Criar uma Loja Virtual Grátis
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SORRISOS E LÁGRIMAS / Penny Jordan
SORRISOS E LÁGRIMAS / Penny Jordan

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

Sarah começou a tirar a roupa. Não aceitaria fazer aquele papel se soubesse que o ex-marido e diretor do filme a obrigaria a interpretar cenas de sexo explicito... Enfim chegava a hora da vingança de Benedict pela traição de Sarah!

 

 

 

 

                                         CAPÍTULO I

— Sarah?

Imediatamente ela reconheceu a voz de seu agente. Sentiu a esperança crescer em seu coração.

— Boas notícias — Carew falou animadamente —, e desta vez não se trata de anúncios para televisão. É um bom papel num filme. Está interessada?

— Depende — ela respondeu, cuidadosamente, com sua voz profunda, rouca e sensual. Apesar de ser uma mulher muito bonita e atraente, Sarah não queria aceitar papéis que vendes­sem seu corpo. A princípio, Carew não acreditou que ela fosse resistir às milionárias ofertas que lhe eram feitas, mas o tempo provou que estava errado. Mesmo em épocas difíceis, ela pre­feriu trabalhar em escritórios e lojas a fazer cenas de sexo.

— Sua parte no filme é uma beleza — Carew continuou. — Vai gostar muito. Já mandei o texto pelo correio e vai recebê-lo logo. Temos um almoço marcado com o diretor amanhã, no Savoy.

— Quem é ele, Carew?

— Guy Holland. Só isso já basta, não é? Trabalhar com ele é um privilégio. Guy já tinha o elenco formado, mas viu você no anúncio de xampu da televisão e me ligou. E uma sorte, Sarah. A maior parte do filme vai ser rodada na Espanha e ele só está aqui de passagem.

— Mas só de me ver no anúncio ele já achou que eu era a pessoa ideal? — Sarah estava desconfiada...

— Guy é um perfeccionista. Achou seu tipo físico perfeito para o papel e...

— Mas qual é o filme, Carew?

Sarah conhecia Guy Holland. Ele realmente era um grande diretor, além de possuir um incrível carisma...

— Bem, é sobre Ricardo I. Guy acha que é um dos enredos mais bem escritos que ele já teve em mãos. O autor é desco­nhecido e ninguém sabe exatamente quem é.

— E qual a personagem que me foi reservada?

— A de Joana, irmã de Ricardo. É um papel excelente, Sarah. Dei uma olhada no roteiro e já foi o suficiente para me conven­cer que é perfeito. E Guy não estava exagerando quando disse que há uma dúzia de atrizes famosas querendo viver essa per­sonagem.

— Bem, então, certamente está com pouco dinheiro para fa­zer o filme e por isso me escolheu. Meu cachê é mais baixo, não?

— Não é nada disso, garota. Já lhe disse por que Guy a quer no filme. Ele detesta atrizes que precisam usar perucas ou len­tes coloridas para ficarem parecidas com a personagem que vão viver. Você tem a cor e o comprimento certo de cabelo. E sua pele clara, com algumas sardas, a torna uma perfeita Joana! A primeira coisa que Guy me perguntou foi se seu cabelo era ruivo natural.

Sarah lembrou das brigas que tivera com Carew quando ele insistira para que ela cortasse o cabelo a fim de fazer o tal anúncio do xampu. Ela não concordara e, pelo jeito, fora para seu bem.

— Como é, está animada?

— Sou capaz de ficar, depois de ler o roteiro.

— Não precisa se preocupar. Não há cenas de sexo, pelo menos para você. Já me certifiquei disso. Bem, o roteiro deve estar chegando à sua casa. Leia com calma e depois me telefone dizendo o que achou.

Quando Sarah colocou o fone no gancho, procurou não se deixar influenciar pelo entusiasmo que crescia dentro de si. Um papel tão bom era mais do que tinha sonhado. Vivia e traba­lhava em Londres, mas sabia que, em matéria de produção de filmes, a capital inglesa deixava muito a desejar. Além disso, sua insistência em não aceitar papéis com cenas de sexo dimi­nuía muito suas chances de aparecer. Carew nunca tinha en­tendido o porquê disso, já que, quando a conhecera, ela acabava de estrelar seu primeiro filme, muito aplaudido, em que vivia fortes cenas de amor. Ela havia interpretado a amante de Sha-kespeare, Mary Fitton de Gawsworth.

Lembrava que tinha se entregado ao papel com todas as suas forças. Mergulhara na personagem e muitas vezes se pergun­tava se não tinha até adquirido a licenciosidade de Mary Fitton. Podia ser... Isso até explicaria o fato de ela ter...

A campainha interrompeu seus pensamentos. Devia ser o carteiro. Foi até a caixa do correio e realmente encontrou o pacote do script. Pegou-o e voltou para casa.

Seu apartamento era pequeno, mas muito bem decorado. Sa­rah herdara o bom gosto dos pais, que tinham sido decoradores famosos. Infelizmente, eles haviam morrido há seis anos, num acidente aéreo, e ela ficara sozinha no mundo.

Tinha sido uma época difícil. Acabara de entrar na escola de arte quando o acidente aconteceu. Precisou então trabalhar e começou a aceitar pequenos papéis. Tinha dezenove anos quando surgiu a grande oportunidade de viver Mary Fitton. Dale Hammond, um ator que estava fazendo carreira, ia ser Shakespeare.

Depois do filme, Dale ficou famoso até no exterior e Sarah lembrava com carinho das cenas que viveram juntos. Eles se davam muito bem e ele tinha um senso de humor que a desinibia para representar as situações amorosas.

Já com Benedict de 1'Isle tinha sido bem diferente! Ele fazia o papel do Conde de Southampton, o outro famoso amante de Mary Fitton.

Sarah estremeceu, só de lembrar como era visível o desejo que os dois transmitiam nas cenas de amor. Não fora à toa que tudo parecera tão real! Era engraçado! Com Dale tinha feito seu papel com muita tranquilidade, mas com Benedict... sim­plesmente não conseguia relaxar! Aliás, fora por isso que...

Interrompeu o curso dos seus pensamentos. Não ia mais pen­sar no passado. Agora tinha um futuro para cuidar. Pegou o pacote do script e o abriu. Sentou-se numa poltrona e começou a ler. Logo de início, a história prendeu sua atenção.

Horas mais tarde, virou a última página. Era como se tivesse saído do século XII. Tinha ficado totalmente absorvida pelo tex­to tão bem escrito.

Contava a história de Ricardo I, terceiro filho de Henrique II e de sua esposa Eleonora de Aqúitânia. O futuro rei era adorado pela mãe e odiado pelo pai.

Sarah ficou impressionada com o autor do script, que conse­guira descrever com tanta sensibilidade a vida daquele homem sempre dividido entre o dever e os sentimentos. Ela não conhe­cia o suficiente de História para saber o quanto de verdade havia no roteiro, mas tudo indicava que o tema havia sido muito pesquisado pelo autor, já que descrevia tão bem o desespero de Ricardo por amar um homem, um cavaleiro do seu reino.

A parte de Joana não era muito grande, mas a de nenhuma mulher era. Além dela só havia Eleonora, mãe de Ricardo, e Berengária, sua esposa. Ainda bem que Guy pensara nela para fazer Joana!

Havia muitos filmes sobre Ricardo I, mas todos sobre sua atuação na Terceira Cruzada, que, na verdade, ocupara um período curto de sua vida. Esse não. Esse abordava um outro aspecto daquela personalidade tão complexa.

E ela, como Joana? Aparecia em três cenas principais: a pri­meira, quando o irmão, Ricardo, a acompanhava na viagem através da Espanha, para conhecer e se casar com seu primeiro marido, William, da Sicília, um homem cujos cinquenta anos contrastavam brutalmente com os dezessete de Joana. A se­gunda, quando Ricardo, a caminho da Cruzada, ia para a Sicília com seu exército e a resgatava das mãos do seu cunhado, Tancredo, um homem sem escrúpulos, que a tinha tomado sob tu­tela quando William morrera. A terceira cena era aquela em que ela renunciava ao homem que amava, um dos cavaleiros de Ricardo, e concordava em se casar com Raymond de Toulouse, seu segundo marido.

Carew não tinha exagerado. O papel era realmente ótimo. Sarah correu para o telefone e discou o número do agente.

— Alô, Carew?

— Ouvir você é como mergulhar num pote de mel! — o agente respondeu brincando. — Guy não conhece sua voz e isso vai ser um presente extra para ele. Bem, já leu? O que achou?

— Ah, você já sabe... É maravilhoso!

Agora ela acreditava que Carew não tinha mentido ao dizer que muitas atrizes famosas quiseram o papel. Ainda bem que Guy era um perfeccionista e preferia profissionais fisicamente parecidos com os personagens.

— Ótimo! Então... vamos ver o que fica acertado amanhã. Mas não se preocupe. Assim que Guy bater os olhos em você, vai ter certeza de que é a pessoa certa para viver Joana.

— Quem vai ser Ricardo?

— Um velho amigo seu! Dale Hammond! Guy não gosta mui­to dele, mas acha que para esse papel vai funcionar. Mesmo porque Dale vai tornar Ricardo simpático e atraente, já que é um tipo de sucesso com as mulheres.

Sarah procurou pensar no amigo como Ricardo. Era um papel que exigia muito. Sem dúvida, ele era bom ator, mas ia precisar de toda sua sensibilidade e fôlego, agora. Não ia ser fácil!

—Não se atrase, amanhã — Carew recomendou.

— De jeito nenhum!

Sarah desligou. Estava curiosa de conhecer Guy, porém, mais ainda, o autor da peça. Seu modo de escrever, o jeito de colocar as palavras a tinham tocado profundamente, criando uma liga­ção entre ela e o texto, como algo inseparável e conhecido.

Sarah passou toda a manhã do dia seguinte na biblioteca pública, de onde saiu com uma pilha de livros. Todos eles fala­vam de Ricardo I, sua vida, suas batalhas, seus amores. Ia lê-los todos, para poder interpretar melhor o seu papel.

Chegando ao apartamento, tratou de se arrumar para o al­moço no Savoy. Escolheu o vestido de seda cinza, quase do tom de seus olhos. Passou pouca maquilagem e deixou que os cabe­los lhe caíssem nos ombros naturalmente. Se Guy queria ver uma ruiva, ali estava ela!

Chegou ao restaurante na hora combinada. Foi levada para uma mesa reservada, num canto mais tranquilo. Carew não conseguiu esconder a admiração que sentiu ao vê-la. Ao seu lado estava um homem alto e elegante, de pele muito bronzea­da, que não tirava os olhos dela. Ao se aproximar, ele lhe es­tendeu a mão.

Sabia que Guy seria o primeiro a falar, mas a pergunta que ele fez foi tão inesperada que ela quase não soube o que res­ponder!

— É casada? — Guy observava a aliança que ela usava no anular esquerdo.

— Sou... sou divorciada. Carew entrou na conversa.

— Imagine! Sarah foi casada com Benedict de 1'Isle, mas por muito pouco tempo.

— É mesmo? — As sobrancelhas grossas de Guy se uniram no meio da testa. — Conheço-o muito bem, mas não sabia que ele havia sido casado.

— Ele quer esquecer esse caso, do mesmo jeito que eu — Sarah respondeu e olhou zangada para Carew.

Por que ele tivera que tocar no assunto? Devia saber o quanto era terrível para ela falar sobre seu casamento curto e desas­troso com Benedict de llsle. Ainda mais porque seu casamento tinha terminado quase antes de começar. Ela casara por lou­cura e ingenuidade, e Benedict pelo sentimento de culpa. Logo na noite de núpcias, tudo dera errado! Ainda bem que Dale Hammond estava por perto para ajudá-la! Sem ele...

— Sei que já leu o roteiro. — A voz de Guy a trouxe de volta à realidade. — O que achou?

— Maravilhoso! — Os olhos dela brilharam. — É uma his­tória tão interessante e me envolveu de tal forma que é como se eu conhecesse o autor. Ele deixa muito clara a angústia de Ricardo e faz a gente sentir as amarguras que o rei teve de enfrentar. — Ela se interrompeu. — Desculpe, devo estar re­petindo o que todos já falaram...

— Sim, ouvi muitos elogios ao roteiro, mas, para ser sincero, você é a primeira pessoa que fala sobre o autor com tanta emo­ção. Acha que dará conta do papel?

— Espero que sim. Durante o filme, Joana passa de menina a mulher. Terei que me concentrar para viver as duas situações, mas é um desafio maravilhoso. Quando Joana se apaixona pelo cavaleiro de Ricardo, ela ainda é uma criança, mas quando se entrega é como mulher e já sabendo que terá que se casar com Raymond de Toulouse. É uma personagem fascinante e difícil, mas espero interpretá-la com perfeição.

— Soube que se recusa terminantemente a fazer cenas de sexo — Guy disse, mudando repentinamente de assunto. — Por quê?

Sarah estremeceu, sentindo as palmas das mãos úmidas. Lu­tou para se controlar.

— Porque acho que a verdadeira sensualidade é aquela im­plícita, e não a exposta.

— Humm... Não creio que os atores que vão fazer Ricardo e o cavaleiro pensem da mesma maneira. Para eles, aliás, o ro­teiro exige cenas de amor físico.

— Mas... pelo que li... achei que eles... — Sarah ficou corada e confusa.

— Continue. Eles... o quê?

— O amor deles me pareceu absolutamente emocional! — Sarah não conseguia encontrar palavras que pudessem descre­ver a tristeza que sentira ao ler a história.

— Só espero que a censura pense como você.

A refeição foi servida e já estavam quase no fim quando finalmente Guy anunciou que o papel de Joana seria dela.

— Talvez a opinião dos outros interessados no filme não seja a mesma, mas acho que é perfeita para ser Joana — Guy co­mentou.

Ele continuou falando sobre os outros atores. Berengária se­ria vivida por uma atriz sensual.

— Não fui eu que escolhi Gina Frey para ser a esposa de Ricardo — Guy explicou. — Ela me veio às mãos junto com o roteiro. Como eu queria fazer esse filme, tive que aceitá-la.

Sarah se perguntou se o autor e Gina Frey estavam vivendo algum tipo de romance, só podia ser, já que ele insistira para ela aparecer no filme. Não ia perguntar, mesmo porque não era de sua conta. Começou a fazer perguntas sobre as datas e as sequências do filme. Soube então que a maior parte seria ro­dada na Espanha, onde havia castelos, áreas desertas e espaço suficiente para montarem os cenários que recriariam a atmos­fera do século XII.

Terminado o almoço, foram para o escritório de Carew para assinarem o contrato. Ficou acertado que ela iria para a Espa­nha até o fim do mês. Guy se despediu e combinou que a en­contraria lá.

— Eu vou, Carew — Sarah disse —, porque, afinal, não tenho nada que me impeça.

— Faz muito bem. É uma oportunidade única. Mas não se esqueça de comprar um protetor solar. Vai filmar na Espanha durante o verão todo e não pode se arriscar a um bronzeado excessivo. — Ele fez uma pausa, para logo em seguida pergun­tar: — Por que será que Guy quis saber se era casada?

Carew nunca entendera por que Sarah era tão reservada em relação ao casamento. Benedict de Lisle era famoso e respeita­do, e seu nome poderia ter aberto muitas portas para a carreira dela. No entanto, ela nunca falava sobre o marido. O próprio Carew só tinha sabido do casamento pelas notícias dos jornais. Lembrava que o romance havia começado quando trabalharam juntos, ele como Southampton, ela como Mary Fitton.

No fim das filmagens tinham se casado. O elenco fizera uma grande festa para comemorar o acontecimento, mas... depois de uma semana, tudo estava acabado.

Na época, Benedict de 1'Isle havia concedido entrevistas à imprensa e dissera que, assim como Mary Fitton, sua esposa estava dividida entre dois amantes, não sabendo exatamente qual escolher e, no fim, se decidira pelo errado.

Carew tornou a olhar para Sarah. Se Benedict estivesse certo em suas declarações, então Sarah e Dale tinham sido amantes, e, se fosse assim...

Sarah estava pensando no seu novo papel e não se deu conta de que Carew a observava com atenção. Queria voltar para casa, para seus livros. Queria entrar naquela época da história da Inglaterra, da qual faria parte.

Esse contrato tinha caído do céu! Se ficasse mais algum tempo sem um bom papel no cinema, era capaz de desistir da carreira. Ainda bem que Guy a vira na televisão e ficara inte­ressado!

Ia viver Joana com uma intensidade que chamaria a atenção do público e dos críticos. Seria a mimada princesa Joana, que se converteria na mulher madura que aprenderia a aceitar o que a criança não tinha conseguido.

Pobre princesa! Ela não passava de um joguete, vendida e comprada de acordo com os interesses do reino...

 

                                       CAPÍTULO II

Sarah atravessou a pista do aeroporto em direção ao estacionamento! Sabia que haveria um carro à sua espera. Olhou à direita e à esquerda, tentando achar alguém.

Havia muita gente, pois era época de temporada, e até con­seguir um lugar no avião fora difícil. Acabara chegando quase à meia-noite.

Perdera o iníCio das filmagens, mas Guy lhe explicara que sua presença ainda não era necessária.

— Sarah! Queridinha!

Ela logo reconheceu a figura alta e atlética que se aproxi­mava para pegá-la nos braços e levantá-la como se fosse uma criança.

— Dale, ponha-me no chão! — ela reclamou, depois de ter recebido um beijo cinematográfico. — Mas que honra! O ator principal veio me buscar!

— E não vim sozinho! — Dale se afastou para que ela visse um rapaz alto, de cabelos e olhos castanhos, que lhe sorria cordialmente.

— Este vai ser seu amor no filme, Sarah. Paul, esta é Sarah, sua Joana.

Ao apertarem as mãos, Sarah sentiu-se aliviada. Como era diferente trabalhar sem Ben para perturbá-la! Sorriu para o rapaz, que não era tão atraente como Dale, mas muito charmoso também. Começaram a conversar animadamente e, em breve, pareciam velhos amigos.

Foram para o carro estacionado ali perto. Paul, muito amá­vel, carregou as malas e foi ficando um pouco para trás. Sarah ia na frente com Dale, encantada por revê-lo.

— Vou pôr as coisas no porta-malas — Paul disse. Dale e Sarah entraram no carro.

— Vim buscá-la porque queria conversar um pouco com você antes de irmos para o local das filmagens — Dale falou. — Na verdade, quero preveni-la...

Sarah sentiu a tensão tomar conta de seu corpo.

— Prevenir... sobre o quê?

— Bem, vou ser direto: estamos sob as ordens de um novo diretor.

Fez uma pausa que a deixou ainda mais apreensiva. Parecia que boas notícias não estavam por vir...

— Por quê? O que houve com Guy?

— Ele teve problemas com seu filme anterior e precisou via­jar. Como todo o cenário já estava montado aqui e cada dia de filmagem custa uma fortuna, os produtores resolveram começar o filme com outro diretor. Se eu soubesse disso antes, não teria aceitado o papel.

— O novo diretor é tão ruim assim? — Sarah não estava entendendo.

Dale olhou para trás e viu que Paul vinha vindo. Não tinha tempo a perder.

— Nosso diretor será Ben, Sarah. — Dale colocou a mão no braço dela, num gesto de solidariedade. — Sei que estou lhe dando um choque, mas quis preveni-la. Conheço Ben e sei que ele adoraria vê-la entrar no cenário sem saber que ia dirigi-la. Você deve ter causado muitos problemas a Ben durante o di­vórcio, quero dizer, durante a ausência dele... Pelo que lembro, Ben foi para os Estados Unidos assim que terminou Shakespeare, não foi?

Sarah não respondeu. Não conseguia. Estava chocada de­mais com a notícia. Ben dirigindo Ricardo I. Era impossível! Não podia acreditar que fosse verdade!

Paul entrou no carro, logo se preocupando em colocar o cinto de segurança em Sarah.

— Já está querendo viver seu papel, Paul? — Dale perguntou com malícia. — Não pense que Sarah não sabe lidar com seus galãs! Não é verdade, querida?

— Alguns deles realmente me causaram problemas — Sarah concordou, não gostando do assunto.

— Não está se referindo a mim, não é, doçura? — Dale con­tinuou. — Nós sempre tivemos um relacionamento muito espe­cial, certo?

Sarah concordou movimentando a cabeça. Não queria mais falar sobre isso. Não conseguia pensar em trabalhar sob as ordens de Ben. Sabia que era um grande ator e que sua atuação em Shakespeare tinha lhe valido muitos elogios dos críticos, além de lhe possibilitar a chance de se tornar produtor e diretor. Realmente tinha conseguido sucesso na vida!

Mas pensar que agora teria que estar em contato com ele... Seria um martírio! Já sabia, por experiência própria, o que era isso! Tinha sido tão ingênua e boba na ocasião! Odiava-se por ter bancado a idiota.

Se não fosse Dale, ela jamais teria sabido da verdade, da maneira cruel como Ben a tinha enganado.

Tudo acontecera durante as filmagens de Shakespeare. Ela descobriu que amava Ben e achou que ele retribuía esse senti­mento. Mas para ele aquilo não passava de uma farsa, só para ganhar uma aposta de Dale. Mas, quando Dale soube que ela tinha se casado com Ben, resolveu lhe contar toda a verdade e Sarah mergulhou no desespero.

Mesmo agora, tantos anos depois, ainda doía lembrar. Ela mal acabara de entrar para o elenco e Dale, por brincadeira, apostou mil libras com Ben, para ver qual dos dois a levaria primeiro para a cama.

Quando contou a verdade a Sarah, Dale pareceu muito en­vergonhado, mas se desculpou dizendo que, na ocasião, ainda não a conhecia direito, e ela não passava de mais uma carinha bonita que queria ser estrela. Como sempre, havia existido ri­validade entre ele e Ben, os dois queriam vencer a aposta.

Sarah não sabia de nada disso. A princípio, notara as pa­queras de Dale, mas o mantivera a distância. O mesmo não aconteceu com Ben. Apaixonou-se por ele à primeira vista, total e completamente. O papel que viviam no filme exigia que vi­vessem grandes cenas de amor, o que facilitou ainda mais o romance.

Uma noite, completamente envolvida pelo que sentia, Sarah se entregou a Ben e logo em seguida ele a pediu em casamento. Ela acreditou que ele tivesse feito aquilo por amor, jamais para ganhar uma aposta!

Na época, Dale estava fora e só voltou depois de uma semana, bem no dia do casamento dos dois. Na festa que o elenco ofe­receu ao casal, ele bebeu um pouco demais e seguiu-os até o hotel. Numa oportunidade, quando Sarah foi trocar de roupa, Dale se aproximou e lhe contou a verdade. Ainda estava com o rosto banhado de lágrimas, quando ouviu Ben abrindo a porta. Daí, então, tudo aconteceu muito depressa: Dale disse que ela podia se vingar de Ben, e logo a abraçou, abrindo a frente do robe que ela usava. Depois beijou-a com paixão. Ben, que entrava nesse momento, se viu diante do que parecia um beijo cheio de paixão. E Dale, muito frio, se virou para o amigo:

— Como vê, você perdeu. Sarah ainda me prefere.

Ben não disse nada, saiu do quarto e também da vida dela.

Mais tarde, Sarah soube que Ben tinha voltado à festa e bebera muito, dizendo a todos que ela e Dale eram amantes.

Sarah estava tão nervosa e humilhada que não desmentiu nada, nem mesmo quando ele falou em divórcio. Na verdade, apesar de se dizer divorciada, ainda permanecia casada com Ben, pelo menos legalmente. Pelas leis inglesas, um casal só podia se divorciar depois de completar três anos de casamento e se ambos concordassem. Senão, teriam que esperar cinco anos. E, para sua surpresa, Ben nunca havia se resolvido sobre o divórcio, mesmo depois de três anos e meio de separação.

Não sabia por que ele agia assim, a não ser que tivesse receio de ela querer dinheiro. Ele era um homem rico e famoso, e qualquer mulher menos escrupulosa poderia arrancar-lhe uma pequena fortuna, com o divórcio. Só que ela não estava inte­ressada nisso. Tinha casado com Ben por amor. As cenas românticas que viveram no filme eram tão apaixonadas e natu­rais que foram classificadas pela crítica como inesquecíveis.

O ruído brusco dos freios a trouxe de volta à realidade. Dale sempre fora apressado para dirigir e, pelo jeito, não havia mu­dado nada.

— Contei a Sarah sobre nosso novo diretor — Dale disse a Paul, e depois virou-se para ela novamente: — Ao contrário de mim, Paul gosta de trabalhar sob a direção de Ben. E ele não é o único. Gina Frey, que vai ser a doce e inocente Berengária, também adorou a mudança. Aliás, Ben também a aceitou com muita calma. Na verdade, não tinha outro jeito, pois Gina é protegida de um dos maiores produtores do filme!

— Sim, mas Ben consegue mantê-la sempre a distância — Paul comentou. — Sem ofendê-la, é claro.

— E verdade — Dale concordou —, é muito simples de en­tender. Ben sempre foi bom em jogo duplo, não é mesmo, Sarah?

— Ele riu com gosto. — Você vai ser a maior surpresa para ele!

— Aliás, uma linda surpresa — Paul acrescentou. — Talvez não saiba, Sarah, mas a princípio havia outra atriz escalada para ser Joana, Rachel Ware. E, como a responsável pelo elenco saiu, não é o seu nome que está na lista, mas o de Rachel. Ben não sabe que você a substituirá.

— Pode imaginar a surpresa que ele vai ter, queridinha? — Dale piscou o olho.

Sarah sentiu o coração apertado. Nunca lhe falaram que uma outra atriz tivesse sido convidada para o papel.

— Não fique preocupada, Sarah — Paul continuou —, Ben não vai recusá-la. Ele é ótimo diretor e sabe conseguir exatamente o que quer dos atores. Além disso...

— Não precisa explicar, Paul. Sarah conhece Ben. Trabalha­mos com ele em Shakespeare. — Dale agora se dirigiu a Sarah:

— Vai desculpar nosso novo amigo, mas ele é novato no meio e não sabe de muita coisa.

— Isso é verdade. Eu era um simples contador que namorava uma modelo. Ela me conseguiu uma ponta num anúncio de televisão e, de repente, me vi trabalhando no cinema.

A mente de Sarah funcionava rápido. Que bom! Paul não devia saber nada sobre seu casamento com Ben. Lógico, isso acontecera há mais de três anos, e na Inglaterra. Tomara que ninguém mais soubesse. Ficaria mais à vontade. Caso contrário, não ià ser fácil atuar sob a direção do marido, com todo mundo olhando para ela!

— Ainda falta muito? — Sarah estava tensa e suas costas doíam.

Tinha a impressão de que andavam há horas, naquela es­trada escura.

— Mais uns dez quilômetros — Paul respondeu.

— Se Guy não fosse tão perfeccionista, poderíamos estar fil­mando no deserto da Califórnia e aproveitando as facilidades do estúdio — Dale comentou com amargura.

Sarah podia entender o comentário. Afinal, Hollywood tinha se tornado um lar para Dale e ele estava acostumado aos luxos dos grandes estúdios. Mas ela achava mais emocionante filmar num cenário autêntico.

— Bem... chegamos — Dale anunciou, quinze minutos mais tarde, quando saiu da estrada principal para pegar uma outra secundária e empoeirada.

À sua frente, Sarah viu luzes acesas. Notou que havia vários trailers alinhados. Passaram por um portão, onde um guarda veio recebê-los. Ele olhou com desconfiança para Sarah, mas, ao reconhecer Dale, deixou-os entrar.

Paul desceu do carro, despediu-se e se afastou.

— Ai, que raiva desse guarda! — Sarah falou. — Parece que ele achou que você me pegou em algum lugar apenas para ter companhia durante a noite.

— Então deve ter morrido de inveja! — Dale estacionou ao lado de um dos trailers. — Temos um outro problema para re­solver, Sarah. — Não há acomodação para todos ainda. A esta hora da noite, então, é quase impossível encontrar um lugar para você. Se importa de ficar em meu trailer? Tenho uma cama vazia.

Sarah ficou surpresa, mas acabou concordando. Não ia acor­dar todo mundo só por causa de um fim de noite. Já passava das duas da manhã e seu corpo pedia uma boa cama. Não fazia questão de dividir um quarto com alguém, mas esperava que fosse com outra moça. Porém, não havendo outro jeito, ia ficar por ali mesmo.

— Na verdade, você deveria dividir um trailer com Gina. Dale abriu a porta e eles entraram. — Mas ela fez uma briga danada, dizendo que queria dormir sozinha. Não quer ninguém no seu trailer, ninguém... a não ser, claro, o nosso diretor. Mas Ben não está topando... pelo menos abertamente. Ele já tem muitos problemas para resolver e provavelmente não quer criar caso com um dos banqueiros que estão financiando o filme. E, claro que Ben poderia desistir desse trabalho, mas como seu último filme não foi exatamente um sucesso de bilheteria...

— Ganhou o prêmio de melhor filme! — ela replicou, depres­sa.

— Sei disso, queridinha, mas, na minha opinião, Ben deu o passo maior que a perna. Gastou muito naquele filme e vai levar anos para recuperar o dinheiro. — Já dentro do trailer, Dale foi até um armário, na pequena cozinha. — Quer tomar algo, antes de deitar?

— Obrigada, mas vou direto para a cama. Estou muito can­sada. Não atrapalho você, ficando aqui hoje?

— Claro que não. — Dale parecia impaciente. Levou-a para o fundo do trailer, passando por uma minicozinha bem equi­pada. — Guy pensou em tudo, colocou ar-condicionado nos trailers, mandou construir uma piscina lá fora e fez o possível para que tivéssemos conforto. Agora não sei se vamos conseguir des­cansar, sendo dirigidos por Ben. Ele é um verdadeiro feitor de escravos!

Sarah conhecia a velha competição entre os dois homens, mas agora a coisa parecia ter piorado muito. Sua suspeita se confirmou quando Dale acrescentou:

— Ben mudou muito, desde que filmamos Shakespeare. Acho que nunca se conformou com aquela derrota. Mas não vou per­mitir que a magoe, Sarah. Conte comigo para qualquer coisa!

Sarah estava tremendo, quando foi para a cama. Nem abriu as malas, pois ficaria ali por pouco tempo. Pegou apenas uma camisola e, depois de uma ducha no minúsculo banheiro, foi deitar.

Não devia ficar nervosa só porque ia trabalhar de novo com Ben. Ele tinha que esquecer o passado, assim como ela. Não havia dito na noite do casamento que nunca mais queria vê-la? Era uma pena que Ben não tivesse concordado com o divórcio! Será que ele achava que ela ia querer se aproveitar do fato de ele ser rico? Como Ben a conhecia mal! Não queria um centavo dele, queria apenas que lhe desse a liberdade!

Sarah suspirou. Ainda lembrava da voz calma de seu advo­gado dizendo-lhe que Ben não havia concordado com o divórcio.

— Por que tanta pressa, Sarah? Está querendo casar nova­mente?

Sarah negara com um gesto da cabeça.

— Então tenha paciência. A lei é sábia, dá um tempo aos casais para que eles tenham a chance de superar seus problemas.

Sarah sentiu o coração apertado. De que adiantava pensar nisso agora? Tinha sido uma loucura se apaixonar por Ben. Não bastava ter sofrido com a sedução e o casamento? Aquele idiota não havia matado o resto de paixão que ainda sentia? Então por que essa apreensão agora?

Estava cansada demais para encontrar respostas às suas per­guntas. Cobriu-se e num instante adormeceu profundamente.

Abriu os olhos devagar e então se deu conta de onde estava. Sentou na cama e olhou para o relógio. Pouco mais de sete horas! Provavelmente, as filmagens já haviam começado.

Vestiu rapidamente um jeans e uma camisa xadrez. Escovou os cabelos e prendeu-os num rabo-de-cavalo. A primeira coisa a fazer era procurar o assistente de Ben e saber quando devia se apresentar.

Felizmente, tinha aproveitado as últimas semanas para es­tudar bem seu papel. Ou será que já haviam mudado alguma coisa? O autor estaria presente às filmagens? Já que ele era também o roteirista, não era impossível que quisesse acompa­nhar de perto o trabalho.

Sarah sentiu um tremor de ansiedade. Fora escolhida para fazer um papel num filme que tinha tudo para se tornar cam­peão de bilheteria! Que sorte, isso surgir numa época em que precisava tanto! Sem se falar que havia adorado a história! O autor pusera tanto de si no roteiro que já o admirava anteci­padamente, devia ser alguém capaz de sentir emoções profun­das, alguém leal e cheio de respeito próprio, uma pessoa real­mente admirável.

Assim que ficou pronta, foi para a salinha do trailer. Não viu sinal de Dale. Ou ele estava dormindo ou já tinha saído para trabalhar. Ficou com vontade de tomar um café e pôs água no fogo. Abriu a porta para deixar o sol entrar.

O dia estava lindo, o céu muito azul, ideal para filmagens ao ar livre. Talvez, mais tarde, o calor se tornasse insuportável, mas àquela hora a temperatura era perfeita. Enquanto espe­rava a água ferver, encostou-se na porta, deixando que o sol lhe esquentasse o rosto e os braços. Fechou os olhos, para abri-los logo depois, sentindo que alguém se interpunha entre ela e a luz do sol.

Ao ver quem era, seu corpo começou a tremer e o coração a bater mais rápido. Benedict de L'Isle, seu marido, estava ali. O diretor e produtor do filme, a pessoa mais importante daquele lugar...

Benedict a olhava com o rosto contraído pelo choque. Tinha cabelos claros, dourados como o amanhecer, o perfil bem defi­nido, olhos verdes, escuros e profundos, expressão séria, o quei­xo quadrado, revelando determinação.

Como sempre acontecia quando estava diante de Ben, Sarah sentiu-se frágil e vulnerável. O olhar dele parecia penetrar até as profundezas de sua alma, como se pudesse ler tudo o que nela se passasse. Tentou se controlar, lembrando que Dale ha­via dito que Ben não sabia que ela estava no elenco. Isso lhe deu mais coragem e Sarah desceu o degrau e levantou o queixo, com determinação.

Seu coração bateu ainda mais forte. Tinha se esquecido de como ele era alto! Reuniu todas as suas forças para esconder as emoções e encarou-o nos olhos.

Se Ben não esperava vê-la, já tinha se recuperado da surpresa. Seu rosto estava totalmente inexpressivo, a não ser pelo desprezo que mostrava. Sarah notou que várias pessoas passa­vam por ali e olhavam para eles com curiosidade.

Por um segundo, ela ficou com medo de que ele não permitisse sua participação no filme, mas lembrou que tinha um contrato assinado. Nossa, ela precisava demais daquele emprego e...

Nesse instante, Sarah sentiu o braço protetor de Dale em volta de sua cintura. Não sabia que ele estava por ali, mas sorriu feliz, sentindo-se mais segura. Paul também estava com ele.

— Bom dia, Ben — Dale falou com um sorriso. — Veio dizer alô à sua ex-esposa?

Sarah viu os olhos de Ben escurecerem, seu rosto se trans­formar em pedra. Que loucura, Dale desafiá-lo daquele jeito! Por que não tinha ficado quieto?

— Minha ex-mulher? — Ben murmurou calmamente, com ironia. Estendeu a mão e segurou o braço de Sarah, puxando-a até que ela quase caísse em seus braços. — Quer dizer que ainda não contou a eles, querida?

Ben falou junto do ouvido dela, fazendo-a tremer ainda mais. Estava tão apertada nos braços do marido que mal podia respirar.

A situação era terrível, Dale a olhava, querendo entender o que estava acontecendo. Ben a abraçava com força e ela, muda, sem ação, ouvia apenas o bater descontrolado do próprio coração.

— O que é que Sarah ainda não me disse? — Dale quis saber.

— Que, na verdade, ela nunca foi minha ex-esposa. — Ben usou todo seu talento de ator para causar impacto. — Você poderia ter contado a Dale, querida. — Ben inclinou a cabeça e roçou os cabelos dela com seus lábios, alcançando o rosto ma­cio, as orelhas delicadas. — Sei que lhe pedi para não falar sobre isso por enquanto, mas, já que aceitei esse trabalho só para ficar perto de você, não podemos continuar mantendo nos­so relacionamento em segredo, não acha?

Surpresa demais para responder qualquer coisa, Sarah evi­tou o olhar estupefato de Dale. Não podia desmentir Ben, seria muito humilhante para ele e, afinal, ele não dissera nenhuma mentira: ela ainda era sua esposa. A única coisa que fez foi se soltar de Ben, mas se viu livre por pouco tempo. Logo ele a prendia outra vez, apertando-a de tal maneira que seus seios se colavam ao peito dele. Sentiu-lhe o perfume fresco da loção pós-barba e quase ficou sem fôlego. Por que ele tinha que afetá-la tanto?

— Para aqueles que ainda não sabem — Ben falou em voz alta para ser ouvido por todos que estavam perto —, Sarah e eu estivemos separados durante os últimos anos, mas agora estamos juntos novamente. Minha única tristeza é não poder viver o papel de seu amado no filme que estamos rodando. As­sim, teria a oportunidade de demonstrar meu amor para todos os que quisessem participar de nossa felicidade.

A pequena multidão riu descontraída. Somente Dale e Sarah permaneceram quietos. Ela não podia acreditar que aquilo es­tivesse acontecendo! Por que Ben estava agindo assim?

— Não sabia que ia chegar ontem à noite, querida — Ben disse, depois, dirigindo-se a Sarah. — Deveria ter me avisado. Mas o que importa é que finalmente está aqui. Vou pedir a alguém que leve suas coisas para meu trailer. — Ben agora olhava para Dale. — Obrigado por ter cuidado dela, amigo. Até parece que voltamos aos velhos tempos, hein?

Sarah percebeu imediatamente o que havia nas entrelinhas daquele comentário. Ironicamente, ele voltava a encontrá-la com Dale. Mas... por que então ele ainda insistia? Por que não lhe dera o divórcio, resolvendo o caso de uma vez para sempre? Ele não a queria! Tinha dito com todas as letras que ela devia ficar com Dale! Ainda podia recordar a crueldade de suas palavras. Por que, afinal, se incomodava com uma mulher que tinha re­presentado apenas o prêmio para uma aposta?

O grupo de pessoas que tinha se reunido junto ao trailer começou a se dissolver. Entre artistas, as brigas e reconciliações são tão frequentes que acabam sendo encaradas como inciden­tes sem importância.

— Me solte! — Sarah conseguiu finalmente falar, sem se preocupar em esconder a raiva que sentia.

Dale novamente se aproximou do casal.

— Sarah, se...

— Não se preocupe conosco, Dale — Ben o interrompeu. — Como já disse, vou mandar alguém pegar as coisas de minha mulher. Você vai começar as filmagens em meia hora. Já não devia estar no setor de maquilagem?

Dale compreendeu que estava recebendo uma ordem e não teve outra alternativa senão sair dali. Ben continuou mantendo Sarah em seus braços até o rapaz sumir de vista. Ela não con­seguiu esconder sua indignação:

— Agora que estamos sozinhos, não quer me explicar por que passou a noite no trailer de Dale? Ou acha que posso adi­vinhar facilmente?

— Se vai julgar meu comportamento e o de Dale por seus próprios padrões, ficará muito longe da verdade. — Se pudesse, sairia dali correndo, para se livrar da presença perturbadora do marido. Mas ele era o diretor do filme e ela precisava do papel de Joana. — A propósito, por que disse para todos que nos reconciliamos?

— Vamos trabalhar juntos, Sarah, e quero que este filme seja um sucesso. Não vou permitir que a equipe técnica ou os atores se distraiam com fofocas. Eles têm um duro trabalho a realizar.

— Mas ninguém sequer sabia que éramos casados!

— Sim, eu sei, e poderíamos ter mantido o segredo. Só que gostaria que se lembrasse... de quem se encarregou de espalhar a notícia...

Sarah o encarou, procurando entender o que ele queria dizer, até que se lembrou de Dale falando alto, para todos ouvirem, que ela era a ex-esposa de Ben.

— Ora, ninguém ia ligar para o que Dale disse. Todos sabem que é um eterno brincalhão.

— Agora não adianta lamentar, Sarah. O mal já está feito. Tenho problemas suficientes para que você e Dale fiquem ar­ranjando outros. Sinceramente, preferia que não estivesse aqui, mas, já que está, a única opção que tenho é mantê-la sob meu controle. — Ben se afastou como se tivesse dito tudo o que precisava, mas depois tornou a se virar para ela. — Sarah... —

Havia ameaça em sua voz gélida, — Qualquer tentativa de sua parte de recomeçar seu romance com Dale significará outra atriz para interpretar Joana. Pouco me importa se assinou um contrato ou não. Entendeu bem?

Por um instante, ela sentiu uma vontade de jogar tudo para o alto e fugir dali, mas se conteve. Queria aquela participação no filme. Queria e precisava dela. Desde a primeira vez que lera o roteiro, soubera que era a pessoa certa para viver Joana. Tinha certeza de que o filme seria um sucesso, não só pela superioridade do roteiro, como também pela direção de Ben. O melhor era reprimir sua raiva.

— Não quero dividir o trailer com você — ela ainda disse, para não admitir que tinha entregado os pontos.

— Também não me animo nada com a idéia, mas não temos nenhum outro lugar para acomodá-la.

— Então fico sem cama, só porque Gina insiste em perma­necer sozinha? Por que você não divide as acomodações com ela e me entrega o trailer onde está? — Sarah usou toda sua ironia.

— Seria uma ótima maneira de manter suas duas atrizes prin­cipais felizes.

— Pelo visto, Dale andou fofocando mais do que devia! Sarah reparou que ele ficara mais corado, os olhos apertados.

De alguma maneira, seu comentário o tinha atingido. Ben seria tão imune a Gina como fazia crer?

— Lembre-se de que, desta vez, você e Dale estão vivendo papéis bem diferentes. São irmãos, e não amantes. E se há algum culpado por ter que dividir o trailer comigo, esta pessoa é Dale. — Olhou para o relógio. — Preciso estar nas filmagens em dez minutos. Vá para meu trailer, que fica no extremo do acampamento. É fácil encontrá-lo. É o único marrom e creme.

— Chegou mais perto dela, pressionando-a contra a porta. — A propósito, por que mudou o horário de seu vôo? Tinha a in­tenção de ir buscá-la.

— Tinha mesmo? Mas...

Sarah ficou confusa com as idéias que se passaram em sua mente. Uma delas era que Dale estava enganado: Ben sabia que ela fazia parte do elenco, para viver o papel de Joana. A outra era que alguém, deliberadamente, o tinha informado er­rado acerca do horário de seu vôo, porque ela não tinha mudado nada!

— Mas... — ele repetiu para encorajá-la — você e Dale pen­saram que iam causar um impacto maior se fossem vistos jun­tos, não é? Talvez tenha sido uma boa idéia, Sarah, mas não acabou muito bem, concorda?

— Só porque você mentiu, dizendo que tínhamos feito as pazes — ela respondeu com frieza, sem se importar com a acu­sação que ele lhe tinha lançado. — Reconciliação! Só pode ser brincadeira! Para começar, nunca quis casar comigo!

— Pois está enganada! Eu quis. E por isso estou pagando um alto preço! Só que você também está, Sarah. E pode ter certeza de que, desta vez, não vou permitir que você e Dale se divirtam às minhas custas!

Ben girou nos calcanhares e foi embora antes que ela pudesse responder. Sarah o observou até ele sumir no meio da poeira que o vento levantava. Tinha notado poucas mudanças em Dale, durante esse período em que não o vira, mas em Ben... muita coisa estava diferente!

Como Southampton, ele tinha sido um ator excepcional, des­truindo corações femininos com sua figura atraente e insinuan­te, deixando a plateia feminina apaixonada. Ben tinha trinta anos, naquela ocasião. Agora estava com quase trinta e quatro. Estava mais severo, o rosto parecendo moldado em ferro. Mas continuava bonito e sensual como sempre. E, como todas as mulheres, ela não era imune a essas qualidades.

Agora, quando estivera novamente nos braços dele, relem­brara o que havia acontecido no passado. Fora dominada pela mesma paixão que alimentara por Ben há quase quatro anos. Ainda podia sentir o fogo do desejo queimando seu sangue, o estranho frio no estômago, a cabeça nas nuvens, a sensação do contato delicioso de sua pele com a dele...

Sarah sacudiu a cabeça. Precisava afastar essas lembranças que a faziam sonhar acordada. Na verdade, agora, sentia-se fraca e desorientada. Suspirou fundo, lamentando o momento em que Guy Holland tivera que deixar a direção desse filme.

E se rescindisse o contrato? Era uma maneira de se livrar de Ben. Mas, afinal, ia agir como Mary Fitton, diante de Southampton? Ia se esconder como um coelhinho assustado? Se era adulta e madura, tinha que ter capacidade de enfrentar Ben. Era isso que ia fazer. Ficar e mostrar sua personalidade! Antes que mudasse de idéia, se afastou, caminhando para o lugar que Ben havia indicado.

Primeiro passou pelos trailers que abrigavam o pessoal dos serviços administrativos. Falou com uma das moças, uma mo­rena gorduchinha, que lhe mostrou a escala dos trabalhos.

— Aqui está seu horário, mas, naturalmente, poderá haver alterações diárias, Sarah. Todos os dias, de manhã, eles serão afixados no painel, lá fora. Mas é claro que, se tiver qualquer dúvida, você poderá resolvê-la pessoalmente com o chefão, à noite. — A moça riu maliciosamente, evidentemente sem querer ofender, mas apenas para brincar.

Sarah também sorriu. E só então a moça estendeu a mão para ela.

— Desculpe, esqueci de me apresentar. Sou Lois e trabalho aqui com mais três garotas, Anne, Helen e Sue. Ainda bem que você é boa gente! Depois de todos os problemas que tivemos com "madame" Gina, já estávamos preocupadíssimas com você. Depois da notícia-surpresa desta manhã, então... Ninguém ima­ginava que o chefão fosse casado, e muito menos que a esposa fosse uma das atrizes principais.

— Ficamos separados durante algum tempo — Sarah expli­cou, sem vontade de entrar em maiores detalhes.

— Não pode imaginar como a invejamos — Lois confessou —, mas o melhor de tudo vai ser olhar para a cara de Gina! Ela resolveu que o chefão era sua propriedade particular, em­bora ele se esforçasse por se livrar dela. Imagino como ele está feliz, porque, com você aqui, agora, Gina vai ter que se controlar um pouco. E isso é bom para todos, já pensou se ela conseguisse alguma coisa com Ben e o amante dela ficasse sabendo do caso? Nossa! Ele é um dos banqueiros que mais está pondo dinheiro nessa produção...

— Eu sabia que vários banqueiros estão financiando a produção do filme, mas não que o amante de Gina era um deles. — Sarah se fingiu de inocente para ver se ficava sabendo de maiores detalhes,.

— Ele é simplesmente o maior. Guy lutou como um louco para conseguir o dinheiro e ficamos superfelizes quando soube­mos que estava tudo acertado. Depois, para melhorar, Ben re­solveu aceitar a direção. Foi muita sorte nossa!

Era muito raro uma equipe de filmagem gostar de um diretor. Sempre se colocavam contra o "ditador de ordens". Se com Ben era diferente, ele devia realmente ser muito bom.

Sarah ainda conversou mais um pouco com Lois e depois se despediu seguindo para o trailer de Ben. Era maior que o de Dale e ficava afastado dos demais. Privilégios do poder, Sarah pensou, perguntando-se por que Ben tinha preferido aquele iso­lamento. Seria para que Gina pudesse visitá-lo, sem ser vista?

Era tolice pensar nisso, já que acabara de ouvir Lois falando sobre o desinteresse dele pela atriz. E... mesmo que fosse ver­dade, que diferença fazia para ela?

Entrou e olhou ao redor. Na mesa havia uma pilha de papéis e uma máquina de escrever. Estranhou aquilo. Para que havia na administração tantas máquinas de escrever supermodernas e secretárias que se encarregavam de todos os serviços de es­critório? Não fazia sentido. Mas Ben não era a própria encar­nação de um enigma?

Sarah seguiu pelo pequeno corredor, passando pela cozinha, tão bem equipada como a de Dale. Pegado à cozinha ficava o banheiro, mais confortável que o do outro trailer. Sarah con­cluiu que provavelmente Ben tinha escolhido para ele o quarto que ficava pegado ao banheiro. Então ficou com o de trás.

Como suas malas ainda não estavam lá, resolveu preparar um café. Afinal, não tinha posto nada no estômago desde de manhã. Foi para a cozinha e, enquanto ligava a cafeteira elétrica, olhou para o papel com sua escala de trabalho. Suas cenas só seriam filmadas no fim de semana. No entanto, já tinha hora marcada com a figurinista no dia seguinte de manhã. Então, nas próximas horas podia dedicar seu tempo a ver os cenários e dar uma volta pelo local.

Sarah se serviu de café e torrada com manteiga. Depois foi para fora para se familiarizar com o lugar que durante os pró­ximos dois ou três meses seria seu lar.

O que lhe reservava aquela região árida, cheia de cenários, trailers e gente?

 

                                   CAPÍTULO III

Quando chegou próximo às locações, Sarah parou, maravilhada com o que via. Que fortuna havia sido gasta ali! Tudo era muito bonito e luxuoso. A piscina era enorme e cercada de todo o conforto. De um lado ficava o bar, com mesas, cadeiras e o telhado coberto de palha. Do outro, um restaurante, onde, no momento, havia muita gente fazendo refeições. Naturalmente, quem quisesse também poderia cozinhar no trailer, equipado com geladeira, congelador e forno de microondas, além do tradicional fogão.

Também o bar estava bastante frequentado. Todos tentavam amenizar o calor com uma cerveja gelada ou um suco. Sarah sentiu vontade de nadar, mas lembrou que o verão na Espanha era muito forte e ela precisava tomar cuidado com sua pele. Seria um desastre, se numa cena aparecesse pálida e na outra vermelha.

Aliás, agora lastimava não ter lembrado de comprar um cha­péu de aba larga que a protegesse do sol. Mas, em seus últimos dias na Inglaterra, haviam surgido tantas coisas para resolver, que nem se lembrara. Ainda bem que tinha trazido os protetores solares. Carew lhe tinha dado uns vidros de presente e ela comprara outros.

Mas só isso não ia resolver. Tinha que providenciar logo um chapéu. Ainda era cedo, mas o sol brilhava intenso como se fosse meio-dia.

Precisava ficar num lugar onde houvesse sombra. Onde? Tal­vez fosse melhor ir acompanhar as filmagens. Nunca vira Ben dirigir e estava interessada em conhecer seu método. Será que ele era do tipo autoritário que deixava os atores tensos, ou os elogiava e animava, conseguindo o que queria explorando a vai­dade profissional de cada um?

Sarah foi para o trailer da administração. Lá encontrou Lois.

— Sabe onde estão filmando hoje? Gostaria de ver como vão indo as coisas.

— Posso levá-la até lá, se quiser. Tenho que levar uns papéis importantes para o chefão. Podemos ir num dos jipes. — Lois olhou para a cabeça de Sarah, os cabelos ainda mais brilhantes pela luz do dia. Talvez não seja da minha conta, mas... não deveria estar usando um chapéu?

— Devia mesmo, mas acabei esquecendo de comprar um em Londres. Amanhã cedo vou até a cidade e compro um. Sabe se alguém vai para lá?

— Não creio. Não temos nada para mandar e, além disso, o chefão disse ontem mesmo que não quer ver ninguém saindo para a cidade. Falou que já se perdeu muito tempo e que pre­cisamos recuperar as horas perdidas. Mas, naturalmente... — Lois sorriu — abrirá uma exceção para você. O grande Ben não vai querer que uma de suas artistas principais tenha insolação, não é? Principalmente quando ela é sua esposa!

Sarah corou até a raiz dos cabelos. Não queria que ninguém fizesse concessões para ela. Além disso, tinha certeza de que Ben seria o último a abrir uma exceção a ela.

— O que é isso, Sarah? Moças de hoje em dia já não coram mais! Se pretende sobreviver nessa selva, é melhor aprender a se controlar! Não tem filmado muito, não é? Por isso não está acostumada. Mas fique atenta, porque os homens aqui não es­colhem muito as palavras! Devia ter ouvido o que diziam esta manhã, depois que souberam quem você é.

— Ah, é? E o que disseram, Lois? Estou curiosa.

— Bem... disseram que você deve ser uma mulher e tanto, já que conseguiu prender o chefão. As notícias correm depressa aqui, Sarah, e você sabe a fama que Ben tem... a de ser um homem muito viril!

Sarah sorriu, mas nada comentou. Ela nunca esperara que Ben vivesse como um monge, depois que haviam se separado.

Era muito justo e natural que ele continuasse como sempre havia sido: o sonho de cada mulher que o via. Então, por que, ao ouvir aquilo, sentira esse ciúme absurdo, que parecia querer arrancar suas entranhas?

Lois levou-a até um jipe estacionado sob umas árvores.

— Suba, Sarah. Num instante estaremos lá. As duas se acomodaram e o jipe partiu.

— O que estão filmando hoje? — Sarah quis saber.

— Uma parte das Cruzadas, mais especificamente, a cena em que Ricardo e o sultão estão discutindo a respeito dos reféns muçulmanos.

— Nossa, pela escala do trabalho que recebi, essa cena já deveria estar pronta há uma semana — Sarah comentou, ad­mirada.

— Tem razão, mas as filmagens estão atrasadas, porque uma das câmaras quebrou e teve que ser levada à cidade para con­serto. Chegou somente ontem. Veja... — Lois apontou para as muralhas de um castelo antigo. — Esse castelo está sendo usa­do como parte do cenário. Suas paredes, no filme, vão repre­sentar as muralhas de Acre.

Imediatamente, Sarah localizou a cena em sua mente. Como represália à intransigência do sultão Salah-ed-Din em não sol­tar os prisioneiros cristãos, Ricardo I prendera alguns muçul­manos, durante a invasão de Acre, para depois matá-los a gol­pes de espada. Para um líder cristão, fora uma atitude bárbara, principalmente porque obrigara sua irmã e a esposa a presen­ciarem o ato.

O roteiro era baseado em fatos históricos, embora o autor tivesse misturado um pouco de ficção aos acontecimentos reais. Um dos personagens introduzidos na história para tornar a trama mais emocionante era o de um cavaleiro cristão, Philip, que supostamente se tornara amante de Ricardo. Segundo essa nova versão, Philip é capturado pelos muçulmanos e usado para chantagear Ricardo. Sabendo do envolvimento do cavaleiro com o rei, o sultão Salah-ed-Din propõe, em vez do resgate pedido pelo rei por seus homens, a vida do amante. Ricardo se recusa a entrar nesse jogo e, na mesma hora marcada para Salah-ed-Din enviar o resgate para o campo cristão, surge Philip, à mor­te, o corpo pálido amarrado a um magnífico cavalo árabe, o sangue escorrendo de seu ferimento fatal.

Sarah chegou ao cenário e se juntou a um grupo de extras que observavam a filmagem. O velho castelo estava bastante destruído e dava uma incrível autenticidade à cena, com suas paredes estragadas, o sol brilhando nas pedras limosas. Uma fila de bandeiras tremulava ao vento, na base da muralha, onde se erguiam as tendas listradas do acampamento dos cristãos. Um pouco mais longe havia outro grupo de tendas, pertencente aos muçulmanos. A filmagem estava acontecendo numa dessas últimas.

O ator que vivia o papel do líder muçulmano estava sentado, impassível, as pernas cruzadas sob o corpo, vestido com um manto branco, enquanto meia dúzia de guerreiros ficava de pé, às suas costas.

Oposto a ele, num banco pequeno, os braços cruzados no peito, estava Dale. Sarah ficou impressionada com a transfor­mação que viu. As roupas da época, a maquilagem, a pose ti­nham transformado o rapaz no poderoso Ricardo. Imediatamen­te Sarah se viu transportada para o século XII, vivendo aqueles momentos de grande emoção.

Salah-ed-Din falava, a voz sem expressão, o sorriso cruel:

— É uma pena, majestade, mas ainda não conseguimos jun­tar o dinheiro necessário para o resgate que pede. Somos um povo pobre e arranjar dinheiro, para nós, é tão difícil como achar água no deserto.

— É estranho ouvir isso de um homem que leva no dedo um rubi tão grande como o ovo de uma pomba... — Ricardo falou com ironia. — Conhece meus termos. Se os reféns e o resgate não forem pagos dentro de um mês, os prisioneiros de Acre vão passar pelo fio da espada.

O líder muçulmano sorriu, mostrando os dentes escurecidos pelo fumo.

— Ora, majestade, como pode estar tão seguro de si mesmo? Acho que, dessa vez, eu vou sair vitorioso! Por que eu deveria lhe entregar tanto dinheiro, se tenho outros meios? — Ele fez uma pausa. — O chefe dos meus guerreiros me mandou um presente muito valioso. Vou lhe mostrar. — Ele bateu palmas. Sarah sentiu que prendia a respiração, ansiosa por ver o que ia acontecer.

— É verdade que o rei da França vai nos deixar? — O sultão perguntou, quando seu guerreiro saiu.

— Não está em dia com as notícias — Ricardo respondeu. — Ele já se foi.

Houve barulho e movimento por trás da tenda que os atores ocupavam. Sarah mordeu o lábio, em suspense. Era uma boba! Sabia que nada daquilo era real, e, no entanto, parecia estar vivendo uma cena histórica cheia de terror.

— Ah! Aqui está meu presente — o sultão exclamou com satisfação, quando seus homens voltaram, carregando o que parecia ser um pacote de trapos. — Traga-o aqui para que o rei Ricardo possa vê-lo.

Obedientes, os homens largaram a trouxa no chão. Um ho­mem estava ali dentro, a pele muito branca, horrivelmente fe­rida, o sangue manchando a palma de suas mãos, o cabelo es­curo, a respiração arfante e a túnica branca ostentando a cruz dos Cavaleiros de Malta.

— Levante a cabeça dele — o sultão ordenou.

Sarah olhou para Ricardo. Ele estava totalmente absorvido pelo homem posto no chão.

— Meus homens estavam curiosos para testar o método pelo qual seu profeta Jesus morreu — Salah-ed-Din falou. — Feliz­mente, consegui controlar o entusiasmo deles antes que fossem longe demais.

A câmara chegou mais perto do ferido, se detendo nas palmas machucadas, no peito que vazava sangue, na testa rasgada e dilacerada.

Sarah tremeu, apesar do calor da tarde.

— Ele não vai reconhecê-lo, meu caro rei — As palavras eram ditas lentamente, para aumentar o suplício de Ricardo. — Ele foi obrigado a tomar uma droga. Nossos médicos, no entanto, podem salvá-lo. Está em suas mãos. Esse homem, a quem tanto ama, lhe será dado como um belo presente, no lugar do resgate.

— Não!

A negativa escapou dos lábios crispados do rei, seu rosto uma máscara de sofrimento.

Sarah prendeu a respiração de novo, e suas mãos se ume-deciam de suor.

— Não? — Salah-ed-Din tornou a perguntar.

— Não — Ricardo I respondeu, agora mais firme, com menos angústia. — Mesmo que os termos de nosso acordo fossem ape­nas um dinar e um prisioneiro, eles não poderiam ser alterados. Nem esse meu amigo querido gostaria que fossem. Ricardo se ajoelhou e passou a mão nos cabelos escuros do amigo. Depois tirou o sangue que se acumulava nos lábios inchados, para de­pois beijá-los numa agonia rápida. Em seguida se levantou e saiu da tenda. Antes, porém, virou-se e falou com voz potente:

— Você tem catorze dias para arranjar o dinheiro do resgate.

— Minha nossa! — Sarah ouviu o comentário às suas costas.

— Que gente corajosa! — Houve risos, mostrando o alívio da tensão.

— Pode mandar revelar — Ben disse ao seu assistente, para depois se aproximar de Dale.

— Satisfeito, ó mestre? — Dale perguntou com ironia. — Não vou repetir a cena, Ben! Já suei até sangue por causa dela!

— Por isso mesmo conseguiu uma atuação de primeira clas­se! — Ben falou baixo, como se fosse só para ele escutar.

Mas Sarah, ouvidos atentos, se surpreendeu com o elogio. Naturalmente, Dale tinha realmente feito um ótimo trabalho, mas Ben não era homem de fazer elogios.

— Vou tirar este sangue do rosto — o ator que vivera o amante de Ricardo estava dizendo. Sarah logo o reconheceu, era de uma série de televisão, em que fazia o papel de espião. — Não sei como se sente a respeito dessa cena, Dale, mas, para mim, a única maneira de fazê-la é fechando os olhos e pensando em você como uma garota sensual e cheia de curvas, que apenas está disfarçada com roupas de homem!

Todos riram com o comentário e os grupos começaram a se dispersar.

— Quer uma carona para voltar ao acampamento? — Dale se aproximou de Sarah.

Antes que ela tivesse tempo de responder, Ben lhe segurou o braço.

— Não é preciso, obrigado, Dale — Ben falou. — Ela vai voltar comigo, não é, querida? — Inclinou-se e pousou os lábios sobre os dela.

Sarah foi tomada de tanta surpresa que nem conseguiu rea­gir. Apenas entreabriu os lábios, sentindo-se suspensa no es­paço, a cabeça zonza, um suspiro tentando escapar de sua gar­ganta. Fez um esforço para se afastar, mas Ben a mantinha apertada nos braços. Poucos segundos depois, ele moveu os lá­bios para as orelhas dela, causando-lhe um arrepio por todo corpo.

— Por favor... me solte... — ela murmurou em voz baixa.

— Me beije também, Sarah — ele falou num fio de voz mas em tom bastante autoritário.

Sarah sabia que o marido não a perdoaria, se ela não obe­decesse. Queria humilhá-la na frente de Dale, tinha certeza. Fechou os olhos e começou a beijá-lo de leve. As mãos de Ben se entrelaçaram em seus cabelos, forçando a cabeça dela para trás e prolongando o contato das bocas.

— Se isso é o melhor que pode fazer... então não é boa atriz, Sarah.

— Fico tão furiosa quando me toca que nem consigo repre­sentar! Eu te odeio! — ela respondeu, notando que Dale havia se afastado.

Ben não a largou. Continuou a apertá-la nos braços e, com a língua, contornou a boca pequena, provocando-a, até que, num suspiro seguido de um gemido, ela entreabriu os lábios para recebê-lo.

— Se se atreve, diga de novo que me odeia — Ben falou depois, olhando-a profundamente.

Sarah tinha as faces em fogo, os olhos brilhantes, fuzilando de raiva.

— Que pena que Dale não ficou aqui para comprovar o quan­to você me detesta — Ben falou com sarcasmo, e a soltou. — Talvez assim ele pudesse imaginar como me senti, ao encontrar vocês dois juntos, poucas horas depois de você ter afirmado que aceitava ser minha esposa.

— Onde está tentando chegar, Ben? — Encarou-o, o cabelo em desalinho, caindo por seus ombros e emoldurando o rosto como uma aura de fogo. — Quer mostrar seu talento de ator? Merecia uma plateia para aplaudi-lo em pé! — Tremia de má­goa, dor e tristeza. — Estou cansada e gostaria de ir para o acampamento. Se não quiser me levar, posso voltar da mesma maneira como vim, com Lois.

— Você vai comigo. Nós já vamos embora.

Sarah ficou observando os encarregados das câmaras en­quanto guardavam seus equipamentos. Outros cuidavam dos cenários. Concluiu que as filmagens do dia tinham terminado.

— Ben, meu querido, ainda vai demorar muito? — Gina Frey surgiu de repente, com o andar ondulante de uma estrela.

— Vai ter que arranjar outra pessoa para levá-la, Gina. Eu e Sarah vamos à cidade.

Sarah se virou e percebeu que a moça não tirava os olhos dela. Era o olhar de um inimigo.

— Ora, mas você não disse que nem atores nem funcionários podiam ir à cidade? — Gina perguntou, com delicada ironia.

— É verdade, mas posso mudar um pouco as regras para mim mesmo. Tenho bons motivos para isso. Eu e Sarah nos reconciliamos há pouco tempo e vamos comemorar.

Ben pegou a mão de Sarah e a levou aos lábios, para depois virá-la e passar a ponta da língua na pele sensível da palma. Mesmo contra sua vontade, ela teve que admitir, contrariada, que seu corpo era tomado de desejo. Ben e Gina lhe observavam as reações.

— Quero levar minha esposa para jantar fora. Não posso deixar a ocasião passar em branco.

Gina mordeu o lábio com raiva. Não podia dizer nada, mas não quis se deixar vencer com tanta facilidade.

— RJ vai me telefonar mais tarde — ela falou, em declarado desafio. — Ele está sempre me perguntando como vão as fil­magens. Meu pobre amorzinho, está tão preocupado com o in­vestimento que fez! — Gina passou a língua pelos lábios ver­melhos de batom. Achou que tinha alcançado seu objetivo. Suas palavras, embora veladas, queriam dizer exatamente: "Não brinque comigo, senão posso lhe causar problemas com um dos produtores".

— Não precisa se preocupar tanto, Gina. Ele está muito sa­tisfeito. Falei com ele hoje de manhã e lhe contei que a câmara já tinha chegado e que podíamos prosseguir com o trabalho sem maiores problemas. Inclusive, até o convidei para vir aqui para verificar pessoalmente o que fazemos com os investimentos dos produtores.

Gina deixou escapar um suspiro fundo, depois se virou e foi embora, cheia de raiva.

— Ufa! — Ben sacudiu a cabeça como um mergulhador quan­do surge na superfície. O sorriso no rosto fez com que ele pa­recesse muito mais jovem e atraente, mas Sarah procurou não se deixar levar pela sensibilidade. Sabia com quem estava li­dando e Ben já havia derrubado muitas de suas defesas. Não, não ia permitir que isso acontecesse de novo! — Pegue seu cha­péu e vamos, Sarah. Um casal de amigos nos convidou para jantar.

— É mesmo? Por que não me disse antes? Não posso ir a um jantar vestida assim! — Sarah sentiu-se presa numa arma­dilha. Por que havia dito uma coisa tão boba, admitindo inclu­sive que ia acompanhá-lo? Não queria jantar com ele e ponto final. — E não adianta me mandar pegar o chapéu. Não tenho nenhum. Esqueci de comprar, em Londres. Mas amanhã vou cuidar disso.

— Precisa mesmo! Sabe qual é a temperatura aqui? Isso aqui é um forno! — Ben fez um gesto indicando o castelo e as pla­nícies desoladas do deserto. — E você, com essa pele fina e clara de ruiva, tem pouca resistência ao sol.

— Já me preveni. Passei bastante protetor solar no rosto e nos braços, antes de sair de casa.

— Sim, mas, que eu saiba, o protetor solar não foi feito para passar na cabeça, certo? E também estou preocupado com in­solação... Ele passou os dedos pelos cabelos, como se estivesse tentando se controlar. — Quanto a não estar convenientemente vestida para o jantar, podemos dar um jeito. Eu também gos­taria de tomar uma ducha, antes de ir. Portanto, vamos passar no trailer e nos arrumaremos como pede a ocasião.

— Mas então... então... Gina poderia ter vindo conosco!

— Eu sei, mas já aguentei Gina demais para um dia. Não queria levá-la.

— Não gosta dela, não é?

— É uma caçadora de homens, e nem ao menos consegue ser útil. E você me conhece, Sarah... — Ele se divertiu, vendo-a corar intensamente. Depois, com os olhos, percorreu lentamente o corpo bem-feito, detendo-se nos seios desenhados sob o tecido da blusa, nas coxas bem torneadas dentro do jeans apertado. — Sabe que eu é que sou o caçador.

— Um caçador cruel que gosta de machucar e destruir suas vítimas — Sarah acrescentou com amargura. — Sim, conheço bem você...

— Então vai atender ao meu pedido de não querer que nin­guém desta companhia desconfie que não somos um casal feliz, que se reconciliou depois de anos de separação. Não tente agir de outra maneira, ou... vai se arrepender.

— Vou me arrepender... de novo? — Sarah respondeu com raiva, e imediatamente o rosto de Ben ficou sombrio. — Que coisa mais monótona!

— Posso lhe garantir que nunca mais serei monótono, Sarah. O inferno pode ter várias aparências, não acha?

Sarah tremeu com o impacto da ameaça. Por que o destino os tinha colocado lado a lado novamente? Sabia por que Ben não queria que ninguém da companhia desconfiasse que eles não estavam felizes. Era apenas para evitar que tomassem co­nhecimento da história do seu caso com Dale. O pior é que algumas horas junto de Ben já eram suficientes para fazê-la sentir-se sob o domínio sensual que ele ainda exercia sobre ela. A confiança em si mesma, que havia conseguido criar depois da separação, começava a desmoronar... Será que ia aguentar tudo aquilo?

— Vou dar uma chegadinha até a administração e checar meu trabalho de amanhã — Sarah avisou, enquanto Ben abria a porta do trailer. — Volto logo, enquanto isso, você toma seu banho.

— Está bem, mas não me obrigue a ir procurá-la, Sarah.

O bar ao lado da piscina estava cheio, assim como o restau­rante, Sarah cruzou-o e logo ouviu seu nome. Virou-se e encon­trou Lois.

— Estava à sua procura, Lois. Houve alguma mudança no que tenho marcado para amanhã?

— Não. Só aquilo mesmo: falar com a figurinista. Não quer sentar um pouco?

— Não posso, obrigada. Ben vai me levar para jantar.

— Olhe, pelo jeito como o grande chefão se comportou com você hoje, pensei que não quisesse dividi-la com ninguém... nem mesmo num jantar.

Sarah sabia que Lois estava apenas brincando, mas as pa­lavras da moça lhe trouxeram à mente a forma como tinha correspondido aos carinhos de Ben. Era incrível como ele havia conseguido fazê-la sentir-se vulnerável novamente.

— O que há com você, Sarah? Como está pálida! — Dale se aproximou, segurando-lhe a mão.

— Estou bem, só tive uma vertigem. Já passou, deve ser o calor.

— Está esgotada, isso sim. Também, depois do espetáculo com Ben, esta tarde, só podia estar exausta. Sabe por que ele age assim, não é? Está usando você para manter Gina a dis­tância. Ben acha que, arrumando uma esposa, vai conseguir se livrar de Gina e ainda manter RJ como produtor. Ele sempre foi muito esperto, tenho que reconhecer. Por isso, tenha cuida­do, Sarah. Não mergulhe nisso mais fundo do que precisa. Se conheço Ben, ele vai fazer de tudo para que sua reconciliação pareça verdadeira, — Dale olhou para a mão de Sarah, que desaparecia na sua. — Não sou um anjo, mas pelo menos uso o sexo com um pouco mais de emoção. Ben é um diabo sem coração. Sempre foi assim.

— O que está tentando me dizer Dale? — Sarah estava nervosa. Está procurando me prevenir, insinuando que Ben po­derá querer... fazer amor comigo? — conseguiu falar, sentindo um tremor passar por seu corpo à simples idéia de ir para a cama com o marido.

— É melhor acreditar em mim. Ele deseja você, Sarah. Os olhos denunciam o que ele sente.

— Não! Está enganado, Dale!

— Mas por que seu coração bate tão depressa? Sim, ele a deseja, Sarah. Ele a quer porque teme que eu a roube dele. Ben sempre foi um mau perdedor, esqueceu?

Sarah retirou a mão, sentindo a angústia tomar conta de seu coração. Deus! Não agora! Não queria que Dale lhe lem­brasse o passado, que já tinha lhe causado tanta dor! O sofri­mento ainda corroía sua alma, destruindo sua fé no ser humano, na sua capacidade de amar, de se entregar a um homem... A traição de Ben a seu amor ainda estava muito nítida em sua memória. Ele havia usado palavras doces e ternas e a cegara com as promessas de um futuro. Ela, muito tola, tinha acredi­tado! E tudo não passara de um jogo sujo!

Como um autômato, afastou-se do bar. Pouco depois se viu diante do trailer. O Sol estava se pondo, tornando as nuvens cor-de-rosa. Ainda sob a emoção das lembranças, ela parou de andar, um nó se formando em sua garganta, impedindo-a de respirar direito. Preferia não entrar no trailer e, ao mesmo tem­po, temia as consequências, se não o fizesse.

Segurou o trinco e a porta se abriu. Ben estava ali, uma toalha amarrada em torno da cintura, os cabelos ainda molha­dos pingando em suas costas. Como ele era bonito e másculo! Sarah não conseguia afastar os olhos, consciente do fascínio daquele corpo atlético e viril sobre ela.

— Vai ficar aí a noite toda? — ele perguntou, impaciente. — Você sempre consegue atrasar as coisas importantes, não é, Sarah? Ainda me lembro de como demorou a fazer aquela cena em Shakespeare, em que eu finalmente a carregava para a cama. Talvez por isso tenha resolvido casar comigo, mesmo dese­jando Dale. A propósito, quanto tempo durou seu caso com ele? Sarah tremia tanto que precisou se apoiar na parede.

— O que é isso, Sarah? Está tremendo como uma virgem que nunca lidou com um homem antes! Mas nós dois sabemos que isso não é verdade. — Ben não tirava os olhos do rosto que alternava o rubor intenso com a palidez mortal. — Ora, minha cara, aquilo não foi tão importante assim, foi? Não depois que teve Dale para fazê-la esquecer a única vez que estivemos juntos!

— Não... — ela ia dizer que isso não era verdade, mas era melhor que Ben a encarasse como uma mulher vivida, e não como uma tola. Mudou de idéia: — Não acha que está dizendo coisas muito baixas?

— Bem, pelo menos eu só digo, ao passo que você faz! — Seguiu-se uma pausa tensa, antes de Ben falar outra vez: — É melhor ir se arrumar. Não precisa pôr uma roupa muito for­mal. Vamos jantar com um casal espanhol bastante descontraí­do. Leve um casaco, pois a previsão diz que vai chover.

— Ben... — Ela se armou de coragem para falar. — Não poderíamos fazer uma espécie de trégua, pelo menos enquanto duram as filmagens? — finalmente pediu. Não suportava con­tinuar a receber sucessivos ataques e acusações do marido.

Uma trégua? — Ele riu com vontade. — Nada disso, Sarah. Não é o que pretendo. Bem, o banheiro já está livre. Poderíamos tê-lo usado juntos, mas sempre foi um tanto puritana, não é? Ou... Dale conseguiu modificá-la?

Puritana! Sarah sentiu como se Ben tivesse cravado uma faca em seu coração. Sabia que tinha sido tímida e inexperiente, quando fizera amor com ele, mas isso não justificava que a rotulasse de puritana. Pelo contrário, havia se entregado sem reservas.

— Isso você nunca vai descobrir! — ela falou com raiva, en­trando no banheiro. Não se deu conta de que, da forma como falou, a afirmativa mais parecia um desafio do que uma certeza.

Entrou no banheiro e, apesar da porta trancada, sentiu-se desprotegida. Depois do banho, colocou um vestido de seda azul que tinha um discreto decote nas costas. Deixou os cabelos caírem naturalmente sobre os ombros e foi ao encontro de Ben. Ele a observou de alto a baixo.

— Algum problema com minha roupa?

— Nenhum. Acho apenas que vai se dar bem com nosso an­fitrião. Ele tem idéias meio antiquadas.

— Pois me considero bem moderna e...

— Não acho, e isso me deixa intrigado. Como conseguiu ser amante de Dale e manter suas idéias puritanas? Ou você o amava tanto que conseguiu calar a própria consciência?

— Não... não quero falar sobre isso — ela respondeu, procu­rando manter a dignidade, embora se sentisse desesperada. — O passado já não existe, Ben. Não quero me lembrar dele.

— Lógico que você não quer! Gostaria de ter a mesma faci­lidade para esquecer!

Com raiva, Ben abriu-lhe a porta. Na passagem estreita, ela esbarrou nele, sentindo o calor e a intensa sensualidade que emanavam clele. Foi como se um choque elétrico atravessasse seu corpo.

Naquele instante, o tempo em que ficaram separados parecia não ter existido. Então, não havia aprendido nada com seu so­frimento? Continuava a ser a mesma garota bobinha que en­contrara o grande amor de sua vida?

Porque, ela tinha que admitir agora, ainda amava Ben, como uma louca ou uma tola, não sabia dizer. A verdade é que ainda o amava desesperadamente!

 

                                   CAPÍTULO IV

Seus amigos moram aqui? — Sarah olhou pala a luxuosa mansão cercada por um imenso jardim.

— Ficam aqui só durante as temporadas de verão. Eu os conheci quando vim fazer os trabalhos preparatórios para a filmagem. São antigos proprietários do castelo que estamos usando em algumas tomadas. Agora se dedicam ao cultivo de uvas. — Ben olhou-a espantado. — Ei, não precisa ficar nervo­sa, Sarah! Eles são gente como todo mundo.

— Mas estou calma — ela mentiu, aborrecida por ver que Ben conseguia descobrir como se sentia. — Eles sabem que está me trazendo para jantar?

— Claro. Senão, nem a traria.

— Sabem que somos casados?

— Sim, mas não vão lhe fazer nenhuma pergunta indiscreta, pode ficar sossegada. Eu lhes disse que tivemos alguns proble­mas conjugais mas que agora está tudo bem.

Sarah pensou por um instante, antes de falar:

— E o que vai lhes dizer quando as filmagens terminarem e nós formos cada um para um lado?

— Isso faz diferença? Depois penso em alguma coisa.

Ele saiu do carro e deu a volta para ajudá-la a descer. Apesar do calor da noite, Sarah estremeceu, quando Ben a tomou pelo braço.  

— Tenho certeza de que vai inventar uma história bem con­vincente para eles. Aliás, você sempre foi muito bom, nesse tipo de coisa, não é, Ben? Sempre torce a situação para adaptá-la a seus objetivos.

— O que quer dizer com isso? — Apertou-lhe o braço e fez com que se virasse para encará-lo. — Responda, Sarah. Não adianta usar de subterfúgios. O melhor é abrir logo o jogo.

"Por que não dizer a verdade?", ela se perguntou. Não tinha nada a esconder. Nem a perder...

— Ora, você está me usando para manter Gina a distância, E fez a mesma coisa quando... quando... — Não conseguiu con­tinuar, sentia que seu autocontrole estava por um fio. Era torturante lembrar daquela aposta terrível!

— Compreendo. — Ben chegou mais perto dela e, instinti­vamente, Sarah se apoiou no carro.

O céu estava escuro, carregado de nuvens. Mas por um se­gundo um raio iluminou o rosto de Ben, mostrando suas feições contraídas. Seus olhos estavam duros e frios, a boca apertada num sorriso irónico.

— Inventou tudo isso, não é mesmo?

— Claro que não! — Sarah se defendeu. — Dale...

— Ah, sim! Esqueci de Dale! — Ben a interrompeu, sem lhe dar chance de continuar. — Ele tinha que ter uma parte nisso tudo. Foi Dale quem lhe disse que uso você para escapar de Gina? — Apertou-lhe o pulso de tal forma que chegou a marcá-la.

— Você está me machucando!

— Não tanto como tenho vontade! — foi a resposta brutal. Agora entendo como Dale ficou amargurado, ao saber que eu a possuí antes dele!

— Ben, vamos desistir do jantar. Não creio que agora seja o momento ideal para... visitarmos alguém. Estamos tensos e...

— É tarde demais! Eles já nos viram.

Nesse instante, o casal aparecia na porta da frente para re­cepcioná-los.

Ben se inclinou e beijou-a nos lábios, rápida mas apaixona­damente.

— Agora estamos prontos para entrar.

Sarah pegou o batom na bolsa, para retocar a maquilagem.

— Não, Sarah. Fique como está. — Ele pegou o batom e colocou-o na bolsa que ela deixara aberta.

— Mas... mas... eles vão perceber que você me beijou!

— Não acha que é muito melhor do que pensarem que esti­vemos discutindo?

— Então você vai viver o papel de Joana? — a sra. Sarjoves perguntou, interessada, durante o jantar.

Sarah concordou com um gesto da cabeça. Simpatizara com o casal. Miguel Sarjoves era sul-americano, de origem hispâni­ca. Havia se casado com Luísa quando ela visitara seu país. Depois, concordaram em viver na Espanha, passando a cuidar das vinhas da família. Tinham duas filhas e um filho e pareciam muito felizes.

A comida estava deliciosa, com pratos sofisticados. A conver­sa fluía com facilidade, durante a refeição, e os quatro riram muito. Depois foram se sentar na saia de estar, comentando o atual filme que Ben dirigia.

— A personagem Joana é sensacional — Sarah comentou, tive muita sorte em conseguir o papel.

— Sim, mas, naturalmente... — Luísa olhou para Ben como...

— Não fui eu que escolhi Sarah para fazer Joana — Ben explicou. Foi Guy quem a contratou.

— Ah, sim! — Sarah acrescentou. — Ele me viu num anúncio de tevê e achou que eu me parecia muito com a verdadeira Joana.

— Não sabíamos que Ben era casado — o sr. Sarjoves disse. Estivemos juntos por vários meses e achei mesmo que havia alguma coisa que o perturbava, algum problema, mas...

— Ben é um bom diretor, e devia estar preocupado com o tempo que teria que ficar por aqui e o quanto isso ia lhe custar — Sarah respondeu prontamente. Não importava se estava cer­ta. Pensando nela é que ele não estivera!

Luísa a olhou espantada, como se não tivesse entendido o comentário. Depois encarou Ben e voltou a observar Sarah.

— Meu marido quis se referir ao período em que...

Ben se levantou, olhou para o relógio e educadamente inter­rompeu a anfitriã no meio da frase:

— Puxa, Sarah, como é tarde! Temos que ir. As filmagens começam às seis da manhã. Faremos uma das cenas de batalha e preciso começá-la antes que o sol esquente muito.

— Posso imaginar o sacrifício dos atores, ao usar aquelas roupas de malha e metal. Com o sol forte, acho que devem até queimar a pele — o sr. Sarjoves comentou.

— Tem razão. Por isso marquei o início das filmagens para tão cedo. — Ben chegou perto de Luísa. — Quero agradecer-lhe pelo magnífico jantar e pela noite tão agradável...

— Foi um prazer, Ben. Venham mais vezes!

A viagem de volta para o acampamento foi feita, sem inci­dentes. Mesmo assim, Sarah sentiu uma ligeira dor de cabeça. Talvez tivesse abusado da comida muito condimentada, ou do vinho.

O ar estava morno e pesado, prometendo uma tempestade. Quando passaram pela piscina, a caminho do trailer, viram que ainda havia muita gente ali, sem se incomodar com o horário em que teriam que se levantar.

— Oi, chefão, não quer tomar um drinque conosco? — um rapaz do grupo sugeriu alegremente.

Ben agradeceu, mas continuou caminhando com Sarah, se­gurando-a pelo braço. O pessoal, já alegre por causa da bebida, fez algumas observações maliciosas sobre Ben e ela. Sarah co­rou, enquanto o marido parecia impassível.

Chegando ao trailer, ele foi direto à geladeira e tomou um copo de água gelada.

— Quer um pouco de água, Sarah?

— Não, obrigada, Estou muito cansada e vou deitar, se não se incomoda.

— Minha nossa! Quanta educação e formalidade! Pena que há quatro anos não me perguntou se eu me incomodava que fosse amante de Dale.

Ela não respondeu. Não ia discutir agora que estava cansada e queria dormir. Foi direto para o banheiro se trocar e, quando voltou para o quarto, viu Ben sentado à mesa, a atenção con­centrada em folhas de papel. Nem percebeu que ela passava por ali.

Por um instante, Sarah se deteve para observá-lo. Sem que­rer, as lembranças começaram a vir à tona, lembranças como a da cena de amor que fizeram juntos no filme em que se co­nheceram. A paixão entre eles já começava a brotar e finalmen­te passara do sonho à realidade, na noite em que se amaram. Ele parecia o sol, que a queimava, derretendo suas defesas, queimando-a com a força do desejo. Tinha sido uma noite de magia e encantamento. Podia lembrar dos detalhes como se os estivesse revivendo agora.

Haviam gravado cenas de estúdio até tarde da noite e, quan­do finalmente as filmagens terminaram, Ben convidou-a para jantar. Ela se sentia feliz, mas não imaginava que justamente naquele dia ele fosse declarar seu amor, Tomaram vinho, tro­caram carinhos e acabaram indo ao apartamento dele.

A atração que Ben exercia sobre ela falou mais alto que seu medo e inexperiência. Embriagada pelo amor que a dominava, cedeu ao impulso irresistível de se deixar possuir, numa noite de entrega e paixão que jamais esqueceria. Era com amargura que pensava no quanto ele devia ter se divertido com sua ingenuidade...

Fora ingênua como uma adolescente tola e sonhadora. E ha­via até temido a reação dos colegas do elenco, caso viessem a descobrir que ela e Ben tinham se tornado amantes. Isso quan­do o envolvimento entre eles não era novidade para ninguém.

Passaram poucos dias e Ben a surpreendera outra vez, di­zendo que queria casar com ela. Concordara imediatamente, julgando-se a mais feliz das mulheres. Nem desconfiava que aquilo fazia parte de uma aposta entre Dale e Ben. Felizmente, Dale a alertara a tempo, impedindo-a de sofrer mais ainda.

— Ben é esperto, Sarah — o ator comentara, na época. — Deixando você apaixonada, consegue duas coisas de uma só vez: ganha a aposta e uma parceira que atua com perfeita natura­lidade. Para se projetar, é capaz de tudo. Eu o conheço muito bem, Sarah, fomos colegas na escola de arte dramática. Não é a primeira vez que ele faz uma sujeira dessas.

Então Ben não a amava! A dor daquela revelação havia mar­telado em sua mente durante anos... E nem tivera tempo de superá-la. Encontrara-se diante de Ben antes mesmo de as fe­ridas cicatrizarem.

Sarah dormiu, seu sono agitado por sonhos confusos. O re­sultado de seu estado de espírito foi uma forte dor de cabeça que a fez acordar no meio da noite. Precisava tomar alguma coisa logo, sua cabeça parecia que ia explodir. Levantou-se de­vagar e, no escuro, foi tateando até a porta. Sabia que no ba­nheiro havia uma caixinha com remédios.

Quando saiu do quarto, o barulho ritmado de uma máquina de escrever a surpreendeu. Já eram mais de duas da manhã! O que Ben estaria datilografando? Devia ser alguma coisa mui­to envolvente, porque ele tinha a cabeça baixa e a atenção to­talmente voltada para o que fazia. Ainda bem! Nem notaria sua presença. Sem acender a luz, chegou ao banheiro na ponta dos pés. Pouco a pouco, seus olhos foram se acostumando ao escuro e logo conseguiu achar o vidro que procurava. Pegou-o com cuidado, levando-o até mais perto da janela para ler o ró­tulo. Mas... o vidro escapou de suas mãos, para se estilhaçar no chão.

Ouviu Ben praguejar e no mesmo instante a luz inundou o trailer. Ele abriu a porta e a viu, de olhos arregalados, a boca entreaberta, muito assustada.

— Eu... estou com dor de cabeça... Eu... não queria incomo­dá-lo. — Sarah balbuciava as palavras como uma criança pega fazendo uma travessura.

Seu corpo tremia, e Sarah já não sabia mais se era de dor, medo ou desejo. Ele estava ali, tão próximo, a camisa aberta revelando o peito nu... Queria tanto tocá-lo, sentir-lhe o bater do coração! Céus, aquele homem a enlouquecia!

Virou-se bruscamente. Precisava fugir dele, sair dali!

— Não, Sarah! Fique quieta! Não se mova! — Ben gritou, a voz autoritária.

Ela parou assustada. Ben afastou os cacos de vidro espalha­dos e pegou-a nos braços.

— Não viu o que estava fazendo, Sarah? Você está descalça e o chão cheio de estilhaços. Poderia se machucar...

Sim, ela havia esquecido completamente daquilo. Olhou para baixo e viu as pequenas pontas cortantes brilhando à luz. Seu corpo estremeceu.

— Você está tremendo de frio! — Ben comentou, apertando-a mais nos braços.

Ela mal podia acreditar que ele estivesse mesmo preocupado com ela! Quando ele a colocou, no chão, já no quarto, Sarah teve que se agarrar nele para não perder o equilíbrio.

Ben a fitava intensamente, observando cada detalhe do corpo bonito que se revelava sob a camisola fina. Sarah, que tremia como se estivesse morrendo de frio, de repente, sentiu uma onda de calor consumindo-a como fogo, deixando seus lábios secos, a respiração curta e difícil. Passou a língua pelos lábios, molhando-os, querendo quebrar a tensão silenciosa que os en­volvia, mas, ao mesmo tempo, tinha medo de acabar com aquela sensação de magia que sentia no ar.

Como num sonho, viu que Ben se aproximava, sua mão des­lizando por baixo da camisola até alcançar o bico do seio. Os olhos dele estavam muito verdes, profundos, parecendo hipno­tizá-la. Devagar, ele soltou os pequenos botões, afastou as alças e fez com que a camisola caísse no chão. Ele parou um momento para admirar-lhe o corpo bem-feito, mas logo seus lábios pro­curaram os dela, roçando-os com muita leveza, tentando-a, ex­citando-a...

Sarah fechou os olhos e um gemido de satisfação escapou de sua boca. Inclinou a cabeça mais para trás, enlouquecida pelas carícias suaves e provocantes. Levantou os braços para abra­çá-lo, mas, antes que conseguisse tocá-lo, sua mão esbarrou numa xícara que havia sobre a mesa, derrubando-a.

O ruído inesperado interrompeu a atmosfera de encantamen­to. Ben endireitou o corpo, seus olhos endureceram, e ele se afastou.

— Volte para a cama, Sarah. Não estou com disposição para substituir Dale.

Chocada com o que ouviu, ela voltou à realidade, sentindo-se vazia e humilhada. Lembrou do vidro quebrado no banheiro, mas não ia se incomodar com isso agora! Ben que arrumasse tudo. Quanto ao remédio, não ia lhe fazer falta. Depois do que havia acontecido, nem um frasco inteiro de tranquilizante po­deria acalmá-la o suficiente para dormir.

Na cama, sentiu o corpo ainda tenso e trêmulo de desejo. Ele não poderia imaginar o quanto ela queria se entregar! Seria até capaz de pedir que ele fizesse amor com ela!

Apesar do desejo que pulsava dentro de si, sabia que tinha sido melhor interromper aquela loucura. Sim, só podia ser lou­cura repetir o mesmo erro, entregando-se cegamente, de corpo e alma, a um homem que apenas a usava para saciar seu desejo.

Na manhã seguinte, sua cabeça ainda doía muito. Olhou pa­ra o relógio e viu que eram oito horas. Felizmente, tinha tempo para fazer tudo com calma. Espreguiçou-se longamente, grata por aquele momento de solidão.

No banheiro não havia sinal dos cacos de vidro e, na sala, tudo estava na mais perfeita ordem. Os papéis em que Ben estivera trabalhando na véspera haviam sido arrumados numa pilha, ao lado da máquina de escrever. Apenas uma folha da-tilografada tinha ficado no chão.

Sarah a pegou e começou a ler. Era uma página de um script, mas não do filme que estavam fazendo. Provavelmente, Ben já começava a se empenhar em seu próximo trabalho, escolhendo algum bom roteiro. Mas havia erros de datilografia, palavras riscadas... não parecia um texto pronto.

"Será que não consigo fazer outra coisa a não ser pensar em Ben", ela se perguntou. "Isso já está se tornando uma obsessão!" Colocou a folha sobre a mesa e foi para a cozinha preparar um café. Não queria comer nada. Só de pensar em comida, sentia-se mal. Olhou para fora: o céu estava carregado, cinzento, mas, mesmo assim, fazia um calor sufocante.

As nove e meia, já pronta e vestida, Sarah foi para sua entrevista com a diretora de figurinos. Depois, iria falar com Lois e descobrir uma maneira de ir até a cidade. Precisava comprar um chapéu. Talvez aquele mal-estar que sentia fosse efeito do excesso de sol na cabeça. E, como o tempo prometia esquentar, talvez ainda mais do que no dia anterior, era melhor se precaver. A figurinista, Linda Dawes a esperava. Era uma moça magra e elegante, loira, muito bem vestida, como convinha a alguém de sua posição.

— Vamos ver se nos mandou as medidas certas, Sarah. Já confeccionamos suas roupas e agora só precisa prová-las. Não pode avaliar o problema que temos quando é preciso refazer as peças.

Sarah experimentou alguns dos vestidos. Estavam perfeitos.

Os ajustes necessários eram mínimos.

— Que bom! Parece que estou com sorte. Caíram muito bem em você! — Linda exclamou com um sorriso. — Você e Eva Martell não me deram trabalho nenhum. Ela também virá aqui hoje de manhã.

— Eva Martell? É a atriz que vai fazer o papel de Eleonora?

— Isso mesmo. Vocês têm mais ou menos a mesma altura e tipo físico. Bem, acho que desta vez vai dar para terminar o trabalho mais cedo e aproveitar a piscina. Está abafado demais!

— Tem razão. E isso me faz lembrar que preciso ir até a cidade. Ei! Por acaso você não tem algum chapéu sobrando?

— Infelizmente, não. Mas posso ajudá-la emprestando meu carro. Não é muito novo, mas dá para chegar lá. Entrego-lhe as chaves daqui a pouco. Não será difícil achá-lo. Está estacio­nado com os outros, mas é amarelo, cor de gema de ovo. Incon­fundível!

Sarah experimentou o último dos vestidos, de brocado azul e dourado,

— Ficou lindíssima com ele — Linda comentou. — A esta altura do filme, você merece usá-lo, porque vai se encontrar com seu amor. Você o ama desde a adolescência, mas agora está viúva e quer que ele saiba disso. Já cumpriu sua obrigação ao se casar com um velho de cinquenta e tantos anos, impotente e doente. Sente-se então no direito de amar a quem quer, porque seu velho marido morreu.

— Conhece bem o roteiro, Linda!

— Claro! Faço as roupas para o filme, não é? E você, o que achou do roteiro?

— Fantástico! Gostaria muito de conhecer o autor. Até pensei que ele estaria por aqui para acompanhar as filmagens.

— A propósito, dizem que... — Linda parou no meio da frase. A porta do trailer se abriu e uma mulher elegante, com cerca de quarenta anos, entrou, sorrindo para Linda.

— Desculpe, acho que cheguei um pouco cedo...

— Já terminei, aqui — Linda respondeu. — Você e Sarah me mandaram as medidas certas e, sendo assim, não vou ter trabalho extra com nenhuma das duas. Já se conhecem, não é?

— Ligeiramente. — Eva olhou para Sarah. — Trabalhamos muito pouco tempo juntas naquele filme: Shakespeare.

— É verdade — Sarah confirmou. Lembrava que Eva Martell tinha feito apenas uma ponta no filme porque estava compro­metida com outro trabalho nos Estados Unidos. E ela, Sarah, era uma recém-saída da escola de arte dramática.

— E agora você e Ben estão juntos outra vez! Fico contente com isso. Ele passou uma fase difícil depois que foi embora e, naturalmente, as alfinetadas constantes de Dale não ajudaram em nada. Como deve saber, Sarah — Eva continuou a falar, olhando-a com a expressão séria, Dale sempre teve muito ciúme de Ben. Reconheço que Dale é um ator excelente, mas não tem o carisma e a versatilidade de Ben. Desde a escola de arte, Ben já se mostrava disposto a ser mais que um ator.

Sarah achou melhor ficar quieta. Nada do que dissesse po­deria mudar a opinião da atriz, embora estivesse completamente enganada. O que Eva diria sobre Ben, se soubesse da aposta que o tinha levado ao extremo de casar com ela?

Dale com ciúme de Ben! Que bobagem! Desde o início ficara bem claro que ela sentia por Dale apenas uma amizade pro­funda, quase como a de dois irmãos. Ele também se comportava assim em relação a ela! Permitira até que Ben os julgasse amantes, só para lhe salvar o orgulho ferido!

Linda guardou o vestido e depois entregou a Sarah a chave do carro.

— Obrigada, Linda. Vou à cidade e na volta passo aqui para lhe devolver o carro. Até logo, Eva.

Saiu para o calor forte. Estava se sentindo cada vez pior. Além da dor de cabeça, foi tomada por uma forte tontura. Re­solveu ir até o trailer tomar um suco de laranja e tentar se recompor. Talvez seu mal-estar fosse fraqueza, mas só a idéia de comer a deixava enjoada.

A geladeira e o congelador estavam bem servidos de produtos variados e de ótima qualidade. Precisava combinar com Ben uma maneira de dividir as despesas. Seria justo e prático que se revezassem na tarefa, a cada semana. Falaria com ele. Tam­bém iria repor o vidro de aspirinas que havia quebrado.

Ao pensar no remédio, imediatamente lembrou dos momen­tos de intimidade que tinha partilhado com Ben.

Era estranho, nunca se revoltara por Ben ter feito amor com ela. O que achava imperdoável era ele tê-la enganado, dizendo que a queria porque a amava. Era mentira. Mentira!

Antes que seus pensamentos a enlouquecessem, verificou se tinha dinheiro e documentos na bolsa. Depois, saiu do trailer à procura do carro.

Linda descrevera bem o veículo. Era mesmo inconfundível! De cor berrante, velho e minúsculo, Sarah foi sacudida o tempo todo, na estrada de terra, até chegar à via principal.

Achou a cidade bem mais distante do que quando tinha vindo com Dale. Também, o carro dele era moderníssimo e luxuoso, parecia flutuar no asfalto. Sarah sorriu. Dale gostava de apa­recer se exibindo com coisas bonitas e chamativas. Ben já era diferente, sempre fora discreto. Na época em que o conhecera, por exemplo, tinha um carro comum e parecia bastante satis­feito com ele. Mas devia ter mudado, porque o carro esporte caríssimo que possuía atualmente contrariava sua antiga aver­são ao consumismo.

 

                                         CAPÍTULO V

Sarah estacionou o carro na sombra das árvores da praça principal.

Era uma localidade pequena, de ruas barrentas, mas muito interessante, com suas pequenas casas antigas.

Tudo estava tranquilo, parado, ao calor da tarde. Sarah es­tranhou não ver ninguém, as portas das lojas fechadas. O que teria havido? Só então lembrou que era hora da siesta. Todos deviam estar recolhidos à suas casas para descansar, esperando que o Sol baixasse um pouco no horizonte e o calor abrandasse.

Claro! Por que não tinha pensado nisso? Estava no interior da Espanha, não na Inglaterra. Além disso, ali não era um ponto turístico, onde tudo funcionasse vinte e quatro horas por dia. Não havia jeito. Teria de esperar.

Mas... esperar até quando? A que horas a cidadezinha vol­taria ao normal? Sarah olhou ao seu redor. Não encontrou um café ou um restaurante onde pudesse se abrigar do sol escal­dante. Sentia ainda muita dor de cabeça e estava meio tonta, as pernas moles, o corpo tremendo. Será que tinha ficado doen­te? Provavelmente não, mas, se não protegesse a cabeça, ter­minaria num médico. Que idiota! Devia ter planejado melhor sua viagem. Mas agora o que podia fazer? Era impossível su­portar tanto calor.

Olhou para o céu e viu grossas nuvens escuras se avoluma­rem rapidamente. Com certeza, a tão esperada tempestade ia chegar justamente nesse dia. Bem, não tinha outra alternativa. Ia voltar para o acampamento. Pelo menos não precisaria enfrentar a chuva.

Deprimida, voltou para o carro. Que raiva! Nada parecia dar certo para ela, desde que chegara à Espanha.

Na verdade, não era justo ser tão radical assim. Afinal, tinha sido ótimo reencontrar Dale. Ela não fora honesta com ele, não lhe contando que ainda estava legalmente casada com Ben, mas o amigo era muito compreensivo e a desculparia. Pensando bem, se não fosse obrigada a concordar com a farsa que o marido inventara, isso não passaria de um detalhe sem importância.

Entrou no carro e se afastou da praça. Só alguns cachorros ousavam enfrentar o calor sufocante, mas, mesmo assim, pro­curavam a sombra fresca das árvores para se abrigarem. Diri­giu por algum tempo, devagar, sentindo-se muito tonta para se arriscar a uma velocidade maior.

As nuvens se tornavam cada vez mais escuras e pesadas. O calor continuava insuportável, talvez ainda pior por causa do mormaço.

O ruído forte de um trovão cortou a paz da tarde. Automa­ticamente, Sarah pisou no acelerador com mais força. Preferia estar no acampamento, quando a chuva desabasse. Não tinha medo de relâmpagos e trovões, mas era melhor enfrentar a tempestade protegida no trailer.

Só que, para sua surpresa, o carro, de repente, parou de corresponder ao que exigia dele. Pressionou mais o acelerador e o motor falhou várias vezes para depois parar completamente. E agora? Não entendia nada de mecânica e não adiantava nem abrir a tampa do motor e tentar solucionar o problema. Não sabia distinguir um distribuidor de um filtro de ar!

Deixou o carro deslizar até o acostamento, procurando pen­sar numa solução. O mais razoável era voltar à cidade. Lá ar­ranjaria um jeito de chegar ao acampamento por outros meios, ou quem sabe encontrasse um mecânico que consertasse o car­ro. Em último caso, pelo menos teria um telefone à mão para avisar o estúdio sobre o que havia acontecido.

Quanto teria que andar, de volta à cidade? Olhou para o velocímetro. Mais ou menos oito quilômetros. Não ia ser fácil! Principalmente porque não se sentia bem e a chuva não ia de­morar a cair. Será que valeria a pena se arriscar a pegar uma carona na estrada? No entanto, mesmo que quisesse, aquela estrada estava tão deserta como a cidadezinha na hora da siesta.

As primeiras gotas de chuva, grossas e pesadas, começaram a bater no carro. Quase entrou em pânico. Não suportaria ficar ali, horas a fio, de braços cruzados.

Com relutância, abriu a porta do carro e saiu. Não tinha nada que a protegesse da chuva, que agora caía com vontade. Não andou cem metros e já estava ensopada. Longe da proteção do carro, os trovões pareciam mais assustadores, os relâmpagos mais próximos.

Apesar de tudo, a temperatura permanecia elevada. Sarah andava, sentindo-se estranha, a cabeça doendo, uma sensação de vazio deixando-a letárgica, lhe dificultando os movimentos.

Começou a ficar realmente preocupada. Alguma coisa anor­mal estava acontecendo com ela. Tinha a impressão de que ia desmaiar. Precisava se manter alerta! Molhou os lábios com a língua e procurou abrir mais os olhos. A estrada havia perdido seus contornos definidos, tremia e se tornava sinuosa, diante de sua vista embaçada.

O som de um carro começou a chegar aos seus ouvidos como se fosse o zumbir de uma abelha. Foi crescendo, se tornando mais forte, até que ela percebeu que se aproximava dela. Devia procurar ajuda? Pedir uma carona, talvez...

Era um carro esporte, grande, bege, que ocupava uma boa parte da estrada estreita. Antes que ela fizesse qualquer sinal, o carro freou de repente, os pneus guincharam no chão molha­do, lançando água barrenta sobre Sarah, que estava no acos­tamento.

Ela ficou furiosa. Só faltava essa! Já estava molhada até os ossos e agora também enlameada! Que horror!

O carro parou logo adiante e seu motorista desceu, batendo a porta com força. Só quando ele chegou mais perto, Sarah percebeu que aquele homem era Ben. Ele também já estava com os cabelos encharcados e a roupa molhada colada no corpo.

Estava muito zangado, mas Sarah jurou a si mesma que não ia ouvir repreensões. Sentia-se mal, cansada, suja... só isso bastava!

Antes que ela tomasse qualquer atitude, sua cabeça começou a latejar mais ainda, os olhos se turvaram e as pernas não conseguiram sustentá-la. Devagar, seu corpo começou a escor­regar para o chão.

Quando voltou a si, estava no carro de Ben, ele observando-a preocupado. Mas, quando falou, foi agressivo:

— Pode me dizer o que está acontecendo, Sarah?

Uma sombra de tristeza cobriu os olhos dela. Esperava por palavras de consolo e apoio, mesmo que fosse apenas por edu­cação. Mas não! Provavelmente iria repreendê-la por ter saído do acampamento sem avisar.

— Responda, Sarah. Estou esperando.

"Que esperasse até que nevasse no inferno!", Sarah decidiu, zangada. Depois, vendo o rosto contraído de Ben, mudou de idéia:

— Fui até a cidade porque precisava de um chapéu. Linda, a moça dos figurinos, me emprestou o carro, mas ele quebrou, não sei por quê. Estava voltando para a cidade quando me en­controu.

— Foi fazer compras justo no horário da siesta? Sob aquele sol? Devia estar louca!

Sarah sentiu raiva e humilhação. Virou a cabeça. Não podia chorar! Não queria que Ben visse as lágrimas que ameaçavam aparecer em seus olhos. Apertou os dentes com força, tentando se controlar. Estava tudo errado com ela. Sentia frio, tremia, queria chorar...

— Sabe que a cidade fica a oito quilômetros daqui? Achou que ia conseguir chegar lá?

Por um instante, Sarah pensou que ele estava preocupado com ela. Mas logo concluiu que apenas zelava pelo andamento do filme. Não queria arcar com gastos extras que um problema de saúde num de seus artistas poderia causar.

— Que sorte você ter me encontrado, não é? — Sarah falou, sarcástica.

— Foi mesmo! Fui para Sevilha, para resolver uma série de problemas administrativos, e... — Notando que ela tremia muito, ele interrompeu-se um instante para depois perguntar, sério:

— O que há, Sarah? Está doente?

Sarah pensou rápido. Se admitisse que sim, poderia perder seu papel. Além disso, não acreditava que estivesse realmente mal. Devia ter apanhado muito sol, apenas isso.

— Estou molhada, com frio e com uma tremenda dor de cabeça.

— Pode estar com um princípio de insolação. E, molhada desse jeito, ainda pode pegar uma pneumonia. É melhor tirar essas roupas. — Ben despiu sua jaqueta. — Tome. Vista isto. Vou ligar o aquecedor do carro, mas sei que não vai ser sufi­ciente para secar esse jeans.   .

Reconhecia que Ben tinha razão, embora relutasse em tirar a roupa. Claro, ele já a tinha visto nua, mas agora não conse­guia vencer a timidez.

— Sarah... não seja boba. Conheço cada parte de seu corpo, ou já esqueceu?

Ela virou a cabeça para não ver o marido de frente. Depois, com movimentos lentos, desceu o zíper e começou a tirar a calça.

— Não se comporte como criança, Sarah! — E, como se fosse um pai cuidando do filho, ajudou-a a tirar a calça e depois fez o mesmo com a camiseta.

Sarah, sentindo o rosto em chamas, colocou as mãos sobre o peito.

— Eu mesma tiro, Ben. A calça estava muito pesada por causa da chuva, mas o resto eu posso fazer sozinha.

Ben concordou. Num instante, Sarah estava apenas com sua roupa íntima, também úmida. Ela ficou sem jeito, sabendo que seus seios estavam perfeitamente visíveis, sob o sutiã, agora transparente como a calcinha rendada.

Vestiu rapidamente a jaqueta de Ben. Queria se proteger do frio e dos olhares do marido. Mas, para sua surpresa, quando se virou para olhá-lo, Ben estava com o rosto voltado para a janela, parecendo mais interessado na paisagem.

— Está pronta?

— Já.

Ele deu partida no carro e retomou a estrada. O silêncio entre os dois era tenso e desagradável, só cortado pelos trovões ensurdecedores. Continuava chovendo muito e o limpador de pára-brísa não conseguia conter a água que desabava sobre o vidro.

— Preciso avisar Linda sobre o carro — ela murmurou, mais para quebrar o silêncio.

— Pode deixar que eu cuido disso. Vou mandar um mecânico da cidade para ver o que houve.

Pouco depois chegaram ao acampamento. Ben estacionou o carro junto ao trailer. Sarah já tinha a mão no trinco para abrir a porta do carro, quando Ben pediu que esperasse um pouco. Ele desceu, deu a volta até o lado dela e carregou-a nos braços para levá-la para dentro.

Ben só a colocou no chão quando já estavam no quarto dela.

— Já estou melhor, obrigada.

— Otimo. Volto já.

Sarah ficou ali, parada, sentindo que continuava a tremer. Devia ser por causa do contraste da temperatura, bem mais baixa dentro do trailer refrescado pelo ar condicionado. Já ia desligar o aparelho, quando Ben voltou.

Ele havia tirado a roupa molhada e agora usava um robe atoalhado. Sarah disfarçou sua emoção, ao vê-lo: era muito atraente e sua sensualidade parecia transparecer mais quando estava na intimidade. Tinha os cabelos despenteados, um sor­riso alegre e trazia tim copo de água nas mãos.

— Trouxe um remédio para você. Tome-o — disse, e sentou-se ao lado dela na cama. — Agora vire-se de costas para mim. - Ela fez o que ele pedia sem pensar. Logo sentiu que Ben passava uma toalha macia por seus cabelos bastante molhados. Era gostoso ficar junto dele, deixando-se cuidar. Os movimentos de Ben eram suaves, lentos... Gostaria de passar o dia todo com ele assim, próximo, carinhoso...

Pouco depois, Ben se levantou, e Sarah se sentiu estranha­mente sozinha. Aquele instante de doce envolvimento durara tão pouco! Uma sensação de vazio e tristeza a dominou.

Mas logo depois Ben voltou trazendo outra toalha maior. Sentou-se perto dela e lhe tirou a jaqueta e o sutiã, sem lhe dar tempo para protestar. Envolveu-a na toalha fofa, enquanto lhe massageava os braços e costas com movimentos rápidos. Logo o sangue começou a circular mais rápido no corpo dela. Sarah sentia-se revigorada, já não tremia mais.

— Estou bem agora — ela disse, temendo que Ben percebesse a excitação que suas massagens lhe causavam.

— Precisa ficar quente, Sarah. Relaxe e deixe que eu cuide de você.

Sarah fechou os olhos. Ainda podia ouvir a tempestade cain­do forte, lá fora. Mas aquilo não era nada, se comparado ao turbilhão de emoções que a invadia.

—Sarah...

Ela abriu os olhos. Ben estava muito perto, olhando-a com intensidade, para depois segurá-la mais junto de si, abraçan­do-a e comprimindo-a contra o peito largo.

— Está com medo? É por causa da tempestade?

Os relâmpagos iluminavam o trailer e os trovões se suce­diam, com seu ruído assustador. Porém, não era disso que Sa­rah tinha medo, era das emoções fortes que sentia por aquele homem que não podia amar. Se ele continuasse a abraçá-la, perderia o controle e seria incapaz de fingir indiferença. E, se tinha um pouco de amor-próprio, precisava evitar que ele des­cobrisse que o amava.

— Não tenha medo de nada, Sarah. Estou aqui para prote­gê-la. Vamos, relaxe.

Ben encostou a cabeça dela em seu ombro. Envolveu a cin­tura delicada, enquanto acariciava os longos cabelos ruivos.

Sarah reconheceu que Ben queria sinceramente deixá-la tranquila e relaxada. Ele não podia imaginar, porém, como des­pertava nela sentimentos há muito tempo reprimidos e que ago­ra faziam ferver o seu sangue. Seus impulsos já não obedeciam mais ao comando da razão. Ergueu a mão e fez com que ela deslizasse por baixo do robe para tocar o peito dele. Seus rostos estavam muito próximos, e ela, como que hipnotizada, encostou seus lábios nos dele. Ben tomou-a entre os braços e a beijou com ardor.

A toalha que envolvia Sarah foi afastada, expondo os seios alvos, rijos, que ansiavam por carícias. Com gestos experientes, Ben seguia as curvas delicadas daquele corpo que queimava em seus braços.

— Venha — ele disse, com os olhos brilhando, levando-a até a cama.                                                

Sarah suspirava, arqueando o corpo para ficar mais perto dele. Já não pensava, pois era toda só sentimento e emoção. Os beijos e carícias dominavam sua mente, deixando-a pronta para recebê-lo.

Esqueceram do tempo, da tempestade, das diferenças que os mantinham afastados, para só se concentrarem nos efeitos má­gicos que sentiam ao se tocarem.

De repente, Ben interrompeu seus carinhos. Pôs o dedo sobre o lábio inferior de Sarah, que estava um pouco machucado, e perguntou:

— Fui eu quem fez isso?

— Não. — Ela sorriu. — Acho que mordi o lábio, sem querer, quando percebi que estava sozinha na estrada, embaixo daque­la tempestade.

— Deve ter ficado desesperada! — Ben segurou-lhe a cabeça contra o peito. Inesperadamente, o corpo dele ficou tenso e seu tom de voz mudou: — E Dale? Ele sabe do medo que você tem de tempestades?

— Eu... eu. — Por que ele tinha de lembrar de Dale naquele momento?

— Ah, como você é esperta, Sarah. Reconheço que Dale foi um ótimo professor. Você sabe como deixar um homem louco! Quase perdi o controle de minhas ações e... Bem, era isso que queria, não? Como nos velhos tempos! Se é assim...

Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Ben voltou a lhe acariciar os seios, passando a ponta da língua nos mamilos rijos. No entanto, ela jã não via mais sentido em continuar com aquilo. Até há poucos instantes, eles se entregavam às carícias com o corpo e a alma, numa troca de prazer e ternura. Agora não! Ben agia como um animal levado pelo instinto. Não se dava, nem esperava receber coisa alguma.

Ficou desesperada e com raiva. Teve ódio de si mesma por permitir que Ben usasse seu corpo sem emoção.

— Não! — Ela se afastou, revoltada. Puxou a toalha e co­briu-se. — Por que está fazendo isso, Ben?

— Ainda precisa perguntar? — Havia crueldade nos olhos dele. — Você é uma mulher desejável, Sarah, e ainda a quero. Sabe disso e cabe a você dizer "não". Se não disser, fique certa de que, mais cedo ou mais tarde, eu a farei minha de novo. E não me importa se Dale vai ou não gostar disso.

"Será que ele era tão insensível a ponto de não perceber a sinceridade de seus sentimentos?", Sarah se perguntava, com os olhos enchendo-se de lágrimas. Tratou de enxugá-los logo para que Ben não percebesse o quanto cada uma daquelas pa­lavras a feria.

Em parte, admitia sua culpa por ter acirrado nele um ódio tão grande. Fizera-o acreditar que o havia trocado por Dale. Mas, se havia feito aquilo, fora porque estava completamente desnorteada, sentindo-se a última das mulheres do mundo. Qualquer um perde um pouco da lucidez, quando se vê humi­lhado, desprezado como um objeto sem importância.

No dia em que tomara conhecimento da aposta, Sarah lem­brou com amargura, pensara que fosse enlouquecer. Sentira um impulso incontrolável de agir, de fazer alguma coisa para se proteger. E salvar seu orgulho, inventando um caso com ou­tro homem, lhe parecera conveniente. Pelo menos, dava o troco da humilhação que ele lhe fizera passar e assim recuperava o mínimo de amor-próprio para encarar as pessoas de frente ou­tra vez.

Ignorando-lhe o desespero, Ben continuou a falar, sua hos­tilidade muito evidente na expressão de seu rosto:

— Você me surpreende, Sarah. Sempre achei que era o tipo de mulher que quer um homem só para si. E Dale... Dale adora variar! Pelo jeito, não ficaram muito tempo juntos, depois que fui embora, não é? Tudo bem, agora está de volta, pronta para cair nos braços dele...

Sua vontade era de gritar e dizer o quanto ele estava sendo injusto. Apesar da raiva, da mágoa que fazia seu coração doer, acabou silenciando. Para que negar todas aquelas acusações? Enquanto Ben acreditasse que ela era amante de Dale, existia uma enorme barreira entre eles. E sempre deveria haver uma barreira entre ela e um homem que só se aproximava das mu­lheres para usá-las.        

 

                                       CAPÍTULO VI

Não, Gina. Você precisa aparentar mais timidez. Lembre-se que Ricar­do é seu homem ideal e que agora está casada com ele. Mas, como não o conhece bem, está assustada com os acontecimentos.

Ben instruía a atriz.

Ele estava do lado de fora da cena, observando cada detalhe com a máxima atenção. As filmagens aconteciam junto às mu­ralhas do castelo, na parte em que os muçulmanos seriam exe­cutados.

Sarah continuava de pé, junto da outra atriz, e cansada de tanto repetir a cena. Intimamente, se perguntava quantas ve­zes mais Ben ia fazê-las viver aquele instante até o resultado ser perfeito.

Na verdade, o papel das mulheres no filme não era muito significativo. Elas apareciam apenas para mostrar diferentes facetas da personalidade de Ricardo I, o herói principal. Eva era Eleonora, mãe de Ricardo, Gina, a doce esposa Berengária, e ela, Joana, irmã do rei. Era muito importante que cada uma delas tivesse sua personalidade bem definida, contrastando com a de Ricardo.

No entanto, Gina não se esforçava para parecer natural. Sua atuação deixava muito a desejar e isso deixava Ben cada vez mais nervoso e impaciente.

— Gina! — Ele estava quase explodindo. — Ou você se trans­forma em Berengária ou vou pedir-lhe que deixe o elenco. — Embora falasse com voz calma, era evidente que sua paciência estava por um fio. — E não venha me dizer que vai falar com RJ, porque, se continuar representando assim, vai se tornar mais cara do que todo o resto do elenco reunido. E vou ter que dizer isso ao seu banqueiro!

As palavras duras conseguiram o efeito desejado. Gina se concentrou, talvez temendo a ameaça, e a cena saiu perfeita. Quando a câmera se fixou em seu rosto, ela mostrou toda a angústia que se esperava dela, ao ver a execução comandada pelo marido.

— Agora ficou bom! — Ben exclamou finalmente. — Pode mandar revelar.

— Acho que ela acabou se convencendo de que Ben não está interessado nela — Eva murmurou para Sarah, quando as duas sentaram na sombra.

Depois do mau tempo, foram brindados com um dia lindo, de céu muito azul, o ar limpo e puro.

— Gina deve ter se assustado com a ameaça de Ben de tirá-la do filme — Sarah concordou. Sentia o corpo doído, os músculos tensos pelo esforço de ficar muito tempo parada e de pé.

— Ele está muito envolvido neste filme. Colocou muito de si nele. Por isso faz tanta questão de que tudo saia exatamente como quer.

— Tem razão. Como diretor, tem muita responsabilidade so­bre os ombros.

— É, mas... — Eva olhou bem para Sarah, como se quisesse revelar algo, mas pareceu mudar de idéia e não disse mais nada...

Sarah não insistiu na conversa, embora tivesse ficado curiosa de saber o que a outra ia dizer. Será que Ben tinha investido dinheiro naquela produção?

Nesse momento, Ben se aproximou delas. Sentou-se ao lado de Sarah e, com muita naturalidade, pegou-lhe a mão.

"Para que isso?", Sarah se perguntou. Apenas para mostrar a Eva que formavam um casal apaixonado? Bobagem, porque a outra nem se preocupou em observá-los.

— O trabalho está ficando ótimo — Eva comentou. Não concorda, Ben?

— É... acho que está indo bem.

Era evidente que os pensamentos dele estavam longe dali, e Eva logo percebeu que não era hora de conversar com o diretor. Pediu licença e se afastou.

Aliás, o pessoal das filmagens sempre dava um jeito de dei­xá-los sozinhos. Por quê? Será que realmente pareciam um ca­sal tão perdido de amor que só queria isolamento?

— Não está abusando do sol, não é, Sarah?

— Não, estou tomando cuidado. Já chega aquele horrível mal-estar que senti ontem.

— Espere, Sarah. Tenho uma coisa para você.

Ben se levantou e desapareceu por alguns minutos, para vol­tar em seguida com um pacote nas mãos.

— É para você. Comprei-o ontem, em Sevilha. — Ben colocou o embrulho no colo dela.

Antes de abri-lo, Sarah olhou-o demoradamente. Por que ele se incomodava em lhe dar presentes? Devagar, abriu o embru­lho bem-feito, sabendo o que iria encontrar. Era um chapéu de palha, creme-claro, de abas largas, lindíssimo.

— Use-o sempre. O sol aqui é muito forte — ele recomendou.

— Obrigada.

Ben não falou mais nada. Tinha os olhos voltados para o bar, onde Dale abria uma lata de cerveja. Sarah seguiu a direção de seu olhar.

Ultimamente, Dale se comportava de maneira muito estra­nha com ela. As vezes a tratava com muito entusiasmo, beijan­do-a com exagero, e em outras ocasiões a ignorava completamente. E claro, ela não podia culpá-lo por estar magoado. Devia ter ficado muito chateado por ela não lhe ter dito nada sobre o fato de não ter obtido o divórcio. Mas... também ele não preci­sava agir daquele modo, pois acabaria causando problemas. Na­quela manhã mesmo tinha dado um beijo cinematográfico nela, provocando a ira de Ben. E, para piorar as coisas, quando vira Ben se aproximar, ele a largara, comentando em voz alta:

— Desculpe, esqueci que agora é propriedade de Ben.

Agora Sarah também observava Dale. Ele já abria outra lata, bebendo com voracidade.

— Devia conversar com Dale e aconselhá-lo a não beber tanto

— Ben falou com frieza. — Ele tem abusado muito, nesses úl­timos dias.

— Talvez esteja preocupado com o papel que tem neste filme,

— Sarah disse, logo tratando de defendê-lo. — Não deve ser fácil viver um personagem como Ricardo I, que nesse roteiro exige tanto.

— Você acha que seria melhor termos um roteiro do tipo legendário, que só visse Ricardo como herói? Na sua opinião, estamos abordando o rei de uma forma inaceitável?   .

— Inaceitável por causa do... amante? É isso que quis dizer? Sarah esperou que Ben confirmasse com a cabeça.

— Não. Não penso assim, Ben, embora saiba que era isso o que esperava de mim. Se quer minha opinião sincera, acho que esse roteiro merecia um Oscar. Adoraria poder conhecer o au­tor, conversar com ele, dizer-lhe que sua história foi a melhor que já li até hoje. Ele transformou o herói num ser humano, digno de compaixão e compreensão. Só que, como público, che­guei a desejar que ele conseguisse chegar a um final feliz.

— Com Berengária? Um final do tipo casaram e viveram felizes para sempre?

— Não! Feliz com Philip — ela respondeu com segurança. — O roteiro é forte e poderoso, e permite um final inesperado.

— Acha então que a história é tão boa, a ponto de poder aceitar o inaceitável? — ele quis provocá-la.

— Não. Só acho que o autor tratou Ricardo I como um ho­mem, com virtudes e defeitos, igualzinho a qualquer outro. Já que não o condena por esses defeitos, poderia também lhe dar a chance de encontrar a felicidade de uma maneira não convencional — Sarah se justificou, altiva. — Mas, para compreen­der esse meu ponto de vista, Ben, é preciso sentir compaixão, e você nem desconfia o que seja esse sentimento...

Zangada, levantou-se e se afastou, a cabeça erguida, exibindo o novo chapéu que ele lhe dera. Sem saber por quê, teve vontade de se virar para trás e observá-lo por um instante.

Ele a olhava e... Devia ser o reflexo do sol criando uma ilusão de óptica. Ben parecia completamente desolado!

Por ter perdido tempo no início das filmagens, Ben procurava agora acelerar o ritmo de trabalho. Sem dúvida, ele era um bom diretor e conseguia tirar o máximo dos atores.

Agora iam filmar a última das cenas externas, junto às mu­ralhas. Joana estava em viagem, da França para a Espanha, para se encontrar com seu velho marido.

Sarah já estava montada no cavalo, esperando o instante de entrar em cena. Tinha apenas que esperar sua deixa. Agradou o pescoço do cavalo, dizendo-lhe palavras suaves, querendo que também ele se comportasse direito, colaborando para a perfei­ção do trabalho.

Joana, com seu temperamento rebelde e turbulento, tinha desobedecido às ordens do irmão, para se encontrar com um dos cavaleiros do reino, por quem estava loucamente apaixonada.

Ela devia entrar em cena galopando em direção ao seu aman­te, Alain de Courcy. No caminho, perdia o véu, e com isso seu cabelo se soltava e caía sobre os ombros como uma cascata de fogo. Tinha que se mostrar ansiosa para ficar junto do homem que amava. Paul Howell, que fazia a parte de Alain, iria segurar a rédea de seu cavalo para depois inclinar-se e beijá-la com paixão.

Sarah observou o grupo de atores que estavam sendo filma­dos, até que Paul se destacou deles e examinou o casco de seu cavalo.

Essa era sua deixa. Sarah apertou o lombo do cavalo, fazen­do-o galopar. Sempre tinha gostado de animais e se sentia bem junto deles.

Esquecendo tudo o mais e encarnando a apaixonada Joana, aproximou-se de Paul. O véu caiu e, para sorte sua, o cabelo ficou ao sabor do vento, solto e brilhante, caindo sobre seus ombros e testa, com a maior naturalidade. Seus olhos se acen­deram, quando Alain chegou junto dela e a beijou longamente.

— Minha senhora, me perdoe! Não agi bem...

— Não é preciso se desculpar, cavaleiro — Sarah respondeu, pondo nos olhos a amargura que Joana devia sentir por ter sido rejeitada pelo homem que amava, logo depois do primeiro beijo trocado.

Os dois levaram a cena até o fim, sem que Ben os interrom­pesse. Só quando a filmagem terminou, ele chegou junto deles.

— Ben, não sei se a cena do beijo saiu boa — Paul comentou. — Meu cavalo se mexeu, naquele instante, e... Quer refazer a tomada?

— Não. — A voz de Ben soou ríspida.

O ator se surpreendeu, mas não disse mais nada. Sarah tam­bém não entendeu por que Ben não quis repetir. Ele era tão amante dos detalhes e da perfeição! Tinha feito Dale reprisar várias vezes a mesma coisa, até que saísse como esperava. Será que os custos da produção estavam tão altos que não dava para caprichar mais? Ou, talvez, ele só se preocupasse com as cenas em que Dale aparecia, por serem as de maior importância.

Sarah desceu do cavalo e entregou as rédeas a um rapaz que ia levá-lo embora. Eva se aproximou, com um copo de água na mão.

— Ainda bem que acabou por hoje, não?

— Tem razão, mas achei estranho que Ben não quisesse refazer essa minha última cena.

— Talvez ele não goste de ver a esposa beijada por outro homem — Eva sugeriu. — Pode não parecer, mas Ben é huma­no, e vocês se reconciliaram há muito pouco tempo.

— Ben não liga para isso. Está no meio artístico há muitos anos e...

— Eu sei. — Eva tomou um gole da água. — Ben aparenta ser frio, mas nós sabemos que é apenas na superfície, não é? Ele é um homem enigmático, complexo, muito mais profundo do que Dale, por exemplo, que é o protótipo do machão e banca o liberal.

Para comemorarem o fim das filmagens na Espanha, o pes­soal planejou uma grande festa. Depois disso, só teriam que esperar até que todos os equipamentos fossem encaixotados pa­ra voarem para a América, onde terminariam as cenas de es­túdio, em Hollywood.

Sarah não estava ansiosa por partir, apesar de já começar a achar muito difícil viver o papel de esposa de Ben. Ele não tinha tentado se aproximar dela de novo e, no fundo, isso a deprimia. E era um esforço sobre-humano disfarçar seus sen­timentos.

Na verdade, não podia permitir que Ben tentasse fazer amor com ela, senão acabaria se traindo. Além disso, não queria uma aproximação, quando só existia desejo físico por parte do marido.

Por sorte, Ben ficava até tarde da noite datilografando em sua velha máquina. Ela não fazia idéia do que o mantinha tão ocupado, mas não ousava perguntar. E, mesmo que o fizesse, tinha certeza de que ele não lhe diria nada.

Quando a convidaram para ir à festa, Sarah recusou. Na­quele dia, Ben tinha que ir a Sevilha e chegaria tarde. Preferia ficar sozinha no trailer, gozando de paz e tranquilidade.

— Ora, querídinha, venha à festa comigo — Dale insistiu mais uma vez. Estavam na frente do trailer dele. — Entre um pouco. Tome um refresco gelado enquanto eu a convenço a ir.

— Não quero ir, Dale. Verdade. Estou exausta.

— Minha pobre querídinha! — A voz dele era suave. Segu­rou-a pela cintura, roçando os lábios levemente nos dela.

Sarah o empurrou, fugindo daquele contato, mas não foi su­ficientemente rápida, pois Ben, que passava por ali, os viu exatamente naquele momento.

— Meu Deus! — Dale exclamou, fingindo ficar preocupado. — Fomos descobertos!

Sarah sabia que Dale estava tentando fazer piada da situa­ção, mas Ben os olhou com raiva, os olhos fuzilando, para depois se afastar depressa. Ela ficou deprimida. Não queria que Ben pensasse que ela ia mesmo beijar Dale.

— Não ligue para Ben, meu amor — Dale falou, como se estivesse com remorso. — Ele está apenas sendo teimoso, in­sistindo em recordar velhas apostas. Ou será que ele já conse­guiu o que queria? Talvez ache que é melhor tarde do que nun­ca, e que agora pode se colocar entre nós dois.

— Está enganado, Dale. Sei que já me preveniu, mas Ben não... ainda não... — Ela lutou para encontrar as palavras certas.

Dale relaxou, sorrindo levemente.

— Tudo bem então. Não quero que ele magoe minha garota favorita... Não uma segunda vez! Você não merece!

Sarah se deitou cedo. Podia ouvir ao longe o barulho da festa. Tentou ler um pouco, mas, na verdade, estava ansiosa para que Ben chegasse. Sentia-se mais segura quando ele estava por per­to, não sabia dizer por quê. Até quase meia-noite, o marido ainda não tinha voltado. Levantou-se, foi tomar um copo de água e pouco depois ouviu batidas insistentes na porta. Seria Ben? Ele teria esquecido a chave? Colocou o robe e foi abrir. Viu-se diante de Paul, um pouco assustado.

— Sarah, desculpe vir incomodá-la a esta hora da noite, mas posso falar um instante com Ben?

— Ele não está aqui. Ainda não voltou de Sevilha. Posso ajudá-lo?

— Não sei... É Dale. Ele insistiu em ir à cidade, depois da festa. Fui com ele porque achei que não estava em condições de dirigir. Agora...

— Ele está bêbado?

— Completamente. Ficou no carro e achei que Ben seria capaz de...

— Traga o carro até aqui e o poremos dentro do trailer. Vou fazer um café bem forte e talvez assim a gente consiga que ele vá dormir.

— Você faz isso por nos? Que bom! Vou buscar o carro. Sarah foi para a cozinha e, quando o veículo estacionou, o café estava pronto. Ajudou Paul e, com muito esforço, conse­guiram fazer Dale sentar no sofá. No entanto, ele se recusou a tomar o café.

— Não adianta insistir — Paul comentou, aborrecido. — Não devia tê-la envolvido nisso.

— Não se preocupe, Paul. Eu quis ajudar.

— O pior é que eu sei que Dale está fazendo isso só para contrariar Ben. Hoje de manhã Ben falou com ele, aconselhan­do-o a não beber tanto. Dale se aborreceu e acho que está se vingando. Sabe que o filme está adiantado e que não será possível substituí-lo. Ben teria que começar tudo de novo, com ou­tro ator, e os produtores jamais concordariam com isso. No en­tanto, bebendo desse jeito, perderemos um tempo precioso, até que fique sóbrio de novo. Os produtores também não vão gostar. Situação difícil para Ben, não é?

Sarah estava espantada. Do modo como Paul falava, parecia que Dale odiava Ben! Mas não podia ser verdade! Eles tinham algumas diferenças, e ela era a maior delas, mas daí até pre­judicar o trabalho de Ben...

Os pensamentos de Sarah foram interrompidos por um grito de Paul. Dale, sem querer, tinha derrubado o bule de café quen­te sobre a mão e o braço de Paul. O líquido escorreu pela mesa e também molhou a calça do rapaz.

— É melhor ir se trocar — Sarah disse. — E passar uma pomada na mão, antes que comece a doer. Dou um jeito em Dale. Acho que ele vai acabar tomando um pouco de café. Já me parece melhor.

— Obrigado, Sarah. Volto o mais depressa possível. Paul saiu e Sarah voltou para junto de Dale.

— Beba isto. Vai se sentir melhor. — Ela encostou a xícara nos lábios dele.

— Não olhe assim para mim, queridinha — ele falou, com a voz arrastada de quem ainda não venceu a bebedeira. — Só porque me diverti um bocado, estão todos contra mim! Você está ficando tão ruim como seu marido. A propósito, onde está o grande chefe? Não me diga que já a abandonou para sempre! Pobre Sarah! Temos que dar um jeito nessa situação, não acha?

— Dale, pare com isso! — Sarah protestou, quando ele pas­sou o braço pelos seus ombros, inclinando-se para ela, em busca de sua boca.

Para alguém que estava caindo de bêbado, ele mostrava uma força surpreendente e muita determinação. Sarah tentou em­purrá-lo. Dale estava tão "alto" que não sabia o que estava fazendo! Só podia ser isso!

— Minha adorável Sarah — ele falou, e colou os lábios no pescoço dela, que tentava livrar-se dele.

Dale era muito grande e pesado, e Sarah não estava conseguindo nada. O mais fácil era ela fugir dali. Tentou se levantar. Conseguiu, mas seu robe, que ficara preso sob o corpo de Dale, rasgou-se de alto a baixo. Ela ia reclamar, quando a porta do trailer se abriu e Ben apareceu.

Seu olhar a atingiu mais do que uma punhalada. Sarah sen­tiu um vazio no estômago, percebendo que o marido provavel­mente, tinha interpretado mal o que acabara de ver.

— Ele nem conseguiu esperar até que fossem para a cama? Eu a avisei, Sarah!

— Mas, Ben... ele está... — Ela ia acrescentar "bêbado", mas Dale levantou a cabeça e os encarou com a expressão perfeita­mente normal, sorrindo para Ben com muita malícia.

Ben chegou mais perto, agarrou-o pelo colarinho e o fez le­vantar-se.

— Ben, por favor, você não entende... — Sarah tentou inter­vir, vendo a cólera surgir no rosto do marido.

— Fique quieta. Acerto as contas com você mais tarde. Ben praticamente atirou Dale para fora do trailer. Sarah rezava para que Paul voltasse logo e explicasse tudo.

— Sei que gostaria de me agredir — Dale disse, já do lado de fora, parecendo mais sóbrio do que nunca —, mas, se me machucar, vai atrasar o filme. Como vê, estou com muita sorte e... pela terceira vez! — Dale deu uma risada sarcástica e se afastou.

Como Dale pudera ser tão rude? Por que tinha que lembrar daquela primeira vez que Ben os tinha visto juntos? Ele já mal podia se controlar, não precisava de mais provocações!

Ben subiu os degraus do trailer e fechou a porta com força.

— Dale conseguiu se safar da situação sem nenhum ferimen­to, mas você não vai! E preciso pensar num castigo que não deixe marcas visíveis! Não vou arriscar o filme por sua causa.

Sarah se encolheu num canto, mas Ben se aproximou, im­perturbável, até pegar a parte da frente da camisola e arran­cá-la num movimento brusco.

— Ben, por favor!

Ela tentou acalmá-lo para evitar que ele agisse com violência, mas foi inútil. Ben já estava junto dela, pegando-a no colo e levando-a até o quarto que ele ocupava.

Ao notar que Ben se encaminhava para a cama, começou a reagir, movimentando os braços e as pernas para conseguir que ele a pusesse no chão. A cada um de seus movimentos, Ben a apertava com mais força, um sorriso diabólico aparecendo em seu rosto sombrio.

Ela não desistiu. Fechou os punhos e começou a bater no peito forte. Não era uma criancinha indefesa que ia se deixar castigar, quando não tinha culpa de nada. As circunstâncias podiam depor contra ela, mas precisava lutar porque era ino­cente.

Ben a derrubou sobre a cama macia, indiferente aos protes­tos dela, que, nem de leve, pareciam atingi-lo ou demovê-lo de suas intenções.

Sarah sentiu-se suscetível demais, quando se viu sem roupa nenhuma. Num impulso, puxou a colcha, tentando esconder seu corpo. Ben soltou uma gargalhada e agarrou a coberta, arran­cando-a da cama com um puxão violento.

Sarah olhou para ele assustada. Nunca o tinha visto tão furioso. Foi então que reparou que ele havia se despido. Obser­vou-o por um instante e fechou os olhos.

— Com medo, querida? Não precisa, porque estou apenas tomando o que é legalmente meu.

— Nenhum marido tem o direito de possuir a esposa contra sua vontade! — ela gritou, tentando detê-lo.

Mal reconheceu a própria voz. Estava aguda, entrecortada. E ele nem pareceu ouvi-la. Simplesmente rodeou a cama, sem tirar os olhos dela, de seu corpo exposto, dos cabelos espalhados pelo travesseiro, Sarah parecendo, ao mesmo tempo, uma crian­ça inocente e uma mulher sensual.

Ela sentiu que corava desde a ponta dos pés até a raiz dos cabelos. Era horrível aquele exame frio, como se ela estivesse à venda, numa vitrine.

— Está envergonhada? — Sorriu, zombeteiro, e sentou na beirada da cama. Segurou as mãos macias, esticando os dedos que estavam crispados. — Não precisa ter vergonha. Sou seu marido e tenho o direito de vê-la nua. Aliás, não é a primeira vez, é?

Sarah recordou aqueles momentos mágicos que vivera com ele no passado. Agora, porém, ele a examinava com frieza e não havia vestígio de paixão.

— Também Dale a viu assim... — Ben deitou-se junto dela, o corpo apoiado no cotovelo, de modo que pudesse continuar a observá-la.

Apesar do medo, Sarah começou a reagir à proximidade sen­sual do marido. O desejo a traía! O que adiantava seu cérebro se recusar a ceder, se seu corpo não queria outra coisa?

— Hoje vou fazê-la esquecer Dale e o resto do mundo. Porque hoje você será minha!

— Ben...

— Não diga nada!

Ben a calou com a pressão de seus lábios sobre os dela. Seu beijo foi exigente, como uma invasão feroz, demonstrando que buscava vingança.

Sarah lutou, suas mãos batendo no corpo dele. Mas, pouco a pouco, elas foram perdendo a força, os socos se tornaram leves, se transformando quase que em carícias. Seu corpo co­meçou a comandá-la, arqueando-se, colando-se ao dele, vibran­do intensamente a cada toque, a cada carícia...

Odiava-o pelo que ele estava fazendo com ela, mas... não con­seguia resistir ás carícias do homem que amava. Seu corpo ad­mitia a verdade, embora sua mente ainda tentasse escondê-la.

Ben se afastou um pouco. Os lábios dela tremiam, os olhos brilhavam, a respiração era curta.

— O que aconteceu? Perdeu a coragem de lutar?

O sangue ferveu nas veias de Sarah. Num gesto de raiva, levantou a mão para esbofeteá-lo. Mas Ben já devia estar es­perando essa reação porque lhe segurou o pulso no ar. Depois, prendeu-lhe os braços acima da cabeça e sua boca cobriu a dela, beijando-a com força, puxando-a para si.

Sarah se sentia como que envolta por uma neblina, o corpo vibrando, enquanto um sentimento de revolta a torturava, dei­xando-a tensa, rija, sedenta de vingança.

Mas Ben continuava a beijá-la, a tocá-la, provocando uma sensação incrível de prazer, uma necessidade de satisfazer o desejo.

Sem perceber, ela começou a acariciar cada parte do corpo dele, detendo-se nos pontos sensíveis, notando os músculos for­tes, os cabelos espessos, o cheiro tão pessoal, o gosto salgado da pele...

Abriu os olhos e viu, nos olhos verdes tão profundos, um desejo arrebatador, poderoso, ainda maior que o seu.

— Sarah... — ele murmurou, para depois contornar a orelha pequena com a língua, numa carícia excitante.

Ela não pensou mais em lutar. Entregou-se totalmente àque­la sensação nova, avassaladora, que tomava conta de seus sen­tidos, que a dominava por completo...

Seu coração transbordava de alegria. Quantas vezes tinha sonhado em ter Ben em seus braços, totalmente envolvido pelo desejo, como agora!

— Sarah... quero que me toque... quero que me deseje!

Ela sentiu uma urgência de abraçá-lo, de sorver a doçura de seus lábios, de perder-se com ele numa fantasia mágica e irreal. Agora, não era mais a mulher passiva que se deixava excitar. Começou a explorar o corpo dele, suas mãos procurando os lu­gares mais sensíveis, agradando-o. Os lábios seguiam as mãos, tocando a pele firme. Ele tremia, ao receber as carícias, e, não resistindo mais, virou-se e deitou-se sobre ela, beijando-a ar­dentemente.

Não havia mais ninguém no mundo, só os dois, perdidos no paraíso dos desejos, descobrindo as delícias do amor, na fúria daquele momento.

Quando ele a possuiu, Sarah sentiu a vida pulsando dentro de si. Sussurrava e gemia como jamais fizera, até que seu corpo relaxou, depois daquela explosão de emoções.

Deixou-se ficar entre os braços de Ben, exausta, mas reali­zada. Mal conseguia compreender o que tinha acontecido. Tudo havia começado como um castigo e se transformara em prazer e êxtase.

Ele estava de olhos fechados, a expressão serena. Como se per­cebesse que era observado, levantou as pálpebras e a encarou.

Seu rosto então se transformou. Já não havia mais doçura em seus olhos, havia raiva.

— Agora me diga o que acha de Dale. Ainda o considera melhor do que eu?

Como se saísse do paraíso para pisar no inferno, Sarah viu todas as suas ilusões desaparecerem. Pensara que ela e Ben haviam partilhado algo raro e precioso, quando, na verdade, ele a enganara novamente. Onde achara que existia amor e paixão, havia apenas vingança. Sentiu-se como se ele a partisse em mil pedaços, que nunca mais poderiam se juntar...

— Porém — Ben continuou, vendo que Sarah permanecia em silêncio —, tenho que dizer uma coisa a favor de Dale. Ele conseguiu transformá-la numa mulher muito sensual, uma amante maravilhosa. Pena que não tenha uma cena de amor em Ricardo I. Poderia exibir todo o seu talento!

Ela não pensou duas vezes: levantou a mão e o esbofeteou. Sentiu as lágrimas transbordarem de seus olhos, o coração ar­rebentar de indignação e dor. Também não esperou para ver a reação dele. Saiu da cama e correu para seu próprio quarto.

Só depois de trancar a porta e deitar na cama, se permitiu pensar. Sem dúvida, o amor a deixava completamente cega. Por um instante, achou que ele ia segui-la, pedir desculpas, acariciá-la, sugerir que começassem uma vida nova, sem res­sentimentos ou dúvidas. Claro que ele não veio!

Ainda bem que iam deixar a Espanha no dia seguinte. Não aguentava mais viver tão próxima de Ben, principalmente ago­ra que, com certeza, ele havia descoberto quanto ela o desejava.

— Felizmente, tudo pronto! — Lois exclamou, passando a mão pela testa. — Confesso que não vejo a hora de voltar. Estou louca para me encontrar com meu namorado e matar a saudade!

Sarah tinha ido conversar com a moça para se informar sobre a viagem aos Estados Unidos.

— Há lugar para todos, nos dois vôos de hoje à noite — Lois explicou. — Pena que você não vai com a gente. Já fiquei sabendo que vai no avião particular de RJ. Ele parece boa pessoa, não achou? Coitado! Não merecia uma víbora como Gina!

O magnata chegara na noite anterior, durante a festa de despedida, mas Sarah só o havia visto quando ele fora até o trailer conversar com Ben sobre detalhes do filme. Na verdade, concordava com a opinião de Lois.

Ela pudera observá-lo enquanto preparava café. Ben entrara com ele e o apresentara. Sarah então os deixou à vontade para tratarem dos negócios. Aliás, a visita do produtor havia sido providencial, pois evitava que ficasse a sós com Ben.

— Sarah... — Ben a chamou da sala, depois de algum tempo.

— Sim?

— RJ nos convidou para viajarmos em seu avião particular e eu aceitei. Assim, teremos umas horas a mais para nos ins­talarmos em casa, antes de recomeçarmos as filmagens.

— Em casa? — ela perguntou, surpresa. Queria ir para um hotel, um apartamento, onde quer que fosse, desde que ficasse longe dele.— Isso mesmo. A casa na praia de Malibu. Prefiro ficar lá, porque fica no meio do caminho para o estúdio e o local onde faremos as outras filmagens externas.

— É que... — Ela tinha vontade de gritar "não vou ficar com você!", mas as palavras morreram em sua garganta antes de serem pronunciadas.

Não ia começar uma discussão na frente de um estranho, principalmente sobre problemas conjugais. Para todos os efei­tos, ela havia se reconciliado com o marido e precisava manter essa imagem até que terminassem o filme.

Mas, quanto tempo ia aguentar? Ainda bem que ele mencio­nara a casa, porque sempre haveria mais espaço para se mo­vimentarem sem se encontrar. No pequeno trailer isso não era possível.

Na noite anterior, ela ficara acordada, deitada na cama, ou­vindo cada passo de Ben, sua respiração, seus movimentos, pois apenas uma parede fina os separava. Uma parede fina, alguns poucos centímetros, e, no entanto, sentiu-se separada dele por um abismo intransponível. Sem dúvida, não havia como vencer a distância que os separava...

 

                                   CAPÍTULO VII

Como aquilo tudo parecia vazio, sem os cená­rios, as tendas, o equipamento todo!

Sarah olhava o lugar onde havia passado tantos dias. Ob­servou o crescente movimento, as pessoas carregando caixotes, guardando coisas, limpando a área. Somente os trailers iam ficar ali mais algum tempo. Mais tarde, a empresa que os alu­gara viria retirá-los. Aí, então, não sobraria nada para lembrar o tempo que tinham estado ali.

Isso a fez pensar no seu relacionamento com Ben. Não era parecido com aquele lugar? O exterior mostrava uma coisa que, na realidade, não existia...

— Despedindo-se?

Sarah se virou e viu o marido a seu lado. Ele não demons­trava nem sequer lembrar do que tinha havido na noite ante­rior. Estava calmo e distante.

Era incrível, mas, a cada vez que o olhava, o achava mais atraente. Admirava o seu jeito altivo, o cabelo dourado, o olhar profundo, o sorriso franco. Apesar de tudo, ainda o amava.

— Toda despedida é triste, não acha, Ben?

— Concordo, desde que o lugar traga boas recordações. Se­não... ir embora é um alívio.

A lógica dele fazia sentido, mas não existia lógica nos seus sentimentos. Ele a fizera sofrer muito, durante aqueles dias de convivência, mas mesmo assim, queria tê-lo perto. Não, não ia tentar decifrar sua loucura.

— Sarah! — alguém a chamou.

Ela se virou e viu Paul se aproximando. Ele também era charmoso, mas, se tivesse que ser comparado a Ben, perderia muitos pontos para ele.

— Vim lhe agradecer por ontem à noite. Quando ia voltar para o trailer, percebi que Dale já estava em casa e... totalmente sóbrio. — Paul virou-se para Ben: — Dale nos deu muito tra­balho, ontem, mas Sarah foi uma boa samaritana e me ajudou, quando fui procurar por você. — Paul tornou a se virar para ela: — Obrigado mais uma vez. — Ele saiu, juntando-se ao corre-corre do acampamento.

— Do que ele estava falando? — Ben perguntou, muito sério. Ela não respondeu. Adiantaria alguma coisa explicar o que havia acontecido? Ben já não tinha feito seu julgamento da situação, sem lhe dar uma chance de defesa?

— Sarah... conte o que houve — ele exigiu.

— Você ouviu o que Paul disse. — Sarah procurou manter a voz fria e impessoal. — Pouco depois da meia-noite, ele bateu na porta do trailer procurando você. Explicou que Dale tinha.., ido à cidade.

Sarah escolheu bem as palavras porque não queria compro­meter Dale. Era melhor não contar exatamente em que estado Dale se encontrava.

— Ele tinha bebido demais, certo? — completou Ben. — Fi­cou tão bêbado que Paul teve que trazê-lo para casa e ainda por cima pedir auxílio a alguém. Não é isso que quer dizer?

Sarah viu que era impossível enganar o marido.

— É... Dale esteve bebendo e Paul queria tratar de deixá-lo sóbrio de novo. Foi pedir ajuda a você. Como não estava, eu...

— Você, naturalmente, não podia deixar seu amante sem ajuda, não é? — Ben concluiu. — Mesmo assim, não consigo encontrar uma explicação para encontrá-la nos braços de Dale. Ou... gosta tanto dele que não se incomoda que um bêbado a perturbe?

— Não foi bem assim...

— Não? Então me diga exatamente como foi. — Ben segu­rou-lhe o braço com força e ela teve a impressão de que ele gostaria de sacudi-la até conseguir extrair dela toda a verdade.

— Fiz café forte, para ele melhorar. Mas Dale acabou der­rubando o bule todo sobre Paul, que teve que sair para trocar de roupa. Depois que ele saiu, Dale...

— Não precisa dizer. Posso adivinhar o que ele fez, quando se viu a sós com você. Não acha que, para um homem que estava completamente bêbado, Dale se recuperou depressa de­mais, quando apareci?

Era verdade! Ela tinha pensado nisso no instante em que Ben entrara no trailer.

— E, seguindo a mesma linha de raciocínio, não seria pos­sível que Dale tivesse derrubado o café de propósito, só para Paul deixá-los sozinhos?

Por que todo mundo de repente procurava falar mal de Dale?, Sarah se perguntou. Não era justo! Ele não era uma pessoa má e não ia fazer uma coisa daquele tipo...

— Se Dale quisesse ficar a sós comigo, não precisaria usar de armadilhas.

— A não ser, claro, se quisesse que eu testemunhasse o fato.

— Mas... por quê? Com que finalidade?

Por um segundo, Sarah teve a sensação de que estava prestes a ouvir uma grande revelação. Viu quase definida diante de si alguma coisa importante, que passava por sua mente, sem real­mente penetrá-la. Mas a sensação foi rápida e sumiu antes que ela pudesse captar seu verdadeiro sentido.

— Esqueça tudo isso, Sarah. O que passou, passou e não volta mais — disse ele, e se afastou sem olhar para trás.

Sarah se deixou cair numa cadeira, desalentada. Era sempre assim. Ele lançava dúvidas em sua mente e depois ia embora. E o que a aborreceu mais foi o fato de ele ter ignorado os inci­dentes da véspera. Por que não lhe pedira desculpas por seu comportamento selvagem? Mas... pensando bem, será que elas eram mesmo necessárias? Afinal, haviam se entregado com igual paixão.

Sarah ficou impressionada com o luxo do jatinho do produtor. Era pequeno mas bastante confortável e moderno. Gina estava recostada no assento, de olhos fechados e uma expressão de tédio no rosto bonito, fingindo não se importar com as tentativas do amante para agradá-la.

Sarah havia imaginado que a atriz arranjaria um jeito de sentar ao lado de Ben, o que acabou não acontecendo. Prova­velmente queria preservar o amante apaixonado e rico.

A decolagem foi suave e logo em seguida a aeromoça serviu bebidas e sanduíches. Sarah aceitou o lanche, embora não sen­tisse o menor apetite. Ben estava a seu lado e sua proximidade perturbadora era motivo suficiente para não pensar em mais nada, muito menos em comida.

— Tenho uma pequena surpresa para você, Ben — RJ estava dizendo. — Em vez de vermos um filme qualquer durante a viagem, mandei que passassem as provas do que já fez em Ri­cardo I. — O homem se virou para Sarah: — Esse seu marido é um homem único. Tem um sistema de trabalho completamente diferente do adotado pelos outros diretores.

— Como assim? — Sarah perguntou, interessada, incenti­vando-o a prosseguir. Conhecia tão pouco a respeito de Ben que nem sequer desconfiava do que o banqueiro estava falando.

— É uma questão de método, Sarah. Em geral, todos gostam de ver as provas diariamente, mas Ben prefere esperar.

— Não se trata de uma excentricidade, acredite — Ben se justificou. — É que gosto de me desligar um pouco do trabalho para poder julgar melhor. Logo que termino a gravação de uma cena, ainda estou sob a influência daquilo que desejei fazer. Por isso, prefiro fazer um julgamento mais imparcial.

— Você é exigente demais! — Gina comentou. — Faz questão de detalhes! — Voltou-se para RJ, fazendo um beicinho. — Não pode avaliar como ele foi ruim comigo!

RJ não se deixou impressionar pela reclamação e sua reação foi totalmente inesperada:

— É isso que gosto de ouvir, Ben, Sei que, pelo menos, al­guém está cuidando de meu dinheiro e sendo rigoroso com a maneira como ele é gasto.

— O dinheiro não é só seu, querido — Gina protestou, en­viando a Ben um olhar cheio de provocação. — Ben também investiu muito nesse filme. Algum dia, ele é capaz de ficar tão rico quanto você!

RJ não respondeu. Chamou a aeromoça e lhe deu ordem para passar o filme. Num instante, a cabine foi escurecida e uma tela embutida desceu suavemente do teto do avião.

O filme começou e Sarah prendeu a respiração, ansiosa por ver as imagens. Prestou atenção às cenas em que aparecia, principalmente no trecho em que Paul a beijava. Notou que a pequena falha, em que o cavalo tinha se mexido, fora inteligen­temente cortada. Gostou de tudo. Dale estava ótimo e até Gina convencia, como a doce Berengária.

Claro, tinha visto apenas cenas esparsas, mas ficou satisfei­ta. Sem dúvida, Ben era um excelente diretor. Tinha conseguido momentos de rara beleza e poesia. Achava até que algumas cenas iriam se tornar antológicas.

Quando a exibição terminou, a tela sumiu tão rapidamente como aparecera e a luz foi acesa.

— O que achou, Ben? — Gina se virou na poltrona, as pernas cruzadas, o vestido deixando entrever as coxas bem-feitas.

— Está começando a ganhar a forma que imaginei — Ben falou vagamente.

RJ, por sua vez, lançou elogios entusiasmados a Ben e à atuação do elenco. Sarah, que havia dormido muito mal aquela noite, começou a ficar sonolenta, ouvindo o ruído monótono do motor do avião. Baixou um pouco o encosto da poltrona e acabou cochilando. Antes de adormecer completamente, teve a vaga impressão de ver Ben se inclinando sobre ela. Mas aquela ima­gem logo sumiu de sua mente, porque caiu num sono profundo e reconfortante.

Acordou sentindo-se bem, um calor gostoso relaxando seus músculos. Abriu os olhos devagar, espreguíçou-se e só então reparou que estava com a cabeça encostada ao peito de Ben. O apoio de braço entre as poltronas tinha sido levantado e ele a abraçava, segurando-a pela cintura.

Olhou para o marido e viu que ele dormia, o rosto descan­sado, um leve sorriso pairando em seus lábios. Ela se moveu com cuidado para não acordá-lo, mas Ben apertou-a mais contra si e murmurou um protesto ininteligível.

Sarah ainda ficou alguns minutos onde estava. Queria li­vrar-se dos braços dele sem acordá-lo. Pouco depois, tentou ou­tra vez, Ben se mexeu, esticou as pernas e abriu os olhos. Quan­do a viu a seu lado, sorriu.

— Sarah, querida! — murmurou.

Beijou-a de leve, com muita ternura, mantendo-a bem junto do coração. Sarah duvidou de que tivesse acordado. Aquilo mais parecia um sonho!

— Ei, vocês dois! — RJ sorriu. — Parecem dois pombinhos! Chega de amores e vamos tomar o café da manhã.

Ben se afastou de Sarah, mas, antes de soltá-la, comentou em voz baixa:

— Sempre tem alguém que nos interrompe, não é? Ainda bem que desta vez não foi Dale. Não acha que ele ficaria desi­ludido, se soubesse que outra pessoa o substituiu?

— Dale me conhece e sabe que sou boa atriz. Posso fingir que amo o homem que me abraça, quando, na verdade, penso em outro — ela respondeu com maldade. Odiava quando Ben trazia Dale para a conversa.

— Não me diga! Que pena que eu não tenha usado um gra­vador, ontem à noite, Sarah. Poderia provar que o nome que você murmurou várias vezes foi o meu. Foi a mim que pediu amor, não lembra?

Sarah agradeceu a Deus pela chegada providencial da aero­moça com as bandejas. Felizmente, ele não voltou a tocar no assunto até o final da viagem.

— Bem-vinda à América! — Ben falou para Sarah, enquanto a ajudava a descer a escada do avião.

Ela ficou feliz de ver o sol forte da Califórnia, o céu muito azul e sem nuvens. Respirou fundo e torceu para que as coisas corressem de maneira mais tranquila, enquanto estivessem nos Estados Unidos. Dirigiram-se para o Departamento de Imigra­ção e, graças ao prestígio de RJ, resolveram o problema do ex­cesso de bagagem num instante.

Logo depois, despediram-se do casal e foram até o pátio do estacionamento, onde um carro grande, muito brilhante, os aguardava com um motorista a postos para lhes abrir a porta.

— Espero que tenha feito boa viagem, sr. de L'Isle — o mo­torista cumprimentou, com respeito.

— Foi excelente, obrigado. Esta é minha esposa, Ray.

— Muito prazer, senhora.

— Para onde vamos, senhor? Para o estúdio ou para sua casa?

— Para casa, Ray. Mas pode dizer a Andy que apareço no estúdio à tarde.

— Sim, senhor.

O carro partiu suavemente, como se deslizasse sobre nuvens de algodão.

— Sempre usa carro com motorista, quando está na Améri­ca? — Sarah quis saber.

— Não são meus. Pertencem ao estúdio. Vou até lá hoje porque vai haver uma reunião. — Ele riu e deu um beijo no rosto dela. — Procure não sentir muita falta de mim. Volto para jantar.

Sarah tinha certeza de que ele agia daquela maneira só para convencer o motorista de que formavam um casal apaixonado. Ela se afastou um pouco e voltou a atenção para a paisagem lá fora.

Estavam numa estrada larguíssima, como nunca tinha visto antes. Havia seis pistas de cada lado e, assim mesmo, o tráfego era intenso. Sem dúvida, aquele era o país de maior consumo do mundo!

— Não vamos passar por Hollywood — Ben avisou-a. — Ha­verá muito tempo para irmos até lá, mais tarde. — Dirigindo-se a Ray orientou-o: — Pegue a estrada da costa. Por lá, o trânsito é sempre mais calmo.

Sarah ficou encantada com a beleza do lugar. Via trechos do mar belíssimos, a água muito azul, a espuma coroando as ondas que se quebravam na areia. Tinha vontade de pedir a Ray que parasse o carro para que pudesse correr pela praia e molhar os pés no Oceano Pacífico. Só de pensar que estava diante do Pacífico pela primeira vez, sentia uma enorme emoção.

A estrada começava cheia de curvas para depois seguir pela linha do mar. Ao longo daquele caminho havia casas belíssimas, enormes, rodeadas por gramados e jardins floridos.

— Desculpe, senhor, mas vou ter que deixá-los aqui — Ray anunciou, quando depararam com um atalho. — Não me arrisco a entrar nesta estradinha que leva à sua casa.

— Não se preocupe, Ray. Daqui para a frente poderemos ir de jipe.

— Quer que venha buscá-lo mais tarde?

— Não é necessário. Prefiro dirigir até o estúdio.

— Muito bem, senhor. — Imediatamente, Ray desceu e lhes abriu a porta.

Sarah desceu e se espantou com o calor. Parecia que não haviam saído da Espanha! Ray ajudou Ben com as malas e depois deu a volta e seguiu pela mesma estrada.

— Por aqui. — Ben segurou-lhe o braço, conduzindo-a até uma construção baixa, que não se podia avistar da estrada.

Sarah o seguiu com relutância.

— O que há com você, Sarah? Esperava ir para Hollywood e ficar com seu querido galã o tempo todo? Sinto muito, mas não me misturo com aquele pessoal. Aqui estamos longe de tudo. Este caminho leva apenas à minha casa. Portanto, se deseja badalação, conforme-se. Terá que se arranjar somente comigo.

Ben abriu a porta da garagem, onde havia um jipe e um outro carro, esporte, vermelho, quase cor de vinho.

— Venha, Sarah. — Ele lhe indicou que subisse no jipe.

— Pelo jeito, gosta de viver isolado.

- Sou adepto do velho ditado: "Antes só do que mal acom­panhado". Você não pensa assim, não é? Às vezes me pergunto... quantos homens fizeram parte de sua vida, além de Dale. Que tipo de relacionamento mantém com eles? Sei que Dale não é do tipo fiel, de amar uma só mulher, portanto... como é? Aderiu ao amor livre, cada um faz o que quer, quando o outro não está por perto?

— Nunca houve ninguém mais além... — Sarah começou a responder depressa, porém se interrompeu no meio da frase. Ia completar dizendo "além de você", mas parou em tempo. Era a última coisa que poderia admitir com Ben.

— Não está esquecendo alguém, Sarah? Dale não foi o único em sua vida. Dizem que uma mulher jamais esquece o primeiro homem que a possuiu e... eu fui esse homem!

Como ele se divertiria, se soubesse que sempre tinha sido o primeiro é único!

— Não quero mais falar sobre isso.

— Por quê?

Sarah ficou em silêncio. Virou-se para a janela, engolindo em seco. Pouco depois, o jipe estacionava ao lado de uma pe­quena baía. Ben deu a volta ao carro, quando ela ia descer. Sarah estava tão absorta, observando o cenário maravilhoso, que acabou tropeçando, ao descer do carro. Ben a segurou no mesmo instante, impedindo-a de chegar ao chão.

Tudo aconteceu muito rápido. Estavam próximos e, perdendo completamente a noção de realidade, Sarah sentiu que ele a abraçava, colando os lábios nos seus.

— Talvez seu coração e sua mente me rejeitem, Sarah, mas seu corpo diz exatamente o contrário.

Para provar o que dizia, Ben deslizou a mão pelas costas dela, descendo para os quadris e depois subindo novamente para lhe acariciar os seios. Sarah tremia, se arqueava, se colava a Ben, sem conseguir esconder o fogo da paixão que a consumia.

Com um sorriso de triunfo, ele se afastou de repente, indo em direção ao jipe para pegar as malas. Atordoada, Sarah ficou observando-o, um misto de revolta e mágoa tomando conta de seu coração. Ele era cruel, e o alcance daquela crueldade che­gava a assustá-la.

A casa era protegida por muros altos, cobertos de trepadei­ras. Atravessaram os portões de ferro, alcançando um pátio ensolarado onde uma pequena fonte e a piscina de água límpida ressaltavam no meio do verde do gramado.

Sem dúvida, Sarah pensou, era um cenário cinematográfico, digno de um diretor famoso!

Entraram no hall, de onde uma escada em curva levava ao piso superior. Logo uma mulher de meia-idade, gordinha, veio recepcioná-los.

— Margarita, esta é minha esposa, Sarah. — E, dirigindo-se a Sarah, falou: — Quero que conheça minha governanta. Mar­garita e seu marido Ramón cuidam de tudo, aqui.

— Ah! senor, fico tão contente que tenha uma esposa! — a mulher comentou, com carregado sotaque castelhano. — Ago­ra, quem sabe, não haverá muitas noites de trabalho intenso, não é?

Ben riu e respondeu em espanhol. A governanta ainda disse algo que Sarah não compreendeu e depois acrescentou em inglês:

— Com licença, vou lhes preparar alguma coisa para comer. Ramón foi buscar as compras e, assim que chegar, cuidará da bagagem.

Sarah esperou até que a empregada saísse para matar sua curiosidade.

— Do que ela estava rindo?

— Disse a Margarita que trabalho muito à noite e que não quero perturbar minha esposa. Por isso, dormiríamos em quar­tos separados.

— E o que ela respondeu? — Sarah não podia dizer se tinha ficado alegre ou triste com a notícia.

— Que, como minha mulher, você gostaria muito mais de ser perturbada do que dormir numa cama fria.

— Ora...

— Foi a opinião dela, Sarah. Naturalmente, poderia ter acres­centado que você tem seu outro amor para mantê-la aquecida, mas não creio que ela iria entender.

Sarah não insistiu mais. O assunto entrava em terreno muito perigoso. Então, tratou de conhecer a casa. Ficou simplesmente encantada com o que viu. Os aposentos eram muito bem deco­rados, com gosto e arte, sem luxo exagerado.

Almoçaram em silêncio, as portas da sala abertas para o terraço cheio de plantas. Margarita tinha feito pratos frios, mui­to gostosos e apropriados para um dia de tanto calor. Quando terminaram, Ben se levantou.

— Vou até o estúdio. Por que não aproveita para descansar um pouco? Amanhã já começamos as filmagens e terá que se levantar muito cedo.

— A que horas volta?

— Minha nossa! Que pergunta mais indiscreta! Ficaria bem na boca de uma esposa dedicada! Preciso corresponder a tanto carinho, não concorda? — Ele se inclinou e a beijou rapidamente na boca. — Respondendo à sua pergunta, não venho jantar e não me espere acordada, a não ser que esteja disposta a en­frentar as consequências.

Ben foi embora e Sarah continuou sentada no mesmo lugar, um pouco confusa. O que ele pretendia? Se a encontrasse acor­dada, iria tomá-la nos braços e vencê-la com carinhos até levá-la para a cama para fazerem amor? Mas... durante quanto tempo Ben se contentaria apenas com a satisfação física? E ela? Seu coração ansiava por palavras de amor, por uma comunicação maior e mais profunda.

Não encontrava uma solução para seu dilema! Por enquanto, não havia nada que pudesse fazer. Estava envolvida demais na situação para tentar escapar. Tinha que viver seu papel de es­posa até o final do filme. Aí então... Ela nem queria pensar no que ia fazer!

Sarah subiu para cochilar um pouco. Estava cansada, talvez pela diferença de fuso horário. Já que tinha que começar o tra­balho no dia seguinte, ia aproveitar a tarde para se recuperar.

Suas malas ainda não estavam no quarto e por isso ficou só de calcinha e sutiã. Dormiria por uma ou duas horas e de­pois tomaria um banho. Quem sabe, até lá, sua mala já tivesse subido.

Quando acordou, já estava escuro. Nossa! Tinha dormido a tarde toda? Olhou para o relógio e viu que eram duas horas da manhã. Que loucura! Sarah sentou na cama e notou que havia uma manta leve cobrindo seu corpo despido. Provavelmente, Margarita subira para chamá-la para o jantar e, vendo-a ador­mecida, a cobrira.

Será que Ben já estava em casa? Então deveria ter estranhado que ela ainda estivesse no quarto.., Sarah prestou aten­ção para ver se ouvia algum ruído, mas nada quebrava o silêncio da noite.

Foi para o banheiro, tomou uma ducha, se envolveu numa toalha macia, secou os cabelos e voltou para a cama. Virou-sê de um lado para o outro. Não ia conseguir dormir de novo! O jeito era descer e ver se encontrava um bom livro. Lembrou de ter visto uma belíssima biblioteca.

Abriu a porta do quarto e logo percebeu o bater inconfundível da máquina de escrever. Ben estava em casa e... trabalhando! O que ele tanto tinha que bater à máquina? E por que sempre tão tarde? Não lembrava mais de onde ficava o escritório, mas, se conseguia ouvir o ruído, era porque não estava tão longe dali. Não queria se arriscar a encontrá-lo. O jeito era voltar para a cama. Descansar mais um pouco iria mesmo lhe fazer bem. Ajustou o despertador para as cinco e meia e deitou.

Quando o relógio tocou, Sarah acordou de um sono profundo. Tinha conseguido dormir de novo e muito bem! Bem disposta, ela foi para o banheiro e tomou uma ducha. Pegou roupa limpa na mala, que encontrou junto à cômoda, e, vestida apenas com as peças íntimas, sentou na beirada da cama para pentear o cabelo.

Pelo reflexo no espelho, viu que Ben entrava no quarto, car­regando uma bandeja com o desjejum.

— Bom dia. — Ele acomodou a bandeja sobre uma mesa. — Dormiu bem?

— Como uma pedra. Mas acordei de madrugada e...

— Eu sei. Quando cheguei, vim ver se estava bem e a en­contrei dormindo totalmente descoberta. As noites costumam ser frias por aqui, Por isso, eu a cobri.

Sarah corou, lembrando que estava praticamente nua.

— Ficou vermelha, Sarah. Por quê? Tem vergonha de seu corpo? Ele é tão bonito! — Ben passeou os olhos por ela, detendo-se nos seios, que a renda do sutiã não conseguia encobrir.

— Não é isso. Não gosto que alguém... que me...

— Que alguém a veja? Por quê? — Ele riu levemente. — Anda muito impressionada! Só porque acho seu corpo bonito, não quer dizer que vou agarrá-la, não é? — E, consultando o relógio, acrescentou: — Será que consegue ficar pronta em meia hora?

— Claro! — Sarah sabia que nesse dia iriam filmar uma cena importante, do encontro entre Joana e Alain de Courcy. — Ben...

Ele parou, já perto da porta.

— Ontem à noite ouvi que estava datilografando. Não tem secretária para fazer esse trabalho?

— Está realmente preocupada comigo? Será que... conforme disse Margarita, está sentindo sua cama fria e solitária? — Não esperou pela resposta e saiu.

Chegaram ao estúdio quando o sol aparecia por trás das mon­tanhas, iluminando o azul do céu, prometendo um dia perfeito. Sarah foi diretamente para a seção de figurinos, onde lhe colo­caram um vestido de gaze azul com enfeites dourados, um véu esvoaçante cobrindo seus cabelos.

Ela procurava se concentrar na cena que ia viver. Era Joana, uma mulher que havia casado contra a própria vontade, com um velho que odiava, cheio de vícios, e agora vivia sob a tutela do cunhado, Tancredo, que a mantinha presa ali. Mas seu irmão, o rei Ricardo, tinha chegado e ela aguardava com ansie­dade a hora de vê-lo, mais ainda porque ele viria acompanhado do cavaleiro que ela amava.

Pronta, ela foi para o cenário, onde havia almofadas de seda espalhadas sobre o tapete grosso. Outras mulheres, todas com roupas esvoaçantes, tomavam seus devidos lugares. No fundo, fora do alcance da câmara, Ben dirigia tudo.

Sarah sentiu a boca seca de tensão. Queria atuar com per­feição para deixá-lo satisfeito. Levantou a cabeça, concentrou-se e, de repente, não sentiu mais medo.

O som dos trompetes anunciou a chegada de Ricardo I e Alain de Courcy, o homem que representava tudo para Joana. Ela olhou para Alain e expressou nos olhos toda a sensação de alegria que uma mulher sente ao ver o seu amado.

Alain a viu e caminhou para ela, fazendo com que as outras moças soltassem gritinhos de surpresa e se retirassem. Alain chegou mais perto, Joana sorriu docemente, seus olhos brilhan­do de emoção...

— Corta! — Ben avisou. — Muito bem. Pode mandar revelar.

— Sarah, você esteve maravilhosa! — Eva exclamou, num elogio sincero. — Não concorda, Ben?

— Sarah sempre foi uma excelente atriz — ele concordou, embora houvesse um nítido desprezo em suas palavras.

Jamais ele iria saber por que ela tinha vivido tão bem o papel de uma mulher apaixonada. Olhara para Alain e pensara nele! Do outro lado do cenário, alguém o chamou, e Ben se afastou com Eva.

— Esteve sensacional, queridinha! — Dale se aproximou.

Sarah o encarou. Só então se deu conta de como o sorriso dele era forçado, e como tudo o que dizia soava falso, sem emo­ção, sem nenhum sentimento.

Dale tentou abraçá-la, mas Sarah se esquivou.

— O que há com você? Ainda não me desculpou pelo que aconteceu no trailer.

Pela primeira vez, Sarah sentiu raiva de Dale. Por que ele insistia em tocar em velhas feridas? Por que ele sempre agia e falava como se estivesse representando? Somente agora o via exatamente como era. A questão era saber se ele tinha mudado ou se a transformação acontecera com ela...

— Venha jantar comigo hoje à noite, Sarah. Assim poderei me desculpar melhor.

— Não, Dale, obrigada. Prefiro ir para casa e descansar. Dale a olhou com malícia e desprezo.

— Está tentando fisgar um peixe maior, não é, doçura? Ou ainda sente amor por Ben? — Fez uma pequena pausa e, vendo que ela não respondia, continuou — Está perdendo seu tempo, sua boba. Talvez, um dia, Ben a tenha desejado, mas não vai ficar com você, sabendo que já foi minha!

Dale falou com tanta raiva e crueldade que Sarah ficou ator­doada. Agora começava a ver quem ele realmente era, cheio de ódio e inveja, de falsidade e fingimento.

— Você detesta Ben, não é, Dale?

— Exatamente! Se não fosse por ele, eu teria recebido os maiores elogios da crítica, por minha atuação em Shakespeare. Mas não! Uma atriz boba, inexpressiva, se apaixonou por ele, e Ben conseguiu se tornar o amante mais formidável do mundo do cinema! Tive vontade de matá-la. A chance era minha e Ben conseguiu todos os méritos!

Ele se afastou depressa, batendo os pés com força no chão. Sarah estava abismada. Nunca tinha pensado que Dale sentia tanta inveja de Ben e do romance que tinha nascido entre os dois. E pensar que tinha confiado em Dale! Chegara até a fingir ser sua amante porque ele dizia que a estava protegendo! Como tinha sido estúpida! Confiara no falso para desconfiar do sincero! Sarah voltou para o vestiário, para mudar de roupa. Vestiu-se e procurou a aliança onde a tinha deixado. Não podia ter entrado em cena usando-a. Depois de muito procurar, não a encontrou. Ficou muito aborrecida. Tornou a olhar em todos os cantos mas... nada!

— Perdi mesmo. Não tem jeito! — disse a si mesma. Saiu do estúdio para encontrar Ben à sua espera.

— Seu trabalho foi ótimo hoje, Sarah.

Ben não era pessoa de fazer elogios e Sarab mal conteve a alegria. Teve vontade de abraçá-lo, mas nesse momento Dale apareceu, completamente diferente do homem que a tinha dei­xado momentos antes.

— Devia aproveitar Sarah para cenas de amor mais eróticas, Ben. Ela sempre foi fora de série nisso — disse, com um largo sorriso.

— Não estou fazendo um filme pornográfico, Dale — Ben respondeu, procurando manter a calma.

— Não faço cenas de amor explícito — Sarah respondeu com firmeza. — Meu agente sabe disso e tem instruções de recusar qualquer papel que me obrigue a isso. Odeio esse tipo de tra­balho!

— Então somos dois privilegiados, já que participamos de algumas cenas ao vivo, certo, Ben? Queridinha, meu convite para o jantar continua de pé.

Ele foi embora e, meia hora mais tarde, Sarah o viu saindo de carro, com Gina Frey a seu lado. Aqueles dois se mereciam!

— Está com ciúme? — Ben perguntou com cinismo. — Já devia conhecê-lo bem. Dale não é homem de uma mulher só. Precisa de variedade. Se a estou prevenindo é porque não quero que saia com ele enquanto estivermos fazendo esse filme. Nossa imagem de casal feliz deve ser preservada.

Sarah não respondeu. Ben não percebia que ela não tinha interesse nenhum em Dale e que não fazia a menor questão de estar com ele? Pelo contrário, agora que descobrira o caráter do ator, queria distância dele. Ele a tinha enganado, fazendo-a crer que tentava ajudá-la, quando, na verdade, estava cuidando apenas de seus próprios interesses.

— Já terminei por hoje, Sarah. Vamos para casa?

— Vamos. Precisamos vir aqui, amanhã cedo?

— Já esqueceu que amanhã é domingo? O pessoal todo acata minhas ordens com boa vontade, mas acho que seria linchado, se inventasse filmagens em pleno domingo!

 

                                CAPÍTULO VIII

Quer mais café? Ou bolo?

Não, obrigada. Já comi bastante.

Sarah suspirou, satisfeita, vendo Margarita levar os pratos servidos para a cozinha. Tinha se levantado às onze horas e descera para tomar o café. Margarita era uma cozinheira ex­cepcional e, se não tomasse cuidado, acabaria engordando!

Olhou para fora. O dia estava bonito, sem nuvens, e uma brisa leve suavizava o calor. Ia aproveitar o domingo para na­dar. Desde criança, adorava o mar!

Podia aproveitar a piscina, mas preferia brincar pegando on­das, sentir o gostinho de sal, a areia sob os pés. Ainda bem que trouxera um biquini.

Quando foi pegá-lo de dentro da mala deu com o olhar na mão esquerda e viu seu dedo vazio, sem a aliança. Era difícil se acostumar sem ela!

Não gostava de ficar sem o anel. Ele lhe dava a sensação de que, enquanto existisse, seu casamento poderia ainda se tornar algo real e feliz. Reconhecia que era pura tolice. Mesmo assim, nos três anos de separação não havia tirado a aliança. Amava o marido e precisava de alguma coisa que lembrasse a presença dele e alimentasse suas ilusões de que um dia, quem sabe, pu­dessem se reconciliar.

Trocou de roupa e olhou-se no espelho. Ben tinha razão. Seu corpo era bonito, a cintura marcada, as pernas bem torneadas, os seios pequenos e rijos. Passou uma loção para proteger sua pele delicada do sol e depois colocou a saída-de banho que fazia conjunto com o biquini.

Desceu e encontrou Margarita novamente.

— Vai nadar?

— Vou, sim, Adoro água. Tenho a impressão de flutuar no espaço.

— Cuidado para não se queimar. O sol está terrível e já vi que não está acostumada a um calor tão forte.

— Não vou me arriscar, Margarita. Vou só nadar um pouco e volto logo. Que tal o mar por aqui? É perigoso?

— Não. A praia é bastante segura, mas não prefere a piscina?

— Sinceramente, não. — Sarah aproveitou para perguntar sobre Ben: — Viu meu marido?

— Ele tomou café muito cedo e depois se enfiou no escritório. Nunca o perturbo, quando está lá. Provavelmente está escre­vendo.

Sarah sorriu. Às vezes não entendia bem o que a mexicana falava. Embora conversassem em inglês, a mulher se atrapa­lhava muito com algumas palavras. Agora, por exemplo, ao fa­lar que Ben estava "escrevendo", ela devia estar querendo dizer "trabalhando". Bem, de qualquer modo, já que Ben estava ocu­pado, iria sozinha.

Pegou o chapéu de palha que ele lhe havia dado e saiu para o gramado. Respirou fundo, deixando que o ar puro enchesse seus pulmões. Que lugar maravilhoso! O contraste do verde com o céu azul, o ar claro e límpido, as árvores que espalhavam seus galhos produzindo uma sombra generosa... Era quase como viver no Paraíso!

Sarah desceu o caminho que levava à praia, de areia branca e fina. Olhou para os dois lados e viu que grandes rochas deli­mitavam a faixa de areia, tornando-a inacessível a não ser para os que estivessem na casa de Ben.

Começou a andar pela areia molhada, deixando pegadas que ficariam ali até que uma onda mais forte viesse apagá-las. Che­gou até a rocha alta e escarpada que fechava a praia num dos lados. Viu que, numa parte da pedra, formava-se uma pequena caverna. Foi imediatamente para lá.

Sentou-se no chão, olhando a grandiosidade do oceano à sua frente, a perder de vista até se juntar com o horizonte distante.

Foi então que percebeu uma cabeça surgindo das águas. De­via ser Ben. Reparou melhor e viu-o nadando em direção à praia, com braçadas vigorosas, parecendo muito à vontade no mar. Sem dúvida, era um exímio nadador, tinha estilo e desen­voltura. Devia nadar sempre, e por isso mantinha a pele dou­rada pelo sol.

Ben se aproximava cada vez mais da praia e, quando saísse do mar, estaria quase à sua frente. Ela esperou, vendo o corpo musculoso por entre a espuma das ondas.

Ele chegou a um ponto onde conseguiu ficar de pé. Começou a sair do mar, sua pele molhada brilhando ao sol, seus movi­mentos elásticos como os de um animal selvagem. Sarah teve a impressão de estar diante de um deus do mar, que deixava seus domínios para visitar a terra.

Quando Ben saiu da água, viu que ele estava completamente nu. Ficou embaraçada. Não queria que ele pensasse que o es­tivera espiando. Era melhor sair dali, antes que ele a visse. Não tinha tempo a perder!

Levantou-se e começou a correr sem olhar para trás. Preci­sava ficar longe daquele homem perigosamente perturbador.

Correu pela areia fofa, procurando alcançar o caminho de casa. Chegou até a beirada da grama, onde havia grandes ár­vores. Tentou pular as raízes grossas, mas errou o passo e caiu.

Estava com a respiração arfante, deitada de bruços, quando ouviu a voz de Ben a seu lado:

— Por que correu, Sarah?

Ela estremeceu. Passou a língua sobre os lábios, sentindo o gosto de sal misturado ao da areia. Seu coração batia louca­mente, não apenas por causa do esforço da corrida.

Ben se ajoelhou junto dela e a fez virar-se. Olhou-a intensa­mente por um instante e depois abraçou-a, apertando-a contra o peito.

Sarah tentou lutar, mesmo sem vontade. No entanto, ele ignorou os protestos e pressionou-lhe o corpo contra a areia macia, entrelaçando as pernas com as dela. Baixou a parte su­perior do biquini, para depois encostar o rosto nos seios, desli­zando os lábios sobre eles.

O desejo apagou todas as barreiras que os separavam. Ro­laram pela areia, os corpos entrelaçados, unidos, as bocas co­ladas, o mesmo pulsar nos corações, envoltos pela magia incrí­vel do prazer.

De repente, o som agudo e insistente do telefone quebrou o encantamento. Ben se afastou imediatamente.

— Sei que o telefonema é do estúdio. Se não for atendê-lo, alguém virá até aqui. E de jeito nenhum quero que a vejam assim.

Sarah corou, tomando consciência de sua nudez. Antes de entrar, Ben beijou-a rapidamente e falou:

— Isso foi apenas para lembrá-la de que ainda temos algo para terminar.

Sarah vestiu o biquini e a saída-de-banho. Estava subindo os degraus para entrar em casa quando encontrou Ben, que já voltava para encontrá-la,

— Era Gina. Ela nos convidou para almoçar lá. Está fazendo um churrasco e, embora não tenha a menor vontade de ir, acho que devemos.

Será que Ben estava arranjando uma desculpa para não ficar sozinho com ela?

— Vamos lá, Sarah. Não há motivo para ficar tão aborrecida. Esse tipo de compromisso faz parte de nossa profissão.

— Está bem. Vou trocar de roupa. O que acha que devo usar?

— Algo descontraído, mas elegante.

Sarah foi para o quarto. Não tinha trazido muita roupa, mas ia procurar se apresentar o melhor possível. Acabou escolhendo um conjunto de calça comprida e blusa de seda, branco. Escovou bem os cabelos, até que eles se tornassem brilhantes e caíssem em seus ombros como um manto de cobre.

Pegou a bolsa, não esquecendo de colocar o biquini dentro dela. Talvez houvesse uma piscina em casa de Gina e queria estar preparada para qualquer eventualidade.

— Humm!... Está muito bem assim — Ben comentou, quando a viu descendo a escada.

Em pouco tempo, chegaram à casa de Gina. Havia muita gente e Sarah reconheceu algumas pessoas que estavam ao re­dor da piscina.

Todos, invariavelmente, exibiam roupas extravagantes e ca­ríssimas, como convinha a atores que almejavam ver seus no­mes piscando em luminosos de néon.

Sarah já podia imaginar as conversas, os jeitinhos afetados, os olhares dengosos, os abraços entusiasmados porém forçados e tão comuns naquele mundo de fantasia. Gina se encaixava perfeitamente naquele meio, mas ela sentia-se um peixe fora d'água. Na verdade, se alguma coisa a incomodava na carreira de atriz, era justamente toda aquela badalação.

— Ben! Que bom que veio!... que vieram! — Gina chegou junto deles, logo passando o braço no dele. — Venha. Quero apresentá-lo a um banqueiro muito importante. — Num ins­tante, afastou-se, levando Ben consigo.

Sarah ficou morrendo de raiva, mas não daria o braço a tor­cer, deixando transparecer seu desagrado.

— Sarah! — Dale a viu e logo se aproximou.

Não entendia por que Dale ainda a procurava depois do úl­timo encontro que tiveram.

— Ainda está zangada comigo, não é? Mas, queridinha, não pode esquecer o que lhe disse naquele dia? Eu estava tão doente de ciúme que nem sei o que disse. Para ser bem franco, sempre tive inveja de Ben, e depois que ele a conquistou... ainda me senti pior. Vai me perdoar, Sarah?

Como podia perdoá-lo? Até conversar com ele agora lhe fazia mal. No entanto, resolveu agir com diplomacia para tentar se livrar dele o mais rápido possível.

— Tudo bem, Dale. Não se fala mais nisso.

— Mas preciso conversar com você! Venha, vamos procurar um lugar para sentar.

Dale a pegou pela mão e a levou para dentro, atravessando a sala, o hall, até chegar a um cômodo próximo da escada. En­traram e, para surpresa de Sarah, ela se viu num quarto de dormir, cujas janelas se abriam para a área da piscina,

— Queridinha, não pode avaliar como fiquei preocupado com a nossa amizade..Posso beijá-la, para selar nossa paz?

Imediatamente, Dale agarrou-a pelos ombros, a boca tentan­do alcançar a dela, Sarah lutou para mantê-lo afastado, mas Dale era mais forte e a empurrava em direção à cama.

— É impossível, Ben. Você deve estar enganado. Não pode tê-los visto entrando aí. É um quarto!

A voz de Gina se fez ouvir perto da porta e logo em seguida ela entrou com Ben. Sarah levou um susto tão grande que não conseguiu aguentar o empurrão de Dale, que a fez cair sobre a cama. Quando Ben entrou, esta foi a cena que viu: Sarah dei­tada, Dale inclinado sobre ela.

Sarah queria sumir, desaparecer, esquecer que existia. Le­vantou-se, tentando reunir forças para encarar o marido. Para piorar a situação, Dale tirou do bolso a aliança que ela tanto tinha procurado no estúdio.

— É melhor ficar com a aliança, queridinha. — Dale lhe entregou o anel. — Esqueceu-a no meu chuveiro.

Aquilo só podia ser um pesadelo. Dale a olhava com um sor­riso de triunfo e Gina não conseguia esconder a maldade es­tampada em seu rosto carregado de maquilagem. E Ben... Oh! Como ela podia enfrentar a dor daquele olhar? Não ia nem tentar se defender, porque ele não ia ouvi-la!

— Não fique assim, Ben — Dale começou a falar. — Sempre soube o que Sarah e eu sentimos, não foi?

Ben nem olhou para Dale, muito menos lhe respondeu. Tinha os olhos cravados em Sarah.

— Me parece que você tem uma fantástica tendência para fazer cenas em quartos, Sarah. Como diretor, sou um idiota, por não aproveitar esse seu dom natural. Já que não teve nenhum problema para esconder... seu caso de amor, acho que não fará objeções a que eu introduza cenas de amor explícito em nosso filme. — Fez uma pausa e se virou para Dale: — Não foi isso que me recomendou? Além disso, se você, que é o amante, não se incomoda, por que eu me importaria? Vamos ver como se sai nas cenas entre os lençóis, Sarah. Muitas delas foram suficientes para projetar grandes nomes em nosso meio artístico.

— Não! Não quero! — Sarah gritou. — Não pode fazer isso comigo, Ben! Aliás, não tem o direito de mudar o roteiro desse jeito. Precisa permissão do autor e ele vai ter que reescrever tudo. Além disso, os produtores não vão concordar com a demora.

— Os banqueiros que nos apoiam queriam uma cena quente de amor desde o início. Eles vão ficar felicíssimos com a mu­dança.

— Mesmo assim, não vou fazer. Prefiro rescindir o contrato.

— Faça isso e estará queimada no meio cinematográfico. Nunca mais arranjará outro papel.

— Não vai dar certo, Ben — Sarah já não tinha mais argu­mentos, mas continuou a insistir, quase chorando. — Nunca irá conseguir a permissão do autor. O roteiro está perfeito e ele não vai mudar para pior.

A risada estridente de Gina a fez lembrar que ela e Ben não estavam sozinhos ali. Olhou para a atriz, com raiva e desprezo.

— Você é uma tonta, Sarah. Quem pensa que escreveu a história? Ben não lhe contou que ele é o autor? Nossa, você fez tantos elogios a ele! Agora então sabe que Ben tem todo o direito de mudar o que quiser. — Gina riu de novo, divertindo-se com a situação. — Todos, no estúdio, sabiam que Ben tinha escrito a história, menos você, Sarah. E achou mesmo que tinha se reconciliado com ele? Não sabe de nada, não é? Imagino que para você também é novidade o fato de ele ser extremamente rico e participar com cinquenta por cento do investimento para fazer o filme. Como vê, Ben pode fazer o que quiser. E o autor, produtor e diretor. Está completamente nas mãos de seu ma­rido, Sarah.

Sarah estava boquiaberta. Mais uma vez ficara alheia a tudo o que acontecia a seu redor, presa fácil de humilhações.

— É verdade, Ben? — ela perguntou, enquanto duas lágri­mas grossas desciam por seu rosto.

Ben era o homem que ela tanto admirara, quando tinha lido o roteiro! Era ele a pessoa humana que escrevia colocando sua alma nas palavras... E era esse mesmo homem que esbanjava emoções através de seus personagens e reservava apenas des­prezo para ela...

— Venha, Sarah. — Ben a pegou pelo braço.

— Vamos para casa? Espera mesmo que eu ainda vá com você, depois de... tudo isto?

— Você vem comigo, Sarah. E não discuta. — A voz de Ben era fria como o gelo.

— Não vou!

Ele não discutiu. Carregou-a nos braços e, sem ligar para seus protestos, a levou para fora, até colocá-la no assento do carro.

— Não vou arruinar o filme todo por sua causa, Sarah. Você já participou de muitas cenas e não vou começar tudo de novo. Não vou arriscar tudo o que investi só porque uma mulher caprichosa resolve fazer um jogo.

— Então... prometa que não vai mudar nada. Não me obrigue a viver uma cena de amor! Eu... não posso fazer isso, nunca!

— Não consigo entendê-la, Sarah. Por que cria tanto caso para fazer esse tipo de cena?

Se ele fosse seu marido de verdade, um companheiro com quem pudesse compartilhar as suas experiências de vida, então poderia se abrir, desabafar as suas mágoas, confessar suas fra­quezas. Poderia contar a ele que sua resistência em participar de cena eróticas não se devia a um moralismo bobo. Sendo atriz, tinha sensibilidade para reconhecer a diferença entre o artístico e o pornográfico. Mas não tinha condições emocionais para se expor numa cena de sexo, por mais bonita e artística que fosse. Sua experiência com Ben, no primeiro filme em que trabalha­ram juntos, a havia traumatizado. Havia se envolvido afetivamente com ele e se entregara por inteiro, enquanto ele apenas a usara, durante e fora das filmagens. Pelo menos Dale a tinha induzido a acreditar nisso e esse fato a marcara profundamente, a ponto de não suportar a idéia de se expor à mesma situação novamente.

E agora Ben queria machucá-la, sem imaginar a extensão da tortura que lhe impunha.

— Nem precisa me dizer, Sarah. Só o fato de ser obrigada a interpretar a cena já vai me servir de vingança. Pode parecer que estou procurando uma solução dramática, mas, depois do que me fez passar hoje, acho que até as chamas do inferno não são castigo suficiente para você. Portanto, vai fazer uma cena de amor explícito em meu filme. Está entendido?

Sarah baixou a cabeça e fitou as mãos que se apertavam em seu colo. Sua cabeça parecia estourar! Sentia-se confusa, ator­doada, mas de uma coisa tinha certeza: não poderia mais ficar ao lado daquele homem. Precisava fugir, escapar, Carew que se entendesse com ele sobre as consequências da quebra do contrato.

De repente, lembrou que Ben estava com seu passaporte! Céus, como não tinha pensado nisso? Ele não iria entregá-lo a ela, não havia dúvida quanto a isso.

Fechou os olhos e recostou a cabeça no assento do banco. Estava perdida! Sentia-se presa numa armadilha, sem espe­rança de escapar...

 

                                   CAPÍTULO IX

Sarah não conseguiu dormir. Estava preocupada demais, sofrendo muito com tudo o que estava acontecendo. Quando chegou em casa, seu primeiro impulso foi ligar para Carew e pedir que ele providenciasse sua saída do elenco do filme. Não importava o que isso significasse para sua carreira, preferia enfrentar essa situação a ceder à vontade de Ben.

Não queria viver uma cena de amor no cinema! Não podia! Ainda mais com Ben observando-a, dirigindo-a! Tinha visto o ódio estampado no olhar do marido e sabia que ele não teria um mínimo de compaixão por ela.

Podia pedir que as filmagens fossem feitas em cenário fecha­do, mas tinha certeza de que Ben não iria concordar. Ele queria uma vingança total, pública, que a deixasse completamente ar­rasada.

Sarah chegou a se levantar da cama com a intenção de ir falar com Ben. Pensou em lhe implorar para não escrever a cena. Mas... de que adiantaria? Ele estava decidido a fazê-la sofrer e era inútil convencê-lo do contrário. Se fosse conversar com ele, talvez Ben aproveitasse a oportunidade para humilhá-la mais ainda.

Onde, então, estava a saída para a sua situação? Não podia fugir, nem convencer o marido a não mexer no roteiro. Ouvia o barulho incessante da máquina de escrever. Como aquilo a irritava! Ben devia estar usando todo o seu talento de escritor para encontrar a melhor forma de desnudá-la diante do público, desvendando sua intimidade, suas fraquezas, seu coração...

Os dois dias seguintes se arrastaram como uma tortura len­ta. Não viu Ben, que estava sempre trancado no escritório, a máquina enchendo a casa com aquelas batidas insuportáveis. Para Sarah, cada batida significava uma punhalada. O marido, que ela amava, pareda escrever sua sentença de morte!

O estúdio estava fechado para as mudanças necessárias. Paul telefonou convidando-a para sair e se distrair um pouco.

— Deve estar se sentindo sozinha, já que Ben resolveu in­troduzir cenas quentes no filme. Para dizer a verdade, Sarah, fiquei surpreso com essa mudança. Ele pareceu tão furioso, na cena em que a beijei, que cheguei a pensar que ia modificar o enredo para eliminar qualquer romance entre nós. E agora...

Paul ainda falou por mais uns instantes, mas Sarah já não o ouvia. Sentia o coração doer, enquanto um medo irracional se apossava de seu cérebro. Sem dúvida, Ben planejava uma vingança inesquecível!

A muito custo, conseguiu recusar o convite e desligou logo em seguida.

Na manhã seguinte, levantou-se bem cedo e foi para a praia. Somente o exercício físico conseguia acalmá-la um pouco. Andou pela areia durante horas, relembrando o momento de paixão que tinha vivido com Ben naquele mesmo lugar. Tinha sido maravilhoso! Por que ela não podia ter o direito à felicidade? Tudo seria tão fácil, se seu amor fosse correspondido... Amava Ben com todas as forças do coração, mas ele apenas a desejava fisicamente. E agora sua meta era destruí-la!

Sarah olhou para o mar, grandioso e infinito. O barulho das ondas quebrando na areia tinha um efeito hipnótico sobre ela. Por vezes ficava tentada a entrar na água, ir contra as ondas, continuar andando até... até que pudesse encontrar o esqueci­mento, a escuridão, a paz...

Mas uma última ponta de coragem a fazia erguer a cabeça e resistir, embora já não alimentasse qualquer esperança de viver feliz com Ben. Seu casamento nunca havia existido e jamais vingaria.

— Sarah!

Estava tão absorta em seus pensamentos que estremeceu ao ouvir seu nome. Olhou para a praia e não viu ninguém.

— Sarah! — ela tornou a ouvir.

Dessa vez percebeu que a voz vinha da casa, no fim do ca­minho. Olhou para lá e viu Ben encostado no pilar da varanda, as mãos nos bolsos, os cabelos soltos ao vento.

Teve vontade de fugir. Mas para onde? Só lhe restava o mar, com suas águas turbulentas. Olhou para as ondas e depois para o horizonte. Mas sua coragem falou mais alto que o desespero. Deu as costas ao oceano e seguiu pelo caminho, ao encontro do marido.

— Já terminei as modificações no roteiro — ele explicou, quando ela chegou. — Quero que leia. Venha comigo.

Sarah estremeceu. Ele parecia tão calmo exteriormente, no entanto, ela sabia que em seu íntimo havia um vulcão prestes a explodir. Vendo que ela não se movia, Ben a segurou pela mão e a conduziu para dentro. Atravessaram o hall e, ao passar pelo telefone, Ben perguntou:

— Quem ligou para você ontem? Dale?

— Não, foi Paul. Ele ouviu falar que você estava mudando o roteiro e...

— Por quê? Ele faz objeções? — Ben a interrompeu. — Não fique inventando motivos para que eu mude de idéia, Sarah. Na verdade, Paul só vai lucrar com a mudança. Não se esqueça que recebeu os maiores elogios da crítica, depois que fíz aquela cena de amor com você, em Shakespeare. Nesse tipo de trabalho, você é um certificado de garantia para um sucesso de bilheteria.

Sarah percebeu que Ben a insultava de propósito. Mas não lhe daria o prazer de vê-la alterada.

— Está agindo com frieza agora, Sarah. Por quanto tempo vai aguentar?

— Não sei... Compreendo que faz tudo isso para me machu­car, Ben. Só não entendo o porquê.                            

— Ora, não entende? Que tal o exemplo de tê-la encontrado com Dale, em situação um tanto comprometedora? — Ben parou de falar com ironia e lhe indicou uma poltrona em frente à sua mesa, no escritório. — Sente-se.

Pegou uma pilha de papéis datilografados que estavam sobre a mesa e entregou-os a ela.

— Desculpe os erros de datilografia, sou péssimo para bater à máquina. Mas vai entender o que escrevi.

Sarah começou ler o script. A princípio, as letras dançavam à sua frente, pois tinha os olhos úmidos de lágrimas. Com muito esforço, conseguiu se concentrar no que lia.

Não chegou a terminar a primeira página, Estava pálida, os olhos enormes e cheios de dor.

— Não posso fazer isso, Ben. Não posso!

— O que é isso, Sarah? É tão simples! Precisa apenas chegar junto de seu amante e lhe pedir que faça amor com você. Acha que é tão difícil assim? Dale me contou que você é ótima para isso! — Ele a estava insultando mais uma vez, os olhos brilhan­do de raiva. — Vamos leia até o fim.

Sarah prosseguiu na leitura, seu corpo ficando cada vez mais frio e trêmulo. Se estivesse lendo aquilo num romance, teria ficado extasiada com a perfeição com que a cena era narrada, mas... vivê-la... era absolutamente impossível!

— Vamos começar as filmagens amanhã — Ben falou, antes que ela pudesse dar sua opinião. — Mas antes faremos um ensaio na presença de todo o elenco e dos funcionários.

Sarah ergueu os olhos para pedir ao menos um cenário fe­chado. Mas desistiu. Ao contrário, tomou outra decisão, a de encontrar a coragem necessária para viver seu papel com per­feição. Ia mostrar que era uma atriz de verdade, pronta para viver qualquer personagem, por mais ousada que fosse. Ben não perdia por esperar. Devolveria o castigo a seu algoz! Sim, brilharia como uma estrela de primeira grandeza!

— Ficou muito bom — Linda comentou, observando o traje de Sarah.

Sarah se olhou no espelho. Usava uma roupa de escudeiro, porque, segundo a história, Joana entrava no acampamento dos soldados disfarçada para encontrar Alain. Era sua última opor­tunidade de vê-lo, pois Ricardo I já lhe ordenara que casasse com Raymond de Tolouse.

Havia uma enorme agitação nos cenários, o pessoal todo reu­nido ali, a cadeira do diretor num lugar estratégico, de onde podia dominar a cena.

Sarah sabia exatamente o que fazer. Alain não a reconhece­ria e pediria que ela o ajudasse a tirar a roupa para o banho. Essa não seria uma cena difícil, ela pensou, mas quando tivesse que implorar a Alain que fizesse amor com ela, e depois, quando fossem para a cama...

— Sarah? Está pronta? — O ajudante de direção veio chamá-la.

— Já. — Sarah foi para o cenário.

Ben chegou junto dela para lhe dar as últimas instruções:

— Lembre-se que é a última vez que vai estar com seu aman­te. O que vai acontecer agora será sua melhor lembrança para o resto da vida. Você é uma mulher apaixonada e precisa de­monstrar todo seu amor. — Ben se virou para Paul: — Você a ama, Paul, mas conhece os planos que Ricardo tem para ela. É um cavaleiro leal, mas também um homem apaixonado, e deseja a mulher amada. Ao mesmo tempo, está desesperado por per­dê-la pela segunda vez para outro homem. Certo? A situação é de amor e conflito, e isso tem que ficar bem claro nas ações de vocês.

Sarah foi para o lugar indicado. Procurou esquecer de tudo o mais que não fosse o papel de Joana. Ficou do lado de fora da cena, esperando sua deixa para entrar. Era apenas um en­saio, mas queria que saísse perfeito, porque assim se livraria mais depressa de tudo aquilo.

Ao sinal, entrou na tenda de Alain e chegou perto dele. Tudo correu bem, até o instante em que Sarah começou a tirar a roupa. Sentiu uma forte tontura e seus gestos foram perdendo a naturalidade.

Paul logo percebeu que algo estava acontecendo e, antes que ela ficasse nua, carregou-a para a cama, onde estaria um pouco menos exposta.

— Corta! — A voz de Ben quebrou o silêncio. — Não é nada disso! Vamos refazer.

Paul percebeu que Sarah tremia como uma criança em pânico, os olhos vidrados, as unhas se cravando nas palmas das mãos. Ninguém mais podia ver-lhe o rosto, pois ele a escondia com o próprio corpo.

— Ben — Paul se manifestou —, isto é apenas um ensaio. Podemos fazer coisa melhor quando estivermos filmando.

No entanto, Ben deu sinal para que continuassem. Sarah agia como se estivesse em transe e tinha consciência de que nunca atuara tão mal em sua vida. Se estivesse vivendo o papel de uma virgem aterrorizada, prestes a ser violentada pelo seu captor, estaria perfeita, mas... devia ser uma mulher sensual que se entregava com prazer aos carinhos do amante.

Paul interrompeu a cena, depois de Ben tê-los obrigado a repetir tudo muitas vezes.

— Acho que não está funcionando. Estamos todos com os nervos à flor da pele. Sarah está tensa e tenho que confessar que nem sei como demonstrar amor por ela, quando você, o marido, está nos observando atentamente. Sei que isso faz parte da vida de um ator mas desta vez não está dando certo. Por que não fica no meu lugar? De costas, não vão perceber a dife­rença. Os editores poderiam montar com closes do meu rosto, de vez em quando.

Sarah ouvia tudo, chocada, sem conseguir se mexer nem fa­lar. Ben chegou junto deles.

— O que acha, Sarah?

Ela não sabia o que era pior, se representar com Paul, que considerava um bom amigo, ou com Ben. Amava-o profunda­mente, mas ele a desprezava! Não, ela não conseguiria repre­sentar junto do marido!

Mas Ben pensava de outro modo. Esvaziou o estúdio, dei­xando apenas as pessoas realmente necessárias. Sarah ficou quieta num canto, fingindo ler sua parte, tentando se recompor.

— Não será ensaio. Podem filmar! — Ben comandou. Novamente, Sarah esperou sua deixa para entrar em cena.

Ben e Paul eram mais ou menos da mesma altura, só que Ben era mais forte, e Sarah levou mais tempo para tirar-lhe a roupa. Ela procurou não olhar para o corpo e, depois que Ben entrou na tina de água para se banhar, Sarah se ajoelhou por trás dele, como se fosse ajudá-lo a se lavar.

Tentava se convencer de que não era Sarah, mas Joana, em seu último encontro com seu amado. Segundo o roteiro, ela ago­ra devia acariciar as costas do amante. E foi assim que fez, com total paixão. Nesse momento, Ben, encarnando Alain, virou-se e agarrou a roupa do "escudeiro" com as mãos molhadas, para dizer:

— O que é isso, rapaz? Como ousa me acariciar como se fosse uma mulher?

Essa era a deixa para que ela se revelasse. Levantando-se, Sarah começou a tirar a túnica para que o cavaleiro a reconhe­cesse. Não ousava olhar para Ben. Não quis ver a expressão dele, quando soltou os cabelos vermelhos, deixando que eles caíssem sobre seus seios como um manto protetor.

— Joana!

Sem dúvida, Ben era um excelente ator. Tinha demonstrado toda, a surpresa que o personagem deveria sentir ao vê-la!

— Mas... como a rainha da Sicília honra a tenda de um mero cavaleiro? Ou veio para que eu apenas a cumprimentasse por mais um casamento? Desta vez a senhora foi muito afortunada, pois Raymond de Toulouse não é velho nem impotente, como seu primeiro marido. E todos dizem que a senhora pertence a uma família amante da luxúria...

Ben esperou, pois sabia que agora Joana iria declarar seus sentimentos e lhe pedir para que fizessem amor. Sem saber como, Sarah interpretou o papel com perfeição, Viu-se na cama com ele, dominada pelo corpo forte, encarando o olhar magné­tico do marido, que mostrava raiva e desejo. Seu corpo ardia, sob as carícias envolventes.

Por mais que Sarah lutasse para ser Joana e estar nos braços de Alain, ela sabia que era Ben que estava ali, sedutor, des­pertando seu corpo, fazendo-a vibrar... Uma vez já tinha vivido na tela uma cena de amor, perfeita, que lhe garantira fama e prestígio. Agora, tinha certeza de que ia superar a primeira.

Ben beijou-a com ardor, suas mãos deslizando pelo corpo que se arqueava contra o seu.

— Minha senhora, o que sabia até hoje sobre o amor que um homem pode dar a uma mulher?

Sarah respondeu o que o roteiro pedia, sem pensar, sem sa­ber se estava certa, sem nem ouvir o que estava falando. Sentia apenas a vibração de Ben, as coxas dele contra as suas, as mãos passeando pelos pontos sensíveis do seu corpo e... o desejo cres­cendo, quase incontrolavelmente.

Foi então que notou uma mudança no comportamento de Ben. Já não havia mais raiva ou ódio no que ele fazia, mas uma doçura imensa, uma gentileza extrema, enquanto o desejo aparecia claramente em seus olhos, que perderam o brilho frio. Sarah começou a corresponder aos carinhos com a mesma in­tensidade com que os recebia.

De repente, uma coisa passou por sua mente! Então, era isso mesmo que Ben queria! Precisava aplicar-lhe essa última hu­milhação e não ia se dar por vencido enquanto não a tivesse conseguido.

Tinha obrigado os atores a ensaiar, fazendo com que ela re­petisse a cena com Paul várias vezes, para mostrar a todos que, se o substituísse, ela vibraria de verdade! Sim, Ben conhecia seus sentimentos e usava-os para subjugá-la!

Finalmente, a cena acabou. Ben se levantou e foi conversar com Paul. Ela se sentia morta intimamente, em seu coração já não existia mais nada, além de um imenso vazio...

Quando foi trocar de roupa, Linda e suas assistentes comen­taram que tinham ouvido dizer que a cena fora um sucesso. Sarah, completamente transtornada, não conseguiu dizer nada, nem ao menos para disfarçar seu estado de espírito diante das colegas. Linda percebeu que havia algo errado com ela e tratou de mudar de assunto.

Saindo do vestiário, Sarah encontrou Paul à sua espera.

— Ben está esperando as provas ficarem prontas. Vamos tornar um refresco para depois vermos o resultado?

— Não... não quero ver.

— Mas, Sarah...

— Por favor, Paul, não insista. — Ela queria ir embora, dei­tar e dormir... de preferência para sempre!

— Segundo os câmeras, foi um trabalho excelente. — Dale chegou perto dela assim que Paul se afastou. — Mas não é surpresa, não é mesmo, Sarah? Ben sempre soube como conse­guir o melhor de você, nas cenas de amor.

— Se é assim que você pensa...

— Nós dois sabemos que é verdade, Sarah. E não é para menos. Você o ama, não é? Mesmo depois do que ele a obrigou a fazer hoje, você ainda o ama, certo?

— Não sou capaz de amar ninguém, Dale. Nem amar, nem odiar.

— Não adianta tentar se enganar, garota. Você o ama e sempre o amará.

Dale tinha razão. Não importava o que acontecesse, o amor dela por Ben nunca morreria.

Ben tinha dado ordens para que ninguém se afastasse do estúdio antes de se certificar de que a cena não precisaria ser rodada de novo. Sarah não queria falar com ninguém, por isso foi para o bar, onde sentou sozinha a uma mesa. Pediu uma xícara de chá e ficou tomando-o vagarosamente.

Pouco depois Ben foi procurá-la.

— Sarah, já avisei Paul de que vamos repetir a cena. Se está pronta, podemos começar já.

Ela levantou os olhos, cheios de medo e sofrimento.

— Não vou refazer nada, Ben.

— É sua obrigação...

Sarah não quis ouvir mais. Levantou-se e saiu do bar, como se estivesse sendo perseguida por mil demônios. Ainda podia ouvir a voz de Ben, chamando-a, mas nada no mundo a obri­garia a ficar.

Foi para fora e viu o carro de Ben estacionado. Não pensou duas vezes. Abriu a porta e, como as chaves estavam no contato, deu a partida e saiu dali com os pneus guinchando, quase ba­tendo num outro carro estacionado. Tinha que ir embora! Nunca mais queria ver Ben na sua frente!

Agora o marido sabia que ela o amava e isso a deixava completamente vulnerável, totalmente nas mãos dele! Ben domi­nava seu corpo e seu espírito, e a única maneira de escapar de seu poder era fugindo dele o mais depressa que pudesse.

Sarah pisou no acelerador, o carro vencia a distância veloz­mente. Estava decidida. Voltaria para a Inglaterra. Se Ben qui­sesse refazer aquela cena, que procurasse outra atriz. Preferia nunca mais pisar num estúdio de cinema a ter que viver outra cena de amor como aquela!

Pouco depois, estacionava o carro perto de casa. Tinha que achar o passaporte e sair dali rapidamente. Entrou pela porta da frente e nem se deu ao trabalho de falar com Margarita. Foi direto para o escritório de Ben. Provavelmente, ele guardava os papéis importantes ali, e com eles, seu passaporte.

Abriu as gavetas, remexeu em tudo, para depois passar ao arquivo. Vários documentos caíram no chão, mas não procurou juntá-los de novo, estava nervosa demais. Não encontrou nada. Ben teria um cofre? Um lugar secreto onde guardava papéis de valor? Tinha que descobrir! Seu passaporte devia estar ali, em algum lugar. Ela continuava em sua busca, jogando o que não interessava para o lado.

— Sarah...

Seus músculos enrijeceram imediatamente. Ben a seguira! Podia ouvir os passos do marido no hall. Seu coração começou a bater como louco e um suor frio desceu por sua espinha.

— Sarah... onde está?

Com os olhos arregalados de medo, viu o trinco da porta rodar. O que podia fazer? Olhou em volta e percebeu que havia uma porta de vidro que dava para o jardim. Forçou-a e, com alívio, percebeu que ela cedia. Mas, nesse exato momento, Ben entrou no escritório. Por um segundo, nenhum dos dois se mo­veu. Depois Ben deu um passo em sua direção.

Foi o suficiente para que ela saísse para fora, correndo, sem ver onde pisava nem para onde ia. Queria apenas impor dis­tância entre ela e o marido.

— Sarah... espere um pouco!

— Não! Não! — ela gritou, desesperada. Não podia deixar que ele a alcançasse!

— Sarah! Cuidado! A piscina...

Ela ainda ouviu o grito de aviso, mas era tarde demais. Seus pés não encontraram o apoio do chão, ela pareceu flutuar no vácuo, num buraco sem fundo, até que suas costas bateram com força contra a água, que a envolveu, fazendo-a penetrar num escuro total...

 

                                           CAPÍTULO X

Querida, não me ouviu chamar? Eles estavam ao lado da piscina, Sa­rah tremendo por causa da roupa molhada e do susto da queda inesperada. Lembrava de ter ouvido a voz de Ben e também o ruído do corpo dele se atirando na água. Depois, tudo parecera um sonho, ou melhor, um pesadelo.

Havia sentido o corpo flutuar, seus braços se debatendo desesperadamente em busca de apoio, enquanto a água parecia invadi-la por inteiro. Depois, Ben a tinha trazido para a beira da piscina para lhe massagear as costas, fazendo-a expelir todo o líquido que engolira.

Agora estava nos braços de Ben, que procurava esquentar seu corpo gelado.

— Não adianta! Não vou fazer aquela cena de novo! — ela gritou, descontrolada, como se estivesse delirando.

— Quietinha, Sarah. Procure não pensar em nada.

— Não vou fazer, não vou! — ela continuou gritando e ba­tendo as mãos fechadas contra o peito do marido.

Por que não a havia deixado se afogar? Seus problemas es­tariam resolvidos e Ben nunca descobriria o quanto ela o ama­va. Não queria mais aquela situação, muito menos representar cenas de sexo, quando, mesmo sem querer, demonstrava todo o amor que sentia.

— Não quero... não...

— Minha querida, fique quietinha. Sofreu um choque muito grande e quero que se acalme. Vamos primeiro cuidar de dei­xá-la quente e confortável.

Ben a pegou no colo e foi em direção à casa, murmurando palavras doces de conforto e carinho. Sarah encostou a cabeça no ombro dele, fechou os olhos e se deixou levar.

— Agora você vai tomar um banho quente para se sentir melhor. Depois vamos conversar.

Ben abriu o chuveiro e lhe tirou as roupas molhadas. Ela se encolheu, tensa.

— Não fique nervosa. Quero apenas ajudá-la a se recuperar. Não vou tocá-la.

Sarah deixou que a água escorresse por seu corpo, esquen­tando-a. Aos poucos, a tensão de seus músculos foi cedendo e as idéias começaram a aparecer novamente claras em sua men­te. Foi então que tomou uma decisão: não ia mais filmar. Nunca mais! Gostava da profissão, já tinha conquistado prestígio, mas ia desistir. Precisava pensar em si também como pessoa e, nesse caso, tinha de enterrar toda e qualquer coisa que a fizesse lem­brar de Ben. Isso incluía, infelizmente, sua carreira de atriz.

Ben tinha dito que conversariam mais tarde. Ótimo! Apro­veitaria para informá-lo de que não representaria mais. Ele não poderia mais ameaçá-la com quebras de contrato ou com o aviso de que ela nunca mais encontraria trabalho em outros estúdios. Ela não queria mais trabalhar em cinema!

Pouco depois, Ben abriu a porta do boxe, fechou a torneira e a envolveu numa toalha grande e macia. Carregando-a nos braços, levou-a para seu quarto. Ele também havia tirado a roupa molhada e vestia um robe.

— Sente na cama, Sarah. Vou lhe enxugar os cabelos. Com outra toalha, ele secou os cabelos longos, para depois escová-los com carinho.

— Resolvi tirar do filme sua cena de amor — ele falou em voz baixa.

— Você está falando sério?

— Claro. Fica contente assim? Nunca pensei que estivesse lhe causando tanto sofrimento! Senão jamais a teria forçado. Sarah... acha mesmo possível que eu estivesse deliberadamente fazendo-a sofrer?

— E não era isso que pretendia?

— Não sei. Tinha os pensamentos confusos, sentia ciúme por vê-la sempre às voltas com. Dale, em situações que eu não con­seguia entender... mas que agora entendo.

— Dale nunca foi meu amante. Nunca!

— Mesmo depois de nosso casamento?

— Nunca! Só existiu um homem em minha vida, aquele que me conquistou de uma tal maneira que entreguei a ele meu corpo, minha alma, meus sentimentos, para sempre!

— Então... ainda me ama? Apesar de tudo?

— Pensando no que você me fez passar, eu gostaria de gritar: não! Só que a gente não manda no coração, Ben.

— Sarah... eu te amo, te amo muito.

Trocaram um beijo longo, cheio de ternura, como se quises­sem compensar o tempo perdido, os desencontros e incertezas.

— Querida... descobri que Dale inventou uma história sobre uma aposta que eu teria feito com ele. Se me conhecesse bem, Sarah, saberia que eu jamais faria esse tipo de coisa.

— Como? Mal posso acreditar! — ela disse, surpresa, mas logo uniu os fatos e viu tudo com clareza. — Sim, agora entendo, ele fez um jogo para nos atirar um contra o outro. Mas... por quê, meu Deus?

— Desde o início, ele percebeu que havia algo muito forte entre nós e talvez tivesse alguma pretensão com você. Mas o que realmente fez com que ele nos odiasse e quisesse se vingar foi termos recebido tantos elogios dos críticos. Ele pretendia ficar com todos os méritos do filme, e como não conseguiu...

— Dale é um bom ator, Ben, e acabou nos envolvendo como dois tolos. Deus, quanto tempo perdido!

Ben a abraçou, beijando-a, primeiro no rosto, depois nos olhos fechados e na boca que se entreabriu para recebê-lo.

— Eu te amo — Sarah murmurou. — Te amo, apesar de você ser o diretor mais terrível que já conheci.

— E eu amo a garota mais linda deste mundo. Agora tem uma coisa: se você não concordar com o que vou dizer agora, voltamos à estaca zero.

Ela fitou o marido, preocupada.

— Concordar com o quê, Ben?

— Se não concordar com uma lua-de-mel de no mínimo seis meses, está tudo acabado. — Apertou-a entre os braços e acres­centou, rindo: — E então, aceita?

— Não, só aceito se durar a vida toda!

— Ainda tenho que ir várias vezes ao estúdio para terminar o que falta do filme, Sarah. Não posso largá-lo como está. Mas, assim que resolver tudo, tchau! O público vai ter que se esque­cer de nós por um bom tempo!

— De pleno acordo! E eu? Ainda acha que preciso fazer al­guma coisa, ou minha parte acabou?

— Você está liberada. Aliás, não aguentaria mais ver você nos braços de Alain. Não sei se percebeu, mas morro de ciúme da Joana.

Os dois riram com vontade.

— De qualquer forma, se precisar refazer alguma cena...

— Não, Sarah. Acho que não será preciso.

A curiosidade era grande e ela acabou perguntando:

— Ben... chegou a ver a cena que fizemos juntos... aquela última?

_ Vi.

— Muita gente a viu?

— Não, Sarah. Rodei a cena numa tela em meu escritório, no estúdio. Não quis que ninguém mais a visse.

— Então... por que me obrigou a fazê-la?

— Estava louco de ciúme, perdi o controle. Queria machu­cá-la de alguma maneira e... eu mesmo sai ferido.

— O que vai fazer com ela?

— O que você quiser, Sarah. Se preferir, eu a queimo, sei agora o quanto aquilo a fez sofrer. Mas...

— Mas... o quê?

— Na verdade, foi quando assisti ao que tínhamos filmado que descobri tudo, Sarah, sobre o seu... o nosso amor! Por isso não tenho vontade de jogar fora a fita. Ela foi muito importante para mim.

— Como foi que descobriu?

— Ficou claro que você me amava, que não estava ali vivendo um papel apenas, como uma boa atriz. Percebi que a emoção que havia em seus olhos era verdadeira, como tinha sido quando fizemos Shakespeare.

— Ben... então guarde a cena para um dia assistirmos juntos. Não agora, mais tarde, quando já nem mais lembrarmos que passamos tanto tempo separados.

— É o que vou fazer, querida.

— Ben... estou tão feliz!

Com muito carinho, ele a pôs na cama, para depois deitar a seu lado, puxando-a para perto de si. Trocaram carinhos, divi­diram seus desejos, entregaram-se sem reservas ao amor.

Lá fora, a Lua brilhava alto no céu, iluminando o jardim. Uma brisa leve agitava as folhas das árvores, enquanto as on­das quebravam na praia, beijando a areia.

Tudo estava em paz! 

 

                                                                  Penny Jordan

 

 

              Voltar à “Página do Autor"

 

 

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades