O lutador lendário, o amor da vida de Naeva, faz o seu caminho em direção ao palco com rostos assustados em sua frente e armas nas costas. Mas ele não vê nada disso — a única coisa que ele vê é Naeva e o homem ameaçando matá-la. Seus olhos escuros se agitam com retribuição; seus punhos são como martelos de ferro ao lado do corpo, sustentados por braços e ombros musculosos que parecem ter sido esculpidos em pedra; seu rosto, cheio de violência e fúria, de alguma forma parece suave e jovem, com maçãs do rosto bem esculpidas e lábios em forma perfeita. Por um momento, eu lamento por ele — que desperdício será ver tal criatura morta por tal animal.
Sem uma palavra, Leo Moreno chega ao primeiro conjunto de mesas ao lado do palco, e num piscar de olhos, antes que qualquer gatilho atrás dele possa ser puxado, ele dá a volta no guarda mais próximo a ele, enfia um cotovelo afiado em seu rosto e um crack!, pega a arma de suas mãos. Outro flash de um segundo e Jorge Ramirez, sentado à mesa mais próxima de Leo, agora está pressionado contra o peito de Leo, o cano da arma enfiado contra a têmpora de Jorge — tudo aconteceu tão rápido que ainda estou tentando entender.
— Deixe o Naeva partir, ou eu mato este… primeiro — Leo fala em inglês acentuado, e uma onda de sussurros excitados cobre o teatro.
— Leo...
Joaquin empurra o cano de sua arma mais fundo na garganta de Naeva, cortando seus gritos; seu sorriso é ameaçador quando ele olha para Leo no alto do palco.
— Você não vai matá-lo — insulta Joaquin; ele move a cabeça para indicar a multidão. — Você está em desvantagem.
Leo inclina a cabeça para um lado, e o movimento sutil é suficiente para que Joaquin saiba que este homem é mais do que capaz de retirá-lo. Joaquin engole nervosamente, e tenta manter seu ato destemido, que ele tem a vantagem. E embora tecnicamente ele tenha isso — porque Leo está em desvantagem — a linha entre a mão dele e a de Leo é muito fina.
Olho para Cesara, testemunho a fome familiar em seus olhos — passado-tenso, minha bunda; ela ainda se curvaria por Leo Moreno num piscar de olhos.
— Você sabe o que — Joaquin começa com um olhar desconsiderado, — você escolheu o comprador errado para me ameaçar, mate ele, eu não me importo.
Os compradores sentados no meio da multidão se viram e se entreolharam, chocados e provavelmente reconsiderando suas futuras visitas a esse lugar. Sem surpresa, Iosif parece não se incomodar, mas ele está assistindo, no entanto.
Joaquin, percebendo o erro de sua decisão, remedia rapidamente.
— Esse é o único comprador na sala que me deve — diz ele.
— Joaquin — implora Jorge, com a voz embargada, — achei que tínhamos um acordo. Por que você...
Leo fecha Jorge da mesma forma que Joaquin havia silenciado Naeva momentos antes.
— Você tem três segundos — avisa Leo em espanhol.
Visivelmente nervoso, Joaquin aperta Naeva com força em seus braços, indicando sua falta de vontade de deixá-la ir, não importa o que aconteça.
Três segundos voam no que parece ser um, e um tiro soa, ecoando nas paredes altas; o corpo de Jorge cai no chão acarpetado em um espetáculo sangrento de câmera lenta. No mesmo momento, Leo corre para o palco com a arma na mão. Outro tiro soa, e outro — os compradores gritam e se agacham embaixo das mesas — mas antes que qualquer bala possa atingi-lo, Leo salta para o palco, rola dois metros antes de parar em uma posição agachada.
— NÃOO! — Naeva grita enquanto a arma de Joaquin se move na frente de seu rosto, e atira em Leo, atingindo-o no ombro.
Leo desce; sua arma bate contra o palco e desliza para fora de seu alcance.
Os suspiros da multidão puxam todo o ar para fora da sala — até mesmo Iosif subiu em uma posição, incapaz de desviar o olhar da cena.
Nem me lembro quando me levantei; mas aqui estou eu, minhas mãos pressionadas contra a mesa, meu corpo uma massa sólida de músculos e ossos; meus olhos e boca se arregalam, parecendo mais Izabel Seyfried do que Izel Ruiz.
— Agarre-o! — Joaquin ordena os guardas em espanhol, e nove correm para o palco e barril em direção a Leo como uma debandada.
Leo não se importa com nenhum deles; ele puxa uma Naeva tremendo em seus braços, protegendo-a com seu corpo; ele sabe que não está saindo disso vivo, ferido e com nove armas apontadas para ele.
— Eu senti tanto a sua falta — ele diz para Naeva, sua voz sufocada pela emoção; Ele agarra o rosto dela em suas mãos, olha nos olhos dela, e meu coração está se partindo em um milhão de malditos pedaços. — ¡Escúchame5! — ele torce o rosto com ênfase, e depois continua em espanhol: — Não importa o que aconteça aqui esta noite, saiba que estou com você; não vou te deixar de novo, nem mesmo na morte... está me ouvindo? — sacode-a — nem mesmo na morte.
Antes que Naeva possa dizer qualquer coisa, antes que ela possa beijar seus lábios, os guardas estão separando Leo e Naeva.
— Não! Não o machuque! Eu farei qualquer coisa! Por favor, não o machuque!
Apesar do ferimento a bala no ombro, Leo ainda consegue acertar três socos de quebrar ossos em um dos guardas; mais dois para outro; um terceiro guarda se move atrás de Leo, agarra seus braços e os puxa para trás; a parte de trás da cabeça de Leo bate no rosto do guarda, e o guarda tropeça para trás, a mão cobrindo o nariz sangrando.
Mais cinco guardas correm para Leo, mas é apenas a arma na mão de Joaquin, apontada para Naeva que o impede.
— Apenas me mate, seu filho da puta! — Naeva grita. — Dê a Leo de volta sua liberdade e faça o que quiser comigo!
— Oh, agora você quer que ele tenha sua liberdade — insulta Joaquin; ele se move em um meio-círculo cuidadoso para poder encarar a multidão atordoada e de olhos arregalados, a arma apontada para Naeva sentada no chão do palco. — Agora ela quer que Moreno tenha sua liberdade! — Ele repete para o público.
Uma rodada de risadas faz o seu caminho ao redor da sala; Cesara se junta. Olho para ela de pé ao meu lado — quase todo mundo está de pé agora para que eles possam ver sobre as cabeças das pessoas na frente deles — e o prazer em seu rosto me enoja. Cesara pode ter sido como eu uma vez, ela pode ter suportado os mesmos horrores, e saiu mais forte do outro lado por causa deles, mas ela e eu somos duas pessoas muito diferentes, que seguiram direções totalmente diferentes.
Joaquin olha para Naeva.
— Ele desistiu de sua liberdade há muito tempo, Srta. Brun — ele diz severamente, — por você. Você nunca deveria ter voltado aqui. — ele gesticula com a mão para a multidão, em busca do elogio deles. — Moreno não é o homem que costumava ser! Ele não é o lutador que ele costumava ser! E seus serviços não são mais necessários!
A multidão bate palmas; cabeças acenam; vozes se elevam ao meu redor, a maioria concordando com Joaquin, ou, pelo menos, apenas querendo ver o derramamento de sangue.
Joaquin faz um movimento com a cabeça para o guarda em pé mais próximo do Naeva, e o guarda agarra-a pelos braços e levanta-a do chão.
— Não toque nela! — Leo late; sua respiração é trabalhada; o sangue está escorrendo pelo braço e pelo peito; ele está começando a mostrar sinais de angústia de sua ferida.
— Eu vou fazer mais do que tocá-la — Joaquin diz a ele com satisfação. — Vou mostrar aos meus compradores o que acontece com fugitivos — ele se aproxima de Leo — e ladrões.
Não... Ele vai matar os dois, bem ali no palco; ele vai dar um exemplo com Naeva, que fugiu, e Leo, que eles dizem "roubou" ela.
— Eu sinto muito, Leo — Naeva chora.
— Não se desculpe, você nunca se arrependa — ele diz a ela.
Joaquin e o guarda segurando Naeva acenam um para o outro, e o guarda levanta uma arma para a cabeça de Naeva.
Não…
Meus olhos percorrem a sala freneticamente. O que eu estou procurando? Alguém para invadir aqui a qualquer momento e salvá-los? E embora eu saiba que isso não vai acontecer, eu olho de qualquer maneira, esperando desesperadamente que eu esteja errada. E na pequena fração de um momento que parece mais longo do que é, vejo Dante inclinado para a frente, as mãos apoiadas nos joelhos e vomitando no chão. Eu vejo Frances Lockhart... ela está andando, quase correndo, em direção ao palco. Pare, Frances! Não faça isso! Não faça isso, ou você vai morrer com eles! E sinto as mãos de Sabine agarrando minha perna; as pontas dos dedos dela cavando na minha pele.
O guarda inclina a arma e, em câmera lenta, vejo o dedo deslizando em direção ao gatilho; eu vejo os olhos de Naeva se fechando, lágrimas escorrendo pelo rosto dela. Eu vejo o dedo de Joaquin dançando no gatilho da arma apontada para Leo; vejo os olhos de Leo bem abertos, sem medo; ele está tentando consolar Naeva; seus lábios estão se movendo, mas não consigo distinguir as palavras. Eu te amo para sempre, Naeva. Através da vida e na morte, eu te amo. Essas são as palavras que eu imagino que ele está dizendo; essas são as palavras que seu lindo rosto declara.
— PAAAAARE!!!
Minha voz carrega estridente sobre a multidão como o tremor de um chicote, e todos os olhos da sala estão em mim.
— Pare — repito, mais calma, mas com determinação.
— Que porra você está fazendo, Lydia? — Cesara assobia atrás de mim.
Ignorando-a, eu faço o meu caminho em direção ao palco, e a multidão parte para mim. Sabine tenta seguir, mas eu a empurro de volta com a mão.
Os olhos de Naeva me seguem, mas são tudo o que ela se atreve a mover. Olho para ela uma vez, brevemente, tempo suficiente para deixá-la saber que eu me recuso a deixá-los morrer.
O rosto sorridente de Joaquin me segue até a mesa onde está Iosif Veselov. Por um momento, olho diretamente para Iosif; um olhar em seus olhos, e isso vai me dizer o que eu preciso saber. Ele me vê e lá está ele — o tirano ilegível que veio aqui me conhece. Ele sabe exatamente quem eu sou. Mas ele continua quieto — e espero que ele continue assim.
Desviando o olhar do homem que acredito ser Vonnegut, volto minha atenção para a segunda questão mais importante, agora que realizei a primeira.
— Há algo que você precisa, senhorita Delacourt? — Joaquin me pergunta.
— Eu preciso de você para me deixar ter os dois — eu digo, e Joaquin ri, e o mesmo acontece com a multidão, enquanto ele olha para todos eles com uma expressão cômica de descrença.
— E por que na foda real eu faria isso por você? — Joaquin diz.
— Porque eu acredito que ambos valem mais vivos do que mortos.
— Oh, é nisso que você acredita, é? — Ele sorri torto e pressiona a arma contra o lado da cabeça de Leo. — Bem, eu discordo. Moreno é uma moda fora de moda, e ele vale tanto quanto você — ele sorri, satisfeito por voltar para mim publicamente por tê-lo negado — e a garota… bem, ela não vale absolutamente nada, como a maioria mulheres.
Algumas cabeças na multidão — do tipo feminino — olham para Joaquin, ofendidas, mas não é suficiente para sacudi-lo.
— Deixe-me provar o contrário — eu ofereço. — Dê-os para mim e me dê uma semana...
— Foda-se — Joaquin estala, me cortando. — Eu prometi à multidão retribuição, não misericórdia. Não está certo?! — Ele olha para a plateia, e eles batem Palmas, assentem e pedem que ele faça o que prometeu.
— Joaquin, não. — Estou ficando desesperada; eu sinto que sei que não há papel que eu possa interpretar, nenhuma desculpa que eu possa inventar e que salvará suas vidas. — Eu sou... — Eu tomo uma respiração profunda e nervosa. —... estou pedindo para você poupá-los.
Algo clica em seus olhos; ele olha para mim. E então ele ri e procura por Cesara no meio da multidão.
— Isso é o que você treinou? — Ele acusa. — Este é seu "achado especial"? Que piada, Cesara! Bem, adivinhe? Adivinha quem vai pagar por seus problemas?
Cesara vem atrás de mim; ela agarra meu cotovelo.
— Qual diabos é a o seu problema? Você não pode fazer isso aqui, na frente de todas essas pessoas — ela sussurra, suas unhas se enterrando em mim. — Eu vou lidar com ela agora — ela diz Joaquin, e tenta me arrastar para longe.
Arrancando meu braço de seu alcance, atiro-a com um olhar.
— Eu não vou a lugar nenhum — eu digo. — E se eles morrerem, eu nunca vou te perdoar, Cesara.
Ela fica em estado de choque, seus olhos piscando rapidamente, seus lábios entreabertos.
— Então, você se importa para essa menina — diz ela, crescer com raiva e ciúmes, e sentindo-se mais traído pelo segundo. — Você mentiu para mim; todo esse tempo você mentiu para mim... sobre tudo!
— Não — eu minto novamente, — não sobre tudo, Cesara, meus sentimentos por você.
Eu vejo um flash de luz branca cruzar minha visão depois que a mão de Cesara está no meu rosto. Ela me agarra pelo pulso e me puxa para o peito.
— Eu posso salvar você, Lydia — ela sussurra, — mas você tem que parar com isso agora; venha comigo e vamos conversar sobre isso em particular. — Sua disposição para me perdoar é ainda mais um motivo para acreditar que seus sentimentos por mim são reais.
Muitos rostos na multidão estão empurrando-nos de ambos os lados, tentando ouvir o que Cesara está dizendo para mim, mas ela os empurra de volta, e tenta mais uma vez me arrastar com ela para fora do teatro. E mais uma vez, eu solto meu braço e me recuso a me mover, encarando-a. Ela olha de volta. E então ela recua. E ela fica lá, olhando para mim como se não soubesse o que fazer comigo. Mas Cesara é a menor das minhas preocupações — Joaquin já perdeu o interesse em nós.
— Joaquin, eu sou... vou te dar o que você quer de mim, por favor, deixe-os ir. — Eu sei que estou perdendo o fôlego.
— Eu não quero mais nada de você — diz ele.
O demônio dentro de Joaquin sorri para ele, e eu vejo o dedo dele se mover para pressionar o gatilho pesado; o dedo do guarda se move para pressionar o gatilho pesado.
Não… não… NÃOO!
Jogo a única carta que me resta.
— SE ELES MORREREM, FAREI COM QUE JAIVER TE MATE POR ISSO!
O mundo para de se mover em seu eixo; o silêncio atordoado se estende para sempre; o único movimento no teatro agora é o meu, é o de selar meu destino e esculpir minhas traições em pedra.
Eu não olho para Cesara de pé atrás de mim, mas sinto que ela está lá, incapaz de se mover, sem compreender. Mantenho meus olhos em Joaquin, observando enquanto seu dedo se afasta do gatilho; enquanto o dedo do guarda se afasta do gatilho. Os pulmões de Naeva se enchem de ar, aliviados de que, pelo menos por um momento, ela e Leo vão viver. Leo não muda; ele permanece sólido, vigilante ao alcance de Joaquin, esperando que, a qualquer momento, possa agarrar Naeva e nunca olhar para mim.
Mas todo mundo está olhando para mim; até eu estou olhando para mim mesma do lado de fora, atordoada, me perguntando por que fiz isso.
— O que você disse? — Joaquin pede (exigi) quebrando o silêncio.
Eu me movo em direção aos degraus que levam ao palco, e os levo devagar.
— Você ouviu o que eu disse — digo-lhe no segundo passo. — Deixe-os ir agora e deixe-me ir ou eu faço o resto da vida que você tem, um inferno vivo.
— E como você planeja fazer isso? — Joaquin está se afastando do óbvio, porque ele e eu, até onde eu sei, são as únicas pessoas nesta sala que conhecem a verdade.
— Se você matá-los — eu começo, no quarto passo, — não há nada que me impeça de te matar, a menos que você me mate. E se você me matar — digo, no quinto passo — ou me prejudicar de alguma forma, seu irmão terá a sua cabeça.
Ele está começando a perder o foco; ele engole e, nervosamente, lambe a secura de seus lábios; ele enrola o queixo; suas narinas se abrem.
— M-meu irmão? Eu não acho que você entenda...
— Javier Ruiz está vivo e bem — eu digo, não apenas para Joaquin, mas para todos os outros no teatro. — E eu sei disso porque sou eu quem não o matou naquele dia. Eu sou o que ele foi atrás dele, porque eu sou o que ele amava.
Cesara engasga atrás de mim no chão do teatro; uma enxurrada de vozes atravessa a sala.
— Quem é você? — Pergunta Joaquin, provavelmente já sabendo por dentro quem eu sou.
Dou o passo final e fico diante dele no palco; então respiro fundo, limpo minha garganta e sussurro desculpas a Victor em meu coração.
— Sou a única pessoa nessa sala tão famosa quanto Leo Moreno. Meu nome é Sarai. Eu já fui chamado de La Princesa. E exijo que você os deixe ir e diga a Javier que estou aqui.
— Do que diabos ela está falando, Joaquin? — Cesara estala; seus olhos se movem entre ele e eu.
— Ela é quem ela diz que é?! — grita alguém da multidão.
— Ela é uma mentirosa!
— Javier Ruiz está morto! — Grita um homem.
— La Princesa? A mulher que levou Ruiz para baixo? Eu não posso acreditar!
Eu tenho a atenção de todos, mas o que mais me interessa é Iosif Veselov; até ele parece levemente chocado. E para meu próprio choque, Iosif se afasta de sua mesa; sua forma russa alta e iminente se aproximava do palco. Não… não faça isso agora; não torne isso impossível para mim.
— Eu vou pagar dez milhões de dólares por causa da praga.
Até eu suspiro.
— Minhas desculpas, Sr. Veselov — Joaquin começa... se força a dizer — mas... a verdade é — ele faz uma pausa, lambendo a secura de seus lábios novamente; gotas minúsculas de suor se formaram em sua testa — a verdade é que se essa mulher é quem ela diz ser, então meu irmão a quer viva. — Foi preciso dizer tudo para ele.
A boca de Cesara praticamente bate no chão em sua confissão; sua cabeça pula de Joaquim para mim; seus olhos se encheram de uma onda de descrença. E traição. E desgosto. E... vingança? Por um momento, ela não consegue falar; ela apenas fica lá, esperando, tentando colocar a roda dentro de sua cabeça se movendo novamente.
Os ombros largos de Iosif se erguem e caem; eu meio que espero que ele argumente, até mesmo ameace Joaquin — afinal, seja ele Vonnegut ou apenas Iosif, ele tecnicamente ainda é o homem mais poderoso desta sala, mais ainda do que Joaquin Ruiz, planejador de eventos e morando debaixo da sombra do irmão.
— Eu-eu-eu preciso me desculpar — diz Dante da sua mesa; ele se apressa em direção à saída mais próxima com um lenço sobre a boca e o outro braço cruzando a barriga.
Eu sinto os olhos de Frances Lockhart em mim; olho para ela por tempo suficiente para ver como ela está confusa. Mas ela não está mais chorando, e se eu salvasse apenas sua vida hoje à noite, pelo menos eu posso me sentir bem com isso.
O público quer respostas, e eles continuam gritando com Joaquin:
— Onde está Javier Ruiz?!
— O que será do El Segador?!
— Eu vou pagar um milhão por El Segador!
— Um ponto cinco milhões para El Segador!
— Onde diabos está Javier Ruiz?!
— DOIS MILHÕES PARA EL SEGADOR.
Dois compradores — uma mulher e um homem — começam a gritar, chamando a atenção da multidão.
— Para que você precisa dele? — O homem pergunta à mulher com um sorriso de escárnio. — Um escravo sexual? — ele ri — Ele te mataria antes que ele ficasse com você.
A mulher rosna.
— E você? Você acha que alguém como ele será forçado a lutar de novo?
— Três milhões de dólares para El Segador e Naeva Brun! — Grita outro homem. Ele se vira para a multidão, sorrindo presunçosamente. — Ela é o modo de controlar El Segador!
Em meio a todos os gritos, olho e vejo Iosif saindo do teatro; sua forma corpulenta empurra através da multidão, seus guarda-costas em todos os lados dele. E aonde você está indo, Vonnegut? Não posso perdê-lo, mas não tenho escolha. Pelo menos eu tenho uma pista. Um nome. Um rosto.
A voz de Joaquin perfurando o microfone afoga todos os outros:
— Nenhum deles será vendido! — Ele anuncia. — Agora, devido a… circunstâncias inesperadas, o leilão está terminando mais cedo hoje à noite! Agradeço a todos por terem vindo, e espero vê-los novamente em seis meses! Boa noite! — Ele repete tudo em espanhol.
Alguns compradores resmungam seus protestos, mas a maioria deixa suas mesas com sussurros e olhares, todos se arrastando em direção às saídas com uma infinidade de notícias excitantes que certamente se espalharão por todo o México em menos de vinte e quatro horas. Javier Ruiz está vivo! Leo Moreno está vivo! Naeva Brun estava lá! La Princesa voltou! Ah, essas manchetes!
Em uma exibição sinistra, enquanto a multidão se afunda, o corpo de Jorge Ramierz é deixado no chão do teatro em uma poça de sangue, e ninguém olha para ele, muito menos se mexem para movê-lo.
Quando o teatro está quase vazio, Joaquim ordena que os guardas prendam primeiro Naeva — ele ainda segura Leo Moreno com a arma na cabeça.
— Se você tentar alguma coisa — avisa Joaquin, — meus homens matarão sua mulher. Você entendeu, você entendeu? — Saliva vomita da boca de Joaquin no rosto enfurecido de Leo.
— Si. Entiendo — responde Leo, calma e friamente, com a própria morte em seus olhos.
Naeva e Leo são arrastados para longe; Leo na frente, e armas sempre apontavam principalmente para ela, no caso de Leo tentar alguma coisa. Naeva olha para mim uma vez antes de ser empurrada pela saída.
— Obrigado, Sarai — ela gesticula com a boca, e uma lágrima desliza por sua bochecha.
Por fração de segundo que eu estava distraído por ela, vejo um flash do rosto enfurecido de Cesara vindo em minha direção. Sem armas, e pega de surpresa, ela me joga no chão; a parte de trás da minha cabeça bate contra a madeira; manchas de primavera antes da minha visão.
— VOCÊ! — Uma mão sopra violentamente no topo do meu cabelo; o outro segura uma arma debaixo do meu queixo, forçando minha cabeça dolorosamente contra o chão. Espreguiçando minha cintura, os olhos de Cesara rodam com fúria enquanto ela se agarra a mim. — Era você! ERA VOCÊ! — Ela ruge.
— Saia dela! — A voz de Joaquin corta o ar.
Ele a agarra por trás para puxá-la; Arrasto-a pelos cabelos até o chão, onde seu sapato tamanho 14 faz contato com as costelas. Cesara deixa cair a arma e recua contra a dor.
E então ele vem para mim.
Eu não luto. Eu não grito. Eu me movo de bom grado com o fluxo das águas furiosas que me levam rio abaixo até o lugar que eu sempre temi, mas sabia que teria que enfrentar um dia.
— E-E-E-u não posso mais fazer isso, chefe... — Dante para, limpando a garganta novamente; ouço o farfalhar de um guardanapo ou pano esfregando contra o telefone. — Apenas me deixe recuperar o fôlego.
Estou tentando ser paciente e deixá-lo se recompor, mas a antecipação de qualquer coisa que ele possa me dizer — e o vômito e a respiração — está rapidamente tentando essa paciência.
— Acalme-se, Dante — eu digo. — Não tenha pressa.
Depressa, já!
Ele limpa a garganta mais uma vez.
E então ele me conta tudo o que aconteceu.
Atordoado em silêncio, por um momento não consigo ver nada além da faixa na janela ao lado da minha mesa no restaurante.
— Você tem certeza absoluta de que ela disse Javier Ruiz?
— Sim, chefe, cem por cento.
O silêncio ainda me tem; respiro e saio profundamente.
— Onde você está agora? — Recolho minhas coisas da mesa e guardo-as na minha pasta.
— Eu ainda estou na mansão.
— Ouça-me, Dante — eu começo, — você precisa sair de daí agora mesmo. Você acha que seu episódio de vômito comprometeu você?
— N-Não, eu não penso assim — diz ele. — Ninguém estava prestando atenção em mim naquele momento, ninguém estava prestando atenção em ninguém, exceto a garota e a pessoa que eles chamavam de Leo alguma-coisa. E sua garota, Izabel. Uma bomba poderia ter saído naquele lugar e ninguém teria notado. Ela está com problemas, chefe; ela está em uma merda séria.
— Ok — eu digo, e deixo o restaurante com pressa, — deixe a mansão e pegue o primeiro vôo de volta aqui.
— O que você vai fazer?
— Não se preocupe com isso — digo a ele. — Apenas deixe esse lugar antes de se matar.
Nós desligamos e deixo meu celular no bolso do casaco, indo direto para o aeroporto, meus pneus rangendo no asfalto.
— Jackie — digo bruscamente no telefone, ela é uma bagunça chorona. — Dê o fora daquele hotel, vá para o aeroporto e volte para cá. Não perca mais um minuto.
— Mas e as garotas, Nik? Nenhuma delas tem identidade; como vou colocá-las no avião? — Sua voz estremece; ela tenta sufocar as lágrimas, mas isso só a faz chorar mais.
— Deixe-as lá — eu digo. — No aeroporto. Em um estacionamento em algum lugar. Em um restaurante, não importa; você fez a parte difícil e tirou-as de lá; deixe-as em algum lugar e eles encontrarão o caminho de casa. Agora pare de chorar e vá para o maldito aeroporto.
— Mas...
— Agora, Jackie, por favor.
— Está bem.
Olho através do quarto para o Sr. Lockhart sentado presunçosamente no sofá.
— Parece que as coisas não correram como planejado — diz ele com um sorriso.
Acendo um cigarro em sua casa esterilizada e não-fumante.
— Parece que eu não precisei de você, afinal — digo a ele, ignorando o jab. — Eu tenho um atirador do lado de fora — aponto para a janela — se você sair daquele ponto pelas próximas seis horas, qualquer um de vocês, ele vai matar vocês dois. Nós temos um entendimento?
A verdadeira Frances Lockhart está sentada ao lado do pai no sofá, o ombro trêmulo tocando o dele, as mãos apertadas entre os joelhos; lágrimas rasgam seu rosto, riscando rímel preto.
— Sim, nós entendemos — diz Lockhart com os dentes cerrados; ele puxa a filha para mais perto.
Confisco seus telefones e todo tipo de comunicação dentro da casa quando cheguei há três dias. Eu os mantive aqui, apenas no caso de Jackie não ser convincente o suficiente e os vendedores poderiam ter ligado para o Sr. Lockhart para verificar se Jackie, como Frances, era sua filha. Eu tinha planejado ficar até que Jackie embarcasse em seu avião em segurança, mas com a inesperada notícia de Javier Ruiz — Javier Fodido Ruiz! — e Izabel estando com o pescoço na merda, não posso ficar para trás e esperar por Jackie. Eu tenho que ir para o México — agora. O atirador que espera do lado de fora não existe, mas estou confiante de que o Lockhart não vai se mexer. Eu espero. Pelo menos até que Jackie esteja a quarenta mil pés no ar, onde a família Ruiz não pode chegar até ela se seu disfarce estiver queimado.
— Eu não sei quem diabos você é — o Sr. Lockhart grita enquanto eu saio pela porta da frente, — mas se você nunca...
Eu não ouço o resto, a porta batendo para calá-lo, e tudo mais. Eu provavelmente voltarei depois que tudo acabar e matá-lo em princípio.
Corro três quadras pela rua abaixo, atravesso quatro quintais, antes de chegar ao meu carro estacionado no campo de softball.
— Tudo bem, Izzy — eu digo em voz alta, fechando a porta com força e empurrando a chave na ignição, — você provavelmente vai me odiar depois disso, mas... com quem eu estou brincando, porra? Você já faz isso! — Eu rio de mim mesmo, ponho o carro em marcha e corro para longe, indo para o aeroporto.
— Cesara, saia daqui... agora! — A voz de Joaquin percorre o espaço. — Eu não me importo com o que ela fez com você; ela quebrou a porra do seu coração, então o que? Sua culpa por chegar perto demais. Você sabe como isso funciona!
— Ela é uma traidora, Joaquin! E você — ela aponta um dedo para ele; o rosto dela se contorceu de raiva — você já sabia todo esse tempo? Me diga que não é verdade. Diga-me que ela é uma maldita mentirosa!
— É verdade — diz Joaquin. — Mas agora, graças a ela — ele olha para mim sentada em uma cadeira com as mãos amarradas nas costas, — todo mundo sabe. — Ele caminha até ela, gesticula a mão para o quarto. — Você ouve isso, Cesara? Escute isto.
Cesara coloca sua orelha no quarto e depois de um momento ela parece confusa.
— Eu não ouço nada — diz ela.
Joaquin balança a cabeça.
— É a calma antes da tempestade — diz ele e inspira profundamente, afastando-se dela. -Tudo vai mudar agora, ele provavelmente vai matar todos nós para o espetáculo hoje à noite. Nós provavelmente perdemos vários grandes compradores sobre isso.
— Nós? — As sobrancelhas de Cesara se amassam. — Essa coisa toda foi ideia sua! Você foi quem quis trazer a garota para o palco; foi você quem pensou que todo esse truque de telenovela com El Segador era uma boa ideia — não tive nada a ver com isso!
O braço de Joaquin dispara como uma flecha, a mão dele desmoronando ao redor de sua garganta.
— Você sabia sobre isso — ele ameaça, empurrando as palavras entre os dentes. — Você estava gostando — aperta, e as mãos de Cesara se apertam inutilmente em torno de seu pulso. — Mas o pior de tudo — continua ele, — pior do que qualquer coisa que eu fiz, você foi a única que se apaixonou por ela, Cesara. Você foi treinada por anos não apenas para ser dura, impiedosa, implacável com essas garotas, mas deveria ser capaz de dizer quando algo sobre qualquer uma delas não estava certo. Você, vendo-a todos os dias, dormindo na mesma cama com ela, colocando a cabeça entre as coxas bonitas, deveria ter visto, mas você estava muito cega... você deveria saber! — Ele solta sua garganta, empurrando ela para trás.
Cesara tosse violentamente, uma mão sondando onde ele quase esmagara sua traqueia; o rosto dela está vermelho; seus olhos avermelhados e lacrimejantes.
Ela olha para mim, tão forte, tão fria, e se Joaquin me deixasse sozinha com ela, nem por um segundo, sei que ela me mataria.
A risada de Joaquin se espalha no ar.
— Ninguém poderia te amar, Cesara — diz ele, um sorriso zombeteiro em sua voz.
Cesara olha para ele, seu olho esquerdo se contorcendo, e então ela vira rapidamente e sai da sala.
Joaquin começa a andar de um lado para o outro, mas para quando a forma alta e zangada de Cesara volta a entrar na sala. Eu suspiro, e meu coração afunda no chão quando vejo Sabine esmagada contra o peito de Cesara, uma arma na cabeça.
— Não faça isso — eu a aviso. — Não faça isso porra.
— O que você vai fazer, Sarai — a ênfase no meu nome real atado com vingança — diga ao Javier e me mate?
Os olhos de Sabine se enchem de lágrimas quando ela olha para mim; seu corpo está tremendo.
— Não faça isso!
— Diga a ele! — Cesara desafia, e então puxa o gatilho; o estridente disparo na sala fechada ensurdecendo-me momentaneamente; i sangue espirra em seu rosto.
O corpo de Sabine bate no chão, e então Cesara sai furiosa, desta vez para sempre.
Com tristeza no meu coração, eu abaio minha cabeça. Esperança é besteira, Sabine. Sempre foi. Sempre será.
Depois de um momento:
— Como é, Joaquin, vivendo na sombra de seu irmão, mesmo quando a maioria das pessoas achava que ele estava morto? — (ele rosna) — Eu conheço você há muito tempo; na verdade, eu ia matá-lo com o resto da sua família quando voltei ao México pela primeira vez. Sorte sua que você não estava em lugar nenhum. Apenas como Javier. Tinha que saber que voltaria, mais cedo ou mais tarde.
— Sim, bem, não parece que funcionou bem para você — ele apunhala de volta para mim.
Ele anda pelo lugar.
— Por que você não o matou? — Pergunta ele. — Ele fugiu naquela noite? A história que ouvi é verdadeira? Javier nunca me diria a verdade.
— Eu não vou dizer a você também. — Eu sorrio.
— Mas eu quero saber! — Ele atravessa a sala para mim; o calor de sua respiração eu posso sentir no meu rosto. — Você deixou meu irmão viver ou ele fugiu? Diga— me! — Ele me sacode, suas mãos segurando meus ombros.
Eu sorrio, não intimidada.
— Por que você não o matou se o odeia tanto? — Pergunto. — Você teve a oportunidade perfeita, todo mundo acha que ele já está morto. Por que você não acabou de matá-lo? — Olho ao redor da sala. — Todo o Império Ruiz teria ido diretamente para você, sendo seu único irmão vivo. Você poderia ter possuído tudo, em vez de apenas fingir que fez.
— Eu nunca mataria meu irmão — ele mente. — Eu posso estar com inveja dele, mas eu nunca o trairia.
Eu sorrio, sabendo, provocando-o porque ambos sabemos a verdade: Joaquin é simplesmente um covarde — é por isso que ele nunca tentou matar o próprio Javier.
— Isso não é mesmo sobre mim — ele estala, cortando a mão no ar na frente dele. — Isso é tudo sobre você, La Princesa — a amargura em sua voz é espessa — e eu tenho você; e você é uma cadela idiota e vaidosa, se você acha que meu irmão não vai te destruir quando ele te ver. — Ele se agacha na minha frente. Ele está sorrindo agora; de repente, ele vê essa situação de forma diferente: Javier vai recompensá-lo! Ele vai elogiá-lo por ser aquele que me capturou depois de todo esse tempo! Joaquin não será punido ou executado; ele se tornará algo mais para seu irmão mais velho — Javier verá Joaquin como seu igual! Esses são os cenários que vejo correndo em sua mente agora, enquanto ele olha para mim. Eu só espero que ele não esteja certo sobre nenhum deles.
— Então, onde ele está? — Eu pergunto, querendo continuar com isso.
— Por que você veio aqui? — Seus olhos escuros olham para mim. — Para matá-lo? Para me matar? Você vai morrer hoje mesmo assim; pode muito bem tirá-lo do seu peito.
— Eu vou te dizer para a conversa — eu digo. — Eu só vim aqui para encontrar um homem. Um homem poderoso. Um homem pior do que você ou Javier jamais poderiam imaginar ser.
Joaquin parece ligeiramente interessado; ele cruza os braços.
— E você o encontrou? Valeu a pena, visto que você está onde está agora?
— Eu acredito que eu o encontrei — eu digo. — Onde está o Naeva e o Leo?
Joaquin sorri.
— Achei que você queria a conversa? Esquivar-se dos detalhes não te leva longe.
— O que mais você quer saber?
— Qual é o nome desse homem? Aquele que você está procurando?
— Eu não posso te dizer isso. Talvez se você fosse o dono legítimo do Império Ruiz, eu poderia te satisfazer um pouco mais. Mas você não é. E enquanto Javier estiver vivo, você nunca será.
Seu rosto cai sob uma mortalha de ressentimento; Suas mãos se fecham em punhos ao seu lado e ele se dirige para a saída.
— Eu posso ajudá-la— eu digo, e Joaquin pára na porta, de costas para mim. — O fato de que ainda estou viva agora; o fato de você não ter me matado naquele palco quando teve a chance; o fato de que Naeva e Leo ainda estão vivos simplesmente porque eu te ameacei com eles, é tudo prova que você sabe, mesmo depois de todo esse tempo, eu ainda tenho alguma influência sobre seu irmão. Agora eu sei que Javier não é um homem emocional; ele não é de falar sobre sentimentos, ou de se abrir para os outros, mas posso dizer que a simples menção do meu nome na presença de Javier revela os segredos dentro de seu coração negro. Eu posso te ajudar, Joaquin, mas você tem que me ajudar.
Depois de um momento, Joaquin se vira para me encarar novamente.
Ele sorri de boca fechada e balança a cabeça, expelindo um breve jato de ar pelas narinas.
— A razão pela qual eu deveria controlar o império da minha família — ele diz, — é porque sou imune às mentiras, truques e manipulação das mulheres, ao contrário do meu irmão.
Ele sai da sala, fechando a porta atrás dele.
Metade de mim pensou que havia uma chance de Joaquin ajudar — ele é ganancioso o suficiente para trair seu irmão, não há dúvida — mas a outra metade de mim sabe que Joaquin é mais covarde do que ganancioso, e não havia uma chance no inferno que ele até sugeriria ajudar.
Agora eu sento aqui, amarrada a esta cadeira em uma sala silenciosa onde meus pensamentos e preocupações são tão altos dentro da minha cabeça que eu não consigo ouvir a voz que eu normalmente uso para me confortar. Cesara entrará na sala e me matará agora que estou sozinha? O que está acontecendo com Naeva? Com Leo? Posso sair dessa viva? Foi um erro vir aqui? O que Javier fará comigo quando me vir de novo? Javier… Javier… Javier. Ele é e sempre foi o demônio nas minhas costas, o fantasma à espreita em todas as sombras da minha vida, o fio segurando todas as minhas mentiras juntas. Eu me lembro daquela noite tão vividamente — eu nunca fui capaz de esquecer, não importa o quanto eu tenha tentado. A verdade está sempre lá para te assombrar. Exige ser ouvida. A verdade… a verdade… a verdade…
Texas — Quando tudo começou...
Tremendo, eu abri a porta do armário e atravessei o quarto de Samantha, pelo corredor até a sala de estar onde Javier estava esperando por mim, com a arma na mão.
— Ah, e lá está ela! — Javier levantou as duas mãos ao lado dele; ele parecia genuinamente animado em me ver. Eu pensei que ele estaria louco.
— Eu senti sua falta, Sarai. — Ele inclinou a cabeça para um lado. — Se você estivesse infeliz, por que você simplesmente não disse isso? Eu teria feito qualquer coisa que você quisesse, você sabe disso.
Eu não me importava com o que ele tinha a dizer, tudo o que importava era ter certeza de que Samantha estava bem. Tentando manter meus olhos em Javier, examinei a sala em busca dela. Finalmente, eu vi seus pés descalços saindo de trás da poltrona reclinável.
— Samantha, você está bem?
Ela não respondeu, então eu sabia que ela estava muito machucada.
Olhei de volta para Javier.
— Deixe-me ir apenas, por favor, ela não tem parte nisso.
Ele sorriu para mim, pensativo mas divertido.
Ele estava vestindo preto de cima para baixo: camisa preta de mangas compridas, cinto preto, calça preta, sapatos pretos, coração negro. Ele levantou a arma para mim e fez sinal para eu ir até ele.
— Deixe-me ver você — disse ele.
Eu andei para mais perto, meus pés descalços se movendo sobre revistas espalhadas pelo chão. O relógio de pêndulo no canto estava ameaçadoramente atrás de mim.
— Javier, ela vai morrer se não chamarmos uma ambulância — pedi enquanto me aproximava. — Deixe-me ligar para nove-um-um6. Então podemos sair.
Eu vi os joelhos de Samantha então, mas o resto dela estava obscurecido pela cadeira e a escuridão.
Javier estendeu a mão.
— Você transou com ele? — Ele perguntou e me puxou para perto. — Ou você ainda é minha? — Ele se inclinou e inalou meu cheiro como um animal; enrolou uma mecha solta de cabelo que havia caído do meu rabo de cavalo, em torno de seus dedos.
— Não — eu disse, ofegante. — Eu sempre serei sua.
— Você não sabe o que você fez comigo — disse ele, e senti sua respiração no meu pescoço. — Você não deveria ter me deixado.
Eu estendi a mão e curvei meus dedos ao redor de sua nuca. Eu me inclinei para ele, o lado do meu rosto navegando pelos botões abertos de sua camisa até que senti seu peito na minha bochecha. — Eu sei, e me desculpe. — Eu beijei sua pele quente. — Eu sinto muito por deixar você — acrescentei em espanhol.
Eu estremeci, tanto de prazer como de desgosto, quando ele deslizou a mão pela frente da minha calça e colocou dois dedos dentro de mim. Não importava que ele fosse louco ou que ele fosse um assassino ou que ele pudesse me matar a qualquer segundo; o toque ainda me fez ficar molhar. Foi o meu corpo me traindo, a natureza humana me traindo, não minha mente ou meu coração. Eu havia me conformado anos atrás para reagir a ele dessa maneira; um instinto de sobrevivência distorcido que eles não ensinam em aulas de autodefesa. Javier tinha que acreditar que ele estava me excitando ou ele saberia tudo o mais sobre mim também era uma mentira.
Ele puxou os dedos e levou-os aos lábios, inalou profundamente, os olhos fechados como se quisesse saboreá-lo. Então ele os colocou em sua boca e mamou.
Recuei enquanto ele estava distraído, para colocar a maior distância possível entre nós, embora pequena.
— Não tenho certeza se quero mais você — disse ele.
Meu coração parou. Se ele não me quisesse, então eu sabia que ele me mataria, especialmente depois de tudo que eu fiz, todos os problemas que eu causei.
— Javier — eu disse, tentando esconder o nervosismo na minha voz, — vamos embora. Estou pronta para voltar.
Eu dei outro passo para trás e para a direita, pressionando minhas mãos contra a parede atrás de mim. E então eu a vi, Samantha. Ela não estava se movendo. Ela sentou-se caída de costas contra a parede; suas pernas ensangüentadas estavam espalhadas no chão; seus braços jaziam frouxamente ao lado dela, seus dedos se desenrolavam. Os olhos dela; eles estavam abertos, mortos.
A bile se agitou no meu estômago, minhas mãos endureceram ao meu lado. Eu balancei tudo de raiva e ódio e culpa e, porra, medo.
— Você a matou — eu disse, meus lábios tremendo.
— Eu fiz — ele admitiu. — No quinto tiro.
— Mas você disse... — Eu olhei para ele e para o corpo de Samantha; meu coração parecia estar se fechando. — Você disse que se eu não fiz...
Javier levantou a arma para mim; naquela última bala eu soube então porque ele não usou isso nela.
Eu fiquei congelada, uma mão na parede atrás de mim, a outra de alguma forma fez o seu caminho para o meu estômago, como se pudesse manter o vômito baixo por estar lá. Eu tropecei em mais detritos e, em seguida, pressionei minhas costas contra a parede para deixá-lo me segurar. Havia uma prateleira ao meu lado; minha mão apalpou seu conteúdo na escuridão.
Eu olhei através do pequeno espaço que separava Javier e eu; encareu seus olhos escuros e sem fundo, não o cano de sua arma apontando para mim, mas seus olhos. Eu ouvi um clique, apenas um clique, e nós olhamos inexpressivamente para o rosto um do outro, confusos com o que aconteceu. Então um tiro soou e caí contra a parede; meu corpo deslizou até que eu estava sentada no chão, assim como Samantha. Mole e gasta, assim como Samantha. A sala girou em minha visão como uma névoa espessa de cinza.
E eu fechei meus olhos e deixei a escuridão me levar, o tipo de escuridão que sufoca com culpa, arrependimento e quebra.
Javier se agachou na minha frente; senti seus dedos tocando meu cabelo novamente; eu senti o calor de sua mão engolindo minha bochecha; a ternura disso, o... perdão.
A arma que eu encontrei na prateleira, eu sabia que estava lá o tempo todo. No primeiro clique, era a verdadeira Sarai, a bala destinada a Javier, e com todo o meu coração quando puxei o gatilho pela primeira vez, eu o queria morto. Mas o destino o poupou e o tiro falhou. E ele apenas olhou para mim, chocado e... mal que eu tinha feito, que eu nunca poderia fazer isso. E nesses poucos segundos de confusão entre a primeira e a segunda tentativa, pensei em nosso filho; Pensei em como, se eu matasse Javier, nunca mais veria meu filho novamente.
A segunda tentativa e a bala de sucesso atingiram o chão — intencionalmente.
— Por quê? — Ele perguntou depois de um momento. — Diga-me a verdade, Sarai."
— Porque... — eu parei, procurando as palavras. — … Porque eu ainda te amo.
Era mentira; a maior mentira que eu já contei. Não, não que eu ainda o amava — uma parte de mim o amava; a parte que ainda não havia sarado; a parte ainda sofreu uma lavagem cerebral do meu captor — mas eu afirmei que o havia matado. Mas, na verdade, eu não poupei sua vida por amor a ele; eu só sabia que eram as únicas palavras em que ele acreditaria, a única maneira de ele confiar em mim novamente; a única maneira que ele não usaria aquela última bala em mim. Não matar Javier quando tive a chance era a prova — pelo menos de Javier — de que eu ainda o amava e que faria qualquer coisa por ele. Até mesmo trair Victor.
— Apenas me leve para casa — eu disse, derrotada.
Javier sentou em sua bunda na minha frente, e ele levantou meu queixo com os dedos, e ele olhou nos meus olhos como sempre fazia antes de nos apresentarmos diante daquelas pessoas poderosas naquelas mansões ricas. E foi quando eu soube que Javier não ia me levar a lugar nenhum — ele queria que eu fizesse algo por ele.
— O homem que te levou — começou em espanhol, — vale muito dinheiro.
— Você quer que eu o atraia — interrompo, já odiando tudo sobre esse... arranjo.
Javier sacudiu a cabeça.
— Não — ele disse, — quero que você continue como esteve com ele; entrar na cabeça dele, você sabe — ele alisou a parte de trás de seus dedos na minha bochecha sugestivamente — do jeito que você faz, do jeito que você fez comigo. Seu empregador quer que ele viva, mas ele também quer saber quem mais o está ajudando. Você encontra essas coisas para mim, Sarai; você me ajuda a ser o único a trazer ele e seus seguidores, e eu vou te dar as duas coisas que você quer mais do que qualquer coisa neste mundo.
— O que eu quero, Javier? — Eu senti as lágrimas empurrando para a superfície enquanto eu pensava sobre essas duas coisas, mas eu segurei as lágrimas, tentando ser forte.
— Sua liberdade — ele disse, — e seu filho.
Eu não podia mais segurá-las, e eles surgiram dos meus olhos — porque eu acreditava que ele estava dizendo a verdade. Foi a minha chance, depois de todos aqueles anos que passei como sua prisioneira, de receber de volta a minha vida, deixada sozinha para viver livremente no mundo com meu filho que havia sido roubado de mim no nascimento. Uma vida normal. Uma vida chata e sem acontecimentos que eu tanto queria, eu teria matado por isso.
Eu não tive que pensar sobre isso, nem por um segundo — eu ia trair Victor. Pela minha vida, minha liberdade e pelo meu filho.
— Eu vou fazer isso — eu disse a ele.
Javier me beijou carinhosamente. Ele acreditou em mim. Ele acreditou em mim porque eu também estava dizendo a verdade naquele momento.
— Você sempre foi a minha favorita — disse Javier, procurando meus olhos. — Mi princesa, mi amor, mi todo, Sarai. — A ponta do polegar tocou meu lábio inferior.
Ele me beijou novamente, e desta vez eu caí dentro dele, a sensação de sua língua quente na minha boca, as memórias que compartilhamos, o relacionamento estranho e não-convencional e proibido que tivemos.
O beijo se rompeu, e ele olhou nos meus olhos, e eu vi uma espécie de tristeza na dele, porque até o coração mais negro pode amar.
Um tiro abafado de fora soou então, encerrando nosso momento.
— É Victor — eu sussurrei na escuridão. — Eu sei que é Victor.
— Diga a ele que você me matou — sussurrou Javier de volta. — Se ele está tão comprometido por você como a Ordem afirma, ele vai acreditar em qualquer coisa que você diga.
Eu balancei a cabeça nervosamente, e outro tiro abafado e movimento fora da casa fez meu coração disparar.
Javier jazia no chão cercado por escombros e fingia estar morto.
Eu não achei que funcionaria; meu coração batendo furiosamente no lado do meu pescoço me disse que Victor não poderia ser enganado por algo tão simples.
Mas eu estava errado…
Victor entrou correndo no quarto; tirou as luvas pretas e as enfiou no bolso da jaqueta.
— Sarai?
Eu não olhei para ele, porque estava com medo que ele visse a mentira na minha cara. Ele se agachou na minha frente; meus joelhos foram puxados contra o meu peito.
— Ele está morto — eu disse; levantei meus olhos. — Eu matei ele, Victor.
Ele estendeu a mão e me levantou em seus braços.
— Vou tirá-la daqui — ele me disse.
Segurando-me perto de seu peito, ele me levou para fora da casa, nunca parando para checar os pulsos de Javier ou mesmo de Samantha. Ele havia se apaixonado por isso. Victor Faust estava realmente comprometido. Comigo.
Fazendo meu caminho entre edifícios na escuridão, arma na mão, meus sapatos se movimentam em silêncio sobre o concreto, eu sigo a sombra em frente. O som da água correndo está se aproximando enquanto eu me aproximo da ponte.
Paro na esquina de um prédio de tijolos, escondido pelas sombras, quando Apollo diminui o passo. Ele desliza as mãos nos bolsos e depois desliza para dentro da escuridão da ponte acima.
Espero trinta segundos e continuo a seguir, mantendo-me nas sombras e fora de vista. Até eu perdê-lo.
Como eu poderia tê-lo perdido tão rapidamente? E então me atinge — ele deve saber.
Pressionando minhas costas contra a parede de pedra, fico perfeitamente imóvel e silencioso. E eu espero. Eu tenho seguido Apollo por três horas desde que eu enchi sua cabeça cheia de mentiras e então deixei ele ir, então ele me levaria direto para Artemis.
Mas algo mudou nessas três horas, e acho que ele sabe que eu o segui. Talvez tenha sido quando ele parou no café de vinte e quatro horas e passou quinze minutos dentro. No telefone. Com Artemis, tenho certeza. Eu o observei do outro lado da rua; ele havia pegado emprestado o celular de um funcionário. No momento em que ele saiu do café, Apollo pareceu um pouco mais alerta para o ambiente, olhando casualmente por cima do ombro de vez em quando.
Apolo emerge de uma alcova dentro da parede de pedra à frente, e eu prendo a respiração e meu corpo endurece, esperando que ele não me veja. Suas mãos se movem ao redor de sua barriga — ah, eu vejo: ele estava apenas se aliviando. Talvez eu tenha sido apenas paranoico.
Eu continuo a segui-lo, depois da ponte e em direção ao parque perto do rio; mantenho uma distância segura para que ele não possa ouvir meus passos atrás dele. Mas onde ele está indo? Se eu tiver sorte, é para encontrar Artemis em algum lugar; eu posso estar errado sobre ele saber que ele está sendo seguido, mas não posso estar errado sobre Artemis ser a pessoa que ele chamou na cafeteria. Tenho certeza absoluta de que era ela.
Apollo se senta em cima de uma mesa de piquenique de pedra perto de um estacionamento, com as pernas pendendo para o lado. Recuperando algo do bolso, vejo que é um telefone celular quando a tela se acende em sua mão — ele provavelmente roubou do empregado. Ele coloca o telefone no ouvido, movimenta a mão livre enquanto fala. Eu queria poder ouvir o que ele está dizendo.
Mas então meu próprio celular vibra dentro do meu bolso — e não para. Contra o meu desejo de verificar e ver quem é, deixo para o correio de voz duas vezes, mas quem quer que esteja me ligando, sei que deve ser importante. Este é o pior momento possível para responder a uma chamada, mas eu faço de qualquer maneira, porque poderia ser sobre Izabel.
Estendendo a mão no bolso, pego o telefone e meu coração começa a disparar quando vejo o codinome do meu contato no México brilhando na tela para mim como um incêndio que precisa ser apagado.
— O que é isso? — Eu pergunto rapidamente, minha voz um sussurro. — Ela está bem?
— Não, ela não está — diz ele. — Ela está muito serena. Zey sabe quem ela é e Zey a levou. Vy não me disse que Javier Ruiz ainda está vivo?
Paro de respirar...
Demoro mais do que deveria para juntar meus pensamentos.
— Você pode fazer alguma coisa? — Eu pergunto.
— Não. Eu tentei comprá-la, mas ela não queria vender. Não há mais nada que eu possa fazer. Eu preciso ir. Eu tenho um negócio.
Assim quando eu movo o telefone do meu ouvido, esmagando-o dentro do meu punho, sinto seu perfume ao meu redor, e então ouço o tiro, estrondoso no começo, até que ele me ensurdece. Eu sinto a bala quando corta meu meio, mas estranhamente sem dor; apenas o calor do sangue que escorre da ferida e se acumula dentro da minha roupa. Sento-me caído no chão e não consigo nem lembrar como cheguei aqui, ou quando minha arma caiu da minha mão, ou quando Artemis conseguiu colocá-la na dela.
Minha visão é irregular na melhor das hipóteses; por um momento, vejo duas dela, de pé em cima de mim, até que duaz se fundem em um só. Seus lábios estão se movendo, mas mal posso distinguir as palavras. Eu estou respirando? Eu pressiono minha mão no meu peito, procurando por um batimento cardíaco, e minha outra mão navega através do sangue jorrando. Com a pouca força que tenho, tento pressionar a ferida.
Artemis sorri, embora não esteja cheio de malícia, como eu esperava que fosse.
Finalmente, minha audição volta para mim e sua voz lentamente produz som.
— Meu irmão pode ter caído em suas mentiras — diz ela enquanto se agacha na minha frente, — mas eu aprendi há muito tempo atrás a nunca confiar em você, Victor.
Sinto que Apolo está se aproximando, mas não consigo mexer a cabeça para segui-lo; sua sombra o precede, cobrindo o chão na minha frente.
— Eu gostaria que fosse verdade — Artemis continua; Ela estende a mão e toca meu rosto. — Eu queria que fosse verdade quando ele me contou pela primeira vez... comecei a acreditar. Sabe, aquela mulher ingênua em mim que o amou há muito tempo, que teria feito qualquer coisa por você. — Ela suspira. — Mas eu não sou mais aquela mulher, e... bem, eu vejo que você definitivamente não é mais aquele homem também. — Suas palavras estão cheias de consolo e desapontamento.
Ela se levanta e Apollo se move para ficar ao lado dela.
Artemis levanta a arma e aponta para a minha cabeça. Eu penso apenas em Izabel; seu rosto varre minha visão, me assombrando, me torturando. Lembro-me da primeira vez que a conheci, lembro-me do som da sua voz, do cheiro dos cabelos ruivos, da suavidade das mãos. Lembro-me de quando ela tocou piano e quando fiz amor com ela pela primeira vez, e a primeira vez que quase a matei. E eu lembro — fechei os olhos e me preparei para morrer, para ser libertado desta prisão que tem sido minha vida.
Um tiro soa. Mais uma vez, não sinto nada. Quando ouço Apollo grunhir, abro os olhos e vejo-o cair ao meu lado no chão.
— APOLLO! — Artemis grita.
Ela vira a arma para longe de mim e atira enquanto corre; balas atravessam o ar em ambas as direções, mas nenhuma delas a atinge, e ela desliza para a escuridão.
— Victor! — A voz de Nora encontra meus ouvidos, mas eu estou perdendo muito sangue e não posso me mover para reconhecê-la. Segundos depois, ela está agachada ao meu lado, suas mãos sondando minha ferida; duas outras figuras passam em busca de Artemis.
— Por que... Por que você não está no... México, Kessler? — Eu mal posso respirar, muito menos falar frases completas.
— Estou aqui para salvar sua bunda teimosa — diz ela, — então talvez você possa ser um pouco grato.
— Mas... Izabel... Javier... — Tento levantar a mão em um gesto, eu quero derrubá-la no mês que vem, mas não consigo tirá-la do chão.
Nora revira os olhos e depois posiciona um braço atrás de mim, me colocando de pé.
— Estou levando você para Mozart.
— Eu preciso de você ni... México.
— Sim, sim, Izabel pode cuidar de si mesma.
A última coisa que me lembro é o cheiro do couro no banco de trás do carro, tão forte que é, como se os sentidos do corpo aumentassem pouco antes da morte. O som dos pneus se movendo energeticamente pela estrada; as luzes — luzes da rua, estrelas e sinais elétricos — todos empurrando meus olhos; o gosto de sangue na minha boca, afiado e acobreado e desagradável.
Izabel…
A mulher estranha esfrega continuamente a ponta do polegar na lateral da xícara de café de isopor; ela raramente bebe, e quando o faz é só quando um homem passa, e seus olhos seguem misteriosamente até ele desaparecer. O funcionário do aeroporto gostaria de encerrar esse encontro desconfortável, mas o que começou como um gesto gentil tornou-se uma forma de observá-la mais de perto. Ele não gosta do sentimento que ele recebe dela; nem as mulheres por trás do balcão que ficam de olho nele de longe. Ela poderia ser mentalmente instável e precisar de uma escolta policial para fora do aeroporto; ela poderia ser uma terrorista. Ou, ela poderia ser diferente, e o homem se sentiria horrível por chamar a polícia por não se enquadrar no que é considerado normal na sociedade.
— Você está esperando por um membro da família? — O homem sondou, tentando despertar a conversa, ela está quieta há três minutos desde que eles se sentaram juntos.
— Você tem um bom rosto — diz a mulher.
O homem pisca algumas vezes e bebe do café como uma distração.
— Obrigado... — Ele olha para o balcão; as mulheres riem baixinho quando vêem o olhar perplexo em seu rosto.
A mulher faz um movimento em direção à bolsa, e ele fica momentaneamente em pé.
— Eu vou te mostrar — diz ela, sua voz sempre irritantemente calma, sem emoção.
Quando a mulher abre a bolsa na mesa, o homem usa a oportunidade para perscrutar dentro dela. Ele não vê nada que possa ser usado como arma, apenas um pequeno pacote de lenços, uma carteira, uma garrafa de desinfetante para as mãos e outras coisas aleatórias que normalmente acabam nas bolsas das mulheres.
Ela puxa um pequeno espelho.
— Dê uma olhada — diz ela, e segura o espelho para ele levá-lo.
Relutantemente — e depois de outro olhar desconcertado para seus colegas de trabalho — ele pega o espelho e o segura, sem saber exatamente o que ela quer que ele faça com ele.
— Olha — ela pede, apontando para o espelho.
O homem engole nervosamente e depois segura o espelho na frente dele.
— O que eu deveria estar olhando?
— Seu rosto.
— Eu... — ele continua a olhar, sua expressão ficando mais desconfortável a cada segundo —... Ok, eu estou olhando. Mas tudo que eu vejo é um cara negro de boa aparência. — Ele força um sorriso, tentando fingir conforto na situação.
A mulher estende a mão delicada em seu pulso, abaixando o braço e o espelho na mão.
— Você tem um bom rosto — ela repete.
Ela pega o espelho da mão dele, escondendo-o dentro de sua bolsa novamente.
Então ela fica de pé.
— O-onde você está indo? — O homem fica lá, confuso com toda a troca, mas ainda mais agora que ela aparentemente decidiu apenas ir embora.
— O avião chegou — diz ela sem olhar para ele, e então ela se esgueira para a multidão.
O homem e as mulheres atrás do balcão vigiam-na até ela sair do aeroporto pelas portas principais.
Engraçado como, depois de tanto tempo, ainda posso separar os passos de Javier dos demais. Eu posso ouvi-los agora, descendo o corredor; ele está tomando seu tempo, e isso me assusta. Eu tento firmar a respiração, endireito as costas e levanto o queixo para cima; minhas palmas estão suando; minha boca está tão seca. Acalme-se, Izabel.
A porta da minha prisão se abre e caminha metade dos homens que moldaram e moldaram quem eu me tornei; alto e perverso e marcante apesar de suas muitas falhas imperdoáveis. Ele olha diretamente para mim e é a única coisa que me dá esperança. Se ele tivesse tomado seu tempo sobre isso, isso significaria que ele não se importava mais comigo. Mas ele olhou assim que entrou pela porta, como se não pudesse esperar mais.
— Sarai — ele cumprimenta com um aceno de cabeça; ele fica com as mãos cruzadas atrás das costas.
— Javier. — Eu aceno de volta.
A troca parece muito formal, e isso não é um bom sinal.
Ele fecha a porta e se aproxima de mim; puxa uma cadeira e senta na minha frente, deixando suas longas pernas abertas; ele encosta as costas na cadeira e descansa as mãos grandes no colo. Mas ele não me toca, nem mesmo joelho a joelho, e a esperança que encontrei segundos antes sai do meu corpo.
— Eu sabia que te veria de novo — diz ele, e então olha para minhas mãos atadas. — Eu sabia que te veria assim.
— Mesmo? Você nunca imaginou que eu voltaria para te matar? Ou estar com você?
Ele sorri, de boca fechada, deixando-me saber que ele nunca imaginou, ou poderia acreditar, qualquer um deles.
— Você sabe que eu não posso deixar você sair daqui viva — ele me diz, indo direto ao ponto.
— Não pode ou não vai?
Ele olha para o teto como se estivesse pensando nisso, mas já sabe a resposta.
— Nenhum — diz ele. — Não pode por razões óbvias. Nem vou — ele franze os lábios, inclina a cabeça — também por razões óbvias. Por que você voltou? Não era para me matar, suponho, ou você não teria vindo aqui. Tenho certeza que você sabia que eu não estava aqui. Então, por que você voltou?
— Eu vou te dizer tudo o que você quer saber — eu digo, — se primeiro você deixar Naeva e Leo irem. Você pode me ter, fazer o que quiser comigo, mas esse é o meu preço.
Javier sorri novamente.
— Claro — diz ele com um encolher de ombros. — Mas só para você saber, eu já os deixei ir.
Pisco, confusa; não tenho certeza se acredito nele. "Por que você faria isso? E como eu sei que você não está mentindo para mim?
Javier levanta a perna direita e descansa o tornozelo em cima do joelho esquerdo; ele cruza os braços.
— Leo Moreno vale mais vivo do que morto — diz ele. — Ele e eu temos um acordo, mas nada disso é sua preocupação. Eu dou a minha palavra que ele foi libertado, junto com a mulher que o arruinou... ela era o preço dele. — Ele sorri. — Você vê, El Segador e eu temos algo em comum: mulheres que nos arruinaram. Eu acho que você pode dizer que eu tive pena dele.
Eu zombei.
— Você não tem pena de ninguém, Javier, é tudo sobre o dinheiro com você. E o poder.
— Então, por que você ainda está viva? — Pergunta ele.
— Porque eu valho mais do que Victor Faust, pelo que me disseram. E você planeja me entregar ao único homem que vim aqui para encontrar. Então, acho que tudo funciona, afinal de contas.
Javier balança a cabeça com um pequeno sorriso; então ele se inclina para frente, com os braços apoiados no alto das pernas.
— Eu sei o quanto você vale, Sarai — ele diz, — porque sou eu quem contratou a Ordem para encontrar você.
Eungulo em seco e me sinto uma idiota. Como eu poderia ter pensado que valeria mais para a Ordem do que para Victor Faust? O constrangimento que sinto por aquele momento, um momento em que me senti importante porque achei que a Ordem me queria. Bem, espero que Javier não veja o vermelho na minha cara. Era ele o tempo todo, e eu deveria saber — eu deveria saber!
— Por que, Javier, você pagaria tanto para me encontrar, depois de tudo que eu fiz? Isso é muito dinheiro para uma garota — eu escuto — e sei que não é porque você me ama.
— Vingança — diz ele, e um calafrio se move pelas minhas costas. — É muito mais satisfatório do que qualquer quantia de dinheiro.
Javier se levanta da cadeira e anda pelo chão na minha frente.
— Eu tenho planos para você, mi amor — diz ele, sem olhar para mim. — E você vai querer cumpri-los, ou eu vou te matar.
— Que tipo de planos?
Ele para, vira e seus olhos encontram os meus.
— Você vai terminar o que começou há muito tempo, com o que você concordou. O que aconteceu, afinal? Você se apaixonou por ele? Você o ama mais do que eu?
Olho para o chão.
— Sim — eu respondo com honestidade. — Victor me salvou. De você, Javier. Eu poderia ter te amado do jeito que eu o amo, mas você é um tipo muito diferente de homem. Eu não era alguém que você amava, eu era alguma coisa que você possuía. As mãos de Victor eram ásperas, assim como as suas, mas ele nunca me machucou. Ele se importava comigo, você se importava apenas com você mesmo. Então sim, eu te traí porque me apaixonei por ele. E não vou traí-lo agora por você, porque ainda o amo.
Ele não pode me olhar; tenho a sensação que ele quer, mas ele está com muita raiva; há uma pequena contração em um lado do rosto dele.
— Sem mais mentiras, Javier. Não mais fingindo com você, nem mesmo para me salvar. Eu me recuso a passar meus últimos momentos fingindo que amo você. A verdade é que eu odeio você. E se você não me matar enquanto você me prende a esta cadeira, então eu serei a única a matá-lo quando eu eventualmente sair dessa.
Ele ri.
— É isso mesmo? — Ele zomba. — Enquanto eu não duvido que você pode se libertar, eu sei que você não vai me matar.
— O que te faz tão certo?
— Alejandra — diz ele. — Eu sou o único que sabe onde está a nossa filha.
Uma filha? Suspiro silenciosamente e perco minha linha de pensamento enquanto tento visualizar seu rosto. Alejandra. O nome da minha filha é Alejandra...
Javier está alto na minha frente e olho para sua forma iminente. Sua expressão mudou. E isso coloca medo no meu coração que eu sinto no fundo do meu estômago.
Ele sorri.
— E se você não cooperar comigo desta vez, eu a matarei antes de te matar.
Não…
Meu olhar sem piscar flutua pela sala, bêbado. Eu paro de respirar por um momento; minhas mãos suam profusamente; meu estômago se agita com a bílis. Olho para ele novamente, profundamente em seus olhos, e eu vejo isso, a seriedade de sua ameaça: ele fará isso; ele não está blefando — ele vai matar minha filha.
— Você deveria estar grata por eu não tê-la matado quando você me traiu da primeira vez, Sarai. Eu pensei sobre isso. Eu quase fiz isso. — Ele se senta de volta na cadeira na minha frente, aproveita toda a minha atenção. — Mas eu pensei que esperaria um pouco mais — ele move as mãos, palmas para cima, para fora — exatamente neste momento. Eu apenas tive que ser paciente. E a paciência valeu a pena porque aqui está você. E porque eu não a matei, eu ainda tenho a única alavanca que eu poderia ter usado contra você. Diga-me, Sarai — ele diz — além do amor, por que você me traiu quando soube que eu sabia onde estava nossa filha? Você ama um homem mais do que sua própria filha?
— Não — eu respondo imediatamente, olhando para ele. — Eu só sabia que não importava o que eu fizesse por você, você nunca me contaria onde ela estava. Você é um animal cruel e sem coração, Javier, e eu sabia que teria traído o homem que amo por nada no final. Então, eu perdi a esperança; parei de sonhar com algo que nunca teria. E tomei a decisão de voltar ao México pela primeira vez para matá-lo. Para se livrar de você. — Eu suspiro e paro antes de continuar. — Mas você não estava aqui, e eu matei a maior parte da sua família. E eu não me arrependo disso. E antes de eu sair daqui, vou terminar o trabalho.
Ele sorri. E então ele fica de pé.
— Talvez sim — diz ele, — talvez eu tenha subestimado você, e você realmente é fodona que todo mundo diz que você se tornou. Mas se alguma coisa acontecer comigo, você nunca a encontrará. E você nunca saberá a verdade, Sarai. Sobre como você realmente acabou aqui todos esses anos atrás. E você nunca encontrará o homem que está procurando. Tenho muito a oferecer, duvido que você deixe a vingança atrapalhar tudo isso.
— O que você quer dizer, como eu realmente acabei aqui? — Eu não posso mentir, ele tem a minha atenção.
Javier alcança e bate o lado da cabeça com a ponta do dedo, sorrindo.
— Está tudo aqui — diz ele. — Tudo o que você precisa fazer é terminar o que começou, e eu conto tudo o que sei.
— Eu não acredito em você. — Eu balancei minha cabeça. — Talvez você vai me dizer, com certeza, mas depois você vai me matar após conseguir o que você quer.
— Não — diz ele. — Eu darei tudo o que você quiser: Alejandra, informações sobre Vonnegut, sua liberdade e sua vida... se você trouxer Victor Faust para mim.
Ainda não acredito...
— Vou até lhe dar um brinde — ele me interrompe, — como um gesto de boa fé.
— Não há nada que você possa dizer para me convencer de que está dizendo a verdade.
— Você quer o brinde, ou não?
Pondero por um momento. Que outra escolha eu tenho? Que outras formas possíveis de sair disso estão lá? Ninguém vem me "salvar". Eu também concordo com isso, e pelo menos me compro algum tempo, ou está tudo acabado e eu morro aqui, agora mesmo, nunca sabendo nada.
— Sim — eu digo e me preparo. — Quero isso.
Javier enfia a mão no bolso da camisa e pega o celular; ele passa o dedo pela tela em busca de alguma coisa e sorri quando a encontra; o medo cresce em meu coração.
Virando a tela para mim, eu olho para a foto olhando para mim. É uma garota — uma jovem mulher. Ela está usando um moletom, mas eu posso ver seu rosto, seus olhos e seu cabelo espreitando por baixo dele. Confusa, olho para Javier, esperando que ele me diga quem ela é.
— O nome dela era Sela. Sela Cohen. Ela era sua irmã, cerca de quatro anos mais velha do que você. — Ele casualmente coloca o telefone no bolso, tomando seu tempo. – Sua madre7 lixo-branco a vendeu para mim, tecnicamente para Izel, que tentou sem sucesso treiná-la, quando tinha sete anos de idade. Mas Sela, bem como você, não podia ser controlada. Infelizmente, ela atacou Izel e minha irmã a matou, é claro. Você sabe como Izel era.
— O que isso... garota, tem a ver comigo? — Eu realmente não me importo muito que eu tivesse uma irmã; nunca a conheci, nem me lembro de tê-la visto antes, então se ele está tentando fazer o cartão da família...
Javier sorri com satisfação.
— Sua mãe vendeu você para mim, Sarai — diz ele, e eu admito, isso não me afeta muito. — Por drogas. Você não acreditaria quantas mães vendem suas filhas por uma alta. Na verdade, — ele continua, — aquela mulher bombeou pelo menos quatro filhas que eu conheço, antes de você.
— É isso? — Eu pergunto, sem se impressionar com a informação — Ok, dói um pouco que minha mãe me vendeu, mas o problema é que isso não me surpreende muito.
— É isso — ele confirma com um encolher de ombros. — Eu pensei que você seria mais...
— Ferida? Chocada? Emocionalmente investida? — Eu balancei minha cabeça — Javier, eu não sou mais como eu costumava ser.
— Você é tudo como costumava ser, e mais — ele volta. — De certo modo, você sempre foi assim — ele me olha de cima a baixo — Izabel Seyfried. Você nunca foi fraca; você me tocou desde o começo; você fez o que tinha que fazer para sobreviver e depois acabou escapando, porque eu nunca te quebrei... eu te fiz. Você matou sua própria mãe; e sua falsa mãe — ele sorri — sim, ouvi falar da morte dela; rinha certeza de que era você e eu olho em seu rosto agora e sei que estava certo. Sarai, pessoas fracas nunca poderiam matar aqueles que amavam mais, nem mesmo para tirá-los da miséria, muito menos sentir culpa depois. — (Não, seu bastardo, você está errado! Ele está errado! Ele está... certo).
— Você arriscou a vida da sua própria filha quando voltou para me matar, quando me traiu — continua ele, — porque você sabia, não importa o que seu coração tentasse fazer você acreditar, que eu nunca diria a você onde ela estava mesmo se você me ajudasse. A mãe amorosa nunca iria arriscar sua criança, ela nunca perderia a esperança, mesmo que ela saiba, no fundo, que não há esperança — (minhas unhas estão cavando em minhas mãos, meus dentes estão moendo a poeira na minha boca. — Você arriscou a si mesma e seu relacionamento com Victor Faust para vir aqui, de volta a um lugar que você sabia que seria… mimada por ele mais tarde. Ou o matou e nunca mais o viu.
Ele se levanta, aperta as mãos atrás de si e olha para mim enquanto eu sinto meu rosto cair cada vez mais fundo sob uma mortalha de vergonha, realização e ódio por esse pedaço de merda que ousa me dizer as coisas sobre mim que eu nunca quis saber. Eu nunca quis acreditar
— Você é como eu, Sarai — diz ele finalmente, e eu recuo. — Você é um lobo no galinheiro; você mata porque está com fome, porque está em sua natureza, e seu remorso só vai tão longe quanto o que você está disposto a deixar afetá-la. Porque você secretamente despreza afeição, companheirismo e amor. Você deseja poder acima de todas as coisas, porque lá em cima, no topo, onde ninguém pode tocá-la, influenciá-la ou amá-la, você sabe que nunca poderá ser ferida.
Ele se agacha na minha frente e beija meus lábios. "Nós somos o mesmo, Sarai — diz ele, olhando nos meus olhos, mas não me vendo. — E é assim que eu sei que você me ama. Uma vez. Porque a escuridão é atraída para as trevas. E a única razão pela qual você veio aqui é porque Victor Faust se tornou uma espécie de luz em sua vida, e você teme tanto quanto ele provavelmente sente; você se odeia por amá-lo porque se importa com o que acontece com ele. Mas comigo, você me amava sem estipulações; você poderia viver com você mesma se eu morresse, mas ainda era amor; o tipo mais escuro de amor. O tipo mais seguro de amor.
— Conte-me sobre Vonnegut — eu digo, dentes cerrados.
Foda-se você e suas palavras da verdade!
Javier — a escuridão da minha vida — sorri e, em seguida, ergue-se em uma posição imponente.
— O brinde não foi suficiente?
— Você sabia que não seria — eu digo. — Eu quero algo que eu possa usar... não um pedaço do passado, Javier.
Ele acena algumas vezes, pensando nisso.
— Porque eu amo você e sempre gostei — ele diz, — vou contar uma coisa sobre Vonnegut que acredito ser verdade. Mas qualquer outra coisa só virá depois que você me trouxer Victor Faust.
— Mas eu só quero encontrar Vonnegut para Victor Faust, que bem faz para mim se você tem Victor?
— Isso é para você descobrir — diz ele. — Mas esse é o preço.
Contemplando por um momento, olho para o chão e imagino o rosto de Victor, a luz em minha vida sombria.
Levanto meus olhos para Javier.
— Eu vou trazer Victor Faust.
Ele sorri e desliza as mãos nos bolsos das calças.
— Eu nunca falei pessoalmente com Vonnegut — ele começa, — mas conheço alguém que falou; ela é sua ligação.
Então, Iosif não é Vonnegut — figuras. E isso significa que eu estava errada o tempo todo sobre Vonnegut ser um dos compradores ricos.
— Como você sabe que ela falou com ele, viu ele?
Ele olha para mim.
— Porque ela está confiante — diz ele, e depois anda devagar. — Nos tempos em que me encontrei com ela para fazer negócios com a Ordem, ela se comportou de uma certa maneira; ela é mais do que uma funcionária, ela é importante para Vonnegut de alguma forma. Um mero mensageiro não toma decisões pelo chefe; ela está confiante o suficiente para tomar decisões sem primeiro consultá-lo. Ela nunca faria isso se não tivesse algum tipo de relacionamento pessoal com ele.
— Quem é ela?
— O nome dela é Lysandra Hollis — ele diz com um encolher de ombros, — se é esse o seu nome verdadeiro, é claro.
— Perfil? — Eu pergunto.
Sua boca aperta de um lado e eu sei o que ele está pensando: ele deveria me dar mais alguma coisa?
— Cabelo loiro; olhos castanhos; ela tem uma tatuagem de beija-flor no tornozelo; vinte e oito a trinta anos... é tudo o que tenho.
— Bom — eu digo, — então deixe-me ir e eu farei o que eu concordei em fazer.
Javier ri baixinho.
Ele olha diretamente para mim.
— Eu nunca disse que ia deixar você ir, Sarai... Eu disse a você quando entrei aqui que eu nunca poderia deixar você sair viva. E eu disse que você traria Victor Faust para mim, mas eu não disse como.
Eu sei; eu não esqueci.
— E você também me disse — eu digo, e sorrio para ele, — que te traí há muito tempo porque sabia que você nunca me contaria onde está minha filha, mesmo que eu te ajudasse.
O sorriso desaparece de seu rosto. Seus olhos caem dos meus, entrando na arma na minha mão que eu peguei do guarda que engasguei há uma hora atrás, e as cordas que eu arranquei no meu caminho antes de Javier entrar no quarto, deitado no chão aos meus pés..
O tiro momentaneamente me ensurdece, e Javier fica lá por um momento, com as feições marcadas pelo choque. Sangue escorre pelo cinza de sua camisa e pelos dedos.
Ele cai de joelhos, as mãos ainda pressionadas contra o meio; ele tosse e sangue escorre de sua boca.
É assim que deveria ter sido a primeira vez. E é bom corrigir esse erro.
— Sarai... — Ele estende uma mão para mim.
Agacho na frente de Javier, aquele que me fez, a escuridão que tem estado dentro de mim, e eu beijo sua boca sangrando; beijá-lo longo e suavemente para que ele vai se lembrar de mim, para que eu nunca vá esquecê-lo.
— Você estava certo — eu sussurro em seus lábios, — Eu sou o lobo no galinheiro, mi amor — eu o beijo de novo — e embora eu tenha amor por você, eu posso viver comigo mesma se você morrer.
Eu coloco a arma na têmpora e puxo o gatilho.
Seu corpo cai, e silenciosamente eu digo adeus antes de me agachar e rolar para evitar o borrifo de balas vindo para mim da porta.
No segundo que tenho a oportunidade, tiro a arma de trás do sofá e o guarda cai. Correndo de pés descalços em direção a ele enquanto o som de botas e gritos preenche o corredor do lado de fora da sala, eu pego a semi-automática do morto, e corro para os outros através de uma tempestade de balas.
Os cadáveres sujam os terrenos da mansão; ninguém guarda os portões; eu passei por um pequeno grupo de garotas escravas andando na estrada de terra no meu caminho, e eu sabia que algo estava acontecendo, mas eu não esperava isso.
Fredrik está de pé no vestíbulo quando eu entro, e passo mais corpos quando me aproximo dele.
Eu me inclino e pego uma arma aos meus pés — está vazio.
— Muitos deles estão vazios — diz Fredrik. — Foi assim que ela saiu daqui: ela pegou uma arma, matou todo mundo em seu caminho, soltou quando estava vazia, e então, enquanto se movia para a frente, pegou outra arma dos mortos, e outra, e matou seu caminho direto o chão da mansão. — Ele aponta aqui e ali como explica, esculpindo o caminho invisível que Izzy deve ter tomado.
— Precisamos encontrá-la. — Começo a sair, mas ele me impede.
— Ela está muito longe agora, Niklas.
— Ela poderia estar andando sozinha na porra do deserto.
— Vigie ela se você quiser — diz ele, — mas se ela poderia sair dessa sozinha, eu duvido que ela está andando sozinha no deserto. Ela provavelmente está a meio caminho do Arizona agora.
Ok, ele tem um ponto.
— Como você sabia que viria aqui? — Pergunto.
— Provavelmente da mesma foram a que você — diz ele. — Eu mandei alguém para assistir Izabel; eu vim quando descobri que ela estava com problemas. E quando eu ouvi...
— Aquele Javier está vivo — acrescento.
— Estava — diz Fredrik. — Eu o encontrei morto em um quarto no corredor. Eu acho que é onde eles estavam mantendo Izabel.
Alcançando atrás de mim, eu coço a parte de trás da minha cabeça.
— Ela mentiu. Todo esse tempo, ela mentiu para nós, para Victor.
— Tenho certeza de que ela tinha um bom motivo — diz Fredrik.
— Sim, ela provavelmente tem. — Eu olho em volta para todos os corpos. — Como você sabe que ela não teve ajuda para sair daqui?
— Eu não sei — diz ele. — Eu acho que só tenho um sentimento. — Ele faz contato visual pela primeira vez desde que entrei na sala. — Izabel não precisa mais da nossa ajuda, acho que até Victor concordaria. E eu, por um, não a seguirei, nem mandarei outra pessoa para vigiá-la. Pela primeira vez desde que conheci Izabel, posso dizer honestamente que ela não precisa da ajuda de ninguém.
Eu dou outra olhada nos corpos dispostos ao acaso ao meu redor, e penso na primeira vez que encontrei Izzy.
Talvez Fredrik esteja certo...
Olho para cima quando o movimento me chama a atenção. Uma mulher, mexicana, com cabelos loiros, fica na porta; respingos de sangue mancham um lado do rosto e do pescoço. Ela parece que passou pelo inferno.
Ela tropeça para frente, uma mão cobrindo seu estômago, onde noto sangue escoando através de seu vestido e através de seus dedos.
Ela cai de joelhos, incapaz de ir mais longe.
— Ela disse... ela queria que eu... sofresse antes de eu morrer — diz a mulher.
— Quem? — Fredrik pergunta, fingindo que ele já não sabe.
— La Princesa — ela tosse sangue no chão — Eu... mereço o que tenho — diz ela entre respirações. — Pelas… coisas que fiz. Eu mereço porque... — Os olhos dela tremulam; sua parte superior do corpo balança. — … Porque não me arrependo… de nada. Diga a ela que eu disse... não me arrependo de nada.
A mulher cai para a frente, morta antes de cair no chão.
Fredrik e eu olhamos um para o outro, encolhemos os ombros e depois fazemos uma varredura da mansão.
Encontramos mais garotas escravas amontoadas em um armário, e lhes damos dinheiro e as encorajamos a deixar este lugar. Dois guardas, encharcados pelo próprio mijo, são encontrados escondidos em um banheiro no andar de cima. Fredrik mata um e eu mato o outro. E em uma sala mais extravagante, encontramos um homem, vestido com um terno Armani, baleado na testa, encostado a uma cadeira. Eu não posso ter certeza de quem ele é, mas é óbvio que ele era importante para o funcionamento deste lugar. A papelada espalhava-se por toda a sala e, na mesa ao lado dele, mostrava números e valores em dinheiro e nomes de garotas escravas e os nomes dos compradores. Eu sei disso porque vejo a foto de Jackie, Frances Lockhart, entre os nomes, e todo o dinheiro que ela gastou com as garotas que ela salvou.
Eu recuo quando vejo a foto da minha irmã.
— Ela estava aqui também — Fredrik diz, enquanto eu seguro a foto de Naeva em meus dedos. — Meu palpite é que ela veio aqui com Izabel.
— Ela está viva? — Eu estive rangendo os dentes desde que peguei a foto.
— Eu não tenho certeza — responde Fredrik. — Você não sabia?
Distraidamente, eu balanço minha cabeça. Não, Jackie não deu nome a ela quando me contou tudo o que aconteceu — mas nunca imaginei que a garota que ela me contou a que se envolvia o lutador fosse minha irmã.
— Talvez ela ainda esteja viva — Fredrik oferece.
Embolo a foto, segurando a raiva que fervia dentro de mim.
Todo mundo está morto. Setenta, oitenta pessoas, pelo menos.
Como diabos Izzy conseguiu isso sozinha?
Eu sorrio pensando nisso. Porque eu sei que ela ainda está viva. E Fredrik está certo — ela já está no meio do caminho para o Arizona, se já não estiver lá.
Mas cadê o Victor?
E Nora?
— Parece que fomos os únicos que deram uma merda. — Eu digo a Fredrik. Isso me irrita só de pensar nisso, que meu irmão não enviou alguém como nós, e que ele não está aqui agora, como nós somos.
E Nora... Dane-se Nora.
Fredrik se afasta do homem morto perto da mesa e tira um lenço preto do bolso do paletó, limpando as mãos.
— Victor não está aqui porque ele foi baleado — diz ele, e eu pisquei, atordoado. — Nora me ligou há uma hora; ele vai sobreviver, mas ela diz que ele não fala com ninguém desde que Nora o levou para Mozart. Ela está preocupada.
Mozart é um cirurgião que trabalha para Victor em tempos como estes, para manter nosso negócio fora dos hospitais e tal. E por que Nora não me ligou? Eu sou o irmão de Victor. Deus, eu odeio essa mulher.
— Preocupado com o que? — Eu digo. — O que há para se preocupar se ele não vai morrer?
— Eu não sei.
— E desde quando Nora se preocupa com alguém? — Pergunto.
— Isso é o que me preocupa — diz Fredrik.
— Bem, agora estou preocupado.
Depois de um momento, eu digo:
— Eu tenho algo a fazer antes de ir ver Victor. — Eu vou para a porta, pegando uma maleta cheia de dinheiro no meu caminho. — Se você ver Izzy antes de mim, diga a ela que eu disse... não importa, eu vou dizer a ela mesmo.
Fredrik acena com a cabeça.
Eu havia roubado um carro da mansão e dirigi o mais longe que pude antes que a gasolina acabasse. Eu estava andando sozinha no deserto por horas antes que Naeva e Leo me pegassem, uma semi-automática na minha mão, sem sapatos nos meus pés, vestido manchado de sangue. Eu estava em pé no meio da estrada de terra, a arma apontada para o carro quando veio em minha direção. Eu quase atirei em ambos — e minha única chance. Então, Javier estava dizendo a verdade sobre deixá-los ir.
— Estamos procurando por você — diz Naeva no momento em que entro no carro. — Nós voltamos para a mansão para ver todo mundo morto. Mas você não — ela sorri para mim no banco de trás — nem chequei todos os corpos; eu sabia que você ainda estava vivo. Então, saímos procurando por você.
Eu sorrio fracamente para ela.
— Eu acho que deveria agradecer a você.
— Agradecer a mim? — Naeva balança a cabeça; suas sobrancelhas se encolhem. — Eu te devo minha vida, Sarai... nós dois devemos. — Ela toca o braço de Leo; ele olha por cima do ombro para mim, agradecendo-me com os olhos. Eu me pergunto por que ele está dirigindo depois de ser baleado, mas isso não parece incomodá-lo; ou, mais provavelmente, ele está ignorando a dor.
Querendo evitar qualquer comentário que me faça passar por algum tipo de herói, mudo de assunto.
— Qual foi o problema? — Pergunto a Leo. — Por que Javier deixou você ir?
— Ele vai me trazer de volta, meu nome — diz Leo em inglês quebrado. — Eu luto por ele e ele não mata Naeva.
Duvido que Leo Moreno tenha algum problema em trazer de volta seu nome — acho que nunca morreu.
— Como você se sente sobre isso? — Eu pergunto. — Sobre lutar de novo?
Naeva olha para mim, desanimada — ela definitivamente não gosta do arranjo.
— Eu faço qualquer coisa por Naeva — diz Leo. — Além disso, lutar é tudo que eu sei. Tudo o que eu já fiz.
— Bem, você foi aliviado do seu contrato com Javier Ruiz — digo a ele. — Ele está morto. Eu o matei.
Os olhos de Naeva brilham lentamente, seguidos por um sorriso agradecido; eu posso dizer que ela quer envolver seus braços em volta de mim, e ela faria se ela não estivesse no banco da frente e eu nos traseiros.
O rosto de Leo nunca muda. Na verdade, ele não diz nada. E eu não pergunto por quê.
O resto do passeio é tranquilo.
Ao nos aproximarmos da fronteira de El Paso, eu me preparo para qualquer cena que envolva agentes de patrulha de fronteira. Nenhum de nós se parece exatamente com turistas americanos inocentes voltando da diversão ao sol em uma praia mexicana. Parece que acabamos de escapar de um complexo e matamos cem pessoas quando saímos. Eu ainda tenho a semi-automática — ilegal no México — está pousada no banco ao meu lado. E Leo Moreno ainda é mexicano, e não tenho certeza sobre seu status legal nos Estados Unidos. Na verdade, duvido que alguém tenha algum tipo de identidade com eles — com certeza não o tenho. Tenho certeza que o carro também foi roubado.
Leo puxa para a sua vez no cruzamento, e dois agentes de patrulha de fronteira se aproximam do carro. Eles olham para dentro. Uma nota a arma no assento; as roupas manchadas de sangue; a imagem tudo-errado-sobre-esta-imagem.
Leo entrega ao outro agente um pedaço amarelo de papel; o agente olha para baixo e, em seguida, ele pisca algumas vezes enquanto a compreensão se espalha por seus recursos.
Um momento depois, depois que o segundo agente aparece para inspecionar o papel, eles nos acenam mais rápido do que qualquer outro.
— O que foi isso? — Naeva pergunta Leo.
— Documentação de Javier — ele responde, mantendo os olhos na estrada do Texas à sua frente. — Minha primeira nova luta será em El-lay-ah.
— El-lay-ah? — Eu pergunto.
— LA — Naeva esclarece.
Eu já sabia disso — falo espanhol fluentemente — então não sei por que me esqueci. Talvez agora que Javier esteja realmente morto, e eu terminei com o México, as coisas que aprendi lá vão desaparecer. Eu duvido.
Leo disse que "não" era — ele ainda vai lutar apesar de tudo, com Javier morto, ele não precisa. Eu me pergunto como Naeva se sente sobre isso. Mais uma vez, não pergunto. Não é da minha conta, e enquanto uma parte de mim é um pouco curiosa, o resto de mim tem coisas mais importantes para pensar.
O céu é cinza-amarelo sobre a paisagem do Texas, o sol da manhã ainda acordando no horizonte. Deitei-me no banco de trás ao lado da arma e fecho os olhos, mas não caio no sono. Muito na minha mente. Como o que vou fazer a seguir, aonde estou indo, quanto do que Javier me disse que vou contar a Victor. Talvez eu não conte nada ainda. Comecei esta missão sozinha, e gostaria de terminar da mesma maneira. Eu posso ser terminado com o México, mas tecnicamente, eu não terminei.
Em algum momento durante a viagem, acabei adormecendo, porque agora que minhas pálpebras se abrem ao som da voz de Naeva, percebo que estou de volta ao Arizona. De volta em casa.
— Sarai, estamos aqui — diz ela; eu sinto a mão dela no meu ombro.
Levanto-me do banco, surpresa por ter dormido tanto e tão bem depois de tudo que acabei de passar, todas as pessoas que matei. Cesara. Joaquin. Javier. Os sem nome. A única pessoa que morreu no México que penso, porém, é Sarai. Mas ela morreu há muito tempo e eu não fui a pessoa que a matou. Ou eu fui?
Saio do carro.
— Você pode entrar e descansar por um tempo — ofereço, apoiando-me na janela aberta de Naeva.
— Gracias —, diz Leo, sempre tão gentil e respeitoso com um homem que provavelmente matou mais homens do que eu. — Mas precisamos chegar a El-lay-ah. Pessoas me esperando.
Eu concordo.
— Obrigado pela carona.
— De nada — diz Leo.
Naeva sai do carro e finalmente coloca os braços em volta de mim.
— Eu te devo tudo, Sarai — diz ela, apertando-me. — Eu gostaria de ter ajudado mais, mas, no futuro, se você precisar de alguma coisa de mim, não hesite em perguntar. Eu não me importo com o que é. — Ela se afasta, segura meus cotovelos em suas mãos, e olha nos meus olhos, e eu não posso deixar de ver Huevito parado ali. — Obrigado — ela diz finalmente.
Sorrio suavemente para ela, e ela volta para dentro do carro com Leo. Eles vão embora, e eu me pergunto se eles conseguirão. Não para Los Angeles. Não como um casal — eles estarão apaixonados até o dia em que morrerem — mas eu me pergunto se eles vão fazer uma vida juntos antes de serem assassinados. Porque isso vai acontecer eventualmente. Um nome e um rosto como o de Leo Moreno é tanto um presente quanto uma maldição. Espero que o amor deles possa durar uma vida inteira. Eu espero que eles façam isso.
Espero que o meu amor e o de Victor possa ser meio óbvios como os deles um dia.
Eu espero que nós façamos isso...
Depois de pescar a chave da casa no solo de um vaso de plantas, entro na minha casa e imediatamente percebo que algo está errado, embora eu não saiba ao certo. Talvez seja porque eu tenho ido tanto tempo, ou me acostumei a ouvir Apollo gritando comigo do porão. Está tão quieto aqui, tão vazio. Na verdade, é legal ter ele ido e eu ter a casa para mim. Mas isso é apenas temporário, pois tenho que trazê-lo de volta em breve e terminar o que comecei. Eu só espero que Fredrik não o tenha matado.
Eu coloco um celular no carregador e ligo para Fredrik, mas ele não atende, então eu pulo no chuveiro e fico lá por um longo tempo, deixando a água quente bater em mim e mergulhar em meus músculos famintos. Eu vejo o sangue e a sujeira escorrendo pelo ralo e levando todo o resto consigo que eu trouxe do México. Depois do meu chuveiro tão necessário, deitei no sofá, com a intenção de relaxar por cerca de trinta minutos antes de voltar ao trabalho, mas acabei desmaiando de novo e acordando depois das duas da manhã.
Eu tento chamar Fredrik de novo — ainda sem resposta.
Eu ligo para Victor — sem resposta.
Niklas — nada.
Nora... nada.
Que diabos?
Uma sensação estranha fica na boca do meu estômago. Depois de pegar minhas chaves na mesa de café, eu deslizo em meus chinelos pela porta e pulo em meu carro estacionado sob a garagem.
Há uma luz acesa dentro da nova casa temporária de Fredrik, a vinte minutos da minha. Seu carro está estacionado do lado de fora ao lado de outro. Talvez ele esteja transando e eu deva virar e voltar para casa. Não. Fredrik atenderia o telefone, não importava o quanto estivesse preocupado, se algum de nós da Ordem de Victor estivesse ligando para ele. O mesmo com Victor — dói um pouco que ele, de todas as pessoas, não responda, especialmente desde que estou no México há semanas. Niklas e Nora não são muito o tipo de telefone, então eles não respondem não é tão incomum, mas ainda pega esse sentimento no meu estômago.
Saio do carro e caminho até a porta da frente, meus olhos examinando a janela da sala de estar, subindo os degraus da varanda, mas não vejo ninguém.
Depois de algumas batidas, e ainda sem movimento dentro da casa, eu me deixo entrar, surpresa que a porta está destrancada — Fredrik sempre tranca as portas.
Com a minha arma na mão, eu atravesso a sala e me assusto quando Fredrik chega na esquina.
— Você assustou a merda fora de mim. — Eu abaixo minha arma.
— Desculpe. — Fredrik passa por mim e se dirige para a cozinha; há sangue nas mãos dele.
Sabendo que algo está errado, não faço perguntas por um momento, esperando que Fredrik me diga.
Ele volta da cozinha, as mãos limpas e enxuga-as em um pano de prato.
— Você matou Apollo? — Eu finalmente pergunto, supondo que é o sangue de quem ele apenas lavou pelo ralo.
— Não.
Não? É isso aí?
— Fredrik, o que está acontecendo? — Eu olho para o corredor na direção de onde ele veio; a porta do porão está aberta no final; uma luz fraca no chão em frente a ela.
— Izabel, você precisa sair.
— Por quê?
— Porque eu quero você saía.
Ok, algo está definitivamente errado.
Dirijo-me direto para a porta do porão e, em seguida, desço os degraus de concreto quando ouço a corrida dos passos de Fredrik vindo de trás para me impedir.
Quando chego ao fundo, fico ofegante com a visão sangrenta e até vomito um pouco na boca. Minha mão livre voa sobre meu rosto.
— Puta merda, Fredrik! O que diabos você fez?
Apesar da cena horrível, aproximo-me mais do homem que está amarrado a uma cama de hospital e, a princípio, fico furioso porque Fredrik mataria Apollo. Mas não é Apollo, eu vejo. É... Dante? O homem arisco do leilão. Seu rosto ensanguentado é quase irreconhecível; sua boca foi aberta com algum dispositivo estranho; todos os seus dentes desapareceram; suas gengivas foram cortadas; o sangue está em todo lugar.
— Oh meu Deus. — Faço uma pausa, deixando a descoberta penetrar fundo o suficiente no meu cérebro que eu sei que é real; então me viro para ver Fredrik. — Assistente de Amell Schreiber; é onde eu ouvi esse nome antes; é um dos seus aliados. Dante estava basicamente dizendo a verdade. Você o enviou.
— Sim. Eu o enviei. — Os ombros de Fredrik caem com a respiração pesada, e embora eu espere que ele se arrependa, tendo que admitir que ele fez exatamente o que eu disse a ele para não fazer, eu tenho a sensação de que ele tem coisas muito piores. em sua mente, e então eu decido guardar a bronca para outra hora.
— Por que ele está morto? — Meus olhos se movem de Fredrik para Dante. — Por que você o matou?
— Eu não o matei.
Minha cabeça se abre.
— Você não o matou?
Vai e volta. Dante. Fredrik. Dante. Fredrik.
Fredrik enxuga o suor da testa com o pano de prato.
— Eu realmente preciso de você para sair.
— Eu não vou a lugar nenhum até que você me diga o que está acontecendo, e onde está Apollo? — Eu sinto como se tivesse passado meses em vez de semanas, tudo é tão... fodido, tão diferente.
— Eu o matei — diz Fredrik.
— Ok, então qual é? Você o matou ou não o matou?
— Meu Deus, Izabel, eu matei ele. Eu precisei. Eu não espero que você entenda, mas… é quem e o que eu sou — ele gesticula para o corpo — é isso que eu faço, o que eu preciso, e… eu não quero você aqui. Hoje não. Amanhã não. Na verdade, é provavelmente melhor nos separarmos e nunca mais falarmos um com o outro.
Todas as palavras me abandonaram; a única coisa que sinto é ferida. Eu apenas olho para ele por um momento, meu peito se contraindo.
Finalmente, decido que Fredrik só precisa de tempo; ele está passando por algo que eu não posso ajudá-lo, e as coisas que ele acabou de dizer, ele só disse no calor do momento.
— Onde está Apollo? — Pergunto de novo, esperando que ele pelo menos me diga isso antes de deixá-lo em seus... problemas.
Fredrik faz uma pausa; Eu o ouço respirar.
— Ele está morto — diz ele, e então o resto cai no meu ouvido como uma avalanche de más notícias. — Estou assumindo que Victor o encontrou, o que significa que ele sabe que eu estava te ajudando nas costas dele, e por isso ele nunca mais vai confiar em mim. Apollo não poderia ter fugido por conta própria; ele foi libertado.
OK, é bom que ele esteja falando comigo pelo menos e não me arrastando para fora da porta.
— Mas o que te faz pensar em Victor...
— Victor foi baleado — Fredrik revela, e eu suspiro, e a avalanche começa a pressionar meu peito, me esmagando. — Por Artemis. Nora matou Apollo, mas Artemis escapou. Eu acho que Victor foi quem libertou Apollo. Não sei ao certo, mas é o que meu instinto me diz, e o fato de que Victor se recusou a me ver quando fui ver como ele estava.
— Victor foi baleado? — Essa é a única parte do que ele disse que eu realmente ouvi. — Ele está... ele está bem? Meu peito sobe e cai pesadamente.
— Ele vai viver — diz Fredrik.
— Onde ele está? — Eu pergunto, já subindo os degraus do porão; paro no topo.
Fredrik olha para mim de baixo.
— Ele está com Mozart.
Começo a sair, mas a voz dele me impede.
— Eu quis dizer o que eu disse, Izabel. Nunca mais volte aqui. Esqueça que você já me conheceu. Eu nunca mais quero te ver novamente.
A dor de suas palavras se aprofunda, mas eu faço tudo o que posso para ignorá-la, para me forçar a acreditar que ele não significa nada do que ele disse, e que voltaremos ao normal em poucos dias.
Ele só precisa de tempo, digo a mim mesma.
Fredrik se vira e se afasta do último degrau sem outra palavra; vejo sua sombra se movendo no chão por um momento.
Tendo sérios problemas meus para cuidar, saio de casa rapidamente, mas com o coração pesado, abro a porta do carro e enfio a chave na ignição. Eu dirijo sem parar para a casa de Mozart.
Volto para limpar a bagunça com Dante, o serial killer havia deixado para mim. Ele está morto há nove horas; a última vez que ouvi dele foi quando o avião dele pousou e ele me ligou do aeroporto. Eu disse a ele para ir direto para minha casa e esperar por mim; eu disse a ele que ele estaria seguro aqui. O estranho é que, naquele momento, eu não tinha certeza do que me fez dizer isso para ele, para começar, que ele estaria seguro aqui. Ninguém estava procurando por Dante; ele não estava em perigo, até onde eu sabia — depois do que aconteceu na mansão no México, mesmo que ele tivesse fugido, não havia ninguém vivo para caçá-lo.
— Você estará seguro lá — eu disse a ele, e nunca vou esquecer.
Era estranho o bastante dizer que eu havia anotado isso. Mas eu não entendi até que cheguei aqui e o encontrei morto. Foi quando tudo começou a fazer sentido: a sensação de ter olhos nas minhas costas semanas atrás na noite em que Dante partiu para o México — ela estava aqui, na minha casa; ela sabia onde ele estava indo. Mais tarde, naquele mesmo dia, quando estava na reunião da biblioteca com Kenneth Ware — ela estava lá, à vista de todos. Eu acredito que ela era a mulher que passou pela nossa mesa; que me fez parar para pensar nela. Ela está me seguindo; ela provavelmente sabe mais sobre mim do que eu sei sobre mim.
Foi o instinto que sabia que Dante estava em apuros, que ela pretendia usá-lo para me enviar uma mensagem. Infelizmente, o resto de mim não descobriu a tempo de salvá-lo.
Ao lado do corpo de Dante, refletindo a luz do teto há um pequeno espelho. Pela primeira vez desde que desci até aqui, eu o pego e olho para o meu reflexo; manchas minúsculas de sangue pontuam o vidro. Eu sei que ela quer que eu olhe para mim mesmo; eu sei que ela fez Dante olhar para si mesmo antes que ela o matasse. E eu quero saber porque. Não porque eu esteja com raiva, e as respostas para as perguntas mais típicas são importantes, mas porque me intrigam — ela me intriga.
Varrendo meu dedo ao longo da beira da cama ensanguentada, é quase como se eu pudesse sentir cada lugar que suas mãos delicadas tinham estado; eu posso sentir seu cheiro natural no ar; eu quase posso ver seu reflexo no espelho junto com o meu.
— O que você quer que eu veja? — Eu sussurro na semi-escuridão do porão abafado.
Coloquei o espelho de volta em seu lugar, da mesma forma que ela o deixou.
Izabel ainda está dentro da minha cabeça; tinha que ser assim; eu tinha que dizer as coisas que eu disse, ou então ela poderia acabar como Dante. Eu não acredito totalmente que esse assassino, pelo que eu vi até agora, só mata homens, mas eu não queria ter nenhuma chance. Izabel é importante para mim; ela é como uma irmã para mim. A morte de Dante é perdoável, mas se o assassino matasse Izabel, seria mais difícil perdoar. E a parte de mim que quer saber quem é essa mulher, a parte de mim que quer conhecê-la intimamente, é a parte que vai perdoá-la, não importa quem ela mate.
Depois de limpar a cena do crime com alvejante e um cesto de roupa suja, e puxo meu carro para a privacidade da garagem, pego o corpo de Dante, enrolei-o em uma lona e o escondo no porta-malas.
Eu entro no carro e o motor rugi.
Com as duas mãos no volante, sento-me aqui por um momento, em silêncio, com calma, porque sei que ela está no carro, sentada no banco atrás de mim. Eu não estou com medo. Monstros geralmente não têm medo de outros monstros.
Eu não posso ver o rosto dela, apenas o contorno do cabelo dela.
— O que você quer que eu veja no espelho?
— Seu rosto. — Sua voz é tão suave como eu sempre imaginei.
Então sinto um formigamento frio no lado do meu pescoço; minhas mãos se afrouxam, afastando-se do volante.
E então o rosto dela aparece à vista, assim como a minha visão está falhando em mim.
— Willa...
Eu pego uma Jackie abalada no aeroporto e ela não diz nada durante o caminho até o trailer dela; ela apenas olha pelo para-brisa, as mãos cruzadas no colo, as pernas juntas. Ela está aqui há horas, esperando que eu volte do México.
— Por que você não ligou para um táxi? — Eu perguntei quando ela entrou no meu carro.
— Eu só... não quero ficar sozinha na minha casa agora — ela disse. — Eu prefiro estar aqui, ao ar livre, com muita gente.
Eu nunca deveria tê-la enviado para o México. Vou me arrepender pelo resto da minha vida, já posso dizer, porque me sinto culpado como o inferno. Por que me sinto culpado é o que eu ainda não descobri. Ela concordou com isso. Eu contei tudo a ela — uma grande parte de mim até tentou recusá-la — e eu a avisei, mas ela optou por ir. Porque ela queria o dinheiro. Achei que essa foi a razão pela qual passei por ela e a deixei ir, afinal — por causa do dinheiro, do desespero e do quanto ela provavelmente queria gastar com drogas. Eu pensei comigo mesma: Ei, ela é apenas uma viciada em drogas, e se alguma coisa acontecer com ela, é culpa dela própria. Mas no fundo eu não me sentia assim; eu estava em conflito. Conflito porque não vejo Jackie usando drogas há algum tempo. Conflito porque nada sobre seu estilo de vida ou seu pequeno trailer me dá qualquer motivo real para acreditar que ela tem um vício em drogas. Conflito porque minhas suspeitas não são suficientes, e quando elas não são suficientes, isso geralmente significa que elas estão completamente erradas.
O que me leva de volta ao maldito dinheiro. Ela gastou cada centavo disso, não com drogas, mas para salvar as vidas de mulheres jovens que ela nem conhecia.
E é assim que eu sei que sou um idiota e que estava errado, e que eu sabia disso no meu coração o tempo todo, mas eu não queria acreditar porque precisava de alguém para assistir Izzy por mim. Eu sou um idiota porque eu usei Jackie e ignorei o que meu intestino estava me dizendo sobre ela — que ela é uma boa pessoa, uma pessoa melhor do que eu jamais pensarei em ser.
— Obrigado pela carona, Nik — ela me diz e vai sair do carro.
Eu pretendia ficar aqui com ela por um tempo.
— Eu pensei que você não queria ficar sozinha? — Eu digo.
Ela faz uma pausa, mas sai de qualquer maneira, e então olha para mim.
— Eu não vou — diz ela. — Eu vou até a casa da Shellie — ela aponta para o trailer em frente ao dela. — Eu gostaria de agradecer pela viagem grátis para o México, mas, bem... — Ela não termina.
Eu a paro antes que ela feche a porta do carro.
— Uh, Jackie, eu realmente sinto muito. Sobre tudo isso. Eu não deveria ter...
— Não, não faça isso, Nik — ela me interrompe. — Sou uma mulher adulta, perfeitamente capaz de tomar minhas próprias decisões. E você me avisou. Você não fez isso, eu fiz. Eu vou ficar bem. Eu consegui voltar viva e é isso que importa. Eu superarei isso em alguns dias e voltarei ao meu antigo eu. — Ela sorri para mim, tentando aliviar o clima, mas isso só me faz sentir ainda mais como o pedaço de merda que eu sou. — E podemos voltar ao normal em breve também. Se você quiser.— Ela sorri sugestivamente, mas eu sei que ela está apenas tentando ser forte, fingindo que não está traumatizada por sua experiência, e que o sexo comigo é a última coisa em sua mente.
Eu tento forçar um sorriso, mas eu não acho que isso saia como um.
— Eu vou vir amanhã e verificar você — eu digo.
— Tudo bem, Nik. — Seu sorriso clareia, e isso me deixa um pouco irritado porque eu posso dizer que é real e que ela já me perdoou e que ela é inocente e gentil e... caramba!
Eu saí de seu caminho e parei na estrada, passando por um SUV preto me cegando com suas luzes brilhantes quando saí. Amanhã vou colocar muito dinheiro em sua conta bancária; coloque-a para a vida. Eu sei que nunca vai compensar o que eu passei, mas eu tenho que começar em algum lugar.
Quinze minutos depois, quando eu estava pegando meu telefone para ligar para um número que eu perdi — poderia ser Izzy — o nome de Jackie se acende na tela.
— Mudou de ideia? — Digo com o telefone pressionado no meu ouvido enquanto eu tomo a saída em direção ao meu quarto acima do bar.
— Você tem quarenta e oito horas — diz um homem em italiano do outro lado do telefone. — Eu quero você por esta prostituta.
Puxo para o lado da estrada; meus pneus derrapando na calçada. O SUV... Jackie mencionando carros desconhecidos tinha sido a conversa do parque de trailers ultimamente... Eu deveria saber. Eu deveria ter fodidamente sabido!
— Quem diabos é? — Meu coração está martelando em meus ouvidos.
Há uma pausa e depois a voz:
— Você assassinou minha filha — ele responde. — Francesca Moretti. — (meu coração pára) — E em precisamente quarenta e oito horas, se você não estiver no endereço que eu vou enviar uma mensagem de texto seguindo este chamado, esta mulher estará no fundo do oceano.
Não…
Minha boca está seca; minha mente está correndo; ouço os gritos abafados de Jackie no fundo.
Eu nem preciso pensar nisso.
— Eu estarei lá — digo ao Sr. Moretti. — Aposto sua bunda que eu estou chegando.
Ele encerra a ligação e, três segundos depois, o endereço é recebido, e estou a caminho do aeroporto de novo, ainda mais rápido e imprudente do que quando tentava chegar ao México a Izzy.
E pela primeira vez na minha vida, sinto que... talvez eu não consiga sair dessa vivo.
Mozart é um dos principais cirurgiões nos Estados Unidos e, apesar de realizar cirurgias em média americanos, ele é pago para ficar de plantão sempre que um de nós precisa dele; e manter tudo o que ele vê, ouve e faz fora dos livros.
Eu nunca o conheci pessoalmente — só o vi uma vez — e seu nome verdadeiro não é Mozart, é claro.
Entro na entrada de sua modesta casinha no lago — na verdade, é uma casa muito bonita, com uma enorme janela com vista para a água e um lago com carpas ao lado de uma extravagante passarela de mosaicos, mas pelo dinheiro que esse cara ganha, qualquer coisa, a história é considerada modesta.
Batendo com os dedos na porta da frente, sinto que ele está demorando muito para responder quando passam, literalmente, apenas dois segundos, e começo a me convidar para entrar.
A porta se abre logo antes da minha mão tocar a maçaneta.
Mozart está parado ali olhando para mim; não uma empregada ou um porteiro ou qualquer outra pessoa, mas o próprio Mozart — modesto.
— Posso ajudá-lo? — Pergunta ele; ele me olha com aquele olhar de saber que ele me viu antes, mas não consegue lembrar onde.
— Eu sou Izabel — eu digo, — Victor Faust… namorada. — Uau, eu não esperava que isso fosse tão estranho. Não que eu não ame ser sua namorada, mas a palavra é tão... colegial; eu não sei porque isso me incomoda.
— Eu preciso vê-lo.
Mais uma vez, começo a me convidar para dentro, com a intenção de passar por ele desde que ele está demorando para sempre, mas novamente estou parado.
— Ninguém pode ver meu paciente — diz Mozart categoricamente; ele está de pé com uma mão na porta, a outra no batente da porta; sua linguagem corporal é casual, mas claramente, ele não tem intenção de se afastar para me deixar passar. — Ordens do médico.
Rangendo meus dentes, ando até Mozart, meus olhos brilhando nos dele.
— Afaste-se ou eu mesmo vou te mover.
— Eu não tenho medo de você.
Julgando sua postura e o tom sem brilho de sua voz, ele está dizendo a verdade. Você é uma merda!
Inclinando a cabeça para o lado, olho-o; ele é um homem bonito de cinquenta e poucos anos, com cabelos escuros e salpicado, constituição magra — eu poderia facilmente levá-lo sem uma arma, mas ele é o médico de Victor, e isso meio que me coloca em uma situação difícil.
— Então diga a ele que estou aqui — eu exijo agudamente. — Ele definitivamente vai querer me ver. — A primeira coisa que passou pela minha cabeça depois desse comentário é que não é porque eu sou sua "namorada" ele vai querer me ver, mas porque eu tenho informações que ele vai querer; isso dói um pouco, como uma percepção me mordendo no rabo, mas eu ignoro isso.
— Victor não quer ver ninguém — diz Mozart, e meu coração cai. — Tecnicamente, as ordens do médico vieram de Victor Faust.
Eu não posso falar por um momento; não só porque não tenho ideia do que dizer sobre isso, mas meu peito está pesado, e há uma dor no meu coração, torcendo e espremendo a vida dele.
Eu o empurro para o lado e empurro meu caminho de qualquer maneira.
Quando eu entro na sala, eu espero ver Victor deitado em uma cama com tubos pendurados nele, mas não é isso que eu vejo. Victor está de pé perto da cama e está colocando sua camisa com dificuldade. Eu vou ajudá-lo, feliz por ele não me afastar como eu esperava que ele fizesse. Sua barriga está enfaixada a toda a volta; sobre o ferimento da bala, o sangue havia penetrado na gaze e secado.
— O que você está fazendo, Victor? — Eu tento levá-lo de volta para a cama, e desta vez ele me empurra para longe.
— Eu tenho em algum lugar que eu preciso estar — diz ele, sem olhar para mim.
— Onde? Onde você poderia possivelmente precisar estar diferente dessa cama depois de ser baleada? — Não há como esconder a raiva e a desaprovação em minha voz.
— Eu tentei dizer a ela — Mozart diz da porta, — mas ela... insistiu.
— Está tudo bem — diz Victor, e abotoa a camisa. — Eu preciso de um momento a sós com Izabel.
Mozart assente e sai do quarto, fechando a porta atrás dele.
Eu me viro para Victor imediatamente.
— Se isso é sobre eu ir...
— Tudo é sobre você, Izabel — ele me interrompe, e eu recuo. — Só levou a ser baleado para perceber isso.
Eu recuo, paro, procurando por palavras.
— Você... foi baleado por causa de mim? — Eu não tenho certeza de que é o que ele está dizendo, mas parece que sim.
Victor suspira; ele fecha o último botão.
— Você não consegue ver o que você tem em minha vida está fazendo comigo? — (Eu recuo de novo com suas palavras, temendo o resto deles) — Termina hoje — diz ele, e meu coração afunda.
— O que termina hoje? — Por favor, não diga isso...
Ele manca até a cadeira ao lado da janela onde está sentado, fazendo uma careta com o esforço e tenta calçar os sapatos.
Não consigo me mexer; eu quero ajudá-lo com isso também, mas forçar meu corpo a se mexer parece uma tarefa impossível agora.
— O que termina hoje? — Eu repito.
Levantando os olhos de seus sapatos, Victor olha através da sala para mim.
— Conte-me sobre Javier Ruiz — diz ele.
— O que você quer saber? Quer que eu te diga que nunca o matei naquela noite no Texas? Que eu iria te trair? — (Eu apenas presumo que ele saiba de todas essas coisas; e mesmo que não, eu planejei contar a ele de qualquer maneira.) — Bem, é verdade, tudo: eu não matei ele naquela noite. e, sim, concordei em ajudá-lo e ia traí-lo. Mas você sabe o que — eu atravesso a sala em direção a ele, raiva e culpa, em cada passo rápido — eu não traí você. Eu não o ajudei. E eu só ia continuar com isso por causa da minha filha... você teria feito o mesmo. E sabe o que mais? Eu o matei desta vez. — Paro na frente dele, olhando em seus olhos. — Você quer que eu fale sobre Cesara? Você quer que eu admita dormir com ela. Bem eu fiz. Eu fiz isso só porque eu tive que fazer. Eu fiz isso pelo meu trabalho, pela minha vida... novamente, você teria feito o mesmo. O que mais você quer saber?
Victor se levanta e eu dou um passo para trás.
— Onde diabos você está indo?
Ele passa casualmente por mim em direção à porta, tirando o paletó do cabideiro no caminho.
— Victor!
Ele para; ele está de costas para mim.
Eu sinto que estou prestes a desmoronar, que todo o meu corpo está preso por um único fio, e que Victor está prestes a puxá-lo e me desvendar quando ele sai por aquela porta.
Eu não vou deixar ele.
Mas eu não vou implorar a ele também. Eu nunca implorarei a um homem que não me deixe. Nem mesmo Victor Faust. Eu amo ele mais do que qualquer coisa. Mas eu vou. Não. Vou. Implorar.
— Não, isso é sobre as coisas que eu disse a você na noite em que você me pediu em casamento, não é? — Eu passo até ele, rangendo os dentes, e eu agarro seu braço e o viro para me encarar. — Eu quis dizer cada palavra disto. Eu precisava, eu ainda preciso, de tempo para viver sozinha. Eu preciso ser minha própria pessoa; eu quero ser independente, nada disso muda só porque você está ameaçando... se afastar de mim. Mas eu ainda te amo e quero estar com você, Victor. Isso também nunca vai mudar. Estou me esforçando para descobrir por que ele está fazendo isso. E eu serei amaldiçoado se eu deixar que ele use o que aconteceu no México como uma desculpa para encarar a verdade.
Quando ele ainda não diz nada — (lute comigo, droga!) — eu mudo de marcha.
— Você me traiu também! — Eu grito em seu rosto. — Você me estripou quando tentou me passar para Niklas! Você destruiu essa parte de mim que nunca poderia... — Meus olhos encontram seu peito; minha boca está incrivelmente seca. Então olho para o rosto dele e enfrento minha própria verdade; digo a ele o que eu queria contar a ele desde aquela noite. — Você destruiu essa parte de mim que nunca poderia ter me permitido dormir com outra pessoa, mesmo por causa de um trabalho. — Eu disse isso. Eu não posso acreditar que eu disse isso. Não, não posso acreditar que admiti para mim mesma.
Olhe para mim, Victor! Cerro meus punhos ao meu lado.
Mas ele não olha para mim.
Depois de um momento:
— Mas eu não fiz isso por vingança, você precisa saber disso. — Eu me acalmo, e apenas tento fazê-lo entender. — Sim, é o que eu tentei dizer a mim mesma toda vez que acontecia; me deixando acreditar que era por vingança, que você merecia por causa do que você fez; foi a única coisa que me fez passar por isso. Mas no fundo, eu só fiz isso porque tinha que fazer. Eu fiz porque não havia outro jeito; eu nunca teria saído de lá vivo se não fizesse o papel. E eu fui lá por uma razão: encontrar Vonnegut. Porque também me lembro do que você disse naquela noite, Victor, e você estava certo. Sobre o destino da sua Ordem; sobre o destino de todos nós, sobre o destino de você e eu.
“É apenas uma questão de tempo que toda essa liberdade, essa vida, acabará. Eu lhe disse desde o começo que, até que Vonnegut esteja morto e eu esteja no controle de sua Ordem, nenhum de nós é livre; estamos a um sopro do fim de tudo. E nenhuma parede, segredos ou disfarces podem nos esconder para sempre. Vonnegut deve ser identificado e eliminado, antes que ele nos elimine."
Sentindo-me derrotada, eu me afasto dele e olho para o chão. “Estamos a um fôlego do final de tudo… — Lembro-me de suas palavras em voz alta. Mas no meu coração, eles significam algo diferente desta vez, e eu não suporto isso.
— Não carregue esse peso em seus ombros, Izabel — diz ele, e eu levanto a cabeça. — Faz parte do trabalho. Eu não culpo você por isso. Mas deixe-me perguntar uma coisa.
— Me pergunte.
— Se tivesse sido eu, você seria capaz de me perdoar por dormir com outra mulher?
Engulo.
— Sim — respondo com verdade. — Eu odiaria, é claro, isso me deixaria louca. Mas eu te perdoaria porque... bem, porque eu sabia que as coisas nunca seriam como se eles estivessem lá fora no mundo alheio.
Victor acena com a cabeça.
— Então eu não destruí parte de você, Izabel — diz ele. — Eu só fiz você mais forte.
Começo a falar, mas ele não me deixa.
— Se eu não tivesse feito o que fiz com você e Niklas, você acha que ainda teria se permitido dormir com Cesara?
— Não — respondo imediatamente. — Eu não teria. Mas como eu disse, não fiz isso por vingança; só conseguiu que eu pudesse fazer isso.
— Então eu te fiz mais forte — ele repete. — Então, não deixe isso pesar em sua mente.
Relutantemente, eu aceno. Mas isso sempre pesará na minha mente.
— Nosso relacionamento nunca foi convencional. — diz ele. — Isso ele nunca ia ser. E quanto mais cedo você aprender isso, melhor.
Engulo de novo, paro, e nervosamente pergunto:
— Então, isso significa que você...? — Inferno, eu não posso nem dizer em voz alta.
— Não — ele responde. — Eu nunca, mas isso não quer dizer que eu não teria se, por causa de um trabalho, eu não tivesse outra escolha. Assim como você.
Oh meu Deus, minha garganta parece que eu engoli um punhado de abelhas, mas eu sugo e luto contra o ciúme. Porque ele não está errado em admitir isso, e eu não estava errado em fazer isso.
— E você encontrou Vonnegut? — Ele pergunta um segundo depois, já sabendo que eu não sabia, ou ele saberia até agora.
— Não — eu respondo com pesar. — Ele não estava lá. Eu pensei que ele era um homem russo chamado Iosif Veselov, mas não era ele. — Eu abaixei minha cabeça momentaneamente. — Mas antes de matar Javier, ele me deu informações. Lisandra Hollis. Ele disse que esta mulher trabalha em estreita colaboração com Vonnegut; Eu vou atrás dela depois.
— Não — diz ele. — Não haverá mais caça a Vonnegut. Não haverá mais... nada.
— O que você quer dizer…?
Ele se vira com movimentos cheios de dor; ele não pode me olhar nos olhos.
— Eu estou... cansado, Izabel — diz ele, e meu coração afunda mais fundo. — Eu tentei. Eu tentei com tudo em mim para viver esta vida, para moldar e moldar o homem que eu sempre fui, em um homem desconhecido para mim, eu até pedi para você ser minha esposa, um gesto que eu nunca pensei que iria considerar em minha vida sendo o que eu sou. Mas eu não sou esse homem. Eu nunca serei esse homem.
— O que você está dizendo, Victor? — Eu ando em direção a ele; meu coração está batendo nos meus ouvidos. Eu quero forçá-lo a olhar para mim. E finalmente, ele faz.
— Como você está se tornando mais forte, Izabel — diz ele com o coração pesado, — estou ficando mais fraco. Eu pisei tão longe da única vida que eu já conheci, que eu não me conheço mais. Minha mente não é mais tão afiada quanto costumava ser; eu tropeço quando ando; eu me tornei cego para os perigos óbvios ao meu redor, e isso é um erro fatal para um homem como eu. Não posso continuar a viver assim. Não importa o quanto eu queira, esse tipo de vida com você, eu não posso mais fingir que será meu para mim.
Olho para o chão novamente, só que desta vez é para esconder a dor no meu rosto, as lágrimas se formando em meus olhos. Não porque eu saiba o que vai acontecer a seguir, mas porque... eu sei que ele está certo. Se eu continuar permitindo que Victor me ame, seria egoísta da minha parte. Eu não posso lutar com ele sobre isso, tanto quanto eu quero, porque se eu não deixá-lo ir; se eu não deixar que ele se encontre novamente antes que seja tarde demais, ele vai morrer por minha causa. Ele vai morrer por minha causa...
— Eu enviei Iosif Veselov para o México — admite ele. — Eu o mandei para vigiar você.
Estou chocada, mas não posso ficar brava com isso como estava com Fredrik e Dante. Estou chocada com a informação, mas não surpresa.
Agora eu sei porque Iosif era familiar — eu devo ter visto um arquivo sobre ele entre os contatos de Victor.
— Eu fiz isso porque, como eu disse, me tornei fraco. Porque Kessler estava certa. Sobre tudo. Porque eu precisava mandá-lo porque eu amo você. E tudo que faço, tudo que faço desde o dia em que te conheci, é um erro.
Engulo; meus olhos começam a arder e a molhar, mas eu retenho a emoção. Estou com raiva e movido por ele ao mesmo tempo, e as emoções opostas são demais para eu suportar.
Estou cansada demais... estou cansada de ser a "garota"; estou cansada de ser a "namorada". Estou cansado de homens olhando para mim com os olhos de um irmão protetor; estou cansada de pedir permissão para ser quem eu sou, quem eu me tornei. O único problema é que eu nunca poderia estar cansada de Victor, e amá-lo aparentemente anda de mãos dadas com tudo o que eu quero me livrar.
— Termina hoje — ele diz uma última vez.
E então ele se vira e sai do quarto.
Congelada neste local, por um momento torturante, minhas pernas não me levarão para frente. Eu me imagino correndo atrás dele, agarrando seu braço para detê-lo, até mesmo pulando sobre ele por trás e batendo meus punhos contra suas costas — eu me imagino implorando a ele, como eu disse a mim mesmo que nunca faria. Mas eu não faço nada. Eu olho para a porta aberta que ele acabou de passar, e deixo meu coração continuar a afundar nas profundezas da terra.
Quando finalmente consigo oorganizar a minha mente e começo a correr para a porta, Mozart entra na sala à minha frente. Há uma folha de papel pendurada na mão dele. Ele segura isso para mim.
— Ele queria que eu desse isso a você — Mozart diz como eu tomo em meus dedos.
Pouco antes de me deixar sozinha com a carta, Mozart diz:
— Meu conselho: não vá atrás dele. Eu sei que você o ama e que ele ama você, mas um homem como ele não foi construído para o amor. Não vá atrás dele — e então ouço os passos dele enquanto ele dá a volta.
Leva vários momentos até eu reunir coragem para abrir a carta, minhas mãos tremendo enquanto eu leio:
Izabel,
Estou confiante de que minha missão solo para encontrar Vonnegut será o meu fim. Estou confiante de que você nunca mais me verá. Mas eu não posso morrer sem deixar você saber o quão profundamente meus sentimentos correm por você, e sempre os terei.
Você foi a melhor e pior coisa que já aconteceu comigo. Eu te amo, mas eu não posso amar você do jeito que eu quero. Eu não posso viver com ou sem você. Eu não posso deixar você ir, mas para me libertar de você, eu nunca fui capaz de me matar por matá-la também. Eu nunca imaginei ou acreditei que eu poderia ser comprometido do jeito que meu amor por você me comprometeu. Eu estava condicionado em todos os cenários, especialmente neste cenário, mas o amor ainda encontrava um caminho. Eu percebi que o amor sempre encontra um caminho, e que nenhuma quantidade de treinamento no mundo pode preparar alguém para isso; ninguém pode evitá-lo; é verdadeiramente a força mais poderosa da vida; o grande destruidor. Se meu treinamento me ensinou alguma coisa, foi que o amor não é nosso amigo; é perigoso, nos faz sentir coisas que nunca duram, coisas que um dia serão arrancadas de nós, porque nada dura para sempre. Você vai morrer. Eu vou morrer. Cada um e cada coisa que você nunca vai amar vai morrer.
Não procure por mim, Izabel. Eu preciso fazer isso sozinho, sem você, de todas as pessoas. Ninguém, nem meu irmão saberá onde me encontrar. Ontem eu lhe teria dito que estou procurando Vonnegut pelas mesmas razões que o busquei nos últimos dois anos. Mas hoje eu só o busco para que eu possa destruir o homem que me fez do jeito que sou, aquele que me destruiu quando eu era apenas um menino. Mas eu seria um tolo em pensar que serei capaz de fazer isso sem ser morto no processo. Então, não me procure. Eu não sou mais seu para procurar. Hoje termina. Vonnegut. Eu. Nós. A ilusão que éramos nós. Hoje termina.
Faça o que não pude fazer: deixar de me amar; me tire de sua mente; continue com sua vida e viva em felicidade e paz sem mim.
Faça o que eu não pude fazer...
Victor
Quando olho para cima da carta, me vejo sentado na cadeira perto da janela, mas não sei como cheguei aqui. Olhando para a carta novamente enquanto ela fica pendurada entre meu polegar e meu dedo indicador, nunca me senti mais fraca do que naquele momento; eu nunca quis chorar tanto nas minhas mãos. Ele me deixou. Victor Faust puxou o fio que me segurava, e ele me deixou. Por muito tempo, ainda não acredito.
Eu...
Não. Eu acredito nisso. E eu aceito isso. Como? Por quê? Porque eu não sou fraca; porque eu não quero chorar.
E porque eu não quero que ele morra.
Saio do quarto, passo por Mozart e paro na porta antes de sair.
— Se você ouvir de Victor novamente...
— Eu não vou.
— Se você ouvir de Victor novamente, diga-lhe uma coisa por mim.
— Eu não vou ouvir falar dele, mas você pode me dizer se quiser.
Paro, pensando em um dia que não faz muito tempo, um dia em que me escondi no porta-malas de um assassino e escapei do México. Foi por amor que o destino me levou ao seu carro? Ou era algo mais?
Levanto meus olhos para Mozart.
— Diga a ele que ele estava errado. Não termina hoje, apenas começa.
Duas semanas depois…
Quando fui ao México, não consegui exatamente o que queria, mas trouxe comigo algo que nunca imaginei — eu mesma. Cesara e Javier; por todas as suas falhas, eles me ajudaram a perceber quem eu realmente sou, quem eu sempre fui e quem eu sempre serei.
— Estou tão cansado de seguir nas sombras dos homens."
Embora, embora eu certamente não seja uma espécie de amazona que odeia homens, eu aceitei em meu coração que sou mais forte do que qualquer homem que já conheci, e que, por mais que eu sempre goste de Victor, posso me mover na minha vida sem ele. Eu não quero — mas ele não me deu escolha, então o que mais eu devo fazer além de seguir em frente? É o que estou fazendo, embora não seja como Victor queria. Ele esperava que eu voltasse ao mundo normal, que vivesse a típica vida americana, que se casasse, tivesse filhos e um cachorro e que ficasse em férias familiares em lugares onde não serei sequestrada e torturada.
Sinto muito, Victor, mas não posso. Eu ainda trabalharei como uma assassina — para quais clientes, eu ainda tenho que descobrir, mas eu irei — e ainda vou desempenhar papéis que poderiam me levar direto ao túmulo. Porque eu gosto. Eu gosto de tudo: as missões, os diferentes rostos que eu uso, a satisfação que sinto ao matar pessoas que merecem.
Talvez eu nem precise de clientes. Eu realmente sou a única cliente que eu realmente preciso. Porque o trabalho não é sobre dinheiro para mim — é sobre vingança. E derramamento de sangue. É sobre ser uma voz para aqueles cujas vozes foram roubadas delas. E não há escassez de pessoas que merecem morrer, com certeza.
É claro que também não recusaria dinheiro se um emprego surgisse em meu caminho.
— Você é um lobo no galinheiro; você mata porque está com fome, porque está em sua natureza, e seu remorso só vai tão longe quanto o que você está disposto a deixar afetá-lo. Porque você secretamente despreza afeição, companheirismo e amor. Você deseja poder acima de todas as coisas, porque lá em cima, no topo, onde ninguém pode tocá-la, influenciá-la ou amá-la, você sabe que nunca poderá ser ferida".
Javier estava certo. Mas quando penso naquelas palavras que ele me disse com tanta convicção, percebo algo extraordinário — as mesmas palavras podem ser ditas de Victor Faust.
Eu sou mais como Victor do que jamais soube; talvez seja por isso que estou tomando nossa separação com tanta calma; talvez seja por isso que eu aceitei. Porque somos a mesma pessoa. Com as mesmas lutas e falhas e ideias. Os mesmos pontos fortes e fracos. A mesma sede de sangue. Nós nos amamos e nos odiamos. Estamos igualmente sobrecarregados, sobrecarregados um pelo outro. Nós somos os mesmos. Portanto, eu sou Izabel Faust.
Começou no dia em que Victor pensou que tudo terminaria — a nova identidade, o novo nome. Izabel Seyfried está morta junto com Sarai Cohen. Seyfried era a aprendiz. Fausto é a mestre. Ela é quem eu sou agora.
Mas minhas prioridades mudaram — não vou mais caçar Vonnegut. Ele é o alvo de Victor, e ele pode tê-lo.
E como não ouvi sequer um sussurro de Fredrik ou mesmo Niklas, não tive outra escolha senão mover-me com as águas da mudança e aceitar essas mudanças pelo que elas são.
A ordem de Victor está quebrada. Desmantelada. Não existe mais. Eu verifiquei todos os locais secretos, até mesmo as Casas Seguras, e não há mais ninguém nelas. Eu tentei entrar em contato com os membros restantes, e apenas alguns poderiam ser alcançados. James Woodard levou sua família e mudou-se para o Oregon. Eu viajei para lá para visitá-lo:
— Quando foi a última vez que você viu Victor? — Eu perguntei, sentada em sua pequena sala de estar cercada por papel de parede azul florido.
— Faz muito tempo, Izabel — ele me disse, — mais do que a última vez que você o viu. Acho que foi logo depois que vocês voltaram da Venezuela.
— Ele disse alguma coisa?
— Como o quê?
— Eu não sei, algo?
— Se você quer dizer que ele me disse alguma coisa que poderia apontar para o seu paradeiro atual, então não, desculpe, mas ele não o fez.
Eu assenti.
— Bem, como você sabe... seguir em frente a partir de sua ordem, então? — Eu perguntei.
— Estou sempre aqui, se ele precisar de mim — dissera ele. — Tive que sair da costa leste; minha família é importante para mim, e eu me senti como o tempo que fiquei lá... — Ele não teve que terminar; eu entendi.
A verdadeira razão pela qual fui ver James Woodard naquele dia não foi porque eu esperava que ele tivesse informações sobre o paradeiro de Victor — embora eu certamente não tivesse ignorado se ele o fizesse. Mas eu queria perguntar ao James se ele queria trabalhar para mim.
Mas antes de sair de casa, mudei de ideia.
James Woodard é e provavelmente sempre será leal a Victor Faust. E não posso fazer o que pretendo fazer com esses vínculos ainda intactos.
Nora Kessler, por outro lado, eu ainda pretendia recrutar. Ela nunca me tratou como a "garota"; ela nunca teve qualquer problema em me jogar em uma situação onde eu poderia morrer.
Mas no último minuto, assim como com James, mudei de ideia.
Problema com Nora é que Victor foi a força motriz que a levou à sua ordem; ela arriscou sua vida para ser aceita, e... bem, eu ainda me pergunto até hoje — por quê?
Eu admiro Nora, mas em meu coração, nunca confiei nela.
Então, quem foi deixado?
Ninguém.
Fredrik se foi — ele poderia estar morto, eu não sei, mas não vou procurá-lo. Dói, as últimas palavras que ele falou para mim. E assim como com Victor, aprendi a aceitar que Fredrik queria dizer o que ele disse naquela noite. E Fredrik tem um monte de problemas profundamente perturbadores, não resolvidos, que eu nunca poderia começar a saber como ajudá-lo.
Niklas? Eu não sei por que, mas eu pensei que, fora de todo mundo, Niklas seria o único que eu poderia contar, que ele seria o único que iria aproveitar a oportunidade de trabalhar juntos, por conta própria, livre de chefes, regras e procedimentos já estabelecidos. Então, fiquei surpreso quando fui procurar Niklas no bar onde ele morava no andar de cima, e ninguém o tinha visto em mais de uma semana. Eu invadi seu quarto; as coisas dele ainda estavam lá; nada parecia ter sido tocado; uma fina camada de poeira havia pousado em seus pertences na mesa de cabeceira.
— Ele foi pago por três meses — o dono do prédio me disse, parado na porta com as chaves depois que eu já tinha quebrado a fechadura. — Mas o aluguel está atrasado há três dias e ainda não o vi. Eu realmente não conheço o cara, mas é um pouco estranho que ele não tenha estado no bar. Ele está sempre no bar.
Eu andei pelo seu quarto, procurando por qualquer coisa que pudesse me dar uma ideia de onde ele está.
— Com quem você o viu pela última vez?
— Jackie, é claro — o proprietário havia dito. — Eles estavam sempre juntos aqui fora, ela sempre acabaria aqui em seu quarto. — Ele fez uma pausa, apontou para mim brevemente. — Você não é sua esposa ou algo assim, é?
Eu rio um pouco.
— Não definitivamente, não.
Ele balançou a cabeça, aliviado por ele não ter acobertando Niklas.
— Então, o que você pode me dizer sobre este Jackie?
O dono me deu sua descrição, e disse que achava que ela morava em um parque de trailers em algum lugar, mas ele não podia ter certeza.
— Você vai pagar por isso? — Ele perguntou sobre a trava quebrada pouco antes de eu sair.
Dei-lhe dinheiro suficiente para pagar a fechadura e o aluguel de Niklas por mais três meses. Apenas no caso.
Eu tinha um mau pressentimento sobre o desaparecimento dele, mas, ao mesmo tempo, era típico de Niklas, e certamente não era a primeira vez que ele partia sem contar a ninguém. Ele poderia lidar por ele mesmo. Além disso, eu começara a perceber que ir lá para recrutá-lo era a pior ideia de todos os tempos. Ele era pior do que Victor quando se tratava de me deixar ir em missões, e se preocupar comigo o tempo todo. E então algo me atingiu:
— Se Fredrik enviou Dante para o México e Victor enviou Iosif, então quem Niklas mandou? Ele tinha que ter mandado alguém, não há nenhuma maneira no inferno que ele teria me deixado ir nessa missão sem enviar alguém também.
Ando pelo chão da minha sala de estar por um longo tempo falando comigo mesma, ponderando toda a revelação.
Então eu paro no meio do passo quando as peças começam a se unir. Vou até meu laptop na mesa de café e pesquiso a família Lockhart; um sorriso conhecedor se espalhou pelo meu rosto quando vi uma foto da filha do Sr. Lockhart, Frances, de pé ao lado dele em algum tipo de faculdade. Ela definitivamente não era a Frances Lockhart que eu vi nos leilões. E, aparentemente, Cesara não parecia muito inteligente, ou ela teria encontrado a mesma foto, enterrado cerca de vinte páginas em imagens do Google. Talvez ela tenha desistido na página dezenove, como eu quase fiz.
Concluo que a mulher que eu vi no leilão tinha que ser alguém que Niklas enviou — é por isso que eu sentia tanto por ela quanto por Dante. Ela poderia ser essa misteriosa Jackie, talvez? Eu posso nunca saber. Porque assim como Fredrik e Victor, eu nunca mais vou ver Niklas.
Por enquanto, pelo menos, parece que estou sozinha, e vou aproveitar ao máximo. Talvez seja assim que sempre foi destinado a ser; este é o lugar que o destino estava me levando quando me escondi na parte de trás do carro de Victor. Não em seus braços, mas no começo de uma nova vida — minha vida — aquela que nasci para viver, que só Victor poderia me mostrar.
Victor…
Eu sempre o amarei, e apesar do que ele queria que eu fizesse, eu nunca vou deixar de amá-lo; eu nunca vou parar de procurar por ele; e eu nunca vou tirar ele da minha cabeça.
Porque eu sei que um dia nos encontraremos novamente.
Como amantes? Amigos? Inimigos.
É a única coisa que eu temo e desejo mais do que qualquer outra coisa. Para vê-lo novamente; sentir suas mãos em mim; olhar nos olhos do homem que me fez... entender quem eu já era.
J. A. Redmerski
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