. A pedra só derrete a altas temperaturas. Tais vitrificações não foram encontradas somente em Dvaraka, mas também em outros lugares, porém até hoje não há explicação razoável para a sua existência. Já em 1932, Patrick Clayton, um geólogo que então trabalhava para o governo egípcio, encontrou, nas dunas do "grande mar de areia" (Saad-Plateau, ao norte do extremo sudoeste do Egito), misteriosas vitrificações de areia com cintilações esverdeadas. Em julho de 1999, a revista científica britânica New Scientist divulgou a identificação de vitrificações de areia localizadas no deserto da Líbia.36 Contu­do, ali não há vulcões que poderiam ser apontados como cau­sadores do fenômeno. Desde sempre, os beduínos fabricaram facas e machados com esse "vidro do deserto". Até agora, mais de mil toneladas dele foram localizadas — sem que se tenha uma explicação convincente para sua origem. No século XIX, informes sobre vitrificações rochosas incompreensíveis já circulavam na imprensa. Em 1881, o American Journal of Science noticiou sobre blocos de granito vitrificados,37 que haviam sido encontrados nos castelos franceses das localidades de Châteauvieux e Puy de Gaude (na costa norte). Em seu último livro,38 o autor americano David Hatcher Childres indica 22 lugares de nosso planeta em que se pode admirar inexplicáveis vitrificações rochosas e de areia. Eu mesmo conheço alguns locais de vitrificação, acima da cidade peruana de Cuzco. Em vez de ser solucionado, o mistério sempre foi escamoteado.

E agora? Esse é o início de uma busca com instrumentos modernos. Há décadas, sabe-se que na região em torno de Jodhpur (Rajastão, na índia), a incidência de câncer é muito mais alta que a média indiana. Foram observadas mutações não naturais em aves da região. Somente em 1999 os cientistas indianos tiveram a idéia por si só absurda de utilizar detectores de radioatividade, muito embora não haja em parte alguma da região usinas nucleares em funcionamento, nem nunca se tenha realizado ali qualquer teste com armas atômicas. Os contadores Gêiger apontaram um resultado inesperado. Ca­madas de cinzas por baixo da areia e das rochas apresentavam radioatividade elevada, claramente mensurável. De onde?

A revista russa Trud relatou, no dia 24 de junho de 2000, a expedição do Professor Ernest Muldaschew à região fronteiriça entre o Tibete e o Nepal. Ali, monges tibetanos ter-lhe-iam contado sobre as ruínas de uma cidade que teria sido construída pelos deuses. O local ficaria na montanha sagrada de Kailas. Transmito essa informação com alguma reserva, pois eu não pude verificá-la. Talvez, algum dia, possa ser organizada uma expedição para aquela região montanhosa, na qual — pelo menos isso posso confirmar — existem maravilhosos legados sobre deuses que há muitos milênios serviram de mestres aos homens.

Para onde esse nosso caminho nos leva? Para o passado remoto da humanidade. Para um tempo pré-histórico que não queremos admitir como tal porque a evolução canonizada nos tapou ambos, os olhos e a razão.

A despeito de podermos constatar alguns progressos fei­tos pela arqueologia chinesa nas últimas décadas, a pré-histó­ria da China continua a ser, como antes, um imenso mistério. Entretanto, o pouco que foi descoberto aponta, claro como o sol, para aqueles "imperadores primevos" místicos que outro- ra desceram do céu com dragões voadores. Durante milênios, os soberanos e os sacerdotes do Império do Meio se conside­raram representantes da única e mais elevada civilização da Terra, porque eles teriam recebido originalmente seus ensinamentos, suas tecnologias e seus conhecimentos astro­nômicos direto dos deuses. Relatos em mosteiros chineses contam sobre "san huang", os “três elevados", e sobre os "wudi", os “cinco imperadores primevos". Essas figuras não po­dem ser situadas historicamente. A narração começa com Yu, pois com ele se iniciou a sucessão hereditária ao trono da China. Yu teria existido entre os séculos XXI e XVI a.C. Natu­ralmente, ele era considerado um ente divino e o mesmo va­leu durante um longo período de tempo para os descendentes de Yu. Mil anos mais tarde, os chineses ainda consideravam seu soberano, "o grande Yu" (dinastia Zhou, século XI até 771 a.C.), uma entidade divina, que teria erguido o país das águas do Dilúvio. Muito antes do grande Yu, houve as dinastias Xia e Shang, que sempre foram classificadas pelos arqueólogos como místicas e irreais, até que, de repente, foram decifrados, nos assim chamados ossos de oráculo, os nomes de 23 sobera­nos que pertenceram inequivocamente à dinastia Shang. No total, apareceram cem mil ossos com inscrições em instala­ções subterrâneas em Xiaotun (no norte da província Henan). Contudo, deve ter havido muito mais, já que, durante sécu­los, os habitantes estabelecidos ali costumavam moer os os­sos para utilizar o pó como remédio. Uma biblioteca em os­sos. Atualmente, apenas um terço deles pode ser lido, porque as gravuras nos ossos abrangem um alfabeto de três mil caracteres. Já naquela época!

No século XI a.C., o último soberano dos Shang foi ven­cido pelos Zhou. Poder-se-ia acreditar que com isso o culto em torno dos soberanos divinos devesse ter acabado. Ledo engano, foi então que começou para valer. Os soberanos Zhou viviam segundo as regras do “tianming”, do mandato do céu. O céu, "tian" em chinês, fora firmemente consolidado nas cabeças dos sacerdotes e dos soberanos. Cada soberano era chamado de "tianzi", filho do céu. Os soberanos que não viviam e reinavam de acordo com o "tianming" não podiam ser autênticos filhos do céu, por isso eram depostos ou assas­sinados.

Alguém ainda estranha o fato de que todos os soberanos chineses, desde os primórdios (ninguém sabe a quando isso remete), tivessem que realizar determinadas cerimônias num "altar do céu" e falar com os velhos deuses? Os soberanos eram vistos como o elo entre a Terra e as forças celestes, e eles mesmos se consideravam, sem exceção, "filhos do céu". Até hoje, dois desses "altares do céu" são conhecidos: um em Pe­quim e outro, que só foi escavado recentemente, na cidade de Xian. Esse "altar do céu" é uma formação redonda constituí­da de quatro plataformas superpostas, com uma quinta plata­forma no centro. Cada uma dessas plataformas está situada aproximadamente um metro acima da anterior. As platafor­mas são subdivididas em doze setores diferentes por meio de muros transversais, que levam de cima para baixo. O número doze representava para os antigos astrônomos chineses a re­partição do céu em doze partes.

Mas o que isso tudo tem a ver com a índia e com a Améri­ca Central ou com os vimanas movidos a mercúrio? No Peru, os soberanos incas — e, portanto, com mais razão ainda, seus antepassados — também se consideravam "filhos do céu" ou "filhos do sol" (como acontece com as casas imperiais japo­nesa, persa e etíope). Os "filhos do céu" no Peru também exe­cutavam suas cerimônias e seus colóquios com os antepas­sados divinos num "altar do céu*. Um desses altares está loca­lizado acima da cidade peruana de Cuzco, quase exatamente acima das misteriosas ruínas da fortaleza de Sacsayhuaman. (Ver Figura 40) Ele apresenta a mesma construção dos "altares do céu" chineses. (Ver Figuras 41 e 42) Mas entre eles está meio globo terrestre! Quem tomou o quê de quem, ou quem influenciou quem?

Sempre que estudo livros sobre arqueologia, etnologia, religião ou filosofia — e isso, por questões profissionais, acon­tece toda semana —, nunca consigo me livrar da sensação de que estou tateando no escuro, porque nunca surge algo de fundamentalmente novo nessas obras. Trata-se de uma litera­tura aborrecida, escrita de correligionários para correligioná­rios. Todos eles se comportam como se estivem sincroniza­dos, como se estivessem inconscientemente palpitando de forma cadenciada. Não me admira isso, já que sei como o sistema funciona. Não são traçados paralelos fora da ciência aprendida — essa possibilidade é algo que se desconhece.

Eu sustento a opinião de que pelo menos algumas das ar­mas descritas nos antigos legados indianos existiram de fato – e foram utilizadas —, o mesmo tendo ocorrido com os vimanas e até mesmo com as cidades espaciais. Contudo, não pode depender exclusivamente de mim e de meus poucos companheiros de luta apresentar comprovações para essas afir­mações. Nem eu nem meus colegas dispomos de uma insti­tuição que goze de uma situação financeira capaz de oferecer os meios necessários para que determinados especialistas pos­sam esclarecer questões tão específicas. A arqueologia submarinha é muito cara, e a arqueologia aérea também. Com auxílio do sistema Synthetic Aperture Radar (SAR), podem-se localizar ruínas que estão a 25 metros de profundidade no solo, com grande definição de imagem. Durante esse proces­so, microondas da banda P são emitidas de uma altura de apro­ximadamente três mil metros. Isso corresponde a uma gama de freqüências entre 380 e 450 megahertz. As microondas pe­netram profundamente no solo e são refletidas. Com o siste­ma SAR, até objetos de apenas trinta centímetros podem se tornar visíveis. Porém, esse tipo de sondagem arqueológica é extremamente caro. A índia não pode se permitir essa despe­sa. Além do mais, os resultados precisariam ser estudados, os objetos achados teriam que ser analisados. Se uma técnica desse tipo pudesse ser aplicada na exploração da cidade antiqiiíssima de Dvaraka, logo encontraríamos vestígios dos sistemas de armas de outrora, conforme mencionado no Mahabharata.

O que se pode fazer? Pelo menos posso apontar as interligações e pedir aos estudiosos que se aprofundem numa ou noutra direção. Se ocorreram guerras no espaço, até hoje deve ser possível encontrar vestígios delas em algum lugar do planeta, enterrados sob espessas camadas de areia e terra, ou num sítio qualquer dos oceanos, inteiramente cobertos por montanhas de corais. Não carecemos de meios técnicos para executar as primeiras etapas de pesquisas desse tipo. O traba­lho mais minucioso poderia ser realizado mais tarde — ques­tões específicas sobre espaços geográficos escolhidos é que não me faltam. Não posso ir à Lua e muito menos a Marte, ainda que ali também já tenham sido traz;dis à luz algumas impres­sões obscuras por meio dos resultado; ce medições realizadas com as modernas sondas espaciais.

No dia 31 de julho de 1976, as sondas marcianas dos americanos (Projeto Viking) fotografaram curiosas forma­ções sobre a superfície de Marte, que se tornaram o ponto de partida para teorias e especulações.39 (Ver Figuras 43 e 44) Ali, na região de Cidônia, em Marte, podia ser visto um rosto (foto Viking n° 35A72), depois, estruturas retangu­lares como que de muros artificiais (foto Viking n° 86A10) e até estruturas de pirâmides na superfície do planeta (fo­tos da Mariner-9 n° 4205-78 e, mais precisas, fotos Viking nos 35A72, 70A13 e 70A11). É evidente que essas formações estranhas foram atribuídas à natureza e, vinte anos mais tarde, as imagens mais recentes da Nasa já não mostravam nenhum rosto em Marte. O mistério foi arquivado ad acta. Cedo demais, na minha opinião. Ainda que não existisse mais nenhum rosto nas últimas fotos, podia-se reconhecer, no local onde outrora estivera o rosto, uma enorme elipse de pedra. As estruturas retangulares parecidas com muros ainda estão lá, e também a forma triangular de uma pirâ­mide foi conservada. Com as explorações, os primeiros ves­tígios orgânicos surgiram nas rochas de Marte, e a Nasa co­municou que, por debaixo da superfície daquele planeta talvez houvesse água, ainda que sob a forma de gelo.40 Isso aponta para o fato de que, antigamente, devia haver algu­ma atividade ali.

A velha indagação sobre o que há de errado com as duas luas de Marte ainda continua em aberto. Elas se chamam Phobos e Deimos (Medo e Susto). As luas já eram conhecidas antes que o astrônomo americano Asaph Hall as descobrisse, no ano de 1877. Em 1610, Johannes Kepler já desconfiava de que Marte estivesse acompanhado de dois satélites. A esse res­peito, causa espanto a descrição que Jonathan Swift fez em "Viagem a Laputa", uma das viagens do personagem Gulliver, em 1727: ele não somente descreve as duas luas, como chega inclusive a dizer seu tamanho e sua órbita. No terceiro capítu­lo, pode-se ler:

 

Os astrônomos de Laputa passam grande parte de suas vidas a observar os corpos celestes e, para tanto, utilizam vidros que são muito superiores aos nossos. Essa vantagem os colo­ca em posição de estender seu campo de classificação muito além do dos astrônomos na Europa, e eles possuem um catá­logo de dez mil estrelas fixas, enquanto nossos maiores catá­logos só contêm um terço disso. Entre outros, eles descobriram duas pequenas estrelas ou satélites que circulam ao redor de Marte. Dos dois, o de dentro está afastado do ponto central do planeta exatamente a uma distância igual a três vezes o seu diâmetro, enquanto a distância do de fora é de cinco ve­zes o seu diâmetro. O primeiro completa sua órbita no espa- ço de dez horas; o outro leva 21,5 horas, o que faz com que os quadrados de seu tempo de órbita se aproximem forte­mente da terceira potência de seu afastamento do ponto cen­tral de Marte.

 

Como Jonathan Swift pôde descrever essas luas, se elas só fo­ram descobertas 150 anos depois? De fato, esses satélites são os menores e mais estranhos satélites de nosso sistema solar: eles giram em trajetórias quase redondas sobre a linha equa­torial marciana. Phobos e Deimos são as únicas luas conheci­das até agora no nosso sistema solar que orbitam em torno de seu planeta-mãe com uma velocidade maior do que ele mes­mo gira. Levando-se em consideração a rotação de Marte, Phobos completa duas voltas por dia marciano, enquanto Deimos se move em torno do planeta com uma velocidade apenas um pouco maior que ele próprio apresenta ao girar em torno do seu eixo. As particularidades da órbita de Phobos não guardam nenhuma relação com sua massa aparente.

Desconfia-se de que as luas de Marte tenham se originado da mesma maneira que todas as outras luas de outros plane­tas. Tratar-se-ia de fragmentos vindos do espaço, que teriam sido capturados por Marte. Contudo, esse raciocínio apresen­ta uma falha: ambas as luas marcianas giram quase no mesmo plano, sobre a linha equatorial de Marte. Um fragmento pode fazer isso por acaso, mas quando se trata de dois, o acaso está sendo solicitado em demasia. Diversos satélites já monitoraram essas luas de Marte e transmitiram boas imagens delas para a Terra. Trata-se de fragmentos parecidos com batatas, com di­versas marcas de crateras. Por duas vezes, inclusive, tentou-se sobrevoar as luas marcianas a uma altura relativamente pequena. Nenhum satélite da Terra alcançou seu objetivo. Nos­sas sondas terrestres "se tornaram cegas" antes de poder trans­mitir suas imagens para a Terra. O problema das luas marcia­nas não foi resolvido com as fotos que foram enviadas para a Terra por satélites mais antigos. É bem verdade que, agora, temos "batatas com crateras", mas continuamos a saber tão pouco sobre a vida interior desses minúsculos corpos celestes quanto sabemos sobre suas estranhas órbitas.

Também a questão em torno das crateras, com as quais todas as luas e os planetas de nosso sistema solar estão cober­tos, nunca foi solucionada de forma satisfatória. É claro que pedaços de destroços do espaço estão sempre se chocando com as superfícies dos planetas, que não apresentam um envoltório aéreo protetor no qual pelo menos os fragmentos menores seriam consumidos. Mas por que tantos assim? E por que em coisas tão diminutas quanto Phobos e Deimos? Sabe Deus que ambas não possuem a força de atração de grandes planetas. Não dá para desfazer a impressão de que, outrora, um incrível canhoneio de asteróides tenha perpassado nosso sistema so­lar. Vindo de onde? Qual foi a causa? Sabe-se que centenas de milhares de destroços de diferentes tamanhos se aglomera­ram entre Marte e Júpiter — no cinturão de planetóides. A causa disso ninguém conhece. Uma guerra nas estrelas?

Aqui, também, acontece o mesmo: a humanidade dispõe de meios técnicos para ocupar-se desses mistérios — mas não o faz. Por quê? Porque "o sistema" considera ridículo liberar recursos financeiros para projetos desse tipo.

O mesmo acontece na Lua, distante apenas 384 mil quilô­metros. Ali, diversas sondas da Nasa fotografaram "anomalias tectônicas obscuras". Uma delas, no Mare Crisium, lembrava uma espécie de ponte. O aplicadíssimo Luc Bürgin, que se tornou redator-chefe de um jornal da Basiléia, noticiou a esse respeito.41 Um outro fenômeno, que pode ser observado da própria Terra com um telescópio decente, fica no Mare Vaporum (para os astrônomos, 16,5° norte e 4-6° leste). No meio do cascalho lunar, estende-se uma linha parecida com uma pista que — assim parece — cruza inclusive partes rocho­sas e que termina, nas duas extremidades, com uma linha reta e dois ângulos retos. A natureza não costuma produzir linhas desse tipo, e muito menos com uma extensão de exa­tos trinta quilômetros. Algo deve ter passado despercebido de nós até agora, porque não quisemos saber maior detalhes. Mas isso vai mudar, porque o homem se instalará na Lua — e pos­teriormente em Marte. Isso é algo líquido e certo. É por esse motivo que pleiteio a favor da razão e contra a obtusidade: vamos investigar os mistérios e parar com esse faz-de-conta infantil. (Ver Figuras 45 e 46)

Acho bastante aventureiro querer estabelecer datações so­bre a Lua ou sobre Marte, com base unicamente em fotos Entretanto, os geólogos sabem, a partir das estratificações ro­chosas da Terra, quantos milhões de anos deve ter levado para que determinadas formações assumissem sua estrutura atual e, é lógico, os conhecimentos terrestres podem ser transferi­dos para outros planetas. Não obstante, tudo isso não basta para poder datar à distância as formas retangulares parecidas com muros que se encontram na superfície de Marte, já que as rochas circundantes podem ter milhões de anos, o que não é necessariamente o caso das construções artificiais. É mais ou menos como se nós fotografássemos, de Marte, a superfí­cie da Terra e descobríssemos num vale de montanha algo como um muro. Os geólogos determinariam quando o vale se constituiu e não perceberiam que o muro, na realidade, é ou foi uma barragem de alvenaria. As conclusões são extraídas de forma apressada demais. No que diz respeito à Lua ou a Marte, só teremos dados confiáveis quando um homem ou um robô se encontrar diante deles. Com a ressalva de que o ser humano é mais confiável do que o robô, já que o homem é capaz de fazer combinações e observar também particulari­dades, as quais escapam ao programa do robô.

Na Terra existem os mais variados métodos de datação, mas todos eles possuem suas falhas. A origem dos textos anti­gos não poderá ser datada, ainda que encontremos o manus­crito mais antigo. E por que não? Porque não sabemos o quanto a história era antiga quando um escriba a fixou pela primeira vez por escrito. Astrônomos indianos estão tentando fixar uma data para o Mahabharata a partir de menções de cunho astro­nômico. Entre 6000 e 3000 a.C., tudo é possível.42 Talvez até mais.

Outro problema resulta das datações diferentes dos diver­sos calendários. Já fiz alusão antes ao fato de que o calendário dos maias — transposto para o nosso — começou no dia 11 de agosto de 3114 a.C.43 Por quê? Porque naquele dia "os deu­ses da estrada das estrelas desceram para cá. Eles falavam a língua mágica das estrelas do céu".44 Isso aconteceu há cinco mil anos, num tempo a respeito do qual não sabemos nada, o que não nos impede de agir como se tivéssemos estado ali. No dia 21 de março de 2000, os índios Aymara celebraram nas ruínas de Tiahuanaco (Bolívia) o sinal de largada de seu calen­dário. Isso aconteceu há exatos 5.008 anos. Oficialmente, os índios empregam o calendário ocidental, mas em suas práti­cas religiosas aparecem vinte calendários diferentes, sendo que todos possuem datas iniciais distintas, num passado extrema­mente remoto. Foi atribuído aos antigos egípcios um calen­dário sírio que nunca existiu, e a religião judaica inicia seu calendário com a criação do mundo, ocorrida no dia 7 de outubro do ano 3761 a.C. No entanto, de acordo com a tradi­ção judaica, mil anos contam para Deus como apenas um dia. Portanto, quando o sétimo milênio do calendário judaico se iniciar, começará para Deus o sétimo dia, que corresponde ao Sabá. Segundo a concepção judaica, o Messias deve voltar então.

Já tratei da questão de que todas as comunidades étnicas – inclusive as extintas — referem-se ao regresso de um salva­dor qualquer.45 E nós não aprendemos nada com isso. Como foi que o brilhante professor trocista das ciências físicas e na­turais, Dr. Erwin Chargaff, formulou essa conclusão?

 

A única coisa que podemos aprender da história é que não se aprende nada com ela — e isso tendo à disposição milhares de páginas.46

 

Nossos conhecimentos sobre o passado da humanidade são medíocres. Nos séculos passados, políticos e religiosos orga­nizaram queimas de livros porque só deveria valer uma única verdade. Tais ações de destruição não existem mais hoje em dia — pelo contrário, o planeta está repleto de livros e mi­lhões de mensagens perambulam pelo mundo, por meio da Internet. Isso não serve para nada, já que o homem costuma escolher apenas aquilo que lhe serve. E somente uma quanti­dade microscópica de pessoas pode se dar a esse luxo — comparada com os seis bilhões de almas existentes no nosso glo­bo azul. Quo vadis, Homo sapiens?

Anos atrás, a astrônoma francesa Chantal Jègues-Wolkiewiez fez uma constatação bastante desconcertante, o qual de­sencadeou a raiva de diversos estudiosos da pré-história. Du­rante anos, Madame Jègues estudara minuciosamente dese­nhos nas rochas, entre outros os da caverna de Lascaux, na Dordogne francesa. As pinturas da caverna foram datadas como pertencentes a uma época de dezessete mil anos atrás. O dogma da evolução não permite nada mais — só podem ter existido então homens primitivos da idade da pedra. As pin­turas nas rochas mostram cavalos, veados, touros, linhas e pontos curiosos, todos realizados com as cores que se encon­travam à disposição na idade da pedra. A arqueologia nunca enxergou, nessas pinturas em rochas, nada que não a necessi­dade de os caçadores de animais de grande porte embelezar suas cavernas. Contudo, as mais belas grutas decoradas en­contram-se não nos locais de permanência de nossos caçado­res da idade da pedra, mas afastadas alguns quilômetros dali e sempre em regiões de difícil acesso. Daí, os estudiosos da pré- história concluírem que as cavernas teriam servido como lo­cais de reunião, nos quais determinadas cerimônias eram ce­lebradas. Provavelmente, eram sítios dos espíritos ou de xamãs, que, aliás, podem sempre ser evocados para explicar qualquer disparate. Os homens da idade da pedra teriam, assim, criado um santuário pré-histórico — a igreja da idade da pedra.

Madame Jègues se deparou com outros contextos. Na con­dição de astrônoma, reparou em alguns detalhes que nem de longe poderiam ter passado pela cabeça dos arqueólogos. Na realidade, as imagens nas rochas mostravam estrelas e conste-

 

lações completas, as quais sempre acreditamos terem sido des­cobertas — muito mais tarde! — pelos babilônios e caldeus. Ali surgiram as constelações de Escorpião, de Carneiro, de Touro, de Capricórnio etc.

Tudo isso não podia ser mero acaso, porque as teorias de Madame Jègues são confirmadas todos os anos pela astronomia e pela posição da caverna. A cada ano, durante o solstício de verão, os raios do sol poente alcançam, passando pela entrada da caverna, exatamente as pinturas na sala dos touros. Segun­do Madame Jègues: "Esse local não foi escolhido por acaso. As pinturas surgiram como parte de um espetáculo fantástico, quando o sol clareia e ilumina toda a sala dos touros."47

Primeiramente, a astrônoma elaborou um mapa do céu estrelado conforme ele se apresentava a um observador dezessete mil anos atrás. Então, todos os pontos e traços das figuras de animais foram medidos com precisão e os resulta­dos obtidos foram comparados, por meio de um programa de computador, com a carta celeste de dezessete mil anos atrás. A coincidência estava perfeita. O astrônomo Gérald Jasniewicz (da Universidade de Montpellier, na França), que conferiu os dados de Madame Jègues, escreveu: "Diversos elementos es­tão acima de qualquer dúvida. A orientação da caverna de acordo com o solstício e o posicionamento de Capricórnio, Escorpião e Touro na sala correspondem ao mapa celeste de então."48 E qual é a opinião da ciência da Antigüidade a esse respeito? "Pura especulação", segundo Dr. Harald Floss, da Universidade de Tübingen.

Nada de novo sob o sol. Não há pior cego que aquele que não quer ver. É que os astrônomos da idade da pedra não se inserem no esquema de evolução que nos satisfaz. Os homens

das cavernas devem ser primitivos, podem caçar animais de grande porte, raspar peles, procurar bagas e talhar lanças, po­dem ter originalidade e garatujar simples pinturas nas rochas de suas grutas, mas não podem pensar de forma abstrata e muito menos ser astrônomos precisos. Afinal, há dezessete mil anos, chovia muito e o céu não podia ser observado du­rante o ano inteiro, portanto, como os homens da idade da pedra conseguiam se ocupar de astronomia? Os bobalhões envolvidos em peles sequer tinham tempo para isso. Eles de­viam caçar mamutes, se defender de ursos, proteger suas fa­mílias e fazer fogo. Não sobrava tempo para a astronomia mais elevada.

Como seria, ao contrário? Suponhamos que as batalhas descritas no Mahabharata e as armas espaciais dos deuses (Ra­dioatividade! Vitrificação de areias e rochas!) tenham existido e que os sobreviventes daquela época terrível tenham sido jogados de volta à idade da pedra. Já não tinham mais nada. Nenhuma biblioteca, nenhuma ferramenta de metal, nem jar­dins nem piscinas, nem sequer tecidos ou material para escre­ver, até mesmo o mínimo indispensável à sobrevivência ti­nha que ser criado novamente. As armas dos deuses haviam cumprido a tarefa de forma radical. Não é nenhum cenário absurdo, pode-se ler repetidas vezes sobre isso na obra do filó­sofo Platão.49 A despeito da catástrofe, restou algo aos sobrevi­ventes: seu saber. Eles transmitiam isso oralmente às gerações seguintes e procuravam representar com os meios de que dis­punham o que lhes parecia importante. A pátria dos deuses, os locais no firmamento.

Hoje em dia, ninguém que conhece o assunto pode con­testar o fato de que todas as tribos da idade da pedra eram absolutamente maníacas por astronomia. Somente na região do golfo de Morbihan, na Bretanha francesa, 135 do total de 156 dolmens são orientados para o solstício de verão ou de inverno.50 Stonehenge, na Inglaterra, provou ser um grande observatório, com cujo auxílio podia ser feita toda uma série de prognósticos astronómicos. Os construtores pré-históricos tinham na mira as órbitas de muitas estrelas, como Capela, Castor, Pólux, Vega, Antares, Atair, Deneb.51 Com algum atra­so, até os astrónomos alemães descobriram que os homens da idade da pedra podiam prognosticar, através de Stonehenge, qualquer eclipse solar ou lunar.52 E muito tempo antes de Stonehenge (5.143 anos atrás) — a crer pelas datações oficiais (das quais tenho bons motivos para duvidar) — nossos irmãos recobertos por pclcs da idade da pedra construíram sua gigan­tesca obra-prima, Newgrange, na Ir.anda. Orientada astro- nomicamente, é claro. Como poderia ser diferente?53 54

Mas, por qual motivo os homens da idade da pedra, que mal haviam descido das árvores, estavam tão obcecados pela astronomia? Essa é a questão que gera controvérsias.

Todos esses fatos estranhos, que eu menciono, existem. Os seus pormenores são acessíveis ao público, seja em livros, seja na Internet ou em revistas especializadas. Só que nunca se tiram conclusões deles. A sociedade humana teria se tornado preguiçosa? O ímpeto interior de curiosidade teria diminuí­do? Estaríamos simplesmente saturados de informações? Ou será que preferimos ficar sentados diante da televisão ou do monitor de um computador, em vez de sair em campo? Para que serve, então, a multiplicação do saber na idade eletrôni­ca, se não acontece nada com ele? A juventude dos países ocidentais se agita diante dos teclados de seus computadores conectados à Internet, os monitores coloridos cospem ima­gens e dados em suas retinas, mas eles são logo esquecidos. Nós "surfamos" pelas informações, porém não mergulhamos nelas. Dez anos atrás, fiz relatos acerca de uma fábrica de ferra­mentas que tem mais de cinco mil anos, perto da localidade holandesa de Rijckholt, entre Aachen e Maastricht, mas que não se encaixa nos parâmetros de nossa concepção dos homens da idade da pedra. Quando visitei o local, no verão de 1998, vivenciei o fato de que a ciência responsável por essa área não se interessava pela mina pré-histórica de sílex pirômaco. Su­plantada e esquecida. A televisão, que está presente em qual­quer manifestação boba, não se ocupou desse palpitante enig­ma, e, na melhor das hipóteses, os especialistas roçam suas barbas dos tempos de Woodstock — e não sabem de nada. O que eles lêem permanece um mistério para mim.

De que se tratava? Eis um curto resumo acerca daquilo que escrevi com mais detalhes no livro Die Steinzeit war ganz anders.ss

Na década de 1920, freis do mosteiro dominicano de Rijckholt descobriram poços no solo, dos quais trouxeram 1.200 machados de sílex à luz do dia. Alguns idealistas da Sociedade Holandesa de Geologia toparam, na década de 1970, com 66 poços de minas, mas desconfia-se da presença de al­guns milhares mais. Pela quantidade e pelo tamanho das ga­lerias, é possível calcular que foram extraídos, na idade da pedra, cerca de 41.250 metros cúbicos de seixos de sílex. Daí poderiam ser fabricados 153 milhões de machados! Quinze mil ferramentas foram localizadas nas galerias, e modestas estimativas de cálculo indicam que aproximadamente dois milhões e meio dessas ferramentas da idade da pedra podem ser encontradas no solo. No caso de a mina ter sido explorada durante quinhentos anos, a cada dia devem ter sido fabrica­dos cerca de 1.500 machados. Tudo isso há mais ou menos 5.160 anos.

Agora, é de conhecimento geral que os caçadores da idade da pedra utilizavam pederneiras para todas as finalidades pos­síveis. Seixos de sílex podem ser encontrados em camadas de calcário do período cretáceo. A natureza libera pedaços de sílex quando a camada de pedra de cal é dissolvida por degradação. Até aí, tudo bem. Essa dissolução, porém, realiza-se raramen­te na superfície, e em Rijckholt ela não ocorreu. Quem foi mesmo que instruiu nossos homens da idade da pedra, que não eram organizados em sociedades de exploração, de que, sob uma camada de areia, saibro e calcário, existia uma cama­da de sílex? Quem organizou a construção das galerias? Para conseguir desentulhar um irrisório metro cúbico de pedra de cal, quebravam-se cerca de sete achas de pedra. Quem "ven­dia" o material nessas quantidades enormes? Para onde ia a mercadoria? Por quais caminhos? Quem era o chefe que orga­nizava aquilo tudo? Haveria algo escondido nas proximida­des, para o qual seriam necessários milhares e mais milhares de machados de sílex? Afinal, um mínimo de 1.500 macha­dos por dia não é brincadeira.

Não tenho respostas para essas perguntas, o mundo dos especialistas, porém, deveria se interessar por elas. Mas para eles tanto faz. Os jovens arqueólogos mimados pela Internet não fazem excursões para cavar por aí. A mina da idade da pedra, com tudo o que tem direito, não se encaixa na concep­ção dos homens da idade da pedra que vem nos sendo enfia­da goela abaixo pelos estudiosos da pré-história há décadas.

Assim é o mundo ocidental. Mas não o mundo asiático. É bem verdade que lá, também, a idéia fundamental da evolução está cientificamente ancorada (uma coisa deriva da outra), mas pensa-se em termos de períodos de tempo totalmente distintos dos que dominam no Ocidente. Esses períodos de tempo, ade­mais, são partes integrantes da religião, e este e o motivo pelo qual nenhum estudioso indiano fica perturbado com os yugas (eras enormes). O homem pode perfeitamente ter se tornado homo sapiens a partir do macaco, por meio da evolução, mas algumas circunstâncias quaisquer, como talvez guerras com armas de deuses, jogaram-no de volta para a idade da pedra, de onde teve que se erguer novamente. Ou, então, interven­ções genéticas dos deuses (a literatura antiga está repleta de homens gerados de modo artificial) deram-lhe um "empur­rão evolucionai" em direção ao futuro. O mundo asiático pensa em termos de períodos de tempos totalmente distintos, por­que os legados religiosos pertencem ao pensamento social, do qual são parte integrante. Esses legados se tornaram pedra em templos e esculturas — ainda que sempre renovados. Todos os templos indianos são reproduções das moradas celestes dos deuses, que outrora circulavam pelo firmamento. Veículos dos deuses transformados em pedra. O templo de Konarak, no estado federativo de Orissa, que entrou na lista do patrimônio mundial protegido pela Unesco, serviu durante séculos como marco de balizamento para os navegantes que se dirigiam para Calcutá. Negro como piche, o pagode se destacava contra o céu. Somente após ter chegado a terra é que os marinheiros notavam que o conjunto do templo representava um gigan­tesco veículo dos deuses, que possuía em sua volta 24 rodas.

Naturalmente, a edificação está orientada de acordo com a astronomia, e, claro, está ligada ao calendário. O templo seria uma reprodução do veículo com o qual Indra voava outrora pelo firmamento. Entretanto, isso não é algo extraordinário na índia. Todos os templos são veículos dos deuses e no cume de cada templo trona sempre a forma de um vimana qual­quer, um objeto voador menor com o qual os deuses e os ho­mens eleitos esvoaçavam pelos ares e pelo espaço. Eles e/ou seus descendentes poderiam perfeitamente ter surgido no de­serto peruano de Nazca ou ter mandado extrair da terra, por um motivo qualquer, quantidades enormes de sílex no local que hoje é Rijckholt. Nada os impedia de fazê-lo. Os deuses e semideuses eram poderosos, e o ser humano, embevecido, fazia tudo por eles.

Os deuses teriam utilizado um tipo determinado de arma? Então, os canteiros e os estucadores procuraram imi­tar essas armas. (O que nunca lhes poderia sair bem!) Exis­tem estudos científicosS6 sobre isso, que, no Ocidente, não interessam ninguém. Nos antigos textos indianos está es­crito que os deuses e os homens eleitos teriam tido um co­nhecimento secreto à disposição. Alguma coisa se modifi­cou desde então? Francis Bacon anunciou, no século XVI, que o saber é poder, cada grupo de pessoas procura manter seus conhecimentos secretos — enquanto é possível. Men­sagens codificadas, tecnologias secretas, informações reser­vadas, não existiram só no passado. Existem hoje — mais do que nunca. "O conhecimento secreto é poder."57 Nos textos indianos são mencionadas armas que provocam al­terações climáticas. Impossível? Atualmente, os militares americanos estão pesquisando para desenvolver uma arma desse tipo. Onde? Ao norte da cidadezinha de Gakona (Alasca, EUA). O projeto se chama HAARP (High Frequency Active Aurorai Research Program). Depois de plenamente desenvolvido, poderão ser cortados verdadeiros buracos no firmamento com o HAARP e será possível modificar o cli­ma da forma desejada. Nada de novo na terra do Senhor.

Os deuses indianos teriam escolhido homens e peque­nos grupos para serem seus servos. Daí teriam surgido as casas reais? Nada mais que uma forma disfarçada de racis­mo? E como ficam os antigos israelitas, que se considera­vam o povo eleito? Isso vale até os nossos dias, e, na grande família da fé judaica, alguns se consideram mais eleitos que outros. Talvez também o sejam, mesmo. Os descendentes dos sumos sacerdotes judeus, aqueles que pertencem à li­nhagem dos levitas, que haviam sido especialmente treina­dos e acompanhavam a Arca da Aliança, são os atuais Kohanim. Cerca de cinco por cento da população masculi­na mundial judaica pertencem às suas fileiras, e todos apre­sentam as mesmas características em determinados pontos de seus cromossomos Y. O rabino de Jerusalém Jakob Klein- man declarou: "Os genes mostram que Deus mantém sua promessa: não nos perdemos."58

Nada é perdido, e as antigas verdades chegam, aos pouquinhos, novamente à luz do dia. Para que possam ser divulgadas.

Ainda pouco tempo atrás, os astrônomos nos ensinaram que nossa Terra assume uma posição singular no universo. Afinal, o "acaso Terra" é um acaso feliz, já que a Terra gira em

torno do Sol à distância ideal: nem quente demais, nem frio em demasia. Somente assim a vida pôde se desenvolver. Essa concepção tornou-se letra morta. O astrônomo britânico Sir Martin Rees, professor do King's College, de Cambridge, reco­nheceu publicamente: "Os sistemas planetários são algo tão trivial em nossa galáxia, que planetas parecidos com a Terra devem provavelmente existir aos milhões."59

Eu poderia apostar que se passarão pelo menos dez anos até que essa concepção penetre nos livros didáticos, e outros quarenta anos até que os crentes das comunidades religiosas autoritárias possam tomar conhecimento desse fato. "O ob­jetivo final de cada censura é autorizar apenas aqueles li­vros, que, de qualquer maneira, ninguém lê" (Giovanni Guareschi).

 

REFLEXÕES FINAIS

 

Pessoas espertas podem se fazer de bobas, o contrário é muito mais difícil.

KURT TUCHOLSKY

 

Desde que escrevo livros, faço troça da evolução. E isso, a despeito de saber que todas as formas de vida estão subme­tidas às leis da evolução. Nunca quis contestar o conceito bá­sico da evolução. Só que essa evolução não ocorreu numa li­nha reta, ela efetuou saltos em duas direções. Por um lado, novas mensagens genéticas são constantemente inseridas no "sistema Terra". Elas nos alcançam por meio da poeira cósmi­ca. Por outro lado, extraterrestres intervieram de forma seleti­va no genoma humano. Os deuses criaram os homens "de acordo com sua imagem", exatamente do modo pretendido nos legados da humanidade. Um material genético foi intro­duzido de modo artificial em nosso desenvolvimento evolucionário. Não vou repetir aqui o motivo pelo qual de­fendo esse pensamento há mais de 35 anos.

Ano após ano, a antropologia nos fornece informações contraditórias acerca de nossos antepassados. Mal surge um crânio em algum lugar qualquer, e já somos apresentados ao mais recente pré-hominídeo. É um parafuso sem fim. Acabá­vamos de nos acostumar com a teoria Out-of-Africa, de acor­do com a qual os primeiros representantes do homo sapiens teriam partido da África há bem uns cem mil anos para po­voar a Terra, quando Out-of-África foi novamente relativizada. "Quanto mais sabemos, mais confuso fica o quadro", afir­mou o cientista americano David Mann.1 A confusão vai au­mentar.

Em 1973, conseguiu-se inserir o primeiro gene de vírus em uma bactéria. Em 1978, a variante sintética do gene hu­mano da insulina foi transplantada numa bactéria Choli. Em 1981, apareceram os primeiros mamíferos transgênicos: sete ratos. Em 1988, a humanidade atônita foi apresentada ao rato-caranguejo de Harvard, um ano depois, seguiram-se ovelhas e cabras transgênicas, e, logo depois, o bezerro transgênico. Nesse ínterim, a coleta de esperma humano e as fecundações artificiais se tornaram rotina, e os primeiros bebês de proveta vieram à luz do dia. Os botânicos, que tampouco ficaram inativos, começaram a manipular plantas com genes. Disso tudo resultaram ratos, ovelhas e, ultima­mente, até bezerros clonados. A etapa seguinte foi a criação de seres híbridos de acordo com o design genético, e, en­quanto estou escrevendo esses dados, lembro a última tra­vessura dos geneticistas, a respeito da qual acabei de ler: o primeiro primata geneticamente alterado.2 Os cientistas da Universidade de Portland (EUA) deram ao macaquinho um nome fofo também: ANDi (DNA escrito ao contrário, mais um i pendurado).

Como sempre, todos esses desenvolvimentos são comen­tados em revistas e em programas de televisão, e grupos de pessoas interferem, sem terem a menor idéia do que se tra­ta realmente. Isso é bom para a democracia. Fala-se muito em ética e em moral e também no fato de que o homem não deveria brincar de Deus. Ouvi de circunspectos teólo­gos que existe um limite derradeiro que Deus não há de deixar transgredir. Só que alguém, a saber, o físico britâni­co Stephen Hawking, se sentiu atingido e declarou em alto e bom som, diante de uma grande platéia, em Bombaim, que a técnica dos genes criará um dia novos seres huma­nos, que serão mais espertos e mais resistentes do que os homens de hoje.3

Todos os esforços e todas as leis não poderão mudar nada nesse processo. Contudo, a declaração de Hawkins não é original, porque o que vai acontecer com a humanidade do ponto de vista genético não é novidade. Isso já aconteceu milhares de anos atrás, e pode ser conferido na literatura de nossos antepassados. Muitos legados relatam acerca de intervenções genéticas no genoma humano, de mutações artificiais pontuais e, evidentemente, também de quime­ras, de seres híbridos da mitologia. As intervenções de ou- trora foram todas realizadas, sem exceção, pelos deuses. Eles foram os desbravadores. Pode-se discutir sobre os motivos de suas ações, mas logo não será mais possível questionar o fato de que aconteceram. Por que não? O DNA (desoxyribo-nucleic acid, em português, ácido desoxirribonucléico), o material original de nosso patrimônio genético, foi decifra­do, chegou a era do homem de vidro. Contudo, a despeito de o genoma humano ter sido completamente decifrado, a tarefa ainda não está concluída. É bem verdade que temos acesso às páginas do livro, mas ainda não conhecemos as frases e as palavras isoladamente. Vinte anos atrás, quando escrevi sobre a decodificação do genoma humano, tudo que obtive foram gozações e rejeição. Nunca que isso seria pos­sível com os bilhões de possibilidades que existem no DNA

e, caso viesse a sê-lo, então, só dentro de mil anos. E agora? A árvore genealógica dos homens está contida na mensagem genética, e nossos geneticistas, com suas incrí­veis possibilidades tecnológicas, são demasiadamente es­pertos para não se dar conta disso. Dentro de poucos anos, perceberão que determinados segmentos do mapa não po­dem ser resultado de um desenvolvimento evolucionário, que realmente houve algo como genitores primevos (Adão e Eva), porém não apenas um casal. Eles constatarão que nossos genes foram manipulados e terão que se perguntar

querendo ou não — quem é o responsável por isso. A resposta já é conhecida antes de se formular a pergunta: os deuses. A briga seguinte será em tomo da questão "que deu­ses?" e, por fim, seguirá todo o catálogo de perguntas com o qual eu e meus colegas nos ocupamos há décadas. Então, o fim da ciência, o fim da história ou o fim das religiões estariam anunciados? Não.

Duas forças dominam o pensamento humano: a ciência e a religião. Ambas seguem caminhos diferentes, porém as duas possuem o mesmo motivo e perseguem o mesmo ob­jetivo. O motivo? A curiosidade. O objetivo? O conheci­mento. Todo nosso pensamento e nossa atividade giram em torno da ciência e da religião. O que a crença tem a ver com a pesquisa? O que tem o conhecimento científico em comum com a fé? Uma Igreja que ignora os conhecimentos científicos consolidados é dogmática e não poderá sobrevi­ver na sociedade planetária. A mania de ter sempre razão não se coaduna com a ciência. E uma ciência desatenta à voz interior do sentimento religioso e ao seu respeito en­contrará dificuldades para existir, já que vivemos todos no mesmo mundo. Os religiosos e os cientistas. O lado religio­so pode atrasar a pesquisa científica. Isso ocorreu com fre­qüência no passado. As perguntas feitas pela fé e pela teo­logia seriam distintas das perguntas formuladas pela ciên­cia? Não — ambas procuram a verdade definitiva. Os cami­nhos do conhecimento é que são diferentes. Assim, o mon­ge em seu mosteiro pode chegar aos mesmos resultados que o astrofísico acerca de Deus e da constituição do universo. Com a diferença de que o astrofísico pode comprovar seu conhecimento, enquanto este é dado ao monge e repousa sobre a fé. Ultimamente, pesquisas têm demonstrado uma relação entre a saúde humana e a orientação espiritual. As estatísticas comprovam que as pessoas otimistas desenvol­vem câncer mais raramente do que as depressivas. O ho­mem é uma unidade psicossomática. Hoje, estudos neuro­lógicos explicam o que acontece em nosso "neurotrans- missor", o cérebro, e podemos até tornar visíveis os impul­sos elétricos. No entanto, não sabemos como eles se consti­tuem. A ciência e a religião coabitam no mesmo homem. O que é o espírito em nós, que possibilita a fantasia e desen­cadeia a curiosidade e até mesmo a cura?

Os homens procuraram ampliar seus horizontes com todo tipo de drogas. No êxtase do LSD, vivenciavam um outro mundo. Contudo, esse outro mundo era o mesmo que o anterior, só que os sentidos e, portanto, a percepção haviam se alterado. Até agora, sequer um conhecimento científico veio das pílulas. Então, de onde vem o espírito? Essa é uma pergunta científica e teológica. A ciência nos oferece respostas às perguntas envolvendo a explosão cós­mica original ou as explosões cósmicas originais, os bura­cos negros e a expansão do universo. Já as perguntas em torno da origem por detrás da origem são formuladas pela religião. A ciência é que dá respostas. Os filósofos das reli­giões gostariam de saber se somos sozinhos no universo e se a criação só aconteceu por causa de nós, seres humanos. Somente a ciência pode trazer respostas para essas indaga­ções. E se ela descobrir que não vivemos sozinhos no uni­verso, isso não significará de modo algum o fim da reli­gião, porém sua continuação. Que conhecimentos teológi­cos foram alcançados pelos extraterrestres? Com base em que informações científicas? A ciência e a religião são com­patíveis, desde que a religião não seja dogmática. Haveria, por detrás do cosmo, um designer inteligente? Seria Deus a fonte primeira (e última) para todo nosso comportamento? E também para a curiosidade científica?

Um ponto é certo: a religião não pode se desatrelar dos conhecimentos científicos. As leis da gravidade não se detêm diante de barreiras culturais ou religiosas. E já não se podem realizar cruzadas em nome da religião. (Bem que teremos que conviver por mais algum tempo com alguns mandonismos.) 

O que vai restar é uma respeitosa coexistência entre essas duas forças que são a ciência e a religião. Mas as sombras do fundamentalismo ainda ameaçam a humanidade. É tarefa da religião e da ciência dominá-las de forma pacífica, com as ar­mas do espírito.

 

 

* No original alemão, foi utilizado o pronome pessoal neutro, es. Como não existe forma equivalente no português, resgatamos do latim illud, forma neutra de ille e illa, dos quais foram derivados os nossos pronomes pessoais ele e ela, respectivamente. (N. da T.)

* Edificações em formato de torre originalmente construídas para guardar as relíquias de Buda Sakyamuni (N. do E.)

* A caminho de Mandalay, / onde dançam os peixes-voadores... / Volte para Mandalay, / onde repousa a antiga Flotilla... / Pelo vento nas árvores / e pelos sinos nos templos, / você, soldado britânico, / volte para Mandalay (tradução livre).

 

                                                                                      Erick Von Däniken

 

 

                      

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