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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SPIDERS REVENGE / Jennifer Estep
SPIDERS REVENGE / Jennifer Estep

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Velhos hábitos custam a morrer para os assassinos.
E eu planejava assassinar alguém antes que a noite acabasse.
Isso é o que eu fazia. Eu. Gin Blanco. A assassina conhecida como a Aranha. Mato pessoas, e sou muito, muito boa nisso. Agora, estou pronta para fazer um acerto que realmente importa: Mab Monroe, a perigosa elemental de fogo que assassinou minha família quando eu tinha treze anos.
Oh, eu não achava que a missão seria fácil, mas acontece que é um pouco mais problemático do que o esperado. A cadela sabe que estou atrás dela. Então agora luto contra o exército de letais caçadores de recompensas que ela contratou para rastrear-me. Ela também colocou um preço sobre a cabeça da minha irmãzinha. Manter Bria segura é minha primeira prioridade. Derrubar Mab é a segunda.
Ainda bem que tenho a minha poderosa magia de Pedra e Gelo e meu amante irresistível, Owen Grayson, para cuidar da minha retaguarda. Esta batalha está sendo moldada a anos e há uma chance de eu não sobreviver. Porém, se eu cair, Mab cairá comigo... não importa o que eu tenha que fazer para que isso aconteça.

 


 


Capítulo 01

Velhos hábitos custam a morrer para os assassinos.

E eu planejava assassinar alguém antes que à noite acabasse.

Isso é o que eu faço. Eu. Gin Blanco. A assassina conhecida como a Aranha. Mato pessoas, algo em que sou muito, muito boa.

Hoje à noite, meus olhos estavam sobre o alvo mais perigoso de todos: Mab Monroe, a Elemental de Fogo que assassinou minha família quando eu tinha treze anos. Estava planejando o golpe há semanas. Onde fazer, como passar pela segurança, que arma usar, como fugir após o fato. Agora, nesta fria, fria noite, finalmente decidi realizar meu plano mortal.

Fiquei à espreita durante horas. Três horas para ser exata. Cada uma gasta na amarga geada de fevereiro, inclusive escalando o meu caminho até o lado de uma mansão de quinze andares, um passo gelado de cada vez. Pedaços grandes de neve caiam em meu corpo enquanto tentava manter o vento gelado longe. Não era a coisa mais confortável pela qual já havia passado durante uma de minhas visitas, mas era necessário.

Infelizmente, Mab sabia que eu estava vindo por ela.

Oh, eu não esperava que fosse fácil, mas passar escorregando pela enorme rede de segurança, a neve, os bosques ao redor da mansão de Mab, e então mais perto de sua casa, era um pouco mais problemático do que esperei. Toda a área estava repleta com os gigantes que a Elemental de Fogo empregava como seus guarda-costas pessoais, para não mencionar as minas terrestres desagradáveis e outras armadilhas presas por entre as árvores como teias de aranha invisíveis. Claro, eu poderia ter derrubado os gigantes, matando-os um por um enquanto passava por eles, porém teria como resultado o alarme sendo disparado, e a rede de segurança ficando muito mais apertada.

Então ao invés disso, optei por uma silenciosa, não letal abordagem, pelo menos por agora. Levei uma hora para fazer meu caminho através dos bosques, depois outra hora para chegar perto o suficiente da mansão para deslizar pelas escadas para uma varanda do segundo andar, e em seguida fui para a parte de cima do telhado que descia lá. Depois disso, as coisas ficaram mais fáceis, já que não havia sensores, alarmes, ou gigantes postados nos telhados cobertos pelas várias partes da grande estrutura.

Muitas pessoas não se preocupavam com as coisas no segundo andar, uma vez que a maioria delas não eram corajosas ou loucas o suficiente para subir até ali, especialmente em uma noite de neve como esta. Eu não era particularmente corajosa ou louca, mas estava determinada a matar Mab.

Uma forte rajada de vento bateu e depois foi para a mansão, gritando nos meus ouvidos e arremessando mais neve para fora dos beirais e para mim. Os pedaços bateram no meu corpo antes de desaparecerem ao longo do telhado e caírem na escura noite. Resmunguei com o impacto duro e dolorido.

Como uma elemental, poderia ter usado minha magia de pedra como proteção e feito minha pele dura como mármore, desse modo as bolas de neve saltariam fora do meu corpo como se fossem balas longe do peito do super-homem. Porém, como elementais podem sentir quando outros de sua espécie estão usando seus poderes, não queria dar a Mab qualquer dica de que estava ali.

Pelo menos, não antes de matá-la.

Até este ponto, eu fiz minha rota até o sexto andar onde a planta da mansão indicava existir uma sala de jantar particularmente grande. De acordo com algumas conversas que meu irmão adotivo, Finnegan Lane, escutou de seus vários espiões, Mab estava dando um jantar chique esta noite. Finn não foi capaz de determinar qual o motivo da festa ou mesmo quem foi convidado, mas isso não importava muito, pois Mab estaria morta esta noite e não me importava quem estava na sala com ela.

Eu estava na mesma posição por mais de uma hora, de fora da janela da sala de jantar, deitada em uma parte do telhado que era plana antes de se inclinar para baixo em um ângulo grave e muito baixo caindo para o chão. A neve voava e havia várias sombras escuras combinando com o brilho das luzes no interior, o que fazia tudo invisível para quem olhasse para fora através da janela.

Porém a pior parte da noite realmente não foram os guardas, o frio, a neve ou até mesmo a traiçoeira subida escorregadia, foi ouvir o lamento das pedras ao me redor. Emoções, ações e sentimentos das pessoas afundavam em seu ambiente ao longo do tempo, especialmente nas pedras em torno delas. Como uma Elemental de Pedra, eu podia ouvir essas vibrações emocionais sob qualquer forma que o elemento estivesse ao meu redor, desde seixos soltos sob os pés, do tijolo de um edifício ou até de uma escultura de mármore. Os sons, os murmúrios, os sussurros que reverberavam através das pedras avisavam-me o que tinha acontecido em um local particular, que tipo de pessoas estiveram ali, e todas as coisas escuras, feias e deturpadas que tinham feito nesse meio tempo, ou quem possa estar à espreita aqui e agora, tentando cair sobre mim.

Fogo, calor, dor, morte. Isso é o que as pedras da mansão de Mab murmuravam, pontuadas por astúcia, sorrisos discretos, sussurros confiantes de poder e dinheiro, duas coisas que a Elemental de Fogo possuía em abundância. Contudo, a coisa mais perturbadora, o som que me fez ranger os dentes, foi o cacarejar de loucura que percorria as pedras cinzentas. Onda após onda disso, como se a pedra tivesse de alguma forma sido torturada até que fosse tão quebrada, queimada e morta como as muitas vítimas de Mab.

Depois de um minuto ouvindo os gritos insanos e lamentosos das pedras, bloqueei o maldito ruído perturbador e concentrei-me com assuntos mais importantes, como a verificação das minhas armas. Como sempre, levei cinco facas Silverstone: uma em cada manga, outra contra a parte baixa de minhas costas e mais duas dobradas em minhas botas. As facas eram minhas armas escolhidas na maioria dos trabalhos, porque elas eram afiadas, fortes e quase inquebráveis. Assim como eu.

Porém, Mab era uma Elemental de Fogo, o que significava que ela poderia criar, controlar e manipular esse elemento da mesma forma que eu podia fazer com a pedra. E Mab não era qualquer mero Elemental do Fogo, havia rumores de que ela possuía magia mais bruta, o poder mais bruto, do que qualquer outro elemental nascido nos últimos quinhentos anos. Ela poderia facilmente me fritar viva com a sua magia, antes mesmo de eu chegar perto o suficiente para sequer pensar em mergulhar minhas facas Silverstone em seu coração negro.

Decidi jogar de modo inteligente e manter uma distância saudável entre nós, apenas no caso das coisas não funcionarem exatamente como eu havia planejado esta noite. Então trouxe outra arma comigo, uma besta. Ela parecia a típica besta pesada, substancial, mortal, principalmente por causa do rifle acoplado que eu tinha montado acima do gatilho, especificamente a seis centímetros de comprimento, já em posição de tiro. Desde que ela foi feita de Silverstone— um metal mágico particularmente difícil— a arma destroça qualquer coisa que entra em contato, como vidro, pedra, carne e ossos.

A besta estava atualmente no parapeito da janela com a flecha apontando para dentro. Eu já estava em posição de tiro por mais de 15 minutos, e tudo que precisava fazer para liberar a flecha mortal era puxar o gatilho.

Boa coisa, pois as pessoas estavam começando a chegar para o jantar.

As cortinas de veludo preto haviam sido puxadas para ambos os lados da janela, deixando-me ter visão da sala de jantar. Fechar as cortinas era outra coisa que a maioria das pessoas não se incomodava em fazer no segundo andar. Desleixado, desleixado, desleixo dos guarda-costas de Mab não ver pequenos detalhes assim.

Eu realmente estive dentro da mansão de Mab uma vez, quando fui perseguir outro alvo alguns meses atrás, e a sala de jantar era tão grande como eu me lembrava. O cômodo possuia cem metros de largura, com um teto bastante alto. Folhas de ouro e prata brilhavam em padrões elaborados no teto, enquanto vários candelabros caíam e brilhavam como uma joia de gotas de orvalho sobre uma mesa de ébano polido. Quatro dúzias de lugares arrumados com porcelana fina cobriam a mesa, juntamente com talheres correspondentes. Baldes de prata cheios de gelo, champanhe e outras bebidas caras foram espalhadas por ambos os lados da mesa para que todos pudessem ter fácil acesso à bebida.

Nos últimos dez minutos, gigantes de smoking atravessavam a área trazendo pratos, guardanapos, licor e tudo mais que poderia ser necessário. Meu olhar desviou para uma mesa de buffet que foi criada do outro lado da sala. Mab e seus convidados jantariam lagosta entre outras iguarias nesta noite.

Finalmente, um dos gigantes abriu as portas duplas no final da sala, abaixou a cabeça e esticou o braço conduzindo os convidados para dentro. Hora de começar a festa, de várias maneiras.

A maioria dos convidados entravam de um a um, embora alguns estavam em grupos de dois ou mais. Homens e mulheres. Velhos, jovens, gordos, magros, negros, brancos, hispânicos, anões, gigantes, vampiros. Houve mais variedade de público do que eu esperava. Normalmente, todos os colegas de trabalho de Mab pareciam os mesmos homens de meia-idade, com mais dinheiro do que bom senso e todos gananciosos, com apetites distorcidos semelhantes.

Contudo, essas pessoas eram diferentes. Oh, todos eles pareciam como eu pensei que estariam: vestidos para a noite, em smokings e vestidos de baile, com joias caras, maquiagem perfeita e cabelos penteados com esmero. Mas não agiam como pensei que agiriam. Eles não se misturavam, não começaram a beber e nem comer, e talvez o mais revelador, eles nem sequer se incomodaram de falar uns com os outros. Em vez disso, todos os solteiros, casais e grupos ficaram entre si, deixando vários metros de distância entre cada um deles. Curioso. Muito curioso de fato.

Através do rifle, meu olho passou de um rosto para o outro, tentando ter uma noção exata de quem Mab convidou para seu baile e por que eles estavam agindo de forma tão estranha. Eu poderia não me importar quais eram seus nomes ou quanto dinheiro eles tinham, mas queria saber se algum deles poderia ser uma ameaça para mim. Não que eu estivesse pensando em ficar por aqui depois que atirasse em Mab, mas nunca fez mal ser preparada. Fletcher Lane, o velho homem que foi meu mentor, ensinou-me isso, entre muitas outras coisas mortais.

Apesar de seus smokings, vestidos e joias brilhantes, cada um dos homens e mulheres possuíam um tenso ar predatório sobre eles e todos deram um ao outro o mesmo olhar plano e duro, como se estivessem todos competindo pelo mesmo prêmio e fariam qualquer coisa para obtê-lo. Alguns deles, na verdade, olhava para os talheres como se estivessem pensando em pegar as facas, colheres e garfos e devastar a multidão um pouco antes do show começar.

Fiz uma careta. Mab faz negócios com todos os tipos de pessoas desagradáveis, mas algo sobre essas pessoas dentro da sala de jantar me incomodava. Talvez porque todos eles me lembravam...a mim. Gin Blanco. A Aranha.

Antes que eu tivesse tempo para pensar, as portas duplas se abriram novamente e Mab Monroe entrou no quarto. A Elemental de Fogo passeava por entre a multidão tensa até que chegou no meio da sala de jantar. Todos se viraram para olhá-la e a pouca conversa silenciou, como um rádio sendo desligado. Como seus convidados, Mab estava vestida para a noite, em um vestido longo, verde-mar, que combinava com sua pele pálida. Seu cabelo vermelho acobreado foi empilhado em cima de sua cabeça, cada mecha de cabelo artisticamente disposta e escorrendo pelos lados de seu rosto como sangue. Mas a coisa mais impressionante sobre Mab eram seus olhos, duas piscinas negras sem fundo que pareciam sugar toda a luz disponível no quarto em vez de refleti-la de volta. Mesmo os lustres brilhantes pareciam fracos quando ela passava por debaixo deles. O grande V na frente de seu vestido exibia sua pele cremosa, bem como o colar que ela usava. Um círculo de ouro plano envolvia seu pescoço, o símbolo da Elemental de Fogo, acentuada por um conjunto de rubi no meio. Várias dezenas de raios dourados ondulados cercavam a joia, e os cortes de diamantes sobre o metal refletiam a luz que refletia de volta, fazendo com que parecesse que os raios estivessem cintilando.

O desenho de rubi e ouro era muito mais do que apenas um mero colar, era uma runa. A runa do sol. O símbolo do fogo. A runa pessoal de Mab, usada somente por ela. Runas eram como os elementais e outros tipos de magia em Ashland, que identificavam a si mesmos, suas famílias, sua energia, suas alianças e até mesmo seus negócios para os outros.

Eu tinha uma runa também. Um pequeno círculo rodeado por oito raios finos. A runa de aranha. O símbolo para paciência e era meu nome de assassina. Na verdade, eu possuía duas runas— uma marcada em cada palma. As marcas foram colocadas lá por Mab na noite em que ela assassinou minha família. E quando a Elemental de Fogo me torturou, gravando um medalhão de Silverstone em forma de runa de aranha entre as minhas mãos e superaquecendo o metal com a sua magia até que derretesse em minha carne, marcou-me para sempre.

A visão de Mab e seu colar faziam as runas de aranha cicatrizadas em minhas palmas coçarem e queimarem, do jeito que sempre faziam quando eu estava ao redor da Elemental do Fogo, mas não saí da minha posição. Não esfreguei as mãos juntas para fazer a sensação desconfortável ir embora. Não dei um suspiro tenso. Inferno, eu nem sequer pisquei.

Matar Mab era muito mais importante do que as memórias que enchiam a minha mente ou a dor que elas me traziam, mesmo agora, 17 anos após o fato. Agora não era o momento de ser sentimental ou desleixada. Não quando eu tinha a chance de matar a cadela e finalmente acabar com a nossa briga de família de uma vez por todas.

Dentro da sala de jantar, Mab rodava em círculos, seus olhos negros sobre seus clientes, avaliando-os assim como eu fiz.

— Fico feliz em ver que todos vocês puderam vir. — A voz da Elemental de Fogo era baixa, macia e sedosa, com apenas uma sugestão de rouquidão. Ainda assim, apesar de seu tom suave, uma tendência clara de poder e autoridade crepitava nas suas palavras.

Graças a Finn e sua capacidade de colocar as mãos em absolutamente tudo, abri a janela da sala de jantar mais cedo e prendi um pequeno receptor debaixo dela. O receptor que eu tinha preso no meu ouvido alguns minutos atrás me deixou ouvir Mab alto e claro.

— Eu não tinha certeza exatamente quantos de vocês apareceriam em tão pouco tempo.— Mab continuou. — Mas estou muito satisfeita pela participação.

Eu fiz uma careta. Comparecimento às pressas? O que a Elemental de Fogo estava fazendo, e quem eram essas pessoas misteriosas que ela convidou para sua mansão? Tive um sentimento engraçado de que eles não eram os empresários que eu esperava encontrar.

Uma mulher se aproximou separando-se do bloco. Ela usava um vestido de noite como todos os outros, mas o vestido era um pouco grande demais para o seu corpo magro e musculoso. O tecido era liso e barato, e a cor verde menta estava desbotada, como se tivesse esse vestido por anos, tirando-o das profundezas do seu armário para ocasiões especiais apenas como esta. Ela devia ter setenta anos e sua pele era escura, a pele de alguém que passou toda sua vida ao ar livre, trabalhando sob o sol escaldante. Seu cabelo grisalho tinha sido puxado para trás em um coque apertado, o que desencadeou o seu afiado rosto anguloso. Já seus olhos eram de um pálido azul desbotado.

A mulher era uma das que tinham entrado com outra pessoa. Uma jovem de cerca de dezesseis ficou à sua direita, vestida com um vestido curto de renda rosa com uma saia de bailarina, o que tornava parecido com um vestido de baile. A menina era tão branca quanto a mulher era escura, cabelo loiro mel. Seus olhos castanhos estavam arregalados e inocentes em seu magro rosto, e a menina não parava de olhar para os lados, obviamente impressionada com todo o sofisticado mobiliário.

— Bem, não havia realmente nenhuma escolha para isso, Mab. — A voz da mulher era baixa, agradável, amigável mesmo, como se estivesse falando com um estranho na rua e não com a mais perigosa pessoa em Ashland. — Não com o pagamento generoso que está oferecendo. Estou surpresa que mais pessoas não apareceram para tentar recolher.

Os outros na sala assentiram o seu acordo. Meus olhos se estreitaram. Pagamento, por quê? E como eles estavam indo para recolher? Foi algum tipo de negócio? Ou outra coisa... algo mais sinistro? Algo a ver com a Aranha, talvez? Não estava fora do reino da possibilidade. Não muito tempo atrás, Mab havia contratado uma assassina chamada Elektra LaFleur para vir a Ashland me caçar e matar. Claro, eu tinha cuidado de LaFleur em vez disso. Ainda assim, desde então, eu estava esperando a Elemental de Fogo fazer alguma coisa, qualquer coisa, para tentar encontrar a Aranha novamente. Mab não era o tipo de pessoa que desistia, principalmente quando eu estava matando seus homens, frustrando seus melhores planos e, geralmente, metendo meu nariz todo mês nas coisas dela.

Entretanto, tudo estava tranquilo desde que eu matei LaFleur na antiga ferroviária da cidade. Mesmo Finn e seus muitos espiões não ouviram um sussurro do que Mab poderia estar planejamento, o que me preocupou muito mais do que se eu soubesse que a Elemental de Fogo tivesse despachado cada homem à sua disposição para me caçar. De alguma forma, porém, sentia que o silêncio estava prestes a terminar esta noite, em grande estilo, grande.

— E você seria? — Mab perguntou, olhando para sua convidada.

A outra mulher inclinou a cabeça respeitosamente, embora nunca tirasse os olhos da Elemental de Fogo.

— Gentry Ruth, ao seu serviço.

— Ah, sim, Gentry. Bem, aprecio sua honestidade. — disse Mab, retornando o tom agradável da mulher. — Você tem uma reputação estelar, assim como todos os outros na sala. O que, é claro, é por isso que pedi todos aqui esta noite.

A Elemental de Fogo atingiu em pico a minha curiosidade com suas palavras estranhas, e fiz uma pausa, querendo saber exatamente qual era o mistério dessas pessoas. A curiosidade era muitas vezes uma emoção que tem o melhor de mim, mas por uma vez forcei-a de lado. Eu estava aqui para fazer uma coisa: matar Mab. Todo o resto podia esperar.

— Espero que todos tenham feito uma boa viagem. — Mab disse, olhando aos seus hóspedes. — Como vocês podem ver, jantaremos os diversos pratos que meu chefe tem preparado...

Eu me desliguei da Elemental de Fogo e levantei meu olho para longe do rifle. Lentamente, avancei para frente até que meus dedos se fecharam ao redor de um pequeno buraco, quase invisível na janela diante de mim. Puxei suavemente o topo e um pequeno pedaço circular deslizou para fora da janela. Um cortador estava entre as ferramentas que trouxe comigo hoje à noite, escondido no bolso do zíper no meu colete de Silverstone. Antes, eu o teria usado para fazer uma abertura na janela. Eu queria um tiro certeiro em Mab e que não fosse distorcido por minha flecha ao perfurar através do vidro.

Eu coloquei o vidro ao meu lado no telhado de neve, então deslizei a besta em minha frente, até a ponta da extremidade saliente através do orifício na janela proposta à direita de Mab.

Um dos guarda-costas gigantes dela, que estava trabalhando como garçom esta noite, aproximou-se para ficar ao lado de Mab, como se tivesse uma mensagem importante para ela. A Elemental de Fogo ignorou e continuou falando com seus clientes como se estivesse discutindo negócios depois do jantar. Pena que ela não ia mesmo esperar pela sopa.

Esperei alguns segundos para ter certeza de que o gigante não interromperia ou passaria na frente de Mab, em seguida, fui ainda mais para frente e coloquei meu olho ao lado do rifle mais uma vez. A Elemental de Fogo não estava tão longe de mim, talvez 15 metros, mas a mira deu-me uma visão muito clara de seu rosto.

Apontei para o seu olho direito, que parecia mais negro do que a tinta. Eu só teria uma chance, e não queria desperdiçá-la em uma ferida no peito que não pudesse abatê-la. Mab pode ter mais magia do que qualquer outro elemental em Ashland, mas mesmo ela não seria capaz de sobreviver a uma flecha através de seu olho, especialmente desde que o projétil de Silverstone seguiria em frente até que ele explodisse a parte de trás de seu crânio. Difícil se recuperar quando metade da sua massa encefálica estivesse faltando.

Apesar de todas as pessoas que eu matei ao longo dos anos, todo o sangue que derramei, rapidamente, violento, mortes brutais que eu causei, meu dedo tremeu um pouco quando o coloquei no gatilho da besta. Meu coração correu em meu peito, pegando velocidade com cada batida, e uma gota de suor escorreu do lado do meu rosto, apesar do frio. Eu segurei a respiração, tentando acalmar meus nervos e acalmar-me.Tentando ir através desse escuro, frio e duro lugar que eu tinha ido tantas vezes antes, o abrigo que tinha ido tantas vezes quando acontecia coisas terríveis em minha vida.

Porque este era o golpe que verdadeiramente e realmente importava. Pela minha família assassinada, por minha irmãzinha, Bria, por mim. Não acertaria as coisas, não apagaria todas as coisas horríveis que eu havia sofrido ou as igualmente ruins que fiz, mas matando Mab manteria as pessoas que eu amava seguras. E esperava que fosse me trazer algum tipo de paz também.

Eu não fui capaz de parar Mab anos atrás, quando ela matou a minha mãe e irmã mais velha, mas poderia matá-la agora. Tudo o que já tinha passado, vivendo nas ruas, tornando-me uma assassina, aprimorando minhas habilidades mortais levaram-me até este momento, o confronto final.

Eu soltei minha respiração e puxei o gatilho.


Capítulo 02


O som mais suave soou, e a flecha farpada voou pela sala de jantar em sua colisão mortal tão clara, com os olhos de Mab.

Pena que eu errei.

No último segundo possível, no último instante, o gigante que estava de pé ao lado Mab cansou de esperar e se abaixou em frente a ela, com sua cabeça de melão obscurecendo o rosto dela. A flecha perfurou através de sua têmpora esquerda e saiu pelo outro lado de seu crânio, errando Mab inteiramente, antes de bater na parede atrás dele. O projétil parou ali, tremendo com a força de sua jornada violenta, sangue e massa encefálica despejando fora dele como a água.

Por um momento, eu só fiquei ali no telhado coberto de neve pensando na minha sorte maldita, vadia inconstante que tinha me ferrado de novo, hoje à noite, quando mais importava. Droga e dupla maldição. E então em segundos, tudo ao meu redor, as pedras cinzentas da mansão gargalharam com a loucura, como se elas estivessem satisfeitas que sua senhora ainda estivesse viva. Sorte do caralho. Pedras do caralho. Caralho sobre tudo.

Eu perdi. Eu tive minha chance com Mab, tomei e eu perdi.

Meu mentor e pai adotivo, Fletcher Lane, teria me dado um triste olhar aguçado com os remelentos olhos verdes e balançado sua cabeça, dizendo-me sem uma única palavra que eu deveria ter sabido melhor. Que eu deveria ter esperado apenas alguns segundos mais ou pelo menos até que o gigante houvesse se afastado totalmente de Mab. Eu era a Aranha, depois de tudo. Minha runa era o símbolo para paciência, uma das emoções que definem a minha carreira e toda a minha existência. Mas, por uma vez, eu ignorei os ensinamentos de Fletcher. Não, esta noite eu tinha sido estúpida, impaciente, desleixada e isso me custou talvez tudo.

Nada aconteceu dentro da sala de jantar por meio segundo. Em seguida, o gigante tombou para frente, bateu em Mab, e os dois a caíram no chão. Eu amaldiçoei novamente, porque agora não havia nenhuma maneira que eu poderia chegar a Elemental de Fogo. Inferno, eu não podia nem a ver já que ela estava presa por baixo do corpo de sete metros de altura do gigante.

Outro segundo passou e finalmente registrou no cérebro de todos o que havia acontecido. Que alguém tinha acabado de dar um tiro em Mab na sua própria mansão.

Em vez de gritar como empresários normais fariam, a maioria das pessoas de dentro caíram no chão. Alguns pegaram os talheres que tinham estado olhando antes, suas mãos curvaram em torno das facas, colheres e garfos com familiaridade surpreendentes. Notei também que Ruth Gentry, a mulher que falou com Mab, cobriu a jovem que estava com ela, protegendo-a dos perigos potenciais. Como era atenciosa.

Levei tudo isso em consideração. Mesmo que tivesse perdido Mab, havia algo ainda mais importante para pensar agora, como ir embora daqui. Minhas mãos já estavam pegando outra flecha Silverstone para a besta, mesmo quando me levantei.

— A janela! — Alguém de dentro disse. — Essa flecha entrou pela janela.

— É claro que entrou pela janela. — a voz abafada de Mab pulou na mistura. Um de seus braços batendo no corpo do gigante em cima dela.— Peguem-na, seus tolos!

Todo mundo congelou por um momento, olhando primeiro um para o outro, em seguida, para a janela. Uma brisa soprou através do buraco que eu cortei no vidro, fazendo as cortinas de veludo preto vibrarem juntos como um bater de asas delicadas.

— Agora!— Mab rugiu.

Minha deixa para sair. Com um pensamento coletivo, os convidados levantaram-se e correram para a janela. Houve um pouco de um impasse, pois um bateu no outro, disputando por uma posição, garfos e facas cortando como punhais através de quem quer que estivesse ao alcance.

A luta interna me deu mais alguns preciosos segundos para obter o inferno fora de Dodge. Com a besta ainda em minhas mãos, corri através do telhado coberto de neve. Minhas botas escorregando no gelo, mas em vez de lutar contra os escorregões ímpios, inclinei-me para ele, usando o meu peso e impulso para me impulsionar para frente. Eu precisava deixar a área da sala de jantar e tomaria qualquer ajuda que pudesse ter, mesmo se fosse apenas alguns míseros centímetros.

O telhado se estendeu plano por cerca de trinta metros antes de desaparecer na escuridão. Fiz uma pausa na borda, virei-me e disparei minha besta de volta para a mansão. Esta flecha Silverstone, que tinha formato de um gancho com duzentos metros de corda de escalada anexados ao final, passou através de um balcão de pedra de dois andares acima da minha cabeça antes de pegar em um dos parapeitos.

Larguei a besta, coloquei o resto da corda ao redor da minha cintura, e joguei-a sobre o lado do telhado. A fina fita preta afogada na escuridão abaixo. Eu dei um rápido puxão na corda, verificando se o gancho estava ancorado firmemente. Não importava muito embora, já que não possuía tempo para outro tiro. Já podia ouvir o vidro esmagado atrás de mim, quando os homens e mulheres que estavam na sala de jantar continuaram sua perseguição.

Então agarrei a corda, respirei e dei um passo para fora do telhado.

O vento gritava em meus ouvidos enquanto eu caía a cem pés para a terra abaixo. Não havia tempo para ser sutil ou cautelosa, não agora, então me deixei em queda livre. Peguei minha magia de Pedra, puxando o frio poder nas minhas veias e coloquei para fora em minhas mãos, endurecendo a minha pele para que a fina corda não rasgasse a minha carne enquanto eu deslizava para baixo. Pouco antes de atingir o chão, peguei ainda mais da minha magia de pedra, empurrando a energia para fora, para meus braços, pernas, tórax e cabeça, tornando-os todos duros e sólidos como as pedras da mansão em torno de mim.

Eu não tinha tempo para desacelerar e meu que corpo atravessou através das camadas de neve gelada antes de bater no solo congelado. Grunhi no impacto que deixaria hematomas, mas graças a minha mágica de pedra meu mergulho de cisne não fez nenhum dano real duradouro. Eu já estava rolando, rolando, rolando, agitando através da neve, antes de usar a minha força para me puxar de volta para os meus pés.

Eu dei apenas dois passos quando um grito fino soou, cada vez mais alto e mais cortante com cada segundo, como um apito alto de trem. Eu olhei para cima a tempo de ver o corpo em queda livre em minha direção. Mergulhei para fora do caminho, e um homem caiu no chão onde eu estive. Parecia que alguém julgou mal o gelo no telhado em sua pressa para chegar a mim e pagou o preço por isso. O sangue e miolos espalhados pela neve lembrou-me da cor rosa pálida do vestido de baile da menina, mas eu não dei ao homem mais do que um olhar de passagem quando levantei para cima em meus pés uma vez mais.

Porque agora era hora de correr pela minha vida.

 

Não demorou muito para que o alarme fosse disparado. Eu não estava nem na metade do outro lado da vasta extensão branca do gramado antes das luzes se acenderem dentro da mansão. Uma por uma, elas piscaram adiante, como dominós caindo uns sobre os outros, cada chama brilhante tomando mais e mais da preciosa escuridão com ele. Passos raspando, riscando, brigando nas escadas e varandas da mansão acima da minha cabeça, mas eu estava mais preocupada com os que rangiam na neve no chão atrás de mim. O barulho dos sons me fez pensar em ossos quebrando, os meus, se eu não saísse daqui.

— Alerta de segurança! Alerta de segurança!— Uma voz mecanizada cresceu.

O alarme soou mais cinco vezes antes de alguém desligá-lo, mas um grito rouco imediatamente substituiu o barulho, a voz distorcida. Os gigantes que compunham a maior parte da força de segurança de Mab foram alertados pela minha presença e sairam à caça. Eu podia ouvir seus gritos de raiva mesmo acima do thump-thump dos meus passos rápidos na neve.

— Ela está aqui! A Aranha está aqui!

— Ela tentou matar Mab!

— Encontrem a cadela! Não importa o que for preciso! Ela não vai fugir desta vez!

Eu tinha esperanças de escapar para a floresta antes que Mab enviasse cada um dos seus gigantes atrás de mim, mas a sorte nunca, nunca foi minha amiga.

Ainda assim, não abrandei, nem mesmo por um instante. Agora que eles sabiam que eu estava aqui, os gigantes estavam correndo em todas as direções, tentando me pegar em sua rede de segurança. Se eles fizessem isso, se eles ficassem em torno de mim, eu estaria morta. Neste momento, a velocidade era preferível.

Crack! Crack! Crack! Crack!

Balas voavam na neve atrás de mim, enviando frios e gelados sprays que bateram em minhas pernas e costas, mas continuei correndo, meus olhos fixos na linha de árvores coberta de sombra à frente.

Já que a semana passada nevou, e a mansão de Mab era tão congelada e fosca como o resto da Ashland, renunciei minhas habituais roupas pretas de assassina, botas, calça, camisa, colete, máscara de ski, em favor de cinza claro, para ajudar-me a misturar melhor com as sombras suaves. Mas movimento ainda era movimento, e os gigantes foram com o objetivo de matar qualquer coisa maior que um esquilo através da neve hoje à noite.

Ainda assim, a menos que houvesse um franco-atirador pousado em algum lugar nas terras com a melhor pontaria do mundo, eu não estava muito preocupada em ser morta por disparos dos gigantes. A maioria das pessoas não consegue acertar o que eles têm como objetivo em plena luz do dia, muito menos atirar em um alvo em movimento durante a noite, quando a neve e sombras pintavam a paisagem em tons de cinza escuros. Mesmo se alguém conseguisse me acertar, eles não fariam nenhum dano real. Eu ainda estava segurando a minha magia de Pedra, ainda usando para endurecer minha pele, o que significava que qualquer bala que viesse em meu caminho iria apenas saltar fora do meu corpo.

O punho saiu do nada.

Eu só cheguei à borda da floresta densa quando um braço grosso girou para fora da escuridão e o punho anexado chocou com meu rosto. O duro golpe me balançou para trás, e os meus pés deslizaram para fora debaixo de mim. Eu tropecei em uma árvore, bati tão forte que alguma pinha coberta de gelo que caiu fora de seus ramos frágeis e bateu na minha cabeça. Eu caí de joelhos, a imersão de neve através das minhas pesadas calças cargo e as muitas camadas que eu tinha por baixo delas.

Mas mais importante do que o meu desconforto foi que o ataque me pegou de surpresa. Tanto assim que a minha magia de Pedra escorregou de mim, e minha pele se reverteu para a sua textura normal e vulnerável uma vez mais. O que significa que eu poderia agora ser ferida por balas, punhos, ou quaisquer outros perigos que viessem em meu caminho. Tanta coisa para acontecer esta noite.

— Uau, eu pensei que você seria mais difícil de derrubar do que isso.— um homem roncou e saiu das sombras à minha esquerda.— Bem decepcionante, se você me perguntar, você não vive de acordo com toda a sua fama, Aranha.

Ele era um dos gigantes da Mab, quase dois metros e vinte de altura com uma estrutura volumosa que era fantasmagórica e pálida no luar de inverno, graças a sua roupa prata. Eu o reconheci, passei por ele no meu caminho para a mansão antes. Ele sorriu para mim, revelando duas fileiras de dentes que estavam mais brilhantes do que a paisagem fosca ao redor de nós.

Eu fiquei onde estava, de joelhos, como se ainda estivesse atordoada de seu golpe duro. O sorriso do gigante se alargou, com a mão fechada em um punho mais uma vez, ele deu um passo em minha direção, pronto para bater o resto do caminho em meus ombros. Ele não viu na queda a minha mão direita ao meu lado, ou o brilho de metal que de repente apareceu lá.

A arrogância vai te pegar, toda vez.

Assim que ele ficou perto, eu subi e bati minha faca Silverstone em seu peito. Eu dirigi a lâmina tão duro e profundo que pude, antes de arrancá-la fora e mergulha-la nele de novo. O gigante estava morto agora. Eu ainda podia ouvir meus outros perseguidores atrás de mim, correndo cada vez mais perto da floresta cheia de pinheiros e da liberdade que eles representavam.

O gigante gritou de dor, dizendo a todos exatamente onde estávamos, e caiu de joelhos. Ele estendeu a mão para mim, tentando agarrar-me até que seus amigos pudessem vir e vê-lo morrer, mas escapei de suas mãos. Normalmente, eu teria me virado para matá-lo e em seguida, cortado sua garganta, mas eu não tinha tempo.

Crack! Crack! Crack!

Mais balas voaram em minha direção, corri para as árvores. Sons vieram pelo ar, e o forte cheiro pegajoso de seiva de pinheiro queimou meu nariz. Eu pulei sobre o gigante ferido e corri mais profundamente na floresta, tentando escapar da teia de morte que foi lentamente se apertando ao meu redor.


Capítulo 03


Corri pela floresta, saltando sobre troncos cobertos de neve, tropeçando em pedras de gelo, empurrando através de matas congeladas cheias de espinhos afiados e quebradiços. O tempo todo eu prendi a minha respiração, esperando que meu próximo passo não fosse o último. Que minhas botas não escorregariam muito feio na neve ou no gelo, que não quebraria meu tornozelo, que não daria um único passo em falso que significaria a minha morte.

Fazer meu caminho sobre o terreno oculto e traiçoeiro não era a única coisa que eu tinha que me preocupar. Armadilhas enchiam a floresta, bem como fios de mágica, bombas elementares de incêndio, e outras coisas desagradáveis apenas esperando por eu tropeçar neles para que eles pudessem me jogar no inferno. Movi-me o mais rápido que me atrevi, mantendo o caminho que eu tinha observado antes e contornando as armadilhas que já havia encontrado no meu caminho na vinda. Mantive meu ritmo rápido e constante, mas não corri cegamente, mesmo que a parte de trás do meu pescoço coçasse como se houvesse uma arma apontada bem ali, bem no doce ponto para me matar.

Paranoia nunca foi um sentimento bom, especialmente para uma assassina em fuga de um atentado que deu errado.

E então havia todos os gigantes na floresta, rosnando e gritando sobre tudo, como lobos chamando uma nova matança. Desta vez, eu não me incomodei contornando ao redor deles. Se eles estavam entre eu e minha fuga, em seguida, eles eram cortados com minhas facas Silverstone, tão forte e profundo como poderia fazer e ainda me manter em movimento.

Alguns deles bloquearam meu caminho, colocando tanta resistência como podiam, mas eu era mais rápida e muito mais cruel. Um movimento ou dois de minha faca e tudo estava acabado. No momento em que os gigantes perceberam o que estava acontecendo, eles estavam mais preocupados com suas entranhas que derramavam para fora de seus estômagos do que tentar me parar. Eu segui em frente, esperando outro obstáculo aparecer, os olhos fixos à frente mais uma vez, pronta para cuidar do próximo tolo estúpido o suficiente para parar em minha frente. Não me incomodei verificando se eu tinha machucado os guardas o suficiente para matá-los. Os gigantes não importavam, somente a minha fuga importava.

Finalmente consegui colocar um pouco de distância entre mim e os meus perseguidores. Os roucos gritos dos gigantes desapareceram para ecos fantasmagóricos que sacudiam através das árvores. Mas só porque eles não estavam tão perto mais não queria dizer que eu estava segura ainda, e assim continuei em movimento. Não parei, nem mesmo por um segundo.

Isso seria estúpido e desleixado, e eu já tinha sido o bastante esta noite.

Eu ainda não podia acreditar que havia errado Mab. Que perdi quando tive a chance de terminar com isso de uma vez por todas.

O clique de uma arma surpreendeu-me. Assim fez a mulher que saiu do bosque 6m na minha frente. Corpo fino e magro, cabelos grisalhos, pele morena, olhos azuis pálidos. Eu a reconheci. Ruth Gentry, a mulher que falou com Mab durante a festa dentro da mansão.

Agora ela estava com um revólver apontado para o meu peito. A arma era um grande e velho pedaço de moda, com o tipo de acabamento de pérola que você vê em filmes de faroeste. Ele brilhava a luz do luar por entre os dedos, parecendo tão brilhante como uma estrela contra a escuridão, uma qualidade desgastada pelo tempo de sua pele.

— Isso é o suficiente. — disse Gentry com a mesma voz agradável que tinha usado com Mab antes. — Pare aí mesmo!

Fiz o que ela pediu, mesmo que não estava particularmente com medo dela e de seu revólver. O Silverstone no colete que eu tinha em minhas roupas cinza por baixo iria pegar qualquer projétil que fosse atirado nele. O metal mágico era melhor do que o Kevlar{1} para bloquear balas. Além disso, poderia sempre usar minha magia de pedra para endurecer a minha pele.

Em vez disso, estava ali, olhando para a mulher mais velha e esforçando-me para dar sentido às coisas. Perguntei-me como ela chegou aqui na minha frente. Refiz meus passos na minha cabeça, perguntando-me como eu fui tão estúpida, tão lenta, como deixei alguém cortar minha rota de fuga.

Os gigantes e as armadilhas na mata, eu percebi. Eu passei demasiadas minutos preciosos lutando com eles e contornando ao redor dos fios mágicos, o que deixou Ruth Gentry chegar à minha frente. E agora ela estava de pé entre mim e minha liberdade.

Minhas mãos se apertaram em torno das facas ensanguentadas, tanto que eu podia sentir as pequenas runas de aranhas estampadas nos meus punhos pressionarem contra as cicatrizes maiores embutidas em minhas palmas. Não por muito tempo.

Eu poderia dizer pela forma como seus olhos azuis olharam para os meus e seus lentos passos firmes em minha direção que este não era a primeira vez que Gentry coloca para baixo alguém como eu. Ela não seria tão arrogante e assumiria que só porque tinha conseguido me alcançar que ela tinha ganhado. Ela não me deu uma abertura para usar as minhas facas, a menos que eu fizesse uma.

— Como você sabia que eu viria aqui?— Perguntei, quando mantive ambos os ouvidos atentos, escutando sons de perseguição atrás de mim.

Gentry parou cerca de dez metros na minha frente, o revólver ainda voltado para o meu peito. Em algum momento entre vê-la na sala de jantar e, em seguida, novamente aqui, ela tinha vestido um casaco pesado em cima dela.

O tecido de lã era tão desgastado e desbotado quanto seu vestido, e as botas de couro nos pés estavam rachados do uso e desgaste. Ainda assim, apesar de sua aparência um tanto pobre, ela veio para Mab em um jantar chique e tinha então estado preparada o suficiente para correr pela floresta atrás de mim, em um segundo aviso. Ela era uma pensadora, então, uma planejadora, o que a deixou muito mais perigosa.

Ela sorriu, como se estivesse encantada com a minha pergunta.

— Eu adivinhei.

Levantei uma sobrancelha, mesmo que ela não pudesse ver por trás da máscara de esqui cinza que cobria o meu rosto.

— Você adivinhou? Você deve ser um inferno de uma boa adivinhadora.

Gentry encolheu os ombros.

— Oh, isso foi apenas algo a dizer. Não havia muito trabalho de adivinhação realmente. Este final de floresta oferece o mais rápido caminho para a estrada principal. É a maneira que eu faria se viesse hoje à noite, se estivesse em seu lugar.

Sua lógica e raciocínio foram ótimos, embora não a elogiei. Em vez disso, olhava em sua mão e pensava no caminho mais fácil, ela segurava o revólver de um jeito familiar, como se fosse um velho amigo que não queria deixar ir. Gentry definitivamente sabia como usar essa arma. Seus tiros não iriam errar como os outros que atiraram em mim mais cedo esta noite, especialmente não nesta curta distância.

Gentry me deu um olhar pensativo.

— Não acho que eu teria errado Mab, no entanto. Foi arriscado, dar um tiro assim quando havia outra pessoa por perto. Você deveria ter esperado pelo menos alguns segundos a mais. Guy estava mudando em seus pés. Fácil de dizer que ele não ficaria parado muito mais.

Dei de ombros. Ela estava certa, mas não daria à velha a satisfação de concordar com ela.

Ela olhou para mim, olhando de perto, como se pudesse de alguma forma ver através de minha máscara de esqui e dar uma olhada na minha verdadeira identidade, Gin Blanco. Ainda mais interessante foi que Gentry parecia bastante hesitante para puxar o gatilho em seu revólver. Eu não sei por que ela não me encheu de buracos ainda, ou pelo menos tentado, mas a hesitação ia custar-lhe a sua vida.

Gentry finalmente chegou a algum tipo de decisão sobre o que estava pensando, porque me deu uma sacudida de arrependimento com sua cabeça.

— Bem, — disse ela. — por que você não volta, e vamos começar a marchar para o outro lado em direção a mansão de...

E foi aí que fiz a minha jogada.

Virei-me como se estivesse indo para obedecê-la, em seguida, girei para o outro lado e joguei-me nela. Mas Gentry foi ainda mais inteligente do que eu pensava, porque ela estava esperando o blefe. Ela deu três tiros, todos pegaram no meu colete de Silverstone no meu peito antes de me abordar e levar para o chão. A neve amorteceu a nossa queda, e Gentry revidou. Ela tentou me bater com a coronha de seu revólver, mas dei um tapa o mantendo afastado. Com minha outra mão, trouxe a minha faca Silverstone contra o seu pescoço. Gentry teve o bom senso de parar antes de eu cortar sua garganta. Algo que eu faria de qualquer maneira, em um minuto ou dois.

Ficamos alí deitadas no chão, eu em cima dela, nós duas respirando com dificuldade, rodeadas pela gelada nuvem nebulosa de nossos próprios esforços. E então, por alguma razão, Gentry riu, como se ela ficasse satisfeita de estar uma polegada de distância de sua própria morte na borda da minha lâmina.

— Droga, — ela disse com voz arrastada, um sotaque do sul profundo colorindo sua voz. — Você é tão boa como dizem, Aranha. Mas eu sou boa no que faço também. Tem que ser nessa linha de trabalho ou você não dura muito tempo.

Meus olhos se estreitaram.

— E que tipo de trabalho teria que ser?

Crack! Crack! Crack! Crack!

Pela terceira vez esta noite, algo me surpreendeu quando não deveria ter.

Quatro balas cortaram o ar. Um passou pelo meu rosto, tão perto que eu pude sentir o calor irradiando, antes de desaparecer na escuridão. As outras três deram um pouco mais de problema. Duas bateram em meu braço esquerdo, de imediato, entorpecendo-o, enquanto a terceira se chocou contra a minha coxa.

Os impactos bateram-me de volta e assobiei com dor. Enquanto estava fora de equilíbrio, Gentry teve suas mãos entre nós, empurrando-me para longe e passou por cima do chão em direção a seu revólver.

Rolei para trás longe de Gentry, meu corpo achatando os montes de neve, antes de vir para cima em um baixo agachar. Fitas de fogo se espalharam para fora de minhas feridas, movendo-se para baixo através do meu braço esquerdo e perna. Eu cerrei os dentes e contive uma maldição rosnando. Foda-se. Eu odiava levar um tiro.

Mas eu já estava empurrando para longe da dor, forçando-a para parte de trás da minha mente, porque tinha outra coisa para me preocupar: como de onde aquelas balas tinham vindo. Minha cabeça virou para a esquerda, retrocedendo o caminho dos projéteis.

E foi aí que eu vi a menina.

Era a mesma garota que estava com Gentry na sala de jantar na mansão, embora em algum momento durante a noite, a menina colocou um ridículo casaco puído remendado rosa. Um par de botas rachadas e desgastadas cobriram seus pés. Os sapatos eram idênticos aos que a velha usava. A menina também passou a ter um rifle com pérolas incrustadas em meu peito, assim como Gentry teve um momento antes. Déjà vu tudo de novo.

— Deixe Gentry em paz. — A menina gritou as palavras e avançou para mim, lenta e constante apenas a maneira como a mulher mais velha tinha.

Amaldiçoei novamente, porém desta vez pelo meu próprio descuido. Deveria ter lembrado que Gentry estava com a menina antes e que talvez ela estaria aqui com ela agora. Ainda assim, apesar das probabilidades, eu não estava acabada. Nem de perto, embora pudesse sentir o bombeamento de sangue para fora do buraco na minha perna. Essa ferida definitivamente era a mais preocupante.

A menina continuou vindo em minha direção. Eu fiquei na minha posição de agachamento e deixei minha faca Silverstone escorregar para fora da minha mão direita. Então eu cavei meus dedos na neve e fechei a mão em um punho apertado.

Ciente de que eu não estava indo para tentar atacá-la, os olhos castanhos da menina ligaram para Gentry para ver como estava a outra mulher, que ainda estava em busca de seu revólver. A menina estava distraída, só por um segundo, mas esta era a oportunidade que eu precisava.

Tirei a minha mão e joguei minha bola de neve em sua direção. A bola de gelo bateu no rifle da menina e ela gritou com surpresa. Ela fez a coisa certa e puxou o gatilho de novo, mas já estava em movimento em direção a ela. A menina virou-se para mim, mas a essa altura eu estava muito perto. Puxei a espingarda da mão dela e bati em seu rosto com a coronha. Ela caiu como uma pedra, e virei a arma, pronto para puxar o gatilho e quebrar aquele rosto magro, com uma bala ou duas.

— Sydney! — Gentry gritou em voz baixa e rouca.

Algo em sua voz, algum tom, algum pouco de angústia que ela não conseguia esconder, fez-me olhar para ela em vez de puxar o gatilho. Gentry esqueceu tudo sobre o seu revólver. Em vez disso, ela caiu de joelhos. Seu cabelo grisalho havia se soltado de seu coque apertado, e a neve fazia uma crosta em seu rosto, mas Gentry não se importava. Medo brilhou em seu olhar azul pálido, e ela segurou suas mãos enrugadas marrons abertas, silenciosamente me implorando para não matar a garota.

Estudei-a com cuidado, mas tanto quanto poderia dizer, este não era um truque manhoso que ela estava tentando puxar. Parecia genuinamente preocupada com a garota, que era mais do que justificada, considerando que eu estava cerca de um segundo longe de acabar com sua existência.

Eu mesma fui tão longe a ponto de voltar à menina, o meu dedo apertando o gatilho da espingarda. Mas em seguida, ela soltou um gemido de dor e olhou para mim com seus olhos cor de avelã. Olhos de veado— olhos de corça –amplos, cheios de tremor, brilhando com lágrimas de dor e medo.

Droga e dupla maldição.

Algo dentro de mim, algum pequeno fragmento preto do meu coração, não me deixaria matar a garota, mesmo que ela tivesse acabado de colocar três balas em mim. Talvez porque ela me lembrasse de mim mesma quando era a pobre Genevieve Snow, cuja família havia sido brutalmente assassinada. Talvez porque estivesse exausta. Talvez porque estivesse sofrendo com a perda de sangue já. Ou talvez fosse porque eu podia ouvir a voz de Fletcher sussurrando em meu ouvido. Crianças não! Nunca! O velho parecia murmurar para mim, mesmo embora ele estivesse morto há muito tempo e frio em sua própria sepultura.

Ignorei os ensinamentos do velho antes, quando eu apressadamente puxei o gatilho da minha besta em vez de esperar até que tivesse um tiro absolutamente claro em Mab. Eu não estava prestes a virar as costas para Fletcher novamente, mesmo que ele fosse apenas um fantasma na minha cabeça.

Em vez de puxar o gatilho, joguei o rifle, tanto quanto eu podia para as árvores. A arma atingiu um dos troncos de neve salpicando e batendo fora na noite. Gentry apenas olhou para mim, a boca aberta, como se não pudesse acreditar que eu não dei o tiro fatal quando tive a chance. Parte de mim não podia acreditar também, mas essa era a forma como as coisas eram.

Mesmo como uma assassina, mesmo como a Aranha, eu não matava inocentes. Claro, a menina atirou em mim, mas ela não podia ter mais de quinze ou dezesseis anos, no máximo. Ainda uma criança, de muitas formas.

Gentry rastejou através da neve para a menina abraçando-a, protegendo-a de mim, como se não tivesse certeza do que eu faria a seguir. Maldição se eu sabia também.

— Da próxima vez, querida, — murmurei para a menina quando me abaixei para pegar a faca que eu deixei cair. — continue atirando até ficar sem balas e nem um segundo antes.

Gentry e Sydney, com seus olhos idênticos, encararam-me com cautela, choque e medo.

Eu contornei em torno delas e desapareci nas árvores cobertas de neve.


Capítulo 04


Eu tropeçava e sangrava enquanto ouvia os sons de perseguição de Gentry, a garota, ou o que mais que pudesse estar me seguindo, mas de alguma forma cheguei ao velho carro que escondi em umas árvores a dois quilômetros da propriedade de Mab. Afundei-me no banco de motorista, liguei o motor e mudei o velho aquecedor para ficar o mais quente e o mais alto que ele conseguisse.

Estrelas brancas explodiam nos meus olhos, e me esforcei para piscar elas longe. A menina, Sydney, possuía uma mira melhor do que imaginei. As duas balas no meu ombro pulsavam e queimavam com a dor e chegaram perto da minha artéria femoral com o último tiro na minha coxa esquerda. Bom para ela, ruim para mim. Deixei um rastro de sangue na neve que até uma criança poderia seguir. Se eu não tivesse o carro aqui, não teria conseguido me esconder nas árvores, tentando ficar à frente da Mab, seus gigantes e os seus convidados do jantar, duas das quais já tinham um interesse doentio por mim. E ainda estaria na floresta se não conseguisse cuidar da minha perna logo.

Rasguei a minha máscara de esqui encharcada de suor, cortando o tecido em tiras com a minha faca de Silverstone, usando as peças para fazer um torniquete na minha perna. Amarrei-a tão apertada quanto conseguia, assim eu não esvairia em sangue até que chegasse a Jo-Jo. Neste ponto eu só esperava conseguir conduzir até a casa da anã. Contudo, não havia tempo para pensar sobre as coisas ou procrastinar, então coloquei o carro em marcha e pisei no acelerador.

Enquanto guiava por entre as árvores e puxava de volta para a estrada coberta de gelo, alcancei a minha magia novamente. Mas não o meu poder de Pedra. Desta vez agarrei a minha outra magia, meu poder elementar de Gelo e deixei-o preencher a parte de baixo do meu corpo, principalmente a minha coxa esquerda. A magia fria inundou as minhas veias e a área ferida ficou imediatamente dormente, tão entorpecida que eu não podia sentir mais aquela parte do meu corpo. Ou o mais importante, a dor pulsante na minha coxa e o bombeamento de sangue para fora dela a cada batida do meu coração. Eu suspirei de alívio.

Durante anos a minha magia de Gelo foi a mais fraca das minhas duas habilidades, até que eu superei um bloqueio associado a ela. Agora era tão forte quanto o meu poder de Pedra. Entorpecer as minhas próprias pernas fazendo-me não sentir dor foi um dos últimos truques que aprendi a fazer com a minha magia. Um que me ajudou a matar Elektra LaFleur quando ela tentou me eletrocutar até a morte com o seu poder elétrico.

A magia de LaFleur foi um golpe de sorte já que não era um dos quatro principais — Ar, Fogo, Gelo e Pedra— de que a maioria dos elementares eram dotados e você deveria que ter um para ser considerado um verdadeiro elementar. Mas a magia podia assumir muitas formas, se manifestar em todos os tipos de formas estranhas e muitas pessoas foram dotadas em outras áreas com ramificações dos quatro elementos principais. Como a água era um desdobramento de Gelo, e a eletricidade do Ar. A mecânica por trás de tudo isso nunca me preocupou realmente. Eu estava apenas feliz por estar viva e por LaFleur estar apodrecendo numa cova qualquer, num túmulo de indigente onde Mab a tinha despejado.

Só tinha batido LaFleur porque eu era o mais raro dos elementares, alguém que podia controlar não apenas um, mas dois elementos. Gelo e Pedra no meu caso. Poderes conectados, mas cada um com as suas peculiaridades próprias.

A minha magia de Pedra sempre foi incrivelmente forte e me deixava fazer qualquer coisa que eu quisesse com o elemento, como ouvir as vibrações sussurradas nas rochas ao redor de mim, fazer tijolos voarem para fora de uma parede sólida ou até mesmo transformar a minha própria pele para o equivalente de mármore humano.

Meu poder de gelo era diferente, ele me deixa criar gelo elementar com as minhas mãos, gelo que posso transformar em todos os tipos de formas como cubos, cristais e ocasionalmente facas. Minha magia de Gelo também me deixa anestesiar o meu corpo para que não sinta nenhuma dor, algo que eu estava fazendo agora apenas para permanecer na posição vertical. Inferno, talvez isso fosse diminuir a perda de sangue também. Eu não estava familiarizada com todos os prós e contras deste truque especial ainda. Talvez Jo-Jo pudesse me dizer mais quando eu chegasse a ela.

Se eu chegasse até ela antes de sangrar até a morte.

Era depois da meia-noite agora e as ruas de Ashland estavam desertas. Não era de estranhar dadas as frias condições. Ashland era a metrópole do sul que se espalhava sobre o canto áspero do mundo, onde as montanhas apaches cortavam através do Tennessee, Carolina do Norte e Virgínia. À distância, Ashland parecia um paraíso de tons, rodeada de florestas verde-esmeralda e rios safiras, como diamantes de prata, e a cidade situada no meio de toda a grandeza brilhante. Mas qualquer um que já tenha passado algum tempo em Ashland sabe exatamente que tipo de violência e local arenoso ela realmente era.

As coisas horríveis e desprezíveis que só aconteciam na escuridão, nas ruas sombrias das outras cidades ocorriam de dia em Ashland nas vias principais, muitas vezes em plena luz do dia.

A cidade era dividida em duas seções: Northtown e Southtown{2}, juntas pelo áspero círculo do centro da cidade e flanqueadas de cada lado por subúrbios cheios de donas de casa, crianças mimadas e outras pessoas de classe média. Northtown era a parte rica de Ashland, onde a parte social, mágica, e a elite monetária da cidade vivia, morria, e geralmente, tentavam ferrar todos os outros de todas as maneiras possíveis. Todos os tipos de mal se escondiam dentro das mansões de tamanho de sultão em Northtown, o que fazia ainda mais sinistras as fachadas e os gramados imaculados e perfeitamente cuidados. Mab Monroe naturalmente vivia no coração de Northtown na maior mansão da cidade, dado ao fato que ela era a abelha rainha do submundo de Ashland.

As pessoas mais pobres eram de Southtown, muito pobres, mas isso não as tornavam menos perigosas. Vampiras, prostitutas, cafetões, gangues, elementares viciados na sua própria magia que tão rapidamente fariam você acender com seu poder de Fogo, quanto cuspir em você. Essas eram as pessoas que chamavam de casa a parte de Southtown. Ainda assim, sempre tive um relutante carinho pela área. Pelo menos em Southtown você sabia exatamente que perigos esperar, considerando que em Northtown você poderia ir até a casa de alguém para um churrasco amigável e acabar com as suas costelas sendo aquelas regadas no molho de churrasco.

Estava nevando em Ashland por vários dias seguidos. O frio de fevereiro foi tão amargo, mordido e implacável que a neve que caiu nem sequer começou a derreter antes que a próxima frente ártica soprasse e caísse mais 15 cm sobre a anterior. Até este ponto, os montes de neve em ambos os lados das estradas eram mais altos do que a maioria dos anões, chegando a medir 1,50m.

Era difícil para eu conduzir nela. Especialmente considerando a absoluta porcaria que era o carro que eu estava dirigindo. Por duas vezes os velhos pneus usados começaram a deslizar sobre o gelo preto e foi apenas pela graça de Deus, que estava sorrindo para mim, que o carro não bateu nas árvores que ladeavam a estrada. Também não ajudava a situação que eu me sentisse enfraquecida e a minha atenção vagasse com o sangue a bombear cada vez mais para fora da minha coxa. Porém forcei minhas mãos a agarrarem o volante, o couro rachado cavando nas minhas mãos, nas minhas cicatrizes da runa de Aranha e dirigir.

Fui o mais rápido que me atrevi, os pneus alternadamente esmagavam ou deslizavam sobre a neve e o gelo. Mesmo que não houvesse ninguém na rua esta noite, ainda foi devagar, levou-me trinta longos e preciosos minutos para chegar a Jo-Jo.

Jolene “Jo-Jo” Deveraux era uma anã de duzentos e cinquenta e sete anos, com o elemento mágico de Ar que ela usava para curar as pessoas às escondidas. Ela também passou a ser a única esperança para a minha ferida na coxa, antes que eu me esvaísse em sangue.

Como outros na sua situação monetária, social e status de elite mágica, Jo-Jo fez a sua casa em uma luxuosa subdivisão de Northtown chamada Tara Heights. A maioria das subdivisões em Ashland possuíam nomes bonitinhos assim, a maioria dos quais havia uma conotação do Southern. Como Lee’s Lament, outra subdivisão próxima. Para algumas pessoas em Ashland, especialmente os vampiros que tinham vivido na época, a Guerra Civil nunca, nunca acabava.

Conduzi o velho carro pelos montes de neve que foram arados para ambos os lados da entrada do loteamento e fiz a curva correta para uma rua chamada Magnólia Lane. Comecei a subir o morro até a casa de Jo-Jo, mas os pneus simplesmente não estavam aderindo no gelo que cobria a rua paralela. Por um momento eu estava com medo de que tivesse que sair e caminhar— algo que eu não tinha forças ou sangue para fazer. Mas finalmente os pneus guinchando e soltando fumaça funcionaram, provavelmente pela última vez em suas vidas de borracha miserável, o carro balançou por cima da calçada.

No topo da colina, a casa de Jo-Jo veio à tona. A estrutura de estilo casa de campo de três andares parecia ainda mais elegante no inverno branco escuro, as camadas de gelo e neve cobriam em torno dela como cobertura de creme de manteiga. As colunas que sustentavam a casa só contribuíam para o efeito, fazendo com que toda a coisa se assemelhasse a um bolo em camadas. Normalmente eu teria gostado da visão fantasmagórica, mas esta noite a neve era apenas mais um obstáculo a passar.

Por esta altura, eu estava perdendo as forças rapidamente. Levei duas tentativas de concentração antes de me lembrar de colocar o carro na vaga para que ele não rolasse pelo morro abaixo. Abrindo a porta, atravessei o pátio, caminhando até os degraus que levavam para a varanda que envolvia em torno da casa, tudo isso foi feito com mais esforço do que o normal. Quando levantei a aldrava da porta em forma de nuvem, a runa de Jo-Jo, símbolo da sua magia elementar de Ar, eu estava fria e úmida de suor, prestes a desmaiar. Bati na porta tão forte quando podia, então, caí contra a casa, sangue manchando a pintura branca de forma abstrata, flocos de neve em padrão.

Não sei quanto tempo fiquei lá. Segundos se passaram, talvez minutos, antes de eu ouvir passos pesados do outro lado da porta. Mesmo na varanda, ainda peguei uma lufada do seu perfume de Chantilly. Respirei o aroma, confortada pelo cheiro doce, pois sabia que eu tinha conseguido. Jo-Jo trabalharia a sua magia de ar mais uma vez e me curar do jeito que ela sempre fazia quando eu aparecia em sua casa durante a noite a uma polegada de distância da morte.

Um momento depois, a porta se abriu e uma mulher apareceu. Como todas as pessoas em Ashland nesta noite fria, Jo-Jo tinha-se agasalhado e acomodado-se firmemente na cama. Um roupão de flanela rosa de manga comprida envolvia o corpo atarracado da anã da cabeça aos pés. Apesar da hora tardia, um colar de pérolas estava em volta do seu pescoço. Na mente de Jo-Jo nada proclamava mais que você ser uma verdadeira dama do sul do que seu conjunto de pérolas verdadeiras e ela nunca ía a lugar nenhum sem o seu, nem mesmo para a cama.

O cabelo loiro branco da anã foi enrolado e apertado em rolos de esponja rosa em uma formação arrumada que qualquer general teria orgulho. Pela primeira vez o rosto de meia-idade de Jo-Jo estava sem maquiagem, embora o roxo esmalte sobre as unhas dos pés brilhavam na semi escuridão. A anã quase sempre andava descalça em casa, mesmo no auge do inverno.

Jo-Jo enfiou a cabeça para fora, uma tartaruga saindo da sua carapaça quente e confortável, obviamente se perguntando quem poderia estar batendo a sua porta a esta hora. Especialmente porque a única coisa que eu tinha programado esta noite era estar junto do meu amante, Owen Grayson.

Os olhos de Jo-Jo estavam quase incolores exceto pelos pontinhos negros no centro. Ela arregalou os olhos quando me viu na varanda junto com todo o sangue que tinha se juntado debaixo da minha perna esquerda.

— Gin?— Jo-Jo perguntou em tom de surpresa. — É você?

— Quem mais? — Disse com uma voz lenta.

E então desmoronei a seus pés, sem dizer mais uma palavra.


Capítulo 05


Eu estava um pouco consciente de Jo-Jo chamar a sua irmã, Sophia, e a anã mais jovem me pegar e levar para dentro do salão de beleza que ocupava a metade traseira da extensa casa de Jo-Jo.

A anã mais velha ganhava a vida com o que ela chamava de “mama drama”, usando a sua magia elementar em todas as debutantes do Sul, esposas troféus e grandes damas de idade que frequentavam o seu popular salão. Cortes, permanentes, tingimento, depilação, esfoliantes. Se alguém quisesse mudar ou melhorar a sua aparência a anã era especialista nisso. E se você realmente quisesse que sua pele brilhasse para aquela ocasião especial, então iria a Jo-Jo para um dos seus habituais tratamentos faciais elementares de Ar.

Cadeiras de salão vermelho cereja, revistas empilhadas em um metro de altura em alguns lugares, baldes de maquiagem, todas as tonalidades possíveis de esmalte rosa. Tudo isso e muito mais lutavam por um espaço no salão; confuso, mas tudo junto ficava de uma forma acolhedora. Rosco, o amado basset hound de Jo-Jo, cochilava na sua cesta de vime no canto. Suas orelhas castanhas e pretas se contraíram uma vez, mas ele não acordou com o som ao entrarmos no salão. Nenhuma surpresa. Se não havia comida envolvida ou a hipótese de ser acariciado num futuro próximo, Rosco não se interessava muito pelas coisas.

Olhei para a mobília familiar, mas tudo parecia que estava com uma névoa espessa envolta nela. Ainda assim a visão embaçada de Rosco e do salão me consolou, não importava o quanto o meu cérebro as distorcia.

— Coloque-a na cadeira. — Jo-Jo instruiu a sua irmã. — Rapidamente agora. Você pode ver a quantidade de sangue que ela está perdendo.

— Um pouco mais do que o habitual. — murmurei quando Sophia me ergueu em posição. — A menina me atingiu com um tiro de sorte. Foi minha culpa, na verdade, por não me lembrar de que ela estava lá para começar.

— Balbuciando.

Desta vez Sophia Deveraux foi a que falou, numa voz rouca, quebrada que parecia que havia passado toda a sua vida fumando charutos, os empurrando com barris de whisky, então bebendo anticongelantes apenas por diversão. Claro que sabia que ela não tinha feito nenhuma dessas coisas. Sophia não falava muito, dado o seu tom de moagem, e eu sempre perguntava-me que coisa traumática havia acontecido com ela para arruinar completamente a sua voz. Mas nunca perguntei. Não poderia ser nada de bom. Não com o silêncio e a dor profunda que irradiava da anã às vezes. Ainda assim fiz o esforço para rolar a minha cabeça para olhar para ela.

Com cento e treze anos, Sophia ainda estava no auge da sua vida, ao contrário de Jo-Jo que estava firmemente na meia-idade. E essa não era a única diferença entre as duas irmãs anãs. Jo-Jo era uma senhora do Sul através das suas pérolas e vestidos cor-de-rosa, enquanto Sophia possuía um carinho por roupa gótica.

Hoje à noite, Sophia usava um robe de veludo preto coberto com esqueletos sorridentes. O seu cabelo era uma mancha curta preta escovado contra a palidez absoluta do seu rosto, que estava ainda mais pálido hoje à noite, visto os seus lábios estarem livres de batom vermelho, ou até mesmo o preto que às vezes ela usava. Sophia era alta para uma anã e tinha uns bons centímetros acima de Jo-Jo. Sophia também era muito mais forte do que sua irmã de meia-idade e o tecido preto do seu robe pouco fazia para esconder seu corpo grosso, resistente.

Jo-Jo andou até a pia para lavar as mãos, apontou com o queixo para a irmã.

— Tente conseguir agarrar e a segurar para baixo. Ela perdeu muito sangue, então isso vai doer.

Sophia acenou com a cabeça. Mudou-se para frente e colocou as mãos sobre os meus ombros prendendo-me na cadeira de salão. O aperto da anã era muito forte, tão firme que me senti como se toda a minha parte superior do corpo tivesse sido fixada para baixo com um torno de Silverstone.

— Desculpe-me, Gin. — Sophia disse asperamente.

Eu teria dado de ombros, dizendo-lhe que estava tudo bem, mas meu corpo não se mexia. Não conseguia fazer nada depois que Sophia me agarrou.

Jo-Jo terminou de lavar as mãos e em seguida arrastou uma luz alógena móvel para mim, inclinando-a para baixo para que iluminasse o meu corpo. A anã pegou um par de tesouras da pilha de revistas de beleza e cortou as minhas calças cargo e as outras camadas expondo o feio ferimento de bala na minha coxa. Apesar do torniquete improvisado que eu fiz, o sangue ainda escorria para fora do buraco num fluxo constante.

Jo-Jo inclinou a cabeça e estudou a ferida. Então puxou uma cadeira para perto de mim, sentou-se nela e levantou a mão. Um brilho branco revestia a palma da mão da anã, a mesma luz enchia os seus olhos incolores. Como se as nuvens estivessem à deriva através do seu olhar pálido. Sua magia de ar encheu a sala, como se a anã abraçasse totalmente o seu poder elementar.

O súbito fluxo de magia fez com que as cicatrizes de runas da aranha em minhas mãos começassem a dar comichão e queimassem, tal como faziam sempre que eu estava exposta a tanto poder de outro elementar. Isso porque as cicatrizas eram feitas de Silverstone, um metal especial altamente apreciado pela sua capacidade de absorver todas as formas de magia elementar.

Embora o Silverstone há muito tivesse endurecido na minha carne, sempre me pareceu que o metal que estava nas minhas mãos, na verdade ansiava por magia, como se o Silverstone fosse algum tipo de parasita dentro de mim apenas à espera da hipótese de absorver toda a energia que pudesse segurar. Com o metal em minhas mãos era difícil utilizar a magia de Gelo. Durante anos o Silverstone absorveu o meu poder até que não suportou mais, visto que elementares de Gelo e Fogo quase sempre lançavam a sua magia através das suas mãos. Foi somente durante uma recente briga até a morte com outro elementar de Pedra que eu fui capaz de explorar a minha magia de Gelo para acabar com o bloqueio. Agora as cicatrizes de Silverstone seguravam a minha magia em vez de impedir de a usar.

Algumas semanas atrás, a sensação quente de cura da magia de ar de Jo-Jo era tão diferente das minhas que eu teria cerrado meus dentes. A magia da anã apenas parecia errada para mim, usei minha magia de Gelo para entorpecer o meu corpo enquanto lutava com LaFleur, a sensação da magia da anã já não me incomodava tanto. Oh, ela ainda me irritava, fazia com que uma voz primitiva murmurasse na minha cabeça, mas não rosnava mais com a sensação. Pelo menos com tanta frequência. Ou talvez fosse porque sabia que Jo-Jo estava me curando, e não me ferindo com a sua magia como muitos fizeram ao longo dos anos.

Jo-Jo se inclinou para frente de modo que sua palma estivesse pouco acima do buraco preto e sangrento da minha perna.

Algo quente percorreu a superfície da minha coxa, primeiro uma picada depois foi se transformando em mil agulhas esfaqueando cada vez mais profundo na minha pele, até que senti como se minha perna inteira estivesse em chamas.

Essa sensação era apenas Jo-Jo utilizando a sua magia. Elementares de Ar curavam pessoas usando todos os gases naturais da atmosfera, principalmente o oxigênio, fazendo-o circular através das feridas. A anã estava usando o seu poder, usando o oxigênio para tirar a bala da minha coxa, reparar todos os meus vasos sanguíneos e juntar as bordas irregulares da minha pele novamente.

E doeu como o Inferno.

Mesmo que Jo-Jo estivesse me curando, sua magia ainda era o oposto da minha. Os elementos Ar e Fogo sempre se complementavam, e Fogo e Gelo sempre se opunham um ao outro. A magia de ar da anã era o oposto da minha, Gelo e Pedra, e o seu uso era o tipo de poder que me fazia sentir mal, da mesma forma que a minha magia pareceria estranha a qualquer outro elementar de Ar e Fogo.

Mesmo se eu quisesse me mexer e contorcer-me para longe da anã, do seu poder elementar, da sensação quente e das agulhas de cura que pareciam me apunhalar, não podia, não com as mãos de Sophia apertando meus ombros.

Então deixei a magia de Jo-Jo acontecer, entrando e saindo da consciência, enquanto a anã trabalhava em mim. Algum tempo depois ouvi um barulho de metal bater, a bala que Sydney havia me acertado. Poucos minutos depois, as agulhas de dor na minha perna começaram a morrer acabando por desaparecer. Suspirei, meu corpo ficando mole na cadeira de salão. A magia de Jo-Jo não me incomodava tanto como antes, mas mesmo assim fiquei feliz quando ela parou de usá-la.

— A perna está curada. — A voz de Jo-Jo parecia cada vez mais distante, embora eu soubesse que ela ainda estava ali inclinando-se sobre mim. — Vamos tirar esse colete de Silverstone dela e ver as feridas no seu ombro.

— Uh-Uh. Sophia grunhiu em acordo.

Mãos moveram-me, abriram o meu colete de Silverstone e o tiraram de mim. O snip-snip-snip de tesouras soou de novo, Jo-Jo cortava mais das minhas camadas cinzas e o ar quente do salão de beleza rodeava a minha pele nua.

— Não é tão mau como o ferimento da perna, — murmurou a anã. — Pelo menos estes não atingiram nada de muito importante.

Mais uma vez a sensação da magia elementar Ar da anã soprou pela sala e as agulhas começaram a me picar mais uma vez, agora se centrando no meu ombro. Mas desta vez a dor não foi tão intensa e não durou tanto tempo. Mais dois barulhos metálicos soaram quando Jo-Jo usou o seu poder para tirar as balas para fora do meu corpo.

— Boa como nova. — Jo-Jo disse poucos minutos depois.

Eu não me sentia boa como nova. Ser curada até mesmo por uma elementar de Ar esgotava o meu corpo, como se de repente você parasse de bater à porta da morte para estar novamente bem. A mente precisava de um pouco de tempo para brincar de pega-pega e perceber o que estava acontecendo. Estive tão perto de morrer esta noite que poderia dormir durante as próximas oito horas e ainda acordar e sentir-me cansada. Na verdade eu estava querendo adormecer agora mesmo. Mas me forcei a manter os olhos abertos.

— Obrigada, — murmurei.

Apesar dos cuidados de Jo-Jo as minhas palavras ainda saíram um pouco trêmulas, provavelmente pela perda de sangue.

— De nada, querida, — disse Jo-Jo. — Mas onde está o Finn? Porque que ele não está com você? Porque não foi ele a trazê-la?

— Ele não foi comigo, — eu murmurei.

Jo-Jo franziu a testa.

— Por que não?

Precisei de algum esforço, mas levantei a cabeça para olhar para ela. — Porque ele não sabia que eu estava indo atrás de Mab esta noite e eu não queria que ele fosse comigo. Não o queria lá se as coisas ficassem ruins, coisa que aconteceu.

Jo-Jo e Sophia ambas estavam paradas. Elas trocaram um olhar sobre a minha cabeça antes de olharem para mim novamente.

— Você foi atrás de Mab? — Jo-Jo perguntou em voz baixa.

— Sozinha? — Sophia disse asperamente.

A cena se repetiu na minha cabeça. Meu dedo apertando o gatilho. A flecha deixando a minha besta no seu caminho perfeito para o olho preto de Mab. O gigante ficando no caminho no último segundo.

— Eu tentei, — murmurei. Meu coração torcendo de vergonha com a lembrança do meu fracasso. — Mas um dos seus guarda-costas gigante levou a flechada em seu lugar. Então eu falhei. Eu falhei.

Numa voz cansada, eu disse às anãs irmãs tudo o que aconteceu esta noite.

Quando eu terminei a história, lágrimas quentes queimavam nos meus olhos.

— Eu iria mata-la. Ela estava ali na minha frente. Tudo o que eu tinha que fazer era puxar o gatilho e estaria tudo terminado, não haveria mais a caça de Mab a Aranha, nem as ameaças contra Bria, não haveria mais perigo para as pessoas que amo. E eu falhei. Você pode acreditar nisso? Eu, Gin Blanco, a Aranha, supostamente a melhor assassina, ou pelo menos a melhor assassina semi-aposentada, e eu falhei, porra eu falhei.

Jo-Jo colocou a mão no meu braço.

— Está tudo bem, Gin. Tudo vai ficar bem. Você vai ver.

A voz da anã caiu num sussurro e mais uma vez os seus olhos assumiram um fraco branco brilho leitoso, como se ela nem estivesse realmente me olhando. Além da sua magia de cura, Jo-Jo tinha um pouco de premonição. A maioria dos Elementares de Ar tinha. Eles podiam ouvir e interpretar todas as emoções e sentimentos do ambiente da mesma forma que eu podia ouvir as pedras a minha volta. Mas minha magia falava de coisas que aconteceram no passado, as elementares de Ar tinham imagens de coisas que podiam ser flashes de possíveis futuros. Apenas outra coisa em que os nossos poderes elementares eram opostos.

Mas se Jo-Jo disse que tudo ficaria bem, eu acreditaria nela. A anã estava certa em muitas coisas para eu começar agora a desconfiar dela. Suas palavras sussurradas trouxeram-me um pouco de conforto. Ao ponto de deixar ir à raiva que sentia de mim mesma, tal como a minha vergonha e o meu miserável sentimento de fracasso. Eu queria perguntar a Jo-Jo sobre as suas palavras enigmáticas, mas simplesmente não tinha força para fazer isso. Não esta noite. Meus olhos se fecharam, e me senti caindo na escuridão mais uma vez.

— Devemos acordar ela?— Sophia disse com voz preocupada.

— Não, — disse Jo-Jo. — Gin precisa descansar.

A mão de Jo-Jo deslizou pelo meu cabelo, desembaraçando um pouco o emaranhado castanho. Eu poderia ter apenas imaginado, mas achei que a anã se inclinou e colocou os lábios perto do meu ouvido. — Não se preocupe querida, —Jo-Jo sussurrou. — Você vai ter outra oportunidade contra Mab. Mais cedo do que você pensa.

Confortada, respirei fundo. O doce cheiro do seu perfume foi à última coisa de que me lembro de antes do mundo ficar preto.


Capítulo 06


Acordei na manhã seguinte em um dos quartos de hóspedes no segundo andar da casa de Jo-Jo. Por um momento estava ali no meu quente e macio casulo olhando para as pinturas em forma de nuvens azuis e brancas que cobriam o teto. Em seguida comecei a repetir os acontecimentos de ontem à noite na minha cabeça novamente.

Errando Mab. Correndo através da floresta. Esfaqueando gigantes à esquerda e direita. Enfrentando Gentry e a garota. Tropeçando pela neve e dirigindo até o salão. Não foi a melhor ou a mais bem-sucedida noite que tive como Aranha, mas pelo menos acabou tudo bem no final.

Porque eu devia ter sido morta.

Tudo o que poderia ter dado errado tinha acontecido. No mínimo eu deveria ter sangrado até a morte pelo meu ferimento de bala na coxa. Talvez eu teria se não tivesse amarrado um torniquete na minha perna e usado a minha magia de Gelo para entorpecê-la. Mas o que realmente me incomodou foram minhas emoções. Eu estava triste ontem à noite, mal-humorada e frustrada por não ter conseguido matar Mab. Jo-Jo poderia ter curado o meu corpo, mas a anã não diminuiu a minha angústia. Mesmo agora, a melancolia, a frustração, o sentimento de fracasso atormentavam-me, incomodas formigas escavavam cada vez mais fundo no meu coração sombrio, cortando-me com frieza.

Forcei os meus pensamentos para longe da minha falha épica. Afinal esse foi outro dia, como Scarlett O´Hara diria, e aqui estava eu, ainda viva, ainda respirando e mais determinada a fazer o que precisa ser feito, Jo-Jo tinha me curado, feito-me inteira e saudável mais uma vez, o que significava que ainda tinha uma chance de matar Mab.

— Ahem. — Alguém pigarreou.

Ergui a cabeça e vi Owen Grayson sentado numa cadeira de balanço ao pé da cama, um livro aberto no seu colo e uma caneca de café na mesa ao lado.

— Vejo que já está acordada. — ele resmungou na sua voz profunda.

Sorri para ele.

— Ao que parece mais uma vez.

Em vez de responder a minha brincadeira, sorriu triste, colocando o livro de lado e cruzando os seus braços musculosos sobre o peito, espetando-me com um duro olhar. Uh-oh. Alguém não estava satisfeito e eu não precisava adivinhar o porquê. Eu não disse a Owen o que estava fazendo ontem à noite, especialmente que estava indo atrás de Mab.

O sol da manhã se inclinava pela janela, banhando as feições de Owen num pálido brilho dourado. Cabelo azul-preto, olhos cor de violeta, o nariz um pouco torto, a cicatriz branca por baixo do queixo. Características interessantes o suficiente por si só, mas coloque-as todas juntas e você tem um inferno de um homem atraente.

E o resto de Owen era tão atraente quanto. Meu olhar vagou sobre o seu sólido corpo musculoso. Em muitas maneiras ele possuía um físico robusto de um anão, embora que com seu um metro e oitenta e cinco Owen era mais alto do que a maioria dos anões. Ao contrário de tantos empresários de sua riqueza e posição, Owen não passava horas no ginásio para manter o seu corpo magro e elegante. Não, ele tinha conseguido seu físico pela maneira antiga: através dos anos com trabalho físico duro. Ele começou como um ferreiro, transformando uma pequena loja em um vasto império de negócios que fez dele um dos homens mais ricos de Ashland, embora estivesse apenas na casa dos trinta.

Ser ferreiro foi um ajuste natural para Owen, que possuía o que ele considerava ser um pequeno talento elementar para o metal. Ele podia manipulá-lo da mesma maneira que eu podia com a Pedra, uma vez que o metal era um desdobramento desse elemento. Mas o seu talento não era nada pequeno dado às esculturas requintadas e armas que ele criou, incluindo o conjunto de cinco facas Silverstone que ele me deu como presente de Natal. As que tinham a minha runa de aranha estampada nos seus punhos.

Mas talvez a coisa que me atraiu em Owen era a sua personalidade e a sua completa aceitação sobre mim. Ao contrário do meu amante anterior, Owen não me julgava ou condenava-me por ser a Aranha. Ele sabia exatamente que tipo de escura e violenta cidade era Ashland e não desprezava as coisas que eu fiz ao longo dos anos para sobreviver. Principalmente porque ele fez algumas delas para proteger a ele e sua irmã mais nova, Eva.

Forte, confiante, capaz, sexy e carinhoso. Owen era tudo o que sempre quis num amante, tudo o que sempre quis na minha vida. Pena que eu era muito covarde emocionalmente para lhe dizer isso ou deixá-lo saber exatamente o quanto eu gostava dele. Continuei a olhar para Owen, e ele olhava de volta para mim sem dizer nada. Eu tinha que pegar a bola e deixar rolar então.

Suspirei.

— Okay. Deixe-me fazer isso. Eu sei que você está com raiva. Seus olhos estão praticamente brilhando com ela. Jo-Jo te chamou, eu aceito isso, e disse-lhe sobre a minha pequena aventura?

Owen deu-me um olhar duro por mais um momento antes de assentir.

— Ela fez. O que eu realmente quero saber é o que diabos você estava pensando indo atrás de Mab sozinha? Nós já conversamos sobre isso, Gin. Todos nós decidimos que era muito perigoso.

O nós em questão começava comigo, Owen, Finn, as irmãs Deveraux e minha irmã, detetive Bria Coolidge. Todos nós temos um grande interesse em ver Mab morta. Simplesmente não conseguíamos descobrir como fazer acontecer sem que todos fossemos mortos em chamas por ela.

— Eu sei, — resmunguei. — Mas estou cansada de esconder-me de Mab e dos seus empregados. Estou cansada de me preocupar com o que ela pode fazer com Bria. Eu quero a cadela morta.

Owen não era o único que estava com raiva. Eu a sentia também, afundando-se quente, rangendo os dentes no meu coração, juntamente com o resto das formigas emocionais{3}. A maior parte era dirigida a mim, pois eu errei ontem à noite. Mas parte de mim estava com medo também, medo do quanto significava acordar e ver Owen sentado ao lado da minha cama. Estivemos juntos por alguns meses, mas sempre me surpreendia o quanto me preocupava com ele, especialmente quando estava tão gravemente queimada por um amante anterior.

Owen era muito mais importante para mim do que ele poderia imaginar, tão importante que me assustava um pouco. Okay, mais do que um inferno de um pouco. O suficiente para me fazer querer mantê-lo um pouco afastado, embora soubesse que já era tarde demais para isso. Muitas pessoas que amei ao longo dos anos foram assassinadas por eu abrir facilmente o meu coração para eles. Minha mãe, minha irmã mais velha, Fletcher. Todos mortos e enterrados antes do tempo, tudo por minha causa e dos meus erros.

De alguma forma Owen invadiu o caminho para o meu coração quer eu quisesse ou não, e agora eu faria qualquer coisa para mantê-lo seguro, até mesmo sacrificar-me como quase fiz ontem à noite na minha busca auto imposta.

— Não vejo porque você se importa tanto de qualquer jeito, — eu sussurrei com a voz mais dura, mais fria do que gostaria. — Foi minha bunda na linha de fogo ontem à noite, não a sua. Tenho certeza disso.

Os olhos de Owen se estreitaram, a mandíbula cerrada, e os seus braços apertados sobre seu peito.

— Por quê? Porque eu me importo tanto, Gin? Porque eu...

Ele mordeu as palavras, mas pairava no ar entre nós como um fantasma, torcendo e contorcendo, apenas como o meu coração estava agora.

Porque eu te amo. Isso é o que ele estava prestes a dizer. O choque de ele quase ter dito as palavras dirigiu o ar dos meus pulmões. Owen amava-me? Sério? De verdade? Eu não sabia o que fazer com ele. Eu não sabia o que fazer mais, especialmente com a suavidade com que ele estava fazendo seu caminho para dentro da mais profunda e sombria parte do meu coração. Mesmo em minha alma. Se não estivesse morta há tanto tempo por eu ser a Aranha.

Owen olhou para o lado e respirou.

— Porque eu me importo com você, Gin. É por isso. Não quero que você entre numa missão suicida para tentar matar Mab. Eu prefiro tê-la viva em qualquer dia do que ela morta, mesmo que ela tenha assassinado a sua família e os meus pais.

Eu não era a única vítima de Mab. Longe disso. Parte da razão de Owen entender a minha obsessão por matar a Elemental de Fogo era que ela também havia assassinado os seus pais quando ele era adolescente. Mab queimou a casa de Owen por causa de uma dívida de jogo do seu pai, matando seus pais no processo, deixando-o sem teto e cuidando de si mesmo e de sua irmã, Eva, que era apenas um bebê naquele tempo.

— Melhor ir sozinha do que arrastar vocês para baixo comigo. — apontei numa voz calma.— E você sabe que é o que teria acontecido. Mab está muito bem protegida na sua propriedade para um ataque frontal. Você e Finn sabem disso. Assim como Jo-Jo, Sophia e até mesmo Bria. Eu tinha que ir sozinha. Essa era a única maneira que eu poderia chegar perto o suficiente para acertar Mab.

Fechei os olhos, a ira, melancolia e frustração brotaram no meu peito novamente, até que estavam revestindo minha boca e garganta queimando como um ácido amargo.

— Pena que eu estraguei tudo e perdi a chance.

— Eu sei, — Owen me disse num tom mais suave. — Finn me ligou esta manhã. Parece que o telefone começou a tocar na noite passada e não parou desde então. Todos os seus contatos estão zumbindo com a notícia. Ele estava um pouco chateado com ele mesmo. Disse que veriavocê no Pork Pit hoje mais tarde.

Eu gemi.

— O que Finn realmente quis dizer é que ele vai me repreender de seis maneiras diferentes enquanto come um almoço grátis no balcão.

Um pouco da raiva suavizou nos olhos violeta de Owen, e um sorriso malicioso surgiu nos seus lábios.

— Imagino que seja algo parecido.

Gemi novamente e o sorriso de Owen voltou. Mais da raiva derretia-se fora do seu olhar e a tensão entre nós diminuindo, como uma nuvem escura que estava sendo surpreendida por uma rajada de vento forte. Por agora de qualquer maneira.

— Sinto muito, — eu disse. — Você sabe que sou um pouco irracional quando se trata da Mab. Vi uma oportunidade para matá-la e eu não poderia deixar passar.

— Eu sei Gin, — disse Owen. — Eu sei.

Ele se levantou de sua cadeira de balanço e se aproximou da cama. Sentou-se e abriu os braços para mim e deslizei em seu abraço. O calor do seu corpo misturado com o meu fez-me respirar desfrutando do seu cheiro de terra rica, que sempre me fazia pensar em metal, se o metal tivesse realmente um cheiro real.

— Eu odeio que ela esteja atrás de você. — Owen murmurou, seus lábios contra o meu cabelo. — Mas o que mais odeio é que você foi atrás dela sozinha. Que ninguém foi como reforço. Prometa-me que você não fará isso novamente. Ok, Gin? Prometa-me que a próxima vez que você for atrás de Mab, alguém vai com você. Eu, Finn, Sophia. Alguém, qualquer um, para ajudá-la.

Eu poderia ter mentido para ele. Talvez eu devesse ter feito isso. Porque não tinha intenção de parar até Mab estar morta, mesmo que ela provavelmente me levasse com ela. Mas não queria mentir para Owen e arruinar esta frágil paz entre nós.

— Tudo bem, — eu disse num tom irônico. — Da próxima vez que for atrás de Mab vou levar um amigo junto para segurar as minhas facas. Feliz?

— Por enquanto, — Owen suspirou, colocando-me ainda mais perto do seu corpo. — Por enquanto.

Ficamos ali na cama por um longo tempo, apenas abraçados.


Owen tinha que ir trabalhar, já que o seu império não andava sozinho, e eu possuía uma churrascaria para administrar, então fizemos planos para nos encontrarmos mais tarde. Contudo, Owen estava mais quieto que o usual quando foi embora e eu não conseguia pensar no que dizer a ele sem que as palavras saíssem erradas. Assim deixamos as coisas como elas estavam: silenciosas e sem solução, como se nenhum dos dois soubesse lidar um com o outro.

No momento em que tomei banho, coloquei algumas roupas sobressalentes que mantinha na Jo-Jo e quando fiz o meu caminho para o Pork Pit já passava das duas horas. A churrascaria Pork Pit estava localizada no centro de Ashland, perto da extraoficial fronteira de Southtown. Não havia muito que olhar, era apenas um lugar comum, mas era meu. O sinal de neon multicolorido de um porco segurando um prato de comida em cima da porta da frente trouxe um sorriso ao meu rosto. O Pit era a única casa que eu conhecia desde que Fletcher tirou-me das ruas, quando tinha treze anos. O velho começou anos atrás o restaurante e eu o herdei depois do seu assassinato no ano passado.

Enquanto caminhava em direção à porta da frente, escovei os meus dedos contra os tijolos gastos do restaurante enquanto chamava a minha magia de Pedra. Como sempre, notas sonoras lentas percorreram os tijolos, sussurrando do entupimento de contentes corações, artérias e estômagos de tantas refeições após comerem no restaurante. Aliviada com os sussurros familiares, o resto da minha frustração foi afastada. Podia ter feito asneira ontem à noite, mas eu ainda estava viva. Planejaria mais de um assassinato dentro do Pork Pit. Entraria e começaria a planejar o de Mab o mais rápido possível.

Olhei para o interior do Pit através das vitrines. Limpo até o vinil rosa e azul das cabines surradas que combinava com as pegadas de porco descascadas no chão, a qual levava os homens e as mulheres aos banheiros. Um balcão ao longo da parede traseira com uma caixa registradora antiga colocada em uma extremidade. Uma cópia maltratada de Where the Red Fern Grows por Wilson Rawls estava pendurada na parede em frente à caixa registradora, junto a uma foto desbotada de Fletcher mais novo. Tudo estava como deveria estar.

A corrida do almoço acabou e só uma pessoa estava sentada ao longo do balcão. Entrei fazendo com que o sino sobre a porta da frente tocasse, ele girou ao redor e me encarou com um olhar frio.

— Estava na hora de você aparecer, Gin, — Finn estalou.

Finnegan Lane era tão bonito como Owen, mas de uma forma mais polida, clássica. Finn usava um dos seus muitos ternos de poder, pois como banqueiro de investimento passava a maior parte das suas horas diurnas fazendo as pessoas usarem seu dinheiro. Hoje a cor escolhida era o azul royal com um pequeno padrão quadriculado que atravessava o caro tecido, rematando com uma camisa prata e uma gravata listrada azul e prata. O espesso cabelo de Finn, cor de noz, estava bem penteado e seus olhos verdes brilhantes e astutos no seu rosto corado como o vidro de uma garrafa de refrigerante.

Finn cruzou os braços e olhou para mim da mesma forma que Owen fez antes. Tempo para segunda rodada do pelotão de fuzilamento de Gin Blanco. Suspirei e fui até o meu irmão adotivo.

— Deixe-me adivinhar, você quer ter uma pequena conversa sobre o que aconteceu com Mab na noite passada.

— Ora, o que lhe deu essa ideia? — Finn disse numa voz ilusoriamente suave. — Talvez foi porque fui acordado numa hora inconveniente esta manhã só para saber que alguém tentou matar Mab ontem à noite enquanto ela estava entretendo os convidados na sala de jantar principal da sua mansão. A mesma parte da mansão que me lembro de ver você com as plantas na semana passada.

Atrás do balcão, Sophia Deveraux grunhiu em acordo com os pontos de Finn, num tom ácido.

Hoje a anã gótica usava uma T-shirt preta coberta com as presas brancas curvas de vampiro pingando sangue. A cor carmesim do sangue combinava com o colar de couro cravado em Silverstone em volta do pescoço, assim como as algemas nos seus pulsos. O batom era uma barra vermelha no rosto pálido, apesar de pitadas de purpurinas pratas brilharem no seu cabelo preto.

Suspirei.

— Olha, sinto muito por ter saído sem você, todos vocês. Mas todos nós sabemos que a minha oportunidade de chegar perto de Mab era estritamente trabalho de uma pessoa. Eu não queria que nenhum de vocês se machucasse se eu falhasse.

Sophia grunhiu novamente e deu de ombros, enquanto o rosto de Finn se suavizou um pouco. Então ele fungou e eu soube que a minha fala mansa não havia diminuído sua irritação. Finn acumulou bastante indignação justificada e estava determinado a fazer-me sofrer por isso.

— Embora apreciemos a sua preocupação com a nossa segurança, somos uma equipe, Gin, — Finn me repreendeu. — Sempre fomos. É preciso lembrar que a única forma de você matar Mab será com todos nós trabalhando em conjunto e não indo sozinha sem ninguém para te proteger.

Dei ao meu irmão adotivo um evasivo abanar de ombros.

— Não existem muitas hipóteses de isso acontecer uma vez que falhei ontem à noite. Imagino que agora ela elevou consideravelmente a sua segurança.

— Mmm.

Desta vez, Finn foi evasivo. Ele estendeu a mão e tomou um gole da caneca de café de chicória que estava a sua frente no balcão. O aroma perfumado da bebida encheu meu nariz fazendo-me pensar no pai de Finn, Fletcher. O velho bebia o mesmo café nas mesmas quantidades copiosas antes do seu assassinato, tal como o seu filho fazia. Mesmo agora, quase seis meses depois, eu ainda sentia falta de Fletcher. De ver o velho inclinado atrás do balcão no Pork Pit lendo o seu último livro e contando-me sobre o mais recente trabalho que reservou para mim como Aranha.

Pouco antes de ele ter sido torturado até a morte por uma elementar Ar, Fletcher queria que eu me aposentasse para viver um pouco à luz do dia, como ele tão eloquentemente chamava. Depois de eu ter vingado a morte do velho homem, adotei seu conselho e aposentando-me como Aranha. Pelo menos tentado. Não estava tendo muito sucesso até agora. Não matava mais pessoas por dinheiro, mas ainda conseguia me meter num monte de problemas do mesmo jeito. Principalmente por tentar ajudar outras boas pessoas, pessoas inocentes. Lidar com certos problemas que tinham apenas uma solução para uma cidade como Ashland, uma que envolvia as minhas facas de Silverstone e alguém perdendo um monte de sangue. Permanentemente.

Finn tomou outro gole de café e olhou para mim, o conhecimento brilhando em seus olhos verdes maliciosos. Revirei os meus, caminhei para trás do balcão e coloquei um avental de trabalho azul sobre meus jeans e a minha t-shirt de manga comprida.

— Oh, vá em frente e derrame, — eu disse. — Você sabe que quer me contar cada pequena coisa que sabe sobre o que está acontecendo com Mab, desde que eu não consegui matá-la na noite passada.

Um sorriso de satisfação se espalhou pelo rosto de Finn.

— Ora, pensei que você nunca me perguntaria.

Ele tomou outro gole de café de chicória, antes de começar a contar a sua história.

— Então, tive as minhas antenas para fora durante todo o dia. — disse ele. — De acordo com minhas fontes, Mab está muito chateada e alguns dizem que estava mesmo com medo. Aparentemente ninguém nunca conseguiu chegar tão perto de desligar as suas luzes para sempre.

— Fletcher treinou-me para ser a melhor. — disse com uma voz não muito humilde.

Finn me saudou com sua caneca.

— Ele fez isso e você é. Por isso que Mab estava tão compreensivelmente abalada. Bem, isso e o fato de que sujou todo o seu rosto com o cérebro do gigante. Aparentemente Mab estava bastante suja.

Um sorriso frio e duro curvou meus lábios. Pobre Mab coberta de sangue. Eu só esperava que da próxima fosse realmente o dela.

— De qualquer forma, — Finn continuou, — existem rumores de que ela se trancou em sua mansão. Mas o estranho é que ela não chamou mais reforços. Pelo menos nenhum que eu tenha ouvido.

— E as pessoas que estavam lá na noite passada? Os que estavam jantando com Mab? Quem eram eles?

Contei a meu irmão adotivo tudo o que se passou, inclusive com Ruth Gentry, Sydney e as outras personagens estranhas que Mab convidou para o seu santuário.

— Estranho - disse Finn. — Nenhuma das minhas fontes falou-me sobre os convidados. Vou continuar a escavar e ver o que pode aparecer.

Balancei a cabeça. Se alguém podia descobrir mais sobre essas pessoas era Finn. Meu irmão tinha mais espiões à sua disposição do que a CIA. Finn já estava terminado seu almoço tardio de um sanduíche de churrasco de porco, feijão e salada de repolho e estava pronto para comer a sobremesa. Então cortei um pedaço de torta de morango que fiz ontem à noite antes de fechar e cobri com uma grande colher de sorvete de baunilha. O melado da torta tinha açúcar suficiente para bloquear as mandíbulas de uma pessoa e fazê-la entrar em coma diabético, mas Finn comeu dois pedaços. Às vezes pensava que todo o café de chicória no seu sistema fazia Finn imune ao açúcar, gorduras, calorias e todas as outras coisas que nós meros mortais precisávamos lidar.

Mais algumas pessoas começaram a aparecer durante toda à tarde, Sophia e eu despachamos as suas refeições, mas o restaurante esteve tranquilo na maior parte. Não era de estranhar dado ao clima. As noites estavam frias e ainda não havia esquentado, o que significava que ainda teríamos muita neve e gelo do lado de fora e vinha mais a caminho. Ao longo dos últimos dias, incluindo hoje, Catalina Vasquez e o resto dos garçons ligaram para dizer que não poderiam sair de casa e muito menos chegar ao Pit para trabalhar.

O Banco do Finn também fechou mais cedo hoje por causa do tempo, por isso ele conseguiu trabalhar em suas fontes enquanto comia um terceiro pedaço de torta de morango.

Finn desligou o celular.

— Ok, agora eu estou interessado. Pois ninguém com quem eu falei sabia me dizer quem eram as pessoas que estava na mansão de Mab.

— Ninguém? — Eu fiz uma careta. — Ninguém sabe quem são essas pessoas?

Finn deu de ombros.

— O que quer que Mab esteja fazendo, está escondendo muito bem. Pelo menos até agora.

Larguei a cópia de bolso de Medea que estava lendo para a mais recente aula que estava assistindo em Ashland Community College. Leitura durante as pausas na ação do Pork Pit era outro hábito que eu herdei de Fletcher. Aulas de auditório na faculdade era um hobby que eu desenvolvi por mim mesma, mas o velho aprovou.

Esquecendo meu livro, encostei-me no balcão. Não tinham nenhuma razão real para que houvesse alguma coisa especial sobre o grupo de pessoas com que Mab estava se entretendo ontem à noite, exceto Gentry e Sydney que tentaram me matar.

Não, eu decidi, não estava certa. Gentry não queria me matar, ela queria me levar para Mab, para a Elemental de Fogo fazer isso por ela. Sydney, no entanto tentou me matar, mas só depois que pensou que eu eliminaria Gentry. Ainda assim, algo sobre a coisa toda não fazia sentido e eu não conseguia descobrir o quê. As pessoas no jantar foram trazidas para Ashland por Mab como reforços para seu exército de guarda-costas gigantes? Como espiões? Ou algo mais? Eu não sabia, mas estava disposta a apostar que a minha capacidade de manter a respiração dependeria da minha rápida descoberta da resposta.

Finn e eu sentamos e jogamos para fora algumas ideias, mas nenhum de nós achou alguma coisa que poderia ser remotamente plausível. Eu estava pronta para desistir, e Finn estava pronto para sair e ver o que ele poderia desenterrar a partir das suas fontes. Então o sino da porta soou novamente e minha irmã mais nova, Bria, entrou no restaurante.


Capítulo 07


A detetive de polícia de Ashland, Bria Coolidge, era uma bela mulher. Ou talvez eu só era um pouco tendenciosa já ela era minha irmã mais nova.

A cabeleira loira de Bria, cortada numa série de camadas exuberantes e desgrenhadas, apenas tocavam levemente seus pequenos ombros, enquanto seus olhos azuis cintilavam nas curvas leves da sua face. O ar gelado pintava suas bochechas em um rosa agradável que se mostrava através da perfeição da sua pele. Por causa do frio penetrante de fora Bria vestia um longo casaco de lã por cima do seu par de botas pretas, jeans e um suéter gola alta azul royal que acentuava de longe o brilho dos seus olhos. O seu distintivo brilhava no dourado frio do seu cinto de couro próximo ao negrume da sua arma.

Meu olhar caiu sobre a garganta dela e o colar de runa que estava pendurado ali. Aquele que ela sempre usava — aquele que eu nunca a tinha visto sem. Uma prímula delicada. O símbolo da beleza. A runa de Bria, o medalhão de Silverstone dado a ela por sua mãe, Eira Snow, quando ela era uma criança. Nossa irmã mais velha, Annabella, usava uma videira de hera ao redor do seu pescoço, representando elegância, enquanto a runa da nossa mãe era um floco de neve, o símbolo da calmaria fria.

Uma vez, eu também já usei um colar — uma runa de aranha, óbvio. Um pequeno círculo cercado por oito raios finos. O símbolo da paciência. Meu nome de assassina. E grande parte de quem e do que eu era. De algum jeito eu ainda tinha minha runa de aranha e, como Bria, nunca ia a lugar algum sem ela, pois o medalhão de metal foi derretido em minhas mãos por Mab.

As memórias daquela noite vieram à minha mente e, por um momento, eu estava lá de novo. Amarrada numa cadeira. Suor escorrendo no meu rosto. Chocada com o fedor da minha própria carne carbonizada. A Silverstone derretida, queimando, endurecendo em seu caminho nas palmas das minhas mãos.

Minhas mãos se apertaram em punhos e senti outro pedaço de metal cavar em minha pele, um pequeno anel de Silverstone no meu dedo indicador direito. A leve sensação era o suficiente para liberar minhas memórias. Olhei para o anel distraindo-me com ele.

Para dizer a verdade, não tinha muito para se olhar. O anel era completamente plano e simples, exceto pela pequena runa de aranha gravada no meio do fino anel. Mas para mim era mais precioso do que qualquer diamante, pois foi um presente de Bria.

Minha irmã deu-me o anel no Natal. Ela o mantinha por anos como uma lembrança de sua irmã mais velha, Genevieve Snow. Mesmo agora, dois anéis de Silverstone brilhavam no seu polegar esquerdo — com runas cravadas em ambas as superfícies. Flocos de neve para nossa mãe e videiras de heras para nossa irmã mais velha. Bria usava os anéis todos os dias junto a sua runa de prímula como um tributo a elas, nossa família perdida.

Tirei meu olhar da joia e olhei para Bria. Por 17 anos eu pensei que ela estivesse morta, que eu acidentalmente a havia matado. Depois que Mab torturou-me àquela noite, ouvi Bria gritar e pensei que a Elemental de Fogo havia encontrado o lugar em que eu a escondi. Então incitei minha mágica de Gelo e Pedra para tentar escapar das cordas que me prendiam e tentar chegar até Bria antes que Mab a matasse. Mas eu usei muita mágica. Como resultado, desmoronei a nossa casa inteira, então havia pensado que Bria tivesse sido esmagada pelas pedras que caíram. Uma culpa secreta que eu carreguei comigo até há alguns meses, quando Bria voltou para Ashland.

Minha irmã foi trazida para cá por uma imagem da cicatriz de runa de aranha na palma da minha mão que Fletcher enviou para ela. Logo quando eu comecei a procurá-la quando o velho homem tinha conseguido me deixar uma foto dela além da cova. Fletcher queria que nos encontrássemos e nos encontramos. Mas nosso encontro não foi exatamente um mar de rosas. Como uma detetive, Bria passou sua vida adulta sendo uma tira, ajudando pessoas, fazendo a coisa certa e certificando-se que os caras maus como eu tivessem exatamente o que eles mereciam. Como a assassina Aranha, tudo que eu tinha feito foi matar pessoas por dinheiro e contribuir para a minha aposentadoria. Os dois pontos de vistas não se enlaçavam exatamente.

Porém Bria e eu estávamos trabalhando as nossas diferenças, ou pelo menos tentando encontrar coisas em comum. Isso começou no Natal quando eu tinha a salvado de ser morta por LaFleur e dito a minha irmã quem eu realmente era. Bria ficou chocada e aterrorizada de que sua irmã mais velha, Genevieve, nasceu para ser a Aranha, mas estava tentando me aceitar, o que era mais do que me arevia esperar.

Agora, quase dois meses depois, não éramos exatamente melhores amigas, mas também não éramos inimigas. Às vezes tomávamos café e tentávamos conversar, mas mesmo quando apenas sentávamos lá olhando uma para a outra, procurando algo para dizer, estava agradecida que minha irmã estivesse de volta à minha vida. Eu achava que Bria pensava o mesmo. Ou pelo menos eu esperava que sim.

Bria não estava sozinha. Xavier, o gigante de dois metros de altura que era seu parceiro na força, entrou no Pork Pit e chutou a porta atrás dele. Eu o conhecia e contava com ele entre os meus poucos amigos. O gigante ajudou-me em algumas situações difíceis uma ou duas vezes e eu retribuí o favor um tempinho atrás, indo atrás de Elliot Slater, o bastardo torto e doentio que esteve perseguindo e aterrorizando Roslyn Phillips, a garota de Xavier. Roslyn eventualmente o matou, mas como a Aranha, eu tomei a responsabilidade por sua morte para livrá-la da culpa.

Os dois se dirigiram ao balcão. Abaixei meus ombros e esperei por eles. Sophia se prontificou à minha esquerda, descascando batatas no caso de alguém mais vir nessa tarde desejando fortemente o grosso filé com fritas pelo qual o Pit era famoso, entre outras coisas.

-E aí, irmãzinha, — Eu disse para Bria. — Xavier.

Eles acenaram para mim.

— Estão aqui para um almoço atrasado? - Eu perguntei.

Xavier sorriu para mim, seus dentes brilhando como opalas contra sua pele cor de ônix. — Algo assim. Acha que a dona nos dará um desconto?

— Oh, — Eu pronunciei lentamente. — Ela pode fazer uma exceção para dois dos mais finos de Ashland.

Ambos tiraram seus casacos e sentaram-se no balcão. Xavier sentou primeiro, forçando Bria a se mover entre ele e Finn ou se arriscar a ficar de fora da conversa que era certa que viria. Minha irmã suspirou, mas deslizou no banquinho.

Nessa parte, Finn estava todo feliz para se virar na direção de Bria e dar a ela seu sorriso mais charmoso e conquistador.

Dizer que Finnegan Lane era um pouco mulherengo era como dizer a alguém que estava um pouco quente no Sul na época de verão. Velha, jovem, gorda, magra, loira, morena, careca, banguela, rosto de armadilha mortal, Finn não se importava como eram, apenas que estivessem respirando e tivessem seios para provar serem mulheres. Não estava muito preocupado com o quão ousadas elas fossem. Finn considerava pequenas malditas coisas, como anéis de casamento e noivado e um grupo de brutamontes ciumentos, mais como desafios divertidos do que obstáculos que podiam ser perigosos para sua vida. Sempre me impressionava que nenhum marido abandonado tinha me contratado, a Aranha, para matar meu irmão de criação. Mas Finn tinha seu próprio tipo de mágica quando se tratava de impressionar as moças.

Pelo menos até que ele conheceu Bria.

Finn deui um baita de um beijo na minha irmã durante uma festa de Natal na mansão do Owen. O tipo de beijo que faria a maioria das mulheres derreterem. Homens também. Mas Bria não era a maioria das mulheres. Oh, eu podia dizer que minha irmã estava atraída por Finn. Ela tinha que ser cega para não estar. Mas ela ia fazê-lo trabalhar por cada insinuação astuta, cada olhar caloroso, cada beijo ardente. O que, obviamente, apenas fazia Finn tentar persuadi-la cada vez mais. Contudo Bria provou ser exatamente tão astuta e ardilosa quanto Finn, rejeitando toda tentativa que ele fazia para se aproximar dela.

Mesmo assim, tinha algo nos olhos de Finn quando olhava para Bria, algo que me fazia pensar que todo seu esforço poderia ser um pouco mais sério do que ele deixava transparecer, algo que eu nunca tinha visto antes — um toque de medo. Como se talvez ele estivesse com medo do que poderia realmente sentir algo por ela — de estar se apaixonando por Bria do jeito que tinha feito muitas outras mulheres apaixonarem-se por ele.

Talvez eu devesse me intrometer e dizer para ele desistir. Ter os dois estranhos não fazia os momentos em família exatamente calorosos e acolhedores. Mas pela primeira vez uma mulher estava trazendo o melhor de Finnegan Lane e que se dane se eu não estava apreciando o show.

— Detetive, — Finn sussurrou em sua voz mais sedutora. — Você está maravilhosa, como sempre.

Bria sorriu para ele e, embora tivesse mostrado muitos dentes, pareceu mais um aviso. — Lane. Vejo que você está tão oleoso e bajulador como sempre.

Finn fez beicinho e colocou a mão no peito.

— Oh, detetive, como você...

— Feri você. — Bria terminou sua sentença e bufou. — Se alguma vez eu te ferir, Lane, você vai saber.

Finn arqueou uma sobrancelha e se virou para mim. — Eu vejo que sua irmã tem o mesmo traço violento que você tem, Gin.

Dei a ele um sorriso aberto que combinou com o de Bria. — Deve ser de família.

Bem abaixo do balcão Sophia deixou uma risada baixa e ríspida sair. A anã gótica gostava do desconforto de Finn tanto quanto eu.

Apesar da atitude fria de Bria, Finn não desistiu. Ele focou toda sua atenção nela como se fosse um general e ela fosse apenas outra batalha a ser ganha, não importa que casualidades ele pudesse sofrer ao longo do caminho — incluindo a perda total e absoluta do seu respeito próprio, orgulho e dignidade. Bria rejeitava friamente todos os seus avanços, mas não estava completamente imune ao charme dele. Interesse brilhava em seu olhar toda vez que olhava para ele pelo canto do olho. Bria gostava de ser perseguida tanto quanto Finn gostava de correr atrás dela.

— Então, o que vai ser? — Eu perguntei.

Xavier pediu um cheeseburger duplo completo junto com fritas e feijão cozido. Bria optou pelo excelente sanduíche de queijo grelhado do Pork Pit, com um pouco de salada de batata e uma fatia de torta de morango — a última fatia que Finn ainda não tinha dado um jeito de colocar para dentro.

Sophia e eu trabalhamos na comida e nós cinco conversamos sobre o balcão. A anã e eu deslizamos a comida fumegante para Xavier e Bria e os dois passaram os vinte minutos seguintes comendo, enquanto Finn conversava o suficiente por todos. Comida, amigos e minha irmã, todos em um só lugar. Isso era quase tão bom quanto as coisas podiam vir a mim. Quase tão bom o suficiente para me fazer esquecer sobre como tinha estragado o meu sucesso com Mab na noite passada.

Quase.

Bria e Xavier acabaram com suas comidas, mas ao invés de darem adeus os dois hesitaram em partir. Não era como se qualquer um deles fosse fazer isso, não enquanto estivessem no turno, não importava quão gostosa a comida estivesse. Alguma coisa estava acontecendo.

Bria continuou lançando olhares primeiro para mim, depois para Xavier. O gigante balançou sua cabeça raspada para ela, dizendo para continuar. Mesmo assim, ela hesitou. Então decidi tornar as coisas mais fáceis para ela, vendo como a relação entre nós não era bem um mar de rosas.

— Algo em sua mente, Bria? — Eu perguntei.

Bria olhou para mim, surpresa com minha pergunta. Então um sorriso pesaroso atravessou sua face.

— É óbvio?

— Provavelmente para ninguém além de mim.

Ela assentiu, aceitando minha explicação.

— Na verdade, há outra razão para que Xavier e eu viéssemos ao Pork Pit hoje, outra além da comida.

Bria puxou o ar e olhou para mim.

— Nós precisamos da sua ajuda, Gin.

Minha irmã pedindo minha ajuda, especialmente considerando o tipo de ajuda violenta e sangrenta que sou especializada, era uma experiência nova. Mas eu não negaria a ela. Qualquer coisa que Bria pedisse a mim, felizmente daria a ela e até um pouco além. Mesmo assim, se minha irmã, a flecha reta, a detetive direita, vieram até mim, a assassina moralmente arruinada, por ajuda, então alguma coisa realmente grande devia estar de pé.

Eu arqueei uma sobrancelha.

— Sério? Você precisa da minha ajuda? Quem exatamente precisa ser morto?

Bria estremeceu.

— Não é... não é assim. Não mesmo, Gin. Eu não quero ninguém morto.

Eu olhei para ela por um momento antes que meu olhar fosse para Xavier. O gigante apenas deu de ombros, dizendo-me que Bria estava à frente disso, o que quer que fosse.

— Então o que é? — Eu perguntei. — Porque dois membros tão estimados da academia de Ashland precisam da minha ajuda? Procurar um tira sujo que vocês precisam dar o golpe ou algo do tipo?

Xavier bufou, com uma boa razão. Além do gigante e Bria, policiais honestos eram mais raros que nevadas no verão em Ashland. A maioria dos membros da força de polícia preferia pegar um maço de notas de cem para olhar para o outro lado do que realmente tentar resolver os muitos crimes que ocorriam na cidade. Era mais fácil, menos perigoso e mais proveitoso para todo mundo envolvido daquele jeito. Para a maioria das pessoas, a única justiça em Ashland era aquela que eles mesmos faziam – com qualquer forma pontuda e afiada que estiver por perto.

Bria tomou um pequeno gole da sua limonada de amora silvestre e bateu seu dedo indicador esquerdo no balcão antes de pegar e girar os dois anéis que ela usava ali. Girou, girou, girou. Girar e girar os anéis de Silverstone era a mania de Bria, algo que ela fazia toda vez que estava pensando muito sobre um problema. Uma luz nos símbolos de floco de neve e hera penetrou o metal e mostrou as runas para mim.

— Não é que precisamos da sua ajuda, — ela finalmente disse. — É só que não conseguimos descobrir as coisas.

— O que você quer dizer?

Bria olhou para mim.

— Tenho certeza que você percebeu que tem havido um pouco mais de crime em Ashland do que o usual.

— Especialmente mortes no inverno, — Xavier concordou. — Geralmente, o crime por aqui cai à medida que a neve se acumula, desde que a maioria das pessoas não querem sair no frio. Claro, nós pegamos alguns vagabundos agachados nos prédios abandonados em Southtown, algumas queimas de lixo que saem do controle, mas é isso, exceto pela bagunça usual.

Pela bagunça usual, Xavier se referia às disputas domésticas, assaltos, estupros, violência de gangue e assassinatos variados que tomavam conta da cidade numa base diária. De longe Ashland poderia ser comparar a uma versão maior de Mayberry, mas na realidade a cidade estava quase tão longe daquele ideal singular do Sudeste quanto poderia estar. O único assobio que as pessoas davam em Ashland era depois que eles tivessem batido na sua cabeça, arrancado à bolsa do seu braço e estivessme longe contando as notas dentro dela.

— O crime ao redor da cidade disparou nos últimos dias, — Bria continuou. — Brigas de bar, roubos, brigas, assassinatos. É como se algum tipo de exército tivesse invadido Ashland e estivessem determinados a rasgar tudo que eles puderem.

Eu franzi as sobrancelhas e minha mente voltou à noite anterior e os convidados do jantar que eu vi na mansão de Mab. Eles todos possuíam um grande abismo entre eles, uma agudeza em seus rostos, e uma ansiedade e estresse que os marcava como encrenqueiros perigosos em potencial. Eu olhei para Finn, o qual estava olhando de volta para mim, o mesmo pensamento brilhando em seus olhos.

— Você acha que os crimes têm algo a ver com os convidados de Mab? — Perguntei a ele.

Finn encolheu os ombros. — Talvez sim, talvez não. Apesar de que o pessoal com quem Mab faz negócios geralmente tem um pouco mais de autocontrole, ao invés de sair por aí entrando em brigas de bar.

Ele tinha um ponto, então acenei para Bria dizendo para continuar.

— O departamento inteiro está tentando descobrir, mas ninguém consegue desvendar o que diabos está acontecendo, quem são essas pessoas e o porquê delas virem repentinamente para Ashland, — Bria disse.

— É, — Xavier concordou. — Normalmente, nós pelo menos conseguimos alguns sussurros sobre o que está havendo. Mas até os caras da jogada não fazem ideia, e você descobriria se eles ouvissem algo dos seus patrões, pois assim eles poderiam se livrar de alguns problemas antes que começassem.

— Então mais pessoas estão machucando e matando outras, — disse. — Por esse lado, isso acontece toda vez que a lua está cheia. O que exatamente vocês precisam de mim?

Bria olhou para mim.

— Recebi um telefonema esta manhã de uma das minhas fontes dizendo que ele sabia o que estava acontecendo e que era algo grande, algo que realmente balancaria as coisas para todo mundo no inferno de Ashland. Perguntei a ele o que era, mas não quis falar pelo telefone. Disse que não era seguro o bastante. Eu deveria encontrá-lo esta noite.

— Estou sentindo um, mas aí.

Um sorriso atravessou seu rosto. — Mas ele parecia estranho quando falei com ele. Como se estivesse realmente excitado com algo e esse é o tipo de cara que apenas fica excitado quando há um alto preço a ser pago. Eu não vejo o que ele está ganhando me dizendo o que está acontecendo, desde que não paguei a ele por sua informação. Então eu disse a Xavier sobre isso e ele pensou que pudesse ser uma boa ideia conversar com você sobre essas coisas.

Eu olhei para Xavier.

— Sugerindo-me como backup? Isso não é coisa sua.

O gigante deu de ombros.

— Pensei que poderia ser prudente com tudo que está acontecendo com Mab. Especialmente desde que alguém tentou atirar na Elemental de Fogo noite passada, não menos que na própria mansão dela.

Estremeci. Não mencionei minha pequena viagem à casa de Mab por todo tipo de motivo, mas principalmente por que eu havia perdido a tacada. Eu não deveria errar — nunca. Especialmente não quando as apostas estavam tão altas, não quando a vida da minha irmã estava pendurava numa balança; indo para frente e para trás no fim de uma teia fina e sedosa de aranha. Mab queria Bria morta da pior maneira possível e eu não queria que Bria pensasse que eu não podia protegê-la. Supus que eu ainda jogava o lance de irmã mais velha, assim como fazia quando éramos crianças. Mesmo embora estivesse com vinte e cinco anos e possuísse uma magia de Gelo que era quase tão forte quanto a minha, Bria podia mais que tomar conta dela.

Suspirei.

— Então vocês ouviram sobre isso, certo?

— Nós ouvimos, — Bria disse.

Todos os tipos de emoções nublaram suas feições. Precaução, respeito, medo e só um toque de preocupação. Perguntei-me se esse último foi por mim ou por ela.

Mab tinha a impressão errada de que Bria era a irmã Snow com ambas as mágicas, Gelo e Pedra — a garota que Mab foi informada que mataria a Elemental de Fogo um dia. Eu queria dizer a todo submundo de Ashland que Mab estava completamente errada, que a Aranha era aquela com ambas as mágicas. Mas Bria apareceu desde que a Elemental de Fogo não parecia saber quem era a Aranha ou qual era a conexão da assassina com Bria, era estupidez dar a Mab qualquer tipo de informação que ela já não tivesse. De experiências passadas, eu sabia que a Elemental de Fogo não era tão estúpida, desleixada ou sem noção, mas tinha concordado com os desejos da minha irmã. Bria queria Mab focada nela e não em mim — não importava quão perigoso isso fosse.

Pensava que a atitude fatalista de Bria tinha algo a ver com a culpa que minha irmã mais nova sentia sobre o que tinha acontecido naquela noite fatal. Bria tinha visto Mab me torturar, mas em vez de tentar me ajudar, tinha entrado em pânico e fugido. Eu não culpava Bria por aquilo, entretanto. Ela tinha apenas oito anos naquela época, apenas uma garota assustada, o mesmo que eu. Se tivesse tentado parar Mab, ela poderia estar morta também — queimada pela magia da Elemental de Fogo. Mesmo assim, todos esses anos depois, Bria sentia-se responsável pelas coisas, como se de algum modo fosse culpa dela por Mab ter me torturado no lugar dela.

Olhei para Bria e nossos olhares se prenderam. Tantas emoções flutuavam nos abismos dos nossos olhares, tantas coisas que nós apenas não podíamos dizer uma a outra. Mas uma coisa era certa, minha irmã pediu minha ajuda e eu daria a ela.

— Você quer que eu vá como reforço, eu vou, — disse em voz baixa. — A qualquer hora, em qualquer lugar. Você sabe disso. Então onde vai ser essa festinha? Por que estarei lá, mas com minhas facas Silverstone no cinto no lugar dos sinos.


Capítulo 08


— Qual é o nome desse cara de novo? — Eu perguntei para Finn.

— O quê? — Finn disse, colocando a mão sobre sua orelha para tentar me ouvir sobre a música de rock. Algo que ele fez três vezes em minutos quando tentei falar com ele.

Eu suspirei. Outra noite, outro trabalho, outra chance de sair para Northern Agression.

Era onde Finn e eu estávamos agora, pouco antes da meia noite, já que Bria estava encontrando seu informante aqui. Northern Aggression era a boate mais decadente em Ashland, um centro de pecado onde você conseguia o que quisesse se tivesse dinheiro suficiente, cartão ou comodidades de valores para pagar as loucuras que o esperavam dentro do lugar. Sexo, drogas, sangue, cigarros, álcool. Tudo isso e muito mais estava disponível no menu de prazer da boate.

Como o nome sugeria, Northern Aggression estava situado em Northtown, embutido em uma área de mansões e extensas propriedades. Em Northern Aggression, você poderia conseguir qualquer coisa, desde um drinque casual com as garotas até ficar com qualquer garçom – ou três – que capturassem seu olhar.

Mantendo a aparência polida por qual Northtown era tão famosa, o exterior do clube era surpreendentemente doméstico, parecendo mais com um depósito do que qualquer outra coisa. A única coisa que sugeria que poderia ter algo interessante dentro era a runa que estava pendurada na entrada: um coração com uma flecha por ele. Cada noite, o sinal queimava vermelho, então amarelo e então laranja, convidando pessoas a entrarem e ficarem loucas.

Uma vez que você entrasse pela porta, a aparência doméstica desaparecia. Cortinas pulverizadas de um vermelho intenso cobriam as paredes da boate, enquanto um chão de bambu ficava aos pés de tantos dançarinos. Um bar feito de uma única longa folha de gelo elementar percorria uma parede, os sóis e as estrelas cavadas na superfície congelante brilhavam por baixo das luzes em movimento. As runas eram símbolos para vida e alegria, respetivamente, ambas pelas quais as pessoas aqui pareciam ter em abundancia esta noite. Mesmo se fosse apenas preenchida de álcool, cigarro e sexo.

E como se isso não fosse suficiente para prender, mudar e enlouquecer os sentidos, os trabalhadores tomavam conta do resto. Bonitos homens e mulheres andavam pela multidão servindo drinques e eles mesmos para os festeiros interessados. A maioria deles eram vampiros e todos prostitutos, como mostrava o colar que eles usavam, cada um com um coração – e – flecha, a runa da boate.

Eu estive no clube incontáveis vezes, mas nunca falhava em me impressionar com sua opulência.

Que o informante de Bria tivesse escolhido Northern Aggression como o lugar do encontro não me surpreendeu. Muitos negócios sombrios eram feitos dentro das salas VIP do clube ou em alguma das salas no primeiro andar que podiam ser alugadas por pouco ou muito tempo, dependendo do que você queria. Pelo jeito que minha irmã descreveu seu informante e a informação misteriosa que ele queria lhe dar, duvidei que algo seria feito nos andares superiores hoje à noite.

Peguei minha taça de gin e tomei um gole. O licor frio queimou-me por dentro fazendo um calor prazeroso no meu estômago.

— O quê? — Finn perguntou novamente.

Perto dele, Roslyn Phillips concordou com a cabeça em entendimento. A vampira não tinha nenhum problema em me ouvir já que ter os seus sentidos melhorados era um dos muitos benefícios que vinham junto a beber sangue. O sangue de um humano normalmente era suficiente para dar a qualquer vampiro uma excelente visão e audição, enquanto aqueles que bebiam de gigantes e anões recebiam a ótima força das duas raças. Vampiros podiam ainda absorver ar, fogo e outras formas de mágica se tivessem acesso a um sangue elementar. Ainda por cima, esta era a junta de Roslyn, a sua boate. Ela teve anos para se acostumar com o nível de barulho.

Ela se inclinou em sua direção e colocou sua boca em seu ouvido.

— Gin quer saber o nome do informante da Bria.

O rosto de Finn clareou e levantou sua taça de Martini.

— Depois de eu terminar meu drinque.

Eu lhe dei um olhar azedo e sentei-me no meu lado da cabine onde estávamos. Ao invés de pressionar no assunto, contentei-me com outro gole de gin. Por experiências passadas, eu sabia que absolutamente nada podia convencer Finn de fazer algo antes dele estar bom e pronto. O homem era implacavelmente teimoso desse jeito.

Do meu outro lado, um sorriso divertido mexia nos lábios de Roslyn. Ela esteve perto de Finn por tempo suficiente para apreciar e simpatizar com o meu dilema, especialmente desde que os dois tiveram uma amizade colorida por anos, antes de ela ficar num relacionamento sério com Xavier alguns meses atrás.

Se Bria era bonita, então Roslyn Phillips era simplesmente extraordinária. Tudo sobre ela era excepcional, desde sua cremosa e macia pele morena, brilhante cor que combinava com seus olhos, até o jeito que seu cabelo era cortado; todas suas características eram maravilhosas. O corpo dela era somente perfeição, com músculos torneados e proporções esbeltas que poderiam fazer qualquer supermodelo ficar envergonhada. Hoje à noite, a vampira vestia um apertado terninho vermelho que delineava seu corpo de um jeito que era mais sexy do que uma lingerie podia ser. Muitos olhos famintos iam em sua direção, mas ela era uma das poucas coisas que não estava no cardápio do clube.

Como tantos vampiros em Ashland, Roslyn gastou parte de sua vida passeando pelas ruas de Southtown antes de reunir dinheiro suficiente para se tornar uma garota do Norte e começar o Northern Aggression. Vampiros tinham o que precisavam em Ashland. Todos os vampiros precisavam de sangue para viver, claro, do mesmo jeito que os humanos precisavam de comida e vitaminas. Mas para alguns deles fazer sexo era tão bom quanto engolir um pouco de O positivo, pois lhe davam um grande barato. Além do mais, vampiros podiam viver por muito tempo e a prostituição era a profissão mais antiga do mundo. Sempre é bom ter habilidades, especialmente dado à economia.

Terminei meu drinque, empurrei a taça e olhei para Bria.

Minha irmã sentou-se no final do bar, bebendo um mojito. Ela vestia as mesmas roupas que eu tinha a visto usar mais cedo, mesmo que ela houvesse colocado seu distintivo de detetive e sua arma em seu bolso. A roupa de Bria era casta se comparada com as roupas que as mulheres usavam na pista de dança, sua escolha parecia a de uma freira quando contrastada com aquelas que entravam nas cabines do clube. Mas minha irmã ainda chamava atenção. A cada minuto, algum cara sentava ao seu lado e oferecia-se para lhe pagar um drinque, mas Bria sempre negava com a cabeça e recusava.

Eu não fui à única que percebeu a popularidade de Bria. Finn encarava a minha irmã também. A boca dele se contorceu quando um homem bonito vestindo um terno tentou lhe pagar outro mojito. Finn resmungou alguma coisa com a voz baixa.

Escondi um sorriso e continuei a olhar pela área do bar. Finalmente meus olhos focaram-se em uma mulher parada no bar. A Elemental de Gelo era a responsável por fazer que o bar ficasse em um único pedaço pela noite, dado por todos os corpos pressionados nele e acompanhando o calor que ficava com eles. Os olhos elementares brilharam quando jogou um pouco do seu poder para o bar. Mesmo do outro lado eu pude senti o poder da sua magia. Fez-me querer pegar o meu próprio poder e também pensar sobre a última vez que estive na Northern Aggressoin.

— Como Vinnie e Natasha estão? — Eu perguntei a Roslyn.

— Bem. — Roslyn disse. — Realmente bem. Coloquei Vinnie para trabalhar no bar de um clube em Savannah. Ele está gostando do clima quente de lá, especialmente nessa época do ano, e Natasha está indo bem na escola. Vinnie disse para mandar um oi a você, Gin. Ele disse que se você alguma vez for para Savannah os drinques são por conta dele.

Eu acenei. Vinnie Volga era um Elemental de Gelo que costumava servir para Roslyn no bar – até Mab chantageá-lo para espionar a vampira tentando me achar, a Aranha. Mab sequesttrou a filha de Vinnie, Natasha, e a usou como vantagem antes de eu resgatá-la e salvar Vinnie de ser mordido até a morte pelos capangas de Mab. Outra boa ação que fiz de graça. As únicas que pareciam importar nesses dias.

No bar Bria dispensou o cara de terno que foi para outra presa mais fácil. Finn aprovou.

Eu levantei uma sobrancelha.

— Você finalmente está pronto para os negócios então?

— Tão exigente. — Finn disse.

Eu apenas olhei para ele.

— Tudo bem, tudo bem. — Ele resmungou pegando seu celular e mexendo na tela.

Depois de um minuto, Finn achou o que estava procurando.

— O informante de Bria é Lincoln Jenkins. — Ele disse, falando alto o suficiente para que eu pudesse ouvir por causa da música. — Grande histórico o dele. Uma dúzia de prisões por todos os tipos de crimes, normalmente dele sendo pego com coisas que não o pertenciam perto das casas que tinham sido roubadas.

— Então ele é um ladrão. — Roslyn disse.

Explicamos a vampira porque estávamos vigiando o clube. Uma cortesia entre amigos. Roslyn sabia quem eu era. Tínhamos uma história juntas, remetendo ao ano passado quando matei seu cunhado abusivo e até mais recentemente quando a ajudei a se livrar de Elliot Slater, o gigante que a perseguiu e aterrorizou. Mesmo se não tivéssemos explicado para Roslyn, Xavier teria feito, já que eles estavam juntos. O gigante que era policial e também trabalhava no clube, atualmente estava trabalhando na entrada, determinando quem entrava e quem ficava na porta esperando no frio. Outra razão pelo qual ele sugeriu que Finn e eu déssemos apoio para Bria hoje à noite, desde que não estaria por perto para ajudá-la se as coisas dessem errado.

Finn falou:

— Se você chama de bandido quem tira rádios de carros e pega colares da caixa de joias da vovó. Alguns de nós preferimos trabalhar em uma escala maior, uma mais profissional.

Sendo um investidor, um imitador e faz de tudo, Finn possuía padrões maiores que a maioria dos bandidos em Ashland – e um ego muito maior. Ele preferia roubar clientes enquanto eles estavam ganhando e jantando, ao invés de ameaçando-lhes com uma arma. Ele era desse jeito. Sua versão diferenciada de crime era uma das coisas que eu amava sobre meu irmão adotivo, embora nunca admitisse isso para ele.

Finn também era ótimo em achar pessoas e descobrir coisas sobre elas, desde de onde clarearam seus dentes até quanto dinheiro guardavam em seus cofres, como também quantos corpos estavam enterrados em seus quintais. Depois que Bria nos disse quando e onde supostamente encontraria Lincoln Jenkins, eu pedi para que Finn encontrasse tudo que podia sobre o pequeno bandido.

E mantendo minha nova promessa para Owen, liguei para meu amor e disse que estava ajudando Bria hoje à noite. A conversa foi estranha e incômoda, mas Owen pareceu aliviado de que eu não estivesse lutando novamente contra Mab. Pelo menos não por esta noite. Eu não lhe contei que não havia desistido do meu plano de matar a Elemental de Fogo. Não tinha necessidade. Owen sabia o quanto eu a queria morta, o quanto precisava dela morta para manter todos que eu amava seguros.

— Jenkins está atrasado. — Finn disse, cortando meus pensamentos. — Dez minutos atrasado para ser exato.

— Ele é um ladrão. — Roslyn respondeu. — Está provavelmente penhorando qualquer relógio que ele tenha roubado.

Finn concordou.

— Talvez. Mas se ele estava excitado e a informação que tinha era tão grande, você pensaria que ele estaria adiantado. Esperando no bar, fumando um cigarro, bebendo uma cerveja, o que quer que fosse, querendo que as coisas terminassem. Ao invés disso, ele não apareceu, até agora pelo menos. O que parece estar realmente chateando a doce, doce Bria.

Verdade, Bria parecia impaciente batendo as mãos no bar, continuando a olhar pela multidão – todos os sinais de uma mulher levando um bolo e ficando irritada por causa disso. Então a mão de Bria parou e ela franziu a testa antes de alcançar o seu celular na jaqueta. Ela colocou o celular no ouvido botando um dedo no outro ouvido para poder escutar a pessoa no outro lado da linha. Ela disse algumas poucas palavras então desligou. Bria não olhou na nossa direção; ela era muito esperta para isso, mas um momento depois, o celular de Finn tocou. Ele olhou uma mensagem de texto.

— Bria disse que Jenkins acabou de ligar. Ele quer se encontrar com ela no estacionamento. Ela vai se encontrar com ele agora.

Desta vez franzi a testa. Por que um bandido pequeno como Jenkins iria querer se encontrar lá fora numa noite tão fria quanto esta? Tinham mais pessoas aqui dentro do que precisava para se perder, também era bom, quente e com muitas bebidas para consumir e beleza para se ver. Eu estava começando a ter um mau pressentimento sobre isso. Finn olhou para mim e concordou. Ele estava tendo as mesmas dúvidas que eu.

— Roslyn, sempre um prazer, mas o dever chama. — Disse saindo da cabine e ficando em pé. — Se você não se importar, diga a Xavier o que está acontecendo.

— Você precisa de ajuda? — Roslyn perguntou, preocupação aparecendo em suas lindas características quando ficou em pé também.

Balancei a cabeça.

— Não. Se eu e Finn não conseguirmos lidar com um simples inseto como Jenkins e qualquer que seja o truque que tenha colocado em suas mangas, então está na hora de encontrarmos outra linha de trabalho.

Bria se levantou, pagou a conta e foi à porta da frente. Em vez de segui-la, eu e Finn andamos atrás de Roslyn que abriu a porta nos fundos do clube. A vampira nos levou para uma série de corredores estreitos da Northern Aggression, um espaço vazio que circundava em volta do prédio. As passagens davam a Roslyn, seus prostitutos e os gigantes que trabalhavam para eles acesso para cada parte do lugar sem ter uma briga no meio do caminho. Eu havia tirado vantagem delas também alguns meses atrás quando estava atrás das pessoas responsáveis pelo assassinato de Fletcher.

Roslyn levou-nos para o fundo do prédio e abriu a porta. O frio de fevereiro resfriou meu rosto, mas agradeci o frio depois do calor do clube. Além de mim, Finn tremeu e colocou o queixo para mais baixo na sua jaqueta. Roslyn apontou para a esquerda.

— Se eles estão se encontrando no estacionamento, tem algumas lixeiras que vocês podem se esconder. Tem alguns pavimentos quebrados e rachados, então nós movemos as lixeiras para aquele lugar para ninguém dirigir por ali e furar seus pneus.

Concordei.

— Obrigada, Roslyn. Por tudo.

Ela acenou de volta.

— Eu vou buscar Xavier— a vampira disse e desapareceu para dentro do clube.

Eu e Finn ficamos onde estávamos, ambos colocando as mãos nos bolsos e puxando as máscaras de ski. Antes de me aposentar nunca usaria uma máscara como a Aranha. Eu não precisava – nenhuma das pessoas que vissem meu rosto estaria por perto para falar depois do acontecimento. Mas desde que declarei guerra à Mab, eu estava usando máscaras durante as minhas atividades noturnas. Era mais uma coisinha que eu fazia para proteger minha verdadeira identidade como Gin Blanco e as vidas de todos com quem eu me importava. Se Mab descobrisse quem eu era, a Elemental do Fogo não ficaria feliz apenas me perseguindo. Ela mataria todos em que colocasse as mãos e pudessem ser próximos a mim. Finn, Bria, as irmãs Deveraux, Owen e até mesmo Roslyn e Xavier. Posso ser descuidada sobre minha própria vida, mas não arriscaria a vida dos outros assim. Quando coloquei a máscara no meu rosto virei para encarar Finn.

— Você está pronto para fazer isso?

— Como Bonnie e Clyde. — Ele falou, seus dentes brancos aparecendo através do tecido preto. — Embora, vamos tentar não levar tiros hoje à noite, tudo bem? Esta jaqueta é de couro importado.

Dei uma risada e nós nos escondemos na escuridão.


Capítulo 09


As lixeiras estavam no canto oeste do estacionamento, exatamente onde Roslyn disse que estariam. Finn e eu escorregamos por trás dos recipientes de metal. O fedor de cerveja amarga, frituras e vômito pairavam sobre a área como neblina de dar ânsias. Comecei a respirar pela boca, apesar de o ar frio queimar a minha garganta e pulmões. Isso ainda estava de longe mais preferível ao ataque frontal no meu nariz.

— Você sabe, Gin, este seria um lugar perfeito para uma emboscada, — Finn murmurou.

Ele estava certo. As lixeiras isolavam esta área do resto da Northern Aggression e o estacionamento na nossa frente estava deserto.

Alguém fez um esforço para limpar a neve, deixando-me ver várias rachaduras profundas e irregulares que ziguezagueavam através do pavimento. Um agrupamento de árvores cobertas de neve juntava-se contra o outro lado do monte. Ao lado deles, um pedaço plano de terra estendia paralela a crosta de gelo além da rua. Dois SUVs estavam estacionados lá fora à direita. Seus proprietários devem tê-los trazido ao clube esta noite, porque as janelas coloridas estavam limpas e descongeladas. A música do clube pulsava aqui fora, mas a batida era mais suave do que tinha sido dentro. Ainda assim, era mais alto que o suficiente para absorver um grito ou dois.

O mal-estar no estômago se arqueou, ganhando força e apanhei uma das minhas facas Silverstone.

Passos soaram juntamente com o farfalhar de roupas e Bria deu à volta no prédio ficando à vista, indo em direção ao estacionamento. Ela olhou à esquerda e à direita, observando o cenário assim como Finn e eu fizemos. Bria também não gostou do que viu. Sua boca achatou em uma linha dura e sua mão deslizou no bolso de sua jaqueta, provavelmente enrolando em torno da arma que tinha escondida lá dentro.

Da nossa posição atrás das lixeiras, Bria não podia nos ver, mas sabia que estávamos aqui em algum lugar, prontos para apoiá-la. Ela caminhou até o centro do terreno e parou olhando às sombras cinza lançadas pelas árvores cobertas de gelo.

— Lincoln? — ela gritou. — Você está aqui?

Nenhuma resposta.

Bria olhou e ouviu, mas nada mudou na noite fria, e apenas o tum-tum-tum constante da música na boate interrompeu o silêncio gelado.

Enquanto esperávamos por Lincoln Jenkins aparecer, Finn colocou seu olhar em Bria, assim como ele fez no Northern Aggression. Supostamente, meu irmão adotivo manteve a cautela para qualquer pessoa suspeita, qualquer um que pudesse ter um interesse doentio em Bria ou sua origem, assim como Roslyn e eu fizemos. Mas seus olhos raramente deixaram o rosto de Bria no clube e ele tampouco tinha cobiçado, como sempre fazia, qualquer uma das mulheres seminuas que se esfregavam na pista de dança.

Observei Finn encarar minha irmã enquanto ela andava para frente e para trás através do estacionamento. Talvez eu devesse ter ficado com ciúmes. Apesar de tudo, Finn e eu ficamos uma vez, há muito tempo atrás, quando éramos adolescentes e não sabíamos nada da vida. Ele tinha dezenove e eu dezessete. Passamos um verão bastante agradável nos conhecendo antes de ambos perceberem que éramos melhores como amigos do que amantes. Com o passar dos anos, aquele vínculo se tornou uma conexão de irmão e irmã, uma que era muito importante para mim. Provavelmente mais do que Finn sabia.

Contudo, apesar do meu amor por ele, não zoaria com sua cara, mesmo esse sendo definitivamente um momento primordial, se sequer houvesse um. O grande Finnegan Lane, mulherengo infame, desejando minha irmã que, até então, estava dando a ele uma perseguição maior do que ele algum dia imaginou.

— Você não tem que fingir comigo, sabe. — disse em um tom suave, garantindo que minha voz não chegasse além da nossa posição atrás das lixeiras.

— Fingir sobre o quê? — Finn murmurou ainda encarando Bria através de um vão entre dois dos contêineres metálicos.

— Que minha irmã não é nada além do que uma conquista casual para você, outra para perseguir e ter antes de se mover para a próxima mulher.

Foi como se eu o tivesse congelado por um instante com minha magia de Gelo no lugar em que ele estava. Cada músculo do corpo de Finn se trancou no lugar e ele não fez mais do que piscar ou puxar uma respiração. Então, lentamente, se virou na minha direção, seus olhos verdes de alguma forma brilhando em seu rosto lindo, apesar da semiescuridão que rodeava esse lado do clube.

— E o que você quer dizer com isso, por favor, me diga?

Ele tentou fazer sua voz ficar leve e provocante até, mas eu podia ouvir a corrente de preocupação que percorreu suas palavras. Finn podia achar que cavar ao fundo os segredos mais escuros das pessoas era a maior diversão e jogo, mas ele não queria que ninguém soubesse suas emoções verdadeiras. Nem mesmo eu. Talvez fosse somente porque ele estava com medo do que estava sentindo – ou pior, medo de ferrar meu relacionamento com minha irmã recém-descoberta. Eu estava um pouco preocupada com isso também, mas não ia escolher entre Finn e Bria.

— Não se faça de bobo comigo, Finn. Não fica bem em você. – Dei-lhe um olhar zombeteiro. — Eu sei que você está afim da Bria, realmente afim dela. Que você na verdade sente alguma coisa por ela além de apenas desejo. Posso ver isso cada vez que você a olha. Você acha que está se derramando de encanto, sendo suave e gentil, mas está lá em seus olhos. Há algo nela que o intriga de uma forma que ninguém fez em um longo tempo. Talvez nunca.

— Sentimentos. — Finn estremeceu e cuspiu as palavras. — Você sabe o que acho sobre isso. Perder a cabeça e emoções exageradas não faz nenhum favor a ninguém. Eu, por exemplo, estou perfeitamente feliz com meus meros desejos. É claro, simples e até puro.

Só me mantive olhando para ele. Esperando.

Alguns segundos se passaram antes que ele suspirasse, balançasse a cabeça e baixasse seu olhar para o meu.

— Você me conhece malditamente bem, Gin,— Finn resmungou.

Arqueei uma sobrancelha.

— Aposte seu traseiro doce que sim. O que é o porquê de eu achar essa coisa tão hilária. Todos esses anos perseguindo mulheres e o que acontece? Você vai e se apaixona pela minha irmã antes de sequer tirar as calças dela.

Finn puxou uma respiração.

— Amor? Quem disse alguma coisa sobre amor? Por favor, Gin. Você sabe o quanto abomino essa palavra em particular.

Outro tremor sacudiu seu corpo como se alguém tivesse andado por seu túmulo. Mas pela primeira vez, detectei só uma dica de melancolia em seu tom. Escondi um sorriso. Oh, sim. Finn estava fodidamente apaixonado por Bria.

— Não é nada para se envergonhar, admitir que você finalmente encontrou sua alma gêmea. — Disse. — Porque Bria é muito espetacular. Esperta, linda, durona. Poderia ter sido muito pior.

Finn olhou-me com suspeita. Ele podia colocar uma fachada encantadora, mas se havia alguma coisa que o deixava desconfortável era falar sobre suas próprias emoções. Nesse sentido, éramos incrivelmente similares.

— E porque, de repente, está tudo bem para você eu tentando seduzir sua irmã? Se me lembro bem, houve um tempo não muito distante que você me disse para ir com calma ao redor da doce e pequena Bria.

— Aquilo foi antes de perceber que Bria não é mais tão doce e pequena. — disse. — Além do mais, vi o jeito que ela olha para você. Ela não é muito imune aos seus encantos quanto finge ser.

Um sorriso lento se espalhou pelo rosto de Finn.

— Mesmo? Você não devia ter me dito isso, Gin. Porque agora eu vou tentar ainda mais duro fechar o acordo, por assim dizer. Mesmo ela sendo sua irmã.

Seu tom de voz clareou como se tivesse revertido totalmente para o despreocupado e conivente Finnegan Lane, que seduziu a maior parte da população feminina em Ashland e colocou sua mira sobre as que faltavam. Mas um pequeno traço de emoção brilhou em seus olhos antes que ele fosse capaz de esconder isso de mim – esperança.

Dei de ombros como se não importasse para mim o que Finn fazia ou não com minha irmã. Não diria ao meu irmão adotivo a verdadeira razão pela qual eu estava de repente embarcando no trem do amor Finn-Bria deixando a estação. O fato era que parte de mim queria que eles tivessem um ao outro para se apoiar. Porque quando eu fosse atrás da Mab de novo, provavelmente não estaria perto deles depois disso, para ambos se apoiarem. Melhor para eles se encontrarem agora. Melhor para eles se percebessem que podiam confiar um no outro agora do que depois que eu estivesse morta e queimada em cinzas pela magia de Fogo da Mab.

— E quanto ao Owen? — Finn perguntou. — Jo-Jo ligou-me e disse que ele veio atrás de você no salão para te checar. Que estava chateado que você não disse a ele o que estava fazendo em relação a Mab. Aparentemente, não fui o único que você deixou fora ontem à noite.

Eu me mexi. Finn conhecia-me por dentro e por fora, o que significava que poderia me pressionar tanto quanto eu poderia fazer com ele. Mas por agora, eu não me importava com suas inquisições. Eu precisava de alguém para falar sobre toda essa coisa de relacionamento, especialmente porque estava em um novo território aqui.

— Owen começou a me dizer que me amava, — disse em uma voz suave.

Finn franziu a testa.

— O que você quer dizer com começou?

Respirei e disse a ele toda a triste história. Sobre o quão zangado Owen ficou comigo porque não disse que estava indo atrás de Mab e que ele quase deixou escorregar aquelas três palavrinhas – palavras que não tinha certeza se estava pronta para ouvir ainda, muito menos devolver.

— Ele realmente se preocupa com você, Gin, — Finn disse. — Eu posso ver isso nos olhos dele sempre que olha para você.

— Não sei por quê. Não sou exatamente a coisa com a qual os sonhos são feitos.

— Oh, por favor, — Finn zombou. — Esperta, linda, durona. Isso soa um sino? Não descreve somente a Bria, mas serve muito bem para você, também.

Eu encolhi os ombros.

— Talvez. Mas não muda o que sou e tudo o que fiz.

— Pensei que Owen estivesse bem com tudo isso. Com você sendo a Aranha.

— Ele pode estar, mas eu não quero esfregar isso na cara dele repetidas vezes. Isso é o mesmo que pedir por problemas. Essa é uma das razões pela qual Donovan Caine me deixou, se você se lembra, — disse, referindo-me a um antigo amante. Finn abriu a boca, provavelmente para analisar meu estado emocional atrofiado mais um pouco, quando vi alguma coisa se mover nas árvores.

— Hey, — sussurrei, cortando-o.— Parece que finalmente teremos um pouco de ação.

Um homem saiu do caminho de árvores para o estacionamento, indo em direção a Bria. Pela forma como ela se endireitou, o homem tinha que ser sua fonte.

Lincoln Jenkins era um cara pequeno e extremamente magro, com um punhado de cachos loiros crespos e um pretexto de cavanhaque ralo e lamentável. Um diamante pendia – e muito grande para ser real — brilhando em uma de suas orelhas, enquanto um punhado de correntes grossas de ouro falso pendurava-se ao redor de seu pescoço magricelo. As correntes saltavam contra sua camiseta branca, as quais ele tinha embaixo de algum tipo de jaqueta de futebol inflável e muito grande. Jeans desbotados caiam contra seus quadris estreitos e a parte superior de sua calça jeans praticamente engolia seus tênis caros.

— Ele parece algum tipo de tentativa de lixo de gangue branca, — eu disse.

— Esse é o visual que todos os bons ladrõezinhos em Ashland estão buscando hoje em dia, — Finn replicou.

Franzi a testa. — Bem, se Jenkins é tão pequeno, então porque está alegando ter uma informação tão quente sobre o que quer que esteja acontecendo em Ashland?

— Todo esquilo encontra uma noz cedo ou tarde, — ele disse. — Mesmo um tão baixo como Jenkins.

Finn continuou observando Jenkins, mas olhei além do ladrão, examinando o matagal de árvores que ele deixou para trás, as sombras que se esticavam ao redor do estacionamento e a rua além com suas duas SUVs. Tudo parecia até inocente, mas algo sobre toda essa coisa parecia errada para mim, seriamente errada.

Lincoln Jenkins se esgueirou até Bria. Minha irmã olhou fixamente para ele.

— Você está atrasado, — ela estapeou. — Você disse que estaria aqui dez minutos atrás. Não gosto de ficar pé no frio, Lincoln.

— Aw, agora não seja assim. Você não ia querer que eu escorregasse e caísse na neve, iria? — Apesar de suas roupas de gangue, a voz de Jenkins raspava com um sotaque que era puramente do interior.

Jenkins podia estar falando com Bria, mas ele não estava realmente prestando atenção nela. Ao invés disso, seus olhos voavam de um lado ao outro, como se estivesse tentando determinar se Bria estava sozinha. Depois de um momento, um sorriso astuto curvou seus lábios.

Meu polegar traçava para frente e para trás sobre o cabo da faca em minha mão. Não gostava da aparência de seu sorriso. Nem um maldito pedaço.

— Então, o que é essa informação que você tem? A coisa que você não podia ousar falar pelo telefone? O que está acontecendo no submundo de Ashland que todo mundo está tão agitado? — Bria perguntou, sua voz tão fria quanto o ar da noite.

— Aw, você quer ir para o modo de negócios já? Você não quer me perguntar como eu tenho andado ou outra coisa?

Ela suspirou.

— Eu sei como você tem passado, Lincoln. Roubando o que quer que ponha as mãos, apesar dos trabalhos justos que foram oferecidos a você. Aqueles que eu arrumei para você. Aqueles que você trabalhou alguns dias antes de pedir a conta e limpar a caixa registradora no caminho para a porta.

Jenkins encolheu os ombros, mas não negou a reclamação dela.

— Então onde está o seu parceiro hoje à noite? Você sabe, o cara grandão, o gigante?

O rosto de Bria se apertou.

— Ele está por aí.

— Por aí? — Jenkins virou a cabeça para um lado. — Isso é engraçado, porque acabei de vê-lo trabalhando na porta da frente do clube.

O ladrão deu um passo para trás e tirou suas mãos para fora dos bolsos de sua jaqueta inflada. Bria ficou tensa e Finn e eu fizemos o mesmo. Mas ao invés de aparecer com uma arma, as mãos de Jenkins estavam vazias.

— Está frio hoje à noite, não é? — Ele disse em um tom animado.

Jenkins trouxe as mãos perto do rosto e assoprou nelas três vezes, antes de esfregá-las vivamente e repetir toda a sequência.

Meus olhos se estreitaram.

Finn viu o movimento singular também, porque ele apunhalou seus dedos através do espaço entre as duas lixeiras.

— Você viu isso? Aquela coisa que ele fez com as mãos? — Finn perguntou.

— Aquilo parecia algum tipo de sinal.

E foi aí que as SUVs rugiram para dentro do estacionamento.


Capítulo 10


As luzes e os motores dos dois SUV's que eu vi antes, imediatamente começaram a funcionar quando Jenkins fez o sinal. Os veículos rugiram pela rua gelada antes dos condutores girarem as rodas e os SUVs balançaram enquanto desaceleravam através da estrada coberta de neve, até entrarem no estacionamento. Por um segundo, pensei que o veículo da frente atropelaria Bria, mas o motorista reduziu, parando a poucos metros a sua frente. O outro SUV deslizou e parou como se estivesse prendendo Bria e Jenkins entre os veículos e as lixeiras, onde Finn e eu ainda estávamos escondidos.

— Porra, — murmurei, o meu mau pressentimento agora havia se confirmado. — Foi uma armadilha desde o começo.

— Sim, — Finn sussurrou, pegando a arma no bolso do seu casaco. — Mas para quem? Bria? Ou Jenkins? Alguém pode o querer morto, por ele ter decido contar tudo a Bria.

— Não importa muito, — eu disse. — Porque se eles tocarem em Bria, então eles vão estar mortos. Você pode ficar aqui e cobrir Bria. Se um deles fizer um movimento em direção a ela, você coloca uma bala em seu cérebro. Vou dar a volta por trás deles. Talvez eles falem um pouco sobre o que querem e para quem trabalham antes de nós acabarmos com eles.

Finn balançou a cabeça e mudou para uma posição de tiro. Apertei o cabo da minha faca de Silverstone e entrei nas sombras.

As portas dos SUVs abriram e cinco anões saíram, dois de um carro e três do outro. Bria se afastou dos carros, colocando-se de costas para as lixeiras e puxando a arma do seu bolso. Jenkins ficou onde estava, o sorriso no seu rosto era maior do que antes. Sim, o ladrão sabia definitivamente o que estava acontecendo.

Os homens se espalharam e formaram um semicírculo ao redor da minha irmã. Cada um carregava uma arma, mas eles estavam demasiado focados em Bria para fazer alguma coisa inteligente, tal como verificar se ela tinha algum reforço. Ou talvez Jenkins já tivesse descartado essa possibilidade para eles, certificando-se que Xavier estava na porta da frente da boate em vez de estar apoiando Bria. Com o gigante fora do cenário, os homens provavelmente pensaram que Bria seria uma presa fácil. Tolos. Eles não perceberam o quão dura ela realmente era, ou que sua irmã mais velha, Genevieve, estava aqui e faria qualquer coisa para a proteger. Qualquer coisa.

De qualquer forma, era bastante fácil para eu fazer o meu caminho de sombra em sombra, circulando ao redor do estacionamento e escorregar por entre as árvores até que estivesse bem atrás de um dos SUVs. Parei ali, escondida atrás do grande carro, com uma faca de Silverstone na minha mão, com outra na manga, mais duas escondidas nas minhas botas e uma quinta escondida nas minhas costas. Cinco facas para cinco homens. Sem problemas.

— Por que você não coloca a arma no chão e vem tranquilamente, detetive? — Um dos anões resmungou. Um sotaque nasal de New Yawk acentuou-se nas suas palavras, dizendo-me que ele definitivamente não era daqui. — Porque eu realmente odiaria atirar nesse seu belo rosto.

Bria endureceu com o seu tom, seu rosto apertado com raiva. — Quem diabos é você e o que quer? Você me chamou de detetive, então obviamente sabe que sou uma policial. Você realmente quer fazer algo estúpido, como me ameaçar?

O homem soltou uma risada baixa e maldosa, olhando para seus amigos que riram todos em resposta. Por alguma razão, eles achavam que isso era um motivo para rir.

Usei o riso e a distração para deslizar nas sombras ao lado do segundo SUV, aquele que estava mais próximo de Bria. Olhei ao redor da extremidade do veículo, estudando os homens que cercavam a minha irmã.

Eles me faziam lembrar um conjunto de bonecas Matryoshkas russas, em que elas eram todas réplicas umas das outras, baixas, atarracadas e musculosas, assim como eram todos os anões. Nenhum deles era mais alto do que um metro e meio, mas seu tamanho não era nada comparado à sua impressionante força. Todos eles possuíam características semelhantes, cabelo preto oleoso que estava penteado para trás sobre as suas testas, pele morena e olhos negros. Irmãos, talvez, ou primos. E estavam todos vestidos da mesma forma, com jaquetas de nylon brilhantes com cores florescentes, tênis combinando e correntes de ouro ao redor dos seus pescoços. Olhavam como se fossem figurantes de um velho episódio da Família Soprano, como se a máfia dos anões tivesse migrado para sul no inverno. A única coisa que poderia ter sido pior era se houvesse sete deles. Heigh-oh heigh-oh.{4}

Meus olhos caíram para as armas em suas mãos, aquelas que estavam apontadas para Bria. A maior parte era Glocks. O cara principal, aquele que falou com Bria, tinha um revólver de cano curto. Eu não sabia de onde os homens eram, nunca os havia visto antes, mas eles ainda me pareciam familiares. Eles irradiavam o mesmo tipo de ar duro e predatório, como os convidados que vi no jantar interrompido de Mab. O que me fez ficar ainda mais curiosa por saber o porquê deles decidirem emboscar minha irmã, o que fazia eles mais propensos a morrerem quando eu descobrisse a resposta.

O líder, o dono do grupo por assim dizer, deu a Bria um sorriso que era tão gorduroso quanto o seu cabelo sujo.

— Querida, toda a gente em Ashland sabe que você é uma policial. É por isso que estamos todos tão interessados em você.

Bria franziu a testa ao ouvir suas palavras.

— O que você está falando? O que isso significa?

Os cinco homens riram novamente como se fosse alguma piada particular e que era a coisa mais divertida do mundo. Verdadeiros sábios este grupo.

Don virou a cabeça para Jenkins, que se arrastou de volta e se juntou ao semicírculo de homens ao redor da minha irmã.

— Porque não pergunta a ele o que está acontecendo? Afinal, ele é a razão pela qual você veio aqui hoje. — Bria olhou para Jenkins, o informante não estava assustado, mas sim com raiva queimando em seu olhar azul gelado.

— O que está acontecendo, Lincoln? Pensei que você tinha informações sobre o que estava para acontecer em Ashland. O que diabos você está tentando fazer?

— Eu não estou tentando fazer nada, — disse ele. — Exceto ganhar uns legais dez mil conduzindo os meus novos amigos diretamente para você.

Fiz uma careta. Os anões mafiosos pagaram a Jenkins dez mil para marcar um encontro falso com Bria? Por quê? Para que? O que eles pretendiam fazer com ela?

Bria olhou para ele.

— Você me vendeu, seu filho da puta.

Os lábios de Jenkins se esticaram em um largo sorriso, revelando ouro falso preso em seus dentes. — Desculpe baby, mas eu tenho que receber o pagamento.

Meus dedos se fecharam ao redor do cabo da minha faca. A única coisa que ele receberia esta noite era a morte.

Mais um minuto, dois no máximo.

— Por quê? — Bria rosnou voltando a sua atenção para o líder mais uma vez. –Por que dar a Lincoln dez mil? Eu teria ficado feliz em marcar o meu próprio encontro com você.

A mão de Bria apertou sua arma, os nós dos dedos brancos contra o cano preto da arma, dizendo a todos exatamente como esta reunião terminaria. Apesar da gravidade da situação, não podia deixar o caloroso orgulho encher-me com a sua bravura. Bria não era uma covarde. Ainda assim, essa arma não lhe ajudaria muito contra cinco anões. Como os gigantes, anões eram suficientemente fortes para levar um par de balas no peito e ainda continuar caminhando para você.

— Bem, — disse Don com seu sotaque. — Não é exatamente de você que estávamos à procura. Mas achamos que era a maneira mais fácil de chegar à pessoa que realmente queremos, então aqui estamos. Então pare de falar e largue a sua arma, detetive. Ou eu e os meus amigos a vamos tirar.

Eu não precisava imaginar as coisas brutais e horríveis que esses homens fariam a Bria se ela se rendesse. Todos eles estavam olhando para ela, seus olhares frios passavam rapidamente entre a virilha para o peito e baixavam novamente, já salivando com a perspectiva de colocar as mãos nela. Minha irmã não fez nenhum movimento para baixar a arma. Ela era demasiada inteligente para isso. Sabia tão bem como eu o que os homens tinham em mente e eles pulariam sobre ela no segundo em que mostrasse alguma fraqueza.

Ao invés de desistir, senti um pequeno traço do poder escorrer dela, como o gelo derretendo em um copo. Bria era uma Elemental de Gelo, uma magia que ela herdou da nossa mãe, assim como eu. Agora minha irmã estava alcançando o seu poder, preparando-se para usá-lo contra os homens. Outra arma para ela, uma que era tão mortal quanto a em sua mão. Eu uma vez deparei-me com um gigante que Bria havia atingido com sua magia. Ele parecia um picolé humano depois do que ela lhe fez, e eu não tinha dúvidas que ela poderia fazer a mesma coisa com os anões. O único problema era que ela conseguiria atingir apenas um deles antes que os restantes a dominassem.

“Don” deve ter visto o brilho azul que tingiu os olhos de Bria, porque sua expressão se endureceu quando disse.

- Vou contar até três. Depois disso os meus meninos vão se aproximar de você e quando a tivermos no chão, bem, confie em mim quando digo que você não vai gostar do que vai acontecer a seguir.

Bria não disse nada, mas manteve a arma para cima ao nível do peito de Don.

— Um, — disse Don. — Dois…

Não esperei pelos três. Corri para sair de trás do SUV e agarrei o homem o homem mais próximo e enterrei minha mão no seu cabelo, puxei o pescoço grosso para trás e cortei a sua garganta. Até mesmo um anão não era suficientemente forte para sobreviver a uma artéria carótida cortada. O homem borbulhou um grito na súbita e brutal ferida, a cabeça dos outros se viraram para ver o que tinha sido aquele barulho.

Por um momento, ninguém se moveu. Então tudo aconteceu ao mesmo tempo.

Outro anão virou a arma em minha direção, aparentemente para tentar atirar em mim através do seu amigo moribundo.

Um suave som soou do ar e o homem caiu no chão, um segundo depois, estava morto pelas duas balas que Finn colocou através do seu olho direito. Empurrei o anão que havia esfaqueado para longe de mim. Ele bateu na lateral do SUV e escorregou para o chão, se contorcendo violentamente enquanto o corpo caía do trauma enorme que tinha acabado de receber.

— Cuide da cadela com a faca! — Don estalou. — Eu vou pegar a policial!

Don puxou o gatilho da sua arma. Crack! Crack!

Bria atirou-se para o lado e as balas bateram na lixeira atrás dela. Minha irmã rolou pelo asfalto rachado posicionando-se em um joelho, levantou sua própria arma de fogo para Don. Sua outra mão estava estendida e uma luz azul piscava lá, como se ela tivesse formado uma bola de gelo elementar para arremessar nele. Mesmo do outro lado do estacionamento conseguia sentir a carícia fria da magia de gelo de Bria.

Mas o desgraçado foi mais rápido do que ela. Ele correu para frente e tirou a arma para longe antes de ela conseguir colocar um par de balas em seu peito. O golpe também quebrou a concentração de Bria, e o seu domínio sobre a magia de Gelo caiu, a luz azul se afastou em uma chuva de faíscas geladas. Minha irmã retaliou apoiando as mãos no chão e o chutando com o pé. Sua bota bateu no joelho de Don e ele cambaleou para trás, batendo no capô do SUV. Mas o anão nunca parou de se mexer, balançando, contorcendo-se e se concentrando para um novo golpe contra ela.

Outro barulho soou no ar, e Don grunhiu quando duas balas atingiram o seu ombro esquerdo. Uma rara falha de Finn, sem dúvida. A sua intenção era colocar as balas entre os seus olhos em vez disso, mas o anão estava se movendo muito rápido e também de forma irregular. Mais dois sopros de ar assobiaram, mas a essa altura Don já se estava dobrado em uma bola apertada e se lançado contra Bria. As balas atravessaram o capô do SUV, acertando o radiador e tornando-se vapor.

Lincoln Jenkins se encolheu no lado direito do veículo, abraçando o aro cromado como se fosse um escudo aprotegê-lo.

Isso tudo aconteceu nos três segundos anteriores, antes que outros dois homens se virassem e viessem contra mim.

Ambos levantaram as armas e dispararam, mas não antes que eu usar a minha magia de Pedra para endurecer a minha pele em uma concha impenetrável.

Crack! Crack! Crack! Crack!

As balas batiam no meu corpo e desapareciam na escuridão. Os anões trocaram um olhar intrigado, imaginando o que estava acontecendo, mas não lhes dei qualquer tempo para recuar. Dei um passo à frente, a minha faca brilhando.

Usei minha lâmina para ferir o estômago do homem mais próximo. Ele gritou e tentou me dar um soco na cara, usando a sua arma para um soco extra. Desviei do golpe desajeitado, esfaqueando-o uma segunda vez com a faca, sepultando-a em seu coração, rasgando e torcendo nos seus músculos duros e grossos para chegar lá. Ele gritou de novo mesmo quando os seus membros ficaram moles e eu o deixei deitado no chão.

O segundo homem rosnou com raiva e jogou o seu corpo no meu, arrancando as facas das minhas mãos e esmagando-me contra a lateral do SUV com sua força de anão. Ele ergueu a arma para me atingir com um par de balas no meu rosto, mas peguei o cano e empurrei a arma de volta para seu nariz quebrando-o. A arma escorreu das suas mãos e caiu no chão, sangue respingou no meu rosto, como tantas vezes antes. Milhares de vezes antes. Sorri. Nada me emocionava mais do que um nariz quebrado.

Mas o homem ainda não tinha terminado. Ele veio para mim de novo, desta vez tentando envolver suas mãos em volta do meu pescoço, sufocando-me. Me desviei e o soquei na garganta. Ele cambaleou para trás ofegando. Tirando uma faca de Silverstone da minha bota e terminei com o resto de sua luta.

Com os meus dois homens eliminados, voltei a minha atenção para Bria e Don que ainda estavam lutando. Os dois rolavam para trás e para frente em toda a calçada, socando um ao outro apesar de Don nem grunhir com os golpes que Bria lhe dava no peito. Não era surpreendente, dada a inerente dureza do anão. Sangue cobria ambos os seus rostos, e eu não conseguia dizer qual lado estava ganhando. Não soaram mais barulhos de balas e eu sabia que era só porque Finn não queria correr o risco de acertar Bria com um tiro destinado a Don, não enquanto eles estavam lutando.

Era uma boa coisa eu ter minhas facas para o trabalho, este que tinha de ser feito de perto.

Corri até eles no segundo em que Don ia para cima de Bria, então o chutei para longe dela. O anão rolou antes de se levantar, mais uma vez, olhando com seus olhos brilhantes apesar de sua luta com Bria e o sangue que encharcava os ombros da sua jaqueta azul brilhante.

Embora eu não quisesse nada mais do que ver o quão Bria estava ferida, fiquei de costas para minha irmã colocando-me entre ela e Don. Agora que os outros anões estavam mortos, sabia que Finn viria das lixeiras e a iria checar.

— Hey, — eu rosnei. — Por que você não me dá uma chance, se você realmente quer brincar?

Don inclinou a cabeça para ambos os lados, estalando seu pescoço, levando em conta eu e a faca ensanguentada na minha mão.

— Bem, bem, parece que eu estava certo, afinal. A maneira mais rápida de conseguir o que quero, e todo o dinheiro que vem com a detetive aqui.

E então nós lutamos.

Ele veio para mim, e eu fui ao seu encontro. Don era muito melhor do que eu pensava, movendo-se com uma velocidade e graça de um lutador nato e uma pessoa que tinha tido um monte de prática ao longo do caminho. O bastardo tinha o corpo musculoso de um verdadeiro atleta, apesar do traje extravagante de nylon e os tênis caros.

Tudo isso significava que eu não poderia colocar imediatamente a minha faca nele, do jeito que queria.

Normalmente, eu tentava evitar esse tipo de luta corpo-a-corpo com um anão, tal como Don, pois ele poderia fazer mais danos a mim com os punhos do que eu conseguiria fazer a ele. Mas eu ainda estava segurando a minha magia de Pedra, fazendo a minha pele tão dura quanto mármore. Seus socos iriam me ferir, mas não conseguiriam me debilitar por completo como eles teriam feito se não estivesse usando o meu poder elementar para me proteger.

Movemo-nos para trás e para frente no concreto rachado, trocando golpe atrás de golpe. Dei um soco em seu rosto. Ele conseguiu um sólido golpe no meu estômago. Segui com um soco em seu queixo. Ele se virou e bateu o cotovelo no meu peito. Nos separamos, ambos machucados e um poucos sangrentos.

— Nada mal para um homem morto, — eu murmurei. — Importa-se de me dizer a razão do seu interesse na detetive antes de eu acabar com você?

Don sorriu, mostrando-me a boca cheia de dentes sangrentos que pareciam particularmente berrantes contra sua pele morena. — Nah. Qual seria a diversão disso?

Antes que pudesse responder ele me atacou novamente, socando repetidamente. Desviei dos seus primeiros golpes, em seguida deixei ele me acertar de propósito. Seu punho bateu no meu estomago outra vez e eu caí no chão à sua frente. Eu não me levantei.

Mas Don não era tão idiota como parecia, porque ele não parou, não caiu na minha armadilha. Ele levantou a perna para me chutar na cabeça e esmagar o meu cérebro. Eu não dei a ele essa chance. Assim que ele puxou de volta, rolei para frente e usei a minha faca para cortar sua artéria femoral. Don gritou, mas mesmo assim deu mais um golpe sólido no meu peito, antes do calcanhar do seu tênis ficar preso em uma rachadura na calçada e ele cair. Ele se contorceu e caiu no chão me xingando e segurando a sua perna ferida.

Eu fiquei ali, assistindo-o sangrar. Não demorou muito, não com a ferida irregular e profunda que eu tinha feito. Quando estava enfraquecido a ponto de não ser mais uma ameaça, inclinei-me e cortei sua garganta, só para ter certeza.

— Porque você não deixa de ser difícil comigo e eu deixo você simplesmente morrer? - Eu perguntei com uma voz fria.

Don balbuciou uma vez, praticamente de acordo, antes de seus olhos ficarem vidrados e ele ficar imóvel.


Capítulo 11


Com a faca ensanguentada ainda na minha mão, olhei por cima do meu ombro.

Finn havia tirado a máscara de esqui, veio em torno das lixeiras e estava ajudando Bria a se sentar. Ele me deu um sinal de positivo dizendo-me que Bria estaria bem até que pudéssemos levá-la a Jo-Jo para curá-la. Satisfeita voltei minha atenção para o último homem encolhido – Lincoln Jenkins.

Levou algum tempo, mas o aspirante a gangster finalmente percebeu que a maré virou. Ele saiu de seu esconderijo ao lado do SUV e ficou na frente do veículo, os olhos arregalados olhando para o sangue, corpos e a carnificina que pintava o pavimento. Mas antes que eu pudesse me arrastar até lá e acabar com ele, o bastardo magrelo virou e correu. Deixei escapar uma maldição.

— Fique aqui com Bria! — Gritei para Finn. — Eu vou pegá-lo!

Eu tinha que pegá-lo. Jenkins viu o que aconteceu aqui e ele certamente saberia que a Aranha era a responsável. Não havia outras mulheres correndo em Ashland que eram tão habilidosas com facas quanto eu. Pelo menos não que eu soubesse. Se Jenkins não havia percebido isso ainda, certamente ele iria quando chegasse em algum lugar seguro e se acalmasse. Agora era a minha missão certificar de que ele nunca chegasse a esse lugar feliz.

Jenkins era mais rápido do que parecia — muito, muito mais rápido. Devia ser de todo esse tempo que ele passou se esquivando e transferindo a posse de certos itens. Ele correu como um coelho por toda a neve e eu tive que me esforçar para acompanhá-lo. Apesar do fato de que eu usei a minha mágica de pedra para proteger meu corpo, Don ainda fez algumas boas batidas em mim e eu podia sentir meu próprio sangue acobreado na minha boca, bem como o que parecia ser uma costela quebrada raspando contra meu pulmão.

Jenkins olhou para trás, percebeu que eu o estava seguindo e acelerou o passo, cruzando a rua gelada como um patinador de velocidade e desaparecendo em um beco do outro lado. Eu cerrei os dentes e me forcei a empurrar a dor e me mover mais rápido, correr mais duro. Entrei no beco para descobrir que Jenkins ganhou terreno contra mim, uma vez que o ladrão já estava no meio do corredor estreito, que estava muito claro e livre de neve. Ele olhou para trás novamente, os olhos arregalados de terror.

Em vez de tomar vantagem de sua velocidade natural, Jenkins estendeu a mão e pegou uma das latas de lixo que se alinhavam no beco. Ele bateu a tampa e a virou. Todos os tipos de lixo foram derramados fora da lata, e várias garrafas se espalharam no meu caminho. Uma a uma ele despejou as latas, colocando todos os tipos de coisas nojentas entre nós. Gordurosas embalagens de fast-food, cigarros esmagados, preservativos usados. O fedor azedo sozinho fez-me querer vomitar, mas me mexi através do lixo, minhas botas esmagando tudo o que estava sob os meus pés.

Jenkins achava que estava fazendo a coisa certa, mas suas táticas lhe custaram um tempo precioso e o desacelerou também, quando teria sido muito melhor apenas correr rápido para longe de mim, tão rápido quanto suas pernas de palito o levariam. Ainda assim, ele poderia ter feito isso mesmo derrubando mais as latas se tivesse sido um pouco mais rápido ou eu estivesse um pouco menos determinada.

Ou se eu não tivesse minha magia do Gelo.

Chegamos a um ponto no beco onde era um tiro direto de pelo menos cem metros sem latas de lixo à vista. Mais à frente, uma luz queimada no final do beco indicava outra rua e uma possível fuga para Jenkins. Eu estava determinada que o bastardo não fosse chegar tão longe, não depois dele ter vendido Bria. Mas, neste ponto, a dor nas minhas costelas se intensificou tanto que parecia que eu estava me esfaqueando no peito com minhas próprias facas e eu podia sentir-me ficando devagar a cada passo.

Ainda bem que eu não tinha que pegar Jenkins – somente pará-lo.

Deixei-me cair de joelho, coloquei minhas mãos no asfalto e estendi a mão para o meu poder de gelo. A luz fria prata cintilou sob as palmas das mãos, centralizando sobre as cicatrizes de runas de aranha lá. Cristais de gelo em forma de floco de neve espalharam de minhas mãos fechando-se no chão do beco, revestindo o concreto já frio mais rápido do que eu poderia pensar em me mover e muito, muito mais rápido do que Lincoln Jenkins poderia sonhar em correr.

Os cristais gelados prateados apanharam o ladrão a três metros do fim do beco. Jenkins não notou o gelo elemental subindo sobre ele e seus tênis guincharam, então deslizou sobre a folha lisa. Seus braços se agitaram enquanto tentava ficar em pé. Não funcionou, nunca funcionava. Um segundo mais tarde, suas costas bateram no pavimento frio. Sua jaqueta inflada esvaziou como um balão estourado e ele soltou um gemido baixo. Sorri, minha expressão ainda mais fria do que o gelo que eu acabava de criar.

Ainda assim me aproximei cautelosamente de Jenkins, do jeito que Fletcher havia me ensinado. Só porque alguém podia estar caído não queria dizer que ele estava fora – um truque que eu aprendi mais de uma vez.

Mas Jenkins não era tão inteligente e deve ter batido no concreto mais duro do que eu pensei, porque ele ainda estava gemendo quando cheguei. Agachei-me de joelhos e o montei, pressionando apenas o suficiente em suas costelas para tornar difícil para ele respirar. Os olhos do ladrão se arregalaram com a faca Silverstone ensanguentada na minha mão e pânico apertou sua pele pastosa. Ele tentou agarrar a minha mão na sua, mas estapeei os dedos frios para longe e enfiei a lâmina contra seu pescoço magro.

— Fique muito, muito quieto e você talvez possa sair deste beco vivo, — rosnei.

Era mentira, mas eu precisava de algo para romper seu medo – precisava de algo para fazê-lo falar, além da ameaça de sua própria morte iminente. Minhas palavras duras funcionaram porque ele acenou em um movimento frenético, tão ansioso quanto um filhote de cachorro para me agradar. Aliviei um pouco sobre suas costelas, embora mantivesse a minha faca contra seu pescoço pronta para cortar a sua garganta aberta se ele sequer se contorcesse errado. Mesmo vagabundos como Jenkins poderiam conseguir um tiro de sorte e não levar isso em conta é como as pessoas morriam.

— Agora, — disse em um tom agradável. — Você e eu vamos ter uma conversinha sobre a detetive Bria Coolidge. Começando com quem eram aqueles homens e o que queriam com ela.

Jenkins olhou para mim, seus olhos castanhos escuros e taciturnos em seu rosto. Debaixo de seu cavanhaque fino seus lábios se viravam para dentro, um beicinho exagerado quase cômico.

— Você me custou um dia de pagamento, — ele lamentou. — Um grande. Eu obteria dez mil para pegar a policial.

Não lhe disse que aquela policial era a minha irmã e que ele acabava de se enterrar com a promessa ilusória de dez mil. Em vez disso, o cortei. Não profundo, mas o suficiente de uma picada na ferida para lembrá-lo do que tinha feito para os mafiosos anões no estacionamento e que eu não era apenas uma garota com uma faca e que ficava bem em preto.

— Comece a falar, — disse com uma voz suave, cravando a lâmina Silverstone um pouco mais em seu pescoço. — Ou vou tirar a pele de sua garganta como se fosse uma maçã. Agora, por que você vendeu a Detetive Coolidge hoje à noite? O que esses homens queriam com ela —

— Recompensa! — Jenkins gritou, cortando-me. — Há uma recompensa pela policial! E uma sobre a Aranha também!

Meus olhos se estreitaram. Uma recompensa. Outra porra de recompensa. Eu deveria saber, deveria ter adivinhado. Afinal Mab havia contratado Elektra LaFleur, uma das melhores assassinas ao redor, para vir a Ashland matar-me. Não, a recompensa pela minha cabeça, pela cabeça da Aranha, não me surpreendia. Mas por que haveria um preço sobre Bria? Por que agora? Teria Mab finalmente se cansado de saber que minha irmã estava viva? Será que a Elemental de Fogo ainda achava que Bria era a única que supostamente estava destinada a matá-la? A irmã Snow com mágica tanto de gelo como de pedra?

— Então Mab quer a Aranha e a policial mortas. Diga-me algo que não sei. — Eu usei minha faca para fazer um movimento de corte em seu pescoço, tirando lentamente a lâmina através do sangue já escorrendo em sua garganta, mas não o cortando de novo ainda. — E diga-me rapidamente.

Por um segundo a confusão encheu os olhos de Jenkins como se eu tivesse dito algo errado.

— O quê? — Eu bati. — O que você não está me dizendo?

Ele começou a balançar a cabeça, depois pensou melhor, considerando a faca.

— Não, não é isso que está rolando afinal. Claro, Mab quer a Aranha morta, mas não a policial. Ela quer que a policial seja levada a ela viva.

Havia apenas uma razão que eu poderia pensar que Mab gostaria que Bria fosse capturada viva: influência. Para usar a minha irmã contra mim. Para me eliminar abertamente para que ela pudesse nos matar. Assim, a elemental do fogo havia percebido então. Ela sabia que a Aranha era realmente Genevieve Snow – ou pelo menos suspeitava o suficiente para querer pôr as mãos em Bria para confirmar a teoria.

Foda-se. Apenas... foda-se. As palavras de Jenkins espalharam através de mim como meu próprio Elemental de Gelo tinha revestido o chão do beco – frio, rápido, indiferente. Meu coração se apertou de pavor e medo pela minha irmã, mas não deixei nada do que estava sentindo mostrar em meu rosto duro. Em vez disso cavei a lâmina ainda mais profunda no pescoço de Jenkins, encorajando-o a começar a falar rápido.

— Conte-me tudo o que você sabe, — eu rosnei. Antes que minha mão deslize ainda mais do que já fez.

— Era, era apenas um trabalho, sabe? — Ele gaguejou. — Eu tenho me preparado nos últimos dias, assim como todos os caçadores de recompensas na cidade.

— Caçadores de recompensa?

Jenkins assentiu, tanto quanto podia, dada a faca em sua garganta.

— Sim, sim, caçadores de recompensa. Mab declarou temporada aberta à Aranha. A última coisa que ouvi foi que Mab estava oferecendo cinco milhões para quem trouxesse a Aranha morta para ela. O número sobe para dez milhões se você conseguir trazê-la viva, mas todo mundo ficaria muito feliz se ela estivesse morta. Não vale a pena o risco extra, sabe? Eu poderia gastar cinco milhões tão fácil quanto posso gastar dez.

Eu não precisava encorajá-lo mais. O ladrão começou a balbuciar em seguida sobre o quão perigosa a Aranha era e como caçadores de recompensa de todo o país vieram para a cidade só para procurar por ela. Bem, supus que isso era o responsável por todas as brigas extras, assassinatos e violência recentemente. Convidar caçadores de recompensa para uma cidade tão escura, suja e corrupta como Ashland era como salpicar gasolina em cima de um fogo já rugindo. Alguém estava sujeito a se queimar.

Pensei em todos que vi se preparando para jantar com Mab ontem à noite e da forma como Ruth Gentry e Sydney tinham, mais ou menos, tentado me levar viva. Então é isso que todos eles eram então, caçadores de recompensas que vieram para Ashland para coletar a Aranha, pegar-me, viva ou morta. Mab tinha definitivamente elevado seu jogo. Antes, ela trouxe apenas LaFleur. Agora, ela tinha toda uma cidade de cães de caça farejando atrás de mim. Apesar da situação, tive que dar a Mab seus créditos. Ela nunca fazia nada pela metade.

— E a policial? O que Coolidge tem a ver com a Aranha?

Jenkins piscou um pouco surpreso que eu tinha interrompido seu discurso choroso.

— Nada, tanto quanto posso dizer. Mas alguns dias atrás, Mab foi e colocou uma recompensa de um milhão de dólares na cabeça da policial. A única coisa é que a policial tem que ser trazida viva. Não morta. Então eu estava no bar na noite passada e ouvi esses caras falando sobre a recompensa e percebi que esta policial que eles estavam falando é na verdade a minha policial. Então falei isso para o líder, todo casual e ele me perguntou se eu queria fazer algum dinheiro rápido.

— E aposto que você disse o inferno de sim.

Mesmo que eu ainda estivesse montando ele, Jenkins conseguiu um encolher de ombros não tão envergonhado. — Tenho que ser pago, você sabe?

— Sim, — Eu disse. — Eu sei.

E então cortei sua garganta.

Ele não tinha mais nada para me dizer. Pelo menos nada que eu não conseguisse descobrir sozinha. Jenkins era um rato pequeno, um inferior que sobrevivia de migalhas dos outros. Ele apontou os homens para Bria e, em seguida, ficou para trás e os deixou fazer todo o trabalho sujo. Ele só não contava comigo e Finn estando lá e seus novos amigos serem mortos.

Talvez devesse tê-lo deixado viver. Lidei com vagabundos como ele toda a minha vida e ele não era uma ameaça real para mim. Talvez devesse ter o deixado escapulir para qualquer buraco escuro que ele chamava de lar. Mas ele havia entregue Bria por míseros dez mil, a entregou para ser estuprada, torturada e tudo aquilo que aqueles homens tinham em mente antes de levarem-na para Mab. Jenkins havia quase conseguido matar Bria por causa de sua ganância. Tinha se virado contra ela mesmo depois dela ter temtado várias vezes ajudá-lo. Ele a traiu, o que era apenas inaceitável.

Jenkins não era nada se não uma doninha oportunista. Se o deixasse viver, palavras teriam escapado sobre hoje à noite e, depois de um tempo, ele começaria a pensar em coisas – incluindo a mulher misteriosa com suas facas de Silverstone que tinha saído da escuridão apenas para salvar a detetive Bria Coolidge. Jenkins não era completamente sem noção. Ele teria colocado dois mais dois e perceberia que eu era a Aranha. Se não, ele daria com a língua nos dentes para alguém que teria somado isso para ele. E então Bria seria ainda mais um alvo e estaria ainda mais em perigo do que já estava, que era algo que eu não poderia permitir.

Além disso, eu nunca fui muito de misericórdia.

Então cortei sua garganta, fiquei ali em pé e observei até que seu sangue estivesse tão frio e gelado como o chão do beco abaixo dele e meu próprio coração negro.


Capítulo 12


Quando estava certa que Lincoln Jenkins estava morto, tirei minha máscara de ski e caminhei de volta para o estacionamento da Northern Aggression.

Finn ficou perto de Bria que sentou no para-choque de um dos SUVs. Meu irmão adotivo disse algo para ela, então tirou um lenço de seda branco do bolso do seu casaco. Ele passou o delicado lenço para Bria que o usou para limpar um pouco do sangue de seu rosto. Oh, sim, Finn estava tão caidinho por minha irmã que estava oferecendo seu precioso lenço de seda a ela.

Mas eles não estavam sozinhos.

Em algum momento enquanto eu estava perseguindo Jenkins, Roslyn e Xavier se juntaram à festa. Roslyn estava de pé no outro lado de Bria de olho nos corpos que sujavam o rachado pavimento, parecendo cascalhos soltos, suas belas feições enrugadas por óbvio desgosto. Eu não podia dizer se a vampira estava incomodada com o que eu e Finn havíamos feito aos homens ou dos horríveis e comuns casacos{5} que eles usavam. Xavier estava sendo mais prático. O gigante foi de corpo em corpo tirando as carteiras e os celulares e fazendo uma varredura por eles, tentando descobrir quem eram os homens.

Seus nomes não importavam mais já que estavam todos mortos.

Ao escutar o arrastar de meus passos, Finn se virou com a arma ainda em sua mão.

— Relaxa, — disse pisando para fora das sombras. — Sou apenas eu.

Finn assentiu, mas não guardou sua arma, ele continuou escaneando a área como se esperasse que mais alguém fosse aparecer da neve e tentar pegar Bria. Pelo que Jenkins havia me dito sobre a recompensa de Mab pela minha irmã, isso não era muito exagerado.

Olhei para Bria procurando por danos da mesma forma que Fletcher sempre fazia quando eu era golpeada e arrastada para fora da luta. Seu rosto estava uma bagunça. Um corte por baixo de seu olho direito gotejava sangue, enquanto outro através de seu queixo fazia o mesmo. Hematomas escureciam ambas as suas bochechas, interrompendo suas belas e delicadas feições e ela tinha um braço rodeando seu tronco, como se um par de costelas estivesse quebrado.

Meu coração se contorceu pelo dano que ela sofreu e pela dor que ela estava sentindo. Mas também sabia que Bria sairia dessa facilmente, pois ela continuava aqui comigo ao invés de ter sido entregue às mãos flamejantes de Mab.

— Então o que ele disse? — Finn perguntou.

— Um desses homens falou? — Roslyn perguntou num tom de descrença. — Antes de morrer?

Balancei a cabeça.

— Não eles. Havia mais um que correu quando as coisas ficaram sangrentas, mas o persegui. E pelo que ele disse, isso não é nada bom. Mab colocou uma recompensa de cinco milhões de dólares pela cabeça da Aranha.

Finn deixou sair um baixo assovio.

— Oh, as notícias melhoram. O montante sobe para dez milhões se alguém conseguir me amarrar e levar-me até Mab viva.

— Dez milhões de dólares? — Xavier grunhiu. O gigante ainda estava inclinado sobre um dos corpos no pavimento. — Não é de se surpreender que as coisas tenham estado tão loucas por aqui. Cada caçador de recompensa do Mississippi viria para Ashland por esse tipo de dinheiro.

Assenti para os anões mortos.

— Aparentemente, eles já estão aqui.

Ninguém disse nada.

— Mas há mais, não há? — Bria perguntou. — Algo que você não está nos dizendo. Algo que tem haver comigo. Por que desses homens essa noite? Eles queriam a mim e não a você, Gin. Então nos conte o resto.

Bria e eu podíamos não ter o relacionamento mais próximo, mas ela estava começando a pegar coisas sobre mim. Como o fato de que eu manteria segredos se pensasse que protegeria as pessoas que eu amava. Não sabia se devia ficar feliz ou irritada pela percepção dela. Mas não havia como contornar a pergunta dela, não com Finn, Roslyn e Xavier olhando-me também, imaginando o que estava acontecendo.

Eu encarei Bria.

— Aparentemente, Mab percebeu nossa conexão familiar — ou ao menos suspeita disso — pois ela colocou uma recompensa sobre sua cabeça também. Um milhão de dólares. A única complicação é que você deve ser entregue viva. Comigo, ela pegará o que conseguir.

Bria olhou para mim, seus olhos azuis sombrios e pensativos.

— Ela quer me usar como isca. Para te persuadir a sair para que ela possa matar nós duas.

Fiz uma careta.

— Esse seria meu palpite. Mas não vai acontecer. Eu prometo a você, irmãzinha.

Raiva contraiu suas feições espancadas.

— Não preciso que você me proteja, Gin. Eu sou uma policial e uma elementar do gelo, lembra? Eu tenho tomado conta de mim mesma por um longo tempo. Posso aguentar alguns caçadores de recompensa.

Eu bufei.

— Isso é mais que alguns caçadores de recompensa. É mais como se cada velho desdentado, com uma arma na parte traseira de sua caminhonete, tivesse vindo à Ashland por nós. Eu, eles não têm muito como acertar ainda, já que sou boa em ser um fantasma. Mas todos na cidade sabem o seu nome, posto e placa de carro, especialmente desde o incidente no trem bem antes do Natal. Estou apenas surpresa que demorou tanto para levantar o suficiente de senso comum para virem atrás de uma policial.

Bria se moveu no para-choque da Suv. Seus lábios sangrentos se curvaram para baixo, como se ela estivesse com medo de que se abrisse a boca diria algo que não pretendia dizer. Meus olhos se estreitaram.

— Essa é a primeira vez que alguém tenta sequestrá-la, certo? Pois eu sei que você teria me dito algo assim se tivesse acontecido antes.

Por um momento, achei que ela não me responderia. Mas meu frio e acusador olhar pesou sobre ela, quebrando sua determinação.

Bria suspirou.

— Houve um cara dois dias atrás quando eu estava comprando café na Cake Walk. Ele puxou uma arma para mim quando saí do restaurante, forçou-me a ir a um beco próximo e então me disse que iria me levar para um passeio.

— O que aconteceu?

Bria encolheu os ombros.

— Esperei até estar certa de que não havia ninguém mais por perto que ele poderia machucar, então joguei café na cara do bastardo e peguei sua arma. Enquanto ele estava gritando pela dor e pela queimadura de segundo grau, eu o soquei e o arrastei para a estação. Fim da história.

Finn deu a minha irmã um olhar de admiração.

— Boa, Detetive. Mas você devia ter encontrado outra forma de fazer isso. Não sabe que nunca, nunca deve desperdiçar um copo de café desse jeito?

As sobrancelhas de Bria se uniram em confusão. Ela não esteve por perto por tempo suficiente para perceber as distorcidas e estranhas profundezas do vício por café de Finn.

Ela balançou a cabeça, pressionando o lenço de seda no corte abaixo de seu olho e moveu o olhar para mim.

— E sobre Jenkins? — Ela perguntou. — Assumo que você o pegou, já que está nos dizendo tudo isso.

Havia mais que ela queria me perguntar. A pergunta queimava como uma chama em seus olhos de gelo. Uma mulher inferior teria deixado desse jeito, especialmente quando estava lidando com alguém como a Aranha, mesmo se ela fosse sua irmã. Mas Bria não estava carente no departamento de bravura e tenacidade.

— Você matou Jenkins? Após interrogá-lo?

— É claro que o matei, — Eu disse. — Ele era uma ameaça a você. Ele já havia te vendido uma vez e estaria mais do que feliz em fazer isso de novo. Eu não podia deixá-lo ir embora. Ninguém machuca as pessoas com quem me importo e dá o fora desse jeito, ninguém.

A boca de Bria ficou numa linha rígida e mais da raiva gelou seus olhos, mas não disse nada mais. Ela não brigou comigo sobre como o que fiz era tão errado. Sobre como eu acabara de matar alguém a sangue frio. Sobre como ela poderia ter tomado conta de Jenkins, prendendo e deixando ele ‘’ esfriar os calcanhares’’ na cadeia. Mas eu podia sentir seu desapontamento comigo. O frio do desapontamento irradiando dela, uma frente do ártico atingindo-me com seu frio descontentamento.

Finn pisou entre nós duas.

— Detesto interromper esse pequeno interrogatório, mas no caso de vocês todos terem se esquecido, estamos num estacionamento com vários corpos. Algo que pareceria um pouco suspeito até mesmo para a alma mais confiante. O que você quer fazer, Gin?

—Ssim. — Xavier concordou se levantando. — Você quer que eu anuncie isso? Deixará sua runa aqui para Mab encontrar?

Depois de eu ter declarado guerra a Mab, comecei a deixar minha runa de aranha nas cenas dos meus crimes toda vez que me emboscavam e eu matava os homens da Elemental de Fogo. Riscando a runa na sujeira, cavando ela no lado de um prédio, mesmo desenhando em sangue. Eu fiz tudo isso e mais, pois queria que Mab focasse toda sua raiva em mim e não pensar muito sobre as pessoas que salvei pelo caminho, como Bria e Roslyn, e qual a conexão que elas teriam comigo.

— Posso fazer todo o show, — Roslyn se voluntariou. — Você sabe, dizer que todos estavam no clube e ninguém ouviu nada. Como sempre.

Eu encarei os corpos que cobriam o estacionamento. Dez minutos atrás os homens estavam cheios de força e vigor. Agora eram nada, menos que nada, eram como o papel de ontem todo amassado e jogado fora.

— Não, — disse numa voz pensativa. — Eu não vou deixar minha runa para trás e vocês não vão chamar atenção. Vamos fingir que isso nunca aconteceu.

Bria franziu a testa.

— Mas por quê? O que há de diferente sobre essa noite?

— Mab contratou caçadores de recompensa. — disse. — Esses não são seus homens. Não realmente. Mas se eu deixar minha runa para trás e eles perceberem que entrei para proteger você, Mab saberá que está certa sobre nossa conexão. Ela avisará aos caçadores de recompensa e então será um frenesi, mais do que já é. Não, nossos amigos aqui sumirão silenciosamente. E sei a anã gótica certa para fazer isso acontecer.

Graças a uma ligação de Finn, Sophia Deveraux apareceu quinze minutos depois, dirigindo seu conversível clássico.

Como usual, a anã gótica vestia preto da cabeça aos pés. Apenas nesta noite, seu conjunto consistia num par de botas longas e um macacão. O equipamento perfeito para a eliminação de um corpo. Ou seis, neste caso. Enquanto esperávamos Sophia aparecer, Xavier e eu andamos ao redor, recuperamos o corpo de Jenkins do beco e o trouxemos para o estacionamento. Sem necessidade de a anã ir até lá, especialmente enquanto o beco estava coberto e escorregadio pela magia elemental do gelo que criei. Ela estava ocupada o suficiente aqui onde estava.

— Como você pode ver, as coisas ficaram um pouco mais agitadas do que eu esperava essa noite, — disse a Sophia.

— Hmph. — A anã grunhiu em concordância enquanto examinava os corpos.

— Você precisa de ajuda com algo?

Sophia revirou seus olhos escuros e bufou como se eu tivesse insultando-a. Supus que estivesse. Como eu, Sophia preferia trabalhar sozinha e era malditamente boa em seu trabalho. A anã gótica esteve livrando-se de corpos para Fletcher durante vários anos antes de eu ter aparecido e assumido o trabalho de assassino do velho.

Sophia era inacreditavelmente forte, mesmo para uma anã, mas o que a destacava realmente era o fato de que ela tinha a mesma magia elementar que sua irmã, Jo-Jo. A anã mais velha usava sua mágica para curar, mas Sophia fazia algo diferente com a dela. Mais que colocar veias e ossos quebrados no lugar, a magia do ar também era ótima em arrancá-los do lugar e tirar manchas de sangue, DNA e cérebros de portas, pisos, paredes e em qualquer outro local que tenha respingado. Sophia não se incomodaria em se livrar das piscinas de sangue do estacionamento, já que os rigorosos elementos do inverno logo iriam desgastá-las. Mas ela tomaria conta dos corpos dos anões caçadores de recompensa para mim, desintegrando-os com sua magia do ar e puxando tudo e qualquer pedaço desconhecidos.

— Vamos até Jo-Jo para remendar Bria, — disse a Sophia. — Vejo você lá?

— Mmm-hmm, — ela disse num tom distraído, já colocando um par de luvas, provavelmente para não arruinar sua manicure. Suas unhas brilhavam em rosa pérola na quase escuridão, a suave e feminina cor parecendo decididamente estranha com seu macacão preto gritante.

— Ficarei com ela, — Xavier disse. — Apenas no caso de alguém pensar no que ela está fazendo e vir investigar.

Eu assenti. Havia poucas chances de alguém passar por aqui nessa hora tardia, ao menos alguém que continuasse sóbrio e não estivesse embriagado pelo tempo dentro da Northern Aggression. Mas se acontecesse, o gigante iria mostrar seu distintivo e mandá-lo embora. Bom. Sophia podia tomar conta de si mesma, mas nunca doía ter alguém ao redor vigiando suas costas.

— Obrigada, — disse ao gigante. — Devo uma a você.

Xavier sorriu.

— Nah, você não me deve nada. Ao menos não por isso. Embora eu não reclamaria de um ou dois lanches grátis. Foi uma boa refeição a que tivemos hoje.

Levantei uma sobrancelha.

— Melhor ter cuidado ao falar o quão bem eu cozinho. Roslyn pode ficar com ciúmes.

A madame vampira deixou sair uma risada suave.

— Oh, livremente admito que você cozinha muito melhor que que eu, Gin. Mas tenho certas habilidades que você não tem, especialmente no quarto. Acho que Xavier de longe as prefere a um prato do melhor churrasco do Pork Pit.

Roslyn deu a Xavier um olhar malicioso e o sorriso do gigante aumentou.

— Boa jogada, Roslyn, — murmurei. — Boa jogada.

Xavier deu a Roslyn um quente e longo olhar que me disse exatamente o que aqueles dois estariam fazendo mais tarde. Então o gigante se moveu para perto de Sophia, que tirou uma fita métrica de seu macacão para ver quantos dos corpos dos caçadores de recompensas ela poderia espremer no porta-malas de seu conversível. Apesar de suas barbatanas, o veículo preto sempre me fez lembrar um carro funerário. Hoje à noite, os anões mafiosos teriam seu último passeio nele.

Roslyn voltou para dentro da Northern Aggression para continuar a circular pela multidão e manter as aparências. Finn e eu ajudamos Bria a mancar até seu Aston Martin que estava no estacionamento a leste do clube noturno.

Bria e eu não falamos enquanto íamos para a casa de Jo-Jo. Minha irmã ainda estava irritada por eu ter matado seu informante, mesmo Jenkins a tendo vendido. Finn tentou preencher o silêncio falando algumas piadas, mas mesmo suas palhaçadas não conseguiram quebrar a tensão entre nós.

Vinte minutos depois, nós três estávamos no aconchegante e familiar confim do salão de Jo-Jo. Bria se sentou numa das cadeiras vermelhas cereja enquanto Jo-Jo examinou seu rosto com um olho crítico.

— Esse é um corte desagradável que você tem aí, querida, — a anã disse a Bria. — O bastardo acertou em cheio você, não foi?

Bria fez uma careta.

— Sim.

Jo-Jo manteve uma mão sustentada perto do rosto de Bria e alcançou sua magia do ar. O poder da anã encheu o salão, mais uma vez fazendo as cicatrizes de runa de Aranha em minhas palmas coçarem e queimarem. Jo-Jo se inclinou para frente e Bria chiou como um gato raivoso. Não porque Jo-Jo estava machucando ela, mas porque ela podia sentir a mágica de ar da anã, exatamente como eu e não era nada como nossa fria magia do gelo ou até mesmo meu poder da Pedra.

— Eu também não gosto da sensação disso, — disse numa voz baixa, indo ficar ao seu lado. — A magia do ar.

Jo-Jo passou sua mão por sobre o rosto de Bria, forçando o oxigênio para dentro de todos os cortes que marcavam suas feições. Assisti enquanto o corte abaixo de seu olho costurava a si mesmo e o hematoma feio sumia de sua pele.

Bria rangeu os dentes.

— Não é a sensação mais prazerosa, mas vou sobreviver.

— Às vezes é melhor se você se segurar a algo, — disse, estendendo minha mão. — Isso ajuda a distrair sua mente da dor.

Bria olhou para minha mão estendida no ar, meus dedos enrolados, então seu olhar azul subiu para meu rosto. Eu sei o que ela viu quando olhou para mim. Uma mulher vestida de preto. Uma mulher coberta de sangue. Uma assassina. Um monstro. Não importava o quanto ela tentasse esconder, Bria não podia esquecer quem e o que eu era e o quão conflitante era seu sentimento sobre isso.

Finalmente, ela suspirou e segurou minha mão. Sua palma gelada e quieta contra a minha. Bria podia não gostar de meu passado como assassina, podia não gostar que eu fosse a Aranha agora, mas ela também sabia que parte de mim sempre seria Genevieve Snow, a irmã mais velha que ela tanto amou quando criança.

— Aperte o mais forte que você precisar.

Bria apenas assentiu, sua mão apertando ao redor da minha.

Tirando os cortes no seu rosto e algumas costelas quebradas, minha irmã não estava tão machucada da briga contra o caçador de recompensa, então levou apenas alguns minutos para Jo-Jo curá-la. Então a anã fez o mesmo comigo, tendo cuidado com os machucados que Don fizera em mim. Depois nós três marchamos para a cozinha. A maioria das pessoas preferia o salão, mas a cozinha era o meu lugar preferido na casa, talvez por amar tanto cozinhar. Uma longa e fina mesa dividia a cozinha em duas partes, enquanto eletrodomésticos numa variedade de cores pastel abraçavam as paredes. Gordas e fofas nuvens pontilhavam a pintura fresca do teto como marshmallows. Mais nuvens podiam ser encontradas em qualquer lugar que olhasse, dos pegadores de panela presos perto do fogão até os panos de cozinhas empilhados próximos da pia. Como outro elementar, Jo-Jo também usava sua runa pessoal, uma nuvem que simbolizava sua magia do Ar, em seu esquema de decoração.

Finn ficou perto do balcão após acabar de pegar seu trigésimo copo de café do dia. Como sempre, o vapor de chicória aqueceu-me de dentro para fora e fez-me pensar em seu pai. Desejei que o velho estivesse aqui essa noite. Flercher iria saber exatamente o que fazer sobre a bagunça em que estávamos, a bagunça que eu arrastei a todos nós por declarar guerra a Mab para início de conversa.

Finn encarou-me com seus olhos verdes.

— Alguma chance de eu conseguir algo doce para acompanhar meu café? — Ele me perguntou numa voz esperançosa.

Arqueei uma sobrancelha para ele.

— Você quer dizer que todas aquelas fatias de torta de morango que você comeu mais cedo não foram suficientes?

— Eu sou um garoto em crescimento, — Finn disse num tom sincero. — Eu preciso de vitaminas.

Bria bufou.

— A única coisa que está crescendo em você, Lane, é seu ego.

Finn esgueirou-se para a minha irmã e deu-lhe um sorriso deslumbrante.

— Bem, outras coisas minhas também tendem a inchar em sua presença, detetive.

Rolei meus olhos à tentativa espirituosa de Finn. Jo-Jo riu, divertindo-se com suas travessuras.

Bria retornou o sorriso de Finn com um sorriso meloso e doce.

— Oh, sério? Então isso foi do que, de uma borracha de um lápis para uma salsicha?

Finn engasgou e quase cuspiu um monte de café. Seu rosto corou e ele lançou um olhar para Bria. Abriu sua boca, provavelmente para vir com uma réplica, mas eu o cortei.

— Suficiente, — disse. — Nós temos coisas mais importantes para pensar agora do que o que vocês dois pensam um sobre o outro e seus vários apêndices. Como o que vamos fazer sobre a recompensa sobre sua cabeça, Bria.

Ela encolheu os ombros.

— Não vejo por que temos que fazer algo a respeito disso. Agora que sei sobre a recompensa posso me proteger.

— Não, você não pode. — Abri a geladeira para ver que tipo de ingrediente Jo-Jo tinha em mãos. — Não de cada caçador de recompensa da cidade.

— Caçador de recompensa? — Jo-Jo perguntou. — Que caçador de recompensa?

Bria e Finn encheram a anã com tudo o que havia acontecido na Northern Aggression. O encontro com o informante, a fracassada tentativa de sequestro, o que eu tinha descoberto com Lincoln Jenkins.

Deixei suas palavras correrem por mim enquanto eu pegava os ingredientes para os brownies. Farinha, ovos, água, cacau e óleo. Tudo isso e mais foram para a tigela. Dez minutos depois, coloquei os brownies no fogão e comecei a fina camada de cream cheese congelada que transformaria os brownies de uma mera sobremesa para algo realmente espetacular. Açúcar pulverizado, manteiga, extrato de amêndoas e um pedaço de cream cheese completando outra tigela. Como sempre, o agitar, o misturar, a medida correta dos ingredientes acalmou-me. Eu não podia controlar o que Mab fazia, como viria atrás de mim ou quem ela contratava para fazer seu trabalho sujo, mas podia fazer para minha família um deleite para adoçar os tempos amargos.

Vinte minutos depois, enquanto Finn e Bria estavam acabando suas histórias, tirei os brownies do fogão. Enquanto esperava que eles esfriassem o suficiente para congelá-los, peguei o leite da geladeira junto com vários copos do armário. Um por um, envolvi minha mão no copo de vidro e alcancei minha magia do Gelo. Cristais de gelo saltaram de minha palma e correram pelo lado da primeira caneca, então da outra, até que todos os copos estavam gelados.

Quando tudo estava pronto, cortei os brownies gelados, os empilhei num prato, trouxe o leite e os copos para a mesa e comecei a mastigar meu lanche de tarde da noite com os outros.

— Então o que você quer fazer, Gin? — Finn perguntou. — Agora que sabemos quem são todos esses doidos em Ashland?

Eu mastiguei um pedaço do brownie. Rico e cheio de chocolate, com um toque extra de doce açucarado do cream cheese gelado. Perfeito.

— Veja se você pode descobrir mais sobre eles, segredos, habilidades, hábitos. Eu especialmente quero saber sobre Ruth Gentry e Sydney, a garota que ela tem junto. Gentry, até agora, parece ser a mais esperta de todos, o que faz dela a mais perigosa.

Finn assentiu. Ele começaria a cavar para saber sobre Gentry o quanto antes naquele dia, mas o encontro de Bria com Jenkins tomou o lugar e desviou sua atenção da pesquisa.

— E eu? — Bria perguntou. — O que você quer que eu faça?

Olhei para ela.

— Você ligará para seu chefe de manhã e dizer que você tem uma emergência de família e está saindo da cidade.

Os olhos de Bria se estreitaram.

— Quer que eu deixe Ashland? Por conta de alguns caçadores de recompensa?

Balancei minha cabeça.

— É mais do que alguns caçadores de recompensa, Bria. Seis caras atacaram você essa noite e Mab tem um salão de jantar cheio deles em sua casa. Deve haver, no mínimo, três ou quatro dúzias deles em Ashland por agora, todos ansiosos para pôr suas mãos em você. Deixar a cidade é exatamente o que eles esperam que você faça e é o por isso que você não irá a lugar nenhum.

Bria olhou para mim.

— Então você quer que eu fique escondida, não é?

Assenti.

— Quero. Quero você em Ashland, por perto, em algum lugar que eu saiba que você estará salva. Algum lugar que é fácil de guardar e difícil de entrar. Algum lugar que eu conheça cada fenda e cada canto, então não haverá surpresas.

— Há apenas um lugar que eu saiba que se encaixa em todos os requisitos. Finn disse.

— Você se incomoda? — Perguntei numa voz baixa, encarando meu irmão adotivo. — Porque, sério, é sua casa também.

Finn apenas deu de ombros.

— Ele deixou a casa para você, Gin. Ele sabia que você precisaria para algo assim algum dia. Nós dois sabemos disso.

Bria olhou de um para o outro.

— Do que vocês estão falando? Onde é esse lugar?

Eu a encarei.

— Estamos falando sobre à casa do Fletcher. Irmãzinha, você está vindo para casa comigo essa noite.


Capítulo 13

 

Bria discutiu comigo, insistindo que podia cuidar de si mesma. Mas não cedi, disse-lhe que ela estava se esconderia na casa de Fletcher mesmo que eu tivesse que lhe colocar fita adesiva para imobilizá-la e mantê-la dessa maneira. Ainda assim, Bria consentiu somente depois que tirei um rolo de fita cinza das gavetas da cozinha e comecei a cortar tiras com uma faca de Silverstone.

No fundo, Bria sabia que ficar fora da vista era a coisa mais inteligente a fazer para todos. Mas isso não significava que ela gostava. Resmungando baixinho sobre irmãs mais velhas superprotetoras, Bria foi até o banheiro para tentar lavar um pouco do sangue das suas roupas.

Isso deixou a mim, Jo-Jo e Finn sozinhos na cozinha. Quando tive a certeza que Bria estava fora do alcance da voz, virei-me para Finn.

— Você sabe o que eu tenho que fazer agora, — disse. — Tenho que matar Mab. Na primeira chance que tiver. Isso é a única maneira de retirar a recompensa pela cabeça de Bria.

Finn engoliu outro gole do seu café de chicória.

— Sim, você tentou isso ontem à noite, se lembra? Não funcionou muito bem para você.

Meus lábios se retraíram em um grunhido com a lembrança do meu fracasso épico, mas forcei a raiva de mim mesma para o fundo do meu estômago.

— Eu não me importo. Mab sabe, Finn. Ela sabe que Bria é minha irmã. É por isso que colocou a recompensa pela sua cabeça. Se Mab não conseguir me encontrar por si mesma, então vai usar Bria para me fazer ir até ela.

Ninguém falou.

Respirei.

— Então, fale com os seus contatos, Finn. No segundo em que Mab deixar a sua mansão quero saber sobre isso. Eu não me importo aonde ela vai, se para um dos seus negócios, jantar fora, ou até para passear no shopping. Onde quer que ela vá, pretendo estar lá esperando por ela com as facas prontas.

Finn balançou a cabeça, puxou o celular do seu casaco e começou a fazer as chamadas. Jo-Jo estendeu a mão e pegou na minha, os dedos quentes contra a minha palma.

— Vai ficar tudo bem, Gin, — a anã murmurou. — Você vai ver.

Pensei sobre o quão perto estive de perder Bria esta noite. Quão perto Mab, os seus gigantes e os seus caçadores de recompensas estiveram perto de pegar-me na sua casa. Quantas vezes nos últimos meses a Elemental de Fogo ou os seus lacaios estiveram perto de matar-me. Eu não disse nada, mas apertei os dedos da anã com os meus tentando tranquilizar-me, tanto quanto a ela.

Finn prometeu entrar em contato com todos os seus contatos para ver o que eles tinham a dizer sobre os caçadores de recompensas, Mab e qualquer outra coisa que podia ser relevante ou útil.

Então Bria voltou para a cozinha e dirigi a nós duas para casa de Fletcher. Sophia já havia se livrado do velho carro que eu usei para escapar da mansão de Mab ontem à noite, transportando-o para algum ferro velho onde ele pertencia. Bria e eu encontramos Finn e Jo-Jo mais cedo e como ele havia nos levado para a Northern Agression, deixei o meu carro normal na casa da anã.

Bria e eu não falamos durante toda a viagem, embora ela fez uma careta quando segurou a porta do meu Benz prateado que se agitava na calçada. Não podia a culpar por isso. O caminho íngreme e sinuoso ainda fazia os meus ossos se abalarem cada vez que dirigia até lá.

Meu Benz subiu até o top da colina e a casa de Fletcher apareceu. Uma luz solitária ardia como um vagalume sobre a porta da frente, mal esboçando a larga estrutura. Tábuas brancas, tijolos marrons e pedras cinzentas compunham o edifício, junto com um telhado de zinco, persianas pretas e beirais azuis. Você não podia ver muito bem a estranha confusão de estilos e matérias na escuridão, mas eu conhecia as linhas e textura da casa caindo aos pedaços, assim como conhecia o meu próprio rosto.

— Lar, doce lar, murmurei, parando o carro.

Bria olhou para fora da janela, para as sombras que cobriam o quintal como poças de tinta cinza escorrendo sobre a neve. Apesar de termos nos reencontrado uma com a outra, a minha irmã nunca foi até a casa de Fletcher antes. Sempre nos reuníamos em locais públicos, como o Pork Pit ou Northern Agression, geralmente com Finn, Xavier, Roslyn ou uma das irmãs Deveraux presente. Companhias auto impostas para manter as longas e estranhas pausas ao mínimo.

Lá estávamos nós sem acompanhantes, sem redes de segurança essa noite. Este lugar tornou-se pessoal para mim. Eu amei Fletcher como um pai e sua casa era uma extensão natural do velho homem em si, era tanto uma parte dele e do seu legado para mim como Pork Pit era.

Saímos do carro. Era depois das três, mas graças à neve, uma espécie de penumbra cinza perolada, suavizava os cantos frios de tudo e fazia parecer mais claro do que realmente era. Na frente da casa, a neve encrostava-se no liso gramado antes de subir por uma série de penhascos irregulares congelados. Neve e gelo cobriam o cascalho na entrada também, mas eu ainda conseguia ouvir o murmúrio da pedra. Baixo, estável e tão tranquila quanto a paisagem gelada que nos cercava.

Não havia pegadas marcadas na suavidade da neve e nenhuma sensação de excitação, urgência, ou desejos escuros percorriam as pedras debaixo das minhas botas. Ninguém tinha chegado perto da casa esta noite. Bom. Isso significava que Mab e sua cidade cheia de caçadores de recompensas não descobriram minha verdadeira identidade, ainda não tinham descoberto que Gin Blanco era na verdade a Aranha.

Levei Bria até a porta da frente que era feita de granito preto sólido. Linhas grossas de Silverstone rodeavam através da pedra dura aqui e em outros lugares estratégicos em torno da casa, enquanto barras feitas de metal mágico cobriam as janelas.

Bria soltou um assobio baixo apreciativo.

— Não acho que já tenha visto tanto Silverstone em uma única porta antes. Você teria que ter imensa magia para arrebentar grande parte disto.

— Lembra-se de quando falei sobre ser facilmente defensivo? Bem, isto é, — disse abrindo a porta e entrando.

Acendi algumas luzes para iluminar o corredor e tirei as minhas botas. Bria entrou e fez o mesmo.

— Então aqui é onde você mora, — Bria murmurou, olhando para o que conseguia ver da casa. — Parece que tem um monte de espaço aqui, de passagens, de lugares para se esconder.

Ela não tinha ideia. Tantas adições em tantos estilos diferentes foram anexadas à casa ao longo dos anos, toda a estrutura era uma espécie de labirinto. Quartos se uniam, ramificando-se em corredores que voltavam para trás sobre si mesmos, levavam a diferentes partes da casa, ou em alguns casos apenas chegavam ao fim. Não era o tipo de lugar onde você iria querer ter que procurar um banheiro no escuro e muito menos uma assassina como a Aranha. Ainda assim, os padrões sobrepostos davam-me uma clara vantagem, pois eu sabia os prós e contras de toda a casa e a melhor maneira de deslocar-me e apunhalar alguém pelas costas quando ela pensasse que estava indo fazer o contrário.

Bria me seguiu pela casa. Eu mostrei o primeiro andar e disse para fazer como se estivesse em casa. Minha irmã não falou muito, mas ela não perdia nada. Ela examinou tudo com cuidado, devagar, demorando-se no mobiliário usado e confortável e em todas as bugigangas estranhas que Fletcher colecionou. Seu rosto estava em branco, fechado, e eu não conseguia dizer as conclusões, se tivesse alguma, que ela tinha chegado.

Paramos na parte de trás da casa, no escritório, a sala em que eu sempre ia tarde da noite, sempre que não conseguia dormir e houvesse algo na minha mente. Como esta noite e a recompensa sobre a cabeça da minha irmã.

Sentei no velho sofá xadrez e coloquei minha cabeça para trás, rolando-a de lado a lado para soltar os músculos rígidos, cheios de tensão em meu pescoço. Bria não se sentou ao meu lado. Em vez disso, ela caminhou para a moldura sobre a lareira e os quatro desenhos emoldurados que descansavam ali. Três dos desenhos eram para uma aula de artes que eu frequentei em Ashland Community College. Meu trabalho final foi esboçar uma série de runas, todas ligadas a um tema.

Eu fiz as runas da minha família morta.

O primeiro desenho sobre a lareira era um floco de neve da nossa mãe, Eira, a runa era símbolo da calma glacial. O segundo era uma trepadeira de hera, representava a elegância, e a nossa irmã mais velha, Annabella. A runa de Bria, uma prímula, o símbolo da beleza, era o terceiro desenho, mas a minha representação não era tão elegante quanto o medalhão de Silverstone que ela usava no pescoço.

A quarta imagem era um pouco incomum. Não era uma verdadeira runa, não como as outras. Em vez disso, o desenho era igual ao sinal de néon colorido que pendia fora da entrada de Pork Pit. Uma cópia exata, até a bandeja plana e pesada com alimentos que o porco estava segurando. A churrasqueira e Fletcher eram a mesma coisa para mim. Depois do assassinato do velho, eu decidi homenageá-lo da mesma maneira que fiz com o resto da minha família morta. Daí o desenho.

Bria foi de um quadro para o outro, parando para olhar todos eles. Não conseguia ver o seu rosto, mas não tinha certeza se queria. Eu não sabia se queria ver as emoções piscando em seus olhos agora. Toda a raiva, saudade, dor e pesar. Os sentimentos já apertavam em meu peito, fios emaranhados lentamente me estrangulando de dentro para fora.

— Sempre me perguntei se você se lembrava de mim, — Bria sussurrou. — Se você se lembrava da mãe e da Anabella. Se você pensava sobre elas ou em mim e o que aconteceu naquela noite. Se você sentia saudades tanto quanto eu. Se sentia tanto a minha falta como eu sentia a sua.

Ela se virou para olhar para mim, as memórias e a tristeza escureciam seu rosto bonito como contusões feias. Só que estas feridas não desapareceriam, pois eu carregava as cicatrizes comigo assim como ela fazia. No meu rasgado e esfarrapado coração.

— Você se lembra e pensa nelas tanto quanto eu.

Eu tentei sorrir, mas meu rosto estava duro e congelado.

— Como eu poderia esquecer? — Como alguém poderia esquecer o que aconteceu naquela noite? Assistindo minha mãe e Anabella desaparecendo em bolas de Fogo elementar, percebendo que elas estavam mortas e depois olhando para suas cinzas e tentando não vomitar com o cheiro de queimado. Não era algo que eu esqueceria, mas não disse isso a Bria. Ela tinha suas próprias memórias horríveis daquela noite.

Deixei escapar um longo suspiro. Por mais terrível que aquela noite tivesse sido, a forma como ela tinha marcado meu interior e me moldado sobre quem eu era e o que era, a Aranha, não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso. As memórias nunca faziam bem a ninguém e o sentimento choroso era para os tolos e fracos, para impedi-los de fazer o que precisava ser feito.

O que importava agora era manter Bria segura e encontrar alguma maneira de chegar perto o suficiente de Mab, para transformá-la em uma almofada de alfinetes com as minhas facas de Silverstone. Proteger as pessoas que eu amava. Isso é o que eu precisava fazer agora.

— Vamos, — disse, ficando de pé. — Tem sido um longo dia. Vamos limpá-la e então vou lhe mostrar onde fica o seu quarto.


Uma vez que Bria já estava escondida para a noite num quarto no final do corredor, tomei um banho quente para lavar e tirar o sangue de Jenkins de cima de mim, depois me arrastei para minha cama. Olhei para o teto e soltei outro suspiro, pensando no que aconteceria a partir de agora.

Desde o assassinato de Fletcher eu estava tendo sonhos. Horríveis, sonhos horríveis. Não, isso não era bom. As imagens não eram tanto como sonhos, mais como lembranças do meu passado. Por mais que tentasse, não podia impedir que os sonhos viessem, não conseguia afastar as memórias de borbulharem para a superfície do meu subconsciente. Esta noite não era exceção. Mesmo quando eu me senti afundar no sono, as cores, os sons e os cheiros começaram a piscar na frente dos meus olhos…


O som me acordou. Um murmúrio de desconforto que pressionava a minha testa como um pano frio. Concentrei-me no som, olhando para a escuridão que camuflava a minha cama. Depois de um momento, percebi que era a pedra da nossa mansão. Alguma coisa tinha as incomodado. As pedras sussurravam todas ao meu redor, os murmúrios cada vez mais altos, mais nítidos e mais frenéticos a cada segundo. Aviso de perigo… perigo… perigo…

Fiz uma careta. Perigo? Aqui?

Deslizei para fora da minha cama quente e macia, vesti um roupão de lã e calcei meus chinelos azuis favoritos. Então abri a porta devagar e espreitei para fora. Pequenas luzes iluminavam o corredor. Tudo parecia normal. Talvez as pedras estivessem erradas. Mas eu não conseguia afastar o medo que o elemento tinha despertado em mim.

O meu nariz se contraiu e percebi um leve cheiro de fumo que pairava no ar. Respirei de novo, o cheiro se intensificou assumindo um fedor amargo maior. A casa estava pegando fogo? Isso certamente seria suficiente para perturbar as pedras.

Um pouco de branco tremulou no final do corredor e eu coloquei mais para fora da porta a minha cabeça. Annabelle, minha irmã mais velha, se agachou a frente do ondulado corrimão de ferro que dava para a principal sala do primeiro andar. Pingentes de gelo mais grossos do que os meus dedos gordinhos estavam pendurados no corrimão, como dentes deformados e irregulares, o hálito da minha irmã congelava no ar, em seguida, caia sobre o chão numa chuva de flocos de neve. Mesmo aos dezoito anos, a magia de Anabelle ainda era selvagem e incontrolável, manifestando-se sempre que ela estava com raiva ou emocional. Perguntei-me o que a tinha incomodado tanto naquele momento e por que ela estava em pé às duas da manhã.

— Anabelle? — Eu sussurrei.

Ela virou a sua cabeça para mim.

— Volte para o seu quarto, Genevieve!

O seu tom afiado fez o medo no meu estômago aumentar, como se eu tivesse, de alguma forma, engolido uma das pedras que resmungavam. Mas em vez de fazer o que ela pediu, corri em direção a ela. O repentino barulho fez meu coração bater na minha garganta. Isso tinha sido um tiro? Minhas pernas tremeram e caí de joelhos ao lado de Anabelle. Ela tinha o mesmo cabelo loiro lindo e olhos azuis da nossa mãe, Eira, e se assemelhava a um anjo de gelo de camisola branca longa.

— O que está errado? — Eu sussurrei.

— Homens. Dentro da mansão, — disse Annabella. — Eles já mataram alguns dos empregados.

Meus olhos se arregalaram.

— Homens? Por quê? O que eles querem? Dinheiro? — E Annabelle balançou a cabeça. Ou ela não sabia ou simplesmente não queria me dizer. Mas a preocupação que se via em seu rosto era mais do que suficiente para me assustar. O que quer que os homens estavam querendo, ou o que procuravam, não podia ser nada de bom. Não neste momento, nem a esta hora da noite.

— Mamãe os ouviu entrando, — disse Anabelle. — Ela me disse para esperar aqui até que ela voltasse. Ela vai tentar impedi-los.

Assenti, sentindo-me melhor. Nossa mãe era forte, a Elementar mais forte que eu conhecia. Sua magia de Gelo seria suficiente para protegê-la. Ainda assim, peguei a runa da aranha que pedia na corrente em torno da minha garganta. Brincar com o pequeno círculo era um hábito nervoso meu, que eu estava tentando parar. O medalhão de Silverstone estava frio, suave e duro na minha mão. Não sabia o porquê de ele me reconfortar sempre que eu tocava, mas ele fazia.

Até que o corpo voou pelo ar.

O gigante chocou contra a lareira de pedra antes de rolar e aterrissar no chão. A força do seu corpo batendo na lareira fez com que os globos de neve que estavam em cima da cornija cambaleassem e caíssem. Um por um, eles escorregaram da sua posição elevada e quebraram no chão de pedra. Uma horrível sinfonia de sons.

O gigante teria que se preocupar com todos os cacos de vidros que rasgavam a sua pele, se ele ainda estivesse vivo. Eu não precisava que Annabelle me dissesse que ele estava morto e que a nossa mãe o tinha matado com sua magia. Gelo elementar revestia o rosto do homem, uma polegada de espessura em alguns lugares, dando a ele uma estranha coloração azulada. Mesmo os dentes eram azuis, a sua boca aberta num grito silencioso.

Nossa mãe usou a sua magia de gelo para congelá-lo. Isso era bastante mau, eu não conseguia ajudar, mas me perguntava quantos gigantes havia na casa em primeiro lugar. O que estava acontecendo? O que eles queriam de nós?

Um segundo depois minha mãe correu para escadas do andar de baixo, parando apenas um pouco afastada da porta. Minha mãe se virou e percebi que havia outra figura atrás dela. A pessoa estava na sala ao lado, de modo que tudo o que eu conseguia ver eram as suas mãos.

Suas brilhantes, ardentes e flamejantes mãos.

Chamas vermelho-laranja se contraiam e dançavam como se fossem marionetes alegres na ponta dos dedos da mulher misteriosa. Assobiei em uma respiração e encolhi-me contra Annabelle, pressionando o meu corpo ao dela. A Elemental de Fogo. De todos os usuários de magia, de todos os elementares, eram eles que me assustavam mais. Sua magia estava quente, com fome e cruel, não era como os murmúrios suaves e calmantes que as pedras cantavam para eu dormir. As mãos da minha mãe começaram a ficar azul-branco com a sua magia de gelo. Eira reunia a sua força, o seu poder, a sua magia elementar, até formar uma bola cintilante tão fria que fazia os meus dentes bater, mesmo aqui, a trinta metros acima dela.

A Elemental de Fogo respondeu aumentando as chamas em suas mãos, saindo do seu próprio calor intenso. Eu conseguia senti-lo aqui também, a energia quente e pulsante. E isso me assustou mais do que qualquer coisa até agora. A elementar do Fogo era forte, tão forte quanto minha mãe era e agora elas estavam indo para duelar.

Até a morte.

Elas se enfrentariam, minha mãe e este par abstrato de mãos ardentes. Em seguida, como pensei, elas jogaram sua magia uma na outra.

O Fogo e o Gelo elementar caíram juntos. Vapor, fumaça e faíscas coloridas enchiam a sala, toda a casa, tornando difícil respirar. Suas magias picavam contra a minha pele, cada uma batia na minha pele como chicotes quente e frio. Mordi a língua para não gritar com a sensação. Não sei quanto tempo elas ficaram ali, fechadas nesta batalha mortal, a sua magia guerreando uma contra a outra.

Mas a Elemental de Fogo era mais forte.

Ela superava a magia da minha mãe, de forma lenta e agonizante. As chamas de fogo nas extremidades dos seus dedos se expandiam, chegando cada vez mais perto de Eira, evaporando toda a magia elementar de gelo que ela tinha formado. Suor e fuligem cobriam o belo rosto da minha mãe, e tensão apertava seu pescoço delgado. Eira vacilou apenas um segundo, só por um instante, e seus olhos azuis foram para o corrimão, primeiro para Annabelle, depois para mim.

— Sinto muito, — pensei ver na sua boca dizer para nós.

Em seguida, a sua força, o seu gelo, a sua magia deixou-lhe, e a Elemental de Fogo tomou conta dela.

Em um momento minha mãe estava lá. A seguir a casca enegrecida que tinha sido o seu corpo caiu no chão. Bocados de cinzas em flocos espalharam-se dos seus restos carbonizados e no impacto voaram para mim. Confetes horríveis e macabros fixaram-se no meu rosto, em minhas mãos e no meu cabelo.

Comecei a gritar, mas Annabella colocou sua mão fria sobre a minha boca e apertou. O nítido movimento penetrou meus gritos de pânico.

— Não grite, — ela sussurrou. — Não se atreva a gritar. Não faça nenhum barulho. Vá buscar Bria e saia da casa, corra o mais rápido que puder. Eu vou atrasar a Elemental de Fogo.

— Não Annabelle! Ela também vai te matar!

Eu tentei agarrar o braço da minha irmã, mas ela escapou e correu pelas escadas abaixo. Ela se dirigiu ao corpo da nossa mãe. Annabelle se abaixou para tocá-la, mas pensou melhor. Então sua cabeça se levantou e ela levantou as mãos, formando sua própria bola de gelo.

Mais uma vez, vi um par de mãos ardentes. Annabelle não era tão forte como nossa mãe.

Ela nunca teve a chance. Minha irmã mais velha tentou se defender, tentou formar um escudo de gelo sólido, mas as chamas abrasadoras passaram através da sua magia, como se não tivesse nada lá, batendo no seu peito, e inflamando o seu vestido branco. Por um momento, ela parecia uma vela, bonita, leve, loira.

E então ela se foi. Morta e carbonizada como a minha mãe.

Engoli os meus gritos e afastei-me da visão horrível. Bria. Eu tinha que encontrar Bria. Tínhamos que sair da casa. Tínhamos que nos esconder ou morrer…

— Gin! Gin! Acorde!

Arfei em uma respiração e sentei-me na cama, como se eu fosse o monstro de Frankenstein e tivesse acabado de ser eletrificada para voltar à vida. Levei um momento para perceber que alguém estava me segurando. Meus olhos lentamente se focaram em Bria, que estava em cima de mim com as mãos nos meus ombros como se estivesse tentando me sacudir para acordar.

— Eu estou bem agora, — murmurei, limpando o suor frio da minha testa. — Realmente. Você pode me soltar.

Ela fez o que pedi e caí na cama, cada parte de mim fraca, mole, tremendo e esgotada. Bria não disse nada, mas eu podia sentir seus olhos na escuridão.

— Então, — eu murmurei. — Quão alto eu estava gritando desta vez?

— Alto o suficiente para me acordar, — respondeu Bria. — Pensei que alguém estivesse invadindo a casa. Que talvez alguns dos caçadores de recompensa nos tivesse rastreado até aqui.

— Não, era só eu e a minha psicose. Sinto muito por tê-la acordado. Normalmente não há ninguém por perto para me ouvir gritar.

Ela ficou em silêncio por um momento.

— O que é que você estava sonhando?

Dei de ombros.

— O de sempre. À noite em que a nossa mãe e Annabelle morreram. Eu sempre vejo as diferentes partes disso, diferentes pedaços.

— O que você viu hoje esta noite?

Fiz uma careta, mesmo que ela não conseguisse ver na escuridão.

— Oh, esta noite foi bastante bizarro. Eu sonhei que as via morrer, via as duas desaparecerem em bolas de fogo quando a magia Elemental de Fogo de Mab as atingia.

— Oh.

Bria não me pediu para detalhar o que eu vi e não ofereci para lhe dizer. Uma coisa era saber que a sua família foi assassinada e viver a vida toda com essa dor, com esse sentimento, uma dor oca em seu peito. Outra era ouvir o relatório de alguém que esteve lá. Da sua irmã mais velha que não foi capaz de fazer nada para salvar o resto da sua família.

Rolei afastando-me dela. A luz da lua atravessava as cortinas de renda, rachando tudo com as suas fendas pratas. Era como eu me sentia agora, fria, rachada, oca e vazia.

— Sinto muito por tê-la acordado, Bria. Você pode voltar para a cama agora. Eu vou ficar bem. Geralmente nunca tenho mais do que um destes sonhos por noite, — disse. — Então vá. Tente descansar um pouco.

Esperava que ela se virasse, fechasse a porta atrás dela e saísse. Esperei o som dos seus passos desaparecerem. Esperei que a dor da sua ausência e alienação enchesse-me mais uma vez.

Em vez disso, Bria levantou as cobertas e se arrastou para a cama comigo. Ela hesitou, em seguida deslizou para perto de mim, até que estávamos agarradas. Era algo que costumávamos fazer quando éramos crianças. Se uma de nós tivesse um sonho ruim uma iria para a cama da outra. De alguma forma, nós duas juntas sempre fomos capazes de voltar a dormir sem mais sonhos ruins ou pesadelos.

Era algo que eu não tinha pensado há anos, mas agora me lembrava de todas aquelas noites e sabia que Bria também se lembrava. Minha irmã mais nova aproximou-se ainda mais de mim, seu braço deslizando para cima e sobre mim, abraçando-me suavemente.

— Está tudo bem, Gin, — Bria sussurrou contra meu cabelo úmido. — Eu estou aqui agora. Estamos juntas. De alguma maneira, nós vamos encontrar uma forma de derrubar Mab, juntas. Eu lhe prometo isso.

Lágrimas derramaram pelo meu rosto com suas palavras simples e suaves, mas não fiz nenhum movimento para limpá-las. Não queria que ela soubesse que eu estava chorando. Não queria que ela me visse assim. Fraca, emocional, incerta. Eu era a sua irmã mais velha. Genevieve Snow, Gin Blanco, a Aranha. Eu deveria estar cuidando dela e não o contrário.

Mas tudo isso não me impediu de chegar para baixo, cobrindo a sua mão com a minha e dar um aperto suave. Bria aconchegou um pouco mais perto de mim e soltou um suspiro de compreensão e talvez de contentamento também.

Enroladas juntas, ali na cama nós ficamos até que o sono viesse novamente.


Capítulo 14


Bria dormiu até o final da manhã seguinte. Nada surpreendente. Ser magicamente curada por Jo-Jo deixara-lhe se sentindo drenada, enquanto sua mente tentava alcançar o fato de que seu corpo estava de repente bem novamente, apesar da surra que ela levou do anão caçador de recompensas na noite passada.

Eu fui ferida e curada também, então eu mesma sentia-me um pouco lenta. Mas eu não possuía o luxo de ficar na cama já que ainda tinha aparências para manter e uma churrascaria para gerir. Acordei Bria por tempo suficiente para fazê-la me prometer que ficaria parada em casa hoje, depois saí para trabalhar.

O dia passou como qualquer outro no Pork Pit. Sophia e eu servimos quentes e fumegantes sanduíches de carne grelhada e de carne de porco, junto com cheeseburgers grossos e suculentos, salada de repolho agridoce, feijões cozidos e mais. Durante todo o tempo, o tonel do molho de churrasco secreto de Fletcher fervia na parte de trás do fogão, flavorizando o ar com seu aroma forte de cominho picante.

Pessoas lotavam o restaurante, ficando três ou quatro no balcão durante o rush do almoço. Todo mundo queria uma refeição quente em um dia tão frio e tempestuoso, e Catalina Vasquez e o resto das garçonetes que chegaram para trabalhar hoje, pegavam os pratos de comida tão rápido quanto Sophia e eu podíamos prepará-los.

Ainda assim, apesar do esmagamento de corpos, eu mantinha um olho em todos que vinham e saíam do restaurante. Agora que sabia exatamente quem e o que estava procurando, avistei mais do que alguns dos caçadores de recompensas. Homens e mulheres com traços duros, planos e olhos ainda mais duros observavam a todos e a tudo ao redor deles, até mesmo enquanto estavam empanturrando seus rostos com churrasco. Tipos realmente ásperos, que se virariam contra você num piscar de olhos se achassem que havia algum dinheiro a ser ganho a partir do esforço. Em alguns aspectos, caçadores de recompensas eram piores que assassinos. Assassinos só queriam você morto, mas caçadores de recompensas ficavam mais do que felizes em entregá-lo nas mãos de seu pior inimigo — vivo — e todas as torturas implícitas que iam junto com isso, contanto que fossem pagos no final.

Mantive um olhar atento nos caçadores de recompensas que entraram no Pork Pit, mas nenhum me deu nenhuma atenção a mais do que eles deveriam. Eles estavam aqui pela comida e nada mais.

Eu não sabia se devia ficar lisonjeada ou preocupada.

Finalmente, por volta das três horas, depois que o rush diário do almoço tinha vindo e ido e a multidão diminuiu para apenas alguns clientes, o sino sobre a porta da frente badalou e Owen entrou.

Ele usava um terno sob medida, azul-marinho, que poderia ser encontrado no closet de qualquer empresário abastado de Ashland, coberto por um casaco longo combinando. Mas em Owen, as camadas de tecido iam de ser meramente caras para requintadas, drapejando sobre seus ombros perfeitamente e destacando sua estrutura alta e ampla. Ainda assim, nem toda a lã no mundo poderia esconder a força de seu corpo, a resistência inerente que irradiava dele como a mais fraca centelha de calor de uma vela acesa. A cor azul escura realçava a palidez de sua pele, embora suas bochechas estivessem vermelhas e coradas do frio. Meu olhar se demorou em seus traços cinzelados — a cicatriz que cortava através de seu queixo, a curva torta de seu nariz, o violeta intenso de seus olhos. Todas as coisas que faziam Owen ir de meramente sexy para devastador de-parar-o-coração.

Owen encarou-me e olhei de volta para ele. Emoções faiscaram e tremeluziram no ar entre nós. Calor. Desejo. Necessidade. Anseio.

Depois de um momento, seus lábios se levantaram em um sorriso largo manhoso e brincalhão, e uma corrida de calor de resposta inundou meu coração. Owen perdoara-me por ir atrás de Mab sozinha. Ele não teria olhado para mim assim caso contrário — não com tanto calor, nem com tanta esperança. O conhecimento afrouxou um nó grosso de tensão no meu estômago do qual eu não estivera ciente até agora.

Parecia que Finn não era o único por aqui que tinha uma queda por alguém.

Eu liguei para Owen ontem à noite, enquanto Bria estava no chuveiro, e disse a ele tudo o que aconteceu: o encontro na Northern Agression, Lincoln Jenkins entregando Bria, os caçadores de recompensas. Mais uma vez, Owen fora completamente compreensivo com a minha situação, do jeito que ele sempre era. Eu nunca tive muito em matéria de sorte, mas sabia que esgotei cada fragmento que encontrei com ele, um cara que estava tão à vontade com a minha carreira e estilo de vida alternativo.

Eu só desejava que tivesse a coragem de dizer a ele isso, de dizer-lhe – tudo.

Mas toda vez que tentava deixar Owen saber exatamente o quão louca eu era por ele, algo entrava no caminho. Como uma recompensa sendo colocada sobre a cabeça de Bria. Eu sendo a Aranha e voltando para casa coberta de sangue. Ou simplesmente minhas próprias emoções distorcidas e o fato de que, enquanto eu me sobressaía em matar pessoas, não era tão boa em deixá-las chegarem perto de mim de alguma forma que não envolvesse minhas facas de Silverstone.

Owen não estava sozinho. Finn entrou passeando atrás dele, vestindo um terno e casaco semelhantes, embora Finn parecesse muito mais à vontade e muito mais adulador no tecido caro.

Eles caminharam até o balcão e pegaram os dois assentos mais próximos à caixa registradora. Owen se inclinou e nossos lábios se encontraram. Foi um beijo breve, casto, o tipo casual que amantes trocam o tempo todo. Mas apenas o toque mais fraco de seus lábios nos meus encheu-me de todos os tipos de ideias perversas, devassas, como dizer as garçonetes para irem para casa mais cedo e deixar Sophia cuidando do restaurante por meia hora ou mais enquanto Owen e eu íamos para os fundos e explorávamos o funcionamento dessa robustez toda. Mmm.

Owen deve ter sabido o que eu estava pensando porque seu sorriso largo se ampliou e ele me deu uma piscada manhosa e lenta.

Finn arqueou uma sobrancelha.

— Preciso deixar vocês dois sozinhos?

— Talvez, — murmurei surpresa com a profundidade do sentimento que Owen agitava em mim apenas entrando no meu restaurante. — Mas já que sei que você não vai, não há nenhum ponto em perguntar.

Finn bufou sua indignação e revirei os olhos. Owen só riu. Assim como Sophia, que estava de pé atrás do balcão cortando alface em tiras para os sanduíches do resto do dia.

— Então, o que vocês dois estão fazendo andando por aí juntos? — Perguntei. — Ou eu nem quero saber?

Finn me deu um sorriso presunçoso.

— Owen decidiu mudar alguns de seus interesses de negócios para o meu banco e deixar-me lidar com eles pessoalmente.

Olhei para Owen.

— Você sabe que Finn fará tudo ao alcance dele para roubar tudo de você, certo?

— É claro, — Owen retumbou. — Eu também sei por acaso que ele vai fazer tudo ao seu alcance para fazer o mesmo com os cobradores de impostos em meu nome.

Finn fez beicinho, um olhar exagerado, ferido no rosto, mas eu só balancei a cabeça e ri baixinho junto com Owen. Eles dois pediram e Sophia e eu trabalhamos para preparar a comida deles, junto com a das poucas pessoas que ainda permaneciam no restaurante durante esta hora livre.

Finn pediu um hambúrguer, amontoado com tomate, alface, cebola roxa e fatias grossas de queijo Colby-jack, junto com batatas fritas e um milkshake de chocolate triplo. Owen optou por um sanduíche de carne grelhada com salada de repolho, feijões cozidos e um acompanhamento de salada de macarrão cremosa.

Enquanto os dois comiam, cuidei dos outros clientes, buscando comida, reenchendo bebidas, levando guardanapos extras. Quando tive certeza de que todos tinham tudo o que precisavam, acenei com a cabeça para Sophia, dizendo a ela que poderia tirar folga por um tempo. A anã desapareceu através das portas de vaivém, que levavam para os fundos do restaurante, para se juntar às garçonetes que já estavam na sala de descanso comendo seus próprios almoços.

Assumi o meu lugar habitual no banquinho atrás da caixa registradora. De frente para mim Owen e Finn continuavam mastigando a comida.

— Então, — disse com uma voz casual, inclinando meus cotovelos no balcão. — Qual é a verdadeira razão pela qual vocês dois vieram aqui? Porque sei que não foi só pela comida, não importa o quão boa ela seja.

Ambos congelaram, sanduíches a meio caminho da boca e trocaram um olhar rápido, culpado, o que confirmou minhas suspeitas. Finn suspirou e abaixou o cheeseburger meio-comido para seu prato.

— Bem, — ele disse em um tom cuidadoso, não exatamente olhando para mim. — Tem havido algumas novas informações sobre Mab.

— E quais seriam essas, exatamente?

Finn suspirou de novo.

— Ela, na verdade, vai sair de sua propriedade esta noite.

Franzi as sobrancelhas.

— Por que diabos ela faria isso? Ela deveria estar escondida na parte mais profunda, mais escura de sua mansão e procurando algum lugar mais baixo para ir, dado o quão perto cheguei dela na outra noite, o quão perto cheguei de matá-la.

Finn deu de ombros.

— Sim, mas a sociedade de Ashland não espera por nenhuma mulher, nem mesmo Mab. Há um grande baile hoje à noite e, aparentemente, a festa está sendo realizada em honra de Mab. Meio difícil de fugir disso, mesmo que todo mundo saiba que você está sendo caçada por uma assassina. E, neste ponto, não mostrar o rosto feriria Mab mais do que a chance de que você poderia chegar a ela hoje à noite.

Assenti. Mab podia ter um domínio total sobre o crime na cidade, mas Ashland tinha abundância de outros tubarões do submundo que estavam famintos para derrubar a Elemental de Fogo de seu trono — gente como Phillip Kincaid, que era dono do barco casino Rainha Delta. Kincaid e vários outros começaram a circular em torno de Mab e sua organização desde que eu ajudei Roslyn a matar Elliot Slater, o gigante executor da Elemental de Fogo, e eles só ficaram mais ousados desde então. Finn até mesmo ouvira relatos sobre Kincaid cortando o esquema de extorsão de Mab, algo que ele não teria se atrevido a fazer se ela não tivesse estado distraída pela Aranha.

— Além disso, — Finn continuou, — o evento tem estado na agenda dela há semanas, até desde antes do Natal, quando você eliminou LaFleur.

— Talvez tenha estado na agenda dela, — disse, — mas você não acha que é bastante conveniente que ela esteja enfiando a cabeça para fora da areia agora? Neste exato momento? Especialmente já que seus caçadores de recompensa não têm surgido com nada até agora?

Finn deu de ombros de novo.

— Pensei em tudo isso eu mesmo, mas você disse que queria saber o que Mab estava tramando. Sou apenas o mensageiro.

Olhei para trás e para frente entre ele e Owen.

— E você contou a Owen primeiro, não é?

Finn teve a decência de se encolher.

— Desculpe-me, Gin. Mas nenhum de nós quer ver ser morta. Então, Owen e eu fizemos um acordo para te salvar de si mesma.

— É mesmo?

Minhas palavras foram mais frias e mais duras do que o gelo de cinco centímetros de espessura pendurado no sinal de néon fora do Pork Pit, mas não tiveram nenhum efeito em Owen e Finn. Em vez disso, meu amante e meu irmão adotivo encararam-me de volta, determinação queimando em seus olhos tanto quanto queimava nos meus.

Eu não sabia se devia ficar puta ou comovida. Por mais que quisesse enfrentar Mab sozinha, por mais que eu precisasse a enfrentar a fim de manter todos a salvo, ainda era bom saber que havia gente tomando conta de mim. Assim como Fletcher teria feito, se o velho ainda estivesse vivo.

Então suspirei e assenti, dizendo a Finn e Owen que a preocupação deles era apreciada, mesmo que não achasse que fosse justificada. Ambos assentiram de volta e a tensão entre nós três se aliviou.

— Então me dê os detalhes, — pedi a Finn. — Onde esta festa vai ser e como eu entro de penetra nela?

Finn terminou o seu último pedaço de sanduíche, empurrou o prato para o lado e limpou as mãos em um guardanapo.

— Essa é a coisa esquisita. Na verdade, parece relativamente fácil. Mab e algumas centenas de seus bajuladores vão estar no salão de baile no Country Club Five Oaks celebrando a temporada com um baile à fantasia de inverno. A festa começa às oito. Disseram-me que Mab fará sua aparição por volta das nove. E você vai amar isto, Gin. Adivinha como ela vai? Qual é a fantasia dela?

— Eu não faço ideia. Amante do Satã, talvez?

Finn olhou-me.

— A Aranha.

Pisquei, perguntando-me se eu o ouvira certo, ou se ele estava só brincando, mas seu olhar verde permaneceu estável e nivelado com o meu cinza.

— Você está me dizendo, — disse com uma voz lenta, — que Mab está indo para esta festa a fantasia vestida como uma assassina?

Finn assentiu.

— Esse é o rumor que tenho ouvido.

— E como estão dizendo que esta fantasia em particular de assassina vai ser?

Ele deu de ombros.

— Pelo que eu ouvi, a interpretação de Mab vai envolver um monte de couro vermelho colado e facas. É claro que nós dois sabemos que você prefere usar preto para esconder as manchas de sangue, mas Mab está colocando seu próprio ponto de vista nas coisas.

Enchi-me de raiva fria por causa da audácia da Elemental de Fogo; como ela tem o descaramento de zombar de mim abertamente de tal forma, especialmente depois que eu matei tantos de seus homens, especialmente depois da outra noite quando quase a matei. Mas Mab não estava fazendo nada comigo que eu já não tivesse feito com ela. A Elemental de Fogo estava tentando ficar sob a minha pele, assim como eu já havia feito meu caminho até ela.

Então coloquei a minha raiva de lado, sentei ali e pensei sobre as coisas. Primeiro Mab contratara caçadores de recompensa para vir a Ashland para me fazer aparecer. Então ela subiu a aposta e colocado uma recompensa pela cabeça de Bria. E agora, depois que eu ficara a um segundo de matá-la, de acabar com sua existência miserável, ela se vestiria e seria vista em público como, bem, eu.

— Tem que ser uma armadilha, — murmurei. — Simplesmente não há outra explicação para isso.

Owen franziu as sobrancelhas.

— O que você quer dizer?

Olhei para ele.

— Quero dizer que não há nenhuma outra razão para Mab deixar a segurança de sua propriedade agora, não com os caçadores de recompensa dela fazendo seu trabalho sujo. E por que ela quereria se vestir como eu? Simplesmente não há nenhum motivo para isso, a não ser que, especificamente, queira que eu saiba que ela vai estar a céu aberto. A fantasia é apenas o jeito dela de zombar de mim, de ter certeza de que eu faça uma breve aparição no baile. Ela mesma provavelmente espalhou a notícia sobre isso.

Preocupação apertou o rosto de Finn.

— É isso o que temo também, que seja tudo apenas uma armadilha elaborada. Mas você disse que queria saber o que Mab estava fazendo, então aí está.

Nós três ficamos em silêncio. Owen afastou seu prato como se tivesse perdido o apetite, mesmo que não tivesse acabado seu sanduíche. Não podia culpá-lo por isso. Esta coisa toda me deixou doente também, mas de um jeito diferente.

— Bem, — finalmente disse. — Se Mab vai zombar de mim com sua pequena fantasia, então eu deveria estar lá em pessoa para ver isso, você não acha?

Finn suspirou.

— Nem pense nisso, Gin. O country club vai estar repleto de gigantes da Mab e provavelmente alguns dos caçadores de recompensa também. Enfiar-se na propriedade dela foi ruim o suficiente. Eles não sabiam que você estava indo naquela ocasião. Mas o country club? Eles sabem que você vai ficar tentada a tentar alcançar de novo Mab lá hoje à noite.

Dei de ombros.

— Então você vai dar um jeito para mim. Você sempre dá.

— Eu vou com você, — Owen interrompeu.

Desta vez, eu suspirei.

— Owen...

— Não, — ele disse encarando-me com seus olhos violeta; olhos que eram exatamente tão duros, frios e determinados quanto os meus tinham sido um momento atrás. — Eu não vou deixar você fazer isto sozinha, Gin. Você me prometeu que levaria algum apoio junto da próxima vez que fosse atrás de Mab. Bem, estou me voluntariando, não importa o quão perigoso seja.

Abri a boca para protestar, mas ele me cortou de novo.

— Além disso, vai parecer melhor de qualquer jeito, nós dois no baile. Somos um casal, lembra? Esse é o tipo de coisa que os casais fazem. Você vai precisar de uma desculpa para estar no baile. Você apenas sendo Gin Blanco não vai ser o suficiente. Não desta vez. Chame-me de louco, mas não acho que o seu nome está na lista de convidados.

Eu queria discutir com a sua lógica, mas não podia. Simplesmente não podia. Ele estava certo. Sozinha, eu seria avistada mais cedo do que mais tarde. Com Owen, teria pelo menos a chance de chegar perto de Mab, mesmo se a coisa toda fosse uma armadilha.

Então tentei outra tática.

— Você não tem que fazer isto, Owen, — disse com uma voz suave. — Você não tem que se colocar lá fora em perigo comigo. Pense em Eva. Pense em como ela ficaria devastada em te perder.

O rosto de Owen escureceu, enchendo-se de emoção tempestuosa.

— Eu também estou pensando em meus pais e como Mab os matou, como ela os queimou até a morte em sua própria casa com a magia de fogo dela, assim como fez com a sua família, Gin. Estou pensando em todas as noites em que Eva e eu estávamos vivendo com frio e fome nas ruas. Já conversei sobre as coisas com Eva, e ela concorda comigo. Eu vou com você para o country club e vou te dar cobertura quer você goste disso ou não.

Naquele momento, sem dúvida, eu soube que amava Owen – o amava com cada peça curvada e caco deformado do meu coração embora ele pudesse ser preto, frágil e quebrado. O conhecimento deixou-me tonta e sem fôlego e eu tive que segurar o balcão para não cair do meu banquinho.

A boca de Owen entortou para cima em um sorriso largo.

— Além disso, — ele retumbou, não percebendo minha reação às suas palavras, — isso vai te dar uma desculpa para usar alguma pequena fantasia sexy que vou ficar muito feliz de te ajudar a tirar mais tarde.

A promessa quente em seus olhos tirou o pouco fôlego que me restava e calor explodiu em meu estômago como fogos de artifício riscando para cima, para o céu noturno. Mmm. Soava como um bom plano para mim.

Contanto, é claro, que eu conseguisse escapar por entre o enxame de gigantes que certamente estariam no country club. Que eu pudesse encurralar Mab em primeiro lugar. Que eu pudesse de alguma forma sobreviver a magia incendiária da Elemental de Fogo. E a dúzia ou mais de outras coisas que poderiam dar errado.

Mas a confiança absoluta, inabalável, de Owen em mim fez-me confiar em mim mesma. Eu podia fazer isto. Eu tinha que fazer isto. Eu tinha que matar Mab. Por mim, por Bria, por Owen, por todos os outros com quem eu me importava.

— Tudo bem, — disse, cedendo. — Você pode ser meu encontro para a noite. Mas se as coisas derem errado, você vai dar o inferno fora de lá — imediatamente, não importa o que estou fazendo ou em quantos problemas eu estou. Entende?

Depois de um momento Owen assentiu.

— Quanto a você, — disse, apontando meu dedo para Finn. — Você vai para a casa de Fletcher e vai ficar com Bria esta noite. Apenas no caso de qualquer um dos nossos caçadores de recompensa decidir aparecer lá por qualquer motivo.

Owen indo comigo para a festa seria ruim o suficiente. Não queria Finn na linha de fogo também. Eu não poderia suportar se alguma coisa acontecesse com qualquer um deles, mas eu já tinha falhado em salvar Fletcher de ser brutalmente torturado e assassinado neste mesmo restaurante. Não queria que Finn encontrasse o mesmo destino terrível que seu pai.

Finn deu um sorriso largo para mim.

— Será o meu prazer ficar de olho na doce, doce Bria.

Seu tom lascivo fez-me suspirar mais uma vez.

— Espero que vocês dois possam manter suas mãos fora um do outro, pelo menos até depois de eu matar Mab.

— Vai ser duro, — Finn admitiu. — Dado o quão louca sua irmã é por mim.

Eu bufei.

— Você quer dizer, dado o quanto ela gostaria de bater esse sorriso presunçoso para fora de seu rosto.

— Toda mulher que conheço quer fazer isso em um ponto ou outro, mas a maioria delas supera isso bem rápido, — Finn disse, descartando minha preocupação com um despreocupado e arrogante aceno de sua mão.

Balancei a cabeça. Owen riu, mas havia uma nota oca em sua risada baixa, do mesmo jeito que havia na minha. Todos nós sabíamos que estávamos prestes a empreender na missão mais perigosa da Aranha até o momento — matar Mab Monroe em uma sala cheia de pessoas e se safar. Eu não sabia se conseguiria fazer isso, se conseguiria matar Mab, mas eu iria, com certeza, tentar.

E, provavelmente morrer mais tarde, hoje à noite, para o meu aborrecimento.


Capítulo 15


Finn e Owen terminaram sua comida e saíram para começar a preparar as coisas, mas fiquei no Pork Pit com Sophia. Continuei trabalhando, cozinhando, servindo comida, atendendo mesas, limpando-as depois de os clientes saírem. Mas minha mente já estava focada nesta noite e nas coisas que precisaria fazer para chegar perto o suficiente de Mab para matá-la e então sair limpa depois de tudo. Supondo, é claro, que a Elemental de Fogo não me explodisse direto para o inferno com sua magia. Mas, neste ponto, eu estava determinada a, pelo menos, tentar pensar positivo.

Eu reconhecia o que estava fazendo, é claro. A mentalidade em que estava entrando. Era algo que Fletcher ensinara-me: como me deixar, Gin Blanco, completamente para trás e metamorfosear-me na entidade fria e dura conhecida como a Aranha, cujo único desejo era chegar ao seu alvo e cujo objetivo era sempre mortal e verdadeiro. Esta noite, eu sabia que precisaria dessa separação, dessa resistência mental, mais do que já tinha antes. Especialmente se quisesse viver para ver o amanhecer.

Por volta das seis da tarde, porém, tive a primeira do que viriam a ser muitas surpresinhas desagradáveis durante à noite — quando Ruth Gentry e Sydney entraram passeando no Pork Pit.

A porta se abriu fazendo o sino badalar e levantei o olhar do meu exemplar de bolso de Medeia. Elas duas entraram e Sydney fechou a porta atrás delas, cortando o ar frio que explodiu dentro do restaurante. Quão educado dela.

Enquanto a garota brincava com a porta, os pálidos olhos azuis de Gentry esquadrinhavam o Pit, assimilando tudo, desde as cabines gastas e limpas até as pegadas azuis e rosas de porco que cobriam o chão brilhante. Não havia nada abertamente ameaçador no olhar de Gentry, mas tive a sensação de que ela estava fazendo uma lista mental. Portas, janelas, número de pessoas dentro, quem poderia criar problemas, quem poderia fazer um bom escudo de carne. Era provavelmente o mesmo pequeno ritual que ela fazia sempre que ia a algum lugar novo. Assim como eu.

Gentry era a única dos caçadores de recompensa que havia me visto e vivido para contar a história, mas eu não estava preocupada em ser reconhecida ou Gentry identificar minha voz. Eu estava usando uma máscara de esqui da última vez que nos encontramos nos bosques escuros e nevados que cercavam a mansão de Mab e passamos mais tempo lutando do que conversando. Inferno, se Gentry pudesse de alguma forma conectar aquela pessoa a Gin Blanco como eu estava agora no meu jeans, camiseta de manga comprida e avental azul de trabalho, então a caçadora de recompensas merecia me prender. Ainda assim, eu não seria tão tola a ponto de não ficar de olho nela.

— Código vermelho, — murmurei para Sophia, passando por ela para conseguir alguns menus. — Caçadoras de recompensas às duas horas. Aquelas que atiraram em mim na outra noite.

Sophia grunhiu e seus olhos negros cortaram na direção delas, mas a anã não parou de encher tigelas repletas de feijões cozidos para a safra atual de clientes. Ainda assim, sabia que Sophia estava me dando cobertura. Se Gentry tivesse vindo aqui à procura de problemas, então a caçadora de recompensas conseguiria mais disso do que ela jamais sonhou.

Menus em mãos, fixei meu melhor, maior, mais amigável, mais encantador sorriso sulista no rosto e fui em direção a elas.

— Oi, vocês. Vocês querem algo bom e quente para comer?

Gentry olhou para mim e os menus na minha mão, avaliando-me do mesmo jeito que tinha avaliado as outras pessoas no Pit.

— Claro.

Conduzi as duas até uma das cabines que tinham vista para fora através das vitrines, coloquei os menus em cima da mesa e dei um passo para trás, tirando meu bloco de pedidos e caneta do bolso de trás do meu jeans.

— Então, o que vai ser? — Perguntei como se elas fossem apenas mais um par de clientes anônimos que vieram da rua, em vez de um par de caçadoras de recompensa que amaria nada mais do que me arrastar para fora pelos meus cabelos e despejar-me aos pés de Mab.

— Eu vou querer um cheeseburger, batatas fritas e uma limonada de framboesa. — Gentry disse, olhando de relance sobre o menu.

— O mesmo. — a garota disse com uma voz suave.

Rabisquei seus pedidos, recolhi os menus e fui até o balcão de trás onde Sophia estava preparando o mais recente pedido de feijões cozidos.

— Encrenca? — A anã Gótica perguntou em sua voz rouca, quebrada.

— Vamos ver. Eu posso lidar com essas duas. Você fique de olho por quaisquer outros que possam chegar passeando.

Ela assentiu. Arranjamos a comida delas e dez minutos depois coloquei tudo em cima da mesa na frente delas.

Sydney imediatamente alcançou seu cheeseburger e afundou os dentes nele. Ela mastigou, engoliu, e soltou um pequeno suspiro de felicidade.
Apesar do suéter volumoso que cobria sua estrutura, podia ver quão dolorosamente magra ela era. Seus olhos grandes cor de avelã estavam afundados em seu rosto e as bordas altas, afiadas, de suas maçãs do rosto teriam deixado uma modelo com ciúmes. A garota pousou o hambúrguer tempo suficiente para empurrar as mangas para trás, revelando ossos do pulso que se projetavam como maçanetas.

Eu conhecia a aparência e o que significava — que Sydney não vinha comendo bem ultimamente. Por algum tempo, provavelmente. Eu me perguntei exatamente o que ela estava fazendo com Gentry e por que as duas estavam aqui no Pork Pit para começar. Eu tinha a sensação de que não era só pela comida, não importa o quanto à garota parecia estar desfrutando da dela.

— Posso te fazer uma pergunta? — Gentry disse, olhando para mim em vez de cavar em sua comida.

— Claro.

Ela colocou a mão no bolso de sua jaqueta acolchoada, que parecia tão velha e bem gasta quanto o vestido que estava ostentado no jantar de Mab. Uma mulher inferior, uma assassina inferior, teria ficado tensa com o movimento suspeito, mas não eu.

Em vez daquele revólver com cabo de pérola que eu vi com ela antes, Gentry sacou um pedaço fino de papel de seu bolso. Ela o estendeu para mim e eu o peguei. Não fiquei tão surpresa ao ver que era uma foto de cabeça-e-ombros da Detetive Bria Coolidge, provavelmente retirada do site do Departamento de Polícia de Ashland. Então era isso que Gentry estava fazendo aqui, vasculhando em busca de pistas quanto ao paradeiro de Bria. Esperto, muito, muito esperto.

— Você já viu essa mulher aqui antes? — Ela perguntou. — Ela é uma detetive. O nome é Bria Coolidge. Ouvi dizer que ela gosta de vir aqui com o parceiro, um gigante chamado Xavier. Eles dois geralmente almoçam lá no balcão, bem ao lado daquela velha caixa registradora sua.

Droga e dupla droga. Não só Gentry sabia que Bria vinha aqui em uma base regular, mas também sabia onde a minha irmãzinha gostava de se sentar.

A caçadora de recompensas fizera sua lição de casa. Tanto que me perguntei quanto problema eu teria se atraísse Gentry para o beco atrás do restaurante e a apresentasse às pontas afiadas das minhas facas de Silverstone. Meus olhos cortaram para Sydney que ainda estava comendo seu cheeseburger. Mas então eu teria a garota para lidar e essa era uma linha que nem eu atravessaria.

Dei de ombros e devolvi a fotografia para ela.

— Sim, ela vem aqui; ela e metade dos policiais na força. Acontece que a comida é excelente. Pelo menos ela é melhor em dar gorjetas do que a maioria desses outros filhos da puta corruptos, de coração negro. O que é que tem?

— Ela esteve aqui hoje? — Gentry perguntou, seus olhos azuis pálidos travados no meu rosto. — Ela vai estar amanhã?

Arqueei uma sobrancelha e dei-lhe um olhar divertido.

— Docinho, eu tenho pessoas demais querendo churrasco em uma base diária para acompanhar a agenda de uma pessoa. Mas não, não acho que ela esteve aqui hoje e ela provavelmente não vai estar porque vamos fechar um pouco mais cedo por causa do tempo. Qual é o seu interesse nela, afinal?

Gentry enfiou a imagem de volta no bolso do seu casaco.

— Nenhum motivo.

Dei a ela um olhar entediado, como se não pudesse ter me importado menos com o que ela estava tramando e voltei para trás do balcão. Pelos próximos 30 minutos, fui com a maré, cuidando dos meus outros clientes, reenchendo bebidas, passando cartões de crédito, dando troco. Mas mantive um olho em Gentry e Sydney.

A caçadora de recompensas examinava todos no restaurante entre mordidas, seus olhos se movendo de um rosto, um corpo, para o próximo de uma forma lenta e deliberada. Sydney estava muito mais interessada na comida. A garota devorou seu cheeseburger e batatas fritas em três minutos exatos, então Gentry fez-me trazer a ela outro prato de comida. Sydney podia ter ficado faminta, mas eu não achava que Gentry fosse quem a tinha feito passar fome. A garota deu à caçadora de recompensas um olhar grato, de adoração, por pedir-lhe o segundo hambúrguer e fez um esforço visível para comê-lo um pouco mais devagar do que fez com o primeiro.

Um sorriso triste e exausto vincou o rosto de Gentry aos esforços óbvios de Sydney para agradá-la. Elas duas lembravam-me de Fletcher e do relacionamento que eu tivera com o velho quando ele tinha me recolhido. Eu fiquei tão grata a Fletcher por me resgatar das ruas frias e duras que teria feito qualquer coisa por ele — qualquer coisa. Sydney tinha o mesmo tipo de gratidão obsessiva e bajuladora com Gentry. Eu me perguntei o porquê; que coisa ruim havia acontecido com a garota para que Gentry tivesse que a resgatar. Talvez Finn pudesse descobrir para mim já que eu lhe pedira para investigar a caçadora de recompensas.

Curiosidade. Era o que estava detendo minha mão agora e impedindo-me de arrastar Gentry para o beco e esfaqueá-la até a morte. Ah, curiosidade. Ela sempre tirou o melhor de mim, mesmo quando eu devia ter sabido melhor.

Deveria ter eviscerado Ruth Gentry quando ela estava sentada. A caçadora de recompensas já provara que era esperta e perigosa. Em vez de fazer algo estúpido e sem sentido como vigiar a delegacia de polícia ou a casa de Bria, Gentry pensara em vir para o Pork Pit em vez disso — um lugar onde minha irmã era conhecida por frequentar. Isso me mostrava que a caçadora de recompensas definitivamente era alguém com quem ser cautelosa.

Deixei Gentry e Sydney terminarem sua refeição em paz. Eventualmente, elas caminharam até o balcão para pagar e sair. Em algum lugar ao longo do caminho, Gentry encontrara um palito de dentes em um de seus bolsos que tinha enfiado em um canto de sua boca, dando-lhe um ar caipira.

— Essa foi uma ótima refeição, — Gentry disse, cavando em seu jeans e pegando com algumas notas pequenas, amassadas.

O movimento empurrou sua jaqueta e eu espiei o revólver de pérolas que estava em um coldre em seu cinto de couro preto.

— Obrigada,— murmurei, tomando cuidado para não encarar a arma. — Mas não posso levar todo o crédito. A maior parte dele vai para a minha cozinheira lá.

Os olhos de Gentry foram rapidamente para Sophia, se demorando na gargantilha de couro preto com spikes em volta do pescoço dela. Ela inclinou a cabeça para a anã. — Meus agradecimentos então.

Sophia apenas grunhiu e se virou de novo para o fogão.

Enquanto eu somava o pedido e pegava o troco, meus olhos vaguearam para Sydney. Ela encarava um dos suportes de bolos de vidro cheio de cookies pecaminosamente doces que estava sobre o balcão. Fome e anseio enchiam seus olhos cor de avelã, mas ela mordeu o lábio e desviou o olhar das guloseimas.

Seu olhar pequeno e desejoso feriu-me pior do que uma faca rasgando meu coração.

Lembrei-me de sentir assim há muito tempo, quando vivi nas ruas de Ashland. Eu passara horas encarando pelas janelas de restaurante e ansiando toda a comida que via dentro — comida que estava quente, limpa e livre dos vermes e larvas que cobriam os restos que eu vinha comendo das lixeiras. Oh sim, eu ficva do lado de fora dos restaurantes e encarado o lado de dentro, fome torcendo meu estômago em nós tão duros e apertados que pensei que nunca iriam se endireitar novamente.

Algum tipo de emoção selvagem e louca se apoderou de mim, então coloquei o troco de Gentry no balcão. Antes que eu soubesse exatamente o que estava fazendo, levantei a tampa de vidro do suporte de cookies, reunido todos eles e os largado em um saco de papel branco que empurrei no peito magro da garota.

Sydney encarou o logo de porco impresso na lateral do saco, o anseio em seus olhos tão brilhante e forte que tirou o meu fôlego.

— Leve-os. — disse com uma voz grossa. — Estamos nos preparando para fechar e eles não vão ser comidos esta noite.

Surpresa encheu o rosto magro da garota, seguida por uma emoção mais trêmula — esperança. Suas mãos se apertaram ao redor do saco, fazendo o papel rachar e dobrar. Perguntei-me quanto tempo fazia desde que ela tinha tido algo tão simples como um cookie, quanto tempo fazia desde que alguém, além de Gentry, fez algo agradável por ela. Eu me perguntei — eu me perguntei para caralho. Vi tanto de mim mesma nela, em Gentry. Elas estavam me caçando, caçando Bria. Isso as fazia minhas inimigas, nada mais.

— Posso, Gentry? — A garota perguntou em uma voz fraca, sussurrada, olhando para sua mentora. — Por favor?

Outro sorriso triste vincou o rosto de Gentry, fazendo-a parecer velha, pequena e cansada.

— É claro, Sydney. Apenas lembre-se de seus modos para a agradável dama.

Agradável dama? Se Gentry apenas soubesse que eu era quem ela estava procurando — que eu era a Aranha. A assassina procurada que poderia render-lhe cinco milhões de dólares. Gentry arrebataria esses cookies das mãos de Sydney e sacaria o revólver mais rápido do que eu poderia pegar uma das minhas facas de Silverstone.

Sydney olhou radiante para ela, depois para mim.

— Obrigado, senhora.

— É Gin, — eu brinquei. — Como o licor. Não senhora. Odeio quando as pessoas chamam-me de senhora.

Sydney balbuciou um pedido de desculpas ao redor do cookie que já tinha enfiado na boca. Peguei o troco de Gentry do balcão e o passei para ela. A caçadora de recompensas o pegou e encarou-me, seus olhos afiados procurando em meu rosto por algo que só ela sabia ou poderia até mesmo ver.

Por um momento, eu me perguntei se ela tinha descoberto. Percebeu exatamente quem eu era. Mas então, quando ela não sacou o revólver, soube que não tinha e que não iria. Porque como poderia uma assassina como a Aranha, uma matadora de coração frio, alguma vez fazer algo tão bom quanto dar comida para uma garota faminta?

— Obrigada, Gin, — Gentry disse com uma voz suave. — Por tudo.

— Sem problemas, — respondi em um tom leve, desempenhando o papel da proprietária de restaurante simples, mais uma vez. — Vocês voltem sempre.

Gentry me deu um pequeno sorriso.

— Nós vamos.

Depois ela colocou o braço em torno de Sydney, que estava em seu terceiro cookie, e a caçadora de recompensas e sua aprendiz saíram do Pork Pit.


Capítulo 16


— O que você acha? — Perguntei. — É demais?

Finn inclinou a cabeça e deu-me um olhar crítico.

— Está vestida como uma rainha de gelo dominadora e não acho que exista tal coisa demais.

Olhei para mim mesma no espelho comprido que foi colocado na sala da casa de Fletcher. A afirmação de Finn descrevia perfeitamente minha roupa berrante. Eu usava um par de calças de couro azul gelo, que se agarrava e atava em minhas pernas em ambos os lados. Um corpete de couro feito da mesma cor, adornado com fio de prata que cobria o meu peito, empurrando os meus seios a novas e espetaculares alturas. Um colar combinando com a roupa feito de quadrados de Silverstone rodeava meu pescoço.

A jaqueta de couro cobria o corpete e deixava-me esconder as habituais facas de Silverstone nas minhas mangas. Eu usava outra faca nas minhas costas, enquanto outras duas estavam nos lados das minhas botas de salto.

Jo-Jo veio há pouco tempo fazer a minha maquiagem, que consistia em delineador prata e pintar meus cílios e lábios da mesma cor fria. A anã também puxou meu cabelo castanho chocolate em um rabo-de-cavalo alto e apertado, polvilhando-o com brilho prateado sobre o penteado entrelaçado. Juntando tudo, parecia que eu estava no clima para uma noite de sexo frio e dor congelante.

— Onde você conseguiu todo este couro? — Perguntei, virando-me para olhar a partir de outro ângulo.

— Do estoque de roupas de Roslyn da Northern Agression, — disse Finn. — Onde mais eu conseguiria essas roupas atraentes?

Desde que Finn saiu do Pork Pit, ele usou várias das suas ligações para descobrir o tema do baile de hoje à noite: fogo e gelo. Que irônico. Finn tinha recebido fotos por email do que as outras pessoas estariam usando para ajudar eu e Owen a nos misturar. Daí todo este couro.

— Você parece uma pessoa completamente diferente, — disse Bria do seu lugar no sofá.

Eu me virei e olhei para minha irmã mais nova, que tinha uma expressão indecifrável no rosto. Após fechar o restaurante, fui para casa contar a ela o que estava acontecendo e exatamente o que eu faria. Bria não gostou, não tinha gostado de eu ir atrás de Mab, mas não havia muito que pudesse fazer. Não sem ser capturada por Gentry ou um dos outros caçadores de recompensas e fazer uma bagunça muito pior.

— Não sei. Acho que gosto muito mais da fantasia de Gin do que da minha, — A voz de Owen retumbou e ele entrou na sala.

Se eu era uma rainha do gelo dominadora, então Owen era o meu cliente ansioso pela noite. Ele também usava calças de couro, embora as suas fossem negras, cobertas por um casaco e colete combinando e com correntes de Silverstone. O metal mágico tilintava a cada passo que ele dava. Nós dois parecíamos um par de maníacos sexuais prontos para as nossas excentricidades, mas de acordo com as informações de Finn, nossas fantasias estariam entre as mais mansas da festa.

Owen e eu já estávamos atrasados, então verifiquei as minhas facas mais uma vez, em seguida, virei-me para ele.

— Você está pronto?

Owen assentiu.

— Como sempre estarei.

— Então devemos ir. — murmurei.

Olhei para Finn, em seguida, virei-me para Bria. Minha irmã falou muito enquanto estávamos fazendo os planos e nos preparando, mas seu rosto se apertou de preocupação, preocupação por mim. A emoção fez meu coração torcer e voar do meu peito, tudo ao mesmo tempo. Apesar do que eu era, apesar de todas as pessoas que eu tinha matado, Bria de alguma forma se importava comigo, pelo menos um pouco. Foi mais do que sempre sonhei de alguma forma, isso fez com que tudo o que eu sofri ao longo dos anos tivesse valido a pena.

Bria inclinou-se e agarrou a minha mão. Então, para minha surpresa, ela alcançou a sua magia de gelo. Por um momento, eu me perguntei o que ela estava fazendo, mas depois eu senti um poder frio entrando para o anel de Silverstone que estava no meu dedo indicador direito. Seu anel, o que ela me deu no Natal. A faixa de prata fina, com uma runa de aranha estampada no meio dela.

Muitos elementares usavam joias feitas de Silverstone, uma vez que o metal era capaz de absorver e segurar a magia. Através do uso de peças do metal, os elementares conseguiam ter acesso a um fluxo extra de energia se precisassem. Como, por exemplo, se eles decidissem duelar com outro elementar para testar o seu poder contra a outra pessoa. Não era trapacear, não exatamente, já que todo o mundo fazia isso, mas ainda era furtivo.

Os dois anéis no dedo indicador esquerdo de Bria zumbiam com a sua magia de gelo, assim como a runa de prímula que ela usava no colar em seu pescoço. Meu anel era pequeno e fino, mas o Silverstone ainda absorvia um pouco do poder de Bria, até que senti como se tivesse uma faixa de gelo pressionada contra a minha pele. A sensação não era desagradável. Se fazia algo, era confortava-me por estar levando um pedaço da minha irmã comigo para a batalha.

— Obrigado por isso, — disse. — Planejei armazenar a minha magia no anel, mas ainda não tinha feito isso. Não costumo usar joias.

— Já tinha notado isso, — disse Bria em tom irônico. — E sei que você prefere usar suas facas, mas nunca se sabe se pode vir a precisar. Especialmente… esta noite.

Balancei a cabeça sem saber o que dizer. Não queria ofender minha irmã ou afastá-la, mas ambas sabíamos que o eu estava planejando fazer esta noite, matar Mab a sangue frio da mesma forma que matei tantas outras pessoas. Mesmo que ela merecesse por tudo o que nos tinha feito, parte de Bria preferia lidar com a Elemental de Fogo através de meios legais, jogá-la na cadeia e deixá-la apodrecer.

Eu não. Eu só queria Mab morta e eu era exigente sobre como ela chegaria lá.

— Apenas, apenas seja cuidadosa, Gin. Ok? — Perguntou Bria, olhando para mim.

Apertei seus dedos frios contra os meus.

— Sempre sou, irmãzinha. Sempre sou.


Trinta minutos depois, Owen dirigia seu BMW até a calçada que levava ao Five Oaks Country Club e onde estava sendo realizado o baile de máscaras. Five Oaks era o mais esnobe, caro e pretensioso clube de Ashland, e somente os mais insanamente ricos e poderosos eram autorizados a serem membros.

Olhei pela janela para os prédios cobertos de neve. A última vez que estive aqui foi há vários meses atrás, quando estava perseguindo Alexis James, a elementar de Ar, que torturou e assassinou Fletcher. Alexis conseguiu me passar à perna nesse dia, tendo Finn e Roslyn como reféns e escapado antes que pudesse matá-la. Não podia me dar ao luxo de ser desleixada esta noite, não com Mab, ou eu seria a única que não deixaria o clube viva.

— Você está pronta? — Perguntou Owen com uma voz suave.

Deixei escapar um suspiro e assenti.

— Como sempre estarei, — disse, ecoando suas palavras.

Owen se inclinou na escuridão do carro e pressionou seus lábios nos meus, por um momento, mesmo que muito breve, simplesmente senti os lábios quentes de Owen em mim, sua barba raspando contra minha pele, seus dedos deslizando pela minha bochecha. Respirei, deixando seu cheiro de terra encher meu nariz.

E então o beijo terminou e eu era a Aranha mais uma vez.

Um manobrista veio e levou o carro. Após fazermos uma nota de onde ele o colocou, Owen e eu caminhamos para o interior do clube de braços dados. Owen deu o convite impresso para o vampiro de smoking que se encontrava na porta interior. O vampiro acenou e nós entramos no salão principal. Movemo-nos para ficar ao lado das portas abertas, posicionando-nos e observando os movimentos das pessoas.

Five Oaks Country Club consistia em cinco enormes edifícios circulares, incluindo o salão de baile a nossa frente, que abrangia vários milhares de metros e quatro andares. Vários conjuntos de escadas levavam para os andares superiores, em cada qual se destacava uma varanda que circundava todo o salão. Os caminhos se tornavam ainda melhores para os esnobes ricos olharem para baixo sobre os seus pares. A cúpula de vidro arqueada lá no alto, formando o teto. Através do vidro eu conseguia apenas ver a curva suave da lua. A tira de prata brilhante atingiu o pico entre as nuvens finas que apareciam no céu, como se uma criança estivesse brincando de esconde-esconde. Agora você me vê, agora não vê.

As janelas compridas de vidro forravam a parede do fundo do salão junto com as portas que davam para o exterior. Na luz do dia, a vista deslumbrante mostrava as piscinas de natação, várias quadras de tênis e, claro, o carpete verde da grama de golfe. Esta noite, porém, só se espiava escuridão e neve.

Normalmente mesas redondas cobertas com toalhas de tom cor pêssegos pálido teriam preenchido o salão de baile, cada uma com uma runa do country club, uma bolota costurada em fio de ouro, no centro das toalhas de mesa e dos guardanapos. Mas visto que este era um baile de máscaras, a decoração fora trocada de acordo. Sofás longos e baixos feitos em veludo vermelho e preto, rodeado por um piso xadrez preto e branco. Esculturas abstratas de Gelo elementar se encontravam aqui e ali por todo o salão de baile, enquanto mais pingentes de gelo estavam pendurados e agrupados nas paredes em vez de flores reais. Colunas de velas pretas e brancas mais grossas e mais altas do que meus braços, queimavam no meio de alguns dos arranjos de gelo, as chamas cintilantes faziam que as formas de gelo foscas brilhassem como diamantes.

Eu tinha que agradecer a Finn, pois ele estava certo sobre as nossas fantasias. Owen e eu praticamente parecíamos inofensivos e incapazes com nosso couro, em comparação com a quantidade de pele que algumas esposas troféus estavam mostrando. Uma mulher entrou vestindo nada além de um colar de diamantes estrategicamente feito com pedaços de Gelo elementar, em forma de espinhos curvos. Outra vampira usava várias camadas de seda vermelha transparente, embora o tecido fosse demasiado transparente para a mulher tentar ser o anjo casto que a sua aura rubi estava tentando transmitir. Eu mesma vi uma mulher completamente vestida em elastano prata. Ela era para ser uma super-heroína, eu acho. Menina Karma ou alguém assim.

Pegamos um par de bebidas do bar e circulamos pela sala. Para manter as aparências, Owen conversava com todos os homens de negócios que conhecia. Eu fazia barulhos educados quando falavam comigo, mas fazia a varredura da multidão durante todo o tempo à procura da minha presa para a noite, Mab Monroe.

Ela apareceu cerca de vinte minutos depois, um pequeno trompete de fanfarra anunciou sua chegada. As conversas diminuíram com aquele som e todos os olhos se voltaram para a entrada. Um momento depois, Mab entrou vestida como Finn tinha dito que ela estaria.

Vestida como a Aranha.

Couro carmesim cobria a Elemental de Fogo da cabeça aos pés, cada centímetro dela moldado para sua figura curvilínea exuberante, fazendo parecer como se tivesse banhada de sangue. Talvez tivesse, dado todas as outras coisas horríveis que ela já fez.

O couro fez o cabelo de Mab ficar ainda mais vermelho do que realmente era. Hoje à noite a ondulação suave lembrava-me de fitas de fogo girando em volta da sua cabeça. Como sempre, Mab usava sua marca registrada, um colar com um rubi grande, circular, rodeado por várias dezenas de raios ondulados. Um sol. O símbolo de fogo. A runa de Mab.

A Elemental de Fogo virou a cabeça para falar com alguém que estava ao lado da porta. A luz da vela fazia bilhar o diamante sobre o ouro, fazendo os raios faiscarem enquanto o rubi brilhava, como se tivesse um fogo próprio no interior. Mas o sol não era o único símbolo que Mab usava estava noite.

A cadela também tinha uma runa de aranha, a minha runa.

Um pequeno círculo rodeado por oito raios finos. O símbolo foi costurado com um fio preto brilhante ao lado esquerdo do traje vermelho de Mab, onde seu coração estaria, se ela ainda tivesse um e não apenas um buraco no peito.

Mab levou a fantasia a um passo mais longe. Um par de facas brilhavam no cinto de couro preto que rodeava sua cintura. Verdade seja dita, eram versões bastante precisas das minhas próprias armas, as que eu queria pegar agora mesmo.

Raiva queimava em meu coração por ela estar zombando de mim. Minha visão ficou vermelha de raiva. Mais uma vez, apenas por um segundo eu me deixei ir pela emoção, deixei a raiva que bombeava nas minhas veias abafar todo o resto.

Então a coloquei de lado, empurrei para baixo no fundo do meu estômago, onde continuaria a arder, mas não me consumiria. Era uma armadilha, afinal de contas, o traje era apenas mais um pedaço disso, outra coisa para me atrair e para fazer-me perder o controle. Para fazer com que ficasse descuidada, algo que eu não iria permitir que acontecesse. Hoje não.

Então olhei para minha inimiga novamente, desta vez com os olhos apertados e um coração calmo e frio.

— Aquelas facas de Silverstone que ela está usando são reais? — Murmurei para Owen.

Ele inclinou a cabeça para um lado, e seus olhos violetas começaram a brilhar ligeiramente. Owen estava usando sua magia, alcançando sua magia elementar para metal.

— Elas são, — ele murmurou de volta. — De boa qualidade. Feita de Silverstone quase puro.

Assistimos enquanto Mab apertava a mão de um anão vestido como uma versão em miniatura de Jack Frost.

— O que você quer fazer, Gin? — Perguntou Owen.

— Nada, — disse. — Ela tem muitas pessoas ao seu redor agora e provavelmente está à espera que eu ataque imediatamente, vamos dar-lhe a chance de se instalar e dar-lhe um bom e chato tempo esperando para que eu faça a minha jogada.

Owen balançou a cabeça e mudamo-nos para dentro da multidão.

Mas Mab não era o meu único inimigo aqui esta noite, porque ela trouxe alguém com ela, Jonah McAllister.

McAlister era advogado de Mab, o número dois na sua organização, e era responsável por enterrar os inimigos da Elemental de Fogo em tanta burocracia legal quanto podia. Normalmente McAllister usava um terno que era tão liso e definido como ele, mas hoje à noite o advogado renunciou o tema de Gelo e Fogo e vestiu-se como um pirata. Yargh.

Um tampa olho preto cobria um dos seus olhos castanhos, embora ele não tenha se incomodado de colocar uma bandana sobre o seu espesso cabelo prata. Vestia uma camisa branca solta sobre seu peito, rematada por uma faixa vermelha que tinha sido padronizada com a runa do sol de Mab. A camisa e a faixa estavam presas numa calça preta, que estava enfiada em botas que combinavam. McAllister também tinha uma pequena espada na cintura, feita do mesmo tipo de Silverstone das facas da falsa de aranha da Mab, pelo menos era o que parecia.

Apesar dos seus sessenta e poucos anos, o rosto de McAllister era tão suave quanto o vidro debaixo do seu olho de pirata. O advogado era um dos que usava tratamentos faciais de elementares de Ar para lutar contra os estragos do tempo. Na verdade, ele era mais vaidoso sobre manter seu rosto sem rugas do que a maioria das mulheres.

Jonah McAllister tinha um desejo ativo de ver-me morta desde que eu matei o seu filho, Jake, alguns meses atrás. Jake entrou no Pork Pit uma noite e tentou roubar o meu estabelecimento. Quando fui colocar Jake no seu lugar, ele e o seu pai ficaram um pouco chateados com isso, ameaçando-me levar à falência, entre outras coisas mais desagradáveis.

Alguns dias mais tarde, Jake conforntou-me numa festa na mansão de Mab com a intenção de estuprar-me e assassinar. Depois de fazer as suas ameaças, eu o esfaqueei até a morte com uma das minhas facas e deixei o corpo na banheira da Elemental de Fogo.

Como eu estive disfarçada na festa, Jonah McAllister não tinha nenhuma prova real de que eu matei seu filho. Mas desde que eu, como Gin Blanco, fui uma das poucas pessoas que se atreveu a se levantar contra o seu filho, McAllister assumiu que eu tinha alguma coisa a ver com a morte de Jake. Ele só não conseguia provar. Ainda assim, ele estava de olho em mim desde então, esperando sua oportunidade de atacar.

Talvez se as coisas corressem bem com Mab esta noite, eu mataria Jonah também. Uma pequena recompensa para mim por um trabalho bem feito.

McAllister viu-me olhando para ele. Suas narinas alargaram com raiva e sua boca seu franziu em uma carranca fria que não se registrava sobre o resto do seu rosto apertado, sem idade.

Visto que eu estava sobre o braço de Owen esta noite, não havia nada que McAllister pudesse fazer sobre eu estar aqui e nós dois sabíamos disso. Então eu sacudi os dedos para ele e soprei um beijo para o bastardo. A boca de McAllister franziu ainda mais, mas não me importei.

Porque eu estava pronta para acabar com isso, tudo isso, esta noite.

Os minutos passaram e se transformaram em uma hora, depois duas. Eu matinha a minha atenção em Mab tanto quanto conseguia, esperando que ela se separasse da multidão e dos seus guarda-costas gigantes que vagavam pela sala. Contei cinco deles no salão, nunca se movendo para longe mais do que alguns metros da Elemental de Fogo, à procura de alguém suspeito ou fora do lugar. Ainda mais gigantes caminhavam ao longo das varandas acima da minha cabeça, circulando continuamente a área. Sua diligência teria tornado impossível para eu conseguir um posto num piso superior e atirado em Mab de cima, mesmo que tivesse conseguido esgueirar de alguma forma uma besta para o clube.

Por sua parte, Mab parecia contente em ficar no meio da multidão e não vagar sozinha onde eu poderia matá-la. Ainda assim, eu era a Aranha e era boa em ser paciente. Esperei dezessete anos por este momento. Mais alguns minutos ou até mesmo horas não eram nada em comparação a isso.

No entanto, pouco antes da meia-noite eu finalmente tive a minha chance.

Jonah se virou para falar com alguém e, em seguida, se virou para Mab, batendo em seu braço e derramando seu bourbon todo na frente do seu macacão vermelho no processo. O licor mergulhou na runa da aranha no peito de Mab, tornando o símbolo parecido com uma mancha sangrenta de tinta sobre o coração.

A conversa em torno deles congelou enquanto Mab olhava para o seu advogado, seus olhos negros tão frios quanto as esculturas de gelo que decoravam o salão de baile. Jonah murmurou um pedido de desculpas apressado, mas Mab não queria nada disso. A Elemental de Fogo o afastou com um aceno de sua mão.

Então ela deixou o salão de baile.

Mab caminhou pelas portas duplas abertas e desapareceu de vista, provavelmente, se dirigindo a um banheiro tentando limpar o bourbon para fora do seu couro caro. Esperei alguns segundos, esperando pelo menos um ou dois dos seus guarda-costas gigantes irem atrás dela. Mas nenhum deles foi.

— Isso parece demasiado fácil para mim, — murmurou Owen.

— Oh, sim. — respondi. — Foi tão sutil como uma marreta na cabeça. Mas isso significa que os homens dela não fazem ideia de quem eu sou e que ela está cansada de esperar por mim. Então ela está se colocando lá fora ela mesma, a isca final da armadilha, o que significa que tenho que seguir. Então me deseje sorte.

— Boa sorte! — disse Owen.

Ele não me beijou, não desta vez, mas os nossos olhos ficaram presos juntos. Nenhuma palavra foi dita, não precisávamos delas. Eu conseguia ver as emoções faiscando e piscando no olhar de Owen. Preocupação. Afeto. Determinação.

Amor.

Olhei para ele, tentando dizer a Owen todas as coisas que queria dizer-lhe, todas as coisas que eu simplesmente não conseguia encontrar as palavras. Ele acenou uma vez, e apertou minha mão, os dedos aquecendo os meus frios.

Apertei de volta, então sai do salão de baile, indo atrás de Mab.

Finalmente.


Capítulo 17


Passei pela porta dupla do salão de baile e virei para à direita, assim como Mab fez. A Elemental de Fogo caminhava pelo corredor uns trinta metros à minha frente, antes de chegar a um cruzamento e virar à direita novamente.

Eu a segui, apesar de demorar, olhando para as pinturas a óleo nas paredes, os vasos de cristal com seus arranjos elaborados de rosas e qualquer outra coisa que chamasse minha atenção. Indo direto a Elemental de Fogo poderia me fazer ser mais rápida, mas agora eu era apenas mais uma personagem fantasiada entediada escapando dos limites enjoativos do salão em busca de um pouco de ar fresco. Pelo menos, essa era a personagem que eu adquiri. Se isso funcionaria bem o suficiente para deixar-me perto de Mab, é o que veríamos.

Como eu suspeitava, a Elemental de Fogo se dirigiu para um dos banheiros femininos, abrindo a porta e desaparecendo lá dentro. Eu examinei o padrão gravado em uma lâmpada da Tiffany’s antes de segui-la.

Combinando com a natureza grandiosa do Five Oaks, o banheiro era tão monstruoso e ostensivo como todo o resto. Era do tamanho de uma pequena casa, com uma área de estar grande, formal, cheia de sofás de veludo e espelhos dourados, para senhoras de natureza mais delicada, caso elas precisassem de um lugar para descansar e retocar a maquiagem. Algumas mulheres estavam em grupos sobre os sofás, já fofocando e trocando comentários maldosos sobre o baile da noite, quem tinha usado o quê e quem estava transando com quem. A porta de vaivém levava para os sanitários em si, para onde fui.

Uma extensão de mármore branco cremoso salpicado de ouro cumprimentou-me, ao longo das torneiras de ouro reais e todas as outras características absurdas que se encontram em banheiros de luxo, onde as pessoas têm mais dinheiro do que bom senso para gastar com os melhores banheiros que seus fundos fiduciários podem comprar.

Mab estava mantendo o papel muito bem, de pé em uma das pias e enxugando as manchas de bourbon em seu couro vermelho com um pano úmido. Mas havia certa vigilância em seus olhos negros, certo aperto no seu rosto, uma rigidez em todo o corpo que me dizia que ela estava pronta para fritar quem entrasse pela porta atrás dela.

Então a ignorei.

Uma mulher lavou as mãos na pia entre mim e Mab e eu não tive uma mira clara da Elementar do fogo. Entrei em um dos reservados, fechei a porta e fiz minhas coisas de menina, mantendo a minha farsa de que eu era apenas mais uma pessoa entediada vindo aqui para utilizar as instalações, ter uma folga das bebidas e besteiras que permeavam o salão de baile. Dei descarga, saí da cabine e fui até uma das pias para lavar as mãos.

Mab ficou no mesmo lugar de antes, no longo balcão, ainda enxugando seu couro vermelho, ainda observando todos que entravam no banheiro. As mulheres iam e vinham em grupos e em pares, um fluxo constante como a multidão que compareceu ao baile. Os olhos negros de Mab finalmente viraram em minha direção, mas abri a torneira e ensaboei as minhas mãos como se fosse somente para isso que eu estava aqui. Fiz os meus movimentos pequenos, casuais, normais, como se eu não fosse mais uma ameaça para Mab do que uma mosca na parede.

Eu não poderia deixar de fazer uma careta com a ironia, no entanto. A última vez que eu estive tão perto da Elemental de Fogo foi em outro banheiro – o dela – na noite em que eu matei Jake McAllister. Eu estava disfarçada como uma prostituta loira e peituda, uma das garotas de Roslyn do Northern Agression, e eu fui tão longe que fiz uma proposta a Mab, a fim de distraí-la de encontrar o corpo de Jake em sua banheira. A Elemental de Fogo me deu um fora, com óbvio arrependimento, mas meu ardil me ajudou a escapar.

Eu me perguntava qual de nós conseguiria sair viva hoje.

Mantive meu rosto calmo, sereno, vazio, enquanto Mab olhava para mim. A Elemental de Fogo franziu a testa, como se alguma coisa sobre mim a incomodasse, e perguntei-me se o momento que eu estava esperando há tanto tempo era esse. Se Mab finalmente tinha me reconhecido como Aranha.

Como todo mundo em Ashland, Mab conhecia-me como Gin Blanco. Na verdade, a Elemental do fogo esteve lá na noite em que Jonah McAllister mandou Elliot Slater bater-me na faculdade de Ashland Community para tentar descobrir o que eu sabia sobre a morte de Jake. Mab sabia exatamente quem eu era e como eu era – principalmente quando eu estava coberta com meu próprio sangue.

A porta se abriu de novo e mais duas mulheres entraram. Depois de mais um segundo olhando para mim, a Elemental de Fogo voltou sua atenção para as duas mulheres, fazendo a mesma leitura afiada.

Sequei minhas mãos, saí do banheiro e fui para o corredor. Mas não queria voltar para o salão do baile. Se eu fosse, perderia qualquer chance que poderia ter para matar Mab. A Elemental de Fogo não se exporia novamente. Hoje não.

Então perambulei pelo corredor, os olhos examinando os quartos que davam de ambos os lados, a procura de um local para uma potencial emboscada. Mab estava esperando alguém para encontrar com ela no banheiro. Nesses locais apertados, as chances estavam a seu favor – ela poderia facilmente fritar seu agressor com a sua magia de fogo antes que tivesse tempo de se retirar ou se defender de alguma forma. Era exatamente o que eu teria feito se estivesse no lugar dela.

Mas talvez a sorte fosse finalmente sorrir para mim e a Elemental de Fogo baixaria a guarda e fosse descuidada o suficiente para deixar-me surpreendê-la em sua volta ao salão de baile.

Mais algumas pessoas andavam pelo corredor e, indo e voltando do salão para os banheiros, ou para o lado de fora para fumar um cigarro rápido ou ainda para uma rapidinha. Eles estavam todos envolvidos em seus próprios draminhas, então ninguém me viu entrando em um quarto e fechando a porta quase toda atrás de mim. Sem luzes acesas no lugar, que era uma área de estar, mas eu ainda podia ver as formas de sofás e dos móveis pesados. Fiquei nas sombras ao lado da porta e peguei duas das minhas facas de pedra de prata. Então eu esperei.

Mais pessoas iam e vinham no corredor em frente de mim, rindo, conversando, bebendo, fofocando. Normalmente, eu não teria sonhado em fazer um ataque em um lugar desses, um lugar tão aberto, tão exposto e com tanto tráfego de pedestres. Mas eu não tinha escolha. Matar Mab era a única maneira de tirar a recompensa da cabeça de Bria e eu estaria ferrada se a Elemental de Fogo alguma vez colocasse as mãos em minha irmã.

Comecei a contar os segundos na minha cabeça. Dez... vinte... trinta... mas Mab estava sendo tão paciente quanto eu, porque eu fiquei nas sombras cinco minutos antes de a porta do banheiro abrir e Mab sair. A Elemental de Fogo parou onde estava por um momento, observando a cena ao seu redor. Sua boca apertada em um fino corte em seu rosto. Seja lá o que ela esperava que fosse acontecer no banheiro, o fato de eu não ter mordido a isca a enfureceu. Minhas mãos se apertaram em torno de minhas facas. Não por muito tempo, no entanto. Não por muito tempo.

Mab bateu na porta ao lado do corredor e dois gigantes deslizaram para o lado. Ah, então é aí que ela estava escondendo seu reforço, na sala ao lado, prontos para virem atrás de mim se eu me livrasse dela no banheiro.

— Alguma coisa? — Mab soltou. A raiva fez sua voz normalmente delicada ficar rouca, quase tanto quanto a voz de Sophia.

Os gigantes ambos balançaram a cabeça.

— Nada, madame. — um deles retumbou. — Checamos todos na lista de convidados. Não há ninguém aqui que não tenha sido convidado e identificado quando entraram. Nenhum garçom está sumido, nenhum trabalhador a mais, nada desse tipo. Nenhum dos funcionários nem mesmo chegou doente. Se a Aranha está aqui, não conseguimos encontrá-la.

A Elemental de Fogo olhou para seus dois homens.

— Idiotas incompetentes. — ela rosnou. — Vá checar. A vadia tem que estar aqui. Ela não deixaria passar uma chance como essa.

Os gigantes assentiram e saíram correndo para ir cumprir as ordens da sua chefe. Eles passaram por meu esconderijo e fizeram a curva para voltarem para o salão de baile.

Mab andava para frente e para trás no corredor, murmurando alguma coisa em voz baixa. Porém imaginei que não era muito elogioso para mim. Algumas pessoas começaram a vagar pelo corredor em direção ao banheiro, mas era só olhar para Mab e eles retornavam pelo mesmo caminho que tinham entrado. Bom. Eu não precisava de um público para isso.

Eu fiquei lá e esperei, esperei ela chegar mais perto, perto o suficiente para que eu pudesse saltar para fora das sombras e enterrar minha faca em suas costas com um rápido golpe fatal.

Finalmente a Elemental de Fogo aquietou sua raiva e saiu resmungando. Ela girou nos calcanhares e caminhou pelo corredor na minha direção. Minhas mãos se apertaram em torno de minhas facas de pedra de prata. Nove metros. Seis... três... dois... Mab passou por meu esconderijo, sem ao menos se preocupar em olhar para a porta parcialmente fechada.

Eu respirei, saí do quarto e andei atrás dela, reunindo minha força para o que estava por vir.


Eu passei anos aprendendo a ser rápida, silenciosa e invisível, por isso Mab nunca ouviu a porta abrir e ela nunca me percebeu chegando por trás dela. Ela estava se movendo mais rápido do que eu esperava, mas mais cinco passos e ela estaria no alcance. Mais cinco passos e eu podia finalmente matá-la.

Quatro... três... dois... um... eu levantei uma das minhas facas de Silverstone, pronta para atacar...

E foi aí que Jonah McAllister virou a esquina e entrou no corredor na nossa frente. Ele me olhou uma vez – e também as facas em minhas mãos.

— Atrás de você! — McAllister gritou.

Porra. Só isso – porra.

Se eu pudesse, teria deslizado de volta para as sombras. Mas eu estava muito empenhada agora para voltar ou esperar por outra oportunidade. Não havia mais nada a fazer senão ir em frente com o ataque.

O aviso do McAllister alertou Mab e ela se jogou para o lado. Então, ao invés de acertar suas costas, a minha faca só pegou o seu ombro. Mab sibilou com a dor, e caiu amontoada no chão. Eu comecei a jogar-me em cima dela para terminar o trabalho com a minha outra faca, mas algum senso de autopreservação, algum sussurro subconsciente de aviso, algum sentido de que não poderia ser tão fácil, fez-me recuar no último segundo.

Isso foi bom, já que os punhos dela explodiram em chamas.

O elemento fogo piscou ao redor de seus dedos e se espalhou para fora, rachando sua pele. Eu me balançava, tentando me esquivar dos arcos de chamas e esfaqueá-la, mas Mab conseguiu ficar apenas fora do alcance dos braços – e facas. Enquanto isso, McAllister começou a gritar para os gigantes que tinham acabado de sair do corredor.

— Guardas! — O advogado rugiu. — Guardas!

Eu tinha talvez quinze segundos antes que alguém respondesse ao seu chamado frenético e eu planejava aproveitar a maior parte deles. Desta vez eu não hesitei. Alcancei minha magia da Pedra, a utilizei para enrijecer minha pele e me joguei para cima de Mab, tudo em um só movimento, a minha primeira faca de pedra de prata cortando o ar novamente.

Mab viu o movimento com o canto do olho e rolou no último segundo possível. Mais uma vez, a minha faca apenas arranhou seu braço, em vez de fazer o grande dano fatal que eu tanto queria desesperadamente que fizesse.

Mas eu não tinha terminado ainda – não por muito tempo. Eu me joguei para frente. Meu corpo se chocou contra a Elemental de Fogo e caímos no chão novamente. Mab imediatamente me acertou com sua magia. As chamas quentes e famintas engolfaram meu corpo, obrigando-me a recuar com a minha magia de pedra apenas para não ser queimada viva. Mesmo assim, eu podia sentir a força do poder de Mab – a força pura, crua, consumidora. Eu invoquei toda a magia de Pedra que aguentava, mas seu fogo ainda me queimou, cortando minhas defesas e fazendo bolhas estourarem na minha pele, queimando minha pele camada por camada.

Mas eu não era a única que sentia os efeitos do poder esmagador de Mab.

Sua magia de Fogo também incendiou o tapete debaixo de nossos corpos rolantes e mais chamas e fumaça começaram a encher o corredor. Mab balançou os punhos para mim e a cada golpe, fagulhas incandescentes vibraram no ar como borboletas. As faíscas só ajudaram a espalhar o elemento fogo que subia pelas paredes e consumia tudo em seu caminho, incluindo as pinturas a óleo caras e as cortinas elegantes penduradas.

Rolamos juntas muitas vezes, comigo tentando esfaquear Mab com minhas facas de Silverstone e ela tentando me explodir com sua magia de Fogo. A ameaça de minhas facas a distraía e a impedia de realmente libertar o seu poder elementar em mim, mas as chamas queimando em seus punhos também me impediam de causar o dano rápido e mortal que eu queria.

Era um maldito impasse.

A essa altura, outras pessoas perceberem o que estava acontecendo e os gritos roucos e berros encheram o ar, juntamente com a fumaça espessa e o toque de um alarme de incêndio. Mas nem aquele clang-clang-clang constante e agudo conseguia abafar os sons de nossos grunhidos guturais. Passos pesados também bateram no fim do corredor, fazendo com que o chão tremesse, enquanto os gigantes de Mab corriam através das chamas na nossa direção.

E eu percebi que eu já tinha perdido.

Eu simplesmente não conseguia chegar perto o suficiente de Mab para esfaqueá-la com minhas facas, não sem ser consumida por seu Fogo. Minha magia de pedra simplesmente não era forte o suficiente para proteger-me completamente. Talvez eu devesse ter usado o meu poder de Gelo também, mas eu queria ter um pouco de magia reserva para a minha fuga. Além disso, eu tinha planejado apunhalar Mab na parte de trás, não a confrontar. Claro, aquele plano foi jogado para o inferno como meus outros bolados antes desse.

Agora com mais e mais de seus gigantes enchendo o corredor, minha rota de fuga logo seria fechada. Eu sabia o que iria acontecer depois disso. Mab iria me prender e queimar-me até a morte, como ela tinha feito com minha mãe e minha irmã antes de mim.

E então ela iria atrás de Bria.

Fletcher sempre me disse que não havia nenhuma vergonha em recuar, em fugir, mesmo se você perdeu o seu alvo. A sobrevivência era a única coisa que realmente importava no final. Enquanto eu estivesse viva, ainda tinha uma chance de matar Mab – mesmo que não fosse esta noite. A sabedoria do velho tinha me salvado mais de uma vez e não vi nenhuma razão para duvidar disso agora. Eu só esperava que não tivesse esperado muito tempo para seguir o seu conselho.

Levantei minha mão esquerda e dei um soco no rosto de Mab, apesar de isso ter me causado uma dor inacreditável enquanto as chamas lambiam e queimavam minha pele. Gritos, rosnados e palavrões saíram dos meus lábios como veneno. O golpe firme surpreendeu a Elemental de Fogo e sua magia piscou e diminuiu apenas o suficiente para eu rolar para longe dela e voltar a ficar de pé. Do outro lado do corredor, Mab fez o mesmo, com a cabeça girando em torno na minha direção.

Através da fumaça e chamas, nossos olhos se encontraram. Cinza no preto. Raiva, ódio, aversão queimavam entre nós, uma coisa viva e palpável ainda mais brilhante do que a Elemental de Fogo encheu o corredor. Eu soube no instante em que Mab reconheceu-me. O Fogo se intensificou em seus punhos, tão quente que queimava minha pele mesmo àquela distância no corredor, apesar de eu ainda estar me segurando na magia de pedra para tentar me proteger de seu poder.

— Gin Blanco! — Mab sibilou. — Eu deveria ter sabido!

Sim, deveria. Mas eu não tinha tempo para trocar gracejos com ela, principalmente porque ela foi recuando o punho para enviar uma bola de Fogo em mim – uma que iria acabar comigo.

Corri pelo corredor, indo em direção ao banheiro. Mas esse não era o meu objetivo – a placa de saída no final do corredor era. Mesmo enquanto eu corria, podia sentir Mab reunindo mais e mais de sua força elemental, segurando-se cada vez mais em seu poder de fogo. Eu estava me afastando dela o mais rápido que podia, mas ainda assim, sua magia perseguiu-me, atingindo minha pele como milhares de agulhas em brasa. Ela ia jogar tudo que tinha em mim e se eu não saísse do corredor antes que ela fizesse isso, estaria morta.

Mais à frente, um gigante que reconheci como um dos homens de Mab saiu de uma sala que dava para o corredor. O guarda-costas correu direto para mim, seus longos braços musculosos estendidos como se quisesse me esmagar em um abraço de urso. E eu vi um jeito de salvar-me – o único jeito de me salvar do elemento de fogo de Mab.

Então deixei.

Eu me choquei no corpo do gigante, deixando-o envolver seus braços por todo o meu corpo e depois girei o mais forte que podia. O movimento surpreendeu o gigante e seus pés se moveram por vontade própria, girando em torno dele e colocando suas costas largas entre mim e Mab.

Um segundo depois, a magia de fogo de Mab atingiu-o.

O gigante gritou quando as chamas varreram seu corpo. Ele não tinha magia elemental, nenhum poder de qualquer tipo, por isso não havia nenhuma maneira de ele se proteger. Caramba, eu teria sido frita se seu corpo não tivesse protegido o meu e se não tivesse presa à minha magia de Pedra mais uma vez e usado para transformar meu corpo em uma concha impenetrável. Mesmo com esses pedaços de proteção no lugar, as chamas de Mab ainda atingiam minha pele, queimando, queimando, queimando.

Eu gritei junto com o gigante.

As chamas pareciam durar para sempre, apesar de só terem sido disparadas por alguns segundos. Eu soltei uma respiração irregular, engasgando com o familiar cheiro acre de carne queimada enchendo o meu nariz. De alguma forma, empurrei o corpo derretido do gigante para longe de mim, apesar de ele ter se desintegrado cinzas ao meu toque. Olhei para a coisa em ruínas que tinha sido um homem um segundo antes. O cheiro horrível de pele queimada encheu meu nariz outra vez e as lágrimas escorriam pelo meu rosto por causa da dor pulsando pelo do meu corpo.

Bile amarga subiu na minha garganta, sufocando-me, mas a forcei para baixo e levantei os olhos.

Mab estava na outra extremidade do corredor. E ficamos ali, nós duas respirando com dificuldade e olhando uma para a outra, sem acreditar no que tinha acontecido. Que nenhuma de nós tinha matado a outra.

E então Mab soltou um grito primitivo furioso que fez meus lábios recuarem em um grunhido. Eu não queria nada mais do que correr de volta pelo corredor, jogar-me em cima dela, e acertá-la com meus punhos, apenas bater nela de novo e de novo e de novo, até que ela não passasse de uma mancha vermelha sobre o tapete.

Mas o elemento de fogo cintilou nos punhos de Mab novamente, crescendo cada vez mais, enquanto se preparava para me atingir mais uma vez.

Eu me virei e corri e, desta vez, eu não pararia por nada. Meus olhos travaram na placa de Saída à frente, mesmo ainda podendo ouvir Mab se movendo atrás de mim, podendo sentir sua magia de fogo ganhando força a cada passo que nós duas dávamos.

Mab soltou um grito e soltou sua magia em mim novamente. As chamas elementares rugiram pelo corredor na minha direção com a força de uma supernova.

Obriguei-me a correr mais rápido, a fazer minhas pernas terem mais força, apesar das queimaduras e bolhas que enviavam ondas contínuas de agonia pelo meu corpo. O suor escorria pelo meu rosto, obscurecendo minha visão e gritos de dor escaparam de meus lábios abertos, mas ainda assim eu corri.

Mesmo parecendo que eu estava correndo no mesmo lugar ao invés de avançar, finalmente cheguei ao final do corredor e entrei pelas portas duplas. O fogo de Mab as atingiu um segundo depois, acertando o vidro e enviando os cacos quentes em mim. As peças cortavam minhas costas, ao mesmo tempo em que a força da explosão me jogava para frente, na neve.

Gritei de novo, com a dor e a frustração da minha falha, mas não havia tempo – não havia tempo para fazer nada exceto continuar correndo. Então, eu me forcei a ficar de pé e cambaleei o mais rápido que pude para o abraço frio e receptivo da neve.


Capítulo 18


Tropecei pela escuridão, minhas botas levantando poeira de neve sem ter certeza para aonde estava indo e não me importando, desde que fosse para longe de Mab e de seu fogo elementar. Depois de uns trintas e poucos segundos, o frio penetrou minha dor e bruscamente voltei a mim mesma. Meus passos apressados e cambaleantes levaram-me para longe das proximidades imediatas do salão de baile. Arrisquei lançar um olhar por sobre meu ombro, perguntando-me se Mab estava correndo atrás de mim com punhos esticados e em chamas, pronta para lançar outra explosão de poder. Mas tudo o que vi foi o esboço do Salão de Baile. O elementar fogo que Mab tinha feito já tinha se espalhado pelo teto e, um segundo depois, um alto e estremecedor grunhido rasgou através do prédio.

Chamas, fumaça e cinzas saíram de encontro ao céu estrelado como um vulcão em erupção enquanto parte do prédio cedia e desabava sobre si mesmo. Não, Mab não viria até mim dessa forma. Um pequeno alívio, mas eu aceitaria tudo que conseguisse.

Meu lento e trôpego caminhar levou-me para uma área aberta, para o espaço sem nada entre campos de tênis e a beira do campo de golfe. Todos deveriam estar preocupados com o fogo agora, mas não demoraria para Mab reunir seus gigantes e fazê-los me procurar. Se eu ainda estiver aqui quando isso acontecesse, estaria morta.

Fiz Owen prometer mais cedo que ele sairia do clube e esperaria no carro enquanto eu ia atrás de Mab. O plano era nos encontrarmos lá e dar o fodido fora se as coisas não dessem certo. Eu não estava em qualquer lugar perto das chamas que saiam do prédio, mas recuar um pouco e seguir ao redor do prédio era o jeito mais rápido de chegar até Owen. Então me fiz virar, chegando tão perto do fogo quanto ousei e com dificuldade consegui passar ele. Mesmo a dez pés de distância, podia sentir o poder de Mab nas chamas, ainda podia sentir sua mágica picando minha pele como agulhas flamejantes. Eu silvei pela sensação e apressei-me. Outro pedaço do teto caiu. O som da queda momentaneamente sufocou os gritos e choros crescentes daqueles que estavam dentro do clube country. Não importava o que acontecesse pelo resto da noite, ninguém em Ashland iria esquecer algum dia essa festa. Bolas de fogo e gelo de fato. Eu sorri para meu humor negro e mantive-me em movimento.

Mab havia bloqueado a saída desse lado do prédio com sua última explosão de fogo, então não vi nem passei por ninguém enquanto caminhava apressada. Um pequeno favor, mas a sorte devia-me um pouco essa noite.

Finalmente, depois do que pareceu uma eternidade, mas não tinha sido mais do que cinco minutos, rodeei o lado do prédio e a neve abriu caminho pelo pavimento. Continuei me movendo, meus saltos estalando como garras no concreto. Eu já podia ouvir os murmúrios na pedra, sons baixos e sombrios, aqueles sussurros de fogo, morte, calor e destruição. A pedra também não esqueceria o que aconteceu aqui essa noite.

Eu disparei através do estacionamento o mais rápido que pude, considerando meus ferimentos, seguindo para o espaço em que o manobrista havia estacionado o carro de Owen. Esperançosamente, ele estaria lá esperando e nós poderíamos, ao menos, dar o fora de lá.

Thwack-thwack-thwack.

O som de punhos esmagando carne estragou essa esperança. Em frente, formas se moviam para frente e para trás, iluminadas pelas chamas. Owen. Mab havia soado o alarme e seus gigantes já haviam encontrado Owen. Meu coração se contorceu em meu peito, tanto e tão forte que não podia respirar, mas me forcei a correr o mais rápido que já corri em toda a minha vida, mais rápido do que quando eu estava tentando fugir do fogo elemental de Mab a cinco minutos atrás. Se algo acontecesse com Owen, eu iria... iria apenas desmoronar por dentro. O pouco que sobrou de meu coração iria se desintegrar em cinzas e seria soprado para longe, não deixando nada para trás além de dor, de um amargo vazio.

Passei por uma fileira de carros e continuei em frente, meus olhos já presos no estrago em minha frente e focados em quem meu alvo seria. Apesar de minha luta contra Mab e todo o cambalear anterior através da neve, de alguma forma consegui segurar minhas facas de Silverstone, uma em cada mão. Bom. Eu não queria perder nem mesmo metade de um segundo tentando as alcançar, não enquanto Owen estava em perigo.

Owen estava a quinze metros de mim de costas para sua BMW. Ele fora para seu carro como planejou, ele apenas não conseguiu fazer isso rápido o suficiente para dirigir para longe.

Quatro gigantes o cercavam num semicírculo, o prendendo contra o carro. Eu não sabia quando os gigantes o haviam encontrado, mas eles estiveram lutando por um tempo, pois sangue e contusões cobriam o rosto de Owen como uma segunda pele.

Mas meu amante estava determinado a levar os bastardos junto com ele.

Owen agarrou um martelo de ferreiro. Eu nunca o tinha visto lutar antes e não o havia visto colocar o martelo no carro mais cedo. Mas ele usava o pesado e sólido martelo como se fosse algo pessoal, o balançando primeiro para um lado e então para o outro com facilidade, com uma habilidade mortal, seus movimentos tão belos e certos como os de qualquer dançarino. Dois gigantes já estavam amassados a seus pés, seus sangues brilhando como manchas de óleo no pavimento. Julgando por seus crânios amassados, eles não iriam se levantar muito cedo. Bom.

Os quatro gigantes que restavam avançaram em direção a Owen, mas um duplo golpe de seu martelo contra as costelas deles os fizeram voltarem apressados para trás. Todos eles se encaravam hesitantes quanto a pisar em frente e levar toda a força de Owen num golpe só. Um dos gigantes era um pouco mais ousado, ou talvez um pouco mais estúpido que o resto, pois ele correu para Owen pretendendo dominá-lo com sua força pura e bruta, e então deixar os outros se jogarem nele. Idiota.

Owen esperou até que o homem pegasse velocidade, então ergueu e desceu seu martelo num arco perfeito. O metal bateu contra a testa do gigante. O lado do seu crânio colapsou e sangue guinchou para fora como se fosse suco de laranja. O gigante nunca fez um som, embora seu sangue atingisse o chão audivelmente.

— Vamos lá! — Owen rosnou. — Vamos lá! Qual de vocês, bastardos, será o próximo?

Os três gigantes restantes trocaram olhares inquietos, mas nenhum dele se atreveu a avançar e ter sua cabeça esmagada como seu amigo acabou de ter. Em relação a isso eles eram bastante espertos, mas não espertos o bastante para fazer algo simples como olhar para trás.

Com um silvo raivoso, saí das sombras e enfiei minha faca no gigante mais perto de mim. As lâminas de prata brilharam a luz do fogo, apenas antes de rasgarem suas costas largas. Um corte e então outro, então ele estava morto. O gigante gorgolejou um grito fraco antes de cair, e a cabeça dos outros estalaram para o lado pela surpresa do ataque vindo por trás.

Não hesitei e nem Owen.

Ele avançou e bateu com seu martelo de ferreiro contra o joelho de outro gigante, antes de girar e bater com sua arma no outro joelho do homem. O gigante uivou de dor, cambaleou para trás e caiu de cabeça no pavimento. Agarrei seu cabelo, levantei sua cabeça e cortei sua garganta antes de jogá-lo mais uma vez no chão.

Sobrou então apenas um gigante, que começou a recuar para longe de nós, seus olhos arregalados com surpresa e com mais do que um toque de medo. Normalmente, teria perseguido ele e o matado, mas não havia sentido nisso. Não essa noite. Não quando Mab e Jonah McAllister já haviam visto meu rosto e sabiam que eu era a Aranha.

Owen apertou seu agarre sobre seu martelo e começou a ir atrás do gigante, mas agarrei seu braço e o puxei para trás em direção ao carro.

— Esqueça-o, — disse asperamente, minha garganta ardendo pelo esforço de falar. — Precisamos dar o fora daqui. Agora!

Owen assentiu e nós dois entramos no do carro. Ele ligou o carro e jogou a BMW em sentido inverso. Nessa hora, mais pessoas enchiam o estacionamento, se refugiando das chamas que escaparam de um teto para os outros prédios do Country Club. A maioria das pessoas tinha expressões atordoadas e chocadas, mas haviam muitos dos gigantes de Mab na mistura, homens determinados a nós encontrar, a encontrar-me.

O gigante que fugiu de Owen e de mim balançou seus braços e gritou para seus irmãos antes de apontar para nossa direção. Os outros gigantes entenderam a mensagem e correram para nós. Aqueles que tinham armas as pegaram e miraram no carro de Owen.

Crack! Crack! Crack!

Balas depois de balas batiam contra o veículo. Uma estilhaçou o para-brisa entre nós, enquanto as outras bateram no capô de metal.

— Vai! — disse a Owen. — Vai!

Ele jogou o carro em marcha, pisou no acelerador e rugiu para fora do estacionamento. O carro correu para baixo do morro e deu uma volta sobre duas rodas. Um dos gigantes de Mab deve ter tido a brilhante ideia de alertar o homem na guarita na parte inferior do morro, porque lá na frente, eu podia ver os portões de ferro do clube se fechando. Owen também os viu e pisou no acelerador com tanta força que pensei que ele poderia empurrá-los através do chão. Ele sabia tão bem quanto eu que se ficássemos presos aqui selaria o nosso destino. Mas uma vez a sorte sorriu para nós, porque a BMW atravessou como uma bala os portões antes que fosse tarde demais. Algumas faíscas brilharam no ar da noite onde o ferro raspou contra as laterais do carro, mas não me importei, porque estávamos fora do Country Club e seguros, pelo menos por agora.

Mas os outros não estavam. E não estariam por um longo tempo.

— Celular, — disse asperamente. — Preciso de seu celular. Agora!

Mantendo uma mão no volante, Owen usou a outra para cavar em seu bolso da calça e estendeu-me seu celular. Eu o abri e digitei com força o número que tinha programado em sua discagem rápida

— Atende, — pedi, — Atende, atende, atende.

Apenas quando estava começando a preocupar-me que fosse tarde demais, ela atendeu na quinta chamada.

— Alô? — A voz calma e amigável de Jo-Jo Deveraux encheu meu ouvido, fazendo-me querer chorar de alívio. Mas não tinha tempo para isso. Sem tempo para cair em qualquer tipo de emoção. Não agora quando Mab finalmente sabia quem eu era. Sem dúvida a Elemental de Fogo já estava reunindo seu exército de gigantes e seus caçadores de recompensa.

Então disse uma única palavra para Jo-Jo.

— Fuja.


Capítulo 19


— Mab? — Jo-Jo perguntou, sua voz doce ficando firme enquanto ouvia a preocupação apertada na minha voz.

— Não está morta. — disse. — Ela me viu, Jo-Jo. Ela sabe quem eu sou. Assim como McAllister. Então pegue Sophia e a leve para o refúgio, como planejado. Agora. Owen vai pegar Eva. Ele te encontrará lá. Vou chamar Finn e Bria em seguida.

— Quem mais quer que eu pegue? — perguntou a anã.

Pensei sobre as outras pessoas que tinha ajudado ao longo dos últimos meses, todos os meus amigos e até mesmo amigos de amigos.

— Diga a Xavier e Roslyn e chame Violet e Warren Fox, só para ter certeza. Não quero ninguém para trás que Mab possa arrebatar e usar como moeda de troca.

— Entendido.

Desligamos.

— E agora? — Owen perguntou, dirigindo tão rápido quanto ousava na estrada lisa e cheia de neve.

Eu não respondi. Estava muito ocupada discando. Mas em vez de atender como ele deveria ter feito, o celular de Finn caiu na caixa postal. Tentei de novo, o mesmo resultado. Uma chamada perdida eu poderia entender, visto que a casa de Fletcher era um imenso labirinto, mas não duas. Meu estômago virou e começou a se amarrar em nós minúsculos e preocupantes.

Eu tentei uma terceira vez. Mesmo resultado. Nenhuma resposta, apenas o correio de voz. Por que Finn não atendia ao telefone? Ele sabia o que estava acontecendo hoje à noite, o que estava em jogo para nós — para todos nós. Será que Mab, seus gigantes, ou os caçadores de recompensa, já tinham ido até ele e Bria? Talvez se Mab tivesse colocado a chamada para seus criados imediatamente após nossa luta no Country Club. Agora que a Elemental de Fogo sabia quem eu era, a casa seria um dos primeiros lugares que ela começaria a procurar por mim.

O pensamento de que Bria e Finn já poderiam estar em apuros – já poderiam estar mortos –deixou-me enjoada, fez-me mal fisicamente, mas me forcei a manter a calma. Para ser mais calma e racional, como nunca tinha sido como Aranha. Para lembrar de todo o treinamento do velho homem ao longo dos longos anos, tudo que Fletcher ensinou-me sobre como sobreviver e ter certeza de que meus inimigos não sobreviveriam. Demorou um pouco, mas a minha respiração desacelerou e senti a fria, dura e interminável escuridão encher meu coração mais uma vez. Abracei o frio, o recebi bem, envolvi-me nele, mesmo. Porque esta era a única maneira que eu tinha alguma esperança de viver para ver o nascer do sol e ter certeza de que as pessoas que eu amava fariam o mesmo.

— Gin.— Owen perguntou em voz baixa, sentindo a mudança em mim. — O que aconteceu?

— Finn não está me respondendo— disse. — O que significa que algo está acontecendo com ele e Bria. Ou eles se irritaram tanto um com o outro e se mataram em um ataque de raiva, ou algo ruim está acontecendo na casa de Fletcher e eles não podem me responder. Eu tenho que ir lá, Owen. Agora mesmo.

— Ok. Vou levá-la.

Eu balancei minha cabeça.

— Não. Temos que nos separar. Você precisa ir buscar Eva e levá-la para o refúgio, assim como nós planejamos. Vou atrás Finn e Bria, sozinha.

— Gin...

— Eu não vou fazer você escolher entre mim e sua irmã, Owen. — respondi. — Nunca, nunca lhe pediria para fazer isso – não quando eu sei o quanto sua irmã significa para você. Eva está em perigo agora e você precisa chegar até ela. Assim como preciso chegar até Bria e Finn. Mas não podemos estar em dois lugares ao mesmo tempo, pelo menos não juntos. Dividindo-nos é a nossa única opção. Nós dois sabemos que é verdade.

Owen virou a cabeça para olhar-me na escuridão. Depois de um momento, ele deixou escapar um alto e imoral palavrão e suas mãos agarraram o volante como se quisesse rasgá-lo em pedaços. Ele sabia que eu estava certa e não gostava nem um pouco. Entendi sua raiva, sua frustração, porque eu estava sentindo isso também.

Então coloquei meus dedos queimados e com bolhas em cima dele, tentando acalmá-lo e a mim de alguma maneira.

— Eu...eu aprecio a sua preocupação e o fato de que você querer vir comigo. Mas nós dois sabemos que tem que ser desta maneira. Nunca me perdoaria se algo acontecesse com Eva por minha causa. Simplesmente pelo fato que errei em matar Mab esta noite. Sei o que é pensar que sua irmã está morta e não quero nunca que você tenha que passar por essa dor. Eu me importo com você demais para isso, Owen.

— Eu sei que sim. — disse ele com uma voz suave. — E eu me importo com você também, Gin.

— Ótimo. Então pare nesse estacionamento.

Owen fez o que pedi, dirigindo para uma vaga que dava de frente a um dos muitos shoppings centers de luxo que povoava esta parte de Northtown. Algumas pessoas tinham decidido não tentar dirigir para casa na neve, porque uns carros permaneceram nas vagas, apesar da hora tardia. Owen estacionou seu BMW ao lado de um sedan novo.

— O que você vai fazer? — Ele perguntou.

— Primeiro, vou pegar aquele sedan ali. — disse. — Então vou dirigir até a casa de Fletcher, esconder o carro embaixo da colina e caminhar até o topo da serra. Se tudo parecer calmo, vou entrar, pegar Finn e Bria e ver por que eles não estavam atendendo ao telefone.

— E se não estiver calmo? — Perguntou Owen.

Dei de ombros.

— Então eu acho que vou matar pessoas até que esteja.

Ele apenas acenou com a cabeça e ficamos em silêncio. Nós dois machucados e sangrando; eu com queimaduras que cobriam as minhas mãos e braços. Mab não tinha derretido completamente minha jaqueta de couro com o fogo, mas ela chamuscou as mangas em alguns lugares, deixando-me ver a pele empolada e crua que estava por baixo. Outra coisa que me deixou enjoada. Infelizmente, a noite estava longe de terminar, para mim ou Owen.

— Sinto muito, Owen. — disse, em voz baixa, olhando para a minha carne queimada em vez de olhar para ele. — Sinto muito mesmo. Tudo isso é culpa minha. Se eu não tivesse perdido Mab esta noite. Se eu não tivesse perdido ela de novo...

Lágrimas escaldaram meus olhos e frustração queimou minha garganta, ainda mais severa do que o fogo elemental de Mab. Emoção do caralho. Algo que eu não precisava. Nem agora, nem se eu quisesse sobreviver e salvar os outros.

Owen entendeu o que estava sentindo, porque ele colocou os braços em volta de mim e puxou-me para seu colo. Por um momento, enterrei minha cabeça em seu peito e ele me balançou para trás e para a frente como uma criança.

— Está tudo bem, Gin. — ele sussurrou contra meu cabelo. — Tudo vai ficar bem. Você está indo acertar as coisas. Eu sei que você vai. Você sempre acerta.

Suas palavras deram-me força para piscar minhas lágrimas, levantar a cabeça e olhar para ele. Luar pintou seu rosto esculpido em linhas suaves e sombras e eu passei meus dedos pelo seu queixo machucado. Owen fez uma careta, uma vez que ele tomou um par de socos dos gigantes ali, mas não me afastou.

Eu me inclinei para frente e o beijei o mais forte que ousei, dados os nossos ferimentos mútuos. Derramei todas as minhas emoções reprimidas no beijo, tentando dizer a ele tudo o que sentia apenas tocando seus lábios nos meus, apenas pressionando meu corpo contra o dele. Tentando dizer a ele o quanto eu me importava, mesmo que as palavras sempre parecessem ficar presas em minha garganta.

Eu não sei se funcionou, mas Owen beijou-me de volta, com os braços em volta de mim apertando-me. O calor familiar encheu meu estômago só por estar perto dele, mas não havia tempo para isso. Tempo nenhum.

Recuei e olhei em seus olhos violeta, perguntando-me, como sempre fazia, sobre a preocupação que brilhava lá para mim e que o que tinha feito para merecê-la.

— Te vejo no refúgio. — sussurrei.

— É bom mesmo— ele murmurou de volta. — Ou vou buscá-la eu mesmo – não importa o quê.


Owen ligou para sua irmã mais nova, Eva, e disse o que estava acontecendo. Ela estava em casa com sua melhor amiga, Violet Fox, e Owen disse as duas meninas da faculdade que ele estaria lá para pegá-las o mais rápido possível. Enquanto ele fazia isso, eu remexia na mala do carro, retirando as latas de pomada de cicatrização que tinha conseguido com Jo-Jo.

Além de curar com as mãos, elementais do ar também podiam infundir a sua magia em determinados produtos, como cremes e pomadas, e dar-lhes um impulso extra. Quando Jo-Jo veio até a casa de Fletcher antes de fazer minha maquiagem, ela me deu vários recipientes de pomada para caso Mab desse algumas batidas em mim antes que eu a matasse. Fiquei grata pelo presente.

As tampas das latas todas tinham a runa de nuvem de Jo-Jo, pintada nos topos com um azul vívido. Eu abri uma delas, mergulhei os dedos na pomada e espalhei em minhas mãos e braços. O cheiro suave de baunilha flutuava até mim e formigamentos quentes se espalhavam em todas as áreas empoladas, assim como acontecia quando Jo-Jo vinha pessoalmente trabalhar sua magia de ar em mim. Eu suspirei de alívio quando a dor pulsante das queimaduras diminuiu. A pomada não era tão boa quanto Jo-Jo curando-me pessoalmente, mas isso me mantinha bem tempo suficiente para eu chegar à casa de Fletcher e ver que problemas esperavam por mim lá.

Owen desligou e eu abri outra lata e passei para ele. Ele espalhou a pomada em seu rosto. A pomada foi absorvida pela sua pele e a magia de Jo-Jo teve um pouco de trabalho com os cortes e contusões que prejudicavam suas feições.

Fui até o sedan que Owen tinha estacionado ao lado. Eu não me incomodei em tentar arrombar a porta com alguns truques do elemento gelo. Em vez disso, usei o martelo de Owen para quebrar uma das janelas traseiras, em seguida, abri a porta da frente, deslizei para dentro e tirei os fios sob o painel como Finn tinha me mostrado. Poucos segundos depois o motor ligou. Saí do carro e coloquei o martelo sobre o banco do passageiro da frente da BMW de Owen.

A essa altura, Owen havia terminado com a pomada e nós dois estávamos prontos para continuar com as coisas e nos dividir. Olhamos um para o outro através do teto de seu carro.

— Eu vou ver você em breve. — disse Owen, uma promessa forte em sua voz.

Eu balancei a cabeça.

— Conto com isso.

Owen voltou para sua maltratada BMW e correu para fora do estacionamento. Eu não estava muito preocupada sobre ele chegar a Eva e Violet a tempo, já que sua mansão não era muito longe. Além disso, Mab ficaria focada em mim e minha família agora: Finn, as irmãs Deveraux e, principalmente, Bria. Não demoraria muito para que a Elemental de Fogo enviasse seus homens atrás de Owen, mas o lapso devia dar a ele o suficiente para levar as meninas ao refúgio.

Não havia tempo a perder, então deslizei para o banco do motorista do sedan e dirigi o carro para fora do estacionamento. Enquanto dirigia para a casa de Fletcher, peguei o telefone celular reserva que estava nos suprimentos na mala do Owen e disquei o número de Finn novamente. Mais uma vez ele foi direto para o correio de voz.

Eu rosnei em frustração. Onde ele estava? O que estava acontecendo com ele e Bria? Quando eu colocasse minhas mãos em Finn iria descobrir. E, dependendo da forma em que ele estivesse, poderia não pedir gentilmente. Porque se Finn e Bria estiverem ocupados transando em vez de atender as minhas chamadas para dizer que eles estavam em perigo mortal, bem, eu ia ficar um pouco chateada.

Enquanto tentava ligar para Finn, também liguei para Jo-Jo. A anã disse-me que ela conseguiu avisar a Xavier e Roslyn e que os dois estavam a caminho do refúgio. A irmã de Roslyn, Lisa, e a sobrinha, Catherine, estavam fora da cidade visitando parentes. Jo-Jo disse-me que Roslyn estava ligando a eles para dizer para darem o check in em um hotel com um nome falso. Jo-Jo também conseguiu encontrar Warren Fox. O velho antiguado ficou relutante em deixar sua cama quente e confortável, mas ele tinha visto a necessidade após a anã explicar a situação. Warre encontraria todo mundo no refúgio, assim que pudesse.

Isso só deixava Finn e Bria, e meu estômago apertando em mais e mais nós.

Dirigi o mais rápido que pude nas estradas escorregadias tentando não derrapar o carro, mas ainda assim levou trinta minutos para chegar à estrada que seguia para casa de Fletcher. Claro que eu poderia ter ido com o veículo roubado direto por cima da calçada para a antiga casa, se não fosse à possibilidade de os gigantes de Mab ou caçadores de recompensa já estarem aqui. Eu posso não ter matado a Elemental de Fogo hoje, mas eu não morreria por fazer algo tão imprudente. O velho tinha me treinado muito bem para isso.

Estacionei o carro em um aglomerado de árvores fora da estrada, a cerca de uns quatrocentos metros da entrada da garagem. Cinco segundos depois, eu estava fora do veículo, na mata, subindo a serra para a casa.

Foi uma subida longa e difícil, pior por causa das lesões que tinha conseguido lutando contra Mab. A pomada de Jo-Jo curou as piores das queimaduras e bolhas, mas tinha feito pouco para impedir o esgotamento físico e mental crescendo em mim. Cerrei os dentes, afastei a fraqueza e apressei-me. Cada segundo que eu demorava era mais um segundo que a Elemental de Fogo tinha para mobilizar suas tropas e enviá-las aqui.

Ainda assim, fazia uma pausa de vez em quando, olhando, ouvindo e vendo as sombras cinzentas que camuflavam a paisagem irregular. Nada se movia na mata, exceto eu, e somente a ruído da minha respiração quebrava o silêncio. Invoquei minha magia, mas as pedras congeladas enterradas debaixo das camadas de neve apenas murmuravam sonolentas com o gelo e o frio que se infiltravam nelas, ameaçando quebrar suas formas sólidas. Satisfeita, segui em frente.

Eu tinha subido até a metade da serra quando tiros romperam o silêncio.

Crack! Crack! Crack!

Os sons surgiam na encosta abaixo da minha direção, cada um martelando no meu coração e confirmando meus piores medos. Obriguei-me a mover-me ainda mais rápido através dos montes de neve, até que meus pés e pernas estivessem encharcadas da neve que eu chutava para cima. Mais tiros soaram enquanto eu me mexia, juntamente com gritos roucos. Ambos ecoaram pelo cume, tornando fácil identificar a origem. Seja qual for à coisa ruim que estivesse acontecendo, estava acontecendo na casa, o que significava que Finn e Bria estavam em sérios apuros.

Após cerca de trinta segundos, os tiros e os gritos cessaram, mas o silêncio não me acalmou, porque o silêncio significava que Finn e Bria já poderiam estar mortos. Mais uma vez, eu poderia estar muito atrasada para salvar as pessoas que amava, assim como não tinha sido capaz de alcançar Fletcher a tempo de evitar que o velho fosse torturado e assassinado dentro de Pork Pit. Um punho de medo deu-me um soco no estômago, batendo-me forte e roubando meu fôlego, mas me mantive em movimento.

Levei dez minutos para chegar ao topo do morro e deslizar até a borda da floresta. O que eu vi lá na clareira à minha frente fez meu coração parar no peito de uma forma que nada tinha feito antes.

Porque caçadores de recompensa cercavam a casa de Fletcher.


Capítulo 20


Estava esperando os caçadores de recompensa aparecerem aqui agora que sabiam quem realmente era a Aranha. Eu só não tinha pensado que chegariam aqui tão rapidamente, ou que haveria malditamente tanto deles.

Uma dúzia de veículos estavam estacionados atropeladamente em frente à vasta estrutura. A multidão de luzes queimando dentro da casa deixou-me ver exatamente contra o que eu estava lutando. Muitos dos caçadores de recompensa se agacharam atrás de seus veículos, usando as portas abertas como escudo. Cada um deles tinha suas armas apontadas para a casa, ou um para o outro. Meias dúzias de corpos se espalhavam pela paisagem com neve como decorações esquecidas de Natal, sangue escorrendo das feridas ao invés de saudações de feriados.

Deve ter havido um inferno de luta já, provavelmente com vários dos caçadores de recompensa atirando em frente da casa para ver quem conseguiria entrar e capturar qualquer que fosse o prêmio que estivesse dentro esperando por eles. Eu estava grata pela multidão. Os caçadores de recompensa atirando uns nos outros no jardim era provavelmente a única razão para que eles não tivessem invadido coletivamente a casa ainda e capturado e matado tanto Finn quanto Bria.

Meus olhos escanearam as fileiras. Homens, mulheres, jovens, velhos, anões, gigantes, até mesmo um vampiro ou dois, todos com um ar predatório duro e faminto em suas feições sombrias. Eu reconheci um par de rostos do jantar de festa da Mab. Eu não poderia dizer se algum dos caçadores tinha poder elemental, no entanto. Nenhum olho brilhava na semi escuridão e eu não sentia nenhum tipo de magia agitando o ar noturno. Alguns elementais, especialmente aqueles com magia considerável como a de Mab, continuamente emitia ondas de poder, como o calor irradiando do fogo. Eu mesma como uma elemental podia sentir aquela onda constante de magia. Mesmo se houvesse outro elemental na confusão, não importava muito. Eu faria o inferno que precisasse para salvar Finn e Bria, se eles sequer ainda estivessem vivos.

Um dos caçadores deixou escapar uma maldição baixa e começou a rastejar ao redor do capô de sua caminhonete. Ele pausou e olhou sobre seu ombro. Outros três homens tinham se refugiado atrás do veículo. Eu não podia dizer se todos eles faziam parte do mesmo grupo, mas os outros três levantaram suas armas para ele, uma indicação clara de que ele devia seguir em frente, ou o que quer que fosse. Parecia que ele tinha se enrolado em um trabalho desagradável.

O homem saiu detrás do caminhão e andou na ponta dos pés através da neve em direção a casa, se curvando o máximo que podia. Ele parou e engoliu uma vez, claramente nervoso em estar no aberto. Um minuto depois, quando nada aconteceu, ele se endireitou. Ficou lá em pé por um momento, seu corpo tenso, esperando um tiro de qualquer lugar. Talvez dos outros caçadores, talvez da casa. Mas isso não veio e ele continuou em sua jornada lenta e cuidadosa.

Eu espalmei minhas facas Silverstone, minhas mãos apertando ao redor do cabo. Porque ninguém estava atirando nele? Mais cinquenta passos e o bastardo estaria na porta da frente. Uma vez que ele chegasse à varanda, os outros seguiriam em um enxame violento e repentino. Então, se Finn e Bria ainda estivessem na casa, eles seriam encontrados, trazidos para fora e transportados para Mab.

O caçador parou de novo no meio do jardim. Parecendo um pouco mais confiante de si agora, se virou e chamou seus colegas atrás da caminhonete.

— Eles finalmente devem estar sem munição, meninos.

Crack! Crack! Crack!

As últimas palavras que ele disse.

Um tiroteio explodiu de uma das janelas do andar de baixo e o caçador caiu no chão, seu cérebro já soprado para fora na neve atrás dele pelas três balas que perfuraram seu crânio.

Um sorriso sombrio curvou meus lábios e o nó no meu estômago afrouxou-se. A exibição Annie Oakley disse-me que Finn ainda estava vivo, porque meu irmão adotivo era a única pessoa que eu conhecia que podia atirar assim. Se ele estava bem o suficiente para segurar uma arma, isso significava que Bria ainda estava viva também. Finn morreria antes de deixar que qualquer coisa acontecesse a minha irmãzinha, assim como eu.

Eu me abaixei na neve e esperei até que tive certeza que ninguém tentaria invadir a casa. Então tirei meu celular e liguei para o número de Finn. Dessa vez, dessa maldita vez, ele finalmente atendeu.

— Onde no inferno você está, Gin? — Finn urrou no meu ouvido.

— Eu? É você quem não estava atendendo ao telefone, — estalei de volta. — O que você esteve fazendo? A Bria está bem? Quanto tempo faz que os caçadores de recompensas estão acampando do lado de fora?

Finn deixou escapar uma respiração tensa.

— Bria está bem. Ela está bem aqui comigo. Os caçadores têm estado do lado de fora por quase uma hora agora. É por isso que não estava atendendo meu celular antes, Bria e eu estávamos, ah, enroscados com outra coisa.

Deixei escapar uma maldição suave. Eu deveria ter sabido. Finn nunca poderia estar no mesmo cômodo com uma mulher bonita sem tentar seduzi-la, especialmente alguém como Bria, por quem ele tinha sentimentos genuínos. Eu sempre achei que o jeito mulherengo de Finn iria colocá-lo em problemas um dia. Só não tinha percebido que seria tanto problemas assim e que Bria e eu seríamos pegas no meio disso.

— Você quer dizer que vocês dois estavam ocupados fodendo ao redor ao invés de esperar pela minha ligação, como era para você ter feito? — rosnei. — Que merda você estava pensando, Finn? Você sabe melhor do que isso. Fletcher te ensinou melhor do que isso.

Eu quase podia ouvi-lo se encolher através do telefone.

— Eu sei, Gin. Acredite em mim, eu sei. Nós dois estávamos discutindo, eu nem sequer me lembro sobre o que, mas eu estava enviando uma mensagem e Bria agarrou meu telefone e o jogou através da sala. Depois disso, uma coisa levou a outra e nós acabamos em um dos quartos no andar de baixo...

A voz dele sumiu em vergonha, mas ele não tinha que me contar o resto. Eu sabia o que tinha acontecido. Finn e Bria finalmente tinham se entregado a sua quente atração e o resto do mundo tinha apenas sido esquecido, incluindo minha missão de matar Mab.

Finn clareou a garganta.

— De qualquer forma, nenhum de nós ouviu você ligar. Estávamos bem, ah, no meio das coisas, quando eu ouvi alguém rugir na entrada de casa. Então outro carro, então outro, seguido de uma série de tiros. Naquele ponto, nós estávamos fora da cama olhando pela janela e percebendo que estávamos com grandes problemas. Os bastardos só continuaram chegando e eles rodearam a casa antes que pudéssemos escapar pela porta de trás. Alguns deles se mataram, mas nós não sabíamos quantos mais deles podia aparecer, então Bria e eu pegamos nossas armas e estabelecemo-nos para esperar por você.

Eu queria gritar com Finn por ser tão descuidado, por estar mais interessado em seduzir minha irmã do que mantê-la segura. Mas era preciso de dois para dançar e Bria era tão culpada quanto ele. Ambos sabiam o que estava acontecendo hoje à noite e eles tinham se entregado a suas emoções ao invés de ficarem alertas como deveriam.

Eu poderia, e iria, gritar com eles mais tarde. A coisa mais importante agora era tirar Finn e Bria da casa e para longe dos caçadores.

— Tudo bem. — disse, meu tom um pouco mais calmo. — Tudo bem. Estou aqui agora e não vou sair sem vocês dois. Nós podemos discutir o resto mais tarde.

— Concordo, — Finn disse, o alívio aparente em sua voz. — O que você quer que a gente faça, Ginn?

Eu olhei para todos os tipos de caçadores atrás de mim.

— Você fez uma boa escolha ficando na casa. Não há como quebrar através da barreira de caçadores. Eles têm toda a frente da casa rodeada e há muito gelo e neve nas pedras para tentar fazer um rapel para descer o penhasco. Você terá que usar o túnel antigo.

Finn sabia, assim como eu, que havia uma passagem secreta no escritório de Fletcher que levava da casa para um túnel subterrâneo. O túnel serpenteava pelo jardim antes de abrir cerca de meia milha longe na floresta, bem fora da barragem apertada de caçadores que circulava ao redor da casa como desbravadores no vagão de um trem em direção ao oeste.

— Pensei nisso, — Finn disse. — Mas Bria viu algumas lanternas na floresta e eu não queria correr o risco de pisar para fora do túnel e para bem no meio de um par de caçadores na linha de fogo

Ele tomou à decisão certa. Fletcher desenhou sua casa para ser quase invencível e tinha comida suficiente, água, e munição estocada dentro para durar por semanas. Mas também havia força nos números, o que os caçadores tinham, e Finn não podiam atirar neles todos, não se decidissem todos atacarem ao mesmo tempo. Ele e Bria tinham que sair da casa o quanto antes.

— Tudo bem, — disse. — Vou me certificar de que o túnel esteja limpo e cuidar de qualquer retardatário na floresta, então entrarei e pegarei vocês. Você os mantêm ocupados e pensando que ainda tem um par de atiradores dentro. Eu os quero focados na casa o máximo possível e não sobre nossa rota de fuga. Entendeu?

— Entendi.

— Bom. E atenda a porra do telefone da próxima vez.

— Sim senhora. — Finn disse, soando castigado de verdade pela primeira vez em sua vida.

Eu desliguei e guardei o telefone de volta no bolso da minha jaqueta. Então escorrei para longe da minha posição para a borda da floresta, indo para o fundo da escuridão, cercando ao redor do lado oeste da casa. Porém mantive os caçadores a vista através da tela de árvores. Se um grupo deles fizesse seu movimento em direção a casa, eu sairia da floresta e cortaria meu caminho através deles em direção a Finn e Bria. Mas os caçadores não eram assim tão valentes, ou estúpidos. Eles ficaram perto de seus carros, murmurando uns para os outros sobre a melhor forma de chegar dentro da casa sem serem mortos. Eu tomei vantagem da falta de atenção, movendo-me rapidamente e quietamente, escorregando de árvore em árvore, sombra em sombra, por todo o caminho em direçãoo ao túnel secreto.

Crack! Crack! Crack!

Mais tiros soaram junto com algo que soava como metal se quebrando, apesar do barulho ter sido na maior parte drenado pelo barulho das balas. Eu tinha quase alcançado a entrada quando ouvi vozes, vozes altas com um distinto sotaque do sul. Com facas ainda em mãos pausei ao redor de uma árvore e olhei ao redor do caminhão de retirar gelo.

Na minha frente, duas mulheres e um homem estavam parados no meio da floresta, bem em frente à abertura do túnel.

De alguma forma, eles a tinham encontrado na neve. Eles foram até mesmo sido brilhantes o suficiente para puxar para fora a porta de metal e revelar o buraco negro que levava para baixo no subsolo, o que era, sem dúvida, o som de metal se quebrando que eu tinha ouvido. Porra. Eu queria fazer isso rápido, limpo, quieto, e ter Finn e Bria fora da casa antes dos caçadores sequer percebessem que eles tinham ido. Isso provavelmente não ia acontecer agora. Oh, não me incomodava o pensamento de matar as três pessoas na minha frente, mas isso significava mais segundos preciosos perdidos, mais tempo precioso enquanto Finn e Bria estavam em perigo por serem excedidos em número pelos outros caçadores.

— O que você acha que é isso, Liza?— Uma das mulheres perguntou, brilhando uma lanterna no espaço escuro.

— O que você acha que é, Célia? Porque parece com algum tipo de túnel para mim, gênio. — Liza estalou.

— Viu? — O cara sorriu. — Eu disse a vocês que uma assassina como a Aranha certamente teria algum tipo de escape daquela casa feia dela.

— Yeah, Connor. — a primeira mulher, Célia, entrou na conversa de novo. — Mas nós nem sabemos se é a Aranha que está na casa. De acordo com aquele boletim informativo que saiu, a última vez que alguém a viu, ela ainda estava no Country Club.

— Bem, alguém está dentro da casa e eles estão pegando os outros caçadores como moscas. — Connor replicou. — Se a Aranha é tão boa quanto todo mundo diz, então tenho certeza que os atiradores têm uma boa quantidade de munição para gastar. Além do mais, vocês viram toda aquela Silverstone nas portas e as barras de proteção nas janelas? Elas poderiam segurar aquela casa por uma semana. Vamos por esse túnel aqui e podemos aparecer na casa atrás deles e surpreendê-los. Eles nunca vão nem saber o que os derrubou.

As duas mulheres olharam para o túnel, então uma para outra. Liza deu de ombros.

— Podemos ao menos ver onde dá. — Liza disse. — Connor está certo, nós não vamos conseguir entrar pela porta da frente. Ao menos não até que alguém tenha a brilhante ideia de tentar queimá-los. Mesmo assim, alguém teria que chegar perto da casa para fazer isso. Eu não acho que, seja lá quem estiver na casa, vai deixar isso acontecer.

Não, Finn sabia melhor do que deixar qualquer um se aproximar da casa, especialmente alguém carregando uma tocha flamejante ou uma lata de gasolina.

Escaneei o resto da área, mas não vi nenhum outro caçador nas sombras. Se eu tivesse sorte, esses três eram os únicos que tinham desistido de um ataque frontal em grande escala e decidiram sair fuçando por aí na floresta. Mas eu duvidava disso. Por um lado, minha sorte nunca foi assim tão boa. Por outro, eu não vi Ruth Gentry ou Sydney entre a multidão circulando a casa. Se a velha caçadora de recompensas recebeu o mesmo tipo de informação que os outros tinham, ela teria certeza de estar à espreita ao redor daqui em algum lugar com sua aprendiz no reboque.

Agora, porém, eu tinha um problema mais imediato: as três pessoas na minha frente e como matá-las o mais rápido e discretamente possível.

O homem, Connor, estava com uma arma de fogo como todos os outros caçadores de recompensas, mas as duas mulheres tinham ido para armas mais exóticas. Célia tinha uma espada amarrada a seu cinto, enquanto um chicote de couro enrolava em volta da cintura de Liza. Eu fiz uma careta. Esse chicote doeria, especialmente porque Mab já havia queimado minha pele com seu fogo mágico hoje à noite. Não podia fazer nada sobre isso agora, o que significava que era hora de seguir com as coisas.

Crack! Crack! Crack!

Outra saraivada de tiros ecoou pelas árvores, enquanto Finn atropelava qualquer tolo que tinha sido estúpido o suficiente para sair de trás do seu veículo.

Facas em mãos, eu me movi para frente. Nesse ponto, a neve incrustava em minhas botas com uma polegada de espessura em alguns lugares, por isso meus passos faziam um pouco de barulho. Arrastei-me até que estava em um ângulo certo com os três caçadores de recompensa, que estavam discutindo sobre quem devia liderar o caminho para o túnel. Apesar de suas armas, nenhum deles queria ficar cara-a-cara com a Aranha em sua própria casa.

Eles só não sabiam que era tarde demais para isso já. Muito tarde.

Os três caçadores continuaram a se triturar em torno da entrada do túnel, ainda discutindo. Quando ficou claro que eles não poderiam chegar a uma decisão por eles mesmos, estenderam as mãos e decidiram jogar pedra-papel-tesoura. Eles bateram as mãos juntas, e usei o ruído para chegar na ponta dos pés mais perto deles. Eu estava na floresta e esperei, mas todos os três escolheram papel, então eles tinham que jogar novamente.

Revirei os olhos. Estas eram as pessoas para quem Mab estava prometendo milhões de dólares se me encontrasse, capturasse, ou matasse. Pelo menos Elektra LaFleur foi inteligente e forte o suficiente para ser um verdadeiro desafio. Mab estava perdendo seu dinheiro com esses amadores.

Finalmente suas mãos bateram para baixo para o tempo final e as duas mulheres sorriram, porque pegaram papel novamente enquanto Connor tinha escolhido pedra, o que significava que ele tinha perdido.

— Tudo bem. — ele resmungou. — Eu vou primeiro já que vocês senhoritas estão com tanto medo de...

A faca Silverstone que eu havia acabado de jogar afundou em seu olho direito, e ele caiu na neve, sem um som. Por um momento, as duas mulheres estavam lá atordoadas e olhando para seu companheiro caído, bocas abertas, seus cérebros não entendendo exatamente o que estava acontecendo.

E foi aí que eu fiz meu movimento.

Eu espalmei outra faca, corri para fora do abrigo das árvores e fui em direção a elas. Connor era o único com uma arma, por isso eu o derrubei primeiro. Meu foco estava em manter o ruído ao mínimo, não deixando Connor atirar para cima dos bosques e dar minha localização. Além disso, se eu não conseguisse derrubar duas franguinhas com apenas uma espada e um chicote entre elas, então eu não era a Aranha, não era metade da assassina que Fletcher tinha me treinado para ser.

Depois de outro segundo, a mulher voltou para a realidade e percebeu que havia mais alguém na clareira, alguém que era uma ameaça imediata para elas: eu. Célia estendeu a mão mexendo em sua espada, tentando livrá-la do laço em seu cinto.

Eu não dei a ela a chance.

Minha primeira faca socou seu peito, e rompendo seu coração. Seu sangue quente pintando minhas mãos de um carmim fumegante, respingando sobre a neve como lágrimas escarlate. Célia abriu a boca para gritar, mas usei a minha segunda faca para cortar a garganta dela antes que pudesse dizer mais que um gemido. Eu empurrei seu corpo morto e virei-me para a outra mulher, seu chicote estalou contra o meu pescoço.

Eu assobiei em dor e cambaleei para trás, meu sangue misturando com o dos outros caçadores na neve. Na minha frente, Liza jogou o chicote sobre o solo, fazendo se contorcer como uma cascavel. Ela também ficou fora do alcance de minhas facas. Inteligente. Só não inteligente o suficiente.

— Então você é a Aranha. — ela murmurou. — Acho que eu deveria agradecer por matar Connor e Célia. Agora eu não terei que me preocupar com dividir a recompensa com eles.

Eu dei-lhe um sorriso frio e duro, que era tão gelado quanto à paisagem que nos rodeava.

— Você está assumindo que vai viver tempo suficiente para receber.

Liza retornou meu sorriso com um dos seus próprios.

— Oh, eu vou, Aranha. Não se preocupe sobre isso.

Corri em direção a ela, tentando tomá-la de surpresa, enquanto ela ainda estava falando, mas a caçadora estava esperando o movimento e levantou seu chicote. Atirei-me para um lado, mas o couro riscou pelo ar como um relâmpago preto. O golpe abriu um corte profundo em meu rosto, queimando minha pele quase tanto quanto o elemento de fogo de Mab. Eu assobiei novamente.

— Qual é o problema, Aranha? — Liza riu. — Você não gosta da sensação do meu chicote?

Meus olhos se estreitaram, mas não disse nada. Em vez disso, comecei a mover-me para a esquerda, tentando entrar em seu ponto cego. Mas ela se virou comigo e nós duas circulamos ao redor, como dois cachorros brigando por um osso que estava entre eles.

Crack! Crack! Crack! Crack!

Outra rodada de tiros soou através da floresta. Alguém devia ter tentado se aproximar da casa e Finn tinha matado ele por seu incômodo.

Ainda assim, eu sabia que não levaria muito mais tempo agora antes que os caçadores decidissem invadir a casa em massa. Eu precisava tirar Finn e Bria de lá antes que isso acontecesse.

Tentando terminar as coisas, corri para frente, mas a caçadora ergueu o chicote novamente. Desta vez, a arma cortou meu top de couro e abriu um corte que ardeu no peito, logo acima do meu coração.

— Com o tempo, eu acho que você vai ter mais cortes do que jamais fez em uma de suas vítimas. — Liza cantou, sacudindo seu chicote para frente e para trás.

— O inferno que eu vou. — rosnei.

Tarde demais, a caçadora viu a raiva dura em meu rosto. Liza foi para trás e levantou seu chicote enquanto eu investia contra ela novamente. O couro cortou o ar em minha direção, mas desta vez, em vez de me esquivar, peguei o couro na minha mão, mesmo que ele tenha aberto outro corte profundo na palma.

E não o deixei ir.

A caçadora tentou puxar seu chicote para fora do meu alcance, mas usei minha magia de gelo para anestesiar o meu punho, assim não sentiria o chicote cortando minha pele. Então me movi em direção a ela, um passo rápido de cada vez. Uma vez mais, Liza tentou puxar o chicote para fora do meu alcance. Quando isso não funcionou, ela se virou e começou a correr.

Mas a essa altura já era tarde demais.

Minha faca cortou suas costas e Liza se juntou a seus outros dois amigos mortos no chão da floresta.

Arrastei-me e recuperei a faca que joguei em Connor, respirando mais difícil do que eu teria gostado. A luta com Mab cobrou seu preço em mim e eu tinha acabado de esgotar as sobras remanescentes da minha magia para derrotar a caçadora. Meu coração disparou, meus pulmões queimavam e minhas pernas tremiam com o esforço de apenas ficar de pé. Para não mencionar o sangue que escorria dos cortes frescos em minha pele. Agora eu não queria nada mais do que chegar até Jo-Jo para me curar, então rastejar na cama e dormir por 12 horas. Mas não podia fazer isso. Não até Bria e Finn estarem a salvo e nós três estivermos longe, muito longe disso.

Um galho rangeu em algum lugar mais para trás na floresta.

Eu me virei, facas Silverstone preparadas. Olhando, escutando, esforçando-me para ver que novo perigo podia estar esperando no escuro.

Nada. Não vi, nem ouvi nada.

Talvez tivesse sido apenas o vento chacoalhando por entre as árvores, um ramo batendo sob o peso da neve, ou um animal selvagem atraído pelo cheiro de sangue fresco. Mas não acreditei nisso. Não realmente, não no fundo das minhas viseras, onde importava. Porque Gentry estava lá fora em algum lugar com Sydney e seu rifle. Nada que eu pudesse fazer sobre isso agora, no entanto. Tirar Finn e Bria para fora da casa era a minha primeira prioridade. Eu lidaria com tudo o resto mais tarde, incluindo Gentry, se ela decidisse aparecer.

A neve começou a cair mais uma vez enquanto me abaixava e deslizava para dentro do túnel.


Capítulo 21


O túnel de fuga de Fletcher Lane lembrava uma mina de carvão em que eu havia estado não muito tempo atrás: baixo, atarracado e redondo, com paredes de terra ásperas, irregulares, suportados por grossas vigas de madeira. O ar cheirava a tão velho e mofado quanto um livro coberto de poeira há muito esquecido em uma prateleira. Folhas secas enchiam a entrada e se estalavam como celofane sob minhas botas enquanto me movia mais para dentro.

As folhas deram lugar à terra batida, gasta, lisa e brilhante pelos passos de inúmeros pés através dela ao longo dos anos. Fletcher me disse que o túnel já foi usado por contrabandistas durante a Lei Seca, um esconderijo para eles e suas bebidas, para descansar antes de continuar a viagem. Mesmo agora, tantos anos depois, as pedras sob os pés murmuravam com preocupação, tensão e medo de serem descobertos. O som inquieto combinava com o meu próprio estado de espírito perfeitamente.

Eu peguei uma das lanternas dos caçadores de recompensa antes de entrar, por isso foi fácil o suficiente fazer o meu caminho descendo o túnel. Ainda assim, eu andava cuidadosamente para evitar perturbar as teias de aranha que se estendiam de uma viga de madeira para a próxima como pequenas ameaças de seda prateada. Se algum dos caçadores de recompensa descobrisse o túnel, não queria que ele percebesse que eu havia estado aqui, ou que tivesse tirado Finn e Bria desta maneira.

Dez minutos mais tarde, cheguei ao fim do túnel. Andei uma série de degraus íngremes até uma porta de metal pesada e bati nela três vezes com a lanterna, em seguida, mais três vezes, depois ainda três vezes mais, um sinal de longa data que Fletcher tinha ensinado a Finn e eu, pois devíamos sempre entrar na casa desta maneira.

Eu mal terminei de bater na porta quando ouvi o rangido do ferrolho de volta. Um segundo depois, a porta de metal se abriu, deixando a luz da casa fluir para o túnel. Protegi meus olhos contra a claridade e olhei para cima para encontrar Bria olhando para mim, sua arma apontada para minha cabeça. Ela não queria correr nenhum risco. Bom.

— Você está bem? — Perguntei.

Bria baixou a arma e se moveu para o lado para que eu pudesse subir pelo alçapão que foi colocado no piso do escritório desordenado de Fletcher, bem atrás da mesa do velho.

— Eu estou bem. — disse ela.

Ela não parecia pior pelo desgaste, tirando o fato de que ela não tinha uma camisa e tinha apenas jogado seu longo casaco de lã sobre uma camisola rosa pálido e um par de jeans. Seus pés descalços estavam enfiados em um par de sapatilhas minhas. Uma camisa e meias faltando. Isso deve ter sido o tanto quanto Finn tinha chegado a despi-la antes que os dois fossem interrompidos.

— Onde está o Finn?

— Há alguns quartos ainda apanhando caçadores de recompensa. — disse Bria.

— Pegue-o e vamos sair daqui. — disse. — Eu já tive que largar um par dos mais curiosos no bosque e quero estar longe daqui antes que os outros comecem a procurar na área ao redor da casa e encontrem seus corpos e a entrada do túnel.

Bria assentiu e saiu da sala. O escritório de Fletcher estava em um dos cantos da frente da casa, então calmamente fui até a janela e olhei para fora, através das cortinas e barras Silverstone que cobriam o vidro. Os caçadores de recompensas ainda cercavam a frente da casa.

De vez em quando, um deles mirava e disparava um par de tiros, embora as balas não fizessem nada mais do que pegar nas grossas paredes blindadas e nas lajes de granito que cobriam a casa como uma casca de tatu, uma concha protetora. Ainda assim, as balas sibilando no granito haviam ativado as runas que eu tinha traçado na pedra com a minha magia. Pequenos, apertados, cachos espirais, símbolo de proteção. Além de usá-los como símbolos de sua magia e fidelidade, elementais também podiam impregnar runas com poder e fazê-las executarem funções específicas.

Quando eu mudei de volta para a casa de Fletcher, vários meses atrás, passei horas traçando as runas em cada pedaço de pedra que compunha a casa, assistindo-as brilharem com a cor prata da minha magia antes de afundarem na pedra. Meu próprio sistema de alarme pessoal. Se alguém tentasse se esgueirar para dentro da casa, ela iria desencadear as runas de proteção e minha magia iria ecoar pelo granito, subindo para um grito estridente que me despertaria do mais profundo, mais escuro, mais morto sono. Assim como ela estava fazendo agora. Rangi os dentes ao som áspero da pedra lamentando tudo ao meu redor. Sim, eu sabia que estávamos em apuros, não precisava da minha magia para me lembrar disso.

Trinta segundos depois, Bria entrou no escritório novamente. Finn seguiu para dentro, uma lanterna na mão esquerda. Ele segurava um revólver na mão direita e outro em sua cintura. Os bolsos de sua calça inchados com munições e ele chacoalhando mais alto do que um cowboy ostentando um par de novas esporas brilhantes de prata. Finn parecia tão despenteado quanto minha irmã. Seu paletó estava faltando, juntamente com a gravata, e sua camisa impecável estava desarrumada e fora da calça, a cauda dela batendo contra suas calças como uma língua solta.

Finn me viu olhando para suas roupas amarrotadas e trocou um olhar de culpa com Bria antes de voltar para mim.

— Gin, nós dois sentimos muito... — ele começou.

Eu levantei minha mão, interrompendo-o.

— Eu sei que vocês sentem. Vamos apenas sair daqui. Então posso corretamente gritar com vocês dois por serem tão descuidados e vocês podem passar o resto da noite pedindo desculpas profundamente. Combinado?

Ambos assentiram.

— Bom. Então, vamos sair daqui.

Com a lanterna ainda na mão, fui para o túnel. Bria seguiu-me, sua arma ainda para cima. Finn veio por último e fechou a porta de metal atrás de nós, desta vez trancando-a por dentro, de modo que ninguém da casa poderia vir atrás de nós no túnel, pelo menos não sem bater através do metal e fazer um inferno de muito barulho.

Movi-me rapidamente, apesar de minhas persistentes dores, e Bria e Finn fizeram o mesmo. Vários minutos mais tarde, saímos na outra extremidade do túnel de fuga, de volta na floresta com neve. Eu fui primeiro, deslizando para fora e movendo-me para as árvores. Olhando, escutando em busca de qualquer coisa que não pertencia aqui, alguma coisa fora do lugar, qualquer sombra que não tinha estado aqui antes, quando eu tinha ido para dentro do túnel.

Mais uma vez, não vi ou ouvi nada, nem mesmo a queda suave da neve enquanto flocos do tamanho de moedas escorregavam para o chão. Ainda assim, um dedo de desconforto se arrastou pela a minha espinha, uma fria polegada por vez. A parte primitiva e predatória, do meu cérebro sabia que algo estava errado, mas eu não podia localizar isso e não tive tempo para parar e pensar sobre isso. Não quando os caçadores de recompensa poderiam agredir a casa ou começar a procurar na floresta a qualquer segundo.

— Vamos lá. — murmurei para os outros. — Está limpo.

Finn e Bria escorregaram para fora do túnel depois de mim. Finn parou tempo suficiente para fechar essa porta do túnel também e tive que me parar para não agarrar ele pelo atraso. Tão precária como era a nossa situação, mesmo poucos segundos podiam significar a diferença entre a vida e a morte. Mas ainda pior do que isso foi o rangido de moagem que a porta fez. Ecoou pela floresta exatamente da mesma forma que os tiros fizeram anteriormente, só que desta vez, não haviam balas voando pelo ar para ajudar a mascarar o ruído. Eu teria amaldiçoado se esse som não fosse ser espalhado também. Se Gentry ou qualquer um dos outros caçadores de recompensas estivessem à espreita na floresta, não havia nenhuma maneira que não tivessem ouvido um som tão alto e distinto, ou virem para investigar. Finn fez uma careta e correu para Bria e para mim.

— Sigam-me. — sussurrei para eles. — Fiquem bem atrás de mim, não importa o quê. Rápido, agora.

Eles acenaram, armas prontas. Finn e eu desligamos nossas lanternas. Nós não precisávamos delas. Ambos crescemos nestes bosques e passamos horas o explorando. Além disso, alguém poderia ver as luzes que se agitavam, o que era um risco que eu não estava disposta a assumir. Havia luz da lua e das estrelas mais que o suficiente para refletir na neve e nos mostrar o caminho, para não mencionar o brilho coletivo dos carros dos caçadores de recompensas e as luzes ainda acesas dentro da casa.

Nós três avançamos através do bosque, indo tão rápido quanto podíamos pela neve e ainda manter o nosso equilíbrio. Eu tomei o ponto, colocando-me na frente, uma faca Silverstone em cada mão, com Bria atrás de mim, e Finn guardando a retaguarda, nós três olhando, observando e ouvindo. Nossas respirações raspavam e congelavam como jatos no ar deixando rastros de vapor por trás delas.

Meu desconforto cresceu e foi subindo até que combinavam com os gritos de lamento das pedras da casa de Fletcher em sua intensidade perfurante, mas eu me ignorei e continuei indo.

Crack! Crack! Crack!

Os tiros vieram do nada.

Tarde demais percebi o que eu estava perdendo antes, o som dos caçadores de recompensa disparando contra a casa. Os altos estalos de balas disparando através noite tinham desaparecido completamente. Agora eu sabia por quê. Alguns deles tinham finalmente ficado espertos e invadiram as matas — provavelmente atraídos pelo rangido de Finn fechando a porta do túnel.

Em um segundo nós três estávamos sozinhos na floresta. No próximo, figuras se moviam entre árvores ao nosso redor, como se tivéssemos pisado sobre um formigueiro e tivéssemos enviado todos os insetos que picam correndo em nossa direção, determinados a exigir a vingança que pudessem.

— Corram! — disse a Finn e Bria. — Corram!

Nós saímos. Não havia tempo para ficarmos em silêncio ou sendo sorrateiros, e não havia tempo para pegar os caçadores de recompensa um por um. Havia muitos deles e eles rolavam sobre nós como ondas batendo contra uma costa arenosa. Assim que um caçador de recompensas caía, outro se movia para tomar seu lugar. Eu abri o caminho, com Bria e Finn atrás de mim, disparando suas armas em nossos perseguidores. Corri o mais rápido que ousei, tão rápido quanto eu poderia ir e ainda tê-los me acompanhando, mas sabia que ainda era muito lento, muito fodidamente lento.

Rostos começaram a aparecer no bosque. Os lábios dos caçadores de recompensa se desenhando em sorrisos triunfantes, enquanto a ganância fazia seus olhos brilharem como os predadores que eram. Cada vez mais perto, eles se arrastavam lentamente ganhando de nós. Dois gigantes tinham se movido mais rápido do que o resto e realmente conseguiram chegar à frente de nós, pisando no caminho a nossa frente, impedindo a nossa fuga. Não por muito tempo. Minhas mãos apertaram ao redor de minhas facas.

Movi contra o primeiro gigante. Minhas lâminas cortaram um lado, depois o outro e ele caiu gritando. Mas o outro bastardo veio para tomar seu lugar. Atrás de mim, Bria e Finn tinham parado para recarregar suas armas e mirar em outro grupo de caçadores fechando nosso flanco esquerdo.

E isso foi quando Ruth Gentry fez sua jogada.

A velha, ágil caçadora de recompensas lançou-se para fora das árvores a nossa direita, como um fantasma aparecendo no ar. Gentry cronometrou perfeitamente seu ataque, pulando da floresta há menos de 10 pés de distância. Como diabos ela tinha conseguido se aproximar tanto de nós sem que eu a visse?

Antes que soubesse o que estava acontecendo, antes que pudesse sequer pensar em impedi-la, antes que pudesse gritar a porra de um aviso, a velha estava sobre nós. Ela esgueirou-se no lado cego de Bria, agarrando minha irmãzinha por um maço de seus cabelos loiros. Bria gritou de surpresa e cambaleou para trás, mas ela ergueu seu cotovelo, pronta para conduzi-lo até o estômago de quem estava por trás dela.

Clique.

Revólver de Gentry pressionado contra a têmpora de Bria e minha irmã fez a única coisa que ela podia — ela congelou. Finn virou, amaldiçou e ergueu a própria arma, determinado a colocar uma bala através de um dos olhos de Gentry.

Crack!

Uma bala chorou para fora das árvores, levantando a neve aos pés de Finn. Desta vez, todo mundo congelou, até mesmo o gigante que tinha estado a ponto de se balançar até mim. Eu sabia quem era, é claro. Sydney, a aprendiz de Gentry, ou quem diabos quer que ela fosse, escondida mais para trás nas árvores com aquele rifle dela.

— O próximo vai ser na sua cabeça. — disse Gentry.

Ela falou para Finn, mas o olhar da velha nunca saiu do meu rosto. Ela me reconheceu do Pork Pit. Eu poderia dizer pelo jeito que seus olhos pálidos estreitaram e os lábios franziram com o pensamento. Algo parecido com simpatia brilhou em seu rosto e ela balançou a cabeça para mim. Sendo respeitosa, a maneira que você faria para um inimigo que você admirava, para alguém que talvez não fosse totalmente diferente, mas estava no lado oposto de você.

— Eu vou cuidar dela da melhor maneira possível até que você venha por ela. — disse Gentry, ainda olhando para mim. — Devo-lhe muito por ter poupado Sydney na outra noite. Agora, vamos lá, mocinha. Nós precisamos ir.

Cuidar de Bria? O que ela quis dizer com isso?

Mantendo Bria entre nós e sua arma contra a têmpora da minha irmã, Gentry moveu cuidadosamente minha irmãzinha de volta para a floresta. Tudo ao meu redor, os outros caçadores de recompensas aproximando-se, seus gritos encantados, excitados fazendo-os soar como um bando de corvos grasnando em triunfo.

Mas eu só tinha olhos para Bria e ela para mim. Do outro lado da paisagem de neve, nossos olhares se encontraram e se seguraram. Cinza desesperado no azul agonizante.

— Vá, Gin! — Bria gritou as palavras para mim. – Deixe-me!

Nunca.

A palavra queimava em meu coração como uma marca de gelo, machucando-me pior do que qualquer coisa antes, incluindo Mab derretendo meu medalhão de runa aranha em minhas palmas. Comecei a ir em frente, pensando que Sydney devia ir para o inferno com seu rifle e o fato de que ela podia colocar uma bala no meu cérebro, mas o gigante bloqueou meu caminho mais uma vez. Automaticamente, esquivei-me de seus golpes, em seguida trouxe minhas facas para cima e para baixo, assim como eu tinha feito mil vezes antes. Mas mesmo quando eu o cortava, sabia que não seria o bastante, que simplesmente não seria rápida o suficiente.

O gigante tinha apenas começado a cair quando Gentry e Bria desapareceram de vista.

— Bria! — Gritei, tentando passar pelo gigante moribundo. — Bria!

Eu não era rápida o suficiente. Mesmo quando alcançava a minha irmãzinha, mais caçadores de recompensa apareceram, meia dúzia deles correndo em direção a mim e Finn.

— Vamos, Gin! — Disse Finn, agarrando o meu braço e puxando-me para frente. — É tarde demais! Bria se foi!

Poderia ter sido minha imaginação, mas, por um segundo, vi um vislumbre de prata por entre as árvores, como se a luz da lua iluminasse o colar de runa que Bria sempre usava. Uma prímula delicada. A runa de Bria. O símbolo para a beleza.

— Bria! — Gritei novamente.

Em seguida, a neve desceu rolando e caiu como uma cortina entre nós e ela desapareceu.


Capítulo 22

 


Eu não me recordo realmente o que aconteceu depois disso.

De alguma forma me controlei pelo tempo necessário para parar de gritar e começar a correr. Finn cobriu nossas costas, trocando tiros o suficiente com os caçadores de recompensa que nos perseguiam para impedi-los de nos alvejar, enquanto eu tomava conta de quem fosse azarado e ficasse no nosso caminho. Cortar, cortar, cortar. Eu atravessei as emoções automaticamente, meus pulmões pesados e minha mente sem conexão com o resto do meu corpo. Nada podia penetrar o medo que envolveu meu coração, como uma mortalha de gelo.

Bria, Bria se foi e a culpa era minha. Por ser tão arrogante, por assumir que eu poderia matar Mab. Nesse instante, nesse momento, minha irmã estava sendo entregue para as cruéis garras da Elemental de Fogo. Eu perdi minha irmãzinha pela segunda vez na minha vida. Eu queria me curvar numa bola e chorar no meu desesperado e miserável fracasso.

Mas não havia tempo para fazer isso. Não havia tempo para fazer nada além de cortar e correr, cortar e correr mais.

De algum modo, Finn e eu conseguimos descer o cume íngreme e coberto de neve e voltar para o sedan que deixei pronto mais cedo. Eu estava simplesmente longe de tudo, então Finn assumiu o comando. Ele prendeu sua arma no cós da sua calça, ao lado de sua outra arma, abriu a porta e empurrou-me no assento do passageiro. Nesse ponto minhas mãos tremiam tanto pela adrenalina, medo e fadiga que tudo o que pude fazer foi fechar a porta. Minhas facas ensanguentadas deslizaram de meus dedos entorpecidos e ruidosamente atingiram o chão do carro. Apenas encarei-as estupidamente.

Finn correu para o outro lado do carro, deslizou para o banco do motorista e alcançou embaixo do painel.

— Vamos lá, baby. — ele murmurou, juntando os fios soltos. — Dê a partida para mim.

Um segundo depois, o motor rosnou em vida. Finn jogou o carro em marcha, apertou o pé no acelerador até o final e guinou em direção da estrada.

Bem na hora.

Pelo retrovisor eu vi várias figuras correndo pela estrada atrás de nós.

Crack! Crack! Crack!

Projéteis atingiram o carro, um deles explodindo o para brisas e nos pulverizando com estilhaços afiados de vidro. Finn se curvou sobre o volante, fazendo de si um alvo menor, mas eu não tinha nem mesmo energia para fazer isso. Não importava muito de qualquer forma, uma vez que Finn fez uma curva, nos colocou fora da vista e do alcance dos caçadores de recompensa e suas armas.

Finn entrou na primeira rua lateral que viu e então em outra, outra. Quando ele se certificou de que nenhum caçador de recompensas estava na nossa cola, fez uma última curva, uma que nos levaria para o refúgio em que os outros estariam esperando. Permanecemos em silêncio, comigo caída contra a janela.

Bria, Bria se foi. Eu havia jurado manter minha irmã a salvo e havia sido estúpida e desleixada o suficiente para deixá-la ser capturada por uma caçadora de recompensas, por Ruth Gentry, uma mulher que com certeza estava levando Bria para Mab nesse mesmo segundo, com Sydney e seu rifle como escolta. E quando Mab pusesse suas mãos em Bria...

Bile quente e azeda subiu pela minha garganta com o pensamento do que a Elemental de Fogo faria com a minha irmã, de como ela a torturaria. Apenas porque ela podia. Meu estômago se revirou e usei o pouco que me restava de forças para evitar vomitar.

— Sinto muito, Gin. — Finn disse. — Sinto tão fodidamente. Isso é tudo minha culpa. Se eu não tivesse me focado apenas em Bria, se não tivesse tentado seduzi-la essa noite, se não tivesse atiçado ela, se apenas tivesse atendido o maldito celular na primeira chamada...

Finn engoliu o resto de suas palavras, mas eu podia ouvir a angústia em sua voz. Apesar de seu jeito mulherengo, Finn genuinamente se importava com Bria. Ainda mais que isso, ela agora era parte de nossa família improvisada. Ele teria se sentido da mesma forma se fosse Jo-Jo sendo sequestrada, ou Sophia, ou se fosse eu. E eu não podia apontar o dedo e culpar Finn. Todos nós cometemos erros, todos nós fodemos tudo de tempos em tempos. Não fazia muito tempo que um de meus estragos resultou no meu irmão adotivo quase sendo assassinado na pedreira de Ashland. Não, não podia culpar Finn por ser ele mesmo, por fazer o que estava em sua natureza. Eu apenas não podia. Eu já tinha perdido Bria, não iria perdê-lo também.

Então acordei de meu estupor por tempo suficiente para me inclinar e apertar sua mão gelada.

— Se você tivesse atendido minha ligação e tentado deixar o local, você poderia ter corrido direto para os caçadores que vinham pela entrada da garagem e teria sido capturado imediatamente. Está tudo bem. A traremos de volta. Bria ficará bem. Você verá.

Finn assentiu, mas ambos podíamos ouvir o eco vazio em minhas fracas e balbuciadas palavras.

Dirigimos para oeste, para os subúrbios que ficavam no lado mais longe de Ashland. Devido à hora tardia, a neve caindo e às estradas traiçoeiras, não cruzamos com nenhum carro, nenhum. Depois de tudo, conseguimos nossa fuga limpa e fácil, mas tinha sido tarde demais para Bria.

Vinte minutos depois, Finn deixou a estrada principal. Ele fez uma série de curvas até finalmente dirigir o carro para o que parecia uma trilha para o meio do nada. Dois quilômetros depois, o carro estava livre das árvores cobertas de neve e Finn parou na frente de uma enorme cabana rústica de madeira que foi construída no lado de seu cume. No escuro, a cabana parecia uma mancha que foi derramada sobre um tapete intocado de neve branca macia. Nenhuma luz acesa na cabana, que era ladeada por árvores, mas um dos conversíveis clássicos de Sophia aparecia no outro lado do edifício. A anã gótica e Jo-Jo conseguiram chegar. Eu só esperava que os outros também.

A cabana era um lugar seguro que Fletcher manteve durante anos, uma das várias que o velho tinha. Agora que ele se foi, as únicas pessoas que sabiam sobre o local eram eu, Finn, Owen e as irmãs Deveraux. Mas isso não significava que não poderia ter algum problema à espreita lá dentro, não com os caçadores de recompensas que procuravam por mim ao redor da cidade. Então me obriguei a recolher as facas ensanguentadas do chão do carro. Perto de mim, Finn tirou uma de suas armas novamente. Nós dois saímos do carro e nos aproximamos da casa, cautelosos, deslizando de sombra em sombra, atentos para qualquer sinal de movimento por trás das cortinas.

Havíamos cruzado apenas metade do jardim quando as luzes na frente do alpendre se acenderam. Finn e eu ficamos numa posição de tiro meio agachada, armas prontas. Um momento depois, a porta da frente rangeu e Jo-Jo colocou sua cabeça do lado de fora, sem dúvida nos procurando. Finn e eu voltamos para nossos pés e andamos em direção a ela. A anã nos avistou e abriu sua boca para falar uma saudação. E então viu que só havia dois de nós e que Bria não estava lá.

— Gin? — Jo-Jo perguntou numa voz suave, dando um passo para trás para acender mais luzes.

Balancei minha cabeça e arrastei-me passando por ela. A cabana era exatamente o que você esperaria encontrar nessa parte de Ashland. Larga, extensa, espaçosa, preenchida por mobiliários rústicos e de madeira feita em tonalidades escuras, másculas. Figuras em pedras esculpidas na forma de animais estavam nas mesas, enquanto quadros de montanhas e riachos cobriam as paredes de tronco liso.

Eles estavam todos reunidos na sala principal, amontoados nos sofás e nas cadeiras. Xavier e Roslyn seguravam as mãos e estavam sentados em uma namoradeira de frente para as janelas. Warren Fox sentava perto deles numa cadeira de balanço antiga. A neta de Warren, Violet, empoleirada num canto de outro sofá, perto de sua melhor amiga, Eva Grayson. Sophia estava sozinha perto da lareira, incitando as chamas que tremulavam. E finalmente havia Owen, já se movendo em minha direção, preocupação brilhando em seus olhos. Todos estavam aqui, todos estavam salvos, exceto Bria.

A culpa e tristeza tomaram conta de mim e desabei no meio do chão.

Owen pegou-me e carregou-me para o quarto, gentilmente me deitando numa cama. Jo-Jo levantou as mangas de seu roupão rosa de flanela, se inclinou para frente e começou a trabalhar sua magia em mim. Eu apenas fiquei deitada lá, encarando o teto, pela primeira vez sem me importar que a magia de ar da anã picasse minha pele como centenas de pequenas agulhas. O desconforto não era nada comparado ao que eu sofri nas mãos de Mab hoje.

Não era nada comparado ao que Bria poderia estar sofrendo nesse mesmo segundo.

Owen segurou minha mão enquanto Jo-Jo curava-me. Eu podia ouvir os outros falando, vozes tensas na sala principal. Finn devia ter informado a todos sobre o que aconteceu na casa de Fletcher. Mesmo agora, mesmo ele estando tão exausto quanto eu estava, meu irmão adotivo estaria trabalhando nas ligações, contatando suas inúmeras fontes, tentando determinar se Bria ainda estava viva, ou se Mab a havia matado assim que a viu. Os outros amontoariam-se ao redor dele, encarando uns aos outros e tentariam pensar em alguma forma de ajudar, em algum modo de resgatar Bria, em alguma forma de sair dessa bagunça. Eles não deveriam se incomodar. Pois era uma bagunça que criei, apenas por nascer, apenas por existir no mesmo mundo que Mab, apenas por respirar, ou pelo menos era o que parecia nessa noite.

Alguns minutos depois, Jo-Jo retirou sua mão e o sentimento de sua magia do Ar desapareceu aos poucos.

— Pronto, — a anã disse numa voz baixa. — Tão boa quanto nova. Eu lhes darei um momento para conversarem.

Eu assenti e Jo-Jo deixou o quarto. Assim que a porta fechou Owen deitou-se na cama, ao meu lado, e puxou-me para seus braços.

— Oh, Gin. — ele disse, seus lábios pressionados contra minha testa. — Sinto muito. Sinto tanto. Por você e por Bria.

Por um momento eu me agarrei a ele, deixando-o me segurar, deixando-o ser o mais forte. Eu fechei meus olhos e concentrei no sentimento de ter os braços de Owen ao meu redor, de seu cheiro, o rico perfume que sempre me fazia pensar em ferro. O calor de seu corpo aqueceu meu corpo, derretendo o gelado entorpecimento que me agarrou desde que Gentry tinha arrastado Bria por entre as árvores. Eu estremeci numa respiração e voltei a mim mesma.

E então o momento passou, da forma que sempre acontece, querendo ou não.

E sabia que era hora de encarar as coisas. Hora de ser a Aranha mais uma vez. De ser a assassina que Fletcher criou-me para ser. De fazer as coisas para as quais o velho parece ter, secretamente, preparado-me durante todos aqueles anos.

De finalmente matar Mab Monroe, ou morrer tentando.

Owen pareceu sentir minha retirada, pois ele se sentou e levou-me com ele. Emoções preencheram seu rosto, preocupação, medo, mas ainda mais importante: aceitação. Owen sabia o que estava por vir, o que eu tinha que fazer, tão bem quanto eu sabia. Mesmo se pudesse, sabia que ele não tentaria me parar, pois se a situação fosse contrária e Eva não estivesse aqui, ele faria exatamente o que eu estava prestes a fazer para salvar Bria.

Eu o amei por isso. Por me deixar ser a Aranha, por sempre me deixar fazer o que precisava ser feito, sem julgamentos, sem remorso e sem arrependimentos, mesmo que o preço fosse ser tão, tão, tão alto dessa vez, para todos nós.

Eu cobri sua bochecha com minha mão, o puxei para mim e o beijei uma vez forte. Ele me beijou de volta, mesmo com meus lábios parecendo gelo contra os dele. Nós dois nos afastamos. Ele olhou para mim e assentiu. Eu assenti de volta e então levantei, andei para a porta e sai para a sala. Todos prestaram atenção em mim quando entrei, seus olhos cheios de simpatia e preocupação por mim, por Bria, por todos nós. Encarei Finn, que finalizou sua ligação e olhou para mim.

— Gentry e Sydney levaram Bria direto para a propriedade de Mab. — Finn disse. — De acordo com minhas fontes, elas passaram pelo portão da frente com ela há trinta minutos.

Assenti. Gentry não era nada além de uma profissional. A primeira coisa que a velha faria seria entregar Bria para Mab, assim ninguém poderia arrebatar minha irmã dela e pegar a recompensa. Pelo menos Gentry havia ficado com Bria e não algum nojento bastardo como os que matei no Northern Aggression. Aqueles tipos de caçadores de recompensa teriam estuprado minha irmã, talvez até pior, antes de entregá-la para a Elemental de Fogo. Havia um pequeno conforto nisso e agora eu pegaria o que pudesse ter.

— Eu preciso do seu celular. — disse. — E daquele número privado que você conseguiu para mim. Você sabe qual. Com certeza ela espera que eu faça contato, e acho que é hora de dar para Mab exatamente o que ela deseja.

Finn mordeu seus lábios, mas assentiu. Ele digitou um número e entregou-me o telefone.

Tocou três vezes antes da chamada ser atendida.

— Sim? — Sua voz sedosa arranhou pela linha.

Eu tomei uma respiração profunda.

— Olá, Mab.


Capítulo 23


Silêncio

Por um momento, achei que ela não fosse me responder, mas então a Elementar do fogo deixou escapar uma risada suave e pausada que me fez apertar o telefone até meus nós dos dedos estralarem. Eu queria arrebentar aquilo, queria arrebentar ela.

— Ora, ora, ora, se não é a Aranha atrás de mim? Diga-me, você prefere Gin Blanco? Ou Genevive Snow? — Mab zombou. — Queria ter certeza, já que agora sei quem você é.

— É Gin. — falei espirituosamente — Igual à porra do licor, quanto a quem eu realmente sou, você demorou a descobrir, hein? As pistas estavam lá. Minha runa em forma de aranha, eu resgatando Bria, de novo e de novo, declarando guerra a você. Sabe, você deveria ter dado ouvidos a Jonah McAllister quando ele quis me matar aquela noite na faculdade. Teria sido mais fácil para você.

Mab deu outra risada, um som leve, satisfeito, arrepiante que fez a vozinha primitiva do fundo da minha cabeça começar a murmurar: inimiga. Inimiga. Inimiga.

A risada dela desapareceu, e seu tom ficou mais sério mais uma vez.

— Sugiro que tome cuidado com seu tom. — ela rebateu. — Considerando o fato que eu tenho sua querida irmãzinha aqui, nesta sala, comigo e alguns dos meus gigantes. Homens com certo... apetite, se é que você me entende.

Concentrei-me ao máximo, mas não consegui ouvir nenhum ruído através do telefone. Nenhum choro, nenhum gemido, nada. Bria não daria aos bastardos o gostinho de vê-la sofrer, não até que a dor se tornasse insuportável; mesmo assim, o silêncio tirava-me do sério. Mesmo se ela tivesse gritado ao menos eu saberia que ela ainda estava viva, já o silêncio não me dizia nada, nem por um momento.

Mas essa não era a hora de demonstrar fraqueza, não quando se está lidando com Mab, só existe uma coisa que a Elementar do Fogo respeitava, força.

— Você não tem nada. — disse num tom zombeteiro. — Porque você não me tem.

Alguma coisa na minha voz deve ter tocado Mab, pois ela pôs uma pausa em seu regozijo.

— E o que você quer dizer com isso?

— Sabe, por todos esses anos sempre me perguntei o porquê de você ter ido a nossa casa naquela noite. — disse minha voz tão fria e dura quanto à dela. — O porquê de você ter matado a minha mãe e minha irmã mais velha. Qual era o propósito daquilo tudo. O que teríamos feito a você? Mas Elliot Slater foi gentil o suficiente para me dizer antes de morrer. Você se lembra do Elliot, não é, Mab? O gigante era seu soldado número um, antes de eu explodir o cérebro dele com uma espingarda.

Do outro lado da sala, Roslyn estremeceu. Nós duas sabíamos que foi ela quem havia matado Slater, mas a vampira fechou a boca e não emitiu nenhum som. Xavier passou seu braço ao redor de Roslyn, puxando-a para perto de seu peito. Eu dei as costas para eles, bloqueando-os, bloqueando qualquer coisa que não fosse o som da voz de Mab e o que ela poderia me revelar.

— E o que Elliot te contou? — Zombou a Elemental de Fogo. — O que você pensa que sabe, pequena Genevive?

— Ora, Elliot me contou tudo sobre sua tia maluca, qual era mesmo o nome dela? Ah sim, Magda. Elliot estava mais que feliz por desabafar comigo. Ele me falou muito sobre sua querida tia Magda e como ela costumava usar sua magia do ar para ver o futuro. Como ela profetizou que um dia um membro da família Snow te mataria, uma garota com a magia tanto do gelo, quanto de pedra.

— E daí? — Rebateu Mab. — Acredite em mim, sua irmãzinha não está em condições de fazer tal coisa.

— E daí que, vadia, Bria não é quem você procura, ela não é a detentora das duas magias, sou eu.

Silêncio. Eu não fazia ideia do efeito que minhas palavras teriam sobre Mab e não ligava. Meu mundo inteiro se concentrava no que eu conseguia ouvir do outro lado da linha, em esforçar-me ao máximo para ouvir a voz de Bria, um gemido, um murmúrio, qualquer coisa que me fizesse saber se ela estava ou não viva.

— Você está mentindo. — disse Mab. — Mentindo para que eu não mate sua preciosa irmãzinha.

Eu ri.

— Ah, por favor. Eu não tenho motivos para mentir. Não sobre isso. Como você acha que eu sobrevivi de ficar presa naquela mina de carvão com Tobias Dawson depois que aquele anão me nocauteou na sua festa, há alguns meses atrás? Eu usei minha magia de gelo para fazer a mina dele desmoronar em cima de sua cabeça e minha magia de pedra para conseguir sair de lá depois do acontecido. Pergunte a Bria, ela lhe dirá o mesmo. Ou melhor, faça-a usar magia, por que ela só tem gelo, não gelo e pedra como eu.

Mais silêncio. Um som sibilante encheu-me os ouvidos, demorei um pouco para descobrir o que era, tecidos se esfregando, como se Mab estivesse saindo da sala em que estava e indo para outra.

— Que tipo de magia você tem? — Sibilou a Elemental de Fogo.

Nenhuma resposta

Meu coração se contorceu em meu peito e perguntei-me se Mab estava brincando comigo. Por que Bria não respondia suas perguntas? Será que ela não estava em condições de fazer isso? Será que ela estava... morta? Aquele entorpecimento paralisante começou a encher-me novamente, cada gélido centímetro.

— Gelo. — resmungou Bria, sua voz soando fraca e distante, tão distante. — Eu só tenho a do Gelo, Gin é que detêm gelo e pedra.

Senti uma pontada de alívio. Os outros encararam-me alarmados e Finn veio em minha direção, mas mandei-o ficar onde estava. No entanto, eu não pude evitar as lágrimas de alívio de escorrerem pela minha face. Viva, Bria ainda estava viva. O que significava que eu ainda tinha uma chance, mesmo que pequena, mesmo que remota, de salvá-la. Enquanto Bria ainda estivesse respirando, Jo-jo podia reparar qualquer dano que ela tivesse.

Mais sons foram feitos, mais vozes puderam ser ouvidas e então algo crepitou. O que quer que tenha acontecido, o que quer que Bria tenha dito, Mab não gostou. A Elemental de Fogo urrou de raiva e frustração, um som tão alto, que até os outros presentes na sala puderam ouvir através do telefone.

Apesar da situação, eu sorri. A sensação de provocar sua inimiga é sempre prazerosa.

— Digamos que eu resolva acreditar em você. — Mab disse, voltando a si. — Como eu saberia que você não está me enrolando? Ao longo dos últimos meses eu tenho aprendido muitas coisas sobre você, Aranha, uma delas é a sua capacidade sorrateira de ludibriar seu oponente, de desvendar suas fraquezas e usá-las a seu favor.

— Não é um truque Mab. — rebati — Mais uma vez você foi burra demais para confirmar se você estava marcando a irmã certa. Tão desleixada... deixando-me viva todos esses anos.

— Eu poderia matar Bria agora por conta da sua insolência. — disse Mab

— Você poderia, mas seria seu fim, o fim de tudo. Pois não me restaria nada, meu único objetivo se tornaria me vingar de você.

Dessa vez Mab riu

— E isso é uma coisa que você não tem obtido sucesso ultimamente. Você já falhou duas vezes só essa semana.

— Verdade, mas se você matar Bria eu te prometo uma coisa, vou te destruir. Não importa quanto tempo leve, custe o que custar, não dormirei, não comerei, não farei nada que não seja planejar sua derrota. Ceifarei seus homens como se eles fossem ervas daninhas. Matarei tantos deles, tão compulsivamente, tão brutalmente, tão horrivelmente, que ninguém jamais trabalhará para você. E mais cedo ou mais tarde, vou te encontrar, nós duas sabemos que você não vai conseguir se esconder naquela sua mansão por muito tempo, quase te peguei essa semana. Você acha mesmo que vai conseguir me manter longe por muito tempo?

Mab não disse nada

— Encare os fatos. — disse — Bria não representa uma ameaça para você, eu represento. Eu. Gin Blanco, Genevive Snow, a garota que você torturou anos atrás. Não vou desistir de te destruir por nada. Nada. E você deve saber muito bem o quão boa eu sou. Eu sou a Aranha, vadia, sou a melhor que há.

Mais silêncio.

Na cabine, os outros encaravam-me, chocados com a frieza das minhas palavras e o fato de que realmente quis dizê-las. Minha mão apertou o telefone. Eu me afastei dos meus amigos e encarei a escuridão através da janela. Precisava ser dura, tão fria, dura e insensível quanto o próprio inverno. Era o único jeito de ganhar tempo para Bria.

— Qual a sua proposta? — Mab perguntou finalmente.

— Uma troca simples, minha vida pela de Bria.

Meus amigos ficaram chocados, mas mantive meus olhos fixos na escuridão, precisava ser assim, esse era o único jeito.

Trocar minha vida pela da minha irmã era um preço que eu estava disposta a pagar. Um preço que vinha pagando desde quando Mab prendeu minha runa em minhas mãos e a aqueceu com magia de Fogo. E tudo que se seguiu depois disso: pensar que minha irmã estava morta, viver nas ruas, ser levada por Fletcher, ter treinado para me tornar uma assassina...tudo levaria a esse inevitável momento. Talvez fosse meu destino, ou talvez fosse má sorte mesmo, mas não havia como mudar o passado. Tudo que poderia fazer agora era tentar me manter viva por tempo suficiente para garantir que Bria tivesse um futuro.

— E como terei certeza de que isso não é um truque? — Repetiu Mab

— Não há como saber, — disse. — Mas nós duas sabemos que você não perderia uma chance de me matar facilmente. E mais uma coisa, eu quero Bria inteira, isso quer dizer: sem estupro, sem tortura, sem queimar ela viva com sua mágica de fogo como você fez com o resto da família.

Mab soltou uma risada.

— Receio que já seja meio tarde para isso, Genevieve, sua irmã já gritou bastante para mim.

Por um momento, achei que não conseguiria me controlar, que começaria a berrar e nunca mais pararia. Mab torturou Bria, queimou minha irmãzinha com sua magia de fogo. A coisa que eu mais temia acabou acontecendo e não havia nada que eu pudesse fazer, nenhuma maneira de ajudar Bria a não ser evitando que ela sofresse mais e tentando mantê-la viva por tempo suficiente para que eu pudesse resgatá-la.

— Sendo assim, pare a tortura agora.

— Ou o quê? — Rebateu Mab

— Ou eu desaparecerei amanhã e você passará o resto da sua vidinha deplorável olhando para trás até o dia em que vou te matar. Isso é o que vai acontecer. Você tem certeza de que vai deixar que isso aconteça só para ter o prazer de torturar Bria um pouco mais? Além disso, nós duas sabemos que você se divertiria muito mais me torturando. Eu não te disse tudo que você queria saber quando eu era criança. Pense nas longas horas que você teria para me fazer falar, arrancar tudo de mim, o quanto isso lhe faria feliz. Bria é um peixe pequeno, eu sou a caçada da semana, a caçada de uma vida. Você poderia parar de torturar Bria e me ter em suas mãos ou começar a contar os dias de vida que lhe restam, você escolhe.

Mais silêncio.

Mab deixou escapar um som de desprazer.

— Tudo bem, não vou torturar sua irmã... por muito tempo.

Diante das circunstancias, foi o melhor que pude fazer, não importava o quanto doesse, por mais que estivesse de coração partido pelo que estavam fazendo com a minha irmã, pelo que ela estava sofrendo agora mesmo, eu não podia fazer nada.

— Ótimo, então diga quando e onde você quer resolver as coisas.

— Amanhã. Ao escurecer. Quanto ao lugar, por que não voltamos para onde tudo começou?

Meu estômago se revirou diante de suas palavras.

— O que você quer dizer com isso?

— Voltaremos ao princípio, já que você parece ser uma amante de história. — Debochou Mab. — Encontre-me na sua antiga casa, Genevieve Snow. O lugar em que eu tentei te matar a muito tempo. Tenho certeza de que você se lembra onde fica. E não se preocupe, desta vez eu planejo ser bem sucedida.

Eu abri a boca, mas já era tarde, ela tinha desligado.

Desliguei o telefone e me virei para olhar para os meus amigos. Se eles estavam chocados antes, agora estavam simplesmente horrorizados, olhos arregalados, bocas abertas em choque, rostos pálidos temendo o que aconteceria comigo, o que eu estava prestes a fazer.

— O que Mab disse? — Disse Finn. — Ela aceitou a troca?

Entreguei o telefone para ele.

— Claro que aceitou, ela quer meu fim, não desperdiçaria essa chance.

— Você não pode ir fundo com isso. — Eva se levantou do sofá num salto. — É suicídio Gin!

Dei de ombros.

— Não mais do que as outras coisas que venho fazendo ao longo dos anos.

Roslyn, Xavier, Finn, Eva, Violet, Warren, todos tentaram me convencer a desistir disso, claro. Eles listaram todos os motivos pelos quais meu encontro com Mab terminaria em morte, a minha e a de Bria. Enfureceram-se e disseram que eu estava sendo tola, até mesmo burra se achava que Mab deixaria uma de nós viver.

Mas eles não me fizeram mudar de ideia.

Se eu tivesse que me sacrificar para salvar Bria, que seja, eu não me importava mais, contanto que ela estivesse em segurança. Era tudo que mais queria desde que tudo começou.

Jo-jo e Sophia não protestaram como os outros. Ao invés disso, as duas irmãs anãs sentaram quietas perto da lareira. As duas sabiam que não adiantava tentar me persuadir a desistir. Ou talvez Jo-jo até soubesse que isso aconteceria, graças a sua magia de ar e a capacidade de prever o futuro que vinha com ela.

Owen ficou em silêncio também, não se juntou ao coro grego. Ao invés disso, ele passou o braço em volta dos meus ombros e ficou do meu lado enquanto os outros xingavam, ameaçavam e tentavam me convencer a desistir do meu plano. Eu me reclinei, jogando um pouco do meu peso nele, deixando que ele carregasse o peso daquele momento.

Quando os outros finalmente perceberam que não me fariam mudar de ideia, eles desistiram e foram dormir. Jo-jo vasculhou a multidão confirmando se todos tinham travesseiros, lençóis e fronhas para passar a noite. Eu tomei um longo banho quente para lavar o sangue e sujeira que cobriam minha pele, depois vesti um dos pijamas do estoque de roupas da cabana. Owen e eu ficamos com o quarto do térreo, todos os outros ficaram nos quartos do andar de cima. Eu queria dormir no andar de baixo, queria estar na primeira linha de defesa para o caso de algum caçador de recompensas nos encontrasse. A probabilidade de isso acontecer era quase nula, já que nos documentos a cabana pertencia a um sujeito chamado Nick A. Medes, que era um dos pseudônimos mais usados por Fletcher. Mas Sophia se ofereceu para ficar de guarda só por garantia. Eu teria ficado de guarda, mas Jo-jo insistiu para que eu fosse descansar.

Eu estava cansada, tão cansada, mas não podia dormir, então fiquei passeando pelo quarto, as tábuas do piso rangendo sob meus pés descalços. Owen olhava para mim de onde estava na cama, ele não disse nada, porém seu olhar não deixou meu rosto.

— Desculpa. — disse finalmente parando para olhar para ele.

— Pelo quê?

Abri os braços.

— Por tudo isso. Pelo fato de que você e Eva têm que viver fugindo por minha causa, por eu ser a Aranha.

Owen suspirou.

— Você não tem que se desculpar por nada, Gin. Eu sabia que isso poderia acontecer quando a gente começou a ficar. Eu sabia que você iria atrás de Mab, sabia que isso poderia acontecer.

— É, — disse, ao deitar na cama ao seu lado. — Mas você não esperava por isso tudo, não era para isso que você estava se preparando.

Owen deu de ombros.

— Talvez não fosse, mas não trocaria por nada. Não trocaria você por nada. Você sabe o quanto eu me importo com você, Gin, o quanto eu te amo.

Ele finalmente disse às palavras que eu estava temendo e ansiando por ouvir.

E eu queria dizê-las para ele.

Eu abri minha boca, mas as palavras, a droga das palavras, não saíam. Ficaram presas na minha garganta, sufocando-me, mesmo que cada uma das silabas estivessem gravadas em meu coração, lutando para sair, apertando cada vez mais meu peito.

Eu estava tensa demais por causa de tudo que havia acontecido e pelas coisas horríveis que poderiam acontecer amanhã. Eu não conseguia falar, não conseguia respirar, só sentir. Sentir todo o amor que tinha por Owen.

Parte de mim sabia que meu silêncio atônito era bobo, que deveria falar o que sentia por Owen agora mesmo, essa noite, antes que outro segundo se passasse. Mas parte de mim queria esperar. Quando eu contasse para Owen que o amava, queria que estivéssemos falando sobre ele, sobre nós, sobre o que tínhamos. Não sobre a possibilidade de eu morrer ou não pelas mãos de Mab amanhã.

Tentei ao máximo falar, mas não consegui fazer as palavras saírem. Meu peito se encheu de agonia e uma paixão louca e fervorosa tomou conta do meu corpo. Então eu fiz a única coisa que poderia fazer, inclinei-me para frente e beijei Owen.

Minha língua invadiu sua boca, de novo e de novo, enquanto comecei a rasgar suas roupas. Talvez eu não pudesse lhe dizer que o amava, mas poderia lhe mostrar, eu precisava fazer isso, estava desesperada por isso.

Não queria raciocinar essa noite. Não queria pensar no fato de que Mab estava com Bria, que a Elemental de Fogo torturou minha irmã e torturaria ainda mais no decorrer da noite e que não havia nada que eu pudesse fazer quanto a isso. Não tinha como resgatar Bria. Não tinha como invadir a mansão de Mab sem matar a mim e meus amigos no processo. Não, eu não queria raciocinar essa noite.

Também não podia esconder meus sentimentos e minhas emoções. Não podia fingir que elas não existiam ou que não estava de coração partido por conta de Bria, não podia esconder que meu coração transbordava de amor por Owen. Tudo que passei essa noite, enfrentar Mab, sentir seu fogo queimando-me, lutar contra os caçadores de recompensas, perder Bria na floresta... tudo isso rugiu dentro de mim. Uma avassaladora onda de emoções que não pude mais conter, precisava liberá-la agora, antes que me consumisse.

Owen soltou um rosnado baixo, envolveu a mão no meu cabelo e puxou-me para cima dele. Sua língua encontrou a minha, esquivando-se e deslizando tão rapidamente quanto minha língua, como se estivéssemos sugando o ar de dentro da boca um do outro. Owen mordiscou minha orelha antes de seus lábios roçarem meu pescoço, chupando-o.

— Mmm.— murmurei, sentindo meu desespero transformar-se em uma forma muito mais prazerosa de agonia. — Você sabe o quanto eu... eu amo quando você me beija aí.

— E você sabe o quanto eu amo você. — ele murmurou contra meu pescoço.

Eu respondi rasgando a camisa de flanela que ele tinha vestido depois de tomar banho. Os botões voaram por toda parte, pousando no chão de madeira, mas eu não me importei. Já estava me inclinando para frente, deslizando minha língua pra baixo em seu largo e musculoso peito. Owen se deitou de frente para mim, deixando-me assumir a liderança. Mas meus nervos estavam à flor da pele e minhas mãos tremiam enquanto tentavam soltar o botão do seu jeans, meus dedos escorregando no metal liso.

— Deixe eu te ajudar. — ele murmurou.

Owen abriu o botão, em seguida, desceu o zíper. Ele levantou os quadris e eu tirei sua calça jeans. Ele não estava usando nada por baixo, então parei um momento para admirar seu corpo musculoso e sua ereção que já estava esperando por mim. Comecei a inclinar-me para baixo, para colocar minha boca nele, mas Owen agarrou meus braços.

— Ainda não. — ele sussurrou. — Deixe-me cuidar de você primeiro.

Eu não tive tempo para protestar antes de Owen rolar-me, deixando-me de costas. Ele teve um pouco mais de cuidado com as minhas roupas emprestadas do que eu tive com as suas, mas elas desapareceram rapidamente. Os lábios de Owen deslizaram pelo meu pescoço antes de sua boca se fechar em volta meu mamilo direito. Mais e mais, ele passou a língua sobre o bico antes de morder suavemente a ponta. Ele repetiu o processo no meu outro mamilo até eu querer gritar de prazer e frustração. Eu arqueei minhas costas, levantando-me na cama, já querendo senti-lo se movendo dentro de mim.

Owen tinha outras ideias. Sua língua deixou meus seios e mergulhou em meu umbigo antes de descer mais. Abri minhas pernas e ele colocou sua boca em mim, enfiando sua língua com uma precisão incrível, aumentando a minha necessidade desesperada de muito mais.

Onde ele tinha sido gentil, até paciente antes, agora ele tinha se tornado tão voraz e selvagem quanto eu, sua língua penetrando mais e mais fundo em mim, fazendo-me mexer e gemer debaixo dele.

— Owen. — disse asperamente, meus dedos apertando seus ombros. — Owen.

Finalmente, quando pensei que não aguentaria mais, Owen se levantou de joelhos e puxou-me para si. Nossos braços no corpo um do outro, nossos corpos se fundiram.

Agora nós dois estávamos fora de controle, nossa paixão um pelo outro, o nosso desejo, a nossa necessidade, queimavam, ardendo, ardendo. Nossas mãos estavam por toda parte, amassando, acariciando, apertando. Nossas línguas duelavam para frente e para trás enquanto nós gemíamos na boca um do outro.

Finalmente, tomei as rédeas e empurrei Owen para baixo, deitando-o e montei nele. Peguei seu pênis ereto em minha mão, acariciando a ponta molhada antes de deslizar levemente minhas unhas por todo corpo dele. Ele estremeceu de prazer debaixo de mim, esticando seus músculos.

Estendi a mão, abri a gaveta do criado mudo e tirei um preservativo da caixa. Naturalmente, eu tomava minhas pílulas, mas nós também usamos proteção extra por várias razões.

Owen arqueou uma sobrancelha.

— Você está sempre preparada para tudo, não é?

Eu sorri para ele.

— A cabana não seria nada se não fosse bem abastecida.

Usando minha mão e depois minha boca, provoquei seu pênis um pouco mais, até que suas mãos apertaram o lençol como as minhas tinham feito há alguns minutos atrás. Até que desenrolei o preservativo sobre sua ereção.

— Gin. — Owen murmurou. — Minha Gin.

— Ah, sim. — disse. — Você é meu. E eu quero você agora.

Eu me ajoelhei e depois afundei, deixando-o penetrar profundamente em mim. Owen puxou-me para baixo em cima dele, e nós balançamos para trás e para frente, um contra o outro, com força e rapidez. Até que tudo o que nós estávamos sentindo esta noite, todo o medo e agonia, paixão e amor, explodiu dentro de nós como uma chuva de estrelas caindo do céu.


Capítulo 24


O dia seguinte amanheceu rapidamente, trazendo uma nova rodada de neve e, provavelmente, a minha bagunçada morte nas mãos de Mab Monroe.

A noite de ontem cobrou uma taxa sobre todos nós, fisicamente e emocionalmente, foi por isso que todo mundo ainda estava dormindo quando saí dos braços quentes de Owen por volta das dez da manhã.

Todos exceto Jo-Jo, quero dizer. A anã estava sentada à mesa da cozinha envolta em seu roupão rosa de flanela e bebendo uma xícara de chá de lavanda. O vapor perfumado encheu o ar, tornando o cheiro quente e reconfortante. Expirei, arrastando o conforto que eu pudesse ter desse seguro momento de tranquilidade. Porque muito em breve eu sabia que estaria acabado, e talvez eu junto.

— Você não deveria estar dormindo como todos os outros? — Perguntei a Jo-Jo, abri as gavetas do armário da cozinha para ver os suprimentos que estavam a disposição para um café da manhã tardio.

— Eu dormi muito antes de render Sophia como guarda. — Jo-Jo disse.— Agora estou inquieta, assim como você.

Grunhi. Inquieta não era exatamente a palavra que eu usaria para descrever o meu estado de espírito. Mais como resignada. Empurrei o sentimento de lado e comecei a puxar os ingredientes para fora das gavetas. Farinha, açúcar, sal e todos os outros alimentos não perecíveis que Fletcher deixava na cabana. Se eu estava saindo hoje, então queria um bom café da manhã para ajudar-me mais tarde.

— Eu peguei leite fresco, amoras, manteiga e algumas outras coisas da minha geladeira antes de vim aqui noite passada. — Jo-Jo disse. — Apenas no caso de você estar inclinada a sentir vontade de fazer o café da manhã.

Arqueei uma sobrancelha.

— Tendo um vislumbre com sua magia ar, não é? Sua premonição?

Jo-Jo sorriu.

— Diga-me. — murmurei, abrindo a geladeira e pegando o leite. — Por acaso você viu se consigo matar Mab hoje antes que ela me mate? Porque agora eu pegaria qualquer boa notícia que pudesse receber.

Em vez de responder-me, Jo-Jo encarou seu chá, como se pudesse ler algo nas folhas no fundo da xícara. Inferno, talvez ela pudesse dada a sua magia ar. Depois de um momento, a anã parecia decidir alguma coisa, porque ela acenou e olhou para mim com seus olhos claros.

— Eu já te disse como eu conheci Fletcher?

Balancei a cabeça e movi-me para o balcão onde tinha colocado o resto dos ingredientes.

— Foi uma semana depois que Sophia foi sequestrada.

Eu pulei ao redor surpresa e o leite quase escorregou das minhas mãos.

— Sophia, Sophia foi sequestrada? Quando? Por quem?

As mãos de Jo-Jo apertaram ao redor da sua xícara.

— Isso aconteceu há quase cinquenta anos. Havia um doente, bastardo sádico com o nome de Harley Grimes. Metade gigante, metade anão, tudo meio a meio. Grimes e o resto de seu clã de meliantes viviam subindo até as montanhas, ainda mais além da loja de Warren, Country Daze. Ele viu Sophia um dia e decidiu que ele a teria. Quando não a dei para ele, ele entrou no meu salão de beleza e a levou. Quebrou o lugar, me bateu realmente forte e então bateu em Sophia quando ela tentou parar ele.

Café da manhã esquecido, deslizei para o banco do lado oposto de Jo-Jo.

Os olhos de Jo-Jo estavam infelizes, como se estivesse revivendo aquele dia terrível, o dia em que sua irmã foi tirada dela. Sabia muito bem o que ela devia estar sentindo. A raiva, a frustração, o desamparo. Todos eles pulsavam através de mim com cada batida do meu coração.

— Fui atrás de Grimes, é claro, mas não consegui achar o caminho na montanha para seu esconderijo e não poderia passar em todas as armadilhas que ele enfiou através da floresta. Além disso, minha magia é para curar, não matar. Mas eu havia ouvido histórias sobre alguém que poderia ajudar, que poderia matar pelo preço certo.

— O Homem de Lata. — sussurrei o nome de assassino de Fletcher.

Jo-Jo concordou.

— Então fui através dos canais apropriados e fiz contato com ele. Disse para Fletcher que se ele trouxesse Sophia de volta, seria sua amiga para sempre, que qualquer coisa que eu tivesse seria dele, incluindo minha magia de ar. Ele concordou com meu negócio e saiu atrás de Sophia.

Quase podia ver a cena se desenrolando diante dos meus olhos. Fletcher, alto, forte e em seu auge como um assassino. Jo-Jo, desesperada pelo retorno seguro de sua irmã. E Sophia, não, eu não podia imaginar Sophia. Não como ela poderia ter sido naquela época. Antes, antes de sua inocência ser tirada dela.

— O que, o que Grimes fez com Sophia? — perguntei.

Lágrimas brotaram nos olhos de Jo-Jo e escorreram pelo seu rosto.

— Apenas cada coisa horrível que você pode imaginar. Estupro, tortura, espancamentos. Ele a fez como uma escrava, fez ela trabalhar do amanhecer até o anoitecer, então chegava e aquecia a sua cama à noite. Grimes e um de seus irmãos tinham um pouco de magia de fogo neles. Os dois passavam horas torturando ela com magia de fogo, queimando-a, empolando sua pele, sempre a fazendo respirar o fogo como fumaça de cigarro.

Um estranho pensamento passou pela minha cabeça.

— É isso, é por isso que a voz de Sophia está do jeito que está? Tão rouca e quebrada? Porque Grimes a fez respirar o elemento de Fogo?

Jo-Jo concordou.

— Danificou suas cordas vocais em algo terrível. Eu me ofereci para corrigi isso para ela com minha magia Ar, mas ela não me deixou. Ela apenas não quis.

Eu me inclinei e agarrei a mão de Jo-Jo, tentando oferecer a ela o conforto que podia, mesmo que ainda não tivesse nascido quando tudo isso aconteceu. Mas tanta coisa fez sentido para mim agora. Por que Fletcher tinha uma relação tão estreita com as irmãs Deveraux, por que elas o ajudavam depois de todos esses anos, até mesmo por que Sophia era do jeito que era: temperamental, afastada, quebrada. Meu coração doeu pela anã gótica. Meu tormento nas mãos de Mab era nada comparado ao que ela tinha sofrido.

Jo-Jo limpou as lágrimas e continuou com sua história.

— Fletcher manteve sua palavra. Ele subiu a montanha e fez o que eu pedi para fazer, o que ele treinou a si mesmo para fazer como o Homem de Lata. Levou duas semanas de táticas de guerrilha, mas ele matou todo o grupo de homens do Grimes e machucou Grimes seriamente. Fletcher teria matado o bastardo se um dos homens de Grimes não tivesse atirado nele. Ele estava quase morto quando apareceu na minha varanda, mas Fletcher resgatou Sophia e a trouxe de volta para casa e para mim. E ele se certificou de que Grimes nunca nos incomodasse novamente. Toda vez que o bastardo vinha farejando ao redor, Fletcher deixava-lhe saber exatamente o que lhe aconteceria, que ele terminaria o trabalho que começou e mataria Grimes se ele não ficasse lá em cima em sua maldita montanha e nos deixasse em paz.

Jo-Jo ficou em silêncio, perdida em seus pensamentos mais uma vez. Então ela olhou para mim novamente, uma luz feroz queimando em seus olhos pálidos.

— Fletcher Lane foi o melhor homem que já conheci e ele foi certamente o melhor assassino. Mas você sabe o quê, Gin? Fletcher me disse algo algumas semanas antes de morrer, algo sobre você.

— E o que seria isso? — Perguntei, mesmo que não tivesse certeza se queria ouvir a resposta.

Jo-Jo me lançou um olhar duro.

— Ele me disse que você era ainda melhor do que ele. Que você tinha o tipo de fria vontade de ferro que poucas pessoas têm. Que você não tinha medo de fazer o que precisava ser feito. Mas a coisa mais importante que ele me disse foi isso, que se alguém podia matar Mab, era você. Você não vê, Gin? É para o que ele veio preparando você por todos estes anos. É por isso que ele treinou você em primeiro lugar, é por isso que ele fez você a Aranha. Então você poderia fazer o que precisa ser feito para salvar sua irmã, assim como ele salvou a minha, todos esses anos atrás.

Jo-Jo arrastou uma respiração.

— É por isso que estou dizendo isso agora. Se Sophia sobreviveu a todas as coisas horríveis que Grimes fez com ela, então você pode sobreviver a Mab também, assim como você fez quando era uma garotinha. E preciso de você para sobreviver, Gin. Todos nós precisamos. Já perdemos Fletcher. Não podemos perder você também.

Sentei lá segurando a mão da anã, mas eu não estava realmente lá com ela. Em vez disso, estava com o velho. Mil imagens dele passaram pela minha mente então, da forma como ele se debruçava sobre o balcão no Pork Pit lendo seu livro mais recente e como ele sempre tinha uma refeição quente esperando lá por mim, quando eu voltava de uma atribuição.

Mas principalmente, pensei sobre como Fletcher sempre acreditou em mim, como ele nenhuma vez vacilou em seu apoio por mim, como foi tão paciente em ensinar-me todas as coisas que me ajudaram a sobreviver.

Genevieve Snow, Gin Blanco, a Aranha; seja qual for o meu nome, uma coisa permanece a mesma: Fletcher Lane ferozmente me amava, e amei o velho muito também. O suficiente para seguir seus passos como uma assassina. O suficiente para vingar sua morte. Mais do que suficiente para assumir essa tarefa final impossível de matar Mab Monroe.

— O que você está pensando, Gin? — Jo-Jo perguntou.

Um sorriso frio curvou meus lábios.

— Eu estou pensando que serei amaldiçoada se decepcionar o velho e roubar de nós dois a nossa vingança sobre Mab, mesmo que Fletcher não esteja por perto para ver isso.

Àquela altura, os outros vieram para a cozinha. Jo-Jo e eu tínhamos recuperado nossa compostura e preparei comida suficiente para alimentar um exército. Panquecas de framboesa doce, biscoitos de amora preta, lotes de ovos mexidos, pilhas de escaldante bacon e presunto frito, vitamina de pêssego cremoso. Tudo isso e muito mais esperava na mesa da cozinha e nas bancadas circundantes. Todo o ar cheirava a açúcar, especiarias e gordura que tinha usado para criar minha última ceia, por assim dizer.

Um por um, eles se arrastaram escada abaixo e plantaram a si mesmos na cozinha. Finn, Xavier, Roslyn, Sophia, Eva, Warren, Violet, e finalmente, Owen. Eu entreguei a todos um prato e obriguei-os a comerem, tagarelando bobeiras agradáveis durante todo o tempo.

— Alguém teve muito açúcar esta manhã. — Finn murmurou em sua caneca de café, esperando que o vapor da chicória despertasse-o de seu estupor pós-sono.

— Besteira. — declarei, bagunçando seu cabelo cor de noz. — Eu não tive o suficiente ainda.

Comi mais que qualquer outro, enchendo o prato com tanta comida quanto poderia digerir. Eu precisava de calorias e estimular minha energia antes que o dia começasse. Tudo tinha um sabor muito bom, contanto que eu não pensasse sobre Bria e como Mab havia torturado ela na última noite, e ainda poderia estar torturando-a. Mas não havia nada que pudesse fazer para ajudá-la agora, absolutamente nada, então me fiz engolir biscoito após biscoito, mesmo que todos eles caíssem no fundo do meu estômago como pesos de chumbo.

Depois que todo mundo terminou, levantei e comecei a lavar os pratos, mas Warren pegou o prato da minha mão direita, enquanto sua neta, Violet, agarrou um da minha mão esquerda.

— Você, sente-se de volta, mocinha. — Warren disse em sua alta, fina, voz esganiçada. — Violet e eu vamos lavar os pratos.

O velho ainda não tinha penteado seus cabelos hoje e os finos fios brancos estavam em todas as direções sobre sua testa. O frizz em seu cabelo combinava com a bagunça difusa de cachos loiros de Violet, mesmo que ela tivesse tentado domar eles. Uma característica da família, junto com seus olhos castanhos escuros e pele bronzeada que sugeria sua herança Cherokee.

Os dois se moveram até a pia. Escorreguei de volta em minha cadeira ao lado de Owen, meus olhos indo para o relógio na parede. Meio-dia já. As horas estavam passando até meu encontro com Mab ao anoitecer.

Todo mundo viu-me olhando para o relógio e forcei-me a sorrir.

— Não fiquem tão deprimidos, gente. — gracejei. — Meu funeral não é oficialmente por mais seis horas ainda.

— O que você vai fazer, Gin? — Violet perguntou para mim, seus olhos escuros arregalados por detrás de seus óculos escuros. — Sobre Mab e o encontro hoje à noite?

Dei de ombros.

— Não há nada a fazer senão ir em frente com as coisas e encontrá-la. Imagino que uma vez que eu me negociar por Bria, Mab vai ficar com o negócio e me matar.

A Elemental de Fogo assassinando Bria e eu era o mais provável, mas não expressei esse pensamento problemático.

— Mab não vai matá-la, não se pudermos ajudar. — Owen retumbou, colocando sua mão em cima da minha e apertando apertado.

Franzi o cenho para ele.

— E o que isso quer dizer?

Owen olhou para os outros, então de volta para mim.

— Isso significa que enquanto você estava cozinhando o café da manhã, tivemos uma reunião no andar de cima. Estamos todos de acordo, Gin. Você não se encontrará com Mab sozinha. Nós vamos com você, todos nós.

Eu estava apenas atordoada. Simplesmente atordoada que meus amigos queriam fazer uma coisa dessas, que iriam até mesmo considerar fazer. Tentar me ajudar a derrubar Mab era uma loucura de suas partes. Ridículo. Insano. Estúpido. Perigoso. A preocupação apertou meu peito. Tão, tão perigoso.

— Vocês, vocês não podem fazer isso. — protestei. — Isso é entre mim e Mab. Sempre foi.

— Isso é sobre família, querida. — Jo-Jo disse em uma voz firme. — Você é uma parte de nós, uma parte de todos nós. Não estamos perdendo você sem uma luta, mesmo que tenhamos que enfrentar Mab e cada um de seus gigantes.

Os outros concordaram com a cabeça e murmuraram o seu acordo. Tudo que eu podia fazer era olhar para eles.

Xavier com a sua estrutura maciça. A linda e perfeita Roslyn. O viril e irritadiço Warren. A suave e rosa Jo-Jo. Eva e Violet, ambas ainda tão jovens, ainda tão inocentes. Sophia, que passou mais horrores do que, provavelmente, qualquer um de nós realmente sabia. Finn, com seus olhos verdes brilhantes, que sempre me lembrava tanto seu pai. E finalmente Owen, cheio de força e tranquilidade, uma confiança interna que me atraiu para ele em primeiro lugar.

Olhos duros, bocas definidas, rostos apertados. Todos eles irradiavam a mesma determinação obstinada; tão imóveis, implacáveis e eternos como as próprias montanhas. Emoção apertou minha garganta por suas crenças em mim, que eu poderia realmente conseguir isso, que poderia realmente matar Mab e salvar Bria ao mesmo tempo, mesmo que eu soubesse melhor, bem lá no fundo.

— Vocês não têm que fazer isso. — disse em uma áspera e espessa voz. — Vocês todos sabem os riscos. Mab não vai me deixar escorregar por entre seus dedos desta vez. Ela vai ter um exército de homens com ela para se certificar de que isso não aconteça. Não apenas seus gigantes, mas os caçadores de recompensa também. Pessoas como Gentry e Sydney. Pessoas perigosas.

— E você vai ter um exército de pessoas com você. — Xavier retumbou. — Você nos ajudou demais para que a abandonemos agora, Gin. Você sabe disso. Todos nós sabemos disso. Você colocou sua vida em risco por cada um de nós. Agora é a nossa vez.

Um por um, todos os outros assentiram com suas cabeças de novo, como se estivéssemos falando sobre ter um piquenique na primavera, em vez de ir contra a mulher mais mortal em Ashland e todos os seus homens. Será que eles não sabiam que todos nós indo pegar Mab era mais perigoso do que eu enfrentando o esquadrão de fogo sozinha? Se um deles se ferisse na luta, os outros correriam para ajudar esse amigo caído. Os homens de Mab poderiam tirar proveito de sua distração e então todos eles estariam perdidos.

Eu não queria aceitar sua ajuda. Era muito arriscado. Um deslize, um erro, um pequeno, um minúsculo erro de cálculo e todos os meus amigos poderiam acabar mortos. Ou pior, Mab poderia conseguir botar suas mãos sobre eles e torturá-los primeiro antes matá-los, assim como provavelmente estava fazendo com Bria agora. Eu não queria isso. Eu nunca quis isso. Não podia fodidamente suportar isso.

Mas ninguém se esquivou do meu olhar. Os olhos de ninguém deslizaram para longe dos meus. Ninguém vacilou ou mostrou qualquer tipo de dúvida.

Eu suspirei.

— Não vou mudar suas mentes, vou?

Todos eles balançaram suas cabeças.

Não, eu não queria aceitar a ajuda dos meus amigos, não queria colocá-los em mais perigo do que já estavam. Mas também sabia que tê-los comigo era a única maneira que Bria pudesse sobreviver a esta coisa. Eu precisava de alguém lá para ter certeza que ela chegasse à segurança, enquanto eu assumia Mab. Isso me fez doente, ponderando a vida da minha irmã contra todos os outros, usando os meus amigos dessa maneira, arrastando todos eles para a merda comigo. Mas a verdade era que precisava de toda a ajuda que pudesse conseguir agora, e Bria também.

— Tudo bem. — disse em uma voz calma. — Tudo bem. Já que não posso amarrar todos vocês, pelo menos não todos de uma só vez, me digam o que vocês estão pensando.

Um sorriso enrugou o belo rosto de Finn.

— Eu pensei que você nunca perguntaria.

Finn colocou a xícara de café para baixo em tempo o suficiente para ir lá em cima. Ele voltou um minuto depois com o que parecia ser cinco montanhas de papel agarrado ao seu peito. Finn despejou tudo na mesa da cozinha. Folhas de papel rodaram no ar como flocos de neve antes de voltar para a mesa. Fotos, mapas, modelos de plantas antigas.

— O que é tudo isso? — perguntei. — E quantas árvores você matou para imprimir tudo isso?

— Isso. — Finn disse, varrendo sua mão sobre a bagunça em cima da mesa. — É cada pedaço de informação que fui capaz de conseguir em minhas mãos a respeito da sua casa de infância. Ou, pelo menos o que sobrou dela, de qualquer maneira. Mapas, fotografias aéreas e policiais, ações, tudo.

Com sua enorme rede de espiões e outras fontes barra pesada, bem como seu próprio conhecimento em informática, Finn tinha a estranha habilidade de desenterrar sujeira da alma mais santa. Então imaginei que compilar todas as informações sobre a minha casa de infância não foi muito difícil para ele. Ainda assim, o esforço tocou-me porque sabia que ele estava tentando me dar às ferramentas que eu precisava para sobreviver do meu confronto com Mab. Era algo que seu pai, Fletcher, teria feito, se o velho ainda estivesse vivo.

— Na verdade. — Finn disse. — Não foi muito difícil obter a informação, uma vez que, bem, eu meio que possuo a terra agora.

Minha cabeça levantou.

— O quê? O que quer dizer que você possui a terra agora?

Finn estremeceu.

— Bem, o pai deixou a você um pouco de dinheiro, a casa dele e o Pork Pit em seu último desejo no testamento.

— E...

— E ele me deixou todo o resto, incluindo todas as suas outras propriedades imobiliárias. Imóveis para alugar, casas seguras e a terra onde a sua casa de infância estava. De acordo com os registros de impostos que encontrei, ele comprou a terra seis meses depois que sua família foi assassinada.

Eu arqueei uma sobrancelha.

— E você está apenas descobrindo sobre isso agora?

Finn deu de ombros.

— Você sabe como o velho era paranoico sobre rastros no papel. Ele sabia mais sobre documentos falsos, confundir os credores e esconder bens do que eu mesmo. Tem sido meses agora, e eu ainda estou tentando descobrir qual a identidade que ele usou para comprar cada imóvel.

Tudo o que Finn disse fazia sentido. Fletcher teve dezenas de identidades e pseudônimos, tudo com licenças de motoristas convenientes, contas bancárias e passaportes para combinar. Ainda assim, eu me perguntava por que Fletcher comprou a propriedade em primeiro lugar. Ele tinha planejado contar-me que ele sabia quem eu realmente era? Talvez tivesse pensado que eu quereria a terra por razões sentimentais. Ou ele sabia que eu lutaria com Mab lá algum dia? Mais uma vez, Fletcher conseguiu me surpreender além do túmulo e deixar-me perguntando os seus motivos.

— De qualquer forma, nós podemos falar da transferência da propriedade mais tarde, por um preço razoável, é claro. E você pode me agradecer mais tarde por desenterrar o resto dos arquivos, Gin. — Finn sugeriu em voz não tão humilde.

Eu revirei meus olhos, peguei a fotografia mais próxima e comecei a trabalhar.

Pela próxima meia hora, nós passamos através de informação página por página, puxando tudo o que podia ser útil. Eu não sabia muito sobre os métodos de Finn, especialmente como havia chegado tanta informação em suas mãos tão rapidamente, mas os mapas e fotografias eram melhores do que encontrar um tesouro enterrado por um pirata. Porque comecei a ver que talvez as coisas não estivessem completamente irremediáveis como elas pareciam. Pelo menos, não quando se tratava de resgatar Bria.

— Isso certamente é onde Mab estará. — Finn disse, apontando para uma pequena área limpa em uma das fotografias e então comparando lado a lado com uma fotografia mais recente do mesmo local. — Parece quase como um tipo de pátio.

Eu reconheci à primeira, a velha fotografia como sendo aquela que a polícia havia tirado durante a sua investigação do assassinato da minha família. Havia uma cópia dela no grande arquivo de informações que Fletcher havia me deixado sobre o mesmo assunto horrível. Tudo que a foto realmente mostrava era uma paisagem desolada cheia de pilhas de escombros. Olhei para a foto uma centena de vezes antes, mas meu estômago ainda revirou ao ouvir as palavras de Finn. Reconheci o local, era onde eu escondi Bria, o lugar onde pensei, por longos anos, que ela tivesse morrido.

O lugar onde ela ainda podia morrer esta noite.

Meus olhos caíram para meu dedo indicador direito e para o pequeno anel de Silverstone. Meu anel runa de aranha. O qual Bria me deu de Natal. De alguma forma, esqueci sobre isso durante a longa, longa noite. Eu podia sentir a magia gelo da minha irmã na fina faixa, como uma fria corda amarrada em torno do meu dedo. Não me esqueça. Eu alcancei e torci o anel ao redor, assim como Bria sempre fazia com os que ela usava. Meu coração balançou com o movimento. Se Bria morresse, isso seria tudo o que eu teria dela.

— Gin? — Owen perguntou, vendo-me olhando para o anel.

— Era um pátio com um jardim e uma fonte. — disse com uma voz suave, focando na foto mais uma vez. — Bria e eu costumávamos brincar lá fora em uma câmara secreta que estava escondida em uma escadaria nas proximidades. Eu destruí tudo na noite que Mab veio nos pegar, quando usei a minha magia de gelo e pedra sem pensar e desabei toda a nossa casa. Parte da casa tombou sobre o pátio, esmagando a fonte, a escadaria, e tudo o que estava lá.

Finn deu-me um olhar de soslaio.

— Bem, é a única parte da casa que está remotamente plana e limpa de entulho. Pelo menos, essa área está. O resto do lugar está coberto de ervas daninhas.

— Parece que tem um monte de bons lugares para Mab esconder seus homens ao redor do pátio. — Xavier disse.

— E um monte de bons lugares para nós nos escondermos também. — Owen contrapôs.

Xavier acenou com a cabeça em concordância.

Olhei para o pátio na fotografia.

— Quantos caçadores de recompensa de Mab você acha que sobrou, Finn? Uma dúzia? Dois?

Em vez de responder-me, Finn puxou o celular do seu bolso e tocou na tela algumas vezes.

— Nesta manhã, parece que cerca de quinze deles deixaram Ashland a partir dos registros do hotel, que fui capaz de invadir. Pegamos cinco naquela noite no Northern Aggression. Bria e eu matamos muitos mais deles na casa na noite passada, assim como os que você pegou na floresta. Isso diluiu as fileiras um pouco. Parece que alguns mais deixaram a cidade desde ontem à noite, quando Gentry entregou Bria e recolheu a recompensa por ela. Desde que você sozinha se virou contra Mab, não adianta ficar por aqui, já que não há mais dinheiro a ser pego dos prêmios. Apesar de rumores de que Mab pagou alguns dos caçadores para apoiá-la esta noite.

— Mas Gentry ainda não saiu. — murmurei. — Ela vai estar lá com Sydney. Eu sei que ela estará.

Eu vou cuidar dela da melhor maneira possível até que você venha por ela. As palavras da caçadora de recompensa sussurraram em minha mente. Eu me perguntava o que ela queria dizer com isso, o que ela estava pensando em fazer. Gentry já tinha entregado Bria para Mab, já tinha deixado minha irmã ser torturada pela Elemental de Fogo. O que a caçadora de recompensas achava que poderia fazer? Impedir Mab de matar Bria imediatamente? E por que se incomodaria em tentar? Gentry tinha pegado sua recompensa por agora. Por que ela se importaria com o que acontecesse com Bria após o fato?

Talvez tivesse algo a ver com a minha misericórdia por Sydney naquela noite fora mansão de Mab. Talvez Gentry pensasse que me devia algo por não matar a garota quando tive a chance. Não importava o que a caçadora de recompensas estava pensando ou o que ela pensou que me devia. Se ela ficasse entre Bria escapar de Mab, logo Gentry morreria, assim como o resto dos homens da Elemental de Fogo.

Finn continuou com sua contagem.

— Se eu tivesse que adivinhar, diria que pelo menos uma dúzia de caçadores de recompensa vai estar lá, Mab terá ainda mais de seus gigantes em torno do lugar também. Então, digamos que pelo menos trinta homens, totalizando. Sem contar a própria Mab.

Não disse nada. Todos sabíamos exatamente o quão perigosa Mab era. Eu era a única com pelos menos uma chance remota de matá-la e não acho que eu poderia fazer isso. Não realmente. Eu não fui capaz de deter sua magia de fogo de queimar através da minha magia de pedra no Country Club. Apenas o fato do gigante ter tropeçado em meu caminho no último minuto e eu usá-lo como um escudo, salvou-me de ser queimada até a morte.

Ainda assim, esse era o confronto final e eu tinha que tentar, achando que poderia realmente pegar Mab ou não. Então que o jogo comece.

Desde que meus amigos estavam determinados a vir comigo, não havia nada que pudesse fazer apenas deixá-los. Espero que consiga fazer tudo ao meu alcance para ajudá-los a sobreviver. Ainda assim, queria dar a todos eles mais uma chance de reconsiderar, mais uma chance para sair e salvar-se.

— Vocês todos estão certos e determinados a fazer isso? — perguntei, olhando para cada um deles novamente. — Porque se vocês não tiverem, não têm que se arriscarem assim.

Warren limpou sua garganta, inclinou-se para frente e olhou para mim com seus olhos escuros.

— E você não tinha que se arriscar quando assumiu Tobias Dawson para mim, Gin.

— Ou quando você me ajudou a matar Elliot Slater para impedi-lo de me espancar até a morte. — Roslyn entrou na conversa.

— Ou quando você me salvou de Jake McAllister no Pork Pit. — Eva adicionou.

E continuou e continuou a partir daí, cada um dos meus amigos dizendo-me como eu tinha ajudado eles em um momento ou outro, como eles estavam indo devolver o favor agora, eu querendo ou não.

Xavier. Roslyn. Eva. Violet. Warren. Jo-Jo. Finn. Owen.

Um por um, meus amigos e família falaram e se ofereceram para fazer alguma coisa, qualquer coisa, para contribuir de alguma maneira, mesmo que fosse apenas observar as costas uns dos outros. Eu uma vez perdi a minha família, uma vez perdi tudo o que me importava e suas palavras simples significaram mais para mim do que qualquer um deles sabia ou poderia sequer adivinhar.

Mas quando eles foram terminando, empurrei minhas emoções de lado, as empurrei para um canto na parte de trás do meu coração e deixei-lhes sob o gelo. Porque agora era hora de deixar Gin Blanco e seus amigos, família e amante para trás. Agora era hora da Aranha sair e caçar mais uma vez, pela última vez.

— Tudo bem então. — disse, meu olhar caiu de volta para as fotografias sobre a mesa. — Aqui está o que vamos fazer.


Capítulo 25


Exatamente às seis horas, assim que o fraco sol de inverno estava começando a se afundar sobre o céu ocidental, eu estava na frente das ruínas cobertas de neve da minha casa de infância.

A última vez que estive aqui, foi dezessete anos atrás, na noite em que minha mãe, Eira, e irmã mais velha, Annabelle, foram assassinadas. Na noite em que pensei que tinha matado Bria, quando usei minha magia de Gelo e Pedra, destruindo nossa casa. Na noite em que Mab me torturou e fundiu meu medalhão de runa aranha em minhas palmas. Mesmo agora, minhas cicatrizes coçavam e queimavam pela memória, tanto assim que tive que enrolar minhas mãos em punhos para evitar que tremessem da dor fantasma.

Desnecessário dizer, dado a tudo isso, que não tinha tido qualquer desejo de voltar aqui desde então.

Nossa casa sempre pareceu tão grande para mim quando criança e agora, aqui de pé no frio como uma adulta, podia ver os restos das ruínas da impressionante mansão que foi uma vez. Olhei para as poucas paredes que ainda estavam de pé, apesar de que todo o resto em torno delas tivesse desmoronado e desintegrado há muito tempo. Eu não me lembro de sermos particularmente ricos, mas poderíamos ter sido, porque a casa se estendia mais, mais e mais, ou talvez fosse apenas porque tudo tinha sido reduzido a escombros.

A minha casa de infância parecia intocada por mãos humanas, como se ninguém tivesse estado perto do lugar desde que havia sido destruída. Talvez eles não tivessem, uma vez que Fletcher comprou a terra logo após o assassinato da minha família. Além disso, muitas pessoas não queriam ficar em um lugar onde tais atrocidades foram cometidas. Mesmo pessoas sem magia podiam sentir esses tipos de crimes, da maneira primal que os animais podem farejar medo, perigo e o mal em outros.

A mansão, ou o que restara dela, era amontoada no meio de uma seção densa da floresta bem entre a casa de Fletcher e o salão de beleza da Jo-Jo. Cumes cobertos com pinheiros cercavam a mansão por três lados antes de subir e rolar para longe, para o resto da paisagem montanhosa. A neve cobria os escombros que se estendiam até onde os olhos podiam ver, pedras empilhadas sobre mais pedras. Mas os anos tinham cobrado seu preço e a floresta ao redor invadiu a área recuperada. Alguns pequenos pinheiros surgiram no que eu me lembrava de ser a sala de estar no andar de baixo, enquanto as ervas daninhas e flores silvestres se enrolavam como uma faixa através do preto, criando rachaduras irregulares na base de pedra.

Enquanto eu estava lá, o pouco que restava do sol desapareceu, substituído por pesadas nuvens cinza de tempestade. Em menos de um minuto, o crepúsculo encapuzou a terra e os flocos de neve começaram a descer do céu. Eles cobriram a bagunça na minha frente em um fresco casaco branco de neve, escondendo o que eu podia ver das ruínas.

Mas mesmo agora, tantos anos depois, ainda podia ouvir as pedras.

Elas rosnavam sombrios e horríveis murmúrios irritados, os restos do meu grito primitivo da raiva elemental, dor e medo. Aquele grito, aquele estouro de magia, que trouxe a casa toda abaixo. Mesmo agora, as pedras ainda reverberavam com o som, tanto que quase parecia para mim que ainda estavam vibrando, ainda rasgando elas mesmas, uma molécula de cada vez.

Por algum motivo os murmúrios confortavam-me.

Porque as pedras ainda estavam irritadas com o que tinha sido feito para elas, com o que foi feito para mim, o elemental sentia uma afinidade com elas, com o que tinha tanto poder e controle sobre elas. Fechei meus olhos e concentrei-me nas pedras, escutando-as, abraçando sua raiva, deixando isso me encher e tornando como a minha própria mais uma vez. Levou apenas um momento para os murmúrios das pedras se tornarem mais aguçados, mais sombrios, mais fortes. As pedras nunca esquecem quando algo traumático acontece, sobretudo com elas. Emoções, ações e sentimentos podem se esconder com o tempo, mas nunca realmente desaparecem. As pedras sentiram que eu estava perto, a mulher que os atacou antes, e que eu estava de volta para uma finalidade específica. Eu me alegrava com a memória de sua raiva, porque era a minha raiva também, com tudo o que Mab tinha feito a minha família. Eu sabia que iria precisar disso agora, mais ainda do que tive naquela noite terrível há tempo atrás.

Andei para frente, minhas botas esmagando a neve e raspando contra as pedras frias embaixo. Caminhei devagar, com cuidado, sem fazer movimentos bruscos, não fazendo nada que pudesse comprometer Bria de qualquer forma.

Ou dar aos caçadores de recompensa que estavam me assistindo uma desculpa para colocar uma bala na minha cabeça.

Eu podia vê-los, agachados aqui e ali entre os escombros. Homens e mulheres com rifles, bestas e outras armas, cada um deles mirando em mim, prontos para puxar o gatilho se eu fizesse algo estúpido. Tolos. Eles são os únicos que estavam sendo estúpidos, porque todos eles deveriam ter descarregado em mim com tudo o que tinham no segundo que entrei na área.

Mas Mab queria me matar e, especialmente, queria tripudiar em meu rosto enquanto fazia isso. Seu primeiro erro, o único que poderia finalmente levar a sua própria morte.

Levei alguns minutos para escolher meu caminho através dos escombros para o lado de trás da mansão. Ao longo do caminho, vi mais do que alguns pedaços quebrados da minha infância, escondidos na neve e pedras. A cabeça de uma boneca metade derretida. Um ursinho de pelúcia queimado. Cacos de vidro e pequenas estatuetas da coleção de globos de neve da minha mãe. A ruína apenas fortaleceu a minha vontade de fazer o que precisava ser feito esta noite.

Finalmente, porém, pisei no próprio pátio. Parecia do jeito que me lembrava: a terrível, terrível forma que sempre aparecia em meus pesadelos durante tantos anos. Verdade seja dita, havia ainda menos para ver aqui do que havia na frente da casa. Certamente nada abertamente ameaçador. Apenas pilhas de escombros por toda parte.

Levei um momento, mas consegui discernir o local onde a nossa bela fonte uma vez tinha estado, até que parte da casa caiu sobre ela, reduzindo a pedra em pedaços. Mais para trás havia outro monte de pedras que uma vez havia formado uma escadaria com uma câmara secreta debaixo, aonde eu tinha escondido Bria. E lá, logo ali, era o local onde entrei em colapso quando encontrei sangue nas pedras e pensei que tinha matado Bria com minha magia.

As lembranças subiram em mim, as emoções sombrias roçando a superfície da minha mente como barbatanas de tubarão. De alguma forma, empurrei os sentimentos deturpados de volta para o fundo da minha alma onde pertenciam. Eu respirei fundo, puxei meus olhos para longe dos escombros e foquei nas pessoas na minha frente.

Mab e Bria.

A Elemental de Fogo estava no meio do pátio em uma área plana e nivelada que estava relativamente livre de detritos, no local exato onde Finn tinha apontado na fotografia da polícia há várias horas atrás. Um vestido de noite vermelho-sangue abraçava o exuberante corpo de Mab, enquanto uma capa de veludo negro cobria os seus ombros nus. Seu cabelo parecia estar tão vermelho quanto seu vestido de hoje à noite, as suaves ondas apenas roçando a parte superior de sua capa. Eu meio que esperava que o material caro começasse a arder em chamas, mas é claro que isso não aconteceu. Mab tinha muito controle sobre sua magia para deixar isso acontecer. Ainda assim, alguém tinha se vestido para matar hoje à noite, literalmente.

Como sempre, Mab usava o colar de runa em torno de sua garganta. Uma explosão solar. O símbolo para o fogo. Mesmo agora, na neve e no crepúsculo, os ondulados raios dourados piscavam, e o rubi definido no centro do colar parecia brilhar, como se ela estivesse usando um anel de fogo em volta do pescoço.

Olhei passando de Mab para onde Bria estava. Círculos escuros rodeavam seus olhos azuis e seu cabelo loiro estava uma bagunça em volta do seu rosto, sobretudo, uma vez que estava chamuscado em vários lugares. Bria usava as mesmas roupas que ela estava na noite passada durante a nossa corrida pela floresta. Camisola, calças jeans, botas, casaco. Só que agora estavam pendurados em farrapos sobre ela, e eu podia ver onde o tecido foi queimado completamente nos lugares, juntamente com sua pele. Bolhas inchadas e profundas, salpicos de queimaduras extremas até o osso que eu podia ver nas pernas de Bria, peito e nos braços através do tecido agitado. Mab torturou ela, queimou a minha irmãzinha com sua magia de fogo, assim como eu temia que a elemental cruel faria.

Era quase como se o próprio tempo tivesse rebobinado e meu pior medo veio à vida mais uma vez. Por um momento eu estava de volta no Pork Pit, na terrível noite que Fletcher foi assassinado, olhando para a carne arruinada do velho. Olhando para as queimaduras e bolhas que pontilhavam o seu corpo, olhando para todos os lugares onde Alexis James tinha usado sua magia de ar para rasgar a pele de seus ossos.

Mais uma vez, falhei em proteger alguém que eu amava de ser torturado. A única diferença era que Bria ainda estava respirando, por ora.

Lutei para manter minhas emoções sob controle, em não revelar nada do que estava sentindo, mas eu não poderia manter minhas unhas longe de cavar as cicatrizes da runa de Aranha incorporada em minhas palmas. Um pequeno círculo cercado por oito raios finos. Tão semelhante à runa de Mab, mas tão diferente ao mesmo tempo.

Bria não estava sozinha, é claro. Um gigante estava ao seu lado, suas mãos apertavam seus braços, segurando ela ereta e mantendo-a no lugar.

E Ruth Gentry estava aqui, assim como eu pensava que estaria. A caçadora de recompensa se encostou-se à parte de uma parede uns cinco passos atrás de Bria e os gigantes. A postura da velha era casual, até mesmo indiferente, mas sua mão estava pouco acima do revólver de cabo de madrepérola amarrado a sua cintura. Eu não vi Sydney, mas sabia que a menina estava aqui em algum lugar com seu rifle, provavelmente posicionada em uma das pilhas de escombros mais distante do pátio.

Gentry viu-me olhando para ela e deu-me um aceno de cabeça respeitoso, quase como se estivéssemos algum tipo de segredo juntas. Eu não acenei de volta. Ainda assim, supus que a caçadora de recompensas manteve sua palavra para mim. Ela teve certeza que Bria estivesse aqui mais ou menos em um único pedaço, apesar da tortura que minha irmã sofreu. Eu gostaria de dar a Gentry a cortesia de matá-la rapidamente por isso.

Finalmente olhei para Bria. Nossos olhos se encontraram e prenderam através da distância na neve, e eu podia ver a dor, o medo e desespero piscando em seus olhos azuis, dor pelas suas feridas e medo por mim, o que Mab estava prestes a fazer a mim.

Jonah McAllister também veio para ver-me ser jogada no inferno. O advogado estava em um lado, um sorriso triunfante pela primeira vez trazendo um pouco de emoção para suas feições anormalmente suaves. Ele não perderia por nada no mundo. Oh, sim, McAllister estava especialmente presunçoso porque estava finalmente recebendo exatamente o que ele queria: Gin Blanco, a assassina de seu filho, extra frita e crocante pela vadia sádica que era sua chefe.

Enquanto eu estava ali, cercada por meus inimigos por todos os lados, uma calma fria encheu-me. O tipo sombrio, vazio e sem emoção que Fletcher ensinou-me a derramar dentro do meu coração, revestir cada pequeno pedaço da minha alma. Abracei a escuridão, dei boas-vindas a ela, até mesmo apreciei. Pela última vez.

Porque assim que eu entrei nesse pátio, não era mais Gin Blanco. Não era Genevieve Snow ou a perdida, aterrorizada, menina de treze anos que fui na última vez que estivesse aqui.

Não, agora eu era a Aranha. E estava aqui para finalmente destruir a minha inimiga, de uma vez por todas.


Capítulo 26


Atrás de mim, os caçadores de recompensa fecharam o cerco, seus passos esmagando a neve. Em menos de um minuto, eu estava cercada pelos três lados, por ambos os caçadores de recompensa e os gigantes que Mab trouxe junto com ela, com a Elemental de Fogo diretamente na minha frente. Pelo menos quinze homens e mulheres formavam o semicírculo em torno de mim, e tinha de haver ainda mais, como Sydney, escondidos nos escombros onde eu não poderia ver.

Mas estava tudo bem. Porque eu não estava sozinha aqui e sabia que meus amigos, minha família, apoiariam-me. Eles vieram aqui essa noite e se colocaram em perigo para dar-me uma chance de lutar. Era tudo o que eu poderia esperar. Eu mesma faria o resto, do jeito que sempre fiz.

— Aqui estamos nós. — Mab murmurou, sua voz de seda deslizando como uma cobra pelo pátio.

Talvez as pedras da minha casa em ruínas sentissem a magia de fogo da minha adversária, ou talvez as pedras soubessem que ela era a razão de eu ter atacado elas em primeiro lugar. De qualquer maneira, o murmúrio das pedras ficou mais forte e mais penetrante debaixo das minhas botas. O som furioso fez-me sorrir. Combinava exatamente como eu me sentia.

— Aqui estamos nós. — devolvi a saudação de Mab.

Nós duas ficamos ali, olhando uma para outra. A Elemental de Fogo estava cerca de seis metros longe de mim com Bria abrigada mais seis metros atrás dela. Não, Mab não queria correr nenhum risco de que eu pudesse tomar a minha irmã e fugir com ela.

— Agora que esse momento finalmente chegou, tenho que dizer que estou sem palavras. — Mab admitiu em uma astuta, voz satisfeita.

Eu arqueei uma sobrancelha.

— Eu não começaria a cantar sobre a sua vitória final ainda. Essa é uma boa maneira de conseguir morrer, especialmente quando eu estou por perto. Basta perguntar para Elektra LaFleur. Oh, está certo. Você não pode, porque eu a matei.

Os olhos de Mab escureceram, um pouco de fogo piscando em seu olhar preto. As faíscas pareciam sugar ainda mais do crepúsculo obscuro, em vez de refletir de volta a luz fraca.

— Sua insolência é notada, pequena Genevieve, e isso não me agrada. Ou você esqueceu que eu tenho a sua doce irmã à minha mercê? Que tive ela a minha mercê durante todo o dia? Eu tenho que dizer, estou realmente feliz por as coisas acontecerem dessa maneira. A diversão que tive com ela, especialmente em ver quão longo e alto eu poderia fazer ela gritar enquanto a queimava com minha magia. Foi bastante divertido. Depois que matar você, acho que vou começar pelo seu rosto. Derreter imediatamente e então tirar seus pequenos belos olhos com meus polegares. Eu poderia até deixá-la viver, mantê-la em torno como uma espécie de animal de estimação. Isso não seria divertido?

A raiva encheu-me com suas palavras — fria, sombria, uma raiva sem fim. Seja o que fosse acontecer comigo, Mab não faria mal a minha irmã de novo. Ela não faria isso.

Mas não deixei nada do que estava sentindo mostrar em minhas feições rígidas e não olhei para Bria. Se fizesse isso, se visse o medo nos olhos dela de novo, eu poderia me desmanchar, o que era algo que não podia me permitir.

— Oh, não, não me esqueci de que você tem Bria. Meio triste, no entanto. Que você precisasse de uma moeda de troca para pegar-me. Mas novamente, você não é tão jovem como você costumava ser, não é, Mab?

Sim, estava insultando ela, mas nós duas sabíamos como isso terminaria. Apesar de qualquer promessa vazia que ela havia me feito ao telefone, Mab não estava deixando eu ou Bria saírmos do pátio vivas. A não ser que eu a fizesse deixar, ou que Finn, Owen, e os outros fizessem. A minha parte nisso era de continuar a falar e insultar ela. A cada segundo que fazia isso, era mais um segundo que Finn e os outros tinham para saírem de seus esconderijos na floresta, quietamente tirarem os caçadores de recompensa postados no perímetro e se posicionarem na extremidade do pátio.

Adquirir para meus amigos esse tempo precioso significava dar um show para todos assistirem. Então ao invés de ficar olhando para Mab, eu me virei em um círculo lento, olhando para cada um dos gigantes e caçadores de recompensa que se reuniam em volta de mim. Meu olhar se desviou de um rosto para outro. A maioria deles olhou para mim de frente. Afinal, não era como se eu estivesse lidando com meninos de coral e meninas estudantes aqui. Esses eram profissionais que eram tão duros e cruéis como eu era. Porém, alguns desviaram dos meus olhos, enquanto outros tombaram suas cabeças completamente. Suas relutâncias em sequer olhar para mim, meu deu alguma esperança de que meus amigos seriam capazes de quebrar seus postos e moral o suficiente para resgatar Bria.

— Eu estou dando a todos aqui uma chance. — disse. — Vão embora agora e vivam. Não vou atrás de você depois. Eu sei do que Mab gosta. Como ela tem forçado alguns de vocês a estarem aqui contra a sua vontade. Como ela está ameaçando suas esposas, filhos, seja o que for. Não vou usar isso contra você, se você sair agora e nunca olhar para trás.

Minhas duras palavras ecoaram pelo pátio, pelo resto da casa em ruínas e até mesmo para além da floresta. As pedras sob meus pés murmuraram a minha voz, reconhecendo isso e o poder elemental escondido nas minhas palavras. As pedras não queriam negociar, elas não queriam deixar ninguém ir. Não, as pedras queriam atacar, esmagar quem tivesse chegado perto e triturar seus ossos em pó, assim como eu fiz para elas uma vez. Do jeito que eu queria fazer com Mab agora. Mas uma pequena parte de mim insistiu que eu daria aos outros uma chance primeiro, o que era mais do que eles ou a Elemental de Fogo teriam de mim.

Não houve compradores, é claro. Todos permaneceram onde estavam, armas preparadas. Não podia culpá-los por isso. Afinal, eu era a única aparentemente se retorcendo aqui na neve e vento, sozinha. Não por muito tempo, no entanto. Não por muito tempo.

Mab soltou uma pequena gargalhada quando ninguém tomou a minha oferta.

— Oh, por favor. Você realmente não espera sair daqui viva, não é, Genevieve?

O som dela dizendo meu nome de novo, meu verdadeiro nome, fez aquela vozinha primitiva na parte de trás da minha cabeça começar a murmurar do jeito que sempre fazia quando eu estava por perto da Elemental de Fogo. Inimiga, inimiga, inimiga...

Dei de ombros.

— Parece que você é a pessoa que não espera sair daqui viva, considerando todos os homens que você trouxe junto com você. Admita, Mab. Você está com medo de mim. Você sempre esteve. No fundo, há uma parte de você que percebe que posso ser muito melhor que você, muito mais forte do que você. É por isso que você matou minha mãe e irmã mais velha. É por isso que você tentou me matar e Bria. Porque você sempre esteve com medo de nós e o que nós poderíamos fazer para você. No final do dia, você não será nada, apenas uma valentona e uma covarde de merda.

Raiva brilhou nos olhos de Mab, mais raiva do que eu jamais a tinha visto demonstrar antes. Eu consegui afetá-la um pouco com as minhas palavras, mas a Elemental de Fogo nunca admitiria isso. Nem mesmo agora, no final.

— Matei sua mãe porque eu queria. — Mab rosnou. — Porque ela era uma arrogante, uma vadia pomposa que tomou tudo o que eu sempre quis, incluindo seu pai, Tristan.

Uma vez escutei Elliot Slater dizer que Mab perseguiu meu pai porque ela queria passar sua magia de pedra para todos as crianças que eles poderiam ter tido juntos, apesar de que não teria sido uma certeza. Mas meu pai amava minha mãe e escolheu-a, ao invés. Tristan morreu quando eu era uma criança, supostamente em um acidente de carro e eu mal me lembrava dele.

— Nossas famílias têm se odiado por anos, Genevieve. Estivemos em guerra durante décadas. — Mab continuou.

— E por que isso? — Perguntei, genuinamente curiosa.

Mab sorriu.

— Minha família sempre teve certas... ideias sobre como as coisas em Ashland deviam ser executadas. E sua família sempre se opôs a nós, sendo os bonzinhos que eles são por natureza. Elementais de Gelo. Sempre tão fracos. Mas eu era forte o suficiente para fazer as ideias da minha família, os nossos planos, uma realidade. Eu era forte o suficiente para tomar o meu lugar de direito como a chefe do submundo em Ashland. Fazendo todas as coisas que a sua fraca, covarde mãe não aprovava e ela sentiu que era seu dever tentar me parar, assim como a frustrada mãe dela fez com a minha por anos antes.

— Coisas como o que? Assassinato? Extorsão? Sequestros? Eu imagino o porquê Eira teve um problema com tudo isso. — falei pausadamente em tom de zombaria.

Mab acenou com a mão.

— Por favor. Eira se importava tão pouco sobre mim como eu me importava com ela, até que um dos seus amigos acumulou uma dívida de jogo comigo que ele simplesmente não podia pagar. Então matei ele, depois sua família, tranquei eles dentro da própria casa e queimei até o chão.

Eu congelei. Owen. Ela tinha que estar falando sobre a família de Owen e como ela os matou. De alguma forma, a minha mãe conheceu os pais de Owen e ela começou a lutar com Mab por causa de suas mortes. Apenas quando eu pensei que sabia tudo que havia para saber sobre meu passado, algum problema reaparecia para me surpreender mais uma vez.

— Depois disso, Eira mostrou melhor bom senso do que eu jamais pensei que ela tivesse. Toda vez que eu fazia um movimento para ganhar poder depois disso, ela antecipava, sobrepondo-me. Mas eu cuidei dela no final.

Os olhos de Mab se escureceram muito mais e tive a sensação de que ela estava tendo seus próprios flashbacks, lembrando de suas próprias batalhas contra minha mãe. Eu me perguntei se ela estava tão assombrada por elas como eu estava por ela. Mas o momento passou, e a Elemental de Fogo olhou para mim mais uma vez.

— Quanto você ser mais forte do que eu? Por favor. — Mab zombou. — Quem disse?

Eu me endireitei.

— Jo-Jo Deveraux, para início. Durante anos, a anã vem me dizendo que eu tenho a magia mais bruta do que qualquer elemental que ela já viu, incluindo você, Mab.

Algo quase como incerteza brilhou em seu rosto. Em torno de nós, alguns de seus homens se deslocaram em seus pés, o raspar de seus sapatos tão alto quanto tiros no silêncio absoluto. Eles não sabiam o que fazer comigo ameaçando sua chefe, ou o fato de que ela não contestou imediatamente as minhas afirmações bizarras.

Mab me encarou, ódio torcendo suas feições. Eu me perguntei se era assim que minha mãe a viu. As duas cresceram como parte de duas famílias elementares opostas. Perguntei-me se isso era o que minha mãe notou em Mab, que tinha feito Eira enfrentar ela: o mal e o ódio que transformou a Elemental de Fogo em algo pequeno, negro e horrível.

Mab estalou os dedos. Eu fiquei tensa, pronta para alcançar minha magia de gelo e pedra, esperando ela lançar uma bola de fogo em mim assim como ela fez no Country Club. Mas em vez disso, um pequeno ponto vermelho apareceu no meu peito, nivelado com o meu coração.

Bem, bem, bem. Alguém tinha um fuzil de precisão acessível. Perguntei-me se era Sydney ou um dos outros caçadores de recompensas. Não importava muito, no entanto. Eu tomei a precaução de colocar o meu pesado colete à prova de balas de Silverstone antes de eu entrar no pátio. Nenhuma simples bala de um atirador poderia passar pela casca dura do metal mágico que protegia meu peito.

— Como você pode ver. — Mab zombou. — Aprendi com os meus erros do passado. Como você disse antes, não vim aqui sozinha e agora é a sua vez de morrer, para sempre desta vez.

Eu apenas sorri para Mab.

— Uau, você realmente deve ter medo de mim, se você não pode até mesmo fazer por si mesma e usar sua magia para me matar. Vai ter um dos seus meninos fazendo isso ao invés, não é? Eu estava errada antes. Você não é uma valentona. Você é apenas uma covarde de merda.

Os olhos de Mab se estreitaram, mas ela não respondeu à minha provocação.

— Adeus, Genevieve.

Mab estalou os dedos novamente e um tiro foi disparado, quebrando o silêncio da neve caindo.


Capítulo 27


A bala rasgou através do ar em seu curso mortal, mas não para mim.

Ao invés disso, um agudo grito de surpresa ecoou. Um segundo depois, um homem rolou em uma pilha de escombros que ele estava empoleirado cerca de 9 metros a minha esquerda. Seu corpo pousou na base do pátio. Por um momento, todo mundo estava atordoado. Apenas atordoado.

Em seguida, Mab virou de costas para mim, fúria rolando em ondas palpáveis tão quentes que a neve sob seus saltos agulha começou a gotejar e se fundir em constantes invisíveis gotas de sua magia de fogo.

— Você não achou realmente que eu viria aqui sozinha, você achou, Mab? — zombei dela. — Assim é. Qual de seus homens quer morrer agora?

Mab abriu sua boca, sem dúvida para dirigir alguma outra oferta cortante para mim, mas cortei ela como um soco.

— Agora, Finn! — gritei. — Agora!

Crack! Crack!

Mais dois tiros soaram e um dos gigantes segurando Bria desmoronou na neve, graças as balas que Finn acabou de pôr em seu olho. Um caído, um que se foi.

Em seguida a coisa mais surpreendente aconteceu. Ruth Gentry puxou seu revólver e atirou no outro gigante na parte de atrás da cabeça três vezes. Ele também caiu na neve. Gentry andou para frente e empurrou Bria para trás, colocando minha irmã atrás dela. Do lado distante, a caçadora de recompensas deu-me outro aceno. Por alguma razão, ela tinha mudado de lado. Inferno, talvez esse tenha sido seu plano o tempo todo. Deixar eu e Mab para brigarmos por isso, então vendendo Bria de volta para quem quer que tivesse restado no final. De qualquer maneira, ela tirou Bria de longe dos gigantes e mais perto da segurança. Dessa vez, assenti de volta para ela.

Assustada pelos tiros, a cabeça de Mab virou ao redor, querendo saber o que acabava de acontecer com seus dois homens, mas todo mundo ainda estava tão distraído quanto a Elemental de Fogo. Exceto, talvez por Jonah McAllister. Com o canto do meu olho, vi o advogado encarar-me, seu rosto de repente pálido. Ele deu um passo para trás, em seguida outro. Qual era a de McAllister? Correr para longe? Ou alguma coisa mais desonesta?

Um gigante a minha direita atacou-me, suas mãos arqueadas em garras como se quisesse agarrar ao redor da minha garganta e apenas espremer. Eu não tinha mais tempo para pensar sobre McAllister. Empunhei uma das minhas facas Silverstone e me virei para encontrá-lo. A lâmina afundou em seu peito antes de eu puxá-la fora e usá-la para abrir sua garganta. Ele morreu com um grito borbulhante e empurrei seu corpo de volta para o círculo de homens ao meu redor. Eles se dispersaram como abutres, enquanto ele batia no chão aos seus pés.

— Quem é o próximo? – Rosnei, o sangue quente do gigante ainda pingando da minha faca.

Um par de caçadores de recompensas, no canto mais distante do círculo, olhou um para o outro e começaram a se mover para longe de mim. Aparentemente, minhas palavras não foram o suficiente e tinha levado mais do que uma exibição visceral para fazê-los ver a luz. Não importava o quanto Mab estava os pagando, o dinheiro não valeria nada se eles estivessem mortos.

— Peguem-na, seus tolos! — Mab gritou para seus homens. — Agora!

Os caçadores de recompensas trocaram outros olhares. Eles hesitaram, em seguida revigoraram sua coragem e começaram a caminhar para mim mais uma vez. Minha mão apertou ao redor da minha faca.

Crack! Crack! Crack!

Mais três caçadores de recompensa caíram, cada um ostentando um limpo e redondo buraco direto entre seus olhos. Warren Fox, sem dúvida, ajudou Finn com seus deveres de atirador, apenas como planejamos. O homem velho tinha orgulhosamente afirmado que ele era um inferno de um atirador e que estaria mais do que feliz em ajudar Finn a desfazer as fileiras um pouco. Ele não mentiu sobre o quão bom seu braço era.

Do lado de fora do círculo de homens, atrás de Mab e ainda de Gentry e Bria, um baixo grito gutural de guerra soou, aumentando para um berro feroz que me lembrava os chifres Vikings. Um momento depois, Sophia correu para dentro da minha vista, balançando seus pulsos em cada pessoa que ela podia alcançar. E ela não estava sozinha. Owen entrou na briga atrás dela, empunhando seu martelo de ferreiro, enquanto Xavier e seu punho maciço iam a sua retaguarda.

— Peguem Bria! — gritei para eles, embora eles já estivessem se movendo para essa direção.

Tendo que escolher entre mim e as novas pessoas no pátio, os caçadores de recompensa e os gigantes decidiram pegar o caminho mais fácil, eles correram por Mab, indo para Bria e os outros. Mas a Elemental de Fogo não girou e seguiu seus homens. Não dessa vez. Em vez disso, ela começou a caminhar na minha direção e eu para ela.

Nos encontramos no meio do pátio, somente cinco passos separavam-nos uma da outra.

Tudo ao nosso redor era um total caos. Sophia, Owen e Xavier lutavam com os caçadores de recompensas e gigantes, com meus aliados lentamente se retirando e levando Bria com eles. Esse foi o plano o tempo todo. Fazer parecer como se tivesse vindo sozinha, então deixar meus amigos se esgueirarem por trás e colocarem Bria em segurança, enquanto eu lutava com Mab. Eu apenas não contei com Gentry deixando as coisas um pouco mais fáceis para nós, mas percebi que a sorte devia-me ao menos essa. Do mesmo jeito que a caçadora de recompensas devia-me por poupar ela e Sydney naquela noite do lado de fora da mansão de Mab.

Ninguém particularmente gostou do plano, especialmente a parte sobre deixar-me para trás encarando Mab sozinha. Mas todos sabíamos que isso era como tinha que ser. Eu era a única com uma chance de parar a Elemental de Fogo, a única cuja magia era forte o bastante. Era apenas inevitável.

Talvez tenha sido desde o dia em que a Elemental de Fogo assassinou minha mãe e irmã mais velha, apenas porque eu era uma vaga ameaça nebulosa para ela. Uma ameaça que foi se tornando realidade pela crueldade de seus atos.

Mab e eu estávamos em pé no meio da batalha e, de alguma forma, intocadas por todo o sangue e corpos voando através do ar ao redor de nós, no caos do pátio. Era como se o resto do mundo nem mesmo existisse mais, exceto por mim, ela e a neve espiralando lentamente entre nós.

— Antes que nós finalmente façamos isso. — disse. — Há uma coisa que eu tenho que perguntar a você.

— E o que seria? — Mab perguntou em uma voz baixa e perigosa.

Eu olhei para ela, meus olhos cinza queimando os seus negros, ódio mútuo contorcendo no ar entre nós como um coração de escuridão viva e pulsante.

— Alguma vez você parou e pensou que talvez você tenha trazido tudo isso para si mesma?

Mab inclinou a cabeça para um lado, fazendo seu cabelo deslizar sobre seus ombros. A cor acobreada brilhante de seus pesados cachos lembrou-me de sangue. Tudo sobre ela me lembrava de sangue, morte e fogo naquela noite horrível quando ela tinha tão casualmente destruído as pessoas que eu amava, deixando nada para trás, exceto sujeira, cinzas desintegradas e um eco oco de meus gritos roucos.

As runas de cicatrizes de Aranha embutidas em minhas palmas das mãos coçavam e queimavam pelas memórias brutais, do modo que elas sempre faziam. Ou talvez isso fosse porque Mab estava agora totalmente abraçada a sua magia elementar de fogo. Seus olhos negros ardiam como brasas em seu lindo rosto, alimentados por seu enorme poder e sua suprema satisfação por finalmente arranjar um encontro cara a cara comigo.

— O que é que você quer dizer? — Mab perguntou em sua baixa voz sensual.

— Você já leu alguma vez sobre Édipo? Você sabe, a tragédia do herói grego que estava supostamente destinado a matar seu pai e casar com sua mãe.

— Qual é seu ponto? — Mab estalou mais do que pronta para dar prosseguimento ao negócio de queimar-me viva.

Eu realmente não podia culpar a Elemental de Fogo por sua impaciência. Dezessete anos passaram desde a primeira vez que ela tentou me matar. Um longo tempo para alguém que esperou por sua inimiga mortal.

Eu dei de ombros.

— Sempre me pareceu que os pais de Édipo foram sobre todas as coisas erradas no caminho. Ao invés de enviar seu filho para longe da morte. Dessa forma, ele pelo menos teria sabido como seu próprio pai parecia. Então talvez ele não tivesse matado o velho pai querido quando o encontrasse na estrada anos depois. Mas Édipo pensava que seu pai era apenas outro estranho e não alguém importante.

Mab franziu sua testa, sem ver meu ponto.

— Essa é a coisa que sempre se escuta sobre os gregos e as profecias em geral. Quanto mais você tenta as impedir, mais você as apressa. Acontece toda vez na mitologia clássica. — disse. — Então eu me pergunto de novo. Você alguma vez pensou que se você não tivesse vindo para minha casa naquela noite, se não tivesse assassinado minha mãe e minha irmã mais velha, se você não tivesse me torturado, talvez não tivéssemos que estar aqui hoje?

Mab olhou-me, o fogo negro queimando ainda mais ardente em seus olhos, sugando ainda mais do crepúsculo que riscava a paisagem invernal em manifestações de roxo e cinza neutro. A neve caía silenciosamente ao redor de nós, um fluxo constante de gordos e fofos flocos que pareciam estranhos com a tensão no ar. Apesar do frio, ainda podia sentir o intenso calor irradiando do corpo de Mab. Sua magia de fogo picando contra minha pele como centenas de agulhas apunhalando-me um após a outra, uma onda implacável de agonia incandescente.

Mas não estendi a minha mão para minha magia de pedra para bloqueá-la. Não ainda. Eu precisava de toda a força do poder que possuía se quisesse alguma esperança de defender-me de Mab e não estava indo desperdiçar nada disso ainda, enquanto estávamos apenas zombando uma da outra. Não, invocaria minha magia quando ela lançasse sua magia de fogo em mim; isso seria quando eu mais precisaria. Então engoli em seco o grunhido primitivo que obstruía a minha garganta pela sensação de agulhas invisíveis de fogo contra minha pele e continuei minhas reflexões.

Percebi que eu podia ser perdoada pela minha peculiaridade de sentimento apenas dessa vez. Não era como se alguma vez tivesse a chance de confrontar Mab de novo, como se uma de nós mataria a outra em um minuto, ou dois no ápice.

— Porque vamos encarar isso. Deixar-me nas ruas, sendo levada a um assassino, tornando eu mesma uma assassina, tornando-me a Aranha. Isso tudo voltaria para uma coisa: você matando minha família. — disse. — Se você não tivesse feito isso, bem, quem sabe o que teria acontecido? Eu poderia ter crescido para ajudar as pessoas. Tornando-me uma médica ou algo assim. Aprendido como salvar vidas ao invés de ser tão boa em tomá-las.

— Nada disso importa. — Mab zombou.

— É claro que importa, isso tudo importa. Especialmente aqui nesse lugar. Especialmente agora.

Os olhos de Mab se estreitaram em fendas, mas a magia de fogo ainda queimava nas profundezas ardentes de seu olhar.

— E o porquê disso?

— Todas as pessoas que tive que matar ao longo dos anos? Sim, fiz a maioria delas por dinheiro, porque ser uma assassina era um trabalho e um em que eu sou boa. Mas a maioria das pessoas que matei nos últimos meses, Alexis James, Tobias Dawson, Elliot Slater, Elektra LaFleur. Você vê, eu gradativamente comecei a perceber algumas coisas sobre elas, quanto cada um foi diferente de todas as outras pessoas que lutei ao logo dos anos.

— E qual seria essa grande revelação? — Mab perguntou.

Dessa vez, eu inclinei a cabeça e sorri.

— Que todas elas apenas foram práticas para você, sua puta.

Olhamos uma para outra, a magia de gelo e pedra de meu olhar cinza, perfeito inimigo natural do elemento fogo cintilando nos olhos negros de Mab.

— Bem, então. — ela disse em sua voz sedosa. — Vamos apenas ver o quanto você aprendeu, pequena Genevieve.

Mab trouxe sua mão para cima e a enrolou em um punho. Fogo derramou entre seus dedos apertados e gotejou deles como água antes de atingir o chão. Plop-plop-plop. As pedras embaixo de nossos pés estremeceram, grunhiram e gritaram enquanto seu fogo as queimava. Um murmúrio de rochas irritadas se misturando perfeitamente com o constante sibilo da neve mal derretida. Tiras de vapor retorcendo dentro do gélido ar entre nós, delicadas cordas nos unindo.

Nunca tirei meus olhos do olhar escuro de Mab, observando ela de forma que um pistoleiro faria, esperando por uma pequena mudança que me diria que ela estava pronta para derrubar-me. Eu traguei uma respiração e estava pronta para alcançar meu próprio poder.

Mab sorriu para mim pela última vez, confiante em sua magia, sua força, sua incomparável magia elemental fluindo. Em seguida, ela levantou o punho de volta para mim.

Um segundo depois, o fogo elemental bateu em mim e as ardentes chamas tragaram meu corpo, apenas como elas tinham feito com minha mãe e irmã antes de mim.

E eu gritei.


Capítulo 28


A magia de Mab bateu em mim com a força de mil infernos, cada uma das labaredas mais brilhante do que o sol, cada uma queimando fora de controle, com o único propósito de me fritar viva.

Ela quase teve sucesso.

Apesar de tudo conhecia sobre Mab, apesar de todas as longas horas que eu a estudei, apesar do que eu a tinha visto fazer com minha mãe e minha irmã, apesar dos danos que tinha me infligido no Country Club na noite passada, nada me preparou para a força bruta da sua magia de fogo. O calor, a intensidade, a total e implacável força disto, tirava meu fôlego como nenhuma outra magia jamais tinha feito antes. Nem aquela de Alexis James, Tobias Dawson ou, até mesmo, Elektra LaFleur. Todos aqueles outros elementais foram fortes, inacreditavelmente, quando eu tinha lutado com eles.

Mas Mab, Mab era apenas fogo elemental, chamas e fúria em si. Ela era uma liga completamente diferente de todos os outros que eu tinha encarado antes.

No último segundo, alcancei minha magia de pedra, trazendo tudo isso para suportar, endurecendo minha pele, cabeça, cabelo, olhos e cada outra parte dentro de mim em um impenetrável escudo, apenas do modo que tinha feito isso muitas vezes antes.

E isso me salvou mais uma vez.

O fogo ardente de Mab não me mataria imediatamente. Mas isso ainda machucava, pior do que qualquer dor que alguma vez eu já tivera experimentado, mesmo os solavancos chocantes de LaFleur e sua magia elemental Elétrica. Mesmo através do escudo da minha magia de pedra, podia sentir as chamas de Mab lambendo contra minha pele, corroendo meu poder, queimando através de todas as camadas do minha magia de pedra. Cambaleei para trás com força pura da explosão, e o Silverstone no meu colete imediatamente se liquefez pelo calor. Suor escorria pelo meu rosto e isso era tudo que eu podia manter com minha própria magia, para não ser esmagada pelo aumento mortal do poder de Mab. Ela me mataria no primeiro disparo e eu sabia que seria sortuda por sobreviver a isso.

Mab tinha o poder mais bruto, mais magia pura do que qualquer elemental nascido nos últimos quinhentos anos, então ela não parou seu ataque sobre mim. Nem por um segundo. Ao invés disso, ergueu suas mãos, fogo elemental jorrando fora da ponta de seus dedos em um fluxo de equilíbrio constante, cada parte de sua fúria direcionada diretamente para mim em uma bola fundida de calor e morte. Minha visão foi para o fogo vermelho batendo em mim e pisquei voltando para aquela noite fatídica quando Mab assassinou minha mãe. Eu me lembrei dos excruciantes detalhes de como sua mágica chegou cada vez mais perto de Eira, cortando através da magia de gelo de minha mãe, até que as chamas famintas tinham inundado e consumido minha mãe completamente. Então Annabelle. Ambas carbonizadas em cinzas em um instante.

Isso é como os elementais lutavam, lançando poder puro um para o outro, até que um elemental finalmente sucumbisse pela mágica do outro e era assim que Mab e eu estávamos lutando agora. Mas eu não era apenas uma elemental, era uma assassina também. Eu era a Aranha, treinada pelo melhor, treinada por Fletcher Lane, o próprio Homem de Lata. Se havia uma coisa que o velho homem havia me ensinado, era que não importava como você matar seu adversário, contanto que ela fosse morta e você não estivesse sangrando no fim. Minha magia de pedra não me salvaria de Mab, não me ajudaria a matá-la no final. Não realmente.

Fletcher era — apenas da maneira que ele desejou. O velho homem me treinou para esse único momento, para essa única luta por anos. Agora precisava apenas descobrir uma forma de matar Mab e manter a fé que ele tinha em mim.

— Desista, pequena Genevieve. — Mab disse em um tom de zombaria. — Você não é páreo para mim. Você nunca foi, assim como sua miserável mãe. Um dos dias mais felizes da minha vida foi quando finalmente matei Eira. Hoje vai direto para o status acima desse, porque não me livrarei só de você, mas eu queimarei essa sua doce irmã mais nova até a morte também. Junto com as anãs, Owen Grayson, aquele banqueiro charlatão que você chama de irmão de criação, e todos que também foram estúpidos o bastante para vir aqui com você. Eles não me escaparão, Genevieve. Nenhum deles irá. Nenhum único deles. Seus restos queimados não irão nem mesmo ter tempo de esfriar antes que eu envie o resto deles para se juntar a você.

Eu gritei. Não por dor, medo ou surpresa, mas pela pura fúria inegável, a crua força elemental, derramando minha magia nesse som primitivo. A vadia não mataria mais ninguém que eu amava. Nem agora, nem nunca. Eu não me importava com o que eu tivesse que fazer para a parar, ou o que eu tivesse que sacrificar.

Acionada pelo meu grito, meu poder de pedra rasgou através dos destroços e rochas ao redor de nós, pulverizando e despedaçando-as instantaneamente, uma depois da outra, assim como tinha feito na noite que isso começou. Era como observar uma fila de dominós caírem em cima um do outro. Os gigantes, os caçadores de recompensa, meus amigos. Todas as pessoas que tinham estado lutando no pátio tropeçaram e cambalearam quando as fundações de pedra sob seus pés literalmente se desintegraram debaixo deles. As poucas paredes que estavam em pé colapsaram com um rugido coletivo, enviando mais pilhas de escombros para baixo e fragmentos de rochas compactas através do ar, juntando-se a raivosos flocos de neve em espirais.

A força elemental de meu grito surpreendeu até mesmo Mab, quebrando sua concentração pôr o mais breve segundo. O fogo que fluía fora de suas mãos piscou e diminuiu por uma pequena fração de tempo, mas foi o bastante pare me deixar tomar outro fôlego e focar-me.

Mas minha mágica não parou nas pedras de minha casa arruinada. Espalhou-se mais longe e mais rápido do que já tinha ido antes, mesmo além da floresta ao nosso redor, parecendo como um terremoto, murmurando e vibrando com isso.

Eu nunca soube que eu tinha tanta magia antes.

O pensamento escorregando pela minha cabeça acabou do modo que tinha sido da última vez que estive aqui, a noite que derrubei minha própria mansão em cima de todos que estavam dentro dela. Mab, seus homens, Bria, até eu mesma. Antes, naquela época, minha magia me assustou e, com a culpa sobre pensar que eu havia matado Bria com isso, passei anos usando somente a menor das formas. Mas agora eu me entreguei completamente a ela. Eu podia sentir o poder dentro de mim, a incrível magia correndo através de mim como a mais fina das veias, a mais rica prata imaginável. Pedra, Gelo, Gelo, Pedra...não havia uma separação mais. Tudo misturado em mim, até que só havia um poder cru, só uma pura força furiosa sobre os próprios elementos. Tanta, mas tanta força que fiquei fria e insensível por isso. Dedos, pés, torso; não podia nem mesmo senti-los mais. Minha mágica era a única coisa que eu estava ciente de surgir através de mim, construindo e construindo em direção a algo espetacular.

Meu corpo explodiu em chamas de prata.

Não sabia como eu fiz isso ou porquê isso aconteceu, nem mesmo que isso era possível em primeiro lugar. Mas algo profundo abriu dentro de mim e um segundo depois, chamas prateadas engoliram-me da cabeça aos pés, dançando ao redor do meu corpo como se todos os fantasmas do meu passado viessem de volta à vida para assombrar-me no final. Mas a coisa curiosa era que as chamas não eram quentes, elas eram frias. Mais frias do que o gelo.

E foi quando percebi o que elas eram. Minha mágica de gelo ganhou vida, se manifestando da forma que a mágica de fogo de Mab fazia. Uma nova peculiaridade de meu poder na hora mais desesperada. Jo-Jo sempre alegou que um dia minha magia de gelo seria igual ao minha magia de pedra.

A anã só nunca me disse que o gelo seria mais forte.

— Truque legal. — Mab sibilou, olhando as chamas prateadas cintilando ao redor do meu corpo com óbvio desgosto. — Mas não será o bastante para salvar você.

— Bem, veremos. — murmurei de volta.

E então nós dançamos.

Nós duas estávamos de pé no pátio, nossas mãos estendidas, pulsando magia fora de nossas pontas dos dedos em brilhantes ondas contínuas. A magia de Mab queimava vermelha, laranja, amarela e preta, cuspindo, sibilando e estalando com cinza e calor. Minha magia brilhava como uma corrente de estrelas de prata, todas amarradas juntas, assoviando e sussurrando com frio e geada.

Fogo e Gelo.

Elementos opostos em tantas maneiras.

E agora estávamos nós duas finalmente envolvidas nessa batalha que havia se iniciado há muitos anos. Nossa magia bateu junta, enviando borrifos crepitantes de faíscas vermelha e prata, fogos de artifícios de um tipo impressionante e mortal. Vapor subia no ar entre nós, envolvendo-nos em névoa. Suor escorria em meu rosto até que eu mal via o que estava fazendo, mas não limpei isso, não ousei fazer algo para interromper minha concentração. Eu não me movi, não pisquei, nem mesmo respirei.

Não sei quanto tempo ficamos lá em pé, as duas apenas atirando nossa magia uma para outra, empurrando, puxando, lutando com tudo que nós tínhamos.

Mas eventualmente, percebi que estava perdendo.

Apesar de toda a magia que eu estava sustentando, apesar de todo o poder bruto correndo através de minhas veias, inferno, apesar das chamas de prata que revestiam meu corpo, isso ainda não era o bastante. Nem o suficiente para conduzir a magia de fogo de Mab de volta, nem o bastante para meu poder ultrapassá-la e envolvê-la em gelo. Todos os rumores que tinha ouvido todos esses anos eram verdades. Mab tinha o poder mais bruto do que qualquer elemental nascido nos últimos quinhentos anos, incluindo eu.

Agora que estávamos duelando, eu podia sentir a total extensão de seu poder, e sabia que era maior do que o meu. Não por muito, mas o bastante para terminar comigo. Mais um minuto, mas duas vezes e eu começaria a ficar sem magia. Então o fogo de Mab cortaria através do gelo e ela me queimaria até a morte, assim como ela fez com minha mãe e minha irmã mais velha. O fato de que eu morreria do modo que elas morreram, não era uma perda para mim. Inferno, teria rido da amarga, amarga ironia se não estivesse precisando de cada pedaço de minhas forças, neste momento, apenas para me manter de pé.

Mais uma vez pensei em Fletcher e o que o velho homem poderia fazer nesta situação. A verdade era que ele não teria se colocado em tal ponto para começar. Ele teria encontrado outra forma de matar Mab, algo que não envolvesse encarar um confronto cara-a-cara e um duelo elemental. Era muito tarde para isso agora, é claro, mas o que realmente me incomodava era que eu estava tão perto de finalmente derrubá-la. Tudo que precisava era outra explosão de poder, apenas uma lasca de magia, inferno, apenas um dedinho de magia.

E então lembrei.

Meu anel, o que Bria tinha me dado. Uma pedra de prata fina com uma runa de aranha cravada no meio dele. Ela tinha derramado magia de gelo na pedra de prata na noite anterior, antes que eu fosse para o Country Club, para confrontar Mab. Com tudo que tinha acontecido nas últimas vinte quatro horas, eu esqueci sobre o anel e o poder que ele continha, e que ainda estava usando ele no meu dedo indicador. Eu me concentrei, focando naquele poder de prata. De alguma forma, apesar da mágica que anestesiava meu corpo, podia sentir o Silverstone resistente contra a minha pele, uma fria banda sólida de gelo envolta ao redor do meu dedo.

E eu sabia o que tinha que fazer.

Eu cerrei meus dentes e forcei meus pés a se moverem para frente. O movimento fez minha concentração vacilar, apenas por um segundo, mas o lapso foi o bastante para deixar o fogo de Mab explodir através de minha magia de gelo. As chamas lamberam minha pele como um amante desleixado, queimando-me até os ossos. Eu gritei de novo em agonia mais uma vez.

Mab riu, pensando que eu estava fraquejando, pensando que ela finalmente tinha vencido. Sua gargalhada satisfeita somente me fez muito mais determinada a terminar essa coisa para sempre.

Apesar da dor lancinante e do cheiro de minha própria carne queimada, continuei me movendo para frente, avançando cada vez mais perto do fogo sem fim fluindo fora da ponta dos dedos de Mab. Eu não era capaz de empurrar de volta tanto com minha magia de gelo, não era capaz de bloquear completamente seu ataque e senti minha pele começar a borbulhar, empolar e queimar com o calor inacreditável. Mas não me importava. Tudo que importava agora era matar Mab.

Talvez tudo isso jamais tenha importado.

Cinco , quatro, três... eu me aproximei mais perto e mais perto da outra elemental. Através das chamas, os olhos negros de Mab se estreitaram, como se ela não pudesse descobrir do eu era capaz. Ela saberia em breve.

Eu rastejei mais perto ainda, minha faca de Silverstone em minha mão direita. Apesar da magia de Mab bater em mim, eu consegui manter meu aperto mortal no metal. Eu a senti suave e quente em meus dedos, mas talvez eu pudesse fazer algo sobre isso. Cuidadosamente, alcancei a magia de gelo que Bria guardou em meu anel de runa de aranha. Havia somente uma gota disso, comparado com o que Mab e eu estávamos lançando uma na outra, mas era o bastante, mais do que o suficiente para o que eu tinha em mente.

— Oh, venha mais perto, pequena Genevieve. — Mab zombou em sua voz sedosa. — Fará sua morte muito mais rápida.

Apenas dois pequenos pés nos separavam agora e eu sentia minha pele derreter, derreter, derreter, escorrendo de meus ossos como a cera de vela sob o rugido do fogo de sua mágica. De alguma forma, consegui tomar um fôlego final, mesmo através das chamas revestindo minha boca e garganta como ácido.

— Você quer mais perto? — engoli em seco. — Quão mais perto, vadia?

Com a mão esquerda, eu alcancei através da parede do fogo elemental de Mab, agarrando o seu colar de sol e o usei para puxar ela em minha direção. Com minha mão direita, dirigi minha faca de Silverstone todo o caminho através de seu coração.

Os olhos pretos da Elemental de Fogo se arregalaram em choque e surpresa. Ela gritou com dor e fúria, toda dor e fúria elemental que eu senti minutos atrás. Chamas explodiram a partir da ferida, juntamente com sangue que respingaram contra minha bochecha, aumentando minha agonia. Mas eu não me importava mais. Meu mundo reduziu para uma única coisa: matar minha inimiga.

Mab recuou, tentando se afastar de mim, mas não a deixei ir. Inferno, nem mesmo tentei me defender. Em vez disso, redirecionei toda a minha magia para derramar tudo que tinha e continuar com minha faca de Silverstone fria, solida e enfiada em seu peito. Eu torci, torci e torci, guiando-a mais fundo a cada vez, mesmo que seu fogo passasse sobre mim, consumindo-me.

Mab gritou de novo, ou talvez fosse eu. Inferno, talvez fossem ambas gritando com dor, como um casal de harpias vindo a vida de um livro de mitologia. Quem quer que estivesse gritando, eu sabia que fazia parte. Mab não estaria vindo de volta para sugar a ferida em seu peito. Era apenas tão ruim que não estaria voltando também, não do fogo elemental que tinha me queimado internamente.

Então as chamas pratas e vermelhas nos engoliram e eu não sabia de nada mais.


Capítulo 29


Corri pela rua coberta de neve, meus passos rápidos, firmes e determinados. Estava atrasada, e sabia que ele estaria esperando por mim. Ele sempre esperava por mim depois de um trabalho, não importava quanto tempo levava-me para chegar aqui.

Ninguém se mexia na rua deserta do centro de Ashland, exceto eu, nenhum carro arrastava-se através da neve profunda. Os flocos estavam caindo ainda mais, tão pesados e molhados como as lágrimas no meu rosto, mas eu me arrastei nelas, ansiosa para chegar ao meu destino. Virei à esquina e o multicolorido sinal familiar do Pork Pit ficou à vista, queimando como um farol na escuridão da noite.

Casa, estava finalmente em casa.

Luz se derramava para fora das vitrines, parecendo como prata líquida pura escorrendo para os bancos exteriores de neve. Parei por um momento e arrastei os dedos sobre os frios tijolos maltratados.

Os murmúrios suaves e cheios de contentamento soaram de volta para mim do jeito que sempre faziam. Eu sorri e abri a porta. A campainha soou uma única nota animadora, anunciando minha presença.

No interior, um homem velho de cabelos brancos e finos se inclinou sobre o balcão ao lado da caixa registradora, lendo um livro manchado de sangue. “Where a Red Fern Grows”. Um dos seus favoritos de todos os tempos, e meu também.

Alegria encheu o meu coração ao vê-lo, uma explosão de felicidade tão intensa que era como se eu não tivesse visto ele em meses, em vez de apenas algumas horas. Depois de um momento, a sensação desapareceu, substituída por uma sensação mais escura, mais ameaçadora.

E então me lembrei.

Ele não estava mais aqui. Não realmente. Não, ele estava morto, assassinado meses atrás neste mesmo lugar.

Assassinado em seu próprio restaurante. Lembrei-me de estar agachada sobre seu corpo, minhas lágrimas escorrendo e misturando-se com o sangue do seu rosto arruinado. Lembrei-me da dor de perdê-lo, a dor que ainda sentia cada vez que acordava em sua casa e percebia que ele tinha ido embora.

Mas o velho estava aqui, assim como eu, juntos novamente. Ou assim parecia.

Ele levantou os olhos para o som do tilintar do sino e usou um dos recibos de cartão de crédito do dia para marcar seu lugar no livro manchado de sangue. Em seguida, seus olhos verdes brilhantes encontraram os meus e um sorriso vincou seu rosto enrugado.

— Estava na hora de você chegar aqui, Gin. — disse Fletcher Lane.

Fiquei ali perto da porta, olhando para o velho e lutando para dar sentido a isto, onde eu estava e o que estava acontecendo comigo.

Lembrei, lembrei-me do fogo. Fogo elemental de Mab, cercando-me, queimando-me até o núcleo. Minha própria magia de gelo alcançando a dela, mantendo-a afastada, e então, finalmente dirigi a minha faca de Silverstone no peito de Mab enquanto as chamas consumiam nós duas.

Suspirei.

— Então, estou morta? Certo? Este é o céu, ou o inferno, ou o limbo, ou qualquer outra coisa?

Fletcher não me respondeu. Em vez disso, o velho foi até ao fogão e voltou com um prato de comida. Ele a colocou sobre o balcão, em seguida pegou o seu livro da caixa registradora e voltou à sua leitura.

— É melhor começar a comer antes que esfrie. — disse ele.

Eu não tinha certeza do que estava acontecendo: se isso era real ou um sonho, ou algo completamente diferente, mas eu não ia perder a oportunidade de estar com Fletcher. Não agora. Não depois de passar os últimos meses sentido terrivelmente a sua falta e sentindo-me tão culpada pela sua morte, pois não tinha sido capaz de salvá-lo. Não de ser torturado, não de ser assassinado.

Então peguei um assento no balcão e comecei a comer. Um hambúrguer de meio quilo com maionese e repleto de queijo suíço defumado, uma folha tenra de alface, uma suculenta fatia de tomate e uma camada grossa de cebola roxa. Seguido por uma taça de feijões cozidos picantes, juntamente com um prato de salada de repolho e cenoura. Lembrei-me da última vez que eu tinha tido esta refeição, na noite antes de Fletcher morrer.

Atirei-me na comida, um pouco hesitante no início, mas logo estava saboreando a combinação doce e de especiarias, sal e vinagre, na minha língua. Foi uma refeição simples e saborosa das quais tinha tido centenas de vezes antes, que eu tinha cozinhado mil vezes mais, mas, de alguma forma, ela nunca tinha sido tão boa quanto parecia agora. Parecia que mal tinha começado a comer antes de o meu prato estar limpo. Eu empurrei-o de volta e suspirei.

— Essa foi a melhor refeição que já comi. — disse em um tom melancólico.

— Eu sei. — disse Fletcher. — Tudo parece melhor aqui.

Não tinha certeza de onde estava e sentia que ele não iria me dizer mesmo que perguntasse. Então continuei sentada e olhei para ele, encarando o seu rosto enrugado que amava tanto, que tinha sentido tanta falta. E percebi que tinha perguntas para Fletcher, todas as questões importantes que eu queria perguntar para ele durante os meses que se passaram.

— Por que você me deu a pasta com as informações sobre Bria? Por que não me disse que ela estava viva? Por que esperou até depois de você morrer? Por que comprou a terra onde era a minha casa de infância? E Mab realmente o contratou para matar a minha família? É por isso que você a queria morta todos esses anos? Por que ela tentou matá-lo quando recusou? — Uma após a outra, as questões saíram dos meus lábios.

Fletcher marcou onde parou de novo em seu livro, então olhou para mim. Seus olhos verdes estavam mais nítidos, mais claros, mais brilhantes do que eu me lembrava e livres da película aquosa que tinha começado a nublá-los enquanto envelhecia.

— Isso é o que você quer saber? — Ele perguntou com uma voz divertida. — As ações escuras e misteriosas de um velho homem? Não as grandes coisas? Você sabe, sobre a vida e a morte, e se há realmente um céu ou não?

Balancei minha cabeça.

— Não me importo com nada disso. Só quero saber sobre você, Fletcher. Eu quero saber tudo sobre você.

O velho sorriu.

— Essa é a minha garota, Gin, sempre com foco nas coisas importantes.

Cruzei os braços sobre o peito e bufei.

— Só porque você me transformou no mesmo tipo curioso que você é. Ou foi. Ou qualquer coisa.

Seu sorriso apenas aumentou.

Fletcher não me perguntou sobre ter matado Mab. Ele não tinha que perguntar. Nós dois sabíamos que eu não estaria aqui se o trabalho não tivesse sido feito. Finalmente feito.

— Bem. — ele resmungou. — Pensei que tinha explicado bem o suficiente na carta que deixei para você no meu escritório. Mas, para responder às suas perguntas, sim, Mab me contratou para matar a sua família. No início, era apenas a sua mãe, mas, em seguida, Mab ficou gananciosa e queria que eu descartasse você e suas irmãs gratuitamente. E você sabe que nunca matei crianças.

Concordei.

Fletcher deu de ombros.

— Mab estava um pouco chateada quando recusei sua oferta. Ela me conhecia como o Homem de Lata, não como Fletcher Lane, mas isso não a impediu de mandar alguns dos seus homens para me seguir e me matar. Quando tomei a iniciativa de matá-los em vez disso, ela enviou mais alguns, mas cuidei deles também. Quanto ao porquê de eu ter comprado o terreno que era seu, ele é seu e de Bria. Mab já tinha tomado tanto de vocês duas. Não queria que ela tomasse isso também. Você sabe de tudo o que aconteceu depois. As linhas gerais pelo menos. Minha tentativa de salvar sua família naquela noite, mas percebendo que já era tarde demais. Encontrei Bria vagando na floresta ao redor da sua casa desintegrada e queimada, a entreguei a sua família adotiva e então você apareceu na minha porta traseira...

Sua voz sumiu e seus olhos nublaram perdidos em suas memórias, assim como eu estava.

— Mas por que me escondeu sobre Bria por todos esses anos? — Perguntei. — Por que até mesmo cuidou de mim? Por que me treinou para ser uma assassina? Você poderia ter me enviado para Savannah para viver com Bria e a sua família adotiva. Isso teria sido a coisa mais fácil para se fazer. A coisa mais simples para todo mundo.

— Talvez eu pudesse ter feito isso, talvez eu devesse ter. — Fletcher murmurou. — Pensei nisso quando você veio até aqui.

— Então o que o fez mudar de ideia?

Ele olhou para as páginas de seu livro e por um momento pensei que ele não me iria responder. Mas ele finalmente levantou seu olhar para mim mais uma vez.

— Você se lembra da noite em que Douglas, aquele gigante, veio ao Pork Pit? Ele era um dos homens de Mab, um daqueles que procurava por mim. Ele me viu enquanto eu estava fora no outro emprego e me seguiu de volta aqui para me matar. Você se lembra disso, Gin?

Oh, eu me lembrava, provavelmente melhor do que Fletcher, porque Douglas foi a primeira pessoa que eu matei dentro do Pork Pit. Eu insultei o gigante, o atraí para mim, e então o tinha esfaqueado até a morte com a faca que estava usando para cortar cebolas. A primeira vez que usei uma lâmina dessa forma, a primeira de muitas.

— Quando você matou Douglas, percebi que poderia fazer as coisas melhores para você, por sua família que foi morta. Percebi que poderia treiná-la para ser uma assassina, para sobreviver. Mesmo naquela época, você tinha a mesma fria vontade de ferro que tem agora. — disse Fletcher. — Eu tinha ouvido falar sobre a profecia de Magda e sabia que era por isso que Mab queria você e suas irmãs mortas, porque supostamente uma de vocês iria crescer e matá-la. E pensei que talvez isto era o que aquela profecia queria dizer em primeiro lugar. Que talvez você estivesse destinada a estar comigo, em vez de com Bria. Em primeiro lugar, de qualquer forma. Até que você crescesse. Até que eu conseguisse treiná-la. Além disso, naquela altura, simplesmente já amava você demais para deixá-la ir.

Ficamos em silêncio. Lembrei-me do que tinha dito a Mab, quando perguntei se ela achava que tinha trazido tudo isso para si mesma.

— É tudo muito grego, não é? — Brinquei. — Profecias, tragédias, destinos. Assim como em todos os livros antigos de mitologia que lemos ao longo dos anos.

Fletcher deu de ombros.

— Difícil de bater os clássicos.

Balancei a cabeça.

— E sobre toda aquela conversa de minha aposentadoria antes de você… morrer?

Fletcher deu de ombros novamente.

— Ser um assassino é muito bom, mas eu queria que você começasse a pensar em outras coisas, a perceber que havia mais na vida do que matar pessoas, não importasse o quanto você é boa naquilo que faz. Eu lhe ensinei como sobreviver. Acho que queria colocá-la em um caminho mais feliz antes de morrer.

— Que me levou a Bria. — terminei.

Ele assentiu. Não nos falamos. Lá fora a neve continuava a cair cobrindo tudo com o seu abraço frio e molhado.

— E agora? — Perguntei finalmente. Porque Mab está morta. Tenho certeza disso. E se eu não estou já, então, provavelmente, estou no caminho para me juntar a ela e a você.

O velho homem bufou.

— E agora? Isso é com você, Gin. Assim como sempre foi.

— Então eu posso voltar para trás? Voltar a estar… viva? Ou o que seja?

O velho olhou para mim com os seus olhos verdes brilhantes.

— Você é Gin Blanco, Genevieve Snow, a Aranha, tudo em uma. Pode fazer o que quiser, querida.

Mordi o lábio e desviei o olhar.

— Não quero perder você de novo, Fletcher. Não quero ir embora e deixar você para trás. Especialmente porque é minha culpa que você tenha morrido em primeiro lugar. Minha culpa que Alexis James o torturou até a morte.

Centenas de emoções agonizantes apertaram a minha garganta, mas pela primeira vez, eu forcei as palavras.

— Eu, eu falhei com você naquela noite.

— E eu falhei com você quando não detive Mab de matar sua mãe e irmã mais velha. — o velho homem estalou de volta para mim. — Todos nós cometemos erros, Gin, até mesmo o melhor de nós. Gosto de pensar que tudo se equilibra no final. Lembre-se disso e você vai ficar bem.

— Mas o que devo fazer?

— Não posso te dizer isso. — disse Fletcher. — Mas me parece que há um monte de gente lá fora que se preocupa com você. Seria uma vergonha se morresse, especialmente quando eles estão trabalhando tanto para tentar salvar a sua vida.

Pensei sobre tudo o que eu tinha passado nos últimos meses. Sofrendo com a morte de Fletcher, o meu assunto confuso com Donovan Caine, cuidando de bandido atrás de bandido, encontrando Bria, conectando-me com ela e agora com Owen também, assim como todas as coisas que eu sentia por ele. Fletcher estava certo. Trabalhei muito duro para conseguir tudo isso, para construir uma vida real para mim mesma e desistir disso agora.

Ainda assim, eu tinha os meus pés e o meu coração pesados. Deveria ter me dirigido para a porta, mas permaneci no balcão. Respirei fundo e o cheiro do velho encheu o meu nariz de açúcar, especiarias e vinagre, tudo misturado, com apenas um toque de café de chicória. Os vapores da cafeína confortavam-me do mesmo jeito de sempre.

— Bem, então acho que isto é um adeus.

Fletcher me deu um sorriso malicioso.

— Por agora.

Balancei a cabeça, virei-me e caminhei até a porta da frente. Por um momento, a minha mão pairou sobre a maçaneta da porta e eu me perguntei mais uma vez se essa era a coisa certa a fazer. Seria fácil ficar aqui com Fletcher, tão fácil. Mas como o velho havia dito antes, eu era Gin Blanco, Genevieve Snow, a Aranha. Fácil não estava no meu vocabulário. Nunca tinha estado.

Virei à maçaneta, abri a porta e saí para o frio. Mas não estava pronta para ir, não ainda. Virei-me e olhei para trás através das vitrines, olhando para o velho.

Nossos olhares encontraram-se e se seguraram através do vidro. Verde sobre o cinza.

Nosso amor e respeito um pelo outro brilhando tanto quanto o sinal de néon do porco acima da porta.

Fletcher levantou a mão para mim com um aceno silencioso, e eu devolvi. Em seguida, a neve rodopiou entre nós, mais uma vez, e ele se foi.


Capítulo 30


Estremeci em uma respiração e vi-me olhando para um par de olhos verdes brilhantes, olhos que estavam estreitos com preocupação e medo.

— Fletcher? — murmurei, minha voz rouca, áspera e quebrada. — Fletcher?

Disse em outro fôlego e desejei que não tivesse dito. Dor inundou o meu corpo, tirando-me do sonho, ou limbo, que eu tinha estado. Estava vagamente ciente da agonia correndo em minhas veias, do enorme sofrimento que crescia através de mim a cada lento batimento errático do meu coração queimado. Mas, ao mesmo tempo, senti-me completamente desconectada de mim, como se estivesse de pé sobre o meu próprio corpo, assistindo os meus membros contorcerem-se de dor com um olhar desapaixonado. Imaginava que essa sensação provavelmente tinha algo a ver com o fato de que todas as minhas terminações nervosas, inferno, toda a minha pele, tinha sido queimada pelo magia de fogo de Mab.

Mas eu peguei a cadela. Eu finalmente tinha pegado. Pensei nisso e então sorri. Certamente queria, mesmo quando a escuridão rastejou novamente para mim.

— Não, é Finn. — disse a voz familiar do meu irmão adotivo. — Gin? Fique comigo, Gin!

Ouvi alguns murmúrios indistintos e passos agitados na neve. Mas não vi ninguém porque meus olhos estavam se fechando novamente.

— Ela está viva! — Finn gritou. — Traga Jo-Jo aqui! Agora!

O mundo ficou negro mais uma vez.


A próxima vez que acordei, senti como se estivesse sendo esfaqueada com cem mil agulhas em brasas, todas de uma só vez. Chorei de dor, gritando e debatendo-me. Pelo menos pensei que estivesse. Certamente queria. Mesmo a magia de fogo de Mab não era tão ruim quanto isto, tão doloroso, tão agonizante e brutal.

Era como se todas as moléculas da minha pele estivessem sendo arrancadas e depois costuradas de volta, uma célula de cada vez. E não havia como parar isso, nem como escapar. Apenas dor, dor e mais dor.

— Segure ela firme. — alguém murmurou. — Não posso ter ela se debatendo e rasgando o que eu já curei.

Podia ter sido minha imaginação, mas achei que a pressão sobre os meus braços e pernas aumentou muito mais.

— Você está exausta. — alguém respondeu asperamente com a voz quebrada que soou vagamente familiar. — Eu ajudo.

— Eu também. — uma voz mais alta, mais leve, melodiosa entrou na conversa, — Não tenho magia de ar, mas você pode usar o meu poder de gelo. Eu vou te encher com ele como puder. Talvez isso ajude, tenho que fazer algo para ajudá-la. Não posso, não posso suportar vê-la assim. Tão quebrada e queimada.

A voz parou em um soluço sufocado. Depois disso, o silêncio.

— Tudo bem. — a primeira voz disse, parecendo mais cansada e desgastada do que qualquer pessoa tinha o direito de estar.

— Vamos apenas esperar que misturar toda a nossa magia juntas não a mate imediatamente. Porque estou ficando descarregada neste momento.

Por um momento as agulhas desapareceram. Suspirei de alívio. Mas mal tinha soltado uma respiração quando elas voltaram, ainda mais afiadas e quentes do que antes. Mais e mais delas, esfaqueando-me repetidamente em uma onda implacável de agonia.

Joguei minha cabeça para trás e gritei repetidas vezes para a escuridão.

 

Uma mão suave e fresca acariciou a minha testa e senti um pequeno fio de magia de gelo deslizar sobre o meu corpo, envolvendo-me em sua fria e doce caricia. Suspirei de alívio e tentei inclinar-me para o toque, mas algo me parou. Todo o meu corpo parecia estar imobilizado, envolvido, enfaixado e amarrado como se eu fosse uma das pobres almas definhando no Hospício de Ashland. Talvez os meus poderes estivessem proporcionando a minha camisa de força de tão louca e desordenada que estava minha mente. Eu não tinha força para lutar contra o que estava me segurando para baixo. Não tinha força para fazer qualquer coisa.

— Descanse, Gin. — aquela voz alta e melodiosa murmurou no meu ouvido, a exaustão que eu mesma sentia também estavam realçadas nas palavras dela. — Apenas descanse.

Então eu fiz.


A próxima vez que acordei foi melhor. Abri meus olhos e me vi olhando para uma pintura de nuvens cobrindo o teto. Suspirei de alívio e mais algumas lágrimas escaparam dos meus olhos. Estava a salvo na casa de Jo-Jo, mais uma vez. De alguma forma eu fiz o impossível: matei Mab Monroe e vivido para contar a história. Uau. Às vezes surpreendo a mim mesma. Sorri. Mas de uma forma boa.

Escuridão envolvia o quarto, embora estivesse lentamente dando lugar ao amanhecer. Um suave ronco retumbou perto da minha orelha esquerda e os meus olhos encontraram Owen dormindo na cadeira de balanço ao lado da cama, com um cobertor cobrindo-lhe.

Eu me perguntei quanto tempo Owen estava ali sentado, olhando para mim, esperando que eu acordasse.

Ele parecia tão exausto como eu me sentia. Linhas profundas marcavam seu rosto, círculos roxos rodeavam seus olhos fechados e um barba preta por fazer cobria o seu rosto, como se ele não tivesse se barbeado em uma semana. Não podia ver as suas roupas, mas imaginava que estariam tão amarrotadas quanto o resto dele.

Ainda assim, ao vê-lo ali sentado, olhando por mim, mesmo quando ele próprio estava tão obviamente exausto, fez-me mais feliz do que qualquer outra coisa tinha feito em um longo tempo.

Mas em vez de acordá-lo, virei-me cuidadosamente para o lado. Cobertores foram empilhados em cima de mim também, então não conseguia ver em que estado eu estava. Curiosa e com um pouco de medo do que poderia encontrar, levantei as cobertas.

Gaze branca cobria-me da cabeça aos pés, enrolada nas minhas pernas, braços, tronco, dedos do pé e tudo no meio. Não me considerava uma pessoa particularmente vaidosa, mas os meus dedos tremiam um pouco quando coloquei a minha mão em meu rosto.

Mais gaze também lá, embora, pelo menos, não fossem tão grossas como as que estavam no meu corpo; senti-me como uma múmia. Dê-me uma pirâmide e um tesouro empoeirado para guardar e eu estaria num filme de terror. Parecia um monstro também, dado toda a gaze e pomada que podia sentir a minha pele absorver, ou o que restava dela.

Mas não estava muito preocupada. Ainda estava viva, ainda respirando quando não deveria estar. Essa já era uma vitória por si só. Jo-Jo poderia consertar o resto, não importava quanto tempo fosse demorar.

Os pequenos movimentos lentos levaram toda a energia inexistente que eu tinha, mas lutei contra a escuridão que ameaçava me engolir. Não estava indo de volta para o buraco com o coelho branco, não até que dissesse a Owen como eu me sentia a respeito dele. Então fiquei deitada olhando o meu amor dormir. Vendo ele aqui, sabendo o quanto ele se importava, era o melhor remédio para mim. Só a presença dele me acalmava.

O tempo passou. Eventualmente, ouvi outros se deslocarem na casa. Portas abrindo e fechando suavemente, passos cuidadosos, como se meus amigos e familiares se arrastassem para não acordar quem ainda estivesse dormindo. Mas eu não queria chamar quem já estava de pé. Em vez disso, apenas fiquei ali na cama olhando para Owen, grata por ter sobrevivido ao fogo de Mab e mais grata ainda por Owen estar ali quando eu acordei.

Não sabia por quanto tempo ele dormiu, ou quanto tempo eu o observei, mas, eventualmente, seu ressonar foi se arrastando, suavizando e desaparecendo. Sua cabeça inclinou-se para um lado, e eu podia sentir que ele estava saindo do vazio estupor da exaustão.

Os olhos de Owen se agitaram ao abrir, seus lindos, lindos olhos violetas. Os que nunca tinham nada a não ser carinho, compreensão, amor e respeito sempre que olhavam para mim.

Owen esfregou os olhos, em seguida, passou as mãos pelo seu cabelo negro, despenteando-o. Soltou um suspiro suave e cansado, e olhou para mim. Aparentemente, ele ainda esperava que eu estivesse dormindo, porque franziu a testa e piscou algumas vezes, como se não tivesse certeza se eu estava realmente acordada.

— Gin? — Perguntou ele, a trêmula esperança fazendo sua voz falhar.

— De volta dos mortos, novamente.

Quis dizer isso com o meu tom leve, brincalhão mesmo, mas a minha voz saiu como uma lima dura. Parecia, parecia exatamente como Sophia. Como se tivesse passado a minha vida fumando, cheirando e bebendo tudo o que podia chegar as minhas mãos. Por um momento, perguntei-me o porquê, por que a minha voz estaria desta maneira, então me lembrei do que Jo-Jo tinha me dito. Quando era mais jovem a anã Gótica foi forçada a respirar fogo elemental, assim como eu tive.

Minha voz não incomodou Owen, no entanto. Ele fechou os olhos e soltou um longo suspiro. Toda a tensão que estava enrolada ao seu redor caiu, como correntes sendo tiradas para fora dos seus braços e pernas. Owen estremeceu com outro suspiro e uma lágrima desceu em uma das suas bochechas.

— Hey. — disse asperamente novamente. — As lágrimas são um desperdício de tempo, energia e recursos. Isso é o que Fletcher sempre costumava dizer a mim e a Finn.

Owen deu-me um sorriso torto, embora eu pudesse dizer que foi um esforço ser alegre de sua parte.

— Isso pode ser o que você pensa. Você nos deu um grande susto, você sabe.

— Quão grande susto?

Ele não me olhava nos olhos.

— Pelos rumores rápidos e furiosos que estão circulando ao redor de Ashland, dava para ver as chamas elementares da sua batalha com Mab a uma milha e meia de distância. Depois de você esfaquear Mab, as duas estavam lá deitadas no pátio. Só… queimando. Bria usou a sua magia de gelo para tentar apagar as chamas, e Jo-Jo e Sophia fizeram a mesma coisa com o poder de ar, mas demorou um imenso tempo. No momento em que nós chegamos perto de você, a maioria de sua pele estava completamente derretida. Tinha ido. Até os ossos. Não pensamos sequer que ainda estivesse viva, até que você abriu os olhos e falou com Finn.

Memórias da minha conversa com Fletcher encheram a minha mente. Não sabia se o que tinha visto no Pork Pit foi um sonho, uma visão, ou apenas uma ilusão. Não importava muito. Tinha conseguido ver o velho novamente e obtido algumas respostas as minhas perguntas— mesmo que fosse apenas em minha cabeça— isso era o que realmente importava.

— Perguntei por Fletcher, não foi?

Owen balançou a cabeça.

— Perguntou.

Nós não dissemos nada. Owen foi até a cama, sentou-se e pôs o braço a minha volta, tão suavemente e calmo que parecia que eu era feita do mais delicado cristal. Mesmo assim, poderia dizer que ele estava fazendo um esforço para tocar-me, de estar perto de mim, embora todos os seus instintos devessem estar gritando para ele ficar o mais longe possível de mim. Eu não era uma visão bonita, razão pela qual sua devoção tocou-me ainda mais.

Mesmo eu ainda estando exausta e perto de afundar novamente na escuridão, forcei-me a sentar e mover-me mais fundo em seu abraço. Então me inclinei para frente, coloquei a minha cabeça contra o seu peito e suspirei.

— Há algo de errado? — Owen endureceu alarmando. — Estou machucando você?

Eu ri, embora não fosse um som agradável dada minha voz arruinada.

— Claro que não. Só estava pensando que não havia outro lugar onde eu prefira estar além de aqui com você agora.

— Eu também. — ele murmurou. — Eu também.

— Estou contente de você está aqui quando acordei. Mais do que você jamais saberá.

Seus braços se apertaram em torno de mim.

— Estou feliz que acordou, Gin. Mais do que jamais saberá. Simplesmente não posso imaginar minha vida sem você nela.

Desta vez, foram os meus olhos que se encheram de lágrimas. As gotas salgadas deslizaram pelo meu rosto e encharcaram a gaze que cobria meu rosto, ardendo na minha nova pele curada, mas não me importei.

— Sabe. — murmurei. — Você me disse algo na noite em que fizemos amor antes de eu ir atrás de Mab. Antes de toda aquela coisa louca acontecer no pátio. E eu acho que já passou da hora de te dizer que me sinto da mesma forma. Eu te amo, Owen. Completamente, totalmente, de forma irrevogável. Já sinto isso há algum tempo. Só que já perdi tantas pessoas na minha vida de forma tão brutal. Minha mãe, minha irmã mais velha, Fletcher. É difícil para eu deixar as pessoas entrarem, deixar as pessoas se aproximarem. Queria te dizer como me sentia antes, mas não podia. Eu só não, não podia…

Emoção entupia a minha garganta, cortando as minhas palavras. Mas estava tudo bem, porque desta vez, finalmente, disse todas as coisas que precisava, que queria dizer há tanto tempo.

Os braços de Owen apertaram-me ainda mais ao meu redor. Debaixo da minha orelha, podia ouvir o seu coração bater no peito, mantendo o tempo perfeito como o meu.

— Eu sei, Gin. — Owen retumbou em voz baixo. — Eu sei e eu te amo também. Mas agora que tenho os meus braços em torno de você, nunca vou deixar você ir.

— Bom. — disse. — Porque não quero mais deixar você.


Capítulo 31


Voltei a dormir, segura e quente nos braços de Owen. Quando acordei de novo, ele ainda estava lá, ainda me segurando. Sabia que ele sempre estaria.

Descobri que tinha dado a todos mais do que apenas um pequeno susto. Eu fiquei inconsciente por três semanas. Dormi a maior parte dos dias seguintes, apenas acordando o suficiente para suportar rodada após rodada de cura de Jo-Jo.

Lentamente, as gazes foram desembrulhadas do meu corpo e substituídas por novas camadas de pele rosa brilhante.

Minha voz perdeu o seu tom áspero e irritante e voltou ao seu tom normal mais uma vez. Podia ter deixado o meu tom de voz do jeito que estava, como Sophia tinha feito depois de Harley Grimes tê-la torturado. Porém já tinha a minha cicatriz de runa da aranha para me lembrar de Mab e não precisava de mais nada.

Mas isso não era tudo o que Jo-Jo fez. Eu também tinha cílios mais longos e espessos e um novo conjunto sobrancelhas perfeitamente esculpidas, já que as minhas antigas foram queimadas. Jo-Jo também fez crescer um pouco mais o meu cabelo para que ela pudesse arrumar ele em uma elegante trança.

— Não há razão para não fazer uma pequena manutenção, enquanto estamos no assunto. — Jo-Jo cantarolou antes de soltar sua magia de ar novamente.

Uma vez que a anã havia reparado a maioria dos danos, comecei a receber visitantes. Claro, meus amigos e família estavam sempre entrando e saindo da casa de Jo-Jo desde a noite que eles me trouxeram aqui. Ainda assim, não queria que eles me vissem fraca, impotente e desfigurada. Eles viram o show de horrores na noite que eu matei Mab. Imaginava que uma vez teria sido o suficiente para os estômagos deles, para sempre.

Para meu alívio, todos sobreviveram à batalha no pátio. Xavier quebrou vários ossos de suas mãos. Batendo nos outros gigantes e nos caçadores de recompensas, enquanto Finn levou um tiro no ombro de outro atirador durante o tumulto. Owen foi ferido e agredido, com dois olhos negros, várias entorses e um ombro deslocado por balançar seu martelo. Eva, Violet, Warren, Roslyn e Jo-Jo ficaram para trás, fora do alcance do pátio, assim eles estiveram afastados da batalha frenética. Sophia ficou sem um arranhão e Jo-Jo tinha, eventualmente, curado todos os outros.

Bria, bem, Bria foi queimada, é claro. Apesar de suas feridas não terem sido tão ruins quanto as minhas, Mab ainda havia torturado horrivelmente a minha irmã com seu fogo elementar. Jo-Jo curou todos os danos externos. Quantos aos danos feitos no interior, só o tempo diria. Mas achei que Bria ficaria bem. Nós tínhamos sobrevivido a morte de nossa mãe e irmã mais velha, a nossa longa separação e todo o resto. Passaríamos por isso também, juntas. Só levaria tempo, do jeito que sempre levava.

Saber que todos estavam bem era mais um peso que saía dos meus ombros. Não achava que poderia ter vivido com a culpa de um dos meus amigos morrer. Mas estava tudo bem, tudo tinha terminado bem, eu supunha. Pela primeira vez, a sorte sorriu para mim. O fim da cadela excêntrica tinha, finalmente, chegado para mim.

Em uma tarde ensolarada, Owen carregou-me para baixo, visto que eu ainda estava demasiada fraca para ficar em meus próprios pés.

Jo-Jo, Finn e Bria esperavam por nós na cozinha. Sophia também estaria aqui, mas a anã gótica estava ocupada mantendo um olho no Pork Pit até que eu voltasse a estar de pé. Uma vez que eu ainda estava queimada, Jo-Jo cozinhava, mexendo a sopa de tomate caseira carregada com creme de leite e coentro, juntamente com sanduíches de queijo grelhado em alguns pães macios e grossos. Isso era uma das minhas refeições favoritas de conforto e senti a minha força subindo em cada mordida do queijo quente.

Enquanto eu comia, os outros contavam-me o que tinha acontecido com eles durante a luta no pátio. Ouvi pedaços antes, mas Finn contou-me baque por baque. Meu irmão adotivo contou-me em detalhes bombásticos, requintados e um pouco excruciantes de como Xavier, Sophia e Owen conseguiram lutar heroicamente, seu caminho através da multidão de gigantes e caçadores de recompensa, e recuperado Bria, enquanto Finn e Warren os cobriam com os tiros.

— Eu, é claro, nunca tive qualquer dúvida de que resgataríamos Bria, mas pensei que teríamos que passar por Gentry para fazer isso. — disse Finn. — Mas ela entregou Bria para Xavier sem uma palavra, em seguida, desapareceu na neve. Ela não tentou lutar. Eu ainda colocaria um par de balas na cabeça dela porém, apenas por todos os problemas que ela causou, mas isso foi quando fui atingido no ombro por algum franco-atirador.

Mesmo que Jo-Jo tivesse curado sua lesão também, Finn rodou o braço, fazendo uma careta de dor imaginária. Ele olhou para Bria para ver se ela havia notado, mas ela não o fez. Em vez disso, a minha irmãzinha olhou para dentro da sua sopa meio comida, com um olhar distante em seus olhos.

— Imagino que foi Sydney que atirou em você, protegendo a velha senhora como de costume. — disse. — Ela pode ser nova, mas essa menina sabe o que fazer quando se trata de armas.

— Por que você acha que Gentry nos ajudou, Gin? — Perguntou Owen. — Por que acha que ela matou o gigante de Mab e abandonou a elemental de Fogo?

Pensei no que a caçadora de recompensas me disse naquela noite na floresta fora da casa de Fletcher.

Como ela prometeu cuidar de Bria para mim, até que eu pudesse salvar a minha irmã. E então, como Gentry acenou para mim quando entrei no pátio. Por qualquer motivo, a caçadora de recompensas sentira que me devia alguma coisa.

— Ela disse que era porque Gin deu a menina alguns biscoitos. — disse Bria com uma voz suave. — É por isso que ela me ajudou, não apenas no pátio, mas com a Mab também.

Olhei para a minha irmã mais nova, esperando, apenas esperando. Depois de um momento, ela olhou para cima, encontrando os meus olhos. Dor brilhou em seu olhar azul, dor por tudo o que Mab fez a ela naquela noite muito longa. Novamente, o meu coração doeu pela minha irmã, por tudo o que ela tinha sofrido por causa da minha incapacidade de mantê-la segura. Mas não havia nenhum julgamento em seus olhos, nenhuma acusação de raiva dirigida a mim, o que fez a dor pior ainda.

— Mab me torturou, você sabe. — disse Bria. — Ela me amarrou a uma cadeira e usou sua magia em mim, usou o seu Fogo elementar para queimar a minha pele. Ela disse que queria praticar e se certificar de que estava pronta para assumir a Aranha. E claro, ela apreciava cada segundo disso.

Bria olhou para baixo para sua sopa por alguns segundos. Finalmente, ela continuou a sua história.

— Mas Gentry também estava lá, o tempo todo, por toda a noite. E quando Mab estava realmente me machucando, quando ela estava perto de me matar, quando pensei que não aguentaria mais, Gentry a distraiu. Apareceu com alguma desculpa para fazer a Elemental de Fogo recuar, mesmo que fosse por apenas alguns minutos. Mab deixou o quarto uma vez e eu fui capaz de perguntar por que ela ainda estava ali. Afinal Mab já tinha lhe pago a recompensa por mim. Gentry apenas olhou para mim. E então disse que devia alguns cookies que você deu a sua aprendiz, Sydney. Eu realmente não entendi o que ela queria dizer. Você entendeu, Gin?

Pensei na fome e na alegria que havia enchido os olhos de Sidney quando lhe entreguei os biscoitos e a tristeza que gravei o rosto de Gentry com o meu pequeno ato de bondade. O que quer que tenha acontecido a Sydney, ou talvez até mesmo a própria Gentry, eu havia ajudado a aliviar apenas com aquele breve momento no Pork Pit. Isso significou o suficiente para a caçadora de recompensas devolver o favor.

— Sim. — disse. — Sei exatamente o que Gentry quis dizer.

Ficamos todos em silêncio por um momento, antes de Finn lançar a segunda parte da sua história grandiosa, que incidiu sobre o acompanhamento do fim do duelo elemental entre mim e Mab a uma distância segura. De acordo com Finn, vários dos caçadores de recompensas e gigantes não tinham sido tão inteligentes. Ficaram presos no fogo cruzado e foram mortos imediatamente. Finn finalizou o seu conto, dizendo como ele e os outros recuperaram o meu queimado e derretido corpo dos escombros e levando-me para segurança. Ele não se demorou nessa parte. Não podia culpá-lo por isso. Eu mesma não queria pensar muito sobre isso.

— De qualquer forma, a próxima vez que você sair e matar o mal supremo, lembre-me de usar óculos escuros. — Finn brincou. Tomando o último gole de sua xícara de café. — Porque o espetáculo de luz elementar quase queimou os meus olhos, Gin.

— Claro. — disse. — Vou parar e fazer toda essa coisa na próxima vez que eu estiver lutando pela minha vida contra uma Elemental de Fogo com poder inimaginável.

— Bem, isso não deve ser tão cedo. — ele falou. — Considerando que você matou Mab. Sua magia de gelo ou chamas, ou o que fosse, fez tanto dano a ela como o fogo fez para você. Uma vez que você estava nas mãos de Jo-Jo, Owen e eu voltamos para o pátio para nos certificarmos de que ela estava morta. Tudo o que restou de Mab foram alguns ossos e isto.

Finn se levantou e pegou algo envolto em uma toalha grossa de um dos balcões. Colocou-o em cima da mesa na minha frente e eu cuidadosamente desenrolei o tecido grosso, revelando o colar em forma de sol de Mab. O símbolo para o fogo.

De alguma forma, o colar tinha sobrevivido ao fogo elemental de Mab e tinha saído ileso. Os raios ondulados dourados pareciam tão brilhantes e polidos como sempre, o rubi ajustado no meio brilhava como sangue fresco. Mas o mais perturbador disso era que eu podia ouvir o murmúrio de pedras preciosas. Os sussurros de fogo, o calor e a destruição que eram a essência de Mab. Inimigo, inimigo, inimigo… A voz primordial na parte de trás da minha cabeça tinha começado a murmurar.

Emoções encheram-me, terríveis emoções que sobreviviam nessa peça da Elemental de Fogo. Agarrei os raios dourados e alcancei minha magia de Gelo. Levou apenas um segundo para revestir o colar de magia de gelo.

E então eu o quebrei em pedaços.

Bati com o colar congelado sobre a mesa repetidamente, feliz ao ver os raios partirem um por um, seu brilho dourado sufocado até a morte pelo meu gelo. Finalmente, tudo o que restou foi o rubi. Peguei a pedra com a minha mão direita, envolvendo o meu punho em torno dele, espalhando toda a magia de gelo que conseguia alcançar.

A pedra preciosa gritou quando ela sentiu o que estava sendo feito, mas eu bloqueei o ruído e derramei ainda mais da minha magia nela.

Um segundo depois, o rubi quebrou-se com um pequeno gemido, os pedaços soltaram-se e caíram entre as minhas mãos como estilhaços. Eu escutei os cacos, mas não podia ouvir mais os murmúrios do rubi, só o silêncio. Doce, doce silêncio.

Todo mundo olhava para mim, chocados com a minha explosão violenta.

— Gin? — Perguntou Jo-Jo.

— Eu estou bem. — disse, respirando com dificuldade. — Agora que essa coisa se foi estou bem.

Todo mundo assistiu enquanto eu sacudia os cacos de rubi revestidos de gelo da minha mão. Sem dizer uma palavra, Jo-Jo pegou a vassoura que estava no canto e limpou a bagunça que eu fiz ao destruir o colar. Uma vez que todas as peças foram jogadas no lixo, senti-me a relaxar mais uma vez.

Estava tudo acabado agora, finalmente, realmente acabado.

— Também descobrimos algo mais interessante. — Owen disse em um tom tranquilo quando recuperei minha compostura. — Algo que eu acho que você vai gostar um pouco mais do que o colar de Mab.

Ele entregou-me outro pano. Mais uma vez, cuidadosamente desenrolei o tecido, revelando uma forte e esbelta arma. Minha faca de Silverstone, a que eu tinha usado para matar Mab.

— Achei que poderia querer de volta. — disse Owen.

Balancei a cabeça olhando para o metal. Devo ter feito um trabalho melhor do que pensava para mantê-la inteira com a magia de gelo, porque a faca parecia tão sólida e afiada como sempre. Meu anel da runa de Aranha, o que Bria tinha guardado sua magia, também sobreviveu às chamas elementares de Mab. Bria tinha o deslizado de volta para o meu dedo no dia em que eu acordei bem e eu não o tirei desde então. A faixa fina tilintava suavemente contra a faca quando peguei na arma. Para minha surpresa, o punho estava frio em minhas mãos, gelo frio.

— Sua magia de Gelo está na lâmina agora. — disse Owen, vendo a minha confusão. — Eu posso sentir isso lá dentro, apenas à espera de ser utilizada. É Silverstone, depois de tudo. Deve ter absorvido sua magia durante sua luta com Mab. Suas outras facas também contém o seu poder de gelo, embora não tanto quanto essa, a faca com que você matou Mab.

— Bem, suponho que todas elas vão vir a ser úteis em breve.

— O que você quer dizer? — Perguntou Jo-Jo.

Dei de ombros.

— Todos os homens de Mab, todos os caçadores de recompensas, todos eles sabem que eu sou a Aranha agora. Não vai demorar muito antes que alguém tente recolher algum prêmio ou recompensa por mim.

— Correção. — disse Bria. — Os que sobreviveram sabem que você é a Aranha, mas provavelmente não eram muitas as pessoas que estavam ao redor como você poderia pensar. Você e Mab mataram quase todos no pátio com suas magias. O médico legista ainda está lá procurando corpos. Vai demorar semanas antes de eles identificarem todos, se eles conseguirem fazer isso, visto como estão todos queimados.

— Eu, Owen, Sophia, Xavier e Warren cuidamos de alguns dos outros retardatários que descobrimos na floresta. — disse Finn. — Então, na sua maioria, há um monte de rumores em torno do submundo, mas não são muitas pessoas ao redor para confirmar ou negá-los. Eu diria que o dano e a exposição para nós são bastante mínimos, considerando todas as coisas.

Bem, isso era algo para ser grata. Não faria nenhum bem ter finalmente matado Mab e ter uma dúzia de outras pessoas aparecendo em Ashland procurando resolver velhos rancores ou criar novos.

Ainda assim, apesar das palavras deles, eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, algumas das pessoas que não estavam muito felizes com a Aranha iriam me procurar. Mas eu estaria pronta para eles, do jeito que sempre estava.

— O único que pode criar problemas para você agora é Jonah McAllister. — disse Bria com uma voz pensativa.

Fiz uma careta.

— Você quer dizer que aquele bastardo fugiu? Como ele fez isso?

Jo-Jo olhou para mim.

— Jonah McAllister poder ser uma pequena doninha pomposa, mas também sabe como sobreviver. Não se esqueça, ele conseguiu manter a sua posição como número dois nos homens de Mab por décadas, algo que não era fácil.

— O que o torna perigoso a sua própria maneira. — murmurei.

— Porém mesmo ele anda um pouco ocupado atualmente. — Finn cortou. — McAllister é um seguidor, não um líder. O que se diz é que ele está tentando encontrar um novo chefe para trabalhar, sem ser morto antes. A última coisa que eu ouvi é que ele tinha se escondido até as coisas se acalmem na cidade. Há uma guerra de gangues lá fora nas ruas. Quase um mês depois de Mab morrer, cada tubarão do submundo de Ashland está tentando agarrar tanto poder quanto conseguir.

Bria balançou em acordo.

— Eu sei. Xavier e eu fomos chamados para turnos duplos durante semanas.

— Então veja, Gin? Ninguém está realmente notando a sua ausência. — Finn disse em uma voz alegre. — Eles estão todos ocupados matando uns aos outros no momento para pensar sobre o regresso da Aranha.

— Maravilhoso. — murmurei. — Apenas fantástico.

Mas depois de um momento comecei a rir.

— O que é tão engraçado? — Perguntou Owen.

Dei de ombros.

— Nada demais. Só o fato de que matei a mulher mais invencível em Ashland, a mais forte, mais imbatível elemental ao redor, e ninguém parece se importar, porque eles estão todos muito ocupados matando uns aos outros com metralhadoras. É só engraçado.

Ri novamente, mas os outros trocaram olhares perplexos. Eles não entendiam o que estava acontecendo. Ri até as lágrimas escorrerem pelo meu rosto e meu estômago doer com força disso. E então ri um pouco mais.

Ironia. Era uma cadela.

Consegui parar de rir o tempo suficiente para terminar de comer. Jo-Jo foi verificar algo no salão de beleza, enquanto Owen saiu para ligar para Eva e atualizá-la sobre como eu estava. Suas partidas deixaram-me a sós com Finn e Bria na cozinha. Os dois se sentaram à mesa em minha frente, não se tocando, mas, obviamente, querendo fazer isso. Estar viva tinha me colocado em um humor um pouco generoso, então decidi tornar as coisas fáceis para eles.

— Então. — disse. — Exatamente há quanto tempo vocês dois estão juntos? Suponho que está indo quente e pesado desde aquela noite na casa de Fletcher quando os caçadores de recompensas interromperam vocês. Estou certa?

Nem Finn nem Bria olharam para mim.

— Certo. — murmurou Bria. — Embora se isso te fizer desconfortável…

— Então Gin vai ter que lidar com isso. — Finn cortou.

Bria olhou para ele surpresa.

— O quê? — disse Finn. — Trabalhei muito duro e por muito tempo para ter você em minha cama para apenas te soltar agora, cupcake.

Os olhos de Bria estreitaram.

— Cupcake?

— Cupcake. — Finn sorriu para ela. — Ou você prefere coelho fofo?

A mão de Bria pousou na arma em seu cinto de couro, como se ela quisesse retirá-la e atirar em Finn. Bem, era bom saber que eu não era a única que tinha ocasionalmente essa reação a ele.

Olhei para frente e para trás entre os dois, surpreendida e um pouco mais do que satisfeita com as emoções que vi faiscando em seus olhares. Aborrecimento. Desejo. Calor. E algo um pouco mais suave e mais promissor também. Pensei que eles poderiam ter a chance de ficarem juntos, para sempre. Bria era séria o suficiente para o manter sossegado, enquanto meu irmão adotivo era despreocupado o suficiente para animar minha irmã. Algo que ela precisava agora mais do que nunca para ajudá-la a superar os horrores do que Mab tinha feito para ela.

— Vou ter que concordar com Finn nisso. — disse em um tom suave. — Especialmente desde que eu tive que ouvi-lo dizer o quão fantástica você estava desde o Natal.

Bria olhou para o meu irmão adotivo com mais calor.

— Você acha que eu sou fantástica? Não sou apenas mais uma conquista para você?

Os ombros de Finn se afundaram, e ele me deu um olhar derrotado.

— Nossa, Gin. Falando sobre chutar um cara quando ele está para baixo. Agora você vai e faz isso.

Arqueei uma sobrancelha.

— O quê? Deixar o mundo saber que realmente há um coração debaixo desse terno liso e gravata brilhante? Todos nós sabemos disso há um tempo, Finn. Não importa o quanto você tente esconder.

— Maldição. — Finn murmurou. — Abatido outra vez.

Inclinei-me e baguncei os seus cabelos cor de noz.

— Quanto a mim, vocês dois tem a minha bênção e mais ainda. Então vão, saiam daqui e tenham alguma diversão juntos. Vocês estão enfiados nesta casa preocupados comigo por muito tempo.

Bria olhou para mim.

— Mas e o que aconteceu antes? Naquela noite na casa de Fletcher? Finn e eu estávamos, hum, distraídos e isso foi o que levou a toda essa confusão. Eu sendo capturada por Gentry, você sendo quase morta por Mab. Como pode simplesmente esquecer isso? Você estava tão brava com isso antes.

Pensei no que Fletcher tinha-me dito quando vi o velho homem no Pork Pit.

— Você está certa. Eu estava irritada antes. Mas todos nós cometemos erros, até mesmo o melhor de nós. Gosto de pensar que tudo se equilibra no final.

Finn me deu um olhar estranho.

— Isso soa como algo que o meu pai diria.

Apenas sorri para ele.

— Sim, é verdade, não é?

Então eu fixei os dois com um olhar duro.

— Só não me peçam para tomar partido quando se chatearem entre si. Ok?

Eles concordaram, em seguida, olharam um para o outro. Finn balançou as sobrancelhas de forma sugestiva e Bria bufou. Mas ela não podia parar o sorriso em seus lábios. Dois minutos mais tarde, ambos pediram licença para sair. Eu só esperava que eles conseguissem chegar ao apartamento de Finn antes de suas roupas serem tiradas. A essa altura, Jo-Jo caminhou de volta para a cozinha e anunciou que era hora de eu voltar para cama, quisesse ou não.

— Não passei a maior parte do mês curando você novamente para que se esgotasse no primeiro dia que está em pé. — anunciou a anã.

Owen ainda estava ocupado com o seu telefonema, então deixei Jo-Jo ajudar-me a voltar para cima. A anã ficou comigo, chegando mesmo ao ponto de aconchegar-me, algo que ela não fez desde que eu era uma menina. Ela alisou as cobertas para baixo e deu um passo atrás. Jo-Jo olhou para mim com os seus olhos claros, quase incolores e um sorriso suave vincando o rosto de meia-idade.

— Eu estou orgulhosa de você, Gin. — disse ela. — Muito, muito orgulhosa.

— Por quê? Por eu finalmente ter matado Mab?

Jo-Jo balançou a cabeça.

— Não, não é por causa disso. Estou orgulhosa porque finalmente acreditou em si mesma, Gin. Porque finalmente abraçou a sua magia totalmente. Da forma mais pura e mais forte que os elementares sempre fazem no final.

Pela primeira vez as palavras de Jo-Jo não me fizeram tremer com inquietação. Em vez disso, fiquei ali parada e pensei sobre elas. A anã estava certa e errada também. Sim, finalmente abracei o meu poder, finalmente, o usei da maneira que tinha estado sempre destinada a ser utilizado e finalmente duelei e derrotei Mab com ele. Mas não foi apenas a minha magia a ajudar-me a ganhar, foi Fletcher também. O treinamento do velho homem, todos os anos moldando-me para ser a Aranha, moldando-me para ser uma arma, isso tinha, em última instância, me permitido matar Mab. Minha magia foi apenas o meio para o fim. Fletcher foi aquele que me preparadou para enfrentar a Elemental de Fogo o tempo todo.

Disse isso a Jo-Jo, e ela sorriu de novo.

— Fletcher pode ter dado as ferramentas, querida, mas você é a única que as usou. Nunca se esqueça disso.

Algo em seu tom de voz me fez olhar um pouco mais para ela.

— O que quer dizer Jo-Jo? Acabou agora. Feito. Terminado. Mab está morta. E se ela de alguma forma conseguir rastejar para fora do seu túmulo, vou colocá-la diretamente lá de novo.

A anã olhou para mim.

— Mas sua vida não acabou, Gin. Você não é apenas uma elemental porque matou Mab. Você ainda está crescendo, como uma pessoa, como uma elemental, o que significa que sua magia vai continuar a ficar mais forte.

Minha boca se abriu e lutei para conseguir dizer as palavras certas. Nunca dei muita atenção para o que aconteceria depois de matar Mab, principalmente porque não imaginei que estaria viva depois disso.

— Você quer dizer que ainda vou ter mais magia no futuro? Ainda mais do que fiz no pátio?

Minha voz caiu para um sussurro. Estive tão ocupada apenas sendo grata por ter sobrevivido, que todo mundo que eu amava estivesse inteiro, que não pensei sobre o futuro, certamente não sobre minha magia, o que podia fazer, ou o que poderia ser capaz de fazer com ela.

Jo-Jo assentiu.

— Você irá. Você é uma pessoa muito especial, Gin, em mais de uma maneira. Sua magia é forte, mas você é mais ainda. Ela tem servido você bem e vai continuar a fazer isso.

Fiquei ali, digerindo as suas palavras.

Ela hesitou.

— Mas tenho que te dizer que ainda vejo escuridão à frente para você, querida, alguns dias escuros, alguns tempos difíceis.

Dei de ombros.

— Acho que sim. Porque agora, não sou apenas a Aranha, mas sou a mulher que matou Mab Monroe também. Cada elemental que quer provar a si mesmo estará me procurando para lutar comigo e me matar. De certa forma, vai ser ainda pior do que os caçadores de recompensas. Eles só queriam me entregar, não se importavam particularmente se eu estava morta ou não.

— Sim. — disse Jo-Jo. — Suponho que vai ser pior. Mas não é apenas os elementares que estão procurando provar a si mesmos. Há um monte de gente ruim lá fora, com um monte de maus poderes. E, querida, você parece atrair esse tipo de problemas como o mel atrai moscas. Mas sabemos que você estará pronta para eles, não importa o quê. E eu estarei aqui para ajudá-la, a cada passo do caminho. Eu, Sophia e todos os outros.

Estendi a mão e apertei a mão da anã.

— É melhor você acreditar nisso.


Capítulo 32


Passei a próxima semana recuperando-me na Jo-Jo. Todos os meus amigos iam, uma vez ou outra, para verem como eu estava. Owen passou mais tempo na casa da anã do que em sua própria casa. Finn também estava lá todos os dias, dando-me atualizações sobre o que estava acontecendo no submundo de Ashland.

A morte inesperada, mas não indesejada de Mab Monroe, jogou todo o submundo da cidade em um frenesi, com todo mundo procurando se estabelecer como o novo grande mau do quarteirão. Bria e Xavier disseram-me algumas coisas: todos os assassinatos, tiroteios e outros tipos de violência que encharcavam de sangue as ruas da cidade. Mas não havia nada que eu pudesse fazer para deter a onda ou ajudar os dois policiais, não quando ainda estava tão fraca.

Jo-Jo fez-me estar mais dois dias na cama antes de convencê-la que era hora de eu voltar a estar de pé. Poderia ter matado Mab, mas isso não significava que os problemas não viriam à minha procura para morder minha bunda quando eu menos esperasse.

Como agora.

A espada caindo ao lado da minha cabeça, perto o suficiente para separa meu cabelo, antes de eu conseguir me afastar no último segundo. Ele levantou a arma para outro golpe, mas eu já estava me movendo para frente. Ergui a minha mão e bloqueei o ataque com a minha própria espada antes de girar e cortar o meu adversário com a minha lâmina.

Clang!

A espada de Owen encontrou a minha, esmagando a sua contra a minha lâmina com tanta força que ele quase arrancou a arma para fora da minha mão. Rosnei com frustração. Um mês atrás, antes de ter lutado com Mab, eu já o teria acertado uma dúzia de vezes enquanto lutávamos. Agora tomava toda a energia que tinha apenas para balançar uma espada para ele durante cinco minutos.

Owen sorriu e balançou para trás sobre as solas de seus pés.

— Não está ruim para uma mulher que estava as portas da morte há algumas semanas.

Parei um momento para recuperar o fôlego.

— Mas não bom o suficiente para mim.

Ficamos parados nas profundezas da mansão de Owen em seu ginásio privado. Esteiras cobriam o chão, enquanto espelhos estavam alinhados nas três paredes. A quarta parede foi reservada para as fileiras de armas requintadas que Owen fizera em sua forja na parte de trás da casa. Espadas, punhais, facas, clavas, até mesmo um ou dois machados.

Estávamos vindo aqui e lutando desde o dia em que Jo-Jo me deixou sair da cama. Isto era muito, muito difícil, mas eu trabalhava até à exaustão todos os dias, em seguida empurrava um pouco mais. O submundo de Ashland não ficaria em um estado de confusão para sempre e, mais cedo ou mais tarde, as pessoas começariam a vir me procurar. E eu estaria condenada se não estivesse pronta para quando eles viessem.

Usei a manga da minha camiseta para limpar um pouco do suor da minha testa e Owen franziu a dele com preocupação.

— Você está cansada, Gin? Precisa de uma pausa?

Lancei-me para ele, chicoteado minha espada através de uma série de movimentos. Owen defendeu o primeiro golpe e até mesmo o segundo, mas o terceiro deslizou por suas defesas e a minha lâmina beijou-lhe a garganta.

— Agora isso é mais parecido comigo, — cantei.

Os olhos de Owen se estreitaram. — Você trapaceou. Pegou-me desprevenido.

— E você deveria saber que uma assassina trapacearia. — sorri. — Especialmente a Aranha.

— Hmmm.

Owen fez um grunhido evasivo e usou a ponta de sua própria espada para empurrar a minha suavemente. Ele estava vestido com uma t-shirt e calças de moletom assim como eu, mas ele as usava tão bem. O algodão fino esticado em seu peito, destacando os músculos fortes e firmes, enquanto as calças de moletom penduradas para baixo em seus quadris, insinuando a dureza que estava escondida lá também. Mmm. Um tipo diferente de calor queimou a boca do meu estômago. Combinava com a paixão ardente nos olhos de Owen.

— Você sabe, — ele murmurou, puxando a minha espada para fora das minhas mãos e baixando-a para o chão. — Acho que devemos passar para a parte do treino de combate corpo a corpo hoje.

Arqueei uma sobrancelha.

— Realmente? O que você tem em mente?

— Oh, não sei, — disse Owen, puxando-me para seus braços. — Talvez algo que vai melhorar a sua flexibilidade.

— Acontece que sou bastante flexível, — retruquei. — Você é o único que caiu de costas na cama na outra noite.

Owen sorriu. — É exatamente por isso que acho que você deveria estar no topo hoje.

Ele se inclinou e deu um beijo na minha garganta, suas mãos já trabalhando o caminho sob a minha t-shirt, assim como as minhas estavam mergulhando abaixo da cintura de suas calças.

— Então o que você me diz, Gin? — Disse Owen. — Quer um pouco de ação um-a-um? Acha que pode lidar com isso?

Minha mão deslizou para baixo, fechando em torno do seu grosso comprimento. A respiração de Owen raspou contra o meu pescoço.

— Oh, — murmurei, virando a cabeça para olhar em seus olhos. — Acho que posso lidar com qualquer coisa que você tiver, Grayson.

Nossos lábios se encontraram e passamos o resto da tarde de uma forma muito mais agradável do que lutando.

Outra semana passou. Todos os dias eu estava um pouco mais forte, um pouco mais dura, até que lentamente a velha Gin Blanco surgiu mais uma vez. Jo-Jo determinou que eu estava apta para voltar a trabalhar apenas quando a última neve de inverno derretesse em meados de março. Um dia estava frio e gelado, no seguinte, parecia que a primavera tinha chegado com toda a sua glória verde brilhante arrastada atrás dela.

Seis semanas depois da minha luta com Mab, entrei pela porta da frente do Pork Pit. Passava um pouco das dez e eu vim para abrir o restaurante para o dia. Acendi as luzes do teto, mesmo que a luz solar da manhã já estivesse entrando pelas frestas das janelas.

Esta foi a primeira vez que estive no restaurante desde a minha batalha com Mab. Por um momento, fiquei ali na porta, meus olhos varrendo todos os móveis familiares. As cabines azuis e rosas, as pegadas de porco no chão, o longo balcão ao longo da parede traseira, a caixa registradora maltratada. Todos eles me cumprimentaram como velhos amigos. Respirei e o aroma de açúcar e especiarias encheu os meus pulmões, cheirando melhor para mim do que o perfume mais caro. O aroma só intensificaria uma vez que Sophia e eu começássemos a cozinhar.

Fui até a caixa registradora. Por um segundo, era quase como se pudesse ver Fletcher sentado ali no balcão, vestindo suas roupas de trabalho azuis e o avental, assim como ele estava no meu sonho, visão, ou o que quer que fosse a estranha viagem na noite em que eu quase tinha morrido. O meu olhar foi até a parede onde estava a cópia sangrenta de Where the Red Fern Grows pendurando em seu lugar habitual, juntamente com uma foto gasta de Fletcher e Warren Fox.

Poderia ter imaginado tudo, mas parecia que o cheiro de café de chicória de repente encheu o ar. Respirei novamente, mas o aroma se foi, substituído pelo redemoinho usual de especiarias. Mas eu sabia que Fletcher Lane nunca me deixaria realmente. Sorri e comecei a trabalhar.

Todos os garçons vieram em seus horários habituais e todos me cumprimentaram com entusiasmo, dizendo-me o quão pesarosos estavam por eu ter tido mononucleose nas últimas seis semanas. Essa era a história que Finn, Bria e os outros disseram para explicar a minha ausência. Não acho que ninguém realmente acreditava nisso, apesar de tudo. Eu não teria. Não sabia quantos dos meus funcionários sabiam o que realmente tinha se passado entre mim e Mab, ou até mesmo sabiam que eu era a Aranha, mas pelo menos alguns deles ouviram os rumores. Podia ver na forma como os seus olhos não chegavam a encontrar os meus. Suponha que levaria algum tempo para que todo o alvoroço em torno da morte de Mab e a minha parte nisso diminuísse, se é que isso realmente fosse acontecer.

Graças ao cuidado amoroso de Sophia, o negócio não sofreu muito enquanto estive fora. Na hora de almoço, o Pork Pit estava mais ocupado do que nunca e eu estava feliz por estar no meio das coisas, de volta onde pertencia.

Minha felicidade durou até cerca das três da tarde.

Estava limpando o balcão, quando a porta se abriu, fazendo com que o sino badalasse. Abri a minha boca para cumprimentar meus novos clientes e então vi quem eles eram, Ruth Gentry e Sydney. Com minha mão direita continuei a limpar o balcão. Com a minha mão esquerda apalpei uma das minhas facas de Silverstone. Ainda as usava, é claro. Uma em cada manga, uma dobrada contra as minhas costas e mais duas escondidas nas laterais das minhas botas. Meu habitual arsenal de cinco pontas, tudo carimbado com a minha runa de Aranha. Poderia ter matado Mab, mas isso não queria dizer que tinha licença para fazer algo tão tolo como não ter as facas a mão.

— Sophia. — murmurei. — Podemos ter uma situação aqui.

A anã, que estava cortando tomates, grunhiu e olhou por cima do ombro. Quando ela viu quem tinha entrado, mudou-se para ficar ao meu lado, seus olhos negros frios e duros como os meus.

Gentry não demorou perto da porta. Ela caminhou até mim, com Sydney se arrastando atrás dela.

Ambas estavam consideravelmente mais limpas desde a última vez que eu as vi. Gentry tinha um novo par de jeans e uma elegante camisa rosa com o que pareciam botões de pérolas reais. Eles combinavam com revólver que ela havia escondido no novo coldre sob seu casaco cor-de-rosa a combinando. Quanto a Sydney, ela usava um par de calças de cargo caras, juntamente com um conjunto de camisas, feito de um azul céu. O rosto dela também estava mais preenchido do que da última vez que a vi e seus olhos estavam mais claros do que o olhar ferido, faminto e desesperado que tinha antes.

— Ruthy Gentry, — disse em uma voz agradável, consciente da meia dúzia de clientes que estavam no restaurante com a gente. — O que posso fazer por você?

Sob o balcão, fora da vista, meu polegar traçava o punho da minha faca de Silverstone. Gentry não parecia que tinha vindo aqui para problemas, mas você nunca sabe. Ainda ontem, Finn ouviu um feio boato que Jonah McAllister estava tentando colocar uma recompensa pela minha cabeça, literalmente. O advogado queria que alguém lhe levasse a minha cabeça, sem o resto do meu corpo preso a ela. Fontes de Finn alegaram que não havia interessados até agora, apesar do maço gordo de dinheiro que McAllister estava oferecendo.

Incrível como as pessoas tendem a deixar você sozinha depois que você mata a mulher mais poderosa na cidade.

A caçadora de recompensas se aproximou do balcão, seus olhos azuis pálidos pairavam sobre mim. Surpresa cintilou em seu olhar, como se ela não conseguisse acreditar que eu ainda estivesse viva. Às vezes eu mesma não podia acreditar nisso.

— Gin Blanco. — disse ela, combinando com o meu tom agradável. — Você está parecendo bem. Considerando todas as coisas.

Não disse nada. Gentry poderia ver quão bem eu estava. Se a caçadora de recompensas queria me colocar à prova, eu ficaria mais do que feliz em agradá-la.

— Apenas pensei em passar aqui e ver como você estava. — disse Gentry.

— Sério? — Perguntei. — Você não veio aqui para tentar recolher qualquer outra coisa?

Gentry deu-me um manhoso sorriso comedor de merda.

— Fiz isso há algumas semanas. Creditadas pela minha recompensa pela Detetive Bria Coolidge. O dinheiro sempre chega na frente.

— Isso soa como algo que meu mentor diria se ele ainda estivesse vivo.

Os olhos de Gentry se estreitaram, como se ela não tivesse certeza se eu estava zombando dela, mas não respondeu.

— Sabe eu deveria matar você. — Eu disse com uma voz suave. — Só por ter tido a coragem de aparecer em meu restaurante, no meu lugar.

Gentry assentiu com a cabeça.

— Talvez você devesse, mas tinha vir aqui hoje. Tinha que dar o meu agradecimento.

Desta vez, meus olhos se estreitaram.

— Seus agradecimentos pelo o quê?

— Por ajudar a mim e a menina. Por não ter nos matado naquela primeira noite quando teve a chance na floresta fora da propriedade de Mab. Por ter mostrado um pouco de misericórdia. — Gentry olhou para Sydney. — E por dar a uma menina com fome uma refeição quente e decente, apesar de que teria sido preferível nos ter chutado para a calçada naquele dia aqui no restaurante.

Dei de ombros.

— Eu sei o que é estar com fome. Isso é tudo. Não a atribua a qualquer bondade real da minha parte.

Grentry sorriu.

— Oh, eu acho que você é um pouco mais amável do que imagina, Gin.

— Não conte com isso. A única razão pela qual você não está morta é porque minha irmã me pediu para não matá-la. Você a ajudou naquela noite com Mab, impediu a Elemental de Fogo de torturá-la até a morte. Sou grata por isso. Deve apreciar sua própria bondade, Gentry. Porque é a única razão por ainda estar respirando agora.

Havia mais que isso, claro. Finn tinha finalmente cavado no passado de Ruth Gentry para mim e o que tinha encontrado me fez vê-la em uma nova luz. A mulher mais velha era uma caçadora de recompensas de algum renome, com a reputação de ser dura, teimosa e determinada. Gentry era o tipo de caçadora que sempre teve o seu homem, até que dois dos homens maus que ela tinha recolhido em uma recompensa fugiram da prisão, seguiram ela de volta para sua casa em Kentucky e queimaram até o chão enquanto Gentry estava em viagem de negócios. De acordo com o arquivo de Finn, a caçadora de recompensas tinha perdido tudo naquela noite, exceto as roupas em suas costas.

Assim como Sydney.

A menina e seus pais vivam na casa ao lado, e quando os homens conseguiram passar pela casa de Gentry, eles foram para o lado onde morava Sydney e sua família. Eles decidiram se esconder lá e esperar por Gentry retornar para que eles pudessem matá-la.

Foi Sydney quem realmente matou os homens, de alguma forma, conseguiu pegar uma de suas armas, mas não antes deles terem estuprado e assassinado sua mãe e matado seu pai. Finn não foi capaz de dizer o que os homens fizeram a Sydney durante o tempo que eles a mantiveram cativa e eu não tinha certeza se queria saber.

Gentry voltou para casa três semanas mais tarde para descobrir Sydney viva nos restos arruinados de sua casa e meio fora de sua mente por causa da dor. Apesar de seu próprio desgosto, sua própria perda, Gentry tomou à menina sob sua asa. Isso foi há mais de dois meses e as duas foram inseparáveis desde então. Imaginava que foi por isso que elas vieram para Ashland, pois Gentry precisava da recompensa de Bria para se levantar e proporcionar uma vida melhor para Sydney.

Gentry assentiu.

— Justo. Mas e sobre a menina? Sydney também lhe causou alguns problemas.

— Eu nunca mato crianças.

Sydney endireitou as costas.

— Não sou uma criança. Tenho dezesseis anos de idade.

Dei-lhe um olhar divertido.

— Claro que você é querida. Aprecie enquanto isso dura.

Sydney abriu a boca para protestar, mas um olhar severo de Gentry silenciou-a.

Fiz um gesto para sua roupa.

— Bem, vejo que está se tratando com melhores coisas da vida, desde que coletou sua recompensa. Um milhão de dólares pode fazer sua vida muito mais confortável.

Gentry estremeceu um pouco com a minha farpa pontiaguda.

— Não me importo com o dinheiro para mim. Nunca precisei de muito. Mas a menina aqui é uma história diferente. Seus pais tiveram um final infeliz e estou cuidando dela. Agora tenho dinheiro suficiente para cuidar, até mesmo mandá-la para a faculdade para que consiga um trabalho real.

— Mas eu quero ser caçadora de recompensas como você, Gentry. — Sydney protestou.

Gentry lhe deu um olhar feroz.

— Você pode ter pontaria suficiente para ser, mas uma mulher precisa saber mais do que apenas atirar armas. Há aprendizagem de livro também. Você sabe.

Sydney não disse nada, mas eu podia ver a determinação em seu rosto. Não importava se Gentry a enviasse para uma dezena de colégios, ela sempre iria querer ser uma caçadora de recompensa, assim como a mulher mais velha. Encarei a menina e, mais uma vez, vi-me nessa idade. Com uma família morta e um novo mentor estranho que não sabia bem como lidar comigo. Perguntei-me onde Sydney estaria daqui a dezesseis anos. Se os nossos papéis iriam se reverter, se eu estaria no lugar de Gentry nesta altura.

O pensamento fez-me sorrir.

Ainda olhando para a garota, Gentry enfiou a mão no bolso da jaqueta.

— Gentilmente, — adverti a ela. — Estou me sentindo um pouco nervosa hoje. Então esta é Sophia.

— Hmph. — Ao meu lado, a anã resmungou.

— Claro que você é. — murmurou Gentry.

Ela pegou algo no bolso de sua jaqueta e o tirou lentamente, mantendo seus movimentos pequenos e constantes. Então, ela me entregou um cartão com um número de telefone nele. Uma runa estava estampada no cartão de papel preto. Um revólver. O símbolo para precisão mortal. Apropriado, dado o que sabia sobre a caçadora de recompensas.

— Sydney e eu decidimos deixar Ashland para trás e ir para um clima mais quente. Se você for até Charleston, ligue-me. — disse Gentry. — Porque baseado no que vi no pátio, tenho a certeza de que gostaria de pagar-lhe uma bebida, um dia.

Provavelmente deveria ter rasgado o cartão em pedaços. Ou melhor ainda, prendido na ponta da minha faca e, em seguida, colocado através de Gentry. Afinal, esta era a mulher que tinha sequestrado minha irmã e levado-a para ser torturada por Mab. Mas Gentry também foi o motivo de Bria ainda estar respirando, algo que eu simplesmente não podia ignorar. Então peguei o cartão e enfiei no bolso da minha calça de brim.

— Poderia fazer isso.

— Bem, Gin, não posso dizer que foi um prazer fazer negócios com você, mas certamente foi uma experiência.

— Gostaria de dizer a mesma coisa sobre você, Gentry. Certamente deu uma funcionalidade ao meu dinheiro e você ganhou cada centavo do milhão que Mab pagou.

— Ah, agora você está apenas lisonjeando uma velha. — disse ela, mas um rubor satisfeito rastejou até o seu pescoço.

— Isso é outra coisa que deve saber sobre mim. Eu nunca bajulo as pessoas.

Um sorriso vincou em seu rosto enrugado.

— De qualquer maneira, Sydney e eu precisamos ir. Há um ônibus que sai para Charleston em uma hora e pretendemos estar nele. Então tome cuidado, Gin. Espero que nos encontremos novamente algum dia.

— Você também, Gentry, Sydney. — disse com sinceridade. — Cuidem-se.

Gentry balançou a cabeça antes que ela e a menina se virassem e saíssem do restaurante pela última vez.

O resto do dia passou sem incidentes. As pessoas iam e vinham, comendo, conversando, rindo, fofocando, mas ninguém entrou no restaurante parecendo que queria me fazer um dano imediato. Gostei muito da calma, embora soubesse que não iria durar.

Finalmente, cerca das seis da tarde, olhei para os poucos clientes que restavam e pensei sobre fechar mais cedo. Depois de estar enfiada na casa de Jo-Jo por quase um mês, me encontrei com um caso de febre de primavera. Queria dar um passeio, fazer um pouco de ioga no parque, qualquer coisa que me deixasse pegar o ar fresco e luz do sol. Apenas virei para dizer a Sophia para desligar os fogões quando a parte da frente se abriu, fazendo com que o sino tocasse e uma jovem entrou.

Observei-a à espera de sua mãe ou pai para entrarem atrás dela, mas ninguém fez. Após um momento, percebi que ninguém estava vindo. Ela estava aqui sozinha. Tinha doze anos, talvez treze, muito jovem para estar vagando tão perto de Southtown sozinha.

Mas o que me chamou e segurou a minha atenção foi a contusão inchada no seu rosto. Era azul, preta e todos os tons de verde no meio. Havia apenas uma maneira de você ter uma contusão assim, alguém plantando o punho em seu rosto. Olhei para a menina, perguntando quem era ela e o que queria. Existia uma dureza em seu rosto, suas feições apertadas e definidas disseram-me que ela já tinha visto algumas coisas ruins no seu tempo. Conhecia aquele olhar. Era um que eu tinha desde os treze anos, o mesmo que via cada vez que olhava no espelho.

A menina olhou em volta com cuidado, olhando para os outros clientes, como se estivesse medindo o tipo de ameaça que poderiam ser. Aparentemente, ela pensou que poderia levá-los, porque veio até ao balcão. A menina pulou para um banquinho perto da caixa registradora e olhou primeiro para Sophia, depois para mim.

— Posso ajuda-la, querida? — Perguntei.

A menina apenas olhou para mim.

— Depende. Você é a Aranha?

Você é a Aranha?

Estava esperando alguém me fazer essa pergunta durante todo o dia, mas ninguém tinha feito. Ninguém ousara, até agora.

Não respondi a garota, mas também não lhe disse que não era a Aranha. Se Jonah McAllister ou alguém a tinha enviado aqui, queria ver que tipo de jogo estava jogando e como eu poderia torcer ao redor para a minha vantagem. Se ela tivesse entrado por conta própria, ainda queria saber o que infernos ela pensou que estava fazendo.

Alguma da tenacidade no rosto da menina derreteu sob o meu olhar duro e cinzento. Ela afastou os olhos dos meus e respirou, como se para reforçar a sua coragem desaparecida.

— Ouvi dizer que há uma senhora aqui chamada Aranha que ajuda as pessoas, — disse a garota. — E eu quero contratá-la.

De todas as coisas que ela poderia ter dito, aquela era uma que nunca tinha esperado. Eu não ajudo as pessoas, eu as mato. Os dois não eram, necessariamente, a mesma coisa. Olhei para Sophia, mas a anã gótica apenas encolheu os ombros. Ela também não sabia o que fazer com a garota.

— E quem te disse isso? — Perguntei. — Sobre a Aranha?

A menina estendeu a mão e brincou com um dos suportes de guardanapos de prata.

— Foi apenas algo que ouvi de algumas pessoas.

Ela soltou outra respiração, em seguida, enfiou a mão no bolso de sua jaqueta e tirou um maço de notas amassadas. Ela as empurrou sobre o balcão para mim. Olhei para as notas. Parecia que no total ela tinha talvez uma centena de dólares. Não era exatamente a minha tarifa antes de aposentar-me.

— Há alguns homens maus que estão machucando a minha mãe. — disse a garota. — Quero que a Aranha os faça parar. Se você não é ela, então sabe quem é? Acha que ela vai me ajudar? Por favor?

Deveria ter dito que não a garota. Deveria ter dito a ela que não havia nenhuma Aranha aqui e para sumir. Talvez estivesse vendo as semelhanças entre Sydney e Gentry, e eu e Fletcher. Talvez fosse este estranho humor que tinha estado desde a minha reunião fantasmagórica com o velho, este sentimento estranho que estava em algum tipo de encruzilhada. Talvez fosse porque pensasse que estava sendo uma aposentada ruim. Inferno, talvez fosse apenas o maldito “por favor” dela no final. Mas não disse não a menina.

A verdade era que parte de mim se sentia a deriva agora, inquieta e em pontas soltas. Principalmente porque finalmente matar Mab não tinha sido tão recompensador como imaginava que seria.

Oh, eu estava feliz por ela estar morta. Mais do que feliz. Eufórica, realmente. Mas agora que ela se foi, agora que minha reabilitação estava terminada, não sabia o que fazer comigo mesma. Claro, eu tinha o Pork Pit para gerir durante o dia, Owen para ir para casa à noite e o resto dos meus amigos e familiares para preencher o tempo. Mas tanto da minha vida nestes últimos meses tinha sido presa na Elemental de Fogo, em matar Mab. Agora que ela estava morta, sentia-me… vazia. A deriva, sem propósito. Inferno, entediada mesmo.

Matar Mab foi meu objetivo por tanto tempo que eu não estava muito certa sobre o que fazer comigo mesma agora, o que dizer, até mesmo o que sentir.

E agora aqui estava esta menina, perguntando pela Aranha, querendo que puxasse para fora as minhas facas de Silverstone e fosse saltar para briga mais uma vez. Suas palavras simples e o apelo desesperado nelas agitaram algo em mim, algo que não podia negar, nem queria. Não mais. Pela primeira vez, percebi como Fletcher devia ter se sentido. Como o velho tinha percebido que talvez houvesse outro uso para sua habilidade especial em vez de apenas matar pessoas por dinheiro. Uma que era muito mais satisfatória no final.

E eu sabia o que tinha que fazer. Talvez fosse o que sempre tive que fazer, o que sempre faria.

O caminho que Fletcher me colocou todos esses anos, mesmo que não tivesse percebido isso na época ou pelo caminho. Mesmo que não tivesse pensado nisso até este momento.

— Guarde o seu dinheiro— disse a garota. — Não há necessidade para isso aqui.

Ela olhou para mim, hesitante, antes de apanhar as notas e as colocar de volta no bolso.

— Então você é ela? — Perguntou. — Você é a Aranha?

Lentamente assenti.

— E vai me ajudar? — perguntou ela. — E a minha mãe?

Balancei a cabeça novamente. Com o canto do meu olho, vi Sophia sacudir a cabeça. Virei a cabeça e pisquei para ela. A anã resmungou algo em voz baixa, mas seus lábios se transformaram em um sorriso.

Enquanto isso, a menina sentou-se e olhou para mim, o mais breve vislumbre de esperança nadando nas escuras profundezas de seus olhos.

— Mas como você me vai ajudar? O que você pode fazer?

Peguei uma das minhas facas de Silverstone e coloquei-a sobre o balcão na frente dela. Os olhos da menina arregalaram-se de surpresa. E talvez um toque de medo também, mas eu apenas sorri para ela.

— Meu nome é Gin, e eu mato pessoas.

 

 

                                                    Jennifer Estep         

 

 

 

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