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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SÓ PARA SEUS OLHOS / Tori Carrington
SÓ PARA SEUS OLHOS / Tori Carrington

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

SÓ PARA SEUS OLHOS

 

As mulheres McCoys queriam desencalhar o mais calado da família, o oficial de imigração Jake. No entanto, ele tem os motivos para ser do jeito dele, um workholic assumido que foi praticamente obrigado a tirar férias. E quando se despedia do trabalho, para começar o descanso contra a vontade, tentou ajudar Michelle Lambert, uma pequena e bela francesa que estava sendo assaltada. Michelle estava desesperada, seria extraditada em breve, mas não queria voltar para França sem sua filha. E Jake se viu quebrando todas as regras que religiosamente seguia para ajudá-la, mesmo com um companheiro de trabalho no encalço dos dois, disposto a mandá-la para França e mandá-lo para a cadeia...

 

                   Jake, se eu tivesse a mulher certa para você...

Jake McCoy baixou o queixo na direção do peito e apertou os olhos, protegendo-os do sol matinal de setembro. Se havia palavras capazes de o apavorarem eram aquelas. Melanie, recém-casada com seu irmão mais novo, Marc, dissera-as na fazenda dos McCoy na noite anterior... logo depois que Liz, também recém-casada com seu outro irmão, Mitch, arruinara um perfeito jantar de domingo mencionando que já estava na hora de ele se casar. Como se ainda não restassem outros McCoy solteiros na família.

Os passos calculados dele ecoaram pelo asfalto do amplo esta­cionamento. Do outro lado da rua, ficava o prédio de escritórios do Serviço de Imigração e Naturalização, em Arlington, no Estado da Virgínia, cidade à margem do rio Potomac, em frente a Wa­shington, situada no Distrito de Colúmbia.

Jake não dera uma resposta à proposta assustadora de Mel. Marc respondera por ele, lembrando a esposa grávida que Jake não estava interessado em mulher alguma. Que nenhum dos ir­mãos McCoy estava. Teriam que ser torturados com requintes de crueldade antes que mais algum deles sequer considerasse a idéia de se casar.

Jake ficara embaraçado por causa da explosão de risos resul­tante à sua volta.

Mas, afinal, como Marc poderia saber que ele estivera bem perto de se casar? Muito antes daquele seu irmão sequer ter tido sua primeira experiência sexual.

Segurou com mais força as pastas de arquivo que levava. Talvez "perto" não fosse a palavra adequada para o único e mais próximo passo que já dera em direção ao casamento. Se bem que, ao que se constatara, apenas ele estivera com tal idéia em mente. A mulher com quem estivera saindo, Janice Tollerby, ficara chocada quando ele lhe dera um anel de ouro e a pedira em casamento no quarto encontro de ambos.

Jake ainda não conseguia entender o que acontecera. Soubera, já no primeiro encontro de ambos, que ele e a conservadora Janice poderiam ter uma união sólida. Não importara o fato de ser um novato em relação a encontros amorosos na época e o de que se haviam conhecido por pouco tempo.

Pela primeira vez, agira por instinto, arriscara lima chance. E, pela segunda vez, perdera uma mulher importante em sua vida.

Jamais tornara a correr um risco daqueles novamente.

Era um homem simples, de hábitos e gostos simples. Respeitava e apreciava a rotina, a estabilidade, a disciplina. Acordava dia­riamente às cinco e meia da manhã, não importando o horário em que tivesse ido se deitar. Sua necessidade de simplicidade fora o que o levara a trabalhar para o Serviço de Imigração e Natu­ralização do governo. Aqueles que não deveriam estar dentro das fronteiras do país, ou não eram mais bem-vindos, ele mandava de volta para o local de origem. Na verdade, se não fosse por seus irmãos, era provável que nunca tirasse férias. Era-lhe difícil deixar casos importantes em aberto mesmo que fosse só por um dia. Em um mundo imprevisível, gostava de coisas previsíveis. Achava re­confortante encontrar os mesmos produtos em sua geladeira. Quan­do substituía a mobília, comprava peças semelhantes às antigas. E tinha seis ternos marrons idênticos no guarda-roupa. Um para cada dia útil da semana e um extra para alguma eventualidade.

Seu irmão mais velho, Connor, adorava provocá-lo, chamando-o de Sr. Sistemático. Aquilo não o incomodava. Bem, na maior parte do tempo, ao menos.

Ainda era um mistério como David conseguira convencê-lo a ir acampar com ele durante cinco dias nas montanhas Blue Ridge. Cinco dias de caminhadas com tudo o que iriam precisar acomo­dado em uma grande mochila às costas. Jake fez uma careta.

Por insistência de seus irmãos, tirara, enfim, alguns dias de férias.

Férias. O que David planejara soava mais como o inferno na terra...

De qualquer modo, suas férias começavam oficialmente naquele dia. Só estava indo ao escritório brevemente para cuidar de uma pequena pendência.

Ele atravessou a rua, baixou o olhar para consultar o relógio de pulso... e colidiu com alguém que ia na direção oposta.

Jake não sabia como não notara a bela mulher que estava tentando desviar dele. Tinha cabelos pretos e cacheados e grandes olhos castanhos. Talvez fosse por causa de sua estatura, pois tinha cerca de um metro e sessenta em contraste ao um e oitenta e cinco dele. Ou talvez sua compleição, pois era esguia, delicada.

― Desculpe-me ― disse-lhe.

Ela pareceu estar a quilômetros de distância mesmo enquanto o fitava. Sob a luz do sol, destacavam-se sua pele alva, perfeita, e os lábios pintados de vermelho, lábios... provocantes.

Enfim, ela pareceu realmente vê-lo e murmurou algo em res­posta, afastando-se depressa na direção do estacionamento.

Jake permaneceu imóvel por um longo momento, observando-a. Lentamente, continuou caminhando até o prédio, desejando que a forte impressão que a morena lhe deixara se dissipasse. Tentou se concentrar no que faria ali antes de sair realmente de férias. Primeiro, entregaria a documentação que prometera levar até ali da unidade de investigações. Depois, tentaria encontrar sua car­teira de identificação de agente do Serviço de Imigração. Dera pela falta dela naquela segunda-feira, quando se vestira para sair e não a encontrara em lugar algum de seu apartamento em Was­hington, nem no carro. Como era improvável que a tivesse deixado na casa da fazenda, devia tê-la esquecido no escritório.

Ele abriu a porta para um pequeno grupo que saía do prédio. Ouvindo o barulho de chaves, olhou por sobre o ombro. No esta­cionamento, a mulher abria a porta de um velho Ford caindo aos pedaços. As pernas dela, de qualquer modo, chamaram-lhe bem mais a atenção do que o veículo... bem torneadas, os bonitos joelhos à mostra abaixo da saia reta, os pés delicados realçados por san­dálias de salto alto.

Dando-se conta de que segurava a porta de vidro aberta feito um tolo, estava prestes a entrar no prédio quando notou um homem surgindo de detrás de uma fileira de carros e correndo na direção dela.

Em questão de segundos, derrubou-a no chão e arrancou-lhe a bolsa. Jake começou a correr, estando longe demais para impedir que o roubo acontecesse, mas perto o bastante para alcançar o ladrão. O sujeito diminuiu o passo para tirar algo da bolsa e, depois, largou-a. Jake apanhou a bolsa e, em seguida, avançou para a carteira que o homem pegara e arrancou-a da mão dele.

Ambos se entreolharam. No momento em que Jake se lançou para a frente para apanhá-lo, o homem esquivou-se e correu. Desapa­receu nos labirintos da cidade, seus passos logo se confundindo com os sons de carros, buzinas e uma sirene.

Droga.

Caída no concreto duro, Michelle Lambert afastou os cabelos cacheados do rosto, respirou fundo e tentou se recobrar do susto. Depois de tudo que passara naquele dia, não imaginara que outro pesadelo a aguardara. Alguém acabara de roubar tudo que com­provava sua existência: seu passaporte, sua passagem de avião de volta para casa, na França, e seu dinheiro.

Esforçou-se para conter a ameaça de lágrimas. Céus, fora ainda naquela manhã que descobrira que o recepcionista do motel barato em que estava em Washington DC esquecera-se de lhe transmitir suas mensagens telefônicas? Quando, enfim, ligara para o detetive que contratara, fora informada que ele saíra e não voltaria mais naquele dia. E a secretária de ar vulgar ainda lhe dissera que seu chefe precisaria de pelo menos mais quinhentos dólares para continuar no caso. Dólares que ela nem sequer tivera antes de sua bolsa ter sido roubada por um sanguessuga qualquer.

Continuou sentada ali, sentindo-se sem forças para se levantar, lembrando-se de sua conversa com o funcionário do Serviço de Imigração e Naturalização poucos minutos antes. A voz do homem engravatado fora tão clara que praticamente ainda podia ouvi-la: ― Lamento, Srta. Lambert, mas não podemos atender ao seu pedido para lhe concedermos uma prorrogação em seu visto de turista, classe B2. Terá que embarcar para a França amanhã.

Teria de ir embora sem Lili...

Saltaria da janela do avião antes que deixasse aquilo acontecer.

― Senhora?

Michelle abriu os olhos e deparou com um par de lustrosos sapatos masculinos. Viu, então, o peito largo e forte de um homem bastante alto e, enfim, observou-lhe o rosto.

― É você. ― Era o homem em quem esbarrara um pouco antes. Ele estendeu-lhe a bolsa.

Michelle quase não pôde mais conter as lágrimas.

― Merci ― disse ao americano, sufocando um soluço e esque­cendo-se por um momento de usar o idioma dele. Examinou o conteúdo da bolsa. Seu passaporte. A passagem de volta. Maquiagem. Uma foto de Lili que se deteve para observar por um momento, recibos que acumulara nas seis semanas anteriores. Onde estava seu dinheiro?

Freneticamente, começou a examinar o conteúdo da bolsa novamente.

― Aqui está. ― O homem entregou-lhe a pequena carteira de couro. Ela notou como ele olhava para suas pernas um tanto aber­tas naquela posição comprometedora em que caíra, a saia tendo-lhe subido até a altura das coxas. Um inesperado calor percorreu-a, enquanto pegava sua carteira.

― Foi tudo o que ele tentou levar. Você está bem? Michelle ajeitou a saia e sentiu que os lábios tremiam enquanto pensava mais uma vez em sua situação.

― Não, não estou. Acho que você deveria me levar para um beco qualquer e me dar um tiro.

O homem soltou um riso manso e inclinou-se, pegando-lhe a mão para ajudá-la a se levantar. Ela sentiu um arrepio incontrolável percorrendo-a com o calor daquela mão forte envolvendo a sua. Não pôde deixar de notar como ele era bonito quando se entreolharam, seu rosto másculo e marcante, os olhos intensos e cinzentos. E viril, sem dúvida, com um corpo atlético que devia ser de tirar o fôlego por baixo daquele terno escuro.

Ela apressou-se a desviar o olhar e libertou a mão, guardando a carteira na bolsa.

― Devo ligar para a polícia? Ou você quer ir a um pronto-socorro primeiro?

― Polícia? ― Michelle, retrucou. Não, não queria desperdiçar o tempo precioso que lhe restava falando com a polícia. Cada mo­mento que passava era um momento que não estava usando para encontrar sua filha. ― Não. Ele acabou não roubando nada. E quanto a um pronto-socorro, não é necessário, obrigada. Estou bem.

― E que tal um café?

― Um café? ― repetiu ela, dando-se conta de que não conseguia desviar os olhos dos lábios dele. Eram generosos, sensuais, más­culos... Em todos os outros aspectos, aquele homem parecia sério e disciplinado. Mas seus lábios eram uma... tentação. Tinham sido feitos para seduzir e enlouquecer uma mulher, sem dúvida.

― Ou um chá, se preferir. Acho que uma xícara lhe faria bem, para ajudá-la a recobrar-se ― disse ele, observando-lhe as mãos trêmulas. ― Há um café na próxima esquina.

O olhar dele era direto, franco. E sua simples presença a fazia sentir-se segura como havia muito não se sentira. Durante pelo menos oito semanas. Desde que Lili fora levada.

― Está bem ― concordou ela.

Seguiu-o até a rua, onde o homem apanhou uma pasta de ar­quivo que devia ter deixado cair quando correra atrás do ladrão. Ele ajeitou os papéis na pasta, olhou para o prédio do Serviço de Imigração e, depois, tornou a fitá-la.

― Acho que devo me apresentar, não é? Sou Jake McCoy.

― Michelle Lambert. ― Ela o observou, achando-se uma tola por ter aceitado tomar um café com aquele bonito estranho...-e mais ainda por devanear com todas as outras possibilidades que a proximidade dele evocava. Mas aquelas mesmas possibilidades a faziam sentir-se viva como não acontecia havia muito tempo.

Três perguntas intrigavam Jake. Quem era aquela mulher? O que estava fazendo ali na companhia dela? E por que não conseguia afastar imagens dela nua em seus braços e contorcendo-se de prazer?

Sentados a uma pequena mesa em um acolhedor café, ele a observou levando a xícara de chocolate quente aos lábios. Sua temperatura elevou-se em vários graus quando a viu passando, então, a ponta da língua pelos lábios. Quis beijá-la ali mesmo.

Mas teve que se contentar em sorver seu próprio café e desviar o olhar. Tudo naquela mulher parecia desconcertá-lo. Tinha um perfume suave, delicioso, exótico... O sotaque, indubitavelmente francês, era acentuado... sexy.

Não sabia por que a convidara para um café. Supunha que parte do motivo para ter feito o convite fora porque não pudera vê-la entrando naquele carro no estado em que estivera. Além do mais, por um momento breve mas revelador, ela parecera como se... precisasse de alguém. E fora tomado por uma inexplicável necessidade de corresponder àquele anseio.

― Obrigada. Eu... eu realmente precisava disto. Acho que não paro para relaxar por um instante como este desde que cheguei, há seis semanas.

Seis semanas?, pensou Jake. Se ela estava no país com um visto de turista B2, então deveria estar prestes a expirar. Se já não fora o caso.

Não gostou daquela linha de pensamento. Especialmente porque não contribuiu em nada para diminuir sua atração fulminante pela morena.

― O prazer foi meu ― disse em resposta ao agradecimento.

Michelle abriu um sorriso que o deixou quase sem fôlego.

― Você não fala muito, não é?

― Já me disseram que não é um dos meus pontos mais fortes.

― Está tudo bem. Sou de opinião que as pessoas, em geral, costumam mesmo falar demais ― declarou ela, dando de ombros. ― Como eu. Mas... e qual é seu ponto forte?

Jake notou que ela tinha olhos de um castanho bem claro, mas intenso. Eram quase da cor do mel, oferecendo um interessante contraste com os cabelos pretos. Grandes e amendoados destaca­vam-se naquele rosto bonito, davam-lhe incrível vivacidade.

― Bem, eu diria que é a minha dedicação ao trabalho.

― Ao trabalho?

― Sim. ― Ele não comentou mais. De repente, achou impor­tante que ela não soubesse que trabalhava para o Serviço de Imi­gração. Sentia-se atraído pelo jeito expansivo daquela francesinha, por seu sorriso espontâneo e provocador. E algo lhe dizia que se a bela morena soubesse o que ele fazia para viver, ela se fecharia e o privaria de todas aquelas coisas. Não queria que aquilo acon­tecesse. Não ainda, ao menos.

Ficou aliviado quando Michelle olhou em torno do movimentado café e mudou o rumo da conversa:

― Uma vez eu quis abrir um café.

― É mesmo?

― Sim, em Paris. Até que meu pai me fez ver que a última coisa que a cidade precisava era de mais um café. ― Aquele sorriso cativante iluminou o semblante dela outra vez, os grandes olhos castanho-claros irradiando vivacidade. ― Assim, mudei de planos e resolvi abrir um restaurante algum dia.

Jake mostrou-se intrigado ao vê-la soltando um riso divertido. O que havia de engraçado naquilo?

― Você sabe como é. Se Paris não precisa de mais um café, precisa menos ainda de mais um restaurante, certo?

― Oh. ― Ele limpou a garganta e disse o que lhe passou pela cabeça. ―Você parecia distraída. Quando demos aquele encontrão.

O brilho nos olhos dela diminuiu.

― Sim, eu estava. ― Levou a xícara aos lábios com ar pensativo.

― Alguma razão em particular?

― Sim. Amanhã, segundo fui informada, tenho que ir embora do seu país cheio de detetives trapaceiros e ladrões de bolsa san­guessugas. Voltar para casa.

Ele sustentou-lhe o olhar. A situação era como presumira, pensou.

Ela sacudiu as mãos no ar.

― Aquelas pessoas não dão a mínima importância ao fato de que eu preciso ficar aqui. De que preciso encontrar minha filha. Dizem que não podem me ajudar. Não podem me conceder uma...

― Renovação de visto ― completou ele.

― Sim, exato.

― Para que você possa encontrar sua filha. Michelle soltou um suspiro trêmulo.

― Sim. O pai dela, ou o homem que se denomina assim quando, na verdade, não quis nenhum envolvimento na vida de Lili até agora, foi há Paris dois meses atrás e... pegou-a. Trouxe-a para os Estados Unidos.

― Seu marido?

― Não. Ele e eu tivemos um breve relacionamento. Cinco anos atrás. Era um norte-americano vivendo em Paris. Eu era garçonete. Lili foi o resultado.

Jake encarou-a, não tão surpreso com as palavras, mas com a facilidade com que ela as dissera, assumindo o que era sem o menor constrangimento. Também o surpreendia o fato de não con­seguir tirar os olhos daquele rosto fascinante. Michelle era uma mãe solteira que tivera sua filha fora do casamento. E era estran­geira. Não que ele tivesse algo contra estrangeiros. Em alguma época ou outra, todos os anglo-americanos já haviam sido estran­geiros naquela terra. Mas em seu emprego como agente do Serviço de Imigração e Naturalização, a palavra "estrangeiro" adquiria uma nova conotação.

Sem saber o que comentar sobre a situação, perguntou:

― Então, sua filha tem quatro anos de idade?

Ela fechou os olhos por um momento, os cílios negros e espessos acariciando-lhe a pele alva. Murmurou várias frases em francês. Jake desejou saber o idioma para poder compreender o que ela estava dizendo, surpreso em perceber como ficava excitado em ouvi-la falando daquele jeito, mas sabia que o conteúdo das frases nada tinha a ver com o erotismo que o envolvia.

― Sim. Lili vai fazer quatro anos no próximo sábado... daqui a cinco dias. ― Michelle baixou os olhos para a mesa. ― Eu jamais deveria ter dado a Gerald uma cópia da certidão de nas­cimento quando ela nasceu. Eu quis incluí-lo no acontecimento, sabe? Em vez disso, ele usou a certidão para obter um passaporte americano para Lili e a tirou de mim.

Ela pareceu tão vulnerável e indefesa naquele momento. Da mesma maneira como parecera no estacionamento quando ele lhe devolvera a bolsa. Jake foi tomado por um anseio inexplicável e urgente de abraçá-la. De afagar-lhe os cabelos cacheados. De di­zer-lhe que tudo ficaria bem.

Aliada àquela sensação, havia uma forte atração física que, por alguns momentos, até o impedia de pensar com clareza.

Por sua intensidade, a reação lhe era tão estranha que não tinha certeza de como agir. Ninguém nunca lhe despertara um desejo tão forte e premente, nunca o afetara tão profundamente. Havia anos que parara de prestar atenção às inúmeras histórias de infortúnio que ouvia diariamente. Parara de contar o número de estrangeiros ilegais no país que conduzira ao aeroporto e co­locara em um avião rumo ao exterior. O fato de a situação difícil em que Michelle Lambert se encontrava afetá-lo tanto fugia à sua compreensão.

― Você já visitou os Estados Unidos antes? ― perguntou em um tom manso.

Ela pareceu um tanto hesitante antes de responder.

― Sim, eu... visitei a Costa Oeste anos atrás. Vim passar férias. Ele meneou a cabeça com ar grave ao comentar:

― Então, você voltará para casa amanhã? Uma garçonete aproximou-se da mesa.

― Gostariam de mais alguma coisa? Algo para comer, talvez? As tortas de creme estão bem frescas.

Michelle dispensou-a.

― Não, obrigada. Não desejo mais nada. ― Olhou para Jake. ― Você já foi generoso demais até agora.

― Por favor ― disse ele.

― Não. Não, obrigada. ― Michelle apanhou a bolsa e levan­tou-se. ― Tenho mesmo que ir agora.

Jake levantou-se tão depressa que quase virou a mesa. Tudo o que sabia era que uma súbita necessidade de impedi-la de ir embora dominou-o. Segurou-lhe o braço com gentileza, o calor da­quela pele acetinada mexendo com seus sentidos.

Michelle fitou-o com ar intrigado. De repente, sua expressão mu­dou. As pupilas de seus olhos se dilataram, um rubor que falava de sensualidade espalhou-se por suas faces, os lábios suavizaram-se.

Inclinou-se para a frente devagar, ficando na ponta dos pés, e colou os lábios com firmeza aos dele. Surpreso, tudo o que Jake pôde fazer foi desfrutar o momento, sentindo-lhe o gosto de cho­colate nos lábios, inalando a deliciosa fragrância que emanava dela. Não teve certeza, mas poderia ter jurado que a sentiu pas­sando a ponta da língua pelo lábio inferior dele antes de se afastar. Ele permaneceu parado ali, atordoado. Aquilo realmente acon­tecera? A sexy morena acabara de beijá-lo? A forte excitação que o tomava disse-lhe que sim. E que queria que ela o beijasse outra vez.

― Por que... você fez isso? ― Mal reconheceu a voz baixa, gutural, como sendo a sua.

― Eu estava apenas curiosa.

― A respeito de quê?

Michelle fitou-o e seus lábios se curvaram em um sorriso sensual.

― Estava curiosa para saber se seus lábios eram tão bons quan­to pareciam.

Começou a se afastar e, junto à porta de vidro, parou, virando-se para fitá-lo.

― A propósito, eles, de fato, são. Virou-se para deixar o café.

Jake permaneceu no lugar por um longo momento, observan­do-a, um anseio do tamanho do Estado da Virgínia consumindo-o por dentro.

 

A culpa era de todo o tempo livre que tinha nas mãos, pensou Jake, enquanto esperava o eleva­dor no térreo da prédio onde trabalhava. Passara seus casos mais urgentes ao agente Edgar Mollens. Não havia um único papel em sua mesa. A única coisa que tinha pela frente eram cinco dias acampando nas montanhas Blue Ridge com David.

Fez uma careta. Seria o primeiro a admitir que passar a noite em uma barraca não era exatamente a sua idéia de divertimento. Mas nem mesmo sua relutância em ir era a responsável por seu interesse incomum por uma certa e provocante Michelle Lambert.

E houvera aquele beijo.

Afastou o pensamento da mente mesmo enquanto seu corpo reagia de imediato à lembrança.

Era melhor que suas chances de tornar a vê-la fossem nulas. A mulher não chegara a responder sua pergunta, mas ele tinha certeza de que ela partiria de volta para a França no dia seguinte.

As portas do elevador se abriram no segundo andar, e Jake passou direto pelos escritórios administrativos, onde normalmente deixava alguns papéis, e atravessou a área de espera apinhada na sala 200, onde pessoas aguardavam para serem chamadas pelo número da senha. Adiantou-se pelo longo corredor que conduzia a seu escritório. Deu-se conta de que, mais uma vez, pensava em Michelle, quando, na verdade, seu interesse por ela já deveria ter-se desvanecido àquela altura. Afinal, a mulher violara pelos menos umas dez das regras em que ele fundamentava sua vida.

De qualquer modo, não conseguia tirá-la dos pensamentos, por mais que tentasse. A impressão que a sexy francesinha lhe deixara fora forte demais.

Antes de chegar a seu escritório, parou próximo a um guichê de informações. Aguardou até que a funcionária acabasse de aten­der um rapaz e, enfim, entrou no cubículo.

― Olá, Pauline. Você poderia verificar que dados tem aí sobre Michelle Lambert?

A funcionária virou-se para seu computador e entrou com o nome no sistema.

― Francesa. Ponto de entrada: Aeroporto J. F. Dulles. Pedido de renovação do visto negado. ― Ela virou-se com a cadeira gi­ratória para fitá-lo. ― Por quê?

― Quem cuidou do caso?

― Brad. Você não respondeu minha pergunta.

― Obrigado. ― Jake saiu do guichê e dirigiu-se ao outro ao final do corredor.

― Jake McCoy, em um dia desses vou acabar cortando seus privilégios especiais. E então, o que será de você? ― disse Pauline em voz alta.

Ele abriu um largo sorriso.

Repetiu seu pedido de informações sobre Michelle a Brad Worthy, informações que ainda não tinham sido colocadas no sistema, ou nem sequer seriam.

Brad recostou-se em sua cadeira.

― A francesa? Uma linda mulher, não?

― Eu não notei.

― Não? ― Brad vasculhou as pastas de arquivo sobre sua mesa. ― Pedido de renovação de visto negado.

― O que mais você tem?

O funcionário arqueou uma sobrancelha.

― Qual é a razão de tanto interesse?

Jake sentiu súbita inquietação. Tinha séria dificuldade em ex­plicar aquilo até a si mesmo.

― Mera burocracia ― improvisou.

― Está certo. ― Brad abriu a pasta de arquivo e examinou o conteúdo. ― Michelle Lambert. Vinte e oito anos de idade. Pro­fissão: chef. Entrou com um visto de turista B2, embora tenha tentado obter um visto especial de viagem. Alega que sua filha de três anos de idade, Elizabeth, apelidada de Lili, foi raptada pelo pai biológico e trazida aos Estados Unidos dois meses atrás.

Jake assimilou as informações. Chef. Uma profissão transitória. Se ela decidisse violar os termos de seu visto e ficar no país, poderia encontrar um meio de ficar indefinidamente.

― Por que o pedido dela de renovação do visto foi negado?

Brad tornou a se recostar na cadeira.

― Ela mentiu em seu formulário inicial sobre seu passado cri­minal. Informações que não tínhamos quando ela entrou no país, mas que obtivemos desde então.

Jake franziu o cenho enquanto se lembrava da vulnerabilidade de Michelle quando sua bolsa fora roubada.

― Coisa de adolescente?

― Parece que não. O visto dela expira a meia-noite de hoje. Mas já posso dizer a você que ela não partirá.

― Como sabe disso? Brad sorriu.

― Ela me falou. Deixe-me ver, o que foi mesmo que disse? Que, se eu não lhe desse o tempo que precisava para encontrar a filha, ela o arranjaria. Sim, foi isso mesmo. Se não fosse tão atraente, eu teria feito com que a detivessem naquele momento. ― O sorriso dele alargou-se. ― De qualquer modo, estou plane­jando entregar o arquivo dela a Edgar amanhã cedo.

― Edgar? ― repetiu Jake. O que Michelle poderia ter feito de tão grave? Ele e Edgar Mollens tratavam dos casos de alto risco. Suspeitos de terrorismo. Traficantes de drogas. Integrantes da máfia russa. Donos de casas de prostituição. Por que o caso dela estaria sendo tratado com o mesmo grau de seriedade?

E o arquivo dela teria sido entregue a ele caso não estivesse oficialmente de férias?

Estava prestes a pedir uma informação específica sobre o pas­sado criminal dela quando o telefone de Brad tocou.

― Espere só um minuto. ― Ele virou a cadeira para falar com a pessoa do outro lado da linha. ― Brad Worthy. ― Jake virou discretamente o arquivo de Michelle em sua direção. Motel Quatro Pinheiros. Anotou o endereço.

Seu celular tocou e foi atendê-lo mais perto da porta. Era o irmão, David, querendo lhe falar sobre mais um detalhe ou dois da viagem. Ele passara a noite na casa onde ambos haviam cres­cido, depois do jantar de domingo, e o aguardava lá com todo seu equipamento pronto para que os dois partissem em seu passeio. Jake ainda tinha que comprar o seu naquele dia...

Ele encerrou a ligação depressa, no instante em que viu Brad desligando o telefone. Mas ele já fechara a pasta do arquivo de Michelle e fazia um gesto para que uma pessoa que se aproximara para ser atendida entrasse. Jake soube que o assunto estava en­cerrado. Não obteria mais informações. Insistir no assunto só tornaria seu interesse incomum pela sexy francesa mais óbvio do que já era.

Com um aceno relutante a Brad, retirou-se.

Michelle não sabia por que seu pedido de renovação de visto fora negado. Se soubesse, talvez pudesse fazer algo para mudar aquilo. Mas o máximo em que conseguia pensar era naquela si­tuação tola em que se metera em São Francisco havia um longo tempo. Embora o porquê de aquele breve período de sua vida ter algum significado para o governo americano não pudesse entender.

Depois de um banho, começou a guardar suas coisas na mochila em cima da cama, alheia ao aspecto decadente de seu quarto de motel em Washington. Não porque tivesse ficado por tempo demais ali para se acostumar, mas porque, ao longo das seis semanas anteriores, vira quartos praticamente idênticos em várias partes do país. E, na verdade, vivera o bastante em lugares como aquele em Paris, na época em que fora morar sozinha.

Agora, a hospedagem barata era tudo que conseguia encaixar em seu orçamento. Na verdade, nem aquilo poderia ter-se dado ao luxo de gastar. O dinheiro que estivera economizando para abrir seu próprio restaurante em Paris estava terminando rapi­damente. E também acabara o dinheiro extra que o pai lhe enviara duas semanas antes. Evidentemente, não esperara que sua busca fosse tão longa.

Sem mencionar que, se não tivesse sido por Jake McCoy, teria perdido ainda naquele dia o pouco que lhe restava.

Soltou um longo suspiro, lembrando-se de seu beijo impulsivo e do calor dos lábios dele.

Na última vez em que agira impulsivamente fora quando co­nhecera Gerald Evans no Jardin des Tuileries em uma manhã chuvosa. Ele lhe oferecera seu guarda-chuva.. Ela lhe dera seu coração e, então, nove meses depois, uma filha.

Gerald deixara Paris logo depois que Lili nascera. E Michelle e a filha haviam construído uma vida para ambas. Uma vida que ela adorava. Uma vida cheia de riso e alegria... despedaçada quan­do Gerald aparecera, dois meses antes.

Michelle tinha toda a intenção de retomar aquela vida.

Apenas um passeio com a filha pelo parque, dissera Gerald. Afirmara ser tudo o que queria. Ficaria na cidade somente aquele dia. Ela poderia lhe conceder um pouco de tempo a sós com Lili?, perguntara com ar inocente.

Michelle concordara. E arrependera-se da decisão desde então.

Apanhou a bolsa, de onde tirou um pedaço de papel.

Depois de ter deixado Jake McCoy no café, fizera uma visita à agência do detetive particular. Contrariando a informação que a secretária dele lhe dera naquela manhã, John Bollatin estivera no escritório. Michelle saíra de lá fervendo de raiva e levando um endereço anotado em um pedaço de papel.

Cidade de Canton, Ohio.

Em algum canto de sua mente, lembrava-se de Gerald ter co­mentado algo sobre ter crescido no meio oeste. Ela presumira que fora no Kansas, por onde já passara desde sua chegada ao país. Baseando-se pelo mapa, deveria ter sido mesmo aquele Estado. E Bollatin lhe dissera a mesma coisa. Mas o endereço que tinha em suas mãos agora ficava no nordeste de Ohio. O endereço dos pais de Gerald.

Examinando sua carteira** confirmou mais uma vez que não lhe restava muito dinheiro, mas teria de se arranjar. Acabou de ar­rumar suas coisas rapidamente e fechou a mochila.

Não havia tempo a perder.

John parou seu carro no estacionamento de cascalho do motel, onde logo notou o velho Ford de Michelle mais adiante, e olhou para a fileira de portas dos quartos que se avistavam dali. Ob­servou longamente a porta fechada do quarto número três. Não sabia explicar por que estava ali.

E daí se Edgar estaria fora da cidade até o dia seguinte, en­cerrando um caso na Georgia? Seu colega era tão eficiente quanto ele próprio. E tinha mais anos de experiência no trabalho. Não importava se a pegaria naquele dia, no seguinte, ou no outro. Seria capaz de encontrar Michelle em um piscar de olhos.

Mas, afinal, o que haveria de tão obscuro no passado dela?, ainda se perguntava Jake.

O problema maior, porém, era que aquilo parecia não preocu­pá-lo. Sentia-se irremediavelmente atraído por aquela mulher e nada parecia ser capaz de mudar o fato. Ela lhe despertava algo impossível de ignorar e igualmente tolo de se ir em busca. Mas ali estava ele.

Deu-se conta de que parte de seu interesse por ela era o fato de Michelle estar no país por uma razão tão importante. Não tinha quaisquer segundas intenções, como pudera comprovar pelo arquivo dela. Queria apenas uma renovação de seu visto. Para poder encontrar a filha que lhe fora tirada.

Mas não tinha dúvida de que ela falara a sério com Brad. Visto renovado ou não, estava claro que não deixaria o país enquanto não tivesse encontrado Lili. A mulher irradiara grande força in­terior e determinação. E aquilo o fazia sentir-se ainda mais fas­cinado por ela.

Tocou o bolso do paletó distraidamente, onde costumava sempre levar a sua carteira de identificada do Serviço de Imigração, mas sabia que estava vazio. Não a encontrara em seu escritório. De outro bolso, tirou o celular para falar com David, que já devia estar bastante exasperado com sua demora, mas um movimento do lado de fora do carro chamou sua atenção. Michelle estava saindo de seu quarto, uma mochila por sobre o ombro.

Jake tornou a guardar o celular e abriu a porta do carro.

Michelle colocou sua mochila no banco do passageiro do Ford. Aquilo era tudo. Restava-lhe apenas um endereço. Nada mais. E não havia garantia de que aquele seria melhor do que os que o detetive obtivera antes. Mas que escolha ela tinha? Não podia voltar para casa sem Lili.

― Está indo a algum lugar?

Michelle virou-se ao ouvir aquele tom de voz possante e familiar que lhe disse que Jake McCoy a seguira até o motel. O curioso era que não estava surpresa em vê-lo... talvez porque não conse­guira tirá-lo dos pensamentos desde que o conhecera em frente ao prédio do Serviço de Imigração.

― Sim, acho que estou.

Ele aproximou-se mais, parando a sua frente, as costas retas, o cabelo meticulosamente penteado, o terno alinhado e bem passado.

― Você não estaria indo para o aeroporto agora, não é? Ela ficou tensa.

― Aeroporto?

― Sim. Para o seu vôo de volta para casa.

― Não, não vou para o aeroporto. Mas o que você faz aqui? De repente, ocorreu a Michelle que ele não poderia tê-la seguido

diretamente até o motel. Ela parara na agência do detetive antes de ter ido para lá. Sem mencionar que levara algum tempo fe­chando a conta, arrumando as suas coisas e refletindo sobre sua situação.

Aquilo significava que, ou ele era um maníaco que vinha se­guindo cada passo seu, ou soubera como encontrá-la.

― Não me diga. Você trabalha para o Serviço de Imigração, não é?

Após certo silêncio, ele confirmou e estendeu-lhe um cartão comercial.

― Sim, trabalho.

Michelle leu os dizeres em relevo no cartão. Jake McCoy, Agente de Imigração.

Fechou os olhos e praguejou em francês.

― Este dia está ficando cada vez pior. Apenas eu poderia co­nhecer um homem pelo qual me sinto atraída pela primeira vez no que pareceu uma eternidade, beijá-lo, e, depois, descobrir que a missão dele é arruinar minha vida. ― Fuzilou-o com o olhar. ― Isto significa que você vai me levar ao aeroporto?

Ele pareceu hesitar.        

― Você quer que eu o faça?

Ela meteu o cartão na cintura da saia.

― Tenho escolha?

― Até a meia-noite de hoje, sim.

― Você deve estar brincando.

― Não, não estou. ― Ele consultou o relógio de pulso. ― São quase sete horas. Diga-me, você ainda não deve ter jantado, não é?

Ela franziu o cenho, surpresa com a mudança brusca de assunto.

― Por que pergunta?

― Gostaria de jantar comigo?

Michelle cruzou os braços, sua expressão zangada.

― Deixe-me ver se entendi bem. Você é um agente do Serviço de Imigração. Mas não vai me levar ao aeroporto. Não pode. Ao menos não antes da meia-noite. Mas quer me levar para jantar. É isso mesmo?

Jake limpou a garganta, mas um indício de sorriso surgiu em seus lábios.

― Exatamente.

― Lamento, mas já comi algo ― mentiu ela, abrindo a porta do velho Ford. ― Mas agradeço o convite. ― Sentou-se ao volante, quase esperando que ele a detivesse. Abriu a janela do carro.

Jake inclinou-se para a frente, as mãos metidas nos bolsos da calça.

― Importa-se se eu lhe perguntar onde está indo?

― Não, não me importo. Mas até você teria de admitir que eu seria uma tola em lhe dizer.

Ele meneou a cabeça.

Michelle observou-lhe os lábios cheios por um momento, os ma­milos se enrijecendo de encontro ao tecido da blusa enquanto se lembrava do momento delicioso em que o beijara, um inevitável calor percorrendo-a por inteira. Céus, no que estava pensando?, perguntou-se. Por mais sexy que o homem fosse, tinha que se lembrar que agora ele era o inimigo.

― Você não vai me seguir, vai? ― A possibilidade excitou-a e assustou-há ao mesmo tempo, mas não pelas razões que teria pen­sado. Enquanto Jake McCoy representava uma ameaça a sua li­berdade para encontrar Lili, tinha a nítida impressão de que o que mais a amedrontava era o poderoso efeito que ele lhe exercia como homem.

Por outro lado, uma noite de paixão com aquele homem atraente que a fitava com um instigante misto de hesitação e desejo talvez não fosse má idéia.

― Provavelmente ― respondeu ele, enfim. Ela deu a partida no carro, excitada.

― Está bem. Acho que o verei na estrada, então.

― Sim. Na estrada.

 

O toque exasperante do telefone celular rompeu o silêncio no interior do carro. Jake tirou o apa­relho do bolso e viu, através da tela, que a ligação partia da fazenda dos McCoy. Na certa, era David querendo saber o que o estava detendo. Estendendo o braço, colocou o celular no porta-luvas. Até que visse o que aconteceria nas horas seguintes, não adiantaria de nada falar com o irmão. Michelle Lambert e suas intenções eram mais importantes do que um passeio até as montanhas, pensou, olhando de relance para o banco de trás, onde todo o equi­pamento que comprara em uma loja de artigos esportivos naquela tarde em Washington estava arrumado em uma grande mochila.

Colocando ambas as mãos no volante, fez uma ultrapassagem e tornou a ficar mais próximo do Ford enferrujado, que estava dois carros à frente do seu na pista da direita. Tinha certeza de que havia alguma lei proibindo um veículo caindo aos pedaços como aquele de rodar pelas ruas. Olhou para a janela aberta do lado do motorista. Vez ou outra, mechas dos cabelos cacheados de Michelle esvoaçavam ao vento.

Ele se concentrou na placa da qual se aproximava. Bem-vindo à Pensilvânia. Passara por aquela rota muitas vezes, seguindo por uma ou outra das direções que conduziam a várias cidades importantes.

A oeste, o sol se punha no horizonte, nuvens de final de verão refletindo matizes alaranjados e violáceos. As cores vibrantes o fizeram pensar na mulher no carro adiante. Em sua natureza provocante. Em seu corpo esguio mas com sua dose de curvas nos lugares certos, nas pernas sensacionais... Em seu jeito falante. Ela certamente seria do tipo falante na cama também, pensou, sem poder evitar. Suplicando-lhe que a tocasse de uma maneira, Georgia

Aproximou-se da cabine. Uma mulher de meia-idade observou-a com ar crítico.

― É proibida a circulação de pedestres nesta área.

― Meu carro... o pneu furou e...

A funcionária do pedágio inclinou-se para a frente e franziu o cenho.

― Não consigo entender o seu sotaque, moça. O que foi mesmo que disse?

Michelle fez uma careta.

― Há algum terminal de ônibus, ou estação de trem por perto? A mulher pareceu compreendê-la.

― Não. O terminal rodoviário mais próximo fica a cerca de trinta e cinco quilômetros a leste, na última saída.

Droga. Michelle disse a si mesma para ter cuidado, ou, quando mal se desse conta, estaria sendo presa por ficar zanzando em frente à cabine de pedágio.

― Imagino que não haja um serviço de táxi aqui, não é?

― Como disse? Michelle sacudiu a cabeça.

― Nada. Obrigada por sua ajuda.

Michelle não podia ter ido longe a pé, pensou Jake, percorrendo mais uma vez o labirinto de ruas estreitas na tentativa de encon­trá-la. Ela deixara as chaves na ignição do Ford e ele as usara para abrir o porta-malas. Por que não ficara surpreso em descobrir que não havia um estepe?

Abandonando o carro, talvez ela tivesse pegado uma carona e já estivesse a quilômetros. Poucos veículos passavam por ali e talvez ela tivesse caminhado de volta até a rodovia, apesar da chuva, onde sabia que suas chances de conseguir uma carona se­riam maiores. O desvio era de mão única e ele não podia voltar. Teria que rodar por aquela área até encontrar algum local de acesso à rodovia. E provavelmente, até lá, já seria tarde demais para encontrá-la.

― O que você está fazendo, McCoy? ― resmungou consigo mesmo. Suas justificativas para tê-la seguido eram pouco convincentes

na melhor das hipóteses. E agora que ela o despistara... bem, não adiantaria de nada prosseguir sem mais informações ou uma razão oficial para fazê-lo. E uma vez que não dispunha daquilo, o melhor era voltar à rodovia e começar a percorrer o longo caminho de volta para casa.

O que estivera pensando? Ou melhor, que parte de seu corpo deixara raciocinar por ele? Franziu o cenho. Jamais fizera algo tão irresponsável em sua vida. Por que, então, agora deixara os hormônios guiarem-no?

Ele encontrou um acesso que levava de volta à rodovia, tendo que sair cerca de dois quilômetros antes do desvio por onde entrara inicialmente. Tornou a percorrer aquele trecho, atento ao retorno seguinte que lhe permitiria mudar para a pista do outro lado e rumar na direção oposta, mas, antes de avistar algum, ouviu o celular tocando. Tirou-o do porta-luvas sem desviar a atenção do volante e atendeu-o, não tendo reconhecido o número que aparecera na tela.

― Jake? É Michelle.

Ele não precisou que ela lhe dissesse aquilo. A maneira como dizia o nome dele era inconfundível, fazendo com que um fogo instantâneo percorresse suas veias.

Michelle explicou-lhe onde estava e, depois de uma pausa, perguntou:

― Você pode vir me buscar?

Jake sabia quanto devia ter custado a ela para lhe pedir ajuda. Também soube que não deveria estar sentindo nem sequer metade do alívio que o tomava.

Pelo pára-brisa, olhou para a cabine de pedágio logo adiante. Reconheceu a silhueta de Michelle de imediato, recostada na la­teral da cabine.

― Estarei logo aí ― disse, desligando o celular.

Em uma questão de segundos, estava abrindo a porta do pas­sageiro de seu carro e pagando o pedágio.

Prosseguindo pela rodovia, Jake lançou-lhe um olhar e notou que Michelle tinha um ar derrotado. Também não tagarelou a respeito do que há meia hora anterior lhe reservara. Parecia alguém que enfrentara adversidades demais em um único dia e estava prestes a desistir. Ele se lembrou de quem ambos eram e soube que, no instante em que lhe telefonara, Michelle fizera exatamente aquilo. Desistira.

Teve que lutar contra a forte urgência de puxá-la mais para perto de si.

― Está pronta para aquele jantar? ― perguntou.

Ela virou-se devagar para fitá-lo com aquela expressão desolada no olhar.

― Jantar? ― repetiu sem muito interesse.

― Não sei quanto a você, mas estou faminto. Michelle soltou um profundo suspiro e fechou os olhos.

― Já passa da meia-noite?

Ele meneou a cabeça com ar grave.

― Então, de repente, estou com muita fome. ― Michelle cruzou os braços, parte da vivacidade voltando a seus olhos. ― Quem sabe não encontro um meio de embebedar você...

 

Michelle achava bem-vindo o ruído do secador -de cabelos, enquanto ajeitava as mechas mo­lhadas com os dedos. Seus músculos estavam doloridos, os ombros pesados demais. O banho quente, demorado, ajudara. Assim como o jantar anteriormente. Ao menos o pouco que conseguira comer das poucas opções disponíveis àquela hora na lanchonete de beira de estrada ao lado do pequeno hotel onde haviam se hospedado. Até mesmo Jake parecera perder o apetite quando haviam se sen­tado a uma mesa, um silêncio tenso pairando entre ambos. As palavras que haviam ficado por dizer teriam sido inúteis, de qual­quer forma. Michelle sabia que, não importando o que acontecesse, ele a levaria para a cidade de Washington no dia seguinte e a colocaria no primeiro vôo com destino a Paris.

Desligando o secador, ela olhou fixamente para o vidro da janela onde a chuva tamborilava.

Voltaria para a França. Sem Lili.

Só em pensar que talvez nunca mais voltasse a ver a filha sentiu tamanha opressão no peito que achou que não conseguiria respirar. Como suportaria ficar sem sua doce Lili? Na certa, a vida se assemelharia a como haviam sido as oito semanas ante­riores. Seria um imenso vazio...

Um ruído no quarto... o único vago no hotel e o qual ambos seriam obrigados a dividir... chamou-lhe a atenção. Deu-se conta de que Jake devia ter desligado a tevê. O som abafado de vozes dissipara-se.

Jake...

Não sabia ao certo o que havia naquele homem que a afetava tanto. O que quer que fosse, a atração que sentia por ele era forte o bastante, se não para preencher o vazio deixado pela ausência de Lili, ao menos para distraí-la um pouco de seu problema.

Era uma mulher que agia de acordo com seus sentimentos. Se sentia que algo era bom, fazia-o. E a perspectiva de fazer amor com Jake McCoy parecia muito boa, sem dúvida. Continha a pro­messa de uma completa e total fuga, ao menos por algumas breves e preciosas horas... o bastante para ajudarem-na a enfrentar a noite e despertar para outra manhã, quando sua situação poderia não ser tão sombria.

Seria algo que também saciaria o desejo que a dominava, uma válvula de escape para o turbilhão emocional em que se encontrava. Algo que lhe permitiria a satisfação física que negara a si mesma por tempo demais.

Notou seu sorriso malicioso no espelho acima da pia do banheiro, imaginando a reação do reservado Jake quando o deixasse saber de suas intenções. Fugiria na direção oposta? Ou a surpreenderia com uma resposta igualmente interessada? Em qualquer das al­ternativas, era uma situação em que ela só teria a ganhar.

Tirando uma loção hidratante de sua bolsa, começou a passá-la pela pele, inalando a fragrância suave. Espalhou-a pelo pescoço, pelos seios, ao longo das pernas e massageou os pés doloridos. Não, de maneira alguma seria tomada por uma sedutora. Sua camisola preta era de puro algodão, a calcinha simples. Mas achava que nem mesmo o comedido Jake McCoy poderia ignorar sua men­sagem quando entrasse no quarto.

Concentrando a atenção nos cabelos eternamente rebeldes, ape­sar de seus esforços para domá-los, tentou ajeitar os cachos negros em torno do rosto, umedecendo-os um pouco.

Ela girou a maçaneta da porta, então, e saiu para o pequeno corredor, com apenas um pensamento em mente...

Jake olhou fixamente para o telefone celular em sua mão. De­veria ligar para David, ou para alguém de plantão no Serviço de Imigração. Mas parecia não ser capaz de fazer mais nada exceto prestar atenção aos sons do outro lado da porta do banheiro.

As imagens que haviam passado por sua mente enquanto ouvira a água do chuveiro correndo haviam elevado sua temperatura em muitos graus, o ar quase lhe faltando. Praticamente pudera ver a água correndo pelo corpo delicado e curvilíneo de Michelle. Mo­lhando-lhe os cabelos, deslizando por aqueles lábios cheios e tentadores, escorrendo pelos seios arredondados, enrijecendo-lhe os mamilos...

Era tudo o que poderia ter com Michelle, apenas uma fantasia. Algo mais seria impróprio, proibido... De qualquer modo, era im­possível não dar asas à imaginação. Ainda agora, podia se imaginar naquele chuveiro com ela...

A porta do banheiro se abriu.

Jake teve que segurar o celular com firmeza para não deixá-lo cair. Seu olhar percorreu Michelle por inteiro. Notou-lhe o brilho misterioso nos olhos, os lábios um tanto entreabertos, os cabelos sedosos que lhe cascateavam em cachos até os ombros. Engoliu em seco quando lhe observou o vão entre os seios aparecendo no decote da camisola preta, os mamilos se comprimindo de encontro ao tecido um tanto transparente, a sombra da calcinha minúscula que usava por baixo. A camisola era curta, deixando à mostra coxas bem-feitas de pele acetinadas

Ela não teria conseguido provocar-lhe uma reação física mais forte nem se tivesse aparecido completamente nua.

Jake obrigou-se a olhar para o celular que apertava na mão. Limpou a garganta e disse a primeira coisa que lhe ocorreu:

― Achei que você poderia dormir naquela cama mais próxima ao banheiro.

― Para você poder ficar mais perto da porta.

Ele ergueu os olhos e, quando a viu sorrindo, sentiu-se impelido a retribuir.

― Sim.

Michelle adiantou-se até a cama em questão e inclinou-se para tirar a colcha, começando a dobrá-la.

― Eu tinha outra idéia em mente.

Só olhe para o rosto dela, McCoy. Só para o rosto. Ela afofou os travesseiros na cama ampla de solteiro.

― Achei que poderíamos dividir uma cama. Jake quase esmagou o celular em sua mão.

Ela sentou-se, curvando as pernas abaixo de si. Longe da pose de mulher fatal que suas palavras indicavam, agia como se tivesse acabado de sugerir que se sentassem para uma longa conversa sobre a mudança do tempo.

― Se ficássemos assim... próximos, você poderia me vigiar melhor. Sentado na beirada da outra cama, Jake tornou a limpar a garganta.

― S-Sim, poderia.

― Faz alguma objeção?

Ele negou sacudindo a cabeça e, em seguida, meneou-a em um gesto de confirmação. Com um suspiro, guardou o celular no bolso interno do paletó e o abotoou.

― Acho você muito... atraente. Não há como negar. Mas seria... ― Antiético? Completa Loucura? ― Seria... hã... imprudência da minha parte alimentar idéias sobre você e eu... bem, fazendo amor.

Deu-se conta de que nem sequer levara em conta que aquilo podia ser alguma espécie de artifício de Michelle para ganhar sua liberdade. Além de ter uma natureza desconfiada, ele ainda estava bem ciente dos motivos dela. Mas pelo jeito como Michelle o de­vorava com os olhos, como se estivesse igualmente interessada em explorar aquela atração entre ambos, e pela maneira casual, livre de afetação com que o convidara para sua cama, ele sabia que o desejo dela era verdadeiro, espontâneo.

― Imprudente? ― perguntou ela.

― Errado.

― Oh. Por causa do seu... trabalho.

― Sim, é claro, por causa do meu trabalho. ― Subitamente agitado, Jake levantou-se.

― Entendo.

― Ótimo. ― Ele se adiantou até as cortinas e afastou-as para olhar para fora. A chuva forte batia de encontro à vidraça, tornando a noite escura, íntima.

Pelo reflexo no vidro, ele a viu tirando um objeto da mochila que deixara ao lado da cama e colocando-o de pé junto ao abajur na mesinha-de-cabeceira. Virou-se devagar, vendo-a correr um dedo pela superfície de uma foto. Michelle recostou-se, então, nos travesseiros e fechou os olhos.

― É sua filha?

Ela piscou os olhos e fitou-o.

― Sim.

Jake tornou a sentar-se na outra cama e entrelaçou as mãos com força entre os joelhos. A garotinha não era em nada como a imaginara. Em vez dos cabelos e olhos escuros que lhe dera, ela tinha cabelos loiros e lisos e grandes olhos verdes.

Ainda prestes há completar quatro anos, passara dois meses sem ver a mãe. Ele esfregou o rosto com as mãos. Tivera sete anos de idade quando sua mãe morrera. E os dias que haviam se seguido, recobrando-se do terrível choque, tinham parecido meses. Anos.

Michelle apoiou a mão no queixo e observou-o.

― Explique-me por que o seu trabalho tornaria isto entre nós... qual foi mesmo a palavra que usou?

― Imprudente.

― Sim. Imprudente. Por que seria imprudente fazermos sexo? .Jake descobriu-se com o olhar no generoso decote da camisola dela e desviou-o, recobrando-se depressa.

― Eu poderia perder meu emprego.

― Se alguém descobrisse.

― Eu saberia.

― Oh.

― De qualquer modo, não é do meu... hum, feitio dormir com uma pessoa que acabei de conhecer doze horas atrás.

― Dezoito.

― Como?

― Nós nos conhecemos há dezoito horas. Lembra-se? Quando demos aquele encontrão pela manhã.

― Oh, sim. Dezoito horas, então.

Ela ajeitou-se melhor junto aos travesseiros.

― Por quê?

― Por que o quê?

― Por que não é de seu feitio fazer sexo com uma pessoa que acabou de conhecer dezoito horas atrás?

Teria sido apenas aquilo, ponderou Jake, atento à escolha de palavra dela. Sexo. Ambos não se conheciam bem o bastante para a palavra amor adequar-se à situação. Olhou para trás, tentando pensar se algum dia fizera aquilo. Se tivera apenas sexo casual. Todas as seis das mulheres com quem se relacionara intimamente ao longo dos anos tinham sido namoradas de longa data e sentira níveis variados de afeição por elas. Mas amara-as? Na época, acha­ra que sim, o que significava que fizera amor com elas, não apenas sexo.

Fitou Michelle nos olhos.

― Você faz isso com freqüência?

― O quê? Sexo? Ele desviou o olhar.

― Não com freqüência o bastante. Jake não respondeu. Não pôde.

― Não estive com um homem... bem, desde antes de Lili ter nascido.

Mais de quatro anos antes.

Jake não soube por que a revelação o fazia sentir-se melhor. A mulher acabara de sugerir que dividissem aquela cama... não para dormir... e nem sequer o conhecia. Mas sentia-se melhor.

Seu desejo por ela também aumentou.

Michelle soltou um suspiro sedutor que o arrepiou por inteiro e esticou as pernas bem-torneadas a sua frente na cama.

― Como vê, não sou... leviana, como deve ter imaginado. Apenas não entendo por que um homem e uma mulher livres devem manter distância um do outro quando é evidente que o desejo é mútuo.

Jake engoliu em seco, sem poder desviar o olhar. Ela estava incrivelmente sexy naquela cama, os cabelos negros e sedosos em contraste com a alvura dos lençóis, pernas insinuantes à mostra, seios entrevendo-se pelo decote da camisola, os lábios cheios, de­safiadores, fogo em seu olhar... E o provocante sotaque francês... era uma doce tortura.

― Como eu lhe disse, é apenas do meu feitio ser cauteloso ― disse ele, seu tom rouco destoando de suas palavras. ― São... tempos perigosos os que estamos vivendo.

Michelle deu de ombros, tornando a atrair a atenção dele para a curva de seus seios.

― E para isso que servem os preservativos.

― Existem outros tipos de precauções a se tomar além dessa.

― Retornarei à França amanhã ― declarou ela, sua expressão provocante mudando com o comentário. ― Não haveria nenhuma situação de risco para nenhum de nós, haveria?

― Acho que não.

― Então, o que ainda está fazendo nessa cama quando é bem-vindo nesta?

Jake sentiu que perdia a batalha. Teria que ser de ferro para resistir. Seu pulso estava acelerado, cada músculo do corpo tenso. E não havia nada que desejasse mais naquele instante do que aceitar o convite dela e mandar às favas as conseqüências.

― Respeito ― respondeu.

― Respeito?

― Sim. Um cavalheiro jamais se aproveita de uma mulher. Ele... tenta conhecê-la melhor primeiro... saber do que gosta, do que não gosta, sua cor favorita... hum... coisas assim. Conhece-a em um nível emocional antes de passar ao físico.

O sorriso maroto de Michelle pegou-o de surpresa.

― Você parece ser tão calado. Isto foi o que mais ouvi você falando de uma só vez. Este assunto deve realmente incomodá-lo.

Ele deu de ombros, notando como estavam tensos.

― É a maneira como fui criado.

― Mas por que dar a uma mulher o que ela não está pedindo? Jake não respondeu. Céus, a mulher era direta, não?

― Sabe, você pensa que não o conheço, mas está enganado. ― Ela endireitou as costas, uma expressão divertida no olhar. ― Quer apostar? Gostaria de saber como o vejo?

Jake meneou a cabeça devagar, aliviado com a mudança de atmosfera, curioso para saber o que ela diria.

― Então, vamos lá, Jake McCoy.

Ele sorriu, perguntando-se quanto ela achava que sabia a seu respeito em tão pouco tempo e o que diria em resposta quando estivesse errada.

― Você não gosta de sair de sua redoma, de sua... área de segurança. Gosta das coisas a seu jeito e não gosta de mudanças.

Ele olhou para as mãos.      

― Você obedece a uma série de regras que impôs a si mesmo...

― E o que você entende de regras? ― perguntou ele de modo um tanto abrupto, sem se dar conta de que se aborrecia demais com a aparente falta de regras dela.

Michelle permaneceu em silêncio por um momento, fitando-o.

― Entendo o bastante sobre regras ― disse, enfim. ― São regras que vão interromper a busca pela minha filha. São regras que mantém você nessa cama e eu nesta. Ninguém gosta de sair de sua redoma.

― Você parece fazer isso com facilidade o bastante.

― Apenas porque tenho de fazê-lo. Ele estreitou os olhos.

― Você é obrigada a dormir comigo?

― Eu quero dormir com você.

― E o que é que tem de fazer? Uma sombra passou pelo rosto dela.

― Encontrar minha filha para poder retomar minha vida como era antes.

Jake observou-a longamente. Não sabia ao certo o que havia naquela mulher que o fazia sentir-se diferente, querer agir por impulsos que talvez nem sequer tivesse notado antes. Levantan­do-se, foi sentar-se na cama dela e, com hesitação, tocou-lhe a face. Observou-lhe os lábios cheios, dividido entre a vontade de beijá-la e a necessidade de se afastar. Mas o fato era que a desejava com todo seu ardor. Se não pudesse possuí-la naquele momento, achava que morreria de frustração. Não podia se lembrar de já ter desejado uma mulher com tanto desespero, com um anseio que ia além da razão e do bom senso.

Tocou-lhe os lábios tentadores com os seus, provando-os leve­mente. Então, não pôde pensar em mais nada e beijou-a com tanto ardor que até mesmo Michelle arregalou os olhos por um instante, antes de corresponder com a mesma paixão.

Entrelaçou a língua dela com a sua em uma erótica cadência e, então, explorou-lhe a maciez da boca em um beijo sôfrego, faminto.

Adorava a maneira como Michelle correspondia, seus gemidos abafados de prazer, enquanto as pequenas mãos despiam-lhe o paletó. Oh, como era bom se render a algo maior do que seu código pessoal de conduta. Tinha a sensação de estar fazendo algo... in­decente. Delicioso. Libertador.

Ajudou-a a livrá-lo da camisa depois que Michelle abriu os bo­tões ansiosamente. Cerrou os dentes quando lhe sentiu a palma das mãos correndo por seu tórax. Ela cobriu-lhe, então, o peito de beijos úmidos, mordiscando-lhe a pele, acariciando-a com a pon­ta da língua.

Jake estremeceu de prazer e, em seguida, segurou-a pelos bra­ços, puxando-a para si e tornando a se apoderar de seus doces lábios. Michelle tinha o sabor das coisas proibidas, das coisas que havia negado a si mesmo. Era uma mulher trêmula de desejo em seus braços ansiosos.

Não soube ao certo como acontecera, mas através das mãos impacientes de ambos, logo estava completamente despido, seu desejo se evidenciando. E Michelle estava sentada em seu colo, fitando-o com um anseio tão grande em seus olhos castanhos que o deixava sem fala.

Hesitante, Jake afagou-lhe as coxas macias, erguendo-lhe a ca­misola devagar, até que a retirou por cima da cabeça dela. Conteve a respiração enquanto lhe admirava o corpo sensual, não demo­rando a tocar-lhe os seios com ambas as mãos. Eram perfeitos, arredondados, com mamilos grandes que se intumesceram sob seus dedos. Jamais se sentira tão excitado com a simples visão dos seios de uma mulher. Mas os de Michelle eram incrivelmente se­dutores. Inclinou-se para capturar um mamilo entre seus lábios, sugando-o demoradamente. Circundou o outro com a ponta da língua, provocando, estimulando e também o sugou, seus gestos ficando mais rápidos e impacientes. Suas mãos agora percorriam-lhe o corpo com avidez, avançando até o centro da feminilidade dela.

Os sussurros roucos de Michelle foram incrivelmente eróticos, o sotaque francês parecendo ainda mais acentuado.

― Sim... sim. Toque-me... assim.

Jake fechou os olhos e estremeceu, enquanto começava a afa­gá-la com intimidade. Não demorou a livrá-la da diminuta calcinha, acabando de desnudá-la diante de seus olhos fascinados.

Michelle murmurou algo em francês, um violento espasmo per­correndo-a, enquanto arqueava mais o corpo de encontro aos dedos que a tocavam com ousadia. As palavras roucas e ininteligíveis enlouquecendo-o ainda mais de paixão, Jake tornou a beijá-la nos lábios. Deu-se conta, então, de Michelle ajudando-o a colocar um preservativo que ele se lembrava apenas vagamente de ter tirado de sua carteira. Ficando de joelhos na cama, ela entreabriu as pernas e o guiou para si.                            

Por alguns momentos, Jake só pôde observar, cada instante uma doce tortura. Uma onda de prazer intenso percorreu-o quando acabou de penetrá-la, retesando-lhe os músculos, roubando-lhe o fôlego. Quando a sentiu movendo os quadris para a frente, cerrou os dentes e segurou-os. Se ela continuasse se movendo daquela maneira, ele perderia logo o resquício de controle que ainda con­seguia manter.

Deitou-a consigo na cama, cobrindo-lhe o corpo curvilíneo com o seu, tomando-lhe os lábios com um beijo faminto. Ela o cingiu com as pernas pela cintura, e ambos começaram a se mover em uma cadência frenética.

Todas as barreiras que os separavam foram caindo, uma a uma. Ele não era mais um agente do Serviço de Imigração. Ela não era mais uma estrangeira ilegal no país. Não era mais um homem que tinha dificuldade em identificar e expressar suas emoções. Aquela não era mais uma mulher com problemas que ele não podia esperar entender. Eram simplesmente um homem e uma mulher, entregando-se com total abandono à mais fundamental das necessidades humanas.

Enquanto os espasmos de prazer a percorriam, Jake conteve-lhe o grito deliciado com seus lábios em um beijo ardente. Continuou movendo seu corpo, então, até que foi a sua vez de ser arrebatado por um êxtase igualmente incrível.

 

De algum modo, até a chuva parecia diferente. Fantástica.

Fantástica? Jake detestava chuva.

Mas, naquela manhã, tudo o que conseguia fazer era ficar sen­tado no carro, olhando para a chuva pelo pára-brisa, um sorriso tolo no rosto.

A noite anterior fora... incrível. Ardente. Só em pensar a respeito já ficava excitado. Ceder ao pedido de Michelle de fazerem sexo pura e simplesmente, sem compromisso, fora uma das melhores coisas que já tivera. Nunca se sentira tão livre em sua vida. Seria capaz até de sair dançando na chuva, se não fosse tão comedido.

A noite anterior não tivera nada a ver com dar, apenas receber. Tocara os seios dela não para lhe dar prazer, mas para ver se eram tão macios quanto pareciam. Provocara-lhe os mamilos não para fazê-la gemer, mas para prová-los com seus lábios. Segura­ra-lhe os quadris arredondados não para guiá-la, mas movido por sua urgência de possuí-la por inteiro. Jamais fizera aquilo com uma mulher antes. Sempre fora hesitante, mais preocupado com a maneira como a mulher gostaria de ser tocada do que como ele próprio gostaria de tocá-la.

E Michelle...

Ele sentiu seu desejo se renovando, em um misto de prazer e agonia.

Michelle devia ser uma das mulheres mais desinibidas que já conhecera. Não se importara com as luzes acesas, não tentara em nenhum momento cobrir sua nudez com o lençol. E não tivera a menor reserva em demonstrar seu desejo. Um poderoso afrodisíaco, aquele, observar uma mulher entregando-se a paixão com tamanho abandono...

― Droga.

Jake aumentou a intensidade do ar condicionado. Se não pa­rasse com aquilo, marcharia de volta àquele quarto de hotel e a tomaria em seus braços novamente. E saber que ela estaria tão receptiva só tornava ainda mais difícil não fazê-lo.

Não soubera o que esperar quando acordara. naquela manhã. Mas, tão logo se lembrara de onde estava e o que fizera, dera-se conta de Michelle dormindo serenamente a seu lado, o corpo macio junto ao seu. Não estivera no banheiro se trocando, colocando distância entre ambos. Não. E o comportamento dela permanecera o mesmo depois que acordara. Nada de arrependimentos da manhã seguinte. Nada de comentários tolos, nem de sorrisos acanhados. Michelle bocejara, abrira-lhe um sorriso sexy, sonolento, e ani­nhara-se mais em seus braços.

Ele a observou deixando o hotel e sua temperatura tornou a se elevar. Michelle vestira uma calça preta justa e uma blusa branca. Não se importando com a chuva, adiantou-se sem pressa até o carro, onde ele a aguardava.

Jake deixou o pequeno estacionamento, retornando à rodovia.

― Michelle, eu... Ela o fitou.

― Sim?

― Eu... apenas achei que... precisava dizer algo a respeito de ontem à noite...

Michelle virou-se no assento, observando-o. Ele não pôde conter um largo sorriso.

― Foi... incrível.

Ela soltou um riso rouco que o arrepiou.

― Sim, tenho que concordar. Quer dizer, então, que não está arrependido?

― Arrependido? Oh, pode apostar que não. E quanto a você? Michelle negou com um gesto de cabeça, o sorriso ainda em

seus lábios.

O silêncio, então, prolongou-se e, embora ainda houvesse uma onda eletrizante entre ambos, Jake percebeu que agora a expressão dela estava séria, evidenciando que sua mente concentrava-se em outra coisa. Mais especificamente no fato de que a mandaria de volta para a França. Para longe da filha.

Jake praguejou mentalmente. Não era que tivesse se esquecido daquele pequeno detalhe. Apenas decidira não pensar no fato por algumas horas. Agora, o peso da realidade era opressivo.

Estivera tão concentrado na explosão de paixão da noite ante­rior, na sensualidade inata de Michelle que ignorara completa-mente o fato de que ela era uma estrangeira com situação irregular no país e ele, um agente do Serviço de Imigração.

Mas não mais.

Deveria ter saído e ficado na chuva. Talvez ela o tivesse feito acordar muito antes.

Michelle olhou pela janela, para a paisagem montanhosa, e tentou lembrar a si mesma de que aquela era uma ocasião triste. Estava sendo levada de volta a Washington, onde seria colocada em um avião rumo à França, sua busca por Lili abruptamente interrompida. Mas tudo o que conseguia pensar era em como su­gerira a Jake que tivessem sexo casual na noite anterior e no fato de que não houvera nada de casual no que haviam partilhado.

Não tinha certeza do que a atraía tanto naquele homem, mas o fato era que não pudera resistir a ele. Sem pensar em mais nada, quisera entregar-se com abandono ao prazer que soubera, instintivamente, que Jake lhe daria. E, de fato, apesar da relu­tância inicial, do jeito reservado e de não parecer tão experiente, ele se mostrara um amante fabuloso. Mostrara um lado passional, que mantinha escondido dentro de si mesmo, talvez sem nem se dar conta, que a arrebatara. Nunca ninguém a afetara de maneira tão intensa e profunda.

Na noite anterior ambos tinham feito... amor, não apenas sexo.

Afastando o pensamento perigoso, Michelle recostou-se no banco do passageiro e aproveitou a oportunidade para estudar Jake. Era estranho que, conhecendo-o havia apenas um dia, ela se sentisse tão à vontade com ele em meio ao silêncio. Era uma mulher falante por natureza. Por que se sentia tão bem, então, em ficar apenas sentada no carro, ao lado daquele homem, sem a necessidade de dizer nada?

Céus, estava se envolvendo demais ali...

O que era absurdo, por que, no dia seguinte, naquele horário, estaria em Paris, a uma grande distância, e Jake e a noite anterior pareceriam mais longínquos ainda.

Assim como Lili.

Uma onda de culpa consumiu-a.

Jake entrou abruptamente por um retorno, e ela teve que se segurar ao assento para não colidir com ele.

― O que houve? ― perguntou, enquanto Jake mudava para a outra pista da rodovia que levava em direção oposta.   .

― Houve apenas uma mudança de planos ― anunciou ele, parecendo tão perplexo quanto ela própria se sentia. ― Vamos voltar pelo caminho mais longo. Passaremos por Ohio primeiro.

Michelle sentiu o coração disparando. Ouvira-o direito? Iriam até Ohio? Era onde Lili estava. E ficava completamente fora "do caminho de volta ao Distrito de Colúmbia.

Não ousou dizer nada por medo de que a resposta dele a fizesse ver que estava imaginando coisas.

Jake passou por uma pequena ponte e seguiu em direção oeste.

― Foi onde você comentou que Lili estava, certo? Michelle meneou a cabeça devagar, o corpo inteiro trêmulo.

Mordeu o lábio inferior.

― Ouça, eu... não quero que pense que... precisa fazer isso por causa do que aconteceu ontemà noite.

A expressão chocada no rosto dele a fez soltar um riso.

― Você quer dizer... Como se eu estivesse lhe pagando algum favor?

― Algo assim.

― Asseguro-lhe que não é o caso.

― Tem certeza?

― Sim, é claro que tenho. Apenas achei que não custaria nada ir até Ohio e ver se essa sua pista tem algum fundamento antes de voltarmos a Washington.

― Mas não haverá problemas para você?

Jake abriu um largo sorriso que lhe iluminou o semblante grave.

― Apenas se alguém descobrir.

Três horas depois, chegavam a Ohio. Jake não sabia exatamente como explicar sua atitude. Michelle não precisara dizer uma pa­lavra. Não suplicara para que lhe concedesse mais tempo. Não apelara para sua consciência sobre a importância do papel da mãe na vida de uma filha. Talvez fosse por aquela razão que ele tomara a decisão sozinho. Ou talvez apenas estivesse em busca de um pretexto para tê-la em sua cama mais uma noite...

― Quanto a esse detetive que você contratou ― começou abrup­tamente, querendo afastar aquela linha de pensamento. ― Ele tinha alguma certeza de que sua filha está aqui?

Michelle dobrou o mapa que estivera estudando em seu colo, a esperança esvaindo-se por um momento de seu rosto.

― Eu não sei. Achei que ele tivesse certeza quando fomos ao Kansas no mês passado e, depois, à Carolina do Norte.

Notando-lhe a angústia nos olhos castanho-claros, Jake teve uma súbita vontade de encontrar o detetive trapaceiro e dar-lhe uma boa lição. Sem mencionar a vontade de esganar o pai da menina.

Outro exemplo de comportamento atípico. Jake jamais usara de violência física com ninguém. Nunca fora do tipo propenso a fazer justiça com as próprias mãos. Mas a vontade de punir os homens que haviam prejudicado Michelle era imensa.

Queria dizer-lhe que não se preocupasse, que a ajudaria a en­contrar a filha. Lembrou-se, então, de que não tinha aquele tipo de poder. Não com seu emprego. Não levando em conta o seu arraigado senso do que era certo e errado. E o que estava fazendo não estava exatamente certo.

Soltou um suspiro. Naquela manhã, o caso de Michelle fora passado a Edgar Mollens. No momento, era bem provável que Edgar já estivesse estudando mapas, visitando o motel em que ela estivera hospedada, verificando os registros de ligações telefônicas para aquele quarto e quaisquer mensagens que pudessem ter sido deixadas para ela. Se o detetive lhe telefonara, Edgar saberia a respeito.

Jake sabia que não apenas não estava agindo certo, mas tam­bém que um de seus colegas logo estaria no seu encalço.

O que estava pensando?

Lançou um olhar ao perfil sereno dela e soube o que diria a si mesmo antes mesmo que o pensamento lhe ocorresse. Michelle Lambert era uma mulher, uma mãe à procura de sua filha. E ele seria um canalha se não a ajudasse pelo menos em algo que estava ao seu alcance.

Afinal, Ohio não ficava assim tão fora do seu caminho. O que eram mais algumas horas antes que a levasse a Washington? Não lhe custariam nada. Mas poderiam significar tudo para Michelle... e para a pequena Lili.

Estendendo a mão para pegar a dela, ordenou a seus hormônios que se aquietassem por hora e, determinado, encerrou a discussão que estava tendo com sua consciência.

 

― É aqui?

Jake apertou os olhos contra o sol do meio-dia para observar a grande casa do outro lado da rua, em frente ao local onde haviam estacionado.

― Sim. ― Michelle meteu o pedaço de papel e o mapa que estivera segurando no porta-luvas e virou-se para abrir a porta do carro.

― Ei, espere um minuto. Aonde vai com tanta pressa?

― Vou buscar minha filha, é claro.

― Assim, sem mais, nem menos? Ela soltou um suspiro de cansaço.

― O que você gostaria que eu fizesse?

― Que esperasse alguns minutos. Talvez observasse o lugar primeiro. Para ver se nota alguns sinais de Lili antes de ir batendo à porta.

Inesperadamente, ela o fitou de uma maneira intensa e provo­cante que o fez engolir em seco.

― Gosto da maneira como você diz "Lili" ― sussurrou antes de abrir a porta. ― Volto em um minuto.

― Ei, espere. Irei com você.

― Não, não. Você apenas confundiria Lili. ― O que ficou por dizer surgiu na forma da expressão sombria que passou pelos olhos dela... Se Lili estivesse ali. ― Por favor. Espere aqui.

Jake concordou com relutância, permanecendo no carro. En­quanto a observava atravessando a rua do bairro nobre, ocorreu-lhe que seria uma boa oportunidade para ligar para David. O irmão devia estar não menos que furioso àquela altura. Pegando o celular, ligou para a fazenda dos McCoy e aguardou. Quatro toques e o irmão ainda não atendera. Seu pai estaria em Washington, trabalhando. Mitch e Liz, que moravam com ele, na certa estavam ocupados, o irmão envolvido em algo relacionado a seu novo projeto de criação de cavalos e sua cunhada atarefada no escritório que Mitch fizera para ela no antigo celeiro. Ainda não haviam instalado um telefone lá.

Um carro passou à sua esquerda. Normalmente, não teria cha­mado sua atenção, exceto por ter diminuído a velocidade... e por ser idêntico ao seu.

Seu colega de trabalho, o agente Edgar Mollens, havia localizado Michelle mais depressa do que ele esperara.

Michelle passou a palma das mãos úmidas na calça pela terceira vez, enquanto olhava para a grande porta da casa que suposta-mente pertencia aos pais de Gerald.

E se o detetive tivesse lhe dado um endereço falso só para obter mais dinheiro? E se não houvesse ninguém em casa? Jake voltaria para Washington?

E se ela nunca mais voltasse a ver Lili?

Com um aperto insuportável no coração, viu-se batendo à porta quase sem ter-se dado conta de enviar a ordem aos músculos ten­sos. Com o pulso acelerado, os nervos em frangalhos, aguardou, enquanto ouvia passos ecoando no piso do outro lado. Deu-se conta de que a pessoa que atenderia a porta devia estar observando-a pelo olho mágico. Endireitou os ombros e lutou contra a vontade de esgueirar-se para a direita. Se Lili estivesse ali, ela seria a última pessoa que os pais de Gerald iriam querer ver.

Outro minuto se passou, o coração de Michelle batendo tão forte que nem sequer percebeu os passos de uma segunda pessoa do outro lado da porta.

Depois do que pareceu uma eternidade, uma mulher elegante, de uns cinqüenta e poucos anos entreabriu a porta.

― Sim? O que deseja? ― Ela segurava a beirada da porta com força, como se estivesse preparada para fechá-la depressa.

Michelle limpou a garganta e tentou vencer o nervosismo.

― Olá. Sou Michelle Lambert. ― Aguardou por algum sinal de que a mulher reconhecesse seu nome. Não houve nenhum. ― É a Sra. Evans?

― Sim, sou eu. ― Os dedos fizeram mais pressão em torno da porta. ― Eu a conheço, Srta. Lambert?

― Estou procurando minha filha ― revelou Michelle à queima-roupa.

A porta começou a se fechar.

― Não sei se estou entendendo.

― Seu filho... O nome dele é Gerald, não é?

― Ora, sim, é.

― Ele está aqui?

― Sra. Lambert, não sei por quê, mas esta conversa está me deixando pouco à vontade. Importa-se em me explicar exatamente o que quer?

Um homem apareceu, colocando-se ao lado da Sra. Evans, e Michelle ficou perplexa com a semelhança entre ele e Gerald.

― Há algo em que posso ajudá-la, senhorita? ― perguntou brusco. Até a voz era a mesma.

Michelle entreabriu os lábios, mas nenhum som saiu. A mulher olhou para o homem.

― Leland, não estou gostando disto...

― Minha filha, Lili. Elizabeth. ― O sotaque dela ficou mais carregado e esforçou-se para pronunciar cada palavra com clareza. ― Vocês sabem onde ela está?

O casal entreolhou-se mais uma vez e, então, o homem afastou a mulher com gentileza da porta, fazendo-a entrar.

― O nome não é familiar, Srta... Lambert, é isso mesmo? Nem minha esposa, nem eu conhecemos nenhuma pessoa chamada Lili. Lamento. Agora, se nos der licença...

Ele começou a fechar a porta.

― Não! ― Michelle tentou detê-lo.

Passos ecoaram na calçada atrás dela. Com desespero, virou-se para Jake.

― Por favor! Você tem que impe...

As palavras morreram-lhe na garganta. Não era Jake que es­tava atrás dela. Um homem de uns quarenta e cinco anos, cabelos ralos, em um terno verde-escuro, encarava-a, enquanto tirava algo do bolso do paletó.

― Srta. Lambert, sou o agente de imigração Edgar Mollens. Eu a estou levando oficialmente em custódia para deportação ime­diata por violação dos termos do seu visto.

Jake desceu do carro depressa e atravessou á rua. Era estranho, pensou, mas não estava preocupado com a atitude que Edgar to­maria quando descobrisse o que ele fizera. Tudo o que se dava conta era de uma vontade premente de proteger Michelle do outro agente, que a mandaria de volta à França.

― Solte-me, seu imbecil ― gritou Michelle, tentando libertar o braço da mão de Edgar. ― Não vou a lugar algum enquanto não tiver encontrado Lili.

Jake parou atrás de Edgar, os punhos cerrados ao longo do corpo, enquanto fazia um tremendo esforço para resistir a vontade de agarrá-lo pelo colarinho.

― Solte-a, Edgar ― disse em um tom firme. O agente virou-se depressa.

― Jake ― disse, perplexo em vê-lo ali.

Jake não podia dizer se gostava ou não do homem a sua frente. Haviam sido enviados em casos dos mais difíceis juntos, onde re­forço era necessário. Embora o exasperassem algumas manias pes­soais do colega, Edgar era um excelente profissional. Levava seu trabalho a sério.

Talvez a sério demais.

Jake fez uma careta. Vinte e quatro horas antes aquele pen­samento não teria lhe ocorrido. Afinal, como era possível um ho­mem levar seu trabalho a sério demais? Mas enquanto estava parado ali, vendo o outro lado da situação, obtinha uma perspectiva da qual não tinha certeza de que gostava.

― Ora, McCoy, que diabos está fazendo aqui? Não me diga. Houve alguma confusão no escritório e você foi enviado para re­solver o mesmo caso.

― Não, não houve confusão alguma.

― Não? Então, o que faz aqui?

― A questão é: o que você faz aqui, Edgar?

Jake lançou um olhar a Michelle. Pálida e abalada, alternava um olhar entre a porta fechada da casa e o agente que ameaçava sua liberdade de procurar Lili. A urgência de protegê-la sobrepu­java a tudo mais.

Edgar franzia o cenho.

― Estou aqui para deportar Michelle Lambert, estrangeira ile­gal no país, de volta para a França. Essa mulher é ela?

― Sim ― confirmou Jake com ar grave.

― Então, terei de levá-la sob custódia imediatamente.

Jake encarou o colega, sem saber o que fazer com a gama emo­ções desconhecidas que formava um turbilhão em seu íntimo. Sem­pre seguira seus instintos, mas sempre o haviam levado na direção certa. Agora, não podia ter certeza. Mas tinha de segui-los de qualquer modo.

― Não pode levá-la.

― Está certo ― disse Edgar pacientemente. ― Mas você terá de me dar uma boa razão para eu não fazê-lo. Algo para eu colocar no meu relatório. Você sabe, aquele que apresentamos aos nossos superiores...

Uma razão. Jake vasculhou a mente à procura de uma que fosse decisiva e sabia que Edgar não se sensibilizaria com a busca dela pela filha.

Enfim, encontrou uma. Sem sequer considerar as conseqüências à sua carreira, disse:

― Você não pode levá-la porque ela é minha esposa.

Michelle continuava aturdida quando se sentou no carro ao lado de Jake.

Ela é minha esposa.

Não sabia por que Jake dissera aquilo, mas estava contente por tê-lo feito. O agente que estivera prestes a levá-la a Washington permanecera chocado por longos momentos na calçada e, enfim, apertara a mão de Jake antes de recuar completamente. Dissera algo sobre precisar de provas documentadas antes que o dia ter­minasse e, então, entrara em seu carro.

Michelle seria eternamente grata a Jake por aquele tempo pre­cioso a mais que lhe concedera. Mas parecia ter sido em vão. Sim, o sobrenome do casal naquela casa do outro lado da rua era Evans, mas, ao que parecia, não sabia mais do que havia dito.

Ainda assim, se tivesse que ser levada de volta a Washington, preferiria que Jake o fizesse. A impressão que o inflexível Edgar Mollens lhe passara não fora certamente das melhores.

― Por que disse que eu era sua esposa? ― precisou saber. A expressão de Jake era grave quando a fitou.

― Achei que seria o único meio de despistarmos Edgar. ― Um indício de sorriso curvou-lhe ligeiramente os lábios. ― Ei, há uma grande vantagem em se agir corretamente a vida inteira. As pes­soas têm a tendência de acreditar em você quando diz algo.

― Você acha? Mollens parecia estupefato.

― Eu disse que ele acreditou em mim, não que não ficou cho­cado. É uma das desvantagens de ser previsível.

Michelle notou-lhe o ar preocupado no rosto, enquanto ele olha­va pela janela do carro. Lembrou-se de tê-lo ouvido dizer que não corria nenhum risco enquanto ninguém não soubesse o que acon­tecera. O que aconteceria agora que alguém sabia? E não uma pessoa qualquer, mas um colega de trabalho?

Ela passou os braços em torno de si.

― O que eles disseram? ― perguntou Jake, fazendo um gesto na direção da grande casa. ― São mesmo os pais de Gerald?

― Sim.

― E Lili?

Michelle engoliu em seco.

― Disseram que nunca ouviram falar ao meu respeito... nem sobre ela.

Jake abriu a porta do carro.

― Voltarei em um minuto.

Pela segunda vez em poucos minutos, Michelle descobria-se pas­ma, enquanto via Jake adiantando-se até a porta dos Evans! Enfim, recobrando-se, seguiu-o, alcançando-o no momento em que a porta se abriu para revelar o pai de Gerald.

Jake levou a mão automaticamente ao bolso do paletó e, então, franziu o cenho, tirando algo de outro bolso. Estendeu ao homem um cartão comercial, idêntico ao que dera a ela.

― Sou o agente Jake McCoy. Preciso do endereço mais recente do seu filho, Gerald.

O homem teve que erguer bastante a cabeça para encontrar o olhar de Jake.

― Não disse para qual agência trabalha, agente McCoy.

― Não, não disse. Está no cartão, senhor. ― Jake sustentou-lhe o olhar com firmeza. ― O endereço, Sr. Evans.

Michelle observou em grande perplexidade enquanto o homem mais velho informava o endereço a ele. O alívio foi tamanho que suas pernas ameaçaram fraquejar.

 

Jake sentiu o coração disparando. Disse a si mesmo que era apenas por que a simples hipótese de estar casado... ainda mais com a mulher sexy sentada a seu lado no carro... era apavorante. Então, pensamentos sobre noite após noite nos braços dela, ouvindo-lhe os gritos deliciados em francês en­quanto fizessem amor, excitaram-no de imediato. Não importava que qualquer relacionamento duradouro fosse improvável. Não, impossível. Seu corpo parecia ter outras idéias e, a cada vez que olhava para ela, desejava-a mais e mais...

Michelle segurou com força o pedaço de papel com o endereço de Gerald Evans, no noroeste de Ohio.

― Oh, quase não acredito que consegui isto. Nem sei o que dizer... Obrigada.

Jake não pôde evitar um sorriso tolo. A despeito da confusão que criara em sua vida com aquela simples frase "porque ela é minha esposa", quando Michelle o fitava daquele jeito... sua ex­pressão praticamente radiante... sentia-se um novo homem.

Aquilo o fez lembrar-se do início de sua carreira como agente do Serviço de Imigração. Fora designado para deportar um trafi­cante de armas asiático. Por sorte, o homem tivera uma predileção por uma erva chinesa só obtida especialmente por encomenda. Jake colocara o único lugar que vendera a erva em Nova York sob vigilância e prendera o sujeito. Depois, observara-o sendo sub­metido aos procedimentos de deportação e colocara-o em um avião com destino a seu país de origem, onde fora entregue às autori­dades locais. Fora um dos momentos mais decisivos de sua vida. Sentira-se como se estivesse dando sua contribuição à sociedade, que o que realizara naquele dia não apenas mantivera armas fora das ruas, mas dissera-lhe qual era sua missão no mundo.

O que sentia agora era em muito como aquilo, apenas mais intenso de algum modo.

Dirigiu continuamente em direção ao noroeste de Ohio, rumo ao endereço em Toledo onde Gerald Evans morava. Duas horas e meia, dissera-lhe o guarda do pedágio.

Michelle permaneceu em silêncio por um longo tempo, uma expressão de gratidão e expectativa em seu rosto. A um dado momento, tocou a mão dele que descansava sobre o volante.

― Por quê? ― perguntou. ― Por que está fazendo tudo isto por mim? Nós já estabelecemos que isto não tem nada a ver com sexo. E você disse que estaria tudo bem desde que ninguém sou­besse nada a respeito, o quê, depois do que aconteceu diante da casa dos Evans, não é mais o caso. Então... por quê? Por que está arriscando tanto para me ajudar?

Aquela era uma pergunta que Jake não queria examinar de perto demais. Pensou em lhe dizer que era porque aquilo o fazia sentir-se bem, mas a sensação só aparecera depois das atitudes que ele tomara.

Não sabia ao certo por quê, as razões pareciam muitas.

― Eu queria dar a você esta chance de encontrar sua filha ― disse simplesmente.

Ela recostou a cabeça no ombro dele, o olhar acariciando-o como se fosse um toque.

― Por quê?

Jake engoliu em seco.

― Eu não sei. Talvez por eu... ter sido criado sem mãe ― disse de repente, surpreso com a confidência e com a facilidade com que as palavras saíam de seus lábios, algo que não acontecia com freqüência. ― Ela... morreu quando eu tinha sete anos de idade. Sei o que é perder uma mãe. No meu caso, foi inevitável, definitivo. Mas no seu caso e no da sua filha... ― Lançou-lhe um olhar, notando-lhe a expressão calorosa e interessada no rosto. ― Bem, digamos que em alguma parte desta manhã, eu me dei conta de que não poderia levar você a Washington e colocá-la em um avião sem lhe dar primeiro a oportunidade de encontrar Lili. ― Sua voz baixou para quase um murmúrio: ― Uma garotinha, espe­cialmente, precisa da mãe.

Michelle dirigiu-lhe um olhar tão pungente que o deixou com a estranha sensação de que ela podia enxergar através do seu exterior e ver o que havia bem no fundo de sua alma.

― Assim como também os garotinhos.

Jake manteve o olhar fixo na estrada. Nunca falara com nin­guém sobre o quanto sofrera com a perda da mãe. Na verdade, raramente falara sobre seus sentimentos. Falar significava reve­lar... e revelar era o mesmo que ser desnudado de todas e mais fundamentais defesas.

Deu-se conta de que o silêncio se prolongou demais, e olhou para Michelle. Tinha os olhos castanhos marejados, como se tivesse conseguido ler seus pensamentos. Entendido a angústia dele mais do que qualquer pessoa poderia.

Jake limpou a garganta para vencer o nó de emoção.

― Foi... há muito tempo. Já superei.

― Lamento. Quando lhe perguntei por quê, não tive intenção de despertar algo tão doloroso.

― Esqueça. Já passou. ― Jake abriu um sorriso para que o clima tenso se dissipasse. ― Por que não me fala um pouco sobre as travessuras de sua filha?        

O semblante de Michelle tornou a se iluminar enquanto começou a lhe contar sobre seu dia-a-dia com Lili, a infinidade de coisas que a menina aprendia, seu jeito terno, meigo.

A um dado momento, mordeu o lábio inferior e sacudiu a cabeça.

― Oh, obrigada...

― Ora, por que está me agradecendo agora? Ela o observou com um sorriso trêmulo.

― Por um momento, falar com você fez com que eu me esque­cesse de que não vejo minha filha há oito semanas. Usei o presente enquanto falei sobre ela, em vez do passado, como se continuás­semos convivendo. Eu... eu não tenho me sentido tão próxima a ela há muito tempo.

Jake estendeu a mão para afagar-lhe o rosto, secando-lhe as lágrimas com a ponta dos dedos. Daria qualquer coisa para es­treitá-la em seus braços agora e poder confortá-la.

Mas, em vez daquilo, obrigou-se a manter-se concentrado na estrada.

Enquanto o carro passava pela ponte 1-280 sobre o rio Maumee e chegava a Toledo, Michelle observava a paisagem da cidade, seu coração disparado. Foi tomada por um medo instantâneo. A cidade era maior do que esperara, teria lugares demais onde al­guém esconder uma menina de quatro anos.

― Não estamos longe agora ― disse com um suspiro trêmulo.

― Não ― concordou Jake em um tom manso.

― Em pouco tempo, ou terei Lili de volta aos meus braços, ou...

Ele segurou-lhe a mão com força, seu toque um alento bem-vindo.

― Lidaremos com a outra hipótese quando... se chegarmos a ela, está bem?

Michelle meneou a cabeça e observou-lhe o perfil másculo.

Havia uma intensidade em Jake McCoy que a fascinava e as­sustava ao mesmo tempo. Sabia o que estava lhe custando fazer aquilo por ela... tanto no aspecto emocional quanto no da carreira. Não que ele fosse abrir seu coração. Dava a impressão de ser um homem que, quando tomava uma decisão, levava-a adiante. Sem muitas explicações, nem manifestações de possíveis arrependimen­tos ao longo do caminho.

Antes que se desse conta, viu-o parando em uma rua arborizada, onde belas casas ostentavam gramados bem-cuidados. Virou-se para Jake e viu-o olhando pelo espelho retrovisor. Olhou pela janela de trás, em um misto de esperança e temor de que o visse olhando para Gerald. Mas, em vez daquilo, viu um carro, semelhante àquele onde estavam, estacionando no início da rua.

Ele a fitou.

― Você está pronta?

Michelle só conseguiu confirmar com um gesto de cabeça, a forte tensão roubando-lhe a fala.

Ambos desceram do carro e, adiantaram-se pela calçada até o caminho de lajotas que conduzia à grande casa em estilo vitoriano no endereço que os Evans haviam lhes dado. Michelle experimen­tou momentos de ultraje. Gerald estava obviamente muito bem financeiramente, porém nunca oferecera nenhum tipo de ajuda à própria filha. E não queria nenhuma, disse a si mesma com fir­meza. O fato de ele ter raptado Lili, afastando-a de tudo que lhe era familiar, tudo que já conhecera, dizia que não havia dinheiro que pudesse compensar o crime de Gerald Evans.

Jake parou diante da grande porta de madeira trabalhada e virou-se para estudar-lhe o rosto, uma expressão firme nos olhos cinzentos, antes de tocar a campainha. Michelle teve impressão de que seu coração quase parou naquele instante.

Nada. Nenhum som além do da campainha reverberando pelo interior da casa.

Jake tornou a tocar a campainha.

― Ei, olá! ― exclamou uma voz feminina.

Ambos viram uma mulher acenando-lhes e aproximando-se pelo gramado que havia em frente à casa vizinha.

― Os Evans não estão em casa. Susan foi visitar os pais em Lansing.

― E Gerald? ― perguntou Jake, usando um tom familiar de quem indagava sobre um velho amigo.

― Está em uma viagens de negócios. Na Califórnia, acho eu. Deverá voltar hoje à noite, ou amanhã. ― A mulher parou junto à cerca-viva baixa, tirando as luvas de jardinagem. ― Gostariam que eu dissesse a ele que passaram por aqui?

― Não, não, obrigado. Apenas estávamos na vizinhança e de­cidimos parar. Falarei com ele no...

Michelle inclinou-se e deu a mão a Jake.

― No clube. Onde ambos jogam tênis.

A vizinha meneou a cabeça e afastou-se, voltando a ocupar-se com sua jardinagem.

Jake caminhou calmamente de volta até o carro. Michelle se­gurava-lhe a mão com força, precisando de um tremendo esforço para que as pernas não fraquejassem. Viu-o olhando novamente para o carro que estacionara no início da rua. Foi somente, então, que se deu conta de que o motorista não entrara em uma das casas. Na verdade, continuava sentado no carro, olhando na direção de ambos.

 

Maldição! Edgar os estava seguindo, .provavelmente desde que haviam deixado cidade de Canton. Àquela altura, já teria entrado em contato com o escritório central e requisitado uma investigação para obtenção de provas do casamento de Jake com Michelle. E no instante em que descobrisse que não havia nenhuma, Jake não tinha dúvida de que o colega o denunciaria e tiraria Michelle de sua custódia.

Custódia. Aquela, sim, era uma irônica escolha de palavra. Sua atração era tão forte que se sentia mais como se ela o mantivesse em uma estranha espécie de custódia, um limbo, onde não sabia o que aconteceria em seguida, mas não queria estar em nenhum outro lugar.

Acelerou mais o carro enquanto rumava em direção aos prédios altos do centro da cidade de Toledo. Uma idéia estivera brincando no limiar de seus pensamentos desde que haviam deixado Canton e agora tomava forma. Apavorava-o, mas era provavelmente a única opção que lhes restava se esperavam ganhar um pouco mais de tempo com Edgar.

Teria que tornar real aquele casamento que alegara ter com Michelle.

Sentindo-se zonzo, olhou pelo espelho retrovisor. Edgar ficara para trás em meio ao trânsito intenso... temporariamente. Au­mentou a pressão de suas mãos em torno do volante e dobrou uma esquina, o que devia ser o principal cartório da cidade sur­gindo à frente de ambos, um prédio no qual estivera de olho mesmo antes de ter tomado sua decisão. A seu lado Michelle estava si­lenciosa, também devendo ter avistado Edgar. A distância que mantinha dele era, na certa, melhor, disse a si mesmo, apesar do anseio de tê-la junto a si, pois, levando em conta o que estava prestes a fazer, era importante que suas atitudes não fossem mal interpretadas.

Ela, enfim, rompeu o silêncio, enquanto ele parava em uma vaga de estacionamento em frente ao cartório.

― O que... estamos fazendo aqui? ― indagou, confusa. Jake tirou as chaves da ignição e guardou-as no bolso.

― Nós vamos nos casar.

Casar?

Michelle encarou-o, convencida de que Jake só podia ter en­louquecido.

Supunha que, em uma dada época de sua vida... provavelmente quando ainda fora bem jovem e acreditara em contos de fada... achara o casamento romântico. Acreditara em uma união que tra­ria um final feliz.                                              

Mas, então, houvera seu relacionamento com Gerald.

Certo, por mais difícil que fosse admitir, na manhã em que descobrira que estava grávida de Lili, devaneara com um belo vestido de noiva, uma igreja repleta de flores e um grande bolo de casamento decorado. Mas mesmo agora achava estranho que nunca tivesse se imaginado construindo uma vida com Gerald. Não, exatamente como nos antigos contos de fada, não visualizara nada além da troca de alianças e da festa de casamento.

Mas o pedido de casamento acontecera. Gerald apoiara-se em um joelho no meio do Champs de Mars, estendera-lhe um anel e pedira-lhe que se tornasse sua esposa. E Michelle fitara-o nos olhos e... não vira nada. Nenhuma imagem de festas de aniversário repletas de familiares e risos. Nenhum Natal juntos enfeitando a árvore. Embora o relacionamento de ambos tivesse dado certo até àquele ponto, não contivera o necessário para ser levado adiante. Ter-se casado com ele teria sido o mesmo que fadar o relaciona­mento ao fracasso.

Assim, recusara. E o óbvio alívio de Gerald, enquanto se le­vantara e rira, só confirmara a convicção dela.

Michelle apenas se deu conta de que Jake descera do carro e lhe abrira a porta quando a brisa de verão envolveu-a. Olhou para ele lentamente, aquele homem grande e misterioso que despertara tantas coisas dentro dela, que a ajudara tanto. De repente, viu vestidos brancos e bolos de casamento outra vez. Logo seguidos da imagem de Jake buscando Lili na escola. Esfregou os olhos abruptamente para banir as imagens.

― Droga ― murmurou.

Abriu os olhos e viu que Jake lhe estendia a mão.

― Sua presença é necessária, se queremos que isto dê certo. Michelle permaneceu onde estava, o coração disparado. Jake agachou-se ao lado da porta aberta, fitando-a nos olhos.

― Não há outra alternativa. Acho que já deve ter percebido que Edgar está no nosso encalço. É provável que esteja à espera agora mesmo de provas de que não somos casados. E no instante em que as obtiver, você poderá esquecer quanto a esperarmos nas imediações até que Gerald retorne logo mais à noite. Edgar quer ver documentos. E é o que tenho que lhe apresentar. Michelle mordeu o lábio inferior.

― Eu sei. ― Estendeu a mão para tocá-lo na face. Ele parecia bem mais real com a sombra da barba por fazer no rosto, os cabelos em ligeiro desalinho, o terno amarrotado. Abriu-lhe um sorriso.

― Você é um bom homem. Se promete algo, não pára até cumprir.

― Traçou-lhe os contornos do rosto másculo com a ponta dos dedos. E prometeu que me ajudaria a encontrar Lili.

Uma expressão indecifrável surgiu nos olhos cinzentos dele.

― Este... casamento será apenas no papel. Entende isso, não é? Se não arranjarmos uma certidão, Edgar colocará você em um avião com destino a Paris em um piscar de olhos.

Ela afastou a mão e soltou um riso.

― É claro que sei disso. Achou que eu o faria obedecer aquela parte que diz "até que a morte nos separe"? ― Sacudiu a cabeça.

― Isto ajudará você também, não é? Isto é, sei que colocou sua carreira em grande risco quando disse ao homem que eu era sua esposa. Apresentando a devida certidão de casamento, não estará em tão sérios apuros, não é?

― É o que espero.

― Ótimo.

Ele a observou ainda sentada no carro.

― Então, se chegamos a um entendimento... por que continua hesitando?

Michelle fingiu interesse em sua bolsa, abrindo-a e examinando o conteúdo, qualquer coisa para evitar-lhe o olhar perscrutador.

― Vai achar isto uma tolice, mas... Eu não sei. Acho que talvez esta seja a única vez em que me casarei, e... mesmo sendo uma farsa, ao menos achei que usaria branco...

John observou-lhe a calça preta e bateu com a mão na fronte.

― Por que não pensei nisso? Bem, teremos que resolver a ques­tão depressa. Não dispomos de muito tempo antes que o setor que fornece a licença feche. Tudo o que posso dizer que é provi­dencial que estejamos em Ohio. Não são exigidos comprovantes de residência, exames de sangue... apenas um documento de iden­tidade. Em muitos outros Estados, haveria um período de espera de três dias para a obtenção da licença de casamento.

Surpresa, Michelle observou-o sentar-se de volta ao volante, seu coração batendo em um ritmo específico, reservado para aquele homem que não questionou seu pedido tolo. Uma hora depois, haviam vasculhado o interior de uma loja de departamentos da cidade e passado por uma pequena floricultura. Michelle usava um vestido branco e segurava um bonito buque de rosas amarelas, e Jake tinha uma gardênia na lapela, duas alianças simples de ouro metidas em um bolso e uma máquina fotográfica descartável no outro.

Enquanto acabavam de obter a licença de casamento, dando a: vez ao casal seguinte na fila, Michelle mal pôde acreditar que aquilo estava mesmo acontecendo.

Olhou para o homem atraente parado a seu lado e sorriu.

― Jake?

Ele fitou-a com aqueles incríveis olhos cinzentos.

― Eu só queria lhe dizer... obrigada por isto tudo. Ele abriu um largo sorriso.

― Eu é que deveria ter agradecido a você por ter pensado depressa. Fotos do que parecerá uma cerimônia de verdade nos ajudarão muito em relação a Edgar e à investigação que certamente haverá.

Michelle sentiu uma inexplicável vontade de socá-lo com seu buque de flores.

Jake não sabia ao certo o que dissera, mas Michelle passara de uma noiva nervosa a uma mulher com sede de matar nos olhos em uma fração de segundo. Ele fez uma careta e olhou em torno do espaçoso cartório.

Céus, mas ela estava de tirar o fôlego naquele vestido branco... Curto e justo, moldava-se a cada curva do corpo sedutor dela, os pés delicados calçando sandálias brancas de salto alto. Ansiou por levá-la até a alguma sala de estoque ou de materiais de limpeza e cobri-la de carícias ardentes.

Sentindo que o ar lhe faltava de repente, conduziu-a até a saída do setor onde se obtinham as licenças. Ao redor, o gramado ver­dejante do cartório parecia ainda mais vívido sob o sol da tarde. Havia algumas árvores frondosas aqui e ali e caminhos de pedra sinuosos conduziam às três outras entradas do prédio antigo e

imponente.

― Isto é tudo? ― perguntou Michelle, parecendo desapontada.

― Estamos casados?

― Não, temos que encontrar alguém que realize a cerimônia, um juiz de paz. ― Ele indicou um dos caminhos de pedra até outra entrada do prédio. ― Vamos. Não temos tempo a perder.

Do outro lado do gramado, não pudera deixar de notar Edgar Mollens avançando na direção de ambos. Michelle fitou-o com um ar confuso em vê-lo subitamente apressado, mas ele não teve tempo de explicar. Edgar aproximava-se mais. Praticamente, arrastan­do-a naqueles saltos altos, Jake conduziu-a pelo caminho.

- Na segurança da sala de um juiz de paz, Michelle olhou para as testemunhas rapidamente providenciadas e para um ansioso Jake, posicionado a seu lado para a cerimônia.

Ela abriu um sorriso, notando que ele parecia prestes a sair correndo dali. Então, o grande Jake McCoy tinha medo de algo... algo mais conhecido como matrimônio. Certamente, o homem es­taria uma pilha de nervos.

E ainda havia o agravante de Edgar Mollens estar no cartório, segundo ele lhe contara.

― Agora, dêem-se as mãos e repitam depois de mim ― dizia

o juiz.

Michelle recitou os votos cuidadosamente, notando a maneira como Jake evitava seu olhar. Resistiu à vontade de fincar o salto de sua sandália no pé dele e, em vez daquilo, puxou-lhe a mão, obrigando-o a fitá-la. Sorriu-lhe. O rosto dele adquiriu um assus­tador tom esverdeado.

Foi a vez de Jake fazer os votos. Ele limpou a garganta e repetiu solenemente as palavras do juiz.

Como afinal fora se meter naquela confusão?, pensou, enquanto dizia os votos.

Não podia definir exatamente o que estava sentindo. Mais do que ninguém, sabia que aquilo era uma encenação. Então, por que era tomado por todo o horror de um homem prestes a ser enforcado?

Uma das testemunhas tirou uma foto de ambos diante do juiz. Jake engoliu em seco. Suas mãos tremiam quando abriu a caixinha que continha as alianças. O sorriso que Michelle lhe abriu quando lhe estendeu a pequena mão desconcertou-o ainda mais. Por pouco não deixou cair a aliança menor, mas conseguiu colocá-la no dedo dela. Outra foto foi tirada.

Quando foi vez de Michelle colocar a aliança no dedo dele, Jake' sentiu-se na beira de um precipício do qual não haveria escapa­tória. Um calor opressivo dominou-o enquanto a aliança deslizava por seu dedo. Quando observou a simbólica peça de ouro já no lugar teve quase certeza de que o chão se abrira sob seus pés.

― Pode beijar a noiva ― disse o juiz de paz com um sorriso.

Jake encarou o homem. Estava maluco? Beijar a noiva? A última coisa que tinha vontade de fazer no momento era beijar...

Os lábios voluptuosos de Michelle colaram-se aos seus. De re­pente, tudo à volta pareceu desvanecer-se e teve apenas ciência de que ela estava na ponta dos pés para beijá-lo, o corpo apenas roçando o seu em um tentador contato, o delicioso perfume que usava envolvendo-o.

Com um gemido abafado, entrelaçou os dedos nos cabelos dela para mantê-la com mais firmeza junto a si enquanto a beijava. O calor que o percorria agora era de uma natureza bem diferente...

A testemunha com a máquina fotográfica limpou a garganta. Jake encerrou o beijo, um tanto atordoado, e olhou na direção da câmera enquanto o flash tornava a espocar.

 

Michelle teve praticamente que arrastá-lo da sala do juiz de paz depois de assinada a pa­pelada, pois Jake mal conseguia manter o controle sobre seu corpo, quanto mais sobre a situação. Mas, por mais determinada que estivesse, ela não era páreo para a força física dele. Na metade do corredor, desistiu e encostou-o de encontro à parede.

Com um sorriso malicioso, beijou-o na boca, passando a ponta da língua em torno dos lábios dele.

― Você parecia estar precisando disso ― sussurrou.

― Oh, você acertou em cheio ― sorriu Jake. Beijou-a, então,

com ardor.

Oh, se havia algo que podia desviar sua mente dos trinta mi­nutos anteriores era aquilo. Estreitou-a em seus braços, moldan­do-a ao calor de seu corpo. Apesar da diferença de estatura, en­caixavam-se perfeitamente, os lábios colados, sua rija masculini­dade moldando-se ao ventre firme dela. Devorou-lhe os lábios com os seus, invadiu-lhe a maciez da boca com a língua em uma erótica exploração. Ela retribuiu com paixão, enquanto lhe abria os dois primeiros botões da camisa e pousava as mãos em seu peito quente.

― Pronto ― disse, beijando-o outra vez e dando-lhe um puxão na gravata. ― Assim está bem melhor.

O som de passos se aproximando fez Jake voltar à realidade. O que estava pensando? Estavam no meio de um cartório. Ele encerrou o beijo e fechou os olhos, recostando a fronte na dela, enquanto recobrava o fôlego.

Alguém limpou a garganta.

Jake franziu o cenho. Deviam ter esquecido de assinar algo, pensou, e algum auxiliar seguira-os para avisá-los. Michelle virou-se para olhar o recém-chegado e ficou tensa em seus braços. Jake abriu os olhos e deparou com Edgar Mollens.

Ele deu um tapinha no bolso onde colocara a certidão de ca­samento. Abriu um largo sorriso.

― Edgar, meu velho amigo, como vai? Edgar enrijeceu o maxilar.

― Ora, ora, McCoy. Eu sabia que havia algo estranho nessa coisa toda desde o começo. Você, casado? E, ainda por cima, com uma estrangeira ilegal que está sob alerta vermelho? ― Sacudiu a cabeça. ― Eu sabia que era impossível. Todos no escritório sabem que você mandaria sua própria mãe de volta ao Kosovo se desco­brisse que a situação dela era ilegal no país.

O semblante de Jake endureceu. Lembrou a si mesmo que seu colega não sabia que sua mãe morrera havia muitos anos. Ainda assim, não pôde se conter.

― Os ancestrais da minha mãe vieram no Mayflower, seu idiota. Edgar arqueou as sobrancelhas.

― Então, o sério e calado McCoy é capaz de sentir raiva. La­mento dizer que perdi uma aposta.

Jake pegou a mão de Michelle na sua.

― Vamos.

Edgar segurou-a pelo outro braço.

― Pode ir aonde quiser, McCoy... ao menos até o dia em que for intimado a se apresentar diante do comitê de revisão em Wa­shington. Quanto a ela... bem, irá comigo e partirá no primeiro avião de volta à França.

― Continue nos importunando, Edgar, e eu lhe mostrarei quan­to realmente posso ficar zangado ― disse Jake com firmeza, a raiva ebulindo dentro de si.

― Está me ameaçando?

Jake era bem mais alto e forte que o outro homem e usou apenas seu porte para intimidá-lo dando um passo a frente. Edgar hesitou, engoliu em seco, mas não soltou Michelle.

― Não, estou prometendo a você que, se não soltar minha esposa agora mesmo, quebrarei todos os seus dedos.

O riso incrédulo de Edgar ecoou pelo corredor.

― Desista, Jake. Pedi a Pauline que verificasse os bancos de dados de todos os cartórios de paz entre aqui e o Distrito de Colúmbia. Não consta nenhum registro de um casamento entre vocês.

Jake colocou calmamente a mão no ombro direito de Edgar e apertou-o até que ele soltasse o braço de Michelle. Então, tirou a certidão de casamento do bolso, colocando-a de encontro ao peito do outro agente.

― Aqui está, colega. Pode ler o documento à vontade. ― Tornou a pegar a mão de Michelle.

― Escute bem, McCoy, não vai se safar dessa! ― gritou um aturdido Edgar atrás de ambos.

Apesar do que acabara de acontecer no cartório, Jake deu-se conta de que se sentia leve, contente. O que era absurdo, consi­derando seu nervosismo anterior. Sem mencionar que, embora Mi­chelle e ele estivessem legalmente casados, aquilo tudo era mera encenação.

O fato era que toda sua tensão se dissipara. Tudo o que con­seguia pensar, sentado no carro ao lado dela, enquanto dirigia na direção do bairro onde Gerald Evans morava, era que queria a sua noite de núpcias. Queria desfrutar mais uma vez o prazer incrível de explorar cada doce e sedutor pedacinho do corpo dela, possuí-la com todo o arrebatamento, observá-la inclinando a cabeça para trás, delicada, e soltando os murmúrios em francês que o enlouqueciam.

Segurando o volante com força, respirou fundo, esforçando-se para abrandar aquele fogo que o consumia. Sabia que tinha de se controlar, ou acabaria parando no local deserto mais próximo e tomando-a em seus braços lá mesmo. Mas, antes que se entre­gasse a desejos carnais tão prementes, que nem se dera conta de que possuíra, tinha negócios a resolver.

Michelle, enfim, rompeu o silêncio, seu tom preocupado.

― Você... Aquele homem... ― Mordeu o lábio inferior. ― Depois que tudo isto tiver terminado, você estará em sérios problemas, não é? Quero dizer, talvez não seja apenas despedido, mas acabe sendo...

― Preso? ― Ele completou a frase, uma expressão grave em seu rosto.

Ela o encarou de olhos arregalados.

― Sim. Talvez as coisas até cheguem a esse ponto. Edgar pode ter aquela certidão de casamento, mas é apenas uma questão de tempo até que providencie a documentação apropriada para que nós dois passemos pela investigação minuciosa do comitê de revisão de imigração... ou até sejamos levados ao tribunal. ― Mas Jake não queria pensar em nada daquilo no momento. Não. Queria se concentrar no que precisava ser feito.

Parando o carro momentaneamente em uma praça, ele pegou o celular e ligou para a casa do pai. Foi David quem atendeu.

― Com mil diabos, Jake, por onde você anda? Papai está preo­cupado. Mitch tem mantido contatos com alguns de seus velhos amigos do FBI, e todas as provisões que empacotei para nossa viagem estão apodrecendo na minha mochila perto da porta.

Jake lançou um olhar a sua mochila ainda no banco de trás.

― Ótimo. ― Praguejou entre dentes. ― Não quanto à viagem. Quanto ao fato de Mitch estar mantendo contato com o FBI. Ouça, eu preciso de um favor.

― Não, a sua maldita carteira de identificação do Serviço de Imigração também não está aqui. Já vasculhamos a casa inteira.

― Não, não é sobre isso ― disse Jake, notando que Michelle o observava com curiosidade. ― Preciso descobrir quando um ho­mem virá de avião para a cidade de Toledo, em Ohio, e em que vôo chegará.

― Falarei com Mitch imediatamente ― prometeu o irmão. ― Isso significa que devo cancelar meus planos, então?

― Planos?

― Sim, referentes à cabana que aluguei. Não pude imaginar você dormindo em uma barraca de acampamento. É por isso que a comida está estragando na minha mochila. Devia ter sido colo­cada na geladeira da cabana em algum momento da noite de ontem.

Jake abriu um sorriso. O caçula dos McCoy também era capaz de algumas surpresas.

― Por que não colocou a comida na geladeira do nosso pai?

― Oh, por quê? ― disse David, sardônico. ― Hum, talvez por que tenhamos passado as últimas vinte e quatro horas nos preo­cupando com você? E pelo fato de eu só ter me lembrado que a comida estava na mochila depois que ouvi sua voz e soube que estava bem? Sabe, teria ajudado muito se você tivesse atendido seu celular.

― A bateria acabou ― mentiu Jake, contraindo o rosto.

― Oh, sim, claro. Ouça, esqueça tudo isso, está bem? Não precisa se desculpar. Ou você ia se desculpar?

Jake limpou a garganta.

― Desculpe-me, irmãozinho.

O silêncio prolongou-se na linha.

― David?

― Hum? Oh, sim, estou aqui. Apenas um pouco chocado. Você realmente pediu desculpas? Acho que em nenhum momento dos meus trinta anos de vida, eu ouvi você dizendo essa palavra.

― Bem, talvez você a ouça bastante nos próximos dias. Vá se acostumando.

― O quê? Por que diz isso?

― Mitch está por perto? David soltou um suspiro.

― Sim. Espere só um momento.

Mitch pegou o telefone. Ouvira o lado de David da conversa e, portanto, não perdeu tempo jogando conversa fora. De todos os irmãos, aquele era o que entendia Jake melhor. Foi direto ao as­sunto, pedindo o nome do homem e do aeroporto em que desem­barcaria. Jake perguntou-lhe se Liz mantivera algum de seus car­tões de crédito com o nome de solteira. Sem hesitar, Mitch pas­sou-lhe um número de cartão com uma data de vencimento e, então, concordou em pedir à esposa que fizesse reserva para ele em um hotel no centro de Toledo, o qual Jake vira enquanto tentara despistar Edgar.

Depois de tudo resolvido, houve uma breve pausa. Jake esperou as perguntas do irmão.

Mas não foi o tipo de pergunta que esperara. Por aquilo, entre todas as outras coisas que o irmão estava fazendo por ele, Jake sentiu-se grato.

― Você acha que terá voltado até quinta-feira?

― Eu não sei, Mitch.

― Certo. Não deixe de ligar se precisar de qualquer coisa, ouviu bem? Qualquer coisa.

― Sim. Obrigado. Ligue-me no celular quando obtiver a informação. Jake desligou e virou-se para Michelle.

― Eu estava falando com dois dos meus irmãos ― explicou, dando a partida no carro e deixando a praça onde parara. ― Na verdade, somos cinco ao todo.

― Cinco? ― repetiu Michelle, surpresa, dando-se conta de re­pente de que gostaria de saber tudo a respeito dele. Não porque as informações pudessem se aplicar à situação de ambos, mas porque gostaria de conhecê-lo melhor. Algo que devia inquietá-la, sem dúvida.

Jake meneou a cabeça.

― Há Connor, o único que é mais velho do que eu. Depois vêm Marc, Mitch e David.

― Qual deles tem ligação com o FBI?

― Você ouviu isso, não foi? É Mitch. Ele e Liz, com quem se casou recentemente, retomaram a antiga Fazenda Connor de cria­ção de cavalos... Connor é o sobrenome da família da minha mãe. Mas ele trabalhava para o FBI antes de ter-se tornado detetive particular. É uma longa história. De qualquer modo, se há um dos McCoy que pode descobrir em que avião Gerald chegará esse é Mitch.

Michelle meneou a cabeça devagar, começando a notar alguma semelhança entre os irmãos, agora que sabia que Mitch fora do FBI.

― Não me diga. Vocês todos trabalham, de algum modo, na defesa da lei?

Ele abriu um sorriso.

― Sim. Como você adivinhou?

― Até seu pai?

― Sim, é policial em Washington. David também é. Você não respondeu minha pergunta.

Foi a vez de Michelle sorrir.

― Digamos que foi um palpite de sorte.

― Bem, de qualquer modo, em vez de ficarmos rodando de carro pela cidade até que Mitch me ligue de volta, acho que é melhor irmos para um hotel que avistei antes no centro, comermos alguma coisa e...

A frase ficou no ar de uma maneira sugestiva que causou uma instantânea onda de calor em Michelle. Se ao menos ele não tivesse parecido tão surpreso com as próprias palavras.

― E? ― perguntou.

― E esperar até que possamos ir buscar Lili.

Michelle parou abruptamente de girar a aliança no dedo. Lili. De repente e de um modo inexplicável, sentia-se impelida em duas direções diferentes... e a culpa logo a dominou por aquilo.

Naqueles dois dias ao lado de Jake, sentira-se viva como havia muito não se permitira sentir. Não exatamente viva. Mas sentia-se como uma mulher. Não como a mãe de alguém. Não como uma excelente chef. Sentia-se desejável e sexy. E Jake era o responsável por aquilo. Mas encontrar Lili...

Seu reencontro com a filha era o que mais desejava no mundo, mas era algo que poria um fim a tudo aquilo.

Só mesmo ela para descobrir o homem que a fizera sentir-se como uma mulher novamente a meio mundo de onde vivia, pensou, irônica. E, ainda por cima, era um agente do Serviço de Imigração...

O carro parou, despertando-a dos seus pensamentos e, admi­rada, notou que estavam diante de um luxuoso hotel na área cen­tral de Toledo. Pudera ver um pouco da cidade enquanto haviam rodado até decidir o que fazer. Antigos prédios de pedra resistiam ao lado de construções mais novas e arrojadas. O rio Maumee separava a cidade de seu lado leste, todos os tipos de embarcações, desde barcos maiores que haviam sido transformados em restau­rantes flutuantes até lanchas, ancoravam junto à margem esquer­da do rio, não muito longe de onde ambos estavam.

― Tem certeza de que quer ficar neste hotel? ― perguntou Michelle, enquanto Jake entregava as chaves do carro a um ma­nobrista e as coisas de ambos eram levadas ao interior do hotel. ― É tão... requintado.

― Eu queria dar a você algo especial ― disse Jake sem parar para fitá-la nos olhos, enquanto seguiam pelo amplo saguão. ― Levando em conta que é nossa lua-de-mel e tudo mais.

Michelle notou a sugestão implícita nas palavras, a simples perspectiva de ter aquelas mãos fortes acariciando todo seu corpo novamente deixou-a sem fôlego.

Logo depois, enquanto observava Jake confirmando a reserva que a cunhada já devia ter feito para ele, permitiu-se pensar que estava em sua lua-de-mel. Sabia que era um pensamento perigoso, mas, assim mesmo, quis se entregar à sedutora fantasia, ainda que apenas por uma hora, ou um pouco mais. Até que o irmão de Jake telefonasse. Até que ela não pudesse mais ignorar a realidade.

Jake fez uma pequena encenação tentando oferecer seu cartão de crédito no balcão. Mas, como ele instruíra, Liz fora enfática para que as despesas do hotel fossem lançadas no seu próprio cartão, quando ela telefonara para fazer a reserva um pouco antes, como se ele fosse seu irmão. Daquela maneira, Edgar não teria como localizá-lo ali.

― Por aqui, Sr. Braden.

Jake levou um momento para se dar conta de que o funcionário do hotel chamara-o pelo sobrenome de solteira de Liz. Virando-se, meneou a cabeça para o rapaz e deu o braço a Michelle.

Um ar de expectativa o dominava enquanto subiam até o quinto andar pelo elevador panorâmico com vista para o rio. Lançou um olhar a Michelle, a seu lado, e achou-a mais sexy do que nunca. Mal podia esperar para...

As portas do elevador se abriram, e o funcionário do hotel conduziu-os por um carpete espesso até o final do corredor. Jake sentiu tamanho alívio com o fato de que iriam ficar a sós, na privacidade de um quarto, que ergueu Michelle sem a menor he­sitação em seus braços, deliciado com o riso surpreso que a fez soltar. Entrou no quarto, entregando discretamente uma gorjeta ao funcionário, que logo se retirou, fechando a porta.

― Sabe o que significa quando se carrega uma noiva pela soleira da porta, não é? ― sussurrou Michelle.

Jake deu-se conta de que fizera exatamente aquilo.

― Hum... não. O que significa?

― Fertilidade.

Ela, então, abraçou-o mais pelo pescoço, colando os seios ao peito dele, e o beijou nos lábios com sofreguidão. Jake a fez deslizar devagar até o chão, colocando-a de pé e moldando-a ao calor do seu corpo, enquanto correspondia ao beijo faminto. Tudo à volta de ambos desvaneceu-se. O quarto elegante. A vista para o rio. As circunstâncias em que se encontravam. Só havia lugar para a louca explosão de paixão.

Enquanto se beijavam em uma onda de puro erotismo, os poucos momentos de separação, enquanto iam se livrando apressadamente das roupas, pareceram intoleráveis.

Sem a menor cerimônia, Michelle o fez deitar na grande cama e cobriu-lhe o corpo com beijos molhados, as palavras suaves em francês que murmurava enlouquecendo-o. Jake fechou os olhos e cerrou os dentes com força, esforçando-se para não perder o res­tante do controle tão depressa.

Deu-se conta, então, de que ela lhe beijava as pálpebras e, quando, abriu os olhos viu-lhe os seios tentadores quase ao alcance de seus lábios. Afagou-os com ambas as mãos, guiando-os mais para si e circundou um mamilo com a ponta da língua, estimu­lando-o. Sugou-o demoradamente em seguida, deliciado com os gemidos de prazer de Michelle. Sugou o outro mamilo, então, massageando o primeiro com o polegar, alternando, depois, as carícias entre ambos, até que se deu conta do violento espasmo que a percorreu. Cessou a doce tortura, mas apenas para tornar a beijá-la nos lábios possessivamente, explorando-lhe a maciez da boca, as línguas de ambos se entrelaçando.

Michelle, então, deslizou o corpo pelo dele, deixando-lhe uma trilha de beijos úmidos pela pele, descendo para além do abdome rijo dele. As carícias íntimas, ousadas, dos lábios cálidos e molha­dos dela roubaram o fôlego de Jake, fizeram do anseio de possuí-la uma doce agonia. Estava próxima, de joelhos na cama, enquanto o deliciava, e, cerrando os dentes, Jake estendeu a mão para acariciá-la, para que pudessem dar prazer um ao outro simultaneamente. Quando a viu jogando a cabeça para trás e soltando um grito de puro deleite, achou que não poderia haver melhor afrodisíaco.

Louco de desejo, não pôde se conter e ergueu-se de repente, deitando-a na cama junto de si. Continuou acariciando-a da mesma forma, mas agora com os lábios ávidos. Se a noite anterior de ambos tivera a ver com tomar, aquela teria a ver com dar tudo de si. Queria possuir Michelle da maneira como nunca possuíra outra mulher antes. Queria dar-lhe o mesmo tipo de prazer que ela lhe proporcionara. Queria vê-la contorcendo-se de desejo, gri­tando seu nome, puxando-o para si como se sua própria vida de­pendesse dele.

A maneira como a via arqueando os quadris e os gemidos aba­fados dela diziam-lhe que sua pouca experiência não importava nem um pouco. Quando percebeu que os primeiros espasmos de prazer a percorriam, inclinou-se sobre ela, segurou-a pelos quadris, posicionando-a para recebê-lo. Michelle apanhou rapidamente um preservativo de uma cesta na mesinha-de-cabeceira e cuidou da proteção de ambos.

Ele a penetrou com urgência, logo seus corpos estavam se mo­vendo em uma cadência frenética em busca do prazer absoluto.

― Oui, oui, mon cherie ― sussurrou Michelle.

Jake não teve noção mais de nada, ciente apenas da mulher que era percorrida por violentos espasmos em seus braços, en­quanto um incrível êxtase a arrebatava, ciente apenas das sen­sações fabulosas que o levavam ao ápice e o faziam mergulhar em um mundo vertiginoso de prazer.

 

Michelle jamais experimentara um contentamen­to tão intenso, sentindo-se leve, saciada. Vestiu o roupão macio do hotel sobre a pele úmida enquanto deixava Jake ainda no chuveiro, um sorriso deliciado curvando seus lábios. Antes da primeira vez de ambos juntos, suspeitara que Jake era reservado e conservador em se tratando de sexo.

Naquela noite, ele lhe mostrara algumas coisas que ela não julgara possíveis. Só em relembrar já sentia vontade de subir de volta naquela cama macia para esperá-lo, a fim de começarem tudo outra vez.

Pela primeira vez, observou o quarto. Carpete branco e espesso, uma imensa cama de casal, cortinas refinadas com uma colcha combinando, espelhos de moldura dourada e mobília que repro­duzia peças antigas... tudo combinado harmoniosamente para criar uma atmosfera confortável e de bom gosto. Mas foi a vista do rio, através da vidraça que tomava uma parede inteira, que lhe chamou a atenção. O sol que acabava de se pôr pincelava o céu com matizes alaranjados e róseos acima do rio Maumee. Parecia uma vista mágica... o que combinava com tudo mais, porque aquele anoitecer certamente fora mágico para ela. Com um suspiro sonhador, olhou para a aliança de ouro em seu dedo. Era estranho como um simples pedaço de metal podia significar tanto. Mas só depois de ter co­nhecido Jake. Nunca pensara que se sentiria atraída pelo tipo forte e calado. Mas aquele homem... ele entrara em seu coração com a maior facilidade.

Céus, como o amava. De uma maneira intensa que a fazia ansiar por se esquecer de quem era. De quem ele era. Ansiar por recomeçar sua vida. Apenas ele, ela e Lili.

Jake saiu do banheiro, seu corpo de músculos bem-definidos coberto apenas por uma toalha branca em torno da cintura. Mi­chelle engoliu em seco, ávida por capturar com seus lábios as gotas de água que lhe escorriam pelo peito viril até o abdome rijo, mas, naquele momento, o celular tocou.

Ela sentiu a tensão dominando-a de imediato quando o viu atender e cumprimentar o irmão. Eram as notícias sobre a chegada de Gerald, como presumira.

― Sim, Mitch ― dizia Jake. ― Às dez horas? Está certo. Mi­chelle e eu vamos... ― Ele se interrompeu de imediato, dando-se conta de que deixara escapar o nome dela. Sem dúvida, o que haviam partilhado afetara-o tanto que ainda não recobrara por completo a capacidade de pensar com clareza. Soltou um suspiro, enquanto, inevitavelmente, do outro lado da linha, o irmão lhe perguntou quem era Michelle. ― Você não a conhece ― respondeu, evasivo, dando-se conta do olhar atento dela. ― Sim, está comigo, mas... ― Afastou-se pela suíte enquanto falava, mas teve certeza de que Michelle ainda o ouvia. ― É complicado. Não posso lhe dar todos os detalhes agora, mas estou ajudando Michelle Lambert a encontrar a filha, Lili... Sim, suspeito que Gerald Evans está com a menina. E tudo o que posso lhe dizer por ora. O quê? ― Jake soltou um riso. ― Sim, ela é... atraente. ― Uma pausa. ― Obrigado, Mitch. Sim, eu o manterei informado.

Michelle viu-o desligando, incerta sobre o que sentia. Por um lado, gostaria que a família de Jake soubesse a seu respeito e a aceitasse. Por outro, sabia que era tolice ansiar por algo que fosse além do momento que vivia com ele, pois sabia que, no momento seguinte, talvez não coubesse a ela a decisão sobre o que fazer.

― E então? ― começou, sem comentar que o ouvira mencio­nando a seu respeito ao irmão... acidentalmente, em princípio. ― Mitch conseguiu obter a informação?

Ele não respondeu por um momento. Parecia sério de repente, toda a sensualidade e descontração que caracterizara as duas horas anteriores desaparecendo, substituídas pela fria realidade.

Michelle soubera que aquele momento chegaria. Mas não podia dizer que estivera totalmente preparada para enfrentá-lo. Havia uma forte opressão em seu coração agora, uma profunda angústia.

Jake, enfim, virou-se para fitá-la.

― Sim. O avião de Gerald chega daqui a uma hora. ― Limpou a garganta. ― Mitch também conseguiu descobrir que Evans com­prou passagem para uma acompanhante. Parece que Lili vai estar com ele.

A adrenalina percorria as veias de Jake, em sua mente a certeza de que, em poucos minutos, tudo o que acontecera nos dois dias anteriores poderia mudar.

Lançou um olhar a Michelle, que, sentada a seu lado no carro, olhava para a frente da casa de Gerald Evans sem piscar. Naquele momento, notou pelo retrovisor que um carro se aproximava.

― Acho que é ele.

Michelle quase saltou do carro. Jake segurou-a com gentileza pelo braço, mantendo-a no lugar.

― Primeiro, precisamos ver se Lili está com ele.

― S-Sim, você tem razão.

O Lincoln último tipo diminuiu a velocidade e virou à esquerda, seguindo pela entrada de veículos da casa que ambos vigiavam. Sim, era Gerald, sem dúvida, mas se fosse fazer o que Jake pensava...

A porta automática da garagem começou a se abrir.

Jake praguejou por entre os dentes e abriu a porta do carro.

― Espere aqui ― disse, embora sabendo que Michelle não obe­deceria. Mas não havia tempo a perder argumentando. Se Lili estivesse naquele carro, a porta da garagem os impediria de con­firmar o fato.

Enquanto ele corria pela entrada de veículos, o som dos sapatos de Michelle ecoando atrás de si, levou a mão ao peito reflexiva­mente, à procura da carteira de identificação que sabia que não estava ali.

O Lincoln parou na garagem. Agachando-se, Jake passou por baixo da porta que se fechava. A passagem de Michelle fez com que a porta mudasse de direção, deixando-os expostos a quem quer que passasse pela rua.

Jake adiantou-se depressa até a porta do motorista, Michelle parando junto a do passageiro.

― Agente Jake McCoy, do Serviço de Imigração ― identificou-se. ― Desça do veículo lentamente, Sr. Evans.

O homem dentro do carro abriu a porta e desceu devagar, os olhos cautelosos, as mãos para o alto.

― Que diabos está acontecendo aqui?

Jake não correu riscos. Meteu o antebraço junto ao pescoço de Gerald e empurrou-o de encontro à lateral do carro. Fitou-o nos olhos.

Gerald mal piscou, enquanto erguia mais as mãos.

― Não sei quem você é, nem o que quer, mas deve saber que minha esposa me ouviu chegando e estará aqui em um minuto para me cumprimentar.

― Sua esposa está em Lansing.

O sorriso imperturbável de Gerald disse que era um homem acostumado a sair de situações difíceis. Na certa, usando de sua lábia.

― Sim, acho que está. Assim, por que é que você não me solta para que possamos conversar sobre isto de homem para homem?

― Onde está Lili? ― perguntou Michelle, contornando o carro, enquanto ia olhando pelas janelas.

Gerald ficou imóvel. Jake prendeu-o com mais força de encontro ao Lincoln.

― Minha nossa, você é a última pessoa que eu esperaria ver aqui, Michelle.

― Aposto que sim. ― Jake desejava poder esmurrá-lo. ― Res­ponda a pergunta dela.

Evans revirou os olhos e soltou um suspiro.

― Não estou com ela.

― Onde ela está? ― persistiu Michelle, ansiosa. ― Você a deixou em algum lugar a caminho de casa? ― Olhou com desespero para Jake. ― Nós deveríamos ter esperado no aeroporto.

Gerald pareceu momentaneamente confuso.

― O que sabem sobre o aeroporto? E por que acha que... ― Deixou a voz morrer, enquanto parecia dar-se conta do que acon­tecera. ― Você deve estar falando sobre a passagem de acompa­nhante. ― Seu sorriso exasperante aumentou a impaciência de Jake. ― Minha esposa ia viajar comigo. Mas o pai ficou doente, e ela acabou indo para a casa dos pais. Você deveria ter investigado os fatos com um pouco mais de precisão.

― Onde está a menina? ― persistiu Jake.

O olhar de Gerald tornou-se duro, desafiador.

― Não estou com ela.

― Você não se importa se dermos uma olhada na sua casa, não é? ― Jake aumentou a pressão de seu braço, fazendo o outro homem contrair o rosto de dor. Quando o soltou, Gerald curvou-se para a frente e tossiu.

Michelle tirara as chaves do Lincoln do contato e encontrara a da porta de comunicação da garagem, abrindo-a com mãos trêmulas.

Após uma busca completa pela grande casa de quatro quartos, os três pararam na cozinha, perto da porta de comunicação com a garagem. Não haviam encontrado o menor sinal de que uma criança já estivera ali. Dos três quartos extras, dois estavam vazios e um servia de escritório.

Michelle parecia à beira de uma crise nervosa, e Gerald, con­fiante demais para o gosto de Jake.

― É uma casa grande demais para um homem, você não acha? ― disse ele.

― Minha esposa e eu a achamos perfeita. Crianças apenas deixariam a casa um caos. Na verdade, nós decidimos, antes mesmo de termos nos casados, que não queríamos ter filhos.

Jake estreitou os olhos. Então, por que o homem tivera todo aquele trabalho para roubar Lili da mãe?

― Sabem, eu esqueci de pedir um mandado de busca a vocês.

― Gerald alisou o paletó calmamente. Jake cerrou os dentes com força.

― Eu o aconselho a ficar de boca fechada.  

― Por quê? ― Gerald cruzou os braços e recostou-se no balcão.

― Eu tirei Lili legalmente da França para poder trazê-la para os Estados Unidos. Acho que até mesmo um homem como você pode entender meu desejo de ver minha única filha sendo criada apro­priadamente, em um ambiente seguro, estável.

Michelle apenas ouvia, parecendo fazer um tremendo esforço para se conter.

― Legalmente segundo os padrões de quem, Sr. Evans? ― in­dagou Jake com desprezo. ― Os seus?

― Segundo os padrões do nosso governo, agente McCoy. Você deveria saber disso melhor do que ninguém. Aliás, por que ela ainda está no país? O visto de Michelle não venceu ontem? Não deveria estar em um avião a caminho da França?

― E o que você sabe sobre o visto de Michelle? Gerald deu de ombros.

― Digamos apenas que fui contactado por uma outra pessoa do Serviço de Imigração... ― Deixou as palavras morrerem, o sig­nificado claro demais.

Jake encarou o homem responsável por tanto sofrimento. Pen­sou em fazer uma última tentativa para obter as informações que precisavam. Mas o sorriso satisfeito de Gerald dizia que de nada adiantaria pressioná-lo.

― Ainda voltaremos a nos falar, Sr. Evans. ― Ele segurou o braço de Michelle e levou-a da casa.

Michelle tremia incontrolavelmente no banco do passageiro, apesar do calor da noite e da jaqueta leve de Jake em torno de seus ombros.

A frieza de Gerald era algo que nunca esperara, a malevolência i;m seus olhos. Agora, temia até pela segurança da filha, uma possibilidade que não lhe ocorrera antes. Gerald poderia ter-lhe feito algum mal? Por alguma razão insana, poderia ter decidido que não queria uma criança no mundo com o seu sangue nas veias?

Jake parou em uma rua deserta, ladeada de árvores frondosas.

Estendeu a mão para afagar-lhe os cabelos.

― Nos a encontraremos. Prometo a você.

Ela o fitou, querendo acreditar. Mas não conseguia, lágrimas inundando seus olhos. Jake beijou-a nos lábios e, depois, abraçou-a com força por longos momentos, dando-lhe alento. Oh, como pas­sara a precisar daquele homem. Como lhe era querido, vital.

Segurou-lhe o rosto másculo entre as mãos, beijando-o com qua­se desespero, dando vazão ao turbilhão de emoções em seu íntimo, canalizando todo o medo, angústia e frustração para aquele mo­mento intenso. Jake sentou-a em seu colo, a rija masculinidade a evidência de seu próprio desejo, enquanto lhe devorava os lábios com os seus.

Ela abriu-lhe a camisa esporte, que ele pegara da mochila de acampamento, correndo as mãos pelo peito musculoso, delician­do-se com o contato da pele quente. Soltou um gemido quando Jake insinuou a mão sob sua blusa, encontrando-lhe os seios. Não demorou para que o fecho do sutiã fosse aberto, e as mãos quentes lhe cobrissem os seios.

Enquanto ambos trocavam beijos ardentes, Michelle abriu-lhe o zíper do jeans, ansiando por tocá-lo com ousadia. Jake agora deslizava as mãos por suas coxas, insinuando-as sob a saia curta.

Sob a pálida iluminação da rua deserta, baixaram as peças de roupa que representavam obstáculo e, apanhando um preservativo da carteira, Jake segurou-a pelos quadris, ajeitando-a melhor em seu colo para penetrá-la. Seus corpos unidos, movendo-se conforme o espaço reduzido lhes permitia, ele ergueu-lhe a blusa, expondo-lhe os seios arredondados. Sugou um mamilo avidamente, a ca­dência de seus corpos frenético.

O êxtase os arrebatou simultaneamente, Michelle desabando sobre o corpo dele, sentindo-se esgotada, mas deliciosamente sa­ciada, o som da respiração ofegante de ambos preenchendo o carro.

Fitou-o no rosto, viu-o igualmente saciado e sentiu um imenso contentamento dominá-la. Agora, sabia o que era amar um homem completamente, de todo o seu coração, de corpo e alma. Ninguém jamais estivera tão sintonizado com as necessidades, com os an­seios dela. Respeitava-a mesmo enquanto buscava o prazer com ela. Tão disposto a tornar dele a dor que a consumia. A empres­tar-lhe sua força. E era através daquela força que ela encontraria o que precisava para continuar sua busca por Lili.

Cobriu os lábios de Jake com os seus, beijando-o apaixonada­mente. E, pela maneira como ele correspondeu, sentiu que Jake a amava também.

 

Jake saiu do banheiro depois de um banho revigorante, completamente vestido, a mente cheia de idéias. Abriu as cortinas, deixando entrar o sol da manhã. Michelle murmurou algo em francês e rolou para o lado na cama, cobrindo a cabeça com um travesseiro. Ele abriu um sorriso, contendo a vontade de puxar o lençol e lhe desvendar o corpo despido, per­suadi-la a usar seu idioma na forma de sussurros sedutores para enlouquecê-lo e, depois, compensar o tempo que haviam perdido na noite anterior, depois que haviam retornado ao hotel. Afinal, quando ele saíra do chuveiro, já a encontrara profundamente ador­mecida na cama.

No carro, beijara-a com a intenção de confortá-la, sabendo quan­to estivera desolada e frustrada. Não imaginara que seria apenas o começo de muito, muito mais... E os minutos de puro erotismo também haviam ajudado a desanuviar sua própria mente. Fora-se o desejo premente de esganar Gerald Evans. No lugar da raiva agora havia determinação e clareza, sua mente uma máquina de eficiência espantosa, enquanto repassava cada detalhe de suas conversas com Michelle nos dias anteriores e o pouco que obtivera do arquivo dela quando fora aberto na mesa de Brad. Ignorou o aviso em alguma parte de sua mente que o lembrava que ainda havia muito que desconhecia naquele arquivo. Aquilo não se apli­cava ao que acontecia no momento. O importante agora era en­contrarem Lili antes que Edgar os achasse.

Conseguira encaixar uma hora de sono em alguma parte da noite, mas entre abraçar Michelle enquanto chorara, inconsolável, em seu sono, e sua própria necessidade de fazer algo para ajudá-la, ficara acordado a maior parte da noite.

De repente, Michelle sentou-se na cama, o lençol escorregando de seus seios provocantes, os cabelos negros e cacheados caindo-lhe em sexy desalinho sobre os ombros. Jake sentiu uma vontade ime­diata de beijá-la, de tê-la mais uma vez em seus braços, seu desejo por ela era insaciável. Mas sabia que, no momento, corriam contra o tempo e tinham que prosseguir imediatamente com sua busca. Àquela altura, era provável que Edgar já estivesse reunindo a documentação para intimá-los a se apresentarem perante o comitê de revisão do Serviço de Imigração. Era apenas uma questão de tempo até que o agente que os encontrasse.

Houve uma batida à porta e Michelle fitou-o, a preocupação em seu rosto evidente enquanto se cobria com o lençol. Jake espiou pelo olho mágico e abriu a porta.

― Obrigado por ter vindo tão depressa.

O funcionário do hotel alternou um olhar entre ele e Michelle e, então, colocou um moderno laptop na mesa perto do telefone. Em poucos momentos, estava conectado à linha telefônica e pronto para ser usado.

Jake conduziu-o à porta e deu-lhe uma generosa gorjeta antes de trancá-la.

― É um laptop? ― disse Michelle, confusa. ― Pode-se conseguir um emprestado no hotel?

Jake abriu um sorriso.

― Sim, é um dos serviços que têm disponível se o cliente precisar.

Outra batida à porta. Daquela vez, Michelle desapareceu no interior do banheiro. Jake tornou a abri-la, e um carrinho com um farto café da manhã foi levado ao interior do quarto por outro funcionário. Quando ela saiu do banho, exalando sensualidade na­quele robe do hotel, ele estava sentado diante do laptop mastigando uma torrada. Indicou-lhe o carrinho repleto.

― Eu não sabia o que você iria querer, então pedi várias coisas.

― Hum, parecem apetitosas. ― Ela serviu-se de uma xícara de café com leite e observou-o. ― O que vai fazer?

Jake acessava um diretório especial que apenas certos inves­tigadores do governo podiam usar para procurar endereços. O que quer que Edgar estivesse fazendo, felizmente não bloqueara o aces­so dele aos dados.

― Qual é o seu número de telefone em Paris?

― Meu telefone?

― Sim. Em uma das vezes em que você me contou coisas sobre

Lili, comentou que ela já havia decorado o número do telefone da casa de vocês em Paris, certo?

― Sim.

― E bem provável que ela já tenha tentado ligar para você a cada vez que teve oportunidade, mas...

Michelle arregalou os olhos, compreendendo.

― Mas como ela não sabe o código de discagem para o nosso país, nem entende sobre os procedimentos para se fazer uma li­gação internacional...

Jake confirmou com um gesto de cabeça.

― É provável que ela esteja ligando para um número de telefone local. Talvez exista um que coincida com o seu.

Com a esperança renovada em seu olhar, Michelle disse-lhe o número de seu telefone, e ele entrou com a informação no sistema. Não demorou para que uma mensagem aparecesse, informando que aquele número de telefone não existia no código de área da­quela cidade. Jake recostou-se na cadeira e esfregou o rosto com as mãos.

― Espere! ― exclamou Michelle antes que ele saísse do sistema. ― Lili sempre inverte os últimos dois números! Tente dessa forma.

Jake o fez. Em poucos momentos, um nome e um número de telefone apareceram na tela do laptop. Anotou-os.

― Ainda são oito horas ― comentou. ― Visitaremos esta Sra. Hagan um pouco mais tarde para descobrir se Lili tem ligado para o número dela à sua procura. Acho que temos mais chance de descobrir algo se formos até lá pessoalmente, em vez de telefonarmos.

Não sabendo se Lili se encontrava em Toledo, ou em alguma cidade vizinha, Jake verificou a lista de códigos de área de vários municípios, em um raio bastante abrangente que englobava outros estados, onde faziam divisa com aquela parte Ohio. Não se es­queceu de incluir a cidade de Lansing, onde a esposa de Gerald supostamente estava com os pais. Combinou os códigos com o nú­mero de telefone de Michelle, invertendo os últimos dois números como lhe dissera anteriormente, mas apenas mais três linhas telefônicas foram confirmadas como existentes sob aquele mesmo número em outras cidades. Uma pertencia a um antiquário na cidade de Napolean, em Ohio, as outras duas a residências em municípios próximos.

Sob o olhar ansioso de Michelle, Jake ligou para o antiquário, ficando bastante tempo ao telefone com o velho proprietário, eli­minando todas as possibilidades. Alguma garotinha ligara per­guntando por sua maman em francês?

Para o desapontamento de ambos, a resposta foi negativa. O mesmo aconteceu nos outros dois telefones residenciais.

Vendo a frustração nos olhos de Michelle, Jake tomou-lhe as mãos nas suas e levou-as aos lábios, beijando-as com ternura

― Ainda há a casa dessa tal Sra. Hagan, aonde iremos pes­soalmente ― lembrou-a.

Mais uma busca infrutífera. A Sra. Hagan também não atendera nenhuma ligação de uma menina francesa. Ou Lili não tivera nenhum acesso a um telefone, ou não tentara ligar.

Michelle olhava fixamente para a sua xícara de café. O tique-taque de um relógio imaginário aumentava em sua mente a cada minuto que passava sem terem encontrado Lili. Vivera tantos altos e baixos durante aqueles três dias que nem sequer sabia mais o que pensar. A única certeza que tinha era que logo estaria de volta a Paris. Sem sua filha.

Olhou em torno do pequeno restaurante perto da divisa entre Ohio e Michigan. A maior parte dos fregueses do almoço saíra, deixando-a quase a sós com Jake em uma mesa de canto.

― O que faremos agora? ― sussurrou, quase temendo a resposta.

― Ainda há um lugar onde não verificamos os números de telefone.

Michelle fitou-o ansiosamente, mal se atrevendo a ter esperança de que ainda houvesse mais alguma alternativa.

― Um lugar?

― Sim, a cidade dos pais de Gerald.

Ela não pôde evitar a onda de esperança.

― É claro! ― Sua mente girava. ― Teremos que passar por lá para voltar para... ― Deixou as palavras morrerem, incapaz de dizer "Washington". ― Fica apenas a duas horas daqui, não é? O que significa que poderemos estar lá antes das cinco e ainda investigar hoje mesmo, não é?

Ele abriu um sorriso.

― Sim.

― Então, vamos!

Duas horas depois, chegavam à pequena cidade de Canton, onde a busca de ambos começara apenas no dia anterior, apesar de terem a impressão de que se passara tanto tempo. Jake desceu do carro e usou um telefone público para ligar para o serviço de informações. Minutos depois, parou em uma loja de cópias e en­cadernações que oferecia acesso à Internet. Antes que Michelle se desse conta, ele tinha o endereço que precisava, aquele cujo número de telefone era o mesmo que procuravam.

Ficava perto de onde estavam, e Michelle tentou conter a an­siedade no caminho até lá. A mulher que atendeu a porta da casa simples, com ar impaciente e um cigarro pendendo da boca, disse não saber de nada sobre telefonemas de uma garota francesa, depois de terem lhe explicado a situação detalhadamente. Des­confiada, bateu a porta na cara de ambos.

Michelle ficou paralisada no lugar. Voltava à estaca zero. Não havia pistas de Lili, nem de seu possível paradeiro.

Jake segurou-lhe os braços, estudando-lhe o rosto pálido, en­quanto a guiava até o carro.

― Você está bem?

― Eu...

Naquele momento, viram uma menina de uns doze anos saindo por uma janela na extremidade da casa.

― Ei, esperem. Eu estava no meu quarto e ouvi vocês conver­sando com a minha mãe. Ela não sabe de nada e eu não contei por que vive brigando comigo, dizendo que eu fico o dia inteiro no telefone e...

― E o que você sabe? ― perguntou Jake com todo o tato, enquanto Michelle tremia de ansiedade a seu lado. ― É sobre a garotinha francesa? Ela tem ligado para sua casa?

A menina meneou a cabeça em resposta.

― Vocês a conhecem? Porque isso estava me assustando de­mais, sabem? Quero dizer, na primeira vez que ela ligou, eu pensei que fosse uma das minhas amigas me pregando uma peça qual­quer. Mas, depois, a menina ligou de novo e eu fiquei com uma sensação estranha de que havia algo errado com ela, sabem? Por­que estava chorando muito... Então, há umas duas semanas, as ligações pararam...

Um soluço escapou da garganta de Michelle, e ela levou as mãos aos lábios para contê-lo.

― Ela está bem?

O sorriso de Jake era de pura satisfação.

― Sim, querida, está. Não se preocupe. Obrigado. ― Ele entregou uma nota de vinte dólares à menina e ajudou Michelle a entrar no carro.

Jake lançou um olhar a Michelle, notando o quanto ela se es­forçava para não chorar. Conteve seu desejo de celebrar. Saber que os pais de Gerald haviam estado com a menina em seu poder não significava necessariamente que as chances de a recuperarem haviam aumentado. Além do mais, a menina que lhes dera a in­formação dissera que os telefonemas haviam parado duas semanas antes. Poderia ter sido porque os avós haviam apanhado Lili te­lefonando. Porque ela acabara desistindo de encontrar a mãe da­quela maneira. Ou, pior, porque a haviam levado a algum outro lugar.

Jake dobrou uma esquina, entrando na rua dos Evans e pisou nos freios de imediato. Não teve que explicar o motivo a Michelle. Ela também olhava para o carro escuro parado na outra esquina. Edgar.

― Droga ― disse por entre os dentes.

Manobrou o carro, voltando à travessa, para deixá-lo fora do raio de visão.

― O que ele está fazendo aqui? ― sussurrou Michelle.

― Depois que o despistamos em Toledo, talvez Edgar tenha achado que a melhor chance que tinha de nós encontrar era ficando de campana aqui. Talvez Gerald tenha acabado dizendo a Edgar onde Lili está ― disse Jake depressa, enquanto parava o carro e preparava-se para descer. ― Ouça, eu quero que você dirija por dois quarteirões e, depois, vire à esquerda. Estacione entre dois carros, se possível, de preferência debaixo de algumas árvores. Espere por mim lá.

Ela segurou-lhe o braço com desespero.

― Você acha que Lili está lá?

― É o que vou descobrir.

Vendo-a afastar-se pela travessa, Jake caminhou até a rua dos Evans, um turbilhão de emoções em seu íntimo. Não havia mais como negar a si mesmo. Estava se apaixonando perdidamente pela mulher que virara o seu mundo de ponta-cabeça. Concentrado naquela busca pela filha dela com apenas uma esperança de en­contrá-la. E o que começava a incomodá-lo era não saber que se­gredo se escondia no passado de Michelle, um segredo grave o bastante para colocar Edgar no encalço dela por dois dias seguidos.

Não se deu ao trabalho de fingir que não viu o colega. Apro­ximou-se do carro e bateu no vidro fechado da janela.

Edgar sobressaltou-se, tendo sido despertado de um cochilo. Desceu do carro desajeitadamente.

― Pelos céus, McCoy, você quase me matou de susto!

Jake ignorou-o e lançou um olhar à casa do outro lado da rua.

― Há quanto tempo você sabe que a garotinha tem estado aqui?

― Desde ontem à noite. Mas não está mais aí. Os avós partiram com ela ontem de manhã, logo depois que você e a francesa esti­veram aqui.

― O nome dela é Michelle ― lembrou-o Jake com um olhar atravessado. ― Tem alguma idéia de onde possam ter ido?

― Poderiam ter ido para qualquer lugar, levando em conta os . recursos que têm. Costa oeste, leste. Considerando que a menina

tem um passaporte americano legítimo, poderiam até ter deixado o país. E levando em conta que o Sr. Evans é aposentado...

Jake conteve a vontade de esmurrar o colega, pois de nada adiantaria e sabia que ele tinha razão.

― E então, onde está a france... a Srta. Lambert? ― perguntou Edgar, observando a rua.

Jake deu de ombros.

― Pode estar em qualquer lugar. Costa oeste, leste...

― Ouça, McCoy, você sabe que está em sérios apuros, não é? Quero dizer, ela lhe contou por que teve a renovação de seu visto negada?

Jake estreitou os olhos, uma onda de apreensão dominando-o. Quisera perguntar diretamente a Michelle o que acontecera. Queria que fosse ela a contar-lhe, a ajudá-lo a entender.

― Sim, eu sei ― mentiu.

A explosão de riso de Edgar surpreendeu-o.

― Sim, é claro que sabe. E claro.

― E então? Você vai me prender?

― Não, sabe que eu não faria isso. Não sem a mulher aqui, de qualquer modo.

Jake concluíra a mesma coisa. Meneou a cabeça e começou a se afastar pela rua.

― Ei, McCoy, durante os intervalos... você sabe, de todo o sexo quente que devem estar fazendo... por que não tenta lhe perguntar sobre o movimento Terra Azul e documentos altamente confidenciais da Marinha que acabaram desaparecendo em São Francisco, cerca de dez anos atrás?

Jake obrigou-se a continuar caminhando. A agir como se o que Edgar acabara de dizer não o tivesse atingido como um golpe físico. A fingir que não importava que o que estava oculto no passado de Michelle era pior do que imaginara.

O problema era: aquilo importava... demais.

Limpou a garganta, enquanto sete pares de olhos observavam a ambos alternadamente.

― Esta é, hum... Michelle, minha esposa.

Céus, ele dissera mesmo o que acabara de ouvir? A julgar pelos olhos arregalados e queixos caídos à sua frente, sim, dissera mesmo aquilo. Até Michelle o encarava em estupefação.

― Olá... Bom dia ― disse ela a seu lado, pouco à vontade.

― Oh, ela é francesa! ― Liz foi a primeira a recobrar a com­postura, enquanto abria caminho entre todos para se aproximar mais de Michelle. ― Olá, sou Liz. E a outra única mulher ali é Melanie. É um... ― observou Jake por um momento, um brilho maroto em seus olhos ― ...prazer conhecer você, Michelle. Bem-vinda à família.

Atrás dela, Sean limpou a garganta. Jake censurou-se mais uma vez por ter levado Michelle para sua antiga casa, mas por razões bem diferentes das anteriores. Nem sequer pensara em como sua família interpretaria seus atos. E agora, havia uma parte de si que queria protegê-la dos olhos curiosos dos McCoy. Outra parte queria retirar suas palavras, explicar exatamente o que qui­sera dizer com esposa. Mas, na prática, não conseguia fazer ne­nhuma das duas coisas.

Pôde apenas observar, enquanto uma sorridente Liz a pegava pelo braço e a apresentava aos demais McCoy.

― Este aqui é o patriarca da família, Sean. Mas todos nós o chamamos de papai. Este outro é Connor, o filho mais velho. Aquele bonitão ao lado dele é o meu marido, Mitch. E vê aquele ao lado de Mel? É o marido dela, Marc. Oh, e o loiro com ar de galã ali adiante é David, o caçula da família. Ele e Connor são os únicos irmãos que ainda continuam solteiros, mas não pela falta de pre­tendentes que eu e Mel tentamos lhes arranjar...

Enquanto Michelle era cumprimentada calorosamente por to­dos, Jake não deixou de notar como foi fácil para Liz excluí-lo daquele reduzido grupo de felizardos solteiros McCoy. Quis corri­gi-la, mas conteve-se quando notou o pai olhando para a aliança em seu dedo e corou até a raiz dos cabelos. O largo sorriso que Sean lhe abriu desconcertou-o.

― Hã... Liz, por que você não leva Michelle até lá dentro e a acomoda em meu antigo quarto? Eu... ― O quê? Precisava se afastar dali o quanto fosse humanamente possível? ― Eu preciso tirar umas coisas do carro.

Liz meneou a cabeça com um sorriso e Mel pegou prontamente o outro braço de Michelle, enquanto ambas a conduziam ao interior da casa.

Ele limpou a garganta e desceu da varanda, caminhando na direção do carro. Logo se deu conta de que estava cercado pelos irmãos e o pai. Cerrou os dentes, em um misto de exasperação e impaciência. Queria dizer a todos que o deixassem sozinho para poder refletir a respeito de tudo e decidir o que fazer em seguida. Mas sabia que de nada adiantaria. No momento em que lhes pe­disse que o deixassem, mais ficariam.

― E muito bonita, a sua Michelle ― comentou o pai. ― E parece uma boa moça.

― Ora, não é à toa que você não quis ir até as montanhas ― disse David secamente, mas havia um brilho divertido em seu olhar.

― Vejo agora que esteve ocupado com coisas mais interessantes...

― E como aconteceu de se casar tão depressa? ― perguntou Connor em um tom mais sério.                    

Jake tirou sua mochila do carro, evitando o olhar perscrutador do irmão mais velho.

― É complicado ― respondeu, evasivo.

― Bem, o que quer que tenha acontecido, basta olhar para ela para entender por que você ficou enfeitiçado ― disse Marc, pis­cando-lhe um olho.

Jake percebeu que Mitch ainda não fizera nenhum comentário sobre a situação, tendo-se limitado a sorrir quando fora esperado. Não sabia por quê, mas tinha a impressão de que o irmão queria lhe dizer algo sério.

Sean soltou um suspiro e olhou para a casa.

― Bem, acho que já importunamos o pobre Jake demais, ra­pazes. Que tal o deixarmos em paz um pouco e irmos tomar aquele café da manhã que as mulheres McCoy deixaram à nossa espera?

― Começou a se afastar com os demais, mas ainda se virou para perguntar: ― Você se lembra que dia é hoje, não é, Jake?

Ele olhou para o pai, vasculhando a memória. Então, lembrou-se. Era o aniversário da morte da mãe deles. Era por aquela razão que todos estavam reunidos ali. Meneou a cabeça solenemente.

― Combinamos em ir até o túmulo por volta das onze. Estará bem para você?

― Sim.

De todos, apenas Mitch ficou, e Jake encontrou-lhe o olhar com ar curioso. Então, deu-se conta de que o irmão já devia saber sobre o incidente no passado de Michelle, incidente que ele próprio só soubera através de Edgar. Quando telefonara para Mitch no dia anterior, deveria ter imaginado que o irmão faria alguma in­vestigação por conta própria. E, levando em conta a natureza das informações, o FBI teria sido o lugar perfeito para obtê-las. Jake soltou um suspiro.

― Ouça, já sei o que vai me dizer. E embora eu agradeça a sua preocupação, isto é algo que tenho realmente que resolver sozinho.

Mitch meneou a cabeça.

― Então, você sabe tudo o que está colocando em jogo nessa situação, certo?

Jake adquiriu um ar grave.

― Sei.

O irmão deu-lhe um tapinha nas costas.

― Apenas quero que saiba que pode contar comigo para o que precisar. Mas, agora, fale-me sobre a menina. Não conseguiu ne­nhuma pista concreta?

Jake contou-lhe sobre a busca infrutífera que os levara apenas a descobrir que Lili estava com os avós. Mitch ouviu atentamente e a um dado momento, comentou:

― Você se dá conta de que é oficialmente um padrasto agora, certo? No momento em que se casou com a mãe de Lili, você assumiu o papel de pai da menina. Sabemos que ela tem um pai legítimo, mas pelo que pude investigar a respeito dele... Bem, digamos que agora você é o pai de Lili.

― Pai? ― repetiu Jake, atordoado. Sim, quando se casara com Michelle para ajudá-la a ficar no país por tempo o bastante para encontrar Lili, não parara para pensar o que aquilo significava para a filha dela... a filha dele.

De repente, sentiu-se com a cabeça girando.

― Qual é o problema, Jake? Você está bem?

― Sim. ― Ele sorriu feito um tolo. Estava bem. Não apenas bem, mas sentia-se... orgulhoso. O que era tolice ainda maior, considerando as circunstâncias. Mas só em pensar em uma garotinha em algum lugar precisando de um pai e o fato de estar legalmente qualificado para aquilo...

― Fico me perguntando se é assim que Marc se sente ― co­mentou, referindo-se ao fato de Melanie estar grávida. ― Você tem razão, é claro. Lili agora é minha filha, embora eu nunca a tenha visto.

Mitch soltou um riso.

― A diferença é que você vai poder pular toda aquela parte de mamadeiras e trocas de fraldas.

Jake riu, riu tanto que o estômago quase doeu. Pelos céus, ele era pai...

Junto à janela do antigo quarto de Jake, Michelle viu-o aproximando-se da casa com o irmão... Mitch, lembrou-se. Seu coração disparou de imediato no peito. Céus, como amava aquele homem. E só em pensar que em breve não o veria mais...

Recusava-se a pensar naquilo no momento.

Passando os braços em torno de si, prestou atenção aos risos vindos do andar de baixo. A família dele era exatamente como a imaginara. Unida. Calorosa. Do tipo que se reunia todos os do­mingos para o almoço. Partilharem juntos do café da manhã era uma raridade, dissera-lhe Liz quando a levara até o quarto, mas com tudo o que estava acontecendo com Jake... Bem, na noite anterior, todos haviam-se reunido na casa à espera de alguma notícia.

Ela não podia imaginar como era crescer em ambiente tão ale­gre. Enquanto sua mãe estivera viva, haviam sido apenas ambas e o pai. Depois, seu pai tornara a se casar. Jacqueline, a madrasta dela, já tinha três filhos na época. Mas nunca houvera aquela união tão evidente entre os McCoy. Todos em sua família sempre haviam tido seus próprios interesses, os irmãos de criação às voltas com as tarefas da escola, Jacqueline ocupada com suas coisas. E, embora ela e o pai conseguissem almoçar ou jantar juntos ocasio­nalmente, não era a mesma coisa. O fantasma da mãe dela sempre parecia pairar por perto.

Lembrou-se de que Jake também perdera a mãe. Mas, em vez de desagregar a família, o fato parecia tê-la unido ainda mais.

Liz insistira para que se reunisse a eles no café da manhã, mas ela recusara, alegando que descansaria um pouco. O fato era que se sentia constrangida porque não era parte da família, apesar de todos terem-na recebido de braços abertos. E como gostaria de poder ser parte daquela grande e calorosa família... Que ela e a filha pudessem ser incluídas naquelas animadas reuniões, ser uma parte do intrincado sistema de apoio tão evidente na união de todos.

Surpreendeu-se com o rumo de seus pensamentos. Nunca pen­sara em viver fora da França, em residir em um outro país, onde os costumes a língua eram tão diferentes. Nunca pensara em criar sua filha em nenhum outro lugar. E era perigoso estar pensando naquilo agora, porque não era uma alternativa.

Jake estivera agindo de modo estranho desde o encontro ines­perado com Edgar à porta dos Evans no fim do dia anterior. Es­tivera quieto, pensativo, quase triste. Quisera lhe perguntar o que estava errado, mas não ousara. Tivera medo de qual poderia ter sido a resposta dele. Desistira de toda a esperança de encontrar Lili? A perspectiva de voltar para casa, de retornar à vida normal, fizera-o ver o erro que cometera quando a tornara sua esposa no intuito de ajudá-la?

Sobressaltou-se quando a porta se abriu. Era Jake.

― Está tudo bem? ― perguntou ele, seus olhos velados, atentos.

― Sim. ― Michelle tentou sorrir, mas não conseguiu, a mente povoada de perguntas que não podia mais ignorar, não importando quais fossem as respostas. ― Não. Não está tudo bem. ― Sentou-se na beirada da cama. ― Precisamos conversar.

― Sim, acho que sim.

Ela fitou-lhe o semblante grave e engoliu em seco.

― Você está... agindo de uma maneira um tanto estranha desde ontem à noite. Sei que tudo nesta situação é... peculiar. Mas você parece mais... distante. ― Estudou-lhe os olhos cinzentos. ― Há alguma coisa errada?

Jake manteve-se em silêncio por um longo momento, apenas fitando-a e, enfim, sentou-se na beirada da cama ao lado dela.

― Sim, há uma coisa errada.

Michelle mordeu o lábio inferior, o coração apertado, certa de que ele iria lhe dizer que não sentia nada por ela, que se deixara levar, no calor da paixão, e agora era momento de falarem sobre seu retorno à França. Se a idéia de voltar sem Lili já era terrível o bastante, a de voltar sem a esperança de tornar a ver Jake partia ainda mais seu coração.

― Você vai me mandar de volta ao meu país, não é?

A expressão de perplexidade no rosto dele surpreendeu-a.

― O quê?

Ela não se atreveu a acreditar que não era aquilo que Jake estivera prestes a lhe dizer.

― Eu... Ontem, na rua dos pais de Gerald, Edgar... ― Jake desviou o olhar para a janela. ― É com isso mesmo que você estava preocupada?

― Sim. Edgar o quê?

― Edgar me contou exatamente por que você é um dos nomes que estão encabeçando a lista negra do Serviço de Imigração.

― Lista negra?

― Aqueles estrangeiros que devem ser deportados do país o mais depressa possível.

Ela arqueou as sobrancelhas.

― Estou nessa lista?

― Sim.

― Por quê?

Jake estou-lhe o rosto atentamente.

― Por causa do que você fez dez anos atrás em São Francisco.

Michelle sentiu cada músculo de seu corpo relaxando instan­taneamente. Foi tomada, então, por uma vontade súbita e incontrolável de rir.

 

Michelle parou de rir, o rosto adquirindo um ar sério rapidamente. A expressão dura de Jake dizia que não achava a situação engraçada. Estava certo, eviden­temente, levando em conta que Edgar Mollens ainda os estava procurando. O fato de não ter dormido devia ser o responsável pelo súbito histerismo dela, ou o absurdo das circunstâncias. Observou-o um pouco mais de perto.

― São Francisco? É por essa razão que tive meu pedido de renovação de visto negado? É por isso que Mollens vem tentando me deportar? Por causa de algo banal que eu fiz dez anos atrás?

Uma sombra passou pelos olhos dele. Ao que parecia, sen­tia-se de maneira diferente em relação à situação, assim como seu governo.

― Conte-me a respeito.

Ela levou um minuto para evocar as lembranças em questão. Havia tanto tempo que não pensava sobre aquele período de sua vida. Sim, logo depois que deixara o escritório do Serviço de Imi­gração na segunda-feira, considerara o que acontecera em São Francisco como uma razão provável para a renovação de seu visto ter sido negada. Mas achara que não teria sido algo sério o bastante para colocá-la no alto da lista dos mais procurados pelo Serviço de Imigração.

― O que devo dizer? Sobre como me envolvi no movimento Terra Azul? Que éramos contra o teste de armas nucleares debaixo d'água feitos pelos Estados Unidos? Um grupo formado por oitenta por cento de americanos? Céus, quase todo universitário faz a mesma coisa.

― Papéis importantes desapareceram enquanto vocês estavam protestando.

― De onde?

A suspeita no rosto dele a fez estremecer por dentro. Talvez aquilo fosse mais sério do que imaginava.

― Da Marinha.

― E todo esse alvoroço em torno de mim é por causa disso? Ele não respondeu.

Michelle levantou-se da beirada da cama, começando a andar de um lado ao outro do quarto.

― Essa não era nossa missão. Nós simplesmente fomos até lá para impedir que o navio de guerra nuclear U.S.S. Admirai zar­passe do porto. Para bloquear a baía de São Francisco. Para atrair a atenção pública para as práticas deles através da cobertura dos jornais e da mídia televisiva. Em nenhum momento, nada foi dito sobre alguém do Terra Azul sair em uma missão especial para roubar documentos confidenciais. ― Ficou pensativa por um mo­mento. Lembrou-se de seu idealismo da juventude, do orgulho por estar tentando fazer algo tão importante pelo meio ambiente. Mas já havia se passado tanto tempo. ― O único que acho que teria sido capaz de fazer algo assim seria Enrique. Na manhã do pro­testo, ele desapareceu.

― Enrique?

― Sim. Enrique Del José. Ele era arrogante, destemido e o nosso segundo em comando, por assim dizer. Ele saiu do nosso barco em algum momento antes do amanhecer. Eu era a única no convés, morrendo de frio e enrolada em um cobertor, à espera de ver o sol nascer do outro lado da ponte Golden Gate. Ele não me viu e pareceu sobressaltado quando lhe perguntei aonde ia. Disse-me que tinha um assunto qualquer a resolver. ― Michelle olhou fixamente para Jake. ― Espere! Pode ter sido Julie Cochran. Ela havia deixado o barco na noite anterior, dizendo que tinha família nas redondezas e só retornou no dia seguinte. ― Ela sus­tentou-lhe o olhar. ― Ou você já parou para pensar que não foi nenhum de nós, mas alguém de dentro mesmo que roubou os documentos? Quero dizer, era uma instalação militar, certo? Não teria havido um rígido esquema de segurança?

Michelle suspirou e fechou os olhos, dando-se conta de que aque­le argumento não levaria a nada.

― De qualquer modo, o fato é que, durante a nossa prisão no barco, não pensei em quem estava ou não ausente. ― Ela tornou a sentar-se ao lado dele. ― Se o ocorrido foi de fato tão importante, se fui suspeita de algum crime... pequeno ou grande... por causa do grupo ao qual pertencia, por que não fui detida por mais tempo do que os demais? Interrogada? Levada a julgamento e presa em uma cela?

― Não é o que acontece normalmente. Se a pessoa detida é estrangeira, o procedimento é o de a mandarmos de volta ao país de origem, com um aviso para que o governo em questão fique atento a essa pessoa. Em certos casos, o governo local a prende.

Michelle arregalou os olhos.

― Quer dizer que a França tem isso em meu histórico pessoal também?

― Provavelmente.

― Oh.

― Então, você tem que combinar essa informação com o fato de que, quando você voltou ao país desta vez, desembarcou no Aeroporto J. F. Dulles, na capital do país.

Ela o encarou, incrédula.

― Quer dizer que suspeitaram que eu tentaria roubar docu­mentos secretos de Washington?

Ele deu de ombros, fazendo-a ter esperança de que achava a hipótese tão absurda quanto ela.

― Fui para Washington porque foi onde a viagem de Gerald terminou. Eu pensei que... ele estava com Lili em alguma parte do Distrito de Colúmbia.

Finalmente, a expressão nos olhos de Jake suavizou-se.

― Por quanto tempo você foi integrante do movimento Terra

Azul?

― Cerca de três meses. Afinal, eu estava apenas de passagem aqui. Céus, eu nem sequer pensei mais nessa época da minha vida.

― Infelizmente, é um fato que o governo dos Estados Unidos não esquecerá tão depressa. Ou qualquer outro governo, aliás.

Jake não sabia o que pensar. Estava sendo quase impossível ver-se a sós com Michelle em um quarto sem tomá-la em seus braços, sem querer esquecer-se de tudo e de todos e possuí-la mais uma vez.

― Trabalho no Serviço de Imigração e Naturalização há quatorze anos. Antes disso, fui um fuzileiro naval e eu vi... Bem, eu servi em outros países. Minha vida tem girado em torno de proteção de fronteiras e a importância de se fazer isso. Uma pessoa. É quanto basta. Um maluco qualquer que quer tentar obter glória eterna e este governo inteiro poderia ruir. E com ele, a economia mundial. ― Ela não compreendia aquilo? Não entendia que seu passado a tornava um risco que os Estados Unidos, ou qualquer outro país, não podia correr? Não se importavam que a filha tivesse sido tirado dela, nem que suas intenções fossem louváveis. Tudo o que viam era que estivera envolvida em atividade altamente questionável no passado.

Com a cabeça latejando, ele se perguntou o que teria feito se tivesse obtido aquela informação três dias antes, quando pergun­tara a Brad sobre ela no escritório. Teria colocado Michelle em um avião? Teria encarado aquela mulher como o risco que Edgar a julgava e a perseguido com a única intenção de deportá-la?

Não sabia, porque o fato era que não tivera a informação na ocasião. O que sabia agora, porém, era que Michelle não repre­sentava perigo algum para o governo*federal. A permanência dela no país não punha em risco a vida, nem a liberdade de ninguém. O bem-estar de uma pessoa em particular, Lili, filha dele, estava em risco se Michelle fosse obrigada a voltar à França. O pensa­mento causou-lhe um nó na garganta.

― Entendo ― disse ela em um tom baixo, os olhos tomados por profunda tristeza.

Jake engoliu em seco. O que havia naquela mulher que o fazia querer protegê-la do mundo? Que encanto lançara sobre ele? Segurou-lhe o queixo com gentileza para que o fitasse.

― Não, acho que não entende. Estou lhe dizendo que a situação que você está enfrentando é séria. Mas não estou voltando atrás em minha promessa. Eu disse que a ajudaria a encontrar Lili. E, acredite, farei isso. Porque a verdade é que, quando me casei com você, não importando os motivos, Lili tornou-se tanto minha res­ponsabilidade quanto sua.

― Mas...

Jake interrompeu-a, tomando-lhe os lábios com os seus, não querendo ouvir mais nenhuma pergunta. Não querendo enfrentar a realidade de que talvez tivesse que cumprir sua promessa sem ela ali. Tudo dependeria do que conseguiria fazer nos dias seguin­tes. E de quanto tempo Edgar e o Serviço de Imigração ainda os deixariam ter.

Fechando os olhos, soltou um gemido abafado e deu total vazão à paixão que o consumia.

Ao final da visita anual dos cinco irmãos e do patriarca do clã ao túmulo de Kathryn Connor McCoy, uma tradição que Sean iniciara vinte sete anos antes, no ano seguinte à perda da esposa, Jake se viu em meio a uma inesperada crise familiar. Um hesitante Sean acabou anunciando aos filhos que estava tendo um relacionamento com alguém havia algum tempo... com ninguém menos que a mãe de Melanie e sogra de Marc, Wilhemenia Weber.

Sem saber exatamente como se sentia, Jake apenas observou as reações mais variadas de seus irmãos, a revolta de Connor, que se recusou terminantemente a aceitar o fato e deu um ultimato ao pai para que rompesse o relacionamento, a de incredulidade de Marc, que perguntou se agora sua sogra também se tornaria sua madrasta e a de mera surpresa de Mitch e David.

Durante o trajeto de volta do cemitério, esperou que a tensão se dissipasse um pouco para que o irmão mais velho e o pai che­gassem a algum tipo de trégua. Mas o interior da cabine dupla da nova caminhonete de Mitch ficou terrivelmente quieto. Nem mesmo as patéticas tentativas de humor de David conseguiram romper o silêncio.

― Não se preocupe, pai ― murmurou David, enfim, ao lado de Sean, fazendo um gesto discreto na direção de Connor, sentado com o semblante fechado junto à janela. ― Ele terá superado isso em um dia ou dois.

Jake não tinha tanta certeza. Nada seria superado em um dia ou dois se Sean não agisse com muito tato. Nunca vira Connor tão ressentido e contrariado com algo em toda sua vida.

Junto à janela da cozinha, Michelle observava os campos ver­dejantes da fazenda dos McCoy, enquanto Liz e Mel punham a mesa para o almoço e aguardavam a volta dos homens.

Aquela terra fértil a fazia lembrar de algum modo de casa. Embora não houvesse fileiras intermináveis de videiras, havia campos e colinas em um tom de verde que uma vez julgara ser apenas possível no sul da França, onde nascera e crescera.

Casa.

Supunha que devia sentir alívio em ainda pensar na França como sua casa. Porque era exatamente o que precisava estar pen­sando no momento. Apesar de ter passado boa parte daquela ma­nhã nos braços ardentes de Jake, a conversa de ambos deixara várias coisas muito claras. O fato de tê-lo colocado em um risco bem maior do que pensara. E o de que precisava voltar ao seu país o mais depressa possível... para o bem de Jake. Mas antes de tomar tal atitude tinha que se certificar de que nada aconteceria a ele. E, ironicamente, aquilo significava ir em busca do homem que ambos haviam se empenhado tanto para evitar.

A dor em seu coração era tamanha que parecia sufocá-la.

 

Michelle fechou a porta do quarto suavemente -depois do almoço. Dissera a Jake que precisava dormir um pouco. Era verdade, mas não a razão para querer estar a sós. Precisava pensar, pois o que estava prestes a fazer era bastante sério.

Afundou na cama e soltou um suspiro trêmulo. O que a família de Jake diria se soubesse de seu passado? Ele parecera mais abor­recido com a revelação do que ela poderia ter imaginado. E a conhecia melhor do que os outros, gostava mais dela.

Olhou para o telefone celular dele na mesinha-de-cabeceira, estendeu a mão para apanhá-lo, mas recuou.

Covarde, disse a si mesma.

Sim, admitia, era covarde e tola. Uma grande tola por ter pen­sado que aquela relação com Jake poderia ter acabado de alguma outra forma.

Como fora fácil, enquanto estivera nos braços fortes dele, acre­ditar que tudo ficaria bem. Que, de algum modo, aquele homem poderia mover as montanhas que a separavam de sua filha e pro­tegê-la de seu governo, que queria mandá-la de volta para a França.

Causava-lhe aturdimento agora o fato de que, depois de ter passado vinte e oito anos cuidando de si mesma, criando a filha, lutando por sua carreira e independência, fora se deixar envolver por ilusões de contos de fada, nos quais parara de acreditar havia tanto tempo.

Mas nada daquilo mudava o fato de que todas as possibili­dades de encontrar Lili estavam esgotadas. E que estando ali, sem tomar nenhuma atitude, só estava adiando o inevitável. Aquilo com que se permitira sonhar meras horas antes, sabia agora que era impossível.

A triste ironia era que já começara a conquistar um lugar na­quela família. O pouco de convivência já fora o bastante para lhe dar a certeza de que Liz e Mel... Bem, ambas eram as irmãs que sempre esperara que suas irmãs de criação tivessem sido, mas nunca foram. Eram felizes, inteligentes e calorosas, fazendo-a ver que teria sido apenas uma questão de tempo para ter se afeiçoado muito a elas... e ao restante da família McCoy. Se permitisse que aqueles elos se fortalecessem, estaria magoando não apenas a Jake, mas aos demais também. E a dor que a dominava aumentaria.

Céus, quando o mundo se tornara tão complicado? Fora pecado ter sido uma jovem integrante de um movimento pacífico que lutara por uma causa nobre? Era crime querer que uma filha voltasse para o lado da mãe, onde era seu lugar? Quando se tornara algo ruim amar tanto um homem a ponto de se sacrificar até o próprio coração por ele?

Michelle fechou os olhos com força, pensando em Lili. Sábado seria o aniversário dela e não estariam juntas...

Não sabia como suportaria viver sem a filha por mais um dia ou dois, quanto mais durante os anos pela frente. Uma coisa era certa, no entanto. Jamais desistiria de procurá-la. Jamais. Teria que fazer aquilo da França. Não se importava onde arranjaria o dinheiro necessário para prosseguir com sua busca. Teria três em­pregos, pediria emprestado aos bancos e ao pai para obtê-lo. O que fosse necessário. Mas jamais pararia de procurar Lili, não importando quanto tempo se passasse. Só esperava que um dia Lili a perdoasse por não ter sido uma mãe melhor.

Sua mão se fechou em torno do telefone celular. Depois de abrir os papéis de seu visto em cima da cama, digitou um número de telefone de contato cuidadosamente. ― Agente Edgar Mollens, por favor.

Jake lançou um olhar até a escadaria por onde Michelle desa­parecera meia hora antes, alegando a necessidade de uma soneca. Notara como ela evitara olhar diretamente para ele durante o almoço. Tentara lhe falar depois, mas a encontrara colocando pra­tos na lava-louças, mantendo-se de costas para ele. Não tinha certeza do que acontecera durante sua ausência antes do almoço, mas era evidente que houvera uma transformação nela. Em relação a ele.

O que o deixava contente, ao menos, era o fato de Michelle ter se entrosado tão bem com suas cunhadas e ter sido tão bem aceita por sua família. Não tinha certeza de quando acontecera, nem do porquê. Mas um anseio de torná-la sua esposa de verdade, para sempre, dominava-o com toda a sua intensidade. Não podia mais imaginar sua vida sem ela. Jogando aqueles cabelos cacheados para trás. Abrindo seu sorriso sexy. Fazendo-o desnudar suas emo­ções mais profundas de uma maneira que o apavorava, mas, por outro lado, que fazia com que se sentisse... real.

A lembrança da cerimônia de casamento rápida em Toledo po­voou-lhe a mente e o fez contrair o rosto. Michelle merecia muito mais do que alguns votos trocados apressadamente diante de um juiz, com estranhos como testemunhas. Provavelmente, sonhara com um casamento tradicional e romântico. Jake deu-se conta de que queria dá-lo a ela.

Tornou a olhar para a escadaria. O que não daria para ir até seu antigo quarto e deitar-se naquela cama ao lado de Michelle.

E, depois, pedi-la em casamento apropriadamente.

Mas não podia, não ainda. Daquela vez, pretendia fazer as coisas da maneira certa, mas tinha alguns assuntos a resolver primeiro.

Ele correu os olhos pela sala de estar, onde os irmãos des­cansavam e bebericavam café. Seu pai estava no corredor ao telefone, Liz e Mel conversavam na cozinha sobre receitas que Michelle lhes dera. Connor saíra abruptamente depois de ter permanecido taciturno à mesa do almoço, sua ausência óbvia, mas não mencionada.

Jake limpou a garganta.

― Rapazes, isto é, bem... um tanto difícil para mim, mas... Esparramado em um dos sofás, Marc lançou-lhe um longo olhar e, então, cruzou os braços.

― Devo-lhe dizer, todos estávamos nos perguntando quando, afinal, você iria pedir.

Confortável em uma poltrona, Mitch abriu um largo sorriso.

― Alguém marcou o tempo?

David consultou seu relógio de pulso com gestos teatrais.

― Nove horas, vinte minutos e trinta segundos. ― Fez uma careta. ― Droga. Isso significa que foi papai quem ganhou.

Jake alternou um olhar confuso entre os irmãos.

― Importam-se em me explicar do que estão falando? Pedir o quê? E o que nosso pai ganhou?

David inclinou-se para a frente em uma outra poltrona.

― Bem, pedir-nos para ajudar você a encontrar Lili, é claro.

― Todos fizemos uma aposta sobre quanto tempo você levaria para nos falar sobre o assunto ― explicou Marc. ― Papai ganhou.

David abriu um sorriso.

― A verdade é que, enquanto você estava lá em cima nesta manhã, fazendo sabe-se lá o que com Michelle, nós todos nos re­vezamos ao telefone e começamos a fazer alguns contatos. Teríamos dito a você antes, mas estávamos à espera de alguma notícia con­creta. Além do mais, achamos que você pediria ajuda eventual­mente, e não queríamos que pensasse que estávamos interferindo ao mencionar a idéia primeiro.

O semblante de Mitch ficou sério.

― Durante nossas conversas telefônicas, dois dias atrás, você não me deu muitos dados para investigar. Mas foi o bastante para nós todos entendermos a situação. E com aquele tolo do Mollens ligando para cá...

Jake arregalou os olhos.            

― Edgar Mollens ligou para cá?

― Sim. Foi nosso pai quem o atendeu primeiro. Mollens ouviu poucas e boas ― respondeu Marc. ― Tentou mais uma vez ontem, mas também não teve muita receptividade da parte de Mitch.

Mitch deu de ombros.

― Apenas não gosto que ameacem a mim, nem aos meus irmãos.

― O que Edgar disse?

― Nada que importe agora. O que estou tentando dizer é que cerca de uma hora atrás, Gerald Evans, o pai de Lili, foi levado por autoridades em sua área, e estamos à espera de mais notícias. Foi graças a nosso pai, para que você saiba. Embora eu ainda tenha alguns contatos no FBI, ninguém estava disposto a interferir diretamente.

David interveio.

― Ei, eu também tenho alguma influência no Departamento de Polícia de Washington, sabem? Não foi apenas papai.

Três irmãos McCoy encararam-no.

Marc, que trabalhava como agente do Serviço Secreto, deu de ombros.

― Infelizmente, também não pude conseguir muita coisa com o Serviço Secreto...

Jake ergueu as mãos.

― Ei, alto lá. O que estão me dizendo? Que se anteciparam e tentaram encontrar Lili por conta própria? Sem que eu lhes pe­disse? Sem... ― A voz dele morreu na garganta, a onda de gratidão que sentiu pelos irmãos arrebatadora em sua intensidade. Pela primeira vez naquele dia, a esperança cresceu em seu íntimo, juntando-se à determinação ferrenha de encontrar a filha de Michelle... a filha de ambos.

― Sim, é exatamente o que estamos dizendo ― confirmou David. Naquele instante, Sean entrou na sala, tendo aparentemente

terminado a sua ligação telefônica. Liz e Mel ladeavam-no, a con­fusão de ambas evidente. Mitch levantou-se.

― Na verdade, aposto que nosso pai tem notícias a nos dar. Jake praticamente saltou de sua poltrona. Olhou na direção

da escadaria e viu Michelle junto à parede ao lado, ouvindo. Uma gama de emoções passava por seu rosto, os olhos grandes em seu rosto pálido. Jake queria ir até ela, mas não conseguia se mover, enquanto a observava e, depois, ao pai, o coração disparado no peito.

― Eu encontrei Lili ― anunciou Sean.

A onda de expectativa que pairou na sala foi quase sufocante. Michelle correu até Sean.

― Onde? Como? Posso vê-la? Sean abriu um largo sorriso.

― Ela está em um hotel no centro da cidade de Washington com os avós. Como? Bem, isso é um pouco mais complicado. ― Tocou o braço de Michelle. ― E, sim, você pode ir vê-la. Na verdade, poderá ir buscá-la tão logo esteja pronta.

Jake estava estupefato. Parecia impossível que depois de tudo que haviam feito, tudo pelo que ele e Michelle haviam passado, seu pai conseguira em poucas horas o que eles não haviam feito em vários dias.

― Esclareça as coisas, pai. Explique como... como a encontrou.

― Ora, eu bem que gostaria de levar todo o crédito por isso, mas não posso. Você verá o que quero dizer. ― Sean limpou a garganta. ― Nesta manhã, pedi a alguns dos meus companheiros no distrito que ligassem a alguns de seus companheiros, até que alguém encontrou alguém que trabalhou no departamento do xerife de Lucas County, no noroeste de Ohio. Não foi necessário usar de muita persuasão para fazê-los pegar Gerald Evans e levá-lo ao distrito local. Foi lá, sob a pressão de um interrogatório, que ele revelou onde os pais estavam. O engraçado é que os avós de Lili já haviam chegado à conclusão de que o que estavam fazendo era errado, não importando que a lei estivesse do lado de ambos, tecnicamente falando. Já estavam a caminho de Washington, tendo partido de New Hampshire, onde haviam estado... ― estudou o rosto pálido de Michelle... ― para trazerem Lili de volta para você, Michelle. Hospedaram-se em um hotel há pouco e estão à sua espera.

Ela parecia prestes a sair correndo, e Sean segurou-a com gen­tileza pelos ombros.

― Mais uma coisa. Os Evans me pediram para transmitir a você as suas desculpas...

― Você os viu? ― perguntou Jake.

― Não. Falei com eles ao telefone. Eu queria ter certeza de que tudo estava realmente bem antes de dizer algo. ― Sean tornou a fitar Michelle. ― De qualquer modo, depois que tudo estiver resolvido, os Evans disseram que gostariam de manter contato com você, para se informarem sobre Lili. E embora tenham dito que entenderão se você recusar, gostariam que você considerasse a possibilidade de permitir que a -neta venha visitá-los de vez em quando.

Entregou a ela um pedaço de papel.

― Aqui está o número deles. Com o tempo, talvez você queira lhes dar um telefonema, quando se sentir pronta. Ou... ― Deu de ombros. ― ...não. Acho que, depois do que eles fizeram, eu não a culparia se você não quisesse que sua filha tornasse a vê-los, em­bora tenham marcado alguns pontos a seu favor trazendo-a de volta para você.

― Em que hotel? ― perguntou Jake, apanhando as chaves de seu carro.

Sean lhe disse.

Jake pegou o braço de Michelle e conduziu-a até a porta.

― Ei, esperem! ― exclamou Marc, seguindo-os.

― Vocês não irão a lugar algum sem mim ― disse David. Liz enxugou suas lágrimas.

― Mitch, vá ligando a caminhonete. Precisaremos de bastante espaço.

Michelle não conseguia se permitir acreditar que a filha fora realmente encontrada. Estava no saguão do hotel, tremendo incontrolavelmente, esperando ouvir a qualquer momento que os Evans haviam mudado de idéia e deixado o hotel sem informar seu destino.

A presença de Jake a seu lado significava mais do que conseguia expressar, mas não o abraçou em busca de apoio. Não importando o que acontecesse nos minutos seguintes, já tomara sua decisão. Não havia volta agora.

As portas do elevador abriram-se lentamente. Michelle achou que seu coração explodiria dentro do peito.

Lili!

Dentro do elevador, sua filha segurava as mãos dos pais de Gerald e tinha o rosto erguido, tagarelando sobre algo e, portanto, não viu Michelle de imediato. Então, virou-se para olhar para o saguão. Parou de falar no mesmo instante e, então, lançou-se na direção de Michelle.

― Maman! Maman!

O soluço convulsivo de Michelle pareceu reverberar pelo sa­guão... e chegou até o fundo do coração de Jake.

Permaneceu em silêncio e observou Lili correndo para os braços da mãe, falando em uma rápida combinação de inglês e francês, os pequenos braços em torno do pescoço de Michelle.

― Eu sei que você tentou telefonar, meu amor ― murmurou ela, cobrindo o rosto da filha de beijos e lágrimas. Deve ter-se dado conta de que falou em inglês, pois mudou imediatamente para o francês.

Sean foi colocar-se ao lado de Jake, enquanto o restante do clã dos McCoy aguardava um pouco atrás.

― É uma garotinha linda, não? ― sorriu Sean.

Jake meneou a cabeça, incapaz de falar, de vencer o nó em sua garganta, seus olhos fixos na mulher que amava, que estava sendo reunida à filha. E estava parado ali completamente para­lisado, sentindo-se um tanto excluído. Mas a emoção que o domi­nava era semelhante a que sentira quando o pai e os irmãos o haviam ajudado em algo tão crucial sem que sequer tivesse pre­cisado lhes pedir. Apenas porque era um deles. Dera-se conta, então, de que não precisava mais se isolar em si mesmo como costumara fazer, por causa de seu jeito reticente. Que, em seus trinta e cinco anos de vida, nunca tivera que fazê-lo.

Também se deu conta da verdadeira dimensão de seus senti­mentos por Michelle. Amava-a de corpo e alma.

Quando parara de ser um solitário calado? Quando confiara a si mesmo e aos demais à sua volta coisas que tinha a dizer... sem medo de que o ridicularizassem ou de envergonhar a si mesmo?

Sabia exatamente quando aquele momento acontecera. O mo­mento em que conhecera e se apaixonara por Michelle Lambert.

Em que abrira seu coração e a deixara entrar, não apenas par­cialmente, mas por inteiro.

Notou que Connor se reunira ao grupo em algum daqueles mo­mentos de confusão em que haviam saído de casa. Estava um pouco à parte dos demais, os braços cruzados, o olhar velado en­quanto observava o reencontro de mãe e filha.

Michelle, finalmente, interrompeu o abraço e, segurando a mão de Lili, virou-a na direção de Jake. Fitou-o e disse algo ao ouvido da menina em francês. Então, sorriu e repetiu no idioma dele:

― Lili, querida, diga olá a Jake.

A menina hesitou e, enfim, ergueu os olhos para fitá-lo. Jake engoliu em seco.

― Olá, Lili ― conseguiu dizer.

Ela o fitou com intensidade por um momento, a semelhança com a mãe inconfundível, apesar da diferença da cor dos cabelos e dos olhos.                                                      

― Olá.

Jake sentiu o coração disparando estranhamente e lançou um olhar a Michelle, mas ela dizia algo em francês à filha.

― Prazer em conhecê-lo, Sr. McCoy ― disse a menina devagar.

― É um prazer conhecê-la também, Lili ― respondeu Jake, tentando conter a emoção em sua voz. Agachou-se e observou-a. Era tão pequena. Tão frágil. Quis tocar-lhe a face delicada, mas não ousou. Contentou-se com um sorriso. Um sorriso que ela re­tribuiu antes de voltar para o lado da mãe.

Jake não sabia o que estava acontecendo. Por que Michelle instruíra a filha a chamá-lo de Sr. McCoy, em vez de Jake? Agora que colocara um nome no sentimento que passara a conhecer tão bem, a súbita rejeição que sentia era ainda mais dolorosa.

Michelle segurou com firmeza a mão da filha e olhou para o grupo ali reunido.

― Eu... nem sei o que dizer ― mordeu o lábio inferior, enquanto seus olhos tornavam a se encher de lágrimas. Incluiu os Evans, que estavam logo ao lado do elevador, enquanto observava a todos. ― Obrigada... muito obrigada a todos vocês.

Alguns dos irmãos McCoy limparam a garganta, enquanto Liz e Mel enxugavam as lágrimas.

Lili puxou a mão da mãe para lhe dizer algo:

― Eu amo a vovó e o vovô, maman. E eles me amam.

A voz de Michelle soou trêmula, enquanto afastava uma mecha loira da fronte da filha.

― Eu sei, querida. Eu sei.

Ela tornou a olhar para Sean e o restante do grupo. Jake tentou dizer a si mesmo que era a emoção do momento, que, com tudo o que acontecia, Michelle estava atordoada, mas teve mais uma vez a nítida impressão de que ela evitava o seu olhar.

― Não sei como conseguirei retribuir a vocês algum dia. Mas o farei. ― Finalmente, olhou para ele e o ar definitivo que Jake viu naqueles olhos castanhos causou-lhe um forte aperto no cora­ção. ― Eu o farei.

Duas horas depois, Jake estava diante de seu antigo quarto, os olhos fechados, prestes a bater à porta, mas hesitava. Tão logo todos haviam chegado de Washington, Michelle levara uma falante Lili para o quarto, onde estavam havia meia hora.

Ouvindo as duas conversando animadamente ali dentro, baixou a mão, perguntando-se se deveria interrompê-las. A verdade era que não sabia como estavam as coisas entre ele e Michelle. Agora que recuperara a filha, havia espaço em seu coração para ele?

A porta se abriu. Jake sobressaltou-se, olhando com ar culpado para Michelle, que parecia igualmente surpresa em vê-lo ali.

― Desculpe... Eu só queria me certificar de que... tudo está bem.

Ela abriu-lhe um sorriso trêmulo.

― Sim, está tudo bem. ― Desviou, então, o olhar e abriu um pouco mais a porta. ― Entre. Eu estava indo buscar você.

Jake gelou por um momento, não gostando daquele tom de voz, da maneira como as palavras haviam sido ditas. Seguiu-a com relutância, fechando a porta atrás de si.

Lili estava sentada à antiga escrivaninha dele, desenhando em um bloco de papel.

― Olá, Sr. McCoy.

Aquele estranho peso tornou a oprimir o peito de Jake, seguido de uma onda de apreensão.

― Olá outra vez, Lili.

Michelle cruzou os braços e indicou-lhe a cama.

― Por favor... sente-se.

Jake sentou-se devagar, a respiração em suspenso.

― Eu... realmente nem sei por onde começar, mas... ― Michelle sentou-se na beirada da cama também, mantendo considerável distância. ― Em primeiro lugar, quero que saiba quanto lhe sou grata por tudo o que você fez por mim... e Lili...

O que ela estava dizendo?, perguntou-se Jake. Não tinha que agradecê-lo. Eram uma família. Não eram? .   ― Sei quanto você colocou em risco para me ajudar. ― Ela mordeu o lábio inferior. ― Quero que saiba que não lhe causarei mais problemas.

Ele sentiu-se como se seu mundo tivesse ruído.

― O que você... está dizendo?

― Eu... O que quero dizer é que... Lili e eu voltaremos à cidade hoje. Embarcaremos em um vôo de volta para a França amanhã de manhã.

Jake levantou-se da cama abruptamente, mal acreditando no que ouvira.

― O quê?

― Por favor. ― Ela também se levantou e tocou-lhe a face. ― Não torne isto mais difícil do que já é. Já lhe causei problemas demais. Você mesmo disse que seu governo jamais poderá ignorar meu passado. Jamais me deixarão ficar aqui. ― Ela piscou em uma tentativa de conter as lágrimas. ― E você... ― Abriu um sorriso triste. ― Não consigo vê-lo em nenhum outro lugar senão aqui. Você não percebe que esta é a única saída? Que minha partida é a única solução possível? Estivemos enganando a nós mesmos se pensamos que as coisas poderiam ser diferentes. Não pode ser...

― Pode ― declarou Jake, veemente, segurando-a pelos braços com gentileza. ― Por favor, escute-me. Eu... ― Hesitou ao vê-la sacudindo a cabeça de leve. ― Eu nunca fui bom com as palavras, mas isto entre nós pode dar certo. Podemos nos submeter ao comitê de revisão do Serviço de Imigração, droga, a um tribunal, se for necessário. Meu histórico limpo pode anular o seu se chegarmos a esse ponto.

― Não posso... Não deixarei você fazer isso.

― A decisão não é minha?

― Tem sido assim, não é? Até agora, todas as decisões tomadas foram suas. Esta tem que ser minha.

Jake sentiu que era quase impossível respirar, a opressão no peito terrível, o medo se alastrando como um veneno por suas veias.

― Quando nos conhecemos, você disse que tudo o que queria era encontrar Lili e retomar a sua vida. Aquilo me fez acordar e eu me dei conta de que ainda estava à espera de que minha vida começasse. ― Fitou-a nos olhos com intensidade. ― Você não per­cebe? Até aquele momento eu não sabia que faltava algo em minha vida. Não até que a conheci. Eu... ― Venceu o nó na garganta. ― Eu amo você. E quero que você e Lili fiquem. Que sejam minha família.

Permaneceu ali, imóvel. Nunca dissera aquelas palavras a nin­guém, nunca desvendara sua alma daquele jeito, e o medo da rejeição o paralisava.

Michelle desviou o olhar.

― Também amo você ― disse em um sussurro, longe da de­claração feliz que ele esperara as palavras parecendo tristes, me­lancólicas. ― Mas é tarde demais.

Houve uma leve batida à porta e, antes que Jake pudesse dizer à pessoa que fosse embora, Michelle silenciou-o com um dedo em seus lábios.

― Sim?

A porta apenas se entreabriu.

― Lamento interromper ― disse Liz, em um tom baixo, evitando fitá-los. ― Mas para chegarmos a tempo... bem, teremos que sair nos próximos minutos.

― Está certo ― sussurrou Michelle. Liz hesitou.

― Quer que eu leve Lili até lá em baixo para esperar comigo? Michelle meneou a cabeça, seu olhar procurando depressa o de Jake.

Lili deitara a cabeça na escrivaninha a um dado momento e adormecera. Agora, sonolenta, aceitou facilmente! a mão de Liz e deixou-se conduzir do quarto.

A sós com Michelle, Jake entreabriu os lábios, tentando encon­trar palavras que fizessem sentido.

― Não diga nada ― pediu ela, abraçando-o com força. Fitou-o nos olhos, então. ― Eu, porém, quero lhe dizer que o tempo que passamos juntos... foi o melhor da minha vida. O amor que sinto por você... jamais acabará. Eu o levarei comigo para sempre. ― Ela o soltou.

Jake sentiu-se como se o chão tivesse se aberto bem abaixo de seus pés.

Michelle tirou a aliança de ouro do dedo e colocou-a na palma da mão dele.

Um instante depois, ela deixava o quarto.

 

Jake sentia a raiva ebulindo em seu íntimo en­quanto pensava no caos em que estava sua vida e observava Liz saindo da garagem em seu carro com Michelle e Lili acenando para ele pela janela de trás.        

Não entendia nada. Apesar de todas as explicações de Michelle, mil e uma perguntas permaneciam. Ela o amava. Seu coração disparou. Ela não queria ficar. Uma forte opressão tomou conta de seu peito.

Mal se deu conta de que o pai saíra para a varanda e parara a seu lado, sua voz sobressaltando-o.

― Elas decidiram ir fazer algumas compras para Lili?

― Compras?

O sorriso desapareceu do rosto engelhado do pai quando Jake virou-se para fitá-lo e Sean pode-lhe ver o ar sombrio.

― Filho? Onde elas estão indo?

Jake começou a dar passadas inquietas de um lado ao outro da varanda. Quando parou, o pai continuava no ponto exato onde o deixara.

― Bem, eu achei que, com o fato de terem encontrado Lili,.. de Michelle ter se reunido à filha... vocês três poderiam começar a ser uma família.

― Família? Não haverá família alguma. Liz está levando Mi­chelle e Lili à cidade para poderem embarcar em um avião para a França.

― O quê? ― exclamou um perplexo Sean. ― Não posso acreditar ― disse, sacudindo a cabeça devagar. Soltou um profundo suspiro, então. ― Sabe, eu achei que este dia não poderia ficar pior. Primeiro, aquela cena junto ao túmulo de sua mãe, quando Connor se recusou a aceitar meu relacionamento, depois eu tendo que decidir que não me restava escolha senão romper com Wilhemenia...

― Quer dizer que vai romper com a mãe de Mel?

― Já rompi. Liguei para ela hoje mesmo, e não pareceu nada contente com a situação também. Isto é, ela não disse quase nada... mas foi exatamente o seu silêncio que me fez perceber quanto estava infeliz. ― Sean tornou a suspirar. ― De qualquer modo, eu só quero lhe perguntar uma coisa, Jacob William McCoy... Você enlouqueceu? ― Apontou na direção em que o carro fora. ― Seus irmãos e eu não tivemos todo aquele trabalho para que você ficasse aí de braços cruzados vendo aquelas duas garotas saindo de sua vida. E eu tenho certeza de que você não passou por tudo o que passou nos últimos dias para chegar a esse ponto também.

Jake encarou-o sem saber o que dizer.

― Ora, não fique parado aí, rapaz! Vá buscá-las de volta!

― Você não entende, pai. Eu não as deixei ir a lugar algum. Michelle simplesmente decidiu que... queria partir. Ir atrás dela não adiantará de nada.

― Como você pode ter tanta certeza?

― Porque ela me deu essa certeza.

Sean lançou-lhe um olhar longo e duro antes de entrar abrup­tamente na casa, batendo a porta com força.

Encontre-me no restaurante no centro de Manchester.

As palavras finais de Edgar Mollens ecoaram nos pensamentos de Michelle, enquanto se sentava a uma mesa de canto com Lili e olhava ansiosamente em torno do acolhedor restaurante chamado "Paraíso de Bo e Ruth".

O que não conseguia tirar de sua mente, porém, o que temia ficar gravado ali para sempre, era a imagem da expressão arrasada de Jake. Via a dor estampada nos olhos dele a cada vez que fechava os seus, seu próprio coração dilacerado.

Liz sentou-se na cadeira oposta, os olhos atentos, a postura incerta.

Myra, uma falante garçonete que conhecia Liz bem aproximou-se da mesa e uma animada Lili anunciou que queria sorvete.

Michelle observou a filha com admiração. Embora muitas coisas continuassem as mesmas, naquelas poucas horas desde o reen­contro de ambas, passara a notar certas mudanças, tanto sutis quanto óbvias. O mais perto que podia chegar de uma descrição era a de que sua filha passara por um certo tipo de americanização durante aqueles dois meses, desde que Gerald a levara da França. O inglês de Lili, apesar de carregado pelo sotaque, era claro. O comportamento estava mais expansivo. E não tinha cicatrizes emo­cionais óbvias de sua tribulação.

Lágrimas marejaram os olhos de Michelle enquanto enumerava mentalmente suas bênçãos.

A garçonete colocou diante de Lili uma fatia de torta de cereja com uma generosa porção de sorvete e, depois, serviu café a Mi­chelle e Liz.

Michelle correu o olhar em torno do restaurante tranqüilo, ainda quase sem fregueses àquela hora da tarde e, depois, olhou pela janela até a rua. Edgar já estaria ali fora em algum lugar, observando-as?

Liz sorveu um longo gole de seu café.

― Ouça, Michelle ― disse, hesitante. ― Sei que prometi não fazer nenhuma pergunta, mas... Tem certeza de que sabe o que está fazendo?

Michelle assentiu devagar.

― Sim. É a única maneira de garantir que Jake não terá problemas.

O riso de Liz surpreendeu-a.

― Você explicou isso a Jake dessa maneira? Acredite, a última coisa que qualquer um dos McCoy teme é um pouco de problemas.

Michelle conseguiu abrir um pequeno sorriso. Já sabia daquilo. Mas não podia pedir a Jake que se sacrificasse mais por ela. Aquele era o único meio de poder se assegurar de que ele não seria prejudicado.

Como Edgar lhe explicara, Jake teria que cumprir algum tempo na prisão por sua participação naquela "farsa toda". Mas, se ela se entregasse sem oferecer mais resistência, o agente concordara em deixar Jake e seu envolvimento fora da questão toda. Seu nome nem sequer seria citado. Mas ela, obviamente, nunca mais teria permissão de entrar nos Estados Unidos.

― O que eu gostaria de dizer ― prosseguiu Liz ― é que posso ver que o que existe entre vocês é verdadeiro, é algo pelo qual se vale a pena lutar. Sabe, conheço todos os McCoy há muito tempo. E Jake... bem, ele não é do tipo que faz nada impulsivamente. É o tipo de pessoa que segue suas rotinas e nunca foge delas. Isto é, nunca o havia feito até ter conhecido você.

Michelle desviou o olhar, sentindo as faces corando. As palavras a fizeram lembrar de sua primeira noite com Jake, da longa conversa sobre sexo e a lista interminável de inibições dele... e a ausência das suas. Oh, como ambos haviam se entrosado depressa, como se já tivessem se conhecido por um longo tempo. Todas as coisas sobre as quais haviam conversado logo desabrocharam entre ambos e se fortaleceram: desejo, respeito, afeição... Liz encontrou-lhe o olhar.

― O que acredito é que Jake teve mais do que os motivos que você pensa para fazer o que fez. Pode ter dito que estava se casando com você para ajudá-la, mas desconfio que até mesmo ele esteja vendo que isso foi pretexto. ― Ç> sorriso largo e repentino de Liz pareceu destoar da situação. ― Na verdade, acho que ele já se deu conta disso.

Michelle sentiu a presença de Jake antes de vê-lo. Virou-se na direção da entrada do restaurante, então, onde ele estava, os olhos cinzentos fixos em seu rosto.

Liz cobriu a mão dela com a sua em cima da mesa.

― Nem sei lhe dizer quanto deve ter custado a ele ter vindo até aqui. Prometa-me uma coisa... que você ao menos o ouvirá.

Michelle meneou a cabeça devagar.

Liz levantou-se da mesa. Lili terminara a torta com sorvete e deu-lhe a mão facilmente quando ela se ofereceu para lhe mostrar como eram feitos os biscoitos na cozinha.

Michelle sentiu seu coração disparando, um nó em sua garganta, mas antes que conseguisse vencê-lo para dizer alguma coisa, a sineta no alto da porta anunciou a chegada de outro homem.

Edgar Mollens.

Ela mordeu o lábio inferior em um esforço para conter as lá­grimas. Dizer a Jake uma vez que tinha que partir dilacerara seu coração. Dizer-lhe adeus outra vez...

Observou-lhe o rosto adorado, enquanto ele alternava um olhar confuso entre Edgar e ela. Mas a última coisa que esperara era vê-lo sacudindo a cabeça. Nenhuma palavra. Nenhum protesto. Nenhuma declaração. Apenas um gesto simples que dizia muito.

Edgar limpou a garganta:

― McCoy.

― Mollens.

Edgar lançou um olhar significativo a Michelle.

― Sua decisão foi a melhor possível, Srta. Lambert. Pode não ver isso agora, mas acabará vendo com o tempo. E Jake também.

― McCoy ― disse ele em um tom manso.

― O quê? ― Edgar franziu o cenho.

― Eu disse McCoy. O nome dela é Sra. McCoy. ― Jake não tirou os olhos de Michelle enquanto dizia aquilo. ― Não impor­tando o que aconteça, somos casados, Michelle. A sua partida não mudará isso. Não para mim. ― Ergueu a mão, onde a aliança simples de casamento se destacava. ― Estou casado com você não importando onde você esteja fisicamente. Mas eu preferiria que estivesse aqui.

Edgar aproximou-se rapidamente de Michelle.

― Lembre-se de tudo o que conversamos ― disse-lhe. ― Não importando se você partir agora ou daqui a dois meses, depois de concluída a investigação, terá que partir de qualquer jeito. A di­ferença é se Jake será preso ou não. Não há meio de o casamento de vocês sobreviver em um tribunal. Desmoronará feito o castelo de areia que é ainda na primeira hora de interrogatório.

Michelle olhou de Jake para Edgar, o coração tomado pela dor. Queria dizer ao agente que estava errado. O seu casamento com Jake não era como um castelo de areia que se desmanchava fa­cilmente.. Embora a união de ambos não tenha sido baseada ini­cialmente em amor e comprometimento, evoluíra até aquele ponto, fortalecera-se como poucas.

Amava Jake com todas as suas forças. Não se julgara capaz de amar alguém além de sua filha por um longo tempo, mas Jake conquistara seu coração como nenhum homem nunca conseguira.

Lentamente, ele começou a abrir os braços em um doce convite. Sem hesitar, Michelle levantou-se da mesa e correu até eles, abra­çando-o com força, como se ele fosse os quatro elementos combi­nados, tudo no mundo que ela precisava para sobreviver.

― Perdoe-me por eu ter magoado você ― disse, erguendo o rosto para receber um beijo terno na fronte. ― Perdoe-me por envolvê-lo no que você terá que enfrentar por minha causa. Mas não posso evitar. Eu amo você, Jake McCoy.

Edgar praguejou por entre os dentes.

― Você acaba de assinar sua sentença, McCoy. O Serviço de Imigração jamais reconhecerá o seu casamento.

Jake colocou Michelle a seu lado, abraçando-a pelos ombros e encarou o colega.

― Vá em frente e tente fazer parecer que este casamento não é real. Você não conseguirá. Este é um casamento sólido, verda­deiro. E você que acabará ficando em maus lençóis com sua visão distorcida, Edgar.

A sineta tocou. Michelle ergueu o olhar para ver Melanie conduzindo cada membro restante da família McCoy pela porta do restaurante, como se fossem alguma espécie de brigada. Junta­ram-se a eles dois homens corpulentos que serviam ao balcão. Liz surgiu depressa da cozinha, de mãos dadas com Lili, seguida do cozinheiro, de Myra e de outras garçonetes. Lili correu até Michelle, colocando-se no meio dela e Jake, abraçando as pernas de ambos.

Jake tocou a cabeça loira de Lili.

― Você escolheu a família errada para enfrentar, Edgar. Nin­guém nunca atravessa o caminho dos McCoy.

 

Jake aproximou-se de mansinho de sua esposa... sua esposa... como adorava chamar Michelle da­quela maneira, sem reservas, sem temores de que o relacionamento de ambos não fosse considerado verdadeiro. Colocou as mãos na cintura esguia dela, enquanto conversava animadamente com Liz e Melanie, e virou-a para que o fitasse, o ruído suave da seda do vestido de noiva, o rosto radiante e os olhos brilhantes de Michelle embevecendo-o. Nunca vira mulher tão bonita. Queria levá-la para a tenda branca armada no gramado para o caso de mau tempo, deitá-la em cima de uma das mesas cobertas com toalhas de linho e possuí-la ali mesmo.

Mas havia mais de uma centena de convidados circulando pela fazenda McCoy e, portanto, limitou-se a dar-lhe um beijo casto nos lábios.

Planejara perguntar-lhe se ela estava feliz, mas não achou mais necessário. Pelo modo como Michelle resplandecia sob a luz do pôr-do-sol, praticamente flutuando acima do gramado em seu belo vestido branco, seu riso cristalino ecoando acima do tilintar dos cristais, Jake pôde ter certeza de que ela estava feliz. E sentia orgulho em saber que era em parte o responsável por aquela felicidade.

Era difícil acreditar que havia apenas três semanas que Mi­chelle e Lili haviam estado bem perto de desaparecer de sua vida. Que a mulher que agora estreitava em seus braços telefonara para Edgar Mollens é fizera um acordo para isentá-lo de qualquer culpa perante o Serviço de Imigração.

Tanta coisa mudara desde então. Michelle e Lili já haviam transformado o apartamento de Jake, em Washington, em um lar. Cortinas rendadas, almofadas coloridas, armários cheios e montes de brinquedos tornavam difícil reconhecer o lugar quando ele vol­tava para casa à noite. E não poderia ter ficado mais feliz.

― Ei, Jake, você conhece as regras ― avisou-o Melanie. ― Nada de monopolizar a noiva enquanto a festa não acaba.

Liz concordou.

― Isso mesmo. Vocês terão tempo o bastante em sua lua-de-mel. As mulheres ficaram em silêncio, olhando para algum ponto

para além do ombro esquerdo dele. Um homem limpou a garganta. Jake virou-se para encontrar Edgar parado com um ar constran­gido um pouco atrás dele e Michelle. Seu primeiro instinto foi o de correr, embora não fosse mais necessário.

Em vez daquilo, abriu um sorriso, e ele e Michelle viraram-se para cumprimentá-lo. Estendeu a mão para o colega agente.

― Fico contente que tenha vindo, Edgar.

― Sim. Eu também. ― Ele lançou um olhar a Michelle. ― Sra. McCoy. Meus parabéns. É uma noiva encantadora.

O sorriso de Michelle alargou-se.

― Obrigada, Edgar.

O nível de desconforto de Edgar pareceu subir na medida em que ficou parado ali.

― Ouçam, eu só queria... pedir desculpas por tudo mais uma vez. E dar isto a você. Pense nisso como uma espécie de presente de casamento... exceto, é claro, pelo fato de que você o conquistou.

Michelle aceitou o envelope.

― Não é preciso pedir desculpas, Edgar. O engraçado é que você pode ser parcialmente responsável pelo fato de eu e Michelle estarmos casados agora.

A exclamação alegre da esposa chamou a atenção de Jake. Ela tirou do envelope um green card novinho em folha que lhe dava a permissão para residir no país em definitivo. Fitou-o, lágrimas deixando-lhe os olhos ainda mais brilhantes. Então, abraçou Edgar.

― Obrigada. Muito, muito obrigada. Edgar corou até a raiz dos cabelos ralos.

― Ora, não foi nada. O fato de você ter se apresentado ao Serviço de Imigração e explicado tudo o que aconteceu na Califórnia dez anos atrás ajudou imensamente. Os membros do conselho de revisão decidiram por unanimidade que você não representava nenhuma ameaça. A partir daí, não tive nenhum problema em dar andamento aos trâmites para que você obtivesse sua perma­nência definitiva no país.

Jake inclinou-se para sussurrar ao ouvido dela:

― Devemos, então, esquecer o Havaí e fazer a nossa viagem de lua-de-mel a Paris?

A resposta de Michelle foi fechar os olhos e dar um ligeiro aperto no braço que ele mantinha em torno de sua cintura.

― Bem... felicidades ― disse Edgar, recuando sem muita ele­gância e quase tropeçando na estaca de uma tenda.

Liz e Mel aproximaram-se de imediato, querendo ver o novo cartão que identificava Michelle como uma estrangeira residente no país... embora Jake não pretendesse parar até que ela tivesse conseguido se naturalizar como cidadã americana. Avistou o pai a alguma distância, observando o pôr-do-sol. Ele andara mais ca­lado do que o costume ultimamente. E agora, em meio à festa de casamento, não poderia ter parecido mais melancólico.

Jake olhou em torno dos convidados que incluíam a família, pessoas da cidade e colegas de trabalho, até que avistou a mãe de Mel, Wilhemenia, ajeitando a montanha de presentes em uma mesa próxima.

Mel deu-lhe uma leve cotovelada.

― E então, vai nos deixar a sós, para que possamos ter mais um pouco de conversa de mulher ou o quê, McCoy?

Jake desviou o olhar de Wilhemenia e ergueu as mãos em rendição.

― Está bem. Michelle sorriu.

― Lili está no estábulo. Por que você não vai se certificar de que ela não está se metendo em nenhum apuro?

Ele beijou-lhe a mão e deixou-a com relutância para que con­tinuasse sua conversa com as novas amigas. Enquanto se afastava, ainda pôde ouvir Melanie fazendo um elogio sobre a nova e des­lumbrante aliança de casamento de Michelle, seu sorriso se alar­gando. Acenou para David e Connor, que em uma parte um tanto recuada do gramado, seguravam suas latas de cerveja com força, como se estivessem se agarrando a tábuas de salvação. Os últimos dois irmãos solteiros da família McCoy estavam obviamente pouco à vontade participando da terceira festa de. casamento de um McCoy em um intervalo de seis meses.

Jake deixou o gramado, seguindo pelo caminho de cascalho até o novo estábulo.

Junto a uma cerca, Mitch e Lili davam um pouco de feno a um potro. Seu coração se enterneceu quando o animal lambeu a mão da menina e ela inclinou a cabeça loira para trás e riu, divertida.

Nos vinte e um dias anteriores, ele, Michelle e Lili haviam passado cada momento possível juntos, como uma família. Exceto, era evidente, quando ele estava no trabalho, ou quando Lili tirava suas sonecas à tarde e ia se deitar à noite. Era naqueles momentos, quando a cativante menina estava ocupada de alguma outra forma, que ele e Michelle tiravam o máximo de proveito de cada momento juntos...

Durante os primeiros dias após a decisão de Michelle de ficar a seu lado e esclarecer tudo perante o Serviço de Imigração, ele se vira em um dilema quanto ao que fazer. Deixar o emprego? Ou ficar até que tudo fosse resolvido? Jake já presumira que não iriam demiti-lo. Os motivos para tanto teriam sido, no mínimo, inconsistentes. Afinal, a incumbência de deportar Michelle não fora designada a ele e, portanto, para todos os efeitos, um conflito de interesses não existira.

Agora que a esposa tinha seu green card, ele tinha que decidir o que queria fazer. Algo que ajudasse imigrantes em potencial, pensou. Ele e Mitch já estavam conversando sobre a possibilidade de se tornar sócio do irmão em sua agência de detetives e de incluírem assistência em questões de imigração e naturalização na lista de serviços.

E Michelle... Bem, ela já fora contratada como chef por um restaurante francês próximo ao apartamento de ambos em Wa­shington, e os planos de abrir o próprio restaurante já estavam em andamento.

― Jake! ― chamou-o Lili, despertando-o dos pensamentos. Ele sorriu e continuou caminhando até o estábulo, enquanto a

menina corria em sua direção. Atirou-se em seus braços, rindo a valer quando a fez rodopiar. Ele agachou-se, então, e ajeitou-lhe a saia do vestido de babados. Não tinha certeza de quanto Lili entendia a respeito de tudo que acontecera nos três meses ante­riores. Planejava tornar-lhe o resto da vida o mais feliz possível.

― Maman contou a você que conversei com vovó e vovô hoje de manhã? ― perguntou ela.

Jake confirmou com um gesto de cabeça, observando enquanto Mitch lhe acenava e desaparecia no interior do estábulo.

― Sim, contou.

― É possível que eles venham me visitar no mês que vem, você sabia?

― É mesmo? ― Jake fingiu desconhecer o fato, embora ele e Michelle já tivessem conversado durante os três dias anteriores sobre as possíveis repercussões da visita dos Evans. ― Será ótimo.

― Sim. ― Lili estudou-o por um momento com ar pensativo. ― Agora que você e maman estão casados, isso faz com que você seja meu pai?

Jake engoliu em seco para vencer o súbito nó na garganta.

― Isso depende. Ela franziu o cenho.

― De quê?

Ele afastou-lhe uma mecha loira de cabelo da fronte com carinho.

― Apenas de você. Quer ou não que eu seja seu pai? Lili pareceu pensar bastante a respeito.

― Quero.

Ele soltou um riso e a abraçou por um momento. Não vira Michelle se aproximando, mas sua voz doce foi difícil de ignorar.

― Lili sabe dar valor a um homem bom quando encontra um. Assim como a mãe.

Jake levantou-se, erguendo uma risonha Lili consigo. Michelle passou os braços em torno de ambos e beijou-o na face. Lili fez o mesmo na outra face dele.

Jake fechou os olhos e abraçou a ambas com mais força. Não tinha certeza do que fizera, mas devia ter sido algum muito bom realmente para merecer o amor daquelas duas garotas tão especiais.

A vida não poderia ser melhor...

― E então, já podemos ir embora? ― sussurrou-lhe Michelle.

― Não temos umas coisinhas para resolver primeiro? Colocou Lili no chão e, então, pegou a mão de Michelle, enquanto

a menina os levava de volta até os convidados. Liz reuniu todos os homens solteiros para o momento em que a liga da noiva lhes seria atirada, conforme a tradição americana.

Jake lançou um olhar a Michelle. Estivera ansiando por me­ter-se debaixo de todos aqueles metros de tecido branco do vestido durante horas. Só gostaria que sua família e a maior parte de Manchester não estivessem presentes para assistir quando, final­mente, ele o fizesse. Entre risos e exclamações de incentivo, ajoe­lhou-se e ergueu-lhe lentamente a saia do vestido de noiva. Sorriu diante do risinho surpreso dela e das tentativas de impedi-lo de levantar-lhe a saia demais. Mas a expressão divertida dissipou-se do rosto de Jake quando passou um dedo debaixo da liga vermelha e branca, tocando-lhe a pele acetinada da perna o ar parecendo lhe faltar de repente. Não importava quantas vezes tivesse feito amor com aquela mulher, cada uma era como a primeira. Desli­zou-lhe a liga ao longo da perna até que a retirou. Levantando-se, girou-a, então, em torno de seu dedo indicador e virou-se para os convidados.

― Jogue-a, papai! ― gritou Lili por perto, Sean segurando-a pela mão.

Jake observou a pequena multidão de homens solteiros. Soltou um riso quando viu Marc e Mitch forçando Connor e David a se reunirem ao grupo. Ficaram por perto, de braços cruzados, como sentinelas sorridentes quando os dois solteiros tentaram correr. Virando-se de costas, ele apertou de leve a liga da esposa em sua mão e atirou-a por sobre o ombro. Uma explosão de risos ecoou entre os convidados, e Jake tornou a virar-se para ver a provocante liga de seda e renda sobre a cabeça do caçula dos McCoy, onde caíra. David tirou a liga do cabelo e quase tropeçou nos próprios pés quando um bem-humorado Connor deu-lhe um tapinha nas costas.

― Agora, o buque! ― gritou a garçonete do restaurante da cidade. Abrindo caminho por entre a multidão de homens, Myra acenou as mãos. ― Faça exatamente como nós praticamos, Michelle!

Jake soltou um riso, enquanto dava a mão a esposa para aju­dá-la a levantar da cadeira.

Mas, o que quer que as duas mulheres tivessem ou não prati­cado, o buque foi parar muito além do alvo de dez ou mais mulheres reunidas... e caiu direto no colo de Wilhemenia Weber.

 

                                                                                Tori Carrington  

 

                      

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