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Fadada a um destino submisso e um casamento forçado, Mariana Brancaglione foge de um pai opressor e se refugia no único lugar onde o mesmo não a procuraria... A casa de seu pior inimigo! Usando o codinome "Sol", a ruiva enfrentará o perigoso "Lobo" em nome de sua busca por liberdade.
Leon Trovalim vive cercado de histórias sobre ser um assassino cruel e todos o temem pelas lendas alimentadas a seu respeito na pequena cidade de Veracruz. "O lobo", como é conhecido, guarda grandes segredos por trás dos imensos muros de sua rica fazenda. A vida pacata e solitária do Lobo, no entanto, é colocada em risco quando uma jovem ruiva, misteriosa e astuta aparece em busca de abrigo sem temer por nenhum momento estar dentro de sua toca.
Os olhos escuros de Mariana percorreram o ambiente em busca de uma saída, mas a verdade é que não existia uma. O único jeito de sair do quarto do Lobo era pela única porta, exatamente a que usou para entrar. A janela era alta demais para ser pulada. Seria um eminente suicídio.
As pernas tremeram quando deu o primeiro passo em direção à cama alta, grande e imponente em meio ao quarto amplo e iluminado apenas pela luz da lua. Os dedos se reviraram contra seu peito, apertando-os quase junto aos seios.
" Ele vai me matar.. ." sua mente pensava sem que pudesse controlar " Sei que vai !".
Apesar de dona Andreia ter garantido que não, que o Lobo era apaixonado por ela e a desejava, ainda existia medo e receio em seu interior. Duvidava que aquele homem, daquele tamanho todo e olhos tão altivos, pudesse amar alguém, muito menos ela, que se intrometeu em sua vida rodeada por mentiras.
Sentou-se na beira da cama e alisou o lençol claro nos dedos pequenos. O ambiente estava impecável, cuidadosamente preparado por dona Andreia para que ambos pudessem desfrutar a noite e o que estava por vir. A governanta e grande amiga de sua mãe não brincava em serviço... Estava mesmo empenhada em ajudar a moça a salvar sua pele.
"O Lobo não é um homem perigoso. Não é um assassino. São apenas lendas que ele não faz questão de desmentir".
A doce senhora sempre afirmava a mesma coisa, mas não era exatamente o que Mariana via. O Lobo era tão alto e forte que poderia matar um homem com apenas um golpe. Sua pele era clara, mas morena de sol e acostumada ao mesmo, quase impenetrável. Os olhos verdes eram perspicazes e ela sempre sentia que podiam ler sua alma... Acreditava sim que ele tinha poderes por trás da expressão. Ao menos nela causava sensações estranhas e que desejou, desde que colocou os pés na toca do Lobo, ignorar.
Sentia o peso da decisão em suas costas quando olhou para a porta do banheiro e ouviu o chuveiro se fechando. O banho havia acabado e em pouco tempo ele estaria no quarto.
Será que a expulsaria? Será que a machucaria?
Balançou a cabeça negativamente, ajeitando o cabelo vermelho e longo para longe do rosto. O Lobo jamais a machucou, mesmo em momentos onde estiveram sozinhos e as mãos dele estiveram sobre ela. Jamais o viu levantar a mão para ninguém dentro da fazenda, que dirá causar qualquer dano! Em seu coração sabia que dona Andreia tinha razão... Tudo o que ouviu sobre ele durante toda a vida na pequena cidade eram apenas lendas.
A única coisa que não era inventada, mas sim puramente real, era a rivalidade daquele homem com seu pai.
Leon Trovalim, O Lobo, era o pior e maior inimigo de sua família. O homem que seu pai mais odiava. Leon, no entanto, desconhecia totalmente sua identidade. Não sabia que ela, a pequena mulher de cabelos vermelhos chamada Sol que se enfiou em sua casa, era ninguém menos que Mariana Bancaglione, a filha de seu pior inimigo.
Se soubesse certamente a mataria. Principalmente depois do que estava por vir.
Leon abriu a porta do banheiro e passou por ela rapidamente, usando nada mais que um roupão azul escuro e os cabelos negros pingando no peito forte. Mariana engoliu em seco diante da visão e se moveu na cama, de modo a chamar sua atenção. Atraído pelo movimento, Leon parou e se voltou para ela.
— Sol? — A voz forte se fez no quarto escuro e ele acendeu a luz. A ruiva o encarava com o coração na mão, em completo silêncio, amedrontada por sua própria invasão — O que está fazendo em meu quarto?
O tom profundo fez o corpo dela estremecer por completo, de cima a baixo, refletindo a tensão em seu olhar castanho.
— Te esperando — O Lobo seguia parado do outro lado do quarto a encarando com dureza — Vim dizer que tudo o que houve de tarde não... — Ele ergueu uma das mãos e fez sinal para que ela se calasse.
— Não precisa me explicar nada... — Garantiu calmamente, aproximando-se alguns passos. O coração dela disparou com o ato, mas continuou ali, sentada e imóvel — Desde que colocou os pés aqui você sempre está metida em confusão. Sempre tem um homem atrás de você por sua beleza e isso significou te proteger até então... Mas agora acabou. Eu vi você com Ernesto — A decepção na voz dele fez com que Mariana se levantasse e sustentasse seu olhar esverdeado.
— Ernesto usou de força comigo, Lobo. Eu juro — Sussurrou séria e centrada. Os olhos castanhos demonstravam doçura, algo atípico dela, sempre tão impulsiva e voraz. Leon não podia negar que ela o desmontava, colocava por terra todas suas emoções — Não me interesso por ele. Não me interesso por nenhum outro homem...
Leon sorriu de canto em uma postura irônica.
— Desde que chegou você me disse que era uma sedutora incansável — As bochechas de Mariana coraram com as palavras dele — Deixou claro que estava acostumava com os homens a seus pés, mas para mim, um homem à moda antiga e preso nesse lugar, é difícil acreditar que uma menina de aparência tão doce seja realmente acostumada a certas coisas... — Mariana engoliu em seco. Leon sequer tinha ideia de que tudo tinha sido uma mentira, parte do disfarce. O homem coçou a cabeça e não escondeu a decepção — Não vou mais atrapalhar seu envolvimento com nenhum homem no qual esteja interessada. Aqui você é livre, Sol, e apenas peço que me deixe sozinho e não entre de surpresa em meu quarto novamente. Por favor — Abriu a porta e apontou para o corredor — Saia...
Mariana abaixou o rosto e reuniu coragem.
Ou se entregava ao Lobo e se tornava realmente sua mulher, ou voltaria para casa antes que o próximo dia raiasse. Não havia outra opção...
Caminhou até ele olhando profundamente naqueles olhos verdes. Suas mãos suavam e todo seu corpo respondia a presença máscula que preenchia todo o quarto.
Leon, O Lobo, era lindo e atraente. Fazia dela pouco, mas se sentia o próprio Sol quando ele a olhava. Estava com ciúme dela com Ernesto, um de seus empregados mais chegados. Acreditava mesmo em sua história de ser "uma sedutora", sem imaginar que estava diante de uma virgem...
Parou frente a ele e fechou a porta, encarando-o de perto com atenção.
— Não gosto do Ernesto — Disse segura de si, mas tremendo por dentro. Ele era tão alto que quase tinha que ficar na ponta dos pés para alcança-lo — Nem de nenhum outro.
— Saia... — O Lobo repetiu em voz alta, mas sem conseguir parar de olhar para ela, parada diante dele usando aquele belo vestido rosa florido que ele mesmo lhe deu como presente.
— Dona Andreia disse que você gosta de mim... — A frase dela o pegou de surpresa. Passou a mão forte entre os fios de cabelo tentando disfarçar a tensão.
Sim, ele gostava. Gostava da maneira como ela corria no campo com as mãos abertas entre as flores. Gostava da risada alegre que tomava conta do ambiente, dos cabelos vermelhos como o fogo e do corpo feminino que se movia com graça. Imaginava todos os dias, desde que a mesma apareceu em sua casa, como seria tê-la como mulher. Mas jurou a si mesmo que jamais se casaria, muito menos uma menina tão petulante e cheia de amantes.
— Não gosto de ninguém, Sol. Esqueceu-se de quem sou? — Ela negou, aproximando-se ainda mais, de modo a se colocar nos braços dele.
Leon não hesitou em tocá-la na cintura, mesmo que totalmente surpreso pelo ato. Sentia o corpo dela tremendo em suas mãos fortes, algo que o surpreendeu. A astuta Sol assemelhava-se a uma doce donzela enquanto se colocava nos braços dele de tão bom grado. A proximidade o intrigava. Há quanto tempo não tinha uma mulher? Há quanto tempo desejava e sonhava com aquela mulher?
As mãos pequenas foram para seu peito forte, subindo lentamente até seus ombros. Ela se colocou na ponta dos pés para falar bem perto de sua boca.
— Foi você quem se esqueceu de que eu... — Dizia com os lábios quase colados aos dele. Jamais sentiu o Lobo tão rendido e surpreso em todo esse tempo — Não tenho medo de você.
CAPÍTULO UM
A tempestade desabava sob a pequena cidade de Veracruz enquanto Mariana Brancaglione corria entre as árvores. Já havia caminhado um bom bocado para ser pega e não poderia permitir que acontecesse!
A cidade era pequena e quase todos se conheciam, por isso agradecia mentalmente, pela primeira vez na vida, o fato de seu pai a ter escondido na fazenda durante tantos anos. Seu rosto era quase irreconhecível. Seu cabelo vermelho e marcante chamava a atenção, era o mesmo de sua mãe, mas não seria qualquer um que a reconheceria facilmente.
Trocou as roupas caras que costumava usar por um vestido simples e branco que apanhou de uma das empregadas. Calçou chinelos, prendeu o cabelo em fita e correu desesperadamente após escapar dos homens que rondavam a fazenda. Uma fuga minunciosamente planejada por meses e que não poderia dar errado. Se fosse pega estaria diante de um final eminente de esperança... O pouco de esperança que ainda restava.
Seu casamento com um banqueiro rico estava agendado para dali alguns dias. Já havia provado o vestido, mas seu pai, o poderoso Juan Brancaglione, não contava com seu plano ousado. Não podia viver daquela maneira. Não podia ser vitima de um negócio, sujeitando-se a passar a vida como sua madrasta e suas cunhadas. Todas as mulheres que conhecia eram subjugadas aos homens, que por sua vez eram autoritários e violentos. Todas apanhavam e apenas serviam para serem usadas e engravidadas. Não podia aceitar ter o mesmo destino cruel que elas... Não podia terminar como sua falecida mãe, arrasada por um casamento de conveniência e morta de tristeza e desgosto.
"Fuja minha Sol!" disse a pobre antes de morrer "Fuja quando tiver chance!".
E foi o que fez!
Não podia dizer que os amava, uma vez que o pai e os dois irmãos eram tudo o que conhecia, mas também jamais os admirou. Eles apenas faziam mal, tratando-a como um porco para abate visando o grande momento do casamento. Trocaram-na por dinheiro. Uma virgem de família rica que estava estorvando o pai com suas ideias revolucionárias e foi vendida por uma boa quantidade de ouro.
Não ela.
Não Mariana Brancaglione. O sol que sua mãe fez nascer dentro dela era muito maior do que toda aquela repressão.
Seguiu caminhando na clareira aberta, visualizando em meio à tempestade os muros altos que delimitavam a fazenda de Ouro, mais conhecida como "A toca do Lobo". O homem demorou anos construindo aqueles muros mesmo sabendo que ninguém seria louco o suficiente para ultrapassá-lo. Qualquer pessoa sensata passaria bem longe da toca de um cruel assassino.
O coração de Mariana apertou com certo medo enquanto encarava os muros, mas não existia alternativa. Ou se entregava ao Lobo... Ou voltaria para a casa fadada a um destino cruel. Apenas pediria um trabalho em troca de um abrigo. Não poderia ser tão difícil, poderia? O Lobo certamente tinha problemas em arranjar empregados. Ninguém costumava se aproximar.
Caminhou até a entrada da fazenda encarando a placa de madeira grossa e as letras em ouro que anunciavam a entrada.
"Fazenda de Ouro" Logo abaixo, em letras menores "A toca do Lobo".
Engoliu em seco quando atravessou a porteira, dando de cara com um homem alto, de cabelos claros e tão molhado quanto ela. Usava um chapéu velho sobre a cabeça, uma camisa surrada e azul e a encarava com curiosidade, sem esconder a admiração.
— O que procura aqui, mulher? Estranhos não são bem-vindos — A rispidez na voz do homem não a fez recuar. Ajeitou ainda mais a bolsa de ombro que carregava com alguns poucos objetos e afastou o cabelo vermelho da bela face molhada.
— Sou... Sol — Sussurrou parada em meio à chuva e com a postura segura de si — Vim em busca de abrigo. Posso falar com o Lobo?
O homem riu de maneira escrachada e olhou ao redor, apontando para os demais homens que estavam na porteira para fazerem a ronda no ambiente. O Lobo sempre estava sozinho, em segurança, apenas com seu povo. A fazenda era muito rica, uma das mais cobiçadas do país, por isso costumava ser carregada de segurança e homens a espreita para evitar um possível saqueamento.
— O Lobo não recebe visitas sem um grande aviso prévio... Muito menos de uma qualquer! — Apontou para o longe — Vá embora antes que eu mesmo a coloque para fora daqui!
Mariana olhou para a direção onde ele apontava e voltou-se novamente para o homem. Ele parecia decidido, muito empenhado, e a moça pensava rápido em busca de uma solução. Sabia que não seria fácil. Não esperava chegar à fazenda de um homem perigoso e ser recebida com um chá da tarde, mas não podia voltar.
— Moço, eu não tenho para onde ir... — Colocou a mão sobre os olhos para enxergá-lo melhor — Perdi toda minha família e preciso de um trabalho. Não tenho ninguém por mim e não consegui encontrar nada na cidade... — Mentiu e viu a dúvida no olhar do homem - Me disseram que o Lobo poderia precisar de um empregado em suas terras e vim me candidatar.
O homem parecia surpreso. Apoiou as mãos na cintura e olhou ao redor. Não podia evitar olhar para a beleza da mulher. Era de estatura média, tinha um corpo com formas perfeitas e o rosto delicado. Os cabelos eram vermelhos como o fogo e os olhos castanhos e brilhantes. Nunca uma daquela havia passado pelo lugar.
— Você tem muita coragem de vir pedir emprego ao Lobo, sendo uma menina tão jovem e sozinha — O homem fez sinal para que ela se aproximasse e ambos pararam sob o abrigo de um toldo alto. Não escondia a maneira como a analisava dos pés a cabeça — Não tem medo do que ele pode fazer?
— Se ele quiser me matar... — Dizia com o olhar distante — Não terei nada a perder — As palavras dela despertaram ainda mais o interesse do homem, que mordeu os lábios encarando-a de costas. Seu olhar predatório a incomodava, mas não tinha como ignorá-lo — Será que pode me levar até o Lobo, por favor?
Demorou alguns segundos até que o homem apontasse para frente em sinal para que ela seguisse. Os outros guardas colocaram as mãos sobre as armas, mas o mesmo fez sinal para que abaixassem, piscando convidativamente.
Mariana olhou por cima dos ombros e notou que alguns deles os seguiam de perto. Seu coração apertou no peito ao passo em que seguia o tal homem em meio à chuva forte, que lhe cegava os olhos conforme caminhava. A casa grande da fazenda de Ouro era realmente imensa, podendo ser vista desde a entrada. A imensidão da riqueza daquele homem era a única que se equiparava a de seu pai nas redondezas. Agora compreendia o motivo de tanto ódio por parte de sua família para com ele... O Lobo era o único que ameaçava o poder dos Brancaglione naquela pobre região subjugada aos senhores fazendeiros.
Sabia que existia muito mais. Sabia que a família Trovalim e a Brancaglione foram rivais por décadas, mas jamais soube de fato o verdadeiro motivo de tamanha rivalidade.
Alcançaram juntos os estábulos, bem próximos da casa grande. Mariana se viu livre da chuva ao entrar na pequena habitação e admirou os cavalos enquanto o homem parava diante dela.
— O Lobo tem bom gosto para os animais... — Sussurrou enquanto acariciava a cabeça de um cavalo caramelo e forte. O mesmo se mostrou ressabiado, mas Mariana o acalmou com algumas carícias.
— O Lobo tudo sabe... Ele é feiticeiro, não te disseram? — Mariana riu baixinho e o homem parou ao lado dela, com um dos braços apoiados ao lado da baia no cavalo em questão.
— Não acredito nessas coisas, meu senhor — Seguia acariciando o animal.
— Realmente não acredita... Para se meter assim na toca do Lobo realmente não sabe o que está fazendo — Mariana se assustou quando o homem lhe tocou a cintura e deu um passo para trás.
— Quando vai me levar até ele? — Ríspida, deixava claro com o olhar que não tinha medo. Mas tinha... E como tinha! — Não tenho tempo a perder e tão pouco me interesso...
O homem riu debochadamente e se aproximou ainda mais, encurralando-a em uma das baias vazias. Mariana olhou para os lados e nada viu, apenas mais alguns homens se aproximavam na chuva. Deixou a pequena bolsa cair do ombro quando reparou o plano daquele que a cercava. O olhar demoníaco que o mesmo lançava para seu corpo a fazia querer vomitar, mas o medo se mostrava ainda maior do que qualquer repulsa.
— Que mulher tola... — Dizia sorrindo com deboche — Achou mesmo que teria qualquer chance? Sabe quanto tempo faz que uma mulher como você não aparece por aqui?
— Fica longe de mim... Se afaste! — A voz de Mariana tremia, mesmo que tentasse demonstrar força. Escapou tantas e tantas vezes de tentativas dos homens da alta sociedade... Pela primeira vez se sentia realmente sozinha e desamparada. Antes tinha o sobrenome Brancaglione para protegê-la. Agora não tinha nada.
O homem avançou sobre ela quando não pôde mais se afastar, colocando as mãos em sua cintura e os lábios em seu pescoço. Mariana o empurrava com força e gritava em plenos pulmões, mas a tempestade a impedia de ser ouvida.
Sentia a força se esvaindo com o nojo que sentia daquele homem e dos demais, que se aproximavam e riam da cena. Seria violentada por vários homens em nome de um sonho de liberdade que jamais existira! Sentia-se a mulher mais tola do mundo, a mais usada... Seu pai sempre disse que uma mulher sem um homem não era nada e, pela primeira na vida, Mariana teve de compadecer da ideia.
Sozinha não significava nada.
— Pensou mesmo que fosse se meter na toca do Lobo e sairia impune?
O homem a jogou sobre os fenos e lhe rasgou o vestido até a cintura, revelando seu sutiã branco. Mariana gritou nervosa, principalmente quando uma presença imponente e que preenchia toda a passagem apareceu atrás deles, junto à entrada.
Aquele homem certamente poderia matá-la e o pavor tomou conta de si. Não sobreviveria caso quisesse também violentá-la. Seu ar faltou apenas por pensar na possibilidade. Sua pressão caiu ao vê-lo. Sentia que morreria ali mesmo e agradecia pelo fato. Era melhor morrer do que sobreviver para ter um destino tão cruel.
— O que está acontecendo aqui? — A voz forte tomou conta do ambiente através da chuva e foi tudo que Mariana ouviu antes de cair na escuridão.
— Mamãe, ela está acordando?
— Creio que sim, querida... Acho que a arnica deu certo!
— Ela parece ser estrangeira, mamãe, nunca vi uma moça de cabelo vermelho... — A voz feminina era doce e longínqua. A outra, mais grave e cansada.
— Eu já, minha querida. Não muito longe daqui.
Mariana abriu os olhos quando ouviu a última frase e se deparou com dois rostos bem próximos ao seu, parados a observando bem ao lado do leito. A luz forte se fez em seus olhos e levou a mão ao rosto para poder piscar. Ardia. Sentia-se tonta.
— Eu não morri? — Sussurrou cansada, observando as duas mulheres sobre ela.
Uma era jovem, pouco mais que uma criança, com duas tranças no cabelo escuro e olhos amendoados e curiosos. A outra era mais velha, por volta dos cinquenta anos, cabelos brancos e olhos iguais aos da menina. Notoriamente eram mãe e filha.
— Não, você está bem... — A senhora disse tranquilamente — Ficamos preocupadas, mocinha. Qual é o seu nome?
Mariana se sentou com a ajuda das duas e reparou no ambiente ao redor. Estava em um pequeno quarto com apenas uma cama, um armário e uma pequena mesa de canto com um abajur. Havia uma janela baixa com uma cortina florida e ainda chovia, podia notar.
— Meu nome é... — Olhou para as duas novamente e apertou a nuca para se situar — Sol. Me chamo Sol.
— Ah, veja só... Combina com ela! — A menina disse sorridente — Por causa do cabelo...
— Onde eu estou? Quem são vocês, eu... — Lembrou-se do horror e quase se engasgou com a fala.
— Sou Andreia e essa é minha filha, Flora — A menina acenou para ela alegremente — Você está na fazenda de Ouro, menina. A toca do Lobo.
O terror novamente a preencheu com ainda mais ímpeto. Nem as figuras agradáveis eram capazes de tirar dela aquele sofrimento. Assustada, olhava ao redor com medo e tinha lágrimas no rosto.
— Aqueles homens... Eles... Eles queriam me machucar e... — Andreia se aproximou dela com carinho e lhe tocou os ombros com cuidado, acalmando-a. Flora pegou um chá ao lado e lhe estendeu.
— Calma, menina, vai ficar tudo bem... Eles são uns cretinos, mas por sorte não te fizeram nada. Você foi salva a tempo! — A velha senhora sussurrava ao seu ouvido e o olhar de Mariana ia se acalmando.
— O que você tinha na cabeça de entrar na toca do Lobo assim, garota? Só tem homem doido lá fora! — Flora apontou para o jardim — Eles são pagos para matar invasores, que dirá o que fariam com uma moça como você!
— Eu só queria um emprego, só queria falar com o Lobo e... — Andreia negou.
— O Lobo não aceita ninguém de fora. Só entra aqui quem já é da fazenda e da comunidade, menina. Não diga que não sabe sobre as lendas? Sobre ele... — Andreia apontou para fora — O Lobo não recebe ninguém.
Mariana se sentiu tola. Presa na fazenda Brancaglione por quase toda a vida, saindo apenas para poucos passeios e para a igreja com o pai e os irmãos, não sabia nada sobre nada. Abaixou o olhar e reparou que o vestido estava rasgado até a cintura e seu sutiã a mostra. Estava coberta com uma manta fina rosa e ainda tinha o vestido úmido. Corou pela vergonha.
— Pensei que... Que fossem apenas lendas — Deu de ombros — Como vim parar aqui? Como sobrevivi? — Dizia de maneira desacreditada.
— O Lobo... — Flora disse como se fosse obvio.
— O Lobo foi quem me atacou... — Mariana afirmou — Aquele homem terrível, asqueroso e abominável!
Mariana viu no olhar das duas a negativa. Não conseguia parar de pensar no horror que aquele agressor representava, principalmente no nojo que sentia. Lembrou-se também da figura enorme que apareceu repentinamente e deveria ser a de seu salvador. Para sua surpresa, Andreia deixou claro quem realmente era o mocinho e quem era o vilão.
— Não, menina — Andreia a interrompeu — O Lobo foi o homem que te salvou.
CAPÍTULO DOIS
Na boca de muitos Leon Trovalim era um assassino cruel e matava a troco de nada. Podia terminar aquela história com mais uma morte por suas mãos, mas jurou a si mesmo jamais voltar a se sujar com sangue.
Mesmo que naquela situação a morte fosse pouco para aqueles que estavam diante de seus olhos.
— Eu perguntei o que está acontecendo aqui? — Vociferou alto e claro, temendo a si mesmo com tamanha ira que escapava de seus olhos e atos. Os punhos se fecharam instantaneamente ao lado do corpo forte.
O olhar apavorado dos homens presentes no estábulo em direção ao Lobo deixavam claro seu pavor. Todos se colocaram imóveis e desconcertados enquanto o patrão analisava expressão por expressão em busca de uma resposta.
— Lobo, essa... — O homem que antes agarrava a moça dizia com a voz tremula — Essa mulher quis invadir a fazenda e estávamos aqui para detê-la.
Leon balançou a cabeça negativamente e olhou bem no fundo dos olhos dele. Caminhou lentamente para mais perto, fazendo o homem erguer os olhos para enxergá-lo, e parou diante do corpo inerte da mulher caída e desacordada sobre o feno dos animais no estábulo.
— Acha mesmo que vou acreditar que precisavam deter uma mulher deste tamanho, com esse porte físico? Tenho cara de idiota, Dário? — O Lobo empurrou o ombro do homem, que deu dois passos para trás com o impacto.
— Calma Lobo... Calma... — Ergueu as mãos em frente ao corpo. O olhar esverdeado e carregado de ira do Lobo era temível a qualquer um. As veias saltavam em seu pescoço pela pressão diante de tamanha mentira. Os demais homens se afastavam o quanto podiam — Você deu ordens claras para afastar qualquer estranho que colocasse os pés na Toca!
— E o que ela está fazendo aqui dentro, então? — Gritou mais alto que os trovões da chuva — Dei ordens para afastarem o perigo da Toca! Ladrões, saqueadores, homens armados e coisas do tipo... Não uma mulher pequena e que sequer consegue portar uma arma! Vocês todos... — O Lobo o pegou pelo colarinho e Dário sentiu mais medo do que jamais antes em sua vida. A fúria do Lobo era conhecida de norte a sul — Queriam estuprá-la!
Leon arremessou o homem longe, fazendo com que batesse as costas em uma viga de madeira e despencasse ao chão sem qualquer reação, apenas gemendo de dor. Olhou para os demais e não encontrou nada mais que o terror.
— Como você... Como você soube... — Dário sussurrava enquanto tentava se levantar.
— Sei de tudo que acontece na Toca — Afirmou regenerando-se, vendo que a mulher estava a salvo. Respirava e estava desacordada, mas parecia bem. Tocou a pele clara e delicada do pescoço dela com dedos trêmulos, sentindo o pulso firme e forte. Voltou-se para Dário, que levantou do chão com dificuldade.
— Lobo, tente compreender — Sussurrava caminhando devagar, mas parado a uma distância segura — Não é todo dia que uma mulher como essa aparece por aqui. Quanto tempo faz que não vê diante dos olhos tanta beleza e um corpo como esse?
O Lobo lançou olhar novamente para a mulher caída. As coxas eram torneadas, a cintura fina e o decote farto. A pele reluzia de tão delicada e clara, os traços eram finos e o cabelo vermelho e revolto ao lado da face, marcante.
— Quem é ela? — Sussurrou com a voz firme e pesarosa.
— Não sei... Disse que é sozinha no mundo e está buscando trabalho em troca de moradia e o Lobo poderia precisar... O nome dela é Sol — Explicou rapidamente.
O olhar do Lobo para ele foi ainda mais assustador.
— Você se aproveitou da solidão dela para abusar, é isso, canalha? — Dário abaixou o rosto. O Lobo engoliu em seco, mas não deu o braço a torcer — Maldito é o homem que perde a cabeça por uma mulher! — Garantiu entredentes, puxando-o pelo colarinho novamente. O homem estremeceu de medo — Você tem duas horas para pegar todas suas tralhas e sumir de minhas terras!
— Lobo, por favor...
— Desapareça se não quiser morrer! — Vociferou o largando novamente e desta vez Dário correu para longe, junto dos demais homens.
O Lobo os observou sumir na chuva em direção as casas dos funcionários, sentindo o cabelo escuro e úmido pingar em sua testa. A respiração acelerada evidenciava seu nervosismo, assim como a adrenalina que corria em suas veias. Olhou para a mulher caída e se aproximou vagarosamente, parando ao lado dela e se recordando de uma cena terrível que vivenciou anos atrás.
A mesma lembrava sua mãe em uma noite onde Leon a presenciou ser violentada. A cena terrível martelava em sua memória e por pouco não o levou as lágrimas... Aquele passado terrível se embolava com várias lembranças que o tornaram o que era hoje. Atualmente seria ultrajante que alguém presenciasse o Lobo chorando.
Tocou o pulso da garota e sentiu o coração. A pressão certamente deveria ter caído com o medo. Passou a mão entre os cabelos escuros antes de observá-la melhor, detendo-se no vestido branco rasgado até a cintura com o sutiã exposto.
Era realmente uma linda mulher, capaz de despertar em um homem os mais loucos desejos. Tocou o rosto dela e tentou acordá-la, mas parecia imersa no vazio. A pele clara deslizava em suas mãos como seda e as palavras de Dário ecoavam em sua mente com ímpeto.
"Não é todo dia que uma mulher como essa aparece por aqui."
Sol.
Pensou enquanto a tomava nos braços com cuidado e via a cascata de cabelos vermelhos e úmidos caindo ao redor deles. Realmente o nome fazia jus a todo seu esplendor. Era linda, doce e sua pele exalava um familiar e já quase desconhecido cheiro de mulher.
O Lobo saiu com ela pela chuva e nem sequer daquela maneira a moça acordou.
"Maldito é o homem que perde a cabeça por uma mulher".
Esse era seu lema de vida há muito tempo, mas tinha de estar de acordo que aquela mulher em particular era realmente tentadora. Não olhou muito. Sequer deu atenção aos desejos que sussurravam em seu ouvido.
A levou diretamente para dentro da casa central, despertando a atenção de Andreia, sua governante de anos, e Flora, a filha da mesma.
— Já viu essa moça por aqui, Andreia? — Leon disse enquanto acomodava Sol na cama pequena do quarto de funcionários da casa que Andreia indicou. A senhora a analisou de perto, mas manteve-se calada o tempo todo — Andreia? Não está me ouvindo?
Ao ouvir o tom mais alto do Lobo, a senhora voltou-se para seu rosto.
— Não, Lobo. Jamais vi essa moça por aqui — Afirmou com a voz segura e uma das mãos tocando o rosto da menina — Sabe como se chama?
— Sol — Os olhos verdes do Lobo seguiam presos na moça, ambos molhados e cansados. Flora entregou uma toalha ao patrão, que passou no próprio rosto, e com a outra tratou de secar a desacordada — Dário e mais alguns tentaram abusar dela. Disseram que busca abrigo... Achei que pudesse te soar familiar, Andreia. Você é uma das pessoas mais antigas aqui na cidade.
O Lobo encarou a governanta novamente, mas a resposta foi mais uma vez negativa.
— Não, Lobo. Jamais a vi — Olhou para a filha e pegou a toalha das mãos dela, passando a secar a moça — Vá buscar arnica e um pano limpo na cozinha, Flora. Vamos despertá-la.
— Sim senhora! — Flora saiu apressada pela porta, deixando a mãe e o patrão a sós. Leon olhou por cima do ombro para ver se a menina estava longe e se aproximou alguns passos mais de Andreia.
— Acha que representa algum perigo? — Os olhos da governanta se voltaram para ele com indignação.
— Que perigo uma moça como essa pode representar Lobo? Só tem a roupa do corpo junto de si e ainda rasgada! — Seu tom carregado de obviedade fez com que Leon reconsiderasse — Não passa de uma pobre em busca de trabalho e abrigo. Seja menos duro consigo mesmo!
— Estranho o fato de uma mulher sozinha aparecer por aqui... Será que não sabia o que estava fazendo? — Olhava para o rosto angelical da moça adormecida.
— Parece ser de fora. Talvez de outro estado... As pessoas de outros lugares não conhecem a lenda do Lobo — Andreia relembrou ao terminar de secar a moça. Apanhou uma coberta fina — Vou arranjar um vestido novo para ela. Parece vestir o mesmo número de Flora...
— Ela não vai ficar muito tempo por aqui — Leon ainda olhava para o belo rosto desacordado de uma maneira quase hipnotizada. Andreia parou diante dele e o encarou com severidade.
Talvez a velha senhora fosse à única capaz de enfrentar o Lobo até aquele momento.
— E para onde essa pobre infeliz e desprotegida irá, Leon? — Ao dizer o nome dele, viu o maxilar do homem travar com raiva — Tome juízo e coloque a cabeça no lugar... Ou o Lobo não se acha forte suficiente para ficar perto de mulher?
— Não me chame de Leon, Andreia. É você quem está perdendo a razão? — Flora apareceu novamente com a arnica e o pano seco.
— Aqui, mamãe.
Andreia seguiu olhando Leon, mas voltou-se para a filha e pegou os objetos. Rapidamente molhou o pano com arnica e se abaixou ao lado de Sol.
— Pegue um de seus vestidos, filha. Acho que deve dar na moça...
Andreia colocou o pano no nariz de Sol e a moça moveu o rosto e franziu o cenho. Leon respirou aliviado ao ver que estava bem.
— Bom, eu vou...
— Vai pra toca, eu sei — Andreia não o encarou ao dizer. Seguiu tentando reanimar a moça — Flora te avisa sobre a moça... Como é mesmo o nome dela?
Ainda confusa, Mariana moveu o rosto em direção a ele, mas ainda estava desacordada.
— Sol. O nome dela é Sol.
O lugar não era assustador como imaginou por um momento.
— A Toca do Lobo... — Os olhos castanhos de Mariana rodavam o ambiente enquanto tomava um chá de camomila oferecido por Andreia. Flora estava sentada aos seus pés na cama pequena e a velha senhora estendia alguns vestidos na mesinha — Quem diria. Nunca pensei que fosse tão bonito e organizado.
— Pensou que fosse escuro e aterrorizante? — Flora mexia nas tranças de seu cabelo enquanto a analisada. Mariana deu de ombros — É o que todos dizem... Que o Lobo é assim.
— E não é? — Mariana a encarou de maneira confusa — É só o que se escuta por aí... Quantos ele já matou. Que é capaz de arrancar a cabeça de um homem com apenas uma das mãos...
— Balela! — Andreia a interrompeu ao terminar de ajeitar os vestidos. Passou a mão fortemente no avental rosa antes de voltar-se para as meninas — O Lobo não é um homem ruim... Muito menos um assassino! Se o fosse, não teria te salvado.
Mariana abaixou o rosto após encarar a senhora por alguns momentos. O terror daquele encontro ainda assolava sua mente de maneira muito viva, tornando seu corpo vulnerável ao medo. Apertou a xícara nas mãos pequenas e tomou um ultimo gole. Andreia tinha razão em podá-la nos comentários. Se não fosse o Lobo, Deus era o único que sabia o que seria dela na mão daqueles homens! Seu destino era pior do que a morte.
— Eu queria agradecê-lo... — Sem pensar, proferiu as palavras — Mesmo que seja aterrorizante, assassino e tudo o que disserem por aí... Ele merece minha gratidão.
— Mas ele não é — Flora também afirmou de maneira convicta — O Lobo é bom. E muito agradável aos olhos...
— Difícil acreditar... — Mariana olhou para o vestido azul claro que decorava seu corpo — Obrigado pelo vestido, dona Andreia. Você também, Flora. Assim que possível eu devolvo... Nem que tenha de descer de longe para voltar e entregar.
— Para onde vai, menina? — Flora indagou um pouco desolada — Uma moça sozinha caminhando na estrada de terra... Vão aparecer mais aproveitadores para te molestar.
Andreia observava a dupla parada atrás da filha, de frente para Mariana, que deu de ombros com uma expressão cansada.
— Não sei... Realmente não sei — Com o olhar baixo, ajeitou o cabelo vermelho já seco para longe do rosto cansado — A única certeza que tenho é que não posso voltar.
— Porque não? — Flora parecia confusa demais e Andreia completamente atenta a cada movimento da ruiva — Você tem cara de moça fina, não parece ser filha de roceiro. O que pode ter acontecido em sua vida de tão ruim?
Mariana não desmentiu sua origem, mas foi logo ao ponto.
— Querem me obrigar a casar com um homem muito mais velho e que tenho nojo, um tipo repugnante e que causa medo... — Flora adotou expressão de horror - Coisas do século passado. Não posso aceitar esse destino, muito menos sem lutar.
— Mas por aqui ainda é normal, Sol — A morena olhou para a mãe rapidamente — No interior da vida não existe toda essa modernidade, infelizmente. A gente que é pobre até casa com quem quer, mas os ricos...
— As famílias de mais posses sempre casam os filhos por negócios, por terras... Interesses — Andreia completou sem deixar escapar as reações da moça, que sequer as encarava. Parecia em profunda tristeza. Afastou a xícara e colocou na mesinha do lado.
— Eu fugi — Cortou-as sem querer entrar em detalhes sobre sua vida financeira e sua família — Estou fugindo por muitos dias e cheguei até aqui. Talvez seja o único lugar aonde não vão me encontrar... Se é que ainda vão querer vir atrás de mim. Acredito que todos já tenham me esquecido e me deserdado. Agora sou uma perdida.
Sabia que iriam atrás dela. Sabia que seu pai, Don Juan, moveria céus e terras por ela, mas na toca do Lobo estava segura de sua ira.
— Não conseguiu trabalho em nenhum outro lado? — Flora prosseguia. Mariana negou prontamente.
— Nada que fosse honesto... — Olhou para Andreia de relance e por um momento ficou assustada com a maneira como a mulher a olhava. Era como se pudesse desvendar todos seus segredos — Peço que não contem a ninguém sobre nossa conversa. É constrangedor ser uma fugitiva. Sei que o Lobo não vai encontrar serventia em mim, mas sou grata e vocês e a ele por terem me salvado.
— Flora, querida... — Andreia tocou o ombro da menina com carinho — Será que pode ir até a cozinha preparar o café do patrão? Já está na hora...
Sem estranhar o pedido e levantando na hora, a morena concordou apressadamente.
— Claro, mamãe, sim senhora!
— Sabe como ele gosta, não é? — Vendo a empolgação da moça, que sempre fazia de tudo para ficar mais perto do Lobo, ocupou o lugar dela frente à Mariana.
— Sim, mãe. Trarei um cafezinho para vocês duas também! Com licença! — A felicidade exalava pelos poros de Flora quando saiu do quarto, deixando a mãe sozinha com Mariana.
— Essa daí não tem mesmo medo do Lobo... — Brincou com um sorriso. Era notório o interesse da filha da governanta pelo patrão, quase escancarado. A menina era apaixonada pelo Lobo.
— E pelo jeito nem você... — A ruiva deu de ombros.
— Jamais vi homem maior... Sorte que desmaiei antes de ver o resto — Andreia cruzou as pernas com cuidado.
— O Lobo é um homem muito vistoso aos olhos das mulheres. Acredite se quiser. Se parece quase com um príncipe — Apoiou o queixo nas mãos e encarou a moça de maneira pensativa. Sol parecia não crer em nenhuma palavra — Tão lindo quanto seu pai foi um dia, senhorita Brancaglione.
Mariana separou os lábios com o impacto das palavras, pega de surpresa pela afirmativa de convicção da mulher a sua frente. Andreia parecia não demonstrar nenhuma duvida. Seu olhar era certeiro e fiel.
Jamais a viu em toda vida. Seu rosto não era conhecido por muitas pessoas, a não ser os fieis da igreja de seu bairro. Como a governanta da fazenda de Ouro poderia saber quem ela era?
— Não sei do que está falando... — Mariana tentou, mas Andreia negou com um aceno.
— Tem os olhos escuros de Don Juan... O marcante e inconfundível cabelo vermelho de Lady Emília... — Enumerava enquanto analisava o rosto da moça, perplexa pela descoberta — Você é a cara de sua mãe — Mariana corou e sequer conseguiu desmenti-la — Nós fomos grandes amigas, sabia? Emília foi minha patroa durante anos e eu só fugir para cá depois de sua morte... Tive a mesma ideia que você! Aqui, na Toca do Lobo, seria o único lugar aonde seu pai não iria me procurar... Ao menos não teria coragem de entrar — Deu de ombros — Don Juan sabia que as coisas que eu sabia sobre a família Brancaglione poderia destruí-los... Eu vi Lady Emília morrer aos poucos pelos desgostos que ele lhe causava.
— Eu não... — Andreia sorriu de canto e Mariana sequer soube o que dizer. Aquilo soava estranho para ela.
A mulher realmente sabia sobre seus pais e jamais a tinha visto na vida. As únicas pessoas que sabiam o segundo nome de sua mãe eram poucas, raras... Todos a chamavam de Lady Ana, seu primeiro nome. Emília era quase um segredo, apenas seu pai e os mais íntimos a chamavam assim. Aquela mulher realmente conhecia sua família.
— Você é exatamente como ela... Exatamente como minha grande amiga Emília — Mariana abaixou o rosto de maneira derrotada — Eu vi nascer Tiago, Gabriel e você... Mariana. O que está fazendo aqui na toca do Lobo?
Não havia dúvidas. Não conseguiria manter o segredo para sempre.
CAPÍTULO TRÊS
— Se realmente sabe quem eu sou, deve também saber do que meu pai é capaz — Andreia analisava o rosto da moça com certa pena. Já usando um vestido amarelo que pertencia a Flora, Mariana penteava o cabelo diante do pequeno espelho pendurado no quartinho — Alcancei a idade adulta de vinte e dois anos e ele me quer casada. Não atura mais minha solteirice e não me deixa estudar.
— Isso é muito absurdo... — A velha senhora se colocou de pé ao lado dela, de braços cruzados. Observou o corredor para se certificar que a filha não estava chegando — Se eu tivesse a oportunidade de dar estudos a Flora, realmente o faria. Mas consegui com a ajuda do Lobo que ela estudasse ao menos o ensino médio básico na cidade.
— O Lobo é a favor de uma mulher estudar? — Virou-se para ela de maneira surpresa.
— O Lobo é um homem justo — Afirmou com convicção e Mariana negou.
— Para todos ele é um assassino... Temido — Pontuou e se aproximou a ponto de tocar as mãos da senhora — Preciso do abrigo, senhora Andreia. Você conhece o meu pai... Ele me quer casada para servir ao velho ignorante que me arranjou como marido. Se eu me casar, terei o mesmo destino de minha madrasta e minhas cunhadas, serei fadada a um matrimônio infeliz! Morrerei aos poucos como minha mãe, afundada na tristeza! Ela me fez prometer que iria fugir quando pudesse e escapar de ter um destino como o seu...
Andreia segurou nas mãos pequenas de Mariana e sentiu como se estivesse realmente diante de Lady Emília, olhando nos olhos dela. Olhos sempre tristes e cansados, mesmo emoldurados por um rosto carregado de beleza. Mariana era como a mãe e ela não poderia permitir tamanha atrocidade. Não poderia permitir que Don Juan roubasse novamente o destino de uma inocente, mesmo sendo ela sua filha. Sabia que Mariana não mentia. Conheceu a verdade.
— Está bem, Mariana. Você pode ficar — Afirmou com um suspiro, arrancando um sorriso enorme da moça — Mas seu nome será realmente Sol e ninguém poderá saber sua verdadeira origem. Ninguém, muito menos o Lobo! Não sei do que ele seria capaz se soubesse que tem uma Brancaglione pisando em suas terras.
Mariana suspirou aliviada e abraçou Andreia pelo pescoço com emoção.
— Obrigado, dona Andreia. Obrigado! Prometo que vou fazer o que quiser! Lavo, passo, cozinho, cuido da horta... O que quiser! — Garantiu ainda abraçada ao pescoço dela.
Andreia sorriu de canto quando se separaram.
— Estou fazendo isso por Lady Emília... Eu realmente tinha muito carinho por ela — O sorriso de Mariana murchou — Sei também do que Don Juan é capaz.
— Nasci fadada ao fracasso...
— Não! — Ergueu o queixo da moça — Você está lutando e isso já é um começo! — Mariana sorriu pequeno e ajeitou o cabelo atrás da orelha de maneira tímida — Já te adianto que não será fácil convencer o Lobo... Ele não aceita ninguém de fora na fazenda.
— Ele não precisa de mão de obra aqui? Posso fazer contas, também... Fui ensinada em casa por muitos anos por bons professores e falo inglês. Sei costurar, cozinhar e me interesso por moda — Andreia acenou negativamente.
Mariana ficou constrangida com a maneira como a governanta a olhou dos pés a cabeça, dando um giro ao redor dela para analisá-la de todos os ângulos. Ajeitou o vestido no corpo e procurou ficar parada de maneira correta.
— A única coisa que o Lobo precisa e você poderia ajudar... — Parou perto do ouvido dela — É de uma esposa!
Mariana pulou para frente e tapou o ouvido.
— Deus me livre de me casar com um demônio! — Andreia riu baixinho da maneira como a moça parecia aterrorizada.
— Eu já disse que ele não é nenhum demônio... São apenas lendas! — Mariana rodou os olhos escuros na face — Mas, de todos os modos, seria impossível misturar o sangue Trovalim com o Brancaglione. Se Don Juan descobrisse que você está nos braços do Lobo, provavelmente haveria uma guerra!
— Não estou nos braços de ninguém, apenas pedi abrigo — Relembrou enquanto dobrava os vestidos dados por Flora — Será que eu posso recuperar a bolsa que carregava quando cheguei?
— Claro... Está bem ali — Aponto para o armário e Mariana logo os apanhou. Sentou-se sobre a cama e espalhou os objetos ali — Se houver celular você será localizada.
— Sei disse, por isso não trouxe. Apenas algumas roupas, água e documentos.
Andreia se emocionou ao ver uma moça tão rica e cheia de posses contando objetos sobre uma cama pequena. Aquele era o retrato do machismo pregado por um homem duro e retrogrado... Don Juan Brancaglione. Para ele, todas as mulheres eram meros objetos, apenas mais uma posse. Até mesmo a própria filha.
— Bom, Sol... — As duas sorriram com a menção do novo nome — Você pode ficar neste quarto até eu conseguir convencer a fera... Quer dizer, o Lobo. Não saia enquanto eu não deixar.
— Sim senhora. E mais uma vez... Obrigado.
Leon encarava o vazio da janela de seu quarto, a suíte mais alta da casa grande da fazenda de Ouro. Mesmo com o café fumegante nas mãos, não conseguia pensar em outra coisa que não fosse na linda invasora do dia anterior.
Sol.
Não havia nome mais apropriado para ela.
Passou a noite em claro imaginando cenários terríveis do destino que a pobre poderia ter, mas também pensou em sua beleza. Otávio, o capaz da fazenda, estava certo. Já fazia muitos anos que não tinha uma mulher em sua cama. Não uma que fosse capaz de fazê-lo realmente perder a cabeça, uma que tivesse a incrível beleza da invasora de cabelos cor de fogo.
A porta de seu quarto foi aberta após um toque pequeno e se virou para contemplar Andreia entrando com a bandeja.
— Pensei que estivesse fugindo de me encontrar... Desde ontem é Flora quem me trás as refeições — Disse caminhando mais perto dela — A invasora já foi embora?
O olhar de Andreia se tornou um pouco nervoso.
— Não. Ela ainda está aqui — Leon negou com um aceno — Sei que é contra suas regras, mas a moça realmente não tem para onde ir!
Leon lhe deu as costas novamente e foi para frente da janela uma vez mais. Parecia decidido e muito convicto de sua posição. Andreia colocou a bandeja sobre uma grande mesa localizada ao segundo cômodo das acomodações do patrão e parou um metro atrás da figura alta.
— Não posso abrir uma brecha de fragilidade, Andreia. Não posso colocar tudo a perder por uma mulher... — Seguia encarando a vista, que lhe dava uma ampla visão privilegiada da entrada da fazenda.
Foi por ali que viu a moça chegando e falando com Dário. Foi ali que conseguiu compreender quais eram as intenções daqueles homens ao seguirem os dois para os estábulos.
— Está dizendo isso porque ela é jovem e bonita? Acaso despertou o seu interesse? — Leon afastou a xícara dos lábios e pensou por alguns segundos. Realmente não conseguia parar de pensar nela, mas... — Não existe qualquer pecado em se interessar, Leon. Você é um homem e ela uma mulher...
— Não me chame de Leon! Quantas vezes terei de pedir, Andreia? — Voltou-se para a funcionária com a expressão tranquila. A senhora tinha os cabelos escuros soltos ao lado do rosto e os braços cruzados sobre o peito — Não é porque você sempre teve lugar privilegiado aqui na fazenda que pode ficar me chamando assim...
— Desculpe-me... Lobo — Completou com uma risadinha curta — Mas para mim você sempre será Leon. Aquela criança que carreguei em meus braços.
Leon pousou a xícara ao lado e se aproximou um pouco mais dela.
— Mande a moça embora.
O olhar firme de Andreia deixava claro que iria lutar. Leon se afastou e foi até a mesa onde a comida estava. Costumava almoçar e jantar em seu aposento quando não havia ninguém na fazenda. Recebia poucos, apenas os funcionários mais chegados e os administradores de sua empresa de tecelagem na cidade. Era reservado. Precisava ser, uma vez que era o único herdeiro interessado - já que Helena, sua irmã, odiava a fazenda - e responsável por tantas terras e fortuna.
Além disso, haviam as lendas... O Lobo.
Não podia se desfazer delas. Não podia deixar de ser o Lobo. Seu pai começou com a lenda e ele carregava a mesma em seus ombros. De tão parecidos na juventude, todos acreditavam que ainda era o mesmo homem, por isso as histórias diziam que o Lobo não envelhecia.
Por isso a solidão ainda era a sua maior companhia.
— Quer que aconteça com essa pobre infeliz o mesmo que houve com sua mãe? — Leon parou de comer e olhou repentinamente para a governanta. Nunca falavam daquele assunto. Jamais mencionavam o fato de sua mãe, a linda e doce Leona Trovalim, ter sido vitima de um maluco obsessor e ter morrido por isso — Quer que acabe morta nas mãos de um animal?
Leon empurrou a mesa e se colocou de pé de maneira quase violenta, mas Andreia ergueu ainda mais o queixo, deixando claro que não tinha medo dele.
— Porque defende tanto essa garota? Acaso a conhece? — Vociferou parando a centímetros da governanta.
— Sou mulher e me compadeço do sentimento. Poderia ser minha filha perdida e desamparada por aí... — Apontou para fora — Ela está grata a você e quer agradecê-lo.
— Grata a mim? — Leon riu enquanto passava os dedos entre os fios de cabelo escuros — Não tem medo do Lobo?
— Sim, o teme... Mas sente gratidão. Eu disse que você não é o monstro que criaram.
— Porque fez isso? — Leon pareceu ainda mais nervoso — Sabe muito bem que derrubar a lenda do Lobo é o mesmo que atrair invasores e saqueadores para minha fazenda! Não tenho interesse nenhum em que essa gente me veja como um homem normal!
A maior proteção da riqueza dos Trovalim e o que a mantinha intacta era a lenda do Lobo. Assim como seu pai, Leon fazia uso do medo que sentiam da lenda para manter-se seguro com a riqueza que suas terras representavam.
— Porque é um tolo... — Andreia deu de ombros — Peço novamente que reconsidere. A moça precisa de um trabalho e, como eu disse, é jovem, bonita e saudável. Pode dar uma boa esposa.
Jovem. Bonita. Saudável. Leon mordeu os lábios sem que a governanta visse e suspirou, ainda com os dedos afundados no cabelo. Que os raios o partissem! Aquela mulher realmente não iria parar e Leon precisava voltar aos negócios da fazenda.
— Está certo, Andreia, ela pode ficar — Dando-se por vencido, sentou a mesa para almoçar novamente e viu o sorriso glorioso da governanta — Mas que fique do lado de fora da casa, em qualquer canto com os demais empregados.
— Pensei em deixa-la na cozinha comigo e com Flora. Ela pode dormir no quartinho no qual a acomodou...
— Não! — Leon ergueu a voz para dizer — Não quero vê-la. Não desejo que cruze meu caminho.
Andreia chegou mais perto dele, parando a sua frente. Leon seguiu comendo como se não a visse.
— Até quando vai se comportar como um animal, como se realmente fosse um Lobo intocado nesta toca? — Leon seguia ignorando-a — Pare de alimentar essas lendas e volte a ser um homem normal! E não se esqueça... — Virou-se antes de sair e o encarou — Que até mesmo um Lobo precisa de uma companheira!
Andreia saiu do quarto e Leon parou de comer, fechando os olhos e suspirando.
— Será que ela esquece que nunca fui um homem normal?
Olhou para o retrato de sua família pendurado a frente da mesa. Seu pai era o Lobo naquela época, o senhor da fazenda e um lutador invejável. Sua mãe, a doce Leona, ainda era linda e feliz com o filho nos braços e grávida da menina que sempre sonhou.
Tudo isso antes do verdadeiro demônio cruzar o caminho deles. Don Juan Brancaglione destruiu sua família, sua vida e o tornou o Lobo. Aquele sim era o verdadeiro animal.
A liberdade era muito melhor do que Mariana poderia imaginar, mesmo que ainda fosse como uma prisioneira atrás dos muros altos que cercavam a fazenda do Lobo.
Dedicava todo o tempo que tinha aos afazeres designados, por hora, cuidando da horta e colhendo os legumes para as refeições preparadas por Flora. Andreia também cozinhava, mas passava grande parte do tempo gerenciando os serviços dos demais empregados que serviam dentro da casa. Do lado de fora, tudo era designado pelo capataz, Otávio.
Poucos falavam com ela e Mariana se limitava a acenar com um sorriso doce e prosseguir seus afazeres. Não passava muito tempo longe da casa, uma vez que ainda tinha medo dos homens que a maltrataram quando chegou, mas estava ciente por Andreia que o Lobo não permitiria tal comportamento novamente. O homem com fama de animal parecia ser mais justo que seu pai.
Ouvia pelo canto do ouvido as lendas sobre ele. Uns diziam que era um cruel assassino e suas mãos carregavam o sangue de muita gente. As mulheres mais antigas diziam que o patrão se transformava em um verdadeiro Lobo na lua cheia e até uivava para a lua... Mariana teve vontade de rir em algumas partes, mas não podia julgá-las. Realmente acreditavam naquilo e ela pouco conhecia sobre o tal Lobo.
Flora estava sempre ao seu encalço mostrando o serviço e pela noite recebia a comida do jantar e podia se refugiar em uma pequena cama em um quarto grande onde algumas senhoras e moças ocupavam. Era um dormitório coletivo e para a filha do grande Don Juan Brancaglione aquilo realmente soava estranho. Estava acostumada as duras regras e imposições, mas também ao luxo.
Mesmo assim, todas as noites quando se deitada na pequena cama estreita virava para a parede e agradecia silenciosamente por estar viva e abrigada. Na fazenda de seu pai provavelmente estaria casada e sendo usada por um homem asqueroso. Preferia morrer lutando a se entregar, por isso continuava.
— Vocês já o viram pessoalmente? — Perguntou em sua terceira noite ali, usando uma das camisolas velhas de Flora. A moça retirou todas as roupas que não usava de seu armário e lhe deu como presente.
— Ele quem? — Uma das senhoras que ocupava a cama ao lado da sua questionou um pouco curiosa.
— O Lobo... — Mariana sussurrou em tom misterioso — Faz uma semana que estou trabalhando por aqui e nunca sequer vi o rosto dele...
As mulheres se olharam entre si e sorriram umas para as outras.
— O patrão é misterioso, dizem que é perigoso, mas nunca o vi fazendo nenhuma maldade... Além do mais, é muito forte e viril — Vera, a senhora do outro lado de sua cama e que cuidava das roupas para lavar, disse a Mariana — Todas as mocinhas da sua idade aqui da fazenda já tentaram servir de mulher para ele.
— E ele não aceita? — Vera deu de ombros. Mariana a observava de maneira curiosa, roendo o canto das unhas enquanto a assistia.
— Até hoje ninguém foi boa o suficiente para ele... O Lobo nunca se interessou por nenhuma — Olhou a moça de cima a baixo — Até pensamos que você seria uma pretendente quando chegou. É moça muito bonita para ficar metida no meio de empregados.
— Parece até moça fina... — Outra comentou e Mariana corou.
— É difícil acreditar que o Lobo, tão temido por aí, seja um bonitão como vocês dizem — Deitou-se em seu travesseiro sem realmente dar atenção a elas. Encarou o teto, mas seguiu ouvindo a conversa.
— No dia em que colocar seus olhos naqueles olhos verdes e naquele corpo forte vai me dar razão, menina... Quem sabe se interesse em ser uma pretendente — Vera brincou — Todos na fazenda esperamos pelo dia em que o patrão irá se casar e trazer descendentes para dar segmento a fazenda, mesmo com a lenda que o cerca. Não queremos que as terras sejam vendida, deste modo, seriamos todos demitidos.
— Nem por um minuto! — Pontuou com convicção — Tudo o que menos quero é me casar!
— É uma pena... Nunca aparecem moças boas por aqui.
Nitidamente Sol não sabia sobre a lenda do Lobo, por isso as mulheres sugeriam que se casasse com o patrão. Nenhuma mulher da fazenda parecia ser suficiente, mas nenhuma tão pouco era louca de se envolver com ele.
Talvez uma que não conhecesse a lenda.
Mariana seguiu calada enquanto as demais se deitavam para dormir. Aos poucos o quarto mergulhou no silêncio e ela uma vez mais se sentiu sortuda por sobreviver. Revirando pela cama, algo oculto e estranho lhe perseguia... E tomou conta de seus sonhos.
O Lobo.
A presença dele.
Podia vê-lo parado na entrada dos estábulos, mas não enxergava seu rosto. Esforçava-se, mas ele estava envolto por sombras e nevoa... Acordou quando ele a tomou nos braços e a levou para longe, suspirando nervosa pelo profundo pesadelo.
"É um homem forte e viril." "Ele não é uma fera!". "Devo minha vida a ele".
Pensou ao acordar e se deu conta de que nunca havia agradecido e tal fato a incomodava. No fundo, sentia imensa vontade de conhecer o Lobo e estar diante dele, mesmo que representasse qualquer perigo.
Estava na hora de se encontrarem.
CAPÍTULO QUATRO
Leon escolheu se recolher dentro da casa grande quando a invasora passou a fazer parte do quadro de funcionários. Não estava mais seguro em sua própria fazenda, mas não conseguia simplesmente dizer não a Andreia, a quem devia mais do que a própria vida.
— Ela está dando trabalho, Otávio? — Questionou o capataz quando o homem apareceu em seu quarto para levar uma das planilhas do mês.
Com o chapéu frente ao peito em uma postura respeitosa, o homem suava pelo simples fato de estar diante do Lobo. Eram poucos os que subiam na suíte do patrão, apenas alguns seletos.
— A novata? — Leon simplesmente ergueu o olhar esverdeado para o rosto do homem em uma clara afirmativa — Não senhor... Está trabalhando direitinho, o problema é o tanto de macho que fica rondado a pobre... Tenho que ficar toda hora batendo no ombro de alguns e lembrando que o trabalho é o foco.
Leon torceu os lábios e seguiu analisando as planilhas sentado em sua mesa grande no quarto.
— Eu disse que não era uma boa ideia deixar essa moça por aqui... — Murmurou com certa raiva.
— É muito formosa para ser empregada. Parece mais a patroa... Não culpo os homens por ficarem olhando. É realmente bela — Sorriu de canto e novamente Leon olhou para ele de maneira desaprovadora — Com todo respeito, é claro. Somente admirar a beleza de uma mulher não é crime, é?
— Admirar somente, não. O problema é invadir o espaço delas... Dário e aqueles canalhas continuam por aqui? — Terminou de olhar os papeis e estendeu a pasta novamente para Otávio.
— Não, senhor. Todos foram dispensados, como o senhor ordenou — Apanhou tudo.
— Ótimo... Fique de olho na novata... Não a quero se emaranhando com ninguém por aí — Otávio concordou rapidamente.
— Sim senhor, patrão... Mas... Se me permite dar um conselho... — Leon adotou uma expressão curiosa — Seria mais proveitoso colocar a moça na cozinha com Flora e Andreia. Lá ela fica mais escondida.
Leon logo notou que o empregado achava que ele estava interessado em Sol. Sorriu de canto.
— Obrigado pelo conselho, Otávio, mas não. Não tenho a intenção de ficar cruzando com ela o tempo todo.
O homem desceu do quarto do patrão curioso pela maneira como o mesmo falava da invasora. Parecia saber exatamente aonde deveria deixá-la... Bem longe de seus olhos.
Leon parou diante da janela de vidro uma vez mais, varrendo o olhar pela fazenda em calmaria... Exceto por um detalhe. A chuva de verão, famosa no final de tarde, caia novamente sobre a cidade e havia uma mulher parada em meio a ela, rodopiando de braços abertos e com o vestido florido colado as coxas.
Leon franziu o cenho e olhou melhor, dando-se conta de que era uma mulher de cabelos vermelhos.
— Essa menina só pode ser maluca... Um raio pode facilmente acertá-la — O céu pintado de cinza se chocava em raios fortes e amarelados — Mas que droga...
Qualquer um poderia aparecer ali para retirá-la, inclusive os homens da fazenda que ficavam de olho nela. Leon suspirou pesadamente e saiu do quarto com certa raiva, pisando forte enquanto descia as escadas.
— Patrão... — Andreia sorriu para ele parada em frente a pia da cozinha.
— Eu não disse para controlar a sua protegida, mulher? — Vociferou de maneira nervosa, apontando em direção à porta dianteira — Ela está lá fora, em meio à tempestade!
— E qual o problema? — Andreia secou a mão no avental — O senhor disse que não queria vê-la dentro da casa, não é?
— Mas qualquer um pode aparecer e... — Leon passou a mão entre os fios de cabelo escuro de maneira nervosa e a encarou novamente — Pode deixar que eu cuido dela...
Andreia chamou o nome dele, mas Leon não ouviu. Saiu em disparado em direção à porta dianteira e passou por ela como um furacão até o jardim central. A moça estava lá, olhando fixamente para o céu e com os braços abertos para sentir a tempestade sobre si.
Leon parou antes de chegar até ela, não podendo se controlar diante de tamanha beleza. As gotas de chuva caiam em seu rosto, mas tudo o que podia ver era a grande beleza que aquela jovem mulher carregava. Mesmo embaçado pela água conseguia enxergar cada detalhe do corpo bem desenhado, as coxas torneadas demarcadas pelo vestido branco com girassóis de tecido fino. O cabelo vermelho descia colado no corpo e contrastando com sua beleza marcante.
A mulher exalava feminilidade e Leon não podia deixar de se sentir atraído. Aquela jovem era muito mais do que sua sanidade poderia suportar.
Sem que esperasse, Sol se virou para ele lentamente e encontrou seu olhar preso nela. Leon sequer disfarçou. Continuou parado no mesmo lugar, sob a forte chuva, com os punhos cerrados e os olhos cativos e misteriosos.
Um sorriso iluminado apareceu nos lábios dela, pegando-o completamente de surpresa.
— Você deve ser o Lobo... — Disse alegremente e Leon nada respondeu — Eu sou Sol... Finalmente nos conhecemos!
Encarando-a nos olhos, pela primeira vez em anos sentiu que uma pessoa parecia feliz em vê-lo, não completamente amedrontada.
Sol estava convicta de que o Lobo iria cair em sua armadilha para finalmente sair da toca.
A única vez em que o viu pessoalmente foi no dia em que chegou e correu perigo, talvez fazendo a mesma coisa o homem pudesse voltar a encontrá-la. Pensou em várias possibilidades para atraí-lo, mas nada parecia seguro e certo. E se ele não viesse a seu encontro? Não podia arriscar tanto, afinal.
Pode vê-lo na janela alta central pouco antes do capataz subir e ficou claro que era dali onde o Lobo monitorava toda a fazenda. Certamente foi por ali que a viu chegar e cair nas garras daqueles homens... Talvez fosse a única maneira.
Colocou-se lá, bem diante dos olhos dele, e fingiu aproveitar um banho de chuva. Contou os minutos até que ele aparecesse e a fizesse concluir que realmente seu plano deu certo.
Esperou encontrar a face bela de um homem – como sempre era descrito – mas realmente se surpreendeu com seu olhar.
O homem molhado a sua frente não se parecia com um animal, muito menos era simplesmente belo. Tinha os cabelos escuros, o peito forte e os braços torneados... Era grande e largo como se lembrava no dia em que o viu... Poderia matá-la se quisesse. Os olhos, porém, eram de um verde límpido e claro. Não era em nada parecido com uma fera... A água da chuva caia sobre eles fortemente, por isso Sol se aproximou alguns passos. A figura alta a acompanhou com o olhar quase hipnotizado, surpreso com a coragem dela.
— Será que não sabe que é perigoso ficar parada a céu aberto quando se tem uma tempestade? Não vê o perigo que corre? — Disse a última parte mais enfaticamente, querendo se referir a presença dela na fazenda.
— Acredite... Já estive em situações bem piores — Respondeu sincera, parada diante dele um pouco mais perto. A altura dele comparada a sua era quase engraçada — Inclusive preciso te agradecer... Se não fosse pelo senhor... Sabe Deus o que teria sido feito de mim naquele dia.
— Você é uma moça muito imprudente — Havia desgosto em sua voz — Muito corajosa! Para as mulheres isso nem sempre é bom...
— Para os homens é? — Leon negou.
— Se você fosse um homem com certeza eu já teria te colocado para fora! — Apontou com a cabeça para a entrada.
— Porque não o faz? — Sugeriu despretensiosamente — Não quero causar problemas — Um trovão alto se fez e Sol se assustou. Leon a pegou pelo braço com cuidado, guiando-a ao seu lado um tanto bruscamente, mas ela logo reparou que era o mínimo da força dele — Onde estamos indo?
— Sair dessa chuva... Ou por acaso você quer continuar se arriscando? —Leon a levou para a cobertura do estábulo e a soltou quando chegaram lá. O coração dela estremeceu diante do lugar, totalmente confusa e amedrontada pelas lembranças que a assolaram — Não precisa me olhar assim... — Leon a encarou com as mãos erguidas ao lado do corpo — Não vou te fazer mal.
Sozinha com ele ali, Mariana sentiu medo pela primeira vez desde que o viu.
Aquele homem poderia mata-la com um simples golpe e ela não teria a menor chance de se defender. Olhando de perto, realmente parecia um Lobo. Era assustadoramente grande. Forte. Tinha o olhar verde e intenso, quase como se pudesse interpretá-la.
Abraçou a si mesma com certo receio, mas jamais baixaria a guarda. Andreia garantiu que não era um monstro.
— Está claro que o senhor não gosta de minha presença aqui na fazenda — Leon não negou. Seguiu encarando-a com firmeza. O coração de Mariana corria fortemente no peito diante da expressão enigmática — Mas realmente não tenho outro lugar para ir. Agradeço pela acolhida e agora sei que o Lobo é um homem justo.
Leon engoliu em seco e sentiu todas as defesas desfalecendo ao redor de si. Aquela pequena mulher de cabelos vermelhos o desmontava! O que havia nela que o fazia sentir coisas tão raras?
Por um minuto temeu.
Por um minuto, diante daquele olhar castanho e doce, lembrou-se da profecia.
"Ela vai chegar vagarosa e se tornar forte como o sol de verão. Tão intensa que irá cobrir seus olhos com sua beleza."
Engoliu em seco novamente.
Não! Não podia ser!
— Está enganada! — Leon se aproximou alguns passos dela, mas a pequena moça sequer se moveu. Abraçou ainda mais a si mesma, apertando o tecido do vestido de girassóis amarelos nos dedos, mas não demonstrou medo algum da presença dele — O Lobo é uma lenda que deve ser temida...
Mariana seguiu firme em sua postura. Molhada e completamente insignificante diante dele, ergueu um pouco mais o queixo.
— Pois eu, meu senhor... — Os olhos verdes de Leon a miravam com intensidade — Só temo a Deus!
Leon comprimiu os lábios em um sorriso curto e sem graça. Estava tão próximo de Sol que podia contar o tanto de pintas pequenas e marrons que pingavam na pele branca e alva de seu pescoço, descendo e perdendo-se em seus fartos seios.
— De onde você vem, Sol? — A pergunta direta de Leon a fez hesitar e ele viu o fato em seus olhos — Onde está à origem de moça tão destemida?
— Sou desprovida de origens — Não era boa em mentiras, por isso precisava se manter firme — Estou só no mundo. Eu por eu mesma. Caminhei muito até encontrar sua fazenda e descobrir que aqui o temem. Foi o único que me deu uma oportunidade.
Leon considerou.
— Andreia me obrigou — Garantiu enfaticamente, sem fazer questão de agradá-la. Caminhou até o cavalo e acariciou seu pescoço — Tem sorte dela ter ido com sua cara. Se fosse por mim você já estaria bem longe.
A expressão fechada de Leon era ameaçadora, mas ela não se abatia. Ele, por sua vez, tentava erguer em um muro ao redor de si. Quanto mais a via, mais a desejava.
— Se não fosse pelo senhor eu estaria morta agora — Relembrou e Leon seguiu acariciando o pescoço do cavalo cor caramelo.
Ela sabia como tirá-lo do sério.
— Foi um ato momentâneo de bondade. Não se acostume — Deu uma batidinha de leve no tronco do animal e se voltou para a ruiva, que o encarava ainda abraçada a si mesma.
— Obrigado — Respondeu quase por cima das palavras dele — Seja lá quem seja o Lobo... Obrigado — O olhar castanho e profundo o comoveu, mas Leon não deixou transparecer. Apoiou as mãos na cintura e a observou — Não quero mais perturbá-lo. Se te incomoda tanto minha presença, faço questão de ir embora. Hoje mesmo deixarei sua propriedade.
Mariana ia lhe dando as costas quando sentiu a mão forte segurando-a pelo braço. Voltou-se surpresa, quase em chamas pelo contato repentino.
— Você não disse que só teme a Deus? — Mariana concordou dando um passo para longe dele, incomodada com a proximidade daquele homem tão imponente — Pois bem... Então pode ficar. Já que não tem medo de mim, pode trabalhar com Flora e Andreia na cozinha e dormir em um quarto de serviço dentro da casa. Não é todo mundo que tem essa coragem.
Mariana corou levemente nas bochechas. Sequer acreditava que o homem estava sendo tão flexível com ela.
— Não sei como agradecê-lo... — Ele a interrompeu.
— Eu sim — Os olhos castanhos o observavam com surpresa — Não cruze o meu caminho se não quiser se machucar.
— Você não parece ser o tipo de homem que machucar uma pessoa... — Leon negou.
— Mas sou — Havia algo forte por trás daquela afirmação. Algo que perturbava Mariana e trazia tristeza aos olhos verdes daquele homem forte e misterioso. Havia algo por trás do Lobo — Lembre-se disso.
— Sim senhor — Sol sussurrou a contragosto. Faria tudo para continuar mantendo o disfarce e segura de sua própria família.
— Vamos. Andreia vai ficar feliz em tê-la na casa.
Leon saiu caminhando na frente e a moça o seguiu aos tropeços. Ainda não acreditava na bondade do Lobo e muito menos que seria uma das empregadas da casa grande. Como havia conseguido aquilo com tão pouco?
Andreia viu o Lobo passando pela porta com Mariana a seu encalço e sentiu o coração gelar. Teria ele descoberto o disfarce a menina? Certamente não seria muito condolente se soubesse que a filha do homem que mais odiava no mundo, o assassino de sua mãe, estava sob aquele teto sagrado para sua família.
Certamente não pensaria que a pobre Mariana era uma inocente e tão vitima quanto sua família foi do próprio pai.
— Andreia — A senhora secava as mãos no avental enquanto o assistia se aproximar com o coração na boca — Arrume um quarto para Sol e a acomode. A partir de hoje ela faz parte do quarto de funcionários da cozinha, junto a você e Flora.
— O que? — Surpresa, encarou a moça atrás dele, que sorria desacreditada com as bochechas coradas — Na cozinha da casa, Lobo?
— Sim Andreia, onde mais? — Enfatizou com a expressão fechada, voltando-se para a moça quase duramente. Os olhos verdes queimavam junto dos dela, mas não a intimidavam. Mariana sentia o coração acelerado diante dele, mas não sentia medo. O sentimento que crescia era ainda pior, talvez próximo de afeto — Espero que não me traga problemas, Sol.
Sol.
Ela estremecia quando o ouvia dizendo aquele nome inventado.
— Não vou desapontá-lo depois de ter me dado essa oportunidade, Lobo. Quero dizer, senhor! — Corrigiu quase instantaneamente, vendo-o pensar por alguns minutos. Abaixou o olhar um pouco temerosa.
— Lobo — Leon lembrou com certa pontada de ênfase e a moça ergueu os olhos para ele — Lembre-se disso.
— Claro... Lobo — Afirmou novamente. Andreia os observava em silêncio, ainda desacreditada — Não vou desapontar e ficarei longe de seu caminho, como pediu.
— Ótimo — Afastando-se dela, caminhando para trás, Leon suspirou. Ainda estavam úmidos pela chuva — É isso o que importa — Olhou para Andreia atentamente e a senhora o retribuiu quase fora de órbita. Não compreendia como Sol tinha conseguido tão facilmente tirar algo de Leon, sempre tão irredutível — Cuide de tudo, Andreia.
— Sim Lobo — Sussurrou antes que ele saísse, subindo as longas escadarias e as deixando a sós na sala — Menina... — Sol ainda olhava a figura alta do homem sumindo na escada quando a senhora a pegou pelo braço — Você está louca de ficar perto dele? Está maluca de falar com ele? — Mariana sequer a olhava, seguia com os olhos onde o Lobo desapareceu. Aquele homem a tirava de si, tão belo e enigmático que era — Já pensou o que pode te acontecer se Don Leon souber quem você realmente é?
— O nome dele é Leon? — Sussurrou quase sem voz e Andreia a chacoalhou novamente.
— Mariana! Me escute!
— O que pode acontecer? — Mariana disse finalmente voltando os olhos em sua direção — Ai, Andreia!
— Ele te manda de volta para Don Juan picotada dentro de um caixão! — Mariana temeu aquela colocação por um segundo, mas voltou a si.
Andreia a carregou pelo braço até a cozinha, onde ficaram a sós. A ruiva se apoiou no balcão enquanto comia uma maçã que pegou do cesto.
— O Lobo não faria isso... Ele é justo e bom — Segura, encarou-a — Acho até que não se importaria de me acolher se soubesse quem sou. Ele é honesto... Não machuca as mulheres.
Andreia jogou uma toalha nos ombros molhados da menina e parou a frente dela com segurança.
— Eu conheço o Lobo desde que era um menino e sei o que digo, Mariana — Andreia tinha a expressão fechada e muito séria. Realmente falava com propriedade e Mariana se endireitou para ouvir — Pode ser justo e honesto, mas odeia os Brancaglione e não pensaria duas vezes se tivesse a oportunidade de se vingar de Don Juan!
— Se vingar? — Inocente, Mariana questionou — Se vingar do quê? — Andreia endireitou a postura — Sei que meu pai e o Lobo são inimigos, mas nunca me contaram toda a história... Aliás, naquela casa ninguém me dizia nada! Eu era praticamente um enfeite de mesa... Uma mercadoria que meu pai adoraria vender para quem pagasse mais.
Andreia não estava disposta a dizer e isso ficou claro em seu olhar. A senhora de afastou de Mariana alguns passos antes de prosseguir.
— Basta que saiba se portar, menina. Não precisa saber de uma dolorosa verdade para se machucar ainda mais... — Andreia a conduziu pelos ombros até o quarto de empregadas que ocuparia — Fique longe de Don Leon e tudo ficará bem. Não é atoa que ele é o Lobo, menina.
— Eu sei que não... — Mariana correu o olhar pelo quarto simples, mas aconchegante que conseguiu através do Lobo — Eu sei que não.
Havia muito mais por trás do Lobo. Muito mais do que ela, uma moça tão inocente, pudesse desvendar com apenas algumas palavras.
CAPÍTULO CINCO
O pequeno Leon chorava recolhido em um canto enquanto toda a casa se mobilizava no salão ao redor do caixão de Lady Leona, sua mãe.
Seu pai, um homem sempre tão forte e inabalável, chorava como um bebê desolado sobre o corpo sem vida da esposa, a mulher que mais amou em sua vida. Os cabelos negros de Leona, imóvel no caixão aberto, se emolduravam ao redor do rosto pálido e machucado. A morte terrível se deu por um monstro, um homem sem alma e incapaz de aceitar que Leona jamais seria dele.
— Nono, nono... — Helena, sua irmãzinha de cabelos negros e grandes olhos expressivos, corria em direção a seus braços. Recolhido sobre a mesa da biblioteca, tapava os ouvidos para não ouvir o choro que vinha do salão. A menininha sentou entre seus braços, abraçando-o pelo pescoço — Venha ver a mamãe, Nono. Ela está dormindo.
A inocência de Helena o fez chorar ainda mais, abraçando-a com carinho.
— Não está não, Lena. Está morta! — Corrigiu entre lágrimas, vendo o rostinho inocente da pequena se converter em confusão. Era apenas uma menina de quatro anos e sequer sabia o que aquilo significava! — Mamãe nunca mais vai voltar, Helena. Nunca mais!
A menina saiu do colo dele com um dos dedos entre os lábios e voltou em passos curtos ao salão onde o velório acontecia.
— Leon — A voz profunda e chorosa de seu pai o fez erguer os olhos lentamente, oculto pelas sombras da sala — O caixão vai ser fechado. Venha dar Adeus a sua mãe.
No auge de seus doze anos, Leon pensou em confrontar o pai. Revoltado, levantou-se com pressa e parou frente a ele, o Lobo. Assim chamavam seu pai, o Lobo. Segundo a lenda, Don Alejandro, seu pai, foi amaldiçoado por uma feiticeira local - Rivera, como era conhecida a bruxa - ao expulsá-la de suas terras por estar relacionada com feitiçarias.
Segundo a maldição, Don Alejandro e toda sua descendência masculina perderiam a mulher que amavam de maneira trágica e jamais seriam felizes em família. A mulher de Don Alejandro morreria no parto do filho que esperava na época e assim aconteceria com as demais, as mulheres dos filhos de sua descendência. Seria chamado de "O Lobo" por sempre viver só, sem sua matilha, cada um espalhado para um lugar.
Rivera sabia perfeitamente que a família era o maior amor de Don Alejandro e amaldiçoou-a para confrontá-lo.
Don Alejandro riu da bruxa e zombou de suas palavras. Como poderia uma mulher como aquela se achar superior a ele?
— Não temo maldiçoes, minha cara. Faça o favor de se retirar de minhas terras! — Ordenou dando-lhe as costas.
— Mas deveria temer, senhor... A partir de hoje, O Lobo. E será da mesma maneira com seu herdeiro — Ergueu uma das mãos como se profetizasse — Nunca terão felicidade no amor, sempre solitários e mesmo que tenham filhos, com eles não viverão.
Don Juan riu novamente, mas a lenda se espalhou. Rivera era conhecida na cidade por ser curandeira e feiticeira, sabendo também sobre a rivalidade entre Alejandro e Don Juan Brancaglione.
Antes grandes amigos, apaixonaram-se pela mesma mulher. Leona, no entanto, escolheu Alejandro. Juan, mesmo casado com outra, jamais aceitou a perda de seu grande amor, transformando Leona em uma obsessão. Jamais os deixou em paz. Jamais abriu mão realmente dela e selou entre as famílias uma rivalidade acirrada, tanto nos negócios quanto nas relações pessoais.
Quando Leona engravidou do terceiro filho, Alejandro começou a pensar. Não havia um dia sequer que não pensasse nas palavras da bruxa, mesmo achando tudo uma tolice!
Mas aconteceu. As palavras da bruxa se concretizaram e Don Juan Brancaglione sequestrou Leona prestes a dar a luz. Obteve a recusa, não a machucou, porém Leona entrou em trabalho de parto e morreu prestes a dar à luz o terceiro filho, o primeiro depois de a velha bruxa lançar a maldição.
A lenda de Rivera se concretizou, como todos podiam ver. Leona estava agora morta com um filho recém-nascido morto ao lado. Don Alejandro era oficialmente "O Lobo".
Ao ver a mãe no caixão ao lado do irmão fez com que as lágrimas de Leon deslizassem no rosto com mais intensidade. Helena corria embaixo do caixão, totalmente alheia a realidade e o olhar esverdeado do rosto se direcionou ao pai, que chorava segurando uma das mãos da falecida.
— A culpa é sua! — Leon vociferou em direção a Alejandro, que o encarou surpreso — Se não fosse por você e essa maldita lenda minha mãe estaria aqui agora! Se não fosse por aquele canalha também!
Alejandro nada respondeu, apenas sustentou o olhar do primogênito enquanto negava veemente.
— Leona... —- Sussurrava para a mulher — Leona me perdoe...
Nada poderia abalar mais seu pai do que a morte de sua mãe, Leon sabia, mas gritou ainda mais coisas enquanto alguns presentes tentavam contê-lo. O pai não lhe dava ouvidos, apenas chorava sobre o corpo desfalecido. Em dado momento, Leon também se abraçou ao corpo da mãe pela ultima vez e sussurrou em seu ouvido...
— Prometo que vou te vingar, mamãe. Prometo que vou ser o Lobo e todos vão me temer... Vou destruir essa maldição e ela morrerá comigo... Eu prometo!
Leon não conseguia tirar Sol de sua cabeça.
Toda sua vida era um vazio sem fim, uma escuridão programada, mas enquanto espiava a menina correndo na plantação ao lado de Flora tinha a sensação inquietante de que algo mais forte do que o desejo brotava em seu peito, algo tão poderoso que o fazia temer.
Sempre estava lá com os vestidos colando em suas coxas grossas e a cintura fina marcada no tecido florido. O cabelo vermelho reluzia como o sol e o cheiro que sentia quando estava com ela marcava suas narinas.
Ela não cruzava o caminho dele e obedecia a suas regras, mas ele próprio não conseguia levar a sério os próprios limites.
— Vai descer para a festa dos empregados, Lobo? — Flora comentou parada ao lado do patrão, que inspecionava o trabalho dos peões pela ultima vez naquele dia.
— Claro que sim, Flora... É aniversário da minha fazenda, como não aparecer? — Ambos caminhavam lado a lado e a garotinha baixinha usava botas de cano alto para pular as poças de lama. O olhar de Leon, no entanto, sequer vagava pelo belo vestido que a menina escolheu para impressioná-lo. O Lobo olhava para o horizonte, atento no trabalho — Nem que for por alguns minutos...
— E sua irmã Helena? Ela virá desta vez? — Questionou com as mãos para trás, encantada com a beleza dele ao pôr do sol.
Leon sorriu desacreditado.
— Claro que não, Flora. Helena não coloca os pés nessas terras nem por decreto! Ela prefere morrer a pisar neste lugar maldito — Inocente, Flora sorriu.
— São somente lendas, Lobo... — Leon parou de caminhar e se apoiou na cerca alta de madeira um pouco pensativo e ajeitando o chapéu bege em sua cabeça — Apenas bobagens.
— Acha mesmo? — Seriamente, indagou — Acha que meus ombros não carregam a maldição do Lobo?
— Claro que não — Flora parecia convicta — Esse povo gosta muito de falar. O que houve no passado foi... — Olhou para ele e notou seu desconforto — Foi um acidente — Leon seguia olhando para o belo pôr do sol acima dos peões que terminavam de arrumar a festa comemorativa ao aniversário da fazenda de Ouro. Não deu segmento ao assunto, cansado demais para prosseguir. Sua mente se atormentava noite e dia pelos assuntos do passado — Olha quem vem aí! Sol!
Os olhos verdes de Leon se ergueram na direção em que Flora acenava com interesse, quase instantaneamente. A menina corria para eles usando sapatos baixos, um vestido amarelo com um decote quadrado e os cabelos longos e vermelhos ricocheteando no rosto belo e corado. Seu coração deu um salto repentino...
Era como um demônio perante seus olhos, a mais pura tentação.
Não sabia que uma mulher podia ser tão atraente e lhe chamar a atenção com tão pouco. Sua delicadeza o encantava, mas travou o maxilar para ela.
— Flora! — Os olhos da moça se atentaram a presença dele — Lobo... — Acenou cordialmente ao se aproximar e ficar diante de ambos. Respirava rapidamente e ele percebia pelo decote que subia e descia descompassadamente. Leon apenas acenou de volta — Flora, é... — Ajeitou o cabelo atrás da orelha — Será que você podia me emprestar um vestido para eu vir à festa? Sua mãe disse que você não se importaria, mas preferi perguntar e...
— Claro, Sol, claro! — A moreninha se aproximou ainda mais da amiga - Tenho um que vai ficar lindo em você!
— Ah, obrigado e... — Leon a interrompeu bruscamente.
— É melhor não caprichar muito — As duas olharam em direção a ele juntamente — Não quero problemas na comemoração.
Sol corou ainda mais diante da seriedade do patrão. Leon parecia impenetrável com sua expressão centrada.
— Não vou arrumar problemas, Lobo. Já dei minha palavra que...
— Sei que você não irá, mas não posso garantir nada dos outros homens... E mulheres — Explicou cruzando os braços fortes diante do peito largo — Os homens podem se perder com os encantos e mulheres podem se enciumar. É uma junção perigosa, como bem sabe.
Sol encarou com firmeza os olhos verdes e Flora olhou a amiga com certa inveja. Então ele a achava bonita... Jamais viu o Lobo falando daquela maneira com nenhuma outra mulher.
— Está dizendo que não poderei ir à festa? — O tom triste da moça o fez negar rapidamente.
— Não. Estou pedindo para que se cuide — Foi o que respondeu antes de olhá-la de cima a baixo e dar as costas as duas moças em direção a casa grande.
Mariana sentiu um imenso vazio no peito. Não compreendia porque aquele homem a tratava daquela maneira tão fria e distante quando tudo o que fazia era para agradá-lo e buscar uma convivência pacifica.
— Ele gosta de você — Flora comentou enquanto as duas assistiam ao Lobo caminhando em direção a casa, as costas largas se movendo sob o sol que se punha. Mariana a olhou de relance — O Lobo... Ele gosta de você.
— Porque diz isso? — A voz de Mariana era baixa e curiosa. Ajeitou o cabelo vermelho que esvoaçava no rosto atrás da orelha.
Era nítida da maneira como Flora parecia enciumada e um tanto rebaixada.
— Porque te acha bonita... Se importa com a atenção que os homens te dão — Respondeu ainda com o olhar fixo no patrão — Ele te escondeu na casa grande, você não reparou? — Os olhos da morena se encontraram com os de Sol — Te colocou lá para que os outros homens não olhassem para você. Te tirou do meio dos empregados.
— Ele fez isso porque arrumo confusão...
— Não percebe a maneira como fala com você? — Flora a interrompeu — Como ele te olha? — Sorriu sem humor — Lobo nunca olhou desse jeito para mim... — Sol parecia aterrorizada com as palavras da menina, que se apressou a segurar a ruiva pelos ombros — O que você fez para que ele a notasse?
— Eu? Nada! — Mariana retirou as mãos de Flora de seus ombros — Não quero que um homem me note, muito menos um com fama de demônio!
Mariana saiu caminhando com a expressão confusa e Flora correu a seu encalço.
— Mas eu sim! — Flora praticamente implorava enquanto falava. Mariana seguia caminhando em direção à casa grande — Sempre fui apaixonada por ele e quero que seja meu, mesmo que para isso tenha que correr o risco de morrer com a lenda!
Sol franziu o cenho e parou de caminhar para encará-la.
— Como assim?
— Você não conhece a lenda do Lobo? — Riu baixinho e Mariana negou.
Andreia apareceu na varanda da casa grande e gritou pelas duas.
— Meninas, venham! Vocês precisam me ajudar a terminar os doces da festa!
Flora e Mariana trocaram um longo olhar sugestivo após acenarem positivamente para Andreia, que seguiu as esperando no mesmo lugar.
— Se não tem mesmo interesse no Lobo, promete que vai me ajudar a conquista-lo? — Mariana subiu as escadas junto da morena — Promete Sol?
— Claro que prometo, mas não sei como! Não sei de onde tirou a ideia de que o Lobo se interessa por mim!
Ao alcançarem à cozinha a história acabou e começaram a correr junto de Andreia para terminar os afazeres. Tudo o que Mariana podia pensar era no par de olhos verdes que a admiravam em silêncio, subindo lentamente por todo seu corpo como se retirasse sua roupa apenas com o olhar. O Lobo era atraente e viril como sempre lhe foi descrito, mas o fogo que fazia queimar em suas entranhas era muito mais do que poderia imaginar...
Odiava os homens e sempre teve repulsa de todos eles... Aquele homem era mesmo um feiticeiro?
Leon desceu as escadas em passos largos, já trajado com sua calça jeans escura e camisa também negra de botões e dobrada nas mangas, marcando perfeitamente seus braços fortes e o peito largo.
A fazenda de Ouro fazia mais um ano de existência sob o comando da família Trovalim e sempre costumava oferecer uma festa aos empregados, aqueles que o ajudavam a manter seu império e trabalhavam noite e dia para que perpetuasse. Não costumava se misturar, mas era grato aos trabalhadores. Ao menos por alguns minutos festejaria com eles e fariam um brinde.
— Lobo! — Flora o alcançou usando um belo vestido verde escuro, usando botas e o cabelo com duas tranças para o lado. Sorriu ao vê-la e aceitou entrelaçar o braço no dela — Veja que incrível! Ernesto e os outros acenderam uma fogueira!
Leon parou de caminhar para admirar a grande fogueira onde todos cantavam e dançaram ao redor. A viu de longe, dançando com algumas moças perto do fogo e paralisou diante da visão.
Próximo do fogo o cabelo vermelho ficava ainda mais intenso e brilhante, era como se ela toda resplandecesse. Usava um vestido rosa-claro com o colo totalmente exposto e as mangas nos ombros pequenos, deixando claro o volume delicado dos seios fartos. O cabelo descia até a cintura e caia em cascatas ao redor da figura esbelta e pequena. As curvas femininas se evidenciavam conforme se movia graciosamente, sorrindo para as amigas.
Sentiu o maxilar contraindo pelo impacto que a beleza dela provocava em seu corpo...
Sol. Ela realmente brilhava!
Quando notaram a presença do patrão, toda a festa parou para aplaudi-lo. O Lobo era um homem justo e agradável diante dos funcionários, ao contrário do que se dizia, e aquilo ficou claro para Sol desde que colocou os pés na toca do mesmo.
Era justo como seu pai jamais foi com seu povo.
— Obrigado a todos... — Leon dizia ainda de braços dados com Flora diante dos demais funcionários. Todos os encaravam com alegria, mas ele só tinha olhos para a menina de cabelos vermelhos entre a aglomeração — Em meu nome e em nome de minha irmã, Helena, agradeço a todos por mais um ano de cooperação para que a fazenda de Ouro continue crescendo e o legado dos Trovalim siga sendo cumprido até o fim de meus dias!
— Além deles, também, Lobo! — Andreia completou próxima dele — Que a família Trovalim siga crescendo!
Leon a encarou com desdém, mas nada respondeu. Andreia era uma das que não acreditava na lenda e ele a respeitava, por isso ignorava. A mulher sabia que Leon e Helena eram os últimos de uma família que não tinha mais para onde seguir, uma vez amaldiçoada.
Sob aplausos, Leon também aplaudiu sem dar a chance a si mesmo de responder, muito menos de se incomodar com os olhares de interesse que sua adorável Sol despertava. Aguardava em silêncio a próxima confusão na qual a garota se meteria...
Teria de estar lá novamente para salvá-la.
CAPÍTULO SEIS
Por mais que desejasse Mariana não conseguia deixar de admirar profundamente Leon Trovalim.
Sempre temeu o Lobo pela simples menção do mesmo, mas não via qualquer sinal de um ser amedrontador enquanto o via misturado a seu povo, sendo aplaudido e gratificado por suas ações como fazendeiro. Flora estava sempre ao seu encalço, de braços bem dados com o dono da Fazenda de Ouro.
A garota o amava, mas estava mais do que evidente que Leon apenas a via como uma menina querida, talvez até uma irmã. Não a olhava como um homem olhava para uma mulher...
" Ele gosta de você ". As palavras de Flora ecoavam na mente de Mariana e os olhos da mesma se prendiam no homem forte e grande que se movimentava sendo cumprimentado pelos convidados.
"O Lobo... Ele gosta de você".
Mariana era uma virgem intocada, mas sabia bem notar quando era apreciada por um homem. O Lobo a olhava de maneira peculiar, quase destemida, mas havia desejo em seus olhos, mesmo que buscasse ocultar. Era como se fosse um pecado admirá-la, mas tinha de admitir que ele a cobiçava. Sentia a pele fervente frente a ele, como se aquele par de olhos verdes pudesse lhe tirar o fôlego e a roupa toda.
O Lobo a deixava nua com os olhos e constrangida com a maneira como se empenhava em afastá-la. Não era como os outros homens que não sossegavam até conseguir o que queriam... Simplesmente ignorava os intensos desejos da carne.
O viu de longe, desta vez, olhando-a. Apertou ainda mais o copo de vinho quente contra o nó do pequeno laço que se juntava entre seus seios fartos, cobertos pelo vestido rosa. Teve ainda mais vontade de se misturar a seus cabelos vermelhos e esconder-se para sempre daqueles olhos... O homem conseguia desconcerta-la sem muitos esforços, mesmo de longe. Mordeu os lábios e virou o rosto delicadamente, fingindo encarar a lua.
"Você não conhece a lenda do Lobo?".
A outra pergunta de Flora ecoou em seu pensamento quando Ernesto, o filho mais velho do capataz, apareceu diante dela com o chapéu pousado sobre o peito em uma atitude respeitosa. O rapaz era um dos poucos que realmente tinha coragem de falar diretamente com Mariana, mas sempre algo banal e sobre o trabalho. Era simpático e muito atencioso.
— Senhorita Sol... — Dizia seguramente, com um sorriso certo nos lábios — Será que me concede a honra de uma dança?
Por trás do rapaz, os olhos escuros de Sol encontraram os do Lobo. Sorriu genuinamente, estendendo uma das mãos para que Ernesto a conduzisse.
— Concedo sim senhor.
Os olhos do Lobo acompanharam a ruiva indo em direção ao centro da roda, junto da fogueira, nos braços de Ernesto. Aquilo o fez hesitar, olhando sem disfarçar o interesse em ambos. Flora rapidamente notou o interesse do amado.
— Olha lá a Sol... — Cochichou ao ouvido de Leon, que seguia olhando a maneira como Ernesto sorria para a menina, praticamente hipnotizado com tamanha beleza — Eu sabia que não ia demorar nada até ela se arranjar com um dos peões da fazenda... Foi logo no Ernesto, não é? Filho do capataz, bonitão... É bem esperta!
Leon pigarreou quando viu a mão de Ernesto pousar na cintura da moça, que sorria conforme dançavam a moda agitada.
— Sol está interessada em arrumar um relacionamento? — A pergunta de Leon fez Flora encará-lo com confusão.
— Claro que está, veja bem! — Apontou para o casal ao longe — Ela é sozinha no mundo com uma vida desafortunada... Obviamente vai querer ter alguém para garantir sua segurança. É uma mulher muito bonita para ser tão só.
— Tem razão... — Leon comentou sem tirar os olhos da ruiva — É uma mulher muito bonita.
O incomodo de Leon era evidente e o fez desviar o olhar, levando a atenção para uma conversa paralela puxada pelo próprio capataz, Otávio. Seu pensamento, no entanto, estava preso nas mãos de Ernesto sobre o corpo da incrível mulher que roubava seus sonhos... Não tinha um minuto sequer que fosse capaz de parar de pensar naquele furacão ruivo desde que a mesma botou os pés em sua fazenda.
— Sol, é... — Ernesto sequer conseguia falar e gotículas de suor brotavam em sua testa, sob o cabelo loiro e a pele queimada de sol — Obrigado por aceitar meu convite e...
— Posso fazer uma pergunta senhor? — Falando baixinho, a ruiva sequer conseguia controlar a língua. Atrás de Ernesto, seus olhos se prendiam no homem alto e imponente que a observava também ao longe — Uma pergunta discreta, entre nós...
— Claro! Claro! — Ernesto quase gritou pela felicidade — Quantas quiser, eu...
— Você conhece a lenda do Lobo? — Sussurrou a pergunta conforme via o reflexo do fogo nos olhos azuis do rapaz. O sorriso de Ernesto murchou com a abordagem da moça, muito interessada nos assuntos do dono da fazenda — Quero dizer... A história do patrão — Retificou. Ernesto concordou com um aceno, movendo-se junto dela.
— Todos conhecem, Sol. Não me diga que nunca ouviu falar? — Seguiam se movimentando ao ritma da música animada — É quase um conto da carochinha por aqui.
— Ele é mesmo um assassino? — Ernesto negou com um sorriso, mas via nos olhos escuros que a moça acreditava mesmo na teoria.
— O patrão nunca matou ninguém. Não na minha frente — Deu de ombros — Mas dizem por aí que sim, já matou. Como saber a verdade se ninguém estava lá para ver? — A moça pareceu pensativa e Ernesto se aproximou um pouco mais dela para prosseguir — A lenda diz que a família Trovalim foi amaldiçoada por uma bruxa, feiticeira, sei lá o que era a tal criatura!
— Amaldiçoada? — Sol sussurrou baixinho a ele e o rapaz concordou — Como assim, Ernesto?
— A tal bruxa foi expulsa daqui porque o patrão descobriu que ela mexia com essas coisas de feitiçaria e a família era muito religiosa, então a mulher lançou uma maldição sobre o patrão... — Os olhos de Mariana brilhavam em medo enquanto ouvia — Que todos os homens da família seriam solitários como um Lobo que se perde da matilha e jamais viveriam ao lado de uma companheira. Toda mulher que pertencesse a um dos Trovalim morreria ao dar a luz ao primeiro filho e, se a criança sobrevivesse, não viveria ao lado do pai.
— Que coisa horrível! — Sequer escondeu o pavor — Mas isso são apenas lendas, não é?
Ernesto hesitou e se aproximou ainda mais para falar.
— Lady Leona, mãe do patrão, morreu ao dar a luz o terceiro filho dela e de Don Alejandro... O menino morreu também no parto — Os olhos de Mariana cresceram com a história macabra — Após a morte da esposa, o patrão e Helena, filha mais nova de Don Alejandro, foram enviados para viverem aos cuidados dos avós. Don Alejandro viveu quase toda a vida sozinho nesta fazenda, afundado em álcool e trabalho. Morreu faz poucos anos e foi quando Don Leon assumiu o lugar do pai e virou o Lobo destas terras — Mariana não pôde evitar virar o rosto na direção do Lobo, que conversava em um canto mais afastado com Andreia e Otávio, seus funcionários mais chegados. A história dele tocou fundo no coração da moça — É muita coincidência, não acha Sol?
Triste e impactada, Mariana concordou e perdeu o sorriso costumeiro.
Sentiu profunda pena de Leon... Ou o Lobo... Seja lá quem fosse! Aquela história era quase como a sua. Terrível e trágica!
— Sabe por que a família Trovalim odeia os Brancaglione? — Questionou diretamente, mas foi calada pelos dois dedos que Ernesto pousou nos lábios dela rapidamente.
— Não podemos falar esse nome aqui, Sol! — A moça se assuntou, abaixando os dedos dele de seus lábios — O patrão não admite a menção desta família em suas terras.
Aquilo a fez se arrepiar!
Andreia não estava blefando quando disse que Leon poderia mata-la se soubesse quem de fato era.
— Ele os odeia tanto assim? — Ernesto concordou com um aceno certeiro.
— Sei que o patrão não é um assassino como dizem, são apenas lendas... Mas estou seguro que ele realmente mataria um dos Brancaglione se tivesse a chance. O ódio vem do passado, desde antes do próprio Leon nascer — Um ódio que não fazia parte dela, não pertencia a nenhum dos dois, mais ambos colhiam os frutos — Por acaso você os conhece, Sol? — O rosto da ruiva perdeu a cor — A família Brancaglione...
— Como poderia? — Sorriu de canto — São tão inalcançáveis quanto o Lobo.
Ernesto o olhou dos pés a cabeça e deu de ombros.
— Eles têm o cabelo vermelho... Um dos rapazes Brancaglione. Cabelos da cor dos seus... — A moça corou — Curioso, não é?
— Sim, muito curioso... — Comentou fingindo costume — Já me disseram isso, sabia? Quem me dera ser tão rica quanto eles!
— Não creio que um deles colocaria os pés nas terras do Lobo. Eles temem a morte, não temem?
Ernesto riu junto dela, sequer desconfiando da inocente moça. Algo em sua mente dizia que deveria se retirar, correr para longe e ou talvez voltar para a casa do pai...
— Não, não posso voltar! — Sussurrou para si mesma, mas notou o olhar de Ernesto confuso em seu rosto. Soltou os braços do rapaz e deu um passo para trás — Obrigado pela dança, Ernesto. Com licença!
Deu as costas a ele e caminhou desnorteada em direção oposta a festa, sentindo o vento lhe ricocheteando o rosto ao passo em que caminhava e se distanciava das pessoas. Apertou o peito com uma das mãos e sentiu a agonia profunda lhe dominando. Como podia ser tão inocente ao ponto de pensar que conseguiria se esconder ali muito tempo?
Desceu com as pernas bambas e os passos hesitantes em direção ao riacho que pouco conhecia, parando ao lado do mesmo e respirando profundamente o cheiro de água e vida que brotava da fonte.
Sentia que a morte se aproximava, seja pelas mãos do Lobo ou do próprio pai. Havia enganado um deles e traído o outro... Não havia mais um lado ao qual pertencesse. Lágrimas rolavam de seu rosto sem que se desse conta, lembrando-se perfeitamente do rosto triste da mãe olhando pela janela em seus últimos dias. A esperança já não existia...
Falhando. A beira do precipício. Era assim que Mariana se sentia enquanto olhava a agua límpida do riacho correndo em seu percurso. Para sua própria família, não passava de um objeto. Tinha mais importância para uma desconhecida, Andreia, do que para o próprio pai! Tudo o que despertava nos outros eram sentimentos ruins e nem mesmo o próprio Lobo parecia suportá-la.
"Você é uma imprestável como sua mãe, Mariana!" A voz de Don Juan Brancaglione ecoava em sua mente conforme olhava o próprio reflexo na água do lago escuro. "Aquela maldita fracassada não serviu nem para criar os filhos e ainda me deu você... Uma filha mulher! Qual sua serventia, se não para fazer um bom casamento e ser uma boa parideira?".
Secou algumas lágrimas antes de colocar um dos pés dentro do riacho e sentir a água contra a pele. Fria como gelo. Negra como reflexo da noite. Talvez fosse uma boa chance de colocar um fim naquilo tudo, mas simplesmente não tinha coragem de tirar a própria vida.
Não quando valia tão pouco.
Desequilibrou-se e, num golpe do destino, gritou ao cair na água. A força da correnteza era forte e intensa contra ela, que submergiu algumas vezes antes de ser levada para junto das pedras. Sentia o pulmão ardendo pela falta de ar e chegou a pensar que era o fim, dilacerada pelo medo de morrer e de viver.
Sentiu que a morte chegava junto à água que lhe invadia a traqueia, mas mãos fortes se fecharam em sua cintura e a levaram de volta para as pedras, empurrando o corpo frágil contra uma delas. Respirando fortemente, Mariana olhou para cima e encontrou os olhos verdes mais marcantes que já vira na vida.
Os olhos dele.
O Lobo.
Ele estava bem encima dela, a respiração também ofegante e o peito forte se impondo com toda sua grandeza. Era o maior homem que Mariana já tinha visto e o mais quente também. Aquele corpo irradiava calor para todo seu ser, preenchendo o vazio que existia em todas suas partes. Jamais desejou sentir um homem tão perto... Jamais sentiu tanto medo, também.
— Se está tentando se matar bastava ter me pedido uma arma emprestada... Seria mais fácil e indolor, senhorita — O peito forte sobre Mariana a fez hesitar. Teve vontade de levar os dedos até o rosto dele e tocá-lo nas faces, mas estremeceu.
— Eu não... — Sequer conseguia proferir palavras com aquele homem em cima dela — Lobo.
— Sol — O cumprimento a desestruturou. Para ele, ela era Sol. Apenas Sol — Você enlouqueceu, menina? Será possível que sempre se mete em um problema e eu tenho que te salvar?
Os olhos verdes estavam preocupados no rosto dela e fazendo um esforço tremendo para ignorar o decote evidente, o colo exposto e o cheiro doce de mulher que exalava da pele clara. O desejo contido no peito de Leon o fazia desejar a cada instante arrancar todas as roupas daquele corpo tentador e se afundar dentro dela até esquecer qual era seu nome, de fato.
Mas se conteve. A moça parecia amedrontada sob ele, por isso tentou se levantar. Para sua surpresa, Sol levou uma das mãos a sua nuca e o puxou do volta. Paralisou diante dela, daqueles olhos castanhos tão profundos e dos seios fartos contra seu peito, subindo e descendo com a respiração descompassada.
— Desta vez eu não queria ser salva... — Os dedos pequenos desceram da nuca do Lobo com cuidado, parando em seu peito. Os lábios de ambos estavam a centímetros, assim como seus olhos se perdiam um no outro.
— Porque está dizendo isso, menina? — A voz grave de Leon era um tanto preocupada, apesar de tentar disfarçar.
— Porque nada mais vale a pena... — Sincera, Mariana deixou uma lágrima rolar sem conseguir controlar, apenas pensando no corpo grande sobre o seu o quanto aquilo a confortava. Leon levou a mão grande até o rosto dela, secando a lágrima com delicadeza. O gesto a fez fechar os olhos — Já não tenho valor, Lobo.
— Está enganada! — O corpo de Mariana chacoalhou com a intensidade da voz grave — Você é cheia de valor, Sol. Cheia de vida e onde você está se enche de luz... — Mariana se emocionava com as palavras dele, que não escondia a admiração — Por isso fujo de você... Porque o Lobo não suporta nada que irradie luz e vida. O meu lugar, sim, é na escuridão.
Mariana não pensou duas vezes antes de puxar novamente o rosto dele para o seu, erguendo-se levemente para selar seus lábios na boca do Lobo. Leon travou sob o toque doce dos lábios trêmulos, mas não demorou nem um segundo para infiltrar uma das mãos nos cabelos vermelhos e afundar Sol em seu beijo quente e acolhedor, cheio de necessidade.
A moça não sabia bem como se mover, como se portar, mas seguia o movimento de Leon e se arrepiou quando a língua cálida lhe invadiu a boca. Nunca tinha sido beijada, não daquele jeito! Os poucos rapazes de ousaram se aproximar – sempre sob o julgo de seu pai – jamais foram tão intensos e muito menos a abraçaram daquela forma.
Mariana tinha a impressão de que Leon iria entrar dentro dela a qualquer momento, dada à intensidade de seus beijos e a forma quase brutal como lhe apertava a cintura e o cabelo. Mas não temeu... Gostou!
"O Lobo gosta de você!".
Saber que despertava tal instinto no Lobo a fazia sentir poderosa, mesmo que fosse pouco mais que uma menina. Levou a mão até os botões da camisa dele, desabotoando o primeiro com cuidado...
Disse a Leon que era uma mulher cheia de amantes, não disse? Tinha que fazer por merecer tal status!
Para sua surpresa, o Lobo afastou-se repentinamente e puxou do corpo dela as mãos grandes e calejadas que a aqueciam em todas as partes. Ainda sentia o calor daquelas palmas contra os seios fartos quando ele se levantou, encarando-a como se fosse a própria víbora. Os olhos verdes olharam para ela, em seguida para as próprias mãos, como se estivesse se repudiando mentalmente pelo que fez.
Mariana se ergueu vagarosamente, puxando para cima o decote do vestido que o Lobo levemente abaixou. O rosto queimava pela vergonha, ao dar-se conta do que havia feito. Quase botou tudo a perder! E se ele descobrisse que era nada menos do que uma virgem? Certamente riria dela, ou pior... Talvez quisesse se casar!
Leon olhou para as próprias mãos como se estivessem sujas.
Fez um juramente a si mesmo que vinha sendo quebrado a cada dia após a chegada daquela pequena mulher de cabelos cor de fogo! Não podia simplesmente ignorar quem era em nome de um desejo desenfreado, algo mais forte do que a própria vida.
Deu as costas a ela em busca de sumir nas sombras, mas a menina correu atrás dele quase tropeçando aos próprios pés.
— Lobo! — Ouviu a voz dela, mas não parou de caminhar — Lobo, espera!
— Fique longe, Sol... Eu já disse para não cruzar o meu caminho! — Mariana conseguiu alcança-lo com esforço, puxando o braço forte para o seu quando o fez.
Leon parou de caminhar entre as árvores e se virou para o rosto corado que ofegava no escuro. Os cabelos vermelhos se colavam a face doce e molhada.
— Lobo, você me tocou... — A afirmação o fez suspirar e passar a mão entre os fios de cabelo escuro.
— Sinto muito e...
— Vou morrer de manhã? — O interrompeu quase abruptamente e Leon viu a sinceridade nos olhos dela — Eu sei... Da lenda...
Uma risadinha pequena saiu dos lábios de Leon, que tomou o queixo dela nas mãos com cuidado, aproximando-se novamente a ponto de quase beijá-la. Sol desfaleceu com um simples toque e Leon notou no mesmo instante que poderia tê-la ali, sobre as folhas da árvore ou contra o tronco da mesma... A intensa Sol realmente não tinha medo dele.
— Você não vai morrer com tão pouco, Sol — Respondeu contra a boca dela — Mas se realmente não quiser viver a lenda do Lobo e se afundar em pecado, sugiro que vá para bem longe de mim com esse teu corpo cheio de calor e esses seus olhos que me chamam para o errado!
Sol sabia que faria tudo que aquele homem quisesse quando sentiu uma das mãos dele em sua cintura. Temia, sim, temia muito o que ele a fazia sentir... Mas desejava tudo, mesmo sem saber o que.
Leon a colocou a sua frente e começou a guia-la com uma das mãos em sua cintura.
— Agora anda... — Ordenou ao ouvido dela — Não vou te deixar sozinha no meio desse mato.
Mesmo com as pernas bambas, Mariana caminhou sendo guiada por ele de volta a casa grande.
Jamais compreenderia como as pessoas poderiam temer aquele homem se tudo o que ela mais desejava, a partir de agora, era estar em meio aqueles braços.
CAPÍTULO SETE
Mariana tentou disfarçar o fato de todos ao redor estarem falando sobre ela.
Sabia que de norte a sul na Toca do Lobo, a fazenda e Ouro, se comentava a maneira como o patrão olhava para Sol e o fato de ambos terem desaparecido ao mesmo tempo. Na boca de todos, Mariana estava enfeitiçada.
Nenhuma mulher seria capaz de encantar o patrão, seria?
— Você se deitou com ele, Sol? — Flora a pegou de surpresa enquanto as duas terminavam de organizar a cozinha sob a supervisão de Andreia, que estava mais afastada. A ruiva parou de se mover ao ouvir a amiga — Se entregou ao Lobo?
— Claro que não! — A resposta foi horrorizada perante o olhar triste da morena — Já te disse que não tenho interesse nos homens, muito menos no Lobo!
— Mas não é o que parece! — Flora alterou o tom de voz — Você dançou com Ernesto cheia de conversinha e sumiu no meio do mato com o Lobo! Como pode falar que não tem interesse nos homens? — Sol apertou os lábios — Todo mundo viu o jeito como ele te olhava... Te comia com os olhos!
— Não me deitei com ele e já te disse que não me interesso por um homem com fama de demônio! — Sol disse em plenos pulmões, ficando vermelha pela raiva.
A mentira a incomodava.
Não conseguia tirar os beijos de Leon de sua cabeça.
— Já chega! — Andreia interveio puxando Sol pelo braço — As duas, chega! — Ordenou nervosa — Sol já disse que não tem nada com o Lobo e você, minha filha, não tem direitos sobre ele!
— Mas ela sabe que eu gosto dele e o quero para mim! — Sol rodou os olhos no rosto. Era obvia a maneira como Leon a ignorava e a via apenas como irmã — Queria saber por que a senhora defende tanto essa aí, mamãe, e fica ao lado dela, não do meu!
— Já chega Flora! Volta para sua louça! — Apontou para a pia e saiu puxando Mariana para o quartinho de empregadas no qual a moça ocupava. A colocou lá dentro e bateu a porta. A ruiva arfava pelo nervosismo da discussão — Você realmente sabe o que está fazendo Mariana?
Mariana olhou para Andreia com seriedade, uma das mãos apoiadas na cintura e a outra sobre os lábios.
— Não me chame assim, por favor! — Pediu baixinho — Sol!
— Um Sol que brevemente vai se apagar se continuar flertando com o perigo! — Apontou o dedo em riste em direção ao rosto da moça, que corou. Viu nos olhos de Andreia que ela sabia de tudo que se passava entre ela e o Lobo — Don Leon pediu que você levasse o almoço dele hoje — Mariana mordeu os lábios pelo sorriso que queria nascer, mas se conteve — Você já soube da lenda ou terei que te contar?
— Me perde, dona Andreia... Mas eu não acredito nessas coisas — Sincera, deu de ombros.
— E em Don Juan Brancaglione virando o Estado de cabeça para baixo em busca da filhinha dele, você acredita? — O rosto de Mariana perdeu a cor ao ouvir a menção do pai e ver Andreia cruzando os braços frente ao peito em uma postura séria.
— Papai está me procurando?
— Sim, está mandando homens para todos os cantos em busca de você, senhorita Mariana Brancaglione... — A ruiva apertou os olhos e as mãos contra o peito — Acho que não vai demorar muito até alguém da fazenda se deparar com algum dos homens dele e contar sobre a chegada de uma misteriosa moça de cabelos cor de fogo chamada Sol na Toca do Lobo...
— Andreia, por favor! — Mariana se aproximou da governanta e colocou as mãos nos ombros dela — Te imploro... Me ajude! Não deixe que eles me descubram, por favor!
— Estou tentando, Mariana, mas você mesma não ajuda! — Tocou o queixo da moça com carinho, erguendo seu olhar amedrontado para ela — Fique longe do Lobo e se esconda nesta fazenda, seja imperceptível! Se seu pai te encontrar, seu destino será um casamento cruel. Se o Lobo te descobre... — Riu sem humor, cheia de pesar — Talvez nem destino você tenha!
A ruiva baixou os braços de maneira cansada, tomando fôlego para voltar com Andreia para a cozinha. Flora a encarava cheia de raiva enquanto a moça tinha a bandeja do almoço do Lobo em suas mãos, subindo as escadarias.
Usava um simples vestido na cor verde claro ganhado por Flora que contrastava lindamente com seus cabelos vermelhos, presos para o lado esquerdo. Havia um colar em formato de sol, o mesmo que ganhou da mãe ainda menina, descansando no pescoço. Aquela pequena joia simbolizava o significado gigantesco de seu apelido de menina... Emília sempre a chamava de Sol por seu cabelo vermelho, mas também pelo brilho próprio que a mesma sempre irradiou.
Sentia o coração voando no peito. O Lobo estava esperando e se havia mandado que ela fosse até certamente teria algum motivo.
Mordeu os lábios.
Será que queria vê-la? Será que pensava no beijo deles da noite anterior tanto quanto ela?
Leon encarava Ernesto frente a sua mesa no escritório da casa grande sem muitos pudores.
Seu olhar esverdeado era quase como o de um predador, mas precisava se conter. A cada palavra tinha ainda mais vontade de pular a mesa e voar no pescoço do rapaz, mesmo que não tivesse nenhum direito de fazê-lo.
— Estou aqui porque estou interessado em Sol, sua empregada da cozinha — Ernesto disse segurando o chapéu frente o peito e com um sorriso de lado a lado no rosto. Os olhos de Leon se ergueram dos papeis e foram para o rosto dele cheios de surpresa.
— Interessado? — Pontuou confuso, largando a caneta e ficando mais sério — Como assim?
— Quero um compromisso... Talvez me casar com ela — Leon sentiu um nó na garganta e se retesou dos pés a cabeça. Ainda lembrava a sensação terrível de ciúmes enquanto via Sol, a mulher que enlouquecidamente desejava, sendo conduzida por uma dança nos braços do filho do capataz — Sei que a moça não tem família, por isso me dirijo a você, Lobo. Se me der um pedacinho de terra para cuidar, posso construir um casebre como de meus pais e cuidar dela, dar-lhe filhos e um lar digno para viver e...
— A moça se interessa por você? — Interrompeu Ernesto com uma velada agressividade. O rapaz suava frio diante do patrão, sempre intimidador por sua postura firme.
— Bom... — Coçou a cabeça — Imagino que se interesse em ter alguém por ela, não é? E você também se interessa por isso, presumo! Corre de norte a sul da fazenda os problemas que Sol causa por sua beleza... Deixa os homens malucos e as mulheres enciumadas... Seria um problema a menos aqui na Toca se ela se casasse e tivesse um marido.
Leon apertou os punhos fortemente sob a mesa, mas se controlou. A proposta do homem era viável e ele oferecia algo que para o Lobo era inviável... Casamento, estabilidade... Filhos. Uma vida toda pela frente.
— A vontade de Sol é soberana, Ernesto — Apanhou uma caneta e voltou a escrever, mesmo com o maxilar travado pela ira — Se ela se interessar em você posso pensar sobre a possibilidade de te ceder um pedaço de terra.
Grato ao patrão, o homem sorriu abertamente.
— Obrigado Lobo! — Sorria largamente — Sei que é um homem generoso e bom com os seus, ao contrário do que dizem por aí.
— Dizem muitas coisas, meu caro... — Sorriu sem humor. Duvidava que Sol se interessasse pelo mesmo, mas ainda não podia afirmar.
— Disseram que havia lançado seu feitiço em Sol, pode acreditar? — Leon parou novamente de escrever e olhou para ele — Agora vejo quantas mentiras a seu respeito são espalhadas aos quatro ventos.
Houve uma batida leve na porta e a mesma foi aberta após um sinal do Lobo. Lembrou-se no mesmo momento de ter pedido a Andreia que Sol levasse seu almoço naquele dia, apenas uma desculpa para vê-la.
A moça de cabelos vermelhos surgiu na entrada com uma bandeja farta e o olhar curioso, talvez empolgado... Mas o brilho marcante se apagou aos poucos quando a mesma viu que Ernesto estava parado diante do Lobo, agora de pé do outro lado da mesa.
Os olhos verdes encontraram os dela através do espaço e Leon teve de se conter perante os pensamentos que o assolavam sobre a noite anterior. Não sabia contar quantas vezes teve que se aliviar para dissipar a tensão que criou ao estar junto daquela mulher.
Ernesto a encarava como se realmente visse o sol pela primeira vez, algo não retribuído a altura por ela.
— Com licença Lobo — Sussurrou olhando de um para o outro — Ernesto...
— Sol! — O rapaz abriu caminho para que ela depositasse a bandeja na mesa grande de madeira do patrão, que apenas encarava a moça fixamente — Que oportuna sua chegada... Estávamos falando de você!
O pesar no olhar de Leon deixava tudo muito claro. Sentia raiva e ciúmes, mas Sol era proibida, assim como todas as outras.
— Ah claro... Espero que bem — Secou as mãos no vestido e sorriu para eles.
— Ernesto estava me dizendo que tem interesse em você, Sol — O sorriso da menina desapareceu conforme ouvia as palavras — Tem interesse de se casar.
O rosto corado perdeu a cor, não por estar sendo cortejada, mas por ouvir tais palavras vindas do Lobo, o homem que na noite anterior a beijo como nunca. Não conseguia olhar para Ernesto, apenas encarava o Lobo como se questionasse abertamente o que aquilo significava.
Foi tola por passar a noite toda imaginando novamente beijá-lo! Foi tola por ter amado estar nos braços daquele homem conhecido por sua ira, chamado por todos de Lobo...
— Tenho boas intenções, Sol — O rapaz afastou a franja loira do rosto para prosseguir — O Lobo me disse que pode ceder um pedaço de terra para nós. Construirei uma casinha para nós, me casarei como Deus manda e cuidarei de você... Te darei filhos e um lar para cuidar.
Sol engoliu em seco sequer tendo ideia do que fazer. O rosto queimava sabendo que o Lobo a encarava de perto, fixamente na face e atento a suas reações. Ernesto parecia ser o homem mais feliz do mundo diante dela, que ergueu uma das mãos em busca de detê-lo.
— Ernesto, eu... — Tentou falar, mas tremia — Me sinto lisonjeada por sua proposta, mas não me interesso nenhum minuto por casamento. Não sou mulher para casar.
— Não penso isso, Sol — O rapaz respondeu sem pensar — Penso que seja a mulher perfeita para mim.
A ruiva suspirou.
— Já disse que não sou mulher para casar. Não vai querer uma mulher como eu, uma mulher que já teve muitos amantes — Aquilo foi à primeira coisa que ocorreu na mente dela para se proteger. Era a única maneira dos homens como Ernesto a deixarem em paz — Sinto muito.
Ernesto pareceu hesitar e o próprio Lobo voltou-se para olhar a janela. Leon sentia o estômago afundar cada vez que Sol mencionava tal fato.
— Não me importo com seu passado, Sol.
— Mas eu sim... — A moça parecia decidida — Me desculpe Ernesto, mas terei de dizer não a sua proposta.
— Mas Sol... — O Lobo o interrompeu bruscamente.
— Ela já disse não, Ernesto — A voz grave preencheu o ambiente e fez a dupla encarar o Lobo, que apontou para a porta — Já chega desse assunto.
O rapaz suspirou, mas não pareceu se dar por vencido. Aproximou-se um pouco mais da moça, que olhava para ele com pesar.
— Vou esperar que reconsidere... Posso cuidar de você — Sussurrou com uma ponta de esperanças — Com licença — Ernesto saiu pela porta e a fechou, deixando Sol sozinha com o Lobo dentro do escritório.
O coração de Mariana batia descompassado no peito e as palmas soavam. Olhou para Leon quando o mesmo se sentou novamente, encontrando o rosto dele aliviado como o de um guerreiro que venceu a batalha. Deu alguns passos até a mesa, parando o mais perto que podia.
— Quando me disseram que você era tudo o que corre os quatro cantos da cidade o temi demasiadamente... — Os olhos verdes de Leon estavam fixos no rosto dela — Então te conheci pessoalmente e custei a crer que dentro do Lobo batia um coração cruel — Sorriu sem humor, com o olhar triste — Cheguei a pensar que era bom... Honesto... — Os olhos castanhos se encheram de lágrimas — No entanto, aqui está você querendo me vender para o primeiro que passar como se eu fosse sua propriedade! — Leon negou — Igualzinho a todos os outros...
— A proposta dele era boa para você, Sol — Explicou calmamente — Ter um marido poderia te tirar da vista destes homens que te rondam e você merece uma estabilidade... Uma família... É isso que todas as mulheres querem, não é?
— Não! — A ruiva vociferou — É justamente disso que eu fujo! — Leon se colocou de pé novamente ao ver o quão abalada a moça estava — Pensei que... — Parou de falar e fechou os olhos. Não podia se mostrar tão frágil — Ontem você me beijou e...
— Sol... — Leon começou, mas ela o interrompeu.
— Você é frio. Não sente nada, não é? — Deu de ombros — Agora sei por que te chamam de Lobo!
A porta bateu quando a ruiva passou por ela e deixou Leon atordoado em meio às próprias mentiras.
CAPÍTULO OITO
Juan Brancaglione conseguiu tomar Leona Trovalim a força enquanto a mesma passeava com o filho mais velho em meio ao bosque da família.
O plano era roubar apenas a mulher, mas seus homens acabaram tomando a mesma junto do menino, que por um infeliz destino foi jogado em um canto de uma sala escura enquanto assistia a mãe sendo rondada por aquele homem como se o mesmo fosse um espirito obsessor ou o próprio demônio encarnado.
Viu quando Leona foi jogada no chão, sob alguns restos de pano, e violentada cruelmente.
Assistiu o horror da mãe enquanto a mesma tinha o vestido erguido, a roupa de baixo arrancada e a boca tapada para que não gritasse muito alto. Leon assistiu o olhar de Leona escorrendo em lágrimas ao olhar para ele, a vergonha de ter o filho presenciando tal cena...
Amarrado, Leon tentava se aproximar para ajudar, mas estava preso por cordas e amordaçado.
— Feche os olhos, Leon, feche os olhos! — A mãe dizia entre as lágrimas quando podia.
O sangue escorria pelos lábios dela e pelo medo de que fosse ainda mais machucada, Leon se calou e apenas fechou os olhos. Leona parou de gritar quando percebeu que o filho recuou, procurando tornar aquilo menos doloroso. O garoto de pouco mais de oito anos não sabia bem o que acontecia, mas podia imaginar... A dor e o sofrimento da mãe estariam para sempre marcados nele a ferro e fogo.
— Porque está de olhos fechados, garoto? — A voz de Juan ecoava no pequeno recinto — É bom aprender desde cedo o que nos torna homens.
Ali Leon aprendeu a não sentir nada.
Naquele dia jurou a si mesmo que um dia acabaria com aquele homem com as próprias mãos, nem que isso lhe custasse à própria vida.
— Feche os olhos Leon, feche os olhos... — Aquela frase ecoaria em seus pensamentos para sempre.
Os dedos de Juan Brancaglione batiam em um ritmo acertado sobre o parapeito da janela. Os olhos escuros encaravam o horizonte de maneira confusa, a expressão era cansada e conturbada.
— Sinceramente, papai... — Tiago, o filho primogênito, falava enquanto caminhava de um lado para o outro atrás do pai — Não consigo entender como seus homens ainda não localizaram Mariana! Ela é só uma menina de pouca inteligência e nenhuma experiência! Para onde pode ter ido sozinha e levando apenas a roupa do corpo?
Juan emitiu um barulho irônico, passando levemente o dedo pela barba grisalha por fazer.
— Mariana pode ser uma menina, mas ao contrário de você, meu filho, é esperta e perspicaz. Puxou a mim, graças a Deus! — Tiago não disfarçou o descontentamento com o comentário e se jogou no sofá da grande sala da casa — Não consigo mais pensar em um lugar para procura-la... Tenho medo do destino que pode ter tomado.
— Você? Preocupado com um dos filhos, ainda mais a filha mulher que sempre desdenhou? — Gabriel, o filho do meio, apareceu trazendo um copo de água e sentou-se junto ao irmão frente ao pai — Essa é nova para mim...
— Mariana é minha filha tanto quanto vocês. A segurança dela me interessa e, ainda mais, a teimosia! Fugiu para me desafiar e não vou descansar até encontra-la e casá-la com Albert Bittencourt — A convicção de Juan fez os filhos mais velhos se entreolharem.
— Confesso que não posso culpar Mariana — Gabriel, sempre mais animado, comentou com Tiago — Eu também fugiria se tivesse que me casar com aquele asqueroso!
— Gabriel! — Juan repreendeu enquanto Tiago ria baixinho. O ruivo olhou para o pai seriamente — E sua esposa, meu filho? Realmente não vai retomar o casamento?
— De modo algum, meu pai — Gabriel terminou de beber a água — Ela prefere ficar com os pais e eu...
— Vai continuar levando a vida boemia de sempre, não é? — Tiago desdenhou — Sorte a minha que me casei com uma mulher de valor e que...
— Está sempre grávida e de boca fechada? — O ruivo completou com uma pontada de desdém — Pelo menos não fiz nenhum filho em Joana. Ela que seja feliz.
— Tenho para mim que você está apaixonado por essa última que conheceu em sua mais recente viagem — Juan se atentou a conversa dos filhos — Nunca te vi mais enfeitiçado por uma mulher...
Gabriel se calou, adotando um tom sério. Juan parou frente à dupla.
— É melhor dedicarem todo esse potencial para encontrarem sua irmã, não acha? Albert me deu um prazo de alguns dias para encontra-la e até agora não fizemos nenhum progresso — Os rapazes encararam o pai com preguiça, Tiago arrumando o relógio e Gabriel recostando-se ainda mais ao sofá.
Juan explicou rapidamente os próximos passos da busca, realmente empenhado em encontrar a caçula perdida. Sentia medo de algum homem manchar a honra dela e o rico fazendeiro não se interessar mais por um casamento arranjado e prospero.
— Porque não deixa Mariana onde está? Já faz quase um mês que ela fugiu, se estivesse morta a noticia já teria chegado... Deve estar bem — Gabriel comentou de maneira despreocupada — Você nunca se importou com ela mesmo, sempre trancou a garota a sete chaves...
— Exatamente por isso! — Juan vociferou, nitidamente contrariado. Gabriel engoliu em seco — Já pensou no que pode acontecer com uma moça como ela sozinha por aí? Além disso, o casamento dela com Albert me renderá uma boa fortuna! — A ira de Juan era tamanha que o tornava vermelho — Mariana ousou me desafiar e agora vai pagar o preço por sua desobediência... Revirem a cidade, o Estado, o país... Mas encontrem-na!
— Só falta agora ele querer que a gente entre a força no Toca do Lobo para ver se Mariana está por lá... — Tiago brincou e Gabriel riu alto, atraindo a atenção do pai. Juan os encarou fixamente, pensando seriamente por um momento.
— Pai, é só uma brincadeira! — Tiago explicou e Juan coçou a nuca um tanto ressabiado — Mariana não seria louca de colocar os pés naquele lugar amaldiçoado. Ela é bobinha, mas não é suicida!
— Tiago tem razão... Mariana jamais faria isso — Gabriel completou convicto da verdade.
Leon tinha os sonhos confusos e perturbados desde que Sol colocou os pés na fazenda.
Era como se um perigo constante rondasse seus pensamentos, não por ele, mas pela própria garota. O pior de seu ser se manifestava cada vez que estava com ela e nem mesmo a tentativa de refrear seus desejos o fazia se convencer de que a doce Sol não era a mulher mais linda que já vira.
O desejo o estava enlouquecendo, levando-o a se expor muito mais do que a figura que criou do Lobo permitia.
— Bom dia patrão...
— Bom dia Lobo — Os empregados o cumprimentavam enquanto passava entre eles, caminhando decididamente. Não eram todos que o olhavam nos olhos.
As lendas que corriam a pequena cidade eram tão absurdas que alguns acreditavam que virariam pedra se encarasse o Lobo nos olhos. Leon apenas ria da criatividade alheia, mas naquele momento caminhava decidido em busca de seu alvo.
— Onde está Sol, Otávio? — O capataz estava nos estábulos com o filho, Ernesto, que encarou o patrão com certa desconfiança.
— Na horta, patrão — Apontou com o chapéu em direção ao norte — Quer que eu vá busca-la?
— Não, não... — Leon interrompeu no mesmo momento, ajeitando o chapéu negro sobre os cabelos escuros — Pode deixar.
— Ela fez alguma coisa errada, patrão? — O questionamento de Ernesto foi um tanto sério.
— Nada — A resposta de Leon o fez suspirar, uma vez que o Lobo saiu em direção à horta sem olhar para trás.
Não demorou muito para Leon vê-la ao longe. Estava ajoelhada em meio às plantações de verduras e legumes e seu inconfundível cabelo vermelho preso em um coque alto. Usava um vestido rosa-claro e botas marrons. O coração de Leon deu um salto ao vê-la.
O que mais além da beleza de Sol poderia atraí-lo?
Precisava acabar com aquilo de uma vez e quem sabe uma noite com ela, apenas um momento, poderia colocar um fim em sua obsessão pela menina de cabelos vermelhos? Ela disse que tinha muitos amantes, não disse? Qual mal aquilo faria, uma vez que ele era um homem e ela uma mulher? Sabia que existia atração entre eles... Sentiu na pele na noite em que se beijaram.
Ardia de desejo enquanto se aproximava dela, já sentindo o cheiro doce em suas narinas, mas se deteve ao parar próximo e constatar que Sol chorava baixinho. Haviam lágrimas no rosto angelical, lágrimas que no mesmo instante tocaram o duro coração do Lobo.
— Sol... — Sussurrou confuso, obrigando a menina a erguer o olhar castanho para ele. Nervosa, colocou-se de pé enquanto tentava, em vão, secar o rosto.
— Lobo! — Largou a pá que usava no chão e retirou as luvas de borracha que vestia para mexer na terra — Precisa de alguma coisa, senhor?
— Não precisa me tratar assim, com tanta formalidade — Leon se aproximou mais alguns passos, sentindo que ela estremecia com sua presença. A menina parecia acuada, algo que o surpreendeu. Desde o inicio Sol deixava bem claro que não sentia medo dele — Porque está chorando, Sol?
— Não estou... — Um sorriso sem humor escapou dos lábios de Leon, que se aproximou um pouco mais dela a ponto de parar a sua frente.
O cheiro floral de mulher o embriagou e a proximidade do Lobo a fez hesitar. Sol jamais se acostumaria com o quão quente a presença daquele homem a fazia sentir... A mão grande e firme tocou-a na bochecha, secando a lágrima que escorria com cuidado.
— Me conta... Quem te fez chorar? Algum homem nestas terras te faltou com respeito novamente? — Tentando disfarçar a maneira como gostava da mão dele sobre ela, Sol concordou com um aceno — Quem foi o canalha?
— Você — A resposta fez Leon suspirar e remover a mão do rosto dela, levando até sua cintura em uma postura desacreditada.
— Me desculpe pelo beijo — Sol revirou os olhos e cruzou os braços — Eu estava fora de mim, você me deixa... — Fez um gesto com as mãos — Me deixa...
— Não se desculpe pelo beijo, mas por tentar me vender como uma mercadoria, quando sou apenas sua funcionária! Costuma fazer isso com todas as moças da fazenda? Costuma se ocupar tanto do que será feito delas? — Impositiva, Sol deixava claro seu descontentamento.
— Só as que me interessam realmente — Leon apoiou uma das mãos na cerca de madeira da horta, fazendo com que seu peito largo ficasse ainda mais em evidência sob o tecido fino da camisa branca. Sol não pôde disfarçar a maneira como acompanhou a movimentação dos músculos sob a pele morena dos braços fortes — Ainda não percebeu que tem tirado meu sono desde que chegou aqui?
— Sei que só trago problemas... — A menina tentou voltar a seus afazeres, mas Leon a pegou pela cintura e a trouxe de volta para ele, erguendo seu queixo de maneira que o encarasse com firmeza — Lobo...
— O problema que você me trás, Sol, é bem diferente do que imagina — A inocência no olhar dela o fazia se questionar se deveria realmente abrir seu coração. Sentia como se estivesse diante de um olhar que mal conhecia o mundo — Você diz que é independente, forte e que já é mulher... Mas não é isso que vejo quando te tenho por perto. Conte quem te fez chorar... Vou atrás do canalha e ele vai sentir a fúria do Lobo por ter mexido com a moça errada.
Era a própria Sol quem queria conhecer a fúria do Lobo.
Todo seu corpo estremecia próximo dele. Sentia que ardia dos pés a cabeça quando a mão grande daquele homem a tocou na cintura com cuidado, se movendo por ali. A sensação latente entre suas pernas a fazia suspirar. Jamais desejou um homem de tal maneira... Jamais quis ser de alguém tanto quanto queria ser do Lobo, mesmo sabendo que era perigoso.
Impossível.
Além de ser o Lobo, era um Trovalim e ela uma Brancaglione.
— O Lobo me confunde — Confessou tocando a mão dele na altura do pulso, sentindo a maneira descompassada com que o coração daquele homem batia por ela — Hora quer me vender como uma mercadoria, hora quer me ter em seus braços... O que acredita que sou?
— Se eu pudesse ter uma mulher — A mão grande de Leon deslizou para o rosto dela, indo até se infiltrar nos cabelos cor de fogo — Você seria a que eu escolheria para mim.
As palavras deixaram claras suas intenções.
Sol queria dizer que aceitaria e que sabia que dentro daquele homem tão grande havia um gigante coração, mas seus lábios se calaram quando o Lobo se aproximou a ponto de tocar os lábios nos dela. Arfou contra a boca dele, levando as mãos pequenas até os ombros fortes e subindo pelos braços musculosos enquanto aproveitava para sentir a textura da pele quente.
A mão grande de Leon a puxou pela cintura, pressionando-a contra seu desejo masculino evidente e desenfreado. Aquilo a assustou, mas não conseguia reagir de outro modo a não ser retribuindo ao beijo que ansiava. Sentia medo de Leon ao passo em que sentia desejo. Tudo era demasiadamente confuso para Mariana, a mulher que Leon desconhecia.
Uma vez Mariana ouviu de uma empregada da fazenda que borboletas giravam no estômago quando se beijava um homem. Achou engraçado a comparação, mas agora sentia-se tola por ter tido dela. Era como se todo seu ser estivesse tomado por borboletas. Era como se flutuasse nos braços fortes de Leon, que a tomava em suas mãos com ímpeto, beijando-a com prazer e pressionando-a contra o peito largo e viril.
Desceu o beijo quente pelo pescoço, pelo colo e até o decote do vestido...
Poderia fazê-la dele ali mesmo, em meio à horta, que Mariana não se importaria. Nem mesmo o fato de ser virgem a faria desistir. Estava cada vez mais convicta de que o Lobo era mesmo um feiticeiro e havia lançado uma magia sobre ela.
— Seja minha essa noite — A voz ao ouvido dela a fez estremecer. Abriu os olhos diante do pedido — Prometo te deixar em paz depois que aplacarmos esse desejo e tudo isso acabar.
Parte dela queria dizer sim, pois estava apaixonado, mas a outra entrou em pânico com a proposta!
Poderia pensar que era possível, mas dizer que teve muitos amantes fazia parte do disfarce, parte de Sol. Mariana era uma virgem que desconhecia o mundo e o Lobo certamente iria descobrir seu segredo se o fizesse. Iria querer saber de tudo...
Um barulho estrondoso se fez e uma movimentação intensa começou na entrada da fazenda, um pouco distante dali.
Pela primeira vez Mariana se pegou pensando se alguém havia visto o beijo, se alguém havia visto-a nos braços do Lobo... Dona Andreia certamente iria mata-la! Teria sorte se o fato houvesse passado despercebido.
— O que está acontecendo? — Questionou a Leon assim que um homem apareceu correndo na direção dele quando já estavam separados.
Leon franziu o cenho diante da chegada de um dos guardas fixos da entrada.
— Lobo, temos invasores se aproximando! — O homem parou para avisar, mas voltou-se para retornar ao posto novamente.
Leon suspirou e tocou levemente o rosto amedrontado de Sol.
— Vá para dentro e não saia da casa antes de estar seguro — Ordenou seguramente.
— Espera! — O segurou pelo braço com nervosismo, realmente temendo por ele. Os homens pareciam muito assustados — Aonde vai?
— Vou ajudar meus homens — Esclareceu como se fosse obvio, apertando os punhos de maneira a deixar claro que lutaria.
— Mas você é o patrão! É você quem tem que se esconder! — Leon sorriu de canto para ela, tocado pela inocência da menina.
— Não sou homem de fugir a luta, Sol. Muito menos de abandonar os meus por covardia... — Se aproximou dela novamente, falando bem pertinho de seu rosto — Vá para dentro! Isso não é coisa para mulher. Fique segura.
Leon deu um beijo na testa dela, afastando-se em seguida com o olhar preocupado da ruiva marcado no pensamento. Sol tocou a testa e fechou os olhos ao vê-lo se afastar, descendo os dedos para a boca em seguida e suspirando pelo calor que aos poucos se dissipava.
Assustou-se com a postura combatente de Leon. Naquele momento viu o Lobo diante de si, um homem disposto a realmente matar para defender os seus. Aquele sim era o homem que causava medo. Sentia também receio por ele... Poderia se machucar? Um homem daquele teria uma brecha de humanidade?
Quem eram tais invasores?
Seria aquele o fim de seu segredo?
Leon mal chegou à entrada da Toca e percebeu que não era um momento para tanta tensão.
Tratava-se apenas de um carro escuro parado enquanto conversava com um dos seguranças. Aguardou algum tempo, observando de longe ao lado de Otávio, quando viu o segurança tirar o chapéu e cumprimentar o motorista com estima e um largo sorriso, mostrando onde ficava a porta.
Franziu o cenho e acompanhou o carro com o olhar, seguindo-o até a entrada da casa grande ao lado do capataz.
— Quem é? — Gritou para um dos seguranças que o seguia de perto — Porque não me comunicou a entrada, homem?
— Porque é a outra dona da fazenda de Ouro, senhor — O homem respondeu amedrontado — Sua irmã, senhorita Helena Trovalim.
Leon paralisou ao ouvir tal nome, virando-se para o homem com total descrença.
— Está certo disso? É impossível... — O segurança concordou e Leon olhou novamente em direção ao carro, que estacionou na entrada.
Sentia como se os pés estivessem pregados no chão enquanto assistia a porta abrir e uma linda mulher de cabelos lisos e tão negros quanto à noite desembarcar do mesmo. Leon respirou aliviado ao vê-la, mas seu rosto perdeu a cor quando Helena o encarou, ainda usando óculos escuros.
A pele pálida reluzia ao sol e ela ainda era linda como da ultima vez em que se viram, sete anos atrás.
A menina de dezessete anos que jurou jamais voltar a colocar os pés naquela fazenda amaldiçoada era a mesma mulher que agora tirava os óculos para olhar dentro dos olhos verdes do irmão, que a encarava através do espaço sem dizer uma palavra.
Não podia acreditar no que estava vendo.
Helena, sua irmãzinha caçula, estava nitidamente grávida.
CAPÍTULO NOVE
— Vai ficar aí parado me olhando como se não me reconhecesse, irmão?
Helena retirou os óculos escuros da face e Leon pôde olhar fixamente em seus olhos enquanto se aproximava, tomando em conta que realmente era ela. Ainda era linda. Ainda era o retrato vivo da beleza da mãe de ambos, tão parecida que o espantava! A semelhança era gritante, quase assustadora e os empregados também cochichavam sobre.
O cabelo era liso, longo e negro como a noite. Os olhos, escuros e brilhantes. A pele clara e as bochechas salpicadas de sardas. E grávida. Nitidamente grávida.
— Helena... — Sussurrou mais para si do que para ela, parando frente à irmã, que ergueu o pescoço para encará-lo melhor. A mão pequena da moça foi para o braço dele, tocando-o com carinho em um aperto tão emocionado quanto seu olhar — Você está grávida?
Há quase sete anos os irmãos Trovalim não se viam rosto a rosto, apenas por mensagens no celular e vídeo-chamadas. A emoção de Leon era clara, mas sua dúvida e certa ira também. Helena abaixou a mão e sorriu de canto, tomada pela indignação e com algumas lágrimas nos olhos.
— Sete anos sem me ver e a única coisa que consegue falar é isso? — O olhar de Leon seguia confuso sob o sol a pino do horário da tarde — Leon... Sempre Leon...
— Porque não me contou antes? — Não conseguia parar de olhar para grande barriga dela, que era evidenciada pelo vestido azul escuro e elegante que trajava. O rosto da moça corou — Onde está o homem que vai arcar com a responsabilidade?
Helena o tocou no braço novamente, um tanto nervosa.
— Podemos discutir isso lá dentro, por favor? — Disse entredentes — Seus empregados estão olhando...
Realmente havia um bom bocado de pessoas ao redor encarando os patrões. Leon olhou rapidamente para alguns, que começaram a se dissipar com a encarava dura do patrão. Helena relaxou um pouco.
— Não são meus empregados, são nossos! — Relembrou um tanto pesaroso — Mesmo fugindo, essa fazenda também é sua!
— Isso é o que diz o testamento do papai, mas na realidade essa fazenda é do Lobo e eu, querido, não tenho nada a ver com isso! — Tirou um leque azul da bolsa e começou a se abanar — Aliás, irmão... É muito bom te rever também.
Leon apoiou a mão na cintura e com a outra cobriu os olhos em uma postura cansada. Certamente Helena estava com problemas... Esse deveria ser o único motivo pelo qual poderia procura-lo e pisar na fazenda de Ouro. Suspirou pelo que estava por vir.
— É bom te ver, irmã, mas confesso que poderia ter me adiantado o... — Apontou com um aceno para o ventre dela e a moça o cobriu com a mão em um ato espontâneo — Detalhe — Corada, Helena abaixou o olhar — Quem é o canalha? — Leon ergueu o queixo e um pouco o tom de voz ao ver que estavam mais a sós — Está claro que isso é um problema e eu vou agora mesmo atrás do imprestável que te condenou a morte!
— O que? — Helena praticamente gritou, fechando o leque e apontando para ele com certa raiva — Leon, pelo amor de Deus! Só estou grávida, não vou morrer!
— Não? Não? — Helena negava enfaticamente — E a maldita maldição lançada sobre nossa família? Helena, por Deus... — Cobriu o rosto com as mãos — Você não podia... Você não...
— Menina Helena! — A voz de Andreia se fez atrás deles e a velha senhora veio caminhando enquanto secava as mãos no avental. Helena se voltou para ela um tanto surpresa, mas feliz pela interrupção do surto do irmão. Sabia do que o Lobo era capaz quando contrariado — Como está linda! Como é bom te ver!
— Como está grávida, não é? — Leon completou com uma pontada de desgosto e Andreia o ignorou, abraçando a moça com carinho.
— Dona Andreia... A senhora continua a mesma! — Segurando a mão uma da outra, as duas sorriam — Como tem passado?
— Com algumas boas rugas pelo comportamento de alguns... — Olhou para Leon enfaticamente — Mas continuou levando, querida. E você, veja só! — Olhou para o corpo da moça — Está grávida! Que maravilha!
— Maravilha, Andreia? Por acaso está ouvindo o que você mesma está dizendo? — Leon vociferou com os nervos a flor da pele — Por acaso se esqueceu da maldição sobre nós? Por acaso...
Helena o interrompeu e entrelaçou os braços no da governanta, que aceitou com alegria. As duas começaram a caminhar em direção a casa grande e Helena abriu novamente o leque e passou a se abanar.
— Será que tem uma água gelada na cozinha, dona Andreia? Estou tão cansada da viagem...
Deixado sozinho, Leon as observava com a respiração ofegante pela raiva. Helena estava realmente fora de si e com um problema gigantesco para tê-lo procurando, de fato. Estava evitando falar sobre o assunto na frente dos empregados, queria estar a sós com ele, e deveria respeitar o fato.
Em seu peito, não conseguia controlar a ansiedade e o medo de perder a irmã.
Vê-la grávida o lembrou da mãe imediatamente e todo o pesadelo veio a tona em minutos! Helena estava brincando com a própria vida quando se deixou engravidar e Leon tinha certeza de que não estava disposto a perder a irmã assim como perdeu a mãe no passado.
Aquela gravidez misteriosa sim representava um problema.
Sol preparava o chá de camomila com erva-cidreira enquanto Flora e Andreia conversavam com a irmã do patrão na mesa da cozinha, um ato que a surpreendeu.
A linda moça não exigiu ser servida na sala de jantar, mas se sentou humildemente com as empregadas e tagarelava com ambas na maior intimidade. Era realmente muito bonita e parecidíssima com a mulher no retrato da sala central.
— Sol, essa é Helena Trovalim, irmã do Lobo — Andreia apresentou enquanto a ruiva servia o chá na xicara para a morena, que sorria animada — Helena, essa é Sol, nossa nova empregada da cozinha. Ela tem me ajudado muito aqui.
— Lobo não, por favor... Leon — Helena retificou sorrindo para a ruiva, que sorriu de volta — Esse negócio de Lobo, para mim, não passa de uma ignorância desta cidade. É um prazer, Sol.
— Igualmente senhorita Trovalim... — Respondeu educadamente.
— Helena. Pode me chamar somente de Helena — Bebericou a xícara e encarou mais de perto o rosto sorridente de Sol — Hum... Esse chá está maravilhoso! — A ruiva abriu ainda mais o sorriso, parada com as mãos para trás — E que lindo cabelo! Aliás, você é muito bonita! — Olhou-a mais atentamente e franziu o cenho com a aparência da moça — Eu por acaso te conheço de algum lugar?
Sol hesitou, olhando para Andreia com certo desconforto.
— Ah, duvido muito menina Helena... — Andreia dizia com mais segurança do que o olhar de Sol passava — Ela chegou faz pouco tempo aqui. Era de fora e estava procurando trabalho.
— E o meu irmão aceitou? — Não disfarçou o espanto.
— Digamos que tive de intervir por ela... Mas Don Leon tem um bom coração.
— E ela se tornou a protegida dele — Flora comentou com uma pontada de ciúme clara na voz, apoiando o rosto nas mãos e encarando a ruiva com desdém — É o que dizem... Que Sol é a protegida do Lobo.
A ruiva negou quando ganhou um olhar curioso de Helena.
— O Lobo só me ajudou... Nada mais do que isso — Aclarou olhando para Helena, que seguia bebendo o chá.
— Fico feliz em saber que Leon está mais solícito... Confesso que mesmo assim ainda me entristece o fato de vê-lo preso nessa fazenda com todo esse dinheiro e escondido. Isso é terrível — Andreia concordou.
— Seu irmão é muito apegado a esse lugar e a tal lenda do Lobo que seu pai carregava... Enquanto não se desapegar disso tudo não vai conseguir viver em paz — Helena se entristeceu.
— Leon não supera o que houve com nossa mãe... Enquanto não conseguir ver o maldito Juan Brancaglione pagar não vai sair destas terras e seguir em frente — Sol atraiu o olhar de Andreia, que respirou profundamente com a menção do pai da moça.
— O que te fez voltar, Helena? — Flora perguntou direto ao ponto — Sabemos que você odeia esse lugar e jurou nunca mais colocar os pés aqui.
Helena comprimiu os lábios com a abordagem da moça.
— É um assunto delicado que preciso tratar com Leon...
Helena seguiu falando sobre suas viagens, sobre o apartamento que vivia em São Paulo e os estudos. Estudava medicina, fazia muitos cursos extras e havia acabado de entrar de férias da faculdade. Todos seus luxos eram bancados pelas riquezas da família, principalmente da fazenda que Leon tocava sozinho e ela repudiava.
A gravidez era um assunto intocado, quase proibido de ser mencionado.
Sol lavava a louça e limpava a cozinha sempre atenta à conversa das mulheres. Não conseguia se concentrar em nada, apenas no fato de Helena ter dito que o pai dela era o principal culpado por Leon ser tão apegado a fazenda e a lenda do Lobo. Ao que parecia, Don Juan fez algo terrível para a matriarca dos Trovalim. Algo que a doce Mariana desconhecia.
— Preciso conversar com meu irmão — Já era quase noite quando Helena, voltando do quarto após se banhar, apareceu na cozinha novamente — Você, Sol. Venha comigo.
— Eu? — A moça questionou um tanto confusa.
— Sim... Não vou conversar com Leon sozinha. Tem que ter alguém junto para me certificar que ele não vai perder a cabeça — Andreia deu de ombros, parada ao lado de Sol.
— Seu irmão jamais a machucaria, dona Helena...
— Sei que não, mas prefiro ter uma testemunha. Quem sabe ele se controla melhor ou ao menos me escute? — Sol olhou para Andreia em um pedido claro de ajuda — Você não me garantiu que ela era de confiança, Andreia?
Referiu-se a Sol. Andreia pousou as mãos nos ombros frágeis da menina.
— Claro que sim... Sol é de minha inteira confiança.
— Ótimo... Pois então vamos, Sol. Ninguém melhor do que a protegida do Lobo para estar nesta conversa.
Leon ouviu a porta do escritório sendo aberta e ergueu o rosto em direção à irmã, que adentrava junto de Sol ao local. Os olhos do Lobo foram para a ruiva imediatamente, fixando-se na expressão assustada que trazia no rosto angelical.
— Preciso conversar com você, irmão, e trouxe uma acompanhante confiável para garantir a nossa integridade física. Dona Andreia certamente acabaria se metendo na conversa e Flora também — Helena cruzou os braços sobre a grande barriga redonda e Leon baixou a caneta, rindo baixinho para ela.
— Logo você que não acredita na lenda do Lobo está com medo de mim, Helena? — A morena ergueu uma sobrancelha e Leon se recostou a cadeira em uma postura cansada — Nunca sequer encostei o dedo em você... Nem mesmo quando éramos crianças. Sempre te mimei e veja o que recebi em troca... Total falta de confiança!
Sol se posicionou próxima da janela, um tanto afastada da dupla e muito nervosa por estar ali. Leon e Helena não pareciam se importar, mas ela sim se sentia desconfortável por presenciar uma conversa entre irmãos, principalmente sendo tão nova na casa.
Helena se aproximou da mesa e apoiou os braços na mesma em uma postura firme, encarando Leon fixamente nos olhos.
— Irmão, eu preciso de você! — Disse firme e em tom convicto — Se estou aqui, se voltei a colocar meus pés neste lugar que me trás tanta dor, é porque não tem mais ninguém neste mundo em quem eu confie para me ajudar a criar o meu filho!
Leon demorou alguns segundos para reagir. Parecia consternado.
— Como quer que te ajude a cuidar da criança se você pode morrer ao dar a luz a ela? — Sol se interessou um pouco mais pela conversa, parada com as mãos para trás e em total silêncio — Sabe da maldição, sabe que sua vida pode ser ceifada por uma criança que certamente você não planejou!
Helena respirou profundamente.
— Realmente não planejei engravidar, foi algo impensado, mas que aconteceu! — Explicou em tom ponderado. Leon seguia sentado e contrariado — Confesso que foi muito difícil aceitar o fato, aceitar estar grávida, mas não tive escolha!
— Porque não se preveniu? Onde está o canalha que te engravidou? Porque não está ao seu lado? — Leon mantinha os punhos cerrados e o olhar ameaçador como apenas o Lobo em estado de fúria poderia ter.
O peito forte subia e descia com a respiração descompassada e Sol não podia deixar de reparar em como era bonito quando bravo. Helena, por sua vez, parecia segura, mas tinha o olhar triste e hesitante.
— Ele... Ele... — Helena falava com os olhos marejados por lágrimas — Não se interessou pela criança e eu também não quis insistir. Não é um exemplo de homem, foi apenas uma aventura que terminou antes mesmo de eu descobrir a gravidez.
Leon acenava negativamente com a cabeça ao ouvi-la. Aquela mulher a sua frente não se parecia em nada com a doce menininha que corria pela fazenda de lacinhos de fita e se abrigava em seus braços. Não conseguia crer que Helena, sua doce irmãzinha, poderia se entregar assim a uma aventura.
— Estou decepcionado, Helena. Nossos pais... Essa não foi à educação que te deram e... — Se deteve ao notar a maneira como aquilo a atingia profundamente — Porque ainda não se desfez desse problema, Helena? — Sol encarou Leon com a mesma indignação que Helena. As duas pareciam desacreditar nas palavras do homem — Como quer que eu aceite uma criança que você nem mesmo queria em trocar de poder te perder?
A morena se afastou um pouco, olhando para Sol e constatando a mesma expressão de seu rosto na ruiva. Voltou-se para Leon.
— Sou eu quem está profundamente decepcionada! Está sugerindo que eu tire meu filho do ventre, é isso? Que ceife a vida de um inocente porque você acredita em uma lenda idiota? — Os olhos verdes de Leon seguiam na moça e ele prosseguiu sem dizer nada. Seu olhar deixava tudo muito claro. Helena riu sem humor — Você é patético, Leon! Um homem deste tamanho acreditando mesmo em uma bruxa qualquer...
Deu as costas a ele. A voz grave seguia ecoando no ambiente.
— Eu vi nossa mãe morrer por essa lenda e nosso irmão ser enterrado junto com ela! — Vociferou nervoso, assustando Helena — Vi nosso pai se destruir aos poucos até se acabar e ser consumido pela solidão que foi profetizada pela maldição! Quer que eu sugira o que Helena? Perdê-la também por uma criança que você nem sequer queria? — Helena engoliu em seco, vendo lágrimas nos olhos do irmão — Você foi à única coisa que me restou... Não quero te perder também!
O silêncio dominou a sala por alguns segundos. A decepção de Helena era tamanha que sequer podia esconder.
— Você também é o único que me restou, Leon... — Sussurrou com lágrimas nos olhos e uma das mãos pousadas sobre a barriga saltada. Leon recuou um pouco a postura enraivecida diante da imagem tocante da irmã tão vulnerável. Pelas costas dela, podia ver o olhar triste de Sol — Quando descobri que estava grávida me vi absolutamente sozinha, mesmo rodeada de amigos e pessoas queridas. Não havia ninguém em quem eu confiasse para amparar a mim e ao meu bebê quando chegasse a hora dele nascer e, se eu chegar a faltar, não há ninguém no mundo que possa estar aí por ele, por isso vim atrás de você, o meu irmão! A única pessoa que tenho de valor no mundo!
Leon passou a mão entre o cabelo escuro e desviou o olhar do dela com uma pontada de vergonha.
— Helena...
— Você sabe que para mim a morte de mamãe e do bebê dela foi uma coincidência... Não acredito em nenhuma maldição e essa história toda só me faz sentir raiva, muita raiva! — Helena tremia e Sol temeu pela saúde dela, mas preferiu ficar calada — Raiva por ver meu irmão trancado nessa fazenda se condenando a um destino que só existe na sua cabeça!
— Eu vi tudo, Helena. Você era só uma menininha... — Em tom mais controlado, Leon foi interrompido por ela.
— Hoje sou adulta e completamente consciente de que isso é um absurdo e você só enlouqueceu pelos problemas de nossos pais! — Elevou o tom de voz — E, mesmo que esse absurdo fosse uma verdade, seria mais um motivo para você cuidar do meu filho e não me mandar abortá-lo! E outra... A tal maldição só afeta os homens da família! Eu sou mulher!
O rosto de Leon corou pelas palavras dela.
— Você não entende... Não estava especificado...
— Você é quem não entende! — Disse ainda mais alto — Não existe escolha, Leon! Posso compreender o seu medo de me perder, mas já é tarde demais! Estou com trinta e seis semanas e o bebê pode nascer a qualquer momento... — Uma vez mais Leon suspirou. A história ficava pior a cada instante e Helena se armou de coragem diante do olhar desolado do irmão — Se realmente não posso contar com você, partirei ao amanhecer. Adeus... Lobo.
— Helena, espera! — Tentou ir atrás dela, mas Sol se colocou a sua frente.
A porta foi batida pela morena, que saiu chorando para seus aposentos.
O olhar de Sol era indignado diante do Lobo, que parecia completamente perdido com toda a situação.
— Deixe-a ir... — Disse erguendo uma das mãos para contê-lo — Está muito nervosa e vou falar com ela. Vai ficar tudo bem...
— Sol, eu...
— Não deveria ter dito nada daquilo para sua irmã — Mesmo sabendo que ele era o patrão ali, Sol o encarava firmemente — Jamais diga a uma mulher para se desfazer do filho, mesmo que isso custe a vida dela. Sei que tem medo de perdê-la, mas isso que disse a Helena... Foi uma das coisas mais covardes que já ouvi!
A decepção de Sol o fez paralisar no lugar junto ao baque de suas palavras. A ruiva deu as costas a ele, que ficou ali apenas absorvendo toda a verdade.
Helena e Sol estavam certas.
Ele, Leon ou o Lobo... Era um covarde.
CAPÍTULO DEZ
Sol não sabia exatamente o que dizer ao parar frente à Helena, já no quarto dela. A mesma chorava sentada sobre a cama grande e parecia preocupada com o bebê na barriga, uma vez que cutucava os lados para ver se ele se movia.
— Me ajude a colocar as coisas de volta nas malas, Sol. Amanhã mesmo partirei deste lugar tenebroso! — Secava o rosto com as mãos trêmulas.
— Dona Helena... — O olhar de Helena foi para o rosto dela. O semblante da grávida era de dor e angústia — Sinto muito por tudo que seu irmão disse. Sei que as palavras ditas pelo Lobo foram muito duras, mas tudo isso é pelo medo que ele tem da solidão. Também sou solitária como o Lobo e sei o quanto isso é doloroso... — A morena se compadeceu com as palavras de Sol — Não ter ninguém quando se olha ao redor é como um gelo na alma, uma sensação de vazio tão grande... Seu irmão tem muito medo de perdê-la — Helena adotou uma expressão debochada e secou ainda mais o rosto com as costas das mãos trêmulas — Dona Andreia já me falou sobre a senhorita... O Lobo a ama muito e você tem um grande coração, como a sua mãe e seu irmão também! Aquela fúria toda do Lobo... Isso é tudo uma grande cena! Ele não é um homem ruim e tenho certeza que vai reconsiderar suas palavras e amará muito o sobrinho que está por vir quando a ira que o toma passar. Estou segura, senhorita.
Parada com as mãos entrelaçadas em frente ao corpo em uma postura respeitosa, Sol conseguiu que Helena pensasse em suas palavras. A morena secou o restante de lágrimas no rosto e suspirou.
— Como consegue amá-lo, Sol? — A pergunta fez a ruiva estremecer em silêncio. Via a convicção no rosto de Helena — Porque eu... Bom... Ele é meu irmão e o amo pelo fato de termos o mesmo sangue e um laço eterno, mas você... Você realmente não precisa amar um homem tão agressivo e sem coração!
— Ele não é assim. O Lobo me salvou de um destino cruel — Explicou sem desmentir que o amava, fato que não passou despercebido por Helena, que a observava com uma das mãos apoiadas no queixo — Se não fosse por ele, eu teria sido estuprada por muitos homens quando cheguei aqui. O próprio Lobo poderia ter me possuído sem meu consentimento, no entanto me respeitou e me salvou — Helena não escondeu o horror perante as palavras — O Lobo sumiu com todos os homens ruins e me acolheu em sua fazenda, me dando um teto e um trabalho digno. Nunca exigiu nada mais de mim... Se fosse mesmo um demônio teria me deixado morrer a deriva, teria me usado junto com aqueles outros e depois me matado... O Lobo tem um coração, dona Helena. Um bom coração.
Surpresa, Helena apontou a cama a frente para que a ruiva se sentasse. Sol o fez, pousando as mãos no colo e encarando-a de perto. Helena era realmente intimidadora e altiva, diferente de Sol, que era pequena e doce.
— O que Leon sente por você? — Sol corou nas bochechas e baixou o olhar — Não precisa entrar em detalhes sobre o que existiu ou existe entre vocês.
— Não sei o que o Lobo sente por mim... Mas sei o que eu sinto por ele. Sei, também, que ele tem muito medo da tal lenda, um fato que talvez o impeça de se aproximar — Não mentiu e Helena gostou do fato — Tenho certeza que vai reconsiderar sobre a senhorita, só precisa dar-lhe um tempo.
Sol estava segura de suas palavras, mais ainda das boas intenções de Leon para com a irmã.
— Essa maldita lenda acabou com a vida de meus pais e está acabando com a de meu irmão também... — O semblante desolado de Helena fez com que Sol tocasse a mão dela carinhosamente — Compreendo o que quis dizer. Leon não merece meu perdão, porém ficou com medo de me perder. Preciso entender o lado dele também, realmente.
Satisfeita por ter conseguido mudar a ideia dela, Sol apertou ainda mais a mão da moça. Um movimento na barriga de Helena se fez e ela levou a mão até o local, sorrindo para Sol, que acompanhou a leve mexida do bebê com o olhar.
— Falta muito para o bebê nascer? — Helena sorriu com a menção do filho.
— Pode nascer a qualquer momento — Respondeu em tom doce e sorridente. Era nítido o carinho e o amor que sentia pela criança.
— É um menino? — Helena deu de ombros e Sol estranhou o fato.
— Não sei. Na verdade, optei por não saber. Prefiro que seja uma surpresa.
— Ah, eu jamais conseguiria esperar para saber algo assim!
As duas conversaram durante algum tempo sobre o bebê e Sol perguntou se deveria desfazer as malas. Helena pensou por alguns segundos, mas garantiu a ela que não haveria necessidade. Iria ficar, mesmo que contra vontade. Não havia muita escolha, uma vez que não tinha mais nenhum familiar vivo ou qualquer lugar para ir. Ali ao menos teria Andreia, Flora e a própria Sol para ajuda-la quando chegasse a hora.
Sol desceu para seu quartinho satisfeita pela conversa com Helena, mas de coração partido com o Lobo.
Leon era realmente assustador quando estava contrariado, mas nem mesmo aquilo lhe causou medo. A única coisa que a magoava era a maneira como o mesmo rejeitou o sobrinho e partiu o coração da irmã. Tinha um medo compreensível, mas talvez Helena tivesse razão... Talvez a morte de Leona houvesse sido apenas uma coincidência e tal maldição fosse apenas fruto de uma imaginação fértil.
Esperava que realmente houvesse um jeito dos irmãos se perdoarem e o nascimento do bebê ser um acontecimento feliz... Esperava, também, poder estar na fazenda para ver isso acontecer.
Sabia que o pai e os irmãos a estavam caçando e temia a hora em que a encontrariam. Certamente estaria fadada a um destino cruel, um castigo terrível, e os momentos ao lado do Lobo seriam os únicos de um sentimento real que experimentaria em vida.
Tomava banho no banheiro que dividia com Flora e Andreia quando se lembrou do beijo dele.
A água quente escorria por seu cabelo vermelho e descia por sua pele molhada até sumir pelo ralo, mas era incapaz de levar consigo o fogo que o Lobo despertou. Deslizou as mãos pequenas pelo pescoço onde ele tocou, descendo pelo colo onde ele beijou e parando sobre os seios que sentia imensa vontade de sentir sob as mãos grandes e fortes do Lobo... Ainda se lembrava do volume sob a calça dele lhe pressionando o ventre. Ainda sentia como se estivesse acontecendo e ardia com o pensamento fixo de se unir a ele.
Como poderia desejar ser de um homem que todos temiam? Como podia sentir tais sentimentos justo com o Lobo?
Não sabia muito sobre o amor, mas o que sentia por Leon ia além do desejo físico que tinham, ia além da atração fatal que sentia nos braços dele... Os olhos verdes a apaixonaram desde o primeiro momento.
Estava certa de que existiam sentimentos dentro daquele duro coração.
— Dona Andreia! Dona Andreia! — Batidas fortes se fizeram na porta do quarto vizinho e a ruiva ouviu. Já era tarde da noite e a moça penteava os cabelos úmidos sentada sobre a cama. Já usava pijama e estava pronta para dormir quando se esgueirou contra a porta para ouvir o que era motivo de tanta agitação — O Lobo, senhora... — A voz parecia ser de Ernesto — Está lá fora cuspindo fogo pelas ventas e quebrando tudo que há pela frente! Acreditamos que está possuído!
— Que possuído o quê! — Andreia vociferou nitidamente contrariada — Anda, vamos, e pare de falar bobagens!
Sol saiu do quarto e viu Andreia, usando uma longa camisola branca de gola alta, caminhando ao lado de Ernesto, que também usava pijama. Flora também saiu junto dela, as duas se comunicando apenas com o olhar. Apontaram para fora e foram juntas em silêncio até a porta central, onde Ernesto e Andreia passaram e deixaram aberta.
— Ernesto disse que ele está possuído... — Sol cochichou com Flora ao verem o Lobo quebrando grandes vigas de madeira com um machado que o mesmo conduzia como se fosse leve demais.
Estava sem camisa e foi a primeira vez que Sol contemplou a impecável forma física dele tão perfeitamente. O suor brotava na testa e o cabelo escuro estava úmido pela força que exercia para cortas as madeiras, que se partiam como se fossem de plástico ao colidirem com o machado certeiro. Os músculos do braço forte saltavam conforme se moviam. A fúria do homem era assustadora e Sol tinha certeza que um golpe daquele poderia matar alguém de primeira, sem qualquer esforço.
O Lobo era assustador e ela, por um momento, sentiu medo. Os olhos verdes brilhavam sob a luz da lua e haviam algumas garrafas de bebida ao lado dele no chão.
— Está bêbado, Sol — Flora sussurrou — Está muito bêbado e não possuído. Que bobagem...
Realmente era. Sol suspirou de alivio ao notar que sim, Leon estava bêbado - não possuído por forças malignas - e sabia perfeitamente o motivo. A briga com Helena sobre o bebê.
— Leon! — A própria Helena apareceu na porta e gritou pelo irmão, que sequer olhou para o rosto dela — Pare de fazer cena e volte já para dentro!
— Você não deve se estressar, Helena. Pode fazer mal ao bebê, por favor! — Andreia a tocou nos ombros, mas a moça seguia com o olhar fixo no irmão ao longe.
— Ele pode se machucar! Leon! — A preocupação da grávida fez com que Sol tomasse uma atitude impensada.
O cenário era catastrófico! Todos assistiam Leon quebrando as madeiras com o machado e completamente descontrolado como se vissem algo de entretenimento, porém assustador. Ninguém tinha coragem de se aproximar e correr o risco de ser ferido por ele, comportando-se de um jeito nitidamente fora de si.
Apesar de tudo, Sol o fez sem pensar nas consequências.
Cruzou o caminho até Leon em passos largos e decididos. Seu nome foi chamado inúmeras vezes a suas costas por Helena e as outras, mas a ruiva sequer deu ouvidos e seguiu marchando com o cabelo vermelho ricocheteando no rosto. Parou atrás de Leon, analisando a figura alta e musculosa, e engoliu em seco antes de falar seguramente.
— Lobo... Já chega! — Os movimentos do homem pararam ao ouvir a voz feminina, totalmente surpreso pela invasão — Venha se recolher porque já está tarde. Sua irmã está alterada com seu comportando e nós dois sabemos que Helena não pode se exaltar — Aquilo o fez pensar ainda mais — Vou ajuda-lo a se deitar...
Vagarosamente Leon se virou para Sol carregando o machado em uma das mãos caídas ao lado do corpo. Parecia que não havia mais forças naquele corpo tão grande e forte, dada à expressão consternada que trazia na face. O cabelo escuro pingava em suor na testa com algumas gotículas descendo pelo peito largo e se perdendo na pele morena. Sol hesitou quando olhou bem dentro dos olhos verdes. Havia profunda dor no olhar do Lobo. Um olhar amedrontado em meio ao caos de sua mente.
— Você, mulher, deveria ter mais cuidado com as palavras que profere para um homem — Repreendeu com a voz arrastada pela embriagues.
Sol reparou que Andreia retirou Helena e Flora ali, assim como fez se dispersarem os empregados. Apenas Otávio e Ernesto os olhavam de longe agora. A coragem de Sol ao enfrentar o Lobo movido pelo álcool – ou possuído por forças malignas, como muitos diriam – certamente seria o assunto preferido dos empregados da fazenda pela manhã.
— Hoje realmente não é um bom dia para se falar em ponderar palavras — Aproximou-se ainda mais dele, colocando-se sob o braço forte para ajuda-lo. Leon apenas a observou um tanto curioso — Vamos! Vou te ajudar a se acomodar!
— Acha mesmo que pode comigo, Sol? — Leon retirou o braço forte do ombro dela e se desequilibrou um pouco para longe da figura pequena — Onde foi que aprendeu a falar palavras tão sofisticadas? — O rosto da moça corou com a afronta dele, que apenas questionava por estar bêbado. Ela o pegou pelo braço forte e começou a guia-lo para dentro da casa e Leon apenas se deixava levar, atento ao rosto dela — Realmente acha que me engana quando se diz criada?
— O que pensa que sou, então? — Empurrou a porta e passou com dificuldade ao lado dele.
— Uma bruxa, talvez. Feiticeira como já vi passar por essas terras — Sol o guiava para a escada. Chegava a ser ridícula a maneira como a pequena moça o conduzia pelo caminho, mas conseguia o feito de levá-lo — Beleza não lhe falta, afinal.
— O feiticeiro da história é você... Você é o temido e terrível Lobo — Leon apenas prestava atenção nela e talvez esse fosse seu trunfo. A moça brincava com as palavras agora.
Sol abriu a porta do quarto dele e o colocou lá dentro, fechando a mesma atrás deles quando finalmente chegaram. O quarto mergulhado em sombras foi iluminado por ela, que acendeu a luz e o guiou até sentá-lo aos pés da cama grande. O Lobo ficou na altura dos olhos da ruiva quando o fez, dando-lhe a visão privilegiada do rosto masculino. Leon era lindo... Não se parecia em nada com um animal, apesar do olhar de lobo acuado. Tinha traços marcantes e incríveis olhos verdes que faziam Sol estremecer por dentro.
Havia um machucado, talvez provocado por ele mesmo, na bochecha esquerda.
— Você está sangrando, Lobo — Sussurrou tocando levemente no corte mínimo. Leon levou as mãos até o corte quando ela saiu em direção ao banheiro, tentando lembrar onde conseguiu tal feito. Sol voltou rapidamente com um algodão, álcool e um curativo — Pode doer, mas sei que é capaz de suportar... É mais fácil suportar a dor física do que as da alma, principalmente quando se arrepende de palavras ditas.
O olhar esverdeado parecia fixo e encantado por ela, completamente apaixonado.
Era assim que o Lobo encarava Sol enquanto a via bem de perto. O rosto delicado, as sardas salpicadas no colo, seios fartos e chamativos, os belos cabelos vermelhos e o doce aroma feminino que o embriagava, tomando conta de seus sonhos. Cada movimento da moça era acompanhado por um olhar profundo e intenso que a constrangia.
— Acha que Helena poderá me perdoar? — A colocação de Leon deixou Sol surpresa, mas seguiu limpando o corte e fazendo um pequeno curativo no rosto dele — Não quero o mal da criança, apenas não quero pensar em perder minha irmã. Estou arrependido de ter dito o que disse...
— Sei que está. Felizmente ainda é tempo de pedir perdão — A voz soou baixa pela hesitação e por saber o quão próxima estava dele. Seu corpo todo respondia a isso, ficando em alerta.
Sentia os mamilos rijos sob o vestido. As pernas bambas. O coração disparado e um calor estranho lhe tomando o ventre. O Lobo realmente tinha poderes sobre ela. Poderes que a inocente Mariana ainda desconhecia.
— Me disseram que seria assim... Forte como o sol de verão — A voz de Leon lhe fez encará-lo fixamente, mesmo ainda estando ajeitando o curativo na pele do rosto — Que chegaria de maneira tão intensa que cobriria meus olhos com sua beleza, deixando-me enfeitiçado — Mariana riu baixinho das palavras dele, agora deslizando os dedos pelo rosto másculo com carinho. Sentia a barba crescente em seus dedos, a pele áspera e macia ao mesmo tempo. A sensação a fazia estremecer, assim como o hálito dele roçando em sua boca — Você é a mulher da profecia. Estou seguro disso, Sol.
— Que profecia? — Questionou sob o olhar apaixonado do Lobo.
— Uma mulher me parou um dia na cidade e disse tais palavras... A mesma mulher que amaldiçoou meu pai com a lenda do Lobo. Rivera é o nome dela — Explicou um pouco mais sério, mas ainda com a voz arrastada pela embriaguez. O semblante de Mariana se tornou sério ao ouvi-lo falar de maneira tão tensa — Ela me profetizou sobre sua chegada... E como isso poderá me destruir.
— Destruir? — O sussurrou de Sol foi triste — Acha mesmo que eu seria capaz de destruí-lo Lobo? — Leon a olhava fixamente. A indignação estava presente no rosto da moça — Por você só tenho gratidão e estima. Eu não estaria aqui se não houvesse me salvado e lembro-me disso todos os dias! Sei que é um homem justo, bom e...
As mãos grandes se infiltraram no cabelo vermelho e lhe tocaram o rosto delicado. Leon a fez encará-lo com firmeza, tão próximo que Sol teve a sensação de poder entrar naqueles olhos verdes e se perder neles para sempre. Paralisou sob as mãos dele, enlouquecida pelo calor que exalava da pele morena.
— Perigoso! — Relembrou com a voz firme — Sou perigoso porque ser minha mulher significa ruína... Significa morte! — Sol negou com um aceno leve, subindo as mãos pelos ombros fortes do Lobo. A pele dele sob seus dedos era quente e agradável, sensações novas para ela — Meu amor pode te destruir, Sol, e se algo acontecesse com você por minha culpa... — Suspirou com pesar — Estaria mais do que destruído! Jamais poderia ser feliz novamente se algo te acontecesse por minha causa, como foi com meus pais. Eu o vi morrer de amor pela falta dela.
— Isso não vai acontecer! — Tentou relutar, mas sabia que Leon não estava em seu estado normal.
— Prefiro deixá-la escapar por meus dedos — A voz arrastada explicava com pesar. O olhar esverdeado deixava claro o quanto aquilo significava — Por isso deixo o caminho livre para Ernesto. Ele é um homem honesto e pode te fazer feliz — Ela negou enfaticamente.
— Não me interesso por nenhum outro... — Acariciou o rosto dele delicadamente, fazendo-o suspirar.
— Faço isso mesmo sabendo que jamais desejarei... Ou pensarei... Em uma mulher como penso em ti.
A mão pequena deslizou no rosto dele novamente e Leon fechou os olhos. A moça se aproximou quando o aperto dele se afrouxou em seu cabelo, beijando o Lobo na testa com carinho e cuidado. Leon a abraçou pela cintura com delicadeza, controlando sua força cada vez que se atrevia a tocá-la.
— Você está bêbado, Lobo... — Disse ao ouvido dele — Amanhã vai pensar melhor em tudo.
Sol tentou se afastar, mas Leon a puxou novamente para perto. O rosto da moça corou quando sentiu a mão grande descendo por sua cintura e parando em seu quadril largo. Estremeceu pelo contato, principalmente por se sentir tão quente ao lado daquele homem.
— Fica... — Pediu suplicante e com lágrimas nos olhos claros — Fica comigo essa noite, por favor... Não me deixe sozinho, Sol.
O coração dela disparou no peito com o pedido, tentada como jamais se sentiu em toda a vida. Seu pequeno corpo contra aquele muro sólido que era o peito dele a fazia deseja-lo ainda mais... Sabia que podia se perder em prazer naquela noite, deleitando-se nos braços do Lobo, um homem que a levaria até as estrelas, mas era o maior inimigo de seu pai.
Pensou nos braços fortes ao redor de si. Nos lábios cálidos contra os seus... Pensou em como seria incrível virar mulher nos braços de um homem pelo qual estava apaixonada, mesmo que o próprio fosse um enorme mistério proibido. Leon saberia como amá-la e viu aquilo em seus olhos verdes... A desejava como um louco.
Ela o queria, mas lembrou-se de sua virgindade. O Lobo saberia que Sol não era o que contava se descobrisse sua pureza e isso colocaria sua identidade em risco... Não podia arriscar-se de tal maneira.
— Lobo, eu... — Ele ergueu seu olhar com cuidado, fazendo-a encará-lo.
— Estou bêbado e me comportarei — Garantiu com convicção e o olhar ainda pidão e gentil. Sol acreditou dele, apesar de duvidar de si mesma. O Lobo tomou a mão pequena e pousou contra seu peito, na altura do coração, fazendo uma promessa — Por hora me deitarei ao seu lado neste leito e dormirei na companhia da mulher que desejo e ocupa meus sonhos... Nada mais do que isso. Eu juro.
Sol concordou diante daquele olhar.
Realmente não se importaria se ele não se comportasse... Foi o que concluiu ao retirar os sapatos e se ajeitar ao lado dele na cama grande, deitando o rosto próximo do dele. Tocou novamente o rosto masculino com carinho, vendo-o fechar os olhos sob a carícia.
— O Lobo gosta mesmo de um carinho... — Brincou fazendo-o sorrir.
— Me diga um animal que não gosta... — Leon a fez rir baixinho.
Ele se achegou ainda mais a Sol, trazendo o corpo pequeno da moça para bem perto. Sol suspirou, mas seguiu lhe acariciando o cabelo e apreciando a expressão de prazer contida no rosto que aos poucos relaxava. Leon lhe tocou a cintura com cuidado, embriagando-se do cheiro doce que exalava dela para se meter em seus sonhos. Não era capaz de quebrar uma promessa, muito menos uma feita a Sol.
A desejava, mas estava cansado demais naquela noite, quem sabe pela manhã?
Adormeceu sob o doce toque e ela lhe beijou nos lábios cuidadosamente, apaixonada pelo homem que existia dentro daquela armadura forte chamada "lobo".
— Você não é um Lobo, Leon Trovalim... E nunca será.
Sussurrou para o vazio, sabendo que ele já não a escutava.
CAPÍTULO ONZE
O Lobo...
Sol sabia que era perigoso, mas não sabia como desejá-lo de outra maneira.
Ele a tocou no rosto com delicadeza extrema, descendo vagarosamente até tocar o primeiro botão de seu vestido rosa, bem acima dos seios. Os mesmos subiam e desciam conforme ela respirava, evidenciando o quão ansiosa estava para ser tocada por ele.
Era exatamente o que os olhos castanhos sussurravam no silêncio... Que Sol queria ser mulher, finalmente se entregando ao homem pelo qual estava apaixonada.
Mesmo que esse homem fosse o Lobo.
Os dedos firmes desabotoaram os botões do vestido com cuidado, desfazendo-os um por um enquanto a olhava nos olhos fixamente. Sol tremia dos pés a cabeça, mas o fogo que ardia entre suas pernas era muito mais forte do que todo aquele medo.
Leon afastou os dois lados do vestido ao terminar de desabotoá-lo e admirou-a seminua, de sutiã e calcinha também rosa-claro. Desceu os lábios para selar um beijo quente em seu colo, fazendo-a fechar os olhos ao sentir as mãos firmes indo para suas costas, desfazendo o feche do sutiã com habilidade. O estômago afundou ao sentir o toque macio dos lábios em seus seios, estremecendo com o olhar admirado de Leon.
Sol era exatamente como sempre imaginou. Linda. Doce. Com seios firmes, rosados e chamativos. A pele clara e lisa, o quadril largo e acolhedor... O descontrole se apossou dele ao sentir o cheiro dela, o sabor da pele contra sua língua, apressando-se para beijá-la enquanto as próprias mãos se desfaziam dos botões da camisa. Sol começou a ajudar, mesmo com os dedos tremendo, mas ansiosa por senti-lo.
O volume da sua masculinidade contra o ventre feminino a assustava, mas não havia tempo de dizer qualquer coisa ou palavras que fossem capazes de deter aquele desejo.
— Quero ser sua Lobo, por favor... — Gemia ao ouvido dele, ao passo em que Leon se livrava de sua roupa e se prostrava entre as pernas dela.
— Você já é, Sol — A resposta dele em seu ouvido a fez estremecer ainda mais, abraçando-se as costas largas e movendo o quadril delirantemente em direção ao dele. A necessidade que tinha de sentir aquele homem se enterrando no mais profundo de seu ser era além do compreensível — Desde que chegou aqui... Desde antes de nascer — Aos poucos o sentia penetrando-a com cuidado, erguendo a perna para se acomodar melhor dentro do calor feminino — Você sempre foi minha mulher, Mariana.
Mariana abriu os olhos e se deparou com o rosto de Leon Trovalim a poucos centímetros do seu, ainda envolto por um sono profundo e pesado.
Suas pernas estavam entrelaçadas na dele, seu rosto no peito forte e o coração dele ecoava em seus ouvidos. O calor do corpo dele a preenchia, fazendo com que sentisse a umidade de sua calcinha em contato com seu corpo.
Foi um sonho...
Concluiu ao ver que estava vestida como na noite anterior e Leon também ainda usava calças, mesmo estando com o peito nu. Deitou o rosto novamente contra a pele dele, respirando aquele cheiro masculino com fervor. Não acreditava que podia ser tão tola... Ou tão forte! Como conseguiu dormir ao lado dele sem deixar que acontecesse?
Olhando para Leon novamente, o viu ainda cansado pela embriaguez da noite anterior e sabia que era aquele o motivo. O Lobo bebeu mais álcool do que um homem normal aguentaria, por isso sequer conseguia acordar daquele sono pesado e se dar conta de que ela estava ao seu lado.
Agradeceu a vida por isso.
Se Leon tentasse... Ela não diria não. Seu segredo estaria arruinado!
Beijou-o delicadamente nos lábios úmidos, apaixonada pelo sabor que impregnava sua língua quando o tocava. Mordeu os lábios ao se afastar, sentindo a necessidade crescente de tê-lo ainda guardada em seu coração.
Deslizou para longe dele vagarosamente, tirando os braços pesados de cima de si e saindo da cama com cuidado. Vestiu os sapatos e caminhou até a porta, lançando um ultimo olhar para Leon antes de deixar o quarto antes que ele acordasse. Desceu as escadarias principais tentando não fazer barulho ou chamar a atenção, passando para seu quarto pela cozinha atrás de Flora, sem que a mesma a notasse, abrindo a porta quase como em uma missão.
— Aonde é que você estava?
Levou a mão ao peito ao se deparar com Andreia sentada sobre sua cama com as pernas cruzadas, encarando-a em uma nítida cobrança de explicação. Apertou os olhos e os lábios, suspirando devagar antes de encará-la de volta.
— Dona Andreia, eu... — Via nos olhos da mulher que ela já sabia de tudo, por isso não hesitou. Seu cabelo despenteado e a mesma roupa de ontem deixava claro de onde vinha — Estava apenas cuidando dele, eu juro!
A expressão de descontentamento no rosto de Andreia fez com que Mariana sentisse medo. A mulher era capaz de destruí-la se quisesse. Andreia bateu ao seu lado na cama em um convite para que Mariana se sentasse. A mesma o fez sem pensar, acomodando-se ao lado de Andreia com o olhar hesitante.
— Não vou te alertar novamente, Mariana. Apesar de ser um homem justo e bom, o Lobo é perigoso, especialmente para você! — Segurou na mão da moça — O ódio que Leon sente por sua família é maior do que qualquer coisa que possa existir entre vocês.
O coração de Mariana doeu pelas palavras certeiras. Andreia tinha razão, por isso seus olhos se encheram de lágrimas.
— A senhora mentiu, dona Andreia... — Sussurrou com a voz embargada por lágrimas ao passo em que Andreia franzia o cenho pela confusão — Mentiu para mim quando disse que o Lobo não era um feiticeiro! Ele realmente é, porque me enfeitiçou!
— Mariana... — A senhora tocou o cabelo dela, mas a moça prosseguiu chorando.
— Sei quem ele é e sei quem eu sou... — Apontou para si mesma — Sei que qualquer coisa entre nós é impossível, inviável e ele me matará quando souber que sou uma traidora em suas terras, mas... — Respirou profundamente em meio às lágrimas que caiam no belo rosto — Não consigo parar de pensar nele! É como se houvesse criado raízes em minha mente, como se tivesse tomado conta do meu corpo todo com aquele calor e... — Deteve-se ao dizer — Não existe nada que me faça parar de pensar no Lobo.
Tímida, Mariana abaixou o olhar e secou as lágrimas.
— Você está apaixonada — A conclusão de Andreia foi em tom de derrota e a mesma cobriu o rosto com as mãos por um minuto, um tanto transtornada — E creio que Leon também esteja encantado por você — Sol nada respondeu, silenciando diante das palavras dela. O olhar castanho deixou claro que tudo era real — Gosto muito de você e acho que seria ótima esposa para Don Leon, mas... A mentira vai destruí-lo, Sol.
— Sei que vai... E a mim também — Havia um vazio no olhar de Sol que compadecia Andreia — O Lobo vai me devolver ao meu pai se souber quem sou de verdade e, mesmo que me ame, irá me odiar em seguida por ser uma Brancaglione... Mais ainda, vai me odiar por tê-lo enganado.
Andreia apertou com mais força a mão dela em sinal de carinho. O rosto enrugado pensava freneticamente, mas não havia algo que pudesse usar para consolá-la.
— E existe a maldita lenda da qual ele não consegue se libertar... — O rosto de Sol corou para Andreia, que ergueu uma sobrancelha um tanto curiosa. Aproximou-se para perguntar — Você... Você se entregou a ele?
— Não posso — Mariana respondeu quase em seguida — Eu disse ao Lobo que Sol é uma mulher vivida, que já teve muitos homens, quando na verdade nunca sequer estive com um! Ele descobriria minha virgindade e que estou mentindo, de fato.
Andreia ponderou. Finalmente conseguia enxergar uma maneira de Leon aceitar Sol mesmo que soubesse que a moça era filha do homem que odiava... Aproximou-se um pouco mais da ruiva para falar, despertando a curiosidade dela.
— Leon é um homem de muitos valores. Preso a esse lugar, valoriza as tradições e faz tudo a moda antiga, como a maioria das pessoas tradicionais desta pequena cidade — Sol estreitou o olhar em busca de compreender onde Andreia queria chegar. A senhora se aproximou um pouco mais — Talvez exista uma maneira de você garantir que o Lobo não te mande de volta, Mariana, mesmo sabendo quem você realmente é!
— Como? — Mariana quase abraçou Andreia, sorrindo largamente — Como dona Andreia, me diga!
— Se você realmente for pura e vir a ser mulher dele... Leon não vai deixá-la ir e se sentirá responsável por você, mesmo que seja uma Brancaglione. Ele lutará para tê-la ao seu lado.
— Você me parece péssimo meu irmão...
Helena se aproximou de Leon, que bebia uma xícara de café escorado em uma das cercas da fazenda. Observava de longe os peões tocando o gado e se virou lentamente para ver a irmã, que caminhava como dificuldade em direção a ele dada a avantajada barriga de grávida.
Helena estava linda usando um macacão jeans e camiseta branca por baixo. Tinha o cabelo espesso e liso esvoaçando ao redor do corpo e sobre a cabeça um chapéu florido para proteger-se do sol.
— Não devia ficar andando por aí assim, Helena — Esticou a mão para ajuda-la a chegar até a cerca e se apoiar também — Tenho a impressão de que vai cair para frente com tanta barriga. Não deve se esforçar.
A morena parou ao lado do irmão e seguiu encarando-o. Leon tinha os olhos inchados e o cabelo escuro bagunçado, bem como a expressão cansada. Usava chapéu de montaria, os primeiros botões da camisa branca abertos no peito largo e uma calça jeans mais surrada.
— Estava montando? — Leon deu de ombros e bebericou novamente o café — É você quem deve se cuidar... Acha que ficar montando touro bravo vai te fazer esquecer a Sol?
Leon engoliu em seco, ignorando a pergunta de Helena. A irmã sempre sabia perfeitamente o que se passava em sua cabeça, por isso a temia. Helena sabia lê-lo como ninguém.
— Me perdoe por tudo que te falei ontem — Leon não a olhava enquanto falava. Tinha os olhos fixos no horizonte ensolarado e o verde dos mesmos brilhava de maneira encantadora e límpida — Prometo cuidar de você e do meu sobrinho como se fosse o pai dele. Nunca vou deixar que falte nada a vocês e sempre irei protegê-los — Helena sorriu de canto com as palavras dele. Sabia que era difícil para Leon admitir um erro, por isso considerou — E se o maldito que te engravidou pisar nestas terras... É um homem morto!
— Estava tudo ótimo até a última parte... — Helena debochou em ironia e Leon apenas comprimiu os lábios em uma postura convicta — Obrigado irmão... — A morena pousou uma das mãos sobre a barriga saltada e o encarou fixamente, mesmo que os olhos verdes não retribuíssem — Sabia que poderia contar com você — O silêncio dominou por alguns minutos e era nítida a maneira como Leon estava emocionado com as palavras da irmã, mesmo estando ainda contrariado pela decisão. Viu pelo canto dos olhos Helena sorrir para o ventre — O bebê está se mexendo quando ouve sua voz...
O Lobo a encarou pela primeira vez.
— É um menino? — Questionou olhando a grande barriga da irmã.
— Não sei — Deu de ombros e o olhou também, ainda acarinhando a barriga saltada — Mas se for vai se chamar Lion... Em homenagem ao tio — Leon sorriu para ela. Um sorriso de tristeza misturado à alegria, sentimentos que para Helena pareciam indecifráveis — Mas pode ser uma menina, também.
— Pode ser... Eu prefiro que seja. Assim será como você — Os dois sorriram um para o outro.
Alguns dos peões voltaram a montar alguns animais enquanto conversavam, despertando a atenção da dupla. Helena se aterrorizou com as cenas, desviando o rosto em seguida.
— Deprimente que você incentive esse tipo de prática aqui na fazenda, Leon — Desdenhou.
— Lobo... — Corrigiu enfaticamente — Aqui na fazenda sou o Lobo, Helena.
— Que seja! — Deu de ombros novamente — Não gosto que participe de rodeios. Isso incentiva o maltrato dos animais e...
— Vai haver uma competição e nossa fazenda vai participar. Os Brancaglione também — A voz de Leon era firme e ponderada, carregada de ódio por trás de tudo. O rosto de Helena perdeu a cor com a menção de tal família. A morena também os odiava — Estou praticando todos os dias com os peões e vou torná-los os melhores... Vou ganhar esse rodeio.
— Ganhar o rodeio? — Helena praticamente gritava — Você vai usar isso como desculpa para Juan Brancaglione baixar a guarda e você conseguir se aproximar dele e matá-lo, finalmente! — Leon não desmentiu, apenas rodou os olhos no rosto — Pelo amor de Deus, Leon! Não quero que nada de ruim te aconteça! Está na hora de enterrar esse passado junto com nossos pais!
— Não enquanto não conseguir enterrar aquele canalha junto, Helena — Explicou com uma convicção pura do Lobo. A morena suspirou e cobriu o rosto com as mãos — Vou mata-lo e esse rodeio vai me ajudar a chegar até ele.
— Os Brancaglione são escória! O maior câncer desta região! — A voz de Helena se espalhava aos ventos enquanto Sol se aproximava vagarosamente da dupla, ouvindo cada palavra. Vinha por trás de Leon — Vai mesmo perder seu tempo sujando suas mãos com essa gente?
— Até parece que você não os odeia... — Leon riu baixinho — Sei que os mataria se pudesse também, Helena! Eles acabaram com nossa família! Eles e aquela maldita bruxa!
— Jamais sujaria minhas mãos, muito menos agora que tenho um filho! Ódio nenhum me fará matar alguém, principalmente um homem que já está condenado ao inferno! — Sol engoliu em seco ao encontrar os olhos de Helena. Podia ver a maneira como a moça realmente odiava sua família — Sol! — Disse se controlando um pouco e chamando a atenção de Leon, que se virou rapidamente em direção à menina. A ruiva movia os dedos em frente aos seios em sinal de deslocamento — Que bom que chegou!
— Mandou me chamar senhorita Helena? — Ignorava o olhar de Leon.
— Sim... E é apenas Helena, por favor! — Pediu com um sorriso — Queria saber se está disponível para ir comigo até a cidade na parte da tarde.
— Sim senhorita... Quer dizer, Helena — Respondeu com um sorriso. Seu rosto queimava pela forma como Leon a encarava, sem esconder a admiração. Ajeitou o cabelo vermelho atrás da orelha — Quando quiser!
— Após o almoço, então.
— O que vão fazer na cidade sozinhas? — A voz de Leon interrompeu bruscamente.
— Preciso comprar umas coisas para o enxoval do bebê que estão faltando e dar uma visitada no hospital local. Quero ver como é a maternidade — Leon coçou a cabeça e concordou — Preciso de uma opinião feminina... De uma mulher com um ótimo gosto.
Sol corou quando Leon sorriu de canto.
— Claro... — Os dois se encararam em silêncio — Vou pedir para Otávio levar as duas e ficar de olho.
— Porque não Ernesto? — Sol disse inocentemente e o rosto de Leon alterou a expressão na hora — Senhor Otávio é muito ocupado...
— Otávio — Disse sem hesitar.
— Qualquer um! — Helena bateu no ombro do irmão com carinho — Preciso de dinheiro também, maninho...
— Tudo bem. Vou dar um pouco a mais para que compre algumas coisas para Sol — A ruiva o encarou com surpresa, nervosa sob o olhar de segundas intenções que Helena trazia no rosto animado — Algumas roupas, sapatos e essas coisas que mulheres gostam. Ela chegou aqui apenas com a roupa do corpo e imagino que precise de algumas coisas... Helena pode ajudar.
Sol quase explodia de vergonha e Leon falava com a maior segurança, como se fosse realmente o certo a ser feito.
— Não Lobo, não precisa, eu... — Leon ergueu uma das mãos e o rosto da ruiva corou ainda mais.
— Não me importa o que diga. É um presente — Helena piscou para ela com alegria. Não disfarçava a maneira como gostava de ver Sol ao lado do irmão.
A garota dos cabelos vermelhos parecia ser realmente um Sol que iluminava as trevas da vida de Leon e o fazia enxergar uma esperança no final do túnel.
— Vai ser um prazer ajudar, irmão — Helena passou um dos braços ao redor dos ombros de Sol — Te garanto que vou ajudar Sol a ficar super gata!
Um sorriso preencheu o rosto de Leon olhando as duas mulheres juntas.
— Não vai precisar de muito esforço, então — O olhar de Sol em direção a ele foi repleto de vergonha. Helena riu também, concordando com um aceno.
— Como você está Lobo? Depois de ontem... Fiquei preocupada — A pergunta de Sol foi mais impulsiva do que pensada e ela viu como Helena parecia interessada troca de olhares entre os dois.
— Melhor Sol — A resposta simples era acompanhada por um olhar que parecia ler toda sua alma, tamanha a intensidade — Agradeço a você por... — Se deteve ao ver Helena erguer uma sobrancelha e Sol comprimir os lábios — Acho melhor deixa-las — A ruiva concordou com um sorriso — Se cuide Helena e... Nos falamos mais tarde, Sol.
— Obrigado Lobo.
Os cabelos vermelhos de Sol ricocheteavam em sua bela face enquanto via o Lobo se afastando em direção aos peões, perdendo-se em meio a eles. Helena apertou ainda mais os ombros dela em uma atitude amigável, solene, deixando claro seu contentamento.
A única coisa que preenchia a alma de Mariana naquele momento era voltar a ver o Lobo como o mesmo acabou de prometer.
Helena realmente estranhou o fato de Sol pedir um óculos escuro emprestado para caminhar pela cidade, mas acreditou que se tratava de uma maneira de proteger-se dos fortes raios de sol que assolavam a cidade.
Não havia motivo para uma moça como ela se esconder, haveria?
— Se eu fosse tão bonita quanto você também não iria querer chamar tanta à atenção — Helena caminhava com certa dificuldade ao lado da amiga, que carregava em suas mãos algumas sacolas de compras. As maiores e mais pesadas iam às mãos de Otávio, que seguia bem atrás delas em uma vigilância constante.
— A senhorita pode acreditar que carregar beleza demais sempre é um problema, principalmente neste mundo dominado pelos homens — As duas pararam em uma loja de artigos para bebês e Helena começou a admirar as roupinhas coloridas — Ser bela já me custou muito... Deve saber bem como é, também é muito bonita... Assim como o Lobo. Vocês se parecem muito.
Sol ganhou um sorriso presunçoso de Helena e corou.
Helena tomou em mãos um casaquinho cor de rosa e ficou admirando com carinho. A morena realmente era linda, exatamente como o irmão. Ambos eram o feminino e masculino da mesma figura, apenas os olhos se diferenciavam. Os de Helena eram negros e fascinantes. Os de Leon, verdes e límpidos.
— Espero que o meu bebê se pareça comigo e com Leon, não com o pai. Seria definitivamente um problema se isso acontecesse — Seguia olhando o casaquinho rosa.
Sol espiou as peças adquiridas por Helena até ali e reparou que a maioria eram amarelas e vermelhas. Não havia quase nada rosa ou azul, mas em todos os momentos Helena parava diante das peças cor de rosa e perdia um grande tempo pensando longe.
— Você acha que é uma menina, não é? — Sussurrou timidamente — Desculpe dizer, mas é o que penso também... Que é uma menina.
— Não, Sol — Helena voltou a colocar o casaquinho rosa na gôndola de maneira triste, admirando ainda a peça de longe — Acho que é um menino — Tocou o ventre com cuidado — E preciso me acostumar com essa ideia.
— Eu sempre quis ter uma menina também — Sol tentou fazê-la não se sentir tão mal e Helena sorriu ao pegar o mesmo casaquinho, mas na cor branca — Mas Deus é quem sabe o que necessitamos. Sequer sei se um dia chegarei a ser mãe...
— Tenho certeza que sim! — A afirmativa de Helena trazia um sorriso carregado de mistérios. A grávida foi até Sol e lhe tomou a mão com vigor, puxando-a em direção ao caixa — Venha, vamos! Ainda temos muita coisa para comprar!
Em meio às compras, Sol colocou uma caixinha pequena de lacinhos brancos para enfeitar um bebê menina sem que Helena percebesse. Seu instinto de mãe poderia estar correto, mas algo dentro do coração de Sol dizia que também poderia falhar. Algum motivo desconhecido levava Helena a pensar que o bebê era um menino, talvez a ausência que sentia do pai dele.
A ruiva relutou com Helena sobre as roupas que o Lobo quis presenteá-la, mas não houve escapatória. Passaram duas horas em uma loja da cidade escolhendo vestidos, sapatos e acessórios que Helena fez questão de comprar.
As duas saíram animadas da loja e enquanto elogiavam o vestido que escolheram para Sol usar naquele momento – um amarelo claro, franzido nos seios e de alças pequenas – foram detidas quase que instantaneamente pela presença de uma figura pequena e encapuzada parada em frente às duas.
— Helena Trovalim — Afastou o capuz e evidenciou um rosto envelhecido pelo tempo e cansado. Tratava-se de uma mulher idosa, de longos cabelos brancos e olhos escuros — Eu te reconheceria mesmo de muito longe.
As meninas pararam de caminhar e Otávio se adiantou para elas, mas Helena fez um sinal de que estava tudo bem, fazendo-o parar.
— Desculpe se não te reconheço. Estou fora da cidade há muito tempo — A mulher voltou os olhos para Sol em um movimento calculado. Sorriu de canto e aquilo fez o sangue da ruiva gelar. Olhou para Helena com certo receio.
— Certamente não se recorda de mim, mas sei muito bem que são as duas — Mariana sentiu as pernas bambearem diante do olhar amedrontadora da surpreendente figura que parecia lhe analisar a alma — Enquanto Helena carrega no ventre o fruto de um engano, você carrega no coração muitos segredos, minha cara. Segredos que não demorarão a serem revelados!
— Não sei do que está falando — Sol respondeu seguramente — Não tenho nada a esconder.
A mulher concordou com um aceno e pegou a mão dela na sua com cuidado.
— Você é a escolhida do Lobo. A mulher da profecia. É você quem vai descongelar o coração do Lobo, menina... Mas tenha cuidado! Todos sabem como terminará a história da mulher que cruzar o caminho do Lobo, principalmente uma mulher cuja bagagem carrega tantos segredos... — Helena parecia curiosa com as palavras da mulher. Sol puxou a mão da dela com certa urgência.
— Não acredito nessas coisas, senhora.
— Sua mãe também não acreditava.
Otávio interveio ao ouvir a conversa, afastando a mulher de Helena e Sol sem dizer uma palavra sequer. A mulher, por sua vez, apenas acatou, afastando-se enquanto as observava.
— O bebê virá na próxima lua cheia, senhorita Helena — Disse de longe, fazendo-se ouvir — Esteja preparada.
Otávio as levou para longe da mulher.
— Porque tanta pressa, Otávio? Ainda temos tempo! — Helena relutou.
— Não deve dar ouvidos para aquela bruxa, senhorita Helena — A expressão dele era de desgosto — Ela foi à feiticeira expulsa por seu pai da fazenda no passado e lançou sobre ele a maldição do Lobo — Sol e Helena se encararam com surpresa — Não deve deixar que se aproxime.
CAPÍTULO DOZE
— Se meu irmão souber que essa mulher ronda a cidade é capaz de dar cabo a vida dela com as próprias mãos — Helena comentava quando chegaram à fazenda. Sol permanecia calada, sem expressar qualquer reação além de confusão, e Otávio carregava as compras com certa preocupação no olhar — Não que eu a ache digna de algo, uma vez que foi a culpada dessa maldita lenda assombrar minha família, mas não gostaria de ver Leon sendo responsável por uma morte. É melhor não dizer nada a ele, entendido, Otávio?
Chegaram à sala da casa grande e o capataz depositou as compras sobre o sofá grande, limpando as mãos suadas na calça enquanto encarava o rosto altivo de Helena.
— Como quiser patroa... — Disse a contragosto, mas sabendo que era realmente o melhor. Uma grande confusão seria tudo o que o Lobo não precisava agora — Com licença.
O homem saiu meio pensativo, enquanto Sol cruzava os braços frente ao peito e observava em silêncio o grande quadro de Leona pendurado atrás da figura de Helena.
— Não está mesmo pensando sobre as palavras daquela mulher, Sol, está? — A morena sentou-se no sofá com uma das pernas cruzadas sobre o mesmo e uma das mãos pousadas na barriga saltada — Por favor, ela é uma farsante...
O olhar da ruiva deixava claro que sim, estava! Como podia saber exatamente o que dizer se era realmente uma bruxa?
" Segredos que não demorarão a serem revelados ". Aquela frase não parava de ecoar em sua mente barulhenta.
Dário não esquecia um só minuto do motivo pelo qual perdeu o emprego na fazenda de Ouro, onde tinha posição privilegiada e muitas regalias.
A garota ruiva com nome de Sol.
Corria pelos quatro cantos da cidade que o Lobo estava enfeitiçado por uma mulher, mas ninguém sabia dizer quem era, apenas que se tratava de uma maluca por aceitar colocar a maldição em risco. Dário tinha certeza de que se tratava da moça de cabelos vermelhos que chegou e logo foi heroicamente salva pelo patrão.
Não havia como um homem não se encantar por tamanha beleza, afinal, mesmo um que estava condenado ao inferno e a solidão.
Bateu de porta em porta pelas fazendas da região até chegar na fazenda Brancaglione e descobrir que Juan estava recrutando homens para procurar por sua filha desaparecida. Não era bem o tipo de serviço que costumava aceitar, mas estava vagando pela cidade há muito tempo sem conseguir nada.
— Mariana sumiu há quatro meses e certamente está por essas bandas — O grande fazendeiro Juan Brancaglione falava em alto e bom som frente a uma fileira de homens fortes em sua fazenda — Não levou cartão ou qualquer dinheiro, portanto não deve estar longe. Preciso do máximo empenho para trazer minha filha de volta e pago muito bem para aquele que conseguir realizar o feito. Eu quero ela viva e sadia!
O homem exibiu diante dos olhos de todos uma foto da dita cuja. O queixo de Dário foi ao chão quando reconheceu imediatamente o rosto da mulher ruiva na foto. A protegida do Lobo. A mulher que por pouco não foi sua após invadir a fazenda de Ouro em uma tarde tempestuosa.
Aquela que se dizia desamparada e indefesa era filha do maior inimigo de Leon Trovalim e estava hospedada em sua fazenda!
A língua de Dário coçou para contar a Juan a novidade, mas pegou a foto oferecia a cada um deles em mãos e mirou o rosto belo para ter certeza. Sim, era ela! Não havia dúvidas! Precisava, então, ter certeza de que a mulher realmente seguia na fazenda do Lobo.
Aquela informação poderia valer muito mais do que o dinheiro oferecido por Juan Brancaglione.
Caminhou pela cidade em silêncio, apenas com a imagem da moça em pensamento e tentando uma maneira de descobrir se ainda estava sob a proteção do Lobo. Não precisou de muito para descobrir... Avistou ao longe Helena Trovalim – a moça que decorava os quadros de fotografia na casa do Lobo – ao lado de Otávio, o capataz da Fazenda de Ouro, passeando na cidade. A moça grávida estava com o braço entrelaçado no de Sol, a ruiva marcante que jamais iria esquecer.
Sorriu escondido atrás de um poste olhando-as de longe e comprando a moça com a foto. Realmente era ela! Realmente estava na fazenda do Lobo!
Quanto o Lobo estaria disposto a pagar se soubesse que havia uma inimiga mortal vivendo em suas terras e pisando sobre o chão sagrado que construíram seus pais?
O caminho do riacho era, talvez, o lugar mais bonito da fazenda de Ouro.
Leon não costumava se expor por ali, muito menos porque não era um homem fã de água, mas desceu pelo caminho que Sol costumava frequentar quase todos os dias.
Tudo ou qualquer coisa que o fizesse se sentir mais perto da ruiva que tanto amava acalentava seu coração. Saber que o riacho era o lugar favorito dela o levou a caminhar por ali, movendo-se entre as árvores como um fantasma nas sombras. Suas roupas negras o tornavam quase imperceptível ao entardecer, por isso pôde se esgueirar entre os troncos altos para ver melhor a mulher que se banhava nas águas.
O cabelo longo e vermelho caía úmido por todo o corpo esbelto, parando bem acima do quadril largo e redondo. Usava um biquíni vermelho com corações, certamente um dos presentes que Helena comprou com o dinheiro que ele dera.
O Lobo engoliu em seco e sentiu-se absolutamente tentado quando a viu esticar o corpo e ajeitar o cabelo, colocando um dos pés delicadamente na beira da água para sentir a temperatura. Sol era a única mulher no mundo capaz de lhe tirar a atenção... Capaz te transformar as sombras de seu viver em um emaranhado de luz clara e vermelha como ela mesma era. Leon sentiu como se pudesse sentir o cheiro doce da pele dela ao vê-la entrar na água e emergir delicadamente, sentando-se em seguida na beira do lago e ajeitando a alça do biquíni com cuidado.
Era linda. Delicada. Sensual. Os traços marcantes de seu rosto se mostravam tranquilos naquele momento, mas seu rosto rapidamente foi se entristecendo com os pensamentos que invadiam a memória. O Lobo não sabia, mas Sol pensava no pai... Nos irmãos... No próprio Leon. A mentira que contava a ele todos os dias era quase insuportável, tornando-se, a cada minuto que se prolongava, imperdoável.
A ruiva fechou os olhos e apoiou os braços na pedra para sentir os raios de Sol quando a voz de Leon ecoou atrás dela.
— Não deveria se expor desta maneira aqui, mulher... Ainda mais sozinha — Quase caiu quando se virou para encará-lo, encontrando os olhos verdes do Lobo se aproximando de entre as árvores.
Levou a mão aos seios para se cobrir, mas era em vão. Ele já havia visto-a de biquíni e apreciado toda a paisagem. Abaixou os braços e se acalmou quando o homem parou perto dela com as mãos nos bolsos da calça escura.
Leon Trovalim era uma visão.
Olhos verdes e intensos. Pele morena. Corpo musculoso e alto. Seu rosto enigmático era ainda mais memorável... Ela, que não tinha experiência com homens, sentia-se a mais louca entre as mulheres por deseja-lo de maneira tão intensa. Seus mamilos se enrijeceram sob o tecido do biquíni com o simples fato de vê-lo.
— Lobo... — Sussurrou ainda sentada, tensa, procurando o que dizer. Diante da figura impositiva e sensual daquele homem, palavras eram desafios.
— Sol — Respondeu simplesmente, encarando-a com firmeza nos olhos claros — Eu já cansei de falar para tomar cuidado. Aqui nas fazendas os homens não são como na cidade... Não medem as consequências para ter uma mulher.
— E eu já cansei de falar que não sou uma tonta, Lobo — Colocou-se de pé frente a ele, puxando consigo seu vestido de flores amarelas. O cabelo pingava nas costas, sob os seios cobertos pelo biquíni e na face rosada — Sempre tomo banho por aqui e ninguém nunca apareceu.
— Bom... Eu estou aqui — Sol corou violentamente pela maneira como ele a encarava. Era a mesma forma conhecida que os outros homens também faziam, mas vindo dele, sentia-se afogueirada, quase em chamas.
— Obrigado pelo que fez por mim... — Sorriu para ele delicadamente — Pelas roupas e os presentes...
— Não precisa me agradecer por isso. Sou eu quem deve... Te procurei porque preciso agradecê-la, Sol.
— Agradecer a mim? — Virou-se de costas para ele para colocar o vestido sobre os cabelos molhados e deslizá-lo pelo corpo até as coxas. Leon acompanhou todo o percurso com o olhar, focado em cada parte da pele clara e desnuda — Por qual motivo o todo poderoso Lobo está me agradecendo?
Sorriu um pouco travessa, olhando-o por cima dos ombros frágeis enquanto secava o cabelo delicadamente com uma toalha que estava no chão.
— Por ter se aproximado de Helena e intercedido por mim junto a ela — Explicou em tom mais serio e sincero — Como deve notar, eu e minha irmã somos muito diferentes e as brigas entre nós, recorrentes. Talvez por isso não passemos tanto tempo juntos... — Sorriu de lado enquanto coçava o maxilar e a admirava sem esconder o quanto o fascinava.
Sol sentia-se poderosa diante dele, sensação desconhecida para outras pessoas diante do Lobo. Como dissera a profecia, tinha o poder sobre ele.
— Fiz o que era certo, Lobo — Cruzou os braços em frente ao corpo ao senti-lo se aproximar vagarosamente, parando ainda mais perto — Você pode dizer que não, mas sei que é um homem bom e justo. Sei que ama sua irmã e também amará o filho dela.
Leon baixou os braços e olhou ao longe, formulando algo a contestar. Não conseguiu.
— São raras as coisas que amo, Sol — A voz dele era cansada, mas viu a mais pura sinceridade escapando dos lábios firmes daquele homem. A maneira como a encarava deixava claro que estava, também, se referindo a ela — Mas quando amo... Amo intensamente. Não pretendo deixar nada do que me caro escapar pelos dedos.
— Não foi isso que me disse outro dia, quando estava de cara cheia lá no seu quarto — Sussurrou sem encará-lo, jogando o cabelo para frente e os escovando com os dedos trêmulos. Não era fácil lidar com o Lobo.
— E o que eu disse exatamente? — Leon chegou tão perto que Sol teve a impressão de entrar em seus olhos verdes. Engoliu a respiração próxima dele, tão junto que sentia o peito forte em seus seios firmes, o coração do homem pulsando em sua pele.
O corpo pequeno de Sol se retesou quando a mão grande lhe tocou na cintura com cuidado, trazendo-a para perto dele com intensidade. O mundo girou lentamente ao levar as mãos até o peito másculo, forte, viril... Subiu-as com cuidado pelos braços musculosos, admirada com a maneira como a pele dele era macia e os músculos rígidos. Queria senti-lo todo, principalmente para aplacar a sensação apertada de calor entre suas pernas.
Ergueu os olhos para os do Lobo enquanto a mão dele delicadamente deslizava em suas costas. As suas, pequenas, pousavam nos braços grandes e firmes.
— Que preferia me deixar escapar a me causar algum mau — Respondeu direta, sem hesitar, sabendo perfeitamente o que estava fazendo — De verdade pensa assim?
— Quer mesmo saber o que eu realmente penso?
Sol não teve tempo de responder.
Leon apertou-a contra o peito e cobriu os lábios rosados com os seus em um beijo firme, intenso, cheio de paixão. Não foi um beijo doce como da outra vez, mas algo inexplicável para a inocente Mariana. Apertou as mãos nos braços dele, torcendo o tecido da camisa negra em seus dedos trêmulos. Esvaía-se nos braços dele enquanto o Lobo a devorava os lábios e as mãos decoravam sua cintura, deslizando por seu quadril, tocando-a sem pudores.
Sentiu os lábios firmes em seu rosto, descendo por seu queixo, as mãos fortes percorrendo seu corpo pequeno em todas as partes.
Não havia sensação mais maravilhosa do que ser consumida por um beijo daquele homem... Talvez estivesse enganada! Talvez houvesse... Ser possuída por ele de fato deveria ser ainda mais incrível.
Estava mesmo disposta a se deixar levar e ser mulher de Leon Trovalim ali, na beira de um lago, a céu aberto e sem se importar com nada... Mas ele descobriria seu segredo.
O empurrou com certo ímpeto quando as mãos fortes e ásperas se infiltraram sob seu vestido, sentindo-a nas nádegas nuas. Cobriu as mãos com os lábios e respirou profundamente enquanto ele a encarava com confusão, as mãos pairando no ar pela frustação de serem afastadas do corpo dela e o olhar perdido, o peito ofegante...
— Não posso, Lobo — Sussurrou quase sem voz, atropelada em pensamentos e balançando as mãos no ar de maneira desajeitada — Não posso dar o que você quer, nem que seja por um minuto...
Não que não quisesse...
Não que não morresse por pertencer a ele e senti-lo em seu interior...
Mas pelo medo de Leon descobrir que era uma farsa. Por sequer cogitar que aquela moça que chegou ali se dizendo "vivida" era uma virgem. Certamente desconfiaria de algo sobre sua identidade e não seria fácil enganá-lo. Cada mentira que saia de seus lábios a afastava ainda mais de Leon Trovalim e naquele momento proferia mais uma delas.
— Tem medo não é? Vejo em seus olhos — Leon sussurrou se aproximando um pouco mais, porém Sol recuou o mesmo tanto. Ele a preenchia em todos os cantos quando estava presente, até mesmo sem tocá-la — Teme a profecia ou que eu te machuque?
— Os dois! — Respondeu sem demora. Os olhos escuros se prendiam nos dele como se estivesse enfeitiçada. Tudo o que passava em sua cabeça naquele instante era como seria senti-lo movendo-se dentro dela, como seria sentir os beijos dele em sua pele sem roupas... — Sei que você jamais me machucaria, mas eu também não quero te machucar! — Nada era mais certo do que aquelas palavras que soaram tão distorcidas para Leon. Sol se aproximou dele em passos lentos, deixando claro em seu olhar que era doloroso declarar o que viria — Nós dois não deve acontecer, Lobo.
— Eu nunca quis uma mulher como quero você — Leon tocou a mão dela sobre sua face e beijou a palma pequena com os lábios quentes e firmes. Sol fechou os olhos com delicadeza, sentindo o coração palpitando pela proximidade — Somos dois solitários. Dois esquecidos... — Ela concordou com lágrimas nos olhos — Porque não, Sol? Sempre pensei que o amor não fosse para mim, que estava condenado a viver eternamente nas sombras... Estava disposto a ficar longe de qualquer mulher que cruzasse a linha, mas você apareceu e iluminou minha vida como um verdadeiro sol que surge em meio às trevas — Mariana sentiu lágrimas rolando em sua bochecha. Sentia exatamente o mesmo por aquele homem... Sentia como se o Lobo, temido e terrível, fosse o sol de sua vida — Não serei tolo de te engravidar! Não serei tolo de colocar em risco perdê-la, se tanto a quero...
Mariana cobriu os lábios dele com um beijo repentino, colocando-se na ponta dos pés para envolver o pescoço dele e deslizar as mãos pelos ombros largos. Arfou de desejo quando foi correspondida, sentindo a paixão de Leon a incendiando entre as pernas.
Não podia porque era uma impostora!
Porque era filha de seu maior inimigo familiar!
Era uma Brancaglione, a inimiga pisando em suas terras e o enganando!
Ele dizia que aquela mulher era o Sol de sua vida sem sequer imaginar que advinha das próprias trevas, do que o Lobo mais repudiava!
Afastou-se com o sabor do beijo dele pairando nos lábios, mordendo a boca para ter mais para si daquele sabor de amor. A respiração de Leon a roçava os lábios e sentia o desejo dele, forte e intenso, pressionando-a no ventre. Afastou-se delicadamente, voltando a plantar os pés firmes no chão quando se separou daquele homem.
— Sinto muito Lobo... Sinto muito — Sussurrou recolhendo suas coisas do chão e indo embora sem olhar para trás.
Seu coração, no entanto, permaneceu ali, nas mãos daquele homem.
CAPÍTULO TREZE
Sol já não era uma criada como as outras, por isso Leon aceitou de bom grado quando Helena pediu pessoalmente que a moça se tornasse sua acompanhante em tempo integral.
As duas passavam o dia todo juntas preparando as coisas para o bebê e o parto que se aproximava. Leon sentia-se grato pela irmã ter visto em Sol uma amiga, mas queimava os neurônios dia e noite em busca de uma solução para seu grande problema...
O que faria quando a criança chegasse? O que faria se o pai do bebê aparecesse por ali?
Via a irmã sofrer com as últimas e terríveis dores do final da gestação e não podia evitar a indignação por vê-la sozinha e tão vulnerável. Sol, que tinha a sensibilidade necessária, era a única realmente capaz de atendê-la.
Tentava não pensa em Sol... Tentava ignorar a deusa ruiva que circulava por sua fazenda com a irmã, agora se exibindo em roupas mais novas, não nas mais antigas e surradas peças de Flora. Flora, por sua vez, parecia cada vez mais empenhada em roubar sua atenção, algo impossível. Apenas tinha olhos para Sol... O raio de luz em sua vida.
A dona de seus desejos.
Sonhava com ela todas as noites!
Em seus sonhos a amava contra as paredes dos corredores da fazenda, na plantação, na beira do rio... Entre os currais. Não havia limite para imaginar, muito menos quando a via da janela alta de seu quarto sentada com Helena no jardim e correndo para tentar apanhar uma borboleta em seus dedos pequenos.
— Já reparou que Leon fica prostrado na janela nos olhando o dia todo? — Helena comentou com Sol, sentada em uma espreguiçadeira no jardim e acariciando sua grande barriga de grávida. Flora, que servia um suco para a patroa, atentou-se a conversa ainda segurando a bandeja enquanto Helena pegava o suco — Ou melhor... Te olhando, não é, Sol?
A risadinha da morena fez com que as três mulheres olhassem em direção à janela alta do quarto do patrão. Diante do olhar das três, o Lobo recuou ao ver a irmã acenando em sua direção.
— Helena... — Sol sussurrou constrangida, notando na face de Flora que o comentário a incomodava — O Lobo fica preocupado com você. Está esperando ansiosamente pelo dia do bebê, assim como todos desta casa.
A ruiva se sentou na espreguiçadeira ao lado de Helena, que tomava o suco com um sorriso sorrateiro na face.
— E eu espero ansiosamente para que você e meu irmão fiquem juntos logo e ele tire daquela cabeça dura essa história de profecia... — Comentou revirando os olhos escuros — Não quero que Leon termine sua vida enterrado nessa fazenda sem nenhuma felicidade.
— Sol, minha mãe pediu um favor a você... Pediu para pegar algumas flores no jardim dos fundos para fazer um belo buquê para colocar no quarto do bebê — Sol sorriu diante das palavras de Flora e concordou. A garota se voltou para o outro lado — A senhorita deseja mais alguma coisa? — Flora não disfarçou o tom ríspido ao se dirigir a Helena. Sol engoliu em seco perante sua expressão nervosa, nitidamente contrariada. O ciúme que sentia de Leon era evidente.
— Não, obrigado. Pode ir — Helena sequer terminou de falar e Flora já lhe deu as costas e voltou para a casa — Essa garota anda muito mal-humorada, não acha? Tão jovem e bonita para um humor destes... — Voltou a se abanar com um de seus leques coloridos.
— Ela gosta do seu irmão e o seu comentário a enciumou... Flora não perder as esperanças de que o Lobo a dê atenção — Sol comentou sem encarar Helena, com os olhos baixos e tristes — Talvez ela sim seja a mulher certa para ele, não acha?
— Ela? — Helena apontou por cima dos ombros em uma postura debochada — Creio que se interessasse ao meu irmão os dois já teriam alguma coisa. Tantos anos vivendo aqui e ele sempre a viu como uma prima... Talvez irmã. Não creio que Leon a olhe nunca como olha para você.
Sol ficou de pé, sempre fugindo dos comentários e incentivos de Helena.
— Vou até o jardim dos fundos apanhar as flores para dona Andreia — A morena já ia dizer que Sol não era mais uma empregada comum, mas a ruiva prosseguiu — Sei que não é minha obrigação, mas dona Andreia é muito importante para mim e jamais nego qualquer coisa a ela.
— Tudo bem — Helena concordou ainda se abanando com o leque, olhando ao redor por baixo da aba de seu chapéu bege — Vou ficar mais um pouco tomando o sol do final de tarde... Nos vemos no quarto mais tarde? Quero trocar algumas coisinhas da mala de maternidade do bebê...
— Sim, claro.
Sol se despediu de Helena e seguiu pelo caminho das flores que levava ao jardim dos fundos da fazenda admirando o entardecer e emocionada com a paisagem. Jamais se sentiu tão livre quanto se sentia ali, na fazenda do Lobo, um lugar conhecido como amaldiçoado entre o povo da cidade. Sorriu sozinha por deparar-se com uma realidade bem distinta ao que sempre ouvia sobre aquele lugar...
A fazenda de seu pai, um lugar admirado, era bem mais macabra e infeliz do que a terra dos Trovalim. Ao contrário de Juan Brancaglione, Leon Trovalim era um homem justo, de bom caráter e sentimentos. Helena Trovalim, diferente da maneira como seu pai a criou, era uma mulher livre, estudada e muito inteligente.
Ali aprendeu que a língua das pessoas era terra de maldade. Todos podiam vangloriar ou destruir vidas ao passo em que divulgavam histórias sobre elas. Uma mulher de má fé acabou com a família Trovalim e parcela da culpa também era de seu pai. Aquilo a dilacerava... Sempre via Leon parado na sala, com as mãos nos bolsos e contemplando o grande retrato de sua falecida mãe.
Dona Andreia nunca havia dito-lhe diretamente, mas estava segura de que a mulher do retrato era a mesma que sempre ouviu ser pronunciada por seu pai como sendo "seu grande amor". Sabia que seu pai amava outra mulher quando se casou com sua mãe e aquilo foi um dos motivos do casamento de ambos ter sido um desastre. Sua mãe morreu aos poucos pelas humilhações que sofreu nas mãos de Juan.
Sol procurou um bonito cesto no galpão do jardim e demorou-se um pouco. Saiu para pegar as flores e o sol já se punha, tornando o inicio de noite escuro e mais gelado. Usava um short jeans, blusa branca de mangas e botas longas. Sobre a cabeça, um chapéu para evitar o sol de anteriormente. Abaixou-se em meio às flores e começou a apanhá-la, cantarolando baixinho enquanto as amontoava no cesto.
— Acho que será o suficiente para dona Andreia... — Ao levantar-se, no entanto, paralisou no lugar ao dar de frente com a figura de um homem. Um rosto conhecido e amedrontador — Você!
Pensou em gritar, mas o homem fez sinal de silêncio com os dedos. Era o mesmo homem que tentou estupra-la no dia em que chegou ali! Olhou para os lados enquanto caminhava para trás, mas ele seguiu parado no lugar.
— É melhor se calar, senhorita...
— Porque deveria? Se o Lobo descobre você aqui é capaz de te matar em praça pública! Ele deixou claro que não quer mais vê-lo em suas terras! — Vociferou nervosa, notando que não havia ninguém por ali.
Dário não parecia disposto a ataca-la. Mascava um graveto de trigo entre os dentes e trazia expressão tranquila no rosto.
— Bom, então o chame! — Apontou em direção à fazenda — O que será que Don Leon vai dizer quando souber que tem mais de um intruso em suas terras?
— Do que está falando? — Agarrou ainda mais forte o cesto de flores contra os seios.
— Que o Lobo não tolera mesmo inimigos, senhorita... Tanto eu quanto você o somos... Senhorita Mariana Brancaglione — O rosto de Sol perdeu a cor aos poucos ao ouvir seu nome ser pronunciado por aquele homem — A inconfundível filha que Don Juan busca incansavelmente por todas as terras ao redor sem imaginar que está enfiada na fazendo do Lobo... Seu maior inimigo! — Retirou do bolso da camisa uma foto dobrada e mostrou a Mariana — É você, não é?
Incontestavelmente era! Mariana se olhou na foto com o coração na boca e engoliu a respiração descompassada. Seu pai a buscava e ainda oferecia recompensa, segundo a foto! Apertou os olhos e respirou profundamente. Nada poderia ser pior do que seu nome estar na boca daquele homem, o monstro que um dia a atacou e agora a encarava como se a tivesse em suas mãos...
Realmente o tinha.
— Não sei do que está falando... — Mariana ainda tentou dar uma de desentendida, mas Dário seguiu com o sorriso sorrateiro nos lábios.
— Você tem uma semana para dar o que eu quero, senhorita Brancaglione — Aproximou-se dela vagarosamente e a ruiva sequer se moveu, apenas converteu o rosto em sinal de asco enquanto o observava. O homem cheirava a bebida e algumas coisas mais, todos os odores causando repulsa até em seus poros — Em uma semana nos encontramos na cabana próxima do rio para concretizar o que desejo desde que te vi pela primeira vez... — Mariana engoliu em seco diante do nojo que a tomava — Se você não estiver lá quando o sol se pôr, seu pai estará declarando guerra ao Lobo no dia seguinte e talvez você sobreviva nas mãos de um deles!
Mariana quase vomitou quando o sentiu tocando sua mão, mas puxou a mesma no mesmo instante e afastou-se.
— Jamais vou ceder a isso e não tenho medo de você! Você é quem deveria ter medo de espalhar boatos sobre o Lobo por aí... Sabe muito bem do que ele é capaz! — Deu-lhe as costas e voltou pelo caminho das flores, mas não sem antes ouvi-lo dizer...
— Você também sabe, Mariana, e vai saber melhor ainda se não estiver na cabana no dia marcado!
Mariana correu com as flores e o cesto nas mãos até alcançar a vista da casa grande. Sentia o estômago embrulhado quando colocou o cesto sobre o balcão da cozinha, local onde Andreia cozinhava em grandes panelas. A senhora a encarou assim que a viu, observando a moça ir até a pia e tomar um copo de água como se passasse mal.
— Mariana, menina... — Andreia secou as mãos no avental e caminhou até a ruiva, que pousou o copo na pia e apoiou as mãos na testa — O que houve? Você está pálida!
— Não me chame assim, dona Andreia, por favor! — Sussurrou amedrontada e a senhora corou — Me descobriram, dona Andreia... Me descobriram! Meu pai está me procurando feito um louco e ainda oferecendo recompensa para quem me entregar!
— Disso eu já sei — Deu de ombros — Achou mesmo que Don Juan iria ficar tão calmo com a sua fuga? — Sol apertou os olhos e tomou um pouco de água. Andreia, pensativa, a encarava com firmeza — O que pensa em fazer, menina? Não vai poder se esconder aqui para sempre atrás de um nome falso.
O tom amedrontado da senhora despertou em Mariana a dura realidade. Seu tempo ali estava acabando! Em breve teria de deixar a vida que construiu na fazenda de Ouro para trás e simples ideia a fazia estremecer!
— O pior não é reencontrar meu pai depois de ter fugido... Sei que serei castigada e talvez haja um velho me esperando para casar, mas... Ser desprezada e vista como mentirosa por Helena e o Lobo me enche de vergonha! — Não olhava nos olhos de Andreia enquanto falava, deixando claro seu constrangimento — Helena é muito boa comigo, uma amiga como nunca tive... A senhora... — Ergueu o olhar marejado para Andreia, que a tocou no ombro com carinho — É o mais próximo de uma mãe que tive desde que perdi a minha — Secou uma lágrima que pingou em seu rosto pálido — E o Lobo... — Suspirou e fechou os olhos com as lembranças — Ele habita em meu coração! — Levou a mão ao peito — Sinto por ele tantas e tantas coisas...
Não ver mais aquelas pessoas que em tão pouco tempo considerava sua família era doloroso demais para Mariana. Cada um daquela fazenda se tornou cativo em seu coração, mesmo que soubesse que se apegar aquelas terras e sua gente era errado!
— Você só tem uma saída, menina... — Andreia sussurrou ao ouvido dela, aproximando-se o quanto podia — Leon não vai te deixar ir embora se você se entregar a ele.
Mariana a encarou com certo receio, incapaz de disfarçar a curiosidade por trás das palavras. Sim, pensou naquela possibilidade... Mas se sentia traindo os próprios sentimentos.
— Não posso enganá-lo para simplesmente ficar, dona Andreia. O Lobo vai me odiar quando souber quem realmente sou, tendo me entregado a ele ou não! — Sussurrou um pouco mais alto, fazendo com que as duas olhassem para os lados para terem a certeza de que não havia ninguém na cozinha — Talvez isso aumente ainda mais seu ódio.
— Confie em mim... — Andreia segurou a mão dela com carinho — Leon é um homem correto e se souber que fez mulher uma moça boa e que ele está apaixonado — Enfatizou a última palavra — Certamente vai fazer o possível para mantê-la por perto. O sentimento dele por você é verdadeiro, Sol! Nenhuma mulher jamais chegou a ser importante para ele... Leon te mantém aqui com toda sua proteção sem ter a ideia de que é uma moça direita, de família e pura... Quando souber de toda maldade que seu pai fez contra você e sua mãe toda a vida, por certo vai ficar ao seu lado!
— Não tenho tanta certeza dona Andreia... — Sol sussurrou recostando-se a pia e roendo as unhas enquanto pensava.
— E você não vai enganá-lo para apenas ficar — Andreia relembrou — Você de fato está apaixonada por ele, não está?
Sol sequer pensou para afirmar com o olhar.
O que sentia por Leon ia além do fogo que queimava ao vê-lo... Sentia vontade de libertá-lo do Lobo que o prendia, apenas não sabia como. Talvez dona Andreia tivesse razão...
— Vá até a varanda que o Lobo costuma descer a essa hora para excepcionar a segurança da entrada — Andreia a pegou pelos ombros e a encaminhou para a saída da cozinha — Dê um jeito de seduzi-lo, menina. Aquele homem pode dar com a língua nos dentes a qualquer momento e você precisa estar com Leon em suas mãos!
— Como? — Sol era guiada por ela, mas deu um salto pelas palavras da mulher — Não sei como seduzir um homem, dona Andreia! Eu nunca...
— Sabe sim! Toda mulher sabe! — Andreia a soltou — Agora vai! Em menos de meia hora ele descerá e deve espera-lo na varanda!
— Mãe? — Flora apareceu atrás de Andreia, que apenas lançou um olhar sugestivo para Sol e a ruiva prosseguiu em direção ao combinado.
O tempo se fechava e a noite antes quente se tornava turva e uma ventaria forte atingia a fazenda. Sol saiu para a varanda central e se sentou no parapeito alto, sentindo o vento soprar em direção a seu cabelo vermelho que ricocheteava no rosto pálido.
Não tinha ideia de como seduzir Leon, mas sabia que o fogo que ardia quando estavam juntos era vivo e real. Não precisaria de muito para se deitar com ele.
Seu coração palpitava no peito por pensar no que dizer e em como agir, por isso ajeitou o cabelo ao redor do rosto, ao decorrer do corpo, e encurtou a blusinha branca que usava para mostrar um pouco mais a barriga e ajeitou o short jeans, que parava no meio das coxas torneadas. Puxou o decote para evidenciar-se mais, porém não mostrava além da conta. A bota de cano alto a deixava com ar de menina, o que não foi muito proveitoso.
Suspirou pesadamente...
Leon deveria estar acostumado com mulheres experientes e muito diferentes dela. Seria todo um vexame se fazer passar por uma delas.
Sempre jurou a si mesma que sua primeira vez seria por amor e não por um negócio, como seu pai desejava. Jamais se venderia a um homem por um casamento arranjado em beneficio da família, mas estava ali fazendo bem pior! Estava prestes a se deitar com o pior inimigo de sua família em nome de sua liberdade!
A liberdade, merecia.
A Leon, o amava!
Era realmente uma troca justa, poderia garantir. Sentia-se ansiosa para estar nos braços dele... Sentia como se mariposas estivessem voando em seu estômago apenas por contemplá-lo. Se pudesse escolher, por mil anos seria mulher do Lobo. Aquele homem roubou seu coração como alimentava as lendas a seu respeito... Sorrateiramente. Sem que sequer notasse!
Sentia medo da primeira vez, principalmente por ser Leon um homem muito grande e forte. Será que a machucaria? Seria bruto com ela?
Engoliu em seco ao imaginar o que a esperava... Não pôde evitar morder os lábios e apertar as pernas uma na outra. Leon a incendiava apenas em pensamentos e sim, jamais se arrependeria de apostar tão alto! Ela merecia ser dele, nem que fosse uma vez!
— Sol?
Virou-se com o coração descompassado, mas quem encontrou foi Ernesto, não o Lobo.
— Ernesto? — Disse um pouco surpresa, colocando as mãos nos bolsos traseiros do short e se aproximando dele olhando ao redor — O que faz aqui?
Ernesto a encarava com paixão, os olhos escuros brilhando diante da luz da lua. Aproximou-se dela admirado, apaixonado, fazendo-a duvidar de suas reais intenções.
— Me disseram que você estava me esperando, Sol — A moça sequer teve tempo de falar, ele foi a atropelando com as palavras.
— Eu... — Ernesto a enlaçou pela cintura, certo de que a aparência arrumada de Sol e a maneira como esperava ansiosa eram para ele.
— Eu também Sol. Eu também! — Ernesto a beijou com rapidez e força, fazendo com que Sol sequer tivesse tempo de reagir.
— Ernesto, me solta! — Tentou falar, mas ele seguia beijando-a e apertando-a contra si.
Não sentia nada com o beijo de Ernesto, mas também não sentia a repulsa que sentiu outras vezes, quando outros homens se aproximaram. Talvez porque soubesse que era um homem honesto e bom, mas nem de longe lhe despertava os sentimentos que Leon a fazia provar. Tentou empurrá-lo novamente, lembrando-se de Flora chegando atrás de Andreia, minutos atrás.
Colocaria suas mãos no fogo pela segurança de que havia sido a menina quem disse a Ernesto para encontra-la e de certo o enganou!
— Sol? Ernesto?
Sol apenas se deu conta de que estava prensava contra o corpo de Ernesto ao ouvir a voz de Leon ecoando atrás deles, fazendo com que finalmente o rapaz a soltasse.
Aliviada por um lado, a ruiva suspirou de nervoso ao ver a maneira decepcionada como Leon a encarava.
Teria Flora realmente arruinado seus planos com o Lobo?
CAPÍTULO QUATORZE
— Lobo, eu...
As palavras morreram na boca de Sol, que tapou os lábios enquanto encarava o rosto constrangido de Ernesto e a decepção estampada nos olhos verdes de Leon. O cabelo escuro do Lobo ricocheteada em seu rosto nervoso junto ao vento forte que soprava do norte.
Sol já presenciou vários tipos de sentimentos transpassando a face do Lobo, mas jamais algo tão próximo da angústia. Ele a encarava como se já não a reconhecesse e aquilo a dilacerava!
— Patrão, eu... — Leon ergueu as mãos em sinal para que ambos se calassem quando Ernesto começou a falar.
— Não precisam me dizer nada — Ríspido, Leon ergueu o queixo em sinal de afronta, mas ainda se demonstrava surpreso pela cena que presenciou — Sou eu quem os atrapalha. Com licença.
O Lobo voltou para dentro da casa em passos largos enquanto Sol se voltava para Ernesto em todo nervosismo. Não podia acreditar que era tão desafortunada aquele ponto, muito menos ao notar o quão apaixonado o rapaz parecia estar por ela.
— Não volte a fazer isso, Ernesto! Nunca mais! — Apontou o dedo em riste em direção a ele, que a encarava com confusão — Sei que você não fez por mal, mas se não deve beijar uma mulher a força nunca, ouviu bem? Nunca! — O olhar do homem deixava claro que tudo foi uma armação e Sol sabia muito bem de quem! Não era justo com ele, mas também não era com ela! Correu apressadamente em direção a casa e deixou Ernesto prostrado do mesmo lugar, seguindo Leon até os pés da escada. Ele saia da cozinha e subia em direção aos quartos — Lobo, por favor, espera! — Leon parou alguns passos nos primeiros degraus, encarando-a por cima dos ombros com descontentamento — Eu posso explicar!
Seu peito arfava pela pequena corrida e a angústia de vê-lo tão decepcionado. Sentia o cabelo vermelho colado no calor de sua testa.
— Explicar? — Apoiou-se no corrimão da escada com certa graça, encarando-a com desdém nos olhos claros — Me explicar que não queria assumir um compromisso comigo porque estava se envolvendo com outro homem? Você poderia ter sido clara, Sol, não simplesmente inventado uma desculpa!
— Perdão? Compromisso? — A moça se aproximou dele um tanto surpresa, levando uma das mãos ao peito — Você nunca falou em compromisso! O que me propôs foi bem diferente disso, devo relembrá-lo!
— Sempre estive disposto a tudo com você, menina, mas desde que chegou cansou de dizer que era uma mulher experiente e muito vivida, nada presa a raízes ou relacionamentos, livre como o vento... — Desceu alguns degraus até parar em frente a ela, fazendo a moça morder os lábios pelas mentiras que contou para se proteger — Cheguei a cogitar abandonar todos meus dilemas e medos por você, pensando que sua renúncia era relacionada a traumas passados, talvez ao medo... — Ponderava com o tom de voz decepcionado, próximo dela, segurando-se para não tocar o rosto delicado com as mãos fortes — Mas depois do que vi me dei conta do que realmente acontece, Sol. Por um minuto cheguei a pensar que você poderia ser minha e eu ser seu, mas percebi que nunca mentiu. Sempre foi uma mulher livre e se amarras... Assim deve continuar. Livre para ficar com Ernesto e todos que quiser!
Mariana pensou em várias respostas plausíveis, mas não aguentava mais seguir mentindo para aquele homem que tanto admirava. Leon Trovalim era e sempre seria seu homem. Ela o amou desde o primeiro momento em que seus olhos se encontraram e não deixava de pensar nele mesmo quando estava sonhando.
Não conseguia e nem podia seguir dizendo mentiras a ele. O contemplou subir em direção ao quarto totalmente entristecido, deixando-a para trás da mesma maneira. Suspirou pesadamente quando o perdeu de vista, caminhando de volta a cozinha onde encontrou Flora terminando de lavar os pratos.
— Foi você, não foi? — Disse nervosa, batendo as mãos no balcão. A menina se virou para ela com expressão confusa, fazendo-se de desentendida — Foi você quem mandou o Ernesto me encontrar na varanda e disse a ele alguma mentira para que me beijasse! Sabia muito bem que o Lobo iria me encontrar na varanda porque ouviu sua mãe me falando e chegou bem na hora!
Sol não disfarçava a raiva. Era a primeira vez que afrontava Flora daquela maneira, ciente do jogo sujo da menina.
— Eu? — Flora cruzou os braços em sinal de afronta — Não sei do que está falando...
— Não sabe? Pois bem! Vou agora mesmo chamar o Ernesto para ver se você mente na cara dele! — Sol sequer precisou sair, uma vez que Flora foi logo se adiantando.
— Cada um joga com as armas que tem, não é, Sol? — Mariana se voltou para ela com calma, encarando-a com frieza — Você tem toda essa beleza... — Fez um sinal que demonstrava seios fartos — E eu tenho isso aqui... Inteligência! — Apontou para cabeça — E fique sabendo que não vou descansar até descobrir o que você e minha mãe tanto me escondem!
— Agora sou eu quem não sabe do que você está falando! — Sol suspirou como se risse de uma piada — A única coisa que sei é do seu jogo sujo! Pode ter inteligência, mas é de mim que ele gosta! — Apontou para si mesma e o rosto de Flora corou com as palavras da ruiva.
Aquilo era um fato que a corroía por dentro. Mariana sabia muito bem que era a preferida do Lobo e o homem jamais havia olhado para Flora como olhava para ela.
— Eu estou na vida dele desde sempre e não vou deixa-lo para você! Escreva minhas palavras... O Lobo vai ser meu e você ainda vai voltar por onde veio, sua enferrujada! — Flora jogou o pano de prato que segurava sobre Mariana, que desviou do mesmo enquanto a observava sair batendo os pés.
Aquele era outro problema!
Flora descobrindo seu segredo era, talvez, bem pior do que Dário!
Reclusou-se em seu quarto nervosa, sentada sobre a pequena cama e olhando a chuva fraca caindo pela janela com impaciência. Sentia o peito inflando pela maneira como estava decepcionada consigo mesma por ter mentido esse tempo todo... Não teria o perdão de Leon. Se houvesse contado a verdade, no entanto, Leon a teria mandado de volta em seguida, sem sequer dar-lhe a chance de conhecê-lo melhor.
— Porque, Lobo? Porque você tem que odiar minha família? — Deitou-se contra o travesseiro de lado, sentindo as lágrimas caindo na face.
Jamais foi feliz em sua vida.
Jamais conheceu a alegria ou a felicidade genuína, o sabor da liberdade... Agora, pela primeira vez, sentia o amor, a paixão e a intensidade de realmente viver. Fechou os olhos e se lembrou do jantar em que Juan a apresentou ao velho que seria seu marido. Um banqueiro rico das proximidades. Tratava-se de uma figura repugnante, tão corrupto quanto seu pai, disposto a dar quanto dinheiro fosse necessário para ter uma bela jovem como esposa para exibir por aí. Juan achava incrível que a filha pertencesse a uma família tão rica e ela, sem nenhuma alternativa, escolheu o que estava em seu alcance... Fugir para longe, o único lugar onde seu pai não poderia encontrá-la!
Se voltasse para os Brancaglione, Juan a casaria no dia seguinte. Sem dinheiro, destino, eira ou beira, o que seria dela? E o Lobo... O que faria quando soubesse de suas mentiras?
O destinou cruel já era um fato, por isso decidiu lutar pelo caminho incerto, talvez houvesse uma esperança. Se ele a amava como dona Andreia dizia, certamente lhe daria uma chance, não daria?
Tomou um banho rápido e vestiu-se com um delicado vestido rosa e florido que lhe descia até o meio das coxas e amarrava entre os seios. Ajeitou o cabelo longo ao redor de si e perfumou-se delicadamente, certa de que aquele seria seu momento, sua maneira de lutar. Se de uma coisa estava certa em sua vida era de que Leon Trovalim era um homem justo, bom e honesto. Não a jogaria na fogueira antes de ouvir o que tinha a dizer.
Talvez fosse um tolo por um dia ter acreditado em sua história com Sol, porém Leon se sentia destroçado.
Não era um homem de baixar a guarda e acreditar em amor, tão pouco um sonhador esperando uma princesa, pelo contrário! Sempre teve os pés no chão e soube que as mulheres em sua vida seriam apenas uma diversão de minutos com muita proteção e segurança. Sentia imenso vazio em seu coração, jurando não amar ninguém, até a bela ruiva aparecer em sua fazenda e Helena retornar com aquela criança desconhecida.
As duas, agora, eram donas dele e de seu coração. As duas, também, o magoaram profundamente. Helena quando se recusou a contar quem era o infeliz que a engravidou e Sol quando o dispensou para aventurar-se por aí com qualquer homem, principalmente Ernesto, que também tinha intenções sérias com ela.
Não compreendia como podia beijá-lo como beijava e também se agarrar com outro homem!
Mergulhou o rosto na água do chuveiro fervilhando em raiva por se lembrar das mãos de Ernesto sobre Sol, tocando a cintura dela. Os lábios dele também a beijavam e ela mantinha-se imóvel em seus braços. O ciúme era algo desconhecido que agora o dominava e talvez não fosse proveitoso deixar-se dominar por ele. Era um homem do qual muitos dependiam e não podia entregar-se as loucuras da paixão.
Sua vida não valia muito, mas nela ainda tinha uma missão...
Encontrar Juan Brancaglione frente a frente sem que o covarde pudesse fugir e enfrenta-lo de homem para homem! A morte de sua mãe e a ruína de sua família deveriam ser vingadas!
Sua vontade era matar Ernesto com as próprias mãos e mandar Sol para bem longe dele, mas não se deixaria dominar pela raiva. Deveria ser racional em nome dos bons sentimentos e da irmã grávida, principalmente. Helena tinha apenas a ele para contar naquele momento e não podia falhar com ela novamente. Decidiu se recompor, ignorando os instintos animais que perseguiam o Lobo.
Por trás das lendas existia Leon Trovalim, um homem de carne e osso, que tremia com a paixão que Sol, a menina de cabelos vermelhos que deveria ter um nome de verdade, despertava.
Saiu do banheiro ainda ansioso, sentindo as mãos tremulas e ardentes pela raiva. Vestiu um roupão azul escuro e saiu do banheiro em direção ao quarto secando os cabelos quando a viu sentada em sua cama, em meio ao seu quarto, com o olhar constrangido e um tanto receoso.
Linda.
Tentadora.
Usava um simplório, mas belo, vestido florido e rosa claro. O decote era singelo, mas o modelo mostrava um pouco os seios fartos e as coxas torneadas. Engoliu em seco quando seus olhos encontraram os dela. Seu sangue ferveu nas veias e sentiu o corpo reagindo por instinto, como um animal diante da presa.
Era praticamente impossível ignorá-la. Cada vez tinha mais certeza de que Sol tinha poderes sobre ele.
Ela disse que Ernesto a agarrou a força. Garantiu que o queria. Como podia negá-la? Mas ao menos poderia fingir que era indiferente...
— Não gosto de ninguém, Sol. Esqueceu-se de quem sou?
— Foi você quem se esqueceu de que eu não tenho medo de você...
Leon pensou em inúmeros motivos para se afastar e manda-la voltar por onde veio, mas era incapaz de ignorar o tamanho de sentimento que nutria por aquela mulher. Ia além da paixão e do desejo que ela despertava em seu ser, tocando em um ponto de seu coração jamais antes alcançado.
Encarando seu rosto belo, deslizou um dedo por sua face com delicadeza, temeroso por onde tudo poderia terminar. Queria marcar em seu pensamento cada pedaço daquele semblante, cada pinta que marcava o colo delicado e descia até os seios...
Sol o beijou com ímpeto, deslizando as mãos pequenas até a beira de seu roupão e abrindo-o com calma. O corpo forte do Lobo se retesou sob o toque macio, incendiando-se pela maneira como a queria e tudo o que poderiam sentir juntos. As mãos dela tocaram o laço que segurava o roupão dele, que segurou seu pulso um tanto temeroso. Afastando-se do beijo, Sol o encarou com a certeza do que fazia. Levou as mãos pequenas para frente do vestido, entre os seios, puxando a fina fita que prendia o mesmo fechado. Leon acompanhou o movimento com os lábios separados, a respiração arfando... Podia ser duro como uma rocha, mas era impossível ignorá-la. Não quanto tanto a queria.
O vestido caiu aos pés da ruiva, que não demorou muito até sentir as mãos do Lobo em seu corpo, envolvendo-a em um beijo profundo e quase desesperado.
Leon estava certo de que jamais esqueceria o quão volumosos e rosados eram aqueles seios, a maneira doce como o cabelo vermelho caia ao redor dela e a quantidade de sardas que espalhavam na pele clara. Ela era o próprio Sol, iluminada pela beleza e transbordando sensualidade.
As mãos pequenas e hesitantes de Sol desamarraram o roupão dele e o retiraram pelos ombros fortes em resposta enquanto Leon a guiava para a cama sem demora, disposto a não pensar demais para não se arrepender. Viu-se encantada pela maneira como a pele do Lobo parecia macia, porém os músculos sob ela se mostravam firmes como rocha. O corpo masculino era toda uma novidade e ela se sentia muito pequena diante do peito largo e forte. Era a sensação mais incrível que já sentiu próxima de um homem.
Leon era ainda mais bonito sem camisa, molhado pelas gotículas de água que pingavam do cabelo escuro e desciam pelo rosto, pescoço e ombros... Ele a beijava sem interromper, roubando-lhe o ar e a capacidade de raciocinar. A língua dele em seu pescoço a fazia suspirar, mas nada comparado à maneira como se arrepiou ao senti-la nos seios, sobre os mamilos, mordiscando-os e umedecendo-os conforme os tomava.
Gemeu sentindo a boca em seu estômago, as mãos grandes lhe tirando a calcinha em uma passada rápida, desfazendo dela qualquer pudor naquele instante. A língua dele a tocou em sua intimidade, deslizando sobre ela com voracidade e insensatez. A loucura do momento era tudo o que lhe tomava, principalmente pelo prazer que o Lobo a fazia sentir... Parecia subir vagarosamente aos céus enquanto ele a beijava entre as pernas, afastando suas coxas e experimentando-a com ímpeto.
Deu-se conta do que realmente estava fazendo quando se esvaiu nos lábios dele, contraindo a intimidade em um orgasmo repentino e apaixonado. Talvez aquela fosse à magia do Lobo, pensou consigo mesma enquanto arfava pela respiração descompassada. Talvez Leon fosse verdadeiramente um feiticeiro e estava usando de sua magia com ela naquele momento...
Seus pensamentos foram interrompidos quando o viu completamente nu vindo sobre ela. Não tinha reparado na nudez de Leon e se surpreendeu com o que viu, levando-a a dar-se conta de que realmente seria sua primeira vez. Assustou-se com a anatomia masculina, principalmente pela maneira como Leon era grande. Em sua mente estava convicta de que o corpo dele era grande demais para se encaixar no dela e não via maneira daquilo acontecer!
Pela primeira vez sentiu medo, mas já era tarde demais para contar seu segredo e exigir que fosse mais devagar, não tão intenso quanto estava.
Leon não podia esperar por tê-la completamente e via nos olhos de Sol a maneira como também o desejava. Tinha cravado nos lábios o doce sabor da intimidade pequena e rosada, certo de que jamais tinha provado uma mulher tão saborosa quanto Sol. Cada parte do corpo dela o enlouquecia, desestabilizava seu ser, e tudo o que queria era ser completamente dominado por aquele sentimento.
Pediria perdão mais tarde por ser um tanto rude e desesperado, mas sabia que Sol o queria da mesma maneira... A forma como estava molhada e gemia alto evidenciava o quão apaixonada e incendiada também estava.
Separou as pernas dela sem pensar, movido pela loucura de possuí-la. Era como realizar um sonho impossível e não podia conter a ansiedade. A maciez das coxas ao seu redor e o calor da intimidade feminina o tomaram, fazendo-o apertá-la ainda mais em seus braços. Calou os gemidos dela com beijos, movendo-se delicadamente entre as coxas torneadas para penetrá-la com paixão em um movimento certeiro e forte.
Sentiu o momento em que foi preenchido pelo prazer de possuí-la. Era a mulher mais prazerosa que já experimentou em sua vida, tão acolhedora que poderia passar a vida em seu interior... Não conseguiu se mover prontamente e foi ai que notou o inesperado... Algo que o fez erguer os olhos para o rosto dela e encontrá-la desolada. Sol fechou as mãos em punhos e o empurrou pelos ombros com lágrimas nos olhos, as pernas o empurrando da mesma maneira.
Ela não tinha forças para lidar com ele ou move-lo sequer um centímetro e Leon ainda parecia estático sobre ela.
Dirigiu o olhar para baixo, entre eles, tentando mover-se sem machuca-la. Já era tarde. Já havia feito. Moveu-se vagarosamente até retirar-se de dentro dela, notando prontamente um pouco de sangue entre o corpo dos dois. Havia sangue nos lençóis...
A ruiva se encolheu na cama e puxou o lençol junto de si, tentando conter o nervosismo e as lágrimas que se formavam em seus olhos.
— Sol... — Leon sussurrava olhando para a cama e para ela, completamente confuso. Passou os dedos entre os fios do cabelo escuro sem palavras que pudessem expressar a maneira como se sentia terrível ao vê-la daquela maneira — Você é virgem!
Não foi uma pergunta, mas uma afirmação.
O sangue, a dor dela e o desespero de Leon evidenciavam o caos que foi o momento.
CAPÍTULO QUINZE
Diante do questionamento de Leon, Sol permaneceu em silêncio.
O ardor entre suas pernas, a dor que sentiu no ato e o sangue que manchou os lençóis não eram nada comparado à maneira como se sentia triste por ver a culpa nos olhos claros do Lobo. Ele, que sempre se julgava um animal, sentia-se completamente um naquele momento.
— Por quê? — A pergunta de Leon para ela era subjetiva e confusa. Nem mesmo ele conseguia compreender o que questionava. Sol baixou ainda mais o olhar, recolhendo-se na cabeceira da cama como se sentisse medo — Sol... Eu não vou machuca-la! Acho que já fiz o suficiente... — Suspirou com vergonha, certa tristeza... Os olhos claros evidenciavam confusão — Você está com muita dor? O que posso fazer, eu...
— Não, não estou... — Respondeu o interrompendo. Sentia ardência, mas não queria que ele se sentisse ainda pior — Você não tem culpa, Lobo. A culpa é minha... — Não era capaz de encará-lo — Eu decidi que seria assim.
Leon se aproximou um pouco dela, ainda nu sobre a cama. Ergueu o rosto dela para ele, que ainda trazia lágrimas no olhar castanho. Tocava o queixo da ruiva com cuidado, agora apreensivo cada vez que se aproximavam.
— Porque não me contou? Porque permitiu que eu te machucasse? Pensei que fosse uma moça experiente, que ao menos soubesse o que estava fazendo e... — Deteve-se, encarando-a. A vergonha de Sol o fez se calar. Ela corava nas bochechas e mordia os lábios vagarosamente.
— Para me proteger, Lobo — Sussurrou ainda sem encará-lo, com o rosto baixo e voz trêmula — Para que os homens pensassem que sou uma mulher vivida e não se tentassem ainda mais... Para que se afastassem por me verem de outra maneira, não como uma presa fácil por ser uma virgem estúpida!
— Sol... — Novamente trouxe o rosto dela para ele, fazendo-a encará-lo com cuidado. Sol o olhou de volta, um pouco mais aliviada por finalmente dizer. As mãos grandes tocavam o rosto dela com cautela — Eu te machuquei... Derramei seu sangue... Fui um bruto com você! Tem ideia do que aconteceu? Tem ideia de que transformei sua primeira vez em um momento de dor, como se eu fosse um animal e... — Ela pousou dois dedos sobre os lábios dele, de modo a cala-lo.
— Você não tinha como saber, Lobo — Relembrou seriamente, um pouco mais controlada — Como poderia adivinhar que era minha primeira vez? — Leon ponderou — Eu escolhi não contar... Você é só um homem, não um animal! E acredite... Poderia ter sido muito pior! — Enfatizou a última palavra, deixando-o intrigado.
Leon saiu da cama, vestiu de volta seu roupão e caminhou até a janela em total silêncio. Encarava a paisagem da chuva lá fora com tensão, apertando o queixo enquanto pensava. Ou melhor, se culpava!
Sol podia ver no rosto dele a maneira como se sentia péssimo, controlando-se para não perguntar em desespero tudo o que se entalava em sua garganta. Saiu da cama vagarosamente, sentindo como doía entre suas pernas e contemplando o sangue nos lençóis. Realmente cometeu um erro ao mentir para Leon e isso lhe causou muita dor... O pior de tudo, no entanto, era vê-lo tão culpado.
Envolta pelo lençol, tocou o ombro forte parada as costas dele. O Lobo não se moveu ao sentir o toque dela, olhando por cima do ombro de relance.
— Me desculpe por ter mentido... — Sussurrou próxima do ouvido dele, em voz baixa, ponderando as palavras — Mas acredite quando digo que tudo poderia ser bem pior! Se tivesse seguido o curso que minha vida impunha, meu primeiro homem seria alguém repulsivo e que apenas me causaria ódio... Você, Lobo, é o homem que amo! Por isso não me arrependo e jamais me arrependerei de ter estado com você, mesmo sentindo dor. Você não sabia o que estava fazendo... Eu sim.
Leon se virou para ela lentamente, lembrando-se das palavras que o marcaram.
— Me ama? — Repetiu com surpresa, encontrando os olhos castanhos tomados pela sinceridade — Como pode me amar, Sol? Eu sou...
— Um homem com muitas qualidades e defeitos — O interrompeu antes que continuasse intitulando-se como um animal — Um homem tido como amaldiçoado, assassino e cruel, mas que na verdade é o mais honesto e cuidadoso que já conheci. Você até pode ser um Lobo, mas não por ser cruel ou um animal... Por ser zeloso com os seus e muito atraente, sim — Sol sorriu carinhosamente e Leon a acompanhou.
As palavras da moça quebrantaram o coração dele de tal maneira, que Leon teve de abraça-la contra o peito e beijar seu cabelo com zelo e muito carinho.
— Me perdoe, Sol... Me perdoe por ter me machucado! — Sussurrou contra o cabelo vermelho, sentindo as mãos pequenas apertadas em suas costas grandes e largas. A moça era baixa e pequena, encaixando-se perfeitamente em seus braços torneados — Não tem ideia do quão importante é para mim... Não tem ideia de tudo que representa! Desde que chegou, tornou-se o sol de minha vida.
A ruiva sorriu contra o peito dele, erguendo o rosto para admirar os olhos verdes diante de si. Tocou o queixo masculino, acariciando a barba que crescia ali.
— Me desculpe por ter mentido... — Sussurrou aproximando-se para beijá-lo. Leon, no entanto, afastou-se um tanto ressabiado.
— Quero saber de tudo, Sol — Garantiu com confusão, fazendo a moça separar-se de seus braços — Quero saber de onde vem, quem é sua família, porque chegou até aqui e o que pretendia sustentando uma imagem distorcida sobre você.
— Eu já disse... Queria afastar os homens — Explicou rapidamente, encarando-o sem conseguir esconder o nervosismo — Porque quer tantos detalhes? Já deixei claro que sou sozinha, eu por eu mesma e nunca tive ninguém.
Leon sorriu de canto e passou a mão entre os cabelos escuros, vendo-a caminhar até a cama com alguma dificuldade e sentar-se na beira dela.
— Posso ser um bruto, mas não sou tão ignorante. Sei que existe um segredo... Flora já me disse que suspeita que você e Andreia escondam algo, mas não tem coragem de perguntar — O queixo de Sol caiu diante das palavras dele. Flora realmente era uma garota muito intrometida — Pois bem... Diga-me. Seja o que for, você sabe que me tem ao seu lado.
Ela negou com um aceno triste.
Leon não tinha ideia do que estava falando!
— A única coisa que posso dizer... — O olhar de Sol era enigmático, mas disposto a não considerar. A moça pegou seu vestido de flores cor de rosa do chão com uma das mãos e a outra continuou segurando o lençol entre os seios — É que se realmente quer ter um futuro comigo, Lobo, terá de abrir mão de meu passado.
Pronto para questionar, Leon foi calado com uma batida na porta seguida pela voz de Helena o chamando.
— Não sou homem de abrir mão de nada e a senhorita vai me contar muito bem tudo que está acontecendo! — Sol escondeu-se um pouco quando o Lobo abriu a porta — Helena?
A morena estava parada com uma das mãos sobre a grande barriga e tinha expressão cansada. Leon, por sua vez, não disfarçava a maneira como estava furioso e nervoso com a situação envolvendo ele e Sol.
— Irmão, por favor... Precisamos ir para o hospital! A bolsa estourou e chegou a hora!
— Bolsa? Logo agora, Helena? — Leon perguntou nervoso, olhando-a dos pés a cabeça. Realmente havia um pouco de água na barra do vestido — Como assim, meu Deus? Hoje deve ser meu dia de sorte! — Ironizou.
— Meu Deus! Vai nascer! — Sol disse alto, chamando a atenção da dupla na porta. Leon olhou-a por cima do ombro e Helena esticou o pescoço para espiar.
— Ah, você está aí... — Helena não disfarçava a dor que sentia, apoiando uma das mãos nas costas — Eu lá morrendo de dor e te procurando enquanto a senhorita deitava e rolava com o meu irmão!
— Helena, por favor! — Leon suspirou e Sol corou — Em cinco minutos nós saímos!
— Ah, muito obrigado! — Suspirou pela dor e Leon fechou a porta.
Sol se encontrava vermelha pelas palavras de Helena, mas muito sorridente pela eminente novidade. Retirou o lençol do corpo e colocou o vestido rapidamente, ao passo em que Leon se dirigia ao closet para pegar suas roupas. Nervoso, não conseguia disfarçar a impaciência.
— Seu sobrinho vai nascer, Lobo! — Voltou ao quarto terminando de vestir uma camisa preta, com os cabelos ainda molhados e os olhos tomados por certa raiva. Aquele sim era definitivamente o Lobo — Não está ansioso?
— Estou nervoso, isso sim! Helena e essa criança... Não consigo ter um minuto de paz! — Esbravejou enquanto tirava da gaveta da cômoda carteira, celular e chave da caminhonete. Sol o segurou pelo braço forte com os dedos pequenos em seu músculo. Ele se voltou para ela com surpresa.
— Você está com medo, Lobo, não enraivecido — Disse seguramente — Posso ver em seus olhos...
Sem conseguir mentir para ela, Leon concordou brevemente.
— Ela foi tudo que me restou — Sussurrou quase sem voz — Não quero perdê-la, Sol.
— Helena não é tudo o que te restou — Garantiu com um sorriso doce, quase emocionada por referir-se a si mesma — E você não vai perdê-la! Não precisa se proteger com essa imagem de durão, de cruel... Tudo vai ficar bem.
Leon respirou profundamente e nada respondeu, encarando a ruiva com gratidão. Não conseguia acreditar completamente, mas sentiu um pouco de alivio pelas palavras dela.
Ambos saíram do quarto em direção ao de Helena, que suspirava alto apoiada na cômoda.
— Leon, mudança de planos! — Helena anunciou quando os viu — Ligue para a médica que me atendeu na cidade e diga que venha para cá! Ela mora muito perto daqui e disse que poderia chama-la caso precisasse! Não vou conseguir chegar até o hospital, é uma distância muito grande!
— O que? — Leon quase gritou com a surpresa — Como não, Helena? Pretende ter um filho aonde? No estábulo? — Sol deu um tapinha nele.
— Helena, tem certeza do que está falando? — Sol se aproximou dela com cuidado e a morena gritou alto — Nós podemos ir bem rápido e...
— Rápido não, está chovendo! — Leon interrompeu.
— Tenho, tenho sim Sol! — Segurou a mão da ruiva — Por favor, pede pra Andreia subir e ajudar... — Respirava com dificuldade — Sinto o bebê muito em baixo, empurrando! A dor está terrível, não consigo dar sequer um passo! — Um grito alto se fez e Helena apertou forte a mão de Sol e o móvel — E vou dar a luz neste quarto, irmão! Exatamente como nossa mãe fez comigo e com você!
— Não, Helena, por Deus! — Leon tentou se aproximar, mas a morena gritou novamente.
— Não se atreva a me tocar! Anda, ligue para a médica e chame dona Andreia! Rápido! — Helena gritou para ele, que não teve alternativa, além de fazer o que ela pedia.
Sentado na sala de estar, Leon ouvia os gritos vindos do quarto de Helena e atendeu a médica quando a mesma chegou, meia-hora depois. Nervoso, sequer conseguia falar.
— Minha irmã é muito teimosa, doutora! Disse que a distância até o hospital é muita e que não daria tempo... — Explicou atropelado, ouvindo mais gritos vindos do quarto da irmã.
— Tudo bem senhor Trovalim... Pode acontecer! A ambulância que o senhor solicitou está presa na estrada pela chuva e o melhor foi Helena ter ficado. Antes ter o bebê no conforto do quarto do que em um carro no meio da estrada chuvosa — Garantiu tranquilamente — Não se preocupe tanto... Tudo terminará bem! Já fiz partos em condições bem piores, pode acreditar!
— Minha irmã vai ficar bem, não vai? — Segurou no ombro da médica como se sua vida dependesse disso — Por favor, doutora...
— Claro que sim! Tudo vai ficar bem! — Sorriu para ele antes de subir para o quarto e se juntar a Sol e Andreia.
Um filme passou na cabeça de Leon enquanto esperava o bebê nascer. Viu-se ali, naquela mesma sala de anos atrás, diante do quadro da mãe, olhando para o pai que andava impaciente pelo local. Ele olhava para o pai com apreensão enquanto a pequena Helena brincava de bonecas perto da janela. A mãe estava desaparecida, nas mãos de Juan Brancaglione.
Aquele pesadelo se repetia e a imagem do corpo da mãe no caixão ao lado do irmão também morto rodopiava em sua memória.
Jamais pensou voltar a sentir tal sensação desesperadora. Era terrível ficar ali, sozinho, ouvindo os gritos de Helena e os sons da chuva que ecoava lá fora. Não se lembrava do medo e da angústia como naquele instante... Sua vontade era não viver aquele momento péssimo de ansiedade. Não se lembrava como era orar, mas o fez de improviso.
Apenas esperava que o final daquela noite não fosse nada parecido com a de anos atrás.
Helena suava enquanto empurrava com as pernas abertas na cama de casal de seu quarto.
A médica, prostrada entre suas pernas e ajudando-a, gritava palavras de incentivo. Andreia, acostumada com os partos que já presenciou com as mulheres na fazenda, tentava ajudar a médica e assistia de perto. Sol tentava se encaixar na cena, segurando a mão de Helena na sua com carinho.
Não sabia o motivo, mas a irmã do Lobo fez questão de tê-la por perto em todos os momentos, mesmo Sol insistindo para ficar lá embaixo com Leon. Podia imaginar o quanto o Lobo sofria esperando tudo acabar... Queria consolá-lo, mas não era opção. Helena pediu seu amparo e não pôde negá-lo.
Não foi um trabalho de parto demorado, uma vez que a médica chegou e logo constatou oito centímetros dilatados. Helena segurou a dor até não conseguir mais e Sol estava convicta de que a mesma tinha toda a intenção de não ir para o hospital. A chuva colaborou para que Leon não a arrastasse, mas estava nítido que a vontade de Helena era ter o bebê em casa.
— Força Helena! Já posso ver os cabelinhos! — Andreia disse animada e a morena apertou ainda mais a mão de Sol.
Sol, que havia acabado de ter a primeira experiência com um homem, se pegou surpresa com as cenas que presenciava.
— Não posso morrer doutora! O meu irmão está lá embaixo me esperando e é capaz de ir me buscar no inferno se eu o deixar com uma criança sozinho! — Andreia riu das palavras dela.
— Está tudo bem, Helena! Empurre mais uma vez e teremos o bebê! — Helena a obedeceu e comprimiu a mão de Sol em um aperto interminável. Em seguida, a médica erguia o bebê envolvo por um pano e chorando a plenos pulmões — Nasceu!
Helena deixou a cabeça cair para trás pelo alivio, encarando Sol com um sorriso cansado.
— Consegui... Eu consegui! — Sussurrou emocionada e Sol a abraçou com emoção.
— Parabéns Helena! — As duas sorriam nitidamente aliviadas e a médica se aproximou com a criança.
— É uma menina! — Andreia gritou ainda mais animada, despertando a atenção das duas — É uma menina, dona Helena! — Sol e Helena se olharam com surpresa, uma vez que Helena sempre esteve segura de que esperava um menino. A bebê foi colocada nos braços de Helena, que não disfarçou a surpresa ao notar a cor do cabelo da filha... — Ela tem cabelos cor de fogo como os de Sol!
O comentário de Andreia fez com que todos reparassem no detalhe. A menina era gordinha, de pele absurdamente clara e mesmo suja deixava evidente que o cabelo era ruivo, vermelho como o de Sol.
— Ela é incrível — Sol sussurrou olhando a bebê de perto enquanto Helena analisava a filha com emoção. A boca e o nariz eram muito parecidos com os da mãe, mas os olhos eram cinza e Sol podia apostar que seriam claros como os do tio.
— É parecida com... Com o pai — Helena suspirou com lágrimas nos olhos — Sarah Leona Trovalim — Beijou a mãozinha da bebê, que procurava em seu peito um aconchego — Bem-vinda, querida.
Os olhos de Sol se encheram de lágrimas pela emoção que a tomava. Certamente era a cena mais bonita que presenciou em toda sua vida.
— Posso chamar o Lobo, Helena? — Sol questionou feliz, ansiosa para dar a noticia ao amado — Ele deve estar muito preocupado...
— Pode avisar que ela nasceu, dona Andreia? — A médica dedicava os cuidados necessários a Helena enquanto elas conversavam — Quero que Sol fique comigo um pouco mais.
Andreia não hesitou em sair e a médica prosseguiu com os cuidados com Helena e a bebê, que garantiu ter nascido muito bem. A ambulância chegaria quando possível e as transferiria para o hospital em busca de uma analise mais criteriosa sobre o estado de saúde das duas.
— Você não vai ligar para o pai dela, Helena? — Sol sussurrou enquanto as duas analisavam a pequena mamando no seio de Helena, que suspirava com as dores iniciais da amamentação — Acredito que queira saber que nasceu, ao menos...
— O pai dela é um homem... Proibido, Sol. Nós dois nos encontramos por um acaso em São Paulo, durante meus estudos e uma viagem dele. Fomos atraídos por nossa origem interiorana e pela semelhança de sotaques, mas descobrimos depois que nossa história era impossível — Disse antes que a ruiva terminasse e passou o dedo carinhosamente sobre os cabelos da filha — E quer saber por que gosto tanto de você e sempre te vi como uma amiga? — Sol a encarou surpresa, esperando que prosseguisse. Helena a olhou de volta com convicção. As duas estavam sozinhas no quarto — Porque você me lembra ele. Gabriel também tem cabelos vermelhos como os seus e os traços parecidos... Ele era perfeito. Inteligente, bonito e divertido. O homem que sempre sonhei. Seu único defeito era ser um Brancaglione e eu uma Trovalim. Somos inimigos de berço e se Leon souber que essa menininha aqui é filha dele... Temo por minha própria vida. Por este motivo, fugi de Gabriel assim que descobri a gravidez e me refugiei na casa de amigas. Ele nunca soube que eu estava grávida e talvez tenha sido melhor. Gabriel queria brigar para ficarmos juntos, mas no fundo sabia que nossa história é impossível.
O rosto de Sol perdeu a cor ao ouvir as palavras de Helena, que confessou tudo a ela sem desviar o olhar da filha. Sentiu o mundo girar diante de seus olhos, principalmente pela descoberta desastrosa!
Aquela menina linda e recém-nascida era ninguém menos que sua sobrinha!
CAPÍTULO DEZESSEIS
Leon bateu na porta com cuidado quase duas horas depois que Andreia o avisou sobre o nascimento da criança.
— Está tudo bem, Leon. Sua irmã e a criança ficaram muito bem, mas devem ir até o hospital apenas por uma precaução — A médica garantiu quando o encontrou na porta do quarto.
— Obrigado doutora... — Sussurrou a ela, olhando para dentro do quarto com cautela. A médica desceu as escadas e ele ficou olhando para dentro do quarto mais alguns segundos. Demorou dois copos de bebida até ficar mais calmo depois de saber que estava tudo bem. Mais ainda, demorou a subir pela insegurança de conhecer a criança. Sentia-se estranhamente amedrontado, algo atípico para o Lobo — Helena?
A voz dela ecoou antes de entrar e as duas moças se sobressaltaram na cama. Helena tinha uma bandeja à frente de si e comia uma sopa feita por Andreia enquanto Sol segurava nos braços o pacotinho envolto por uma manta branca.
— Irmão... — Helena secou os lábios em um guardanapo — Pensei que não viria nunca! — A maneira como parecia ótima fez o coração de Leon se acalmar ainda mais — Está vendo como estou inteira? Pronta para outra, querido!
— Engraçadinha... — Não deixava de olhar para Sol com o pacotinho nos braços.
— Essa lenda é um absurdo, como pode ver. São puras mentiras, mas o que não é mentira... É a sua sobrinha — Leon a encarou com surpresa, voltando-se para a criança em seguida.
— É uma menina? — Parou frente a Sol e olhou o rostinho do bebê com admiração, encantado pela aparência angelical da criança que dormia.
— Sarah Leona Trovalim — Helena repetiu o nome com orgulho — Ela é linda, não é?
— Ela é... — Olhou nos olhos de Sol com surpresa e sorriu — Ruiva. Tem cabelos vermelhos — Leon sorriu ainda mais para a sobrinha e as bochechas de Sol coraram pela felicidade estampada na face dele. Toda a dureza de Leon pareceu se desfazer diante da pequena Sarah nos braços da tia — É linda, Helena.
— Claro que ia achar isso... Ruivas são seu ponto fraco — Helena brincou e Sol a encarou de maneira engraçada.
— Quer segurá-la, Lobo? — A voz contente de Sol o fez pensar. Ver sua amada segurando nos braços uma menina ruiva o fez ter um deslumbre improvável. Poderia ser a filha deles, não poderia?
— Talvez eu não seja bom nisso... — Fez um sinal negativo para Sol, que concordou com um aceno leve.
— Mas terá que aprender, irmão. Sarah vai querer muito em breve o colo do tio — Helena esticou uma das mãos em direção a ele, que se aproximou vagarosamente e segurou — Está mais calmo?
— Digamos que hoje não foi meu dia de sorte... — Passou uma das mãos pelo cabelo antes de lançar um olhar para Sol, que o encarou de volta sabendo que se referia ao desastroso momento de ambos. Já era madrugada e quase amanhecia. Leon se aproximou de Helena e lhe deu um beijo na testa — Sua filha é linda, irmã. Estou feliz que seja uma menina... Espero que seja menos teimosa que você, apenas.
— E eu espero que não puxe em nada ao Lobo! — Enfatizou para provocar Leon, que sorriu e se aproximou novamente para ver a bebê nos braços de Sol.
A menina era linda, de cabelos cor de fogo e sardas nas bochechas gordinhas. Leon jamais se sentiu tão aliviado quanto agora, ao ver a irmã bem e a menina nascida com saúde. Era um peso a menos em seus ombros.
— De onde veio esse cabelo vermelho? Do pai dela? — Perguntou a Helena analisando a bebê. O sorriso de Helena morreu.
— Já combinamos não tocar neste assunto — Relembrou com mau humor, encarando Sol para que a moça não dissesse nada.
— Helena... — Suspirou e passou a mão entre o cabelo novamente. Não queria contrariar a irmã em um momento pós-parto, onde estava tão fragilizada e cansada — Vou pedir que Andreia suba para ficar com você. Sol... Você vem comigo. Deixe a bebê com Helena.
— Eu? — A ordem do Lobo foi clara. Parecia interessando na presença dela — Para onde vamos?
— Por favor, venha... — Abriu a porta e apontou para fora.
Sol e Helena trocaram um olhar sugestivo e a ruiva deixou a bebê com a mãe, que colocou no peito para amamentar novamente. Helena sequer disfarçava como estava apaixonada pela filha, mas aflita com a situação. O irmão não iria se conformar com suas respostas vazias. Cedo ou tarde iria ter que dar uma explicação sobre o pai de Sarah e aquilo a assustava!
— O que houve? — Quando fechou a porta do quarto atrás de si, Sol se viu comprimida entre a mesma e o corpo forte de Leon a frente dela. Ela se inclinou um pouco para sussurrar.
— A médica que fez o parto de Helena está no quarto de hóspedes esperando para atendê-la — Sol estranhou — Pedi que te examinasse para ver se não te machuquei muito, eu... — Tomou fôlego e coçou a nuca — Quero reparar o mal que fiz de alguma maneira.
— Você não me fez mal, Lobo... — Tocou o rosto dele com cuidado, sorrindo pela preocupação eminente estampada na bela face. Leon jamais se mostrou tão envergonhado — Mas se isso te fará ficar mais tranquilo, tudo bem. Vou até lá.
— Obrigado — Tomou uma das mãos dela e beijou com carinho — Você significa muito para mim, Sol. A ideia de te ferir, de ter te machucado a ponto de fazê-la sangrar... Isso está me matando — Fez um gesto como se sua garganta estivesse apertada.
Sol se aproximou para beijá-lo e calá-lo. Leon a correspondeu com impaciência, envolvendo-a com carinho pela cintura.
— Eu já disse que você não fez nada! — Respondeu próxima do rosto dele, tocando-lhe o ombro forte — Não se culpe mais, por favor...
Flora apareceu em seguida, interrompendo-os. Ambos desviaram o olhar para a menina, que certamente estava de pé aquela hora pela movimentação intensa na casa. Sol saiu sem nada dizer, passando por Flora sem trocar uma palavra.
— Você gosta mesmo dela, não é? — Sem delongas, Flora se aproximou de Leon com os braços cruzados. Estranhando o comportamento, Leon a encarou com confusão nos olhos claros — Sempre pensei que não olhasse para mim porque sou uma menina mais nova do que você e empregada, mas pelo visto não é bem assim. Ela é tudo isso também, mas consegue chamar sua atenção.
— É melhor não tocar em um assunto que pode feri-la, Flora — Leon tocou o ombro dela com cuidado — Gosto muito de você e sua mãe e sei de seus sentimentos por mim. Não quero magoá-la.
— Você já me magoou quando trouxe essa menina para dentro de casa e a tirou do meio dos criados — Fez um gesto sobre o ombro.
— Sinto muito, mas é bom você se acostumar... Porque não pretendo tirá-la nunca daqui.
— Nem se descobrir que ela não é toda essa santinha que parece? — Aproximou-se um pouco mais dele.
— Acredito que não haja nada capaz de separar-me dela — Pontuou com convicção — Sol já é minha mulher, Flora. Nada pode me separar dela.
Leon passou por ela sem dizer mais nada, deixando a menina com os olhos cheios de lágrimas parada em meio ao corredor. Naquele momento Flora jurou a si mesma que iria cedo ou tarde iria descobrir o grande segredo que a ruiva escondia com sua mãe e certamente iria desmascará-la.
Mariana acordou após o almoço no dia seguinte ao nascimento da pequena Sarah.
Passar a madrugada toda em claro acompanhando o parto lhe rendeu um bom cansaço e Helena e a bebê foram levadas ao hospital maternidade da cidade para acompanhamento. Estava com o dia livre e sem afazeres.
Foi examinada pela médica na noite anterior e não podia esquecer a maneira como a mulher a encarava com preocupação enquanto contava sobre o modo como se "machucou".
— Por sorte não foi nada grave, Sol, mas devem ter mais cuidado. Isso poderia resultar em um ferimento mais sério. Vou te indicar um medicamento para aliviar qualquer dor, mas o leve sangramento é comum nesta situação... — Garantia a médica enquanto a moça terminava de se vestir — Imagino que não use nenhum método contraceptivo...
— Não — Corou ao responder, lembrando-se de que nem ela e muito menos Leon lembraram do tema na noite anterior — Mas foi minha primeira vez e sequer terminamos o ato, doutora.
— De qualquer maneira, vou te deixar uma pílula anticoncepcional que costumo usar em várias pacientes e não costuma ter efeitos colaterais consideráveis — Passou para Sol três cartelas de remédio cor de rosa e a ruiva pegou em mãos para observar.
— Não creio que seja necessário... Sequer sei se vou continuar por muito tempo aqui — A médica estranhou a afirmação de Sol — O Lobo e eu... Nós...
— Você não tem medo? — Sussurrou mais baixo do que o habitual — Quero dizer... O que dizem por aí sobre a família Trovalim e as mulheres que se envolvem com os homens da família...
— São lendas, doutora. Apenas lendas — Afirmou convicta.
— De qualquer maneira, ele parece muito interessado e preocupado com você. Vou deixar também pílulas do dia seguinte. Sabe como funciona, não sabe?
— Sim, eu sei... — Sussurrou pegando os comprimidos que jamais tomaria em mãos.
Todos podiam notar que o Lobo a amava e Sol se perguntava se isso era bom ou ruim. Perguntava-se, também, como era possível uma médica acreditar em lendas de cidade pequena. Leon Trovalim era mesmo visto como um homem amaldiçoado por todos e viu nos olhos da doutora o medo que sentiu por ela estar envolvida com ele.
Leon sofria com razão... A tal bruxa desgraçou com a fama da família Trovalim e seu pai contribuiu para destruir sua família, de fato. E agora existia uma criança no mundo que tinha o sangue das duas famílias!
O que seria de Helena, Sarah, Gabriel e a própria Mariana quando Leon e Juan soubessem da verdade?
Parada na varanda, justo no local onde o Lobo a encontrou com Ernesto, chorava em silêncio pelo destino cruel que a esperava. Infelizmente não poderia ver a pequena Sarah crescer e se desenvolver e sabia que o melhor era que Leon e seu pai jamais soubessem que a menininha existia. Crescer ali com a mãe e o tio era o ideal para a pequena, longe da maldade da família Brancaglione.
Agora não se tratava mais dela. Agora existia Sarah, a filha de um Brancaglione e uma Trovalim. Aquilo poderia ser desastroso e certamente alguém terminaria morto! Teria de ir pelo bem da sobrinha. Se seu pai descobrisse sobre seu paradeiro e travasse uma guerra com o Lobo — o que aconteceria quando Dário contasse — seria questão de tempo até Gabriel descobrir que Helena teve uma filha gerada pelo amor de ambos.
Não queria causar mais dor aos Trovalim, aqueles que tanto amava. Queria somente o bem para Leon, Helena e Sarah. O melhor para eles era ficar para sempre longe de uma verdadeira família amaldiçoada... A dela!
— Você é dele, não é Sol? — Virou-se com lágrimas no rosto e encontrou o olhar de Ernesto, tranquilo e derrotado — Você é do Lobo...
— Ernesto, eu... — Começou secando as lágrimas nas bochechas — Eu sinto muito por todo mal-entendido entre nós.
— Não precisa se desculpar — Ergueu uma das mãos vagarosamente — Corre por essas terras que você é realmente a mulher da profecia do Lobo, a que vai encantá-lo, mas eu não queria acreditar — Sol separou os lábios para responder, mas o rapaz prosseguiu antes dela — Jamais pensei que uma mulher tivesse a coragem de se aproximar dele... Ninguém nunca achou realmente que alguma realmente teria.
— Muitas o querem por essas terras...
— Apenas por uma noite e ele nunca quis nenhuma mais do que isso. Não até você chegar. A profecia diz que ele a amará e ele a ama, todos podem ver... Mas sabe como tudo termina, não sabe? — Sol deu de ombros e baixou o olhar.
— Meu lugar não é aqui, Ernesto. Em pouco tempo terei de ir e realmente sinto muito por você ter criado expectativas comigo...
— Você não vai poder ir, Sol — Ernesto afirmou se afastando dela aos poucos — Não vai poder ir porque você é dele.
— Menina... — Andreia apareceu na varanda assim que Ernesto se foi. Parecia aflita e secava as mãos no avental — Don Leon está esperando você no quarto.
— Ele já voltou? — Sol caminhou até ela com surpresa — Quando?
— Sim, voltou faz pouco e pediu que você o encontrasse no quarto. Helena está no quarto com a menina, ao que parece não quis ficar no hospital. Sabe como é teimosa... Viu que tudo estava bem e logo retornou com a bebê.
Helena certamente não gostava de sair da fazenda para um hospital frequentado pelas pessoas de mais dinheiro na região. Não queria correr o risco de encontrar Gabriel por aí e que fosse descoberta sua gestação.
— Meu tempo aqui está acabando, dona Andreia — Segurou nas mãos da senhora com cuidado e lágrimas nos olhos — Independente de ser mulher do Lobo ou não, não poderei mais ficar...
— Não menina... Não diga isso! Não volte para aquele crápula do seu pai! Seu destino com ele será terrível, menina... — Sol negou e deu de ombros.
— Mas é o meu destino. É o que devo fazer — Se aproximou ainda mais dela — Leon e Helena não merecem ser amaldiçoados com a presença de alguém de minha família. Os Brancaglione apenas trazem dor e sofrimento.
— Você não é como eles, menina — Garantiu com a voz repleta de pena — Você é como sua mãe.
Sim, ela era como sua mãe... Fadada ao fracasso. A infelicidade.
Mais tarde naquela noite Sol subiu ao encontro do Lobo na penumbra, envolta pelas sombras e com o coração batendo descompassadamente. Seu tempo estava acabando e aquele deveria ser um de seus últimos momentos ao lado dele. Leon abriu a porta usando camisa e calça preta, o cabelo negro para trás como sempre e o olhar esverdeado enigmático.
— Mandou me chamar? — Questionou vendo-o dar-lhe passagem para dentro do quarto.
— Estava chorando? — Leon fechou a porta atrás deles enquanto Sol admirava a pequena mesa presente no quarto dele arrumada para um jantar a dois. Tinha vinho, carne e massa, além de uma decoração romântica no ambiente — O que aconteceu?
A mão grande de Leon lhe tocou o queixo e subiu para secar uma lágrima fujona em seu rosto ruborizado. Sol se recompôs, ignorando a tristeza em sua alma para ficar o quanto podia mais próxima de Leon.
— Os últimos dias tem sido difíceis, Lobo. Não tenho sequer um minuto de paz em toda minha vida, mas creio que seja difícil compreender — Leon sorriu de canto.
— Também sei o que é não ter um minuto de paz, Sol... Mesmo que não me conte seus problemas, posso ver em seus olhos que existe grande sofrimento em sua vida — A agonia no peito dela era crescente. Podia ver a sinceridade e o carinho nos olhos verdes de Leon — Espero que um dia confie em mim para dizer tudo o que te atormenta.
— Você é um homem incrível, Lobo — Tocou o rosto dele também, sentindo as mãos grandes subindo por sua cintura pequena — Não devia permitir que as pessoas dissessem o que dizem sobre você. Deveria se mostrar ao mundo e deixar que vejam o quão justo, honesto e bom você é.
Um sorriso pequeno escapou dos lábios de Leon.
— Desde que meus pais e meu irmão morreram e Helena foi para São Paulo estudar, jamais tive vontade de viver ou fazer qualquer coisa que não fosse ficar aqui na fazenda trancado — Confessou com sinceridade — Mas você apareceu e como um sol iluminou tudo ao meu redor. Helena também foi me mostrando que essas lendas e profecias são pura bobagem... Acho que passei tempo demais enclausurado aqui sozinho e martelando inverdades.
— Tenho certeza disso — Sol o abraçou pelos ombros com certo alivio. Ao menos Leon estava mudando sua maneira de pensar por ela, mas não queria que a visse como um anjo. Seria doloroso demais quando descobrisse sua verdade — Tenho certeza que ao lado de sua irmã e sobrinha será muito feliz, Lobo.
— Não quero mais que me chame de Lobo, Sol — A pegou de surpresa com a colocação — Nunca te ouvi proferir meu nome e quero que me chame de Leon a partir de agora — Sorrindo de canto, Sol o observava bem de perto — Também quero te chamar pelo nome. Acredito que não seja realmente Sol...
Um nó se fez em sua garganta e ela se afastou dele calmamente.
— É melhor não, Lobo. É melhor continuarmos sendo Sol e Lobo um para o outro — Leon franziu o cenho com a dúvida.
— Não quero que minha futura esposa me chame de Lobo e muito menos ficar sem saber o verdadeiro nome dela.
Sol o encarou sem esconder a surpresa e praticamente estupefata.
— Esposa? — Leon mantinha-se sério frente a ela — Como assim, esposa?
— Quero que se case comigo — Ainda mais sério, retirou do bolso uma caixa pequena de veludo preto e mostrou a ela um anel de ouro brilhante — Você é a mulher que amo e se estiver disposta a ser minha esposa, prometo cuidá-la e amá-la até o final de meus dias.
Por um minuto Sol se sentiu no momento mais feliz de sua vida ao ver o homem que amava lhe fazendo tal proposta, mas sua alma sangrava pela mentira que aquilo representava. Ela era uma farsa e seu amor, uma armadilha. O Lobo em toda sua grandeza foi apanhado com sucesso. Aquele homem estava em suas mãos e deu-se conta do quanto o faria sofrer quando a verdade viesse à tona.
— Lobo... — Aproximou-se dele vagarosamente, tocando a caixinha nas mãos dele até fechá-la. Os olhos verdes de Leon a acompanharam com calma — Queria mais do que tudo dizer que aceito, mas não posso. Sinto muito — Sussurrou emocionada, deixando uma lágrima rolar na face.
— Você não me ama? — A pergunta dele foi respondida de imediato com um aceno positivo da parte dela — Tem medo, não é?
Sol o abraçou pelo pescoço e o beijou com voracidade, ignorando as palavras ou qualquer situação em que se colocasse. Leon a envolveu com a mesma paixão, devorando-a em um beijo avassalador de desesperado. Sim, ela tinha medo... Mas não era exatamente do que o Lobo pensava. Não tinha medo da profecia ou das lendas sobre o Lobo, mas do que aconteceria quando Leon e seu pai se enfrentassem.
Quando as mãos dele lhe guiaram até a cama, Mariana esqueceu completamente de seus pensamentos pesarosos e por um minuto pensou na dor que sentiu na noite anterior. Leon viu em seus olhos escuros enquanto a despia do vestido com calma.
— Não vou te machucar — Sussurrou observando-a e tocando-lhe a face — Deixe-me mostrá-la que pode ser de outra maneira.
Sol levou uma das mãos à camisa dele, abrindo os botões com tranquilidade e admirando o peito forte enquanto o despia também.
O toque do Lobo era apaixonado e mais contido do que na outra noite. Agora Sol podia sentir o cuidado transpassando o desejo e sentiu-se tão amada quanto incendiada. Os beijos de Leon a despertaram e tiraram o melhor dela.
Não houve dor, muito menos sangue.
Desta vez sentiu a alma realmente conectada a do Lobo enquanto ele a penetrava com sua rígida masculinidade e sussurrava ao seu ouvido o quanto a amava e desejava. As mãos cálidas acariciavam seus seios com ardor, os lábios firmes beijavam os seus para calar os gemidos de prazer. Abriu mais as pernas para acolhê-lo em seu interior, sentindo o prazer lhe tomar a carne. Leon a tocava como se fosse quebrar, a amava com delicadeza e cuidado... Ela o queria para sempre daquela maneira.
Agora sim Sol se sentia realmente uma mulher.
CAPÍTULO DEZESSETE
Sol apareceu na lavanderia da casa grande e observou Andreia lavando as roupas negras do Lobo. A senhora parecia cansada quando notou a moça se aproximando e parou os movimentos para observá-la.
— Já era tempo, menina! — Sol parou frente a ela recostada em uma baixa mureta de pedras — Onde passou a noite? — O olhar de Sol respondeu a ela — Com Leon? — Não escondeu a surpresa e a ruiva concordou com um aceno tímido — Isso quer dizer que...
— Nosso plano deu certo, dona Andreia — Respondeu cabisbaixa, abraçando a si mesma com angústia — O Lobo me fez mulher dele e até me pediu em casamento.
— Céus! — A senhora foi até a ruiva e a abraçou pelos ombros com alegria — Isso é maravilhoso, menina! É muito melhor do que pensamos! Eu sabia que Leon era um homem correto, mas não pensei que iria te propor casamento depois de... — Calou-se ao notar a tristeza estampada na face da moça — Como ele reagiu ao saber que você era moça pura? Porque ele se deu conta, não é?
Sol suspirou e deu as costas a ela um tanto envergonhada.
— Sim, é claro... — Suspirou enquanto dizia — O Lobo me machucou em nossa primeira noite, estava muito sedento e como eu não disse nada sobre ser minha primeira vez, pode imaginar como foi com sede ao pote... Depois ficou muito mal por isso — Baixou o rosto novamente, constrangida mesmo estando de costas para Andreia sem poder ver seu rosto confuso — Eu me senti como a pior mulher do mundo por ter causado nele um sentimento tão ruim... E pior ainda por toda a dor que senti.
— Mariana... — Sussurrou com certa pena, tocando-a no ombro.
— Depois Sarah nasceu e nós mudamos o foco, mas ontem à noite, quando me chamou em seu quarto, Leon me propôs casamento e finalmente ficamos juntos como se deve, com nossos verdadeiros sentimentos na mesa, não apenas o calor da carne.
— Isso quer dizer que não vai voltar para a fazenda de seu pai! Quando o Lobo descobrir quem você é, já será tarde para quebrar os laços entre vocês, menina...
Mariana virou-se para ela com certa raiva e contendo as lágrimas que teimavam em deslizar por seu rosto.
— Eu não aceitei a proposta, dona Andreia! Como poderia aceitar? — Praticamente gritou, mas se conteve após notar os olhares preocupados da senhora que a encarava com pena — Como vou me casar com o Lobo sem dizer meu verdadeiro nome? Como vamos providenciar os papeis sem que ele saiba que sou ninguém menos que Mariana Brancaglione? — Andreia suspirou pela verdade dita e apoiou uma das mãos nos lábios para pensar — Além disso, além de tudo ou qualquer coisa, desde que coloquei os pés aqui sou uma farsa! O Lobo me amou ontem, dona Andreia! Me amou com paixão, com carinho e com amor de verdade, amor de homem e mulher! — Lágrimas rolavam na face de Mariana e ela secou com ardor — Amou a Sol, quero dizer... E foi ela quem ele pediu em casamento, não Mariana Brancaglione!
— Mas vocês duas são a mesma pessoa e isso não pode ser mudado! — Mariana negou com fervor.
— Quem o Lobo ama é Sol e Sol é uma mentira que nós duas — Gesticulou entre elas — Inventamos! Essa menina que ele fez mulher — Apontou para si mesma — É Mariana Brancaglione e o Lobo vai me odiar quando souber que o enganei e o levei para a cama como uma maneira de atá-lo a mim!
— Você se deitou com ele por amor, Mariana, não se deixe enganar! — Andreia a pegou pelos ombros como se a trouxesse de volta a realidade — Nós inventamos um nome falso para te proteger, apenas isso! Você nunca fingiu ser uma mulher diferente do que é em seu coração e quem o Lobo ama é sim Mariana Brancaglione, queira você ou não admitir para si mesma!
— Nada mais importa, dona Andreia — Suspirou e baixou o olhar novamente — Dário vai dar com a língua nos dentes porque não vou ceder à chantagem de me deitar com ele. Ele vai contar para meu pai quem eu sou se eu não o encontrar na cabana a beira do rio amanhã...
— Mariana, querida... Dário pode contar o que for! Leon vai protegê-la...
— Ele vai me odiar, dona Andreia... — Sussurrou deitando o rosto no ombro de Andreia e chorando como uma criança — Leon Trovalim — Sussurrou o nome dele com tristeza, o nome que nunca dizia — Vai me odiar quando souber quem eu sou de fato...
Andreia a abraçou com carinho, apertando os olhos para pensar em um modo de ajuda-la. O fim da linha, no entanto, parecia cada vez mais próximo para a doce Mariana.
Atrás do muro no qual Mariana se apoiou, Flora cobriu os lábios com as mãos ao terminar de ouvir toda a conversa entre Sol e sua mãe. Estupefata, não conseguia crer que o Lobo tinha pedido Sol em casamento e muito menos que ela fosse Mariana Brancaglione, filha do homem que o Lobo mais odiava em sua vida!
Flora fechou os olhos e se recostou ao muro, aliviada por conseguir adquirir uma arma para detonar de vez sua adversária. Abriu-os novamente ao se lembrar de Sol falando sobre Dário. Aquele homem não poderia contar nada, pois se saísse dos lábios dele, talvez Juan Brancaglione não acreditasse e colocasse seu plano todo a perder. Leon poderia se compadecer de Sol caso as coisas não terminassem em um embate entre os dois e Flora precisava garantir que Sol ficasse como uma megera, não como a mocinha diante de Leon.
A morena caminhava entre as plantações enquanto lembrava as palavras de Sol... Ou melhor dizendo, Mariana. A ruiva havia sido mulher de Leon! Havia se entregado a ele! Também foi pedida em casamento! Precisava agir rápido e com frieza para eliminar de vez a adversária.
— Vocês, escutem! — Apareceu em frente à segurança armada da entrada da fazenda. Os homens se atentaram as palavras da moça, que sabiam ser da inteira confiança do Lobo e sempre passava instruções dadas pelo patrão — Dário, aquele maldito que abusou de Sol, anda circulando por essas terras. Tivemos informações de que amanhã estará na cabana próxima do rio e o Lobo deu ordens claras para que atirem para matar caso o vejam por essas terras. Entenderam?
— Sim senhorita — Responderam juntos e Flora sorriu de maneira vitoriosa.
Leon estava convicto de que havia algo por trás de Sol que desconhecia, apenas não conseguia imaginar o quão grandioso poderia ser seu segredo.
— O que você acha de Sol? — Ainda sem coragem de pegar a sobrinha no colo, Leon a observava dormindo no berço em um sono calmo e belo.
— Como assim? Acho Sol uma menina excelente! Trabalhadora, inteligente e carinhosa... — Helena, que analisava algumas roupinhas da bebê na gaveta, pontuava com alegria — Além de tudo, muito leal! Porque pergunta? Pensei que já tivesse um conceito bem formado sobre ela... — Sorriu com segundas intenções na voz e Leon a encarou.
— Sei que é uma boa mulher e tem bons sentimentos, mas esconde alguns segredos e tal fato me deixa confuso — Convicto, Leon não deixava dúvidas enquanto falava — Também diz mentiras...
— O que quer dizer? — Endireitando-se, Helena se aproximou do irmão — Porque Sol mentiria para nós? O que essa pobre garota teria a nos esconder, Leon?
— Quantas vezes já te pedi para me chamar de Lobo, Helena? — Vociferou com certa raiva e a morena revirou os olhos.
— Pare com essa bobagem, irmão! Seu nome é Leon e assim que o chamarei! Não existe essa porcaria de Lobo! — Nervosa pelas menções a Sol, Helena tocou o ombro dele — Me explica isso direito... No que a Sol mentiu para você?
Leon suspirou e se afastou dela, caminhando até a janela do quarto de modo a evitar o olhar de Helena, que analisava minunciosamente cada palavra proferida por ele.
— Me disse que era uma moça experiente e que já teve vários amantes... Mas ao me deitar com ela constatei que era uma virgem, Helena! Uma virgem que nunca conheceu os braços de um homem! — Helena não escondeu a surpresa.
— Você se deitou com ela? — Separou os lábios e tapou a boca com as mãos — Leon, que babado é esse!
— Helena, por favor... — Suspirou com a alegria na voz da irmã — Primeiro Sol relutou em estar nos meus braços, disse que não poderia me dar o que eu queria... Depois a peguei aos beijos com Ernesto e ela me jurou que foi agarrada a força. Foi quando decidiu se entregar a mim, talvez para provar algo a si mesma ou...
— Prova que também está apaixonada por você — Completou cruzando os braços frente ao corpo — Você tem certeza que ela era virgem?
— Ela sangrou... Eu... Eu a machuquei! — Leon falou baixo, quase imperceptível e Helena separou ainda mais os lábios. Nervoso, Leon passou os dedos entre os fios de seu cabelo escuro — A propus casamento, obviamente. Primeiro porque a amo e a quero como mulher e segundo porque tenho uma responsabilidade com ela, não é?
— Não Leon, isso é coisa do passado! Hoje em dia ninguém se casa virgem mais, querido, isso é ultrapassado! — Deu de ombros — Mas fico muito feliz por ter decidido se casar com ela! Sol é incrível e você merece ser feliz, irmão!
— Ela não aceitou, Helena — Respondeu antes que a moça prosseguisse. Helena não escondeu a tristeza — E não quis me contar nada sobre ela, apenas disse que mentiu sobre ser virgem para se proteger dos homens e não tenta-los mais — A morena deu de ombros, considerando a resposta viável — Não me disse seu verdadeiro nome. Não me disse de onde vem, muito menos sobre sua origem familiar... Parece sentir medo de seu passado.
Helena mordeu os lábios enquanto pensava.
— Realmente é estranho...
— Pensei que você, sendo próxima dela, soubesse algo além do que sei.
— Infelizmente não, irmão. Sol nunca me disse nada além do que você já sabe. Nunca falou sobre seu passado, sequer que tinha um nome diferente — Os irmãos Trovalim se encararam com a dúvida estampada na face — E porque você decidiu de uma hora para a outra que queria se casar? E a tal lenda?
— Não foi você mesma quem disse que é bobagem? — Leon sorriu para ela — Decidi me casar, não ter um filho. São coisas bens diferentes. Você, por exemplo, tem um filho, mas não é casada...
— Vai começar com isso de novo, irmão?
Batidas se fizeram na porta e Sol entrou quando Helena permitiu.
— Desculpem a interrupção... — Sorriu para a dupla e Leon sequer disfarçava a maneira como a moça lhe roubava a atenção — Eu trouxe a mamadeira para Sarah.
— Ah, obrigado Sol!
Não tiveram tempo de sequer conversar, uma vez que Flora apareceu desesperada na porta em busca do Lobo.
— Lobo, os homens acabaram de matar um invasor! — Todos se alarmaram com a fala de Flora e Leon se aproximou dela.
— Quem? Aonde? — Vociferou nervoso.
— Na cabana perto do rio... Parece que é Dário, aquele homem que tentou abusar de Sol quando ela chegou aqui. Ele estava rondando pelas terras — Leon desviou o olhar de Flora para Sol, que por pouco não deixou a mamadeira de Sarah cair de suas mãos tremulas com o susto.
Sol apoiou uma das mãos no peito após sentir o impacto da noticia.
Era imperdoável se alegrar com a morte de alguém, mas não podia deixar de pensar que estava salva do pai... Pelo menos por agora.
Sol não pôde conter um avassalador enjoo enquanto via o corpo de Dário sendo carregado pelos homens do Lobo, que acompanhava tudo de perto e explicava as autoridades locais sobre a invasão do homem em suas terras e os crimes que ali cometeu. Ninguém era suficiente para enfrentar o Lobo, muito menos culpa-lo de um assassinato pelo qual não sujou as mãos. Para defender seus homens, Leon disse que o corpo foi encontrado na cabana.
Tremendo, Sol retornou a seu quarto de empregada e vomitou o nojo que sentia de sua vida e a avassaladora ansiedade que tomava conta dela dia após dia. Tinha o amor do homem que amava em mãos, mas não era capaz de ser justa e sincera com ele. O medo de perder Leon era o mais puro castigo que poderia receber. Tomou um banho e retornou para o quarto com o cabelo pingando em seu pijama, um short lilás e uma blusinha combinando. Assuntou-se ao fechar a porta e encontrar Leon Trovalim, o Lobo, sentado em sua cama.
— Lobo? — Suspirou de alivio ao notar que era ele, mas ainda se manteve em alerta. Fechou a porta com cuidado — O que faz aqui?
Os olhos verdes não esconderam o interesse que mantinha por ela, passando sem pudores por suas pernas desnudas e subindo para os seios fartos e colados à blusinha. Ela trazia em mãos uma toalha e uma escova.
— Já que você foge de mim, eu venho até você — Respondeu ainda sentado com uma das pernas cruzadas elegantemente sobre a outra. Usava preto, como sempre, uma camisa social dobrada na manga e tinha os olhos claros fixos em seu rosto.
— Não fujo de você, está enganado — Aproximando-se dele, Sol lhe tocou o ombro com carinho — Apenas estou impactada com a morte daquele homem.
— Ele não vai mais te perturbar — A mão pequena de Sol foi para a bochecha dele, que fechou os olhos sob o toque quente da moça — Porque estou certo de que aquele canalha estava por aqui atrás de você. O que mais poderia querer em minhas terras? — O olhar de Mariana se desviou do dele e ela concordou — Ele chegou a te encontrar? Te disse alguma coisa?
— Não — Cada mentira que dizia a Leon era um nó que se formava em sua garganta — De qualquer modo, não me fez bem saber que estava aqui, nem mesmo que morreu...
Os olhos de Sol se encheram de lágrimas e Leon a encarou, ficando de pé frente a ela para tocar-lhe o rosto com carinho de modo a trazer seus olhos para os dele.
— Queria prometer que não deixarei ninguém tirar sua paz, Sol, mas todas as vezes que olho em seus olhos tenho a impressão de que nunca, nem por um minuto, te encontro em paz — Ela sorriu sem humor, deixando uma lágrima rolar na face. Leon tinha toda e absoluta razão — Porque, Sol? Porque você sempre está aflita, angustiada... Em alerta? Tudo isso é medo de mim?
A sinceridade de Leon a estremeceu por dentro. Mariana se colocou na ponta dos pés para beijá-lo, provando os lábios dele com calma e doçura. O Lobo a envolveu pela cintura com paixão, deslizando as mãos grandes em suas costas, descendo por seu quadril com ardor... Em tão pouco contato Sol pôde sentir a maneira avassaladora como ele a queria. A ereção masculina pulsava contra seu ventre.
— Não tenho medo de você Lobo! Repito novamente e quantas vezes forem necessárias! — Garantiu próxima dos lábios dele, beijando-o entre as palavras — Não tenho motivos para temer o homem mais incrível que já conheci... — O sorriso singelo de Leon a fez sorrir de volta — O único medo que tenho... — Pousou um dos dedos nos lábios dele, colando suas testas — É não vê-lo nunca mais.
— Enquanto eu viver estarei ao seu lado, meu amor — Leon pegou em sua mão e levou-a aos lábios, beijando-lhe os dedos — Enquanto eu viver ninguém vai nos separar.
Sol queria acreditar em tais palavras, mas se contentou com o momento e a paixão louca que encontrava nos braços de Leon. Não se importou com nada, apenas em retribuir seus beijos e descer as mãos por seu largo peitoral em busca dos botões da camisa. Não se cabia em si para senti-lo contra ela novamente e era somente nisso que pensava.
— Penso em você todo o tempo, Lobo — Sussurrou enquanto suas mãos tiravam a camisa preta pelos ombros largos e as mãos dele levantavam sua blusinha, exibindo seus seios — Não acredito em suas lendas, mas estou quase certa de que me enfeitiçou.
— Enfeiticei? — Leon a abraçou novamente, levando-a até a cama enquanto seus lábios lhe devoravam o pescoço — A única magia que existe entre nós é o amor entre um homem e uma mulher, Sol. A magia mais antiga do mundo.
O Lobo a deitou na cama colocando-se sobre ela, tirando a calça enquanto Sol se desfazia do resto de suas roupas. Juntos novamente, Sol levou umas das mãos até a face dele com carinho e Leon a encarou de volta com o mais puro amor estampado nos olhos claros.
— Jura que não me enfeitiçou? — Sua respiração ofegava enquanto os lábios de Leon desciam por seu colo, pousando sem seus seios, que se rendiam aos lábios experientes.
— Não, mas posso sei fazer uns truques que podem te surpreender... — Sol riu rapidamente, mas os gemidos tomaram conta do quarto em poucos segundos.
Queria guardar cada segundo em sua memória e sempre recordar cada momento em que foi mulher de Leon Trovalim e conheceu em seus braços o amor carnal capaz de enlouquecer uma mulher e a paixão avassaladora que dominava seu coração.
Sentiu o momento em que Leon puxou uma de suas pernas com cuidado e deslizou cada centímetro de sua masculinidade rígida para dentro de sua intimidade molhada. Aquele contato a fez estremecer de dentro para fora, levando-a a abrir mais as pernas para acolhê-lo o máximo possível.
O abraçou com ardor, gemendo em seu ouvido o quanto o amava e desejava, deixando claro que agora o que sentia nos braços do Lobo era o mais puro e intenso prazer. Perdeu as contas de quantas vezes foi dele naquele pequeno quarto, deslizando os dedos pelas costas fortes e beijando cada traço de seu belo rosto.
Leon Trovalim, o Lobo, estava marcado nela mesmo que houvesse um mundo que os separasse.
CAPÍTULO DEZOITO
Leon saiu tão cedo que Sol sequer notou quando o mesmo deixou a cama.
Na noite anterior, depois que fizeram amor, o Lobo mencionou algo sobre um rodeio na cidade e a convidou para acompanha-lo. Sabendo que muita gente da fazenda do pai estaria lá, Mariana não teve outra alternativa, a não ser recusar, alegando que preferia ficar em casa para ajudar Helena com Sarah.
Foi o que fez durante todo o dia, mesmo estando com o coração angustiado pela saída de Leon da fazenda de Ouro.
— Não gosto quando Leon se mete em rodeio — Helena comentou passeando pelo jardim com Sol, que carregava em seus braços a pequena Sarah, que tomava o banho de sol do final de tarde — Esse tipo de prática é... Desprezível! — Inquieta, Helena não disfarçava o nervosismo — Mas fico ainda mais nervosa por saber que Juan Brancaglione estará lá. Tenho medo que meu irmão faça uma besteira.
Sol levou os olhos para o rosto de Helena sem esconder a apreensão.
— Acha que podem se estranhar ou...
— Se matar! — Helena retificou — Tenho medo que Gabriel esteja lá e fale algo sobre nós dois com Leon... Ele sabe quem eu sou, mas não sabe da neném. Se Leon souber de algo sobre meu relacionamento com Gabriel, certamente vai juntar seis com meia dúzia.
— Helena, me perdoe, mas a paternidade de Sarah é uma coisa que você não vai poder esconder para sempre... Uma hora ou outra a verdade vai aparecer.
Ainda mais apreensiva, Helena suspirou enquanto se abanava com o leque.
— Espero realmente que nunca apareça, Sol. Não quero meu irmão morto, muito menos condenado a prisão por assassinato! É o que vai acontecer se Leon descobrir que tive uma filha com o sangue das pessoas que ele mais odeia na vida — Sol engoliu em seco, olhando para a pequena Sarah quase adormecida em seus braços.
— Porque seu irmão odeia tanto o meu... — Retificou-se antes de falar de mais — O senhor Juan Brancaglione?
— Porque esse maldito era obcecado pela minha mãe e por culpa dele ela morreu — Os olhos escuros de Helena encaravam o horizonte e seu rosto não trazia expressão — Esse homem sim foi à verdadeira desgraça da família Trovalim, não aquela bendita bruxa...
— Juan matou sua mãe? — A voz de Sol sequer saiu. A constatação era terrível!
— Não sei como aconteceu porque era muito pequena... Mas ele a sequestrou no final da gestação e a devolveu morta com meu irmãozinho nascido e morto também — Sol não podia conter o impacto da noticia — Nunca aceitou tê-la perdido para o meu pai e fez da vida dos dois um inferno durante muito tempo até decidir roubá-la... Levou-a como se minha mãe fosse uma propriedade, pode acreditar?
Sim, ela podia!
Era exatamente assim que seu pai tratava todas as mulheres, até mesmo a única filha mulher, como uma propriedade!
— Agora consigo compreender um pouco melhor o ódio de Leon por esse... — Suspirou — Esse senhor!
Secou uma lágrima que rolou em sua bochecha sem que Helena notasse. A história não a surpreendia. Sabia que seu pai tinha algo a ver com Leona Trovalim, apenas não sabia os detalhes.
Tudo aconteceu tão rápido que Sol e Helena sequer tiveram tempo de pensar.
Uma aglomeração se fez e muitos homens entraram pela porta da fazenda de ouro carregando alguns feridos, todos vindos do rodeio. Helena, que não carregava a bebê, correu em direção a eles e Sol ficou para trás com a pequena no colo.
— O que aconteceu? — Questionou vendo vários feridos e entre eles, Leon — Irmão! Meu Deus!
— Calma Helena, calma! — Leon dizia nervoso, mancando de uma perna e com uma grande mancha de sangue na camisa branca.
— Calma? Calma? — Ela lhe deu um tapa no ombro, analisando-o mais de perto — Você está ferido! — Amparando-o, Helena o acompanhava com a ajuda de Ernesto — O que foi que aconteceu?
— Seu irmão e Don Juan Brancaglione se enfrentaram... O tiro comeu solto, dona Helena — Ernesto comentou assim que entraram na casa grande, deixando para trás os demais que se ajeitavam.
— Como assim tiros? — Sol apareceu com a bebê nos braços, desesperada ao ver Leon em tal estado.
— Sol, fique com Sarah, por favor! Flora, ligue para um médico! — Helena subiu as escadas com Leon e Ernesto. Rapidamente Andreia se juntou a eles, disparando escada acima para ajudar o patrão.
Flora conversava com o hospital solicitando um médico por telefone quando Otávio passou pela porta. Tinha a camisa manchada de sangue e um dos braços preso a uma tala improvisada.
— Senhor Otávio, o que foi que houve? — Mariana correu até ele totalmente nervosa e preocupada — O que aconteceu com o Lobo?
— Não se preocupe, menina, o Lobo está fora de perigo — Respondeu cansado e Sol notou a maneira como ofegava e parecia sem forças — Juan Brancaglione e ele se encontraram no rodeio e houve provocação. Vocês conhecem o Lobo, ele não leva desaforo para casa... — Flora desligou o telefone e prestou atenção na conversa.
— O médico está vindo para cá. O Lobo está muito machucado? — Flora sussurrou amedrontada.
— Levou um tiro de raspão no abdômen, que por sorte não o atingiu, apenas ralou — Sol e Flora suspiraram de alivio — E está mancando, mas por certo pela briga. Nenhum tiro o atingiu, graças a Deus.
— E os outros? — Sol não conseguiu se conter e teve de perguntar — Juan Brancaglione...
— Não foi atingido, mas saiu desacordado pela surra que levou do Lobo — Flora comemorou e Sol suspirou, assustada com a notícia — Se não fossem os homens de Juan terem começado os tiros, certamente o Lobo o teria matado naquele momento.
— O Lobo esperou muitos anos para ter aquele velho maldito em suas mãos — Flora comentou com uma risadinha — Deveria tê-lo matado!
Sol lançou um olhar por cima do ombro e encarou o rosto da morena, que sequer lhe deu importância.
— Ninguém aqui quer que o Lobo se torne de fato um assassino — Sol respondeu nervosa e sem conter as emoções.
Era sua família e o homem que amava se enfrentando. Aquilo a impactava de maneira avassaladora! O que teria acontecido se um deles houvesse morrido?
— Tem razão, menina. Alguns homens morreram no tiroteio e foi uma grande sorte o Lobo, eu e Ernesto termos saído ilesos da confusão. Sem ferimentos mortais ou sangue nas mãos — Otávio encarou Flora com reprovação pelo comentário anterior.
— Sol... — Ernesto e Andreia apareceram na escada. O rapaz passou por ela e lhe ofereceu apenas um cumprimento de cabeça — O Lobo está te chamando — Andreia já esticava as mãos para pegar a pequena Sarah do colo da ruiva.
— A mim? — Andreia concordou.
— Sim, menina! Suba! — Apontou para cima com o coração nas mãos.
Subiu as escadas com as pernas trêmulas, temendo encontrar Leon sabendo de tudo a seu respeito. O que será que o pai havia dito a ele quando se encontraram? Teria Dário dito algo antes de morrer assassinado?
Empurrou a porta e viu Helena retirando a camisa suja do irmão com certa dificuldade, limpando com um pano úmido a ferida na lateral de sua barriga.
— Ai Helena! — Leon reclamou e a moça lhe mostrou a língua.
— Olha o seu tamanho para ficar reclamando de uma mísera apertadinha! — Continuava limpando — Se não tivesse ido naquela porcaria de rodeio e se metido a valentão com aquele homem, nada disso estaria acontecendo! Depois sou eu a maluca inconsequente, não é? Não é Leon Trovalim?
Leon não respondia, uma vez que estava encarando Sol que se aproximava com lágrimas nos olhos e abalada.
— Lobo... — Sussurrou parando perto dele e colocando uma das mãos em sua testa. Leon finalmente relaxou ao vê-la, fechando os olhos contra sua mão — Como você está? Está doendo muito?
— Ah, pronto! — Helena suspirou e os encarou — Melhor deixá-los a sós — Passou o pano para a mão de Sol, que agarrou em seguida — Agora que sei que não vai morrer, fico mais tranquila e Sol certamente vai ter mais jeitinho para te tratar — Piscou para a ruiva, que sorriu para ela.
— Obrigado irmã — Leon disse a Helena antes que saísse e ela sorriu para ele — Eu te amo.
Helena e Sol o encararam com surpresa. Os olhos escuros de Helena se tornaram doces ao sorrir.
— Também te amo Nono... — Ele sorriu para ela em meio as dores que sentia na pele.
Helena saiu os deixando sozinhos.
— Nono? — Sol perguntou a ele, que a encarou recostando a cabeça na cama. Ela passou a limpar a ferida em sua barriga com cuidado.
— Era meu apelido quando menino. Helena sempre me chamava assim — Respondeu tranquilo.
— Nunca pensei que ouviria o Lobo dizendo que ama alguém tão facilmente — Lançou um olhar curto para ele enquanto movia o pano com as mãos cálidas.
— Quando vemos a morte de frente nos damos conta do quão passageira é essa vida... Ali, sentindo um tiro passar por mim e sem saber que havia sido de raspão, me dei conta que nunca disse em voz alta a minha irmã que a amo realmente — Sol se ergueu para encará-lo, aproximando-se a ponto de lhe tocar os ombros fortes — E a você também, Sol. Te amo desde que te vi... — Confessou sem pudores. Os olhos verdes brilhavam com a paixão contida nas palavras — Você, Helena e Sarah são tudo o que tenho e mais prezo. Meus verdadeiros amores.
Sol o beijou com carinho, transbordando amor enquanto sentia os lábios na boca de Leon Trovalim.
Ele mal sabia que em sua inocência amava duas pessoas com o sangue de Juan Brancaglione.
O médico chegou à fazenda e examinou Leon, prescrevendo as medicações necessárias para que não houvesse uma infecção. Também instruiu Sol como cuidar de sua ferida até cicatrizar totalmente. Dar um banho nele foi o próximo passo e a própria Sol cuidou do assunto. Dentro da banheira, Leon tinha o pensamento longínquo enquanto Sol lhe enxaguava o cabelo escuro.
— O que aquele homem disse para que começassem uma briga? — Questionou como se apenas quisesse puxar assunto.
— Falou de minha mãe — Respondeu secamente, ainda com o olhar longe — Não sei se você sabe, Sol, mas Juan sempre foi apaixonado por minha mãe, mas ela escolheu o meu pai. Ele nunca se confortou em perdê-la e mesmo casado ainda corria atrás dela. Dizem que a infeliz mulher que se casou com ele morreu de desgosto pelas tantas canalhadas daquele desgraçado...
— Essa história sim eu conheço — Respondeu a contragosto, sentindo lágrimas nos olhos — Mas não sabia dele com sua mãe.
— Minha mãe fugia dele em silêncio, tentando não causar um problema grande para meu pai, que seria capaz de matar o infeliz caso soubesse de tudo tão claramente. Meu pai pensava que Juan nem se aproximava de nossa fazenda — Explicava com a voz dura — Quando mamãe engravidou do terceiro filho, já para o final da gestação e com toda aquela história do Lobo se espalhando, Juan a sequestrou com medo de que ela morresse realmente pela tal lenda.
— E como... — A pergunta morreu nos lábios de Sol.
— Ela entrou em trabalho de parto nas mãos do desgraçado... O maldito não teve a coragem de trazê-la de volta ou sequer levá-la a um hospital. Deixou que agonizasse até terminar de parir sozinha e o meu irmão nasceu morto por ser ainda prematuro. Ela também não resistiu e sangrou até morrer nas mãos dele.
— Então ele a roubou por amor?
— Amor, Sol? — Leon buscou o olhar dela atrás de si — Se ele a amasse teria deixado que fosse feliz com sua família, seu marido e seus filhos! Se a amassa iria querer a verdadeira felicidade dela e jamais a teria roubado!
— Tem razão — Sussurrou baixando o rosto — Jamais deveria ter feito isso, muito menos tendo esposa e filhos em sua própria casa.
Ele também tinha matado sua mãe com aquela obsessão por Leona Trovalim.
— Até hoje trago comigo a lembrança de minha mãe morta com o bebê ao lado e Helena correndo embaixo do caixão sem entender nada... Meu pai chorando derrotado sobre o corpo da mulher que tanto amou e sempre fez todos os gostos — Sol nunca viu o Lobo chorar, tão pouco via, mas havia lágrimas nos olhos verdes — Ele perdeu a vontade de viver naquele dia e minha família acabou ali, Sol. Por causa de Juan Brancaglione a alegria que reinava na fazenda de Ouro se esvaiu e tudo virou sombras...
— Também me lembro da minha mãe da mesma maneira — Mariana sussurrou comovida, talvez pensando alto — No caixão, envolta por flores... O rosto triste e cansado de tanto sofrer — Leon se voltou para ela completamente e notou que falou demais.
— Você era muito pequena? — Questionou curioso.
— Doze anos — Respondeu com um sorriso fraco — Não quero falar mais disso, Lobo — Naquela noite, enquanto o cobria com uma das cobertas após fechar o machucado com o curativo, Sol sentiu a mão dele se entrelaçando na sua e a puxando para a cama — Mas você está doente...
— A dor já passou e não existe nada... Nada... — Reafirmou enquanto a puxava para perto dele, em seu colo sobre a cama — Capaz de me fazer desistir de tê-la em meus braços. Nada!
Sol sorriu, deixando-se beija pela boca ávida e sempre pronta para prová-la.
Mesmo enfermo, o Lobo se mostrou apaixonado, apenas um pouco mais contido e sem movimentar-se tanto. Coube a ela ficar sobre ele, retirando o vestido e montando em seu colo com as pernas ao lado do quadril masculino. As mãos de Leon se encheram com os seios rosados e fartos, os lábios os circundaram ao mesmo passo em que as mãos desciam por suas costas e seguiam em seu quadril.
Sentia a masculinidade firme em seu ventre, buscando o calor de sua intimidade para se acomodar. Afundou os dedos no cabelo de Leon enquanto ele sugava seus seios, mordiscando-os e gemendo em sua pele macia. Moveu-se vagarosamente para unir-se a ele, sentindo cada centímetro do corpo dele — forte e firme — preenchendo o calor macio de sua intimidade.
Abria-se para recebê-lo enquanto gemia com loucura, segurando nos ombros para movimentar o quadril devagar. Nunca tinha sido daquela maneira e ela gostava mais a cada segundo que o sentia entrar e sair...
— Você é minha, Sol — Sussurrava ao ouvido dela — É minha desde quando te vi pela primeira vez.
— Sou sua, Lobo. Mesmo que o mundo nos separe.
Naquela noite, diferente das outras vezes em que Leon ditava o ritmo e controlava muito bem o momento em que se retirava de dentro dela antes de derramar seu sêmen, ambos se deixaram levar e Sol sentiu pela primeira vez o liquido quente escorrendo dentro dela após o momento dele.
Leon se retirou dela assustado, notando a maneira como Sol levou a mão entre as pernas para sentir a umidade que havia ali.
— Você sabe o que isso significa? — Leon questionou ofegante, ainda sem conseguir mover o corpo pelo prazer arrebatador.
— Claro que sei... Não sou tão boba quanto pensa — Sol puxou o lençol para perto de si.
— Não se preocupe. É preciso muito mais do que uma vez para uma mulher engravidar.
Sol não estava tão certa, tão pouco o próprio Leon, mas era no que preferiam acreditar.
CAPÍTULO DEZENOVE
Flora já estava farta de ver seu homem nos braços de outra, por isso teve de tomar uma importante decisão.
— Aonde vai menina? — Andreia perguntou ao vê-la caminhando em direção a saída da fazenda com Ernesto.
Voltando-se para a mãe, Flora sorriu inocentemente.
— Vou até a cidade fazer umas compras e Ernesto vai me acompanhar — Apontou para o moço com inocência e o rapaz retirou o chapéu em sinal de respeito — A senhora quer alguma coisa?
— Não, tudo bem — Desconfiada, Andreia olhava de um para o outro — Cuide dela, Ernesto.
— Sim senhora — Saíram juntos em uma das caminhonetes utilizadas pelo capataz, que dirigia também sem saber o que Flora pretendia — Para onde vamos, maluca? Espero que esse seu plano funcione e ninguém descubra que estamos mentindo para sair.
— Você quer ou não quer tirar a Sol dos braços do Lobo? — Flora insistiu e o rapaz concordou.
— Tenho medo de que ele a machuque... Não quero que Sol morra como na lenda.
— Pois então dirija e não pergunte! Vamos para a fazenda dos Brancaglione!
Ernesto obviamente se contrapôs a levar Flora a tal destino, mas a moça sabia bem manipulá-lo.
Esperou apenas que Leon ficasse bom e em pé novamente para partir para a parte do plano onde arruinaria de vez sua adversária. Ela mesma diria a Juan Brancaglione onde estava sua querida filha!
— Quem é você? Me disseram que sabe de minha filha... — Juan apareceu frente a ela na sala de estar. Ernesto esperava lá fora, ao lado da caminhonete, enquanto Flora falava com o pai de Sol.
— Sim senhor, eu sei — Respondeu sorrindo — Mas para que eu conte, terá de prometer que não envolverá meu nome em toda a história.
— Pois bem... — Juan a olhou dos pés a cabeça, interessado na informação que uma moça tão jovem poderia trazer — Onde está Mariana?
— Mariana... — Repetiu o nome em tom de deboche — Ela não usa mais esse nome, senhor. É por isso que talvez não a encontre tão facilmente — Juan estreitou o olhar — Venho da fazenda de Ouro e sei que o senhor conhece muito bem minha mãe, Andreia. Ela foi governanta de sua falecida esposa.
— Andreia? — Juan não disfarçou o interesse — Claro que conheço aquela infeliz e... — Calou-se ao notar a expressão enraivecida de Flora — O que Andreia tem a ver com isso?
— Eu e minha mãe somos empregadas do Lobo e a sua filha Mariana, que por lá diz se chamar Sol, também está lá conosco.
Um grande silêncio se instalou entre eles e Juan a encarava um tanto impactado, sem acreditar realmente.
— Está me dizendo que Mariana está na fazenda daquele maldito, é isso?
— Sim... — Assentiu positivamente — Ela fugiu para lá e minha mãe fez com que o Lobo a abrigasse — Juan passou as mãos entre os fios de cabelo branco com impaciência, tomado pela raiva — Mudou o nome para Sol e hoje é a protegida do Lobo, a menina dos olhos dele...
— Tem certeza do que está falando? — Vociferou.
— Absoluta! E se o senhor não quiser ter seu sangue misturado ao do Lobo, é bom ir agora mesmo buscar sua filha e trazê-la de volta.
— Não posso acreditar que Mariana tenha feito isso... — Flora retirou da bolsa que carregava uma pulseira pequena e dourada.
— Imaginei que não acreditasse, por isso trouxe isso — Estendeu a joia para ele, que pegou rapidamente — É dela não é? Retirei hoje das coisas de sua filha como uma prova de que ela realmente está lá.
Juan analisou a joia e não teve dúvidas. Apertou-a em sua mão com ódio, tendo a certeza de que aquela pulseira pertencia a Mariana. Ele mesmo deu a ela.
— Não sei por que, mas sempre tenho a impressão de que Sol está se despedindo.
Helena comentou com Leon em certa manhã enquanto retornavam de uma consulta médica de rotina com a pequena Sarah, já com dois meses. A morena carregava a filha nos braços e Leon a bolsa da garotinha. Ambos desceram da caminhonete prateada do Lobo e caminharam até a entrada da fazenda.
— Ela não gosta de ir à cidade também. Já reparou que sempre inventa uma desculpa para não sair daqui? — Leon disse a Helena com os oculos escuros postos no rosto, sobre os olhos verdes.
Sempre que saia em público o Lobo usava preto e óculos escuros. Daquela maneira, evitava olhares e chamar ainda mais a atenção. Helena brincava com a maneira como as mulheres pareciam interessadas na figura alta e forte do irmão, que em nada parecia assustador aos olhos delas.
— O que ela inventou hoje? — Subiram as escadas da área central.
— Que tinha que ajudar dona Andreia com os afazeres porque estava sobrecarregada e não nega nada a ela — Helena revirou os olhos com a desculpa esfarrapada.
Sol sequer era cobrada para fazer algo por ali. Era como a esposa do patrão e babá oficial da pequena Sarah, uma vez que não desgrudava da pequena um só instante. Após dois meses do nascimento da menina, Leon nunca havia tomado coragem de pegar a sobrinha nos braços. Era como se não confiasse em si mesmo para depositar amor em uma coisa tão pequena e frágil... Sentia-se indigno de amar algo tão puro e bom, como aconteceu com Sol. No final acabou machucando-a.
Um mês se passou desde que sofreu com a bala de raspão e os ferimentos da briga. Ficou de cama por alguns dias até a ferida cicatrizar totalmente e o antibiótico acabar, depois pôde retomar as atividades normais da fazenda. Sabia que Juan Brancaglione ficou hospitalizado após a surra que levou de seus punhos, mas o infeliz se curou e retornou ao lar. Homens morreram no tiroteio, o que trouxe baixas para ambas as fazendas, mas Leon estava pronto para outra e disposto a seguir em frente com seu plano de vingança.
Helena e Sol não concordavam e jamais lhe apoiariam em tal decisão, mas ainda tinha na mente ideias para se vingar de Brancaglione.
Sol não aceitou seu anel de noivado, mas aceitava de bom grado seus beijos e carícias. A ruiva sequer cogitava fugir de seus braços e se entreva ao amor de ambos todas as noites, passando em seu quarto momentos incríveis de paixão e prazer. Leon se sentia um infortúnio por não conseguir convencê-la a se casar formalmente, mas deixava claro a quem quisesse ouvir que Sol era sua mulher.
Nenhum homem jamais foi capaz de se aproximar dela novamente.
Todas as mulheres passaram a admirá-la ou temer por sua vida. Flora era a única que ainda não escondia a raiva que sentia da protegida do Lobo.
A moça continuava misteriosa e garantindo a Leon que Sol escondia um segredo que muito em breve seria relevado. O Lobo não sabia se era apenas birra feminina pela atenção dele ou de fato uma verdade. O segredo de Sol era um fato, mas Leon não insistia. Talvez no fundo de seu coração soubesse que a verdade poderia ser desastrosa e queria a todo custo evitá-la.
O Lobo desconhecia o medo, mas ao lado de Sol o conhecia. Perdê-la seria como apagar o sol de sua vida, a luz que chegou para novamente iluminar seus caminhos.
— Don Leon! — Flora entrou aflita e aos gritos na sala da casa grande. Leon mexia no controle da televisão enquanto Helena brincava com a pequena Sarah ao seu lado no sofá bege — Lobo!
Leon se colocou de pé ao ouvir os gritos da menina e Andreia apareceu atrás dele, vindo da cozinha. Ernesto apareceu atrás de Flora.
— O que foi garota? Porque esses gritos? — Helena perguntou quando Sarah de assustou e começou a chorar. Trouxe a menina para o colo.
— Tem uma caravana de gente vindo pelo caminho até a entrada da fazenda, Lobo — Flora anunciou nervosa e aflita, desempenhando um papel de desesperada quase perfeito — Alguns estão rezando e outros gritando maldições para o Lobo!
Leon olhou por cima do ombro para Andreia, que não compreendia as palavras da filha.
— Quem são essas pessoas menina? — Andreia se aproximou de Flora.
— Elas são guiadas por Don Juan Brancaglione — Ernesto disse atropelando Flora, que o encarou com fúria — Dizem que o Lobo roubou a filha dele.
O queixo de Helena caiu diante das palavras, encarando Leon com confusão. O próprio Lobo não compreendia nada, porém Andreia não disfarçou o impacto da noticia ao cobrir a boca com as mãos e desfalecer caída no sofá.
— Mãe! — Flora correu para ajudar à senhora e Leon, enfurecido, rumou em direção à varanda.
— Irmão, que absurdo é esse? — Helena apareceu atrás deles e ambos viram a multidão de pessoas que se juntava em frente à fazenda de Ouro, todos barrados pela segurança pesada e armada. Alguns homens de Juan Brancaglione também carregavam armas, mas não eram suficientes para brigarem com a artilharia pesada da fazenda de Ouro — De onde esse louco tirou que você roubou a filha dele?
Helena segurava Sarah nos braços e naquele momento, através dos bons metros que os separavam, o olhar da moça se juntou ao de Gabriel Brancaglione. O mesmo, parado ao lado do pai, deixou os braços caírem ao lado do corpo ao notarem a pequena criança nos braços dela, uma menina ruiva!
— É minha filha... — Sussurrou encarando-a fixamente — Helena estava grávida sim!
— O que disse garoto? — Juan perguntou a Gabriel.
— Nada pai — Baixou o rosto em total nervosismo.
O Lobo era enorme, forte e musculoso como um muro. Temível à distância, que dirá de perto! Não podia simplesmente entrar na fazenda do cara e exigir uma paternidade desta maneira. Helena sabia muito bem onde foi se proteger. Como Sol, refugiou-se com o Lobo. O único lugar onde um Brancaglione não pisava.
— Seu maldito! Vim buscar minha filha e exijo que devolva minha Mariana! — Juan Brancaglione gritou em um alto-falante para despertar a atenção de Leon.
Sem medo, Leon desceu as escadarias e rumou até a multidão. Muitos homens o acompanharam em uma escolta até que se aproximasse o mais seguro possível de Juan, para o menos poder escutá-lo.
— De que diabos fala, desgraçado? — Todos se calaram para ouvir o Lobo — Jamais sequestrei filha de ninguém!
— Minha Mariana está em seu poder e exijo que a devolva! — Juan gritou novamente no aparelho, fazendo todos ao redor aplaudirem — Nós temos uma briga, mas minha jovem filha não tem culpa de meus pecados e não deve ser punida nas mãos de um animal!
Flora apareceu ao lado de Leon e se interpôs.
— Ele está falando de Sol, Lobo — Disse a Leon sem que os demais ouvissem — Olhe para eles, todos ruivos... Será que somente você não vê?
Olhando para Flora, a ficha de Leon começou a cair lentamente.
"Nas mãos de meu pai meu destino seria bem pior".
"Também vi minha mãe morta da mesma maneira".
"Se quiser ter um futuro comigo terá de esquecer o meu passado!"
— Pai? Gabriel? Tiago? — O rosto de Leon se voltou para a moça que vinha correndo atrás dele, molhada pela cachoeira.
Sol vinha de lá. Sabia que era seu lugar favorito. Trazia em mãos uma toalha e usava um vestido branco sobre o biquíni rosa. Tinha o cabelo molhado e o olhar assustado, quase destruído. Talvez não tão destruído quanto o olhar do Lobo, que sequer podia crer no que estava ouvindo.
Sabia que ela tinha um segredo, mas não imaginava que fosse um ultraje... Uma traição!
— Mariana! — Juan gritou animado e a multidão atrás dele se alvoroçou. A única coisa que separava Juan e Leon era o cerco da segurança da fazenda de Ouro entre ambos — Filha! Seu pai e seus irmãos vieram te salvar, minha menina!
— Mariana? — Leon encarou Sol com raiva, certo desdém. Mordeu os lábios pela raiva que o dominou, impulsionado pela situação — É esse o nome e Sol foi o que usou para me enganar?
— Leon, por favor... — Ele fez um sinal para que ela se calasse e Mariana o fez. Era a primeira vez que o chamava pelo nome frente a ele.
— Leon não... Para você e essa corja toda de traidores — Apontou para a multidão — Eu sou o Lobo! — O peito de Mariana apertou com as palavras carregadas de ódio de Leon e deu alguns passos para trás. Aquele sim era o temível Lobo. O homem se voltou para a multidão e gritou em plenos pulmões — Quer sua filha, maldito? Leve-a! Sou eu quem não deseja ver essa mulher nunca mais em minha vida!
Leon deu as costas a eles e Flora sorriu vitoriosa para Sol, que chorava em silêncio.
— Eu disse para não contar vantagem antes do fim, enferrujada!
Ao passo em que Leon voltava para a casa grande cuspindo fogo, Mariana encarava a multidão comemorando sua "liberdade". O pai havia convencido a todos de que ela havia sido raptada pelo Lobo!
— Escutem todos! — Mariana pegou o alto-falante da mão do pai ao se aproximar dele e voltou novamente para o lado da fazenda de Ouro. A multidão se atentou a ela — Sou Mariana Brancaglione e não estou aqui sendo prisioneira do Lobo! Cheguei até a fazenda de Ouro por minha própria vontade, fugindo de um verdadeiro pai tirano e uma família realmente amaldiçoada! — O olhar de Juan era incrédulo diante das palavras — Meu pai sim é um homem ruim... Um corrupto e que trata as mulheres como objetos! Graças a ele minha mãe morreu e graças a ele também meu destino era me casar por dinheiro com um homem que tenho repulsa! — As pessoas cochichavam entre si — O senhor meu pai rouba de seus colonos e pesa a mão em tudo para arrancar dinheiro de vocês! Ele trata os filhos como escravos e a filha como um objeto de troca! — Disse ainda mais alto — Enquanto isso, Leon Trovalim, o Lobo, que é conhecido como um animal, é um homem gentil, honesto e carinhoso... Um homem que trata os seus com cordialidade e lealdade. Aqui na fazenda de Ouro existem empregados, mas não fome, miséria e escravidão. O "animal", segundo a língua suja de todos vocês, é muito melhor do que o senhor que veneram!
— Mariana! — Juan gritou nervoso, quase quebrando a cerca da fazenda, sendo contido pelos homens do Lobo — Largue já essa porcaria e venha com seu pai para sua casa, menina ingrata e mentirosa!
— Ela não está mentindo, pai — Gabriel sussurrou baixinho, ganhando um olhar repreensivo do pai.
— Não vou! Jamais! — Gritou a ele nervosa — Eu não sou uma prisioneira e jamais vou voltar com você para aquela vida infeliz! Todos vocês... Podem ir embora! Não há nada que fazer aqui!
Mariana arremessou o alto-falante no chão e encarou Gabriel firmemente. O irmão fez um gesto, como se chacoalhasse uma criança, e Sol apenas concordou com um aceno, confirmando assim que a pequena Sarah era realmente filha dele.
Deu as costas à multidão quando Juan foi obrigado a fugir diante da represália de seus colonos. As palavras de Mariana colocaram fim a uma situação de submissão a muito arrastada. Definitivamente Juan estava em maus lençóis com seus empregados e as pessoas da cidade que acompanharam a multidão. Nem Tiago e muito menos Gabriel desmentiram a irmã, ficando em silêncio diante das palavras dela.
Correndo, Mariana retornou a casa grande com o coração na boca. Helena estava na sala com Sarah nos braços e se deteve quando a viu. Encontrou choque e desolação no olhar da morena.
— Porque você não me contou? — Helena dizia tremendo — Porque não me disse no dia em que te confessei minha verdade?
— Tive medo que você me desprezasse... — Sussurrou com uma lágrima caindo no rosto — Helena, eu amo vocês... Todos vocês...
Helena suspirou pesadamente, sem coragem de contra argumentar.
— O meu irmão... — Helena tentava conter as lágrimas. Sabia que Sol já estava morta para o Lobo — Está no escritório.
— Me perde, Helena — Foi o que disse antes de rumar até Leon.
Esperava que ao menos o Lobo a escutasse antes de mandá-la de volta para sua sina.
CAPÍTULO VINTE
Leon ouviu quando Sol bateu na porta do escritório e suplicou para que conversassem, mas foi incapaz de encará-la naquele momento.
A única coisa que se passava em sua cabeça era a imagem da mãe morta, o pai destruído e Helena indo embora. Via-se sozinho em meio à dor, jurando vingança ao homem que destruiu sua família. O mesmo homem era pai da mulher que amava, a única capaz de tirá-lo das sombras que as tragédias criaram a seu redor.
Mas ela era uma farsa!
A mulher que idolatrava, o sol de sua vida... Era uma mentirosa!
Lágrimas escorriam no rosto apático de Leon Trovalim enquanto abria a segunda garrafa de bebida alcoólica, enchendo o copo até a borda para virar quase metade nos lábios. O ardor queimava sua garganta e lhe arranhava a alma. A sensação aplacava a tristeza, mas era como enfiar cada vez mais fundo o punhal em seu coração. Jamais se sentiu tão decepcionado... Desolado... Sozinho.
Amava Sol com toda loucura que existia dentro de si e agora descobria que a menina que chegou a sua fazenda dizendo-se desamparada e solitária era ninguém menos que uma Brancaglione. Não se chamava Sol, como o fez pensar, mas sim Mariana... E em suas veias corria o maldito sangue Brancaglione!
— Mariana... — Sussurrou o nome com dor, sem conseguir evitar chorar um pouco mais. Não se lembrava de chorar daquela maneira desde que viu a mãe morta — Traidora!
Já era noite, horas depois de tudo, quando alguém ousou procurá-lo.
— Leon... — A voz era de Andreia, por isso o Lobo se ergueu da cadeira com dificuldade e caminhou até lá. Precisava encará-la — Abra! Precisamos conversar! — Antes que ela terminasse de falar, Leon destravou a porta.
— Já disse para não me chamar assim, mulher — Rosnou quase como um animal, dando passagem à senhora. Andreia entrou sem medo — O que veio me dizer? Veio zelar pela sua protegida? Ou vai mentir em minha cara e dizer que não sabia que aquela garota era filha daquele maldito? Você conhece a todos eles como a palma de sua mão, Andreia!
Leon vociferou e ela teve a impressão de que as paredes tremiam com a fúria do Lobo.
— Sim, eu sabia quem ela era — Andreia respondeu astuta e Leon se mostrou indignado — A ideia de mantê-la aqui foi minha. Não te contar nada também. Eu sabia que se dissesse você não pensaria duas vezes antes de...
— Enxotá-la daqui a pontapés! — Leon bateu na mesa com ainda mais raiva — É claro que o faria! Ela tem o sangue do homem que acabou com a vida de minha mãe e destruiu meu pai! — Andreia baixou o olhar — E mesmo assim, bendita seja você — Ironizou — Permitiu que ela ficasse aqui, sob meu teto, e me encorajou a me apaixonar por ela! Você tornou tudo impossível!
— O que é impossível? Agora você não tem coragem de mata-la, por isso está assim, tão nervoso? — Andreia apoiou os braços na mesa para falar e Leon se calou diante da verdade — Mariana não tem culpa das atrocidades que aquele maldito fez com seus pais! Ela nem sequer sabia andar quando sua mãe morreu e assim como a própria mãe dela, Lady Emília que descansa em paz, Mariana também é uma vitima nas mãos daquele crápula!
— Acha que vou acreditar nisso tudo? — Leon sorriu de canto, já embriagado pelo álcool e pela raiva — Você me conhece mais do que ninguém, mulher! Sabe perfeitamente como me contornar, por isso conseguiu me enganar junto com ela todo esse tempo! Não gaste seu latim tentando defendê-la, será em vão!
— Você é impossível, Leon — Andreia suspirou notando o estado lamentável que o patrão se encontrava — Vou esperar que sua raiva passe e coloque seus pensamentos em ordem antes de prosseguirmos com essa conversa. Por hora, ao menos respeite Sol e não faça qualquer mau.
— Mariana! — Flora disse ao entrar no escritório com uma bandeja com café para o patrão — O nome dela é Mariana, mãe!
— Vamos menina, vamos... — Andreia saiu da sala, mas Flora permaneceu encarando Leon, sentado e desolado em sua cadeira. O cabelo escuro caía na testa e a mão estava no rosto.
— Tudo foi um plano delas, Lobo — Floria dizia baixinho, se aproximando dele — Minha mãe e aquela... — Mordeu os lábios para não xingar — Tramaram tudo desde o inicio. Minha mãe deu todas às coordenadas para que ela conseguisse sua confiança e inclusive garantiu que se ela se deitasse com você, você jamais a deixaria ir embora.
Leon ergueu os olhos para Flora, tirando as mãos da face.
— O que está dizendo? — Questionou incrédulo.
— Exatamente o que ouviu! — Flora afirmou — Ouvi uma conversa das duas e nela Sol dizia a minha mãe que se deitaria com você para enfeitiça-lo e prendê-lo a ela. Afirmou que você não a deixaria ir se derramasse seu sangue pela primeira vez — Leon se colocou de pé com as palavras da moça — Ela disse a minha mãe que estava sendo obrigada a se casar pelo pai e por isso fugiu para cá, mas não acredito. Fez isso apenas para mamãe ficar compadecida e graças à amizade de mamãe com Lady Emília, minha mãe topou ajudá-la por pena. Certamente essa garota era uma infiltrada do pai para saber tudo sobre você e a fazenda. Certamente algo grandioso aconteceria muito em breve para destruí-lo.
Leon passou os dedos entre os fios de seu cabelo com nervoso, dando as costas a Flora. Lembrava-se de Juan ameaçando-o, das mortes no rodeio em que ele mesmo quase morreu e do comportamento estranho e sempre aflito de Sol.
— Me deixe sozinho, Flora — Pediu nervoso — Por favor...
— Está bem... Mas não caia no jogo dela, Lobo. Não seja enfeitiçado outra vez. É isso que os Brancaglione fazem... Eles destroem tudo ao seu redor!
Flora o deixou sozinho e Leon cobriu o rosto com as mãos para chorar. Sabia que ela ainda estava na casa e cedo ou tarde teria de encará-la.
Bebeu mais, virando o copo nos lábios com ardor. A alma latejava como há muito não acontecia. Sentia-se o mais infeliz dos homens, novamente com a felicidade ruindo aos pedaços. Amava Mariana Brancaglione. Amava a filha do inimigo com tamanha loucura que não sabia que poderia viver sem ela, mesmo sabendo quem era realmente.
Tudo o que desejava era acordar daquele pesadelo.
A chuva caia como em todas as madrugadas e Leon finalmente saiu do escritório. Carregava nas mãos a garrafa de bebida vazia e cambaleava pelos corredores em direção à porta central, abrindo a mesma para encarar a tempestade avassaladora. Tropeçando em si mesmo pela bebida, Leon foi até a varanda e desceu as pequenas escadas até se molhar na água gélida e que doía na pele quando tocava.
— Porque, meu Deus? — Gritou para o céu com desespero — Porque me deu o amor e retirou em seguida? Porque podou minha felicidade sem a mesma sequer começar? Porque ela? Porque uma filha daquele... Daquele maldito! — Ajoelhou-se enquanto chorava, cobrindo o rosto com as mãos.
— Leon... — A voz dela ecoou atrás dele em meio à chuva. Ela novamente o chamava de Leon, não de Lobo — Por favor... Podemos conversar?
Ficando de pé, Leon endireitou a postura e se voltou para ela. Sol usava uma camisola branca até os pés, o cabelo vermelho colado ao rosto e ensopado e o rosto inchado pelas lágrimas. O olhar era de puro desespero.
— O que vai me dizer depois de tudo, Mariana Brancaglione? — Vociferou sem muita força.
O nome dela dito por ele fez a ruiva estremecer. De medo. De amor. De raiva.
— O que deveria ter te dito quando cheguei aqui... A verdade.
— Já é tarde — Leon passou por ela de volta até a varanda e Mariana o seguiu.
— Sim, já é tarde! — Gritou a ele, que se deteve. Já não chovia sobre ambos na parte coberta — Já te amo e não consigo viver sem você...
— Quem ama não mente... Conhece essa frase? — Mariana deixava as lágrimas rolarem na face. Por sorte era madrugada e todos na casa dormiam.
— Nem mesmo quando a mentira significa ter ou não seu amor por perto? — Rebateu sem forças.
— Não... Essa desculpa não é suficiente — Leon tentava, mas com ela não conseguia ser o Lobo. Deixava sua dor estampada na face e apesar de bêbado, se mantinha ereto e impositivo — Você e eu... — Gesticulou entre eles — É impossível e você soube desde o começo. Sempre soube que não podia me fazer te amar, mas o fez, Sol... Mariana... — Corrigiu o nome sorrindo sem humor — Mariana Brancaglione... — Repetiu com tristeza.
Não conseguia encarar o rosto da amada e ver nela outra que não fosse Sol.
— Em nome desse amor, por favor, acredite em mim! — Aproximou-se dele e ficou muito perto de Leon, que apenas a observava com os olhos verdes desolados e a face marcada por lágrimas silenciosas. O Lobo estava destruído e agradecia por não ter uma plateia para vê-lo — Meu pai sempre me maltratou. A vida toda me manteve trancada na fazenda sem conhecer o mundo e minha única utilidade para ele é ser casada com um homem poderoso. Fugi porque era minha única opção para ter liberdade e... — Baixou o rosto para seguir — Vim para cá porque era o único lugar onde meu pai não ousaria entrar para me buscar — Leon suspirou — E aqui, neste lugar onde dizem ser amaldiçoado, encontrei felicidade, amor e amigos... A liberdade que sempre busquei — Tocou a face dele e Leon retesou sob o toque da amada — Você...
Leon tirou a mão dela de sua face.
— Sei que foi tudo um plano seu e de Andreia — Disse triste — Sei que se entregou a mim para garantir que eu ficasse ao seu lado de qualquer maneira e sei que me seduziu por interesse — Sol separou os lábios, mas não podia contestar — Realmente estava fugindo ou era do interesse de seu pai te mandar me seduzir e depois me matar para ficar com minhas terras, como ele sempre declarou que queria? Teu pai sempre quis tudo que era do meu pai e... — Passou a mão entre os fios de cabelo nervosamente — Sabia que ele praticamente matou minha mãe quando negou trazê-la de volta ou leva-la a um hospital quando meu irmão começou a nascer? Sabia que devolveu o corpo dela sem ao menos demonstrar arrependimento? Meu pai definhou de tristeza e morreu também por causa dele!
— Que culpa eu tenho de tudo isso? — Mariana não pôde evitar levantar a voz.
— Você é filha dele! Em suas veias corre aquele maldito sangue! — Mariana deu alguns passos para trás, assustada com a raiva de Leon — Você mentiu desde que chegou aqui... Mentiu mesmo depois de estar em meus braços... Mentiu quando eu poderia tê-la protegido, Sol!
— Sei que errei em mentir, mas o que está feito não pode ser mudado — A ruiva o encarou com piedade — Mas não me entreguei a você por interesse... Andreia me disse realmente que o fizesse, mas o que mais pesou foi o amor que sempre tive por você, Lobo. Você sabe que nunca foi mentira, você sabe...
Leon sabia, mas se sentia cansado demais para lutar.
— O que eu sei é que você jamais confiou em mim de verdade — Leon se recompôs um pouco antes de falar — E mesmo que essa história sua seja real... Você ficaria ao lado de um homem que tem como objetivo de vida matar o seu pai? — Engolindo a respiração, Mariana sequer soube o que pensar — Conseguiria viver com isso?
— Lobo...
— Se eu fosse um covarde te mataria por essa traição... Por ter pisado em minhas terras e me enganado sendo quem é, me seduzindo e se entregando a mim com tanto sentimento. Certamente seria uma boa vingança contra aquele maldito — Suspirou entre lágrimas — Saber que a filha dele esteve em minha cama também é.
— Mas você não é um covarde — O interrompeu — É um homem justo e bom. E, acredite você ou não, minha vida não vale muito nas mãos de meu pai.
— O teu valor para mim era imensurável até descobrir quem você realmente é da pior maneira possível. Até descobrir que a mulher que amei como nenhuma outra mentiu para mim o tempo todo!
— Mas eu tive medo! Medo! — Chorando, Mariana não conseguia prosseguir. Tocou o rosto dele novamente, mas Leon retirou suas mãos da mesma maneira.
— Então, mais uma vez, o medo nos arruinou.
Leon deu as costas a ela e entrou na casa, encontrando Flora aos pés da escada. De tão embriagado, sequer conseguia se manter em pé. A moça o amparou com cuidado e Leon aceitou ser levado para o quarto por ela, que lançou um olhar vitorioso para Sol por cima dos ombros.
Leon abriu os olhos no dia seguinte com batidas frenéticas na porta de seu quarto.
Levou uma das mãos a cabeça e sentiu o mundo girando quando se sentou, dando-se conta do quão tonto estava pelo porre da noite anterior. Lembrou-se de tudo e teve ainda mais vontade de voltar a dormir para sempre, mas as batidas continuaram fortes e incessantes.
— Abre essa porta Leon! — A voz era de Helena e vinha seguida de um resmungo fino de bebê — Preciso falar com você!
Revirou os olhos no rosto e se ergueu, arrastando-se até a porta. Girou a chave e abriu, deparando-se com a face vermelha da irmã, que segurava a bebê rechonchuda e ruiva nos braços.
— O que quer? — Grunhiu sonolento.
— Sol está aqui com você? — Perguntou afoita.
— Claro que não, Helena — Respondeu como se fosse obvio — Deve estar no quarto dela.
— Não está! — A morena não escondia o desespero — Não a encontramos em lugar nenhum e pensei que estivesse com você! — Assustado, Leon viu Andreia subir correndo e segurando a barra da saia longa — Descobriu algo dona Andreia?
— Faltam roupas no armário dela e objetos pessoais! — Andreia comunicou nervosa — Alguns homens da segurança disseram que ela saiu bem cedo, ao amanhecer, sem nada dizer. Carregava uma pequena bolsa.
— Ah céus! Ela foi embora! — Helena não escondeu o pânico e Leon parecia petrificado ao ouvi-las — Você precisa fazer algo Leon, precisa ir atrás dela!
— Aquele pai dela é um monstro, Lobo! — Andreia agarrou na camisa dele com desespero — É capaz de matar a menina!
Enquanto Andreia e Helena se desesperava, Leon se afastou delas sem realmente compreender a situação. Não conseguia pensar no que levou Sol a ir daquela maneira, uma vez que se mostrava tão disposta a ficar na noite anterior.
Obviamente foi tudo o que ele disse a ela sob o efeito do álcool e do furor da descoberta. Nervoso, voltou para o quarto sentindo vontade de quebrar tudo, mas se deteve ao encontrar uma carta perto da porta. Certamente foi deixada ali por baixo da mesma. Abaixou-se e pegou o envelope, que era direcionado ao Lobo.
— Não vou atrás dela — Leon sussurrou para Helena, que chegou e pegou o envelope de suas mãos. A bebê estava com Andreia, que veio logo atrás.
Enquanto as duas liam as palavras, Leon segurava as lágrimas. Tudo foi um engano. Um grande engano!
Na porta, perto dali, Flora assistia tudo com um sorriso nos lábios. Por sorte ninguém ali conhecia a caligrafia de Sol e jamais descobriram que a carta não foi escrita pela ruiva, mas sim por ela, que apenas teve de modificar um pouco a maneira de escrever para não se reconhecida pela mãe.
Seu plano realmente foi um sucesso!
CAPÍTULO VINTE E UM
A dor consumiu Leon de tal maneira que a única coisa capaz de fazê-lo se controlar era ficando perto da sobrinha.
Enquanto Andreia e Helena estudavam uma maneira de falar com Sol, Leon entrou no quarto da bebê de apenas dois meses e se aproximou do berço com lágrimas nos olhos, cansado, sentindo-se o homem mais patético do mundo!
— Eu não queria que ela fosse embora... — Sussurrou enquanto observava a menina dormindo tranquila no berço — Não queria que tivesse levado minhas palavras em um momento de raiva tão a serio — Lágrimas escorriam em seu rosto e esticou uma das mãos para tocar a mão pequena na sua. O cabelo vermelho da sobrinha lembrava Sol. Tudo na bebe que Sol tanto amava remetia a ela — Meu coração estava disposto a esquecer, mas o dela não conseguiu me perdoar por ontem... Não pôde.
Leon jamais pegou a garotinha nos braços desde que nasceu sequer uma vez. Sempre inventava uma desculpa, incomodado em criar laços, temendo o desconhecido... Naquele momento a dor era tão forte que a pureza e graça de Sarah o atraíam. Esticou os braços e a pegou com cuidado, calculando os movimentos para não feri-la.
Ainda adormecida, a menina se aconchegou ainda mais no peito forte e quente do tio, que se sentou com ela nos braços no sofá branco do quarto lindo que ele e Helena montaram para a pequena. Sentia o peito ardendo enquanto admirava a bebê, as lágrimas escorrendo na face e o desespero assolando a alma.
— Não posso entrar naquela maldita fazenda para buscá-la. Seria como cometer suicídio. Mesmo que leve mil homens, serei o invasor — Dizia como se a adormecida menina pudesse compreender — Morrer não me desagrada agora, mas tenho você e sua mãe em minha responsabilidade. Não posso desampará-las — Respirou profundamente — Prometo que as coisas vão mudar, pequena Sarah... Nunca mais deixarei o ódio me dominar, muito menos lendas absurdas! Sua vida é prova de que essas lendas não passam de fantasias — Abaixou para dar um beijo terno na testa da menina — Eu te amo... Não sei se já disse isso para alguém, além de Sol, mas seu tio te ama, querida.
A dor que sentia era imensurável. Lembrava-se das palavras de Sol na carta e queria desparecer.
Uma vez mais era um maldito, condenado pelo destino. Se a lenda era real ou não, pior do que tudo era saber que sua amada era filha do homem que mais odiava. Pior do que isso era perde-la sem poder lutar.
Mais uma vez os Brancaglione o destruíram!
Dois meses depois...
Mariana não sabia o que era sair do quarto a meses, por isso observar a janela do mesmo que dava em direção ao jardim e a estrada de terra era a única coisa que tinha para ser feita.
Seu pai retirou todos os livros, televisores, aparelhos de telefone e internet e qualquer coisa que lhe pudesse entreter como forma de castigo. Aprisionada em um quarto ainda de menina, cor de rosa e cheio de bonecas, já não se identificava com a Mariana que usava vestidos meigos e com laços.
Era uma mulher agora. A mulher do Lobo, de Leon Trovalim.
— O que você quer? — Disse nervosa quando Gabriel abriu a porta. Sequer se moveu do lugar onde estava, debruçada na janela.
— Trouxe o que me pediu outro dia... — O ruivo retirou um pacote de dentro da jaqueta e jogou sobre a cama dela, fechando a porta atrás de si — É melhor esconder isso. Se o pai pegar isso aqui nós dois estamos ferrados!
Encarando-o com surpresa, Mariana foi até a cama e pegou a sacola da farmácia da cidade. Olhou o conteúdo e suspirou com receio.
— Você é um covarde mesmo, não é? Sempre com medo... Sempre fugindo das responsabilidades! — Colocou o pacote dentro de uma gaveta — E se quer saber, não preciso mais disso.
— Não precisa mesmo? — Mariana negou, sentando-se sobre a cama. Gabriel sempre a encarava com aquele rosto confuso, contido... Ela via nos olhos dele a ansiedade e o desespero — E, para o seu governo, nunca fugi das responsabilidades! Helena nunca me disse que estava grávida! Quando perguntei, ela negou e sumiu!
— Já conheço essa história — Sol encarava o lado de fora da janela com o olhar vago — Já faz dois meses que estou aqui e você continua dando voltas e voltas sem coragem de ir até a casa dos Trovalim conhecer sua filha. Na verdade, teme que o Lobo te mate ou a papai te expulse de casa.
— Ele quase te matou por simplesmente fugir para lá, que dirá se descobrir que tenho uma filha com uma Trovalim — Sentando ao lado de Sol, Gabriel suspirou com a expressão também confusa — Se você me ajudasse com o Lobo talvez ele entendesse... Talvez...
— Não — Mariana virou o rosto para ele — Já disse que Leon me odeia. Despreza-me depois que menti para ele. Minhas palavras nada significarão a essa altura... Já faz dois meses que voltei e ele nunca me procurou, sequer tentou mandar um recado... Ele me esqueceu completamente, Gabriel.
Gabriel tocou a mão da irmã, algo atípico dele.
— Sei como se sente — Disse baixinho — Sinto isso todos os dias...
— Leon é bom. A única coisa que odeia mais do que tudo é nossa família. Nosso pai matou a mãe dele e acabou com seu pai... Leon jamais vai permitir que você se aproxime de Helena e Sarah e muito menos me perdoar por tudo que fiz. A essa altura deve estar junto de Flora... Aquela pistoleira conseguiu o que queria — Gabriel negou.
— Duvido muito que esse homem tenha te esquecido assim — Mariana virou o rosto para encará-lo — Se ele te amava como você disse, é impossível. Mas uma coisa é fato... Se o pai descobrir que você e o Lobo foram amantes as coisas para você ficarão péssimas, Mariana. Ele ainda te vende como uma virgem para os interessados em casamento.
— Que o faça! — Deu de ombros — Depois que perdi Leon nada mais importa...
— Não mesmo? — Gabriel se referia a ela sabia bem o quê — Como tem tanta certeza de que o que eu trouxe não precisa ser usado?
Voltando-se novamente para a janela, Mariana corou.
— Porque já sei o resultado — Respondeu com firmeza.
— E o que pretende fazer?
— Você pergunta como se houvesse escolha...
— Todos os dias me corrói a dor por minha filha, mas ao menos sei que o Lobo está cuidado bem dela e de Helena e que ao lado dele estão protegidas. Morro de vontade de correr até elas, mas sei que o melhor talvez seja longe de mim, como você sempre disse.
— Elas estão bem, Gabriel, eu já disse — Sol afirmou — Leon trata Helena com muito carinho e dá tudo a elas. Porém, o amor de um pai é insubstituível. Você deveria criar coragem, irmão.
— E quanto a você? — Gabriel a fez encará-lo — Enquanto o Lobo protege Helena e minha filha, quem irá te proteger de nosso pai quando souber que... — Olhou para o ventre dela, que cobriu com as mãos trêmulas — O que vai ser de você, Mariana?
— Não existe opção para mim, Gabriel. Leon me despreza e nosso pai me matará se souber... Não existe escolha! Preciso me casar para atribuiu à culpa a outro ou me livrar! Me caso em alguns dias, Gabriel. Você sabe!
— Não posso crer que escuto você dizendo isso... Logo você!
Gabriel saiu do quarto quando foi chamado pelo pai para resolver uma situação e Mariana ficou sozinha. A ruiva desembrulhou o teste de gravidez que o irmão trouxe escondido e realizou no banheiro do quarto. O teste não poderia ser diferente.
Ignorou completamente os medicamentos dados pela ginecologista, por isso agora tinha um grande positivo em suas mãos.
Tinha exatos dois meses de gestação.
Em seu ventre havia um filho de Leon Trovalim.
Os pesadelos a atormentaram durante toda a noite.
Neles via Leona, a mulher linda da foto pendurada na casa de Leon, morta com o bebê do lado. A visão distorcia e via a si mesma com um menino de cabelos negros e com os traços do Lobo, ambos mortos no lugar dos anteriores. Via-se caminhando em uma clareira, logo em seguida seu pai a encontrava a enfiava um punhal em seu ventre de modo a matar a vida que ali existia.
Todos os pesadelos remetiam a sua gestação.
Jamais se imaginou grávida, mas depois das noites fervorosas de paixão onde se entregou a Leon de todas as maneiras possíveis, não compreendia como demorou tanto a aconteceu. Demorou a fazer o teste, mas descobriu assim que sua menstruação atrasou e os enjoos começaram.
Estaria ela condenada a morte ou ainda precisava lutar por seu filho?
— Você não deveria ter fugido — Gabriel dizia enquanto dirigia o carro na estrada de terra. Ambos iam até a cidade e Juan apenas permitiu que a filha saísse porque foi acompanhada do irmão, que ele nem desconfiava que tinha ligação com a fuja da mais jovem — Deveria ter ficado lá com ele, Mariana. Deveria ter esperado a poeira baixar e ouvir o que ele realmente tinha a dizer, sem o efeito do álcool entre vocês.
— Ele não me queria. Disse claramente que nunca mais queria me ver e já estava se consolando nos braços de outra sem eu ao menos ter me retirado. Não havia mais espaço para mim lá, irmão — Olhava para a paisagem enquanto o carro se movimentava — Obrigado por ter mentido para o papai sobre me levar ao hospital.
— Não é mentira. Você realmente se sente mal — A encarou — Podemos passar em uma consulta para ver como está o bebê.
Mariana queria negar, mas não pôde. Também queria saber mais sobre sua gestação.
Gabriel tinha razão em dizer que ela não deveria ter ido, mas fez aquilo por notar o quanto magoou e machucou Leon. A decisão de ir embora era por não aguentar ver o desprezo no olhar do homem que amava, mas, acima de tudo, a decepção. Nunca quis decepcioná-lo. Nunca quis machuca-lo ainda mais... Não queria colocar em risco a vida de Sarah e Helena, tão pouco. Não queria que as duas perdessem Leon em suas vidas.
Ela, por não saber de sua gravidez na época, não tinha nada a perder. O que aconteceria se Leon soubesse sobre o filho? Será que a aceitaria de volta em sua vida?
A própria Mariana não sabia se queria voltar. Leon também a magoou com suas palavras duras, porém ainda o amava e não podia negar. Pensava em fugir quando botasse os pés novamente na casa do pai, indo até lá apenas para o mesmo se certificar de que não estava mais com Leon, porém ao descobrir a gravidez não teve forças. Os enjoos a baquearam e foram à deixa para Juan voltar a encarcera-la como castigo. Para sobreviver com o bebê precisava de um marido. Precisava de alguém para assumir a paternidade da criança.
Seu pai providenciou um noivo e o casamento estava com dias contados.
Foi com Gabriel até uma clinica na cidade vizinha e realizou uma consulta e um ultrassom. Estava de dez semanas de gestação e o coração do bebê era forte e vigoroso como o do pai. Não pôde conter as lágrimas ao vê-lo... Mas soube que aquele bebê, para ela, era como uma sentença de morte.
— Olá? — Bateu na pequena casinha de madeira com cuidado e a porta se abriu em seguida — Tem alguém aí?
Uma figura baixa apareceu a sua frente. Uma mulher sinistra e familiar.
— Mariana Brancaglione — A bruxa Ravena respondeu sorrindo com dentes podres, afastando o cabelo longo e branco do rosto — Sabia que cedo ou tarde a escolhida do Lobo viria me visitar... Entre!
Mariana implorou a Gabriel que a levasse até a feiticeira e o mesmo o fez. A mulher agora morava no povoado em uma casa simples e o irmão a deixou na porta enquanto esperava do outro lado do acostamento.
— Pode me receber? Me disseram que a senhora é muito boa com ervas — Ajeitou o chale ao redor dos ombros e o olhar da mulher desceu para seu ventre em seguida, deixando claro que sabia o porque de Mariana estar ali.
— Creio que posso ajudar... Está de quanto tempo? — Mariana corou e baixou o olhar um pouco nervosa.
— Quase três meses.
— E está segura do que quer fazer? — A mulher caminhou até uma caixinha e começou a revirar os pacotinhos de ervas na mesma — Nem sei por que pergunto... O fruto em seu ventre é amaldiçoado, não é mesmo?
— Meu bebê não é nada disso, senhora! — Repreendeu um pouco severa — É fruto de meu amor com...
— Com o Lobo, eu sei — Virou-se para ela e sorriu — E você também sabe o que isso significa...
— Significa que posso morrer se seguir com a gestação, mas não por uma maldição que a senhora diz ter lançado, mas pelas mãos de meu pai — Mariana soava segura — Não posso dar uma vida digna ao filho de Leon. Tão pouco tenho como voltar aos braços dele.
— Ele te receberia, minha querida. Te receberia porque te ama — A mulher mostrou três pacotinhos de chá a Mariana — Ainda tem tempo, Mariana. Ainda pode mudar seu destino, minha cara...
— Quanto é? — Abriu uma bolsinha de dinheiro. A velha não sabia nada sobre a fúria de Leon, pelo visto.
— Trinta reais — A bruxa respondeu em seguida e Mariana entregou o dinheiro — Tome os três de uma vez, durante todo o dia. Cada um dá uma garrafada. Em três horas depois do último você se desfaz do problema.
— Obrigado. Espero que nossa conversa seja sigilosa.
— Mariana! — A mulher a chamou antes que saísse e a moça apenas olhou por cima dos ombros — É um menino que você carrega no ventre... Um menino que terá olhos claros como os do pai e herdará toda sua força.
Mariana saiu em seguida, arfando pelo nervosismo das palavras dela. Lágrimas escorriam de seus olhos enquanto olhava os pacotinhos nas mãos, levando a outra mão ao ventre.
Um menino. Um menino com os olhos de Leon...
Tudo o que mais desejava era ter coragem suficiente para protegê-lo e não ser uma covarde se livrando dele.
— Aonde vai com essa arma seu louco? — Helena questionou quando entrou no escritório de viu Leon retirando uma pistola preta da gaveta. O olhar severo e fixo de Leon fez a espinha de Helena gelar — Não me diga que vai atrás dela? Vai entrar naquela fazenda onde te odeiam? Eles vão te matar! Leon, você tem a mim e a Sarah! Quem vai me ajudar se você morrer?
— Não, irmã. Sou maluco, mas não suicida — Ajeitou a camisa quando colocou a arma escondida na cintura — Otávio disse que aquela bruxa maldita está morando no povoado. Chegou a hora de ela acertar contas com a família Trovalim!
— O que? Que bruxa? Leon!
Helena correu, mas não conseguiu chegar a tempo de impedir o irmão de entrar na caminhonete e sair em disparado rumo à cidade. Assistiu o carro dele se afastando com o coração na mão, chorando em silêncio pelo desespero que a tomava.
Leon dirigia rápido, inconsequente, disposto a tudo para finalmente tirar satisfação frente a frente com a mulher que diz aos quatro ventos ter amaldiçoado sua família. Tudo o que vinha em sua cabeça era a maneira como sempre era destruído e amaldiçoado por Juan Brancaglione... Uma vez mais estava no chão por eles.
Há dois meses sua vida não tinha sentido, não tinha cor... O sol morreu em seu horizonte.
Ainda se lembrava da maneira como Andreia lhe contou sobre o casamento marcado de Sol... Ou melhor, de Mariana Brancaglione. A mulher implorou para que ele livrasse a garota das garras de um banqueiro famoso da cidade vizinha, mas não havia o que ser feito. Sol foi embora com as próprias pernas. Sol era filha de seu pior inimigo e não havia maneira de chegar até ela sem entrar na fazenda Brancaglione, um lugar onde certamente seria morto.
Poderia lutar, sim... Mas a ruiva não deixou sequer um sinal de que o desejava em sua vida. Sabia que existia o medo. Sabia que Sol sempre temeu o Lobo, apesar de dizer que jamais teve medo dele.
Aquela sina em sua vida teria que ser destruída se quisesse seguir adiante.
Bateu na porta de madeira fortemente e uma mulher pequena, de cabelos brancos e olhos profundos e negros abriu usando um vestido velho e colares pesados. A mulher não parecia surpresa em vê-lo ali, mas demonstrou-se claramente assustada quando notou que Leon apontava uma arma no meio de sua testa.
— Sou Leon Trovalim... O Lobo — Vociferou calmamente, notando a maneira como a mulher o encarava cheia de receio — E vim aqui para que me diga claramente o que exatamente posso fazer para destruir de uma vez por todas a maldição que você lançou sobre minha família.
CAPÍTULO VINTE E DOIS
— Ora, ora... Leon Trovalim — A velha sorria com os dentes podres avista e deu passagem para dentro de sua humilde casa — Você está mais belo do que Alejandro, seu pai... Vamos, entre!
Leon baixou a arma, mas ainda a mantinha em punhos firmemente. Entrou junto da mulher, que fechou a porta e caminhou mais tranquila. A presença do Lobo preenchia todo o ambiente.
— Sem rodeios, mulher — Severo, Leon a encarava com olhos verdes implacáveis — Há vinte anos você lançou sobre meu pai uma maldição. Há vinte anos destruiu minha família e me tornou o Lobo. Quero que me diga agora o que devo fazer para quebrar essa maldição! Se não o fizer, vai pagar por isso com a vida!
— Você não teria coragem de me matar, Leon Trovalim — A mulher cruzou os braços em frente ao peito, completamente segura do que dizia. Leon, por um instante, hesitou, mas seguiu firme com a arma diante dela.
Aquela bruxa merecia pagar!
— Do jeito que estou, senhora, matar ou morrer não significa nada! — Os olhos verdes transbordavam raiva e desespero.
A dor de ficar longe de Mariana e perdê-la para Juan Brancaglione, assim como acontecia com todas as coisas que amava.
— Não fui eu quem destruiu sua vida, meu caro. A verdadeira maldição da família Trovalim era o amor platônico que Juan Brancaglione nutria por sua falecida mãe, Lady Leona, que descansa em paz — Explicou atraindo a atenção de Leon, que não podia deixar de concordar — O coração imundo daquele homem acabou com seus pais.
— Vocês dois! — Vociferou com a voz ainda mais alta e foi como se as janelas tremessem — Você lançou essa maldição e em seguida tudo aconteceu e segue acontecendo até os dias de hoje! Pensei que aquele maldito não poderia acabar ainda mais com minha vida! Pensei que jamais me atingiria novamente, mas estava enganado! Ele acertou meu coração tão profundamente que sequer sou capaz de me reerguer! Estou sangrando pelo que perdi novamente e sequer tenho armas para lutar contra isso!
Uma vez mais os Brancaglione o jogavam no fundo do poço. Sentia-se destroçado diante do inimigo, pagando um preço caro demais por ter se apaixonado por uma entre eles.
— Ela esteve aqui... Lady Mariana — O olhar de Leon se transformou quando ouviu a mulher mencionar sua amada — Hoje pela manhã. Veio buscar um combinado de ervas para arrancar o fruto do pecado de vocês que cresce no ventre dela. A criança que o Lobo plantou nas entranhas de sua mulher cresce forte e saudável. Será um menino, um legítimo herdeiro das terras Trovalim...
Por pouco Leon não deixou cair à arma. Sentiu seus pés vacilando e as pernas tremendo, mas manteve-se de pé.
Mariana estava grávida? Carregava em seu ventre um filho dele? Teve a sensação de se afogar no próprio ego, carregado pelo orgulho que se esvaia. Seus erros ecoavam em seu ouvido, assim como as súplicas de Mariana para que ele a ouvisse naquela noite.
Sentiu imensa vontade de chorar. E realmente o fez, sem ser capaz de se conter.
— O que foi que disse?
— O que ouviu... — De queixo erguido, seguia dizendo — Certa vez amaldiçoei seu pai por sentir ódio em uma situação, mas olhe para mim, meu caro... — Abriu os braços e mostrou ao redor, um casebre pobre e sem qualquer recurso. Uma mulher suja, desarrumada e muito humilde, sem qualquer condição decente para apenas sobreviver. Leon olhou ao redor e sentiu pena da mulher — Acha mesmo que se fosse uma mulher poderosa como pensa viveria aqui, neste lugar? — Riu sem humor e Leon se sentiu um tolo, suspirando pela eminente loucura — Não tenho qualquer poder, Leon Trovalim. Não tenho nada além de conhecimento para ervas e doenças... Meus poderes, como pode compreender, são frutos de lendas! As mesmas que lendas criaram o Lobo. A boca do povo cria maldições e faz com que aconteçam — Leon fechou os olhos e sentiu-se o mais idiota dos homens — Mas o ódio de Juan Brancaglione sim pode causar estrago e maldição... Causou na vida de Don Alejandro, de sua falecida mãe e da pobre Lady Emília, mãe de sua mulher! Se você permitir, causará ainda mais na sua vida e de Mariana! Ela sofre, meu caro. Mariana sofre nas mãos daquele monstro como sua mãe sofreu. Sofre a solidão, o medo e a injustiça. Ela sempre te amou e nunca mentiu.
— Como pode saber que me amou se não tem poderes? — Sussurrou desolado.
— Porque vi nos olhos dela que hesitava em arrancar teu filho do ventre — Garantiu segura.
Leon não tinha tanta certeza.
— Está me dizendo que nunca houve maldição? O Lobo... É uma mentira?
— O Lobo é uma lenda, assim como meus poderes! — Aproximou-se de Leon — Nunca tive poderes e você nunca foi o Lobo, garoto.
— Eu deveria te matar por isso, mas confesso que sempre esteve muito claro. Eu mesmo me deixei levar por uma ideia estúpida — Sussurrou com os olhos marejados. Colocou de volta a arma na cintura — Estou livre desta sina, então.
— Sempre esteve. A pior sina está em seu pensamento. Você criou o Lobo e é o único que pode destruí-lo!
— Ela fez isso? — Questionou segurando as lágrimas, mas sentindo o rosto úmido por elas — Mariana arrancou meu filho do ventre?
— Para ela, aquela criança era um pecado — A mulher sentiu pena dele — O pai a mataria se soubesse da existência da pobre criança.
— Para mim era fruto de um grande amor — Secou o rosto com mãos trêmulas — Não posso acreditar que tenha feito isso... Não posso! — Leon sentia o chão abrindo a seus pés, mas teve tempo de tirar notas de dinheiro do bolso e depositar uma boa quantia delas sobre a mesa velha da senhora, que sequer acreditava no que via.
— Não precisa pagar — Respondeu imediatamente, mas Leon não mudou a expressão.
— É para que se alimente e compre uma roupa decente, senhora — Sussurrou baixo, quase imperceptível — Busque mais alimentos na fazenda quando precisar.
O queixo da mulher caiu perante as palavras de Leon. Jamais esperou ajuda de um homem que sempre a odiou.
— Leon Trovalim é um homem justo — Sorriu animada e ele soube que seu nome seria arrastado daquela maneira dali em diante — Você ainda tem tempo, Leon Trovalim — A mulher garantiu enquanto Leon ia em direção à porta — Ela se casa em dez dias.
As lágrimas que marcavam o rosto de Leon eram tão severas quanto sua dor na alma.
Parado no riacho em que Sol costumava se banhar e era seu lugar favorito na fazenda, Leon observava a água com lágrimas no rosto, sentindo a agonia crescendo em seu coração. Já não era o Lobo e nunca realmente foi... Tudo não passou de uma maneira de se esconder do mundo e da dolorosa perda irreparável que sofreu durante a trágica infância.
O que realmente vivia em sua alma era o desejo de ter Mariana de volta. A amava e estava profundamente decepcionado que a mesma tenha tirado seu filho do ventre, mas compreendia. Estava sozinha e amedrontada carregando no ventre o filho do maior inimigo de seu pai.
Chorava pelos pais. Por Mariana. Pelo filho! Um filho que por muitos anos pensou ser amaldiçoado. Um filho que durante muito tempo acreditou nunca poder ter... E agora havia morrido por sua raiva. Seu ódio. Pelo horror de Juan Brancaglione!
Odiava a si mesmo por ter se afogado no ódio e permitido que tal sentimento ultrapassasse a felicidade... O amor real.
— Sol — Dizia observando a água — Foi o que você significou para mim, Mariana. Se não fosse por você, jamais teria caído a venda de meus olhos.
Abaixou-se e tocou a água com a ponta dos dedos, sentindo ali como se pudesse tocá-la.
— Lobo — Colocando-se de pé, Andreia apareceu na beira do lago com um papel em mãos. Leon a observou por cima do ombro, mas não se ergueu — Preciso falar com você.
— O que quer? — Respondeu contendo o choro e ficando mais sério.
— Dizer que isso — Mostrou a carta que supostamente Sol escreveu — É falso! Foi escrito por Flora e me dói muito que minha própria filha tenha feito tal coisa!
— O que? — Leon se aproximou dela, pondo-se de pé.
— Flora falsificou a carta. Ernesto me contou tudo... Disse que desde o começo minha filha planejou tudo para separá-los — Leon ouvia com curiosidade — Foi ela quem contou o paradeiro de Sol a Juan Brancaglione presencialmente. Foi ela quem te envenenou contra Sol e fez Sol crer que você e ela estavam juntos — Andreia parecia envergonhada — Fez Ernesto levá-la até a casa de Juan e ele me confessou tudo, arrependido. Viu que cometeu um erro e quer reparar, já Flora... Ela não se arrepende de nada!
— Não posso acreditar...
— Sinto muito Leon.
Leon rompeu a porta da casa grande seguido por Andreia e encontrou Flora com uma bolsa grande ao lado sentada no sofá.
— Aonde vai com isso? — Vociferou furioso, apontando para a mala — Sou eu quem tem que te colocar para fora daqui!
— Estou evitando um problema para minha mãe... Ela não tem culpa de nada e não quero que a mande embora também — Flora se colocou de pé diante dele.
— Porque fez isso? Porque falsificou uma carta como se tivesse sido Mariana quem escreveu? Eu poderia detê-la se não tivesse lido aquelas terríveis palavras e a essa altura meu filho estaria vivo! — Leon não disfarçava a raiva.
— Você não deteve porque não quis! Você é o Lobo, não é? Ninguém pode contigo! — Leon se segurou para não avançar sobre a garota, controlando-se.
— Lobo é uma lenda que não pertence mais a minha vida!
— Está enganado! Você sempre será o Lobo e por isso ela foi embora! Porque tem medo de você! — Flora gritou.
— Flora! Como teve coragem de fazer isso? De mentir com aquela carta e ir entregar Mariana a Juan Brancaglione? — Andreia não disfarçava a decepção — Nunca pensei que sua obsessão por Leon chegasse a tanto!
— Eu sim o amo de verdade — A garota pegou a alça da mala grande e sustentou em mãos — O amo como ela nunca vai amar!
— Se me amasse jamais teria me afastado da mulher que trouxe razão a minha vida, Flora. Eu também amava você, mas como uma prima querida... Agora não restou mais nada.
— Leon, eu imploro que... — Andreia começou, mas a garota a interrompeu.
— Não, mãe! Se ela vai voltar, não quero estar aqui para ver o estrago que fará mais uma vez na vida do Lobo. É só isso que os Brancaglione fazem... Destroem tudo!
— Vou pedir que Ernesto te leve até a cidade. Espero que seja feliz, Flora.
— Sinto muito não poder desejar o mesmo a você, Leon. Ao lado dela a única coisa que te espera é a desgraça!
Lágrimas se formavam no canto dos olhos de Mariana enquanto observava a igreja a sua frente, um lugar cheio com personalidades famosas da cidade e alguns trabalhadores da fazenda de seu pai.
— Seu vestido está um pouco apertado, querida — Sua cunhada, esposa de Tiago, observou enquanto as duas desciam do carro grande na porta da mesma.
— Comeu muito, foi? — Ao seu lado Gabriel tentou descontrair a situação. Mariana apenas sorriu entre as lágrimas, escondendo-se abaixo do véu para que ninguém notasse sua eminente tristeza — Por favor, irmã... Ainda tem tempo de reconsiderar — Cochichou para que apenas ela escutasse.
Juan e Tiago, a frente deles, conversavam animadamente. Era a hora da noiva e seus familiares entrarem na igreja.
— Considerar o quê, Gabriel? Diga-me... O que? Que escolha eu tenho? — Sussurrou de volta, lembrando-se a cada segundo do sorriso largo de Leon Trovalim.
Os olhos verdes e brilhantes. As mãos grandes e macias... Os músculos firmes, o rosto lindo e a barba no maxilar... A maneira incrível como faziam amor e como ele mostrou a ela o que era amar.
Leon, eu te amo... Sempre irei amá-lo! Pensava enquanto caminhava junto do irmão até o altar. Escolheu-o e não o pai. Não podia amar Juan Brancaglione, muito menos depois de tudo que ouviu dos lábios do mesmo ao chegar novamente na casa dele.
— Mariana? — Dissera surpreso ao vê-la entrando pela porta — Pensei que iria ficar lá com aquele maldito...
— Aquele maldito, como diz, nunca fez mal a ninguém. Ao contrário do meu pai, que descobri ser um assassino sequestrador e assediador de mulheres! Você matou minha mãe e a mãe dele... Como pôde ser tão cruel?
— Quer falar de crueldade, menina tola? — Segurou-a pelo braço e Mariana gemeu com a dor — Você é uma idiota assim como sua mãe... Não sabem ficar caladas e servir, por isso sofrem as consequências!
— As mulheres não são uma propriedade! Você não tinha direitos sobre a vida de Leona Trovalim, de minha mãe e sobre a minha!
— Vamos ver se não! Veja só como elas terminaram... Se não dançar conforme a música, querida Mariana, seu destino será o mesmo!
E lá estava ela. A caminho do altar rumo a um casamento arranjado com um homem rico e asqueroso. Baixou o olhar e chorou em silêncio durante a cerimônia que para ela tinha ar fúnebre, apesar de todo o luxo.
“Se tem alguém que se opõe a este casamento, fale agora ou cale-se para sempre”.
— Eu me oponho... — A igreja toda se virou para encarar o homem que entrava pela porta acompanhado de uma guarda de mais homens que ficaram na entrada — Sou Leon Trovalim e vim buscar minha mulher... A noiva!
Um imenso burburinho de instalou entre os presentes, que assistiam a cena completamente atônitos pela coragem do homem completamente vestido de negro que entrava pela porta da grande igreja. O padre baixou as mãos e apenas observou, ao passo em que Mariana se virava e encarava o Lobo como se não pudesse crer em sua presença.
— Como ousa interromper o casamento de minha filha? — Juan gritou do altar, roubando a atenção — Uma criatura amaldiçoada como você não deveria ter a audácia de colocar os pés em uma igreja, a casa do Senhor!
— Se assim fosse, ao colocar os pés aqui você deveria ser queimado no mesmo instante — Ironizou parando um pouco antes do altar, em frente a todos — Disse e repito que vim buscar minha mulher e não saio daqui sem ela...
— Não tem nada aqui que te pertença! Já não basta todo mal que fez a ela? — Juan tentou avançar, mas Gabriel o segurou no lugar.
— Deixa o cara falar, pai — O ruivo segurava o pai notando o olhar de nervosismo de Mariana, que sequer conseguia se mover — Aliás, se ele pegar para te bater o senhor apanha bastante — Disse apenas para o pai ouvir.
— Será que pode explicar o que está acontecendo aqui Mariana? — O noivo exigiu com raiva, fazendo-a suspirar e largar o buquê que sustentava no chão.
— Conta logo, irmã — Gabriel interrompeu antes que Mariana cometesse uma bobagem — Conta que você ama o Lobo e o pai está te obrigando a casar! Larga tudo de uma vez e vai embora!
Leon não escondeu a surpresa ao ouvir as palavras do Brancaglione mais jovem. O mais velho, Tiago, seguia atônito observando a cena junto da esposa.
— Mariana chegou até minhas terras para se proteger — Leon dizia alto e em bom som — Para se proteger do pai tirano que a atormentava e a obrigava a cumprir um destino que não era escolha dela... Mentiu para mim, mas apesar disso nos apaixonamos e, repito, ela é minha mulher. Não pode se casar com outro porque já me pertence!
Os burburinhos se instalaram ainda mais alto e a ruiva finalmente deu sinal de vida, caminhando para perto de Leon com desconfiança.
— Porque está fazendo isso? — Sussurrou baixinho, descrente de que o via. O amava tanto e sonhava em vê-lo novamente, mas não podia acreditar que estava ali, em seu casamento — Porque, se disse claramente que nunca mais queria me ver e que deveria ter me matado?
— Eu disse aquilo em um momento de fúria... Será que não conheceu nada sobre mim no tempo em que estivemos juntos? — Explicou em tom de súplica — Sei que fui um imbecil, mas não posso deixar que se case sem ao menos lutar por você. Não quando te amo mais que tudo, Sol.
Juan, ainda sendo segurado pelo filho, não podia crer na cena que presenciava.
— Também te amo, Lobo — Respondeu emocionada, aproximando-se para beijá-lo — Sempre te amei! — Aliviada, Mariana sentiu o abraço de Leon enquanto trocavam um selinho longo e apaixonado, repleto de saudade e desespero — Obrigado por me salvar, obrigado!
— Tire as mãos de minha filha! — Juan vociferava e toda a cidade comentava o ocorrido enquanto assistia a cena. O noivo já se retirava do altar, resmungando palavrões sem ter coragem de enfrentar o Lobo — Não posso crer que você caiu no feitiço deste maldito, Mariana! Você realmente é uma decepção e sempre foi um estorvo como sua mãe!
Leon tentou partir para cima dele, mas Mariana se colocou a frente.
— Ele é o homem que amo... E você, papai... Sequer posso dizer que um dia te amei. Você sim é a decepção de toda minha vida! Envergonho-me de carregar nas veias seu sangue e seu sobrenome!
— Se sair por essa porta com ele, esqueça que um dia teve uma família e um nome! Você estará morta para nós! — Juan se mostrava desesperado.
— Diga pelo senhor, papai. Mariana segue sendo minha irmã — Gabriel ainda segurava o pai, que ignorou seu comentário.
— Então esqueça que um dia teve uma filha! — Mariana respondeu com lágrimas no rosto.
— E ela terá sim um nome... Será minha esposa, senhora de minhas terras e uma Trovalim — Leon garantiu com calma, controlando-se por Mariana.
Ouvindo burburinhos, fotos e comentários, Mariana saiu com o Lobo do casamento e seguiu em direção ao lado de fora da igreja, onde muitos homens da fazenda de Ouro os esperavam. Não podia acreditar que tinha tanta sorte. Não podia acreditar que realmente Leon havia ido atrás dela!
— Eu quis morrer quando você foi embora — Já no carro, Leon dirigia a caminhonete com Sol ao lado e observava o alivio estampado nos olhos escuros da moça — Quis invadir a fazenda de seu pai e se não fosse Helena me chamando a razão todo o tempo, talvez tivesse ido.
— Ele teria te matado — Respondeu em sobressalto — Graças a Deus Helena te segurou e graças a Deus vocês se viram dentro de uma igreja! Somente não se mataram porque estavam em um lugar santo.
— É questão de tempo um embate entre eu e sei pai — Leon olhava a estrada duramente. Sua vontade era realmente ter enfrentando Juan no casamento, mas não era local — Ainda mais agora que sabe que sabe que a filha dele é minha mulher e será minha esposa.
— Está falando sério, Lobo? — Mariana o encarou confusa — Realmente quer se casar comigo?
Leon parecia perturbado com algum assunto.
— Sim, eu te amo e não pretendo te deixar escapar, mesmo que seja... Bom... — Suspirou pesadamente — Mas antes, Mariana... Precisa me responder uma coisa...
— Claro, o que quiser...
— O que fez com meu filho que crescia em seu ventre?
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
Sol uma vez mais se pegou pensando se Leon era de fato um feiticeiro. Ele não respondeu como sabia sobre o bebê, muito menos tocou em mais detalhes até chegarem à fazenda em segurança.
— Sol! — Helena estava na sala com o carrinho de bebê frente a ela quando Mariana apareceu na porta com Leon. A morena correu até eles, abraçando a moça que ainda estava vestida de noiva — Não acredito que Leon conseguiu te trazer de volta! Finalmente!
Leon sorriu de maneira irônica.
— Sempre me subestimando, Helena.
— Também estou muito feliz em revê-la, Helena — As duas seguraram as mãos enquanto se encaravam — Quero ver Sarah!
— Ela está aqui... — Apontou para o carrinho onde a menina ruiva de quase quatro meses dormia tranquilamente — Sentimos tanta sua falta! Eles te machucaram? Te fizeram mal?
Mariana sorriu sem alegria.
— Não fisicamente, porque eu interessava mais ao meu pai com um rosto bonito para ser vendido, mas meu psicológico ficou muito abalado... Foi como voltar ao inferno — Helena demonstrava tristeza. Leon parou atrás de Sol, tocando-lhe o ombro carinhosamente.
— Já passou. Você nunca mais vai precisar voltar para lá — Garantiu com carinho e ela o encarou por cima dos ombros — Dona Andreia me contou das coisas horríveis que seu pai faz com você desde pequena... E sobre sua mãe.
— E nela você acreditou, não é? — Sol não escondeu a decepção pelo fato de não ter sido levada em conta — Já em mim...
— Você sequer me deixou esfriar a cabeça e já fugiu, Sol — Leon explicava — Sabe como sou impulsivo, mas...
— No dia seguinte ele ficou como um maluco te procurando — Helena garantiu — Chorou como criança ao saber que você tinha ido embora quando leu aquela carta...
— Carta? Que carta? — Sol encarou Helena com dúvida.
— Flora falsificou uma carta em seu nome onde se despedia dizia que não me amava — Os olhos de Mariana cresceram na face pela surpresa — Sei também que te fez acreditar que eu e ela estávamos juntos, mas isso nunca foi real. Nunca tive interesse nela, Sol. Nunca estivemos juntos, eu juro!
— E eu atesto! — Helena se intrometeu.
— Aquela garota...
— Foi ela também que contou tudo para seu pai — Helena seguia entregando — Armou todo um plano de adolescente noveleira para te tirar daqui.
— Onde ela está? Vou agora mesmo perguntar sobre... — Leon a interrompeu.
— Se foi. Não mora mais aqui — Sol engoliu as palavras e não disfarçou o alivio.
— E quanto à dona Andreia?
— Estou aqui, Mariana — A bondosa senhora apareceu na sala usando seu avental de sempre, sorrindo com carinho — Como é bom vê-la, menina... Como é bom poder chama-la por seu nome! — Abraçaram-se carinhosamente.
— Sinto muito por sua filha, Andreia.
— Peço desculpas por tudo que Flora fez de ruim para você, Mariana. Envergonho-me do fato.
— A senhora não tem culpa... — Helena disse de maneira tranquila.
— Não mesmo — Sol enfatizou — Sempre foi maravilhosa comigo. Se não fosse por você... Não sei o que teria sido de mim!
— Também tenho que agradecê-la, Andreia — Leon disse com as mãos nos bolsos e encarando a senhora — Obrigado por ter me convencido a deixar Sol ficar. Obrigado por tê-la protegido de mim quando necessário.
Andreia abraçou Sol pelos ombros.
— Mariana, Leon. O nome dela é Mariana! — Andreia relembrou fazendo todos rirem.
— Se ela me chamar de Leon, talvez eu a chame de Mariana... — Os olhos verdes de Leon se prenderam em Sol, que o encarava com alegria.
— Uma troca justa — A ruiva piscou para ele, que seguia sorrindo, finalmente.
— Quero deixar claro uma coisa... Reforçarei depois em frente a todos os funcionários da fazenda de Ouro — Leon dizia sério — A partir de hoje não quero ser chamado de Lobo nunca mais! Isso ficou para o passado junto daquela lenda imbecil e todos devem se referir a mim por meu nome, Leon. Nada de Lobo. Nunca mais!
Helena, Andreia e Mariana não esconderam a alegria. As três o abraçaram com orgulho, deixando Sol por último. A moça se deixou envolver por ele, que a segurava na cintura.
— Eu também quero dizer uma coisa muito importante — Pigarreou para continuar.
— Não quer mais ser chamada de Sol? — Helena arriscou de maneira bem-humorada.
— Não, eu adoro esse apelido — Olhou para Leon, que adorava chamá-la daquela maneira — Mas prefiro Mariana daqui em diante também... Porém não era o que tenho a dizer.
— Então o que é? — Andreia adiantou-se.
— Leon e eu... — Criou coragem, tomando fôlego — Bom, eu estou grávida! Já tenho três meses de gestação!
— O que? — Helena saltou sobre ela — Que noticia maravilhosa!
Enquanto Sol era abraçada por Helena e Andreia, Leon observava a ruiva com a dúvida estampada na face. Ela não havia feito, então! Não havia se livrado de seu filho! Sem assimilar, Leon sorria com o baque da noticia que mudaria toda sua vida.
Mariana olhou em volta recordando-se a primeira vez em que esteve ali, no quarto do Lobo. Passou a mão delicadamente pela mobília, sabendo que seu amado vinha logo atrás e fechava a porta do quarto com cuidado, admirando-a.
Usava agora uma blusinha branca e uma saia longa vermelha emprestadas por Helena, uma vez que se foi com Leon sem carregar nada além de um vestido de noiva.
— Está mesmo disposto a esquecer de tudo e me perdoar? — A pergunta foi lançada por ela ainda de costas para ele.
Virou-se lentamente, encontrando os olhos intensos e verdes repletos de alivio por tê-la ali, tão perto. Leon tinha as mãos nos bolsos, usava preto e trazia a postura impositiva de sempre, mas aquele olhar não a intimidava... Não mais. A única coisa que podia pensar ao vê-lo era no tanto que o amava.
— Sempre estive. Apenas tive um sobressalto de loucura quando descobri — Chacoalhou um pouco a mão ao lado da cabeça — Mas assim que a bebedeira passou, coloquei as ideias no lugar e percebi que não me importava de quem você era filha ou que tivesse mentido para se proteger... De fato me magoou, mas nada disso foi suficiente para apagar o amor que existe em meu peito, Sol. Eu te amo e sempre te amarei.
— Porque não foi até a fazenda? — A pergunta confusa o fez suspirar.
— Não queria me matar, obviamente. Tenho minha irmã e minha sobrinha sob minha proteção, mas confesso que a ideia me tentava todos os dias — Leon se aproximou dela em passos lentos e olhar marcante. Sol sentia o corpo todo estremecendo com a maneira como ele a olhava... Intenso — Achava que tinha ido porque queria. Achava que realmente o que dizia aquele bilhete era verdade...
— Eu também deveria ter esperado para conversar ao invés de fugir e... — Ele pousou dois dedos sobre os lábios dela para que se calasse.
— Não quero saber do que passou. A única coisa que me importa realmente é saber o motivo de ter ido procurar a maldita bruxa para tentar se livrar de meu filho sem me consultar — Mariana baixou um pouco o olhar, envergonhada.
— Meu pai me mataria se soubesse... Eu achava que você não me queria mais e não tinha o que ser feito — Pousou uma das mãos sobre o ventre — Mas decidi ficar com ele me casar com outro. Assim pensariam que era um bebê prematuro quando nascesse e eu poderia tê-lo ao meu lado, ao menos uma parte de você...
Leon suspirou com as palavras e passou a mão entre os fios de cabelo escuro. Era o que fazia quando contrariado.
— Se tivesse me dito logo, nada disso teria acontecido! — Segurou uma das mãos de Sol — Pensei que fosse medo... Temor sobre a lenda.
— Essa lenda mentirosa jamais me faria desistir de meu filho, Leon — Tocou o rosto dele, chamando-o pelo nome. Leon sorriu carinhosamente, deixando-se tocar pela palma quente da mão pequena e macia — Nosso filho é fruto de um amor verdadeiro. Maldição nenhuma poderia ser maior do que isso.
— Isso já não me importa. Já não existe, aliás, nunca existiu. Aquela maldita bruxa me disse que tudo foi uma farsa — Sol sorriu de maneira inocente — Pode rir... Mas a veracidade do que presenciei jamais me fez duvidar. Hoje me arrependo por ter sido tão cego.
— Jamais tiraria um filho nosso — Sol levou a mão de Leon até sua barriga, que já estava rígida e crescendo discretamente — Também te amo, Lobo. Me colocaria em suas mãos em mais mil vidas se fosse necessário.
Leon a abraçou com intensidade, segurando as lágrimas pelo que tudo aquilo representava. Não apenas aceitava Sol como a mulher de sua vida, mas também, junto dela, deixava parte de seu passado morrer a deriva. Não podia mais se prender ao ódio e ao rancor se queria ser totalmente dela. Realmente feliz com ela.
Mas ambos sabiam que o acerto de contas viria.
Juan Brancaglione não deixaria a história por onde havia terminado e era uma questão de tempo até o grande confronto.
Juan Brancaglione observou sua imagem no espelho novamente, dando-se conta do quão velho estava com rugas na face e cabelos brancos espalhados na cabeça. Não tinha mais tanto tempo.
Atrás dele, uma foto com os três filhos, Tiago — aquele que sempre dançou conforme sua música e jamais reclamou, Gabriel — o garoto problema, mas que apesar de tudo não ousava desobedecê-lo, e Mariana — a que foi rebelde desde o ventre da mãe, uma vez que nasceu mulher, diferente do que ele queria, mas era linda e exibida como um troféu. Agora não mais.
Apanhou a foto e olhou por alguns segundos, rasgando a parte onde a filha estava e amassando em suas mãos. Mariana estava morta para ele. Morreu quando assumiu diante de toda a cidade que foi mulher de seu maior inimigo... O filho do homem que um dia roubou sua amada Leona.
— Você ficou louco, Juan? Como ousa me roubar nestas condições? Me leve já para Alejandro, ou meu filho nascerá aqui, no meio do nada! — Leon dizia enquanto ofegava pelo trabalho de parto eminente. A bolsa havia rompido após chegarem à cabana afastada para onde ele a levou.
— Eu te avisei que se não fosse minha, não seria de ninguém!
— Mas já sou de Alejandro! Já é o terceiro filho dele que carrego! — Vociferou com dor, irritada pela maneira calma com a qual o homem a olhava — Se me deixar aqui, posso morrer! Não está na hora do bebê nascer e a bolsa rompeu! — Os cabelos negros e longos da moça se colavam a face.
— Se tiver que morrer, meu amor — Tocou o rosto dela, que virou com repulsa — Será em meus braços! Alejandro te roubou primeiro... Apenas tomei de volta o que é meu!
Leona não hesitou em desviar a face da dele quando Juan tentou roubar-lhe um beijo, ofegando pela dor e implorando pela vida.
— Você é doente, Juan... Doente! Jamais te quis! Você tem uma esposa, ela está grávida e tem mais dois filhos em casa te esperando! Eu também tenho os meus filhos, por favor! Pense no que está fazendo!
Juan segurou o rosto dela voltando para ele.
— Se você não for minha... Não vai ser de ninguém!
Leona cuspiu na face dele com raiva, gritando pela contração forte que lhe sacudiu o corpo.
Juan nunca pensou que ela morreria realmente no parto, mas para seu azar, aconteceu. Leona pariu com a ajuda de uma mulher do povoado arranjada por ele, mas não resistiu e morreu junto do menino, que já nasceu sem vida.
Desde então, seu ódio e loucura apenas se multiplicaram.
Alejandro Trovalim foi o homem que a roubou, o homem que mediu forças com ele e venceu. Não perdoaria sua descendência, muito menos agora que seu filho havia tomado como esposa sua única filha!
— Você ficou louco, cara? — Ouviu sussurros vindos do corredor e se aproximou da porta — Isso é loucura! O pai... Ele vai te matar quando souber!
— Que me importa? — Juan constatou que as vozes eram de Tiago e Gabriel, ambos discutindo na sala escura — Mariana não é mulher do cara agora? Pois então... Ela está certa em correr atrás do dela e eu, meu caro — Deu um tapinha no ombro do irmão mais velho — Vou atrás de Helena e minha filha!
Juan franziu o cenho diante da grotesca informação.
— Como pôde fazer isso? Como pôde engravidar a irmã do Lobo, garoto? Misturou nosso sangue com o deles! — Tiago dizia nervoso, mas ainda baixo. Juan sequer podia acreditar no que ouvia.
— Pois o fiz! E me diga... O que eu, você, Mariana, Helena e o Lobo temos a ver com os problemas de nossos pais? Pelo amor de Deus! O que Helena te fez?
— Nada... — Tiago respondeu pensativo — Mas é uma questão de honra!
— Questão de honra é eu ir até a fazenda dos Trovalim conhecer minha filha! Ela é minha filha, você viu bem!
— Sim, ela tem o cabelo vermelho e...
— Mariana me disse em palavras claras que Helena confessou a ela! — Gabriel segurou no ombro do irmão — Antes não me arrisquei com medo do Lobo me estraçalhar, mas agora que ele é nosso cunhado... — Sorriu animado — As coisas mudaram!
— Gabriel... Isso ainda é muito arriscado, cara.
— Não se preocupe! Apenas me dê cobertura amanhã. O pai não pode saber disso agora, entendeu?
Juan suspirou com raiva, apertando os dentes pela ira que o dominava! Seu sangue e dos Trovalim se misturaram! Estava atado aquela família que tanto odiava pela vida de uma criança, uma bastarda!
Todos, incluindo Gabriel e Mariana, iriam pagar!
Helena ria junto de Sol e as duas brincavam com a pequena Sarah no quarto da garotinha. A bebê tentava alcançar os móbiles do tapete de atividades enquanto as duas conversavam ao lado.
— Leon já se acostumou com a ideia de ser pai? — Helena perguntou analisando Sol, que alisava a pequena barriga de três meses de gestação com carinho. A mesma já se mostrava tímida embaixo do vestido rosa claro.
— Está tentando entender ainda... Mas sabíamos que ia acontecer. Leon tomou cuidado algumas vezes, mas em algumas vacilamos. Era algo bem previsível — Explicou vendo o sorriso de Helena enquanto encarava seu ventre.
— Ele me disse que você procurou a bruxa para tomar chás abortivos... Quebrou tudo lá fora com a raiva que sentiu depois de encontrar com a tal mulher — Os olhos escuros de Sol encararam o rosto de Helena seriamente — Ela desmentiu tudo. Disse que a história do Lobo era somente uma lenda e isso foi muito forte para meu irmão... Leon notou o quanto perdeu de sua vida acreditando em uma lenda estúpida!
Calada, Sol encarava o ventre e acariciava-o delicadamente.
— Realmente procurei a tal mulher... Ela me deu os chás, mas antes que eu saísse, me disse que o fruto em meu ventre era um menino... E teria os olhos do pai — Helena se mostrou surpresa — Aquela imagem do garotinho não saia de minha cabeça, Helena. Não pude parar de pensar nele um só minuto desde que sai de lá... E não consegui! Simplesmente não consegui me desfazer dele, mesmo que isso me custasse à vida.
A morena se esticou para tocar a mão dela com carinho.
— Senhorita Helena — Andreia apareceu na porta do quarto — Tem um jovem na sala querendo conversar com a senhora... — As duas moças se encararam — Ele disse que se chama Gabriel e você saberia de quem se trata.
— Gabriel? — Sol ficou de pé em uma passada enquanto Helena pegava a neném — Não pode ser! O que meu irmão está fazendo aqui?
— Não, Sol... Não posso recebê-lo! Peça a ele que vá embora antes que Leon chegue! Por favor... — Sol olhou para Sarah, que brincava com o colar da mãe inocentemente.
Desceu as escadas nervosa, mas se deteve ao encontrar o irmão parado em meio a sala da casa de Leon olhando para o quadro da mãe dele.
— Você ficou louco, Gabriel? — Sol vociferou — O que faz aqui assim, sem avisar?
— Mariana — O rapaz sorriu ao ver a irmã — Como é bom te ver, irmã! — Foi até ela com as mãos nos bolsos — Vim ver Helena e minha filha. Agora que você é mulher do Lobo...
— Nada mudou! Ele continua odiando nosso pai e nosso pai a ele!
— Ele não te considera mais filha. Queimou todas suas coisas, rasgou todas as fotos onde você estava e amaldiçoou seu nome... — Mariana engoliu em seco diante das palavras do irmão — Provavelmente fará o mesmo comigo, mas que saber? Não me importo! Se o Lobo me aceitar, posso ser útil aqui com vocês!
— Gabriel... Helena não está preparada, muito menos Leon!
— Leon? — Perguntou confuso.
— É o verdadeiro nome dele — Gabriel ia responder, mas desviou a atenção para a figura que descia as escadas.
Helena vinha com a pequena Sarah nos braços, carregando a bebê com cuidado e carinho. Sol prendeu a respiração com o ato surpreendente da cunhada, que sequer tirava os olhos de Gabriel, estático em meio à sala. A bebê olhava em direção ao pai, curiosa pela figura desconhecida.
— Helena... — Gabriel sussurrou com um sorriso. A moça desceu junto de Sol e as duas pararam frente ao rapaz — Ela é linda! — Referiu-se a pequena ruiva.
— Você é maluco Gabriel — Disse baixinho, emocionada por vê-lo — E esperei sua maluquice por muito tempo! — Lágrimas se formavam nos olhos da moça.
— Porque não me contou tudo, Helena? Porque não me disse que estava grávida quando foi embora?
— Eu não podia! — Helena se deixou dominar pela emoção — Meu irmão, caso soubesse, me mataria! Nossa história é impossível, Gabriel.
— Era! — Afirmou convicto — Agora não mais! Minha irmã e seu irmão estão juntos e existe uma possibilidade para nós também!
— Helena? Sol? — Leon entrou pela porta dianteira e parou para observar as duas moças com o rapaz. Observou-o atentamente. Ninguém sequer respirava diante do clima tenso que até mesmo Sarah sentia — Quem é a visita?
— É... — Sol começou — Leon...
— Eu me lembro de você! — Apontou para Gabriel — Estava junto a Juan Brancaglione no dia do casamento de Sol. Você o segurou.
— Mariana é minha irmã mais nova — Gabriel apontou para a ruiva, que corou — Sou Gabriel Brancaglione — Esticou a mão para Leon, que encarou a mão do rapaz por alguns segundos antes de apertá-la.
Pensou em Sol e nas atitudes do rapaz no dia do casamento. Parecia estar ao lado da irmã.
— Leon Trovalim — Respondeu simplesmente.
— Estou aqui porque tenho algo a te dizer — Gabriel limpou a garganta e Leon o encarou interessado.
— Gabriel... — Helena sussurrou amedrontada.
— Diga, rapaz — Leon insistiu, olhando para as duas com curiosidade.
— Helena e eu... Bom... — Coçou o rosto, intimidado com o Lobo, que começava a entender tudo — Sou o pai da filha dela.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
— Quando Helena me contou sobre a gravidez, jurei a ela que mataria o homem que a engravidou, cara — Leon coçou o pescoço pelo nervoso que o tomava, mas simplesmente não podia cometer uma loucura. Gabriel baixou o rosto — Mas me deixou em maus lençóis... Não posso matar o irmão de minha futura esposa e mãe de meu filho, mesmo que odeie os Brancaglione.
Helena e Mariana se encararam surpresas.
— Não esperava ser recebido com flores por você. Tão pouco acho que mereço ser bem tratado, mas sua irmã nunca me contou sobre a gravidez. Descobri no dia em que minha irmã voltou para casa.
— Ele não tem culpa, Leon! — Helena deixou a bebê com Sol e se aproximou deles — Nós dois não sabíamos quem éramos de inicio, tivemos uma história e resultou em Sarah! Não contei nada a ele e...
Leon fez sinal para que ela parasse.
— Não quero ouvir nada, Helena. Você não tem que explicar nada agora... — Leon parecia calmo, olhando os dois juntos com tranquilidade — Apenas curta a presença do pai de sua filha e aproveite para mostrar a ele o quanto ela é linda e especial.
— Ah Leon! — Helena suspirou de alivio, vendo o sorriso de Sol — Obrigado irmão! — A morena se jogou nos braços do irmão, que a abraçou com carinho.
— Depois conversamos... Depois acertamos os detalhes — Olhou para Gabriel — Aceito o fato de ser pai de Sarah, mas não que tire as duas daqui. Não vou tolerar que minha irmã e minha sobrinha, que está em meu cuidado desde o ventre, vivam sob o mesmo teto que Juan Brancaglione. Não confio naquele homem nem por um minuto.
— Não vou fazer isso — Gabriel garantiu — Agradeço por cuidar delas... E de Mariana.
— Você é bem-vindo. Seu pai não. Que fique claro!
Aquela não foi à primeira vez em que Gabriel esteve na fazenda de Ouro. Conforme o ventre de Sol crescia e a data do casamento se aproximava, Gabriel se tornou presente na vida da filha, mas ainda não havia reatado sua história com Helena.
Dois meses depois, escondendo-se do pai a cada vez que visitava a fazenda de Ouro, Gabriel decidiu pedir a mão de Helena em casamento para Leon depois da cerimônia de casamento do Lobo com Sol.
A cerimônia era realizada na igreja da cidade, muita gente estava presente e podia ver a maneira como o Lobo já não existia. Foi exatamente o que Sol deixou claro em seu discurso de enlace... Que se casava com Leon Trovalim, não com o Lobo. Aquele homem macabro e envolto por sombras não passava de uma lenda! A pequena cidade assistia a única filha de Juan Brancaglione se casando com o herdeiro Trovalim sem acreditar no fato, mas era possível notar de longe a maneira como o casal se amava. A ruiva incendiava os olhos verdes do homem apenas com a presença.
— Obrigado por ter aparecido em minha vida como um Sol, meu amor — Leon sussurrou enquanto os convidados, principalmente o pessoal da fazenda, jogava sobre eles uma chuva de arroz na porta da igreja.
— Você foi meu sol também, Leon.
Beijaram-se sob aplausos, irradiando a alegria que o momento proporcionava. Caminhando na saída da igreja, no entanto, a noiva foi parada por uma figura curiosa enquanto era cumprimentada pelos convidados.
— Mariana Brancaglione agora é uma Trovalim — Sem que pudesse perceber, a conhecida bruxa Ravena estava com uma das mãos sobre seu ventre — Que bom que não se desfez do fruto de seu pecado.
— Já disse para não se referir ao meu filho assim — Mariana respondeu rápido, afastando-se um pouco. A mulher ergueu os olhos para ela de maneira enigmática — É melhor ir embora.
— Precisava ver com meus próprios olhos a união de duas famílias inimigas. Mas não pense que essa alegria vai perdurar... Ela tem os dias contados!
A ruiva paralisou diante das palavras da mulher, que observou Leon se aproximando por trás da noiva e se afastou rapidamente.
— O que essa mulher fazia aqui? — Vestido de noivo em trajes formais, Leon segurou a cintura da esposa, que ainda parecia perplexa — Vou mandar alguém atrás dela...
— Não! Está tudo bem! — Sol se virou e apoiou uma das mãos no peito forte do marido — Ela já foi, meu amor. Vamos voltar para os convidados, sim?
Leon obedeceu à esposa, mas ainda espiou por cima do ombro para ver se a mulher realmente se afastava.
— Quando chegarmos a fazenda de Ouro, depois da festa, pedirei a mão de Helena para o seu marido — Gabriel confessou a Mariana, que bebia suco em uma taça. A moça quase cuspiu.
— Está louco? E o nosso pai? Vai abandonar a fazenda dele também e ser um renegado?
— Algo me diz que ele já sabe. Vem agindo de maneira muito estranho comigo nos últimos dias. Não me importo, Mariana. Vou pedir um emprego a seu marido e ficar ao lado de minha filha! Você não escolheu seu homem e seu filho? Pois então... Eu também posso!
Mariana não conseguiu convencer o irmão do contrário, tão pouco podia. Gozou a felicidade de ter se casado com o homem que amava.
— Os dias foram incríveis, esposa... Desde que te vi desacordada quando chegou aqui, sou completamente apaixonado por você — Leon sussurrou ao ouvido dela enquanto a envolvia por trás, deslizando as mãos grandes em sua cintura, descendo por sua barriga...
— Eu também Leon. Era fascinada por você antes mesmo de ver seu rosto... Lobo — Virou-se em direção a ele e lhe envolveu o pescoço, colocando-se na ponta dos pés.
— Sol... — Colou a testa na dela, beijando-lhe os lábios enquanto sorria — A ruiva encrenqueira que vai me dar um filho... A mulher da profecia!
— Você não disse que não acreditava mais nessas coisas? — Sorriu também em meio ao beijo. As mãos fortes de Leon correram em suas costas para desabotoar o vestido de noiva.
— Não acredito... Mas estou seguro de que foi enviada para liberar o Lobo de todas as amarras.
O Lobo retirou o vestido de sua esposa com delicadeza, lembrando-se em detalhes da primeira noite deles, o momento em que machucou Mariana com seu desespero em possuí-la. Aquela era a primeira noite onde sua mulher era também sua esposa.
Amou-a com cuidado e delicadeza, deslizando as mãos grandes e cálidas pelo corpo rosado e sensual, mesmo carregando um filho. Estava seguro de que ficava ainda mais linda com o ventre avantajado que começava a aparecer. A cada investida contra o corpo frágil sentia nas veias a maneira como estava ligado a ela por forças maiores do que poderia mensurar.
A ligação entre eles ia além de seu membro enrijecido penetrando a carne úmida, além até do prazer arrebatador que suas peles em contato proporcionava... Mariana libertou o Lobo e o Leon fez brilhar o Sol de Mariana.
— Seu irmão pediu a mão de Helena em casamento... — Sussurrou Leon após terminarem. Mariana se encontrava deitada em seu peito, encarando-o de baixo com os olhos castanhos apaixonados e os dedos pequenos passeando em sua barba — Achei o garoto bem ousado.
— Destemido, querido. Pode dizer o que quiser, mas somos destemidos... — Brincou — Como minha mãe ensinou. O que você disse? — Leon seguia sério.
— Que sim. Desde que venha morar aqui definitivamente.
— Obrigado Leon... — Sussurrou beijando o peito dele carinhosamente — Muito obrigado!
Ao abrir os olhos no dia seguinte, Mariana não encontrou o marido na cama. Sentou-se no colchão e foi surpreendida com um profundo silêncio. Sequer o choro de Sarah era ouvido na casa Trovalim. Seu sono de grávida estava ainda mais pesado que de costume e Leon não ousava despertá-la cedo ou causar qualquer esforço. Procurava poupá-la o máximo que podia para não colocar a vida do filho em risco. Olhou para o ventre e sentiu um leve movimento do bebê, que aos cinco meses já se mostrava agitado. Ao passo em que acariciava o ventre, um forte estrondo se ouviu.
Ela estava segura de que era um tiro! Gritos se fizeram em seguida, mas muito ao longe.
— Leon! — Afastou as cobertas e vestiu um robe branco, correndo pelos corredores vazios da casa. Não havia ninguém por perto — Leon! Onde estão todos? — Correu para a janela mais próxima, encontrando no jardim uma pequena aglomeração. Reconheceu Leon, Andreia e Ernesto. Correu até a porta central, abrindo-a com força — Leon!
Paralisou na varanda ao notar o que realmente acontecia.
A pequena roda de pessoas era composta por Leon, Andreia, — que segurava a pequena Sarah dormindo nos braços — Ernesto, Otávio e mais três empregados. Três pessoas estavam caídas no chão... Uma delas era Helena, que chorava debruçada sobre um corpo, e o outro seu pai, que também chorava em desespero, mas tinha uma arma apontada na cabeça pelo Lobo.
O corpo em meio a eles era o de Gabriel, que sangrava com um tiro no centro do peito e estava imóvel. Morto.
— Gabriel, não! Por favor, não! Gabriel, nós temos a nossa filha! — Os gritos de Helena preenchiam o vazio e Mariana sequer conseguia se mover. Ao vê-la, Andreia passou a pequena Sarah para os braços de uma das empregadas e correu até a ruiva, que já caia ajoelhada pelo impacto da cena — Gabriel... VOCÊ É UM MONSTRO! — Gritou para Juan Brancaglione, que chorava segurando a mão do filho — COMO PÔDE MATAR SEU PRÓPRIO FILHO? Leon! Mate-o Leon! Mate-o, por favor! Mate-o!
Ernesto envolveu a morena pela cintura e a tirou de perto do corpo, uma vez que Helena se mostrava descontrolada em meio ao caos da cena. Helena o abraçou pelo ombro e seguiu chorando desesperada, todos ao redor observando a cena do Lobo apontado uma arma para a cabeça de Juan Brancaglione chorando sobre o corpo morto do filho.
— Aperte logo esse gatilho, Leon! — Juan gritava em desespero, nitidamente baqueado pela morte do filho que ele mesmo causou em um momento de fúria — Aperte este gatilho e vingue sua mãe, vingue seus pais! Acabe logo comigo! Vamos! Aperte!
— Aperta Leon! Mate-o! — Helena gritava.
— Gabriel... — Sol sussurrou tentando sair dos braços de Andreia, mas a senhora a segurava com força. Apesar disso, deixava que se aproximasse do corpo — Meu irmão... — Juan ergueu os olhos para Mariana quando Leon puxou a trava da arma, dando a entender que o mataria em seguida — Como pôde fazer isso? Já não bastava minha mãe? Já não bastava tudo que nos fez a vida toda? — Abaixou-se para tocar o rosto do irmão morto — Como pôde?
— Mande seu marido me matar agora mesmo, Mariana — Juan sussurrou com o rosto banhado de suor e tristeza, ajoelhado sobre o corpo do filho morto — E me perdoe por tudo. Me perdoe.
Juan fechou os olhos para ser morto. Mariana o conhecia de toda uma vida e sabia que o que via naquela face não era uma encenação... Tratava-se de fato de arrependimento.
— Depois do que fez, não merece nada pai! Nada! Nada! — Mariana gritava nervosa e foi tirada de perto do corpo irmão por Andreia, que a afastou da cena novamente — Gabriel...
Leon suava com a arma apontada para Juan no chão. O velho já se considerava morto, uma vez que invadiu a casa do Lobo escondido na traseira da caminhonete do filho para matá-lo. Matar o homem que ousou colocar as mãos em sua filha e desgraçá-la. O homem que era filho de seu grande amor e do homem que mais odiava! Um Trovalim... O mais amaldiçoado entre eles!
Mas Gabriel o viu no jardim disfarçado e tentou impedir. Em meio à briga, Helena, Ernesto, Otávio, Andreia e Leon apareceram... Foi o suficiente para verem a arma, que estava entre ambos, disparar. Por vontade ou não, Juan Brancaglione atingiu o peito do próprio filho. O filho que agonizou a seus pés enquanto se despedia da filha, que Helena colocou diante do rosto dele em seus minutos finais.
— Você é linda, Sarah. O papai te ama — Foi à última coisa que disse antes de cair sem vida, desfalecido, nos braços de Helena.
— Me mata! — Juan gritou — O que está esperando?
Leon via nos olhos dele o desespero de estar vivo e lidar com a culpa, por isso baixou a arma e endireitou a postura.
— Não. A morte é pouco para você! — Vociferou mexido pela cena — Vai viver com a culpa, meu caro. Vai viver se lembrando do que fez a sua esposa, a seu filho e a Mariana... Vai viver para lembrar e remoer... Vai assumir tudo que era, foi e sempre será! — Juan baixou o rosto suado, nervoso pelas palavras do Lobo.
— Não tem coragem de me matar porque sou pai de sua esposa? — Juan gritou — Você não é o grande Lobo? O que está esperando? Diga!
— Eu não sou e nunca fui um animal — Leon se aproximou ainda mais para falar, baixando o rosto próximo de Juan — Um verdadeiro animal age com domínio sobre as fêmeas... Mata os que não lhe servem... Destrói família e mata as próprias crias quando não são de seu agrado. O verdadeiro animal — Deu um tapinha na bochecha dele — É você, meu caro! — Juan baixou o olhar para o corpo do filho, em seguida encarando a filha que chorava na varanda nos braços de Andreia — Otávio... Chame a policia estadual. Esse canalha vai apodrecer na cadeia, mesmo que eu gaste até o último centavo de minha fortuna. Sei de muitas coisas sobre você, Juan Brancaglione. Seus cultivos ilícitos, o tráfico que promove na fazenda... Sua filha é minha testemunha! Você está acabado! Acabado como meu pai ficou um dia!
O olhar de Mariana no rosto do pai deixava claro todos seus sentimentos.
Ódio. Desprezo. Rancor. Raiva... Decepção.
Jamais pensou presenciar tal cena. Jamais pensou ver o Lobo mostrando a todos o que realmente era ser justo com uma vingança.
ÚLTIMO CAPÍTULO
Quando o turbilhão de emoções em seu peito se tornava demasiadamente pesado, Mariana se recolhia junto ao riacho para pensar e espairecer a mente.
Jamais pensou enfrentar uma situação como aquela passando por um momento tão feliz em sua vida. Era esposa do homem que amava, tinha um marido incrível e que fazia todas suas vontades, carregava o filho deles em plena saúde, mas acabou de enterrar o irmão que mais amava e ver o pai ser carregado para uma prisão que provavelmente duraria o resto da vida.
Chorava em silêncio, sentada com os pés dentro do riacho e os olhos na leve correnteza que se arrastava.
A coisa mais difícil, depois de perder a mãe, foi ver o corpo do irmão sendo baixado à sepultura para descansar ao lado da matriarca. Como seu pai poderia dormir em paz o resto da vida sabendo que matou o próprio filho em nome de uma briga estúpida entre famílias que ele mesmo começou? Gabriel tinha toda uma vida... Uma filha linda! Jamais poderia esquecê-lo.
Leon estava ao seu lado e era sua força. Ele cuidava de tudo para que não a sobrecarregasse com nada.
A fazenda dos Brancaglione agora pertencia a eles, os Trovalim. Leon comprou a parte de Tiago, que se mudou para São Paulo com a família após a tragédia. As outras partes eram de Mariana e Sarah. Leon acabou conseguindo o que queria... Todas as posses de Juan eram suas agora, até mesmo sua filha e neta. Viver com a culpa certamente era um castigo pior do que morrer e se entregar.
— Pode achar que minto, mas é real — Juan disse a ela antes que a policia o levasse, amarrado a varanda da fazenda Trovalim como um animal. A chuva caia atrás deles enquanto recolhiam o corpo de Gabriel no gramado — Peço que me perdoe, Mariana.
— Perdoá-lo não vai trazer meu irmão de volta... Ele tinha uma vida... Uma mulher que o amava e uma filha para criar! — Sussurrou quase sem expressão, chorando enquanto o encarava — Tem ideia do que fez em nome do poder? Do orgulho? Matou minha mãe... A mãe de Leon e Helena... Destruiu o pai deles... Tirou a vida de seu filho, o pai de uma criança! Para quê, me diga? — Pela primeira vez na vida Mariana presenciou o pai chorando. Chorando de verdade, entregue a dor. Não sentia pena. Não sentia nada — Também estive morta por anos... Trancada naquela fazenda com você querendo me vender como um objeto. Se não fosse Leon, eu também estaria morta!
— Queria poder mudar tudo... Mas não posso — Juan sussurrou cansado, escorando em sofrimento e chorando — Nunca quis matar seu irmão. Nunca quis... — Balbuciou entre soluços. Mariana baixou o rosto — Vou pagar pelo que fiz.
— Claro que vai... — Garantiu.
— Mas antes... Por favor, me perdoe — Insistiu novamente — Por favor, filha.
— Eu te perdoo, senhor Juan Brancaglione. Meu pai... O senhor nunca foi, apenas em um papel. Agora quem te riscou da árvore genealógica fui eu.
A água corria sob seus pés e as lágrimas em seus olhos. Precisava ser forte por seu filho. Precisava seguir em frente, como o irmão gostaria.
— Sabia que te encontraria por aqui — Ouviu a voz atrás de si e virou o rosto com cuidado, deparando-se com uma figura familiar.
— Flora... — Sussurrou ficando de pé com cuidado, levando uma das mãos de maneira defensiva até a barriga de sete meses de gestação — O que faz aqui?
A menina estava vestida de maneira elegante, mesmo caminhando com os saltos nas mãos em meio à trilha. Não parecia a mesma garota interiorana que saiu dali a poucos meses.
— Vim visitar mamãe pela última vez e aproveitei para aclarar uns assuntos com seu marido — Explicou calmamente. Mariana parecia confusa — Queria dizer que sinto muito por tudo que te fiz.
— Sente muito? — Questionou olhando-a bem.
— Sim. Fui eu quem contou a seu pai sobre seu paradeiro... Enfim... — Envergonhada, olhava para o chão — Você sabe de tudo, por certo. Mas digo que me arrependo e foi tudo baseado em um amor infantil que nutri pelo Lobo durante anos. Uma coisa de menina boba que felizmente passou e hoje noto como fui inconsequente e... Péssima.
— Que bom que notou — Mariana assentiu positivamente — Vai embora, por isso veio se despedir?
— Me casei — Mostrou um anel em seu dedo anelar da mão esquerda — Com um banqueiro rico da região. Ele é mais velho, mas me trata muito bem e...
Mariana teve vontade de rir.
— Tem muito dinheiro, imagino — Sabia bem quem era — Venâncio Porto? — Disse o nome do homem com quem ela mesma iria se casar no dia em que a cerimônia foi interrompida por Leon.
— Sim, ele mesmo — Sorriu animada, mostrando a felicidade por ter finalmente conseguido o dinheiro e a posição que sempre quis — Ofereci a mamãe uma vida conosco, mas ela não quer deixar a cidade e ir morar na Europa como Venâncio deseja. Vai ficar por aqui.
— Europa? — Flora concordou — Espero que seja feliz, Flora.
— Sim serei... E te desejo o mesmo, Sol. Nunca foi algo pessoal contra você... Sabe disso não sabe?
— Sim, eu sei.
Mariana a perdoou, mas a queria longe. E assim foi. Flora nunca mais voltou para a fazenda de Ouro e passou a viver uma vida regada a luxo e dinheiro com seu velho banqueiro.
As surpresas não pararam por aí.
— Acredita que Ernesto e Helena estão namorando? — Leon comentou em dada noite enquanto a esposa penteava os cabelos úmidos diante do espelho da penteadeira.
Ele secava o cabelo delicadamente com uma toalha enquanto caminhava pelo quarto com o peito desnudo.
— Namorando? — Sol não escondeu o sorriso — Quer dizer que finalmente Helena teve coragem de assumir?
Passados meses da morte de Gabriel, Helena finalmente conseguia se dar uma chance. Antes de morrer seu irmão e a morena não haviam reatado qualquer namoro, estava em fase de reconquista, mas Helena já comentava com ela sobre algumas investidas de Ernesto, um rapaz que a agradava.
— Ele me pediu a mão dela em namoro hoje e eu concedi. Acho que minha irmã precisa ser feliz e Ernesto sempre foi um rapaz de boas intenções e caráter. Foi ele quem contou tudo sobre Flora... Caso contrário, ainda estaríamos às cegas com ela.
— Realmente. Ernesto é um bom homem e fará Helena muito feliz. Cuidará de Sarah da mesma maneira que fará com seus filhos, estou segura.
Leon parou atrás dela e lhe beijou o ombro.
— Agora só falta meu filho nascer, não é? — Deslizou a mão grande para o ventre saltado da esposa, que já completava quase quarenta semanas de gestação — Estou ansioso para que nasça e eu possa finalmente fazer os irmãos... — Beijou o pescoço dela e Mariana riu.
— Claro que é para isso! Uma coisa nunca vai mudar, Leon Trovalim... Você pode ter deixado de ser o Lobo, mas ainda continua insaciável!
— Tudo que quero é fazê-la feliz, Mariana Trovalim... — Sussurrou ao ouvido dela carinhosamente — Feliz como nunca.
— Você faz... Todos os dias.
— Sei da tristeza que encobre seu coração, meu amor... Mas espero que nossa família e nossa felicidade seja o suficiente para te tirar das sombras como o seu amor fez comigo — Mariana se virou para ele e lhe tocou o queixo com carinho. As mãos de Leon pousaram em sua barriga saltada.
— Seu amor também me libertou, Leon. Libertou-me de todas as maneiras possíveis.
Era noite e a pequena Sarah dormia no sofá sob o olhar do tio.
— Nesta noite veremos a lenda do Lobo cair por terra, cunhado — Ernesto comentou pousando uma das mãos no ombro forte de Leon, que bebia um copo de uísque lentamente — Todos se darão conta do quanto foram tolos. Até eu acreditava, confesso...
Ernesto também bebia. Agora eram cunhados e amigos, sendo Ernesto o administrador da fazenda Brancaglione, — propriedade dos Trovalim — que agora se chamava “Fazenda Lady Emília”.
— Só espero que dê tudo certo — Comentou bebendo mais um pouco do conteúdo do corpo — A última coisa que me importa é essa lenda.
— Isso é ótimo de ouvir, cunhado. Vou pegar uns aperitivos!
O rapaz saiu da sala e Leon espiou a pequena ruiva, que dormia tranquilamente. Voltou-se, então, para o retrato da mãe pendurado em meio à sala. Ouvia as vozes no andar de cima e o cochicho das mulheres, sabendo que o momento se aproximava...
— Como queria que a senhora estivesse aqui, mãe — Disse ao retrato da mulher morena e de olhos verdes, muito linda e elegante — Estou seguro de que amaria seu neto e estaria orgulhosa de meu casamento com Mariana. Ela é incrível e me salvou das sombras... Mesmo sendo filha daquele homem, ela nos salvou... Perdoe-me por não ter conseguido mata-lo, mas dentro de meu coração sei que fiz o certo. Fiz o que a senhora gostaria que fosse feito.
Um grito estridente foi ouvido e Leon olhou para o topo das escadas enquanto Ernesto entrava na sala. Correu escada acima e encontrou Helena na porta do quarto.
— Vem Leon! Nasceu! — Chamou animada, chacoalhando as mãos no ar e saltitando — Ele é lindo!
Teimosa que era, Mariana decidiu dar à luz em casa como Helena fez. Chamaram a mesma médica e tudo correu muito bem. Leon entrou no quarto e encontrou a esposa com um pequeno pacote nos braços, sorrindo cansada para a criança que chorava em plenos pulmões.
— Ele é lindo Leon! — Andreia disse emocionada, limpando as lágrimas da face — Meus parabéns!
— Meus parabéns senhor e senhora Trovalim — A médica, que cuidava de Mariana por baixo de um pano em suas pernas, parecia tranquila e aquilo o confortou — Ele nasceu muito forte.
Leon se aproximou de Mariana, cansada e ofegante, para observar a criança em seus braços. Tratava-se de um lindo menino de cabelos escuros e pele clara. No rosto trazia sardas iguais as da mãe. Sorriu com alegria, sentindo o peito ser preenchido por uma sensação avassaladora de paz e conforto.
— Mariana... — Tocou o rosto dela com carinho, beijando em seguida o cabelo vermelho — Como se sente meu amor?
— Muito bem... A dor passa assim que sai — Comentou rindo baixinho, olhando para o marido com amor e gratidão — Obrigado por esse filho lindo, Leon.
— Eu é quem te agradeço, amor. Você me fez o homem mais feliz e completo do mundo, querida — O menino chorava nos braços da mãe demonstrando sua saúde e vivacidade. Era aplaudido e admirado por todos ao redor.
— Vai segurá-lo? — Sol sussurrou ao marido, que concordou um tanto hesitante.
Passou o menino para ele, que sustentou com cuidado e carinho, observando como se fosse a joia mais preciosa sobre a terra. Era lindo. Era seu. Era o significado de toda sua vida!
Aquele menino mostrava o quão estupida era aquela lenda. O quão ingênuo foi por afundar-se na dor em meio ao caos no qual queria acreditar.
— O Lobo não existia. O Lobo nunca existiu! — Leon sussurrou olhando o filho com orgulho. O garotinho parou de chorar ao ouvir sua voz — Lion Lucas Trovalim... O meu herdeiro! — Declarou emocionado diante do filho recém-nascido.
Todos ali sabiam que aquele momento, até meses atrás, parecia impossível para Leon, por isso se emocionavam diante da cena de pai e filho. O homem que pensava que nunca seria pai agora tinha um filho, uma esposa... Uma família.
O passado permaneceu nas sombras desde que o sol raiou novamente na vida de Leon.
Sua Sol.
Para sempre.
Seis anos depois
“Os mistérios da vida nem sempre serão desvendados. ”
“Desta forma, talvez jamais entenderei os propósitos que me levaram a viver anos como um animal enclausurado e carregando a fama de um Lobo. O ódio me cegou, mas a única coisa capaz de resplandecer atrás dele é o amor.”
“Foi assim que me curei de uma doença chamada rancor.”
— Como se sente hoje querida? — Subindo as escadas centrais da fazenda de Ouro, Leon avistou Mariana costurando casaquinhos rosa com agulhas de crochê sobre sua grande barriga de gestação.
— Hoje os enjoos deram uma trégua — Abaixou-se para beijá-la e afagar a barriga com carinho — Eu já tinha me esquecido o quão difícil é ficar grávida!
Seis anos se passaram desde o nascimento do primogênito, Lion. O garoto já tinha seis anos completos e corria no jardim a frente dos pais com sua prima ruiva, Sarah. A pequena já contava sete anos e Helena e Ernesto ainda não tiveram interesse em ter outra criança. A maior parte da infância de Sarah era vivida na fazenda de Ouro, uma vez que Helena sempre passava o dia com a cunhada planejando o nascimento da nova bebê que chegaria em breve e curtindo o pequeno sobrinho. Ernesto, Helena e Sarah viviam na antiga fazenda Brancaglione.
Leon e Ernesto trabalhavam demais e elas esperavam muito. A companhia uma da outra era confortante na ausência de seus maridos.
— Espero que se acostume novamente, Sol — A ruiva o encarava com curiosidade — Esperei muito tempo para ter um novo herdeiro e agora quero pelo menos mais dois!
— Então terá que encontrar outra mãe para eles, esposo — Mariana comentou rindo baixinho — Porque não pretendo voltar a ter filhos nunca mais! Dois é uma conta excelente, ainda por cima, um casal!
— Não existe a opção de achar outra mãe e sei bem como convencê-la — Piscou de maneira sensual e ela riu ainda mais.
— Trata-se de um jogo sujo, Leon Trovalim... Não brinque com o coração e os hormônios de uma mulher grávida! — Leon se aproximou para beijá-la novamente.
— Pai, mãe... — Lion subiu correndo as escadas com a bola embaixo do braço e o cabelo escuro colando na testa suada. Era uma cópia fiel do pai, inteiramente um Trovalim. Os olhos verdes brilhavam sob o sol da fazenda na qual nasceu e cresceu — Olha Sarah, meu pai chegou!
A garota ruiva vinha logo atrás, um pouco maior de tamanho que o menino, usando um vestido branco e rosa com os cabelos longos descendo até o quadril. A garota era parecida com o pai biológico, muito semelhante à Mariana fisicamente, deixando claro a qual família havia saído... Era linda e muito inteligente.
As crianças cumprimentaram Leon com beijos e abraços, deixando claro a ele que todo o sentido da vida era expresso nos gestos doces dos pequenos.
Maria Laura chegaria no outono, sua segunda filha e tão esperada por ele e Mariana. Pegava-se pensando a todo o momento como teria sido sua vida se não houvesse impedido o casamento de Sol... Como tudo aconteceria se Lion houvesse sido criado pelas mãos de outro homem ou quem sabe não existisse a essa altura.
Afastava tais pensamentos enquanto olhava um lindo retrato pendurado à frente de sua mesa no escritório. Ele, Mariana e Lion juntos e sorridentes. Ao lado, Helena, Ernesto e Sarah. Aquelas eram as pessoas com quem podia contar. Ali estava seu coração. Somando dona Andreia e Otávio, aquela era sua família.
— Tio? Posso entrar? — A pequena Sarah bateu na porta e abriu delicadamente, colocando apenas a cabeça dentro da sala.
— Claro Sarah, entre! — Fez um sinal com a mão e a menina entrou, fechando a porta atrás de si. Enquanto Leon digitava no computador, Sarah parou ao lado dele e se apoiou em sua perna como sempre fazia — O que foi agora, querida? Lion te incomodou novamente? — Não olhava para a menina, seguia digitando.
— Não tio... Quero te fazer uma pergunta — Envergonhada, prosseguia.
— Diga.
— É verdade que antigamente te chamavam de Lobo? — Leon olhou para ela e sorriu.
— Sim, Sarah. Já contei essa história para você antes — Voltou-se para o computador.
— É verdade que meu avô matou meu verdadeiro pai?
O fôlego de Leon faltou por alguns minutos. Parou de digitar e encarou a menina lentamente, buscando na cabeça o que dizer perante aquilo. O olhar inocente de Sarah não deixava margem a dúvidas. Ela sabia bem do que estava falando no auge de seus sete anos.
— Sarah...
— Sei que Ernesto não é meu verdadeiro pai, minha mãe já me disse. Eu o amo, mas não é o meu pai de verdade — Dizia decidida — Ouvi na cidade o que acabei de perguntar, por isso estou aqui. Quero saber se é verdade, tio.
— Não deve se importar com isso, querida — Leon beijou o cabelo ruivo da garotinha tão parecida com sua esposa delicadamente — No momento certo eu e sua mãe conversaremos sobre isso com você. Ainda é muito pequena para compreender... — Sarah não pareceu feliz, mas aceitou o afago. Leon dificilmente era contrariado pelas crianças — Porém todos nós te amamos muito. Eu... — Colocou a mão dela sobre seu coração — Sempre estaria aqui para te defender!
— E agora que a Maria Laura vai chegar? Como será? — Sarah o encarou com os olhos verdes tomados por lágrimas — Você terá uma verdadeira filha... E eu? Não vai me amar mais como filha?
Leon se emocionou durante a pergunta. Não sabia bem como expressar seus sentimentos, mas podia dizer com poucas palavras o que significava.
— Você — Tocou o nariz da menina com delicadeza — Foi uma das coisas mais incríveis que aconteceu em minha vida, Sarah. Quando sua mãe chegou aqui grávida... Confesso que fiquei muito bravo — Ela riu baixinho, ainda com lágrimas nos olhos — Mas você sempre mexia quando ouvia minha voz — A menina abriu um sorriso largo — E quando nasceu... Iluminou tudo a minha volta com sua presença! Você me impediu de fazer besteiras muitas vezes... Foi o primeiro tipo de amor de filho que experimentei.
— É verdade tio?
— Jurei a sua mãe que sempre cuidaria das duas... E sempre o farei. Não importa quantos filhos eu e Mariana tenhamos, você sempre será minha filha do coração e dela também. Seu nascimento nos uniu para sempre... E eu te amo, querida. Te amo muito.
— Também te amo titio! — Leon aceitou o abraço doce da garotinha, que sorria emocionada com suas palavras.
Em outra época eu jamais aceitaria amar o sangue daquele que tanto mal fez a minha família.
Em outra época, o Lobo seria a marca do ódio e do rancor ligado a mim para sempre.
O sangue dos Brancaglione sempre correria nas veias de Sarah, Mariana e todos os meus filhos. O amor transcende o sangue e foi à única coisa capaz de me curar. O amor de homem e mulher que senti por Sol. O amor inocente que nutri pelas crianças.
Nenhum ódio, rancor ou raiva pode crescer quando deixamos passar uma brechinha do que realmente importa... Como a própria feiticeira disse, eu era o único capaz de destruir o Lobo para sempre. A mulher, afinal, não era tão sem poderes assim. Soube exatamente o que dizer.
O amor derrotou o ódio.
Os Brancaglione agora eram também os Trovalim.
E o Lobo estava enterrado para sempre!
Izabella Mancini
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