UM CASAMENTO FORA PREDESTINADO...
No entanto, não era bem isso que Johnathan DeLanyea almejava. A profetisa do vilarejo havia previsto seu casamento, mas não com a bela e fria normanda, e sim com a temperamental e atraente Samantha, que provocava e zombava de Johnathan desde a infância, e agora lhe oferecia a mais inconveniente e explícita paixão!
Embora fosse livre e sincera, Samantha de Craig Fawr tinha um segredo. Sir Johnathan DeLanyea havia conquistado seu coração para sempre. Porém, ele era filho de um poderoso barão, e ela, uma mera fabricante de cerveja. Qualquer romance entre eles seria passageiro. Mas como Samantha poderia ignorar o homem que estava destinado a ela?
Ansioso por alguns momentos de silêncio, sir Johnathan DeLanyea retirou-se da barulhenta comemoração que se passava no saguão do castelo de seu pai. Ao chegar no platô da fortaleza, inspirou o ar fresco.
A colheita e a safra de lã foram boas naquele ano, e todos os moradores dos arredores do condado de Craig Fawr, satisfeitos ante o resultado de tanto trabalho, festejavam com muito vinho, dança e brincadeiras. Naquela altura da noite, o ambiente estava poluído de fumaça, misturada ao odor de corpos suados, perfumes caros e especiarias. Nada os detinha, o que importava era a celebração justa e merecida que representava prosperidade para os habitantes do feudo.
Johnathan respirou fundo e soltou o ar bem devagar, enquanto encostava o corpanzil no espesso merlão. Seu pai levara anos para construir aquelas muralhas após voltar das cruzadas. Agora o castelo era tão protegido e confortável que se tornara motivo de orgulho a qualquer lorde que o possuísse, mas também era um imponente tributo à perso¬nalidade determinada e arguta do barão DeLanyea.
Ao vasculhar as dependências internas do castelo, Joh¬nathan divisou o local onde, três anos atrás, havia atingido o centro do alvo com sua lança, uma façanha que nem Griffydd, seu irmão mais velho, considerado um campeão, fora capaz de executar.
Tinha sido um dia de glória ... até o momento em que aquela impertinente rapariga, Samantha, surgira com a velocidade de um furacão em sua carroça carregada de cerveja e arruinara a alegria de Johnathan. Ela comentara que o alvo, a cada ano, parecia aumentar e que, em pouco tempo, não seria difícil nem para uma criança acertar a mira.
Embora ele fosse filho do barão DeLanyea, Samantha jamais o respeitara. Na verdade, não gostava dele. Sempre o provocara e debochara de suas habilidades desde a me¬ninice. Johnathan não duvidada de que tudo seria diferente caso fosse o mais velho, como Griffydd, ou um barão por direito, tal qual seu primo e irmão adotivo, Dylan.
Mas não era. Para todos que viviam e freqüentavam Craig Fawr, Johnathan era apenas um garoto, a denominação que Dylan insistia em usar, mesmo depois de ter recebido o título de cavaleiro.
Um dia, com certeza, isso iria mudar, jurou para si mesmo, determinado. Ele, sir Johnathan DeLanyea, pretendia se tor¬nar o mais famoso, rico e respeitado DeLanyea. Seria muito mais importante que seu pai, o barão que havia perdido um olho lutando ao lado do rei Richard para libertar os escravos, durante as últimas cruzadas na Terra Sagrada de Jerusalém.
Um sorriso sutil surgiu em seus lábios. Havia um meio muito prazeroso de iniciar a árdua jornada a caminho da fama e do sucesso: casar-se-ia com uma mulher pertencente à nobreza, a mais linda e desejável normanda que já co¬nhecera, lady Rosamunde D'Heureux, que visitava o castelo na companhia do pai.
Apesar de sir Edward D'Heureux não ser detentor de .um grande título, sua família tinha mais poder e influência na corte que muitas outras, incluindo a de Johnathan. O homem que se aliasse a lorde Edward obteria honrosas opor¬tunidades de avanço e êxito.
Na realidade, o homem que ganhasse a mão de lady Rosamunde poderia ser notado pelo rei em pessoa. E um ho¬mem, tão considerado pelo rei, iria longe, teria um futuro brilhante e glorioso, muito mais que um irmão mais velho casado com uma mulher do norte, ou um primo estabelecido em seu castelo galês.
A possibilidade de um casamento nesses termos não pa¬recia tão impossível. Johnathan notara que lady Rosamunde sorrira, tímida, e dançara com ele de forma recatada, antes de recolher-se aos aposentos.
Ele também devia recolher-se, pensou, bocejando. Estava ansioso pela manhã seguinte, quando escoltaria lady Rosa¬munde à capela para assistirem à missa.
Virou-se e caminhou em direção à escada que dava acesso ao pátio interno do castelo. Passou pelo soldado próximo à torre de vigia e mal notou a reverência do guarda. Continuou a descer os degraus e caminhou em direção a uma área isolada e sombria sob o platô. Era a região mais escura da fortaleza, um longo corredor desprovido de janelas que pu¬dessem permitir a iluminação através dos raios prateados do luar. Tampouco havia tochas para clarear o local.
De repente, duas mãos surgiram da penumbra e agar¬raram sua túnica de lã, puxando-o para as sombras entre as colunas. Antes que Johnathan pudesse reagir, a pessoa que o atacava pressionou o corpo voluptuoso contra ele e beijou-o apaixonadamente.
Foi um beijo que qualquer homem desejaria receber de uma mulher. Tão perfeito e firme que os lábios moviam-se com fervor e desejo, roubando o fôlego de Johnathan. O sabor era de mel e temperos, como mulso, e mechas de cabelos sedosos roçavam-lhe as faces tal qual uma carícia.
Um homem podia embebedar-se com um beijo daquele. Conforme o ardor aumentava, Johnathan estreitou o abraço, fundindo-se ao corpo feminino. Quem seria ela?
Lady Rosamunde? Era tímida e delicada demais para tanta paixão, e, nesse caso, os lábios rosados teriam gosto de vinho.
Uma das criadas do castelo? Sim, talvez, se houvesse alguma tão atrevida.
Importava?
O forte odor de mulso parecia misturar-se na atmosfera tornando-se parte dela e de Johnathan enquanto se entregava ao inenarrável prazer daquele momento súbito de paixão.
Então, tal qual começou, a mulher interrompeu o beijo e empurrou Johnathan.
- Você não é Ivor! - ela gritou, enfurecida.
A voz pareceu a Johnathan muito familiar, e ele resmun¬gou impropérios. Devia ter adivinhado logo de início quem poderia possuir o sabor e o aroma de mulso.
- Pelos poderes de Deus, Samantha! - ele exclamou, também furioso e agarrou-a pelos ombros. - O que está fazendo aqui escondida sob as sombras?
Johnathan não conseguia enxergar a jovem mulher que produzia cerveja e mulso para o próprio sustento, mas sabia que ela comparecera à festividade. Como não notá-la com aquele vestido de seda escarlate, bordado de verde e dou¬rado, tão fino quanto o traje de uma dama nobre?
Além disso, a roupa estava bem justa, sem dúvida fora desenhada para modelar as curvas sinuosas e atrair a aten¬ção dos homens. Nos cabelos, Samantha usava uma fita também escarlate, que havia esvoaçado como o manto de um cavaleiro enquanto ela dançara.
Sim, Samantha parecia estar em todos os lugares durante a comemoração. Ria, dançava, sorria e jogava os fartos ca¬belos castanhos, contagiada pelo espírito da festividade. E pior, flertara com todos os homens ... exceto Johnathan por¬que, claro, não era nada tola.
- Por mera dedução você devia saber que estou espe¬rando Ivor - ela retrucou, em um tom debochado e sem um pingo de pudor, como sempre fazia.
- O capitão da guarda? - Johnathan perguntou. O ofi¬cial moreno e musculoso havia sido promovido recentemente pelo barão DeLanyea.
- Não é de sua conta - Samantha replicou e, com des¬dém, fez menção de se retirar.
Quando escutou passos se aproximando, Johnathan pu¬xou-a de volta às sombras entre as colunas e a bloqueou com o próprio corpo.
- O que você ... - Samantha tentou protestar.
- Fique quieta! Não quero que ninguém nos veja juntos - ele murmurou, irritado.
O som maquiavélico da risada de Samantha foi tão baixo que somente Johnathan pôde escutar.
- Oh, não podemos permitir isso, certo? Senão, Angharad vai pensar que sua premonição está prestes a se realizar.
O guarda fez a ronda e retornou a seu posto, mas Joh¬nathan mal reparou no movimento do soldado. Só prestou atenção à referência a Angharad que, clamada por possuir a "visão", havia profetizado que um dia ele e aquela cam¬ponesa impertinente iriam se casar.
Não obstante, Johnathan tentava desesperadamente ig¬norar a maravilhosa sensação de ter seu corpo colado ao de Samantha e a lembrança daquele beijo ardente.
- Nós dois sabemos que Angharad está errada - ele murmurou. - Nunca me casaria com você.
- Qual é o problema, sir Johnathan? - Samantha in¬dagou, em tom zombeteiro. - Parece-me ofegante demais.
- Não há problema algum comigo. - Para provar a afirmação, ele se aproximou ainda mais. - Onde está Ar¬thur? - perguntou, referindo-se ao filho ilegítimo que Sa¬mantha dera à luz dez anos atrás e cujo pai era o próprio primo de Johnathan. - Ele não pode estar com o pai, porque Dylan não compareceu à festa de hoje.
- Não, tampouco a esposa de Dylan. Que tristeza para você.
Naquele instante, Johnathan enrijeceu os músculos.
- O que eu sentia por Genevieve acabou. Pode dizer o mesmo em relação a Dylan?
Samantha riu, demonstrando o bom humor genuíno. Era a reação que ela apresentava quando Johnathan tentava falar de assuntos sérios. Para a ousada fabricante de cer¬veja, ele jamais falaria sobre algo interessante, quanto mais importante.
- Está com ciúme?
- Nem de você, nem dele.
- Bem, considerando que Dylan e eu rompemos o romance desde o dia em que Arthur nasceu, creio que deva confiar em sua sabedoria.
- Eu disse que não estou com ciúme nem de você, nem dele - Johnathan resmungou.
- Muito bem, acredito em você - ela cedeu, ainda zom¬beteira. - E, já que foi gentil o bastante para perguntar, meu filho está com Trefor e Angharad hoje - explicou, mencionando o outro filho ilegítimo de Dylan e sua mãe.
- Pelo menos, Angharad sabe se comportar.
- Angharad não aceitará outro amante porque é arro¬gante demais. Depois de dar à luz o filho de um barão, recusa-se a amar um homem que não pertença à nobreza.
- Ela lhe disse isso?
- Você conhece Angharad. Duvida de minha afirmação?
- Talvez ela esteja arrependida de ter gerado um filho de Dylan.
Samantha riu novamente.
- Não seja tolo. Ela não está arrependida, e eu também não. Ficou moralista? Ou seria a influência normanda a mais preponderante em seu caráter, sir Johnathan? Sabe que os ga¬leses não ligam para preceitos morais. Somos muito sensíveis.
- Não é a palavra que eu usaria.
- Que termo prefere? Não, espere, deixe-me adivinhar ... - ela pediu, após tocar os lábios de Johnathan com os delicados dedos. - Pecaminosos. - Devagar, Samantha acariciou os traços. másculos do rosto. - Lascivos. Luxuriosos.
A despeito da prevenção contra os poderes de atração da sensual galesa, o clima sedutor começou a incitá-lo. Joh¬nathan segurou a mão de Samantha.
- Não se envergonha de ter parido uma criança sem se casar?
- Que horror! Agora sei que você anda convivendo de¬mais com os normandos. Não, claro que não me envergonho.
- E não lhe incomoda o fato de Dylan ter se casado com outra mulher?
- Por que me incomodaria? Nunca mencionamos casamento. Além do mais, quando ele conheceu Genevieve já não éramos amantes havia muito tempo.
- Nunca vou entendê-la. Jamais.
- Talvez você não queira.
- Não me importo com o que faz ou com quem faz, Samantha - Johnathan rebateu, ciente do desejo de provar o doce sabor daqueles lábios mais uma vez e acariciar o corpo curvilíneo.
- Alegro-me em saber.
- Fique aqui e espere seu amante.
- Acho melhor procurá-lo porque está atrasado. Deixe-me passar.
- Não a estou impedindo.
- Está em meu caminho.
As batidas frenéticas do coração pareciam sacudir o corpo de Johnathan.
- Estou?
- Sim.
Ele não se moveu. Pelo contrário, sucumbiu à tentação contra a qual não mais conseguia lutar e tomou-a nos braços. Em seguida, beijou-a com uma paixão desenfreada. Os lábios suaves fundiram-se aos dele.
A princípio, Samantha pareceu entregar-se. Instantes de¬pois, ela o empurrou.
- Nem sequer gosto de você! - protestou. Embora fosse sincera em suas palavras, Samantha, sempre fogosa, não podia negar que o beijo de Johnathan DeLanyea provoca¬va-lhe um desejo incontrolável.
Não, não gostava de Johnathan, o possuidor daqueles frios olhos cinzentos que sempre apontavam defeitos em Samantha, como se a condenassem por aproveitar o que a vida tinha a oferecer, inclusive os homens. Ele era bonito, tal qual, todos os DeLanyea. Os ondulados cabelos negros e os lábios sensuais representavam a herança masculina daquela família.
Como o irmão e o primo, Johnathan vestia-se bem. A túnica preta e a calça realçavam os músculos que somente horas de treinamento e cavalgadas podiam produzir.
No entanto, havia outros homens tão bonitos e charmosos quanto ele, e dezenas com mais senso de humor. Na verdade, se Johnathan possuía os melhores traços de Dylan, também trazia consigo o olhar sombrio do irmão mais velho, o severo e ameaçador Griffydd DeLanyea, que vestia a própria honra como uma armadura.
- Também não gosto de você - ele replicou.
- Então saia de minha frente.
Johnathan recuou e inclinou o corpo em um gesto educado para lhe dar passagem. Ela deu um passo.
Não, ele não era Ivor. Tampouco Dylan, ou Ianto, ou a dúzia de homens com os quais ela fizera amor em sua vida.
Mas os beijos eram os melhores, e Samantha queria mais. Impetuosa, ela o puxou e beijou-o outra vez, adorando o gesto surpreendente e a paixão que incitava o corpo másculo. Mostraria a Johnathan por que tantos homens gostavam dela.
Sôfrego, ele se desvencilhou.
- Devia se comportar como uma mulher decente e ir para casa dormir.
Em uma atitude insolente e desafiadora, Samantha aca¬riciou-lhe o tórax, sentindo a rigidez dos músculos e as ba¬tidas descompassadas do coração sob a túnica.
- Posso fazer o que bem entender. Sou uma mulher adulta.
Em seguida, ela puxou o laço que prendia a macia túnica de lã e, após abrir o traje, deslizou as mãos sob a camisa para tocar a pele morena.
- E precisa demonstrar? - Johnathan sussurrou com a voz rouca. Incapaz de resistir, afagou um dos seios através da seda do vestido e da fina combinação.
Encorajada, Samantha levou as mãos à cintura de Johna¬than e ergueu a barra da túnica. Dando liberdade ao instinto, quis explorar outras parte daquele corpo de formas perfeitas.
A respiração de ambos tornou-se ofegante. Johnathan co¬briu os lábios rubros com os dele. Samantha retribuiu com satisfação e os entreabriu, permitindo que o toque fosse profundo e ardente.
Em um gesto brusco, ele a prensou contra a parede de pedra. Samantha então se deu conta de que, enquanto a bei¬java ardorosamente, Johnathan desatara o laço do vestido.
Não, o filho do barão não era como os outros homens. Ela devia ter concluído que jamais seria.
Por que não lhe descobrir todas as facetas?
Quando o laço do vestido se soltou, ela continuava a aca¬riciar o peito musculoso. Impaciente e afoito, Johnathan abaixou o corpete, Samantha inclinou-se para trás a fim de convidá-lo a carícias mais íntimas.
No instante em que ele sugou um dos mamilos, Samantha quase gritou, deleitando-se com as sensações de prazer provocadas pelos lábios experientes. Somente a vaga noção de que o guarda poderia estar nas proximidades a fez se calar.
Insinuante e desesperada por muito mais, uniu seus quadris flamejantes aos dele, dando-lhe permissão. Pedindo. Desejando. Implorando, insaciável.
Então, por baixo da túnica, ela conseguiu desprender o cordão que amarrava a camisa. Johnathan, ainda mais ofe¬gante, posicionou-a na parede, levantou-lhe a saia e aflito ergueu Samantha pelas nádegas nuas.
- Oh, sim ... - ela murmurou e segurou-se nos ombros largos para abraçá-lo com as pernas.
Embebido de prazer, Johnathan a penetrou em uma urgência crescente. Samantha mordia o lábio para reprimir gritos de êxtase e recebeu, arrebatada, o poderoso calor da masculinidade. A tensão crescia em deliciosa antecipação, parecendo estender-se tal qual a corda de um alaúde sendo afinada.
Johnathan era como um menestrel que sabia exatamente de que maneira tocar os acordes do corpo feminino, um instrumento com o qual estava intimamente familiarizado. Por fim, a tensão começou a se dissipar e lentamente readquiriram o equilíbrio.
Ainda dominado pela respiração ofegante, Johnathan não emitiu nenhum ruído. Quando, enfim, relaxou, jogou-se so¬bre Samantha, exausto.
Também exaurida, ela pousou o rosto sobre um dos om¬bros dele. Sentia-se completa e satisfeita. De olhos fechados, esperou que a respiração voltasse ao ritmo habitual.
Aos poucos, tudo se normalizava.
Tinha acabado de fazer amor com Johnathan, um homem que nem sequer gostava dela. O pesado remorso substituiu a paixão que os envolvera.
Johnathan nunca gostara dela desde a infância quando fora pela primeira vez à cervejaria do pai de Samantha, acompanhando o barão DeLanyea. Ainda menino, ele a fitara quieto e com olhos inquisitivos como se houvesse algo de errado com ela. Em represália, Samantha o havia pro¬vocado e debochado dele até obter uma resposta, mesmo que tais palavras a magoassem.
Agastada, afastou-se do corpo de Johnathan e ajeitou o vestido a fim de cobrir a nudez e a evidência da rápida união.
Quase no mesmo instante, Johnathan virou-se de costas, amarrou a camisa e aprumou a túnica de lã.
- Desculpe - murmurou. - Eu não queria fazer isso.
- Queria, sim - Samantha o corrigiu. Tentou arrumar o corpete, apesar do orgulho ferido pela atitude covarde de Johnathan. - Se não o desejasse, não o teria feito. Portanto, não se atreva a negar.
Johnathan encarou-a e, quando se manifestou, o tom de voz soou resoluto.
- Arrependo-me disso. E acho melhor nós dois esque¬cermos esse episódio que acaba de acontecer.
Apesar de a declaração não surpreendê-la, Samantha sen¬tiu-se magoada, e lágrimas súbitas ofuscaram-lhe a visão. Entretanto, preferia morrer mil vezes a mostrar quanto ele a ofendera.
- O quê? - perguntou, irônica. - O que acabou de acontecer? Absolutamente nada!
- Ainda bem que concorda.
- Oh, concordo, sim. Com Dylan foi interessante, com você foi nulo! - exclamou, irada.
Antes que ele pudesse agravar a situação emitindo pa¬lavras ferinas, Samantha retirou-se, a passos largos, e de¬sapareceu na escada.
Johnathan permaneceu entre as sombras e suspirou, re¬signado. Passou a mão nos cabelos em desalinho. Deus, o que havia acontecido a ele? Como pudera ser tão lascivo e estúpido?
E, entre todas as mulheres, por que se envolvera com Samantha?
Samantha que sempre parecia estar rindo dele, como se suas atitudes estimulassem o humor afiado da mulher que aparentemente dormia com qualquer homem. Uma mulher que dera à luz um filho de seu próprio primo sem se preo¬cupar com o casamento!
Deus era testemunha. Precisava, e bem depressa, casar¬-se com a doce e inocente lady Rosamunde que, com certeza, ficaria horrorizada, se soubesse do comportamento lascivo e condenável de Johnathan.
Devia ter se controlado, mas que homem conseguiria re¬sistir ao escandaloso beijo de Samantha? Que outro mortal poderia ignorar uma mulher voluptuosa e passional que se valia do desejo explícito para obter conquistas?
Nenhum homem, nem mesmo o taciturno Griffydd.
Ao menos Johnathan sentia remorso pelo ato devasso, ao contrário de Samantha. Se qualquer outra mulher esti¬vesse envolvida, para reparar o erro cometido, teria fugido no momento em que descobrira que o beijara por engano.
Samantha jamais faria isso. E, por sua vez, Johnathan havia sucumbido à tentação, não soubera se manter indi¬ferente ao que ela lhe oferecera.
Sim, fora Samantha que o obrigara a beijá-la de novo.
Afinal era o tipo de mulher que esperaria um homem em um lugar secreto como aquele, por uma razão tão libertina quanto ela própria. Caso contrário, Johnathan nunca teria se entregado. A culpa era de Samantha.
No entanto, a situação criaria certas dificuldades se lady Rosamunde ouvisse rumores. Johnathan tinha de garantir que o encontro furtivo permanecesse em segredo. A julgar pela raiva de Samantha, suspeitava de que devia estar tão ansiosa quanto ele para esquecer aquela tragédia fugaz.
Na manhã seguinte, Johnathan iria ter com ela. Mas não podia ter pressa. Se deixasse o castelo ao alvorecer, sua saída repentina causaria comentários desagradáveis, e ele, por conseqüência, precisaria dar explicações.
Seria então obrigado a mentir.
Os passos de Samantha aumentavam de velocidade con¬forme atravessava o pátio interno do castelo. Queria apenas chegar em casa, onde se encontraria bem distante de Joh¬nathan e dos demais membros da família DeLanyea.
Não queria ter se entregado ao ato amoroso com aquele homem desprezível!
E ele fora imprudente ao tentar fazê-la sentir vergonha por um impulso tão natural. Samantha tinha orgulho de ser a mãe de Arthur, o filho de Dylan. O menino possuía forte personalidade e herdara do pai o sangue de guerreiro. Quanto a Johnathan ... Ora, todos sabiam que fora apaixo¬nado pela esposa de Dylan, Genevieve.
Um sorriso sardônico surgiu em seus lábios. Ante uma reação tão passional, Johnathan certamente já havia se cu¬rado daquela paixão fogosa pela cunhada.
- Samantha!
A silhueta de um homem apareceu próxima ao portão.
Ele caminhava em direção a Samantha, armado e usando o colete de metal que caracterizava a posição de destaque ocupada pelos garbosos soldados do castelo. Os volumosos cabelos negros roçavam os ombros largos quando o homem parou diante dela, tal qual uma enorme torre.
Ivor.
- Onde esteve? - Samantha perguntou friamente, fi¬tando o rosto angular iluminado pela luz da lua.
- Eu passava a senha de entrada para o vigia da noite - Ivor disse em tom de desculpa e tomou-lhe as mãos. - Você está adorável neste vestido, Samantha.
Ela recuou.
- Pensou que eu fosse esperar para sempre?
- Samantha, querida - Ivor murmurou, valendo-se da voz profunda e rouca que mais a atraía nele. - Eu cumpria meu dever e nada além disso. Somente minhas obrigações me mantêm longe de você e, claro, os períodos ... Já terminou, certo?•
- Sim. Já.
- Ora, você não está zangada só porque me atrasei? Outras mulheres estariam, mas não minha adorada Samantha. E boa demais para se aborrecer com detalhes pequenos.
Samantha suspirou. Havia cometido um erro crasso e não podia culpar os outros.
- Não, não estou zangada com você - confessou.
- Fico feliz em saber - Ivor sussurrou, sedutor, e tomou-lhe as mãos novamente. Então começou a caminhar com ela em direção ao depósito. - Meu alojamento está repleto de soldados que ainda celebram a boa colheita.
- Estou cansada, Ivor. - Samantha afastou-se dele. ¬Vou para casa me recolher.
- Posso ir com você. Meus deveres terminaram por hoje. Seu filho está com Angharad, não?
- Disse que estou cansada, Ivor. Boa noite.
Deixando o ávido amante boquiaberto e solitário sob o luar, Samantha prosseguiu seu caminho.
Na manhã seguinte, o barão Emryss DeLanyea soltou um prodigioso suspiro antes de subir na plataforma, posi¬cionada no grande saguão do castelo de Craig Fawr, e jun¬tar-se ao filho caçula durante o desjejum. As outras mesas haviam sido preparadas com o intuito de alimentar os servos e os convidados. Várias criadas corriam, apressadas, a fim de servir a primeira refeição do dia.
- Deus me abençoe! - o barão exclamou, tão logo se jogou na pesada cadeira de madeira maciça. - O vento deve estar soprando do leste porque minha perna amanhe¬ceu dolorida.
Ele se voltou a Johnathan e, curioso, encarou o rosto do filho.
- Não dormiu bem, meu rapaz? Foi o excesso de vinho ou uma mulher?
- Pai! - Johnathan repreendeu-o e olhou os convidados ao redor.
Felizmente, a devota lady Rosamunde não havia retor¬nado da capela, onde Johnathan a vira naquela manhã. Ela assemelhava-se a um anjo no vestido azu1-claro e com os abundantes cabelos loiros cobertos, em pane. pelo véu bran¬co. Ele teria esperado a missa terminar para acompanhá-la de volta ao castelo, caso não temesse parecer ansioso como um filhote inseguro. Por mais que a desejasse, queria man¬ter certa dignidade nas atitudes.
Não obstante, achou melhor conversar e esclarecer a si¬tuação com Samantha antes de dirigir-se a lady Rosamunde.
- Muito bem - o barão DeLanyea replicou. - Não me conte. Contudo eu gostaria que fosse uma mulher e não o excesso de vinho. Não tenho paciência com indisposições por causa de bebida.
- É, eu sei - Johnathan resmungou, encarando o pai. De súbito, notou o brilho astuto no único olho do barão.
Seu pai podia ter somente metade da visão, mas era capaz de enxergar tudo. Se, por acaso, ele perdia algum fato, a esposa, sempre atenta, relatava-o com minúcias.
Entre os pais era quase impossível manter um segredo, Johnathan concluiu, tentando conter o desagrado.
- Uma mulher, então. Bem, como você é jovem, suponho que isso seja esperado. Até Griffydd teve suas ...
- Amantes - Johnathan completou, impaciente. - E Dylan, claro. Quanto melhor eu tratar uma mulher, como deve fazer um cavaleiro, haverá menos situações vexatórias para mim e para ela .
Quando fitou o rosto do pai, Johnathan arrependeu-se de cada palavra.
- Sim, está certo. E, o que quer que aconteça, perma¬necerá entre você e a mulher.
Dessa vez, Johnathan manteve a boca fechada.
- Só espero que seu flerte seja com uma galesa e não uma normanda - Emryss DeLanyea comentou ao pegar um pedaço de pão quente da cesta diante dele.
Mott, o caçador predileto do barão, um cachorro imenso e peludo, latiu e abanou o rabo à espera das suculentas migalhas de pão.
- Gwen gosta de você - o barão prosseguiu, referindo-se à criada do castelo, um tanto mais nova que Johnathan.
Gwen era bonita e as fartas curvas lhe caíam bem. Tam¬bém era cordial e amorosa, uma mulher capaz de satisfazer um homem. Johnathan tinha, de fato, roubado um ou dois beijos de Gwen na cozinha do castelo, mas isso fora tudo.
- Ela não vai se casar com Ianto?
- Oh, sim, esqueci.
- Eu não e tampouco estou flertando com alguém.
- Não? - Seu pai fez o fato parecer um pecado mortal.
- Não! - Johnathan exclamou. - O que há de errado com as normandas? Você é casado com uma.
A resposta do barão foi um riso espontâneo.
- Sua mãe é excepcional.
Johnathan tentou esquecer que havia escutado aquilo centenas de vezes. Não era segredo que seu pai amava sua mãe de forma muito peculiar e profunda.
O barão tornou-se sério, de repente.
-As normandas, em sua maioria, são severas e ambi¬ciosas demais - disse. - E levam a honra a ferro e fogo. Não seria nada prudente prometer mais a uma normanda do que está disposto a dar.
Irritado, Johnathan pegou a cesta e tirou uma fatia de pão. Em seguida, começou a picá-la e jogar os pedaços no chão para alimentar o faminto Mott.
- Não fiz promessa alguma a qualquer mulher.
- Estou lhe dando apenas um conselho, filho - o barão pronunciou-se, calmo. - Eu me incomodaria de ter de en¬frentar, mais uma vez, os problemas que o casamento de Dylan causaram.
Como havia perdido a fome, Johnathan empurrou a ca¬deira e levantou-se.
- Eu também. Asseguro-lhe, pai, que tentarei conduzir minha vida com sabedoria e honra, em todos os sentidos.
O barão parecia chocado.
- Claro que sim, Johnathan. Nunca pensei o contrário. Sem replicar, Johnathan retirou-se em direção à porta do grande saguão.
Perdido em pensamentos, o barão coçou as orelhas de Mott.
- Creio que devo ter uma pequena conversa com a mãe dele - murmurou.
Emryss DeLanyea ficou ainda mais convicto da decisão quando observou o filho corar de satisfação ante a aparição repentina de lady Rosamunde D'Heureux e o pai, que che¬gavam para o desjejum.
Johnathan percebeu que ruborizava, como um garoto que fizera alguma traquinagem, quan¬do sorriu para a adorável lady Rosamunde. Porém não con¬seguiu evitar o constrangimento. Embora fosse impossível, ele sentia que seu rosto dava sinais de ter cometido um ato obsceno e lúbrico, o qual, com certeza, desagradaria a fina e devotada jovem normanda.
- Bom dia, sir Johnathan - lady Rosamunde cumpri¬mentou-o e, comedida, baixou a linda face.
Por um instante, ele pôde notar certo brilho de prazer nos belos olhos da jovem pura e casta. Mas um brilho intenso como aquele nunca mais lhe seria oferecido, caso lady Rosa¬munde soubesse o que Johnathan havia feito na noite anterior.
- Bom dia, milady, milorde - Johnathan respondeu, tam¬bém se dirigindo ao gordo e impoluto pai de lady Rosamunde.
Como a maioria dos normandos, sir Edward D'Heureux deixava os cabelos grisalhos bem curtos e cacheados. Na¬quela fria manhã, ele usava um casaco longo e preto, cuja gola era forrada de pele. No entanto, mostrava uma expres¬são de desprazer no rosto.
Johnathan lembrou-se de que sir Edward havia consu¬mido uma quantidade excessiva de cerveja saxônia e muito vinho durante a celebração. Talvez o exagero da esbórnia fosse a razão daquele mau humor. Johnathan esperava que apenas isso originasse o semblante carrancudo, e não uma rudeza característica da personalidade do homem.
Pelo canto dos olhos, ele fitou o pai, que sempre se vestia com simplicidade e tinha cabelos compridos na altura dos ombros. O barão ainda permanecia à mesa, degustando seu desjejum, e observava com atenção o comportamento do filho e dos convidados tal qual urna águia. Felizmente, Emryss DeLanyea comportava-se com educação e simpatia ante os visitantes, portanto, nesse ponto, Johnathan não precisava ter receios de situações embaraçosas.
- Por favor, sentem-se à mesa mais alta - Johnathan convidou-os, decidido a ignorar a explícita curiosidade do pai. Em pensamento, considerou a possibilidade de cortar os cabelos pois, como seu irmão e primo, ele seguia o exemplo do barão: usava trajes e penteado iguais.
Sir Edward assentiu e caminhou à mesa. Porém, lady Rosamunde pousou a mão delicada gentilmente sobre o bra¬ço de Johnathan e fitou-o, suplicante.
- Vamos? - murmurou, com a voz aveludada.
- Podemos nos sentar ali, milady - Johnathan sugeriu, sorridente, e indicou urna mesa desocupada, a qual garan¬tiria um pouco de privacidade. Eles poderiam ficar a sós e, por estar em local público, lady Rosamunde manteria o de¬coro obrigatório a urna dama.
- Oh, obrigada - ela agradeceu, enquanto Johnathan a conduzia.
Ao sentar, lady Rosamunde moveu-se com desenvoltura quando puxou a saia para o lado em um gesto fluido e delicado. Mais uma vez, ela o fitou, e os olhos azuis brilharam, preocupados.
- Espero que não se ofenda, sir, acho o jeito de seu pai muito... intimidativo.
Tão logo se sentou ao lado dela, Johnathan inspirou o perfume suave de rosas. Samantha, ao contrário, sempre exalava o odor de mel e temperos, ingredientes necessários para a fabricação de mulso e braggot, uma famosa fermen¬tação galesa combinada de cerveja e também de mulso.
Ele censurou-se pois não pretendia pensar em Samantha naquele momento.
- Não precisa se desculpar, milady. Muitas pessoas têm a mesma opinião, especialmente os inimigos do barão.
- Oh, perdoe-me! Não me considere mais uma entre os inimigos de sua família - lady Rosamunde exclamou, as¬sustada e com as faces coradas de vergonha.
- Claro que não - Johnathan apressou-se, adorando aquele semblante tão expressivo.
Lady Rosamunde sorriu.
Era um lindo sorriso, apesar de não haver...
Não! Não havia nada de errado com o sorriso da normanda.
Era maravilhoso, e aquela linda mulher sorria somente para ele. Johnathan tinha de se sentir grato e parar de pensar no sorriso de Samantha, nas sardas que possuía sobre o pequeno nariz e nos olhos que cintilavam de paixão e deleite.
E em como pareciam faiscar de ódio quando estava zan¬gada. Ou no brilho zombeteiro quando ela brincava com Johnathan. Oh, se ao menos Samantha não houvesse se irritado na noite anterior...
- Estou muito contente em saber que nos considera ami¬gos da família - lady Rosamunde prosseguiu enquanto Gwen servia pão e cerveja para ambos.
A dama não prestou a menor atenção na criada do castelo.
- Espero que isso não signifique que tenha pressa em nos deixar - Johnathan comentou, agradecendo a gentileza de Gwen, que torceu o nariz a lady Rosamunde.
Por sorte, a normanda não notou a expressão inconveniente da serviçal.
- Oh, não tenho pressa alguma -lady Rosamunde disse. Johnathan olhou em volta e, ao perceber que ninguém os observava, nem mesmo seu pai, ousou segurar a mão macia de lady Rosamunde por baixo da mesa.
Com uma expressão de desagrado e dúvida, ela examinou o gesto atrevido em silêncio.
De repente, Johnathan ficou confuso. Se ela não queria ser tocada, por que não o advertia quanto a isso? Por outro lado, se havia gostado do gesto respeitoso, por que a mão parecia tão rígida e sem vida? E por que motivo ela mostrava aquele ar desgostoso?
Era como se lady Rosamunde sentisse repulsa e não sou¬besse dispensá-lo sem criar ofensas ou inimizades.
Para poupar desconforto à dama, Johnathan afastou a própria mão. Tímida e bem mais indecisa, lady Rosamunde fitou-o, corando novamente.
Ele começou a se sentir um tolo. A normanda era uma virgem comedida e modesta, incapaz de atos extravagantes. Logo, Johnathan não podia esperar que ela se mostrasse ávida ou decidida.
Com certeza, era mais um ponto a favor dela, e outro contra Samantha, que jamais se comportava com decoro.
- O dia me parece agradável. Gostaria de cavalgar co¬migo mais tarde? - ele a convidou. - Na companhia de um guarda, claro - acrescentou depressa, antes que lady Rosamunde achasse o convite muito audacioso.
- Eu ficaria lisonjeada, sir Johnathan - ela aceitou, enfatizando a voz aveludada.
O coração de Johnathan encheu-se de alegria com a súbita sensação de triunfo. Aquela mulher representava um grande prêmio, o símbolo da nobreza normanda. E não havia dúvida de que gostava dele, talvez até o suficiente para aceitar o pedido de casamento.
Casar-se com lady Rosamunde provaria seu valor diante de todos que o comparavam a Griffydd, Dylan e seu pai. Precisaria conquistá-la e ter certeza de que nada impediria aquela união.
- Há algum problema - Emryss DeLanyea afirmou, convicto, ao olhar a plácida esposa, sentada no solário do castelo. - Parece-me que nosso Johnathan não pregou os olhos esta noite. E está tão irritado quanto um urso com um espinho cravado na pata.
- Talvez ele não goste de ser interrogado como uma criança errante. Afinal, nosso filho é um homem agora, Em¬ryss - lady Roanna argumentou. Sorriu da forma amorosa que reservava para os momentos de intimidade com o ma¬rido e continuou a trabalhar na tapeçaria.
- Ele não me disse isso. - O barão começou a andar pelo solário, mancando como sempre por causa de um fe¬rimento que recebera no campo de batalha anos atrás du¬rante as cruzadas. - Não sou nenhum profeta poderoso capaz de ler sua mente. Se não queria que eu o interrogasse, Johnathan devia ter-me dito.
-- Não se esqueça, querido marido, de que você também não permite que ninguém o interrogue quando está pertur¬bado - lady Roanna pontuou com sabedoria.
Emryss jogou-se em sua pesada cadeira e franziu a testa.
- Está certa. Ele adquiriu certa discrição ... mais de você do que de mim.
- De quem ele herdou tais características não importa.
O fato é que nosso filho guarda os sentimentos para si. Foi sempre assim. Porém, aflige-me saber que não tenha reve¬lado o motivo de seu cansaço, uma vez que afirmou não haver nada de errado com ele.
-- Estou convencido de que é uma mulher.
Roanna ficou apreensiva.
- Acredita que Johnathan fez ou disse algo que não devia a lady Rosamunde? Notei o modo como a atendia e dançava com ela durante a festividade de ontem. E tenho certeza de que a normanda estava adorando as atenções de nosso filho.
O barão esfregou o tecido que tapava o olho perdido.
- Espero que não - murmurou .
- Você não gosta dela? .
Emryss riu, parecendo mais uma criança maldosa que o senhor do castelo de Craig Fawr.
- Não particularmente.
- Ela é muito bonita.
- Suponho que sim. Eu preferia que Johnathan tivesse mais bom-senso e não se deixasse levar por um rosto bonito.
- Nem todos os homens podem ser sábios. A bem da verdade, você era muito mais velho do que Johnathan é agora quando me conheceu. Caso contrário, teria sucumbido à beleza e se casado com outra mulher.
- Após todos esses anos, meu amor, você ainda não con¬segue acreditar que é linda.
- Somente para você, meu adorado, e é mais que sufi¬ciente - lady Roanna replicou com um sorriso amoroso e terno. Então tornou-se séria. - Acha que Johnathan está se deixando levar por lady Rosamunde? Ela não gosta real¬mente de nosso filho?
Mais uma vez, o barão riu.
- Não sei. Ela é tão ... pudica. Delicada demais. Muito perfeita. Deve haver algo errado.
- Porque ela parece perfeita ou porque capturou a pre¬ferência de Johnathan?
- Creio que ela é perfeita, se ele quiser uma esposa sem uma gota de vivacidade. Pelos santos! Sempre me espanto quando percebo que ela é capaz de respirar. Não há brasas, nenhum fogo vital naquela jovem.
- Se Johnathan estava com ela ontem à noite, quem sabe lady Rosamunde tenha guardado sua paixão para um belo rapaz que lhe conquiste o coração.
- Você pressupõe que ela tenha um coração a ser conquis¬tado - o barão resmungou. - Meu Deus, Roanna, rezo para que Johnathan não tenha abusado da jovem. Não quero outro nobre furioso, queixando-se de que um de meus protegidos deflorou sua filha e exigindo reparações matrimoniais.
- Emryss - Roanna chamou-o, afetuosa -, não é a respeito de Dylan que estamos falando, ou de Griffydd. É de Johnathan. Acha mesmo que ele faria amor com uma normanda como lady Rosamunde antes do casamento?
- Claro que não. O rapaz é mais respeitoso que mil normandos de estirpe. Mas, se não estava com lady Rosa¬munde - o barão pensou em voz alta -, talvez Johnathan estivesse com outra. - Um brilho divertido despontou no único olho. - Podia ser Samantha.
Roanna espantou-se:
- Você não insinuou nada disso a ele, tenho certeza.
- É óbvio que não. Johnathan, no mínimo, teria me esmurrado o queixo. - Emryss sorriu. - Mas aquela é uma mulher fogosa!
- Não acredito que ele considere a possibilidade de se casar com uma mulher sem título, por mais fogosa que seja - Roanna observou.
- Tanta ambição me preocupa sobremaneira - Emryss confessou. - Sei como isso pode transtornar a vida de um homem.
Lady Roanna assentiu, pensativa, lembrando-se do pai de Dylan, que falecera amargurado e rico.
- Deve ser difícil ser o mais jovem, imagino. - Ela suspirou. - Se pelo menos Angharad não tivesse dito nada. Os dois começavam a se dar bem até ela profetizar que acabariam se casando.
- Eles brigavam feito cão e gato! - Emryss protestou.
- Mas era diferente. Apenas picuinhas infantis.
- Talvez eu deva ...
- Emryss! Não pode dizer nem uma palavra! - Roanna avisou-o. - Nenhum de nossos filhos gosta de receber con¬selhos sem permissão ... e não ouse dizer que nunca fez nada semelhante!
O barão cedeu.
- Tem razão. Como sempre. Não vou dizer nada. Você vai?
- Emryss!
De repente, o barão bateu a palma das mãos nos braços da cadeira e se levantou.
- Por Deus, Roanna! Quero saber se ele pretende ou não assumir um compromisso com aquela criatura normanda.
- Criatura me parece um tanto indelicado.
- Mulher. Fêmea. Tanto faz. Não confio nela. É muito afetada.
- Para ser franca, meu amado, também não gosto dela. Talvez seja uma mera paixão passageira.
-Que Deus a ouça, minha adorada esposa! Assim espero.
- O que quer que esteja acontecendo, temos de tentar não interferir. Johnathan é um homem crescido e devemos confiar que ele saberá agir com honradez e bom senso.
Emryss aproximou-se da esposa e tomou-a nos braços.
- Só quero que ele seja feliz, Roanna, tão feliz quanto nós dois.
O sorriso sincero de Roanna tocou-lhe o coração, como sempre.
- Eu sei, meu amor, eu sei - murmurou e beijou os lábios do marido.
Se por acaso um dos filhos aparecesse no solário naquele momento em particular, descobriria que o verdadeiro amor, permeado de paixões, nunca morre, nem mesmo após trinta anos de casamento.
- Arthur, não brinque com a comida. Alimente-se direito ou vou jogar tudo aos porcos - Samantha repreendeu o filho, enquanto colocava mais lenha no fogo.
A pequena casa em que viviam se localizava na cervejaria que ela herdara do falecido pai. A propriedade era formada de outras construções, além da residência: a casa de malte, a própria cervejaria, o depósito e o estábulo que abrigava o cavalo e a carroça.
A produção de cerveja prosperava porque Samantha sabia desempenhar seu trabalho com dedicação e boa vontade. Por ser um negócio tão próspero, ela não precisava do sus¬tento de ninguém e tampouco dependia de homem algum. Na realidade, preferia que fosse assim.
O menino de olhos cinzentos torceu o minúsculo nariz quando ergueu a colher e deixou-a cair na mistura de cereais cozidos.
Embora fosse soberba na fabricação de bebidas, Saman¬tha pouco entendia da arte de cozinhar. Ela olhou o pote que continha o resto de mingau. Pela manhã, gostava de se alimentar com frutas. Porém, uma criança em fase de crescimento necessitava de alimentos mais substanciosos.
- Eu queimei o mingau? - perguntou, preocupada. O odor não era de queimado, mas Samantha não ousaria pro¬var a mistura.
- Não, está bom - Arthur murmurou.
- Não precisa comer tudo - Samantha cedeu. - Se quiser, pode pegar uma maçã na vasilha. Somente uma, filho. Vou usar as outras para fazer o jantar ... ou melhor, pretendo tentar - corrigiu-se com um sorriso de desaponto.
- Aquele Ivor vem jantar de novo?
- Pode ser que aquele Ivor venha, sim. E se vier, não seja rude com ele .
Samantha sentiu-se culpada pois, na noite anterior, ela havia sido desagradável com Ivor. O mínimo que poderia fazer depois da terrível grosseria, decidira, era oferecer uma refeição ao capitão da guarda e convidá-lo a partilhar de sua cama. Não dormiam juntos havia dias.
Porém, a idéia de uma noite repleta de sensações pra¬zerosas não a empolgava. Talvez o desânimo em relação a Ivor se devesse ao fato de ela não conseguir controlar a atração que sentia por Johnathan.
Contudo, tinha se comportado de forma animalesca, lem¬brou-se. Escutara histórias assustadoras de padres que in¬sistiam em exorcizar mulheres tomadas pela encarnação da pecaminosa Eva. Mas Samantha não podia usar tal justi¬ficativa para si. Não possuía nenhum demônio no corpo.
A simples verdade era que na noite anterior desejara Johnathan DeLanyea e o conseguira.
Agora se via obrigada a conviver com o estúpido erro.
Ao menos, ela e Ivor não estavam comprometidos de ne¬nhuma maneira, tratava-se de um acordo mutuo pelo qual era muito grata.
Grata até demais, Samantha notou, espantada con¬sigo mesma.
- Não serei rude - Arthur resmungou. Começou então a bater a colher na tigela.
Samantha abandonou o fogo, virando-se para filho. Arthur estava aborrecido com alguma coisa, caso contrário não con¬tinuaria sentado à mesa, remexendo aquele mingau medonho.
- Você se divertiu com Trefor e Angharad? - ela indagou, desconfiada.
Arthur atirou a colher na mesa.
- Eu odeio Trefor!
Condenando-se porque as próprias preocupações a ha¬viam cegado para o problema do filho, Samantha limpou as mãos na saia e sentou-se diante de Arthur, depois de recolocar a colher sobre a tigela.
- O que aconteceu? O que Trefor fez?
- Ele disse que se eu não lhe obedecesse, ele impediria nosso pai de me fazer cavaleiro quando eu crescer. Trefor é malvado!
Samantha suspirou.
- Quando Trefor falou essas bobagens outras vezes, seu pai não lhe disse que seu irmão mais velho estava errado? E ele não prometeu que você se tornaria cavaleiro, se fizesse tudo de acordo com o treinamento?
Arthur apertou o cabo da colher com tanta força que suas juntas focaram esbranquiçadas.
-Sim.
- Então não permita que Trefor o aborreça, Arthur. Ele diz essas coisas só para provocá-lo e deixá-lo com raiva. Assim, sente-se poderoso. Se quer que ele pare, solte uma boa gargalhada quando o menino vier com ameaças tolas.
- Vou tentar, mas ele é tão ... tão ...
- Tão dono de si? - Samantha completou, comovida. - Eu sei, meu filho. Há algumas pessoas que conseguem nos irritar sem nem ao menos tentar.
Como Johnathan DeLanyea.
- Também não gosto de Ivor.
- Por que não? Ele não é gentil com você?
Arthur franziu o cenho, tal qual todos os homens da li¬nhagem DeLanyea. Ela teria sorrido, se o gesto não a tivesse feito recordar o evento da noite anterior.
- Não acho que você goste muito dele - o garoto comentou.
- É claro que eu gosto!
- Ivor quer se casar com você? - Arthur perguntou.
Incomodada, Samantha levantou-se e caminhou até o fogo. Infelizmente o mingau tinha adquirido consistência dura feito lama seca.
- Não sei.
- Você não pode ...
Suspeitando de que Trefor não fora o único a proferir besteiras na noite anterior, ela observou o filho sobre o ombro enquanto retirava o pote de mingau do gancho. An¬gharad tinha de manter a boca fechada em relação àquela estupida profecia de Samantha casar-se com Johnathan.
- Por que não posso? Se eu o amo, por que não me casar com ele?
- Porque não gosto de lvor.
- Arthur, não quero me casar com ninguém - ela confessou, honesta. - Gosto da companhia de lvor, e ele, da minha. É só. Não há nada de errado com isso.
- Vou passar a noite na casa de Angharad outra vez?
- Se não quiser, não precisa ir.
- Não quero.
- Então não vá. - Samantha acariciou os cabelos negros do filho que tanto se parecia com o pai. - Arthur, saiba que é meu adorado e precioso filho, e nada vai mudar o que sinto por você. Prometo.
O menino corou como sempre acontecia quando Samantha lhe dizia palavras amorosas. Em seguida, encarou-a daquele modo repreensivo que utilizava todas as vezes que a mãe o constrangia. Tal expressão lhe pareceu muito familiar.
Como nunca notara a forte semelhança de Arthur com o tio, Johnathan DeLanyea?
Não teria Johnathan a fitado com aquela expressão uma centenas de vezes, inclusive na noite anterior?, Samantha perguntou-se.
- Arthur - ela disse, feliz por sua voz não demonstrar quanto estava surpresa. - Por que não vai à ferraria para ver como Ianto trabalha? Ou, se preferir, pode me ajudar na cervejaria?
- Não, a ferraria, mãe! - O rosto se Arthur se iluminou ao sorrir. Era o sorriso de Dylan, o qual não possuía a menor semelhança com o semblante austero de Johnathan. - Ianto está fazendo espadas hoje!
O menino pulou da cadeira e correu porta afora.
- Volte antes de o sol se pôr! - ela o avisou, esperando que o filho a escutasse e não chegasse tarde em casa.
No íntimo, Samantha preferia não estar a sós com lvor à noite. Precisava de um tempo maior para. recuperar o estado de ânimo habitual.
Abaixou-se e pegou o pote de mingau endurecido a fim de jogá-lo logo para os porcos, antes de voltar ao trabalho na cervejaria. Quando se levantou, avistou Ivor à soleira da porta, sorrindo.
- Ivor! Não esperava vê-lo tão cedo.
- Vim me desculpar mais uma vez pela noite passada.
- Lamento ter sido tão bruta com você, Ivor.
- Ah! - Ele se aproximou e, pegando-a pela cintura, beijou-lhe a curva do pescoço alvo. - Ivor, estou tentando trabalhar!
- E eu estou lhe mostrando quanta saudade senti de você.
- Sentiu saudade de meu corpo.
- Samantha!
- Desculpe, Ivor. Só estou cansada.
- Pensei que talvez sentisse minha falta também.
Samantha não tinha coragem de mentir. Então fixou o olhar no colete ,de metal que cobria o peito másculo de Ivor e mudou de assunto.
- Você não devia estar liderando uma patrulha na flo¬resta ou na estrada?
- Fui convocado a acompanhar Johnathan e lady Rosa¬munde durante um passeio a cavalo. Quando a dama estiver pronta, claro. Imaginei que a toalete da normanda me daria tempo suficiente para fazer uma visita a você.
- Quanto tempo? Ivor riu.
- Não o bastante para um encontro mais íntimo, lamento dizer isso.
Com esforço, Samantha tentou parecer desapontada. Ivor era um homem bom e não fizera nada para merecer o alívio que ela sentira ao saber que o capitão da guarda não poderia se demorar.
- Johnathan gosta da normanda, não gosta?
- Não consegue tirar os olhos dela. Parece um garoto apaixonado. - A voz de Ivor tomou-se profunda ao acariciar um dos seios de Samantha. - Ou comigo, quando estou com você.
Em um gesto gentil, ela afastou a mão do oficial.
- Não deveria voltar ao castelo?
- Um homem apaixonado vai entender meu atraso ¬Ivor brincou.
- É melhor preservar seu senso de dever. - Samantha tentou sorrir. - Pode vir jantar comigo e com Arthur hoje à noite?
- Nada me faria mais feliz. - O sorriso espontâneo e sincero de Ivor lembrou-a da razão principal que a fizera deitar-se com ele. - Bem, talvez uma ou duas coisas ... ¬murmurou, maroto.
O capitão da guarda soltou-a e caminhou à porta, com certa relutância.
- Prometo não me atrasar.
- Pois cumpra a promessa - ela replicou, sentindo o bom humor retornar.
Agora mais calma, observou-o sair. Sim, Ivor era um homem bom, e Samantha não o amava. Jamais o amaria.
Suspirando, olhou o pote de mingau. Enquanto• exami¬nava aquela mistura horrorosa, fez uma careta. Por que conseguia fabricar a melhor cerveja de Gales e, no entanto, falhava em algo tão simples quanto mingau de cereais?
- Um dos mistérios da vida, suponho - murmurou, abaixando-se para pegar o pote novamente.
Ao escutar o ruído da porta, olhou para cima, imaginando se Arthur já havia voltado, ou Ivor.
Porém, à soleira da porta, encontrava-se o solene sir Joh¬nathan DeLanyea.
Samantha observou o enorme vulto de Joh¬nathan que reduzia tudo o mais a dimensões ridículas e sentiu um tipo diferente de excitação.
A brisa fresca da manhã parecia acariciar os cabelos longos e negros do cavaleiro. A túnica preta, presa à cintura, realçava o belo físico de um autêntico guerreiro por nascença e herança. A estatura imponente, os músculos rígidos dos ombros e o peito largo eram realmente uma tentação para uma mulher que não se envergonhava de usufruir da própria natureza.
Novamente, examinou com atenção a silhueta delineada pelos raios de sol. A luminosidade do dia contornava as pernas musculosas que, aliás, eram uma característica pe¬culiar e marcante entre todos os DeLanyea, inclusive Dylan.
Samantha recordou com prazer o poder viril que a en¬volvera por completo na noite em que se entregara a Joh¬nathan, às sombras do longo corredor do castelo. A lem¬brança incrementou o tremor interno que a havia atingido de maneira incontrolável.
Pensou em mandá-lo embora. Não o queria em sua casa, muito menos desejava conversar com ele. A presença pode¬rosa de Johnathan trazia à tona a recordação do malfadado, embora inebriante, encontro que tiveram.
Em uma atitude desafiadora, Samantha ergueu o queixo e encarou Johnathan com indiferença.
- O que deseja aqui? - perguntou, contente por sua voz soar tranqüila e firme, enquanto o coração batia tal qual um tambor de um menestrel executando uma melodia veloz.
- Posso entrar? - Johnathan indagou, sem se mover.
- Ouvi dizer que vai levar lady Rosamunde para cavalgar esta manhã, quando ela terminar a toalete de montaria! Surpreende-me que a normanda tenha disposição de sair do castelo ou que possua força física suficiente para per¬manecer no lombo de um cavalo. Ela precisa se alimentar melhor. A pele é pálida demais. Pela aparência, nota-se que não está habituada à luz do sol e muito menos suportaria esforços prolongados.
- Não vim até aqui para falar de lady Rosamunde, Sa¬mantha. Posso entrar? - ele repetiu, com cortesia.
- Você se saiu muito bem ontem à noite. Como eu poderia lhe negar uma visita hoje?
- Claro que poderia me negar - Johnathan afirmou. - E, como um cavaleiro honrado, eu respeitaria seu desejo.
- Entre, sir Johnathan, e seja bem-vindo - Samantha replicou, sarcástica.
Enquanto ele adentrava a pequena casa como um guer¬reiro conquistador, Samantha tentou desviar a atenção da¬quele corpo avantajado. Johnathan sempre fora uma pessoa fria e moderada, qualidades que não a atraíam de forma alguma. Sem dúvida, haviam cometido um erro na noite anterior, mas não era o fim do mundo.
Johnathan caminhou até a mesa e parou para observar o mingau endurecido.
- Devo confessar que você me surpreende - ela comen¬tou, tentando distrai-lo. Era do conhecimento de todos e nunca escondera seu fracasso como cozinheira, de modo que não se justificava Johnathan examinar o mingau endurecido como se fosse uma grande novidade.
Calado ainda, ele ergueu os olhos sérios.
- Dar-se ao trabalho de vir a minha casa é um compor¬tamento espantoso, devo admitir. - Samantha não se mo¬veu quando ele se aproximou. - Bem, sir Johnathan, diga logo o que deseja.
- Vim lhe pedir ... - Ele hesitou por um momento, e Samantha sentiu certo prazer ante aquela atitude quase de humildade. A postura de nobre arrogante fora esquecida. - Você contou a alguém sobre ...
- Sobre ontem à noite? - ela perguntou ao notar o silêncio constrangedor. - O que acha que eu diria?
Johnathan a encarou, frustrado, como se o que haviam feito fosse culpa dela.
- Se bem a conheço, imagino que poderia dizer qualquer coisa a qualquer pessoa.
- Oh, acredita que me conhece bem?
- Claro.
Sorrindo, Samantha chegou ainda mais perto dele.
- Talvez eu tenha dito a todos meus conhecidos que fiz amor com Johnathan DeLanyea nos corredores de Craig Fawr.
Embora ruborizado, Johnathan cruzou os braços e a enfrentou.
- Você não fez nada disso.
- Como sabe? Seria a mais pura verdade, não acha? - Samantha caminhou até o outro lado da mesa para que o móvel ficasse entre eles.
- Não tem vergonha? - Johnathan perguntou. - O que fizemos ontem não a perturba?
- Ontem à noite, minha presença não pareceu perturbá-lo ... pelo menos, não quando estávamos em pleno ato amoroso.
- Como eu lhe disse, aquilo foi um engano terrível.
- E eu concordei. Então, por que está aqui?
Johnathan clareou a voz.
- Tenho planos, Samantha - disse, fitando-a com os olhos cinzentos e determinados. - Planos nos quais você não está incluída.
Uma dor, diferente de todas que Samantha já sentira, uma dor que não era física e envolvia apenas sentimentos, cresceu em seu coração. Ela ignorou à sensação dilacerante e tentou convencer-se de que aquela posição de Johnathan já era esperada.
- Vou me casar com lady Rosamunde D'Heureux, se ela me der a honra de aceitar meu pedido.
- Meus planos também hão o incluem, Johnathan. - Samantha não queria se importar. Caso desejasse unir-se àquela normanda, que devia ser como uma pedra de már¬more na cama, a desgraça seria apenas dele. - Por isso não comentei nada sobre ontem. Com ninguém.
Suspirando, Johnathan parecia ter tirado um enorme peso das costas.
- Samantha - ele murmurou suavemente e se aproxi¬mou outra vez. - Sinto muito pelo que aconteceu. Não sei o que houve comigo.
Samantha não se afastou. Não podia, Seu esforço em manter o tom de voz habitual e controlar o tremor das mãos roubava-lhe todas as forças.
- Agi como um animal repulsivo e leviano - ele pros¬seguiu, infeliz.
- Você agiu como um homem atraído por uma mulher, só isso. Eu ... lamento por tê-lo comparado a Dylan.
O súbito espanto de Johnathan a impeliu a justificar-se:
- Não tenho vergonha de ter sido amante de seu primo. Ele foi maravilhoso, mas ...
De repente, os olhos de Johnathan brilharam.
- Mas?
Ela não conseguia fitá-lo.
Com um sorriso sutil, Johnathan sentiu-se fortificado e deu um passo à frente. Samantha podia sentir o calor do corpo viril.
- Tome cuidado, Samantha, ou vou acabar ficando convencido.
- Você já sabe o bastante para não precisar ser modesto - ela replicou, na tentativa de parecer zombeteira. Qualquer iniciativa era válida a fim de anular a vontade de beijá-lo.
- Sei que existem aqueles que me comparam de forma desfavorável a meu irmão, primo e pai.
Ao examinar os olhos cinzentos, ela, de súbito, divisou certa vulnerabilidade que jamais suspeitara existir. Que sentimentos surgiriam a partir de comparações tão eleva¬das? A um pai famoso como Emryss DeLanyea, que, apesar de perder um dos olhos, havia sobrevivido às cruzadas e suas conseqüentes reviravoltas? Ou a um severo Griffydd, o qual todos respeitavam e confiavam? Ou a Dylan, que era invejado por todos os homens pelo charme e boa aparência?
Seria por esses motivos que Johnathan queria uma esposa como lady Rosamunde, a personificação da nobreza nor¬manda, a beldade de uma família poderosa?
- Você possui muitas qualidades para se orgulhar ¬- ela disse, enfim.
- Verdade? - Johnathan sorriu, sedutor.
- Sabe que é verdade. - Samantha recuou a fim de se manter afastada, e a mesa entre eles lhe garantia a segu¬rança necessária. Se Johnathan pretendia olhá-la daquela maneira irresistível, precisava de uma barreira concreta.
- O quê, por exemplo? Tenho um pai, um irmão e um primo fantásticos.
- Não preciso enumerar seus méritos, Johnathan. Você já os conhece.
Quando ele começou,a caminhar ao redor da mesa, Sa¬mantha sentiu o coração disparar. Ficou tentada a fugir da própria casa, mas o nobre cavaleiro encontrava-se entre ela e a porta.
- Lembre-se, Johnathan, você tem planos, e eu não estou incluída neles.
Ele se deteve a um passo de distância. Johnathan a en¬carou, como se a visse pela primeira vez.
- E quanto a você, Samantha? Que planos esquematizou para seu futuro?
Ninguém jamais lhe perguntara o que pretendia fazer no futuro e, na verdade, ela mesma não se questionava a respeito disso.
- Eu ... Ora, quero ver Arthur crescer para se tornar um belo cavaleiro e pretendo continuar fabricando a melhor cerveja da região - ela desabafou, sem pensar.
Muito gentilmente, Johnathan segurou-a pelos ombros.
- É tudo? - indagou, tomando-a nos braços. Uma emo¬ção diferente despontou nos olhos cinzentos. Sua respiração tornou-se tão ofegante quanto a de Samantha.
- Não me toque, Johnathan - sussurrou, quase desfalecendo.
De certa forma, ele atendeu ao pedido porque relaxou o corpo.
Então, devagar, começou a acariciar os braços de Samantha.
- Mande-me embora, Samantha, e eu irei.
As poderosas mãos iniciaram um afago tentador. Man¬dá-lo embora naquele momento seria loucura total.
E como dispensá-lo, se estava desesperadamente ansiosa para ser envolvida pelos braços vigorosos de Johnathan e fazer amor com ele outra vez?
Quantas vezes Samantha sonhara corri os braços fortes daquele homem? Noite após noite, rolara na cama sem poder pregar os olhos, imaginando as sensações fascinantes de ter Johnathan DeLanyea em seu leito.
Por que nunca aceitara essa verdade e nunca cedera ao desejo arrebatador de tê-lo como primeiro amante? Por or¬gulho. O orgulho de uma camponesa teimosa que a obrigara a guardar aquele segredo durante anos a fio.
E agora ... agora encontrava-se onde sempre desejara estar. Não queria que Johnathan fosse embora.
Ávida pelas carícias, ela se rendeu ao desejo que clamava em sua alma.
Os cabelos negros roçaram os braços de Samantha quando ela abraçou os ombros fortes. Então pressionou os seios no peito musculoso, sentindo as sensações inebriantes aumentarem.
Os lábios de Johnathan cobriram os dela em um beijo selvagem e passional.
A união foi mais calorosa. Na noite anterior, ele se en¬tregara à paixão primitiva e à intensa luxúria. Naquele instante havia tudo isso e ... muito mais.
Johnathan parecia mergulhar na tentação sensual mais consciente de Samantha do que ela poderia desejar.
Com prazer e sinceridade, demonstrou que o queria dentro de si, amando-a. Completando-a. Fazendo-a sentir-se dese¬jada e perfeitamente necessária a ele.
Não havia tempo a perder com a ternura hesitante, tam¬pouco com palavras suaves de encorajamento ou paciência para carícias gentis.
Samantha aprofundou o beijo, deliciando-se com o calor excitante enquanto deslizava as mãos sob a calça de Joh¬nathan. Acariciou-o, afoita, e, ao mesmo tempo, movia-se conforme ele explorava as curvas do corpo já em chamas.
Em um movimento de extrema urgência, Samantha colou os quadris aos dele e exultando de satisfação soltou um gemido apaixonado.
Então, deitou-se na terra batida do assoalho e puxou-o consigo. Ajoelhado entre as pernas esguias, Johnathan a beijava e afagava os seios túrgidos, enquanto, afobada, ela erguia a saia.
Em um piscar de olhos, ele despiu-se da cintura para baixo e penetrou-a, proporcionando a Samantha o prazer de sentir-se uma mulher completa e realizada. Agarrada ao corpo másculo, incitava-o a expressar movimentos instintivos.
J amais se vira em plena harmonia com um amante. Era como se a união estivesse predestinada à perfeição absoluta da natureza humana. De que maneira ele poderia adivinhar que afagos suaves em seu pescoço a excitavam ou que um toque na região entre os seios quase a faziam desfalecer de prazer?
Em breve, ela precisaria libertar-se, pois o clímax come¬çava a anunciar sua chegada.
A experiência abrasadora de êxtase conduziu-a às nuvens e ela encontrou uma satisfação inacreditável. Estava tão imersa no próprio deleite que demorou alguns instantes para perceber que Johnathan também havia chegado ao clímax.
Ofegante, ele levantou o rosto enquanto Samantha aca¬riciava os longos cabelos negros. Ela ignorou o desconforto do chão duro, o qual não notara antes.
- Meu Deus, Samantha, por que me induziu a fazer isso? - Johnathan murmurou.
- Eu não o induzi a nada - ela esbravejou.
- Você me faz sucumbir aos elementos básicos de minha natureza - Johnathan argumentou, arrependido de verda¬de. Levantou-se e começou a vestir as roupas.
Quando Samantha aprumou-se, ele a fitou como se esti¬vesse diante de uma sereia, cujo canto o enfeitiçara.
- Sou apenas um homem, afinal, e tenho necessidades ...
A expressão de Samantha endureceu. Não o tinha atraído a sua casa, ele fora por livre e espontânea vontade. Não o seduzira com carícias gentis. Tampouco o drogara com ex¬cesso de cerveja.
A bem da verdade, ela não havia feito nada de errado ... exceto entregar-se ao desejo acreditando que Johnathan a respeitava.
- Suas necessidades? Deixe-me adivinhar. Aquela nor¬manda, com a qual está flertando, não permite que você a toque e, por esse motivo, veio até mim. Não serei substituta de nenhuma mulher, Johnathan DeLanyea!
- Samantha, não vim até aqui por um motivo tão re¬pugnante como esse! - ele exclamou, condenando-a com o olhar. -- Se me acha capaz de tamanha leviandade, estou surpreso que tenha permitido que eu a tocasse.
Enfurecida, ela amarrou o corpete, quase arrebentando a fita de cetim.
- Não mais surpreso que eu. Vá embora!
- Só se me prometer que o que aconteceu entre nós ficará em segredo. - Johnathan corou. - Ambas as vezes.
Samantha o encarou com desprezo e indignação. Como ele ousava tratá-la de maneira tão vil?
- Que astúcia a sua preocupar-se com o que vou dizer a Ivor hoje à noite ... em minha cama!
Johnathan fechou os punhos, tentando controlar-se.
- Eu sabia que você oferecia seus favores livremente, Samantha, mas nunca imaginei tamanha liberdade.
Orgulhosa de si, ela levantou o queixo mostrando um ar de superioridade.
- Vá em frente, insulte-me!
O comentário de Johnathan e a fraqueza por ter se en¬tregado a ele tão facilmente provocaram-lhe uma raiva sem controle ou contenção.
- Por que não? - ela gritou, intempestiva. - Você me odeia, e eu o odeio. Talvez seja melhor não dizer nada a Ivor. Seria o mesmo que admitir o defeito imperdoável de ter feito amor com você. E sou duplamente defeituosa por tê-lo realizado duas vezes. Não vou acusá-lo, Johnathan, de me obrigar a algo contra minha vontade. Escolhi me deitar com você e me arrependo. Não vai acontecer de novo porque não permitirei mais! - Samantha levou as mãos à cintura. - Agora retire-se sir, e nunca mais ponha os pés nesta casa. Sua figura me faz recordar um ato de fraqueza de minha parte. Estou envergonhada.
Johnathan a encarou, cético.
- Não creio que seja capaz de se envergonhar da própria imoralidade.
- Não tenho vergonha de fazer amor, homem! - Sa¬mantha exclamou, colérica. - Minha vergonha tem a ver com a escolha do parceiro. Ou seja, você! Saia de minha casa e nunca mais fale comigo!
O semblante de Johnathan enrubesceu diante de tanta fúria e a passos largos marchou até a porta.
Samantha agarrou o pote de mingau e jogou-o na direção de Johnathan. O pesado caldeirão atingiu a porta, tirando uma enorme lasca da madeira antes de tombar e, em se¬guida, rolar pelo chão.
Observando o pote girar pela terra batida, ela se deu conta de que o mingau não espirrara pelo ar porque estava fora do ponto e mais parecia um pedaço de cerâmica. Com as mãos trêmulas, pegou a alça do vasilhame e examinou a lasca da porta.
Se o mingau endurecido houvesse atingido a cabeça de Johnathan, Samantha seria culpada de assassinato.
Quase desejou tê-lo feito. Quase mesmo.
Entretanto, em silêncio, jurou que nunca mais se apro¬ximaria de Johnathan, de seu corpo musculoso e viril, do belo rosto e olhos que pareciam dizer ...
Não, não tinha motivo ou assunto a tratar com ele, mesmo que a olhasse daquela maneira sedutora ou utilizasse as mãos para incitar sensações maravilhosas, como nenhum outro homem jamais o fizera. Apesar dos beijos que origi¬navam o incrível desejo de ...
- Tola - repreendeu-se em voz alta, a caminho do chi¬queiro de porcos. - Sua tola estúpida!
Do luxuoso aposento, localizado na torre leste de Craig Fawr, lady Rosamunde observava o agitado pátio central do castelo. Seu olhar fixava-se no alto e vigoroso capitão da guarda que falava aos outros oficiais naquele ridículo dialeto galês.
Não se tratava de um homem repulsivo, embora os modos se assemelhassem à barbárie. Era atraente, na verdade. E devia amar as mulheres com certa selvageria encantadora, ela pensou, sentindo crescentes ondas de calor dentro de si.
Ainda assim era um bárbaro. Quando tudo estivesse dito e resolvido, Rosamunde não perderia seu precioso tempo apenas contemplando o capitão varonil. Naquele momento, precisava concentrar-se em Johnathan DeLanyea, o qual deveria esperá-la por um bom intervalo de tempo até que ela se dignasse sair para a combinada cavalgada.
Uma mulher esperta faria questão de demorar-se a fim de. aumentar a expectativa de um homem.
Olhou para além das muralhas, divisando as vastas ter¬ras que circundavam aquela confortável fortaleza que, sur¬preendentemente, fariam qualquer normando se orgulhar. A reserva compreendia bosques longínquos para caçar e campos em abundância, onde os habitantes de Craig Fawr lavravam a fim de obter o rendimento de seu senhor .
Em seguida, Rosamunde virou-se e avaliou o cômodo.
Sobre a aconchegante cama, havia cobertas de seda e, em ambos os lados, candelabros de prata iluminavam o dormi¬tório durante a noite. Em um dos cantos, encontrava-se um braseiro para aquecer o ambiente e um conjunto adorável de jarra e bacia de porcelana encontrava-se sobre a super¬fície da mesa. Até o tapete representava um dos artigos mais requintados que um nobre podia possuir.
Mas qual pessoa inteligente e sofisticada iria querer mo¬rar tão afastada de Londres, da corte ou de qualquer mundo civilizado? Quanto aos habitantes da região, eram perfeitos selvagens, com aquele dialeto estranho, costumes bizarros e a desagradável familiaridade que mantinham com o se¬nhor do castelo.
Aqueles camponeses estabelecidos em casas muito modestas trabalhavam as terras no cultivo da reserva senhorial. Ora, Rosamunde ouvira dizer que aquela mulher, que usara um adorável vestido vermelho na festa, não passava de uma ig¬nóbil fabricante de cerveja. Mesmo assim, ela dançara com elegância no vasto saguão como se fosse ... alguém de estirpe.
Bem, pensou entretida novamente pelo movimento do pá¬tio, seria fácil para uma dama tão linda e graciosa quanto ela convencer o jovem e adorado marido de que qualquer homem com alguma ambição deveria passar a maior parte do ano em Londres, próximo à corte.
E havia concluído que seu jovem e adorado marido seria o belo Johnathan DeLanyea.
Os atributos pessoais de Johnathan DeLanyea eram, claro, um bônus lucrativo para a verdadeira preocupação de uma mulher de sangue nobre como Rosamunde. O mais importante era a riqueza e o poder que caracterizavam o jovem cavaleiro. Sem tais qualidades, um rosto bonito não significava nada, e o amor de um homem tampouco seria válido. Felizmente, tudo ao redor dela, somado ao que testemunhara em Craig Fawr, atestava a fortuna dos DeLanyea.
Na realidade, existia ainda o problema de Johnathan De¬Lanyea possuir sangue galês. Contudo, ele tinha somente parte de herança galesa e o resto, normanda. Além, dessa vantagem, e Rosamunde a descobrira antes mesmo de che¬gar ao castelo, os ancestrais do pai de Johnathan não haviam sido impedimento para o sucesso do barão na Inglaterra comandada pelos normandos.
De fato, devido a tudo que ela sabia referente à riqueza e influência do barão, tinha certeza de que sir Johnathan DeLanyea valia o sacrifício. Era lamentável que não fosse o filho mais velho, mas Rosamunde sabia que qualquer filho do barão DeLanyea seria agraciado com uma boa e próspera propriedade.
Outro fator relevante na decisão de casar-se era a con¬vicção de que Johnathan DeLanyea já a amava. Rosamunde conhecia os homens a ponto de reconhecer os reflexos da paixão. E o esforço fora tão ínfimo para conquistá-lo que ela estava certa de poder protelar o interesse durante anos, após a noite de núpcias.
Satisfeita com a resolução sábia e racional, Rosamunde sorriu diante do espelho. O olhar felino comprovava a mente vivaz que possuía. Então, imaginando que mantivera o fu¬turo marido a sua espera, o tempo suficiente, ela jogou o leve manto sobre os ombros e retirou-se do quarto.
Johnathan esbravejava consigo próprio a caminho da estrebaria.
Como pudera fazer aquilo ... de novo? Como pudera ser tão fraco e ávido por tanta luxúria?
Era culpa de Samantha. Nenhuma outra mulher tinha tanto poder sobre ele, nem mesmo lady Rosamunde. Ora, bastava-lhe apenas olhar para Samantha, tocá-la, e ele via¬-se desprovido de força para controlar o próprio desejo.
Mesmo agora, só de pensar nela, a despeito da fugaz união amorosa, sentia-se ansioso para abraçar aquele corpo estonteante mais uma vez.
Esfregou o punho fechado na palma da mão. Não era tolo e muito menos estava tomado pelos rompantes da ju¬ventude. Podia ser forte. Tinha de ser forte, se quisesse conquistar lady Rosamunde.
A única solução seria permanecer longe de Samantha.
Se pudesse evitar, nunca mais chegaria perto daquela mu¬lher, jurou em pensamento.
Suspirando, passou os dedos entre os cabelos. Deus, o que havia de errado com ele? Nem sequer conseguia garantir a si mesmo que seria capaz de cumprir a promessa.
Como Samantha havia sugerido em seu acesso de raiva, Johnathan podia ser apenas um homem vigoroso necessi¬tando extravasar a natureza masculina. Fazia semanas que não visitava um bordel e, na verdade, nunca apreciara lu¬gares semelhantes com mulheres rodeadas de lençóis sujos.
- Lady Rosamunde! -gritou, quase colidindo com a dama.
Tímida, ela recuou.
- Não pretendia assustá-lo, sir.
Ela estava adorável com aquele manto de seda azul e tendo a fina echarpe branca a roçar-lhe as faces.
Não parecia pálida naquela manhã. O ar frio e a timidez traziam uma coloração rosada ao rosto delicado.
- Perdoe-me, milady, eu estava perdido em pensamentos.
- Espero que não sejam pensamentos perturbadores.
Johnathan sorriu e decidiu ser a hora e o lugar para revelar seus desejos.
- Não são perturbadores. No entanto, tratam-se de re¬flexões importantes - afirmou. - E está incluída nelas, lady Rosamunde.
- Estou? -ela indagou com modesta surpresa e prazer, reações que o deixaram feliz.
- Sim. - Johnathan vistoriou o agitado pátio, onde cria¬dos e camponeses transitavam de um lado para outro. ¬Poderia me acompanhar ao jardim de minha mãe? Há algo que preciso perguntar-lhe.
Lady Rosamunde olhou em volta, preocupada.
- Com o senhor? Sozinha? Pensei que fossemos cavalgar.
- Podemos fazê-lo depois, milady. Por favor, venha comigo até o jardim. Asseguro-lhe que não tomarei nenhuma atitude inadequada.
- Oh, eu sei disso, mas os outros podem não acreditar em sua inocência, caso sejamos vistos.
- Acreditarão, se eu disser.
Os olhos azuis de Rosamunde se arregalaram. Na hora, Johnathan lamentou ter sido tão insistente.
- Se preferir, posso convocar uma das criadas para acom¬panhá-la - sugeriu, com relutância.
- Não há necessidade. - Ela sorriu. - É de minha absoluta confiança, sir.
Aquelas palavras deveriam deixá-lo orgulhoso de si e con¬tente. E assim seria, se ele não sentisse tanto remorso por ter se deitado com Samantha mais uma vez.
Johnathan estendeu o braço e, após lady Rosamunde pou¬sar a delicada mão sobre ele, conduziu-a ao jardim de rosas de sua mãe, agora preparado para a chegada do inverno.
Em um canto isolado do jardim, ele indicou um banco de madeira, onde lady Rosamunde acomodou-se, graciosa. Não queria que os servos o escutassem fazer o pedido de casamento. Porém, respeitando as boas maneiras de um cavaleiro, Johnathan deixou o portão do jardim aberto.
- Este jardim deve ser lindo no verão -lady Rosamunde comentou, sorrindo. - Um oásis em meio à selvageria.
- É, sim. Porém, Gales não é uma região tão selvagem.
- É muito distante de Londres - lady Rosamunde reclamou. - Para um homem com seus talentos, deve ser frustrante permanecer tão longe da corte.
- Meus talentos? - Johnathan sorriu.
- Ouvimos histórias a respeito de suas proezas em torneios, sir Johnathan. - Ela corou. - Na verdade, é muito famoso, creio eu.
Uma onda de orgulho o invadiu diante do sincero elogio.
Ele havia sonhado em ter suas vitórias comentadas entre os nobres normandos, e agora o sonho parecia se tornar realidade.
Lady Rosamunde ainda o fitava, impressionada.
- Tenho certeza de que os amigos de meu pai ficariam honrados em conhecê-lo.
- Eu gostaria de possuir a mesma certeza, milady. ¬Johnathan sentou-se ao lado dela. - Posso lhe garantir, sir Johnathan. Embora o sangue galês seja uma desvantagem, estou certa de que eles estarão dispostos a relevar esse detalhe.
O ânimo de Johnathan dissipou-se. Rosamunde falava como se ele tivesse uma doença contagiosa, apesar das fa¬çanhas em torneios e do título da família DeLanyea.
- É verdade que tenho sangue galês.
- Também é verdade que seu pai é muito respeitado.
- Ela o fitou por alguns instantes. - Nesse caso, várias pessoas não se importariam com sua origem.
Enquanto segurava-lhe as mãos frias, Johnathan tentava -se convencer de que ela não tencionara insultá-lo.
- Importa-se com isso, milady?
- Não.
Era o momento exato para fazer o pedido, ordenou a mente de Johnathan. Agora tinha de falar. Agora ele a pe¬diria em casamento.
Entretanto, as palavras travaram-lhe a garganta quando ela o encarou, ansiosa.
Novamente escutou a voz da razão que o mandava re¬solver a questão sem mais delongas. Johnathan tinha de dizer que lady Rosamunde o faria o homem mais feliz da Inglaterra, se consentisse em ser sua esposa.
Em vez disso, ele a abraçou e beijou-a com gentileza. Os lábios eram tão frios quanto as mãos. Foi o mesmo que beijar uma pedra.
- Perdoe-me, milady. Sua beleza ... - ele balbuciou, an¬tes de se afastar. Nem pôde terminar a justificativa.
Para o imenso alívio de Johnathan, lady Rosamunde sor¬riu sem demonstrar desagrado ou ofensa.
- Não estou zangada, sir. Sinto-me, na verdade, lison¬jeada, embora sua atitude tenha sido imprópria.
Apesar da frieza do beijo, ele se casaria com lady Rosa¬munde. Dessa maneira, obteria um lugar na corte ou, na pior das hipóteses, entre os poderosos lordes. Uma aliança com a família D'Heureux satisfaria sua ambição.
Além disso, era a mulher mais linda que já estivera em Craig Fawr, assim como a mais comedida, virtuosa e deli¬cada. Casando-se com ela, Johnathan iria superar Griffydd, Dylan e todos os normandos solteiros da Inglaterra.
E, no entanto, as palavras corretas não surgiam em seus lábios.
- O que gostaria de me perguntar, sir? -lady Rosamunde indagou, enquanto, graciosa, ajeitava a gola do manto azul.
- Por quanto tempo a senhorita e seu pai pretendem ficar em Craig Fawr?
Se a dama estava desapontada, o semblante suave não a contradisse.
- Por mais duas semanas, no máximo. Meu pai deseja saber mais a respeito das minas de prata do barão e dos acordos com os habitantes Gall-Gaidheal, no norte. Meu pai pretende ampliar o mercado de nossa lã e está curioso acerca da barganha que o barão fez com Diarmad MacMurdoch.
Ruborizada, lady Rosamunde desviou o olhar.
- Espero que o barão DeLanyea não tenha planos de casar um de seus filhos com uma mulher de Gall-Gaidheal.
- Não, ele não tem.
- Fico feliz em saber.
- Fica?
- Sim, muito.
Mais uma vez, Johnathan abraçou-a pelos ombros.
- Lady Rosamunde, algum homem já conversou sobre casamento com a senhorita? - Ele aproximou-se.
- Um ou dois - ela admitiu.
- Logo, deve ser noiva de algum cavaleiro, suponho.
- Não, de ninguém.
O fato de o beijo não ter sido tão passional e fogosa quanto os de Samantha não seria empecilho para ele, concluiu, inclinando-se para beijar a jovem normanda. Não havia problema, se Rosamunde D'Heureux preferia manter os lábios trancafiados como um cinto de castidade.
Lady Rosamunde beijava tal qual uma dama da corte, não como uma ... mulher.
Virando o rosto, ela interrompeu o beijo.
- Sir Johnathan, quase me fez perder o fôlego - mur¬murou. Os seios alvos moviam-se depressa, como se ela es¬tivesse ofegante.
- Talvez devêssemos cavalgar agora - Johnathan su¬geriu, oferecendo-lhe a mão. - Antes que eu fique tentado a agir de forma impetuosa e grosseira.
A bem da verdade, nem sequer sentia vontade de agir de forma impetuosa e grosseira. Aliás, não sentia nada.
Sem dúvida, era culpa de Samantha. Se não a houvesse possuído naquela manhã, poderia pedir a mão da bela lady Rosamunde.
Mas antes de fazer o pedido, para o bem de ambos, Joh¬nathan encontraria um meio de purgar sua mente e seu corpo da pecaminosa e irresistível atração por Samantha.
Duvidoso em relação a que o destino lhes reservava, sir Edward D'Heureux observa¬va a filha escovar os longos e sedosos cabelos loiros. Rosa¬munde se assemelhava muito à beleza estonteante da mãe, pensou entristecido. Pena nunca ter dado valor à esposa. Mas a vida promiscua sempre o tentara, jamais havia sido capaz de abandonar o ócio e resgatar o casamento que, tal qual o da filha agora, fora realizado por mera conveniência.
Edward D'Heureux possuía o título nobre, mas nenhuma fortuna. A mãe de Rosamunde, rica e de família influente, surgira para viabilizar a criação insensata que ele recebera dos pais. A última oportunidade que agora Edward e Ro¬samunde possuíam para ascender novamente na sociedade era a riqueza e o poder da família de Johnathan DeLanyea.
- Bem, o que ele disse? - perguntou, ansioso por resolver de uma vez aquele impasse. - Já lhe propôs casamento?
- Ainda não - Rosamunde respondeu, calma. - Mas irá propor.
- Como pode ter tanta certeza? - Frustrado, sir Edward começou a caminhar pelo quarto.
- Permiti que Johnathan me beijasse.
Ele parou, de repente.
- Você o quê?
Rosamunde sorriu, satisfeita, e encarou sir Edward atra¬vés do reflexo no espelho.
- Não precisa ficar espantado, pai. Somente permiti que ele me beijasse. Foi um beijo modesto, mas o bastante para deixá-lo sem palavra. Não há necessidade de pânico. Sir Johnathan DeLanyea vai pedir minha mão em casamento antes que tenhamos de sair dessa terra esquecida por Deus.
- Oh, eu gostaria de possuir a mesma certeza!
A expressão de Rosamunde endureceu.
- Não vejo motivo para tanta preocupação. Não nos custa nada usufruir da hospitalidade do barão. Afinal, temos so¬brevivido em virtude da generosidade dos outros desde que você dilapidou a fortuna de minha mãe em jogos.
Apesar do sorriso no rosto, dessa vez ela voltou a escovar os cabelos de forma agressiva.
O pai ainda andava pelo aposento.
- Deve dar graças a sua sorte, pai. Fiquei sabendo que, segundo os hábitos galeses, costuma-se assinar um compro¬misso matrimonial, no qual é oferecido uma grande quan¬tidade de dinheiro à família da noiva. Sem dúvida, devo valer uma soma elevada.
Rosamunde colocou a escova sobre a mesa e virou-se para encarar Edward frente a frente.
Edward tinha o semblante carregado.
- Fique sossegado. Johnathan DeLanyea vai se casar co¬migo e pagar muito bem pelo privilégio. Quanto a meu dote, terá apenas de abrir mão daqueles acres de terra perto de Londres, os quais nunca visita. Isso e vender a própria filha.
- Rosamunde, eu ...
- Não quero escutar seus lamentos e desculpas mais uma vez, pai - afirmou, categórica e fria. - Entendo meu dever e irei cumpri-lo. O que os pais dele pensam a respeito do casamento?
- Eu ... não sei - sir Edward D'Heureux murmurou, de cabeça baixa.
Bufando, Rosamunde fez uma careta desdenhosa.
- Nunca lhe pedi nada em minha vida., E quando lhe incumbo a simples tarefa de descobrir se os DeLanyea são a favor de um afortunado casamento entre mim e o filho deles, você nem sequer consegue realizá-la a contento.
- Não é minha culpa - sir Edward queixou-se, vexado.
- O barão sorri, conversa sobre vários assuntos e nunca diz nada de significativo, por mais que me esforce. E aquela mulher dele! É inerte feito um molusco! - De súbito, Ed¬ward D'Heureux sorriu, pareceu esperançoso. - Contudo, eles não disseram nenhuma palavra contra o casamento, tampouco mencionaram outros planos para o filho. O que teriam contra você, minha adorada filha? Não há nada que a desabone. E Johnathan me parece um bom homem, Ro¬samunde. Tenho certeza de que a fará feliz.
Rosamunde ignorou o elogio superficial do pai.
- Primeiro, ele irá lavar o chão que piso, depois fará tudo que eu pedir. Esse detalhe é o mais importante ¬Rosamunde murmurou, dando as costas para o pai que a venderia de um jeito ou de outro, sendo rico ou pobre.
Ele era um glutão debochado que havia vivido apenas para os prazeres da vida mundana, sem se importar com a esposa ou a filha. Então, no dia em que a fonte financeira esgotou-se, acabou descobrindo que a posse de maior valor era a carne de sua carne.
Mas Rosamunde não se deixava enganar. Sua linda mãe fora tola por passar anos a fio rezando e esperando que o marido abandonasse as mesas de jogo e os prostíbulos, onde deitava-se com as piores mulheres do mundo. Havia sido estúpida e cega por não ter visto que o amor era uma im¬posição frágil, uma fábula romântica que os trovadores can¬tavam como meio de subsistência.
Rosamunde não pretendia cair na armadilha do amor. Iria casar-se com um homem avesso a jogos ou a prostitutas e incapaz de ignorar a própria esposa. O melhor, na verdade, seria unir-se a um homem que ela não amasse, assim não sofreria os efeitos da paixão, muito menos ficaria cega ou submissa.
No entanto, precisaria gerar filhos para que a proteges¬sem na velhice e filhas formosas que se casariam com ho¬mens poderosos. Rosamunde queria criar uma dinastia. Nunca mais se veria vulnerável e à mercê dos desejos egoís¬tas de um homem.
Quanto a seus próprios desejos ... a imagem robusta e viril do capitão da guarda invadiu-lhe os pensamentos.
Bem depressa ela o baniu da mente. Seu autocontrole era sem dúvida mais forte que as meras atrações físicas que sentia.
Tinha de ser.
- Está convicta acerca do que vai fazer, Rosamunde? - sir Edward indagou. - Afinal, Johnathan possui descendência galesa ...
Rosamunde postou-se em pé e enfrentou o pai.
- Como ousa questionar minha decisão? - esbravejou, furiosa.
- Mas lorde Kirkheathe é normando puro ...
O semblante de Rosamunde se tornou tão feroz que pou¬cas pessoas a reconheceriam naquele momento.
- Não me entendeu? Os galeses pagam pelas noivas! E, se você quiser desfrutar de um centavo do lucro que terei nesse casamento, mantenha sua boca estúpida fechada. Abra-a somente para comer, beber e obedecer a minhas ordens! .
- Perdoe-me, Rosamunde - ele sussurrou, agora mais humilhado e infeliz pelas besteiras que havia feito na vida.
- É tarde demais para perdão, não acha, pai? - Ela o encarou como se Edward D'Heureux fosse um mosquito prestes a ser esmagado. - Jamais pediu o perdão de minha mãe. Aliás, nunca pensou nela enquanto esteve viva.
- Eu ...
- Deixe-me, pai. Preciso me enfeitar ao máximo para Johnathan DeLanyea porque devo e tenho de obrigá-lo a casar-se comigo.
- Boa noite, Arthur - Ivor disse quando o menino di¬rigiu-se à escada que dava acesso ao mezanino onde dormia.
De costas para ambos, enquanto recolhia o que tinha sobrado do cozido, Samantha escutou a resposta mal-hu¬morada do filho, seguida de um suspiro profundo.
Ficara óbvio demais no decorrer do jantar que Arthur não gostava ou aprovava Ivor. O pobre capitão da guarda havia dado o melhor de si para ser agradável e divertido.
- Adorei esse cozido, Samantha - Ivor comentou. - E, naturalmente, sua cerveja é excepcional. Em breve, o barão DeLanyea vai precisar reabastecer o estoque de be¬bida no castelo, eu imagino. Após tantas festividades, a quantidade que você enviou já deve ter terminado. Um dia será uma mulher rica, Samantha, ainda mais se Craig Fawr receber hóspedes como Edward D'Heureux. O normando fi¬cou dependente de sua cerveja.
- Edward D'Heureux é o pai da bela lady Rosamunde?
- Em carne e osso. Com exceção do gosto pela cerveja, o normando parece feito de pedra. Tenho a impressão de que, se ele sorrir, o rosto irá se quebrar em pedaços.
Samantha sorriu ao capitão, sentado à mesa como se pertencesse ao lugar. Ela recolheu as colheres sujas. Sob a suave luminosidade da lamparina, Ivor parecia tão bonito quanto Johnathan. Ele também era musculoso e passional no ato amoroso.
Mas queria Ivor naquela casa? Ou qualquer outro, ho¬mem? Não seria melhor continuar vivendo sozinha e inde¬pendente? Desde que tivera Johnathan dentro de si, duas vezes, ela vinha questionando-se sobre que rumo dar à vida.
- Lady Rosamunde sorri, suponho - Samantha comentou.
- Sim, e para Johnathan principalmente. E ele corresponde a cada gesto como um tolo apaixonado. Surpreende-¬me que ainda não tenham anunciado o noivado, apesar de sir Edward não ser a favor do sangue galês.
Samantha mergulhou as colheres em um balde de água e as enxaguou.
- Eu e os rapazes demos boas risadas por causa de sir Edward. Dafydd apareceu com alguns nomes de baixo es¬calão e sussurrou-os nos ouvidos do normando.
- Em galês, é claro - Samantha disse. Separou as co¬lheres molhadas, feliz por Johnathan e lady Rosamunde não serem o centro da conversa.
- Ele deve estar zangado por ter de levar o carregamento de lã ao legado de Griffydd .
- Quem?
- Johnathan. Ele partiu hoje de manhã, acompanhando de dez homens da guarda. - Ao se levantar, Ivor aumentou o tom de voz. - Contudo, eu não fui.
- Imagino por que Johnathan resolveu escoltar a leva de lã. Ele não costuma ... - Samantha sobressaltou quando Ivor a envolveu pela cintura.
- Você se assustou feito um bezerro escondido atrás da moita. O que há, querida? - Ivor perguntou, mordiscando o pescoço de Samantha.
Ela sabia que o capitão não se referia a nada específico, porém, mesmo assim, sentiu-se ruborizar de culpa. - Levei um susto, só isso.
- Esperei a noite toda para abraçá-la.
- Deixe-me terminar de secar os talheres - pediu, retirando as mãos de Ivor.
- Nunca a vi tão ávida por serviços domésticos. - O capitão riu.
- Ora, não há motivos para me apressar, concorda? Ou precisa retomar ao castelo mais cedo? - ela perguntou, ocupando-se com a lenha do fogo.
- Não tenho de voltar até o alvorecer.
Samantha engoliu em seco. Talvez devesse contar a Ivor sobre Johnathan.
Contar o quê? Que ela e Johnathan haviam copulado como um par de animais selvagens? E duas vezes?
Por que se preocupar? Não pretendia• aproximar-se dê Johnathan outra vez, a menos que não pudesse evitar.
Não, Samantha tinha de evitar. E o faria com certeza.
Precisava se poupar porque ele e seus planos ambiciosos não a incluíam.
Por que a aprovação de Johnathan DeLanyea era tão importante para ela quanto o Santo Graal?
- Creio que o barão o mandou embora para que o pobre pudesse esfriar a cabeça - Ivor sugeriu, caminhando pela casa. - Lorde DeLanyea é muito discreto, mas não penso que ele nutra uma grande afeição por sir Edward ou pela filha dele.
Em silêncio, Samantha lutou contra a sensação deliciosa de obter aquela informação.
- E lady Roanna? O que ela acha?
- Quem pode saber?
- É verdade. Você acredita que a paixão de Johnathan por lady Rosamunde irá esfriar em poucos dias?
- Não me preocupo com o ardor dos outros, Samantha. É em nós que estou pensando. Venha para a cama.
Sorrindo, ela se virou devagar e ... quase tropeçou durante o movimento ao notar que Ivor encontrava-se nu sob as cobertas, a julgar pela pilha de roupas jogadas no chão.
- Chega de limpeza, Samantha. - Ele sorriu, sedutor. - Já faz muito tempo. Apague a lamparina e venha para a cama.
Lentamente ela foi se aproximando com os punhos cerrados.
- É uma ordem, capitão da guarda?
- Se quiser que seja, tudo bem.
- Não recebo ordens em minha própria casa ou em qualquer outro lugar.
Ivor ficou surpreso.
- Desculpe-me, Samantha. Estou ansioso e ...
- Sim, você e seu desejo insaciável. Entendo. O que quero ou preciso não vem ao caso, certo?
Intrigado, ele se sentou.
- Por que está tão brava?
- Quer se casar comigo?
Ivor encarou-a como se Samantha houvesse ameaçado castrá-lo.
- Casar? - ele repetiu, por fim. - Nunca lhe prometi casamento.
- Não, e nem sequer mencionou a possibilidade. Aliás, é bom que seja assim porque também não quero me casar com você.
O pior erro do capitão foi recostar-se nos travesseiros e expressar um sorriso lascivo. Irritada, Samantha recolheu as roupas de Ivor e jogou-as sobre ele.
- Vista-se e saia, Ivor.
- O quê? - ele perguntou novamente. Então agarrou os trajes que se espalharam sobre o colchão. - Qual é o problema?
- Não há problema. Apenas quero ficar sozinha hoje à noite. E,já que nenhum de nós tem interesse em casamento, não nos devemos nada, tampouco explicações. Por favor, vista-se e vá embora.
Ivor pulou da cama quando Samantha abaixou-se para apanhar as botas dele. Segurou-a pelo braço no instante em que ela fez menção de jogar o calçado.
- Samantha, nunca falei nada referente a casamento. Em algum momento pensou que nos casaríamos?
Ignorando o corpo nu, Samantha deixou as botas caírem no chão. Em seguida, fitou o rosto espantado e confuso de Ivor.
-Não.
- Jamais disse que a amo ... é você muito menos fez juras de amor para mim.
- Eu sei.
Por alguns segundos, ele estudou as faces duras de Samantha.
- Você me ama? É esse o problema?
- Não, eu não o amo.
- Graças a Deus! - Ivor suspirou, aliviado. Então passou a mão entre os cabelos. agora agoniado. - Desculpe-me, Samantha. Apenas fui sincero. Não quero vê-la sofrer por causa de sentimentos não correspondidos.
O capitão da guarda, Ivor, não havia feito nada de errado; problema era ela.
- Não, Ivor. Eu é que tenho de me desculpar. Ainda gosto de você, mas hoje à noite não estou disposta. Tudo bem?
- Como você mesma disse, não nos devemos explicações - ele murmurou, recolhendo as roupas. - Eu preferiria ficar, Samantha, porque gosto de estar com você. Mas já que me pediu para ir embora, tenho de respeitar seu desejo.
As palavras ditas de forma tão doce a comoveram. Ivor era mesmo um bom homem. Ele a respeitava e, sem dúvida, muito mais do que Johnathan jamais o faria. Ivor não dizia uma coisa e fazia outra . Nunca a deixara envergonhada por sentir e desejar.
Entretanto, ela sabia que não poderia fazer amor com Ivor naquela noite. Não tendo Johnathan DeLanyea em sua mente e coração.
- Duas noites depois, o barão encontrava-se deitado em seu leito, fitando o teto do quarto. Lady Roanna, embora desperta, permanecia em silêncio, pensativa.
- Não o entendo apesar de ele ser meu filho. Primeiro, Johnathan age como se fosse pedir Rosamunde em casa¬mento. Em seguida, me diz que irá escoltar a lã até o legado de Griffydd.
- Johnathan é jovem. Ele deve ter uma boa razão para visitar o irmão.
O barão suspirou fundo e coçou o tampão do olho perdido.
- Ah, gostaria de possuir sua calma, meu amor. Todo esse mistério é muito perturbador. Por que acha que ele foi ter com Griffydd?
- Eu prefiro acreditar que o motivo foi apenas garantir que o carregamento de lã chegue em segurança.
- Mas não. acredita.
- Infelizmente, não. Desconfio que nosso filho precise de algum tempo sozinho para pensar, antes de tomar uma importante decisão.
- E a importante decisão seria pedir a mão de lady Rosamunde em casamento. Estou certo?
- Está, meu amado.
- Talvez ele. tenha dúvidas quanto a isso - o barão suspeitou, esperançoso.
- Pode ser. No entanto, faz parte da natureza de Joh¬nathan tomar decisões com extrema cautela.
- É, aquele garoto nunca foi impetuoso.
- Homem, Emryss. Johnathan já é um homem, e fico aliviada em saber que ele não age por impulso. Nós dois sabemos quão problemático esse comportamento pode se tornar.
O barão sorriu, orgulhoso de si mesmo.
- Raptá-la foi a atitude mais sábia que tomei em minha vida, Roanna.
Ela correspondeu com um sorriso afetuoso.
- Mesmo assim, alegra-me o fato de Johnathan ser mais sensível.
- Oh, se ao menos tivesse levado sir Edward com ele!
Aquele normando gorducho está me bombardeando de per¬guntas desde que Johnathan atravessou os portões do cas¬telo. Quer saber onde nosso filho foi, por que, o preço da lã e quanto Diarmad paga por gleba.
- Talvez ele esteja curioso acerca do mercado de lã.
- Espero que seja somente isso. Mas a verdade, Roanna, é que não suporto o homem. É tal qual Mott. Persegue-me o tempo todo. Juro que vou acabar sendo grosseiro com nosso hóspede.
- Johnathan voltará logo - ela o lembrou. - Mantenha a conversa com assuntos triviais. Não é necessário dar a sir Edward nenhuma resposta direta.
- É fácil falar - Emryss queixou-se. - Você pode in¬ventar desculpas como ir à cozinha verificar o serviço dos criados, ou conferir o estoque da despensa, ou ainda alegar que vai supervisionar as lavadeiras. Sou obrigado a distrair o normando gorducho.
- Isso não significa que também seja forçado a discutir um tema específico.
- Mas ele não pára de bisbilhotar!
Roanna virou-se de lado e encarou o amado marido.
- Você sobreviveu ao campo de batalha, ferido e quase à beira da morte, depois de Richard tê-lo deixado para trás em terra estranha. E agora quer me convencer de que não con¬segue agüentar a impertinência de sir Edward D'Heureux?
Emryss DeLanyea franziu a testa e riu.
- Suponho que eu consiga ... Porém, começo a pensar que guerreiros sarracenos sejam oponentes mais brandos comparados ao normando gorducho.
- Você acha que ele aprovaria Johnathan como futuro marido da filha?
- Sim, tenho certeza. E é isso que mais me preocupa. Um normando como ele deveria ficar horrorizado ante a perspec¬tiva contaminar a linhagem da família com sangue galês.
- Talvez sir Edward seja um nobre esclarecido. Você deveria lhe dar crédito.
-- Esclarecido? - O barão fez uma careta. - Edward D'Heureux? Prefiro acreditar que o rei possuí duas cabeças. - Emryss sacudiu a dele em negativa. - Não, há algo muito estranho no comportamento de sir Edward.
- E quanto à filha? O que acha dela agora?
- O que você acha dela, minha adorada inquiridora?
Notei que tem passado muito tempo com lady Rosamunde nos últimos dois dias. Sem dúvida, sua opinião conta mais que a minha.
- Tenho certeza de que ela quer se casar com Johnathan. Irritado, Emryss resmungou impropérios.
- Eu receava que fosse dizer isso.
- Entretanto, não sei por que razão Rosamunde almeja esposar nosso filho.
- Porque Johnathan é um jovem fino €i possuí pais mara¬vilhosos - Emryss respondeu. - O que mais precisamos saber?
- Eu queria descobrir por que exatamente Rosamunde escolheu Johnathan. Se evidenciarmos o motivo real, talvez possamos prever o futuro de um possível casamento. As intenções dela irão nos mostrar as perdas e os ganhos de ambos os lados. Entende?
- Claro que entendo, minha amada. Dessa forma sabe¬remos se nosso querido filho será feliz ou miserável.
- O que me deixa um pouco tranqüila é que Johnathan não mencionou casamento com ninguém, nem mesmo com Rosamunde.
- Você parece convicta de que ela o escolheu como se Johnathan não tivesse nenhum direito a opinar. Ele é nosso filho, Roanna, não um peixe que compramos no mercado.
- Estou de pleno acordo, Emryss. Contudo, precisamos ser muito cuidadosos em relação ao que dizer a Johnathan, a Ro¬samunde e ao pai dela. Na verdade, quanto menos revelarmos a sir Edward, melhor - Roanna o preveniu. - Se Johnathan não tiver decidido, nossos temores não terão razão de ser.
- Se ele decidir se casar com lady Rosamunde, o que vamos fazer?
- Recebê-la de braços abertos em nossa família, claro. Talvez quando ela vir que é amada e acarinhada ...
- Acredita que seja esse o problema dela? Pensei que fosse alguma moléstia grave.
- E se a moléstia for um desejo cego de enriquecer à custa de um casamento?
- Mais uma vez, meu amor, minha dona, submeto-me a sua sabedoria.
- Emryss, não quero que meu filho se case com uma mulher que não o ama. Mas, se o fizer, vou rezar para que ela o ame um dia.
- Já que você se casou sem necessidade e veio a amar seu marido, quem sou eu para discordar?
Roanna riu e aconchegou-se no peito másculo e seguro de Emryss.
- Sabe muito bem que me apaixonei por você tão logo tirou aquela armadura do rosto e olhou para mim. - En¬tristecida ante o destino do filho, Roanna suspirou. - In¬felizmente, acredito que lady Rosamunde não sinta o mesmo quando Johnathan olha para ela.
Passados três dias, Johnathan retornou do castelo de seu irmão que se localizava ao norte de Craig Fawr. Ele caval¬gava devagar pela floresta, na trilha que bordejava o rio, ainda perdido em pensamentos conflitantes.
Se o barão desconfiara de que o repentino desejo de es¬coltar o carregamento de lã era incomum, Emryss DeLanyea não fizera nenhum comentário sobre o fato.
À delicada lady Rosamunde,Johnathan havia dito que não lhe agradava ficar tanto tempo longe dela e estaria ansioso para revê-la quando voltasse. Porém, no íntimo, o verdadeiro motivo da súbita viagem fora preparar-se emo¬cionalmente a fim de pedi-la em casamento. Necessitava estar de mente clara e coração aberto quando o fizesse.
Visitar o irmão e a família havia sido uma mudança agra¬dável e bem-vinda. Seona, a esposa de Griffydd, estava ani¬mada e praticamente recuperada do dificultoso parto de gêmeos, realizado dois anos atrás. O nascimento das crian¬ças quase a matara, e Johnathan sabia que a iminente perda da mulher também tinha arrasado o forte e severo Griffydd. Agora ambos pareciam contentes e felizes com a vida sim¬ples ao lado dos filhos.
Mais que nunca, Johnathan teve certeza de que a rotina tranqüila e pacata não lhe servia. Não condenava aqueles que se satisfaziam com o pouco que possuíam. Ele, no en¬tanto, ambicionava mais.
De repente, seus devaneios foram interrompidos por um grito estridente.
Puxou as rédeas do cavalo no instante em que um corpo diminuto tombou sobre as folhas secas, caindo de um imenso carvalho a poucos metros de sua montaria.
Ágil, Johnathan apeou do cavalo e precipitou-se em di¬reção ao garoto que, rapidamente, reconheceu como sendo Arthur. Felizmente a queda fora amaciada pela pilha de folhas ,no solo, se o menino houvesse caído sobre a terra, poderia estar morto.
- Está machucado?
Resmungando, Arthur levantou-se e limpou a sujeira das roupas.
- Não. Eu escorreguei - ele reclamou, agastado com o acidente.
Johnathan sorriu. Aquela irritação tão habitual o garoto não herdara de Dylan, mas sim do temperamento da mãe.
- Estava subindo nas árvores, Arthur? Não quebrou nenhum osso, pelo que vejo.
Curioso, Arthur encarou Johnathan por um longo momento.
- Você esteve fora.
A afirmação soou acusatória, mas Johnathan não deu importância.
- Fui visitar Griffydd e Seona - respondeu, alegre. ¬Você está sozinho ou Trefor continua na árvore? Será que ele também vai despencar do céu como uma maçã madura?
- Trefor está com nosso pai.
-Ah.
Agora o motivo da irritação ,de Arthur estava justificado.
O descontentamento,• afinal, não advinha de alguns arranhões ou da frustração de escorregar do galho. Dylan não fazia distinção entre os filhos, mas, certamente, Arthur não enxergava a relação com o pai dessa maneira.
- Em minha sacola há alguns doces que Seona fez. São para lady Roanna, mas não creio que ela irá se importar se você experimentar um - Johnathan ofereceu.
O menino sorriu.
- Eu não me importo.
- Que bom. - Johnathan voltou ao cavalo, puxou as rédeas do animal e amarrou-as em um arbusto.
Tão logo encontrou os doces na sacola de couro, atada à sela, aproximou-se de Arthur, que já havia se aboletado ao pé de um dos carvalhos. Johnathan então sentou-se ao lado dele e ofereceu a guloseima. O garoto pegou uma e começou a degustá-la em silêncio.
- Seona é ótima cozinheira, não acha? - Johnathan perguntou, por fim.
Arthur assentiu.
- Mas não tão boa quanto minha mãe - o menino mur¬murou de boca cheia.
Embora fosse uma deslavada mentira, Johnathan man¬teve o semblante sério, na esperança de não rir. Samantha era péssima cozinheira. Porém a lealdade de Arthur supe¬rava qualquer defeito.
O garoto corou um pouco, parecendo ciente de que John¬athan não acreditara nele. Então resolveu corrigir-se:
- Ivor vive dizendo que ela é boa cozinheira.
- Você fala como se não gostasse do capitão da guarda o barão.
- Eu gostaria mais dele, se dormisse no alojamento dos soldados no castelo.
Uma súbita pontada no peito surpreendeu Johnathan. Ignorou-a, preferindo mudar de assunto.
- Por quanto tempo Trefor ficará com Dylan dessa vez?
- Duas semanas inteiras.
- Duas semanas inteiras? - Johnathan repetiu, comovido. - E quando você irá visitar seu pai?
- Não sei.
- O que sua mãe diz a respeito?
Arthur deu de ombros.
- Seu pai o ama, você sabe - Johnathan afirmou, sincero.
- É o que minha mãe diz.
- Não acredita nela?
De repente, Arthur pareceu desconcertado. Então, pen¬sativo, encarou Johnathan.
- Por que não moramos com meu pai o tempo todo? Por que ele não se casa com minha mãe?
Constrangido, Johnathan arrependeu-se de ter começado o assunto.
- Essas perguntas devem ser feitas a sua mãe e seu pai, não a mim, Arthur.
- Além de primo, você é irmão adotivo de meu pai, não é?
- Sou. O barão deu seu nome a Dylan e o legitimou como filho. Portanto, ele é meu primo e irmão ao mesmo tempo.
- Então por que não pode responder minhas perguntas, Johnathan?
- Porque é um assunto de família e diz respeito a Sa¬mantha e Dylan.
- Mas você é da família.
- Eu sei, Arthur. Contudo, decisões referentes a casamento e moradia competem a Samantha e Dylan. Por que não conversa sobre isso com sua mãe?
Antes que Arthur pudesse se manifestar, alguém mais o fez.
Por que ele não conversa com a mãe a respeito de quê?
Johnathan levantou-se, sobressaltado, e encarou Samantha. Ela surgira na floresta como uma beldade de espírito poderoso. Usava um vestido simples, o qual pouco disfarçava as curvas perfeitas. O tecido era azul-marinho semelhante ao céu no anoitecer. A camisa branca sob a roupa, no entanto, ocultava os seios fartos. Os longos cabelos castanhos estavam presos na nuca e algumas mechas onduladas, sol¬tas, roçavam as faces rosadas.
Ele nunca havia notado a perfeição dos lábios carnudos e sensuais ou o jeito que Samantha inclinava, de leve, a cabeça demonstrando surpresa. Mal podia conceber que a fabricante de cerveja altiva e desdenhosa, com quem tivera inesquecíveis momentos de amor, era a mesma que se apre¬sentava a seu lado.
Johnathan adorava aqueles cabelos sedosos e brilhantes que pareciam vibrar com a mesma energia de Samantha. Um dos aspectos que mais o atraía nela era a vitalidade saudável, uma espécie de aura de felicidade irradiante. Tal¬vez nunca tivesse mesmo encontrado uma pessoa tão de bem com a vida, cheia de euforia ou mais ajustada em seu ambiente. Notara desde o primeiro encontro de amor, o calor de sua personalidade comunicativa aliada a uma nítida con¬fiança em si mesma.
- O que faz aqui? - Johnathan perguntou. De súbito
reparou que ela carregava uma enorme toalha de algodão sob um dos braços.
Samantha lançou-lhe um olhar hostil.
- Embora não seja de sua conta, sir Johnathan, pretendo tomar banho no rio. Mas, primeiro, vim procurar Arthur - ela prosseguiu em um tom mais suave ao fitar o filho.
- Seu pai acaba de chegar e quer vê-lo.
Sorridente, Arthur ergueu-se.
- Verdade?
- Verdade - Samantha respondeu. Os olhos brilhavam de felicidade enquanto sorria para o filho.
Atônito, Johnathan jamais a vira sorrir daquela maneira a alguém, muito menos a ele. Tampouco a Dylan. Além disso, teve a nítida impressão de que estava sendo ignorado de propósito. Devia dar meia-volta e continuar o caminho rumo ao castelo, disse a si mesmo.
Porém, não o fez.
- Dylan veio ter comigo para saber se você pode partir com ele amanhã - ela contou a Arthur - Quer ficar com o filho um pouco mais de duas semanas.
- Mais de duas semanas? - Arthur repetiu com uma alegria que Johnathan podia partilhar, dada a conversa que haviam tido momentos antes.
- Foi o que ele me disse - Samantha confirmou, ainda ignorando Johnathan. Aproximou-se do menino e passou o braço ao redor dos pequenos ombros.
- Oh, eu posso, mãe? - Arthur gritou.
- É claro. Já arrumei suas roupas. Iremos jantar no castelo hoje, e você passará a noite com seu pai porque terão de partir amanhã de madrugada. Agora vá para casa. Dylan está ansioso a sua espera.
Arthur não precisou de maior incentivo. Em instantes, de¬sapareceu entre as árvores frondosas, deixando para trás apenas o som de seus passos apressados sobre as folhas secas da trilha.
Samantha observou o menino, sem se lembrar da presença de Johnathan. Sentia-se serena e aliviada pela alegria estampada no semblante de seu amado filho.
Por sua vez, Johnathan quase desejou que ela continuasse ignorando-o para poder observar por mais tempo aquela surpreendente figura de mulher. Mas, de repente, Samantha o encarou com um olhar impertinente.
- Vejo que também voltou a Craig Fawr.
- É óbvio - Johnathan replicou. - E a chegada de Dylan, com certeza, é um motivo de satisfação para meus pais.
Ela sorriu, maquiavélica.
- Estou certa de que para lady Rosamunde seu retorno será um motivo de grande satisfação! Ouvi dizer que ela ficou deprimida durante sua ausência.
- Quem lhe disse isso? Ivor?
O sorriso irônico dissipou-se.
- São boatos do vilarejo. - Ela se virou em direção ao rio. - Tenha um bom dia, sir Johnathan.
- Você não pretende se banhar sozinha no rio, certo? Samantha parou e fitou-o com um brilho matreiro nos olhos.
- Quer me fazer companhia?
- Não foi o que eu quis dizer - Johnathan retrucou.
- Não é seguro ficar aqui sozinha, e, além do mais, a água deve estar gelada.
- Gosto de me banhar na água fria. E não preciso de um guarda para me proteger. Mais uma vez, sir, desejo-lhe um bom dia .
Com um gesto insolente, ela começou a caminhar entre os arbustos que cresciam à beira do rio. Preocupado, Johnathan resolveu segui-la.
- Samantha, apesar de esta floresta ser segura, uma mulher solitária pode tornar-se uma tentação para qualquer malfeitor que esteja de passagem.
"Especialmente uma mulher tão linda quanto você", acrescentou em pensamento.
Ao considerar a observação, ele começou a se questionar se cinco dias longe de Craig Fawr tinham sido o suficiente para superar a tola atração que sentia por Samantha.
Tão logo a alcançou à margem do rio, notou que ela já havia soltado os longos cabelos que se encontravam caídos sobre os ombros e os seios. Johnathan ficou fascinado com aquela visão e sentiu um forte desejo queimar-lhe.
Depressa, recordou os cabelos loiros de lady Rosamunde, sempre cobertos por um capuz ou uma fina echarpe de seda. Ela tratava-se de um ser intocável, talvez até divino.
- Samantha - chamou-a com uma firmeza que estava longe de sentir. -- Precisamos conversar.
- Já lhe disse que não tenho intenção de contar a nin¬guém o que fizemos. Caso seja essa sua preocupação, pode seguir seu caminho. Portanto, não há nenhum assunto para tratarmos, creio eu.
- É a respeito de Arthur.
A expressão tornou-se beligerante.
- O que tem meu filho?
- Ele quer saber por que não moram com Dylan e por que motivo você não se casou com o pai dele.
A postura desafiadora desapareceu.
- O que você respondeu? - ela indagou, temerosa. Johnathan sentiu como se uma das pedras do castelo houvesse tombado sobre sua cabeça. Nunca imaginara que Samantha pudesse se preocupar com alguma coisa ou ti¬vesse algum conflito pessoal.
- Que ele deveria perguntar a você e a Dylan - Joh¬nathan respondeu: - Pensei em adverti-la para que pudesse se preparar.
Ela suspirou.
- Creio que devo pedir auxílio divino quando ele o fizer
- Samantha refletiu em voz alta. Em seguida, voltou o olhar a Johnathan e, recuperando a hostilidade habitual, acrescentou: - Obrigada pelo aviso. Agora, se me der li¬cença, o tempo urge. Contrária a algumas pessoas que não têm deveres a cumprir, eu tenho muito a fazer.
- Deixe que Arthur se dirija a Dylan - ele sugeriu, calmamente.
Os olhos dourados faiscaram quando Samantha franziu a testa.
- Não. Arthur é meu filho. É minha obrigação explicar-lhe que um homem e uma mulher podem fazer amor e gerar uma criança, sem o dever de constituir um casamento oficial.
De repente, outra pedra pareceu cair sobre a cabeça de Johnathan. Deus, ele também poderia ter concebido um filho com Samantha!
Seu filho. E de Samantha.
Como não havia considerado essa possibilidade tão evidente? Conhecia a reposta. Estivera tão ocupado condenando-se pela própria luxúria e sonhando com o eventual casamento com lady Rosamunde que lhe escapara esse pensamento.
Maldição! Devia ficar apavorado e não se vangloriar, ima¬ginando que tal eventualidade seria um verdadeiro ... deleite. E um orgulho.
Que Deus o abençoasse, pois já começava a visualizar o rosto angelical de seu bebê.
- Não é melhor apressar-se e voltar ao castelo? - Sa¬mantha perguntou. - Lady Rosamunde deve estar contando os merlões do castelo à espera de seu cavaleiro. - O sem¬blante outrora zombeteiro tornou-se preocupado. - O que foi? Está doente?
- Não. - Ele puxou os cabelos para trás Como se esse movimento o ajudasse a pensar. - Eu só ... Preciso ir embora.
- Então vá.
- Irei.
Dito isso, Johnathan virou-se e caminhou entre os ar¬bustos. Encostou-se no tronco de uma árvore quando outro pensamento o invadiu. Um fato que destruiria a felicidade ocasionada pela idéia de ser o pai do filho de Samantha.
Tal qual comunicara a ela, Johnathan tinha planos. Planos ambiciosos. Perspectivas de futuro que finalmente o tornariam importante por direito. E para que os sonhos se realizassem, precisava casar-se com uma mulher como lady Rosamunde.
Não, não. Queria unir-se a lady Rosamunde, que também possuía uma beleza aprazível. Sem dúvida, ela não seria a favor de um noivo que concebera um filho em outra mulher enquanto a cortejava.
Apavorado com a probabilidade, ele marchou de volta à margem do rio ... e encontrou Samantha nua, imersa sob a água fria até a cintura.
A despeito do ato de amor, Johnathan jamais vira aquele corpo nu. Embora não pudesse divisá-la por inteiro; avistou o bastante para ficar imobilizado imaginando como seria o todo.
Os cabelos brilhantes e sedosos roçavam os magníficos seios, os mamilos estavam túrgidos pelo contato com a água gelada. A pele alva em contraste com a densidade do rio verde-escuro a transformava em uma deusa, surgindo das profundezas das águas .
Os lábios carnudos encontravam-se entreabertos, convi¬dativos, e os olhos dourados fixavam-se em Johnathan. Ela o fitava com uma expressão divertida e desafiadora, como uma criança traquinas.
Ele engoliu em seco enquanto Samantha continuava a encará-lo autêntica e sedutora.
- O que você quer agora? - ela indagou. Johnathan sentiu uma tontura súbita.
- Eu ... não consigo conversar com você desse jeito.
- Vá embora então e conversaremos hoje à noite no castelo, se for necessário.
- Não! - Ele não podia fazer isso. Não conversaria com Samantha na presença de lady Rosamunde. - Tem de ser agora.
- Pode ser um cavaleiro, destinado a tornar-se lorde algum dia, sir Johnathan DeLanyea - Samantha replicou, desdenhosa - mas não tem, e nunca terá, o direito de me dar ordens.
Sem aguardar uma resposta, ela mergulhou na parte mais profunda do rio. O movimento revelou a nudez dos quadris e as pernas esguias.
Johnathan sentou-se sobre a relva e escondeu o rosto entre os braços cruzados. Faltava-lhe forças para controlar seus instintos masculinos. Tinha de fazê-la entender que não poderia reconhecer uma criança se ela viesse a dar à luz em oito ou nove meses.
Porém, renegar o próprio filho ...
Precisava ser assim. Era importante para ele atingir sua meta ambiciosa. Além do mais, se legitimasse a criança e lady Rosamunde viesse a rejeitá-lo por causa disso, Joh¬nathan não iria odiar o filho por havê-lo impedido de con¬cretizar seus planos de tornar-se um lorde bem-sucedido?
A melhor alternativa seria renegar o primogênito a fim de prevenir maiores aborrecimentos. Para o bem do pobre bastardo. E para o bem de seu futuro.
E como teria certeza de que o suposto filho de Samantha era dele? Em Craig Fawr todos sabiam que ela oferecia favores livremente. O comentário disparatado de Arthur não lhe provara que Ivor usufruía da cama de Samantha?
Johnathan não invejava o capitão da guarda. Ainda mais agora que poderia depositar o crédito, não, a culpa, nos ombros de Ivor.
Ao escutar o ruído da água, ele ergueu o rosto. Viu então Samantha saindo do rio e pegando a toalha de algodão. Antes de ela se enrolar no tecido, Johnathan pôde divisar o conjunto perfeito do corpo escultural que, ofegante, come¬çava a azular de frio.
- O que você tem a dizer deve ser muito importante ¬Samantha comentou, batendo o queixo.
- Eu lhe avisei que a água devia estar gelada. - Joh¬nathan levantou-se.
- E eu lhe disse que gosto de me banhar na água fria - ¬ela retrucou, esfregando os braços. - O que precisa me dizer?
- Se você descobrir que carrega um filho no ventre, não . vou reconhecê-lo como meu.
Samantha deixou o tecido cair na terra e começou a se vestir com movimentos bruscos.
- Vou pedir a mão de lady Rosamunde - ele prosseguiu.
- E não quero que nada interfira em minha decisão. Como você mesma afirmou, somos ambos responsáveis por nossos erros. Aliás, a criança que talvez esteja em seu ventre, pode ser de Ivor, ou de qualquer outro homem pelo que sei.
Calada, Samantha abaixou-se para recolher a toalha.
Quando se reergueu, o rosto sombrio não revelava ne¬nhuma emoção.
- Se eu estiver grávida, serei obrigada a deixar Craig Fawr para que sua noiva não saiba que se deitou com outra?
- Exato.
- Você pagaria por isso? - Samantha indagou, com espantosa frieza.
Johnathan a estudou, aparvalhado. Jamais imaginou que ela fosse tão sedenta por dinheiro.
- Estaria disposto a me oferecer uma boa soma para que eu desaparecesse com seu filho? - ela continuou, im¬placável. - Dessa maneira, a normanda não descobriria que você fez amor com uma camponesa na mesma ocasião em que a pediu em casamento. Estou certa?
- Samantha - começou, aborrecido com as palavras claras, diretas e de conotação desonrosa.
No entanto, eram verdadeiras. Johnathan, em sã consciên¬cia, não poderia contradizê-la. O que ela dizia não era a mais pura realidade? Onde estaria seu senso de responsabilidade? E a dignidade que desejava aparentar a lady Rosamunde não parecia falsa ante a recusa de um filho bastardo?
Mas Johnathan tinha planos a considerar, e esses deve¬riam ser atingidos a qualquer preço, não poderia se ater aos deveres e imposições de cunho emocional.
- Se você estiver disposta ...
Antes que ele terminasse, Samantha deu um passo à frente e estapeou-lhe a face.
- Se em algum momento tive vergonha - Samantha esbravejou, trêmula -, foi do que não fiz quando o encontrei aquela noite no corredor do castelo. Envergonho-me de ter permitido que um homem, capaz de pagar para renegar o próprio filho, chegasse perto de mim.
Ela aproximou-se até ficar face a face com Johnathan.
- Saiba, sir Johnathan DeLanyea, que se eu estiver car¬regando um bebê no ventre e esta criança nascer com sua imagem e semelhança, prefiro morrer a admitir que o deixei me tocar.
Samantha recuou, ensaiando uma postura arrogante.
Lady Rosamunde jamais saberá seu segredo, fique certo disso. Talvez assim você seja feliz com a esposa que merece! - ela esbravejou e foi embora.
- Estou pensando que chegou a hora de jovens guerreiros irem repousar - Dylan DeLanyea disse a Arthur, após o jantar no tumultuado saguão do castelo.
- Mas ainda é muito cedo, pai.
Os olhos do mais jovem barão brilharam de orgulho diante dos protestos de Arthur.
- Temos de estar prontos ao amanhecer, meu filho. Por¬tanto, não adianta reclamar. Dê um beijo de despedida em sua mãe e vá dormir. Mas lave o rosto antes de se deitar.
Samantha inclinou-se para beijar o filho.
- Seja um bom menino para seu pai e lady Genevieve, Arthur, e faça tudo que lhe mandarem - ela pediu. ¬Espero que volte logo, querido. Sinto falta de barulho quando não está em casa.
Arthur corou. Samantha sabia que o garoto não podia suportar excesso de carinho maternal na presença de outras pessoas.
- Farei tudo isso, mãe. Boa noite.
- Boa noite, meu filho.
Já saudosa, Samantha observou o menino atravessar o saguão do castelo, correndo em direção à torre que dava acesso aos aposentos de Dylan. Arthur passaria a noite em Craig Fawr para, na manhã seguinte, seguir ao legado do pai, onde permaneceria por duas intermináveis semanas.
Havia sinceridade em suas palavras. Ela sentiria falta do movimento constante da criança dentro de casa. Saman¬tha não gostava de ficar só, e a presença ativa do filho era para ela a melhor companhia do mundo.
Se ao menos conseguisse ignorar a presença de Johnathan e lady Rosamunde sentados à mesa principal sussurrando como amantes, seria um grande alívio para aquele coração apertado e infeliz. Ele estava tão charmoso quanto Dylan. A pele morena combinava com a túnica preta bordada de fios dourados. A dama, por sua vez, tornava-se uma visão adorável naquele vestido verde que brilhava cintilante sob os reflexos das chamas das tochas. As jóias também cinti¬lavam, e a beleza da normanda figurava-se tão etérea quan¬do a de um anjo.
Naquela noite até o sorriso de lady Rosamunde parecia luminoso. Talvez Johnathan já a houvesse pedido em casa¬mento, e ela consentira.
Samantha esperava que ambos contraíssem uma moléstia grave que lhes deixasse a pele empipocada.
- Ele está crescendo rápido - Dylan comentou. - Vai se tornar um belo rapaz - completou, orgulhoso de si mesmo.
Com um sorriso afável, Samantha fitou o atraente guer¬reiro. Sempre gostara de Dylan, era impulsivo, honesto e passional. Na verdade, tratava-se de um homem muito bo¬nito. Naquela noite, vestindo as mesmas roupas simples desde a chegada a Craig Fawr, ele inspirava mais altivez que muitos homens que usavam o mais fino traje que o dinheiro podia comprar.
Claro, o excelente físico contribuía para a boa aparência, mas havia o charme natural e divertido em Dylan que nem mil anos de estudo ou fortuna poderia modelar.
- Creio que meu talento culinário está colaborando para o crescimento de Arthur.
Dylan soltou uma gargalhada espontânea, provocando o riso das pessoas ao redor. O único defeito do jovem barão, na realidade, era o excesso de vaidade; adorava ser o centro das atenções.
- O mais adequado a dizer é que, a despeito de seu talento culinário, nosso filho está crescendo com saúde.
Os membros da mesa murmuraram protestos e trocaram olhares curiosos à espera da resposta de Samantha.
- Você nunca provou minha comida - ela retrucou. Os companheiros de mesa riram.
- Não me diga que está criando nosso filho com cerveja?
- Todo mundo bebe cerveja - Samantha argumentou -, e a minha é a melhor. Porém Arthur come o bastante para alimentar uma tropa inteira de guerreiros.
- Vou pedir a minha esposa que reforce as refeições. Samantha riu e tocou o braço do ex-amante.
- Boa idéia, Dylan.
Enquanto os criados chegavam para retirar os pratos das mesas, um menestrel iniciou os primeiros acordes. Os ho¬mens, incluindo Dylan, levantaram-se a fim de empurrar os móveis até as paredes e abrir espaço para a dança. Várias pessoas precipitaram-se ao centro do grande saguão, segui¬das do barão e sua esposa.
- Está com vontade de dançar? - Dylan indagou quando se sentou ao lado de Samantha no banco de madeira.
- Não, estou cansada. Com tantos hóspedes no castelo, meu trabalho na cervejaria aumentou. Pensei que a convi¬vência normanda não fosse tão agradável, mas pela sede de sir Edward vejo que me enganei. Ele adora minha cerveja.
- Eu ficaria surpreso se não gostasse. E seu braggot? Oh, é o néctar dos deuses, Samantha .
- Quer que o pobre homem tenha uma terrível dor de cabeça pela manhã? Braggot é muito forte para os norman¬dos. Porque a bebida tem gosto de mulso, pensam que ela é fraca e inofensiva quanto chá e abusam na dosagem, es¬quecem-se de que há cerveja na mistura.
- É verdade. Eu sei o que é se embebedar de braggot - Dylan admitiu. - A dor de cabeça faz com que uma sessão de tortura no calabouço pareça uma bênção divina. Veja, acho que ele já consumiu um barril de cerveja - prosseguiu, apontando sir Edward que, sentado ao lado da poltrona do barão, demonstrava extrema beatitude.
Então Dylan estudou o casal que se encontrava próximo a sir Edward.
- Quando vão anunciar o noivado?
- Quem? - Samantha perguntou, seguindo o olhar de Dylan .
- Ora, Johnathan e aquela lady Rosamunde.
Ao lembrar-se do comentário semelhante de Arthur sobre "aquele Ivor", Samantha sorriu.
- Você não parece aprovar a união. A normanda é muito bonita.
- Francamente, Samantha, tenho olhos.
- A beleza não é suficiente? - ela indagou, curiosa.
- Não. - Dylan ficou sério por alguns instantes e depois sorriu. - Ela pode ser adequada para a nobreza, mas parece tão fria quanto gelo e não me inspira a menor confiança. Gostaria que Johnathan fosse mais sábio e não se deixasse levar pela beleza, influência e poder.
- E mesmo, milorde? - Samantha perguntou, com fin¬gida inocência. - Não foram esses os motivos que o levaram a se casar?
- Não, e você sabe disso. - Dylan olhou-a com rudeza.
- Eu não desperdiçaria meu tempo com ambições de caráter tão pouco nobres.
- Muito menos Johnathan.
Quando Dylan encarou-a espantado, ela desejou não ter deixado transparecer sua irritação.
- Como você disse, um homem não deveria desperdiçar seu tempo com ambições tão pouco nobres - Samantha repetiu, disfarçando seu constrangimento.
- Por um momento imaginei que estivesse enciumada.
- Ciúme daquela mulher? - Samantha soltou uma risada. - Na verdade, gosto das roupas dela, mas não são trajes adequados para usar na cervejaria, concorda? Acha que também tenho ciúme de sua esposa? Nem por um ins¬tante, Dylan - confessou.
Surpreendeu-a saber quão verdadeira era aquela afirmação.
No fundo, Samantha não invejava a sorte de Genevieve, embora se orgulhasse de ser a mãe do filho de Dylan. Tal prerrogativa fortaleceu a determinação de continuar ignorando .Johnathan e lady Rosamunde. Não pretendia sentir ciúme dele.
- Acho que tomei vinho demais - Dylan ponderou, exa¬minando o cálice em sua mão.
Tão logo notou que se encontravam sozinhos, apesar da agitação dos convidados, Samantha respirou aliviada.
- Devo avisá-lo, Dylan, que Arthur pode lhe perguntar por que razão não vivemos juntos ou somos casados.
- Ah! - ele exclamou, desapontado.
- O que vai lhe dizer?
- O que você lhe disse?
- Arthur não me perguntou nada ainda.
- Então o que a fez me advertir sobre esse fato e de forma tão grave?
- Johnathan conversou com ele hoje de manhã e creio que Arthur o questionou a respeito disso.
- Johnathan? - Dylan arregalou os olhos.
- Fiquei tão surpresa quanto você.
- Johnathan lhe contou a conversa que teve com Arthur?
- Contou.
Dylan pareceu tão agastado quanto lhe era possível.
- O que ele falou ao menino?
- Que Arthur devia perguntar a nós dois.
- Graças a Deus! - ele exclamou, aliviado. - Posso imaginar que tipo de explicação Johnathan teria dado, caso esti¬vesse tomado pelas honradas virtudes da nobreza. Meu irmão adotivo tem vivido demais no meio dos normandos, penso.
- O que dirá a Arthur? - Samantha indagou, ansiosa para mudar o rumo da conversa. Não queria se lembrar do encontro com Johnathan, enquanto tinha um assunto tão importante a tratar.
- Vou lhe dizer que não moram comigo porque o lar de vocês é aqui - Dylan respondeu. - E não somos casados porque ... porque ...
- Porque você é um lorde, e sou uma simples fabricante de cerveja?
- Ora, Samantha - Dylan esfregou o queixo -, essa justificativa me parece fora de propósito.
- Em parte, é verdade. Ou você poderia dizer que não somos casados porque é um lorde e eu não sou uma lady.
- Não vai ajudar em nada. E, se eu disser isso, ele se sentirá inferiorizado, embora seja meu filho.
- Arthur sabe muito bem que é seu filho caçula - Sa¬mantha o lembrou. - Às vezes, acha que você prefere Trefor a ele, e Trefor tira vantagem dessa fraqueza.
- Eu sei. - Dylan suspirou, resignado. - Há bons e maus na linhagem dos DeLanyea, e, em certas ocasiões, temo que Trefor tenha herdado aspectos ruins de meus an¬cestrais. Darei o melhor de mim para eliminar tais defeitos e garantir que Arthur saiba que amo meus filhos da mesma maneira, como amaria outras crianças, se as tivesse.
- Quer dizer que Genevieve ... - Samantha nem ousou terminar a frase, sensibilizada pelo problema da esposa de Dylan.
- Não, ela não pode ter filhos. Dylan fez uma pausa, pensativo.
- Se Arthur não a questionou, talvez nem sequer con¬verse comigo a respeito.
Samantha foi obrigada a sorrir. Dylan era capaz de en¬xergar o sol por trás de cada nuvem cinzenta.
- Podia dizer a ele que não me achava bonita o bastante para casar.
- Samantha!
- Ou então que era o homem mais volúvel do castelo e que eu teria zombado de você, caso fosse louco o suficiente para pedir minha mão.
- Agora você feriu meus sentimentos mais ternos. Tenho sido absolutamente fiel a minha mulher e não pretendo mudar essa condição - ele afirmou. Ao observar os dançarinos, tornou-se sério. - Duvido de que a jovem normanda que está dançando com nosso Johnathan possua os mesmos princípios que eu.
Então Samantha olhou lady Rosamunde, que se movia graciosa como uma borboleta entre as flores.
- Oh, ela é muito sutil - Dylan comentou. - Mas, como conheço bem as mulheres, estou certo de que ela nunca será feliz na cama junto a um único homem.
Apesar de não querer se importar com a futura esposa de Johnathan, sua possível infidelidade ou a causa desta, Samantha sentiu certa indignação.
- Acha que ela terá amantes?
Dylan sorriu, sarcástico.
- Eu apostaria uma soma considerável como conseguiria levá-la a minha cama hoje à noite, se estivesse inclinado a me deitar com aquela normanda.
- De onde vem tanta certeza? - ela indagou, desconfiada.
- Duvida de meus talentos inatos?
Tal qual dissera Dylan, ele conhecia as mulheres. Não tão bem quanto parecia pensar, mas Samantha não podia ignorar a preocupação do mais jovem dos barões .
- Vai revelar a Johnathan o que pensa?
- Creio ser mais sábio conversar com o barão. Johnathan ficaria zangado comigo e diria que não estou em posição de dissertar sobre fidelidade, dadas as histórias que vivi antes de me casar.
- Mas você nunca teve mais de uma amante por vez e não era casado na época. Nem mencionou casamento ou amor - ela justificou. - Sei que ele segue normas rígidas, mas não deve se comparar a você.
- Conhece Johnathan, Samantha. Ele deve e provavel¬mente se compara a mim e ao irmão - Dylan concluiu, infeliz. - Bem, esperemos que meu primo não a peça em casamento. Agora, por falar nisso, como vai Ivor?
Samantha tentou não parecer aborrecida.
- Não planejo me casar, e Ivor pensa da mesma maneira. Eu não citaria o capitão da guarda na presença de Arthur. Ele não o suporta.
- Posso deduzir por sua expressão que Ivor saiu do tor¬neio. - Dylan brincou. - Estou certo?
Ela deu de ombros.
- Muito bem, não vou mencionar Ivor. Explicar a nosso filho por que não sou casado com você será uma tarefa bem mais árdua - ele se queixou.
- Diga a verdade a Arthur, Dylan. Conte-lhe que não me amava o bastante para desejar casar-se e que eu também não o amava a ponto de aceitar um suposto pedido.
- Às vezes, sua vasta sabedoria me espanta - Dylan confessou. - Tenho a mais absoluta certeza de que você sempre foi e sempre será a melhor mãe e esposa que um homem pode desejar.
- Ora, pare com isso. - Samantha ficou ruborizada.
- Falo sério. O homem que conquistar seu coração receberá uma fortuna pela qual o mais rico dos ricos jamais poderia pagar.
As repentinas palavras de Dylan a envaideceram e a cho¬caram ao mesmo tempo. Samantha nunca imaginara que o pai de Arthur tivesse opiniões lisonjeiras a respeito dela. No entanto, embora comovida com a sinceridade da declaração de Dylan, ela preferia que Johnathan a houvesse proferido.
Além de tantos atributos relativos à beleza, elegância e boas maneiras, lady Rosamunde também dançava com perfeição. Era realmente uma dama e muito sucesso deveria fazer entre os nobres freqüentadores dos famosos salões de festa da corte inglesa.
Johnathan deliciava-se em observar os movimentos gra¬ciosos e desenvoltos enquanto rodopiavam pelo grande sa¬guão do castelo. Como pudera esquecer uma qualidade tão significativa durante sua breve ausência? O perfeito desem¬penho social de uma bela mulher era de fato um quesito importante para quem almejava sobressair-se ante o rei ou os nobres da corte.
Naquele momento em especial, ele podia apostar que era invejado por vários homens, e tratava-se apenas de uma dança! Ora, que jovem cavaleiro naquele jantar poderia ig¬norar tamanha perfeição feminina?
Por mais estranho que parecesse, Dylan, o atraente barão que desde a tenra idade via nas mulheres um objeto de fas¬cinação, nem sequer lançara uni olhar mais prolongado a lady Rosamunde. O assunto que ele discutia com Samantha devia ser muito importante. No mínimo, falavam de Arthur.
Não que Johnathan se importasse com o tema da conversa de ambos. Samantha prometera não revelar a ... indiscrição, e ele não duvidava de que ela cumprisse a palavra .
Tampouco acreditava que Dylan fosse algo mais que um amigo da ex-amante. Seu irmão adotivo amava a esposa e era fiel a ela. Era uma característica marcante de sua per¬sonalidade. Amar uma única mulher de cada vez.
A dança terminou, e Johnathan, todo orgulhoso de sua conquista, conduziu lady Rosamunde de volta à mesa prin¬cipal. Durante o percurso acenou para Gwen, pedindo-lhe que servisse mais vinho.
Gwen, no entanto, não mostrou satisfação em atendê-lo, embora lhe houvesse obedecido. Johnathan achou melhor ater-se a lady Rosamunde a preocupar-se com a insatisfação de uma criada.
Abanando-se delicadamente com uma das mãos, lady Ro¬samunde observava as pessoas presentes no saguão.
- Quem é aquele homem o qual seu pai escuta com tanto interesse? Um mercador? Se for, receio que os negócios não andem bem porque ele está muito mal trajado, para ser mais precisa, aos farrapos.
Johnathan seguiu o olhar da normanda e assentiu.
- Aquele é Aneirin, o mais velho e respeitado entre os pastores de meu pai.
Lady Rosamunde ficou espantada.
- Ele é um pastor? - perguntou, incrédula.
- Aneirin conhece tudo e muito mais a respeito de ovelhas - Johnathan explicou, sorrindo. - Meu pai o tem em grande estima e sempre pede seus conselhos. O funciona¬mento do sistema feudal prende-se ao mecanismo de reci¬procidade entre o barão e os vassalos. Estes devem deter¬minados serviços que poderão ser, pastoreio, agricultura, pecuária, ou tributos ao senhor que, por sua vez, protege a propriedade e os súditos.
- Oh! - Lady Rosamunde tomou um pequeno gole de vinho e resolveu mudar o rumo da conversa, uma vez que camponeses e servos estavam muito distantes de seu inte¬resse. Discretamente continuou a observar a multidão. ¬E quem é aquela conversando com seu primo?
- Ela se chama Samantha - Johnathan respondeu, em um tom de voz neutro. - Ela fabrica a cerveja que seu pai tanto aprecia.
Johnathan surpreendeu-se ao ver lady Rosamunde torcer o nariz com desprezo. Então lembrou-se de que os norman¬dos em geral preferiam vinho a cerveja. A bebida que Sa¬mantha preparava tão bem era típica da região dos saxões e a preferida pelos camponeses em geral.
- É uma cerveja de sabor inigualável - ele comentou. - Pena sir Edward ter se recolhido antes da dança.
- Sim, mas meu pai já experimentou esse tipo de incômodo, eu lhe asseguro. Não é nada sério.
Johnathan assentiu, agradecendo aos céus, pela indispo¬sição de sir Edward ser de causa menor. Por outro lado, imaginou que a filha deveria estar mais preocupada.
Recordava-se o dia em que Arthur e Trefor haviam comido uma grande quantidade de maçã ainda verde. Samantha não sossegara até descobrir a origem do súbito mal-estar das crian¬ças. Na verdade, ela só respirou aliviada quando a dor de estômago cessou e tornou-se evidente a recuperação de ambos.
Entretanto, Johnathan não podia usar Samantha como exemplo para julgar cada mulher. Ela amava o filho profundamente.
Bem, com certeza, lady Rosamunde também adorava o pai.
- Por que seu primo, um barão pertencente a uma classe social superior, se dá ao trabalho de conversar com uma camponesa? - Lady Rosamunde interrompeu os devaneios e Johnathan. - Por que a ela é permitido freqüentar o castelo, como se fosse ... - A normanda hesitou, franzindo testa. - Como se fosse alguém importante?
- Ela é a mãe do filho mais novo de Dylan.
- Ah, é a tal. Ela parece tão ... comum.
O corpo de Johnathan enrijeceu.
- Está a par da história de Dylan, milady? Lady Rosamunde corou e sorriu, embaraçada.
- Fiz uma pequena investigação sobre sua família. Es¬pero que não fique ofendido.
- Ofendido? Não - ele retrucou, tendo a raiva momentânea apaziguada ao notar o constrangimento da nobre. ¬- entanto, estou curioso para saber a razão.
A curiosidade se estendia a sondar até que ponto ela teria chegado em sua investigação. Johnathan queria se mostrar o impoluto, o homem perfeito e sem mácula para ser digno da bela dama da sociedade.
Queria saber se por acaso a normanda escutara boatos a respeito do desejo que Johnathan nutrira pela esposa do primo. Fora uma forte atração dos tempos de juventude, a qual só foi superada pelos esclarecimentos da própria Ge¬nevieve quando lhe mostrou que o interesse por ela não passava de uma paixão momentânea, uma futilidade juvenil.
Agora estava livre dessa fantasia da juventude, porém a única preocupação era o persistente fascínio por Saman¬tha, e o modo como se sentia nos braços dela apos o ato amoroso, a abençoada paz de encontrar a plenitude de alma. Com certeza, a sensação maravilhosa surgia para atenuar o peso da consciência.
O rubor de lady Rosamunde aumentou. Ela desviou o rosto. - Não devia perguntar a uma lady a razão de seu com¬portamento. Sabe que não é de bom-tom questionar as ati¬tudes de uma dama de sua estirpe - disse, suavizando o tom de voz.
Era assim que uma mulher tinha de se comportar, com modéstia, humildade e timidez.
- Não devia julgar os DeLanyea tendo por base os atos praticados por Dylan antes de se casar.
Os olhos azuis de lady Rosamunde se arregalaram.
- Oh, entendo a natureza dos homens em relação ... às mulheres.
- A natureza de alguns homens - Johnathan a corrigiu.
O sorriso da normanda foi uma dádiva gloriosa.
- E ouvi dizer que ele tem sido fiel à esposa desde o casamento. - Ela observou Dylan e Samantha. - Ao menos, até agora.
Aquela desconfiança ofendeu Johnathan.
- Asseguro-lhe de que é fiel. Dylan ama muito a esposa, e ela o ama .
- Fico feliz em saber - lady Rosamunde replicou. - Porém, se um vinicultor prova o vinho do concorrente, algo esperado na verdade, uma mulher sábia deve aceitar o fato.
Johnathan ficou intrigado. Estaria ela dizendo que se conformaria com a infidelidade de um marido? Em algum momento imaginou que tal disposição o agradaria?
Queria lady Rosamunde satisfazê-lo de tal forma que fora impelida a dizer isso? Quantas evidências seriam necessá¬rias a Johnathan para provar que ela concordaria em re¬cebê-lo como marido? Não precisaria hesitar em lhe fazer o pedido de casamento. Aquele era o momento certo ...
- Lady Rosamunde D'Heureux, nenhum elogio pode fa¬zer justiça a sua beleza - Dylan declarou de algum lugar próximo à mesa.
Irritado, Johnathan conteve-se para não esmurrar o pri¬mo impertinente.
Embora a expressão de Dylan mostrasse simpatia, o olhar inspirava certa preocupação.
- Tenho esperado ansiosamente por uma oportunidade para conversar com milady. Como o primo Johnathan a está mono¬polizando desde o início do jantar, eu receava que nosso encontro não pudesse acontecer hoje à noite. Mas estarei partindo ama¬nhã de manhã, e espero que me perdoe pela interrupção.
No entanto, Johnathan não estava disposto a perdoar Dylan, muito menos lhe agradou o sorriso que dirigiu a lady Rosamunde como se ela fosse ... uma mulher qualquer.
- Não posso me queixar quando sou interrompida para receber um elogio, barão DeLanyea - a normanda murmurou.
Johnathan tinha certeza de que ela não desejava acentuar a diferença entre os dois. O pai de Dylan havia sido um barão e, por conseqüência, ele herdara o título do pai, mesmo sendo filho ilegítimo. Emryss DeLanyea o adotara e o criara como filho, dando-lhe amor e todos os direitos de posse de um rebento legítimo .
Anos antes, o próprio pai de Johnathan comprara os di¬reitos para se estabelecer sob o sistema que apaziguava as tradições galesas e a lei normanda e, acidentalmente, acabara enchendo os cofres do rei da Normandia. Os norman¬dos, ambiciosos homens do norte, também chamados viquin¬gues no Ocidente, eram povos de origem dinamarquesa, no¬rueguesa e sueca. Eles amavam a guerra e o prestígio mi¬litar; gostavam de aventurar-se, principalmente pelo mar.
Uma inteligente técnica de construção naval lhes permi¬tiu construir barcos com quilhas e velas, com os quais per¬corriam longas distâncias. Aproveitavam a primavera para realizar suas expedições saque adoras no litoral da Grã-Bre¬tanha, e no inverno permaneciam estacionados.
Sem esperar pelo convite, Dylan sentou-se entre Johna¬than e lady Rosamunde.
- Lamento não ter podido conversar com seu pai. Ima¬gino que sua indisposição não seja grave.
- Oh, não, é um pequeno mal-estar estomacal. Ele já sofreu da mesma moléstia antes.
- Fico contente em saber que não é sério. O que está achando de Gales até agora?
- Fascinante. E seu tio é um anfitrião maravilhoso.
O charmoso e cortês Dylan entretinha lady Rosamunde que se mostrava muito interessada em manter o diálogo com o famoso conquistador. Johnathan tentava ocultar o descon¬forto causado pela presença de seu primo. Afinal, estava pres¬tes a pedir a mão da normanda quando Dylan o interrompeu.
Talvez devesse ter adivinhado que ele o faria cedo ou tarde.
A despeito de sua felicidade no casamento, Dylan não conse¬guia controlar a tentação de conversar com uma linda mulher, mesmo que isso lhe custasse rumores maldosos.
Ao ouvir a delicada risada de lady Rosamunde, Johnathan olhou para ela. Estava ruborizada e sorrindo. Era óbvio que encontrava prazer nos galanteios de Dylan.
Seu primo não podia se contentar com o amor da adorável esposa? Não lhe teria sido o suficiente conquistar a afeição de tantas mulheres e preservar o sentimento mesmo após romper com elas? Ora, Dylan era capaz ,de conversar ami¬gavelmente com Samantha, discutir a criação de Arthur e ainda sorrir para ela, fazendo aqueles lindos olhos castanhos brilharem de aprovação e expressar vivacidade no belo rosto da camponesa.
De súbito, Johnathan se levantou.
- Se me derem licença, vou tomar um pouco de ar.
A passos largos, atravessou o saguão, sem se importar com olhares curiosos. Nem sequer parou e olhou para trás. Cruzou o pátio interno do castelo e subiu em direção ao platô. Lá ficou, absorvendo o ar frio da noite enluarada. Preso em pensamentos contraditórios, apreciava a paisagem montanhosa da vila.
- Estamos disputando uma corrida? Johnathan virou-se e avistou Dylan sorrindo.
- O que faz aqui?
- Só quero conversar com você, garoto. Não precisa me olhar como se desejasse esmurrar meu nariz.
- Não sou um garoto.
- Não, não é. Lady Rosamunde também não acha. Planeja se casar com ela?
- Não é de sua conta, Dylan.
- Claro que é. Seu suposto casamento representa uma aliança entre minha família e os normandos. Portanto, isso me diz respeito.
Não havia meios de escapar ao interrogatório inconve¬niente do primo; entretanto, Johnathan não tencionava partilhar seus planos com ninguém, tampouco com Dylan.
- Talvez eu a peça em casamento. Tem alguma objeção?
- Há motivos para eu ter?
- Creio que não.
- O que seu pai pensa sobre isso?
- Ele não disse nada contra.
- Entendo. - Dylan encostou-se em um dos merlões que rodeavam o platô. - Nesse caso, também não tenho nada a dizer.
- Que confortador obter sua permissão - Johnathan atacou, com ironia.
- Você devia estar satisfeito por eu aprovar essa união.
- Quem poderia encontrar defeitos em lady Rosamunde? Você se mostrou muito interessado nela agora pouco.
- Está com ciúme?
- Não de você.
- Que bom. Fico satisfeito. Do contrário, eu teria de matá-lo por insultar minha honra de marido fiel. Quando pretende fazer o pedido?
- Quando eu sentir que é a hora certa - Johnathan respondeu devagar.
- Samantha está bem?
A pergunta repentina o assustou. Sentiu um aperto no peito ao imaginar que ela poderia estar doente.
- Por que pergunta?
Dylan riu.
- Ela me parece pálida demais e preocupada. Não gostei.
- Creio que esteja preocupada com Arthur - Johnathan ofereceu uma explicação, convencendo-se de que era somente isso.
Jamais vira Samantha doente. Na verdade, não conseguia visualizá-la de cama ou passando mal. Contudo, se algo ruim acontecesse a ela, Johnathan ficaria ... e Arthur ...
Não tinha de se apoquentar com suposições. Samantha es¬tava ótima e em perfeita saúde a última vez em que a vira. - Você devia ponderar acerca do que dizer a Arthur, Dylan; Ele me perguntou ...
- Ah, sim, meu filho inquisidor e suas questões cons¬trangedoras. Samantha me contou o que você disse a ele - Dylan falou, agora sério. - Agradeço-lhe por aconselhar que viesse conversar conosco.
- De que outra maneira eu poderia reagir? Não tenho a resposta.
- Samantha sugeriu que eu dissesse a verdade. Que não a amava a ponto de pedi-la em casamento e, se o tivesse feito, ela não teria aceito porque também não me amava.
- Ela disse isso? - Antes que pudesse lamentar, Joh¬nathan logo respondeu a sua própria pergunta: - Estou surpreso que Samantha reconheça os próprios sentimentos - prosseguiu, tentando parecer casual.
- Sabe que nossa Samantha é uma mulher honesta.
- Ela não é minha Samantha!
- É uma maneira de dizer, garoto.
- Não me chame de garoto!
- Vou tentar me lembrar. - Dylan expressou um sorriso maroto. - A propósito, fui visitar Angharad esta tarde.
- Por isso insiste em relacionar Samantha a mim? Ela continua com aquela ridícula profecia de que vamos nos casar?
- Na verdade, Angharad nem sequer mencionou Samantha.
- Ótimo!
- Santo Deus, está mal-humorado demais, Johnathan!
Não vou me aproximar de você até que melhore.
- Não lhe pedi que me fizesse companhia .
- Nem aqui, nem no saguão, certo? - Dylan indagou, provocativo. - A dama não pareceu se importar.
- O que esperava que ela fizesse?
- Exatamente o que fez - Dylan replicou, já a caminho da escada que unia o pátio ao pavimento superior.
- An¬gharad não falou de Samantha - disse em voz alta, em um tom zombeteiro que Johnathan conhecia bem. - Só me contou que teve um sonho com seus filhos, primo.
- Que filhos? - Johnathan perguntou, aproximando-se da escada.
Então deteve-se, certo de que Dylan deveria estar blefando.
- Ela disse que serão saudáveis e terão cabelos pretos. - Dylan continuava a descer os degraus. - E sardas!
As profecias de Angharad eram somente mentiras. Na rea¬lidade, algumas se realizavam. E por que não? Johnathan também podia prever determinados eventos. O inverno seria mais frio que o outono. Naquele ano a temporada de caça prometia ser boa porque a primavera havia sido moderada.
E porque a primavera fora suave, a pelugem das ovelhas não estaria tão densa, e seu pai não conseguiria um bom preço pela lã. Logo, não haveria fartura de vinho francês durante o inverno.
Pensativo, Johnathan começou a se aproximar do grande saguão. Ao ouvir um ruído, parou, imaginando o que seria.
Devagar, esgueirou-se pelo corredor que dava acesso à co¬zinha do castelo.
- Ivor? - perguntou ao homem alto e moreno que se ocultava com uma mulher entre as sombras.
O capitão da guarda virou-se para Johnathan.
- Pois não, sir?
No mesmo instante, Johnathan divisou Samantha atrás do oficial. Uma raiva que não imaginara possuir apoderou-se de seus sentidos.
- Se quer se acasalar, Ivor, faça-o quando não estiver cumprindo seu dever de capitão da guarda!
- Estou de folga, sir - Ivor protestou.
Samantha permanecia em silêncio, e Johnathan estra¬nhou sua quietude. Ora, sem dúvida devia sentir-se enver¬gonhada por ter sido pega em flagrante, namoricando no corredor do castelo.
- Então leve sua mulher para o alojamento. O castelo de meu pai não é um bordei!
Dito isso, Johnathan recuou e voltou a caminhar a pas¬sos duros.
- Não sou uma prostituta! - Samantha gritou, furiosa.
O ataque ofensivo de Johnathan foi o mesmo que sentir um raio caindo-lhe sobre a cabeça.
- Sou uma mulher, e não uma estátua de gelo e sem vida! Sou boa o bastante para ser a mãe do filho de seu primo!
Por um momento, Johnathan sentiu-se tentado a voltar, em seguida, continuou sua marcha.
- Samantha, venha ...
Ela ignorou o pedido de Ivor.
- Volte aqui e me enfrente, seu covarde! Já me encarou antes, lembra-se? Ou será que sua memória anda tão fraca quanto sua personalidade?
- O que está fazendo? - Ivor esbravejou, puxando-a. - Ele é o filho do barão!
De início, Samantha fitou Ivor como se não o reconhe¬cesse. Em seguida, endireitou os ombros, digna de si mesma.
- Aquele covarde me trata como se eu fosse uma rameira.
- Ele tem razão, você sabe.
- O que está dizendo? - Samantha desafiou o capitão, tal qual um guerreiro cuja honra fora colocada em questão.
- Nós devíamos estar no alojamento ou em sua casa e ...
- Não lhe aborrece o fato de Johnathan ter tão pouco respeito por mim?
- Ele é o filho do barão ...
- Por esse motivo pode me insultar e ainda sair impune? - Samantha arregalou os olhos. - Ou você acha que sua amante é uma prostituta?
Ivor segurou-a pelos ombros.
- Samantha, por favor! Você sabe ...
- Sei, sim. - Ela desvencilhou-se de Ivor, agora ofendida ao extremo. - Sei que é incapaz de me defender quando um homem me desrespeita. Era tudo que precisava saber. Nosso relacionamento termina aqui, Ivor.
- Samantha!
- Boa noite!
Resoluta, ela o deixou falando sozinho e atravessou o pátio em direção à cervejaria. Não permitiria que o filho do barão a provocasse e a forçasse a se expor outra vez, através de um desabafo humilhante. Amaldiçoou Johnathan, Ivor e todos os homens enquanto caminhava., Não era uma prostituta,disse a si mesma, enxugando as lágrimas que rolavam soltas sobre as faces. Não deixaria que ninguém a convencesse disso.
Quando Johnathan adentrou o saguão do castelo ainda estava zangado e, em franqueza, colérico. Portanto, não seria o momento certo para pedir lady Rosamunde em casamento. Aliás, notou logo a princípio que ela não mais se encontrava entre os convidados.
Melhor assim. Fora um tolo ao permitir que Dylan o abor¬recesse tanto. Mas não havia sido idiota ao criticar o compor¬tamento obsceno de Ivor e Samantha. Ora, podiam ser pegos pelo barão em pessoa. Pelo menos, no platô havia o sentinela ...
A lembrança da paixão voluptuosa de Samantha inva¬diu-lhe os pensamentos. Quão livremente ela se entregava aos amantes! Um beijo ardente não representava uma gran¬de honra que ela oferecia ao suplicante. Dedicava-se com tamanha efervescência ao ato de amor, como se o mundo fosse acabar no dia seguinte.
O quê, em nome de Deus, havia de errado com ele? Cometera um sacrilégio ao fazer amor com Samantha naquele lugar. Aliás, em qualquer lugar seria a maior tolice. Fora um ato de loucura, uma atitude imperdoável. Por que então condenar Ivor?
Em um esforço sobre-humano, Johnathan deixou de lado o pensamento em Samantha e seu amante e sorriu ao aco¬modar-se na cadeira próxima a lady Roanna.
Sua mãe não precisava saber do comportamento inade¬quado do capitão da guarda.
- Lady Rosamunde já se recolheu? - indagou a ela.
- Sim. Naturalmente ela quis verificar o bem-estar do pai antes de se deitar. - Roanna estudou a expressão do filho. - Você abandonou o salão de forma abrupta.
- Espero que ela não tenha ficado aborrecida. Eu ... pre¬cisava respirar o ar fresco da noite.
- Oh, não se sente bem, meu filho? - A baronesa franziu as sobrancelhas mostrando profundo interesse pelo jovem.
Johnathan se viu tentado a revelar o que o incomodava .
Parecia afogar-se em sentimentos conflitantes que fugiam de seu controle.
- Estou muito bem de saúde, mãe.
- Fico contente. Não se apoquente. Lady Rosamunde não me pareceu aborrecida - lady Roanna garantiu.
- Ótimo. - Johnathan decidiu confessar seus planos à mãe. - Vou pedi-la em casamento.
Parecendo espantada, lady Roanna arregalou os olhos.
Porém em nenhum momento rendeu-se à emoção.
- Você a ama?
- Claro, se a quero como esposa.
- E ela o ama?
- Acho que sim. Não, tenho certeza. É claro.
- Entendo.
- Você aprova? E meu pai? Creio que não se oporão ao casamento porque ela vem de uma família nobre, rica e poderosa. Além disso, é linda e amável também.
- Se ama essa mulher e ela corresponde ao sentimento, é tudo que nos importa.
Johnathan sabia que poderia ser feliz. Já estava feliz.
Claro, ficaria mais satisfeito se lady Rosamunde concordasse em ser sua esposa.
- Você fez o pedido?
- Pretendo fazê-lo amanhã.
- É melhor esperar até que sir Edward se recupere da indisposição.
- Lady Rosamunde afirmou que não se trata de nada sério. Ele já superou um mal semelhante.
- Isso é bom. Mesmo assim, Johnathan, penso que seu pai prefere esperar a mais aconselhável é evitar situações que possam causar problemas posteriores.
- Como um simples mal-estar estomacal pode causar problemas posteriores?
- Nenhuma aliança entre um filho do barão e a filha de um cavaleiro normando passará despercebida pela corte. Se sir Edward aprovar o casamento e concordar com os termos da negociação do dote, terá de enfrentar sérias crí¬ticas a respeito dessa união. E para se livrar, ele poderá alegar não estar em seu estado perfeito e clamar que tiramos vantagem de sua fraqueza.
O barão sempre dissera que a esposa era detentora de vasta sabedoria, Johnathan não podia obter prova maior, caso houvesse duvidado do pai.
- Compreendo.
Lady Roanna expressou um sorriso carinhoso.
- Acho melhor eu raptar seu pai antes que todos come¬cem a cantar, do contrário ele ficará acordado até o ama¬nhecer. Não consigo convencê-lo de que não é mais um rapaz de vinte anos.
O olhar materno se suavizou ao dirigir-se a Johnathan.
- Durma bem, meu filho. Rezo para que seja feliz em sua escolha.
Ele sorriu. Havia superado a primeira barreira ao revelar sua intenção à mãe. Agora não poderia voltar atrás.
E lady Roanna contaria ao barão na tentativa de dissuadi-lo. . O quê? Johnathan não tinha vergonha da escolha que fizera. Seu pai provavelmente soltaria uma piada, e nada mais. Ou então, diria algo zombeteiro para destruir a gra¬vidade da decisão, e ele não queria isso.
- Melhorou, pai? - Rosamunde indagou a sir Edward, que jazia deitado no enorme leito do agradável cômodo que o barão de um só olho cedera a ele enquanto se hospedavam em Craig Fawr.
Além de ser mobiliado com uma bela cama, forrada de cobertas macias, o quarto possuía uma confortável poltrona. Dois castiçais de prata iluminavam o ambiente e as faces avermelhadas do pobre infeliz.
A despeito da aparente preocupação, Rosamunde sabia não haver nada de errado com o pai. Algum tempo de abs¬tinência alcoólica seria o suficiente para recuperá-lo.
- Estou um pouco melhor. Ele já fez o pedido? Rosamunde aproximou-se da mesa e separou uma boa dose do amargo remédio que havia preparado para aquela indisposição. O líquido não sanaria de imediato a dor de cabeça e as náuseas, o efeito seria lento e gradual.
- Ainda não. Será em breve. O primo apareceu no momento mais inoportuno.
- Seria ele o jovem barão?
- O próprio.
Ela suspirou, resignada. Pena Genevieve Perronet ter con¬quistado o jovem barão antes de Rosamunde. Dylan DeLanyea herdara o melhor título e já possuía um legado considerável.
Entretanto, a fama de conquistador era legendária. Rosa¬munde queria um marido tão apaixonado que se renderia a seus menores caprichos. De fato, seu desejo teria de ser uma ordem. Pelo menos no início da vida de casados. Após um tempo, claro, o ardor de um homem esmoreceria, mas até lá, Rosamunde jurou, estaria controlando á fortuna da família.
Lembrou-se, desconfiada, da inesperada retirada de Joh¬nathan. Com certeza, aquele comportamento fora causado pela súbita aparição do primo.
Porém, Rosamunde não permanecera muito tempo no saguão o castelo após a reação grosseira de Johnathan. Não queria se submeter aos humores e cenas de ciúme do futuro marido.
Ao contrário, era ele quem teria de ser influenciado pelos dela.
- Vai se sentir mais disposto amanhã de manhã, pai - ela afirmou ao dar-lhe o remédio.
- Como sabe? - sir Edward resmungou, antes de repugnar-se com a mistura amarga.
O olhar frio e resoluto não se alterou.
- Estará bem-disposto pela manhã e pronto para receber o pedido de Johnathan DeLanyea, entendeu? Vai lhe pedir um tempo para pensar a respeito do contrato matrimonial.
- O que há para pensar, se está tão decidida a se misturar com esses galeses? Se o homem quer pagar pela alian¬ça, por que protelar? Talvez a fingida relutância lhe dê tempo para reconsiderar o pedido.
- Porque não devemos parecer tão ansiosos. É apenas uma pequena tática. Eles podem desconfiar de nossas in¬tenções e, nesse caso, estaremos irremediavelmente perdi¬dos - Rosamunde explicou como se falasse a uma criança. Então os lábios se curvaram em um sorriso beligerante. ¬Confie em mim, pai. Ele não vai reconsiderar. Não ousaria.
Na manhã seguinte, Johnathan aguardava o início da missa na pequena capela de pe¬dra de Craig Fawr. O odor de incenso pulverizava o am¬biente, e a luz do sol matinal não era suficiente para aquecer o frio interior do santuário.
Sem disfarçar a impaciência, Johnathan movimentava os pés a fim de aquecê-los. Observando a construção de pedra da capela, reportou-se ao início da era cristã e ima¬ginou o clima assustador existente nas catacumbas roma¬nas, cuja arquitetura provavelmente se assemelhava àquela pequena capela.
As quilométricas galerias subterrâneas de Roma, um ver¬dadeiro labirinto, em cujas paredes se faziam tumbas para guardar os cadáveres e onde os primeiros cristãos se reu¬niam secretamente, fugindo dos perseguidores da igreja. Foi no reinado de Nero, no ano de 64, que se deu a primeira perseguição aos cristãos. E, porque eram perseguidos, os cristãos se reuniam para o culto em lugares escondidos, como as catacumbas, os abrigos subterrâneos nos arredores de Roma, ou na casa de algum fiel. .
Nos primeiros séculos do cristianismo, o clero era formado por homens comuns. Não havia ainda um clero composto de bispos, padres e diáconos. Mas não era qualquer um que poderia pertencer ao clero. Dava-se preferência aos que pra¬ticassem a castidade, aos homens não casados. Mas isso não era uma regra absoluta. Com a legalização do cristianismo, o culto tornou-se público. Os próprios pagãos podiam participar, para se familiarizarem e depois serem convertidos.
Por sorte ele não vivera naquela época, pensava Johna¬than sem poder conter a ansiedade. Olhando para os fiéis que ali se encontravam, tentava pensar em algo que justi¬ficasse o atraso de lady Rosamunde. Poderia a indisposição de sir Edward impedi-la de comparecer à missa?
Apesar das palavras consoladoras de sua mãe, esperava que lady Rosamunde não estivesse zangada com ele, devido ao comportamento da noite anterior.
Então, aliviado, divisou a adorável normanda adentrar a capela acompanhada pelo pai. Como sempre, ela susten¬tava uma beleza plácida e única. No entanto, havia algo estranho ...
Rosamunde D'Heureux usava um esplêndido vestido de bro¬cado escarlate, cujo corte muito se assemelhava ao modelo que Samantha possuía. Entretanto, aquela cor não lhe caía tão bem, tomava a pele da normanda ainda mais pálida, como se não houvesse uma gota de sangue circulando pelo corpo.
Em Samantha, o tecido avermelhado realçava os sedosos cabelos e o brilho dos olhos castanhos, transformando-a na pura perfeição humana. Ou talvez aquela cor forte combi¬nasse com a natureza ardente e temperamental de sua per¬sonalidade exuberante.
Aliás, uma personalidade capaz de frustrar, aborrecer e insultar qualquer criatura.
Johnathan corou quando lady Rosamunde o fitou. Embora fosse impossível, temia que ela lesse seus pensamentos. Re¬laxou no instante em que a normanda sorriu. Se estava zangada com o súbito sumiço de Johnathan na noite ante¬rior, não aparentara nenhum desagrado.
Não obstante, ele precisava evitar repetir daquele com¬portamento infantil, a despeito de situações inesperadas como a interferência inoportuna de Dylan. E, sobretudo, tinha de evitar pensamentos relativos a Samantha.
Resolveu voltar sua atenção a sir Edward. O pobre ho¬mem não parecia recuperado. Porém, se estava disposto a ponto de assistir à cerimônia religiosa, estaria bem o bas¬tante para acatar o pedido de casamento da filha.
Desde que lady Rosamunde aceitasse a proposta de Joh¬nathan, claro.
Ela o aceitaria, pensou esperançoso. Durante o jantar da véspera, Johnathan tentara pensar em algo que o desabo¬nasse e que a fizesse recusar o pedido de casamento.
Não era um lorde, tampouco um barão ... ainda. Mas, se trabalhasse muito e caísse nas graças do rei ou de um dos poderosos nobres da corte, sua ambição seria bem recom¬pensada. E a boa reputação dos DeLanyea seria mais um quesito necessário para o sucesso dessa empreitada.
Johnathan não seria um marido tão rico quanto uma mulher da estirpe de lady Rosamunde poderia almejar, en¬tretanto ele era jovem. Haveria tempo para construir um império com o próprio esforço.
Ao longo de sua visita, lady Rosamunde não fizera nenhuma crítica a ele, nem pelas costas, caso contrário, Johnathan sa¬beria devido às fofocas que percorriam os corredores do castelo. Não levava uma vida promíscua como a que Dylan tivera antes de se casar com Genevieve, algo a seu favor, sem dúvida alguma. Também não tinha o aspecto carrancudo como o de Griffydd, cuja risada era tão rara que despertava comentários curiosos quando se dignava a sorrir.
Ainda que tais ponderações fossem confortantes, Johna¬than não era inocente ao ponto de achar que não havia críticas negativas a seu respeito. Por esse motivo, passara boa parte da noite em claro, agoniado e cheio de dúvidas.
E a agonia advinha da luxúria.
E não era por causa de lady Rosamunde.
Samantha. Não conseguia abrandar o desejo de estar de novo colado àquele corpo maravilhoso, rendendo-se à ine¬briante paixão que ela inspirava e correspondia com total abandono.
Deus do céu, como Samantha podia se dar ao prazer de amar com tanta avidez e liberdade? O sorriso era tão es¬pontâneo e cheio de vida quanto as risadas.
No fundo de sua alma, Johnathan gostaria de não tê-la visto na companhia de Ivor. Queria parar de imaginá-la nos braços do capitão da guarda, na mesma intimidade em que estiveram, ocultos sob as sombras das colunas do castelo,
Porém, mais e mais, Johnathan tentava se convencer de que a atração se originava apenas da avidez de Samantha. E a justa indignação era justificada pelo comportamento obsceno de Ivor que, como capitão da guarda, tinha a obri¬gação de agir com mais respeito e discrição,
Por sua vez, Samantha não devia ter gritado com ele no meio do pátio interno como o fizera, Fora um comportamento deselegante, típico de uma camponesa. O que as pessoas iriam pensar?
De repente, o padre surgiu entre as nuvens de incenso que rodeavam o altar. As reflexões de Johnathan foram interrompidas com a presença do clérigo.
Quase ao mesmo tempo, seu pai apareceu na capela, es¬coltando sua mãe. Johnathan tentou disfarçar a surpresa pois o barão não costumava freqüentar a igreja. Após sobreviver à crueldade das cruzadas, Emryss DeLanyea não mais era adepto a rituais religiosos ou mantinha respeito por homens sagrados. Talvez ele e lady Roanna tivessem resolvido abrir uma exceção em homenagem aos ilustres hóspedes.
Ao examinar o rosto sério do barão, Johnathan teve cer¬teza de que sua mãe havia comunicado ao marido as intenções do filho.
O que significava aquela expressão austera? Tristeza? Decepção?
Johnathan jamais compreenderia o pai. O barão não ha¬via lutado e sofrido a vida inteira para que a família obti¬vesse êxito e conforto? O que mais poderia ser indicativo de sucesso que um casamento entre Johnathan e a linda filha de sir Edward D'Heureux?
Desanimado, decidiu não se incomodar tentando com¬preender a reação de seu pai. Manteria o olhar na mulher com a qual sonhava se casar.
Quão linda e contemplativa estava lady Rosamunde ajoelhada diante do altar! As luzes suaves da manhã penetra¬vam através das vidraças da capela iluminando o rosto pá¬lido e delicado.
Ela parecia uma escultura de alabastro. Uma bela e imó¬vel obra de arte dedicada à vitalidade original. Uma estátua extraordinária para ser admirada a distância, proibida de ser tocada. A forma física, embora perfeita, não inspirava nenhum desejo ardente.
E, ele afirmou a si mesmo, isso era muito bom.
O padre iniciou a missa rezando em latim, e Johnathan tentou se concentrar no ritual. Quando enfim foi concluída a cerimônia sagrada, ele não se moveu, aguardou que seus pais se retirassem na frente. Em seguida, aproximou-se da porta, à espera de lady Rosamunde e sir Edward.
- Que prazer sinto em vê-lo tão bem-disposto, sir Edward
- Johnathan cumprimentou o normando, educadamente.
- Permita-me acompanhá-los ao saguão do castelo.
- É claro - sir Edward aceitou a gentileza.
Johnathan postou-se ao lado de lady Rosamunde .
- Posso conversar a sós com milady após o desjejum? ¬perguntou em voz baixa para que somente ela pudesse ouvi-lo.
Ledo engano. Sir Edward logo se manifestou.
- O que quer que deseje dizer a minha filha terá de fazê-lo em minha presença. - O normando virou-se e olhou para Johnathan.
- É claro, sir Edward. - Ele expressou um sorriso for¬çado e apressou o passo a fim de acompanhar o pai de Rosamunde. - O solário de meu pai estará disponível antes do meio-dia. Podemos nos encontrar lá?
- Muito bem.
Tão logo adentraram ao pátio interno do castelo, Johna¬than avistou Dylan, montado em seu irrequieto garanhão, despedindo-se dos tios, seus pais adotivos. Arthur, todo or¬gulhoso, estava sobre um cavalo de menor porte, e os guar¬das do jovem barão se preparavam para a partida.
Se Arthur não estivesse aprumado em sua montaria, no mínimo estaria pisoteando com impaciência o chão, Johna¬than pensou, sorridente.
- Adeus, primo! - Dylan gritou ao ver Johnathan e seus acompanhantes. Então fez uma reverência. - E tenham um bom dia, milorde e milady. Nos veremos quando eu voltar.
- Boa viagem, primo! - Johnathan respondeu sem o menor entusiasmo.
Dylan puxou as rédeas do garanhão, e seu séquito o se¬guiu em direção aos portões de Craig Fawr enquanto os pais adotivos os observavam.
- Quem é aquele menino? - sir Edward perguntou.
- É o filho de meu primo - Johnathan respondeu.
- O filho bastardo - lady Rosamunde emendou, sem ocultar o sarcasmo.
Observando-a pelo canto dos olhos, Johnathan desculpou o comentário maldoso, lembrando-se de que as pessoas cria¬das sob os preceitos normandos não poderiam reagir de outra maneira.
- Entendo - sir Edward murmurou.
- Este é o filho caçula. Há dois bastardos - a filha acrescentou.
- Contrário aos normandos, nós não damos muita im¬portância às legalidades envolvidas no nascimento de uma criança - Johnathan explicou com calma.
- Mas agora estão submetidos às leis normandas - sir Edward comentou.
- Sim, estamos, mas adquirimos nossa autonomia por ¬tanto seguimos nosso sistema.
- Nesse caso, o procedimento é tal qual ouvi dizer, sir Johnathan? - Edward D'Heureux indagou. - O menino também é herdeiro, embora seja um bastardo?
- Desde que meu primo pague pelos direitos de inclusão à legitimidade. Depois disso, Arthur herdará uma porção do legado de Dylan. Seu irmão mais velho, Trefor, possuirá o título de barão. É. assim o sistema adotado em Gales.
- Seu primo também é um bastardo. Estou certo?
- Está.
- Quem lhe pagou os direitos de inclusão?
- Meu pai.
- Sou obrigado a dizer que é um tio muito generoso - o normando replicou em um tom jovial e bastante irônico para quem também usufruía parte da generosidade do ba¬rão. - Contudo é uma pena para o senhor, não?
- Por que seria uma pena para mim, se meu pai é um homem honrado, bondoso e age de acordo com sua cons¬ciência? Ele faz o que acha correto. - Johnathan disse ao normando quando chegaram à porta do castelo.
- Ora, se não fosse assim, seu pai teria muito mais para oferecer aos filhos.
Antes de abrir a porta, Johnathan se deteve e encarou sir Edward.
- Se não existissem as tradições galesas, meu pai não poderia oferecer nada a seus filhos, milorde. Ele também é um bastardo.
Sir Edward corou, envergonhado.
- Tinha esquecido esse detalhe.
Quando notou a expressão constrangida de lady Rosamunde, Johnathan arrependeu-se de ter retrucado. Preferia permanecer em silêncio a deixar o comentário do normando ofendê-lo.
- É claro que meu irmão e irmã são legítimos - ele acres¬centou, abrindo a pesada porta para os hóspedes passarem. O perfume suave de flores silvestres de lady Rosamunde invadiu-lhe as narinas. Ela sorriu para Johnathan.
Ele deixou-se conduzir pelo encantamento e decidiu que faria o pedido de casamento naquele mesmo dia.
- Já terminou, pai? - Johnathan perguntou, tentando ser natural, enquanto observava o barão ao final daquela manhã.
O solário localizava-se na torre oeste do castelo de Craig Fawr. As condições de vida dos vassalos nos domínios feu¬dais eram muito difíceis. O castelo do senhor em geral, embora possuísse móveis, tapetes ou cortinas, era construído em pedra bruta.
No entanto, alguns cômodos de uso particular, haviam sido totalmente remodelados pela baronesa. que, entre ou¬tras qualidades, possuía idéias próprias a respeito de conforto e muito se preocupava com o bem-estar de sua família. O espaço ocupado pelo solário, embora menor que os demais, era muito confortável. Lady Roanna fizera questão de de¬corá-la e mandara instalar dois braseiros para que a perna do marido não sofresse nos dias de inverno. Grossas cortinas cobriam as imensas janelas a fim de bloquear a umidade proveniente da baixa temperatura. Pelas paredes pendiam várias tapeçarias artesanais de extremo bom gosto. A pol¬trona do barão era forrada de almofadas macias, um luxo que ele não permitiria usufruir no grande saguão, temendo que as pessoas o achassem velho e decadente.
Emryss abandonou os manuscritos que estava lendo sobre a imensa mesa de madeira maciça.
- Creio que sim - respondeu, enrolando os papéis. ¬- Quer conversar comigo? A respeito de uma jovem dama talvez?
- Minha mãe lhe contou o que pretendo fazer?
O barão estreitou o único olho, revelando mais que a cicatriz na face esquerda.
- Pretende fazer? Ainda não colocou em prática?
- Eles estarão aqui em breve.
- Eles?
- Sir Edward e lady Rosamunde.
- Planeja casar-se com o velho normando também? - o barão brincou.
- Claro que não, mas ele precisa concordar ...
- Para que você possa matar dois pássaros com uma só pedra? - Emryss completou. - Quer que eu esteja presente para lhes dizer o que penso?
Apesar de o tom de seu pai soar brincalhão, Johnathan resolveu manter a seriedade do assunto.
- Não vai fazer objeção, certo?
A expressão zombeteira e jovial de seu pai, tornou-se grave realçando as rugas do rosto envelhecido.
- Se almeja realmente casar-se com essa mulher, não, não vou objetar.
- A bem da verdade, prefiro que não permaneça aqui, pai.
- Se é o que deseja, tudo bem.
- É. - Johnathan sorriu aliviado e orgulhoso pela com¬preensão do pai. - Eu gostaria que o pai dela também não estivesse presente, mas não tive escolha.
- Posso interceptá-lo, se você quiser. Tenho certeza de que ele não resistirá ao convite de ir à cervejaria de Sa¬mantha para provar a maravilhosa bebida que ela fabrica.
Por que Samantha, ou seu nome, ou sua cerveja, tinha de se intrometer em todos os assuntos?
- Eu lhe seria muito grato.
- Muito bem. Espere aqui. Penso que não será necessário muito esforço para que ele mude de idéia. - O barão le¬vantou-se e caminhou até a porta do solário.
De súbito, ele hesitou e virou-se, apresentando um sem¬blante sombrio que Johnathan jamais testemunhara.
- Sua mãe não quer que eu diga nada, filho, no entanto, não consigo ficar em silêncio.
O barão deu um passo à frente, fixando o único olho no rosto de Johnathan.
- Ama mesmo essa mulher? Acredita honestamente que ela o ame?
Sob o olhar intenso do pai, ele engoliu em seco.
- Quero ... me casar com ela, pai.
- Não foi isso que perguntei.
- Um homem pode saber se o que sente é amor?
- Oh, pode, sim - Emryss respondeu, veemente. - Você saberá.
- Mesmo que eu tenha certeza de meus sentimentos, como saber o que uma mulher sente em seu coração?
O sorriso do barão dissipou-se.
- É uma boa pergunta, meu filho. O que imagina que essa mulher sente em seu coração a respeito de você ou de qualquer outra coisa?
- Como posso adivinhar? Não sou profeta ou mago.
- Ela não confessou o que sente por você?
- Só posso dizer que ela• andou investigando tudo sobre mim e nossa família.
- Assim faria um mercador que estivesse disposto a negociar conosco.
Johnathan fechou os punhos para conter a indignação.
- Fez o mesmo interrogatório a Griffydd, pai? Ou a Dylan?
- Eles eram ...
- O quê? Diferentes? Mais velhos? Melhores?
- Johnathan! - O barão marchou até o filho e o encarou, soberbo. - Não acho nenhum homem melhor que você.
- Verdade? Então por que questiona a escolha de minha noiva? Você não os interrogou!
- Griffydd não se encontrava em casa quando se apaixonou, e Dylan ... - Emryss riu um pouco. - Dylan é Dylan.
- E eu sou Johnathan, e desejo me casar com lady Ro¬samunde D'Heureux.
A expressão de seu pai suavizou-se.
- Sim, você é Johnathan, meu amado filho, e quero ape¬nas que meu adorado caçula seja feliz e viva satisfeito. Por isso faço tantas perguntas. Acredita que essa mulher o fará feliz e lhe proporcionará uma vida boa?
- Acredito!
- Que assim seja. - O barão assentiu. - Faça o pedido e, se ela o aceitar, sua mãe e eu dançaremos em seu casamento.
Sem mais ressalvas, Emryss DeLanyea retirou-se do so¬lário devagar devido à perna manca.
Pela primeira vez, Johnathan se deu conta de que o pai começava a envelhecer. Era um aspecto fácil de esquecer pois o barão mostrava-se forte e animado como sempre fora . A mente arguta, o olho sagaz e a risada barulhenta conti¬nuavam a prevalecer.
Àquela altura da vida, Johnathan sabia que se o pai necessitasse guerrear, ele não venceria o inimigo com a força ou desempenho em batalhas sangrentas, mas o faria com os sentidos aguçados e as perspicazes estratégias, ex¬periências obtidas em combates nas terras do leste. Entre¬tanto, não podia negar que o barão já deixara de ser jovial e, talvez, as atitudes e manias se agravassem com a idade.
Respirando fundo, Johnathan caminhou até uma das ja¬nelas e observou o pátio interno. Ao menos seu pai não se oporia ao casamento, ou sua mãe, caso lady Rosamunde aceitasse o pedido. Griffydd e Dylan igualmente teriam de respeitar a escolha da noiva.
De repente, avistou seu pai atravessando o pátio, acompa¬nhado de sir Edward que o seguia, tal qual um cão fiel. Um cachorro feliz, Johnathan corrigiu-se em pensamento. Sorriu consigo mesmo. Ou como uma matilha de cães a farejar a caça.
O que o normando acharia de Samantha? Sir Edward não havia conversado ou a visto dançar no castelo, pelo que Johnathan pudera notar. O homem estivera tão interessado em comida e cerveja que nem sequer reparou na dança, do contrário teria presenciado a vivacidade de Samantha.
Era uma dançarina excelente, uma pessoa espirituosa e ca¬tivante, e ninguém sentia tanto prazer ao dançar quanto ela.
Uma suave batida à porta soou, interrompendo o devaneio de Johnathan. Voltou-se e observou lady Rosamunde en¬trando no solário. Ela parecia insegura.
- Meu pai decidiu ir ao vilarejo com o barão - disse, um tanto ruborizada de vergonha.
- Como o que tenho a lhe dizer é muito importante, prefiro que fiquemos a sós - ele explicou, sóbrio. - Por favor, sente-se.
Ainda mostrando-se incerta, Rosamunde olhou ao redor.
- Deixaremos a porta aberta, claro.
A possibilidade pareceu tranqüilizá-la, e ele deu um passo à frente.
- Por favor, milady. - Johnathan ofereceu-lhe uma cadeira. De olhos baixos, Rosamunde assentiu e sentou-se.
Ele havia planejado dizer palavras de carinho e, quando visse sinais de encorajamento, faria o pedido final. No en¬tanto, aquela atitude pudica era desconcertante ao extremo. Lady Rosamunde não ousou fitá-lo nem no instante em que Johnathan começou seu discurso.
- Milady, embora eu não seja rico ...- Ele clareou a voz. - Milady, quero que saiba ...
Ela continuava a olhar para o chão.
- Gosta de mim, milady? - perguntou ,enfim, quase em desespero.
Na mesma hora amaldiçoou-se por parecer tolo. Porém, lady Rosamunde ergueu o rosto.
- Sua pergunta é um tanto impertinente, sir Johnathan. Não concorda?
- Eu não a teria feito se não fosse de extrema impor¬tância para mim.
Johnathan prendeu a respiração quando uma onda de rubor dominou as faces da normanda.
- Sim, gosto muito do senhor - ela sussurrou.
Aflito, Johnathan ajoelhou-se diante dela e fitou o lindo rosto e os tranqüilos olhos azuis. Respirou fundo e, de súbito, sentiu-se deslocar rumo a um precipício.
- Milady, imploro-lhe a honra de pedir sua mão em casamento.
Rosamunde sorriu com prazer e ... Por acaso fora um bri¬lho de triunfo que ele notou naqueles olhos translúcidos?
- Eu ficarei honrada em aceitar seu pedido, sir Johna¬than, se meu pai der sua permissão.
Ao envolver as mãos frias na dele, Johnathan concluiu que a sensação incômoda que sentia ao tocá-la só podia ser pelo sentimento de alívio de ser aceito. E nada mais .
Em um impulso, levantou-se e, trazendo-a consigo, bei¬jou-lhe os lábios.
- Sir Johnathan! - ela protestou e o empurrou com uma energia que não havia mostrado antes. - O que está fazendo? -- Beijando minha noiva.
Nervosa, Rosamunde ajeitou o capuz e a gola do manto.
- Ainda não somos casados!
- Não, ainda não - ele concordou. E então sorriu, satisfeito. - Mas não posso ser condenado por querer beijar minha futura esposa.
A expressão da normanda se amenizou, e Johnathan sentiu a tensão nos ombros se dissipar.
- Não, suponho que não. O senhor me assustou.
Sedutor, ele se aproximou e falou em um tom sussurrado:
- Se fosse beijá-la agora, não ficaria tão assustada, certo?
- Certo. - Rosamunde ergueu o rosto, fechou os olhos e entreabriu os lábios, tornando-os proeminentes.
Na verdade, ela se assemelhava a um peixe. Um animal coberto de escamas frio e morto. Mesmo assim, Johnathan enlaçou-a pela cintura e beijou-a.
A boca obviamente permaneceu cerrada, e ele nem sequer desejou provar os lábios com a língua. Podia vê-la gritar apavorada, se o fizesse.
Tão logo fossem marido e mulher, Johnathan jurou para si, Rosamunde se entregaria por inteiro e receberia ansiosa seus carinhos sensuais.
- Conversarei com seu pai assim que ele retornar ao castelo. Acha que fará alguma objeção?
Rosamunde afastou-se e caminhou em direção à janela.
- Talvez. - Ela se virou com um olhar enigmático e os dedos entrelaçados. - Farei o possível e o impossível para convencê-lo de que é um homem de valor, sir Johnathan.
- Não quero que interfira - Johnathan afirmou, cauteloso.
- Eu mesmo pretendo convencê-lo, caso seja necessário.
Após soltar um suspiro profundo, os ombros de lady Ro¬samunde começaram a relaxar.
- Tenho certeza de que o fará, Johnathan. - Ela ficou apavorada de repente. - Não vai se ofender, caso eu não use mais o título de cavalheiro?
Ele meneou a cabeça em negativa.
- Não vou me ofender. De fato, fico encantado cada vez que a ouço pronunciar meu nome. Quer cavalgar comigo hoje à tarde?
- Oh, eu gostaria muito. - Então, Rosamunde aproxi¬mou-se dele e, na ponta dos pés, levantou-se para beijar-lhe o rosto. - Meu Johnathan.
No depósito da cervejaria, Samantha inspirou o último lote de cerveja que, havia feito. O odor não parecia bom, mas não conseguia descobrir o que estava errado.
Coçou a testa, preocupada. Em geral, era talentos a o bastante para deduzir se cometera algum engano, quer fosse na mistura, na fermentação ou no tempo. Naquele dia em particular, sua mente encontrava-se vazia, como se houvesse consumido todo o estoque de cerveja e não apenas fabricado.
- Olá, Samantha! - um chamado em galês ecoou pela cervejaria.
Sobressaltada, ela correu ao balcão. Relaxou então ao ver o barão de um olho só, parado à soleira da porta. Fe¬lizmente não era o filho dele.
- Seja bem-vindo, barão - Samantha cumprimentou-o também em galês. Em seguida, ergueu o dedo em riste. ¬Não haverá nenhuma prova hoje!
- Jura? - ele perguntou, adentrando no estabelecimento frio e úmido.
O pó de serragem cobria o chão de terra batida, e fileiras de barris encontravam-se alinhadas ao longo das paredes. O aroma de madeira fresca dos barris misturava-se ao de serragem, cevada e mulso.
- Juro. Não vai provar nem um gole. Na verdade, devia ter vergonha ...
Samantha ficou em silêncio quando sir Edward D'Heu¬reux apareceu à porta e entrou em seguida ao barão. Quase sem fôlego, ele respirava com dificuldade, embora a cerve¬jaria não fosse tão distante do castelo.
- Oh, trouxe companhia - ela notou.
- Trouxe, de fato - o barão prosseguiu, ainda em galês. - Meu hóspede glutão é mais um, entre tantos, admirador de sua cerveja. - Emryss piscou. - Pensei que ele poderia experimentar um pouco de seu delicioso braggot.
- É muito forte para alguém que não esteja habituado - Samantha preveniu.
- Creio que este homem já consumiu muita cerveja na vida e está apto a sobreviver ao braggot.
- Quem é esta camponesa? - o normando indagou, ca¬minhando agora tal qual um rei arrogante. Ele avaliou Sa¬mantha como um objeto de mercado e postou-se atrás dela. - Seria bem-vinda a aquecer minha cama.
Samantha lançou um olhar desconfiado ao barão.
- Ele não sabe que posso entendê-lo? - murmurou em galês.
Emryss tentava conter o riso.
- Não. Devemos comunicar-lhe ou continuar a brincadeira? De repente, sir Edward apertou as nádegas de Samantha.
Ela recuou, soltando impropérios em galês. Encarou furiosa normando, antes de dirigir-se ao barão.
- Acho melhor levar esse estropício de volta ao castelo.
- Deus, mas que mulher fogosa! - sir Edward exclamou, insinuando-se a Samantha.
- Fogosa o suficiente para chutar seu traseiro gordo até atingir os portões do castelo - ela esbravejou em um francês quase perfeito.
Os olhos do normando se arregalaram.
- Permite que seus vassalos falem dessa maneira com um hóspede de Craig Fawr? - sir Edward inquiriu o barão, recobrando a postura impoluta. - Como esta criatura im¬pertinente ousa dirigir-se a mim de forma tão baixa?
- Impertinente? - Samantha o desafiou. - Quem me apertou de forma tão impertinente, sir? Aliás, nenhuma mulher gostaria de ter esse monte de ...
- É pena, sir Edward - o barão a interrompeu. - Receio que tenha cometido um grave erro. Como ofendeu nossa querida Samantha, não haverá mais aquela maravilhosa cerveja hoje ou em qualquer outro dia. Não é sábio insultar o artesão cujo trabalho tanto se admira e deseja comprovar.
Sir Edward olhou-a como se a visse pela primeira vez.
- Pelos poderes de Deus, não pode estar falando sério!
Ante aquela estúpida surpresa, Samantha sentiu a raiva diminuir. Como enfurecer-se com tamanho idiota?
Partilhando a ironia do barão, ela levou as mãos ao rosto.
- Oh, o problema é comigo! Sir Edward não consegue acreditar que eu, uma simples galesa, possa fabricar uma cerveja tão fina. O que devo fazer? Vou desistir de minha profissão e me afogar no rio!
Com uma expressão incrédula no rosto, Edward D'Heu¬reux aproximou-se do barão.
- E uma brincadeira, não é? - murmurou, aflito. ¬Ou ela é louca?
Samantha soltou uma gargalhada .
- Não, sir Edward, não sou louca . Sou sã o bastante para fazer a melhor cerveja de Gales, e me orgulho disso.
- É a pura verdade - o barão confirmou em um tom grave, enquanto vasculhava os arredores. - Vamos, Sa¬mantha - disse em galês. - Já nos divertimos muito. Ele é meu hóspede e creio que merece um pouco de braggot como recompensa.
No entanto, sir Edward parecia ter sido transportado a um reino bizarro, dado o semblante de espanto que ainda conservava.
- Muito bem, milorde - Samantha acatou. - Eu lhes servirei braggot. Porém, se ele acordar amanhã reclamando de dor de cabeça, ou afirmando que sua garganta está tão seca quanto o deserto e preferir morrer por causa disso, não serei responsabilizada.
- Obrigado, Samantha. Vou me lembrar disso.
- E vai pagar por isso também - ela acrescentou.
- Nesse caso, temo que sir Edward não se importará.
Rindo, Samantha encheu duas canecas com a bebida .
O barão DeLanyea levou a bebida até o nariz e inspirou o aroma, antes de prová-la. Sir Edward fez o mesmo, mas a expressão era de um homem prestes a engolir veneno.
Até que ele experimentou um gole e, em seguida, bebeu resto da caneca.
- Deus, isto é estupendo! - exclamou, recolocando a caneca no balcão.
Então olhou para Samantha, ansioso.
- É uma bebida muito poderosa, sabia? - ela comentou. - É mulso misturado com cerveja, portanto ...
- É feita para crianças! - o normando proclamou - Dê-me outra dose!
Samantha sorriu e, devagar, voltou a encher a caneca.
- Devo, claro, obedecer a sua ordem, sir Edward. E o barão? Vai querer outra dose, milorde?
- Não creio ...
No instante em que tencionava tomar outro gole, sir Ed¬ward parou e soltou uma risada sonora.
- Muito forte para o senhor, barão? - perguntou, zombeteiro.
Emryss DeLanyea segurou a caneca com força, como se houvesse aceito mais um desafio em sua lista de torneios.
- Dificilmente!
- OOOOOh!
O longo e melancólico lamento de dois homens, obviamente bêbados, soou pelo imenso saguão do castelo, seguido de tropeços líricos. As pessoas que se en¬contravam reunidas ao redor das mesas de Craig Fawr divi¬saram o barão e sir Edward cambaleando à soleira da porta.
Ambos teriam se estatelado na entrada do saguão, não fosse o fato de estarem amparados um ao outro, abraçados tal qual dois velhos amigos. Na verdade, enquanto entoavam uma antiga canção galesa, Emryss e Edward mal conse¬guiam se sustentar.
O barão endireitou o corpanzil e enfrentou os que estavam reunidos para o jantar; incluindo Johnathan, lady Rosamunde e sua linda esposa. Ergueu os braços, em um gesto dramático.
- Suada ... Sauda ... Saudações! - ele balbuciou, tentando caminhar em linha reta. Durante o percurso, abriu um sor¬riso largo e tropeçou no próprio pé. Quase caiu de cara no chão de terra batida.
Mortificado ante a cena grotesca, Johnathan nunca sen¬tira tanta vergonha em sua vida. Precipitou-se para socor¬rê-los. Sir Edward tinha os cabelos embaralhados e as rou¬pas em total desalinho, como se o normando houvesse rolado entre os arbustos da floresta.
Jamais vira o barão tão embriagado. Havia escutado his¬tórias, claro, sobre seu pai ter extrapolado na bebida quando mais jovem, mas Johnathan nunca testemunhara aquele estado calamitoso. Em geral, era o barão quem sustentava, homens que não sabiam moderar o consumo de cerveja e acabavam por perder a compostura e o equilíbrio.
Porém, naquela noite, Emryss não fazia jus à fama de homem resistente à bebida.
Ao agarrar o pai, Johnathan olhou sobre o ombro e divisou lady Rosamunde, cujas faces tornaram-se tão avermelhadas quanto o vestido que usava.
- Pai, você está completamente bêbado - Johnathan murmurou, sabendo estar também ruborizado de vergonha. Ele passou o braço ao redor da cintura do barão a fim de sustentá-lo em pé.
- Estou, meu filho - Emryss confessou, feliz.
- Não está, não - sir Edward pronunciou, batendo nas costas do barão. - O chão é que está ... escorregadio!
O normando bonachão soltou uma gargalhada, divertin¬do-se com a própria pilhéria.
- Emryss, você vai se recolher agora - determinou lady Roanna em um tom capaz de comandar um exército de guerreiros.
O barão ergueu as sobrancelhas, expressando um olhar cômico.
- Com você?
- Emryss!
- Pai, você está fazendo um espetáculo! - Johnathan repreendeu-o, enquanto tentava desvencilhar o pai do abra¬ço de sir Edward.
Mais outra espiadela no semblante horrorizado de lady Ro¬samunde serviu apenas para agravar o desagrado de Johnathan.
Sir Edward, na tentativa de acusá-lo, ergueu o dedo em riste. Mas o pobre ébrio parecia ter perdido o foco.
- Jovem - o normando disse, inclinando-se sobre Joh¬nathan. - Não pode falar com seu pai dessa maneira, o melhor dos homens. O melhor dos companheiros. - Os olhos, de sir Edward se encheram de lágrimas. - O melhor amigo que uma criatura poderia ter!
- Johnathan, leve seu pai para o quarto -lady Roanna ordenou, mantendo a expressão severa. Em seguida, acenou para um dos guardas. - Venha me ajudar a levar sir Ed¬ward a seus aposentos!
- Que bobagem! - o normando gritou. - A noite mal começou!
Uma das criadas apareceu no saguão, carregando uma bandeja repleta de canecas de cerveja. Sir Edward pegou uma, tomou um longo gole ... e tombou para frente, derru¬bando o restante da caneca sobre si mesmo.
Novamente, Johnathan olhou em direção à mesa principal e notou que lady Rosamunde havia desaparecido. Não a cul¬pava por estar tão embaraçada a ponto de se retirar do saguão.
Horas antes, estivera esperançoso para contar a novidade ao pai. Em vez disso, o barão tinha embebedado sir Edward e humilhado a todos. Se lady Rosamunde decidisse romper o compromisso de noivado, Johnathan não ficaria surpreso.
E se algo lhe servisse de consolo, era o fato de que sir Edward parecia bem mais bêbado que o barão.
- Vamos para a cama, pai - ordenou, ciente de que seu tom de voz era idêntico ao da mãe naquele momento.
O barão não deu sinais de zanga.
- Então vamos para a cama! - Emryss cantarolava enquanto Johnathan o ajudava a subir os degraus da torre, deixando lady Roanna é os guardas cuidando de sir Edward.
Foi preciso tempo e paciência para escoltar o barão até seus aposentos. A cada degrau, Emryss se detinha na in¬tenção de recordar os versos líricos que havia composto na manhã seguinte a seu casamento com lady Roanna. Trata¬va-se de um poema nupcial, onde os versos exaltavam o amor eterno e um agradecimento especial àqueles que ha¬viam preparado o leito conjugal.
- E então Gwillym comentou algo a respeito do tamanho de minha espada - o barão murmurou, coçando o tampão do olho. - Minha espada ou meus soldados ou minha origem ou algo semelhante ...
- Ah, pai - Johnathan resmungou. Já tinha escutado aquela história uma centena de vezes e não mais a achava interessante. Naquele momento, queria apenas acomodar o pai no quarto.
- Foram tempos magníficos, meu filho! - Emryss gritou e recomeçou a subir os degraus. - Não tanto quanto a noite de núpcias porque eu era um idiota. Mas recuperei a forma mais tarde!
- Sim, pai. Preste atenção onde pisa.
- E nunca esquecerei a expressão fascinante de sua mãe quando abri aquela porta e a vi quase nua ...
- Cuidado!
- Meu Deus! Vou pedir para que consertem essa escada amanhã. Vivemos grandes aventuras, meu querido filho. Foi uma época incrível. Não há nada melhor que uma boa esposa. Nada! Aquela lady Rosamunde só vai lhe servir, se quiser uma mulher fria e magricela.
O corpo de Johnathan enrijeceu. Felizmente estavam a poucos passos do quarto do barão.
- Não há nem uma minúscula brasa naquele corpo. Ela não é como sua mãe! - O barão apoiou-se à porta do quarto e encarou o filho já à beira da cólera. - Mas sir Edward e eu somos grandes amigos agora. Ele não irá se opor ao casamento.
- Alegro-me em saber que algum bem você obteve des¬se comportamento degradante. Além de prover a sir Ed¬ward a lembrança de que é um ótimo companheiro para bebedeira, claro.
O barão mostrou-se chocado.
- Lembrança? Ora, é óbvio que ele vai se lembrar! E irei obrigá-lo a lembrar-se de que nunca mais deverá molestar Sa¬mantha - Emryss acrescentou, antes de adentrar no quarto.
Johnathan o seguiu.
- Ele assediou Samantha?
- Na realidade, apenas tentou. - O barão começou a rir e tirou o tampão, revelando o local do olho ausente e a enorme cicatriz. - Oh, você devia ter visto o rosto de sir Edward D'Heureux quando descobriu que Samantha fabri¬cava a cerveja ... Devia ter presenciado a expressão dela quando o normando a apertou!
- Sir Edward tocou em Samantha? Emryss soltou a fivela do cinto.
- Sim, tocou. - Ele fez uma pausa, pensativo. - Não posso culpá-lo. Samantha se tornou um mulher e tanto.
- Pai!
- Bem, é verdade. - O barão desistiu do cinto e suspirou.
- Possuo metade da visão e amo minha esposa, mas reconheço um belo corpo quando o vejo. - Ele fitou o filho. - ¬Você parece aborrecido.
- Quem não ficaria aborrecido ou chocado vendo o pai chegar em casa cambaleando como um pobre coitado? E, como se já não bastasse tamanha vergonha, você ainda traz consigo o ho¬mem que se tornará meu sogro também andando às bordas!
- Não posso ser responsabilizado pelo fato de o normando não conhecer os próprios limites, Johnathan. Tentamos avi¬sá-lo acerca dos efeitos poderosos quando se consome muito braggot, mas ele não quis escutar! Já que é um hóspede, o que podíamos fazer?
- Você podia tê-lo impedido, pai.
- Talvez. - Emryss começou a livrar-se da túnica. - Onde está sua mãe?
- Cuidando de sir Edward, lembra-se?
- Oh, sim. - Ele desistiu da túnica e jogou-se sobre a cama.
Irritado, Johnathan caminhou até a porta. O melhor seria deixar sua mãe tratar do marido .
O barão soltou um suspiro profundo.
- Pobre Samantha.
Johnathan hesitou.
- O que quer dizer com "pobre Samantha"? Ela ficou ofendida com a atitude de sir Edward?
- Nem por um minuto - Emryss respondeu. - Você conhece Samantha. A raiva surge e esmorece tão rápido quanto um piscar de olhos .
- Então por que "pobre Samantha"? - Johnathan apro¬ximou-se da cama.
Seu pai bocejou.
- Porque ela não tem ninguém.
- Ela tem Arthur.
- Ele irá treinar com Fitzroy no próximo ano.
- Fitzroy?
- Sim, claro, como Dylan, você e seu irmão. Quem mais poderia formar um bom cavaleiro?
- Pensei que Dylan ...
- Dylan não tem disciplina com o próprio filho e Genevieve, no mínimo, iria mimar o menino. Em um mês, Trefor estará sob a tutela de Fitzroy, e no ano seguinte, Arthur.
Johnathan não havia pensado nisso.
- Ouvi dizer que ela e Ivor se dão bem.
- Davam-se bem. É passado, filho. Não estão mais juntos.
- Como sabe? - Johnathan tentou ocultar o interesse naquele assunto. Na verdade, não tinha a menor intenção de obter mais informações.
Mais uma vez, Emryss bocejou e, quando falou, as pala¬vras soaram lentas:
- Sou o senhor dessa região. E, como tal, acabo sabendo de tudo ...
De repente, ele começou a roncar.
Johnathan ficou tentado a acordá-lo, porém se deteve.
Afinal, não havia a menor importância se Samantha e Ivor não estavam mais juntos. Na verdade, a única alegria seria não haver mais nenhum encontro despudorado no pátio do castelo. Ou no platô.
Lutando contra o irresistível desejo que sempre surgia quando se recordava de seus encontros com Samantha, Joh¬nathan retirou-se do quarto às pressas. Ao fechar a porta, escutou os passos de sua mãe aproximando-se e esperou-a.
Para evitar maiores transtornos, concentrou os pensamen¬tos no banho frio que pretendia tomar. Sentia-se obcecado por Samantha, e, em pensar na água gélida, veio-lhe à memória a linda imagem de Samantha se banhando no rio.
Em seguida, recordou também o dia em que Fitzroy o deixara desabrigado sob a chuva porque Johnathan não ha¬via limpado uma mancha de sua armadura. Por sorte, as recordações relacionadas à chuva fria foram um bálsamo à mente em conflito e, quando sua mãe apareceu, já se sentia mais calmo e recomposto.
- Ele está dormindo - disse em voz baixa.
- Oh, Emryss vai dormir até mais tarde e amanhã, com certeza, acordará indisposto.
- Não ficou zangada?
Lady Roanna ofereceu-lhe um dos sorrisos mais ternos e comentou com doçura:
- Desde que conheço seu pai, penso que o vi embriagado uma meia dúzia de vezes apenas. Portanto, posso perdoar esse lapso e acho que você deveria fazer o mesmo.
- Porque ele nos desgraça em raras ocasiões?
- Não, porque creio que ele se embebedou para fazer companhia a sir Edward. Não quer que seu pai e o normando sejam amigos?
- Ele podia ter encontrado uma maneira menos cons¬trangedora de fortalecer a amizade.
- Não há argumentos contra isso. Emryss terá a punição necessária quando acordar. O próprio corpo o fará reconhe¬cer o constrangimento.
Johnathan sorriu ao recordar a única vez em que havia se embriagado com braggot. Valera a lição. Nunca mais quisera repetir a tolice de cometer excessos desmedidos.
- Tem razão. Nunca esquecerei... - Ele se conteve. ¬- Recordo-me ainda da noite em que Dylan exagerou na be¬bida e quase caiu do telhado da cervejaria de Samantha.
Tampouco esqueceria como Samantha o atormentara por ter permitido que Dylan subisse no telhado naquela condição tão precária. Então ela começara a rir ao notar que Joh¬nathan, além de assustado, encontrava-se em um estado bem mais elevado de embriaguez.
Samantha atormentou-o sem cessar. Por muitos meses caçoara dele e não parava de perguntar-lhe como fora dormir dentro de um barril vazio onde ela o deixara.
- Mãe? - Johnathan chamou-a quando, lady Roanna tocou a maçaneta da porta.
Ela se voltou, curiosa.
- Sim, meu filho?
- Acha que sir Edward ficará aborrecido com essa situação amanhã quando acordar?
- Não. Atrevo-me a dizer que seu pai escolheu o método mais sábio de persuadi-lo a aceitar o casamento. Melhor que convocar um conselho.
Intrigado, Johnathan perguntou-se por que não ficara contente com aquela observação. Talvez estivesse cansado demais após o longo dia e a extenuante noite.
- Boa noite, mãe.
Lady Roanna, gentilmente, acariciou o rosto do filho.
- Boa noite, querido. Suponho que dormirá bem, já que, afinal, conseguiu a noiva de seus sonhos.
- Devo confessar que dormirei muito bem.
Enquanto observava o filho descer os degraus da torre, Roanna suspirou. O mais jovem dos DeLanyea estabelecia padrões elevados para si mesmo e aos outros. Se, pelo menos, Johnathan pudesse ter um pouco da natureza divertida de Dylan, sua vida seria bem mais fácil.
Contudo, nesse caso, ele não seria Johnathan.
Em silêncio, Roanna entrou no quarto e encontrou o ma¬rido sentado no leito.
- Meu filho está muito bravo - Emryss comentou, calmo e sem qualquer traço de bebedeira.
Desconfiada, Roanna levou as mãos à cintura.
- Pensei que estivesse embriagado.
- Johnathan também pensou. - Emryss riu.
- Que tipo de brincadeira é essa, Emryss? Ele está muito desgostoso com você.
O barão levantou-se e retirou a túnica, expondo o enorme torso coberto de cicatrizes de batalhas empreendidas nas cruzadas.
- Um homem pode ser perdoado por dizer determinadas coisas quando está bêbado. Uma atitude que seria intole¬rável caso estivesse sóbrio, devo dizer.
- Emryss!
- É verdade, não é, amor de minha vida?
- Por Deus, o que você disse a ele?
- Não muito. Só um aviso ou dois.
Os olhos de Roanna se estreitaram.
- A respeito de quê?
Emryss aproximou-se da bacia de porcelana e lavou o rosto.
- De quem.
- A respeito de quem, então?
Ele enxugou as faces antes de responder um tanto constrangido.
- Samantha.
- Samantha!
- Quem mais? Angharad diz ...
- Sei o que Angharad diz e também sei que Johnathan quer se casar com lady Rosamunde. Você não devia ter interferido.
- Mas ele não a ama!
Roanna suspirou de cansaço e retirou o capuz de seda.
Sacudiu os cabelos que ainda permaneciam em grande parte mais negros que grisalhos.
- Isso não significa que ele ame Samantha.
- Ela o ama. Está apaixonada por nosso filho desde a infância.
Sentando-se diante do toucador, onde mantinha o espelho e os adereços femininos, Roanna começou a escovar os cabelos.
- Samantha lhe disse isso? Hoje, quando você e sir Ed¬ward estavam bebendo? Acho difícil acreditar.
- Santo Deus, é claro que ela nunca me disse nada. Tampouco revelou isso a Johnathan, caso contrário ele não estaria sonhando com aquela normanda insuportável.
Lady Roanna parou de escovar os longos cabelos e encarou marido.
- Você realmente não gosta de Rosamunde?
- Nem um pouco. E depois de passar a tarde com Samantha, muito menos.
- Ela não é nobre - Roanna lembrou-o, ciente de que o marido sempre gostara da barulhenta e alegre Samantha, cuja alma sempre conservava o bom humor e a vivacidade apesar dos problemas.
- Como se eu me importasse com esse detalhe! Ela é perfeita para Johnathan. Samantha o ama, e acho que se nosso filho parasse de tentar superar Griffydd e Dylan, per¬ceberia os sentimentos que nutre por ela.
- É difícil ser o caçula de uma família tão cheia de talentos. E, se ele desistir de lady Rosamunde, nada nos garante que irá se casar com Samantha. Johnathan pode pensar ... - Roanna clareou a voz. - Pode pensar que es¬taria substituindo Dylan.
- Juro por Deus que nosso filho é mais esperto!
- Estamos falando de assuntos do coração, meu amor, não da mente.
- E é de seu coração que estou falando! Johnathan não conseguia tirar os olhos de Samantha naquela noite quando ela dançava, mesmo tendo a pálida criatura normanda ao lado. Ele parecia querer fuzilar Dylan tal qual um amante ciumento.
Emryss passou as mãos pelos cabelos, agoniado.
- Por Deus, Roanna, tenho esperado ansioso que Joh¬nathan venha a mim orgulhoso de si para me dizer que está determinado a esposar Samantha embora ela não seja nobre ... e que posso acabar no inferno, se ousar impedi-lo. - a barão fez uma pausa. - Está chorando, minha amada?
- Estou - Roanna admitiu, enxugando, as lágrimas e tentando sorrir. - Eu ... gostaria que nosso filho se casasse com Samantha, Emryss. Também não aprecio lady Rosa¬munde, por mais que me esforce. Receio que ela transfor¬mará a vida de Johnathan em um inferno. Samantha, no entanto, o fará feliz, apesar de brigarem como cão e gato. Mas não devemos interferir. Johnathan é um homem, e embora me corte o coração, ele irá se casar com a mulher que desejar.
O barão aproximou-se da esposa e tomou-a nos braços.
- Eu sei, meu amor, eu sei. Talvez eu tenha dado a ele a possibilidade de reconsiderar. Se não, precisarei viver sob os rumores de que o barão DeLanyea ficou tão velho que perdeu a habilidade de controlar as doses de braggot.
Samantha suspirou. Havia muito passara a hora de se deitar e, no entanto, estava sem energia para se levantar do banco onde sentara, diante da fogueira. Ela fitava as labaredas ardentes, pensando e recordando.
Tinha morado naquela casa minúscula a vida inteira.
Ali, sua mãe sofrera um parto difícil e falecera logo após dar à luz. Ali, seu pai a havia criado e lhe ensinado tudo sobre fabricação de cerveja para, em seguida, também ter uma morte prematura quando Samantha mal completara os treze anos de idade.
Ali ela estava quando os irmãos DeLanyea vieram em companhia do barão a fim de negociar o fornecimento de cerveja para o castelo.
O carrancudo Griffydd, tão maduro e sábio.
O adorável Dylan, com seu espírito cômico e brincalhão que sempre a fazia rir .
E Johnathan, com aqueles olhos expressivos e o lindo sorriso, que a fazia sentir-se vencedora de um grande tor¬neio, quando conseguia provocá-lo.
Como Samantha havia desejado que ele viesse mais vezes à cervejaria, mesmo que não dissesse uma só palavra du¬rante as visitas! Zombara do mais jovem dos DeLanyea ape¬nas para incitá-lo a falar.
Quem sabe não teria sido melhor deixá-lo em silêncio, sem fazer tanto esforço para lhe chamar atenção? Talvez, Johnathan pudesse ter gostado mais dela!.
Se Johnathan DeLanyea tivesse mostrado o mínimo de in¬teresse, Samantha não precisaria se desgastar tanto para que os outros rapazes do vilarejo gostassem dela. Dessa maneira, não teria se deliciado ao descobrir que a apreciavam, e tam¬pouco cederia aos deleites que eles lhe provinham .
Se Samantha não ficasse tão magoada com a indiferença de Johnathan, não teria sentido tanta alegria quando Dylan respondeu a seus avanços.
Mas então, não haveria Arthur, e ela viveria solitária. Como naquele momento em que Arthur estava na compa¬nhia do pai. E quando o menino fosse embora para se tornar cavaleiro? Em que estado de solidão ficaria ela? Abandonada?
Depois disso, ele não mais residiria sob o mesmo teto que a mãe. Tornar-se-ia um homem. Haveria apenas visitas esporádicas.
Uma lágrima rolou pela face.
- Samantha?
- O quê?- Ela pulou, sobressaltada, e divisou Johnathan à porta da casa.
A luz da lua cheia parecia iluminá-lo tal qual uma auréola sagrada, como se ele fosse um anjo na figura de um mortal.
Que noção ridícula. Ela sabia muito bem que Johnathan DeLanyea era de carne e osso .
Um homem vigoroso e passional do qual ela deveria sentir somente raiva.
- O que quer ... e a essa hora da noite? - Samantha indagou, rigorosa.
- Eu ... não conseguia dormir e achei melhor vir conver¬sar com você.
Não era justo que ele a olhasse daquela maneira, como um homem que necessitasse de uma mulher tanto quanto precisava de ar para respirar. Não, quando os planos am¬biciosos não a incluíam.
- O assunto é tão importante que não pode esperar até amanhã? - Samantha inquiriu. - Ou quer imitar o nobre normando e embebedar-se também? Qualquer criança sa¬beria se controlar melhor que aquele homem grosseiro.
Johnathan entrou na casa, e fechou a porta. A súbita intimidade tornou-se excitante e assustadora ao mesmo tempo. Samantha sentia-se uma presa dominada por um enorme monstro que não a mataria, contudo, poderia ma¬goá-la profundamente.
Como já o fizera.
- Meu pai me contou que sir Edward ... tocou em você.
- Tocou em mim? É um jeito muito delicado para descrever. Ele me agarrou como se eu fosse um pedaço de carne pendurado ao gancho.
Samantha o fitou, séria, e Johnathan não poderia culpá-la por reagir de forma agressiva ante a inesperada visita.
- Veio até aqui para se desculpar? É muito mais nobre que aquele normando bonachão, sir Johnathan.
- Não foi por isso que vim.- Johnathan respirou fundo e olhou para a fivela de seu cinto, incapaz de confrontar o olhar resoluto de Samantha.
No entanto, precisava e iria prosseguir.
- Vim lhe dizer que lady Rosamunde aceitou o pedido de casamento. Agora só nos resta a aprovação de sir Edward e não creio que ele se oponha.
- Que gentileza - ela comentou, desdenhosa. - Não precisava se dar ao trabalho de vir me participar.
- Eu não queria que ficasse sabendo do noivado através de outra pessoa - Johnathan admitiu. - Achei... achei que lhe devia essa satisfação.
Um brilho diferente despontou nos olhos de Samantha, e logo desapareceu.
- Obrigada pela consideração.
Após aquelas palavras suaves, ele arriscou um passo à frente.
- Espero que compreenda o que a aliança com lady Rosamunde representa para mim, Samantha .
- Receio que eu seja um tanto lenta, sir, porque assumi que tal aliança significaria felicidade. Há alguma outra ra¬zão? Vaidade, talvez?
Ao chegar mais perto dela, Johnathan ignorou o comen¬tário sarcástico. O mais importante era dizer o que precisava dizer. Por motivos que não sabia explicar, queria muito que ela o compreendesse.
- Obtive algo que nem meu pai com todo poder e in¬fluência pôde conseguir - Johnathan confessou. - Não quero apenas ser famoso na região de Gales e na Inglaterra, como o são meu pai, irmão e primo. Necessito ser aceito na corte de Londres. Preciso ser notado pelo rei. E, para alcançar esse objetivo, devo esposar uma normanda perten¬cente à nobreza.
Se esperava ver alguma outra emoção além de desdém nos olhos sagazes de Samantha, Johnathan enganou-se redondamente.
- Que conveniente. Por sorte lady Rosamunde possui tal qualidade. Fico feliz com seu sucesso.
- Mas tenho sua compreensão, Samantha? - ele per¬sistiu. - Consegue entender por que devo me casar com ela? Pode ver que, ficando restrito às relações que possuo, será difícil realizar minhas ambições?
- Pelo menos você descobriu uma maneira de atingir seu objetivo - ela murmurou. - Mas suponho que seja complicado ser um DeLanyea.
Johnathan não prestou muita atenção nas palavras, estava exultante pelo tom de simpatia que havia na voz de Samantha.
Ela compreendia por que ele precisava casar-se com lady Rosamunde.
- Tenho refletido acerca de outro assunto - Johnathan continuou, ainda fitando-a intensamente enquanto se apro¬ximava. - Samantha, eu estava errado ao dizer-lhe que não reconheceria a criança, caso ela fosse minha. Seria uma atitude desonrada e covarde, e não quero cometê-la. Então, se em alguns meses ...
- Oh, Johnathan! - ela exclamou e desviou o rosto.
- Se em alguns meses, você tiver um bebê, e ele se parecer comigo ...
Johnathan se calou ao notar que os ombros de Samantha tremiam, como se ela estivesse chorando em silêncio. Se¬gurou-a pelos braço e, gentilmente, forçou-a a fitá-lo.
Trêmula, Samantha enxugou as lágrimas com a manga do vestido.
- Desculpe-me, Samantha - sussurrou, acariciando os cabelos sedosos, enquanto estudava a expressão entristecida. - Não quis aborrecê-la. Pensei que ficasse aliviada ao saber que tenciono reconhecer nosso filho, caso esteja grávida.
Samantha ergueu os olhos marejados.
- Oh, Johnathan - repetiu, dessa vez com maior de¬terminação. - Você é cego, estúpido, ou ambos?
Atônito, ele não respondeu.
- Não lhe ocorreu que não precisa se preocupar com isso? - Samantha desvencilhou-se do abraço. - Sabendo que não levo uma vida de celibato, você não reparou que não tive mais nenhum filho depois de Arthur?
O brilho orgulhoso e desafiador voltou a iluminar com maior vitalidade os olhos de Samantha.
- Johnathan, é óbvio que não posso engravidar, caso contrário já estaria grávida.
Aquela revelação o atingiu no centro do peito, tal qual uma facada.
- Oh, Deus! Samantha, eu não pensei...
- É capaz de pensar? - ela o interrompeu. - Consegue pensar em outra coisa, além de suas ambições e necessida¬des, Johnathan?
- É claro!
- Se prefere acreditar nisso. ...
- Admito que não considerei, até hoje, as razões de você não ter concebido nenhum filho depois de Arthur ... mas não pode me culpar por isso!
- O simples fato de uma pessoa não divulgar sua dor a todos não significa que ela não sofra. Já pensou nisso, Johnathan?
- Samantha, perdoe-me. Não sou clarividente.
- Graças a Deus. Uma já é o bastante.
- Não quero falar de Angharad.
- Nem eu. - A agressividade desapareceu como por encanto. - Johnathan, não o culpo por não ter percebido que não posso mais ter filhos. Tampouco o condeno por correr atrás de seu sonho., se acha que vai ser feliz assim. Perdoe minha explosão... Estou ... cansada ...
Horrorizado, ele notou a palidez do lindo rosto e as som¬bras escuras rodeando os olhos.
- Você está doente?
Samantha riu, e ele nunca sentiu tanto prazer em escutar o som melodioso e alegre.
- Não estou doente. Apenas cansada, eu lhe asseguro. - Ela ensaiou uma cortesia insolente. - Agradeço-lhe a sincera preocupação, sir Johnathan. Trabalhei demais hoje para saciar a sede de seu futuro sogro. Ele bebeu quase o suprimento inteiro de braggot.
Johnathan sorriu, aliviado.
- Meu pai o ajudou bastante, creio.
Samantha arregalou os brilhantes olhos, surpresa.
- Ele bebeu somente duas canecas enquanto esteve aqui.
- E foi o suficiente para deixá-lo bêbado? Meu Deus, acho que é meu pai quem está doente.
- O barão estava perfeitamente sóbrio quando saiu. Aliás, tinha de estar porque era o único que podia carregar sir Edward até o castelo.
- Mas ele chegou cantando, ou melhor tentou cantar. E fez um espetáculo diante de todos ... Não vejo graça ne¬nhuma, Samantha.
Ao notar a expressão severa de Johnathan, ela tentou conter a risada.
- Eu queria ter visto essa cena!
- Não há diversão no fato de meu pai ter fingido embriaguez, Samantha - Johnathan repreendeu-a. - Não consigo entender por que ele agiu de forma tão ridícula e ultrajante.
- Oh, pare com esse exagero, Johnathan! Seu pai teve uma atitude digna. É óbvio que ele quis poupar sir Edward da humilhação de não conseguir controlar o consumo de. braggot, e também salvar-lhe a reputação. Ninguém poderá maldizer o normando quando, aos olhos de todos, o barão também se embriagou.
- É mesmo - Johnathan concordou, subitamente en¬tendendo a atitude do pai.
- É mesmo - ela repetiu. De repente, os olhos expressa¬ram aquela nuança tão familiar a Johnathan. - Seu pai não agiu de forma ultrajante. E seria incapaz de fazê-lo. Certo?
Johnathan começou a sorrir.
- Aliás, ele vai pagar as despesas, e sir Edward lhe será eternamente grato. Nunca vi um homem beber como ele. O normando não tem a menor finura.
- Nem finura, nem educação. E devo me desculpar pelo comportamento dele.
- Bem, seu pai e eu demos boas risadas. Não houve danos. Mas, se sir Edward D'Heureux encostar aquela mão gorda em mim outra vez, vou bater nele.
O rosto de Johnathan tornou-se sério.
- Samantha, isso não seria justo. Você é capaz de bater com muita força. Sei disso por experiência própria.
- Oh, é verdade? - ela indagou, pensativa. - E se eu o estapear assim?
Samantha aproximou-se de Johnathan e ergueu a mão, como se pretendesse estapeá-lo de leve.
Porém, antes que o fizesse, ele segurou-a pelo pulso e afogou-se naquele olhar de brilho tão intenso.
- Oh, Samantha, você me faz sentir emoções até então desconhecidas para mim. - Johnathan confessou, desolado.
O impacto da euforia de ter o pulso pressionado por aque¬les dedos longos aliou-se à repentina sensação de perda. Samantha sentiu um nó na garganta.
- Como assim? - sussurrou, fitando os olhos acinzentados.
- Vou morrer se não beijá-la agora.
- Não quero que morra, Johnathan. Suponho que seja melhor me beijar.
Ele estreitou os olhos e, com um gemido de rendição, beijou-a.
- Não vim com essa intenção - murmurou.
Parecia um homem sufocado, clamando por ar. Um doente em busca da única cura de sua moléstia. Um cego cujo desejo era ver, ou um surdo que almejava escutar a amada pronunciar seu nome.
Johnathan não estava sozinho naquela ardorosa neces¬sidade. Samantha sabia que nunca mais teria a oportuni¬dade de tê-lo novamente. Ele iria casar-se com a nobre nor¬manda e, em breve, o barão lhe daria um vasto legado. Então Johnathan partiria para sempre.
Partiria para os braços de outra mulher. Definitivamente, tal qual a morte.
Os lábios de Samantha procuravam os dele, enquanto o apertava de encontro ao corpo, na tentativa de absorver-lhe todo o sabor, o perfume da pele e a proteção daqueles braços fortes. Regozijava-se ao sentir que haviam sido feitos um para o outro, pois se moviam em perfeita harmonia a cada carícia.
Havia muito mais em jogo que o simples roçar dos seios no tórax e o movimento dos quadris de ambos.
O corpo inteiro de Samantha tremia de desejo, uma afli¬ção sensual, cujas chamas flamejantes podiam aquecer a brisa fresca da noite.
Oh, como ela o queria! Se não o tivesse para sempre, ao menos podia possuí-lo pela última vez.
As carícias tornaram-se mais efervescentes quando Joh¬nathan sentiu Samantha relaxar. Oh, como a desejava! Ela era fogo, luz e espírito na figura de mulher. Dava o melhor de si e não exigia nada em troca. Possuía todos os quesitos da ardente paixão feminina e muito mais ...
Porém, logo ele se casaria com outra. Em breve, mas não naquele momento sublime. Agora tinha Samantha nos bra¬ços para abraçar, beijar e amar.
Abandonou os ávidos lábios carnudos e beijou o pescoço alvo. Ela inclinou-se para trás e o agarrou pelos ombros quando Johnathan puxou o decote do vestido a fim de expor os seios e afagá-los.
Deus, como era perfeita! Era a imagem perfeita de uma deusa. Não uma entidade fria e intocável, mas sim um ser humano vivo e quente, a incorporação onipresente de uma mulher fogosa ...
- Faça amor comigo, Johnathan - ela implorou. - Por favor. Só mais uma vez. Ame-me.
Não deveria. Estava comprometido com outra mulher.
Ele próprio tomara aquela decisão.
Entretanto, era um mortal, suscetível aos desejos da car¬ne. Não poderia ignorar e desprezar a súplica de Samantha ... Não seria justo, quando cada partícula de seu corpo e coração impeliam a amá-la.
Johnathan tomou-a nos braços e a carregou até a cama, onde a deitou delicadamente.
- Johnathan ... - Samantha suspirou.
Então deitou-se ao lado dela, acariciou as pernas esguias que se abriram para recebê-lo e fitou o rosto rosado de paixão. Os cabelos longos espalhados sobre o travesseiro formavam um manto acastanhado e brilhante.
E os olhos ... naquela preciosidade cintilante havia tudo que um homem podia querer ver em sua amada.
- Faça amor comigo, Johnathan - Samantha repetiu, deslizando as mãos suaves sobre os músculos do braço e, em seguida, o peito. - Ofereça-me seu amor para que nunca ¬mais o esqueça. Assim, quando eu estiver só e saudosa, terei a lembrança de nossa união para me aquecer.
- Nunca irei esquecê-la, Samantha. O que quer que acon¬teça, esteja onde estiver, manterei um lugar especial para você em meu coração.
Convencida de que aquela promessa era sincera, Samantha puxou-o para si e beijou-o com extrema paixão.
O toque ardente dos lábios a incitou. E a ele também.
Com o mesmo fervor e abandono das outras vezes, eles se amaram. As mãos de ambos acariciavam, percorriam partes sensíveis dos corpos, enquanto retiravam as rou¬pas. Quando, enfim, a nudez foi conquistada, ouviam-se apenas gemidos e suspiros de prazer ecoando pela escu¬ridão da noite.
Entre afagos e carícias, Johnathan penetrou-a, e ambos iniciaram uma dança sensual de um só corpo, como se nunca pudessem se separar. E, em um momento de rara magia, gritaram em uníssono a satisfação.
Ofegante, Johnathan colou-se ao corpo macio de Saman¬tha e acomodou o rosto sobre os seios túrgidos. A respiração começou a voltar ao normal, e ele permaneceu naquela po¬sição, satisfeito, com medo de se mexer e quebrar o encanto daquela união perfeita, predestinada pelos deuses.
Samantha desviou o rosto para que Johnathan não no¬tasse as lágrimas que lhe ofuscavam os olhos.
Naquela mesma noite, no extremo oposto do vilarejo, An¬gharad de repente sentou-se na cama. Arregalou os olhos ao decifrar a visão que, como um raio, iluminara sua mente fértil e profética.
Era a imagem de um homem forte e uma bela mulher se amando.
Convicta de que Deus lhe havia dado um dom magnífico, Angharad sorriu.
Os primeiros raios de sol coloriam o céu quando Joh¬nathan despertou na manhã seguinte. Samantha, ainda. adormecida, mantinha o corpo quente e macio colado ao dele, e os cabelos castanhos e ondulados cobriam o braço de Johnathan.
Ele ficou estático e encarou o teto. Não queria interromper o sono relaxado da amante passional.
O que havia feito? Como pudera ser tão estúpido, tão cego? Como pudera ignorar o desejo explícito de seu coração? Acreditou que amava lady Rosamunde. Seduzido pela ambição, nem sequer percebera que seu grande amor sempre estivera próximo.
Mais uma vez fitou Samantha. Ainda adormecida, esboava um leve sorriso de felicidade de uma mulher realizada.
No entanto não podia voltar atrás. Tinha pedido e rece¬bido a mão de lady Rosamunde. A possibilidade de quebrar o compromisso significava uma desonra a ele e uma humi¬lhação para a normanda. Ela não fizera nada que a desa¬bonasse para que o contrato fosse anulado.
E Samantha entregara-se, acreditando ser a última vez que ficariam juntos.
Suspirando, Johnathan levantou-se devagar para não in¬comodá-la. Ele a deixaria usufruir do repouso merecido.
Enquanto a observava sob os reflexos dá luz rosada do amanhecer que atravessava a pequena janela, notou a be¬leza rara de Samantha, desde os fartos cabelos castanhos até os delicados dedos dos pés. Era completa. A mulher ideal. Johnathan sempre a achara bonita, porém, jamais havia reparado na perfeição dos traços, na textura da pele alva, na perspicácia do olhar e no pequeno nariz pintado de sardas que lhe realçava a expressão matreira de uma menina.
Virou de costas começou a se vestir depressa. Permane¬cera tempo demais naquela casa.
Precisava esquematizar o melhor caminho para retomar ao castelo de Craig Fawr, uma rota na qual ninguém o veria esgueirar-se como um ladrão fugitivo.
Poderia seguir o leito do rio, circundaria o vilarejo, pas¬sando pela casa de Angharad, e logo atingiria os portões do castelo. Se fosse questionado, ele diria ... diria ...
Rezou para que ninguém o encontrasse.
Tão logo ficou pronto para sair, ele se deliciou com o momento sagrado: observar e gravar no fundo do coração a imagem tranqüila de Samantha. Seria a última visão da mulher amada. Queria muito lhe dar um beijo de despedida, mas não ousou fazê-lo .
Se a beijasse, sem dúvida, iria sucumbir à tentação de possuí-la novamente. E isso ele não poderia se permitir.
Fawr naquela tarde.
Lady Rosamunde aproximou-se do pai. Embora não hou¬vesse ninguém por perto, ela resolveu falar em voz baixa para não correr o risco de ser ouvida. Tinha dispensado as criadas, porém não acreditava que aquelas incompetentes se privassem de escutar atrás da porta. Os servos adoravam fazer intrigas.
- Seu bêbado imbecil! Seu depravado e nojento bebedor de cerveja! Sei que está acordado! Portanto pare de fingir que não está. Espero que morra!
Edward D'Heureux gemeu e cobriu os olhos com a mão.
Os cabelos, além de despenteados, estavam sebosos, e o hálito, tão degradante quanto o odor de enxofre, causou náuseas em Rosamunde.
- Minha cabeça dói como se mil demônios a estivessem bombardeando.
- Sua cabeça vai doer muito mais, se eu não alcançar meu objetivo - Rosamunde atacou.
- Estou doente.
- Doente como qualquer homem estaria após uma noite de bebedeira. - Ela puxou a mão do pai para que a luz do sol ardesse nos olhos avermelhados do homem. - Como pôde fazer isso comigo?
Edward virou o rosto para evitar a forte luminosidade.
- Não foi você quem, acordou com uma dor de cabeça insuportável.
- Não. Mas sou a única que precisa se casar ou então viveremos à custa da caridade alheia. E que ajuda recebo? Nenhuma!
- Rosamunde, foi aquela mulher. Ela ficou enchendo minha caneca sem parar - Edward queixou-se.
- Que mulher?
- A camponesa que fabrica cerveja. Eles a chamam de Samira. Ou Samara. Ou algo semelhante .
- Samantha - Rosamunde o corrigiu, impaciente. Lem¬brava-se muito bem da mulher que dera à luz um filho bastardo do jovem barão.
- Sim, ela mesma. Uma vassala impertinente.
- Ela rejeitou suas investidas, suponho: - A acusação era apenas um palpite. No entanto, como ele não respon¬desse, Rosamunde teve a certeza de que precisava.
Durante anos, sua mãe havia pago muito dinheiro a mu¬lheres enganadas, pais e maridos enfurecidos para abafar escândalos e processos de assédio. No fundo, a pobre mulher não queria que Rosamunde tivesse desilusões em relação ao pai. Todo o esforço despendido fora em vão.
- Seu glutão estúpido! - Rosamunde voltou a atacá-lo.
- Como o barão reagiu diante de sua tentativa de sedução?
- Não houve danos maiores. - Edward abriu os olhos azuis e encarou-a como se fosse uma vítima inocente. - Somos amigos agora. Eu o acompanhei visando o seu pr6prio bem, Rosamunde. Tentei descobrir o que ele achava do casamento.
- E teve de se embebedar para realizar essa simples tarefa? - Ela o fitou, duvidosa. - Bem, o que ele disse? É a favor ou contra?
- Bem ... ele é a favor!
- Mentiroso. Você nem chegou a perguntar.
- Rosamunde!
- Sei que está mentindo, pai. Portanto, não se dê ao trabalho de continuar. - Suspirando, ela sentou-se na bei¬rada do leito e fitou a parede de pedra. - Espero que sua dedução esteja correta. Tomara que hão tenha causado ne¬nhum dano mesmo.
- Eu acho ...
De repente, Rosamunde levantou-se.
- Não quero saber o que você acha. É o barão, a esposa e o filho deles que me preocupam. Agora vou verificar se preciso fazer alguma emenda.
- Mande-me uma criada, por favor. Necessito...
Rosamunde fechou a porta e nem sequer escutou as la¬múrias do pai. Olhou ao redor para ter certeza de que ne¬nhuma criada a observava e trancou a porta.
Quando virou-se, deu graças por ter sido cautelosa. Uma serva intrometida apareceu no topo da escada.
- Meu pai pretende repousar pelo resto do dia e não quer ser perturbado. Virei ter com ele mais tarde e mandarei chamá-la, caso precise de assistência.
A serviçal pareceu compreender, embora Rosamunde acreditasse que a mulher não conhecia muito bem a língua francesa. Entretanto, se ela entendera que sir Edward não devia ser incomodado, já era o bastante.
Rosamunde sorriu ao se dirigir à capela. Deixar seu pai com um pouco de fome e muita sede pelo resto do dia, seria uma ótima punição para que o biltre aprendesse a controlar a bebida.
O sorriso cresceu quando avistou Johnathan atravessan¬do o pátio interno do castelo.
Como ele estava elegante naquela manhã! Era alto, forte e jovem! Apesar de os trajes serem simples, Joh¬nathan parecia tão fino quanto qualquer nobre da corte. Até melhor, na verdade, pois não possuía aquele traço de arrogância que transformava os homens em criaturas antipáticas e artificiais, os quais se apoiavam somente na apa¬rência e status.
Atenta, Rosamunde examinou a expressão de Johnathan, imaginando o que ele havia pensado acerca do comporta¬mento de sir Edward.
Porém, ele parecia ... diferente. Estava mais austero. E seguro de si.
Aquilo não era um bom sinal.
Tão logo Johnathan aproximou-se, ela não precisou fingir que se encontrava aborrecida.
- Desculpe-me pelo estado calamitoso de meu pai ontem à noite - Rosamunde disse, suave.
- Também lhe devo desculpas pelas ações de meu pai - Johnathan replicou, reverenciando-a. - Talvez pudéssemos conversar sobre o evento de ontem após a missa?
- Se assim o deseja, não me oponho.
- Creio que devemos.
No momento em que pousou a mão sobre o braço de Johnathan, Rosamunde sentiu o corpo trepidar como se seu estômago estivesse repleto de pedregulhos. Onde fora parar aquele admirador devotado e submisso?
Teria a embriaguez de seu pai alterado tanto assim a situação? Se fosse verdade, Rosamunde iria acrescentar mais um item à imensa lista de débitos que ele fizera, e o obrigaria a pagar. Por Deus, como o forçaria a pagar cada mal que cometera!
Ela nem sequer escutou o discurso monótono do padre durante a cerimônia religiosa. Boa parte de sua atenção estava centrada em Johnathan, sentado ao lado dela.
Por um instante, Rosamunde o achou muito semelhante ao pai, embora sem a exuberância tão peculiar do barão. Johnathan parecia triste e, de alguma forma, mais enve¬lhecido, como se algo o houvesse transformado no espaço de uma noite.
De súbito, ficou apavorada. E se ele não mais a quisesse?
O que Rosamunde iria fazer? Tinha de se casar. Havia es¬perado muito tempo por um homem que possuísse dinheiro e poder, um homem que não se interessasse pelas finanças da família, um homem que não a fizesse tremer de desejo com carícias íntimas.
Somente agora, depois de tanto sofrer as conseqüências da pobreza, ela o encontrara e o conquistara. Se Johna¬than quisesse romper o compromisso ... sim, o compromis¬so. Ele a pedira em casamento, e Rosamunde aceitara. Um homem honrado cumpriria a promessa e, lembrou-se mais aliviada, os DeLanyea eram famosos por estimar e defender a própria honra.
Não obstante, Johnathan podia estar reconsiderando o pedido. O pai de Rosamunde tinha de concordar com os termos básicos do acordo matrimonial o mais rápido possí¬vel. Naquele mesmo dia.
Quando finalmente a missa terminou, ela permitiu que Johnathan a conduzisse até o grande saguão.
- Meu pai não acordou disposto esta manhã - Rosa¬munde comentou tão logo se acomodaram. - Mas creio que logo estará recuperado. Não vi seu pai na missa.
Johnathan meneou a cabeça em negativa.
- Ele não compareceu à missa, tampouco minha mãe, que resolveu ficar no quarto cuidando dele. É muito raro meu pai se exceder na bebida.
Fingindo timidez, Rosamunde baixou o rosto. Precisava pensar em algo convincente, não podia dizer o mesmo em relação ao pai. Afinal, todos os freqüentadores do castelo haviam testemunhado a exagerada atração do homem pela cerveja de Craig Fawr.
- Entendo - limitou-se a dizer, evitando maiores complicações.
- Lamento que meu pai não tenha sido mais cuidadoso
- Johnathan confessou com carinho. - Estou certo de que ele se conteria, caso soubesse que iria aborrecê-la.
Agora Rosamunde sabia como proceder. Era sua última chance. Se não apelasse para a ridícula compaixão de Joh¬nathan DeLanyea, estaria perdida.
Com o coração em disparada, ela pegou o lenço que guardava sob a manga do vestido e enxugou o canto dos olhos secos. Sem dúvida, um homem como Johnathan se ofereceria como guardião de uma dama desamparada. Ele a salvaria das garras ferozes de um pai cruel.
Na verdade, Johnathan lhe faria um imenso favor.
Mas não era o momento de pensar no repulsivo Edward D'Heureux. Estava na hora de lançar a maior cartada de sua vida a fim de proteger seus interesses.
- Ele pode ser desumano - Rosamunde sussurrou, en¬fatizando o som patético da voz chorosa. - Oh, Johnathan, receio que eu esteja infeliz demais para permanecer entre tantas pessoas. Podemos ir a algum lugar, onde tenhamos mais privacidade?
Johnathan assentiu e levantou-se, estendendo-lhe a mão.
Durante o trajeto até o solário do barão, Rosamunde pon¬derou sobre os outros visitantes que ainda se encontravam hospedados em Craig Fawr. Não os conhecia bem pois, em grande maioria, eram galeses de sangue normando, ou nor¬mandos de sangue galês tal qual os DeLanyea. Havia pouca possibilidade de rumores se espalharem, e, com certeza, não chegariam à corte de Londres.
Após acomodá-la em uma das confortáveis poltronas do solário, Johnathan manifestou-se:
- Não há necessidade de ficar tão agastada com o com¬portamento de seu pai. Sou eu quem devo me perturbar pelo fato de meu pai ter levado sir Edward à cervejaria.
Rosamunde levantou-se e pousou os dedos sobre os lábios de Johnathan. A inesperada sensação de tocar aquela boca firme tanto a assustou quanto empolgou.
- Não posso responsabilizar o barão. Ele não sabia que meu pai era capaz de agir de modo inadequado em um lugar como aquele. Arrependo-me de não tê-lo impedido.
Johnathan recuou. O rosto másculo adquiriu um tom ro¬sado, e ela ficou satisfeita por afetá-lo com um simples toque.
- Eu sugeri o passeio para meu próprio bem.
- Seu bem? - Rosamunde indagou, preocupada com o que estava por vir.
- Eu queria estar a sós com você.
Ela ensaiou um olhar de súbito entendimento na face rígida.
- Para pedir minha mão em casamento?
- Exato. - A expressão de Johnathan tornou-se intensa.
- Se quiser reconsiderar sua decisão, vou compreender.
Rosamunde cobriu o rosto com as mãos e começou a so¬luçar. Anos atrás, ela havia aprendido que lágrimas falsas poderiam ser uma arma efetiva contra os pais, e ficou sa¬tisfeita por ainda possuir aquele talento.
- Você não me quer mais! - gritou, exagerando em dramaticidade. - Oh, o que vou fazer? Quem poderá me ajudar agora?
Aflito, Johnathan a fez sentar-se outra vez na poltrona e se ajoelhou diante dela.
- Lady Rosamunde, qual a razão de tanto desespero?
- Fiquei tão feliz ao saber que finalmente estaria salva! Pensei que você me amasse e me protegeria daquele bruto. Acreditei que, enfim, ficaria livre do medo apavorante que ele me causa.
- Por que tem medo de seu pai?
Ainda fingindo estar em prantos, a maléfica Rosamunde respondeu:
- Ele me bate quando está bêbado .
A bem da verdade, Edward D'Heureux, mesmo embriagado, era tão inofensivo quanto um bebê; entretanto, Joh¬nathan não precisava saber disso.
Ele se levantou e, ao pronunciar-se, Rosamunde mal pôde acreditar que era o mesmo homem. A voz soou dura e fria.
- Sir Edward a machucou ontem à noite?
- Sim - ela respondeu e enxugou as lágrimas com o lenço. -Estou cheia de arranhões nos braços. - Era uma deslavada mentira, claro, porém Johnathan não pediria para ver as marcas da suposta surra.
Indignado, Johnathan olhou aquele corpo frágil e indefeso enquanto Rosamunde tentava parar de chorar.
Havia escolhido aquela mulher como esposa, e ela o aceitara.
A honra exigia que ele sustentasse o compromisso, a des¬peito do desejo de fazer justamente o contrário. Depois de descobrir como o normando a tratava, Johnathan com cer¬teza não poderia abandoná-la.
- A partir de hoje, estará livre da tirania de seu pai, milady. Jamais permitirei que ele, ou qualquer homem, a magoe. E será minha esposa.
Era uma promessa e um juramento de cavaleiro. Contudo, as palavras soaram como uma sentença de morte. Johna¬than só podia lamentar ter estado tão cego de ambição e enfeitiçado por um casamento vantajoso. Em sua alienação, fora incapaz de escutar os clamores verdadeiros do coração.
- Oh, Johnathan! - Rosamunde jogou-se nos braços dele, quase parecendo apaixonada. - Obrigada!
E ele não conseguia corresponder ao gesto.
- Sua nobreza de caráter me faz amá-lo ainda mais!
Para ser franca, penso que meu pai estará muito melhor hoje à tarde. Assim você poderá fazer o acordo de casamento.
Rosamunde sorriu para ele. Porém o sorriso não o afetou.
- Seria muita ousadia de minha parte, caso eu pedisse um beijo a meu futuro marido?
Obediente, Johnathan a beijou.
- Vou ver como meu pai está. Não podemos protelar por muito tempo o acordo de casamento. Até logo, Johnathan - ela despediu-se com outro sorriso. - Mandarei avisá-lo quando meu pai estiver pronto para negociar com você.
- Até logo - Johnathan respondeu, vendo-a desaparecer do solário.
Então sentou-se à mesa. De ombros caídos, passou a mão nos cabelos.
Estava preso à armadilha que ele próprio armara. Havia feito o pedido e Rosamunde concordara com o casamento de boa-fé. Romper o compromisso, mesmo que obtivesse a permissão do barão, seria um ato de total desonra.
Rosamunde não era responsável por Johnathan não ter ouvido os apelos do coração. Na noite anterior, ao fitar o lindo rosto de Samantha, ficara tomado pela intel1sa energia que ela inspirava antes de se render à paixão. Naquele momento exato, ele teve a mais absoluta certeza de que pertenciam um ao outro. Para sempre.
Pouco antes do ato amoroso, a única preocupação de Joh¬nathan era a ambição de conseguir um casamento muito mais valioso que o de Griffydd e Dylan.
E quanto a filhos? Sempre desejou ser pai. Samantha não podia mais dar à luz nenhuma criança.
Quando se aliasse a Rosamunde, Johnathan seria obri¬gado a encontrar conforto na esperança de que ela podia engravidar.
Se por acaso não tivesse filhos, entenderia a fatalidade como sendo um castigo divino pela tola determinação de ser mais famoso que os irmãos e o pai.
Naquela tarde, o barão DeLanyea, sentado em sua poltrona e ,afagando a orelha de Mott, tentou parecer surpreso com a aproximação de sir Edward, lady Rosamunde e Johnathan.
Sir Edward D'Heureux adentrou o grande saguão parecendo tão doente quanto alguém que consumira excessiva quantidade de braggot. Embora as faces estivessem rosadas, a filha do normando ainda tinha a expressão pálida e sem vida.
No entanto, o semblante de Johnathan, o qual era decidi¬damente infeliz, trazia um sorriso genuíno. Talvez sir Edward houvesse negado ao jovem casal a permissão de se casar.
Se fosse o caso, o barão pensou alegre, iria se empanturrar de braggot para comemorar.
De súbito, os lábios de sir Edward se curvaram em um sorriso patético. No mesmo instante, o coração de Emryss se apertou.
- Boa tarde, sir Edward, lady Rosamunde - ele os cum¬primentou, esforçando-se para soar amigável.
- A tarde será ainda melhor se, como eu, permitir que seu filho se case com minha filha e, em seguida, assinarmos os termos do acordo nupcial- o normando replicou, animado.
O barão perguntou-se o que estava acontecendo com o filho. Depois de tudo que Johnathan dissera, ele devia estar exultante, como se houvesse ganho a coroa real de Gales. No entanto, parecia um homem condenado por traição.
Emryss notou que sir Edward o fitava, ansioso.
- Ah, certamente! - ele declarou, fingindo felicidade.
- Não posso dizer que estou surpreso. Que jovem rapaz não gostaria de esposar sua linda e graciosa filha? Vamos ao solário para discutirmos essa maravilhosa união?
- Muito bem - sir Edward concordou. O barão encarou o filho.
- Quer vir conosco?
- Sim.
Então Emryss sorriu a lady Rosamunde. Ela aparentava um gato que acabara de engolir um rato.
- Tenho certeza de que lady Rosamunde não deseja apo¬quentar-se com o aspecto financeiro do matrimônio. Pedirei a Gwen que chame minha esposa para que milady e ela possam discutir os detalhes da festa de casamento. Onde quer que se realize?
- Oh, eu adoraria me casar aqui, no lar de Johnathan ¬lady Rosamunde respondeu depressa. - Nossa capela na In¬glaterra é pequena demais para comportar os convidados.
O barão DeLanyea já havia negociado com centenas de ilícitos mercadores para compreender o sutil significado da¬quela resposta. Santo Deus, se pudesse retroceder no tempo, jamais teria convidado sir Edward e a filha para virem a Craig Fawr!
- Ficaremos maravilhados de realizar a cerimônia de casamento em nossa capela - Emryss respondeu, por fim, tentando parecer cortês. - Minha esposa, em particular, vai exultar com a notícia.
Ao menos aquela afirmação era verdadeira, o barão con¬cluiu em pensamento.
- E estou certo de que ela ficará ansiosa para ouvir o que tem a dizer sobre o assunto, minha querida - Emryss disse. - Agora, se nos der licença, nós, homens, temos de tratar da negociação.
Como o barão fosse um ótimo juiz de caráter em determinadas circunstâncias, ele podia jurar que lady Rosamun¬de não gostara do privilégio de organizar os detalhes da cerimônia e da festa.
Emryss não se importava. Queria descobrir o que seu confuso filho estava pensando e o único meio de obter mesmo a mais frágil revelação era afastá-lo de sua futura esposa.
- Gwen - ele chamou a criada que logo apareceu no saguão. - Acompanhe lady Rosamunde até lady Roanna. Acredito que ela esteja no porão, verificando o suprimento de grãos. Depois, leve três cálices e uma garrafa de vinho tinto ao solário.
Enquanto conduzia os homens a seu refúgio privado, o barão ansiava que o filho caçula lhe oferecesse alguma ex¬plicação para aquela reação tão pouco entusiasmada, já que Johnathan havia atingido seu objetivo maior.
Emryss tinha a nítida sensação de. que os argumentos do filho não seriam satisfatórios ou convincentes.
Na manhã seguinte, lady Rosamunde cami¬nhava sorridente pelo jardim entre os can¬teiros de rosas de Craig Fawr. Somente alguns botões ha¬viam sobrevivido ao início do inverno e o orvalho da noite cobrira os pequenos,bulbos a desabrochar. Galhos secos su¬biam pelos muros de pedra e, sob eles, o solo amanhecera endurecido.
Acima das muralhas, via-se a distância o sol obscurecido entre as nuvens cinzentas, que pareciam prometer chuva a qualquer momento. O ar estava frio, porém não tão gelado a ponto de impedir um passeio no jardim. Alguns pássaros gorjeavam sua canção? o som elevado e claro abafava a movimentação cotidiana do castelo.
No entanto, lady Rosamunde não se importava com nada ao redor; estava absorvida em pensamentos e muito se ga¬bava pelo sucesso de seu plano. No dia anterior, o barão havia pago quase quatrocentas peças de ouro pela noiva, de acordo com o costume galês.
E mais, a maior parte daquele dinheiro ficaria direta¬mente para Rosamunde, e seu pai tivera de concordar com a divisão tão logo ela lhe contou o plano, O dote seria a venda de uma pequena porção de terra nos arredores de Londres e a residência, composta de alguns bens, que per¬tencera a sua mãe.
Tais propriedades não custariam nada ao pai. As terras não valiam muito e eram inúteis, como o noivo iria descobrir mais tarde. No momento certo, Rosamunde iria fingir ig¬norância e culpar o pai pela trapaça, mesmo porque ela esperava nunca mais vê-lo depois de casada.
Por que deveria?, pensou, puxando a gola de pele do man¬to para proteger-se da friagem matinal. O que Edward D'Heureux havia feito por ela, além de negociar o contrato de casamento?
Mais tarde, após ele ter descrito o andamento da nego¬ciação, Edward mostrara surpresa ante a facilidade de dis¬cutir os termos do acordo.
- Sugeri a quantia que você e eu havíamos combinado e ele aceitou sem pestanejar - dissera sir Edward à filha. - Estou impressionado.
- Já lhe ocorreu que a felicidade de Johnathan é muito mais valiosa para o barão DeLanyea que uma simples bar¬ganha? - Rosamunde aventara, irritada.
- Não tinha pensado nisso - o infeliz murmurou, ainda surpreso.
Ficara óbvio que seu pai jamais se preocupara com o bem-estar da família, tampouco sabia reconhecer tal virtude nas pessoas. O sorriso triunfante de Rosamunde desapare¬ceu ao recordar-se daquela conversa.
Ele e suas noções estúpidas não mais importavam, disse a si mesma. O acordo de casamento estava redigido e as¬sinado. Ela havia ganho seu prêmio.
- Milady?
Assustada com aquela voz profunda e familiar, Rosamun¬de se virou e avistou o capitão da guarda, próximo à entrada do jardim. Ele segurava as luvas nas mãos imensas e po¬derosas que, no mínimo, poderiam cortá-la em dois pedaços em um simples golpe. Os cabelos longos e rebeldes voavam com a brisa, e as sobrancelhas grossas acrescentavam certo charme à aparência selvagem.
O coração de Rosamunde disparou quando o capitão apro¬ximou-se, as roupas de oficial da guarda realçavam o corpo atlético e másculo.
Ela ergueu o queixo, soberana. Um tremor de excitação percorreu-lhe a espinha ao notar que era capaz de afetar belo espécime masculino.
- Quem é você, e o que deseja?
- Sou Ivor, milady, e capitão da guarda de Craig Fawr - ele se apresentou. O sotaque galês era muito mais acentuado que o de Johnathan. A voz também era bem mais profunda e forte, e extremamente prazerosa.
Ivor avaliava o corpo de Rosamunde com explícito inte¬resse. Era uma atitude impertinente da parte dele. Mas o gesto atrevido causou-lhe uma sensação distinta e excitante.
- Bem, Ivor, o que quer? -Rosamunde indagou, em um tom arrogante.
- Pensei que gostaria de obter certas informações sobre Johnathan, milady.
- Sir Johnathan.
- Sir Johnathan, então. O homem com o qual vai se casar.
- Sim, vou. E não estou interessada em fofocas.
- Não contei a ninguém o que testemunhei.
Rosamunde sentiu um arrepio ao perceber a gravidade da notícia.
- Venha. - Ela o levou para o canto oposto do jardim a fim de que nenhum criado bisbilhoteiro os escutasse ou visse.
Sim, ninguém podia vê-los ou ouvi-los. Aquela privaci¬dade tornou-se, de repente, empolgante.
Ela se voltou ao soldado, muito ciente dos ombros largos e dos traços duros das faces.
- Diga-me, capitão da guarda de Craig Fawr, o que testemunhou?
- Sir Johnathan saindo da casa de uma mulher no vilarejo.
Rosamunde espantou-se.
- Na primeira hora da manhã. Ao raiar do dia.
- Quando foi isso?
- Ontem.
O dia em que Johnathan se mostrara tão acabrunhado e diferente.
Dando as costas a Ivor, ela tentou refletir acerca do sig¬nificado daquela informação. Johnathan havia passado a noite no vilarejo. Era um homem jovem e vigoroso, e Ro¬samunde não lhe dera nenhuma oportunidade à paixão. Sem dúvida, ele tinha passado a noite com uma prostituta para aliviar a tensão. Afinal de contas, era um homem.
- Perdoe-me por perturbá-la, milady - Ivor disse. ¬Mas achei que deveria saber disso.
Devagar, Rosamunde virou-se e fitou os olhos ansiosos.
E os lábios sensuais.
- Agradeço sua preocupação, Ivor. Por favor, não diga a ninguém mais o que viu.
- Como desejar, milady.
Ivor não fez menção de se retirar, tampouco Rosamunde.
De súbito, ele tomou-lhe a mão e beijou a pele alva e fina do delicado pulso.
O gesto firme e gentil excitou-a, o que não acontecia com qualquer atitude de agrado da parte de Johnathan. Rosa¬munde sentiu-se derreter e as pernas bambearem.
- Creio que é melhor retirar-se, Ivor - ela sussurrou, puxando a mão, embora relutante.
- Mil perdões, milady. - Com uma expressão desgostos a nos olhos escuros, ele se afastou.
Em seguida, Ivor precipitou-se ao portão do jardim e de¬sapareceu, tal qual um homem assombrado por fantasmas.
Por sua vez, Rosamunde permaneceu onde estava, ofe¬gando como se houvesse escalado todas as torres do castelo.
Enquanto provava um gole de cerveja, Samantha olhou a porta da cervejaria, examinando a altura do sol que ten¬tava despontar entre as nuvens. O dia estava limpo e en¬solarado; muito distinto dos últimos que haviam sido frios e úmidos. A chuva constante parecia lágrimas de Deus.
Seria fácil e até agradável viajar naquele clima e, por isso, ela sentia-se grata e feliz. As duas longas semanas de Arthur na casa do pai tinham terminado. Ele e Dylan es¬tariam chegando a Craig Fawr naquela tarde.
Os catorze dias lhe pareceram uma eternidade. Samantha não podia negar que o anúncio oficial do noivado de Johnathan e lady Rosamunde haviam tornado aquele período mais sombrio.
Desde que soubera da novidade, ela se manteve ocupada com a cervejaria e evitara ir ao castelo, exceto quando fora absolutamente necessário. Não queria encontrar-se com Johnathan ou a normanda.
Aquele lote de cerveja estava excelente, concluiu. Sabo¬roso o bastante para ser servido na festa de casamento de um cavaleiro. Iria incluir aquela porção na encomenda que o barão fizera para o evento.
A cerimônia se daria dentro de um mês. Talvez Samantha devesse misturar purgante à cerveja.
A idade a tornava perversa, pensou. Quisera que Joh¬nathan a amasse pela última vez, e ele a atendera de boa vontade. Afirmara preferir viver da doce recordação de estar nos braços dele e agora tinha de conformar-se com a idéia. Não podia implorar o amor de Johnathan. Nunca mais.
A luz que entrava pela porta diminuiu. Angharad surgiu na cervejaria, imponente em sua arrogância e vasta cabe¬leira. A atraente camponesa do vilarejo, de postura real, não se entregara a nenhum homem depois de ter dado à luz o filho do jovem barão.
Angharad, aquela que possuía a visão. A grande profetisa da região.
E que, na verdade, naquele momento sorria com extrema alegria à soleira da porta.
- Bom dia, Samantha - Angharad cumprimentou, sus¬tentando graça e postura soberba de uma rainha, a qual Samantha sempre invejara.
- Bom dia, Angharad. O que a traz aqui?
- Arthur estará voltando hoje, certo?
- Certo. Com Dylan.
Angharad sentou-se, sem convite, em um dos barris da cervejaria.
- Dylan vai levar Trefor a Beaufort para uma última visita, antes de enviá-lo ao treinamento de Fitzroy.
- Eu sei - Samantha retrucou, imaginando o motivo de Angharad estar ali.
- Então Johnathan vai se casar com lady Rosamunde.
- Sim. Você estava enganada. Dessa vez suas profecias falharam, pelo que vejo.
- Não, eu vejo - Angharad a corrigiu, com aquela ma¬neira superior que Samantha tanto odiava.
O fato de também ter gerado um filho de Dylan não a tornava igual aos olhos de Angharad.
Mas, afinal, o que a suposta clarividente possuía para se gabar, além de ser a mãe do primeiro filho do jovem barão? Era uma mulher ainda solteira, que tecia lã para se manter. Na verdade, era do mesmo nível social de Samantha.
- O que você "vê"? - perguntou, sem se incomodar em esconder o ceticismo.
Misteriosa, Angharad sorriu e ajeitou o corpete do vestido de lã. O tecido azul-escuro confirmava a alta qualidade da lã que ela tecia.
Algo que irá alegrá-la.
- Oh, e devo confiar em sua última visão? Seria mais verdadeira que a previsão de um possível casamento entre mim e o filho caçula do barão?
- Johnathan ainda não se casou com aquela normanda, você sabe.
- O acordo foi escrito, assinado e selado. Se aquela normanda não mudar de idéia, ou morrer, Johnathan manterá o compromisso. Ele costuma honrar a palavra dada. Você sabe disso tanto quanto eu.
- Ela é uma mulher. Portanto, pode mudar de idéia a qualquer momento.
- Por que é tão boa para predizer o futuro das pessoas e nunca fala do seu?
Os olhos de Angharad faiscaram.
- Você sabe por quê. Não posso ver meu próprio destino.
- Que conveniente.
- É a mais pura verdade, Samantha. Jamais tive uma visão sobre mim mesma.
- Droga, Angharad, não vou me casar com Johnathan! Se é isso que a trouxe aqui, pode ir embora. Tenho muito trabalho a fazer.
Angharad não se moveu. Contudo, seu sorriso crítico aumentou.
- Ficará bem mais atarefada no próximo verão.
- Não é preciso ser sensitiva para adivinhar isso, se os negócios continuarem a prosperar.
- Não há nenhuma relação com os negócios. Como está se sentindo esses dias, Samantha? Cansada? Os seios in¬charam? Tem náuseas?
- Sinto-me ótima. Não mais cansada que o normal, meus seios costumam inchar nessa fase da lua e não tenho náu¬seas - Samantha declarou, sincera. Porém as perguntas de Angharad alimentavam a esperança de que, talvez, ela ainda pudesse geral filhos.
- Bem, creio que dessa vez a gravidez será mais tranqüila.
- Que gravidez, Angharad? Você enlouqueceu!
- Está grávida, Samantha.
- Oh, você e suas falácias! Não tem nada mais importante a fazer, além de me atormentar com profecias ilusórias?
- Achei que ficaria feliz de ter a certeza. Você está es¬perando um filho.
- Angharad, pare! - Samantha exclamou, furiosa. - Não seja cruel.
- Imaginei que minha visão a deixaria contente.
Samantha suspirou.
- Se fosse verídica, eu ficaria exultante. Contente seria muito pouco para expressar minha felicidade.
Angharad levantou-se e fitou-a com um sorriso genuíno nos lábios.
- Samantha, é verdade. Você tem um bebê em seu ven¬tre, e Johnathan é o pai. Será um menino forte e saudável e, quando crescer, trará muita felicidade a ambos.
Agoniada, Samantha sentou-se no barril.
- Não ... não é verdade. Não pode ser. Você deve estar enganada.
Entretanto, o coração de Samantha começou a bater mais rápido. E se fosse verdade? E se o sonho de carregar um bebê nos braços outra vez se tornasse realidade?
Caso estivesse grávida, com certeza a criança era de Joh¬nathan. Samantha não estivera com Ivor desde o último ciclo feminino.
Mas como lady Rosamunde enfrentaria a situação? Não lhe agradaria saber que o noivo havia se deitado com outra enquanto a cortejava. E a normanda tornaria a vida de Johnathan um inferno.
Talvez até rompesse o compromisso e, por conseqüência, os projetos de Johnathan estariam arruinados. Ele seria hu¬milhado diante de toda a família. Era tão orgulhoso ... Sem dúvida não conseguiria superar uma tragédia desse tipo.
E porque era orgulhoso demais, ele odiaria Samantha por ter destruído a chance de realizar suas ambições.
- Se eu estiver carregando um filho, ele pode ser de outro homem - Samantha sugeriu.
- Não, não é - Angharad confirmou, veemente. Eu os vi.
- O quê, Johnathan e eu? Está mesmo fora de si.
- Não mais que você. Acredite, Samantha, enxerguei-os juntos.
- Oh, andou se esgueirando pelo vilarejo para espionar pelas janelas?
- Sabe muito bem o que quero dizer.
Sim, Samantha sabia. E tinha certeza de que, se An¬gharad espalhasse o que vira pelo povoado, todos os habi¬tantes do vilarejo e dos arredores de Craig Fawr acredita¬riam nela.
Na época em que Angharad previra a possível união entre Samantha e Johnathan, apesar da animosidade de ambos, as pessoas haviam dado crédito à clarividente. Na verdade, todos estavam tão certos disso que mantive¬ram segredo durante um longo tempo, acreditando que a profecia a aborreceria.
- Não conte a ninguém, Angharad - Samantha pediu, enfatizando O tom suplicante. - Por favor. Johnathan vai se casar com aquela normanda, não comigo. E revelar essa gravidez não fará bem a ele.
- Você não vai conseguir esconder sua barriga quando ela crescer, Samantha.
- Em nome de Deus, sei que não. Mas ninguém pode saber que a criança é de Johnathan.
- Ivor vai pensar. .
- Ivor vai saber que não é dele.
- Ah! - Angharad assentiu. Então o semblante tornou-se preocupado. - Como irá explicar...
- Não direi nada. Vou apenas rir e pedirei a todos que adivinhem. Se você guardar segredo, entre tantos homens que já tive, ninguém irá suspeitar de Johnathan. Concorda?
Angharad meneou a cabeça em negativa.
- Mas ele precisa saber que terá um filho. Vai lhe negar essa bênção? E seu filho possuirá direitos legais por ser o primogênito de um cavaleiro.
- Tenho de evitar que a noiva descubra. Você já a viu? Pode imaginar que vida a normanda irá proporcionar a Joh¬nathan, se ficar sabendo?
- Ela não vai se casar com •Johnathan.
- Pare, Angharad! - Samantha gritou, erguendo os braços. - Não acredito em suas premonições! Não sou tão idiota!
O rosto de Angharad empalideceu.
- Então como consigo acertar tantas vezes?
- Você tem bons palpites. Escute, Johnathan está noivo daquela normanda e vai se casar com ela. Não sei como descobriu o encontro que tivemos. Talvez o tenha visto sair daqui ou outra pessoa o fez. Ou talvez não esteja tão certa quanto imagina estar.
De súbito, o olhar de Angharad adquiriu um brilho diferente, um tanto inseguro.
- Oh, Deus! - Samantha gemeu, examinando a expressão de Angharad. - É verdade, não é? Você não tem certeza do futuro. - Ela sentiu uma repentina vontade de chorar. - Talvez eu ... não seja abençoada com outro filho.
Em um impulso, Angharad segurou as mãos de Samantha.
- Creio, de verdade, no que vejo, Samantha. - Havia sinceridade no olhar da clarividente. - Mas nem sempre revelo tudo porque não tenho absoluta certeza do significado de meus sonhos. - Ela fez uma pausa e respirou fundo. - Confesso que não estou certa acerca de quem será a mulher de Johnathan. Um dia ele fez um comentário de¬preciativo sobre Dylan, então citei o nome da mulher que mais podia aborrecê-lo. Obtive minha vingança quando vi a raiva estampada nos olhos dele, mas me condenei por tamanho desrespeito. Admito que jamais pensei em como você se sentia em relação a isso.
- Angharad, por experiência própria, sei quão provoca¬tivo Johnathan pode ser a ponto de irritar as pessoas.
- Samantha, posso afirmar com certeza que Johnathan irá se casar e viverá muito feliz com a esposa. Sei que ele terá filhos e uma filha. E também atesto que a criança que você espera é dele - Angharad completou, categórica.
- Após tanto tempo ... vou ter um bebê - Samantha murmurou, sentindo a alegria renascer. - Por favor, An¬gharad, não conte a ninguém. Deixe-me resolver essa ques¬tão de meu jeito.
- Mas não vai negar os direitos de nascença a essa criança.
- Não criarei problemas entre ele e a noiva, se puder evitar.
- Já criou, no instante em que concebeu esse filho - Angharad pontuou, caminhado à porta. Então parou e olhou para trás. - Farei o que me pede, Samantha, porque nossos filhos são irmãos e sempre tive muita estima por você. Na verdade, sinto-me muito feliz em saber que terá outro filho. É uma mãe maravilhosa e merece a felicidade que Deus está lhe proporcionando.
Ainda sentada no barril, Samantha observou a partida de Angharad. Jamais imaginara que por trás daquela ati¬tude arrogante encontrava-se uma mulher sincera e afetuo¬sa. A despeito das profecias, sentia que uma nova amizade surgia entre ela e Angharad.
Porém ... teria mesmo outro bebê? Enfim, poderia nova¬mente amamentar uma criança! Um filho de Johnathan. Oh, Samantha agora possuía uma parte dele, a qual iria amar e cuidar para sempre.
Johnathan dissera que estava disposto a reconhecer o filho ... Mas seria verdade? Quando chegasse a hora de es¬colher entre a paz com a esposa normanda e o reconhecimento de uma criança ilegítima, o que ele decidiria? Sa¬mantha o obrigaria a optar ou ela mesma o faria?
E quanto a Arthur? O menino vivera com ela como filho único por tantos anos. Podia ressentir-se perante mais um irmão para dividir as atenções da mãe.
Não, Samantha não o deixaria sofrer. Pretendia oferecer muita segurança também ao segundo filho para que ele não se sentisse como Johnathan, magoado por ser sempre com¬parado aos outros.
Não seria tarefa fácil, principalmente se ela escondesse a identidade do pai. Mas revelar o segredo ...
Cedo ou tarde, o vilarejo iria descobrir e então os rumores se espalhariam de povoado a povoado até chegarem aos ouvidos de lady Rosamunde.
Antes disso, porém, talvez Johnathan e a esposa tivessem o próprio filho.
Sob as leis normandas, o bebê de Samantha seria bas¬tardo e, a menos que Johnathan pagasse pelo direito de inclusão à legitimidade, o menino não teria nenhum título nobre. Porém, a criança que ela gerava haveria de possuir sua herança, assim como os tributos referentes ao casamento de Johnathan e Rosamunde.
Manter a identidade do pai em segredo significava que Samantha roubaria os direitos de nascença do próprio rebento.
Precisava ponderar. Havia duas opções apenas: poupar Johnathan e roubar do filho o que lhe era de direito ou contar a verdade a Johnathan e enfrentar as conseqüências.
Talvez houvesse algum tipo de acordo, uma combinação secreta para que Johnathan pudesse prover o futuro do filho, sem reconhecê-lo oficialmente. Não se tratava do meio mais honrado, mas era melhor que nada.
-Mãe!
Samantha se levantou, sorrindo, e abriu os braços para receber Arthur que se jogou contra ela ao entrar na cerve¬jaria. Atrás dele, em um passo mais lento, vinha Dylan.
- Oh, que saudade! - Ela deu um abraço bem apertado no menino. - Você se comportou?
- Meu pai me ensinou a lutar! - Arthur exclamou, orgulhoso, enquanto se desvencilhava dos braços maternos.
- É mesmo, e ele aprendeu muito bem. Estou cheio de arranhões dos pés à cabeça - Dylan queixou-se com apa¬rente arrependimento.
- Você não me parece machucado - Samantha comentou.
- Eu me sinto machucado.
- Não respondeu minha pergunta, Arthur. - Samantha recolheu a pequena trouxa do filho, sabendo que Genevieve a havia mandado com todas as roupas limpas. - Foi um bom menino? Não fez nenhuma grosseria?
- Ele foi tão bom quanto um filho meu deve ser ¬Dylan respondeu.
- Ora, isso pode significar qualquer coisa. - Samantha riu.
- Eu me comportei direito, mantive a boca fechada e me lembrei de usar o guardanapo. Ah! Disse por favor e obrigado e pedi para repetir a refeição apenas seis vezes
- Só seis vezes? - Samantha franziu a testa.
- Não implique com o garoto, Samantha. Genevieve praticamente o forçou a se alimentar. Ele se saiu muito bem.
Ela afagou os cabelos do filho e sorriu.
- Fico feliz em saber. Agora leve seus pertences para casa, Arthur.
Animado, o garoto correu porta afora. Vendo-o sair da cervejaria, Samantha suspirou aliviada por tê-lo de novo em seu lar.
- Você me parece bem - Dylan comentou.
- Não estou com a aparência cansada?
- Devia estar? - indagou, desconfiado.
-Não.
- Parece muito feliz.
- E estou ... por ver meu filho outra vez em casa. Sinto muita falta dele quando está ausente.
Dylan continuou a observá-la de um jeito que a constrangeu.
- O que está olhando? - ela perguntou. - Meu vestido está amarfanhado? Meus cabelos parecem mais embaraça¬dos que de costume? Um dente caiu sem eu perceber?
- Você está ... luminosa .
- Oh, agora sou uma lamparina a óleo? Talvez eu esteja comendo muito peixe .
- Há um brilho bonito em seu rosto.
- Estive provando a cerveja. Creio que exagerei.
Dylan riu.
- É melhor tomar cuidado, Samantha, ou acabará con¬sumindo seu próprio sustento.
- Jamais.
- Ótimo. - Dylan sorriu. - Agora, se me der licença, preciso ver Angharad e meu outro filho. Senão, Trefor vai se sentir preterido. - Ele meneou a cabeça, resignado. ¬- Acho que terei de aprender a lidar com isso o resto de minha vida.
- Parece uma reação comum entre irmãos.
- Como pode saber? Você nunca teve irmãos ou irmãs para disputar o carinho dos pais.
- Como você sempre diz, tenho olhos. Já conheci muitos irmãos para formular um parecer.
- Bem, nesse caso, devo me submeter a sua sabedoria.
- Ele caminhou até a porta de um modo muito semelhante ao de Johnathan. - Arthur quer me acompanhar até a casa de Angharad, se você estiver de acordo. - Dylan baixou o tom de voz quando disse: - Suponho que ele queira pra¬ticar os golpes que lhe ensinei em Trefor.
Samantha sentiu-se orgulhosa do filho. Então Dylan sorriu, matreiro.
- É bom para ele. O garoto precisa levar um soco ou dois, mesmo sendo meu filho mais velho.
- Não discordo de você.
- Eu a verei no castelo hoje à noite?
- Não. Quero ter Arthur só para mim antes de ele partir.
Dylan, ainda sorridente, despediu-se e deixou-a sozinha na cervejaria.
Naquela noite, depois que as damas e a maioria dos cria¬dos se recolheu, Dylan e Johnathan sentaram-se diante das chamas da lareira, cada um com uma caneca da saborosa cerveja de Samantha nas mãos.
- Bem, eu lhe desejo felicidades. - Dylan ergueu a caneca, em um brinde.
- Pensei que fosse ignorar meu compromisso de propósito.
- De maneira alguma. Cumprimentei a noiva logo após o jantar, quando você e seu pai passavam a senha de hoje a Ivor.
- Verdade?
- Claro - Dylan afirmou. - Ela parece uma criatura modesta, devo dizer.
- Espero que não tenha sido rude.
- Eu? - Dylan fingiu inocência. - Nunca, primo. Disse que lhes desejava felicidades. Ela sorriu e agradeceu. Foi tudo.
- Ótimo.
- Ela se aborrece fácil, não?
- É uma dama - Johnathan justificou.
- Ah, e é muito bonita, sem sombra de dúvida. Quanto o barão pagou pelo contrato?
- Não é hora de discutir tais assuntos.
Dylan avistou alguns homens que ainda bebericavam do outro lado do saguão.
- Ora, garoto, estou certo de que ela vale o preço. Johnathan encarou o primo com desagrado.
- Precisa ser tão vulgar? E pare de me chamar de "garoto"!
- Por Deus, John! Você continua mal-humorado. Pensei que fosse encontrá-lo nas nuvens porque conseguiu conquis¬tar a bela normanda. O que o deixa tão irritado, afinal?
- Estou feliz, Dylan. Só não vejo necessidade de discutir preço do noivado ou o dote dela com ... aqui!
- Comigo, você quer dizer - Dylan arriscou.
- Muito bem. Com você.
- Se assim o deseja. - Dylan tomou um longo gole de cerveja e então enxugou os lábios na manga da túnica. - ¬Diga-me. Com quem Samantha anda dormindo?
- Pelo amor de Deus, Dylan, não sou um ancião que passa o dia mexericando - Johnathan resmungou, enquan¬to fitava as chamas do fogo.
- Não se aborreça. Fiz apenas uma simples pergunta.
- Por que não questiona Samantha?
- Farei isso. E depois vou perguntar quando nascerá o bebê.
- Bebê? - Johnathan indagou, sem poder acreditar na assertiva do pri¬mo. Se a notícia fosse verdadeira, Samantha devia ter lhe contado antes, afinal, ela e Dylan não escondiam de ninguém o forte laço de amizade.
- Isso mesmo. Ao menos, suponho que esteja grávida. Há um brilho luminoso no rosto dela. Eu lhe perguntei, mas Samantha ... - Dylan se deteve ao ver a expressão assustada de Johnathan. - É apenas um bebê. Samantha não cometeu nenhum crime ou algo semelhante.
- Ela lhe disse que está esperando um filho?
- Não. - Dylan franziu a testa, preocupado. - Não pretende fazer um discurso moralista por causa disso, certo, John? Sei que você não aprova o modo de vida que ela leva. Droga, devia ter ficado de boca fechada.
- Sim, devia. - Johnathan levantou-se e encarou-o, con¬trariado. - Se Samantha estivesse grávida, ela lhe diria, concorda? Vocês são como dois ladrões sorrateiros. Vivem sussurrando segredos pelos cantos do castelo. Sempre foram assim. Como pode afirmar que a mulher está esperando um bebê baseado em suposições? Você é pior que uma anciã bisbilhoteira, Dylan!
- Não precisa ficar tão ...
- É melhor manter sua boca fechada! Não fique espalhando suspeitas sobre a gravidez de Samantha, a menos que ela tenha certeza de que está grávida. Boa noite!
Dito isso, Johnathan jogou a caneca de cerveja sobre a mesa e marchou a passos duros rumo à torre que dava acesso a seu quarto.
Dylan acompanhou com o olhar a saída drástica do primo e, pensativo, acomodou-se na cadeira. Um sorriso sutil des¬pontou em seus lábios. Sua mente ágil e perspicaz anunciava uma nova descoberta ...
- Ora, vejam ... - murmurou.
Então ergueu a caneca em direção à casa de Angharad.
- Sou obrigado a lhe suplicar que me perdoe, Angharad. Todo esse tempo, imaginei que você estivesse zombando de Johnathan somente para irritá-lo. Agora descubro que tudo é possível, afinal.
- Samantha!
Uma voz sussurrou no ouvido de Samantha enquanto ela dormia. Ela despertou assustada, abriu os olhos e sentou-se na cama, tentando identificar a figura do homem a sua frente.
- Johnathan? O que você veio ...
- Quieta! Arthur está dormindo no mezanino, não está?
- Sim, está. O que quer?
Tão logo a vista se acostumou à escuridão, notou que Johnathan não usava um casaco, vestia apenas a habitual túnica preta e o pesado cinto atado à cintura. Contudo, o que fizera o coração de Samantha disparar foi o olhar som¬brio e decidido de seu amado cavaleiro.
- Preciso conversar com você. Venha comigo, por favor.
- Mas no meio da ...
- Sim!
Ele parecia desesperado. Sem ousar contrariá-lo, Saman¬tha se levantou e enrolou-se no cobertor.
- Podemos ir à cervejaria.
Ainda sonolenta, ela aproximou-se da fogueira e acendeu uma vela no braseiro. Velas eram muitos caras, um artigo que poucos moradores do vilarejo poderiam obter. Eles as produziam para o consumo imediato, o essencial para so¬breviver. Adotavam o sistema de trocas e somente alguns fabricantes conseguiam vender seus produtos. Samantha reservava-as apenas para ocasiões especiais e raras.
De alguma maneira, pressentia que a repentina aparição de Johnathan anunciava uma dessas ocasiões. E, sobretudo, queria enxergar o rosto dele claramente.
Ajustando o cobertor com uma das mãos e segurando a vela na outra, Samantha o encarou, curiosa.
De fato, o semblante austero de Johnathan estava extre¬mamente preocupado.
- Segure isso enquanto calço meus sapatos - ela pediu em um sussurro e entregou-lhe a vela.
As mãos de ambos se roçaram por um breve momento.
Disposta a ignorar as sensações que o toque fugidio causou, ela achou os sapatos e os colocou. O couro frio do calçado em seus pés a fez notar que aquilo não era um sonho, mas a pura realidade. Ele estava ali, forte e viril, e Samantha não sabia se devia estar feliz ou inquieta com a visita.
- Agora podemos ir .
Johnathan assentiu e seguiu-a. Com todo cuidado para não acordar o filho, Samantha fechou a porta e saiu em silêncio.
Do lado de fora, a noite estava gélida. A lua e as estrelas haviam desaparecido, encobertas por densas nuvens. Na floresta, os galhos das árvores balançavam conforme a feroz velocidade do vento. Johnathan seguia na frente, cobrindo a frágil chama da vela com a mão e evitando que uma rajada forte de vento a apagasse.
Samantha praticamente precisou correr para alcançá-lo, po¬rém não cogitou pedir-lhe para diminuir a marcha. Seria de bom senso evitar qualquer espécie de barulho para não des¬pertar a curiosidade de alguém que, por acaso, ali passasse.
Chegando à cervejaria, ele ajeitou a vela sobre um barril velho e, atentamente, observou-a trancar a porta.
O local exalava odor de cerveja, mel e toda a alquimia que Samantha usava para produzir braggot e mulso. No entanto, o aroma adocicado do mel que sempre a confortara, aquela noite, parecia mostrar sua precária condição de vas¬sala em contraste ao nível social elevado que ocupava o homem que amava.
A despeito das divergências e discussões que ambos tra¬vavam constantemente, Johnathan ainda era o ser mais atraente, seguro e honrado do mundo, um homem cujas carícias ela recebera com um ardor quase insustentável.
Entretanto, agora o belo rosto transmitia preocupação, os lábios estavam cerrados e o olhar, sombrio.
- Dylan me disse que você está grávida.
Irritada, Samantha resmungou impropérios. Era cedo de¬mais para alguém, mesmo ela, ter certeza absoluta, apesar da insistente afirmação e plena convicção de Angharad. A ex-amante de Dylan havia quebrado a promessa de manter a possível gravidez em segredo. Tal pensamento despertou uma tensão incomoda e aumentou a raiva que sentia.
- Por que ele acha isso?
- Porque diz ter visto um brilho luminoso em você.
- Nada mais?
- Nada - ele confirmou.
- Então por que acreditou nele?
- Porque Dylan conhece as mulheres. E outras pessoas alegam que são dotadas desse mesmo dom. A velha ama do castelo dizia ser possuidora de tais poderes para deter¬minar o dia em que uma criança foi concebida através da expressão nos olhos de uma mulher, e ela nunca errou.
- Você acha que Dylan é detentor de um dom semelhante?
- Acho.
- Eu discordo.
O semblante de Johnathan tornou-se ansioso de repente, uma reação desconhecida para ela.
- Se descobrisse que espera um bebê e eu fosse o pai, você me contaria? - perguntou.
Samantha não podia mentir, não diante aquele olhar suplicante.
- É muito cedo para eu ter certeza.
Johnathan abaixou a cabeça, como se estivesse refletindo.
Ou, talvez, envergonhado.
- Vai querer saber, Johnathan?
- O quê? - Ele ergueu o rosto:
- Vai desejar saber a verdade? Não sou obrigada a dizer, principalmente se minha gravidez lhe causar problemas.
- Se sou o pai da criança, quero saber.
- Em quaisquer circunstâncias? - Samantha o pressionou; determinada a esclarecer a situação.
- Em quaisquer circunstâncias - ele afirmou, categórico.
- Não me deitei com Ivor desde meu último período feminino. Portanto se eu estiver grávida, ele é seu filho.
- Ele?
- Angharad diz que vou ter um menino.
- Um menino! - A expressão de austeridade de Johnathan tornou-se suave. - Nosso filho!
Oh, Samantha era capaz de levitar diante daquela ex¬pressão pura e encantadora!
- Sim, nosso filho, Johnathan. Terei outro bebê em meus braços após tantos anos de esperança.
De repente, em um piscar de olhos, a face de Johnathan se contraiu.
Ela lembrou-se de que os DeLanyea pertenciam a uma raça de guerreiros fortes e destemidos, cujo semblante as¬sustador seria capaz de atemorizar o coração de um inimigo e fazê-lo render-se a sua vontade com um olhar apenas.
- Estou comprometido com outra mulher. O contrato foi redigido e assinado.
Confusa ante a súbita mudança, ela argumentou às pressas:
- Não precisa reconhecê-lo, Johnathan. Serei compreen¬siva, se decidir renegar o bebê. Desde que nos provenha algum sustento, ficarei satisfeita e guardarei o segredo caso seja necessário.
Os traços angulares do rosto másculo se amenizaram diante da oferta humilde e sincera.
- Se der à luz meu filho, vou reconhecê-lo, Samantha.
- Tem certeza?
Sir Johnathan DeLanyea endireitou o corpo, orgulho¬so de si.
- Eu o reconhecerei. E ele terá direitos e privilégios que merece como meu filho.
Porém, Samantha precisava questioná-lo em relação a outros detalhes.
- Segundo as leis galesas ou normandas?
A postura impoluta de cavaleiro dissipou-se, e Johnathan se transformou mais uma vez no garoto que ela conhecera. O menino pelo qual se apaixonara e ainda amava.
- Herança e título não importam tanto assim, Johnathan.
- Importam a mim ... e principalmente ao povo normando.
Erguendo os ombros, Samantha resolveu falar com franqueza, de guerreiro para guerreiro.
- Digo que deve ser assim.
Em um impulso, ela tomou as mãos de Johnathan.
- Conhece lady Rosamunde melhor que eu, Johnathan. Acredita que ela não fará nenhum mal a nosso filho? Não vê que usará o poder considerável da família para destruí-lo? Santo Deus, Johnathan, aquela mulher se valerá de qual¬quer recurso! Se quer se casar com uma família poderosa, que assim seja. Agora você tem de colher o que plantou.
Enquanto a fitava, ele apertou as mãos de Samantha com firmeza.
- E você acredita que deixarei qualquer pessoa, qualquer uma, causar algum mal a um filho meu?
Johnathan afastou-se dela e caminhou ocultando-se entre as sombras.
- Se ficar confirmado que você carrega meu filho no ventre, venha me contar. Pretendo reconhecê-lo, como um homem honesto deve fazer. Como um galês de fibra deve fazer.
Samantha suspirou comovida; sabia que ele cumpriria a palavra.
- Obrigada, Johnathan. E quanto a lady Rosamunde?
- Vou saber lidar com ela quando chegar a hora.
- Como?
- Deixe que eu me preocupe com isso. - Ele dirigiu-se à porta. - Boa noite, Samantha.
- Desejo-lhe felicidades em seu casamento, Johnathan - ela murmurou.
- Samantha, Dylan me contou a razão pela qual você não se casou com ele. Em sua vida, nunca amou um homem o suficiente para se casar?
O que responder àquele homem que já pertencia à outra?
Ele havia se comprometido com uma mulher de alto gaba¬rito, a filha de um nobre rico e poderoso. Tal escolha não representava o nível elevado que Johnathan queria atingir?
Aliás, um nível merecido porque ele era o melhor dos homens. Ela era somente uma camponesa simples, fabricante de cerveja.
Oh, como estava tentada a confessar o amor que 'sempre sentira! Ela o amava havia anos e nunca amaria outro. Aprendera a congelar os sentimentos, pois só assim conse¬guiria escapar. do sofrimento e ter forças para viver. Tinha se deitado com Dylan e tantos mais porque imaginara que Johnathan jamais gostaria dela.
E era tarde demais para revelar o que guardava no fundo do coração.
- Não, Johnathan. Nunca encontrei um homem que eu pudesse amar o suficiente para me casar.
- Entendo.
Ele se retirou da cervejaria em silêncio.
Tão logo Johnathan se foi, ela pegou a vela e retomou para casa. Podia ouvir a respiração tranqüila de Arthur enquanto apagava a chama e voltava à fria e solitária cama.
À beirada da trilha que conduzia ao castelo de Dylan DeLanyea, encontravam-se Trefor e Arthur, que tinham aca¬bado de se despedir do pai. O barão, o filho adotivo e alguns convidados de Craig Fawr haviam ido à floresta para caçar. Porém, como ainda não tinham idade, tampouco treinamen¬to, os dois meninos tinham sido deixados no vilarejo.
De súbito, Trefor encarou o meio-irmão e rompeu o si¬lêncio entre ambos.
- Serei treinado por Fitzroy antes que você - ele pon¬tuou, arrogante.
- É claro que será - Arthur concordou, com um tom rancoroso. - É mais velho. Eu irei na primavera.
- Você deve estar ainda mais feliz agora.
- É óbvio. Vou ser um cavaleiro.
- Não foi isso que eu quis dizer - Trefor replicou, soando provocativo e sustentando a habitual superioridade.
Arthur torceu o nariz e fez menção de abandonar o meio-irmão.
- Não quer saber o que eu quis dizer? - Trefor insistiu.
Como a curiosidade fosse mais forte, Arthur se deteve.
- Diga logo, seu idiota - ele atacou.
- Quis dizer ... - Trefor fez um suspense de propósito, tencionando atormentar o outro menino. - Com todo o barulho que um bebê costuma fazer, você deve estar feliz em partir.
- Que bebê?
- Não sabe?
Arthur fechou os punhos.
- Sei o quê?
- Sua mãe vai ter um bebê.
- Não vai, não!
- Vai, sim!
-Não!
- Sim! - Trefor insistiu.
- Minha mãe não vai ter um bebê. Ela me diria, se fosse verdade!
- Está chamando minha mãe e nosso pai de mentirosos?
- Trefor indagou, erguendo os braços. Ele era mais alto que Arthur e herdara os ombros largos e os músculos de¬senvolvidos da linhagem dos DeLanyea.
Mas Arthur também.
- Eu os escutei conversando sobre o bebê de sua mãe - Trefor continuou.
- Ficou ouvindo atrás da porta feito um larápio?
Trefor corou.
- Não fiz nada disso! Não sou um larápio!
- É, sim! Você sempre foi uma cobra traiçoeira!
- Não sou!
- Você é ... e vou dizer a minha mãe que está espalhando mentiras sobre ela!
- É verdade! Minha mãe viu!
Tal afirmação obrigou Arthur a fazer uma pausa. Um instante de reflexão do qual Trefor tirou vantagem.
- Nosso pai também viu. Ele disse que pode ler no rosto das mulheres. Você sabe que ele nunca mente.
Aborrecido e intrigado ao mesmo tempo, Arthur endirei¬tou os ombros, desafiador.
- Então quem é o pai? Se sua mãe é tão esperta, ela deve saber, não?
Não poderia ser aquele Ivor; ele não mais freqüentava a cervejaria.
Os lábios de Trefor se curvaram em um sorriso maquiavélico.
- Você gostaria de saber?
Era dessa oportunidade que Arthur precisava.
Furioso demais para falar ou pensar, ele voou sobre Trefor e derrubou o garoto mais alto com um soco certeiro. Em seguida, sentou-se sobre o peito do meio-irmão e começou a socá-lo.
Pego de surpresa, Trefor não tivera tempo de se defender.
- Arthur, pare! - gritou, apavorado.
Atônito, ele protegia o rosto com os braços, enquanto for¬tes pancadas atingiam sua cabeça.
- Arthur, eu me rendo! Eu me rendo!
Ofegante, Arthur enfim registrou a súplica e levantou as mãos.
- É Johnathan.
- Quem? - Arthur murmurou, exausto.
- Johnathan é o pai - Trefor repetiu. - Ao menos foi isso que minha mãe disse.
- E nosso pai?
- Ele disse que não acreditou no começo, mas agora acredita.
Devagar Arthur afastou-se.
Tinha de ser verdade. Se seu pai e a mãe de Trefor diziam que era, então tinha de ser.
E ele havia visto Johnathan sair da cervejaria depois de ficar a sós com sua mãe. Também a escutara chorar durante a noite. A princípio, aqueles fatos o confundiram; agora se tornavam claros.
- Você não vai dizer a sua mãe que eu lhe contei. Certo, Arthur? - Trefor perguntou, ansioso.
Calado, ele meneou a cabeça em negativa e começou a se distanciar.
- Aonde você vai? Arthur não respondeu.
Entretanto, no auge da discussão, eles não haviam reparado no homem a cavalo que apeara de sua montaria e, sorrateiro, se escondera atrás de um arbusto para espioná-los.
Johnathan olhava o tabuleiro quadriculado e tentava se concentrar no jogo. Na verdade, era um jogador indiferente, preferia exercícios físicos em campo aberto e outras diver¬sões mais emocionantes como lutas, lançamento de peso e prática de arco e flecha. Seu pai, Dylan, sir Edward e alguns visitantes tinham ido caçar. Lady Rosamunde alegou estar indisposta para cavalgar naquele dia.
A fim de evitar possíveis constrangimentos, ele decidira permanecer no castelo junto à noiva. Ela havia sugerido uma partida de xadrez, e Johnathan concordara.
Não se encontravam sozinhos no saguão. Criadas entra¬vam e saíam, trazendo refrescos aos vassalos que negocia¬vam com o barão e aguardavam que ele retomasse da caça. Rindo e sussurrando feito comadres, eles também alimen¬tavam o fogo para aquecer o ambiente, trocavam as tochas penduradas às paredes e queimavam ervas aromáticas que pulverizavam o ar do saguão.
Aquelas pessoas eram uma distração. E mesmo que esti¬vessem silenciosas e tão imóveis quanto a mobília de carvalho, usada naquela época para a fabricação de móveis, porta e portões, Johnathan ainda assim perderia o jogo de xadrez.
Lady Rosamunde jogava muito bem, apesar dos esforços dispensados para fingir inexperiência. Ela podia corar e dis¬simular quanto quisesse, mas o brilho competitivo nos olhos azuis era explícito.
Seu pai enganara-se ao afirmar que lady Rosamunde não possuía nenhum brilho ou calor. Quando desejava ganhar, ela era capaz de tornar-se uma chama ardente. A cada jo¬gada, Johnathan divisava o ar de satisfação e a obstinação fogosa da normanda.
Naquele exato momento, ele podia garantir que Rosa¬munde havia planejado com minúcias o próximo movimento da peça, hesitando somente para dar a impressão de novata e demonstrar dúvida quanto ao próximo lance.
Por outro lado, ele nem sequer se importou em deixá-la à vontade com sua farsa. Na verdade, não conseguia envol¬ver-se naquele jogo.
Pensava somente em Samantha e no bebê.
Na possibilidade de ser pai do filho dela. Na felicidade de ambos ao conceberem um fruto.
Mais e mais, recordava em detalhes a conversa que ha¬viam tido naquela madrugada.
Ela dissera não amar nenhum homem a ponto de querer se casar. Nem Dylan, nem Ivor e, aparentemente, tampouco ele.
Sem dúvida, o melhor seria conhecer a verdade. Afinal, o que Johnathan teria feito caso Samantha confessasse amá-lo? Como ela própria pronunciara, ele tinha se aliado a uma poderosa família normanda; romper o acordo traria desas¬trosas conseqüências, e não apenas a Johnathan.
Dylan havia assinalado que a escolha de Johnathan afe¬taria a família DeLanyea também. Embora seu pai possuísse amigos poderosos e influentes, ele não tinha certeza de que o auxílio de tais pessoas diminuiria os danos que sir Edward poderia lhes causar.
Johnathan escolhera seu destino quando pedira lady Ro¬samunde em casamento.
- Agora posso mover o rei novamente? - ela perguntou, fitando-o com aqueles enormes e límpidos olhos azuis.
Paciente, Johnathan explicou-lhe a tática do jogo. No fun¬do, perguntava-se como fora capaz de achá-la adorável e superior a Samantha. Agora era fácil perceber e admitir isso. Estivera realmente cego de ambição!
Os olhos de Samantha eram brilhantes como as estrelas do céu, os de Rosamunde pareciam famélicos e pérfidos.
Se Samantha desse à luz um menino, ele esperava que a criança tivesse os mesmos olhos castanhos da mãe. E sardas, que representavam minúsculos beijos de fadas sobre o nariz.
De súbito, reparou que Rosamunde observava algo atrás dele. E, a julgar pela expressão de desagrado, a normanda não gostou do que vira.
Imaginando o que a deixara tão aborrecida, Johnathan virou-se e olhou em direção à entrada do grande saguão.
Determinado e audacioso, Arthur dirigia-se ao casal, alheio aos olhares curiosos advindos das criadas e vassalos.
Johnathan não podia culpá-los por observar o garoto tão abertamente. Estava claro que Arthur se metera em uma briga. Os cabelos encontravam-se despenteados e sujos de terra, as faces continham alguns arranhões e a calça estava rasgada na altura dos joelhos.
- Notei que seu povo peca por falta de respeito - lady Rosamunde comentou. - Mas como essa criança campo¬nesa tem a ousadia de entrar no castelo de seu pai vestido dessa maneira?
- Arthur tem todo o direito de vir aqui - Johnathan explicou. - Além de meu primo, ele é o filho caçula de Dylan.
- Oh, sim, o resultado de um dos rompantes selvagens do jovem barão.
Johnathan não se deu ao trabalho de argumentar. Estava mais interessado na razão que trouxera Arthur ao castelo e por que o menino mantinha a expressão tão severa.
Fixando-se em Johnathan e ignorando lady Rosamunde,
Arthur deteve-se diante do tabuleiro de xadrez.
- O que foi, Arthur? - Johnathan perguntou.
- Quero saber se é verdade - o menino o intimou em galês.
No mesmo momento, Johnathan sentiu o rosto corar. Po¬dia adivinhar do que se tratava aquela intimação abrupta. Quem contara ao garoto? Samantha?
Então escutou um resmungo de sua companheira.
- Arthur, abaixe o tom de voz.
- Não! - ele rebateu, beligerante tal qual a mãe. ¬- É verdade?
Rosamunde aproximou-se do noivo e sussurrou:
- Johnathan, vai permitir que este bastardo se dirija a você de forma tão insolente?
Embora não movesse um só músculo do rosto, Johnathan notou o brilho desolado nos olhos do menino. Lady Rosa¬munde não sabia que, apesar de utilizar a língua galesa para se comunicar, Arthur aprendera francês, como qualquer filho de nobre o faria.
- Tome uma atitude - Rosamunde persistiu antes que Johnathan pudesse sugerir que ela fosse mais sutil em seus comentários.
Mas Arthur provou ser filho legítimo de Samantha. Ele encarou a normanda com absoluto desprezo e disse em alto e bom francês:
- Você é uma ordinária!
- Arthur! - Johnathan levantou-se ao ver o rosto ruborizado de Rosamunde. - Você vem comigo. Com licença, milady.
- Fique à vontade - ela replicou, desdenhosa. Segurando o menino pelo braço, Johnathan retirou-o do saguão. Pararam ao atingir uma ala mais isolada do castelo.
- Arthur, não devia ter dito aquilo para ela! - Johna¬than repreendeu-o, agastado.
- Pois ela é quem não devia me chamar de bastardo! Não tem o direito de falar assim comigo!
- Mas você é um bastardo, Arthur - ele disse com a maior gentileza.
Não queria ser ele a explicar aquela situação. Ora Dylan devia tê-lo feito antes!
- Seus pais não são casados, e esse fato o faz ser um filho ilegítimo - Johnathan prosseguiu, resignado. - Em Gales, as legalidades envolvidas no nascimento não são im¬portantes. Mas para os normandos elas são. Não será a última vez que essa palavra será usada para descrevê-lo, seja de frente ou pelas costas.
O coração de Johnathan se apertou quando divisou o sofrimento estampado no olhar do garoto. Sabia que se Sa¬mantha lhe desse um bebê, um dia ele veria aquela dor e decepção nos olhos do próprio filho.
- Trefor é um bastardo - Johnathan continuou. - Dylan, seu pai, também é. E o barão. E Urien Fitzroy.
- Meu pai?
- Sim. Seus avós não eram casados.
Na realidade, o pai de Dylan havia de modo deliberado seduzido uma criada, mas Arthur não precisava saber desse detalhe. Não naquele momento.
- E Fitzroy nem sequer conhece o próprio pai. Johnathan ajoelhou-se para ficar frente a frente com Arthur. - Se seus pais são ou não são casados pouco importa. O que vale é a vida. O processo de viver é que tem impor¬tância, a maneira de se conduzir com dignidade, o caráter, a tarefa perpétua e imorredoura de um homem, Arthur. Lembre-se disso. Se for honesto e honrado consigo mesmo, ninguém poderá lhe tirar tal ganho, independente do que digam a seu respeito.
Solene, o menino assentiu.
- Não é honrado xingar uma dama, mesmo que ela o tenha magoado. E um homem honrado deve se desculpar.
Oh, quanto existia do brilho de Samantha nos olhos de Arthur! Não havia como se enganar diante daquela expres¬são de soberbia.
- Não! Ela é malvada e horrível e não vou me desculpar!
- Desculpe-se pela palavra que usou, Arthur - Johnathan enfatizou e reparou que o garoto compreendera.
- Ora, o que vocês estão fazendo aqui agachados, como se planejassem uma guerra? - Samantha perguntou, ao se aproximar. - Estou esperando você há um bom tempo, Arthur. Esteve aqui o dia todo?
Quando a avistou, Johnathan sentiu o coração se acelerar.
Levantou-se, admirado pela capacidade que Samantha pos¬suía de parecer estar sempre contente com a vida, depois de tudo que ela havia sofrido.
Sim, Samantha era uma mulher forte e especial.
- Johnathan está me obrigando a pedir desculpas - Arthur reclamou.
- A ele? Por quê? - Samantha ficou intrigada.
- A lady Rosamunde. Porque eu a chamei de ordinária.
- Arthur!
O menino levantou o queixo.
- Ela me chamou de bastardo - retrucou, na defensiva. Apesar da postura orgulhosa, Arthur ficou corado de vergonha, enquanto o corpo de Samantha se retesava.
- Samantha, ela é normanda - Johnathan tentou aplacar a crescente fúria.
Ignorando-o, ela se voltou ao filho.
- Arthur, vá para casa. Logo estarei com você.
- Não tenho de me desculpar?
- Não.
- Ele disse que eu deveria. - Arthur apontou Johna¬than. - Disse que seria a atitude mais honrada a fazer.
Então Samantha enfrentou Johnathan. Deus do céu, ela parecia estar prestes a assassiná-lo!
- Quer que ele se desculpe por revidar o insulto da¬quela mulher?
Por mais que admirasse o instinto maternal sempre pro¬tetor de Samantha, ele acreditava estar correto.
- Se é um cavalheiro, sim.
- Arthur vá para casa e alimente-se. Agora! - Samantha ordenou. - Não vou me demorar aqui.
Após exprimir um sorriso de explícito alívio e triunfo, Arthur escapuliu. Nesse interim, Samantha precipitou-se em direção ao saguão.
- Samantha, o que você vai ...
- Vou sugerir àquela mulher que nunca mais chame meu filho de bastardo.
- Deixe-me cuidar disso - Johnathan pediu, correndo a seu encalço. - E acredito mesmo que Arthur devia se desculpar por usar aquela palavra grosseira.
De súbito, Samantha parou e virou-se lentamente. Seus olhos brilhantes faiscavam de raiva.
- Aquela mulher fez meu filho sentir-se envergonhado por algo de que não pode ser responsabilizado. Ela também deveria respeitar o sistema adotado pelo barão e seus as¬cendentes. Não vou obrigá-lo a pedir desculpas pelo fato de ter respondido à altura .
- Samantha, ele é filho de um barão e, portanto, precisa aprender a se comportar como cavalheiro...
Antes que Johnathan pudesse finalizar, ela já se encon¬trava face a face com ele.
- Sei quem é o pai de Arthur - Samantha esbravejou, cerrando os dentes. - E não permito que meu filho seja humilhado por aquela normanda ou que seja esmagado como se fosse um mosquito desprezível.
- Samantha, por favor! Sei que ela não foi gentil...
- Gentil? Oh, tenho certeza de que é o tipo de atitude que a normanda está habituada a tomar!
Inteiramente dominada pela cólera, ela estreitou os olhos.
- Se eu der à luz seu filho, Johnathan, você vai ficar parado e permitir que ele seja humilhado e espoliado por sua esposa? Obrigará o pobre infeliz a se desculpar quando Rosamunde mostrar como ele é visto pelos normandos? Aliás, uma opinião baseada somente em seu nascimento, não em seus méritos, diga-se de passagem. Que cavalhei¬rismo é esse? Pare para pensar, sir.
Samantha não esperou a resposta. Mesmo que Johnathan tentasse dizer alguma coisa não adiantaria. Ela deixou-o sozinho e continuou a caminho do saguão.
Era tal qual uma autêntica loba defendendo seu filhote do ataque de abutres famintos.
O barão, Dylan e outros convidados tinham acabado de chegar da caça naquele momen¬to e ainda retiravam os pesados mantos. Samantha notou inclusive a presença de sir Edward entre eles, quando em uma atitude decisiva entrou no grande saguão do castelo de punhos fechados.
Em seguida, avistou lady Rosamunde sentada a uma pe¬quena mesa sobre a qual havia um tabuleiro de xadrez. Surpreendeu-se ao divisar Ivor ao lado da normanda, como se fosse um fiel admirador daqueles lábios rosados, já que parecia tão próximo a eles.
Nenhum homem enxergava a criatura cruel que era aque¬la mulher?
- Lady Rosamunde! - A voz de Samantha ecoou como um trovão. A passos largos, ela se aproximou da normanda, sem prestar a menor atenção aos recém-chegados.
Lady Rosamunde assustou-se e, incrédula, observou-a precipitar-se em sua direção. Samantha nem sequer re¬parou quando Johnathan entrou no saguão, tampouco o escutou chamá-la .
Sem perder a postura superior, lady Rosamunde fitou a fabricante de cerveja com desdém quando esta postou-se diante da mesa, tal qual o filho o fizera.
Ivor posicionou-se atrás da cadeira da normanda.
- O que quer? - Rosamunde indagou, fria.
Os lábios de Samantha se curvaram em um sorriso sutil.
Em um gesto protetor, Ivor chegou mais perto de lady Rosamunde. Alarmado, Dylan fez menção de ir até Saman¬tha, mas foi impedido pelo barão. Então sussurrou a uma das criadas, pedindo-lhe que fosse buscar lady Roanna.
- Você ofendeu meu filho - Samantha anunciou, man¬tenho o ar de hostilidade sobre lady Rosamunde.
- Por favor, Samantha ... - Johnathan quis interferir, tamanha era sua aflição mas foi ignorado por ambas.
- Devia ensinar-lhe boas maneiras - Rosamunde re¬trucou, revidando o olhar gélido a Samantha. - Sugiro tam¬bém que o banhe de vez em quando.
- Samantha, creio que deva se retirar - Johnathan interveio novamente. - Não é hora nem lugar ...
- Ainda preciso dizer algumas coisas a esta ordinária.
Lady Rosamunde virou-se para o noivo.
- Sir Johnathan, por favor, retire esta rameira daqui.
Chocados com a cena que se desenrolava, os presentes no saguão exclamaram murmúrios de espanto. Johnathan corou, Ivor olhou para o chão, lady Rosamunde mostrou um sorriso de triunfo, e Samantha continuou imóvel e altiva, feito uma pedra.
Exceto pelo brilho dos olhos.
- Não sou uma rameira - ela disse com firmeza -, embora você ainda seja uma ordinária.
Sem aparentar qualquer perturbação, lady Rosamunde ensaiou um gesto de descaso.
- Sua amante, então. A amante que irá parir outro bastardo.
- Santo Deus! - o barão exclamou.
Rapidamente, aproximou-se do filho, enquanto sir Ed¬ward permanecia aparvalhado.
- Johnathan, é verdade? - ele perguntou.
- Emryss! - lady Roanna chamou o marido ao sair da cozinha, onde estivera supervisionando a ceia da noite. Ca¬minhou até ele, mantendo sua calma habitual. - Como Johnathan tentou afirmar, não é hora nem lugar de discu¬tirmos isso.
- Sim, você tem razão - o barão concordou. - Johna¬than, Samantha, lady Rosamunde, sir Edward, por favor, acompanhem-me ao solário para que possamos esclarecer essa situação.
- Recuso-me a permanecer no mesmo espaço que esta mulher - Samantha declarou. Em seguida, furiosa, voltou¬-se ao barão. - O que ela diz é verdade. Johnathan e eu estivemos juntos e, apesar de ainda não ter certeza, é bem possível que eu esteja esperando um bebê. Não vim lhe pedir nada, tampouco ao senhor, barão. Mas quando chegar o momento, exigirei os direitos de meu filho.
Rosamunde manteve-se calada.
Mais uma vez Samantha sorriu com desdém e enfrentou a jovem normanda.
- Tenho orgulho de parir essa criança, mesmo não sendo casada!
Então, de cabeça erguida e nariz arrebitado, ela retirou-se do saguão, tão imponente quanto uma rainha.
- Droga! - Dylan exclamou, olhando de Samantha para primo. - Nunca a vi tão zangada!
- Fique quieto, Dylan - Johnathan resmungou.
Ele encarou lady Rosamunde. A normanda baixara o ros¬to, ruborizada, e não se animava a olhá-lo, sem dúvida hu¬milhada e aborrecida.
Estaria contrariada o bastante a ponto de romper o compromisso?
Então Johnathan observou Ivor, que o fitava com uma expressão beligerante.
- Aqui não é lugar para discutirmos esse assunto! ¬- lady Roanna repetiu, agora impaciente. - Venham, lady Rosamunde, sir Edward. Vamos ao solário, onde poderemos refletir. Johnathan, vá para seu quarto. Mais tarde, ouvi¬remos o que tem a dizer. Dylan, você ocupará a cadeira do barão durante o jantar.
Quando lady Roanna ordenava com aquele tom de voz autoritário não havia uma pessoa em Craig Fawr que ou¬sasse lhe desobedecer. Resignado, Dylan ocupou o lugar do barão à mesa principal, Johnathan retirou-se tal qual um homem condenado à forca, sir Edward e a filha seguiram Emryss DeLanyea e a esposa até o solário.
No momento em que o barão fechou a porta de seu refúgio privativo, sir Edward iniciou o discurso, mostrando uma calma inesperada:
- Vamos ponderar. Johnathan é jovem. Fatalidades como essa acontecem. Não o condeno por isso.
- É uma atitude muito generosa de sua parte - Emryss replicou com um certo toque de zombaria. - No entanto, o mais importante é ouvir o que lady Rosamunde tem a dizer, creio eu.
- Estou curiosa, barão. Por que Johnathan não se juntou a nós? - ela perguntou.
O barão fitou-a, tão preocupado quanto desconfiado.
- Imaginei que não, desejasse ter a presença de meu filho aqui. Talvez ficasse constrangida e, dadas as circuns¬tâncias, isso seria compreensível.
- Que gentil, barão. - Rosamunde sorriu, com ternura.
- Porém sou da mesma opinião que meu pai. Seu filho é jovem. E só uma mulher simplória acreditaria que um ho¬mem como ele seria adepto ao celibato. Não sou tola.
- Nesse caso, ainda deseja se casar com Johnathan?
- É claro! - O sorriso terno demonstrava total compreensão. No entanto, as palavras seguintes soaram frias e calculistas. - O acordo de casamento está assi¬nado, certo? Não pretendo cancelá-lo, e nem o senhor deveria, porque as conseqüências podem ser desastrosas, caso o faça.
O barão teve uma reação de espanto enquanto a sábia lady Roanna não pareceu surpresa.
- Não creio que necessite ser mais específica quanto à punição que meu pai e seus amigos podem sugerir ao rei e a outros membros importantes da corte. Tal castigo poderá atingir os mercadores com os quais o senhor costuma ne¬gociar. Não diretamente, claro. Prefiro não chegar a esse ponto... mas o farei, se for preciso.
Emryss observou sir Edward, que fitava a filha com ex¬plícito prazer e admiração.
- Concorda com o que ela diz? - perguntou ao norman¬do. - Você nos ameaçaria?
- Se formos obrigados, sim - Rosamunde respondeu pelo pai.
- Meu marido se dirigiu a sir Edward. - A colocação serena, embora rígida, de lady Roanna fez Rosamunde corar ligeiramente.
- O acordo foi assinado - sir Edward replicou, cauteloso.
- Seria ... impossível rompê-lo sem evitar escândalo ou vergonha. Estou certo de que não quer passar por isso, barão.
Os frios olhos azuis de Rosamunde fixaram-se em lady Roanna.
- A senhora, principalmente, deve se lembrar como as pessoas da sociedade adoram espalhar rumores. Quantos anos foram precisos para que os membros da corte parassem de comentar a violência que sofreu nas mãos deste homem?
- Nunca violentei minha mulher! - o barão gritou, agastado.
- Se é o que diz ... - a normanda prosseguiu, encarando apenas a silenciosa lady Roanna. - No entanto houve mui¬tas histórias a respeito. Claro, o crime cometido pelo pai de Dylan DeLanyea constava entre elas.
- Ele nunca violentou a mãe de Dylan!
- Oh, Deus! Os mexericos da corte não são horríveis e degradantes? - O rosto de Rosamunde tornou-se tão duro quanto as pedras do castelo. - Seja como for, não serei submetida a nenhum tipo de bisbilhotice. Seu filho pediu minha mão em casamento, e eu consenti. Os termos do contrato foram acertados, e o documento, assinado. Se Joh¬nathan ousar romper o noivado, os senhores irão pagar em dinheiro e muito mais. Estão dispostos a sofrer os efeitos drásticos de um rompimento?
- Pela felicidade de meu filho, ficarei contente em arriscar muito mais - lady Roanna pronunciou com toda imponência digna de uma imperatriz. - Acaba de comprovar minhas suspeitas, jovem. Venha, Emryss. Vamos conversar com Johnathan.
O barão preparou-se para acompanhar a esposa.
Lady Roanna deteve-se um instante, antes de se retirar do solário, e sorriu, altiva.
- Vamos aconselhar nosso filho a reconsiderar o casa¬mento com essa ordinária.
- Por Deus, Johnathan! Não pode se casar com essa mulher! Não quero vê-lo enredar-se nas sendas da maldade e nos labirintos dos enganos - o barão gritou, incrédulo. - As ameaças não nos perturbam tanto quanto o fato de você unir-se a ela!
Johnathan fitou o pai e depois a mãe. O casal lhe havia relatado a conversa com Rosamunde e as ameaças feitas por ela com a anuência de sir Edward. Na opinião de ambos, era o motivo mais que suficiente para ele cancelar o compromisso.
Contudo, Johnathan não o faria. Acreditava que Rosa¬munde fosse capaz de cumprir as ameaças e muito mais. O barão possuía poder e influência na região entre Gales e a Inglaterra, além de ter vários amigos normandos. Porém, no que se referia a seu poder sobre a corte, havia muitas dúvidas. Caso a família e os conhecidos de Rosamunde rom¬pessem com os DeLanyea, os resultados seriam desastrosos.
Como Dylan dissera, os danos seriam extensivos à família toda. E se os amigos de seu pai escolhessem apoiá-lo, eles sofreriam também.
Contudo, Johnathan estaria disposto a correr o risco, caso Samantha o amasse e concordasse em se casar com ele.
Porém ela nada dissera. Entregara-se a Johnathan, tal qual o fizera com outros amantes. E gerava o filho de Joh¬nathan, como havia gerado o de Dylan. E mais, não estava disposta a ceder.
Por que não se casar com Rosamunde e, assim, evitar problemas? Seria mais simples. O casamento poderia prover as vantagens que ele de início achara importante.
Nunca a amaria, claro. De fato jamais seria capaz de afeiçoar-se a ela depois de tantas ameaças e hipocrisia. Mas havia feito uma promessa e a cumpriria. Johnathan tinha perdido a chance de encontrar a verdadeira felicidade quan¬do optara pelos benefícios que a família da normanda poderia lhe oferecer. Ninguém, além dele próprio, merecia so¬frer as conseqüências.
- Não pretendo anular o contrato - ele repetiu.
- Mas, Johnathan, ela tem um coração frio...
- Talvez - ele interrompeu o pai. - Como esperar que ela reagisse com carinho e afeição depois de saber que Sa¬mantha espera um filho meu? Aliás, prefiro que Rosamunde seja corajosa e lute por seus direitos a vê-la chorando ou se lamuriando ante a própria desgraça.
Johnathan precisava convencê-los de que ainda queria Rosamunde; caso contrário, seus pais romperiam o contrato à revelia do filho.
- Mãe, ela conhece seus direitos. Fui o único a cometer o erro. Não devia ter me deitado com Samantha enquanto cor¬tejava lady Rosamunde. Foi uma atitude incorreta e vergonhosa.
- Então você vai arcar com as conseqüências, realizando esse casamento? Mesmo reconhecendo o caráter duvidoso que ela possui?
Embora lady Roanna mostrasse a mais absoluta suavi¬dade, Johnathan pôde divisar nos olhos da mãe outra emoção que incrementava sua dor: decepção.
- Não! - insistiu. - Quero me casar com ela. Se não o desejasse, eu não a teria pedido em casamento.
- Mas a mulher é ...
- É a mulher que escolhi, pai.
-Você não testemunhou o olhar gélido, cruel e ardiloso ...
- Pai! Não me ouviu? Ela é a mulher que escolhi. Por favor, não a insulte.
- Johnathan - lady Roanna disse -, por que fez amor com Samantha?
Pensativo, ele caminhou até a janela e olhou a imensa torre à frente. Então, devagar, virou-se e respondeu à mãe:
- Porque houve oportunidade.
O semblante do barão DeLanyea demonstrava uma pro¬funda e amarga decepção. Durante toda sua vida, Johnathan seguira os padrões de vida estabelecidos pelo pai, os quais foram adotados pelo irmão e pelo primo. Jamais imaginara que pudesse falhar tão completamente e ainda através do próprio ato.
Mostrar a tristeza, no entanto, seria sinal de fraqueza, e acima de tudo ele era um DeLanyea.
Johnathan desviou o olhar, sem coragem de encarar a mãe.
- Entendo. Não falaremos mais nada contra esse casa¬mento ou Rosamunde.
- Mas... - o barão começou a protestar.
- Emryss, não devemos interferir. A cerimônia se realizará na data planejada porque Johnathan assim o deseja. Boa noite, filho.
Emryss retirou-se em silêncio, acompanhando a esposa, e fechou a porta do solário.
Tão logo se viu sozinho, Johnathan voltou a olhar pela janela. Havia apenas a escuridão do céu. E a total falta de esperança de um futuro glorioso que imaginara construir para si.
- É verdade que meu pai é um bastardo? - Arthur perguntou no instante em que Samantha apareceu à porta da pequena casa do vilarejo.
Tentando sorrir, ela verificou o prato de comida. Notou que o menino já havia se alimentado.
- É verdade.
- E o barão?
- Também.
- E Fitzroy? - Arthur prosseguiu, ansioso.
Não era segredo que Arthur, como a maioria das pessoas, considerava Fitzroy um grande especialista no que se referia à arte de guerrear.
- Sim.
- E o rei?
O sorriso de Samantha tornou-se genuíno com o interroga tório.
- Não, Arthur, o rei não é um bastardo.
O garoto meneou a cabeça, obviamente comovido ante a suprema legalidade do nascimento do rei. Entre tantas pes¬soas importantes e também bastardas, a mente pura de Arthur tinha de conceber o rei como tal.
O que quer que Johnathan houvesse dito, fora de grande efeito, pois o garoto conseguira apagar o peso das palavras de lady Rosamunde e, por isso, Samantha lhe era grata.
- Arthur, tenho de conversar com você a respeito de algo muito importante. - Ela sentou ao lado do filho à mesa.
- Vou pedir desculpas, se você quiser, mãe - Arthur avisou-a, orgulhoso de si mesmo.
- Não precisa desculpar-se, querido. O que temos a con¬versar não é sobre lady Rosamunde. - Samantha respirou fundo. - É bem possível que eu esteja esperando um filho e, se estiver, sir Johnathan é o pai.
- Não é aquele Ivor?
- Não, não é aquele Ivor.
Arthur sorriu.
- Ótimo! Gosto muito mais de Johnathan.
Com pesar, Samantha ouviu a confissão inocente do filho.
Era um motivo de satisfação vê-lo tão exultante; no entanto, sabia onde estariam os perigos e teria de se preparar para. enfrentá-los.
De repente, Arthur mostrou-se ainda mais esperto.
- Johnathan vai se casar com lady Rosamunde ou com você?
- Com lady Rosamunde.
- O novo bebê será um bastardo também!
Pelo que tudo indicava, Johnathan explicara com cla¬reza tudo que se relacionava com a ilegitimidade, apazi¬guara seu espírito e ainda o fizera sentir-se orgulhoso de sua origem.
- Sim, seu novo irmão será um bastardo.
- Irmão?
- Angharad diz que vou ter um menino. Arthur soltou uma gargalhada.
- Trefor não tem irmão ou irmã! - ele gritou, triunfante.
- Eu não tinha pensado nisso.
- Arthur, não use o fato para zombar dele! Seria cruel e você já aprendeu como esse tipo de crueldade pode magoar.
O menino parou de sorrir.
- E se ele disser algo maldoso para mim?
Considerando o que Samantha acabara de fazer no castelo, ela não podia obrigá-lo a calar-se. Para disfarçar seu desconforto, levantou-se e começou a limpar a mesa.
- E se Trefor me maltratar por causa disso, mãe? ¬- Arthur persistiu.
- Ele não estará aqui a partir do próximo mês. Portanto, creio que não precisa se preocupar, filho.
- Eu não queria que Johnathan se casasse com aquela normanda - Arthur confessou enquanto a ajudava. - Ela é indecente.
- Lady Rosamunde é bonita, e sua família é muito importante.
- Por causa disso ele não vai se casar com você, mãe?
- Não, Arthur. Eu não me casaria com Johnathan.
- Por que não?
- Tenho meus motivos, filho. Quando estiver mais velho, tentarei lhe explicar.
Arthur olhou para a mãe com carinho.
- Acho que você é muito mais bonita que ela.
- Obrigada, meu amor. - Samantha sorriu e acariciou o rosto inocente do menino. - Como vou sentir saudade quando você estiver sob os cuidados de Fitzroy!
- Também vou sentir saudade, mãe.
Em um impulso, Arthur jogou-se nos braços de Samantha.
Em seguida, ergueu os olhos infantis e fitou-a com seriedade.
- E quando eu voltar, serei um nobre digno. E quando eu virar um cavaleiro de verdade, serei o melhor de todos, e ganharei muitos torneios, batalhas, prêmios e.honras. Vou possuir um castelo enorme para você morar comigo e nunca mais ficaremos separados. Farei com que tenha orgulho de mim, mãe. Juro!
Samantha apertou-o com amor.
- Já tenho muito orgulho de você, meu filho.
Duas semanas se passaram sem maiores complicações, embora o clima não fosse dos mais agradáveis. O barão DeLanyea encontrava-se sentado no espaçoso solário de Beaufort, o castelo de Dylan.
À esquerda de Emryss estava Dylan e à direita, o filho mais velho do barão, o severo e agora desolado Griffydd. Reuniram-se no solário porque, naquele instante, acontecia um conselho de família.
- Não há nada que possamos fazer? - Dylan perguntou ansioso, encarando o barão e, em seguida, o primo.
- Ele está decidido a se casar com aquela víbora ¬Emryss retrucou.
- Talvez ele goste dela, afinal - Griffydd comentou.
- Se gosta, é um tolo! - Dylan exclamou. - Nunca vi uma mulher tão preparada para infernizar a vida do ma¬rido... e já tinha minha opinião formada antes de saber de suas ameaças.
- Você mencionou suas suspeitas a Johnathan?
- Meu Deus, não. Pode imaginar como ele teria reagido, Griffydd? Johnathan pensava estar apaixonado pela normanda.
- E talvez ele realmente esteja apaixonado - Griffydd ponderou.
- A princípio, ele acreditou nisso - o barão disse ao filho mais velho. - Mas você não o viu naquela noite em que Rosamunde se revelou. Embora insista neste casamen¬to, Johnathan não a ama. Na verdade, não creio que exista um só sentimento por ela.
- Então impeça este casamento - Dylan resolveu. Emryss encarou o filho adotivo com impaciência.
- Eu lhe dei a oportunidade de anular o compromisso, no entanto ele quer se casar de qualquer maneira. Como posso contradizê-lo sem o humilhar? Não me atreverei a fazer isso, a menos que a situação se agrave.
- Tenho certeza de que não teme sir Edward e seus amigos da corte - Dylan afirmou, apesar de haver uma questão subentendida.
- Não - o barão murmurou, preocupado. - Temo perder meu filho.
- O que minha mãe diz? Emryss tentou sorrir a Griffydd.
- Ela aconselha paciência, o que não me surpreende.
- Minha mãe é sábia. Se nós tentarmos dissuadir Johnathan, com a melhor das intenções, ele não irá apreciar o gesto.
- Mas ...
Griffydd ergueu as mãos para impedir que o primo se manifestasse.
- Você não nos ouviu quando se encontrava em uma situação semelhante. Ou será que já se esqueceu disso?
- Era diferente. Eu amava Genevieve. Só que eu não sabia.
- E pode ser que estejamos errados em relação aos sen¬timentos de Johnathan. Não quero acreditar que meu irmão seja um teimoso estúpido.
- Nós, os DeLanyea, somos teimosos - Emryss pontuou, agastado. - Está no sangue. - Ele se levantou e começou a caminhar, mancando.
- E quanto a Samantha? - Dylan perguntou. -Joh¬nathan vai abandoná-la?
- Você é a última pessoa que pode falar em abandoná-la - Griffydd comentou.
- Nós não nos amávamos o bastante para nos casarmos.
- Johnathan insinuou que não a ama - o barão afirmou.
- Então é mesmo um tolo! Deus, eu vi o jeito como ele a olha. Atrás da aparência formal e aprumada há um homem apaixonado. O olhar é idêntico ao que Johnathan tinha quando alegou amar Genevieve, só que pior.
- Ele parecia pior?
- Não seja obtuso, Griffydd. Você entendeu o que eu disse. Há mais amor no olhar. Mais paixão. Notei essa di¬ferença quando os encontrei no dia em que fui buscar Ar¬thur. Naquela ocasião eles já deviam ter feito amor.
- Isso não significa que Johnathan a ame e queira casar-se com ela. Você devia saber disso - Griffydd aconselhou-o.
- Quantas vezes vou ter de repetir? Foi diferente entre mim e Samantha. Eu sei, ela sabe e, a menos que seja cego como um morcego, Johnathan também sabe.
Emryss soltou um suspiro de cansaço.
- Samantha nunca se mostrou tão ávida por mim. Seus olhos parecem dois braseiros dourados e brilhantes, ao mesmo tempo flamejantes e apaixonados quando encaram Johnathan. Ela tenta esconder o sentimento. Oh, Deus, se aquele garoto não tivesse tanta ambição, tudo seria bem mais fácil!
- Acha que ele se casaria por ambição?
- Que outro motivo haveria para se casar com aquela normanda indecente?
- Ele fez uma promessa e agora, por honra, não pre¬tende quebrá-la - o barão explicou. - Receio que tenha exagerado ao lhes ensinar as virtudes da honra quando eram crianças. Todos vocês sacrificaram a felicidade em nome da honra, creio eu.
- Eu não - Dylan apressou-se em dizer.
- Não foi isso que pensei quando insistiu em desposar Genevieve, Dylan - o barão retrucou. - Como lhe disse, eu a amava.
- Estamos aqui para discutir o casamento de Johnathan - Griffydd lembrou-os. - Acredita mesmo que ele não ama a normanda, pai? E que ela não será uma boa esposa para meu irmão?
- Sim, filho, acredito piamente.
- Então o que quer que façamos? Podemos conversar com Johnathan. Porém, como você mesmo afirmou, nós, os DeLanyea somos teimosos. Não creio que ele nos ouça.
Angustiado, o barão meneou a cabeça em negativa.
- Gostaria que não fosse tão acurado em seu raciocínio, meu filho. No entanto, herdou tal sapiência de sua mãe, e ela também acha que conversas serão inúteis.
- O que lady Roanna aconselha que façamos? - Dylan indagou, impaciente.
- Que compareçam ao casamento e sorriam quando es¬tiverem ao lado de Johnathan, Dylan. - A expressão do barão tornou-se profundamente fria e distante. - Se ele quer se unir àquela mulher, o mínimo que podemos fazer é mostrar à família dela e aos amigos ...
- Que se houver algum problema, Johnathan não estará sozinho - Griffydd completou, levantando-se diante do pai.
- Sim - Emryss confirmou. - E fazer com que Joh¬nathan saiba disso também.
Dois dias antes da solenidade matrimonial de sir Johnathan DeLanyea e lady Rosa¬munde D'Heureux, Samantha conduzia a carroça repleta de barris de cerveja, mulso e braggot pelo pátio interno de Craig Fawr. Não era fácil controlar o cavalo naquele local lotado de carruagens transportando inúmeros convidados e parentes dos noivos que chegavam para assistir à cerimônia.
Samantha acenou a Arthur e Trefor, que se encontravam desde cedo no platô do castelo, entre os merlões, aguardando a chegada de Dylan e seu séquito. Eles corresponderam ao cumprimento, e logo voltaram a observar as pessoas que atravessavam os imensos portões de Craig Fawr.
Com dificuldade, Samantha manobrou a carroça a fim de estacioná-la bem próxima à cozinha. Então puxou as rédeas e olhou ao redor à procura de algum criado para ajudá-la a descarregar os barris.
- Ora, ora, ora, o que temos aqui? - uma voz lânguida e masculina perguntou em francês.
Olhando para trás, ela divisou um grupo de homens a observá-la. Estavam parados à porta da estrebaria, há pou¬cos metros da cozinha. Um deles, bem trajado e usando o penteado à moda normanda, começou a caminhar em direção à carroça. Seus companheiros, tão audaciosos quanto o su¬posto líder, o seguiram.
Com um suspiro resignado, Samantha saltou da carroça.
Sem dúvida, aqueles normandos acreditavam ser uma famélica matilha de lobos raivosos, e ela deveria ficar im¬pressionada ante a ferocidade, se não temerosa.
Que normandos idiotas! Para Samantha, não passavam de filhotes de pato correndo atrás da mamãe.
- Viram como essa galesa se apressou para me encontrar? - o estranho comentou, rindo. - Pela primeira vez, desde que cheguei a Gales, lamento não saber falar a língua nativa.
Mantendo o sorriso zombeteiro de sempre, Samantha os observou aproximarem-se.
- Olhem como ela ri. E que pernas maravilhosas a cam¬ponesa possui! Não acham? - Ele se dirigiu aos compa¬nheiros, como se Samantha não estivesse presente. - Um homem pagaria muitas moedas de ouro para estar entre essas pernas.
- Um homem precisaria ser homem para ocupar esse lugar, não um janota emplumado - Samantha comentou em francês.
Os normandos trocaram olhares surpresos, e o líder ten¬tou, sem sucesso, dissimular seu desaponto.
- Cuidado com o que diz, galesa, ou eu...
- Ou você o quê? - Johnathan surgiu de repente tal qual um guardião à espreita, e caminhou até onde estavam.
Samantha não o via desde o famigerado confronto com Rosamunde. Depois do triste episódio, ela havia canalizado no trabalho sua total capacidade de amor e afeto, além de todas as esperanças para o futuro. Sentiu o coração bater mais rápido ao vê-lo aproximar-se.
Contudo a fisionomia, outrora contagiante e feliz, agora se apresentava angustiada e emanava desesperança. Johnathan parecia ter envelhecido dez anos em poucas semanas. O olhar estava tão duro quanto rocha e frio como aço. Os traços do rosto expunham vincos acentuados, como se ele estivesse se¬riamente depauperado, incapaz de se alimentar.
No entanto, Samantha não ouvira nenhum comentário sobre o assunto, mas pressentia que algo não ia bem.
- Quem é você? - o normando indagou; com arrogância.
- O noivo.
O homem olhou os companheiros e, em seguida, exibiu uma reverência exagerada a Johnathan.
- Sou o primo de lady Rosamunde, sir Cecil D'Heureux.
- É uma honra conhecê-lo, sir Johnathan. Perdoe-me se lhe causei algum embaraço ou ofensa.
- Bem-vindo a Craig Fawr, sir Cecil. Mas deve desculpas a Samantha, não a mim. Foi uma atitude grosseira e la¬mentável de sua parte.
Atônita, Samantha comparava o comportamento de Johna¬than ao do pai quando este se zangava. Era um fato inédito, pois nunca o vira tomar uma posição de defesa em relação ela.
- Mas essa mulher é apenas uma ...
- Tem problemas auditivos, sir Cecil?
Sir Cecil lançou um olhar superficial sobre a carroça antes de fixar-se novamente em Samantha. Então a compreensão pareceu atingi-lo.
- Ah, esta é a fabricante de cerveja da qual ouvi falar! - comentou com ar de desprezo.
- O que você ouviu? - Samantha indagou.
- Que ... sua cerveja é a melhor que há em Gales.
Os amigos de sir Cecil riram e trocaram olhares insolentes. De braços cruzados, Samantha observou o sorriso sarcástico de Cecil D'Heureux, enquanto ele ensaiava um pe¬queno cumprimento.
- Perdoe-me a falta de sensatez, por favor - sir Cecil ira-¬nizou. - Mal posso esperar para provar sua cerveja, Samantha.
A mão de Johnathan tocou o cabo da espada.
No mesmo instante, Samantha foi dominada pelo pânico.
Sabia por intuição que a cena, aparentemente inofensiva, poderia se transformar em um duelo. Desde muito cedo, trabalhando na cervejaria, a vida lhe ensinara a lidar com patifes desaforados como aqueles, e Johnathan devia saber disso. Não precisava de um galante protetor, em especial, se o adversário era um primo da noiva.
Ela tinha de encontrar um meio de atenuar aquela tensão que se formara.
De repente, soltou uma gargalhada estrondosa.
Surpreso com a reação repentii1a de Samantha, Johnathan observou-a dançar diante do arrogante normando. As mãos deslizaram pela cintura fina, e os olhos brilharam, sedutores.
Ansioso, procurou algum sinal de gravidez. Porém, foi em vão. O vestido que ela usava para trabalhar era solto e não indicava nada. Mesmo que Samantha estivesse no terceiro ou quarto mês, ele nunca teria certeza.
- Oh, sir Cecil, estou tão lisonjeada em saber que se importa comigo! - ela exclamou, em um tom de pândega que sempre utilizava com Johnathan. - Não consigo acre¬ditar que tenha conquistado sua aceitação! Como vou so¬breviver a tamanha alegria?
Aparvalhado, sir Cecil encarava Samantha, sem saber o que dizer. Ao redor do pátio, os visitantes e vassalos de Craig Fawr, que pararam para observar a cena, riam às gargalhadas.
Quando o arrogante normando reparou que estava sendo motivo de chacota dos curiosos a sua volta, revoltou-se.
- Acho que esta mulher está possuída pelo demônio.
- Oh, sim estou - Samantha concordou, entrelaçando os dedos em um gesto angelical. - Pela esperançosa paixão de um normando atraente e bem vestido, embora de sua boca saiam apenas palavras grosseiras.
A raiva de sir Cecil desapareceu como por encanto. Para a surpresa e desagrado de Johnathan, o ilustre primo de sua noiva, expressou um sorriso de pura aprovação e divertimento.
- Basta, Samantha - Johnathan interrompeu-a e en¬carou o normando. - Se quiser se juntar a mim no saguão do castelo, sir Cecil, mandarei servir alguma bebida.
- Por ela? - o normando perguntou, apontando Samantha.
- Ora, sir Cecil, não sou uma criada do castelo.
Em vez de aborrecer-se com a réplica ousada, Cecil D'Heureux pareceu ainda mais encantado.,
- Se os senhores, cavalheiros tão elegantes, me dão li¬cença, tenho barris de cerveja a entregar.
- Não serei eu quem irá impedir uma adorável criatura de cumprir seu dever - sir Cecil retrucou, alheio ao olhar ameaçador de Johnathan.
Os ânimos voltaram ao normal no momento em que sir Cecil deixou de encarar Samantha quando a viu desaparecer na cozinha. Então o normando voltou-se, provocativo, ao filho do anfitrião.
- Embora eu não deseje contrariar minha prima, a noiva, posso entender como um homem fica tentado a ter aquela camponesa como amante - sir Cecil D'Heureux comentou sem a menor discrição.
- Ela não é minha amante - Johnathan resmungou. A situação chegara a um ponto insustentável, não adiantava argumentar. Na verdade, o destino estava traçado, e nada mudaria o rumo das coisas. Nem mesmo se travasse um duelo com o atrevido e inconveniente primo de sua noiva. Melhor seria voltar ao castelo, rejeitando sir Cecil e seus parceiros.
Nos próximos longos anos, Johnathan teria de conviver com os abomináveis parentes de Rosamunde, e aquela cena embaraçosa não iria ajudá-lo em nada.
Nem o consolo de ir em auxílio de Samantha poderia conseguir, uma vez que ela sempre soubera lidar com aquele tipo de situação. A bem da verdade, Johnathan arrepen¬deu-se de ter interferido.
O amor e a necessidade de tê-la a seu lado eram quase impossíveis de suportar. E não havia nada que Johnathan pudesse fazer diante de um fato consumado.
Entretanto, aquela agonia não havia sido suficiente para mantê-lo afastado no momento em que escutara a voz suave de Samantha.
Algum tempo depois, quando os barris de cerveja encon¬travam-se seguros no depósito do barão, Samantha sentou-se à larga e confortável mesa da agitada cozinha do castelo. Uma das criadas, gentilmente, ofereceu-lhe uma caneca de refresco.
Dylan havia chegado a Craig Fawr, e ela aguardava que a conversa de Arthur e Trefor com o pai terminasse. Mais tarde, Samantha levaria os dois meninos de volta ao vilarejo na carroça.
- Tive receio de que um dos barris começasse a rachar. O que eu faria se isso acontecesse? - ela indagou, medi¬tativa, enquanto os servos, distraídos pelo discurso de Samantha, nem sequer prestavam atenção às tarefas.
Samantha ergueu um pedaço de pão.
- E a resposta veio a mim! Eu reservaria aquele barril para sir Edward. O conteúdo seria consumido antes que alguém notasse a rachadura na madeira!
Os criados riram descontraídos e, de repente, notaram Johnathan à soleira da porta que dava acesso ao saguão. Todos retornaram ao trabalho em silêncio.
- Ah, sir Johnathan - Samantha cumprimentou-o.
O sorriso genuíno despontou nos lábios carnudos quando ela se levantou e limpou as migalhas de pão que haviam caído sobre o vestido. O gesto simples quase o levou à lou¬cura; sentiu o desejo ardente dominá-lo.
Porém, precisava conter-se antes que algo mais drástico ocorresse naquela cozinha.
- Onde estão seus charmosos amigos normandos? - ela perguntou.
- Pode me acompanhar ao jardim de minha mãe, Samantha?
- O que sua noiva irá pensar?
Johnathan tentou ignorar os olhares curiosos dos criados.
- Se prefere conversar em meio a tantas pessoas, que assim seja.
- Não consigo pensar em nenhum assunto que não possa ser discutido em alto e bom som no platô do castelo, por exemplo.
Ele corou.
- Não pretendo fazer nada no platô.
- Nem eu.
- Eu gostaria de falar a sós com você - Johnathan insistiu, fitando-a com intensidade.
Por um momento, ela baixou os olhos.
- Bem, já que ficamos sozinhos outras vezes, por que não mais uma? - Samantha ironizou, como se Johnathan não significasse nada para ela. - Vamos ao jardim.
Acenando aos criados, Samantha retirou-se da cozinha e ele a seguiu como se fosse um cachorro fiel e dedicado.
- Aqui estamos, sozinhos no jardim - ela anunciou tão logo atravessou o portão. - E você deu um motivo tentador aos servos de seu pai para incitarem mexericos.
- Em breve eles não terão melhores motivos para fofocar? Você está grávida?
Olhando as rosas já ressecadas em seus galhos espinho¬sos, ela deu de ombros e riu, displicente.
- Isso não é um jogo para mim, Samantha.
- Espero que não. Como chamaria isso então? Um passeio inocente no jardim outrora florido? Não vejo muita graça.
- Samantha! - Johnathan gritou. O tom angustiado, quase embargado pela comoção, foi o bastante para que ela o encarasse com sincera preocupação. - Preciso saber, Sa¬mantha, por favor. Não suporto essa dúvida. Você está es¬perando um filho?
A máscara de frívola indiferença desapareceu.
- Estou.
- Tem certeza?
- Absoluta.
- Oh, Deus, sinto muito, Samantha.
Ela então se aproximou devagar. Parecia assustada, como se estivesse diante de um animal selvagem que a qualquer instante poderia atacá-la.
- Sente muito?
- Lamento ter feito amor com você. Por minha causa, agora está nesta frágil condição. Sinto-me responsável por homens, como sir Cecil, tratarem-na de modo tão degradante.
Os lindos olhos castanhos brilharam de ternura.
- Eu não lamento, Johnathan. Não me arrependi de ter feito amor com você na época, e agora tampouco.
Em um impulso, Samantha tocou-lhe as faces e o fitou, amorosa.
- Escute, Johnathan, e escute bem. Estou feliz com o que fizemos. Não tenho palavras para descrever a alegria de conceber outro filho. Não espero que seja meu adorável protetor. Eu aprendi a me defender sozinha bem antes de engravidar e posso continuar a lutar e sobreviver.
Soltando um suspiro profundo, ele virou o rosto e beijou a palma da mão macia.
Samantha afastou-se depressa, como se os lábios de Joh¬nathan a houvessem queimado.
- E quanto a sir Cecil... é um idiota. Não deve tomar minhas dores por tão pouco. - O olhar terno tornou-se arguto. - Aliás, conheço outro jovem cavaleiro que costu¬mava me insultar o tempo todo, embora fosse mais sutil.
- Perdoe-me pelas palavras grosseiras e cruéis que lhe disse, Samantha. Fui um cabeça dura imbecil, como sir Cecil.
Algo novo brilhou no rosto de Samantha.
- Oh, não, Johnathan, não era como ele. Ou ele não teria ... - ela hesitou. - Eu não o teria deixado me tocar.
- Que cena encantadora - lady Rosamunde declarou, próxima ao portão do jardim.
Com um sorriso gélido nos lábios, ela adentrou o jardim enquanto o véu sobre os cabelos claros esvoaçava à brisa fresca e os quadris balançavam em um movimento duro. - Estava procurando o noivo e, enfim, o encontro. Entretanto, ele não está só. Sinceramente, Johnathan, se ten¬ciona encontrar-se às escondidas com essa camponesa, pre¬cisa ser mais discreto.
- Não estamos nos encontrando às escondidas - Samantha advertiu, torcendo o nariz à normanda.
- Ouso dizer que você nem sabe o que isso significa.
- Posso adivinhar.
- Johnathan, mande esta mulher de volta àquela cervejaria suja, de onde nunca deveria ter saído.
Embora encarasse Rosamunde, ele se dirigiu a Samantha.
- Por favor, vá embora, Samantha, e deixe-me a sós com minha linda noiva.
Samantha olhou a triunfante normanda.
- Com o maior prazer.
- Então vá logo - Rosamunde ordenou.
Ignorando a prepotência da noiva, Samantha virou-se para Johnathan, e, quando finalmente os olhares se encon¬traram, murmurou:
- Que Deus esteja com você, Johnathan.
- Que Deus esteja com você também, Samantha. E seja feliz.
Apesar de sorrir, os olhos castanhos transmitiam uma profunda tristeza. Então, Samantha retirou-se do jardim, desprezando a vitoriosa Rosamunde e ocultando a dor pro¬funda que lhe ia dentro da alma.
- Falei sério, Johnathan - Rosamunde reforçou, apro¬ximando-se do homem que julgava comandar. - Se pretende divertir-se com prostitutas, acho melhor não se mostrar de forma tão evidente.
Em silêncio, Johnathan observou Samantha afastar-se até desaparecer atrás do portão. Em seguida, voltou-se à noiva.
- Rosamunde, você valoriza a própria vida?
A normanda espantou-se.
- O quê?
Tal qual um felino pronto a abocanhar sua presa, ele chegou mais perto da noiva bem devagar. Ao notar o brilho ameaçador, Rosamunde empalideceu.
- Se valoriza a própria vida, nunca mais irá se referir a Samantha como prostituta, ou usar qualquer palavra de¬preciativa. Tampouco ousará insultá-la ou a meu filho que ela carrega no ventre. Oh, que Deus me ajude . Se o fizer, Rosamunde, você vai se arrepender amargamente.
- Seu ... seu selvagem! Como se atreve a me ameaçar por causa daquela ... - Esperta, ela hesitou. - Daquela mulher.
Johnathan sorriu.
- Você não poupou esforços quando ameaçou a mim e a minha família. Logo, por que eu não deveria intimidá-la?
Amedrontada, Rosamunde recuou.
- O quê ... o que pretende fazer? - murmurou. No mesmo instante a arrogância foi substituída pelo pavor.
- Não creio que gostará de saber.
Ela não conseguiu emitir nem uma palavra sequer. Ate¬morizada virou-se e correu para fora do jardim.
Johnathan então permaneceu imóvel e em silêncio, afogado nos próprios pensamentos. E consumido pelo arrependimento.
Lutando contra o cansaço despendido para manter a ati¬tude alegre e despreocupada em vez de revelar o tormento que lhe invadia o coração, Samantha atravessou o pátio interno. Entrou na estrebaria, onde pretendia atrelar o ca¬valo à carroça para poder retomar ao vilarejo.
Ficou grata por realizar o trabalho sozinha. Os criados da estrebaria encontravam-se no grande saguão à espera da ceia noturna.
O odor de serragem misturava-se ao couro das selas e ao suor dos cavalos que ali descansavam depois de longas caval¬gaduras pela estradas estreitas e empoeiradas que conduziam ao castelo. Ela seguiu ao longo das baias até aproximar-se de seu cavalo. Enquanto o observava alimentar-se de feno, aca¬riciou a crina farta. O animal virou a cabeça para encará-la.
- Inclusive você me olha como se eu fosse louca? - ela sussurrou, rindo. - Talvez eu seja mesmo. Louca de amor. Quem diria! - exclamou, incrédula.
O cavalo voltou a atenção ao feno.
Decidida a esperar que o animal se alimentasse um pouco mais, Samantha encostou-se no poste. Não sabia quando Arthur viria encontrá-la, tampouco era tola a ponto de se aventurar no castelo para chamar o filho.
Fechou os olhos na tentativa de espantar as lágrimas que ameaçavam surgir.
- Samantha?
Sobressaltada, ela deu um pulo e avistou Dylan anali¬sando-a com explícita curiosidade.
- Dylan! - O nome soou tal qual um gemido. Ela clareou a voz. E como de costume, tentou ocultar a profunda tristeza. - Há tanta poeira nesta estrebaria! Arthur veio com você? - Olhou ao redor. - Onde está ele?
- Ele e Trefor ainda estão ajudando Genevieve a desfazer minha bagagem.
- Mais atrapalhando que ajudando, suponho.
- Ela gosta da companhia dos meninos.
- E eles adoram xeretear seus pertences.
Cauteloso, Dylan caminhou até ela.
- Samantha, você está esperando um filho de Johnathan?
- Creio que terei de subir nas muralhas de Craig Fawr e fazer um pronunciamento solene. Caso contrário, serei obrigada a dar a mesma resposta centenas de vezes para satisfazer a curiosidade de todos.
- Não se trata apenas de curiosidade. De minha parte, estou realmente interessado em saber a verdade e me propor a auxiliá-la no que for preciso. Então? Está grávida?
Já era hora de parar com as ironias e brincadeiras, Samantha pensou, resignada.
- Sim, estou. Nascerá ao final da primavera.
- Como meu primo se sente a respeito?
- Como ele deveria se sentir?
- Não foi o que perguntei.
- Como você se sentiu quando lhe contei que estava grávida de Arthur?
- Deve lembrar-se. Fiquei eufórico.
- Porém as circunstâncias eram diferentes. Você não estava prestes a se casar com outra mulher.
- Espero que Johnathan seja honrado em relação ao filho.
- Quanto a isso não me preocupo. Seu elevado senso de responsabilidade o conduzirá a agir com hombridade.
O interesse de Dylan aumentou.
- Graças a Deus.
- Sim, graças a Deus - ela concordou. - Se era apenas isso que desejava saber, eu ...
- O que pensa de Rosamunde?
- O que importa minha opinião?
- Certamente não quer que Johnathan se case com ela. Estou certo?
- Não cabe a mim dizer.
- Ele devia se casar com você.
- Andou conversando com Angharad outra vez, Dylan?
Tomando-a pelas mãos, Dylan encarou-a nos olhos, na es¬perança de poder atingir a alma de Samantha Na verdade, ele obtinha sucesso quando a fitava com olhar fixo e penetrante.
- Quero uma resposta sincera, Samantha. Você o ama?
- Se estou gerando um filho de Johnathan, devo tê-lo amado algum dia, não acha?
Dylan suspirou, frustrado.
- Fale sério, por favor, Samantha. Sem brincadeira. Acho que ele a ama tanto quanto um homem é capaz de amar uma mulher.
- Oh, você se tornou um profeta, tal qual Angharad?
- Sou um homem apaixonado. Portanto, sei reconhecer sentimento. Agora preciso saber se você o ama.
- Não me diga que sente ciúme? - Ela tentou rir, mas a risada soou forçada e uma inquietante sombra de dúvida cobriu o pensamento de Samantha. - Eu não sinto.
- Não tem ciúme de lady Rosamunde?
- Não.
- Não dela, quero dizer, da mulher desprezível e diabólica que é. Pelo fato de Johnathan casar-se com a normanda?
- Se ele a quer, pode ficar com ela. Pouco me importa.
- Não creio que ele a queira. Não mais. Não depois de estar com você.
Samantha desviou o rosto. Em seguida, mais recomposta, encarou o ex-amante, fuzilando-o com os olhos.
- Dylan, você sabe que não sou uma amante inesque¬cível. E muito menos sou vaidosa a ponto de acreditar que, após deitar-se comigo, Johnathan será incapaz de sentir desejo por outra mulher.
- Vaidade não tem nada a ver com isso. - Dylan encarou-a com seriedade. - Penso que Johnathan a ama e muito.
Aquela revelação alimentou as brasas de esperança que Samantha nutria. Sem olhá-lo de frente, soltou um suspiro profundo.
- Nesse caso, ele vai ter de suportar sua desilusão e superar o sentimento. Minha partida deve ajudá-lo.
- Sua partida? Aonde vai?
- Pretendo vender a cervejaria e me mudar para Bridgeford Wells. Quero ficar perto de Arthur enquanto ele trei¬na com Fitzroy.
- Mas seu lar é aqui. Suas raízes estão em Craig Fawr.
- Minha cerveja venderá em qualquer lugar que eu me encontre.
- Deve saber que Arthur se sairá melhor no treinamento se você não estiver por perto.
Através da expressão determinada, Samantha mostrou a Dylan que nada a faria mudar de idéia.
- Ele se sairá bem onde quer que eu esteja. Já tomei a decisão, Dylan. Vou morar em Bridgeford Wells.
- Para ficar bem longe de Johnathan.
- Porque quero estar perto de Arthur.
- Está tentando convencer a mim que não ama Johnathan ou a si mesma? Em ambas as possibilidades, você fracassou, Samantha. Quero a verdade agora. Preciso saber. Você o ama?
- Johnathan tem de se casar com lady Rosamunde. Ele merece uma esposa que lhe ofereça o prestígio que tanto almeja.
- Mas se ele se casar apenas por ambição e com aquela mulher, será infeliz para o resto da vida. Conheço Johnathan o suficiente para saber disso, mesmo que ele próprio ainda não saiba. E se você tem coragem para deixá-lo à mercê da própria sorte, acredito que não o ame tanto quanto imaginei.
- Dylan, cale a boca e vá embora! - Samantha exclamou rapidamente, temendo ser descoberta. Afastou-se dele, das perguntas, do olhar penetrante e das palavras precisas, re¬fugiando-se sob as sombras da estrebaria.
A despeito de demonstrar pura piedade, Dylan seguiu-a, determinado a se fazer entender.
- Você o ama de verdade. Eu tinha certeza!
Samantha encarou-o de frente.
- O que eu sinto não importa - afirmou, categórica. ¬O que Johnathan quer é o mais importante nessa história. - Ela voltou a suspirar, resignada. - Se ele gostou de mim, pelo menos um pouco, é o que vai me bastar. E tenho dentro de mim uma parte desse sentimento. Criarei o filho de Johnathan com todo meu amor. Agora, por favor, Dylan, não fale mais nada. Se houver compaixão em você, não me diga mais nada a respeito de Johnathan.
Apesar do orgulho ferido e do firme propósito de aceitar sua condição com resignação e humildade, Samantha su¬cumbiu a tristeza, levou as mãos ao rosto e caiu em prantos, dando vazão às lagrimas até então reprimidas.
Dylan tomou-a nos braços, gentil.
- Calma, Samantha, calma - confortou-a, solidário. ¬Será como você deseja. Prometo que não falarei mais nada.
Essas foram as palavras do jovem barão, mas Samantha não pôde ver o brilho contraditório nos olhos de Dylan quan¬do fez a promessa.
- Estou lhe dizendo, Angharad, algo precisa ser feito! Tem de haver uma maneira de evitar que esse casamento se realize. - Dylan se pronunciou batendo o punho fechado sobre a mesa.
Ele havia levado o filho mais velho para casa e aproveitou a ausência de Trefor para se queixar do destino cruel e duvidoso de seu primo.
- O barão ...
- Diz que não devemos interferir. Isso não é justo!
- Por que não acha justo? - Angharad perguntou enquanto tecia os fios de lã.
- Porque eles se amam demais!
- Se fosse verdade, Johnathan não se casaria com lady Rosamunde. Concorda? - Angharad indagou e largou o tear. - E Samantha não decidiria ir embora.
- Não acredito que Johnathan saiba como Samantha se sente. Ela fará o que acha correto, por mais que isso a magoe. Droga, ela deve ter sido um guerreiro em outra vida porque nunca vi um rosto mais resoluto em nenhum homem.
- Você parece muito seguro em relação aos sentimentos de ambos - Angharad reparou, colocando um,novelo de lã ao lado.
- Eu estou seguro e convicto!
- Como pode estar? Eles lhe confidenciaram tal segredo?
Respeitando a dor de Samantha, Dylan não revelou a conversa que tiveram.
- Minha certeza é o bastante. Ela gosta de Johnathan mais do que qualquer homem com o qual se deitou, e me incluo nisso.
- Sei quão difícil é para você admitir a preferência de Samantha. Logo, devo concluir que está sendo franco.
- É muito difícil mesmo! - Dylan confirmou e fitou a mãe de seu primogênito, a mulher- cujo caráter admirava e respeitava. E a quem, de certa forma, também temia um pouco por causa do maravilhoso dom que ela possuía.
Angharad fitava-o, calada.
- Aliás - prosseguiu -, imagino que concorde comigo. Sempre afirmou que Johnathan iria se casar com Samantha. Nunca mencionou uma normanda entojada.
Angharad levantou-se para confrontar o ex-amante.
- Está realmente preocupado, Dylan? Tem certeza de que Johnathan cometerá um grave erro?
- Por Deus, sim!
- Por que ele esposaria a normanda se não a ama?
- Porque Johnathan a pediu em casamento antes de se conscientizar de que amava Samantha. Depois veio a des¬cobrir quem era aquela mulher com quem se comprometera! Porque a normanda ameaçou punir os DeLanyea se ele rom¬pesse o compromisso! E porque meu primo é um tolo!
Aflito, Dylan passou a mão nos cabelos compridos.
- Meu pai também acha que há algo errado com Joh¬nathan. Porém ele nos proibiu de manifestar qualquer co¬mentário contrário a essa união. Lady Roanna quer que recebamos Rosamunde de braços abertos. Mas aquela cobra seria capaz de me seduzir caso lhe desse a menor abertura!
- Você é uma criatura intrigante, Dylan DeLanyea.
- Não a viu durante a festa, Angharad. Do contrário, saberia que estou sendo honesto e não fútil.
Angharad sorriu. Então os olhos negros, que muitas vezes se assemelhavam às profundezas de um lago sombrio, trans¬mitiram uma misteriosa expressão.
- Há um modo de evitar o casamento. Mas você tem de estar absolutamente convencido de que Johnathan não quer aquela mulher como esposa.
- Você teve uma visão. Não está certa de que ele vai esposar a mulher errada?
- Sei apenas que Johnathan será feliz no casamento e que terá filhos saudáveis, inclusive uma menina. As visões surgem em minha mente sem aviso, você sabe, Dylan. Elas aparecem em sonhos e somem de repente.
Sagaz, Angharad sorriu.
- No entanto, eu tive uma imagem que, sem dúvida, deve ser verdadeira. Se estiver disposto a fazer o que eu determinar, Dylan, nenhum homem terá coragem de ques¬tionar ou impor obstáculos sobre o fato de Johnathan não esposar lady Rosamunde. E tampouco haverá represálias.
No instante em que sentiu uma pesada mão tampando-lhe a boca, Johnathan acordou assustado. Debatendo-se, tentou se sentar e, ao abrir os olhos, divisou um homem inclinado sobre ele tal qual o anjo da morte. O efeito apavorante tornou-se mais intenso com a imagem escura que se projetava através da luz difusa e incerta causada pela chama da tocha.
Quando identificou o intruso, Johnathan rosnou de raiva e empurrou o primo que segurava a tocha.
- Fique quieto, garoto! - Dylan ordenou em galês, en¬quanto duas outras mãos o imobilizavam pelos ombros. ¬Só vou soltá-lo se permanecer calado.
Johnathan encarou Griffydd que o agarrara com força titânica. Em seguida, observou os outros homens que ro¬deavam a cama.
Ficou chocado ao reconhecer seu pai e sir Cecil entre os demais participantes do grupo, o qual era composto pelos amigos normandos do primo de lady Rosamunde D'Heureux. Embora a iluminação fosse bastante escassa, ninguém mais carregava algum outro aparato luminoso.
Ainda em estado de choque, Johnathan teve a impressão de que todos os homens convidados para o casamento en¬contravam-se ali, com exceção de sir Edward. Estavam tam¬bém sonolentos, como se houvessem sido despertados na¬quele instante. E, além disso, um clima de suspense pairava entre os presentes.
- Vai ficar calado?
Johnathan assentiu, ti Dylan retirou a mão com lentidão, porém atento.
- O que significa isso? - Johnathan murmurou em ga¬lês. - Estamos sofrendo um ataque?
- Não. Vista-se e venha conosco - Griffydd ordenou. Sem a menor intenção de obedecer, ele ignorou o irmão e voltou-se para o pai.
- O que está acontecendo, pai? Por que esses homens estão aqui?
- Faça o que seu irmão ordenou, meu filho - o barão aconselhou, em voz baixa.
A atitude resignada do pai não foi menos surpreendente que a intrusão noturna. Johnathan se levantou e começou a vestir-se.
Depois de colocar a calça e a blusa, olhou aflito para barão.
- Há alguém ferido?
Apesar de apresentar um ar angustiado, a expressão do pai se mostrava resoluta.
- Ainda não - Emryss replicou.
Aquela resposta o confundiu ainda mais. O barão jamais aprovara atividades de vigília, e Johnathan não conseguiu lem¬brar-se de nenhum crime recente que exigisse tal deliberação.
Ao ver Johnathan vestido, Dylan acenou para o primo, pedindo-lhe que o acompanhasse à porta do quarto.
- Quieto. O que estamos prestes a fazer requer o mais absoluto silêncio.
O aviso foi pronunciado em francês, e o tom de voz tomou-se divertido e casual, quando Dylan se dirigiu aos presentes.
- Venham comigo, cavalheiros.
Os normandos trocaram olhares de perplexidade mas, sem hesitar, acataram o estranho convite do jovem barão. Momentos depois, Johnathan reparou que Dylan os guiava em direção à torre onde lady Rosamunde estava instalada.
- Do que se trata? - Johnathan perguntou ao primo em galês.
- Nunca ouviu falar na tradicional visita que o noivo faz ao quarto da noiva à véspera do casamento?
- Não, porque não existe tal tradição. É você quem a está inventando, Dylan.
- Deveria haver, em minha opinião.
- Não estou seguro de que deva dar atenção a esse costume bárbaro dos galeses - sir Ceci! resmungou atrás deles. - Francamente, visitar minha prima em seu quarto...
Dylan riu.
- Já lhe disse, era costume em Gales os convidados homens serem convocados a tentar espiar o corpo da noiva - ele explicou em francês. - O ritual representava um teste de aprovação à noiva. Foi abolido, é claro, porque os galeses estão muito mais civilizados graças ao convívio com os normandos.
Ninguém percebeu, porém, Johnathan que já estava ha¬bituado às brincadeiras de mau gosto de Dylan, notou a expressão zombeteira em seu rosto.
- Naturalmente, não mais pedimos à noiva que retire as roupas para uma avaliação completa - Dylan continuou. - Agora só espiamos as pernas dela.
- Por que está contando mentiras tão monstruosas? - Johnathan indagou em galês. Então olhou o pai que, com certeza, poria um fim naquela estupidez.
- Silêncio, estamos quase chegando. Não quer acor¬dá-la, certo?
- Esse meu primo não está sendo magnânimo - Dylan queixou-se aos normandos, utilizando a língua francesa. ¬Ele não quer que vejamos sua adorável noiva, o miserável.
Os homens se divertiam e sussurravam comentários hu¬morísticos até se aproximarem da porta do quarto.
- Cavalheiros, por favor - Dylan alertou-os, em um murmúrio conspirativo. - Temos de permanecer quietos, senão a surpresa não terá o efeito que esperamos.
Johnathan levou as mãos à cintura, farto daquele ridículo mistério.
- Dylan, não sei o que significa isso ou o que você pretende...
De súbito um braço musculoso o agarrou, então uma forte e calejada mão tapou-lhe a boca outra vez.
- Em breve, tudo será esclarecido - Griffydd sussurrou no ouvido de Johnathan enquanto o arrastava em direção ao quarto.
Sem uma batida ou um aviso, Dylan abriu a porta do cômodo de lady Rosamunde e entrou. Os homens o seguiram, incluindo Johnathan e Griffydd.
Boquiabertos, todos se calaram ao visionar aquela sur¬preendente cena.
Após o primeiro impacto de puro horror, Rosamunde gri¬tou, e o capitão da guarda pulou, assustado, para fora da cama. Estava completamente nu.
Ficou claro e comprovado que haviam sido pegos em fla¬grante em um animado ato amoroso; e, a despeito dos es¬forços de cobrir-se com os lençóis, era evidente que a nor¬manda estava tão nua quanto o amante.
Griffydd soltou Johnathan, que permaneceu parado em silêncio tomado de novo choque.
Puxando as cobertas, Rosamunde tentou esconder os seios. Apavorada, apontou o dedo trêmulo para Ivor que, frenético, recolhia as roupas espalhadas pelo chão.
- Ele me atacou! Ele me violentou!
Com a túnica nas mãos, Ivor fitou-a horrorizado.
- É verdade! Este selvagem invadiu meu quarto! Ele... me atirou na cama e rasgou minhas roupas. Quase morri de desespero quando obrigou-me a abrir as pernas ... Tentei lutar, mas ...
- Rosamunde! - Ivor gritou, parando no centro do quar¬to e largando a túnica. - É mentira! Nunca a violentei! Eu a amo, e você me ama. Vamos nos casar!
- Casar? - ela perguntou, como se a declaração lhe causasse repulsa. - Ficou louco? Casar-me com o capitão da guarda? Um galês sem título ou sangue nobre? Enrolando-se nos lençóis, Rosamunde levantou-se.
- Cecil, você acredita em mim, não? - ela implorou ao aproximar-se do primo. - Tem de acreditar em mim! Sabe que eu jamais permitiria que esse bárbaro ocupasse minha cama!
- Rosamunde, diga-lhes a verdade - Ivor suplicou. - Sou um homem honrado, confesse que me convidou para vir aqui.
Rosamunde confrontou o capitão da guarda.
- Convidei? - ela esbravejou. - Você, um mero soldado? Todos devem saber que é uma deslavada mentira. É uma calúnia infame. Eu jamais amaria um camponês como você. Nunca! Atacou-me, seu selvagem nojento, e deve ser exe¬cutado por esse crime hediondo!
- Executado? - Ivor repetiu, tão pálido quanto o lençol branco que Rosamunde usava para ocultar o corpo nu.
- Não haverá nenhuma execução - o barão DeLanyea declarou, abrindo passagem entre o grupo.
- Não mesmo - sir Cecil reforçou a decisão. - Receio, prima, que a situação não esteja a seu favor. Onde estão os arranhões? Ferimentos? A porta estava destrancada. Por que não fugiu? E por que suas roupas não estão jogadas ao chão e rasgadas?
Com extremo pesar, Ivor encarou Johnathan, que conti¬nuava imóvel, em seguida dirigiu-se aos outros DeLanyea.
- Senhores, têm de acreditar em mim. Eu não a ataquei. A convite dela, vim partilhar a cama de lady Rosamunde e não foi a primeira vez.
- Mentiroso! - Rosamunde berrou. Em seguida, correu até Johnathan e ajoelhou-se aos pés dele. - Ele me atacou, Johnathan! Se me ama, precisa acreditar em mim!
- Compartilho a mesma opinião de seu primo, Rosa¬munde. Não vejo nenhuma evidência de um ataque violento, nem em você, nem em Ivor - Johnathan pronunciou, res¬gatando a postura soberba.
- Tem de acreditar em mim! Tem de se casar comigo! . - ela suplicou, agora desesperada.
- Não, ele não tem - sir Cecil afirmou, desgostoso. ¬Está condenada e sem defesa, prima. Estou profundamente desapontado. Envergonhou nossa família. Se fosse você, con¬templaria um retiro em um convento de freiras.
Devagar, Rosamunde levantou-se e encarou o primo.
Então fitou os homens à frente, recuperando a arrogância habitual.
- Caí em desgraça, embora o homem com o qual me casaria deitou-se e concebeu um filho bastardo com uma prostituta?
- Eu lhe avisei que se insultasse Samantha novamente iria se arrepender - Johnathan alertou-a e aproximou-se. - Nunca me casarei com você. Nosso compromisso está desfeito.
- E nenhum homem irá culpá-lo por romper o compro¬misso - sir Cecil completou. - Você desgraçou o nome da família, Rosamunde.
- Não é justo! Vocês, homens, podem ter várias amantes antes e depois do casamento, e as mulheres nunca. Temos de conservar nossa pureza, do contrário, nossa reputação estará destruída!
- Não, não é justo - o barão concordou, com certa com¬paixão na voz. - Mas são as regras de um mundo que vocês, normandos, instituíram. É pena, milady, que não seja galesa, porque teríamos perdoado o lapso e as mentiras.
O rosto de Emryss tornou-se sombrio.
- Conheço Ivor desde que nasceu. Esse homem não pos¬suiria uma mulher contra sua vontade, como também seria incapaz de ferir uma criança. Portanto, tenho certeza de que nos deu falso testemunho ao afirmar que ele a atacou.
- Por favor, Johnathan - Rosamunde pediu, suplicante.
- Precisa me perdoar. Nunca mais vou trai-lo depois de nos casarmos. Dou-lhe minha palavra de honra.
- Devo perdoar sua fraqueza, pois também fui um fraco.
Rosamunde sentiu-se mais segura e esboçou um sorriso vitorioso.
- No entanto, não posso perdoar suas mentiras e o modo vulgar com que se refere à mulher que amo.
Ela começou a chorar. Sem se comover com a repre¬sentação dramática da normanda, Johnathan prosseguiu implacável:
- O acordo de casamento perde a validade a partir de agora. Não vou esposá-la amanhã, nem em qualquer outro dia. Tampouco quero voltar a lhe falar.
Dito isso, Johnathan retirou-se, e os normandos o acompanharam, tão decididos quanto ele .
O barão DeLanyea olhou para Ivor.
- Você traiu minha confiança, rapaz.
O capitão assentiu.
- Lamento, senhor. Estou arrependido de me deixar en¬volver pela paixão. Rosamunde dissuadiu-me a vigiar Johna¬than e Samantha, prometendo-me amor eterno e luxúria.
- Seu cretino idiota - Rosamunde murmurou.
- Acabou, menina! - Emryss calou-a. - Espero que esse vexame lhe sirva de reflexão quando estiver exilada no convento. - Em seguida, o barão voltou-se a Ivor. ¬Arrume seus pertences e deixe Craig Fawr para sempre.
- Desculpe o mal que causei a seu domínio, barão. - ¬Ivor disse com dignidade. - Adeus, senhores.
Assim como Johnathan, Ivor também retirou-se do aposento, envergonhado de sua conduta porém mantendo a austeridade.
O barão DeLanyea seguiu-o, acompanhado do sobrinho e do filho mais velho.
Rosamunde permaneceu estirada no chão frio aos pran¬tos . Cada lágrima sentida representava a ruína de seu es¬quema ardiloso. A revolta começou a crescer. No âmago de seu ser jurou odiar todos os homens pelo resto da vida.
- Foi o único jeito, John - Dylan declarou mais tarde, quando se encontravam a sós no quarto de Johnathan.
O barão e sir Cecil tinham se reunido com sir Edward para expor a situação vexatória. Griffydd fora incumbido de comunicar a lady Roanna e aos demais convidados que não haveria casamento na manhã seguinte.
Johnathan encontrava-se frente à janela, apreciando a beleza majestosa do céu estrelado. Duvidoso, Dylan nem sequer tinha certeza de que o primo prestava atenção à explicação.
- Você e os parentes normandos precisavam de provas concretas quanto às safadezas daquela mulher - Dylan prosseguiu.
O olhar de Johnathan permanecia fixo nas estrelas.
- Como descobriu a traição de Ivor?
- Angharad me contou.
- Entendo.
- Ela me disse quando eles estariam juntos, e eu armei resto.
- Você se mostrou muito hábil.
- Não foi minha intenção humilhá-lo, Johnathan, mas o testemunho dos normandos era necessário.
- Rosamunde tem razão, sabe. Não é justo que um ho¬mem possa prevaricar sem maiores conseqüências, enquanto à mulher só lhe resta a fidelidade.
- Ela sente tanto orgulho do sangue normando que não pode reclamar por ter sido submetida às regras de conduta estabeleci das por seu povo.
- Suponho que esteja certo.
- E estou. Você vai conversar com Samantha amanhã?
Johnathan encarou o primo, intrigado.
- Por que eu deveria conversar com ela?
- Para pedi-la em casamento. Samantha o ama profundamente.
- Não, não ama .
- Você deve ser cego, Johnathan, ou um tolo por acreditar em tamanha besteira.
- Não sou nada disso. - Ele se apoiou na janela. ¬- Samantha disse que não me ama a ponto de querer casar-se comigo.
- Ela o ama tanto que, por não possuir mais forças para encobrir os sentimentos, resolveu mudar-se de Craig Fawr.
Franzindo a testa, Johnathan cruzou os braços.
- De que está falando?
- Estou falando, seu cabeça-dura, que ela está desolada em perdê-lo e pretende fugir. Nunca vi Samantha se render a nada, entretanto, o fará por sua causa.
- Samantha não faria isso por mim - Johnathan pro¬feriu, afastando-se da janela. - Estou certo de que ela tem outra explicação.
- Ela alega querer estar perto de Arthur.
- Samantha nunca mente.
- Também jamais a vi mentir, mas creio que Samantha o faria caso achasse necessário. Por Deus, Johnathan, por que se recusa a enxergar a realidade? Ela nunca desejou sair de Craig Fawr quando nosso relacionamento terminou, nem após qualquer outro romance.
- Ela quer ficar perto de Arthur, como afirmou - Johnathan insistiu.
Dylan levantou-se e caminhou até o primo, sustentando uma expressão de pesada seriedade.
- Atrevo-me a lhe confidenciar um grande segredo, Joh¬nathan. Mas saiba que me sinto constrangido por fazê-lo. Reconheço agora que fui o prêmio de consolação. Samantha sempre preferiu você.
Incrédulo, Johnathan estreitou os olhos.
- Então por que ela não me disse isso?
- Quando Samantha teve a ínfima certeza de que gosta dela? Consegue imaginar uma mulher orgulhosa confessan¬do seus sentimentos? Samantha preferiria cortar a própria língua a admitir!
- Mas depois que ... estivemos juntos ... Ela devia ter me contado.
- Você é tão obtuso quanto o mais ambicioso dos De¬Lanyea, meu falecido pai. Acha que uma mulher apaixonada concordaria em se casar, sabendo que a união impediria seu amado de obter o futuro promissor que acreditava ser merecedor?
- Não posso ... Não vou acreditar.
- É melhor acreditar porque é verdade - Dylan afirmou, veemente. De repente, começou a rir. - Ela não o acharia o homem mais encantador do mundo, se o visse neste momento, garoto. Está tão aparvalhado como se hou¬vesse descoberto que a neve é branca. A verdade é tão transparente quanto os seios de lady Rosamunde, se é que ousou observá-los.
Dylan parou de rir e fitou os olhos do irmão adotivo com extremo carinho.
- Samantha o ama tanto que tenta esconder o senti¬mento para sua segurança, Johnathan. - Ele voltou a sorrir e displicente, apoiou-se na janela para admirar a lua cheia. - Claro, Samantha não consegue enganar um homem com minha experiência. Não sei o que há de errado conosco, os DeLanyea. Nunca somos capazes de enxergar o que uma mulher sente a nosso respeito até chegar ao ponto extremo de um rompimento definitivo. É preciso ser modesto, certo, John? - Dylan olhou para trás. - Johnathan?
Contudo, seu impetuoso primo já havia se precipitado porta afora, como se o castelo estivesse em chamas.
Sorridente, Dylan caminhou até a escada.
- Acho melhor pedir a lady Roanna que não cancele os preparativos para o casamento de amanhã.
- Acorde, Samantha! - Johnathan murmurou, tocan¬do-a com toda delicadeza.
Ela abriu os olhos. Os raios do luar que penetravam pela janelas iluminaram o rosto ansioso de Johnathan.
- Qual é o problema? - Samantha indagou e sentou-se aflita. Imaginou se o castelo estava sofrendo um ataque ou se alguém havia morrido para Johnathan despertá-la à vés¬pera de seu casamento.
Sim, na noite que antecedia o casamento.
- Nenhum problema ... ou melhor, haverá muitos pro¬blemas ... - ele se corrigiu, sorridente - se você continuar a dizer que não me ama.
Confusa, Samantha estudou-lhe as faces.
- Está bêbado?•
Johnathan sorriu e, com o maior carinho, puxou-a pelas mãos e a fez sair da cama. O contato dos pés sobre o assoalho gelado foi um choque, porém era nada comparado à surpresa de ouvir as palavras que ele pronunciava.
- Asseguro-lhe, Samantha - declarou, solene -, que nunca estive mais sóbrio em minha vida. Eu a amo! Quero me casar com você! Por favor, aceite-me. Fui um tolo por não aceitar o que se passava em meu coração.
Sem poder acreditar no que escutava ou mesmo na evi¬dência de seus olhos, ela pegou o cobertor e enrolou-se nele.
- Fale baixo ou vai acordar Arthur.
- Não me importo. Não me importo de acordar o castelo inteiro, o vilarejo, ou toda Gales, se disser que me ama.
Atônita, tentou calçar os sapatos e então empurrou-o até a porta.
- Jamais disse que o amo - sussurrou, convencida de que Johnathan estava bêbado.
- Vamos à cervejaria?
- Sim, à cervejaria. E mantenha o tom de voz baixo ou irá causar um tumulto no povoado.
Ela o levou para fora e atravessaram o quintal em direção à pequena construção de pedra. Felizmente era noite de lua cheia, e não havia nuvens encobrindo a luz do luar. Do contrário, no estado confuso em que se encontrava e dada a aparente embriaguez de Johnathan, quem poderia prever a gravidade do acidente que sofreriam ao fazer aquele pe¬queno trajeto?
- Já houve um terrível tumulto no castelo - ele anun¬ciou tão logo abriu a porta da cervejaria e, cordial, convi¬dou-a a entrar em primeiro lugar.
- Que tumulto? O noivo ficou completamente embria¬gado e causou um escarcéu capaz de despertar até os mor¬tos? - Samantha precipitou-se à cervejaria, acendeu uma vela e posicionou-a sobre um barril antes de encará-lo.
- Não. A noiva foi pega em flagrante na cama com o capitão da guarda.
O queixo de Samantha caiu, e os olhos se arregalaram.
- Ivor? E Rosamunde?
- Exato. Ou Rosamunde e Ivor. Tanto faz. Estavam fazendo amor, e nós os pegamos em pleno ato idílico. Sir Cecil, o primo insolente, seus amigos normandos, Dylan, meu pai, meu irmão e eu testemunhamos a traição. Depois disso, o casamento foi cancelado.
- Cancelado? - Samantha repetiu, ainda incapaz de crer no que ele dizia com tanta satisfação.
- Isso mesmo. Como poderia me casar com ela após tamanha humilhação? Que normando esperaria que eu acei¬tasse uma mulher tão desonrada? Nenhum! Confesso que levei algum tempo para perceber a gratidão que senti pela interferência de Dylan e Angharad ...
- Dylan e Angharad?
Rindo, Johnathan tomou-a nos braços e a rodopiou pela cervejaria.
- Acho que há algum problema com sua audição, meu amor, minha vida.
De súbito, ele parou e estreitou o abraço. A expressão tornou-se séria.
- Espero que possa perdoar minha estupidez, Samantha. Coloquei a cega ambição acima de tudo e de todos. Neguei os sentimentos mais puros que nutro por você, e não pude ver que sem você jamais seria feliz.
- Mas Rosamunde ...
- Significava apenas a prova de que eu poderia ser melhor que meu irmão e primo. Só isso. Não é a mulher de meus sonhos. Nunca conseguiria desejá-la tanto quanto a desejo, Samantha. Na verdade, sempre a amei, minha querida.
- Você sempre me amou?
- Sim. Acontece que tentei ocultar o sentimento com paixões passageiras por outras mulheres que representavam o oposto de você. Primeiro, a esposa de Dylan e depois, Rosamunde.
- Fez um ótimo trabalho, devo dizer. Acreditei que as amava.
- Ótimo trabalho. Cheguei a exagerar porque consegui misturar ilusão e realidade. Deus, se você não tivesse me agarrado aquela noite, eu estaria preso a Rosamunde e in¬feliz pelo resto de meus dias.
O rosto de Samantha ainda demonstrava preocupação. Não se renderia com facilidade, estava alerta para evitar maiores sofrimentos.
- Reconheço que nosso encontro amoroso agradou a nós dois. Mas interlúdios passionais não são sentimentos iguais aos de um casamento por amor.
- Eu sei. - o sorriso de Johnathan esmoreceu.
Está me dizendo que não me ama o bastante para se casar comigo?
Ele apertou as mãos de Samantha, e o olhar ficou ainda mais intenso.
- A verdade, Samantha - Johnathan implorou.
- Deve esposar uma mulher de sangue nobre, Johna¬than, que possa ajudá-lo a se sobressair. - Ela desviou o rosto. - Sou apenas uma fabricante de cerveja que o tornará chacota dos normandos.
- Não quero me casar com nenhuma mulher de sangue nobre. Eu preciso de você.
- Uma camponesa.
- Sim, uma camponesa ... linda e honesta, cujo espírito esfuziante me faz ver quão maravilhosa é a vida quando estou a seu lado.
- No entanto, não posso ajudá-lo a atingir suas metas de sucesso. Vou ... vou impedi-lo, aliás.
Johnathan deu um passo para trás, ofendido.
- Duvida de minha habilidade de vencer sem o auxílio de uma esposa nobre e suas relações?
- Sei que pode vencer com ou sem a assistência de uma esposa. Refiro-me ao poder de influência e à facilidade que poderá encontrar para atingir seus objetivos junto da família de uma normanda rica.
Ele sorriu, afetuoso.
- O pior desastre que eu poderia enfrentar seria per¬dê-la, Samantha. Tenho certeza disso agora. Por favor, diga que vai se casar comigo, e juntos veremos até onde podemos chegar.
Samantha o fitou com paixão.
- Está absolutamente convicto, Johnathan? O que seus pais irão dizer?
- Dou-lhe minha palavra de cavaleiro e de DeLanyea que irão nos abençoar com todo amor. Eles a adoram, Sa¬mantha. A bem da verdade, creio que meu pai aprovará o casamento no mesmo instante.
O sorriso glorioso o encheu de alegria.
- Nesse caso, preciso confessar que o amo, Johnathan. Aliás, eu o amo desde que o conheço.
- E soube esconder tão bem ou melhor do que eu - ele comentou, tomando-a nos braços outra vez.
- Melhor. E já que estamos trocando confidências, ad¬mito que fiquei furiosa quando escutei a premunição de Angharad sobre nós porque eu temia que alguém descobrisse meu segredo, apesar dos esforços despendidos para ocultá-lo.
- E conseguiu me convencer de que a possibilidade a repugnava.
- Imaginei que a idéia o tivesse desencorajado.
Johnathan suspirou meneou a cabeça em negativa.
- Eu devia ter percebido mais cedo que a raiva que sentia de você era porque, no fundo, queria que gostasse de mim. E quando esbravejou diante da profecia de Angharad fiquei de¬cepcionado, mas consegui esconder o sofrimento.
- Do jeito que eu o provocava, tinha todas as razões do mundo para me odiar, Johnathan.
- Samantha, tudo isso é passado. Deseja construir um novo começo comigo? - ele indagou, suave. - Quer ser minha esposa?
- Johnathan ...
- Diga sim, Samantha, e depois me beije. Não me torture mais.
- Oh, Johnathan. - Lágrimas de felicidade começaram a surgir quando ele a beijou.
O cobertor escorregou até o chão. Johnathan abandonou os lábios carnudos para explorar as curvas do pescoço.
- Sim, Johnathan - ela murmurou. - Eu me caso com você. Sim ... eu me caso com você!
Então ele voltou a beijar-lhe os lábios, dessa vez mos¬trando a ferocidade do desejo. Samantha rendeu-se ao gesto, permitindo-se usufruir com satisfação.
- Sabia que seu sabor é muito mais gostoso que braggot? - Johnathan sussurrou, deslizando as mãos entre os fios dos cabelos sedosos.
- E você sabia que seu perfume é melhor que o de mel?
- Sabia que é a mulher mais bonita de Gales?
- Sabia que é o homem mais charmoso?
As perguntas cessaram no instante em que os lábios se encontraram novamente.
- Mãe?
Surpresos, ambos se afastaram para divisar Arthur à soleira da porta, esfregando os olhos avermelhados de sono e bocejando.
- O que ele está fazendo aqui?
Margaret Moore
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