Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
Série Pine Creek Highlander
Volume 5
SÓ COM UM HIGHLANDER
Passaram trinta e oito anos desde que o velho feiticeiro druida, Pendaär lançasse um feitiço para transportar certo laird escocês do século XII ao presente. Só ele e uma mulher da época atual poderão engendrar o filho que se transformará no sucessor de Pendaär. O feiticeiro é muito velho e seus poderes enfraquecem a olhos vistos. O feitiço que lançou não só influiu em Greylen MacKeage... Como também a outros nove homens e seus cavalos de batalha. Mas essa história já foi contada. Esta é a história da sétima filha de Grei e Grace MacKeage, Winter, nascida faz vinte e cinco anos do último solstício de inverno. Winter vive com seus pais e sua irmã, Megan, e dirige uma galeria de arte em Pene Creek em que expõe a obra de artistas locais, incluídas suas próprias pinturas sobre temas da natureza. Um dia no fim de setembro, um homem assombrosamente masculino entra na galeria e faz uma oferta por "Observadores da lua", um quadro de Winter sobre um urso e seus filhotinhos. Ele tenta comprar seu esboço sobre um filhote de pantera, mas se decide por outra pintura e pela ajuda de Winter para localizar uma convocação de ursos de montanha. Parece que o homem, Matheson Gregor, comprou a montanha e quer que ela, com seus dotes de artista, ajude-o no desenho de sua casa. Winter se sente intrigada por Matt; ele é o primeiro homem que lhe inspirou algum tipo desejo. De modo que concorda em ajudá-lo e levar Megan consigo, apesar das suspeitas de seu pai, que ainda possui o coração de um guerreiro das Highlanders. Pendaär, agora conhecido como pai Daar, vive sozinho na montanha TarStone, aguardando o momento em que possa passar seus poderes a Winter. Mas agora sente uma mudança que poderia significar o fim da humanidade e estima que chegou o momento de Winter saber quem é e tome completa posse de seus poderes.
Winter MacKeage perdeu o fio da conversa assim que apareceu aquela grande figura masculina. Entretanto, Rose continuou falando, alheia ao feito de que o homem mais bonito que já tinha pisado em Pene Creek, acabava de parar diante a vitrine da galeria de arte de Winter para olhar o quadro que pendurava ali. Dando uma cotovelada no braço, exigiu:
—Diga que tenho razão: diga a Megan que ninguém cochicha a suas costas… Ei! — Rose subiu o tom de voz ao tempo que a agarrava pela manga para voltar a colocá-la na conversa — Sua irmã acredita que todo o povoado se compadece dela.
Winter afastou o olhar da divina aparição da vitrine e, piscando, olhou a Rose e a sua irmã Megan enquanto tentava recordar do que falavam.
Rose deu um suspiro.
—Maldição, Winter, me ajude. Diga a Megan que não é a fofoca do povoado.
Por fim, Winter olhou diretamente nos olhos cheios de lágrimas de sua irmã e assentiu.
—Talvez, é verdade que todo mundo fala de você, Meg… — Disse — Mas só porque vai pela rua com a pinta de uma boneca de pano que tivessem deixado todo o verão sob a chuva.
Aproveitando o puxão da manga, Rose deu a Winter um ligeiro empurrão.
—Isso não me serve! — Espetou, zangada.
Winter se afastou, cruzou os braços e, sem fazer caso de Rose, deu um olhar feroz a Megan.
—Sempre tem a face tão baixa que é um milagre que não te pise no queixo. Anda por aí arrastando os pés como um cachorrinho espancado. — Alargou a mão para acariciar o caído ombro de sua irmã e depois prosseguiu em tom mais doce — A gravidez não é uma doença, Meg, nem tampouco o fim do mundo. A única que tem pena de você por aqui é você, e se não mudar logo, seu bebê nascerá fazendo um bico que ficará para sempre.
De um tapa, Megan MacKeage limpou as lágrimas da vermelha face e recebeu com um olhar assassino o sorriso cheio de ternura de Winter.
—Talvez se disser isso quando romperem seu coração e volte correndo a casa porque o amor de sua vida te tenha abandonado depois de dizer que ia ter a seu bebê — Disse em tom crispado.
Winter a pegou pelos ombros e se inclinou mais perto.
—Eu te amo, Meg; mamãe e papai a amam; Rose te ama… Aqui em Pene Creek todo mundo te ama. Olhe que, entre um milhão de pessoas carinhosas, um tolo imbecil não te ame não compensa o que você mesma está se fazendo passar. Wayne Ferris é uma raposa intrigante, muito imbecil para valorizar quão maravilhosa é. Tem que se esquecer dele, Meg, e se concentrar em seu filho. Estar todo tempo deprimida e chorando fará que seu bebê ainda por nascer acredite que não o quer.
Megan olhou mais à frente do ombro de Winter sem centrar-se em nada, enquanto o lábio inferior tremia e os olhos voltavam a encher-se de lágrimas. Depois dirigiu a Winter um olhar cheio de desespero.
—Eu acreditava que me amava — Sussurrou — Ele dizia que me amava…
Winter apertou com suavidade seus ombros.
—Amava o que você fazia por sua carreira — Disse igual de baixinho — Mas acampar durante meses não combina bem com os bebês. Que Wayne escolhesse…
Nesse momento, o tinido da campainha da porta atraiu a atenção de todas. Justo quando começava a voltar-se, Winter reparou em que Rose tinha a vista cravada na porta com uma expressão de absoluta incredulidade; Megan também tinha os olhos igual de abertos e, além disso, tinha a boca aberta… E quando acabou de dar a volta, Winter inclusive deu um passo atrás. Quem não sentiria um murro na barriga ao ver-se na presença de uma masculinidade tão incrivelmente… Viril? Aquele homem era impressionante.
E, pelo visto, isso expos um imediato problema a ela, que nem sequer reagiu quando o alto e atraente desconhecido a saudou com a cabeça. Embora sim que ouviu suspirar Rose e notou que Megan batia com o dedo nas costas.
—Bem… Que deseja? — Disse Winter por fim.
Uns enigmáticos olhos, dourados como os de um tigre, olharam-na, e Winter necessitou toda sua força de vontade para não recuar outro passo. O homem quase não se moveu da porta, mas dava a impressão de encher toda a ampla galeria.
—O quadro da vitrine é de uma artista local? — Perguntou ele.
O sonoro e profundo som de sua voz fez que Winter se estremecesse, mas outra forte espetada nas costas fez que começasse a respirar de novo.
—Ah, sim. A artista vive aqui mesmo, em Pene Creek — Disse enquanto com um gesto assinalava a parede oriental da galeria — Quase todos os quadros são dela. Tudo o que vendemos é de artistas locais…
As últimas palavras as pronunciou quase em um sussurro, incapaz de afastar a vista do bronzeado e formoso rosto, de tipo duro, do desconhecido.
Ele se limitou a devolver o olhar com os olhos pregados de regozijo.
—Olhe por aí quanto queira — Acrescentou ela com outro gesto desinteressado, agradecendo que a voz soasse normal desta vez — E me pergunte o que quiser.
Ele a saudou com uma leve inclinação de cabeça e disse obrigado antes de dirigir-se à parede dos quadros.
Depois que o desconhecido afastou a vista, Winter girou sobre seus calcanhares para olhar de frente Megan e Rose, embora nenhuma das duas se fixasse em seu feroz olhar de advertência porque estavam muito ocupadas contemplando-o boquiabertas. Preocupada se por acaso dava a volta e as pegava, Winter as agarrou por um braço e as levou empurrando para frente até a sala dos fundos.
—Já chega — Disse com tom crispado e em voz baixa — Estão sendo grosseiras.
—Viu quão largos tem os ombros? — Sussurrou Rose, estirando o pescoço para voltar a olhar para a galeria.
Sem soltá-las, Winter se afastou mais da porta.
—Rose Dolan Brewer, é uma mulher felizmente casada, com dois filhos… Não deveria te fixar nos ombros de outros homens.
Rose sorriu.
—Posso olhar, sempre que não toque.
—Viram seus cabelos? — Sussurrou Megan, ainda com os olhos muito abertos e sem rastro de lágrimas — Vai com um terno que provavelmente custe mais que todo meu guarda roupa, mas usa rabo de cavalo. Que homem de negócios usa o cabelo comprido?
—E esses olhos... — Interveio Rose antes que Winter pudesse responder —… Têm uma cor tão intensa como os lingotes de ouro. Afrouxaram-me as pernas quando te olhou, Winter.
—Isto é o cúmulo. Fora — Disse Winter, ao tempo que as empurrava por volta da porta que comunicava a sala dos fundos de sua galeria com a Armería de Dolan — Vão espantar meu cliente mais prometedor de hoje.
Passando os dedos pelo curto cabelo castanho, Rose soltou um bufo e se meteu em sua loja. De caminho, murmurou:
—Duvido que nada assuste a esse homem… Mande-o a minha loja depois. —Enquanto alisava a blusa se voltou a olhar a Winter; em seu rosto havia um descarado sorriso — Já o… Bom, já buscarei uma roupa mais adequada para este lugar.
—Acreditam que terá vindo nesse avião que chegou antes? Vimo-lo descer para aterrissar no aeroporto, e parece um avião particular — Megan soltou um suspiro — Meu Deus, que bonito é… Talvez devesse ficar para te ajudar a pôr as esculturas que Tom o Falador trouxe esta tarde.
Winter não teve coragem para recordar a sua irmã que só um mês antes, ao voltar do trabalho de campo do Canadá, abandonada e grávida de dois meses, tinha jurado renunciar os homens, fossem bonitos ou não. Era muito agradável vê-la ruborizada por algo que não fossem as lágrimas.
—Obrigado — Disse com um carinhoso sorriso — Mas acredito que esperarei até amanhã para colocar as esculturas de Tom.
Megan deu um último olhar em direção à porta da galeria, deu outro suspiro e depois seguiu Rose pelo corredor do material de acampamento. Com suavidade, Winter fechou a porta, passou os dedos por seu longo arbusto de cachos vermelhos, endireitou-se em toda sua altura de um e sessenta enquanto inspirava para tranquilizar-se e, por fim, voltou a entrar na galeria.
Dom Olhos de Tigre continuava olhando a parede. Tinha avançado pouco a pouco até um quadro que pendurava mais ou menos a metade da loja, e estava com os braços cruzados sobre o largo peito e o queixo apoiado em um de seus grandes e bronzeados punhos. A postura puxava o tecido de seu caro traje e a esticava sobre um par de ombros extraordinariamente largos. Quando Winter se aproximou do mostrador, ele se limitou a lançar um olhar de passada e depois voltou a concentrar-se no quadro.
Contemplava uma grande aquarela que Winter tinha pintado na primavera anterior e tinha titulado “Observadores da lua”. Era uma cena noturna ambientada no profundo de um bosque de montanha, alagada de luz de lua. Três pequenos filhotes de urso rodeavam o grosso toco de uma velha árvore; curvada à mãe jogava um rápido cenho enquanto eles brincavam entre as sombras. Um filhote de urso havia subido em precário equilíbrio no toco, com o diminuto focinho elevado para o céu enquanto grunhia ao grande disco prateado que se via no céu cheio de estrelas; seus irmãos olhavam com expressão encantada, as caras banhadas pela lua. E se contemplava o quadro o tempo suficiente, ao final se reparava em todas as demais criaturas noturnas que, ocultas na sombra, observavam com curiosidade os ursinhos.
Era um quadro que estava acostumado a chamar a atenção mais das mulheres que dos homens, tanto por seu tema encantadoramente familiar como por seu ambiente algo brincalhão e místico.
Winter olhou ao homem que estava diante o quadro.
Era tão alto como seu primo Robbie MacBain, e Robbie media dois metros e quinze centímetros. Os ombros eram iguais de larguras; as pernas, igual de longas e musculosas debaixo daquele traje de corte perfeito; as mãos, igual de grandes, longas e de aspecto forte. Tinha o corpo de um atleta, o qual indicava que, fosse quem fosse, não se passava todo o momento sentado em salas de juntas ou revolvendo papéis.
Igual a Megan, Winter se surpreendeu questionando o estilo de seu penteado, se de verdade era o próspero homem de negócios que parecia ser. O cabelo, denso e suave, levava-o bem afastado da face e preso na nuca com um fino cordão de couro. Não era muito comprido; Winter supôs que, solto, mal transbordaria os ombros.
De repente se deu conta de que estava olhando-o fixamente, com a mesma grosseria com que antes tinham olhado Megan e Rose. Lançando um silencioso suspiro, baixou a vista ao pedacinho de papel que Tom tinha posto no mostrador quando tinha levado sua última remessa de esculturas de madeira. Era uma lista curta, só cinco desta vez, observou Winter enquanto tentava concentrar-se em algo que não fosse seu cliente, e estava escrita em diminuta letra negra, muito simples.
A primeira figura era um esquilo listrado, e ao lado Tom tinha escrito o preço: cento e cinquenta dólares; a seguinte era uma raposa que tinha marcado duzentos, e depois uma truta nadando, a quatrocentos dólares, e uma coruja nevada, duzentos.
Winter sorriu ao ver a última figura que aparecia na lista, “corvo cuidando de suas crias no ninho”, marcada em um preço de mil e duzentos dólares. Tom, ou Tom o Falador, como o conhecia de modo afetuoso no povoado, esculpia muitos corvos e sempre pedia por eles um preço mais alto, às vezes ridiculamente alto. O assombroso era que no último ano e meio Winter tinha vendido muitos corvos de Tom na galeria; pelo visto, quanto mais caro era algo, mais desesperados estavam os turistas por comprá-lo.
Tom o Falador… Tinha pelo menos setenta anos, tinha aparecido pelas boas em Pene Creek uma radiante manhã de abril fazia dois anos e meio, e quase sempre ia ao seu. Não se sabia muito mais dele, além de que ouvia falar sozinho quando passeava pelo bosque: daí o apelido de Tom o Falador. Dava muito bem cuidar dos animais doentes, e os do povoado tinham tomado o costume de levar seus mascotes em vez de percorrer os sessenta quilômetros que havia até o veterinário mais próximo. Pelo que Winter sabia, Tom não havia dito seu sobrenome a ninguém. Depois de aparecer como do nada, instalou-se em uma velha cabana abandonada ao leste do povoado, na montanha Bear, que se elevava sobre a borda oriental do lago Pene.
Winter tomou carinho em seguida ao reconhecer nele a uma alma gêmea. Igual a ela, quando Tom criava suas obras de arte, dotava de certa magia e mistério ao bosque e a suas criaturas; como seus quadros, as figuras de madeira esmeradamente esculpidas frequentemente eram mais místicas que realistas.
Winter tinha demorado quase um ano em convencê-lo para que a deixasse vender suas delicadas figuras. Suas necessidades pareciam ser mínimas, e, além disso, com frequência, boa parte do dinheiro que ganhava com as esculturas ia para outras pessoas. Quando estava no povoado, Tom se encontrava frequentemente na Armería de Dolan, e todas as mulheres, das recém-nascidas até as que tinham noventa anos, solteiras ou casadas, saíam da loja com uma caixa de bombons. Rose tinha começado a fazer pedidos de chocolate muito bem, ao dar-se conta de que a tendência do Tom a mimar as damas sempre a deixava curta de reservas.
—Aceita encomendas?
Winter elevou o olhar contendo o fôlego. Como tinha esquecido que tinha um cliente na loja…? E, em particular, aquele cliente.
—Perdão, como diz? — Perguntou.
—A artista — Disse ele, assinalando com uma inclinação de cabeça a parede dos quadros — Aceita encomendas?
—Ah, sim. Sim, aceito encomendas.
Uma das escuras e masculinas sobrancelhas do homem se arqueou.
—Estes quadros são seus… — Disse em voz baixa, mas bem para si mesmo, enquanto voltava a olhar a parede. Depois de observar em silêncio e atentamente a grande aquarela um instante mais, voltou-se de tudo para Winter, e seu profundo olhar dourado se fundiu com o dela — Fico com Observadores da lua, mas queria deixá-lo aqui até que tenha uma parede onde pendurá-lo.
Desta vez tocou a Winter franzir as sobrancelhas em um gesto de desconcerto.
—Uma parede onde pendurá-lo? — Repetiu.
O desconhecido avançou vários passos para ela, depois deteve e esboçou um meio sorriso que golpeou Winter como outro murro na barriga. Era o sorriso de um menino doce e não pegava com um rosto tão… Tão… Bom, tão masculino.
—Vou construir aqui em Pene Creek e queria deixar o quadro até que minha casa esteja acabada — Explicou; sem afastar o olhar, com um gesto de cabeça assinalou a parede — Deixe-o exposto se o desejar: assim entrarei para olhá-lo sempre que quiser. Ponha só um cartaz de “vendido” no lugar do preço, parece-lhe bem?
Tinha que deixar de cravar a vista nos olhos daquele homem! Assim não podia pensar nem muito menos seguir o fio da conversa. Nossa, caramba… Estava agindo de uma forma mais tola que Megan e Rose… Ao fim, Winter afastou com trabalho o olhar e deu uma olhada pelo mostrador até que encontrou seu livro de vendas sob a lista de Tom. Depois procurou uma caneta.
Logo pôs em ordem suas ideias e, continuando, recuperou a fala.
—Não tenho problema em que o deixe aqui. Diga-me, o que chamou a atenção de Observadores da lua, senhor… Senhor…?
Deixou a frase sem terminar, a caneta preparada para escrever seu nome na parte superior da ficha, e elevou a vista quando ele não respondeu em seguida. O encontrou apenas a meio metro de distância; seus olhos dourados de novo se fundiram com os dela.
—É Gregor — Disse ele em voz baixa; sua profunda voz fez que Winter sentisse um calafrio pelas costas — Matt Gregor. E sempre gostei muito dos ursos.
Bom, aquilo beirava ao ridículo: não era mais que um cara… Certo, um cara imponentemente bonito, mas é que ela agia como se não tivesse falado nunca com um homem e, muito menos, sentiu-se atraída por nenhum… De novo Winter obrigou o seu olhar a afastar-se dele e escreveu seu nome na ficha. Escreveu o nome do quadro e depois começou a escrever o preço ao lado. Uma mão grande, incrivelmente quente, cobriu a sua, e Winter deixou de respirar. Elevou a vista e encontrou Matt Gregor sorrindo outra vez com aquele sorriso de menino, e só pôde lhe devolver o sorriso sem pensar.
—Vinte por cento de desconto se fico com um segundo quadro — Disse ele com uma faísca de desafio em seus formosos e dourados olhos — Quero comprar também essa aquarela pequena da pantera.
Muito devagar, tentando com todas suas forças que ele não se desse conta de como a desconcertava seu contato, Winter tirou a mão de debaixo da sua.
—Lamento-o, mas a pantera não está à venda — Disse — É parte de minha coleção particular. Só está exposta para encher um espaço vazio na parede.
Em um instante, a expressão de Matt Gregor mudou da de um menino a de um caçador completamente alerta. Seus olhos deixaram de sorrir, e seu penetrante olhar fez que o coração de Winter se acelerasse de alarme.
—Pagarei o mesmo pela pantera que por Observadores da lua — Disse com tranquila energia — Sem desconto por nenhum dos dois.
Caramba! Quando a olhava assim, queria dar todos os quadros da galeria… E em particular a pantera… Winter mal pôde conter-se para não soltar um forte bufo. Era evidente que Matt Gregor estava acostumado a conseguir o que queria.
Por outra parte, ela também.
—Gesader não está à venda — Disse, ao tempo que meneava a cabeça para reafirmar suas palavras — Escolha outra coisa que goste e farei um desconto.
Ele cruzou os braços sobre o peito e a observou com atenção, mais ou menos igual tinha observado seus quadros. Winter sentiu que uma onda de calor subia às bochechas, mas, obstinadamente, manteve o olhar, decidida a que não notasse seu desconforto. E depois se disse que aquilo era uma lição para ela: “imponentemente bonito” não significava “automaticamente agradável”; em realidade, às vezes era “absolutamente grosseiro”.
Claro que, por outra parte, também era estimulante. Winter não recordava a última vez que um homem a tinha feito sentir-se tão irritada… Nem tão quente e confusa em seu interior… Nem tão desafiada.
Deixou a caneta, saiu de trás do mostrador e, passando pela frente de Matt Gregor, foi à parede ocidental da galeria. Uma vez ali, deteve-se diante um diminuto desenho e cruzou de braços.
—Se gosta dos felinos, tenho este desenho de um lince do Maine — Embora se deu conta de que ele ficava a seu lado, seguiu olhando o desenho de um desconcertado lince que procurava a lebre que ia perseguindo; no fundo, aparecendo apenas a cabeça por cima de um monte de neve, uma lebre de patas brancas perfeitamente camuflada observava o lince — Se tiver intenção de construir uma casa aqui, senhor Gregor, talvez deseje obras que representem a fauna local. Em Maine não temos panteras, mas sim linces, linces vermelhos e ursos.
—De onde tirou o nome de Gesader? — Perguntou ele, sem considerar a sugestão.
O olhar de Winter desceu pela parede até pousar na pequena aquarela do leopardo negro que cochilava no grande ramo de uma árvore; ela sorriu com afeto.
—É gaélico; significa “feiticeiro”.
—Gaélico… — Repetiu Matt Gregor, ao tempo que se voltava para olhá-la de frente — Me parecia perceber um leve sotaque… Você é irlandesa?
—Não, escocesa. — Winter exagerou o sotaque ao responder; depois, com uma inclinação de cabeça, assinalou o cartão informativo cravado junto ao desenho e estendeu a mão — Winter MacKeage.
A mão dele a envolveu por completo; seu apertão era quente e firme, mas não esmagante.
—Um prazer, senhorita MacKeage — Voltou a elevar uma sobrancelha — Ou é “senhora”?
—Senhorita. Mas para meus clientes sou Winter.
O apertão dele se acentuou perceptivelmente.
—Ainda não sou um cliente, senhorita MacKeage. Não acabamos nossas negociações.
Winter se obrigou a deixar a mão dentro da dele. Ao tempo que assinalava com a cabeça o desenho do lince, disse:
—O preço completo por Observadores da lua e além Pelos cabelos… De uma lebre fica a metade do preço.
Sem soltar a mão, Matt Gregor deu um suave suspiro.
—Nada do que lhe ofereça fará que consiga essa pantera, não é?
Quando por fim recuperou a mão, Winter a pôs nas costas e esfregou os dedos enquanto meneava a cabeça devagar.
—Lamento-o, mas não está em venda. Trato feito?
Ele afastou a vista para olhar vários segundos o desenho do lince. Depois a olhou de novo e assentiu.
—Trato feito — Disse em voz baixa.
A seguir tirou o preço da parede, aproximou-se de Observadores da lua e também tirou o preço. Depois de dirigir-se outra vez ao mostrador, deixou-as junto à ficha de vendas que ela tinha começado a preencher, enquanto que Winter passava à parte de trás do mostrador e pegava a caneta.
—Sobre essa encomenda… — Disse ele quando começou a escrever.
Ela se deteve e elevou a vista.
—O que é que deseja? Devo advertir que não faço quadros de coisas mecânicas.
Ele voltou a cruzar os braços.
—Não é um quadro o que quero de você, Winter MacKeage, e sim seu olhar.
Winter deixou a caneta.
—Como diz?
—Seu olhar de artista — Disse ele, seguindo com o enigma — Quero encarregá-la que escolha o lugar onde devo construir meu lar.
Winter só pôde olhá-lo fixamente.
—E depois quero que faça uma aquarela com o aspecto que deve ter a casa - Acrescentou ele.
Para então deixa-la totalmente desconcertada.
—O aspecto que deve ter? — Repetiu — Quer dizer a partir dos planos do arquiteto? Pelo geral dão uma maquete para que a veja.
Ele meneou a cabeça.
—Ainda não há planos. Minha intenção é levar sua aquarela aos arquitetos e mandá-los que desenhem a casa que você imagine, situada no lugar que você escolha.
Mais que desconcertada, Winter estava já absolutamente estupefata.
Matt Gregor soltou outro suave suspiro, pôs as duas mãos sobre o mostrador e se inclinou para ela.
—É um pedido simples, Winter. Faz dois anos comprei a montanha Bear e já estou preparado para construir nela… Assim que você escolha o melhor lugar e o melhor tipo de casa para aquela terra.
—Mas por que eu?
Ele se inclinou mais perto ainda.
—Porque decidi que eu gosto do que você vê no bosque e o que sente por ele.
—Mas um lar é uma coisa muito pessoal.
—Sim — Assentiu ele de boa vontade, enquanto ficava direito e voltava a cruzar os braços — Mas quando passar uns quantos dias comigo percorrendo minha terra, chegará a me conhecer o bastante bem como para que ocorra algo que eu goste.
Winter já não estava desconcertada: estava alarmada outra vez. De repente ocorreu uma ideia.
—Não deveria sua esposa expressar sua opinião sobre a espécie de casa que você construa?
—Não sou casado.
—Ah. OH… Bom… Terei que pensar em seu pedido. Sou artista, senhor Gregor, não arquiteta.
—Matt — Disse ele em voz baixa; colocou a mão na jaqueta de seu traje e tirou uma fina carteira de pele negra — E expliquei que não peço que desenhe a casa e sim, simplesmente, que imagine e escolha onde deve situar-se.
Tirou um cartão de crédito e o pôs em cima do mostrador junto à ainda incompleta ficha de vendas.
—Estou em uma suíte na Estação de Esqui TarStone — Prosseguiu, ao tempo que tirava um cartão de visita e o punho junto ao cartão de crédito — Me ligue no celular amanhã pela manhã às dez e dê sua resposta.
Então pegou a caneta que ela tinha estado usando, escreveu “VENDIDO” com enérgicas letras negras ao dorso de um cartão e se aproximou de cravá-lo junto a Observadores da lua na parede; depois voltou e fez o mesmo com Pelos cabelos… De uma lebre.
Por fim Winter terminou de preencher a ficha de vendas, passou o cartão de crédito pelo data fone, arrancou a cópia impressa da fatura de venda e a deu para que a assinasse.
Ele rabiscou sua assinatura com letra enérgica, pegou o cartão de crédito e o recibo e os deslizou na carteira. Depois perguntou:
—Não se importa que deixe meus quadros aqui?
—Não há problema — Disse ela — De modo que é você dono da montanha Bear? Vai mudar para Pene Creek ou só vai construir um refúgio de férias?
—Vou construir um lar, mas ainda não decidi quando me mudarei para cá — Disse ele, enquanto voltava a colocar a carteira dentro da jaqueta — Isso depende de meu irmão.
—Seu irmão?
Matt Gregor sorriu com expressão benévola, assentiu e se dirigiu para a porta. Ali se deteve e olhou atrás.
—Espero que se reúna comigo no vestíbulo de TarStone às dez da manhã para me dizer que aceitou a encomenda. Não me decepcione, Winter; não aceito bem a rejeição.
Dito isso, abriu a porta, saiu acompanhado do tinido da campainha e desapareceu na rua de forma tão rápida e misteriosa como tinha aparecido. Winter agarrou o cartão de visita que ele tinha posto no mostrador. “Matheson Gregor”, dizia em terminantes letras verdes; depois um endereço de Nova Iorque, mas nem rastro do negócio ao que tinha. Então deu uma olhada a Observadores da lua. Gostava muito de ursos, havia dito.
E, além disso, era o dono da montanha Bear.
Outro estremecimento percorreu as costas de Winter, mas desta vez sem pingo de calor nem confusão. O que tinha chamado a atenção àquela tarde não eram os olhos de um tigre, e sim os de um animal igual de impressionante.
Em gaélico, Matheson significava “filho do urso”.
—Maldito seja cem vezes, inseto velho e teimoso — Resmungou Winter enquanto puxava da cilha pela décima vez em outros tantos minutos.
De sua esquerda chegou uma risadinha em voz baixa, e ao dar uma olhada, Winter viu que seu pai se aproximava de grandes pernadas pela fileira de casinhas.
—Amaldiçoar o pobre e velho Bola de Neve não funcionou nem uma vez em vinte anos — Disse Greylen MacKeage. Ao tempo que falava a empurrou a um lado e depois, com paciência, esperou até que o velho cavalo cansou de seu jogo e soltou por fim a respiração. Então Grei se apressou a esticar a cilha e depois baixou o estribo a seu lugar. A seguir olhou a sua filha — E aonde vai exatamente, escapulindo tão cedo? Ainda falta uma hora para que amanheça.
Winter lançou um amplo e envergonhado sorriso.
—O que me delatou? Foi essa tabua do chão que se nega a arrumar? Estou segura de que nesta manhã não a pisei.
Um cacho de cabelo tinha escapado da grosa tranca que pendurava a costas, e seu pai deu um carinhoso puxão.
—Não necessito uma tabua que range no chão para saber quando uma de minhas filhas anda por aí às escondidas: minhas orelhas não dormem desde que nasceu Heather — Ficou sério — Vai à montanha Bear, não é? Acreditei que ontem à noite no jantar decidimos que não ia aceitar o pedido de Gregor.
—Homem, eu não decidi nada. Foram você e mamãe, e apoiaram a decisão só no que disse Megan.
—Sua irmã nos disse que Matt Gregor tem um aspecto perigoso — Repôs ele, em voz baixa; seus olhos de um intenso verde pícea estavam escurecidos de inquietação paternal — E também disse que é tão grande como Robbie. Não me faz graça a ideia de que ande vagando pelo bosque com ele.
Winter revirou os olhos.
—A Megan todos os homens parecem grandes e de aspecto perigoso. Mede um metro e sessenta e um: até eu sou grande para ela.
Greylen cruzou os braços e plantou os pés adotando sua atitude de “sou seu pai e fará o que eu te diga”.
—Não sabemos nada do Gregor — Disse — Só que se registrou em nosso hotel ontem e disse ao recepcionista que ficaria pelo menos um mês.
A pose de seu pai não tinha convencido Winter nem uma vez naqueles vinte e quatro anos… E tampouco ia funcionar aquela manhã. Sorriu e lhe deu uns tapinhas na mão.
—Só vou dar um passeio pela montanha Bear, papai. E, além disso, vou sozinha. Tão somente quero dar uma olhada por ali antes de dar minha resposta ao senhor Gregor.
—Vai aceitar seu pedido — Murmurou Greylen; depois entreabriu os olhos em gesto de advertência — Vou permitir isso, mas só se me prometer que sempre levará a alguém quando percorrer o bosque com esse homem.
—Vale Gesader? — Perguntou ela, contendo seu amplo sorriso.
Greylen MacKeage pensou em silêncio, esfregando o queixo, até que por fim assentiu.
—Esse animal mataria a qualquer um que tentasse te machucar — Meneou a cabeça — Ainda não consigo entender como sobreviveu a sua infância antes que viesse essa pantera. Todos os cabelos brancos que tenho na cabeça são de ter que te manter a raia constantemente ou te tirar de alguma confusão em que tenha se metido.
Winter ficou nas pontas dos pés e deu um beijo na bochecha.
—Lamento te fazer sofrer tanto, papai, mas de verdade que eu adoro essas mechas brancas — Sussurrou, as acariciando suavemente com os dedos — Lhe dão um aspecto muito sábio e nobre.
Mas antes que pudesse afastar-se, seu pai puxou-a em um abraço que a levantou do chão.
—Não me faz sofrer, neném: é minha oitava bênção mais apreciada.
Winter sorriu com a face pega a seu ombro. Seu pai não parava de dizer que sua mãe era a primeira bênção, e que suas sete filhas o faziam oito vezes bendito.
—Amo-te, papa. Por favor, não se preocupe por mim: tenho todo um bosque cheio de protetores.
—Sim — Resmungou ele, com um último apertão, antes de pô-la no chão outra vez. Desenganchou a Bola de Neve da rédea e passou as rédeas — Me Espere fora; irei com você parte do caminho pelo TarStone.
—E, exatamente, aonde vai você tão cedo?
Os olhos dele faiscaram com ferocidade.
—O velho sacerdote me pediu que suba a tomar o café da manhã com ele. —Meneou a cabeça — Deve ser algo muito importante para chamar a mim em vez de Robbie MacBain.
Winter se pôs a rir e começou a conduzir a Bola de Neve fora do estábulo.
—E sua curiosidade te venceu — Disse por cima do ombro — Assim que você também vai às escondidas antes do amanhecer…
Uma vez fora, levou a Bola de Neve até uma escada construída especialmente para montar. Seu tio Ian MacKeage tinha construído aqueles degraus fazia quase trinta anos, quando Heather, a irmã mais velha de Winter, começou a montar a cavalo.
Para grande consternação de sua mãe, as sete meninas MacKeage aprenderam a cavalgar quase logo que a caminhar. Mas seu muito teimoso tio Ian ensinou a todas a dirigir cavalos enormes, ao tempo que tentava convencer Grace MacKeage de que suas filhas estavam mais seguras sobre dóceis cavalos de carga, a prova de queda, que sobre pôneis. Ian deu de presente Bola de Neve a Winter por seu quinto aniversário, e ela ainda recordava o grito de sua mãe quando passou por debaixo da barriga de seu novo mascote sem roçá-la sequer.
Bola de Neve e Winter se afeiçoaram imediatamente um com o outro, e levavam vinte intrépidos anos explorando os bosques que rodeavam a montanha TarStone.
—Sei que ainda sente falta de seu tio Ian, lass, mas compreende que agora é feliz — Disse seu pai enquanto aproximava seu próprio cavalo.
Nesse momento Winter se deu conta de que tinha a vista cravada nos degraus que seu tio tinha construído com tanto carinho fazia tanto tempo.
—Nem sequer cheguei a me despedir… — Recordou a seu pai — Partiu sem despedir-se de nenhum de nós.
Seu pai elevou seu queixo para que visse seu sorriso cheio de ternura.
—Deixou-te uma nota, neném, te dizendo quanto te ama.
—Acha…? Acha que ainda estará vivo papai? — Perguntou Winter enquanto subia.
—Sim. Só faz dois anos que partiu; Ian ainda tem muitos bons anos pela frente. Está com sua esposa e seus filhos, Winter. É feliz, e você tem que estar feliz por ele.
Winter ficou de pé no degrau superior e se voltou para Bola de neve.
—Estou feliz pelo Ian e, entretanto, sinto falta dele — Disse; voltou-se a olhar a seu pai — Você… Em… Me prometa que não desaparecerá de repente também, certo, papai?
Devagar, ele meneou a cabeça.
—Prometo-lhe isso; ficarei aqui até que os anjos me arranquem à força de seu lado. — Greylen montou também; fez avançar seu cavalo enquanto olhava para a cúpula de TarStone e depois voltou olhar a Winter com um cenho tão feroz que parecia capaz de queimar torradas — Mais vale que esse condenado e velho sacerdote não esteja tramando nada; já me faço muito velho para suas tolices.
—Então me parece que é muito velho para ganhar uma corrida de cavalos! —Gritou ela, ao tempo que esporeava Bola de Neve até pô-lo a um trabalhoso galope.
Levado por seu cavalo, que avançava dando relaxados relinchos, seu pai só demorou uns segundos em estar a seu lado outra vez. Greylen MacKeage não ia em um cavalo de carga como sua filha, e sim em um animal semisselvagem, descendente do cavalo de guerra que tinha sobrevivido com ele a tempestade fazia trinta e oito anos.
Mediante um feitiço, o velho sacerdote, Daar (que em realidade era um antigo drùidh chamado Pendaär), tinha adiantado oito séculos, da Escócia medieval, a quatro guerreiros MacKeage e seis MacBain junto com seus cavalos de guerra. Cinco dos MacBain morreram nos dois primeiros anos de vida na época atual. O pai de Winter, Greylen, e seus tios Ian, Callum e Morgan, assim como o pai de Robbie, Michael MacBain, eram os que ficavam daqueles primeiros dez. Salvo que Ian tinha retornado a sua antiga época fazia dois anos e meio. Robbie MacBain o tinha levado de volta através da potente tempestade, já que Robbie era o guardião destinado aos dois clãs e dono, também, dos poderes mágicos que permitiam proteger a seus seres queridos enquanto mantinha o Pai Daar sob seu frágil controle.
Winter tinha ouvido aquela fantástica história quase desde que nasceu, e desde temprana idade tinha compreendido que era um segredo de família muito bem guardado. O certo é que aos modernos a magia não gostava de forma natural, mas bem era algo que se deixava à imaginação de escritores e cineastas. E o que ela mesma fosse à prova vivente dessa magia não tinha muita importância para Winter, criada para aceitar o inexplicável.
Quando chegaram ao final do prado iluminado pela lua e se internaram na escuridão do bosque, por fim voltou a pôr a Bola de Neve ao passo. Seu pai refreou o cavalo e ficou junto a ela.
—Se vir o Tom em seu passeio matinal — Disse — Talvez devesse adverti-lo que seu caseiro está no povoado.
Winter deteve bola de neve.
—Ai, não… Tinha-me esquecido que Tom vive na montanha Bear. Não acreditará que o senhor Gregor vá jogá-lo aos chutes da cabana, não é? Tom não faz mal a ninguém, e a cabana está situada muito abaixo, à borda do lago.
Seu pai cobriu as mãos com que segurava as rédeas.
—Apesar de tudo deve adverti-la lass, para que esteja preparada. Ofereça um lugar na TarStone, ou ao melhor seu primo Robbie deixa que use sua cabana de lá encima, a da colina de West Ridge.
—Mas isso está muito longe do povoado. Tom é velho, papai: não pode subir a montanha até tão longe e depois descer.
Greylen MacKeage apartou a mão e levantou uma sobrancelha.
—Tem mais ou menos minha idade — Disse em voz baixa — E setenta e dois anos não é ser velho.
Winter deu uns tapinhas no braço e, ao tempo que se punha a andar o cavalo pela pista florestal que subia serpenteando a montanha TarStone, apressou-se a assegurar:
—Claro que não é velho… Alguma vez ouviu que alguém queria contratar o olhar de um artista, papai, só porque gostasse de um quadro?
—Não. Embora não é um pedido sem lógica — Respondeu ele — Quem melhor que um artista para escolher o lugar onde construir uma casa? O seu senhor Gregor gostou de sua obra, e sem perder um segundo decidiu que seu excepcional olho para o detalhe convinha a suas necessidades.
—Não é “meu” senhor Gregor.
—Claro — Conveio ele, rindo — Me expressei mal.
—Se… Se conto uma coisa, papai, promete-me não se pôr em plano protetor e paternal comigo?
Ele parou o cavalo, o qual provocou que Bola de Neve se detivesse automaticamente, e a olhou entre as sombras da alvorada, cada vez mais tênues.
—Mas é que sou seu pai. É meu dever me pôr em plano protetor e paternal no que se refere a você, em particular quando se trata de seu trato com os homens. Desembucha, lass. Me conte isso que tem Gregor que te altera.
Seu pai sempre tinha sido sagacíssimo na hora de interpretar seus estados de ânimo, de modo que Winter não surpreendeu sua perspicaz petição. Também estava muito segura de que aquele passeio dos dois a primeira hora da manhã não era uma casualidade. Baixando a voz até um sussurro, disse:
—Em certo modo me dá medo. Não no sentido de que vá fazer me machucar fisicamente, e sim em meu… nas tripas. Ai, não sei explicar o que quero dizer… Só é que ontem, quando entrou na galeria, algo nele me alterou — Disse ela indignada — Quando me olhou com aqueles escuros olhos dourados, quis dar todos os quadros que havia ali.
—Ai, lass… — Disse Greylen com uma risadinha — Simplesmente, encontrou-se apanhada no feitiço da química humana. Com o tempo acontece com todos e, pelo geral, quando menos nos esperamos isso.
—Química? É isso? Converti-me em uma verdadeira imbecil só porque aquele homem me parecia muito bonito? — Soltou um bufo e pôs a andar a Bola de neve de novo — Te digo que era algo mais que química. Havia algo… Algo realmente inquietante nele.
Grei trotou um pouco para alcançá-la.
—Tão inquietante em realidade — Disse — Que veio aqui esta manhã porque pensa aceitar seu pedido.
Essa não era a reação que esperava de seu pai. Por que não exigia que não voltasse a ver o Matt Gregor? Por que não ficava em plano protetor com sua menininha?
Greylen alargou a mão e puxou as rédeas de Bola de neve para detê-la.
—Winter, isto é algo que teria que falar com sua mãe. Grace explicará isso melhor que eu: como passa por diante de um milhar de homens bonitos, mas de repente só um que faz pare em seco. O que sente é natural, lass, que este homem em concreto te tenha chamado a atenção. Entretanto, o que faça com isso tem que decidi-lo você. Tem vinte e quatro anos, Winter: já é hora de que o coração se acelere por um homem. — Depois de inclinar-se e dar um beijo na bochecha, ficou direito e pôs-se a andar seu cavalo outra vez; automaticamente, Bola de neve ajustou o passo ao dele — Desde que engatinhava estive te animando a que siga seu próprio caminho… E sempre soube que algum dia esse caminho te separaria de mim e te levaria aos braços de outro homem. É o pior pesadelo de um pai, e também nossa maior esperança.
Deu uma olhada e sorriu.
—Este Matt Gregor talvez seja esse alguém especial, Winter, ou talvez não, mas isso não pode decidi-lo ninguém mais que você. — Deteve o cavalo de novo e a olhou franzindo o cenho — Embora, só para minha tranquilidade, sim que tenho intenção de dizer a Robbie que empregue seus velhos contatos militares para investigar os antecedentes de Gregor. Se for o homem de negócios que aparenta ser, simplesmente me manterei a margem e deixarei arrumar as coisas sozinho.
Winter franziu o cenho e olhou a seu pai.
—Não se precipita um pouco? Só disse que me alterou; que eu saiba, não causei nenhuma impressão ao senhor Gregor.
Seu pai soltou uma risadinha baixa.
—Me acredite, alterou-o, lass. A esse homem foram mais de seis mil dólares em dois de seus quadros, e além virtualmente exigiu que passe tempo com ele percorrendo sua terra. Sim, vá vê que Gregor se alterou: deu uma olhada a sua formosa face e procurou o modo mais seguro de voltar a vê-la.
O cenho franzido de Winter se converteu em um olhar de aborrecimento, e em seguida pôs a andar a Bola de Neve com passo enérgico. Sem parar de rir, seu pai trotou para alcançá-la. Cavalgaram em silêncio até que por fim chegaram a uma bifurcação da estrada e voltaram a deter-se. A luz ia impondo-se com mais força, e Greylen jogou um olhar a seu redor.
—Chama a seu mascote — Disse — Para que fale um momento com ele.
—O que te faz pensar que está perto? — Perguntou Winter.
—Que leva nos seguindo os passos desde que saímos de Gù Brath.
Winter levou os dedos aos lábios e deu um agudo assobio de uma só nota que atravessou o fresco ar de setembro.
A menos de três metros e meio de distância, Gesader saiu das sombras mostrando seus grandes e brancos dentes em um rugente sorriso.
Grei desmontou e deixou que seu nervoso cavalo de guerra se afastasse dando chutes; depois foi até a pantera e se ajoelhou sobre uma perna para estender a mão. Gesader foi direito para sua palma e baixou a cabeça para que acariciasse as orelhas. Winter desceu escorregando de Bola de Neve e observou como seu pai seguia falando com seu mascote.
—Quero sua opinião sobre esse cara, Gregor — Disse à pantera — Com um bom olhar deveria te bastar para saber se as intenções que tem para nossa menina são honoráveis ou não.
—De verdade acha que sabe o que lhe diz? — Perguntou Winter — Fala com ele como se fosse humano.
—Você também — Recordou seu pai. Ficou de pé e se voltou a olhá-la; o sorriso chegava até seus olhos cor de folha perene.
—Além disso, se Gesader fosse humano, certamente que não o teria deixado dormir em sua cama esses dois anos — Acrescentou; olhou à pantera — Embora agora mesmo a Megan não fosse mal sua companhia de noite.
—Desde que Megan voltou para casa, Gesader passa muito tempo com ela —Disse Winter, acariciando com gesto distraído uma orelha do seu mascote — A acompanha quando passeia pelo bosque, e algumas noites o peguei em sua cama. É como se soubesse quando necessita um bom abraço.
—Os animais sempre percebem nossos estados de ânimo — Conveio Greylen enquanto se aproximava do cavalo e montava de novo; depois se voltou para ela — Anda com muito cuidado quando tratar com Gregor e não se transforme em uma “verdadeira imbecil” a próxima vez que o veja. Desfruta desta emoção, lass; se tiver sorte, só se apresentará uma vez em sua vida.
Depois de ter dado instruções aos dois, Laird Greylen MacKeage fez que seu cavalo subisse pelo caminho que levava a cabana de Daar e disse adeus com a mão por cima do ombro enquanto desaparecia no denso bosque.
Winter olhou a Gesader e alvoroçou a pelagem da forte a omoplata.
—Vem comigo, mas recorda que não deve se deixar ver. Pelo povoado correm mais rumores sobre um grande felino negro no bosque, e sua segurança depende de que siga sendo só um rumor… Nossa! — Disse de repente, dando um grito surdo; ajoelhou-se e tomou o pescoço do animal em suas mãos — O que te aconteceu? —Afastou a mão direita e esfregou os dedos — Isso é sangue seco… — Empurrou a cabeça a um lado para ver melhor e passou um dedo por um corte que a pantera tinha no pescoço, seco já e coberto com uma crosta, justo em cima da omoplata — E é seu sangue. O que te tem feito? Defendeu o jantar de ontem à noite?
Winter sabia que Gesader caçava sua comida, embora sempre tinha muita carne disponível em Gù Brath. Quando Robbie o deu, sendo um diminuto filhotinho, tanto ele como seu pai advertiram repetidamente que seu novo mascote era um animal selvagem e que era provável que, quando crescesse, deixasse-se levar por seus instintos.
Winter ficou de pé e limpou as mãos no jaquetão.
—Vou te levar para o Tom ver. Em teoria não devemos deixar que ninguém saiba que existe de verdade, mas de Tom podemos confiar. Ele nos dirá se esse corte necessita pontos. Anda — Disse, ao tempo que se aproximava de recolher as rédeas de Bola de neve — Vamos.
Gesader soltou um grunhido e, sem fazer ruído, afastou-se e entrou no bosque tão silenciosamente como tinha aparecido. Com a ajuda de um velho toco, Winter montou e se dirigiu para a montanha Bear.
—Tom, está aí? — Gritou Winter enquanto entrava em cavalo no pequeno claro da ribeira oriental do lago Pene — Tom?
Desmontou e levou a Bola de neve para a cabana; tinha um só cômodo e estava situada junto às árvores da parte traseira do claro, bem protegida das fortes tempestades que às vezes chegavam do lago. A construção, que devia ter mais de um século, inclinava-se precariamente; os troncos verticais se erodiram até adquirir uma brilhante pátina cinza, e os descomunais beirais quase tocavam os muito altos pinheiros que os flanqueavam.
Cada vez que ia por ali, Winter não podia evitar sorrir. O torcido tubo da estufa pelo que saía flutuando a fumaça, as duas diminutas janelas da fachada e a estreita porta de madeira davam à cabana um ar mágico, e sempre esperava que um gnomo saísse tranquilamente a recebê-la em vez de Tom. Uma vez o disse, e Tom se limitou a sorrir com seu velho e encantador sorriso e a dizer que tomasse cuidado com o que imaginava, porque algum dia ao melhor se surpreendia quando a recebesse algo ainda mais incrível.
—Tom! — Voltou a gritar; soltou as rédeas de Bola de Neve e rodeou a lateral da cabana para um abrigo igual de desmantelado que se elevava na parte de atrás — Quero chá e torradas!
Nesse instante, Tom saiu do abrigo sacudindo-se bolinhas de pó de sua camisa de flanela, e disse:
—Não recordo que tivéssemos ficado para tomar o café da manhã. — Deteve-se para fechar com esforço a velha e desvencilhada porta, depois deu a volta e sorriu — A que devo esta agradável surpresa?
Winter o olhou franzindo o cenho.
—É um consumado artesão da madeira, Tom. Por que não arruma já essa velha porta?
Tom se encolheu de ombros, passou pela frente dela, agarrando a mão de caminho, e voltou a levá-la para a fachada da cabana.
—Não quero danificar a atmosfera do lugar. Bom, o que aconteceu? —Perguntou. Deteve-se o suficiente para saudar bola de Neve e tirar a brida, e em seguida o cavalo se afastou para pastar o que encontrasse. Depois abriu a porta da cabana e estendeu o braço para fazer passar a Winter — Se estiver aqui para jogar uma olhada ao trabalho que tenho entre mãos, a resposta segue sendo não. Ninguém vê minha obra até que esteja acabada… Em particular, você.
Winter se deteve na entrada e sacudiu parte do pó que ficava na camisa.
—Não me dará uma pista pelo menos de no que está trabalhando? Vi algo grande aí dentro, abafado com um lençol… Ouça, isto não é serragem: é pó de pedra — Disse, ao tempo que esfregava o polvilho entre os dedos; seus olhos se abriram muito — Está trabalhando com pedra, Tom?
Ele agarrou a poeirenta mão e a fez entrar na cabana. Depois a levou até uma mesa com suas cadeiras que estava perto de uma antiga e pançuda estufa de lenha. Enquanto abria a portinha da estufa e atiçava as brasas, respondeu:
—Ao melhor… Se é que é teu assunto, senhorita Curiosa. — Olhou por cima do ombro, com os claros olhos azuis brilhantes de regozijo — Embora, por outra parte, talvez estivesse afiando ferramentas na pedra de amolar…
Winter se sentou enquanto se tirava o jaquetão e o deixava no respaldo da cadeira.
—Somos sócios, Tom; não deve haver segredos entre nós.
À luz do sol, cada vez mais forte, que entrava pela porta ainda aberta, os olhos de Tom pareceram bailar quando ficou direito e a olhou de frente.
—Me conte um de seus segredos e eu te contarei um de meus.
—Certo — Disse ela, cruzando as mãos no colo com um sorriso iludido — A verdade é que há uma pantera vivendo no TarStone. Chama-se Gesader e é meu mascote.
A expressão de regozijo se apagou da face de Tom, que se sentou frente a ela com as mãos juntas sobre a mesa.
—De modo que sim que existe… Sabia que não tinha visto visões. Diz que é seu mascote? — Sussurrou; uma povoada sobrancelha grisalha subiu até o igualmente denso cabelo cinza — No sentido de que inclusive chega a tocá-lo, ou só que o adotaste como te afeiçoa com todos os animais do bosque?
—No sentido de que quase todas as noites dorme em minha cama — Disse ela; agora eram seus olhos os que pareciam bailar de emoção — O recebi quando era um filhotinho pequeno.
Tom se levantou na cadeira e esfregou a espaçada barba grisalha do queixo.
—Gesader, chama-o… Suponho que é gaélico. O que quer dizer?
—Feiticeiro.
—É um leopardo ou um jaguar?
—Um leopardo. Quando o sol lhe dá bem, veem as bolinhas na pelagem negra.
—Quantos anos tem?
—A primavera próxima faz três.
A sobrancelha de Tom voltou a subir.
—E o manteve em segredo todo este tempo? Então por que me conta isso?
—Porque confio em você… E porque Gesader tem um corte no pescoço ao que quero que dê uma olhada. Tenho que saber se necessitar pontos.
Tom se endireitou na cadeira e seu olhar se dirigiu rapidamente para a porta aberta.
—Está aqui? — Sussurrou — Veio contigo?
—Sim. Está no bosque, esperando que o chame.
Tom ficou de pé e limpou as mãos nas calças sem deixar de cravar a vista na porta.
—Vai chamá-lo, sem mais, e uma pantera vai entrar andando aqui?
—Sim — Repetiu Winter, levantando-se também — Não te fará mal, Tom: seriamente que não é mais que um bebê grande.
Tom lançou um rápido olhar.
—Um bebê com afiadas presas e garras tão largas como meus dedos… —Murmurou; depois inspirou fundo — Bom, de acordo. Chama a seu… Bem… Mascote.
Desta vez Winter não se incomodou em levar os dedos aos lábios, mas sim se limitou a soltar um agudo assobio para a porta aberta. Em silêncio, Gesader apareceu na entrada, mas, em vez de entrar, o grande felino negro se sentou e deu um feroz rugido para mostrar as presas. Winter se aproximou e deu uns tapinhas na cabeça.
—Se comporte — O repreendeu — Não tem que assustar o Tom: vai ajudá-lo.
Gesader voltou seu penetrante olhar dourado para o Tom.
Winter fez gestos a seu amigo para que avançasse.
—Prometo isso, não te fará mal, Tom. Só tenta te impressionar.
Tom seguiu sem mover-se.
—Pois estou impressionado — Sussurrou, enquanto cravava o olhar, com os olhos muito abertos, na pantera que estava ao lado dela — Onde se feriu?
—No pescoço, justo em cima da omoplata. — Winter se ajoelhou e jogou a um lado a cabeça de Gesader — Já tem crosta, deve ter ocorrido ontem à noite. Bem… provavelmente a verá melhor se aproximar mais.
—Vejo o corte daqui. Tem bom aspecto, Winter. Os animais selvagens têm uns sistemas imunológicos extraordinários, e não é provável que se infeccione.
Gesader, que pelo visto se dava conta de que talvez se excedeu um pouco fanfarroneando, ficou de pé, entrou na cabana sem fazer ruído, foi direito até o Tom e lambeu a mão ao velho ermitão.
Tom nem sequer moveu um músculo, e Winter não estava segura, mas pareceu que seu amigo incluso deixou de respirar. Rindo, entrou na cabana atrás de Gesader e se sentou à mesa.
—Acaba de te dar um beijo de pantera, Tom… E pelo geral Gesader é miserável com seus beijos.
Por fim Tom baixou o olhar para o animal.
—Parece… Bem… Parece bastante amável. — Olhou a Winter, e ela observou que por fim relaxavam os ombros, à medida que um doce sorriso levantava uma comissura da boca — Caso que não estivesse limitando-se a ver que sabor tenho…
Winter assinalou a Gesader com uma inclinação de cabeça.
—Vamos — O animou— Acaricia-o.
Devagar, Tom se sentou em sua cadeira e, com suavidade, pôs uma mão sobre Gesader ao tempo que afastava a larga cabeça negra a um lado para ver o talho do pescoço.
—Não necessita pontos, Winter. Parece pior do que é porque está em um lugar aonde chega com dificuldade para cuidar-se — Disse, e acariciou brandamente a orelha à pantera.
Winter franziu o cenho.
—Também vim por outro motivo, Tom. Um cara que se chama Matt Gregor veio à galeria ontem, comprou-me dois de meus quadros e diz que é o dono da montanha Bear.
A notícia pareceu desconcertar Tom mais que preocupá-lo.
—Veio até aqui só para me dizer isso por quê? Não me importa quem seja o dono da montanha Bear.
—Pois deveria se importar se não querer que viva em sua terra. Vai construir uma casa aqui.
Tom encolheu de ombros.
—A montanha é o bastante grande para os dois.
—Meu pai disse que se não poder ficar aqui, tem um lugar em TarStone. Ou ao melhor meu primo Robbie deixa usar sua cabana da colina do West Ridge.
Tom se inclinou sobre a mesa, com as mãos juntas diante, e a olhou nos olhos com seus claros olhos azuis.
—Eu gosto desta cabana. Diga a seu pai que lhe agradeço a oferta, mas prefiro ficar justo onde estou.
—Mas o senhor Gregor ao melhor…
—Se o senhor Gregor for o dono da montanha Bear, é dono de mais de dois mil acres — A interrompeu Tom em voz baixa — E pode construir a casa em qualquer dos outros dezenove mil novecentos e noventa e nove. Este acre já está ocupado.
Winter se deu por vencida. Não ia discutir sobre algo que ao melhor nem sequer chegava a ser um problema; além disso, já tinha completo seu objetivo de adverti-lo. Então se sentou direita e imitou sua postura juntando as mãos sobre a mesa.
—Certo — Disse — Agora toca a ti: conte-me um segredo.
Ele esboçou um meio sorriso.
—Não sei dançar.
—Isso não é um segredo! Quando vai às reuniões da associação de fazendeiros passa toda a noite no canto, por muito que as senhoras tentem te levar com artimanhas à pista de dança… Vamos, me conte um bom segredo. Algo igual ao de minha pantera.
Ele se inclinou mais perto e alargou as mãos até capturar as suas sobre a mesa.
—Bom, de acordo. Mas tem que me prometer não contar a ninguém.
—Prometo-o — Disse Winter, aproximando-se também a ele.
—Ontem à noite vi algo estranho na montanha — Sussurrou — Voltava para casa andando do povoado quando ouvi um enorme estrondo que vinha do alto.
—Desta montanha? — Sussurrou Winter — Da montanha Bear?
—Desta — Confirmou ele; olhou à esquerda dela enquanto se concentrava — O ruído era tão forte que acreditei que era uma briga de dois alces no cio… — Voltou a olhá-la — Assim que me aproximei furtivamente sem ser visto, até que cheguei a esse prado que há na parte norte do arroio Bear. Sabe qual digo?
—Conheço essa pradaria — Disse Winter em voz baixa, ao tempo que se aproximava mais a ele, espectadora — Os viu? Havia dois grandes alces brigando?
Ele meneou a cabeça e lhe apertou as mãos.
—Eram dois homens — Disse — Vestidos de uma forma muito estranha. Pareciam levar kilts.
—Kilts!
—E, além disso, o ruído que ouvia era o entrechocar de espadas: estavam brigando com espadas.
Sem deixar de olhar para Tom, Winter se soltou as mãos e se recostou na cadeira.
—Está zombando de mim! Você não viu dois homens brigando com espadas.
Tom se recostou também e cruzou de braços. Assentiu e, sem trocar o tom de voz, disse:
—Sim que os vi. A lua cheia iluminava o prado quase com tanta luz como se fora de dia, e vi dois homens vestidos com kilts que brigavam com espadas. — Inclinou-se um pouco para frente, entreabrindo os olhos e sem apartar a vista dela — E além não se limitavam a treinar, mas sim de verdade se davam forte; acredito que tinham intenção de matar-se.
Winter ficou a pensar com frenesi. Estaria dois de seus primos brincado de guerreiros a noite anterior no bosque? Ou Robbie e possivelmente Duncan, o filho mais velho de seu tio Morgan? Mas não imaginava por que. O festival tinha sido no final daquela primavera.
—E… Bem… E reconheceu algum dos dois? — Perguntou — Eram do povoado? Já sabe que meus primos adoram as espadas e coisas pelo estilo. Todas as primaveras vão aos Jogos Escoceses, lá na costa. Eram eles, Tom?
Devagar, ele meneou a cabeça.
—Não reconheci nenhum dos dois. Eram grandes como seus primos, mas eles tinham o cabelo longos, até a metade das costas. E não eram plaids MacKeage nem MacBain o que vestiam; estes plaids pareciam mais cinzas, talvez com algo de verde e vermelho.
Pensativa, ela inclinou a cabeça, e Tom a olhou outra vez.
—É difícil distinguir as cores à luz da lua, mas joguei um bom olhar à cara do tipo do cabelo comprido e não o reconheci.
—Disseram algo?
—Não. — Tom voltou a menear a cabeça — Pareciam estar bastante ocupados tentando cortar-se mutuamente pela metade.
Winter o olhou de novo, boquiaberta. Não era possível que Tom visse o que afirmava ter visto. Quem ia estar lá na montanha Bear, em plena noite, brigando com espadas?
—Não quero que conte isto a ninguém, Winter; nem sequer a seu pai. Greylen se preocuparia se por acaso talvez esteja louco de verdade, e prefiro que a gente daqui acredite que só sou um pouco estranho — Disse Tom com um torcido sorriso; depois assinalou a Gesader, que estava a seus pés — Como seu mascote, acredito que nossos espadachins deveriam seguir sendo meros produtos de nossa imaginação.
—Mas você os viu de verdade — Sussurrou ela.
Ele assentiu.
—Sim que os vi. Brigaram durante mais de meia hora e de repente pararam, olharam-se frente a frente em silencio durante vários segundos, e depois deram à volta e se internaram juntos no bosque. Um deu uma palmada ao outro nas costas e deixou o braço ali. Ouvi-os rir enquanto desapareciam no bosque; estavam tentando matar-se e no minuto riam — Terminou, meneando a cabeça; inclinou-se para frente e estendeu uma mão — Sei que tem o costume de rondar pelo bosque de noite, Winter, e por isso lhe conto o que vi. Acredito que por um tempo só deveria pintar cenas diurnas. Não me faria nenhuma graça que esses homens tropeçassem contigo no bosque.
—Mas tenho ao Gesader — Recordou ela.
Tom baixou a vista para a pantera que cochilava a seus pés, voltou a olhar ao Winter e meneou a cabeça de novo.
—Seu mascote não é rival para dois homens com espadas. — Jogou-lhe um olhar severo — Me prometa que não se aproximará do bosque de noite ou irei eu mesmo a seu pai e lhe contarei o que vi.
—Mas se acaba de dizer…
—Eu disse que prefiro que Greylen não saiba o que vi — A interrompeu ele — Mas sua segurança é mais importante que minha reputação. De modo que nos economize aos dois um montão de problemas, deixa de ser teimosa e me dê sua palavra.
—Certo Tom — Assegurou ela em voz baixa — Te prometo que não irei ao bosque só depois de que escureça. — Levantou-se — E, além disso, não sou teimosa: sou obstinada.
—Não: está mimada — Repôs Tom, enquanto ficava de pé e sorria — E algum dia virá um homem que o arrume.
Winter lhe jogou um olhar feroz.
—Não estou mimada. Dá vontade de dizer a Gesader que te morda — O ameaçou.
Tom soltou um bufo e meneou a cabeça.
—É a menor de sete irmãs, Winter; suspeito que, quando se apresentou, seus pais já tinham renunciado a tentar controlar alguma — Rodeou a mesa, agarrou-a pelos ombros e lhe sorriu com ternura — É a amiga mais querida que tenho, e te quero. Há uma grande diferencia entre estar mimada e ser uma fedelha, sabe? E lhe assinalo isso com o maior carinho.
Winter elevou o olhar para ele enquanto franzia o cenho em um gesto de desconcerto.
—Assim pretende dizer que estar mimada é bom?
Tom assentiu.
—Você vive a vida segundo suas condições. Segue seu próprio caminho e não se importa o que outros pensem de você.
Rindo, foi para a porta aberta. Winter se aproximou e pôs a mão no peito.
—Como se tornaste tão sábio, Tom? Quem era antes de vir aqui?
Ele cobriu a mão com a sua.
—Eu era você, Winter — Disse em voz baixa — Nascido de um pai e uma mãe que me deram o mesmo sólido apoio que os seus lhe deram. Desafiei os convencionalismos e percorri meu próprio caminho, e pelo visto isso me trouxe aqui, à montanha Bear… E a você.
Ao dizer as últimas palavras, apertou-lhe a mão.
—Mas quem foi entre que nasceu e veio aqui?
Tom alargou a mão e deu um toque na ponta do nariz; o sorriso lhe pregava as comissuras de seus brilhantes olhos azuis.
—Contarei-te isso no dia de seu vigésimo quinto aniversário. A história de minha vida será meu presente... — Inclinou a cabeça e seus olhos pareceram bailar ao sol —… Junto com o que há debaixo do lençol em minha oficina.
Winter aspirou ao fôlego.
—É para meu aniversário? — Perguntou — Está esculpindo uma coisa só para mim?
Ele saiu da cabana com uma risadinha e chamou bola de neve antes de voltar-se de novo a olhá-la.
—Pensei que ao melhor isso despertava seu interesse… Se é que não te faz perder a presilha nestes três meses.
—Dá-me uma pista? É feito de madeira ou de pedra?
—Talvez seja feito das duas coisas… — Disse ele enigmaticamente, enquanto recolhia a brida de Bola de neve e a punha no velho cavalo de guerra — Embora, ao melhor só é feito de sonhos tecidos com raios de lua.
Inclinou-se e entrelaçou as mãos formando um degrau para que Winter subisse a Bola de neve. Ela deixou que a impulsionasse até a cadeira, depois agarrou as rédeas e sorriu.
—Nunca conheci ninguém tão reservado como você — Disse.
Ele elevou a vista com os olhos entreabertos.
—Não? Talvez devesse se olhar no espelho mais frequentemente… E traz seu senhor Gregor de visita; estou desejando conhecê-lo.
—Não é “meu” senhor Gregor.
Tom lhe deu um tapinha no joelho.
—Não se enfureça comigo — Disse rindo; depois se voltou para o Gesader, que seguia na porta da cabana — Vem Feiticeiro. Já é hora de que acompanhe a sua dama sã e salva até casa.
—Por que todos os homens acham que necessito de uma babá?
Tom elevou a vista para ela e depois deu a volta e se dirigiu de novo a sua oficina.
—Quando nos interessamos por alguém temos tendência a ser protetores. Recorda sua promessa — Acrescentou por cima do ombro — E, senhorita Curiosa: se vir um desconhecido alto vestido com um kilt e que leva uma espada, corre tudo quão rápido possa em direção contrária.
Com o cenho franzido, Winter viu fechar a porta da oficina do Tom. Caramba, aquele homem era igual de enigmático, e igual de desconcertante, que o Pai Daar…
Por fim esporeou a Bola de Neve para o povoado e passou o caminho de volta tentando imaginar o que Tom esconderia baixo aquele lençol de sua oficina.
E o que escondia em seu passado.
De repente, com um súbito sorriso, Winter se deu conta de que obteria a resposta exatamente ao cabo de três meses, contando desde no dia anterior: o dia do solstício de inverno. O dia em que faziam aniversários ela e todas suas irmãs.
Enquanto Winter conversava com o Tom o Falador, Greylen MacKeage estava em uma cabana a metade da montanha TarStone, tentando com todas suas forças não perder os estribos e não matar a um sacerdote. Sabia muito bem que Grace ficaria furiosa com ele se o fazia… Embora, por outra parte, se sua esposa ouvisse o que estava contando Daar nesse momento, ao melhor até se oferecia a lhe ajudar.
—Você me assegurou que quando Winter herdasse seus poderes eu levaria morto muito tempo — Recordou Grei a Daar; seus olhos jogavam faíscas de cólera ao cravar-se no velho drùidh — Que até então teria uma vida normal e que seria uma velha quando você começasse a instruí-la… Não fez sequer vinte e cinco anos: não pode ficar com ela ainda.
Daar se deslocou para interpor entre eles a débil segurança da mesa.
—Mas isso foi antes — Disse — Calculei mal, Greylen, e pensei que teria mais tempo. Mas, como trato de te explicar, moram-se enormes problemas, e necessito que Winter herde seus poderes já.
—Não. Eu o proíbo, sacerdote. Enquanto eu tenha fôlego, não ficará você com minha menina. — Greylen deu um ameaçador passo para ele — E se atrever tão somente a insinuar a Winter algo sobre seu destino, eu mesmo o enviarei ao inferno, velho, embora se condene minha alma.
Daar, que tinha ido afastando-se muito devagar durante a bronca de Grei, já estava pego à parede traseira da cabana. O velho sacerdote inspirou para tranquilizar-se e alargou as mãos em gesto de súplica.
—Laird Greylen… — Inspirou profundamente e o tentou de novo —. Grei, não o entende: Winter nem sequer chegará à velhice se não assumir seu destino já. Não estaremos aqui nenhum de nós… Diabos — Murmurou meneando a cabeça — A vida tal como a conhecemos deixará de existir.
Grei cruzou os braços sobre o peito.
—Sua inclinação pelo melodrama já não me comove, sacerdote. O sol não deixará de brilhar se Winter desfrutar de outros quarenta ou cinquenta anos de paz e felicidade. Ainda não pode ficar com ela.
—Mas é que já está acontecendo — Sussurrou Daar — A energia já começou a alterar-se. Não se deu conta da intensidade das tempestades que vão vindo com excepcional regularidade? São o primeiro sinais dos problemas que se moram, Greylen, e aumenta a uma velocidade que nem sequer eu prevejo.
—O clima só é o clima, velho, e desde o começo do tempo funciona por ciclos. Grace o explicará a você, se for necessário.
O velho sacerdote elevou os braços e se esfregou a face com as mãos; depois olhou a Grei com o cenho franzido e entreabrindo os olhos, como de cristal azul.
—Digo-te que isto é diferente. Algo está alterando o contínuo suceder da vida, e, a sua vez, isso está provocando que se mora minha árvore da vida. E se morrer, outras árvores não demorarão em fazê-lo. — Agitou a mão com veemência outra vez — E se todos morrerem, a terra morre com eles.
—Exatamente, o que está matando sua árvore?
Daar encolheu de ombros e por fim se separou da parede. Foi à lareira e cravou a vista no fogo enquanto alargava as mãos para seu calor.
—Um pecado contra a força vital — Disse sem levantar o olhar.
—Que espécie de pecado? — Resmungou Greylen, impaciente.
Daar dirigiu uma rápida olhada com o cenho franzido, depois voltou a olhar o fogo e disse às chamas:
—Bom, acredito que talvez seja um drùidh ou um guardião… Bem… Que abusa de seus poderes.
—A ver, o que tem feito você?
—Eu não! — Gritou Daar, ao tempo que girava sobre seus calcanhares para olhá-lo de frente — Eu não sou quem está provocando quem mora minha árvore. Eu tento evitá-lo!
—Então quem é?
Enquanto suspirava para tranquilizar-se, Daar meneou a cabeça e baixou o olhar para o chão.
—Poderia ser qualquer de umas cinquenta almas, mais ou menos. Não importa quem seja, e sim só que minha árvore está sentindo as consequências.
—Cinquenta? — Sussurrou Greylen, horrorizado — Há cinquenta drùidhs como você brincando de correr por aí?
—Não — Disse Daar elevando a vista — Só tem seis a oito de nós em cada época. As demais almas são guardiões.
—Então por que não soluciona um desses guardiões este problema? Você disse a Robbie MacBain que seu dever é nos proteger de vocês, seus intrometidos bastardos.
—Precisamente por isso acredito que é um guardião o que provoca este transtorno — Disse Daar, coçando a barba.
Grei deixou cair os braços aos flancos e deu um passo atrás.
—Um guardião? — Sussurrou — Pretende dizer que um guardião sem escrúpulos está matando sua árvore da vida?
—Não, diretamente não. Parece-me que só se tornou contra sua vocação, o qual alterou o contínuo suceder da vida. E isso a sua vez está provocando que todas as árvores se debilitem, até que morram uma atrás da outra. Quando a energia se gasta em lutar para restabelecer o equilíbrio, não prosperam. — Com as mãos fortemente apertadas, o velho drùidh se aproximou de Grei — Winter é nossa única esperança, Greylen. Meus poderes se debilitaram até o ponto de que não posso manter viva minha árvore muito mais tempo. Fará falta um mago mais jovem e mais poderoso, que eu para salvá-lo. Levo-me a sua filha.
—Não. Não pode ficar com ela. Ainda é uma menina…
Daar levantou as mãos soltando um som de indignação e depois assinalou a lareira.
—Vê isso? — Resmungou. Aí mesmo, esse pequeno nó de madeira que está no suporte, vê-o? É tudo o que fica de meu antes poderoso bastão. Gastei quase toda minha energia tentando salvar minha árvore enquanto tentava descobrir, ao mesmo tempo, quem diabos alterou o contínuo suceder da vida. Mas, sem meu bastão, agora mal posso torrar o pão — Disse com muito esforço, sem deixar de jogar um olhar feroz.
—Então, o que tem você para oferecer a Winter, velho? Se seus poderes desapareceram, o que vai herdar ela?
Com gesto impaciente, Daar agitou uma mão para ele.
—É que Winter nasceu drùidh, Greylen… E herdou o poder de você.
Grei empalideceu.
—De mim? — Sussurrou — Eu não tenho poderes, sacerdote: sou guerreiro, não mago. Diabos, se a maior parte do tempo nem sequer tenho o poder de controlar as minhas filhas…
Daar sorriu.
—Ai, Greylen… Você sempre levou dentro nossa herança; além de seu coração de guerreiro, também deu a Winter o conhecimento do universo. Desde seu nascimento, Winter é drùidh.
—Então por que não…? — De repente Grei ficou tenso — Você disse “nossa” herança. O que quer dizer com “nossa”?
—Só isso — Disse Daar com um presunçoso sorriso ao tempo que inclinava a cabeça — Alguma vez se perguntou por que te escolhi para que engendrasse a minha herdeira, MacKeage? É porque você e eu descendemos do mesmo antepassado: somos primos, Greylen, separados só por cem gerações.
Então tocou a Grei esfregar a face enquanto tratava de tirar da mente aquela horrorosa ideia. Era parente do Daar? Deus bendito!
Pois continuava querendo matá-lo.
—Eu não podia engendrar a minha própria herdeira — Prosseguiu Daar — Porque se um drùidh tem um filho, seus poderes se perdem até uma geração futura. Isso foi o que aconteceu com nosso antepassado comum: escolheu o matrimônio por cima do que a Providência exigia, assim que seu poder passou para mim, seu neto. —Assinalou a Grei — Mas você também recebeu o poder de drùidh, que se manteve inativo durante todas essas gerações se por acaso eu renunciava a meu destino ou para quando por fim necessitasse um herdeiro. — Juntou as mãos às costas — Escolhi servir à Providência, assim que me transformei em sacerdote em vez de marido. Logo, simplesmente, esperei até te emparelhar com o Grace Sutter para que tivessem sete filhas. E sua última filha, Winter, é minha herdeira.
Grei pensou no que tinha ouvido. E, além disso, pensou no destino de seu neném. Então dirigiu seus entreabertos e verdes olhos cor de folha perene para o Daar.
—Assim está dizendo que todos os drùidhs têm a opção de renunciar a seu destino? Só têm que ter um filho?
—Sim — Confirmou Daar com uma inclinação de cabeça — Como todo mundo nesta Terra, até os drùidhs têm livre-arbítrio.
—Então Winter ainda tem o direito de escolher.
—Sim — Disse Daar, embora desta vez meneou a cabeça em um gesto negativo — Mas se escolhe renunciar a sua vocação, haverá ao menos um salto de duas gerações em nossa linhagem, e para quando nascer um novo drùidh em nossa linha familiar será muito tarde. Meu pinheiro certamente morrerá antes de então, e isso desencadeará uma reação catastrófica em todas outras árvores da vida.
—Por que não vem outro drùidh a salvar sua árvore — Perguntou Grei — E assim deixa você Winter à margem disto?
—Porque todos tentam proteger suas próprias árvores— Espetou Daar, frustrado — Cada linhagem de drùidh tem sua própria árvore que alimentar.
—Então como roubou você uma raiz de Cùram de Gairn para cultivá-la e que crescesse seu pinheiro branco?
Daar inspirou para tranquilizar-se e baixou o olhar.
—Eu… Bem… A linhagem de Cùram se remonta até o princípio mesmo do contínuo suceder da vida. Ele descende de professores drùidhs. — Daar encolheu de ombros — Por isso Robbie teve que me trazer uma raiz da árvore de Cùram. Sua energia é… Ou era a fonte em que tiveram sua origem todas as árvores da vida.
Greylen deixou cair o queixo sobre o peito ao compreender o que Daar havia dito. Em voz baixa perguntou:
—Mas é decisão de Winter?
—Sim. É sua decisão — Disse Daar em voz baixa — Embora, conhecendo sua filha, Greylen, acha que voltará as costas a seu destino quando se der conta das consequências? É capaz Winter de deixar que o mundo chegue a seu fim, sem mais?
“Não”, reconheceu Grei. De novo agachou a cabeça durante outro interminável momento de silêncio e por fim voltou a olhar ao Daar.
—Por que está tão seguro de que Winter salvará sua árvore? É jovem e inexperiente nos costumes dos drùidhs… — Se moveu um pouco, inquieto — E esse guardião sem escrúpulos? Quem vai protegê-la dele?
—Você — Disse Daar — E eu também, na medida em que possa… E não se esqueça de Robbie: segue sendo um poderoso guardião, Greylen. Todos farão o impossível para proteger Winter. Diabo, inclusive esse maldito mascote dela, Gesader, daria a vida por ela.
Grei deu um passo para ele.
—Não parece estar muito seguro — Disse — De verdade podemos protegê-la?
Daar não cedeu terreno desta vez; uma expressão pormenorizada suavizou o olhar enquanto meneava a cabeça.
—Se tiver que ser juto, não sei, porque não sei exatamente a quem ou a que nos enfrentamos.
—Como descobrimos então?
Daar seguiu meneando a cabeça.
—Descobriremo-lo quando quem é permita que o descobrimos. Se for um guardião sem escrúpulos, deve haver um motivo para que se tornou assim… Mas até que se conheçam seus planos, é como se levássemos os olhos enfaixados em uma noite sem lua.
—Por que não acudiu você a Robbie MacBain com este problema?
—Tenho-o feito, e me disse que devia falar contigo primeiro.
—Você não o dirá a Winter sem minha permissão — Disse Grei, ao tempo que respaldava suas palavras com outro passo ameaçador.
De novo, Daar se manteve firme e meneou a cabeça.
—Não tenho intenção de dizer nada. Esse é seu dever, Greylen. Quando Winter assuma quem é de verdade, buscará-me sozinha — Então foi ele quem se aproximou — Só te peço que não demore a fazê-lo, MacKeage. Quando meu pinheiro caia, talvez seja muito tarde para salvar os outros… E temo que minha árvore não sobreviva ao próximo inverno.
Daar pronunciou a última frase meneando a cabeça; ao tempo que soltava um suspiro de frustração. Grei cravou o visto nele, ali de pé junto ao fogo, com aspecto velho, débil e quase derrotado… De repente Grei se sentiu igual de velho e de indefeso. Sem dizer nada, deu a volta, abriu a porta da cabana, saiu ao alpendre e, simplesmente, ficou olhando o lago de abaixo, que refletia ao cedo sol da manhã.
—Segue sendo um poderoso guerreiro, Greylen — Disse Daar em voz baixa enquanto saía ao alpendre junto a ele — É um homem das Terras Altas, MacKeage, com a força e a inteligência suficientes para ajudar a sua filha a passar por isso. Pois por muito que a sociedade tenha evoluído desde que nasceu, faz mais de oito séculos, segue necessitando seu coração de guerreiro para salvá-la… Isso e a poderosa magia de Winter.
Em silêncio, Grei seguiu contemplando o lago Pene, rodeado de montanhas cobertas por um manto outonal de vivas cores.
—E, além disso — Prosseguiu o velho sacerdote — Tem a sua disposição um pequeno exército que te ajudará na próxima batalha. Sua esposa estará a seu lado, Greylen. E eu, e Robbie MacBain… E não esqueça que Mary, a irmã de Grace, segue estando conosco; que seja uma coruja nevada é uma vantagem, parece-me.
Por fim Grei jogou uma olhada ao Daar.
—Não posso lutar contra o que não vejo velho — Cruzou os braços sobre o peito e se voltou para ficar de frente ao sacerdote — Se tivesse você que adivinhar, quem acredita que é essa ameaça? Quem se afastou que sua vocação?
Daar o olhou entreabrindo os olhos.
—Cùram, acredito.
—Mas antes disse que provavelmente seja um guardião, não um drùidh.
—Já sabe que em gaélico Cùram significa “guardião” — Recordou Daar — Ele é as duas coisas, Greylen.
—Mas como pode ser? Você disse a Robbie que os guardiões nos protegem dos drùidhs. Então como pode ser as duas coisas um só homem? Isso não tem sentido.
—Sim — Disse Daar com uma inclinação de cabeça — Em princípio, não. Mas Cùram é fruto de uma Guardiã e um drùidh… E tiveram um herdeiro excepcional e muito poderoso.
Grei empalideceu.
—Se um drùidh se emparelhar com uma Guardiã, seu neto é inclusive mais poderoso que eles?
—Sim, mas também uma coisa se compensa com a outra — Se apressou a explicar Daar — Cùram talvez seja um drùidh poderoso, mas não pode empregar esse poder contra a humanidade. Bem… Não diretamente, ao menos.
—De modo que você acredita que Cùram de Gairn renunciou a sua condição de guardião e está matando sua árvore?
—De forma indireta — Sublinhou Daar em voz baixa, voltando-se para olhar o panorama de abaixo — Algo encolerizou ou feriu Cùram, tanto que se afastou de sua vocação; mas ao fazê-lo, anulou também boa parte de seus poderes — Jogou uma olhada e de novo olhou a Grei com os olhos entreabertos — E por isso acredito que encontrar outro modo de conseguir o que quer.
—E minha filha está a ponto de meter-se em meio da cólera desse bastardo para tratar de detê-lo?
Daar assentiu.
—Sim. Winter nasceu com a capacidade de nos salvar.
—Nasceu mulher!
Daar soltou uma risadinha em voz baixa.
—Sim. Mas como, MacKeage, é sua maior vantagem. O ser mulher lhe dá uma força interior que nenhum homem igualará jamais. Não viu essa mesma força em sua própria esposa?
Greylen sorriu pela primeira vez aquela manhã.
—Sim. Grace fez que me tremam as pernas mais de uma vez. — Rapidamente ficou sério, afastou-se e desceu do alpendre dando pernadas até o cavalo que o esperava. Depois de montar, fez que o cavalo se voltasse para olhar de cara ao sacerdote — Tenho que pensar no que me contou. A Winter não vai gostar disto mais que a mim; é artista, e só quer captar no tecido seus formosos animais e seu formoso bosque.
—Sou muito consciente dos desejos de Winter — Disse Daar, levantando o queixo coberto por uma bem arrumada barba grisalha — Ou se esquece que fui eu quem a convenceu para que deixasse a universidade e voltasse para casa?
—Não me esquece, sacerdote — Resmungou Greylen — Esse dia faltou um fio para que lhe incendiasse a casa.
—Ela tinha o ânimo pelos chãos, MacKeage. Aquele mundo não era seu lugar, e ela sabia. — Daar o assinalou com um dedo torcido pela idade — E você também. Por isso você e Grace foram de carro até Boston aquela mesma noite, recolheram seus pertences e a trouxeram de volta.
Grei meneou a cabeça.
—Sim. Nunca pude negar nada a Winter… Nem a nenhuma de minhas filhas, em realidade. Por outro lado, você tampouco — Resmungou — Foi você quem insistiu a Megan que partisse ao Canadá com o Wayne Ferris para estudar a migração dos gansos.
Daar encurvou os ombros e baixou a vista, ao tempo que se limpava a dianteira de sua negra batina de lã.
—Não sou adivinho — Murmurou — Não previ que aquele homem era um canalha.
Grei esporeou o cavalo até o corrimão do alpendre, justo até onde estava o sacerdote que levava mais de trinta e oito anos entremetendo-se em sua vida.
—Então deixe de intrometer-se — Disse com muito esforço — Já tem feito suficiente dano. Fique aqui em cima em sua cabana e não se aproxime de minha família.
Daar retrocedeu.
—Todas são adultas e seguem seus próprios caminhos — Disse, assentindo com veemência — Mas eu… Eu sigo estando convidado à festa de aniversário, não é? Preparei-lhes um presente a cada uma.
—Pode vir à festa de aniversário — Concedeu Grei — Quando Grace e eu tenhamos decidido falar com Winter, o direi a Robbie MacBain. Até então, cuide sua árvore e tente descobrir se de verdade tratamos com o Cùram de Gairn.
Com as mãos juntas, Daar assentiu com frenesi. Greylen dirigiu um último olhar assassino de advertência, depois fez dar a volta a seu cavalo e se dirigiu de novo montanha abaixo.
Diabos coroados… Dava pavor pensar em sua próxima conversa com Grace.
Em vez de deter-se no estábulo ao voltar de visitar a Tom, Winter seguiu através da entupida fileira de árvores de folha perene que separavam sua casa familiar da Estação de Esqui de TarStone. Enquanto guiava a Bola de Neve até o outro lado do estacionamento, quase cheio, e se dirigia para o hotel, deu-se conta de que quase todas as placas eram de estados situados ao sul de Nova à Inglaterra.
Enquanto fazia que Bola de Neve rodeasse um carro de turistas que saía dando marcha atrás, disse-lhe:
—Os “mirahojas”[1] desembarcaram em pleno; espero que Megan tenha aberto cedo a galeria. — Ao meter-se sob a marquise, feita de pedra e cedro, de entrada ao hotel, dirigiu-se ao porteiro — Bom dia, Paul. Só ficam outras duas semanas desta loucura por admirar as cores do outono; depois, um breve descanso antes da neve e os esquiadores.
Sorrindo, o porteiro elevou a vista enquanto pegava a brida de Bola de neve.
—Eu gosto que haja animação — Disse — Os turistas são divertidos às vezes.
Winter baixou escorregando do cavalo e, rindo, deu a Paul um tapinha no braço ao tempo que entrava.
—Esta manhã não terá que prendê-lo. Só estarei uns minutos — Disse, e penetrou pela enorme porta de vidro.
—Um cara chamado Gregor te espera no vestíbulo… — Disse Paul.
Imediatamente, Winter descobriu seu objetivo e se deteve bruscamente. De costas a ela, Matt Gregor observava com atenção o grande mural de TarStone que Winter tinha pintado fazia seis anos; o mural cobria a parede do vestíbulo e subia até a galeria que conectava as alas oriental e ocidental do hotel. Gregor levava um traje cinza, igual de caro e tão estupendamente confeccionado como o do dia anterior, e de novo tinha o cabelo recolhido no pescoço.
Caramba, caramba, aquele homem era ainda mais imponente do que recordava. O vestíbulo do hotel tinha três andares e nele cabiam dez galerias de arte como a sua… E, entretanto parecia que Matt Gregor enchia todo o espaço. Entretanto as várias dúzias de pessoas que pululavam por ali agiam como se o homem mais bonito que tinha posto o pé em Pene Creek não existisse sequer. Estavam todos cegos? Ou era aquela condenada química com a que seu pai tinha estado amassando pela manhã o que a cegava a ela?
De repente Matt Gregor se voltou para olhá-la de frente, e imediatamente seus penetrantes olhos dourados se fundiram com os seus. Winter ficou paralisada… Tanto que a pessoa que saía teve que rodeá-la, e tentou calcular como ia passar nem um só dia sequer com aquele homem sem ficar em um ridículo espantoso.
As silenciosas pernadas de Matt despacharam rápido o grande vestíbulo; logo se deteve diante dela, a menos de três passos de distância, alheio também ao caos que os rodeava, enquanto seu profundo e penetrante olhar seguia capturando-a.
—Chega tarde — Disse — Levo esperando quase uma hora.
—Tive que me ocupar de um mascote doente — Disse Winter sem desculpar-se. Disse que se não se apressava a tomar a dianteira a aquele homem… Ou ao menos a ficar em pé de igualdade com ele, mais valeria, simplesmente, jogar-se sobre ele ali mesmo no vestíbulo, diante de Deus e dos turistas — E, além disso, tinha que visitar um amigo ao que estava desatendendo. Mas já estou aqui, senhor Gregor, para dizer que aceitarei seu pedido, mas com umas quantas condições.
Ele cruzou de braços e elevou uma escura sobrancelha.
—Que seriam…? — Perguntou em voz muito baixa.
Winter se deu conta de que já sabia muito sobre o Matheson Gregor. Como sua linguagem corporal, que indicava que se impacientava um pouco, se não ser que se zangava de tudo, quando as coisas não saíam como ele queria ou não partiam segundo seu plano. Tampouco parecia fazer muita graça que outra pessoa dirigisse a conversa… Bom, pois ainda menos ia gostar de suas condições.
—Exploraremos sua montanha juntos — Disse — Mas sempre iremos acompanhados de uma terceira pessoa.
Ele baixou as sobrancelhas até formar um cenho franzido e entreabriu os olhos diante o que ela dava a entender.
—E, além disso — Prosseguiu Winter antes que ele pudesse fazer nenhum comentário — Escolherei três, ou talvez quatro lugares para que você escolha entre eles, mas minha irmã, Megan, pode vetar qualquer um deles, ou todos, se forem inaceitáveis.
O cenho dele se acentuou mais.
—Megan? Também é artista? Penso contratar a você, senhorita MacKeage, não um comitê.
Winter se limitou a sorrir.
—Possivelmente queira reconsiderá-lo, Matt... — Disse; confiou em que empregar seu nome de batismo contribuíra a rebater parte da imponente presencia que aquele homem desprendia como se fosse um elixir—… Megan é bióloga especializada em flora e fauna, e se vier a um espaço virgem a construir uma formosa casa, não tem sentido acabar destroçando esse mesmo espaço virgem ao construí-la. Contaram-me que há um refúgio natural de cervos na montanha Bear, além de hábitats frágeis nos que não se deve entrar. Megan ajudará a esclarecer com as normas meio-ambientais e se assegurará de que nem sua casa nem o caminho de acesso danifiquem o meio ambiente ou infrinjam as leis.
Winter confirmou suas suspeitas: a Matt Gregor ao melhor gostava da ideia de que uma artista escolhesse a localização de sua casa… Mas não o fazia muita graça que alguém dissesse o que podia e não podia fazer.
—O que é um refúgio natural de cervos? — Perguntou.
—É onde os cervos se reúnem para sobreviver aos rigores do inverno. Está acostumado a ser o mesmo lugar resguardado todos os anos, com muita forragem, e assim se economizam a energia que necessitariam para andar penosamente pela profunda neve. Em alguns deles se juntam mais de umas centenas de cervos, e para o rebanho seria terrível se construir uma estrada que o atravessasse, ou inclusive que passasse perto.
—E sua irmã, Megan, sabe pular essas normas?
—Não. Assegurará-se de que você não prejudique o monte só para ter uma bonita vista da janela dianteira — Disse Winter tranquilamente, sem se importar irritá-lo mais; em realidade, essa ideia parecia muito estimulante — Iremos à montanha Bear depois do meio-dia.
Aquela imponente sobrancelha voltou a elevar-se, mas antes que ele pudesse fazer algum comentário, Winter acrescentou:
—De modo que tem tempo de fazer umas compras na Armería de Dolan. Os trajes de rua não são exatamente traje de equitação.
E de novo, antes que ele pudesse dizer nada, girou sobre seus calcanhares para voltar a sair.
Mas a porta do vestíbulo se negou a abrir-se. Ao baixar a vista, Winter viu uma mão grande e conhecida que a mantinha fechada… Mais ou menos ao mesmo tempo em que sentiu o calor do corpo dele virtualmente rodeando-a.
Em voz baixa, fazendo voar os cabelos com o fôlego, Matt perguntou:
—Há algum motivo para que não levemos minha caminhonete?
—Tem uma caminhonete? Acreditava que tinha vindo de avião — Disse ela sem mover-se nem um centímetro.
—Comprei uma caminhonete e me entregaram ontem.
Por fim ela voltou à cabeça para olhá-lo, mas se negou a soltar-se de seu frouxo abraço.
—Se deseja fazer uma ideia autêntica da terra, tem que vê-la a cavalo.
Alguém atirou da porta do vestíbulo, tentando entrar. Matt Gregor a soltou, recuou, e nesse momento Winter se adiantou a quem entrava e saiu rapidamente. Tomou as rédeas de Bola de Neve das mãos de Paul e levantou o pé esquerdo para que ele a ajudasse a montar…
Mas em vez disso, em lugar de agarrar o pé, duas grandes mãos rodearam a cintura e, sem nenhum esforço, elevaram-na até o lombo de Bola de neve antes que acabasse de dar um grito afogado. Winter colocou os pés nos estribos e jogou um olhar feroz a Matt Gregor, que levantava a vista para ela com olhos brilhantes de regozijo.
—Megan e eu estaremos aqui as duas — Disse antes que ele pudesse falar — E abrigue-se. É provável que não estejamos de volta até depois do pôr-do-sol.
Uma daquelas condenadas sobrancelhas voltou a subir, junto com uma comissura da boca. Com uma súbita risada que retumbou no peito, Matt recuou.
—Então verei você e a sua guarda costa as duas em ponto.
Com um “obrigado” entre dentes a Paul, Winter fez dar a volta a Bola de neve e se dirigiu para sua casa sem olhar atrás. E não é que o tivesse feito, embora quisesse; a grave, ressonante e completamente masculina risada do Matt Gregor seguia pulsando por todos os nervos de seu corpo.
Depois de entrar pela porta traseira de Gù Brath, Winter tirou as botas antes de passar à gigantesca cozinha.
—Ah, que bem, está aqui… — Disse a sua mãe enquanto se aproximava da bancada — Me perguntava se olhava à galeria para mim esta tarde.
—Lamento-o — Disse Grace MacKeage sem afastar-se da bancada — Estou preparando um almoço para levar; seu pai e eu vamos comer na cúpula.
Winter arrancou uma parte de frango da fonte e o meteu na boca.
—Papai te leva acima à montanha? — Perguntou depois de engoli — Esta manhã não me disse nada de um almoço campestre.
Grace sacudiu a cabeça para voltar a tornar o comprido cabelo loiro sobre os ombros e repôs:
—Quando chegou do seu passeio matinal, me disse que preparasse um almoço para levar. E não vou tentar a sorte fazendo perguntas — Deu um olhar — Perdoa, terá que procurar outro que olhe a galeria. Talvez pode a mãe de Libby, já sabe quanto desfruta Kate sentindo-se necessária ultimamente.
Winter roubou uma rodela de tomate e se apartou como um raio da bancada.
—É boa ideia — Disse — O pedirei à avó Katie. Se ela não puder, Rose está justo ao lado.
—Aonde vão você e Megan esta tarde? Antes de sair esta manhã, sua irmã deu a entender que estaria na galeria até que fechasse.
—Ainda não sabe, mas vamos subir a cavalo à montanha Bear — Explicou Winter ao tempo que abria a geladeira — Megan ainda pode montar, não? Só está grávida de três meses.
Sua mãe juntou as mãos, apertou as contra seu seio, e deixou ver um sorriso tão amplo que Winter se endireitou de tudo, alarmada.
—O que? — Perguntou — Por sua expressão parece que eu acabasse de descobrir o segredo da propulsão por íons. Do que ri?
—De você — Disse Grace em voz baixa — vai aceitar o pedido do senhor Gregor.
—Então deveria te pôr feita uma fúria, não sorrir. Ontem à noite não queria que o aceitasse.
—Não — Replicou sua mãe meneando a cabeça — Era seu pai que não queria. Eu só segui a corrente a Grei até que o peguei sozinho e o fiz trocar de opinião.
—Você quer que aceite o encargo de Matt Gregor? — Sussurrou Winter; meneou a cabeça, rindo — Nossa caramba. Pois esta manhã papai agia como se fosse ideia dele.
Grace soltou um bufido.
—Depois de que me passasse a metade da noite explicando a esse teimoso que tinha que deixar de te ter metida em um punho. — Alisou o avental, juntou as mãos à altura da cintura e pigarreou — Acredito que deveria deixar de se esconder, Winter, sair e se relacionar com seus semelhantes. E se Matt Gregor te chateia tanto como acredito, talvez seja que ele é o homem que consegue que isso aconteça.
—Ao melhor também é um assassino em série.
Grace dirigiu o mesmo sorriso maternal que empregava com suas filhas sempre que estava decidida a fazer entender uma questão importante sem perder a paciência.
—A probabilidade matemática de que um assassino em série leve um traje caro, venha aqui em avião privado e em um impulso pague milhares de dólares por um quadro de filhotes de urso é, mais ou menos, a de que seu pai peça ao Pai Daar que deva viver conosco em Gù Brath.
Winter fechou a porta da geladeira e levantou as mãos em um gesto de súplica.
—Por favor, mais probabilidades não — Resmungou — Ainda não esqueci a última vez que me fez ver minhas possibilidades de acabar sendo uma velha ermitã como Tom.
—Pois já avançou bastante por esse caminho — Disse Grace com doçura; aproximou-se, agarrou-lhe a longa trança e a passou por diante do ombro — O que acha que arrisca Winter, se deixar que o coração te leve até os braços de um homem?
—Minha independência, possivelmente?
Sua mãe deu um puxão da trança e disse:
—Levo trinta e três anos casada com o que talvez seja o homem mais mandão do universo... — Seu sorriso maternal se voltou inclusive mais terno —… E me arrumei isso para criar a sete filhas equilibradas apesar dele. E, além disso, contra o que vulgarmente se acha, o dia que me casei com seu pai foi o dia em que ganhei minha independência. Resulta muito liberador, Winter, seguir ao coração.
Winter se inclinou, deu-lhe um beijo na bochecha e se apartou para dirigir-se a bancada; jogou mão rapidamente a uma rodela de tomate, a meteu na boca e observou com atenção a sua mãe enquanto mastigava e engolia. Por fim disse:
—Ontem um homem entrou em minha galeria e me ofereceu a encomenda de escolher um lugar onde fazer sua casa. A pesar do modo em que todos atuam não me pediu que me casasse com ele. — Agitou uma mão no ar — Não flertou, nem sequer um pouquinho. Caray: inclusive se irritou quando não quis vender meu quadro de Gesader… E aqui estão papai e você, agindo como se eu tivesse recusando seu pedido de matrimônio.
—É que não te atrai o senhor Gregor?
—Claro que sim, é muito bonito.
—Então qual é o problema?
—Eu não tenho um problema, têm-no papai e você. Dizem-me que siga meu coração quando ontem à noite só disse que me tinha chamado à atenção um homem. — Suspirou e meneou a cabeça ao tempo que olhava a sua carrancuda mãe — Não tem que preocupar-se por mim, mamãe, prometo-te que não me converterei em uma ermitã. Vou aceitar o pedido de Matt Gregor e vou levar Megan de guarda para que papai não fique feito uma fúria. E se Matt me pede que saia com ele — Acrescentou, caminhando para a porta que conduzia ao corredor — Talvez aceito e tudo. Que te divirta no almoço campestre. — Já na porta, deteve-se e a assinalou com o dedo — Mas recorda que por aí há excursionistas… não me faria nenhuma graça vê-la em uma situação comprometedora.
Rindo, Winter saiu ao corredor; de ali ouviu a voz de sua mãe.
—Já eu gostaria que pegassem a você!
Sentado ao sol no alpendre de sua cabana, Pendaär acariciou com gesto distraído a nodosa parte de madeira de cerejeira que tinha no colo e cravou a vista no lago Pene, enquanto pensava na conversa que tinha tido com Greylen MacKeage aquela manhã. Nenhum homem queria ouvir que sua filha estava a ponto de cercar uma batalha de semelhante envergadura… E muito menos, que estava destinada a viver uma larguíssima vida de solidão.
Recordou a batalha emocional que ele mesmo tinha tido que liberar fazia uns mil e oitocentos anos, quando se encontrou cara a cara com seu destino. Embora, provavelmente, a autêntica dor chegaria quando Winter se desse conta de que, nas gerações vindouras, ia ser testemunha da morte de seus seres queridos enquanto ela seguia vivendo, sozinha, durante séculos.
Em certa ocasião Robbie MacBain se referiu ao destino de Pendaär como uma maldição… E alguns dias Pendaär não podia evitar estar de acordo com ele. Todos aos que tinha amado alguma vez tinham morrido, enquanto que ele se via obrigado a continuar sem eles: seus pais, seus quatro irmãos e suas duas irmãs, suas sobrinhas e sobrinhos… E assim constantemente, uma e outra vez, durante dúzias de vidas.
Uma vez, fazia uns mil e quatrocentos anos, tentou simplesmente manter as distâncias… Mas a Providência era uma indiscutível professora, e um drùidh desapaixonado não era um servidor eficaz. Assim Pendaär levava quase dois milênios sentindo afeto por seus seres queridos e depois vendo-os morrer… Como ia ver morrer Greylen e Grace, e Morgan e Callum, e inclusive Robbie MacBain. E depois estavam as seis filhas maiores de Grei… E seus filhos… E seus netos…
Só que Winter estaria a seu lado desta vez, até que ele morresse… e depois a querida lass estaria sozinha.
Pendaär ficou de pé, meteu o nó de madeira no bolso e se apoiou no corrimão do alpendre enquanto olhava fixamente por cima do círculo de montanhas que rodeava o lago Pene. Os problemas que se moravam os trazia um frio vento de desesperança absoluta. Quase via o incolor vazio de uma alma que, simplesmente, deu-se por vencida… E de todas as debilidades humanas, a desesperança era a mais insidiosa, pois se alimentava de si mesmo e acabava sendo devoradora.
Pendaär coçou o queixo enquanto se perguntava o que teria ocorrido a Cùram de Gairn para que este desse as costas de modo tão implacável a sua vocação. Sim, estava seguro de que quem agitava aquelas nuvens de tempestade era o jovem mago, posto que Cùram era o único drùidh de quem ninguém dava razão naquele momento.
Na conversa daquela manhã, Grei tinha sugerido que fosse a seus companheiros drùidhs para pedir ajuda; Pendaär já o tinha feito. E todos, junto com seu correspondente exército de guardiães, disseram-lhe que estavam muito ocupados tentando salvar suas próprias árvores para emprestar ajuda. Entretanto, estiveram de acordo em que à tempestade estava formando-se quase diretamente sobre a cabeça de Pendaär, e, portanto seu dever era detê-la antes que os alcançasse a eles.
Frustrado pelas lutas internas, Pendaär partiu do conselho com a intenção de salvar suas mesquinhas almas apesar de tudo… Com ajuda de Winter, certamente.
Tirou o nó de cerejeira do bolso e o olhou fixamente dando um cansado suspiro. Não era muito, depois dos anos que tinha dedicado a alimentar as energias da vida. Entesourava o pouco conhecimento que ficava naquela parte de madeira para não servir do pinheiro branco que tinha escondido lá no alto da montanha TarStone. Winter necessitava toda a energia que ficasse na debilitada árvore, e essa mesma tarde ia podar um ramo para fazer um delicado bastão.
Levou o nó de madeira ao peito e notou seu débil zumbido ressoando baixinho em seu interior enquanto olhava para o Gù Brath. Sim, Greylen devia explicar logo a sua filha mais nova o destino que a aguardava. Logo; antes que sobre eles explodisse a tempestade, com a força de uma desesperança que talvez nem o profundo amor à vida de Winter seria capaz de vencer.
—Sigo sem entender por que tenho que montar o Gorducho em vez da Penugem de ganso. Ontem dizia que estar grávida não é uma enfermidade, mas hoje me trata como a uma inválida — Disse Megan em tom queixoso.
Enquanto as irmãs se afastavam do estábulo, Winter, que levava atrás dela a Penugem de ganso sem cavaleiro, olhou-a com o cenho franzido.
—Matt tem que montar seu cavalo — Explicou uma vez mais — Faz semanas que não tira passear Penugem de ganso, e não quero que caia. E, além disso, como as duas sabemos que Gorducho é muito preguiçoso para derrubar nem uma mosca, é perfeito para você.
Megan até chegou a sorrir.
—Mas não acontece nada se Ganso atirar a seu senhor Gregor no chão?
—Não é ”meu” senhor nada — Disse Winter com os dentes apertados, lançando um olhar assassino — E você se leve bem hoje e não faça nenhum comentário malicioso; isto é uma operação empresarial.
Megan soltou um bufo e esporeou Gorducho para pô-lo ao trote, mas o velho cavalo de carga se limitou a ampliar seu tranquilo passo de caminhada, com o que danificou por completo o ar de dignidade ofendida. Em realidade Gorducho pertencia a Camry, que vivia na Florida e trabalhava para a NASA.
Em silêncio, Winter foi atrás dela. Pela metade desejava e pela metade temia voltar a ver Matt. Ai, como a alterava aquele homem, de quantas maneiras e em quantos níveis diferentes. Era do mais bonito, do mais misteriosamente fascinante, e… Bom, maldição, também era familiar. Sim, no Matheson Gregor havia algo que o fazia pensar que o conhecia… Ou que deveria conhecê-lo. Seus olhos, possivelmente. Quando olhava em seus profundos olhos dourados, tinha a perturbadora sensação de que se viram antes.
Certamente, o tamanho de Matt não a preocupava; tinha crescido em uma ampla família de escoceses grandes, fortes e imponentes. Nem sequer sua arrogância era um problema, estava acostumada a essa pose masculina que quase sempre era fanfarronice mais que ameaça.
Então como é que a alterava tanto? Por que acelerava o coração cada vez que o via?
Caramba, o da química era uma coisa difícil.
Winter suspirou enquanto seguia Megan pelo estacionamento para a entrada do hotel. Não ia ter mais remédio, disse que seguir com aquilo e ver aonde conduzia.
Enquanto entravam sob a alta marquise, Paul se separou de um grupo de turistas que estava reunido na entrada, saudou-as com uma inclinação de cabeça e agarrou a brida de Gorducho. Justo no mesmo momento, Matt Gregor cruzou a porta do vestíbulo; deteve-se bruscamente, e seu cortês sorriso desapareceu imediatamente ao ver as duas mulheres e os três cavalos.
—Que diabos? — Sussurrou enquanto pousava seu olhar assassino em Winter — Não penso montar um cavalo de lavoura.
Embora tivesse um aspecto poderoso e imponente de terno, vestido com roupa informal era indescritível. Uns jeans desbotados, ajustados até marcar os músculos, umas botas de trabalho cheias de marcas e uma suave camisa de flanela de um cinza apagado transformavam à refinação homem de negócios em um rude amante das atividades ao ar livre.
Recordando sua necessidade de tomar a dianteira, Winter deu a Matt uma dose de seu próprio remédio e levantou uma sobrancelha.
—Com os anos, nossos cavalos aguentaram umas quantas brincadeiras, mas lhe asseguro que nunca puxaram um arado.
Sem afastar o olhar dela, Matt, assinalou a Penugem de ganso.
—Esse é um cavalo de carga.
Winter deu uns tapinhas em Ganso, que, com gesto preguiçoso, acariciava o pescoço de Bola de Neve com o focinho.
—Ganso é um cavalo de carga e, além disso, o meio de transporte perfeito para ir aonde vamos hoje; é de passagem seguro e a prova de tombo — Esboçou um rápido e leve sorriso — Isso caso você o agrade o suficiente para deixá-lo montar.
Matt entrecerrou os olhos diante aquele desafio e em seguida foi agarrar as rédeas de Ganso. Afastou-o, depois atou muito bem seu jaquetão à parte de atrás da cadeira, pôs o pé esquerdo no estribo e por fim montou com a naturalidade de um homem que se notava que estava cômodo com os cavalos.
Ganso ficou subitamente alerta; com perícia, Matt o levou junto a Megan.
—Matt Gregor — Disse com um afável sorriso, ao tempo que estendia a mão — Agradeço que tenha renunciado a sua tarde para ser nossa companhia.
Megan ficou olhando a mão até que ao fim pôs sua mãozinha nela.
—Bem… Megan — Sussurrou.
Matt a estreitou com suavidade, depois olhou a Winter e com a mesma mão fez um gesto senhorial.
—Então cavalguemos — Disse — Estou desejando ver minha terra por fim.
—Comprou a montanha Bear sem vê-la sequer? — Perguntou Winter, surpreendida.
Matt pôs-se a andar como cavalo para o estacionamento.
—Vi um mapa e fotos aéreas — Deu uma olhada quando ela o alcançou — Só divisei uma pequena cabana em uma das fotos, na borda; pensei que talvez seria um bom lugar para construir uma casa, já que outra pessoa o tinha pensado também.
—Se não se importa reconstruir seis quilômetros de uma velha estrada de terra… Essa cabana está lá em um estreito promontório, e o único caminho de acesso é uma pista florestal que sobe serpenteando até metade da montanha Bear e desce depois — Disse Winter; dirigiu-lhe outro sorriso desafiante — Ou poderia estacionar na estrada principal e percorrer a pé um quilômetro e meio pela borda até chegar a sua nova casa.
—Ou, simplesmente, poderia construir uma estrada que fosse pela borda.
Nesse momento interveio Megan, que por fim tinha conseguido que Gorducho os alcançasse e ia junto a eles pelo caminho que levava até o Gù Brath cruzando o bosque.
—Não, a verdade é que não pode — Disse — Teria que atravessar um grande pântano e depois construir uma ponte por cima do arroio Bear onde desemboca no lago Pene. As normas relativas aos pântanos são estritas, e duvido de que o autorizassem sequer.
Matt olhou para frente franzindo o cenho e depois olhou a Megan.
—Então não posso construir em nenhum lugar da borda?
—Pode, sempre que guardar uma grande distancia de separação em relação ao lago e todos os pântanos que estejam perto.
A voz de Winter fez que Matt se voltasse para ela.
—Ou pode construir mais para cima da montanha. O sacrifício de não ouvir o som das ondas na borda se compensaria com uma vista absolutamente espetacular.
Matt assentiu pensativo, antes de olhar de novo a Megan.
—Isso talvez fica bem. As normas são tão…? — De repente deteve bruscamente a Ganso e cravou o olhar na grande construção que tinham adiante — Isso é um castelo?
Ao Winter não surpreendeu sua reação.
—É Gù Brath, nossa casa — Explicou; olhou-o elevar a vista pelas altas paredes de seu lar de pedra e granito — E além disso é um keep, não um castelo. Um keep é só parte de um castelo, pelo geral a torre central e mais segura. Nosso pai e nossos tios não necessitavam uma casa tão grande como um castelo, de modo que construíram um keep.
—Isso é um fosso?
—A verdade é que não — Respondeu Winter com uma risadinha — É o arroio que sai da montanha, e só está por esta parte da construção. Embora a ponte que terá que atravessar para chegar à porta sim que se levanta como uma ponte levadiça.
Dava a impressão de que Matt não podia afastar os olhos de Gù Brath.
—Mal tem janelas… — Disse —... E essa pedra negra, o que é?
Winter encolheu os ombros, mas Matt não viu seu gesto; estava ocupado observando com atenção sua casa.
—É a rocha que dá nome a TarStone. Cruzamento o granito cinza da montanha em nervuras que, em alguns lugares, são tão largas como um campo de futebol. Faz uns trinta e cinco anos desceram a pedra da montanha para construir nossa casa.
Por fim Matt a olhou.
—Chamou-a você Gù Brath. O que significa e como se escreve?
—Escreve-se G-O-U-B-R-A-T-H, e em gaélico significa “sempre”. Nosso pai e nossos tios chamaram a sua casa “Sempre” porque disseram que não voltariam a se mudar nunca.
Matt a olhou entrecerrando os olhos, como se suspeitasse que só estavam dando a versão para turistas, e depois voltou a observar atentamente a casa.
—Aquela parte da esquerda parece mais nova que o resto da… Casa — Assinalou.
—É nossa ala familiar, que se acrescentou faz vinte e seis anos. Tem nove quartos, piscina, um laboratório de informática e uma cozinha maior.
Matt voltou a olhá-la.
—Ouvi bem ontem? São vocês sete garotas… Quero dizer mulheres? —Apressou-se a corrigir com um sorriso de desculpa.
—Sim. Embora agora só vivemos em casa Megan e eu.
—Que lugar ocupa você em ordem de nascimento?
Winter alargou seu sorriso.
—Sou a caçula — Assinalou Megan com uma inclinação de cabeça — Entre nós vai uma irmã que se chama Elizabeth, e depois estão à gêmea de Megan, Chelsea, outras duas gêmeas, Sarah e Camry e a mais velha, que é Heather.
—Todas estão casadas menos você?
A Winter pareceu descortês a curiosidade de Matt, mas, não obstante, decidiu continuar dando explicações sobre sua família para que soubesse onde se metia… Só se por acaso ao melhor ocorria pedir que saíssem.
—Heather está casada e vive na Califórnia com seu marido e três filhos. Sarah está casada, tem um menino e vive na Escócia. Camry está solteira e é cientista da NASA, na Florida. Chelsea tem quatro filhos varões e é advogada em Bangor, e Elizabeth dá aula para o terceiro ano aqui em Pene Creek; tem dois filhos — Terminou, rindo, ao ver sua expressão de assombro.
Matt se voltou para olhar a Megan.
—E para quando esperam você e seu marido a chegada de seu filho? —Perguntou.
A face de Megan ficou de três tons de vermelho.
—Eu… Eu não estou casada — Sussurrou.
—Perdão — Disse Matt entre dentes — Ao ver seu estado… É que tenho suposto…
Winter fez que desviasse a atenção de sua envergonhadíssima irmã ao perguntar:
—Como sabe que está grávida? Se nem sequer se nota ainda.
Matt meneou a cabeça ao tempo que um sorriso suavizava as feições, e em seguida voltou o sorriso para Megan.
—As mulheres têm um aspecto especial quando estão em estado… Um formoso resplendor — Disse em voz baixa; alargou a mão e a pôs nas crinas de Gorducho, justo por cima de onde Megan tinha as rédeas agarradas — Peço perdão se tiver feito sentir-se incômoda, mas, a risco de ser mais descortês ainda, está o pai por aqui?
Com o olhar baixo, fixa na mão dele sobre as crinas de Gorducho, Megan se limitou a menear a cabeça.
—Sabe do bebê?
Nesse instante, Winter decidiu que Matt Gregor estava ficando muito pessoal com algo que não era assunto dele e, zangada, espetou:
—Sabe. E além Megan está melhor sem esse enjoativo covarde — Enquanto falava fez que Bola de Neve empurrasse o cavalo de Matt para que se pusesse a andar pelo atalho — Temos que nos pôr em marcha ou nos perderemos o pôr-do-sol da montanha Bear.
Matt voltou a pôr a Ganso ao passo, continuou subindo pela pista florestal justo até passar Gù Brath e então se voltou para Winter, sem dar absolutamente a impressão de que se desculpasse.
—Só perguntei por que em meu negócio tenho contatos diversos — Disse em voz baixa assim que estiveram fora do alcance do ouvido de Megan — E isso me permite conectar com a pessoa de múltiplas forma. Me diga como se chama esse homem, e farei que apareça aqui amanhã mesmo jurando amor eterno a sua irmã.
Winter o olhou, piscando. Do que ia aquele cara? Não estaria oferecendo-se a ameaçar Wayne Ferris…
Matt suspirou e meneou a cabeça.
—Olhe, sei que não é meu assunto, mas detesto… — Dirigiu o olhar para o atalho que tinha na frente — Em certa ocasião tive uma irmã na mesma situação, embora então não pude fazer nada para ajudá-la… — Deu uma olhada por cima do ombro a Megan e depois voltou a olhar a Winter — Mas, certamente, ajudarei a sua irmã se você quiser que o faça.
—Por que vai querer Megan que um enjoativo covarde declare amor eterno? Está melhor sem ele.
Matt deixou ver um amplo sorriso.
—Tem razão. Então me dê seu nome e farei que se arrependa de tê-la conhecido sequer.
Winter recuperou seu sorriso diante a ideia de que Wayne Ferris levasse seu castigo.
—Assim, sem mais — Disse a Matt —… Iria atrás de um homem ao que nem sequer conhece por uma mulher a quem acaba de conhecer?
—Estaria encantado — Disse ele em voz muito baixa, olhando a Megan uma vez mais antes de voltar-se para Winter — Não pude fazer nada por minha irmã, mas posso ajudar Megan.
Winter parou a pensar naquela nova faceta do homem cujos olhos dourados achava tão irresistíveis. Se estava disposto a castigar um homem pela falta de outro, regia-se por um código pessoal de justiça um pouco enviesado. Que interessante… E que inquietante.
—Agradeço a oferta, mas nos os MacKeage cuidamos nós mesmos. — De repente Winter descobriu Gesader no alto de um grande carvalho, escancarado em um ramo que pendurava sobre a estrada, com seus enormes e impassíveis olhos amarelos fixos na procissão que avançava para ele. Imediatamente se voltou para o Matt com um amplo sorriso, e sua voz adotou um tom alegre — Bom, por que não me conta que tipo de casa quer, para que comece a fazer uma ideia?
Surpreso, Matt a olhou, e Winter se deu conta de que talvez tinha trocado de tema com muito entusiasmo.
—Não quero uma casa muito grande — Respondeu ele — Mais cômoda que ostentosa. Pensava em fazê-la de troncos, um refúgio do norte, tudo de madeira por fora e por dentro uma alta habitação central que tenha uma grande lareira de pedra.
Winter assentiu.
—Certamente, isso encaixaria bem em sua montanha — Concordou; inclinou a cabeça e elevou o olhar como se imaginasse a casa de Matt — Com muitas janelas ao oeste para ver o pôr-do-sol…
Enquanto isso, muito devagar, passaram por debaixo de seu silencioso e imóvel mascote.
Winter se voltou e fez um gesto com a mão a Megan ao tempo que lançava um olhar assassino a Gesader, que havia tornado a cabeça e agora os via afastar-se.
—Vamos, Meg, faz que Gorducho se mova — Disse a sua irmã.
Gesader dedicou um sorriso de pantera que fez ressaltar suas presas; depois, com ar despreocupado, começou a lavar uma garra com sua larga língua rosa.
—Pensava tirar de minha terra as madeiras para a casa — Prosseguiu Matt; Winter deu a volta e sorriu — Tenho lido que pode montar uma serraria no mesmo solar para fazer as madeiras e tábuas que façam falta.
—Há algumas serrarias portáteis por aqui — Disse ela — Mas acredito que os troncos têm que secar antes que se possa construir com eles. Terá que perguntar a um empreiteiro.
Quando por fim Megan os alcançou, dirigiu a Winter um olhar de regozijo enquanto fazia um gesto com as sobrancelhas para indicar que tinha visto Gesader. Depois se fez cargo da conversa com Matt e o orientou em relação às vantagens e desvantagens de destruir seus troncos.
Mas Winter só a escutou pela metade, porque ficou a pensar em que ia matar a aquele diabinho negro por correr um risco semelhante… Até que, de repente, caiu na conta de por que Matt lhe parecia tão familiar.
Os olhos de Matheson Gregor eram um reflexo exato dos de Gesader.
Recostado na alta e Lisa rocha arredondada, Matt saboreou devagar o último bocado de bolo de maçã. Mais ou menos meia hora antes, quando tinham se detido sobre um penhasco lá no alto da montanha Bear, Megan tinha tirado de seus alforjes provisões para um batalhão. Matt tomou uma generosa porção da comida que passou e subiu a enorme rocha a comer, enquanto que as duas irmãs optavam por sentar-se em um tronco, a uns seis metros de distância. Mas, em vez de desfrutar da espetacular vista do lago Pene, que se estendia a mais de trezentos metros por debaixo, ao Matt pareceu uma distração muito mais interessante observar Megan e Winter.
Decididamente, eram irmãs; as duas tinham o cabelo de uma quente cor acobreada, figuras esbeltas, cútis impecáveis e feições e gestos parecidos. Winter tinha o cabelo recolhido em uma trança que chegava até a cintura, em tanto que o de Megan caía solto até os ombros. Winter era uns oito ou dez centímetros mais alta que Megan, e possivelmente um pouco mais redonda em todos os lugares oportunos. As duas tinham vestido jeans, botas cheias de arranhões e blusas de lã sobre jérseis de gola alta.
A única diferença que havia entre elas eram os olhos. Os de Megan eram de um intenso verde claro, enquanto que os de Winter eram de um azul cristalino mais vivo inclusive, tão profundo e brilhante como o céu de finais de setembro que tinham sobre suas cabeças. As duas pareciam cômodas no bosque, embora a Matt não surpreendia, depois de saber que Megan era bióloga de campo e de ver os quadros de Winter.
Winter MacKeage não só pintava animais; pintava… Bom, pintava as almas. De algum modo conseguia levar o observador até o fundo daquele mundo que criava tão somente com um tecido, insuflando vida à lisa superfície de uma forma quase mística. Diabos dava a impressão de que até suas muitas detalhadas árvores e suas rochas cobertas de musgo reverberavam de energia.
Assim que descobriu o quadro da vitrine da galeria, uma cerva e seus dois cervos pastando em um prado primaveril, Matt se deu conta de que não só tinha que conhecer a artista (soube de forma inata que era uma mulher), mas sim tinha que encontrar o modo de entrar em seu mundo místico.
A beleza física de Winter MacKeage era simplesmente um extra.
Recordou a conversa que tinham mantido no complexo turístico. Quase a havia estragado tudo lá em Gù Brath quando deixou que a cólera o vencesse diante o apuro pelo que passava Megan. Tinha faltado um fio para que afugentasse Winter, e certamente isso era quão último desejava.
Com gesto preguiçoso, Matt sacudiu os miolos do peito e olhou por cima do lago Pene enquanto ouvia o leve murmúrio da conversa de Megan e Winter. O sol estava baixo no céu, e calculou que ficavam umas duas horas antes que se ocultasse atrás da cadeia de montanhas que havia na borda ocidental do lago. Era uma enorme massa de água (tinha uns cinquenta quilômetros de comprimento e vinte e cinco quilômetros em seu lugar mais largo) situada perto da fronteira canadense, para o noroeste, e rodeada por completo de escarpadas montanhas e entupidos bosques onde só havia algum o outro povoado.
Suas investigações tinham revelado também que o lago ia transformando-se depressa em um complexo residencial para executivos aposentados, fartos das aglomerações urbanas. Entretanto, a ele não o levava ali a aposentadoria. Atraía-o a terra mesma: aquelas montanhas, aquelas águas transparentes repletas de peixes e, aquele zumbido de energia que parecia pulsar no ar como uma fissão nuclear.
Isso e aquele assunto pendente com seu irmão.
—Como é que você tem um leve sotaque e Megan não? — Perguntou, sacudindo os últimos miolos das mãos.
As duas olharam para cima; Megan sorria, e Winter franzia o cenho. Antes que esta respondesse o fez Megan.
—Levo quase nove anos longe de minha família. A universidade apagou o que ficava de sotaque.
—E a você não apagou o sotaque a universidade? — Perguntou Matt a Winter.
O cenho se converteu em um olhar assassino, e Matt conteve um sorriso. Winter MacKeage era uma coisinha muito irritadiça que sempre tentava não ceder terreno diante ele.
Em vez de olhá-lo, Winter ficou de pé e começou a recolher a comida restante.
—Eu não gostava da universidade — Disse.
—Nem sequer assistiu a uma aula de Belas artes?
Por fim Winter elevou a vista, e sua expressão indicou que aquilo não era assunto dele. De novo foi Megan quem respondeu por ela enquanto se levantava também.
—A universidade não é para todo mundo — Disse — E menos, se seu caminho o levar em outra direção.
Matt desceu da rocha dando um salto e levantou as mãos em gesto de súplica.
—Não tenho nada contra as mulheres sem estudos — Disse; com regozijo viu como Winter se enfurecia.
—Tive uma boa instrução — Espetou ela, zangada.
Matt levantou as mãos outra vez e soltou por fim a risada.
—Estou brincando, Winter. Em seus quadros há uma inteligência que já desejaríamos outros. Você vê, sente e entende da vida mais que toda uma universidade cheia de especialistas. Só estava brincando — Repetiu.
Deu a impressão de que a pobre não sabia como reagir; depois de todas as bravatas que tinha pensado, agora ia desinflando-se pouco a pouco enquanto cravava a vista nele.
—Temos que descer até a casa do Tom o Falador — Disse Megan, ao tempo que acabava de recolher os restos do lanche — Assim que o sol se ponha vai fazer frio, e tem que recolher o jaquetão, Winter.
Matt se aproximou de ajudá-la e aproximou as coisas para que as metesse nos alforjes.
—Tom o Falador? — Repetiu.
—Vive na cabana do promontório — Explicou Megan — E esta manhã Winter esqueceu ali o jaquetão.
—Em minha cabana?
Megan ficou direita ao tempo que elevava o queixo em um gesto defensivo.
—Tom vive ali há dois anos e meio sem incomodar a ninguém. É uma cabana velha e desmantelada, e só se pode acessar a ela em barco ou a pé. Não faz mal a ninguém — Repetiu.
E, de novo, Matt levantou as mãos.
—Só me surpreendeu que alguém viva ali. Por que o chama Tom o Falador?
—Todo mundo o chama assim porque, quando vai pelo bosque, fala só — Disse Winter; pelo visto se repôs de suas brincadeiras, embora o cenho franzido seguia em seu lugar — Fala sozinho para que os ursos o ouçam chegar. Não há nada mais perigoso que pegar um urso de surpresa; por isso levamos sinos nos cavalos.
—Estava dando voltas a isso mesmo: os sinos estão me deixando louco.
—Melhor louco que atacado e ferido gravemente.
—E então este Tom o Falador, quem é?
Winter encolheu os ombros.
—Apareceu por aqui mais de dois anos — Disse — Recorda as esculturas de madeira de minha galeria? Tem-nas feito Tom.
—E ninguém sabe nada desse homem que chegou ao povoado sem mais e se instalou na cabana de outra pessoa?
Winter assinalou o bosque que os rodeava.
—Por estes bosques há dúzias de velhas cabanas abandonadas. Quase toda a terra pertence às serrarias e as papelarias, e enquanto não estejam destruindo uma zona, não se metem com ninguém.
Megan olhou para Matt com expressão preocupada.
—Não jogará ao Tom a chutes, não é? — Perguntou — Ele respeita a terra e aos animais. Não faz mal a ninguém estando ali. E… E além não acreditam que tenha outro lugar aonde ir.
Matt não pôde evitar sorrir a suplicante Megan, e em seguida olhou para Winter para incluí-la.
—Por isso parece a vocês que o promontório não é bom lugar para que construa? Porque não querem que desaloje ao Tom o Falador?
As duas negaram com a cabeça.
—É que para pôr uma casa nesse estreito promontório teria que derrubar todas as árvores — Disse Winter — E isso exporá a casa aos fortes ventos que chegam do lago.
—E construir aqui acima não? — Perguntou ele, assinalando com um gesto a limpa extensão de terra que havia diante deles — Isto está igual de desprotegido.
—O promontório é muito estreito para respeitar a distância mínima de separação do lago que se exige a uma nova construção — Disse Megan — Ali não se pode construir nem que quisesse.
Matt pegou os alforjes que Megan tinha na mão, levou até seu adormecido cavalo e os atou à parte de trás da sela.
—E bem? — Perguntou Winter enquanto desatava as rédeas de seu cavalo — Vai desalojar o Tom?
—Nem sequer conheço esse homem — Desatou a seu cavalo e montou; depois baixou a vista por volta das duas mulheres que o olhavam com expressão feroz e sorriu — Mas terei em conta o sonoro aval de seu caráter que me apresentaram.
—Se o jogar a chutes, não penso aceitar seu pedido.
Matt assentiu.
—Também o terei em conta.
Dava a impressão de que Winter estava muito furiosa. Matt afastou o cavalo antes que ela visse seu regozijo e tomou a direção aproximada do promontório de terra que Tom o Falador chamava lar. Mas em seguida, ao dar-se conta de que cavalgava sozinho, deteve-se olhar atrás. As duas mulheres tinham levado os cavalos até o que ficava de um velho toco, e Winter segurava o cavalo a sua irmã enquanto que Megan tentava montar. Matt voltou para trote gritando:
—Esperem! Tinha esquecido que não chegam aos estribos… — Rindo, desmontou, inclinou-se e enlaçou os dedos formando um degrau para Megan — Montam uns animais tão gigantescos… Por que não levam cavalos normais?
Megan pôs um pé em suas mãos e Matt a levantou até a sela. Uma vez sentada, agarrou as rédeas e sorriu.
—Tínhamos um tio muito teimoso que opinava que o único mascote seguro para nós eram os cavalos de carga. Dizia que os pôneis eram uns meninos mimados, e que os cavalos normais tinham reações imprevisíveis. — Com uma inclinação de cabeça assinalou o cavalo de Matt — Penugem de ganso é meu segundo mascote. Lancelot, o primeiro cavalo que me deu de presente o tio Ian, teve que sacrificá-lo faz dez anos quando quebrou a perna.
—Assim, em realidade, Ganso é seu cavalo? — Perguntou Matt. Enquanto falava se voltou para ajudar a montar Winter, mas a encontrou já sentada na cadeira; pelo visto, voltava a estar furiosa com ele. Então voltou a montar e pôs-se a andar o Ganso atrás de Winter, que já saía do claro — Eu gostaria de conhecer seu tio Ian.
—Bem… Morreu faz três anos — Disse Megan.
—Lamento-o — Murmurou Matt.
Ficou calado enquanto os três se dirigiam com cuidado ladeira abaixo. Por fim chegaram a uma ravina pouco profunda. A água que, com energia aparentemente inesgotável, caía em cascata da montanha e descia em redemoinhos, tinha alisado o granito e as rochas desprendidas no leito.
—O arroio Bear, suponho? — Perguntou Matt em voz alta, para que o ouvissem por cima do ruído.
Winter e Megan se aproximaram do riacho para que seus cavalos bebessem até que estes mal tocaram a água com os cascos. Ele ficou entre elas e soltou as rédeas de Ganso para que bebesse também.
Winter olhou para Matt com expressão distante.
—Rio abaixo há um claro que talvez seja bom lugar para construir.
—Tem vista ao lago?
—Se um não importa destruir acres de árvores, o lago se vê de qualquer lugar desta montanha.
Matt se inclinou para Megan.
—Sua irmã é sempre igual de simpática com os clientes?
—É que está preocupada com o Tom — Respondeu Megan, inclinando-se também para ele para que Winter não ouvisse — Se não, pelo geral tem um estupendo senso de humor. E, além disso, o de ter deixado a universidade só ao cabo de um semestre continua incomodando-a um pouco.
Matt fez um sinal com a cabeça, tirou Ganso da parte de trás de entre as duas irmãs e começou a descer a montanha seguindo o arroio. Cavalgaram durante vários minutos, serpenteando pelo denso bosque, e Matt deixou que Ganso escolhesse o caminho mais fácil. Ao final, o arroio saiu a uma pradaria natural, e parte do lago Pene apareceu de novo.
—Cruzaremos por aqui — Gritou Winter.
Matt fez Ganso entrar no arroio, e o cavalo atravessou com passo seguro a água que chegava aos joelhos. Já no outro lado, Matt olhou por toda a pradaria enquanto Winter e Megan se aproximavam.
—Eu gosto deste lugar — Disse; olhou a Winter — Onde poria a casa?
Ela assinalou para a parte alta do prado.
—Lá encima, possivelmente. Tem as melhores vista.
Matt olhou a Megan.
—Posso construir aqui sem incomodar muito à fauna?
Megan encolheu os ombros.
—Provavelmente. Sei que há um refúgio de cervos por aqui acima. Talvez Tom saiba onde.
—E o que me diz de construir uma estrada? Afastamo-nos… Quanto, cinco ou seis quilômetros da estrada principal?
—Pode fazer… — O tranquilizou Megan — ...Se tiver muito dinheiro. As estradas e as pontes não são baratas.
—Mas as companhias madeireiras não param de construí-las, centenas de quilômetros — Assinalou Matt —… Devem ter um método para não arruinar-se.
—Contrate homens de suas brigadas — Sugeriu Winter — Para que a construam nos fins de semana.
—Assim se demoraria uma eternidade em acabar seis quilômetros de estrada —Disse ele, meneando a cabeça. Olhou as alargadas sombras que cruzavam muito devagar o prado e esporeou Ganso — Vamos pegar seu jaquetão; assim apresentarão o meu inquilino.
Cavalgando em fila de três, atravessaram a pradaria até que de repente Megan se deteve e assinalou a terra.
—Olhe, vê a grama? — Olhou por todo o claro, depois deu uma olhada a Matt e sorriu — Com certeza que ontem à noite houve aqui uma grande batalha. Alguma vez viu brigar a dois machos de alce, Matt?
Ele negou com a cabeça enquanto fazia uma inspeção visual do arbusto quebrado e a esmagada erva.
—Não — Disse — É a época de cio?
Megan pôs seu cavalo ao passo e descreveu um círculo sem deixar de observar atentamente o chão.
—Começa justo agora — Respondeu, e olhou para Matt — Este é território de alces, espero que não se importe compartilhar sua casa com uns animais enormes que acreditam que os arbustos dos jardins são guloseimas. Alce significa “comilão de raminhos” no idioma dos índios micmac.
—E o que tem que os ursos? — Perguntou Matt, dando uma olhada para a borda do claro — Suponho que a chamam montanha Bear porque os ursos vivem aqui em cima.
Nesse momento interveio Winter.
—A esta montanha deram o nome por seu aspecto mais que pelo que vive nela. Vista do lago, aprecia-se exatamente a imagem de um urso dormido — Assinalou uma zona justo debaixo da cúpula — De longe, essa crista que cai seria a cabeça, posta sobre as patas dianteiras. O arroio forma um atalho sinuoso que faz o perfil de uma pata traseira pega ao corpo. — Assinalou primeiro o extremo sul da bem definida cúpula, depois o extremo norte — E, para completar a ilusão, a larga e estreita cúpula é o lombo.
Sem dizer nada, Matt se limitou a olhar para Winter e a observar como sua mão esboçava um desenho que só viam os olhos de sua mente. Ali estava: naquele momento era testemunha direta da magia que tinha sentido em seus quadros. Os olhos de Winter faiscavam de paixão, e todo seu corpo se movia em cada gesto enquanto sua mão riscava com elegância as linhas que imaginava. E de repente Matt se deu conta de que inclusive tinha esquecido que ele e Megan se encontravam ali; estava absolutamente absorta em um quadro que só via sua imaginação.
Dançando ao som de uma magia que só ela sentia.
Se tinha alguma dúvida, desapareceu ao ver Winter MacKeage em sua faceta de artista. E então Matt disse que, de um modo ou outro, encontraria a forma de capturar parte dessa magia para si mesmo.
Winter não gabava lá em cima na montanha, se Matt dizia a Tom que tinha que partir da cabana, ela não aceitaria seu pedido. Nem de brincadeira trabalharia para um homem sem coração.
Em cabeça da silenciosa procissão que seguia a borda, Winter chegou ao diminuto claro e se deteve diante a cabana de Tom. Rapidamente, desceu escorregando por Bola de Neve e voltou a dirigir-se à oficina.
—Tom! — Gritou enquanto rodeava a lateral da cabana — Deixei o jaquetão esta manhã!
Tom saiu da oficina e, depois de tomar seu tempo outra vez em fechar com esforço a desvencilhada porta, deu a volta e a saudou com um torcido sorriso.
—Me alegro de que tenha a cabeça segura aos ombros, porque, se não, é provável que tivesse deixado ela também.
Sem deixar de correr para ele, Winter disse em voz baixa:
—Tom, o cara que comprou a montanha Bear está aqui.
Sem alterar-se, o velo pôs o dedo indicador debaixo do queixo para fechar a boca aberta e disse:
—Bem, estava desejando conhecer seu senhor Gregor desde que me falou dele esta manhã.
Enquanto Tom se dirigia à parte dianteira da cabana, Winter girou sobre seus calcanhares e foi atrás dele. Matt acabava de ajudar Megan a descer do cavalo justo quando Tom chegou até ela; deu a volta para que o olhasse, envolveu-a em um quente abraço de avô e deu um beijo na testa.
—Alegra-me ver que sai Meg. Estive esperando que viesse a me visitar. —Recuou com um sorriso cheio de ternura e afastou o cabelo para colocar atrás da orelha — Tenho uma coisa para você.
Rindo, Megan meneou a cabeça.
—Mais bombons não, Tom, estou engordando.
—Nada de bombons. É uma coisa que tenho feito especialmente para você —Separou-se dela, voltou-se para olhar Matt e estendeu a mão — Me chamo Tom, senhor Gregor. Bem-vindo à montanha Bear. É você dono de uma parte de terra muito especial.
Winter conteve o fôlego enquanto os dois homens se olhavam.
—Isso foi o que descobri — Disse Matt, ao tempo que alargava o braço e estreitava a mão de Tom. Deu uma olhada ao diminuto claro e depois voltou a olhá-lo — Embora você deve sabê-lo, pois faz mais de dois anos que vive aqui.
Tom assentiu e se dirigiu à cabana.
—Sim. Megan vem ver sua surpresa. — Deteve-se e olhou para Winter — Não tire os freios. O sol se põe dentro de uma hora, e para então têm que estar no povoado.
—Pensávamos ver o pôr-do-sol do prado de cima — Disse Matt, ainda de pé junto ao cavalo de Megan.
Tom o olhou.
—Quero que as garotas estejam fora do bosque antes do anoitecer.
Matt entrecerrou os olhos.
—Pela pantera?
Nesse momento interveio Winter e, para ouvi-la, Matt a olhou.
—Que pantera? A do quadro de minha galeria? — Meneou a cabeça — Gostava de pintar um felino da selva, nada mais.
—Não é isso o que ouvi no povoado ontem. Corre a voz de que na montanha TarStone viram uma grande pantera negra. — Matt olhou para Tom — Levo uma escopeta envolta no jaquetão.
Winter deu um pulo, sobressaltada.
—Trouxe uma escopeta? Por quê?
Matt a olhou levantando só uma sobrancelha, mas foi Tom quem respondeu. Ao tempo que olhava diretamente para Matt e assentia, disse:
—Porque é um homem inteligente. Embora depois do anoitecer não seja provável que se tenha que lutar com animais de quatro patas, e sim com caçadores furtivos de duas pernas que tentam adiantar-se à temporada de caça — Observou com atenção Matt durante vários segundos — Se quer ver um pôr-do-sol da pradaria, eu o levo lá em cima amanhã pela tarde.
Em silêncio, Matt contemplou seu inquilino, deu uma breve olhada para Winter e depois assentiu olhando para Tom.
—Estarei aqui às três.
Winter se alarmou mais ainda. Que fazia Tom? Não se dava conta de que Matt podia jogá-lo a chutes de sua casa…?
Mas nesse momento relaxou. Possivelmente o que passassem tempo juntos beneficiaria Tom; possivelmente se Matt se dava conta de quão inofensivo era, não importaria que seu amigo vivesse ali no promontório. Caray, ao melhor até considerava uma vantagem adicional ter a alguém vigiando sua terra enquanto ele estava em Nova Iorque.
Sim, possivelmente Tom soubesse perfeitamente o que fazia.
Tom deu a volta e, enquanto Megan ficava junto à porta, entrou na cabana para voltar a sair em seguida com um pequeno objeto nas mãos, enrolado em um tecido. Tanto Winter como Matt se aproximaram para olhar.
—Comecei-o o mês passado, quando voltou, e o terminei justo a semana passada — Disse Tom a Megan; tomou o vulto em uma mão e, devagar, tirou o tecido — Mas esperava que viesse ver-me para lhe dar isso.
Megan abriu os olhos como pratos assim que seu presente ficou ao descoberto e lançou uma rápida olhada para Tom antes de voltar a olhar a figura de madeira. Winter se aproximou mais ainda e, em tom de admiração, disse:
—É precioso…
—Pegue-o, Meg — Disse Tom em voz baixa — Não é tão frágil como parece. Esculpi-o em carvalho: não quebrará.
Por fim Megan alargou a mão e, com cuidado, pegou a escultura de uma ursa de uns trinta centímetros de altura. Depois deu a volta à figura para observá-la em detalhe.
—Huy, tem um filhotinho pego às patas. — Elevou o olhar de novo para o Tom, e Winter viu brilhar lágrimas em seus olhos; Megan voltou a baixar a vista para a mãe ursa — É… É preciosa… E seu filhotinho… está olhando para cima com uma expressão de tal… tal…
A frase de Megan ficou sem terminar quando a garganta fechou de emoção. Tom a terminou por ela.
—A olha com confiança. E, além disso, com amor — Alargou a mão e colocou o cabelo atrás da orelha — Esse filhotinho sabe que sua mãe o ama mais que à vida, e confia em que o protegerá. É um vínculo que começou no útero, Megan.
Megan estreitou à mãe e o filhotinho contra seu peito e, depois de secar uma lágrima fugitiva, ficou nas pontas dos pés e deu ao Tom um beijo na bochecha.
—O… Obrigado — Sussurrou — Eu adorei.
Em voz baixa, Tom disse:
—Ponha junto a sua cabeceira; desse modo de noite, quando dormir, sonhará com seu filhotinho que cresce dentro de você. Os ursos são ferozes protetores, Megan, assim como símbolos de cura. E você — Levantou o queixo para que o olhasse — Você, Megan MacKeage, tem o coração de um urso.
Winter sentiu que enchiam os olhos de lágrimas enquanto cravava a vista na figura apertada contra o peito de sua irmã. Havia visto muitas esculturas de Tom nos dois últimos anos, mas aquela… Aquela eclipsava a todas as demais. A larga cara da mãe ursa mostrava uma expressão ao tempo feroz, carinhosa e orgulhosa ao olhar a seu diminuto e indefeso filhotinho.
Tom deu um tapinha no ombro de Megan e, de repente, voltou-se para Winter com um torcido sorriso.
—Não te darei seu presente até dentro de outros três meses, de modo que nem me peça isso sequer. Além disso — Disse, enlaçando o braço com o dela e levando-a até Bola de Neve — Tem que praticar a paciência.
Mas justo quando se inclinava a entrelaçar os dedos para fazer um degrau, outro par de fortes mãos agarrou Winter pela cintura e a levantou até a sela. Ela só conseguiu dar um gritinho desta vez, e depois se voltou e jogou um olhar assassino a Matt. Tom soltou uma risadinha e se dirigiu para a cabana, meneando a cabeça.
Com um sorriso vitorioso, Matt devolveu a Winter o olhar assassino, deu a volta e tirou a escultura, outra vez envolta, da ainda comovida Megan para guardá-la com cuidado no alforje. Depois se inclinou, entrelaçou os dedos e a ajudou a montar.
Tom saiu da cabana levando o jaquetão de Winter.
—Vão direitos para casa pelo atalho da borda — Ordenou, enquanto passava o jaquetão — Pela manhã cedo estarei em sua galeria para ajustar contas. Vi que a grande escultura do alce se vendeu.
—Uma senhora do Arizona se empenhou em não ir sem ela — Disse Winter — Te juro que obrigou o seu marido a que comprasse ao alce um bilhete de avião para a viagem de volta; nem sequer confiou em que o enviássemos, por medo de que rompesse a galhada…
Tom se aproximou mais e baixou a voz.
—Procurará o modo de fazer chegar o dinheiro desse alce à família Dalton, sem que saibam de onde vem? Quero que esses pirralhos tenham brinquedos sob a árvore este Natal.
—Procurarei o modo de fazê-lo — Respondeu ela em um sussurro.
—Bem — Disse Tom, assentindo — Sam Dalton necessita essa ajuda, mas não tem que parecer caridade.
—Usarei o mesmo método que com os Greeley.
De repente, Tom se voltou para Matt que, já montado, olhava-os com o cenho franzido.
—Vai necessitar que construam uma estrada — Disse Tom — E precisamente conheço o homem ideal para construí-la.
Matt levantou uma sobrancelha.
—Você? — Perguntou.
Tom meneou a cabeça.
—Um cara que se chama Sam Dalton. Faz um par de meses teve um grave acidente na perna, mas a cabeça funciona muito bem. Antes estava na equipe de caminhoneiro da fábrica de papel; Sam sabe de construção.
—Pois irei visitar o Dalton, uma vez que Winter dita onde vou construir.
Tom assentiu e se separou de Bola de Neve.
—Então, em marcha — Disse a Winter — O sol está se pondo.
Mas foi Megan quem saiu primeiro do claro; depois de dizer adeus com a mão a Tom, tomou o atalho que avançava ziguezagueando pelo bosque seguindo a ribeira do lago Pene. Winter ajustou o passo ao de Megan e Matt, e se voltou a olhar justo quando o bosque começava a fechar-se em torno deles. Tom estava de pé no claro, com os braços cruzados sobre o peito e os pés bem plantados, vendo-os partir. Em seguida, Winter deu a volta e cravou a vista nos largos ombros de Matt enquanto, com crescente alarme, pensava na expressão do velho ermitão.
Sim, disse: Tom parecia muito satisfeito de si mesmo.
Chegaram à rua principal de Pene Creek quando o sol poente banhava o céu em um resplendor crepuscular arroxeado e vermelho. Winter deteve bola de Neve diante da galeria e, justo quando desmontava, soou seu telefone celular.
—Olá — Respondeu, enquanto Matt ajudava Megan a desmontar.
—Onde está? — Disse seu pai sem preâmbulos.
—Diante da galeria. Megan, Matt e eu acabamos de chegar ao povoado. Onde estão vocês?
—Na montanha ainda — Disse seu pai — Te ligo para te dizer que vamos passar a noite aqui em cima.
Winter franziu o cenho.
—Ah, sim? Por quê?
Greylen soltou uma risadinha.
—Porque sua mãe quer.
—Mas em teoria esta noite vai descer a zero grau, e não levam material de acampamento.
Depois de um segundo de indecisão ao outro extremo do telefone, com ironia e em voz baixa, seu pai disse:
—Parece-me que ainda me lembro de como manter quente a minha esposa.
Apesar da brincadeira, Winter ouviu a tensão que havia na voz de seu pai, e seu cenho se acentuou.
—Estou segura de que sim; só me surpreendeu nada mais. Está tudo bem? —Perguntou — Posso falar com mamãe?
Outro instante, mais longo, de indecisão.
—Não — Disse seu pai em voz baixa — Está tirando uma soneca.
—Mas…
—Só te liguei para te dizer que ficamos aqui esta noite — A interrompeu Grei — Assim não se preocupe. Voltaremos amanhã. Passa bem a chave esta noite, e se necessitarem algo, chamem o Robbie.
—Mas…
—Até manhã, neném — Disse ele docemente, interrompendo-a outra vez.
De repente a linha ficou muda, e Winter ficou com o olhar cravado no diminuto telefone que tinha na mão.
—Era papai? — Perguntou Megan — O que queria?
—Ficam lá em cima na montanha esta noite — Disse Winter, ainda com o cenho franzido — Diz que foi ideia de mamãe, mas não quis me deixar falar com ela porque diz que estava tirando uma soneca… Mas estou segura de que a ouvi ao fundo, e parecia que estivesse… Soluçando ou algo assim.
—Soluçando? — Repetiu Megan, aproximando-se mais — Está segura de que não era um animal o que ouviu? Um esquilo, possivelmente? Ou o vento?
Piscando, Winter olhou a sua irmã e depois encolheu os ombros.
—Ao melhor sim, suponho. Mas não tinham planejado passar a noite ali em cima, e não têm material. E, além disso, quando partiram esta tarde, papai estava… Bom, parecia preocupado; como se algo o incomodasse.
—Passou um pouco da temporada de pernoitar ao ar livre, não? — Perguntou Matt.
Megan se voltou para ele.
—A verdade é que não — Disse — Para nossa família não. Estamos acostumados a passar a noite ao ar livre com toda espécie de tempo.
Matt assentiu embora desse a impressão de que seguia preocupando a evidente inquietação de Winter e Megan. De repente sorriu.
—Então, senhoras, suponho que não têm nada que fazer esta noite. Por que não as levo para jantar as duas ao complexo turístico?
Imediatamente, Megan meneou a cabeça.
—Obrigado, mas esta noite vou ficar de babá… — Olhou por trás de Matt e deixou ver um amplo sorriso — E aqui está meu chofer já.
Winter se voltou bem a tempo para que a levantassem em um forte abraço.
—Olá, neném. Esteve por aí pintando quadros bonitos hoje?
Winter só pôde resmungar algo no peito que tinha pego à cara. Seu atacante riu, deu-lhe um beijo na testa e, depois de soltá-la, voltou-se para Matt.
—Robbie MacBain — Disse, alargando a mão — Lhe mostraram estas duas bandidas a montanha TarStone em uma visita privada?
Enquanto separava da bochecha uma mecha solta de cabelo, Winter ficou quieta, alarmada pela expressão com que Matt olhava fixamente Robbie. Que diabos estava acontecendo? Matt Gregor parecia furioso.
Sem mover-se, Robbie alargou a outra mão e puxou Winter para abraçá-la outra vez em atitude possessiva.
—Ouvi que oferecia as minhas garotas as levar a jantar fora esta noite?
Winter passou a mão por debaixo do jaquetão e deu um beliscão bastante forte no flanco, justo por cima do cinturão. Robbie nem se alterou, mas sim que tirou quase todo o ar dos pulmões de um apertão.
—Deveria lhe advertir que sair com ela não vai sair barato — Prosseguiu Robbie ainda com a mão estendida, ainda esperando que Matt a estreitasse — Talvez seja diminuta, mas minha prima tem o apetite de um alce.
De repente, Matt Gregor relaxou os ombros; por fim alargou a mão e estreitou com firmeza a de Robbie, ao tempo que seus olhos recuperavam seu quente tom de trigal amadurecido.
—Matt Gregor — Disse — E me parece que posso me permitir o luxo de dar de comer.
Winter se soltou de um meneio e se afastou enquanto tentava decidir se o que acabava de acontecer era bom ou mau. De verdade estava Matt ciumento? E de verdade o tinha provocado Robbie?
Caramba, os homens eram desconcertantes.
—Megan e Winter me mostraram minha terra — Prosseguiu Matt — Sou o dono da montanha Bear, e encarreguei Winter que me ajude a procurar um lugar onde construir.
Robbie cruzou os braços e observou atentamente Matt.
—Conheceu o Tom o Falador? — Perguntou em voz baixa.
Matt o observou com atenção a sua vez.
—Tom vai me levar à montanha Bear amanhã pela tarde para ver o pôr-do-sol do prado.
Nesse momento todos olharam para a galeria de Winter, porque a porta se abriu e Kate, a avó de Robbie, saiu à calçada. A velha se inclinou para colocar a chave na fechadura, e Winter se apressou a ir junto a ela.
—Me dê, deixa que o eu faça, avó Katie — Disse — Que tal foram as vendas hoje?
Kate se endireitou e passou a chave.
—Disparadas: vendi o quadro da mãe cerva e seus cervos que tinha pendurado na vitrine, embora vão esperar até manhã para recolhê-lo porque querem conhecer a artista. E além se vendeu uma escultura de Tom: o lobo de pé no penhasco, uivando à lua — Se inclinou mais perto e baixou a voz — Acredito que tinha um preço muito baixo, Winter: podia ter conseguido o dobro. É uma peça muito elaborada.
Winter, que comprovava o trinco para assegurar-se de que tinha fechado, sorriu.
—Os preços os põem Tom — Explicou.
Kate meneou a cabeça.
—Então tem que falar com o Tom; virtualmente está dando de presente suas obras.
Winter agarrou bem o braço de Kate e a conduziu até onde estavam Robbie, Megan e Matt.
—Avó Katie, quer te apresentar Matt Gregor. Comprou Observadores da lua e Pelos cabelos… De uma lebre.
Matt alargou a mão para a frágil mão que Kate estendia e a estreitou com suavidade.
—Senhorita Katie… — Disse com um meio sorriso e uma cortês inclinação de cabeça.
As bochechas de Kate avermelharam enquanto seus olhos brilhavam de regozijo.
—Me chame avó Katie; pelo visto sou a avó de todo o mundo por aqui… —Disse — Encantada de conhecê-lo, senhor Gregor. Sabe reconhecer a beleza: Observadores da lua é um de meus preferidos.
—Sim sei apreciar as coisas formosas — Disse Matt; por um instante seus olhos se fundiram com os de Winter antes de voltar a olhar a Kate — E, por favor, me chame Matt. Quero agradecer que tenha substituído Megan esta tarde para que ela nos acompanhasse à montanha Bear.
O rubor de Kate se acentuou enquanto ela recusava os agradecimentos com um gesto da mão.
—Foi um prazer. A minha idade, uma mulher está desejando ser útil.
—Mamãe te espera para jantar, avó — Disse Robbie. Aproximou-se e enlaçou o braço de Kate; depois olhou para Megan — Preparada para praticar o de ser mamãe, Meg? É provável que o pequeno Angus durma toda a noite, mas Hamish está aprendendo a usar o urinol e ainda resiste a deitar-se. E além Nathan e Nora têm um filme e contam comer pipocas…
Ao ver que sua irmã sorria de ilusão, Winter não pôde evitar sorrir. O pequeno Angus era o filho de dez semanas de Robbie e Catherine, e Hamish, um diabo de dois anos. Depois estavam os dois filhos maiores de Catherine: Nathan, de onze anos, e Nora, de nove. Com Robbie e Cat também viviam dois meninos em acolhida, mas esses adolescentes tinham seus próprios planos para a noite… Ou Catherine ainda não estava pronta para deixar ao recém-nascido em suas mãos.
—Acredito que saberei dirigir a sua equipe — Disse Megan — Não será pior que fazer de babá de uma turma de estudantes universitários que contam ninhos de gansos do Canadá na tundra.
Robbie assentiu com outro sorriso.
—Ao melhor Gunter e Emily passam para fazer uma visita. Gunter me disse que tem uma pele de serpente que quer mostrar a Nora para que a identifique.
Gunter era um dos meninos que Robbie MacBain tinha tido em acolhida, que já estava casado e trabalhava na empresa florestal de Robbie. Gunter e Emily esperavam seu primeiro filho para a primavera.
—Robbie, falou com papai hoje? — Perguntou Winter — Ou com o Pai Daar?
—Não, por quê?
Winter encolheu os ombros.
—Por nada. É que desde que tornou de ver o Daar esta manhã, papai esteve estranho. Levou a mamãe acima da montanha para um almoço campestre, e acaba de me ligar para dizer que vão passar ali à noite… — Voltou encolher os ombros, tentando descartar sua inquietação — Parecia… Aborrecido, acredito; possivelmente, inclusive zangado. Só pensava se Daar não haverá dito algo que o incomode.
Com suavidade, Robbie deu um toquezinho na ponta do nariz.
—Daar sempre está incomodando Greylen, neném. Provavelmente seu pai quer ter a sua mãe um momento para ele, nada mais. Venha, avozinha, vamos levá-la para casa — Voltou a pegar o braço de Kate e olhou a Megan — Mais vale que te venha comigo já. Cat pôs um forro na mesa, mas assim que se sente, ela e eu vamos a nossa mesa particular, reservada para jantar no Crooked Antler de Greenville.
Ao passar por diante dos cavalos, que esperavam com paciência, deteve-se e se voltou a olhar a Winter.
—Não terá problema para levar de volta o velho Gorducho?
Com um gesto da mão, Winter indicou que partisse.
—Nenhum problema… Caso que possa despertá-lo.
Robbie olhou Matt.
—Quando levar Megan a casa, é provável que fique conversando com Winter um pouco. Conto com que será mais ou menos às onze.
Pelo visto Matt recebeu a mensagem de Robbie alto e claro, porque se limitou a assentir com a cabeça.
Winter conteve um gemido. Ao advertir a Matt que estaria controlando-a, Robbie agia como se ela tivesse dezesseis anos! Ai, pelo amor de…
Desta vez estava quase preparada quando as mãos de Matt rodearam a cintura e a levantaram até o lombo de Bola de Neve. Winter agarrou as rédeas e voltou Bola de Neve para o adormecido cavalo de Megan, mas Matt se adiantou: apressou-se a montar ele mesmo e agarrou as rédeas de Gorducho.
Winter seguiu sem olhá-lo; maldição estava muito envergonhada… Ou melhor, só tão furiosa para ficar a soltar palavrões de verdade. Os homens de sua vida começavam a tirar a de gonzo, entre eles o próprio Matheson Gregor… Que, por certo, teve que ficar ao trote para alcançá-la.
—Observei que no complexo turístico há um bar com uma sala de jantar e, além disso, um restaurante — Disse Matt — Esta noite quer um jantar em toda regra ou um jantar relaxado?
O que queria era não ir a nenhum lugar.
Matt alargou a mão e agarrou as rédeas de Bola de Neve.
—Não ocorra sequer dizer que não, Winter — Disse em voz baixa — Vai fazer falta alguém maior que seu primo para me afugentar.
Winter sorriu enquanto um calafrio de alerta esticava o estômago.
—E toda uma família de homens corpulentos? — Perguntou — Tenho todo um exército de tios e primos, e nenhum só mede menos de dois metros.
Matt soltou as rédeas de Bola de Neve e de novo pôs-se a andar para Ganso, com Gorducho a reboque.
—Não seria o primeiro exército ao que enfrento e, provavelmente, tampouco o último.
Winter esporeou a Bola de Neve para alcançá-lo e perguntou:
—Exatamente em que você trabalha?
Matt deu uma olhada quando ela esteve a seu lado outra vez; seu desafiante olhar refletia as cores do ocaso outonal, cada vez mais fechado.
—Jante comigo esta noite e o contarei — Respondeu.
Winter saiu da rua principal e tomou o atalho do bosque que ia até TarStone, o qual fez que o mundo que os rodeava se obscurecesse até fazer-se quase de noite.
—Certo — Disse por fim — O verei na sala de jantar do bar às oito.
—Não — Repôs Matt com suave autoridade a suas costas — Passarei por sua casa as oito e iremos caminhando juntos.
Winter suspirou e fez o resto do caminho em silêncio, sem deixar de olhar o bosque, sabendo de sobra que Gesader rondava nas sombras como durante toda a excursão à montanha Bear.
Justo o que necessitava: outro varão muito protetor, assegurando-se de que ela morresse virgem!
Matt parou na ponte levadiça de Gù Brath e ouviu correr a água que passava por debaixo enquanto contemplava a grande porta de carvalho maciço, sem janela, que tinha diante. Sentia-se como um cavalheiro tentando cortejar uma princesa; tinha riqueza e posição social… Só faltava uma armadura.
Isso, e um reino ao que levá-la.
Claro que talvez servia a montanha Bear… Embora gostaria que não estivesse tão perto daquele exército de altos tios e primos que tinha Winter. Mais que marido e pai de quatro filhos pequenos, Robbie MacBain parecia um guerreiro, e além seu modo de comportar-se indicava que estava disposto a cumprir uma nada sutil advertência daquela tarde.
Por outro lado, Matt não sabia resistir a uma provocação.
E, certamente, Winter MacKeage era uma provocação. A primeira vez que a viu na galeria custou acreditar que nenhum jovem embevecido tivesse jogado mão ainda… Mas depois de passar a tarde com ela, começava a pensar que ao melhor sim que fazia falta uma armadura para aproximar-se daquela distante duendezinha do bosque o suficiente para beijá-la.
Winter era um fascinante paradoxo feita de beleza, inteligência e suscetível independência. E, além disso, como seu primo MacBain, também tinha uma nervura protetora de um quilômetro de largura: estava decidida a proteger o velho ermitão e também se mostrava muito protetora com sua irmã. Em resumo, Matt suspeitava que Winter fosse tão temível como seu primo o guerreiro, embora empregasse meios diferentes para respaldar suas bravatas.
Com um sorriso de espera pela velada que o aguardava, Matt alargou por fim a mão e bateu com firmeza a aldrava de ferro da porta. Seu sorriso se ampliou mais ainda quando, antes de afastar sequer a mão, de repente a porta se abriu.
Então elevou uma sobrancelha e disse com ironia:
—E, além disso, é você pontual também.
—Você disse às oito.
—Mas, segundo minha experiência, às mulheres gosta de atrasar-se para não parecerem muito ansiosas.
Winter se limitou a cravar a vista nele, perplexa.
—Tenho fome — Disse por fim.
Matt fez uma leve inclinação de cabeça e estendeu a mão, só para ver se ela a agarrava.
—Então acredito que mais vale que dê de comer. — Com a outra mão deu um tapinha na lapela — Trouxe o cartão de platina para pagar a imensa conta que vai você a acumular.
Como suspeitava, sua provocação fez que ela levantasse o queixo e aceitasse sua mão quase de como um tapa. Matt fechou os dedos em torno de sua delicada mão, alargou o braço para fechar a porta de um puxão e a conduziu até o outro lado da ponte. E, apesar dos discretos esforços de Winter por soltar-se, não a soltou quando estiveram em terra firme.
Ao final, resignada pelo visto sua sorte de ir agarrada da mão, ela ficou a caminhar junto a ele.
—Surpreende-me você — Disse Matt.
—Que o surpreendo como?
—Não se veste como a artista que pintou esses quadros. — Guardou seu amplo sorriso ao se dar conta de que Winter tinha o carrancudo olhar cravado no atalho iluminado pela lua, e se dispôs a esclarecer suas palavras — Salvo pelo cabelo.
Em um rápido gesto, elevou a mão com que tinha a agarrada a seu justo o suficiente para roçar a cascata de soltos cachos que chegavam à cintura.
—Em contraposição a que? — Perguntou ela com ingenuidade — Como se vestiria a artista que pintou meus quadros?
Matt agitou a mão livre no ar.
—Como um modo que tentasse personificar seus quadros: cheia de colorido, misteriosa, muito espiritual… Está você preciosa esta noite, Winter. Sobre tudo eu gosto que não leves saltos de dez centímetros em uma tentativa de ficar ao mesmo nível; isso me indica que se sente cômoda não só consigo mesma, e sim comigo. E, além disso, leva calças, não saia, e isso também me indica que se sente segura de sua feminilidade.
Matt a viu olhar-se e de repente Winter deixou de caminhar e o olhou; uma vez mais, em sua cara banhada pela lua havia uma expressão de perplexidade.
—Sempre analisa as pessoas que convida para jantar?
—Só quando trato de distraí-las.
—Está tentando me distrair? Do que?
Ele sorriu.
—De minhas intenções de beijá-la esta noite. Quer que nos tiremos isso de cima já, ou gostaria de passar a noite saboreando a perspectiva?
Ela abriu a boca, mas não emitiu nem um som enquanto o olhava piscando. Embora Matt se alegrasse ao ver que duas manchas de cor obscureciam as bochechas.
Tinha pensado esperar e teria seguido com seu plano… Mas naquele instante a diminuta duendezinha do bosque lambeu os lábios, nervosa. Então Matt soltou a mão e, com delicadeza, tomou na sua aquela face de formosura deliciosa.
—Parece-me que já — Sussurrou, ao tempo que se agachava e apoiava com suavidade os lábios nos dela.
Em seguida umas mãos pequenas e fortes rodearam os pulsos, mas não o afastaram nem puxaram para trás; em vez disso Winter ficou absolutamente quieta, como se pusesse à prova as intenções dele… Ou as suas.
Ela tinha sabor de hortelã, e quando Matt fez mais intenso o contato, inclinando a cabeça e abrindo os lábios, o aroma de rosas de seu cabelo o rodeou. Empapou-se de seu fresco e maravilhoso sabor, e depois se viu recompensado… E encantado, com sua resposta.
A princípio, Winter vacilou, mostrou-se inclusive tímida. Mas depois Matt sentiu que o puxão dos pulsos se afrouxava e os músculos do pescoço se relaxavam, ao tempo que ela fazia um muito leve movimento para ele e abria também os lábios.
E foi então quando provou pela primeira vez aquela energia que tinha visto em seus quadros; uma energia que vibrou por seu corpo com a força de uma paixão embriagadora.
Sim, sem dúvida estava provando a doce promessa da magia de Winter.
Winter acreditou que ia explodir. Nossa com a química imprevisível… Se as correntes de eletricidade que a atravessavam não a fizessem desmaiar, ia prender em chamas. Matheson Gregor beijava como um homem que não tivesse intenção de parar até obter sua absoluta rendição. Não era exigente nem agressivo; beijava… Com uma delicadeza entristecedora.
Winter se deu conta imediatamente de que aí morava o perigo.
E é que podia esquecer perfeitamente que ao tratar com o Matt tinha que proceder com prudência; que entregar-se a ele às cegas talvez levasse, muito depressa, até um lugar onde não estava preparada para ir.
Ai, mas era tão bom… Seu calor a rodeava a fogo lento com uma força que a chamava a aproximar-se só um pouquinho mais, a abrir-se só um pouquinho mais às sensações que se agitavam em seu interior…
Como se agissem por vontade própria, suas mãos soltaram os pulsos e, devagar, entraram em seu aberto jaquetão e rodearam a cintura, colocando-a mais em seu abraço. Ele respondeu soltando a cabeça, abraçando com suavidade os ombros e puxando-a em um gesto mais possessivo, enquanto movia a boca sobre a sua.
E embora fosse ela quem tinha iniciado a nova intimidade, Winter sentiu o primeiro arrebatamento de pânico. Matt era muito para ela. Tinha beijado a muitos meninos, mas de repente, comparados com aquele príncipe, pareciam sapos. Talvez seu corpo estivesse disposto, e caramba, até seu coração galopava de prazer, mas sua mente… Um canto de sua mente que ainda funcionava dizia que era preferível sair daquela confusão antes que fosse muito tarde.
Por fim Winter desfez o beijo, mas, em vez de afastar-se, afundou a face em sua camisa; não podia olhá-lo… Pelo menos até que esfriassem as bochechas e o coração deixasse de palpitar rapidamente.
O peito de Matt se alargou quando este respirou fundo. Com um grunhido de regozijo, tomou a cabeça com as mãos.
—Decididamente, me alegro de não ter esperado — Pôs um dedo sob o queixo e levantou a face para que o olhasse — Você é preciosa, Winter. Por favor, não fique tão tímida comigo. Sinto-me atraído por você, e é razoável esperar que essa atração me levasse a beijá-la.
Winter se sentia absolutamente incapaz de responder. Matt soltou outra suave risada e deu um beijo na testa; depois a soltou, voltou a agarrar a mão e, pelo atalho sombreado pela lua, pôs-se a andar com ela para o hotel.
—Bom — Disse como quem não quer a coisa — Acredita que o prado é um bom lugar para que construa minha casa?
Winter pensou que um prado na China seria muito melhor ainda.
—Certamente, tem tudo o que você procura — Disse orgulhosa de ter recuperado a fala e de soar quase normal. Deu-se conta de que ele a olhava, mas não afastou a vista do atalho que tinha diante e tentou não fazer caso do calor da mão que rodeava a sua — Embora sempre pensei que viver a um tiro de pedra da água era tão atraente como desfrutar de uma esplêndida vista.
Sim. Era agradável. Aquele homem beijava como um príncipe, mas era maravilhosamente cômodo estar com ele. Suas pobres e dispersas emoções ricocheteavam entre desejar beijá-lo outra vez e desejar aconchegar em seu quente abraço, sem mais.
Condenada química…
Deu a impressão de que ele tinha que pensar até que por fim disse:
—Viver sobre a água sim que tem certo encanto, mas é uma perspectiva tão limitada… Lá em cima no prado se tem a sensação de… Bom, do grande que é o mundo.
—Sim — Concordou Winter; por fim seus nervos foram acalmando-se à medida que se aproximavam do hotel — Recorda a um quão insignificantes somos em realidade no universo.
Matt soltou uma risada; sem reduzir a marcha apertou a mão enquanto a levava aos lábios e beijava os dedos.
—Eu prefiro pensar que temos maior importância — Disse, ao tempo que entravam sob a marquise do hotel — Se não, qual é o sentido de que estejamos aqui?
Piscando, Winter parou um segundo e olhou Matt enquanto abria a porta do vestíbulo para que passasse; seu sorriso era cordial e autêntico… E, além disso, quando estava contente, cortava a respiração. Por fim entrou no vestíbulo.
—O sentido é que temos que procurar o sentido. Todos vamos a uma viagem coletiva — Prosseguiu, quando a longa e solta perna de Matt voltou a levá-lo a seu lado — Mas, individualmente, só somos sussurros em um universo superpovoado —Para explicá-lo deteve para assinalar com um gesto o mural que tinha pintado de TarStone no inverno — Por isso os esquiadores não são mais que simples pontos de pintura… E por isso o próprio complexo turístico só necessitou umas quantas pinceladas. Comparados com a energia intemporal, enorme, que está latente no granito, a terra e as árvores da montanha, as pessoas só são como bichinhos que se aproveitam da energia de TarStone.
—Fala como se a montanha estivesse viva — Disse ele em voz baixa enquanto observava com atenção o mural. Com olhos sombrios e enigmáticos, olhou-a ao tempo que levantava uma sobrancelha em gesto de curiosidade — Está?
—Sim, está muito viva — Disse ela igual de baixo — Quando um se estende de barriga para baixo sobre o granito com os olhos fechados, sente a suave respiração da montanha.
—A pedra é algo inerte, Winter — Alegou ele — Não respira, e muito menos vive ou morre. Só é matéria.
Ela inclinou a cabeça.
—Não sentiu o poderoso peso da montanha Bear quando subiu a aquela rocha para almoçar? — Perguntou — Não o invadiu uma sensação de paz? Durante esses poucos instantes, não sentiu que formava parte de algo tão vivo como você?
—Isso é o que ocorre quando se senta em seu bosque a pintar? Recebe a sensação de formar parte de tudo, de ser um com os animais, as rochas e as árvores?
—Sim — Disse ela sem mais.
Nesse momento passou um grupo de pessoas. Ele tomou pelos ombros e se aproximou dela; seu sombrio e intenso olhar ficou fundido com o seu.
—Mostra-me isso, Winter? Quer me levar com você a próxima vez que pinte para ver se eu a sinto também?
Sem pensar sequer, Winter alargou a mão e a pôs no peito.
—Mas é que você a sente, Matt. Eu não tenho nada especial; qualquer um sente a energia só com que se pare o tempo suficiente para dar-se conta.
—Então amanhã. Subiremos a meu prado, sentaremo-nos em uma rocha e escutaremos juntos.
—Amanhã vou ver Tom na galeria pela manhã — Disse ela — E você vai vê-lo pela tarde.
Foi baixar a mão, mas Matt a impediu de cobrindo-a com a sua.
—Então quando?
—Tom a mostrará quando forem ver o pôr-do-sol. Ele é tão consciente da energia como eu, Matt, só tem que olhar a escultura que fez a Megan para vê-lo.
Matt apertou a mão mais firmemente contra seu peito.
—Não quero Tom; quero você.
Justo nesse instante se produziu um forte alvoroço na parte dianteira do vestíbulo. Winter se voltou com o cenho franzido… E de repente deu um grito afogado ao ver que o velho sacerdote abria caminho a empurrões e dando pauladas por entre um grupo de pessoas reunidas junto à porta.
—Pai Daar…
—Winter! — Gritou Daar enquanto passava correndo pela frente do recepcionista que tentava interceptá-lo — Tenho que falar com você!
Winter foi para ele, e ao chegar a seu lado disse ao recepcionista:
—Está tudo bem, John; já o tenho — Depois, em tom tranquilo, dirigiu-se ao velho enquanto punha uma mão no braço com que sustentava a bengala para que deixasse de agitá-la — Pai, o que aconteceu?
Com a face ruborizada de preocupação, e sem deixar de esquadrinhar o vestíbulo, Daar perguntou com impaciência:
—Onde está Greylen? Tenho que falar com seu pai — De novo voltou seus desesperados olhos para ela.
Com movimentos suaves, pouco a pouco Winter foi afastando-se com ele de onde estavam os hóspedes.
—Não está aqui, Pai — Disse — Esta noite ele e minha mãe estão de acampamento na montanha.
Daar se afastou e golpeou o chão com a bengala.
—Necessito-o agora! — Espetou, zangado — Necessito de Greylen… Ou Robbie. Onde diabos está MacBain? Isto é uma crise — Disse com muito esforço, meneando a cabeça — Os necessito agora.
—Posso ser de ajuda, pai? — Perguntou Matt de trás de Winter.
—Quem diabos é você? — Resmungou Daar, dando um olhar feroz além de Winter. De repente abriu muito os olhos e assinalou Matt enquanto a olhava; sua voz se transformou em um grito — Vai sair com ele? — Furioso, voltou a golpear o chão com a bengala — Você não tem que sair com ninguém!
Winter se interpôs entre os dois e pegou Daar pelos braços.
—Tem que se acalmar— Disse em voz baixa — Me diga o que aconteceu e tentarei de ajudá-lo.
Embora agarrava os antebraços, Daar começou a retorcer as mãos e a bengala bateu na canela de Winter.
—É minha árvore — Sussurrou ele com voz áspera — Alguém matou minha árvore… Tenho que falar com Robbie e com Greylen. Têm que me ajudar.
Por um instante, Winter conteve a respiração. Olhou para Matt por cima do ombro e disse:
—Perdoa-nos um momento? Só o tempo de tranquilizá-lo?
Embora era evidente que estava preocupado, Matt assentiu e recuou uns quantos passos. Winter o agradeceu com um sorriso e olhou a Daar.
—O que quer dizer com o de que alguém matou sua árvore? O pinheiro?
Daar assentiu com energia.
—Sim. Cortaram-no limpamente a uns dez metros de altura… Toda a copa desapareceu — Nesse momento se soltou e segurou forte os braços de Winter… Com o que desta vez deu um paulada na coxa — E além não encontro a copa, roubaram-na. Necessito que Robbie a encontre!
Winter se soltou de um meneio e acariciou os braços com gesto tranquilizador.
—Robbie o ajudará, pai. Assim que seja de dia, tanto Robbie como meu pai começarão a procurar a copa de sua árvore. Deixe que o leve ao Gù Brath, e quando Robbie volte de jantar com Cat, contaremo-lhe o que aconteceu e ele saberá o que fazer.
—Não — Resmungou Daar — Tenho que ir para casa. Tenho que estar lá na montanha. Vá procurar Robbie a seu jantar e diga que venha para ver-me agora mesmo.
—Esta noite não pode fazer-se nada… — Argumentou Winter — E além não penso deixar que você volte caminhando sozinho — Acrescentou, pensando nos dois espadachins de que tinha falado Tom — Robbie voltará dentro de umas horas. Até então, chamarei o meu pai pelo celular e direi o que ocorreu.
—Já o tentei! — Espetou Daar, zangado — Parei em Gù Brath e o chamei de seu telefone, mas só encontrei a uma insensata que queria que eu deixasse uma mensagem. Não quis me dizer onde está Greylen.
Winter não pôde evitar sorrir.
—Essa senhora é uma gravação, pai; é provável que meu pai tenha desligado telefone — Deu a volta e o pegou pelo braço para conduzi-lo para a porta do vestíbulo — Vamos. Farei uma boa xícara de chá quente e darei umas bolachas enquanto esperamos Robbie.
Ele se soltou.
—Quero ir a casa.
—Certo — Disse Winter com voz suave, ao tempo que voltava a levá-lo com cuidado para a porta — Pegarei o carro e o levarei a casa.
Nesse momento, Matt os rodeou e abriu a porta para que saíssem.
—Eu dirijo — Disse — Vamos pegar minha caminhonete, está no estacionamento.
Winter olhou piscando para Matt. Meu Deus esqueceu-se dele… Quando se dispunha a dizer que não tinha que incomodar-se, a expressão de seus olhos fez que fechasse a boca de repente sem pronunciar palavra.
Matt sorriu.
—Esperem aqui enquanto trago a caminhonete.
—Quero que chame o Robbie — Interveio Daar enquanto jogava um olhar feroz primeiro a Matt e depois a Winter — Quero MacBain.
—Esta é a primeira noite que Robbie e Catherine saem desde que nasceu Angus — Disse Winter em tom suave, mas firme — Não vamos estragar sua noite quando, de todos os modos, até que seja de dia não se pode fazer nada. Robbie irá ver você assim que chegue a casa.
Daar assinalou a Matt.
—A ele não o necessitamos.
—Você me necessita se esta noite quer voltar para sua casa — Disse Matt — Porque Winter não vai por essa montanha só de noite.
Daar levantou o queixo com seus olhos de cristal azul cheios de desafio.
—Winter leva indo por essa montanha de noite desde que tinha dez anos —Disse — A conhece melhor que ninguém.
—Entretanto, ou se vem em minha caminhonete, ou janta você conosco aqui enquanto espera MacBain.
Daar dirigiu seu olhar assassino a Winter.
—Desde quando deixa que um homem te diga o que tem que fazer?
—Desde que aceitou jantar comigo esta noite — Disse Matt antes que ela pudesse responder; o sorriso cortês que tinha estado empregando com Daar se encheu de regozijo ao olhar a Winter — Agora mesmo volto.
Disse estas palavras, deu uma corrida até o estacionamento.
Daar olhou para Winter meneando a cabeça e murmurou:
—Bom, nunca… Não deveria sair com esse intrometido — De repente elevou a voz — Você não deveria sair com ninguém!
—Não, talvez deveria ir correndo a me colocar em um convento…
—Sim… — Daar inclinou a cabeça, pensativo —. Isso estaria bem.
Winter o olhou franzindo o cenho.
—Era uma brincadeira, pai — Deu um tapinha no braço e baixou a voz — Por favor, acalme-se. Tudo vai sair bem. Robbie descobrirá o que aconteceu a sua árvore.
Daar baixou o olhar.
—Não posso acreditar que alguém tenha cortado meu pinheiro… — Disse entre dentes; depois elevou a vista para olhá-la — Não tocaram nenhuma das árvores ao redor. Tinha-o escondido em um grupo de vários pinheiros mais, e é o único que cortaram… — De repente abriu muito os olhos, deu um passo atrás e conteve a respiração — Greylen… Ele destruiu minha árvore!
—Meu pai? — Disse Winter com um sussurrado chiado; imediatamente meneou a cabeça — Ele não o faria, pai. Conhece a importância desse pinheiro e não se atreveria a machucá-lo.
Daar a olhou com o cenho franzido; notava-se que estava pensando com frenesi.
—Faria-o se tentasse proteger a… Bem… A alguém. Greylen se atreveria a tudo. Por isso não encontro esse vilão esta noite… — Disse em tom crispado, enquanto olhava por volta da cúpula e golpeava o chão com a bengala — Agora mesmo provavelmente está lá encima com sua mãe, queimando a copa.
—Pense pai — Disse Winter — Por que ia cortar a árvore a dez metros do chão? Se meu pai queria matá-lo, o teria cortado pelo toco.
Daar a olhou enquanto se esfregava a curta barba branca com o punho da bengala.
—Sim… — Disse em voz baixa, com os olhos entrecerrados, enquanto pensava — Isso já tinha pensado.
Uma grande caminhonete negra entrou sob a marquise e se deteve junto a Winter e a Daar. Dela saiu Matt, que rodeou a parte dianteira e abriu a porta traseira.
—Vamos levá-lo para casa, pai — Disse, alargando a mão para ajudar Daar.
Daar voltou a golpear o chão com a bengala.
—Eu vou na frente.
—Na parte dianteira só há dois assentos anatômicos — Explicou Matt com paciência — E como Winter tem que me indicar o caminho, só ficam o assento traseiro ou a carroceria.
—Antes as pessoas respeitavam aos sacerdotes… — Disse Daar entre dentes, enquanto por fim se metia no assento traseiro com ajuda de Matt.
Matt passou o cinto de segurança.
—Antes os sacerdotes eram servidores piedosos... — Replicou com uma risadinha —… Ou ao menos isso ouvi.
Daar o olhou com os olhos entrecerrados; estava claro que se sentia ofendido.
—É um homem ímpio, senhor… — De repente deu uma olhada a Winter — Nem sequer apresentou como é devido, garota.
—Pai — Disse Winter com um sorriso — Apresento a Matt Gregor. É o dono da montanha Bear e vai construir uma casa ali. Matt apresento-lhe o Pai Daar… Bem… Um velho amigo da família. Vive em TarStone.
Matt fez uma leve e cortês inclinação de cabeça.
—Pai Daar… — Disse.
—Gregor… — Repetiu Daar em voz baixa enquanto o observava com atenção—. Me parece familiar, agora que me acalmei o suficiente para te olhar. De onde é?
Matt encolheu os ombros.
—Daqui e de lá… Nova Iorque foi meu último lar.
A porta que sustentava Matt se moveu quando uma forte rajada de vento soprou sob a descoberta marquise, sacudindo-os a eles e à caminhonete em meio de um torvelinho de folhas secas. Winter olhou para a cúpula e viu que a lua aparecia atrás de um banco de escuras e agitadas nuvens. Depois olhou para Matt.
—Deve aproximar uma tempestade.
—Sim, das boas — Interveio Daar, que alargou a mão e pegou a porta que Matt continuava agarrando — Quero ir para casa.
Acompanhou suas palavras fechando de uma portada.
Matt se voltou para Winter com um torcido sorriso.
—Tem uns amigos muito pitorescos — Disse — Primeiro Tom o Falador e agora o Pai Daar…
—Ouça, eu não escolho meus vizinhos.
Matt abriu a porta do passageiro e, antes que ela pusesse o pé no estribo para entrar, levantou-a até pô-la no assento dianteiro. Winter nem sequer gritou desta vez, limitou-se a dirigir um sorriso enquanto ele fechava a porta com suavidade.
Matt rodeou a frente da caminhonete e ficou atrás do volante.
—Por onde? — Perguntou enquanto alargava a mão e terminava de fechar o cinto de Winter — Para o povoado ou subindo direto pela pista de esqui?
—Subimos até além de Gù Brath pelo mesmo caminho que tomamos esta tarde — Disse ela enquanto ele fechava seu cinto — E depois giramos à direita por outra velha pista florestal que está a três quilômetros; ali é onde o caminho fica acidentado e íngreme de verdade. Alegro-me de que tenha ocorrido comprar uma caminhonete com tração às quatro rodas.
Ele colocou uma marcha, lançou um rápido sorriso e ficou em caminho para o Gù Brath enquanto recordava:
—Sou dono de uma montanha… — Se dirigiu ao Daar por cima do ombro — Então, pai, ouvi que destruíram um pinheiro? Devia ser especial para que você esteja tão aborrecido. Era para Natal? — Saiu da estrada asfaltada e entrou na de terra — Não é um pouco cedo para que alguém roube uma árvore de Natal?
—Não é uma árvore de Natal — Disse Daar — É… Eu… Bem… Estou estudando a genética dos pinheiros brancos, e ia recolher as pinhas pelas sementes. Mas ontem à noite alguém lhe cortou a copa.
Winter ficou impressionada: a ela não teria ocorrido um pretexto melhor, embora não se surpreendeu a explicação, tendo em conta todo o tempo que Daar passava na exploração florestal de Robbie. Sempre estava pedindo que o levassem de carro e fazendo perguntas sobre corte raso e rebroto; notava-se que se sentia cômodo contando aquela mentira.
—Mas por que ia alguém querer roubar as pinhas? — Perguntou Matt — Essa árvore é um híbrido que desenvolveu você?
—É… Era… É…
Winter se deu conta de que talvez Daar não conhecesse uma palavra tão moderna, e então se apressou a dizer:
—Não se alterou geneticamente nem nada. Só é uma árvore de semeia para madeira, que se deu que forma natural. Os lenhadores sempre procuram árvores com troncos grossos e muito retos, porque saem madeiras perfeitas para a construção. Daar leva vários anos observando esta árvore em concreto e esperava dar as sementes a meu primo. Robbie é dono de vários milhares de acres de bosques madeireiros, e tem que replantar as zonas que corta.
Fazendo uma inclinação de cabeça, Matt apertou sua mão.
—Assim que o verdadeiro problema é que alguém entrou sem autorização e destruiu uma árvore que não era dele, verdade?
—Sim, isso acredito… E também, que conhecesse sequer a existência dessa árvore em concreto. Gire aqui — Disse Winter, assinalando a estreita pista florestal da direita.
Matt girou, e os faróis da caminhonete se fecharam em um estreito feixe de luz enquanto que o atalho coberto de mato produzia a ilusão de que entravam em uma sinuosa e levantada gruta. Matt soltou sua mão e pulsou o botão que conectava a tração às quatro rodas, mas antes que Winter pudesse afastar-se, voltou a pegar a mão com a sua para que se apoiasse no console central. E não voltou a soltá-la até que o caminho ficou acidentado de verdade e necessitou as duas mãos para controlar a caminhonete, que às vezes ficava parada e às vezes patinava…
Em um momento dado, a caminhonete derrapou de lado em uma alta saliência rochosa e Matt murmurou um palavrão bastante pitoresco.
—Há algum motivo para que não se reconstrua este caminho de cabras? —Perguntou.
Winter, que ia agarrada justo por cima da porta e volta para trás para não perder de vista a Daar, respondeu:
—Pelo geral fazemos o caminho a cavalo, ou em moto de neves no inverno. —Sorriu ao ver o cenho franzido de Matt, iluminado pelas luzes do painel — E, além disso, deixá-lo intransitável afugenta os turistas.
—E o Pai Daar vive aqui acima… Por quê?
—Porque eu gosto da intimidade — Interveio Daar; em seguida, e movendo só os lábios, soltou também um palavrão quando sua bengala bateu em sua canela — Eu não gosto das pessoas.
—Ah, não? — Disse Matt com ironia.
Seguiram em silêncio uns vinte minutos mais; a pista cheia de buracos e coberta de mato era, mas bem um simples caminho que exigia toda a concentração de Matt. Os ramos arranhavam os lados da caminhonete nova e, de repente, Winter se estremeceu para ouvir um forte baque na lataria.
Pararam bruscamente, e Daar deu um grunhido.
—Para ser uma caminhonete de luxo, este traste vai como um maldito carro puxado por um burro — Disse.
—Viu isso? — Perguntou Matt, olhando através do para-brisa.
—Ver o que? — Perguntou Winter, ao tempo que esquadrinhava também o atalho à luz dos faróis.
—Juraria ter visto um felino. Colocou-se como uma bala nos arbustos, justo mais à frente do feixe dos faróis. Era grande e negro como nesse quadro de sua galeria. Como o chamou? Gasser?
—Gesader — Winter meneou a cabeça — Mas não é de verdade. Deve ter visto um lince.
—Os linces são negros?
—Talvez tenha sido um urso.
—Os ursos têm a cauda tão longa como o corpo?
—Você não viu uma pantera, Matt: são animais da selva.
Nesse momento interveio Daar.
—Eu vi um lince escuro de cauda longa… E é grande, além disso. Vive lá na colina do West Shoulder, mas às vezes caça por aqui. Tem que ser um híbrido desses — Terminou em tom suficiente.
Estupendo, pensou Winter, iam todos ao inferno por contar mentiras, e além ela seria a responsável por levar a um sacerdote consigo… Então decidiu trocar de tema.
—A cabana só está a uns cem metros — Disse — Há um claro para dar a volta.
Com os olhos entrecerrados, Matt deixou de olhar a Daar para olhar a Winter. Sem afastar a vista dele, Winter acrescentou:
—Estou segura de que o Pai Daar nos preparará chá e torradas, já que nos saltamos o jantar e está muito agradecido de que tenhamos o trazido para casa. Não é, pai?
—Sim. Acredito que fica um velho pão seco e um pouco de chá — Respondeu Daar em um tom que era tudo menos hospitalar.
Sem dizer uma palavra, Matt voltou a colocar uma marcha e de novo avançou devagar. Além do arranhão de um ramo de vez em quando, teria se ouvido cair um alfinete dentro da caminhonete. Ao cabo de uns minutos viram aparecer à cabana de Daar, e Matt descreveu um amplo círculo que terminava junto à escada do alpendre. Desligou o motor, mas deixou acesos os faróis, e o silêncio se acentuou mais ainda, sublinhado pelo esporádico golpear das folhas secas no teto e o som do para-brisa.
—Se não se importar, pai — Disse Matt em voz baixa — Deixarei para outra vez o chá e as torradas. Tenho que levar Winter de volta antes das onze, porque se não, seu primo vai estampar-me no chão a pancadas.
Winter soltou uma agradecida respiração de alívio ao ver que Matt não ia continuar com sua história de panteras. Depois de desabotoar o cinto de segurança, saiu e depois deu a volta para ajudar Daar a sair do assento traseiro. Matt se aproximou e o puxou pelo braço enquanto subiam a escada do alpendre.
—Estou muito cansado — Disse Daar. Quando chegou junto à porta se voltou a olhar para Winter — Promete que contará a Robbie o que aconteceu assim que volte?
—O prometo.
Daar olhou para Matt e elevou o queixo.
—Minha boa educação me obriga a te agradecer, Gregor, que tenha me trazido para casa.
—De nada — Disse Matt com uma leve inclinação de cabeça — Quer que entremos e acendamos o fogo?
—Não. Posso me ocupar de meu próprio fogo.
Winter se inclinou e deu um beijo na Barbuda bochecha.
—Boa noite, pai. É provável que o veja amanhã: subirei pela tarde a ajudar meu pai e Robbie.
Daar se apressou a menear a cabeça.
—Não — Disse — Só quero homens.
Winter não se ofendeu; em realidade se tranquilizou que Daar voltasse a ser o casca grossas de sempre. Rindo, deu um tapinha no braço, depois se voltou, desceu os degraus e foi à caminhonete. Ao recordar os espadachins de Tom, advertiu:
—Não saia esta noite, pai. Não poderá ajudar ao Robbie se pegar um resfriado. Ele subirá assim que possa.
—Sim — Assentiu Daar do corrimão do alpendre, enquanto os faróis iluminavam seu gesto de adeus — Aqui estarei quando chegar Robbie.
Winter abriu a porta do passageiro e esperou… Mas franziu o cenho ao ver que Matt não subia. Deu a volta e o encontrou a suas costas, com os braços cruzados, sorrindo.
—Não tem graça quando já se espera — Disse.
Rindo, Winter revirou os olhos, subiu o degrau e se meteu na caminhonete. Matt fechou a porta com suavidade e, enquanto rodeava a parte dianteira, deteve-se quando Daar disse algo que ela não ouviu. Depois de trocar umas palavras, por fim se meteu atrás do volante.
—O que ele disse?
Matt encolheu os ombros e ligou o motor.
—Só outra cordial advertência — Respondeu, ao tempo que colocava uma marcha, saía devagar e com cuidado do claro e voltava a meter-se pelo íngreme atalho. Lançou uma rápida olhada — Que se gosto de minha vida, será melhor que busque outra lass a que seduzir.
—Ai, não… — Murmurou Winter, tampando a face com as mãos e meneando a cabeça.
—Também teve a amabilidade de me explicar que seu pai é ainda mais protetor com você que seu primo, e que ficar mal com o Greylen MacKeage equivalia a um suicídio… — Jogou para trás o cabelo, tirou-lhe uma mão da face e deixou ao descoberto um olho para que visse seu sorriso — Também me aconselhou que passe mais tempo rezando e menos perseguindo uma mulher destinada ao convento.
Então sim que Winter gemeu… E bastante forte. Tampou a face de novo enquanto se dirigiam dando tombos montanha abaixo.
—Começo a me dar conta de por que não se casou ainda. Quantos namorados espantou seu exército de protetores? — Perguntou Matt, de repente.
—Dúzias… — Respondeu ela entre dentes; por fim baixou as mãos para sorrir — Que eu saiba. Isso sem contar os caras que não se atreveram sequer a me pedir que saia com eles.
Matt mantinha sua atenção posta no atalho.
—Bom, senhorita MacKeage, pois seu exército acaba de tropeçar com um homem que não se assusta facilmente… — De repente deu uma freada e a olhou — Se assusta?
Winter observou a face de Matt, iluminada pelas luzes do painel.
—O único que me dá medo — Disse em voz baixa — É não saber se o que sinto é autêntico ou só minha imaginação.
—Não está imaginando, Winter MacKeage. Asseguro-te que sou muito de verdade.
Winter juntou as mãos no colo e olhou fixamente pelo para-brisa.
—Então isso é o que me dá medo — Sussurrou.
Ele não disse nada; ficou segurando o volante com gesto relaxado enquanto também olhava pelo para-brisa. Depois, sem dizer nada ainda, começou a descer devagar outra vez pelo atalho cheio de buracos; o absoluto e eloquente silêncio do interior da caminhonete fazia que o coração de Winter palpitasse de terror.
Acabava de por tudo a perder? As tinha arrumado por fim para conseguir o que não tinham obtido nem Robbie nem o Pai Daar? Acabava de afugentar Matt dizendo que se sentia atraída por ele?
Já tinha idade para sabê-lo! Para saber que os homens não gostavam que os perseguissem mulheres ingênuas e encantadas. Queriam ser perseguidores. Os homens eram como os ursos. Se fugir deles, irão atrás de sua presa sem duvidar; mas se mantém firme e faz muito ruído, é igual de provável que saiam correndo rapidamente.
A Matt gostava de ir atrás dela, persegui-la com a compra de seus quadros, contratar seu tempo e inclusive beijá-la, segundo suas condições. Mas ela acabava de dizer que gostava tanto que a assustava, e de repente ele já se repensava suas intenções.
Sim, havia cometido um erro dos grandes.
O som dos arbustos arranhando a caminhonete punha os nervos de ponta, como se fossem unhas arranhando uma lousa. Fazia apenas um dia que conhecia o Matt, e, entretanto naquele breve tempo tinha experimentado todo um torvelinho de emoções. Zangou-se com ele tanto como consigo mesma; havia se sentido fascinada, enamorada e enfeitiçada, e além a tinham beijado da forma mais maravilhosa. Talvez sim que deveria entrar em um convento; isso tinha que ser mais fácil que conseguir atravessar aquele atoleiro de estados de ânimo.
Mas, caramba, a solução tampouco era pôr-se a correr. Não insistiam sempre seus pais em que seguisse seu coração? Bom, pois apesar do que a mente quase gritava, o coração dizia que Matheson Gregor era um homem pelo que valia a pena ficar em ridículo.
Que diabos, decidiu de repente com uma resolvida elevação do queixo, mais valia começar da maneira em que queria seguir. E se suas emoções deixavam sem reação ao Matt Gregor, ele o perdia!
—Se quer sentir a montanha de verdade — Disse Winter no meio do silêncio — O melhor momento é quando se aproxima uma tormenta.
Ele deteve a caminhonete e pôs ponto morto. Depois a olhou.
—A menos de uns cem metros há um penhasco resguardado onde sentiríamos respirar a montanha…
Depois de desligar o motor, Matt apagou os faróis, sumindo-os em uma completa escuridão. Winter ficou a brincar com os dedos; temia e esperava que ele dissesse algo… Algo que a tirasse daquela incerteza.
Estremeceu quando a grande mão cobriu as suas e acalmou seu movimento.
—Por fim entendo a sua família — Disse Matt através da escuridão — A verdade é que sim necessita que te vigie, em? Colocou-se com alguém a quem acaba de conhecer em uma montanha que está em um lugar deixado da mão de Deus… E agora sugere dar um passeio pelo bosque com um absoluto desconhecido que pesa pelo menos cinquenta quilos mais que você.
Winter tirou as mãos e cruzou os braços. Certo, assim ao melhor não era boa ideia… Não sabia se sua nada sutil sugestão o tinha zangado ou regozijado, mas, certamente, estava surpreso. Ela notou que se reclinava em sua parte da caminhonete, embora só distinguisse seus braços cruzados sobre o peito enquanto os olhos acostumavam devagar à escuridão.
Depois de um comprido silencio, Matt perguntou:
—E esse felino que vi?
Profundamente agradecida a que a escuridão ocultasse suas bochechas, que estavam ao vermelho vivo, e quase em um sussurro, Winter respondeu:
—Cheirará-nos antes que o vejamos e manterá as distâncias. Os linces são curiosos, mas não são agressivos.
De repente Matt se moveu, sobressaltando-a de novo, para abrir a porta, com o que o interior da caminhonete ficou alagado de luz. Depois de sair, voltou-se e começou a procurar debaixo do assento, até que tirou por fim uma lanterna e um diminuto estojo.
Winter começou a preocupar-se. Não sabia o que esperar.
—O… O que é isso? — Perguntou.
Ele pôs a lanterna no assento e abriu o zíper do estojo. Enquanto tirava a automática e a metia no bolso do jaquetão, respondeu:
—Uma pistola.
—Não — Disse Winter em tom severo — Não necessita uma arma.
A ponto de pegar a lanterna, ele a olhou.
—Só é uma precaução — A tranquilizou — Estamos no bosque, é de noite e não me fazem graça as surpresas.
Ela meneou a cabeça, pensando na inclinação de Gesader a espreitar nos arbustos.
—Não penso sair desta caminhonete se levar essa arma — Disse — No bosque todos têm mais medo de nós que nós deles.
Franzindo o cenho, Matt a olhou e observou sua face com atenção.
—Fala a sério — Disse por fim — A incomodam as armas de fogo, Winter? Esta tarde me pareceu que se preocupava quando disse a Tom que tinha uma envolta no jaquetão.
Ela meneou a cabeça de novo.
—As armas não me incomodam quando são necessárias, mas agora não as necessita. — Desabotoou o cinto de segurança e se voltou para olhá-lo, apoiando-se no console central e assinalando a lanterna — Não necessitamos nem uma arma nenhuma luz. Os olhos se adaptarão à escuridão, e não nos afastaremos mais de uns cem metros da caminhonete.
Ele vacilou até que por fim meteu a mão no bolso, tirou a pistola e voltou a colocá-la em sua capa. Pôs a capa debaixo do assento, fechou a porta com suavidade sem pegar a lanterna, depois rodeou a caminhonete para lhe abrir a porta e colocou a mão para procurar sua mão.
Winter demorou todo um minuto em pôr sua mão na dele para sair da caminhonete… Mas imediatamente Matt a soltou.
—Fique aí um momento — Disse, ao tempo que abria a porta traseira e colocava a mão sob o assento.
As luzes do interior reacenderam. A esse passo, Winter temia que seus desconcertados olhos não se acostumassem jamais.
Ele se endireitou enquanto metia uma manta sob o braço; fechou a porta e mediu na escuridão procurando sua mão de novo.
—Com a caminhonete vinha um jogo de piquenique — Disse a modo de explicação. Deu-lhe um empurrão nos dedos e soltou uma risadinha em voz alta — Não sei qual é maior: se sua confiança em que não sou um assassino em série, ou minha confiança em que nada do que há aí fora vai nos comer.
À medida que se acostumavam os olhos à escuridão, por fim Winter começou a relaxar-se; disse que tudo sairia bem e que o bosque era o lugar mais seguro onde podia estar.
Enquanto empreendia a marcha com o Matt, disse:
—Me disseram que é pouco provável que seja um assassino em série. E além me escapuliria sem problemas na escuridão, te deixando tão perplexo como o lince do quadro que me comprou.
Enquanto Winter saía do atalho e se metia no bosque, ele voltou a rir e apertou a mão.
—Isso me tranquiliza. Vai bem abrigada?
—Eu gosto do frio. Cuidado com esse tronco — Disse ela, enquanto o guiava ao redor de uma árvore caída; pouco a pouco, conforme se internavam no bosque, foi relaxando-se — Custa acreditar que, dentro de um par de meses, aqui acima a neve será mais alta que eu.
—Tenho que comprar uma máquina de limpar neve para a caminhonete — Disse ele, justo quando entravam em um diminuto claro.
Ela se deteve o pé de uma grande saliência rochosa.
—Não acredito que a caminhonete mantenha a estrada limpa todo o inverno; necessita-se um pesado Suv para retirar a neve cada vez — Olhou-o dirigindo um amplo sorriso através da escuridão; apenas se distinguia a face — Ao melhor não fica suficiente dinheiro para comprar o paraíso quando acabar de construir a casa, Matt.
Uma retumbante risadinha saiu do peito de Matt, que a agarrou pelos ombros, atraiu-a para si com suavidade e a abraçou com cálida força.
—Então acredito que terei que fazer da montanha Bear meu paraíso — Disse; passou os dedos pelo cabelo, agarrou-a suavemente pelo cabelo e jogou atrás a cabeça para que o olhasse — Como vamos ouvir a montanha com o vento que sopra?
—A montanha se sente mais que se ouvi — Disse ela, pondo uma mão sobre o coração — Aqui dentro.
O batimento do coração sentia maravilhosamente forte enquanto, em silêncio, ele cravava a vista nela, e o coração de Winter começou a acelerar-se de ilusão. Ia beijá-la de novo… E Winter disse que desta vez devolveria o beijo.
De repente, Matt a soltou e desapareceu; Winter demorou um momento em dar-se conta de que tinha caído à manta e se inclinou a recolhê-la. Depois se dirigiu à parede de granito que se elevava por cima deles e sacudiu a manta para desdobrá-la.
—Onde a estendo? — Perguntou — Aqui?
Sentindo falta de seu calor, Winter esfregou os braços, que de repente pareciam ter se gelado, e murmurou:
—Aí está bem.
Matt se ajoelhou sobre a manta e mediu o chão procurando pedras escondidas.
—Quem dera as nuvens deixassem de tampar a lua — Prosseguiu — Com certeza que daqui veríamos o lago.
Por fim se sentou em uma metade da manta e estendeu a mão.
Foi ver a manta quando Winter se deu conta exatamente de quão escandalosa era sua ideia. Por que diabos tinha sugerido que se deitassem lá em cima, na escuridão, juntos…? Simplesmente, não podia ficar naquela manta com um homem que convertia a mente em papa. Tinha provocado uma situação íntima, se não desavergonhada, e se perguntou como ia sair daquela confusão sem ficar em ridículo de verdade.
Ele baixou a mão e deu um tapinha na manta, a seu lado.
—Vamos. Prometo que manterei os dedos enlaçados atrás da cabeça — Disse com voz persuasiva e doce — Tem minha palavra, Winter, de que entre nós não passará nada que você não queira que aconteça.
Pois justo aí estava à medula do problema…
Nesse momento, outro espesso torvelinho de folhas saiu voando da saliência que havia por cima deles, e as folhas se espalharam como flocos de neve sobre a manta e se enredaram no cabelo de Winter. Dando um suspiro, Matt se deitou de barriga para cima e cruzou as mãos atrás da cabeça como se fosse um travesseiro.
—O chão está morno — Disse na escuridão — Acreditava que estaria frio para congelar-se.
Ficava tão estranho, estendido no bosque com seu terno e seus sapatos caros… E isso que a possibilidade de que se danificasse a roupa não parecia preocupar mais que os arranhões da caminhonete; em realidade Matt era um puro paradoxo feita de refinada sofisticação e força ao estilo “tipo duro”. Winter imaginava perfeitamente em uma sala de reunião, ao comando de um exército de executivos, ou mandando um exército de guerreiros em um campo de batalha… E se disse que Matt Gregor era uma fascinante mistura de força muscular e inteligência.
Matt se acomodou melhor, e ela se aproximou mais.
—O chão não parece frio porque está mais quente que o ar — Explicou — A neblina que se vê subir do bosque pela manhã procede da diferença de temperaturas.
—Quem dera a lua não se esconda. Está...
Winter se aproximou outro passo e por fim se sentou no chão junto à manta… Mas não em cima.
—Em realidade estava ontem à noite — Disse; recolheu-se o alvoroçado cabelo e o enrolou em um nó que se tornou por diante do ombro direito — Ontem também foi o equinócio de outono; é pouco frequente que as duas coisas aconteçam no mesmo dia.
As nuvens se limparam o suficiente para que Winter visse que ele tinha os olhos fechados e sorria com expressão doce.
—Lua cheia e equinócio isso deve fazer que as fadas saiam para dançar - Disse Matt.
Winter recuperou seu sorriso enquanto olhava para o lago Pene, embora mal divisou a grande massa de água.
—Não seria estupendo que as fadas existissem de verdade? — Disse pensativa.
—Devem existir — Disse Matt — Se pôs uma em Observadores da lua.
Surpreendida, ela deu a volta.
—Viu-a? Viu a minha fada?
Ele abriu os olhos para olhá-la.
—Por sorte, pô-la em um ramo alto e a tem feito quase translúcida. — Ficou cômodo outra vez, voltou a fechar os olhos e franziu o cenho — Não sinto nada; nada de vibração, nada dê respiração…
—Isso é porque não está calado — Disse ela, deitando-se por fim… Embora de modo que só sua cabeça estivesse sobre a manta.
—Então não fale — Murmurou ele — E deixa que me concentre.
Winter sorriu, a nada em concreto; fechou também os olhos e escutou o vento penetrar por entre as copas das árvores que os rodeavam. Ouviu o rangido de um tronco de árvore roçando-se com outro, o frufrú das folhas secas que rodavam pelo chão, o ricochetear de uma bolota em vários ramos até aterrissar por fim no chão com um amortecido golpe surdo… Depois, murmúrios junto com a correria de umas diminutas patas, e depois o assustado falatório de um esquilo voador noturno que brigava por invadir sua parcela de bolotas preferida.
Se só dois dias antes alguém houvesse dito que estaria deitada na montanha, de noite, com um homem bonito e, sem lugar a dúvidas, atraente, Winter teria dito que tirassem o sarro à outra. E o caso é que, por motivos que não alcançava a compreender de tudo, aquilo parecia do mais correto e do mais autêntico.
—Se deixasse de cantarolar, talvez pudesse ouvir sua montanha — Disse Matt em voz baixa.
Rindo, Winter rodou para ele.
—Não cantarolo, é a montanha que compartilha sua energia contigo, Matt.
Ele abriu os olhos e a olhou; o brilhante talho de seu sorriso rivalizava com a lua.
—De modo que não contava mentira… De verdade está viva.
Rebolando, Winter se aproximou mais até ficar toda sobre a manta; sua cabeça ficou à mesma altura que a de Matt.
—Sim. A montanha está transbordante de energia.
—Me beije — Sussurrou ele.
Piscando, ela o olhou nos olhos, escuros e insondáveis.
—Quero sentir sua energia, Winter MacKeage. Beije-me.
Mas ela não se moveu, presa de seu fascinante olhar.
Matt elevou a cabeça só um pouco e meneou os entrelaçados dedos. Com voz grave e cheia de persuasiva sinceridade, disse:
—Eu cumpro minhas promessas, Winter. Esta noite está a salvo comigo; minhas mãos não se moverão de trás de minha cabeça. Beije-me.
Que Deus a agarrasse confessada… Com outro rebolado, ela se aproximou mais até ficar inclinada justo em cima dele.
—Ai, Winter — Disse Matt com um suspiro — É tão formosa como os quadros que pinta. Dê-me um pouquinho de sua magia e me deixe sentir o que você sente.
Desejar as coisas não faz que aconteçam, mas Winter disse que seu sonho mais delirante estava a ponto de transformar-se realidade. Enquanto o coração acelerava em um ritmo que nem sequer sua mente seguia, inclinou-se devagar e, com suavidade, roçou-lhe a boca com a sua.
Ele soltou outro suspiro e entreabriu os lábios, e Winter aspirou seu sabor, que já era familiar; então, lentamente, subiu um pouco mais até ficar por cima de tudo sobre seu largo peito. Matt inspirou e conteve a respiração, e Winter sentiu o palpitante vigor de seu coração pulsando com força contra o seu. Saber que o comovia tanto como ele deu confiança para levantar a mão e roçar o lado da face enquanto fazia mais intenso o beijo.
Tinha um sabor tão bom e era tão agradável senti-lo debaixo, tão firme, quente e sólido que sentiu que a potente energia da montanha entrava vibrando nela através dele, e um formigamento de eletricidade esticou a pele, embora ao mesmo tempo notasse um aviso de perigo na boca do estômago. Winter entreabriu também os lábios e roçou a língua com a sua, explorando timidamente aquelas embriagadoras e audazes sensações que a insistiam a mover os dedos sobre as tensas linhas do rosto de traços definidos de Matt.
Ele tinha pedido sentir sua magia, mas foi precisamente a magia do Matt a que envolveu Winter em seu feitiço; dois corações que pulsavam pegos, uns lábios que se acariciavam, provavam e saboreavam… As energias do universo intemporal, dançando em mística harmonia.
A viagem de duas almas separadas que se buscavam isso era o que estava ocorrendo. A magia de estar ali, com aquele homem, naquela montanha e aquela noite que a tempestade enchia de energia. Isso era o que Winter tinha esperado sentir toda sua vida.
De repente Matt afastou a cabeça e pôs fim ao beijo, e o peito se dilatou quando respirou profundamente.
—Está a um segundo de me fazer quebrar minha promessa — Resmungou em voz baixa.
Piscando na escuridão, Winter o olhou. A volta à realidade foi um choque, um discordante golpe surdo que a fez erguer-se de surpresa.
—Tem sotaque escocês.
A lua não dava muita luz; apenas o suficiente para ver o brilho dos olhos de Matt e como suas mãos, ainda atrás da cabeça, esticava-se até converter-se em punhos. Ele voltou a respirar para tranquilizar-se e, com seu enigmático olhar cravado na dela, disse:
—Uma regressão a minha juventude, nasci na Escócia — Sem tirar as mãos de trás da cabeça, levantou os cotovelos em uma espécie de encolhimento de ombros — Quando me… — De repente deixou ver um amplo sorriso — Quando me concentro por completo em algo, tenho tendência às sofrer. E pelo visto isso de andar hoje contigo por aí me tirou o sotaque a flutuação.
Winter se afastou e se deitou de barriga para cima a seu lado; depois juntou as mãos sobre o estômago enquanto elevava a vista para as agitadas nuvens que bailavam em torno da lua.
—Suprimiu o “MAC” de seu sobrenome? Em realidade é “MacGregor”?
—Não. Só Gregor.
—Sabe o que significa “Matheson”?
—Sei que o que significa “filho de...”.
—Sim. E em gaélico mathe é “urso”; seu sobrenome significa “filho do urso”.
Ele se voltou para ela, apoiou a cabeça em uma mão e ficou a outra sobre a coxa.
—Então suponho que sou dono da montanha correta, não?
—Em que trabalha?
—Construo aviões; militares e privados.
Winter assimilou suas palavras e disse que aquilo encaixava: um homem potente que fazia aviões potentes.
—Ontem vimos chegar um pequeno avião. Foi você? Pilotas seu próprio avião?
Ele assentiu, enquanto alargava a mão para afastar o cabelo da face e o colocava trás da orelha. Depois voltou a colocar a mão na coxa, mas não antes que ela a visse fechar-se em um punho.
—Você sentiu a energia, Winter? — Perguntou em voz baixa — Não era a montanha vibrando, não é? Foi você.
Winter sentiu que um rubor abrasava as bochechas, e de novo ficou a observar atentamente o céu.
—Todos somos parte da mesma energia — Disse — Você, eu, a montanha, os animais, a tempestade de gelo que se aproxima… Todos estamos conectados.
Com voz grave, cheia de uma emoção que Winter não alcançou a definir, ele repôs:
—Agrada-me essa ideia. Agrada-me a ideia de estar conectado contigo, Winter MacKeage. — De repente se levantou — Mas com o fim de cumprir minha promessa de que esta noite está a salvo... — Disse, e se voltou para sorrir —… E além por meu interesse em que seu primo não me moa de pancada, mais vale que te leve a casa.
Winter se levantou também, ao tempo que voltava a recolher o cabelo e o jogava para frente do ombro.
—Parece-me que mais vale que sim.
Matt ficou de pé e alargou a mão para ajudá-la a levantar-se. Winter deixou que puxasse ela, mas Matt aproveitou seu impulso para pegar-lhe ao peito e abraçá-la forte.
—Um pouquinho mais, acredito — Sussurrou, enquanto baixava os lábios para os dela.
Certamente essa vez foi ele quem a beijou. Estava absolutamente ao comando e reatava a perseguição uma vez mais. A Winter alegrou o coração quando a boca de Matt se moveu sobre a sua com uma suave agressividade que fez sentir outra descarga elétrica pelo corpo. Com um suspiro de alívio, entreabriu os lábios e devolveu o beijo, segura de não havê-lo espantado.
Fundiu-se no sólido e firme calor de seu corpo, e Matt deslizou uma mão pela base das costas e puxou-a até tê-la bem pega a ele. Imediatamente, Winter descobriu quão excitado estava, mas em vez de assustar-se, em um gesto atrevido, adiantou os quadris contra os seus.
Matt levantou a cabeça e emitiu um grunhido que se parecia muito ao que soltava Gesader quando estava de mau humor, e Winter afundou a face em sua camisa com um sorriso regozijado. O peito retumbava com um resto de grunhido, e a abraçou tão forte que ao alargar o torso a deixou sem ar nos pulmões.
—Maldição, senhora, mais vale que não faça graça — Resmungou no cabelo de Winter; seus lábios fizeram estremecer-se — Deveria me esbofetear a cara… Não - Disse, ao tempo que a agarrava pelos ombros e a afastava — Eu deveria estar me esbofeteando a cara.
Sem dizer nada mais, agarrou-a da mão e começou a sair do claro em direção à caminhonete.
—A manta… — Disse Winter, tentando agarrá-la.
Mas ele não a soltou, mas sim continuou puxando-a pelo denso bosque.
—Deixa-a — Resmungou — Te levo a casa. Agora mesmo.
Em silêncio, e incapaz de conter o sorriso, Winter deixou que a levasse. Os ursos não tinham cauda… mas a deste acabava de dar um bom puxão.
E sua reação parecia muito prometedora.
A tempestade chegou justo depois de meia-noite, e da cama, Winter ouvia o golpear da chuva na janela; seus dispersos pensamentos e suas emoções ainda vibrantes faziam impossível conciliar o sonho. Alargou a mão para onde estava acostumado a dormir Gesader, mas ao tocar só a colcha, sorriu. Evidentemente zangada com ela, a pantera a tinha recebido com um rouco grunhido quando a deixou entrar na casa e depois partiu sem fazer ruído a dormir com Megan.
Gesader se incomodava com facilidade e, pelo visto, que Winter estivesse na montanha com o Matt tinha irritado seu mascote. Sabia que Gesader tinha estado lá em cima; caray, provavelmente estivesse escondido nos arbustos a menos de seis metros…
Quando Matt a tinha levado virtualmente a rastros de volta à caminhonete, absolutamente silencio salvo pelos gritos de júbilo que dava o coração, ao acender as luzes do interior, Winter tinha observado várias mechas de cabelo negro no para-brisa. Gesader avisava de que tinha estado perto deles todo o momento, e que não gostava que o obrigassem a manter-se escondido.
Pelo geral, a noite pertencia aos dois; Winter pintava suas cenas noturnas e Gesader dormitava a seu lado. Era um mascote possessivo, e Winter nunca se expôs como o afetaria o que ela tivesse um namorado.
“Namorado…”, pensou com um amplo sorriso, provando a palavra em sua mente. Que a fizesse perder o sentido a beijos transformava Matt em seu namorado? “Não”, sussurrou ao escuro teto, meneando a cabeça. Era uma etiqueta muito brega para Matheson Gregor. Ao pensar em um namorado, Winter imaginava Patrick Rooney, um adolescente nervoso, com os sapatos brilhantes como espelhos, que levava na mão um buquê para que ela o pusesse no pulso e tremia de medo na porta principal, com Grei ao lado, enquanto a esperava para levá-la ao baile de final de secundária.
Patrick era um namorado. Matt Gregor era… Caramba era muitíssimo mais desconcertante do que Patrick Rooney tinha sido jamais. Quando Pat a beijava, a mente não voltava purê de batatas. E tampouco queria arrancar a roupa e passar as mãos por cada centímetro de seu corpo. Mas exatamente isso era o que tinha querido fazer com Matt lá encima na montanha… E o que gostaria de fazer naquele preciso instante.
Sobressaltada, enquanto separava de um chute as mantas que, de repente, eram sufocantes, Winter se deu conta de que bebia os ventos pelo Matheson Gregor. Olhou o teto com o cenho franzido. A verdade é que isso da química era uma coisa bastante potente.
Sentia-se como um desses carrapatos pequenos do bosque que passam dezoito meses seguidos quietos sobre a folha de uma planta, esperando um corpo quente que passasse os roçando. Bom, não levava quase vinte e cinco anos esperando? Pois quando Matt Gregor entrou na galeria, jogou-lhe uma boa olhada e saltou de sua folha com toda a intenção de dar um passeio maravilhoso.
Winter voltou a sorrir ao recordar como Matt tinha detido a caminhonete em Gù Brath, tinha-a levado até a porta e só com um “adeus” em voz baixa, e sem beijo de despedida, partiu-se sem olhar atrás. Estava contendo-se, disse Winter… E seu sorriso se voltou mais amplo e satisfeito; os meninos bons não se aproveitam das mulheres que os interessam no primeiro dia que saem.
Sim, Matt era um autêntico cavalheiro.
Em certo sentido, recordava o modo em que seu pai tratava a sua mãe. Dava igual quão frustrado Greylen se sentisse com sua esposa, nunca abusava de sua força e seu tamanho. E não é que Grace não o tirasse de suas casinhas de vez em quando, às vezes só por gosto, suspeitava Winter.
Igual a ela estava tentada de fazer com Matt.
Seu sorriso desapareceu quando pensou em seus pais e imaginou refugiados em alguma gruta de TarStone… Embora o mais provável é que tivessem procurado abrigo na casa da cúpula e estivessem aconchegados diante da gigantesca lareira de pedra.
De todas as formas, não sabia por que tinham decidido de repente passar a noite ali; só estava segura de que algo ia mau. Disse que não tinha nada que ver com o pinheiro de Daar; seu pai não enredaria com a magia, e menos se era o único que evitava a volta a sua antiga época.
Quando Robbie levou Megan a casa, Winter lhe contou a última crise de Daar, e Robbie esfregou a face em um gesto de frustração, soltou um cansado suspirou e prometeu ir ver o sacerdote aquela noite. Também disse a Winter que não se preocupasse com Greylen, que ele o buscaria o dia seguinte e diria o que acontecia; ela só tinha que ocupar-se de suas coisas como de costume.
A Robbie não gostou que Matt tivesse acompanhado a levar Daar a sua casa. Deu-lhe um sermão de dez minutos sobre a conveniência de não confiar-se em homens dos que não sabia nada, e ela o escutou, sorriu e assentiu em todos os momentos oportunos. Ao dar-se conta por fim de que seu sermão caía em saco furado, Robbie deixou de falar com um resignado bufido e se dirigiu a casa para pegar o cavalo e ir ver o Pai Daar.
Dando um suspiro de cansaço, Winter fechou os olhos por fim e disse que já era hora de que aquele dia encantado se acabasse. Tinha começado antes do amanhecer e, se não dormia um pouco, o amanhecer seguinte ia encontrá-la com o cenho franzido.
E não queria que nada danificasse seu maravilhoso estado de ânimo. Essa noite tinha beijado ao homem de seus sonhos, e estava desejando provar outro pouquinho da magia especial de Matheson Gregor.
Matt estava estendido na cama extragrande de sua suíte, completamente nu e com as mantas jogadas a um lado, escutando como a chuva golpeava nas janelas levada pelo vento. Ainda não tinha refrescado o corpo, e de seu humor de cães tinha a culpa a senhorita MacKeage.
Winter tinha estado a ponto de perder a virgindade aquela noite. Tinha sido o fato de dar-se conta de que era virgem o que fez que ele freasse em seco. No preciso instante de beijá-la à entrada de sua casa, Matt se deu conta de que Winter nunca tinha estado com um homem; ao menos, não intimamente. Se tivesse tido experiência, naquele momento não estariam deitados em camas diferentes. Ele a teria repleto de cuidados lá em cima naquele penhasco e não teria parado até pela manhã, com ou sem tempestade.
Pensar em que ela se conteve durante tanto tempo e, entretanto, aquela noite quase tivesse dado sua mais apreciada posse, fez que Matt entrasse um suor frio outra vez. Descartou a ideia de que se deteve por respeito para seus sentimentos, sabendo o horrorizado que estaria pela manhã; inclusive descartou a voz de sua consciência, perdida fazia muito tempo em alguma oxidada zona de sua mente, que dizia que tomá-la ali no chão, em metade do bosque, punha-o mais ou menos à altura de um alce no cio.
Ou de um urso, pensou ele soltando uma risada de desprezo por si mesmo.
Um desumano filho de urso.
Nossa, diabos. Tinha que esquecer aquela detestável ideia de que Winter MacKeage era algo mais que o meio para um fim, porque não era. Ele só estava ali por um motivo, e quando Winter o ajudasse a matar a seu irmão, importava um rabanete se sua montanha de magia se ia ao diabo de uma explosão ou não.
E tampouco se importava se ele ia ao diabo de uma explosão com a montanha.
Sentada em um tronco caída, a pouca distância dos três homens, Grace MacKeage os viu observar com atenção o que ficava do prezado pinheiro de Daar. Elevou a vista pelos nove metros de tronco e ramos, e se deteve na copa drasticamente cortada, que sangrava grossos regos de resina. Quando chegaram, Robbie tinha subido ao tronco, e de cima gritou que não parecia que o tivessem cortado com uma motosserra e sim com um antiquado machado.
Seu comentário só serviu para aumentar o mistério. Por que se teria incomodado alguém em subir nove metros no ar para cortar a árvore? E, além disso, onde diabo estava à copa?
Grace baixou o olhar e observou com atenção as mordidas unhas, ao tempo que separava da mente a conversa que mantinham entre sussurros Grei, Daar e Robbie enquanto esquadrinhavam o bosque procurando rastros do que tinha ocorrido… Sem deixar de fazer conjeturas sobre por que tinha ocorrido. Dava-lhe a impressão de ter os olhos muito grandes para sua cabeça: estavam inchados e irritados depois de uma noite sem dormir, chorando. No dia anterior, o que para Grace começou como um agradável almoço campestre com Grei não demorou para converter-se em um pesadelo, quando seu marido contou a visita que tinha feito ao sacerdote.
Grei explicou que a sua formosa, inocente e confiada filha pedia não só que assumisse seu destino já, mas também se enfrentasse a um adversário que nenhum deles imaginava sequer. Disse que era provável que Cùram de Gairn estivesse ali, naquela época e em sua montanha, procurando vingança pela morte de sua árvore da vida… Ou isso, ou tinha outros planos que não acabavam de entender. Mas Grei sublinhou que Winter era a única esperança com que contavam para deter aquele bastardo.
Ao que parece, o destino do mundo se apoiava nos frágeis ombros de uma menina de vinte e quatro anos.
Ai, como desejava Grace que sua previsível ciência voltasse a ser o que tinha sido! Em tempos, seu mundo tinha estado cheio unicamente de números, equações e sonhos de viajar pelo espaço. Mas ao conhecer Greylen MacKeage descobriu que as autênticas maravilhas não estavam “lá fora”, e não justo na Terra, tão perto como as montanhas nas que tinha crescido. Foi então quando sua ciência se topou de bruços com a magia, e ao cabo de trinta e três anos e de sete filhas, essa magia ameaçava não só a seu inocente neném, mas também ao futuro de toda a humanidade.
Uma sombra se projetou sobre ela, mas Grace não levantou a vista. Então seu marido ficou de cócoras e elevou o queixo para que o olhasse nos olhos, cheios de funda preocupação.
—Alguma ideia de por que cortaram a árvore tão acima? — Perguntou em voz baixa.
Ela soltou o ar e meneou a cabeça que apoiava na mão, enquanto as lágrimas ardiam de novo no fundo dos olhos.
—Necessito-te, Grace; agora mesmo necessito que seja forte por Winter. Nenhum de nós pode combater o que não compreende. Por favor, deixa de ser mãe e seja a cientista justa o tempo suficiente para nos ajudar a entender o que acontece. — Seu olhar se suavizou com um sorriso cheio de ternura — Depois volta a proteger a sua filha.
—Mas é que não sei por que o cortaram tão alto.
Grei deu a volta para sentar-se no tronco junto a ela.
—Robbie diz que acredita que pode salvar o pinheiro, ao menos durante um pouco de tempo — Disse em voz baixa; rodeou-lhe os ombros com o braço e a aproximou dele, igual a levava fazendo desde na tarde anterior — Vai tampar a ferida para que deixe de gotejar resina, e depois cobriremos as raízes com folhas e agulhas de pinheiro para resguardá-la da geada todo o possível.
Grace se apoiou nele, como levava fazendo desde na tarde anterior.
—Para que? — Sussurrou.
—Ainda não está morta — Respondeu Grei — E, além disso, é tudo o que fica do poder de Winter. Robbie cortará um ramo para que Daar lhe faça um bastão.
Sem levantar a cabeça de seu ombro, Grace elevou o olhar e perguntou:
—Vai mandar a nosso neném atrás desse monstro só com o ramo de uma árvore moribunda? — Incorporou-se e agarrou o braço — Por que não dá Robbie algo de seu poder? Ou Mary? Ela segue estando por aí. Esta manhã vi a coruja quando Robbie veio a nos buscar à casa da cúpula. Por que os guardiões não emprestam a Winter parte de seus poderes?
Grei lhe levantou a face e, com os polegares, limpou as lágrimas.
—A fonte de sua energia, igual à de Daar, é o pinheiro branco — Explicou em voz baixa.
Grace se afastou bruscamente e ficou de pé; depois se abraçou enquanto cravava a vista no velho sacerdote que observava sua árvore ferida.
—Então ganhou. Cùram de Gairn tornou a roubar seu poder e ganhou o combate sem que nos déssemos conta sequer de que estávamos em guerra. — Voltou-se a olhar a seu marido — Se acabou. Winter nem sequer tem que saber de seu destino. Se o dizemos, acreditará que nos falhou de algum modo, quando em realidade a culpa é nossa por querer que sua infância fosse normal — Elevou as mãos e depois às deixou cair outra vez aos lados — Agora, simplesmente, todos morreremos juntos.
Grei se levantou em toda sua imponente altura e, em um gesto tranquilizador, passou as palmas das mãos pelos braços e os ombros. Com uma inclinação de cabeça, assinalou a árvore que estava atrás do Grace.
—Daar não acredita que Cùram tenha feito isto — Disse — Acredita que teria pegado uma parte da raiz principal e depois, provavelmente, teria queimado o resto do pinheiro.
—E você acredita nesse velho caduco? — Espetou-lhe ela, zangada, ao tempo que se afastava e agitava uma mão no ar com gesto de aborrecimento — A maioria dos dias nem sequer se lembra de em que ano vive!
Seu marido voltou a abraçá-la, manteve-lhe a cabeça pega a seu peito e sussurrou:
—Shhh… Se acalme esposa; já te zangará quando isto tenha acabado. —Inclinou a cabeça para trás para que visse seu sorriso — Nos zangaremos juntos, prometo isso. Mas por agora tem que pensar em Winter e em como a ajudaremos.
Nesse momento ouviram a voz de Daar.
—Grace…
Grace tentou voltar-se, mas seu marido se voltou com ela enquanto a sujeitava em seu abraço.
—Grace — Voltou a dizer Daar, retorcendo as mãos e com os olhos cheios de inquietação — Tem que dizer a Winter hoje.
Grace se soltou e lançou um olhar assassino.
—Não penso dizer a minha filha semelhante coisa — Disse em tom crispado — E Grei tampouco, e você tampouco.
—Mas…
Ela o assinalou com um irado dedo.
—Como digo uma só palavra a Winter, vai descobrir que sou tão perigosa como meu marido. Tirarei-lhe o coração, velho intrometido — Resmungou dando outro ameaçador passo para frente.
Estupefato, Daar recuou vários passos com os olhos muito abertos. Nunca a tinha ouvido falar assim, e para falar a verdade, Grace estava também um pouco surpreendida. Mas, maldição estava tão zangada que seria capaz de matar.
Para ouvir a risada de seu marido, Grace girou sobre seus calcanhares… Só para que Grei voltasse a abraçá-la forte. Por cima de sua cabeça, Greylen disse:
—Mas como, velho, é o que acontece quando se ameaça a caçula de uma mãe. Estou de acordo com minha esposa. Antes de dizer a Winter, descobriremos quem lhe cortou a árvore, e por que.
—Mas…
—Você faça o bastão a minha filha, sacerdote, e preocupe-se com salvar o que fica de seu prezado pinheiro. Quando encontrarmos a ocasião oportuna, Grace e eu falaremos com Winter, mas até então não terá mais remédio que esperar a sua herdeira. E isso — Sussurrou em tom tenso — Se é que Winter quer seguir sua vocação. Em última instância, a escolha será dela.
Grace sorriu contra o ombro de seu marido. Agora recordava por que se casou com aquele homem maravilhoso. Apaixonou-se por um guerreiro das Terras Altas… Tão temível para fazer que caíssem os bigodes do susto a um leão em pleno ataque!
Apesar de que só tinha dormido umas seis horas e de que tinha despertado preocupada ainda por seus pais, Winter assim passou a manhã como Robbie tinha sugerido, ocupando-se de suas coisas como de costume. A tempestade não tinha demorado a perder força durante a noite e em dar passo a um radiante sol de finais de setembro, que entrava em torrentes pelas grandes vitrines de sua galeria de arte, reluzentes de limpas.
Depois de sobreviver a sua noite de práticas de maternidade, pelo visto aquela manhã Megan se sentia caseira. Antes das nove em ponto já tinha limpado com o espanador todos os quadros e prateleiras da galeria, e, além disso, tinha saído a tirar das vitrines a imundície da rua com uma vassoura de pau comprido e uma escova de borracha. Depois de terminar, fazia já sua boa meia hora, tinha limpado as vitrines da Armería de Dolan e depois compartilhou um chá com Rose junto à pançuda estufa da loja desta.
Winter passou a primeira hora dispondo as figuras mais recentes de Tom e colocando ao dia da papelada. Naquele momento estava sentada em um tamborete atrás do mostrador, com um bloco de papel de desenho e um lápis, tão absorta na visão do lar de Matt encravado na pradaria de montanha que nem sequer ouviu tilintar a campainha da porta. Por isso deu um grito afogado de surpresa quando de repente uma grande sombra apareceu sobre seu desenho, e se não fosse pelas fortes mãos que a seguravam, teria caído do tamborete.
Com uma risadinha, Matt a soltou; colocou as mãos às costas e depois olhou por cima de seu ombro.
—No que trabalha? — Perguntou.
De um pulo, Winter levou o bloco de papel de desenho ao peito e deu a volta no tamborete para olhá-lo com o cenho franzido.
—Só faço rabiscos.
Ele a rodeou para olhá-la de frente e cruzou de braços.
—Isso que “rabiscava” parecia uma casa. — Elevou uma sobrancelha — É minha casa?
Winter ficou de pé e fechou o bloco de papel.
—Talvez — Foi tudo o que disse enquanto deslizava o bloco de papel debaixo do mostrador.
—Posso vê-la?
—Não. Não mostro minha obra até que não terminei.
A sobrancelha dele voltou a levantar-se.
—Por que não?
—Porque ninguém entende nada em claro até que está terminada. Começa com algo muito diferente do resultado final.
—Então o rabiscar é em realidade seu processo de reflexão?
—Sim — Respondeu ela, franzindo o cenho ao dar-se conta de como ia vestido — Tem que começar a se vestir mais adequadamente, Matt. Vai estragar toda essa bonita roupa.
Ele baixou o olhar para dar uma olhada a seu impecável terno cinza e depois a olhou de novo.
—Vou vestido adequadamente… Para o escritório. Tenho que voar a Nova Iorque esta manhã, mas voltarei pouco depois do anoitecer. Jantará outra vez comigo esta noite? — Deixou ver um torcido sorriso — Quer dizer, mas bem, se janta comigo esta noite?
—Conta voando a Nova Iorque e estar de volta antes do jantar?
Matt tomou pelos ombros.
—Melhor ainda, vem comigo. Comeremos no Lutèce e te trarei de volta antes da hora de dormir.
Winter se levou a segunda surpresa da manhã.
—Quer que vá contigo a Nova Iorque? — Disse com um grito — Em seu avião?
Ele alargou o sorriso, e sua face se animou com a mesma expressão persuasiva com que a tinha cuidadoso o primeiro dia que se viram, quando tentou obter um desconto.
—Inclusive te deixarei que prove a pilotar — Ofereceu — Alguma vez voou à velocidade do som?
Ela o olhou com receio.
—Os aviões privados não vão a tanta velocidade.
—O meu sim. É um caça modificado.
O receio dela aumentou.
—Um avião tão potente não pode aterrissar em nosso diminuto aeroporto. A pista é muito curta.
Então tocou a ele parecer receoso.
—Pelo visto sabe um montão sobre aviões.
—Minha mãe é cientista; trabalha por conta própria para empresas privadas de exploração espacial. — Encolheu os ombros debaixo de suas mãos — herdei parte de seu saber por osmose: todas crescemos passando muito tempo no laboratório de informática de minha mãe. Assim não me tente com promessas de voar à velocidade da luz em seu aviãozinho, senhor Gregor, porque sei que é impossível.
—Entretanto, é verdade.
Winter elevou a sobrancelha só para chateá-lo.
—Como? — Perguntou.
Ele deu um apertão nos ombros e, rindo, soltou-a.
—Isso é um segredo da empresa; chame-o magia sem mais. Vem comigo hoje.
Winter se perguntou o que pensaria Matt se soubesse o que a autêntica magia fazia de verdade… Depois, apesar de que desejava ir com ele (certamente seria um modo de saber mais sobre o homem que havia atrás do terno), meneou a cabeça e disse:
—Obrigado, mas não posso. — Correspondeu a seu sorriso com um triste sorriso de desculpa — A menos que meta meu exército de guarda costas em seu jato.
Imediatamente ele ficou sério, entreabriu os olhos até convertê-los em frestas douradas e a observou em silêncio.
—Usa a sua família como pretexto — Disse por fim — Qual é o verdadeiro motivo de que não queira vir comigo?
Ela elevou o queixo.
—Não penso voar a Nova Iorque com um homem a que mal conheço.
—Esteve a ponto de me conhecer muito bem ontem à noite — Sussurrou ele, dando um passo para frente.
Winter baixou o olhar e tirou uma fibra de penugem da manga. Enquanto sentia o calor do rubor estender-se por suas bochechas, respondeu em um sussurro:
—Isso foi diferente. Ontem à noite eu podia desaparecer no bosque quando quisesse — Elevou a vista para ele — Mas em Nova Iorque estaria totalmente indefesa.
Ele cruzou de braços, e seus enigmáticos olhos dourados a observaram durante o que pareceu uma eternidade. Depois admitiu baixinho:
—Está bem. Tem razão. — Avançou, voltou a agarrá-la pelos ombros e deu um beijo na testa — Estarei de volta antes das sete e recolherei às oito em sua porta.
—E seu pôr-do-sol desta tarde com o Tom?
Matt se afastou e rodeou o mostrador para a parede dos quadros.
—Ia pedir que, quando vier esta manhã, explique-lhe que tive que partir de improviso. Trocaremos de dia. — Deteve-se olhar com atenção “Observadores da lua”, aproximou-se mais ao quadro e de repente se voltou para ela com um amplo sorriso — Aqui escondeu algo mais que uma fada. — Olhou de novo o grande tecido e assinalou a esquina superior esquerda — Quase me escapa o lobo oculto nas sombras.
Winter foi a seu lado para olhar também Observadores da lua.
—Esse é meu avô, o velho Duncan MacKeage.
—Seu avô era um lobo?
Ela sorriu.
—Meu pai me contou que Duncan MacKeage tinha o coração de um lobo, de modo que assim é como o retratei.
Matt deu a volta para olhá-la de frente.
—Põe os mortos nos quadros?
Winter assentiu.
—Às vezes… Como aviso de que seus espíritos seguem conosco — Explicou — E, além disso, para reconhecer que cada geração se apoia nos ombros da anterior, formando a base que nos ajuda a confrontar o futuro — Agarrou-o pela mão e o levou a parede do fundo da galeria; ali assinalou o canto superior direita de outra cena invernal — Vê essa coruja nevada? Essa é a irmã de minha mãe, Mary Sutter. É a mãe de Robbie, que morreu quando nasceu ele. — Jogou uma olhada ao homem silencioso e meditabundo que, a seu lado, olhava o desenho — A verdade é que em TarStone vive uma coruja nevada; agrada-me pensar que é minha tia Mary, que vela por todos nós.
Matt a olhou.
—Então, no quadro que faça o de minha casa… Poderia pôr nele a um membro de minha família?
—Sim, se me falar dessa pessoa. Tenho que fazer uma ideia de quem é. Tem em mente a alguém em concreto? Um homem ou uma mulher?
Matt cruzou de braços e apoiou o queixo em uma mão enquanto observava com atenção a coruja nevada.
—Uma mulher — Disse — Se chama Fiona e também seria uma ave, acredito. Um formoso falcão, possivelmente.
—Fiona… — Repetiu Winter, como provando o nome — É sua mãe? Sua avó?
—Minha irmã.
—Ah, mas é que pelo geral meus espíritos estão… Pelo geral falecido, Matt - Disse Winter em voz baixa.
—Fiona morreu ao dar a luz.
Nesse momento, Winter atou cabos entre a reação que Matt tinha tido ao conhecer Megan no dia anterior e aquela revelação sobre sua irmã; então, mais baixo ainda, disse:
—De acordo. Tem uma fotografia da Fiona para que a veja?
Matt a olhou, e Winter esteve a ponto de recuar ao ver a expressão de angústia que havia em seus olhos.
—Não tenho nada dela — Disse em tom tenso — Nem sequer seu relicário.
—Seu relicário?
—Fiona tinha um relicário de ouro que lhe deu de presente nossa mãe ao fazer dezesseis anos; tinha pertencido a nossa avó. — Voltou a olhar o quadro, embora Winter duvidasse que visse algo que não fosse sua irmã na imaginação — Mas nunca descobri o que foi dele.
—O primeiro dia que esteve aqui disse que tinha um irmão. Ele não sabe onde está? — Perguntou Winter com doçura.
Imediatamente viu que Matt ficava rígido.
—Não — Se limitou a responder, com voz completamente desprovida de emoção.
Em tom alegre, tentando dissipar o frio que de repente se abateu sobre sua galeria, Winter disse:
—Pois então terá que me falar de Fiona — Voltou a pegar sua mão, fazendo caso omisso de que estivesse fechada em um punho, e de novo o conduziu até a parede lateral — Esta noite, se quiser, quando estivermos jantando, contar-me-á por que acha que o espírito da Fiona é um formoso falcão — Deteve-se diante uma grande aquarela que representava um alce e assinalou os arbustos, onde tinha escondido a quase translúcida imagem de uma raposa — Olhe, este é meu tio Ian, esse de quem te falou Megan ontem; que insistiu em que montássemos cavalos de carga.
Uma vez mais, Matt observou atentamente o quadro.
Winter não sabia o que pensar e, muito menos, o que dizer. Sim que chegou à conclusão de que o processo de conhecer Matt Gregor parecia muito ao de pintar seus quadros. Resultava laborioso e complicado, e ao aprofundar, só se desvelavam vagos retalhos. Tinha um irmão, pelo visto vivo, embora fosse evidente que estava afastado dele, e, além disso, uma irmã a quem amava, mas que tinha morrido ao dar a luz. Construía aviões, parecia perseguir o que queria com a eficácia de um próspero homem de negócios… E beijava como um príncipe.
Bom, certamente tinha despertado a aquela princesa adormecida, que estava igual de decidida a chegar a conhecer seu príncipe muitíssimo melhor.
Winter deu a volta para retornar ao mostrador.
—Estarei pronta as oito — Disse.
Ele alargou o braço para detê-la e capturou a face em suas longas mãos; abriu os dedos entre seu cabelo, na parte de atrás da cabeça, e com as palmas elevou o queixo para que o olhasse. Com voz gutural, disse:
—Perdoa. O tema de meu irmão é delicado. — Inspirou fundo e sorriu — Vou beijá-la, Winter MacKeage aqui mesmo, diante de seus antepassados, para que vejam exatamente quais são minhas intenções.
O coração de Winter saltou vários batimentos e depois começou a pulsar com a força de um maço. Incapaz de afastar a vista de seus intensos, fascinantes e profundissimamente dourados olhos, ela sussurrou:
—Q… Quais são suas intenções?
De quente, o sorriso de Matt passou a ser de enfarte.
—Pois terá que perguntar a eles — Disse, e assinalou com a cabeça para os quadros —… Ou confiar tanto em mim para descobri-lo você mesma.
—Eu… Eu com…
Mas antes que suas palavras chegassem sequer a seus antepassados, ele baixou a cabeça e cobriu a boca com a sua. Winter ficou nas pontas dos pés e entreabriu os lábios, dando a bem-vinda a suas intenções, fossem as que fossem, enquanto a língua de Matt procurava a sua. O ataque de energia que vibrou através de seu corpo foi tão imediato como a noite anterior, e igual de forte. Matt cheirava a boa lã, a bosque e a fresco ar outonal. Winter notou só um leve gosto a café, e desfrutou da sensação de seus dedos metidos no cabelo enquanto, com delicadeza, ele movia a boca sobre a sua. Abraçou sua cintura por dentro do paletó, aproximando-se mais, enquanto ele baixava uma mão por seus ombros e a apertava bem contra si.
Nesse momento, umas diminutas campainhas começaram a tilintar dentro da cabeça de Winter. E de repente Matt desfez o beijo, segurou seus ombros para que não se cambaleasse e se voltou para a porta com um severo olhar assassino. Imediatamente, ao dar-se conta de que já não estavam sozinhos, Winter se apressou a recuar, girou sobre seus calcanhares e correu para ficar atrás do mostrador.
—Bom dia — Disse Tom — Nossa, tempestade forte tivemos ontem à noite, não é?
Não tão forte como a tempestade que bramava dentro dela naquele preciso instante, disse Winter.
—Ah, bom dia, Tom. Saiu cedo.
Com a atenção centrada em Matt, Tom não respondeu; o velho ermitão meteu um pacote sob o braço esquerdo e estendeu a mão direita.
—Bom dia, Gregor — Disse, estreitando a mão que Matt estendia a sua vez — Não parece preparado para percorrer o bosque esta tarde.
—Temo-me que tenho que deixar nosso pôr-do-sol para outra vez — Disse Matt — Devo ir a meu escritório para me ocupar de um assunto, embora estarei de volta esta noite. Amanhã possivelmente?
Tom assentiu.
—Provavelmente estarei livre manhã. Era seu esse avião ao que estive dando uma olhada esta manhã, lá em cima no aeroporto?
—É o meu.
—De verdade alcança a velocidade da luz?
Winter olhou boquiaberta a Tom. Como sabia que o avião de Matt ia assim de rápido?
Deu a impressão de que Matt se perguntava o mesmo, porque cruzou de braços e levantou uma sobrancelha.
—O que lhe faz pensar que alcança a velocidade da luz?
Tom encolheu os ombros e, a modo de explicação, disse:
—Sou muito aficionado à aviação, e acredito recordar que faz um par de anos li um artigo sobre uma empresa de Utah que tentava adaptar motores de aviões militares... — Deixou ver um amplo sorriso —… Agora que o penso também recordo que o dono da companhia se chamava Gregor…
Matt inclinou a cabeça; um leve sorriso levantava uma comissura da boca.
—Alcança a velocidade da luz — Confirmou, e com um movimento de cabeça assinalou a Winter — Embora nossa amiguinha aqui não acredite.
Tom riu, ao tempo que tirava o pacote de debaixo do braço e o abria.
—É mais provável que Winter acredite que as fadas voam à velocidade da luz… Tenho uma coisa para você, Gregor, para sua nova casa.
A curiosidade impulsionou Winter a rodear o mostrador para ver o que levava.
—Só é parte de um protótipo, como dizem em seu ofício — Por fim deixou ao descoberto a surpresa — A escala é de oito a um, e é provável que a peça definitiva seja feita de granito em vez de madeira.
Winter se inclinou mais perto e franziu o cenho; era uma estátua de uns trinta centímetros.
Tom a inclinou para mostrar a parte da frente.
—Tenho-o escrito bem? — Perguntou ele — O livro onde o busquei não estava muito claro.
Winter leu as palavras para si: “Saobhaidh ao Mhathain.” Depois, enquanto dava um empurrãozinho em Tom para que desse a estátua a Matt, disse:
—Está bem. Pronuncia-se “Siu-vi o Vajan”.
Matt pegou a peça de madeira e a levantou para observá-la com atenção; inclusive a pôs de barriga para baixo.
—E significa…? — Perguntou; olhou para Winter esperando a resposta.
—“A Caverna” — Disse ela — É gaélico, e é o nome perfeito para seu novo lar.
Matt se voltou bruscamente para Tom.
—Por que me escolheu uma caverna?
Tom encolheu os ombros.
—É você o dono da montanha Bear, assim que me pareceu adequado se for construir sua casa ali.
Os olhos do Matt se entreabriram.
—Por que em gaélico?
—Por que não? — Repôs Tom — Gregor é escocês, não?
Antes que Matt pudesse responder, Winter tirou a figura da mão para observá-la em detalhe e perguntou:
—Mas onde está o urso, Tom?
Na imagem em madeira de um escarpado penhasco de granito, rodeado de árvores e grandes rochas arredondadas, Tom tinha esculpido uma caverna em miniatura. A parte inferior do penhasco se esvaziou para convertê-la em uma gruta, e o chão do interior estava coberto de palha e ramos de abeto. Sobre a caverna havia uma placa com o nome em gaélico esculpido nela… Mas a caverna estava vazia.
—Ainda não esculpi o urso — Disse Tom.
Winter o olhou entreabrindo os olhos e disse:
—Isto não o tem feito em um só dia. — Meneou a cabeça ao tempo que olhava as árvores, o granito e as rochas esquisitamente esculpidos; inclusive os ramos de abeto e a grama atalho do interior da gruta estavam feitos com tudo detalhe na parte de madeira — Isto terá levado semanas.
Tom encolheu os ombros.
—Levou-me quase um mês. Comecei-o faz bastante tempo e depois o estacionei — Olhou a Matt — Mas quando soube que você ia construir uma casa na montanha Bear, rebusquei até que voltei a encontrá-lo e pensei que ao melhor gostava de ter uma estátua a tamanho natural de seu novo lar.
Matt tirou a estátua de Winter, voltou a examiná-la com atenção e depois dirigiu a Tom um olhar calculadora.
—Quanto vale?
Tom deixou ver um amplo sorriso.
—Mais ou menos dois anos e meio de aluguel de uma desmantelada cabana, lá em um promontório de sua propriedade… Ah, e uma volta nesse seu avião - Acrescentou.
Matt soltou uma gargalhada e voltou a passar a estátua a Tom.
—Pois se for sua maquete, provavelmente deve fica com ela, terá o projeto terminado do tamanho natural para quando estiver acabada minha casa?
Winter quis gritar de alegria, mas em vez disso alargou a mão, puxou Matt pela manga e puxou-o para dar um bom beijo na bochecha. Ao ver sua atônita expressão, sorriu de orelha a orelha.
—Tem você uma artista nas mãos, senhor Gregor — Disse; depois deu a volta para Tom com um sorriso — E você, senhor Tom, é genial.
Uma vez mais, girou sobre seus calcanhares para olhar Matt.
—Tem que ir daqui se quer estar de volta para o jantar, velocidade da luz ou não — Se aproximou mais e baixou a voz — Esta noite o melhor até me ponho um vestido.
Os olhos de Matt se fundiram com os dela.
—De que cor? — Perguntou em voz baixa.
—Verde.
Ele assentiu, sem deixar de aprisioná-la com sua apaixonada olhar. Caramba, Winter se sentia derreter embora nem sequer a estava tocando! Justo começava a dobrar-se o os joelhos quando Matt rompeu o feitiço; olhou a Tom por cima de sua cabeça e assentiu.
—Estarei em sua cabana amanhã pela tarde, uma hora antes do pôr-do-sol mais ou menos.
Matt saiu depressa, e o repico da campainha ressoou no corpo de Winter enquanto o via dirigir-se para a caminhonete negra, estacionada um pouco mais abaixo.
—Já era hora de que aparecesse um homem e pusesse um pouco de cor nas bochechas — Disse Tom.
Winter se voltou e encontrou ao Tom envolvendo sua maquete. Alargou a mão para detê-lo o tempo que lançava um bom olhar assassino.
—Nem te ocorra dizer que Matt vai conseguir que deixe de estar mimada — Disse enquanto pegava a escultura e ia até atrás do mostrador; pô-la em cima e sorriu — É mais ladino que Gesader, Tom, a mim não teria ocorrido uma ideia melhor. Assim Matt não jogará a chutes.
Tom se aproximou e ficou frente a ela.
—Este homem de quem tinha tão mau conceito porque temia que fosse despejar- me… Surpreendeu te encontrar beijando-o.
Sentindo as bochechas como o grão de novo, Winter quis meter-se a gatas dentro da pequena caverna que estava no mostrador e cobrir a entrada com arbustos.
Tom riu, agarrou a maquete como se não fosse mais que uma pedra bruta encontrada à borda do lago Pene, e voltou a envolvê-la no pano.
—Mais vale que comece a ganhar o aluguel, assim, Raminho de Ouro — Disse metendo a escultura sob o braço, olhou Winter com um amplo sorriso que acabou em uma careta —… Quer dizer, senhorita Raminho de Ouro e Cobre, ponho na caverna um papai urso, uma mamãe ursa e um ursinho?
Winter o olhou piscando, com a mandíbula momentaneamente frouxa de surpresa.
—Mas o que acontece com todo mundo? — Espetou, zangada — Virtualmente todos me casaram com um homem ao que conheci faz dois dias.
Os olhos de Tom brilharam de regozijo.
—Pois me dá a impressão de que cercou muito boas relações em só dois dias - Disse, ao tempo que dava a volta e se dirigia para a porta; de repente se deteve com a mão no trinco e dirigiu um amplo sorriso — E pela expressão dos olhos de Gregor justo antes de partir, parece-me que só terei que esperar umas semanas para saber quantos ursos ponho na escultura.
Ao fim, rindo, partiu.
Winter se limitou a segui-lo com o olhar, atônita até as raízes de seu cabelo acobreado. Não sabia dizer se acabavam de ofendê-la ou de desafiá-la. Pretendia dizer Tom que ia atrás de Matt muito rápido, ou que acreditava que devia ir ainda mais depressa?
Caramba, entenderia os homens alguma vez?
Alargou a mão debaixo do mostrador e pegou seu bloco de papel de desenho. Depois se sentou no tamborete, abriu o bloco de papel e cravou o olhar no refúgio de dois andares feito de pedra e troncos que tinha estado desenhando… Mas só viu uma mamãe ursa, um papai urso e um ursinho aconchegados juntos, dentro da acolhedora caverna que tinha esculpido Tom.
“Não”, pensou com um rápido meneio de cabeça, apagando a imagem de sua mente. Mal estava aprendendo a dirigir a forte atração que sentia por Matheson Gregor; não estava absolutamente preparada para começar a sonhar tendo seus filhos, por muito cálida e confusa que isso a fizesse sentir-se.
Sentada frente à Grei junto à lareira do salão principal de Gù Brath, onde ardia um bom fogo, Grace elevou a vista do livro que fingia ler e olhou o relógio que estava sobre o suporte da lareira. Eram vinte para as oito, e Grace sabia que seu marido também fingia estar absorto no jornal; tão absorto que até se poderia pensar que tinha esquecido o iminente encontro de sua filha menor.
—Ainda não considerou o fato de que Winter vai viver séculos e seu marido não — Disse Grei em voz baixa no meio do silêncio.
Grace o olhou; não se surpreendia absolutamente que soubesse o que estava pensando, e menos ao cabo de trinta e três anos de matrimônio. Igual de baixinho, perguntou:
—Mas não valeria a pena por cinquenta anos de felicidade? Ou por vinte? Ou inclusive dez? Quer que Winter fechando seu coração por completo? — Fechou o livro em seu colo e se inclinou para frente — Se eu tivesse morrido faz dez anos e agora mesmo estivesse sentado nesta sala, só com suas lembranças de mim, desejaria que não nos tivéssemos conhecido? Que não tivéssemos passado ao menos vinte e três maravilhosos anos juntos?
—Não.
—Então por que teria que ser Winter diferente? De verdade acha que vai viver centenas de anos sem experimentar grandes afetos? Não pode, Grei, porque sente as coisas com muita intensidade. Quebrará seu coração uma e outra vez. Por que acha que Daar se mantém isolado lá encima, na montanha? Quer que Winter se converta nisso? Em outro Pai Daar?
—Não.
Grace pôs o livro no chão e baixou depressa a acomodar-se entre os joelhos de Grei. Aconchegou-se pega a ele apoiou a cabeça sobre seu palpitante coração e suspirou quando ele a rodeou com seus fortes braços.
—E quem sabe, se desfizera desse imbecil de Cùram e salvasse a árvore da vida de Daar, nada diz que Winter não fosse viver feliz e comer perdizes — Prosseguiu; depois jogou a cabeça para trás para olhar para Grei — Até os super heróis se aposentam com o tempo. Hoje em dia as mulheres organizam suas carreiras primeiro e depois formam suas famílias, de modo que Winter pode salvar o mundo e depois ter seus filhos — Estreitou o torso de seu marido, duro como uma rocha — O importante é que ela seja a que escolha seu caminho. Não nós nem o Pai Daar.
—É um caminho do que nem sequer lhe falamos ainda — Recordou Grei — Tem que sabê-lo antes que vá muito a sério com Gregor.
Grace se endireitou para olhá-lo diretamente aos olhos.
—Não — Disse — concordamos esperar até que resolvêssemos o mistério do pinheiro mutilado.
Com suavidade, ele voltou a puxá-la e a pôr a cabeça sobre seu peito.
—Então me recorde que convença o Robbie para que investigue os antecedentes de Gregor. Me esqueci de pedir hoje porque me meti no dessa maldita árvore.
Grace voltou a endireitar-se como um raio.
—Não — Disse, dirigindo um olhar feroz — Você e Robbie não vão intrometer. E, além disso, esta noite, quando conhecermos Matt Gregor, será a cortesia personificada. Não o olhará com o cenho franzido nem tentará intimidá-lo de maneira nenhuma.
Mas Grei franziu o cenho naquele momento.
—Gregor não será grande coisa como homem se afugenta só com um pouco de pose paternal… — A atraiu de novo, segurou sua cabeça com o queixo e a abraçou muito forte, ao tempo que soltava um profundo suspiro — Qualquer acreditaria que me daria melhor, depois de ter passado por isso cinco vezes já.
Justo quando Grace se aconchegava mais perto notou que, de repente, Grei ficava rígido, continha o fôlego e por último sussurrava:
—Jesus, José e Maria… — Saiu de entre os braços de sua esposa e ficou de pé, assinalando a porta do salão; sua voz se transformou em um resmungo — Volta a subir agora mesmo a se trocar.
Grace se levantou como pôde e, ao voltar-se, viu Winter e Megan de pé na porta; Megan sorria de orelha a orelha, e Winter olhava boquiaberta a seu pai. Imediatamente se aproximou de Winter.
—Ai, está preciosa! Quando comprei este vestido sabia que era perfeito para você — Agarrou-a pelos ombros e deu a volta — Simplesmente perfeita.
—Não vai sair daqui com essa pinta — Espetou Grei, zangado.
Grace fez caso omisso dele e deu a volta em Winter para olhá-la de frente. Jogou uma olhada aos sapatos, que tinha comprado a jogo com o vestido que chegava à panturrilha.
—Os saltos não são muito altos, não? — Perguntou — Só têm dois centímetros e meio.
Winter passou as mãos pelo veludo verde escuro de seu vestido.
—São estupendos, mamãe — Olhou a seu pai por cima do ombro de Grace e sustentou o mesmo gesto carrancudo — Neste vestido não há nada indecoroso.
—Pois esse é o problema, que tem um aspecto muito decoroso. E isso é mais tentador que se tivesse posto um traje de banho — Justo de trás de Grace, Grei assinalou a sua ainda boquiaberta filha — Ao menos prenda o cabelo para que não te caia sobre os ombros dessa forma tão… Tão provocadora.
Grace revirou os olhos, olhou a suas filhas e pôs-se a rir ao tempo que girava sobre seus calcanhares para ficar frente a seu marido. Justo quando dava com o dedo outra vez no peito, quase disposta a repreendê-lo, soou a aldrava da porta; em lugar da bronca, disse:
—Seja bom… Deixa que vá sua irmã — Ordenou a Winter ao tempo que se voltava para capturar a mão e impedir que fosse abrir a porta; ao mesmo tempo puxou-a para o salão enquanto empurrava Grei na frente das duas, murmurando — Meu Deus age como se Winter tivesse dezesseis anos…
De um empurrão, Grace sentou a sua risonha filha na poltrona que estava junto à lareira, e a Grei, na poltrona em frente. Depois, ao tempo que alisava a blusa, deu a volta, cruzou as mãos à cintura e pegou um sorriso de bem-vinda na cara justo quando Megan chegava à porta do salão com Matt Gregor…
E imediatamente lhe afrouxaram os joelhos.
Aquele homem era muito bonito… Decididamente impressionante. Seus olhos… seus olhos eram… Não podia afastar a vista de seus incríveis olhos dourados. Deus bendito pensou com um calafrio, não era de estranhar que Winter parecesse um montão de agitadas emoções. Se até ela mesma se estava emocionando um pouco…
Megan conduziu Matt até o interior da sala.
—Mamãe — Disse — Apresento Matt Gregor. Matt apresento a meus pais, Grace e Grei MacKeage.
Grace acabava apenas de controlar as aceleradas palpitações de seu coração quando Matt Gregor lhe dirigiu um sorriso que o parou de tudo. Depois inclinou a cabeça e estendeu a mão, e Grace descobriu que não podia respirar. Em trinta e três anos de matrimônio nenhuma só vez tinha reagido diante outro homem daquele modo… Muito provavelmente, porque nunca tinha conhecido um homem que se aproximasse sequer a rivalizar com Greylen MacKeage.
Nunca… Até aquele momento. Grace pôs sua mão na de Matt e imediatamente notou quão robusto era.
—Senhor Gregor — Disse, rezando para que sua voz soasse normal — É um prazer conhecê-lo.
—O prazer é meu, senhora MacKeage — Repôs ele; sua voz profunda ressoava de cordialidade — Agora vejo de onde tiram Winter e Megan sua beleza. E, por favor, me chame Matt.
Grei estendeu a mão direita enquanto, com suavidade, afastava Grace do convidado.
—Gregor... — Disse —Tenho entendido que é o dono da montanha Bear. Pensa urbanizá-la?
—Senhor MacKeage — Disse Matt, ao tempo que estreitava a mão — Comprei a terra para meu uso pessoal; penso construir ali meu lar.
—Uma viagem diária um pouco comprida para ir trabalhar a Nova Iorque…
Matt encolheu de ombros e se limitou a dizer:
—Mas me parece que vale a pena.
Enquanto falava, inclinou-se a um lado para ver melhor Winter, que estava de pé atrás do Grace.
A Grace impressionou o comedimento que mostrava Winter, mas não se surpreendeu absolutamente a falta de comedimento de Grei. Seu marido olhava ao Matt como se fosse um inseto que estivesse desejando esmagar.
Matt não parecia preocupado, o qual dizia muito em seu favor, mas seu cortês sorriso sim que desapareceu no instante em que Grace se fez a um lado. Cravou os olhos em Winter com um gesto de avaliação masculina tão intensa que a Grace afrouxaram os joelhos outra vez.
—Aonde vão esta noite? — Perguntou Grei, interpondo-se entre Winter e Matt.
Concentrado por inteiro na filha, Matt respondeu de forma algo distraída:
—Ao restaurante do complexo turístico. — Deu um passo para rodear aquela montanha de preocupação paternal e alargou a mão — Está preciosa, Winter. Retiro o que disse ontem à noite, acredito que te prefiro com vestido.
Winter pôs sua mão na dele, deu a Grace um olhar que dizia, “por favor, controla a papai, quer?”, e ficou ao lado de Matt enquanto se enlaçava de seu braço.
—Para não me transformar em abobora, estarei em casa antes de meia-noite - Disse; olhou a seu pai e sorriu com expressão travessa — Não me espere levantado.
Enquanto terminava de falar se apressou a tirar Matt do salão, mas seu acompanhante a deteve na porta, voltou-se de novo para a sala e inclinou a cabeça.
—Trarei-a de volta antes das onze — Olhou diretamente a Grei — Me diga onde e quando quer que nos vejamos para tomar um café e responderei a todas as perguntas que deseje me fazer.
Grei não disse nada; limitou-se a fazer uma inclinação de cabeça.
A sua vez, Matt inclinou a cabeça também, fechou a boquiaberta mandíbula de Winter com o dedo e por fim saiu com ela pela porta principal.
Assim que se fechou a porta, Megan se pôs a rir.
—Ai, papai, quem dera visse a expressão que tem agora mesmo — Aproximou-se e ficou nas pontas dos pés para lhe dar um beijo — Não recordo a última vez que ninguém, varão ou fêmea… Além de mamãe — Sussurrou — Pegou-o despreparado. — Em seguida se voltou para Grace — E você… Você deveria se envergonhar de si mesma por se pôr nervosa de quão bonito é Matt.
—Sou velha, não estou morta! — Disse Grace, rindo.
—Vá a seu quarto — Disse Grei a Megan — É igual a sua mãe e sua irmã.
Absolutamente molesta porque a tratassem como se só tivesse dezesseis anos, Megan girou sobre seus calcanhares e, quase dando saltos, cruzou o vestíbulo para a escada. Deteve-se no degrau inferior.
—Eu gosto de Matt — Disse — E Winter também.
—Nem sequer o conhecem — Espetou Grei, zangado.
—Sei que Gesader não o comeu quando Matt beijou Winter ontem à noite, acima na montanha — Repôs Megan; ao ver a expressão pasmada de seu pai, voltou a rir — Winter me disse que Gesader estava ali, mas que nem sequer grunhiu, de modo que Matt deve ser um bom tipo. Os animais são bons psicólogos.
Grace teve que tampar a boca com as duas mãos para sufocar a risada.
No fundo do peito de seu marido brotaram os primeiros retumbos de um grunhido que explodiu, por fim, em um taco feito quando se voltou para Grace.
—Ri enquanto nossa inocente filha acaba de partir com um homem ao que só interessa uma coisa. — Grei assinalou com uma irada mão a porta — Maldição! Não viu como olhava Gregor a nosso neném?
Grace alargou a mão e passou um dedo pelo lado da carrancuda face. Depois deu um tapinha na bochecha…
—É claro que sim. E, além disso, recordo ver essa mesma expressão em seus olhos faz trinta e três anos, marido... — Ficou nas pontas dos pés enquanto puxava o pescoço da camisa, para lhe dar um suave beijo na tensa bochecha —… E não sabe o quanto isso me agrada.
Grei deu um passo atrás para que chegasse melhor seu olhar assassino.
—Que te agrada? — Repetiu — O que é o que te agrada de que um predador saia para jantar com nossa filha?
Grace imitou sua atitude cruzando-se de braços.
—Me alegro porque acabo de me dar conta de uma coisa que nem você, nem Robbie nem o Pai Daar tinham tido em conta, e que muda todo o problema do destino de Winter. Nenhum de vocês tinha tomado em conta a possibilidade de que se apresentasse alguém como Matt Gregor. O homem que acabo de conhecer não tem a menor intenção de deixar que algo tão pouco importante como o destino de nossa filha se interponha em seu caminho. Sim, vi que a deseja, e eu voto por deixar que o tente. — Descruzou os braços de seu marido e agarrou as mãos — Te amo, Greylen MacKeage. É minha rocha, minhas asas e meu mais fervoroso protetor. Deixa que Winter tenha o que nós temos, deixa que Matt Gregor seja seu super-homem.
—De modo que decidiu que é um super-homem depois conhecê-lo nada menos que dois minutos? — Perguntou Grei em voz baixa — Como sabe?
Grace baixou a vista até seus dedos, entrelaçados nas fortes mãos de seu marido.
—Sei e pronto — Olhou-o sorrindo — Há quem o chamaria magia, mas eu prefiro chamá-lo intuição maternal.
Depois de olhá-la atentamente vários segundos, de repente Grei se afastou.
—Tenho que ir ao escritório — Disse, ao tempo que agarrava seu jaquetão da fileira de varais que havia na parede do vestíbulo.
Grace tirou o jaquetão e voltou a pendurá-lo no cabide.
—Ah, não, nada disso — Murmurou — Esta noite não vai a esse complexo turístico.
—Tenho papelada por olhar. Amanhã pela manhã Morgan, Callum e eu nos reunimos com o contador.
Grace lhe capturou a mão que se dirigia de novo a procurar o jaquetão e puxou-a até tê-la à cintura. Depois agarrou a outra mão de seu marido, colocou-a em torno dela e por último rodeou o pescoço com suas próprias mãos.
—É que nossa reunião de esta noite é mais importante — Sussurrou, apoiando-se nele.
Seu marido sempre aprendia muito rápido, e apertou as mãos com que rodeava a cintura ao dar-se conta exatamente do que ia a reunião daquela noite. Suas bochechas se obscureceram, seus olhos se centraram por completo nela, e sua boca desceu em picado a capturar ela adorado sorriso de Grace.
Trinta e três anos, e a magia ainda as arrumavam para pegá-la de surpresa… Grace entreabriu os lábios para seu super-homem, o qual em seguida provocou que o ar que os rodeava se carregasse de brilhos de uma resplandecente e crepitante luz branca. Assim de rápida e intensamente se viu apanhada no feitiço da paixão enquanto Grei a levantava do chão e fazia mais profundo o beijo.
—Me leve à cama — Sussurrou ela em sua boca — Me faça amor, marido.
Não teve que pedir duas vezes. Grei se inclinou para tomá-la pelos joelhos e a agarrou em braços.
Enquanto a levava escada acima, com seus ferozes e intensos olhos fundidos nos dela, resmungou:
—Sei o que está fazendo, mulher... — De repente sorriu com ar um pouco selvagem —… me Recorde que faça passar dificuldade pela manhã.
Grace apoiou a cabeça em seu ombro para que não visse que ela também sorria… Com expressão travessa. Com um pouco de sorte, pela manhã estariam muito cansados para fazer algo que não fosse ficar dormindo até tarde.
Winter acabou de escovar a Bola de Neve e começou a selá-lo, enquanto pensava em que fazia mais de duas semanas que conhecia Matt Gregor… E levava todo esse tempo em um estado de atordoada felicidade. Naquelas duas semanas, de dia explorava com Matt a montanha Bear e depois saía para jantar com ele quase todas as noites. Às vezes Megan os acompanhava em seus passeios diurnos a cavalo, e às vezes cavalgavam até a cabana de Tom e depois os três percorriam a pé a montanha.
E embora tivessem encontrado vários lugares adequados onde construir, Matt sempre parecia voltar para a alta pradaria como primeira opção. Depois de duas semanas e quatro blocos de papel de desenho cheios de ideias, Winter suspeitava que a reticência de Matt a declarar, simplesmente, que a pradaria era seu lugar preferido se devia mais a que desejava passar tempo com ela que a sua incapacidade para tomar uma decisão.
Cinco dias antes, Matt tinha comprado material de acampamento na Armería de Dolan, e embora mantinha sua suíte do hotel, agora vivia na montanha Bear e só voltava para complexo turístico para tomar banho antes de recolhê-la para jantar todas as noites.
Matt tinha acampado na parte superior da alta pradaria, em uma gruta aberta em um afloramento rochoso que dominava o prado e o lago Pene. Fazia um pequeno e acolhedor acampamento de onde se ouvia o arroio Bear, e parecia surpreendentemente cômodo vivendo sem comodidades apesar de que outubro ia ficando cada vez mais frio. A segunda noite que dormiu ao ar livre, Matt despertou com uma manta de neve de cinco centímetros, embora antes de meio-dia já se derreteu por completo. Mas em vez de afugentá-lo, parecia que a neve o fazia sentir ainda mais carinho por sua montanha.
A primeira vez que Matt falou de seu plano de acampar na gruta para fazer uma ideia melhor da montanha, Winter se assustou e foi falar com Tom sobre os dois espadachins que tinha visto na pradaria, inquieta se por acaso ao melhor Matt se topava com eles.
Tom recordou que Matt tinha uma pistola, e que uma bala ganhava em uma espada sem lugar a dúvidas. Seu namorado parecia mais que capaz de cuidar de si mesmo, assegurou Tom. E, além disso, se contava a Matt que dois homens vestidos com kilts tinham lutado com espadas na pradaria à luz da lua cheia, pensaria que ao melhor seu artista residente estava louco.
De modo que Winter se dirigiu a Gesader. Explicou sua preocupação e pediu a seu mascote que, por favor, vigiasse Matt por ela. Não estava segura de se a pantera a compreendia, e muito menos de se importava o que acontecesse a Matt, mas Gesader levava cinco noites sem dormir em casa. Winter só esperava que fosse porque estava à espreita pela montanha Bear, pendente de se apareciam os escorregadios espadachins de Tom.
Matt havia tornado a voar a Nova Iorque várias vezes nas duas últimas semanas, e cada vez, antes de partir, detinha-se na galeria para pedir que fosse com ele. Cada vez, Winter dizia que não, e cada vez, Matt se tomava a negativa com a elegância de um cavalheiro.
E não é que beijasse como um cavalheiro. Não, os beijos de Matt se voltavam cada vez mais… Bom, mais acalorados à medida que Winter se sentia mais cômoda com ele. E precisamente por isso se negava a ir a Nova Iorque. A noite da montanha, quando levaram a casa o Daar e ela virtualmente se deitou em seus braços, Winter se deu conta do perto que tinha estado de estragar tudo.
Gostava de Matt. Era tudo o que desejava em um homem: inteligente, próspero, atento, encantador, muito bonito e, além disso, sexy a mais não poder. Seu único defeito era ser muito honorável.
Winter já não negava que desejava Matt Gregor tanto que até doía o coração. Certamente, aquela primeira noite que se beijaram era muito cedo para outra coisa, mas, maldição, quanto tempo mais ia ficar louca só com beijos? A química era perfeita, ela sabia que era perfeita. E, além disso, sabia que Matt também sentia o que sentia ela. Assim, o que caramba esperava? A que fosse por fim com ele a Nova Iorque? Considerava sua negativa um sinal de que não estava pronta para dar o seguinte passo?
Tinha que dar-se conta de que ela queria que esse passo de enorme transcendência fosse ali mesmo, em Pene Creek, onde se sentia segura, não?
Winter levou a Bola de Neve fora do estábulo enquanto pensava no dilema em que se encontrava. Como ia dizer a Matt que o desejava, mas que a primeira vez tinha que ser em seu território? Por outra parte, como ia explicar, sem parecer uma menina boba, que tinha vinte e quatro anos e seguia sendo virgem?
Não era uma dissimulada; só era exigente, nada mais. Simplesmente, não tinha conhecido a um homem que fizesse vibrar as tripas de desejo… Até que Matheson Gregor entrou em sua galeria. De modo que, como ia dar o seguinte passo sem parecer uma adolescente com vontade de sexo e sem ter que ir a Nova Iorque?
Winter franziu o cenho enquanto subia ao bloco de montar e se sentava na sela. Não podia perguntar a sua mãe, disse; não acabava de imaginar explicando o muito que desejava fazer o amor com Matt, e muito menos, pedindo que, por favor, desse algumas pistas sobre como ficar a fazê-lo. Sim, pensou ao tempo que dava um bufido, seria toda uma conversa entre mãe e filha.
Por outro lado, sua mãe parecia ter maiores preocupações naquele preciso instante, além da vida sexual de sua filha. As duas semanas de felicidade de Winter só ficavam empanadas porque seguia sem descobrir o que importunava a seus pais. À medida que passava o tempo, seu estado de ânimo parecia ir piorando, não melhorando. Todos os dias, seu pai subia a cavalo com Robbie à montanha TarStone, a casa de Pai Daar, e Winter sabia que os três seguiam tentando descobrir o que tinha ocorrido ao pinheiro.
E como aquele dia sua mãe estava lá em cima com eles, a própria Winter tinha decidido subir também a TarStone. Matt tinha ido a sua fábrica de Utah a noite anterior depois de jantar, e havia dito que provavelmente não voltaria em um par de dias, o qual deixava muito tempo para espiar a seus pais. De um modo ou outro, e de uma vez por todas, ia descobrir qual era o grande segredo.
Em vez de tomar a pista florestal, Winter esporeou o Bola de Neve a um meio galope diretamente pela pista de esqui. Iria quase até a cúpula e depois desceria para aproximar-se da cabana de Daar de uma direção inesperada. Depois de deixar a Bola de Neve a bastante distancia, aproximaria-se com sigilo à cabana e escutaria o que passava dentro.
Tinha a aprovação incondicional de Megan; as duas haviam dito que atuavam como filhas afetuosas, não como espiões. Winter preferia pensar que estava ajudando Megan, já que aquela contínua preocupação, acrescentada a seu coração quebrado, ia convertendo-a pouco a pouco em um caso perdido. Por isso tinha convencido a sua irmã de que cuidasse a galeria essa manhã enquanto ela seguia a seus pais.
Winter subiu o pescoço do jaquetão para proteger-se da fria brisa de outubro enquanto olhava o banco de nuvens que se aproximava do sudeste. Uma tempestade subia pela costa de Nova a Inglaterra, e o prognóstico dizia que ia deixar umidade do Atlântico por todo o estado de Maine. Para isso costa significava chuva; para as montanhas, de quinze a vinte centímetros de neve úmida. Ainda era cedo para que se acumulasse neve, apesar de que o outono era excepcionalmente frio e tormentoso; embora caísse muita, não era provável que durasse mais de uma semana.
Winter voltou a pôr Bola de Neve ao passo enquanto o tirava da pista de esqui e o colocava por um estreito caminho que avançava ziguezagueando através do bosque. Não tinham percorrido vinte metros quando apareceu Gesader e se sentou justo meio do caminho. Bola de Neve se deteve, puxou a boca para afrouxar as rédeas e acariciou com o focinho a cabeça da pantera. Gesader devolveu a saudação com um rouco grunhido e uma áspera lambida ao focinho do cavalo.
Winter se inclinou para frente na sela para olhar o seu mascote.
—Nossa, bom dia — Disse — Como é que não veio a casa ontem à noite? Matt partiu.
Gesader saudou com um grunhido, deu a volta e, sem fazer ruído, subiu pelo atalho diante deles. Automaticamente, Bola de Neve começou a segui-lo e Winter soltou uma risadinha para si.
Ou Gesader lia sua mente, ou sabia que o atalho acabava na cabana do Pai Daar, porque seu mascote seguiu encabeçando a marcha durante os seguintes vinte minutos. De repente se deteve em um frondoso grupo de árvores que estava a uns duzentos metros por cima do claro da cabana, sentou-se e, simplesmente elevou a vista para ela.
—Sim — Sussurrou Winter, ao tempo que desmontava e atava as rédeas de Bola de Neve a um arbusto — Pode me ajudar a espiar.
Como se entendesse justo o que ela queria, Gesader pôs-se a andar o primeiro para o claro que havia no lado sul da cabana de Daar. Winter só viu dois cavalos atados diante, o cavalo de guerra de seu pai e o velho Gorducho, o qual significava que Robbie não estava ali. Deu um empurrãozinho a Gesader com o joelho e, por gestos, indicou-lhe que rodeasse devagar o claro e fora em direção à fachada.
Por sua parte, valendo-se da proteção das árvores, ela se dispôs a avançar pouco a pouco pelo claro.
—Atento se por acaso vem Robbie — Sussurrou.
Durante seus bons cinco minutos, Winter se limitou a olhar e escutar, depois por fim cruzou nas pontas dos pés o espaço espaçoso e se aproximou da parede traseira da cabana. Muito devagar, sem separar as costas dos curados troncos, foi para a janela e se endireitou para esquadrinhar o interior.
Sentado à mesa frente a seu pai, Daar falava em voz baixa e seu pai escutava. Sua mãe estava de pé junto à boca do fogão de lenha, removendo toucinho com uma colher de madeira na grande frigideira de ferro; de repente se deteve, voltou-se para os homens com o cenho franzido e os assinalou com a colher.
—Não sei o que os faz pensar que Winter o encontrará quando nenhum de nós foi capaz de fazê-lo — Disse, zangada — Nem sequer Mary tem descoberto nada. E, além disso, esse bastão adoentado que tem feito você a Winter nem sequer acende uma vela.
Winter franziu o cenho. De que diabos estavam falando? Que ela encontrasse a quem? E que bastão? Tinha feito Daar um bastão como o seu? Agora que o pensava, deu-se conta de que fazia meses que não via o grosso e velho bastão de Daar; para mover-se usava uma bengala feita com a madeira de um jovem arce. Então, por que tinha feito um bastão a ela em vez de fazer um para si mesmo?
Caramba, o que estava acontecendo?
Nesse momento, ao tempo que dava um olhar feroz, Daar respondeu a Grace.
—Uma vez nas mãos de Winter, terá muita energia; quando tirar da cabeça a esse tipo Gregor e se concentre no assunto que temos entre mãos — Voltou o olhar assassino para Grei — Têm que dizer já; necessitamos a magia de Winter. O pinheiro está morrendo.
Necessitavam sua magia?
Ela não tinha nenhuma magia; essa era a vocação de Daar e de Robbie… Winter se separou da janela e apertou as costas contra a cabana, enquanto olhava com o cenho franzido as árvores do outro lado do claro.
“Sua” magia? “Seu” bastão? E dizer já o que?
Voltou-se de novo para a janela quando ouviu que uma cadeira se deslizava para trás: seu pai se pôs de pé. Aproximou-se do Grace, puxou-a dos ombros e disse:
—Tem razão, esposa, não podemos esperar mais. Temos que dizer a Winter hoje — Inclinou-se e deu um beijo na cabeça —. Postergá-lo só supõe agravar o problema.
Winter viu que apertava os ombros a sua mãe; quando Grace elevou a vista, tinha os olhos cheios de lágrimas.
—Se quiser que Winter prossiga com sua vida — Continuou Grei — Temos que dizer já, para que nos ajude a encontrar e destruir Cùram.
Winter aspirou o fôlego. Cùram? O mago a quem Robbie tinha roubado a raiz principal? Ela tinha que encontrá-lo?
E destruí-lo?
Mas Winter não ouviu a resposta de sua mãe, que ficou afogada por seu próprio grito quando de repente um par de grandes mãos a agarraram pela cintura, fizeram-na girar e a jogaram sobre um largo e robusto ombro.
Com ela no ombro, e rindo, Robbie percorreu a pernadas o lateral da cabana.
—Huy, huy, não te disse sua mãe que está muito feio espiar? — Disse.
Winter se retorceu com frenesi, mas ao ver que só conseguia uma palmada no traseiro, beliscou Robbie justo em cima do cinturão.
—Me solte! — Disse em tom crispado; ergueu-se e bateu no ombro — Não estava espiando, trazia lenha a Daar.
Robbie se limitou a responder rindo, embora Winter sim que teve a satisfação de ouvi-lo grunhir quando bateu na coxa com os pés, que não parava de agitar. A humilhação definitiva se produziu quando Robbie subia os degraus; então Winter divisou Gesader deitado nos matagais da borda do claro, lambendo as garras com gesto preguiçoso.
Robbie entrou na cabana, deixou Winter de pé no chão da única sala e agarrou o pulso como se esperasse que fosse sair fugindo.
—Há insetos rondando nos arbustos — Disse aos surpreendidos ocupantes da cabana — Já adverti, velho, que não atirasse as sobras de comida tão perto…
Com um grito afogado, Grace correu para ela.
—Winter! O que faz aqui?
Winter elevou o queixo.
—Tentava descobrir o que leva chateando a você e a papai estas duas semanas — Soltou o pulso de um puxão e dirigiu seu furioso olhar assassino para seu pai — O que é o que decidiu me contar por fim? O que acontece? E o que queria dizer com o de “minha” magia?
Winter se alarmou de verdade quando seu pai afastou a vista e olhou ao chão, enquanto empalidecia até adotar um tom branco cinzento. Jamais tinha visto o poderoso Laird Greylen MacKeage recuar, certamente não diante uma de suas filhas e, certamente, não diante uma pergunta direta.
Grace a puxou pela mão, levou-a para a mesa e a insistiu a sentar-se em uma cadeira.
—Winter — Sussurrou; aproximou outra cadeira, voltou a agarrar a mão e a apertou enquanto lançava uma preocupada olhada a seu marido. Depois olhou ao Winter, inclinou-se mais perto e baixou a voz — Há… Há uma coisa que seu pai e eu temos que te dizer uma coisa que ocultamos até agora.
Winter sentiu que também ficava pálida enquanto olhava aos curvados olhos de sua mãe.
—O… O que? — Disse em um sussurro.
O silêncio se voltou absoluto, até que de repente seu pai aproximou uma cadeira para sentar-se junto a ela, pegou a outra mão e começou:
—Você é… O motivo de que nós… Você…
Só conseguiu empalidecer de novo, de modo que olhou ao Grace.
Winter seguiu seu olhar e olhou a sua mãe com gesto de interrogação.
—Alguma vez se perguntou por que Daar adiantou a seu pai no tempo faz trinta e sete anos? — Perguntou Grace com doçura.
Winter se apressou a contradizer-se.
—Não. Sim, claro que me perguntei isso, perguntamo-nos isso todas — Com uma inclinação de cabeça assinalou o silencioso sacerdote que estava junto à lareira — Mas o único motivo lógico que nos ocorria era que Daar tinha quebrado outro de seus feitiços.
Grace negou com a cabeça.
—Não. Não cometeu um engano. Daar trouxe Greylen aqui de propósito - Esboçou um meio sorriso — Outros os MacBain e seus tios MacKeage, sim que foram um engano; em teoria só tinha que adiantar Greylen.
—Mas por quê?
—Para me conhecer — Disse Grace com doçura, ao tempo que apertava outra vez a mão — Para que tivéssemos sete filhas.
Piscando, Winter olhou a sua mãe. Daar tinha adiantado oito séculos no tempo a um guerreiro das Terras Altas escocesas só para fazer bebês?
Grei deu um bufido e disse:
—Sim, isso parece…
Nesse instante, Winter se deu conta de que tinha falado em voz alta.
Sua mãe falou de novo, e Winter voltou a olhá-la.
—Em teoria eu devia ser o sétimo filho de um sétimo filho — Prosseguiu Grace; seu sorriso se alargou — Mas nasci mulher, e pelo visto era minha sétima filha a que estava destinada a ter o dom.
—E… O dom? — Sussurrou Winter.
Seu pai se apressou a aproximar-se mais e entrelaçou os dedos com os dela.
—Sim — Disse. Depois de inspirar fundo, alargou a mão para afastar da face uma mecha de cabelo — Tem um dom e especial, neném. Nasceu com o conhecimento do universo dentro de você.
—E… Eu não tenho nenhum conhecimento — Sussurrou Winter, ao tempo que lançava um inquieto olhar a sua mãe antes de voltar a cravar os olhos em seu pai — Se o tivesse, não… Vamos, não saberia?
—Não — Disse ele com um ligeiro meneio de cabeça — Pelo visto primeiro é preciso que te faça consciente de seu dom. É preciso que lhe ensinem as habilidades de drùidh.
De repente, Winter se soltou de seus pais e ficou de pé com tal ímpeto que mandou a cadeira dando botes pelo chão. Com um grito, e assinalando ao ainda silencioso sacerdote, disse:
—Drùidh? Como ele? Está dizendo que eu sou como Daar!
Grei e Grace se apressaram a levantar-se imediatamente, mas quando ele se dirigiu para Winter com a mão estendida, sua filha deu um passo atrás e negou com um brusco movimento de cabeça.
—Não… — Recuou outro passo — Eu não sou maga. Não posso ser maga! Saberia se fosse! — Gritou, dando um tapa no peito — Eu saberia!
—Não sabe por que a magia está inativa até que te faz consciente dela - Interveio Daar, ao tempo que se separava da lareira.
—Não se meta nisto, velho — Resmungou seu pai.
—Não, tem que saber a verdade — Replicou Daar; depois olhou para Winter — Não dará conta de que tem a magia em você, lass, a menos que saiba procurá-la. Sempre levou a energia, mas deve procurar bem fundo em seu interior para encontrá-la. Não vai a você sem mais, tem que ir em sua busca.
Justo então Robbie se separou da porta fechada em que se apoiava e disse:
—Em meu caso foi exatamente igual, Winter — Sorriu com cordialidade — Eu tinha completado vinte e seis anos quando meu pai me explicou minha vocação.
—Mas só tinha oito anos quando salvou Rose Dolan na tempestade de neve, e ela só tinha um — Assinalou Winter — Já então era guardião: esteve a ponto de morrer salvando-a.
—Sim — Concordou Robbie — Mas só agi por instinto, para salvar a uma menina pequena. Não tinha nem ideia do que fazia.
Recuando, Winter se afastou de todos eles.
—Mas eu nem sequer tenho instinto! — Gritou — Não tenho nada!
—Tem-no tudo — Disse seu pai com doçura — Está aí mesmo, em seus quadros, desde a primeira vez que começou a desenhar com lápis de cores. Esses espíritos que esconde em sua obra, não te parecem estranho que veja sua energia tão claro como vê os animais de verdade, embora outros não a vejam?
—Mas tão somente são produtos de minha imaginação — Alegou ela, ao tempo que seu olhar ia de seu pai a sua mãe e depois a Robbie, com as mãos elevadas em gesto de súplica — Os desenhei por capricho.
—Não é sua imaginação, Winter — Disse Daar — São tão autênticos como os animais de carne e osso que desenha. Você pinta o que vê, e vê toda a gama da energia.
Winter baixou a vista ao chão, incapaz já de olhar a nenhum deles.
—Não quero ser maga — Sussurrou — Só quero pintar…
—Então não tem que fazer nada mais — Disse seu pai docemente — Tem direito a renegar de sua vocação.
Surpreendida, Winter elevou a vista por volta de seu pai e em seguida olhou a sua mãe; Grace assentiu. Depois olhou a Robbie, e ele também assentiu e sorriu.
—Sim — Disse Robbie — Tem a possibilidade de aceitar seu dom ou renegar dele.
—Você teve escolha?
—Sim. Pude ter renunciado a minha vocação quando inteirei dela.
—Mas não o fez.
—Escolhi cumprir meu destino, Winter, porque apesar da imensa responsabilidade que suporta ser guardião, está também a satisfação de proteger a meus seres queridos. — Voltou a cruzar os braços e a olhou fixamente nos olhos — Mas ser guardião e ser drùidh não é o mesmo, assim que minha decisão de seguir minha vocação não deveria influir na sua. Deve percorrer seu próprio caminho, Winter.
Sem dirigir-se a ninguém em concreto, ela sussurrou:
—Não quero ficar como Daar…
Nesse momento Daar endireitou os ombros e se alisou a batina.
—Perdão — Disse — Eu cumpri bem minha vocação durante quase dois milênios, e estou muito orgulhoso disso.
A modo de desculpa, Winter o olhou com o cenho franzido.
—Sem querer ofender, pai, você estraga seus feitiços mais vezes das que acerta.
Ele tirou uma penugem da manga; depois elevou a vista com o cenho franzido e murmurou:
—Só este último século. Antes eu era uma poderosa autoridade que terei que ter em conta. — Aproximou-se, unindo as mãos — Você tem esse mesmo poder, lass. Só tem que decidir que o quer, e terá o conhecimento do universo em suas mãos.
—Para que? Para me intrometer nas vidas de todos? Para desarraigar às pessoas de sua época natural e as jogar em outro século? — Perguntou ela; de repente deu um grito afogado, olhou rapidamente a seus pais com expressão horrorizada e sua voz se converteu em um sussurro — Vou viver séculos… Vou sobreviver a todos…
Daar deu um suspiro que atraiu a atenção do Winter.
—Bom isso sim, mas um se acostuma — Disse com um despreocupado encolhimento de ombros — Um aprende a adaptar-se porque sabe que está ajudando a um bem maior.
—Vou ficar uma velha casca grossa igual a você…
Ele deixou ver um amplo sorriso.
—Sim, essa é a única vantagem, sou todo casca grossa que quero, e ninguém pode fazer muito por evitá-lo.
Winter ficou olhando-o com o cenho franzido quando, de repente, ocorreu outra ideia e olhou a seu pai.
—Do que falava antes? Algo sobre o Cùram e que em teoria tenho que encontrá-lo… — Ao dar-se conta do que era, Winter sentiu empalidecer — Os ouvi dizer que contavam com que eu destruísse Cùram. Mas Robbie nos disse que é um poderoso mago. Eu não posso lutar contra um mago.
—Isso depende de você, Winter — Disse seu pai — Não tem que fazer nada que não se sinta com forças de fazer. E, além disso, no caso de que escolhesse aceitar seu dom, não estaria sozinha, neném, teria-nos te guardando as costas.
Winter o olhou, piscando; depois, lentamente, olhou a outros.
—Sem querer ofender, mas um velho drùidh inepto, um guerreiro, uma engenheira astronauta e um guardião não são precisamente rivais para esse tipo, Cùram, se de verdade for tão poderoso. E eu nem sequer sei acender uma vela sem usar três ou quatro fósforos…
Robbie soltou uma risadinha.
—Também temos a Mary — Recordou — E além Daar te tem feito um bastão.
Daar correu ao suporte da lareira e se fez com um fino e liso pau de metro e meio de tamanho. Winter se disse que sua mãe tinha razão: sim que parecia adoentado.
O velho sacerdote se aproximou e o estendeu.
—Está feito com um ramo de meu pinheiro branco — Disse, com uma boa dose de veneração na voz — Ainda é fraco, mas se fortalecerá à medida que desenvolva sua energia.
Winter colocou as mãos à costas e meneou a cabeça.
—Não o quero — Disse — Não quero sua magia.
Daar lançou um feroz olhar de aborrecimento que deveria tê-la fritado ali mesmo; depois voltou o mesmo olhar para o Greylen.
—Faz que o aceite, MacKeage. Diga o que acontece não o faz.
Winter olhou a seu pai, alarmada.
—O que ocorre? Qual é esse grande segredo que todos guardaram estas duas semanas?
Grei olhou o pau que o velho sacerdote continuava estendendo a Winter; depois cravou a vista em Daar, meneando a cabeça, e disse:
—Mas então, se disser que o destino da humanidade descansa sobre seus ombros, não é livre-arbítrio de verdade, não, velho?
Sua voz soou tão vencida que Winter sentiu um nó de medo nas tripas.
—O destino da humanidade? — Sussurrou, olhando a sua mãe — Mamãe me diga de que fala.
Grace se aproximou, rodeou com os braços a sua filha e deu um forte abraço.
—Só porque alguém cortou a copa do pinheiro? Matar só uma das árvores da vida fará que morram outras? — Perguntou Winter; por cima do ombro de sua mãe olhou Robbie e franziu o cenho — Mas isso não tem lógica. Uma árvore da vida não é tão vulnerável, não? Desse modo até um inocente lenhador que corta troncos destruiria à humanidade.
Robbie negou com a cabeça.
—Não, a árvore não é tão vulnerável — Disse — Se a folha de uma serra entrasse em contato com o tronco de uma delas, quebraria. Mas é que o pinheiro de Daar estava morrendo antes que cortassem a copa; debilitou-se tentando equilibrar as energias. Algo alterou o contínuo suceder da vida, Winter, e como o pinheiro tinha diminuída sua energia, ficou vulnerável.
—Já estava morrendo antes que alguém o cortasse? — Sussurrou ela; saiu do abraço de sua mãe e se voltou para Daar — Então o problema não é que alguém cortasse seu pinheiro, mas sim… Que este Cùram de que falavam alterou o contínuo suceder da vida.
—Sim — Disse seu pai antes que Daar pudesse responder — Acreditam que Cùram está aqui e que veio destruir a humanidade.
—Mas por quê?
—Não sabemos por que — Disse Grace — Isso é o que levamos duas semanas tentado descobrir.
—Então Cùram cortou a copa do pinheiro? — Perguntou Winter.
—Não sei com certeza, embora não acredito — Disse Daar com um suspiro, enquanto descia por fim as mãos que sustentavam o diminuto — Esse bastão é outro mistério que tentamos resolver: não sabemos quem o cortou, nem o que fez com a copa. A tempestade dessa noite apagou qualquer rastro que talvez tivéssemos podido seguir.
Em silêncio, Winter cravou a vista no bastão no que Daar se apoiava agora como se fosse uma bengala; depois olhou a seu pai.
—E… Então querem que eu aceite minha vocação de drùidh para que encontre o Cùram e o detenha? E se não o faço, a humanidade morrerá?
Seu pai não disse nada. Limitou-se a assentir. Quando Winter olhou a sua mãe, só encontrou as lágrimas que brotavam dos olhos de Grace, que nem assentia nem negava. Então olhou para Robbie, mas ao ver sua expressão absolutamente impenetrável, voltou-se para Daar.
—Se fizer isto… Se escolho cumprir o destino que você afirma que é o meu e destruo Cùram e salvo o pinheiro, posso… Posso depois voltar atrás e ser só eu? Posso renunciar a minha vocação depois?
Daar afastou a vista e olhou ao chão.
—Não. Tem livre-arbítrio para escolher, mas quando o faz, não há volta atrás - Disse; então a olhou — Se escolhe aceitar seu poder, não pode decidir de repente que já não o quer. Uma vez que se adquire o saber, não se esquece sem mais o que se aprendeu.
Em um sussurro, enquanto olhava a frágil parte de madeira que o sacerdote sustentava na mão, Winter perguntou:
—De modo que se aceito esse bastão, transformo-me em drùidh igual a você?
Daar franziu o cenho.
—Não é tão simples, garota. Se pegar isto agora — O estendeu de novo — Não acontecerá grande coisa, além de que fará uma ideia de sua energia. É ao se comprometer em seu coração quando herda seu pleno poder.
Muito devagar, mais assustada do que tinha estado em sua vida, Winter alargou a mão e pegou o pequeno bastão esbranquiçado… Enquanto dava a impressão de que todos os que estavam na sala, incluída ela, continham o fôlego.
No instante em que as pontas de seus dedos roçaram a madeira, um suave, quase imperceptível fio de energia passou por seu corpo, provocando que arrepiasse o pelo. A fraca vibração começou como um murmúrio quando sua mão se fechou sobre o bastão, e depois aumentou até um zumbido que repetia cada palpitante batimento de seu coração. Uns brincos de luz cheios de cor apareceram brilhando pela cabana, inundando a todos em uma luz estroboscópica[2] de crepitante e cegadora energia.
—Segura forte — Gritou Daar de muito longe — Não tenha medo, lass, só é a magia que te dá à bem-vinda. Aceita o saber, Winter, e sente seu júbilo.
Sim que a sentia: a energia a encheu. Inclusive carregou o cabelo de eletricidade estática e a fez cambalear de ingrávida liberdade. O tempo se deteve. Seus cinco sentidos se aguçaram. Até no paladar notava aquelas potentes cores, nítidos por separado, que se formavam redemoinhos em torno da sala onde pulsavam em feitas ondas que pareciam começar e terminar nela.
E então, ao estreitar o fino bastão contra seu peito, Winter experimentou uma sensação ainda mais intensa quando algo indescritível, uma espécie de sexto sentido, desceu sobre ela em um manto de saber tão poderoso que acreditou que ia explodir de pura consciência.
De repente a força daquele agitado torvelinho se fez intolerável, e Winter deu um grito e correu para a porta. Depois de lutar com o trinco, abriu por fim e saiu cambaleando ao alpendre, sem fazer caso dos desesperados gritos que ouvia atrás dela. Tinha que sair. Tinha que partir ou, se não, consumiria-se!
Desceu correndo os degraus, chegou ao claro e quase tropeçou com Gesader, que, de repente, apareceu diante.
—Me ajude! — Gritou, procurando cegamente a pelagem de seu lombo — Por favor, me ajude!
Cega pelas lágrimas e por aquela energia que se formavam redemoinhos e puxava, Winter se agarrou à pelagem de seu mascote enquanto ele a guiava a tropicões pelo atalho coberto de mato. Não tinha nem ideia de como o fez sem ajuda de um toco, mas quando se deu conta estava montada em Bola de Neve, inclinada para frente com a face enterrada nas crinas e chorando sem parar, enquanto seus amigos de confiança a separavam do horror da cabana de Daar.
—Saia do meio — Grunhiu Greylen, disposto a se separar da porta o Robbie se fosse preciso.
Robbie se apoiou na porta com os braços cruzados sobre o peito.
—Não, Greylen. Agora mesmo Winter não necessita a nenhum; não faríamos mais que encher sua cabeça de perguntas novas. Confia em mim, Grei, eu tive a mesma reação que ela quando, depois de voltar do exército, meu pai tentou me explicar minha vocação. — Sorriu com tristeza — Passei quase uma semana só no bosque antes de olhar a ninguém outra vez… E muito menos, o homem que me outorgou essa vocação.
Grei dirigiu um bom olhar assassino, e depois girou sobre seus calcanhares para olhar de frente a Daar.
—Você mentia sacerdote. Disse a Winter que não havia perigo em agarrar o bastão, mas esteve a ponto de matá-la!
Daar elevou as mãos ao tempo que se afastava recuando.
—Não, MacKeage, não mentia, só subestimava a força do dom de Winter. Não sabia que o bastão ia reagir com tanta energia.
Grei sentiu a mão de Robbie sobre seu ombro em um gesto tranquilizador, mas não se voltou para seu sobrinho, mas sim seguiu olhando com gesto feroz ao sacerdote.
—Não acontecerá nada, Greylen — Disse Robbie, ao tempo que o rodeava para ficar a seu lado — Gesader a cuidará e é provável que Mary se pegue a ela nas sombras, Winter tem a cabeça bem posta sobre os ombros; ao final pensará as coisas com um pouco de lógica e então voltará feita uma fúria, exigindo respostas.
Grace, que tinha os braços cruzados como se abraçasse, elevou seus preocupados olhos, cheios de lágrimas, para Robbie.
—Mas se forma uma tempestade — Disse — Anunciaram neve… Não pode ficar por aí durante dias em uma tempestade de neve!
Grei alargou a mão e abraçou a sua esposa; aproximou-se sua cabeça ao peito para absorver seus calafrios.
—Winter conhece até o último canto desta montanha — Assegurou — E, além disso, sabe sobreviver só com uma faca, por muito mau tempo que faça. Tem um estojo de primeiro socorros nos alforjes, recorda? Robbie tem razão, esposa, nossa filha não quer nada conosco agora mesmo.
—Mas você tem que ir atrás dela — Interveio Daar — Se esquece de Gregor. Não disse a Winter que tem que deixar de vê-lo. Tem que ir atrás dela e dizer-lhe já.
Nesse momento foi Grace quem girou sobre seus calcanhares e deu um passo para o sacerdote, com as mãos aos lados, convertidas em punhos.
—Não vamos dizer que deixe de ver Matt — Disse em tom crispado — Já ouviu muitas más notícias sem ter que reparar em que deve passar os próximos dois mil anos sozinha!
O velho sacerdote recuou para afastar-se da temível mãe de Winter, e ao vê-lo, Grei não pôde conter seu sorriso.
—Gregor está em viagem de negócios — Disse — Acredito que demorará uns quantos dias.
Deu a impressão de que foi a notícia de Grei, e não a ameaçadora atitude do Grace, o que fez que Daar recolhesse velas. Depois de dar um suspiro, o sacerdote se aproximou da boca do fogão e esquadrinhou a frigideira de toucinho tostado.
—O café da manhã estragou — Disse entre dentes.
Grace reagiu como o raio.
—E a vida de minha filha também! — Foi para os varais da parede e agarrou seu jaquetão — Quero partir já. Tenho que ir à galeria e explicar a Megan.
Grei ajudou a colocar o jaquetão e depois fez voltar-se para que o olhasse de frente.
—Megan se preocupará muitíssimo se não tiver notícias de sua irmã - Prosseguiu Grace enquanto abotoava o jaquetão — É provável que esteja ao tanto da espionagem de Winter.
Grei afastou as mãos e abotoou os dois últimos botões; depois pegou o pescoço do jaquetão nos punhos e puxou-a para lhe beijar a carrancuda testa.
—Irei com você ver Megan. — Olhou a Robbie e dirigiu uma inclinação de cabeça — Obrigado, MacBain, por ser a voz da razão esta manhã. Faremos o impossível por dar a Winter o tempo que necessite.
Robbie assentiu.
—Se não tiver retornado dentro de uns dias, ajudarei-te a ir até ela.
Grei desprendeu seu jaquetão do cabide, o pôs e assinalou para Daar.
—Deixe-a em paz, sacerdote. Irá a você quando tiver acabado de pô-lo a limpo, e então é provável que o dispare flechas a perguntas. — Deixou ver um amplo sorriso — É provável que retorne com um plano para fazer que seu destino se ajuste a seus desejos… — De repente, Grei franziu o cenho — A ver, de que diabo ri? — Espetou, zangado, a Daar — Está mais largo que comprido de satisfação.
Com as mãos juntas e pegas ao peito, Daar estava diante da cozinha e sorria com expressão satisfeita. Seus olhos, de um azul intenso, brilhavam risonhos.
—Acabo de perceber uma coisa — Disse — Apesar de tudo quão afligida ia, dei-me conta de que Winter levou o bastão ao sair daqui.
Incapaz de fazer nada que não fosse agarrar-se às crinas do cavalo enquanto fortes soluços sacudiam seu corpo, Winter não sabia aonde conduzia Gesader e Bola de Neve… Nem se importava. Um cortante vento do nordeste descia soprando da cúpula e arrancava as poucas folhas que ficavam nas árvores, enquanto agitava os despojados ramos com um gemido inquietante e sinistro. Mas, alheia à tempestade cada vez mais forte, Winter lutava contra o torvelinho emocional que rugia em seu interior.
Como podia ocorrer aquilo? Como tinham oculto seus pais um segredo tão tremendo durante vinte e quatro anos? E Robbie… Como a tinha traído seu primo de uma forma tão horrível?
E algo mais horroroso ainda: por que ela? Por que levava a maldição de um destino tão inimaginável? Não era mais que um ponto de pintura em um mural de três pisos; nem sequer merecia uma pincelada inteira. Um ser humano entre trilhões… E seus pais se atreviam a dizer que o destino do mundo estava em suas mãos?
E, além disso, o poder do conhecimento? Se nem sequer era capaz de proteger do frio quando, absorta em sua obra, concentrava-se só no tecido… Certamente não era tão preparada para encontrar Cùram de Gairn, e muito menos derrotá-lo.
Winter recordou as histórias que tinha contado Robbie fazia dois anos e meio sobre aquele jovem e poderoso mago, quando deu de presente o diminuto filhotinho de pantera que trouxe de volta da Escócia medieval. De sua viagem de oito séculos não só retornou com a raiz principal roubada à árvore da vida de Cùram, mas também com aquele bebê de pelúcia que bufava e se retorcia… E que ela tinha chamado Gesader.
Robbie disse que Cùram era um ladino bastardo… Mas em suas palavras transmitia não só receio, mas também uma retorcida admiração. Qualificou-o de diabólico e assegurou que era tão poderoso para mover montanhas, e tão ardiloso para ocultar sua prezada árvore em uma gruta situada no centro de um lago que tinha criado ele mesmo.
Um dia em que Robbie a encontrou desenhando no bosque e compartilhou seu almoço com ela, contou que oito séculos antes inclusive tinha visto o Cùram. E embora os separassem centenas de metros, disse que, apesar de tudo, havia sentido a cólera do jovem drùidh. Mas também tinha percebido que a guerra de séculos declarada entre o Cùram e Pendaär não tinha acabado, mas sim em realidade estava começando apenas.
Winter se soltou das crinas de Bola de Neve para fechar o pescoço do jaquetão e proteger do frio que ia metendo-se o nos ossos, e de repente se deu conta de que ainda agarrava o bastão de pinheiro na mão. Imediatamente o atirou ao chão.
Nesse mesmo momento Gesader se deteve, e isso provocou que Bola de Neve parasse. Sem fazer ruído, a pantera recuou junto a ela, pegou o bastão na boca, elevou o olhar para dedicar um grave e retumbante grunhido e de novo pôs-se a andar pelo atalho.
Bola de Neve ficou em marcha atrás de Gesader, e Winter se apressou a agarrar as rédeas.
—Não o quero! — Gritou — Cospe-o!
Seu mascote fez caso omisso dela, e suas palavras, inúteis, as levou o vento. Winter se encurvou mais na sela de montar para afundar a face no pescoço de Bola de Neve, enquanto as lágrimas a afligiam em outro dilacerador ataque de auto compaixão.
Não queria ser maga. Não queria viver séculos nem ficar velha e casca grossa, voltar um ser ao que mal tolerava quem o mantinha por obrigação. Veria morrer seus pais, a suas irmãs e primos, a suas sobrinhas e sobrinhos… Até que ficasse sozinha com Daar, nada mais. Talvez chegasse a apreciar ao velho sacerdote, mas não desejava emulá-lo, de maneira nenhuma queria transformar-se em alguém como ele.
Então disse que não o faria; a Providência não tinha direito a encasquetar um dever tão insofrível. Dava igual se seus pais e Robbie tivessem prometido ajudá-la. Não era mais que uma jovem inexperiente, como ia se enfrentar contra um poderoso drùidh? Nem sequer sabia o que tinha que fazer e muito menos como fazê-lo.
Caray se acabava de pôr em marcha sua vida… Acabava de conhecer Matheson Gregor, e de se apaixonar tão profundamente dele que a simples ideia de que morreria enquanto ela continuava vivendo fez que o coração rasgasse de desespero. Tinha que haver um modo de esquivar aquela confusão, um modo de ajudar a que Daar e Robbie derrotassem Cùram sem atar-se à Providência por completo.
Como um raio, Winter se endireitou na cadeira. Isso É… Encontraria o modo de atrair Cùram a campo aberto, e seu primo acabaria com ele. Sim, Robbie era guardião, e os guardiães tinham o poder de proteger à humanidade dos drùidhs. Ele derrotaria Cùram; já o tinha feito uma vez e o faria de novo.
Mas cùram em gaélico significava “guardião”. Era possível ser ao tempo guardião e mago? Por isso inclusive Robbie necessitava sua ajuda?
Tantas perguntas que só tinham mais perguntas por resposta…
De repente Bola de Neve se deteve, e, piscando Winter olhou a seu redor. Quanto tempo tinha cavalgado? Continuava estando em TarStone, mas não reconhecia exatamente onde.
E então, justo a sua direita, viu-o: o largo tronco de um majestoso pinheiro branco. Elevou a vista do fofo montão de folhas e agulhas de pinheiro que havia na base, pelo tronco perfeitamente reto, e foi subindo até além de vários ramos que se sobressaíam, tão grosas como sua cintura, subindo sem parar até a parte de lata que tampava a copa cortada de forma drástica. Uns largos regos de resina seca desciam gotejando quase dois metros por debaixo da chapa e se misturavam com brilhantes fios de resina fresca.
Isso era… Gesader a tinha levado a árvore da vida de Daar. Em alguma ocasião devia ter seguido até ali o sacerdote, a seu pai ou Robbie. Mas por que a levava justo nesse momento?
Gesader se sentou diante o montão de folhas da base do pinheiro, ainda com o fino e adoentado bastão seguro na boca. Sobressaía mais de sessenta centímetros a cada lado da cabeça, e sua brancura contrastava com o negro puro da pelagem.
Winter enxugou as lágrimas da face.
—O que? — Espetou, zangada — Deixa-o aí com o pinheiro. Não quero nada com a magia.
Gesader emitiu um sonoro grunhido do fundo do peito enquanto sua larga e grosa calda, zangada, movia-se rápido daqui para lá agitando um torvelinho de folhas.
—Não me importa. Quero ir a…
Winter fechou a boca de repente. Aonde queria ir? A casa não. Nem a sua galeria. Não podia olhar à face de Megan naquele preciso instante. Não podia olhar à face de ninguém, nem sequer de Robbie. Sempre que estava fora de si de tristeza ou de inquietação, ou sempre que não cabia em si de emoção ou de alegria, acudia ao Robbie… Mas naquele momento nem sequer podia procurar consolo em seu queridíssimo primo. Ainda não. Ao menos até que solucionasse a confusão em que se encontrava.
Só ficava Tom; iria ficar com seu bom amigo.
Para dizer o que? “Lamento vir a chorar em cima, mas é que sou maga e não quero sê-lo…” Não, não podia ir a ele: Tom via muito com seus penetrantes olhos azuis, entendia-a muito bem.
Possivelmente o acampamento de Matt… Iria à montanha Bear e ficaria na acolhedora caverna que ele tinha feito. Estaria em Utah vários dias mais, e para quando retornasse, ela teria controladas suas emoções, não é? Sim, só precisava estar sozinha um tempo, o suficiente para calcular o que ia fazer.
Winter chamou o Gesader e agarrou as rédeas de Bola de Neve para dirigir-se para a montanha Bear, mas o velho cavalo não se moveu; nem sequer quando ela estalou a língua e fincou os calcanhares nos flancos.
—Se mova, condenado inseto — Grunhiu.
Mas só respondeu outro grunhido procedente de onde estava o pinheiro. Winter deu uma olhada e viu Gesader, já de pé, com o lombo arrepiado de ira.
—O que é o que quer? — Gritou — Por que me trouxe aqui?
Com o adoentado bastão ainda na boca, Gesader se voltou, saltou por cima do montão de folhas, e deixou cair o pau contra o tronco do pinheiro. Um som grave e ressoante, como o de um diapasão, fez zumbir a árvore em vibrantes baforadas; dava a impressão de que custava respirar.
Winter piscou assombrada. Depois, incapaz de afastar a vista do palpitante tronco, desceu escorregando de Bola de Neve e caminhou para o pinheiro. Cruzou o alto montão de folhas, alargou a mão devagar e o tocou.
Imediatamente, dando um grito afogado, afastou a mão. Deu-se conta de que estava vivo; havia sentido sua frágil faísca de vida que lutava por sair à superfície… E então, sem perguntar-se por que, levada por uma urgente, mas inexplicável necessidade, Winter se aproximou do pinheiro o rodeou com seus braços e pegou a bochecha à fria e áspera casca.
Um arco íris cruzou o ar em um redemoinho. Winter sentiu um formigamento nos braços e nos dedos, e o ruído da resina que circulava pelas veias do tronco fez que retumbassem os ouvidos. Com o peito apertado contra a áspera casca, sentiu que a energia do pinheiro mudava devagar… Até compassar-se por fim com o ritmo regular de seu próprio e palpitante coração.
A calma invadiu Winter. A tempestade exterior e a interior se afastaram; pouco a pouco, os formados redemoinhos cores se esfumaram até que só ficou a pureza do branco. Então, de acima chegou um forte grasnido, e ao elevar o olhar, Winter viu um roliço corvo negro pousado em um dos ramos que ficavam do pinheiro, por cima de sua cabeça.
Winter afrouxaram os joelhos, e escorregou até o chão. Ficou feita um novelo na base da árvore, abraçando o tronco todo quão forte podia, sentindo como a atravessava a imensa reserva de energia de TarStone. Em sua imaginação viu fundas raízes que se alargavam pelas gretas, que se estendiam como telhas de aranhas, atravessando o granito. E enquanto a energia vital subia da rocha entrava na árvore, o tronco que tinha abraçado subia e descia ao ritmo de sua respiração.
O corvo emitiu outro agudo grasnido, e quando Winter levantou a vista o viu separar do ramo e subir batendo as asas para o céu. Depois, impulsionado pelo vento, remontou o voo por cima das cimbreantes copas das árvores até desaparecer nas escuras e agitadas nuvens da tempestade.
Piscando confusa, Winter se endireitou e se afastou devagar da árvore. O que acabava de acontecer? De verdade tinha se unido com o pinheiro de Daar? De verdade havia sentido seu pulso tão forte como sentia o seu próprio?
Sim, isso mesmo era o que tinha ocorrido… E por fim Winter compreendeu o autêntico alcance de seu dom, assim como a muito autêntica ameaça que supunha Cùram de Gairn. Porque embora agora sabia que o pinheiro ainda viveria meses, também tinha visto sua morte final… Que chegava com o frio vento da desesperança absoluta.
Quando Winter atravessou o arroio Bear e penetrou na alta pradaria, as nuvens se tornaram mais densas e mais baixas, o vento soprava com força impetuosa e a intensidade da neve mal deixava ver. Embora estivesse imersa até os ossos e morta de frio, quanto mais se aproximava da pequena e acolhedora gruta de Matt, mais tranquila se sentia. Apesar de todas suas perguntas e sua confusão, estava segura de que daria com o modo de atrair Cùram a campo aberto, onde o esperaria Robbie.
Mas o que ia fazer com Matt enquanto se ocupava da magia? Como ia esconder um segredo tão potente? Embora não sabia o momento exato em que tinha ocorrido, Winter já aceitava que amava Matheson Gregor com todo seu ser. Até que não se imaginou tendo que viver sem ele não se deu conta de quão fundo tinha enraizado em seu coração. E enquanto cavalgava pelo prado em meio da tempestade de neve, jurou que não permitiria que nem a Providência, nem a magia, nem nenhum drùidh zangado interferissem naquele amor.
Gesader desapareceu no bosque que separava a pradaria do escarpado penhasco, embora para fazer passar a longa vara de pinheiro por entre as árvores teve que torcer a cabeça. A propósito, Winter tinha deixado o bastão junto à árvore de Daar, mas assim que encontrou um toco e monto em Bola de Neve, Gesader voltou a pegar… Aquele condenado traste na boca uma vez mais.
Winter não tinha nem ideia de como o grande felino conhecia sua importância, mas pelo visto sim que estava decidido que o bastão não se separasse deles. Frequentemente se tinha perguntado se aquele diminuto filhotinho que havia trazido Robbie de oito séculos atrás não seria algo mais do que parecia. Embora as panteras não fossem nativas da Escócia, vivia na cova onde, segundo Robbie, encontrava-se a árvore da vida de Cùram… Mas além de adaptar-se extraordinariamente bem a viver com os humanos, Gesader não tinha dado amostras de ser nada mais que um típico leopardo semisselvagem.
Gesader nunca falava com o Winter como fazia a coruja nevada de Robbie com este, e tampouco parecia possuir nada mágico; muito menos desempenhava o papel de “animal familiar”. Simplesmente, era seu querido mascote e constante companheiro. Entretanto, a tinha levado até o pinheiro moribundo; por algum motivou sabia que Winter precisava sentir sua minguante energia para dar-se conta da gravidade da situação.
E depois estava o corvo que tinha visto pousado no ramo de cima do que ia aquilo? Certamente Tom adorava os corvos; tinha contado a Winter que anunciavam o renascer e a transformação, e que teria que venerá-los como espíritos que ajudavam a restabelecer a ordem nos céus.
Simbolizava o corvo algum tipo de transformação? Estava ali para animá-la a lutar pelo futuro da humanidade?
Seguindo Gesader, Winter guiou a Bola de Neve por entre o estreito grupo de árvores enquanto pensava no significado do corvo, até que ao fim se detiveram junto ao escarpado penhasco de granito que se elevava dez metros por cima da pradaria. Deixou-se escorregar da sela de montar e esteve a ponto de cair no chão quando as intumescidas pernas se dobraram sob seu peso.
—Tenho que me secar e secá-los — Disse a seus mascotes, molhados e cobertos de neve — Se não, Matt vai encontrar três blocos de gelo quando voltar.
Gesader desapareceu na estreita abertura da gruta e voltou rapidamente sem nada na boca. Winter desatou a cilha de Bola de Neve e tirou a pesada sela de montar. Grunhiu quando novamente fraquejaram as pernas de maneira que a deixou cair no chão e a colocou arrastando na gruta, justo até dentro da entrada. Depois de rebuscar nos alforjes tirou uma lanterna e, devagar, dirigiu o feixe de luz por todo o interior; deteve-se o descobrir o montão de mantas.
—Obrigado, Rose, por ser tão boa vendedora — Disse, ao tempo que pegava uma.
Winter tinha ajudado Matt a comprar o material de acampamento, mas foi Rose quem insistiu em que necessitava mais mantas, uma lanterna e uma jarra para levar a água do manancial próximo que tinha mostrado Tom. Rose também vendeu dez pares de meias três-quartos de lã, vários conjuntos de camisetas de manga longa e calças longas, e, além disso, uma lona para pendurá-la sobre a entrada da gruta quando fizesse mau tempo.
Winter observou que Matt não se incomodou em pendurar a lona, provavelmente porque a curva da entrada evitava que a chuva ou a neve se metessem muito dentro; desse modo podia acender o fogo perto da entrada e a caverna não se enchia de fumaça.
Não era uma gruta muito grande; teria uns seis metros e meio de profundidade e umas cinco de largura, mas sua altura era mais que suficiente para que Matt estivesse de pé. Em soma, Winter parecia uma guarida adequada para o filho de um urso, e isso foi justo o que disse a Matt quando tinha ajudado a instalar-se na semana anterior. Sorriu enquanto tirava a manta ao recordar que seu comentário havia valido um beijo muito apaixonado.
Winter foi para Bola de Neve, que tinha aparecido na gruta e havia deixado a garupa ao vento.
—Lamento que não caiba dentro conosco… — Jogou a manta sobre o lombo e a alisou, mas ao ver que só tampava até a metade dos flancos franziu o cenho — Vou pegar uma corda e atarei isso — Depois de dar um tapinha, correu de novo até a sela de montar e tirou de um alforje um pequeno rolo de corda. Voltou correndo, passou a corda ao redor da barriga de Bola de neve e a atou bem — Aí, isso te conservará quase todo o calor — Afastou um grande floco de neve das pestanas e desabotoou a correia da brida. Com cuidado tirou o freio da boca, depois esfregou uma orelha com carinho e o olhou diretamente a seu grande olho castanho — Anda, vá buscar um lugar resguardado para aguentar a tempestade. Não te atarei, assim poderá pastar no prado e beber do arroio, mas não vá afastando até a casa de Tom. Não quero que saiba que estou aqui em cima nem que se preocupe comigo, entende-me?
Do fundo da pança, Bola de Neve soltou um suspiro que jogou uma nuvem de quente ar úmido para ela. Depois fechou os olhos sem dar sequer um passo para resguardar-se; pelo visto tinha decidido que aquele era um lugar tão bom como qualquer outro para tirar uma soneca… E de repente, enquanto olhava Gesader para atendê-lo, Winter se deu conta do que acabava de dizer a Bola de Neve.
Não queria que Tom se preocupasse com ela… Mas e seus pais? E Robbie? Agora que o pensava, disse, franzindo o cenho, como é que não tinham ido atrás dela?
Estava passando por uma tremenda crise, e sua mãe e seu pai a deixava pôr-se a correr sem mais… E Robbie… Que espécie de guardião era deixando-a passar como um raio por diante sem nem sequer tentar detê-la? Não se davam conta de quão traumatizada estava? Não se importavam?
O cenho de Winter se transformou em um olhar de aborrecimento dirigida para si mesma. Pois claro que se importava. Tanto, que concediam tempo e espaço para que refletisse sobre a notícia que tinham dado. Seus pais e Robbie se davam conta de que encher a de mimos não faria desaparecer o problema; só faria que eles se sentissem melhor.
—Ai, Gesader — Sussurrou ao tempo que se ajoelhava para abraçá-lo — Devem estar preocupadíssimos porque estou aqui, só nesta tempestade. Sou eu a que nem se importou de dizer que estou bem.
Colocou a mão no bolso do jaquetão, tirou seu telefone móvel e comprovou como andava de cobertura. Só uma barra; com um pouco de sorte, suficiente para conseguir comunicar. Rezando para que seus pais não estivessem em casa, pulsou a marcação rápida de Gù Brath e ouviu soar o telefone ao outro extremo.
Suspirou de alívio quando saltou a secretária eletrônica.
—S… só ligo para dizer que estou bem e abrigada, e que provavelmente não voltarei em uns quantos dias. Gesader está comigo e encontramos refúgio, assim não quero que se preocupem — Alargou o dedo para a tecla de desligar, mas de repente voltou a aproximar o telefone à boca — Ah, e vou desligar o celular para economizar bateria, de modo que não se preocupem se não responder. Deixem uma mensagem se quiserem, e consultarei a caixa de voz. Eu… Os amo — Terminou em um sussurro.
Pulsou o desligar e depois pulsou a tecla de desconectar antes de voltar a meter o telefone no bolso. Depois afundou a face na molhada pelagem de Gesader enquanto, de repente e sem querer, voltavam a encher de lágrimas os olhos.
—Caramba — Disse entre dentes — Acreditava que já não ficavam mais lágrimas…
Uma quente e áspera língua lambeu um lado da face, sublinhando o muitíssimo frio que tinha. Mas Winter não se importava. Mais incomodava o de não poder parar de chorar. Caray tinha que dominar-se; o sentir pena de se mesma não resolvia nada.
Ficou direita e secou a face com o dorso da mão. Depois, com titânica decisão, levantou-se.
—Vamos, menino mimado — Disse — Tenho que acender um fogo e tirar esta roupa molhada.
Gesader também ficou de pé e ato seguido se sacudiu da pele quase meio litro de água, junto com seu bom meio quilo de neve. Sem fazer ruído se aproximou de Bola de Neve, que dormitava, sobressaltou-o com uma rápida lambida no focinho e depois entrou na gruta diante de Winter.
O primeiro que esta fez foi procurar o lampião que Matt tinha comprado de Rose; depois procurou nos alforjes o maço de fósforos hermético que sempre levava. Necessitou três para acender a lampião de petróleo, e depois o levantou para fazer um exame visual da gruta a ver se havia lenha.
Sorrindo, disse que, para ser um executivo, Matt Gregor parecia ser um excelente explorador. Encontrou lenha como para três ou quatro dias, empilhada contra a parede lateral. Winter deixou o lampião no chão no centro da caverna e pegou uma braçada de paus secos, prometendo que, assim que passasse a tempestade, substituiria o que gastasse. Depois se agachou diante do buraco que havia junto à entrada para dispor o fogo, e começou a formar uma espécie de loja a Índia feita de raminhos menores, a que pouco a pouco foi acrescentando paus cada vez maiores. Terminou justo quando um calafrio sacudiu seu corpo, e se apressou a procurar na caverna papel ou casca de abedul para usar como isca. Só encontrou uma pasta cheia de fotocópias que não soube decifrar, com a letra de Matt em todas as páginas; certamente não se atrevia a queimar aquilo. Prosseguiu a busca até acabar no saco de dormir de Matt, e então descobriu o bastão de pinheiro que Gesader tinha deixado ali.
Cravou o olhar nele e recordou a onda de energia que tinha sentido ao tocá-lo na cabana de Daar.
—Humm — Olhou para Gesader, que estava deitado junto ao buraco apagado —O que te parece, malcriado? Saberei acender um fogo sem isca nem fósforos? Robbie e Daar o fazem todo o momento.
Gesader não expressou sua opinião, mas sim começou a lamber as garras. Winter voltou a olhar o bastão. Seria muito difícil? Só tinha que assinalar a lenha com aquela coisa e mandar que se acendesse, não?
Com gesto um tanto vacilante, agarrou o bastão esperando que o torvelinho a atacasse de novo… Mas não houve nenhuma luz, nenhum brilhante arco íris, nenhum retumbar nos ouvidos. Em realidade, só a atravessou um suave formigamento que, ao menos, fez entrar em calor um pouco. Um pouco decepcionada pela ausência de foguetes, Winter recuou depressa para o buraco e, a um metro de distância pelo menos, deteve-se, assinalou o cone de lenha com o bastão e disse:
—Acende o fogo!
Imediatamente uma detonação tão forte que sacudiu todo o penhasco trovejou dentro da gruta, acompanhada de um potente estalo de energia que a atirou ao chão. Gesader rugiu assustado, ficou de pé de um salto e pôs-se a correr para fora dando um grito.
Winter ficou estendida no chão da gruta, subitamente às escuras, piscando de aturdido pavor. Cheirou que se queimava algo, mas ao olhar o fossa para o fogo não viu nada; então foi quando se assustou de verdade. De repente viu que uma pequena coluna de fumaça saía do montão de mantas.
—Caramba! — Gritou.
Levantou-se de um salto, agarrou as mantas e com elas correu até a entrada. Atirou fora todo o montão e depois começou a dar pisões, as estendendo com os pés e jogando neve sobre os locais que ardiam lentamente.
Sentado a uns três metros de distância, em meio da tempestade de neve, Gesader a olhava com um rugente sorriso de pantera.
—Não se atreva a rir — Espetou Winter.
O felino espirrou três vezes, uma atrás de outra, e de uma carreira voltou a entrar na gruta diante dela.
Winter baixou a vista até as molhadas e sujas mantas. Terei que pegar o condenado bastão de um modo especial? Teria um extremo para agarrá-lo e um extremo letal, ou o que? Deus bendito, Gesader levava brincando de correr com aquela maldita coisa na boca todo o dia… Podia ter acendido fogo no bosque inteiro!
O vento colocava neve pelo pescoço aberto, e Winter tiritou. Caray tinha que entrar em calor e secar-se antes que pegasse um resfriado… Recolheu as mantas com um cansado suspiro e, depois de sacudi-las de uma em uma para assegurar-se de que o fogo estava apagado, dobrou-as outra vez. Voltou a colocar o montão na gruta, embora não antes de jogar uma última olhada a Bola de Neve; havia tornado a ficar adormecido, mas agora as seus bons seis metros e meio de distância, atrás de uma grande pícea.
O primeiro que Winter fez depois de voltar a atirar as mantas no canto foi procurar o lampião, que descobriu caído contra a parede do fundo. Deu graças ao céu porque fosse um lampião de segurança; a chama se apagou em vez de explodir, salpicando-o tudo de petróleo, e provocar um incêndio de verdade. Gesader estava de novo bem enroscado junto o buraco do fogo, ainda sem acender, e Winter voltou a encontrar-se sem nada que usar como isca. Não se atrevia a verter petróleo sobre a lenha, pois sabia quão rápido aquilo podia descontrolar-se… Em particular com a má sorte que tinha ultimamente.
Depois de soltar outro suspiro de auto compaixão, voltou a sair e começou a procurar um abedul ao que roubar um pouco de casca. Demorou outros dez minutos de arrepios em retornar com um punhado de branca casca parecida com o papel.
—Pelo menos poderia ter vindo comigo… — Disse em tom de queixa a Gesader, que respondeu com um grunhido, sem incomodar-se sequer em abrir os olhos; depois, com o cenho franzido, Winter olhou o bastão de pinheiro que estava no chão, perto da parede traseira da gruta, onde tinha aterrissado, e outra vez se dirigiu a seu mascote — E deixa em paz esse pau antes que mande a todos ao ar de uma explosão.
Com cuidado, colocou a casca de abedul dentro do cone de lenha, procurou os fósforos e gastou cinco antes de conseguir que a fria casca começasse a fumegar sequer. De cócoras, soprou com suavidade as frágeis brasas, até que ao fim a casca se esquentou o suficiente para produzir uma chama.
Sentou-se no chão e observou como aumentavam as diminutas chamas enquanto pouco a pouco ia colocando mais casca no fogo, que crescia devagar, até que ouviu o primeiro chiado da lenha maciça. Imediatamente, Gesader ficou de pé, aproximou-se do fogo e voltou a deitar-se outra vez dando um fundo suspiro. Winter se levantou e, sem deixar de olhar o fogo com desconfiança, tirou a roupa molhada até ficar em uma úmida camiseta de manga longas e umas úmidas calças largas. Então foi à bolsa de lona de Matt e ficou a procurar rapidamente até que encontrou um dos conjuntos de camiseta de manga longas e calças longas. Apressou-se a despir de tudo, incluídos as calcinhas e o sutiã, e colocou os frios, mas secos objetos de Matt… Embora tivesse que subir as mangas umas cinco vezes, e as pernas das calças mais ainda, para não tropeçar. Encontrou um par de suas grossas meias três-quartos de lã e as pôs, e também, uma de suas grandes camisas de camurça; enquanto arregaçava as mangas olhou para baixo e riu ao ver que a barra penduravam por debaixo dos joelhos.
—O que te parece meu modelito dos bosques do norte? — Perguntou a Gesader — Causarei impressão?
Gesader abriu um olho dourado e, imediatamente, fechou-o outra vez; pelo visto estava mais cansado que impressionado. Winter foi até o saco de dormir de Matt e puxou dele e do colchonete para aproximá-los mais do fogo; depois abriu o zíper, meteu-se engatinhando e fechou o zíper até o mesmo nariz. Imediatamente, Gesader se levantou, rodeou o fogo que já ardia vivamente e se deixou cair sobre o saco de dormir, bem pego às costas de Winter.
—Obrigado — Sussurrou ela.
Cravou a vista no fogo enquanto aspirava o vapor a cabelo de gato molhado… E outro aroma do que tinha pego bastante carinho ultimamente.
Um aroma que o fazia pensar em formosos olhos dourados, quentes e deliciosos lábios e fortes braços que a abraçavam bem. O último suspiro do dia de Winter terminou com um sorriso enquanto fechava os olhos, bocejando.
Sim, estava bastante apaixonada por Matheson Gregor, e nem a magia de Cùram de Gairn mudava aquela verdade.
Matt soltou outra praga mais entre dentes enquanto lutava por evitar que a caminhonete saísse patinando da pista florestal, cheia de buracos e coberta de neve, que subia serpenteando a ladeira de sua montanha. Calculou que ainda ficava quilômetro e meio para chegar ao final daquela infernal viagem. Fazia menos de seis horas, estava sentado em um escritório de sua fábrica de Utah, a ponto de despedir o diretor de controle de qualidade, quando de repente a urgente necessidade de retornar ao Maine o deteve em metade de uma frase. Incapaz de explicar a urgência daquela tensa intuição (a si mesmo muito menos que ao desconcertado, embora muito afortunado, diretor), Matt se limitou a sair, meter-se em seu avião e dirigir-se para o leste a velocidade da luz.
O mau tempo o obrigou a aterrissar no Aeroporto Internacional de Bangor em vez de em Pene Creek, já que o pequeno aeroporto de montanha carecia de instrumentos para que um avião aterrissasse em meio de uma cegadora tempestade de neve, e depois teve que alugar um carro e conduzir até Pene Creek para recolher sua caminhonete. De novo devido à tempestade, demorou mais de duas horas no que devia ter sido um trajeto de noventa minutos. Naquele momento fazia mais de meia hora que tinha saído de Pene Creek e só tinha chegado até aquele ponto. Ainda tinha que deixar a caminhonete a mais do meio quilômetro do prado e percorrer a pé o resto do caminho, na escuridão e em plena tempestade neve… De terno e os sapatos social, nada menos!
Que diabos! Já quase estava em casa e sua intuição continuava sem tranquilizar-se. E embora não compreendia a natureza exata daquela urgência que puxava ele, vá se sabia quem a provocava. Winter MacKeage se empenhava em não sair de sua cabeça. Lá em Utah só sabia que algo ia muito mal. Havia sentido que Winter se debatia em meio da confusão, tinha visto sua face inchada pelas lágrimas, tinha-a percebido vagando às cegas através de um vazio emocional que tinha feito cair em seu pequeno e seguro mundo.
Mas, para começar, o que Matt ainda não compreendia era o rápida e profundamente que Winter tinha entrado na cabeça. Só fazia duas semanas que a conhecia e já estava deixando-o louco de preocupação. Como explicar, se não, que partisse de uma importante reunião, que se metesse temerariamente com o avião em uma tempestade de neve, ou que entrasse um suor frio só de pensar em que ela chorasse? Sem que se desse conta, aquela mulher se metido na sua cabeça; ocupado em fazer planos e maquinar, não tinha guardado as costas.
Ao menos tinha o coração são e salvo, fora de seu alcance; fazia muito, muitíssimo tempo que aquele órgão vital tinha endurecido até ficar insensível. Mas maldição, como diabos ia enfrentar-se com uma princesa das fadas cujas palhaçadas suscetíveis o faziam rir, a que tinha decidido proteger das duras realidades da vida… E a que, além disso, desejava tão desesperadamente que venderia sua alma com tal de possuí-la?
De maneira instintiva, Matt sabia que Winter estava em seu acampamento; sentia que estava perto e que se encontrava bem. Mas, à medida que se aproximava da gruta, em vez de acalmar-se, a urgência de sua intuição não fazia a não ser aumentar. E é que, por muitos sermões que fizera a si mesmo para deixá-la em paz, por muito que sabia que o caminho por onde ela o conduzia com inocência terminava às portas da perdição, desejava-a.
E isso que o tinha tentado. Diabos! Tentando afastar-se dela tinha escapado a Nova Iorque quatro vezes naquelas duas semanas. Mas retornava correndo, porque sua necessidade de Winter se voltava cada vez mais forte em vez de diminuir. No dia anterior tinha conseguido ir até Utah, mas essa mesma manhã, logo que se sentara na poltrona, já tinha dado conta de quão inútil era lutar contra seu canto de sereia. Só o suspeitar que estava desgostada o atraía a casa como a chama atrai à mariposa… Conduzindo-o sem vacilar para a ruína.
Por fim, com uma derrapagem, Matt deteve a caminhonete em metade do caminho e desligou o motor e os faróis. Enquanto os olhos se acostumavam à escuridão, alargou a mão ao assento do lado procurando o pacote do tamanho de um punho que tinha recolhido antes de sair de Bangor e o meteu no bolso. Depois subiu o pescoço da jaqueta, abriu a porta e por fim entrou na barulhenta tempestade. Tinha mais de meio quilômetro pela frente até chegar à pradaria, de modo que, com a cabeça baixa e os ombros encurvados para resistir à tempestade de neve, Matt se meteu no bosque fazendo caso omisso dos dezoito centímetros de neve acumulada que impregnava os sapatos.
Ao fim de trinta minutos e depois de perder-se duas vezes, bem por falta de atenção ou por dar um rodeio sem querer, por fim Matt chegou à base do escarpado penhasco que dominava a pradaria; enquanto sua mente lutava com seu corpo, ficou atento se por acaso ouvia ruídos procedentes do interior da caverna.
Nesse momento Bola de Neve se aproximou e, com suavidade deu um ligeiro empurrão no ombro; com gesto distraído, Matt deu um tapinha enquanto seguia observando a estreita entrada. Por fim apareceu a escura sombra de um grande felino negro que, com o lombo arrepiado, lançou-lhe um grunhido de advertência.
Matt meteu a mão no bolso, tirou o pacote envolto em papel e o jogou para que ficasse um ou dois metros diante da pantera. Com um grunhido inclusive mais ameaçador, o mascote de Winter avançou e insinuou um rugido. Mas de repente espirrou, se pós de um lado como se tentasse rodear o pacote e, com gesto nervoso, moveu rapidamente a cauda daqui para lá.
Matt sabia que ao final não resistiria à atração da népeda[3], e assim foi. O felino rodeou o pacote várias vezes e depois baixou a cabeça e se esfregou nele, empurrando-o pela neve, ao tempo que emitia algo entre bufo e grunhido que acabou em outro espirro.
De repente, com um último grunhido, o grande animal se jogou sobre o pacote, agarrou-o em suas fortes mandíbulas e entrou como um raio no bosque para desaparecer na tempestade.
—Lamento tanto como você — Sussurrou Matt — Me perdoe.
Deu a volta e voltou a olhar para a gruta; de novo não sabia se entrava ou, simplesmente, desaparecia no bosque atrás do leopardo. Seria muito fácil; daria a volta, sem mais, e se afastaria. Não voltariam a vê-lo. Talvez Winter sentisse falta dele; diabos, talvez inclusive chorasse por ele, mas ao final estaria melhor. Ao menos sua alma permaneceria intacta… Mais do que ele podia dizer da sua se entrasse naquela caverna.
Mas ao fim sua decisão se reduziu a uma simples promessa; uma promessa que tinha feito muito antes que o coração se atrofiasse, quando o amor o levou a cometer um ato desesperado e a esperança não supunha uma maldição. Assim, enquanto desabotoava a jaqueta coberta de neve, a tirava dos ombros e a deixava cair ao chão, sem fazer ruído atravessou a entrada.
Assim que entrou, as paredes da gruta começaram a pulsar com um quente resplendor dourado que iluminou suavemente o interior. A seguir Matt desabotoou a camisa, a tirou das calças e a tirou enquanto cravava a vista na mulher que dormia a seus pés. Tirou os sapatos, depois se endireitou e desabotoou o cinto. Observou que ela ainda tinha o cabelo úmido e que o calor tingia de rosa suas bochechas; tinha uma mão colocada debaixo da cabeça e com a outra agarrava o saco de dormir, subido até o nariz.
Matt deixou cair às calças, as tirou e as separou de um chute sem afastar a vista de Winter. Viu o rastro que ficava onde a pantera tinha estado deitada e sentiu uma ira perversa diante a prova de que, provavelmente, o leopardo levava dois anos e meio dormindo com ela.
Mas nunca mais, jurou Matt; desde aquela noite o único animal que haveria na cama de Winter MacKeage seria ele.
Nu por fim, Matt olhou por todo o interior da gruta até deter-se no fino pau apoiado na parede traseira, que brilhava suavemente. Aproximou-se para pegá-lo e considerou seu escasso peso na palma da mão; depois sorriu enquanto fazia rodar a lisa madeira entre os dedos antes de pô-lo sobre uma pequena saliência perto do teto, fora do alcance de sua princesa das fadas.
Ao tempo que coçava o pelo do peito com ar distraído, voltou-se para Winter e calculou que já teria entrado em calor o suficiente para não transformá-la em um bloco de gelo ao ficar a seu lado. Então se aproximou, ajoelhou-se e, depois de abrir devagar o zíper, obteve com muita dificuldade tirar o tecido da mão e abriu a parte de cima do saco.
Conteve a respiração ao ver que levava posta sua roupa; a camiseta, as calças largas e a camisa não faziam mais que sublinhar quão diminuta era. Umas gotas de suor cobriram a testa quando algo se agitou no fundo de seu peito, em algum lugar perto de seu endurecido coração.
Era tão delicada. Tão formosa. Tão inocente…
E, além disso, dele. Desde aquela noite a pequena senhorita Irritadiça MacKeage lhe pertenceria; seu coração, sua alma e seu espírito vivaz seriam seus por completo.
Matt abriu o saco de dormir até transformá-lo em uma cama de matrimônio; depois, com cuidado, deitou-se e a tomou em seus braços. Sorriu quando ela murmurou algo ininteligível e se aconchegou contra ele para afundar a face em seu peito; no instante em que despertou, jogou sua cabeça para trás e baixou a boca sobre a sua para capturar seu afogado grito de surpresa.
Beijou-a intensamente, sem ocultar nada, e pela primeira vez desde fazia horas sua intuição relaxou. Por fim ela se deu conta de quem era à boca que cativava a sua e então respondeu com um entusiasmo que golpeou Matt justo no peito.
Quando recuou para cravar a vista nela, observou que seus preguiçosos olhos azuis sustentavam o olhar ao tempo que um quente e afável sorriso chegava até suas ruborizadas bochechas.
—Voltou — Sussurrou ela —… Ou estou sonhando?
—Não está sonhando, princesa, estou aqui de verdade.
Ela alargou a mão e acariciou o cabelo solto, que caía até os ombros.
—É ondulado — Disse, e seu sonolento sorriso se ampliou —… Está ainda mais bonito com o cabelo solto.
Ele voltou a beijá-la pelo completo. Uma reação adequada, pelo visto, pois passou os dedos pelo cabelo solto e o beijou a sua vez.
Uma vez que a teve saboreado bem, Matt voltou a levantar a cabeça para olhar para baixo.
—O que faz aqui, Winter? — Perguntou — Sabem seus pais onde está?
—Não — Winter sorriu, alargou a outra mão e entrelaçou os dedos no pescoço dele — Fugi que casa, senhor Gregor, e este era o único lugar aonde queria escapar correndo — A testa enrugou de preocupação — Espero que não ache que fui muito… Bem, muito atrevida.
Matt alisou os revoltos cachos vermelhos e os separou da testa.
—Me alegro — Sussurrou — Eu gosto de encontrar uma princesa das fadas em minha cama.
Winter deixou ver um enorme sorriso.
—Uma princesa das fadas? — Repetiu — Isso é o que pareço?
—Sim — Deu um beijo no nariz — Minha formosa princesa das fadas.
—Outra vez tem sotaque.
—Estou sofrendo uma regressão de novo. Parece um mal que surge sempre que te tenho entre meus braços.
Ela tirou as mãos de trás de sua cabeça para segurar os lados da face.
—Quero te fazer amor, Matheson Gregor — Sussurrou — Quero te sentir dentro de mim, fundo, onde te desejo.
Suas palavras golpearam Matt como um maremoto; um maremoto que bateu contra ele com tanta força que puxou suas tripas até fazer um nó de desejo. Baixou a boca para beijá-la, mas ela não o permitiu, mas sim o segurou bem para que seguisse olhando-a.
—Eu… Eu não estive nunca com ninguém — Confessou em voz baixa, enquanto sua testa voltava a enrugar-se de preocupação — Então não sei o que fazer.
Ele voltou à cabeça para beijar a palma da mão e depois a olhou sorrindo.
—Parece-me que poderíamos começar mandando fora minha roupa.
Dando um suspiro de alívio, ela baixou as mãos até os ombros de Matt, evidentemente contente de que estivesse disposto a orientá-la enquanto faziam amor. De repente abriu muito os olhos.
—Mas se está nu — Disse, surpreendida.
Ele assentiu e puxou a camisa que Winter vestia.
—Referia-me à roupa que há sobre seu corpo — Disse.
Com um rebolado, Winter saiu de debaixo dele para se levantar e desabotoar a camisa. Enquanto o fazia, franziu o cenho e olhou a seu redor.
—Ouça… Como é que há tanta luz aqui dentro?
Matt afastou as mãos e terminou de desabotoar os botões para depois tirar a camisa dos ombros e descer pelos braços; depois, rapidamente, alargou a mão para descer a camiseta. Justo quando a subia por cima da cabeça, perguntou?
—Deixou aceso o lampião?
A resposta de Winter se perdeu no tecido enquanto ela elevava os braços para ajudá-lo.
Matt conteve o fôlego; em seguida se apressou a segurar as já liberadas mãos e a afastá-la do corpo para valorar bem seus formosos e redondos seios.
—Meu Deus, é preciosa… — Sussurrou.
Ao levantar a vista a encontrou ruborizando-se de forma até mais atraente.
Então Matt se apressou a inclinar-se para frente; enquanto a segurava com o corpo contra o saco de dormir, cobriu o peito com o seu e capturou seu grito afogado em um ardente beijo. Depois agarrou as mãos em uma da suas e as segurou por cima da cabeça para explorar com liberdade o que seus olhos já haviam dito que eram dois maravilhosos pedaços de céu.
Quando fechou a mão sobre seu seio, ela esteve a ponto de morder a língua… Ao tempo que subia os quadris de modo tão brusco que Matt grunhiu e teve que afastar os seus a toda pressa. Deus bendito, sua princesa das fadas estava transformando-se em uma bomba de energia sensual.
Mas é que não sabia como seria? Não levava já duas semanas sentindo a explosiva energia de Winter, oculta apenas sob a superfície, cada vez que a beijava?
E não era justo por isso pelo que não parava de pôr-se a correr?
Sim. Aos poucos segundos de entrar na galeria soube que Winter MacKeage não era uma tímida e delicada flor. No instante em que a olhou nos olhos, viu uma mulher apaixonada que só esperava que um valente atravessasse sua Espinhosa defesa. E acaso não ouviu o repicar dos sinos ao abrir a porta da galeria? Repicavam porque por fim tinha encontrado seu destino. Os quadros de Winter despertaram seu interesse, mas sua evidente paixão pela vida o apanhou em um feitiço ainda mais mortal. Igual a uma condenada mariposa, já não se limitava só a dançar perto de sua chama.
Sim, ela o chamava… E Matt tinha terminado de escapar.
Sem soltar as mãos por medo a perder o controle se a deixasse tocá-lo, Matt deslizou os dedos por dentro das calças largas e, devagar, as desceu pelas pernas. Com seu revolver-se, retorcer-se e agitar os pés para ajudá-lo, Winter facilitou a tarefa. Mas quando ela se deu conta de que ia continuar agarrando as mãos, passou ao ataque com a boca.
Beijou tudo o que alcançava, começando pela mandíbula e avançando pouco a pouco até o pescoço, e depois acariciou o peito com o nariz quando ele se endireitou outra vez. Imediatamente Matt se retirou de novo e foi descendo por seu corpo, deixando um rastro de beijos que começavam na garganta e terminavam entre seus seios. Ela se arqueou contra ele emitindo um som de frustração e Matt sorriu para si enquanto trocava de rumo e deslizava os lábios sobre um de seus firmes e gordinhos seios.
Winter proferiu um grito afogado de prazer quando ele fechou a boca sobre o mamilo e, com suavidade, chupou até excitá-lo. Extasiou-se com seu sabor e o doce aroma de Winter o embriagou até o ponto de que ela pôde liberar as mãos. Matt não descobriu seu engano até que os dedos de Winter subiram por suas costas em um movimento que fez brotar relâmpagos por todos os nervos de seu corpo. E enquanto tentava recuperar-se, sem saber como, ela as arrumou para meter-se diretamente debaixo dele e rodear os quadris com as pernas; aquele íntimo contato o devolveu à realidade com um coice.
Mas quando diabos tinha perdido o controle e a aluna tinha começado a dar aulas ao professor? Matt se ergueu para voltar a capturar as muito atarefadas mãos, que já se dirigiam a sua cintura, e outra vez as pôs pela força a ambos os lados da cabeça ao tempo que soltava um grunhido que a fez ficar repentina e absolutamente quieta. Então Matt inspirou para tranquilizar-se enquanto cravava a vista na ruborizada face de Winter; tinha os olhos muito abertos e uma expressão um pouco aturdida.
—Estou fazendo algo errado? — Perguntou ela completamente a sério.
Matt só pôde fechar os olhos e baixar o queixo até o peito enquanto se esforçava por não rir; sabia de sobra que não faria graça. Por fim recuperou justo o controle suficiente para olhá-la de novo. Aproximou as mãos à cabeça e com os polegares desenhou os lados da face.
—Não — Disse — Mas chegamos a um momento em que tenho que saber se compreende o que está a ponto de acontecer, lass. Dá-se conta exatamente do que faz Winter? Dá-se conta de que não sonha que eu estou aqui de verdade e que estou a ponto de te fazer minha?
—Eu… Eu te amo, Matt Gregor — Disse ela em voz muito baixa — Quero ser sua.
Ele sorriu com gesto tenso.
—Sei que me ama, lass, ou não estaria me dando sua mais apreciada posse. Mas te pergunto se entende tudo o que isso suporta. Quando for minha, Winter será por completo e para sempre; dará-me não só seu amor, mas também sua confiança e lealdade, pois serei nada menos que seu marido. Se não puder me dar todo isso, diga-o agora. Talvez me mate, mas partirei e te deixarei intacta.
A aturdida expressão de Winter se voltou um pouco desconcertada, e seu ruborizado rosto empalideceu.
—Em que século vive? — Perguntou com um grito — Não espero que se case comigo só porque façamos amor.
Com uma solene inclinação de cabeça, ele disse:
—Sim, já me dou conta… Sou eu o que espera nada menos que um matrimônio. Mas se me dá sua virgindade, dá-me tudo o que suporta. — Inclinou-se e a beijou com suavidade; depois se afastou para olhá-la de novo — Me ama tanto, Winter? Tanto como para me dar isso tudo?
Matt se surpreendeu, ou, mas bem se alarmou, quando imediatamente ela respondeu:
—Sim — Seu corpo se relaxou com feminina ternura enquanto em sua face resplandecia o calor de seu sorriso — Te amo tanto, Matheson Gregor, para te dar tudo o que tenho.
—Será minha esposa? — Esclareceu ele em tom gutural — Terei sua confiança e lealdade?
—Sim — Disse ela com voz áspera.
Seu sorriso desapareceu enquanto suas pernas o apertavam, rodeando-o com evidente impaciência.
Muito no fundo do peito, outra vez na parte de seu frio morto coração, Matt sentiu um muito leve movimento. E então, com um palavrão baixo dirigido às fraquezas do destino, soltou suas mãos e a levantou até ele, beijando-a intensamente, enquanto renunciava a todo controle.
Winter foi ao encontro de sua paixão cheia de desejo prometedor, e seu corpo se moveu nervoso enquanto ele se situava para reclamá-la. Com os antebraços sob seus ombros, Matt recolheu seu formoso cabelo nos punhos e manteve a boca quieta para a invasão de sua língua enquanto, devagar, adiantava os quadris.
Mas ela insistiu em não deixá-lo ser delicado; insistiu em não deixá-lo ir devagar e desenlaçou as pernas, apoiou-se bem e levantou os quadris para ir ao encontro dos dele. Com a boca bem fundida com a dela, Matt capturou seu repentino grito ao tempo que, pouco a pouco, empurrava além de sua virgindade e se acomodava de tudo dentro dela. Ficou quieto, com intenção de permitir adaptar-se, mas Winter zombou de suas nobres intenções fincando os dedos nos ombros e jogando a cabeça para trás com um gemido de prazer enquanto se arqueava para cima para tomá-lo inclusive mais profundamente.
—Sim! — Gritou quando ele se retirou devagar, avançou para frente e depois repetiu o movimento outra vez.
Esticou-se em torno dele enquanto umas diminutas gotinhas de suor cobriam a testa e o corpo se umedecia de paixão.
E, maravilhado diante sua reação, Matt se deixou arrebatar e se aproximou mais à formosa chama de Winter, cheia de prometedora sorte. O ar que os rodeava se carregou com energia de um milhar de lanternas, e as douradas paredes da guarida pulsaram ao ritmo de seu palpitante coração. Por fim ela franqueou o vazio intemporal e entrou no abismo, e Matt gritou seu assombro quando a explosão da paixão sacudiu também o corpo em crescentes ondas que o levaram com ela até a forte tempestade de formados redemoinhos de cores.
E assim de rápida e irrevogavelmente, tudo terminou; só ficou prolongada sensação do corpo de Winter apertando-se em torno dele. Sem soltá-la, para permanecer dentro e não perder nenhum só de seus minguantes espasmos Matt baixou o peso e se estendeu junto a ela. Depois afastou o cabelo da ruborizada face e beijou os olhos fechados e as comissuras da sorridente boca, enquanto o peito de Winter subia e descia com profundas respirações.
Ao fim, dirigiu um preguiçoso olhar azul e, em um murmúrio sem fôlego, cantarolou:
—Mmmm… Foi… Maravilhoso — Deu um tapinha no suarento ombro, deixou a mão ali e fechou os olhos outra vez — Tudo o que imaginava que seria.
Matt apoiou a cabeça em uma mão e com a outra continuou acariciando o cabelo.
—De modo que imaginava fazer amor, não? Em geral ou comigo?
Ela abriu apenas um olho; seu satisfeito sorriso se alargou enquanto dava outro tapinha no ombro.
—De tê-lo imaginado com os homens em geral, faz muitíssimo que a curiosidade já me teria vencido.
Ele beijou sua doce boca por dar a resposta adequada; depois tirou a mão de seu cabelo e a passou pelas costas até fechá-la sobre seu precioso traseiro. Com cuidado, saiu dela antes de aproximar-se a seu corpo.
—Então vai contar-me por que fugiu de casa?
—Não — Disse ela; puxou seu ombro para lhe dar um beijo e depois continuou puxando até que o teve deitado em cima dela outra vez — Depois. Agora mesmo quero voltar a te sentir dentro de mim.
Imediatamente Matt ficou duro como uma pedra e se ergueu, surpreso.
—Não pode ser — Resmungou — É muito cedo.
—Para você ou para mim? — Perguntou ela, rindo.
Aquele som musical ressoou nas paredes da gruta.
Ele sentiu um calor que, muito devagar, subia pelo pescoço. Então agarrou as errantes mãos e as segurou junto à cabeça.
—Para você — Grunhiu mais que sussurrou — É muito sensível.
As sobrancelhas de Winter subiram por cima de uns olhos azuis muito abertos.
—Mas, de verdade, em que século vive? É mais antiquado que uma solteirona vitoriana. Sou uma mulher saudável, atlética, do século vinte e um… — Voltou a rir enquanto subia as pernas pelas de Matt e rodeava as coxas para aproximá-lo com os calcanhares; fez uma careta — Mas, vamos, se for muito cedo para você, suponho que teremos que nos abraçar nada mais até que você… Bem, recupere-se um pouco.
Enquanto falava, não deixou de tentar rebolar para adotar uma postura mais prometedora; estava claro que era muito consciente de que ele não só não estava dolorido, mas também muito recuperado.
Matt voltou a deslizar-se dentro dela com exasperante lentidão, observando como a paixão que voltava a aparecer fazia ruborizar-se… Enquanto seu próprio desejo subia até a estratosfera a duas vezes a velocidade da luz.
Então Winter MacKeage não só passou a respaldar seu alarde de saúde atlética, mas também demonstrou uma surpreendente falta de inibições e uma sedutora curiosidade para ser tão nova naquele jogo. Aquela noite voltaram a fazer amor à vezes com desenfreio e às vezes com preguiçosa ternura; às vezes dormitando entre sessões e às vezes só jogados um nos braços do outro na acolhedora e dourada guarida enquanto escutavam o furioso vento que uivava fora.
E durante todo aquele tempo, no fundo de sua mente Matt teve uma certeza: ao chegar à manhã, ou a promessa de lealdade de Winter se poria a prova, ou a dura realidade de uma tempestade ainda mais mortífera os condenaria aos dois.
Winter despertou com um sorriso; a não ser pelas maravilhosas dores que tinha em todos os músculos e o muito autêntico sabor de Matt Gregor que seguia sentindo nos lábios, teria pensado que talvez tivesse sonhado sua noite de paixão. Inclusive sem abrir os olhos soube que estava sozinha; a calma da gruta era completa depois de ter estado cheia de uma energia tão explosiva que a lembrança de algumas sensações ainda o fazia tremer as vísceras.
Nesse momento soou o estômago. Winter recordou que não tinha comido nada no dia anterior e decidiu que ia cozinhar para Matt um bom café da manhã para impressioná-lo com sua única habilidade doméstica. Ao abrir os olhos e levantar tirou estranhou que, enquanto dormia, desfez-se do saco de dormir. Meu Deus estava deitada ali, nua de tudo, enquanto Matt se vestia e saía…? Apressou-se a passar a mão no saco de dormir e, com atraso, abraçou-o sobre seu corpo; o rubor lhe abrasou as bochechas enquanto olhava a seu redor piscando. De repente deu um grito afogado.
As paredes brilhavam. Brilhavam! O granito já não era cinza escuro, mas sim de um suave e intenso dourado, e inclusive sentia que delas brotavam ondas de calor. Não era de estranhar que tirou o saco de dormir, dentro da gruta devia fazer mais de vinte e cinco graus.
—Caramba — Murmurou. Esquecida de sua nudez ficou de pé como pôde ao tempo que ia cautela até a parede e, com suavidade, tocava aquele resplendor dourado. Estava quente!
Acaso o pequeno incidente do dia anterior com o bastão tinha carregado de íons o granito, ou algo assim? Seriam radiativos? Apressou-se a colocar para trás a mão justo quando lhe ocorreu outra ideia. Como diabos ia explicar aquelas brilhantes paredes a Matt?
Winter girou sobre seus calcanhares, recolheu a roupa que tinha vestido no dia anterior e se vestiu depressa, fazendo caso omisso dos protestos de seus músculos enquanto retorcia os braços para abotoar o sutiã. Depois, enquanto colocava as calças, foi saltando de um pé a outro para revisar a caverna com frenesi procurando o bastão. Onde diabos estava? Sabia que tinha deixado o pau no lugar aonde foi parar de noite, pego à parede traseira… Mas ali não estava!
A metade de um salto se deteve e deu outro grito afogado.
Gesader… Onde diabos estava seu mascote?
Sentou-se e colocou as meias três-quartos. A noite anterior Gesader devia ter ouvido chegar o Matt pelo bosque e partiu antes que entrasse na gruta… E o muito caprichoso com certeza que levou o condenado pau, disse enquanto colocava os pés nas botas e as fechava rápido. Mas com ou sem bastão, tinha que encontrar um modo de explicar aquelas brilhantes paredes.
Um momento… Um fogo! Acenderia um enorme fogo no buraco, e Matt pensaria que as chamas se refletiam nas paredes e as faziam resplandecer. Sim, e isso também explicaria que ali dentro fizesse tanto calor como no inferno. Aproximou-se depressa do buraco para o fogo, pôs várias lenhas em um desorganizado cone, e começou a olhar a seu redor procurando isca.
Caramba, outra vez estava com o problema do princípio… Nada de isca. Ficou de pé, foi nas pontas dos pés até a entrada da gruta e deu uma olhada fora para procurar Matt. O vento tinha amainado bastante e já só nevava um pouco, mas Winter só viu os rastros de Matt que se dirigiam para a pradaria. Suspirou aliviada, correu por volta do abedul que tinha mutilado no dia anterior e arrancou várias tiras de casca mais. Depois voltou correndo, colocou a casca dentro do cone de lenha e depois começou a procurar os fósforos.
Levantou o saco de dormir e depois o colchonete, e os colocou a um lado para ver por debaixo, mas não encontrou nada mais que o chão. Então correu para o montão de mantas e ficou a procurar depressa entre elas, mas seguiu sem encontrar nada. Sim que encontrou o lampião junto à parede lateral, mas ali não havia nem rastro de fósforos. Enquanto começava a ficar histérica, tirou toda a roupa da bolsa de Matt em busca de um acendedor ou algo parecido… Algo com a que acender um fogo!
Ao não encontrar nada, Winter voltou até o buraco e o rodeou enquanto cravava a vista no apagado cone de lenha. Ficou de cócoras, de costas à entrada, e franziu o cenho. Quando comiam no bosque, Robbie não usava um bastão para acender fogo; só tocando a lenha, esta pegava fogo. Não dizia nenhuma palavra. Dava a impressão de que unicamente desejava que se acendesse… E o fazia.
Bom, pois em teoria ela era maga, não? Alargou a mão, tocou a lenha com o dedo, ordenou-lhe que pegasse e conseguiu… Não conseguiu nada; nem sequer um estalo.
Franziu o cenho e se concentrou mais; desta vez exigiu que se acendesse, e mesmo assim não conseguiu nada.
De repente uma grande mão cobriu a sua e sustentou o dedo sobre a lenha. Justo quando o cone de lenha se acendia suavemente, Matt sussurrou:
—Tem que pedir o que quer com calma.
Dando um assustado grito e com os olhos muito abertos pela surpresa, Winter se afastou depressa, ficou de pé e recuou até a parede da caverna. Depois de jogar uns quantos paus mais ao fogo, cada vez maior, Matt se levantou e sacudiu flocos de neve dos ombros enquanto a olhava de frente.
Winter abriu a boca, mas não emitiu nem um som, nem sequer gritou. Como sabia ele…? Como tinha feito…? Nem sequer entendia o que acabava de acontecer, e muito menos podia expressá-lo.
Ele foi para ela e, como pôde, Winter avançou de lado pela brilhante parede. Então ele se deteve, colocou as mãos às costas e sorriu.
—Bom dia, esposa — Disse em voz baixa.
Ela abriu a boca de novo; desta vez só conseguiu dar um grito ininteligível.
—Tem fome? — Perguntou ele — Porque eu estou morto de fome.
—Q… Quem é você? — Sussurrou ela por fim.
—Matheson Gregor — Respondeu ele sem alterar-se — Guardião de Gairn.
Winter deu um grito afogado e agarrou o pescoço com a mão, como se tentasse impedir que o sangue se o fosse da face.
—Cùram! — Disse.
Ele fez uma leve inclinação de cabeça.
—Sim, mas prefiro que me chame Matt… Ou marido — Ofereceu com um meio sorriso.
Muito lentamente, Winter se afastou mais seguindo a parede; o calor provocou que um rego de suor descesse pelas costas. Daar, seu pai e Robbie levavam mais de duas semanas procurando Cùram de Gairn… E estava justo diante de seus narizes todo o tempo. Olhou a entrada da gruta e calculou as possibilidades que tinha de passar por diante de Matt… Ou de Cùram, ou de quem diabos fosse! Antes que ele rodeasse o fogo.
—Nem o tente sequer — Disse ele em voz baixa — Te apanharei antes que saia do prado. E, além disso, não há aonde escapar, esposa.
—Deixa de me chamar assim! Eu não sou sua esposa!
Matt tirou as mãos de trás das costas e cruzou de braços enquanto baixava a vista para o saco de dormir, feito uma bola, que estava a seus pés; depois voltou a olhá-la com uma sobrancelha levantada. Em tranquilo contraste com seu grito, sussurrou:
—Ontem à noite nos transformamos em marido e mulher, Winter.
—Não estamos casados! Ter relações sexuais não é o mesmo que casar-se —Prosseguiu ela um pouco mais energicamente; o aborrecimento se somava a sua defesa. Cruzou os braços também, não para imitá-lo e sim para proteger do frio que aumentava em seu interior, apesar da parede que abrasava as costas — Para que se vincule tem que haver uma cerimônia de verdade e, além disso, tem que estar presente um sacerdote.
—Huy, princesa, é vinculante se as duas pessoas trocam as promessas de boa vontade — Encolheu os ombros — Um sacerdote não é mais que uma formalidade de cara à sociedade — Levantou uma sobrancelha outra vez — Não me prometeu seu amor e lealdade ontem à noite, Winter? Não aceitou minha declaração de matrimônio?
Ela meneou a cabeça com veemência.
—Eu não te prometi nada! — Muito lentamente, aproximou-se mais à entrada — Ontem à noite disse essas coisas à outra pessoa. Acreditava que era Matt Gregor, um simples homem de negócios.
Ele inclinou a cabeça.
—E sou um simples homem de negócios. Faz já dois anos e meio que vivo e trabalho nesta época, amassando suficiente riqueza para comprar esta montanha e construir um lar para nós.
Winter se apertou mais contra a parede.
—Você não veio aqui para se casar comigo. Está aqui para destruir a humanidade!
Matt nem sequer se alterou diante a acusação que gritava; limitou-se a levantar uma condenada sobrancelha outra vez.
—Quem te disse isso? Pendaär? — Soltou um bufido e meneou a cabeça — Esse velho bastardo tem mais tendência ao melodrama que à razão. Destruir a humanidade não é meu propósito, embora provavelmente seja uma das consequências.
—E… Então por que está aqui?
—Por você, Winter. Vim aqui por você — Disse Matt com doçura.
Ao ouvi-lo, Winter sentiu que chegava ao limite da razão e que entrava em um escuro vazio cheio de vertiginoso horror. Então se afastou bruscamente da parede e, ao tempo que mandava o fogo de um chute ao saco de dormir, correu para frente de Matt, saiu como um raio procurando a entrada e escapou da gruta a toda velocidade como se uma matilha infernal pisasse nos calcanhares.
Matt gritou algo em tom tranquilo, mas não fez caso e avançou em ziguezague por entre as árvores para a pradaria. Onde caramba estava Bola de Neve? E Gesader? A pantera tinha que ser seu protetor, não era momento de preocupar-se se por acaso o viam.
Correndo com todas suas forças, enquanto rezava para que a neve não ocultasse nada com o que pudesse tropeçar, Winter entrou no prado e chamou aos gritos Gesader. Só respondeu um grito de Matt de trás, e desta vez parecia um pouco fora de si… Então o ouviu gritar “Não!”, ao tempo que algo pesado lhe golpeava as costas e a atirava ao chão.
Em um matagal de braços, pés e pelagem negra, Winter foi dando tombos pela neve. Outro forte impacto arrancou um grito dos pulmões, e, ao tempo que rodava livre até acabar aterrissando de barriga para baixo na neve, ouviu um rugido e um grunhido ainda mais zangado que retumbava pradaria abaixo, longe dela.
Ao levantar a vista viu o Matt e Gesader a pouco mais de três metros de distância, brigando. Não queria abandonar seu mascote, mas tampouco queria desperdiçar a oportunidade que esta brindava com tanta coragem; assim, como pôde, Winter ficou em pé e de novo começou a correr cruzando a pradaria, desta vez em direção à cabana de Tom. Gesader se cuidaria sozinho; um homem não era rival para um leopardo.
De repente se deteve patinando e olhou para trás. Mas e um drùidh? Poderia Gesader defender-se contra o poderoso Cùram de Gairn?
Winter viu que os dois estavam frente a frente, agachados em posição de ataque.
—Não corra Winter — Gritou Matt sem afastar os olhos de seu adversário — Está bêbado. Quer caçar tudo o que corra, e talvez lhe faça mal.
Winter cravou o olhar em Gesader. Bêbado? Seu mascote estava bêbado?
Era um truque, disse; Matt só tentava enganá-la… Imediatamente deu a volta e começou a correr de novo para a parte mais baixa da pradaria.
—Não! — Gritou Matt.
Winter olhou por cima do ombro e viu que Gesader a perseguia uma velocidade alarmante, e que reduzia rapidamente a distância que os separava. Então deu um grito de surpresa, trocou de direção e fez que Gesader perdesse o equilíbrio enquanto tentava dar um golpe de passada.
Quem a fez cair desta vez foi Matt, mas a aterrissagem foi muito menos violenta, já que ele a rodeou com seus braços e se levou o mais forte da queda. Antes sequer de que Winter deixasse de dar voltas à cabeça, Matt estava de pé e de um empurrão a punha atrás, interpondo-se entre ela e seu rugente mascote.
—Deixa-a em paz, Kenzie — Espetou, zangado — Antes que a machuque.
Gesader soltou um rugido que ressoou pela pradaria em feitas ondas arrepiantes, enquanto sua cauda açoitava o ar, encolerizada.
Em voz baixa, Matt acrescentou:
—Vá dormir, Kenzie… E não volte até que esteja sóbrio e preparado para pedir desculpas a minha esposa — Terminou, ressaltando a última palavra.
De repente Winter se deu conta de que a ressaltava para Gesader, não por ela.
Depois de dar outro zangado rugido, e grunhindo pelo baixo, o leopardo se voltou e começou a descer a pradaria, sacudindo a inquieta cauda. Matt se voltou para Winter, e ela deu um passo atrás ao ver sua expressão de aborrecimento.
—Você escolhe — Disse ele com aspereza — Volta caminhando à caverna sozinha ou te levo de volta.
Winter elevou o queixo.
—Chamou-o de Kenzie.
—Sim, porque assim se chama. Kenzie Gregor.
O grito afogado de Winter fez dar outro passo atrás. Depois sussurrou:
—É seu irmão… O dia que nos conhecemos, disse que tinha assuntos pendentes com seu irmão… — Olhou para o prado justo quando a pantera desaparecia no bosque, e depois outra vez a Matt — Não veio aqui por mim, veio por ele.
Devagar, Matt meneou a cabeça ao tempo que cruzava os braços.
—Não, vim aqui por você. Enviei Kenzie na frente com seu primo MacBain, e eu o segui assim que pude.
Winter alargou os braços em um gesto de súplica.
—Mas por quê? — Gritou — Por que veio aqui por mim?
Matt avançou e, antes que ela se desse conta do que ia fazer, capturou-lhe a face em suas largas mãos e fez que o olhasse diretamente aos olhos.
—Porque é quão única pode me ajudar — Disse em voz baixa.
—A… Te ajudar no que?
Ele se inclinou mais perto até que seus escuros e curvados olhos estiveram só a uns centímetros dos dela.
—A matar meu irmão — Sussurrou.
De repente se endireitou, pegou-a pela mão, deu-se a volta e voltou a conduzi-la pradaria acima para a gruta.
Winter não pôde fazer outra coisa que caminhar junto a ele em silêncio. Matt não acabava de dizer aquilo; não podia querer matar seu próprio irmão… E além não contaria com que ela fosse ajudá-lo, não?
Ficou louco, disse. Cùram de Gairn estava alterando o contínuo suceder da vida com sua loucura, e agora tentava levá-la a rastros consigo até aquele escuro e desesperançado vazio. Tinha que encontrar um modo de acabar com ele antes que ele acabasse com a humanidade.
Ou… Ou tinha que encontrar um modo de ajudá-lo.
Nenhuma das duas alternativas, entretanto, arrumava seu quebrado coração.
E é que, embora não fosse muito importante comparado com o, mas sim da humanidade, Winter não esquecia que Matheson Gregor tinha quebrado seu coração… Tanto que não se importava se ele e seu bêbado e traiçoeiro irmão se apodreciam no inferno por toda a eternidade.
Seguiram subindo pela pradaria, os dois em silêncio. Pelo visto, Matt seguia zangado com a pantera; Winter simplesmente estava triste. Mas justo quando Matt a metia na caverna deu um ataque de espirros tão forte que teve que se soltar e tampar a face. A cabeça dava voltas e voltas, os olhos choravam congestionados, e, além disso, o estômago vazio contraía como se tentasse subir pela garganta.
Passando diante do saco de dormir, que fumegava e ardia sem chama, Matt a levou até o montão de mantas e disse:
—Está pegando um resfriado — A ponto de ajudá-la a sentar-se, deteve-se, agarrou uma manta e a sustentou em alto para desdobrá-la. Então cravou a vista no queimado buraco que havia no meio e depois a olhou — O que aconteceu?
A face já quente e congestionada de Winter se acalorou ainda mais, enquanto permanecia muda e se negava a explicar o desastre do dia anterior. Não tinha a mínima intenção de contar a um companheiro drùidh que era tão inábil que nem sequer sabia acender um fogo.
Ele sorriu, jogou a manta no chão e sentou Winter em cima. Depois se dirigiu a uma das caixas que havia perto da parede de frente.
—Esquentarei um pouco de sopa — Disse — Talvez conseguimos nos desfazer desse resfriado. Voar não é nada divertido quando a cabeça parece que está a ponto de explodir.
Winter deixou de secar o nariz na manga e o olhou boquiaberta.
—Eu não penso voar a nenhum lugar.
Matt abriu uma lata de sopa e a verteu em uma panela que pôs sobre uma esquentada rocha, junto ao fogo.
—Continuo tendo um problema com o controle de qualidade em minha firma de Utah, e além agora tenho que resolver o assuntinho de uma cerimônia de bodas… Acredito que me encarregarei das duas com uma rápida viagem ao oeste. — Deu uma olhada e sorriu — Será em uma brega capelinha de Strip de Las Vegas, mas será legal.
—Eu não penso me casar com você — Disse ela, articulando muito bem cada palavra — Não me casei com você ontem à noite, e nem em brincadeira vou casar-me contigo em uma brega capelinha de Las Vegas.
Ele encolheu os ombros. Depois verteu a fumegante sopa em uma terrina e a levou.
—É por você, não por mim — Disse.
Depois de procurar duas colheres, voltou a sentar-se no chão junto a ela e comeu o que ficava na panela, enquanto Winter se tomava sua sopa em silêncio.
Assim que terminou, ela elevou o queixo para rebater o rubor que sabia que ia tingindo as bochechas.
—Tenho… Tenho que ir ao banheiro — Sussurrou.
Ele deixou a panela, ficou de pé e alargou a mão. Sem fazer conta, Winter se levantou como pôde, espirrou duas vezes e saiu da gruta dando pernadas enquanto secava o nariz na manga outra vez. Matt a seguiu, dois passos atrás. Winter só tinha chegado a bordo do bosque quando ele a deteve e deu a volta para que o olhasse de frente.
—Sua palavra de que não escapará correndo, ou não me movo de seu lado.
Ela o olhou levantando uma sobrancelha.
—Aceitará minha palavra?
Ele sorriu.
—Aceitei-a ontem à noite. — Cruzou os braços — Me deu a impressão de que era uma mulher de honra. Estava equivocado?
—Não — Espetou ela, zangada — E além não precisa me ocultar seu sotaque. Já não.
Ele soltou uma risadinha e meneou a cabeça.
—Não te oculto nada, Winter. Disse-te que só aflora quando estou… Sob pressão.
Ela se voltou para dirigir-se ao bosque, mas a mão de Matt sobre o ombro a deteve de novo.
—Me prometa que não escapará correndo.
—Não escaparei correndo — Disse ela sem voltar — O prometo.
Ele soltou o ombro e Winter se meteu correndo entre os entupidos arbustos e caminhou até que pareceu que estava bem oculta. Depois de ocupar-se rapidamente de suas necessidades, entrou mais ainda no bosque e tirou o móvel enquanto olhava por cima do ombro para assegurar-se de que Matt não se impacientava.
Deteve-se, abriu o diminuto telefone e, ao ligá-lo, encontrou duas barras de cobertura. Pôs o polegar sobre a marcação rápida de Gù Brath… Mas não a ligou. O que ia dizer a seus pais? “Olá, estou aqui com Cùram de Gairn na montanha Bear. Por que não sobem correndo e o matam por ser um infame bastardo e me romper o coração?”
Em vez da marcação rápida, Winter deu apertou a tecla de desligar fechou o telefone e voltou a metê-lo no bolso com um suspiro. Igual odiava a Matt Gregor, igual queria encontrar o pau para fazê-lo picadinho, certamente não queria ser responsável por sua morte, embora não o matasse ela em realidade.
Por retorcido que parecesse, Winter se deu conta de que, fosse quem fosse Matt ou o que pensasse fazer, não podia estar apaixonada por ele e, ao momento, odiá-lo. Não tinha entregado seu amor à ligeira e demoraria algum tempo em desapaixonar.
E isso a fez sentir um respeito completamente novo por Megan.
Deu a volta e retornou por entre os arbustos. Ao sair ao claro que havia junto ao penhasco viu Matt; estava apoiado na entrada da caverna, com os braços cruzados, e sorria.
—E Bola de Neve? — Perguntou enquanto se aproximava dele — Tenho que ver como está.
—Está bem. Tirei-lhe a manta esta manhã e o mandei a casa.
—Não. Isso não faria mais que preocupar a meus pais.
Ainda apoiado contra o penhasco, ele elevou uma sobrancelha.
—Não acaba de chamá-los por esse telefone que leva sempre para contar onde está?
Ela afundou os punhos nos bolsos do jaquetão e olhou aos pés do Matt.
—Não os chamei.
Ele não disse nada; limitou-se a estender a mão. Mas, sem tirar as mãos dos bolsos, Winter passou quase roçando-o e entrou na gruta. Imediatamente começou a pôr ordem. Ficou a dobrar e colocar em seu lugar a roupa que tinha tirado da bolsa de Matt enquanto procurava fósforos.
—Onde está minha vara de pinheiro? — Perguntou.
—Lá em cima, fora de seu alcance.
Winter deu a volta e o viu assinalar com uma inclinação de cabeça para uma alta saliência de granito, que seguia brilhando; por cima da borda aparecia a ponta de seu bastão. Fechou o zíper da bolsa, afastou-se um pouco e começou a dobrar as mantas.
Nesse momento umas mãos grandes e quentes ficaram sobre seus ombros e ajudaram a levantar-se, puxando-a pelo jaquetão.
—Deixa isso e vem aqui — Disse Matt.
Levou-a perto da parede de frente, junto ao fogo, e a fez sentar-se.
—O… O que vai fazer? — Sussurrou ela quando ele se sentou diretamente atrás, de costas à parede.
—Vou escovar seu cabelo.
Com um rápido gesto, ela levou a mão ao cabelo, recolheu os emaranhados enredos no punho e os jogou para frente do ombro para afastá-los dele.
—Sei escovar meu cabelo só — Disse, ao tempo que passava os dedos pelos nós.
Ele alargou o braço para frente dela, baixou suas mãos até o colo e voltou a jogar o cabelo para trás.
—Mas eu quero fazê-lo — Disse em voz baixa — Você fica sentada tranquilamente enquanto eu lhe conto uma pequena história. Depois, quando acabar, falaremos de nossos planos de casamento.
Winter fechou os olhos e ficou muito quieta; um rápido calafrio percorreu a espinha quando as mãos de Matt deslizaram por debaixo de seu cabelo. Os dedos subiram pela parte de atrás do couro cabeludo e depois desceram com suavidade entre seus cachos até que se engancharam nos nós. Então Winter sentiu o suave puxão de uma escova de cerdas finas enquanto, devagar, Matt começava a soltar os nós que tinha perto das pontas de seus cachos.
—Faz muitíssimo tempo — Começou Matt em voz baixa — Em uma terra longínqua, vivia um menino que sonhava transformar-se em um poderoso guerreiro. Vivia em uma cabana com sua mãe e seu pai, no alto de uma montanha, e, além disso, tinha um irmão mais movo e uma irmã bebê.
Matt separou um grosso cacho do cabelo de Winter e começou a escová-lo, subindo pouco a pouco da ponta.
—Ao menino não parecia estranho que vivessem tão longe da aldeia ou que nunca brincasse com outros laids. Não. — Matt baixou a voz — Estava muito contente brincando de correr pelo bosque com seu irmão e jogando com ele a fazer simulacros de combates com suas espadas de madeira. Ao princípio era muito pequeno e despreocupado para perguntar-se sequer por que diziam que evitasse às pessoas e que não formasse vínculos afetivos com ninguém que não fosse seu irmão ou sua irmã.
Winter quis falar, perguntar por que… Mas um nó começava a formar-se o na garganta.
—Ao começar a sentir os primeiros indícios de virilidade, o menino se questionou que seu pai não deixasse preparar-se para ser um guerreiro, como outros laids da aldeia vizinha — Matt deixou de escovar — Cada dia estava mais decidido a ser guerreiro e enfrentava a seu pai em azedas discussões a gritos… Discussões que faziam chorar a sua mãe, que faziam que sua irmã se refugiasse, medrosa, em um canto, e que seu irmão mais novo se escondesse no bosque.
Winter sentiu que Matt agarrava outro nó de cabelo e de novo começava a escovar os enredos com suavidade.
—Antes de fazer dezesseis anos, o menino se fartou e escapou de casa, entre os gritos de aborrecimento de seu pai e os desesperados soluços de sua mãe. Correu tudo quão rápido pôde e depois caminhou durante dias até que chegou ao mar e não pôde ir mais longe. Ali, enquanto vagava sem rumo pela costa, encontrou uma aldeia de criadores de ovelhas, trabalhadores, mas pobres, e apesar de sua pobreza, uma família o acolheu. De dia o menino trabalhava cuidando as ovelhas e de noite se preparava para proteger o pouco que tinha a aldeia da pilhagem dos vizinhos.
Matt deixou de escovar outra vez e Winter sentiu que fechava as mãos dentro de seu cabelo até as transformar em punhos.
—O menino não compreendia por que seus pais eram tão resistentes a que se relacionasse com alguém. Na aldeia que o tinha acolhido vivia boa gente, gente generosa e amável — Começou a escovar outra vez — Esteve com eles dez anos, bastante contente com a nova vida que se fez, até que uma noite sem lua uma banda de piratas ladrões que subia costeando desembarcou na praia da aldeia.
Winter ficou rígida e entrelaçou forte os dedos no colo enquanto cravava a vista na brilhante parede que tinha diante.
—A aldeia não teve possibilidade alguma. A uns os mataram brutalmente em suas camas, a outros os queimaram vivos quando tentavam fugir de suas casas. Às mulheres as violaram e as mataram; aos homens os mutilaram antes de executá-los. Aos meninos os perseguiram e os atravessaram com espadas, salvo aos de menos de três anos: a estes levaram. Mataram até as ovelhas, embora só se levaram as peles. Queimaram os trigais e jogaram sal nos poços. Para o amanhecer, a destruição era absoluta.
Gelada de horror, incapaz sequer de secar as lágrimas que caíam pelas bochechas, Winter sussurrou:
—E…? E o menino?
As mãos de Matt se esticaram sobre seu cabelo.
—Então o menino era um homem de vinte e seis anos, lass, que se tinha convertido em um poderoso guerreiro. Com a espada matou a mais de trinta daqueles assassinos bastardos, e ao menos a dez com suas próprias mãos, mas sua arma se quebrou e, por fim, um golpe que quase o partiu pela metade o derrubou em terra.
—M… Morreu?
Devagar, as tremulas mãos que estavam sobre seu cabelo começaram a escovar de novo.
—Deveria ter morrido — Sussurrou Matt — Pois a ferida era mortal. Mas ficou estendido ali, enquanto seu sangue se filtrava entre as cinzas do trigal, olhando arder o povoado e esperando que o levasse a morte. Mas a morte não chegou. Saiu o sol, e ele continuava vivo; o sol voltou se pôr aquela tarde, e ele continuava estendido em um atoleiro de seu próprio sangue, ainda esperando a morte, enquanto respirava o fedor a pessoas e animais mortos misturado com o da carne queimada.
Matt envolveu Winter em um terno abraço enquanto pegava a face dela.
—Shh… — Sussurrou, abraçando-a mais forte — Não chore lass; o jovem guerreiro vive. Antes da manhã seguinte fica de pé, enfaixa a ferida e empreende a comprida e penosa viagem de volta à casa de seus pais.
Depois de secar as lágrimas com os polegares, começou a escovar o cabelo outra vez. Como quase todos os nós tinham desaparecido, deu largas passadas com a escova ao tempo que colocava a mão livre por debaixo do cabelo. Depois prosseguiu sua história.
—Custou reconhecer sua antiga cabana — Sua voz era tão tranquilizadora como as suaves passadas — Estava em mal estado, e dava a impressão de que não vivia ninguém, mas na parte de trás encontrou duas tumbas com torcidas cruzes; os nomes de sua mãe e sua irmã estavam esculpidos nelas. Sua mãe tinha morrido fazia quatro anos dizia a cruz; só fazia três meses que tinha morrido sua irmã. Apoiado na cruz de sua irmã havia outro tabuleiro com um nome, “Kyle”, e uma idade: três semanas e dois dias.
Winter tentou conter um soluço, e Matt deixou de escovar, rodeou-lhe o pescoço com a mão e, com gesto tranquilizador, esfregou o pulso com o polegar. Sem saber quanto mais poderia suportar, Winter ficou absolutamente quieta, temerosa de que ele interrompesse seu relato.
—O guerreiro revisou a cabana procurando algum rastro que indicasse o que tinha acontecido a seu pai e a seu irmão — Prosseguiu Matt enquanto voltava a escovar — A casa era um desastre; havia pratos quebrados e grão esparso pelo chão, mas sabia que era de abandono, não obra dos ladrões. As telhas de cobriam tudo, e isso confirmou que fazia meses que não havia ninguém ali; possivelmente, da morte de sua irmã.
Então recordou uma caverna que havia mais ou menos a dois quilômetros de distância, subindo pela montanha, e onde frequentemente encontrava a seu pai quando o velho desaparecia durante dias. Assim que o guerreiro foi à gruta, e ali estava seu pai… Bêbado, meio cego, sujo, fedorento, e como uma cabra. Tentou convencê-lo de que voltasse para casa, mas o pai, que ao princípio nem sequer reconheceu seu filho, negou-se. Desse modo viveram juntos na gruta quase um mês, enquanto o guerreiro se curava e o velho continuava contando seus desenquadradas e incríveis histórias.
—Q… Que espécie de incríveis historia? — Sussurrou Winter.
Matt deu um suave puxão.
—Tenha paciência, lass — Prosseguiu; em vez da escova, começou a passar os dedos por entre os cachos — O guerreiro descobriu do que tinha acontecido a seu irmão. Menos de um ano depois de que ele partiu de casa, e em um acesso de aborrecimento, seu irmão mais novo também se foi. Foi em busca de outro clã com o que viver, pois a aldeia vizinha considerava estranha a toda sua família e os rejeitava.
—Podia fazê-lo? — Winter tentou dar a volta para olhar Matt — Podia, sem mais, entrar em outro clã?
Matt lhe agarrou o cabelo para que seguisse olhando para frente e continuou.
—Lá por então não era insólito trocar de clã. Recorda que isso passou faz muitíssimo tempo, Winter: muito antes inclusive da época de seu pai. Assim que nosso jovem guerreiro ficou com seu pai até que, simplesmente, uma manhã o velho não despertou. Enterrou seu pai ao lado de sua mãe, sua irmã e seu sobrinho; depois prendeu fogo à velha cabana e rastelou a terra por completo até que não ficou nem rastro de que tivesse existido nunca. E depois de ocultar até as tumbas, partiu para procurar o único membro que ficava de sua família.
—Mas por que queimar a casa e ocultar as tumbas? O que escondia?
—Seu legado — Se limitou a dizer Matt. Abraçou-a de novo, apoiou-se na parede e cruzou os braços sobre os de Winter, justo por debaixo de seus seios, enquanto estirava as pernas a ambos os lados das suas. Baixou o queixo sobre sua cabeça para animá-la a recostar-se outra vez nele, e depois prosseguiu — Sabe? Depois de ouvir durante semanas os incessantes desvarios do velho, por fim o guerreiro o entendeu; pelo visto seu pai era filho de um drùidh que se casou com uma Guardiã.
Winter deu um grito afogado, e Matt a segurou forte quando tentou levantar-se; antes que pudesse falar, disse:
—Sim. Meus avós estavam destinados a servir à Providência, mas em vez disso escolheram o amor, de modo que se casaram e viveram na mesma gruta em que morreu meu pai. — Relaxou o puxão ao dar-se conta de que ficava quieta — Os poderes de meu avô drùidh se perderam com o nascimento de meu pai, e não apareceram de novo até a seguinte geração: em mim.
—Mas Robbie teve um menino e não perdeu seus poderes — Assinalou Winter em voz baixa.
—Com os guardiões é diferente. Os guardiões vivem o transcurso normal de uma vida humana e depois passam a transformar-se em simples ajudantes. A coruja nevada mascote de MacBain, Mary, é um exemplo; era a mãe de Robbie e o ajuda em seus deveres de guardião, mas em realidade não influi no mundo físico.
—Sabe sobre a Mary? — Sussurrou Winter.
—Sim. Conhecemo-nos… Nos víamos quase sempre faz oito séculos, quando ela tentava ajudar MacBain a me roubar minha árvore.
Winter ficou rígida; Matt a abraçou mais forte e deu um beijo na cabeça.
—Seu primo trouxe a raiz principal só porque eu quis Winter — Disse — Porque necessitava que adiantassem minha energia no tempo… E a Kenzie também.
Winter voltou a ficar rígida. Em seguida, enquanto jogava atrás a cabeça para olhá-lo, sussurrou:
—Disse que queria que te ajudasse a matá-lo. Não quero… Não posso.
Com suavidade, e devagar, Matt a fez olhar para frente de novo.
—Quer ouvir o resto da história, ou discutir algo do que não sabe nada?
Ela soltou um fundo suspiro.
—Continua — Resmungou em voz baixa.
Matt soltou uma risadinha e baixou a boca junto a sua orelha. Depois, em voz baixa, prosseguiu:
—Assim depois de apagar todo rastro de minha família, pus rumo ao norte e comecei a caminhar para onde meu pai acreditava que tinha ido Kenzie. Demorei mais de três anos em chegar aonde estava… — Por um instante olhou à parede em frente como se aquilo o assombrasse, mas em seguida voltou para seu relato — As guerras não deixavam de me deter. Ah, me esqueci te dizer que, antes de morrer, meu pai me contou onde estava o bastão de meu avô; enterrado no mais fundo da caverna aonde se foi a viver depois de enterrar o bebê de Fiona.
—D… Do que morreu o bebê?
Matt encolheu os ombros, e com seu gesto encolheu os ombros de Winter também.
—Abandono, o mais provável. Meu velho não sabia nada de bebês… E certamente não sabia que não se alimenta um recém-nascido com leite cru de vaca.
—Antes de morrer, explicou-te seu pai por que devia viver longe das pessoas? — Perguntou ela.
—Sim. Mantinha isolada a nossa família com a esperança de me proteger de meu destino. Sabia que se eu aceitasse minha vocação de me converter em drùidh, o formar vínculos afetivos com as pessoas me faria um amargurado quando morressem meus seres queridos… E eu continuasse vivendo. Seus pais disseram que seria assim e que devia me dissuadir de fazê-lo.
Com o olhar posto na parede de frente, Winter franziu o cenho.
—Mas sim que o fez, converteu-se em drùidh.
Os braços dele se esticaram de novo.
—Sim. Não tive escolha.
—Daar me disse que todos temos escolha. Que temos livre-arbítrio para seguir o caminho da Providência ou nosso próprio caminho. Seus avós escolheram seu caminho, de modo que, por que não teve você a mesma possibilidade?
—Vai me deixar terminar a história? — Resmungou ele.
Winter fechou a boca de repente.
—Ao cabo de três anos por fim encontrei Kenzie, embora por pouco chego muito tarde. Estava em meio de uma atroz batalha entre dois poderosos clãs, e ao seu estavam aniquilando-o. Quase não o reconheci, pois Kenzie só tinha treze anos quando escapei de casa. E quando ao fim consegui abrir passo pela força em meio da batalha para chegar aonde estava, encontrei-o coberto de sangue. Minha primeira esperança foi que o sangue pertencesse a seu inimigo e Kenzie só estivesse aturdido pelo golpe que eu o tinha visto receber — Os braços de Matt a estreitaram forte — Mas a ferida era mortal. Os intestinos saíam por um grande buraco que tinha no ventre.
—Mas você o salvou — Sussurrou Winter.
—Não, eu não. A Providência salvou a vida de Kenzie.
—A Providência?
—Sim. Porque naquele espantoso momento comecei a ver com absoluta claridade minha vocação de drùidh e guardião. Como guerreiro podia me vingar pela morte de Kenzie, mas não impedir que morresse; como simples mortal, não podia fazer nada… Mas como drùidh, podia convocar as energias de todo o universo e mandar que salvassem à única pessoa do mundo que ainda me importava.
—De modo que aceitou sua vocação com o fim de salvar Kenzie…
—Sim. Mas os drùidhs não fazem milagres, e, além disso, como guardião eu não podia impor minha vontade, por muito poderosa que fosse a outra alma sem que houvesse consequências. Assim que aquele dia fiz um pacto não com o diabo e sim com a Providência: aceitava minha vocação se ao Kenzie permitissem viver —Envolveu-a mais em seu abraço — Se dá conta do que supôs minha decisão, lass? Não salvei o Kenzie; em vez disso o condenei… A ele e a mim mesmo.
Ela olhou à parede com o cenho franzido.
—Transformando-o em pantera?
—Essa é a consequência que demonstra que devemos tomar cuidado com o que pedimos. Eu estava tão desesperado por não perdê-lo, que me dava igual à Kenzie não vivesse como humano. Só me preocupava que sua alma permanecesse na terra comigo, embora fosse dentro de um animal.
—Mas Gesader… Kenzie só era um filhotinho quando o peguei.
—Comparados com os humanos, os animais têm vidas curtas. Ao tentar salvá-lo, terminei obrigando a meu irmão a que vivesse muitas vidas como animais diferentes. A nenhuma alma permite repetir a mesma vida, assim que aquele dia Kenzie teve que morrer como homem no campo de batalha e retornar com outra forma.
De novo Winter tentou voltar-se para Matt… E de novo Matt não o permitiu, de modo que ela voltou a acalmar-se e seguiu olhando para frente.
—Mas por que um animal? — Perguntou — Por que não deixá-lo voltar como outra pessoa?
—Então não seria Kenzie: seria alguém a quem eu não reconheceria e que não me conheceria. Nossos corpos morrem, Winter, mas nossas almas não, assim não podia voltar como ele mesmo… Já tinha sido Kenzie Gregor.
Winter inspirou fundo e soltou um suspiro de frustração.
—Então, desde que o encontrou, Kenzie foi diferentes animais e viveu e morreu uma e outra vez?
—Sim.
Antes que ele se desse conta do que Winter pretendia, esta deu a volta em seus braços e elevou a vista; Matt tinha empalidecido e sua face se pôs de um cinza cinzento; seus olhos estavam escurecidos de dor.
—Disse que queria que te ajudasse a matá-lo — Sussurrou — Por quê?
—Porque ele me pediu isso — Disse Matt igual de baixinho, ao tempo que alisava o cabelo e o separava da face; depois sustentou a cabeça entre as mãos — A princípio Kenzie estava feliz de estar vivo e de ver-se a meu lado. A primeira vez retornou como um potro, mas continuava sendo ele, e compartilhamos muitos maravilhosos anos juntos, nos conhecendo outra vez desde o começo… Mas o potro cresceu até converter-se em um cavalo, depois em um cavalo velho… E ao final morreu. Depois Kenzie retornou para mim como um cachorrinho. O ciclo se repetiu durante mil anos, e meu irmão já se cansou. Deseja morrer só uma vez mais, e deseja ser um homem quando isso ocorra.
—Mas como encaixo nesta história?
Matt passou os dedos pelo cabelo e o agarrou quase tudo nos punhos, na parte posterior da cabeça.
—Para que isso aconteça necessito sua magia, Winter. Eu esgotei quase toda a minha tentando chegar até este ponto; agora deve me ajudar a deixá-lo morrer.
—Mas será… Será Kenzie? Disse que quer morrer como homem, mas que uma alma não pode repetir sua vida.
Matt colocou a cabeça de Winter contra o peito para que não o olhasse mais.
—Não sei — Sussurrou — Tenho esperanças de que siga sendo Kenzie. Minha intuição me diz que sua magia é tão forte para permitir que termine sua primeira vida a partir de onde a deixou, no campo de batalha… E que depois envelhecerá até morrer de morte natural aqui, neste século, comigo.
Winter fechou os olhos e escutou o palpitante coração de Matt enquanto refletia sobre o que havia dito. De repente ficou direita.
—Você vai morrer neste século? — Repetiu — Mas se é mais jovem que Daar… Ele meneou a cabeça, e seus olhos se escureceram até chegar a ser impenetráveis.
—Manipulei tanto as energias tentando conceder a Kenzie seu último desejo, que temo que condenei a todos… — Voltou a capturar o cabelo em seus punhos e fez que ela seguisse olhando-o — Inclusive você, Winter. O mesmo pecado que cometi contra Kenzie faz mil anos o cometi contra você ao te deixar grávida ontem à noite.
—Grávida! — Disse ela com um grito afogado, recuando.
Mas o puxão de Matt impediu de afastar-se muito.
—Sim… E ao fazê-lo, fiz o imperdoável. Igual a com meu irmão, tirei o direito de escolher seu próprio destino. Ter nosso filho significa que não será drùidh, Winter, e que eu também perderei meus poderes. — Puxou-a para diante, deu-lhe um beijo na testa e, com os lábios pegos a sua pele, continuou falando — Mas é meu pecado, e serei o único que pague por ele. Procuraremos uma capela em Las Vegas para que se sinta casada, construiremos nosso lar aqui e criaremos juntos nosso filho, enquanto esperamos que chegue o final.
Caramba, justo o que desejava: um drùidh despossuído que ia casar se por dever e estava disposto a viver com ela enquanto esperava pacientemente a que se acabasse o mundo…
Afastou-se o bastante para jogar um olhar assassino e disse:
—Ouça, se me tirar meus poderes ao me deixar grávida, como vou ajudar Kenzie?
Matt meneou a cabeça.
—Não perderemos os poderes até que nosso bebê respire pela primeira vez. Antigamente morriam no útero mais meninos dos que nasciam, de modo que nosso poder não se perde até que o pequeno tenha uma possibilidade de viver. A Providência é muito prática. Não fecha uma porta sem abrir primeiro uma janela, e não se arriscará a perder um drùidh se não estar segura de que outro vai substituí-lo — Suspirou e esfregou a testa — Recorda, também existe a possibilidade de que um drùidh dê as costas a sua vocação, de modo que a Providência não elimina nenhuma opção. Ainda tem tempo de me ajudar a ajudar o Kenzie.
Winter o empurrou no peito e, antes que ele pudesse apanhá-la, levantou-se como pôde.
—Pelo modo de dizê-lo, parece que a Providência só se dedica a criar magos! —Espetou, zangada; assinalou a entrada da caverna e sua voz se converteu em um sussurro — Vá. Vá ver se, com os vapores da bebedeira, seu irmão caiu no lago e se afogou — Aproximou um passo — Do que se embebedou?
Sem mover do chão, Matt elevou a vista para ela.
—De népeda.
Ela se voltou e ficou olhando a parede em frente.
—Vá — Sussurrou de novo, abraçando-se.
Durante muitíssimo tempo ele não disse nada, até que por fim Winter o ouviu ficar de pé. Quando falou, sua voz chegou da entrada.
—Temos que sair para Utah amanhã pela manhã. Diga a seus pais que voltará depois de amanhã pela manhã se desejas contar.
Ela não disse nada, e então Matt… Ou Cùram de Gairn, ou quem diabos fosse, saiu em silêncio da gruta.
Winter estava sentada sobre o chamuscado saco de dormir diante um fogo que, graças às cálidas e brilhantes paredes, em realidade não necessitava. Enquanto elevava a vista para seu bastão de pinheiro, mastigou a última parte de uma barra de chocolate que tinha encontrado em seu alforje. Por um momento se sentiu culpada ao pensar que, provavelmente, Matt teria fome; a sopa que tinha tomado fazia horas não o teria mantido muito momento… Mas a culpa só durou o tempo que demorou para recordar quão furiosa estava com ele.
E, além disso, esperava que Gesader… Kenzie tivesse uma ressaca tremenda.
Não podia acreditar que estivesse grávida… Não acreditava. Uma coisa tão importante saberia, não? Sempre percebia a energia dos espíritos, não ia saber se em seu interior crescia um pequeno?
Na noite anterior não tinham usado proteção alguma. Winter nem sequer teve em conta o risco de gravidez, e muito menos pensava em nada que não fosse amar Matt… Tanto que quase explodia o coração à força de desejá-lo. O que diria a seus pais? Como fazer passar por aquilo quando ainda tentavam confrontar a gravidez de Megan?
O coração de Winter compartilhava o sofrimento de sua irmã. Por fim compreendia por que não deixava de chorar, pois desde que Matt partiu, fazia mais de quatro horas, seus olhos não paravam de gotejar… Embora algumas lágrimas talvez fossem do resfriado… Ao melhor.
Mas, provavelmente, não. O Matt Gregor de quem se apaixonou naquelas duas semanas seguia enraizado em seu coração, embora Winter só estivesse segura disso. Do resto, daquela história do jovem guerreiro que tinha perdido a todos seus seres queridos e de sua pantera mascote que em realidade era um homem, ainda não sabia o que opinar.
Embora essa história explicava umas quantas coisas e completava quase todo o quebra-cabeças do que tinha estado ocorrendo ultimamente. Salvo… Salvo que não tinha perguntado a Matt por que tinha cortado a copa da árvore de Daar. Se de verdade necessitava sua magia, por que teria se arriscado a debilitar o pinheiro branco?
E o dessas bodas que ele não deixava de insistir em que iam celebrar em Las Vegas no dia seguinte… Como tinha que sentir-se? Irritada? Horrorizada? Agradecida de que não fosse a abandoná-la como tinha feito Wayne Ferris com o Megan?
Winter se deu conta de que tinha que recordar que Matt procedia de outra época. Fazia séculos, conceber um filho ilegítimo garantia uma vida de infelicidade à mãe e ao bebê. E, além disso, estava o de sua irmã, Fiona. Tinha que recordar também que a tragédia de Fiona o tinha afetado; que não tinha protegido a sua irmã quando ficou grávida e morreu no parto, nem quando, pouco depois, morreu seu bebê.
Pobre Matt, consumia-o a culpa. Em teoria era um guardião e um poderoso drùidh, mas não tinha protegido os que amava, nem os aldeãos que foram bons com ele, nem a sua família e, em última instância, nem sequer o Kenzie.
Por isso, apesar de que a tinha enganado e tinha quebrado a magia tanto como para condenar à humanidade, Winter não se sentia com coragem para descobrir sua verdadeira identidade a Robbie, a Daar e a seu pai. Compreendia muito bem por que a noite anterior Matt tinha exigido aquelas promessas, por que confiava em obter sua lealdade ao menos o tempo suficiente para cumprir a promessa que tinha feito a seu irmão. Contava com que Winter cumpriria sua palavra, embora, de forma inocente, a tivesse dado a seu inimigo.
Que confusão! Pelo visto, fizesse o que fizesse, estaria errado. Podia trair a sua própria família e fingir que Matt só era o homem ao que amava, ou podia trair o homem que amava e proteger a sua família. Ah sim, já postos, também podia trair à humanidade inteira!
Tinha que haver uma forma de devolver o equilíbrio ao contínuo suceder da vida sem provocar uma confusão maior, Só tinha que dar com o modo de impedir que o pinheiro morresse conceder a Kenzie seu desejo e redimir a alma de Matt sem perder a sua própria. Matt havia dito que ela era poderosa, tão poderosa, em realidade, que a tinha escolhido para que o ajudasse.
Winter estava esfregando o nariz com a manga e se deteve na metade. Mas por que a ela? De todos os magos de todas as épocas, por que Cùram de Gairn tinha ido aquele século para implicá-la em sua perdição?
Caramba, não iam acabar nunca as perguntas? Cada vez que se inteirava de algo novo, menos sabia.
Winter bocejou e depois espirrou tão forte que começou a dar ferroadas na cabeça. Olhou para a entrada, deu-se conta de que já estava escuro e voltou a bocejar. Decididamente, chorar sentava mal ao corpo, disse pela segunda vez em dois dias, enquanto cavava o que ficava do saco de dormir e se deitava.
E no dia seguinte não parecia ser mais prometedor.
Winter despertou surpreendentemente tranquila, tendo em conta quão agitada tinha sido a primeira parte da noite. Aos poucos minutos de ficar adormecida, passou por experiências horríveis: ladrões assassinos que matavam de forma brutal a indefesos aldeãos; ela revirando com frenesi uma montanha desconhecida em busca de umas tumbas sem nome; ela perseguindo Matt através de um escuro vazio de desesperança enquanto gritava seu nome e chorava sem parar… Mas a altas horas da madrugada, em algum momento antes do amanhecer, seus pesadelos trocaram e se transformaram em um agradável e pitoresco sonho, tão cheio de prometedora esperança que ainda custava abrir os olhos e deixar que terminasse.
Estava bastante segura de por que de repente se desvaneceram os pesadelos e também exatamente quando. Matt voltou a altas horas da madrugada, envolveu-a com seu corpo até que só ficou ao descoberto seu nariz e a manteve dentro de seu abraço protetor durante o resto da noite. Em realidade, ainda estava abraçando-a, bem pego a suas costas, com o braço e a perna jogados por cima, agarrando-se por um modo que indicou Winter com quanto desespero a necessitava.
Porque, mais que necessitar sua ajuda para cumprir a promessa feita a Kenzie, Winter compreendeu que Matt a necessitava desesperadamente para arrancar à Providência a alma de Cùram de Gairn e para voltar a lhe conceder ao Matheson Gregor o dom da esperança. O que de verdade alterava o contínuo suceder da vida era aquele frio vento de desesperança que tinha sentido ao abraçar o pinheiro, não o que Matt manipulasse a magia para seu proveito. OH, Winter não negava que fosse egoísta o fazer um pacto com a Providência para manter vivo seu irmão, mas acaso não era a Providência igual de culpada?
Tinha chegado a aquela blasfema conclusão durante seu formoso sonho. Nele, enquanto caminhava pelo bosque da montanha Bear, topou-se com um grande corvo que estava no toco de uma árvore e os dois tinham mantido uma conversa muito interessante. Winter fez perguntas sobre sua vocação e o sábio pássaro negro proporcionou respostas que ultrapassavam quanto ela tivesse imaginado. Em seu sonho, o corvo tinha a voz de Tom, mas Winter descartou essa assimilação; Tom sempre estava esculpindo corvos, de modo que, é obvio, o do sonho o recordava. Entretanto, ao final da conversa o corvo falou de uma mudança no contínuo suceder da vida, acontecido fazia quase mil anos.
Com os olhos fechados ainda, Winter franziu o cenho enquanto se perguntava se de verdade era possível que uma pessoa se inteirasse de coisas sonhando. Porque, de acreditar o que tinha contado o corvo, ao melhor já sabia como resolver todos seus problemas e os do Matt… E salvar à humanidade de passagem.
O corvo disse que no instante em que Cùram de Gairn fez seu pacto com a Providência, o contínuo suceder da vida em seguida se deu conta de seu engano e começou a alterar seus costumes. A Winter também surpreendeu inteirar-se de que, até que ela nasceu, todos os drùidhs sempre tinham sido homens; e que, por estranho que parecesse os guardiões estavam acostumados a ser mulheres, embora não era um princípio estrito. O corvo tinha explicado que a energia feminina era afetuosa por natureza, e, além disso, muito prática comparada com a energia masculina, que tendia a ficar um pouco contundente na hora de resolver os problemas.
E vá se Daar não tinha demonstrado essa teoria mais de uma vez!
O pássaro disse que Cùram também o tinha demonstrado; Matheson Gregor, que se tinha preparado para ser guerreiro, mudou essas técnicas a sua vocação como Cùram de Gairn. Com o fim de transportar-se até o século atual para meter-se na cama de Winter sem perder seu poder, Cùram empregou a astúcia, os enganos e frequentemente a força bruta; todas elas, ferramentas de um guerreiro de êxito. Diabos, o corvo do sonho disse que, para chegar a aquele século, Matt tinha chegado ao extremo de destruir sua árvore da vida ao voar a montanha Snow oitocentos anos atrás.
Por isso o contínuo suceder da vida tinha começado a trocar muito antes. Aquele dia fazia mil anos, em que Matheson Gregor salvou a seu irmão ao transformar-se em Cùram de Gairn foi o dia em que se predisse o nascimento de Winter.
O corvo também comunicou que estava grávida, mas que isso não queria dizer que tivesse perdido seu valioso direito de livre-arbítrio. O bebê de que estava grávida era o fruto de dois poderosos drùidhs, e tanto ela como Matt seguiam sendo capazes de escolher seus caminhos desde aquele momento em adiante… Caso, claro está que em efeito ela voltasse a equilibrar a energia com a ajuda de seu poderoso pinheiro. O corvo havia dito “seu” poderoso pinheiro branco, pois sua energia sintonizava já com a Winter, e não com Daar.
—Está acordada — Disse Matt; com os lábios roçou o cabelo.
—Sim — Reconheceu ela sem abrir os olhos.
—No que pensa?
—Nos sonhos. Você sonha alguma vez, Matt?
—Antes sim.
—E quando sonhava, aprendia coisas neles ou pensava que só eram ilusões?
Ele se moveu por fim; devagar, afastou a perna de sua coxa, retirou o braço e apoiou a cabeça na mão, justo atrás do ombro de Winter.
—Quando cheguei tinha pesadelos. Chorava e inclusive gritava adormecida.
Winter ficou de barriga para cima para olhá-lo.
—Sim — Disse — Mas os pesadelos partiram assim que me rodearam seus braços.
A verdade é que o sorriso de Matt era precioso, disse-se. E se perguntou quantas vezes sorriria Matt nos três próximos meses, enquanto ela punha em prática seu plano. Por que, se atrevia a acreditar seu sonho, Cùram de Gairn não era o único mago ardiloso que havia naquela gruta.
—Bom — Disse ele, e, com o dedo, afastou o cabelo da face — Vai vir de avião comigo esta manhã?
—Sim.
Evidentemente surpreso por sua simples e pronta resposta, ele elevou uma sobrancelha.
—E vamos parar em Las Vegas? — Continuou para esclarecer bem as coisas.
Winter ocultou seu sorriso e encolheu os ombros.
—Se não querer que o Pai Daar nos case, então sim, suponho que deveríamos parar em Las Vegas.
As duas sobrancelhas de Matt se uniram de repente em um cenho franzido.
—Não penso deixar que nos case esse louco e velho bastardo.
—Ama-me, Matt? — Perguntou Winter com voz tranquila.
Duas manchas vermelhas apareceram nos duros planos das bochechas dele, aparecendo pela barba de dois dias. Matt ficou de barriga para cima e entrelaçou os dedos atrás da cabeça.
—Não. Nunca te amarei — Sussurrou ao teto da caverna; depois voltou tão somente a cabeça para olhá-la — Sou incapaz de amar alguém, lass. Perdi a capacidade de amar faz séculos.
Winter rodou para ele e pôs a mão no peito, coberto com a camisa.
—Não — Disse — Não é a capacidade de amar o que perdeste Matt, e sim sua capacidade de ter esperança.
As bochechas dele se obscureceram de novo, e a cor adotou um tom mais marcado ainda no pulsar do pescoço.
—Para ter esperança se tem que ter coração— Disse em tom gutural — E o meu se endureceu e morreu faz muito. A esperança não tem nada que ver com isto.
—Não — Voltou a contradizê-lo Winter, enquanto o massageava com os dedos sobre sua camisa — Tem as emoções feitas uma confusão; é a desesperança o que te tem feito enredar com a magia para conceder a Kenzie seu desejo. Seu coração continua muito vivo.
Ele elevou uma sobrancelha.
—A desesperança — Disse Winter — Não aflige uma alma incapaz de amar. É justo o contrário. A desesperança só afeta a alguém que se interessa muito, que ama muito, e a quem feriram tanto que só fica o absoluto desespero. Mas enquanto há vida, há esperança, e seu coração está completamente vivo, Matheson Gregor —Repetiu enquanto se inclinava, dava-lhe um beijo na bochecha e levantava a cabeça para sorrir — Vou me casar com você hoje, e além disso vou ter seu filho. E será por um ato de meu livre-arbítrio e não porque você escolha por mim.
E enquanto pronunciava as últimas palavras, Winter cravou com o dedo no peito justo sobre seu muito vivo coração.
De repente Matt se levantou, e Winter deixou cair à mão no colo ao tempo que também se levantava. Quando ele ficou de pé e se voltou para olhá-la, ela perguntou:
—Se não tenho seu amor, tenho ao menos as outras promessas que disse? Como sua esposa, terei sua confiança e lealdade?
Ele teve que pensar e não deu a impressão de que nem suas ideias fossem agradáveis. Olhou-a com o cenho franzido, e duas manchas de cor voltaram a aparecer em suas bochechas.
Rindo, Winter se apoiou outra vez nas mãos e elevou a vista para ele.
—Dá no mesmo. Trabalharemos juntos nessas promessas uma por uma — De repente uma expressão de receio a fez franzir o cenho — Como é que o Pai Daar não te reconheceu como Cùram? Nem Robbie? Robbie até te estreitou a mão…
Ele demorou um instante em responder, pois se notava que ainda preocupava o comentário sobre as promessas. Por fim encolheu os ombros e, depois de dar a volta, foi para as caixas de mantimentos que estavam junto à parede.
—Não me é difícil me ocultar de outros — Se limitou a dizer enquanto rebuscava nas caixas.
—Tem uma bengala velha e retorcida como Daar?
Matt se voltou com uma lata de sopa na mão e começou a procurar a panela, que encontrou junto às caixas, onde a tinha posto Winter a noite anterior depois de esfregá-la. Enquanto tirava a tampa à sopa e a vertia na panela, disse:
—Não. O bastão é o que Pendaär escolheu para transportar seu poder.
—Então como leva você à magia por aí? — Disse Winter, ao tempo que se dizia que gostava de vê-lo trabalhar.
Matt pôs a panela perto do fogo apagado, jogou lenha no buraco, tocou-a com o dedo até que acendeu e aproximou mais a panela à chama. Depois se aproximou do jaquetão que tinha jogado no chão junto à entrada e tirou uma coisa do bolso.
Ao voltar-se para ela, levantou uma formosa caneta tinteiro dourada e negra. Com um sorriso que quase chegava aos olhos, disse:
—Dei-me conta de que o verdadeiro poder deste século não está na espada e sim na pena. Assim levo meu poder nesta pequena e sofisticada caneta tinteiro, com a que assino contratos e cheques muito altos. Antigamente levava a espada que encontrei na gruta.
Matt segurou a caneta à altura do peito e de repente deu um giro com a mão; antes que Winter pudesse piscar, a caneta se transformou em uma larga e formosa espada. Matt levantou a arma letal ao tempo que inclinava a cabeça e a roçava com a testa em uma saudação militar.
Enquanto punha a ponta no chão e apoiava as mãos no punho, sorriu e disse:
—Voilà. Está impressionada?
Nesse instante, Winter viu apenas um espiono do homem do que se apaixonou. E se prometeu que veria muitas mais vezes aquele sorriso durante sua vida em comum.
Rindo, ficou de pé.
—Estou muito impressionada — Fez uma inspeção visual da espada e elevou seu próprio sorriso para o Matt — Posso tocá-la?
Ele balançou a ponta, em um arco ascendente, agarrou a folha com a outra mão e a sustentou para ela em suas palmas abertas.
Winter alargou a mão e tocou suavemente a folha. Tinha brincado com a espada de seu pai muitas vezes, mas esta media uns trinta centímetros menos e brilhava mais; além disso, depois da guarda, elaboradamente cinzelada, umas pedras preciosas de vivas cores rodeavam o punho. A folha era um pouco mais grosa e dava a impressão de estar forjada com outra espécie de metal.
—Não se parece em nada à espada de meu pai — Disse Winter, ao tempo que passava o dedo pelas gemas de cores vivas — O que são estas pedras preciosas?
—Brilhantes, safiras, esmeraldas e turmalinas. E não é como a espada de Greylen porque é pelo menos quatro mil anos mais antiga que a sua. Conforme me inteirei era de meu tataravô.
Winter olhou a Matt e franziu o cenho.
—Não tinham armas tão luxuosas por então.
—Para batalhar, não, claro — Concordou ele — Mas esta espada não está pensada para o combate.
—Mas disse que era quão único levava em cima quando não parava de tropeçar com guerras enquanto procurava o Kenzie.
Matt voltou a pôr a ponta da espada no chão e cruzou as mãos sobre o punho.
—Cumpre muitos objetivos — Se limitou a dizer.
Winter colocou as mãos às costas, esfregou os dedos com que havia tocado a folha e elevou o olhar para ele de novo.
—Quer me ensinar a usar meu bastão de pinheiro e me mostrar como convocar sua energia? — Pensou nas chamuscadas mantas e se apressou a acrescentar — E a controlá-la?
Matt a olhou fixamente sem dizer nada; seus olhos tinham uma expressão impenetrável.
Ela riu.
—Por que dá a impressão de que os homens se sentem ameaçados pelas mulheres que ostentam poder? — Inclinou a cabeça — Quantas executivas tem em sua empresa?
Matt a rodeou e se aproximou de onde estava seu bastão; alargou a mão para pôr a espada na alta saliência, e a seguir baixou sua vara de pinheiro. Ruborizando-se outra vez, respondeu:
—Nenhuma. Mas só porque nenhuma das mulheres que trabalham para mim está capacitada para ser executiva de engenharia.
—Que não há nenhuma…? — Repetiu ela — Ou será que não olhou em nenhuma das mulheres que trabalham em sua fábrica em silêncio e sem armar confusão, por medo a perder o posto que têm?
Ele se limitou a cravar a vista nela, perplexo; a vara estava mais que esquecida.
Winter sorriu.
—Está desperdiçando grande parte de seus recursos intelectuais, Matt. —Meneou a cabeça — Claro que ao menos você tem uma desculpa, vindo de uma época em que às mulheres só as considerava boas para cozinhar, limpar e parir bebês. O triste é que hoje em dia seu negócio não é o único que desperdiça a metade de seu potencial.
Matt elevou uma sobrancelha.
—De modo que agora quer implicar em minha empresa? Considera-o parte de seus deveres de esposa?
Winter fechou as mãos em punhos a suas costas e alargou seu sorriso. Ai, via que tinha muito caminho pela frente antes de conseguir que aquele antigo guerreiro mudasse suas ideias.
—Não quero ter nada que ver com sua empresa; só assinalava uma coisa, nada mais — encolheu os ombros — Se não tem nenhuma mulher capacitada em sua empresa, talvez devesse dar uma olhada a suas políticas de contratação.
Enquanto pronunciava essas palavras, agachou-se, recolheu o saco de dormir e deu uma boa sacudida antes de dobrá-lo.
De repente uma pena flutuou no ar e aterrissou sobre seus pés, metidos nas meias três-quartos. Winter recolheu a pena negra e se endireitou com o cenho franzido. Tinha uns vinte centímetros de comprimento, era lustrosa e de aspecto são; uma pluma timoneira.
E então caiu na conta de que era de um corvo. Não tinha sonhado: na mão tinha a prova de que seu sonho tinha sido tão autêntico como aquela pluma… E isso devia significar que a informação que tinha dado o corvo era igual de autêntica. Imediatamente estreitou aquele valioso presente contra seu peito.
Estava grávida.
Estava apaixonada pelo Matheson Gregor.
E, além disso, sabia exatamente como salvar à humanidade!
Matt, que seguia junto à parede de frente, ainda com o bastão na mão, perguntou:
—O que é isso?
Ela estendeu a pena para que a visse.
—É uma pena de corvo. Ontem à noite sonhei que estava no bosque e um corvo falava comigo.
Matt olhou a pena com o cenho franzido, depois elevou o olhar para ela.
—Vendo espíritos outra vez? — Perguntou.
Ela agitou a pena.
—Pois se não era de verdade, me explique isto.
Matt se aproximou o tempo que, com o cenho franzido, voltava a olhar a pena que levava na mão.
—Devo ter trazido-a na roupa ontem à noite. Joga-a no fogo, provavelmente esteja cheia de ácaros.
Com cuidado, Winter meteu a pluma no bolso traseiro.
Franzindo o cenho, Matt estendeu a vara de pinheiro e por fim respondeu uma pergunta anterior.
—Não confie nos sonhos, Winter; não são mais que nossos próprios desejos. —Alargou o braço, levantou a mão e fechou os dedos ao redor de um extremo do bastão — E, me acredite: conseguir o que desejamos não é tão bom como parece.
Certamente os três meses seguintes iam ser interessantes, se não exasperantes, disse Winter. Decididamente, necessitaria toda a magia que pudesse convocar para dar a volta às ideias daquele teimoso.
Enquanto voavam para o nordeste sobre as White Mountains de New Hampshire no potente avião de Matt, do assento do copiloto, Winter olhou pela janela lateral e se fixou no observatório meteorológico situado no alto do monte Washington… Sem vê-lo em realidade. Depois baixou a vista do radiante sol matinal até seu colo e, ao tempo que observava com atenção a grosa aliança de ouro que levava na mão esquerda, repassou mentalmente aquelas últimas vinte e quatro horas.
Não tinha nem ideia de onde tinha tirado Matt aquele formoso anel; só sabia que no dia anterior, quando o clérigo (usando o termo “clérigo” em sentido amplo, se não com ceticismo) que oficiou as simples bodas em Las Vegas pediu que trocassem os anéis, Matt tirou do bolso um jogo de alianças de ouro. Winter recordava como esquentou a mão assim que pôs o anel, e que, quando ela o pôs a ele e Matt juntou as mãos dos dois, a carga de eletricidade que de repente passou como um raio entre ambos lhe fez pensar que talvez explodissem em chamas.
Apesar de seu aspecto antigo e evidentemente usado. Winter disse que era um formoso anel. Suspeitava que fosse uma relíquia de família que tinha pertencido ao avô de Matt, um homem que escolheu o amor por cima da vocação de drùidh. E se disse também que aqueles anéis eram bom augúrio para o futuro dos dois. Amava tanto a Matt que ia renunciar a sua vocação por ele, e tinha fé em que, com o tempo, Matt a amaria do mesmo modo.
De repente, Winter enrugou o nariz. Embora tivesse tomado banho a noite anterior na suíte que Matt tinha reservado em Las Vegas (que só usaram para assear-se), e apesar de levar posta roupa completamente nova, adquirida na loja do hotel, continuava chegando um ligeiro aroma de tecido queimado. No avião ainda persistia o vapor da rápida viagem ao oeste na manhã anterior, quando os dois cheiravam a fumaça.
E é que, antes que partissem da gruta, Matt tentou mostrar como usar o bastão de pinheiro para acender um simples fogo. Mas em vez de dirigir a energia para as lenhas que pôs no chão, Winter voltou a por fogo no montão de mantas. Depois torrou a caixa de mantimentos, depois chamuscou sua própria cela de montar… Mas a paciência do pobre Matt, bendito fosse muito vivo seu coração, não se esgotou até que fez explodir sua bolsa de lona. Depois que acabou de dar pisões a sua roupa, aproximou-se de Winter sem dizer uma palavra e tirou o bastão. Depois, com um floreado movimento, transformou a adoentada vara de pinheiro em um lápis de desenho artístico e o meteu no bolso do jaquetão. Depois de converter de novo sua espada em uma caneta tinteiro, tirou Winter da gruta cheia de fumaça e a levou até a caminhonete, estacionada no caminho que discorria por cima da pradaria.
Em menos de duas horas foram o Bangor, entraram no avião, voaram para o oeste à velocidade da luz e aterrissaram em Las Vegas. Depois de comprar roupa se registraram em um hotel, alternaram-se para tomar banho e se trocaram de vestimenta. Continuando, e sem deixar de segurar a mão de Winter bem forte enquanto percorriam o Strip de Las Vegas (pelo visto temia que recuperasse o juízo e pusesse-se a correr) Matt encontrou uma capela bastante surrealista não muito longe do hotel.
Embora ainda não soubesse se tinha pronunciado suas promessas a Matt diante de Elvis Presley ou diante o Chapeleiro Louco da Alicia no país das Maravilhas, Winter estava bastante segura de que a rápida cerimônia a tinham presenciado três membros dos Anjos do Inferno. É mais, o trio de aspecto feroz (uma mulher e dois homens) que estava sentado no banco de trás atuou como testemunha de seu certificado de matrimônio, que Matt se apressou a meter no bolso do terno assim que Winter acabou de assinar com sua poderosa caneta tinteiro.
A favor de seu marido, ao menos Winter devia reconhecer que concordou em lhe dar de comer antes de voltar a subir no avião e prosseguir viagem para Utah. Antes das quatro em ponto, hora de Utah, Winter se encontrou em uma fábrica enorme, rodeada de aviões e potentes motores em diversas fases de finalização. Quando Matt se meteu em uma séria conversa com vários de seus diretores, Winter se afastou tranquilamente sem dizer nada para acostumar a si mesma a fábrica.
Como o acanhamento não formava parte de seu caráter, não demorou em encontrar a várias mulheres reunidas na sala de refeições, com as que ficou a conversar sem dificuldade. Ao cabo de menos de meia hora saiu seguida de uma delas; chamava-se Wanda Farley e era doutora em engenharia matemática. Sem perder tempo, Winter foi em busca de seu marido para apresentar a Wanda, sua nova diretora de controle de qualidade.
Dando um suspiro, Winter esquadrinhou os muitos instrumentos do avião até encontrar um relógio. Eram oito e meia da manhã, supunha que hora oficial do Leste, e só faltavam uns minutos para que aterrissassem em Pene Creek… O qual queria dizer que só ficava uma para enfrentar a seus pais como mulher casada.
Estava desejando que se desenvolvesse tão feliz cena.
—Acredito que deveria ir a sua suíte do complexo turístico enquanto eu vou ver meus pais — Disse no microfone dos fones de ouvido — Depois de dizer que estamos casados irei te buscar.
Sobressaltado ao parecer por aquela súbita intromissão em seus pensamentos, Matt jogou uma olhada e franziu o cenho.
—Vou contigo a dizer a seus pais.
—Muito nobre por sua parte, mas não acredito que seja prudente. Minha mãe ficará estupefata, e possivelmente se sinta doída por não ter podido assistir a minhas bodas, embora acredite que se alegrará, mas meu pai… — Winter esboçou um meio sorriso atrás do microfone — É provável que agarre sua espada e te atravesse com ela — Alargou a mão e deu um tapinha no braço — Me parece melhor que deixemos fazer-se à ideia durante… Ah, talvez durante uma semana ou duas, até que organizemos o primeiro almoço familiar.
—Isto não vamos discutir, Winter. Quero estar a seu lado quando vir a seus pais.
—E então como te apresento? Como meu marido, como Matheson Gregor, ou como Cùram de Gairn?
Matt tirou a mão da alavanca de comandos e a pôs em cima das suas; nesse momento Winter se deu conta de que estava retorcendo as mãos.
—Me apresente como quiser — Disse ele em voz baixa — Mas não mantenha em segredo minha verdadeira identidade, Winter, só fará mais dano. Não tenho nada que ocultar a ninguém… Já não. E você tampouco. E além não tem que me proteger lass, sou perfeitamente capaz de me cuidar sozinho.
—E o Pai Daar? — Perguntou ela — E Robbie? Não acha que ficarão feitos uma fúria quando descobrirem que me casei com o responsável pelo fim da humanidade?
Com um sorriso cheio de ternura, Matt se voltou e passou o polegar pelos dedos.
—MacBain é um guardião inteligente e perspicaz. Não tentará te deixar viúva sem pedir primeira permissão. E quanto ao Pendaär, já não representa uma preocupação para nenhum de nós dois. Seu poder desapareceu.
Surpreendida, Winter abriu os olhos como pratos.
—Quer dizer que o Pai Daar já não tem poderes?
Matt assentiu.
—Ao abraçar seu pinheiro, a energia que Pendaär usou durante todos estes séculos passou dele para você.
Winter entreabriu os olhos. Por fim se recordou de perguntar a Matt se tinha cortado a copa do pinheiro, mas ele jurou que não, e que também tentava descobrir quem tinha roubado boa parte da energia que ficava da árvore. E embora no fundo acreditava, nesse momento não pôde evitar sentir-se receosa.
—Como sabe que abracei o pinheiro branco?
—Senti-o — disse Matt — Estava em Utah, mas senti que a energia mudava, e isso foi o que me trouxe de volta a você.
Winter piscou de surpresa. Havia sentido como abraçava o pinheiro? Por isso tinha retornado? E de verdade o Pai Daar já não tinha poderes? Tal como tinha contado o corvo do sonho?
—Significa isso que Daar já não é drùidh? — Sussurrou no microfone — Que vai morrer?
Matt apertou a mão e, em voz baixa, disse:
—Sim. Mas não por você, mas sim porque, simplesmente, assim é como funciona a Providência. Pendaär sabia que isto ia ocorrer, Winter, pois entende que dois drùidhs não podem controlar a mesma energia — Apertou-lhe a mão outra vez — Não vai morrer amanhã, lass; simplesmente viverá o resto de seus dias como um mortal.
Winter se voltou para olhar pela janela, contendo as lágrimas que ameaçavam sair. Não queria que o Pai Daar morresse vencido e sem poderes, por muita chateação que tivesse sido todos aqueles anos. E, certamente, não queria que morresse por sua causa. Olhou de novo a Matt.
—O que ocorria a Daar se eu renunciar a minha vocação? Manteria seu poder?
Matt meneou a cabeça.
—Não — Disse — A energia já trocou. Se agora renunciar a sua vocação, simplesmente ficará latente até que seu neto a assuma. Por isso todo o momento Pendaär tentava te impedir que me visse. Embora acreditasse que eu só era um mortal, sabia que se me escolhia por cima de sua vocação, tudo estava perdido, para você tanto como para ele. Só preocupava manter equilibrado o suceder contínuo da vida, e não sua vida amorosa.
—Assim sabia desde o começo que assim que o poder passasse para mim, ele o perderia — Esclareceu Winter, e Matt se limitou a assentir; depois sua voz se voltou um sussurro — Mas disse que me ajudaria a acabar com você…
—Te ensinando a convocar a magia — Explicou Matt; deu-lhe um tapinha na mão e voltou a agarrar a alavanca de comandos — Mas agora te ensinarei eu.
—Sim — Disse ela franzindo, o cenho — Mas só o suficiente para te ajudar a cumprir sua promessa a Kenzie.
Com o olhar posto no para-brisa do avião, Matt repôs:
—Não. Ensinarei-te tudo o que queira saber. — Deu-lhe uma olhada — Incluído como acabar comigo.
Winter baixou a vista até suas mãos e começou a brincar outra vez com a aliança; não sabia se queria esbofetear Matt ou deitar-se em seus braços. Matt se tinha rendido de verdade, de forma total, irrevogável e absolutamente desesperançada.
—Fala com o Kenzie? — Perguntou sem elevar os olhos — E ele fala com você?
—A maior parte do tempo não — Disse Matt — Só quando vive como homem.
Winter o olhou, surpreendida.
—Kenzie se transforma em homem às vezes? Quando?
—Quatro vezes ao ano, nos solstícios e equinócios. Durante vinte e quatro horas, contando do instante de cada transição sazonal, volta a transformar-se no que era.
Winter se voltou em seu assento para olhá-lo.
—Faz duas semanas! — Disse — No equinócio de outono, você e Kenzie estiveram na pradaria da montanha Bear, lutando com espadas.
Com um brusco movimento, Matt a olhou.
—Como sabe?
—Tom os viu. Disse-me que viu na pradaria a dois homens com kilts que brigavam, tentando matar-se… Mas depois entraram juntos no bosque, rindo — De repente soltou um grito afogado — O corte do pescoço de Gesader… Se feriu nesse combate a espada, quando era Kenzie.
Matt riu e meneou a cabeça enquanto olhava pelo para-brisa outra vez.
—Não tentávamos nos matar, lass, só estávamos suando um pouco. Meu irmão se distraiu com um comentário que fiz e baixou a guarda tempo suficiente para me dar uma oportunidade. — Olhou-a, absolutamente sério — Faltam menos de três meses para o solstício de inverno; Kenzie se transformará em si mesmo outra vez, e essa é nossa melhor oportunidade para nos assegurar de que siga sendo-o.
Winter ficou olhando a Matt, piscando. Tinha menos de três meses para dominar a magia? Caramba, se para então não conseguia controlar o bastão, o mais provável é que mandasse o Kenzie a melhor vida de uma explosão, em vez de salvá-lo…
Olhou pela janela e, com gesto tranquilo, colocou uma mão sobre a blusa, em cima da pena negra que tinha metido no sutiã. Só três meses e deixaria de preocupar-se em salvar à humanidade para, em vez disso, começar a pensar em nomes para seu filho. E, além disso, antes do solstício de inverno estaria desenhando um quarto infantil para a casa que Matt ia construir na montanha Bear… Embora tivesse que fazer também um pacto com a Providência para salvar a alma de seu marido.
De pé no salão dos MacKeage, Matt não sabia quem estava mais atônito, se Robbie MacBain e os pais de Winter, ou sua boquiaberta esposa. Provavelmente, não deveria ter tornado a transformar sua caneta tinteiro em espada enquanto atravessavam a ponte do keep… Nem tampouco trocar sua roupa por seu plaid de oito séculos de antiguidade justo ao cruzar a soleira atrás de Winter para apresentar-se como Cùram de Gairn.
Mas, maldição sabia que ela tinha intenção de manter em segredo sua verdadeira identidade todo o tempo possível, levada pela ideia errônea de que tinha que protegê-lo. Nesse momento, entretanto, dava a impressão de que queria matá-lo.
Com os dentes apertados e as mãos fechadas em punhos, provavelmente para não dar uma bofetada, Winter perguntou:
—Sabem que estamos casados?
Depois de jogar um cauteloso olhar a Greylen e a Robbie, que estavam ao outro lado da sala, diante da lareira, Matt se limitou a assentir.
Do lado de Greylen, uma Grace de olhos muito abertos (Matt não acreditava que estivesse tão horrorizada por seu aspecto como sua filha, só desconcertada) disse:
—Matt nos chamou por telefone ontem pela tarde. E nos disse que não nos preocupássemos com você; que estava com ele em Utah, e que tinham se casado em Las Vegas pela manhã.
O olhar de Winter foi de sua mãe a Matt.
—Mas por quê? — Perguntou — Por que ligou para contar que estávamos casados?
—Para lhes dar a oportunidade de acostumar-se à ideia — Respondeu Matt, que por fim dedicou toda sua atenção — Não conheço seus pais nem ao MacBain o suficiente para adivinhar sua reação quando entrasse aqui hoje e o soltasse de boas a primeiras.
—Tentava me proteger? — Sussurrou ela; olhou a espada que ele tinha na mão e depois voltou a olha-lo — De minha própria família?
Finalmente Matt deslizou a arma na capa que pendurava de seu cinto e assentiu, ao tempo que, com doçura, ordenava:
—Termina de me apresentar.
Winter passou o olhar pelo plaid e, por um momento, deteve-se em seu meio nu peito antes de seguir subindo até chegar a seus resolvidos olhos. Então se aproximou.
—Parece-me que já o entenderam — Sussurrou em tom tenso; assinalou com um gesto o plaid — Mas o que não acabo de entender eu é por que o contou assim.
Matt alargou a mão e passou os nódulos pela vermelha e zangada bochecha.
—Se esconder segredos de sua família, adoecerá de preocupação — Disse — Têm que sabê-lo, lass, para decidir como devem reagir.
—Como devem reagir? Eles? — Disse Winter em tom crispado.
Enquanto falava o agarrou pelo plaid, que fez uma bola no punho… Mas, fosse o que fosse o que pretendia dizer a seguir, se adiantou Greylen MacKeage. Em voz baixa, o amadurecido, mas ainda imponente laird resmungou:
—Vem aqui, Winter.
Além de soltar o plaid para voltar-se para olhar de frente a seu pai, Winter não se moveu.
—Não posso papai — Elevou o queixo e estendeu uma suplicante mão — É meu marido e agora devo estar junto a ele.
Matt sentiu que diminuía parte da tensão que sentia entre os ombros.
—Enganou-a — Disse com muito esforço Greylen — Você acreditava que se casava com o Matt Gregor. Faremos anular o matrimônio. Agora vem aqui.
Winter baixou a mão.
—N… Não me faça escolher entre vocês — Suplicou baixinho, enquanto olhava primeiro a sua mãe e depois de novo a ele — Não quero a nulidade. Eu sabia exatamente com quem me casava ontem.
O aborrecimento de Grei se converteu em desespero.
—Mas não compreende o que tem feito — Sussurrou — desperdiçou sua vocação sem entender bem as consequências.
—Não — Disse ela — Aceitei minha vocação.
Nesse momento interveio MacBain; olhando-a com o cenho franzido, disse:
—Não pode ter tudo, Winter. Se tiver um filho, sua vocação se perde… E isso não troca nem que tenha se casado com outro drùidh.
Nos ombros de Matt voltou a aparecer o tenso nó, desta vez de alarme, quando sua esposa se cruzou de braços e olhou sorrindo a seu primo.
—Está seguro? — Perguntou — Mas dois poderosos drùidhs podem reorganizar à velha e antiquada Providência, que boa falta lhe faz, não?
MacBain empalideceu, Greylen soltou um palavrão um pouco grosseiro, e Matt só puderam olhar boquiaberto a sua esposa.
—Winter! — Espetou Grei, zangado — Faz três dias nem sequer sabia que tinha uma vocação, e agora ousa desafiar à Providência? Isso é virtualmente uma blasfêmia!
Por sua parte, MacBain se separou da lareira que tinha atrás.
—Isto é grave, Winter — Disse — O contínuo suceder da vida está morrendo.
—Morrendo? — Repetiu Winter; se aproximou um passo também — Ou, simplesmente, trocando? E se te dissesse que há um modo de devolver o equilíbrio à energia, e de salvar à humanidade, sem que nenhum de nós arrisque a alma?
—Isso não é possível — Alegou MacBain, meneando a cabeça. Assinalou ao Matt — Aqui seu… Marido enredou na energia de forma tão grave que talvez não se recupere nunca. Deve renunciar a seu matrimônio e seguir com o de salvar o pinheiro.
Matt não podia nem discutir nem defender a sua esposa, ingenuamente otimista, pois suas palavras também o pegaram de surpresa; assim, limitou-se a observar em silêncio enquanto Winter olhava a sua mãe e, com doçura, pedia:
—Diga mamãe. Como cientista, explique a estes teimosos que na natureza nada é absolutamente previsível. Conte a eles como tudo deve seguir evoluindo para sobreviver, inclusive a mesma energia da vida.
Com o cenho franzido, Grace MacKeage olhou a sua filha e, por fim, assentiu. Depois olhou a seu marido dizendo:
—Em realidade tem razão. Só porque algo tenha funcionado durante séculos, ou inclusive durante milênios, isso não significa que vá continuar funcionando de forma indefinida. Às vezes são sutis e às vezes desastrosos, mas as mudanças acontecem constantemente — Olhou para Winter, e sua face relaxou em um sorriso — No fundo, até a energia tem que mudar igual a nós.
Nesse instante Winter se voltou para Matt.
—Sim. Como meu marido, tem que confiar em mim. — Voltou-se para seu pai e seu primo — E não espero menos de vocês dois. Aceitei minha vocação, e agora têm que confiar em que nos tirarei desta confusão. — Assinalou com um dedo ameaçador aos dois homens, e sua voz tomou um tom de advertência — Sem jogar a culpa em Matt — Acrescentou, voltando suficiente para inclui-lo — Enquanto aprendo a controlar a magia, quero que os três procurem quem cortou a copa de meu pinheiro. Nesta exasperante partida há um jogador desconhecido, e aí é onde de verdade mora o perigo.
Matt cruzou os braços enquanto cravava a vista em Winter, e sorriu pela primeira vez desde que tinha exigido que transformasse Wanda Farley em sua nova diretora de controle de qualidade. Dava a impressão de que sua recente esposa era um pouquinho mandona; vamos, que adorava dar ordens.
Disse-se que tinha que fazer algo com aquilo… Mais ou menos dentro de outros dez ou doze anos; justo assim que descobrisse como fazer-se imune a sua magia.
De repente a porta principal se abriu e se fechou com uma portada que fez tremer os vidros das janelas. Imediatamente, Megan entrou correndo no salão.
—Cheguei a tempo! — Gritou; chocou-se com o peito meio nu de Matt e recuou de um salto enquanto dava um grito afogado — Quem diabos é você? — Um novo grito afogado — Matt…? — Sua expressão de surpresa se transformou em horror ao dar-se conta de como ia vestido, e seus olhos, muito abertos, fixaram-se na espada que pendurava de seu cinto; então recuou outro passo e sua voz se transformou em um sussurro — Cùram…
Winter correu para sua irmã ao mesmo tempo em que Grace, e as duas alargaram as mãos para sustentar à pálida jovem.
—Esta tudo bem, Meg — Disse Winter — Não é um monstro como todo mundo acha, só é meu marido — Lançou ao Matt um olhar feroz — Diga algo.
Matt inclinou a cabeça e dirigiu ao Megan um cordial sorriso.
—Olá, irmã.
Megan, que pelo visto não estava muito preparada para que Cùram de Gairn a chamasse irmã, tentou dar outro passo atrás, mas deu a impressão de que afrouxavam os joelhos. Depois de dirigir ao Matt um último olhar assassino cheia de censura, Winter levou quase nos braços a sua pasmada irmã para a escada junto com sua mãe.
—Vamos, Meg — Disse — Me ajudará a preparar umas quantas coisas que vou levar.
—S… Se casou com Cùram? — Sussurrou Megan enquanto subiam à escada — Mas por quê?
Matt não ouviu a resposta de Winter, pois as três subiram até perder-se de vista, mas certamente ouviu o silêncio que deixaram atrás de si. Um silêncio que brotava justo atrás dele. Então, com as mãos às costas, deu a volta para olhar de frente a Greylen e Robbie enquanto esperava que chegasse a tempestade… Que chegou, certamente, e com o impacto que era de esperar.
—Tem mais ovos que crânio, seu bastardo — Espetou Grei, zangado, dando um passo para ele — Vou matá-lo pelo que tem feito a minha filha.
Matt afastou as mãos aos flancos.
—Tenta-o — Disse em voz baixa — Embora ao melhor não é uma decisão muito prudente fazer que Winter crie seu neto sem um pai.
Suas palavras detiveram o avanço de seu sogro de forma muito mais brusca do que teria feito sua espada.
—Está grávida? — Disse Greylen, empalidecendo.
—Se acredita nos milagres, sim. Winter está grávida — Matt voltou a colocar as mãos às costas — Parece, Laird MacKeage. Lamento não ter pedido a mão de Winter em matrimônio, mas acredito que compreende minha posição — Inclinou a cabeça — Tem minha palavra de guerreiro e guardião de que farei tudo que esteja em meu poder para mantê-la segura e feliz.
—Já estava segura e feliz, Gregor! Por que diabos está aqui?
Depois de dar uma olhada a Robbie, Matt voltou a olhar a Greylen.
—Estou aqui para reparar um dano de mil anos de antiguidade — Disse baixinho — Depois me limitarei a viver o tempo que fique com minha esposa e meu filho.
—Segundo Daar, graças a sua arrogância e sua traição não fica tempo.
—Sou muito consciente do que pus em marcha — Concordou Matt — Mas Winter é capaz de fazer inclusive mais do que sabe Pendaär; certamente nos conseguirá tempo suficiente para que estabeleça uma relação com seu irmão.
—Não coloque o Morgan nisto!
—Refiro a seu outro irmão, Michael MacBain — Disse Matt; tinha decidido que tinha que desviar o aborrecimento do laird.
Grei recuou um passo e empalideceu de novo.
Robbie deu um passo para frente e perguntou:
—Sabe de meu pai?
Matt assentiu, sem tirar as mãos das costas.
—Sei desde dia em que foi concebido Michael — Olhou a Greylen — Sua mãe, Judy MacKinnon, tinha uma gêmea idêntica chamada Blair. Quando sua mãe morreu, Blair foi ajudar Duncan MacKeage a te criar, embora estava prometida em matrimônio por contrato com Angus MacBain. Mas quando, ano e meio mais tarde, foi para junto de Angus já ia grávida de Michael… O qual significa que você e Michael são irmãos autênticos, pois têm o mesmo pai e mães gêmeas.
Greylen voltou seu horrorizado olhar para Robbie.
—Você sabia disto? Desde quando?
—Há dois anos e meio — Reconheceu Robbie — Desde que voltei para sua antiga aldeia para conseguir a raiz da árvore. Mas o mantive em segredo por Cùram. — Assinalou a Matt com a cabeça — Eu não sabia o que tramava, e não queria que descobrisse que outra linhagem compartilhava a vocação de Winter. Proteger meu irmão e a minhas irmãs era mais importante que contar isso Grei. Você fez as pazes com meu pai faz mais de trinta anos, e após tiveram uma boa amizade… — Robbie olhou a Matt — Se sabia de Blair, por que brigou contra Pendaär com tanto afinco lá então? Por Judy MacKinnon?
Matt encolheu os ombros.
—Só briguei o suficiente para que esse velho idiota acreditasse que tinha ganho; assim não suspeitaria que, desde o começo, o que eu queria era Winter.
—Mas por quê? — Sussurrou Greylen — Que diabos quer de minha filha?
—Sua compaixão — Disse Matt — É a única fraqueza de Winter.
—Acha que isso é uma debilidade? — Perguntou Grei, surpreso.
Em vez de responder, Matt decidiu que já era hora de voltar a dirigir a conversa.
—Winter tem razão, sabe? Há outra entidade aqui que está enredando com a magia. Eu não cortei a copa do pinheiro e, como vocês, não fui capaz de descobrir quem o fez.
Os dois homens franziram o cenho. De repente Greylen passou uma mão pela face com um cansado suspiro, deu a volta e se sentou na poltrona que estava junto à lareira. Mas MacBain, que pelo visto ainda não estava disposto a esquecer seu aborrecimento nem a deixar de estar em guarda, seguiu olhando ao Matt.
—Se você não o cortou, e certamente nós não o cortamos, ao melhor só foi um lenhador que queria as sementes — Disse.
Matt cruzou os braços como o primo de Winter e meneou a cabeça.
—Um ladrão desperdiçaria o tempo que fez para subir à árvore? Além disso, em sua qualidade de guardião, não percebeu uma estranha energia vibrando no ar? Nem com meu poder fui capaz de precisar de onde procede, e tampouco reconheci sua vibração.
—Sim — Admitiu Robbie, ao tempo que dava também um cansado suspiro e se sentava na poltrona que estava frente à de Greylen — Eu a senti, mas acreditava que o que percebia era você.
Naquele preciso instante, Matt esteve a ponto de tornar a rir, porque de repente se deu conta de algo que MacKeage e MacBain também estavam compreendendo: se contavam ajudando a Winter a lutar contra aquele perigo desconhecido, os três iam ter que ser aliados em vez de inimigos. Que ironia… Agora suspeitava que sua compassiva e preciosa mulherzinha levava dois dias sabendo que chegaria esse momento… E que tinha estado destelhando-se de risada todo o caminho até Utah e de volta. Diabos, o mais provável era que nesse momento estivesse no andar de cima vangloriando diante sua mãe e sua irmã sobre como as tinha arrumado para fazer que três mortíferos guerreiros caíssem coletivamente de joelhos.
Apoiada na cabeceira da cama de Winter, Megan abraçava a velha boneca de pano de sua irmã; parecia pequena e perdida no meio do montão de almofadas.
—Sabia que era Cùram de Gairn e se casou com ele de todos os modos? —Sussurrou — Mas por quê? Por que se casou de propósito com um malvado drùidh?
Com um pulôver na mão, por um instante Winter afastou a vista do armário e, franzindo o cenho, olhou a sua pálida e sinceramente desconcertada irmã.
—Matt não tem absolutamente nada de malvado — Brigou com doçura — É que está… Só se extraviou, nada mais.
Grace, que nesse momento voltava a entrar no quarto levando na mão um pacotinho envolto em tecido, perguntou:
—E você pretende ajudar a encontrar o bom caminho outra vez? Winter, desde que os humanos viviam nas cavernas, as mulheres tentam ajudar a orientar os homens, e em todo este tempo nem sequer estivemos perto de civilizá-los. — Deixou o pacotinho ao pé da cama, aproximou-se de Winter e a pegou pelos ombros — Se tiver iniciado este matrimônio pensando que mudará o Matt, temo-me que te espera uma grande decepção. Como muito, conseguirá limar alguma aresta, mas a autêntica natureza de um homem não se troca nunca.
—Mas é que sua autêntica natureza é boa, mamãe. Matt é nobre, honorável e compassivo, e só tenta arrumar a confusão que tem fez — Winter deixou o pulôver e pegou as mãos de sua mãe — E eu lutarei até contra a Providência, se for preciso, para demonstrar ao Matt que sua alma não está perdida. Deu-se por vencido, mamãe… — Sussurrou, apertando as mãos mais forte — E não me importo com o que for: vou devolver lhe o dom da esperança.
—O ama tanto? Tanto que arriscaria sua própria alma para salvar a dele?
—Sim — Sussurrou ela — O amo mais que à vida.
Sem que se dessem conta, Megan tinha se aproximado até elas.
—Faz duas semanas que o conhece — Disse — Uma pessoa não se apaixona em só duas semanas.
Rindo, Grace MacKeage se soltou das mãos de Winter e se voltou para Megan.
—Eu me apaixonei por seu pai em menos de nove dias — Assegurou enquanto voltava às levar até a cama — Se Winter disser que ama Matt, não preciso saber nada mais para dar todo meu apoio.
Megan se sentou na cama de novo e agarrou outra vez a boneca de pano para estreitá-la contra seu peito. De ali perguntou:
—Mas Matt a ama? — Olhou para Winter com seus curvados olhos verdes cheios de preocupação — E se só está te usando?
Antes que Winter pudesse responder, Grace respondeu:
—Claro que Matt não a ama, Meg. A princípio os homens não pensam em termos de amor, só pensam em possuir.
As duas garotas olharam a sua mãe com o cenho franzido. Grace sorriu com cordialidade e deu um tapinha no braço de Winter.
—Matt Gregor não poderá evitar apaixonar-se por você, neném, mas terá que ser paciente com ele — Voltou-se para incluir Megan — Pareceu que seu pai demorava uma eternidade em compreender que me amava… — Olhou para Winter e elevou uma bonita sobrancelha arqueada — O que disse Matt quando perguntou se te amava?
Winter sentiu que o rubor subia às bochechas ao se dar conta de quão bem a conhecia sua mãe; antes de voltar a olhá-la, lançou uma rápida olhada a Megan.
—Ele… Bem, disse que não me amaria jamais porque fazia muito que seu coração tinha morrido — Reconheceu em voz baixa.
Grace riu baixinho e, encolhendo os ombros, voltou-se para a cama.
—Com o tempo se convencerá. Você não deixe de amá-lo de forma incondicional, e algum dia Matt se dará conta por fim de que também te ama mais que própria vida — Recolheu o pacote que tinha ido procurar em seu quarto e se voltou para Winter — Não se muda em duas semanas toda uma vida de emoções reprimidas, em particular se essa vida durou séculos.
Winter sorriu.
—Serei alguma vez tão sábia como você, mamãe?
Grace soltou um bufo e, ao tempo que desdobrava os cantos de veludo do diminuto pacote, disse:
—Ficará sábia muito rápido, neném, porque se apaixonou por um guerreiro teimoso. Este é o presente de bodas de seu pai e meu — Estendeu o tecido aberto para mostrar um formoso relicário — Pensávamos dar isso para que pusesse em suas bodas, mas como nos… Bem, perdemos a cerimônia, só te direi o que disse às outras garotas ao lhes dar os seus — Levantou o relicário de ouro do veludo — Isso é para te recordar que, embora tenha se casado e agora seja uma Gregor, sempre levará nossos corações contigo, leve aonde te leve a vida.
Sentindo a súbita ardência de umas lágrimas que ameaçavam aparecer em seus olhos, Winter alargou a mão e pegou a delicada jóia; era feita de fios de ouro frouxamente entremeados em forma de um gordinho coração. Dentro do coração havia dois continhas soltas, também em forma de coração, de brilhante pedra negra. Winter a reconheceu em seguida: era a rocha que atravessava em nervuras a montanha TarStone. Fosse aonde fosse, sempre levaria uma parte de seu lar consigo, assim como o amor incondicional de seus pais.
Grace se inclinou para frente e, com suavidade, beijou uma lágrima que caía pela bochecha de Winter; esta se lançou nos braços de sua mãe com o relicário no punho e, soluçando em seu ombro, disse:
—Lamento que papai e você não estivessem em minhas bodas.
—Shhh — Cantarolou Grace, acariciando com ternura as costas — Compreendo que era mais importante renunciar a umas bodas metida e se casar como Matt queria para demonstrar seu amor.
Sorvendo pelo nariz, Winter recuou para olhar a sua mãe.
—Mas eu quero que a papai também pareça bem — Disse — Quero que compreenda por que escapei sem dizer a nenhum dos dois.
Grace apertou seus ombros.
—Você me deixe seu pai; assegurarei-me de que compreenda por que fez o que fez — Alargou a mão, tirou o relicário, ficou atrás de Winter e, enquanto esta levantava o cabelo, grampeou o fechamento da corrente — Agora temos que falar de anticoncepcionais. Já tem bastante do que se ocupar agora mesmo sem acrescentar um bebê ao panorama.
—Muito tarde — Gemeu Winter. Quando Megan deu um grito afogado, olhou-a com um amplo sorriso — Já estou grávida.
Winter sentiu que as mãos de sua mãe ficavam quietas um momento antes de terminar de fechar a corrente. Sem dizer nada, Grace voltou a ficar diante com o cenho franzido.
—Não pode sabê-lo ainda — Disse — Só faz duas semanas que conhece Matt.
Winter acariciou o pingente que levava ao pescoço.
—Eu… Não entendo como sei, mas sei que estou grávida — Disse — Aconteceu à primeira vez, faz só três noites.
—Bom, de acordo — Disse Grace com uma lenta inclinação de cabeça — Pois sugiro que o ocultemos de seu pai por agora. Grei necessitará um pouco de tempo para acostumar-se a ter um drùidh por genro sem necessidade de acrescentar ao quadro um netinho mágico. Sabe Matt?
Winter baixou o olhar até o relicário.
—Sim.
—E te disse que ter um bebê fará que perca seus poderes?
—Sim.
Sua mãe elevou o queixo para que a olhasse.
—Por isso veio aqui, para te enrolar para que renuncie a sua vocação? —Perguntou em voz baixa.
—Não. Veio aqui para que o ajude a reparar um antigo dano — Se limitou a dizer Winter; não queria falar de Kenzie a ninguém — Seduziu para obter minha lealdade com o fim de que eu esteja moralmente obrigada a ajudá-lo.
—De modo que está te usando — Interveio Megan; uma vez mais estava junto a elas — E você vai permitir sem mais, por quê?
Antes que Winter pudesse responder, Grace alargou a mão e, enquanto afastava o cabelo de Megan do rosto, disse:
—Porque o ama.
Megan terminou de colocar o cabelo atrás das orelhas e olhou a Winter com olhos assassinos.
—Dizia que Wayne Ferris só me usava para favorecer sua carreira profissional, e que eu devia desejar que ardesse no inferno, e agora vai e se casa com um homem igual a ele.
Winter se apressou a replicar.
—Wayne só era egoísta. Mas as razões do Matt são… São… — Suspirou e meneou a cabeça. Não agradava a ideia de que o irmão de Matt andasse rondando a sua irmã, mas não se sentia com coragem suficiente para explicar a Meg que aquela pantera com a que dormia a maioria das noites era, em realidade, um homem. Naquele momento de sua vida Gesader era o único consolo de Megan — Matt não quer minha ajuda para si mesmo, mas sim por um bem maior.
—Ou seja? — Perguntou sua mãe.
Winter meneou de novo a cabeça, deu a volta e foi para o roupeiro, recolhendo o pulôver de passagem.
—Não posso dizer o que é sem trair a confiança de Matt — Sussurrou.
Grace tirou o pulôver da mão.
—Então teremos que confiar em você — Disse — Mas você também vai confiar em mim: você e Matt ficarão em Gù Brath esta noite. Amanhã, quando se tiverem acalmado as coisas, decidirão onde vão viver.
Winter olhou boquiaberta a sua mãe e gritou:
—Aqui? Espera que fiquemos aqui, em meu quarto? — Meneou a cabeça — Iremos à suíte do hotel de Matt.
—A família não fica no hotel.
—Mas não posso mamãe — Sussurrou Winter, levando a mão ao relicário outra vez enquanto olhava o quarto de sua infância — É que este é meu quarto…
Grace voltou a pôr o pulôver no cabide do armário.
—Suas irmãs ficam em seus antigos quartos quando vêm com seus maridos — Voltou-se e levantou uma sobrancelha — Por que deveria ser diferente com você?
—Mas papai ficará feito uma fúria ao ter a um drùidh dormindo em sua casa. E além Matt… Ele… Ele não aceitará ficar aqui.
Ao ver a assustada expressão de Winter, Grace riu e disse:
—Tivemos vinte e quatro anos a uma drùidh dormindo neste quarto. E agora Matt forma parte da família, assim mais vale que se acostume… E seu pai também. —Tomou Megan pela mão e saiu com ela do quarto, mas se deteve junto à porta e se voltou a olhá-la — Começa como quer seguir, Winter, e estabelece sua autoridade neste matrimônio. Com estes antigos, ou marcas a pauta desde o começo mesmo, ou corre o risco de não alcançá-los.
—Faz que o matrimônio pareça uma contínua batalha.
—Não, neném, uma batalha não, um baile maravilhoso e apaixonante — Disse Grace com um sorriso absolutamente feminino — E além te parecerá muito agradável se for você a que leva o seu par.
Essa noite, enquanto estava deitada na cama de sua infância junto a Matt, a Winter pareceu que continuava ouvindo aquela mostra definitiva de sabedoria materna. Então disse que, decididamente, já era hora de levar a iniciativa naquele matrimônio. Matt não tinha feito amor desde a primeira noite que passaram na gruta, e tampouco a tinha acariciado de forma íntima, nem sequer tinha dado um beijo. Para ser recém casados não tinha havido muita lua de mel, e Winter tomava como uma ofensa. Dava igual se Matt acreditava agir com nobreza ao não importuná-la desse modo, ou se sentia culpado por tê-la apressado a casar-se, ou inclusive se parecia incômodo fazer amor na cama de sua infância, com seu pai dormindo justo no mesmo corredor. Caramba, se ela podia superar essa última circunstância, também podia ele!
Mas Winter se deu conta de que havia um problema na hora de levar o seu par ao baile: não sabia todos os passos. Como ficava uma mulher a seduzir o seu marido quando toda sua experiência se reduzia a uma só noite de prazer lascivo?
Winter franziu o cenho e elevou a vista para o escuro teto. Provavelmente não tinha sido uma ideia genial meter-se na cama tendo posto seu velho pijama de flanela… Tendo em conta que com ele estava mais ou menos tão atrativa como uma indigente vagabunda. E, além disso, provavelmente deveria ter deixado o cabelo solto em vez de trançá-lo como fazia sempre. Pelo visto Matt gostava de brincar com seu cabelo, e ela poderia tê-lo posto sobre o peito nu de forma sutil.
Matt se despiu às escuras quando ela já se deitou, mas pelas janelas entrava suficiente luz de lua como para que Winter o visse despir-se até ficar só com as calças. Começou a tirá-la também, mas de repente se deteve e se deitou com elas postos.
Enquanto ela estava lá em cima com sua mãe e com Megan, Matt tinha trocado de roupa; pelo visto tinha pensado que não era prudente sentar-se para jantar vestido com o plaid. O jantar foi interessante; a mãe de Winter fez perguntas a Matt sobre sua empresa, enquanto que seu pai oscilava entre escutar, lançando olhadas assassinas a Matt quando este não olhava, e tratar de ocultar seu desconforto sorrindo a Winter. Por sua parte, Megan esteve excepcionalmente calada, mas mais de uma vez Winter a pegou observando Matt; pelo visto tentava aceitar que Matt Gregor e Cùram de Gairn eram a mesma pessoa.
Logo que colocados os pratos na lava-louça, Matt entrou na cozinha e disse a Winter que já era hora de que voltassem para hotel. Nesse momento Grace tirou sem cerimônias Megan da cozinha e deixou sozinha Winter para que o informasse que iam passar a noite em Gù Brath… Em seu quarto, na cama de sua infância, a menos de três portas de distância de seu pai.
Continuando, em tom paciente, Winter explicou que suas irmãs não ficavam no hotel quando iam para casa com seus maridos. Explicou que, gostasse ou não, ele formava já parte da família… E depois se impacientou e disse que ela ia ficar em sua cama aquela noite, e que, por ela, ele podia dormir no estábulo se não pensava reclamar o lugar que lhe correspondia como marido aos olhos de seu pai.
Winter não demorou para descobrir que o orgulho era um instrumento surpreendentemente eficaz ao tratar com homens teimosos. E, embora não fez graça descobrir que estava casado com uma mulher tão teimosa como ele, Matt foi a sua suíte, tomou banho, trocou de roupa e retornou ao quarto de Winter depois de que todos outros se deitaram.
E agora estava estendido junto a ela, fingindo estar dormido.
Winter baixou os braços e, devagar, tirou as calças do pijama, usando os pés para descê-las entre os lençóis. Depois desabotoou a blusa do pijama, levantou-se, a tirou e a deixou cair no chão.
—Por que se move tanto? — Perguntou Matt, voltando só à cabeça por cima do ombro.
—Tenho calor. É como um alto forno.
Ele ficou de barriga para cima, deu uma olhada e se apressou a elevar a vista para o teto.
—Volta a pôr a roupa — Resmungou — Se tiver calor, retira as mantas.
Ainda levantada, nua de tudo, Winter jogou a trança por cima do ombro, tirou a fita elástica e, devagar, passou-se os dedos pelo cabelo para destrançá-lo.
Em tom tenso, e com marcado sotaque escocês, Matt perguntou:
—E agora o que faz? — Sussurrou — Winter se vista.
Ela voltou a deitar no travesseiro ao tempo que desdobrava o cabelo para ele e, dando um suspiro, cruzou as mãos sobre o nu estômago.
—Se soubesse que dormir nua em lençóis de flanela era assim de maravilhoso, o teria feito faz anos — rebolou para meter-se mais entre os lençóis e, como por descuido, roçou com a perna na coxa de Matt; depois seguiu dirigindo-se ao teto — Entendo que não esteja… Bem, que não esteja “marital” esta noite… Ou, em realidade, que não me deseje, agora que me casei com você. Boa noite, então.
—Maldição, não entende — Espetou ele, zangado, em um sussurro — Te desejo, só que não aqui.
Ela alargou a mão e deu um tapinha no braço.
—Não, sim o entendo. Ao nos fazer mais velhas, Mamãe explicou a todas como funciona o encanamento… Bem, os encanamentos dos homens.
Céus, ia fritar no inferno, sabia; conteve a risada para ouvir um grunhido de advertência a seu lado. Então passou a mão pelo antebraço de firmes músculos de Matt e tentou entrelaçar os dedos com os dele, mas encontrou só um punho, de modo que se limitou a lhe dar um tapinha na mão.
—Tudo bem, dormiremos. Mamãe também nos explicou que às vezes a tensão é, bem, que às vezes debilita.
Antes que Winter pudesse dar um grito afogado, Matt estava em cima dela, agarrando o cabelo para segurar a face só a uns centímetros da sua.
—Esse não é o problema — Disse com muito esforço em voz baixa.
Ao notar na coxa a anatomia, tudo menos debilitada, de Matt empurrando através das calças, Winter conteve a respiração.
—Já sinto que não é o problema — Alargou as mãos e passou os dedos pelo cabelo até libertá-lo de sua atadura; sua voz se transformou em um sussurro — Quero fazer amor com meu marido, mas não sei como.
Ele fechou os olhos dando um grunhido e baixou a testa até pegá-la a dela.
—Vai me deixar louco, lass.
Winter jogou atrás a cabeça até que seus lábios roçaram os dele.
—Esse é meu plano, assim que me ensine como — Sussurrou — Me parece que deveríamos começar tirando de você as calças.
—Sua porta tem fechadura?
—N… Não — Respondeu ela com um calafrio quando os lábios de Matt desceram por seu queixo para sua garganta; fincou os dedos nos ombros e sua voz se tornou um suspiro — P… Por quê?
Ele se afastou para olhá-la, e Winter distinguiu seu amplo sorriso.
—De verdade quer que seu pai entre correndo quando te fizer gritar?
—Não gritarei. Estarei calada como um camundongo.
—Igual à última vez?
Winter o olhou franzindo o cenho.
—Eu não gritei.
—Sim, sim que gritou — Sussurrou ele, inclinando-se para baixo e beijando o nariz — Tão forte para despertar o bosque inteiro.
Winter sentiu que se ruborizava.
—Eu… Eu gritei?
Ele beijou as envergonhadíssimas bochechas.
—Com dissoluto prazer, esposa. — Beijou-lhe o queixo — Várias vezes. Foi um som maravilhoso.
Os lábios de Matt encontraram o pulsar da garganta de Winter e se atrasaram para chupar brandamente, fazendo que cada nervo de seu corpo se esticasse de desejo.
—Gritar está bem, então? — Perguntou ela, inspirando.
De repente, justo quando subia os dedos dos pés pelas pernas de Matt, este desapareceu e deixou só o fresco ar do quarto sobre a esquentada pele. Winter franziu o cenho; pareceu ouvir que Matt se afastava saltando de um pé a outro. Então a luz do banheiro se acendeu com um clique, e Winter subiu as mantas até o queixo enquanto observava seu marido, completa e belamente nu já, aproximar-se da porta do corredor e colocar de um empurrão uma cadeira sob o trinco. A seguir voltou para ela; sua silhueta se perfilava, iluminada o justo para que ela visse que não havia nem um só centímetro fraco em nenhum lugar de seu corpo. Caramba devia tomar cuidado com o que pedia.
—Se esqueceu de apagar a luz — Sussurrou, com a vista cravada na atraente mão que estendia ele.
—Não me esqueci — Matt meneou os dedos — É que mudou de opinião?
—Não — Sussurrou ela.
Pelo visto ele se cansou de esperar que tomasse a mão. Tirou à força a manta dos punhos, agarrou-lhe o pulso e a tirou da cama.
Com esforço, Winter tentou alcançá-lo.
—Aonde vamos? — Gritou.
—Me disse que queria aprender a me deixar louco, e eu te prometi te ensinar tudo o que queira saber — Respondeu ele.
Enquanto falava puxou-a até o iluminado banheiro, ao tempo que Winter tentava fincar os calcanhares no chão. Por fim a levantou, a pôs diante e se situou com ela de frente ao espelho que havia em cima do lavabo, tão grande que ia de parede a parede.
Winter cravou a vista em seus próprios olhos, muito abertos; depois seu olhar foi para os largos e bronzeados ombros de Matt, posto a suas costas, e depois subiu até as sérias feições onde só se marcava um tenso sorriso. De repente aspirou o fôlego e baixou a vista quando as mãos dele se deslizaram em torno de sua cintura e, devagar, subiram para tomar os seios.
Em tom gutural, observando também como seus polegares desenhavam círculos em torno dos excitados mamilos de Winter, Matt disse:
—Tudo o que tem que fazer esposa, é sussurrar que me deseja. O desejo de uma mulher é a maior fraqueza de um homem; só dizendo que o deseja, ele moverá montanhas para agradá-la.
Winter não podia falar nem reagir; só podia olhar fixamente, maravilhada, enquanto as mãos dele continuavam acariciando-a, levantando o peso de seus seios, abrindo-os com calor sensual, acariciando seus erguidos mamilos… Até que Winter acreditou que ia derreter-se de prazer.
Ao fim afastou o olhar com esforço e elevou a vista; as pernas fraquejaram ao ver o puro fogo de paixão que ardia nas bochechas de Matt enquanto ele observava não o que faziam suas mãos, e sim a face dela. Então, com o olhar fundido no seu, ele passou um braço por debaixo de seus seios, deu-lhe a volta para que o olhasse de frente e a levantou até sentá-la no lavabo.
—Me toque — Sussurrou, colocando os quadris entre suas coxas; agarrou suas mãos e as subiu até o peito, depois baixou os braços e lhe agarrou os quadris — Só me toque.
Winter ficou assombrada, e também bastante fascinada, ao sentir os músculos de Matt tremendo sob suas mãos. Mas mais assombroso ainda foi o descobrimento de que olhar como seus próprios dedos passavam pelo peito coberto de pelo de Matt a fazia tremer com uma energia que parecia acumular-se no fundo da boca de seu estômago.
As mãos que agarravam os quadris se apertaram.
—Sim — Sussurrou ele — Nunca subestime o poder da visão, lass, unido com o tato. Se quiser que um homem caia de joelhos, simplesmente deixa que veja o desejo em seus olhos.
Ela se inclinou e beijou o peito justo em cima de um mamilo; depois foi baixando os lábios até tampá-lo por completo e, com suavidade, chupou.
Matt puxou seus quadris até pegá-la a firme prova do efeito que provocava nele; depois a rodeou com seus braços e pegou seus seios ao peito dando um grunhido, ao tempo que puxava seu cabelo para levantar a face e beijá-la. Sua boca a deixou sem fôlego enquanto que o calor de seu corpo transbordava os sentidos. Rebolando, ela se aproximou para sentir a ponta de sua ereção empurrar intimamente contra o úmido calor de seu próprio desejo.
Os braços dele se esticaram e a levantaram do lavabo justo o suficiente para que rodeasse a cintura com as pernas enquanto, com cuidado e lentidão exasperante, baixava-a sobre ele. Winter se sentiu estirar-se, adaptar-se a ele, em uma sensação tão intensa que gemeu de prazer.
Matt se apressou a capturar o som com sua boca e com seu próprio grunhido de resposta. Então se voltou e apoiou os ombros contra a parede de frente; moveu os quadris para cima, depois ligeiramente para trás, depois para cima outra vez, enquanto suas mãos seguravam bem os quadris para receber cada investida erótica. Winter o agarrou pelo cabelo e se afiançou pondo os cotovelos sobre seus ombros enquanto sentia rápidas ondas de sensações que a invadiam.
Ele afastou a boca e afundou a face em seu pescoço.
—Olhe o espelho — Resmungou — Nos olhe.
Quando Winter abriu os olhos para olhar deu um grito afogado ao ver suas diminutas pernas brancas rodeando o bronzeado corpo de Matt, ao tempo que as firmes nádegas dele se moviam contra ela e os músculos de suas costas se estremeciam de força contida.
Então perdeu toda noção de si mesma, transportada a um mundo de sensações oníricas enquanto continuava observando a íntima dança dos dois. Em torno deles se formaram redemoinhos de cargas de energia, como arcos íris de intensas cores reunidas em um vórtice que foi esticando-se e que, de repente, explodiu em pura luz branca.
Winter fechou os olhos dando um grito que a boca de seu marido se apressou a capturar, ao tempo que seu próprio grito de prazer ressoava através dela com a força de um terremoto. De repente ele deixou de mover-se, e o batimento do coração de seu prazer explodiu contra os palpitantes espasmos de Winter.
Ela teve que afastar a boca para pegar ar, mas antes que pudesse recuperar o fôlego sentiu que se movia e só pôde agarrar-se aos ombros de Matt. Gemeu ao senti-lo ainda dentro dela, duro ainda, ao tempo que suas pernadas o fazia penetrar mais fundo ainda. Entrou na ducha com ela nos braços, pega a ele, abriu o grifo e se apressou a voltar-se para protegê-la das primeiras frias rajadas de água.
Winter não sabia de onde tirava Matt o vigor para funcionar, muito menos para seguir sustentando-a… Mas no segundo seguinte perdeu até o último pensamento racional, quando Matt a apertou contra a parede traseira da ducha e começou a mover-se dentro dela de novo.
Desta vez a erótica dança foi algo menos urgente, enquanto ele quase saía e, devagar, voltava a penetrar bem dentro dela. Winter se agarrou a seus ombros quando ele se afastou, e cravou a vista em seus olhos enquanto sentia as sensíveis pontas de seus seios moverem-se contra o suave pelo do peito de Matt. E então Matt baixou as mãos entre os dois e, com os olhos bem cravados nos dela, acariciou-a muito intimamente.
Winter tentou continuar olhando-o para ver como a olhavam seus expressivos olhos dourados… Mas suas pálpebras baixaram enquanto dava um gemido de rendição, ao tempo que ele, com destreza, praticava sua magia. Sentiu-se esticar-se em torno dele de novo, sentiu que voltava a aparecer aquele vórtice que se contraía cada vez com mais energia, até liberar-se de repente com outro estalo de crepitante luz branca.
Desta vez Winter afogou seu próprio grito apertando a boca contra os ombros de Matt enquanto uma rajada de prazenteiros batimentos do coração sacudia seu corpo. Depois ficou sem forças, murcha como um macarrão; nem sequer importava se Matt tinha vigor para carregar todo seu peso. Caray, se a deixasse cair, simplesmente se deslizaria como manteiga derretida pelo deságue da ducha.
Então, com a boca pega ao cabelo de Winter, úmido pela bruma, e a voz entrecortada, ele sussurrou:
—E essa, esposa, é a maneira mais rápida de me deixar louco.
—Não me advertiu que, ao mesmo tempo, também me deixaria louca — Murmurou ela em seu ombro. Não sabia onde encontrou a força, mas se tornou para trás para olhá-lo e inclusive arrumou para sorrir meneando a cabeça — Isso foi degenerado. Nunca, nem sonhando, imaginei fazê-lo diante de um espelho… E, além disso, olhando. É um…
Matt voltou a meter-se no chuveiro da ducha, obrigando Winter a fechar a boca de repente se não queria afogar-se.
—Nada de insultos — Disse; devagar, baixou seus pés ao chão e a abraçou até que ela se sustentou bem — Recolha o cabelo e segure-o em alto para que não se molhe.
Ela fez o que dizia enquanto se voltava de costas para o chuveiro, e de repente gritou ao sentir que as mãos ensaboadas de Matt subiam deslizando-se por suas costelas.
—Shh — Disse ele, ao tempo que a ensaboava de modo bastante completo, deslizando os dedos por cada centímetro de seu corpo.
Winter fechou os olhos para conter o rubor que esquentava a face, e de repente sorriu ao pensar que, sem dúvida, Matt esperava que ela correspondesse devolvendo o favor.
Embora não ocorria muito frequentemente, sem saber como, de vez em quando o universo conseguia surpreendê-lo. Desta vez, entretanto, a Matt deu a impressão de que o tinha pegado completamente despreparado.
A herdeira de Pendaär não se parecia em nada ao que se esperava quando fez seus planos para seduzir Winter MacKeage. Em primeiro lugar era mais formosa do que estava disposto a reconhecer, vivaz, irritante, e radiantemente sexy. Também era muito teimosa para seu gosto, e muito mais inteligente do que ele necessitava que fosse. Era obstinada, mimada e segura de si mesma, e, além disso, para ser sincero, parecia-lhe exageradamente otimista.
E depois estava o que tinha ocorrido um modo de ajudar o Kenzie; algo que, conforme temia Matt, augurava um enfrentamento com o plano que ele tinha elaborado com tanto esmero. Parecia muito segura não só de que concederia o desejo a seu irmão, mas também de que, já postos, de alguma forma salvaria à humanidade. Sim, decididamente era muito otimista para seu gosto… E além Matt temia que quando fracassasse ficaria destroçada.
E, pelo motivo que fosse à ideia de que Winter estivesse destroçada era algo que não suportava seu frio e morto coração.
Com os olhos quase fechados, convertidos em simples frestas, observou a sua esposa. Winter voltava para suas maquinações. Saiu sigilosamente do banheiro e, depois de deixar a luz acesa e a porta entreaberta para ver um pouco, ficou a rebuscar na roupa. Ainda não eram as quatro da madrugada, com o que faltavam suas boas duas horas para que amanhecesse, mas estava completamente vestida com roupa de montaria, trancou o cabelo e levava as botas na mão. Enquanto ela se vestia sem fazer ruído no banheiro, Matt tinha se levantado e pôs a toda pressa a roupa de reserva que tinha pego no hotel, de modo que ele também estava vestido de tudo sob as mantas.
Com paciência cheia de curiosidade ficou observando-a ao tempo que tentava não fixar-se no traseiro tão bonito que tinha quando, em sua busca, Winter se inclinou para deixar as botas no chão. Matt confirmou suas suspeitas ao vê-la endireitar-se com a caneta tinteiro e o lápis de desenho na mão. Winter se voltou o suficiente para que batesse a luz, e Matt conteve um sorriso ao vê-la examinar a caneta tinteiro. Por fim a pôs junto ao lápis, pelo visto comparando-os, e de repente franziu o cenho e deu uma boa sacudida. Quando viu que não acontecia nada… Além de que jorrava tinta por toda a mão, Winter meteu o lápis no bolso do jaquetão, voltou a pôr a caneta, feita um desastre, no jaquetão de Matt, e se endireitou de novo com as botas na mão. Nas pontas dos pés, foi até a porta do quarto, tirou com cuidado a cadeira que ele tinha metido sob o trinco e, depois de abrir a porta, jogou uma olhada no corredor.
Matt estava bastante seguro de aonde ia e por que, e não tinha intenção de deixar ir sozinha. De modo que esperou vários segundos para dar tempo dela descer a escada e depois apartou as mantas, agarrou as botas e o jaquetão, e saiu ao corredor. Justo quando passava com sigilo por diante da porta que estava junto à escada pisou em uma tabela que corredor e ficou completamente quieto.
Imediatamente a porta se abriu e apareceu Greylen MacKeage, também vestido de tudo e com os braços cruzado sobre o peito.
—Estou bastante seguro de aonde vai — Disse em um baixo grunhido — E a seguirei para me assegurar de que esteja bem.
—Com todo o respeito, MacKeage, agora é minha responsabilidade — Disse Matt igual de baixinho — E pegarei a ela sem me intrometer.
—Talvez tenha que se intrometer — Disse Grei — Não será um momento agradável quando explicar com quem se casou.
—Pois ontem sobreviveu bastante bem — Repôs Matt em voz baixa — Em realidade, parece-me que saiu absolutamente ilesa, mais do que posso dizer dos que estávamos ali…
O amplo sorriso de Grei brilhou no corredor meio às escuras.
—Isso é porque é uma MacKeage, e é que nós gostamos de ganhar.
—Mas bem era uma MacKeage — Disse Matt — Agora é uma Gregor.
Nesse instante se ouviu outra voz.
—Pois para mim que seus genes Sutter dão vantagem sobre você — Grace se aproximou de seu marido; sorrindo, dirigiu-se a Matt — Tenha paciência e aprende a confiar nela. Tem carinho ao Daar e precisa falar com ele. E ele cortaria o braço antes de machucá-la.
Greylen soltou um bufo, e Grace entrelaçou os dedos com os seus e deu um puxão da mão.
—Não o diga — Advertiu — Foi como um avô para todas as meninas, mas ele e Winter estão particularmente unidos.
Matt lançou um rápido olhar para a escada, desejando alcançar a sua esposa; depois olhou outra vez a seus sogros e inclinou a cabeça.
—Se não se importar, não quero que vá sozinha pela montanha, se por acaso Gesader volta envergonhado.
Greylen ficou rígido.
—Sabe de seu mascote?
Matt sorriu.
—Alguma vez se perguntaram que fazia um filhotinho de leopardo na Escócia faz oito séculos?
Grei entreabriu os olhos.
—Robbie e eu nos expomos isso em seu momento, e estivemos muitos pendentes do gato enquanto crescia, mas não vimos sinais de que fosse nada mais que uma pantera e um bom companheiro para Winter. Por que se preocupa o que se tope com ele agora?
Matt se encolheu de ombros.
—A última vez que Winter o viu, estava um pouco bêbado de népeda, e quero estar presente quando se virem outra vez.
Grei levantou uma sobrancelha.
—E exatamente de onde tirou Gesader a népeda?
Matt deixou ver um amplo sorriso, fez uma leve inclinação de cabeça e se dirigiu para a escada.
—A dei eu. — Deteve-se uns quantos passos e se voltou a olhar — É melhor que não o deixem aproximar-se da cama de Megan… Antes de ela que chegue a gostar muito dele.
Dito isso, e sem responder ao grito afogado de sua sogra, Matt desceu correndo a escada abriu a porta principal e chegou ao cristalizada ponte para dar-se conta imediatamente de que seguia com as botas na mão. Depois de soltar um palavrão dirigido a sua esposa, a quem jogava a culpa de sua falta de atenção, apoiou-se no corrimão para colocar as botas enquanto vigiava o caminho que saía dos estábulos. Justo quando atava o último cordão ouviu um ruído procedente não do estábulo, mas sim da pista florestal que subia pela montanha.
Cruzou rápido a ponte enquanto colocava o jaquetão, sem deter-se mais que para colocar a mão no bolso interior e tirar sua caneta tinteiro… E voltou a soltar um palavrão quando tirou a mão coberta de tinta. Com um rápido movimento de pulso, a caneta se transformou em sua espada e em seguida Matt começou a correr para a pista de terra.
A escura sombra do enorme leopardo apareceu no caminho justo quando Matt chegava ao dossel de árvores.
—Olá, bastardo de cor negra… Que tal a cabeça?
Depois de grunhir e agitar a cauda no ar, Kenzie se voltou e começou a subir trotando pela pista florestal. Matt vacilou e deu uma nova olhada para o estábulo; certamente Winter teria que subir a montanha a cavalo, não a pé.
Kenzie se deteve, deu outro grunhido e seguiu subindo pelo caminho até desaparecer na escuridão. Matt meteu a espada no cinto e pôs-se a correr atrás dele, amaldiçoando o fato de que, pelo visto, a danada de sua esposa gostasse de dar um passeio essa manhã em vez de uma volta a cavalo. Sim, um bom passeio de duas horas, tudo de subida.
Levava trotando menos de cinco minutos quando a ouviu, e então deixou de correr e aproximou junto a Kenzie. Sorriu ao dar-se conta de que ela ia cantando. Deu um golpe nas ancas de Kenzie para que fossem mais devagar, e seu sorriso se alargou para ouvir a letra da canção.
—Velho e grande urso negro, não saia esta noite, não saia esta noite, não saia esta noite…
Então recordou o Tom o Falador e, além disso, que o velho ermitão tinha o costume de advertir os ursos do que acontecia em seu território. Matt seguiu atrás sem fazer ruído, mantendo-se com o Kenzie justo fora do alcance de sua vista, e se disse que para ser uma pintora de tanto mérito, Winter não valia nada como cantora.
Depois de caminhar durante quase uma hora pelo bosque, em uma escuridão interrompida só pela luz da meia lua que baixava filtrando-se entre os ramos, de repente Winter ficou calada e se deteve. Kenzie saiu do caminho para a esquerda e se meteu com sigilo pelas árvores; Matt foi à direita, com cuidado de não fazer nenhum ruído, e se aproximou de ver por que parou.
Encontrou-a em metade da pista florestal cheia de buracos, com o lápis na mão. Ao recordar o ocorrido na gruta quando tentou ensinar a acender o fogo, Matt a observou com apreensão. Ainda tinha o vapor de tecido queimado no nariz, e era provável que aquele aroma não se fosse nunca da tapeçaria dos assentos do avião.
De repente, Winter agitou o lápis em círculo por cima da cabeça e disse: “Abracadabra!” Quando não aconteceu nada, baixou o lápis, e Matt só distinguiu seu cenho franzido. Então sacudiu forte o lápis, igual no quarto, e depois, depois de jogar um olhar assassino a mais não poder, sacudiu a mão com um rápido movimento de giro e ordenou:
—Se converta em meu bastão!
Umas quantas débeis faíscas saíram crepitando da afiada ponta, e Winter soltou um grito e deixou cair o lápis.
—Caramba — Murmurou, ao tempo que dava um chute de frustração no chão — Por que não quer trabalhar para mim? — Jogou atrás a cabeça e ficou a gritar olhando ao céu — Mas por que não controlo a energia? Aceitei minha vocação, agora me dê o poder!
Matt meneou a cabeça enquanto se perguntava por que diabos acreditaria Winter que repreender à Providência facilitaria as coisas… E então sorriu ao pensar que, como a mimaram de menina, agora pensava que só pedindo a magia seria dela.
Embora, para falar a verdade, também o desconcertava um pouco a incapacidade de sua esposa para fazer algo tão simples como acender fogo. Tinha a magia, isso era seguro, e justo ali, ao alcance da mão; Matt sentia a força da energia que vibrava em torno dela enquanto a envolvia um halo de imaculada luz.
Mas, pelo visto, a magia estava ainda mais confusa que Winter, como se esta falasse em um idioma estrangeiro. Lá na gruta, explicou que só tinha que pedir com doçura o que desejava e imaginar-se que ocorria… Mas por muito que o tentava, a energia só respondia com imprevisíveis estalos, incoerentes e caóticos.
Matt viu que Winter recolhia o lápis e o punha diante da face, e depois ouviu soltar um frustrado suspiro. A seguir se agachou, reuniu umas quantas folhas e ramos em um montão, assinalou-as com o lápis e, em voz baixa, sussurrou:
—Por favor, anda, por favor, se acenda…
Incapaz de vê-la seguir esforçando-se para nada, em silencio Matt ordenou ao montão de ramos que se acendesse… E imediatamente, com um grito de surpresa, Winter recuou de um salto e começou a dançar saltando de um pé a outro, entre risadas e gargalhadas, enquanto estreitava o lápis contra seu seio.
—Sim! — Disse gritando — Consegui! — Ajoelhou-se e aproximou uma mão sobre o calor do fogo que ardia com suavidade — O consegui!
Em seguida deu a volta e se apressou a juntar outro montão de ramos a pouco mais de um metro do primeiro; ficou de pé, voltou a assinalá-lo com o lápis e disse:
—Se acenda!
Seu entusiasmo, unido ao amável pedido de Matt, provocou um estalo que a mandou ao chão limpamente e que, além disso, fez que acendessem os ramos altos das árvores. A luz daquela bola de fogo se refletiu na espantada face de Winter, que ficou em pé de um salto e pôs-se a correr pela pista florestal para sair de debaixo das copas em chamas, gritando:
—Meu Deus!
Das brasas saltavam faíscas que se acendiam com o vento, e um após a outra, as árvores começaram a arder.
Deus bendito ardia toda a montanha… Matt voltou a meter-se nas sombras do bosque em chamas, elevou os braços ao céu e, em silêncio, ordenou que cessasse o vento, que se acumulassem as nuvens e que as chuvas caíssem em um toró torrencial. Ao cabo de uns minutos estava impregnado até os ossos, igual à Winter, que agora estava quieta, sob a chuva, olhando o rescaldo daquele destroço com a boca tão aberta que Matt temeu que se afogasse.
Então baixou os braços e a chuva se deteve tão de repente como tinha começado. Nesse momento Kenzie, também impregnado até os ossos, saiu do bosque com passo furtivo e, sem fazer ruído, aproximou-se de Winter. Ela dobrou os joelhos para sentar-se no chão, rodeou a pantera com os braços e afundou a face em sua empapada pelagem.
—Não sei controlá-lo! — Disse chorando a seu mascote — Matarei a todos antes que descubra como nos salvar…
Maldição tinha razão. Se Winter não se fazia com o controle da magia antes do solstício de inverno, decididamente Kenzie conseguiria seu desejo de morrer… Mas junto com o resto da humanidade! Por que diabos não fazia funcionar a magia?
O ataque de autocompaixão de sua esposa durou seus bons dez minutos, até que por fim sentiu que o frio filtrava na roupa molhada e começou a tiritar. Com um último soluço, que limpou na manga, levantou-se e prosseguiu sua viagem montanha acima. Kenzie ajustou o passo ao dela, e, por sua parte, Matt voltou para caminho e foi atrás, justo fora do alcance da vista, mas não do ouvido. Assim a ouviu falar com seu mascote.
—Sei que estava bêbado no outro dia e te perdoo por me perseguir — Disse.
Ali estava outra vez aquela inquebrável compaixão que o tinha atraído através dos séculos. Kenzie podia ter machucado-a de verdade sem querer, mas Winter o perdoava assim de rápida e simplesmente.
De repente ela deu uma olhada por cima do ombro, e Matt se apressou a meter-se nas sombras.
—De onde acha que veio esse aguaceiro? — Perguntou Winter a Kenzie enquanto elevava a vista para as copas das árvores — Te parece que a Providência me faz de “babá”?
Bom, alguém tinha que fazê-lo, disse-se Matt… Embora ao melhor deixasse essa tarefa a Pendaär, já que o velho estava tão resolvido a fazer de mentor de sua herdeira. Isso o liberava a ele, e assim poderia ajudar Greylen e Robbie a procurar o que tinha cortado o pinheiro.
—Matt e eu nos casamos — Prosseguiu ela; em seguida pôs-se a rir — Não grunha… O legalizamos em Las Vegas faz dois dias, e em nossa noite de núpcias eu dormi no sofá de seu escritório de Utah e ele dormiu no chão. Não foi romântico?
A pantera mostrou os dentes em um esboço um sorriso, deu a volta e começou a subir a montanha outra vez.
Justo começava a aparecer o primeiro espiono de amanhecer quando Winter entrou no claro que havia junto à cabana de Pendaär. Matt rodeou pouco a pouco a borda do claro enquanto ela e Kenzie subiam os degraus do alpendre, mas antes que Winter chegasse sequer a bater, a porta se abriu de repente.
—Já era hora de que aparecesse — Disse Pendaär sem preâmbulos; deu um passo atrás e assinalou o Kenzie — Seu demônio negro não pode entrar com você.
Kenzie se sentou, elevou o olhar para o Pendaär e se lambeu. Justo então Pendaär se deu conta de que Winter também estava molhada e tiritando.
—Como se pôs feita uma sopa? — Perguntou.
Em tom inocente, Winter respondeu:
—Houve… Bem, quando subíamos caiu um desses aguaceiros que passam rápido. Devia ser parte de uma linha de chuvaradas. Não choveu aqui?
Pendaär deu um suspiro e se separou da porta aberta enquanto Winter e Kenzie desapareciam dentro. Imediatamente Matt saiu como um raio das árvores dirigiu-se para o lado da cabana e se sentou com as costas pega os troncos, debaixo de uma janela. Tirou a espada do cinto, passou a mão por sua roupa molhada para trocá-la por seu antigo (e sobre tudo seco) plaid, e depois assinalou com o dedo o bastidor da janela até que esta se abriu dois centímetros. Então subiu os joelhos até o peito e se fez um novelo dentro do quente plaid enquanto ficava a escutar.
Winter entrou na cabana dando um suspiro de alívio, e imediatamente, sem fazer ruído, Gesader foi meter se com muita dificuldade entre a boca do fogão e a parede, onde se deitou para absorver o calor. Winter se aproximou da lareira revestida de pedra, tirou o jaquetão e o pendurou de um gancho sobre o suporte para que se secasse. Depois estendeu as mãos para o quente fogo.
—Fui ver o pinheiro — Disse — Está muito fraco.
Daar foi ficar junto a ela e cravou a vista no fogo também.
—Não sabia — Disse — Perdi a capacidade de perceber sua energia; em realidade já não sinto nada, além de meus velhos e doloridos ossos.
Winter se voltou para olhá-lo de frente.
—Lamento pai — Sussurrou — Não sabia que quando eu abraçasse o pinheiro você perderia seu poder.
Durante um momento Daar seguiu olhando fixamente o fogo, depois encolheu os ombros.
—Tinha que perdê-lo ao final — Voltou à cabeça para olhá-la, e Winter se deu conta de quão velho parecia de repente — Em realidade me alegrei quando ocorreu, porque isso me indicou que tinha aceitado sua vocação — Juntou as mãos à altura da cintura e se moveu um pouco, inquieto — Compreende tudo o que isso suporta lass?
Winter olhou ao fogo de novo.
—Compreendo-o — Respondeu — Embora no outro dia esqueceu você dizer que se tiver um bebê teria que renunciar a minha vocação — Olhou-o — E tampouco ocorreu me advertir que se me apaixonar mas não tenho filhos, terei que ver morrer a meu marido mortal junto com todos outros a quem amo.
Daar baixou a vista para o chão.
—Sabia que isso o entenderia sozinha… — Elevou o olhar — Mas de todas as formas aceitou sua vocação.
—Sim — Disse ela.
Deu a impressão de que ele não tinha nada que acrescentar, já que seguiu cravando a vista no fogo. Então Winter se afastou um passado e também olhou as chamas.
—E, além disso, me casei com o Matt Gregor faz dois dias… — Disse.
Daar foi rapidamente para ela.
—Que fez o que?
—E estou grávida — Prosseguiu ela sem levantar a vista.
O velho sacerdote cambaleou para trás dando um grito afogado.
—Winter! O que tem feito?
Ela o olhou de frente e cruzou de braços. Tranquilamente, continuou:
—E na realidade Matt é Cùram de Gairn, e veio aqui não com a intenção de destruir a humanidade, mas sim de me enrolar para que o ajude a reparar um velho dano.
—E você o permitiu! — Gritou Daar; seu enrugado rosto ficou de um vermelho sangrento — Sabia que esse bastardo era Cùram quando se casou com ele?
—Sim.
—E o fez de todas as formas?
—Sim — Respondeu ela com calma — Porque o amo.
—Não pode amá-lo… É um bastardo desalmado que fará tudo para conseguir o que quer.
—Não é um desalmado, pai. — Winter deixou cair os braços aos lados — Em realidade tenta arrumar a confusão que causou.
—Já imagino que sim… Matando as árvores! — Espetou Daar, zangado; agitou uma zangada mão por volta dela — E agora te roubou seu poder, te deixando grávida para que não tenhamos forma de lutar contra ele!
—Eu não quero lutar com ele — Sussurrou ela — Quero ajudá-lo. Perdeu a esperança, pai. Não o sentiu você no ar quando começou a debilitar-se nosso pinheiro? Não percebeu o frio vento que vinha por aqui? Ao abraçar o pinheiro me dei conta de que o que impulsionava o Cùram não era a ira nem a vingança, e sim o desespero. Estava disposto a deixar que morresse a humanidade porque tinha perdido a esperança.
Zangado, Daar espetou:
—Estava não: está disposto! E o obteve, não? Se casou com você e te deixou grávida… — A assinalou com um torcido dedo — Você deixa que o coração te anule a cabeça, garota. — Meneou a cabeça e se afastou — O amor é uma maldição que não para de intrometer-se em nosso trabalho.
—Não — Disse Winter — O amor é a emoção mais forte de todas. Será o que nos salva não o que nos condene.
Com um olhar assassino, ele repôs no ato:
—E precisamente por isso às mulheres nunca permitiu que fossem drùidhs — Foi para a boca do fogão de lenha e ali deu a volta para olhar a de frente outra vez com a cara vermelha de aborrecimento — As mulheres são fracas. Contam contos de fadas cheios de doçura e compaixão, onde todo mundo se ama… Não têm a fortaleza de coração necessária para lutar contra o lado escuro da natureza humana, e pensam que só por se apaixonam por um canalha de repente o transformarão em um santo.
—Então por que nasci? — Perguntou ela em voz baixa — Se as mulheres não tiverem a fortaleza que precisa para ser drùidhs, por que dedicou você tanto esforço a unir meu pai e a minha mãe para que eu nascesse?
Daar franziu o cenho, e a mandíbula se esticou enquanto baixava a vista até suas mãos. Então Winter respondeu por ele.
—Porque a Providência se deu conta de que só com drùidhs varões a coisa não saía bem. A energia está trocando para incluir as mulheres, porque o que faltava é justamente nossa doçura e nossa compaixão. Meu filho não vai supor o final da humanidade, pai — Advertiu baixinho — Vai ser nossa salvação. Eu sei que você se criou em uma época em que os matrimônios eram uniões práticas em vez de afetivas, mas tanto se aprender você a aceitá-lo como se não, o amor sempre foi e será a energia mais poderosa do universo. Por isso a Providência se procurou a uma drùidh, eu, para que arrume a confusão que têm feito vocês os homens. — Esboçou um meio sorriso — E assim que me ensine a controlar a energia, isso é justo o que tenho pensado fazer.
Em vez de devolver o sorriso, Pendaär franziu o cenho.
—Como sabe tudo isso? — Resmungou.
—Me disse um passarinho — Disse ela, e riu ao ver que se acentuava o olhar de aborrecimento do velho sacerdote — Em realidade, um corvo; foi para mim em um sonho e me explicou que tenho a capacidade de voltar a encarrilhar o contínuo suceder da vida — Franziu o cenho — Salvo que não me explicou como tinha que fazê-lo. Só disse que para o solstício de inverno o entenderia.
—Um corvo… — Disse Daar — Em um sonho que teve… E só por isso o arriscasse tudo?
Em vez de responder, Winter disse:
—Ainda não me disse por que nasci.
A face de Daar avermelhou… Mas não de aborrecimento, mas sim de desgosto.
—Disseram-me que tinha que fazer possível seu nascimento.
—Quem o disse?
A Daar obscureceu ainda mais a face, enquanto baixava o olhar até os pés.
—Disseram-me isso em um sonho. — Elevou o queixo em um gesto defensivo — Só vi uma sombra rodeada de brilhantes cores. Disse-me que conseguisse que nascesse Greylen e depois, que o fizesse casar-se com uma mulher do século XXI — Nesse momento os ombros se afundaram; foi à mesa, sentou-se em uma cadeira e, com a cabeça encurvada, continuou como se falasse com chão — Fiz o que me pediram, embora nunca compreendi por que. Só me disseram que a energia estava trocando do solstício do verão para o de inverno. Eu agi às cegas.
Winter se aproximou e se ajoelhou diante dele para que a visse sorrir.
—Às cegas não — Disse — Você sabia que meus pais estavam destinados a ter sete filhas, e que a energia estava trocando, embora não queria reconhecê-lo. Não agradava que o transtorno que Cùram tinha provocado séculos antes tivesse originado uma reação em cadeia que só uma mulher ia ser capaz de arrumar — Depois de acariciar a barbada bochecha, levantou-se e tirou o lápis do bolso do jaquetão — Pelo visto tenho um pequeno problema com meu poder, e necessito que me ensine a controlá-lo.
Ele se voltou para olhá-la de frente e em tom surpreso perguntou:
—Controlá-lo? Isso não se pode ensinar a ninguém — Empalidecendo, foi para ela — Onde está o bastão que te fiz?
Winter levantou o lápis.
—Aqui mesmo.
Daar acudiu correndo, tirou o lápis e o observou com atenção como se o que tinha na mão fosse um inseto. Depois a olhou.
—Transformou seu bastão de pinheiro em um lápis? Por quê?
—Eu não, fiz-o Matt. Assim é mais fácil de levar — Dirigiu um meio sorriso — De verdade espera que vá andando por aí com uma bengala, Pai? Tenho vinte e quatro anos e não coxeio — Tirou-lhe o lápis — Assim é mais fácil, cabe-me no bolso.
—Não tem que permitir que Cùram toque seu bastão!
—Tentou me ajudar a controlar a magia, mas lhe queimei toda a roupa, as mantas e os mantimentos.
Daar a olhou com receio.
—Ao melhor só finge ajudar, mas nesta realidade está te sabotando.
—Não — Disse Winter — Necessita minha ajuda para cumprir uma promessa que fez faz mais de oito séculos. Mas para fazê-lo tenho que ser capaz de convocar a energia.
—Que promessa? — Perguntou Daar, ainda cético.
Winter meneou a cabeça.
—Não posso dizê-lo sem faltar a minhas promessas matrimoniais.
Daar balbuciou algo pelo baixo e se separou dela.
—Sabe seu pai com quem se casou?
—Sim, e Robbie também.
Rapidamente, Daar voltou a olhá-la.
—MacBain sabe que Gregor é Cùram de Gairn? E não fez nada? E Greylen tampouco?
—Robbie e meu pai confiam em mim — Respondeu ela — E, além disso, são conscientes de que agora têm que trabalhar com o Matt para descobrir quem cortou nosso pinheiro.
A surpresa fez que Daar abrisse muito os olhos.
—Trabalhar com ele?… — Repetiu. Meneou a cabeça — Não acredito. Igual a mim, MacBain nunca trabalharia de boa vontade com de Gairn.
Dando um suspiro, Winter meteu o lápis no bolso das calças.
—Todos temos o mesmo objetivo, pai — Disse — E uma causa comum obriga que inclusive os inimigos colaborem entre si. Por isso você ajudará também: ensinará-me a controlar a energia.
Daar não teve nada que dizer a isso, embora sim que deu a impressão de que ela acabava de pedir que engolisse um sapo. Winter supôs que assim era como se sentia.
—A ameaça não é Matt, pai — Disse, rompendo o silêncio — O verdadeiro perigo representa o que cortou nosso pinheiro, e se não descobrirmos quem é e por que está aqui antes que faça mais dano, talvez seja muito tarde para todos nós. Por favor, não quer me ajudar?
—Quando se casou com de Gairn já era muito tarde para que eu te ajudasse — Sussurrou ele; pelo visto era incapaz de ir além daquele fato — Ele é o que pôs toda esta confusão em andamento.
Ao Winter ia acabando a paciência; zangada, espetou:
—Mas se pode arrumar. Este solstício de inverno eu posso arrumá-lo todo, mas só se dominar meu poder. E isso não vai ocorrer sem sua ajuda. — Aproximou-se mais e pôs a mão no cansado ombro — Tem que confiar em que o Universo sabe o que faz Pai. Passar-me seu conhecimento não é fazer o jogo de Matt: é cumprir com uma promessa que ficou em marcha faz mil anos.
Daar elevou as mãos e se esfregou a face. Depois foi à porta, abriu-a e olhou para o lago Pene. Enquanto cravava a vista no panorama, reconheceu:
—Sim que senti outra entidade no ar antes de perder meu poder. Pensei que era de Gairn, tentando me confundir — Olhou-a por cima do ombro — Está segura de que Cùram não tem nada que ver com que tenham cortado o pinheiro?
—Sim, pai. Isso o preocupa tanto como a nós.
Daar voltou a olhar o lago.
—Você sente essa energia desconhecida? — Perguntou — Ainda? Continua aqui?
Winter franziu o cenho enquanto olhava suas costas.
—Sim. Mas em vez de ser desconhecida, parece… Não sei por que, parece-me familiar — Meneou a cabeça quando ele deu a volta, surpreso — Sei que não é de Matt nem minha, mas parece ser…
Sem terminar a frase, encolheu os ombros, levanto as mãos e as deixou cair aos flancos.
Depois de cravar a vista nela durante o que pareceu uma eternidade, de repente Daar suspirou e saiu ao alpendre.
—Então vem — Disse enquanto se dirigia para a escada — Me mostre o problema que tem com seu bastão.
Winter saiu correndo ao alpendre e, correndo, desceu a escada até metade do claro onde estava Daar. Ao tempo que tirava o lápis do bolso, disse:
—Cada vez que peço algo tão simples quanto acender um fogo, tudo começa a incendiar-se… Menos os ramos.
Daar se apressou a ficar a um lado quando Winter tirou o lápis, e depois ficou um pouco atrás dela. Depois assinalou uma grande rocha arredondada que estava ao outro extremo do claro.
—Olhe — Disse — Em vez de pedir fogo, vê que ocorre quando pede que essa rocha se transforme em pedregulho.
Ela assinalou a rocha com o lápis, mas Daar cobriu a mão com a sua.
—Se limite a imaginá-la como pedregulho, garota. Suave, muito suavemente — Advertiu, enquanto retirava a mão.
Com os olhos entrecerrados, Winter olhou a rocha, assinalou-a com o lápis e imaginou um diminuto pedregulho redondo, posto no mesmo lugar. Ao ver que nada ocorria, fechou mais os olhos, concentrou-se ainda mais e disse:
—Se converta em um pedregulho!
Imediatamente a grande rocha explodiu com tanta força que sacudiu a terra, enquanto que um milhão de projéteis de granito voavam em diferentes direções. Winter agarrou o Pai Daar e se atirou com ele no chão, protegendo-o com o corpo.
Mas em questão de segundos, enquanto os diminutos pedregulhos que tinha criado continuaram caindo, notou umas fortes mãos sobre ela. Sentiu que a agarravam nos braços, davam-lhe a volta e a pegavam a um duro e meio nu peito, ao tempo que uma férrea e larga mão lhe tampava a cabeça.
Winter sorriu no peito de seu marido justo quando, por fim, o último pedregulho terminou de cair.
—Bom Dia — Disse, inclinando a cabeça para olhá-lo.
Ele elevou uma sobrancelha.
—Não parece surpreendida de me ver.
Winter elevou uma sobrancelha também.
—Ouviu o suficiente para estar satisfeito de que cumpro minhas promessas?
Ele a olhou franzindo o cenho.
—Não duvido de que você as cumpra. É de Pendaär de quem não confio.
Enquanto falava, o velho sacerdote ficou de pé torpemente e sacudiu a roupa.
—Nossa, nossa… — Murmurou; ao dar a volta soltou um grito afogado, tão forte que esteve a ponto de cair outra vez, e recuou fechando as mãos até as converter em punhos e entreabrindo os olhos em uma expressão de ódio; a crispação também chegou a sua voz — É Cùram…
Matt se separou de Winter e inclinou a cabeça.
—Pendaär — Disse em tom cortês — É um privilégio conhecer por fim o grande drùidh de Pravad.
—Pravad? — Repetiu Winter — Onde está isso?
Muito ocupados em olharem-se, os dois fizeram caso omisso dela. Daar mostrava um feroz olhar de aborrecimento e Matt, um amplo sorriso incluso mais feroz. Então Winter se interpôs entre eles e se dirigiu primeiro a seu marido.
—Faz o favor de deixar de se apresentar assim — O repreendeu.
Ele a olhou com expressão inocente.
—Como?
Ela assinalou a roupa.
—Corno um antigo drùidh guerreiro. Faz-o de propósito, só para irritar as pessoas.
—Tinha a roupa ensopada — Disse ele; seu aspecto continuava sendo inocente… Salvo pela cintilação de seus olhos dourados — Sabem? Houve um repentino aguaceiro quando subia, e tive que me pôr algo seco.
Winter sentiu que avermelhavam as bochechas.
—Obrigado por apagar o fogo — Sussurrou, enquanto se apressava a voltar-se para o Daar — Deixe de franzir o cenho, pai, e nos ajude a descobrir por que não controlo a energia.
Daar se inclinou um pouco para a esquerda e, sem deixar de franzir o cenho, olhou para Matt, que estava atrás dela.
—Não há motivo para que não a controle a não ser que, ao melhor, não queira fazê-lo — Disse em tom petulante.
—Mas sim que quero! — Insistiu Winter ao tempo que se voltava para Matt — Sim quero controlá-la.
Matt olhou por cima de sua cabeça a Daar.
—Acredita que é porque é uma mulher?
—Ai, mas de todos os… — Winter deu um chute no chão — Ser mulher não tem nada que ver com nada disto!
Enquanto Winter girava sobre seus calcanhares para olhá-lo de frente, Daar coçou a barba.
—Sim… — Com os olhos entrecerrados olhou por trás dela a Matt — Isso poderia ser… — Inclinou a cabeça — A energia está acostumada a responder ao modo de pensar de um homem. As mulheres pensam de forma diferente, já sabe — Por fim olhou Winter e franziu o cenho — Não pensa com claridade, garota: as mulheres pensam em círculos mareantes — Assegurou, ao tempo que agitava uma mão no ar — Sempre dão voltas ao redor de um problema em vez de atacá-lo de frente. Tem que começar a pensar como um homem se quer controlar a energia.
—Pois foi o pensamento masculino o que nos colocou nesta confusão —Resmungou ela — E dar voltas a um problema e considerá-lo de todas as perspectivas é o que vai voltar a nos encarrilhar.
Nesse momento, Matt soltou uma risadinha e disse:
—Não se continuar voando o mundo rocha por rocha e árvore por árvore… —Voltou a pegá-la a ele e a rodeou com seus braços ao tempo que ambos olhavam de frente a Daar, de novo carrancudos — Então só fará falta praticar. Winter e a energia vão ter que aprender cada uma o idioma da outra. Posso sugerir que trabalhe com você enquanto eu ajudo MacBain e MacKeage a descobrir quem mais anda neste jogo?
Deu a impressão de que Daar ia ter que engolir a força outro sapo, mas por fim assentiu com um seco movimento de cabeça, deu a volta e em silêncio entrou de novo em sua cabana dando um amplo rodeio pela frente de Gesader, que estava escondido debaixo do alpendre.
Matt fez voltar-se para Winter em seus braços e deu um efusivo e apaixonado beijo na boca.
—Bom dia, esposa — Sussurrou.
Ela deu um tapinha no peito nu.
—Que doce.
Ele sorriu.
—Meus beijos são doces?
—Não. O que acaba de fazer pelo Daar.
Ele se afastou, sobressaltado.
—E o que tenho feito?
Ela passou um dedo pelo suave pelo do peito.
—Deixou que conserve sua dignidade ao fazer que se sinta necessário.
—É que é necessário — Espetou ele, zangado — Eu não posso cuidar de você e procurar essa energia desconhecida ao mesmo tempo.
Ela beijou o peito, afastou-se rindo e começou a descer a montanha.
—A doçura não é um defeito e sim um sinal de força — Disse, voltando-se para ele; para ouvir que resmungava, começou a caminhar para trás — E tanto se quer reconhecê-lo como se não, estou casada com um homem muito doce.
De repente ele a assinalou e meneou os dedos, e Winter se deteve dando um grito afogado e se olhou surpreendida. Em seguida acariciou o formoso plaid que de repente tinha posto sobre uma preciosa blusa branca de algodão.
A cor de fundo do plaid era um cinza intenso, com largas raias verde bosque em um sentido, e estreitas raias amarelas e vermelhas em outro. Quando voltou a olhar Matt, o encontrou a pouco menos de um metro de distância.
—Este… Este é o plaid Gregor?
Matt sorriu com aprovação.
—Sim — Disse — Já é hora de que comece a levar postos minhas cores.
—Meu pai vai ficar feito uma fúria — Sussurrou ela.
Baixou a vista para ver o modo em que o plaid envolvia os ombros como se fosse um xale e se recolhia em torno de sua cintura antes de cair até mais abaixo dos joelhos; todo isso o segurava um grosso cinto de couro. Inclinou-se levemente e olhou as pernas; cobriam-nas umas altas perneiras de vima para baixo se convertiam em uns sapatos de sola de couro.
Ao fim elevou o olhar fazia Matt.
—Bem… Possivelmente me viriam melhor uma saia com peitilho e umas camisas. — Dirigiu-lhe um atrevido sorriso — Obrigado. Tirar-me a roupa molhada foi um detalhe muito doce.
Dito isso, Winter saiu correndo, desceu como um raio o íngreme atalho da montanha, e deu um grito de prazer quando Matt a alcançou. Sem diminuir o passo, seu marido a jogou no ombro e ato seguido começou a levá-la montanha abaixo, sem rir sequer quando passaram pelos queimados restos do pequeno incêndio florestal.
Estava casada com um homem muito doce, e além Winter sabia que tinha esperança mais que suficiente para os dois.
Winter colocou o dedo na terrina de batatas trituradas, provou seus progressos até o momento e decidiu que tinha que acrescentar mais manteiga. Então jogou a quantidade equivalente a várias colheradas mais, voltou a pôr em movimento a batedeira e sorriu enquanto ouvia sua mãe e Megan debatendo sobre como tirar as bolas do molho de carne.
Custava-lhe acreditar que tivesse casada cinco semanas inteiras. Ela e Matt continuavam em Gù Brath porque, antes do quarto dia de matrimônio, tinha perdido a primeira autêntica briga com seu marido. Sofreu uma terminante derrota, embora o fato de que Matt implicasse em sua pequena disputa caseira a sua família, Robbie e inclusive o velho Tom não foi jogar limpo.
Winter quis mudar-se à gruta enquanto construíam a casa, argumentando que era acolhedora e abrigada, e que, além disso, tinha tudo que ela e Matt necessitavam… Mas seus pais e Megan ficaram horrorizados só de pensar que se expor sequer viver em uma caverna todo o inverno. Por sua parte, Robbie disse categoricamente que estava louca, e quanto o Tom, se desmanchou de risada e imediatamente ficou do lado de Matt.
Por isso naquelas cinco semanas Winter se dedicou a preparar a galeria para a temporada de compras natalinas, que não demoraria a chegar, enquanto que Matt empregava jornadas de doze horas em conseguir que uma estrada atravessasse o bosque e em construir uma pequena cabana no lago, por debaixo da pradaria. Uma vez que estivesse terminado seu lar definitivo acima na montanha (dentro de uns dois anos, segundo os cálculos de Matt) a cabana da ribeira do lago se transformaria no refúgio de verão. Mas inclusive enquanto esperavam a que construíram seu lar provisório, Matt se manteve firme em que sua grávida esposa não viveria em uma gruta. Assim estava esforçando-se, e também apertando à brigada de construção, para ter a cabana terminada antes do dia de Ação de graças, ao tempo que tentava ajudar Robbie e Greylen a caçar aquela energia desconhecida que seguia rondando por ali.
Depois que cortassem o pinheiro houve outro incidente desconcertante, desta vez relacionado com a apreciada gruta. E é que, quando Winter e Matt foram à montanha a ver que podia recuperar-se dos incêndios fortuitos que tinha provocado ela… E talvez procurar um pouco de intimidade para fazer amor de forma ruidosa, a caverna tinha desaparecido.
O elevado e escarpado penhasco de granito seguia dominando a pradaria, mas a entrada da gruta não estava. Matt realizou várias tentativas por voltar a abrir a entrada recorrendo a diversos poderes e feitiços, mas todos seus esforços foram em vão.
De modo que Winter levava cinco semanas dividindo seu tempo entre atender a galeria, ir ver Daar para suas aulas de feitiçaria e ajudar a sua mãe a reunir o mobiliário da quase terminada cabana. A galeria ia animando-se, suas aulas com o Daar eram mais frustrantes que úteis, e Winter dava bastante igual se as cortinas faziam jogo com os jogos de mesa ou não. Só queria sair de Gù Brath para fazer amor a seu marido sem preocupar-se de se seu pai derrubava a porta do quarto.
Gesader ainda rondava por ali, embora passava mais tempo com Megan que com Winter ou Matt. E embora Grei seguia tirando a pantera cada noite quando todos foram dormir, Megan tinha dito a Winter que, ao cabo de uns minutos, Gesader subia no telhado da garagem e ela o deixava entrar pela janela para que se fizesse um novelo ao pé da cama e mantivesse os pés quentes.
Winter ainda não se sentia com suficiente coragem para dizer que, em realidade, Gesader era um antigo guerreiro das Terras Altas escocesas. A princípio, quando se deu conta do que aquilo significava, Winter ficou horrorizada ao pensar na relação tão amistosa e terna que tinha tido com o irmão de seu marido durante mais de dois anos. Recordou que tinha nadado… Nua! Na lacuna de alta montanha com seu mascote, que tinha dito seus segredos melhor guardados e que inclusive tinha contado suas horríveis saídas com homens que acreditavam que as mulheres morriam por eles.
Matt riu do apuro de Winter e perguntou se acreditava que teria enviado ali à pantera se de verdade seu irmão fosse compartilhar a cama com ela. Explicou-lhe que quando Kenzie era um animal não era mais que o animal que encarnava embora um animal extraordinariamente intuitivo, e a tranquilizou dizendo que Megan estava segura… Ao menos até o próximo solstício. Não sabia o que aconteceria depois, disse com um amplo e muito masculino sorriso. Quando Kenzie voltasse para seu ser, certamente encontraria de novo o caminho até a cama de Megan.
Quanto a Megan, quase da noite para o dia tinha saído à barriga, e tinha começado a usar calças de grávida e blusas soltas. Parecia ter aceitado sua gravidez e já quase nunca chorava; em realidade estava tão furiosa com Wayne Ferris, que Winter temia que estivesse pensando em caçá-lo ela mesma e mandar seu negro coração ao inferno.
Winter tirou da cozinha a enorme terrina de batatas e o pôs em cima da grande mesa da sala de jantar, disposta com sete talheres para o almoço de Ação de Graças. O Pai Daar já estava sentado (para a cabeceira da mesa e justo ao lado de Greylen, provavelmente só para irritá-lo); o velho sacerdote remeteu o guardanapo no pescoço da batina e já tinha o garfo na mão.
—Para quem é o sétimo lugar? — Perguntou, enquanto olhava com o cenho franzido a vazia mesa.
Winter alisou um guardanapo.
—Para o Tom — Respondeu — Veio às últimas duas Ações de Graças, recorda?
—Lembro que comia mais que falava.
—Igual a um que eu conheço — Disse ela, revirando os olhos.
Dirigiu-se para o salão, mas teve que deter-se quando Daar falou de novo.
—Pois chega tarde, e é de má educação nos fazer esperar. A comida se esfria.
—Vamos começar em seguida, pai — O tranquilizou Winter — Se esperarmos mais, Tom se sentirá incômodo por nos ter atrasado.
Daar balbuciou algo baixo, e ao entrar no salão, Winter encontrou seu pai e a seu marido enfrascados em uma conversa, sentados um frente ao outro diante da lareira onde ardia um bom fogo. Sorriu com alegria contida. Quem ia pensar que os dois homens a quem amava mais no mundo terminariam levando-se tão bem, tendo em conta quão mal tinham começado? Mas agora, quando não estava trabalhando em questões da empresa, Matt e seu pai faziam batidas pelas montanhas Bear e TarStone com o Robbie, procurando a quem quer, ou o que queira, que interferia no assunto de salvar à humanidade.
—O almoço está preparado — Disse em voz baixa.
Os dois deram uma olhada, sorriram e ficaram de pé.
Matt se aproximou e deu um beijo na ponta do nariz.
—O que cozinhou você? — Perguntou — Para saber o que evitar…
—Cozinhei o peru, as batatas e a abobora — Respondeu ela; quando Matt deu um grunhido, dirigiu-lhe um sorriso travesso — Fiz um passe com o lápis por cima ao peru justo antes de colocá-lo no forno.
Seu pai, que ia caminho da sala de jantar, deteve-se; desta vez foi ele quem grunhiu e olhou a Matt com olhos assassinos.
—Acreditava que tinha tirado essa maldita coisa.
Matt deixou ver um amplo sorriso e, em sua defesa, disse:
—Aprendeu o suficiente para que eu não o encontre.
Tomou Winter pelo ombro e voltou a conduzi-la a sala de jantar justo quando apareciam Megan e Grace com mais terrinas de comida.
—O peru está na bancada — Disse Grace, ao tempo que se sentava à esquerda, frente à Daar — Quer trazê-lo, Grei?
Matt afastou primeiro a cadeira de Winter e depois a de Megan para que se sentassem.
—Não vem Tom? — Perguntou.
Em vez de sentar-se junto a Winter, rodeou a mesa e se sentou junto a um carrancudo Pai Daar.
Grace colocou o guardanapo no colo.
—Se Tom aparecer lhe daremos de comer, mas tudo estava passando-se, assim vamos começar sem ele. Pai — Disse quando Grei pôs o enorme peru sobre a mesa e se sentou — Quer benzer a mesa, por favor?
—Benzi a comida enquanto se cozinhava — Disse Daar, alargando a mão para agarrar a terrina de batatas — Vamos começar a comer.
Winter se apressou a pôr as batatas fora de seu alcance.
—Pois então talvez pudesse nos benzer — Sugeriu.
—A todos nós? — Perguntou ele, enquanto lançava um pouco caridoso olhar ao Matt antes de voltar a olhá-la com ferocidade.
Sem tirar a mão da terrina de batatas, Winter repôs:
—Espero que não me caia o bolo de abobora quando o pegar…
Daar baixou rapidamente o olhar a seu prato vazio, cruzou as mãos e disse:
—Pedimo-lhe, Senhor, que benza a todas as boas pessoas — Recalcou o adjetivo — Que hoje estejam aqui, e que por fim cheguemos a desfrutar de sua magnificência, amém. Vamos comer.
Pelo visto, comer importava mais que sentar-se a almoçar com o inimigo; Daar agarrou a fonte do guisado de verduras, serviu-se uma enorme porção, e depois saltou Grei e a passou diretamente a Grace. Estava claro que não queria interromper a tarefa de trinchar.
—Eu tomarei essa coxa com seu contra musculo, Laird, se o estorva — Disse, levantando seu prato para Grei — E um pouco desse recheio.
—Bom Matt — Disse Grace enquanto passava a Winter a bandeja das verduras — Encontrou já o modo de entrar em sua gruta? Acha que existe ainda?
Matt pegou o molho de ervas que lhe dava Megan.
—Sinto uma energia que procede do interior do penhasco — Respondeu — Mas só às vezes e, pelo geral, de noite.
—Esteve indo ao penhasco de noite? — Perguntou Winter, surpreendida — Quando?
—Não me expressei bem: quero dizer pela manhã cedo, justo antes do amanhecer. Frequentemente, quando vou revisar o andamento da cabana, paro-me um momento só para ver se tiver trocado algo — Disse; jogou uma olhada para incluir Grei — Se coloco as mãos na rocha e me concentro, sinto uma vibração que sai do interior — Olhou à parede em frente, e Winter viu que esfregava os dedos da mão direita — É estranho, porque o granito está temperado e ouço fracos golpes que chegam de dentro — Voltou para olhar Grei e meneou a cabeça — Tentei localizar o som, mas não posso.
—Então acha que ali dentro acontece algo? — Perguntou Megan — Que a gruta existe ainda e alguém está trabalhando dentro dela?
Daar deixou de meter comida na boca o tempo suficiente para olhar Matt com olhos assassinos.
—A quem mais zangou durante estes séculos? — Perguntou.
Matt pareceu sobressaltar-se.
—A ninguém — Disse — Eu não zanguei a ninguém… Mais.
Nesse momento interveio Winter.
—A vibração que sentiu é a mesma energia que percebemos perto do pinheiro?
—Parece a mesma — Respondeu Matt, embora meneando a cabeça — Temo que quem seja, é muito mais poderoso que nós dois. Nem sequer sou capaz de descobrir sua identidade, e, além disso, tem feito impenetrável o penhasco. Tentei entrar de outra direção, mas não cheguei nem a três metros da gruta primitiva.
Winter dirigiu um torcido sorriso.
—Segue chamando a essa energia “ele”… E talvez seja “ela”. Ao melhor por isso não consegue rodear seu poder.
—Você tampouco.
—Ainda… — Disse ela.
Encheu o garfo de batatas e o meteu na boca; Matt franziu o cenho, e Winter sorriu enquanto mastigava.
Daar deixou de comer o tempo suficiente para fazer outra pergunta a Matt.
—O que fazia acima em TarStone ontem? Montou um estrondo enorme; a montanha tremeu tão forte que meu lampião se soltou do gancho… E, além disso, provocou um deslizamento de terra que não alcançou minha cabana só por uns metros.
De novo Matt pareceu surpreender-se, mas de repente olhou para Winter com os olhos entrecerrados. Ela se apressou a meter um pouco de peru na boca, mastigou e depois disse:
—Megan, passa-me o molho de ervas, por favor?
—Winter? — Resmungou Matt.
Nesse instante soou a campainha, e Winter se levantou para abrir a porta.
—Olá, Tom. Acreditávamos que já não vinha e nos sentamos a comer.
Tom tirou o gorro e inclinou a cabeça em um gesto de desculpa.
—Perdão. Perdi a noção do tempo por completo — Olhou para a sala de jantar enquanto pendurava o jaquetão — Fica algo?
Winter o puxou pelo braço para acompanhá-lo a sala de jantar.
—Não ficará se não chegar à sobremesa antes que Daar — Disse, rindo.
—Perdão. Perdi por completo a noção do tempo — Repetiu Tom ao chegar à mesa enquanto se sentava na cadeira vazia que havia junto a Matt; com um brilho nos olhos olhou para Winter — Me distraí trabalhando no presente de aniversário de Winter.
Ela juntou as mãos dando um grito afogado de prazer e olhou a seus pais.
—Tom está esculpindo uma coisa especial para meu aniversário. Guarda-o debaixo de um lençol em sua oficina e não me deixa entrar, mas já vi suficiente para saber que é quase tão grande como um carro pequeno. Tom, a verdade é que não há motivo para que espere para me dar meu presente.
Tom soltou uma risadinha enquanto começava a encher o prato.
—Sei que é um conceito bastante difícil de imaginar, Winter, mas a paciência é uma virtude útil — Piscou um olho e depois deu um olhar à cabeceira da mesa — Algum de vocês ouviu o forte ruído que soou na cúpula de TarStone ontem pela manhã? Ia caminhando ao povoado e juro que ouvi um trovão, mas no céu não havia nenhuma nuvem — Olhou a Matt — Ao princípio acreditei que era seu avião rompendo a barreira da luz, mas menos de dez minutos depois o vi que ia de carro à cabana.
Antes que alguém pudesse responder, Daar falou entre dois bocados.
—Eu o ouvi. Algo provocou um grande deslizamento de terra que esteve a ponto de me deixar sem cabana.
—Talvez fosse um pouco de atividade sísmica… — Se apressou a sugerir Megan com um sorriso, enquanto alargava a mão e com o dedo cravava a coxa de Winter — De vez em quando temos tremores, quando a terra ricocheteia pelo peso das velhas geleiras.
—Até um pequeno tremor pode desencadear um deslizamento de terra — Acrescentou Grace, piscando um olho a Winter.
Winter se limitou a continuar comendo, ao tempo que se dizia que talvez devesse começar a ir ao condado vizinho a fazer práticas de magia. Já controlava algumas coisas como ocultar suas vibrações de energia, ao menos o suficiente para que Matt não desse com seu lápis. E por fim tinha conquistado o fogo… Bom, quase sempre. Mas o de aprender a pensar como um homem era tão pouco provável quanto aprendesse paciência.
Nesse momento Matt atraiu a atenção de todo o mundo dizendo:
—Tenho algo que anunciar: nossa cabana está terminada. Custou-me uma dinheirama em incentivo de produtividade, mas ontem, passado meio-dia, a brigada cravou o último prego e deu a última capa de pintura. Mudamo-nos amanhã.
—Mas amanhã é quando começam as compras natalinas, o dia mais ocupado do ano — Disse Winter — E, além disso, Megan e mamãe têm que me dar uma mão na galeria. Não podemos nos mudar amanhã.
—Você não tem que mover um dedo — Disse Matt — Eu farei a mudança.
Grace lhe dirigiu um olhar cético.
—E pendurará as cortinas? — Perguntou — E desfará todas as caixas e montará a cozinha e o banheiro? Olhe que vamos estar ocupadas até o mesmo dia de Natal.
—Vocês não gostariam que existisse de verdade algo parecido à magia? —Interveio Tom sorrindo — Que só agitando uma varinha mágica tudo acontecesse assim de fácil?
Ao terminar de falar, estalou os dedos no ar.
Sem dizer nenhuma palavra, Winter olhou a seu amigo, piscando; em seguida se voltou para Matt e ao ver o brilho de seus olhos, teve que tampar a boca com o guardanapo para não se pôr a rir.
Sim, quem dera tivessem uma varinha mágica, ou duas.
De frente à acesa lareira revestida de pedra que dominava a parede norte da acolhedora cabana de três cômodos, sentado no sofá, Matt olhou com o cenho franzido a sua esposa, posta sobre seu colo.
—Não vai ficar adormecida em cima de mim, não é? — Perguntou, ao tempo que dava uma pequena sacudida — Esta é a primeira noite que passamos em nosso lar, deveríamos estar dançando nus diante do fogo.
—Dança você — Disse ela, sonolenta, aconchegando-se mais em seu abraço — Eu te olharei.
—Pobrezinha… Foi um dia duro no trabalho? — Com ternura, acariciou-lhe a coxa — Tornou a vomitar hoje?
Winter deu um cansado suspiro.
—Só tive enjoos, porque não tive nem tempo de vomitar — Olhou-o e sorriu — O que sim tenho feito por fim é chamar Heather; disse-me que as náuseas pela manhã são um bom sinal de que o bebê está acomodando-se para uma estadia longa e feliz.
—Heather é a médica, não é? Sua irmã mais velha que vive na Califórnia — Quando Winter assentiu, pôs a mão sobre o liso estômago, e as pontas de seus dedos abrangeram a cintura de quadril a quadril — Sete filhas… Pobre de seu pai — Disse com uma risadinha; ao vê-la franzir o cenho, sorriu — Espero que não vá sair a sua mãe. Eu quero pelo menos uns quantos filhos varões.
—Quem contribui com o cromossomo Y é o homem — Disse ela; seu cenho se acentuou enquanto se voltava para vê-lo melhor — Como é que sabe tanto sobre o século XXI? Sobre coisas como a física e os negócios.
—Já levo vivendo aqui quase três anos.
—Desde que veio Kenzie? Veio quando ele veio?
—Não, pouco depois.
—Veio a Pene Creek? Como é que não te vi nenhuma vez?
—Só vinha por aqui quatro vezes ao ano, ficava tão somente as vinte e quatro horas que Kenzie era humano. O resto do tempo o passei por aí, no mundo, aprendendo quanto podia sobre a sociedade e a tecnologia modernas, acumulando riqueza e conhecimentos enquanto esperava que você estivesse preparada.
—Preparada? Para que? — Perguntou ela, surpreendida.
—Para mim — Respondeu ele, inclinando-se e dando um beijo na ponta do nariz — E em realidade sim que me viu umas quantas vezes neste par de anos — Com a cabeça assinalou para a lareira, o grande quadro que estava pendurado em cima do suporte — Embora acreditava que me dava boa nota em me ocultar, apesar de tudo percebeu minha energia: em “Observadores da lua” estou justo ali, no canto superior esquerdo — Franziu o cenho quando ela olhou o quadro e depois olhou a ele — Não gostei que me pintasse como uma fada… Me dá vontade de te mandar refazer minha imagem.
Winter elevou o queixo.
—Um artista não troca sua visão para satisfazer os clientes melindrosos. Nessa noite percebi um espírito cordial e doce, e isso foi o que pintei; se você não gostar, pendura-o outra vez na galeria. Conforme se deu o negócio hoje, provavelmente conseguirei o dobro do que me pagou por esse quadro.
Matt a pegou mais ao peito.
—Não penso vender Observadores da lua — Voltou a beijar seu nariz — E além não sou doce.
Ela jogou um bom olhar por todo o salão, perfeitamente mobiliado; depois olhou de novo a Matt e levantou uma sobrancelha.
—Eu diria que o que tenha se matado para nos instalar hoje sem usar sua magia te faz doce.
—Não me impulsionou a doçura, e sim a luxúria — Disse ele; elevou-lhe os ombros para beijá-la em plena boca desta vez — Suei tinta para nos mudar com o objetivo de te fazer gritar por fim outra vez sem me preocupar se por acaso seu pai entra equilibrando-se contra nós com a espada.
Sua mulherzinha de olhos muito abertos soltou uma risadinha e rodeou o pescoço com os braços.
—Papai leva mais de trinta e sete anos vivendo nesta época, e ainda dorme com a espada junto à cama — Beijou o pulsar do pescoço de Matt, depois o olhou com um amplo sorriso — Me fixei em que tem o costume de pôr a caneta tinteiro na mesinha de noite… Talvez eu devesse começar a dormir com meu lápis.
Matt estremeceu sem querer.
—Por Deus, lass, não faça isso. Incendiará nosso lar e teremos que nos mudar outra vez com seus pais.
Ela passou os dedos pelo cabelo solto, fazendo que se estremecesse de novo.
—Era muito excitante tentar fazer amor sem fazer ruído — Sussurrou — Talvez até degenerado. Eu gostava de fazê-lo na ducha, com a água correndo…
Matt sorriu com tristeza e, dando um suspiro, apoiou a cabeça no respaldo do sofá.
—Pena que esteja tão cansada; esta noite pensava provar o jacuzzi no alpendre dianteiro… — Disse.
Em seguida se tornou para frente com um grunhido de surpresa quando sua repentinamente avivada esposa deu um grito de prazer e se afastou como pôde de seu colo.
—Temos jacuzzi? — Gritou — Por que não o vi ao chegar em casa?
“Em casa”… Matt disse que gostava de como soava, em particular quando o dizia Winter.
Voltou a recostar-se no sofá e levantou uma sobrancelha.
—Porque entrou pela porta traseira — Explicou — Recuperamos a energias, em?
Mas para então já estava falando com as costas de Winter, que saía correndo pela porta principal. Nesse momento Matt ficou de pé dando um suspiro bastante cansado. Montar toda uma casa em um dia não tinha sido fácil, em particular tendo em conta que só tinha recorrido à magia quase no final, quando tinha tido a impressão de que não acabaria antes que Winter voltasse.
Foi atrás de sua esposa até o alpendre que dava ao lago e a encontrou já nua, salvo pelo sutiã e as calças.
—Rápido, se dispa! — Disse Winter enquanto tirava os sapatos de um chute, desabotoava as calças, as descia depressa e as jogava de lado. Deteve-se quando desabotoava o sutiã — A jacuzzi está bem quentinho, não?
—Está quente — Disse Matt, ao tempo que desabotoava a camisa — Recolha a trança no alto para que não molhe. O… Bem, a jacuzzi não fará mal ao bebê, não é?
Winter jogou o sutiã a um lado e deslizou os polegares por debaixo do elástico das calcinhas.
—Não — Disse — Enquanto não esteja muito quente e eu não fique dentro muito tempo.
A Matt custou um pouco mais desabotoar as calças, que de repente tinham ficado muito apertadas, e, além disso, teve que se sentar para desabotoar as botas, e, com um pouco de sorte, para controlar sua luxúria e deixar que os dois chegassem à banheira. Mas acabou atando-se mais os cordões em vez de desenredá-los quando descobriu a sua nua esposa, com os braços levantados para enrolar o cabelo em cima da cabeça, banhada na suave luz que chegava das enormes janelas dianteiras.
Era tão imponentemente formosa, estava tão viva e tão cheia de inocentes promessas, que às vezes Matt se surpreendia perguntando se aquilo não seria mais que um sonho.
Ou talvez fosse o inferno… Talvez a Providência castigava seus pecados lhe dando só um pouquinho de Winter, oferecendo aquele único e pequeno brilho de esperança, antes que tudo desaparecesse tão de repente como a entrada de sua gruta. Sim, talvez a energia que sentia do interior do escarpado penhasco era em realidade um anjo vingador, que só esperava o momento oportuno para atirar seu golpe mortal.
Pois bem, se esse fosse o caso, que assim fosse. Matt tinha posto seu futuro nas delicadas mãos de Winter, e ficavam quatro semanas para enfrentar com sua sorte. E vá se não iria a seu encontro com a coragem de um guerreiro.
Enquanto isso tinha intenção de desfrutar plenamente do calor da esperança de Winter sem arrepender-se de nenhum de seus atos que, no fundo, tinham-no levado até ela. Ao menos Winter salvaria seu irmão, isso sabia, e protegeria o filho de ambos a toda custa embora isso supusesse acabar com Matt, porque a força de seu espírito não permitia fazer menos.
Enquanto houvesse vida, haveria esperança, havia dito na gruta no dia depois de que ele a reclamasse, e naquele momento Matt se sentia mais vivo do que se sentiu em séculos.
—Ai, isto é divino — Disse Winter em um suspiro, enquanto entrava devagar na água aquecida e formada redemoinhos até que chegou ao pescoço — Corre dentro e apaga as luzes para que vejamos o lago e as estrelas.
Matt se rendeu e arrebentou os cordões; depois de acabar de tirar rápido a roupa, colocou a mão dentro, desligou o interruptor que havia junto à porta e, rápido, meteu-se na banheira.
—Me alegro muito de ser tão preparada para ter me casado com um homem doce e entusiasmado com a tecnologia moderna — Disse Winter.
Flutuou para ele até que esteve quase escarranchada sobre suas coxas.
Os olhos de Matt se acomodaram o suficiente à luz das estrelas para distinguir seu sorriso quando perguntou:
—A que distância estamos da cabana de Tom?
—Quase a quilômetro e meio — Respondeu; imediatamente inspirou entre os dentes quando os flutuantes seios de sua esposa bateram no seu peito.
—E se ouvirá o som a quase quilômetro e meio?
—De… Depende do som — Respondeu ele com voz áspera enquanto ela deslizava os quadris para frente ao longo de suas coxas.
—OH, digamos um grito, por exemplo — Sussurrou Winter, enquanto uma de suas mãos dançava por cima dos ombros de Matt e se metia em seu cabelo — Se ouvirá um grito a quilômetro e meio pela costa?
Em todo caso, se o fez o grito de surpresa de Matt quando, de repente, sua tudo menos compassiva mulherzinha baixou os braços e rodeou sua ereção com a outra mão.
Winter se pós a rir.
—Levo cinco semanas esperando te fazer gritar — Disse, ao tempo que o guiava dentro dela com cuidadosa lentidão — Não sabe quantas vezes estive tentada de fazer isto em Gù Brath… — Sussurrou enquanto lhe mordiscava o pescoço justo debaixo da orelha —... Me parece que esta noite vou ver se consigo que gritemos os dois, marido.
Ah, sim, pensou Matt ao sentir uma repentina sacudida muito perto de onde antes estava seu coração; então capturou a sua doce fada-bruxa e a beijou intensamente. Na verdade, enquanto houvesse vida, tinha que haver esperança.
Winter ficou gelada; só podia cravar o incrédulo olhar em seu pinheiro, que tinha a casca enrugada como se fosse pele mumificada. Os ramos que ficavam pendiam flácidos, e suas agulhas, agora marrons, estavam espalhadas sobre o manto imaculado da neve que caiu a noite anterior. Em algum momento dos dois últimos dias, alguém tinha cavado um buraco, grande e profundo, junto à base do pinheiro; com isso deixava as raízes ao descoberto, expostas ao ar glacial, e, em última instância, assinava sua sentença de morte.
Desde que Gesader a levasse ali nove semanas antes, Winter procurava visitar o pinheiro cada poucos dias; sentava-se a abraçá-lo e compartilhava com ele a energia suficiente para mantê-lo vivo. Mas aquela manhã, impaciente por saudar a alvorada do solstício de inverno junto a seu mágico pinheiro branco, tinha chegado ao amanhecer… E só tinha encontrado morte e destruição. E como tinha ouvido o dilacerador relato de desespero de Matt, Winter compreendeu por fim a arrepiante definição do que era a desesperança.
Tinha perdido. Sem sua árvore da vida não tinha forma de salvar à humanidade nem de ajudar o Kenzie. Na alvorada de seu vigésimo quinto aniversário, o presente que o fazia ao mundo era nem mais nem menos que seu final, depois de falhar à Providência de modo terminante e completo. Só com que controlasse a magia teria ajudado a seu pai, Matt e Robbie a encontrar aquela energia desconhecida e destruidora, e a vencê-la antes que atirasse o golpe mortal.
Tão segura que estava… Tão exasperantemente segura que estava de si mesma e de sua capacidade para voltar a equilibrar o contínuo suceder da vida só com sua força de convicção. O amar de forma incondicional o Matheson Gregor não o tinha salvado a ele, mas sim os tinha condenado a todos.
Por fim Winter saiu de seu estupor, desabotoou as raquetes de neve e as tirou a chutes. Depois correu pelos mais de trinta centímetros de neve recente, evitou o fundo buraco e, depois de abraçar a apergaminhada casca do pinheiro, fechou os olhos e escutou atenta se por acaso ouvia sequer um murmúrio de vida. Tirou o gorro e o jogou no chão para pegar a orelha ao tronco… E não sentiu nada. As bochechas encheram de lágrimas, que se congelaram sobre o jaquetão, enquanto abraçava mais forte a árvore e ordenava a sua energia vital que entrasse nele… Mas seguiu sem sentir nada, além do acelerado tamborilar de seu próprio coração, que palpitava de horror.
—Não! — Gritou; fincou os dedos na casca e se apertou mais ao tronco — Acorda! Cadê sua energia armazenada, TarStone, para alimentar meu pinheiro!
Ao ver que, apesar de tudo, nada ocorria, Winter se deixou escorregar até ficar de joelhos; depois deu a volta, apoiou-se no exânime tronco e afundou a face nas mãos. Tudo estava perdido, incluída sua magia. Nem sequer sentia a energia de TarStone; só sentia o escuro e incolor vazio de um nada.
Sem poder controlar-se, Winter explodiu em soluços, sucumbindo a autocompaixão e à vergonha. Estava tão ocupada sendo feliz e otimista que não tinha feito caso da verdadeira ameaça que tinha justo diante do nariz. Pensando que o amor arrumaria tudo, nem sequer tinha se incomodado em tomar em conta quão forte era a decisão de seu inimigo.
Que ingênua tinha sido, e que tola, ao descartar tão facilmente o poder do desespero. E o caso é que sabia que quando algo ficava em funcionamento, já fosse um objeto físico ou uma ideia, queria seguir em funcionamento. Durante mil anos o desespero se precipitou em busca do final da humanidade, e tinha ganho impulso até o ponto de que nem sequer o destino que ela tinha prometido podia detê-la.
Não tinha o que precisava para ser drùidh. Estava tão cega à energia negativa que conformava o lado escuro da vida que não servia para reconhecê-la, e muito menos para derrotá-la. E isso voltava a levar à pergunta que tinha feito a Daar. Se não tinha a sabedoria necessária para ser drùidh, para ser tão poderosa e inteligente para vencer o desespero, por que tinha nascido?
Meteu a mão no jaquetão e tirou seu lápis. De um tapa, limpou as lágrimas para ver e deu voltas ao lápis entre os dedos enquanto pensava o que faria. Então fez um rápido movimento de pulso… E deu um grito afogado quando, de repente, o lápis se converteu em seu bastão de pinheiro! Cravou o olhar no pau, que vibrava suavemente, e o coração palpitou com renovada esperança enquanto sentia o calor da energia fluir por seu corpo.
Bom, nem tudo estava perdido. Ainda possuía a magia!
Matt… Tinha que falar com seu marido; ele saberia o que fazer. Possivelmente poderiam combinar suas forças e devolver a vida à árvore.
Mas Matt partiu muito antes do amanhecer para dar a Tom o passeio supersônico que tinha prometido. OH, por que Tom teria pedido ir precisamente aquele dia!
E o Pai Daar não podia ajudá-la, pois tinha perdido seu poder… Robbie! Talvez Robbie a ajudasse… Mas então recordou que Daar havia dito que o pinheiro também era a fonte de poder de Robbie. Teria morrido a energia de seu guardião com a árvore?
Tirou o telefone celular e teclou o número de Robbie; Catherine respondeu à quinta chamada.
—Olá — Disse Winter — Está Robbie?
—Não, está em Gù Brath com suas irmãs. Feliz aniversário — Disse Catherine — Como é que não está tomando o café da manhã com todos? Custa trabalho sair da cama, em, recém casada?
—Eu… Bem, precisamente agora vou para lá.
—Então te verei esta tarde na grande farra, suponho. — Cat riu — Ainda não posso acreditar que todas nascessem o mesmo dia… Todo mundo veio para a festa, não?
—Sim, todo mundo voltou para casa, incluídos maridos e filhos. Tenho que me pôr em marcha, Cat, antes que me deixem sem comida. Obrigado pela felicitação, e até esta tarde.
—Até mais tarde — Disse Catherine antes de deligar.
Winter pulsou a tecla de desligar, cravou o olhar no telefone durante vários segundos e depois marcou Gù Brath. Mas se apressou a desligar outra vez antes que soasse.
Simplesmente, não se sentia com coragem suficiente para estragar o dia de todo mundo. Talvez fosse o último aniversário que as sete passavam juntas, assim, como ia chamar histérica a casa para arrancar dali seu pai e Robbie, se tampouco podiam fazer nada?
Matt seguia sendo sua melhor esperança. Ainda conservava seu poder, não? Ou possivelmente também aproveitava o pinheiro, já que tinha crescido da raiz de sua própria árvore?… Caray tinha que ter mostrado mais curiosidade pela fonte de sua energia…
Foi nesse preciso momento quando Winter se deu conta de onde se equivocou. Desde aquele dia na gruta em que, sentada de costas a Matt, contou sua dilaceradora história, só tinha pensado em como arrumaria a confusão que tinha feito ele. Nenhuma só vez parou a pensar que talvez quem devia que se encarregar do acerto era Matt.
Que arrogante tinha sido ao amar Matt incondicionalmente. Como se tinha obcecado arrumando-o tudo sozinha, até o ponto de esquecer a necessidade fundamental de que Matt formasse parte da solução.
Caray, onde estava aquele corvo quando o necessitava? Por que não explicou todo aquilo no sonho, em vez de dar só a informação suficiente para fazer acreditar que repararia o dano causado por outro homem sem ajuda de ninguém? Ela não era o meio para um fim: era só a metade da resposta! Não podia fazer que Matt encontrasse a esperança; só podia animá-lo a que procurasse no mais profundo de seu interior para encontrá-la outra vez.
Winter estreitou o bastão de pinheiro contra seu peito, fechou os olhos e ordenou a seu marido que retornasse duas vezes a velocidade da luz. Caray necessitava-o agora mesmo; com certeza ele devia perceber seu desespero. Disso ia estar casados: eram uma equipe, e precisariam dos dois para arrumar aquela confusão.
Não ia renunciar, negava-se a perder a esperança. Tinha seu bastão e tinha Matt, e, além disso, os dois deviam proteger o futuro de seu bebê. E se para alcançar aquela maldita energia que estava dentro tinham que arrancar o topo da montanha Bear de uma explosão, como que se chamava Winter que isso era exatamente o que ela e Matt fariam… Mas juntos!
De pé junto a seu velho Suv no aeroporto de Pene Creek, Winter colocou a mão sobre o acelerado e palpitante coração sem saber ainda se palpitava de terror ou pela corrida recorde, montanha abaixo, que tinha feito com as raquetes de neve até onde tinha o carro estacionado. Por fim, ao sentir que se tranquilizava, pôs a funcionar os genes herdados de sua mãe para sopesar as possibilidades e probabilidades das diversas táticas que ela e Matt seguiriam.
Sim que havia muitos pontos favoráveis que ter em conta. Em primeiro lugar, seu bastão seguia sendo poderoso… E esperava que o de Matt o fosse também. Em segundo lugar, o sol continuava brilhando, a terra ainda girava e o apocalipse não tinha chegado de repente com a morte de seu pinheiro… Algo que não fazia mais que demonstrar sua teoria de que enquanto houvesse vida, havia esperança. Winter baixou a mão até seu ventre ao chegar ao terceiro ponto, o mais positivo: o futuro crescia em seu interior, e sabia que Matt ajudaria a mover céu e terra para proteger ao filho de ambos.
Disse que tinham tudo a seu favor, e que assim que seu marido voltasse, subiriam ao escarpado penhasco da montanha Bear. E ali, depois de apelar aos genes herdados de seu pai, Winter combinaria seu coração de guerreiro com o de Matt para vencer de uma vez por todas a aquela energia empenhada em acabar com eles.
Elevou a mão para proteger os olhos do sol ao ver o brilhante avião que se dispunha a aterrissar, e soltou um bufido diante a ironia de tudo aquilo. Pelo visto dava igual à Providência queria dar um impulso ao pensamento feminino; ainda faria falta uma feroz batalha para ganhar a guerra.
Enquanto olhava como o avião pousava na pista, ao tempo que o motor investia o impulso com força ensurdecedora para reduzir a velocidade, disse-se que não se atrevia a descartar os pontos negativos. Seguia estando ali aquela energia desconhecida, que parecia resolvida a castigar a seu marido por um engano que tinha mil anos de antiguidade… E não é que Matt não tivesse recebido já bastante castigo ao ter que viver sabendo que Kenzie levava séculos sofrendo por sua culpa. E, por outra parte, estava sua própria inquietação se por acaso nove semanas de matrimônio eram pouco tempo para que Matt desse conta de que seriamente a amava tanto como ela a ele.
Mas, ao tempo que o avião voltava a rodar pela estreita pista, Winter decidiu que o otimismo herdado de seus pais seguia pondo tudo a favor dela e de Matt. Duas pessoas de ideias afins, com os corações pulsando ao uníssono, tinham a força de uma legião de guerreiros.
O avião se deteve junto ao diminuto hangar e o motor parou com um assobio. Winter pôs-se a correr para o aparelho justo quando se abria a porta lateral e uma escadinha descia sobre a pista. Matt saiu primeiro, correu para ela e a tomou nos seus braços muito antes que chegasse ao avião.
—O que? — Perguntou sem separá-la dele — O que aconteceu?
—Meu pinheiro morreu — Disse ela, elevando a vista — Alguém tem feito um buraco até as raízes e o matou.
Matt a agarrou pelos ombros e fez que o olhasse de frente; a preocupação escurecia seus dourados olhos.
—Está segura de que está morto? Não há sentido nada? Nem sequer uma faísca de vida?
Winter meneou a cabeça.
—Nem sequer senti a energia de TarStone; desapareceu toda. Menos meu bastão — Disse, ao tempo que colocava a mão no bolso e tirava o lápis — Ainda tem poder.
Ele franziu o cenho.
—Pois não deveria; não se sua árvore está morta — Apertou os ombros — Me disse que o buraco chegava até as raízes? — Seu cenho se acentuou — Então quem é que devia procurar a raiz principal, e isso quer dizer que ao menos parte de sua árvore continua viva.
Nesse momento se aproximou Tom.
—Grande viagem! — Exclamou.
Matt se voltou, rodeou Winter com o braço e a segurou ao seu lado. Enquanto dirigia um tenso sorriso ao velho ermitão, disse:
—Me alegro de que gostasse, mas da próxima vez que subamos porei um traje antigravidade. Aos cinco minutos de tomar os comandos, esteve você a ponto de nos voltar ao contrário.
Tom soltou uma risadinha de regozijo e dissipou a preocupação de Matt com um gesto.
—OH! — Zombou — Só foi uma pequena manobra que aprendi de meu avô faz anos.
Winter o olhou com curiosidade.
—Tem avô?
—Não temos avô todos? — Disse Tom rindo — Ah, por certo, feliz aniversário.
—Exato. E hoje tem que me contar a história de sua vida — Disse Winter; separou-se de seu marido, enlaçou o braço com o de Tom e começou a levá-lo para a caminhonete de Matt, que estava estacionada junto ao hangar — Assim, senhor Tom sem sobrenome, quem é você?
Rindo de novo, Tom levantou o braço livre para arregaçar-se.
—Ainda não é seu aniversário oficial. Disse-me que tinha nascido no momento exato do solstício de inverno, e isso não acontece até dentro de seis horas e… E vinte e três minutos — Disse, olhando seu relógio com os olhos entrecerrados; depois cobriu a mão com a sua — Isso quer dizer que faz vinte e cinco anos justos ainda não tinha nascido.
Winter revirou os olhos e pôs-se a andar com o Tom outra vez.
—Faz-me esperar de propósito só porque sabe que isso me mata… Então não vai me dar o presente agora, quando levarmos a casa? — Olhou-o fazendo uma careta quando se detiveram junto à caminhonete de Matt — Não irá me fazer esperar até a festa desta tarde, não?
Tom passou a mão pelo cabelo e voltou a jogá-lo por cima do ombro.
—Receberá seu presente exatamente dentro de seis horas e vinte e dois minutos.
Enquanto abria a porta traseira direita, Matt soltou uma risadinha ao ver o cenho franzido de Winter; agarrou-a pelo braço para ajudá-la a subir e disse:
—Depois voltaremos para buscar seu Suv.
Passou-lhe o cinto de segurança e, depois de fechar com suavidade, abriu a porta do copiloto.
—Menos mal que não há volante a deste lado… — Disse quando Tom se entrou — Porque se não, já estaria você tentando conseguir outra tripla pirueta.
Enquanto Matt fechava a porta e rodeava a frente da caminhonete, que agora tinha uma máquina de limpar neve acoplada de dois metros e meio, Winter perguntou a Tom:
—De verdade tem feito piruetas no avião de Matt?
—Só uma tripla — Respondeu ele com uma risadinha — Mas o deixei quando seu marido começou a ficar verde.
—Então você pilotava aviões, não?
—Seis horas e vinte e um minutos, senhorita Impaciência.
Winter ficou calada quando Matt entrou e pôs em movimento a caminhonete, e deixou que seu marido conversasse com o Tom enquanto se dirigiam para a montanha Bear. Depois de percorrer quilômetro e meio pela costa, caminhando com raquetes de neve, Tom tinha chegado à cabana a altas horas da madrugada, antes do amanhecer, para reunir-se com Matt e ir dar seu passeio de avião.
Winter tinha esperado que partissem, e então tinha afastado as mantas e se vestiu para ir saudar o amanhecer com seu pinheiro. Sua pobre árvore pensou com tristeza enquanto olhava pela janela lateral… Apesar de seu imponente tamanho, ainda não tinha três anos quando alguém, ou algo, apresentou-se, tinha cortado a copa e depois o tinha aniquilado lhe desenterrando as raízes.
Quanto mais se aproximavam de sua casa, mais impaciente estava Winter por subir ao penhasco, e mais furiosa ficava ao pensar em sua árvore assassinada. Mas lhe deu a impressão de que se demorava uma eternidade em descer pela estrada até a cabana. Matt não tinha querido construir uma estrada nova seguindo a borda, mas sim tinha se incomodado em idear aquele ramal que saía da antiga estrada para não invadir a pradaria nem o arroio Bear. O resultado era um caminho muito estreito e sinuoso que seguia o acidentado contorno do terreno; além disso, os quase trinta centímetros de neve recente, que Matt só tinha espaçoso um pouco ao sair, acrescentaram mais valiosos minutos ainda ao árduo trajeto.
Chegaram a casa ao redor das dez da manhã, e Tom empregou outros vinte minutos em dizer a Matt o trabalho tão formoso que tinha feito, enquanto ficavam fora olhando a construção de troncos e pedra. Por fim, às dez e meia, Tom atou as correias das raquetes de neve para descer pela borda para sua cabana.
—Se voltar você às treze horas — Gritou Matt enquanto partia — Levamo-lo ao Gù Brath de carro.
Tom se deteve e deu a volta.
—Não faz falta, irei sozinho. Mas obrigado.
Winter esperou junto a Matt até que viram o Tom desaparecer no denso bosque; então se voltou, agarrou-o pela manga e começou a puxá-lo dele outra vez para a caminhonete.
—Venha, vamos pôr-nos em movimento.
Ele a deteve de um puxão.
—Aonde? — Perguntou.
—À pradaria. Vamos entrar nesse penhasco hoje embora tenhamos que mandar ao ar de um estouro a montanha inteira.
Ele elevou uma sobrancelha.
—Quando decidiu que terá que agir com violência? Acreditava que estava convencida de que o amor, a compaixão e a esperança bastavam para que o mundo seguisse girando.
—Decidi-o quando alguém torturou e assassinou nossa árvore da vida. E, além disso, está dentro desse penhasco com nossa raiz principal, e para recuperá-la vamos mandar ao ar de um estouro se for preciso.
Matt levantou uma sobrancelha ao ouvi-la praguejar.
—De modo que agora é “nossa” árvore, e a energia do penhasco é “ele”? — Disse com calma; agarrou-lhe os ombros e meneou a cabeça — Esperaremos Winter. Esta tarde vamos a Gù Brath e depois iremos ao penhasco, esta noite.
—Mas por que esperar?
—Pelo Kenzie — Recordou ele baixinho — Recuperará seu ser no solstício, dentro de umas horas, e você ainda tem poder suficiente para fazer que desta vez fique assim. Além disso, quero que se faça antes que tentemos entrar no penhasco porque não sei o que encontraremos dentro. Embora tudo se vá ao ar, ao menos meu irmão terá a dignidade de morrer sendo humano.
Depois de cravar o olhar em seu marido, de repente Winter se lançou a seu peito e o rodeou em um fervoroso abraço. Sobrepondo-se ao nó que sentia na garganta, sussurrou:
—Ai, Matt, perdoa. Não me tinha dado conta. Claro que ajudaremos primeiro o Kenzie — Afastou-se e piscou entre as lágrimas para sorrir — É… É tão bonito como você?
Matt beijou a ponta do nariz e a pegou bem ao peito, com a cabeça posta sobre seu forte coração de guerreiro.
—Recorda a expressão da face de Megan quando entrei em sua galeria aquele primeiro dia? — Perguntou; Winter assentiu contra ele — Bom, pois provavelmente desmaiará a primeira vez que veja o Kenzie — Deu um beijo na cabeça — Embora em realidade Fiona era a bonita de nossa família; parecia-se com nossa mãe — Agarrou-a brandamente do cabelo para levantar a cabeça e a beijou — Esta noite, depois da festa, traremos para o Pendaär, Robbie e a seu pai, e iremos juntos ver se nossas forças combinadas abrem o penhasco — Sorriu com expressão tensa — E se de todos os modos não movermos a rocha, deixarei que você e seu lápis letal façam estragos.
Winter se apoiou nele.
—Então o que fazemos até esta tarde? — Sussurrou — Ficarei louca aqui sem fazer nada, esperando e me preocupando.
Ele passou os dedos pelo cabelo.
—Imagino que podemos preparar um fogo na lareira e jogar o Monopoli…
—Ai, não — Sussurrou ela, meneando a cabeça — Não gosto muito de perder outra vez.
—Podemos ficar encharcados na jacuzzi até que nos enruguemos… — Sugeriu ele a seguir — Ao melhor isso relaxa o suficiente para que inclusive desfrutes da festa. Além disso, assim repassará comigo os nomes de todo o mundo, tios e tias incluídos, e com quem estão casadas, que filhos têm e em que trabalham cada um dos maridos.
Ela elevou a vista, e sorriu.
—Não vou dar uma direita com tanta gente. Gù Brath deve estar até os batentes só com suas irmãs e suas famílias. Dão esta festa cada ano antes de Natal?
Winter acariciou as costelas da proteção de seu folgado abraço.
—Sim. E cada solstício do verão a damos também com os seis irmãos de mamãe, suas esposas, filhos e netos… — Alargou a mão e começou a brincar com um dos botões da camisa dele — Mas agora mesmo não gosto de recitar minha árvore genealógica.
—Então o que gosta de fazer?
Ela estendeu a mão sobre o peito, justo em cima do coração.
—Ama-me, Matt?
—Sim — Sussurrou ele — Mais que à vida, lass.
Winter não pôde ocultar sua surpresa, nem seu cenho franzido.
—Desde quando?
—Desde aquela noite que me puxou pela mão e me guiou pelo bosque para que ouvisse respirar a TarStone.
Após? Amava-a desde o começo mesmo?
Zangada, espetou-lhe:
—Acabávamos de nos conhecer… E além me levou a empurrões montanha abaixo antes que eu tivesse oportunidade sequer de recuperar o fôlego. — Golpeou-o peito — Na gruta te perguntei se me amava, e me disse que não era capaz de amar a ninguém.
Ele capturou a mão e a manteve sobre seu coração.
—Então não me dava conta de que te amava. Não me dava conta até depois.
—Quando, depois?
—Quando estava em uma capelinha de má aparência em Las Vegas e se comprometeu não só com Matheson Gregor, mas também com o Cùram de Gairn.
—Isso foi faz seis semanas. — Não pôde bater nele outra vez porque ele seguia segurando a mão, assim que fincou os dedos no peito — E após não pensou nenhuma só vez em me dizer que me amava? — Resmungou — É que está ruim da cabeça?
Matt se agachou, passou uma mão por debaixo dos joelhos e, rindo, levantou-a nos braços; a risada lhe sacudia o corpo. Enquanto subia a escada do alpendre, disse:
—Esperava que me perguntasse isso outra vez — Deteve-se e usou a mão que tinha sob os joelhos de Winter para abrir a porta principal; depois se endireitou, sacudindo-a de novo — Tenha compaixão, lass. É um conceito difícil para que o entenda um homem.
—O amor não é uma fraqueza, sabe?
Matt cruzou o salão dando pernadas e entrou no quarto.
—Sei… E tampouco a paciência — Disse, segurando-a em cima da cama. Sorriu com expressão algo pícara e de repente a soltou, mas seguiu a breve queda de Winter até o colchão, aterrissou brandamente a seu lado e jogou uma perna por cima enquanto levava uma mão ao zíper do jaquetão de Winter — Então, decidiu o que gostaria de fazer durante as próximas duas horas?
Para quando deram às duas e meia daquela tarde, Gù Brath era um escritório prático sobre o caos social… E Winter acabava de descobrir que sentia um novo respeito para os homens que tinham tido a coragem suficiente de casar-se com as MacKeage. Ah, não os admirava por sobreviver ao meticuloso exame de Greylen MacKeage e Robbie MacBain, nem sequer por ganhar o coração de Grace MacKeage… O que a impressionava era que os maridos tivessem a valentia não só de ir ali cada solstício de inverno, mas também inclusive de passá-lo bem.
Embora mais que um escritório prático sobre o caos, a festa de aniversário MacKeage era também um tratado de como encher até os batentes a maior quantidade de espaço com a maior quantidade de corpos… Além de um tratado sobre eficácia hoteleira. Por enorme que fosse Gù Brath, até o último canto estava tomado por uma turma de meninos, por seus novos brinquedos ou mascotes e por algum adulto alerta. E a comida…! Um almoço de estado da Casa Branca não seria mais elaborado. Winter ainda não sabia como as arrumava sua mãe para que tudo saísse bem cada ano, e só a uns dias do Natal.
Entretanto, menos de vinte minutos depois de chegar, Winter estava na cozinha tentando tirar da camisa de Matt o molho de tomate que o filho mais novo de Sarah tinha derramado.
Nesse momento, Heather cruzou a porta como uma exalação, procedente do corredor. Enquanto trocava de quadril o filho de três anos de Elizabeth, perguntou:
—Ouça, onde estava esta manhã? — Por fim Heather se fixou em Matt; teve que olhar duas vezes, e depois voltou os incrédulos olhos outra vez para Winter; sua face resplandecia de regozijo e, enquanto se aproximava, sua voz se transformou em um sussurro — Não importa, lembro-me de quando estava recém casada — Deu a volta para Matt e estendeu a mão livre — Você deve ser Matt Gregor. Eu sou Heather, a irmã mais velha de Winter, a da Califórnia.
—Tito Matt! — Disse Joel, lançando-se dos braços de Heather para Matt.
Fazia semanas que Matt tinha conhecido Elizabeth e a seus dois filhos, já que viviam em Pene Creek. E embora Joel só o tinha visto umas três ou quatro vezes, o pequeno se afeiçoou com Matt imediatamente e seguia insistindo em montar sobre seus ombros.
Winter suspirou ao dar-se conta de que as mãozinhas de Joel, pegajosas com algum tipo de guloseima, tinham acrescentado uma mancha azul a de molho de tomate na camisa de seu marido. Matt apanhou o projétil de três anos e com um rápido movimento de braços o subiu aos ombros, rindo.
Heather agarrou Winter pelo braço enquanto sorria a Matt.
—Bom — Disse — Já vejo que tem descoberto a maldição MacKeage igual a todos nossos confiados maridos.
Enquanto com cuidado tirava do cabelo os pegajosos punhos de Joel e os segurava bem, Matt perguntou:
—A maldição MacKeage?
Heather riu quando Winter alargou a mão e a beliscou em um gesto de advertência… E isso que não serviu de nada.
—Pelo visto todas ficamos grávidas a primeira vez que fazemos o amor com nossos maridos. Ou deveria dizer nossos “iminentes” maridos? — Disse Heather, que voltou a rir quando Matt lançou um olhar a Winter.
Winter sentiu que se ruborizava até os muito mesmos dedos dos pés.
—Por isso Camry morre de medo ao pensar em sair com ninguém — Disse, inclinando o queixo em um gesto defensivo.
Matt voltou a olhar a Heather e elevou uma sobrancelha.
—E a nenhuma de vocês, senhoras, ocorreu advertir a seus “iminentes” maridos desta… Bem, maldição?
Heather negou com a cabeça e explicou:
—Não atamos cabos até que se casou Chelsea. Dava igual o anticoncepcional que provássemos, pelo visto não funcionava. — Olhou a Winter e sorriu com tristeza — Embora o de Megan não tem boa pinta. Não acredito que Wayne Ferris seja o bastante homem para subir ao altar.
Antes que Winter pudesse responder, Matt resmungou:
—Não necessita desse bastardo. Um dia destes virá o tipo adequado e Ferris não será nem sequer uma lembrança.
—Bastardo — Repetiu Joel, dando pulos dos ombros de Matt.
—Ai, diabos — Disse Matt entre dentes.
—Ai, diabos! — Disse, gritando, Joel.
Rindo, Heather alargou as mãos para pegar o pequeno.
—Ai, ai, ai… Vamos, vadio. Mais vale que te leve de volta ao rebanho — Disse. Com o Joel nos braços se deteve junto à porta da cozinha e olhou para Matt — Encontrou Camry? Trabalha na NASA e morre de vontade de falar contigo de motores a reação.
—Eu a encontrarei — Disse Winter, sem parar para pensar em onde ia colocar a seu marido.
Em efeito, sim que encontraram Camry… E durante a hora seguinte a cientista da NASA teve o Matt esquecido em um canto falando de teorias de propulsão. Quanto ao Winter, com um alegre sorriso abandonou seu pobre marido a sua sorte e passou o momento recordando anedotas com suas irmãs, a algumas das quais levava sem ver um ano inteiro.
Mas, por muito que Winter tentasse passar a outra coisa, Matt acabou sendo o principal tema de conversa. Quem era, de onde procedia, se de verdade a tinha contratado para que escolhesse o lugar onde construir seu lar, se de verdade estava forradíssimo de dinheiro, como tinha se atrevido ela a escapar para casar-se sem dizer a seu pai… E assim seguiram até que por fim sua mãe foi ao resgate e disse que já era hora de que partissem o bolo de aniversário.
O bolo era uma gigantesca obra de confeitaria, rosa e amarela e de três andares, que estava no centro da mesa da sala de jantar como atração principal do banquete… Ou talvez, pelo que ficava do banquete. Toda a casa estava decorada para Natal, mas na sala de jantar havia uma eclética mistura de globos de aniversário e serpentinas apinhados com os motivos natalinos.
Por motivos práticos, cada garota deixava de receber presentes de aniversário ao fazer seis anos, simplesmente pelo caos que aquilo provocava. Estar juntas era suficiente presente, declarava Grace MacKeage, e além a quem deviam dar os presentes era a ela, já que as tinha dado a luz. De modo que na mesa do canto só havia oito presentes: um de cada filha a sua mãe e outro do pai a sua esposa.
Grace tocou uma campainha e imediatamente todo mundo, tias, tios, primos, genros e netos, deixou o que estava fazendo e se dirigiu para a sala de jantar; eram tantos que alagaram o salão e o vestíbulo e inclusive subiram pela escada.
Quando todos se calaram, Grace tomou a palavra.
—Temos dois novos membros em nossa família mais próxima. A maioria sabem que em maio Chelsea teve outro filho ao que pôs o nome de Clayton, e Winter se casou com Matt Gregor faz dois meses — Depois de esperar que se acalmassem as ovações e vivas, prosseguiu — Quanto a nossa família extensa, Robbie e Catherine tiveram Angus MacBain faz quatro meses, e Duncan, o filho de Morgan, acaba de ter uma menina no dia de Ação de graças.
As ovações e vivas reataram, e Grace teve que levantar as mãos para voltar a fazer calar a todo mundo.
—Bom, sabem que nós…
Nesse instante soou uma forte batida na porta, e Grace ficou calada com o cenho franzido.
—Quem falta? — Perguntou.
Ninguém disse nada, mas todos olharam a seu redor e fizeram contas mentalmente… Algo que levaria o que ficava de tarde calculou Winter. Alguém abriu a porta principal, mas embora se estirasse para ver quem chegava com quase duas horas de atraso à tremenda festa de aniversário MacKeage, Winter só viu cabeças, todas voltas para a porta.
De repente se ouviu um sob murmúrio que surgia no vestíbulo e ia avançando para a sala de jantar enquanto todo mundo se afastava… Ou mas bem recuava correndo e descia a vista para o chão.
Winter não compreendeu o olhar de assombrado desconcerto que se pintava nas caras de todos até que os que estavam na sala de jantar se afastaram e um grande corvo negro pousou batendo as asas na mesa. O corvo, que levava uma bolsinha de seda vermelha no bico, caminhou com ousadia pela mesa, deixando atrás as fontes de comida, e não se deteve até estar justo diante de Winter.
Matt pôs as mãos sobre os ombros de sua esposa.
—Seu amigo? — Sussurrou no ouvido.
Winter ouviu o regozijo de sua voz, mas continuou com a vista cravada no corvo, que tinha inclinado à cabeça e a olhava igual de fixamente, com a bolsinha vermelha pendurando do bico.
Matt aproveitou que a tinha agarrada para dar um leve empurrão para frente.
—Acredito que quer te dar um presente de aniversário — Disse — Vamos, pega a bolsa.
Mas uma coisa era sonhar com que a visita de sábio e velho pássaro, e inclusive encontrar à manhã seguinte uma pena na cama… E outra, um pouco desconcertante, estar vendo-o em emplumada carne e osso, diante dúzias de testemunhas. Quando Winter continuou sem mover-se, Matt alargou o braço para diante dela e pôs a mão sob a cabeça do corvo. Este abriu o grosso bico negro e se limitou a deixar cair o presente em sua mão.
Matt sustentou a bolsa, pelos cordões, e a pôs pendurada diante de Winter. Consciente de que a sala de jantar estava tão silenciosa que se teria ouvido cair um alfinete, Winter esfregou as úmidas palmas das mãos nas calças e, depois de obrigar-se por fim a afastar o olhar do corvo e dirigi-lo para a bolsa, alargou a mão e a tirou do seu marido.
Mas em vez de abri-la voltou a olhar o corvo, que seguia cravando a vista nela enquanto seus escuros olhos redondos brilhavam com algo parecido a uma expressão de regozijado fôlego.
Em um gesto tranquilizador, Matt voltou a colocar as mãos sobre seus ombros.
—Abre-a, lass — Ordenou baixinho.
—A… abre-a você — Sussurrou ela sem mover-se.
—Não é meu aniversário.
Winter olhou a bolsa franzindo o cenho.
—Ai, pelo amor de Deus… — Espetou Daar zangado do outro lado da mesa — Abre-o para que vejamos o que te trouxe o pássaro.
Mesmo assim, Winter não se moveu.
—Disse-me que o corvo de seu sonho te trouxe boas notícias — Sussurrou Matt com a boca pega a seu cabelo — De modo que, o que te preocupa, lass?
Winter inclinou a cabeça para trás para olhá-lo.
—E se for minha raiz principal? — Sussurrou muito consciente do pequeno embora sólido peso que tinha na mão — E se em realidade o corvo é essa desconhecida energia que matou minha árvore, e só tentava me dar falsas esperanças no sonho? Eu… Eu não tive suas notícias em nove semanas.
—Pois se for essa energia, esta é sua oportunidade de enfrentá-lo — Disse Matt; deu a volta para que o olhasse (provavelmente, também, para que deixasse de cravar a vista no corvo) e, depois de alargar a mão para pegar a bolsa que ela segurava, puxou da seda para afrouxar os cordões — Eu a abrirei, então — Abriu a bolsa, levantou-a para olhar dentro e franziu o cenho; depois tirou uma diminuta figurinha — É uma estátua.
Winter deu um grito afogado e a puxou. Depois, enquanto levantava a escultura de granito de um urso cujo corpo envolvia a figura de uma mulher feita de madeira, gritou: “Tom!” deu a volta outra vez para a mesa e se aproximou do corvo; sua voz se voltou um sussurro.
—T… Tom?
Nesse instante Matt segurou uma parte de enrolada casca de abedul diante de Winter para que a visse.
—Com a estátua vem uma nota — Disse.
Daar jogou a Matt um olhar feroz por cima da cabeça de Winter.
—Bom o que diz? — Perguntou — Não tenha a todos em suspense. É um corvo, pelo amor de Deus, e quer saber do que vai o presente.
O olhar de Winter foi do silencioso pássaro à estátua que tinha na mão, enquanto ouvia que Matt desenrolava o manuscrito atrás dela. A estátua era uma assombrosa obra de arte que misturava com grande complexidade pedra e madeira. O urso dormido de granito só tinha uns doze centímetros de comprimento e sete de largura, e quase rodeava de tudo à mulher de madeira que estava dentro de seu abraço terno e protetor.
Nesse instante, Matt rompeu o silêncio com a voz empanada e Winter não sabia se Matt o vencia a emoção ou o aborrecimento.
—Parece… Parece um convite de casamento — Disse; pigarreou e começou a ler — “A todos os pressente que acreditam no poder do amor: estão convidados à alta pradaria da montanha Bear esta tarde, à hora do solstício de inverno, para ser testemunhas do enlace de Winter Sutter MacKeage e Matheson Macalpin Gregor.”
Winter olhou para o outro lado da mesa quando Daar deu um grito afogado.
—Você é do Clã da Neblina… — Sussurrou Daar, com a face tão pálida como a neve recém caída — Seu tataravô era Mathe Macalpin, o Urso de Gairn.
—Sim — Disse Matt com voz emocionada por cima da cabeça de Winter.
Ela sentiu a tensão que irradiava e deu a volta para perguntar:
—O que tem de errado em ser do Clã da Neblina?
Mas Daar se adiantou para responder, e Winter se voltou para ele.
—Nada, garota — Disse o velho sacerdote — O que significa tudo é Mathe Macalpin. Conta à lenda que Mathe foi o primeiro drùidh, enviado pela Providência para que resolvesse a confusão que a humanidade tinha formado no mundo por então… — Com uma inclinação de cabeça assinalou o homem que estava atrás dela e meneou a cabeça — Se casou com o tataraneto de Macalpin, mas o avô de Matt não foi o drùidh que desperdiçou sua vocação. Foi sua avó, não, menino? — Perguntou ao tempo que elevava o olhar para Matt — Joan Macalpin — Daar voltou a olhar a Winter — E é que a Providência sim que tentou procurar uma energia mais suave faz vários milênios, mas Joan não quis saber nada… De modo que está tentando-o de novo com você.
—Mas o que tem a ver o legado de Matt com tudo isto?
Daar assinalou com a cabeça o silencioso corvo que seguia pousado na mesa.
—Possivelmente deveria perguntar a ele — Sugeriu.
Winter apertou o punho em torno de sua estátua e baixou a vista para o pássaro. O corvo desdobrou as asas, levantou o bico e soltou um forte grasnido que ressoou por todo Gù Brath. Depois se elevou da mesa para planar pela frente de Winter, que se voltou para vê-lo aterrissar no ombro de Matt. Então se deu conta de que sustentava a nota na mão.
Matt cravou a vista nela com uma inconfundível expressão de inquietação antes de voltar a olhar o texto.
—Há… Bem, há mais — Disse, e começou a ler de novo — A cerimônia a presidirá o Pai Thomas Gregor Smythe.
Em seguida olhou para Winter quando esta deu um grito afogado.
—T… Tom é sacerdote? — Sussurrou ela — E…? E um Gregor? — Elevou a vista para o corvo e depois olhou Matt outra vez — É seu parente? Mas como?
Esquecendo, pelo visto, que tinha um corvo pousado no ombro, Matt encolheu os ombros. Assustado, o pássaro deu um mal-humorado grasnido e pôs-se a voar; depois de passar em picado por cima da atônita concorrência, desapareceu pela aberta porta principal, deixando só o silêncio atrás de si.
Winter baixou a vista fazia a estátua que tinha na mão.
—Não entendo o que está acontecendo — Disse; olhou para Matt — Quem é Thomas Gregor Smythe? E por que acabam de nos convidar a nosso próprio casamento?
—Porque a primeira não a presenciaram seus seres queridos — Disse Daar com um sorriso, fazendo uma breve inclinação de cabeça — Vocês disseram que isso não estava bem.
Nesse momento interveio um sorridente Greylen MacKeage.
—Fica menos de uma hora para o solstício. Temos que nos pôr em marcha antes que percam seu casamento, não lhes parece?
Winter olhou a seu pai e depois, quando jogou uma olhada a seu redor às atônitas caras de sua família extensa, fixou-se em que quem havia aparentado com os MacKeage pareciam confusos. Embora sabia que todos os maridos tinham certa consciência do legado um pouco estranho de suas esposas, era provável que aquela fosse a primeira vez que eram testemunhas de primeira mão da magia.
—Eu… Bem, não acredito que os meninos devam vir — Sugeriu, ao tempo que se voltava para olhar a seu marido e recordar a preocupação que ele tinha expresso antes, lá na cabana — Porque não estamos seguros do que vamos encontrar.
Matt assentiu e olhou a Grei e a Robbie.
—Tem razão — Acrescentou — Seria melhor que os meninos ficassem aqui. E também, tudo o que não possa caminhar pela neve alta até o prado.
Winter calculou que isso reduzia o número a suas irmãs e os maridos destas, seus pais, seus tios e tias, e uns quantos primos adultos. Bom, pois assim seja. Fosse o que fosse o que estavam a ponto de encontrar no escarpado penhasco, estariam unidos.
Uma vez mais voltou a reinar um absoluto caos enquanto os pais explicavam a seus filhos que iam partir um momento, mas que não demorariam para voltar para prosseguir a festa. Os meninos choraram, os que ficavam tentaram acalmá-los, e todos outros foram em busca de seus jaquetões e suas botas.
Matt pegou Winter pelos ombros e deu a volta para que o olhasse.
—Tom leva vivendo aqui quase três anos. O que sabe dele?
—Absolutamente nada — Disse ela, sem soltar a estátua — Só que apareceu uma manhã de abril, que se instalou em sua cabana e que suas esculturas são formosas obras de arte — encolheu os ombros — Nem sequer sei como ganha a vida. Sempre dá o dinheiro das esculturas às pessoas do povoado que necessita uma pequena ajuda econômica.
—Está claro que, por como dirigiu o avião esta manhã, antes era piloto — Disse Matt; meneou a cabeça — Não conheço nenhum Thomas Gregor Smythe.
—Parece que é seguro que vão todos à pradaria? — Perguntou Winter — E se for uma armadilha?
—Para apanhar o que, lass? Um grupo de mulheres e uns poucos homens, quase todos velhos? Com que finalidade? — Sorriu, alisou seu cabelo e o separou da face — Confiou no Tom todo este tempo; possivelmente deveria confiar nele agora. Alguma vez sentiu algo sinistro nem inquietante quando estava com ele, certo?
Winter olhou para baixo, acariciou a cabeça da estátua do urso e, em voz baixa, disse:
—Não. Sempre me senti… Me senti tranquila quando estava com o Tom — Elevou a vista — Não te faz desejar aconchegar em seu colo e contar todos seus segredos?
Matt dirigiu um torcido sorriso.
—Não, não posso dizer que Tom tenha tido nunca esse efeito sobre mim — Disse com ironia; tirou a estátua, que observou com atenção, e depois a levantou para que ela a visse — Somos nós? Em nossa gruta, aquela primeira noite que fui a você?
—Não, a segunda — Disse Winter, enquanto voltava a agarrar a estátua — Uma vez que não houve segredos entre nós e você voltou e afastou meus pesadelos me abraçando bem e me fazendo me sentir segura para que tivesse um sonho que prometia esperança para nosso futuro.
Matt acabava de tomar a face entre as mãos e estava inclinando-se para beijá-la quando de repente ficou quieto com uma expressão muito estranha no rosto. Devagar, começou a sorrir com uma expressão que fez que seus olhos brilhassem de dourada cordialidade e, com ternura, beijou-a na boca.
—Está preparada para me ouvir repetir minhas promessas de confiança e lealdade para você, Winter? — Sussurrou, ao tempo que se apartava só uns centímetros de seus lábios.
—Sim.
Ele voltou a beijá-la; depois se endireitou rindo e a agarrou da mão.
—Então vamos senhora Gregor — Disse — Já é hora de ir encontrar com nosso futuro.
O entupo de veículos que se organizou foi tal que a nova estrada que descia até perto da pradaria podia ter estado em Boston durante a hora seguinte. Além disso, que todo mundo passasse ao outro lado do arroio Bear sem que se afogasse ninguém foi uma façanha digna de um engenheiro. Ao final Robbie teve que levar nos braços Daar pela profunda neve, pois o velho sacerdote se negou a ficar em Gù Brath e perder o mais emocionante. Ficavam menos de cinco minutos para o solstício para quando todo mundo esteve junto à base do escarpado penhasco, embora pudessem ter estado na igreja, dos calados que estavam. Inclusive o tempo de finais de dezembro colaborava: o vermelho sol, já descia, brilhava fraco, mas radiante, não soprava nada de vento e o ar parecia como o do veraneio de São Martim em outubro.
De repente apareceu Tom; aproximou-se da pradaria e sem dizer nada avançou até ficar na base do penhasco diante de todo mundo. Pelo menos Winter estava bastante segura de que era Tom. Aquele homem tinha os expressivos olhos e os traços de Tom, mas ia perfeitamente limpo e vestido com uma túnica e uma batina de cerimônia que não se pareciam com nada que Winter já tivesse visto. A larga túnica era de aspecto moderno, a não ser futurista, embora de todas as formas tinha antigos detalhes celtas. Na parte da frente da “batina” (a falta de uma palavra melhor), bordado com o que pareciam fios de ouro, levava uma grande árvore da vida. Não era de nenhuma espécie que Winter reconhecesse; dava a impressão de ser a combinação de um majestoso carvalho e um poderoso pinheiro branco do leste.
Tom levantou as mãos e pigarreou, embora a verdade é que não fazia falta, pois todo mundo estava curiosamente calado.
—Quero agradecer a todos o que tenham vindo aqui hoje, para ver Winter e Matt comprometer-se mutuamente — Disse; sua suave voz se ouvia sem dificuldade.
Winter abriu a boca, mas se apressou a fechá-la outra vez quando Matt apertou sua mão.
—Laird Greylen e Grace — Prosseguiu Tom e inclinou a cabeça para eles — Deram ao mundo um extraordinário grupo de moças, e desejo agradecer isso pessoalmente — Seus olhos brilharam — Também agradeço porque não pararam só em seis filhas, já que tenho particular carinho à sétima.
Desta vez, quando Winter tentou levantar a voz, Matt a rodeou com o braço e apertou.
A seguir Tom olhou o frágil sacerdote que estava junto a Robbie.
—E você, Pendaär — Disse — Cumpriu bem sua vocação e por fim encontrará a paz ao saber que é o motivo mesmo de que hoje estejamos aqui. Desfruta de sua aposentadoria, velho, e goza do sol em sua montanha muito tempo ainda.
Robbie grunhiu diante a perspectiva da longevidade de Daar, e Tom soltou uma risadinha.
—MacBain — Disse — Quero te agradecer que tenha cuidado de forma tão especial da minha avó esses vinte e cinco anos, sendo o guardião e amigo de Winter.
Menos mal que Matt rodeava Winter com o braço e a pegou quando de repente lhe fraquejaram os joelhos… Justo quando entre os assistentes se levantou um coletivo grito afogado.
Então Tom se aproximou de Matt e de Winter. Alargou a mão, roçou o jaquetão de Winter justo por cima de seu ventre e sorriu.
—Sim — Disse — É minha mãe a que tem crescendo aí dentro.
—Mas…
Tom inclinou a cabeça.
—Alguma vez pensou que se seu marido, Robbie e Pendaär avançam e recuaram no tempo com tanta facilidade, alguém do futuro ao melhor fazia o mesmo algum dia?
—Mas… Você… Você é nosso neto? Mas é velho! — Soltou Winter de boas a primeiras… Só para dar um pulo e menear a cabeça — Quer dizer, não imagino ter um neto mais velho que eu. É… É…
—É a magia — Sussurrou Tom; seus brilhantes olhos se elevaram por volta de Matt — Dentro de uns quarenta anos me levará em meu primeiro passeio supersônico… E me fará viciado em voar à idade de oito anos — Desviou o olhar para incluir Winter — Não sou o primeiro filho de sua filha, sabe? Sou o terceiro. Tenho uma irmã e um irmão mais velhos, e outro irmão mais novo.
—São… São drùidhs? — Sussurrou Winter — Algum deles? É você?
Tom sorriu.
—Todos temos dons especiais — Se limitou a dizer — Algo que descobrirá… Com o tempo.
—Mas…
Ele roçou o queixo com o dedo.
—Paciência, “avozinha”. Que sentido tem levantar-se da cama pela manhã se já souber o que vai acontecer? A verdadeira magia é viver cada dia como chega; a alegria é a ilusão do que está à volta da esquina — Sem deixar de olhá-la, assinalou Matt com uma inclinação de cabeça — Tomemos o caso de seu marido, por exemplo. Não tinha forma de saber se o que pôs em marcha faz tantíssimos séculos obteria ou não quão resultados ele queria… Diabos, nem sequer previa sua resposta, mas isso não o impediu de tentá-lo — Olhou para Matt — Se tivesse sabido que hoje estaria aqui, profundamente apaixonado por sua esposa, teria seguido adiante com seu plano concebido à desesperada?
Sem alterar a voz, Matt perguntou:
—Sendo eu quem era e com a opinião que merecia do mundo em geral? —Meneou a cabeça — Não. Faria tudo por evitar comprometer meu coração.
Tom assentiu e voltou a olhar para Winter.
—Por isso não tenho intenção de te responder nem a uma só pergunta que se refira ao que vá ocorrer deste momento em adiante, por muito que empregue seu considerável encanto.
—Mas acaba de me dizer que vou ter uma filha — Fez notar Winter com um sorriso ufano.
Tom sorriu inclusive mais satisfeito e se encolheu de ombros.
—Sua primogênita — Disse — Mas depois… Bom, é que não se pergunta quantos haverá e como serão?
Riu ao ver seu olhar assassino, mas foi Daar quem falou a seguir.
—Vais continuar com o de casá-los ou não? — Perguntou — Ficam dois minutos para o solstício, e Winter não pode estar grávida sem estar casada de verdade. Isso é blasfemo.
Winter voltou seu olhar assassino para o Daar.
—Isso são ideias antiquadas, pai — Disse — E, além disso, estamos casados: casamo-nos em Las Vegas… — De repente Winter desviou a vista para o Tom e, com os olhos entreabridos, olhou-o aos risonhos olhos — Você! Você é o Chapeleiro Louco que nos casou! — Disse em um grito, assinalando-o; em seguida voltou a entreabrir os olhos — Nossas testemunhas, quais eram?
—Meus irmãos e minha irmã.
—Nossos netos? — Gritou Winter, agarrando o jaquetão por cima do peito — E… Eles viram nossas bodas?
Tom se pôs a rir e meneou a cabeça.
—Dava a impressão de que esperava que fossem te deixar sem dinheiro e sem roupa… — Disse com um resto de risadinha.
Winter deu a volta para seu também regozijado marido.
—Por favor, quer deixar de rir? Isto não tem graça. Sigo sem saber se somos drùidhs ou não.
—Você quer ser drùidh? — Perguntou Tom com calma.
Winter deu a volta de novo para olhá-lo de frente.
—Os dois temos que ser magos. Segue havendo… Bom, coisas que temos que fazer.
—Ah, entendo… — Disse Tom, ao tempo que dava a volta e caminhava para o escarpado penhasco. Deteve-se junto à maciça parede de granito, voltou-se e fez gestos para que avançassem — Então devem ser drùidhs. Abram à entrada da gruta e vejam onde radica de verdade seu poder.
Winter olhou para Matt com expressão de dúvida, mas Matt tinha a vista cravada em Tom. De repente seu marido a puxou pela mão e a conduziu até o penhasco. Uma vez ali, os dois ficaram olhando-o.
—Como a abrimos? — Perguntou ele, com o Winter pega a seu flanco.
Tom fez um despreocupado gesto com a mão.
—Peçam que se abra nada mais… Com suavidade — Acrescentou, piscando os olhos um olho a Winter.
Matt se meteu a mão no bolso do jaquetão e tirou sua caneta tinteiro, e Winter tirou tranquilamente seu lápis de desenho.
Mas Tom cobriu a mão de Matt com a sua.
—Não o precisa — Disse; voltou o pulso para olhar o relógio — Faz dois minutos que sua espada perdeu a capacidade de conduzir a energia.
—Não! — Gritou Winter, agarrando seu lápis — Ainda não. Necessitamos só umas poucas horas mais.
—Peça à gruta que se abra — Disse Tom com calma.
Matt alargou os braços, pôs suas mãos nas de Winter sobre o áspero penhasco, e imediatamente ela sentiu o formigante calor de uma poderosa energia pulsando através do granito. Imaginou a antiga entrada da cova, como se torcia para proteger-se das inclemências do tempo, e como o interior era morno, seguro e acolhedor.
Nesse momento, Winter ouviu vários gritos afogados a suas costas e, ao abrir os olhos, encontrou-se diante uma entrada mais alta e mais larga, que levava a uma gruta ainda maior. Desta vez as paredes interiores brilhavam com diversas cores que se formavam redemoinhos brandamente, e a gruta parecia ter quatro ou cinco vezes seu tamanho original. Também estava limpíssima: não havia nem rastro dos chamuscados mantimentos que tinham deixado.
Diretamente em meio daquele espaço parecido a uma catedral, e feito de tamanho maior que o natural, havia um urso de granito feito um novelo em torno de uma mulher adormecida de madeira; uma réplica exata da diminuta figurinha que o corvo tinha levado a Gù Brath. Sem parar sequer para pensar, Winter foi direta para a estátua e a tocou; imediatamente sua imaginação ficou banhada em uma luz cegadora.
A seu lado, Matt agarrou sua mão para que não voltasse a tocar a estátua.
—A mulher é feita de pinheiro — Disse.
—C… Como o tem feito? — Sussurrou ela — Como colocou à mulher para que esteja tão a gosto no abraço do urso? Não vejo nenhuma juntura no granito, mas é impossível que a tenha metido aí dentro sem cortar a rocha.
—É um de meus presentes — Disse Tom do outro lado da estátua; olhou a Matt — Reconhece o pinheiro branco.
—Você é o que cortou a taça.
Tom inclinou a cabeça.
—E, além disso, a raiz. Ontem à noite roubou a raiz principal. Por quê?
Tom foi junto a eles, assinalou à mulher aconchegada dentro do urso e perguntou:
—Veem essa tênue imagem de seu coração, justo debaixo da pata do urso? Veem como ele protege à mulher e o coração que compartilham os dois? O coração é feito de sua raiz principal, Cùram, a de seu carvalho. E a mulher está esculpida na copa do pinheiro de Winter — Depois de acariciar o emblema da árvore da vida que tinha bordado no peito, assinalou para cima — Encontrarão uma nova espécie de árvore crescendo no topo do penhasco, e para quando eu nasça, terão espalhado sua semente pelos protegidos vales da montanha Bear.
—Mas por quê? — Perguntou Winter.
—Pois porque a Providência espera que vocês tenham êxito. Mas, como por fim se deu conta esta manhã, Winter, quando estava sentada com seu pinheiro morto, para consegui-lo faz falta uma combinação de forças. Assim que se criou uma nova árvore da vida a partir de suas duas árvores, como aviso para todos nós.
Piscando, Winter olhou a árvore de estranho aspecto que estava sobre o peito de Tom. Então elevou a vista para seu marido, que mostrava uma expressão impenetrável, e voltou a jogar uma olhada para a entrada para ver o que Pendaär e outros pensavam de todo aquilo.
—A entrada desapareceu!
—Provisoriamente nada mais — A tranquilizou Tom — Só necessitamos testemunhas de suas bodas, não da decisão que têm que tomar agora.
—E qual é? — Perguntou Matt, ao tempo que ficava rígido.
Winter deu a mão e também olhou o Tom. E, embora olhava Matt, Tom disse aos dois:
—Pelo visto pensa que ainda deve escolher o que é o que desejam mais, se manter seu matrimônio ou continuar sendo drùidhs para cumprir a promessa feita ao Kenzie…
Nesse momento Winter se interpôs entre os dois.
—Não! — Gritou — Não é justo o fazer escolher entre seu irmão e eu, isso é muito cruel.
—Então escolhe você por ele — Sugeriu Tom.
—Não! — Resmungou Matt, ao tempo que puxava Winter e a pegava outra vez ao seu lado.
—Pois então talvez escolho eu — Disse Tom com uma risadinha — Já que, pelo visto, tenho um interesse pessoal aqui.
—Cada um de nós tem que escolher seu próprio destino! — Gritou Winter; entreabriu os olhos e assinalou Tom — Se você estiver aqui, isso quer dizer que está claro que escolhemos o matrimônio por cima de ser drùidhs.
—Não necessariamente. Esse não é mais que um dos riscos que corremos quando nos permitimos viajar no tempo. — Com um gesto da mão, Tom assinalou a gruta — Ao melhor isto não é mais que um sonho; possivelmente despertarão e, simplesmente, eu não existirei. Só os atos do presente determinam o futuro. —Dirigiu-lhe um cordial sorriso enquanto falava com doçura — De modo que, o que escolher Winter, um futuro com seu marido e seus filhos, ou uma vocação que ajude a Matt a cumprir a promessa que fez ao Kenzie?
—Escolho as duas coisas! — Espetou ela, zangada, ao tempo que fechava as mãos até as converter em punhos.
Tom assentiu, olhou ao Matt e deixou ver um amplo sorriso.
—Por que será que não é de estranhar? E quanto a você, Cùram de Gairn, se tivesse que escolher, o que seria, seu matrimônio ou sua vocação?
Matt não disse nada.
E Winter não soube se devia esbofetear Tom ou seu silencioso marido.
—Assim isto não vai funcionar — Disse a Tom em tom crispado, enquanto se voltava para olhar Matt — Pensa Matt: enquanto há vida sempre há esperança. Assim afunda e recorda como se sentiu quando escapou de casa para perseguir seu sonho de se converter em guerreiro. Acreditou encontrar o que procurava, mas quando não foi tudo o que esperava, escolheu e voltou para casa. E quando aquilo não saiu muito bem, escolheu outra vez e foi procurar Kenzie.
—E o que ocorreu então? — Perguntou Tom — O que ocorreu quando encontrou a seu irmão… Que estava morrendo?
—Encolerizei-me — Disse Matt.
—Sim — Concordou Winter, agarrando sua mão — E perdeu a esperança.
Matt a olhou, com os olhos escurecidos pela dor.
—Não a perdi então, lass. Perdi-a quando Kenzie me pediu que terminasse com sua vida.
—Então, como chegou tão longe? — Perguntou Tom — Se não tinha nenhuma esperança para o futuro, como é que perseguiu Winter?
Matt olhou Tom, aparentemente sobressaltado.
—Assumi o risco de que me ajudasse. A filha de MacKeage era a melhor oportunidade que tinha de cumprir minha promessa a Kenzie.
Tom sorriu e olhou Winter.
—Em realidade não existe a desesperança, sabe? A esperança é parte integrante de nossa energia coletiva, e nunca se perde porque não é… Não é deste mundo material. Só a percepção humana se cega diante a existência da esperança — Sorriu a Matt — Winter não pode cumprir uma promessa que fez você, e você tampouco pode cumpri-la enquanto continue sem ver uma parte da energia que faz a todos ser quem são. Se quer conservar seus poderes para ajudar Kenzie, e se quer conservar Winter, se abra sem mais a toda a gama e compreende que sim pode ter as duas coisas.
—Que ele pode…? — Perguntou Winter surpreendida; então soltou um bufo e meneou a cabeça — Perdão, só estava sendo sarcástica.
—Só estava sendo mimada e muito má — Disse Tom rindo, enquanto voltava a olhar Matt — Tudo é possível, em tanto permaneça aberto à energia. Winter pensou que escolheria ser drùidh, e que depois já calcularia como salvar Kenzie — Sorriu quando ela deu um grito afogado diante sua perspicácia — Isso não é fé cega, Matt: é fé com os olhos bem abertos. Não só deve confiar no universo, mas também em si mesmo.
De novo, Winter apertou a mão de seu marido, mas Matt seguiu cravando a vista no Tom.
Tom sorriu.
—A escolha continua sendo sua, Matt. Mas em realidade não é entre Winter e sua vocação, não é? É entre você e você mesmo — Jogou uma olhada à estátua, e depois outra vez a Matt — entramos em um novo milênio com o solstício deste inverno, assim que qual é sua esperança para os próximos mil anos? Possivelmente, como aqui Winter, acreditar que pode ter tudo? Pode ver sua vocação como uma mistura de cada um das cores do espectro, incluída a esperança, igual a esse casal da estátua? Abre seu olhar interior, Matheson Gregor, e o futuro será o que você dele faça.
Matt permaneceu rígido e calado durante o que a Winter pareceu uma verdadeira eternidade, e justo quando ela estava a ponto de esbofeteá-lo de verdade, de repente agarrou a mão e a aproximou da estátua. Juntos alargaram as mãos e as puseram sobre a pata do urso que tampava o coração da mulher… E então o tempo se deteve, a gruta se encheu de um completo espectro de cores que se formavam redemoinhos, e o batimento de um só coração reverberou por toda a caverna e ressoou com força por cada célula do corpo de Winter.
Com os olhos entrecerrados, Winter olhou além da cegadora luz e viu que o coração compartilhado do urso e da mulher pulsava brandamente, compassado com o seu e o de Matt. E então teria jurado ver como a sorridente mulher de madeira de pinheiro se amassava mais no abraço do urso, dando um suspiro de satisfação.
—Bom — Disse Tom, esfregando as mãos — Vamos celebrar umas bodas ou não? Devem estar todos congelando aí fora.
Sem soltar a mão de Matt, Winter se separou da estátua.
—E Kenzie? — Perguntou.
—É provável que esteja de pé atrás de todo mundo — Respondeu Tom; sorriu ao ver sua cara de surpresa — Passaram vinte minutos do solstício. Não pensará que vai perder as bodas de seu irmão, verdade?
—Mas temos que fazer que continue sendo um homem — Disse Winter.
—Continuará sendo — A tranquilizou Tom, ao tempo que se aproximava aonde deveria estar à entrada da gruta.
—Como? — Perguntou Matt.
—Unidos, possuem o poder de conceder o desejo de Kenzie — Assegurou; voltou-se e inclinou a cabeça — Mas, por favor, me permitam essa honra como presente de casamento para vocês — Acrescentou, e seus vivos olhos azuis brilharam — E também, ao melhor, como um detalhezinho para minha tia avó Megan, conforme acredito.
Winter seguia sem compreender que estivesse falando com seu neto de setenta e tantos anos o dia em que ela fazia vinte e cinco.
Tom assinalou a gruta.
—Ah, e se me permitem uma sugestão… Alguma vez pensaram em transformar este penhasco em parte de seu novo lar? Poderiam incorporar uma formosa construção de troncos e pedra para que a caverna seja… Bom, não sei… — Se encolheu de ombros — Seu quarto, possivelmente?
Winter sorriu com expressão satisfeita.
—Por que não nos diz isso você? — Perguntou — De menino correu pelos corredores de nossa casa ainda por construir, não?
—E, além disso, explorei cada centímetro da montanha Bear — Disse Tom rindo — E cruzei de barco o lago Pene e dormi na cabana da ribeira do lago onde ficam agora… — Seus olhos brilharam de novo — Me façam um favor e não arrumem o velho acampamento do promontório, de acordo? A verdade é que eu gosto de jeito como está.
Winter agarrou a mão do Matt.
—Vai nos deixar esta noite, não é? Vai voltar… Quer dizer, mas bem a avançar a sua época…
Tom assentiu e sorriu com tristeza.
—Devo fazê-lo, já cumpri meu objetivo aqui. Agora têm que fazer cargo de seu próprio futuro.
—Mas quando voltaremos a nos ver? — Perguntou Winter.
Tom inclinou a cabeça.
—Ah, mais ou menos dentro de trinta e um anos, mês acima, mês abaixo… Divertirmo-nos muitíssimo juntos, “avó” — Disse — E você, “avô”, terá que convencer a minha mãe para que te permita me ensinar a voar.
Matt devolveu o sorriso, e o coração de Winter se animou ao ver o aspecto tão relaxado que tinha de repente.
—Já que estou prevenido, simplesmente evitarei esse problema ensinando a ela a voar primeiro — Disse Matt com ironia.
Nesse momento, através do granito, ouviram gritar ao Daar.
—Que diabos acontece aí dentro? Estamos nos gelando os bigodes aqui fora!
Tom se aproximou da parede, mas se voltou para eles.
—Querem, por favor? — Perguntou; fez um gesto com a mão quando Matt foi pegar sua caneta tinteiro — Em adiante só necessitarão sua força de convicção para convocar seus poderes — Jogou uma olhada a Winter para inclui-la, e piscou um olho — Uma delicada convicção — Acrescentou. Voltou a olhar Matt enquanto se metia a mão no bolso da batina e passava uma diminuta jóia — Ah, quase me esquecia: isto é para você. Ao desenterrar a espada de Mathe Macalpin, sentiu falta o relicário de Fiona. Ela o tinha enterrado ali no dia que partiu, esperando que com o tempo retornaria a reclamar seu destino.
Matt alargou a mão e sussurrou:
—Mas então só era uma menina — Agarrou o colar com mão tremula e o sustentou na palma com a vista fixa nele; voltou a olhar ao Tom — Tinha, quanto… Doze anos?
—Era Guardiã — Disse Tom — E não deixou de velar por você em todo este tempo.
—Mas como? Não voltei a ver Fiona desde que fugi de casa. Se tivesse estado perto, pelo menos a teria percebido.
—Não recorda um grande falcão dourado que permaneceu pousado perto de você durante o comprido dia e a longa noite que esteve morrendo naquele campo? —Perguntou Tom baixinho; depois sorriu — E, além disso, quando o pensar se dará conta de que esteve com você em incontáveis ocasiões mais. Quando não queria continuar, mas algo fazia que seguisse de todos os modos, tem que saber que era Fiona quem o fazia sair adiante. E, além disso, esteve junto a Kenzie durante todos estes séculos; fosse qual fosse o animal em que se convertia seu irmão, Fiona o dava a luz cada vez.
Winter olhou o relicário que Matt tinha na mão e viu que ele fechava o punho e o levava aos lábios. Então apertou a mão, e com a mão livre tirou da face às lágrimas de entristecedora alegria.
De novo ouviram que Daar golpeava com sua bengala a parede de granito enquanto gritava:
—Winter! Aqui fora está escuro e faz frio! Deixe-nos entrar!
Matt se apressou a meter o colar no bolso, endireitou os ombros com um suspiro e fez um despreocupado e rápido movimento de pulso assinalando a parede. De repente a entrada voltou a aparecer… Junto com várias caras com aspecto de ter muito frio, que os olhavam com olhos assassinos.
Tom fez um gesto para que avançassem.
—Entrem, entrem — Disse — Aqui dentro faz muito mais calor. Se aproximem mais, que as paredes não mordem. Pai Daar, venha ficar a meu lado, estou seguro de que Winter também quer ter sua bênção.
Ao tempo que secava o último resto de lágrimas, Winter disse:
—E Matt. Ele também quer sua bênção, pai. — Teve que dar um puxão à mão de Matt para interrompê-lo a metade de um bufo, mas nesse momento ficou completamente quieta ao descobrir um desconhecido alto, de cabelo comprido e vestido com o plaid Gregor, que acabava de entrar na gruta atrás de todo mundo. Então lhe apertou a mão e sua voz se converteu em um sussurro — Kenzie.
Mas Matt já tinha visto seu irmão e o fazia um gesto para que avançasse.
—Vem, Kenzie. Ouçam-me todos: apresento-lhes meu irmão, Kenzie Gregor — Deu a Kenzie uma palmada, bastante forte, nas costas, e riu — Vai ser meu padrinho.
—E Megan será minha dama de honra — Disse Winter, procurando a sua irmã. Por fim a viu apoiada em uma parede; boquiaberta e com os olhos como pratos de assombro, Megan tinha a vista cravada em Kenzie — Heather ajuda a aproximar-se a Megan. Pelo visto gelou a inteligência de estar fora muito tempo.
E por fim, vinte e cinco minutos depois do solstício e em sua futura gruta quarto, pela terceira vez Winter repetiu suas promessas a Matheson Gregor. E no instante em que ele tomou em seus fortes e protetores braços e a beijou com toda a paixão e a esperança de um futuro prometedor, Winter sentiu que a mãe de Tom se movia dentro dela pela primeira vez.
[1] Bolo feito com massa folhada recheados de merengue – Refere-se a uma gíria.
[2] Estilo de luminosidade psicodélica e altamente chapante, que causa a seus observadores a sensação de FPS. Muito utilizada em Raves para agravar os efeitos de drogas como LSD e Ecstasy. (piscando em preto e branco)
[3] É uma planta originária da Europa, que cresce em terrenos baldios, calçadas e casas abandonadas. Em felinos esta planta torna irresistível. Comem suas flores, cheiram, mastigam e esfregam em suas folhas e voltam novamente e novamente por uma dose inebriante de sua essência.
Janet Chapman
O melhor da literatura para todos os gostos e idades