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Series & Trilogias Literarias
Era um belo dia. O sol estava quente, o céu azul, e eu teria gostado de nada mais do que tirar a tarde de folga em qualquer lugar, exceto sentado em um carro, esperando um certo Superior desonesto aparecer. Adam Pierce estava correndo por Houston incendiando e matando pessoas. Eu não sabia o porquê, e normalmente não teria me envolvido, mas ele tinha fodido com minha família e agora merecia minha atenção total. Não que eu fosse particularmente próximo da minha família, mas, quando sua prima chega até você chorando e desesperada, porque o filho adolescente está envolvido em assassinato e fugindo, você não diz apenas não. Quero dizer, eu poderia dizer, mas seria o bastardo frio que todo mundo pensa que é. Talvez eu fosse, mas ela já foi um dia a minha prima favorita, e a ideia de Pierce usar o rapaz para o ajudar a praticar seus crimes horríveis, irritou-me muito, muito mesmo.
Eu conheci caras como Adam minha vida inteira. Nasciam ricos, bonitos, recebiam a melhor educação, os brinquedos mais sofisticados e caros, tinham de tudo, menos o senso de dever. Nenhuma responsabilidade de fazer mais do que gastar dinheiro e se divertir. Em sua maioria, eram idiotas inofensivos que eventualmente se estabeleciam e criavam mais idiotas inúteis. A maioria não explodia bancos e incinerava policiais de folga. O que Pierce estava planejando? Ele não precisava dinheiro. Eu sabia que sua mãe ainda estava dando a ele sua mesada às escondidas. Ele estava apenas se divertindo? Por que a mudança repentina de vandalismo mesquinho para assassinato? Apesar de ser um Mago do Fogo incrivelmente poderoso, Adam parecia contente em se divertir com travessuras mesquinhas até agora: pequenos incêndios, brigas de bar, problemas dos quais sua família sempre o livrou. Isso era diferente. Agora ele matou um homem, um policial, sem motivo, e envolveu minha família nisso.
A grande questão era por quê? Por que ir de galã bad boy ao mais procurado pela justiça de Houston1? Alguém estava por trás das ações dele, manipulando-o da mesma forma que ele estava fazendo com Gavin? Quando eu o encontrar, o perguntarei antes de arrancar a língua dele e enfiar na sua bunda. O pensamento trouxe um sorriso aos meus lábios.
Mas primeiro eu teria que encontrá-lo e, até agora, isso era mais fácil dizer do que fazer. Era para ser simples, mas o homem era um maldito fantasma. Nenhum dos meus contatos encontrou algo útil, exceto uma única pista, uma oficina de motocicletas, onde Adam supostamente pegava o dinheiro da mãe uma vez por mês. Hoje era o dia, então eu me instalei em um estacionamento vizinho e esperei por ele. O problema é que ele sabia que estava sendo procurado e não apareceu. Mas alguém apareceu. Uma jovem vestida em roupas de negócios que não parecia ter nenhum motivo para estar aqui. Ela olhou em volta antes de entrar e não parecia ser alguém que estava acostumada a vir aqui antes. Não era um policial, mas era alguém ...
Quem é você, garota bonita? Vamos descobrir.
Tirei uma foto rápida dela de perfil e uma da placa de seu carro depois que ela desapareceu lá dentro. Pouco tempo depois, soube que a moça bonita se tratava de Nevada Baylor, investigadora-chefe e co-proprietária da Agência de Investigação Baylor. Isso não me dizia nada, no entanto, o relatório financeiro declarava que a Agência de Investigação Baylor estava hipotecada para o MII2.
Montgomery não era legalmente o chefe, mas Augustine segurava a coleira, o que confirmei quando ela saiu da oficina e dirigiu direto para o MII. Estacionei duas fileiras atrás dela e observei quando a moça saiu do carro e marchou em direção ao ridículo edifício de Augustine. Sem dúvida, ela foi ver Augustine Montgomery. Passei pelo carro dela, coloquei um rastreador e voltei para o meu veículo. Nenhum segurança apareceu para me perguntar o que eu estava fazendo no estacionamento de Augustine. Decepcionante.
Eu sentei no meu carro e observei o prédio. Então, moça bonita, o que você está fazendo misturada com tudo isso?
Algo de repente me ocorreu. A Casa Pierce deve ter a contratado para ajudar Adam.
O valor do cheque deve ter sido enorme. Adam era o inimigo público número um no momento. Todo policial em Houston queria um pedaço dele.
Ainda assim, dinheiro era dinheiro. Além disso, a moça bonita teria a Casa Pierce e a Casa Montgomery lhe devendo um favor. Será que a mãe de Adam pediu a moça que entregasse o dinheiro do almoço de seu filhinho também? Uma coisa era ter um filho fugindo de todos os policiais de Houston, outra coisa era ter seu filho sem dinheiro por aí, isso simplesmente era inadmissível.
O Augustine de que me lembrava nunca sujaria as mãos com esse tipo de negócio sórdido. Se a opinião pública descobrisse que ele havia ajudado um assassino de policiais ... a menos que Augustine obrigasse alguém a fazer seu trabalho sujo, alguém que ele detinha algum poder e que podia descartar com a mesma facilidade se fosse conveniente fazê-lo. Alguém como essa moça bonita. Ela tinha que saber que ajudar um fugitivo notório poderia significar perder a licença de Investigadora Particular e o negócio da família. Augustine estava forçando-a a fazer isso ou ela estava fazendo por conta própria? Provavelmente o último. Superiores atraentes e solteiros como Adam sempre fascinaram certos tipos de pessoas. Talvez a imagem de menino mau de Adam tivesse algo a ver com isso, talvez ser um homem procurado o tornasse ainda mais atraente para ela.
Eu meio que queria entrar no prédio e perguntar a Augustine: o que diabos aconteceu com aquele jovem idealista que iria mudar o mundo e não queria fazer parte da política das Casas? Acho que ele acabou se tornando como seu pai, afinal.
A garota saiu do MII quase correndo para o carro dela. Agora, isso foi interessante. Para onde vamos? Ela deve ter pegado o dinheiro na oficina e levou para Augustine, que ligou para Pierce e marcou algum lugar para pegar o dinheiro. Ela estava indo se encontrar com Adam. Eu liguei o carro.
Finalmente.
Isso parecia fácil demais: siga a garota, encontre Adam, envolva-o firmemente neste belo rolo de pano à prova de fogo de nível militar (um artigo perfeito para se ter quando se tem um Mago Pirocinético psicótico na sua vida), leve-o para casa e passe um bom tempo juntos. Então, depois que ele contar como encontrar Gavin, deixe o que sobrar dele em alguma delegacia.
A moça bonita dirigia como uma maníaca, e eu fiz o meu melhor para acompanhá-la sem ser notado. O rastreador que eu colocara no carro dela me deixaria encontrá-la em qualquer lugar de Houston, mas se o rastreador fosse descoberto ou se ela me notasse, ficaria muito mais cautelosa. Não importa, contanto que ela me levasse para Pierce.
O tráfego estava parado, um carro em cima do outro, obstruindo a estrada. Havia um caminhão parado à frente, um cara com capacete e colete laranja saiu da via marcada com avisos de obras e levantou uma placa de ‘Pare’. Caminhões basculantes rugiram e começaram a sair para a rodovia.
Respirei fundo e contei os caminhões basculantes entre nós. Um, dois, três, quatro, cinco ... puta merda! Deus me ajude, eu queria simplesmente jogá-los de lado como brinquedos de uma criança ou esmagá-los e jogá-los fora como latas de refrigerante vazias. A maioria das pessoas aqui, nesse engarrafamento, queriam fazer isso. A diferença era que eu poderia fazer isso. Eu poderia, mas não faria. Eram apenas homens, civis, fazendo o trabalho deles, e eu não os machucaria. Não, isso quem faria era alguém como Adam. O que significava que, de acordo com minhas regras, eu poderia machucá-lo. De muitas maneiras maravilhosas. Pensei em todos elas enquanto esperava o fluxo, aparentemente interminável, de veículos de construção passar. Finalmente, depois de pensar nas técnicas de como quebrar ossos, mas antes de começar a pensar nos diferentes tipos de queimaduras químicas e elétricas, fomos autorizados a prosseguir. É claro que, a essa altura, a moça tinha uma vantagem de dez a quinze minutos sobre mim.
O rastreador piscou na minha tela, movendo-se para o norte. Para onde diabos ela estava indo?
Cinco minutos depois, ela entrou no Jardim Botânico Mercer3. O rastreador parou. Droga.
Quinze minutos depois, passei pelo carro dela pelo estacionamento no Arbóreo Mercer, o pedaço de tecido antifogo debaixo do meu braço. Isso fazia sentido. Um lugar público, enquanto ao mesmo tempo isolado. Uma calçada pavimentada serpenteava pelos jardins botânicos, ramificando-se em uma dúzia de lugares, salpicados de pavilhões, fontes e praças. Eles tinham que estar em algum lugar na calçada. Isso é o que eu faria. Muitas pessoas nas praças. Ele tinha um alvo nas costas e ela provavelmente estava interessada em ficar sozinha com ele, então eles iriam querer pelo menos um pouco de privacidade. Onde eu levaria uma garota bonita que estaria me trazendo dinheiro?
Jardim de Bambus. Fácil de esconder, embora ainda seja pitoresco. Corri mais rápido.
Já estava a dez metros de distância, quando o som de uma motocicleta rugindo à vida veio de perto. Definitivamente dentro do parque. Tinha que ser ele. Quem mais era idiota o suficiente para trazer uma motocicleta para um lugar como este? E agora ele estava indo embora e não havia nenhum dispositivo de rastreamento em sua moto. Eu não podia fazê-lo cair se não podia vê-lo e nunca o pegaria a pé antes que ele rugisse para fora do parque e para a cidade.
Este dia estava cada vez melhor. Adam, quando eu te encontrar, e o farei, com certeza lhe darei uma bela fratura escafoide4 ou duas, sem nenhum custo extra. Mesmo depois de curado, os dias de passeio de moto terminariam. Seria difícil pilotar com os pulsos doendo como o inferno.
Nem tudo estava perdido. Adam decolou, mas a garota estaria a pé. Ela trouxe dinheiro para ele, provavelmente não saberia como encontrá-lo novamente. O rugido da motocicleta veio da esquerda. Ela provavelmente sairia pela praça. Eu acelerei.
Um minuto depois, entrei na praça. Havia uma mulher loira em um banco perto da fonte. Sim, era ela. Nevada Baylor. Ei garota, precisamos conversar. Eu diminuo a velocidade. Não a persiga, não a assuste, lembre-se de passear, agradável e casual. Você é apenas um cara agradável, que vê uma garota bonita e quer conversar com ela. E se ela perguntar sobre o que é isso debaixo do meu braço? Direi: Oh, isso não é um tecido de alta tecnologia à prova de fogo. É apenas um rolo gigante de frutas, você quer um pouco? Não se preocupe, eu sou inofensivo. Não estou interessado em você ou no fato de estar ajudando um assassino que queimou um homem até a morte e usou meu primo para ajudá-lo.
Essa morte estaria para sempre na alma de Gavin. Adam não se importava, mas um garoto de dezesseis anos teria que viver o resto de sua vida com isso.
Ela olhou para cima.
Talvez ela não tenha me visto.
Merda. Ela me viu. Não corra, moça, por favor não corra. Droga.
Eu corri atrás dela. Ela correu pelo parque como se estivesse pegando fogo.
Gritar: ‘Eu não quero machucá-la, só quero capturá-la e sedá-la, para que eu possa levá-la ao meu calabouço secreto de tortura para interrogá-la’, provavelmente não ajudaria. Ela virou na calçada, voltando para a saída. Tão conveniente. Menos pessoas por perto.
A moça era bem rápida, mas eu sabia que a pegaria antes que ela chegasse à loja de presentes na saída do parque. O truque para pegar alguém com tecido é não sufocá-la. Reuni minha magia, realinhando-a. Enrole-a em tecido, pegue-a e leve-a para fora. Limpo e fácil.
Ela se virou.
E agora ela apontava uma arma. Eu realmente não gostava quando as pessoas apontavam armas para mim.
Ela me viu e gritou: — Pare, ou eu atiro em você.
Olhei nos olhos dela. Não, ela não iria atirar em mim. Continuei andando. Mesmo se ela atirasse, outros haviam atirado em mim antes e nunca foi bom para eles.
— Me ajudem, —ela gritou para ninguém em particular.
Não, eles não vão. Não havia uma alma neste lugar que pudesse salvá-la agora. Era tarde demais. Foi por isso que ela puxou a pistola, ninguém iria querer se envolver. E na minha concepção ela havia passado de amiguinha do inimigo para uma ameaça ativa. Agora capturá-la seria um jogo justo.
A moça disparou a arma, não para mim, mas para o alto e em direção às árvores. Deveria ter mirado em mim, moça. Usei minha magia, joguei o cobertor contra ela e a envolvi de forma agradável e firme. Eu a peguei antes que ela caísse no chão e puxei o sedativo para fora.
Lá vamos nós, está quase terminando agora, uma rápida picada e então você poderá tirar uma boa soneca. Eu a levantei no ombro e fui para a saída.
— Ei, —algum idiota de chapéu de cowboy gritou comigo e caminhou em nossa direção. Grande erro, amigo.
— Aconselho não se meter nisso, —eu disse a ele. Olhei para ele, prometendo que se ele desse mais um passo, seria o último. Ele deve ter acreditado em mim porque ele parou de caminhar. Sorte dele.
A moça se mexeu e tentou dizer alguma coisa. Eu a coloquei em meus braços para que eu pudesse ver seu rosto. Os olhos dela estavam arregalados de medo e confusão. Então ela me reconheceu.
— Lou ... lo ... louco.
É isso aí. Como é bom ser reconhecido.
— Louco Rogan, —terminei por ela. É bom que saiba quem eu sou. Isso tornará a próxima parte mais fácil para nós dois, assim eu esperava.
Pouco tempo depois, depositei a Bela Adormecida em uma cama no porão e me preparei para o próximo episódio emocionante, intitulado ‘Hora da Tortura com o Tio Connor’. Poderá o nosso herói quebrar a vontade da amiguinha de Adam e encontrar uma maneira de parar esse maluco antes que ele queime Houston até as cinzas? Sim. Provavelmente. E isso não era uma conclusão precipitada, já que ela acordará tecnicamente presa na ‘Garra’ do Acubens Exemplar. Dessa forma me contará tudo o que sabe, voluntariamente e com gratidão. Embora eu, particularmente, preferiria espremer a verdade dela como se espreme água de uma toalha molhada.
Felizmente, não chegará a isso. Acordar acorrentado ao chão geralmente era suficiente para colocar a maioria dos meus ... convidados em um estado de espírito suficientemente cooperativo. O motivo é que a maioria das pessoas, mesmo em uma cidade grande como Houston, se sente segura. A idéia de que elas podem ser tiradas da rua, sequestradas e mantidas em um local remoto, sujeitas a questionamentos intensivos ou mesmo tortura, é absurda. Ninguém nunca espera que algo assim aconteça com ele. Então de repente, acontece. E isso aterroriza qualquer um. A ilusão de segurança dessas pessoas é roubada e elas farão de tudo para recuperá-la. Primeiro vem a indignação, depois o entendimento e logo o desespero. Alguns lutam, outros choram, eventualmente todos desistem. Ninguém jamais resistiu à ‘Garra’ ou à pressão que eu poderia exercer sobre eles, pelo menos não por muito tempo.
Nevada Baylor não seria diferente. Ela ainda estava dormindo profundamente. Com base em seu tamanho e idade aproximados, a moça deve ficar inconsciente por pelo menos mais uma ou duas horas. Tempo suficiente para preparar tudo. Tirei meu traje civil e vesti minhas roupas de trabalho, um par de calças largas de seda escura. A seda é propícia ao fluxo mágico. Depois, desenhei cuidadosamente símbolos mágicos em minha pele. Eles me ajudarão a canalizar toda a minha magia e minha força de vontade para dentro do círculo que nos conectará e terá o benefício adicional de me fazer parecer um maníaco louco com alguns poderes obscuros indizíveis.
Tudo era um ritual. Construir o feitiço, desenhar o círculo, tudo exigia habilidade e precisão, prática e repetição. De certa forma, era quase meditativo, era como passar pelas etapas complicadas de um kata5. Em algum momento, a mente consciente se desligava e passava a confiar na memória muscular e na recordação. Esse círculo em particular levou duas semanas de trabalho. Eu o havia preparado para um problema anterior com o qual tive que lidar, mas o problema se resolveu sem a necessidade de recorrer ao círculo, então planejei usá-lo em Adam Pierce. Como Adam não estava por perto, sua admiradora apaixonada era a próxima melhor coisa.
Depois que eu coloquei a moça no lugar correto e sentei-me no meu lugar, fechei os olhos e ‘percorri’ psiquicamente por todo o círculo elaborado. Os círculos eram familiares e, mesmo que tivessem fora do lugar por um centímetro, eu saberia imediatamente.
Não, todas os círculos estavam impecáveis. Prontos para fazer o trabalho deles. Com alguma sorte, não seria necessário. Eu esperava que a Senhorita Baylor fosse pelo menos sensata. Preferiria não usar meu poder nela. Seria muito mais fácil se ela apenas respondesse minhas perguntas e não me obrigasse a quebrá-la. O círculo era a maneira menos dolorosa de extrair informações, mas não era agradável. Ainda assim, ela optou por se envolver com Adam e quem iria decidir se as próximas horas seriam fáceis ou difíceis, seria inteiramente ela.
Enquanto esperava que a moça acordasse, gradualmente alimentei minha magia na ‘Garra’. Lento e constante. Se eu fizesse isso muito rápido, esgotaria. Não era uma corrida de cem metros, era mais como uma maratona, ou como planar no ar por horas sem cansar ou diminuir a velocidade. Mesmo que ela resistisse, duvidava que fosse necessário mais do que uma fração da minha magia para subjugá-la.
Ainda de olhos fechados, eu soube o momento em que ela recuperou a consciência. Esperei que ela falasse, que descobrisse onde estava e o que estava acontecendo. Melhor não apressar essas coisas. Nós nos olhamos e ela tentou se levantar. Tentou e falhou.
— Você me acorrentou no chão. —Havia um tremor em sua voz, medo ou raiva?
— O que dá a você o direito, —continuou quando eu não respondi, — de me pegar na rua e me acorrentar no seu porão sujo?
Sujo? Nada na minha casa era sujo. E eu a peguei em um parque para ser mais preciso. O que me dá o direito? Eu posso. Isso é o suficiente. Nada disso realmente importava. Ela precisava entender a gravidade da situação. Quanto mais rápido percebesse o que estava acontecendo, mais rápido eu obteria minhas informações e todos poderíamos seguir seus caminhos separados.
— Você sabe o que é isso? —Perguntei.
Claro que ela não sabia, mas então, por que deveria saber? Poucas pessoas que não faziam parte das Casas poderosas estavam familiarizadas com a Garra. Até mesmo poucas Casas possuíam pessoas capazes de desenhar o círculo da Garra corretamente. A moça parecia estudar cuidadosamente o círculo elaborado em que estava no centro. Será que reconheceu o círculo? Certamente não.
— Para um Acubens Exemplar funcionar é preciso um telepata. Você é um Telecinético.
Como diabos ela sabia disso? Não importa. Perdemos tempo demais, era hora de começar a trabalhar. Alimentei um pouco mais de magia no círculo para chamar sua atenção e ir direto ao ponto.
— Quero saber tudo sobre Adam Pierce. A localização, os planos, os planos da família dele para ele. Tudo. —Hora de cantar, passarinho.
Ela cruzou os braços sobre o peito. — Não. Primeiro, fui contratada para encontrar Adam Pierce e meu cliente espera que eu mantenha a confidencialidade. Segundo, você me atacou e me acorrentou ao chão. —Ela balançou as pernas como se quisesse enfatizar o fato de que eu havia algemado seus tornozelos em restrições permanentemente instaladas no chão. O que eram para a própria segurança dela. Tentar ultrapassar linhas de um círculo ativo, doía. Se o círculo fluísse energia suficiente, no momento em que ela tocasse os limites, o círculo a deixaria inconsciente, e esperar até que ela acordasse novamente levaria muito tempo.
A moça me encarou. Bem, ela tinha coragem e, por mais que eu admirasse sua coragem, isso significava que não faríamos isso da maneira mais fácil e agradável. Que pena.
— Não quero machucar você, —expliquei. Só quero as informações. Forçá-la não me dá prazer.
Não mesmo. Eu não gostava de torturar. Realmente não gostava, principalmente por que já fui torturado. Mas, no entanto, aqui estávamos nós, ela acorrentada ao chão e eu tentando convencê-la a falar, tentando não forçá-la.
— Se não gosta de me forçar, deveria me deixar ir embora.
Não, eu não penso assim. Tive muitos problemas para localizá-la e ela era meu único elo com Adam. A moça sabia quem eu era, estava acorrentada ao meu porão e sabia o que o feitiço fazia, mas não estava histérica nem chorava. Ela não me implorou para libertá-la. Eu calculei mal. A moça não é uma amadora. Era profissional e a maioria dos profissionais era pragmática.
— Diga-me o que quero saber e você poderá ir embora daqui. — Bem, o mais provável é que eu iria drogá-la, vendá-la e deixá-la em algum lugar seguro, mas isso não parecia tão bom.
— Não. Seria antiético e antiprofissional.
Sorte minha, uma Investigadora honesta.
Ela jogou o corpo para frente e me lançou um olhar desafiador. — Está bem, cara durão. Vamos ver o que você pode fazer.
Escolheu o caminho mais difícil, moça. Que assim seja. Alimentei um pouco mais de magia no círculo. Vamos acelerar o ritmo e ver se você consegue acompanhar. Dei-lhe um aperto suave na mente, não muito, mais como um aviso.
Ela me barrou e me empurrou.
Bem, alguém parece ter um pouco de poder. Isso não vai ajudar, não será suficiente.
— Adam Pierce, —eu disse.
Era como apertar a magia dela em um punho. Cada vez que eu repetia o nome de Adam, apertava o punho um pouco mais. Contraia e relaxava. O objetivo não era esmagar sua mente, isso a tornaria inútil, era mais seguro desgastá-la, esgotá-la mental e fisicamente. Ela iria quebrar. Todos quebravam eventualmente.
Minha magia encontrou a parede dura de sua vontade. A moça olhou para mim. — Vá à merda.
Acho que faríamos da maneira mais difícil, afinal.
O eventualmente estava demorando muito. Eu estava ficando cansado. O porão estava quente como o inferno e, embora ela tivesse tirado a camiseta e suando profusamente, a Senhorita Baylor não mostrava sinais de rendição. Como ela estava fazendo isso? Tinha que estar exausta. Eu tinha quebrado Significativos em menos tempo.
— Você é rico, certo? —Ela parecia cansada. Pelo menos não era só eu.
— Sim. —Tentei manter minha voz o mais normal possível. Não poderia deixá-la saber que eu estava quase exausto.
— Não poderia colocar ar-condicionado aqui?
— Não esperava ficar aqui por horas. Mas se estiver com muito calor, fique à vontade para tirar o sutiã. —Alguém imaginaria que ela tentaria me subornar ou me distrair com o par de seios. Nada disso. Ela me mostrou o dedo do meio. Infelizmente.
— O que você é? —Sequestrei uma Significativa extremamente bem treinada? Ou não tinha prática, mas era poderosa ... não. Havia muitos benefícios em ser um Superior. Ela usaria sua magia e se entregaria. Se fosse uma Superior, não estaria hipotecando seus negócios com Augustine.
— Sou a mulher que você acorrentou no seu porão. Sua prisioneira. —Ela me olhou. — Sua ... vítima. Sim, essa é a palavra correta. Toda essa educação. Como ninguém lhe explicou que você não pode simplesmente sequestrar as pessoas a seu bel-prazer?
Ela não entendeu a pergunta, mas o argumento dela era válido. Eu posso e fiz, a sequestrei porque ninguém havia a ensinado como se proteger para não ser sequestrada.
— Você teve um segundo completo para atirar em mim.
Ela hesitou e agora eu a peguei. Bem aqui.
— Não atiro em estranhos a não ser que a minha vida esteja claramente em perigo. Naquele momento para mim, você poderia ser um policial designado para o caso Pierce. Se eu atirasse, precisaria estar preparada para a possibilidade de matar meu alvo. Além disso, disparar uma arma de fogo em local público é uma irresponsabilidade.
Finalmente. Adam Pierce apareceu, mas ainda não estávamos falando sobre ele.
— Uma calibre 226 balança as roupas no varal. Por que usar uma dessas? —Um dia ela poderia atirar em alguém com essa arma e irritá-lo seriamente.
Ela se inclinou para trás e eu ouvi sua coluna estalar. Não fiquei surpreso. Estávamos nesse embate por horas e era bom fazer uma pequena pausa.
— Porque não atiro a não ser que seja para matar. Um calibre maior faria um buraco no alvo e sairia dele, possivelmente ferindo pessoas inocentes. Um calibre 22 entra no corpo e se aloja lá dentro, transformando seu interior em hambúrguer. Tiros de pequenos calibres no peito e no crânio são quase sempre fatais. Se eu soubesse que você ia tirar uma linda fita da manga como um mágico de meia-pataca, me amarrar com ela e se divertir com o seu fetiche de tortura mental no seu porão, eu teria atirado em você, muitas vezes.
Era assim que ela se lembrava do que aconteceu? Talvez eu tenha danificado sua mente.
— Mágico de meia-pataca? —Teimosa ou estúpida?
— Homens como você gostam de ser elogiados.
Certo, talvez fossem as duas coisas. Acabou a conversa. Estava na hora de terminar isso. Certo, princesa, acabou e você realmente não vai gostar dessa próxima parte. Apertei-a como um torno, convocando minhas reservas.
— Eu quebrei Magos Significativos com essa armadilha. —Ela não seria diferente. — Vou quebrar você.
— Você pode até tentar.
Ela ainda estava lutando. Droga. A mulher deveria ter cedido a essa altura.
Flexionei e derramei toda a minha força e magia restante no círculo. Não iria mais apertá-la, agora iria bater, como se bate em um saco de box. Coloquei tudo em cada golpe e me imaginei quebrando e desmoronando as paredes mentais e toda resistência dela. Eu estava esgotado. Não aguentaria isso por muito mais tempo, mas ela também não.
— Desista. —Falei entre os dentes.
A voz tremeu de tensão. — Você primeiro.
Maldita seja.
Foi-se qualquer sutileza, qualquer arte. Fui com toda a raiva e vontade.
Golpeei forte, Adam Pierce.
Expirei.
Golpeei mais forte, Adam Pierce.
Meus braços ficaram tão pesados que eu mal conseguia mantê-los. Minha cabeça estava começando a pender. Mas ela também estava danificada. Eu podia sentir suas defesas desmoronando. As paredes estavam caindo.
Quase lá. Eu estava tão perto que podia sentir o cheiro de sangue. Nunca demorou tanto tempo antes. Meu nariz sangrou.
— Desista.
— Você primeiro, —ela resmungou.
Diga-me o que você está escondendo.
Conte-me.
Conte-me ...
As defesas dela estalaram. Sim! Sim, diga-me.
— Quando eu tinha quinze anos, encontrei a carta que diagnosticava a doença do meu pai. Ele viu e me fez prometer não contar a ninguém. Eu guardei o segredo dele por um ano. Sou a razão pela qual meu pai morreu antes do que deveria morrer. Se eu tivesse contado à mamãe, poderíamos ter começado o tratamento um ano antes. Eu sou a culpada. Não contei. Não contei a ninguém até hoje, porque sou uma covarde.
A magia explodiu e de repente o círculo foi banhado por uma luz brilhante. Então ele morreu, gasto e quebrado.
Porra.
Ela me derrotou. Em vez de informações sobre Adam Pierce, ela me deu um segredo, algo tão pessoal que escondeu de todos por anos. Ela sacrificou o segredo ao círculo e agora a magia do feitiço se foi.
Nevada Baylor caiu no chão.
Eu a matei? Ela parecia morta. Merda. Realmente estraguei tudo.
Fiquei de pé. Meu corpo todo doía como se tivesse passado por um triturador. Fui até ela através das linhas inertes do círculo. Nevada não se mexia.
Droga. — Não morra, sua idiota.
— Foda-se você também, —ela murmurou.
Viva.
O alívio passou por mim. Havia uma diferença entre matar em combate e assassinar um civil e eu não queria acrescentar assassinato ao meu currículo.
O suor a encharcou. O quarto estava quente como o inferno. Ela tinha que estar desidratada. Peguei meu cantil7 velho, levantei a cabeça e tentei colocar o conteúdo em sua boca. Mesmo exausta resistiu. Deuses, a mulher nunca desiste, nunca desiste. Ela apertou os dentes com força. Não havia desistência nela, mesmo agora.
— É água, sua idiota teimosa, —rosnei. Por que tinha que tornar tudo tão difícil?
Forcei sua boca a abrir e derramei um pouco de água, não muito ou se engasgaria. Ela conseguiu um pouco e depois se afastou novamente. Pelo jeito não haveria necessidade de sedá-la. Estava exausta, mas iria viver.
Bom show, Major. Vamos colocar isso na estante de seus feitos, em frente à prateleira de derrotas, que incluem o sequestro de uma mulher aleatória de parques públicos em plena luz do dia e na frente de várias testemunhas, levando-a para casa, acorrentando-a em sua masmorra e forçando-a a confessar a sua mais profunda e sombria vergonha. Seu segredo. Um que tinha absolutamente zero a ver com Pierce e não ajudava em nada. Bem, a noite era uma criança, talvez depois de levar a moça para casa, você possa encontrar um bom orfanato e destruí-lo totalmente. Talvez possa ler os destroços do orfanato como ser ler folhas de chá8 e procurar algumas pistas sobre o paradeiro de Adam.
Olhei para a mulher em meus braços. — O que vou fazer com você, Senhorita Baylor? Talvez devêssemos atribuir isso ao pior primeiro encontro de todos e levá-la para casa. Parece bom para você? —Ela não fez nenhum protesto.
Eu a carreguei e chamei um médico.
Meia hora depois, após o diagnóstico de exaustão com prescrição de líquidos e repouso, a levei de volta para sua casa. Ela estava caída no banco do carro. Conseguimos vestir sua camiseta novamente. É surpreendentemente difícil vestir uma pessoa inconsciente. O resultado não foi ótimo, mas era melhor do que deixá-la desmaiada só de sutiã na porta de sua casa. Levei-a até a porta, a abaixei no chão, toquei a campainha e fui para o meu carro.
Nevada Baylor, pelo menos uma Significativa que não estava registrada, que morava no armazém e que era minha melhor pista para Adam Pierce. Eu daria um sossego a ela hoje à noite. Mas amanhã teríamos coisas a discutir.
Rogan POV de Wildfire
(Fogo Selvagem)
O voo de Houston para o aeroporto executivo de Austin9 foi curto, com menos de meia hora no ar. Levaria mais tempo para ir do aeroporto ao complexo de Adé-Af?f? em Costa Bella. Na maioria dos dias, preferia apenas dirigir, mas precisava voltar a tempo do grande encontro de Nevada com Garen Shaffer. Não sei por que ela teve que aceitar esse encontro. Eu poderia dizer a ela como seria, poderia dizer o que ele diria a ela.
‘Oh, Nevada, você é tão bonita, e eu sou tão bonito e rico, mencionei que eu era rico, sei que você não é, mas tenho o suficiente para nós dois. Vamos nos casar e fazer descendentes poderosos e bonitos. Venha comigo Nevada, case-se comigo e viva uma vida segura, confortável e perfeitamente entediante.’
O que Garen não prometeria, o que ele não poderia mentir, especialmente para ela, era amor. Não, o que Garen realmente estava oferecendo era um acordo comercial. Era mais uma união do que um casamento. Um, que, por mais que eu odiasse admitir, fazia sentido. Nevada era uma Buscadora da Verdade Superior, mais forte que Garen ou qualquer outra pessoa de sua família. O que Garen ofereceria era a proteção e a segurança financeira que iria vir de fazer parte de uma Casa estabelecida e respeitada. O que o homem estava oferecendo valia milhões, mas o que pedia em troca não tinha preço. A Buscadora da Verdade mais poderosa de sua geração, a lendária criança há muito perdida da casa Tremaine. Ou mais especificamente, o DNA dela. Os filhos potenciais que sua união produziria.
Não seria assim que Garen apresentaria sua proposta, é claro. Ele usaria termos como parceria, família e potencial. Talvez o homem até realmente quisesse isso, mas Shaffer e eu sabíamos do que a sua Casa precisava acima de tudo. Algo que a riqueza e a reputação de sua família não podiam comprar era a garantia de filhos Superiores. O talento deles era raro e, a menos que a Casa Shaffer quisesse começar a casar primos com primos, Garen tinha que encontrar uma família igualmente poderosa de Buscadores da Verdade ou enfrentar a possibilidade real do talento e o poder da Casa diminuir a cada nova geração.
Claro, eu não contei nada a ela. Por que deveria? Nevada sabia como eu me sentia sobre isso, mas a decisão tinha que ser dela. O que eu queria, talvez o que ela queria, não importava. No final, a mulher que amo, que achava que me amava, faria o que era melhor para sua família e para o futuro da Casa Baylor. E eu não poderia fazer nada sobre isso.
Não, melhor me concentrar no que eu vim fazer aqui. No trajeto do aeroporto até a mansão Adé-Af?f?, pensei em como melhor abordar o Clã de Magos do Tempo. Bem respeitada, com uma reputação de neutralidade e negociação justa, a Casa Adé-Af?f? raramente se envolvia na política das Casas Superiores. Eles vieram para o condado de Travis10 décadas atrás, durante a pior seca que se poderia lembrar. O lago Travis11 ficou abaixo de cento e cinquenta metros, volume mais baixo da história registrada. As plantações secaram, os incêndios se espalharam, as florestas de especiarias queimaram. Finalmente, o conselho da cidade de Austin enviou um grito de socorro a qualquer pessoa, seja cientista ou Mago, que pudesse acabar com a seca. Semana a semana, o lago ficava cada vez mais vazio, e a recompensa pela ajuda aumentava, mas ninguém havia aparecido ainda. Temperaturas aumentaram. Finalmente, quando parecia que nunca mais iria chover, os Adé-Af?f?’s. Coroados pelo vento, em sua língua nativa Iorubá, apareceram e com eles vieram as nuvens de tempestade. Antes da tempestade, alguns riram, outros zombaram, mas enquanto a tempestade se agitava, os adultos dançavam como crianças pequenas na chuva. Os Magos do Tempo foram aclamados como salvadores e recompensados com dez acres no lago que haviam resgatado. Como a área prosperou, a Casa Adé-Af?f? também. Em uma estrada particular e atrás de um portão enorme, ficava a mansão de calcário branco puro de quase cinquenta mil metros quadrados que o Clã chamava de ‘Ilé M?l?bí’.12
Quando subi a escada, a pesada porta ornamentada se abriu. Táy? Adé-Af?f? saiu e me puxou para um abraço de urso. O que foi muito diferente da primeira vez que conheci o filho mais novo da Casa Adé-Af?f?. Quando entrei na primeira turma da sexta série, ele esvaziou uma lata de lixo na minha cabeça.
Táy? sorriu. — Connor. Mamãe disse que você viria falar com papai. Que o grande herói de guerra e o dramático recluso iria dar o ar da graça em nossa humilde morada. Deve ser algo para fazê-lo quebrar seu exílio auto-imposto.
— Ainda é o mesmo rei dos problemas do ensino médio, Táy??
— Dificilmente, e é Doutor Af?f? para você, soldado Rogan.
— É Major, e desde quando eles dão Doutorados para comediantes?
— Ciências do clima, na verdade, e estamos todos orgulhosos do seu serviço militar, Connor. Ah, eu também senti sua falta. Como estão as coisas em Houston?
— Não muito bem, —eu disse a ele, — esperava poder falar com seu pai para me emprestar ?m? T?lá por um tempo.
— T?lá? —Ele pareceu surpreso: — O que você quer com minha linda prima? Porque se colocá-la em perigo, quebrarei todos os ossos do seu corpo. E não estou brincando dessa vez. Será como no ensino médio novamente. Você terá que voltar a Selva Ondo para se esconder de mim.
Antes que eu pudesse responder, uma voz profunda ecoou pela casa. — Arákùnrin, se você já terminou sua tolice, traga o nosso convidado ao escritório.
Táy? colocou um olhar de horror fingido e fingiu se encolher. — Sim, pai. —Ele se virou para mim e sussurrou, — hora de irmos.
Segui meu amigo pelo saguão e entrei em um corredor à nossa esquerda até um conjunto de portas duplas de vidro. Táy? parou diante das portas, bateu duas vezes e esperou.
Um momento depois, a mesma voz estrondosa ordenou: — Entre.
Táy? abriu a porta virada para mim, murmurou ‘Boa sorte’ e me conduziu para dentro. Depois que entrei, ele fechou a porta atrás de mim e ficou do lado de fora.
Adépérò Adé-Af?f? estava encostado na parede oposta da sala, em frente a uma enorme lareira de mármore. Acima, havia um brasão: um escudo preto entre dois raios brancos com uma águia vermelha no topo. O chão, as paredes e estantes de livros embutidas, até o teto parecia do mesmo mogno. Cadeiras de couro estofadas e um sofá combinando estavam em cima de um requintado tapete persa. Um honesto escritório inglês à moda antiga. Talvez depois de discutirmos a minha situação, possamos tomar conhaque e fumar charutos enquanto debatemos o estado atual do Império Britânico13.
— A Casa Rogan nos honra com esta visita, —ele entoou formalmente, — como podemos ajudá-lo, Connor?
Adépérò parecia quase exatamente o mesmo da primeira vez que o conheci, quando meu pai me trouxe aqui para negócios da família, há quase vinte anos: alto, esbelto, careca e barbeado, com a pele escura esticada sobre as maçãs do rosto proeminentes. O mesmo olhar pensativo e penetrante e, ao contrário do filho, era um homem estoico. Eu sabia que ele tinha 58 anos, mas parecia um homem com quarenta e poucos anos em forma. Quando ele apertou minha mão, o aperto era firme e os músculos de seu braço rolaram sob a camisa branca simples e folgada. De acordo com Táy?, seu pai era, desde criança, um praticante de Dambe14 e Lutte Traditionnelle15, boxe e luta livre da África Ocidental. Eu me perguntei por um momento se eu poderia lutar com ele e vencê-lo. Sim, com certeza eu poderia. Mas talvez espancar um velho em sua casa provavelmente não fosse a melhor maneira de conseguir um favor dele. Melhor seria bajulá-lo.
— Senhor Adé-Af?f?, o senhor parece muito bem.
— Obrigado, Connor, assim como você. Agora, o que podemos fazer pela Casa Rogan?
Direto aos negócios então.
— Vim pedir um favor. Alexander Sturm está planejando desencadear uma tempestade em Houston e eu gostaria da ajuda de sua família para evitá-la. Especificamente, a ajuda de Omotola Ogidan. É claro que eu pagaria pelos serviços dela e garantiria seu retorno seguro.
Adépérò franziu o cenho. — Por que Sturm faria isso? O que ele espera ganhar?
— É um assunto particular entre nossas Casas.
— Sim, conhecemos bem a história de suas Casas, Connor. Sabemos como seus pais lutaram. A destruição, a perda de vidas dos dois lados. E aqui estão vocês dois anos depois e não aprenderam nada. O que vocês ganham com essas pequenas guerras particulares? E por que acha que minha Casa iria ajudá-lo?
— Porque se não me ajudar, Sturm evocará um tornado tão grande que o número de mortos em Houston e nos arredores será catastrófico. Ele acha que eu tenho algo que não tenho, e está ameaçando nivelar a cidade e me culpar por isso.
— Desculpa, Connor, mas isso não faz sentido, não acredito que nenhuma Casa, nem mesmo a Casa Sturm, destruiria uma cidade por vingança. O conselho o caçaria como um cachorro. Ele seria um fugitivo, todas as mãos viradas contra ele. Além disso, o que você está descrevendo exige uma quantidade enorme de tempo e poder. Nós não criamos tempestades, Connor, as persuadimos, dirigimos ou as desviamos. A atmosfera não é um ambiente isolado. Quando alguém convoca chuva em um ponto, em algum lugar haverá uma seca em outro. Quando o pai dele atacou o seu, usou uma célula de tempestade existente. Ele a empurrou e depois guiou o tornado resultante. No momento, não há condições favoráveis à criação de tornados, o que significa que Sturm precisaria fabricá-lo do nada, literalmente, arriscando consequências que ninguém pode prever. Nós, que ajustamos o clima, não fazemos isso. É impensável. Você tem alguma prova disso?
— Nenhuma, —eu admiti. — Ele ameaçou fazer isso e meu instinto me diz que ele fará.
— Seu instinto?
Eu estava perdendo essa batalha. — Mas isso poderia ser feito? Você poderia criar uma tempestade?
A raiva brilhou nos olhos dele. — Eu poderia. Mas nunca faria. Viemos aqui, estrangeiros nesta terra desconhecida, sem nada, a não ser nosso poder e nosso orgulho. Fomos recebidos e prosperamos, —ele acenou com a mão para indicar a bela casa, — porque ajudamos as pessoas. Não corrompemos ou abusamos de nosso dom. Fazemos negócios com as outras Casas, como fizemos com seu pai, mas nunca nos envolvemos em política das Casas ou intrigas. Por isso, somos deixados em paz. Essa briga entre você e Sturm é, como você disse, um assunto particular. Se fizermos isso por você, intercedermos diretamente em seu nome, não seremos mais vistos como neutros, seríamos vistos e com razão, como seu aliado e seus inimigos seriam nossos. Isso eu não farei.
— Entendo. Obrigado pelo seu tempo.
— Jovem, você não me permitiu terminar. Em consideração ao seu pai e porque meu filho fala muito bem de você, considerarei seriamente o que você está pedindo. Entrarei em contanto com conhecidos para descobrir mais sobre Sturm e, se necessário, enviaremos alguém para investigar suas reivindicações. Se descobrirmos que o que me disse é verdade, enviarei alguém para ajudar. Não porque nos sentimos obrigados a interceder em seu nome, mas porque o que você está descrevendo é uma abominação. Se um de nossos membros escolher brincar de deus, faremos tudo o que pudermos para impedir que a cidade e seu povo sejam prejudicados. Agora, uma pergunta: você irá se juntar a nós para jantar, Connor?
Acho que era isso então. Não foi como eu esperava, mas era melhor que nada.
— Obrigado, mas não. Receio ter um compromisso muito importante hoje à noite em Houston e não posso me atrasar.
— Você dirigiu ou voou?
— Eu voei.
— Pegue um carro, —ele sugeriu.
— Por quê?
— Porque uma tempestade de granizo está se formando entre Austin e Houston, e você levará muito tempo para contorná-la.
Olhei para fora da janela, para o dia cheio de sol.
Adépérò sorriu. — Eu esqueci de mencionar mais cedo, a razão pela qual minha esposa não está aqui hoje é porque ela está em um Festival de Arte para Estudantes ao ar livre no Zilker Parque16. Nossa neta mais velha se apresentará. Seria uma pena estragar a apresentação dela.
Era um belo dia. O sol estava quente, o céu azul, e eu teria gostado de nada mais do que tirar a tarde de folga em qualquer lugar, exceto sentado em um carro, esperando um certo Superior desonesto aparecer. Adam Pierce estava correndo por Houston incendiando e matando pessoas. Eu não sabia o porquê, e normalmente não teria me envolvido, mas ele tinha fodido com minha família e agora merecia minha atenção total. Não que eu fosse particularmente próximo da minha família, mas, quando sua prima chega até você chorando e desesperada, porque o filho adolescente está envolvido em assassinato e fugindo, você não diz apenas não. Quero dizer, eu poderia dizer, mas seria o bastardo frio que todo mundo pensa que é. Talvez eu fosse, mas ela já foi um dia a minha prima favorita, e a ideia de Pierce usar o rapaz para o ajudar a praticar seus crimes horríveis, irritou-me muito, muito mesmo.
Eu conheci caras como Adam minha vida inteira. Nasciam ricos, bonitos, recebiam a melhor educação, os brinquedos mais sofisticados e caros, tinham de tudo, menos o senso de dever. Nenhuma responsabilidade de fazer mais do que gastar dinheiro e se divertir. Em sua maioria, eram idiotas inofensivos que eventualmente se estabeleciam e criavam mais idiotas inúteis. A maioria não explodia bancos e incinerava policiais de folga. O que Pierce estava planejando? Ele não precisava dinheiro. Eu sabia que sua mãe ainda estava dando a ele sua mesada às escondidas. Ele estava apenas se divertindo? Por que a mudança repentina de vandalismo mesquinho para assassinato? Apesar de ser um Mago do Fogo incrivelmente poderoso, Adam parecia contente em se divertir com travessuras mesquinhas até agora: pequenos incêndios, brigas de bar, problemas dos quais sua família sempre o livrou. Isso era diferente. Agora ele matou um homem, um policial, sem motivo, e envolveu minha família nisso.
A grande questão era por quê? Por que ir de galã bad boy ao mais procurado pela justiça de Houston1? Alguém estava por trás das ações dele, manipulando-o da mesma forma que ele estava fazendo com Gavin? Quando eu o encontrar, o perguntarei antes de arrancar a língua dele e enfiar na sua bunda. O pensamento trouxe um sorriso aos meus lábios.
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Mas primeiro eu teria que encontrá-lo e, até agora, isso era mais fácil dizer do que fazer. Era para ser simples, mas o homem era um maldito fantasma. Nenhum dos meus contatos encontrou algo útil, exceto uma única pista, uma oficina de motocicletas, onde Adam supostamente pegava o dinheiro da mãe uma vez por mês. Hoje era o dia, então eu me instalei em um estacionamento vizinho e esperei por ele. O problema é que ele sabia que estava sendo procurado e não apareceu. Mas alguém apareceu. Uma jovem vestida em roupas de negócios que não parecia ter nenhum motivo para estar aqui. Ela olhou em volta antes de entrar e não parecia ser alguém que estava acostumada a vir aqui antes. Não era um policial, mas era alguém ...
Quem é você, garota bonita? Vamos descobrir.
Tirei uma foto rápida dela de perfil e uma da placa de seu carro depois que ela desapareceu lá dentro. Pouco tempo depois, soube que a moça bonita se tratava de Nevada Baylor, investigadora-chefe e co-proprietária da Agência de Investigação Baylor. Isso não me dizia nada, no entanto, o relatório financeiro declarava que a Agência de Investigação Baylor estava hipotecada para o MII2.
Montgomery não era legalmente o chefe, mas Augustine segurava a coleira, o que confirmei quando ela saiu da oficina e dirigiu direto para o MII. Estacionei duas fileiras atrás dela e observei quando a moça saiu do carro e marchou em direção ao ridículo edifício de Augustine. Sem dúvida, ela foi ver Augustine Montgomery. Passei pelo carro dela, coloquei um rastreador e voltei para o meu veículo. Nenhum segurança apareceu para me perguntar o que eu estava fazendo no estacionamento de Augustine. Decepcionante.
Eu sentei no meu carro e observei o prédio. Então, moça bonita, o que você está fazendo misturada com tudo isso?
Algo de repente me ocorreu. A Casa Pierce deve ter a contratado para ajudar Adam.
O valor do cheque deve ter sido enorme. Adam era o inimigo público número um no momento. Todo policial em Houston queria um pedaço dele.
Ainda assim, dinheiro era dinheiro. Além disso, a moça bonita teria a Casa Pierce e a Casa Montgomery lhe devendo um favor. Será que a mãe de Adam pediu a moça que entregasse o dinheiro do almoço de seu filhinho também? Uma coisa era ter um filho fugindo de todos os policiais de Houston, outra coisa era ter seu filho sem dinheiro por aí, isso simplesmente era inadmissível.
O Augustine de que me lembrava nunca sujaria as mãos com esse tipo de negócio sórdido. Se a opinião pública descobrisse que ele havia ajudado um assassino de policiais ... a menos que Augustine obrigasse alguém a fazer seu trabalho sujo, alguém que ele detinha algum poder e que podia descartar com a mesma facilidade se fosse conveniente fazê-lo. Alguém como essa moça bonita. Ela tinha que saber que ajudar um fugitivo notório poderia significar perder a licença de Investigadora Particular e o negócio da família. Augustine estava forçando-a a fazer isso ou ela estava fazendo por conta própria? Provavelmente o último. Superiores atraentes e solteiros como Adam sempre fascinaram certos tipos de pessoas. Talvez a imagem de menino mau de Adam tivesse algo a ver com isso, talvez ser um homem procurado o tornasse ainda mais atraente para ela.
Eu meio que queria entrar no prédio e perguntar a Augustine: o que diabos aconteceu com aquele jovem idealista que iria mudar o mundo e não queria fazer parte da política das Casas? Acho que ele acabou se tornando como seu pai, afinal.
A garota saiu do MII quase correndo para o carro dela. Agora, isso foi interessante. Para onde vamos? Ela deve ter pegado o dinheiro na oficina e levou para Augustine, que ligou para Pierce e marcou algum lugar para pegar o dinheiro. Ela estava indo se encontrar com Adam. Eu liguei o carro.
Finalmente.
Isso parecia fácil demais: siga a garota, encontre Adam, envolva-o firmemente neste belo rolo de pano à prova de fogo de nível militar (um artigo perfeito para se ter quando se tem um Mago Pirocinético psicótico na sua vida), leve-o para casa e passe um bom tempo juntos. Então, depois que ele contar como encontrar Gavin, deixe o que sobrar dele em alguma delegacia.
A moça bonita dirigia como uma maníaca, e eu fiz o meu melhor para acompanhá-la sem ser notado. O rastreador que eu colocara no carro dela me deixaria encontrá-la em qualquer lugar de Houston, mas se o rastreador fosse descoberto ou se ela me notasse, ficaria muito mais cautelosa. Não importa, contanto que ela me levasse para Pierce.
O tráfego estava parado, um carro em cima do outro, obstruindo a estrada. Havia um caminhão parado à frente, um cara com capacete e colete laranja saiu da via marcada com avisos de obras e levantou uma placa de ‘Pare’. Caminhões basculantes rugiram e começaram a sair para a rodovia.
Respirei fundo e contei os caminhões basculantes entre nós. Um, dois, três, quatro, cinco ... puta merda! Deus me ajude, eu queria simplesmente jogá-los de lado como brinquedos de uma criança ou esmagá-los e jogá-los fora como latas de refrigerante vazias. A maioria das pessoas aqui, nesse engarrafamento, queriam fazer isso. A diferença era que eu poderia fazer isso. Eu poderia, mas não faria. Eram apenas homens, civis, fazendo o trabalho deles, e eu não os machucaria. Não, isso quem faria era alguém como Adam. O que significava que, de acordo com minhas regras, eu poderia machucá-lo. De muitas maneiras maravilhosas. Pensei em todos elas enquanto esperava o fluxo, aparentemente interminável, de veículos de construção passar. Finalmente, depois de pensar nas técnicas de como quebrar ossos, mas antes de começar a pensar nos diferentes tipos de queimaduras químicas e elétricas, fomos autorizados a prosseguir. É claro que, a essa altura, a moça tinha uma vantagem de dez a quinze minutos sobre mim.
O rastreador piscou na minha tela, movendo-se para o norte. Para onde diabos ela estava indo?
Cinco minutos depois, ela entrou no Jardim Botânico Mercer3. O rastreador parou. Droga.
Quinze minutos depois, passei pelo carro dela pelo estacionamento no Arbóreo Mercer, o pedaço de tecido antifogo debaixo do meu braço. Isso fazia sentido. Um lugar público, enquanto ao mesmo tempo isolado. Uma calçada pavimentada serpenteava pelos jardins botânicos, ramificando-se em uma dúzia de lugares, salpicados de pavilhões, fontes e praças. Eles tinham que estar em algum lugar na calçada. Isso é o que eu faria. Muitas pessoas nas praças. Ele tinha um alvo nas costas e ela provavelmente estava interessada em ficar sozinha com ele, então eles iriam querer pelo menos um pouco de privacidade. Onde eu levaria uma garota bonita que estaria me trazendo dinheiro?
Jardim de Bambus. Fácil de esconder, embora ainda seja pitoresco. Corri mais rápido.
Já estava a dez metros de distância, quando o som de uma motocicleta rugindo à vida veio de perto. Definitivamente dentro do parque. Tinha que ser ele. Quem mais era idiota o suficiente para trazer uma motocicleta para um lugar como este? E agora ele estava indo embora e não havia nenhum dispositivo de rastreamento em sua moto. Eu não podia fazê-lo cair se não podia vê-lo e nunca o pegaria a pé antes que ele rugisse para fora do parque e para a cidade.
Este dia estava cada vez melhor. Adam, quando eu te encontrar, e o farei, com certeza lhe darei uma bela fratura escafoide4 ou duas, sem nenhum custo extra. Mesmo depois de curado, os dias de passeio de moto terminariam. Seria difícil pilotar com os pulsos doendo como o inferno.
Nem tudo estava perdido. Adam decolou, mas a garota estaria a pé. Ela trouxe dinheiro para ele, provavelmente não saberia como encontrá-lo novamente. O rugido da motocicleta veio da esquerda. Ela provavelmente sairia pela praça. Eu acelerei.
Um minuto depois, entrei na praça. Havia uma mulher loira em um banco perto da fonte. Sim, era ela. Nevada Baylor. Ei garota, precisamos conversar. Eu diminuo a velocidade. Não a persiga, não a assuste, lembre-se de passear, agradável e casual. Você é apenas um cara agradável, que vê uma garota bonita e quer conversar com ela. E se ela perguntar sobre o que é isso debaixo do meu braço? Direi: Oh, isso não é um tecido de alta tecnologia à prova de fogo. É apenas um rolo gigante de frutas, você quer um pouco? Não se preocupe, eu sou inofensivo. Não estou interessado em você ou no fato de estar ajudando um assassino que queimou um homem até a morte e usou meu primo para ajudá-lo.
Essa morte estaria para sempre na alma de Gavin. Adam não se importava, mas um garoto de dezesseis anos teria que viver o resto de sua vida com isso.
Ela olhou para cima.
Talvez ela não tenha me visto.
Merda. Ela me viu. Não corra, moça, por favor não corra. Droga.
Eu corri atrás dela. Ela correu pelo parque como se estivesse pegando fogo.
Gritar: ‘Eu não quero machucá-la, só quero capturá-la e sedá-la, para que eu possa levá-la ao meu calabouço secreto de tortura para interrogá-la’, provavelmente não ajudaria. Ela virou na calçada, voltando para a saída. Tão conveniente. Menos pessoas por perto.
A moça era bem rápida, mas eu sabia que a pegaria antes que ela chegasse à loja de presentes na saída do parque. O truque para pegar alguém com tecido é não sufocá-la. Reuni minha magia, realinhando-a. Enrole-a em tecido, pegue-a e leve-a para fora. Limpo e fácil.
Ela se virou.
E agora ela apontava uma arma. Eu realmente não gostava quando as pessoas apontavam armas para mim.
Ela me viu e gritou: — Pare, ou eu atiro em você.
Olhei nos olhos dela. Não, ela não iria atirar em mim. Continuei andando. Mesmo se ela atirasse, outros haviam atirado em mim antes e nunca foi bom para eles.
— Me ajudem, —ela gritou para ninguém em particular.
Não, eles não vão. Não havia uma alma neste lugar que pudesse salvá-la agora. Era tarde demais. Foi por isso que ela puxou a pistola, ninguém iria querer se envolver. E na minha concepção ela havia passado de amiguinha do inimigo para uma ameaça ativa. Agora capturá-la seria um jogo justo.
A moça disparou a arma, não para mim, mas para o alto e em direção às árvores. Deveria ter mirado em mim, moça. Usei minha magia, joguei o cobertor contra ela e a envolvi de forma agradável e firme. Eu a peguei antes que ela caísse no chão e puxei o sedativo para fora.
Lá vamos nós, está quase terminando agora, uma rápida picada e então você poderá tirar uma boa soneca. Eu a levantei no ombro e fui para a saída.
— Ei, —algum idiota de chapéu de cowboy gritou comigo e caminhou em nossa direção. Grande erro, amigo.
— Aconselho não se meter nisso, —eu disse a ele. Olhei para ele, prometendo que se ele desse mais um passo, seria o último. Ele deve ter acreditado em mim porque ele parou de caminhar. Sorte dele.
A moça se mexeu e tentou dizer alguma coisa. Eu a coloquei em meus braços para que eu pudesse ver seu rosto. Os olhos dela estavam arregalados de medo e confusão. Então ela me reconheceu.
— Lou ... lo ... louco.
É isso aí. Como é bom ser reconhecido.
— Louco Rogan, —terminei por ela. É bom que saiba quem eu sou. Isso tornará a próxima parte mais fácil para nós dois, assim eu esperava.
Pouco tempo depois, depositei a Bela Adormecida em uma cama no porão e me preparei para o próximo episódio emocionante, intitulado ‘Hora da Tortura com o Tio Connor’. Poderá o nosso herói quebrar a vontade da amiguinha de Adam e encontrar uma maneira de parar esse maluco antes que ele queime Houston até as cinzas? Sim. Provavelmente. E isso não era uma conclusão precipitada, já que ela acordará tecnicamente presa na ‘Garra’ do Acubens Exemplar. Dessa forma me contará tudo o que sabe, voluntariamente e com gratidão. Embora eu, particularmente, preferiria espremer a verdade dela como se espreme água de uma toalha molhada.
Felizmente, não chegará a isso. Acordar acorrentado ao chão geralmente era suficiente para colocar a maioria dos meus ... convidados em um estado de espírito suficientemente cooperativo. O motivo é que a maioria das pessoas, mesmo em uma cidade grande como Houston, se sente segura. A idéia de que elas podem ser tiradas da rua, sequestradas e mantidas em um local remoto, sujeitas a questionamentos intensivos ou mesmo tortura, é absurda. Ninguém nunca espera que algo assim aconteça com ele. Então de repente, acontece. E isso aterroriza qualquer um. A ilusão de segurança dessas pessoas é roubada e elas farão de tudo para recuperá-la. Primeiro vem a indignação, depois o entendimento e logo o desespero. Alguns lutam, outros choram, eventualmente todos desistem. Ninguém jamais resistiu à ‘Garra’ ou à pressão que eu poderia exercer sobre eles, pelo menos não por muito tempo.
Nevada Baylor não seria diferente. Ela ainda estava dormindo profundamente. Com base em seu tamanho e idade aproximados, a moça deve ficar inconsciente por pelo menos mais uma ou duas horas. Tempo suficiente para preparar tudo. Tirei meu traje civil e vesti minhas roupas de trabalho, um par de calças largas de seda escura. A seda é propícia ao fluxo mágico. Depois, desenhei cuidadosamente símbolos mágicos em minha pele. Eles me ajudarão a canalizar toda a minha magia e minha força de vontade para dentro do círculo que nos conectará e terá o benefício adicional de me fazer parecer um maníaco louco com alguns poderes obscuros indizíveis.
Tudo era um ritual. Construir o feitiço, desenhar o círculo, tudo exigia habilidade e precisão, prática e repetição. De certa forma, era quase meditativo, era como passar pelas etapas complicadas de um kata5. Em algum momento, a mente consciente se desligava e passava a confiar na memória muscular e na recordação. Esse círculo em particular levou duas semanas de trabalho. Eu o havia preparado para um problema anterior com o qual tive que lidar, mas o problema se resolveu sem a necessidade de recorrer ao círculo, então planejei usá-lo em Adam Pierce. Como Adam não estava por perto, sua admiradora apaixonada era a próxima melhor coisa.
Depois que eu coloquei a moça no lugar correto e sentei-me no meu lugar, fechei os olhos e ‘percorri’ psiquicamente por todo o círculo elaborado. Os círculos eram familiares e, mesmo que tivessem fora do lugar por um centímetro, eu saberia imediatamente.
Não, todas os círculos estavam impecáveis. Prontos para fazer o trabalho deles. Com alguma sorte, não seria necessário. Eu esperava que a Senhorita Baylor fosse pelo menos sensata. Preferiria não usar meu poder nela. Seria muito mais fácil se ela apenas respondesse minhas perguntas e não me obrigasse a quebrá-la. O círculo era a maneira menos dolorosa de extrair informações, mas não era agradável. Ainda assim, ela optou por se envolver com Adam e quem iria decidir se as próximas horas seriam fáceis ou difíceis, seria inteiramente ela.
Enquanto esperava que a moça acordasse, gradualmente alimentei minha magia na ‘Garra’. Lento e constante. Se eu fizesse isso muito rápido, esgotaria. Não era uma corrida de cem metros, era mais como uma maratona, ou como planar no ar por horas sem cansar ou diminuir a velocidade. Mesmo que ela resistisse, duvidava que fosse necessário mais do que uma fração da minha magia para subjugá-la.
Ainda de olhos fechados, eu soube o momento em que ela recuperou a consciência. Esperei que ela falasse, que descobrisse onde estava e o que estava acontecendo. Melhor não apressar essas coisas. Nós nos olhamos e ela tentou se levantar. Tentou e falhou.
— Você me acorrentou no chão. —Havia um tremor em sua voz, medo ou raiva?
— O que dá a você o direito, —continuou quando eu não respondi, — de me pegar na rua e me acorrentar no seu porão sujo?
Sujo? Nada na minha casa era sujo. E eu a peguei em um parque para ser mais preciso. O que me dá o direito? Eu posso. Isso é o suficiente. Nada disso realmente importava. Ela precisava entender a gravidade da situação. Quanto mais rápido percebesse o que estava acontecendo, mais rápido eu obteria minhas informações e todos poderíamos seguir seus caminhos separados.
— Você sabe o que é isso? —Perguntei.
Claro que ela não sabia, mas então, por que deveria saber? Poucas pessoas que não faziam parte das Casas poderosas estavam familiarizadas com a Garra. Até mesmo poucas Casas possuíam pessoas capazes de desenhar o círculo da Garra corretamente. A moça parecia estudar cuidadosamente o círculo elaborado em que estava no centro. Será que reconheceu o círculo? Certamente não.
— Para um Acubens Exemplar funcionar é preciso um telepata. Você é um Telecinético.
Como diabos ela sabia disso? Não importa. Perdemos tempo demais, era hora de começar a trabalhar. Alimentei um pouco mais de magia no círculo para chamar sua atenção e ir direto ao ponto.
— Quero saber tudo sobre Adam Pierce. A localização, os planos, os planos da família dele para ele. Tudo. —Hora de cantar, passarinho.
Ela cruzou os braços sobre o peito. — Não. Primeiro, fui contratada para encontrar Adam Pierce e meu cliente espera que eu mantenha a confidencialidade. Segundo, você me atacou e me acorrentou ao chão. —Ela balançou as pernas como se quisesse enfatizar o fato de que eu havia algemado seus tornozelos em restrições permanentemente instaladas no chão. O que eram para a própria segurança dela. Tentar ultrapassar linhas de um círculo ativo, doía. Se o círculo fluísse energia suficiente, no momento em que ela tocasse os limites, o círculo a deixaria inconsciente, e esperar até que ela acordasse novamente levaria muito tempo.
A moça me encarou. Bem, ela tinha coragem e, por mais que eu admirasse sua coragem, isso significava que não faríamos isso da maneira mais fácil e agradável. Que pena.
— Não quero machucar você, —expliquei. Só quero as informações. Forçá-la não me dá prazer.
Não mesmo. Eu não gostava de torturar. Realmente não gostava, principalmente por que já fui torturado. Mas, no entanto, aqui estávamos nós, ela acorrentada ao chão e eu tentando convencê-la a falar, tentando não forçá-la.
— Se não gosta de me forçar, deveria me deixar ir embora.
Não, eu não penso assim. Tive muitos problemas para localizá-la e ela era meu único elo com Adam. A moça sabia quem eu era, estava acorrentada ao meu porão e sabia o que o feitiço fazia, mas não estava histérica nem chorava. Ela não me implorou para libertá-la. Eu calculei mal. A moça não é uma amadora. Era profissional e a maioria dos profissionais era pragmática.
— Diga-me o que quero saber e você poderá ir embora daqui. — Bem, o mais provável é que eu iria drogá-la, vendá-la e deixá-la em algum lugar seguro, mas isso não parecia tão bom.
— Não. Seria antiético e antiprofissional.
Sorte minha, uma Investigadora honesta.
Ela jogou o corpo para frente e me lançou um olhar desafiador. — Está bem, cara durão. Vamos ver o que você pode fazer.
Escolheu o caminho mais difícil, moça. Que assim seja. Alimentei um pouco mais de magia no círculo. Vamos acelerar o ritmo e ver se você consegue acompanhar. Dei-lhe um aperto suave na mente, não muito, mais como um aviso.
Ela me barrou e me empurrou.
Bem, alguém parece ter um pouco de poder. Isso não vai ajudar, não será suficiente.
— Adam Pierce, —eu disse.
Era como apertar a magia dela em um punho. Cada vez que eu repetia o nome de Adam, apertava o punho um pouco mais. Contraia e relaxava. O objetivo não era esmagar sua mente, isso a tornaria inútil, era mais seguro desgastá-la, esgotá-la mental e fisicamente. Ela iria quebrar. Todos quebravam eventualmente.
Minha magia encontrou a parede dura de sua vontade. A moça olhou para mim. — Vá à merda.
Acho que faríamos da maneira mais difícil, afinal.
O eventualmente estava demorando muito. Eu estava ficando cansado. O porão estava quente como o inferno e, embora ela tivesse tirado a camiseta e suando profusamente, a Senhorita Baylor não mostrava sinais de rendição. Como ela estava fazendo isso? Tinha que estar exausta. Eu tinha quebrado Significativos em menos tempo.
— Você é rico, certo? —Ela parecia cansada. Pelo menos não era só eu.
— Sim. —Tentei manter minha voz o mais normal possível. Não poderia deixá-la saber que eu estava quase exausto.
— Não poderia colocar ar-condicionado aqui?
— Não esperava ficar aqui por horas. Mas se estiver com muito calor, fique à vontade para tirar o sutiã. —Alguém imaginaria que ela tentaria me subornar ou me distrair com o par de seios. Nada disso. Ela me mostrou o dedo do meio. Infelizmente.
— O que você é? —Sequestrei uma Significativa extremamente bem treinada? Ou não tinha prática, mas era poderosa ... não. Havia muitos benefícios em ser um Superior. Ela usaria sua magia e se entregaria. Se fosse uma Superior, não estaria hipotecando seus negócios com Augustine.
— Sou a mulher que você acorrentou no seu porão. Sua prisioneira. —Ela me olhou. — Sua ... vítima. Sim, essa é a palavra correta. Toda essa educação. Como ninguém lhe explicou que você não pode simplesmente sequestrar as pessoas a seu bel-prazer?
Ela não entendeu a pergunta, mas o argumento dela era válido. Eu posso e fiz, a sequestrei porque ninguém havia a ensinado como se proteger para não ser sequestrada.
— Você teve um segundo completo para atirar em mim.
Ela hesitou e agora eu a peguei. Bem aqui.
— Não atiro em estranhos a não ser que a minha vida esteja claramente em perigo. Naquele momento para mim, você poderia ser um policial designado para o caso Pierce. Se eu atirasse, precisaria estar preparada para a possibilidade de matar meu alvo. Além disso, disparar uma arma de fogo em local público é uma irresponsabilidade.
Finalmente. Adam Pierce apareceu, mas ainda não estávamos falando sobre ele.
— Uma calibre 226 balança as roupas no varal. Por que usar uma dessas? —Um dia ela poderia atirar em alguém com essa arma e irritá-lo seriamente.
Ela se inclinou para trás e eu ouvi sua coluna estalar. Não fiquei surpreso. Estávamos nesse embate por horas e era bom fazer uma pequena pausa.
— Porque não atiro a não ser que seja para matar. Um calibre maior faria um buraco no alvo e sairia dele, possivelmente ferindo pessoas inocentes. Um calibre 22 entra no corpo e se aloja lá dentro, transformando seu interior em hambúrguer. Tiros de pequenos calibres no peito e no crânio são quase sempre fatais. Se eu soubesse que você ia tirar uma linda fita da manga como um mágico de meia-pataca, me amarrar com ela e se divertir com o seu fetiche de tortura mental no seu porão, eu teria atirado em você, muitas vezes.
Era assim que ela se lembrava do que aconteceu? Talvez eu tenha danificado sua mente.
— Mágico de meia-pataca? —Teimosa ou estúpida?
— Homens como você gostam de ser elogiados.
Certo, talvez fossem as duas coisas. Acabou a conversa. Estava na hora de terminar isso. Certo, princesa, acabou e você realmente não vai gostar dessa próxima parte. Apertei-a como um torno, convocando minhas reservas.
— Eu quebrei Magos Significativos com essa armadilha. —Ela não seria diferente. — Vou quebrar você.
— Você pode até tentar.
Ela ainda estava lutando. Droga. A mulher deveria ter cedido a essa altura.
Flexionei e derramei toda a minha força e magia restante no círculo. Não iria mais apertá-la, agora iria bater, como se bate em um saco de box. Coloquei tudo em cada golpe e me imaginei quebrando e desmoronando as paredes mentais e toda resistência dela. Eu estava esgotado. Não aguentaria isso por muito mais tempo, mas ela também não.
— Desista. —Falei entre os dentes.
A voz tremeu de tensão. — Você primeiro.
Maldita seja.
Foi-se qualquer sutileza, qualquer arte. Fui com toda a raiva e vontade.
Golpeei forte, Adam Pierce.
Expirei.
Golpeei mais forte, Adam Pierce.
Meus braços ficaram tão pesados que eu mal conseguia mantê-los. Minha cabeça estava começando a pender. Mas ela também estava danificada. Eu podia sentir suas defesas desmoronando. As paredes estavam caindo.
Quase lá. Eu estava tão perto que podia sentir o cheiro de sangue. Nunca demorou tanto tempo antes. Meu nariz sangrou.
— Desista.
— Você primeiro, —ela resmungou.
Diga-me o que você está escondendo.
Conte-me.
Conte-me ...
As defesas dela estalaram. Sim! Sim, diga-me.
— Quando eu tinha quinze anos, encontrei a carta que diagnosticava a doença do meu pai. Ele viu e me fez prometer não contar a ninguém. Eu guardei o segredo dele por um ano. Sou a razão pela qual meu pai morreu antes do que deveria morrer. Se eu tivesse contado à mamãe, poderíamos ter começado o tratamento um ano antes. Eu sou a culpada. Não contei. Não contei a ninguém até hoje, porque sou uma covarde.
A magia explodiu e de repente o círculo foi banhado por uma luz brilhante. Então ele morreu, gasto e quebrado.
Porra.
Ela me derrotou. Em vez de informações sobre Adam Pierce, ela me deu um segredo, algo tão pessoal que escondeu de todos por anos. Ela sacrificou o segredo ao círculo e agora a magia do feitiço se foi.
Nevada Baylor caiu no chão.
Eu a matei? Ela parecia morta. Merda. Realmente estraguei tudo.
Fiquei de pé. Meu corpo todo doía como se tivesse passado por um triturador. Fui até ela através das linhas inertes do círculo. Nevada não se mexia.
Droga. — Não morra, sua idiota.
— Foda-se você também, —ela murmurou.
Viva.
O alívio passou por mim. Havia uma diferença entre matar em combate e assassinar um civil e eu não queria acrescentar assassinato ao meu currículo.
O suor a encharcou. O quarto estava quente como o inferno. Ela tinha que estar desidratada. Peguei meu cantil7 velho, levantei a cabeça e tentei colocar o conteúdo em sua boca. Mesmo exausta resistiu. Deuses, a mulher nunca desiste, nunca desiste. Ela apertou os dentes com força. Não havia desistência nela, mesmo agora.
— É água, sua idiota teimosa, —rosnei. Por que tinha que tornar tudo tão difícil?
Forcei sua boca a abrir e derramei um pouco de água, não muito ou se engasgaria. Ela conseguiu um pouco e depois se afastou novamente. Pelo jeito não haveria necessidade de sedá-la. Estava exausta, mas iria viver.
Bom show, Major. Vamos colocar isso na estante de seus feitos, em frente à prateleira de derrotas, que incluem o sequestro de uma mulher aleatória de parques públicos em plena luz do dia e na frente de várias testemunhas, levando-a para casa, acorrentando-a em sua masmorra e forçando-a a confessar a sua mais profunda e sombria vergonha. Seu segredo. Um que tinha absolutamente zero a ver com Pierce e não ajudava em nada. Bem, a noite era uma criança, talvez depois de levar a moça para casa, você possa encontrar um bom orfanato e destruí-lo totalmente. Talvez possa ler os destroços do orfanato como ser ler folhas de chá8 e procurar algumas pistas sobre o paradeiro de Adam.
Olhei para a mulher em meus braços. — O que vou fazer com você, Senhorita Baylor? Talvez devêssemos atribuir isso ao pior primeiro encontro de todos e levá-la para casa. Parece bom para você? —Ela não fez nenhum protesto.
Eu a carreguei e chamei um médico.
Meia hora depois, após o diagnóstico de exaustão com prescrição de líquidos e repouso, a levei de volta para sua casa. Ela estava caída no banco do carro. Conseguimos vestir sua camiseta novamente. É surpreendentemente difícil vestir uma pessoa inconsciente. O resultado não foi ótimo, mas era melhor do que deixá-la desmaiada só de sutiã na porta de sua casa. Levei-a até a porta, a abaixei no chão, toquei a campainha e fui para o meu carro.
Nevada Baylor, pelo menos uma Significativa que não estava registrada, que morava no armazém e que era minha melhor pista para Adam Pierce. Eu daria um sossego a ela hoje à noite. Mas amanhã teríamos coisas a discutir.
Rogan POV de Wildfire
(Fogo Selvagem)
O voo de Houston para o aeroporto executivo de Austin9 foi curto, com menos de meia hora no ar. Levaria mais tempo para ir do aeroporto ao complexo de Adé-Af?f? em Costa Bella. Na maioria dos dias, preferia apenas dirigir, mas precisava voltar a tempo do grande encontro de Nevada com Garen Shaffer. Não sei por que ela teve que aceitar esse encontro. Eu poderia dizer a ela como seria, poderia dizer o que ele diria a ela.
‘Oh, Nevada, você é tão bonita, e eu sou tão bonito e rico, mencionei que eu era rico, sei que você não é, mas tenho o suficiente para nós dois. Vamos nos casar e fazer descendentes poderosos e bonitos. Venha comigo Nevada, case-se comigo e viva uma vida segura, confortável e perfeitamente entediante.’
O que Garen não prometeria, o que ele não poderia mentir, especialmente para ela, era amor. Não, o que Garen realmente estava oferecendo era um acordo comercial. Era mais uma união do que um casamento. Um, que, por mais que eu odiasse admitir, fazia sentido. Nevada era uma Buscadora da Verdade Superior, mais forte que Garen ou qualquer outra pessoa de sua família. O que Garen ofereceria era a proteção e a segurança financeira que iria vir de fazer parte de uma Casa estabelecida e respeitada. O que o homem estava oferecendo valia milhões, mas o que pedia em troca não tinha preço. A Buscadora da Verdade mais poderosa de sua geração, a lendária criança há muito perdida da casa Tremaine. Ou mais especificamente, o DNA dela. Os filhos potenciais que sua união produziria.
Não seria assim que Garen apresentaria sua proposta, é claro. Ele usaria termos como parceria, família e potencial. Talvez o homem até realmente quisesse isso, mas Shaffer e eu sabíamos do que a sua Casa precisava acima de tudo. Algo que a riqueza e a reputação de sua família não podiam comprar era a garantia de filhos Superiores. O talento deles era raro e, a menos que a Casa Shaffer quisesse começar a casar primos com primos, Garen tinha que encontrar uma família igualmente poderosa de Buscadores da Verdade ou enfrentar a possibilidade real do talento e o poder da Casa diminuir a cada nova geração.
Claro, eu não contei nada a ela. Por que deveria? Nevada sabia como eu me sentia sobre isso, mas a decisão tinha que ser dela. O que eu queria, talvez o que ela queria, não importava. No final, a mulher que amo, que achava que me amava, faria o que era melhor para sua família e para o futuro da Casa Baylor. E eu não poderia fazer nada sobre isso.
Não, melhor me concentrar no que eu vim fazer aqui. No trajeto do aeroporto até a mansão Adé-Af?f?, pensei em como melhor abordar o Clã de Magos do Tempo. Bem respeitada, com uma reputação de neutralidade e negociação justa, a Casa Adé-Af?f? raramente se envolvia na política das Casas Superiores. Eles vieram para o condado de Travis10 décadas atrás, durante a pior seca que se poderia lembrar. O lago Travis11 ficou abaixo de cento e cinquenta metros, volume mais baixo da história registrada. As plantações secaram, os incêndios se espalharam, as florestas de especiarias queimaram. Finalmente, o conselho da cidade de Austin enviou um grito de socorro a qualquer pessoa, seja cientista ou Mago, que pudesse acabar com a seca. Semana a semana, o lago ficava cada vez mais vazio, e a recompensa pela ajuda aumentava, mas ninguém havia aparecido ainda. Temperaturas aumentaram. Finalmente, quando parecia que nunca mais iria chover, os Adé-Af?f?’s. Coroados pelo vento, em sua língua nativa Iorubá, apareceram e com eles vieram as nuvens de tempestade. Antes da tempestade, alguns riram, outros zombaram, mas enquanto a tempestade se agitava, os adultos dançavam como crianças pequenas na chuva. Os Magos do Tempo foram aclamados como salvadores e recompensados com dez acres no lago que haviam resgatado. Como a área prosperou, a Casa Adé-Af?f? também. Em uma estrada particular e atrás de um portão enorme, ficava a mansão de calcário branco puro de quase cinquenta mil metros quadrados que o Clã chamava de ‘Ilé M?l?bí’.12
Quando subi a escada, a pesada porta ornamentada se abriu. Táy? Adé-Af?f? saiu e me puxou para um abraço de urso. O que foi muito diferente da primeira vez que conheci o filho mais novo da Casa Adé-Af?f?. Quando entrei na primeira turma da sexta série, ele esvaziou uma lata de lixo na minha cabeça.
Táy? sorriu. — Connor. Mamãe disse que você viria falar com papai. Que o grande herói de guerra e o dramático recluso iria dar o ar da graça em nossa humilde morada. Deve ser algo para fazê-lo quebrar seu exílio auto-imposto.
— Ainda é o mesmo rei dos problemas do ensino médio, Táy??
— Dificilmente, e é Doutor Af?f? para você, soldado Rogan.
— É Major, e desde quando eles dão Doutorados para comediantes?
— Ciências do clima, na verdade, e estamos todos orgulhosos do seu serviço militar, Connor. Ah, eu também senti sua falta. Como estão as coisas em Houston?
— Não muito bem, —eu disse a ele, — esperava poder falar com seu pai para me emprestar ?m? T?lá por um tempo.
— T?lá? —Ele pareceu surpreso: — O que você quer com minha linda prima? Porque se colocá-la em perigo, quebrarei todos os ossos do seu corpo. E não estou brincando dessa vez. Será como no ensino médio novamente. Você terá que voltar a Selva Ondo para se esconder de mim.
Antes que eu pudesse responder, uma voz profunda ecoou pela casa. — Arákùnrin, se você já terminou sua tolice, traga o nosso convidado ao escritório.
Táy? colocou um olhar de horror fingido e fingiu se encolher. — Sim, pai. —Ele se virou para mim e sussurrou, — hora de irmos.
Segui meu amigo pelo saguão e entrei em um corredor à nossa esquerda até um conjunto de portas duplas de vidro. Táy? parou diante das portas, bateu duas vezes e esperou.
Um momento depois, a mesma voz estrondosa ordenou: — Entre.
Táy? abriu a porta virada para mim, murmurou ‘Boa sorte’ e me conduziu para dentro. Depois que entrei, ele fechou a porta atrás de mim e ficou do lado de fora.
Adépérò Adé-Af?f? estava encostado na parede oposta da sala, em frente a uma enorme lareira de mármore. Acima, havia um brasão: um escudo preto entre dois raios brancos com uma águia vermelha no topo. O chão, as paredes e estantes de livros embutidas, até o teto parecia do mesmo mogno. Cadeiras de couro estofadas e um sofá combinando estavam em cima de um requintado tapete persa. Um honesto escritório inglês à moda antiga. Talvez depois de discutirmos a minha situação, possamos tomar conhaque e fumar charutos enquanto debatemos o estado atual do Império Britânico13.
— A Casa Rogan nos honra com esta visita, —ele entoou formalmente, — como podemos ajudá-lo, Connor?
Adépérò parecia quase exatamente o mesmo da primeira vez que o conheci, quando meu pai me trouxe aqui para negócios da família, há quase vinte anos: alto, esbelto, careca e barbeado, com a pele escura esticada sobre as maçãs do rosto proeminentes. O mesmo olhar pensativo e penetrante e, ao contrário do filho, era um homem estoico. Eu sabia que ele tinha 58 anos, mas parecia um homem com quarenta e poucos anos em forma. Quando ele apertou minha mão, o aperto era firme e os músculos de seu braço rolaram sob a camisa branca simples e folgada. De acordo com Táy?, seu pai era, desde criança, um praticante de Dambe14 e Lutte Traditionnelle15, boxe e luta livre da África Ocidental. Eu me perguntei por um momento se eu poderia lutar com ele e vencê-lo. Sim, com certeza eu poderia. Mas talvez espancar um velho em sua casa provavelmente não fosse a melhor maneira de conseguir um favor dele. Melhor seria bajulá-lo.
— Senhor Adé-Af?f?, o senhor parece muito bem.
— Obrigado, Connor, assim como você. Agora, o que podemos fazer pela Casa Rogan?
Direto aos negócios então.
— Vim pedir um favor. Alexander Sturm está planejando desencadear uma tempestade em Houston e eu gostaria da ajuda de sua família para evitá-la. Especificamente, a ajuda de Omotola Ogidan. É claro que eu pagaria pelos serviços dela e garantiria seu retorno seguro.
Adépérò franziu o cenho. — Por que Sturm faria isso? O que ele espera ganhar?
— É um assunto particular entre nossas Casas.
— Sim, conhecemos bem a história de suas Casas, Connor. Sabemos como seus pais lutaram. A destruição, a perda de vidas dos dois lados. E aqui estão vocês dois anos depois e não aprenderam nada. O que vocês ganham com essas pequenas guerras particulares? E por que acha que minha Casa iria ajudá-lo?
— Porque se não me ajudar, Sturm evocará um tornado tão grande que o número de mortos em Houston e nos arredores será catastrófico. Ele acha que eu tenho algo que não tenho, e está ameaçando nivelar a cidade e me culpar por isso.
— Desculpa, Connor, mas isso não faz sentido, não acredito que nenhuma Casa, nem mesmo a Casa Sturm, destruiria uma cidade por vingança. O conselho o caçaria como um cachorro. Ele seria um fugitivo, todas as mãos viradas contra ele. Além disso, o que você está descrevendo exige uma quantidade enorme de tempo e poder. Nós não criamos tempestades, Connor, as persuadimos, dirigimos ou as desviamos. A atmosfera não é um ambiente isolado. Quando alguém convoca chuva em um ponto, em algum lugar haverá uma seca em outro. Quando o pai dele atacou o seu, usou uma célula de tempestade existente. Ele a empurrou e depois guiou o tornado resultante. No momento, não há condições favoráveis à criação de tornados, o que significa que Sturm precisaria fabricá-lo do nada, literalmente, arriscando consequências que ninguém pode prever. Nós, que ajustamos o clima, não fazemos isso. É impensável. Você tem alguma prova disso?
— Nenhuma, —eu admiti. — Ele ameaçou fazer isso e meu instinto me diz que ele fará.
— Seu instinto?
Eu estava perdendo essa batalha. — Mas isso poderia ser feito? Você poderia criar uma tempestade?
A raiva brilhou nos olhos dele. — Eu poderia. Mas nunca faria. Viemos aqui, estrangeiros nesta terra desconhecida, sem nada, a não ser nosso poder e nosso orgulho. Fomos recebidos e prosperamos, —ele acenou com a mão para indicar a bela casa, — porque ajudamos as pessoas. Não corrompemos ou abusamos de nosso dom. Fazemos negócios com as outras Casas, como fizemos com seu pai, mas nunca nos envolvemos em política das Casas ou intrigas. Por isso, somos deixados em paz. Essa briga entre você e Sturm é, como você disse, um assunto particular. Se fizermos isso por você, intercedermos diretamente em seu nome, não seremos mais vistos como neutros, seríamos vistos e com razão, como seu aliado e seus inimigos seriam nossos. Isso eu não farei.
— Entendo. Obrigado pelo seu tempo.
— Jovem, você não me permitiu terminar. Em consideração ao seu pai e porque meu filho fala muito bem de você, considerarei seriamente o que você está pedindo. Entrarei em contanto com conhecidos para descobrir mais sobre Sturm e, se necessário, enviaremos alguém para investigar suas reivindicações. Se descobrirmos que o que me disse é verdade, enviarei alguém para ajudar. Não porque nos sentimos obrigados a interceder em seu nome, mas porque o que você está descrevendo é uma abominação. Se um de nossos membros escolher brincar de deus, faremos tudo o que pudermos para impedir que a cidade e seu povo sejam prejudicados. Agora, uma pergunta: você irá se juntar a nós para jantar, Connor?
Acho que era isso então. Não foi como eu esperava, mas era melhor que nada.
— Obrigado, mas não. Receio ter um compromisso muito importante hoje à noite em Houston e não posso me atrasar.
— Você dirigiu ou voou?
— Eu voei.
— Pegue um carro, —ele sugeriu.
— Por quê?
— Porque uma tempestade de granizo está se formando entre Austin e Houston, e você levará muito tempo para contorná-la.
Olhei para fora da janela, para o dia cheio de sol.
Adépérò sorriu. — Eu esqueci de mencionar mais cedo, a razão pela qual minha esposa não está aqui hoje é porque ela está em um Festival de Arte para Estudantes ao ar livre no Zilker Parque16. Nossa neta mais velha se apresentará. Seria uma pena estragar a apresentação dela.
Ilona Andrews
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