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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SOFIA / Barbara Biazioli
SOFIA / Barbara Biazioli

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Estávamos em Dolce Marina. Não é uma cidade, um bairro ou um nome de bar. Segundo Joel, o homem que está de bermuda e polo e exibe um cabelo louro devidamente cortado, Dolce Marina é um estado de espírito. Era assim que meu ex-namorado se referia ao barco que ele comprara.
Ele sempre falava do barco como se estivesse falando de algo vivo, algo que foi gerado por ele e isso em alguns momentos era repugnante.
Era uma relação doentia, não a minha com ele, mas a dele com o barco.
? Trata uma lancha com tanto amor, imagino como seria se fosse pai ? comentei e bebi um pouco de suco de tomate, não alcoólico.
? Minha querida, se sua intenção nessa relação é ver tudo isso caminhar em direção a um altar e crianças pela casa, saiba que estamos com intenções diferentes ? foi nesse momento, nesse exato momento que percebi que minhas intenções eram diferentes de qualquer pessoa, mas eu não as deixaria de lado, elas eram minhas ? Barcos não foram feitos para alojar crianças, elas riscariam as paredes e sujariam o assoalho ? minhas intenções são melhores, concluí assim que ele terminou a frase.
? Colocou o nome de sua mãe no barco, trata esse equipamento como se tivesse alma e quando menciono filhos e um futuro você fica assustado. Me explica uma coisa, quanto tempo demoraria se eu fosse a nado até a Costa? ? olho em direção às praias. Estamos indo para a Costa grega e o mar com certeza está gelado.
? Por que está me perguntando isso? Vamos demorar menos de cinco minutos de barco ? ele responde e observo a Costa se aproximando.
Desço, coloco tudo que é meu dentro das minhas duas bolsas, mas deixo de fora um short branco de tencel, uma sandália aberta laranja e uma regata florida. Fico diante do espelho por menos de dois minutos e sinto o barco parar. Escuto Joel dar ordens e, então, subo com tudo que é meu, inclusive as minhas intenções, e termino definitivamente com ele e desta vez não haverá volta, desta vez eu estou deixando-o todinho para Dolce Marina.
Minhas intenções, minha vida e um baita de um problema. Vou ter que aguentar Paolo falar por décadas na minha orelha, caso ele não tenha mais nada para se ocupar. Espero que a operação comercial que ele está planejando há tanto tempo lhe tome todo o tempo que seria destinado a me falar sobre o fim desse relacionamento.

 


 


1

O problema não é que hoje seja segunda-feira, o problema é ter uma segunda-feira inteira pela frente, pilhas de papéis que se amontoam diante dos meus olhos como mágica e
meu querido e amado irmão mais velho voltar de viagem.
O plano é simples, usar meus argumentos plausíveis como defesa de minha decisão. Parece que estou indo para um tribunal, e acho que seria menos doloroso do que encarar Paolo
Bastilli.
Heiden, minha amiga inseparável, herdeira do Grupo Solidan que nos fornece a madeira das embarcações, me ligou e disse que a primeira ligação do dia, às oito e doze da manhã,
foi de Paolo, o que significa que em menos de vinte minutos ele entrará aqui na minha sala e como se não bastasse trabalhar com ele, preciso dividir minha vida pessoal também.
Entendo os cuidados dele, o medo e instinto protetor de irmão mais velho, mas às vezes penso que posso estar vivendo sob câmeras de vigilância.
Ele pode também agir totalmente a meu favor, entender que não posso dividir a minha vida com alguém que sofre de algum tipo de distúrbio e possivelmente prefere um barco a
mim.
Paolo é protetor, cuida da família com zelo e se dedica mesmo pela nossa segurança, talvez ele não fale nada, ele me entenda... Percebo que estou batendo o lápis no tampo
de madeira o que faz ecoar um pequeno ruído por toda a sala.
Olho pela vidraça e observo os funcionários do meu departamento em torno do bebedouro. Lisa segura um papel e explica alguma coisa para Tony; Maribel nega e dá uma risada
como se não fosse segunda-feira de manhã e não tivesse uma garoa chata lá fora; Gil e Samara também riem e Lisa aponta com seu indicador tentando ter razão sobre seu ponto
de vista.
Me distraio com eles, eles precisam desse começo de dia menos tenso. Cuido do departamento financeiro da Bastilli Barche, empresa que meu irmão ergueu com muito custo e deu
origem a outras e talvez seja exatamente por isso que ele se preocupe tanto com a nossa família. Quando se tem um passado revoltante, o presente precisa ser seguro e, infelizmente,
por mais impossível que isso seja, vejo Paolo desejando ter controle total sobre o futuro.
Vejo o amontoado de funcionários fugirem e se espalharem como se uma ameaça estivesse chegando, como se a vida deles dependesse apenas de uma rápida fuga para as colinas e
é exatamente isso, Paolo Bastilli entra pelo corredor, soberano, mais bronzeado, um terno tão alinhado quanto seu cabelo escuro. Seu rosto é o mistério número um do dia, porque
o meu dia é feito de coisas a serem descobertas e números a serem compreendidos.
Ele mantém o passo firme. Heiden sempre comenta que observar Paolo é como admirar uma pantera, seus movimentos são precisos, mãos habilidosas e de uma discrição que chega
a ser comovente. Percebo que todos os funcionários podem mesmo ter fugido para um lugar distante. Os olhos de Paolo estão em mim e os meus agora correm para a tela do meu
computador. Tento buscar na minha memória o nome daquela colina que visitei no México.
A porta se abre assim que a maçaneta gira e ele entra, jogando em cima de mim a beleza que, segundo Heiden, ela usaria de formas inescrupulosas, íntimas e devastadoras. Heiden
destruiria essa pantera, mas os termos que ela usa para isso são indecentes.
? Bom dia ? ele diz sem nenhum tipo de timbre especial, como se fosse um tijolo caindo de uma altura de cinquenta metros contra o chão, uma queda livre que, ao ser concluída,
poderia ser confundida com o disparo de uma arma de baixo calibre e forte poder de ferimento.
? Bom dia ? respondo com o sorriso mais encantador, pacífico e cínico do mundo. Penso apenas que poderia fugir desse tijolo e o nome da colina no México se perdeu durante
essa fuga.
? Sofia, em duas horas vou me encontrar com Martinelli. Preciso dos últimos balancetes atualizados e da performance das últimas restaurações, quanto elas renderam e em quanto
tempo foram vendidas ? o que me assusta é o fato dele não ter começado o dia falando de mim e sim de algo que ele precise de mim. Claro que eu sei os interesses dele na Martinelli,
talvez o projeto de vida de Paolo seja comprar essa unidade que já foi o ícone do mercado que hoje lideramos. Ele não fechou a porta em momento algum e sua mão está sobre
a maçaneta redonda e prateada.
? Quer gráficos para uma apresentação ou apenas planilhas para uma reunião simples? ? pergunto mantendo a firmeza na voz e um otimismo irracional.
? Além da planilha e do gráfico, preciso da ordem cronológica de compra e venda de cada embarcação citada, consegue isso em quarenta minutos para que eu possa analisar? ?
a voz dele é mais firme do que a minha e o otimismo dele é inexistente.
? Possivelmente antes disso ? sorrio e ele não retribui. Joel possivelmente ligou para ele assim que desembarquei do Dolce Marina e voltei de avião para casa, mas até agora
esse assunto não está em pauta, mas está na cara dele, fechada, e querendo saber por que diabos terminei um relacionamento de três anos com seu amigo. Eu poderia me explicar
antes mesmo dele começar a falar, mas eu poderia desencadear algo ainda pior.
? Então o faça ? ele responde e se retira lentamente e me deixa com um caminhão de elefantes atrás da minha orelha.
? Apenas isso? ? pergunto e eu sei que esse era o precioso momento em que eu deveria ter calado a merda da minha boca e desconfiado que oportunidades como essa são raras.
? Por ora sim ? ele continua sua saída praticamente triunfal e isso me irrita. Paolo sabe como extrair cada resposta mesmo sem fazer nenhum tipo de pergunta.
? Vai deixar o que tem para me falar na hora do jantar? ? o intimo com a coragem de um amador, mantenho meu queixo em sua direção e espero que ele consiga me encarar e responder
algo que não seja seu silêncio aterrorizante e quase encantador.
? Não, já tenho compromisso para essa noite ? ele conclui e fecha a porta suavemente e isso é um insulto. Ele é frio e ao mesmo tempo eu sei que ele quer o meu bem, tem medo
dos aproveitadores e ele estava feliz com meu relacionamento, porque ele e Joel compartilham coisas e gostos. Joel vem de família tradicional e realmente nunca foi nenhuma
ameaça.
Para Paolo, Joel era o único que estaria comigo pelo que sou e não pelo que tenho, mas eu sei que o mundo é maior do que essa vista sobre Gênova, há mais pessoas e coisas
depois de Ligúria.
Escuto meu telefone tocando e é claro que Heiden quer saber quantos corpos terão que retirar aqui da Bastilli.
? Oi ? atendo e solto o ar.
? Que bom que está viva! E aí, como ele reagiu? ? ela pergunta e escuto-a soltando a fumaça de seu cigarro.
? Não reagiu ? respondo.
? Isso é tão Paolo ? ela diz e eu reviro meus olhos por conta desse comentário.
? Heiden, precisa entender que Paolo nunca vai aceitar sua proposta, pare com essa voz sexy enquanto fala comigo, isso não me excita e muito menos me deixa feliz ? respondo
para ela e digito uma resposta rápida para Terry, minha outra amiga que acabou de voltar de Los Angeles. Ela gravou uma cena de alguma coisa que será lançada no cinema independente
e seus pais são donos de uma indústria de metais para embarcações. O grande resumo de minha vida em poucas linhas, minhas amigas mais próximas se conhecem desde sempre e eu
as conheço há pouco mais de dez anos, quando comecei a trabalhar aqui e ter contato com elas que, assim como eu, foram convidadas de forma imposta por suas famílias a cuidarem
do próprio patrimônio.
Heiden e Terry são vizinhas desde a infância e eu sei que alguém da família de Terry tem um filho com alguém da família da Heiden e por isso a ligação das duas é ainda mais
intensa.
? Uma proposta tão simples, o que custa ele e Dom ficarem nus para mim? ? ela solta mais um trago do cigarro e eu termino de confirmar um encontro com Terry que obviamente
Heiden também vai estar.
? Heiden, se lembra daquela mulher que desconfiávamos que poderia estar tendo um caso com Paolo? ? pergunto e sinto a respiração dela entrar direto para os seus pulmões junto
com a fumaça do cigarro. Heiden desenvolveu um ciúme quase que cancerígeno pelos meus irmãos e isso a faz se sentir na obrigação de impedir mentalmente cada possível acesso
na direção deles.
? Não brinca com coisa séria. Meu pai é rico, eu mato e não vão nem saber ? ela responde em um tom de brincadeira e esquecemos que estamos trabalhando, pelo menos eu deveria
estar, mas não vou perder a oportunidade de provocar Heiden, que tem em mente praticar ménage a trois com meus irmãos. Obviamente isso será impossível, não por Domenico, que
topa qualquer coisa que não tenha limites, mas Paolo? Possivelmente ele iria preferir a sensação de mil agulhas em chamas penetrando seu corpo.
? Ela está aqui, vai entrar em reunião com ele em alguns minutos e possivelmente vão almoçar juntos. Não ia te falar nada, afinal, seus planos de putaria com meus dois irmãos
sexies são tão atraentes e você é tão minha amiga, mas acho que dessa vez Paolo vai se amarrar ? ela solta todo o ar dos pulmões que um dia sentirão todas as substâncias do
cigarro e elabora uma resposta.
? Vou aparecer aí, armada, vou matar e vou me proteger com meu receituário de tarjas pretas que tomo, não vou nem me apoiar na legítima defesa ? ela gargalha.
? Legítima defesa? ? pergunto e dou risada.
? Claro, e isso nem precisa de uma explicação coerente, ela está mexendo no que me pertence ? Heiden precisa de acompanhamento psicológico, urgente.
? Como você é engraçadinha. Fica tranquila, Paolo vai se encontrar com um senhor quase centenário. Agora eu preciso desligar. A gente se encontra no Zarun, acabei de confirmar
com Terry. Às 20h? ? pergunto.
? Combinado ? ela diz e desligamos.
Paolo sabe de tudo, preferiu ficar em silêncio. Eu poderia ir embora assim que entregasse tudo para ele e isso seria uma ideia genial, se ele não soubesse meu endereço, não
fôssemos quase vizinhos e não tivéssemos a mesma mãe com o hábito de nos unir no primeiro domingo de cada mês em sua casa.
Mas a ideia de ir embora pode ser boa mesmo, assim, a poeira abaixa, eu tenho tempo de respirar ou lembrar o nome daquela colina no México.
Começo e termino em menos de vinte minutos o que Paolo me pediu. Entrego com oito minutos de antecedência, isso porque perdi tempo com Heiden ao telefone e Terry no email.
Acho que sair essa noite vai me fazer bem. Henry poderia passar no Zarun essa noite, apenas para eu poder falar que vi algo deslumbrante nessa segunda-feira.
Não consigo ir embora antes do almoço. Tenho dois balancetes gigantes para concluir e seria suicídio deixar isso para amanhã. Amanhã teremos a visita da Sull'Acqua, que decidiu
fechar uma parceria de estaleiros e com isso Paolo domina mais uma fatia desse mercado exclusivo para bilionários de bom gosto. Paolo usa um critério que poderia ter colocado
em risco todas as operações da Bache; ele determinou que apenas clientes indicados e de bom conceito no mercado poderiam ser proprietários de um barco Bastilli Barche. Ele
adotou os critérios rigorosos da Rolls Royce, mas os pratica sobre as águas.
Escuto o barulho de um email resposta de Paolo e isso não me deixaria tensa se fosse na semana passada.
Abro e leio, e releio... e leio mais uma vez.
Ele está elogiando meu trabalho? Devo esperar por qual tipo de praga para extinção da vida na terra? Não que ele não me elogie, na realidade, ele o faz com frequência, mas
o fazer assim? Depois de eu tê-lo deixado de alguma forma chateado? Preciso do mapa do México, com urgência.
Começo a digitar feliz da vida. Parece que temos uma bandeira branca, lavada com alvejante e colocada diante de nossos escritórios. Isso me parece aquele tipo de melhora da
morte, aquela melhora repentina que todo paciente tem e minutos depois já passou desta para uma melhor.
Mesmo assim eu agradeço, e tento ser rápida e terminar meu trabalho. Hoje vou para Zarun, com muita sorte encontrarei Henry e, quem sabe, recuperar o pedido daquele beijo
que ele tanto queria e eu recusei, porque apesar de não gostar mais de Joel há um bom tempo, eu era o tipo de mulher fiel. Bom, ainda sou. Sou totalmente contra traições,
mentiras e coisas mal explicadas.
Paolo recebe a resposta, mas não responde, possivelmente já foi para a sala de reunião e isso me deixa com duas horas de tranquilidade, sei que ele não vai entrar por essa
porta e falar algo sobre Joel. Eu sei que não estaria me sentindo assim se não tivesse rompido com ele. Paolo e eu nos damos muito bem, trabalhamos como relógio e boa parte
do tempo não precisamos de nada além de um olhar para entender o que o outro precisa. Mas é que talvez eu o tenha chateado e isso me deixa triste. Amo meus irmãos.
Pego uma pilha de papel que não deveria existir por conta da tecnologia que nos cerca e a assino. Algumas coisas ainda são necessárias e essas planilhas foram conferidas e
serão enviadas ao banco confirmando algumas aplicações e mudanças de investimento.
Olho para a tela do computador assim que coloco os papéis dentro do envelope e aviso Jamal, nosso menino de entregas, sobre sua nova tarefa.
Dois emails chegam, um de Dom com anexo de mais de trinta fotos e um de Santiago, o amigo gay que entende de cabelos e períodos menstruais mais do que qualquer mulher desse
planeta. Ele também está voltando hoje de viagem e quer me ver, pelo visto vamos nos encontrar também no Zarun.
Zarun começou sem grandes pretensões. Era um deck de madeira com dois sofás e um bar com bebidas importadas. Fica praticamente de frente para a Bastilli, mas isso significa
muitos quilômetros de água de distância. Bom, o deck e o sofá ainda estão lá, mas agora o sofá é mais confortável e o deck ganhou alguns metros sobre o mar. As bebidas ainda
são importadas e é o point queridinho de algumas celebridades e jogadores de futebol. Apenas os afortunados conseguem pagar pelas bebidas e isso deixa o lugar exclusivo.
Abro as fotos de Dom e pelo visto ele está com o bando californiano que mora em Paris. Os Marshall, cinco irmãos, que eu chamo de mecânicos e eles não apreciam muito isso,
Dom já me disse. São preparadores de carro de alta performance e Dom, meu excelentíssimo irmão caçula, acredita que a velocidade traga o que a vida precisa para continuar
existindo. Dom gosta de velocidade, já sofreu um acidente sério de carro e dois de moto, pratica Parkour e montanhismo, e nas fotos que me enviou estão escalando sem nenhuma
proteção algum pico sabe-se lá Deus onde.
Outras fotos são dele tirando selfie de dentro de um dos carros Marshall. É fácil saber que o carro foi preparado por eles, no encosto de cabeça o símbolo da oficina deles
no couro do banco, dois pistões cruzados e o nome da família sobre eles.
Dom deveria ter chegado aqui na segunda-feira da semana passada, talvez isso tenha deixado Paolo mais irritado do que o término do meu namoro.
Meu celular vibra, é uma mensagem de Santiago. Ele diz que está aqui perto, que vai ter uma reunião e que gostaria de almoçar comigo, apenas nós dois. Segundo ele, algumas
fofocas do mundo da moda precisam ser divulgadas.
Santiago Di Leon, maquiador super requisitado, é um dos tops que trabalham nos desfiles mais cobiçados do mundo. Acabou de voltar da semana de moda de Paris e, segundo ele,
os sacos de ossos que usam saltos dão mais trabalho do que glamour.
Combino com ele por volta das treze horas e ele aceita.
Meus olhos na tela do computador percebem novamente o mesmo movimento de hoje um pouco mais cedo quando Paolo adentrou o departamento e é exatamente isso que está acontecendo.
Paolo, que deveria estar em reunião, está vindo em direção à minha sala e seu semblante é o mesmo de hoje de manhã. Indecifrável.
A maçaneta gira, sem barulho e ele se coloca diante de mim como uma grande imposição. Paolo por mais que queira nunca passará despercebido.
? Atrapalho? ? ele pergunta, olha para minha mão e depois para o meu computador e alcança o celular que está em seu bolso, possivelmente está vibrando, nunca ouvi o ring tone
dele.
? Não, estou terminando uma conferência de impostos e planejamento. Precisa de alguma coisa? ? pergunto firme e meu otimismo agora é racional.
? Preciso que venha comigo. Preciso que participe dessa reunião com a Martinelli. Não será inteira, apenas quero deixar claro que apesar de ter pleno domínio e conhecimento
de tudo que acontece dentro de qualquer uma das empresas Bastilli, eu tenho departamentos distintos. Martinelli tem grande preocupação com nosso financeiro, ele se preocupa
com os funcionários dele, ele teme que nessa operação não fiquemos com todos e a grande maioria é funcionário de longa data ? Paolo não está me dizendo tudo isso garantindo
que fique com todos os funcionários, ele apenas quer se livrar do Franchesco Martinelli, quer fechar o acordo e se for para benefício de todos, isso quer dizer especialmente
de Paolo e suas empresas, é possível que todos os funcionários permaneçam.
? Tudo bem, eu sei o que fazer ? respondo e me levanto. Alcanço meu iPad, meu celular e meus óculos de leitura e vou em direção a Paolo que imaginei que fosse seguir na minha
frente. Mas ele está parado, olhando para mim. Envio uma mensagem para Santiago e desmarco o almoço, eu sei bem o que vai acontecer nessa reunião.
? Você sabe há quanto tempo desejo ter essa fusão. Bastilli e Martinelli juntas significa domínio praticamente absoluto sobre tudo que esteja sendo fabricado para estar sobre
as águas aqui na Itália ? ele fala calmamente e olha no mais profundo dos meus olhos ? Eu confio nessa fusão e confio que você fará um bom trabalho ? ele conclui e caminhamos
para fora da minha sala.
Não pense que isso foi um daqueles estímulos de chefe e funcionária. Sou funcionária do meu irmão, não temos sociedade e aqui dentro ele mantém exatamente isso, essa postura
que não deixa brechas para qualquer comentário e o mesmo ele faz com Domenico; a diferença é que Domenico às vezes não entende a importância que todos os empreendimentos Bastilli
têm.
Eu sei o quanto as empresas movimentam, o quanto nosso ramo de turismo acrescenta para o local e o quanto gera em receita. Bastilli Barche é uma indústria, nela temos barcos
para todos os gostos que possam pagar, temos turismo desde hotéis e agências até grupos especializados em aventuras do tipo que Dom gosta, e é por isso que ela foi criada.
Domenico cuida da Bastilli Barche no segmento de turismo, ele é responsável por cada canto maluco que se possa saltar de Bungy Jump ou praticar Parkour. Paolo sentiu a necessidade
de incluir o irmão mais novo em algo na Bastilli, mas isso não poderia envolver barcos, não os barcos de Paolo.
Então, meu irmão mais velho comprou uma pequena agência de turismo que estava praticamente falida e a fechou, passou dois anos estudando a maior carência do mercado nesse
segmento e, então, a reabriu. Com o nome de Bastilli Barche, assim como os barcos, ele contou com toda a imprensa para uma grande festa. Sorteou três bilhetes, cada ganhador
teria direito a uma viagem, mas não poderia escolher o destino, poderia escolher o tema. Tudo é verde, Acima das águas, Sem asas. Nomes estranhos e durante a festa todos fizeram
a famosa cara Não estou entendendo nada. Mas a verdade é que, Enrico Costa, da Pacific Manson, empresa que fabrica mobílias exclusivas para embarcações, foi sorteado. Ele
escolheu o Sobre as Águas achando que estaria dentro de um mundo que ele conhece muito bem. Paolo não veio para essa vida para deixar as pessoas a seu redor em uma zona de
conforto. Paolo tem uma mente brilhante, um dom comercial infalível e acho que é por isso que Martinelli esteja lhe tirando o sono. Essa está sendo a negociação mais demorada
de sua vida.
Mas Enrico, assim como Guido Assis, dono da Connect Air, que fornece transmissores para as embarcações, e Austin Vicenzo, que desenvolveu um aplicativo completo para qualquer
tipo de coisa que precise navegar, aproveitaram os prêmios e, como eu disse, Paolo tem uma mente que funciona sempre, incansável como o lobo do papaléguas.
Paolo organizou outra festa para quando eles voltassem, afinal, eles embarcariam no mesmo dia, passariam exatamente quinze dias e voltariam também no mesmo dia. Cada um levou
uma filmadora e isso era parte obrigatória do prêmio, registrar cada momento e é por isso que foram no mesmo período e ao mesmo tempo, Paolo não perderia o efeito surpresa.
Enrico escolheu Acima das Águas, foi recepcionado na Austrália e teve a oportunidade única de saltar da ponte mais alta do mundo. Uma ironia muito bem planejada por Paolo,
o homem que sempre está em contato com a água desta vez não a tocou. E essa ironia poderia parar por aí mesmo, mas não, Guido, que sempre se preocupou com a comunicação e
a tecnologia marítima, esteve por quinze dias na Amazônia, gravou cada trecho de cada trilha e cada vez que se encontrou com algum índio, seu celular não funcionou durante
a viagem e mais uma vez Paolo conseguiu, mas tudo não estaria completo se Austin também não tivesse vivido seu momento contraditório. Austin foi para os Estados Unidos e assim
que ele desceu do avião, foi levado para entrar em outro e saltou de paraquedas pelo menos em oito pontos diferentes no território americano.
Paolo além de recuperar uma agência falida, fez um acordo global com as melhores agências para qualquer tipo de destinos em qualquer ponto do planeta.
Caminho ao lado de Paolo, seguimos para a sala de reunião e me lembro do discurso dele na festa de retorno.
"Somos a máquina mais previsível existente, é fácil fazer uma surpresa e saber obviamente que a pessoa será surpreendida, isso não precisa de nenhum tipo de audácia cerebral
ou ser perspicaz. Tudo que é diferente surpreende, mas o fato é: o que a pessoa vítima disso levará adiante? Apenas a recordação? Apenas o salto de uma ponte alta, índios
ou um céu azul visto de um paraquedas? O intuito de tudo isso é, além de surpreender, saber que existem outras pontes, outras tribos e o céu é o limite. Vivenciar algo único,
não apenas estar na história de alguém e sim fazer parte dela. Esse é o conceito que tenho sobre a máquina mais previsível existente."
Paolo sabe como provocar o ego das pessoas, ele aguça como se aguça uma pessoa faminta com um pedaço de pizza. Por isso que além de cuidar de perto de cada uma de nossas empresas,
sempre tem algum convite de alguma universidade ou empresa para que ele faça uma palestra. Dificilmente ele consegue aceitar, sua agenda é estreita, e ele mantém suas prioridades,
como a artes marciais, boxe e a corrida no fim do dia.
Ele usa um perfume mais doce do que o habitual essa manhã. Apesar dele ser sempre muito reservado, tem algo preocupando Paolo, não acho que o fim do meu relacionamento seja
tão épico assim.
? Está tudo bem? ? pergunto e ele olha para mim rapidamente. Entre suas sobrancelhas tem um franzido mais intenso do que o que costuma acontecer em manhãs de segunda-feira.
? Defina "bem" ? ele responde.
? Ora ? os passos se apertam e eu percebo que não estamos indo em direção à sala de reunião e sim para a sala dele. Entramos no departamento de design e as mesas são próximas
umas das outras e eu dificilmente entro aqui. Os funcionários estão em silêncio sobre seus projetos e Paolo aperta um pouco mais o passo e eu tento acompanhar, mas meus óculos
caem e eu me abaixo para pegar. Quando me levanto esbarro na luminária ao lado de uma das mesas e ela tomba sobre o funcionário que, na tentativa de segurá-la, acaba derrubando
os papéis no chão.
Não sou do tipo desastrada, mas eu percebi que o funcionário ficou tenso com a situação. Paolo ouve o barulho e olha para trás. Olho para ele e ele retorna, observando-me
ajudar o rapaz a recolher seus desenhos do chão.
? Tudo bem? ? Paolo pergunta e eu vejo o olhar preocupante do rapaz sobre isso.
? Sim, eu esbarrei na luminária e acabei atrapalhando ele ? levo meus olhos para o homem de cabelo louro, sem nenhuma barba e alinhado dentro de uma roupa social. Bonito e
preocupado, isso define bem o rosto dele nesse momento.
Me levanto segurando alguns papéis e o homem faz o mesmo.
? Vamos ? ele diz e eu pego os papéis e coloco sobre a mesa do homem, mas antes observo o desenho de um barco. Linhas perfeitas, não como as lanchas convencionais. Um contorno
suave com duas grades de proteção a mais na proa e isso me remeteu a crianças no barco e me fez lembrar da posição estúpida de Joel sobre pequenos nessas embarcações. Já estava
feliz com o término e agora estou também muito aliviada.
? Isso é muito bom, bonito e muito destinado a família ? digo e coloco meu indicador sobre o desenho de um barco que ele batizou como, Sogno All' Orizzonte e eu não consigo
pensar em um nome melhor do que esse.
? A ideia é exatamente essa ? ele respondeu quase sem som e vejo Paolo olhando para ele e ele mantém seus olhos sobre o projeto de extremo bom gosto e singular.
? Esses projetos serão apresentados essa tarde, a nova linha de barcos específicos para grandes grupos, incluindo crianças, será lançada na próxima semana e isso tudo está
no informativo enviado há duas semanas ? Paolo diz e eu sei que não li nada e o deveria ter feito.
? Sim, eu vi ? respondo retomando um otimismo falso e pálido nas palavras e percebo-o caminhar em direção à sua sala ? Isso é realmente muito bom ? digo em direção ao homem
que suspende lentamente seus olhos do desenho e me alcança. Seus olhos são tão azuis, sua boca é bem desenhada e forma um arco bonito assim que ele diz, obrigado.
Caminho em direção a Paolo que fecha a porta assim que entro.
? Você realmente leu os emails? ? ele pergunta.
? Li, não todos porque retornei de viagem hoje ? sou firme e ele cerra os olhos e inclina levemente a cabeça para mim.
? Então os leia ? ele diz e se senta de frente para mim e joga a cabeça para que eu sente também. Isso pode não ser bom, aqui é território dele e ele pode começar a falar
do meu ex-relacionamento.
? O Martinelli já chegou? ? pergunto.
? Não, quero estar na sala de reunião antes dele. Acho de extremo mal gosto fazer com que uma visita fique esperando, mesmo sendo negócios. A boa educação vale em qualquer
momento ? pobre Domenico, vai ouvir o sermão da montanha quando voltar.
? Você realmente quer a Martinelli ? falo e deslizo meu dedo sobre a tela do iPad.
Ele se levanta e se apoia na mesa quase de frente para mim e me entrega um documento. Eu sei do que se trata, são os números atualizados da Martinelli e é por isso que ele
me trouxe até aqui. Ele espera enquanto eu leio e isso tudo é de fácil compreensão para mim. Sou uma mulher de números.
? Sofia, qual era o nome da agência de turismo que comprei antes dela se tornar uma Bastilli Barche? ? ele pergunta e eu penso um pouco e percebo que não me lembro, não faço
a menor ideia e nem consigo imaginar aquele sobrado branco com janelas azuis e tulipas ao redor com outro nome.
? É isso, meu objetivo é o mesmo com a Martinelli ? ele responde, alcança uma pasta de couro marrom e caminha em direção à porta.
? Eu sei que não gosta de nenhum tipo de observação, mas já ponderou o fato de não conseguir isso? ? perguntei e pela primeira vez naquela segunda-feira eu vi o traço de um
possível sorriso em seus lábios.
? Sim, e descartei assim que elaborei minha estratégia ? ele responde e caminhamos novamente para fora da sala. Agora estamos indo para a sala de reunião.
? Nem sempre vai conseguir o controle de tudo, nem sempre vai atingir os resultados, algumas coisas são assim, indomáveis ? falo e passo em frente a mesa do Sogno All'Orizzonte.
O homem responsável por ela levanta os olhos rapidamente em minha direção e volta a olhar para o papel onde ele começa a esboçar algo novo. Possivelmente eu queira ver mais
sobre seus barcos.
? Não sou perfeito, muito menos mágico, mas uma coisa é certa, se você trabalha com empenho, estímulo e entende o mercado que o cerca, dificilmente vai fracassar no que estiver
executando ? Paolo deveria escrever um livro.
2
Brad
Meu celular toca, e agradeço por ele não ter tocado dois minutos antes. Paolo não gosta muito de atendimentos telefônicos no horário de trabalho.
? Fala rápido ? atendo falando baixo e percebo alguns olhares em minha direção.
? Meu dinheiro ? fecho os olhos e eu não vejo a hora que esse pesadelo acabe.
? Preciso de mais tempo, estou com um novo projeto ? respondo.
? Você está na Bastilli, dinheiro aí não deve faltar ? escuto o tom ameaçador e sinto náuseas por isso.
? É exatamente isso, esse é meu novo projeto ? respondo e escuto a ligação ser encerrada. Ele sabe cada um dos meus passos, não consigo sair daqui e eu preciso levantar mais
dinheiro, preciso de um segundo emprego, algo que me paguem rápido e não depois de um mês inteiro de trabalho.
Esqueço da minha realidade financeira fracassada e penso na mulher de curvas generosas, de vestido azul escuro colado ao corpo mostrando a cintura desenhada com exatidão.
Ela cheira a limão e isso é bom, e arriscado também.
Se mostrou mais humilde do que dizem as revistas, falou mais suave do que imaginei. Ela tem uma cor dourada bonita, cabelos ondulados que, mesmo presos com um rabo de cavalo
baixo, são atraentes. Sofia tem um desenho sobre seu lábio superior um pouco mais branco que sua pele, como se fosse uma covinha e foi bom de olhar surgindo assim que ela
disse algo bom sobre meu barco.
Ela tem olhos de caramelo, dois pedaços de caramelos perfeitamente arredondados e cílios que nos sugam num piscar de olhos. Esse trabalho com certeza terá seus benefícios.
Olho no relógio e faltam alguns minutos para o meu café. Preciso falar com Taruzo, talvez ele tenha algum trabalho por esses dias, ele sabe de tudo que acontece quando se
trata de uma noite em Gênova.
Verifico as mensagens e para que absolutamente nada saia do controle e dê errado, confiro algumas informações. Todo plano é perfeito até que se tire do papel.
***
Sofia
Faltam mais de vinte minutos para cinco horas e meus planos de ir embora mais cedo, logo depois do almoço, foram destruídos pela reunião com Martinelli que durou nada menos
do que três horas e vinte e sete minutos, segundo o cronômetro de Paolo.
Paolo demonstrou completo domínio sobre toda a situação, até o momento em que Franchesco Martinelli disse que na próxima reunião ele não virá, que a partir daquele momento
ele nomearia um preposto e que ele estava precisando de férias. Quase oitenta anos e ainda segue firme no negócio que ele mesmo começou pequeno e se tornou em algum ponto
do passado líder no segmento. Mas Paolo chegou e tomou para a Bastilli esse cargo de liderança.
Meu irmão saiu da Bastilli assim que a reunião terminou e pelo humor de Paolo, o progresso desse encontro teve uma melhora muito baixa diante da sua expectativa.
Possivelmente ele já chegou em sua casa, colocou seu agasalho e foi correr até a exaustão, é assim que ele alivia suas tensões, ou com golpes no boxe. Paolo precisa de uma
namorada e eu preciso ir embora e aproveitar minha primeira noite de solteira depois de três anos.
Heiden sempre odiou Joel, Terry o viu uma única vez e perguntou se ele havia sido criado pela avó por conta das roupas, Santiago diz que se sobrar ele e Joel numa ilha deserta,
ele se declara heterossexual.
Há muito tempo nós quatro não nos encontrávamos, vai ser bom.
Sigo para minha casa e Stelle, minha governanta, me passa alguns recados, entre eles dois telefonemas de Domenico há pouco tempo, só não entendi por que ele não ligou no meu
celular.
Retorno para o celular dele e vai direto para a caixa postal. Aposto o que tenho no banco como ele deixou cair em algum buraco ou de algum penhasco.
Vou para o banho e escolho o tubinho rosa da Chanel, primeira vez que uso e quando comprei Heiden estava comigo, com certeza ela vai se lembrar. Ir para Paris com Heiden é
testar muitos limites, primeiro, porque ela não dorme e segundo, porque ela é do tipo incansável, e isso algumas vezes a deixa irritante.
Não sou do tipo que acorda cantando ou com um rosto de comercial de amaciantes de roupa. Prefiro o silêncio e um pouco de café sem açúcar.
Terry vai esperar Heiden e eu; Santiago ficou de passar aqui e pelo histórico de ansiedade concluo que ele vai chegar com uma hora de antecedência e depois pegamos Heiden
no Purose Hult, a única tabacaria que vende o cigarro que ela gosta, não deveria gostar de nenhum, mas não há o que ser feito.
Exatamente como concluí, Santiago chega com um pouco menos de uma hora de antecedência, e eu posso ouvir o seu oie cheio de contornos gays para Stelle que já declarou ser
fã dele.
Desço a escada e percebo que o Chanel está um pouquinho frouxo. Isso é ótimo, quando o comprei estava justo e fiquei com medo do zíper lateral ser disparado contra alguém
caso arrebentasse. Isso não acontece com Chanel, nunca.
? Eu sabia que você entraria direto para a cozinha ? falo e vou em direção ao louro esbelto, com cabelo liso, preso com um pequeno arco de alguma marca francesa. Ele me cumprimenta
com um selinho na boca, como sempre fez.
Poderia definir o cabelo de Santiago como perfeito, liso, natural, sem pontas duplas, macio e com um brilho impecável. Isso para uma mulher é praticamente ofensivo, passamos
horas hidratando e secando e no fim das contas não fica como o cabelo de Santiago. Isso é tão frustrante.
Ele poderia ser menos agradável e simpático, assim despencaria nessa lista de pessoas mais queridas do mundo.
? Vamos deixar claro alguns pontos, o primeiro é que Tell é uma fofa e eu trouxe mimos para ela, segundo, senti o cheiro de morangos flambados e quando cheguei na cozinha
eu os vi, ali, falando meu nome e sobrenome com direito até o número do meu passaporte e em terceiro, estou com fome ? ele vem em minha direção e me abraça ? Em nome de Deus,
como sou grato por ter uma amiga cheia de curvas. Passei mais de vinte dias com esqueléticas, não apenas magras, mulheres realmente sem nenhum tipo de curva feminina e agora
eu te abraço, é como se levasse um desabrigado para morar com Paolo ? ele e Heiden têm o mesmo tipo de brincadeira e o mesmo ponto fraco: Paolo.
? O que você trouxe para Stelle? ? olho para ela toda feliz abrindo caixas cor de rosa e azul.
? Maquiagens e para você trouxe meu corpo cansado do solo parisiense ? ele zomba e me entrega uma caixinha e pelo símbolo da caixa meu coração dispara.
? Você trouxe macarons Pierre Hermé! Vou engordar feliz! ? abro a caixa e pego ao menos um, apenas um e deixo minha alma ser conduzida para outro plano astral.
? Sofia, realidade amor, um macaron não vai te engordar, a não ser que ele pese oito quilos. Agora, me conta tudo que aconteceu ? ele suspende as sobrancelhas e caminhamos
para a mesa perto da piscina ? Cheguei antes exatamente por isso, já que nosso almoço foi cancelado dois minutos depois que havia sido confirmado ? ele se senta cruzando as
pernas. Ele se veste muito bem, magro definido, camisa branca estreita ao corpo, jeans surrado e caro, assim como seus sapatos. Ele é fino.
? Eu sonho com uma família e ele tem uma espécie de amor pecador pela mãe. Não duvido que ele mande cartões com dinheiro dentro no dia de seu próprio aniversário, acredito
que o aniversário dele nem deva ser comemorado por ele e sim por ela, foi uma realização dela ? desabafo.
? Nunca gostei dele, estou feliz por você ter terminado tudo e acho-o totalmente caricato em todos os sentidos ? Stelle serve os morangos para nós e volta para dentro de casa
? Sofia, você sonha com um conto de fadas e eu acho isso lindo, de verdade, mas acho que você pode se machucar. Você cria expectativas tão elevadas, espera que um homem chegue
em um cavalo branco e lhe traga flores e lhe prometa o tão esperado final feliz. Vamos ser sinceros aqui, não precisa vir de cavalo, mas também não precisa ser o cavalo, e
também nada de final feliz, é o começo a nossa maior preocupação. Essa história de velhinhos na varanda até funcionaria se estivéssemos no período colonial e você não fosse
Sofia Bastilli, amor. Acorda, se um cara chegar muito de corpo mole e muito cheio de trejeitos, quem leva o bofe sou eu ? ele brinca e leva uma colherada do doce até a boca.
? Fala de um jeito como se eu não fosse romântica e apenas uma tola por querer coisas fofas ? protesto.
? Você é romântica e isso faz de você uma tonta que quer coisas fofas. Meu problema está nessa sua carência, você se jogou de cabeça em Joel e ele não chegou nem perto de
te fazer feliz. Eu sei e você sabe que estou sendo justo ? ele come mais uma colherada e geme de satisfação com o sabor.
? Filhos, meu sonho é ser mãe, sempre foi ? ele me olha como me olhou da primeira vez que nos encontramos, sétima série. Eu era a garota que era levada para a escola pelo
irmão e ele o excluído da família por ser o que é; por vezes não tinha o que comer e todas as vezes dividi com ele meu meio pão sem nada dentro. Tínhamos algo semelhante,
nosso histórico. Hoje ele sustenta toda a família dele, é do tipo que no Natal faz tudo que manda a tradição, frequenta os aniversários, presentes bons e oferece todas as
flores que existem dentro dele, para todos aqueles que lhe ofereceram lixo quando se mostrou homossexual.
? Adote! ? ele simplifica.
? Posso até adotar, mas gostaria de ficar barriguda, sentir a criança aqui dentro e, é claro, ter o pai da criança por perto ? me explico e pego um pouco de doce e como.
? Já está falando de matrimônio no primeiro dia que está solteira. Se eu tivesse o seu corpo e o seu rosto, Srtª Loren, eu estava cada dia em um canto desse mundo, seria capa
de todas as revistas e pousaria nua mesmo, mostraria ao mundo o que é exuberância ? ele brinca com isso sempre, toda a nossa vida ele sempre disse que eu tinha os traços de
Sophia Loren.
? Não vou caçar nenhum tipo de compromisso, estou desabafando com você, tenho vinte e nove anos e algumas coisas começam a ser cobradas por mim, mas agora vou curtir essa
fase e aproveitar enquanto não encontro um hétero que me traga macarons Pierre Hermé. Agora me fale, e o Andreas? ? pergunto do eterno amigo colorido que ele tem.
? Chega na sexta ? ele sorri e eu sei desse amor entre eles.
? Você sabe que serei a madrinha mesmo se a gente brigar de se odiar eternamente? ? sempre o lembro da promessa que ele mesmo fez.
? Até que eu queria gostar menos de você ao ponto de brigarmos, assim andaria menos com aquela colorida da Heiden ? ele brinca com o estilo de roupas de Heiden e eu dou risada.
? Ela adora você! ? o lembro.
? Eu também a adoro, mas toda vez que vamos sair eu oro para todos os tipos de entidades religiosas para que ela escolha algo monocromático ? gargalho e engasgo com o doce
que ainda estava na minha boca.
? Ela é divertida ? afirmo e sorrio.
? Amore, meu problema com ela não são as piadas, é a falta de aptidão, talento, bom senso e espelho na hora de escolher as roupas. Quer perder o que para mim que ela vai se
enfiar em alguma coisa com listra e vai dar um jeito de estar usando alguma estampa de animal? Ainda se escolhesse listra preto e branco e uma zebra na estampa tudo bem, a
gente assimila a loucura, dá um tchau para quem passa e vamos embora nessa vida, mas não, ela escolhe listras coloridas, multicoloridas na saia e quando você se dá conta está
olhando para os seios dela revestidos de girafa ou Shitara dos Thundercats ? solto uma gargalhada e jogo minha cabeça para trás e ele se mantém sério, isso para ele não foi
piada. Ele, assim como eu, aproveitou para desabafar.
? Mas ela acerta na maquiagem ? afirmo sem nenhum tipo de conhecimento nessa causa.
? Não brinca com coisa séria. Outro dia fui com ela naquela Purose, um pouco antes de eu ir para Paris, queria tomar um café e falar besteira e você estava com Joel e a mãe
dele ? ele brinca falando do barco ? Quando eu olhei para ela sentada na vitrine do café, bem ali na by window, eu fiquei com medo da porta ser trancada e alguém falar que
quer jogar comigo, ela parecia aquele boneco dos jogos mortais. Aí, eu não consigo me conter, o depósito de palavras que habita dentro de mim começou a entupir meu esôfago
e quando percebi estava no banheiro tentando salvar aquela pobre alma ? ele fala seriamente e isso deixa tudo mais engraçado ainda.
? Heiden é uma ótima pessoa ? a defendo.
? Uma ótima pessoa com um gosto prá la de duvidoso ? ele ri ? Gosto dela, gosto mais do que ela merece por conta desses nervosos visuais que passo quando ela escolhe tudo
errado ? ele termina o doce ? Mas, você está bem? ? ele pergunta.
? Muito bem, eu deveria ter feito isso antes das minhas férias.
? E seu irmão, o Paolo? ? ele pergunta todo excitado sobre meu irmão.
? Você está de brincadeira comigo, né? ? pergunto e me levanto.
? Brincando? Ali é outra coisa muito séria, eu não saberia nem por onde começar e você não pode me chamar de interesseiro, tenho meu dinheiro e eu o desejo desde o dia que
ele foi te levar na escola pela primeira vez ? ele raspa a colher no prato e leva até a boca.
? Você não existe ? falo e me levanto ? Vamos, porque temos que pegar Heiden e será uma odisseia tirá-la do Purose. Ela sempre inventa algo para ficar lá naqueles sofás amarelos
rasgados e sem contar que um café lá é caro demais para o sabor que tem ? falo e caminhamos em direção à entrada da minha casa.
Santiago se despede de Stelle com beijos jogados no ar e saímos. Santiago teve o carro equipado na oficina dos Marshall. Paolo e Caryn são detentores de todos os direitos
sexuais imagináveis de Santiago. Lembro da minha bolsa e volto para apanhá-la junto com meu celular.
Acho que ele elabora com os dois o mesmo que Heiden elabora com Paolo e Dom.
? Se Billy estiver cintilante eu vou falar ? ele diz e eu olho para ele enquanto ele manobra o carro.
? Quem é Billy, Santiago?
? O boneco dos jogos mortais ? ele responde sério e entorta a boca.
? Para de falar assim.
? Estou avisando antes, não posso correr o risco de ter que cortar meu próprio pé por andar com ela ? ele diz e acelera sentido Purose ? Sofia, mudando de assunto, você conhece
os irmãos Marshall?
? Só por fotos ? respondo e pego meu batom na bolsa que eu quase esqueci em cima da cama assim que ouvi Santiago falando com Stelle.
? Que pena, vou fazer um minuto de silêncio em homenagem à sua vida praticamente desperdiçada por conta disso ? ele diz e eu nego com a cabeça assim que guardo o batom na
bolsa.
? O que eles têm de especial? ? pergunto.
? Nasceram.
? Estou falando sério, me diga um adjetivo ? exijo.
? Um? São perfeitos ? ele se mantém sério.
? Perfeitos, Santiago?
? Se não são, falta apenas as asas, sim, porque seres como eles merecem o direito de voar. Eles podem, Jesus Coroado! Aquele Caryn... chega me faltar o vocabulário. Ele é
alto, largo e quando ele gira uma chave de roda, você pede para Deus te transformar em uma, sem contar que o rosto dele saiu de alguma coisa no sentido de Games of Thrones
ou Troia ou do céu. Eles não penteiam o cabelo com escovas, usam os dedos, isso já serve como desculpa para tirar a roupa; estão sempre amontoados naquela oficina top, porque
a oficina dele serviria como restaurante. A primeira vez que entrei lá foi por conta do seu irmão Dom e quando olhei os cinco em volta de um Shelby Cobra, eu imaginei que
aquilo era Deus me dando uma oportunidade de saber como é o céu, mas assim que eles se aproximaram eu descobri algo bem diferente, aquilo ali não poderia ser de Deus, só pensei
coisa ruim e demorou um tempo para eu conseguir desenvolver uma conversa ? estou gargalhando e ele está tão sério contando tudo isso. Paolo se mantém distante dele, mas Dom
gosta do jeito de Santiago, talvez porque ele não apresente riscos que possivelmente Paolo já percebeu.
? Como você pode rir, criatura?
? Santiago, você fala tanto, mas ama o Andreas ? ainda estou rindo.
? Sou fiel fisicamente, mas mentalmente já fiz mal para cada Marshall e Paolo ? ele acelera e eu nego com a cabeça.
?Nunca os vi pessoalmente ? eu falo e pego meu celular.
? Que pena ? ele diz e nega com a cabeça ? Quando me passaram o orçamento desse carro, e olha que não mexi em quase nada, eu pensei que a moeda de pagamento poderia ser sexo,
se eles aceitassem eu pagaria o dobro ? Santiago não vale nada.
? Dom vive enfiado nessas coisas com eles. Paolo fica louco da vida e eu fico desesperada tentando manter a paz entre eles. Paolo é super protetor e sistemático e Dom é essa
coisa desenfreada. No último domingo em que almoçamos na casa da minha mãe, eu precisei intervir pelo menos duas vezes para que eles não brigassem. Por falar nisso, esse domingo
que passou foi o último do mês? ? pergunto um pouco perdida.
? Sim, eu sei disso porque na sexta vou para Milão, tem um desfile e dois editoriais ? ele explica e estamos a duas quadras da Purose.
? Céus, Dom precisa voltar antes de domingo ? pego o celular para enviar uma mensagem, mas na verdade tento ligar para ele e de novo direto na caixa postal.
? Por quê? ? Santiago pergunta.
? Porque todo primeiro domingo do mês almoçamos com a minha mãe. Ela gosta desta sensação dos filhos reunidos em volta da mesa. Acho que ela não percebe tanto nossa falta
por conta dos empregados que Paolo colocou em sua casa, ele a poupou de tudo e ela tem vida de rainha mesmo. No começo ela relutou, não queria, e para ser convencida de não
lavar mais a roupa deu até choro, mas depois ela foi entendendo que precisaria de tempo para acompanhar Paolo em alguns lugares e rapidamente se acostumou com a boa vida ?
explico.
? Não sabia desse outro lado e olha que somos amigos de pelo menos duzentas encarnações ? ele brinca.
? Sra Alma Maria Bastilli sempre será nossa fortaleza ? sinto quase uma emoção ao lembrar de nossa história, mas acredito que esse não seja o momento.
? Acho sua mãe uma charmosa, sempre bem vestida, alinhada, acho até que ela deveria dar umas aulas para Billy ? ele gargalha.
? Você é cruel ? digo e ele estaciona o carro perto da Purose, já que na frente não há possibilidade de encontrar uma vaga.
? Cruel é ela de me fazer vir até aqui. Olha aquela mulher saindo da Purose, que Deus tenha piedade dessa alma! Nunca, jamais coloque xadrez com listras ao mesmo tempo em
um corpo vivo que pretende se mostrar em público.
? Implicante ? eu murmuro.
? Sensato eu diria, mas agora vamos lá resgatar a Billy. E se todos lá dentro se vestem assim, vai ser difícil encontrá-la, mande uma mensagem para ela ? ele pede e descemos
do carro.
? Para de chamá-la de Billy ? ordeno sorrindo.
? É, melhor parar mesmo, pelo menos o Billy do filme está sempre com um pretinho básico e um triciclo fofo ? ele zomba novamente e caminhamos em direção à Purose.
Purose sempre existiu. Desconfio que Gênova chegou depois dela, tudo nela é antigo, incluindo o dono, Salvian. O estabelecimento lembra a loja de varinhas do filme Harry Potter.
? Nem precisa da mensagem. A estilista carnavalesca está ali, com uma blusa pink e uma calça da coleção de inauguração da Prada. Pelo menos não está maquiada com guache ?
Santiago faz piada mas fala de maneira séria, como se o estilo duvidoso de Heiden fosse ofensivo realmente... Às vezes é.
? Santiago, ela é desencanada, não liga para moda, pare de fazer suas observações ? sorrio e o cutuco enquanto caminhamos.
? Desencanada? Jura? Vou te poupar, me poupar e nos poupar, mas mentalmente farei todas as observações e a condenarei eternamente. Heiden é linda, mas se veste como uma perdida
da década de oitenta ? ele diz negando com a cabeça até que passa por nós um homem falando ao celular que faz com que Santiago quase quebre o pescoço e com isso pare de falar
de Heiden.
? Vai fazer alguma crítica sobre o homem que passou por nós? ? pergunto zombando.
? Claro ? ele responde sério.
? Qual é o problema dele?
? Não está na minha cama ? ele gargalha e entramos na Purose e de longe Heiden se manifesta como animadora de torcida.
? Se ela falar meu nome alto, eu dou a volta e vou embora sozinho para o Zarun ? Santiago ameaça e eu sinalizo para Heiden se manter discreta e esse sinal foi recebido por
ela causando efeito contrário. Ela esboça um Não entendi em alto e bom som e eu automaticamente seguro o braço de Santiago impedindo que ele cumpra a ameaça.
? Santiago, ela é livre de maldades, todos para ela são bons, entenda e pare de ser chato ? o advirto e ele pisa firme do meu lado.
? Ela é livre de tudo, né, amada? Até de bom senso e noção geográfica. Adoro ela, mas essa coisa dela ser muito desencanada nem sempre me anima ? Santiago diz e nos aproximamos
dela que nos recebe com o sorriso de sempre. Heiden é livre de coisas mesquinhas, não usa e nem ostenta marcas mesmo podendo e adora a Purose, que é um lugar frequentado por
todos. Ela tem um grau de humanidade elevado.
? Sants! ? ela vai na direção de Santiago e chama-o com carinho pelo apelido que ele mesmo permitiu depois de desistir de proibi-la de pronunciá-lo.
Santiago abre um sorriso e todas as críticas sobre o estilo duvidoso de Heiden se perdem. Eles são opostos em todos os sentidos, mas não há nesse mundo uma pessoa tão simples
quanto Heiden. Também não conheço alguém que não goste dela.
? Heiden ? ele beija o rosto dela e apesar de Santiago ser ácido em suas observações, eu sei a amizade que ele tem por ela. Mas ele adoraria reciclar o guarda-roupa dela.
? Vamos? ? pergunto assim que todos se cumprimentam. Tem um cheiro de chocolate forte no ar, e eu não sei se é alguma bebida ou o cigarro exclusivo deles. Não é algo enjoativo
e chega ser inebriante.
? Eu acabei de pedir um Sky ? ela diz e faz uma cara de que não gostaria de desperdiçar a mistura de rum, chocolate e alguns pedacinhos de cacau. Dizem que tem mais um ingrediente
nessa mistura, mas Salvian não diz nem sob tortura.
? Okay, mas não vamos demorar, ainda temos que cruzar a cidade e enfrentar o trânsito, não quero me atrasar ? falo e Santiago e Heiden me encaram ? O que foi? ? pergunto.
? Tudo isso é pressa de festejar sua primeira noite de solteira? ? Heiden pergunta.
? Claro que não, mas combinamos com Terry às oito horas e não gosto de atrasos ? me justifico e os dois me olham.
? Mesmo sabendo que Terry marcou às oito para chegar às dez você está com pressa? ? Santiago conhece a fama da pontualidade de Terry.
? É, eu sei ? concordo e percebo que mesmo Santiago declarando o seu pouco agrado pelos frequentadores da Purose, ele se sente bem ali e isso é verdade porque ele esteve aqui
há algumas semanas só para tomar um café com Heiden, que ele também demonstra pouco agrado. Santiago é um ser esquisito.
Me sento na poltrona verde cintilante e levanto a mão para Olívia, a atendente mais antiga, ela praticamente é conhecida por toda Gênova por trabalhar ali.
Ela deixa um sorriso estender em seu rosto e vem em minha direção.
? Achei que tinha nos abandonado ? ela brinca com o fato de eu ter sumido por três anos. Joel não pisa na Purose nem se sua vida depender disso.
? Não faria isso, como posso ficar sem o White Red? ? a mistura mais secreta da Purose, sei que vai licor de framboesa e é por isso que a parte de baixo fica vermelha, mas
o creme de cima, que não se mistura, é o que obriga seu cérebro a gritar por outro assim que acaba. Baixo teor alcoólico, mas amolece pernas e deixa algumas bocas mais frouxas.
? Já trago o seu, e pelo que me lembro são duas gotas de chocolate para acompanhar ? ela afirma e me deixa ali, com vontade de desistir de ir para o Zarun. Purose é a mistura
mais extraordinária de Gênova. Somos a capital da Ligúria e Purose deveria ser tombado como patrimônio histórico.
Observo Santiago falando com Heiden e ele está sendo gentil com as palavras e tentando explicar algo sobre moda, mas terá o mesmo trabalho se tentar ensinar um peixe a andar
de bicicleta.
Um grupo com quatro mulheres descem do mezanino e dão gargalhadas olhando para o celular, Salvian conversa animadamente com os homens que jogam sinuca ao fundo e o cheiro
de chocolate fica cada vez mais intenso. Estou sentada de costas para a entrada da Purose e de frente à escada caracol, o que me permite olhar com atenção para os homens que
encaçapam as bolas.
Tento adivinhar qual seria o assunto, carros, futebol, mulher... barcos. Aqui temos o hábito de trocar de barcos ou deixá-los mais modernos e isso gera reuniões intermináveis
de homens.
Um homem alto passa por mim e esbarra no meu braço, ele fala ao celular e volta imediatamente e afasta o celular da boca.
? Me perdoe ? ele se inclina e fala e eu presto mais atenção à boca carnuda dele do que no que está saindo dela. Ele tem olhos castanhos e o cabelo cai sobre a testa assim
que ele se abaixa. Um calma, Sofia, aparece na minha mente e deve ser o meu juízo, o juízo que sempre tive.
? Não foi nada ? ele sorri e volta a caminhar em direção aos homens em torno da mesa de sinuca.
Acho que ele não me viu realmente. O encosto é maior do que eu e na realidade ele esbarrou no meu cotovelo que estava mais apoiado para fora do braço da poltrona.
Heiden e Santiago falam animadamente dos dois homens apoiados no balcão e eu estou olhando para o homem que esbarrou em mim e nem sequer me olhou novamente depois que pediu
desculpas.
Deve ser o vestido, esse vestido é para Zarun e não para Purose.
? Terry enviou uma mensagem, disse que vai se atrasar ? Santiago diz e gargalha ? Pode relaxar que temos tempo. E outra coisa, acho o fim do mundo chegar na Zarun e escolher
onde vou me sentar, gosto de chegar e parar o lugar ? ele brinca e levanta a mão para um outro atendente. Esse é novato, não o conheço.
Eles voltam a se falar e eu pego meu celular, verifico minhas redes sociais, tem uma chamada perdida de Paolo e duas da minha mãe. Com toda a certeza que cabe a mim nessa
terra, eles querem saber onde está Domenico. Acredito que ambos pensam que eu comprei aquela babá eletrônica e por isso sei exatamente o que Dom faz ou onde está.
Olívia deixa meu pedido diante de mim, em uma pequena mesa redonda e eu agradeço e volto meus olhos para a tela do celular.
? Ei ? escuto a voz de um homem vindo de dentro do bar e suspendo meus olhos. É o homem que esbarrou no meu braço, ele está com o braço levantado e acenando para alguém onde
está.
Obviamente minha curiosidade subiu até a altura do pescoço e parou. Mantive meu corpo praticamente imóvel e voltei a tentar me distrair com o celular.
? Você concorda, Sofia? ? Santiago pergunta e eu acho arriscado concordar com algo que não fui participada de modo ativo desde o início.
? Com o quê? ? pergunto.
? Com a Heiden! ? ele responde como se eu tivesse ideia do que eles estavam falando.
? Mas eu não sei do que vocês estão falando ? me explico e pelo canto dos meus olhos vejo um homem passar por mim calmamente. Suspendo meus olhos e vejo-o caminhar em direção
ao homem que esbarrou em mim. Eles se cumprimentam com um abraço e eu não consigo ver o rosto do homem que entrou agora, ele se mantém de costas.
? Estamos falando que Gênova está ficando uma capital de velhos, não vemos mais tantas crianças pelas ruas ? Heiden diz.
? A tecnologia anda impedindo as crianças de existirem, a maioria dos relacionamentos está acontecendo via rede social, me espanta saber que ainda existam floriculturas espalhadas
por Gênova ? respondo e percebo que estou com meu celular na mão comprovando o que acabei de dizer.
Alcanço minha bebida assim que guardo meu celular na bolsa e me levanto. Fico ali de frente a eles, apreciando o gosto da framboesa que se torna tão indecisa entre o álcool
e o creme e isso faz meu corpo relaxar.
Santiago também se levanta e pega da mão do atendente sua bebida, Heiden alcança seu cigarro estranho e acende. O cheiro é bom, não é aquele cheiro carregado de nicotina,
ele parece de fruta, não sei, acho que doce e apenas a Purose tem essa marca para vender aqui em Gênova ou até mesmo em toda Ligúria, eu não faço ideia de onde vem esse cigarro.
Santiago alfineta Heiden por conta da roupa e ela não se importa e elogia a camisa dele.
? Estou falando mal da sua roupa e você elogia a minha, quer me deixar com a consciência pesada? ? Santiago diz a abraçando.
? Claro que não, quero apenas que fique tranquilo com a sua escolha, assim como estou com a minha ? Heiden é fofa e maluca.
Levo o copo fino e bebo mais um gole e escuto as tacadas contras as bolas na mesa de sinuca. Me viro repentinamente e sinto o gelado da minha bebida descer pelo meu decote
e fazer do meu Chanel algo inútil. O gelado desce entre meus seios e vai até a barriga e o sem noção que trombou comigo alcança um guardanapo de papel e passa por cima dos
meus seios, pedindo desculpas e eu estou tentando tirar as mãos dele de mim.
? Me desculpe ? ele diz e eu elevo meus olhos até ele, quero esboçar um palavrão imenso e sem educação. Encaro-o e sinto o copo escapar da minha mão, sinto alguns cacos atingirem
minhas pernas e ele continua dizendo que lamenta muito e eu não sei por que fiquei sem reação, acho que porque ele colocou a mão de forma indireta em meus seios e porque amanhã
eu vou ter que olhar para ele na Bastilli Barche caso Paolo requisite minha presença em sua sala.
?Você é o cara do barco? ? pergunto rispidamente e consigo ver medo em seus olhos.
? Na realidade sou o cara que desenha os barcos ? ele me corrige e eu olho para o meu vestido ? Me desculpe, mas você se virou de repente e eu não tive como desviar ? ele
não está nem perto de ficar calmo e está segurando o guardanapo no ar.
? Tudo bem ? respiro fundo, fecho meus olhos e solto o ar ? Mas não precisa fazer isso ? seguro a mão dele e a abaixo ? Pode deixar que eu mesma faço ? falo e vou em direção
ao banheiro. Heiden me segue e eu estou muito chateada, vou ter que ir para minha casa e trocar de roupa.
? Sofia, por que você não deixou ele te limpar? O cara é lindo e parece ator de cinema. Louro, olhos azuis e que boca bonita. Foda-se o vestido, vai lá e pede pra ele te dar
um banho ? Heiden não tem o menor juízo.
? Se eu for seguir seus conselhos, vou pra cama com todos de Gênova e adjacências ? digo e passo a toalha de papel entre meus seios e por cima do tecido.
? E qual o problema nisso? ? ela pergunta e solta a fumaça do cigarro. Vejo a porta do banheiro se abrir e é Santigo.
? Sofia, volta lá e pede para ele ajuda pra se limpar, se for o caso peça outra bebida estranha, não sei, se vira e tenta pôr a mão de novo nele e permita que ele faça o mesmo
em você ? Santiago fala, vai até a porta, abre e olha como se procurasse por alguém ? Ele ainda está lá, e está junto com o outro que também esbarrou em você um pouco antes.
É nesse momento que descubro o que é ter sorte. Ter sorte é não ser Santiago, ninguém esbarra em mim ? ele resmunga e estou tentando entender.
? Santiago, eu não vou até lá e é você que deve sair, aqui é banheiro feminino ? protesto.
? Está querendo falar de banheiros separados na Purose? ? Heiden gargalha e eu percebo que Santiago está com a minha bolsa e meu celular na mão ? Aqui não tem isso ? eu sei
disso, estou querendo apenas que as coisas fiquem normais por alguns instantes, sem homens no banheiro feminino e homens com as mãos em meus seios.
? Ele é lindo, se ele quiser pode derrubar qualquer coisa em cima de mim, depois deixo ele limpar com a língua ? Heiden faz meus olhos rolarem o mais alto possível.
?Purose acabou de subir no meu conceito, e você deveria ir até lá e exigir alguma coisa dele, vestido novo, um banho... sexo ? Santiago se junta a Heiden e os dois estão me
irritando.
? Vocês dois não sabem o que estão falando ? passo mais papel entre meus seios ? Ele trabalha na Bastilli, mais precisamente a poucos metros do Paolo ? assim que termino a
frase os olhos de Santiago se mostram bem maiores e Heiden nega com a cabeça.
? Se limpa sozinha, deleta e esquece que aquele Deus nórdico passou as mãos nos seus seios. Se Paolo desconfia disso, pobre alma, não sobra nem cadáver pra contar história.
? Santiago deixa minhas coisas de lado sobre a pia e vai até o reservado do banheiro. Purose é mais livre do que deveria.
? E eu não sei? Você viu os olhos dele? O medo. Coitado ? penso que ele pode estar desesperado, mas isso não tem nada a ver com trabalho, e ele se mostrou muito talentoso
com barcos, ou melhor, com o desenho deles.
Termino de tirar o excesso de bebida que está em mim e junto com Heiden e Santiago saio do banheiro. Esse trajeto seria mais fácil se ele não estivesse me esperando na porta
da Purose.
Ele me olha nos olhos e desce até meu vestido e eu fico encabulada. Ele tocou nos meus seios e ele se mostrou habilidoso com as mãos... seus desenhos são bons.
? Eu, eu sinto muito ? ele diz e Santiago e Heiden caminham juntos e param mais adiante, de frente para mim.
? Não se preocupe ? falo e tento caminhar, mas ele segura em meu braço e Santiago faz um sinal com o dedo pelo pescoço indicando a morte.
? Tenho pouco tempo na Bastilli e gosto de trabalhar com Paolo ? ele diz e eu imagino quem em sã consciência apreciaria trabalhar com alguém tão rígido quanto Paolo.
? Isso não tem a ver com a empresa, eu sei separar as coisas ? falo e olho para a mão dele em meu braço e ele solta, murmurando um pedido de desculpas. Ando alguns passos
para longe dele e volto ? Isso deve ficar entre nós ? digo e caminho em direção a Santiago e Heiden que estão com o pavor estampado em seus rostos.
? Que caras são essas? ? pergunto e caminho deixando os dois para trás.
? Se aquele homem me pega pelo braço daquele jeito, eu desencarno ? Santiago diz e Heiden acende outro cigarro ? Pelo amor de Nossa Senhora da Embarcação, se Paolo descobre
que esse homem pegou nos seus seios, eu não quero nem imaginar. Aqui em Gênova ou na Europa ele não trabalha mais. Lembra quando aquele Aleandro te mandou flores? Ele nem
era funcionário direto, mas eu estava na recepção esperando você para almoçarmos e vi quando ele saiu carregando a caixa com seus pertences.
? Paolo tem um problema sério com esse lance de relacionamento entre funcionários, não apenas comigo, mas Aleandro foi dispensado por outros motivos ? explico e espero que
ele acione o alarme e destrave as portas ? Outra coisa, não tem por que ele saber e nem como saber ? falo e me sento no banco do passageiro.
? Mas que o carinha é gato isso é. Vocês já se falavam dentro da Bastilli? ? Heiden pergunta e Santiago a obriga a jogar o cigarro fora.
? O vi hoje de manhã pela primeira vez, ele é novo na empresa ? respondo e olho para o meu braço e penso no que Santiago disse a respeito da pegada dele.
Santiago segue para minha casa e Heiden fala sobre o incidente, e Santiago coloca tudo em forma de tragédia grega. Preciso trocar de roupa e ir para o Zarun, preciso encontrar
Henry e recuperar o beijo perdido.
3
Paolo chegou mais cedo essa manhã e eu estou com uma dor de cabeça digna de suicídio. Na noite passada encontrei Henry e ele me apresentou sua namorada, linda, alta, magra
e loura. Bebi o que tinha disponível no setor de baixo astral e pensei comigo ao olhar para Henry feliz com sua namorada que nem lembro mais o nome: estar sozinha é apenas
uma questão de ponto de vista e isso eu tiro de letra. Estou solteira há pouco mais de vinte e quatro horas e nem tenho trinta anos, tudo está sob controle.
Mexo no mouse e vejo dois emails de Paolo em minha caixa de entrada. Ele chegou aqui antes das oito, que foi quando eu cheguei, e agora são dez e vinte. Nesse tempo ele trabalhou
o suficiente para me ocupar pelo resto do dia.
Me atento ao email e só percebo a porta aberta assim que o próprio Paolo pronuncia um bom dia seco. Ele não está com problema comigo, ele está com problemas. Ponto.
? Bom dia ? retorno confusa e falando baixo por conta da minha cabeça que contém um tic tac e ameaça explodir.
? Pode vir comigo até a minha sala? ? ele pergunta gentil e isso é preocupante.
? Por que não me ligou? Não precisa vir até aqui ? tento poupar o tempo precioso dele.
? Porque eu prefiro vir até aqui ? ele responde sem deixar espaço para uma contra resposta.
Me levanto pegando meu iPad e meus óculos e seguimos em direção à sala dele. Minha cabeça estava doendo tanto que só assimilei que poderia encontrar com o homem dos barcos,
ou melhor, com o homem que desenha barcos e derruba bebidas, no momento em que passamos pela primeira porta de vidro e meus olhos foram direto para a mesa dele, que estava
vazia.
Senti um tremor começando na minha batata da perna e subindo ligeiro para meu estômago, sem razão alguma, apenas por pena ao me lembrar de sua preocupação com o emprego.
Paolo anda rápido à minha frente e entra em sua sala esperando que eu entre e ele fecha a porta e todas as venezianas. Ninguém nos vê neste momento.
? Aconteceu alguma coisa? ? pergunto séria e ele se senta diante de seu computador, digita algumas coisas e me encara.
? Às vezes sinto que as pessoas pensam que podem me enganar ? ele não coloca a porra de nenhum sentimento no que diz, apenas o tom incrédulo, como se fosse ridículo alguém
pensar que possa conseguir enganá-lo.
? Vou repetir a pergunta, aconteceu alguma coisa? ? me sento diante dele e coloco minhas coisas sobre a mesa e cruzo meus braços.
? Ainda não ? ele digita rapidamente, sem ao menos olhar para o teclado e, por Deus, eu sinto agonia de pessoas que fazem isso, é como conversar sem olhar nos olhos.
? Me trouxe até aqui para? ? pergunto e penso que o homem que desenha barcos possa ter contado o que aconteceu e onde aconteceu, e isso seria pior. Paolo odeia a Purose. Não
que ele tenha falado, mas conviver com ele é o suficiente para saber o que o agrada ou não. Quando adolescente, ainda na fase difícil de nossa vida, ele ficava do outro lado
da calçada da Purose, guardava carros e outras vezes trabalhava como engraxate. Paolo é história complexa de alguém que conseguiu não apenas sair do nada e ser tudo que é
hoje, ele é a história complexa de uma pessoa que por mais que tenha, ainda lhe falta algo e eu realmente não sei o que é.
? Sofia, a importância de todo trabalho que temos aqui em primeiro lugar é com nossos clientes, são eles que pagam por nossos salários, eles determinam muita coisa, mas, a
importância seguinte é com nosso patrimônio, e não estou falando do dinheiro, estou falando do nosso nome. Ser um Bastilli é sinônimo de ser competente ? ele explica e eu
estou fazendo um esforço tremendo para entender antes dele concluir ? Então, quando eu vejo isso ? ele vira a tela do computador e me mostra Domenico saltando de um prédio
para outro em Paris. São as fotos que recebi antes dele desaparecer e me deixar dois recados.
? Dom... ? suspiro ao falar e já sei como vai ser nosso próximo almoço na casa da mamãe, eu vou ser a mediadora.
? Sim, eu também suspirei quando vi essa foto, mas foi um suspiro sem esse afago. Ele deveria estar aqui há uma semana ? Paolo apresenta o que chamo de pré-explosão. Ele gira
em seu dedo uma caneta de marca francesa e olha para a tela junto comigo ? Observe ? ele passa a próxima foto ? Está vendo? ? ele coloca a caneta sobre a pessoa que está com
ele.
? Caryn Marshall ? falo e não suspiro.
? O próprio. Eles estão sempre juntos e ele não é o que chamo de pessoa bem-vinda ? Paolo tem problemas com a família Marshall desde que precisou ir para Paris tirar Dom de
uma confusão que até hoje não entendi bem o que aconteceu.
Com toda certeza Dom aprendeu Parkour antes de andar, é a vida dele, e ele compete todos os anos em Paris. E todo ano eu tenho esse mesmo problema. Dom vai para a cidade luz
e me deixa nessa baita escuridão e todas as vezes um Marshall está com ele, quando não todos os cinco irmãos.
? Paolo, eu sei que você detesta quando o defendo ? falo e ele me olha levantando apenas uma sobrancelha suavemente e isso mataria se fosse fisicamente letal.
? Você não o defende, defesa cabe a quem tem como provar sua inocência, você o protege das consequências dele ser como é ? ele é direto, mas não é grosso, Paolo nunca foi
grosso comigo.
? Tudo bem, mas esse atraso já é de esperar.Nos próximos meses haverá a competição e isso que ele está fazendo é treino, ele ama Parkour. A agência está sob controle. Hoje
mesmo conferi os números e tudo está caminhando melhor do que esperávamos para esse mês ? minha tentativa é de frustrar a briga de domingo hoje, quero deixar o lugar em paz.
? Meu problema não são números. Tenho você que encabeça o dinheiro das empresas, mas eu preciso que Domenico Bastilli fique por dentro de tudo que acontece com nosso patrimônio,
preciso que ele seja mais responsável com datas e prazos que estabelece comigo ? ele encosta em sua poltrona e respira fundo ? Domenico um dia terá que responder por alguma
de nossas empresas e temo por esse dia.
? Paolo, eu sei o que está fazendo, está colocando nas minhas mãos essa conversa que gostaria de ter com ele, mas você sabe que com ele você não consegue marcar nenhum ponto.
Eu vou conversar com ele ? Paolo esboça o que chamo de maneira otimista um pequeno sinal de um sorriso.
? Ele não vai cortar o cabelo ? ele diz e se inclina para frente olhando os longos fios de Dom voarem enquanto ele se equilibra no parapeito de um prédio. Às vezes acho que
Domenico tem asas.
? Não, já ofereci dinheiro e um novo carro, acho que ele vai chegar aos cem anos de cabelos longos ? brinco e Paolo nega com a cabeça.
? E por causa disso os meus estarão brancos antes dos quarenta ? ele faz uma piada, é isso é épico, mas ele não sorri. Pensando sobre o que disse, Paolo grisalho iria atingir
a perfeição, com esse rosto sério e sexy, de cabelos prateados. Heiden possivelmente morreria.
? Claro... ? alguém bate à porta e me interrompe. Paolo autoriza a entrada e antes de mais nada ele volta a tela de seu computador para que a irresponsabilidade de nosso caçula
fique dentro do conhecimento familiar.
? Se me permite ? escuto mas não vejo quem é, estou de costas para a porta, mas reconheço a voz.
? Aproxime-se ? Paolo volta seu rosto na forma que todos conhecem e a piada sobre cabelos brancos fica no passado.
? As maquetes ficaram prontas, estão na sala Monet, e aqui estão os desenhos aprovados ? vejo um braço passar ao lado do meu rosto e me seguro para virar, porque a voz eu
reconheci, e estou sem jeito de olhar para ele. Ele passou a mão nos meus seios.
Ele entrega os projetos aprovados com a assinatura de Paolo para que o próprio Paolo possa conferir as maquetes e engulo com certa dificuldade o nó em minha garganta.
? Muito bem, Zanatta, e o prazo? ? um elogio e uma chibatada, isso é ser Paolo.
? Eles querem falar com o senhor ? ele responde e possivelmente a equipe de montagem vai arrumar um jeito de irritar Paolo com alguma coisa que tecnicamente não é um problema.
? Obrigado, se puder me trazer os dois esboços que fez, já analiso e aprovo o novo projeto ? Paolo é sucinto e deixa o suficiente para que o homem que desenha barcos saia.
Alcanço os projetos sobre a mesa de Paolo e observo.
? São bons ? elogio.
? Sim, Zanatta é muito competente ? deve ser mesmo, para você estar falando isso, penso comigo.
? Zanatta é o nome? ? pergunto.
? Bradley Cohen Zanatta, trabalhou por oito anos na Marquisé Chanti como projetista de barcos ? e como ele veio parar aqui?
? Marquisé Chanti fechou? ? zombo da potência francesa em embarcações de luxo.
? Quase, Martinelli a comprou quando o primeiro indício de falência surgiu. Para evitar esse marketing ruim, Lucca Chanti vendeu mas mediante a continuidade do nome pelo menos
por um ano, prazo que acaba em dois meses ? ele fala e eu não sabia sobre essa negociação.
? Eu nunca pensei que a Marquisé abriria falência ? coloco os desenhos sobre a mesa assim que eu falo.
? A ideia era essa, foi uma negociação sigilosa e que agora está na hora de ser solta no mercado ? agora Paolo sorri.
? Paolo, você comprando a Martinelli... significa que a Marquisé Chanti também será uma Bastilli? ? meu coração dispara e meu departamento terá que ser triplicado.
? Acompanho essa queda da Marquisé desde que a fraude dos impostos foi parar nos jornais, isso há quase três anos. Nunca foi de meu interesse comprar uma empresa que frauda
o governo que vivo, isso seria no mínimo desleal, mas Franchesco não pensa como eu, e iniciou essa negociação. E enquanto ninguém sabia, Martinelli teve bons frutos, mas a
notícia andou rápido e muitos investidores, quando souberam que a Martinelli havia comprado a Marquisé, desistiram e, então, o declínio da Martinelli tem me ajudado nas negociações
? ele fala.
? Mas você comprando a Martinelli, pode acontecer o mesmo com a Bastilli ? o alerto.
? Obviamente, se eu fizer como Franchesco fez, mas a ideia não é comprar a Martinelli em público e é isso que está sendo meu problema com Franchesco. Não quero comprar a Martinelli
em sua totalidade nesse momento. Quero saldar a dívida que ela contraiu nesse último ano e ser sócio majoritário em um primeiro momento. Terei controle sobre o conselho e,
no ano seguinte, quando ainda falarem sobre a Bastilli ter sido pronta em pagar funcionários e pais de família, será o momento da fusão por completo entre Martinelli e Bastilli
? ele fala com tanta naturalidade que eu quase fiz o cheque para terminar logo com tudo isso.
? Se eu não te conhecesse e lesse sobre isso, o chamaria de Robin Hood ? brinco.
? Viu? Você captou a mensagem corretamente, mas agora eu preciso convencer o bendito preposto de Franchesco que isso seria uma excelente ideia e que o nome Martinelli fecharia
suas portas com dignidade ? meu Deus, Paolo precisa ser estudado.
? Paolo... então, você tirou um funcionário da Martinelli? ? pensando sobre o Zanatta.
? Um não, foram nove ? ele responde e começa a digitar algo assim que responde.
? Mas isso não seria um insulto para Franchesco?
? Claro que não, estou enxugando sua folha de pagamento. Ele tem mais de trezentos funcionários diretos e estava pensando em fazer um corte nos mais novos e por mais que Zanatta
tivesse anos de experiência na Marquisé, ele possivelmente perderia seu posto para que Franchesco pudesse preservar o posto de alguém com o mesmo tempo na Martinelli ? penso
em Dom tendo essa conversa com Paolo. Alguém morreria.
? Como soube desses funcionários que seriam cortados da Martinelli? ? pergunto e Paolo leva seus olhos até mim e é isso que eu temia, eu já sei a resposta ? Ward? ? pergunto
quase afirmando.
? Sim.
? Paolo, eu sei que Ward é seus olhos e ouvidos e se bobear ele faz seu coração voltar a bater, mas isso é desleal, ele é um hacker ? protesto.
? Não, Eugene Ward é meu advogado e conseguiu as informações de maneira honesta ? ele deixa seu rosto se formar em um tom alegre de sarcasmo.
? Honesto assim como descobriu sobre a agência de turismo? ? agora eu sou a sarcástica.
? Sim ? ele me vence nessa categoria.
? Não vou discutir com você sobre isso ? disparo.
? Muito inteligente de sua parte chegar a essa conclusão ? ele diz e pela segunda vez é possível ver o sorriso em seu rosto durante essa conversa ? Sobre Domenico, é fundamental
que ele esteja aqui até a próxima semana ? isso significa que ele vai ficar menos furioso com o atraso de Domenico.
Paolo atende uma ligação e eu observo sua maneira de conduzir a conversa.
? Peça para que finalizem até sexta-feira, isso é imprescindível ? ele exige e segura com dedos travados o telefone em seu ouvido ? Se você acha que isso não é possível, vamos
fingir que estou pedindo um favor e não que está sendo pago para isso ? essa fez doer meu estômago.
Alguém tenta discutir com Paolo sobre prazos e infelizmente isso não é uma atitude inteligente. A verdade é que para vencer Paolo em uma discussão a pessoa precisa impreterivelmente
estar certa em todos os pontos ou ser a mamãe.
Escuto baterem à porta e Paolo sinaliza de que é para eu abrir e antes que tudo se vire contra mim, eu o faço. Eu sei que é Zanatta com os esboços que Paolo pediu.
Olho para Paolo que sinaliza com dois dedos para que ele entre e eu me sinto um pouco sem jeito e eu não deveria me sentir assim, afinal, foi um acidente e poderia ser com
qualquer pessoa.
Paolo finaliza a ligação com uma frase tão delicada quanto a queda do muro de Berlim "Isso poderia ser um problema meu se EU estivesse no SEU lugar."
A morte seria bem compensadora para a pessoa do outro lado da linha caso ela ouse não cumprir o que acordou com Paolo.
O homem que desenha barcos, derruba bebida e me deixa sem jeito se aproxima da mesa de Paolo e eu também. Preciso localizar Domenico e trazê-lo de volta antes do almoço de
domingo.
Paolo pede que nós dois sentemos. Achei que ele queria conversar comigo sobre Domenico e pelo visto ainda tenho mais assunto por aqui. Minha espinha está tremendo.
? Ontem ? ele começa a falar e olha para a tela do seu computador e para. Meu coração dispara e engulo seco, não me atrevo sequer a olhar para o lado e ver o homem dos barcos...
que desenha barcos. Paolo lê atentamente e levanta o indicador pedindo um minuto, sem nenhuma palavra, mas ele se faz completamente didático. O homem não mostra nenhum sinal
de nervosismo e isso me deixa parcialmente mais calma ? Ontem, no período da tarde, tive uma reunião e alguns detalhes foram definidos com alguns distribuidores e parceiros
que a Bastilli preserva em alta estima ? faço uma oração interna agradecendo que o assunto em pauta agora seja profissional.
? Alguma mudança que envolve meu departamento? ? pergunto firme e volto a me vestir de executiva financeira da Bastilli Barche.
? Sim, e serão encaminhadas para o seu email, assim como houve modificações na estrutura de solicitação de materiais. O mesmo com você, Zanatta, receberá tudo por email, mas
para uma boa compreensão de tudo, decidi que essa conversa facilitará no entendimento do que receberão ? vejo o homem dos barcos soltar a respiração, ou seja, ele também estava
tenso. Sem perceber sorrio ao ver seu corpo um pouco mais relaxado. Ele tem braços bonitos, o tecido branco da camisa está me avisando sobre isso. Sorrio ainda.
? Está tudo bem, Sofia? ? a voz de Paolo me acerta como um tiro de bala de canhão e quando viro meu rosto vejo seus olhos, duros, e quase em chamas sobre mim.
? Sim ? afirmo e ele inclina levemente seu rosto e isso eu entendo muito bem e discretamente nego com a cabeça mesmo sabendo que Paolo jamais falaria algo para mim na frente
de outras pessoas, a menos que a pessoa seja a mamãe.
? Zanatta, toda e qualquer solicitação terá que passar por mim e obrigatoriamente por Sofia. As assinaturas de ambos serão fundamentais para comprovação do custo, isso está
claro para você? ? ele se mantém exatamente no mesmo tom do começo ao fim da pergunta.
? Sim ? ele responde.
? Sofia, qualquer solicitação deverá ser feita dentro do período de dez a vinte e cinco de cada mês, e antes que se questione o porquê de tudo isso, os materiais de primeira
necessidade para embarcações serão fornecidos pela Tavarin&Collect e os detalhes sobre isso são de extremo benefício para Bastilli, por isso, esse prazo deverá ser cumprido,
isso está claro para você? ? a mesma pergunta que fez para Zanatta, fez para mim ? Qualquer situação que mereça atenção, por ser uma exceção e estar fora do prazo, se mantém
nas regras anteriores; minha assinatura determina ou não a execução do mesmo ? ele conclui.
? Tudo bem, mas e quanto aos outros fornecedores? ? pergunto.
? Alguns fornecedores foram descartados ? ele é sucinto e percebo que ele não quer falar sobre isso na frente do Zanatta ? Zanatta, é só isso ? o homem se levanta e sai e
eu tento fazer o mesmo, mas Paolo me surpreende pedindo para eu ficar.
? Mais alguma coisa? ? pergunto.
? Tavarin acaba de pegar uma grossa fatia do mercado de materiais para embarcações, por pouco ele não se torna exclusivo, não teremos mais representantes nos enchendo, o próprio
Anderson Tavarin, proprietário, vai nos atender. Esse prazo de pedido o ajuda em seu estoque e engorda sua lista de recebíveis dentro de dias específicos. Ele tem a mesma
linha de raciocínio que eu, pelo menos nos negócios ? Paolo diz e eu me pergunto internamente se ele o conhece além dos assuntos de trabalho.
? Pelo menos nos negócios? ? interrogo.
? Sim, ele vai se casar em alguns meses ? ele responde e acho que essa é a terceira vez que escuto a palavra casamento sair da boca de Paolo em toda a minha vida. A primeira
foi quando mamãe conversou com ele sobre isso, depois, quando eu quase me meti nisso e agora.
? Você e ele são amigos pessoais? ? Paolo não tem uma lista extensa de amigos, mas tem alguns e, pelo visto, os poucos que tem são de extrema confiança e cabem na contagem
dos dedos de uma única mão. Um deles é Joel, e eu conheço também o Marcelo e o Guilherme, dois lindos e tão educados. Não lembro qual deles que namorou uma angel da Victoria
Secret.
? Não, o conheci recentemente. É a terceira vez que falo pessoalmente com ele e não sou de muitos amigos. Poucos e confiáveis, é melhor assim ? ele olha para a tela assim
que recebe um aviso de email e eu me levanto ? Convença seu irmão mais novo de que tudo isso também envolve ele ? ele conclui e eu saio da sala sorrindo. Dom e Paolo, é como
café e leite, tão diferentes e juntos fazem a melhor combinação.
Ando em direção à porta de vidro e meus olhos, diferente da ordem que dei, olham para Zanatta, que prefiro chamar como homem dos barcos, e ele está lá, com um lápis grafite
de corpo amarelo nas mãos. Deixo meus passos mais lentos e tento passar o mais próximo de sua mesa para ver o que está deixando-o tão concentrado e estico meus olhos até o
papel e ele suspende seu rosto em minha direção. Ele é bonito demais para desenhar barcos. Pensamento idiota.
? Oi ? ele diz e eu sorrio, retornando também com um oi ? Pra você ? ele diz e me entrega o que estava desenhando e eu observo e escuto a porta da sala de Paolo se abrir.
Enrolo o desenho e continuo meu caminho. Escuto a voz do meu irmão em direção a Humberto e ele pede algo sobre madeiras. Já estou longe o suficiente para não ouvir a voz no
meu irmão, abro o desenho e me vejo.
Meu coração dispara porque ele poderia ter feito qualquer desenho, mas me desenhou olhando para o meu vestido molhado por causa dele e embaixo um recado:
Srtª Bastilli,
Infelizmente não pude me retratar da forma como gostaria. Peço desculpas pelo vestido e me comprometo com os custos da lavanderia.
Uma setinha indica para que eu vire a folha e eu o faço. Lá embaixo um endereço de um link e eu fico sem entender, mas fico curiosa o suficiente para ir mais rápido para minha
sala e acessar.
Assim que digito aparece uma animação, um desenho preto e branco feito apenas de contornos e sem muitos detalhes. Um homem tromba com a mulher que segura um copo com uma bebida
e ela fica indignada, mas ao contrário de mim, ela não vai para o banheiro, ela olha para o vestido cruza os braços e fica de costas para o homem, que tenta se desculpar de
todas as formas, mas só quando ele entrega um barquinho feito de papel ela sorri e se vira para ele.
No final do vídeo, que tem menos de cinquenta segundos, outro recado:
"Espero que fique menos chateada agora"
Isso foi a coisa mais fofa que recebi em toda a minha vida e eu não pensei duas vezes antes de disparar o link para Heiden e Santiago.
Menos de dois minutos depois eles retornam as mensagens. Um diz que é para eu levar o vestido na casa dele para ele lavar e o outro diz para eu ficar sem o vestido com ele,
e eu chego a conclusão que os dois são malucos.
Entro no guia de emails internos e procuro o dele, preciso agradecer.
bradley.zanatta@bastillibarche.com
Envio um agradecimento e um pedido para que ele não se preocupe, e quase pedi para ele não ser tão fofo. Elogiei suas habilidades como desenhista e fiquei surpresa com a quantidade
de realismo do desenho.
Abro minhas planilhas e vejo as telas de aviso sobre emails não lidos em minha caixa de entrada, são de Paolo e Domenico... Domenico?
Abro e imagino que sejam novas fotos e eu preciso que ele volte. Ele ficou mais de trinta dias em Paris, ele vai com muita frequência para lá, mas nunca fica mais de quinze
dias, nem no período da competição.
"Sofia, não fica brava. Eu perdi meu celular e eu sei que você está falando que ele é o quarto esse ano, e na verdade é o sexto. Vou chegar na sexta-feira"
Não sei se devo contar isso para Paolo, acho melhor não.
Abro os emails de Paolo e neles, as novas coordenadas de trabalho. Por um instante penso se Paolo faz sexo com alguém, seja lá quem for, homem ou mulher, pelo menos isso aliviaria
parte dessa obsessão por trabalho que ele tem. Apesar que da última vez em que estive na sua casa, enquanto eu passava pela porta da cozinha, um carro saía de sua garagem
e ele estava com uma cara boa. Isso foi há dois meses e eu tenho certeza que era uma mulher. Encontrei um absorvente interno no banheiro de sua suíte.
Me distraio nas observações e vejo o nome de Ward no pé de cada página. Esse cara é a maior incógnita desta abençoada empresa. Acho que ouvi a voz dele duas vezes, está sempre
com Paolo e cheguei a pensar que eles tivessem um caso, porque Paolo é bom em deixar margem para tudo em minha imaginação.
Um aviso de um novo email chega, é o homem dos barcos e agora, além de barcos e bebidas despejadas por acidente, ele é o homem do vídeo sobre um vestido insignificante. O
vídeo me deixou feliz.
"Gostou?" ? ele pergunta na mensagem
"Sim, você me deixou mais magra" ? brinco e volto para o email de Paolo e acredito que a negociação com a empresa Tavarin tenha outra intenção. Paolo não ficaria na mão de
uma única empresa, ele jamais arriscaria seu patrimônio assim, afinal de contas, um atraso na entrega e pronto, teremos alguns clientes enfurecidos. Mas se ele não abriu o
jogo ainda comigo é porque tem mais alguma coisa em mente.
Outro aviso de email.
"Não posso escrever aqui nada nesse sentido. Tenha uma boa tarde"
Zanata respondeu e eu li umas oito vezes e por mais que não faça diferença na minha vida, eu quero saber em que sentido ele disse isso. Talvez seja por conta dos emails monitorados.
Assédio sexual é algo que Paolo não tolera, não admite e possivelmente tomaria medidas drásticas.
Vejo o ramal do departamento de projetos e ligo, Kaíza atende e eu peço para falar com o Sr Bradley Cohen Zanatta, o homem dos barcos e bla bla bla...
? Zanatta falando ? ele atende.
? E por qual via de comunicação me diria algo a respeito do que mencionei no email? Caso não tenha identificado a minha voz, sou eu, Sofia, a mulher que precisou trocar de
vestido por culpa sua ? falo de uma vez e ele limpa a garganta antes de falar.
? Poderia detalhar com precisão cada linha projetada no email enviado, mas acredito que isso teria mais valia e propriedade se fosse feito durante um jantar no Milanis com
um bom vinho tinto, de preferência da safra de noventa e oito ? ele me deixa totalmente sem jeito e eu desligo.
Por que eu desliguei? Por que eu liguei?
Um aviso de email chega e eu abro, é ele.
"Se um jantar é impossível, talvez um café pela manhã?"
Ele é ousado e não parece ter o medo que achei que tivesse. Penso em uma resposta e digito.
"Bebidas e você não são algo seguro" ? sorrio com a brincadeira e eu deveria estar trabalhando e não animada com coisas que adolescentes fazem. Mas, infelizmente, eu espero
de maneira ansiosa que ele retorne com alguma resposta. Mas isso não acontece.
4
Desisti da resposta do email. Paolo colaborou com isso quando entrou na minha sala com um papel na mão, Domenico resolveu enviar um email para Paolo e isso definitivamente
não é bom, pelo menos não para mim.
Passei o final da tarde respondendo a alguns gerentes sobre as aplicações e quando o relógio me mostrou sete horas da noite, eu percebi que era a única que ainda estava na
Bastilli, mais uma vez.
Alcanço minha bolsa, desligo a luz e caminho no corredor que conta com Getúlio, o responsável pela limpeza do prédio. Eu desejo boa noite e vou ao estacionamento até meu carro.
Sinto um incômodo no alto na minha cabeça e, então, percebo que enfiei esse lápis para fazer um coque há pelo menos três horas e naturalmente uma hora minha cabeça iria rejeitar.
Solto o lápis e me aproximo do carro e vejo que tem um papel dobrado no parabrisa.
Me aproximo, alcanço o papel e o abro. Eis a resposta que esperei a tarde toda.
Um desenho meu. Estou debruçada sobre meus papéis, com o coque feito em torno do lápis, estou segurando uma caneta e com meus óculos; ele colocou até os detalhes da gola da
blusa que estou usando, pena que a mesa ficou no lugar da saia. Ele é bom com desenho, e tem boa memória. Deve ter aparecido no meu departamento por volta das cinco horas
que é o momento em que todos estão correndo com suas coisas e eu não perceberia uma pessoa a mais na sala.
Embaixo do desenho uma frase:
"Pier do Santo, Marina da Castanha"
Conheço esse lugar. Antigamente Paolo guardava lá o Luna, seu primeiro veleiro. Paolo ainda tem esse veleiro, guardado na Bastilli, e eu sei que ele o observa todos os dias
e de vez em quando, no fim de tarde de sábado ou domingo, sei que ele faz seus passeios solitários pelo mar de Gênova.
Entro no carro e olho para o bilhete. Terminei um relacionamento em um barco, e o barco tem boa parte de culpa disso, talvez esse seja um aviso para eu não ir. Sou péssima
com mensagens subliminares, indiretas e recusa para convites.
Sigo para a Marina da Castanha e antes mesmo de eu sair das dependências da Bastilli, pego o desenho e observo. Habilidade artística manual, isso com certeza será um atributo
a ser atingido em meu próximo pretendente.
Pelo horário o trânsito ajuda e quando chego em frente ao portão da marina, ele se abre. Um senhor de cabelos grisalhos o abre.
Estaciono no lugar indicado e caminho em direção ao deck de madeira que me leva para os barcos que se encaram, um de frente para o outro e apenas um está com suas luzes acesas.
Vejo o homem que desenha mulheres e barcos. Será que é isso que ele faz com todas? Desenha-as, as conquista e depois ele segue pelo caminho do mar, dispensando-as?
? Esse barco é seu? ? pergunto antes mesmo de seguir o caminho para entrar nele. Maria de Todos os Mares é o nome da embarcação, não é de ultima geração.
? Apenas por essa noite ? ele responde e estende a mão para mim. A noite está agradável, uma brisa fresca vinda do mar movimenta com leveza as mechas louras de Bradley, esse
é seu nome. Bradley.
? Todos sonham em ter um barco, ao menos um veleiro ? o alerto e ele nega com a cabeça e eu estou diante de uma mesa com um vinho ainda fechado e duas taças.
? Não, não todos. Acredito que na maioria, eles gostam da sensação de pensar em ter uma embarcação, mas quem conhece esse produto ? ele diz e desliza a mão sobre uma alça
de alumínio perto da mesa ? Sabe que ele requer mais do que os milhões que ele custa ? ele conclui.
? Vendemos barcos, acho inapropriado pensar desta forma ? afirmo e deixo minha bolsa sobre a cadeira e tiro meus saltos. Ele me olha e sorri e acho que ele não esperava por
isso.
? Vendemos a possibilidade de liberdade, status e um nome potente. Quem compra um Bastilli, compra qualidade sem sombra de dúvidas, compra algo singular e possivelmente não
vai pensar em se desfazer por qualquer motivo, mas a verdade é que vendemos algo que todos querem ? ele fala e abre o vinho e nos serve.
? O que todos querem?
? Poder, independente do quê. Quem tem poder acredita que pode ter tudo ? ele me entrega uma taça e antes que eu perceba estou aceitando um convite que primeiramente recusei.
? E você, quer poder? ? questiono e suspendo minhas sobrancelhas.
? Todos querem ? ele retruca e percebo seu cabelo mais bagunçado por conta da brisa, observo sua boca mais intensa e vermelha por conta do vinho e vejo que ele também está
descalço.
? Perguntei se você quer ? protesto e bebo um gole do Cabernet de noventa e oito. Não seria um vinho escolhido por mim.
? Eu quero, mas tenho consciência de que possivelmente não vou saber o que fazer com ele ? ele confessa e me surpreende.
? Gostei dos desenhos ? admito e ele sorri. Dentes perfeitos, alinhados e eu sei que estou encarando isso ? Mas, antes de continuarmos aqui com essa conversa que eu não sei
por que está acontecendo, você conhece o Paolo? ? faço uma singela menção sobre o que meu irmão faria caso soubesse disso.
? Sim, fui alertado sobre tudo, inclusive sobre relacionamentos entre funcionários, assédio e afins. Paolo tem trinta e quatro anos, não gosta de conversa e foi bem claro
quanto aos padrões que exige ? ele bebe um gole do vinho e se aproxima de mim ? Essa foi a forma que encontrei para falar sobre seu corpo com as curvas mais perigosas que
já desenhei, suas curvas são quase perfeitas ? ele fala bem próximo do meu rosto e eu não me intimido. Não externamente, porque por dentro estou querendo é exigir explicações
sobre esse quase antes da palavra perfeita. O questionamento trava minha garganta e, assim, eu não consigo nem beber o vinho que ele até fez uma boa escolha sobre a marca,
mas a safra ainda não é a melhor.
? Quase??? ? suspendo ligeiramente uma de minhas sobrancelhas, dou um leve chacoalho desde minha cabeça até as minhas pernas e cruzo os braços fechando o semblante em algo
bem parecido com um assassino em seu ato de execução.
? Sim, quase perfeitas, elas estão sempre cobertas ? a resposta dele golpeia meu rosto e eu fico sem saber como continuar olhando para ele. Isso é um desacato, eu sou irmã
do proprietário da empresa que ele trabalha, ele deveria me respeitar.
? Escute, eu vou embora e vou fingir que não ouvi isso. Sou sua chefe e exijo o mínimo de respeito ? me viro e começo a caminhar.
? Eu discordo de você se é que me permite ? ele diz e isso me faz parar de andar, porque além de ousado, ele é teimoso e se atreve a não concordar comigo. Ele me irrita.
? Posso saber em que você discorda? ? continuo de costas e remexo a taça com um pouco de vinho dentro.
? Em todos ? ele responde e eu sei que ele não saiu do lugar e me obrigada a encará-lo.
? Me prove que estou errada ? ele se aproxima ainda mais e coloca seu rosto impecável diante do meu.
? Você não é a minha chefe, seu irmão é meu chefe; você pode exigir respeito, mas não é certo que vá consegui-lo; eu não faltei com ele com você, eu fui sincero e, por último,
você não quer ir embora ? minha respiração fica mais confusa do que intensa e sinto que meus olhos piscam descompassadamente. Nunca conversei com alguém tão direto e tão...
seguro de si.
? Eu posso simplesmente virar as minhas costas para você e ir embora, amanhã você vai ter que me encarar e fazer seu trabalho com competência, acha que pode assimilar isso?
? eu não sei bem o que estou querendo fazer, mas estou fazendo.
? Não vejo problema com isso, eu a convidei para vir, não a obriguei; precisava falar sobre suas curvas e sobre a falta de educação em desligar o telefone na minha cara ?
ele me obriga a virar o resto do vinho, a colocar meus saltos e sair rapidamente da sua presença.
Caminho apressadamente e não me atrevo a olhar para trás. Ele é rebelde, mas não é mal educado e tem um hálito gostoso de sentir mesmo misturado ao vinho, e essa conversa
sobre minhas curvas... ele quer me ver nua? Isso explode em mim e eu entro no carro e seguro o volante. Sinto raiva dele por ele não apresentar nenhuma resistência comigo.
Eu sou uma Bastilli e ele deveria demonstrar o mesmo medo que sentiu na Purose ontem, mas será que ele realmente sentiu medo?
Seguro a chave e não giro, tiro meus saltos e os jogo no banco de trás junto com outros que eu preciso me lembrar de tirar. Volto a segurar a chave e ainda não consigo girar,
a tiro da ignição e saio sem bolsa, sem salto e apertando o dispositivo para trancar as portas.
Volto pisando firme, com um roteiro de insultos pronto para arremessar contra ele. Me aproximo rapidamente e vejo-o sentado com os pés suspensos na barra de alumínio que contorna
a proa. Agora ele está sem camisa, apenas com uma calça branca de linho e seus pés são mais bonitos do que ele merece.
Ele bebe um generoso gole de vinho e eu me distraio com seus cabelos que agora se movimentam mais livremente por conta do vento que está um pouco mais forte.
? Voltou para me demitir? ? ele pergunta sentado, nem sequer me encara, nem se vira para mim e me deixa ali, olhando suas costas, bonitas por sinal, douradas e largas e...
parece serem boas de colocar a mão.
? Deveria...
? Mas não pode ? ele me interrompe.
? Posso, mas não acho que deva fazê-lo ? o enfrento.
? Então, me diga por que voltou ? ele estica o braço e pega a garrafa de vinho e termina de completar sua taça, ainda sem virar a cabeça para falar comigo.
? Deveria ter educação e não ficar de costas enquanto falo com você ? o advirto e ele eleva muito discretamente sua cabeça quase que em minha direção.
? Posso te dizer o mesmo ? ele rebate e bebe mais um pouco do vinho e eu explodo. Vou em sua direção e antes de eu conseguir colocar a mão em seu ombro, ele se levanta rapidamente
e me enfrenta, ficando de pé e andando em minha direção, me obrigando a dar passos para trás.
? Ninguém fala assim comigo ? protesto e ele sorri. Por que ele está sorrindo?
? Imaginei ? ele passa um braço em torno da minha cintura e a outra mão ele coloca atrás da minha cabeça apoiando em minha nuca ? Ainda bem que ninguém nunca fala assim com
você, pois aí, eu seria apenas mais um e isso não me deixaria feliz. Estou há dois meses observando você, louco para saber qual é a sensação de ter as mãos em curvas tão quase
perfeitas ? ele diz e me beija e eu deveria impedir que sua língua macia como veludo percorresse desta forma a minha, que se entrega covardemente sem lutar.
Ele me puxa para mais perto de seu corpo e eu deveria fazer com que minhas mãos o empurrassem, mas elas o seguram e ele cessa o beijo.
? Isso não pode estar acontecendo ? afirmo sem nenhum grau de credibilidade.
? Não mesmo ? ele volta a me beijar e eu deixo, porque sou fraca? Não, porque sou forte e isso não vai me abalar.
Me solto dele e o encaro ? Dois meses me observando? ? pergunto.
? Sim, a primeira vez que a vi foi no meu terceiro dia de trabalho e eu não sabia quem era você, mas eu quis você naquele instante mesmo, mesmo que fosse para fazer um desenho
ou beijar a sua boca. Então, eu tentei de algumas maneiras chamar a sua atenção, mas eu nunca consegui e quando eu havia desistido por conta de sua viagem e por ter descoberto
quem era, você quase cai sobre a minha mesa e, depois, eu derrubo bebida em você ? isso me obriga a engolir seco.
? Eu deveria ficar com medo, uma pessoa está me seguindo há dois meses ? digo espantada com a declaração dele.
? Perseguindo não, observando, e não são dois meses, apenas um, porque você estava de férias e eu confesso que a Bastilli ficou um pouco sem graça sem você ? ele tem uma lábia
mais envolvente do que estou acostumada. Sua mão acaricia meu rosto e a sensação que tenho é de que esse é o exato lugar a que ela pertence.
? Você é do departamento de criação, como conseguia sair sem que Paolo soubesse?
? Ele sai para almoçar rigorosamente no mesmo horário todos os dias e você não é uma pessoa que respeita fielmente suas refeições e, fique tranquila, eu apenas passava pelo
seu departamento e a olhava da imensa janela de vidro, longe o suficiente para você nunca ter reparado que eu existia ? ele explica e eu sorrio.
? Sou ocupada e estava noiva.
? Eu sei, notei a falta da aliança.
? Observador demais.
? Ruim seria te observar de menos. Fique tranquila, não vou te perseguir, estou feliz por ter aceitado meu convite essa noite e ter voltado aqui apenas para me afrontar ?
ele aproxima seu rosto do meu e segura meu queixo com seus dedos indicador e polegar. Ele tem o fator de risco número dois segundo a lista de Santiago: a pegada.
? Paolo lhe demitiria se soubesse disso. Foi apenas um beijo, e pelas minhas contas isso não é tão grave e pode ser facilmente esquecido e não comentado posteriormente ? o
aviso e eu sei que ele tem a grande parcela de culpa sobre isso, mas eu também tenho a minha. Me encantei com seus desenhos, dos barcos e de mim.
? Vou te acompanhar até o carro ? ele diz e coloca a mão na base das minhas costas e me conduz. Eu preciso ir embora, mas não quer dizer que seja isso que eu queira fazer.
? Fez tudo isso para eu voltar e agora esse jogo do tipo não quero mais? ? me zango e caminho com o pé firme e o vejo caminhando ao meu lado ? Não vai falar nada? Vai apenas
me enfiar no carro e dizer até amanhã? O que pensa que está fazendo? ? pergunto e ele anda apressado e não fala nada, apenas tem pressa de me tirar dali ? Por que está com
essa pressa? ? pergunto e ele tira a chave do carro da minha mão e aciona para que destrave.
? Brad! ? o chamo e assim como eu, ele também se assusta e me olha entrando no meu carro do lado do motorista assim que me enfiou no banco do passageiro.
? Minha mãe me chamava assim ? ele responde.
? Por que com certeza você a fazia passar raiva como eu ? falo mais alto e ele acelera.
? Estamos tendo um progresso por aqui ? ele fala, abaixa o vidro e agradece o senhor que me abriu o portão. No instante seguinte, ele estava acelerando e eu, confusa, e quando
me dei conta estava a caminho da minha casa.
? Pare o carro! ? ordeno, ele freia e eu sinto a traseira do carro derrapar ? Que raio de progresso? Do que você está falando? Você me observa por dias, derruba bebida em
mim, me rabisca em seus papéis, me oferece vinho e me beija! Não vejo progresso. Eu não te conheço e eu não costumo ficar irritada com tanta facilidade! ? o carro está no
acostamento e estamos acima de onde as ondas se chocam, é possível escutar o barulho.
? Me refiro à criação de sentimentos. Sentiu raiva de mim e a única coisa que senti por você foi vontade de tocar a sua pele, te ver e te beijar ? ele é mais direto do que
manda os bons costumes.
? Escute, eu sou uma pessoa correta, não saio beijando ninguém, sou honesta com as pessoas e não pego o carro de ninguém sem permissão! ? ele me olha de soslaio, mas passou
boa parte do tempo olhando pelo retrovisor assim como está fazendo agora ? Para de olhar para trás, estou falando com você! ? grito e ele me encara.
Ele me olha e fica em silêncio.
? De quem você está fugindo? ? pergunto e ele sorri com mais safadeza do que alegria.
? Do dono do barco onde estávamos ? minha boca se abre e eu não acredito.
? Você só pode estar de brincadeira comigo?
? Não, assim que te beijei, Jack deu dois sinais com sua lanterna e me avisou. Eu sabia que tinha menos de dez minutos para sair dali, então, senhora honesta, se fôssemos
pegos, a culpa seria igual, por isso eu corri ? ele desce do carro, dá a volta, abre a porta para mim e me conduz até o banco do motorista ? Eu fiz isso por uma causa ? ele
beija as costas de minha mão e fecha a porta e caminha lentamente, descalço e sem camisa.
? Invadiu um barco com ajuda do funcionário e me diz que foi por uma boa causa? ? ele para por alguns instantes, volta com seus passos lentos e se inclina na minha janela.
? Quer causa melhor do que falar de curvas perfeitas? ? ele sela a minha boca e volta a caminhar.
? Quase perfeitas! ? falo alto e ele para. Vejo que ele respira fundo e solta o ar e há muito tempo eu não sabia o que era adrenalina. Ligo o carro novamente e acelero devagar,
apenas para parar ao lado dele e ele me olha sem abaixar ? Quase perfeitas... ? repeti ? Ainda não as viu ? lanço sobre ele e ele abre um sorriso majestoso sobre mim ? Entre,
eu te dou uma carona. Descalço, sem camisa, ao menos está com seus documentos? ? ele tira do bolso de trás uma pequena carteira e me mostra. Observo o homem louro, de corpo
esculpido, rosto que lembra alguém de grandes produções Hollywoodianas, caminhar em torno do carro e entrar.
Ele se acomoda no banco do passageiro e me encara.
Bradley tem uma postura envolvente, olhos sedutores e um magnetismo que eu não deveria sentir de maneira tão palpável. Acelero lentamente o carro e saio do acostamento.
? Vire à próxima direita ? ele ordena.
? Vou entender como um pedido ? sorrio.
? Tudo bem ? ele diz ? A próxima à direita novamente ? ele pede com mais calma desta vez.
? Assim é melhor ? e estou a poucos metros da minha casa ? Você mora por aqui? ? ele se mantém em silêncio e não responde nada, sigo com o carro e já consigo ver a minha casa.
? Pode parar ? ele pede e eu estou de frente à entrada da minha casa, consigo ver Stelle na área antes da porta da sala.
? Eu moro aqui ? digo e tenho medo que ele queira entrar.
? Eu sei ? ele pega seu celular no bolso da frente e faz uma ligação, ele pede um taxi e desliga ? Eu sei onde você mora, sei exatamente quem você é e sei sobre as exigências
do seu irmão. O que aconteceu fica exatamente onde está, em um barco invadido e sem pistas, amanhã nada disso mudará nossa vida ? ele fala e eu fico muda, sem graça por ter
repetido o quase perfeitas por duas vezes.
Ele desce do meu carro, caminha para um pouco mais adiante e eu fico ali, olhando até o momento em que ele entra no taxi e vai embora.
Penso e tento equalizar toda essa soma, e entro com meu carro em minha casa e assim que desço, vejo Stelle na porta da sala com cara de espanto.
? Está tudo bem, Stelle?
? Sim... acho que sim... o Sr Paolo está na sala de visitas esperando pela senhora ? sinto de novo um tremor interno.
? Ele chegou há muito tempo? ? pergunto e entro devagar.
? Não muito, trinta minutos um pouco mais talvez ? ela responde.
? Onde está o carro dele?
? Está a pé ? ela responde e algo não faz sentido. A casa dele não é tão longe, mas não é perto o suficiente para vir andando.
Entro e vejo-o com as mãos nos bolsos olhando pela vidraça que faz divisa com a piscina.
? Devo alertar a Marinha? ? brinco com a visita repentina e totalmente fora de hora, mas na verdade estou com medo que ele tenha me visto com Brad. Eu o chamei de Brad.
? Ainda não ? ele responde ainda de costas, mas se vira repentinamente e caminha em minha direção ? Tudo bem com você? ? ele beija meu rosto e eu sei que ele não pode me tratar
cheio de carinho na Bastilli, mas ele é protetor sempre.
? Estou, mas estou preocupada com sua visita ? confesso e ele olha para os meus pés.
? Está tudo bem mesmo? ? ele aponta para os meus dedos sujos e eu estou pensando em uma resposta, mas tenho que ser mais rápida porque Paolo é astuto com mentiras.
? Andei pela costa uns minutos, saí tarde da Bastilli ? respondo com naturalidade e chamo por Stelle para tirar o foco dele sobre meus pés.
? Eu sei ? ele responde e Stelle aparece.
? Stelle, traga um suco de anguria para Paolo ? o preferido dele e dependendo da época não encontramos por aqui ? Para mim um café, sem açúcar ? Paolo sorri e se senta na
poltrona ao lado do sofá branco de dois lugares, onde eu me jogo com os pés sujos e isso incomoda um pouco o Paolo... o impecável Paolo ? Não vi seu carro ? indago.
? Está com Ward ? ele diz ? Daqui a pouco ele vai passar aqui e me pegar ? Mas eu vim aqui para adiantar que amanhã Martinelli vai enviar o tal preposto à Bastilli. Eu vou
para Belgica e volto apenas no sábado à tarde ? ele olha com o semblante preocupado para a lareira e volta a me olhar ? Domingo nos encontramos na casa da mamãe ? independente
do grau de irritação ou desapontamento, Paolo sempre vai falar mamãe com mais ternura.
? O que você precisa que eu faça com o tal preposto? ? pergunto e Stelle nos serve e nos deixa logo em seguida.
? Os mesmos documentos que apresentamos ao Franchesco precisam ser apresentados ao seu nomeado, as contas e detalhes sobre a última aquisição daquele lote de barcos ? ele
coça a testa com o polegar e eu tenho tempo de analisar suas roupas, calça jeans justa ao seu corpo torneado, camisa fina e uma jaqueta de meia estação. Nunca vi Paolo desarrumado,
com barba por fazer ou descabelado.
? Pode ficar tranquilo, sei o que devo fazer, mas, posso saber o que temos na Bélgica? Férias não é, ainda faltam algumas semanas para isso ? pergunto. Ele me olha e deixa
um sorriso me ver.
? Negócios. Isso foi de última hora e realmente preciso olhar de perto ? parece que alguém vai ter uma empresa adquirida pelo meu irmão, mais uma vez.
Vejo-o pegar o celular e como sempre não sabia que estava tocando.
? Estou esperando ? ele responde e desliga ? Ward está chegando, me acompanha até a porta? ? ele é tão diferente quando não estamos na Bastilli. Vejo seu rosto menos duro
quando estamos só nós dois.
Ando ao seu lado com ele abraçado a mim até a porta e paramos olhando para o jardim ao centro onde os carros contornam para entrar e sair.
? Falei com Domenico ? ele solta baixo e não muito feliz, colocando as mãos nos bolsos da frente da calça.
? Não discutiram por telefone, por favor, me diga que não discutiram por telefone ? cruzo os braços e ele me olha firme.
? Não me lembro de um único dia de não ter discutido com ele ? ele diz e pelo jeito que trava o maxilar eu imagino o que aconteceu.
? Vocês dois precisam entrar em um acordo. Discutiram mesmo sabendo que domingo estaremos na casa da mamãe. Eu não quero que ela sinta esse penhasco entre vocês e nem descubra
que você tem vontade de arremessar o Domenico de um. Não se esqueça, Paolo, Domenico sabe escalar ? fico nervosa e ele me abraça por cima dos meus ombros e beija a minha cabeça.
? Não se preocupe ? ele diz e vejo Ward chegar com o carro.
Paolo se despede com um até breve e eu espero que ele saia da propriedade para, enfim, entrar na minha casa e subir para o meu quarto.
***
Meu celular toca e são sete horas da manhã. É mamãe, ela está indo viajar e volta no sábado à noite. Quase certeza que Paolo deu um jeito de levá-la. Enquanto ele trabalha,
ela passeia.
Vou em direção ao banheiro e tento colocar meu dia em ordem antes dele começar. O pedido de Paolo, o nomeado da Martinelli e Brad, não necessariamente nessa ordem porque Brad
não está deixando eu lembrar do que realmente preciso fazer.
Sinto a maciez de sua língua e sua pressa, lembro da infração e não consigo não sorrir. Me senti adolescente cabulando aula, apesar que nunca cabulei aula por conta de Paolo.
Mas eu vou precisar encarar tudo isso e manter as responsabilidades sob custódia.
Saio do banho e escolho um vestido amarelo, justo ao corpo, salto pretos, assim como a bolsa, e um coque resolve minha falta de paciência com meu cabelo.
Stelle até que tentou me convencer a tomar café da manhã, mas mesmo olhando a mesa farta, meu estômago rejeitou.
Chego na Bastilli pouco antes das oito horas da manhã e apenas alguns funcionários estão no departamento e meu bom dia soa quase sem vontade. Não é mau humor, é preocupação
com tudo. Minha noite anterior foi turbulenta e até que eu pegasse no sono demorou mais tempo do que imaginava.
Entro na minha sala e vejo sobre o teclado uma folha de papel e eu não deveria deixar meu coração disparar com essa ansiedade, por mais que ele tenha partido cheio de respostas,
a verdade é que ele me deixou com mais dúvida.
Me aproximo e vejo um desenho, mas desta vez é um desenho de duas pessoas se beijando e embaixo um recado que fez as preocupações com discussões entre Paolo e Dom, prepostos
e novas aquisições desaparecerem.
"A curva de seus lábios é perfeita"
Eu sorrio, incansavelmente, porque é diferente e há muito tempo eu não sabia o que era romantismo.
Preciso me manter firme. Paolo acaba com ele em dois minutos, e não é apenas por ser eu, ele não admite nunca nenhum tipo de relacionamento entre funcionários.
Olho para o desenho e o guardo na minha gaveta. Tenho quase trinta anos e um desenho não define a minha reputação e nem o meu caráter.
Me afundo em todas as minhas obrigações e quando me dou conta de que é hora do almoço, meu telefone toca. É Lisa me avisando que o preposto da Martinelli marcou uma reunião
para hoje às dezesseis horas.
Acato e volto aos meus papéis com números e equações sem fim.
Meu celular toca às quinze e vinte e, então, meu estômago me faz lembrar de que ainda estou viva.
Atendo e espero que respondam.
? Deveria ir almoçar ? escuto a voz quase sussurrar e então tiro meus óculos e encosto na cadeira.
? Como sabe que não almocei? ? pergunto ? Ainda me perseguindo?
? Observando seria a palavra ? ele me corrige ? E devo acrescentar que você fica ainda mais bonita de amarelo. Então, eu deduzo que não tenha uma cor no mundo que seja capaz
de deixar você menos atraente do que é ? por mais que seja intimidador o fato de ter alguém observando e sabendo mais sobre mim, isso não me soa como algo perigoso, mas muito
excitante.
? Tem me observado demais, tem certeza que já me viu com todas as cores disponíveis? ? o provoco.
? Esse é o ponto, já te olhei com todas as cores e o meu problema é desejar muito observar você sem elas ? ele me obriga a engolir demoradamente. Algo sobe pela minha garganta
e antes que eu pudesse evitar, eu estava sorrindo. Suspendi meus olhos e o vi, do outro lado da porta de vidro que separa os departamentos. Ele está de pé, segurando o celular
e não se importa com as pessoas que estão ao seu redor.
? O que você quer de mim? Atenção? Você pode perder o seu emprego por isso ? o lembro das diretrizes de Paolo.
? Definitivamente eu não sei, mas todos os dias eu preciso olhar para você. É como se meu dia começasse apenas depois de fazer isso ? ele fala tão macio e sinto arrepios que
não deveria sentir. Essa conversa não é promissora e pode trazer problemas.
? Brad, eu realmente não sei o que você quer comigo, mas não acho que vale a pena se arriscar assim. Seu emprego seria facilmente dispensado e quero que você entenda que isso
pode estar me atrapalhando ? tento colocar algum tipo de limite, mas ele me provoca, e eu sinto vontade de beijá-lo novamente. Acho que gostei mais do beijo dele do que deveria.
? Então desligue ? ele pede.
? Por quê? ? pergunto e nem percebo que coloquei uma dose desnecessária de preocupação na questão.
? Porque estou te atrapalhando e minha intenção é exatamente o contrário. Lamento por tudo isso e você tem razão, meu emprego estaria em risco, mas antes de desligar, acredite,
todo o risco valeria a pena ? ele me coloca em uma situação quase que sufocante, mas eu me sinto à vontade com isso, acho que gosto disso.
? Até logo, Brad ? digo e não desligo, fico com o telefone na orelha e olho para ele e ele olha para mim, acenando um adeus com a cabeça e tirando o celular da orelha. Observei-o
caminhando lentamente e não sei se eu gostei de ver isso, porque por mais que tudo seja perigoso, por conta de Paolo, é exatamente isso que deixa tudo tão excitante.
Como ele conseguiu meu número de celular? Ele poderia usar outra estratégia de conquista e não essa tão invasiva e ... diferente? Será que eu o teria percebido se ele não
tivesse feito nada disso? De novo ele me entrega respostas e outras perguntas.
Ele já me viu com todas as cores? Possivelmente, está há dois meses me perseguindo, ou melhor, como ele mesmo diz, observando.
Mesmo com vontade de ter todas as minhas questões em relação a Brad solucionadas, antes de tudo preciso cumprir uma reunião com o preposto de Martinelli.
Separo tudo que Paolo pediu, organizo tudo e tento melhorar minha aparência com um pouco de cor sobre os lábios. Toda vez que eu pensar em cores, vou me lembrar dele.
Vou para a sala de reunião e deixo tudo arrumado. Peço para que sirvam café dez minutos depois que o preposto estiver na sala, regra de conduta que Paolo colocou por aqui
e disse ser mais educado assim.
Olho os números, ensaio rapidamente um tipo de roteiro que geralmente não funciona se a outra parte tiver um elemento surpresa na manga.
Marília, a secretária de Paolo, me avisa que o preposto chegou e eu peço que ela encaminhe a pessoa até a sala de reunião. Dou uma última revisada nos números e espero pelo
nomeado.
A porta se abre e vejo Marília, a mulher de pouco mais de quarenta anos e que está na Bastilli desde a sua fundação e detém boa parte da confiança de Paolo (o que é raro),
entrar e atrás dela uma mulher, alta, magra, loura e de olhos profundamente azuis. Ela é a mulher mais linda que eu já vi em toda a minha vida.
Ela veste um conjunto social de saia justa até o joelho e terninho, tudo em azul claro. Combina com seus olhos, com seus saltos brancos e uma mulher para usar saltos brancos
precisa no mínimo de atitude. Seus cabelos têm ondulado proposital, de um bagunçado extremamente agradável de olhar e eu sou mulher, tudo que ela veste é caro, é exclusivo
e rico.
Ela caminha em minha direção calmamente e amplia um sorriso de boas-vindas e eu estou encantada com a imagem singela, e até poderia dizer humilde, como me recebe com sua mão
estendida para me cumprimentar.
? Boa tarde, sou Catharina Martinelli, sou a nomeada para seguir adiante com as negociações em relação a Bastilli ? a voz dela lembra algo angelical, mas é firme e isso me
impressiona. Acho que Paolo não sabe quem é o preposto de Franchesco ainda, se não, teria me contado.
? Boa tarde, sou Sofia Bastilli, irmã de Paolo e vou representá-lo apenas hoje em exceção. Prazer em conhecer, por favor, sente-se ? ela é majestosa também na hora de se sentar,
tirar seu iPad da bolsa e começar a reunião.
O assunto começa com números, ela demonstra preocupação com o futuro da Martinelli e no lugar dela eu também estaria. A empresa da família dela tem mais de quarenta anos nesse
ramo e agora, por um erro, está sendo vendida por um valor quase que simbólico. E ela nem imagina que Paolo pretende fazer o nome Martinelli sumir do mercado para sempre.
O café é servido, o assunto é esticado e ela entende tanto de números quanto eu. Formada em economia e apenas recentemente, depois do furacão dentro da Martinelli, é que ela
foi convocada a trabalhar. Se tivessem prevenido com ela no comando do dinheiro, possivelmente não estariam remediando agora.
Quando me levanto para me despedir dela, tendo a plena certeza de que essa foi a primeira vez de muitas que nos encontramos, eu senti que Catharina estava disposta a defender
mais sua empresa do que o próprio Franchesco, no entando, ela sabe que as chances de recuperação são praticamente nulas.
Ela sai da sala e eu ainda fico ali, tentando assimilar tudo que ela me disse, e ela me disse coisas que causaram mais impacto do que ela possa imaginar.
"Somos mais do que barcos e um nome, somos uma família" ? ela disse e continuou com seus olhos nos meus e eu sei o que isso significa.
Saí da sala de reunião e fui para a minha pensando nesse encontro de negócios que me fez por alguns instantes pensar na minha própria vida.
"Estamos há mais de quarenta anos desenhando embarcações e estamos unidos em tentar manter os nossos funcionários, eles são parte importante disso"
Ela, assim como eu, é feita de história real e ela, apesar de parecer sensível e frágil, se mostrou potente e mais determinada que o patriarca da família.
Me sento na cadeira diante do meu computador e acho que essa reunião me deixou de ressaca. Vou até a cozinha, pego um pouco de café e um biscoito de nata e saio. Mas, de maneira
imprudente não retorno para minha sala, eu vou para o departamento de criação, matar minha curiosidade, tentar ficar com menos dúvida e saber mais sobre esse homem que desenha
e entende de cores.
Caminho e eu sei que todos do departamento estão me olhando, porque é a terceira vez que entro aqui essa semana e eu não sou uma visitante tão assídua desse lugar.
Paro diante da mesa dele e ele suspende os olhos até os meus. Eu não posso negar, ele é bonito e ficar olhando não é algo ruim e ele beija bem, muito bem.
? Boa tarde ? digo.
? Boa tarde ? ele responde e se levanta e eu sei que tem olhos demais em cima de nós e isso pode ser ruim o suficiente para que Paolo tenha uma série de perguntas sem fim
durante o almoço de domingo.
? Recebi seu email ? falo e ele tenta entender os códigos.
? Sim, e ficou claro, faltou alguma informação? ? nossa conversa é tão profissional que os demais perderam o interesse.
? Faltou ? pisco um dos olhos e alcanço um papel e um lápis e escrevo ? Reenvie ? entrego o papel para ele e vou para a sala de Paolo para despistar minha ida até o departamento.
Mexo em alguns papéis e saio de lá com uma folha em branco minutos depois. Não olho para os lados, apenas caminho apressadamente, com cara de executiva de números e poucos
amigos. Mas a realidade sobre esse personagem que montei é que aqui dentro eu estava ansiosa para enfrentar Brad no Zeffirino, um restaurante um pouco afastado de nossa região.
Vinte horas eu determinei e agora estou ansiosa por isso. É como se o perigo deixasse melhor e o proibido deixasse mais cobiçado.
5
Duas mesas estão próximas e apenas homens estão sentados em torno delas. É uma reunião pós trabalho, daquelas para falar mal do chefe, do amigo, da empresa e elogiar a nova
gostosa estagiária que com certeza vai fazer merda, mas ela é gostosa o suficiente para não levar nenhuma bronca.
Vinte horas em ponto na tela do meu celular e eu estou começando a ficar preocupada. Escolhi um vestido preto, colado ao corpo e saltos pretos também. Isso é mais do que todos
os sinais de que estou esperando alguém, sem contar que já me adiantei no vinho para não deixar que ele erre novamente.
O garçom me serve mais um pouco e dois homens da mesa ao lado me encaram e voltam a falar entre si. Um deles é bem bonito, o outro não faz o meu tipo, cabelo muito escuro.
O mais bonito se levanta ao mesmo tempo que levo minha taça à boca, acredito que ele está indo para o banheiro, mas ele vem em minha direção e isso vai ser divertido.
? Perigoso demais eu perguntar o seu nome? ? ele diz.
? Essa noite não, não estou armada ? ele sorri e coloca a mão na cadeira e eu olho seus dedos longos sobre o móvel por dois segundos e mando o recado claro que não é para
ele fazer isso.
Ele está parado à minha frente, e meu único movimento é beber mais um gole e olhar para ele que está totalmente sem reação pela minha resposta.
? Bonita e sozinha ? ele diz com tom de elogio ou de sorte.
? Não estou sozinha, estou conversando com você, ou acredito que esteja ? sorrio e ele sorri também.
? José ? ele diz e leva a mão em minha direção e eu faço o mesmo, mas antes de conseguir tocar na mão do homem, escuto alguém falando perto de mim.
? Oi, amor, desculpe a demora ? Brad me levanta, beija fortemente a minha boca e me deixa perdida com a taça na mão e a boca dele na minha ? Meu chefe resolveu fazer uma viagem
de última hora e perdi muito tempo consertando o que ele deixou pra trás ? ele me beija de novo e o homem está paralisado, olhando a cena e eu estou pensando na situação que
seria se Paolo escutasse isso.
? Oi ? eu digo e sorrio com vontade de gargalhar.
Ele me solta e leva a mão em direção ao homem que ainda está estático e nem imagina que servirá de piada na mesa dos homens assim que voltar, Brad quer cumprimentá-lo.
? E aí, cara, sou Brad, o marido dela, como vai? ? ele diz sorrindo e feliz e o tal José está com cara de coisa alguma. Ele se retira e volta para a mesa possivelmente com
profundo arrependimento de ter ido até mim.
Olho para Brad que mantém o sorriso enquanto o homem se afasta.
? Você está atrasado ? digo e ele vira o sorriso em minha direção.
? Desculpe, meu chefe resolveu fazer uma viagem de última hora e perdi muito tempo consertando o que ele deixou pra trás ? ele responde e eu sorrio com isso ? Agora vamos
? ele ordena e deixa algumas notas sobre a mesa para pagar pelo vinho.
? Vamos aonde? ? pergunto e tento me sentar novamente e ele não deixa.
? Confia em mim? ? ele pergunta e a resposta correta seria não.
? Não, você invade barcos e mente sobre esposa e chefe! ? acho que confio nele porque ele mente, mas não me engana.
? Essa noite você vai ter que confiar ? ele estende a mão para mim e olho alguns segundos antes de segurá-la e deixar que ele defina nosso destino.
Ele me leva até o carro e estica a mão me pedindo a chave e naturalmente eu penso no risco, mas eu lembro que Paolo disse sobre o tempo que ele trabalhou na Marchisé e depois
foi contratado da Martinelli, se ele fosse um serial killer alguém já teria descoberto.
Entrego a chave e ele abre a porta do passageiro para mim e no instante seguinte ele segue pela Strada Statale e depois de alguns minutos estamos na Via Cristoforo Colombo,
então, prevejo que ele vai entrar na Via Gabriele D'Annunzio.
? Estou tentando imaginar aonde está me levando ? falo e olho seu perfil sorrindo. Ele tem mãos bonitas, um antebraço forte e os pelos dourados me parecem macios, sinto vontade
de tocá-los.
Ele está bem vestido, uma camisa salmão com suas mangas dobradas até quase o cotovelo, o jeans escuro deixa o contraste bonito e seus cabelos louros, que lembram um comercial
de shampoo, estão mais calmos, foram domados com um pouco de gel. Ele cheira a Armani, madeira, forte e acho que estou muito mais encantada que o permitido por ele.
? Não costuma ter muitas surpresas ? ele diz.
? Não ? respondo.
? Sofia, isso não foi uma pergunta, estou afirmando que você não recebe muitas surpresas ? ele rebate e estou sorrindo.
? É difícil me surpreender ? justifico e ele me olha de soslaio.
? Discordo.
? Como assim? Não me conhece!
Ele freia o carro e se vira para mim, olha dentro dos meus olhos e desliza seu polegar sobre meus lábios ? Não é difícil surpreender você, mas isso é uma tarefa para poucos,
eu diria para raros ou possivelmente apenas para um ? ele puxa a minha boca para junto da sua, utilizando apenas o polegar e indicador e eu admito, nem tento impedir, deve
ser o vinho.
? E essa tarefa então é sua, apenas sua? ? o desafio.
? Sim, e a prova disso é que você nem percebeu que já chegamos ? ele segura a minha mão e beija as costas demoradamente enquanto olho para a fachada do Aquarium of Genoa e
várias lembranças sobre este lugar me vêm à mente.
? Me trouxe no Genoa? ? quase zombo na pergunta ? Se eu não me engano ali está dizendo que fecha às vinte e uma horas, ou seja, temos dezoito minutos para desviarmos das crianças,
olhar meia dúzia de peixes, comprar um balão na loja de suvenires e sairmos ? pronuncio cada palavra com sarcasmo e quase falta de educação. Ele me tirou do Zeffirino e o
vinho era perfeito.
? Então, temos que ir logo ? ele diz e sai do carro, dando a volta e abrindo a porta para mim ? Vamos, agora são apenas dezessete minutos ? ele pisca o olho e eu não consigo
não segurar a mão dele, ele tem magnetismo e muita coisa para eu descobrir.
Andamos em direção à entrada e estava vazia, duas ou três pessoas por ali, alguns turistas tirando fotos e um grupo entrando em um ônibus mais ao longe.
Brad caminha ao meu lado e para diante de um guichê e um cara de boné com um palito no canto da boca suspende a cabeça e solta um sorriso de lado segurando o palito.
? E aí, Zanatta? ? ele pergunta e estende a mão e eu vejo que Brad entrega dinheiro para ele ? Fique no final do túnel de vidro ? ele diz e eu não entendo, penso até que ele
possa me jogar de comida aos peixes e na manhã seguinte ninguém saberia.
Andamos por um espaço e chegamos a um imenso vidro que segura milhões de litros de água e milhares de peixes. É gigante como uma imensa parede e ficamos ali por alguns instantes.
Brad olha para trás, verifica alguma coisa e me leva para outro ambiente e para no canto esquerdo com pouca iluminação. Ele me coloca na parede e para na minha frente, junto
ao meu corpo e sua respiração bate suavemente no meu rosto. Me sinto uma foragida e infelizmente estou gostando muito de tudo isso.
Bradley age como se tudo fosse parte rotineira de seu cotidiano e isso me fascina. A ilegalidade da situação é algo que está me excitando, fazendo meu sangue chegar rápido
em todos os pontos do meu corpo.
? Podemos ser presos por isso? ? pergunto sussurrando com a boca muito próxima dele e ele olha para ela e depois para meus olhos.
? Pelo visto também não é de correr muitos riscos ? ele afirma e me beija e eu gosto como ele passa sua língua em torno da minha, é como se encaixasse e o perigo deixa tudo
incrível, invencível. Nesse momento percebo o tipo de vida que estava vivendo. Ele tem razão, não sou de grandes riscos.
? Não tenho tempo para correr riscos ? falo com a boca encostada na dele. Minto, na realidade nunca tive essa oportunidade.
? Agora vai ter que arrumar esse tempo ? ele pisca e sela minha boca ? Shhhhh ? ele sussurra colocando o indicador sobre a minha boca e poucos instantes depois vejo as luzes
se apagando e tudo fica escuro.
Escuto uma trava se fechando e penso que só sairemos daqui pela manhã quando abrirem os portões. Meu coração dispara e ele percebe que estou nervosa, estou com medo e coloco
minhas mãos em sua cintura e isso o surpreende, ele olha para as minhas mãos em seu corpo e depois olha para mim.
? Calma ? ele beija minha testa ? Confie em mim ? ele beija a minha boca e estamos no Genoa, todo trancado e iluminado por raras luzes em volta do lugar e pela lua que entra
abundantemente pelas imensas janelas de vidro. Ele me pede para confiar nele, e isso eu tenho feito desde o instante em suas mãos tocaram meu corpo, desde que ele fez meu
desenho tudo em mim passou a confiar de maneira insana nesse homem que provavelmente já correu riscos que eu jamais imaginei.
? E se pegarem a gente? ? pergunto andando ao seu lado pelo túnel de vidro. Os peixes se aproximam e partem e Brad segura a minha mão.
? E se não pegarem? ? ele rebate com outra pergunta. Olho para sua boca vermelha, emoldurada em um traço perfeito em contraste insinuante com sua pele clara e tudo é mais
do que excitante agora; é como se meu corpo pedisse a adrenalina que o corpo dele produz.
? Tem sorte de meu noivado ter chegado ao fim, caso contrário, não teria uma companhia tão corajosa ? falo e ele gargalha ? Shhhhhhhhh, vão ouvir a gente! ? o advirto.
? Quem vai ouvir? Os peixes? ? ele sorri e beija a minha boca ? Corajosa? Está tremendo! ? ele me beija mais forte ? E se seu noivado ainda existisse de alguma forma eu teria
conseguido ao menos um beijo seu ? ele beija mais uma vez a minha boca e me encara, olhando em meus olhos. E provavelmente conseguiria, ainda mais fazendo isso que ele está
fazendo. Ele me coloca em risco, mas me protege ao mesmo tempo. É como se ele me desse uma dose de veneno e ao mesmo tempo o antídoto contra ele.
? Isso é obsessão! ? sorrio.
? Não, é bom gosto. Escolho para mim apenas o melhor, nem que para isso eu invada barcos ou aquários ? ele segura a minha mão e me leva para o outro lado, onde uma sala revestida
de vidros e peixes nos espera. Uma mesa com uma garrafa de vinho, alguns pedaços de pães e queijos dividem espaço com duas taças.
? Por que aqui? ? pergunto e ele vai até o vinho e eu estico meus olhos até a garrafa e penso na sua primeira escolha. Mas ele me surpreende, é um Chateau Halt Brion, 1990.
Olho fixamente para a garrafa que contradiz a escolha da primeira. Ele coloca um pouco de vinho para mim e depois para ele e me entrega a taça.
? Gosto desse lugar, aqui é calmo e quem nos observa possivelmente não vai ligar para o Paolo e contar sobre o que sua irmãzinha está aprontando ? ele suspende as sobrancelhas
em direção aos peixes. Gosto disso também, gosto como ele transforma o clandestino em algo ainda mais apetitoso.
? Confesso que o vinho me surpreendeu ? a garrafa custa pelo menos uns mil euros.
? Deve estar pensando na primeira garrada que abrimos ? exatamente, penso comigo.
? Essa eu comprei, aquela eu roubei da adega do barco ? ele se aproxima e beija a minha boca.
? Roubou?
? Sim, porque roubar flores para uma mulher se tornou tão clichê ? ele bebe um gole do vinho que desce como veludo em minha garganta. Gosto de vinhos e tenho uma farta coleção
deles. Eu não deveria estar tão encantada, ele é praticamente um criminoso. Mas esse adjetivo quase não agride meus princípios, ele não matou ninguém.
? E pensou o mesmo sobre invadir barcos pelo visto. Tem amigos na marina, aqui no aquário, seria uma quadrilha organizada? ? pergunto sorrindo.
? Muito organizada, tenho até a chave do cadeado lateral do aquário ? ele me mostra a chave e sorri ? Vem comigo, mas tire os saltos e traga sua taça ? ele espera eu ficar
descalça e pega a garrafa enquanto caminhamos sob o céu de vidro e água.
Andamos e chegamos a um espaço onde o aquário fica apenas ao nosso redor, sobre nós as estrelas e diante de nós um globo imenso de vidro, a biosfera que abriga uma coleção
incrível de botânica. A noite em Gênova está perfeita. Ao redor desse globo um deck de madeira contorna e o isola do mar, como uma ilha.
Brad se senta na beirada e eu me sento ao lado dele, essa é a primeira vez que faço isso, me permito isso.
? Fico imaginando quantas mulheres você já trouxe aqui, quanto dinheiro já dispensou por isso e quantos barcos foram invadidos ? bebo um gole de vinho e percebo que ele está
me olhando ? Claro que qualquer mulher pensaria isso e tentaria imaginar a reação de cada uma delas ? ele sorri.
Brad tem um sorriso bonito, não apenas pelos dentes brancos e alinhados, mas ele transmite algo que sempre me atinge e isso está não apenas me deixando curiosa em relação
a ele, eu sinto, mesmo sendo muita loucura, uma espécie de conexão cada vez que eu o vejo sorrindo.
? Independente da resposta e acredito até que ela não tenha importância, você está feliz aqui, agora e comigo? ? ele é direto e eu fico sem jeito de dar outra resposta a não
ser essa. Me flagro olhando em seus olhos, eles são tão profundamente azuis e sinto que posso penetrá-los ao encará-lo. Olho para suas mãos e admiro seu braço e engulo seco
ao pensar em algo mais ousado.
? Estou ? sorrio encabulada ? Mas eu sei que não deveria. Minha lógica está me avisando sobre todos os riscos ? o alerto e até tento manter uma postura séria. Mas ele está
sorrindo do que estou dizendo e isso é como um grande golpe baixo.
? Então, o resto é apenas número, e algumas somas nunca funcionam ? ele se aproxima e beija minha boca ? Esse lugar me transmite paz, não que eu esteja em algum tipo de guerra,
mas às vezes preciso de paz apenas para colocar as ideias no lugar ? ele diz e bebe mais um pouco do vinho. O que ele precisa colocar no lugar? Enquanto ele pensa em organizar,
eu estou disposta a fazer algumas coisas que seriam o oposto disto. Sinto meu rosto queimar, deve ser o vinho.
Preciso tirar o foco da maneira como ele mexe em minhas mãos, da forma como ele me olha e preciso me convencer de que tudo isso é apenas o tipo de loucura que eu deveria ter
feito aos quinze anos e não fiz.
Busco algum assunto para me tirar do foco sensual da boca de Brad.
? Quando eu era criança, oito ou nove anos talvez, eu me lembro de quando esse aquário foi inaugurado. Paolo e eu morávamos muito longe de Gênova e Domenico, meu outro irmão,
era muito pequeno e nossa realidade era muito diferente ? bebo mais um gole de vinho e percebo que ele me olha. Diria até que ele também tem curiosidade sobre mim, assim como
tenho sobre ele. Sinto seus dedos deslizarem pelos meus cabelos e ele para com seus olhos olhando para minha boca e depois para os meus olhos. Chego a me perder dentro desse
tipo de hipnose. Respiro fundo e retomo o assunto ? Pedimos para mamãe deixar que viéssemos apenas para olhar os portões e o movimento das pessoas que vinham de todos os lugares,
ela não deixou porque era longe, ela não deixou porque não tínhamos dinheiro para chegar até aqui.
Penso nessa época e imagino o quanto ainda isso é real para tantas pessoas, pequenos regalos da vida que não são possíveis por falta de dinheiro.
? Como assim? ? ele pergunta incrédulo. Olho para ele e percebo que seu olhar é surpreso, ele não parece acreditar muito no que estou dizendo.
? Brad, eu consegui visitar o aquário naquela época porque Paolo trabalhava em frente a Purose como engraxate. Naquela época, ele, além da escola, frequentava um curso técnico
como bolsista. Fui uma pessoa pobre metade da minha vida, pobre apenas por não ter dinheiro, mas eu tinha uma família linda ? a boca dele está parcialmente aberta e eu sinto
em seu rosto um contorno diferente, como se ele achasse tudo aquilo uma grande piada e estivesse esperando que eu desmentisse tudo ? Você está surpreso com isso? Todos sabem
da nossa história, pelo menos parte dela, essa parte inclusive saiu no jornal durante uma entrevista que fizeram com Dom sobre Parkour ? bebo mais um gole de vinho ? Dom falou
abertamente sobre nossa infância mais humilde ? olho para ele e espero que ele mude a expressão de seu rosto. Sua boca está mais aberta e algo dentro dele se revira como um
peixe preso em uma rede. Eu vejo isso, eu sinto isso na maneira como está me olhando.
? Eu não sabia ? ele deixa que uma linha feia se forme sobre suas sobrancelhas e o percebo triste, não sei se é impressão minha. Ele coça a testa e nega com a cabeça para
ele mesmo e ele está me deixando confusa, eu não entendo qual é o espanto.
? Você tem algum problema com pessoas que estiveram praticamente na miséria? ? estou surpresa com a reação dele, que agora me parece solidário.
? Não, é que eu não sabia desse pequeno detalhe ? ele coloca mais vinho em minha taça e na dele. Balanço meus pés que chegam a sentir a brisa fria da água do mar.
? É esse pequeno detalhe que faz diferença. Sabe aquela foto que tem na entrada principal da Bastilli? ? pergunto.
? Sim, algumas crianças e alguns jogadores de futebol, cheguei a pensar que fossem sósias ? ele sorri um pouco sem graça.
? Não são, Pirlo e Buffon estiveram no evento e foram além de solidários muito generosos em jogar bola com os meninos, um passado triste não precisa ser em vão ? bebo mais
um pouco e ele sorri franzindo a testa como se algo o incomodasse. O rosto de Brad agora me parece mais um ponto de interrogação, existe algo em sua expressão que é ilegível,
mas uma coisa é certa, ele esta surpreso com o que eu disse.
? Eu vi seu outro irmão apenas uma vez ? ele diz e agora percebo Brad mais sério, mais atento às minhas palavras do que à minha boca. Alguma coisa ficou diferente em seu rosto
e eu sinto como se eu tivesse tomado diante de seus olhos e ouvidos, uma forma mais interessante a ser apreciada.
? Domenico é o mais novo, gosta de adrenalina, velocidade e esportes radicais em geral. Era para ele estar aqui há alguns dias e acredito que um dia ele vai adotar Paris como
residência ? digo e nego com a cabeça.
De repente tudo ficou em silêncio, tudo se tornou mais harmonioso com apenas o ruído das águas. Em alguns momentos eu o percebia me espiando, como se em seu rosto a dúvida
sobre meu passado sem grandes ou nenhum recurso fosse realmente verdadeiro.
? E depois que ficou rica, quantas vezes visitou esse aquário? ? ele pergunta com um tom de desconfiança, como se eu tivesse esquecido meu passado e esse lugar representasse
um ponto vergonhoso de minha história. Eu teria milhões de respostas.
? Olha como as coisas mudam de acordo com o cenário e isso pode ser muito perigoso, dois dias depois da inauguração do aquário, Paolo chegou em casa feliz e me disse, vamos,
consegui o dinheiro da passagem e podemos dividir uma pipoca, mas eu não consegui para o valor da entrada ? ele estava feliz apenas para me fazer feliz, mas por dentro sentiu
culpa por não conseguir todo o dinheiro ? sorrio ao pensar no carinho dele por nós a vida toda ? Coloquei a minha melhor roupa e ele também, o que significava poucos anos
de uso, saímos felizes e esperamos o ônibus e assim que entramos, o motorista questionou Paolo sobre sua caixa de engraxate e ele respondeu feliz que estava de folga e me
levando ao aquário. O motorista não cobrou nossas passagens e disse que era para comermos mais uma pipoca enquanto visitávamos as atrações ? bebo um gole de vinho e olho para
Brad que está muito atento ao que digo, seu rosto resplandece em algo que o incomoda internamente.
? Comeram mais uma pipoca? ? ele perguntou sorrindo.
? Melhor do que isso, naquele dia tivemos a sorte de encontrar um homem que nos viu sentados perto das escadas da entrada e perguntou se iríamos entrar e explicamos a situação
mostrando as moedas que tínhamos nas mãos. O homem nos levou até o guichê e comprou o bilhete de entrada e de todas as atrações. Nunca descobrimos o nome dele e, acredite,
Paolo durante um tempo foi a pé até o aquário tentando encontrar o homem e não conseguiu. Quando fomos agradecê-lo por conta do que tinha feito, antes mesmo de entrarmos no
aquário, ele disse: não me agradeça, mas quando tiverem a oportunidade façam para outra pessoa. Ele bagunçou o cabelo de Paolo em sinal de carinho, colocou a mão sobre a minha
cabeça e se despediu dizendo: Aproveitem! ? meus olhos se encheram ao lembrar daquele dia, mas nenhuma lágrima caiu.
? Nossa, é incrível ? ele trava na frase. Tudo que pensei sobre o que Brad estava supostamente sentindo ao me ouvir era de fato real. Ele estava se questionando internamente
se éramos realmente pobres.
Percebo-o olhar para baixo e depois para frente, sem nenhum ponto em especial. Ele novamente faz um silêncio e noto o centro de suas sobrancelhas se juntarem em um vinco de
preocupação.
? Quanto a sua pergunta, sobre quantas vezes visitei esse lugar depois de ter um pouco mais de dinheiro, eu trago todos os anos, desde a fundação da Bastilli Barche, as crianças
que dependem de nossa instituição ? ele me olha e cerra ainda mais os olhos, e percebo um quase sinal negativo de sua cabeça ? Visitar esse lugar em outra situação financeira
não nos fez mais feliz, apenas gratos. Tentamos dividir o que temos, tentamos fazer exatamente o que aquele homem, que habita minhas orações todas as noites, pediu: Quando
tiverem a oportunidade façam por outra pessoa ? concluo sorrindo e algo machuca Brad internamente, como se ele não esperasse por essa história, como se tudo que tivesse dito,
fosse praticamente ofensivo ou de extremo mau gosto. Ele se levanta e me puxa para junto dele e me abraça.
Novamente ficamos em silêncio e eu me sinto à vontade em ser abraçada por ele desta forma, sentindo sua respiração profunda, seu coração acelerado e seus dedos se movimentando
contra meu corpo.
? Pensei que eu pudesse... eu... eu... não posso ? ele me abraça e me beija ? Me perdoe, eu não deveria ? ele fala confuso e eu não entendo. Ele respira fundo e me beija,
gentilmente, sem pressa ? Não é como as outras ? ele disse e voltou a me beijar ? Me perdoe, mas assim como as mulheres fazem as contas sobre quantas estiveram nesse aquário,
eu também fiz a minha conta, e respondendo sua dúvida sobre quantas estiveram aqui, eu posso dizer que apenas uma que realmente tenha valido a pena ? ele coloca suas mãos
de cada lado do meu rosto e sua boca brinca com a minha. Ele é habilidoso e sabe como ninguém acariciar um rosto enquanto beija.
? Todos nós temos um passado, o que você pretende fazer com o seu? ? pergunto e ele fica em silêncio. Ele pega a garrafa coloca mais vinho em nossas taças e bebemos. Um bom
vinho e uma boa conversa. Todo passado deve ser consultado, mas não vivido novamente.
Ele olha no fundo dos meus olhos e é como se procurasse mais alguma coisa, mas eu não tenho muita coisa escondida, apenas um par de desejos e alguns segredos da época de faculdade.
? Está com fome? ? ele pergunta e não me responde, acho que não prestou atenção no que eu disse, pelo menos não nesse trecho, ou ele ainda tem um passado que não pode ser
encaixado facilmente em qualquer lugar.
? Um pouco ? digo e ele me leva para pegar meus saltos.
Caminhamos lentamente, com dedos entrelaçados, como se fôssemos namorados em um domingo sob o sol de um fim de tarde. Acho que reinventamos essa fábula e agora somos clandestinos,
e por que não dizer, perigosos? Invadimos barcos, aquários, bebemos vinho roubado e estamos nos escondendo do mundo.
Minutos depois saímos do aquário, sua mão ainda segura a minha e paramos em frente ao meu carro.
Mas agora eu vou dirigindo, e assim como ele já mostrou suas habilidades com invasões, barcos e surpresas, é a minha vez de mostrar no que sou boa.
Sigo em direção à minha casa e quando paro o carro em frente ao portão, ele sorri.
? Vou ter que pedir um taxi? ? ele brinca.
? Sim ? entro com o carro assim que o portão se abre e paro diante da porta da minha sala ? Mas não esta noite ? ele se aproxima e me beija.
***
Deixo-o na cozinha, sentado em uma das banquetas altas em torno do balcão e peço que ele me espere.
Subo para o meu quarto, coloco uma roupa mais confortável e me livro dessa calcinha que me irritou boa parte da noite. Escolho um vestido mais solto, alças finas e faço um
rabo de cavalo.
Desço a escada e vou para a adega, escolho um Chateau Lator 1995, e volto para cozinha mas não o vejo. Penso que ele pode ter ido embora, pode pensar no emprego e caminho
deixando a garrafa sobre o balcão.
? Você tem um Monet em sua sala ? escuto nas minhas costas e dou um pulo com o susto e ele acha graça.
? Sim, mas não é o original obviamente. Veja a assinatura e se aproxime mais da pintura, note o que tem de diferente ? peço e me aproximo dele enquanto ele faz exatamente
o que pedi.
? Incrível ? ele diz e nega com a cabeça, espantado com o que vê ? Eu estou surpreso ? ele sorri e me olha com ... carinho? Espero que as coisas por aqui não estejam tomando
um caminho muito longo e de difícil retorno.
? Essa menina que assina essa obra teve o direito sobre ela reconhecido pelo grau de dificuldade ? explico.
? Ela esculpiu sobre a madeira Woman with a Parasol, imagino a dificuldade, os detalhes são perfeitos ? ele está impressionado e eu saio da presença dele e volto com meu iPad.
? Leia ? entrego para ele.
Seus olhos percorrem cada linha e em alguns momentos ele franze o cenho, depois sorri e por vezes eu cheguei a ter a sensação de vê-lo perdido nas letras. Acho que triste
seria a palavra e eu não entendo por que ele ficou assim, todos ficam felizes com superações alheias, pelo menos é isso que deveria acontecer.
? Ela não tem um dos braços ? ele diz com a voz falhando.
? Sim, ela demorou mais de dois anos para terminar. Teve o trabalho todo registrado em vídeo por uma empresa que financia esses desafios dela. Mônica Don Petriollo teve seu
braço amputado pelo ex-marido com um facão, ela era destra, aprendeu a ser canhota e todos os dias quando eu olho para essa obra penso no quanto as pessoas podem fazer pelas
outras, tanto para o bem quanto para o mal ? concluo a frase e ele se aproxima de mim, me beija e toca a minha testa com a dele.
? Conheço pessoas com muito dinheiro e elas têm apenas isso ? ele diz e caminhamos para a cozinha. Pouco tempo depois o aroma toma conta do ambiente e o vinho toma conta de
nossos juízos.
Sinto Brad me agarrar pela cintura e me deitar sobre o sofá, tudo está mais quente do que deveria, mais excitante do que podemos controlar e ele tira meu vestido e não se
preocupa se estamos na sala.
? São perfeitos ? ele diz descendo o indicador sobre meu seio direito e passando por cima de meu umbigo até que encontra o tecido da calcinha e entra.
Ele me provoca gentilmente, causando pequenos curtos circuitos e me sinto mais molhada do que realmente gostaria de estar ou de pelo menos mostrar.
Mas a verdade é que desde que ele surgiu com seus desenhos e invasões, tenho ficado excitada com tudo isso e agora eis o momento em que não consigo me controlar e muito menos
esconder.
Ele tira a camisa, a calça junto com seus sapatos e se mostra nu diante de mim e eu me sinto bem com ele, porque ele tem feito coisas tolas e gentis e todos os homens deveriam
saber que coisas tolas e gentis nos fazem sorrir.
Ele vem em minha direção e tudo se explode sem controle, beijo-o com força e sinto que ele me levanta do sofá em sua cintura e me deita no chão sobre o tapete alto. Tudo é
fogo, tudo é falta de juízo, porque o juízo o vinho afogou e quando me dou conta tenho em minha boca a língua dele e dentro de mim tenho-o me preenchendo.
Me entrego e deixo que a noite se feche com o mesmo tipo de loucura que começou.
Ele entra e fica e depois sai com pequenos movimentos quase circulares. Pego fogo por dentro, por fora e ele se apoia em suas mãos, olhando em meu rosto, apreciando minha
face assim como apreciou o Monet.
Brad tem um sorriso que lembra um garoto, mas seus olhos me mostram sua experiência. Ele tem algo bom de se olhar, ele é bom de tocar e eu gosto de estar com ele. Gosto dos
riscos que tenho quando invado barcos e aquários e me sinto tão tranquila quando estou com ele... Isso é mais confuso do que racional.
Ele se aproxima e beija a minha boca com ternura e sinto seu corpo fazendo peso sobre o meu, suave, calmo e eu serpenteio sua cintura com minhas pernas e vejo o momento em
que ele olha para mim, entra e fica e deixa um pouco dele dentro de mim.
Enquanto ele ali está, eu estou sorrindo, porque não foi mecânico, foi natural e durante a música nós dois dançamos.
Ele me pegou no colo, perguntou onde era o meu quarto e me levou, sem se preocupar com as roupas espalhadas pela sala, apenas me colocou na cama e se deitou ao meu lado, me
aninhando entre seu braço e tórax.
Adormeci envolvida por ele, sentindo seus beijos no alto de minha cabeça e acho que me envolvi com ele. Assim como adormeci, não me lembro exatamente em qual momento isso
aconteceu.
Acordo sozinha em minha cama, me levanto de uma vez, o que me causa uma dor de cabeça terrível e olho ao meu redor. Na poltrona em frente à minha cama está o meu vestido e
sobre ele um pedaço de papel.
"Entrei em sua biblioteca e peguei um lápis e uma folha de papel. Eu precisei registrar a imagem mais encantadora que tive em toda a minha vida"
Sobre o vestido outra folha, sou eu dormindo de lado, quase de bruços, e nua, uma perna dobrada e estou abraçada a um travesseiro. Vejo que atrás tem algo escrito e viro a
folha.
"Sim, suas curvas são perfeitas"
Estou sorrindo como uma idiota, que deveria evitar essas palpitações ventriculares, mas ele é totalmente diferente de qualquer outro homem. Não que ele seja o homem da minha
vida, mas ele está fazendo da minha vida algo mais feliz agora.
"P.S - Recorri ao taxi. Cheguei a conclusão que se acordasse você, eu não teria a chance de ir para o céu. Você é linda quando sorri e mais linda enquanto dorme"
Acho que estou com um problema muito sério aqui, preciso de orientação profissional no quesito de sensações irresponsáveis.
Tomo um banho demorado e tento domar meu sorriso quando penso nele, mas não consigo. Nada pode acontecer tão rápido assim! Repito isso desde que saí do banho até agora, ligando
meu carro e partindo para a Bastilli, onde encontrarei com ele ou não. Eu posso evitar o departamento de criação, mas ele possivelmente pode querer me observar como tem feito
nos dois últimos meses.
De repente fico triste e penso em uma hipótese: e se ele não olhar para mim? E se ele for exatamente como os outros? Terei que encará-lo aqui sempre, porque não posso simplesmente
misturar as coisas. Por que estou triste quando penso que ele pode não me observar mais? Estou confusa dentro desse redemoinho de coisas acontecendo de uma única vez.
Acelero um pouco mais e tenho mais pressa de chegar essa manhã, preciso apenas olhar ao meu redor e saber que ele vai estar por ali, me observando para um novo desenho. Ele
me retrata melhor do que eu me sinto às vezes.
Estaciono meu carro e entro feliz porque tive uma noite boa, com um bom vinho e estive no aquário.
Passo pela recepção e confiro meu visual pelo espelho da entrada. Ainda bem que escolhi esse verde mais escuro.
Vou para minha sala e espero encontrar algum pedaço de papel, porque querendo ou não esse tipo de coisa nos acostuma mal e ele tem me acostumado assim. Olho para minha mesa
e vejo alguns recados da Lisa e nenhum recado dele. Sinto vontade de ir até o departamento de criação, olhar para ele e dizer apenas com meus olhos que a noite passada foi
incrível e que eu me senti feliz por estar com ele.
Mas a racionalidade me chega como um sopro e eu sei que em dois dias Paolo estará de volta e esse é o segredo que levarei comigo para sempre. Desisto de sair dali e me enfio
no trabalho para não cair na tentação de deixar todos do departamento de criação com assunto sobre nós.
Meu celular toca, é Santiago.
? Alô? ? respondo com um sorriso, estou feliz por ontem e estou feliz por ser Santiago.
? Alô? Não me venha com alô, eu quero saber tudo! ? ele dispara de uma vez do jeito mais alucinado possível.
? Saber tudo sobre o quê? ? pergunto.
? Ontem você estava com o boy desastrado no aquário, eu estava lá com Andreas porque ele saltou do taxi ali e imaginei que poderiam estar fazendo um trabalho extra no Genoa
com limpeza. Anda, me conta tudo ? ele interroga e tem provas nas mãos ? Achei muito estranho chegarem faltando pouco para o aquário fechar, mas fiquei aliviado ao atender
o celular, está viva e não foi jogada como comida para os peixes ? ele gargalha.
? Estranho eu não diria, mas foi diferente de tudo que já vivi ? estou sorrindo e abro minha gaveta e olho o primeiro desenho que ele fez de mim ? Não posso falar ao telefone
agora, no almoço pode ser? ? pergunto feliz olhando para o papel e escutando os suspiros de Santiago que ama um drama romântico cheio de floreios. Elevo meus olhos por todo
departamento e sou flagrada por ele, Brad, que está sorrindo para mim e eu não deveria sorrir mais do que isso para ele, mas não consigo e para completar o grau estúpido de
nível adolescente, eu suspiro.
? No Brasiliano, às treze horas e não desmarque ? ele ordena e meus olhos estão em Brad que, para evitar problemas, caminha lentamente para fora, mas não antes de olhar para
mim mais uma vez antes de desaparecer entre as portas e corredores da Bastilli.
? Combinado ? confirmo e nos despedimos.
Escuto o barulho de uma mensagem chegando e abro pensando que possa ser de Paolo, mas o sorriso está em meu rosto. Ele veio me ver, talvez ele esteja tão feliz quanto eu.
Clico sobre o ícone de nova mensagem e vejo uma animação de um rapaz puxando uma garota e a beijando e aparece a mensagem em seguida.
"Haveria um jeito de não pensar em você como estou pensando?"
? Não ? respondo em voz alta dentro da minha sala, porque se tivesse um jeito eu também não estaria pensando nele como estou fazendo agora. Isso é perigoso.
Respondo o email exatamente com a resposta que pensei.
"Ainda bem que não estou sozinha nesse pensamento"
Clico em enviar e vejo outros emails não lidos que foram recebidos essa manhã, um deles é de Catharina Martinelli.
Ela quer marcar uma reunião na segunda-feira. Prefiro não responder, no domingo converso com Paolo e ele determina os detalhes sobre isso.
Recebo os avisos de investimento e aplicações, além de um email de Paolo dizendo que mamãe está se divertindo com a arquitetura neogótica que, segundo ela, são bases para
filme de terror. Fico feliz por Paolo ser tão atencioso com ela e incluí-la em tudo.
O horário do meu almoço chega e vou para o Brasiliano dividir com Santiago toda a minha imprudência. Sei o que vai acontecer, ele vai vibrar, porque ele é o homem que entende
perfeitamente uma mulher e que tem como objetivo ser uma boa pessoa, ele é bom e ama essa coisa toda sobre o amor.
Estaciono meu carro e caminho para dentro do restaurante. Vejo Santiago ali sentado. Ele já me espera com um sorriso no rosto e não faz ideia do quanto estou feliz.
Ele se levanta e vem em minha direção ? Não tenho mais unhas! ? ele diz e me agarra dando um selinho em minha boca.
? Estou feliz ? digo e ele sorri para mim.
? Eu sei, estou sentindo sua felicidade desde o momento em que atendeu o telefone, agora me conte tudo.
Pedimos um suco e as entradas e eu comecei a contar tudo para ele, mas percebi que minha narrativa se tornava mais alegre em cada detalhe e ele posicionou seu queixo sobre
as mãos e seus cotovelos estavam juntos, servindo de pedestal para a casa feliz dele.
Não se trata apenas de bons beijos e desenhos, se trata de encaixe e não sei se, infelizmente, ele completa algumas coisas em mim. Estou mais encantada do que deveria.
Enquanto comemos, mais detalhes sobre as loucuras de invadir barcos, roubar vinho e visitar um aquário fechado foram tomando proporções que deveriam ficar apenas aqui dentro,
para que o mundo não saiba que grandes emoções surgem assim, sem querer e no momento em que menos esperamos.
? Você está apaixonada ? Santiago diz ampliando um sorriso lindo de total apoio, como sempre fez em tudo que contei para ele.
? Não sei, mas pensar nele me faz sorrir ? desabafo.
? A paixão não segue um manual técnico. O que para você faz sorrir, para outras faz cantar e a vida é assim, feita de paixões com efeitos colaterais diferentes. Fico muito
feliz por saber que seu coração não segura nenhum tipo de amargura ? ele segura a minha mão assim que diz.
? Meu relacionamento com Joel não me deixou nenhum trauma e você sabe que sou uma romântica irremediável ? ele beija a minha mão e se aproxima beijando meu rosto.
? Acredito que a pessoa que for dividir a vida com você seja uma pessoa que merece ter uma sorte de raros. Eu te conheço, Sofia, eu tenho plena certeza de que quando Deus
a criou, esqueceu de colocar algo ruim em seu coração, a maldade não faz parte de sua vida. Mesmo tendo um começo de vida tão difícil, você e eu somos trigo da mesma estação
? Santiago sabe tanto sobre mim e eu sou tão feliz por ter um amigo assim.
? Você sabe de tudo ? faço menção ao meu começo difícil.
? Sei tudo que preciso para te amar mais do que qualquer bolsa Prada nessa vida ? ele brinca e me faz gargalhar.
Como além do que preciso, termino o almoço e me despeço do meu amigo que embarca amanhã para Milão. Santiago é a alma boa que o mundo precisa em mais quantidade.
6
Chego em casa perto das sete horas da noite e consigo me lembrar de cada uma das quatro mensagens que Brad encaminhou. A última dizia que seria um privilégio estar comigo
novamente e eu penso o mesmo sobre ele.
Subo correndo para um banho e conto os minutos para que ele chegue, para que ele entre, me beije e me deixe feliz, como tem feito desde que apareceu como um invasor em todos
os sentidos.
Ele tocou nos meus seios! Penso quando lembro da bebida em meu vestido na Purose.
Termino de me trocar e desço ao escutar Stelle, que sabia de sua visita e pedi que o recebesse.
Desço a escada e ele se levanta do sofá, me olhando como se fosse a primeira vez, como se há anos não me visse, ele me olha como nunca ninguém olhou.
? Pensei em você o dia todo ? ele diz e me puxa para junto dele, me beija e toca a minha testa com a dele ? Isso é para você ? ele tira de um cilindro de couro com alças um
desenho que já conheço, mas agora está finalizado e com assinatura de Paolo na base do desenho, ele aprovou. Pequenos gestos de Paolo que provam que ele tem um bom coração.
? Sogno All' Orizzonte ? digo.
? Agora está finalizado, e entra em produção no próximo mês. Obrigado por tê-lo elogiado na frente do seu irmão. Eu sei que foi isso que determinou essa assinatura de Paolo
Bastilli.
? Mas o barco é perfeito ? olho para o desenho e eu sei que ele está olhando para mim.
? Se tornou perfeito depois que você colocou os olhos sobre ele ? levo meus olhos até os dele e ele me beija ? Você surgiu na minha vida como um objeto de observação, não
escondo isso, mas agora se tornou um amuleto de sorte. Passei anos trabalhando na Marquisé Chanti e cansei de ver meus projetos serem aprovados mediante modificações. Isso
é frustrante, porque no final, meus projetos não ficavam com a minha personalidade, eles se tornavam peças comerciais e quase iguais a outras que já estavam sobre as águas
? ele desabafa.
? Uma pena para eles, perderam a chance de ter um produto exclusivo ? o elogio. Ele me leva para junto dele e eu imagino que vamos passar a noite toda juntos.
? Acho que tive sorte, eles modificaram projetos que a Bastilli aprova e isso me deixa feliz ? a felicidade dele é palpável. ? Quando comecei a desenhar, aos sete anos, era
viciado em quadrinhos ? deixo o desenho sobre a mesa de centro e ele coloca a bolsa de couro ao lado do desenho. Andamos em direção à piscina e Stelle surge discretamente
e pergunta se pode servir o jantar; eu peço que ela sirva em alguns minutos e nos avise ? Mas a realidade dos quadrinhos estava tão longe quanto eu da lua, então, passei a
ficar em praças desenhando pessoas e ganhando dinheiro para pagar minha faculdade, era uma época em que guardava todos os trocados e comia muito pouco ? ele gargalha.
? Achei que sempre tivesse envolvido com barcos ? falo e nos sentamos no balanço de frente à piscina na lateral da casa.
? Já desenhei de tudo, inclusive fiz um ensaio nu de uma modelo francesa e isso eu prometi a mim mesmo que nunca mais faria ? ele nega com a cabeça e sorri. ? Foram mais de
cinquenta desenhos em uma semana e minha mão quase precisou ser amputada, o dinheiro foi alto, mas o cansaço também ? ele desliza a mão pelos meus cabelos.
? Que bom que já sabe o que fazer com seu passado ? falo e o lembro da pergunta que ele não respondeu no aquário.
? Sei? ? ele questiona.
? Sim.
? O que vou fazer com meu passado? ? ele sorri ao perguntar.
? Vai evitar francesas ? e deve evitar qualquer mulher de qualquer nacionalidade, principalmente as que estiverem nuas, penso comigo.
? Sim, com toda certeza eu vou evitar ? ele me beija, sinto nosso clima esquentar novamente e Stelle nos avisa sobre o jantar.
? Vamos? ? me levanto e puxo a mão dele e ele não está mais com o mesmo sorriso ? Tudo bem? ? pergunto.
? É que eu... bom, eu não vou poder ficar, eu preciso ir, me desculpe ? ele trava em todo momento da frase e isso me confunde.
? Mas, aconteceu alguma coisa? ? fico preocupada porque o rosto dele mudou e ele parece triste e aflito.
? Não, eu preciso ir ? ele caminha até a sala, segura a bolsa de couro e olha para trás, para mim, e volta rápido, me beijando forte e suspirando ? Me desculpe ? ele vai em
direção à porta e sai, mas eu escuto-o atender o celular dizendo que estava a caminho.
Senti algo ruir como um gongo em dia de luta, me trazendo para uma perspectiva menos feliz, ele pode ter outra pessoa. Eu não o conheço, não sei nada sobre ele, onde mora
ou até mesmo sobre seus pais. Tudo nele é segredo, pelo menos para mim.
Me sento diante do jantar e não faço nada a não ser pensar o que poderia ter de tão imediato que ele não pudesse ficar aqui comigo.
Me levanto, pego meu celular e ligo para Heiden. Preciso me distrair e saber o que ela andou vestindo para aterrorizar as pessoas nos últimos dias.
? Sofia! ? ela diz feliz, ela sempre está feliz.
? O que você está fazendo? ? pergunto.
? Estou me arrumando, vou para o Zarun e depois quem sabe vou ficar pelada e praticar sexo ? ela diz com euforia sobre o encontro que vai ter logo mais.
? Posso saber quem é o sortudo? ? começo uma oração pedindo que ela não use lingerie fluorescente.
? Giani, lembra dele? ? o nome não me é estranho.
? Pelo amor de Deus, Heiden, Giani do segundo grau? ? pergunto já com medo da resposta.
? Sim, é ele, e ele está tão lindo ? Cristo, o parâmetro de beleza de Heiden é altamente duvidoso ? Nos encontramos na Purose ontem e nos beijamos e ele me chamou para sair.
É claro que topei, sempre tive uma queda por ele ? e por todos os outros homens do planeta, penso.
? Então, aproveite, divirta-se e depois me conte tudo menos os detalhes, porque você costuma dar detalhes demais em suas narrações ? gargalho e ela também. Escuto o barulho
dela acionando o isqueiro e possivelmente acendendo o cigarro estranho que ela gosta.
? Vou ter muitos detalhes para contar depois ? ela ri e nos despedimos em seguida.
Pego meu iPad e entro em minha rede social que há muito tempo não visito. Entro no perfil de Santiago que se mantém antenado em todos os meios que existe de divulgar a vida
social, e lá está ele com um vídeo de dez segundos que mostra-o colocando sua bagagem e passaporte perto da porta e se jogando no sofá.
Clico em outro vídeo dele que mostra-o nos bastidores do desfile em Paris, modelos lindas, magras e quase sem roupa andam de um lado para o outro e ele faz cara de nojo. Dalí,
ele pegaria o segurança que está na porta.
Em outro vídeo mostra ele e Andreas em Viena e depois estão em Roma, o eterno casal apesar das idas e vindas.
Vou para o perfil de Heiden e quase que meu coração para, ela tirou uma foto do seu closet e isso é quase terrorismo contra os olhos de Santiago. Clico sobre o nome de Terry
e ela ostenta fotos com nomes fortes do cinema e isso me alegra. Ela está galgando algo difícil e não vejo-a fazendo outra coisa a não ser interpretar. Uma vez ela até fez
um discurso para quando receber o Oscar.
Todos nós temos pequenos sonhos malucos. Heiden, apesar de ser toda maluca e a favor do sexo sem limites, é incapaz de prejudicar alguém e seu sonho é não ter moradia fixa
e fazer algo humanitário. Ela está sempre envolvida em salvar algum animal ou pessoa e já fez parte do movimento Greenpeace.
Santiago atingiu seu sonho maluco e ele é realizado com isso. Eu ainda tenho sonhos normais para serem atingidos antes de conquistar meu sonho maluco que ainda não sei qual
é.
Observo alguns outros perfis e penso que Brad possa ter um com alguma coisa sobre sua vida.
Digito seu nome e nada aparece, digito em outras grafias e abreviações e nada que seja ele. Aparecem outros Brads, mas nenhum é ele.
Vou em outra rede social e faço a mesma busca e de repente me surge a ideia de acessar o sistema da Bastilli pelo meu notebook e tentar descobrir algo sobre ele. Subo para
o meu escritório e faço.
Ali aparece o nome e endereço dele e ir até lá e verificar de perto me atiça, mas eu não sei se devo fazê-lo. Preciso me controlar e confiar que não pode ser nada de mais,
que possivelmente ele tenha algo urgente para resolver e... e se ele estiver invadindo outro barco e roubando outro vinho? E se ele estiver com outra pessoa esperando o aquário
fechar e fizer tudo que fez especialmente para mim, com outra mulher?
Vou em direção ao meu quarto e coloco uma roupa simples, um agasalho leve e prendo meu cabelo com um rabo de cavalo alto e penso que não posso ser enganada, não admitiria
isso.
Anoto o endereço e desço em direção ao meu carro, soltando para Stelle um recado em voz alta de que estou saindo.
Acelero no sentido da Piazza Superiore del Roso 3, e isso fica no centro de Gênova. Penso que poderia ser um edifício e não uma casa, mas o que vejo é o Hotel Bologna, quem
moraria em um hotel duas estrelas?
As coisas não batem, as peças não encaixam, ele gasta mil euros com um vinho, como pode morar em um hotel assim?
Procuro resposta e fico com mais dúvida ainda. Estaciono o carro e vou em direção ao hotel. Sinto minhas mãos tremerem, não sei o que me espera, não sei o que vão dizer, se
ele tem mulher, filhos, namorada.
Me aproximo da recepção e pergunto sobre Bradley Cohen Zanatta e digo que ele está me esperando.
O recepcionista com cara de nenhum amigo me informa que não tem nenhum hóspede com esse nome assim que ele checa no sistema do hotel. Isso é pior do que uma informação sobre
mulher e filhos. Por que ele deu esse endereço para a Bastilli? Será que ele se mudou? Será que ficou aqui enquanto sua casa, onde mora com sua esposa e filhos, estava sendo
reformada? A mente feminina é algo assustador.
Agradeço pela atenção e volto para o meu carro, sigo para minha casa e tento imaginar que não é nada de grave e que eu não deveria estar tão envolvida como estou.
***
Olho para meu celular e são sete horas da manhã em ponto. Não dormi como deveria e estou com vontade de ficar aqui na cama, assim, pensando em nada e em tudo ao mesmo tempo.
Faço tudo que preciso por osmose e me sinto muito incomodada com o que aconteceu ontem. Eu não quero transparecer isso, não quero que ele pense que sou uma idiota sentimental
que não quer ser enganada e que o sonho maluco dela é encontrar um homem e formar uma família. Esse é meu sonho, mas não estou desesperada por isso.
Ok, Sofia, quem você quer enganar? Mesmo querendo transparecer que não está desesperada, que só tem vinte e nove anos e todo um futuro pela frente, com o simples surgimento
de Brad em sua vida, a vontade de realizar o sonho veio em carga total.
Brad é lindo, é talentoso, tem esse jeito de agir como um fora da lei, mas na verdade, desde que comecei a sair com ele minha vida explodiu em cores. As mesmas cores que ele
disse ter me visto vestindo-as. Quero essas cores para mim, mas para isso acontecer preciso de respostas.
Sigo para Bastilli com mil ideias mas nenhuma é funcional ao ponto de me deixar aliviada. Será que ele não pensou que na minha cabeça, além de pensar sobre mulheres que ele
tenha levado ao aquário, eu possa pensar sobre uma vida que ele me esconde? Mas por que ele pensaria nisso? Não temos nada, eu que sou a romântica que se encanta com desenhos,
barcos e lugares que me remetem a uma infância difícil.
Estaciono meu carro e vou para minha sala. Apenas eu estou no departamento e na minha sala, além de mim, um ramalhete de pequenas flores, como mini margaridas, mas são diferentes
e eu não sei o nome. Deixo minha bolsa sobre a cadeira e alcanço o bilhete preso no laço.
"Precisei ficar longe de você e, então, descobri assim que parte de mim ficou com você no momento em que eu disse adeus. Me perdoe por ontem, e hoje, por favor, me espere"
Então, eis o segredo feminino, esquecemos boa parte de algumas coisas tristes porque coisas boas voltam a acontecer. E, de repente, ficou sem importância o que aconteceu ontem,
porque hoje ele vai estar comigo e eu não sei se quero descobrir algo que me deixaria diferente do que estou agora.
Ligo meu computador e vejo alguns avisos sobre emails e os lembretes de minha agenda.
Primeiro email que abro é de Paolo e esse email é um encaminhamento de um email de Domenico e isso me gela a espinha.
O email que pensei ser uma discussão era na realidade um projeto de Domenico muito interessante para ser executado em Paris e Paolo pede apenas que eu faça as contas sobre
possíveis valores a serem investidos na ideia e, então, me vejo diante de algo fantástico. De um lado Paolo e seu muro de Berlim e do outro, Dom com uma escada. Parece que
minha sexta-feira começou melhor do que o fim da minha quinta-feira.
Pego as informações e repasso para meu gerente financeiro para que ele analise os riscos e peço para que Lisa faça os orçamentos e vou para o segundo email, também de Paolo,
mas esse é direto e quer saber sobre a reunião com o preposto e deixo esse para responder depois.
Dois emails da agência de turismo e um de Brad, que me obriga a abri-lo antes de minhas obrigações.
"Enquanto estive longe, pensei no quanto é bom estar perto... muito perto, preciso ver você esta noite"
Meu coração dispara e estico minha mão até as flores e cheiro, e tudo parece que tem algo dele, inclusive o aroma.
Mesmo feliz com o email de Brad, uma dúvida chega a mim como um sopro forte: o que Domenico está querendo? O que ele tanto quer em Paris?
Tudo bem que ele adora aquela cidade, foi lá que aprendeu o Parkour e seus amigos estão lá, a família Marshall, desde que o pai que criou os filhos sozinhos assim que a esposa
morreu durante um assalto, trataram Dom como se fosse da família e acho que um dia Paris será a cidade que Dom escolherá para envelhecer, e isso seria muito justo, pois, é
lá que tem passado seus melhores momentos. Às vezes de maneira irresponsável.
Possivelmente ele está sem celular por conta desta irresponsabilidade.
Leio um email da agência de turismo, estão fazendo uma solicitação financeira junto ao grupo de marketing e o outro também da agência é sobre o evento de divulgação do novo
destino da linha Xtreme, outra ideia de Domenico que Paolo abraçou e tem nos gerado uma receita favorável e altamente compensadora.
Aprovo o pedido assim que vejo a ratificação de Paolo e disparo para Lisa o email de divulgação do evento, ela sabe o que tem que fazer.
Um aviso sobre um novo email chega, é de Paolo, e ele está voltando hoje, um dia antes do esperado e eu apenas respondo que fico feliz, por ele e mamãe, e me esqueço de falar
sobre a nomeada de Martinelli, mas acho que pessoalmente será mais fácil e já passo os detalhes de tudo que conversamos. Acredito que essa negociação esteja caminhando para
um final feliz.
Chega um email de Brad me convidando para um almoço clandestino perto das docas e eu deixo meu lado inconsequente e totalmente novo dizer que sim. Ele disse que precisa me
ver e isso deixa meu rosto mais alegre. Normalmente as pessoas não saem de um relacionamento e se deixam levar por outro, mas a verdade é que fazia muito tempo que não sentia
essa vibração quente de começos de relacionamentos.
Assim que confirmo, ele me manda um gif, uma rosa gira lentamente e se abre, uma rosa de verdade e não um desenho ilustrado e colorido. É isso que estava faltando, precisava
sentir essa coisa que embrulha o estômago e saber que apesar de tudo ainda sou jovem e estou viva.
Trabalho animada, recebo e concluo fechamentos financeiros e planilhas carregadas de informações e tudo que mais quero é que o almoço chegue.
Treze horas saio da minha sala e caminho até a doca quatro, é muito perto da Bastilli e já fui lá algumas vezes. Mesmo sendo durante o dia, nenhum funcionário da Bastilli
almoça por lá, todos preferem ficar um pouco longe da água e perto do escritório onde mantemos um acordo para que almocem de graça.
Assim que chego no final do deck, eu o vejo sentado em uma mesa perto da janela e ele está sorrindo para mim, assim como eu sempre sorrio quando penso nele, ou quando recebo
seus desenhos e seus recados.
? Oi ? eu digo assim que chego e ele se levanta, vem em minha direção e me segura pela cintura e sem cerimônia alguma me beija.
? Oi ? ele diz e volta a me beijar ? Não deveria pensar em você como tenho feito. A principio era apenas olhar e quem sabe um beijo, mas agora onde eu olho vejo seu desenho
perfeito escondido por suas roupas ? ele retoma o beijo e o sinto com vontade de mim.
? Me deixou ontem ? falo e por mais que eu não tenha nada com ele, eu quero saber mais sobre ele, porque ele sabe muito sobre mim, sabe inclusive o que não era para saber.
? Sofia, apenas confie em mim ? ele sela a minha boca e me leva para a cadeira do restaurante simples que usa uma rocha como uma das paredes. Tudo é azul escuro já envelhecido
por conta do mar e do tempo e eles têm uma massa de camarão perfeita para dias mais quentes como hoje.
? Não sei nada sobre você ? falo e olho dentro dos olhos dele ? Onde mora, por exemplo. Ontem eu estive no endereço que deixou na Bastilli, mas não havia ninguém com seu nome
por lá ? eu falo exatamente o que está me incomodando.
? Me mudei do hotel há duas noites, estou dividindo um apartamento com um amigo, por isso eu tive que ir embora ontem com tanta pressa. Ele iria voltar de viagem e minhas
coisas ainda estavam espalhadas por todos os lados ? ele explica e acena de maneira positiva para o Mend, dono do restaurante.
? Onde é esse apartamento? ? pergunto.
? Perto da Via Assarotti ? ele responde e parece tranquilo em responder tudo.
? Posso te fazer mais uma pergunta? ? falo e mordo o canto da boca e ajeito meu cabelo atrás da minha orelha.
? Deve ? ele diz e mantém seus olhos em mim, ou ele é muito bom mentiroso ou realmente está sendo sincero.
? E a sua casa? Não me diga que sempre morou naquele hotel, você era da Marquisé ? sorrio e vejo Mend chegar com a pasta de camarão e uma jarra de suco.
? Vendi meu apartamento há seis meses. A ideia era comprar uma casa, quero ter cachorros, mas minha mãe acabou precisando de ajuda e fui parar naquele hotel e agora vou dividir
o aluguel com um amigo ? não consigo sentir que ele está mentindo e agora me senti envergonhada por ter sido tão intrometida.
? Me desculpe, mas é que você me deixa dez perguntas para cada resposta e isso está acabando comigo. Você invadiu a minha vida e acho que tem muita habilidade nisso, já que
invadiu um barco e até roubou um vinho. Me sinto bem com você, mais do que indicado, mas também eu não consigo prever o que vai acontecer e isso me deixa maluca ? disparo
de uma vez e ele sorri. Para ser franca, eu gosto muito de estar com ele, mas isso não quer dizer que ele não me deixe desconfiada em quase todo o tempo. É como se sempre
tivesse algo a esconder, ou algo que eu nunca deva ou mereça saber. Não sei, o que eu sei é estou mais desconfiada do que segura quando se trata de Bradley. Esse rosto lindo,
esse sorriso encantador e toda a forma habilidosa que ele tem de enfeitiçar uma mulher, pode ser alguns dos sinais que preciso me atentar, mas covardemente não estou conseguindo
fazer isso com grande sucesso.
? Então, estamos quites, eu tinha um plano e você detonou tudo ? ele segura a minha mão e beija as pontas dos meus dedos.
? Namorada? ? questiono.
? É assim que sente comigo? ? ele sorri majestosamente.
? Estou perguntando se tem uma ? explico.
? Depende ? ele responde e deixa o sorriso sair de seu rosto vagarosamente e isso me gela, isso pode ser um segredo e agora tudo pode acabar. Mas o que exatamente vai acabar?
? Depende do quê? ? pareço mais dura com as palavras.
? Eu teria uma se você aceitasse ser ela ? ele sorri e isso acho que fez tocar os sininhos e as harpinhas ao lado dos meus ouvidos.
? Perderia seu emprego ? o alerto.
? Mas eu teria você. Acredito que seria uma troca perfeita e eu poderia voltar a fazer meus editoriais de modelos francesas nuas ? ele diz e eu fecho o semblante franzindo
a teste.
? Faria de novo? Estava disposto a nunca mais fazer ? falo e pego um pouco da massa e mais um pouco de suco que não consigo identificar do que é.
? Talvez eu volte atrás, vou precisar de dinheiro para comprar o tipo de vinho que você gosta. Não temos um abismo de diferença social, temos exatamente o oposto de cada um
? ele não se sente muito à vontade ao falar de dinheiro comigo e eu acho melhor mudar de assunto.
? Você gostaria que eu fosse sua namorada?
? Você seria?
? Não respondeu a minha pergunta ? sorrio e ele também e ele parece mais simples do que imaginei.
? Respondo essa noite, e antes que se pergunte ou fique chateada e cheia de cismas, preciso buscar a minha mãe no aeroporto às dez da noite, então, é o tempo que terei essa
noite e amanhã a levarei no mesmo horário. Mas se quiser, podemos passar o sábado todo juntos e isso me deixa animado ? ele já se justifica e isso me deixa mais tranquila.
? Tudo bem ? respondo.
? Eu já sei o que vamos fazer amanhã ? ele diz e isso me anima porque geralmente os namoros são mecânicos e essas pequenas surpresas fazem meu coração mais feliz.
Coloco os talheres de lado, e ele faz o mesmo. Precisamos voltar, eu pelo menos tenho um caminhão de coisas a serem feitas.
No caminho de volta, ando lado a lado com ele e ele me fala as lendas que cercavam as docas há alguns séculos, contou sobre sua infância e que nasceu ao norte de Ligúria e
veio para Gênova depois que foi contratado pela Marquisé.
Falou sobre seus irmãos, um homem e uma mulher, ele é gerente de uma loja em Ligúria e a irmã se mudou para Moscou com o marido que nasceu lá.
E, então, assim que ele falou sobre a família, ele entrelaçou seus dedos com os meus e eu apenas deixei que meu sorriso ficasse aqui dentro. Não soltei a minha mão da dele,
não deixei que exigências determinassem o que eu deveria fazer. Na verdade, a coragem foi por Paolo estar bem longe e só voltar essa noite.
Nos despedimos sem sequer um único beijo, e eu o desejei ainda mais por isso.
7
Paolo
O aroma é de madeira queimada, mas não sufocante, a matriz desse cheiro está longe, mas eu o sinto. A minha casa está em silêncio ouvindo comigo uma nota metódica de Schubert,
não é triste ou impactante, é Serenade e ela consegue me acalmar. Preciso manter a calma nesse momento e a partir dele também.
Saio da sala e caminho lentamente até a varanda suspensa sobre o mar e o som se funde com as ondas que estão longe como o cheiro da madeira, ambos não me incomodam. Outras
coisas são mais perturbadoras do que isso, tenho problemas maiores a serem resolvidos.
? Senhor? ? escuto Amira, minha governanta, me chamar suavemente.
Olho por cima de meu ombro e me mantenho na mesma posição e ela entende.
? Merlot 91? ? ela pergunta.
? Sim, Stambolovo ? concluo e Amira deve estar se perguntando o que teria acontecido na Bulgária que me levaria a abrir algo especial de minha safra. Mesmo tendo em minha
adega duas caixas fechadas desta safra, alguns motivos exigem brindes não especiais, mas com a devida qualidade.
Meu problema na Bulgária eu não resolvo com um Stambolovo, por lá assino alguns papéis e minha rotina volta ao normal. O vinho é por conta dos meus problemas aqui, em Gênova,
e quando as coisas saem do caminho que planejei, é preciso muito mais do que uma safra de 1991.
Amira não vai abrir a garrafa, ela vai deixar perto da minha poltrona, junto com a minha taça e o abridor. Ela está terminando o jantar e possui o silêncio que todo ser humano
deveria ter ao estar na minha presença.
Domenico seria um excelente estrategista se não passasse boa parte do seu tempo irritando o meu. Ele chega em minha mente como um dos problemas que preciso resolver.
Escuto suavemente os passos de Amira e antes que ela pronuncie qualquer palavra, olho sobre meu ombro.
? O vinho está como o senhor sugere e o jantar está posto ? ela fala e eu apenas faço qualquer aceno com a cabeça e ela entende, ela pode ir embora para a casa dela, a duas
quadras daqui, que leva onze minutos a pé ou quase quatro de carro se não tiver crianças com suas bolas no meio do caminho.
Para quem me acompanha há tanto tempo quanto ela sabe que dentro do meu dicionário a palavra sugerir significa imposição.
Amira tem quarenta e oito anos, nasceu no sétimo dia de novembro e é viúva de um suicida. Seu sangue é O positivo. Não come carne vermelha, mas as prepara para mim. Tem um
filho que mora na Espanha e divide a casa com sua irmã, Ozara, um pouco mais velha e nunca se casou.
A vida das pessoas me desperta interesse, a vida das pessoas que me cercam me desperta profundo interesse.
Vou em direção ao meu vinho, me sirvo e me sento diante do prato isolado sobre a mesa de doze lugares. Sendo que oito deles nunca foram utilizados durante uma refeição.
Deslizo o garfo sobre o medalhão grelhado com pasta de alecrim e pimenta. A carne mal passada como eu prefiro se mostra suculenta, mas apenas um pedaço é aceito pelo meu estômago.
Assuntos recentes me reviram a cabeça e meu estômago é o primeiro a sentir isso. O vinho é bem-vindo.
Corto mais uma fatia e realmente está saboroso, mas escuto a porta da sala e eu sei que ele chegou.
? Senhor ? ele diz em minhas costas e eu suspendo meu olhar e o deixo no horizonte do fim da mesa onde nunca ninguém se sentou.
? Então? ? pergunto e levo a taça com vinho até a minha boca e deixo que o líquido tinto de sabor único e ácido se misture ao alecrim e a pimenta.
? São dívidas de um passado confuso, foi prudente detalhar por data e nome e colocar as informações aqui ? ele coloca uma pasta marrom ao meu lado, mas longe do prato, longe
de minhas mãos, porque ele me conhece muito bem e sabe que primeiro eu vou terminar meu vinho, vou terminar minha refeição e, então, eu vou ler sobre as pessoas.
? Quantas no total? ? pergunto.
? Sete ? ele responde.
? Ativas? ? pergunto seco.
? Uma ? ele responde.
? Riscos?
? Todos, sr ? ele é sério também e eu sei que ele faz um trabalho ímpar.
? Região?
? Ligúria, mas está mais ao sul ? ele responde.
? Contato? ? olho por cima de meu ombro e ele se aproxima com um cartão e me entrega.
? Disse que está disponível para qualquer dúvida ? ele diz e leio o nome algumas vezes. Tento buscar em algum ponto se de alguma maneira já escutei ou vi esse nome antes.
Mas não, não a conheço ? O senhor precisa de mais alguma coisa? ? ele é solícito.
? Por enquanto é apenas isso, Ward ? respondo, ele pede licença e parte. Assim como Amira, ele deixa um silêncio necessário para que a música, o vinho e os dois pequenos pedaços
de carne sejam suficientes para que minha irritação profunda e afiada se canalize para os papéis que estão ao alcance dos meus olhos.
***
Sofia
Escuto a campainha e desta vez eu mesma atendo. Tenho pouco tempo para ficar com ele e eu não sei em que momento ele se tornou tão importante para os meus minutos, mas agora
ele é e estou feliz assim.
Abro a porta e o vejo, mais solto e de bermuda em tom pastel e camisa azul escura. Lindo, cheira a banho recém tomado e seus cabelos são bonitos, mesmo bagunçados e rebeldes,
eu sei que prefere mantê-los assim.
? Oi ? ele diz e me entrega um saco de papel pardo.
? Oi, não precisa se preocupar em me trazer nada ? ele entra e me beija, com pressa, com imediatismo e acredito que, assim como eu, ele também pense no pouco tempo que teremos
juntos essa noite. Fico pensando que ele possa estar passando por uma pequena crise financeira e me trazer alguma coisa significa querer impressionar e ele não precisa disso,
ele consegue isso apenas com papel e lápis.
? Nada de mais, apenas algo que achei que fosse gostar ? olho para ele e abro o pequeno saco de papel e dentro algo que não via há mais de um ano, jabuticabas. Conseguimos
isso apenas quando alguma alma bondosa do Mercato Ocidentalle resolve trazer essa iguaria.
? Eu adoro jabuticabas! ? digo e pego uma de dentro do saco.
? E eu acho que gosto de ver seu rosto assim ? ele diz e me deixo olhar para o rosto do homem que de alguma forma invadiu a minha vida e fez o melhor desenho de mim. E não
me refiro a imagem que ele coloca no papel, me refiro ao melhor que ele conseguiu de mim em tão pouco tempo.
Pergunto se ele está com fome e ele me olha, como se pudesse ver por baixo do meu conjunto de short e regata de seda ? Muita ? ele responde com mais malícia do que com qualquer
outro sentimento.
Ele segura a minha mão e me leva para o meu quarto e eu deixo, porque lá deixou de ser um quarto de menina há muito tempo.
Caminho ao seu lado segurando o pequeno saco de jabuticabas e o coloco sobre meu criado mudo assim que entramos e ele tranca a porta. Brad tem um desenho no olhar que às vezes
me deixa tensa, depois me acalma e por inúmeras vezes me senti curiosa em saber mais sobre ele.
Ele para diante de mim e desliza suas mãos sobre meus braços e segura minhas mãos. Seus olhos estão sobre os meus e ele suspende a minhas mãos e as deixa sobre a minha cabeça.
Ele retira a minha regata e descobre que estou sem sutien. Ele fecha os olhos e respira fundo, como se precisasse desses segundos de oxigênio em seu cérebro. Ele joga o tecido
verde sobre a cama e depois solta o laço do short da mesma cor e deixa que ele caia sobre meus pés, me livro da sandália assim que ele suspendeu meus braços.
Brad mexe nos meus cabelos ainda úmidos e segura a minha nuca, me levando para junto de sua boca e me beijando. Ele me leva até a cama e me deita, ele tira cada peça que o
cobre enquanto me olha, ele olha sem nenhum tipo de vergonha para meus seios e depois entre as minhas pernas e, por fim, assim que remove a última peça de suas roupas, ele
se aproxima beijando a parte interna de minha perna direita, repete o mesmo na perna esquerda e beija sobre a renda da minha calcinha e inala profundamente.
Seus olhos me alcançam e ele se coloca diante de mim, entre minhas pernas e remove a peça, delicadamente. Sinto seus beijos perto do meu umbigo, abaixo dele e seguindo, fazendo
meu quadril se remexer sob sua boca e suas mãos.
Ele me encontra e eu me entrego como se fosse a última vez, mas a verdade é que é a primeira vez que me entrego assim para um recém chegado e ele parece saber o que faz.
Escuto-o pegando uma embalagem e deduzo que seja o preservativo. Carinhosamente seguro a mão dele e nego com a cabeça. Brad dá aquele sorriso lindo que adoro e entende minha
mensagem. Logo, o sinto dentro de mim e depois sinto meu gosto em sua boca e estar com ele assim é mais excitante do que proibido, ou as duas coisas.
Em determinado momento ele me coloca sobre ele, e me inclino para que eu possa beijá-lo enquanto me entrego ao momento, me entrego a ele. Talvez eu nunca tenha me entregado
desta forma.
Sinto que ele me abraça alguns minutos depois, estou encaixada em seu corpo e parece que o que minhas curvas que, segundo ele são perfeitas, precisam é do contorno dele em
mim.
E esse contorno me deixa tão à vontade e eu sei que assim como o sono, eu não vou ver o momento em que ele vai partir.
O dia surge com o movimento da cortina que permite o sol invadir por uma pequena fresta no quarto que agora me encontro sozinha. Ao meu lado, sobre o travesseiro, um bilhete.
"Pensei que pudesse ser mais fácil ficar longe de você; pensei que fosse mais fácil beijar seu rosto e partir. Pensei que isso não fosse se tornar o que se tornou. Acho que
pensei errado, Bjs" (Tem outro recado para você na cozinha). Está escrito com uma letra menor um pouco abaixo do beijo que ele deixou para mim.
Me levanto rápido e pego meu roupão dentro do closet e desço. Vou até a cozinha e meu coração dispara. Sorrio e não consigo esconder o quanto estou feliz.
? Bom dia ? ele diz. Ele está com a mesma roupa de ontem e isso me faz pensar que ele possa ter dormido aqui.
? Bom dia ? tento arrumar o cabelo e desfazer de alguma coisa que não seja boa em meu rosto. Se eu soubesse que o recado seria ele, teria feito uma visita ao banheiro antes
de descer. Ele percebe que estou tentando ficar com uma aparência melhor e vem em minha direção.
? Linda, mesmo descabelada e com o rosto amassado, a mais linda ? ele diz e beija minha testa e me abraça, inalando profundamente em meu pescoço.
? Estou feliz de ver você aqui ? confesso e tento alcançar alguma coisa para enfiar na boca e me livrar do hálito matinal. Acho um pedaço de bolo cortado em quadrados e o
enfio.
? Não mais do que eu ? abraçá-lo é tão confortável, ele é mais alto do que eu, mais largo e isso me passa uma sensação de proteção. Mastigo e engulo um pedaço de corneto com
recheio de creme e ele se afasta colocando um pouco de cappuccino para mim.
? Não faça isso ? eu peço.
? Não gosta de cappuccino? ? ele sorri e pergunta. Não conheço nenhum italiano que não goste de cappucci.
? Você sabe, não faça isso ? peço.
? Não estou entendendo ? ele diz.
? Não faça algo que vai ter que desfazer depois ? tento pedir com mais clareza e ele volta a se aproximar.
? O pedido aqui é meu, não desfaça tudo isso que estou fazendo, porque realmente não era para ser assim, mas agora eu já não consigo deixar tudo diferente do que está e não
consigo ser outra coisa a não ser o que quero ser pra você ? ele sela a minha boca.
? Você fala e faz coisas que fazem meu coração pedir desligamento do cérebro e sinto atividades ventriculares que não sentia antes e elas acontecem de maneira precoce quando
penso em você ? zombo com uma piadinha sobre batimentos cardíacos.
? Pensa em mim?
? Com mais frequência nos últimos dias.
? Então, possivelmente seus pensamentos se encontraram com os meus que estão em você há semanas ? ele diz.
? Acho que é isso que acontece quando estamos namorando ? sorrio ao falar com timidez sobre seu pedido tão carinhoso sobre isso.
? Sim, e eles se tornam mais intensos quando ouvimos esse tipo de resposta ? ele me beija novamente e sorri, deslizando seus dedos em meus cabelos revoltos denunciando a noite
dormida.
? E como vai ser? Escondido? ? pergunto.
? Se for preciso para eu ter certeza que estará comigo, eu aceito ? ele responde e eu me sento em torno do balcão com café da manhã posto e ele se senta de frente a mim. Pego
um corneto sem recheio e tiro um pequeno pedaço e levo até a minha boca.
? Se Paolo descobre, você perde seu emprego ? o alerto.
? Não me importo ? ele é direto.
? Correria esse risco por mim? ? faço a pergunta com a quantidade de charme necessário.
? Seria um risco maior se eu fizesse o contrario, você tem mais importância do que imagina ? ele diz.
? Mal me conhece.
? Ótimo, então, eu preciso conhecer melhor, porque à primeira vista foi apenas para apreciar algo belo, e depois se tornou fundamental em outros sentidos. Você me fez fazer
coisas que estava disposto a não fazer mais ? ele deixa um mistério que me deixa curiosa, mas eu não vou perguntar nada sobre isso.
? Por isso dormiu aqui? ? pergunto sorrindo.
? Não dormi aqui, para ser franco ainda não dormi ? ele diz e eu percebo que seus olhos parecem realmente cansados.
? Então descanse, depois saímos ? peço.
? Não, quero te mostrar um lugar ? ele sorri ao responder.
? Não prefere descansar?
? Não, se eu dormir não vou poder ver você ? ele deveria ser mais prudente com o que diz.
? Mas vou estar ao seu lado ? sorrio.
? Esse é o problema ? ele responde.
? Problema? Estar ao seu lado é um problema? ? protesto.
? Não, o problema é que por mais que você não esteja do meu lado, acredito que esteja aqui dentro de mim ? ele dá a volta no balcão e olha no fundo dos meus olhos ? Tenho
medo que um dia não me olhe mais assim ? ele beija minha testa demoradamente.
? Isso é perigoso para nós dois ? o alerto e ele volta seus olhos nos meus.
? Já vivi tantos perigos que não me trouxeram o que você me ofereceu em tão poucos dias, prefiro arriscar.
? O que eu ofereci? Quem invadiu um barco, roubou um vinho, visitou um aquário fechado foi você, eu apenas segurei a sua mão ? explico como enxergo tudo que aconteceu nos
últimos dias.
? Mas se não fosse você eu não teria feito nada disso ? meu coração trepida e sinto os batimentos aumentarem, mas eles não estão disparados, eles estão constantes em uma linha
reta em direção a Brad.
? Não quero me apaixonar ? digo baixinho e quase fazendo uma oração.
? Disse o mesmo, então, cheguei a conclusão de que isso ao seu lado seria inevitável. Eu teria que parar de ver você e ir para um lugar muito longe e eu entendi que nenhum
lugar faria sentido sem você ? Meu Deus, eu preciso de ajuda. Penso comigo assim que ele fala.
Me levanto e o abraço. Sinto que deveria evitar tudo em relação e ele a partir desse ponto, mas acredito que seja tarde demais.
8
Dom
Paris se tornou mais importante, penso comigo enquanto espero pela minha bagagem na esteira do aeroporto de Gênova e sinto uma cotovelada.
? Está ficando maluco? ? Caryn pergunta. Me assusto e ele me tira dos pensamentos sobre os últimos dias na cidade luz.
? Por quê? ? pergunto o motivo de sua observação.
? Está fazendo caras e bocas ? ele diz e ajeita a barra da manga de sua camisa.
? Meu irmão deve estar furioso comigo, eu deveria ter voltado há alguns dias ? digo uma coisa qualquer que realmente não está em meus pensamentos como prioridade e ele faz
cara de coisa alguma.
? Ele disse alguma coisa no email que você enviou? ? ele pergunta.
? Não e é esse o problema. Quando Paolo faz mais silêncio do que o seu normal é porque algo ruim está chegando ? explico e vejo minha mala cheia de adesivos de cada ponto
do mundo que visitei e pratiquei algo para testar meus limites.
? Acho que nunca escutei a voz de seu irmão, nem quando ele esteve em Paris no mesmo evento que eu, ele chega a ser sinistro ? Caryn estica o braço e alcança sua bagagem e
em seguida eu pego a minha.
? Ele não é sinistro, é discreto e sempre foi assim ? justifico a neutralidade de Paolo, mas não consigo justificar o quanto ele causa impacto por ser assim.
Andamos para fora do aeroporto e esperamos por um taxi. Paolo é a figura masculina que sempre deixou claro que tenho uma referência a ser seguida, mas eu não consigo, porque
enquanto ele corre no final de tarde ou pratica suas lutas marciais, estou em algum topo ou montanha tentando alcançar a mesma coisa que ele, porque é essa a verdade.
? Ele não tem muitos amigos ? ele observa.
? Poucos e confiáveis ? resumo.
? Ele trepa? ? Caryn estava demorando para soltar a primeira piada.
? Cara, eu acho que ele deve passar melhor do que nós. As mulheres da Bastilli encontram em mim um acesso fácil, e por Deus não consigo imaginar se ele soubesse que já andei
com várias por ali, mas elas desejam em seu íntimo meu irmão e não eu e tudo porque essa falta de acesso a ele o deixa mais atraente, segundo elas ? nego com a cabeça.
? Não entendo ? ele diz e um taxi para diante de nós ? O cara está sempre quieto, mais observa do que fala, segundo o que você diz, as mulheres o desejam, isso eu não entendo
mesmo ? sentamos no banco de trás e digo o endereço de minha casa para o motorista.
? Mas acho que esse é o segredo, se fosse por exibicionismo você teria mais trepadas em seu curriculum ? o sacaneio.
? Vai se foder, Dom? ele diz e eu dou risada pensando em um nome que o tira do sério.
? Sei, e Jordan? Ela não consegue nada com você? ? pergunto sobre a mulher que segundo ele o irrita durante boa parte do tempo.
? Você só pode estar brincando ? ele solta e o motorista acelera. Jordan Still, a morena de corpo esculpido que tira a serenidade, paciência e humor de Caryn. Ela realmente
é poderosa.
? Não vai me dizer que ela não te deixa sem reação ? comento e ele me olha com raiva. Eu sei que é raiva porque acertei em cheio. Conheço a Jordan do Parkour e coincidentemente
Caryn já a conhecia, éramos três conhecidos que a vida juntou em um ponto em comum, carros. Ela estava lá, minutos antes de partirmos.
? Ela é prepotente, metida e acha que entende de motores como eu ? ele remexe os dedos entre eles e nega com a cabeça.
? Caryn, ela é prepotente e metida porque ela realmente conhece de carros tanto quanto você e tem um atrativo ainda maior a favor dela: aquele corpo, porra! Que mulher gostosa,
e ela estava lá com você, se despedindo? ? provoco.
? Anda reparando demais em Jordan ? escutar Caryn pronunciando o nome de Jordan é quase que inédito. Geralmente ele a chama de chata, aquela chata, a mais chata; e ela é chata,
uma chata gostosa que entende de carros.
Jordan pratica Parkour à noite, minha preferência também, e foi assim que nos conhecemos e logo depois de escalar tantos prédios da maneira mais radical possível, ela me avisou
sobre a corrida da meia-noite, uma corrida que acontece de vez em quando e sem nenhum fim lucrativo, apenas adrenalina. Isso tem quase cinco anos e foi lá que conheci a família
Marshall e me tornei quase membro dela.
? Quem não repara nela? ? o provoco e ele olha pela janela do carro.
? Exibida, por isso todos olham, ela não tem nada de especial ? ele diz com tanta contrariedade que quase gargalho ? Chata ? ele conclui.
? E que chata ? brinco com coisa séria. Jordan e ele disputam sempre e quase sempre ela ganha e por isso os mais chegados a chamam de criptonita, ela é a coisa que deixa Caryn
fraco e irritado.
? Eu volto na outra segunda-feira para Paris ? ele diz.
? E eu fico por aqui para evitar minha morte ? brinco e percebo que ele mudou drasticamente de assunto.
Há alguns meses um boato muito forte nos bastidores de uma das corridas aconteceu, parece que Caryn e Jordan se beijaram depois de uma discussão muito forte, onde na realidade
um gostaria de espancar o outro com uma chave de roda.
Caryn não toca nesse assunto e a única vez que perguntaram isso para ele, estávamos bebendo perto de uma ponte e ele simplesmente se levantou e foi embora.
Caryn tem mais de um metro e noventa de altura, treina boxe e já vi um homem simplesmente desmaiar com um soco dele, e nem foi tão forte, mas foi certeiro.
Ele muda totalmente seu humor quando ela é mencionada ou está por perto, e ela também não facilita, ela o irrita.
? Está falando de mim, e quanto a Tess? ? ele não sabe brincar e já apela.
? Cara, isso precisa ficar lá em Paris e não aqui dentro ? suspendo meus cabelos e os prendo de forma bagunçada.
? Ela mexeu com você ? ele afirma, nem me dá a chance de negar.
? Muito ? afirmo com a cabeça e fecho meus olhos ? Ela é diferente e ficar dois dias inteiros com ela me fez ver algumas coisas ? confio em Caryn e ele me entende.
? Sei como é ? ele fala e trava a frase, como se a partir daquele ponto ele pudesse entregar algo que ele mesmo está passando.
? Não posso ? falo.
? Por quê?
? Sou novo, tem muito que quero fazer e tudo que vou ter que abrir mão ? pondero e tento enaltecer a lista de contras. Mas contra o quê? Ela foi embora me deixando apenas
um quarto cheio dela e tão vazio quanto.
? E por que não fazer junto? Estar com ela não significa que vai deixar de fazer, apenas vai ter companhia para tudo. Ela é da mesma vibe ? ele justifica e tenta me convencer
de algo que não sei se é o que ela quer. Segundo ela, seus propósitos são diferentes.
Posso sentir o seu corpo ainda encostando no meu e tudo parecia ser perfeito.
Deixo que o silêncio fique ali durante o trajeto.
Chego em casa e Mercedes, minha assistente para assuntos gerais, o que significa que ela cuida de tudo na minha casa, me recebe como se fosse a minha mãe. Na realidade, Mercedes
trabalhava na casa de minha mãe, mas há três anos eu comprei a minha casa e decidi que minha mãe não poderia mais ficar preocupada com meus horários e minhas escaladas, e
Mercedes, que está na família há mais de quinze anos, e acho que foi a primeira empregada que Paolo contratou, sempre me tratou como um filho e eu a convidei para trabalhar
comigo, o que Paolo aprovou na hora. Ele pensou que pelo fato dela sempre conseguir meu carinho também conseguiria minha obediência.
? Nico! ? ela me chama pelo meu apelido que apenas ela tem o direito de chamar. Ela vem ao nosso encontro e abre o portão e atrás dela vem Archimedes e Eureka, meu casal de
cachorros da raça São Bernardo e eles estão tão eufóricos quanto Mercedes.
? Mercedinha, meu amor! ? a abraço e a beijo, a suspendendo do chão. Ela é baixinha e rechonchuda e toda cheia de vaidade com o cabelo ? Seu cabelo está tão lindo ? levo minhas
mãos até eles e os bagunço.
? Para com isso ? ela me dá alguns tapas na bunda ? Oi, Caryn, tudo bem? Como estão seus irmãos? ? ela pergunta com a intimidade que lhe cabe. Ela conhece Caryn das outras
milhares de vezes que ele já esteve aqui.
? Estão bem, e você? ? ele se aproxima dela e a beija no rosto. Em algum momento ela deixou de ser uma funcionária que deve manter distância, a verdade é que a casa é minha,
mas é ela quem manda.
? Estou bem e despenteada ? ela responde e entramos pela sala.
? Ele caiu de um prédio e bateu a cabeça, por isso voltou desse jeito ? ele zomba e não pensa no que fala. Eu posso ainda estar em queda livre, obedecendo os comandos básicos
de todo ser humano.
? Pelo amor de São Judas, machucou? ? ela vem em minha direção e começa a me girar em meu eixo e Caryn, como um bom filho da puta, está gargalhando.
? Mercedinha, é apenas força de expressão. Eu não caí, e também se um dia eu cair de onde costumo subir, possivelmente não estaria vivo para bagunçar seu cabelo ? a cutuco
onde sei que ela tem cócegas e ela gargalha. Mercedinha guarda muitos dos meus segredos, acho que ela é a pessoa que mais me conhece no mundo.
? Vivo fazendo minhas orações cada vez que você sai ? ela diz e eu sei que ela foi criada com costumes religiosos e tem alguns santinhos em seu quarto. Mercedinha dorme aqui,
acorda aqui e possivelmente reza muito por mim.
? Mas são graças a elas que estou aqui, mais saudável e seguro do que nunca. ? Seguro nem tanto, tenho questões a serem resolvidas e minha preocupação poderia ser por conta
de Paolo, mas a verdade é sobre o que deixei em Paris.
? Vocês precisam comer ? ela diz e deixamos as malas ao lado da porta e caminhamos para a cozinha. Mercedes sempre tem algo no forno, e ontem eu a avisei que chegaria, então,
teremos um banquete.
Ela arruma a mesa, a ajudamos com os pratos e panelas, Caryn pega cerveja na geladeira e nos sentamos. Mercedinha recusou o convite para jantar conosco e foi direto para minha
mala pegar a roupa para lavar.
? Esse embrulho branco é seu ? falo com a boca cheia e escuto-a agradecendo pela santa feita em vidro que encontrei em uma loja perto do rio Sena. Essa deve ser a centésima
santa que dou de presente para ela e eu sei que isso a deixa mais do que feliz.
Nossos pratos pareciam de dois estivadores e nossa fome também. Foram algumas cervejas e a noite de sábado acaba de chegar. A noite está agradável e eu gosto desta época do
ano.
? Vamos ao Zarun mais tarde? ? pergunto para Caryn assim que empurro o prato.
? Com certeza ? ele responde e eu sei o quanto ele aproveita suas noites sobre aquele deck com as mulheres daquele lugar ? Dom ? ele me chama.
? Fala ? me levanto e ando em direção ao salão de jogos.
? Passei a viagem inteira pensando, o que você fez tanto na Centr'Halles Park? Ali é para os iniciantes e nós já saímos do ponto A para o ponto B em lugares mais audaciosos
? ele pergunta e eu não quero falar sobre isso.
? Um grupo de novatos queria aprender algumas coisas e eu fiquei por lá, nada de mais ? respondo com desdém e quero que ele pare de perguntar sobre os últimos dias, assim
como ele não quer falar sobre Jordan.
Coloco as bolas de sinuca sobre a mesa e escuto o telefone da casa tocar.
Em seguida escuto Mercedes me chamar e eu respondo da sala de jogos.
? Telefone para você ? ela se aproxima com o telefone sem fio e me entrega e eu pergunto sem som para ela, quem é? E ela responde do mesmo jeito para mim... Paolo.
***
Sofia
Toda vez que chega o domingo em que nos reunimos na casa da mamãe, eu me preparo espiritualmente porque toda vez Dom tem algo que incomoda Paolo e eu sirvo de mediadora.
Houve um domingo que as coisas saíram do controle por alguns minutos e eu olhei para Paolo que estava quase explodindo e disse sem som algum: Mamãe. Ele parou na hora, respirou
e ponderou a pequena palavra de cinco letras que detém poderes especiais sobre ele.
Acordo antes do horário e aciono minha hidro, coloco tudo que tenho direito e, enquanto ela enche, separo minha roupa para o almoço.
Abro a porta do closet e olho para o vestido branco com flores subindo em sua lateral; ele é cinturado e mais solto até a altura dos joelhos. Escolho uma sandália branca,
dedos de fora e que prende em meu tornozelo.
Sei que minha mãe gosta de me ver assim, arrumada especialmente para os domingos ao seu lado e ela preza tanto esses almoços, ela se dedica tanto, ela nos abraça e se sente
mais amada ainda.
Abro um pouco a janela do banheiro para que o sol entre e me faça companhia. Estou com um humor excelente, ultimamente tenho andado com um ótimo estado de espírito e acho
que minha pele anda mais bonita.
Entro no meio da espuma e deixo apenas o barulho da hidromassagem comigo ali, e o barulho de Brad em meus pensamentos.
As lembranças com ele me fazem sorrir e achei que conhecesse Gênova, mas ele tem me provado que não.
Ontem ele me levou para Boccadasse e eu pensei que essa aldeia de pescadores não pudesse me surpreender. Subimos para uma casa imensa, no alto do aglomerado de casas que se
inclinam para o mar.
Chegamos pela manhã, e repetimos o café da manhã, mas desta vez com uma vista incrível para o mar. A senhora que nos servia alegremente cantava algo de muitos anos atrás e
se eu tivesse conhecido a minha avó talvez ela saberia o nome dessa canção.
? Esse é meu grande amigo ? ela dizia e abraçava Brad sobre seus ombros e ela falava o tempo todo que seu nome era Rubia e que sua cor favorita era vermelho e, então, eu sabia
que aquela senhora estava presa dentro de um lugar que só pertence a ela.
? Eu vinha muito aqui, adorava ver os pescadores voltando do mar e imaginei que um dia pudesse ser um deles, mas eu sempre estava com papel e caneta na mão, eu os desenhava
quase todos os dias ? Brad falava e eu estava encantada com sua história de criança e com sua visão romântica sobre a aldeia de pescadores.
Visões românticas são raras e em geral as vejo nas páginas de alguns livros e em alguns roteiros de cinema, e quando ele se coloca à disposição para me mostrar tudo isso assim,
eu sei que estou entrando por um caminho que não tem nenhuma placa de retorno. Esse caminho é que leva a resultados como Joel e eu ou como Lisa, minha secretária, e seu marido
Nick, que se conheceram no colégio e estão juntos até hoje e acho que estarão juntos para sempre.
Cada barco que chegava ou partia, Brad tinha alguma coisa sobre eles. Ele falava sobre o mar, sobre velejar à noite e, de repente, ele me fala do seu sonho em ter um barco
para ele, mas não para ficar em uma marina e ser liberto nas manhãs de domingo, ele gostaria de ter um barco para conhecer o mar que ele imagina ser a fonte inspiradora para
os pescadores e para Rubia que fala sobre as canções do mar.
? Teria um barco, mas apenas ele é inútil, não é sobre o objeto, é sobre quem vai estar lá comigo ? ele caminhou e se colocou diante de mim ? Seria como O Amor nos Tempos
do Cólera ? deixei que ele me beijasse porque ele já havia conseguido muito de mim até ali.
Almoçamos em uma mesa improvisada perto de alguns pescadores e músicos com seus instrumentos improvisados, menos um violão que estava ali. Tocavam com ritmo sobre a mesa,
ou sobre o casco de um pequeno barco que servia de banco e observamos a tarde chegar com raios laranja sobre as águas, até que o dourado de um sol já enfraquecido se findou
no azul profundo e dançante diante de nós.
Aprendi sobre perspectivas românticas quando ganhei flores de Brad na frente dos pescadores, ou quando dancei com um senhor ao ritmo de algumas batucados sobre a madeira do
velho barco.
O amor está onde o enxergamos.
Fomos para uma casa em uma rua estreita, de pedras encaixadas e casas cor de rosa e com flores que denunciam a estação ou quase o fim dela.
Ele me levou para o andar de cima e tudo era aconchegante como uma casa de romances de época.
? De quem é essa casa? ? perguntei e ele se virou de frente para mim. Gosto de como ele me olha, gosto como seu olhar sempre chega até mim como se fizesse mil anos que não
me via, como se sempre estivesse com saudade. Ele me olha como seu eu fosse única.
? Plínio, um amigo que está viajando e pediu que eu passasse por aqui de vez em quando ? ele se aproximou de mim e me beijou.
? Talvez ele não goste de saber que estive aqui com você ? fiz um pequeno e essencial charme e Brad levou sua mão até meu cabelo e deslizou até tocar em meu ombro e desceu
pela frente do meu corpo e senti apenas as pontas de seus dedos passarem por cima de meu seio, ainda coberto pelo tecido fino e floral de meu vestido. Engoli e senti minha
boca salivar com isso. Mordi meu lábio e seus olhos estavam nos meus.
? Ele só vai saber se você contar ? ele sussurrou e aproximou seus lábios dos meus.
Enquanto sua boca tocava a minha, minhas mãos desabotoaram sua camisa e sua bermuda. Ele fez com que as alças do meu vestido saíssem de meus ombros e, então, eu senti o vestido
deslizar pelo meu corpo.
Ele se livrou de suas roupas, acariciou meu corpo sem pressa, como se estivesse com um lápis sobre uma folha de papel. Em seus olhos havia um desejo tão intenso e palpável
quanto o meu.
Ele me deitou sobre uma cama de casal, de colcha florida e se colocou entre as minhas pernas.
? Sou mais forte quando estou com você ? ele falou e me penetrou suavemente. Sinto-o preencher não apenas o meu corpo, mas algo aqui dentro se torna mais vivo ao seu toque,
ao seu beijo.
Ele chega em meu limite e fecha os olhos, como se buscasse um refúgio, como se isso fosse impedir que tudo se tornasse mais rápido do que deveria.
Fechei meus olhos e me atentei ao meu corpo, que pulsou de desejo ao sentir seu corpo entrando e saindo suavemente. Sou capaz de ficar excitada apenas por me lembrar de como
ele me completou na tarde anterior. Ele beijou meus lábios suavemente e depois tomou força e eu senti pressão em todos os pontos do meu corpo.
Ele se afastou de mim e me virou de costas para ele, permaneci deitada e senti quando ele se posicionou novamente entre as minhas pernas e entrou, com mais força e colocou
sua boca bem próxima de minha nuca.
? Você tem curvas perfeitas ? ele sussurrou e gemeu, entrando com mais força, e repetiu até que saiu e me virou novamente.
Ele deitou e eu me sentei sobre ele, precisava sentir suas mãos em meu corpo, sobre meus seios e sua boca na minha.
Inclinei meu corpo e o beijei, tudo se tornou mais intenso, mais rápido e meu corpo começou a dar sinais que ele estava esperando. Era como se precisássemos um do outro para
atingirmos a linha de chegada.
Me deitei ao seu lado e esperei que ele fizesse alguma coisa, e ele fez, ele me abraçou e beijou minha boca.
? Esse momento poderia ser eterno ? ele falou e eu adormeci, aquecida por ele. Um tempo depois eu acordei e repetimos o que havíamos feito, e eu senti dentro de mim uma força
absurda por simplesmente ter entregado a ele algo mais íntimo do que sexo. Eu havia deixado-o entrar em meus pensamentos e era uma questão de tempo até que ele chegasse definitivamente
em meu coração.
Senti meu sorriso se abrir apenas por lembrar de como é viver intensamente, sem métodos ou com barcos de maior importância. Volto das lembranças do dia anterior ainda sorrindo.
Saio do banho e começo a me arrumar, mas em todo momento olho para o desenho que ele fez ontem na areia, enquanto estava descalça girando com outros pescadores e suas esposas
na areia branca de Boccadasse.
No desenho ganhei destaque, mas todos estavam ali, registrados em preto e branco, e essa imagem é que guardarei para sempre, porque é ali que enxergo o amor.
Ajeito meu cabelo em um rabo de cavalo bem no alto de minha nuca, um pouco de maquiagem, perfume e com o melhor sorriso em meu rosto.
Sigo em direção à casa de mamãe, mas antes passo em frente à casa de Paolo para saber se ele ainda está por lá. Geralmente ele chega depois de nós mesmo sendo o que mora mais
perto.
O carro está parado em frente o arco de sua sala, mas o carro de Ward também está. Pode ter acontecido alguma coisa na Bulgária ou pode ser normal Eugene trabalhar aos domingos.
Ele deveria ficar com a família dele, será que ele tem família? Não sei nada sobre ele.
Sigo meu caminho e paro meu carro em frente ao portão preto de ferro que mostra através de sua grade um caminho de pedras arredondadas. Vejo Phill com um vaso de flores entrando
na casa, ele as apanhou agora mesmo no jardim dos fundos.
Phill trabalha com mamãe há muito tempo. Ele deve ter sido um dos primeiros a ser contratado, o primeiro não foi, a primeira foi Mercedes que hoje serve de babá para Dom,
que espero em Deus ter chegado ontem como prometeu.
Eu deveria ter ligado, mas cheguei tão cansada que dormi com Brad deslizando seus dedos em meu braço e nem vi a hora que ele foi embora.
Espero que este domingo seja calmo entre Dom e Paolo.
Vejo o portão se abrir e sigo até a garagem lateral, onde alguns empregados estão retirando algumas caixas. Mamãe e suas doações.
Desço do carro e escuto o som de seus saltos, é ela.
O doce momento interrompido pelo acelerar do carro de Domenico que aperta duas vezes a buzina e em seguida leva o carro para o lado do meu. O som do carro desaparece e ele
surge, com sua camiseta branca, que marca seu corpo definido pelas escaladas sem juízo, e seu jeans escuro que combinam com seu coturno marrom e cheio de estilo. Domenico
é sexy e fica mais lindo quando faz o que está fazendo, suspendendo seus cabelos longos e fazendo um coque todo desajustado no topo de sua cabeça.
Paolo reviraria os olhos se estivesse aqui, acredito que quando Dom cortar esse cabelo vou poder ver Paolo sorrindo de verdade. Isso é apenas uma piada interna.
Ele não é mau, nenhum dos meus irmãos tem algum ponto cruel a ser questionado, mas eles são muito diferentes e nem por semelhança podemos falar que são irmãos. Paolo lembra
muito mamãe e Dom acredito que se pareça com meu pai, do qual não tenho muitas recordações, e prefiro não tê-las.
Paolo não imagina o quanto Dom já andou ciscando pela Bastilli, uma funcionária pediu demissão há três meses e depois descobrimos que ela estava apaixonada por Domenico, que
tratou de desaparecer. Ele não saiu com ela nenhuma vez, ela se apaixonou pelo estilo dele, por ser tão carismático e brincalhão. Ele é querido por todos e sempre ganha presente
dos funcionários em seu aniversário.
Há dois anos ele ganhou uma prancha de surfe da equipe de marketing com a abreviação de seu nome e uma mensagem
"Para que suas loucuras sejam copiadas"
Dom anda em minha direção e antes de eu tocar nele com um abraço e um puxão de orelha carinhoso, escuto o carro de Paolo, o motor com o mínimo de ruído entra e vai junto aos
outros carros. Ele passa lentamente, vidros fechados e lacrados com um filme escuro. O carro é tão discreto quanto o dono.
Ele sai do carro aciona o dispositivo para que as portas sejam travadas e caminha em nossa direção.
Ao menos uma vez ao mês nos encontramos, nos reunimos em torno da mesa e de mamãe. Esse momento é sagrado e precisou acontecer assim que me mudei.
Fui a última a deixar essa casa e foi logo depois de Domenico que deixava mamãe desesperada com sua vida maluca.
Ainda hoje ela é preocupada, mas ela é poupada de muitos detalhes que eu sei, e eu sirvo muitas vezes de advogada do diabo.
Paolo se aproxima de nós e olha para Dom nos olhos e não aparenta sentir nada, e depois para mim, seus olhos congelam os meus por alguns instantes e depois os queimam e eu
engulo seco. Sei que andei fazendo o que ele não quer que eu faça, mas ele não sabe de nada, chegou há menos de dois dias da Bulgária e não teria como saber.
Analiso se teria ou não e penso: o carro de Eugene Ward estava em sua casa agora há pouco.
Paolo retira seus óculos aviador e eu presto atenção em seu corpo que, como sempre, veste o melhor, camiseta polo verde-agua, bermuda clara em tom bege e um perfume que faz
as meninas da Bastilli pedirem por misericórdia. Ele sempre está com seu cabelo impecável e sua barba nunca vê a luz do sol.
Ele se aproxima de mim depois de alguns instantes e beija o alto de minha face demoradamente e não sei se devo me empolgar com isso, e em seguida ele estende a mão para Dom.
Paolo pode ter qualquer defeito, mas ele é educado.
Escuto minha mãe se aproximar com seus elogios por ter a prole reunida e, então, sorrimos, nos virando de frente para ela.
9
Mamãe se aproxima de nós e nos olha atentamente, como se quisesse buscar algo de errado e nos proteger disso.
? Meus filhos ? ela diz se aproximando de Dom e beijando seu rosto duas vezes e depois comigo. Ela tem uma postura tão impecável, como de Audrey Hepburn e acredito que quando
ela era jovem também se parecia com a atriz.
Depois, ela vai em direção a Paolo, que além dos beijos ganha um suave carinho em seu rosto. Não é que ele seja o preferido, mas eles têm uma afinidade inexplicável.
Entramos e nos sentamos em sua sala de visitas; ela colocou um sofá redondo onde todos possam se ver sem ter que ficar se virando ou dobrando o pescoço.
Quando estava no último ano da faculdade e já trabalhava na Bastilli, cheguei muitas vezes aqui e me joguei no sofá branco e preto que ficava nesse mesmo lugar. Naquela época
eu não tinha vida social e tinha um medo estratosférico de fazer alguma coisa errada na Bastilli. Dormia mal, comia pior ainda e tinha pressa.
Com o tempo aprendi a domesticar o tempo a meu favor e tudo se tornou tão natural, mas antes dessa evolução eu era acordada aqui nessa sala por ela com uma caneca de leite
e um pão esquentado na panela que ela mesma fazia.
Alma Maria Bastilli tem muitos empregados, mas eles são da casa. Para nós temos ela, a comida que comeremos daqui a pouco foi feita por ela e é essa a forma que ela encontrou
de sentir que seu ninho não está vazio.
? Paolo me levou para Bulgária e com certeza é um lugar que deveríamos ir, todos nós ? ela sempre demonstra essa vontade de viajar com todos os filhos.
? Precisamos fazer uma viagem assim, podemos remanejar as pessoas de confiança para que possam conduzir a Bastilli em nossa ausência ? demonstro interesse nessa viagem também
e Phill nos pergunta se queremos café assim que entra discretamente na sala. Ele sempre vai oferecer o café que vem com mini torradas doces e um pouco de geleia.
? Em vez da Bulgária, poderíamos ir a Paris ? Dom diz e todos olham para ele.
? Você acabou de chegar de lá, e todos nós já fomos mil vezes a Paris ? falo sorrindo e ele suspende os ombros.
? Gosta muito do lugar ou tem alguém fazendo esse lugar especial? ? minha mãe mira e acerta na testa dele. Dom para por alguns instantes e ri afirmando ser apenas um bom lugar
para tudo que ele gosta de fazer.
? Vou analisar uma data coerente para que não tenhamos problemas e vamos concretizar esse plano ? Paolo diz olhando para mamãe que se aproxima dele e se senta ao seu lado.
Domenico começa a contar como foi escalar em menos tempo que a outra equipe um prédio que já fez Paolo aterrissar em Paris por ser proibido praticar isso. Paolo inclina a
cabeça e olha com profundo sentimento de fúria sobre Dom, que continua falando sobre o tijolo solto no quarto andar e mamãe não está gostando muito disso.
? Conhecem Boccadasse? ? pergunto apenas para que Dom pare de deixar mamãe preocupada e me esqueço que não estive lá sozinha.
Eles me olham com estranheza, possivelmente se perguntando o que eu faria em uma aldeia de pescadores.
? Limite de Gênova ? claro que Paolo conhece e ele responde assim que alcança uma xícara sobre a bandeja nas mãos de Phill que acaba de chegar. Algo incomoda Paolo quando
pergunto sobre a aldeia, mas eu não consigo entender o que é. Ele olha para mamãe e se aproxima beijando seu rosto.
? Sim, é um lugar bonito, passei por ali ontem enquanto andava de carro ? dou qualquer resposta e espero que Phill entre nessa conversa e me salve desses olhares entre mamãe
e Paolo.
? Não é um lugar apropriado para se andar sozinha ? Paolo diz.
? Estava com Santiago ? respondo e eu deveria pensar antes de falar qualquer coisa.
? Achei que ele estivesse em Milão, vi fotos dele no Instagram ? Dom em vez de me ajudar acaba sem querer me prejudicando. Paolo me olha como se eu devesse todas as satisfações
desse mundo. Mas eu sei, ele quer me proteger.
? Não, não o Santiago maquiador, um amigo de Heiden que estava por aqui, nos conhecemos em Barcelona e ele é do mesmo time que o Santiago que vocês conhecem. Eu acabei nessa
aldeia porque comecei a dirigir e nem percebi, quando me dei conta já estava lá ? alcanço o café e bebo mesmo sem açúcar.
O assunto agora é o evento que vamos ter na próxima semana. A agência de turismo que está organizando e tem como objetivo a divulgação de novos destinos.
Passo mais tempo em silêncio para que minha derrapada seja esquecida, mas percebo Paolo me olhando de vez em quando como se quisesse me falar alguma coisa. Não posso prejudicar
Brad por meu impulso feliz de estar com ele.
? Caryn vai embora na outra segunda-feira ? Dom diz e recusa o café, ele não precisa de nenhuma dose de cafeína.
? Caryn Marshall veio com você? ? pergunto.
? Sim, está fechando alguma coisa com um piloto que mora aqui e com uma marca de lubrificantes e peças automotivos ? Dom responde e vejo Paolo pressionar o maxilar.
Para Paolo tudo que envolve os Marshall envolve a polícia e coisas fora da lei. Dom estava com Caryn quando foi preso e Paolo quase perdeu o controle.
Mamãe só ficou sabendo sobre isso meses depois quando escutou sem querer uma discussão entre Dom e Paolo.
? Legal ver como eles trabalham, mesmo depois do que aconteceu com o pai deles. Eles estão lá, firmes no propósito de serem os melhores ? falo e olho para Paolo, mas isso
não o alcança como alcançaria em outras situações.
Eles falam sobre o evento, sobre os novos destinos e eu tento analisar o perfil de Paolo nessa conversa. Ele até faz seus pequenos comentários e não insinua nada sobre a demora
de Dom em voltar de suas férias, ele está quieto demais para quem sempre faz outro tipo de silêncio.
Tem alguma coisa acontecendo.
Minutos depois, Cinthia avisa que a mesa está posta e como sempre vamos almoçar na mesa que fica na área fechada da piscina. O dia está lindo e estou começando a ficar com
a fome que sempre me pertence nos almoços com mamãe.
Ela pergunta sobre o meu trabalho, como foi a viagem e pergunta sobre Joel.
? Terminamos ? respondo e vejo Paolo olhar para mim através de seus cílios. Nos sentamos assim que enchemos nossos pratos, o meu era o mais sem educação. Amo gratinados de
batata e salmão.
? Mas ele era um ótimo rapaz. Estive com a mãe dele há algumas semanas e ela até me falou sobre casamento ? mamãe diz e eu engasgo com a comida.
? Mamãe, acho que ele gostava mais do barco do que de mim ? dou risada.
? Ciúmes de um barco, maninha? ? Dom se encarrega de ser o chato do dia.
? Ele não queria casar, ter filhos e essas coisas. Ele queria que o barco dele fosse apreciado por todos e tocado por ninguém ? solto e bebo um pouco de água.
? Preciso ligar para Marina ? ela diz como se precisasse se desculpar sobre alguma coisa com a minha ex-sogra, aquela sem noção.
? Não precisa se desculpar por nada ? digo e ela suspende os olhos em minha direção e Paolo olha para frente, em nenhuma direção.
? Não vou me desculpar, acredito que você saiba tomar decisões, mas Marina é minha amiga há muito tempo ? ela colocou em mim um olhar que há muito tempo não via ? Confio em
minha filha, não me preocupo se você vai se casar ou não com alguém que tenha barcos ou não, me preocupo com a sua felicidade ? ela corta um pedaço de salmão e coloca em sua
boca e eu calo a minha.
? Não sabia que você tinha terminado com o garoto propaganda de fraldas descartáveis ? Dom gargalha, mas mamãe e Paolo o olham sem emoção alguma. Paolo fatia um pedaço de
salmão e o mergulha em um pouco de molho.
? Quase voltei nadando no dia em que terminamos ? falo e volto a comer.
? Você nadaria quase um quilômetro e isso não seria muito inteligente, você não pratica nenhum tipo de exercício ? Paolo diz e minha boca só não abre porque a comida que está
dentro dela brigando por espaço cairia ? Joel me ligou na hora em que você desceu no barco com suas coisas ? Paolo bebe um pouco de um suco de cor escura e me olha só quando
volta o copo sobre a mesa.
? Vamos discutir minha vida pessoal no almoço? ? será que é por isso que estou vendo Paolo com olhares misteriosos para mim? Talvez ele queira falar sobre isso comigo e não
teve a oportunidade necessária.
? Não estamos discutindo ? Paolo diz e volta a cortar o peixe.
? Não gostava do jeito dele, sempre tive a sensação de que ele tinha medo de bactérias, sei lá, sempre achei ele estranho ? Dom enche o garfo e come abundantemente e Paolo
nega com a cabeça, mas quase sorri. Quase.
? Dom, muito interessante seu projeto, acredito que Sofia já tenha dado andamento assim que encaminhei o projeto para ela e em breve vamos colocá-lo em prática ? espera, estou
tentando entender, Paolo está elogiando Dom e colocando um "acredito" na frase que se refere a mim? Deve ser o fim do mundo próximo, uma onda homérica invadindo Gênova e me
acertando em cheio.
? Tanto o financeiro quanto o operacional já estão trabalhando em cima do seu projeto ? falo mais afiada e Paolo me encara ? Na próxima semana saberemos os custos dessa operação.
? Muito bem ? ele elogia mas ainda se mantém na mesma postura, inalcançável. Será que ele quer falar algo sobre o término com Joel?, penso comigo.
? E antes que eu me esqueça, fiz isso antes mesmo de entrar em reunião com o preposto de Franchesco, que parece bem disposto a defender seu patrimônio e tem um profundo respeito
pela Martinelli ? o alfineto e ele vira seu rosto para mim lentamente.
? Ótimo, abreviou meu trabalho com o tal sujeito ? ele diz e volta a colocar mais comida sem eu garfo.
? Parem ? mamãe pede.
? Desculpa ? peço e Paolo também.
? Não criei filhos que brigam por qualquer coisa ? ela fala e ficamos em silêncio.
Dom espiava e eu comia, mantive a boca ocupada para não falar mais nada contra mim e nem contra ninguém, mas Paolo consegue me irritar.
Mamãe pede a sobremesa e eu me lembro do doce de fruta cítrica que comi ontem durante o passeio por Boccadasse.
Vejo meus irmãos conversando e me lembro do dia maravilho que passei ontem.
? Veja ? Brad me entregou uma concha toda branca com uma única mancha redonda e preta ? Única como você ? Ele disse e isso me fez suspirar na mesa e, então, voltei da lembrança
com um sorriso no rosto e com todos me olhando.
? O que foi? ? pergunto e coloco mais comida na boca.
? Está sorrindo e suspirando, tudo isso é por conta do salmão? ? Dom consegue ser uma criança. Paolo me encara e mamãe esconde um pequeno sorrio atrás de seus lábios finos.
? Claro que é por conta do peixe ? falo de boca cheia para que entendam que não quero responder a nenhuma questão.
Eu sempre fui a que acalma os ânimos e hoje o jogo virou.
Paolo falou sobre o passeio pela Bulgária, mas que não aproveitou como deveria por conta dos assuntos profissionais. Dom rebate dizendo que já fez Parkour por lá e eu aproveito
para comer mais um pouco porque nunca fui para a Bulgária.
A conversa segue um caminho diferente do que está sendo traçado pela minha cabeça e penso em Brad, o que ele poderia estar fazendo, se ele está pensando em mim. Estou com
saudade dele e estou comendo mais do que deveria e isso vai me fazer dormir logo mais, e eu sei onde vou dormir.
A sobremesa é servida e agora o assunto é sobre o projeto de Dom, que Paolo prontamente aceitou. Mamãe fica feliz em vê-los diferentes da última vez em que estivemos aqui.
Dom só não foi para cima de Paolo porque ele tem juízo. Paolo não é alguém que deixaria de dar um soco porque é irmão, por isso ele evita esse tipo de resultado.
Ela sorri ao ver os dois falando sobre a Xtreme, sobre o evento e para onde essa empresa poderia crescer se estiver em mãos corretas. Paolo não olha muito para mim e eu não
sei se deveria arriscar um assunto e dizer que o nomeado de Franchesco é a filha dele e ela parece bem interessada na fusão para que os funcionários não sejam prejudicados.
Mas não acho que deva falar mais de trabalho, acho inclusive que eu deva ficar quieta e só responder quando se lembrarem que estou aqui, sentada em um dos lados da mesa.
Onde será que ele está?, me pergunto e deixo meus olhos perdidos na taça com sorvete. Escuto mamãe e os meninos rindo e eu gostaria que ele estivesse me esperando, no portão
da minha casa, ou que me ligasse dizendo que pensou em mim.
Ele não deveria ter feito nada do que fez. Ele está fazendo falta.
Termino a sobremesa e assim que me levanto tenho plena consciência que a palavra limite nasceu para ser respeitada, pelo menos no quesito gastronômico.
Peço licença e aviso que vou ao banheiro para não acharem que sou mal educada. Um mau humor pós barriga cheia me domina e eu vou para o banheiro, mas vou no banheiro do quarto
da minha mãe, é lá que planejo dormir um pouquinho, em sua cama enorme, de edredom branco e cortinas que voam com a brisa leve.
Me deito assim que saio do banheiro e arranco minha sandália ficando o mais confortável possível.
***
Alma Maria Bastilli
? Você a tem feito trabalhar mais do que o necessário? ? pergunto para meu filho mais velho, que tem muito mais do que trinta e cinco anos em sua alma.
? O trabalho dela exige muito atenção. Ela cuida de todo dinheiro que nos mantém. Acredito que seja mais responsabilidade do que trabalho, qualquer coisa errada, pessoas deixam
de receber o seu salário e isso acarretaria em problemas maiores ? ele explica da maneira dele, mas comigo ele é mais afetuoso. Eu sei o que Paolo guarda em seu coração, ele
guarda algo que não deixa muito para ser sentido.
? Ela é apenas uma jovem que pode errar ? eu falo e ele ouve e esse é o ponto mais triste de ser Paolo, ele não lida muito bem com escolhas erradas, com erros e falhas.
Olho para ele e ainda o vejo com sua caixa de engraxate, depois com seus cadernos e livros. Vejo-o se formando em seus milhares de cursos gratuitos para se tornar tudo que
é hoje. Paolo tem uma alma velha para o jovem que é, mas isso não é algo para ser modificado, isso é algo para ser amado. Eu o amo, assim como amo Dom e minha pequena Sofia.
Mas Paolo foi o homem que segurou a minha mão.
? Eu poderia dizer que ela precisa de férias, mas ela acabou de voltar ? Nico diz de maneira séria e eles perceberam que ela está diferente. Eu sei que aconteceu alguma coisa,
ela é minha filha e saberia tudo sobre ela apenas por escutar sua voz.
Paolo se mantém em silêncio e isso não me assusta, esse é o tipo de resposta que ele oferece. Ele gera a oportunidade para que outra pessoa fique tão em silêncio quanto ele.
Nico e Paolo voltam a falar sobre outra coisa de trabalho e eu aprecio esse elo que precisa ser mais forte. Eles são irmãos, diferentes um do outro, mas são do mesmo sangue,
são fruta do mesmo pé.
Me levanto e vou encontrar minha Sofia. Ela é muito jovem para ter uma coração com tantas coisas a sufocando. Eu sei onde encontrá-la, é o lugar no mundo onde ela sempre será
mais do que bem-vinda.
Me aproximo dela e antes de tocar em seu cabelo, me lembro das tardes de domingo quando ela tinha pouco mais de cinco anos e me pedia para fazer uma trança de cada lado em
seus cabelos.
Ela nunca se importou com suas roupas remendadas ou com a boneca velha que era seu único brinquedo. Sofia cuidava da boneca como se fosse um bebê de verdade, e depois de algum
tempo, quando Nico nasceu, ela fazia o mesmo com ele.
Sofia sempre teve seu lado maternal grandioso, ela gostava de ficar perto de Paolo quando ele estava arrumando alguma goteira no telhado, ela se prontificava a levar água
ou quando Nico chorava, ela era a primeira a aparecer e verificar o que estava acontecendo.
Ela era minha companheira de dias chuvosos quando desenhávamos na janela embaçada pelo frio, ela era a menininha doce que já sabia como viver seus dias sem mostrar o quanto
algumas coisas lhe machucavam.
Sofia era o meu pequeno mundo cor de rosa, era um pouco desbotado porque não tínhamos condições para um cor de rosa mais novo, mas ela estava lá, reinando absoluta entre meus
pequenos homenzinhos. Ela era a flor do meu jardim e ela me olhava como se eu fosse o que ela mais amava.
Ela chegava de mansinho e, de repente, esfregava carinhosamente a pontinha do seu nariz no meu. Nesse momento, as dores do mundo eram tão pequenas, tudo se tornava tão trivial
e pouco, que eu deixava ela ali, por muito tempo me mostrando um sinal de carinho. Meus filhos eram meu único caminho para os gestos de afeto.
***
Sofia
Acordo com um suave toque em meus cabelos. Não sei por quanto tempo dormi, mas eu sei que sonhei com ele. Abro meus olhos e vejo o rosto de minha mãe sorrindo para mim.
Me ajeito em seu colo, colocando a minha cabeça em suas pernas e ela continua.
? Desculpa, mas é que fui ao seu banheiro e depois eu vi a sua cama e não resisti ? falo e deixo que ela continue.
? Está pedindo desculpas por estar no único lugar do mundo que sempre vai te acolher? ? ela diz e eu sorrio ? Mas, conte para mim, seus olhos estão felizes e sua cabeça está
confusa, como conseguiu isso? ? ela pergunta e fala exatamente o que está acontecendo.
? Mama, eu já não gostava mais de Joel há muito tempo. Ele não quer a mesma coisa que eu; família, filhos e domingos na casa da avó, mas ele não é uma pessoa ruim ? explico
sobre o fim do meu namoro.
? Sei, e esse que está fazendo seus olhos brilharem deseja o mesmo que você? ? acho que toda mãe recebe uma caixa com poderes especiais e dons de bruxaria assim que seus filhos
chegam ao mundo.
? É tudo muito recente ? justifico e não posso falar nada sobre ele, mas eu gostaria. Ela é a minha mãe.
? Mas é especial ? ela diz ? Seus olhos me dizem isto.
? Mãe, acho que comecei a gostar dele antes do indicado para que relacionamentos funcionem ? desabafo.
? Mas, existe manual de funcionalidade e garantia de sucesso para o coração? ? ela brinca e não me enche de perguntas, ela me respeita.
? Acho que não ? fico em silêncio e a deixo ali, misturar meu rabo de cavalo desfeito.
? Sofia, o coração é uma joia preciosa. Ela pode comprar tudo no mundo, ou conquistar o mundo todo, é essa escolha que nos define ? gostaria tanto de falar sobre tudo que
ele fez. Nem me importo com meu vestido que ele derrubou bebida, quero tanto falar sobre como ele me desenha e consegue fazer uma versão de mim que eu nem sabia que existia.
Não estou com problemas sobre carência, mas é que, de alguma forma, ele me deixa mais completa, mais livre e muito mais feliz.
? Eu sei, acho que tenho feito um bom trabalho em relação ao mundo, não briguei com Joel, apenas tínhamos objetivos diferentes. Eu quero ser mãe, quero ter minha família e
por mais que viajar seja muito legal, uma hora eu vou voltar para casa e vou estar sozinha ? admito meu lado família e ela sorri.
? Então, você pode contar comigo sempre que precisar, porque eu tive o mesmo sonho e consegui os melhores filhos do mundo. Ser mãe foi a oportunidade que Deus me deu de saber
como Ele se sente ? ela se abaixa e beija meu rosto .
? Dormi muito tempo? Os meninos ainda estão aí? ? pergunto e ajeito meu cabelo assim que me apoio em meus joelhos sobre a cama.
? Na realidade eu subi pouco tempo depois que você desapareceu, quando cheguei aqui você já estava dormindo e, então, eu fiquei aí do seu lado, olhando você. Matei a saudade
de te olhar por horas enquanto dormia, pena que não tem mais o coelho ? ela lembra do Dimas, um coelho verde desbotado e velho que eu tinha ? Dormiu por mais de uma hora e
seus irmãos ainda estão aí ? ela diz e se levanta, esticando a mão em minha direção. Eu a seguro e ela me puxa para junto dela ? Apenas viva da maneira mais verdadeira possível
? ela beija meu rosto e voltamos para junto de Dom e Paolo.
Nos sentamos em volta de uma mesa perto da piscina e Dom e Paolo estavam conversando sobre motores.
De um lado Paolo falando dos motores náuticos e do outro, Dom e seus carros que atingem velocidades desnecessárias e eu ainda estava pensando em Brad. Estou com um problema
pior do que pensei.
10
Faltam quinze minutos para sete horas da manhã, cheguei tarde da casa de mamãe e eu quase não conversei, quase não lembro o que foi dito, mas eu lembro dos olhos de Paolo.
Está acontecendo alguma coisa.
Achei que com o recado de Brad em meu portão eu ficaria mais feliz, um bilhete dizendo que estava pensando em mim e que como não sabia que horas eu voltaria, não pôde esperar.
Mesmo estando feliz ao pensar nele, algo me incomoda nesse começo de dia e me obriga a ir até o banheiro e me arrastar para a Bastilli. Tento procurar o que me deixa com esse
nó no peito e a única coisa que me surge é o rosto de Paolo.
Minha roupa hoje é um conjunto de terninho preto e um coque no cabelo, sem maquiagem e apenas com a preocupação dançando em minha testa.
Chego faltando pouco para oito horas, ligo meu computador e vejo uma mensagem de Paolo. O nó no peito volta e eu leio:
"Espero você na minha sala assim que chegar"
Meu Deus! Tem coisa pior do que uma pessoa que sempre fez questão de vir até a minha sala para me levar até a sala dele, mandar uma mensagem para evitar isso? O que está acontecendo?
Meu coração apertado permite que eu pegue meu iPad, meus óculos e um pouco de coragem que sobrou na segunda gaveta e vou.
Caminho entre as mesas vazias do meu departamento e a vontade é deixar um bilhete para Lisa, dizendo que se eu não voltar até as nove horas da manhã, para ela chamar o resgate.
Não ando com pressa, mas parece que chego lá mais rápido do que estava planejando. Olho o departamento de criação e todas as mesas estão vazias e a sala de Paolo está totalmente
fechada com as persianas lacradas. Não consigo vê-lo e isso me deixa em desvantagem, se eu pudesse ver como está sua expressão eu correria daqui mesmo.
Caminho em direção à sala e bato duas vezes.
? Entre ? é a voz dele.
Abro a porta e o vejo atrás de sua mesa, sério, mais do que habitual. Fecho a porta e meus olhos estão em sua direção, não desvio e mantenho a postura.
? Sente-se ? ele ordena. Ele não pede, ele manda eu me sentar.
Seus olhos chegam em minhas mãos e ele percebe que estou um pouco tensa.
Escuto nas minhas costas alguma coisa e os olhos de Paolo se levantam e eu não sei se tenho coragem de virar.
? Aproxime-se ? ele diz com dois dedos e sua voz agora é quase mecânica.
Não tiro meus olhos de Paolo, mas eu vejo que alguém para do meu lado. Vejo que Paolo faz sinal para que a pessoa se sente e ela acata.
? Eu diria bom dia, mas a situação exige outra coisa ? Paolo diz e eu levo meus olhos até a pessoa que está do meu lado e ela está tão tensa quanto eu.
Brad está pálido.
? Sabe o motivo que traz os dois à minha sala a essa hora da manhã de uma segunda-feira? ? quase fatal a fala de Paolo.
Deixamos o silêncio tentar responder alguma coisa e o silêncio fica tempo suficiente para que Paolo se levante, feche o botão de seu paletó e pare atrás de nós.
? Pedi para que se sentassem, achei que seria tudo mais fácil e claro, então, será da minha maneira, poderiam se levantar? ? ele está tão frio que sinto as pedras de gelo
acertarem minha nuca.
Nos levantamos e eu sei que ele descobriu sobre nós, e agora eu tento arquitetar um plano para salvar o emprego de Brad. Eu tenho tanta culpa quanto ele, eu deveria ter impedido,
eu deveria tê-lo poupado dessa situação, era para eu ser o exemplo.
? Escute, Paolo ? digo e ele olha em meus olhos como me olhou ontem durante todo o dia ? Eu posso explicar ? tento falar e ele nega discretamente com a cabeça.
? Acha mesmo? ? Ele pergunta com uma alfinetada de ironia e isso me irrita um pouco.
? Acho que sou crescidinha e posso responder pelos meus atos ? o enfrento, não posso deixar que ele prejudique Brad por conta de uma regra estúpida.
? É isso que realmente eu não entendo ? ele pega o celular e avisa a alguém para entrar ? Vamos fazer do meu jeito, tem funcionado desde sempre ? ele diz.
? Não me venha com essa regra de relacionamentos proibidos dentro da Bastilli, ninguém consegue controlar isso ? falo alto e ele me olha como se não reconhecesse.
?Discordo ? ele diz em um tom tão baixo que me obriga a cessar até a minha respiração para que eu possa ouvi-lo.
? Quando você concordaria comigo?
? Quando estivesse coberta de razão, Sofia, e posso te garantir que não é o caso ? ele afirma.
? Eu não posso namorar alguém que você não aprove, é isso? ? ando um passo em sua direção e ele se mantém parado, olhando para mim e com as mãos no bolso.
? É essa ideia que você tem de mim? ? ele pergunta e isso me deixa sem uma resposta adequada.
? É o que parece. Está estranho comigo desde ontem, me olhava como se quisesse me dizer alguma coisa e me deixou em uma situação estranha, e agora estamos resolvendo isso
na frente do Brad. Fale o que você precisa falar, mas não desperdice um funcionário tão talentoso quanto ele ? o protejo de Paolo e vejo que Brad abaixa a cabeça.
? Sabe, Sofia, isso até me comove. Sei de seu coração, mas isso também não me deixa feliz ? alguém bate à porta e ele mesmo a abre ? Quando alguém atinge minha família ? vejo
Eugene Ward e uma mulher alta, loura e com cara de poucos amigos entrar na sala e Paolo fecha a porta em seguida ? É como se a terra saísse de sua rotação ? ele diz e escuto
Brad murmurar a palavra céus!
? O que é isso? Precisamos de testemunha por conta de um namoro? ? ainda enfrento a situação com um otimismo irracional que eu conheço bem.
? Sua inocência me faz odiar ainda mais a situação ? Paolo fala e agora ele olha para Brad. Os punhos de Paolo estão fechados e isso não é bom. Eu já vi essa cena antes e
o negócio não ficou bom para o outro cara.
? O que está acontecendo? ? pergunto e me sinto trêmula. Olho para Ward, para mulher que, mesmo com cara de brava, demonstra compaixão, e para Paolo que deixa um sinal de
piedade sair de seus olhos e chegar até mim ? O que está acontecendo? ? quase imploro.
? Vai precisar de um narrador? ? Paolo pergunta olhando para Brad que nega com a cabeça e não tem coragem de olhar para o meu irmão ? Foi o que pensei, atos de covardia são
mais fáceis de serem executados do que confessados e geralmente são os que aparentemente se passam por heróis que realizam esse tipo de coisa.
Paolo caminha em direção a Ward e pega uma pasta. Alguém bate à porta e Paolo responde alto, sem se aproximar e eu sinto que ele está odiando tudo que está para acontecer
e eu estou com medo.
? Não estou para nada, para ninguém ? ele diz em direção à porta sem mover um único músculo. Ele está parado, com a pasta aberta e suspende seus olhos para mim ? Quando eu
começar a falar, não quero ser interrompido, já que nossa estrela principal preferiu que alguém contasse, não admito que volte atrás.
Ele olha para mim e passa os olhos sobre os papéis dentro da pasta.
? Bradley Cohen Zanatta, eu poderia começar com sua data de nascimento e com quantos anos aprendeu a escrever, mas eu prefiro a parte em que eu sinto o líquido amargo da minha
bílis. Uma dívida de mais de quarenta e cinco mil em jogos, roubo de lotes de vinho e um agiota. Se fosse um tempo atrás isso daria um belo filme, mas isso se tornou comum
? Paolo metralha e eu nego com a cabeça.
? Não ... ? falo baixo, minha voz não sai e Brad mantém sua cabeça baixa.
? O meu problema aqui não é a sua dívida com jogos, ou com um relacionamento com Sofia que para o seu azar é minha irmã e eu saberia tudo sobre qualquer um que se aproximasse,
inclusive sobre homens que deixam desenhos no parabrisa de seu carro. Acredito que não seja o único que fez, afinal, eu mesmo vi um deles sobre a mesa de Sofia na outra semana.
Precisei de algumas informações mas ela não estava na sala, mas o desenho sim, bem claro e nítido ? ele está parado e sua voz é como trovoadas dentro da sala. A mulher que
está ao lado de Ward parece assustada com Paolo.
? Eu posso explicar ? Brad tenta e Paolo nega com a cabeça e fecha os olhos, puxando todo o ar da sala para dentro dos seus pulmões.
? NÃO PODE EXPLICAR. NÃO PODE, PORQUE NÃO PODE ME INTERROMPER ? eu nunca vi Paolo desse jeito ? Como você pode explicar? Meu problema não é a merda de vida que você leva da
porta pra fora da minha empresa, meu problema aqui é que você está colocando suas mãos com a pior das intenções nela. Ela é a minha irmã e eu não vou encostar em você, e não
é por falta de vontade, não quero ter nenhum tipo de contato com gente como você ? Paolo está tão nervoso que vai para a sua mesa e se apoia sobre suas mãos ? Ward, faça as
honras ? Paolo ordena e ele se aproxima, tirando do bolso um pequeno gravador. Ele coloca sobre a mesa de Paolo e aperta o play.
"É ela, com certeza é dona da empresa e eu vou conseguir o seu dinheiro. Falta pouco e tudo será resolvido"
"Já disse para ter calma, as coisas estão caminhando, vai demorar um pouco, mas estou conseguindo"
Brad tenta falar mas Paolo não deixa e ele me encara negando com a cabeça.
"Eu já disse que tenho um plano"
Brad me olha e continua negando com a cabeça e meus olhos se enchem e tudo dói mais do que deveria.
"Eu já disse que em breve terei o seu dinheiro, estou me desdobrando para isso"
? Eu posso explicar ? Brad fala e eu nego com a cabeça e sinto meu rosto molhado. Estou com vergonha, estou exposta... estou apaixonada por ele.
? Você não vai falar nada, ela vai falar ? Paolo aponta para a loura que caminha próximo de nós.
? Sou Julieta Pelegrinni ? ela se apresenta e eu reconheço essa mulher. Ela é milionária e cuida de transporte de milionários com jatinhos ? Decidi ajudar porque fui vítima
deste homem ? ela fala e Brad passa a mão exasperado pela cabeça e eu sinto que ele pode explodir. ? Esse homem tirou verdadeiras fortunas de mim alegando que precisava ajudar
a mãe. No começo fez tudo que um homem pode fazer para conquistar uma mulher e aos poucos foi tirando quantias e mais quantias ? ela fala e ele olha para ela.
? Isso foi em outra época... ? Brad fala com propriedade.
? Cala a sua boca! ? a mulher rebate ? Por fim levou meus lotes de vinho ? ela fala e eu me lembro da noite do aquário.
? Isso não é verdade! Os vinhos estavam no meu carro e você me mandou embora e só depois de meses percebi que o vinho estava dentro do carro, quando eu o vendi para pagar
o agiota que estava devendo ? Brad tenta se justificar mas é interrompido e nada está a seu favor.
? Qualquer coisa que disser não vai resolver. Tenho suas ligações e elas estão aqui ? Paolo diz e Ward se mantém em silêncio no canto da sala.
? Sofia, me escute, isso foi em outra época, as coisas mudaram, você fez mudar ? ele vem em minha direção e eu recuo dois passos. Ward se aproxima e fica entre ele e eu.
? Não quero ouvir mais nada, você queria meu dinheiro ? sussurro e meu estômago dói.
? No começo sim, mas tudo mudou ? ele tenta mas Paolo o interrompe.
? Estava armando, você tinha um plano e eu estou feliz de tê-lo frustrado. Pegue apenas o que é seu e saia. Minha empresa faz questão de pagar pelo que trabalhou e eu faço
questão de que fique longe da Bastilli e da minha irmã ? Paolo diz e Ward abre a porta para que ele saia, mas antes a loura se despede e sai.
Brad olha para mim e nega, mas como ele vai se defender diante de uma gravação e de uma testemunha? Ele olha para baixo, volta seus olhos para mim e sai da sala. Ward o escolta
para fora e o leva para fora da Bastilli.
Deixo que o choro tome conta de mim, sinto vergonha e isso parece um pesadelo.
? Como eu pude ser tão inocente? ? murmuro e Paolo vem em minha direção.
? Ele é um golpista, você não tem culpa ? ele me abraça e beija minha cabeça, mas eu saio dele.
? Onde você pretende chegar com isso, Paolo? ? estou fusiosa e caminho para trás me distanciando dele, negando com a cabeça e deixando que o choro saia como uma grande explosão
? Onde EU pretendo chegar? Acabei de frustrar um grande golpe contra você e me parece que você está furiosa ? Paolo não percebe, mas às vezes são esses riscos que nos fazem
mais felizes, eu estava feliz com ele, mesmo que houvesse uma verdade imunda a ser descoberta.
? Eu estava feliz!
? Mas tudo era uma grande mentira ? ele me olha sério.
? MAS EU ESTAVA FELIZ ATÉ VOCÊ CHEGAR COM SUA PARANÓIA! ? faço o que ele mais odeia, eu grito.
? Prefere viver uma grande mentira? ? ele questiona e eu vejo seu olhar tão furioso quanto o meu, ele não volta atrás
? A verdade é muito chata para me fazer feliz ? jogo contra ele e caminho em direção à porta. Saio da sala, da Bastilli e volto para minha casa.
Não quero abraços de conforto, apesar de tudo ser muito ruim, eu queria que ele me olhasse e dissesse que tudo foi um grande mal-entendido.
Desço do carro assim que entro na minha casa e aviso Stelle que não estou para ninguém.
Me enfio no meu quarto, arranco minha roupa e me deito esperando que o mundo acabe.
Uma dor de cabeça toma conta de mim, meu estômago revira e eu não consigo pensar com coerência. Escuto uma confusão do lado de fora da minha casa, me levanto e vou até o closet,
pego meu roupão e olho da varanda.
É Brad.
? Sofia, me escuta, eu errei quando achei que você poderia resolver o meu problema, mas você me trouxe outro. Por favor, me escuta, me deixa explicar longe daquelas pessoas
que sabem apenas metade do que aconteceu ? olho para ele na frente do meu portão aos berros e ele me vê, ele vê que estou negando com a cabeça.
? Acredite em mim, eu me apaixonei por você e mudei tudo que estava planejando fazer. Você me fez mudar. Vem até aqui e eu te conto tudo, onde passei as noites que não pude
estar com você, o que fiz no domingo enquanto estava na casa de sua mãe, eu preciso que me escute. Eu não quero saber do seu dinheiro, não quero nada a não ser o meu coração
que está aí com você ? ele fala e chuta o portão e eu vejo o carro do Ward chegando e em seguida o carro de Paolo. Stelle deve ter ligado e a Bastilli fica tão próxima que
ele teria chegado aqui a pé.
Volto para minha cama e tento esquecer o som de sua voz. Não a voz dele agora aos berros na frente da minha casa, mas eu preciso esquecer sua voz aqui dentro, onde ela domina
quase tudo e me faz ainda mais triste.
Minutos depois escuto alguém bater à porta.
? Sofia ? é a voz de Paolo.
? Vai embora ? peço.
? Abra a porta ? ele exige.
? Não, não quero ver ninguém ? estou triste, com vergonha.
? Abra a porta ? ele pede e eu meu levanto e abro, com olhos tristes, chorosos e com uma vergonha tão grande.
? Ei ? ele me abraça ? Tudo vai passar ? ele beija a minha cabeça ? Lisa vai ficar no seu lugar nos próximos dias e eu quero que você fique na casa da mamãe. Eu não sei o
que pode acontecer. Eu pedi para que Eugene fique a postos caso precise, mas eu fico mais tranquilo sabendo que você vai estar com ela ? ele pede e eu acato. Vai ser bom esse
tempo isolada do mundo, dos números, e dos desenhos dos barcos.
? Tudo bem ? eu digo.
? Eu vou levar você ? ele diz e me senta na cama. Vai até meu closet e pega minha mala e ele mesmo separa minhas roupas. Separa com habilidade, ele sabe como escolher roupas
femininas e por mais que esse não seja o momento, me atenho a isso, a preocupação dele com minha segurança. Mas Brad não me faria mal, eu sei que não. Posso estar com síndrome
de Estocolmo.
Saímos pouco tempo depois que coloquei uma roupa qualquer e fomos para casa da mamãe. Pego meu celular e olho para nossas fotos no passeio de domingo e não consigo apagar.
Como eu vou sair dessa?
***
Mamãe abre a porta da sala e me recebe com os braços abertos e, então, eu desmorono.
? Vai ficar tudo bem ? ela diz já sabendo de tudo porque Paolo ligou para ela no caminho e logo mais Dom aparece por aqui com certeza.
Dentro de mim algo diz que está tudo errado. Eu me solto da minha mãe e olho para Paolo.
? Como? ? pergunto de um jeito que quero saber tudo, desde o início.
? Agora não é hora ? ele tenta me fazer deixar para depois, mas depois eu vou querer ter esquecido tudo isso e não vou querer saber sobre os detalhes.
? Agora ? exijo e ele nega com a cabeça ? É a minha vida ? protesto e ele vai em direção à cozinha e eu vou atrás.
? Seria prudente deixar isso para trás e não querer remexer. Ele queria dar um golpe em você e eu impedi ? Paolo volta a ficar furioso e esquecemos na casa de quem estamos.
? Prudente seria você me contar tudo, daí, eu vou me permitir chorar por dois dias e retomar a merda da minha vida com números e barcos ? ando em direção a ele.
Paolo começa a falar e eu me sento na banqueta, encaro-o e ele fala naturalmente como se fosse uma coisa normal investigar a vida de alguém.
Ward entregou tudo para ele na sexta-feira e minha vida foi exposta hoje pela manhã.
? Mas ele disse que tudo mudou ? tento me consolar no meio de tantas mentiras.
? Não faça isso com você. Ele entrou na Bastilli por mérito, mas depois que descobriu você, ele arquitetou tudo, vai doer, mas uma hora vai passar ? ele me consola e minha
mãe acena de maneira positiva com a cabeça.
Phill leva minha mala para o andar de cima e eu vou em direção à piscina e me sento em uma cadeira sozinha.
Percebo que mamãe conversa com Paolo e ele deve estar falando sobre a importância de eu ficar aqui e que é para ligar para ele caso aconteça alguma coisa, e acontecer alguma
coisa seria Brad aparecer aqui e tentar esclarecer assim como fez no portão da minha casa.
Vejo que Paolo se aproxima e se senta ao meu lado.
? Eu sei que tudo é complicado, mas eu estou aqui para o que você precisar ? Paolo diz e eu olho para ele com tristeza.
? E se ele estiver falando a verdade e realmente estiver apaixonado por mim? ? pergunto e Paolo nega com a cabeça.
? Não faça isso, não tente se enganar, ele é profissional nisso ? ele diz e eu apoio minha cabeça em minhas mãos ? Eu vou embora, preciso acertar uns detalhes. Enviei um email
para Martinelli e dei uma desculpa para postergar a reunião com ele. Vamos marcá-la apenas quando você estiver bem para isso. Preciso de você ? ele não está cobrando, mas
eu sei que uma hora vou precisar retomar a minha vida.
? Eu vou ficar bem, preciso apenas de umas horas para digerir meu papel de idiota ? falo e ele nega com a cabeça.
? Não foi idiota ? ele diz.
? Não?
? Não, você foi vítima ? ele explica.
? Para mim não tem diferença alguma ? rebato e ele fica em silêncio.
Ele beija a minha cabeça, se levanta e vai embora.
Minha mãe se senta ao meu lado e me entrega um copo d'água e uma caixa de lenço de papel.
? Seu coração fez uma escolha e eu fico feliz que você tenha feito uma escolha para conquistar o mundo. Toda dor passa, eu sei disso ? ela beija meu rosto.
? Fui muito inocente, me deixei levar por desenhos e coisas novas ? falo e ela apenas me ouve ? Foi com ele que visitei a aldeia de pescadores ? admito.
? Eu sei, eu sabia que estava com alguém especial naquele lugar ? ela se mostra tão compreensiva. Em nenhum momento me falou sobre ter tido o maldito cuidado que não tive.
? Eu estava feliz com ele, e o que dói é saber que acabou, que não vou mais ter aquelas coisas pequenas, ou ganhar um saco de jabuticabas ? falo e ela me encara.
? Um saco de jabuticabas? ? minha mãe pergunta.
? Sim, ele me deu um saquinho de papel com algumas jabuticabas.
? Ele estava disposto a te conquistar mesmo, jabuticabas são raras e caras ? isso não me ajuda e fico mais triste.
? Poxa, mãe, não precisa me dizer isso ? resmungo.
? Mas eu não disse para ficar triste, estou dizendo que jabuticabas são importadas e muito caras ? ela me deixa ali, com as frutas e com mais dúvida do que estou.
Eu sei que ele é canalha por ter me enganado, mas estou sentindo tanto a falta dele.
Volto para dentro de casa, pego meu celular e olho nossas fotos. Ainda não sou capaz de deletá-las.
11
Quinta-feira, é isso que eu sei, e sei que já se passaram dezessete dias. Aprendi a contar por horas no começo, como uma espécie de tortura chinesa. Quando completou seis
horas sem nenhum contato dele, tudo doeu mais e uma realidade tenebrosa se fixou naquela primeira noite e na manhã seguinte essa realidade tomou café da manhã sozinha. Eu
estava sem apetite, mas fui educada e fiz companhia para ela.
Quatro dias depois de tudo resolvi aparecer na Bastilli e evitei o máximo que pude algumas coisas; contato com os demais do meu departamento, contato com qualquer tipo de
desenho e evitei abrir a gaveta onde os desenhos dele ainda estavam, e estão.
Recusei sair com Santiago, Heiden e Terry, que tem batido cartão no Zarun. Simplesmente me afastei de tudo e deixei que tudo que tivesse que doer doesse de uma vez. Eu preciso
viver esse luto.
São quase três semanas e ainda conto por horas, ainda escuto a voz dele e ainda espero que algo possa modificar essa história, eu sei, é tudo em vão. Ele nunca mais apareceu,
eu nunca mais soube de nenhuma notícia e o pior de tudo, ele ainda faz muita falta.
Não sei se me apaixonei por ele nos primeiros minutos que o beijei, ou nos segundos finais que passamos juntos, mas é certo que ele está por aqui, rodeando a minha mente,
cantando algo sobre amor, contando algo sobre pescadores ou desenhando através de uma visão perfeita sobre mim.
Enumerei pontos que mais doem, e apesar de tudo ser uma grande e desastrosa coisa triste, a pior parte é saber que mesmo sendo alvo de um golpe, eu fui feliz com ele e, infelizmente,
como uma doença, eu gostaria muito de saber como ele está ou se ele tem mais jabuticabas para mim.
Faltam alguns minutos para as cinco horas e vejo algumas chamadas perdidas em meu celular que passou a ficar no modo silencioso. Algumas de Dom, que desapareceu, segundo ele,
a trabalho e se não foi, Paolo não recorreu a mim para resolver isso.
Dom deveria ficar mais tempo por aqui, entender mais alguns processos e, assim, evitaria Paolo me questionando sobre seus passos. Paolo também entrou na lista das coisas que
mais doem.
Seu olhar exalando compaixão sobre minha dor, seus punhos fechados e dispostos a arrancar a cabeça de Brad, e o tempo que ele passou com todas as informações antes que elas
explodissem sobre mim naquela segunda-feira.
Paolo surge na porta da minha sala e eu só percebo quando ela se abre. Ele ficou fora por uma semana e eu fiquei cuidando dos detalhes da Martinelli.
? Tem um minuto? ? ele pergunta abrindo a porta e a fechando em suas costas. Ele parece ter dúvida sobre alguma coisa que está no papel em suas mãos. Paolo não é fã de papéis
e adotou a tecnologia a seu favor e em benefício da natureza.
? Claro ? respondo e ele me mostra um papel, é um email impresso. Eu leio e olho para ele ? Qual o problema? Está tudo normal, tudo certo e de acordo com a última reunião
? digo e ele olha para mim.
? É uma mulher que está assinando esse email da Martinelli ? ele afirma um pouco assombrado.
? Qual é o problema?
? Pensei que Franchesco colocaria um de seus filhos ? ele volta ao normal e age com naturalidade.
? Mas ela é um de seus filhos. É que não conversamos mais sobre isso e assim que Franchesco a nomeou e aconteceu tudo, as reuniões foram adiadas para o final deste mês ou
começo do próximo. Você ficou fora e não chegou a conhecê-la ? explico e para ele isso é novo, vai ser a primeira vez que ele vai arrancar uma empresa de uma mulher.
? Para quando você agendou a reunião? ? ele pergunta.
? Sem data determinada ? respondo e envio para ele a resposta de Catharina.
? Perfeito ? ele diz e se despede e percebo que ele ficou até mais tarde por aqui hoje.
Pego meu celular e olho para as mensagens de Santiago, depois as mensagens de Heiden e uma de Terry que viaja daqui dois dias para os Estados Unidos e quer fazer uma despedida
na Zarun amanhã à noite. Ela vai ficar seis meses por lá e ao que tudo indica conseguiu um papel um pouco maior em um longa.
Respiro fundo e imagino que seria bom tentar voltar à minha vida, aquela que eu tinha antes de ser feliz.
Arrumo minhas coisas e vou para o meu carro, preciso tentar sair dessa situação. É terrível você se apaixonar por desenhos preto e branco, e quando a vida que te cerca está
assim, você a odeia.
Ando olhando para os lados e parece que uma chuva pode nos visitar essa noite e isso para mim não faz nenhuma diferença. Me aproximo do carro com a chave na mão e aciono para
que a porta destrave.
Antes de eu colocar a mão na maçaneta vejo Dom chegando na Bastilli. Ele está com alguns papéis na mão e anda apressado.
? Ei ? o chamo ? Dom!
? Oi ? ele olha e me chama para eu voltar. Tranco o carro e vou em sua direção.
? O que você está fazendo aqui? ? pergunto e ele está sorrindo. Ele me abraça sobre os ombros e parece estar com fogos de artifício em seu peito.
? Maninha, achei o lugar e em breve vou fazer algo fantástico ? ele está tão empolgado.
? Posso saber o que é? ? ele me beija os dois lados do rosto e sorri olhando para mim.
? Vai saber, mas eu vou terminar tudo primeiro ? ele me entrega os papéis e ajeita os seus fios longos em um coque totalmente desarrumado sobre a sua cabeça. Ele pega os papéis
de volta e beija meu rosto ? Vem ver uma coisa ? ele diz e eu o acompanho até a sala que é dele, mas é pouco usada.
Ele se ajeita na cadeira e coloca um pendrive no laptop cheio de adesivos dos lugares que ele já visitou no mundo.
O vídeo começa com alguns prédios em preto e branco. É Paris. Depois, algumas montanhas e tudo começa a ganhar cor e, por fim, apenas parte de um sorriso feminino e tudo muda
para pessoas praticando Parkour e depois pessoas saltando de paraquedas e de novo o sorriso feminino e acaba com a marca dele, Xtreme e o slogan: Sem limites!
? Uau! ? eu falo e estou encantada com a chamada.
? Vai ao ar amanhã em horário nobre ? ele responde eufórico e sinto Dom diferente. Ele está entusiasmado e isso me deixa feliz. Há quase três semanas que não sorria.
? Bonito o sorriso dela ? observo e aponto para a tela.
? Sim ? ele responde sucinto e eu não o pressiono ? Você está bem? ? ele pergunta e eu nego com a cabeça.
? É confuso, eu não queria que nada disso tivesse acontecido ? respondo e ele se levanta e fica de frente para mim.
? Não queria que tivesse acontecido o quê? Não queria ter conhecido ele? Ou não queria que ele tivesse sido um cara diferente do que se mostrou? ? nunca vi Dom assim, cheio
de perguntas sobre mim, geralmente ele me apoia e ponto.
? Não queria ter me apaixonado por ele ? assumo.
? Apenas viva, as coisas se encaixam, as coisas melhoram e de repente as coisas param de ser essa coisa cheia de tempestades ? o que aconteceu com ele?
? Tudo bem ? respondo e prefiro ir embora. Falar sobre Brad é falar do que foi ótimo e se tornou mentira ? Eu vou embora ? digo e beijo o seu rosto.
Caminho de volta para o meu carro e ando olhando para baixo e penso que ele pode estar sentindo a minha falta, ele pode estar curioso sobre mim, sobre o que tenho feito. Mas,
o que eu tenho feito se não pensar nele o tempo todo?
"Achei que o amor estivesse ali... onde eu o via"
Me aproximo do carro e vejo um papel sobre o parabrisa. Meu coração dispara e solto minhas coisas sobre o capô do carro e alcanço a folha.
Um desenho meu, estou de lado olhando para um horizonte distante e embaixo um recado
"Tudo foi verdade, desde a minha falta de caráter até tudo que tenho para lhe dizer, mas acredito que agora seja tarde demais. Lamento por ter deixado meu coração por aí,
cuide bem dele. Adeus"
Agarro a folha como se ela fosse um travesseiro e choro. Ele está pensando em mim e isso me deixa alegre, desesperada e pensando no que Paolo sentiria se soubesse disso.
Ele quis me enganar.
Entro no carro e acelero. Acelero e deixo que meu rosto fique molhado, fique triste, porque se fui alvo de algo ruim que ele planejou, eu acredito que esse resultado está
sendo muito pior.
Sinto falta de me sentir especial por invadir barcos e aquários. O que a gente viveu foi tão pouco perto do que estava em meus planos. Piso fundo e não vejo o meu caminho,
vejo-o sorrindo, me desenhando ou fazendo amor comigo. É ele que está aqui dentro e se foi meu dinheiro que atrapalhou tudo, eu desistiria de toda a fortuna.
Viajo para um mundo paralelo, onde estaríamos juntos e escuto ao longe o ruído do meu celular vibrando dentro da minha bolsa que está no banco do passageiro.
Tento alcançar sem tirar os olhos da pista e assim que o pego vejo o rosto de Paolo. Atendo e um gato cruza a estrada e eu grito, sentindo o carro sair com a traseira e rodar
duas vezes. Grito e o som da freada ecoa fazendo os motoristas que vêm na direção contrária frearem também.
Vejo carros parando e pessoas se aproximando. Alguém tenta abrir a minha porta e eu não largo o volante. Eu estou bem, apenas um pouco tonta, mas não bati em nada, apenas
rodei na pista e está tudo bem, eu sei que está tudo bem.
As pessoas gritam para alguém pedir uma ambulância e eu fico surda por alguns instantes e deixo apenas a voz dele ecoar dentro da minha mente.
"Toda tarde eu ouvia as histórias dos pescadores, elas eram mentirosas, e incrivelmente mais felizes do que a verdade"
? Por quê? ? me pergunto chorando e alguém bate no vidro e pede para eu não me mexer. Eu não quero me mexer, eu quero ele e suas mentiras que me fizeram tão feliz. Eu estou
bem, não precisa de ambulância nenhuma.
Alguém fala ao longe meu nome e eu volto do mundo paralelo enquanto as pessoas se amontoam ao meu redor. É Paolo me chamando desesperadamente pelo celular que havia atendido.
Alcanço o aparelho e escuto-o aos berros.
? Oi ? digo chorando e desabo dentro da minha vida.
? Sofia, onde você está? ? ele pergunta e eu vejo um homem ao meu lado, eu não o conheço, ele me pede calma e eu não estou nervosa, estou apenas triste. Entrego meu celular
a ele para que ele possa falar com Paolo e escuto-o falando que me viu rodar na pista, onde estou e que eu parecia nervosa... não é nervoso, é tristeza. Repito internamente.
Alguns minutos passam e eu olho para o desenho. Vejo que tudo poderia ter tido uma versão diferente, assim, esse desenho seria meu, mas eu estaria olhando para um horizonte
feliz.
O homem se aproxima de mim e devolve meu celular, eu o pego e acelero para minha casa. Estou bem para dirigir e tentar seguir adiante. Tentar.
***
Os dias passaram rápido... não, isso é uma grande mentira. Eles custaram a passar e parece que foi ontem o almoço tradicional na casa da mamãe e agora estou terminando de
me arrumar para encarar um almoço tradicional sem Dom. Eu sei que ele não vai vir, ele simplesmente não mandou notícia nenhuma depois de conversarmos sobre o vídeo na Bastilli.
Paris deve ter alguma coisa muito especial, ou alguém.
Vou ter que encarar Paolo, e eu sei que ele vai falar o discurso bonito sobre Dom não estar ali, mas desta vez eu sei que há coisas maiores e mais trágicas do que um irmão
ausente porque prefere o Parkour ou sei lá o que em Paris.
Desço em direção ao meu carro e sigo para casa de mamãe.
Ligo o som e está tocando Ella Henderson, Missed, e eu desligo assim que escuto o refrão.
Alguns minutos depois, estaciono o carro na garagem da casa de mamãe e Paolo já está lá. Há um mês eu estava aqui, sentindo saudade dele, por conta do passeio em Boccadasse
e estava feliz que no dia seguinte eu o veria. Mas no dia seguinte eu o vi pela última vez. São trinta dias sem ele, sem seu perfume e seus desenhos.
Entro pela sala e vejo Paolo e mamãe conversando na área externa. Ou eu ou Dom somos a pauta do assunto. Eu por motivos que Paolo tem sua participação especial e Dom, que
quase não participa.
Percebo uma pequena e pontiaguda irritação sem nenhum motivo aparente.
? Oi, mamãe ? me aproximo e ela me abraça.
? Oi, minha filha ? ela diz e beija meu rosto. Fecho meus olhos e me sinto bem ao abraçá-la.
Assim que abro meus olhos vejo Paolo me olhando e eu sei que ele ainda está bravo por eu ter rodado na pista há pouco mais de duas semanas. Ele apareceu em casa e queria despejar
uma porção de coisas que seu coração de irmão mais velho protetor não deixou.
? Oi, Paolo ? eu disse e o abracei como há muito tempo não o abraçava e ele retribuiu. Porque ele é esse tipo de homem que parece perverso, mas eu sei o tamanho de seu coração.
? Oi, Sofia ? ele diz baixinho e eu sei, eu entendo sua postura diante de tudo que Brad fez, mas eu não a quero para mim. É como se eu preferisse a mentira que me fazia bem.
Sinto tanta falta dele que a saudade consegue ser maior do que o erro que ele cometeu.
Sinto que estou errada em pensar desta forma, mas não sinto culpa alguma por isso.
Nos sentamos na mesa da área externa. Paolo andou abraçado comigo até a mesa. Ele posicionou a cadeira de mamãe e depois a minha, como um cavalheiro, e isso é tão natural
da parte dele que ele não percebe o quanto isso é encantador.
? Dom telefonou? ? mamãe pergunta.
? Sim ? respondo, mas eu minto, ele não ligou, mas eu sei que ele está bem. Eu vi as fotos há dois ou três dias em sua rede social.
? Pelo menos está vivo ? Paolo fala e mamãe o olha com reprovação.
? Ele sabe da importância desse almoço e no momento certo falarei com ele sobre isso ? Cinthia serve uma salada e coloca duas jarras de suco. Minha boca saliva ao ver a salada
e eu alcanço o saleiro e jogo por cima, acho que coloquei mais do que o indicado, mas me parece mais suculenta assim, com mais sal.
? Dom deveria se atentar à importância de mais assuntos ? Paolo está sério e não parece feliz pela falta de Dom. Obviamente ele não está.
? Eu sei, mas tudo ao seu tempo ? mamãe responde e me encara com um expressão diferente. Ela olha para o meu prato e depois para mim ? Sofia, deveria ter chegado mais cedo,
para o café da manhã ? mamãe diz e isso me deixa intrigada, eu nunca chego para o café da manhã no dia de nosso almoço, porque mamãe sempre exagera na comida e isso faria
de mim alguém com um peso muito acima do que estou.
? Por que, mãe? ? falo e estou quase terminando a salada, mas já estou de olho na tijela e planejo uma repetição.
? Cinthia fez os cornetos com creme que você gosta ? ela fala e sorri. Mas eu não me sinto entusiasmada com o corneto, deveria, porque eu os amo assim como todo italiano.
? É uma pena, mas se tiver sobrado algum, eu levo e como mais tarde ? respondo e alcanço a salada e preencho meu prato novamente.
? A salada está mais gostosa hoje? ? Paolo pergunta e leva o copo de suco até sua boca.
? Sim, ou você vai controlar quantos pratos de salada estou comendo? ? sou rude, mas não foi intencional, quando percebo já havia dito e isso é porque ele sempre se intromete
na minha vida e já que não posso ter um relacionamento sem ficar livre de suas investigações ou entradas em minha sala quando eu não estou. Vou me acabar nessa salada aqui
mesmo.
? Não, apenas estranhando esse hábito saudável que você nunca teve ? ele é irônico.
? Você sabe tudo, né, Paolo? ? meu sangue italiano começa a ferver e hoje parece ser um bom dia para isso.
? Sei o suficiente para manter a minha vida dentro de uma ordem necessária sem que ninguém com planos diferentes consiga atravessar meu caminho ? ele contorna a situação e
eu não estou bem para suas palavras de difícil compreensão.
? Escute aqui...
? Parem ? mamãe ordena em seu tom de voz terrivelmente contido mas que não dá chance de ser refutado, ela fala baixo o suficiente para eu me sentir envergonhada. ? Paolo,
ela é a sua irmã e acredito que eu não precise te lembrar desta condição. Eu sei que vocês trabalham juntos e também sei que precisou remanejar toda a sua agenda por conta
de alguns imprevistos pelo fato de Sofia não ter conseguido trabalhar ? mamãe é o tipo de pessoa que nunca vai até a Bastilli, mas ela sabe de absolutamente tudo que acontece
por lá. Paolo olha para ela e se mantém em silêncio. Acho que sobre essa terra, Alma Maria Bastilli é a única capaz de conseguir com que Paolo fique quieto no momento em que
ele mais deseja gritar.
? Sofia, ele é seu irmão e as condições não mudam pelo fato de você ser mulher. Ele merece seu respeito assim como você merece o dele. Eu sei o que houve, e mesmo desaprovando
algumas intromissões de Paolo, acredito que ele tenha lhe salvado de alguma coisa, ou você escolheria a mentira para viver? ? mamãe pega pesado e infelizmente eu não posso
responder a verdade sobre essa pergunta, eu escolheria a mentira porque ela me fazia mais feliz.
? Sim, mamãe ? retorno baixinho e olho para o copo de suco de Paolo. Ele o leva novamente até a boca e Cinthia chega com o antepasto, prosciutto crudo (presunto cru), bruschetta
(pão tostado com patê), melão e queijo.
Com isso, deduzo que nosso primo piatto (prato principal) terá algum fruto do mar. Cinthia nunca coloca frutos do mar no antepasto e no prato principal e eu não sei o porquê
e também não vou discutir sobre isso.
Coloco sobre a salada de meu prato, bruschetta e melão e coloco um pouco em minha boca.
Sinto todos os anjos ao colocar essa porção gigantesca na minha boca. Chego a fechar os olhos e saborear lentamente essa refeição.
Quando abro os olhos, Paolo e mamãe estão me encarando.
? O que foi? ? pergunto com a boca cheia ? Isso está divino! ? falo e engulo tudo que está na minha boca.
? Você está dizendo que o melão está delicioso? ? Paolo questiona.
? Sim, e a bruschetta e a salada ? olho para jarra de suco de uva e a alcanço colocando um pouco em meu copo ? Algum problema? ? pergunto.
? Nenhum, não teria nenhum problema se essa não fosse a fruta que você mais detesta nessa vida ? Paolo me adverte e eu olho para minha mãe que está com um sorriso escondido
atrás de seus lábios.
? Eu apenas fiquei com vontade de comer melão e ele não me pareceu tão ruim assim. Talvez eu precisasse dar uma segunda chance a essa fruta que, segundo mamãe, era a sua favorita
quando estava grávida de mim ? justifico e coloco mais um pouco na boca.
Olho para mamãe que agora não está escondendo mais o sorriso.
? Qual é o problema de eu ter mudado de ideia? ? continuo mastigando.
? É que...
? Não fale nada, Paolo ? mamãe o interrompe ? Não discuta com a sua irmã.
? Eu estou em desvantagem, são duas contra um ? Paolo diz em tom de lamento quase zombeteiro.
? Sua conta está errada ? mamãe afirma com a voz mais séria e o encara. Paolo franze o cenho e espera que ela explique e eu também espero. Mas, enquanto isso, eu como mais
um pouco de melão com bruschetta e coloco um pouco de prosciutto crudo.
? Poderia me dizer onde a minha conta está errada? ? Paolo sorri para mamãe porque ele não a enfrentaria. Ele está agora se divertindo com a situação sobre a conta errada
de mamãe e Paolo adora ter razão em tudo que faz.
? Acredito que nessa mesa são três contra um ? ela olha para mim e eu inocentemente penso que Dom estava escondido sob a mesa durante todo o almoço. Chego a dar uma pequena
espiada para conferir.
? Três? ? pergunto com a boca cheia de comida.
Paolo olha esperando a resposta e eu bebo um pouco mais de suco para ajudar a comida a descer.
? Sofia está gravida ? assim que ela fala sinto como se minha boca fosse o chafariz da praça no centro de Gênova e Paolo pula para trás com a cadeira assustado.
Começo a tossir engasgada e Paolo está negando com a cabeça. Mamãe está sorrindo e acho que ela está maluca.
? Acha que seu estivesse realmente grávida, eu não teria percebido? ? pergunto e internamente faço o cálculo de minha última menstruação e percebo que sete dias de atraso
não é algo comum em minha vida. Acho que não me atentei a isso por conta do meu estado emocional e achei que estive apenas mudando alguma coisa aqui dentro já que estou na
casa dos trinta anos. Por outro lado, pela quantidade de pílula na caixinha, acho mesmo que esqueci de tomá-la em alguns dias.
? Você está grávida e não preciso apostar nada sobre isso ? ela garante e Paolo se levanta.
? Como grávida? ? ele leva as mãos até o cabelo e me parece inconformado e louco para soltar alguns palavrões, mas estou em um terreno seguro e isso me deixa tranquila. Mas
eu não estou grávida, é apenas um atraso de quem está ficando velha, encalhada e em breve terá uma casa cheia de gatos. De onde está saindo essa piadinha interna em um momento
tão tenso quanto esse?
? Parece que estou me vendo ao comer com tanto gosto um pedaço de melão ? mamãe está sorrindo e eu estou apavorada. Bradley seria o pai se eu estivesse grávida e isso seria
perfeito se ele pudesse dividir isso comigo, esse período. Mas eu não estou grávida.
? Mamãe, eu acho que a senhora está enganada ? falo com cautela.
? Não estou, eu sei o que estou falando, eu sempre sei ? ela sorri e vem em minha direção e me levanta ? Do que você tem medo? ? ela pergunta olhando em meus olhos? ? Não
vou lhe condenar por ter ficado grávida, mas posso ser bem mais rígida caso não se cuide. Paolo terá que diminuir seu trabalho em alguns dias no qual precisará ir ao médico
? ela deve estar ficando maluca e Paolo está me olhando tentando pensar em algo para me dizer.
Mas ele não me diz nada, ele não fala nada e minha mãe me abraça ? Estou com você, meu amor ? ela diz baixinho em meu ouvido.
Mamãe volta para sua cadeira e Cinthia limpa o que eu sujei e troca todos os utensílios que estão sobre a mesa.
Ela serve o almoço e percebo que em alguns momentos, Paolo me olha entre seus cílios e eu internamente, mesmo assustada, estou parcialmente feliz com a notícia. Como será
que Bradley ficaria ao saber sobre esse bebê?
12
Acordo com meu celular. É Santiago e nas últimas semanas não tenho atendido ninguém, tenho vivido como se estivesse dentro de um casulo, ou como se fosse um. Levo minha mão
até a minha barriga e mesmo que esse bebê me traga tanta alegria, fico triste por não poder dividir com a pessoa que ainda habita meu coração. Eu não consigo esquecê-lo e
a cada dia, olhando para minha barriga, isso fica ainda mais difícil.
Às vezes gostaria que ele aparecesse, como fez da última vez e deixou um desenho para mim. Mas no desenho havia um adeus, o tipo de adeus que não deveria existir.
Atendo Santiago e espero pela rajada de perguntas, estou há tanto tempo sem falar com ele e com Heiden que deixei margem para uma possível inquisição.
? Alô ? respondo com voz de sono.
? Alô? Como ousa ficar tanto tempo sem me dar notícias e me atender com um simples alô? ? ele está com sua voz impaciente.
? Estou de férias forçadas ? digo e ele solta o ar sem paciência.
? De novo? Eu não tiro férias há anos e você tira férias todo mês. Eu não quero saber, vamos nos encontrar ? ele impõe e eu não quero, mas eu preciso.
? Não estou sendo uma boa companhia ultimamente ? digo e coço meus olhos. Quando ele souber que estou grávida e as circunstâncias em que estou, ele vai falar mais do que sempre
falou.
? Por quê? Nasceu mais uma cabeça sobre seu pescoço? ? ele zomba.
Não sobre meu pescoço, mas tem alguém crescendo dentro de mim ? Preciso conversar com você ? digo.
? Tudo bem, chego na sua casa em vinte minutos ? ele rebate.
? Estou te esperando ? nos despedimos e eu vou para o banheiro.
Tomo um banho, escolho algo confortável e desço ao encontro da mesa farta de café da manhã.
? Bom dia ? Stelle me fala assim que chego na cozinha.
? Bom dia ? respondo ? Santiago está chegando, coloque mais uma xícara na mesa, por favor ? peço e ela atende, arrumando mais um lugar à mesa.
Escuto alguém à porta e a voz de Santiago invade a casa. Ele caminha até a cozinha e eu me levanto para abraçá-lo. Ele está com um papel na mão.
? Olha, eu estou esperando uma explicação plausível para esse seu sumiço repentino ? ele se senta e coloca o papel de lado, é um envelope.
? Acredite, eu tenho ? bebo suco. Corto um pedaço de bolo, passo manteiga em um pedaço de pão de milho e coloco leite em uma xícara. Os olhos de Santiago estão sobre as minhas
porções de comida que têm aumentado gradativamente.
? Está trabalhando como estivadora? ? ele aponta o indicador para minha comida.
? Quase isso ? respondo e coloco um pedaço de bolo em minha boca.
Vejo que Santiago começa a se servir e entramos no silêncio quebrado em alguns segundos por talheres que tocavam os pratos.
Santiago está com seus olhos em mim. Stelle nos deixou e tudo ainda faz silêncio. Pelo menos do lado de fora. Aqui dentro existe um barulho ensurdecedor sobre um exímio desenhista
que se fosse me desenhar com perfeição hoje, teria que ressaltar que dentro de mim bate apenas um coração, o do nosso filho, o meu está com ele, em algum lugar e essa é a
parte que mais dói. Ele está em um lugar onde eu não consigo estar, um lugar onde eu não posso ir.
? Me fale, não me deixe aqui pensando que existe uma tragédia anunciada e que Gênova será invadida por tropas estelares ? ele tenta brincar e quando olho para ele e vejo sua
mão estendida para mim, eu desmorono.
Ele sai da cadeira e me vira para ele, se ajoelhando entre as minhas pernas e eu não consigo parar de sentir o que estou sentindo.
? Sant... é tudo tão difícil ? começo a dizer e sinto-o enxugando meu rosto.
? Pelo amor de Deus, me fala quem eu tenho que matar ? ele pede.
? Não consigo parar de pensar nele... ? Santiago faz uma cara sem entender nada, e também não conseguiria, ele sequer sabe o que aconteceu nos últimos trinta e cinco dias.
Minha vida virou de cabeça para baixo.
? Nele quem? ? ele pergunta.
? Brad...
Conto a história toda para ele, desde a bebida que ele presenciou, até barcos invadidos e aquários fora do horário, falo sobre o passeio em Boccadasse e de como ele me conquistou.
? E por que esse homem não está aqui agora com você? ? ele pergunta com a voz carregada de raiva.
Essa parte foi mais difícil de viver e agora preciso contar.
Em cada parte Santiago leva a mão até a boca e nega com a cabeça; conto que ele planejou aplicar um golpe e que havia uma mulher como testemunha de seu caráter.
Volto a chorar e ele me abraça pela cintura e ainda de joelhos entre as minhas pernas.
? Me diz, me fala o que você quer, eu faço, faço tudo para ver você feliz novamente ? ele se mostra solidário e a única maneira de me deixar feliz é poder olhar para ele de
novo e dizer que por mais que eu não sinta mais seus beijos, eu o sinto aqui dentro de mim.
? Sant... estou grávida dele ? Santiago abre os olhos como uma grande explosão e sinto meu coração disparar.
Ele olha para mim e depois para minha barriga e a beija.
? Meu Deus! Eu já fiz loucuras em um curto espaço de tempo, mas nunca revolucionei a minha vida assim, mas talvez porque eu não tenha a capacidade biológica de engravidar
? ele sorri ? Se for menina vai vestir tudo da última moda de Milão e se for menino vai se vestir como Paolo, pronto, já definimos o gosto requintado desta criança ? ele brinca
e consegue me fazer sorrir.
? Queria ele aqui comigo, sem essa história suja, apenas com seus desenhos ? confesso.
? Ele já sabe que vai ser pai? ? ele faz a pior pergunta e escutar a palavra pai de outra pessoa faz meu coração doer, faz meus olhos encherem de lágrimas e eu nego com a
cabeça, fechando os olhos e segurando para não desmoronar mais uma vez.
? Escute, Sofia, imagino que tudo esteja uma grande merda, mas vamos ter que sair dessa, todo esse sofrimento vai direto para o bebê. Não posso nem imaginar uma criança nascendo
com esse stress ? ele puxa uma cadeira e senta diante de mim.
? Como eu saio dessa? Tem alguém aqui dentro feito por mim e por ele ? coloco minhas mãos sobre a minha barriga.
? Hoje à noite vamos ao Zarun, vamos beber suco e coquetel sem álcool, vamos encontrar com aquela coisa colorida da Heiden que parece que está firme com o garoto da escola,
ali é só por misericórdia mesmo, e vamos tentar pelo menos levantar um pouquinho esse astral, um dia de cada vez ? ele diz e mesmo eu não querendo, acabo concordando com ele.
? Tudo bem ? eu digo ? Vamos aproveitar enquanto minhas roupas ainda servem e logo eu terei que deixar essa vida noturna de lado.
? Que ótimo quanto a irmos essa noite, mas não ouse se tornar um planeta de tão gorda, inadmissível ? ele brinca e enxuga meu rosto.
? Vou tentar ? digo e pego o copo de suco ? O que você trouxe para mim? ? pergunto olhando para o envelope que ele colocou em cima da mesa.
? Eu? Não trouxe nada ? ele responde.
? Então, o que é aquilo ? aponto com indicador da mão que está segurando o copo.
? Ah, eu encontrei enfiado no seu portão, achei que fosse uma ordem de despejo ? ele brinca e eu me levanto em um único impulso e me estico sobre a mesa e alcanço o envelope
? É uma ordem de despejo mesmo? ? ele pergunta espantado com minha atitude.
Abro o envelope e tiro a folha de dentro e me sento, coloco a mão sobre a minha boca e todo desmoronamento que estava evitando explode ali mesmo. Olho para os contornos e
desta vez eu não estou no desenho, mas eu conheço esse lugar. É Boccadassa, é a aldeia dos pescadores. Embaixo alguma coisa está escrita.
"Diante do mar, todos os dias, imagino como seria se estivesse aqui e, então, descubro que está, eu sei que está. Sinto meu coração batendo e por mais que doa, isso é um bom
sinal, é sinal de que você fez sua morada aqui dentro de mim e por mais que nunca mais eu possa escutar o som de sua voz, ela sempre estará aqui, junto comigo, onde quer que
eu esteja, para onde quer que eu vá. Penso em você todos os dias, isso me machuca, mas é como uma punição. Sei que você nunca acreditaria no que tenho para lhe dizer, mas
ao menos acredite, você fez a mudança que eu precisava dentro de mim. Me apaixonei por você... não sei o momento exato que isso aconteceu, mas eu tenho certeza que esse foi
o meu momento nessa vida em que posso chamar de mais feliz.
Tenho a sorte de saber que você fez parte de minha vida, fez parte da parte mais importante dela, a parte em que eu pude ser verdadeiramente feliz"
? Ele pensa em mim ? aniquilo toda a parte ruim desta história e me apego ao que me deixa feliz. Me apego ao meu desejo e percebo Santiago olhando para mim, desesperado e
sem entender como posso sorrir, mesmo estando chorando.
? Olha, eu não tenho coração para isso, se for realmente uma ordem de despejo eu te ajudo na mudança ? ele diz e eu entrego o desenho para ele.
Santiago olha para o desenho, lê o que está escrito e olha para mim enquanto eu me levanto e vou em direção à piscina.
? Eu não entendo, o que ele teria para lhe dizer que você não acreditaria? ? ele questiona.
? Na manhã em que Paolo o colocou diante de mim com toda a história, ele não pôde falar, meu irmão não permitiu. Ele saiu da sala olhando para mim e transmitindo algo em seus
olhos que me perturba todos os dias ? explico.
? Mas então, deixe o homem falar, todo mundo merece ter o direito de resposta. Tudo bem que ele foi um cretino em querer o seu dinheiro, mas já parou para pensar que ele tem
algo importante a dizer sobre isso? ? Santiago me deixa com uma pulga virando cambalhotas em minha orelha.
? Eu não sei onde ele está ? explico.
? Olha só, não quero ser chato, mas ao que tudo indica ele esteve em seu portão não faz muito tempo para deixar esse desenho ? ele olha para o desenho ? E vamos combinar uma
coisa, ele é um cretino que desenha muito bem.
? Ele não vai se aproximar. Paolo deixou seu cão de guarda a postos e possivelmente quando eu sair essa noite, ele vai me seguir e contar para Paolo onde estive ? falo e olho
para Santiago.
? Ok, vamos sair esta noite e tentar respirar um ar que não foi imposto pelo paranóico do seu irmão, um paranóico gostoso e cheio de mistério e que tem todo meu respeito ?
Santiago brinca e se aproxima de mim ? Eu também me apaixonaria por um homem que desenha sentimentos, esse lugar é lindo ? ele aponta para o desenho e me entrega.
? Boccadasse é um lugar simples e lindo. Conheci pessoas, pescadores e uma senhora que se chama Rubia, pelo menos era o que ela repetia a todo momento em que nos servia o
café. Ela tratava Brad como um grande amigo ? falo olhando para o desenho.
? Tudo vai ficar bem ? ele se aproxima e beija meu rosto.
Eu gostaria muito de acreditar nisso, acreditar que ele tem algo para me dizer que mudaria toda essa história. Mas agora eu tenho medo de criar expectativas em alguém que
nem ao menos sei onde está.
***
Passo um pouco de perfume, não muito, meu estômago não anda tão cavalheiro como deveria ultimamente. Escuto a buzina do carro de Santiago e desço a escada acreditando que
o macacão preto e cabelos soltos tenham sido a melhor escolha.
Me despeço de Stelle que não vai nem esperar eu sair das dependências da casa para ligar para Paolo, mas eu não me importo. Hoje vou tentar me libertar, pelo menos até a meia-noite
antes de virar uma abóbora novamente.
? Arrasou no look, amada ? Santiago diz e beija meu rosto.
? Você também está um gato ? digo e olho para a camisa preta e calça justa ao seu corpo de algum tecido nobre, comprado em algum ponto chic de Paris.
Santiago acelera e eu inconscientemente procuro em cada esquina por ele, mas isso seria uma sorte que não acredito ter.
Chegamos a Zarun e a coisa mais colorida nos cumprimenta de longe e eu estava com saudade dessa coisa cheia de cor e cheiro de cigarro esquisito. Espero que ela não fume perto
de mim, como disse, meu estômago anda mal educado ultimamente.
? Mais colorida que isso impossível ? Santiago diz e caminhamos ao encontro de Heiden.
? Sofia, você sumiu! ? Heiden diz e me abraça. Ela está segurando o cigarro e Santiago tira da mão dela e apaga em um cinzeiro perto da mesa em que ela está ? Por que você
fez isso, Santiago?
? Vamos tentar ter uma noite saudável, sem cigarros e bebidas alcoólicas? ? Santiago responde.
? Está fazendo parte de alguma seita? ? Heiden pergunta.
? Sim, e não vou poder te contar por motivos de segurança. Agora me diga, quantas pilhas precisa para essa blusa pink brilhar desse jeito? ? ele brinca com a blusa de Heiden
que ri da piada e como sempre não se importa com o que Santiago acha de suas roupas.
? Onde está seu namorado? ? pergunto.
? Ele vai chegar mais tarde, precisou ficar no trabalho ? ela explica e eu gostaria de saber que meu namorado pode aparecer.
Uma frase explode em minha cabeça, então, eu penso que estou fazendo a minha parte, mesmo que você não saiba e que seja inconscientemente, estou fazendo a minha parte, estou
esperando por você, então, por favor, faça a sua parte... chegue. Penso em Brad, tenho feito isso constantemente.
? Ele se veste colorido como você? ? Santiago brinca e nos sentamos no deck perto da cerca que nos separa do mar ? Se ele se vestir assim, fico com pena das crianças ? dou
a primeira risada de verdade em trinta dias e Santiago e Heiden seguram a mão um do outro ? Gosto de você, mesmo que suas roupas perturbem o meu cérebro ? eles sorriem um
para o outro e essa sensação de ver meus amigos assim me deixa um pouco melhor.
Vejo Santiago pedir um coquetel de frutas sem álcool para nós e Heiden faz cara de nojo por isso.
? O que está acontecendo? Sem cigarro, sem álcool, não me digam que aboliram o sexo também ? ela diz.
? Bebidas alcoólicas não são indicadas para grávidas ? respondo e ela sorri, lindamente e vem em minha direção e me abraça.
? Que maravilha! ? ela comemora e Santiago olha a maneira como ela acaricia a minha barriga.
? Não se atreva a comprar nenhum peça de roupa para essa criança. Ela será tratada como referência de moda e não como tentativa de contato alienígena ? Santiago diz e cruza
as pernas.
? Vou mimar em tudo que puder, e vai dormir na minha casa pelo menos uma vez na semana ? eles discutem o futuro cheio de promessas de meu filho e isso me deixa em paz por
alguns minutos.
? Escute, Sofia, e Joel está feliz? ? pelo amor de Deus, eu não acredito que ela associou meu bebê ao Joel. Mas isso seria muito prudente, ela não sabe como minha vida virou
de cabeça para baixo em tão pouco tempo.
? Joel? Não! ? e eu não quero falar sobre o pai do meu filho ? Mas isso eu falo depois com você, não quero conversar sobre isso aqui e nem agora ? explico e ela volta para
o lugar dela e respeita meu pedido.
? Bom, e Terry? Alguém tem notícias dela? ? Santiago muda drasticamente de assunto.
? Falei com ela hoje, amanhã começam as filmagens, ela estava bem animada ? Heiden responde e nossas bebidas chegam.
Coloco um pouco na boca e sem que eu perceba, volto a pensar nele e acordo com algumas pessoas gargalhando ao meu lado. Sinto falta de gargalhar.
? Hei ? escuto Heiden cumprimentar alguém de longe.
Olho para trás e vejo Ward parado na entrada do Zarun.
Pego meu celular e ligo para Paolo.
? Alô ? ele responde seco.
? Paolo, por favor, tire seu cão de guarda das minhas costas ? peço gentilmente.
? Ele vai ficar aí, não quero aquele merda perto de você ? ele dispara.
? E eu não quero esse merda perto de mim, me sinto uma criminosa sendo vigiada. Brad desapareceu, passou ? bufo e ele continua tentando me convencer e eu acabo convencendo-o
a tirar Ward dali.
Um cara se aproxima e cumprimenta Heiden e meu coração para, eu o conheço.
? Taruzo, deixa eu te apresentar meus amigos ? ela diz ? Esse é Santiago DiLeon, maquiador das passarelas mais famosas do mundo ? o homem aperta a mão de Santiago que nem
parece gay nesse gesto.
Estou encarando o homem e isso chega a ser grosseiro de minha parte, mas eu tenho meus motivos.
? Essa é minha amiga que você provavelmente já ouviu falar, Sofia Bastilli ? o homem leva a mão até a minha e algo está acontecendo com ele, ele parece desnorteado e segura
a minha mão com as duas dele.
? Sim, eu já ouvi falar, já ouvi muito seu nome ? olho para ele e ele não tira os olhos de mim.
? Você com certeza já ouviu falar, ela sempre aparece em revistas sobre barcos ou turismo ? Heiden diz.
? Também, mas andei ouvindo sobre você de outra pessoa ? meu coração ainda está parado, junto de minha respiração.
? Você esbarrou em meu braço na Purose ? digo e ele acena que sim.
? E tenho esbarrado no seu nome com tanta frequência e de uma maneira tão enlouquecida que cheguei a duvidar que existisse ? ele diz e Santiago fica de pé e cruza os braços.
? Posso saber o que está acontecendo aqui? ? Santiago se veste de hétero e deixa sua voz mais rude do que o necessário.
? Nos vimos na Purose no dia em que precisei trocar meu vestido, lembra? ? pergunto para Santiago.
? Sim, eu me lembro ? ele está sério ? Mas onde e quem falou de Sofia? ? ele intima o tal Taruzo.
? Conheço alguém que desenha barcos ? ele fala e meu coração volta a bater. Sinto o oxigênio entrar em meus pulmões e meus olhos se enchem e eu não sei se quero ouvir de um
estranho que fui alvo de um plano sujo e quase cruel.
? Não estou interessada em saber, se puder nos dar licença ? sou devidamente grossa como devo ser. Não quero que minha vida seja discutida em uma mesa de um bar.
O homem se afasta e vejo em seus olhos que ele gostaria de dizer algo que Bradley não disse, algo que Brad não pôde dizer. Meu coração se aperta e vejo os olhares de Heiden
e Santiago em minha direção.
? O que foi? ? pergunto
? Por que não ouviu? Talvez ele pudesse ter notícias do Bradley gostosão ? Santiago diz.
? Não acho que deveria falar sobre isso com estranhos ? respondo e me levanto ? Eu vou embora, não quero ficar aqui ? saio do Zarun e chamo um taxi.
Vejo que Ward se aproxima e tenho vontade de voar na garganta dele, afinal, foi ele e Paolo que detonaram tudo isso, e não deram chance de Bradley se pronunciar. Todos têm
o direito de resposta, de defesa.
? Se me permite, eu posso levá-la ? ele fala e eu peço para que Deus me ajude a não ser grossa com ele.
? Então me leve, mas me leve até a casa de Paolo, preciso ter uma conversinha com meu querido irmão, e não se atreva a ligar para ele para avisar, quero fazer uma surpresa
? ordeno e Ward acata sem pronunciar uma única palavra e isso me poupa de ter um ataque violento.
13

Entro na sala de Paolo.
? Não me diga que ele apareceu ? ele diz e vem em minha direção. Mas eu desvio.
? Escute aqui, Paolo, você tem ideia de como estou me sentindo? Parou para se perguntar se estou feliz? Você e sua paranóia fizeram com que meus dias se tornassem um pesadelo
e não venha me falar que me salvou, esse discurso funcionaria se Brad tivesse tido a chance de resposta, mas ele não teve! ? estou furiosa e vejo Paolo negar com a cabeça.
? O que aconteceu? ? ele está na minha frente.
? O que aconteceu? Estou apaixonada por um cara que pelo visto tinha um plano e eu era feliz antes de tudo isso ser descoberto ? ando até o sofá e me sento apoiando minha
cabeça em minhas mãos.
? Alguma coisa aconteceu esta noite, Ward? ? ele olha para o seu cão de guarda e eu tenho raiva dos dois nesse momento. Ward não fala nada, mas eu falo.
? Alguém que o conhece disse que andou ouvindo sobre mim e que conhece alguém que sabe desenhar alguns barcos. Eu queria saber onde ele está, quis não obedecer você, mas eu
tive medo de seguir ali com aquela conversa, não tive coragem e agora estou aqui, pensando que ele possa ter algo para me dizer e eu não estou ouvindo ? desabafo e ele nega
com a cabeça ? Faz parar de doer, você conseguiu isso quando eu caí da árvore ? o lembro de sua ação em prol do meu joelho ralado mas meu tom de voz não é meigo, é como se
eu cobrasse os super poderes que sempre achei que ele tivesse.
? Aqui não estamos falando de um galho que se rompeu, estamos falando do salto em queda livre mais arriscado que existe ? ele se levanta, sai por alguns instantes e volta
com um copo d'água.
? Estou sem paraquedas ? ele me olha triste e eu sei que ele sofre junto comigo.Mas Paolo é do tipo que não voltaria atrás, ele nunca volta.
? Me diga como agir, me fale o que precisa, mas eu não estou conseguindo aceitar essa sua paixão por esse cara. Ele queria o seu dinheiro, ele queria o que é seu ? Paolo diz
e sua voz não é alta, mas é fria e isso é o que ele faz de melhor.
? Paolo ? me levanto e fico de frente a ele ? Nossa história foi linda, a única coisa que deu errado foi a matemática. As contas dele não bateram e eu não consigo usar isso
como argumento para esquecê-lo. Você acha que eu não tentei? Você acha que é fácil simplesmente olhar para dentro de si e dizer: ESQUEÇA-O? Se fosse assim não teríamos tantos
dramas cinematográficos baseados em fatos reais ? Seguro a mão dele e seus olhos quase me punem, mas o amor dele por mim não deixa.
?E o que você queria? Que ele viesse até você e pedisse desculpas? Então, recomeçaria do zero? Não dá para recomeçar do zero, primeiro, porque essa frase está errada, se vai
recomeçar, já existe um ponto e segundo, tem alguém dentro de você lembrando desse ponto o tempo todo ? ele me leva para junto dele ? Não tem ideia do quanto eu o odeio por
ter feito ou tentado fazer algo contra você ? ele me deixa e anda até a área externa, perto da piscina e eu o sigo.
? Eu não tenho essa habilidade, eu gostaria muito de odiá-lo, mas ele quis tirar o que era meu e acabou me deixando algo tão maior. Francamente, Paolo, a nossa fortuna hoje
não faz mais diferença, tem algo mais valioso aqui dentro ? paro atrás dele e ele está com as mãos no bolso e olhando para um horizonte qualquer, um horizonte que ele sempre
encontra quando quer ficar preso dentro de sua mente cheia de segredos.
Escuto alguns passos atrás de mim e olho, é Ward.
? Senhor ? ele diz. Esse homem trabalha vinte e quatro horas por dia? Eu sempre achei que ele fosse apenas um advogado que fuça a vida dos outros.
? Sim, Eugene? ? Paolo responde e não olha para trás.
? Creio que a Srtª Sofia tem visita, está no portão ? ele diz e Paolo se vira e olha para mim e anda mais apressado do que eu. Fico paralisada, com medo de ser ele e com medo
de não ser ele.
Demoro para assimilar e vou em direção a Paolo.
? O que eles querem? ? Paolo pergunta e eu deduzo que sejam Santiago e Heiden, eles devem ter me procurado em casa.
? Eles quem? ? pergunto.
? Seus amigos estão aqui na minha casa ? sua voz ficou fria, fúnebre, trágica, seca e dolorida. Aqui é o recanto sagrado do homem de mil segredos.
? Eu vou para minha casa, vou levá-los comigo ? falo e vou em direção à porta.
? Eugene, faça-os entrar ? ele ordena e vai à cozinha. Escuto-o abrindo a geladeira de bebidas, ele coloca o pequeno balde com alguns cubos de gelo sobre a bancada e os coloca
em um copo, um copo de uísque, e isso é um prenuncio de algo ruim. Paolo nomeou o uísque como o gole antes da morte.
Ele coloca um pouco sobre os cubos dentro do copo, e vira. Ele só fez isso uma única vez que eu me lembre, quando Dom foi preso.
Escuto Santiago falar mais do que nunca e Heiden não fica atrás. A casa de Paolo que sempre foi de grande silêncio, está mais barulhenta que o próprio Zarun.
? Você ficou maluca? Saiu que nem uma doida do Zarun. A sorte que o segurança te viu saindo com um homem que pela descrição parecia o moço ali com cara de dor ? Santiago emenda
na frase e fala quase sem respirar ? Oi, tudo bem, Paolo? ? Santiago joga a mão no ar e cumprimenta Paolo e não faz ideia do risco que está correndo.
? Sofia, você precisa saber de uma coisa ? Heiden diz.
? O quê? ? meu coração dispara e vejo Paolo se aproximando, como a Heiden diz, como uma pantera.
? Minha linda, aquele homem que a Heiden nos apresentou, contou algo que a princípio deixou Heiden sem entender nada, mas como você já tinha me falado do bofe ? ele olha para
o Paolo que está com o maxilar pressionado e isso o obriga a se distanciar um pouco dele. O tesão de Santiago por Paolo acaba de aumentar em vez de desaparecer ? Desculpa,
Paolo, mas você aí olhando desse jeito, eu não sei se devo continuar falando ? Santiago diz e se senta no sofá e assim que percebe Paolo olhando para ele, ele se levanta rapidamente.
? Me fala tudo ? exijo.
? Não, dependendo do que for, não acredito que seja útil ? Paolo se aproxima ainda mais e Santiago recua. Heiden nem disfarça o quanto está olhando para Paolo.
? Útil não seria a palavra ? Heiden diz triste, seus olhos ficaram tristes ? Eu não conhecia aquele homem até três semanas atrás, eu nem me lembrava que foi ele que esbarrou
em seu braço na Purose ? ela se aproxima de mim e olha em meus olhos ? Não acha muita coincidência? Santiago me contou toda a história e eu também o odiaria para sempre, talvez
eu nunca mais quisesse saber desse cara, mas se eu tivesse a oportunidade que ele precisa para lhe dizer o que esse amigo dele nos contou, você ao menos falaria para ele que
dentro de você tem algo especial sobre ele ? Heiden faz Santiago ficar de boca aberta.
? Me fale, me conte tudo ? peço.
? Não ? Paolo diz ? Ele queria o seu dinheiro, não havia sentimento ? ele mantém a postura impenetrável ? E tudo isso pode ser uma grande armação ? ele conclui.
? Eu discordo de você, Paolo ? Heiden o encara e mantém seus olhos sobre ele, sem medo ou receio mesmo estando dentro da casa dele.
? Tem como me provar que estou errado? ? Paolo a desafia.
? Se eu tiver, você vai concordar? ? Heiden retruca e deixa Paolo com o maxilar ainda mais fechado.
? Se me provar que existe uma história diferente da que descobrimos, eu não vou concordar, mas vou me manter fora de qualquer decisão de Sofia ? ele responde e não muda a
expressão.
? Não tem como ser uma grande armação. Taruzo, o homem que lhe apresentei agora há pouco, presta serviço para o meu pai e eu o conheci há três semanas e eu não me lembrava
que ele estava aquele dia na Purose e ele nem me viu, ele trombou com você e não comigo ? Heiden pega o celular e digita algumas coisas.
? Ele disse que ouviu sobre mim nos últimos tempos ? murmuro.
? Sofia, as pessoas podem até tomar algumas decisões erradas, mas ao menos veja isso até o final ? Ela aperta o play e é uma gravação, é do Taruzo e foi hoje no Zarun ? Ele
nem imaginava que estava sendo gravado ? ela diz e escuto o áudio.
"Zanatta estava disposto a fazer algo ruim. Ele estava precisando muito de dinheiro, estava com uma dívida ativa com um agiota que não é dos melhores ? ele para por um instante
e nega com a cabeça ? Veja, ele realmente queria o dinheiro dela, mas em algum momento as coisas saíram do controle. Ele já não a mencionava como seu projeto e dizia que hoje
era dia de ficar com Sofia ? ele abaixa a cabeça e algumas pessoas passam perto dele ? Ele estava morando num hotel e precisou de um lugar para ficar porque o agiota o havia
encontrado. Eu o deixei ir para minha casa e como eu sempre sabia de algum lugar que estava precisando de alguém para trabalhar como freelancer, acabei descolando para ele
algumas noites aqui no Zarun. Ele chegou a comentar que inventou algumas histórias para que pudesse sair da presença de Sofia e vir trabalhar. Ele estava trabalhando aqui
à noite até semana passada, quando foi a última vez que falei com ele.
Taruzo caminha para longe assim que se despede com um rosto triste pelo amigo e eu olho para Santiago que está chorando e Heiden me olha, como se me cobrasse uma decisão,
uma postura.
? Ele até quis seu dinheiro, mas preferiu o seu amor ? Heiden diz e eu olho para Paolo. Ele está em silêncio e me olha sem expressão alguma.
? Eu queria tanto abraçá-lo neste momento ? digo olhando para o meu irmão e eu vejo em seus olhos algo que me conforta ? Mas eu não sei onde ele está ? abaixo minha cabeça
e volto a olhar para ele ? Ele tentou explicar, ele tentou me dizer e eu não ouvi ? uma dor atravessa meu peito e eu penso que todo esse sofrimento foi em vão e agora ele
pode estar longe.
Vejo Paolo caminhar em direção ao escritório e voltar com seu celular.
? Onde ele poderia estar? ? pergunto olhando para os meus amigos.
? Onde você iria se estivesse confusa, triste e se sentisse sozinha? ? Heiden pergunta e a única coisa que imagino é que eu gostaria de estar com a minha família, ou aqui
na casa de Paolo, ou no colo de minha mãe.
Um sopro em meus ouvidos me alerta sobre algo familiar, e eu acho que ele me avisou onde estaria.
? Eu sei aonde ele está! ? falo e Paolo me olha.
? Você não vai sair daqui atrás desse cara ? Paolo ordena e eu vou para perto dele.
? Vai preferir que eu tenha essa dúvida para o resto de minha vida? Tem certeza que é com esse tipo de coisa que deseja conviver? ? o ameaço.
? Ele vai inventar alguma coisa e seu estado é delicado ? ele argumenta.
? Estou grávida, Paolo, e acredite estou mais forte do que nunca. Eu vou sair por aquela porta e vou atrás dele; vou dar a ele algo que não demos por direito; eu preciso ouvir
a versão dele sobre tudo e não a versão descoberta sobre os fatos ? Paolo cerra seus olhos em minha direção
? Você é teimosa e pode se ferir com isso ? ele diz.
? Me ferir? Acha que posso realmente me ferir ainda mais? ? o deixo quase sem saída.
? Você não sabe nada sobre ele ? ele me alerta e anda em direção à janela frontal da casa.
? Então, me deixe ir até lá e descobrir quem ele é, me deixe ter a chance de cometer esse erro até o final ? falo alto e ele me olha.
? Você não vai desistir, certo? ? ele fala com a voz tensa.
? Desisti por várias semanas, acho que já fui covarde tempo suficiente para não encarar tudo isso de frente ? respondo rapidamente e ele nega com a cabeça.
? Eugene, leve-a para onde ela quiser ir ? mesmo contra a vontade dele, e eu sei que é, ele me apoia.
? Eu te amo, Paolo, exatamente por você ser assim ? Beijo seu rosto e caminho, fazendo com que Ward me siga.
Percebo que Santiago e Heiden saem logo atrás de mim e isso foi inteligente da parte deles.
***
Me sento no banco de trás e peço para que ele siga pela Corso Itália e ele me olha pelo retrovisor.
? Achei que você fosse apenas um advogado ? falo olhando para ele.
? Trabalhar com o Sr Bastilli exige muito mais do que isso ? ele responde de maneira sucinta e segue o caminho.
Paro para pensar que de repente eu poderia ter trocado de roupa, ter passado mais perfume, mas eu sei também que corro o risco de não encontrá-lo. Ele pode ter partido com
um dos barcos, ele pode ter ido fazer um editorial de francesas nuas.
Talvez ele tenha dito seu adeus, mas eu não disse o meu.
? Estamos no caminho certo? ? Ward pergunta.
? Sim ? respondo e olho pela janela. Mesmo ansiosa, estou feliz, eu quero abraçá-lo, eu quero que ele esteja exatamente onde penso que está.
Mas algo aperta meu peito e sinto medo, alguns medos, medo dele não estar onde achei que estivesse, medo dele ter partido ou medo de como ele vai reagir ao saber sobre nosso
bebê.
O caminho parece que fica mais longo e meus medos se transformam em pequenos monstros dançantes ao meu lado.
? Boccadasse? ? Ward pergunta.
? Sim ? respondo sorrindo.
? Há muito tempo não vinha para esses lados de Gênova ? ele diz e olha para os lados e minutos depois ele para na entrada da pequena aldeia de pescadores que indiquei ? Vou
esperar aqui ? ele diz e eu saio, vou para casa que tomamos café da manhã e paro na porta.
Escuto um som, uma música vindo do interior da casa e eu conheço essa canção...
Quando estou sozinho
E sonho no horizonte
Faltam as palavras
É Bocelli, penso comigo e me lembro do barco, do desenho do barco que Brad desenhou e colocou o nome de Sogno all'orizzonte. Empurro a porta lentamente e o som fica mais alto
Em um quarto quando falta o sol
Se você não está comigo
Sinto cheiro de comida, acho que é sopa, e meu estômago ronca e deseja um pouco disso. A música fica mais alta e mais nítida, meu coração dispara. Tiro os meus saltos e os
deixo sobre a cadeira assim que chego na cozinha. É sopa, vejo o caldeirão sobre o fogão de lenha.
Escuto o barulho de talher se chocando no fundo de um prato e sigo o barulho que se funde à música.
Espio pela fresta de uma porta que está entreaberta e escuto um cochicho, a voz é de uma mulher que acompanha a música, pelo menos ela tenta. Dou alguns passos e vejo uma
mulher quase deitada, ela limpa a boca com um guardanapo e eu observo pelo pequeno espaço que alguém lhe dá comida na boca. É a sopa.
Mais um único passo e sinto meu coração pular, uma alegria toma conta de mim e entra em duelo com o medo que estou sentindo.
Erga as janelas e mostre a todos
O meu coração que você acendeu
É Brad, ele está dando o que comer para Rubia e conversa baixinho com ela. E Andrea Bocelli, canta Com Te Partirò.
? Sim, mama, amanhã visitaremos o farol ? ele diz e leva mais uma colher de sopa até a sua boca.
? Mas você precisa ir para a escola ? a voz baixinha, enfraquecida de Rubia me alcança e isso me corta o coração. Ela já não sabe mais o que está acontecendo.
? Amanhã não terei aula, mama ? ele explica e raspa com a colher o fundo do prato e dá a última colherada para ela, que quase relutou, mas ele a venceu.
? Então, amanhã poderemos ir até o farol ? ela diz e meus olhos se enchem de lágrimas. Ele é tão paciente com ela, de um carinho tão grande e com uma calma que eu talvez não
teria.
? Sim, mama, amanhã visitaremos o farol ? Ele se levanta, beija os cabelos dela e pede para ela descansar.
Eu me apavoro e saio dali com pressa e tentando não fazer barulho, mas quando chego na cozinha, meu joelho se choca com a cadeira onde havia colocado meus sapatos e o barulho
é ainda maior.
? Quem está aí? ? ele pergunta e eu estou abaixada pegando meus sapatos. Mas tenho vontade de responder, que sou eu e seu filho. Me levanto e sinto-o se aproximar, ando rápido
para a porta porque perdi dentro de mim todas as palavras que conheço.
Chego à porta e sei que ele está atrás de mim.
Paro, estou de costas para ele, respiro fundo e solto os meus saltos no chão.
? Peço que não chame a polícia, eu queria apenas um pouco de sopa ? tento pelo menos quebrar o clima chato por ele ter me flagrado.
? Não posso chamar a polícia, porque assim como você que invade casas por uma sopa rala e sem sal, eu invado barcos e roubo vinhos baratos ? estou sorrindo, porque adoraria
fazer isso de novo. Ele me mostrou perigos que viveria novamente ? Poderia ficar de frente para mim? ? ele diz e eu me viro, lentamente, com medo e com vontade de pular em
cima dele.
? Oi ? eu digo.
? Oi ? ele responde e coloca o prato sobre a mesa.
? Eu... eu não sei como começar essa conversa, mas o que sei é que você merece dizer sua versão sobre os fatos. Você não teve essa oportunidade e essa injustiça tem tirado
meu sono desde que você foi embora ? confesso e ele se aproxima.
? A nossa conversa começou há algumas semanas, quando eu achei que poderia tirar algo de você. Essa conversa começou quando eu me encantei pela menina da história triste sobre
um aquário. Essa conversa começou quando percebi que eu poderia fazer qualquer coisa nesse mundo, menos magoar você, mas já era tarde demais ? ele olha para mim e desce os
olhos pelo meu corpo e sobe novamente.
? Tudo por conta de alguns trocados? ? pergunto.
? Sim, e hoje pagaria milhões apenas para ter você ? ele fala e eu fico sem jeito. Me aproximo dele e olho nos olhos dele ? Sofia, eu tenho um passado e não sei o que fazer
com ele, tenho repetido a pergunta que me fez aquele dia no aquário diariamente e não consigo encontrar uma resposta.
? Apenas me diga o que queria me dizer aquele dia que foi até minha casa, me diga o que possa existir a seu favor ? peço.
? Não há muito a meu favor ? ele olha em meus olhos e eu o vejo sozinho, procurando respostas e simplesmente seus olhos fecham e isso me incomoda, é como se a minha presença
ali lhe causasse dor.
? Apenas me fale, estou aqui para lhe ouvir ? falo e espero.
? Eu não herdei milhões de um pai afortunado, eu herdei o vício do jogo. Eu me lembro quando ele me levava em suas jogatinas e desde muito novo aprendi a memorizar cartas
e jogadas estratégicas. O tempo passou e isso se tornou mais forte do que eu e com isso assumi dívidas que não poderia pagar. Aos poucos fui vendendo tudo que eu tinha, meu
carro, meu apartamento e acredito que tenha vendido minha alma ? ele olha para o chão e volta a me encarar.
? Continue ? incentivo-o em sussurro.
? Então, durante o percurso em que troquei de empresa, eu soube que você era uma das herdeiras da Bastilli e você passou a fazer parte do meu plano ? ele fala e isso machuca,
mais do que eu imaginei. Respira fundo antes de continuar ? Mas, naquela noite do aquário, quando eu descobri que estava de frente a uma alma tão boa, que seria incapaz de
fazer mal a alguém, eu percebi que não poderia seguir adiante, mesmo que eu precisasse, mesmo que a minha dívida ainda seja alta o suficiente, eu precisaria resolver isso
sem envolver você de forma tão cruel.
Engulo seco e continuo encarando seus olhos azuis.
? Fui realmente um grande cretino quando elaborei um plano incluindo você, mas meu coração entrou de maneira inesperada e quando me dei conta, já não importava mais quanto
eu precisava. O mais importante era que eu precisava de você, apenas você. Nas noites em que não estive com você, estive trabalhando e eu sei que vou precisar fazer isso por
um bom tempo até conseguir o suficiente para saldar tudo que eu devo, mas é exatamente isso que vou fazer.
? Pensou em me enganar e isso me fere como nunca pensei que fosse ferir ? confesso.
? Acredite, eu sou o mais machucado. Eu visitei sua casa durante vários dias, eu olhava para você de longe e imaginava o quanto seria bom te abraçar. Eu lamento por não ser
tudo o que você merece. Na realidade, você é alguém que Deus enviou para mostrar como minha vida era algo miserável ? ele respira fundo mais uma vez e me olha com tristeza
? Sou um homem que ainda tem uma dívida, mas ela é velha, não jogo há dois anos, mas no meio dessa coisa cheia de poeira, tem algo novo, algo que você colocou e agora eu preciso
preservar isso. Me apaixonei por você em algum momento entre o barco invadido e um aquário reservado apenas para nós dois ? ele fala.
? Eu me apaixonei por você, pelos seus desenhos e pelas suas infrações e de repente me vi sozinha, mas eu pensei em você todos esses dias e ensaiei conversas que agora eu
não me lembro mais ? ele está sorrindo para mim.
? Eu também pensei em você, mas quase o tempo todo eu estava por perto, arranjava um jeito de ver você, mesmo que fosse uma única vez ao dia. Eu fiquei todos os dias na frente
da sua casa, apenas para ver você saindo na varanda e voltando, eram os três minutos felizes do meu dia ? ele se aproxima de mim e eu fecho meus olhos. Ele passa a mão em
meus cabelos e rosto ? Tenho uma coisa para lhe mostrar ? ele segura a minha mão e me leva até um quarto no andar de cima da casa. Ele abre a porta e acende a luz.
Meu coração dispara e levo minhas mãos à boca.
? Vai acabar enjoando de mim ? olho para os desenhos, todos meus, datados com os dias que ficamos longe, com pequenas frases como se fosse uma história desenhada por ele,
como se ele tivesse conversado comigo todos esses dias.
? Enjoar de você? Eu não tenho feito nada além de imaginar como seria se você acreditasse em mim. Eu tenho muita coisa para contar que você não sabe. Quando eu te trouxe aqui,
eu queria que conhecesse o lugar onde cresci. Cheguei a ter uma boa casa aqui em Boccadasse, mas eu queria mesmo é que você conhecesse a minha mãe. Eu não me importo que ela
não se lembre do seu nome ou saiba quem é você, mas eu queria que você soubesse quem era ela. Não a apresentei como minha mãe porque ela não sabe mais disso, mas eu pude ver
as mulheres da minha vida juntas ? ele se aproxima e para do meu lado, estou olhando as imagens que ele fez e são muitas.
Meus olhos percorrem o quarto simples, mas que tem uma vista surpreendente sobre os pequenos barcos coloridos que dançam sobre as águas.
? Eu vim até aqui porque eu preciso falar com você ? fico de frente a ele e seu rosto fica sério.
? Se for por conta das dívidas, elas serão resolvidas e isso é uma forma de responder a pergunta que me fez sobre o que eu vou fazer com meu passado. Eu vou resolvê-lo, não
quero mais nada desse tempo, o que aconteceu de ontem para trás não é algo que eu deva me orgulhar ? ele se defende e usa a oportunidade para falar tudo que queria ter dito
naquela segunda-feira.
? Eu discordo ? digo e olho nos olhos dele.
? Como discorda? Eu não tenho mais nada do meu passado escondido ? o tom de voz dele quase sai com amargura.
? Brad, o seu passado está aqui na sua frente para ser resolvido ? ele sorri, mas eu não.
? É tudo que mais quero ? ele diz e abre um sorriso lindo, mas eu não estou sorrindo.
? Eu também, mas antes você precisa saber de um detalhe muito importante ? estou séria e ele me olha como se esperasse uma notícia terrível e eu não sei como ele vai reagir.
? Então me diga esse detalhe, porque eu estou desesperado para beijar a sua boca ? ele diz e mal sabe como tenho pensado sobre isso, a saudade que senti todos esses dias.
? Você foi embora, mas me deixou algo, e isso vai fazer com que eu me lembre de que vinhos e invasões resultam em consequências, mas estou feliz com isso ? ele me olha sem
entender nada ? Brad, não sei o que você vai fazer, isso aqui não é nenhum tipo de cobrança, mas não acho que seja justo você viver uma vida sem saber que em breve terá alguém
para ensinar sobre desenhos ou levar para um passeio em horário permitido no Genoa ? ele me olha e nega com a cabeça, como se entendesse e não ao mesmo tempo.
? Poderia ser mais clara?
? Sim... em breve teremos alguém em comum. Talvez goste de matemática ou seja mais feliz com desenhos, mas logo alguém vai estar por aqui e eu gostaria que esse alguém pudesse
acordar o pai com beijos e pulando sobre a cama e eu gostaria que o pai estivesse do meu lado dormindo quando isso acontecesse ? sorrio e suspendo os ombros.
? Você... você... ? ele cai de joelhos na minha frente e me abraça pela cintura. Ele beija a minha barriga e encosta a testa na altura do meu umbigo ? Deus... ? ele está chorando
? Obrigado ? e eu começo a chorar.
? Era isso ? digo e ele se levanta e coloca suas mãos em meu rosto.
? Isso? ? ele me beija tão forte, me aperta tão junto de seu corpo ? Eu nem mereço metade da alegria que está em meu peito, eu vou cuidar de vocês ? ele diz e volta a me beijar.
? Senti sua falta ? confesso.
? E eu senti a sua presença, todos os dias.
Epílogo

? Pelo visto vou ter que rever uma determinada demissão ? Paolo me diz ao telefone assim que ligo para ele. Estou há dois dias na casa de Brad e vou me permitir mais dois
dias aqui. Comprei algumas roupas aqui perto mesmo e desde que senti o cheiro da sopa, tenho sido muito bem alimentada.
? Não vai precisar rever coisa alguma, ele começa na Martinelli novamente na segunda-feira ? disparo e sinto a respiração dele ser profunda e aproveito para falar isso enquanto
Brad foi comprar pães com recheio doce para mim.
? Como ele conseguiu? ? ele pergunta.
? Já viu os desenhos dele, Paolo? ? uso ironia.
? Não foram os desenhos dele que o demitiram ? ele rebate.
? Acho que Catharina Martinelli gostou de mim. Tivemos uma conversa de alguns minutos e sem querer falei que Bradley estava à disposição no mercado, ela rapidamente o contratou,
e disse que ele tinha sido uma demissão precoce e que o pai deveria ter se atentado ao futuro promissor dele com desenhos exclusivos, ele foi convidado a sair da Marquisé
exatamente por conta disso? respondo.
? Muito bem, fico feliz por você, mas não se esqueça que segunda-feira o seu trabalho te espera e férias é algo que você não vai poder mencionar. Estou providenciando uma
sala de parto anexa à sua sala ? ele brinca.
? Sim, senhor ? ele dá risada, nos despedimos e desligamos. Escuto o barulho da porta e desço ao encontro de Brad, meu homem dos desenhos e um monte de coisa proibida.
? Oi ? ele disse e eu não preciso de muito mais do que isso. Acho que já tenho tudo por aqui, ele, nosso filho, pães calóricos e a voz aqui dentro de que eu fiz a coisa certa
quando deixei Joel, e fiz a coisa certa quando escutei meu coração e procurei por Brad que tinha mais do que uma explicação, ele tinha meu coração em suas mãos e isso era
incrivelmente mais importante do que qualquer outra coisa.
? Oi ? caminho em sua direção e ele me abraça.
? Sabe que esse lugar ficou mais bonito há dois dias? Eu não aguentava mais olhar os pescadores e suas camisas semi abotoadas ? ele diz e beija a minha boca.
? Fico feliz em colaborar com o layout ? brinco e ele sorri.
? Preciso te dizer algo importante ? ele fala com o rosto fechado em um mistério e sinto medo de que seja algo que não saberei lidar.
? Então fale ? peço e ele me leva até a área externa de frente para os barcos e o mar.
? Eu desejei esse momento todos os dias que estivemos longe e cheguei a fazer promessas para que eu pudesse tocar a sua pele novamente. Eu lamento profundamente não ser exatamente
o homem que você imaginou que eu fosse, mas eu preciso que acredite que serei o homem que você precisa; serei seu amante, seu amigo e serei o pai mais feliz do mundo. Eu preciso
apenas que você fique comigo, não quero seu dinheiro, não quero nada que seja monetário, eu quero isso que me custou muito ficar longe ? ele diz.
? Isso implica em sermos uma família e para isso eu preciso que nenhum tipo de problema do seu passado apareça entre nós ? falo e ele me puxa para muito perto dele ? Se for
preciso, eu tenho dinheiro suficiente para saldar sua dívida e assim você ficaria em paz ? falo e ele me beija lindamente e eu senti tanta saudade dele, senti tanta vontade
dele e tudo que foi ruim se torna muito pequeno e sem força.
? Eu não preciso do seu dinheiro e nem o quero, não há nada que eu queira mais do que ter apenas você. Quero apenas ficar em paz, eu já estou, desde que entrou nesta casa
e deixou que minha vida pudesse fazer parte da sua. Sou extraordinariamente feliz por isso, o resto, são apenas números e isso já não me importa mais.
Ele me beijou com suavidade, beijou com o gesto simples e que me lembrava de algo que sempre almejei. Ele falou sobre a paz de estar comigo e em algum momento nossas vidas
estavam destinadas a realmente ser uma só, como se uma precisasse da outra para encontrar esse tipo de paz.
Brad segurou a minha mão e me levou para o lugar que mais gosto aqui da vila, um deck de frente para o mar e se colocou atrás de mim.
Um gesto que pode parecer tão bobo para toda a humanidade; para mim significa a conquista do meu projeto de vida, ele está com as mãos sobre a minha barriga que nem demonstra
ter um bebe.
Por mais que não tenha começado de forma convencional, isso que está aqui agora comigo, essa sensação de estar completa, era o meu sonho, o sonho que não foi o sonho de Joel,
o cara certinho e sem erros em seu histórico, mas é o sonho de Brad, o homem que pode até ter feito uma escolha ruim, mas agora, olhando para o mar, me transmitindo a melhor
sensação de proteção e amor, tomou a decisão correta.
Ele fez o meu melhor desenho, aquele que deixa tudo mais feliz.
? Seria muito cliché se eu disser eu te amo, usando esse cenário como se fosse o final de um filme? ? ele pergunta com sua boca próxima de meu pescoço.
? Seria, então, por favor, fale...
Leia um trecho do próximo livro da série:
DOM
Meu voo sai em duas horas. Minhas malas devem estar ainda espalhadas pelo quarto do hotel. Ritz sempre será como uma segunda casa, Paris sempre será ou fará parte do meu destino.
E aqui, onde estou nesse momento, é um lugar que não me deixa ter pressa de sair.
? São quinhentos metros ? Caryn Marshall fala. Ele também está seguro apenas por sua mão direita. Nosso equipamento de segurança é um capacete que está servindo apenas de
apoio para nossas câmeras.
? Queridão, não estou pensando em pular, esqueci meu paraquedas ? respondi e subimos mais um patamar da superfície rochosa alta e que nos permite olhar Paris longe das luzes
artificiais.
Paramos em Équilibre de Chat e olhamos por alguns minutos antes de começar a descida.
Sempre foi assim e nunca vai mudar. Nos desafiamos, cumprimos e no instante seguinte estamos lá embaixo, onde todos se misturam e são quase iguais elaborando a próxima montanha
para fazer esse tipo de escalada ou algum prédio em que fomos bloqueados de passar na frente durante o dia exatamente por fazer isso, exatamente por subir de maneira perigosa
e independente.
? No começo você dizia: não olhe para baixo ? falo para ele e ele nega com a cabeça e sorri. Caryn me apresentou o Parkour e o montanhismo e outras coisas radicais de alto
perigo vital.
? Era uma época mais feliz. Você obedecia, não íamos presos e nossos riscos não eram nesta proporção ? ele aponta com o indicador para a montanha.
? Escalar a essa hora da noite é melhor, não tem ninguém ? sorrio e balanço as sobrancelhas.
Nos apoiamos em cada ponto e o chão já começa a ficar mais próximo, mais visível e é nesse momento que pensamos que uma queda já não seria fatal, mas quebraria alguns ossos.
Olho para cima e penso que poderia enviar uma foto para Sofia e avisar que tive um pequeno percalço e talvez o voo que está saindo agora não esteja me levando embora para
Gênova.
Olho novamente para cima e vejo um movimento rápido. Imagino que seja alguém com equipamento muito bom e esteja seguro.
? Caryn, olhe ? aponto para a pessoa que desce rapidamente e eu tento alcançar meu celular para tirar uma foto para Sofia deste ponto.
? O que é isso? ? Caryn pergunta e a pessoa passa entre nós dois e desce, segurando e soltando rapidamente, como um gato, ágil e com uma destreza de poucos profissionais.
? Caralho ? falo e olho para ele e puxo meu celular do bolso e ele desce montanha abaixo com a mesma velocidade da pessoa que acabou de descer. A diferença é que meu celular
não vai segurar onde precisa e ele entrará para a lista de prejuízos deste mês.
? É uma mulher, cara ? Caryn diz.
? Não pode ser ? nego e sinto minha virilidade também descer a montanha ? Mulheres não fazem isso.

 

 

                                                   Barbara Biazioli         

 

 

 

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