Criar um Site Grátis Fantástico
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SOB O DOMÍNIO DO MEDO / O. C. Tavin
SOB O DOMÍNIO DO MEDO / O. C. Tavin

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

  

Num dia do mês de abril de 1896, chegaram ao povoado texano de Amarillo uma mulher e três homens. Nessa época, Amarillo era bem importante como centro de criação de gado e comercial. Era um desvio da estrada de ferro, com recepção de gado para os Estados do Meio-Oeste, inclusive o Leste da União e Chicago, e isso lhe dava certa importância, pois para lá afluía grande quantidade de gado do Texas, Arizona e Novo México, o qual era depois transportado pela estrada de ferro.

No entanto, em Amarillo só havia um cabaré. O dono, homem influente, generoso quando era preciso, tinha sabido manter aquela exclusividade ou monopólio.

 

 

No entanto, não tinha conseguido ser o único a ter direito a manter o cabaré. Alguém lhe tinha tolhido a liberdade do estabelecimento, deixando-o reduzido a um simples café ou lugar de palestra de fregueses, que só podiam beber. O jogo e o espetáculo de artistas eram proibidos. Igualmente, não era permitido o emprego de mulheres para entreter o público, coisa que as próprias artistas, terminado o espetáculo, faziam, nos povoados vizinhos.

O causador de que todas essas "distrações" não fossem permitidas era o xerife de Amarillo, Cifton Belvills. O irredutível e honrado Belville, inacessível às ameaças, à corrupção e às influências estranhas. Arriscava a vida, mas ele mesmo costumava dizer que enquanto vivesse não haveria vício em Amarillo. E mantela-ia firme como uma rocha, apesar das tempestades desencadeadas contra ele.

A situação continuou assim até que chegaram a mulher e os três homens. Vinham a cavalo, mas com eles veio também uma carroça coberta, grande, puxada por quatro cavalos, com bastante carga, que não se podia ver, pois estava cuidadosamente coberta por uma lona presa por cordas. Os moradores da cidade, sempre tão curiosos quando chegavam forasteiros, faziam conjecturas e comentários sobre o que aquela carroça poderia conter, quem seriam os homens, quem era mulher de aparência decidida, a qual, sem nenhuma dúvida, mandava nos três sujeitos.

Os forasteiros hospedaram-se no melhor hotel, que ficava na rua principal, a Avenida Broadway, quase defronte ao cabaré, pouco mais abaixo do banco local, e também da Câmara Municipal e do armazém geral. E também da agência funerária, que exibia seus artigos à porta do estabelecimento: caixões de várias categorias, desde o mais modesto, de tábuas de pinho, até os luxuosos, forrados de cetim, com aplicações de bronze e um lindo crucifixo sobre a tampa.

Ava Elgin, a recém-chegada, tinha vinte e nove anos de idade. Uma idade em que a mulher alcança o seu apogeu, pela maturidade e experiência. E Ava tinha muita experiência. De estatura avantajada, corpo escultural, esbelto, com tudo que realçava aquela beleza e a tornava alvo insistente do olhar dos homens e da inveja das mulheres.

Seu rosto não desmerecia em nada seu físico. Moreno, de feições quase perfeitas, impressionava ainda mais pelo fato de sua cabeleira ser negra, olhos verdes e grandes, enormes, cheios de inteligência, nos quais se liam a malícia, a sensualidade e, com freqüência, a crueldade e a dureza no olhar. Nariz reto, lábios um pouco grossos, sensuais, dentadura perfeita, branca, vistosa. Queixo agudo, voluntarioso, faces cor de nácar... E uma testa alta e espaçosa, firme. No conjunto, tinha qualidades que perturbavam os homens, fascinava-os e reduzia-os a cordeirinhos dóceis e submissos.

Ava Elgln, quando acabou de tomar banho no melhor aposento do hotel, vestiu um novo vestido de saia curta, de seda, demasiado colante, o que lhe realçava a formosura provocante, com um decote exagerado, olhou-se ao espelho e achou que estava perfeita.

Quando desceu ao salão, já estavam à sua espera os três homens, vestidos à moda vaqueira, mas com certa distinção, o que teria feito algum vaqueiro legítimo achar que aqueles três sujeitos não tinham nada que ver com a vida de vaqueiro nem com o gado. Era bem verdade. Nem Jerry Luling, nem Bruce Wood nem Tommy Kerens eram vaqueiros, nem lhes agradava sê-lo. Eram três guarda-costas de Ava. Três homens duros, a soldo da bela mulher. Três indivíduos pagos regiamente, em troca de se prestarem vilmente a executar as ordens da sua ama. Três tipos ambiciosos que esperavam ser, cada um, o favorito dela, o eleito, o que a teria sozinho para si.

Os três, sentados numas cadeiras de vime, tomavam uísque, esperando-a. Ao vê-la, levantaram-se, observando-a com ar crítico, como o cão faminto olharia para o bocado suculento que estivesse diante dele, mas proibido de tocá-lo.

-Vamos? - disse a mulher, em tom de ordem, enquanto calçava um par de luvas de malha de seda.

- Averiguaram se o sr. Fulton se acha no cabaré neste momento?

- Sim - respondeu Luling, observando-a quase com timidez, e engolindo saliva. - Podemos ir. Iremos os três? Bastaria que fosse apenas eu. Suponho que, por enquanto, não haverá nada que fazer.

- Vamos os quatro. Para estas coisas, o número e a força são muito importantes - retrucou Ava, secamente. - Nada de vocês intervirem, ouviram? Se for preciso, um gesto meu...

- Está bem - respondeu Wood, olhando com ironia para Luling.- Você manda.

Saíram à rua. O sol, àquela hora, umas quatro da tarda, inundava a rua com os seus raios causticantes. Por isso, o passeio achava-se quase deserto, e as poucas pessoas que transitavam por ali procuravam a sombra das platibandas das casas e os toldos dos estabelecimentos comerciais. Ava, seguindo na frente, caminhava com passo firme, embora feminino, movendo as cadeiras poderosas. E, para evitar que a poeira lhe manchasse a bainha da saia, já por si bastante curta pela moda da época, levantava um extremidade e com isso deixava à mostra uma perna maravilhosa, torneada, coberta por uma meia de gaze que lhe realçava e emoldurava a beleza.

Pouco era preciso andar, atravessando a rua, e, por isso, segundos depois entraram no estabelecimento, que possuía uma galeria coberta com mesas e cadeiras, no momento desocupadas. A entrada fazia-se por uma porta de vaivém A casa era de dois andares e parecia um tanto abandonada, com o reboco precisando reparos, a parede um tanto avariada, com falhas no revestimento, as janelas inferiores e as superiores precisando de pintar e com os vidros sujos.

Havia uma penumbra ao se entrar no salão, ao se chegar da rua, por causa do sol abrasador, e certa frescura no ambiente. Ava olhou ao seu redor, com ar crítico, a começar pelo grande balcão, as fileiras de cadeiras, as mesas pequenas, e o vão, ao fundo, que devia conter o palco, que, no entanto, não existia.

- Uma espelunca - disse baixinho o guarda-costas Luling. - Seria preciso gastar uma fortuna para pôr tudo isto como deve ser.

Um homem alto, delgado, que se achava atrás do balcão, saiu por um lado e avançou na direção dos recém-chegados. Trajava casaco e calças compridas, com um berrante colete de fantasia, do qual pendia uma longa corrente de relógio, de ouro. Era moreno e seu rosto tinha sulcos nas faces morenas e na testa. Devia ter uns quarenta anos de idade.

- Boa tarde - disse, em tom amável, olhando fixamente para Ava, que por sua vez o olhava distraidamente da cabeça aos pés. - Sou o dono disto aqui e me chamo Page. Como tem passado, srta. Elgin? - o homem fez uma mesura, estendendo-lhe a mão. - Seu empregado me avisou - e olhou para Luling - de que desejava falar comigo Querem tomar alguma coisa? Temos um bom café, bom uísque escocês...

- Tomaremos café e uísque - disse ela, com um sorriso encantador, que fez Page estremecer. - Venho falar de negócios, sr. Page. Devo avisá-lo de que não gosto de rodeios e muito menos de regateio nem de deixar coisas por acabar.

- Eu também, srta. Elgin - retrucou Page, obsequiosamente, apontando para duas mesas perto do balcão. - Sentem-se. Enquanto esperamos o café, vejamos em que posso servi-la. Creia que o faria com enorme prazer. É muito formosa, srta. Elgin, se me permite ...

- E você é muito galante. Veremos se continuará sendo-o quando entrarmos no assunto. Vim para abrir um cabaré de verdade neste lugarejo. Moderno, com tudo que é necessário para o público se divertir e encontrar motivos para gastar seu dinheiro. Isto que você tem aqui, Page, não é um cabaré - Ava falava rapidamente, em tom seco, destituído de qualquer inflexão cordial, como uma negociante consumada que fosse diretamente ao assunto. - É, no máximo, um péssimo bar. Reconhece isso?

- Hum! - Page franziu o cenho, olhando para o copo de uísque que trazia na mão. Os três guarda-costas, sentados ao lado de Ava, os observavam em silêncio, fumando. - Talvez seja... Deve compreender que, com as limitações que me impõem, não posso oferecer grande coisa ao público.

-Sim, sim, eu sei - e Ava fez um gesto de impaciência. - Mas o que dá lucro num cabaré são o jogo, as artistas e as pequenas que divertem diretamente os fregueses. Por isso repito que esta casa é apenas um mau bar, onde o freguês não pode fazer outra coisa senão beber, conversar e cacetear-se. Por este motivo, sei também que lhe seria conveniente vender-me o estabelecimento Do contrário, em poucos meses haverá neste lugarejo um cabaré de verdade: o meu. E você não poderá competir comigo, e terá de fechar as portas... Sou clara, sr. Page. Espero que você também o seja, agora. Em princípio, minha proposta lhe convém?

- Caramba! - E Page sorriu amavelmente. - Realmente, você fala com muita franqueza. Mas parece que está um tanto enganada. Poderá abrir um cabaré, mas não poderá coxear nele as diversões a que aludiu. Nem jogo, nem diversões, nem pequenas. Ah, se eu pudesse fazer isso! Mas não é possível. É proibido. Assim sendo, você terá um bar igual ao meu... Nem mais, nem menos

- Bem, isso veríamos - e Ava sorriu de forma enigmática. - O que me interessa é saber se quer me vender o bar. Do contrário, instalarei outro no passeio defronte ao seu, com todo o necessário. Ofereço-lhe um bom preço por ele, Page. Costumo prevenir os que porventura poderei ter como adversários, quando não concordam com meus desejos.

- Garanto-lhe que as autoridades não concordarão com seu plano de montar um cabaré como planeja, srta. Elgin. Já tentei várias vezes fazer isso, tentei todos os meios, e não consegui. O prefeito e o xerife deste lugar não consentem.

- Vamos deixar isso de lado, Page. Vende-me o bar ou não? Tenho pressa de saber se preciso construir uma casa ou se poderei reformar isto aqui. Tenho dinheiro para isso.

- Bem... - e Page deu de ombros, com um sorriso benévolo. - Você também está avisada. Muito me desagradaria ter um competidor, mesmo em igualdade de condições. Não tinha pensado em vender isto aqui, porque, afinal de contas, como não há competidores, as coisas não andam mal para mim. Mas, se quer saber o que eu pediria para vender, saiba que, como não tenho pressa de me desfazer do estabelecimento e como as coisas não vão mal, eu...

- Mas acontece que, de agora em diante, as coisas lhe irão mal, Page. por causa da minha concorrência, e porque seríamos dois a terem bar no povoado. E ainda mais porque o meu será um cabaré completo. Se não vender, sofrerá as conseqüências da sua negativa. Diga quanto quer para vender. Não quero regateios, repito!

Page coçou o queixo, perturbado. Diante do olhar dos olhos verdes de Ava, fixos nos seus o homem vacilou. Aquele sorriso feiticeiro, os dentes brancos, os lábios sensuais, haviam produzido um efeito fulminante sobre ele.

- Está bem - disse, movendo a cabeça. - Não me deixa tempo nem para pensar se me convém ou não vender... Não tenho necessidade de vender com esta precipitação...

- Tem, sim. Porque, se não vender, dentro de dois meses irá à falência, e Isto aqui não valerá um níquel. Peça, Page! Não tenha medo de pedir. É uma oportunidade que lhe dou de ter lucro na venda. Quanto?

- Diacho! Não vendo isto aqui por menos de vinte mil dólares, à vista e de uma só vez! Não vendo por menos, palavra! - exclamou Page, com um gesto de mau-humor.

- Vinte mil dólares pelo prédio, instalações e tudo que há nele? - disse Ava, em tom de voz peremptório.

- Vinte mil dólares por tudo?

- Por tudo! E irei embora daqui quando a senhorita disser! Ou melhor... Quando me pagar o dinheiro em notas bancárias verdadeiras ou em moedas de ouro.

- Amanhã voce partirá daqui Page - e Ava estendeu-lhe a mão direita com um sorriso feiticeiro. - Negócio fechado. O advogado deste povoado, o sr. Milton, virá dentro em pouco para lavrar a escritura de compra e venda. Você fez um bom negócio, Page. Vinte mil dólares é uma quantia muito superior ao valor real de tudo isto. Terei de deixar o prédio quase oco para decorá-lo de forma conveniente.

Page olhou-a desconsolado. Achava agora ter cometido um grande erro ao não pedir mais dinheiro àquela mulher, que considerava um tanto extravagante e desconhecedora do negócio e das dificuldades que ia encontrar. Mas, pensando melhor, para ele a venda era um bom negócio. O bar achava-se em situação quase precária, pois os fregueses eram poucos e muito reduzidas as rendas. Os fregueses aborreciam-se naquele bar, onde só podiam beber. Muita gente endinheirada ia para os povoados vizinhos à noite, se divertir, com jogo e mulheres lindas... Fizera bom negócio, vendendo. Não estava arrependido de tê-lo feito. Aquela mulher extravagante pensava que conseguiria o que se propunha fazer... Coitada!

O advogado Milton lavrou a escritura, que foi assinada. Ava tirou de uma bolsa vários maços de notas, contou os vinte mil dólares, que Milton tornou a contar, e entregou-as a Page, que por sua vez as examinou e centou.

- Então, o negócio está feito - disse o advogado, satisfeito, embolsando cem dólares em pagamento dos dos seus serviços. - Eu me encarregarei de registrar a propriedade no seu nome, srta. Elgin. E ficarei à sua disposição para todos os conselhos de que precisar de agora em diante.

- Quisera saber. sr. Milton - disse Ava, olhando fixamente para o advogado - se o prefeito e o xerife têm autoridade suficiente, fundada na Lei, para proibir o jogo e as diversões nesta cidade.

- A Lei deixa liberdade às autoridades para proibirem ou autorizarem, numa casa de diversões, o jogo e as mulheres. Estas podem negar autorização, a bem da moral e da ordem públicas ou podem conceder autorização, se receberem garantias de que a moral e a ordem públicas não serão alteradas. Tudo depende do prefeito e do xerife Neste povoado, tudo isso é proibido, e acho que a senhorita não conseguirá mudar a vontade dessas autoridades - retrucou o advogado, com um sorriso amável.- Por outro lado, são incorruptíveis. Não sei se a beleza os demoveria.

- Bem - e Ava levantou-se da cadeira, imitada por seus guarda-costas. - É claro que terei de lutar. É absurdo que a poucos quilômetros daqui se consinta tudo, e que em Amarillo o povo se aborreça ou tenha de ir a outros povoados para se divertir um pouco. Obrigada, sr. Milton. Vamos ver-nos com frequência.

Page e Milton ficaram sozinhos, vendo Ava sair com seu passo cambaleante, provocante. Olharam-se e sorriram com malícia.

- Bom negócio, amigo Page- disse o advogado, dando-lhe uma palmada nas costas - É claro, você não esperava isso.

- Não foi nada mau - respondeu Page, com um sorriso seco. - Eu teria deixado pela metade, mas como essa gata brava não se dignou a regatear... Acha que poderá trazer para cá o jogo, coristas e mulheres para divertirem os fregueses Coitada! Tenho pena dela!

- Viu o corpo que ela tem? - indagou Milton, suspirando profundamente. - E que rosto bonito, e que olhos verdes. Essa mulher tem dinamite nas veias, e tenho certeza de que consegue tudo que deseja fazer!

- Mas o xerife não é dos que se deixam impressionar. Belle é duma moralidade à prova de seduções femininas, de dinheiro ou de ameaças. É macaco velho. Você verá, Milton. Ofereci a ele cinco mil dólares e mais cinco por cento da renda bruta se me permitisse armar jogo aqui, e pensei que o homem fosse me matar. Apoiou o revólver na minha testa e armou o percursor. Não sei como não apertou o gatilho. Ava fracassará.

- Que acha daqueles três sujeitos que a acompanham. Parecem cães fiéis, dispostos a se deixarem matar por ela, se lhes pedir. São pistoleiros, não há dúvida. É um grupo curioso, e não sei se com a chegada deles vamos ter encrencas. Que mulher estupenda, Page! Nunca vi nada parecido.

Enquanto Isso, Ava e seus três capangas entravara na Câmara Municipal. A um funcionário que se achava na porta e que ficou mudo, olhando-a fixamente, Ava perguntou se o prefeito estava no gabinete dele.

- Sim, senhora. Deve estar dormindo e sesta, porque, com este calor...

- Diga-lhe que desejo falar com ele. Sou a srta. Elgin, e ele me espera - ordenou, com voz seca. - Um empregado meu esteve aqui antes para lhe pedir esta entrevista.

O funcionário fez meia reverência e penetrou no largo corredor que saía da porta. Ava ficou no meio dos seus guarda-costas, que a olhavam submissos.

- Acho que você deu dinheiro demais por aquela espelunca, Ava - disse Luling. - Aquele sujeito teria baixado o preço.

- Você não sabe nada disso, nem de nada! - replicou Ava, de forma desdenhosa. - Quando eu reformar aquilo e introduzir o jogo e as pequenas recupero os vinte mil dólares em poucos meses. Por outro lado,, como não terei competidores...

O funcionário voltou, esfregando as mãos e olhando de forma maliciosa para Ava. Disse-lhe que o prefeito teria muito prazer em recebê-los, e guiou-os até à saleta de espera, batendo na porta com os dedos.

O prefeito de Amarillo, que era também comerciante, dono do melhor armazém do lugar, situado na rua principal, a Avenida Broadway, onde ficavam a Câmara Municipal, o bar e o banco, era homem alto, robusto, um tanto gordo, barrigudo e de papada debaixo do queixo. O rosto avermelhado, um tanto bochechudo, revelava inteligência, simpatia e malícia.

- Entre, srta. Elgin, e seja bem-vinda a Amarillo - disse o prefeito, olhando-a de forma ousada, atônito diante daquele monumento de carne e fogo, sob o sorriso dominador e sensual da mulher, e sofrendo também o olhar carregado de dinamite daqueles olhos verdes. - Sentem-se. Estes são seus amigos? - e apontou para os três guarda-costas, que sorriram e confirmaram com um gesto de cabeça.

Secamente, Ava disse que eram seus empregados.

- Bem, srta. Elgin - disse o prefeito, sentando-se atrás da sua grande mesa e cruzando as mãos sobre o ventre. - Estou às suas ordens. Vai morar aqui? Amarillo é um povoado importante, e o será ainda mais com o correr do tempo. Para emprego de capital, não Terá melhor lugar.

- É isso que vou fazer - replicou Ava, com um sorriso encantador. - Isto é... Já fiz. Acabo de comprar a Page o bar dele. O negócio me agrada e vou meter-me nele. Que acha disso?

John Lamb, o prefeito, espantado, olhou para Ava como se pensasse que esta estivesse gracejando. Ava crivava o homem com o seu olhar perturbador e cheio de sensualidade.

- Mas... - murmurou o prefeito, passando uma das mãos pela testa suarenta. - Comprou o bar de Page? Para que, se posso saber? Desculpe se não a compreendo bem.

- Ora... Naturalmente, para continuar com o negócio - riu Ava, ao ver o grande espanto do seu interlocutor. - Para que continue como cabaré.

- Comprou o cabaré? - e Lamb abriu a boca, admirado. - Ah, esse ladino do Page fez o melhor negócio da sua vida! Posso perguntar-lhe quanto pagou por esse barraco, srta. Elgin? Que pena que não me houvesse consultado antes de efetuar a compra.. .!

- Paguei vinte mil dólares - e riu zombeteira, ante a estupefação de Lamb. Seus guarda-costas riram também, embora não soubessem porque, afora a obrigação de terem de rir quando sua patroa ria e de se aborrecerem quando ela se aborrecia. - Mas não creio que Page me haja enganado, prefeito. Não me enganou. Vou reformar o cabaré e introduzir diversões. Tudo isso será uma vantagem para os comerciantes do lugar, pois circulará mais dinheiro...

- Que espécie de diversões, srta. Elgin? - indagou o prefeito, intrigado, franzindo ligeiramente o cenho.

- Ora... O jogo, por exemplo. Em todos os povoados importantes do Oeste, para não falar no Leste sei que permitem o jogo, e também em alguns povoados perto daqui. Não vejo porque motivo este lugarejo...

- Não compreende por quê não queremos jogo aqui?-— e Lamb fez uma cara séria, muito digna. - Porque nós, que dirigimos a comunidade, queremos que nosso povo viva em paz e achamos que essas coisas devem ser proibidas aqui. Consideramos o que ocorre nos lugares onde o jogo é permitido e achamos que são coisas que promovem a desordem. Eu e o xerife proibimos cabarés aqui. Sinto muito, srta. Elgin mas, se contava com isso ao comprar o bar de Page, cometeu um erro lamentável.

- Isso é absurdo e não tem fundamento nenhum de ser sustentado. Se fosse proibido jogar em todos os lugares do país, compreendo que tentar introduzi-lo aqui seria inaceitável... Mas se a vinte quilômetros daqui, em Canyon e em outros povoados pequenos se permite o jogo, e há espetáculos de pequenas que entram em contato direto com os fregueses para diverti-los...! Por quê aqui não pode ser? Porque vocês não concordam? Só por isso? - e a voz de Ava era ferina, aguda, irritada. Seus olhos verdes espeliam chamas de raiva.

- Não é só por isso, srta. Elgin - retrucou o prefeito, em tom suave, vacilante. - É porque estamos convencidos de que essas coisas não são convenientes. Porque são imorais, porque trazem desgraças, ruína, discórdias, conjugais, brigas, mortes... A experiência de outras cidades nos ensinou a tomar esta resolução em benefício da comunidade. Não há argumento contrário que nos possa convencer, srta. Elgin..

- Nenhum argumento, hem? - indagou o valentão Luling, olhando de forma ameaçadora para o prefeito. - Eu não iria tão longe, moço. Há meios muito capazes de convencer um sujeito teimoso

- Não há meio algum que adiante, moço - disse o prefeito, olhando com desdém para o guarda-costa. - Nem ameaças, nem suborno, nada. Sinto muito, mas não há que discutir sobre isso - e fez menção de levantar-se, mas a mão direita de Ava, com vários dedos finos e longos ostentando valiosas jóias reluzentes, que valiam uma fortuna, o conteve de chofre.

- Escute, prefeito - disse ela, em tom persuasivo, e caprichando muito no sorriso feiticeiro. - Não sejamos teimosos. O jogo não é pior do que um bando de bêbedos querendo fazer desordens. Um bêbedo com o estômago cheio de álcool, a mente ofuscada por idéias criminosas, é pior do que um homem que perdeu alguns dólares na roleta. Este tem sempre a esperança de ganhar, de recuperar o prejuízo...

- Há quem, ao perder no jogo, mata para roubar e para poder jogar novamente. Alguns se suicidam. Outros, deixam sua família na miséria por causa do jogo. É impossível evitar que um homem se embriague, se o deseja. Pode embriagar-se na sua própria casa. Mas aqui, em Amarillo, se o homem se embriaga no bar e perturba a ordem, é metido na cadeia e é multado. E, se reincide no erro, é expulso da cidade. Temos nossa justiça aqui, srta. Elgin. À noite, nesta cidade, não se vê ninguém bêbedo, mesmo sendo forasteiro.

- Muito puritanos - disse Ava, em tom ressentido.- Eu, sr. prefeito, estaria disposta a pagar uma comissão à prefeitura, a você, particularmente, em segredo. .. Eu daria uma importância mensal para abrir escolas, para...

- É inútil. Absolutamente inútil, senhorita. E está me ofendendo. Autorizo-a a abrir o bar como o de Page, nada mais. E saiba que suas atividades serão vigiadas. E lamentaria ter de agir contra a senhorita, se sair fora da lei. É só isto.

- Não é só isto, mas por hoje basta, prefeito - Ava levantou-se da cadeira, pálida, os olhos verdes cheios de ameaça, os lábios apertados, deixando à mostra os dentes muito brancos, arreganhados como os de um animal feroz.

 

Ava e seus guarda-costas tornaram a atravessar a rua. A mulher andava depressa, nervosa, uma expressão dura no rosto, sem disfarçar nem um pouco a profunda contrariedade que sentia. Nela, sempre acostumada a fazer o que entendia, qualquer oposição a um desejo seu assumia foros de catástrofe e o ódio aparecia com a rapidez do raio.

Os quatro entraram na delegacia, para falar com o xerife, o qual já fora avisado por Luling de que sua patroa iria lá falar com ele.

Clifton Belville tinha quarenta e um anos de idade e há quatro era xerife de Amarillo, com o apoio dos habitantes da cidade, que o haviam escolhido democraticamente, pela força dos votos. Possuía estatura elevada, uma constituição física forte conservada pelo exercício ativo da profissão, pois montava a cavalo e percorria a região, zelando pela paz dos ranchos e das granjas,

Recebeu Ava com cortesia, sem se mostrar muito afetado pela beleza da visitante. É verdade que agora, dominada pela raiva, a forasteira estava bem menos bela, pois havia muito dureza e muita raiva naquelas feições lindas, e seus olhos tinham uma expressão dura.

- Vim participar, xerife, que hoje à tarde comprei o bar de Page. Vou reformá-lo e pô-lo em condições de funcionar como um verdadeiro cabaré. Mas quero saber se encontrarei o seu apoio, para ver se as despesas que vou ter serão compensadas ou não - falou Ava, sem amabilidade

- Se pretende morar em Amarillo, seja bem-vinda, srta. Elgin - respondeu amavelmente o xerife, em cujos olhos azuis havia um pouco de espanto. - Não sabia nada de semelhante transferência. Vai dirigir pessoalmente o estabelecimento?

- Sim, pelo menos no início. Talvez depois nomeie um encarregado. Depende da atenção que a marcha do negócio exija. Claro que, como funcionou até agora, com o sr. Page e com as restrições que lhe eram impostas, não é negócio. Isso não era um cabaré, e sim um bar. Um lugar de reunião de homens caceteados, que podiam apenas beber. Ridículo.

- Um bar, srta. Elgin, é, na verdade, um lugar de reunião de pessoas que vão conversar e tratar de seus negócios, e onde vão também os forasteiros para se distraírem um pouco...

- Bem se vê que ainda não viu bares que têm outras coisas mais atraentes - interrompeu a mulher, com um sorriso irônico.

- Engana-se. Já vi, srta. Elgin. Vi muitos, e presenciei muitas coisas neles. Por isso aqui o jogo é proibido, bem como a atuação de coristas e coisas assim. Em Amarillo a imoralidade é coisa proibida. Suprimimos as causas que poderiam produzi-las...

- Mas a vinte quilômetros daqui há lugares onde se permitem o jogo, as coristas e mulheres para dançar com os fregueses, e nem por isso o mundo acabou! - exclamou Ava, irritada. - O jogo faz correr o dinheiro, que vai ter aos bolsos dos comerciantes e à gente do povoado, que encontra mais lugares de trabalho e melhores salários! Onde há dinheiro, todos vivem melhor!

- Há mais dinheiro para um pequeno grupo, porém há também ruína, discórdias, rixas, sangue e mortes - retrucou o xerife, movendo a cabeça em sinal negativo. - Creia, srta. Elgin. A experiência nos ensinou que a paz da comunidade só se consegue eliminando tudo que a possa prejudicar.

- Então, vocês não me autorizam a montar jogo, nem a atuação de coristas no meu cabaré, com todas as garantias de que ali nunca acontecerá nada desagradável?

- Não a autorizamos, srta Elgin, e duvido que pudesse impedir que acontecessem coisas desagradáveis lá. Só a ausência das causas pode evitar os efeitos.

- Eu estaria disposta pagar um imposto, uma contribuição. Sou generosa e saberia recompensar quem... - disse Ava, com voz suave, sorrindo meloso e olhar acariciante.

- Impossível, srta. Elgin. Muito nos custou estabelecer a paz na comunidade, para agora pormos tudo a perder. Nosso critério, nesse particular, é inflexível. Ainda está em tempo de renunciar a montar o seu cabaré, se pretendia ter nele coisas que consideramos fora da Lei.

- A Lei não proíbe nem autoriza que se abra jogo nos cabarés, xerife! - gritou Ava, com o rosto congestionado pela raiva. - Se assim fosse, não haveria milhares de cabarés onde se joga e onde trabalham coristas!

- A Lei deixa liberdade às autoridades do lugar para admitirem ou não o jogo, e o resto, segundo o critério das mesmas autoridades. Nós achamos nocivas essas coisas, e por isso as proibimos. Não se exalte, srta. Elgin. Lamento que se considere prejudicada por essas medidas. Talvez tivesse feito bem, antes de comprar o bar, se houvesse se informado melhor sobre o assunto. - O xerife parecia afetado pela contrariedade de Ava, mas não dava o braço a torcer.

- Bem... Agora, já sei o que tenho de fazer.

E Ava levantou-se, as mandíbulas apertadas, os lábios torcidos e um olhar gélido nos enormes olhos verdes. Seria ridículo pensar que vou permitir que, por uni simples capricho de vocês, eu tenha jogado vinte mil, dólares fora. Você não me conhece, xerife. Claro que não - e olhou desafiadora para o representante da Lei, as mãos na cadeira, o busto arfante. - Por isso, não sabe que jamais perco, quando resolvo jogar uma partida. Nunca perdi uma parada e não compreendo que uns palermas, uns fariseus hipócritas, metidos a puritanos, me ganhem algo que eu deseje...

- Sinto muito, srta. Elgin. Repito que poderia ter evitado essa despesa e o aborrecimento caso, antes de comprar, tivesse vindo me perguntar o que acaba de indagar. Como vê, não temos culpa. Page não lhe disse isso porque estava interessado em vender o bar.

- Disse, mas não dei importância. Saiba que no meu cabaré haverá jogo e tudo o mais, doa a quem doer! Boa tarde, xerife.

E saiu com ar de rainha ofendida, acompanhada dos seus cortesãos, os quais olharam sucessivamente, de viés, para o xerife, que estava um tanto pálido.

A porta da sala abriu-se e apareceu a cabeça de Paul Kerens, o ajudante do xerife. Havia uma expressão de susto e espanto no rosto do homem.

- Que diacho havia com essa mulher linda, chefe? - Indagou, e entrou, olhando inquieto para Belville. - Arre! Ela saiu fula de raiva! Ouvi o que ela dizia, porque gritava tanto...

- Uma mulher extravagante e que não me agrada nem um pouco, apesar da beleza - sorriu o xerife, forçado. - Deve ser uma aventureira, Paul, cem vezes pior do que o feitor mais empedernido. Quer "apenas" licença para abrir uma espelunca dessas que são uma fabrica de encrencas! Jogo, mulheres vadias, as pseudo coristas, as mulheres para dançar com os fregueses... isso dá nojo!

- Precisamos ter cuidado com essa mulher - disse o auxiliar do xerife, movendo a cabeça. - E notou a cara dos que a acompanhavam? São pistoleiros de aluguel. Raios! Por que foi escolher logo este povoado para pôr em execução suas maquinações?

- Porque Amarillo é grande. Aqui há muito dinheiro, atividade de criação de gado, muitos comerciantes e forasteiros. Ela é esperta, Paul, e viu uma boa oportunidade. Mas o tiro lhe saiu pela culatra. Tentará usar a influência que possa ter. Veremos se ganha a parada ou se perde.

- E ela, pessoalmente, é um pedaço de mulher, chefe - disse o velho ajudante, sorrindo de forma engraçada. - Muito bonita, e certamente sem princípios e sem consciência.. Você me compreende, não é? Um homem a sós com ela tem de perder a parada, se ela lhe pedir alguma coisa, por má que seja.

Paul Kerens já contava cerca de sessenta anos. De meia estatura,era ainda forte e ágil. Quando Belville aceitou o cargo, de xerife, chamou para seu lado o honrado e leal Kerens, que havia sido capataz do seu rancho. Ambos muito compenetrados, cumpriam o áspero dever sem vacilar.

- Então, amigo Paul - disse o xerife, preocupado - é preciso tomarmos cuidado. Não sabemos quem é essa mulher, nem o que pode fazer. Vou falar com o prefeito. Não serei vencido por uma mulher, por mais bonita que seja!

E o xerife foi à prefeitura. Lamb, o prefeito, também estava preocupado pela mesma razão: a presença de Ava.

- Não sabemos quem é ela, Lamb - disse o xerife, quando se sentou diante da escrivaninha do prefeito, fumando um bom charuto puro da Virgínia. - Será que possui influências poderosas nos meios oficiais da capital do Estado, com o governador, ou quer assustar-nos com a presença dos três capangas? Querera subornar-nos para conseguir nossa permissão?

- Ignoro, amigo Clifton - respondeu o prefeito, pensativo e um tanto intrigado. - Veio com uma atitude de tal desembaraço e segurança, que me deixou assombrado. Ameaçou-me quando me neguei a atender às suas vergonhosas pretensões, e até quis me subornar ...

- A mim também, e por isso acho que não tem apoio oficial. Tenta nos subornar, ameaça e tenta nos intimidar. Acho até graça nisso tudo. E você?

- Eu também. Pode contar comigo, como sempre, para evitar a corrupção em Amarillo. Mas temos de estar atentos. Essa mulher parece estar decidida a tentar tudo antes de dar-se por derrotada. É bonita, e sabe disso. Outro perigo para a carne fraca - riu zombeteiro, olhando com malícia para o xerife. - Cuidado, Clifton, para não ficar enredado nos seus ardis sedutores! Não fique a sós com ela, porque ela o transformará num cordeirinho amarrado, pronto para o sacrifício.

- Não há perigo — riu o xerife, sarcástico. - Um homem já está de antemão curado de paixões avassaladoras e de hesitações diante duma mulher sem escrúpulos. Se fosse uma mulher honesta, mas sedutora, ainda seria cabível que um solteirão como eu ou como você lhe caísse na rede. Até com prazer.

- Então, vamos nos opor aos intentos dessa mulher - disse o prefeito, olhando para o xerife

- Se ela tentar, fecho o cabaré, expulso as mulheres e os trapaceiros. Em seguida, processo-a por desacato e outros crimes. É isto.

No entanto, na manhã seguinte, às oito horas, aconteceu algo que deixou os habitantes de Amarillo assombrados e desconcertados, principalmente os que costumavam fazer compras na Avenida Broadway.

O armazém de Lamb, o prefeito, abriu suas portas àquela hora. Era o melhor armazém do povoado, a sua localização também o favorecia, pois muitos forasteiros faziam lá as suas compras, desde ferraduras para cavalos até artigos de padaria, roupas, chapéus, calçados, produtos alimentícios em conserva, armas, fumos, perfumaria e uma série enorme de outros artigos.

De cada lado da ampla porta de acesso, de vaivém, postara-se um homem, como se fossem soldados diante da porta de um palácio de governador. Os dois homens usavam revolveres à moda dos pistoleiros: muito baixos.

Eram Bruce Wood e Tommy Kerens, cujo sobrenome era igual ao do auxiliar do xerife, embora um se chamasse Tommy e o outro Paul. Os dois homens eram capangas de Ava Elgin.

Quando uma mulher tentou entrar no armazém, Wood estendeu um braço e cortou-lhe secamente a passagem.__

- Nao entre aí, vovó - disse em tom suave, cheio de ameaça. - Hoje não há expediente.

- Não? - replicou a mulher, espantada, vendo do outro lado da porta os empregados nos seus lugares, à espera dos fregueses, - Ora, mas a loja está aberta! Não está vendo?

- Não entre, vovó, se deseja continuar vivendo - retrucou Wood, em tom gélido, olhando-a de lado. - Vá a outros armazéns! Vá, ou irá carregada!

A mulher, já de idade, viu naquele rosto sombrio, naqueles olhos negros, algo muito estranho e muito perigoso. Wood apoiava a mão direita na coronha de um Colt.

- Afastou-se, - coibida, temerosa. Era uma mulher do Oeste e sabia bem quando o perigo era real ou imaginário. Desta vez, era real. Aquele homem era um pistoleiro.

Momentos depois, chegou um forasteiro. Era forasteiro. Ia entrar, empurrando as portas de vaivém, quando Kerens o segurou por um braço, rudemente.

- Vá a outro armazém, mano. É um conselho que vale uma vida... a sua! Faça meia volta e siga em frente! - disse o pistoleiro, com um sorriso frio e cruel nos lábios torcidos.

- Ora essa! - estranhou o vaqueiro. - Que se passa aqui?

- Quem entra para comprar neste armazém, arrisca a pele. Você é jovem e ainda pode viver muito tempo. Procure outro armazém... Seja prudente para continuar vivendo.

O vaqueiro coçou o queixo e olhou de relance para os dois sujeitos. Depois, fez meia volta e afastou-se, virando a cabeça várias vezes para olhar para trás. Sabia que era perigoso meter-se com tipos como aqueles... E não valia a pena.

Outra mulher chegou, jovem e risonha, com um tapete na mão. Wood estendeu o braço e a deteve, sorrindo.

- Hoje o armazém não funciona, meu bem - disse, com voz melosa. - Vá a outro, sem perder tempo..

- Vou aonde me dá vontade, e você, feioso, não me impedirá! O armazém está aberto! Que há com você?

- Você é muito bonita e jovem demais para arriscar a vida pelo simples capricho de entrar ali - retrucou Wood, acentuando o sorriso odioso, a mão em cima da coronha do revólver. - Procure outro armazém, e tudo irá bem - e empurrou-a com força para a rua.

A mulher olhou-o espantada, pensando que o homem era algum maluco ou bêbedo. E, como não tinha nenhuma vontade de meter-se em encrencas, afastou-se depressa, temendo que o homem a seguisse.

Minutos depois, o secretário da Câmara Municipal apareceu no armazém para falar com o gerente, mas Kerens lhe embargou a passagem.

- Procure outro armazém, irmão - disse, em tom rude e imperioso. - Hoje isto aqui não funciona. Vá andando, ou correrá riscos.

- Bolas! - disse o secretário, já idoso, espantado. - Que se passa aqui? O armazém está aberto.

- Sim, mas não funciona. Ninguém pode entrar. Você poderia entrar vivo, mas não sei como sairia. Se me entende, dê o fora agora mesmo.

- Sou o secretário da prefeitura e quero falar com o gerente do armazém, que está à minha espera. Este armazém é do prefeito...

- Isso não nos importa. Hoje este armazém não funciona para o público. Vá embora, ou se arrependerá muito! - retrucou Wood, em tom categórico, a mão na coronha de um dos "Colts".

O secretário empalideceu, mas prudentemente se afastou. Seguiu pela rua e virou numa esquina, entrando numa rua estreita. Nela o armazém tinha um grande pátio para armazenagem de mercadorias, com uma porta. O homem entrou por ela. Dirigiu-se ao gerente do armazém, que, com mais cinco homens, tinham presenciado o procedimento esquisito dos pistoleiros, não deixando entrar o público para fazer suas compras.

- Vá você, Hamilton - disse o secretário da prefeitura, dirigindo-se ao gerente - ver o xerife, e conte-lhe o que se passa. Comunique também ao sr. Lamb. Isto é intolerável, e é preciso punir aqueles dois abusados.

O gerente saiu para a rua estreita e seguiu depressa para a Avenida Broadway. Belville, ao receber a informação do abuso dos dois sujeitos, ficou espantado. Não tinha tomado conhecimento do assunto, embora a delegacia estivesse situada muito perto do armazém geral.

- Bem - disse o gerente do armazém, em tom resoluto. E afivelou o cinturão com os dois "Colts" 45, notando que estavam carregados e prontos para serem usados. - Vá para o seu lugar. Acho que sei quem organizou essa encrenca. É a tal Ava...

- Tenha cuidado, xerife - disse o gerente, temeroso. - São dois os pistoleiros... Leve seu ajudante com você.

- Meu ajudante não está no povoado no momento, mas fique sossegado, amigo. Não é a primeira vez que enfrento gente dessa laia. Eles precisam é de severidade.

O gerente saiu apressado, intimamente contente porque o xerife não lhe pedira para acompanhá-lo. O gerente não era muito corajoso e não tinha nenhuma experiência de situações como aquela. Além disso, era para isto que existia xerife.

Quando saiu à rua, viu que esta se achava cheia de gente, que olhava para o lugar onde ficava o armazém de Lamb, em cuja porta se achavam Wood e Kerens, de guarda, as mãos sobre a coronha dos revólveres, repelindo todos que tentavam entrar. Era um espetáculo novo para aquela gente, que, apinhada nos passeios, comentava nervosamente o que estava acontecendo.

O xerife apareceu na porta da delegacia, o olhar duro, a expressão do rosto severa e o cenho franzido. Diante dele havia um grupo numeroso de pessoas, todas olhando para o passeio de frente, onde ficava o armazém geral. O xerife também olhava para lá, a fim de confirmar a informação do gerente do armazém.

Foi então que soou um estampido forte, mas um tanto abafado pelo vozeiro dos homens e pelas exclamações das mulheres e crianças. Algumas pessoas ouviram o tiro, mas a maior parte não ouviu, ou não fez muito caso disso.

O xerife Clifton Belville mal ouviu o ruído do tiro Porém, infelizmente para ele e para a comunidade, sentiu-lhe o efeito.

Sentiu como que uma pancada no peito, à altura do coração, e uma dor não muito forte. Viu sua camisa tingir-se de vermelho, e tombou morto, o coração varado pela bala.

As pessoas que se achavam perto dele, a uns seis metros, viraram-se para olhar ao ouvirem o ruído do corpanzil do xerife ao tombar, ficando imóvel, enquanto que, do seu peito, manchando-lhe a camisa, saía sangue em abundância, escorrendo para a rua, de terra batida.

Alguns gritaram e fugiram correndo. Outros correram para o lado do xerife, para examiná-lo. Formou-se um enorme reboliço, e o pânico logo dominou a rua. Todos corriam como reses perseguidas por pumas ou lobos.

Wood e Kerens puxaram dos seus revólveres e atiram apressadamente, algumas vezes para o alto, outras contra os vidros das janelas das casas, e contra as vitrinas das lojas, aumentando a confusão e o medo.

A rua ficou deserta naquele trecho extenso. Diante da delegacia, o corpo do xerife, abandonado, de barriga para baixo. À porta do armazém, Wood e Kerens, pernas separadas e prontos para agirem.

Debruçada sobre a janela do seu quarto, no hotel, Ava, que sorria cruelmente. Tudo tinha saído bem.

 

Um empregado do armazém apareceu na porta de vaivém. Lívido de terror, olhou para os dois pistoleiros, os braços longe do corpo, e disse em voz trêmula e vacilante:

— Vou... fechar. Recebi essa ordem, sabem? Vou fechar...

— Faz bem. Como não vai mesmo entrar ninguém aqui, para que perder tempo? — disse Wood, rindo. — Sim, feche. Vocês nem deviam ter aberto.

O empregado fechou depressa as portas, como se os dois pistoleiros lhe estivessem apontando seus revólveres. Ficou do lado de dentro, apavorado. As lojas vizinhas estavam também fechando suas portas a toda pressa, pois seus donos temiam que lhes tocasse a vez em igual cena de vandalismo.

Ninguém se aproximava do xerife morto, estendido no passeio. Ninguém passava por ali. Nas janelas das casas, algumas cabeças aparecem por momentos, de relance, timidamente, e tornavam a sumir depressa, quando Wood ou Kerens olhavam na sua direção.

Um silêncio de morte reinava ali, estendendo-se por toda a rua. O banco local também tinha fechado a toda pressa. Vários cavaleiros que deviam ter passado por ali fizeram uma volta ou partiram a cavalo, a galope, para fora da cidade. Algumas carroças fizeram o mesmo.

E apareceu a silhueta alta e impressionante de Luling, homem corpulento, o terceiro guarda-costas de Ava. Caminhava lentamente, pavoneando-se, o amplo chapéu cinzento jogado para trás da cabeça. Chegou até junto do corpo do xerife e empurrou-o com o pé até virá-lo de boca para cima. Observou-os alguns minutos e depois seguiu sua marcha até onde estavam Wood e Kerens, diante da porta do armazém, com os "Colts" nas mãos.

- Bem, isto acabou - disse Luling, satisfeito. -Tal como queria Ava. Saiu muito melhor do que ela pensava. Ninguém se move, hem? Tive sorte, porque fiquei escondido no meio desses idiotas, e pude atirar à vontade contra o xerife. Morreu sem saber quem o matou.

- E agora, que faremos? indagou Wood, olhando para as janelas das casas. - Não sabemos como a gente do povoado reagirá, quando passar o susto.

- Não fará nada. O povo nunca faz nada, pessoalmente, quando compreende que arrisca a vida. Vamos à agência dos telégrafos. Já não precisamos ficar aqui.

Os três seguiram pela rua até chegarem a um prédio de dois andares, que tinha uma porta larga sobre a qual se lia, numa placa: "Correios e Telégrafos". Entraram, precedidos de Luling, as mãos sobre as cadeiras, aparatoso, um palito num canto da boca.

Atrás de um guichê, um homem estava olhando-os fixamente, o queixo trêmulo. Era de certa idade.

- Olá, amigo - disse Luling, em voz baixa, arrastada. - Suponho que não terá telegrafado às autoridades, contando estas tolices, não é mesmo? Deixe-me entrar para ver o aparelho!

O empregado abriu uma estreita porta e recuou, trêmulo. Luling aproximou-se do transmissor telegráfico e pegou alguns papéis, que examinou cuidadosamente. Depois, olhou para a fita com o código Morse.

- Você transmitiu alguma coisa? - indagou ao empregado, olhando-o como se este fosse um inseto.

- Não, não, senhor. Não sou autoridade aqui. Se tivesse vindo o xerife ou o prefeito... - respondeu, com medo enorme.

- Se alguém vier pedir-lhe que telegrafe às autoridades, e se você telegrafar, pode considerar-se morto. Vamos, Wood. Rebente todos estes fios e aparelhos. Assim, teremos certeza de que este pilantra não nos trairá. - Wood, com a coronha de um revólver, começou a bater com muita eficiência na instalação do transmissor e receptor de código Morse, rebentando os fios e as pilhas.

- Perfeito - e o patife olhou para os dois empregados dos correios, que estavam do outro lado de uma cerca baixa de madeira. - Vocês também arriscarão a vida se mandarem alguma carta às autoridades. O melhor será fecharem a agência até ordem em contrário. E não banquem os espertos, indo a outro povoado vizinho para dali avisar as autoridades, porque nós os liquidaremos!

Os empregados, pálidos de terror, com os braços para o alto, negaram, com gestos expressivos. Os três pistoleiros saíram, mas de repente Luling parou, pensativo, o olhar baixo.

- Esperem um momento - disse aos companheiros. E tornou a entrar na agência. Um instante depois, os dois que haviam ficado de fora ouviram vários estampidos de revólver e alguns gritos sufocados e atrozes, e mais tiros.

Luling tornou a sair, pondo balas num revólver, com um diabólico, sorriso de satisfação.

- Esses não podem mais nos causar danos. Era o melhor que se podia fazer - disse, em tom sarcástico.- Os mortos não falam.

Wood e Kerens riram, enquanto avançavam rumo ao hotel. Mas na rua silenciosa e deserta viram o cadáver do xerife, tal como havia caído há algum tempo. E ao lado dele, inclinado, o ajudante do xerife, Kerens. Em algumas janelas, algumas pessoas mostravam timidamente a cabeça. Uma delas gritou alguma coisa ao auxiliar de xerife, quando viu que os três pistoleiros avançavam. Kerens ergueu-se, com um revólver em punho.

- Aquele sujeito é o ajudante do xerife - disse Luling, parando. - Não faltava mais nada. Vamos, temos de liquidá-lo também. Não podemos perdoar a vida de quem possa atrapalhar-nos. Foi o que Ava mandou. Vamos separar-nos. É velho e será fácil acabar com ele.

Mas vinha chegando pela rua, correndo, um homem que usava uma batina comprida, a cabeça descoberta. Era o padre de Amarillo. Um homem que já devia passar dos sessenta e cinco anos, alto e delgado. Corria para o lugar onde se achavam o cadáver do xerife e Kerens, que já tinha visto os três pistoleiros.

- Não, não! - gritou o sacerdote, ofegante, o rosto magro, moreno, cheio de horror. - Pelo amor de Deus, chega de homicídios! Não mate mais! Pelo amor de Deus...!

Postou-se diante do auxiliar de xerife, os braços estendidos, em cruz muito ereto, para proteger o corpo velho auxiliar de xerife, olhando para os três pistoleiros, que se achavam separados uns dos outros, observando aquilo, confusos.

- Retire-se, padre! - disse Kerens, o ajudante de xerife, empurrando-o, trêmulo de raiva - Estes bandidos assassinaram o chefe! Deixe-me! Não se meta nisto! Assassinos, covardes! Saia logo, padre, antes que o matem também! - e fazia força para separar-se do sacerdote, o qual, horrorizado, ia de um lado para outro, colocando-se diante do auxiliar de xerife, pálido de horror.

- Saia daí! - gritou Luling, apontando seus revólveres para o padre, que protegia o ajudante de xerife com o corpo. - Não se meta, senão...!

No hotel, quase diante do lugar onde se achavam o sacerdote e o auxiliar de xerife, a janela do quarto de Ava estava aberta e a mulher aparecia lá, contemplando a cena com um feroz gesto de impaciência e de rancor.

Luling e seus dois capangas ocupavam posições favoráveis, pois estavam protegidos atrás dos vãos de portas, separados uns dos outros, apontando só a cabeça para espiar.

- Pelo amor de Deus, peço-lhes que não continuem matando! - gritou o sacerdote, sempre na posição de proteção, diante do auxiliar de xerife, que em vão tentava afastar-se do padre Mac Intire. Seus braços compridos, estendidos, em cruz, pareciam uma invocação à paz, uma súplica ardente, oferecendo sua vida, para que não houvesse mais derramamento de sangue.

- Não atirem, não cometam um novo crime!

- Mas deixe-me, quero castigar esses patifes miseráveis! - bramia Kerens, soluçando de dor e raiva, tentando afastar-se do sacerdote, que sempre se colocava diante dele, ocultando-o com o corpo grande, os braços estendidos. - Não compreende que vão matá-lo? Não se meta, padre! Isto é assunto meu, e não seu!

Luling e seus capangas estavam indecisos. A presença do sacerdote os impedia de atirar contra o auxiliar do xerife. Nas janelas das casas havia muita gente, embora cheia de precauções. Um silêncio de mau presságio e terrível dominava toda a rua.

O silêncio foi rompido de repente por uma voz feminina enrouquecida pela raiva: Uma voz aguda, ferina, que parecia a voz de um abutre encolerizado quando lhe tiravam a presa.

- Atirem! Atirem, Luling, Wood e Kerens, do contrário estão despedidos! Acabem duma vez com isso! Matem os dois!

- Mulher, que impeles ao crime, ao ódio e à morte! - troou a voz do padre Mac Intire, elevando a cabeça para olhar para Ava. - Por que faz isso, infeliz? Não matarás! É um mandamento de Deus. O sangue que você derramar cairá sobre a...!- Ouviram-se três tiros quase seguidos. Das janelas, saiu um grito uníssono de espanto, da garganta das mulheres que assistiam à cena.

O padre Mac Intire continuava erguido, os braços estendidos. Atrás dele, colado à parede da casa onde ficava a delegacia, o auxiliar de xerife Kerens atirou sob o braço estendido do sacerdote. Mas na batina negra começavam a brilhar algumas manchas vermelhas, na altura do peito, num ombro e no ventre.

Lentamente, o braço direito do padre foi baixando. O rosto do sacerdote, no qual havia uma barba negra, já branca em diversos pontos, foi ficando lívido. Balbuciou alguma coisa ininteligível e suas pernas se dobravam, embora fizesse força para continuar de pé. E seu olhar elevou-se ao céu, angustiado.

Kerens, o ajudante de xerife, segurava-o agora pela cintura, vendo jorrar o sangue do padre.

- Assassinos! Miseráveis! - gritou Kerens, a voz cheia de angústia. - E você, cadela vil, que mandou estes miseráveis! Assassina...!

Wood, Luling e Kerens aproximavam-se lentamente, para caprichar mais na pontaria, procurando proteger-se, porque o auxiliar de xerife tinha um revólver na mão.

O padre Mac Intire tinha o braço esquerdo ainda estendido e os joelhos dobrados. Era como uma cruz à qual faltasse um braço, mas ainda fincada no chão e ainda pretendendo proteger o homem bom que continuava vivo, embora isso lhe custasse a vida.

Luling atirou novamente. Depois, Wood e Kerens, bem protegidos nos seus esconderijos, sem se mostrarem. Ava mostrava a formosa cabeça com uma expressão infernal no rosto e mordia os lábios furiosa, porque aquilo estava durando demais.

Nas outras janelas das casas, vizinhas, nos dois passeios, as mulheres e alguns homens gritavam e pediam furiosas que alguém fosse ajudar o estimado padre e o leal e valente auxiliar de xerife.

As três balas recebidas agora pelo padre Mac Intire o fizeram novamente dobrar os joelhos, a cabeça inclinada sobre o ombro esquerdo. O braço do mesmo lado baixava, erguia-se novamente e tornava a baixar trêmulo. Tentava ainda proteger Kerens

Este segurava o padre com o braço esquerdo, para evitar que o sacerdote tombasse sobre o cadáver do xerife, o qual, estendido, de rosto para cima, parecia fitá-los com admiração diante de tanta coragem.

Kerens atirou duas vezes contra os três homens escondidos atrás dos portais, que avançavam aos saltos, como ratos covardes.

O padre soltou um suspiro profundo e seu braço esquerdo baixou para sempre, as pernas dobradas.

Kerens deixou-o deslizar suavemente, murmurando algo entre dentes. Depois ergueu-se, feroz, desafiador, olhando para a janela ocupada por Ava. Atirou uma vez contra a mulher.

Mas Kerens tinha os olhos cheios de lágrimas, e além disto já não enxergava muito bem. Procurou os assassinos e não os encontrou.

Saltou na rua, colocando-se no meio desta, as pernas separadas, tornando a colocar balas no "Colt". Era de estatura mediana, mas agora parecia um gigante, um colosso que desafiava os inimigos ocultos e traidores.

Saiam, bandidos! - gritou, a voz estranhada pela raiva, enquanto as lágrimas o impediam de ver.

Estou sozinho, assassinos! Covardes!

Ava fez um gesto a Luling, com a mão, para que acabasse com aquele pesadelo. A voz trovejante do auxiliar do xerife dominava o silêncio espantoso da rua.

Uma mulher chamava de covarde um tal Kid e incitava-o a ir ajudar Kerens. Ouviram-se gritos histéricos. De uma janela caiu um vaso de flores muito perto de onde estava Wood.

- Corra, Kerens, corra! - gritou uma mulher, a voz encortada pela angústia. - Fuja! Querem matá-lo!

- Refugie-se na delegacia! - gritou um homem, com voz rouca. - Covardes...!

— Covardes são vocês, que estão aí olhando, sem ajudá-lo! -gritou outra mulher, com voz terrível. — Isso mesmo, Kerens! Você é o único homem de verdade vivo nesta cidade!

Soaram vários tiros seguidos. As balas penetraram em algumas janelas, partindo vidros, cravando-se nos alisares das janelas e assobiando agudamente.

Tornou a fazer-se silêncio, ameaçador Todos desapareceram das janelas. O terror dominava tudo e impunha o silêncio.

Kerens, o auxiliar do xerife, atirou duas vezes contra dois lugares onde supunha estavam ocultos os pistoleiros. Não os via. Uma nuvem vermelha lhe turvava a vista. As lágrimas incontidas lhe brotavam dos olhos e escorriam-lhe pelas faces trigueiras como se fossem de chumbo. Um ronco que lhe saía da garganta quase o impedia de respirar. Era a dor atroz que sentia pela morte do seu chefe, e pela do padre que deu a vida por ele.

Luling, Wood e Kerens aproximaram-se mais. Ava, da janela, incitava-os com gestos incisivos. As outras janelas achavam-se vazias. O silêncio dominava tudo, cheio de insuportável tensão. O auxiliar de xerife continuava ali, plantado, as pernas abertas, procurando com o olhar turvo os covardes inimigos.

Um tiro, seguido de outro. Depois, mais dois, espocaram no silêncio da rua. Um grito horrível de mulher, dentro duma casa, fez os pistoleiros estremecerem, bem como Ava e todos que estavam ocultos dentro de suas casas.

O auxiliar de xerife, Kerens, fez um movimento pendular de trás para diante e firmou-se com tremenda energia, dando dois tiros. Não sabia onde estavam seus inimigos, e agora muito menos.

Sua mente parecia uma vela acesa que fosse apagando-se. Sentia dor no ventre, no peito e num dos ombros. Algo quente e denso lhe corria corpo abaixo, sob a camisa e as calças.

Pensava ouvir a voz do padre Mac Intire chamando-o docemente. Não. Não era o padre. Era a voz do xerife, seu chefe. Concitava-o a continuar ali, desafiando os inimigos do bem, cumprindo seu dever de defender a Lei e a Justiça. Agora, era ele o xerife.

Agora, tinha de morrer, se fosse preciso, como havia morrido o seu chefe.

O movimento pendular de diante para trás tornou a sacudir Kerens. Uma náusea horrível o fazia ver tudo oscilar. As coisas dançavam loucamente ao seu redor.

Sentia-se como se estivesse voando e como se o chão cedesse sob os seus pés. Sabia que a morte se aproximava, imobilizando-o. Uma morte doce, suave, serena.

— Patifes! Aproximem-se mais! — gritou, com voz estridente, sufocada. — Quero ver-lhes cara de bastardos, cães dessa assassina! Mais perto covardes!

Luling aproximou-se mais, atrevendo-se a pisar no passeio. Wood saltou na rua, um "Colt" em cada mão. Kerens imitou-os, alguns metros atrás, olhando para as janelas, vazias.

E uma fuzilaria cerrada atroou os ares, levantando ecos na rua deserta.

O auxiliar Kerens tombou como que fulminado, primeiro de joelhos, depois de costas. Apertava na mão direita o "Colt" descarregado. Nos dois últimos, segundos de vida, esticou os braços e manteve-os assim, em forma de cruz, com as pernas rígidas, duras, e a cabeça inclinada de lado.

Luling, Wood e Kerens aproximaram-se lentamente, os braços pendentes e empunhando revólveres, olhando para as janelas. Atiraram algumas vezes contra elas, para manterem o terror e para fazer aquela gente espantada ficar quieta, temendo ver seus lares invadidos por aqueles três demônios.

- Uff! Até que enfim isto acabou — disse Luling. — Agora, não haverá quem se mova. respeitam a violência. Vamos ver o que Ava quer agora, que não há mais autoridade neste povoado.

— Ainda resta o prefeito — disse Wood, com um sorriso infernal. — Negou-nos licença, como o xerife. Deve ter fugido a todo vapor.

Entraram no hotel. Não se via ninguém no saguão nem no sopé da escada. Era como se todos os moradores do hotel, menos Ava, tivessem fugido, aterrados.

Ava descia a escada, pálida, mas com ar decidido, satisfeito.

— Bravos, meus valentes! — exclamou, em tom de zombaria. — Patifes! Imbecis! — gritou, fulminando os três pistoleiros com um olhar duro. — Meia hora para resolver um assunto que podia ter sido resolvido em três minutos! Tive de atirar contra o padre e contra o auxiliar do xerife para lhes dar o exemplo! Era preciso provocar o escândalo que vocês provocaram no povoado?

Luling e os outros dois baixaram o olhar, confusos. Ava suspirou e deu uma volta pelo amplo aposento, pensativa.

— E o prefeito? — indagou, dirigindo-se a Luling.

— Onde está? Vocês o deixaram fugir de Amarillo para avisar às autoridades?

- Não sabemos - respondeu Luling, dando de ombros. - Podemos nos informar, se você quiser. Ande, Wood, vá à prefeitura, o confirme se o prefeito está ali ou na casa dele!

O pistoleiro partiu. Ava sentou-se numa cadeira, a cabeça pendente sobre o peito, pensativa. O dono do hotel, atrás do balcão de recepção, permanecia quieto, muito pálido, pedindo a Deus que aqueles demônios o deixassem em paz.

Wood voltou apressadamente, a satisfação refletida no semblante maligno, os lábios torcidos.

- Está na prefeitura, segundo me disse o aguazil! - disse a Ava, em tom adulador, submisso. - Poderíamos ir procurá-lo e arrancar-lhe permissão para o jogo e para o resto! Agora não se negará!

- Com ou sem a permissão dele, abrirei o cabaré - respondeu Ava, de forma categórica. - O coitado deve estar morto de medo. Se concordar, vamos deixá-lo vivo, porque cumprirá nossas ordens e isso dará aparência legal ao que fizermos. Vamos conferenciar com esse homem ilustre! — e riu sarcasticamente, enquanto seus capangas rompiam em gargalhadas de adulação.

Partiam, primeiro Ava, na frente, a cabeça muito alta, cheia de soberba. Atrás, Luling, que parecia querer provar sempre que era o lugar-tenente de Ava, em seguida Wood e Kerens.

O dono do hotel, ao vê-los sair, persignou-se, angustiado. Não dava um níquel pela vida do bom prefeito Lamb. No passeio do outro lado da rua estavam os cadáveres do xerife, do seu ajudante, Kerens, e do bendito padre Mac Intire.

 

Na rua, vários homens estavam levando para a delegacia os cadáveres do xerife, do padre e do auxiliar do xerife. Ficaram quietos, rígidos, temerosos, quando viram sair a mulher e os três pistoleiros, que os observavam alguns momentos.

- Muito bem feito - disse Ava, aprovando com um sorriso falso, irônico. - Coloquem os três em caixões e enterrem-nos. Façam o mesmo com os que estão nos Correios e Telégrafos. E tenham cuidado, porque quem abusar irá fazer-lhes companhia no cemitério!

Os homens ficaram quietos, vendo os quatro se afastarem. Depois, voltaram rapidamente à sua tarefa. Nas janelas das casas, outros habitantes apareciam para verem o que se passava, O medo impedia-os de sair.

Ava e os três capangas chegaram à prefeitura, localizada pouco adiante. Luling bateu na porta com a coronha de um revólver. Os que espiavam pelas janelas olhavam a cena com a ansiedade no rosto.

O aguazil abriu, e ao ver a mulher e os três pistoleiros empalideceu, mas recuou para não lhes impedir a passagem.

- O prefeito está? - indagou Eva ao empregado, olhando-o como quem olha um verme.

- Sim... Sim, senhora. No gabinete dele. Querem falar com ele? Vou avisá-lo...

- Quieto, imbecil! — disse Luling, segurando-o.

- Nós conhecemos o caminho. Reviste-o, Wood, pode estar armado.

O aguazil estava desarmado e submeteu-se mansamente à revista. Depois, ficou diante da porta, tremendo, vendo os quatro avançarem pelo corredor. Passou a mão pela testa suarenta. Finalmente, resolveu afastar-se dali. Não lhe convinha encontrar-se com aquele bando de assassinos quando eles voltassem.

Ava e os três homens chegaram diante da porta do gabinete do prefeito. A mulher empurrou-a sem bater. Ficou parada, olhando para o interior do aposento, que tinha uma janela que dava para a rua.

Atrás da sua escrivaninha, o prefeito Lamb achava-se de pé, ereto, as duas mãos levemente apoiadas sobre a mesa, olhando com profundo desdém para Ava.

- Bem, prefeito - disse a mulher, avançando lentamente, cercada pelos seus capangas. — Suponho que viu o que fomos obrigados a fazer por causa da estupidez de certas pessoas. Sou a primeira a lamentar isso...

O prefeito fez um sorriso amargo, com infinito desprezo, mas ficou calado. Ava olhou-o com rancor. Sentou-se numa cadeira, de frente para a escrivaninha, olhando para o prefeito.

- Venho para que me dê uma autorização escrita. Já lhe pedi a autorização antes, com amabilidade. Para um cabaré completo! O xerife não quis autorizar, e já viu o que...

— Não! — troou a voz de barítono do prefeito, mais rouca do que de costume, feroz e desafiadora. — Não converso com assassinos!

Luling, Wood e Kerens contornaram a mesa, por ambos os lados, e postaram-se ao lado do prefeito, que continuava de pé, agora com os braços cruzados sobre o peito, a cabeça muito erguida. Ava sorriu de forma feiticeira.

— Gosto de homens valentes, prefeito — disse, em tom suave, o queixo apoiado na palma da mão e o cotovelo num braço da poltrona. — Mas sua atitude, é totalmente imbecil. Lamentaria ser obrigada a usar de violência para que faça o que eu quero, prefeito. Seja bonzinho e assine a autorização. Mantenho minha proposta de dar-lhe porcentagem nos lucros. Não pode dizer que eu não sou razoável. Que me diz?

- Não! - gritou o prefeito, em voz rouca. - Não faço negócios com assassinos! Prefiro que me matem Vocês pagarão caro tudo que estão fazendo! Por Deus, que pagarão!

Ava fez um leve gesto a Luling. O pistoleiro virou-se um pouco e deu um tremendo soco no rosto do prefeito, que tombou para trás com a pancada recebida. Mas se refez, sem tentar lutar. O sangue lhe escorria do nariz, e o homem não tentou contê-lo. Os braços caldos, a atitude altaneira, não denotava que estivesse apanhando.

- É um aviso, prefeito - disse Ava, em tom doce, olhando com pena para Lamb. — E isso não é nada comparado com o que vai sofrer caso se negue. Sente-se e pegue papel e uma dessas penas. Escreverá o que vou ditar. Luling obrigue-o a sentar-se.

Luling e Wood empurraram o prefeito pelos ombros, obrigando-o a sentar-se. Luling abriu a pasta que havia sobre a mesa e tirou dela uma folha de papel, que pousou diante do prefeito. Depois, colocou-lhe a pena molhada na tinta. O prefeito não pegou a caneta.

- Você me agrada, prefeito — disse Ava, em tom sentimental, olhando para Lamb com fingida simpatia. — Poderíamos ser ótimos amigos se você quisesse. Não gosta de mulheres, homem? Não gosta de dinheiro, o conforto, de prazeres? Eu não lhe agrado?

Lamb não abriu os lábios inchados. O sangue que lhe saía do nariz manchava-lhe a camisa branca e a gravata preta.

- Que sujeito mais cabeçudo! - resmungou Ava, aborrecida, como se não quisesse castigar o prefeito. - Não compreende que na verdade não preciso da sua autorização para fazer o que desejo? Quero é evitar-lhe a morte, idiota, e permitir-lhe que conviva comigo amistosamente, intimamente, se você assim quiser! Não compreende isso? Vamos, escreva e assine duma vez!

- Deixe-me agir, Ava, e verá como este sujeito fica mais suave do que veludo disse Luling, que não achava graça nenhuma nas palavras de Ava, cheio de ciúmes. - Retire-se e deixe por minha conta...

- Pode começar a convencê-lo - disse Ava, com um gesto de fingido desânimo. - Eu queria evitar isso, porque gosto dos homens valentes. Vai dar a autorização, prefeito?

- Não! - troou a voz de Luling, mãos sobre a pasta, o olhar cravado ferozmente na mulher. - Assassina! Não sei se verei ou não seu castigo, mas você terá o que merece! Comecem a me matar, mas nunca assinarei!

Luling deu-lhe outro soco no rosto. Wood, do outro lado, deu-lhe outro no mesmo lugar. Kerens, por trás da cadeira, agarrou-o pelos cabelos e puxou para cima com força, obrigando Lamb a levantar-se. Depois, às pancadas ferozes, obrigaram-no a sentar-se novamente. Os golpes choviam sobre o prefeito, que, de olhos fechados, sem nada fazer para se defender, recebia todo o castigo sem um gemido, sem um gesto de dor.

- Autoriza, prefeito? - indagou Ava, fazendo um gesto aos seus algozes para interromperem o seu trabalho.

- Não! - exclamou o prefeito com voz possante, ofegando. - Nunca! Acabem duma vez com isto, assassinos!

- Retirem-se - disse Ava com um gesto aos seus capangas. - Deixem-me a sós com ele. Seria o primeiro homem que me rejeitaria, e o prefeito é um homem de verdade. Esperem lá fora.

- Não faltava mais nada! - exclamou Luling, congestionado pela raiva, mostrando seu ciúme enorme. - Deixe-nos você a sós com ele, e verá se conseguimos ou não o que você deseja.

- Fora, já disse! - gritou Ava, os olhos fuzilantes. E levou a mão direita ao revólver que trazia na cintura.

Os três malfeitores, resmungando, saíram lentamente para a sala de espera, virando a cabeça para trás de vez em quando. Ava tinha-se levantado e com um lenço estava limpando cuidadosamente o sangue que brotava das lesões que o prefeito tinha no rosto e na cabeça, enquanto lhe dizia algo muito baixinho, em tom suave.

A porta fechou-se e Wood ficou encostado no batente, de cenho franzido, mal-humorado. Luling limpava o suor da testa com um gesto de raiva. Kerens sorria zombeteiramente, porque, à sua maneira, estava apaixonado por Ava, e divertia-se vendo-os sofrerem humilhações daquela mulher.

Os três sentaram-se, enrolando cigarros, silenciosos, olhando para o chão de madeira brilhante. Luling olhava para a porta fechada, com ansiedade e rancor.

Sabia, bem como os companheiros, quais eram os métodos de Ava para convencer um homem teimoso a fazer o que ela queria. E sabiam também que jamais falhava. Era muito bonita e não tinha escrúpulos de nenhuma espécie. Os homens arrastavam-se aos seus pés como cães submissos ou transformavam-se em feras, segundo seu capricho.

Passaram-se uns quinze minutos. Luling passeava pela saleta como uma fera enjaulada, fumando, cuspindo, resmungando e olhando para a porta. Wood e Kerens, sentados, esperavam também, tensos, escutando.

- Que vontade de perder tempo! - bramiu Luling, diante da porta. E colocou a mão sobre a maçaneta, como se fosse abri-la. - com um sujeito assim...!

- Não abra - saltou Wood, já de pé, a mão direita sobre a coronha do revólver. - Arrisca-se a levar um tiro.

- De você, por acaso? - vociferou Luling, olhando desdenhosamente para o companheiro. - Gostaria que você tentasse... Estou farto de vê-lo olhar para ela como um cão faminto. Para seu governo, aviso-o de que...

Nisso, soou um estampido, que retumbou no silêncio da casa. Uma detonação que provinha do gabinete do prefeito.

Luling, Wood e Kerens entraram de roldão no escritório, empunhando os revólveres. E ficaram quietos, contemplando a cena.

Ava tinha seu revólver na mão, e da arma saía um fiozinho negro de fumaça. Achava-se ao lado do prefeito, que estava sentado, a cabeça inclinada de lado, sobre o peito. Da sua testa jorrava sangue em abundância.

- Que homem...! - exclamou a mulher, com voz rouca, enfiando o revólver no coldre, o rosto pálido. - Vamos embora! Que homem...! Se ele cedesse, eu o mataria de qualquer forma. Por ser covarde e fraco! Aprendam, cães, o que é um homem de verdade, que prefere deixar-se matar a ceder! Que homem...!

- Não escreveu a autorização? - indagou Wood, assombrado. - Nem a sós com você?

- Nem a sós comigo. É a primeira vez que isto me acontece replicou ela, mal conseguindo conter o despeito. - Vamos embora daqui! Dá na mesma. Somos os senhores e eu não precisava dele. Mas eu gostaria de ter homens como aquele ao meu comando! Era um inimigo perigoso, e não pedia deixá-lo às minhas costas! Vamos, já disse!

Luling sorria com ar triunfante, contente por ver Ava humilhada, por ver que não tinha conseguido o que desejava nem mesmo usando sua beleza, seus dotes quase irresistíveis de persuasão, sua sensualidade.

Saíram à rua. O aguazil não estava na porta. Na rua, alguns homens se achavam nas esquinas, comentando e dirigindo olhares temerosos à prefeitura. Ao verem surgirem Ava e seus capangas, dispersaram-se rapidamente.

- Ei, vocês! - gritou Ava. E os homens pararam, levantando os braços. Luling, Wood e Kerens esgrimiam seus revólveres, apontando para os homens. - Vocês, pilantras, já podem normalizar a vida! Mas quem estiver armado se dará mal! Digam a todos que não tenho nada contra vocês! Que desejo que as lojas sejam reabertas e que a vida normal se refaça! E que a autoridade está nas nossas mãos, porque o prefeito, O xerife e o ajudante do xerife estão mortos! Vamos, todos para a rua, mas desarmados!

Os homens baixaram os braços, mas olhando de soslaio para Ava e seus capangas. Temiam uma cilada. Que se todos saíssem à rua os três malfeitores fizessem uma chacina a tiros, para deixarem bem implantados o medo e o terror.

Ava e os três pistoleiros passaram longe, os revólveres guardados nos coldres, sem olhar para os circunstantes, nas janelas, como se quisessem mostrar que não esperavam uma reação violenta deles porque estavam dominados pelo pânico.

E, realmente, assim era. Faltava a coesão, a arrancada de um daqueles homens para impear os outros à ação. Tinham visto morrer o tom padre, o xerife e o auxiliar deste, os empregados dos telégrafos e o prefeito. O pânico pesava sobre cada um deles com um peso esmagador.

- Onde foi que você disse que havia um carpinteiro? — perguntou Ava a Luüng, enquanto caminhavam lentamente. - É preciso começar as obras de reforma e aprontar o cabaré. Dentro em breve começaremos a funcionar.

- Naquela direção - e Luling apontou para um beco que começava na Avenida Broadway. - Foi o que um dos homens me disse. - E entraram no beco, que dava para uma rua estreita, atravessava outra e dava para o campo. Uma mulher que se achava diante da porta da sua casa, ao vê-los, fez menção de entrar, mas Ava a conteve com um gesto seco e imperativo.

- Onde mora o carpinteiro? - perguntou à mulher, que havia empalidecido. - Não tenha medo, palerma! Quem pensa que sou? - e riu zombeteiramente.

-Ali... - balbuciou a mulher, jovem e feia, olhando com terror para os três pistoleiros. - Ali, onde fica aquela tabuleta.

Bateram na porta da casa, de um andar só. Vários vizinhos apareceram nas janelas de suas casas.

Um homem abriu. Era de pequena estatura, calvo, de uns cinquenta e cinco anos de idade. Olhou com surpresa e temor para Ava e seus capangas.

- Você é o carpinteiro do povoado, não é? - disse Ava, observando-o com curiosidade. - Não receie nada, homem, não tema! Preciso dos seus serviços.

- Não temo, senhora - retrucou o carpinteiro, olhando com desconfiança para os três pistoleiros. - Diga o que quer de mim.

- Tem de fazer uma obra urgente e bem feita no cabaré, que eu direi qual é. Você é o único carpinteiro do povoado?

- Posso arranjar alguns marceneiros para me ajudarem, se a obra for grande. Tenho uma boa equipe e todos nós trabalhamos bem, garanto.

- Bem... Amanhã procurem-me no hotel. Se eu ficar satisfeita, lhes pagarei bem. Apareçam amanhã.

A mulher e os três capangas afastaram-se. Ava ia sempre na frente, com porte altivo, olhar desdenhoso, como uma rainha a quem todos devessem submissão absoluta.

- Parece que estamos donos da situação - disse Luling, avançando um pouco para emparelhar com Ava. Ele também desejava ser considerado como lugar-tenente da mulher. - Ninguém se move. Não há coisa melhor do que agir com severidade. Assim, o medo faz todos ficarem quietos e sem vontade de se levantarem.

- Veremos - retrucou Ava, em tom de alguma dúvida. - É preciso, como você disse, estabilizar a situação. Temos de fazer que se nomeie um xerife que me obedeça, um prefeito e um ajudante de xerife. Aí, estaremos todos tranqüilos e poderemos mandar sem praticar violências.

- Podemos fazer já estas nomeações. Basta chamar o povo e mandar que vote em homens designados por nós. O medo os levará a concordar. Acho que eu poderia, se você concorda, ser nomeado prefeito, Wood xerife...

- Eu decidirei isso! - interrompeu Ava, asperamente. - Primeiro, é preciso tranqüilizar esta gente. Que eles vejam que lhes convém obedecer-nos, do contrário se darão mal. É preciso deixar em paz as mulheres e as moças. Não procurem encrenca. Se algum de vocês arranjar barulho, terá de se haver comigo, e já sabem que não sou de brincadeira. Agora, vá com os outros.

Luling ficou quieto, esperando que chegassem seus dois comparsas, que o olharam com ironia ao ver-lhe a expressão de despeito no rosto.

- É difícil lidar com ela, hem? - indagou Wood, com um sorriso sarcástico. - As mulheres, quanto mais assediadas pela adulação, mais tolas e orgulhosas ficam. Você está perdendo o tempo, rapaz.

- Se não calar a boca, parto a sua cara, invejoso. Coiote nojento, que deseja ser o favorito de quem está muito acima de você - bramiu Luling com voz rouca, cheia de ódio.

- Você ameaça muito, mas não passa disso - retrucou Wood, com desprezo. Quando quiser, experi­mente levantar a mão contra mim. Garanto que não a baixará...

- Esse pitéu que vai aí adiante não é para nenhum de vocês dois - interveio Kerens, rindo. - É fino demais para vocês, acostumados a comerem lixo. Para vocês, só as pequenas de cabaré, mas mesmo assim pagando, é claro. Portanto, tratem de voltar à terra e deixem de voar.

Passaram diante do banco local, que tinha as portas abertas. Era o Banco dos Criadores de Gado, com sede central na capital do Estado e várias filiais nos povoados mais ricos. Luling parou, observando a porta, envidraçada e grades de ferro. Piscou um olho a Kerens e disse, em tom brincalhão:

- Ali há muito dinheiro, Tommy. - Podíamos deixar esta vida de lacaios de uma mulher abusada, e viver bem o resto da vida. O perigo é o mesmo — retrucou Wood.

- Pois agora nós somos senhores do povoado - disse Kerens, em tom irônico. - Assim, podemos entrar lá, abrir o cofre-forte e tirar tudo que houver. Acha que haveria alguém que nos quisesse impedir, depois de liquidarmos as autoridades e dominar o povo?

Veja o que este sujeito diz - falou Luling a Wood. — A verdade é que ninguém, melhor do que nós, nem melhor ocasião para fazer isso. Que acha? Você se atreveria?

- E Ava? - indagou "Wood, cocando o queixo. - Se ela souber, nos procurará. E é severa... Por outro lado, seria uma traição.

- Você tem medo duma mulher - retrucou Luling, cuspindo longe, com desdém. - É um lacaio, que pensa que algum dia ela consentirá que você lhe faça um carinho, como se fosse um cão fiel. Você fala muito. Sem nós, você não é nada...!

- O que estamos dizendo sobre o banco é sério, Wood - disse Kerens, em voz baixa. — Ninguém melhor do que nós, nesta ocasião, para dar um bom golpe. Ninguém nos castigará. Todos nos temem, porque já viram que não somos de brincadeira. Em poucos minutos, pegaríamos o dinheiro e iríamos embora, abandonando Ava. Trabalharíamos em nosso benefício, e não no dela!

Wood caminhava ao lado dos companheiros, pensativo, cenho franzido, a vista baixa, chupando fumaça que não saía, do cigarro que levava num canto da boca. Luling observava-o com desdém.

- Isso é muito fácil de dizer - falou, finalmente, em tom meditativo. - Entrar e pegar o dinheiro... E se alguém me der um tiro? Que é que eu lucrarei com isto?

- Os empregados do banco estão tão mortos de medo como o resto do povoado, rapaz - disse Luling, com desdém. - Fizeram alguma coisa para nos combater quando liquidamos o xerife, seu auxiliar e o padre? Nada!

- Vamos, Wood - disse Kerens, em tom de entendido. - Luling tem razão. Você tem raiva dele por causa dos ciúmes, mas aqui não se trata disso.. . Podemos repartir tudo entre os três, como bons amigos. E, se você não topar, eu e Luling faremos o assalto. E você ficará chupando dedo, vendo-nos com os bolsos cheios de dinheiro. Continue lambendo os sapatos de Ava.

- Enfim - retrucou Wood, em tom mais suave. - Teríamos de traçar um plano para fazer isso. Não adiantaria irmos às cegas, porque é claro que não nos receberão de braços abertos nem com música quando entrarmos e pedirmos o dinheiro. Vamos conversar sobre o assunto logo à noite. Tomarei parte no golpe, se tudo for bem planejado.

- Muito bem, homem - suspirou Luling, comicamente. - O herói cede um pouco, para receber uma terça parte da presa - e riu zombeteiramente - como se sua ajuda nos fizesse falta!

Chegaram ao hotel quando Ava já estava lá, o subiram ao quarto dela. As ruas já se apresentavam mais animadas. O povo parecia desejar não intervir para resolver uma situação criada por força maior. Afinal de conta, costumavam acontecer coisas assim em outras partem do Oeste e depois eram esquecidas, como um incidente a mais entre os muitos que ocorriam.

Luling e Kerens ficaram na sala de recepção, pedindo a um criado alguns copos de genebra. Wood não aceitou a bebida. Disse que ia deitar-se um pouco, pois estava cansado e com sono. Subiu a escada e chegou ao patamar. Mas, uma vez ali, dirigiu-se ao quarto de Ava, batendo de leve na porta.

- Sou eu, Wood. Abra, Ava - disse o pistoleiro, baixinho. - Quero contar-lhe algo urgente e muito interessante para você.

A linda mulher abriu a porta. Agora, trajava um roupão comprido, vermelho, muito decotado, de mangas curtas. Estava realmente feiticeira, embora seu rosto mantivesse a dureza de expressão quase habitual nela. Olhou com desdém para Wood, sem demonstrar que lhe permitiria a entrada.

- Que se passa? - indagou secamente, o olhar cravado no homem, que a contemplava como que fascinado, dos pés à cabeça, perturbado. - Que é isso tão urgente e tão importante?

— Que é que você me dará, se eu lhe disser algo que lhe interessa muito, que é de grande importância para você, e que pode arruinar os seus planos, se eu não a avisar do perigo que você corre? Até a sua vida está em perigo... - disse Wood, baixinho, olhando-a como um cão faminto olharia para um pedaço de carne suculento.

- Você seria mais carinhosa comigo? Seria?

Ava sorriu amistosamente. Sabia o que os três capangas sentiam por ela e como tratá-los em cada instante. Certas vezes, com absoluto desdém e dureza. De outras, esboçando promessas, permitindo avanços, que logo cortava para deixá-los sempre anelantes, pendentes da sua vontade e dos seus caprichos.

- Entre - disse ela, finalmente, colocando-se de lado. - Você meu assusta, meu bem. Diga-me o que é e serei generosa com você. Darei o que você me pedir. Seja o que for...

Wood entrou e foi sentar-se num divã. Ava sentou-se ao lado dele, olhando-o fixamente, estudando-o.

- Bem, então... - e Wood vacilou. O olhar dos olhes verdes de Ava o perturbava. - Luling e Kerens vão traí-la. Roubarão o dinheiro do Banco dos Criadores de gado e a abandonarão. Se você se opuser, eles a matarão.

Passou um braço ao redor da cintura fina e graciosa da linda mulher. Ava deixou-o agir, pálida de raiva, os olhos quase fechados. Wood beijou-a.

 

A alguns quilômetros de Amarillo, para o Sul, por uma estrada que levava de Canyon para aquele povoado, seguia Duncan Dilley, montado no seu cavalo, que caminhava a passo. Era de manhã, uma radiante manhã, que prometia ser calorenta, à medida que o Sol subisse no céu azul, sem uma nuvem.

Dilley era um vaqueiro. Talvez um vaqueiro diferente dos outros, pois o homem, além de conhecer com perfeição o oficio, tinha estudos sobre gado, possuindo um título de grau superior emitido por uma faculdade oficial do Estado do Texas.

Mas isso não impedia que no momento Dilley estivesse desempregado e com poucos recursos financeiros. Há alguns dias que partira de um rancho importante de Elg Spring. O dono do rancho, homem de caráter violento, ignorante, dura e desconfiado, além de sovina, não seguira os conselhos de Dilley na venda de gado e perdeu uma vultosa quantia, ao aceitar a intervenção de um vigarista como intermediário do negócio, o qual mandou a Abilene com uma grande boiada para vender.

O intermediário vendeu o gado, recebeu... e sumiu com alguns milhares de dólares. O dono do rancho descarregou seu mau humor contra Delley, acusando-o de estar de conluio com o intermediário. Dilley deu-lhe alguns socos, selou seu cavalo e foi embora.

Agora, ia à procura de trabalho, como um vaqueiro vulgar. Mas a sorte estava contra ele. Os ranchos

nos quais ofereceu os seus serviços não tinham mais vagas. Os preços do gado "vacum" estavam em baixa e os criadores de gado restringiam os gastos e aguardavam melhores tempos para realizarem o negócio com mais folga.

Por isso. Duncan Dilley não estava no melhor dos seus humores. Era a primeira vez, desde muitos anos. que se achava sem trabalho. A primeira vez que as portas se fechavam, apesar dos seus conhecimentos, das ruas qualidades de homem trabalhador, honrado e cumpridor dos seus deveres. E o pior era que precisava encontrar trabalho com urgência, já que suas reservas econômicas estavam no fim.

Dilley esperava arranjar colocação em Amarillo, pois era um importante centro pecuário, entroncamento ferroviário para transporte de gado, e em higa-r~s assim um vaqueiro ou um peão era sempre bem recebido. Se tivesse sorte...

Seus pensamentos foram interrompidos pelo ruído de um tropel de cavalo e de rodas de aro metálico, sobre o chão de terra. Virou a cabeça para saber o que vinha atrás.

Era uma espécie de tílburi, uma carruagem muito leve, de cavalos com rodas grandes, com capota, puxada por um cavala bom. O animal puxava o veículo com facilidade, bastante à vontade, o que parecia indicar que quem o guiava não era muito hábil no mister.

Dilley colocou-se de um lado da estrada, pois a carruagem andava em ziguezagues. Quando se aproximou mais, viu que a carruagem era ocupada por uma mulher de cabeleira ruiva e refulgente. Embora a moça usasse um chicote e puxasse com força as rédeas para conter o cavalo, este não fazia o menor caso e seu trote transformava-se já num galope.

Dilley achou que a conduta do cavalo era excessivamente independente, ou então que a mulher que ocupava a carruagem não sabia manejá-lo. E que as coisas poderiam ficar perigosas ou, quando nada, desagradáveis para a moça.

Por isso, quando chegou à altura da carruagem, fez seu cavalo jogar-se sobre o animal que puxava a carruagem. Aí, agarrou-lhe as rédeas e segurou-o com mão firme, fazendo-o parar.

- Ei! Gostaria de saber com que direito você faz isso - disse uma voz cristalina, muito musical, saída de sob a capota arriada. - Por acaso é dono da estrada?

Dilley inclinou-se e observou a mulher. Viu um rosto muito bonito, uma cabeleira ruiva clara, dois olhos azuis grandes, cheios de inteligência, vivos, alegres. E um rosto tão expressivo e bonito como os olhos e o olhar. Parecia ter estatura elevada e corpo esbelto e perfeito.

- Não, moça. Não sou dono de nada. Quase nem de mim próprio - respondeu o rapaz, rindo. - O que se passa é que seu cavalo está muito mal acostumado a disparar com a carruagem, ou então você lhe permite que faça o que quiser, e isso pode ser perigoso. Sabe que pode tomar as rédeas nos dentes?

- Ora, não diga! - exclamou a moça, em tom irônico. - Estou vendo que lhe devo a vida, ou algo parecido. Sei montar, mas a verdade é que nunca eu montei um potro bravo como este. Aluguei-o em Amarillo. Bem... Que vai fazer? Este cavalo não me obedece, por mais que eu puxe as rédeas ou que o chicoteie. Está habituado a não obedecer a ninguém.

- Eu também vou a Amarillo - disse Duncan Dilley, sem soltar as rédeas do cavalo da carruagem. - Poderia ir com você, para guiá-lo. Acho que Amarillo fica muito perto daqui. Quer que eu faça isso?

- Não sei... - e a bela moça olhava com certa desconfiança para o jovem vaqueiro. - Sou do Oeste, texana de San Antônio, e sei que nestas bandas é preciso ter cuidado com desconhecidos. Não o conheço, moço. Mas saiba que estou armada de revólver - e apontou para a cintura, onde, realmente, se via um revólver "Colt", cuja coronha aparecia.

- Meu nome é Duncan Dilley. Sou vaqueiro, técnico em pecuária, tenho cara de honesto, e sou honesto. Não notou isso? - indagou risonho o rapaz. - Mas, se não confia em mim, siga seu caminho, e procure dominar o cavalo. Bom dia, senhorita.

Largou as rédeas do cavalo do tílburi, tirando de forma galante o chapéu de vaqueiro, com um sorriso irônico.

Mas a moça não fez nada, porque o potro partiu novamente. Parecia confusa e olhava para Dilley como se aborrecida por ter ofendido àquele homem, que realmente parecia honesto. Não era, nem parecia, um daqueles vaqueiros sujos, broncos, sem educação e beberrões que quando viam uma pequena bonita logo davam rédea solta aos seus instintos mais baixos.

- Não quis importuná-lo, sr. Dilley - murmurou a moça, com embaraço na voz e na expressão do rosto. E sentou-se a um lado do banco estofado, deixando livre o lugar do cocheiro. - Ande, suba... Saiba que sou uma mulher decente. Apesar da minha profissão, que muitas vezes faz as pessoas menos avisadas pensarem coisas ruins a meu respeito.

Duncan Dilley desceu do seu cavalo, negro, e amarrou-o pelas rédeas à traseira do veículo, para que os seguisse. Depois, subiu agilmente à boléia. Era um homem de estatura elevada, delgado, esbelto, mas de costas largas, cintura estreita e tórax poderoso, que revelava uma enorme força física e uma agilidade de gato. A pequena observou tudo isso furtivamente e sentiu uma sensação agradável. Tinha experiência bastante no trato com os homens, pela sua profissão. Uma experiência bem mais amarga do que qualquer outra coisa.

- Vejamos se este pangaré manhoso obedece agora - disse Duncan, pegando as rédeas e recusando o chicote. - Pode prosseguir, senhorita...

- Ah, sim! Desculpe. Meu nome é Enid Yates. Creia ou não tenho vinte e um anos, sou órfã de pai e mãe e sou artista. Vou para Amarillo, contrata para cantar num cabaré. Mais alguma coisa, sr. Dilley? - Dilley virou a cabeça para olhar profundamente para a linda pequena. Enid resistiu ao olhar daqueles enormes olhos azuis, de expressão franca e leal, agora um pouco espantada e dura.

- Você costuma atuar em cabarés, hem? - disse ele, em tom sério. - Você dança ou canta e dança?

- Canto e danço. Mas, como em tudo nesta vida; há diferenças entre mim e uma cantora comum. Há quem se diga artista, embora isto seja apenas uma etiqueta para ocultar outras coisas. E há as que são artistas de verdade. Estou entre estas.

- Hum... - e Dilley fez um gesto ambíguo, obrigando o cavalo a seguir em linha reta, com puxões violentos nas rédeas. - E como é que, sendo uma artista de verdade, não trabalha em lugares mais... mais idôneos, como, por exemplo, em teatros? Ou em cabarés de grandes cidades, frequentados por público mais seleto e onde você poderia ter mais categoria? Não quero molestá-la, srta. Yates, creia. E não me responda, se não achar oportuno.

- Algumas vezes tenho trabalhado em lugares melhores do que cabarés do interior, mas isso é difícil. E nem é bom falar em teatro... Aí, tive de aceitar o que me apareceu. Estou falando com inteira sinceri­ade - a moça não estava se mostrando já alegre, mas sim pensativa, até preocupada. - Agora, vou para Amarillo, contratada. Veremos que sorte eu terei lá.

- Compreendo que para uma pequena honrada essa profissão deve ser muito desagradável - murmurou Dilley, movendo a cabeça, num gesto de desgosto. - Pude ver que, em alguns lugares, o dono do cabaré obriga as moças a dançarem com os fregueses, para forçá-los a gastarem mais dinheiro em bebidas mais caras. E elas tinham de suportar um trato grosseiro. É bem verdade que muitas delas pareciam fazer isso com prazer, já que aquilo significava dinheiro para elas, mas se assim faziam era porque eram vigaristas...Na maior parte, elas não pasmam de vigaristas - respondeu Enid, em tom de nojo. — Por isso, nós, que somos honestas e nos negamos a fazer certas coisas, somos despedidas. É muito difíci1, Dilley, ser honrada em certos lugares. Veremos o que me aguarda no tal cabaré de Amarillo.

- Foi contratada pelo dono dele? Sabe onde se vai meter? - indagou o rapaz, observando atentamente Enid. - A verdade é que, se eu tivesse uma irmã, não consentiria que ela trabalhasse num lugar desses.

- Pois não sei onde vou meter-me, porque uma senhora, que comprou certo cabaré, me escreveu há dias, propondo-me trabalhar no seu cabaré. Ela me oferece melhor pagamento, sem dizer que há essas coisas de que não gosto. É uma tal Ava Elgin. Não sei mais nada a respeito dela.

. Se me permite um conselho, examine bem o contrato antes de assiná-lo e deixe bem claro que só fará o que deseja: cantar e dançar. Eu vou a Amarillo. Se mo permite e não o toma como intromissão, eu poderia estar presente quando você tratar com essa tal senhora. e um conselho leal não lhe faltaria, se fosse preciso. É melhor do que você ir lá sozinha...

Muito obrigada, Dilley a moça sorriu, agradecida. - Não quisera dar-lhe trabalho, nem envolvê-lo em discussões. Conheço perfeitamente os donos dos cabarés e sei de suas falsas promessas, da sua falta de honestidade, na hora de pagar. Mas, em todo caso, aceito a sua cooperação. Já tem emprego em Amarillo?

- Seria bom se eu arranjasse um emprego, srta. Yates! - suspirou fundo o rapaz, sorrindo amargamente. - Estou sem trabalho, e não encontro um. Vim de uma região onde os pastos estão secos, o gado não tem o que comer e os criadores de gado vendem as reses famintas, esqueléticas, a preço de liquidação. E, como é natural, há vaqueiros sobrando, porque não há reses para cuidar. Não sei se em Amarillo. onde chegam tantas cabeças de gado para o Leste, precisam de vaqueiros. Qualquer emprego me serve...

- Lamento muito - disse Enid, com pena do rapaz. - Acho que as coisas para nós não estão indo nada bem, não é? Às vezes, a coisa fica preta. Você desanima quando tem grandes contrariedades? Pois eu não. Acho que, se uma desgraça vem acompanhada de uma dor, a falta de coragem é muito pior, além de não resolver nada.

- Tem razão. Neste momento, tenho apenas uns vinte cinco dólares no bolso. Há mais de quinze dias que não trabalho, procurando emprego em toda parte. Mas acabarei arranjando alguma coisa - riu o rapaz, alegremente. - - Estou disposto a aceitar qualquer emprego, mesmo que não seja da minha profissão.

- Pois eu, Dilley, sou um pouco mais rica do que você - disse a jovem, com um gesto encantador, um sorriso amplo, sincero. - Acho que vamos ser bons amigos. Se me permitisse oferecer lhe um empréstimo, caso não encontre nada em Amarillo...

Dilley esboçou um sorriso, que saiu mais uma careta   Olhou enternecido para a bela moça.

- Muito obrigado. Você é muito amável, mas não costumo aceitar dinheiro de mulheres... Mas agradeço-lhe sinceramente. Espero poder me arranjar.

- Orgulhoso, hem? - sorriu Enid, maliciosa. - Talvez esteja pensando mal de mim. Que eu seja uma dessas mulheres à toa...

- Não, não, por Deus! - exclamou Dilley, aturdido. - É justamente o contrário! Mas o que não quero é que você possa pensar que sou um sujeito descarado que aceita dinheiro duma mulher. Nunca aceitei. Você é bondosa demais. É muito jovem e muito boa, Enid.

- Sou uma pequena como todas as outras. Como já passei minhas dificuldades, talvez seja por isso que

fico comovida quando vejo outras pessoas em apuros. E não me arrependo de ser assim. Aceitará minha modesta ajuda, se não encontrar trabalho em Amarillo? Como vê, aceito a sua ajuda quando tiver de me entrevistar com a dona do cabaré. Como é que uma mulher pode dirigir semelhante negócio, Dilley? Isso parece mais próprio para um homem decidido, duro e pouco escrupuloso.

- Há mulheres muito duras, amiguinha - retrucou o rapaz, rindo. - E também existem algumas muito ternas, muito compassivas, como você, e essas não sabem explorar ninguém. Infelizmente, são exploradas. Veja, lá está um povoado. Deve ser Amarillo. — Haviam feito uma curva na estrada e diante deles aparecia um aglomerado de casas, e a um lado um trecho ocupado por armazéns ferroviários, currais ferroviários onde havia muito gado, e vias férreas.

- Que Deus nos ajude, Dilley - disse a linda moça, com voz terna. - Não acha que o destino fez um dos seus caprichos, ao que parece benéfico para nós? Conhecemo-nos e travamos amizade... Que nos reservará o destino caprichoso?

- Ao que parece, nada ruim. Uma boa amizade é sempre coisa. boa. Às vezes, deixa supor uma felicidade mais completa, uma união mais estreita... - respondeu Dilley, sorrindo de forma carinhosa. - Às vezes, é o amor.

- Como você corre, Duncan! - e Enid enrubesceu, ao notar que o havia chamado pelo primeiro nome. - Desculpe, senhor Dilley...

- Não, não, Enid. Pode me chamar assim - riu ele, jovialmente. - Já somos bons amigos, e a mim parece que nos conhecemos há muitos e muitos anos. Vamos enfrentar o destino. Vamos, cavalo molenga, mais depressa! - exclamou Dilley, usando o chicote para apressar a marcha do cavalo, que ia à vontade, já que não o chicoteavam.

Pouco depois, entravam em Amarillo. Enid olhava curiosa ao seu redor. Dilley fazia o mesmo.

- Isto aqui é grande e importante, embora seja apenas por causa da passagem do gado - disse o rapaz. - Bons negócios. E acho que a população é pequena. Deve ser gente muito caseira, o que não é raro no Oeste. Onde ficará o tal cabaré em que você veio trabalhar? Temos também de procurar um alojamento barato para mim. E que Deus me leve a um lugar onde haja trabalho!

Achavam-se na Avenida Broadway, a rua principal do povoado. Realmente, não se viam muitos moradores do lugar na rua, embora já fosse meio-dia. Viram o prédio onde ficava o cabaré, que tinha uma grande tabuleta. Ali, desceram da carruagem.

Na porta que dava para a galeria coberta, via-se uma mulher conversando com um homem. Era Ava Elgin, e o homem era o marceneiro que ia encarregar-se das obras de conserto.

Enid subiu a escadinha, seguida de Dilley. Ava virou a cabeça e olhou com curiosidade para os dois, principalmente para Dilley. Os dois jovens também observaram Ava, e Dilley soltou um assobio de admiração, baixinho, ante a beleza provocante de Ava.

- Bom dia - disse Enid, quando chegou diante da bela morena de olhos verdes. - Quer fazer-me o favor de me dizer onde poderia encontrar a sra. Elgin, a dona de um cabaré que há aqui?

- Sou eu, mas não sou senhora, e sim senhorita - retrucou a mulher, com um sorriso feiticeiro que se dirigia mais a Dilley, o qual ela olhava descaradamente. - Sou Ava Elgin. E vocês?

- Sou Enid Yates, a artista, a quem a senhora escreveu há alguns dias, dizendo-me para vir para cá - respondeu a moça. — O seu cabaré é este?

- Ah! - e Ava fez uma expressão satisfeita, ao contemplar a moça. — Se você for tão boa artista quanto é bonita, acho que tive sorte. E este belo rapaz? — perguntou depois, estendendo a mão a Dilley.

- Acaso será seu marido? -Enid enrubesceu e olhou embaraçada para o rapaz, que sorriu maliciosamente.

- Não. É um amigo meu - retrucou a artista, em tom seco. - Chama-se Duncan Dilley.

- Amigo... - e Ava sorriu, com maldade. - Que espécie de amigo? Diacho! Você tem bom gosto para escolher seus "amiguinhos".

- É apenas um amigo - retrucou Enid, com acentuada secura. - Não conheço outro significado para essa palavra. - Bem... Estou esperando sua palavra. Vamos ao que interessa. Diga quais são as condições... A senhora me chamou.

- Sim. Vamos entrar para tomar alguma coisa, enquanto tratamos do assunto. Duncan é seu procurador? - e olhou-o de forma provocante, sorrindo-lhe descaradamente. - Talvez fosse mais conveniente eu tratar com ele do que com você.

- Duncan Dilley não é meu procurador, mas os seus bons conselhos não me faltarão se for preciso. Você tem de tratar disso comigo, embora ele esteja presente. - Enid demonstrava estar aborrecida, pois não havia deixado de observar a atitude atrevida de Ava para com Dilley, bem como as frases mal intencionadas da bela mulher.

- Bem, bem - e Ava fez um gesto de desdém, como se não desse muita importância à expressão de aborrecimento da moça. - Entrem comigo. - E, como se por descuido, agarrou um braço de Dilley, empurrando Enid para que entrasse na frente. - Chegaremos a um acordo, menina, porque você é muito jovem. Cantará e dançará um pouco, para que eu veja se a sua fama é fundida.

Dilley também estava aborrecido e bastante confuso. Estava notando que Ava era uma mulher diferente. Dessa espécie de mulheres de rapina, sem moral nem escrúpulos, com as quais todo trato formal pecaria pela base, pois ela não a cumpriria. Em suma, uma mulher perigosa. E tinha pena da boa e delicada Enid, pois achava que a moça era honesta, apesar da sua profissão.

Entraram no amplo cabaré, agora deserto. Sentaram-se diante duma mesa e Ava foi buscar uma garrafa de uísque, genebra e água.

- Deixe-me intervir, Enid - disse o rapaz, baixinho. - Parece que essa tal Ava é muito esperta.

- Sim. E, além disso, é má! - falou Enid, irritada. - Vou embora! Vai querer impor-me condições que não estou disposta a aceitar.

- Bem - e Ava chegou com as garrafas e os copos, tudo numa bandeja. - Vamos tomar alguma coisa. É o melhor jeito de pessoas honradas se entenderem. Que quer tomar. Duncan? - e olhou-o com intensidade, o sorriso mais ladino e feiticeiro nos lábios, os olhos verdes soltando chispas de provocação. - É uísque escocês, do caro. E genebra da boa. Acaso você é noivo?

- Vamos ao que interessa, srta. Elgin disse Enid, quase rudemente. - Não quero perder tempo, se suas condições não convierem. Quero esclarecer que sou cantora e dançarina, e nada mais. Uma vez terminada minha atuação, não poderá reter-me no cabaré, nem nos descansos terei obrigação de entreter os fregueses para fazê-los gastar mais. Sobre isto, não admito discussão.

Ava sorriu como se Enid fosse uma menina tola e inexperiente, que tivesse resolvido fazer alguma coisa impossível, mas como se no momento não lhe fosse conveniente contrariá-la,.

- Bem - e Ava serviu uma dose farta de uísque no copo de Dilley, sem água, e depois serviu para si mesma outra dose de genebra com água. - Quer água pura, ou com um pouco de uísque ou genebra? - perguntou a Enid, que não aceitou nada. - Bem, menina, não vamos discutir. Você está interpretando de forma errada essa história de entreter os fregueses. Você pode ser cem por cento honesta, se isso lhe agrada - riu zombeteiramente, piscando um olho para Dilley - e, no entanto, não deixará de ser honesta só porque se sente um momento ao lado de um homem, se ele for educado...

- Impossível, srta. Elgin - disse Dilley, em tom moderado, porém firme. - Enid só trabalhará para o que foi contratada, isto é, cantar e dançar. No contrato que será feito, essa condição ficará estabelecida claramente. Se você tentar obrigá-la a algo que saia disso, se dará como rompido o contrato e você lhe pagará uma indenização, que também será fixada.

- Ora, que bom defensor! riu Ava, forçada. - Bem, gostaria que me dissessem que artista, das centenas que há em toda a nação, que se negue a ganhar um extraordinário que pode equivaler ao dobro da remuneração, só porque tem de ser um pouco amável com os fregueses e admiradores. Não lhe peço nada que não seja decente, menina. Sentar-se ao lado de um homem e aceitar o convite para tomar uma bebida, não é..

- Isso está fora do meu trabalho e do meu gosto, srta. Elgin - retrucou Enid, com energia. - Não admito discussão a respeito. Agora, diga-me se serve assim ou não. Se não serve, deverá pagar-me a despesa da viagem de Fort Wortht, de onde venho, e uma indenização de duzentos dólares, já que abandonei o cabaré onde trabalhava, para atender ao seu chamado.

Ava bebeu o conteúdo do seu copo, serviu mais genebra nele e tornou a beber. Depois, pigarreou.

- Aceito sues condições respondeu, de forma decidida. - Agora, vejamos seus méritos. Se souber cantar e dançar, que é para o que eu a contrato. Não precisa de acompanhamento ao piano. O pianista que contratei ainda não chegou. Agora, cante um pouco. Vejamos se tem boa voz.

Enid levantou-se e passou uma das mãos pelo queixo voluntarioso, pensativa. Depois, começou a entoar uma canção de vaqueiros, muito em moda na época. Sua voz era bem timbrada, possante, doce, e de classe.

Dilley observava-a com assombro. Estava acostu­mado a ouvir cantoras que não tinham a mínima idéia do que era canto nem dança. Eram simples mu­lheres, cujo trabalho, sob aparência artística, tinha outras finalidades bem diferentes.

- Você canta bem, menina disse Ava, em tom satisfeito. - Agora, dance um pouco enquanto canta alguma coisa. Vamos ver se você sabe dançar bem.

Enid, com muita desenvoltura, começou a cantar uma canção francesa e deu alguns passos de "can-can", grande moda da época. Seu corpo esbelto, sua estatura avantajada e, principalmente, a perfeição com que o fazia, que deixava patente que havia es­tudado dança, deixaram Ava e Dilley de queixo caído.

- Muito bem, menina - aprovou Ava, sem ro­deios. - Você é a melhor artista que tenho visto nos últimos anos. Conhece o ofício, o que não acontece com as outras, que se limitam a gritar, em vez de cantar, e que dão coices no palco, movendo-se como ursas sem graça. Você está admitida, e vamos assi­nar o contrato. Só me desagrada essa história de não querer entreter os fregueses. Com a sua beleza...

- Nem se fala nisso - retrucou Dilley, em tom firme. - Enid não assinará contrato, se você insistir nisso. Iremos a outro lugar.

- Nada disso - suspirou Ava. - Agora, vejamos o que você pede, minha bela. Não pense que é a me­lhor artista do mundo, ouviu? Você sabe, o público dos cabarés não é exigente. Por outro lado, gosta das pequenas que lhes façam companhia, e como você não quer, isso é contra você. Portanto, seja modesta no pedir.

- Dez dólares por dia, casa e comida - disse Enid. - É o que tenho cobrado em outros lugares, sem entreter os clientes.

- Oito, e é assunto liquidado.

- Dez, ou vamos embora - retrucou Dilley, rin­do. Vamos, reconheça que você nunca teve uma artista como a Enid. Você mesma já disse, e isso vale dinheiro.

- E quem é você para se meter nisto, sem que a moça decida?   - disse Ava, acintosa e aborrecida.

Acho que sei. Está explorando a pobre moça. É você quem fica com o dinheiro, hem? Qual é a sua atividade? Veste-se como um vaqueiro, mas não o é. Vive à custa das mulheres, desavergonhado. Como é bonitão, você...

Dilley riu, e Enid imitou-o, olhando zombeteiramente para Ava.

- Eu também estou à procura de trabalho disse o rapaz, depois. — Qualquer trabalho.

 

Ava ficou olhando, quase atônita, ao ouvir as palavras de Dilley. Nos seus olhos verdes havia uma estranha expressão de surpresa e alegria.

- Não tem trabalho? - exclamou. - Qual é o seu verdadeiro ofício? É realmente vaqueiro? Se assim é, esta região, segundo me disseram, anda mal no tocante à criação de gado, por causa da seca. Mas você deve servir para outras coisas, hem? - e piscou-lhe um olho, e Enid, que a observava, franziu o cenho.

- Sou vaqueiro, mas também sou veterinário. Tudo isso, aqui e agora, me vale pouco. Não há tra­balho. Por isso, me dedicaria a outra atividade ho­nesta, claro. Não gostaria de separar-me de Enid. Somos bons amigos. Procurarei algo- respondeu Dilley, em tom sincero.

- Procurar algo... - e Ava fechou os olhos, pensando ou fingindo que pensava. - Eu poderia dar-lhe emprego, Duncan. Vou abrir este cabaré logo que as reformas acabem. Implantarei o jogo, trarei mulheres... Como você é homem culto, poderia ser crupiê. É um bom negócio como sabe...

- Não - intrometeu-se Enid, em tom categórico. - Duncan não serve para isso. Os crupiês têm de roubar, e muitas vezes morrem a tiros. Conheço isso. De outras vezes, eles matam. Meu amigo é um ho­mem honrado, e quer trabalho honesto.

Que casal de imbecis! - exclamou Ava, colé­rica . - Por que diabos não se casam e montam uma

granjinha, vivendo sozinhos, recitando poesias en­quanto dão comidinha a porquinhos e galinhas? Tra­balho honrado, no Oeste e numa época destas... Só se for para passar fome! É preciso abrir caminho a ferro e fogo! E é preciso tirar todo o lucro possível! Portanto, que deseja?

- Eu poderia, por exemplo, fazer a contabilida­de do cabaré - retrucou Dilley. - Poderia ser uma espécie de gerente. Nunca lhe faltaria um conselho honrado...

- Honrado, honrado! - riu Ava, com desdém, as mãos sobre as cadeiras opulentas. - Que mania a da honradez! Bem - e fez um gesto de assentimento. - Você vai ser meu gerente. Quanto quer por tudo isso? Além disso, lhe darei uma porcentagem da renda, que será grande.

- Para começar, duzentos dólares por mês, casa e comida. Dos lucros, veremos. Você tem permissão para instalar jogo aqui? Acho que isso é com a pre­feitura, que também recebe uma porcentagem por isso.

- Ora, as autoridades da prefeitura são minhas amigas! - exclamou Ava, com um riso estranho. - Não se preocupe com isso. Tudo está resolvido. Bem, vamos comer no hotel. Vocês também morarão lá, que é onde estou morando por enquanto. É o melhor do povoado. Agora, vamos brindar ao nosso bom en­tendimento.

Os três brindaram e depois foram para o hotel. Ava se agarrara ao braço de Dilley com desembaraço e conversava com ele, como se Enid não estivesse em companhia deles. A jovem dirigiu um ohar rancoro­so a Ava. Não sabia bem o que se passava consigo, mas não era coisa agradável. Um misto de ciúmes, de humilhação e de insignificância. Sua raiva não era contra Dilley, mas sim contra a mulher, a quem estava criando um ódio mortal.

No refeitório já se achavam Luling, Wood e Ke­rens diante duma mesa, comendo. Levantaram-se a meio quando Ava entrou, olhando-a com espanto ao vê-la acompanhada por Dilley e Enid.

- Olá - disse Ava, diante deles. - Estão ven­do estes dois? - e apontou para o jovem casa!. - Este é Duncan Dilley, meu novo gerente. Ela é a melhor artista de todo o Oeste, Enid Yates.

- Novo gerente? - indagou Luling, atônito, olhando desdenhosamente para Dilley. - Ora...! Por que ele e não um de nós três? Somos mais anti­gos, e a ajudamos mais. Esse sujeito tem algo de ex­cepcional, para passar à nossa frente?

- É porque essa é a minha vontade, e nada mais

- retrucou Ava, em tom risonho. - Vocês façam a sua parte, e é para isso que lhes pago bem. Se não concordarem, podem ir assaltar bancos. Não os se­guro. Continuem comendo, meninos.

E afastou-se dos seus guarda-costas, que a olha­ram, menos Wood, com espanto e consternação. Dil­ley e Enid entreolharam-se, com uma expressão de profundo desagrado no rosto. Ava sentou-se diante duma mesa e apareceu um garçom, com evidente mostra de servilismo e temor. O refeitório achava-se vazio, pois só estavam ali eles três e os pistoleiros. A mulher pediu os pratos, especiais, porque, segundo disse, gostava de comer bem e de beber melhor ainda.

- Quem são esses homens tão bem educados, Ava? - indagou Dilley, quando começaram a comer.

- Nunca vi gente tão distinta...

- Vamos fazer nossa festa em paz, Duncan - respondeu Ava, secamente. - São três empregados meus, e você procurará, por todos os meios, dar-se bem com eles. Quando começar a funcionar o jogo, eles três imporão ordem, quando for preciso. Prote­gem-me com fidelidade e são bons rapazes.

- Compreendo - disse Dilley, com um sorriso frio. - São seus guarda-costas. Costuma haver gen­te assim nos cabarés onde existem brigas e mortes. Acho que você não se assusta com coisa nenhuma, embora seja mulher, hem?

- É verdade, Duncan, nada. As pessoas medrosas não vivem à vontade, não gozam de nada. Gosto de gozar a vida, de ter prazeres, e se algo se opõe a meus desejos eu o suprimo. Sei proteger-me, ga­ranto .

A refeição acabou e Ava disse a Dilley que, como desejava dar-lhe instruções sobre o novo cargo que ele ia desempenhar, a acompanhasse ao quarto dela.

- Você pode ir para o seu, menina - disse a Enid, em tom de ordem. - Não lhe convém andar por aí sozinha, bonita como é. Pode descansar um pouco, de­ve estar cansada.

Dilley olhou para Enid, como se lhe pedisse des­culpas por separar-se dela. F-z um gesto de resigna­ção, com um sorriso animador. A jovem concordou, aborrecida. Cada vez, sentia mais ódio de Ava. E sob esta sensação viu afastar-se Ava rumo à escada, le­vando Dilley pelo braço. Do outro lado do refeitório. Luling e Kerens olhavam também para a mulher e para Duncan, sem disfarçarem seu despeito e sua raiva.

Enid refugiou-se no seu quarto, jogando-se na cama. Não tinha sono. Não sabia o que se passava com ela, mas sentia que estava furiosa, humihada. Que odiava mortalmente aquela mulher sem escrúpu­los. Era uma atrevida, que tomava liberdades com Duncan, como se fosse sua propriedade exclusiva ou como se os dois fossem marido e mulher. E disse a si mesma que não devia consentir naquilo. Não sabia por que, mas não devia consentir.

Assim se passaram mais de duas horas, como cons­tatou, olhando muitas vezes para o seu relógio de bol­so. Até que ouviu algumas batidas leves na porta.

- Sou eu, Enid, Duncan - disse ele, em tom sua­ve. - Desculpe se a importuno...

Espere lá em baixo. Não recebo homens no meu quarto de dormir — respondeu Enid, em tom ressen­tido.

E em seguida ouviu os passos do rapaz, afastando-se pelo corredor.

Arrumou-se, tirando da sua mala um vestido que a favorecia, com saia de salmão e uma blusa de seda da mesma côr, sapatos claros e meias de seda. Olhou-se no espelho do guarda-roupa e disse a si mesma que não tinha motivos para invejar Ava. Ela, Enid, era mais jovem, mais alta, mais esbelta e melhor propor­cionada. E mais bonita de rosto. Embora Ava fosse uma mulher e tanto, liam-se no seu rosto e nos seus olhos as paixões baixas, o ódio, a ambição...

Desceu ao salão, onde Dilley estava sentado numa cadeira de vime, fumando, pensativo, o olhar cravado no chão.

- Parece que a conversa foi demorada - disse a jovem, sentando-se em outra cadeira que Duncan lhe ofereceu, e sorriu com ironia. Observou que Duncan se achava inquieto, perturbado, nervoso, e que não a olhava de frente, como costumava sempre fazer. - Que foi que essa mulher lhe disse? Se é que se pode saber, é claro...

- Pode, sim. Falamos do que terei de fazer, como cuidar dos assuntos dela, quais as minhas responsabi­lidades... Todas essas coisas de que a gente trata quando se encarrega de afero que se desconhece. Você está contente com esta situação, Enid?

Duncan não a olhava de frente. Parecia pouco à vontade, nervoso.

- Não, não estou. Assinarei contrato só por um mês, para caso me veja forçada a partir. Essa mulher me desagrada cada vez mais. É vil. Já é de se estra­nhar que uma mulher se meta a dirigir um cabaré... Mas Ava parece não sentir escrúpulos de espécie al­guma. E aqueles três sujeitos me parecem pistoleiros...

- A mim também tudo isto desagrada. Creia que, se aceitei o que ela me propõe, foi apenas para ficar ao seu lado, Enid - disse Duncan em voz baixa, olhando-a com franqueza, carinhosamente.

- Foi mesmo? - e Enid sorriu, um tanto incré­dula. - Ava é bela e decidida. Não precisa esperar que um homem lhe faça uma declaração de amor. Ela mesma a faz... e sempre consegue o que deseja. Não é mesmo, Duncan?

Dilley baixou o olhar, confuso. Enid teve pena dele. Compreendia que o que acontecera não era cul­pa dele, e sim de Ava. Era uma mulher sumamente perigosa, capaz de transformar em patife um homem bom, e numa fera um homem sem escrúpulos. Por isso, odiava-a cada vez mais. Ava estava tentando sepa­rá-los, e o conseguiria, porque empregava meios que ela, Enid, jamais usaria.

Naquele instante, entraram Luling, Wood e Kerens, e ao verem os dois jovens sentados aproxima­ram-se lentamente, olhando-os com desdém. Luling colocou-se diante do casal, Wood atrás e Kerens a um lado, como se estivessem seguindo um plano traçado de antemão.

- Então, só pelos seus lindos olhos - disse Lu­ling, com as mãos sobre o cinturão e as pernas se­paradas - Ava o nomeou seu gerente, favorito, e não sei mais o que... - disse, encarando Dilley. - Não é isso, sujeito?

- E para levar parte dos lucros, sem arriscar na zombaria. - Para fazermos o que o "patrãozinho" mandar. Para lhe servir de capacho a fim de que limpe as botas sujas.

- E para levar parte dos lucros, sem arriscar na­da, enquanto nós tivemos de arriscar a pele em troca de uma gorjeta. É isso que você pensa, não é mesmo? - acrescentou Kerens, em tom de ressentimento.

Dilley levantou-se lentamente da cadeira. Não lhe agradava nada a atitude daqueles sujeitos de catadura sinistra, cujas intenções não pareciam muito melho­res do que sua carantonha indicava. Enid também er­gueu-se, inquieta. Agora, não trazia na cintura o seu revólver, que havia deixado no seu quarto, ao mudar de vestido.

- Não venham estragar nosso sossego - falou Dilley, tranquilamente, indo colocar-se diante dos três pistoleiros. -Não pedi o lugar de gerente. Disse-lhe que estava sem trabalho, e ela me nomeou gerente do cabaré. Aceitei porque me convém. Ela os havia no­meado para ocuparem o cargo?

- Ainda não, mas qualquer de nós tem mais di­reito e mais experiência do que você para fazer isso. Ela o deu a você, mas é apenas porque...

- ... porque lhe deu vontade de fazer isso - interrompeu-o Dilley, com um sorriso frio. - Peçam contas a ela, e não a mim.

- Dizemos isso a você porque vai renunciar ao cargo e irá embora daqui, correndo - disse Luling, em tom duro, levando as mãos às coronhas dos revól­veres. - A pequena pode ficar - e olhou para Enid dos pés à cabeça, fazendo um gesto de aprovação. - É muito bonita e será muito carinhosa conosco. Mas é bom você ir embora daqui, do contrário ficará para sempre debaixo de um metro de terra no cemitério!

- Nem mais, nem menos, menino bonito - apro­vou Wood, dando uma leve palmada num ombro de Dilley.

A resposta de Dilley foi muda, mas nem por isso menos expressiva. Girou o corpo, esticou o braço di­reito com enorme rapidez e seu punho grande, duro como uma pedra, bateu no queixo de Wood. Ouviu-se um estalido e o pistoleiro foi projetado para trás, com as pernas para o alto, uma careta de dor e espanto no rosto. Caiu ao chão em todo o comprimento, fican­do imóvel, com os olhos fechados.

Luling e Kerens, atônitos ante a atitude de Dilley, não esperada, olhavam para seu companheiro, boquia­berto, indecisos. Enid, também assombrada, sorriu do­cemente a Dilley, que também, sorria, as mãos sobre a coronha dos revólveres.

- É o primeiro - disse Duncan, tranquilo. - Quem quiser fazer-lhe companhia, é só dizer nenhum patife põe a mão em mim. O mínimo que pode lhe acontecer é isso - e apontou para Wood, que conti­nuava imóvel, sem sentidos. - Para mim, seria a mes­ma coisa meter-lhe ultima bala na testa. Se têm um pouco de amor à pele suja, vão embora daqui, antes que eu me aborreça.

- De surpresa, é muito fácil jogar um homem no chão disse Kerens, cujos olhos brilhavam maligna­mente. - Se você quiser tentar novamente a sorte...

Dilley foi sobre o outro como um touro enfurecido, dando um salto ágil. Agarrou Kerens pela cintura, le­vantou-o do chão como se fosse um menino e jogou-o a quatro metros de distância, sobre uma cadeira de vime, que se partiu, caindo embrulhada com o pisto­leiro. Este ficou quieto, como Wood, em posição gro­tesca, com os pés no alto e a cabeça sob o móvel.

Luling, de rosto lívido, os braços pendurados, ob­servava seus companheiros como se estivesse num pe­sadelo. Sabia que eram homens fortes, rudes, decididos, acostumados a lutar usando mil ardis. Ele próprio sem­pre estivera habituado a acompanhar suas palavras ameaçadoras com a ação direta, e até a agir antes de falar. E, agora, estava ali, como atoleimado, indeciso... e temeroso.

- Se isso não o convenceu, experimente, para ver - disse Dilley, avançando para o outro, enquanto sor­ria malignamente. - Vejamos quem irá embora.

- Já chega, Duncan - disse Enid, colocando-se entre o rapaz e Luling. - Tudo já foi visto com so­bras. Estes sujeitos falam muito, mas suas palavras não correspondem à realidade. Parecem homens mas não são.

Luling apertou os punhos, num gesto feroz, como se quisesse impor respeito à moça. Depois, olhou deti­damente para Dilley, deu meia volta e saiu depressa do bar, bamboleando como se tivesse acabado de pra­ticar uma façanha digna de um herói.

- Que vejo! - a voz de Ava, zombeteira, risonha, fez os dois jovens virarem a cabeça. A mulher estava na escada, quieta, olhando para Wood e Kerens, que começavam a mover-se, gemendo. - Meus heróis no chão, maltratados, queixando-se como se estivessem agonizantes! Você os matou, Duncan?

- Essa mulher o trata com uma intimidade irri­tante ...! - murmurou Enid, surpreendida, olhando para Dilley com estranheza Duncan fez um gesto, vi­rando a cabeça.

- Que houve, querido? - indagou Ava, quando chegou ao lado dos dois e observando os dois pistolei­ros, que estavam se pondo em pé, mas tontos, o olhar indeciso. - Que houve, meus molengas? - e a voz de Ava tornava-se áspera, sarcástica. - Apanha­ram deste rapaz, que parece não ter forças nem para ficar de pé? Vocês dois não são homens: apenas ves­tem calças! Que houve aqui, Duncan? Fale!

- Nada - retrucou Dilley, aborrecido. - Falam demais. Querem que eu vá embora, porque os atrapa­lho, segundo disseram. Um deles me tocou num om­bro, e isso me faz cócegas. Respondi, mas de forma descuidada, e ele caiu como se fosse de palha. O outro - e apontou para Kerens - também é outro fracote. Esqueça o que houve. São bons rapazes.

Wood e Kerens dirigiram-se para a saída, o olhar baixo, furtivo, limpando a poeira da roupa. Ava con­templou-os com desprezo, um sorriso cruel nos lábios.

- Alegra-me que você saiba se impor, querido - disse Ava, cravando em Dilley um olhar ardente, que surpreendeu Enid. - É assim que desejo que meus colaboradores sejam. Mas tenha cuidado, porque eles são mestres em traições e em punhaladas pelas costas.

- Então, por que não os despede? - indagou Enid, em tom duro, cheio de desafio. - Gosta que os homens que a cercam lutem e se matem por você?

- Cale a boca, menina insignificante - retrucou acremente Ava, sem olhar para Enid. - Você é uma criaturinha inexperiente e não sabe de nada. Não se meta nos meus assuntos, ou se arrependerá! Trate de cantar, dançar e calar.

Enid ia falar, cheia de indignação, mas um gesto de Dilley a fez amudecer, embora a contragosto.

- Não me agrada, Ava - disse o rapaz, movendo a cabeça - que esses três patifes estejam a seu ser­viço. Não sei para que fins. Você deve mandá-los em­bora ...

- Isso compete a mim decidir, Duncan, e a você digo o mesmo que a essa menina impertinente! - disse a mulher, furiosa. - Se não lhe convém o que resolvo, pode ir embora do meu lado. Esses três ho­mens são da minha confiança. Ajudaram-me, e em­bora sejam rudes e grosseiros me servem bem para meus fins. Deixe que eu continue dirigindo isto, e não se meta.

Dilley fez um gesto de assentimento, piscando um olho para Enid, que parecia disposta a responder belicosamente, sem demonstrar nenhum medo de Ava.

- Vou ver como vão as obras - disse Ava, pouco depois. - Dentro em breve, vá ao cabaré, para rece­ber instruções minhas. Você deve dirigir isto aqui como meu gerente, em vez de estar agarrado à saia de Enid, como se fossem namorados.

E viram sair a linda mulher, bamboleando, o ves­tido muito justo, a saia na metade da perna, a cabeça muito levantada, com ar de desafio.

- Sabe duma coisa, Duncan? - disse Enid, em tom categórico. - Não vou trabalhar para essa mu­lher vil! Ainda não assinei contrato, e portanto ainda não tenho nenhuma obrigação para com ela. Se você quiser ficar, eu não o impedirei. Mas saiba que se me­te num meio de malfeitores sem escrúpulos. Você já viu o que querem de você. São capazes de assassiná-lo.

- Quer acompanhar-me? - indagou Dilley, de­pois de refletir alguns instantes. - Vou fazer inda­gações. Tenho de convencer-me de que Ava realmente tem permissão do prefeito e do xerife para introduzir o jogo no cabaré. Quero obter informações sobre ela.

- Vamos! - e Enid olhou-o menos aborrecida, pois estava suspeitando de que as patifarias de Ava tinham deixado Duncan meio escravizado. Bem sabia o quanto uma mulher era capaz de fazer, principal­mente quando era formosa e sem moral, para virar a cabeça de um homem.

Saíram à rua, que estava deserta, em virtude do calor.

- Vamos à prefeitura, que fica perto daqui - disse Dilley. - Falaremos com o prefeito, e depois com o xerife. O jogo é proibido só em poucos lugares. Depende do grau de moralidade das autoridades locais, quando não permitem o suborno.

Saíram e pouco depois se achavam parados dian­te da prefeitura, cujas portas estavam fechadas. Dil­ley deu algumas batidas num batente.

A porta abriu-se um pouco e apareceu a cabeça do aguazil, com uma expressão bem assustada. O homem olhou para os dois jovens, com desconfiança.

- Queremos falar o prefeito, se possível, ou com alguém que nos possa dar informações sobre certo assunto.

- O prefeito? - repetiu o aguazil, como que es­pantado. - De onde são vocês? Bem, ao que vejo são forasteiros. Recém-chegados, não é?

- Sim.

- Bem... Pois não temos mais prefeito, nem xe­rife, nem ajudantes de xerife, nem ninguém com au­toridade - disse o homem, em tom rancoroso - Aqui, a única Lei é a desses canalhas, que assassinaram o que havia de melhor aqui. Nem sei por que me dei­xaram com vida. Mas pagarão caro, aqueles patifes! E principalmente essa mulher satânica, que atirou contra o pobre prefeito, o bom Lamb! Assassinaram até o sacerdote católico que tínhamos, um santo!

Dilley e Enid olharam-se, atônitos, transidos de espanto. O aguazil suspirou, observando-os, como sem acreditar que os dois forasteiros não sabiam o que se passara.

- E quem fez isso tudo? - indagou Enid, com expressão de desconfiança, o olhar brilhante, malicioso. - Quem é essa mulher?

- É essa mulher diabólica que comprou o bar e quer introduzir lá o jogo e todos os vícios. Acho que se chama Ava Elgin. Quis intimidar o pobre sr. Lamb e o xerife. Como não conseguiu, assassinou-o com a própria mão, dando exemplo aos três pistoleiros. Que­ria que um raio os fulminasse a todos!

Dilley não pôde conter um estremecimento de hor­ror. Enid confirmou de cabeça, como se já soubesse do fato e de quem eram os culpados.

- Tinha de ser ela! - falou, entre dentes, o olhar fuzilante. - Ava! Se você ainda tinha alguma dúvida, Duncan, agora não encontrará mais nenhuma descul­pa. Assassina!

- Obrigado - disse o rapaz ao aguazil. - Lamen­tamos muito o acontecido, creia. Mas as coisas não po­dem continuar assim. Eu farei o que puder, garanto.

 

E, realmente, Duncan Dilley começou a fazer o que podia, Estava horrorizado com as informações do aguazil e com a narração dos crimes hediondos praticados.

Enquanto caminhavam lentamente ao longo da rua, em silêncio, rumo ao fim da rua principal, para saírem para os arredores da cidade e conversar à von­tade sem serem observados, Enid observava atenta­mente Dilley, para ler no seu rosto a reação àquele estado de coisas.

E lia claramente nele a estupefação, o horror e a profunda repugnância que toda pessoa de consciência tem diante de fatos abomináveis.

Eram a crueldade estúpida, a bestialidade, o sa­dismo, o desejo de impor-se pelo terror, o que tinham usado aquela mulher de coração de pedra e seus ca­pangas criminosos.

- Você vai embora de Amarillo - disse final­mente Duncan, quando se afastaram da cidade, dian­te do campo, sentando-se sob uma árvore muito co­pada, que lhes fornecia uma sombra agradável. - É o melhor. Nem é bom falar em trabalhar com essa fera.

- Estava decidida a não trabalhar. Desde o pri­meiro momento, não a suportei. Vi nela o que real­mente era. Uma fera disfarçada de gente. A natu­reza lhe deu certa beleza, mas também há beleza num tigre, num puma, numa leoa, e são feras. Por que diz que devo partir? E você? Pensei que tínhamos combinado ficarmos juntos... Vai continuar com ela? - e a voz, a expressão e o tom de voz de Enid denota­vam ansiedade.

- Não vou ficar com ela - respondeu lentamen­te Dilley, as mandíbulas apertadas, o ol'har perdido na vastidão do campo. - Vou estar contra ela, o que é muito diferente. Não é possível que pessoas como essas possam estar em liberdade e como senhoras duma si­tuação conseguida à força de assassinatos. Não há autoridades neste povoado. Ao que parece, os habitan­tes de Amarillo estão dominados pelo terror e não se tentaram a enfrentar esses assassinos. Ficaram ater­rados, ao presenciarem a morte horrível dessas pes­soas de bem, e temem perder a vida se tentarem algo. Egoísmo, covardia, e que outros reajam e arrisquem a vida por eles. Às vezes, uma comunidade não sai do seu medo se alguém não a sacode rudemente e a im­pele à luta. Depois, seus habitantes transformam-se em feras e é preciso contê-los a tiros...

- Mas você, Duncan. é talvez o menos indicado para enfrentar essa mulher e seus sicários - disse Enid, temerosa. - Melhor seria ir para outro povoado próximo e avisar pelo telégrafo do que se passa, para que mandem a guarda rural ou outras autoridades. Você não pode lutar com eles em inferioridade de con­dições. Não pode contar com a ajuda de nenhum ho­mem do povoado. É como procurar a morte quase certa. E eu sentiria muito, Duncan. Muito...

Dilley apertou-a contra si, sem dizer nada. Incli­nou-se e procurou os lábios vermelhos da moça, que o olhava apaixonadamente e não opôs resistência. Enid lhe retribuiu o beijo, os olhos fechados, e deu-lhe muitos outros, suspirando.

- Agora, ainda menos, meu amor - disse ela, baixinho. - Eu sempre o amei. Bem... Desde algu­mas horas. E não pense que me enganei, não. Não é uma sensação saída de tudo que se passa conosco. O meu amor é para sempre. Por outro lado, para você será mais um capricho. Uma coisa passageira... como com Ava. Ela o fascinou, não negue. Ava é uma selva­gem que toma o que deseja, sem pedir. E ela o tomou para si, não negue. Sofri muito enquanto você estava com ela no quarto do hotel.

- Cale-se, Enid, chega - murmurou Duncan, com um gesto de repugnância. — Cale e perdoe. Se é que sabe perdoar...

- Sim, sei perdoar, meu querido. Não foi você, e sim ela. Ainda sou inexperiente das coisas da vida, embora pela minha profissão eu tenha visto muita coisa ruim. Mas compreendo uma fraqueza. Ava é uma mulher infame. Nunca mais falaremos nisso. Agora, digo-lhe que não deve voltar para o lado dela, e muito menos enfrentá-la e seus assassinos. Não deixarei, Duncan! Agora, tenho direito a que você viva para nosso amor, para nossa felicidade!

Dilley acariciou-lhe suavemente o rosto, a cabeça dela apoiada no seu ombro. Sentia-se muito comovido e muito feliz. Enid o perdoara num ponto em que as mulheres não costumam perdoar, e muito menos quando era para ela quase um desconhecido e não po­dia ter certeza absoluta de que êle jamais a trairia.

- Devemos fazer algo, querida - disse Dilley, convidando-a a levantar-se. - Você vai embora de Amarillo...

- Só quando você também for. Se antes já com­binamos ficar juntos, quando ainda não tínhamos confessado nosso amor mútuo, imagine agora. Além disso, meu amor, e não leve a mal - Enid sorriu com malícia - não quero deixá-lo sozinho com essa mu­lher. Não por sua causa, e sim por ela. Confesso que a temo. Não seria o primeiro homem que mergulharia na infâmia e na degradação por não saber fugir ao fascínio duma mulher má. Ficarei com você, para o bem e para o mal. Não receie que eu seja um estorvo. Não serei, garanto.

Dilley moveu a cabeça, contrariado. Quis conven­cê-la de que a luta a se travar será tal, que uma mu­lher como Enid não devia vê-la nem muito menos to­mar parte nela.

- Tenho visto muita coisa ruim, Duncan - de­clarou a moça, com firmeza. - E também, algumas vezes, fui protagonista de alguns acontecimentos. Você sabe como é um cabaré, e as amarguras de uma mu­lher honesta que tem de resistir como puder ao as­sédio de homens sem escrúpulos, que pensam ter direito a tudo. Para manter minha honra, meu decôrò, meu amor-próprio cheguei a usar um revólver, como único jeito de conter os importunos. Vamos os dois juntos, e que Deus nos proteja nesta boa causa!

Dilley concordou. Sabia que jamais Enid o aban­donaria, houvesse o que houvesse. Era uma mulher de fibra, com seus vinte e um anos, tão nova, mas com

uma terrível experiência da maldade dos homens.

- Vamos hospedar-nos no outro hotel - falou Dilley, quando iam entrando na Avenida Broadway - Não quero que você esteja ao lado dela. Eu também não ficarei mais do que o tempo indispensável. Apenas para lhe dizer que é uma assassina e que vou agir con­tra ela e contra os seus. Será uma guerra aberta. Não sei se é loucura, mas não posso deixar assim, impunes, coisas tão repugnantes. Alguém tem de castigá-los.

- Nós dois faremos isso. Depois, ficarei com você. Não voltarei para um cabaré, Duncan, meu amor. Meu sonho foi sempre ser dona duma granja num lugar tranquilo. Com meu marido, meus filhinhos, minhas galinhas, com meus porquinhos... Como essa bruxa disse, lembra-se? Ela não sabia que essa é a minha ilusão, depois de tanto tempo sem ter uma casa mi­nha, um lugar querido. Sempre andando dum lado para outro, por cidades e povoados, por hotéis e pen­sões de segunda classe! Para mim, chega! Não quero mais saber disso!

Numa rua estreita, que ia sair na Avenida Broad­way, porém sossegada, havia um hotel modesto. Dil­ley e Enid alugaram dois quartos, um ao lado do ou­tro, embora sem comunicação entre os dois, a não ser o corredor. Disseram ao hoteleiro que dai a algum tempo levariam sua bagagem para lá. E Duncan levou a mão ao bolso da calça para pagar o hotel adiantado, mas ficou todo embaraçado.

Enid sufocou uma risada e, da bolsa, tirou algu­mas notas e colocou-as em cima do balcão.

- Não se lembrava de que me deu o dinheiro que trazia consigo? - disse a Dilley em tom natural. - Como você está esquecido!

- Não posso aceitar isso, Enid - disse o rapaz, quando saíram para a rua. - Eu... Eu tenho dinhei­ro. Veja - e mostrou-lhe um maço de notas. - Qui­nhentos dólares, que me foram dados por Ava, como adiantamento, mas quando os toquei no bolso me lem­brei de que era dinheiro daquela assassina...

- Agiu muito bem, meu amor. Jogue esse dinhei­ro sujo na cara dela. Está manchado de sangue e de

infâmia. Eu empresto algum a você, e assim sua cons­ciência ficará tranqüila. É a sua noiva quem lho em­presta. Já somos sócios, quase marido e mulher.

Dilley moveu negativamente a cabeça, não total­mente de acordo. Mas sabia muito bem que Enid era sua noiva, quase sua esposa. Depois, trabalharia para ela e lhe devolveria aquele dinheiro em amor, em tra­balho e em felicidade.

Entraram no hotel. O recepcionista lhes disse que Ava se achava no quarto dela, sozinha. Dilley pagou a conta e disse ao empregado que depois iriam embora do hotel.

- Deixe que eu suba sozinho - disse o rapaz, ao pé da escada, olhando profundamente para Enid. - Não faça mal juízo, peço-lhe.

- De você, não. Mas dela, sim. Aquela víbora não poderá repetir a sua fascinação! Se ela tentar, mato-a! Vamos os dois, ou acabaremos aqui mesmo e nunca mais olharei para você!

- Vamos - murmurou Dilley, em tom resoluto. E subiram a escada que levava ao segundo andar, on­de ficava o quarto de Ava. Mas Enid parou diante da porta do seu quarto, tirando a chave e fazendo um gesto a Dilley para que esperasse.

- Espere dois minutos - disse ela, baixinho. - Só dois minutos.

Já havia entrado antes que o rapaz perguntasse o que ia fazer. Portanto, Dilley esperou impaciente, olhando para a porta do quarto de Ava.

Antes de passados os dois minutos, Enid etava de volta. Trazia sobre o vestido de passeio, bastante lu­xuoso, um cinturão cheio de balas, e pendente dele o coldre de um "Colt" 45, com a arma dentro. Sorriu de forma picante para o espantado Dilley.

- Posso estar ridícula, querido, mas prevenida, Além dos seus dois revólveres, trago o meu, para caso seja preciso. Deve ser horrível matar, mas, apesar de tudo, é pior do que ser assassinado.

Não estou de acordo, meu amor - replicou Dil­ley, movendo a cabeça, com um gesto de censura. —-Não deve meter-se nisso! Não consentirei...

Mas Enid já estava batendo na porta de Ava, sor­rindo com malícia para Duncan, como se tudo aquilo, de indubitável gravidade, fosse para ela uma travessura sem importância. Dilley correu para o lado dela.

A porta abriu-se e Ava apareceu no umbral, en­volta num roupão berrante, com um grande decote. Muito linda e muito provocante, como sempre.

- Bem, Ava - falou Dilley, com voz profunda, grave. - Viemos falar com você...

- Não me chamas mais de "tu", querido? - e Ava sorriu, ao ver Enid, que a observava fixamente, o rosto contraído pelo rancor e o olhar fuzilante. - En­tre, entre, meu querido. E você - olhou para Enid com desprezo - vá para o corredor, menina. Não que­ro falar com você agora. Um homem e uma mulher vão conversar, e as crianças têm de sair. Os seus ouvi­dos castos não...

- Chega de farsa, assassina! —-silvou Enid, pálida, a mão direita pousada sobre a coronha do revólver. - Assassina!

- Sim. Assassina! - exclamou Dilley, mastigando as palavras. - Já sabemos de tudo! Você é pior do que os seus assassinos de aluguel! Você lhes deu o exemplo, atirando contra um padre e contra o xerife, desta janela! É capaz de negar isto?

Ava, um tanto pálida, sorria friamente. Quando queria, possuía um domínio de nervos e um cinismo incríveis. Sem dúvida, para ela tudo o que havia feito tinha uma importância muito relativa. Estava acostu­mada a derrubar os obstáculos que se lhe atravessa­vam no caminho para alcançar seus fins sinistros. Seus beijos, suas carícias, seu corpo, eram uma arma que empregava da mesma forma que usava o revólver, a faca ou a ordem de matar para alcançar seus fins. Que lhe censurassem isso, agora lhe produzia quase as­sombro e muito desdém.

- Bem, bem...! - exclamou finalmente, quando encontrou um momento oportuno para falar, olhando para os dois jovens com cara de pena. - Chega de ser­mões, crianças! - e riu de forma zombeteira. - Al­mas cândidas, que pensam que se pode seguir a vida com alma de querubim! Que imbecis! Principalmente você, Duncan, um homem feito... Você é um farsante ou um pobre diabo! Há pouco tempo ainda, amorzinho, eu não lhe parecia tão execrável, tão ruim, uma assassina...

- Cale-se! e a mão direita de Enid golpeou uma das faces de Ava, com violência, jogando-a para trás. - Víbora!

Ava, lívida, olhou para Enid com ódio irreconciliável. Passou suavemente a mão pela face direita. Dil­ley colocou-se entre as duas, porque sua noiva queria continuar batendo em Ava.

- É a primeira vez... que... algum me bate - disse Ava, lentamente. - Só por ter tentado, matei quem tentou. Você vai pagar muito caro o que fez! Juro, "sua" hipócrita

Deu dois passos rápidos até à janela e inclinou-se para fora. No passeio defronte, como se vigiassem as pessoas que passavam pela rua, achavam-se Luling,Wood e Kerens. Wood olhou para a janela e Ava lhe fez sinais para que subisse a toda pressa. Depois, virou-se para Dilley e Enid.

- Vamos ver o que farei com vocês dois, imbecis - disse, em tom de voz tenso, cehio de ódio, enquan­to seus olhos verdes despediam chispas. - Traidores! Não sabem com quem se meteram!

Dilley, que tinha observado por trás de Ava os três pistoleiros e o gesto da mulher chamando-os e que os tinha visto atravessarem apressadamente a rua, olhou com angústia para Enid. Não temia pela pró­pria vida, mas sim por Enid. Compreendia, talvez tar­de demais, que devia ter impedido com energia que Enid interviesse no assunto. Era um assunto para ho­mens, embora estivesse metida nele uma mulher que era uma fera, e não para uma pequena e delicada.

- Saia daqui! - disse a Enid, em tom incisivo, empurrando-a violentamente para a porta. -Vá para seu quarto e feche-se por dentro! Depressa! Do con­trário, aqueles patifes assassinos nos surpreenderão aqui!

- Quietos aí! - uivou Ava, apontando-lhe seu revólver, que havia tirado de baixo do travesseiro da cama. - Quietos aí, que vamos ajustar contas, im­becis! Que é que estavam pensando?

Dilley jogou-se contra Ava quando esta ia atiran­do. Desviou-lhe o braço com um soco e a bala sibilou agudamente, e o fragor do tiro fêz o aposento estre­mecer. Ava caiu de costas, gritando alto, mas sem lar­gar o revólver. Virou-se como uma fera, como uma cascavel em que alguém pisa.

Enid apareceu na janela, "Colt" em punho. Havia vários homens no passeio defronte, olhando com curio­sidade para a fachada do hotel, mas lia-se na expres­são do rosto deles que não tinham o menor desejo de interferir.

- Venham e ajudem! - gritou Enid, em tom ir­ritado. - Vão deixar que uns assassinos se apoderem

do povoado? Covardes!

Os homens fugiram correndo, dispersando-se te­merosos. Alguns deles, segundo Enid viu, estavam ar­mados de revólveres. Mas o pânico desarmava-os. Sa­biam que aqueles três pistoleiros e Ava não eram de brincadeira, e amavam demais a vida.

- Vamos embora daqui - disse Dilley, pálido, agarrando-a por um baço. - Os três patifes já estão subindo! Vamos para o seu quarto e veremos como sairemos desta!

Ava achava-se quase sem sentidos, embora se mo­vesse, fazendo esforços para sair do seu torpor. Dun­can empurrou Enid para o corredor. Estava furioso por ter de limitar suas ações à conveniência de prote­ger a linda moça. Se estivesse sozinho...

No corredor, foram recebidos por uma descarga de revólveres. Três vultos desenhavam-se na penum­bra, agachados, colados às paredes. Novamente viram-se alguns clarões, Enid e Dilley jogaram-se no chão, e as balas passaram assobiando por cima da cabeça deles.

Dilley respondeu rapidamente aos tiros, e Enid imitou-o. Os três malfeitores fugiram para uma curva que o corredor fazia.

- Para o seu quarto! - exclamou Duncan, com voz rouca. - Vamos, não fique aí olhando!

Na porta do quarto, dentro do aposento de Ava, soaram vários tiros, e as balas perfuraram a folha da porta. Ava dava novamente mostras de que estava dis­posta a tomar parte ativa na ação de assassinar quem se atrevera a atravessar-se no seu caminho.

Enid abriu a porta com a chave. Entrou, seguida de Dilley, que, antes de entrar, atirou três vezes con­tra os vultos que tornavam a aparecer na curva do corredor. Depois, entrou e fechou a porta à chave. Empurrou Enid para o fundo do aposento, para um canto que ficava livre das balas dos pistoleiros.

- Você devia ter matado aquela mulher antes de sair! - exclamou Enid, com rancor. - Ou deixar que eu a matasse. Ela é o cérebro de tudo!

Uma saraivada de tiros soou no corredor, e a por­ta foi sacudida pelas balas, que a atravessavam. Dilley arrancou o colchão da cama e jogou-o com violência contra a porta, para que servisse de cortina de prote­ção contra as balas.

Olhou desesperadamente ao seu redor. As coisas tinham-se passado de tal forma, que estavam encerra­dos numa ratoeira, em vez de agirem livremente, per­seguindo e dominando os inimigos.

Chegou à janela para medir a altura que havia até à rua. Mas, com grande espanto, viu que quatro homens, que não eram os três pistoleiros de Ava, ati­ravam com seus revólveres contra ele, rebentando os vidros da janela. Jogou-se para trás, de um salto, atônito.

- Eles têm mais gente! - exclamou Dilly, furio­so. - Ava recrutou mais pistoleiros, talvez entre os forasteiros que havia na cidade! Por enquanto, são sete!

Enid jogou-lhe os braços ao pescoço, comovida, olhando-o apaixonadamente, cheia de espanto.

- Sou eu a culpada de tudo! - exclamou, com a voz truncada pelos soluços. - Fui eu quem o meteu nesta enrascada! Mas lutarei ao seu lado!

Dilley teijou-a, apertando-a contra o peito, no canto onde se haviam refugiado. Sentia grande pena da^moça, mas um certo orgulho ante a sua coragem estóica.

- Teria sido a mesma coisa - respondeu, em tom carinhoso, esboçando um sorriso de alegria. - Não posso evitar meter-me onde há injustiça, onde alguém tenta dominar outro que tem razão. Não receie, meu amor, que nos sairemos bem desta. Não perca a ca­beça. Não pense em coisas tolas como as que você disse. Vamos lutar agora pela nossa vida, porque depois...

- Dilley! Dilley! - a voz de Ava soou no corre­dor, imperativa, cheia de desdém e de orgulho, como se pensasse -ser dona da situação. - Está me ouvindo, imbecil? Saia com os braços para o alto, e sua vida será respeitada! Está me ouvindo, Duncan?

- Vá para o inferno, megera! - rugiu o rapaz, lá do canto. - Quem deve render-se é você!

- Duncan, idiota. Estou querendo salvar a sua vida, porque gosto de você, porque é uma estupidez não nos entendermos como no princípio! - gritou Ava. - Deixe de lado essa menina e saia sozinho, que o espero de braços abertos! Está me ouvindo?

- Tente entrar, e verá o que é bom, "sua" bru­xa! - gritou Duncan, com voz forte.

- Duncan, nós vamos derrubar a porta a tiros e, se você não se render antes, depois será tarde! - gri­tou Ava, em voz rouca. - Será tarde para você! É a última oportunidade que lhe dou! Respeitarei a vida dos dois! Responda!

Enid olhou para Dilley como que implorando que obedecesse. Dilley negou com um gesto de cabeça, os dois revólveres nas mãos. Enid beijou-o nos lábios, agradecida, vendo nele o homem corajoso que a ama­va até à morte.

- Vá para o inferno, que é onde você devia estar, demônio de saias! - rugiu Dilley, com voz trovejante. - Tente entrar, se se atreve!

Uma fuzilaria cerrada de armas de fogo curtas fez a casa estremecer. A porta fechada estremeceu como se empurrada por um furacão. Picou furada como uma peneira, mas não saltou dos gonzos. Era de carvalho e grossa, bem feita. A fechadura continuava intata, pois os pistoleiros atiravam sem se postarem diante da porta, com receio de levarem um tiro parti­do de dentro do quarto.

Soou outra descarga, e a porta foi sacudida com tanta força quanto antes. Mais buracos, e mais las­cas de madeira saltaram no aposento. Dilley, os den­tes apertados, o olhar desesperado, observava tudo aquilo com raiva.

Compreendia que a porta acabaria ficando trans­formada num grande rombo. Que os gonzos saltariam e que a fechadura seria arrombada. E então...

Chegou cautelosamente à janela que dava para a rua. Vários tiros, dados do passeio defronte, o fize­ram retirar-se da janela a toda pressa. Enid observa­va-o, lívida de horror.

- A coisa está preta, querida - murmurou o ra­paz, com um sorriso amargo. - Estamos cercados... Não podemos descer pelo corredor e não podemos sal­tar de tão alto. Não sei como vai ser...

- E os moradores da cidade, esses covardes, sem nos ajudarem em nada! - murmurou Enid, com pro­fundo desprezo. - Há homens que deviam usar saias!

Uma terceira descarga de armas de fogo os f-z calarem-sé, encolhendo-se num canto, apertados. A porta estremeceu novamente. Mais buracos e mais las­cas de madeira. As balas entravam, zumbindo, e cra­vavam-se nas paredes e no teto, numa trajetória que punha seriamente em perigo a vida dos dois jovens.

- Se eu atirar - murmurou Duncan - contri­buirei para derrubar a porta, e entrarão mais depres­sa. Temos de esperar que eles entrem, e então...

- ... morreremos matando - concluiu Enid, com arrepiante frieza. - Estando com você, meu amor - e beijou-o nos lábios - isso pouco me importa. Você me fez descobrir o que é amar. Morrerei com você. Juro que me sinto feliz. Só peço que minha última bala seja para matar essa mulher infame.

Outra descarga no corredor. A porta foi muito mais sacudida do que antes. Um gonzo saltou, deixan­do um rombo largo e escuro. O fim se aproximava. Dilley, atrás do colchão, de joelhos, apontou com os dois "Colts" para a porta, esperando o momento su­premo. Enid, atrás dele, também apontava seu revól­ver, ajoelhada.

 

Ava e seus sete capangas notaram que a porta ia deixar da ser um obstáculo para entrarem no quarto e acabar com a resistência de Dilley e Enid.

Por isso, as descargas de revólver contra a folha da porta tornavam-se mais freqüentes. A porta cada vez balançava mais, segura apenas por um gonzo e pela fechadura, que ainda não tinha voado longe.

Enid aproximou-se rastejando do lugar onde Dun­can se achava, esperando, atrás do colchão, pálido mas firme, o olhar fuzilante, o momento do desenlace.

Só podia pensar em morrer matando, mas em morrer. Com Enid, e isso era o pior, e o que lhe en­chia de angústia o coração. Perder aquela nobre moça, que havia procurado sua proteção e que lhe entregara seu amor.

Enid colocou-se ao lado dele. Jogou-lhe os braços ao pescoço, olhando-o com infinita doçura, trêmula de ansiedade e de amor.

- Não se preocupe, meu amor - disse docemente, e beijou-o com força nos lábios. - Não tenho medo, estando com você. Não sabe o quanto sou feliz agora. Nosso amor foi curto, porém maravilhoso. Que pena! Todos os nossos planos... por água abaixo.

- Mas a esperança é a última que morre, meu bem, e vamos rezar para que Deus nos ajude...

Ouviu-se um ruído na janela e algo caiu dentro do quarto. Os dois olharam para o objeto.

Era a ponta duma corda. Um laço usado para laçar gado. Um laço de vaqueiro, que entrara pela ja­nela, e o resto ficara pendurado, ao que parecia.

Dilley, rastejando, foi até junto dele, maravilha­do. Enid soluçava muito baixinho, para que Ava não ouvisse. Estava tão maravilhada quanto Duncan. Deus os havia atendido muito depressa. Embora não sou­besse para que serviria a corda, já que havia vários pistoleiros lá na rua.

Duncan apareceu na janela, com precaução. A rua achava-se deserta. Em algumas janelas, nas casas defronte, homens e mulheres olhavam com espanto aquela cena de terror. Eram espectadores passivos, como se estivessem assistindo a alguma cena teatral, esperando para aplaudirem o final ou meterem-se de­baixo das camas, caso depois chegasse a vez deles. O pavor deixava-os imobilizados, principalmente por ve­rem que o bando de pistoleiros se tornava mais nu­meroso.

Dilley não viu os quatro nem nenhum dos novos pistoleiros de Ava. Era esquisito. Talvez pensassem que era impossível saírem do quarto e tivessem subido para ajudarem a derrubar a porta do aposento a tiros.

Viu que a corda descia até o passeio e que ficava enrolada, e que para segura por um homem. Um ho­mem de baixa estatura, que tinha na mão um revólver 45 e que olhava para cima.

Era o aguazil da prefeitura, o minúsculo Jasper. Na rua deserta, com todas as lojas fechadas, só ele, diante do hotel, no passeio, vigiando a corda e olhan­do para cima. Com uma coragem suicida, pois se al­gum pistoleiro descesse e o visse...

Dilley sentiu uma profunda emoção. Era como se visse uma formiga enfrentando um leão feroz.

Jasper viu-o e fez sinais expressivas, livido de terror, mas firme, a mão que empunhava o "Colt" trêmula. Moveu a corda, dando a entender que podiam descer por ela. Que ele ajudaria...

Dilley virou-se para Enid, que se achava a seu la­do, às suas costas.

- Desça pela corda! - disse ele, baixinho. - De­pressa, que a porta vai tombar!

Colocou Enid no peitoril da janela, e a moça co­meçou a descer. Quando ia desaparecendo, olhou com horror para Duncan.

- Você também, senão eu fico! - murmurou, com indizível angústia.

- Irei depois de você! Desça, depressa! Vão en­trar! - retrucou o rapaz, virando a cabeça para a porta. Outra descarga fez toda a casa estremecer. A porta dançava sobre o único gonzo, ainda firme, e a fechadura. Agora, a madeira da folha da porta era quase um buraco único.

Dilley atirou várias vezes, embora sabendo que suas balas não atingiram os atacantes, colados à pa­rede do corredor. Isto, certamente, não faria nenhum pistoleiro descer à rua.

Correu à janela. Enid já estava na rua e olhava para a janela com enorme ansiedade. Jasper também olhava, para a porta de entrada do hotel, apontando o seu "Colt", que lhe dançava na mão pequena.

Duncan ganhou o peitoril da janela com um salto, e olhou para a porta. Agora, havia um silêncio de mau presságio. Agarrou a corda e começou a descer depressa, como um gato. Quando chegou à altura do peitoril da janela do primeiro andar, largou a corda e jogou-se. Assim era mais rápido, e agora cada se­gundo era de vital importância.

Caiu no chão quase sentado, elástico, sem se la­mentar. Ele, Enid e o aguazil ouviram alguns gritos de júbilo. Eram os moradores das casas fronteiras, que tinham estado observando, anelantes, aquele es­petáculo .

- Vá com este homem! - disse Dilley a Enid, ofegante, empurrando-a com violência. Deixe-me so­zinho, pelo amor de Deus! Tenho de acabar com aque­les patifes! Vá, depressa! Podem descer e estaremos perdidos!

- Venha comigo, senhorita! - disse Jasper, puxando-a. - Eu a esconderei! Depressa, que podem des­cer e nos liquidarão! Venha!

Enid virou-se furiosamente, já tendo na mão o revólver. Colou-se à fachada, cheia de cólera.

- Ficarei com você! - exclamou, trêmula de emoção. - Ficarei com você, do contrário me suicido com um tiro e assim não o atrapalharei mais! Resolva!

- Pode ir, amigo, e obrigado! - exclamou Dilley, empurrando o aguazil. - Nunca se apaixone por uma louca! Vá, que já fez bastante por nós!

O aguazil persignou-se, aterrorizado. Não com­preendia como aqueles dois apaixonados ainda não estavam correndo a todo vapor para se porem a salvo, preferindo ficar ali para morrerem se os selvagens pistoleiros descessem. Achou que talvez Dilley também estivesse doido.

- Tomem - e estendeu-lhe o cinturão, cheio de balas, e o revólver. - Que Deus os ajude, que eu vou andando! — disse, e saiu correndo como se perseguido pelo diabo.

Dilley olhou para a janela que acabava de aban­donar, e da qual pendia a corda, cuja ponta ele tinha amarrado à cama. Depois, olhou para a porta de aces­so do hotel. Naquele instante, ouviu-se outra fuzilaria lá em cima, o que indicava que Ava e os seus capan­gas ainda pensavam que Enid e ele continuavam en­cerrados no quarto.

- Vá para aquele portal grande! - ordenou à sua noiva, que agora parecia mais satisfeita, ao lado do seu noivo. - Atravesse a rua mais acima, para que não a vejam das janelas!

- E você? - perguntou Enid, desconfiada. - Vai ficar, para que o crivem de balas quando saírem ou quando atirarem lá de cima das janelas?

- Vou ficar defronte para atirar contra as ja­nelas e contra a porta quando eles saírem! - excla­mou Dilley, um tanto impaciente. - Atire também, caso eles apareçam pela porta!

Enid compreendeu o plano do noivo. Era o mais eficaz, no momento. Assim, saiu correndo, agora com dois "Colts", pois ficou com o do aguazil no cinturão, atravessando a rua a uma distância maior para não ser vista se alguém aparecesse lá em cima na janela do hotel.

Feito isso, ocultou-se num portal largo, com uma entrada funda, a cujos lados havia duas lojas, agora fechadas.

Outra descarga soou dentro do prédio. Dilley, de­fronte ao hotel, em outro portal, observava com ansie­dade o que se passava lá.

De repente, na janela do quarto que fora de Enid apareceu o busto de um homem. Ouviam-se vozes, in­sultos, gritos de desapontamento e de raiva. E a voz de Ava, dominadora, furiosa.

O homem, que não era nenhum dos três pistolei­ros de Ava, olhava para a rua e puxava o laço, en­quanto gritava aos de dentro que por ali haviam fugi­do Enid e Dilley.

Dilley levantou o revólver. Fez isso friamente, as mandíbulas apertadas. Era a primeira vez na sua vida que ia matar um homem. Isso lhe dava uma sensação horrível, mas apertou o gatilho.

O tiro soou secamente, na rua agora silenciosa e deserta. Em algumas janelas das casas pegadas ha­via cabeças que apareciam com precaução, tomadas de curiosidade mórbida. Eram os medrosos que pensavam estarem num palco de teatro vendo um espetáculo gratuito no qual se jogava a sorte de um homem e de uma mulher que lutavam quase sozinhos pela Lei, pela paz e pela tranquilidade de todos os habitantes do povoado.

O homem que se achava na janela, agitado, levou o tiro em plena testa. Uma das suas mãos segurava o laço. Soltou-o, com um gesto de desalento, e tombou, fulminado, sobre o peitoril. Sua cabeça ficou visível,

a testa coberta de sangue.

Dilley ouviu um clamor lá em cima. Os sequazes de Ava, surpreendidos, mostravam assim a sua raiva e a sua surpresa ante aquela agressão inesperada que já lhes causava uma baixa.

Seguiu-se um silêncio de mau agouro, cheio de tensão. Dilley olhava para a porta do hotel, para a galeria coberta e para as janelas. Perguntava a si mesmo se Enid estaria segura, se não cometeria al­guma imprudência. Porque sabia que a moça tinha uma coragem que ele não havia imaginado, e um ma­ravilhoso espírito de sacrifício por amor a ele.

Uma janela do mesmo andar superior do hotel es­tava aberta. Era na extremidade direita do prédio. Dilley viu aparecer outra cabeça, ruiva, com precau­ções. Apontou novamente o revólver.

Mas, antes que ele apertasse o gatilho, Enid atirou, porque de onde estava era mais fácil ver o pistoleiro. Dilley ficou admirado.

O malfeitor levou um tiro no olho esquerdo. Sol­tou um grito e, largando o revólver, caiu de bruços sobre o peitoril da janela.

Muito emocionado e alegre, Dilley achou que, na­quela marcha, em pouco o bando de celerados estaria liquidado.

Então, Ava e seus capangas, furiosos, começaram a gritar. E em seguida, sem que ninguém aparecesse nas janelas, começaram a atirar sem cessar.

Dilley não se ocultou completamente no fundo do umbral. As balas perdiam-se longe e assim seria impossível que os de dentro conseguissem atingi-los. E as vidraças das casas fronteiras tombaram, reben­tadas pelas balas. Talvez os facínoras pensassem que alguém os estava atacando daquela posição.

Dilley viu isso com inquietação. Temia que al­guém fosse ferido nas casas.

De repente, distingiu um vulto que se arrastava pela entrada do umbral. Era um homem, e sua inten­ção era evidente: sair sem ser notado e talvez atirar da galeria coberta, protegido pelas mesas e cadeiras que havia nela.

Era um modo de sair da ratoeira em que agora Ava e seus capangas se achavam.

O rapaz seguiu-o com a alça de mira, oculto. Quando viu que o pistoleiro se mostrava um pouco para entrar na galeria, mais elevada do que o nível do passeio, atirou. Uma vez só, e foi o bastante.

O malfeitor soltou um grito lancinante. Levantou-se, levando as duas mãos   ao lado do pescoço, e deu dois passos indecisos. Ouviu-se outro tiro, mais aci­ma na rua. Era Enid quem atirava.

- Céus! Estou com medo de você - retrucou o rapaz, rindo, e apertando-a nos braços poderosos. - Não passo de um pobre vaqueiro. Por favor, deixe que eu a ame.

O estranho silêncio continuava. Na rua deserta, parecia que todos os habitantes tinham também ido embora e que o povoado ficara sem vida.

Dilley falava tentando tranquilizar a jovem, mas estava receoso. Não sabia o que fazer. Se ficar ali es­perando ou se sair ao encontro do que o destino qui­sesse reservar-lhes.

- Você vai ficar - disse o rapaz, finalmente. - Vou ver se os patifes ainda estão no hotel ou se já fugiram por trás. Dentro em breve anoitecerá e pre­cisamos saber qual é a situação.

- Vamos juntos - disse ela, em tom decidido. - Você quer é voltar para junto daquela fera da Ava! Meto chumbo nos dois, palavra! - riu ela, alegremen­te. - Não o deixarei ir sozinho. Estaremos sempre jun­tos, Duncan!

Dilley apontou a cabeça cuidadosamente para fora do vão, enquanto Enid olhava temerosa. Era uma ex­periência perigosa.

Mas não se ouviu nenhum tiro, como se não hou­vesse mais ninguém dentro do hotel.

 

Dilley fez uma careta e olhou para as casas de­fronte. Havia dois homens atrás da vidraça de uma janela. Fizeram-lhe um gesto amistoso e Duncan lhes fez uma careta de desprezo.

- Esses capangas da Ava podem armar-nos algu­ma cilada - disse a Enid. - Talvez estejam esperan­do sairmos à rua para não falharem no tiro. Por isso, embora eu mostre a cabeça, eles não atiram. Malditos!

- Não se vê ninguém nas janelas, nem em cima nem em baixo - disse a moça, apontando também a cabeça. - Nem na galeria coberta. Terão ido embora?

- Não creio - afirmou Duncan, com firmeza. - Se Ava estivesse só com um capanga, talvez fugissem, pensando terem perdido a parada. Mas são cinco, com ela, e nós somos só dois, além de você ser mulher. Acho que estão nos preparando uma cilada. Vamos para trás do hotel. Você terá de correr muito, daqui até o outro lado da rua, querida, em ziguezague. Tem coragem?

Enid não respondeu, mas saiu em disparada, cor­rendo em foma de "esse", um Colt em cada mão, na direção do passeio oposto. Duncan seguiu-a, assom­brado.

- Nenhum tiro, nenhum movimento nas janelas, nem na porta do hotel, nem na galeria.

- Espantoso! - disse Dilley, arquejante, já no outro vão de porta, mas do outro lado da rua. - Pensei que ia haver uma fuzilaria contra nós, e não houve um tiro sequer... Raios! Que estarão tramae esses criminosos? Terão fugido?

Duncan olhou para uma casa, que ficava exata­mente defronte ao hotel. Havia uma mulher na janela, mas um tanto afastada. Tinha os vidros partidos, efei­to de alguma bala. A mulher olhava para Dilley e fa­zia-lhe sinais, com o rosto. Era jovem e bonita.

- Que diz essa mulher? - perguntou Dilley a Enid. - Aquela mulher da janela nos está dizendo al­guma coisa.

A mulher fazia caretas expressivas1, mas nervosa, alterada. Enid observava-a com grande atenção. A mulher dizia, com as mãos, que algo se passava nas duas ruas que franqueavam o prédio do hotel. Duncan também a observava, intrigado. A mulher parecia mui­to alarmada. Apontava com as duas mãos e parecia dizer que fossem embora depressa. Que havia algo nas ruas que cercavam os dois lados do hotel.

- Você a entende? - perguntou Enid a Duncan - Se ela fizesse os gestos mais devagar. Mas parece estar dizendo para irmos embora. Olhe...

A mulher ficava cada vez mais agitada. Apontava com as mãos as duas ruas e depois, com os dedos, tentava dar a entender que alguém ia chegando len­tamente. Que eles fossem embora depressa...

- Acho que nos quer dizer que Ava e seus capan­gas estão nas duas ruas que limitam o hotel. Que se aproximam, e para irmos embora - respondeu o rapaz, preocupado. - Poderíamos ir até lá e ver isso. Fique aqui um momento. Vou dar uma espiada.

- Olhe numa, e eu olharei na outra - propôs Enid. - Tenha cuidado!

Mas a mulher, ao ver que os dois jovens saíam do vão de porta, chegou à janela,, muito assustada.

- Estão nas duas ruas, mas escondidos! - gritou com voz aguda, apontando com as mãos para as duas ruas que saíam na Avenida Broadway. - Escondidos, esperando que vocês apareçam! Não vão, ou serão as­sassinados! Fujam! Fujam!

Duncan e Enid sentiram-se sacudidos por um es­tremecimento de pavor ao verem o rosto da jovem mulher, bela, mas aterrorizada.

Ouviram-se vários tiros, procedentes das duas ruas. Da que era mais visível da janela da mulher, que dava exatamente para diante da fachada do hotel.

Ouviu-se um grito de dor. Duncan e Enid olharam para a janela. A mulher tinha o rosto coberto de san­gue e cambaleava. Depois, desapareceu, como se ti­vesse tombado na vertical.

- Raios! - rugiu Duncan, muito pálido. - Viram quando nos avisava e atiraram contra ela!

- Pobre mulher! - exclamou Enid, tremendo de horror. - Foi assassinada! Tinha o rosto coberto de sangue! Duncan, não podemos ter compaixão desses assassinos! Eu atirarei para matar, inclusive Ava, que é a pior!

- Vamos buscá-los! - gritou decidido - Você por essa rua, e eu pela outra! Tenha cuidado proteja-se nos vãos das portas! Mas antes um beijo, meu amor! Se ficar encurralada, chame-me!

Enid saiu do vão e avançou encostada à fachada do hotel e foi seguida pela galeria coberta, um Colt em cada mão, passo a passo.

Duncan segiu pelo lado oposto, mas para a outra rua. Aquela pobre mulher, com seu aviso, lhes tinha prestado um imenso favor, porque lhes dissera onde estavam ocultos os quatro pistoleiros e Ava. O pior é que tinha sido ferida ou assassinada.

Dilley apareceu na esquina, jogando-se ao chão. Olhou para trás e viu Enid. também inclinada, obser­vando a outra rua. Era astuta e valente - notou Dil­ley, emocionado.

De um vão estreito de porta aparecia um vulto. Era um homem, que olhava para a Avenida Broadway. Tinha um revólver em cada mão.

Havia também outro vulto no mesmo vão de por­ta Duncan apontou o revólver para o mais visível.

Enid viu outro homem, que virava muito lenta­mente uma esquina da rua, com outra que a cruzava. O homem mostrava um pouco a cabeça e o rosto. Enid retirou-se para não ser vista Deixou passar vários se­gundos e depois apontou a cabeça.

O homem, encolhido, avançava pelo passeio es­treito, colado à parede das casas.

Enid inspirou profundamente. A angústia era tor­turante. Um assassino se aproximava dela, mas era um ser humano. Há pouco, havia atirado sobre outro pis­toleiro, já ferido por Duncan, e liquidara-o com um tiro. o cnoque emocionai tinna siao lemvei. O mesmo que sen da agora, apesar ao oaio que unna por eles e por Ava. ira matar ou morrer...

Deu dois tiros, os mudemos do rosto retesados, a testa coberta de suor abundante. Um suor gendo, como se estivesse agonizando.

O homem ficou quieto, ainda mais encolhido. Seus joelhos iam dobrando-se cada vez mais. Enid obser­vou-o, pronta a atirar novamente se isso fosse preciso, Eia muito iacn matar, mas horrível.

o revolver na mao direita de Duncan, na outra esquina, trovejou também duas vezes. O homem que se achava no vão de porta saiu para avançar pelo pas­seio. A distancia era de uns quarenta metros, e o angulo nao era difícil.

O homem caiu para trás, como se tivesse recebido uma patada no ventre. Levantou as pernas, tentou apoiar-se na parede da casa e deu as costas a Duncan. O outro sujeito que se achava no vão de porta tentou atirar centra o rapaz, que se jogou para trás, caindo como estava. As três ou quatro balas roçaram a aresta da esquina, levantando pedaços de tijolo e reboco. Finalmente, apareceu novamente. O homem ferido pelo seu tiro achava-se esticado sobre o passeio, imóvel, com uma perna encolhida, as mãos sobre o ventre.

O malfeitor ferido por Enid parecia estar morren­do muito lentamente, ainda de pé, enroscado. Sob suas pernas uma poça da sangue ia aumentando. Enid viu que era Wood, um dos três pistoleiros de Ava.

A moça atirou novamente contra o homem, não sabia se por pena dele ou se pela raiva, para castigar o assassino.

O novo tiro fez tombar Wood como se uma gigan­tesca mão o esmagasse com o seu peso. Tinha-o atin­gido na cabeça.

Duncan chegou correndo, assustado, ao ouvir os tiros dela.

- Que houve? - indagou, ansioso, olhando-a para ver se estava ferida. - Por quê você atirou?

- Acho que era o tal Wood. Olhe, para ver. Tenha cuidado - respondeu Enid, limpando o suor do rosto lívido.

Duncan ajoelhou-se ao lado da jovem e olhou. Viu o corpo do homem, retorcido, sobre o passeio.

- Eu também feri ou matei outro - disse o rapaz, acariciando o rosto de Enid e compreendendo a sua angústia pelo que havia feito. - Não há mais remé­dio, meu amor. Mas deixe-me sozinho. Vá, esconda-se num vão de porta e espere-me. Está sofrendo demais...

- Não. Ande, vá vigiar na outra rua. Eles não te­riam compaixão, se pudessem encurralar-nos. O que desejo é ficar frente a frente com Ava!. - e apertou as mandíbulas, os olhos azuis fuzilantes.

Duncan correu para o outro lado da rua oposta. Jogou-se no chão e olhou com cuidado. O homem que ele havia matado ou ferido continuava no mesmo lu­gar. Mas o outro, ou estava muito escondido no vão da porta ou havia ido embora.

Esperou, mal mostrando parte da cabeça, olhando

com um olho só. Procurava o outro homem, e obser­vava os três ou quatro vãos de porta que havia na rua e que correspondiam a outras tantas casas.

Pensou na pobre mulher que os havia avisado do perigo e que estava ferida, talvez morta.

Teve sua atenção despertada por um leve ruído, no silêncio reinante por toda parte, no prédio do hotel, no ponto onde havia janelas.

Sobressaltou-se ao ouvir, forte, acima dele, o es­tampido de um revólver. Encolheu-se e depois deu um salto, rápido, ao sentir o zumbido da bala, que se cra­vou na terra, a dois passos da sua cabeça. Partiu cor­rendo, já sabendo o que havia acontecido.

Ava, de uma janela, no primeiro andar, tinha apa­recido e, ao vê-lo embaixo, no passeio, atirou contra ele uma única vez. Duncan a viu do passeio oposto, ao virar a esquina, atirando contra ele. Por verdadeiro milagre não o atingiu, daquela altura vantajosa, matando-o.

Duncan atirou duas vezes contra a janela, mas Ava tinha-se retirado de lá. Pelo visto, era dona de todos os aposentos do hotel e percorria os quartos que tivessem janelas para fora a fim de espreitar e atirar de lá.

Enid notou o que se passava e saiu também do seu lugar na esquina da outra rua, reunindo-se a Duncan, a toda. pressa, protegendo-se.

- Essa maldita está lá em cima - disse Dilley, olhando para o hotel. - Se me descuido um pouco, me mata. Ainda bem que teve má pontaria.

- Se pudéssemos entrar e caçá-la a tiros... - murmurou a jovem. - Se acabássemos com ela, os ou­tros fugiriam e tudo estaria acabado.

- Mas há os outros, que agora só são dois, se­gundo minhas contas, e ela os obriga a combater. Ainda pensam que se podem tornar senhores do po­voado se acabarem conosco.

- Que faremos agora? - indagou Enid, vendo que anoitecia. - Sabe que não comemos nada e que há vá­rias horas não descansamos nem um instante?

- Não me esqueci disso, minha pobrezinha - re­trucou Duncan, acariciando-lhe com suavidade o rosto, manchado de fumaça de pólvora e de poeira. - Mas esta é uma luta sem tréguas, na qual quem se des­cuidar pagará caro. Mas você pode comer. Acho que se entrar em qualquer casa e pedir comida, eles lhe darão. Uma coisa é descerem à rua para arriscar a vida, e outra é nós lutarmos para livrá-los dos mal­feitores, em troca de alguma coisa para comermos.

- Vou tentar! Trarei também para você! - ex­clamou ela, alegremente. - Você não se queixa, mas também deve estar faminto e cansado... Como eu o admiro e amo, meu Duncan!

Era perigoso atravessar a rua tão perto do hotel, de onde Ava podia fazer fogo por qualquer janela, dominando a fachada da Avenida Broadway, a prin­cipal, e depois as duas laterais e a posterior, onde fi­cavam o pátio e a saída de serviço para o beco.

Mas Enid era uma bailarina e possuía agilidade de gato e extrema vivacidade, além de ser astuta e co­rajosa, e valendo-se das esquinas e de algumas corri­das curtas, para fugir às balas, pode chegar ao passeio defronte, metendo-se num vão de porta sem que Ava a visse.

Duncan ficou no seu lugar, na esquina, observando a avenida principal e as duas ruas laterais. Achava a situação bem séria. Não sabia se ele e Enid eram ou não os senhores da rua. Não via nem ouvia os capan­gas de Ava, embora soubesse que ela estava dentro do hotel, com grande facilidade de movimentos e que atirava quando via algo estranho.

Anoitecia, e isso o preocupava muito mais. À noite, as ciladas mortíferas são mais fáceis e mais traiçoeiras. Entre as sombras, pode-se aproximar sem ruído do inimigo descarregar o golpe mortal sem ser notado. Enid estava com ele, e era isso que o aterrava. Se es­tivesse sozinho, a luta teria sido muito diferente.

Passou-se algum tempo. A noite já ia avançada, e como as lojas não estavam abertas, nem os mora­dores da rua acendiam suas luzes temendo atraírem os tiros dos malfeitores, a escuridão era ainda maior. As estrelas brilhavam no céu azul e sem nuvens.

Duncan escutava, pois esse era agora o seu melhor meio de saber o que se passava ao seu redor. A rua continuava deserta e silenciosa. Muitos seres humanos, dentro de suas casas, estavam aflitos, atentos àquela luta entre um homem e uma mulher e outra mulher diabólica e seus homens. Duncan pensou, sorrindo amargamente, que, se uns vinte homens armados se tivessem unido para dar cabo dos malfeitores, tudo teria, acabado rapidamente, e a paz teria já voltado a reinar no povoado. Agora, aqueles homens e mulhe­res estavam angustiados por sua própria covardia, pen­sando: "que outros o façam, e assim não arriscarei a vida".

- Duncan... - e sobressaltou-se um pouco, ao ouvir a voz de Enid, muito próxima, virou-se quando ela ia chegando, saltando como uma gazela. Trazia um embrulho nas mãos e beijou-o, rindo baixinho, alegre.

- Deram-me carne assada, purê de batatas e torta de maçã... - disse a moça, contente. - Não queriam acreditar que era eu quem estava atirando... para que eles fiquem seguros debaixo das suas camas. Mas aqui está carne frita e pão. Coma, meu amor, enquanto eu vigio.

Duncan assentou-se e começou a comer. Enid, re­vólveres em punho, ficou atenta.

- Que diz essa gente? - indagou o rapaz, en­quanto comia rapidamente.

- Eles não sabem o que dizer. Estão envergonha­dos. Nessa casa, onde entrei ,- e apontou para uma defronte ao hotel, para as janelas do segundo andar havia dois homens jovens, fortes, que tinham revólve­res e rifles. Fiquei olhando para eles, Duncan, dizen­do coisas sem falar. Baixaram a cabeça e foram para outro aposento. As mulheres, três e jovens, me deram a comida. Estavam assustadas. Não queriam que seus maridos corressem perigo. Pediram-me que ficasse com eles. Eu lhes disse que o homem que eu amava estava em perigo e que eu devia compartilhar desse perigo. Que, se você fosse um covarde, eu não o amaria e que o desprezaria. E voltei.

- Você é um pouco tola - replicou Duncan, mas­tigando satisfeito a carne frita e o pão. - Gostar dum João-ninguém como eu, que ainda por cima se mete onde não é chamado...

-Tola? - e Enid lhe beliscou o braço, sorrindo. - Acha que não soube escolher o homem a quem devo amar? O homem que sei que me ama e com quem vou casar, se tivermos sorte? Ai, Duncan. E nossa granja, nossos porquinhos, nossas galinhas...

- ... e nossos filhinhos - concluiu Duncan, rin­do e abraçando-a com força. - Se fôssemos um pouco ajuizados e egoistas, agora iríamos em busca da felici­dade com que sonhamos. Mas...

- Mas não somos egoístas nem tão ajuizados como seria preciso para isso - falou ela, movendo a cabeça.- Ah, ia me esquecendo! A mulher que vimos cair com o rosto manchado de sangue não morreu. Uma bala arrancou uma lasca de madeira, que a feriu no rosto, mas já está bem, felizmente. É valente. - Isso me alegra. Mas esta noite temos de acabar com Ava e seus facínoras. Acho que você devia ir des­cansar em casa de alguns vizinhos. Deixe que eu ter­mine o assunto. Restam só dois pistoleiros e Ava. Já enfrentamos situações piores.

- Acho que você está ficando presunçoso e que sua valentia vai-lhe subindo à cabeça. Irei com você. Só peço que você deixe Ava para mim! Nunca esque­cerei que ela o... bem, que ela o enfeitiçou! Odeio-a mortalmente por isso.

Duncan baixou a cabeça, confuso. Enid acariciou-lhe a cabeça, compreensiva. Não o julgava culpado. A única culpada tinha sido Ava. Era muito linda, não tinha vergonha nem escrúpulos. E sabia que seus "ar­gumentos" eram irresistíveis para prender um homem.

- Bem - falou Duncan, quando acabou de co­mer. - Acho que os três devem estar dentro do hotel. Talvez já achem que são muito poucos para domina­rem a rua, depois das baixas sofridas há pouco. Por­tanto, se eles não saírem, será preciso ir procurá-los e travar a luta decisiva. E você, que fará? Não quer me atender no que pedi?

- Não. Desprezaria a mim própria se o deixasse sozinho agora. E você talvez se sentisse um pouco ou muito logrado. Nosso destino agora é um só, meu amor. Se eu não o tivesse conhecido e se você não tivesse me ajudado, talvez Ava me houvesse obrigado a fazer o que eu jamais quis fazer. É que, além disso, eu o amo tanto, que daria a vida por você. E não vou deixá-lo sozinho quando você vai continuar correndo riscos de vida. Não sou como esses covardes que moram neste povoado.

- Está bem - e Duncan levantou-se, decidido. - Então, vamos agarrar o touro pelos chifres, como nos rodeios, meu amor. Entraremos pelo pátio. Acho muito melhor do que entrar pela porta principal, que , está fechada, e onde eles poderiam nos crivar de balas, atirando pelas janelas.

Desceram por uma rua lateral, fazendo um círculo. Iam sem ruído, à procura dos lugares mais escuros, pisando de mansinho. O silêncio ali era impressionante, cheio de mistério e de ameaça. Parecia incrível que num povoado de mais de dois mil habitantes todos es­tivessem em casa fechados, temerosos, deixando que um bando de malfeitores dominassem o povoado.

Depois de hesitarem um pouco, por não conhece­rem bem o povoado, os dois chegaram a um beco es­treito e escuro, sem passeio. Lá se levantava o prédio do hotel, cuja fachada principal dava para a Avenida Broadway, com suas duas ruas laterais. Portanto, dan­do volta ao prédio, tinham contornado o mesmo, indo parar no pátio dos fundos.

Um muro de tijolo cercava os três lados do pátio, em cujo fundo ficava o prédio. Duncan viu que a cerca não era muito alta. No entanto, achava-se em mau estado, com profundos rombos e tijolos caídos. A porta que dava para o beco era larga, de madeira, com al­guns buracos e mal assentada nos alisares.

- É preciso saltar para o outro lado - disse Dun­can, baixinho, observando o batente. - Será fácil, apoiando os pés nos buracos da madeira. Mas que ha­verá lá dentro, querida? Não estarão vigiando, por este lado mais vulnerável? Quando entrarmos, eles po­dem nos liquidar...

- Realmente, é um risco - e ela apertou-se con­tra Duncan, receosa, olhando para a porta. Depois, aproximou-se de um buraco e olhou para o interior do pátio. - Está deserto. Não se vê ninguém.

- Devem estar em alguma das janelas que dão para este lado. Fique aqui. Vou ver se posso entrar com facilidade.

- E quando o virem saltar o liquidam a tiros, hem? E eu ficarei olhando... - opôs-se Enid. - Ou então o esperam aproximar-se para não falharem no tiro. Vamos entrar os dois. Assim, teremos quatro re­vólveres para se fazerem respeitar. Salte e eu saltarei atrás. E não discuta, por favor!

Duncan moveu a cabeça, profundamente aborrecido. Não havia forma de enganá-la nem de afastá-1a do perigo. E já era difícil evitar que ela se adiantasse, no afã de evitar que o rapaz tombasse sob os tiros

inimigos.

Duncan enfiou um pé no buraco da porta e com as duas mãos ergueu-se lentamente, apontando a ca­beça um pouco ao chegar em cima. Enid olhava por outro buraco para o fundo do pátio, para as janelas, que era de onde podia partir o perigo.

Duncan já estava em cima, encavalado sobre a beirada da porta. Olhava para o interior com grande atenção. Sabia que sua silhueta recortava-se muito bem acima da porta. Se alguém o observasse e atirasse, seria difícil errar o tiro.

O suor escorria-lhe pela testa e pelas costas. Es­tava oferecendo-se como alvo...

Inclinou-se e estendeu as duas mãos a Enid. Esta, uma atleta consumada, habituada à violência da dan­ça, enfiou a ponta de um sapato no buraco e agarrou-se às mãos de Duncan, que a levantou lentamente.

- Por enquanto, deixam-nos Viver... - disse o rapaz, com voz alterada. — Vamos saltar para o outro lado, querida. Dê-me um beijo, por via das dúvidas...

Beijaram-se, ambos a cavalo sobre a beirada da porta, oferecendo-se à mira dos malfeitores. Não sabi­am como ainda estavam vivos. A precaução mais ele­mentar de Ava a teria aconselhado a vigiar exata­mente aquele pátio. Talvez quisessem deixá-los pene­trar mais, para que não pudessem escapar...

Duncan desceu, de um salto. Depois Enid, saltan­do também, como uma gata, sem nenhum ruído. E correram para um fado do pátio, onde estava estava es­curo. Havia uma cocheira coberta, montes de caixotes, carvão e lenha. Ao fundo, a uns vinte metros, o prédio sinistro. Iam colados à parede, afastando-se, sempre que podiam, das janelas. Viam uma porta no prédio, a de serviço, que parecia fechada. Ambos suavam de an­gustia.

 

Chegaram, assim, quase à parede do prédio do ho­tel. Duncan observava o pátio, porque, no caso de ter de fugir depressa, era conveniente saber a situação de tudo para se orientar. A aventura que tinham pela frente não ia ser nada fácil.

- Que há? - indagou Enid, olhando-o com certa impaciência.

- A porta parece fechada - disse o rapaz, pensativo. - Mas a janela está aberta. Se houver alguém lá dentro apontando com dois "Colts", e se atirar quando mostrarmos a cabeça...

- Sim, pode acontecer isso. Mas se não aconte­cer ... Acho que podemos entrar, porque não houve nada até agora e não nos esperam. Você vai tomar-me por uma irrefletida, querido. Que faremos?

- Vamos primeiro à janela. Deixe-me vê-lo. Colado à parede, Dilley deslizou pelo chão, muito

lentamente, os "Colts" nas mãos. Seguido de Enid, igualmente atenta e prevenida. Assim chegaram à ja­nela do primeiro andar, cujo peitoril ficava a um me­tro e meio de altura. Tinha as duas bandeiras abertas, deixando ver a escuridão do interior.

Duncan hesitou. Apontar a cabeça ali seria o mes­mo que oferecê-la a um tiro de revólver ou rifle, sem probabilidade alguma de escapar ileso, a tão curta dis­tância. Aquilo era fácil demais, para que não ocultas-se algum perigo sinistro. E uma janela aberta, que pa­recia convidar a entrar, como um canto de falsa sereia.

Duncan levantou lentamente a cabeça, até colocar a cabeça sobre o peitoril da janela, e Enid imitou-o, pondo-se na ponta dos pés. Era agora: iam crivá-los de balas...

Mas não se ouviu nenhum ruído, a não ser o dos dois corações, batendo de forma desenfreada. Duncan apontou a cabeça, mais tranqüilo. A claridade das es­trelas e do céu permitiram-lhe ver o interior. Era a cozinha do hotel, grande, onde brilhava um pouco de luz num fogão. E o cheiro característico de frituras ou assados.

- A cozinha... - disse Duncan muito baixinho à sua noiva. - Não nos esperam aqui.

Apertou nos braços a cintura graciosa da jovem e levantou-a, enquanto a beijava apaixonadamente. Enid sorriu, agradecida, e sentou-se no peitoril. Dun­can saltou e colocou-se ao seu lado.

- Agora começa o pior - disse o rapaz, observan­do a cozinha. - É preciso nos orientarmos, quase às escuras, e procurá-los. Vamos, e seja o que Deus quiser.

Saltaram agilmente, em silêncio. Olharam ao re­dor, atentos ao menor ruído que se produzisse. Enid viu uma porta ao fundo e apontou-a a Duncan, que fez um gesto afirmativo de cabeça. Os dois caminha­ram para lá na ponta dos pés.

Mas, de repente, a jovem saltou, soltando um leve. grito, enquanto olhava para o chão.

Tinha pisado em alguma coisa, viva, que se mo­veu, como se fosse uma serpente. Duncan puxou de um revólver com a rapidez do raio, apontando para a coisa.

Era um corpo humano, junto ao fogão. Estendido e amarrado: uma mulher.

O rapaz inclinou-se e olhou para a coisa. A mulher observava-o por cima da mordaça. Achava-se amar­rada de pés e mãos. Queria dizer alguma coisa, mas não podia falar.

Cortou as cordas com a faca e tirou-lhe a morda­ça. A moça ficou imóvel alguns segundos, atônita, olhando-os espantada.

- Quem é você? - indagou Enid, em voz baixa. - Uma criada?

— Sim. Somos mais três. Eles nos assustaram e depois nos amarraram e bateram. Essa mulher... - retrucou a moça, esfregando os braços e as pernas para restabelecer a circulação do sangue. - Fujam! Eles são uns assassinos, e a mulher é a pior do bando! Eu vou com vocês!

- Nós não vamos disse Duncan. - Viemos matá-los, e você vai nos guiar até onde elas estão. Quer?

- Não! - e a moça negou, com energia. - São uns assassinos, e já que não me mataram não vou agora, meter-me em encrencas! Vamos embora!

- Escute aqui - e Enid sacudiu-a rudemente, - Eu também sou mulher e, se tenho tanto medo quanto você, pelo menos eu o suporto. É preciso dar cabo desses patifes, sabe? Mas, se nos deixarmos vencer pelo medo, eles se tornam os senhores. Eles não fize­ram nada contra você? Diga...! - A jovem, que era um tanto bonita, baixou a cabe­ça e começou a soluçar.

- Não precisa dizer nada! Não pedimos a você que os ataques, como nós vamos fazer, mas que nos guie até onde eles estão. O resto fica por nossa conta.

Duncan estava maravilhado com a coragem de Enid, com seu domínio de nervos e com sua decisão inquebrantável de lutar, houvesse o que houvesse.

- Vamos, levante-se e siga na frente, para nos guiar! Não grite nem faça nada que nos denuncie, pois assim morrermos todos! - acrescentou Enid, empurrando-a rudemente. - Deve ter mais amor próprio, menina, e desejo de tirar uma desforra!

A moça, de estatura mediana, levantou-se. Olhou para Enid e dirigiu-se ao fogão, onde se achava uma faca, que esgrimiu nervosamente.

- Tem razão - disse, com voz estridente, mas baixa. - Devo desforrar-me!

E começou a andar na direção da porta dos fundos. Calçava umas alpercatas que não produziam ruído. Duncan e Enid a seguiram. Achavam-se agora mais tranquilos porque a moça os ia guiar até onde Ava e os seus tinham estado. O que era uma grande vantagem, em vez de perambularem sem saber por onde, sujeitos a serem surpreendidos.

Transpuseram a porta. A moça avançou por outro aposento, a despensa. Outra porta ao fundo, escura, que ela abriu com cuidado. Enid e Duncan atrás, pre­venidos, o aposento era um refeitório para os criados, pela janela, penetrava a luz do céu estrelado. Havia um vulto no solo.

Era outra moça, uma criada, de mais idade, porém também jovem. Estava amordaçada e amarrada. Duncan desamarrou-a. A moça olhou para sua companhei­ra e para Duncan e Enid. Depois, começou a chorar, e Enid a tranquilizou como pôde. Devia ficar em si­lêncio. Sabia onde estavam Ava e seus homens?

- Lá em cima, no primeiro andar. Mas eles darão cabo de vocês! - disse a criada. — Não respeitam na­da, aqueles canalhas! Há pouco estavam no quarto da chefe, essa Ava diabólica.

A criada ficou ali, mas a companheira jovem os guiou até à escada de serviço, de faca em punho. Ago­ra, parecia mais decidida, talvez porque a memória lhe havia voltado completamente, e esperou o ódio passar.

A escada saía do próprio refeitório de serviço, ao fundo. A criada começou a subi-la, escutando durante vários segundos ao chegar ao primeiro patamar. Dun­can, a exemplo de Enid, também escutava. Ouviam um ruído de passos fortes. Algumas palavras de ho­mem e outra, de timbre mais agudo, de mulher.

- É a chefe quem está falando, Ava - disse a criada, apontando com a faca para a parte alta da escada. - Quero que deixem Wood para mim. Vou mandá-lo para o inferno!

- Sinto muito, querida, mas acho que Wood já está no inferno há muito tempo. O cadáver dele ficou estendido numa daquelas ruas. Atravessou-se no meu caminho... - murmurou Enid, em tom pesaroso. - Não achamos dá na mesma? — Demos cabo de vários desses patifes. Só restam os dois e Ava.

A criada assentiu de boa vontade e continuou subindo, na ponta dos pés. As escadas, de madeira, tabuas velhas e rangiam de vez em quando, e Dunpan reco­mendou às mulheres que pisassem com cuidado.

- Ainda não nos estão vendo - disse a criada. — Estão longe, ainda.

Acabou de subir a escada e a criada seguiu por um corredor. A escuridão agora maior, pois ali não havia nenhuma janela. Enid agarrou a criada por uma das mãos e Duncan apoiou a sua mão esquerda no ombro da noiva. Na outra, levava um revólver.

No fim do corredor, já no primeiro andar, a cria­da parou para escutar. Enid e Duncan a imitaram. Tinham em cada lado uma série de portas, algumas abertas e outras fechadas.

- E os outros hóspedes? - perguntou Duncan junto ao ouvido da criada.

Amarrados, em seus quartos. Não ofereceram re­sistência e por isso salvaram suas vidas. Mas os me­liantes lhes roubaram seu dinheiro e tudo o mais. Havia apenas seis ou sete hóspedes, o quarto de Ava fica no fim. Não vêem luz nele?

Sob uma porta, ao fundo, via-se, realmente, uma réstia de luz.

Duncan avançou, tenso, suando. O momento de­cisivo aproximava-se, e o que mais o preocupava era que levava consigo, atrás, duas mulheres. Uma delas muito corajosa, mas, afinal de contas, mulher. Talvez valente demais. Se fosse ele só, estaria mais tran­quilo.

Avançaram pelo corredor, guiando-se, agora, pela luz que se filtrava por baixo do quarto de Ava. Dun­can olhava para as outras portas, escutando. Se algum deles saísse de repente ao corredor e os visse...

Havia também luz debaixo da porta de mais dois quartos. Enid deu uma pancadinha no braço do noivo, apontando para lá. A criada tinha-se deixado ficar muito para trás, temerosa, indecisa, sem dúvida as­sustada pelo perigo que se ia aproximando. A faca lhe dançava na mão trêmula. Duncan disse-lhe, por si­nais, que ficasse ali ou fosse embora. Ia ser um estorvo e uma grande responsabilidade ao seu lado.

A criada ficou à entrada do corredor, encolhida. Estava tapando a boca com uma das mãos, prestes a explodir em gritos de histerismo. Enid foi até lá empurrou-a para a escada, com energia. A moça afastou-se depressa.       Duncan e Enid ouviram, de repente, uns passos duros de homem no interior de um quarto, onde havia luz. Os passos iam rumo à porta...

Duncan e Enid colaram-se à parede, rígidos. Ti­nham nas mãos os "Colts", que apontavam para a por­ta. Enid, lívida mas firme como uma rocha, os olhos azuis e grandes muito abertos. Duncan, ao lado dela, parecia o gato observando o buraco por onde deve sair o rato.

- Deixe por minha conta... - disse Duncan, ao ouvido da moça. - Não atire. Se for possível, temos de evitar ruído. Deixe por minha conta...

A porta abriu-se e o corredor iluminou-se de re­pente. Um homem, Kerens, trazia na mão uma peque­na lâmpada de petróleo. Virou-se para trás a fim de fechar a porta, sem notar que alguém estava ali.

Duncan foi para cima dele como um tigre, a faca na mão direita. Foi um ataque silencioso. Enid apon­tava seus Colts, esperando, o rosto muito branco. Não lhe agradava que Duncan fizesse aquilo. Teria sido me­lhor liquidar o sujeito a tiros, mas obedeceu.

Kerens recebeu o impacto do corpo de Duncan e deixou cair o lampião, que se espatifou ruidosamente no chão de madeira e a chama apagou-se. A escuridão voltou a reinar, e só as faixas de luz debaixo das ou­tras portas permitiam ver um pouco.

Kerens, passada a surpresa, quando sentiu que as mãos de Duncan lhe apertavam a garganta até dei­xá-lo quase sem respirar, reagiu violentamente, ten­tando puxar de um revólver do cinturão e virando-se como uma fera.

Travaram uma luta corpo a corpo, rolando pelo chão. Duncan queria agora, visto que tudo poderia ir por água abaixo com o ruído, apunhalar o inimigo. Mas Kerens era homem forte e, além disso, tomado de um pavor que lhe dobrava as forças.

Enid aproximou-se dos que lutavam, com o re­vólver pronto. O ruído do lampião ao espatificar-se no chão havia sido muito forte. Portanto, era inútil tentar manter sigilo nas operações. Era preciso acabar imediatamente com Kerens.

Dilley lutava com afinco, tentando livrar a mão, que empunhava a faca, só um segundo. Mas Kerens não largava o pulso de Dilley, torcendo-o de forma violenta. Tinha conseguido agarrar a coronha do revolver com a mão esquerda e estava prestes a tirá-lo do coldre.

Enid aproximou-se mais. Na penumbra, mal se podia distinguir quem era Kerens e quem era Dilley. Se atirasse, corria o risco de ferir seu noivo. Daí, ela hesitar e temer que Kerens pudesse ganhar a parada.

Dilley fez um esforço tremendo, sob a dor aguda do punho torcido. Fez o malfeitor virar, colocando-se em cima dele, e trocou de mão a faca. Enid viu er­guer-se o braço armado e sufocou um grito. Pensava que era Kerens quem estava por cima do seu noivo.

A faca desceu como um raio, uma, duas, três vezes...

Enid ouviu o suspiro de alívio de Dilley, que se levantava penosamente. Foi até junto dele e acariciou-lhe ternamente o rosto, sem olhar para o corpo de Kerens, já morto.

Ouviu-se um gemido, um ranger de gonzos duma porta, que havia sob a linha de luz. A porta abriu-se e uma claridade grande se mostrou. Apareceu a figu­ra alta e corpulenta de Luling, no umbral da porta. Trazia também um lampião na mão. Parou, olhando ao redor.

- É você, Ava? Kerens? Que houve? - indagou ele, dando as costas, a Dilley e a Enid.

Dilley deu um passo, com a faca ensanguentada na mão. O piso de madeira estalou e Luling virou-se de repente e viu os dois jovens, acocorados, no extremo do corredor. O corpo de Kerens achava-se ali, esten­dido, com uma enorme mancha de sangue ao redor.

Soltou uma exclamação de enorme espanto, de raiva e de medo. E girou nos calcanhares, sacando de um revólver com a mão direita. Colocou-se atrás da batente da porta, que se achava aberta, e começou a atirar frenética mente, embora sem fazer pontaria, pois na sua posição não via Dilley nem Enid.

Dilley respondeu aos tiros, e Enid também. A por­ta fechou-se com violência. Os estampidos dos "Colts" encheram de ruído a casa. Luling atirava do seu quar­to, perfurando a porta. Duncan também atirou con­tra a fechadura, que saltou, e o batente estremeceu.

Enid atirou contra outra porta, sob a qual se fil­trava um clarão. Devia ser o quarto de Ava. Agora, Dilley puxava a maçaneta da porta de Luling, embora furtando o corpo, pois o malfeitor atirava sem cessar, fazendo vários buracos na tábua.

Da ação silenciosa de antes, passavam agora ao fragor dos tiros, sem nenhum disfarce, pois parecia ter chegado o instante da luta final. Ava já tinha para ajudá-la só Luling, que, por sua vez, se encon­trava isolado, fechado no seu quarto. Enid uniu seus tiros ao de Dilley, contra a porta do quarto de Lu­ling. A moça apontou para os dois gonzos que segura­vam a porta. Os gonzos saltaram logo, sob o impacto direto de duas balas, e o batente, empurrado por Dun­can, ruiu com estrépito.

Luling soltou um grito de raiva e começou a atirar como um louco de trás de um colchão da cama, ao fundo do quarto. As balas assobiavam de forma sinis­tra, cravando-se na parede oposta do corredor. O ban­dido e assassino defendia-se desesperadamente, vendo sua vida em perigo atroz.

Dilley jogou-se ao chão. Enid, atrás do portal, ati­rava sem cessar, apontando um pouco a cabeça, a mão armada. O lampião estava apagado e só entrava algu­ma claridade pela janela que dava para a rua.

Entrar ali, como um louco, armado com os dois "Colts", que ele disparava a todo vapor, era uma em­presa difícil, na qual havia o perigo de cair fulminado pelas balas.

Quando Luling teve de parar de atirar, por não ter mais munição, Dilley foi-lhe em cima como um gato, fazendo fogo com os dois Colts. Enid foi atrás dele, atirando também,

Luling jogou-se ao chão, sob o colchão, tentando carregar novamente o revólver a toda pressa, enquanto gritava e maldizia como um louco. De repente, fez-se espantoso silêncio. Luling estava crivado de balas, estendido em todo o comprimento, atrás do colchão. Tinha a cabeça per­furada por seis ou oito balas.

Dilley e Enid olharam-se, ofegantes, tendo nas mãos os revólveres fumegantes. Tornaram a carregar os revólveres, depois de lançarem um olhar ao cadáver.

- Agora, Ava - disse Enid, em tom terrível. - A principal culpada. É a nossa justiça, Duncan olho por olho, dente por dente. O padre, o xerife, o prefei­to, o auxiliar de xerife, os empregados dos telégrafos, os telegrafistas... Será que o que nós fazemos se justifica?

- Se houvesse aqui uma autoridade, não se justi­ficaria, querida - disse Dilley, em tom lúgubre, muito sério. - Ninguém pode tomar a justiça nas mãos, mas aqui não há nenhuma autoridade. Dominados pelo me­do, os próprios moradores do lugarejo ficaram quietos. Nós tivemos de bancar os guardiães da Lei e da jus­tiça. Arriscamos a vida... Agimos certo!

- Ainda resta Ava. A pior de todos eles, o cére­bro maligno que matou com a própria mão e que deu exemplo. Então, vamos buscá-la - e olhou para Dun­can, de forma aguda, para caso o rapaz vacilasse, lem­brando aqueles momentos fatais...

- Vamos - respondeu Dilley, com firmeza. - Oxa­lá não resista. Não devemos matar pela ânsia de vin­gança. Nós matamos porque eles mataram primeiro e porque nos teriam matado, se pudessem.

- Se ela se render, não a matarei, Duncan - disse a jovem, em tom solene, cheio de sinceridade. - Não atirarei contra ela... apesar de tudo.

Saíram para o corredor. Um silêncio estranho e cheio de ameaça os deixou transidos. Sentia-se no ar um penetrante cheiro a pólvora queimada. Era horrí­vel ver o corpo de Kerens, que parecia nadar em san­gue.

- O quarto de Ava ficava ali - apontou Dilley, para o fundo do corredor. - Agora, todos sabem onde ela se deve encontrar.

- Deve ter fugido. Deve estar sozinha, sem pisto­leiros, com cuja ajuda se sentia tão valente e tão brutal - retrucou Enid, pálida, mas decidida. - Va­mos procurá-la. Onde estará?

Avançaram pelo corredor, com passo cauteloso, até o quarto que pertencia a Ava. Temiam serem recebi­dos por uma saraivada de tiros, ao transporem o um­bral da porta. Sob a porta aparecia um clarão de luz, o que parecia indicar que talvez Ava estivesse lá, acua­da, resolvida a vender caro a vida.

Dilley, colado à parede, aproximou-se. Enid apon­tava para a porta, esperando. O rapaz colocou-se de tal forma que, se alguém atirasse de dentro, as balas não o ferissem. Olhou para Enid, que lhe fez um gesto para que batesse ou empurrasse a porta, pois que ela atiraria, se houvesse perigo.

Duncan empurrou a porta e recuou assustando, quando viu que esta se abria sem nenhuma dificulda­de, e que nenhum tiro se ouvia. Enid olhou com receio. Temia que Ava deixasse entrar Dilley e então, com se­gurança, o matasse sem correr riscos. De uma mulher como Ava, era de esperar-se isso e muito mais.

Mas Dilley também não era tolo. Aquela facilidade para entrar o deixava coibido. Receava o mesmo que Enid. Viam-se a luz do candeeiro e um pouco do aposesnto, mas não todo. Atrás, poderia estar a mulher infernal esperando, armada e cheia de ódio criminoso.

A situação para os dois jovens era cheia de ten­são, insegurança e temor. Não sabiam o que havia lá dentro nem o que poderia se desencadear se sequer apontassem a cabeça. Mistério, ameaça latente...

Dilley jogou-se ao chão e Enid imitou-o, apontan­do com os revólveres para dentro do aposento ilumi­nado. Duncan lhe disse, por sinais, que ia entrar. Enid empalideceu, mas não demonstrou medo nem desejo de dissuadi-lo. Pior que tudo, seria deixar Ava em liberdade, com seu instinto selvagem de matar.

Duncan enfiou a cabeça para dentro. Enid avan­çou, colada à parede, cheia de horror, esperando que aquele silêncio se transformasse numa séria de estam­pidos e com eles chegasse a morte do homem a quem adorava.

Mas o silêncio continuava, pesado e cheio de mis­tério. Como a calmaria que precede a tempestade...

Dilley arrastou-se para dentro. Nada... Só o si­lêncio. Enid apertava a boca com a mão esquerda, toda atenta, o coração quase parado.

Viu o noivo desaparecer dentro do quarto. Nada.

Só silêncio...

De repente, Dilley reapareceu, com a estupefação, refletida no rosto, os braços pendentes, sem nenhum temor.

- Não está! - disse, em tom cansado. - Fugiu...- e apoiou-se contra o peitoril da janela, esgotado pela tremenda tensão nervosa, esperando a cada pas­so levar um tiro.

- Maldita mulher! - exclamou Enid, com raiva.

- É a pior e a mais astuta! Enquanto seus capan­gas morriam, ela fugia! Você procurou direito?

E entrou, desconfiada. A cama apresentava-se des­feita. Embaixo do leito, nada. O quarto, embora gran­de, não tinha nada que a pudesse ocultar. Só um ar­mário de roupas, grande. Enid olhou para Dilley e apontou para o móvel. Dentro dele, poderia ocultar-se uma pessoa.

Dilley assentiu de cabeça. Apontou com um revól­ver para os dois espelhos grandes da frente. Era outro mistério para ser resolvido. Como antes, ao entrar no quarto. O rapaz disse, por sinais, que Enid se pusesse de lado, fora da linha de tiro, para caso Ava atirasse, lá dentro.

Mas Enid não queria que Dilley corresse aquele novo perigo. Estava com os nervos estourados e ofegante.

Com os dois revólveres, uma expressão cruel no rosto, disparou rapidamente as doze balas dos seus dois revólveres, apontando para a frente do móvel. Os espelhos saltaram espatifados, com estrondo. As duas portas bambolearam e uma delas caiu para trás.

Alguns vestidos de Ava, um par de sapatos, roupas de baixo e uma pequena mala, era tudo o que havia dentro do armário.

Dilley sorriu, aliviado. Enid suspirou, desapontada. Tornou a carregar o revólver e olhou ao seu redor, procurando.

- Fugiu - falou Dilley, pensativo. - Já deve estar longe, escapando a cavalo. É esperta demais para nós, querida. É perita em fazsr mal.

- Nós a seguiremos até agarrá-la ou matá-la. Não devemos deixá-la escapar! Ela é a pior de todos. O cérebro, a que mais merece o castigo!

A moça foi até à janela, que se achava fechada. Olhou para fora, na direção da rua. Depois, depressa, dando uma olhada de espanto, abriu-a rapidamente. Dilley avançou, curioso, intrigado. Enid colocou a ca­beça para fora...

Ouviram-se duas detonações seguidas, lá embaixo, mas perto. Enid jogou-se para trás, muito pálida.

- Está ali! - exclamou. - No telhado da gale­ria! Deve ter descido pela janela, está ali e atirou contra mim!

Dilley precipitou-se para o peitoril da janela, re­vólver em punho. Mal teve tempo de retirar apressa­damente a cabeça, pois se ouviu um tiro e a bala qua­se lhe roçou o crânio.

Tornou a aparecer na janela pouco depois, pálido. Viu Ava, olhando para cima, para o pequeno telhado da galeria coberta pelo telhado maior. Debaixo, havia uma coluna de sustentação, e era evidente que a mu­lher pretendia utilizá-la para descer à rua quando Enid a surpreendeu, ao aparecer na janela. Aí, Ava se tinha virado, furiosa, e atirou.

Duncan agora podia matá-la quase impunemente. Bastar-lhe-ia apontar o revólver e atirar várias vezes do lugar de onde estava. Todas as vantagens estavam a seu favor, pois além disso o pequeno telhado tinha uma inclinação forte e era escorregadio.

Mas algo no seu íntimo lhe dizia que se a matasse a tiros, ali, seria puro assassinato.

- Ava, jogue fora as armas e nós a içaremos! - exclamou o rapaz, com voz forte, sem mostrar a cabe­ça. - Jogue fora as armas e nós a içaremos, está me ouvindo? Jogue as armas fora e pouparemos sua vida!

Enid aprovou com um aceno de cabeça. Odiava mortalmente a Ava, mas antes de mais nada tinha sentimentos nobres, e não desejava que a mulher mor­resse agora daquele jeito. Ela que se rendesse, e os dois a entregariam às autoridades. Depois, o resto fi­caria por conta da justiça.

Ouviram uma risada sarcástica, seguida por dois tiros.

Dilley olhou para Enid, indeciso. Se Ava não se rendia, que fazer? E se ela ferisse ou matasse algum dos dois? Nem Enid nem Dilley a matariam agora, vendo-a à sua mercê, embora ainda perigosa.

Observavam as casas da frente, pensando o que poderiam fazer para capturá-la, apenas para captura- la e para inutilizá-la.

De repente, viram que nas janelas defronte apon­tavam cabeças de homens e mulheres. Talvez estives­sem observando Ava, que se achava como um bicho, encolhida, mostrando os dentes e as garras, em forma de dois revólveres.

E aquele homens, de repente, puxaram de rifles, de revólveres, de espingardas e os apontaram para Ava, que olhava para cima, sem notar o que se pas­sava embaixo. Em seis janelas surgiram homens, em duas ou três casas, defronte ao hotel. Apontaram para Ava...

- Que vão fazer que aqueles covardes - gritou Duncan, empalidecendo. - Quando os pistoleiros esta­vam vivos, aqueles medrosos se escondiam debaixo da cama, e agora, que vêem uma simples mulher sozinha, contra tantos homens, eles...

O estrondo de inúmeras armas de fogo cortou-lhe a palavra. Uns cinquenta tiros ao mesmo tempo, e de­pois mais alguns esparsos.

Dilley e Enid ouviram um grito lancinante de dor e precipitaram-se para a janela, com o coração aper­tado, anelantes, transidos de angústia,

Ava rolava pelo pequeno telhado, crivada de balas, o corpo varado de lado a lado, a roupa arrancada em tiras, deixando uma esteira de sangue na descida.

Caiu sobre a poeira da calçada, com um ruído sur­do, terrível.

E os "valentes" habitantes da cidade, gritando de contentamento, continuaram no trabalho macabro de destroçar ainda mais aquele corpo já em pedaços. Dilley correu pelo corredor, empunhando os "Colts", rumo à rua. Enid seguiu atrás dele, presa de indig­nação enorme, que expressava em gritos.

Chegaram à porta da entrada, que abriram. A fu­zilaria continuava e os cretinos animavam-se mutua­mente, rindo às gargalhadas.

Mas, ao verem Dilley e Enid, que lhes apontavam seus revólveres, calaram-se e pararam de atirar. Muitos deles saíram das janelas.

Os dois jovens aproximaram-se do cadáver de Ava, que se achava numa grande poça de sangue, em pe­daços. Era agora uma grande massa informe.

- Infeliz! Que Deus a perdoe! - murmurou Enid, compadecida. E cobriu o corpo num gesto de caridade, com uma pequena manta que tinha trazido consigo.

- Covardes! Pilantras! - troou Dilley, olhando para as janelas, novamente já quase vazias. - Contra os homens, não tiveram coragem de lutar! Esconde­ram-se debaixo das camas! Vocês viram quando ma­taram o pobre padre, e nenhum de vocês o socorreu!

Viram matarem o xerife e seu ajudante e vocês tre­miam de medo, maricas...!

- Vamos, meu amor - disse Enid, temendo que agora os homens que tinham atirado se virassem con­tra eles, os verdadeiros salvadores da situação de terror porque os habitantes de Amarillo tinham passado.

- Sim, vamos embora daqui! - exclamou Dilley, roucamente, dando as costas para as janelas. - E va­mos sacudir o pó das botas ao partirmos! Vergonha e nojo! Vamos agora mesmo, meu amor!

Um silêncio absoluto reinava na rua. Os homens, novamente nas janelas, olhavam agora com espanto e admiração para aquele casal, a quem tanto deviam.

A consciência lhes começava a doer. Tinham sido duplamente covardes...

Os dois jovens seguiam pela Avenida Broadway, à procura do outro hotel onde deixaram seu equipamen­to, os dois cavalos e a pequena carruagem. Os morado­res do povoado, silenciosos, a consciência doendo, pen­sando no que Dilley lhes verberava, a consciência do­endo. Nem Uma frase de despedida nem de agradeci­mento. Só vergonha e uma amarga sensação de in­ferioridade, de covardia e de crueldade sádica. Todos contra uma mulher sozinha e praticamente indefesa...

Dilley selou seu cavalo, pálido de raiva. Depois, atrelou seu cava1 o branco à pequena carruagem. Enid estava recolhendo os víveres, que lhe eram entregues pelo dono do hotel, e os ia colocando na parte traseira da carruagem.

Pouco depois, o veículo, levando na traseira, amar­rado, o corcel negro de Dilley, tornou a passar pela rua principal. Suas rodas produziam um ruído seco sobre a terra. Desviou-se para não passar por cima do corpo informe de Ava.

Os moradores do lugarejo, nas janelas, olhavam, calados...

- Covardes! - disse Dilley, em voz rouca. - Po­dem descer, não precisam mais ter medo! Desçam, es­tamos indo embora! Podem destroçá-la ainda mais!

- Pare de falar, meu amor, pelo amor de Deus!- disse Enid, espantada pela cólera do homem, te­merosa de que saltasse da carruagem e se batesse a tiros com os moradores do lugar. - É fato sabido, Duncan. Os covardes são sempre os mais cruéis. Pelo medo porque passaram, pela sua impotência, quando vêem que podem vingar-se num inimigo muito mais fraco, portam-se como animais. Esqueça tudo. Vamos em busca de outras terras e outras gentes. Para onde iremos, meu amor? - e beijou-o na testa, nas faces, nos lábios, querendo que esquecesse, que olhasse para ela, que olhasse para o futuro.

- Sim... Para onde vamos? - sorriu Dilley, pu­xando as rédeas para fazer o cavalo branco obedecer.

- Vamos para a nossa granja, naturalmente! Mas não por perto daqui, minha querida Enid. Para muito lon­ge! Para onde os homens sejam homens de verdade e não galinhas assustadas!

- Longe dos homens - murmurou ela. - Perto de um povoado, mas só nós dois. Com nossas galinhas, nossos porquinhos...

- ... e nossos filhos - acrescentou Dilley, emo­cionado. - Onde fica essa granja? Tem alguma idéia?

- Sim, meu amor. Vi uma granja à venda. Ficava perto cio mar, e era grande, com hortaliças e um po­mar frutífero completo. E também umas vacas "He-reford" muito bonitas. E criação de galinhas, patos e portos. O dono me disse que a venderia por um preço muito baixo. Tenho o dinheiro necessário para a com­pra. Isso foi há uns três meses. Se ainda estiver à venda, meu amor...

- Mas onde é isso, querida? - indagou o rapaz, intrigado, rindo.

- Ah! Fica longe daqui, muito longe. Na Califórnia, perto de um povoado muito grande, uma cidade chamada Los Angeles. O mar fica muito perto. Tinha uma praia que pertencia à granja. Imagine só, meu amor!

- Então, vamos para a Califórnia! Avante, cavalo, que vamos para Los Angeles! E levaremos este anjo maravilhoso que se chama Enid, o meu amor! Vamos, cavalo malandro! Êêêia! 

 

                                                                                O. C. Tavin 

 

 

                                         

O melhor da literatura para todos os gostos e idades

 

 

 

              Biblio"SEBO"