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SOCIEDADE POR CASAMENTO / Cathy Williams
SOCIEDADE POR CASAMENTO / Cathy Williams

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

SOCIEDADE POR CASAMENTO

 

          Como Destiny conseguiria dizer "não" para aquele homem?

Depois de viver toda sua vida nas florestas do Panamá, Destiny está a caminho de Londres para tomar posse de sua herança estimada em milhões de libras! Na selva de concreto, porém, Destiny se sente perdida. Não entende de negócios. Seu mundo nunca pertenceu aos assuntos internacionais das altas finanças... E a última coisa que imaginava ter de enfrentar era uma disputa com um homem atraente e sedutor que não mediria esforços para conseguir alcançar o seu objetivo: a empresa que ela herdara!

 

De sua mesa, na sala de aula, Destiny Felt conseguia ver e controlar todos os movimentos de seus quinze alunos e também do desconhecido de cabelos grisalhos que ela pedira para entrar e aguardar enquanto as crianças terminavam de fazer a prova.

O homem parecia um peixe fora d'água. Olhava para os lados e para o teto. Quando baixava a cabeça e via o papel em suas mãos, sua expressão se tornava ainda mais desconsolada.

Ou, talvez, fosse o calor que o deixava tão aflito. O pobre homem não poderia estar usando uma roupa menos adequada para aquele clima. Calça comprida de tecido grosso e camisa de mangas compridas, que ele havia enrolado até os cotovelos na tentativa de minorar o desconforto.

O que estaria fazendo naquela parte do mundo? Visitantes eram raros por aquelas paragens. A não ser os turistas ecológicos, o que não parecia ser o caso.

Destiny continuou a observar o estranho por mais alguns minutos até que ele guardou o papel na pasta que havia deixado no chão, se levantou e lhe fez um sinal de que iria sair.

Embora soubesse que seu pai não veria com bons olhos a entrada de alguém em sua sala, sem ser anunciado, e o homem certamente iria parar lá, Destiny não se manifestou. Por maior que fosse sua curiosidade em descobrir o que trouxera aquele homem não só ao Panamá, mas à única escola entre todas as aldeias daquela região, não abandonaria seu posto.

Mais cedo ou mais tarde, ela pensou, o mistério seria explicado. Afinal, nada permanecia em segredo por muito tempo quando se vivia com poucas pessoas à volta.

No teto, o velho ventilador ainda cumpria sua função de refrescar o ambiente. Assim mesmo, dava para sentir a umidade do ar que entrava pelas janelas. Era difícil suportar aquele clima. Não era de admirar que um forasteiro se sentisse mal e desassossegado. Ela própria não via a hora de ouvir o sinal que marcaria o término do expediente para ir para casa e tomar um banho.

Era o que estava se preparando para fazer, juntamente com as crianças que guardavam apressadamente o material nas mochilas, quando foi avisada de que seu pai queria vê-la com urgência.

Destiny respirou fundo. Se o estranho ainda estivesse na escola e seu pai quisesse detê-la só para poder lhe apresentar mais um possível candidato a marido, dessa vez ela lhe declararia guerra.

Seu pai era um homem bom e honesto, mas tinha esse horrível defeito de querer vê-la casada. Assim, fazia absoluta questão de lhe apresentar quem quer que aparecesse a sua frente, desde que fosse do sexo masculino.

Ao sair de sua sala, distraída com seus pensamentos, Destiny quase trombou nos dois homens.

— Destiny... Ela olhou para o desconhecido por um instante e depois olhou significativamente para o pai que lhe endereçava um sorriso ansioso.

— Estou indo para casa, papai.

— Não ainda, Destiny. Este senhor veio aqui por sua causa.

Destiny tornou a olhar para o homem e ele lhe estendeu a mão. Era um palmo mais baixo do que ela. Um detalhe, aliás, ao qual ela se acostumara porque poucas pessoas que conhecia eram mais altas do que ela. — Derek Wilson. Prazer em conhecê-la.

— Fala espanhol? — Destiny quis saber.

O pai censurou-a com o olhar. Ele sabia que a irritava o fato de as pessoas não se esforçarem por usar o idioma daquele povo.

— Não vejo nenhum problema em perguntar — Destiny se defendeu.

— O sr. Wilson está vindo da Inglaterra para cumprir uma missão. Peço que desculpe minha filha — ele disse em excelente inglês.

Destiny percebeu que o homem a fitava com um misto de admiração e de cautela. Uma reação a que ela também se acostumara com o decorrer do tempo. Quase todos que a viam pela primeira vez costumavam encará-la daquela maneira. Como se estranhassem que uma mulher loira pudesse estar vivendo em uma selva.

— O que o senhor deseja?

Antes que o recém-chegado pudesse responder, Jonathan Felt sugeriu que conversassem em sua sala, onde teriam mais conforto.

— Aceita um refresco? Deve estar com sede com esse calor.

— Eu agradeceria muito. Confesso que custei a localizar sua filha.

Destiny sentiu os olhos do homem pousados em seu rosto durante todo o trajeto ao longo do corredor. O barulho ao redor era intenso com as crianças ansiosas por voltarem para suas casas e brincar.

Eram todos morenos, de cabelos lisos pela descendência indígena, e falavam espanhol. Destiny era a única mulher loira de olhos verdes que eles haviam visto.

— Como o senhor deve ter notado, o número de alunos não é grande — disse o pai de Destiny para sua surpresa. Ele não costumava dar atenção a estranhos. Ele não era do tipo falante, aliás. Ao contrário da esposa falecida cinco anos antes. — A freqüência depende muito das condições meteorológicas. Não pode imaginar como o tempo é instável por estas bandas.

Derek Wilson fez um movimento com a cabeça para indicar que estava escutando. Parecia atento a cada detalhe.

— A direita do prédio, mantemos um pequeno posto médico. Para nossas necessidades básicas apenas, infelizmente. Os recursos financeiros que recebemos não são suficientes para fazermos o que deveria ser feito.

Aquele era o assunto que jamais faltava nas conversas de seu pai. Dinheiro, ou a falta dele, para abastecer o posto médico. Além de médico, ele era um pesquisador e não conseguia admitir que faltassem recursos para questões que envolviam saúde e educação.

Ao entrarem no escritório, seu pai acomodou o homem em uma cadeira e se apressou a abrir a geladeira de onde tirou uma jarra de suco.

Destiny olhou para Derek Wilson no instante que ele soltou o primeiro botão da camisa e fechou os olhos ao sopro de uma leve brisa que entrou pela janela.

Naquele instante, uma onda de compaixão a invadiu. Por algum motivo que ela desconhecia, aquele homem havia deixado sua família na Inglaterra e visitado aquela terra esquecida pelo mundo, para vê-la. O mistério, portanto, dizia respeito a ela.

De repente, Destiny sentiu um arrepio de apreensão. Ao aceitar o copo de suco da mão de seu pai, tentou ler seus olhos e percebeu que ele estava tenso embora não quisesse dar demonstração.

Por quê?

Derek Wilson pigarreou.

— Fiquei bem impressionado com a escola que os senhores dirigem.

— Obrigada.

— É corajosa em sua escolha de viver aqui, se não se importa que eu diga.

Destiny endereçou um olhar preocupado ao pai que parecia distante, voltado para a janela.

— Não se trata de coragem, sr. Wilson — Destiny respondeu. — O Panamá é um dos países mais lindos do mundo e seu povo é bom e gentil. Se teme ser alvo de algum crime, fique descansado.

— Isso não me passou pela cabeça.

— O que o trouxe aqui? — Destiny perguntou sem mais delongas, incapaz de continuar contendo a curiosidade.

— Faço meu trabalho. — O homem abriu a pasta e retirou um envelope grande e pardo. — Já ouviu falar em Abraham Felt?

— Abraham Felt? Sim, vagamente... Pai? — Sem condições de continuar alheio à conversa, Jonathan Felt voltou a fazer parte do grupo.

— Abraham Felt era meu irmão, seu tio — ele contou após um instante de hesitação. — Talvez seja melhor que este senhor se encarregue de lhe dar as explicações.

— Que explicações? — Destiny perguntou, aturdida.

— Seu tio faleceu há seis meses e a senhorita é sua única herdeira.

— Oh! então era isso? — Destiny suspirou, aliviada. — O senhor não poderia ter dado a notícia por carta? O correio pode demorar algum tempo para chegar aqui, mas eventualmente as correspondências são entregues.

— A senhorita não está entendendo. — Derek Wilson deu um sorriso pela primeira vez desde sua chegada. — Seu legado é de milhões de libras.

O silêncio que seguiu a notícia foi quebrado apenas pelo canto dos passarinhos, pelos gritos dos papagaios e pelo som distante do rio que cortava o local até o coração da floresta.

— O senhor está brincando. — Destiny sorriu para o pai e estremeceu diante de sua seriedade. — Não está?

— Sou um advogado, srta. Felt. Não costumo brincar em serviço.

— Mas para que eu irei querer todo esse dinheiro? — Destiny indagou quase histérica. — Olhe pela janela, sr. Wilson. Acha que há condições de gastar alguma coisa aqui? Nós recebemos uma pequena ajuda do governo, e alguns dos habitantes ganham a vida fazendo artesanato para vender aos turistas. Não há lojas, nem ruas asfaltadas, nem restaurantes, nem hotéis para se gastar dinheiro.

— Não será tão fácil se livrar dele. — O homem apoiou os cotovelos na mesa e olhou atentamente para Destiny. Depois tirou um lenço do bolso e enxugou o rosto corado. Naquele calor, nenhum filtro solar era suficiente. Ela própria, por mais cuidado que tivesse, aos vinte e seis anos era quase tão bronzeada quanto uma nativa.

— Além de investimentos bancários — o advogado prosseguiu —, seu tio lhe deixou uma imensa propriedade no campo, uma coleção de obras de arte e, em especial, uma empresa, a Felt Farmacêutica, com filiais em seis países da Europa que empregam milhares e milhares de pessoas. Tenho o número exato comigo, se quiser saber. Mas, por infelicidade, a empresa está atravessando uma fase difícil. Existe um investidor tentando encampá-la e isso poderá acarretar o corte de centenas de funcionários. A diretoria está se esforçando por controlar a situação. No entanto, nada poderá ser feito sem sua autorização, uma vez que é a principal beneficiária.

— Eu não entendo nada de negócios — Destiny se desculpou e olhou para o pai em busca de apoio.

— Seu pai disse que a senhorita tem formação acadêmica e que poucas pessoas têm uma inteligência tão brilhante.

Destiny moveu-se, sem jeito, na cadeira.

— Pai! Por que tocou nesse assunto?

— Porque é verdade, minha querida, e você sabe disso. Foi uma criança prodígio. Todos os professores eram unânimes quanto a você ser dotada de uma inteligência privilegiada. Talvez o momento tenha chegado de você abrir suas asas e voar mais alto. Não é só no interior do Panamá que se pode fazer um bom trabalho.

— Nunca sairei daqui!

— Ouça primeiro! — O pai falou com tanta autoridade que Destiny foi obrigada a pestanejar. — Ao menos vá a Inglaterra e verifique de que se trata. Aliás, terá de ir de qualquer jeito para tomar posse de sua herança.

— Eu não quero nenhuma herança! Não quero ir a parte alguma!

O calor estava ficando insuportável. Ao se sentir sufocada, Destiny se levantou e olhou para o teto. Precisava de um pouco de vento em seu rosto e em seus cabelos.

— Se não gostar de lá, ninguém a obrigará a ficar — o pai lembrou. — Apenas não quero que recuse essa experiência só porque sente medo. Sua mãe e eu a ensinamos a encarar o desconhecido como um desafio e não como uma ameaça.

— Pense nos benefícios que poderá proporcionar às pesquisas de seu pai caso se coloque à frente de um importante laboratório farmacêutico — o advogado sugeriu. — Seu pai me contou que está colaborando na pesquisa para a cura de várias doenças tropicais com base em certas plantas e seivas de árvores. A partir do momento que você receber sua herança, fundos para a pesquisa deixarão de ser um problema. Terá meios de ajudar este povo muito mais do que o faz agora. Ao menos para colaborar com seu pai, srta. Felt, faça essa viagem.

Foi a partir desse argumento que o advogado conseguiu dobrar a vontade de Destiny. Tanto que uma semana depois, após dois dias de percurso por estradas e trilhas poeirentas, Destiny embarcou em um avião e voou para Londres, como se fosse um robô.

Aterrorizada demais para desafivelar o cinto de segurança, Destiny se limitou a olhar para a frente e para os lados. Em uma das vezes, surpreendeu um adolescente encarando-a com um sorriso indulgente.

Ah, se ele soubesse! Ela e viagens de avião estavam tão distantes um do outro como a Terra de Marte. A vida que seus pais lhe ensinaram nada tinha a ver com os moldes da civilização. Seu único contato com as cidades grandes era feito pelas revistas. Sabia sobre a existência de fornos de microondas e de CD players, embora nunca os tivesse visto fora do papel.

Desde pequena não ia à capital. Seus pais começaram a vida lá, mas foram se mudando com o decorrer dos anos para lugares cada vez mais remotos até fincarem raízes nos limites da floresta oito anos antes.

Essa qualidade nômade de vida teve conseqüências em sua educação. Quase tudo que Destiny aprendeu foi em sua própria casa a não ser por um ano no México em que ela ficou em um colégio interno e outros cinco na universidade do Panamá, onde se formou em biologia em tempo recorde para poder voltar para sua família e para a floresta que ela aprendera a amar.

No tempo que durou seu estudo, Destiny detestou a sofisticação que parecia ser parte integrante da vida urbana. Detestou ter de usar maquiagem e roupas ditadas pela moda, sob o risco de ser considerada diferente e chamar a atenção. Também detestou ser alvo da inveja das colegas que a viam como uma concorrente perigosa por causa de sua boa aparência. Detestou mais ainda o assédio dos colegas que pareciam não enxergá-la como pessoa, mas apenas como alguém que queriam levar para a cama a qualquer custo.

Agora, qual seria a diferença?, Destiny pensou. Provavelmente nenhuma, com um agravante. Dessa vez, ela teria a horrível missão de entrar em uma empresa sobre a qual não sabia nada, para tentar falar com pessoas que não conhecia e tudo por causa de uma herança deixada por um tio que nunca vira.

Ao descer do avião e entrar no imenso aeroporto Heathrow, Destiny sentiu uma onda de pânico assaltá-la. Estava sozinha em um lugar onde até mesmo sua bagagem parecia pequena e perdida em comparação com as demais. Ficaria hospedada na casa que seu tio lhe deixara, em Knightsbridge, mas a verdade era que não tinha a menor vontade de ir para lá. Se pudesse, compraria uma passagem para o primeiro avião de volta.

Destiny precisou forçar seus pés a caminharem, sob os olhares vigilantes dos funcionários da alfândega e sob os olhares atentos e felizes daqueles que esperavam por amigos e parentes que regressavam de férias.

Foi com alívio que reconheceu um rosto entre a multidão.

— Sã e salva, pelo que vejo — cumprimentou-a Derek Wilson ao mesmo tempo que assumia o controle do carrinho com as malas em um gesto de gentileza. — Teve chance de ler os relatórios que lhe enviei? Os detalhes sobre sua herança? Meu motorista está nos aguardando lá fora. Pensei em levá-la diretamente para sua casa para que possa descansar da viagem. Providenciei a compra de alimentos de forma que encontrará a despensa e a geladeira abastecidas. Pela manhã, quando estiver pronta para me encontrar, bastará dar um telefonema.

— Céus! Para onde essas pessoas estão indo? — Destiny indagou, atônita.

— Para o mundo inteiro — o advogado respondeu, sério. Seus olhos estavam pousando a todo instante na figura de Destiny e isso a estava incomodando. — Precisará fazer algumas compras, é claro. Principalmente quando tiver de se apresentar na empresa.

— Por quê? O que há de errado com meu vestido? — Aquele era o mais apropriado para uma viagem de longa distância que ela encontrara.

— Nada de errado — o homem se apressou a dizer — Ele é bonito. Apenas não serve para...

— Para o quê?

Eles estavam passando pelas portas que deixavam para trás o terminal do aeroporto, mas Destiny pôde observar que do lado de fora a agitação não era menor. Os carros passavam por eles como se fossem aviões se preparando para decolar; pessoas subiam e desciam dos ônibus; outros carros paravam e despejavam pessoas e malas.

O aviso de Derek Wilson de que eles estavam chegando ao carro foi recebido com um suspiro de alívio.

— Não serve para o quê? — Destiny insistiu depois que se acomodaram no banco confortável do carro luxuoso que a fez lembrar do jipe que usava em sua terra, exatamente pela diferença entre eles.

O advogado pigarreou.

— Para a reunião com a diretoria que será realizada amanhã à tarde.

— Reunião com a diretoria? — Destiny repetiu, aturdida. Ela falava quatro idiomas fluentemente, dera aulas sobre várias matérias nos últimos anos e sabia mais sobre medicina e partos do que muitos médicos, mas não se julgava capaz de enfrentar uma reunião onde o foco estaria em sua pessoa!

— Bem, talvez, eu tenha usado o termo errado. Não será exatamente uma reunião. Apenas os diretores querem conhecê-la.

— Não daria para o senhor ir em meu lugar? Ou dizer que eu estou doente? Que ainda estou cansada da viagem?

— O futuro deles está em jogo — Derek explicou. — É natural que queiram conhecer a pessoa que passará a comandar o show. Com eles, não terá de se preocupar. Há um outro, no entanto, que não posso deixar de mencionar...

— Que outro?

— Tenho certeza de que saberá lidar com ele.

— Por quê? Ele é violento?

A tensão foi quebrada pelo inesperado riso de Derek Wilson.

— Não no sentido que está pensando, minha jovem. Seu nome é Richard Ross. Eu o mencionei nos relatórios.

— Sinto, mas eu peguei no sono durante a viagem e não consegui ler mais do que duas ou três páginas.

— Bem, como poderei descrevê-lo? — Derek hesitou. — Ele é um dos maiorais no mundo dos negócios e das altas finanças. Uma lenda viva. Apesar da pouca idade e do curto espaço de tempo, ele se tornou dono de um grande número de companhias. — Derek respirou fundo e passou uma das mãos pelos cabelos. — O homem é incrível, Destiny. Ele não se detém diante de nada. Quando se propõe a algo, ele consegue.

— Já encontrei tipos como esse — Destiny murmurou.

— Sim?

— Vivem na selva e não vacilam para matar. São conhecidos como pumas.

Derek não achou graça da comparação. Se possível, mostrou-se ainda mais sério.

— É uma descrição mais adequada do que você pode imaginar. Para você ter idéia, ele está atrás da empresa de seu tio há mais de um ano e chegou mais perto de seu objetivo do que você pode pensar. Abraham estava para assinar a transação quando morreu. E esse homem, é bom você saber, está namorando sua prima.

— Eu tenho uma prima? — Destiny interrompeu-o, radiante.

— Modo de dizer. Seu tio casou quatro vezes. Stephanie é filha de um outro casamento de sua última ex-esposa, mas foi adotada por ele e passou a usar seu sobrenome. Por esse motivo, ela também herdou algumas ações da empresa, assim como os diretores. Mas a sócia majoritária é você. Em resumo, o que estou querendo lhe dizer, Destiny, é que Richard Ross está desapontado por ter visto a oportunidade de se tornar dono da Felt Farmacêutica escapar por seus dedos. Desapontado o bastante para se tornar uma pedra em seu sapato.

Destiny se distraiu, naquele momento, ao pararem diante de um alto portão de ferro e serem abordados por um guarda. Ele se aproximou do carro e fez um movimento afirmativo com a cabeça quando viu algo que Derek lhe apresentou. Um instante depois, o portão foi aberto automaticamente.

— Quantas casas bonitas! — Destiny exclamou ao ver um condomínio de luxo pela primeira vez.

Enquanto percorriam as ruas até chegarem a seu endereço, ela não disfarçou seu interesse pelas inúmeras casas brancas, de dois ou três andares e pelos vários carros estacionados à porta, todos modernos como o que a estava conduzindo.

— Ainda gostaria de estar em sua casa? — o advogado perguntou.

— Confesso que sim. Apesar de lindo, este não é meu lugar.

— Infelizmente, não poderá retornar tão depressa a seu lar — Derek lembrou-a — Sabe disso, não é? Sua presença aqui é essencial, ao menos até que o futuro da empresa fique acertado.

— Talvez seja melhor vendê-la de uma vez ao tal Richard Ross — Destiny falou mais consigo mesma do que com o advogado.

— Se você a vender para ele, o mais provável será a divisão em partes de forma a maximizar os lucros. Mas o que eu vejo como principal motivo para você lutar consigo mesma e enfrentar o desafio é a pesquisa de seu pai. Posso lhe garantir que Richard Ross não terá interesse em investir nesse tipo de trabalho.

— Com o dinheiro que herdarei, não poderei ajudar meu pai de qualquer maneira? — Destiny indagou.

— Seu dinheiro contribuirá muito com as pesquisas, mas não acha que a chance de sucesso seria maior com o suporte técnico-científico dos laboratórios Felt? — Richard fez um gesto com a mão. — De qualquer modo, basta de conjeturas. Em breve você conhecerá o responsável por suas próximas dores de cabeça. Estamos chegando a sua casa. É a de número doze. A vizinha é a catorze. Não existe o número treze. Superstição, talvez. Deve haver muito disso no lugar de onde vem, não? Folclore, superstições?

Derek desceu do carro e deu a volta para ajudar Destiny.

— Você disse que eu conhecerei o homem em breve — Destiny repetiu como se não tivesse escutado a última parte da conversa. — Quando?

O motorista subiu os três degraus atrás deles com as malas. Ao entrarem no hall, o advogado sorriu.

— Quer que eu lhe mostre a casa?

— Não adianta querer me distrair, Derek. Quando conhecerei o tal homem? — Destiny insistiu.

— Amanhã.

— Na reunião com os diretores?

— Não. Amanhã de manhã. Eu virei buscá-la. Achei melhor que você enfrentasse o inimigo, por assim dizer, em primeiro lugar.

Destiny tinha esperanças de que Derek Wilson estivesse exagerando ao falar sobre Richard Ross. Por outro lado, duvidava disso. Quem quer que ele fosse, era do tipo que infundia medo nos outros. E ela não sentia respeito por pessoas que se compraziam em atitudes como essa. Na selva, todos trabalhavam para se ajudarem uns aos outros.

Até conhecer toda a casa, desfazer as malas e explorar a despensa e a geladeira, Destiny estava se sentindo melhor, mais calma e relaxada. Se seu pai e Henri a estivessem vendo, cairiam para trás. Precisaria tirar uma foto naquele cenário. Sentada à mesa de uma cozinha moderna, tomando café em uma xícara de fina porcelana. Ela chegou a rir sozinha ao imaginar a cara que Henri, seu maior amigo e também admirador, faria quando recebesse uma cópia.

Ainda estava imersa nesses pensamentos quando um brusco toque da campainha a interrompeu. Lembrou-se dos conselhos de Derek sobre os perigos da cidade e sobre a recomendação de nunca abrir a porta a estranhos, mas o impulso de averiguar quem poderia estar a sua procura foi mais forte.

E o arrependimento foi ainda maior depois.

O homem a sua frente era mais alto do que ela. Seu rosto era bonito, mas não transmitia confiança. Estava usando um terno escuro de tecido leve e olhava para ela de um jeito que fez sua pulsação acelerar.

— Sim?

Em vez de responder, ele permaneceu encarando-a por longos segundos, apoiado com indolência contra o batente, e uma das mãos no bolso da calça.

— Quem é você e o que deseja? — Destiny perguntou, tensa. — Espero não ter de chamar o segurança.

— O que imagina que eu poderia tentar fazer? Forçar minha entrada? — O homem não perdeu a calma.

Destiny quis fechar a porta, mas ele a impediu.

— É Destiny Felt?

A pergunta a deixou sem ação. Ele se aproveitou disso e deu um passo para dentro do hall. Ela tentou reagir, mas tudo que conseguiu foi olhar para aqueles olhos azuis, tão escuros quanto a noite, sombreados por cílios pretos como eram os cabelos.

Destiny finalmente conseguiu dar um passo para trás.

— Por que quer saber?

— Destiny Felt, recém-chegada da selva panamenha? Herdeira de uma fortuna inesperada? Isso que eu chamo de sorte. — O homem deu um sorriso estranho e olhou ao redor. — Então era aqui que o velho Abe vivia. Uma diferença e tanto para você, não?

— Se não me disser quem é neste minuto, chamarei a polícia — Destiny ameaçou.

O homem a examinou da cabeça aos pés. Destiny cruzou os braços em um movimento instintivo para que ele não notasse que estava sem sutiã.

— Não adivinha? Sou capaz de apostar que Wilson mencionou meu nome.

— Richard Ross? É claro que sim. Quem mais teria a petulância de forçar a entrada em minha casa? — Destiny descruzou os braços e apoiou as mãos na cintura ao mesmo tempo que devolvia o olhar de hostilidade. — Quem você pensa que é para vir aqui sem ser convidado e tentar me intimidar? O que imaginou? Que eu era uma pobre coitada que nunca aprendeu a usar um garfo e uma faca porque venho de terras distantes? E que por isso temeria o poderoso sr. Ross por causa de sua fama de aterrorizar seus adversários?

Richard Ross negou as acusações, mas Destiny percebeu que isso havia lhe custado um grande esforço a julgar pelo rubor em suas faces.

— Saiba, sr. Ross, que táticas como essa não funcionam comigo. Se eu decidir que não quero vender a empresa, nem o senhor nem ninguém conseguirá me fazer mudar de idéia.

Agora, trate de dar o fora desta casa se não quer que eu chame o segurança.

Em vez de sair, Richard deu um passo em direção a ela.

— Gênio forte — ele murmurou ao mesmo tempo que erguia a mão e tocava em alguns fios dos cabelos de Destiny e isso sim lhe provocou medo. — Minha mãe sempre me ensinou a não brincar com fogo. Desta vez, contudo, talvez eu seja obrigado a esquecer seu conselho. Teremos um encontro amanhã. Esperarei com ansiedade...

 

— Nosso encontro acontece agora à luz do dia, srta. Felt. Sente-se mais segura?

Destiny passara as duas horas e meia anteriores na sala de Derek Wilson, roendo as unhas ao prospecto de tornar a ver Richard Ross, como se não bastasse o desafio da herança inesperada.

Derek havia se levantado à entrada do outro e sua expressão era de assombro.

— Sr. Ross? Srta. Felt? Já se conhecem?

— O sr. Ross resolveu me fazer uma visita ontem à noite

— Destiny respondeu em tom de reprovação.

— Foi uma atitude pouco ortodoxa de sua parte, sr. Ross

— Derek Wilson acusou. — Estou de posse de toda a documentação. Não aprovo sua tentativa de manipular minha cliente para conseguir o que deseja.

Richard Ross sentou-se ao lado de Destiny, sem esperar por um convite.

— O que o faz pensar que eu tentaria manipular sua cliente, Derek?

A vibração daquele homem era quente, letal. Parecia desferir faíscas elétricas.

— Eu não fiz nada do que estou sendo acusado, não é, srta. Felt?

— Por que outro motivo teria ido a minha casa, sr. Ross?

— Richard, por favor. Se temos um negócio para discutir, não vejo necessidade de nos tratarmos com formalidade.

O tom de voz tornou-se suave, persuasivo. Destiny percebeu que estava em perigo. Em perigo real. Mais do que em suas incursões pela floresta, mais do que em contato com doenças tropicais.

— Ainda não ficou estabelecido que o senhor terá negócios a discutir com minha cliente — Derek lembrou.

— A esse respeito, aliás, eu gostaria de falar em particular com Destiny — disse Richard e olhou com firmeza para a mulher alta, loira e linda, apesar da roupa esquisita que usava. Desde que soubera sobre sua existência e sobre a possibilidade de perder o negócio pelo qual ele vinha batalhando durante meses, não conseguia parar de pensar a seu respeito.

Não que estivesse realmente preocupado. O que, afinal, poderia querer uma mulher vinda dos confins do Panamá com uma indústria farmacêutica?

— Não creio que seja uma boa idéia, sr. Ross. Minha cliente precisa de aconselhamento.

— Você precisa de aconselhamento? — Richard perguntou à queima-roupa.

— O que Derek quis dizer é que eu conheço apenas por alto esse assunto sobre sua proposta a meu tio. E ele não quer que tentem tirar vantagem de mim.

— Longe disso — Richard se apressou a garantir e deu um sorriso que quase fez Destiny esquecer a linha da conversa. — E agora que ficou tudo claro, queira, por favor, nos deixar a sós, Derek.

O advogado parecia estar à beira de um ataque de nervos. Destiny lhe fez um movimento afirmativo com a cabeça.

— Fique tranqüilo, Derek. Posso cuidar de mim mesma. E se for necessário, sempre se pode recorrer ao grito.

Era óbvio que Derek Wilson não partilhava do ponto de vista de sua cliente, mas acatou sua sugestão, se levantou e saiu da sala.

Destiny sentiu a tensão aumentar ao ver a porta fechar e Richard Ross posicionar a cadeira de modo a ficarem de frente um para o outro. Pela segunda vez estava se sentindo em desvantagem perante seu adversário por causa de sua roupa. Até entrar no escritório de advocacia de Derek Wilson, onde todos se vestiam apenas de preto, marrom, azul-marinho e branco, jamais lhe ocorrera que as roupas coloridas, que eram habituais em seu país, chamavam atenção sobre sua pessoa de uma maneira inconveniente.

— O que Derek lhe contou a meu respeito? — Richard Ross lhe perguntou com os olhos fixos nos dela.

— Que o senhor fez uma proposta para a compra da empresa de meu tio e que o negócio foi interrompido com sua morte.

— Só isso? — Ele inclinou a cabeça para o lado.

— O que mais ele haveria de dizer?

— Não acabou comigo como pessoa?

— Não costumo tecer comentários sobre a opinião dos outros.

— Posso entender. Isso seria um desastre em uma pequena comunidade.

— Como descobriu que eu...?

— Eu procurei saber sobre você antes de sua vinda para cá. Era mentira e Richard não conseguia entender por que a dissera. Uma mera expectativa, talvez, de provocar algum tipo de reação. Estava acostumado a intimidar as pessoas, não a se deparar com olhos como aqueles, profundamente verdes e indecifráveis.

— Não esperava que seu inglês fosse tão perfeito — ele confessou.

Destiny hesitou diante do cessar-fogo inesperado.

— Meus pais sempre falaram inglês comigo, não importava onde estivéssemos. As outras línguas, eu aprendi de maneira natural. Falo fluentemente o espanhol, o francês e o alemão, embora este último esteja um pouco enferrujado.

— É uma língua difícil.

— Sim, mas eu me refiro ao pouco contato com alemães nos últimos anos que não me permitiu praticar o que aprendi.

— Você estudou?

O que aquele homem pensava? Que era ignorante só porque vivia longe da civilização?

— Desde a idade de dois anos — Destiny respondeu com orgulho. — Meus pais se empenharam em minha educação. Mais do que o normal, talvez, para que eu não sofresse por causa do estilo de vida que eles escolheram. Sinto se o desapontei. Agora, de volta a nossa conversa, devo dizer que não estou qualificada para concordar ou para discordar do senhor. Ainda não estive com a diretoria e...

— Sabe por que a Felt Farmacêutica tem operado em prejuízo nos últimos cinco anos? — ele a interrompeu. — Por causa da péssima administração. Investimentos com vista a lucros fantasiosos que acabaram revertendo em um grande prejuízo.

— Como você está a par disso?

— Porque procurei saber.

— Da mesma forma que procurou saber a meu respeito? Era desagradável assumir uma mentira, mas ele não podia voltar atrás.

— A menos que você tenha um diploma em Administração de Empresas, não deve estar ciente de que antes de comprar uma empresa é preciso verificar como ela está se portando.

— Chamo a isso de bom senso, não de know-how em Administração de Empresas — Destiny retrucou.

— Nos últimos cinco anos — Richard prosseguiu como se não a tivesse ouvido —, o velho Abe foi mais ou menos forçado a entregar o controle da empresa a seus diretores. São boas pessoas, não nego, mas só trabalham bem sob comando. Por si mesmos, não seriam capazes de tocar nem sequer uma firma de fundo de quintal.

— O que houve com meu tio? — A preocupação que Richard detectou na pergunta o surpreendeu. Em um momento, Destiny era a personificação da autoconfiança e da eficiência, no outro era vulnerável como uma criança. Como alguém podia ser tão direta e tão misteriosa ao mesmo tempo?

— O miserável teve um derrame e nunca conseguiu se recuperar por completo. Apesar de ter conseguido voltar ao trabalho, os botões do painel, digamos assim, passaram a ser apertados por outros.

— E você, é claro, decidiu aproveitar a oportunidade para entrar em cena.

— Esse é o mecanismo no mundo dos negócios.

— Dos negócios sem alma.

Richard estreitou os olhos. Não se lembrava da última vez em que encontrara uma mulher que lhe fizesse frente. Esperava tê-la por perto por algum tempo. Destiny Felt o fazia sentir vivo e entusiasmado. Por outro lado, não a queria por perto por mais tempo do que o suficiente, ou ela poderia vir a atrapalhar seus planos.

Sem que pudesse detê-los, seus olhos deslizaram até os seios fartos. Ele precisou prender a respiração. Não deveria ter feito isso. Muito menos tentado imaginá-los sem a proteção do sutiã e do vestido.

— Por que o chamou de miserável?

Richard se levantou e se dirigiu à estante repleta de livros que cobria uma das paredes.

— Você não terá condições de salvar a empresa — afirmou abruptamente. — Não tem experiência nem o dinheiro necessário e minha oferta é generosa, algo que seu tio seria o primeiro a admitir. Demore a tomar a decisão de vendê-la, e acabará tendo um prejuízo. Faça o que deve ser feito e poderá voltar para sua selva. Esta aqui é uma selva diferente. Tenho certeza de que não conseguirá vencê-la.

— Isto significa mais do que um negócio lucrativo para você, não é? — Destiny murmurou. — Fala como se odiasse meu tio. Fico cogitando o porquê. Como ele era?

— Use sua imaginação. Que tipo de homem deixa todos seus bens a alguém que nunca viu?

— Disseram-me que sou sua única parente viva. O que me levou a deduzir que ele não teve filhos. — A dedução estava correta, mas Destiny havia se perguntado mais de uma vez por que seu tio e seu pai nunca mantiveram contato se não tinham mais ninguém no mundo. E justamente por ser tão solitário, era de esperar que seu tio tivesse feito algumas amizades durante sua longa existência.

— Abraham Felt deixou tudo para você porque era incapaz de ter amigos.

— Ora, ele casou uma porção de vezes!

— Quatro.

— Ok, quatro. Isso significa que ele se aproximou ao menos de quatro mulheres o suficiente para querer partilhar sua vida com elas.

— Partilhar sua cama, eu diria — Richard retrucou. — O velho Abe era famoso por sua atitude de superioridade perante o sexo oposto.

— Como pode afirmar algo tão íntimo? Não me diga que procurou saber a respeito disso também? Francamente, sr. Ross, não entendo como encontra tempo para fazer seu próprio trabalho, ocupado como vive em cuidar da vida alheia.

Por um segundo, Richard ficou sem ação diante do sarcasmo de Destiny. Era incrível que ela se satisfizesse com a vida que levava no meio de uma floresta. Ela era inteligente e perspicaz. Ele, que sempre vivera em uma selva de pedra, não conseguia nem sequer imaginar como seria a vida no meio do nada. O que as pessoas faziam à noite? Iam para a cama uns dos outros e se entregavam aos delírios do prazer sexual?

— Para sua informação, seu tio não guardava segredos, principalmente sobre seus breves romances.

— Soube que ele deixou algumas ações para Stephanie Felt, sua noiva — Destiny declarou de um modo que as palavras ficaram pairando no ar.

Ela estava curiosa. Havia algo de pessoal na determinação de Richard Ross em assumir o controle da indústria farmacêutica que pertencera a seu tio. O que a ex-esposa de seu tio teria a ver com o caso? A filha dela fazia parte do plano? Richard a estava namorando para garantir ao menos uma parte das ações? Ou se tratava de mera coincidência e eles estavam realmente apaixonados um pelo outro?

— Como ela é? — Destiny quis saber, em seguida, sem nenhuma malícia. De certo modo, afinal, a moça era quase sua parente.

— Logo a conhecerá — Richard respondeu. — Esta tarde, aliás, junto com todos os outros.

Naquele instante, Derek Wilson voltou a se reunir a eles.

— Conseguiu dizer tudo que queria, sr. Ross?

De maneira alguma, Richard teve vontade de dizer, mas estava atrasado. Stephanie o estava esperando em um restaurante havia quinze minutos.

— Precisaremos continuar esta conversa mais tarde, depois de sua reunião com a diretoria — Richard respondeu, olhando para Destiny. — A oferta que fiz a seu tio continua de pé, mas não espere demais para resolver. Como eu disse, não posso me responsabilizar pelas oscilações do mercado e talvez seja forçado a reduzir o valor.

Richard Ross deixou-os sem uma palavra de despedida e sem fechar a porta ao sair.

Durante o almoço, Destiny tentou fazer com que o advogado lhe contasse mais sobre os membros da diretoria, mas ele não soube ou não quis ser útil a esse respeito. Sua amizade com Abraham Felt era de longa data e a gratidão que sentia pelo velho homem que o contratara, quando ainda era um simples recém-formado, o tornara um leal colaborador.

O temido momento era chegado. Após o almoço, Derek a levou para a empresa.

Destiny se dirigiu aos elevadores, tremendo da cabeça aos pés. Sua sensação era de estar se dirigindo ao matadouro, não ao terceiro andar de um edifício luxuoso onde estava instalada sua própria empresa.

Enquanto aguardava que o elevador a conduzisse ao andar onde ficava a sala de reuniões, Destiny pensou na viagem que fizera com o pai, três meses antes, à cidade do Panamá, onde comprara algumas peças de roupa que lhe pareceram práticas e bonitas.

Mas o que era bom para o país que ela aprendera a amar, não era bom para Londres. Na manhã seguinte, chovesse ou fizesse sol, ela iria novamente às lojas. Derek havia aberto uma conta no banco em seu nome e colocara a sua disposição mais dinheiro do que ela vira em toda sua vida.

— Não precisará dizer nada, se não quiser —. o advogado instruiu-a. — O importante, agora, é você ter "uma noção básica da empresa e de seu pessoal.

Quatro horas depois, Destiny descobriu que sua missão não seria tão fácil quanto Derek pensava. Todos os diretores e principais acionistas lhe foram apresentados, com exceção de Stephanie, justamente a pessoa que ela mais desejava conhecer. As reações variaram da desconfiança ao alívio por ela não ter simples e sumariamente anunciado que a empresa seria vendida.

Os homens, em sua maioria, beiravam a casa dos sessenta e a fizeram lembrar da declaração de Richard Ross sobre a má administração que vinham realizando. Principalmente quando um deles lhe deu um tapinha na mão e tentou justificar os quatro anos de prejuízos como uma "fase de má sorte".

— Levarei os relatórios para casa a fim de estudá-los — Destiny anunciou depois de receber os documentos e decidir encerrar a reunião após seis horas.

— Você se saiu muito bem. Animou-os. Deu-lhes a injeção de esperança de que estavam precisando — Derek garantiu.

Destiny chegou em casa com uma forte dor de cabeça e também com fome. Tinha planos de comer alguma coisa e ir direto para a cama. Mas antes que conseguisse atacar a geladeira, o telefone tocou.

— Quem está falando? — perguntou ao ouvir uma voz feminina e desconhecida.

— Stephanie. Eu deveria estar na reunião desta tarde, mas tive um compromisso... — No mesmo instante, Destiny aguçou os ouvidos. — Bem, o que estou querendo lhe dizer é que poderíamos jantar juntas. Por que não vem a meu apartamento? São apenas dez minutos de distância.

A chance de encaixar mais uma peça em seu quebra-cabeças era sedutora demais para resistir.

— Se me der seu endereço... Dá para ir a pé? Não? Está bem, irei de táxi. Estarei aí em quarenta e cinco minutos. Sim, eu gosto de comida chinesa. Até mais.

Enquanto apanhava o vestido mais sóbrio que possuía, Destiny tentou imaginar como seria a filha da mulher que casara com seu tio. Seu instinto lhe dizia para se preparar porque haveria problemas. Richard Ross não deveria tê-la escolhido por acaso. Ela certamente era tão dura e implacável quanto ele. Não faltara à reunião à toa. O cinismo, que sua chegada recente a Londres a fizera conhecer, lhe dizia que aquele convite e a falta deliberada à reunião faziam parte do jogo. De forma que o primeiro encontro acontecesse no território dela.

Destiny saiu de casa, tensa. Talvez sua imaginação estivesse lhe pregando uma peça, mas preferia estar preparada para enfrentar um novo inimigo a ser pega desprevenida.

O táxi a levou ao coração de Chelsea e parou diante de uma casa em estilo vitoriano, tão bem cuidada quanto a que herdara de seu tio.

Tocou a campainha com a respiração suspensa. Gostaria de estar em sua terra, naquele momento, onde tudo era simples, belo e tranqüilo. O elo entre Stephanie Felt e Richard Ross lhe parecia suspeito. Falar com os dois no espaço de poucas horas a fazia sentir como a vítima de uma bem urdida trama.

Quase deixou escapar uma exclamação quando a porta foi aberta. Sua anfitriã era mais uma garota do que uma mulher com seus cabelos castanhos e ondulados e expressivos olhos azuis. Mesmo de saltos altos, ela parecia miúda.

— Estou no endereço certo? — Destiny perguntou. — Procuro Stephanie Felt.

— Sou eu — A jovem se apresentou com um sorriso. — Estava ansiosa por conhecê-la. Uma prima! Eu nunca soube sobre sua existência até Richard me contar. Dá para acreditar? Abe nunca a mencionou a minha mãe! Entre, entre. Precisa me contar tudo sobre o lugar onde vive. Eu nunca visitei aquela parte do mundo. Richard me disse que é um lugar primitivo. Céus! — Ela se virou e olhou para Destiny com curiosidade e também com compaixão. — Que virada, hem? Você deve estar estranhando tudo isso. A propósito, gostei de seu vestido. E o que está se usando agora em seu país?

— Não. Não realmente — Destiny respondeu, divertida. Era a primeira vez, desde que pusera os pés em Londres, que se sentia relaxada. — Onde moro, a maioria das mulheres são índias e andam com os seios à mostra.

— Algo que não seria recomendável por aqui, exceto na privacidade dos quartos.

Destiny reconheceu a voz antes mesmo de vê-lo sentado em uma cadeira, com uma roupa esporte que o fazia parecer mais novo mas não menos sério.

— Cerveja, por favor — Destiny respondeu quando Stephanie lhe ofereceu algo para beber. De repente, sua garganta havia ficado muito seca.

— Cerveja? — Stephanie e Richard repetiram em uníssono, o que a fez perceber que cometera uma gafe.

— O que vocês irão beber? — resolveu indagar.

— O que acha de um copo de vinho? — Stephanie sugeriu. — É uma marca muito boa e está bem gelado.

— Sim, obrigada — Destiny agradeceu e se sentou de frente para Richard.

— Você estava falando sobre os trajes em seu país. Ou melhor, sobre a falta deles — Richard lembrou e esticou as pernas.

— O que faz aqui? — Destiny perguntou sem refletir. Aquele homem, gostasse ela ou não, tinha o poder de fazê-la dizer coisas que não pretendia. Como se não bastasse, sua pele parecia queimar sob a intensidade daqueles olhos azuis que a encaravam. Não era estranho? Sua pele nunca havia aquecido antes quando alguém a fitava.

— Stephanie é minha noiva — ele respondeu como se ela tivesse feito uma pergunta absurda. — Eu tinha de estar a seu lado em seu primeiro encontro com a prima que ela não sabia existir. Stephanie é um doce de garota. Não queria que se sentisse intimidada em sua presença.

— Intimidada? — Destiny protestou. — Você poderia assustá-la com sua agressividade.

Destiny arregalou os olhos diante da audácia daquele homem. Quis se defender, tomada de raiva, mas o som dos passos de Stephanie a obrigou a se controlar e a se satisfazer em lhe endereçar um olhar fulminante.

Foi o interesse genuíno de Stephanie por suas histórias sobre a selva que salvou a noite. Ela se mostrou animada e atenta. Destiny se perguntou várias vezes se a prima fazia idéia de que estava noiva de uma fera muito mais perigosa do que as que viviam em seu país.

Até onze e trinta, quando Destiny se levantou para se despedir, não se tocou nem sequer em uma palavra sobre negócios.

— Então, como foi seu encontro com os grandes chefes da companhia? — Richard perguntou de modo displicente. — Deixaram uma pilha de relatórios a sua frente para que soubesse como a empresa era forte e lucrativa alguns anos atrás?

Entorpecida pelo vinho, a que não estava acostumada, e também pelo cansaço da viagem, Destiny tentou disfarçar um bocejo.

— Mmm. Foi o que eu imaginei — Richard declarou com humor.

— Eu não estava tentando demonstrar nada — Destiny protestou. — Estou cansada.

— Deixe-a em paz, Richard — disse Stephanie em respeito à prima.

— O assunto é importante.

— Sim, mas não agora. É tarde...

— Lembre-se de que seu futuro está diretamente ligado ao que irá acontecer a seguir com a empresa. Se eu a comprar, farei com que volte a dar lucros e suas ações ficarão garantidas. Se nossa herdeira panamenha resolver deixar tudo como está...

— Importa-se de parar de se referir a mim como se eu não estivesse presente?

— Já esteve em Londres antes? — Stephanie segurou Destiny pelo braço e a conduziu à porta, sem olhar para o noivo.

— Não. É a primeira vez. É tudo novo para mim...

— Você foi corajosa em vir sozinha. Eu não conseguiria.

— Apenas um tipo de mulher é capaz de atitudes como essa — Richard comentou com malícia. — Alguns chamam de corajosa, outros de feminista.

— Você está sendo insuportável — Stephanie acusou-o. Richard sorriu e ergueu as mãos para o alto.

— Insuportável? Mas foi um elogio que fiz! Um exemplo do alcance do movimento de liberação das mulheres.

— De que movimento vocês estão falando? — Destiny quis saber. — Eu nunca participei de nenhum movimento!

— Então o talento é inato — Richard murmurou.

— Não estou entendendo nada.

— Esqueça. Vou levá-la para casa. — Richard inclinou-se e deu um beijinho no rosto de Stephanie. — Você não se importa, meu bem?

— Não a provoque, Richard.

— Por que me julgam tão mal? — ele se defendeu com ares de inocente.

— Como será amanhã? — Stephanie perguntou à despedida. — Os Holt nos convidaram para jantar.

Richard fez uma pausa como se estivesse refletindo.

— Não poderei ir. Terei uma reunião. Mas não fique em casa por minha causa. Vá e divirta-se.

— Ele nunca está disponível — Stephanie queixou-se para Destiny.

— Se a amasse, ele cancelaria a reunião.

Fez-se um breve silêncio. Destiny mordeu o lábio, arrependida, ao ver o modo como Stephanie olhou para Richard.

— Tentarei dar um jeito de ir, está bem?

A prima os acompanhou até a porta, com um sorriso de triunfo, e soprou um beijo em despedida.

 

— Obrigado. Muito obrigado — Richard disse com sarcasmo e acelerou o carro com tanto ímpeto que Destiny precisou se segurar ao trinco da porta para não perder o equilíbrio.

Na penumbra do carro, dava para ver o perfil rígido e carrancudo de Richard. Por pouco, ela não se pôs a rir. De repente, o sono havia passado e um grande bem-estar a invadia. Talvez tivesse sido falta de ar fresco.

Não que o ar em Londres fosse puro. Onde ela morava, dava para reconhecer o cheiro de tudo que estava ao seu redor. Das árvores, da terra, do rio, de vez em quando de lixo também, infelizmente. Às vezes, o vento trazia o aroma de algumas comidas típicas. Havia momentos, inclusive, que ao fechar os olhos, ela podia sentir o cheiro das nuvens.

Em Londres, havia poluição. Não tão terrível quanto no México, ela sabia por experiência própria. Naquela cidade, a qualidade do ar era tão ruim que beirava a contaminação.

— Por que está me agradecendo? — Destiny perguntou, ingênua.

— Você sabe por que — ele respondeu, irritado. — Não queria ir à droga do jantar.

— Oh! eu sinto muito. — Destiny suspirou, dessa vez com sarcasmo.

— Onde aprendeu isso?

— Isso o quê? — Destiny encolheu o ombro.

— Responder com ironia. Sempre pensei que os missionários fossem pessoas doces como mel.

— Acontece que não sou uma missionária — Destiny retrucou. — Se tivesse contratado um bom detetive, saberia que nosso trabalho na selva do Panamá não está ligado a nenhuma religião. Nosso objetivo é ajudar aquele povo e lhes proporcionar educação, e não estou me referindo apenas ao ensino da escrita e da leitura.

— Ao que mais? — Richard quis saber. Sentia-se atraído e interessado por aquela mulher tão diferente das outras que conhecera. Em geral, era ele quem conduzia as conversas. Não era o que estava acontecendo.

— Nós ensinamos como tirarem o máximo proveito da terra que possuem, a serem auto-suficientes, em outras palavras. Além, é claro, de levá-los à escola.

— Você sempre se refere a nós.

— Sim. Somos uma pequena equipe. Eu sou bióloga, mas também exerço a função de professora, de enfermeira e de assistente de meu pai em suas pesquisas. Há especialistas em agricultura e em outros campos também.

— Como uma grande e feliz família.

— Algo assim — Destiny concordou. — A propósito, por que está dirigindo tão devagar? — Destiny perguntou, curiosa. Primeiro, Richard havia feito os pneus cantarem ao se afastarem da casa de Stephanie. Agora, estava andando quase em câmara lenta. — Quero chegar logo em casa.

Richard acelerou, mas fez um pequeno discurso sobre leis de trânsito, limites de velocidade e pontos na carteira de motorista.

— Que pontos?

— Deixe para lá — ele resmungou e mudou de assunto. — O que você costuma fazer nas longas e balsâmicas noites de sua terra?

— Noites balsâmicas? — Destiny repetiu, divertida. — Não moro à beira-mar.

Richard apertou os lábios. Estavam se aproximando da casa de Destiny e ele não queria deixá-la, por estranho que pudesse parecer.

— Muito obrigada — Destiny soltou o cinto de segurança e agradeceu. — Gostei de conhecer Stephanie. Desculpe por tê-lo praticamente obrigado a ir ao jantar de amanhã.

— Já passou. Destiny se dirigiu à casa e ele não pôde afastar os olhos de seu corpo. Com sua altura, Destiny era uma das mulheres mais elegantes que conhecera. Seu mistério o atraía. Sobre o que ela fazia às noites, por exemplo, ele ficara sem resposta.

Embora Destiny tivesse fechado a porta, ele não conseguia se afastar. Viu as luzes serem acesas apesar de as cortinas estarem fechadas. Alguns minutos depois, tudo ficou às escuras e ele não pôde resistir mais. Movido por um súbito impulso, soltou um fio do motor e foi tocar a campainha.

Dessa vez, Destiny espiou pelo olho mágico antes de girar a chave na fechadura.

— O que você quer agora?

— O carro não quer pegar.

Destiny havia trocado o vestido por um robe e estava amarrando o cordão à cintura quando precisou abrir a porta.

O que faria? Quando aquele homem não lhe dava nos nervos com suas conversas, ele lhe provocava reações estranhas com seus olhares e com seu silêncio. Não o queria em sua casa no meio da noite!

— Não queria incomodá-la — ele se justificou. — Não a acordei, não é?

— Estava me preparando para deitar.

— Sinto muito, mas meu carro me deixou na mão e eu preciso de um telefone.

— A esta hora? Quem poderá consertar seu carro a esta hora?

— Se me deixar entrar só por alguns minutos...

A impressão que dava era que Destiny não iria permitir sua entrada na casa, mas, embora com relutância, ela se afastou o suficiente para lhe dar passagem.

Richard se apressou a dar um passo antes que Destiny mudasse de idéia.

— Engraçado. O carro estava funcionando perfeitamente bem até chegarmos aqui.

— Não tão bem. Culpa minha. Eu deveria ter mandado o carro para uma revisão a semana passada, mas não tive tempo. Você mesma fez um comentário sobre ele estar lento demais.

Destiny não respondeu. O que lhe parecera, era que Richard não estava com pressa de levá-la para casa. Enquanto não a convencesse a lhe vender a empresa, provavelmente não a deixaria em paz.

— Em um minuto, está tudo bem. No outro, ele perde força.

— O telefone está ali. — Destiny apontou para uma mesinha.

Richard se apressou a discar um número. Detestava ter de acordar seu mecânico, mas era um caso de necessidade. Ao menos era o que Destiny devia pensar.

— Vou preparar um café para nós — ela ofereceu depois que Richard avisou que o mecânico demoraria cerca de trinta minutos para chegar.

— Não se preocupe por minha causa. — Richard a seguiu e se sentou à mesa. — Por outro lado, você estava me devendo um favor depois do que fez.

— Não podia imaginar que a idéia de sair com sua noiva não lhe fosse bem-vinda — Destiny respondeu ao mesmo tempo que colocava duas colheradas de café instantâneo nas canecas.

— O problema não é Stephanie — Richard explicou —, mas seus amigos. As mulheres não falam sobre nada interessante e os homens só pensam em beber e contar piadas.

Apesar da tentativa de Destiny de se cobrir, o robe abriu no peito quando ela despejou a água sobre o pó. Richard viu que ela estava usando uma camiseta velha e desbotada por baixo. Era a peça menos atraente que uma mulher poderia usar. Em Destiny, no entanto, sugeria aconchego e intimidade.

— Falta quanto tempo ainda para seu mecânico chegar?

— Destiny deixou escapar um bocejo.

— Uns quinze minutos — Richard calculou. — A última coisa que eu queria, pode acreditar, era estar aqui a esta hora, com meu carro quebrado, tendo de acordar cedo amanhã para trabalhar, e a promessa de outra noite atribulada. Richard pareceu refletir por alguns segundos. — Por que não janta conosco amanhã?

— Com vocês?

— Sim. Stephanie adoraria sua companhia e você teria a oportunidade de conhecer outras pessoas. Acho que estarão presentes dois ou três homens solteiros. A não ser, é claro, que você já esteja comprometida com alguém, lá no Panamá.

— Ele arriscou um olhar para descobrir o efeito que a sugestão havia causado.

— Isso não é de sua conta.

— De qualquer forma — Richard fingiu não se importar com o aparte —, seria um início a uma vida social por aqui.

— Estou em Londres a negócios apenas — Destiny lembrou. — Assim que o assunto estiver resolvido, voltarei para casa. Não preciso de nenhuma vida social, obrigada.

— Todo mundo precisa de uma vida social. Não me diga que não faz nada onde mora. É muito jovem e bonita.

— Há quanto tempo está noivo de minha prima?

A mudança de assunto foi drástica. Richard praguejou consigo mesmo por sua falta de tato.

— Dois anos.

— Dois anos? E ainda não resolveram casar?

— Não vejo nada de errado com a duração — Richard respondeu e estava sendo sincero. Noivados de dois ou três anos eram completamente normais. Além disso, ele não conseguia se ver casado ainda. Nem com Stephanie nem com ninguém. E o mesmo acontecia com ela. Stephanie não tinha pressa em casar. — Casamento é assunto sério. Nunca deve ser precipitado.

— Sim, mas se você está apaixonado e está certo de que quer dividir sua vida com a pessoa, por que ficar enrolando?

— Eu não estou enrolando. — Silêncio. — Dois anos não é uma eternidade, é? — Por que, de repente, não dava para respirar naquela cozinha? Por que estava fazendo tanto calor? — O que é um casamento, afinal de contas, a não ser um pedaço de papel?

— Você acabou de dizer que casamento era coisa séria.

— Esta conversa está ridícula. Eu quis apenas convidá-la para uma reunião onde poderá conhecer pessoas e para lhe provar que tenho um bom coração — Richard acrescentou em tom de brincadeira.

— Um bom coração? Você não tem coração! Quer comprar minha empresa e está disposto a tudo para conseguir seu intento.

— Negócios são negócios e quer você goste ou não, estou noivo de sua prima e teremos de nos ver em uma ou outra ocasião.

— Como consegue separar negócios do prazer? Como consegue tratar uma pessoa de um jeito quando está em um escritório, e de outro completamente diferente quando está sentado a uma mesa de jantar?

— Por que não aceita o que lhe é oferecido sem tentar adivinhar motivos escusos por trás? — Richard protestou.

— Foi você que apareceu nesta casa sem se anunciar — Destiny lembrou — para tentar me convencer a lhe entregar a Felt Farmacêutica antes que eu tivesse tempo de conhecer os diretores e ser aconselhada por um advogado.

— Eu não estava tentando convencê-la a me vender nada! — Richard se defendeu.

— Então por que não me ajuda a colocar a empresa em ordem? — Destiny sugeriu. — Essa seria uma boa solução. E você ainda teria suas ações por intermédio de Stephanie.

Uma risada sarcástica ecoou pelo ambiente.

— O quê? Está querendo que eu coloque dinheiro bom em um negócio ruim? Por que eu faria um investimento que nunca recuperaria?

— Nesse caso, o que pretendia fazer caso eu tivesse concordado em lhe vender a empresa? — Destiny perguntou, séria.

Richard parou de andar de um lado para o outro, o que vinha fazendo desde que a discussão se tornou acirrada, e encarou-a.

— Eu a faria funcionar.

— Ou a dividiria em setores e os venderia individualmente?

— Isso prova sua ignorância perante os fatos! — Richard explodiu. — Minha intenção é incorporar sua empresa.

— O que aconteceria com as pessoas que trabalham lá?

— A maior parte permaneceria. Alguns seriam demitidos.

— Quais pessoas? Quem seria demitido?

— Não espera realmente que eu lhe passe essa informação, não é?

— Por que não?

— Porque estamos em lados opostos, ora essa! — Richard respondeu quase aos gritos. Nunca gritava. Em sua opinião, falar baixo era essencial. Como se não bastasse, ele estava com a respiração alterada. Parecia ter corrido uma maratona. — Você é impossível! — Ele apoiou as mãos no encosto da cadeira, onde Destiny estava sentada, de modo que ela precisou afastar o corpo para trás. — Eu diria mais. Diria que você é a mulher mais impossível que já encontrei em minha vida.

Naquele momento, Destiny sentiu medo. Não que Richard fosse machucá-la fisicamente ou continuar insultando-a. Mas porque algo que ele disse a tocou fundo. Seus olhos começaram a arder e ela precisou piscar várias vezes.

Assim mesmo, quando tentou falar, uma lágrima deslizou por sua face.

— Isso não foi gentil de sua parte.

O comportamento de Richard mudou. Ele lhe estendeu um lenço e implorou para que não chorasse.

— Oh! Deus, por favor, pare com isso. Oh! Deus, eu não pensei...

Destiny queria dizer alguma coisa, mas sua voz se recusava a sair. E seus olhos se afastaram do lenço que torcia entre os dedos.

— Sinto muito, Destiny. Eu não...

— Tudo bem — ela respondeu por fim. — Importa-se de se afastar? Não consigo respirar com você tão perto:

Richard se afastou, mas não quanto ela desejaria, porque puxou uma cadeira e se sentou a sua frente.

— Não precisa se desculpar — Destiny continuou com um fio de voz. — Sei que não sou feminina nem o tipo de mulher de que os homens gostam. Nunca saí nem flertei com ninguém. A vida que levo me ensinou a ser forte. Como poderia ser frágil e dependente, quando a sobrevivência de outros dependem de uma atuação rápida e corajosa?

Richard estendeu a mão e se pôs a acariciar os cabelos de Destiny como se ela fosse uma criança.

— Deveria se mirar em um espelho um dia.

— Poucos conseguem refletir minha imagem — Destiny tentou brincar, referindo-se a sua altura. Não era como sua prima, feminina e sexy que despertava nos homens o instinto de proteção. Era auto-suficiente. Se eles se descuidassem, seria ela a protegê-los.

Talvez fosse melhor vender a empresa para Richard de uma vez e voltar para casa. Aquele mundo novo e grande era grande demais para ela. Sentia-se como o rato do campo em sua desastrosa visita ao rato da cidade.

O toque da campainha quebrou o silêncio. Com os pensamentos distantes, Destiny chegou a estremecer de susto. Em seguida, suspirou de alívio. Não costumava se abrir com ninguém, muito menos com estranhos. Parecia incrível que houvesse falado de um problema íntimo com Richard Ross. Agora, tudo que queria, era que ele desaparecesse.

— Tem certeza de que não quer sair comigo e com Stephanie amanhã à noite? — Richard insistiu à porta.

— Tenho.

— Quando pretende dar uma resposta definitiva sobre a empresa?

— Passarei a próxima semana com os diretores e com Derek a fim de me inteirar dos fatos ao menos de uma maneira geral. Depois terei uma conversa com o contador e tentarei conseguir uma opinião honesta sobre a situação presente com uma projeção razoável para o futuro.

— Sem uma injeção substancial de dinheiro, a empresa não terá como se salvar — Richard afirmou. — Não precisa falar com seu contador para obter essa informação.

Destiny olhou para Richard com firmeza.

— Você saberá sobre minha decisão no momento oportuno, está bem? — Ela tentou abrir a porta, mas Richard a segurou pelo pulso.

Por um minuto, Destiny permitiu que Richard entrasse em seu mundo e a visse, inclusive, derramar uma lágrima.

— Poderia fazer o favor de me soltar? — Richard não obedeceu de imediato. O que Destiny faria se ele lhe dissesse que não queria soltá-la? Que aquele simples contato o estava deixando em brasas?

— Por que não jantamos juntos para conversar sobre outros detalhes a respeito da empresa? — ele propôs e deu uma corrida até o carro para falar com o mecânico.

— Não tenho a menor vontade de...

— Com todos os dados em mãos, será mais fácil tomar uma decisão.

— Derek...

— Não deve deixar a decisão a cargo dele.

— Quem disse que não sou capaz de tomar minha própria decisão?

— Então, por que receia se encontrar comigo a sós?

— Não tenho medo de você! — Destiny protestou.

— Nesse caso, virei apanhá-la amanhã por volta das sete e trinta.

— Com Stephanie?

— Será um jantar de negócios — Richard lembrou. — Tenho certeza de que ela não fará objeção.

— Não tenho roupa. — Destiny tentou um novo argumento.

— Não disse que pretendia fazer compras amanhã? Destiny surpreendeu-se ao saber que Richard havia prestado atenção nessa parte de sua conversa com Stephanie. Deveria se lembrar de ter cuidado no futuro. Richard Ross tinha antenas em lugar de ouvidos.

— Se quiser um conselho, leve Stephanie consigo. Não há nada que lhe dê mais prazer do que entrar e sair de lojas e gastar dinheiro.

— Nesse caso, acho melhor eu ir sozinha — Destiny respondeu com um sorriso. — Não há nada que eu desgoste mais do que entrar e sair de lojas. Não posso falar sobre gastar dinheiro, porque nunca tive mais do que o necessário, mas acho que nunca seria uma perdulária.

Um ronco de motor encerrou a conversa. O mecânico havia conseguido pôr o carro de Richard em funcionamento e em poucos instantes, ela se viu fechando a porta e correndo para atender o telefone.

Era a primeira vez que seu pai ligava desde sua chegada à Inglaterra. Não havia telefone no local onde viviam e ele tivera de se deslocar a outra cidade para conseguir aquela comunicação.

O pai a colocou em dia sobre os últimos acontecimentos, lhe deu lembranças de Henri e falou sobre o calor. Por sua vez, Destiny tentou passar a ele uma imagem positiva da viagem, porque não queria preocupá-lo. De que adiantaria contar sobre Richard Ross e sobre a sensação que tinha de que era vista quase como uma extraterrestre pelas pessoas? Apenas para preparar o terreno, ela mencionou por alto a existência de um homem interessado em comprar a firma.

— Não faça nada que não gostaria de fazer, ouviu? — O pai aconselhou.

— Oh! eu sei cuidar de mim mesma. Em breve, terei condições de resolver a situação.

A conversa durou quinze minutos. Ao desligar, Destiny sentiu-se deprimida. Olhou-se ao espelho e o mal-estar aumentou. A imagem que viu foi de uma mulher mal vestida, sem elegância e sem sex-appeal. Seus cabelos estavam sem corte e não havia nem sequer um brilho em sua pele, feito por um produto de maquiagem.

Na selva, não dava para usar cosméticos devido ao intenso calor. Mas, em Londres, ela estava se sentindo pálida e sem graça, apesar do intenso bronzeado. Suas roupas folgadas e funcionais eram adequadas à vida na selva, mas alvo de chacota na cidade.

O que havia acontecido com ela, afinal? Havia esquecido que era uma mulher? O pensamento a deixou ainda mais deprimida.

Henri a achava bonita. Seria realmente ou ele dizia isso apenas porque ela era a melhor entre as outras?

Cinco horas na rua Oxford e em King's Road não foram suficientes para animá-la. Em meio a tantas lojas, Destiny se viu confusa sobre onde valia a pena ou não entrar.

No final, ela se viu diante da vitrine da Harvey Nichols, respirou fundo e resolveu confiar na experiência das vendedoras.

Comprou duas saias e dois blazers para ir à empresa, jeans e blusas para uso diário, sapatos confortáveis e que faziam seus pés parecerem menores, e dois vestidos de noite que, de acordo com a vendedora, lhe caíram com perfeição.

— Mas eles são muito justos e curtos — Destiny ressaltou ao provar os modelos preto e verde-esmeralda.

— São sensuais — explicou a vendedora e lhe entregou alguns conjuntos de lingerie pela cortina do provador.

Destiny nunca havia usado peças de renda. Aquilo lhe parecia um luxo sem propósito, mas não conseguiu resistir à tentação de prová-las.

Ficou surpresa ao se olhar ao espelho e não se achar tão alta nem tão desajeitada. Ao contrário. Suas curvas pareciam estar no lugar certo e os seios ficavam altos e cheios naquele modelo de sutiã.

— Em seu lugar — sugeriu a vendedora —, eu também faria um bom corte nesses cabelos.

Destiny os usava à altura dos ombros, retos.

— Gosto de meus cabelos longos — Destiny respondeu. Talvez pudesse apenas acertar os fios. Afinal, quando estivesse de volta em casa, sem maquiagem e sem aquelas roupas elegantes, pareceria um homem se tivesse cortado os cabelos.

Na noite seguinte, Destiny procurou seguir todos os conselhos da vendedora e se maquiou com esmero. O batom cor-de-rosa nos lábios fez sua pele parecer ainda mais bronzeada e o rimei preto teve um efeito excelente em seus cílios.

O vestido preto e os sapatos de salto a faziam parecer outra pessoa. Ela desafiou Richard Ross em pensamento a lhe chamar novamente de impossível, como um subterfúgio a pouco feminina.

Não que tivesse se vestido para ele, Destiny insistiu consigo mesma. Apenas não queria ser tratada como alguém que não merecia consideração só porque não estava a par da moda nas grandes capitais.

Não sabia quanto tempo ficaria em Londres. Fossem duas, três ou quatro semanas, não importava. Enquanto durasse sua permanência, ela se apresentaria igual às mulheres londrinas. Às mais elegantes e sofisticadas mulheres londrinas!

 

Uma imensa decepção a invadiu no momento que abriu a porta e Richard se limitou a manifestar sua satisfação por ela estar pronta e ele não ter de esperar.

— Trouxe os papéis para eu dar uma olhada? — perguntou, quase ríspida. Primeiro ele dava a entender que seu modo de vestir não era adequado e duvidava de sua capacidade de adaptação ao estilo de vida de Londres. Depois, quando ela fazia um esforço para mostrar que era possível, ele não tinha nem sequer a gentileza de elogiá-la.

— Estão no carro — ele respondeu e só depois de ver as pernas de Destiny, em seu movimento de entrar no veículo, demonstrou que havia notado a mudança. — Como foram as compras?

— Bem, obrigada.

Richard olhou para a frente e ligou o motor.

— Sem entrar e sair muito das lojas? — indagou com um sorriso.

Apoiada à porta, Destiny tentou colocar uma máscara de indiferença. Richard não podia adivinhar quanto sua opinião lhe era valiosa.

— Confesso que entrei e sai de algumas.

— Era de esperar — Richard murmurou, sem olhar para o lado. O tráfego estava intenso. Tão intenso, aliás, quanto estivera durante o dia. As pessoas pareciam nunca ficar em casa em Londres, Destiny pensou. Elas não dormiam? — Deveria ter seguido meu conselho e levado Stephanie consigo.

— Ela sempre faz o que você quer?

— A maioria das pessoas faz.

— Não seria por causa de seu jeito prepotente? Richard perdeu a concentração por um segundo, e isso quase lhe custou uma batida no carro da frente.

— Não me distraia enquanto estou ao volante, por favor. Dirigir em Londres é como saltar obstáculos. A última coisa que desejo é ir parar em um hospital e levá-la junto.

— A culpa, então, seria minha só porque estou tentando manter um diálogo amigável?

— Chamar-me de prepotente é sua idéia de se mostrar amigável? Para sua informação, não saio por aí dizendo às pessoas o que fazer nem como conduzir suas vidas.

Depois disso, Richard não tornou a falar. Nem a olhar ostensivamente para Destiny. Sabia que ela não havia se vestido para agradar-lhe, mas, se fosse sincero consigo mesmo, admitiria que ela estava mexendo com ele com aquele vestido preto curto e sexy.

Para não pensar em Destiny, Richard tentou evocar a imagem de Stephanie. Mas a figura jovem não conseguiu vencer a atração que Destiny estava lhe despertando. Sem refletir, ele passou uma das mãos pelos cabelos. Não concordava com deslealdade. Por outro lado, não achava que estava traindo Stephanie. O que estava sentindo era normal e natural. Era um homem, afinal de contas, e tinha uma mulher bonita a seu lado. Era como estar diante de uma obra de arte. Seria impossível não admirá-la.

— Richard?

Richard pestanejou ao perceber que Destiny estava falando com ele.

— O que foi?

— Eu perguntei onde iremos comer.

— Pensei em levá-la a um restaurante italiano que costumo freqüentar a cinco minutos daqui. — Richard olhou rapidamente para o lado e não pôde deixar de notar o modo natural e gracioso como as mãos de Destiny repousavam sobre as pernas cruzadas. — Você ainda não me disse o que faz à noite no Panamá — ele lembrou. — Imagino que o lugar fique a dever em matéria de entretenimento.

— Depende daquilo que você chama de entretenimento — Destiny retrucou. — Se está se referindo a restaurantes caros e clubes noturnos, o lugar pode ser considerado o mais monótono do mundo.

— Um sim ou não teria sido suficiente — Richard resmungou ao mesmo tempo que manobrava o carro em uma vaga que acabara de surgir. — Não precisa me atacar cada vez que lhe faço uma pergunta.

Destiny pestanejou. Nunca em sua vida tratara as pessoas com indelicadeza. Algumas vezes, trocava algumas alfinetadas com Henri e tecia observações desdenhosas sobre certos artigos de revistas. Mas sua dose de humor cáustico parava aí. Richard já havia questionado uma vez esse seu modo de falar. O que ele não sabia era que o tratamento lhe era exclusivo.

— Desculpe.

Ele não respondeu ao pedido. Apenas abriu a porta do carro e desceu.

— Tenho pena do homem que existe em sua vida, seja ele quem for — disse Richard assim que os dois se encontraram na calçada.

— Para ser franca, nunca fui sarcástica exceto com você.

— Já provoquei vários tipos de reações nas mulheres que conheci, mas sarcasmo não estava entre elas.

Destiny preferiu não responder. Apenas apressou o passo de maneira a entrarem logo no restaurante e encerrarem aquela conversa.

Pela primeira vez, desde sua chegada a Londres, Destiny não se sentiu uma caipira. Os olhares que captou sugeriam admiração, não ironia, e isso lhe provocou uma sensação diferente, de prazer.

— Seu vestido é tão curto — Richard murmurou assim que se sentaram — que até mesmo o garçom não parava de olhar para você.

— Foi recomendado pela vendedora que me atendeu — Destiny respondeu. — Ela achou que o vestido ficou ótimo em mim.

— Não estou dizendo que ele é feio. Mas se você fosse minha, não permitiria que saísse de casa vestida assim.

O garçom se aproximou com os menus. Destiny mal pôde esperar que ele se afastasse para protestar.

— Se eu fosse tua? Desde quando uma pessoa é dona de outra? Pessoas não são objetos!

— A mulher que eu escolher e que quiser ficar comigo será minha. De corpo e alma.

— Como você se sentiria se ela proclamasse o mesmo a seu respeito? Se controlasse, inclusive, o que você veste para que outras não o admirassem?

— Está me dizendo que me considera atraente? — Richard sorriu com provocação.

Para fugir a uma resposta, Destiny se escondeu atrás do menu. Quando o garçom o entregou, quase caçoou de seu tamanho exagerado. Agora ele não poderia parecer mais útil e adequado.

— Não irá responder minha pergunta? — Richard baixou o escudo de proteção com a ponta do dedo e fitou-a, inquiridor.

— Você é um homem atraente. — De que adiantaria mentir? Ela só conseguiria aumentar o sorriso naqueles lábios. — Para quem aprecia seu tipo — complementou.

— Meu tipo?

Ele não demonstrou surpresa nem ofensa com o adendo. Deveria ter imaginado. Precisava ter em mente que não responder as perguntas de Richard era pior do que respondê-las.

— Não consigo ler o cardápio se você insiste em empurrá-lo — protestou.

— Peça um prato de massa. É a especialidade da casa. Depois, me diga qual é meu tipo, ok?

— Tipo moreno, é claro. — Destiny deu um suspiro. — Afinal, seus cabelos são pretos.

— Mesmo que minha pele seja clara e meus olhos sejam azuis? — Richard questionou, mas não insistiu. Destiny estava consultando o cardápio e o garçom logo voltaria à mesa para anotar o pedido.

Mais tarde, enquanto aguardavam pelos pratos, Richard abriu a pasta e retirou um maço de papéis.

— Aqui estão. — Ele os colocou diante de Destiny. — Naturalmente, você também terá de verificar os relatórios de lucros e perdas da Felt dos últimos três anos. Trouxe-os com você?

— Sabe que não — Destiny respondeu com o cenho franzido ao tentar ler as primeiras linhas do primeiro relatório e encontrar termos técnicos o suficiente para desencorajá-la.

— Não tem importância. — Richard tornou a abrir a pasta na cadeira ao lado. — Tenho tudo de que você precisa aqui comigo.

— Espero que possa cedê-los pelos próximos dois ou três dias.

— Temo que não adiantaria. Acho difícil que entenda os termos e as cláusulas sem que eu esteja perto para explicar.

— Eu gostaria de tentar ao menos.

— Como quiser. Se mudar de idéia, sabe que pode contar com meu apoio. — Destiny deu uma olhada superficial nos relatórios. Ele não perdeu a chance. — Na página quinze, encontrará uma lista de todos os números de minha empresa.

Destiny seguiu a indicação e constatou o sucesso do empreendimento. Os números eram altos. Não era preciso ser especialista em contabilidade para notar.

— Agora, se consultar a página dezoito do relatório seguinte, descobrirá a posição em que se encontra a Felt atualmente.

— Não é novidade para mim que eles estão lutando com sérias dificuldades nos últimos meses — Destiny respondeu.

— Nos últimos anos seria mais correto.

— Está bem. Anos.

— Para recuperá-la, será preciso aplicar uma poderosa injeção de dinheiro. Por melhores que sejam as intenções da diretoria e por maiores que sejam os esforços, ninguém conseguirá tirar a firma do vermelho.

Destiny se concentrou na leitura e viu-se obrigada a reconhecer que o otimismo dos diretores não era justificável. Os números se apresentavam entre parênteses em grande maioria. Os fatos beiravam o sinistro.

— Parece que você está começando a ter uma noção da gravidade do caso — Richard murmurou.

— Derek é de opinião que existe uma chance...

— Derek não quer que eu assuma a empresa.

— Por que, se meu tio concordou em vendê-la?

— Seu tio era um homem de bom senso. Ele progrediu com o progresso.

— Derek não?

— A ligação de Derek com seu tio vem de longa data. A empresa iniciou aos moldes de uma grande família. Infelizmente, essa estrutura se tornou um ponto vulnerável com o passar do tempo, mas Derek insiste em manter a idéia de uma família.

Destiny ajeitou os papéis e devolveu-os.

— Por que está tão determinado a comprar a Felt se sabe que ela vem operando sistematicamente no vermelho?

— Digamos que eu a vejo como um bom investimento a longo prazo. — Richard tomou o resto do vinho de um só gole. — Uma vez você me perguntou se havia algum envolvimento pessoal de minha parte nesse negócio. Talvez eu deva lhe contar sobre seu querido tio.

— Ele nunca foi alguém querido para mim — Destiny se apressou a dizer. — Não o conheci.

— Agradeça. — Richard estreitou os olhos ao notar a súbita curiosidade na expressão de Destiny. Ela parecia genuinamente interessada em saber a verdade. A razão só poderia ser essa, ou ele não estaria sentindo aquele impulso irresistível e incomum de falar sobre sua vida particular.

— Meu pai e seu tio se conheciam. Eles estudaram juntos na faculdade e resolveram abrir uma empresa farmacêutica em sociedade quando se formaram. Meu pai era o cérebro do empreendimento e seu tio tinha o dinheiro.

Os pratos foram servidos naquele momento e a conversa teve de ser interrompida. Por poucos instantes. Agora que começara, Richard estava decidido a ir até o fim.

— O que aconteceu? — Destiny perguntou assim que ficaram novamente a sós.

— O negócio decolou e os lucros eram altos. Com sua parte, meu pai investiu no desenvolvimento científico da empresa e o sucesso se tornou ainda maior. Até que algo aconteceu, segundo minha mãe me contou anos mais tarde. Seu tio mudou. Tornou-se ganancioso. Ganancioso e amargo.

— Está querendo dizer que ele e seu pai se desentenderam?

— Não que minha mãe soubesse. Ela disse apenas que seu tio mudou e que meu pai foi o primeiro a perceber sua revolta contra o mundo. Em vez de continuar trabalhando com meu pai, como sempre fizeram, ele passou a trabalhar contra ele. Com o tempo, as desavenças políticas afetaram a saúde financeira da empresa. Após três anos, seu tio se retirou da sociedade com todo seu dinheiro e meu pai viu-se coberto de dívidas que nunca conseguiu saldar. Seu tio abriu outra empresa com seu próprio nome e meu pai morreu. Fui criado com extrema dificuldade apenas por minha mãe.

O ressentimento antigo voltou à tona e Richard sentiu que perdera o apetite.

— Então você passou toda sua vida esperando por uma vingança?

— Para recuperar o que deveria ser meu por direito.

— Mas a história era de seu pai, não sua! Como pôde viver sua vida em função do passado?

— Eu diria que vivi em função da justiça.

— Então é a mim, agora, que dirige seu ódio? Por que herdei a empresa de meu tio? Acha isso justiça? Eu não fiz nada!

— Não tenho nada contra você, mas quero a empresa que foi parar em suas mãos e estou preparado para pagar o que for preciso para tê-la.

— Stephanie também faz parte de sua vingança? — Destiny indagou após um instante.

— Não seja ridícula.

— Como a conheceu? — Destiny terminou de comer e depositou os talheres sobre o prato.

— Por que não paramos de falar sobre mim e falamos sobre você? — Richard propôs depois de empurrar o prato, sem praticamente ter tocado na comida.

— Porque minha vida não é interessante como a sua — Destiny respondeu e completou quando ele a encarou sem acreditar. — Digamos que não existem complicações e sagas pessoais no lugar de onde venho.

— Porque todos se amam e se respeitam por lá? — Richard caçoou.

— Não. Porque não temos tempo de nos intrometer nas vidas alheias.

— Estou admirado — Richard murmurou. — Deve ser lindo ver as pessoas desfilando pelo lugar como santas, com um sorriso permanente nos lábios e pensamentos puros na mente.

Dessa vez, Destiny foi obrigada a rir.

— Eu não disse isso. Nós discutimos e temos problemas e frustrações lá como em todo mundo.

— E quanto aos pensamentos puros? Não dizem que o calor aguça a sexualidade?

— Não sei — Destiny respondeu, corada. Henri não lhe despertava desejo. Gostava dele e um forte elo de amizade e de confiança os unia. Tentou fantasiar uma relação algumas vezes e procurou corresponder ao flerte, mas sempre que a situação dava sinais de avanço, ela recuava.

Sem que Richard percebesse, Destiny o examinou. Ele parecia um modelo de capa de revista. Ou um artista. Seria por isso que sua pulsação acelerava em certos momentos, como aquele?

— Ora, você deve ter trocado um beijo e algumas carícias algumas vezes atrás dos arbustos à beira do rio...

Em quaisquer outras circunstâncias, ela o teria mandado cuidar de sua própria vida, mas o vinho e o jantar a deixaram mais calma e tranqüila. Até mesmo o olhar que Richard estava lhe dirigindo a excitava em vez de irritar.

— Esconder-se atrás dos arbustos à beira do rio à noite seria a última coisa que você gostaria de fazer, acredite.

— Mas o perigo aguça o desejo, você não acha?

— Cobras? Répteis? Animais venenosos que não hesitariam em atacá-lo? Você acredita realmente que alguém possa ficar excitado com a idéia de ser picado por um bicho peçonhento? Que correr perigo faça alguém se sentir excitado? — Destiny fez uma careta. Suas conversas com Henri jamais abordavam assuntos eróticos. Era bem diferente com as pessoas da cidade, pensou em sua ingenuidade.

— Gostaria de verificar o menu de sobremesas? — Richard ofereceu quando viu o garçom se aproximar.

— Sim, por favor.

— De verdade?

— Não deveria? — Destiny estranhou.

— Claro que sim — Richard se apressou a se desculpar. — É que nenhuma mulher que conheço aceita sobremesa após o jantar.

— Por quê? — Destiny perguntou enquanto se decidia entre a torta de chocolate e a de morango.

— Medo de engordar.

— Eu tenho este mesmo corpo desde que me lembro — Destiny deu de ombros, mas imediatamente lhe veio à lembrança o modo frugal de Stephanie se alimentar. Ela havia se servido de uma quantidade pequena, mastigado devagar e recusado um segundo prato. Ao contrário do que Destiny fizera. Além de pedir um pedaço de torta de chocolate, solicitou que viesse acompanhada por uma porção de creme chantilly.

— Restaurantes e sobremesas como essas são uma novidade para mim. Preciso aproveitar. — Destiny respondeu, tranqüila. Controlar o peso, afinal, não faria sua altura diminuir. E ela não queria ficar magra como as modelos que via em revistas.

Destiny percebeu que Richard estava olhando para sua sobremesa. No mesmo instante, ofereceu-lhe uma colherada.

Richard inclinou-se e provou. Com aquele gesto espontâneo e natural, Destiny havia se tornado a mulher mais sensual que conhecera. Seus olhos se encontraram naquele momento e uma sensação estranha se apoderou de ambos.

— Está muito bom — Richard elogiou e não parou mais de olhar para ela.

Ao término do jantar, quando estavam tomando o café, Richard a surpreendeu ao dizer que queria lhe fazer uma proposta.

— Que tipo de proposta? — Destiny perguntou, alarmada. Estava gostando demais de ter saído com Richard para jantar e ele era noivo de sua prima! Precisava se controlar. Não era certo se permitir aquele flerte.

— Primeiro, conte-me por que está tão determinada a ficar com a empresa. Eu já lhe revelei meu segredo. Agora, revele-me o seu.

— Não tenho segredos. — Destiny se deu conta de que eles haviam bebido duas garrafas de vinho. Estava explicada a excitação que quase a impedia de respirar quando Richard a encarava. — Meu pai poderá se dedicar muito mais às pesquisas se puder contar com uma indústria farmacêutica para lhe dar suporte. Derek disse...

— Pare de se referir a Derek como se ele fosse um guru — Richard a interrompeu, mal-humorado.

— Sobre meu pai — Destiny prosseguiu —, ele está trabalhando na cura de algumas doenças tropicais por meio de substâncias extraídas de plantas. Você ficaria surpreso se estudasse as propriedades das folhas e raízes de árvores e de plantas. A Felt Farmacêutica tem a tecnologia necessária para desenvolver essas pesquisas. Se eu a vender para você, não terei acesso ao equipamento avançado de que meu pai precisa.

— Ou seja, nós estamos diante de um dilema. — Richard chamou o garçom e pediu a conta. — Se vender a empresa para mim, você perderá a fonte de suporte às pesquisas de seu pai. Se manter a companhia em seu nome, ela afundará. Você viu os números. Isso significa que você sairá perdendo diante de qualquer uma das alternativas. No entanto, há uma terceira opção.

— Uma terceira?

— Derek lhe forneceu uma relação de todos os bens que seu tio lhe deixou?

— Sim, mas ainda não tive tempo para verificá-la.

— Bem, além da casa que você está ocupando, Abe possuía uma propriedade no interior que dividiu em vários lotes que deixou para outras pessoas. Mas você, como sua principal herdeira, ficará com o maior dos lotes onde se encontra a casa.

— Como você sabe de todos esses detalhes?

— Stephanie é uma das herdeiras. Derek não a colocou a par nem sequer disso?

— Ele comentou algo, mas não prestei atenção. Imaginei que fosse uma casa no campo, como outra qualquer.

— Uma boa casa com um jardim na frente? Talvez uma árvore?

— Mais ou menos — Destiny concordou.

— É óbvio que você não conheceu seu tio. Abe fazia questão de espalhar aos quatro ventos que era rico e poderoso. A casinha no campo é, na verdade, uma mansão cercada por terras a perder de vista, cultivada quase em sua totalidade.

— Eu realmente não fazia idéia.

— Você não parece impressionada — Richard observou, surpreso.

— Mas estou. Não entendo o porquê de meu tio querer viver em duas casas distintas.

— Muita gente gosta de ter um lugar para relaxar, para ir nos fins de semana. — Richard se levantou. — Podemos ir?

Destiny se levantou e seguiu-o. No carro, antes de ligar o motor, Richard olhou para ela.

— A proposta é a seguinte. Em troca da mansão em Berkshire, trabalharei a seu lado para recuperar a empresa.

Injetarei o dinheiro necessário e ficarei com uma parte das ações, é claro. Mas você continuará a ser a maior acionista e diretora e seu pai terá acesso livre a todos os centros de pesquisas.

— Você diria que é um bom negócio? — Destiny perguntou, desconfiada. Por mais que tentasse avaliar os prós e os contras da situação, não se sentia preparada para isso.

— Eu diria para você pensar bem a respeito — Richard respondeu e se misturou ao tráfego.

— Para que você deseja uma casa no campo? — Destiny indagou, curiosa.

— Por que você faz tantas perguntas?

— Porque sou assim. Oh! não seria porque você vai se casar com Stephanie e quer criar seus filhos em contato com a natureza?

— Não — Richard respondeu, brusco. — Não é essa a razão. Mas antes de se decidir, quero que conheça a casa. Não aceitaria fechar um negócio que você não tivesse estudado antes.

Quando chegaram à casa onde Destiny já conseguia se sentir à vontade e começava a considerar como sua, ela abriu a porta e se virou para se despedir de Richard.

Ele estava tão perto que ela não conseguiu respirar.

— Obrigada pelo jantar. Quer deixar as pastas comigo para que eu as estude?

— Por que não aproveita o fim de semana para colocar esse assunto em ordem? Eu poderia apanhá-la no sábado cedo e a traria de volta no domingo à noite.

— Está sugerindo que passemos o fim de semana juntos? — Destiny indagou, perplexa.

— Você quer conhecer sua propriedade no campo, não quer? Para poder refletir sobre minha proposta?

— Sim, mas...

— Não me diga que já tem planos para o fim de semana.

— Não, mas...

— Então, por que está se comportando como se eu a estivesse colocando contra a parede?

— Aconteceu muito rápido.

— Sou a favor da teoria do aqui e agora.

Isso ela podia compreender, mas um fim de semana inteiro com Richard? A sós? Não daria certo. Ela não sabia o que estava acontecendo, mas tinha certeza de que era errado. O flerte inocente de Henri era fácil de lidar, mas Richard lhe despertava reações muito diferentes.

— Eu irei se Stephanie for conosco — Destiny resolveu dizer.

— Eu pretendia convidá-la — Richard mentiu. — Às nove horas, estaremos aqui.

 

No dia seguinte, Stephanie convidou Destiny para almoçar. Em um lugar delicioso em Chelsea, que ela adoraria, segundo a prima.

Destiny examinou as roupas que havia comprado e cogitou qual delas seria mais apropriada ao ambiente e ao horário. Pensou no vestido com estampa floral. Ele a faria lembrar que estava em solo inglês e que aquela estava sendo a maior aventura de sua vida.

Deveria ser o contrário. A maioria das pessoas considerava uma aventura conhecer lugares selvagens. O Panamá para ela, no entanto, era a realidade. Lá ela era uma mulher calma, útil, produtiva, com os pés no chão. Sem vida própria, disse uma voz em seu interior. Ao se devotar aos outros em tempo integral, ela havia se esquecido de que também precisava cuidar de si própria.

Agora, era como se seu pequeno mundo tivesse crescido e se fragmentado em diferentes facetas. As multidões não a assustavam mais. Estava começando a se familiarizar com os prédios altos que a cercavam como as árvores da floresta. Estava se acostumando também com as correrias do dia a dia e com a impossibilidade de empregar o tempo com pensamentos que não dissessem respeito a Richard e a Felt Farmacêutica.

Parecia incrível, mas desde seu desembarque em Londres, ela não havia encontrado nem sequer um minuto livre para abrir um livro. No Panamá, ela os devorava, noite após noite.

Cada vez que ia à cidade, aproveitava para comprar vários volumes.

Quanto aos homens, sempre os tratara de igual para igual. A não ser Henri, com quem vinha trabalhando nos últimos dois anos, cujo interesse a resgatava da total assexualidade. Discutia problemas com eles, trabalhava ombro a ombro, mas aquela atração peculiar entre homens e mulheres nunca a atingira realmente. Richard era o responsável por essa sensação nova em sua vida. Ao mesmo tempo, como ele era noivo de sua prima, o fato de almoçarem juntas serviria para colocar um freio nos pensamentos que não paravam de ricochetear por sua mente.

Destiny chegou atrasada ao restaurante, mas calma o suficiente para enfrentar seu problema como já enfrentara e resolvera milhares de outros. De ordem mais prática, sem dúvida, mas não menos sérios.

Ou estava enganada? Só em lembrar os momentos da noite anterior, ela sentia o coração bater de um jeito que nunca batera antes.

Stephanie a esperava a uma das mesas de fundo. O lugar, Destiny notou de imediato, era considerado de moda. O bar estava apinhado de homens de ternos, todos com copos nas mãos e entretidos em conversas, embora estivessem mais atentos às pessoas que passavam pela porta. Também havia mulheres, mas em menor número. E elas também se apresentavam em elegantes conjuntos de calça comprida.

A decoração era moderna e arrojada com enormes telas abstratas que mais pareciam os desenhos que Destiny estava acostumada a ver na selva, feitos por crianças.

Ao vê-la, Stephanie se levantou e acenou.

— Puxa, como este local é movimentado! — Destiny exclamou ao se sentar.

— É sempre assim. — Stephanie olhou ao redor com um sorriso. — Richard o detesta mas eu o adoro. De que adianta a gente comprar roupa nova e se produzir, se ninguém irá nos ver, não é mesmo? — Stephanie estava usando um vestido justo e curto cinza-azulado. Estava bonita e feminina e fez Destiny pensar outra vez que era o modelo ideal de que os homens gostavam.

— Não posso dizer nada a respeito — Destiny respondeu e encomendou uma salada e uma água mineral ao garçom, lembrando-se do comentário de Richard sobre seu apetite. — Raramente alguém se produz no lugar onde moro.

Essas palavras reavivaram a fascinação de Stephanie sobre a vida exótica que ela acreditava que Destiny levava. Queria saber tudo a respeito: o que ela comia, o que bebia, como eram as pessoas com quem convivia, e como era possível adquirir os artigos de necessidade se quase não havia lojas. Mas o que maior interesse lhe despertou foi a menção do nome Henri.

— Então você tem alguém por lá! — Stephanie deu uma risadinha. — Conte-me sobre ele.

Destiny tentou desconversar, mas não adiantou.

— Está bem. Ele é magro, tem a mesma altura que eu, cabelos castanho-claros e sardas.

— É sexy?

Não. Sexy é uma característica de seu namorado, Destiny pensou.

— Bem...

— Já deu para notar que você não é maluca por ele — Stephanie deduziu.

— Faz calor demais na selva para despertar desejos de maior proximidade.

— Ah, é? Então a população infantil deve ser bem pequena, eu imagino.

— Fale-me de Richard — Destiny tentou mudar de assunto, vermelha como um pimentão.

— O que, por exemplo?

— Você deve estar sonhando com o dia de seu casamento.

— Nós não estamos pensando em casar. Não por enquanto, ao menos.

Foi a vez de Stephanie corar e Destiny notou seu constrangimento.

— Desculpe. Isso não é de minha conta.

— Claro que é! Você, afinal, é a parente mais próxima que tenho agora. A não ser duas tias na Cornualha que estão na casa dos noventa. Quanto a Richard, bem, ele é muito ocupado. O trabalho não lhe permite...

— Por que não insiste para que ele dedique mais tempo a você?

Stephanie encolheu os ombros.

— Não é tão fácil. Richard detesta mulheres chorosas e autoritárias.

— O que isso tem a ver? — Destiny franziu o rosto. — Se você não disser a ele o que deseja, como ele poderá saber de que você gosta e de que você não gosta?

Outro encolher de ombros.

— Nós nos conhecemos em um coquetel de negócios que tio Abe ofereceu antes de se divorciar de minha mãe. Eu fiquei deslumbrada com seu charme e orgulhosa por ter atraído sua atenção. Você não faz idéia do número de mulheres que daria qualquer coisa para ficar com ele...

— Não entendo por que se ele é tão intolerante — Destiny mentiu. Nenhum outro homem, afinal, a impressionara tanto.

— Ele é bonito, rico e dono de uma personalidade marcante.

— Não o considero tão especial — Destiny retrucou. — De vez em quando ele me irrita.

— Mas você não o deixa perceber, não é?

— Claro que deixo! Não tenho medo de dizer o que penso. Nunca tive.

Stephanie olhou para a prima como se ela tivesse, subitamente, perdido a razão.

— Por que não me fala sobre aquela casa maravilhosa que deverei conhecer no fim de semana? — Destiny tornou a mudar de assunto. — Richard lhe contou sobre sua proposta?

— O que pretende fazer? — Stephanie quis saber, depois que Destiny lhe explicou de que se tratava, surpresa que Richard não houvesse comentado nada com sua prima. — Afinal, se ele fez essa proposta é porque espera que você a aceite.

— Não me importa o que ele espera — Destiny declarou.

— Quero visitar o local e chegar a minha própria conclusão. As duas deixaram o restaurante cerca de meia hora mais tarde. Destiny não conseguia parar de pensar na estranha natureza do relacionamento entre Richard e sua prima.

Para a viagem ao campo, Destiny seguiu a intuição na escolha de roupas. Levou apenas as peças que considerava práticas e confortáveis. Separou uma calça jeans, além da que estava vestindo, duas camisetas, dois casacos, um par de tênis e um par de botas.

Colocou tudo, com dificuldade, em uma mochila e às nove e dez estava pronta à espera de Richard e de Stephanie.

— Isso é tudo que irá levar? — Stephanie perguntou com a expressão de quem não podia acreditar no que estava vendo.

— Será apenas um final de semana, não?

Destiny se acomodou no banco de trás enquanto Stephanie lhe confessava que jamais conseguiria ser tão prática.

Antes de ligar o carro, Richard virou para trás e entregou um envelope a Destiny.

— São fotos de sua casa de campo. Achei que você gostaria de vê-las.

Destiny examinou umas quinze ou vinte fotos, tiradas do álbum que pertencera à mãe de Stephanie dos tempos que ela ainda estava casada com seu tio Abraham. De acordo com sua prima, a mansão contava com um enorme jardim, estábulos, piscina, um córrego, um bosque e um amplo pomar.

— Quem está cuidando da propriedade? — Destiny perguntou, ainda surpresa com a necessidade do falecido tio de possuir uma casa tão grande.

— Derek conservou alguns empregados — disse Richard.

— Mesmo que você decida vender a propriedade, ele acredita que os novos donos gostarão de encontrar pessoas acostumadas a realizar a manutenção necessária. Para ser franco, não tenho a menor idéia da quantidade de empregados que encontraremos ao chegar.

A visão de uma casa escura e abandonada fez Destiny sentir um arrepio.

— Não chegaremos a uma mansão vazia com aspecto de mal-assombrada, não é?

Richard sorriu.

— Stephanie ligou para Harold, o caseiro, e pediu que ele e a esposa limpassem e arejassem alguns quartos. A mansão conta com sete ou oito, se estou bem lembrado.

—Que desperdício! — Destiny exclamou, mas a expressão de contrariedade a abandonou em seguida. Estavam saindo de Londres e o verde começava a dominar o cenário.

— O que faria com a propriedade se eu decidisse aceitar sua proposta? — Destiny quis saber.

— Eu a transformaria em um hotel.

— Seria capaz de transformar uma linda casa antiga em um hotel? — Destiny perguntou, abismada.

— Sim, eu a transformaria em um lindo hotel em estilo antigo. Ao menos o lugar seria usado — Richard acrescentou em tom impaciente. — Para você, o que importaria? Por acaso pretende permanecer na Inglaterra?

— Não, é claro que não.

— Bem, estamos colocando a carroça diante dos bois e isso não nos levará a lugar algum. Primeiro, você precisa ver o local e descobrir como se sente a respeito.

Depois disso, Richard acelerou o carro e Destiny se absteve de falar. A paisagem era linda e o céu azul sem nuvens de final de verão era um espetáculo à parte.

Eram onze horas quando chegaram ao vilarejo nas proximidades da mansão. Stephanie que cochilara durante quase todo o trajeto pareceu criar alma nova diante do prospecto de esticar as pernas e comprar algo nas várias e pitorescas lojas com fachadas em pedra.

No ambiente, Stephanie se lembrou de uma porção de episódios ali vividos, mas ressaltou, mais de uma vez, que a monotonia imperava naquela parte do mundo.

— Deve ser bem mais sossegado viver aqui do que em Londres — Destiny concordou. Estava se sentindo em paz ali, mais livre e relaxada. As ruas eram estreitas, mas simpáticas. Havia numerosos pubs, pequenas lojas e também uma igreja. A sensação inicial de claustrofobia que sentira em Londres, cercada de prédios, ali não tinha lugar. O ar era mais fresco. Movida por um impulso, ela abriu a janela e respirou fundo, de olhos fechados.

— Stephanie não é uma grande amante da natureza — Richard informou-a, referindo-se à noiva como se ela não estivesse presente.

— Você é? — Destiny quis saber, ainda deixando que a brisa soprasse em seus cabelos. — Ou prefere viver em meio à agitação da cidade grande, dando ordens e se comprazendo em ver as pessoas se dobrarem a sua vontade?

O olhar de horror de Stephanie fez Destiny silenciar e refletir sobre seu comportamento que, dessa vez, havia sido realmente rude.

— Desculpe — murmurou.

— Desculpá-la? — Richard repetiu. — Por ter dito o que não devia? Por quê? Você sempre diz o que pensa. Não quero ser o responsável por quebrar uma tradição — Richard respondeu, sério, embora Destiny reconhecesse um brilho divertido em seus olhos. — Veja! — ele indicou o vasto campo. — Mais adiante, verá carneiros pastando e plantações a perder de vista. Prepare-se. Em um minuto, a casa surgirá como em um passe de mágica.

Conforme Richard antecipara, a fachada imponente logo apareceu. Destiny ficou tão impressionada que colocou a cabeça para fora da janela para ver melhor. Não dava para acreditar que tudo aquilo lhe pertencia.

— Você trouxe um maio? — Stephanie indagou. — Está calor e a água deve estar boa para um mergulho. Adoro me bronzear quando tenho oportunidade. O tempo em Londres é quase sempre cinzento e chuvoso.

— Eu não tenho maio — Destiny respondeu.

— Nenhum? — Stephanie estranhou.

— Não.

— Eu nunca deixo de incluir ao menos dois biquínis em minha bagagem. Como pretende entrar na piscina? Eu poderia lhe emprestar um dos meus, mas não creio que irá servir.

— Terei distrações o suficiente, não se preocupe. — Dois dias, aliás, seria pouco tempo para ela ver toda a propriedade, Destiny pensou.

Harold apresentou-se naquele momento e imediatamente se pôs a conversar com Richard. Assim que se afastou com a bagagem, Stephanie tornou a manifestar seu desejo de pular na piscina antes que o tempo pudesse mudar, o que era comum acontecer de um momento para outro naquela região. Destiny, por sua vez, ainda não havia conseguido voltar a si do estupor.

— Tem certeza de que não quer experimentar um de meus biquínis?.— Stephanie insistiu e Destiny riu, dessa vez.

— Não adiantaria, você não acha? — Destiny olhou para a prima com carinho. Embora fossem quase da mesma idade, ela se sentia mais velha e mais madura. Havia algo de infantil em Stephanie. O que a fez pensar novamente em Richard.

Surpreendeu-o em divertida observação. E ficou ainda mais surpresa quando ele se aproximou, assim que Stephanie se retirou para o quarto, e disse:

— E difícil acreditar que vocês têm quase a mesma idade. Você a trata como se fosse sua filha.

Destiny sorriu.

— De vez em quando é assim que me sinto com relação a ela. Mas, estamos aqui por causa da propriedade, não? Que tal começarmos o tour? Ou você prefere descansar um pouco antes? Ou dar um mergulho com Stephanie, é claro! Não quero atrapalhar o programa de vocês.

— Está tudo bem. Tomar sol não é minha idéia de diversão — Richard respondeu e se viu perturbado ao descobrir que isso lhe daria prazer caso Destiny também se dispusesse a ficar na piscina.

Precisava ter uma conversa com Stephanie. A verdade era que suas dúvidas sobre seu relacionamento com ela estavam aumentando a cada dia nos últimos meses. Fora bom no início. Com o passar do tempo, porém, o desejo foi diminuindo até desaparecer por completo. Tentara atribuir seu desinteresse ao excesso de trabalho, mas agora sabia que o cansaço fora apenas uma desculpa. Gostava de Stephanie, mas não sentia mais atração por ela.

Era Destiny a mulher por quem estava atraído desde o instante que a conhecera. Por que outro motivo, afinal, vivia imaginando-a nua, em seus braços, em sua cama? Destiny não era seu tipo de mulher. Preferia as mais frágeis e submissas. Como explicar, contudo, as vezes sem fim que sonhava com ela, dormindo ou acordado?

— Oh! certo, a casa — Richard continuou assim que se deu conta de que Destiny aguardava uma resposta. — Começaremos pelo alto e iremos descendo.

Destiny seguiu-o pelas escadas. Cada degrau que subia, mais certeza tinha de que dois dias não seriam suficientes para conhecer tudo.

— O tour já começou? — Stephanie perguntou com um suspiro ao sair de um dos quartos, de biquíni, com uma toalha na mão. — É uma pena que não tenham tempo de aproveitar a piscina. É tão mais divertido!

— Talvez mais tarde. — Destiny recorreu à velha tática de encerrar uma conversa que não levaria a nada. A mesma que costumava usar com as crianças quando lhe faziam pedidos impossíveis de serem atendidos. E que sempre funcionava, como funcionou com Stephanie.

Céus! Não conseguia entender o que Richard via em sua prima. Talvez fosse um sinal de sua inexperiência em assuntos entre homem e mulher. Nesse aspecto, ela estava longe de ser a pessoa esperta e inteligente que enfrentava problemas dos mais variados quilates no dia a dia.

Era virgem e nunca se importara com isso. Sua relação com Henri não a incentivara a ir além de beijos e abraços. Richard fora o homem que lhe despertara esses pensamentos. Gostasse ou não, ele era o responsável por seu atual estado de confusão mental.

Richard quase não parou de falar enquanto subiam as escadas em caracol. Cada detalhe da arquitetura era ensejo para ele mencionar a história da construção da casa.

— Espero não a estar cansando com explicações que já sejam de seu conhecimento — ele disse ao chegarem ao topo.

— Como eu poderia saber algo sobre a história da arquitetura na Inglaterra? — Destiny franziu o rosto.

— Você sabe tanta coisa. — Richard encolheu os ombros. — Domina mais idiomas do que qualquer pessoa que eu conheço. É bióloga, enfermeira e professora e consegue enfrentar cobras e crocodilos...

— Não é minha culpa se você prefere se envolver com as pessoas erradas — Destiny retrucou para se arrepender em seguida.

— O que está insinuando? Que Stephanie não é a mulher certa para mim?

— Todo aprendizado é interessante — Destiny resolveu se ater ao assunto casa. — Apenas tente entender que os traços barrocos que se desenvolveram na arquitetura do período Stuart não são de grande utilidade quando se vive no interior do Panamá.

Richard sorriu. Era um sorriso de compreensão para variar. Destiny sentiu um formigamento pelo corpo como se estivesse recebendo uma carícia. Sua respiração se tornou mais rápida. Precisava dar um jeito de se controlar.

Por duas horas, Destiny seguiu Richard de quarto em quarto, como se ele fosse um guia turístico. Não olhou para ele nem sequer por uma vez. Tentou se concentrar apenas na observação da casa. Até que espiou pela janela de um dos aposentos, viu Stephanie deitada em uma espreguiçadeira, e sentiu Richard parar à suas costas.

— Que tipo de mulher seria ideal para mim em sua opinião?

Destiny engoliu em seco.

— Acho que Stephanie é um amor de pessoa.

— Não foi isso que eu perguntei.

— Está comprometido com minha prima. Ela é a mulher ideal para você.

Richard deslocou-se de forma a ficar de frente para Destiny.

— Você não acredita no que está dizendo.

— Por que me fez essas perguntas? — Destiny protestou.

— O que importa o que eu penso?

— Estou interessado em saber. Já notei o modo como olha para nós.

Destiny mordeu o lábio. Não imaginava que sua indiscrição tivesse sido notada.

— Talvez você esteja certa — Richard admitiu um instante depois.

O calor que subiu pelo corpo de Destiny a deixou assustada. Aquilo era desejo sexual. Embora a sensação fosse inédita, ela a reconhecia por instinto.

— Acha que eu preciso de uma mulher que me desafie, que me provoque mais?

— Não sei de que nem de quem você precisa — Destiny se apressou a dizer.

— É verdade. Quantos de nós são capazes de saber de que precisam sem antes experimentar?

De repente, sem que Destiny atinasse para o que estava por acontecer, Richard a tocou. Foi apenas um leve toque em seus lábios, mas o efeito foi suficiente para deixá-la úmida e com a respiração suspensa. Como se não bastasse, seus mamilos pareceram inchar.

— Não! — Destiny implorou sem forças para encará-lo.

— Vamos ver o resto da casa, por favor.

Richard demorou a responder. Estava com as costas apoiadas contra a janela e não encontrava forças para se mover nem para falar.

Por sorte, eles conseguiram eventualmente continuar o tour em clima de camaradagem, como se o breve momento de loucura não tivesse acontecido.

Mais tarde, Richard sugeriu que fizessem um intervalo para o almoço e eles foram chamar Stephanie na piscina.

O cardápio consistiu de uma salada. Outra vez. Destiny soube de antemão que em poucas horas estaria sentindo fome.

— Não se preocupe — Richard a tranqüilizou depois que acompanharam Stephanie novamente à piscina e retomaram o tour. — O jantar será mais nutritivo. Na Inglaterra, é costume servir apenas salada em dias quentes de verão.

Eram seis horas da tarde quando Richard e Destiny decidiram interromper o tour até o dia seguinte.

— Você está bonita com esse tom bronzeado — Destiny elogiou Stephanie.

A jovem deu uma voltinha.

— O que você acha, Richard?

— Mmm — ele murmurou, distraído. Ou melhor, preocupado. Não parava de pensar na conversa que precisava ter sem demora com sua noiva.

— Tenho certeza de que ele concorda comigo — disse Destiny.

— Como pode saber o que eu acho? — Richard retrucou.

As duas mulheres o encararam, surpresas. Stephanie mais do que isso.

— Por que você tem de ser tão rude? Por que não pára de se comportar como se fosse o dono do mundo?

Destiny se manteve em silêncio. Sabia que era a culpada daquela cena, mas, talvez, ela estivesse precisando acontecer realmente.

— Destiny, por que não sobe e descansa antes do jantar? -— Richard pediu com um olhar significativo. A oportunidade de uma conversa com Stephanie havia surgido e ele não iria perdê-la. Sem olhar para ela, disse — A caseira a acompanhará a seu quarto.

 

Quando Destiny desceu para jantar, duas horas mais tarde, estranhou o silêncio. Não havia ninguém nas salas e ela resolveu ir à cozinha perguntar a Deirdre, a esposa de Harold, sobre Stephanie e Richard.

Encontrou Stephanie sozinha, ocupada em tirar algo do forno.

— Richard foi embora — ela disse, antecipando a pergunta. — E eu dispensei Harold e Deirdre porque achei que não precisaríamos de seus serviços, uma vez que estamos apenas nós duas na casa.

— Você preparou tudo isso sozinha? — Destiny se referiu aos vários e aromáticos pratos.

— Céus, não! — Stephanie negou com um movimento de cabeça e riu. — Só sei fazer torradas e ovos mexidos. Deirdre deixou tudo pronto. Eu só aqueci. Ela não queria aceitar a oferta de uma folga. Estava com receio que eu estragasse sua comida.

— Você estragou?

— Cá entre nós, deixei o suflê queimar. Mas há comida suficiente para um batalhão. — Stephanie serviu o vinho. — Espero que você esteja com fome porque eu perdi a minha.

— Não precisava ter me defendido aquela hora — Destiny lembrou. — Fiquei aborrecida por vocês terem se desentendido por minha causa.

— Não seja boba. Não foi por sua causa — Stephanie respondeu, tentou comer, mas desistiu. — Meu noivado com Richard deveria ter sido rompido tempos atrás. Em vez disso, fomos deixando o tédio tomar conta de nosso relacionamento. Nunca brigamos. Por outro lado, nunca conversávamos. A magia havia acabado, mas como nos dávamos bem, nos acomodamos.

Até eu surgir em cena, foi o pensamento que ocorreu a Destiny.

— Então está tudo acabado? — Destiny perguntou, constrangida.

Stephanie fez que sim com a cabeça.

— Eu lhe devolvi o anel e me senti aliviada, para ser sincera. Não brigamos. Ao contrário. Tivemos uma conversa bastante civilizada. No final, nos despedimos como amigos.

— Ainda bem.

— Sentirei falta dele, é claro. Estou acostumada a sua companhia. Entendo, porém, que amizade não é motivo para duas pessoas unirem suas vidas. Que espécie de casamento teríamos, afinal, sem desejo, sem excitação?

— Acho que você está certa — Destiny concordou e a imagem de Henri voltou a sua lembrança.

— Já imaginou? Seria como eu estar casada com meu irmão! — Stephanie recuperou algo de sua vivacidade e deu algumas garfadas. — Eu descobri que quero emoções e fogos de artifício, não apenas me sentir orgulhosa porque tenho a meu lado um homem que é o sonho das outras mulheres. Acima de tudo, eu percebi que Richard sempre me trata como se eu ainda fosse uma criança.

— Você disse isso a ele?

— De que adiantaria? Não se trata de eu querer lutar por ele ou por nós. Fiquei aliviada por estarmos terminando. Triste, mas aliviada. Agora estou disponível para ir em busca do amor verdadeiro.

— Você encontrará um novo namorado em um piscar de olhos — Destiny afirmou, convicta. — Não é meu caso — prosseguiu após um suspiro. — Nos confins do mundo onde vivo, dificilmente encontrarei o amor. O mais provável é que acabe meus dias sozinha, cuidando dos outros sem ter quem cuide de mim.

— Você tem Henri.

Destiny se levantou e se pôs a tirar os pratos da mesa enquanto Stephanie se dispunha a lavá-los.

— Henri é mais um amigo do que um namorado.

— Nunca viu fogos de artifício quando ele a beija?

— Nós gostamos um do outro.

— Você não me respondeu.

— Ele é um ótimo companheiro. Bom, atencioso, alegre...

— Já dormiram juntos?

— Stephanie! — Destiny protestou. Não imaginava que alguém pudesse fazer confidencias íntimas a esse ponto.

— Dormiram ou não dormiram?

— Bem, você tem de entender que...

— Não dormiram — Stephanie deduziu.

— Não — Destiny confirmou, corada.

— Mas a tentação existe?

— Bem...

— Não precisa dizer mais nada. Já entendi tudo — Stephanie declarou e as duas se olharam em perfeita sintonia. Tanto que não voltaram a mencionar os nomes Henri e Richard pelo resto da noite.

Às dez e trinta, quando Stephanie disse que iria se recolher, Destiny teve certeza de que sentiria saudade de sua prima. Na selva, ela não contava com a amizade de nenhuma mulher que pudesse lhe dar conselhos sobre moda, sobre combinação de cores, sobre estilos de cortes de cabelo. Mas de que sentiria falta, realmente, seria do interesse de Stephanie por sua felicidade. Sentiria falta de seu riso, de suas conversas, mesmo as mais frívolas.

Pela primeira vez, ela percebeu que não era totalmente feliz no Panamá. Que algumas de suas necessidades nunca poderiam ser supridas no meio da selva.

— Boa noite — Stephanie se despediu e surpreendeu Destiny ao lhe dar um forte e demorado abraço ao saber que a prima preferia ficar mais um pouco na sala.

— Estou feliz que esteja aqui comigo. Gosto muito de você.

— Obrigada.

— Procure não ficar acordada até tarde. As mulheres precisam do sono da beleza.

Destiny se lembrou de que sua mãe costumava lhe dizer isso quando era viva. A nostalgia trouxe lágrimas a seus olhos e uma insistência da parte de Stephanie para que tomasse um cálice de vinho do Porto para relaxar.

Alguns minutos depois, encolhida em um dos sofás, Destiny se entregou a uma avalanche de pensamentos entre um gole e outro do vinho. De repente, ouviu passos e se sentou, certa de que Stephanie perdera o sono e decidira conversar mais um pouco.

— Richard! — exclamou, surpresa. — Stephanie me disse que você havia retornado a Londres.

— Esqueci algo e precisei voltar — Richard respondeu e se sentou em uma das poltronas. — O que está bebendo?

— Vinho do Porto.

— Estou certo ao dizer que está começando a se acostumar com as coisas boas da vida? — O tom de voz era provocativo. Destiny sentiu que Richard estava mal-humorado e com disposição para brigar. E por que não? Durante a viagem de ida e volta a Londres, tempo não lhe faltara para refletir sobre o que acontecera entre ele e Stephanie. Tempo mais do que suficiente para ele descobrir que a mudança de comportamento da noiva ocorrera depois da chegada da prima do Panamá. Stephanie poderia estar aliviada com o término do noivado, mas o comportamento de Richard indicava o contrário.

— O que foi que você esqueceu?

— Que a convidei para vir aqui para lhe mostrar a propriedade e que não era certo abandonar a tarefa pela metade.

—Não precisaria ter se dado ao trabalho. Acho que eu seria perfeitamente capaz de andar por aí sozinha.

— E lhe dar a impressão de que não sou um cavalheiro?

— Richard deu uma risada que a deixou ainda mais atenta.

— Não irá me oferecer um cálice de vinho do Porto? Você sabe que eu estou precisando de um drinque depois do dia que tive.

— A garrafa está na cozinha. Se quer que eu sinta pena de você, não está sabendo como me atingir.

— Por que você deveria sentir pena de mim? — Richard retrucou para dispensar uma resposta em seguida. — Não. Não diga nada. Não antes que eu tome alguma coisa.

Em vez de aproveitar os minutos longe de Richard para relaxar, Destiny sentiu-se ainda mais perturbada.

— Você estava dizendo...?

— Que sinto muito que não tenha dado certo entre você e Stephanie.

— É mesmo? Por quê?

— A culpa não foi minha.

— Eu nunca disse que a culpa era sua. — Mas era o que Richard estava pensando. Destiny havia entrado em sua vida como um furacão que derrubava tudo por onde passava. Em matéria de assuntos do coração, ele sabia que sua relação com Stephanie não ia bem. Com o tempo, eles teriam terminado, não havia dúvida. Mas não teria sido tão abrupto.

Não disse a verdade a Destiny sobre não ter ido a Londres. Quando saiu, era essa sua intenção. Mas ele não passou além do pub mais próximo, onde bebeu muito mais do que seria socialmente aceito. Por sorte, também foi muito menos do que o necessário para ele perder o controle de sua mente. Ao perceber que não estava em condições de dirigir durante vinte minutos, que era a distância até a mansão, ele chamou um táxi.

Agora, estava novamente sob o escrutínio daqueles olhos verdes feiticeiros que eram os responsáveis por ele ter fechado seu coração a uma mulher e o aberto a outra. Porque no decorrer daquele dia, ele havia descoberto que seu interesse por aquela quase desconhecida tornara-se uma paixão e uma necessidade profunda de conhecê-la melhor e de tê-la a seu lado em todos os momentos.

Ao mesmo tempo, essa invasão em sua alma o assustava. Ele queria seu autocontrole de volta. Não queria se sentar a sua mesa diante de pilhas de papéis e não conseguir trabalhar porque sua mente insistia em sabotar sua concentração.

— Talvez vocês não tivessem sido feitos um para o outro — Destiny sugeriu. — Talvez faltasse paixão no relacionamento. Qual seria a vantagem de vocês casarem, se esse era o caso?

— O que a faz pensar que sem paixão um casamento não tem chance de dar certo? — Richard questionou. Afinal, que experiência tinha Destiny para querer lhe dar lições sobre o assunto?

— Se está tentando me convencer a pedir que Stephanie fique com você, está falando com a pessoa errada.

Richard inclinou-se para a frente e apoiou os cotovelos nos joelhos.

— Quer dizer que não faria isso por um homem que está com o coração partido? — Antes que Destiny tivesse tempo de responder, Richard continuou. — Não precisa fazer nada disso, ok? Porque eu não quero. Você está totalmente certa sobre mim e Stephanie. Nós já deveríamos ter transformado nossa relação em amizade há muito tempo. — Richard se levantou e se pôs a andar de um lado para outro. — É claro que você tomou parte, indiretamente, da tomada de decisão.

— Eu não fiz isso! — Destiny protestou.

— Desde que chegou, Stephanie não pára de falar a seu respeito.

— Você não está sendo justo!

— Talvez não. — Richard se deteve e encarou-a. — Afinal, você não tem nenhuma experiência sexual para dar esse tipo de ensinamento.

— Eu nunca disse que tinha — Destiny respondeu de olhos baixos dessa vez.

Richard respirou fundo.

— Sabia que é uma mulher sedutora embora não tenha experiência com o sexo oposto?

— Eu? Sedutora? — Destiny riu, constrangida. — Onde eu aprenderia técnicas de sedução? Com os macacos?

— Sou capaz de apostar que você e Stephanie tiveram uma longa e elucidativa conversa — Richard continuou acusando —, enquanto eu me afundava em meus problemas com uma garrafa e um copo como única companhia.

— Pensei que você tivesse dito que passou o dia em Londres.

— Era para lá que eu pretendia ir, mas a viagem terminou no vilarejo.

Porque você estava chocado com o rompimento, Destiny pensou, embora não queira admitir.

Homens como Richard precisavam de mulheres submissas, prontas para se curvarem à vontade deles. No instante que Stephanie começou a se rebelar, Richard reagiu da maneira típica. Talvez ele não estivesse ferido, a não ser em seu orgulho. Talvez Stephanie estivesse enganada sobre o término do noivado ter sido um alívio para ambos.

— Então você andou bebendo. — Destiny balançou a cabeça em sinal de desaprovação.

— Um copo ou dois de uísque. Não é um crime diante das circunstâncias.

— Não. Mas agora você deveria ir para a cama.

— É um convite?

— Não, claro que não! — Destiny protestou, mas a simples fantasia do que poderia acontecer a deixou com o coração aos saltos. — Olhe, acho que está precisando de uma boa xícara de café.

— Eu não estou bêbado.

— Não, talvez não, mas...

— Por que não? — Richard colocou as mãos nos bolsos. — Um café iria bem agora.

— Preto?

— E com açúcar.

Destiny se dirigiu à cozinha, aliviada por poder se afastar por alguns minutos e recuperar o controle sobre si mesma. Não o ouviu entrar. Só percebeu que não estava sozinha quando o café ficou pronto e ela se preparou para voltar para a sala.

O susto a fez recuar e derramar o café. A dor a fez dar um pequeno grito e correr para a pia.

— A culpa é sua! — ela o acusou enquanto esperava que a água fria acalmasse a dor da queimadura. — Se não tivesse vindo atrás de mim como um espectro, isso não teria acontecido.

— Perdoe-me — Richard se limitou a dizer, evidentemente perturbado. — Quer que eu a leve ao pronto-socorro?

— Lógico que não! Trata-se de uma pequena queimadura, não de um osso quebrado!

— Graças a Deus! Abe deveria ter alguns remédios neste mausoléu. — Richard começou a abrir os armários para procurar algo que servisse.

— Não foi nada grave.

Richard olhou para Destiny e passou uma das mãos pelos cabelos.

Destiny suspirou.

— Por que não se senta e se acalma? Você está pior do que eu. Ou, então, por que não prepara outra xícara de café?

Foi a vez de Richard suspirar.

— Você está certa. A culpa foi minha. — Ele olhou para a mancha vermelha na mão de Destiny sob o jato de água. — Tenho um estojo de pronto-socorro no carro. Vou buscá-lo e... Esqueça. O carro ficou no bar. Céus, o que fui fazer...

— Foi uma queimadura leve, não se preocupe. Você já deve ter visto uma bolha antes.

— Para ser franco, não.

— Nunca se queimou?

— Não que eu me lembre.

Pouco a pouco, o humor foi recuperado. Richard estava mais calmo e se sentou ao lado dela no sofá. Mas quando tornou a examinar a queimadura, sua expressão tornou-se novamente preocupada.

— Está horrível! — Richard murmurou e a fez repousar a mão em sua perna.

— Você nunca viu uma picada de cobra, ou não estaria tão impressionado.

— Juro que não entendo como você consegue — Richard desabafou.

— O quê? — Destiny perguntou com um fio de voz. Queria retirar sua mão, mas, ao mesmo tempo, sentia uma vontade quase incontrolável de acariciar aqueles músculos fortes.

— Levar a vida que leva.

— Fala como se eu fosse uma espécie de heroína e eu não sou.

— Nunca sentiu vontade de viver em outro lugar?

— Isso não acontece com todos nós?

Eles se fitaram. Em seguida, Richard voltou a olhar para a mão de Destiny e se pôs a acariciá-la.

— Então sentirá falta de Londres? Às vezes, chego a esquecer que você não é inglesa, pois fala nossa língua melhor do que a maioria das pessoas.

— Porque meus pais insistiam que falássemos apenas inglês em casa.

— Destiny, você está ansiosa por voltar ao Panamá?

— Essa é a maneira que encontrou para perguntar se eu já tomei minha decisão sobre a casa? — Destiny retirou a mão do colo de Richard no mesmo instante.

— Não! Você entendeu errado! A casa é a última coisa que ocupa minha mente neste momento.

Destiny estreitou os olhos.

— O que está em primeiro lugar?

Ele não respondeu de imediato. Apenas encarou-a. Destiny sentiu o sangue lhe subir às faces.

— Isto. — Richard a puxou delicadamente pelo pescoço e beijou-a.

Não foi um beijo suave, como Destiny pensou que seria ao senti-lo apenas pousar os lábios nos dela. De repente, ele respirou fundo e introduziu a língua em sua boca ao mesmo tempo que mergulhava a mão febrilmente em seus cabelos.

Confusa, ela tentou se afastar. Mas algo estranho e poderoso a dominou e a obrigou a se render.

O despertar de sua inocência virginal foi explosivo. Ela ergueu os braços e enlaçou-o pelo pescoço. Gemidos escaparam de sua garganta no instante que Richard se afastou e se pôs a cobrir seu queixo e seu pescoço com mais beijos.

Ela sabia tudo sobre o ato da procriação. Em plantas e animais. Em seres humanos, estudara a respeito. Mas o que estava sentindo não se comparava às explicações médicas nem científicas. E não havia termos de comparação com o que Henri a fizera sentir.

Parecia outra mulher. Estava se contorcendo, gemendo e querendo. Deitaram-se no sofá e ela fechou os olhos quando Richard introduziu as mãos sob sua blusa. Em vez de afastá-lo ao sentir que ele estava tentando despi-la, ela ergueu os braços para ajudá-lo.

— Você é linda — Richard murmurou ao vê-la de sutiã.

— Não diga nada — Destiny pediu. Três pequenas palavras apenas, mas foi o suficiente para enlouquecê-lo ainda mais de desejo. Destiny estava respirando rápido. O som era afrodisíaco. Ele jamais havia experimentado momentos de volúpia tão intensos. Todas as experiências anteriores com outras mulheres agora pareciam sem importância.

A vontade de tirar aquele sutiã era quase irresistível. Para não assustar Destiny, contudo, ele procurou se conter. Mas beijar aqueles seios, embora cobertos de renda, ele tinha de fazer.

Amor e paixão eram uma mistura vulcânica. Apesar de inocente e inexperiente, Destiny não era uma mulher fria nem tímida. Ela o queria e não disfarçava como teria feito uma mulher mais vivida.

Apesar de sua disposição em contrário, Richard procurou o fecho do sutiã e soltou-o. Mal podia esperar para tocar naqueles seios macios e voluptuosos. Não sabia como explicar, mas era como se sempre tivesse esperado por aquele momento.

Destiny não queria que ele falasse. Mesmo que quisesse, não poderia. Estava distraído demais em admirar aqueles seios fartos, firmes, com mamilos que pareciam estar implorando por serem sugados.

Não teria pressa, dessa vez, Richard prometeu a si mesmo. Ele iria ignorar as pressões de sua masculinidade.

Inclinou-se e tomou um dos seios em sua boca para acariciá-lo lentamente. O corpo de Destiny, como sua companhia, era para ser saboreado.

Destiny, no entanto, parecia não concordar com seu propósito. Ela lhe segurou a cabeça e implorou por mais do que pequenas carícias com a língua e os lábios. Richard não a fez esperar. Segurou o seio com firmeza e se pôs a sugar avidamente o mamilo ao mesmo tempo que deslizava a outra mão pela cintura e quadris até chegar às coxas.

O instinto a fez saber onde Richard iria parar. Não tentou impedi-lo. Era o que ela queria também. Seu corpo parecia estar derretendo.

Mas no instante que Richard puxou o zíper de seu jeans, Destiny sentiu-se invadir por uma onda de pânico. Ela nunca havia feito amor antes e não era dessa maneira que queria perder sua virgindade.

— O que foi? — Richard estranhou ao senti-la se contorcer sob seu corpo.

— Não posso.

— Não pode? — ele perguntou, sem fôlego.

— Sinto muito — ela murmurou com um fio de voz. — Eu nunca...

— Serei gentil, minha querida, prometo.

— Você não está entendendo... — Ele a chamara de sua querida, mas não havia nada entre eles. A fria realidade a atingiu com impacto. Qual a razão daquele súbito desejo por parte de Richard? Não era difícil adivinhar. Richard estava ferido em seu orgulho de homem e ela estava pronta e disponível para saciar sua necessidade de afirmação.

— Não, realmente não estou. Você me queria até um minuto atrás e...

— Isto não está certo — Destiny o interrompeu e pensou em empurrá-lo, mas não foi necessário porque Richard se afastou e se sentou a seu lado.

— Por que não? — ele insistiu. — Não somos mais crianças.

— Não, mas eu não me sinto bem como substituta de Stephanie.

— Você não é!

— Além disso, não sou do tipo que... Eu acho que é preciso existir amor. Talvez as mulheres daqui consigam, mas eu não posso. Por favor. Quero ir para meu quarto.

— Esteja à vontade — Richard respondeu, brusco. — Não pretendo impedi-la. Mas deveria saber que não é certo provocar um homem para deixá-lo no estado em que me encontro.

As palavras de Richard ficaram ecoando na cabeça de Destiny. Mas não se arrependia por ter parado. Desejo e volúpia eram emoções fortes, mas não fortes o suficiente. Ela precisava de segurança e de estabilidade. De um casamento como mandava a tradição.

Destiny trancou-se em seu quarto, atirou-se na cama e afundou o rosto no travesseiro. Sentia-se à beira de um abismo. Precisava colocar os pés no chão e voltar à realidade. E só havia uma pessoa capaz de ajudá-la.

 

Oito dias depois, Henri estava desembarcando no aeroporto Heathrow para passar alguns dias com Destiny antes de seguir para Paris onde morava sua mãe e onde ele costumava passar as férias todos os anos.

Até que Henri chegasse, Destiny se dedicou quase que exclusivamente à empresa. Teve reuniões diárias com a diretoria, esteve duas vezes com o advogado, jantou quatro noites com Stephanie e procurou não pensar em Richard.

De certa forma, ela teve sucesso.

Ao menos durante o dia, conseguia se ocupar com as complexidades de contas e orçamentos que mesmo a seus olhos inexperientes pareciam otimistas em excesso. Quando ficava sozinha à noite, contudo, os momentos íntimos com Richard voltavam a sua memória com força total. Mais ainda, o modo distante como a tratara no dia seguinte ao lhe mostrar a propriedade.

Richard parecia calmo e tranqüilo tal como se mostrava com Stephanie após o rompimento. Era como se estivesse querendo provar algo a todos, principalmente a si mesmo. E o que mais provou, com seu silêncio, foi que o que houve entre eles não havia significado nada.

A única vez que Richard a procurou, por telefone, foi para perguntar se ela já havia chegado a uma conclusão sobre sua oferta. E ela respondeu com o discurso ensaiado sobre ainda precisar de algum tempo para se aconselhar com seu advogado.

Sua voz deveria ter soado normal do outro lado da linha, mas se Richard a visse, notaria suas mãos trêmulas e seu rosto pálido.

Agora, ela estava contando com Henri para recuperar seu bom senso.

Viu-o entre os passageiros que passavam pelo controle de alfândega. Ele estava puxando sua bagagem e olhava para todos os lados a sua procura. Com um sorriso nos lábios, ela se pôs a acenar e o saudou com um abraço quando se encontraram.

— Você está diferente, Dessie — ele disse depois de examiná-la com admiração da cabeça aos pés. — Muito elegante. Onde foi parar minha garotinha de roupas coloridas e rosto sem maquiagem?

— Ela está temporariamente de licença — Destiny respondeu. — Conte-me as novidades. Como está meu pai? Como estão todos? — Destiny apoiou-se no braço de Henri e seguiram em direção à saída.

Ao contrário dela, Henri continuava o mesmo. Talvez , mais magro, mas com o mesmo sorriso e os mesmos óculos pequenos e redondos.

— Estou contente que você tenha feito uma escala em Londres para me ver, Henri. Sei que sua mãe o espera em Paris — Destiny declarou uma hora mais tarde.

— A tentação de ver minha pequena Destiny em outro ambiente que não o da selva foi irresistível — Henri confessou. Estavam bem perto um do outro e Henri, o primeiro homem por quem ela dedicara algum interesse, estava olhando em seus olhos. Mas o sentimento que ele lhe despertava nada tinha a ver com as emoções que Richard a fazia sentir. Destiny descobriu, finalmente, que gostava de Henri como se ele fosse um irmão. Com Richard, ela, se sentia mulher. — Além disso — Henri prosseguiu —, seu pai estava preocupado com você.

— Meu pai preocupado comigo? Por que razão? Está tudo bem por aqui.

— Se estivesse tão bem, você não teria me chamado.

— Eu estou bem — Destiny insistiu. — Queria ver você. Pensei que não ficaria aqui para sempre e que poderíamos aproveitar para conhecer Londres juntos.

— Tem certeza?

— Claro que sim! — Destiny afirmou, mas não conseguiu dizer isso olhando nos olhos de Henri. — Gostaria de comer alguma coisa? Ou beber algo? Como foi a viagem? Está cansado? Se quiser descansar, posso lhe mostrar seu quarto.

— Para responder suas perguntas, não, sim, bem, sim, daqui a pouco — Henri tentou brincar, mas continuava curioso e também preocupado sobre o verdadeiro motivo que levara Destiny a chamá-lo.

— Consegui autorização para você conhecer o departamento médico da empresa. Achei que seria interessante — Destiny contou a caminho do quarto, que mandara preparar para o amigo.

— Sem dúvida, mas talvez não venha a ser útil para nós, se você se decidir pela venda da companhia.

— Estou estudando o caso — Destiny respondeu com franqueza enquanto puxava as cortinas. — Richard Ross me fez uma oferta. Ele é a pessoa que está querendo comprar a empresa. Eu já lhe falei sobre ele?

— Por alto.

— Bem, ele está querendo investir na firma em troca de uma casa no campo que também consta do testamento.

— Veja se eu entendi direito. Esse homem está disposto a investir milhões em uma empresa que só está dando prejuízo nos últimos tempos e quer apenas uma casa em troca?

— É uma casa grande, uma mansão.

— Acha que ele quer apenas a casa nesse negócio? — O tom de voz soou malicioso. — Será que ele não quer você como parte da barganha?

Destiny apoiou as mãos na cintura e franziu o rosto.

— Que idéia absurda foi essa? Lógico que eu não estou incluída na barganha! Ele não é meu tipo e eu sou muito menos o dele! Richard Ross é o sujeito mais arrogante e mandão que já conheci.

— Ok, ok. — Henri ergueu as mãos em rendição. — Já entendi tudo. Arrogante e mandão. O tipo de homem que uma mulher firme e determinada como você não suporta.

— Exatamente. — Destiny concordou com um gesto de cabeça. — De qualquer modo, ele terminou o noivado com minha prima, ou melhor, ela terminou com ele. Stephanie me contou que se sente aliviada como se tivessem tirado um peso de suas costas.

— Parece que você já faz parte do mundo dos ricos, Dessie.

— Ora, que é isso? — Destiny protestou e ameaçou Henri de atacá-lo, mas com um grande sorriso nos lábios que o fez reagir com uma risada. — Que acha de conhecer seu quarto agora e aproveitar para descansar? Amanhã será um longo dia. Como você ficará apenas dez dias em Londres, preparei um roteiro básico. Hoje à noite, iremos ao teatro junto com minha prima. Ela está ansiosa por conhecer você.

— Não andou contando mentiras a meu respeito outra vez, andou?

— Mentiras, eu?

— Sim, como daquela vez que fomos à cidade e você pediu que eu fosse apanhar uma blusa que você havia comprado e que deixou na loja para ser ajustada. Eu estava lá e você apareceu dizendo à vendedora que não via nada de errado com homens que gostavam de se vestir como mulheres.

— Eu era uma criança na época!

— Uma criança de dezenove anos!

Foi agradável rever Henri e contar com sua companhia. Ela teve o cuidado de não mencionar nada sobre Richard Ross além do estritamente necessário sobre negócios. Tinha certeza de que a história iria parar nos ouvidos de seu pai e isso o deixaria realmente preocupado. Seu pai e sua mãe haviam namorado desde a adolescência e casado no civil e no religioso. Se ele soubesse que a filha não fizera amor por pouco com um homem desconhecido, poderia sofrer um enfarte.

Por outro lado, se evitasse demais tocar no nome de Richard, Henri poderia ficar desconfiado. Por esse motivo, ela se lembrou de mencioná-lo duas ou três vezes no dia seguinte.

A noite prometia. Stephanie ficara de encontrá-los na porta do teatro às seis e trinta. Às cinco e quarenta e cinco, Destiny estava pronta para saírem.

— Linda, deslumbrante, fabulosa! — Henri aplaudiu-a e assobiou antes de se inclinar e lhe beijar a mão. — Seu pai ficaria orgulhoso.

Destiny sorriu. Ainda estranhava se vestir com glamour, mas na verdade se sentia bem com a nova figura. O guarda-roupa inicial, que comprara com relutância, havia se expandido e contava agora com diversos modelos de festa.

Naquela noite, ela estava usando um vestido verde-escuro que chegava quase aos tornozelos. O decote era pronunciado. Além disso, calçara sapatos de salto alto, algo jamais experimentado no Panamá. Ou Henri ficaria mais baixo do que ela, como estava acontecendo.

Chamaram um táxi para levá-los ao teatro. Embora estivessem no horário, Stephanie não se encontrava diante da bilheteria. Esperaram até o último instante e compraram os ingressos. A peça estava para começar quando Stephanie entrou como se fosse uma princesa com os súditos voltados para ela para lhe render homenagem.

Destiny sorriu ao adivinhar a estratégia da jovem morena. O que não esperava era que Henri fosse ficar de queixo caído por ela como estava acontecendo com muitos outros homens.

Stephanie estava usando um vestido curto, azul-claro. Seus cabelos ondulados estavam lisos naquela noite e flutuavam ao redor do rosto e sobre os ombros como se fossem fios de seda.

Foi uma entrada triunfal, Destiny pensou, divertida, quando a fileira inteira se levantou para dar passagem.

— Você deveria ter me avisado que ela era bonita — Henri murmurou.

— Por quê? Você teria se apresentado de outra maneira?

— Ao menos teria colocado perfume.

— Você está perdendo seu tempo como cientista, dr. Henri — Destiny caçoou. — Deveria estar escrevendo um manual de conquista.

O sorriso de Henri foi um sinal de que eles eram apenas bons amigos e que o interesse dele como homem estava voltado para Stephanie naquele momento. A atração que havia surgido entre eles fora passageira, fruto, certamente, da falta de escolha pelo isolamento em que ambos viviam. Gostavam um do outro e se davam bem e chegaram a trocar alguns beijos e carícias, mas ficara evidente agora que não havia e nunca haveria nada de mais sério naquele relacionamento. Henri estava a seu lado e não parava de olhar para outra mulher. Em vez de ciúmes, ela estava se divertindo com isso.

Destiny viu chegar o intervalo com um suspiro de alívio. Ao menos, Henri teria a oportunidade de conversar com Stephanie em vez de ficar olhando o tempo todo para o lado e atrapalhar sua concentração no espetáculo.

Mas ele conversou com ela? Por sorte, a simpatia de Stephanie supriu a falta de assunto por parte dele. Além disso, Destiny estava empolgada demais com sua primeira peça de teatro para ficar calada.

O que Destiny não esperava era que Stephanie fosse demonstrar de maneira ostensiva que o interesse de Henri era correspondido.

— Não sei se vocês estão gostando da peça, mas eu preferiria ir para outro lugar mais sossegado.

— Poderíamos ir a um restaurante ou a um barzinho... Os olhares não deixavam dúvida. Destiny inventou uma desculpa para deixá-los a sós.

— Por que vocês não vão agora? Eu quero assistir à peça até o fim. Depois, chamarei um táxi para me levar para casa.

— Sozinha? A essa hora da noite? — Henri se mostrou preocupado.

— Não há problema — Destiny tranqüilizou-o. — Sou uma mulher independente, Henri. Era independente no Panamá, lembra-se? Por que seria diferente aqui?

O toque do final do intervalo soou e Destiny se despediu. Antes que desse três passos, porém, Stephanie estava a seu lado e lhe deu um beijo.

— Quero lhe agradecer, Dessie, e lhe dizer que estou me sentindo ótima!

Destiny voltou para sua poltrona com um sorriso nos lábios. As luzes apagaram antes que se sentasse. Foi uma surpresa ouvir a voz sussurrada de Richard em seu ouvido.

— Espero que não se importe que eu me sente a seu lado.

— O que está fazendo aqui?

Em vez de responder, Richard apoiou os cotovelos no braço da poltrona, de maneira a ficar ainda mais perto de Destiny.

— O que está fazendo aqui! — Destiny insistiu, tensa.

Ele fez sinal para que ela se calasse e indicou o palco onde os artistas já davam continuidade ao espetáculo.

Destiny mal podia acreditar que todo seu esforço fora inútil. Até mesmo a fragrância da loção após barba parecia estar colaborando para inflamá-la.

— Você não está se divertindo? — Richard perguntou. — Está respirando de um jeito que parece uma máquina a vapor prestes a explodir.

— Eu estava me divertindo.

— Até eu chegar, você quer dizer. — Richard não parecia estar ofendido. Isso a irritou ainda mais. Mas quando tentou dizer outra palavra, ele tornou a lhe pedir silêncio.

O restante da peça perdeu a graça. Mil perguntas ricocheteavam pela mente de Destiny, mas ela permaneceu calada até as luzes acenderem e as pessoas se dirigirem à saída.

Seguiu com a multidão, sem olhar para o lado ou para trás. Mas antes que chegasse à calçada, sentiu um aperto em seu ombro.

— Para onde agora?

— Eu chamei um táxi e...

— Posso pegar uma carona com você? É difícil conseguir um disponível a esta hora e nestas condições.

Ela não respondeu e Richard a seguiu, baseado no velho ditado sobre quem cala, consente. Mas não tornou a importuná-la até o motorista ligar o carro.

— Onde pretende jantar?

Ocorreu subitamente a Destiny que não era uma coincidência a presença de Richard no teatro. Ele deveria estar ali desde o início da peça. Sabia que ela viera acompanhada por Henri e Stephanie e que o fato de ela estar sozinha com duas cadeiras vazias a seu lado não significava que ela havia comprado três ingressos porque gostava de privacidade.

— Não estou com fome. Vou direto para casa.

— Você, sem apetite?

Destiny estreitou os olhos, mas, em vez de raiva, sentiu algo estranho diante daquele olhar intenso e sexy.

Richard mal podia se conter. Uma semana sem Destiny, depois de quase ter feito amor com ela, servira apenas para aumentar seu desejo. Jamais quisera tanto uma mulher. Por ela ser proibida, talvez. Porque não permitia sua aproximação por obedecer a princípios de moral.

— Às vezes acontece.

— Não esta noite — Richard retrucou e forneceu um endereço ao motorista.

— Aonde iremos? — A pergunta não demorou, conforme Richard esperava.

— A um pequeno lugar que conheço onde poderemos fazer uma refeição leve — Richard explicou sem parar de fitá-la. Olhar para Destiny lhe dava prazer. Sua pele era lisa como cetim e bronzeada como mel. Seus cabelos pareciam mais loiros em comparação. A vontade de estender a mão e tocá-los era imensa. Depois sua mão desceria até o pescoço e até o início dos seios que o decote deixava à mostra.

Aquele sujeito que a acompanhara ao teatro não combinava com ela. Destiny precisava de um homem de verdade. Dele. E ela sabia disso. Estava escrito em cada palavra não dita, em cada expressão que tentava disfarçar.

Henri. Esse era o nome do sujeito. A conversa de amigo que tivera com Stephanie na noite anterior fora de grande valia. Restava, agora, descobrir quais eram os planos de Destiny com respeito a Henri. Era o que pretendia "fazer assim que o táxi os deixasse em sua casa.

— E aqui o restaurante? — Destiny franziu o rosto.

— Maneira de falar — Richard respondeu enquanto pagava o motorista.

— O que está querendo dizer com isso? — Destiny se recusou a descer embora notasse a impaciência de Richard.

— Estou querendo dizer que há comida lá dentro. Destiny hesitou, mas acabou cedendo quando Richard a puxou gentilmente pela mão.

— E sua casa, não? — ela perguntou, corada.

A confirmação foi feita sem palavras. Richard abriu a porta, acendeu a luz e fitou-a.

— O que acha?

— Você me convidou para jantar! Eu pensei que fosse me levar a um restaurante!

— Eu não menti para você. Disse que conhecia um pequeno lugar onde poderíamos comer algo leve.

— Quero ir para minha casa!

— Por quê?

— Por quê? — ela perguntou, zangada. — Porque...

— Prometo não tocá-la. — Richard ergueu ambas as mãos. — A não ser que você queira... Eu a convidei para jantar e será apenas um jantar. De negócios, inclusive. Preciso resolver essa questão dentro de uma semana.

— Você nunca mencionou um prazo. Por que a pressa subitamente?

— Porque negócios funcionam assim. Meu contador precisa saber quais são as previsões para os gastos para poder fechar o budget.

— Mas eu ainda não posso lhe dar uma resposta! — Destiny exclamou.

Richard parou no meio da operação de apanhar panelas, talheres e alimentos.

— Por que não? Qual é o problema?

Destiny demorou a responder. Richard era rápido na cozinha. Cortou legumes em um piscar de olhos e levou-os ao fogo.

— Precisa de ajuda? — ela ofereceu.

— Não, obrigado. Sou capaz de preparar sozinho um jantar para dois, embora não prometa satisfazer o freguês.

— O cheiro está ótimo.

Dez minutos depois, Richard pediu que Destiny arrumasse a mesa e que se sentasse.

— Gostou? — Richard quis saber depois que Destiny deu a primeira garfada no espaguete com creme de queijo e legumes fritos.

— Está delicioso — Destiny respondeu, sincera. Richard sorriu e comeu um pouco do macarrão antes de tocar no assunto que o interessava.

— Não pude deixar de notar que você chegou ao teatro com um homem. Quem era? Algum amigo de Stephanie?

— Como conseguiu nos ver entre a multidão?

— Não foi difícil. Não com o atraso de Stephanie, se é que você entende o que quero dizer.

— Henri é meu amigo, na verdade — Destiny contou. — Ele trabalha comigo no Panamá e eu o convidei para passar alguns dias em minha casa.

—Entendi. Lamento por você que, aparentemente, perdeu seu companheiro. Ele saiu com Stephanie no intervalo, não foi?

— Você estava nos espionando? — Destiny protestou. — Se ainda está obcecado por Stephanie, por que não a procura?

— Eu não estava espionando ninguém — Richard se defendeu. — Com respeito a Stephanie, fico contente que ela já tenha encontrado alguém, mas lamento por você, que ficou sozinha.

— Não há o que lamentar. Henri é um amigo apenas.

— Um amigo da onça, eu diria.

— E você? Com quem estava? — Destiny perguntou, desconfiada.

— Com o pessoal do escritório. Terminou? — Richard fez menção de tirar os pratos, e ela se levantou para ajudá-lo.

Richard ordenou-se a ir mais devagar. Destiny não confirmou o que ele já sabia sobre o sujeito ser apenas um amigo. Por que, então, continuava com ciúmes? Porque ela o havia convidado para passarem alguns dias juntos? Porque ela confiava no outro e suspeitava dele em todos os aspectos?

— Sinto muito, mas não há sobremesa — ele disse, brusco.

— Vou ajudá-lo com a louça.

— Não se incomode.

— Não é incômodo. — Destiny apoiou-se contra a pia enquanto Richard lhe entregava uma esponja e uma garrafa de detergente. Da janela, dava para ver uma parte do jardim apesar da escuridão. O lugar era agradável. Mais agradável do que onde ela estava morando.

— Não espera que eu acredite que você e aquele homem são apenas bons amigos, espera?

O que havia com ele? Tinha certeza de que o tal Henri não estava envolvido sexualmente com Destiny. Mas precisava ouvi-la afirmar que o sujeito não significava nada.

— Você está com ciúmes de Henri?

— Que bobagem! — Richard deu uma risada. — Nunca tive ciúmes de ninguém!

Ele negou, mas Destiny sabia ler uma mensagem como aquela. Embora não se desse conta, Richard estava se sentindo traído. Não porque estava apaixonado por ela, mas porque outro poderia tê-la tocado quando ele a queria.

Com o coração batendo forte, Destiny pensou em tranqüilizá-lo. Dizer que não era preciso ter ciúmes porque ela só se apaixonara uma vez na vida. Por ele.

A descoberta a atingiu com a força de um raio. Para que Richard não percebesse, ela virou-se de costas.

— Isso a faz sentir bem? Saber que conseguiu despertar ciúmes em um homem como eu?

— Faz — Destiny admitiu.

No mesmo instante, eles largaram a louça. Embora estivesse com as mãos molhadas, Richard a segurou pelo rosto e se pôs a deslizar os dedos pela pele macia. Destiny não conseguiu afastá-lo. Apesar de sua determinação em contrário, estava ansiosa por estar naqueles braços fortes. Não era certo. Tinha medo de se entregar àquela louca atração. Mas o amava e o queria e seu medo de se arrepender depois, se o afastasse de sua vida, era ainda maior.

Assim, ela olhou nos olhos de Richard e depois em seus lábios e ele captou o sinal.

 

Por que não deixamos a louça para outra hora e subimos? — Richard cochichou no ouvido de Destiny.

Sem desviar seus olhos dos dele, Destiny enxugou as mãos e acompanhou-o. Não importava aonde Richard iria levá-la, desde que pudesse sentir o calor daqueles braços ao redor de seu corpo.

Destiny não prestou atenção em absolutamente nada pelo caminho. Se alguém lhe perguntasse se estava pisando sobre um tapete macio, sobre madeira ou cerâmica, ou ainda sobre brasas, ela não saberia dar uma resposta. Na verdade, sua sensação era de flutuar.

Até que chegassem ao quarto, Destiny estava tremendo da cabeça aos pés de excitação e também de nervosismo. Tanto que hesitou à porta.

— Imagino que você esteja acostumado a esse tipo de situação...

— Não é minha primeira vez, se é isso que está querendo dizer. Tenho alguma experiência e saberei como me comportar. Não tenha medo.

— Você não se importa que eu... ?

— Está se referindo a sua virgindade?

Destiny assentiu com um movimento de cabeça, constrangida demais para encará-lo. Nunca em sua vida poderia supor que sua condição um dia a faria se sentir vulnerável. Não que fosse obrigada a mudar isso. Poderia voltar atrás em sua decisão. Mas também sabia que não queria realmente desistir.

— Sinto-me honrado — Richard declarou com um sussurro e a puxou pela mão até o banheiro da suíte e a fez sentar em um banquinho.

— O que pretende fazer?

— Ajudá-la a relaxar.

Destiny engoliu em seco ao ver Richard abrir as torneiras da banheira e apanhar um frasco de sais de banho que misturou à água. Imaginou-o deitado ali, de olhos fechados e, é claro, completamente nu. O pensamento fez sua pulsação acelerar e a respiração se tornar mais rápida. Uma leve tontura a obrigou a fechar os olhos.

— Não está com sono, está?

Destiny ergueu os olhos para a figura alta que a fitava de cima com um sorriso.

— Não.

— Levante-se.

Destiny obedeceu. Não adiantava fingir que estava segura' de si. Richard podia notar a batalha que estava sendo travada entre seu medo do desconhecido e sua excitação. Era preciso que ele assumisse o controle. E que a fizesse sentir que podia confiar nele.

Richard beijou-a gentilmente nas pálpebras. Se Destiny pudesse adivinhar quanto ele também estava nervoso, embora não em relação à parte física do ato, ficaria agradavelmente surpresa. Ele sabia que era capaz de tocá-la com gentileza e lhe dar prazer. Que a faria não só recebê-lo em sua paixão como também corresponder a seus anseios.

Bem devagar, Richard puxou o zíper do vestido e deixou-o escorregar até o chão. Depois, quando estendeu as mãos para soltar o fecho do sutiã, percebeu que estava tremendo tanto quanto Destiny.

Sua vontade era deitá-la no chão e não esperar para lhe dar amor, mas Destiny era mais importante do que sua volúpia. Seria delicado. Queria tratá-la com todo carinho. Ao sentir os seios libertos, Destiny respirou fundo e jogou a cabeça para trás. Richard precisou apertar os punhos por um instante. Queria tocá-los, mas não o faria. Queria receber um sinal para ir em frente.

O ambiente estava em penumbra. Ele havia acendido apenas as arandelas sobre a pia. Cada movimento que faziam parecia mágico pelo efeito das sombras.

O corpo de Destiny era dourado, perfeito, como imaginara que seria. Para vê-la em sua total nudez, só faltava, agora, lhe tirar a calcinha. Ajoelhou-se a sua frente e deslizou a diminuta peça centímetro por centímetro. Estava tão emocionado que precisou fechar os olhos e se obrigar a recuperar o controle. Quando conseguiu abri-los, Destiny estava olhando para ele.

Levantou-se.

— Hora do banho. Você precisa relaxar.

Ela sorriu e acariciou-o no rosto, como se quisesse provar a ele e a si mesma que estava certa do que estava fazendo.

— Estou calma.

— O relaxamento ainda nem sequer começou — Richard avisou-a. — A sessão será longa.

Destiny tornou a sorrir e entrou, obedientemente, na banheira que estava tão cheia de bolhas de sabão que seu corpo desapareceu sob a superfície branca e cremosa.

Richard colocou-se às costas de Destiny e a transportou a um mundo de delícias com sua massagem. Quando parou, Destiny soube o que fazer sem que ele precisasse instruí-la. Levantou-se e ficou de frente.

Com as mãos cheias de espuma, Richard se pôs a massagear os braços. Destiny lhe sorria, agora, com a languidez de uma gata. Ele se dividiu entre os olhares para aquela boca que pedia beijos e para os seios que cobravam carícias.

A expectativa o deixou mais e mais excitado. O modo de Destiny fitá-lo não o permitia seguir o plano original. Ela o queria e não havia porque prolongar a espera.

Massageou os seios com a espuma até sentir os mamilos latejarem de tão eretos. Em seguida, passou para o ventre e as coxas. No momento que alcançou o centro de sua feminilidade, Destiny gemeu.

O banho terminou ali. A própria Destiny ligou o chuveiro para enxaguar o corpo e se apressou a sair da banheira para se envolver na toalha em que Richard a enrolou. Depois, por silencioso acordo, os dois seguiram para o quarto e se deitaram na imensa cama de casal.

A sensação de estar prestes a mergulhar no desconhecido a dominou outra vez. Por mais que desejasse dar aquele passo, o medo quase a vencia. Era como se estivesse à beira de um precipício e ninguém pudesse lhe dar uma certeza de que nada de mal lhe aconteceria caso caísse.

Não houve tempo para mais conjeturas. Em um piscar de olhos, Richard se despiu e ela se viu magnetizada pelo espetáculo. Richard era todo músculos. Parecia um atleta.

— Não teremos pressa, está bem? — Richard sugeriu, divertido, ao observar o olhar faminto e curioso. Estavam deitados juntos, olhando um para outro. — As melhores coisas da vida devem ser saboreadas. — Assim dizendo, Richard percorreu os lábios de Destiny com a ponta da língua para invadir totalmente sua boca de forma inesperada.

Trêmula de desejo, Destiny jogou a cabeça para trás em um convite para Richard beijar também o pescoço, os ombros e os seios. Seu peito arfava. Queria gritar de prazer, mas se conteve. No momento, porém, que Richard terminou a exploração de seu corpo, beijando-a entre as coxas, ela não conseguiu reprimir os gemidos de êxtase.

Se não estivesse tão concentrada em viver intensamente aqueles momentos, ela teria rido de seus receios. Como pudera ter medo de não saber o que fazer durante o ato de amor?

Enquanto Richard a beijava e acariciava, ela lhe afagava o rosto, os cabelos e os ombros. Contorcia os quadris o tempo todo em uma espécie de dança erótica e instintiva.

Destiny estava chegando ao orgasmo. Ao perceber isso, Richard afastou a boca e as mãos e a penetrou. Embora procurasse ser gentil, sentiu Destiny parar de se mover e até mesmo de respirar. Logo, porém, ela conseguiu aceitá-lo e acomodá-lo por inteiro.

Destiny pensou que fosse sentir vergonha quando o ato terminasse. Em vez disso sorriu quando Richard se retirou de dentro dela e se deitou a seu lado. Nunca havia se sentido melhor, mais livre. O bom senso insistia em retomar seu espaço, mas ela não queria se entregar ao arrependimento. Sua primeira vez, afinal, acontecera por amor. De sua parte. Não importava que Richard não soubesse sobre seus sentimentos. Em seu coração, ela não havia se traído.

— Foi maravilhoso — Destiny murmurou.

— Eu concordo — disse Richard e beijou-lhe a ponta do nariz.

— Não caçoe de mim. Eu não fiz nada.

— Como pode dizer isso? Você viu meu estado. E se ainda resta alguma dúvida, em poucos minutos terá a oportunidade de me ver pronto para continuar...

— Continuar? — Destiny fitou-o, perplexa. — Está dizendo isso apenas para que eu me sinta bem, não é?

— Lógico que quero que você se sinta bem. — Richard traçou o perfil do rosto de Destiny com a ponta do indicador. — Mas, antes, acho que minha linda garota precisa descansar.

— Não estou cansada — Destiny se apressou a afirmar. — Mas gostaria de uma ducha. Você se importa?

— Apenas se não permitir que eu lhe faça companhia — Richard respondeu com uma piscada carregada de malícia.

Mais tarde, após o banho mais demorado que Destiny já tomara, eles resolveram cuidar da louça do jantar.

Na cozinha, Destiny tentou imaginar como seria se ela pudesse continuar vivendo cenas como aquela, casada com Richard. Eles tomariam banho juntos, fariam amor e cuidariam juntos dos afazeres domésticos. Enquanto um lavava a louça, o outro a enxugaria. Aproveitariam cada minuto para conversarem, para trocarem idéias.

Quem havia afirmado que o amor precisava de tempo para florescer? Ela não concordava com essa opinião. A figura que mais se aproximava do amor era a erva daninha por ser capaz de crescer no mais hostil dos terrenos e com maior rapidez do que qualquer outra planta.

— É tarde — Destiny lembrou ao enxugar o último prato. — Preciso ir para casa.

— Por quê? — Richard abraçou-a por trás e apoiou o queixo sobre seu ombro.

— Por que eu preciso ir para casa?

— Sim. Por que quer ir embora quando ainda podemos fazer tantas coisas...? Não acha melhor fazermos amor juntos do que à distância? Acredita em telefonemas eróticos?

— O que é isso? — Destiny perguntou, divertida. — Acha que contamos com essa modalidade na selva?

— Parece incrível que você tenha vivido sempre longe da civilização. Diga-me, sua mãe se adaptou à selva tão bem quanto você?

— Mais. Meu pai me contou que se apaixonou por ela à primeira vista.

— Onde eles se conheceram? Em uma festa?

— Não. Ela estava dando pontos na testa de um menino que havia sido atingido por uma bola de críquete.

— Circunstâncias incomuns para um amor à primeira vista.

Destiny deu uma risadinha.

— Então, o que decidiu fazer? Ficar ou ficar? — Richard perguntou com um sorriso de quem não admitiria um não.

— Ficar?

— Fez a escolha certa. Teria feito?

Destiny nunca saberia dizer a que horas eles finalmente adormeceram aquela noite. Mas tinha certeza de que antes que se entregassem ao sono, ela já havia se tornado mais experiente em matéria de satisfazer um homem em questões do sexo.

Quando feixes de luz, vindos da janela, a despertaram, Destiny pestanejou. Em seguida, olhou para seu lado na cama e tudo que viu foi um lençol amarfanhado.

À luz da manhã, ela enxergou a fria realidade. As razões que a levaram a se entregar a Richard de repente pareciam ingênuas e ridículas. Palavras sedutoras e pouca luminosidade aliadas aos sentimentos de seu coração a fizeram esquecer suas reservas. Sua volta à realidade podia ser comparada ao impacto de uma nave retornando a Terra.

O que ela imaginara? Que poderia se entregar a uma noite, ou talvez a uma semana, ou ainda a um mês de amor, e então deixar a Inglaterra com a alma e o coração intactos? O que seria de sua vida no futuro? Panamá e recordações amargas?

Destiny engoliu em seco para não chorar. Haveria algum jeito de ela sair daquela casa sem ser notada?

Mas o que realmente a assustava era a suspeita de que, fossem quais fossem as sombras que povoavam o horizonte, ela ainda tentaria encontrar razões para prolongar o prazer de estar ao lado de Richard.

Os pensamentos ricocheteavam pela mente de Destiny quando Richard retornou ao quarto, usando um robe atoalhado branco, e carregando uma bandeja.

— Nosso café da manhã — ele disse com um lindo sorriso.

— A inglesa.

O desjejum consistia de tiras de bacon frito com lingüiças, torradas e ovos mexidos e duas xícaras de café.

Sem nenhuma cerimônia, Richard tirou o robe e sentou-se na cama. Em seguida, preparou um prato e entregou-o a Destiny.

— Você sabe como mimar as mulheres.

— Prefiro que use o singular — Richard pediu. — Sou homem de apenas uma mulher.

— Você estava apaixonado por Stephanie? — Destiny quis saber.

Richard hesitou. Paixão? Ele nunca havia sentido nada igual ao que experimentara na noite anterior. Paixão era algo forte, poderoso, que dominava um ser por completo. O que sentira por Stephanie fora uma simples afeição.

— Foi agradável por algum tempo — ele se limitou a dizer. — Eu gostei dela. Ainda gosto.

Destiny desejou pedir uma comparação com o que estava acontecendo com eles, mas não teve coragem. Serviu-se do desjejum em silêncio, colocou o prato sobre a mesa de cabeceira quando terminou de comer e agradeceu.

— Estava muito bom. Obrigada. Fazia anos que não era servida na cama. Da última vez, estava doente.

Destiny tornou a se deitar e ficou olhando para o teto. Richard terminou sua refeição e se deitou também. Mas em vez de olhar para cima, atreveu-se a puxar o lençol para admirar a beleza daqueles seios.

Por alguns instantes apenas porque Destiny virou-se para o lado e fitou-o, ansiosa por descobrir em que ele estava pensando. Nunca lhe passara pela cabeça que a reação de desejo de um homem tivesse o efeito de um afrodisíaco.

— Isso não precisa ter fim, você sabe — Richard murmurou alguns minutos depois, quando não resistiu e se pôs a tocar os seios que tanto o atraíam.

Destiny sentiu o fôlego faltar. Não era isso que estava esperando ouvir? Uma proposta de compromisso? De permanência? Aquela noite, então, não fora significativa apenas para ela? Richard estava sentindo o mesmo?

Ele sabia que ela não era do tipo aventureiro. Aquilo seria um pedido de casamento?

— Claro que não — tentou brincar. — Podemos comer outra vez mais tarde. Ou você está querendo um banho e voltar para a cama?

— Estou falando sério. — Richard deitou-se de costas e cruzou as mãos sob a nuca. Elas estavam úmidas de suor. Não ficara nervoso com Stephanie. Assumira um compromisso com Stephanie porque ela precisava de uma prova de segurança e não lhe custou atendê-la porque nunca havia gostado tanto de outra mulher.

Mas agora era diferente. Não podia imaginar sua vida futura sem Destiny a seu lado. Nunca dera nenhum valor às juras trocadas diante de um altar. Agora estava disposto a casar, a prometer fidelidade tanto na alegria quanto na tristeza.

Ao mesmo tempo, não conseguia encontrar coragem para dizer as palavras. Em nenhum momento daquela noite, afinal, havia sido mencionado o amor. O que era estranho. Ingênua como Destiny era, ela deveria ter dito que o, amava quando se entregou a ele. Talvez tivesse feito amor com ele apenas por curiosidade. Porque nunca abraçara o prospecto de tentar a vida longe do Panamá.

— Podemos nos casar — ele sugeriu, ainda com os olhos voltados para o teto. — Faz sentido, não? Nós nos damos bem na cama. Somos mais do que compatíveis e não apenas na parte sexual. Um casamento resolveria todas as questões com que estamos lidando nas últimas semanas. Em minha opinião, um casamento seria a solução perfeita.

Destiny era uma mulher inteligente. Não poderia deixar de reconhecer que ele estava certo, Eles se casariam e, com o tempo, faria com que ela se apaixonasse por ele assim como ele já havia se apaixonado por ela. Era o primeiro amante de Destiny. Era natural que ela não soubesse reconhecer o amor. A falta de experiência não a deixava segura nesse sentido.

— A solução perfeita? — Destiny repetiu, atordoada.

— Nós seríamos parceiros em todos os sentidos.

— Não sei — Destiny respondeu, embora soubesse exatamente a que Richard estava se referindo. Um arrepio gelado lhe percorreu o corpo. Aquele tipo de proposta nada tinha a ver com seu sonho romântico. Richard parecia estar lhe propondo um negócio, não uma vida a dois. Não havia emoção em suas palavras. Nem sequer em seus olhos.

Precisava sair daquela casa. Não suportaria se Richard tentasse convencê-la a enxergar o lado prático de sua proposta. Ela acabaria aceitando casar com ele, mas pelos motivos errados.

Seria o caminho mais curto para a infelicidade. Não bastava ter cometido o grande erro de ir para a cama com Richard só porque o amava? Somaria um erro a outro?

— Preciso pensar.

— O que há para pensar? — Richard encarou-a com urgência.

— Preciso de alguns dias — Destiny insistiu, sem forças para lhe sustentar o olhar.

— Por quê?

— Nós mal nos conhecemos!

— Chegamos ao máximo de intimidade que pode existir entre duas pessoas.

— Não me referi a isso. — Destiny rolou para a beira da cama e se levantou quase de um salto. Apanhou a camisa, que Richard lhe emprestara, e vestiu-a de costas para ele.

— Aonde você vai? — Richard quase gritou. Destiny estava escapando e ele não queria que fosse embora. Ao mesmo tempo, não queria assustá-la e isso acabaria acontecendo caso ela se sentisse pressionada.

Destiny pedira tempo e não havia nada de errado com isso. Propostas de casamento não batiam à porta de ninguém todos os dias. O melhor que ele tinha a fazer era controlar sua impaciência.

— Quero ir para minha casa — Destiny pediu. Richard se levantou, vestiu uma roupa e se prontificou a levá-la. Destiny assentiu com um movimento de cabeça e se trancou no banheiro.

Enquanto a esperava, Richard se pôs a andar de um lado para o outro do quarto. Algo lhe dizia que algo em sua impecável proposta de casamento havia falhado. E seu ego, de repente, se viu ofendido.

Destiny não deveria ter dado saltos de alegria ao ouvir seu pedido de casamento? Ou a proposta a fizera pensar em seu país e nos laços que teria de cortar com seu passado? Talvez ela realmente só precisasse de tempo para planejar como seria sua nova vida.

— Entendo sua preocupação e suas dúvidas sobre deixar o Panamá, mas você poderia viajar para lá durante as férias e sempre que quisesse — Richard continuou em sua tentativa de persuasão, embora Destiny talvez não o estivesse ouvindo em sua pressa ao descer a escada. — Da mesma forma que seu pai poderia vir vê-la...

— Sim, é claro...

Richard passou na frente de Destiny e impediu-a de abrir a porta.

— O que está claro?

— Bem, eu não havia considerado essa parte da situação — Destiny admitiu.

— Que parte, então, você havia considerado?

— Eu pedi tempo para pensar — Destiny declarou. — O que queria? Um sim ou um não imediato?

— Está sendo injusta. Eu não disse que entendia sua necessidade de refletir? — Richard se defendeu, mal-humorado, e ligou o carro. — Estarei fora nos próximos dias. Acha que terá uma resposta para me dar quando eu estiver de volta?

— Acho que sim.

— Acha?

— Eu lhe darei uma resposta.

— Assim está melhor.

A resposta foi cordial, mas ao olhar para o perfil de Richard, Destiny notou que ele estava tenso e contrariado. Lógico que estava. Richard não esperava que ela fosse resistir a sua proposta. Sexo e lucro nos negócios. Fazia sentido, não? Por que uma mulher perdida no meio de uma selva recusaria o melhor partido de Londres?

Casamento seria um benefício mútuo. Ele conseguiria a empresa que tanto ambicionava e ela a recuperaria e teria chance de ajudar seu pai e muita gente necessitada, além de conquistar uma vida de conforto. Todo mundo, em resumo, ficaria feliz.

— Quantos dias pretende se ausentar? — Destiny perguntou para quebrar o silêncio.

— Cinco. Talvez seis. Dependerá da quantidade de problemas a serem resolvidos. Por quê? Sentirá minha falta?

— Você sentirá a minha? — Destiny lançou a pergunta ao ar e precisou conter um sorriso de satisfação ao notar o sorriso dele.

— O que você acha? Que tal procurarmos um lugar tranqüilo e pararmos o carro para eu lhe mostrar quanto falta sentirei?

— Não acho uma boa idéia — Destiny respondeu, trêmula.

— Talvez a distância a ajude a decidir. Ficarei torcendo para isso.

Destiny franziu o rosto. A arrogância de Richard estava patente em sua declaração. Ele estava certo que teria o que desejava. Não era sempre assim que acontecia em sua vida?

O que Richard não podia imaginar era que uma grande surpresa o aguardaria em sua volta.

 

Richard olhou pela janela do escritório e viu a cidade com seus prédios cinzentos coberta por um céu mais cinzento ainda. Em menos de uma hora ele teria uma reunião. Sua vontade era delegar a tarefa a seu assistente como vinha fazendo com freqüência nos últimos dias. Essa situação era tão inédita que vários funcionários já haviam notado. E ele não se importava.

— Rosemary — ele chamou a secretária pelo interfone —, peça a Peter para ir à reunião no Savoy em meu lugar. Estou indo embora.

— Mas ele terá outra reunião nesse horário! — a secretária lembrou.

— Nesse caso, você terá de cancelá-la, certo? Vocês estão sendo pagos para me atender.

— Sim, é claro, mas... — A secretária hesitou. — O senhor está se sentindo bem?

— Claro que estou me sentindo bem? Alguma razão para não estar? Estou parecendo doente a você?

— Doente não... — A voz de Rosemary foi diminuindo até sumir e Richard precisou respirar fundo para não ceder à irritação que o devorava. — É que o senhor nunca vai embora antes do término do expediente e há três reuniões marcadas para esta tarde.

— Eu só lhe fiz um simples pedido, Rosemary. Um pedido para que cancelasse meus compromissos para hoje. Qual é o problema?

— O senhor está diferente, sr. Ross. O senhor não parece mais a mesma pessoa. Nós temos reparado...

— Vocês têm reparado? — ele a interrompeu, brusco. — Vocês são pagos para trabalhar, não para fazerem fofocas a meu respeito.

— E os compromissos de amanhã, sr. Ross? — A secretária recuperou a frieza habitual. — Devo providenciar alguma alteração?

— Ainda não. Amanhã eu lhe direi. Talvez tire uns dois ou três dias de folga.

— Então...?

— Então não marque nada em minha agenda para os próximos dias.

Richard permaneceu sentado, depois de desligar, olhando para o vazio. Após um longo tempo, tirou a carteira do bolso e apanhou um papel amassado. Não que precisasse ler para lembrar o que estava escrito. Sabia de cor cada palavra. Destiny deixara aquele bilhete para quando ele chegasse de Nova York, dois meses antes.

Nele, Destiny agradecia a proposta mas a recusava. Dizia que diante das circunstâncias, ela havia resolvido voltar para casa e deixar a responsabilidade pela venda da empresa a cargo de Derek.

Ao ler a parte em que Destiny lhe desejava felicidades, ele havia amassado o papel. Não tornara a fazer isso nas outras mil vezes que o lera, mas ainda franzia o rosto.

Richard jogou o paletó nas costas e abriu a porta. Ao passar pela secretária, pediu desculpas por sua atitude momentos antes.

— Tudo bem — Rosemary respondeu.

— Ando nervoso com tantos problemas.

— Eu entendo. Sei que a compra da Felt Farmacêutica significou uma perda significativa de lucros.

Um movimento afirmativo com a cabeça colocou um fim à conversa. Richard vinha se aproveitando dessa mentira para justificar seu mau humor. Na verdade, a situação financeira de sua empresa não o estava preocupando. No prazo de um ano os negócios ficariam equilibrados. Em dois anos, o investimento já estaria pago. A vida seria um mar de rosas se todas as preocupações se resumissem a dinheiro.

— Ajudaria se o senhor me avisasse quando resolver voltar — disse Rosemary.

— Tentarei fazer isso — Richard respondeu e sentiu um sorriso brotar em seus lábios pela primeira vez desde o último momento que estivera com Destiny. — O lugar para onde vou não conta com telefones. — De repente, não havia mais espaço para tristeza nem melancolia em seu peito. Tomada a decisão, ele começou a se sentir bem. Mais ainda, estava vibrando de energia. Estava errado ao tentar se convencer de que a vida sem Destiny por perto seria melhor. Precisava encontrá-la e ao menos obrigá-la a lhe explicar como pudera se entregar a ele sem reservas para horas depois desaparecer, deixando apenas um bilhete como despedida.

Destiny não lhe deu chance nem sequer de dizer que a amava. O orgulho e o medo de rejeição o impediram. Agora, estava decidido a lhe contar, mesmo que fosse se sentir ainda pior depois, caso ela não estivesse interessada e o mandasse de volta para a Inglaterra.

Arrumou a mala em poucos minutos, tendo em mente as observações de Destiny sobre o calor sufocante do lugar e o comentário que fez a respeito do traje usado por Derek quando a procurou por causa do testamento de seu tio.

Destiny olhou para os alunos com resignação. Naquele dia, apenas cinco crianças haviam comparecido. A estação das chuvas havia começado e poucas tinham condições de caminhar longas distâncias com os pés afundados no barro. Além disso, três estavam acamadas com febre.

Desde seu retorno ao Panamá, a felicidade encontrada na certeza do dever cumprido não lhe era suficiente. Sentia falta da Inglaterra e de conversar com pessoas. Não podia dizer a verdade a seu pai com receio de magoá-lo. Henri, seu único amigo, ainda não havia retornado de Paris e não sabia dizer quando voltaria. Sua mãe estava doente e ele pretendia ficar com ela enquanto seus cuidados fossem necessários. Sua fuga para o Panamá, em vez de ajudá-la a curar seu coração partido, deixara-o ainda mais dilacerado.

— É melhor vocês irem para casa — Destiny recomendou quando percebeu que, em vez de melhorar, a chuva poderia se transformar em uma forte tempestade. — Não esqueçam de vestir suas capas.

Destiny quase sorriu ao perceber a contrariedade das crianças por terem de vestir as capas plásticas. Elas as detestavam. Por certo se livrariam delas assim que se afastassem da escola o suficiente para não serem vistas.

Com um suspiro, Destiny se preparou para sair também. Parecia incrível que menos de três meses antes ela estivesse caminhando por ruas asfaltadas e movimentadas, trabalhando em um escritório luxuoso, usando roupas e sapatos elegantes.

Avistou o pai no fundo do corredor, ao sair da sala. Ele estava gesticulando, afobado.

— O que foi? — Destiny correu ao encontro dele.

— Uma emergência! Acabo de receber um chamado.

— Que tipo de emergência?

— Um turista foi picado por um de nossos insetos e está com febre alta em El Real.

— Por que o médico local não resolve o problema?

— Pablo saiu para atender outra emergência, em local distante, e foi detido pela chuva. Sinto muito, Dessie. Se Henri estivesse aqui, eu pediria a ele para me acompanhar, mas agora só posso contar com você.

— Não se preocupe — Destiny se apressou a tranqüilizá-lo. — Eu irei. É só o tempo de arrumar minha mochila.

Destiny se afastou, zangada consigo mesma. Seu pai estava certo. Eles estavam ali para ajudar os necessitados, quaisquer que fossem eles e quaisquer que fossem as causas.

Desde seu retorno ao Panamá, vivia apenas para contar os minutos até a noite quando podia se entregar às lembranças.

Seu pai apanhou o jipe, carregou-o e partiram em silêncio. Sabiam que o trajeto por terra e por rio seria terrível. Apesar da chuva, o ar continuaria quente e pegajoso. E as estradas cobertas de lama. Era sempre assim naquela época do ano.

— Não sei o que esses turistas têm na cabeça — Destiny resmungou enquanto seguiam pelas trilhas escorregadias a passo de tartaruga. — O que pensam fazer nesta parte do mundo a não ser dar trabalho para os outros? Quer apostar que ele não tem nada a não ser algumas picadas de mosquitos e os pés sujos de lama?

— Pelo que Enrique me contou, o caso é mais sério.

— Enrique é dono de um empório! Que conhecimentos ele tem para fazer um diagnóstico médico? Disse quais eram os sintomas?

— Febre alta. O homem está tendo alucinações.

— Como acontecerá comigo a qualquer minuto. — Destiny se abanou. — O carro está tão quente que parece estar no meio de um incêndio. — Destiny baixou o vidro e colocou a cabeça para fora. Era melhor ficar molhada de chuva do que de suor.

— Destiny — o pai chamou-a —, eu nunca lhe perguntei o que aconteceu, exatamente, quando você foi à Inglaterra.

Destiny pestanejou. Seu pai não era do tipo que conversava a respeito de sentimentos e de emoções. O fato de estar entrando em terreno íntimo significava uma grande preocupação.

— Não aconteceu nada.

— Da última vez que nos falamos, quando você ainda estava lá, parecia estar feliz e se divertindo.

— Eu nunca disse que estava me divertindo! — Destiny protestou.

— Não precisa se zangar, querida — o pai respondeu, sem se ofender. — Não estou exigindo que me diga nada. Sei que sou um velho...

— Pare, pai!

— Sou velho mas não perdi a capacidade de dedução — ele continuou. — Você estava se divertindo. Não foi como daquela vez que viajou para o México e mal podia esperar para voltar para casa.

A conversa foi interrompida ao terem de atravessar uma enxurrada mais violenta que as anteriores.

— Então, o que a fez decidir voltar de repente?

— Não foi de repente — Destiny respondeu com teimosia. — Apenas me dei conta de que não poderia mais ficar por lá.

— Henri comentou algo sobre um homem.

— Henri? O que foi que ele disse?

— Disse que o nome do homem era Richard.

Destiny poderia matar Henri por traição! Ela não havia mencionado Richard Ross a seu pai porque não havia necessidade. Porque não queria que ele se preocupasse e ficasse desapontado porque a filha tivera um romance-relâmpago com um homem que nada tinha a ver com o tipo que ele considerava certo para ela. Em vez de se apaixonar por um médico, por alguém que dedicava sua vida a causas humanitárias, ela havia entregado seu coração a um homem que vivia para ganhar dinheiro. Tanto que chegara a lhe propor casamento para aumentar seus lucros.

— Como ele era?

— Como era quem?

— Não adianta fugir à questão, Destiny. Nem se entregar ao mau humor.

— Não sou mais criança, pai. E nunca fico de mau humor!

— Não. Por isso estou estranhando seu comportamento desde que retornou da Inglaterra. Você está desempenhando suas funções com a eficiência de sempre, mas se fechou em si mesma como uma concha. Não posso evitar o pensamento de que aconteceu algo sério por lá que você não quer me contar. Se eu não a conhecesse, diria que está sofrendo males do amor.

— Oh! por favor, pai!

— E o único nome que a liga à Inglaterra, fora o do advogado, é desse Richard.

— Que é o tipo de homem por quem eu jamais me apaixonaria! — Destiny exclamou com veemência. Como pudera tratá-la com desejo e carinho em um momento e depois lhe fazer uma proposta de casamento como se fosse um contrato de compra e venda de um imóvel? Depois de levá-la às nuvens, Richard lhe dera um golpe mortal.

— Por quê? Ele é bruto? Chato? Ignorante?

— Não.

— Ah!

— Mas acha que todos precisam se curvar quando ele passa! — Destiny bradou. — Que suas ofertas são perfeitas e que ninguém pode recusá-las!

— Você está se referindo à oferta que ele fez para comprar a Felt Farmacêutica? Porque a mim a oferta pareceu generosa e deixou-me tranqüilo sobre seu futuro. Agora, poderá sair daqui e viver onde quiser, sem preocupações.

Destiny olhou para o pai como se ele tivesse perdido o juízo. De que ele estava falando? Desde quando ele estava pensando que ela queria sair dali?

— Não pretendo voltar para a Inglaterra. O pai não insistiu.

— Chegaremos ao ancoradouro em cerca de uma hora se a chuva não aumentar.

— Se os barqueiros não desistirem de fazer a travessia para El Real, talvez possamos medicar o turista ainda hoje.

Mas já estava escuro quando Destiny e o pai chegaram ao ancoradouro e eles tiveram de ficar alojados por lá. Não havia eletricidade. Sem condições de tomar um banho, Destiny precisou se contentar em lavar os pés com a garrafa de água providenciada por Juan, o dono da única casa daquela região.

Pela manhã, a chuva estava mais fraca e José, o primo de Juan, se apresentou para levá-los para a outra margem do rio.

Desembarcaram com caixas de suprimentos, roupas e medicamentos, acondicionadas em plástico. Ao chegarem à casa de Enrique, o pai pediu que ela aguardasse fora enquanto ele examinava o paciente.

— E sério, Dessie — o pai avisou-a, alguns minutos depois. — A febre está muito alta. O homem está inconsciente a maior parte do tempo. Eu o banhei e troquei sua roupa. Agora precisamos aplicar antibióticos para deter as infecções secundárias.

Destiny fez um movimento afirmativo com a cabeça. Conhecia a rotina. Eles teriam de se revezar à cabeceira do enfermo para injetar a medicação nos horários certos. Em circunstâncias normais, levariam o doente ao hospital improvisado por eles, mas a distância era longa e o tempo não estava ajudando.

— Ele sobreviverá? — Destiny perguntou enquanto seguia o pai até o quarto. Como resposta, o pai fez um sinal duvidoso com a mão.

— Dê uma olhada e verifique por si mesma.

Destiny se aproximou da cama com pena do homem, embora continuasse considerando-o um tolo por ter se embrenhado na selva sem as devidas precauções.

O que viu a fez perder a cor e a voz. Seu pai estava falando algo, mas tudo que ela conseguia ouvir era um zumbido.

Richard Ross estava deitado naquela cama, pálido e com a barba por fazer. A vida parecia estar se esvaindo de seu corpo. Seus joelhos dobraram, de repente, e ela precisou se segurar na parede para não cair.

— Eu lhe disse que era um caso difícil.

— Ele é Richard Ross, pai.

Pai e filha entreolharam-se. Sem perda de tempo, Jonathan Felt preparou uma injeção e entregou-a a Destiny. Ao vê-la tremendo, ele próprio se encarregou de aplicá-la.

Destiny passou o resto do dia com Richard, velando por seu sono profundo, controlando sua pulsação e sua respiração.

— Seu tolo. — Ela o segurou pela mão. — O que deu em você? Não se atreva a morrer ou eu jamais o perdoarei.

Mais tarde, quando o pai se apresentou para seu turno, Destiny não aceitou. Garantiu que estava mais calma e em condições de administrar os medicamentos.

Lavou-o com desvelo e se ofereceu para lhe fazer a barba, como se Richard pudesse ouvi-la. Ela não parou de falar, aliás, até que o cansaço a venceu, tarde da noite.

Destiny deixou o quarto apenas para tomar una banho e fazer uma refeição. Seu pai ficou cuidando de Richard enquanto isso. Ao voltar para seu posto, ela teve a grata satisfação de saber que Richard não havia falado durante o sono e que sua respiração parecia mais tranqüila.

Naquele dia, foi introduzida uma alimentação líquida e ela conseguiu fazê-lo engolir algumas colheradas.

— Já lhe disse que é um tolo, Richard Ross? Não mencionei as armadilhas que a selva oferece aos turistas incautos?

Destiny ouvia o tremor em sua voz, mas não conseguia ficar calada.

— Meu pai está fazendo milhões de perguntas a seu respeito e eu não sei o que responder. Ele não entende o porquê de eu fazer tanta questão de cuidar pessoalmente de você se o considero arrogante e desprezível. Ele quer saber por que estou tão angustiada por alguém que não significa nada para mim. Acima de tudo, ele não consegue entender o que você veio fazer nesta parte do mundo.

Destiny mediu a temperatura de Richard e registrou-a em seu relatório. Depois tornou a se sentar e olhar para ele.

— Você arriscou sua vida... por quê? Por causa de alguns papéis que esqueci de assinar?

Destiny deu-se conta, subitamente, que havia suportado aqueles meses de volta ao Panamá, a terra onde sempre imaginara que iria viver, porque, no íntimo, acalentara a esperança de um milagre.

Duas lágrimas deslizaram por seu rosto. Se Richard morresse, não haveria milagre. Nem mais esperança.

No terceiro dia, a rotina se repetiu. A espera se repetiu. Tudo que Destiny queria era um sinal de que Richard estava melhorando.

— Ao menos ele não está piorando — o pai a consolou.

— E hoje, mocinha, você não escapa de me responder algumas perguntas.

— Que perguntas? — Destiny tentou ganhar tempo, inutilmente.

— O que há entre você e esse homem?

— Entre mim e Richard?

— Sim.

— Estou apenas cuidando dele como cuidaria de qualquer desatinado que fez a estupidez de entrar em uma selva sozinho, sem ter noções do perigo que estaria correndo.

O pai se limitou a encará-la, com infinita paciência.

— Ok! — Destiny exclamou. Conhecia aquele olhar manso. Era mais eficiente do que tortura chinesa quando ele se propunha a conseguir algo. — Nós nos vimos uma ou outra vez enquanto eu estive na Inglaterra. Tenho culpa se ele é um cabeça-dura? — Destiny cruzou os braços. — Richard usou todos os argumentos possíveis e imagináveis para me convencer a lhe vender a empresa. Quando percebeu que não estava conseguindo, perseguiu-me tanto que fui obrigada a sair com ele para jantar.

O pai continuou usando a velha tática.

— Ok! Eu o achei atraente.

Nesse momento, o pai suspirou e balançou a cabeça.

— Então, minha garotinha foi para a Inglaterra e cresceu.

— Se você considera crescimento alguém se apaixonar pela pessoa menos compatível do mundo! — ela desabafou por fim.

— Foi o que eu suspeitei.

— E que não levará a nada! — Destiny disse com um fio de voz. — Ele não me ama.

— Mas você o ama, não é?

— A vida não é justa, pai. Deu certo para você e para mamãe, mas comigo... Foi preciso eu atravessar meio mundo para descobrir o amor. E só para continuar vivendo sem ele.

— Como você pode ter certeza?

— Porque Richard me pediu em casamento por interesse, não por amor. Ele disse que uma sociedade seria um bom negócio para nós dois. Ele queria a empresa e nós estávamos nos dando bem. Para ele, essa era a receita de um casamento perfeito. — Destiny precisou interromper a explicação naquele momento porque um nó lhe fechou a garganta. — Foi isso, pai. Agora quero que me prometa que nunca mais tocará nesse assunto.

Pai e filha estavam olhando um para o outro quando uma voz se fez ouvir da cama.

— Oh! não, por favor, continuem. A conversa está me interessando. Façam de conta que não estou aqui.

 

A noite estava completamente escura. No céu vão brilhava nem sequer uma estrela. Richard estendeu a mão e apertou a de Destiny.

— Tem certeza de que sabe o que está fazendo? Tudo pode acontecer...

— Não seja convencido — Destiny respondeu e não conseguiu conter um sorriso quando Richard a atraiu de encontro ao peito e mergulhou o rosto em seus cabelos.

— Convencido? Eu? Não é o que seu pai pensa a meu respeito. Se estou bem lembrado, aliás, ele disse que você era uma mulher de sorte por ter me encontrado.

— Qualquer um pode se enganar — Destiny respondeu, brincando, e abraçou-o. O ar estava quente e perfumado. Todos dormiam na aldeia a não ser os animais que emitiam seus sons característicos nas árvores e nas profundezas da floresta.

Caminharam, abraçados, até um dos três bancos que haviam sido colocados, recentemente, sob uma árvore alta e frondosa, que logo se tornou o ponto de encontro das mulheres que aproveitavam para conversar enquanto faziam seus trabalhos artesanais.

Um ano havia feito uma diferença significativa na vida daquela população. O dinheiro empregado de maneira sábia e prudente era o grande responsável. Pessoas especializadas haviam sido contratadas para substituir Henri, Destiny e, em breve, também Jonathan Felt, que iria assumir a direção das pesquisas médicas na Felt Farmacêutica.

Doze meses de absoluta felicidade. Todos os sonhos de Destiny haviam se transformado em realidade.

Quando Richard recuperou a consciência e disse aquelas palavras, Destiny soube que suas preces haviam sido atendidas.

Ela e o pai, mudos pelo choque, olharam para o leito e viram Richard olhando para eles com expressão divertida o suficiente para informá-los que a morte havia passado perto, mas decidira poupá-lo daquela vez.

— Rapaz, você nos deu um susto e tanto — o pai de Destiny se apressou a tomar o pulso de Richard e a executar todos os procedimentos médicos de rotina.

Destiny, por sua vez, não conseguiu dizer mais nada a não ser:

— Há quanto tempo você estava ouvindo nossa conversa?

— Isso é jeito de falar com o homem que ama e que estava à beira da morte?

Exceto pela voz ainda fraca, a experiência não parecia ter deixado marcas nem interferido com o senso de humor de Richard. O alívio de Destiny era tão grande que, no fundo, ela não se importava por Richard ter descoberto seu segredo.

Mas, ele teria ouvido também seu choro durante as noites? Teria sentido seu desvelo, percebido sua angústia ao temer que poderia perdê-lo para sempre?

— Não é hora para acusações, Dessie — o pai censurou-a, incapaz de ouvir a conversa que ela estava tendo consigo mesma.

— Sim, minha adorada enfermeira, tenha piedade. — Richard lhe deu um sorriso tão maravilhoso em sua fragilidade que ela quase não se conteve e o abraçou. — Aliás, se não for pedir demais, poderia me dar algo de comer? De repente, estou com uma fome de leão.

— Onde ele pensa que está? Em um hotel? — Destiny resmungou.

— Dê-lhe um pouco de sopa e pão — o pai sugeriu. — Não está certo que culpe o pobre homem por ter ouvido as confidencias que fez a mim.

— Não me lembre! — Destiny implorou.

— Ele passou por um mau pedaço. E não estou me referindo apenas à doença. Já imaginou como foi difícil se embrenhar pela selva...?

— Não estou dizendo que não estou contente com a recuperação de Richard. Apenas acho que tinha o direito de saber que ele estava alerta quando resolvi abrir meu coração. No entanto, ele se calou de caso pensado!

Durante dois dias, os cuidados continuaram intensos. Pouco a pouco, contudo, a fraqueza de Richard só aparecia nos momentos que o pai de Destiny lhe passava visita. Quando ficava a sós com Destiny, conseguia se alimentar sem ajuda. Insistia nesse processo. Exigia que Destiny se sentasse a seu lado e lhe fizesse companhia. Dizia que embora ainda não tivesse forças suficientes para falar, precisava sentir a presença de alguém. E esse alguém era ela, é claro.

Ao final do segundo dia, o pai de Destiny autorizou o transporte de Richard para a aldeia. Sua presença era necessária por lá e Richard já estava em condições de caminhar até o carro e de agüentar a viagem. Além disso, o tempo havia melhorado e não havia sinais de chuva iminente.

Assim que chegassem à aldeia, o tratamento seria diferente, Destiny decidiu. Ela colocaria Richard contra a parede na primeira oportunidade. Não teria sossego enquanto não soubesse o motivo que o trouxera ao Panamá.

Se ele tivesse vindo porque precisava de sua assinatura em algum documento, ela o atenderia e o mandaria de volta para a Inglaterra de imediato. Porque tê-lo perto e não poder tê-lo estava partindo seu coração outra vez. Mais do que antes. Ao menos, antes de sua fuga, Richard não sabia como ela realmente se sentia a respeito dele.

Conforme planejara, Destiny tratou de ficar a sós com Richard assim que chegaram à aldeia. Ofereceu-se para acompanhá-lo até o quarto onde ele ficaria hospedado até estar em condição de empreender sua viagem de volta à Inglaterra.

Fechou a porta assim que entraram no quarto e virou-se para ele com as mãos apoiadas na cintura.

— Pode parar de fingir — disse sem preâmbulos, sem levar em consideração a expressão surpresa por parte dele. — Não adianta continuar se fazendo de inocente. Você sabe muito bem de que estou falando.

— Acha realmente certo falar nesse tom com alguém que ainda está se recuperando de uma experiência traumática com a morte?

— Se não parar com essa história, Richard Ross, acabará enfrentando outra experiência de morte e dessa vez a causa não será um mosquito! Não sou a tola que você pensa!

— Por que acha que eu penso que é uma tola? — Richard indagou com ar de tanta inocência que Destiny sentiu ímpetos de gritar. Mas se conteve e se obrigou a prosseguir.

— Ok. Eu fugi de você. Talvez devesse ter ficado na Inglaterra e dito cara a cara o que pensava de sua proposta de casamento. Admito que fui covarde.

— Eu não entendi o que você fez. Agora tudo ficou claro... Richard estava falando tão baixo que Destiny, embora com relutância, precisou chegar bem perto para ouvir.

— Sim, agora você sabe o porquê — ela confirmou, amarga. — Deve estar satisfeito. Seu ego certamente sofreu após seu regresso de Nova York. O desaparecimento da pessoa que lhe seria útil nos negócios e ainda serviria para você se distrair na cama frustrou seus planos. — Destiny respirou fundo. — Se veio me procurar porque precisa de minha assinatura em algum papel, dê-me logo e deixe-me em paz para eu seguir com minha vida.

— E se eu vim procurá-la para renovar meu pedido de casamento?

— Nesse caso, volte para a Inglaterra e leia novamente o que lhe escrevi. Minha resposta continua a ser não.

— Você me ama.

O lembrete atingiu-a como um golpe.

— Como uma doença, isso também passará. Não permitirei que use esse conhecimento para tirar vantagem. De que adiantaria casarmos agora, afinal? Você já tem o que queria. Eu fiquei com as propriedades e você com a empresa.

— Talvez eu ainda queira a casa de campo.

— Sua ambição não tem limites?

— Talvez eu queira aquela casa para ser minha residência. Não creio que exista um lugar melhor para criar meus filhos.

Destiny engoliu em seco, alarmada pela imagem que se apoderou de sua mente.

— Então por que não começa a procurar uma mulher que possa amar?

— Por que eu faria isso se já encontrei a mulher que quero?

— Pare com isso! — Destiny ordenou com os olhos cheios de lágrimas.

— Não posso — Richard respondeu, rouco.

— De que você está falando? — Destiny protestou.

— Estou falando de você e de mim e do motivo que me fez atravessar meio mundo para encontrá-la. Fiz isso por você. Não preciso de sua assinatura em nenhum outro documento que não nossa certidão de casamento.

— Eu já lhe disse...

— Você não entendeu, minha querida.

Foi a ternura na voz de Richard que a convenceu. Ela olhou nos olhos dele e desejou que ele dissesse as palavras que tanto queria ouvir. Precisava dar essa chance a ele e a si mesma. Queria se agarrar a uma última esperança. Se não acontecesse, não estaria perdendo nada. A vida continuaria como havia continuado desde sua partida da Inglaterra, dois meses antes. Ela não havia morrido, havia?

— Eu vim aqui para lhe dizer que... — Richard parou de falar à medida que seu rosto e seu pescoço coravam. — Que quando você me deixou daquele jeito... Eu ainda estou fraco. Poderia me conseguir um copo d'água?

Destiny fez que não com a cabeça.

— Continue.

— Quando você me deixou daquele jeito...

— Sim?

— Eu... Eu fiquei perdido.

— Ah.

Richard se aproximou de Destiny.

— Foi terrível. Foi como se minha vida tivesse acabado porque... Eu te amo. Foi para isso que eu vim aqui. Para dizer que te amo.

— Para dizer que me ama. Para dizer que me ama. — Era tão maravilhoso que Destiny não conseguia parar de repetir.

— E para dizer que quero me casar com você. Que quero tê-la a meu lado e em minha cama pelo resto de minha vida. Para tê-la a minha espera ao final de cada dia, para termos filhos e vê-los crescerem enquanto envelhecemos juntos.

— Em que está pensando?

A voz grave e profunda interrompeu os pensamentos de Destiny e ela sorriu.

— Estava pensando em... tudo. — Destiny deitou a cabeça no ombro de Richard. — Em nós dois, em nosso casamento e no bebê. — Destiny tocou a barriga.

— Precisaremos trazê-lo aqui um dia. Ou trazê-la — Richard acrescentou. — Para que conheça o lugar onde vivi por tanto tempo. Parecerá incrível a ele ou a ela. — Destiny suspirou. — Com meu pai também deixando este lugar em breve, sinto algo estranho, como se tivesse sido um sonho.

— Não foi um sonho. Faz parte de você e ficará com você para sempre. Não abandonaremos seu passado. Sempre que seu pai quiser passar algum tempo no Panamá, nós viremos visitá-lo.

— Está se referindo a seu fã? — Destiny caçoou. Ela estava enganada no sentido de que Richard não seria qualificado como o homem ideal para ela segundo seu pai. Ele havia gostado de Richard desde o primeiro momento e se orgulhava em tê-lo como genro.

— A um de meus fãs — Richard corrigiu. — A primeira está aqui a meu lado e a terceira, ou terceiro, entrará em cena daqui quatro meses. O que mais um homem pode desejar na vida?

Ou uma mulher, Destiny cogitou.

 

Bem, acho que está na hora de tomarmos uma decisão. Lembre-se de que haverá uma ou duas mudanças em seu estilo de vida. Você aceita isso? Você quer tentar? Estou exigindo demais?

— Como esse pensamento pode estar passando por sua mente depois de tudo que lhe disse? Não consigo mais imaginar minha vida sem você...

— Então se eu renovar meu pedido de casamento, sua resposta será...

— Sim! Mil vezes sim!

Beijos e abraços impediram, por alguns instantes, que Henri tirasse um pequeno estojo do bolso da calça.

— Minha mãe ficará tão feliz...

— Apenas sua mãe?

— Feliz é pouco para descrever como me sinto. Estou andando nas nuvens. Mas...

— Nada de mas — Stephanie o impediu de continuar e ficou em silêncio por um momento enquanto colocava o anel no dedo e admirava seu brilho.

— Paris é completamente diferente de Londres.

— Tanto faz a cidade quando se está com a pessoa amada. Aliás, eu não terei problemas de adaptação. Estou me saindo bem nas aulas de francês — Stephanie respondeu e estava sendo sincera.

Esquecidos de que se encontravam em um restaurante, Henri e Stephanie se beijaram. Um beijo cheio de promessas, cheio de carinho e de amor.

— Como se sente a respeito de ter uma família? — ele perguntou quando conseguiram se afastar um do outro. — Não imaginava que isso fosse acontecer, mas fiquei com uma vontade imensa de ter um filho quando fomos visitar Destiny e Richard na maternidade.

— Eu também. Rosie é uma garotinha linda, não? Olhos verdes como os da mãe e cabelos pretos como os do pai. — Stephanie sorriu. — Será maravilhoso, Henri. Eu adorarei ter filhos com você.

 

                                                                                Cathy Williams  

 

                      

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