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Series & Trilogias Literarias
Mantenha seus amigos próximos, mas seus inimigos na distância de uma apunhalada.
Uma lição importante que aprendi no negócio do assassinato é que, para ser o melhor, você precisa lidar com os outros. Agora que sou rainha do submundo de Ashland – por padrão, não por escolha – muito golpes estão sendo jogados na minha direção. Mas suponho que esse é o preço da vitória por derrubar alguns dos melhores chefes do submundo. Ainda bem que eu tenho minha magia de Gelo e Pedra para me ajudar a sobreviver na minha nova posição volátil. Apenas quando eu penso que as coisas estão finalmente se estabelecendo, alguém tenta me matar durante uma reunião secreta do submundo. Mas a verdadeira surpresa é quão estranhamente familiar meu assassino sombrio parece ser.
Meu trabalho é manter a ordem entre assassinos, bandidos e ladrões, e logo estou envolvida em um jogo sangrento em que a capacidade de manter segredos pode ser o maior superpoder de todos. Meus inimigos afiaram suas facas e colocaram suas armadilhas, esperando que eu caísse. Mas esta Aranha tece suas próprias teias de morte...
Capítulo 1
— Eu realmente quero esfaquear alguém agora.
Silvio Sanchez, meu assistente pessoal, olhou para mim. — Eu não aconselharia isso — ele murmurou. — Isto pode enviar a mensagem errada.
— Sim — Phillip Kincaid entrou na conversa — Ou seja, que você retomou os seus métodos de assassina mortal e vai começar a matar pessoas de novo em vez de ouvi-las como você deveria.
— Eu nunca realmente deixei esse caminho para trás — eu respondi. — Considerando que eu poderia matar todos aqui e dormir como um bebê hoje à noite.
Phillip riu, enquanto Silvio revirava os olhos.
Nós três estávamos sentados em uma mesa de conferência que havia sido arrastada para o convés do Delta Queen, o luxuoso cassino fluvial, que Phillip possuía. Normalmente, máquinas caça-níqueis, mesas de pôquer e roletas teriam sido montadas no convés em preparação para o jogo noturno, mas hoje o barco estava servindo como ponto de encontro para alguns dos chefões do submundo de Ashland.
Supostamente, este encontro seria uma mediação pacífica de uma disputa entre Dimitri Barkov e Luiz Ramos, dois chefes do crime da cidade, que estavam discordando sobre quem tinha o direito de comprar uma série de lavanderias para, bem, lavar o dinheiro que eles faziam de suas operações de jogo. Não que houvesse algo de pacífico no modo como Dimitri e Luiz estavam de nariz a nariz e gritando um com o outro durante os últimos cinco minutos. Seus respectivos guardas estavam de pé atrás deles, os punhos apertados firmemente e atirando olhares sujos uns para os outros, como se todos não quisessem nada mais do que começar a brigar no meio do convés.
Agora, isso seria divertido. Eu sorri abertamente. Talvez eu devesse deixá-los enfrentar um ao outro, estilo gladiador. O vencedor leva tudo. Essa seria uma maneira de resolver as coisas.
Silvio me cutucou com o cotovelo, como se soubesse exatamente o que eu estava pensando. — Preste atenção. Você deveria estar ouvindo os fatos para que possa ser justa e imparcial, lembra?
— Eu poderia ser justa e imparcial ao esfaquear os dois.
Ele me deu um olhar de reprovação.
Suspirei. — Você sempre estraga minha diversão.
—Esse é o meu trabalho, — o vampiro respondeu.
Eu espalmei uma faca de silverstone escondida na minha manga – a única arma que eu trouxe a bordo – e mostrei aos meus amigos debaixo da mesa, fora da vista dos chefes e seus homens.
— Vamos — eu sussurrei. — Só me deixe esfaquear um deles. Certamente isso também calará o outro.
Phillip riu novamente, enquanto Silvio soltou um pequeno e triste suspiro. Ele não gostava muito do meu estilo de gestão. Não imaginava o motivo.
— Achei que concordamos que você não traria nenhuma faca a bordo — Silvio murmurou novamente. — Para não enviar a mensagem errada.
— Eu deixei as outras quatro no carro. Então, sou apenas um quinto mais mortal hoje. Isso é um progresso, certo? — Eu balancei minhas sobrancelhas.
Silvio estreitou seus olhos cinzentos e estendeu a mão abaixo da mesa. Eu relutantemente lhe passei a arma e ele a colocou na manga. Eu fiz beicinho um pouco, mas ele me ignorou. Ele estava ficando bom nisso.
Meus amigos voltaram sua atenção para Dimitri e Luiz, que ainda estavam gritando e apontando seus dedos um para o outro, cada homem tentando gritar mais do que o outro. Mas, em vez de ouvi-los, olhei para o terceiro chefe que tinha aparecido: Lorelei Parker.
Ao contrário de Dimitri e Luiz, ambos vestidos com roupas formais, Lorelei usava botas pretas com saltos agulha, jeans escuros e uma camiseta de mangas compridas exatamente como eu. A única diferença real entre nós era que a jaqueta de couro dela era de um brilhante azul royal, e a minha era preta. Seu cabelo negro estava puxado para trás em uma trança francesa, e seus olhos azuis estavam focados em seu telefone, desde que ela estava ocupada enviando mensagens de texto. Os movimentos rápidos de seus dedos fizeram um anel com uma runa de silverstone cintilar em sua mão direita – uma rosa envolta em espinhos pingando sangue, tudo isso delineado por diamantes impressionantes.
Dos três chefes, Lorelei era a mais intrigante, já que ela era uma contrabandista conhecida em toda parte por sua capacidade de obter qualquer coisa para qualquer um a qualquer momento. Dinheiro, armas, joias preciosas e antiguidades caras eram apenas algumas das coisas com as quais se dizia que ela se envolvia.
Apenas um único guarda estava ao seu lado. Jack Corbin, seu braço direito. Ele também estava vestido com botas, jeans e uma jaqueta de couro preta, mas seus olhos azuis vigiavam continuamente o convés, todo mundo e tudo o que havia nele.
Corbin percebeu que eu o observava e inclinou a cabeça para mim, antes de alisar o cabelo castanho escuro. Então, ele se aproximou um pouco mais de sua chefe, pronto para protegê-la de todos no convés, inclusive de mim. Eu balancei a cabeça para ele. Meu falecido mentor, Fletcher Lane, tinha um arquivo grosso sobre Corbin em seu escritório, então eu sabia que ele era muito mais perigoso do que aparentava ser.
Por outro lado, eu também.
Lorelei estava aqui porque ela possuía as lavanderias em questão e estava mais do que disposta a vendê-las – pelo maior lance, é claro. Eu não sabia se ela tinha se aproximado de Dimitri e Luiz sobre a compra dos negócios de fachada ou se eles tinham procurado ela, e eu não tive a chance de fazer nenhuma pergunta, já que os bandidos estavam gritando um com o outro durante os seis minutos em que eu estive no barco. De qualquer forma, os homens simplesmente não conseguiam concordar sobre quem estava conseguindo o quê, e as coisas haviam chegado até o ponto em que Dimitri e Luiz estavam prestes a declarar guerra um ao outro. Isso significava tiroteios, esfaqueamentos, ataques e muitos outros crimes turbulentos
Não me entenda mal. Como a Aranha, eu fiz muita bagunça no meu tempo. Era meio que minha especialidade.
Mas há algumas semanas, eu derrotei Madeline Magda Monroe, uma elemental de ácido que se declarou a nova rainha do submundo de Ashland, seguindo os passos de sua mãe, Mab.
Assim como eu havia matado sua mãe vários meses antes, eu eliminei Madeline com minhas magias de Gelo e de Pedra, e sem mais Monroes para lutar pelo controle do submundo, os outros chefes me fizeram sua líder de fato. Pelo menos até eles começarem a planejar como poderiam me matar e um deles poderia tomar o trono que todos tanto cobiçavam.
Quase desejei que um deles tivesse sucesso em me tirar da minha miséria.
Ao contrário da crença popular, ser o líder do submundo de Ashland não era uma cama de rosas. Não era nem uma cama de espinhos. Era apenas uma dor de cabeça gigantesca – como aquela que latejava nas minhas têmporas agora.
Eu pensei que tinha sido um alvo popular durante o verão, mas agora os chefes me procuravam mais do que antes. E eles realmente queriam conversar comigo. Incessantemente. Sobre negócios e tratados e sobre quem estava deixando seus membros de gangue pintar com grafites rúnicos no território de outra pessoa. Como se eu realmente me importasse com qualquer uma dessas coisas. Mas como a grande chefe, aparentemente era meu trabalho escutar. Pelo menos de acordo com Silvio.
Lorelei foi quem pediu essa reunião, embora na verdade tivesse abordado Phillip sobre resolver a disputa ao invés de mim. Aparentemente, Lorelei não queria reconhecer minha nova autoridade ou me envolver em seus assuntos. Isso, ou ela simplesmente me odiava por algum motivo. Não importava muito, porque eu me importava tão pouco com ela quanto ela comigo.
Mas Phillip era meu amigo, e ele me contou sobre o encontro. Então aqui estava eu, prestes a mediar minha primeira grande disputa como Gin Blanco, a Aranha, nova rainha do submundo de Ashland. Sim, eu.
Ainda assim, eu teria ficado perfeitamente feliz em pular o absurdo dessa reunião formal e deixar Dimitri e Luiz duelarem até que um deles matasse o outro, mas Silvio havia apontado que se eu resolvesse a disputa deles hoje, eles não apareceriam no meu restaurante, o Pork Pit, amanhã. Como eu não queria que os criminosos assustassem meus clientes, decidi ser uma boa chefe e aparecer.
Todos estavam sentados à mesa de reuniões quando entrei a bordo com Silvio. Mas ao me ver, Dimitri e Luiz se levantaram e começaram a gritar acusações um para o outro, como se pensassem que eu ficaria do lado de quem gritasse mais alto e por mais tempo.
Agora Dimitri estava xingando Luiz em russo, e Luiz estava devolvendo o favor em espanhol. Como não pareceria que iam parar tão cedo, nem mesmo para respirar, me desliguei deles o melhor que pude e olhei sobre o parapeito de bronze. O rio Aneirin fluía abaixo da embarcação, a correnteza rápida fazendo o navio balançar levemente. O sol de novembro brilhava na superfície da água azul-acinzentada, fazendo-a brilhar como uma folha de diamantes, enquanto uma leve brisa trazia consigo o cheiro de peixe. Meu nariz enrugou com o fedor. Algumas folhas vermelhas e alaranjadas agitavam nas árvores que margeavam o outro lado do rio, embora a brisa logo as mandasse em espiral até o chão...
Algo brilhou nas árvores bem na minha frente.
Eu franzi as sobrancelhas, inclinei-me para o lado, e foquei nesse ponto. Com certeza, um segundo depois, um pequeno brilho de luz me chamou a atenção, o sol refletindo em algo escondido atrás das árvores...
Silvio me cutucou com o cotovelo de novo, e percebi que Dimitri e Luiz tinham parado de gritar e estavam me encarando com expressões de expectativa, os braços cruzados sobre os seus peitos. Atrás deles, os guardas estavam com expressões igualmente hostis.
— Bem, Blanco? — Dimitri exigiu em uma voz baixa e grave. — Qual é a sua decisão?
— Sim — Luiz entrou na conversa, seu tom muito mais alto. — Quem fica com as lavanderias?
Eu olhei de um lado para o outro entre os dois. — Hum...
Dimitri franziu a testa e a raiva brilhou em seus olhos castanhos escuros. — Você nem estava nos ouvindo!
— Bem, foi meio difícil de seguir — eu admiti. — Especialmente desde que eu não falo russo, e meu espanhol é rudimentar, na melhor das hipóteses.
Dimitri jogou as mãos para o ar e cuspiu mais palavras russas, todas parecendo maldições.
Phillip se inclinou. — Eu acho que ele acabou de insultar sua mãe.
Eu gemi, mas ergui minhas mãos, tentando aplacar o mafioso. — Está bem, está bem. É o bastante. Pare. Por favor.
Dimitri terminou seu xingamento, mas ele ainda me deu um olhar de desprezo. — Eu sabia que isso seria um desperdício de tempo. Eu deveria ter matado Lorelei e levado as lavanderias. Assim como eu deveria ter colocado uma bala na sua cabeça na noite da festa de Madeline e tomado o controle do submundo eu mesmo. Assim como eu deveria fazer agora.
O silêncio desceu sobre o convés, e o único som foi a corrida constante do rio que flui pelo barco.
Eu coloquei minhas mãos na mesa, então lentamente me levantei. O raspar da minha cadeira contra a madeira era tão alto quanto uma metralhadora.
Eu olhei para Dimitri. — Essa foi exatamente a coisa errada para a dizer.
Todo mundo podia ouvir o tom frio em minhas palavras e ver o gelo em meus olhos cinza-invernal.
Dimitri engoliu, sabendo que ele tinha cometido um erro, mas ele não estava prestes a recuar na frente de todos, então ele levantou o queixo e endireitou os ombros. — Acho que não. Há apenas uma de você. Eu tenho três homens comigo.
Sorri, mas não havia calor na minha expressão. — Isso é porque você precisa de guardas. Eu não. Eu nunca precisei. Então, se eu fosse você, começaria a pedir desculpas. Rapidamente.
Dimitri molhou os lábios. — Ou então?
Eu dei de ombros. — Ou então seus homens estarão arrastando o que sobrou de você para fora deste barco, e Phillip vai me passar a conta da limpeza.
Dimitri respirou fundo, mas a raiva manchou suas bochechas de vermelho. — Ninguém me ameaça.
— Oh, docinho — eu disse. — Não é uma ameaça.
Dimitri continuou olhando para mim, sua respiração soprando para fora de sua boca aberta como um touro prestes a atacar. Ao meu lado, Phillip e Silvio se levantaram e saíram do meu caminho.
— Tente mostrar um pouco de restrição — sussurrou Silvio ao passar.
Restrição não era uma palavra popular no meu vocabulário, mas assenti, reconhecendo o que ele dizia. Se eu matasse Dimitri e Luiz, iria apenas convencer os outros chefes de que eu queria todos mortos, e eles provavelmente começariam a tentar me matar novamente. Eu lutei muito pela minha relativa paz e tranquilidade, e eu não estava disposta a jogá-la fora por causa de um par de mafiosos de pouca importância.
Mesmo se eu sentisse vontade de esfaquear os dois. Violentamente. Viciosamente. Repetidamente.
Phillip e Silvio foram até onde Lorelei Parker ainda estava sentada na outra ponta da mesa. Lorelei tinha deixado de mandar mensagens de texto e estava olhando para mim, mas ela permaneceu em seu assento, com Jack Corbin de pé ao seu lado. Os dois não eram burros o suficiente para me atacar, pelo menos não cara-a-cara, mas o mesmo não podia ser dito dos outros chefes.
Ele não era corajoso o suficiente para lutar comigo sozinho, então ele virou-se para Luiz. — Você me ajuda com Blanco, e eu deixo você ter as lavanderias. Todas elas.
Luiz zombou. — Quero as lavandarias e a delicatessen que você possui na Carver Street.
Ele suspirou e assentiu.
Revirei os olhos. Um minuto atrás, eles teriam ficado felizes em matar um ao outro, e agora eles iriam trabalhar juntos para tentar me matar. Bem, pelo menos, Luiz teve o bom senso de tentar espremer tudo o que podia do outro gangster. Tive que admirá-lo por isso. Mesmo se ele tivesse escolhido o lado errado.
Dimitri e Luiz apertaram as mãos, selando seu acordo precipitado, e então os dois me encararam, com seus guardas de pé atrás deles, estalando os nós dos dedos em antecipação à surra que eles pensavam que iam me dar. Idiotas.
— Agora, o que você vai fazer? — Dimitri zombou. — Contra todos nós?
— Eu? Finalmente vou me divertir um pouco. Eu certamente mereço isso, depois de ouvir vocês dois choramingando como duas crianças brigando pelo mesmo sorvete.
Meu insulto foi a última gota. As bochechas de Dimitri arderam ainda mais, e ele apontou o dedo para mim.
— Peguem-na! — Ele rugiu.
— Matem Blanco! — Gritou Luiz.
Os dois chefes e seus guardas se aproximaram de mim, com Dimitri inclinado sobre a mesa e estendendo as mãos, como se ele quisesse me estrangular até a morte.
Eu acertei meu pé na perna da mesa, fazendo a coisa toda avançar, direto na barriga do russo. Ele engasgou e curvou-se, fazendo com que sua peruca negra muito ruim, óbvia e desgrenhada quase escorregasse de sua cabeça.
Mas eu já estava me movendo para a próxima ameaça. Como eu não tinha nenhuma faca, inclinei-me, peguei a cadeira em que estive sentada e bati na cabeça do guarda mais próximo. Ele gritou e cambaleou para longe, apertando as mãos sobre o seu nariz quebrado e ensanguentado. Ele passou por Silvio, que esticou o pé e o fez tropeçar. A cabeça do gigante atingiu a parte de cima do corrimão, e emitiu um ruído alto, soando como um sino. O gigante caiu no convés inconsciente. Ding. Nocauteado.
Sílvio me deu um sinal de positivo. Eu sorri de volta, então me virei para lutar com o próximo guarda.
Phillip se certificou de que ninguém embarcasse no barco armado, então eu não estava preocupada em levar um tiro. Mesmo que alguém conseguiu passar com uma arma ou uma faca, eu sempre poderia usar minha magia de Pedra para endurecer minha pele e me proteger de quaisquer balas ou lâminas.
Usando a mesma cadeira, eliminei mais dois guardas, abrindo cortes e machucados em seus rostos, pescoços e braços. Quando terminei com aqueles gigantes, o assento de plástico tinha se partido, então arranquei duas das pernas de metal da cadeira e as balancei como cassetetes.
Whack-whack-whack-whack.
Eu bati as varas de metal em cada guarda que eu consegui alcançar, acertando as pernas da cadeira em joelhos, gargantas, têmporas e virilhas. Gemidos e gritos explodiram como alarmes de neblina no convés, e mais do um pouco de sangue se arqueou no ar e respingou sobre a madeira branca brilhante e trilhos de bronze cintilantes.
— Restrição! — Silvio gritou, quando eu apontei o final de uma das varas para o rosto do gigante mais próximo. — Restrição, por favor, Gin!
— O quê? — Eu gritei de volta. — Eu não estou matando eles... ainda!
Com as minhas palavras, o gigante que eu estava lutando congelou, seus punhos afastados para me dar um soco. Mas ele levou minha advertência a sério; em vez de me bater, ele se virou e foi direto para a prancha do outro lado do barco. Eu o deixei ir, já que ele era o último guarda em pé. Os outros estavam deitados no convés, tentando encontrar a força para se erguerem e fazer seus olhos pararem de girar em suas cabeças.
— Você! — gritou Dimitri, finalmente recuperando o fôlego. Ele empurrou sua peruca de volta onde ela pertencia. — Eu vou matar você, nem que seja a última coisa que eu faça!
Com um rugido alto, ele me atacou. Larguei as pernas da cadeira que usei contra os guardas e simplesmente me agachei. Então, quando ele estava em cima de mim, eu levantei e o joguei para trás e sobre o outro lado do corrimão.
— Ahhh! — Dimitri gritou na descida.
Splash!
Passos bateram no convés, e vi Luiz correndo até mim. Então me agachei de novo rapidamente, e quando ele estava bem em cima de mim, eu fiz o mesmo movimento e o enviei ao mar também.
Outro grito alto, outro splash satisfatório!
Examinei o convés, mas não havia mais inimigos para lutar. Então eu olhei para Lorelei Parker e Jack Corbin, que estavam nas mesmas posições de antes.
— Vocês dois não querem participar da diversão? — Eu disse, pegando as pernas da cadeira de metal e girando-as em minhas mãos. — Eu estava apenas me aquecendo.
Lorelei soltou uma bufada de nojo, enquanto Corbin levantou as mãos e recuou.
Gritos fracos soaram: - Socorro! Socorro! Socorro! – e eu caminhei até o corrimão. Phillip e Silvio se aproximaram e ficaram de pé ao meu lado, e nós olhamos para baixo.
Dimitri e Luiz estavam agarrados um ao outro no rio, os dois se debatendo e tentando se manter à tona, afogando um ao outro. Dimitri de alguma forma segurou a sua peruca, que agora estava batendo contra o rosto de Luiz. Os dois pareciam os ratos molhados e viscosos que eles eram.
Eu sorri para Phillip. — Você estava absolutamente certo. Atirar pessoas ao mar é muito divertido. Eu já me sinto melhor.
— Eu te disse — Phillip disse com uma voz presunçosa, seus olhos azuis brilhando com malícia e alegria.
Silvio suspirou. — Não a encoraje.
Mais gemidos e reclamações vieram dos gigantes caídos no convés. Eu joguei minhas varas de metal de lado, me virei e me inclinei contra o corrimão. Todos os guardas pararam e olharam para mim, imaginando o que eu faria em seguida.
— Então, — eu falei, apontando meu polegar por cima do meu ombro. — Alguém mais quer nadar?
Estranhamente, ninguém aceitou minha oferta.
Capítulo 2
Os guardas ficaram em pé, arrastaram-se até o corrimão, jogaram algumas cordas e boias salva-vidas e resgataram seus patrões encharcados no rio.
Silvio segurou uma extremidade da mesa de conferência que eu chutei no estômago de Dimitri e a colocou de volta no lugar.
— O que você está fazendo?
O vampiro magro puxou um lenço de seda do bolso de seu paletó cinza e começou a limpar o sangue salpicado na mesa. — A reunião ainda não acabou. Você não decidiu quem vai ficar com as lavanderias.
— Sério?
Silvio continuou limpando a mesa. — Nós podemos reprogramar para outro dia...
— Ah não. Uh-uh. De jeito nenhum irei perder mais tempo com esses dois idiotas.
Ele me deu um olhar aguçado. — Agora ou depois. Sua escolha.
— Tudo bem, — eu resmunguei. — Vamos acabar com isso.
— Não há necessidade de se apressar — Phillip disse, ainda encostado no corrimão. — Afinal de contas, Dimitri e Luiz precisam de um tempo para se secar.
Olhei para os dois bandidos, que agora estavam esparramados no convés, ofegantes e cansados do nado forçado, com água saindo de suas roupas e sapatos e escorrendo por toda a madeira. A alguns metros de distância, a peruca negra de Dimitri jazia em uma poça sozinha.
Observei Silvio endireitar cada uma das cadeiras viradas e deslizá-las para debaixo da mesa. Exceto, claro, por aquela que eu usei para derrubar os guardas. Aquela cadeira quebrada era uma causa perdida, assim como essa farsa de reunião.
— Além disso — Phillip continuou, — nenhuma reunião do submundo está completa sem violência e bebidas. Nós já tivemos uma, então podemos também aproveitar a outra. Portanto, sente-se, relaxe, admire a vista e tome uma bebida. Acredite em mim, o álcool sempre torna essas reuniões muito mais toleráveis.
— Às vezes, acho que você e Finn são gêmeos separados no nascimento.
Finnegan Lane era filho de Fletcher e meu irmão adotivo. Ele queria vir para a reunião para testemunhar as brigas entre Dimitri e Luiz, mas teve que beber e jantar com um novo cliente rico em vez disso, já que ele era um banqueiro de investimentos. Como Phillip, Finn pensava que uma bebida forte, um terno caro e um sorriso charmoso poderiam resolver quase todos os problemas do mundo e estava determinado a provar que estava certo.
Phillip bufou e passou a mão sobre o cabelo dourado, que estava preso em seu rabo de cavalo habitual. — Bobagem. Nós não poderíamos ser gêmeos, já que eu sou muito mais bonito do que Lane poderia sonhar em ser.
— Isso é exatamente o que Finn diria, se ele estivesse falando sobre você.
Phillip sorriu, então acenou com a mão e sinalizou para um de seus próprios guardas.
O gigante assentiu, virou-se e abriu um par de portas duplas que levavam ao interior do barco. Um minuto depois, uma equipe de garçons vestindo calças pretas e camisas cobertas por coletes de cetim vermelho atravessou as portas. Um broche dourado brilhava em cada colete – um cifrão sobreposto ao contorno do Delta Queen, a runa não tão sutil de Phillip para seu cassino fluvial e todos os maços de dinheiro que ele fazia.
Uma garçonete me trouxe uma cadeira nova, enquanto outro garçom se movia ao redor da mesa, anotando pedidos de bebida de mim, Phillip, Silvio e Lorelei Parker e Jack Corbin, que estavam mais uma vez situados na outra extremidade da mesa. Pedi um gim-tônica e disse ao garçom para continuar trazendo. Ele me deu um sorriso largo, depois se afastou para anotar os pedidos de Dimitri e Luiz, já que os chefões haviam finalmente se levantado. Alguns outros garçons pairavam ao redor dos dois homens, enrolando cobertores em volta dos seus ombros encharcados, antes de distribuir ataduras e sacos de gelo para os guardas que eu havia espancado.
Um garçom terminou a limpeza de Silvio da mesa de conferência e enxugou todas as poças de água. Depois que tudo estava impecável novamente, eles desapareceram de volta para dentro. Dois dos guardas de Phillip rolaram um bar móvel para o convés, e uma mulher se moveu por trás dele e começou a misturar nossas bebidas. Os garçons reapareceram, carregando travessas de prata cheias de comida, que depositavam na mesa.
Frutas frescas, queijos gourmet, deliciosas sobremesas e até uma bandeja de bolachas de manteiga em forma de barcos em miniatura. Minha boca se encheu de água e meu estômago roncou.
— Belo banquete, Philly — falei.
Ele me saudou com seu copo de uísque. — O que posso dizer? O Gustav faz um bom trabalho.
Gustav era o chefe de cozinha da Delta Queen. Eu nunca tinha realmente o conhecido, mas nós tínhamos uma pequena competição quando se tratava de nossa comida, especialmente desde que Phillip passou a almoçar no Pork Pit pelo menos uma vez por semana. Ele comia no meu restaurante porque éramos amigos e ele era o melhor amigo de Owen Grayson, meu namorado. Mas ele também gostava da minha comida caseira, o que confundiu o Gustav totalmente, de acordo com Phillip. O chefe de cozinha de formação clássica não apreciava as artes culinárias do churrasco e da comida sulista como eu.
Mas eu não me importava de comer a comida de outra pessoa, especialmente a de Gustav, que era verdadeiramente deliciosa, então eu peguei um dos pequenos cheesecakes. O recheio de abóbora era uma explosão espessa e doce de sabor na minha boca, enquanto a crosta de biscoito tinha a quantidade certa de crocante de canela. O ganache de chocolate escuro salpicado em cima acrescentava uma nota final perfeita de riqueza decadente.
Depois de eu comer vários deles, devorei algumas tortas de maçã e cereja em miniatura, que eram combinações divinas de crosta dourada, recheio de frutas secas e colheradas de creme de baunilha, tudo polvilhado com açúcar.
Enquanto o resto de nós comia, Dimitri e Luiz se secaram e voltaram para a mesa de reuniões. O russo aproveitou o tempo para torcer a peruca preta e colocar o ninho de rato úmido de volta em cima sua cabeça careca, embora continuasse ameaçando escorregar com cada movimento que ele fazia. Luiz ficou de pé tremendo, com o queixo escondido no cobertor em volta dos ombros. Ele parecia resignado.
Dimitri, no entanto, ainda tinha um pouco de fogo nele, apesar de seu banho frio no rio. O russo tirou o cobertor, bateu as mãos na mesa e abriu a boca. Mas eu o cortei com um olhar duro e levantei meu dedo indicador, e ele mordeu de volta qualquer ameaça que estivesse prestes a dizer.
— Isso é o que vai acontecer a seguir— eu disse. — Vou me sentar aqui e curtir essa adorável refeição que Phillip tão graciosamente providenciou. Então, se você tiver sorte, eu escutarei enquanto você e o Sr. Ramos calmamente, racionalmente e muito tranquilamente me dizem por que cada um de vocês, acha que merece as lavanderias. Estamos entendidos?
Dimitri abriu a boca novamente, mas o que quer que ele viu em meu rosto o fez engolir seus protestos. — Estamos entendidos.
— Bom. Deixe-me desfrutar de mais uma rodada, e então começaremos.
Dimitri não gostou, mas ele sentou à minha frente na mesa, com Luiz tomando a cadeira ao lado dele. Entre mordidas e álcool, os dois chefes alternadamente se olhavam e olhavam para mim, lançando um olhar de relance para Phillip de vez em quando para uma avaliação.
No extremo oposto da mesa, Lorelei retomou o envio das mensagens de texto, ignorando todo o drama. Ela notou que eu olhava para ela, fez uma careta e virou de lado em seu assento para encarar o outro lado.
Eu não sabia por que Lorelei era tão desdenhosa comigo. Claro, ela enviou alguns de seus homens para me matar, assim como a maioria dos outros chefes fez, e sem dúvida ela estava desapontada que eu ainda estava viva, apesar dos seus melhores esforços em contrário. Mas nunca tivemos conflitos ou confrontos diretos. Então, novamente, se Lorelei Parker queria me odiar, isso era problema dela. Pegue um número, docinho e entre na fila. Eu tinha uma longa lista de inimigos, e mais um não me incomodava nem um pouco.
Eu terminei meu gim-tônica e a última das deliciosas sobremesas, e todos empurraram seus petiscos de lado. Os garçons vieram e serviram novas bebidas a todos. Quando eles terminaram e se afastaram, gesticulei para Dimitri, indicando que ele poderia finalmente começar seu discurso. Dimitri bufou sobre quanto tempo eu o fiz esperar, mas ele ficou de pé, ajeitou a peruca úmida e começou seu longo discurso sobre as lavanderias.
Tentei prestar atenção nele. Realmente, eu fiz. Mas seu discurso rapidamente se dissolveu em uma série de pronunciamentos petulantes, afirmando que ele merecia as lavanderias só porque ele era Dimitri Barkov e, ele achava que ele era um durão. Sim, até o Luiz revirou os olhos para isso, mas ele era esperto o bastante para ficar quieto. Ou talvez Luiz pensasse que ele poderia ganhar as lavanderias simplesmente por ser a pessoa que me incomodava menos.
Ele poderia estar certo sobre isso. Eu não vi nenhum outro motivo para dar a um homem os negócios em detrimento do outro.
Mas Dimitri seguiu a todo vapor com seu discurso, alheio ao fato de que eu não estava ouvindo-o. Ninguém estava. Phillip estava bebendo seu uísque e observando um grupo de patos nadando pelo rio, enquanto Silvio discretamente digitava em seu telefone debaixo da mesa, exatamente como Lorelei. Mesmo os próprios guardas de Dimitri pareciam muito mais interessados na comida e bebida do que na arrogância de seu chefe.
O tédio coletivo, inclusive o meu próprio, era provavelmente a única razão pela qual eu notei o garçom.
Ele usava o mesmo uniforme que os garçons – calça preta, camisa preta, colete de smoking vermelho. Mas, em vez de sair pelas portas duplas como o resto da equipe, ele saiu de uma passarela que contornava a lateral do barco em frente ao rio. Ainda assim, ele poderia não ter chamado minha atenção se o sol não tivesse refletido no balde de prata que ele estava carregando e atingido meus olhos. Eu estremeci e pisquei para afastar os pontos escuros resultantes.
O garçom colocou o balde em uma plataforma ao lado da grade, a cerca de um metro e meio de onde eu estava sentada no final da mesa de conferência. Uma garrafa de champanhe estava aninhada em um monte de gelo dentro do balde.
O garçom deixou o balde para trás e caiu em sintonia com os outros, pegando as bandejas de comida agora vazias e passando-as para outros membros da equipe, que as levaram pelo convés, através das portas duplas e fora de vista. Mas ele não fez nenhum movimento para voltar e realmente fazer qualquer coisa com o champanhe. Estranho. Você pensaria que ele teria aberto a garrafa primeiro para começar a servir enquanto os outros garçons reabasteciam a comida.
Outro pensamento me ocorreu. Ninguém havia pedido champanhe quando o primeiro garçom apareceu, e todos ainda tinham um copo cheio na mão, já que nossas bebidas tinham acabado de ser reabastecidas. Agora, Phillip poderia estar fazendo o papel do anfitrião gracioso e pediu que o champanhe fosse trazido, caso alguém o quisesse. Mas eu não tinha ouvido ele dar essa ordem também.
Finn frequentemente me dizia que eu era completamente, totalmente, insanamente paranoica, mas tantas pessoas tentaram me matar nos últimos meses que eu achava que minha preocupação constante era mais do que justificada. Eu não era um super-herói, mas meu sentido de aranha estava definitivamente formigando agora.
Eu me concentrei no garçom, mas ele não fez nada suspeito, e quando a mesa estava coberta de comida novamente, ele tomou uma posição perto da grade, bem ao lado do balde de champanhe. Ele parecia tão entediado quanto todo mundo, já que Dimitri ainda estava firme com sua fala, mas algo sobre o garçom não estava certo.
Então eu continuei olhando para ele, tentando descobrir o que era. Ele tinha uma aparência comum, com cabelo claro, olhos castanhos e uma constituição mediana. Nada sobre ele realmente se destacou em tudo. Sem marcas distintivas, sem cicatrizes, sem tatuagens. Ele se misturava perfeitamente com os outros garçons, e ele poderia ter sido uma peça de mobília por toda a atenção que ele atraía.
Todos os traços de um assassino perfeito.
Eu passei anos sendo tão esquecível. Apenas outra garçonete, apenas outra trabalhadora, apenas outro rosto brando e educado na multidão em algumas das festas mais luxuosas de Ashland. Claro, eu poderia realmente ter sido contratada e servido como garçonete, mas o que eu realmente estava fazendo era realizando o reconhecimento de possíveis alvos e avaliando os sistemas de segurança em algumas das melhores casas da cidade.
Mas se esse cara fosse um assassino, e ele estava aqui para matar alguém, então onde estava sua arma? Eu não vi o esboço de uma arma em qualquer parte do corpo dele. Ele poderia ter um revólver ou uma faca colocada na parte inferior das costas ou amarrada ao tornozelo, mas seria difícil esconder uma arma naqueles pontos, sacá-la e matar alguém com ela. Especialmente se eu fosse o alvo dele. Eu poderia facilmente explodi-lo com magia antes de ele pegar a arma ou chegar perto o suficiente para me esfaquear com uma faca.
Mas o cara não fez nenhum movimento em minha direção. Ele nem estava olhando para mim. Em vez disso, ele ficou de pé no corrimão, com uma das mãos apoiada na borda do balde de champanhe prateado, e olhou para Lorelei Parker, apesar de ela estar ignorando todo mundo e ainda enviando mensagens de texto.
— Gin? — sussurrou Silvio. — Algo está errado?
Ele intencionalmente abaixou seu olhar para o meu colo. Olhei para baixo e percebi que minhas mãos estavam tão apertadas que podia sentir meus dedos pressionando as cicatrizes nas palmas das mãos – dois pequenos círculos, cada um rodeado por oito raios finos. Uma runa de aranha, o símbolo da paciência. Minha própria marca pessoal, em mais de uma maneira.
Relaxei meu aperto, então franzi a testa. Porque não era o meu sentido de aranha formigando tanto quanto era o silverstone que formava minhas cicatrizes de runas de aranha. O metal estava coçando e queimando de uma maneira que só significava uma coisa: alguém aqui estava usando magia elemental.
Eu olhei ao redor do convés. Silvio havia investigado todos os que iriam estar aqui hoje, incluindo Dimitri, Luiz e seus guardas, e nenhum deles tinha qualquer tipo de magia. Claro, alguém poderia estar escondendo sua habilidade, mas o vampiro não era nada se não meticuloso. Se alguém aqui já tivesse usado magia em público, onde outras pessoas pudessem ver, Silvio teria descoberto a respeito.
Um dos garçons ou guardas de Phillip poderia estar usando magia, mas eu estava familiarizada com eles, dadas as minhas frequentes visitas ao barco, e eu não vi ninguém que eu não conhecesse de visitas anteriores.
Exceto pelo garçom misterioso.
Eu o estudei de novo, mas seus olhos escuros não brilhavam com magia, e nenhuma faísca de Fogo ou agulhas de Gelo se formavam na ponta dos dedos, enquanto ele poderia estar usando por algum tipo de poder elemental.
Então eu me concentrei na sensação da própria magia. Não era a queimadura quente do Fogo, a geada fria do Gelo, nem mesmo a brisa forte do Ar. Em vez disso, o poder era mais parecido com a minha magia de Pedra, apesar de não ser exatamente o mesmo.
Examinei o deck novamente, mas Dimitri ainda estava falando, e todo mundo estava tão entediado quanto antes. Meu olhar voltou para o garçom, e eu finalmente percebi o que havia de errado sobre ele.
Ele não estava usando um broche dourado com a runa de barco em seu colete como todos os outros garçons.
Muitas pessoas em Ashland usavam algum tipo de runa para simbolizar seus negócios, sua magia, ou até mesmo seus laços familiares. O mesmo acontecia com as pessoas do submundo como Phillip, mas ele e todos os outros mantiveram um bom controle sobre suas runas – fossem elas broches ou anéis ou o que quer que fosse – e especialmente sobre quem as usavam. Phillip e os outros chefes não deixariam ninguém usar suas runas. Não, para usar o símbolo, você tinha que realmente fazer parte da equipe e ser fiel ao chefe.
Calça preta e uma camisa combinando teriam sido fáceis o suficiente para conseguir. Assim como um colete de smoking vermelho. Mas o broche de runa de barco dourado era a única coisa que um potencial assassino não seria capaz de encontrar em uma loja no dia em que decidiu se passar por um garçom do Delta Queen, entrar a bordo e tentar matar alguém.
Não, não alguém. Eu. A Aranha.
— Fique aqui até eu voltar — murmurei para Silvio. — Não deixe ninguém sair.
— Voltar? Onde você está...
— Eu não posso acreditar! — A voz alta de Dimitri o interrompeu. — Você não está me ouvindo! Novamente!
Dimitri jogou as mãos para o ar e começou a xingar em russo novamente. Todo mundo voltou sua atenção para ele, divertido com seu discurso, mas eu fiquei olhando para o garçom misterioso.
O homem percebeu que eu estava olhando para ele, e olhou para trás, arregalando os olhos ao pensar no que fazer. Ele me deu um sorriso apertado, então rapidamente desviou o olhar, concentrando-se em Dimitri, mesmo quando estava mudando de posição. Ele estava tentando manter a calma, mas gotas de suor escorregavam pela lateral do rosto dele, apesar da brisa fresca de novembro. O garçom não estaria tão nervoso e repentinamente tenso por eu olhar para ele se eu não fosse o alvo.
Eu levantei do meu assento, ele se virou e correu.
Ele correu pelo convés e entrou na passarela que percorria o comprimento do barco. Tomei o caminho mais direto para ir atrás dele, saindo da minha cadeira e pulando por cima da mesa. Eu corri direto por cima da mesa, derrubando as travessas restantes de comida, virando bebidas, e realmente fazendo uma bagunça. Gritos surpresos soaram atrás de mim, mas eu me concentrei em pular da mesa e perseguir o garçom.
As pessoas culpadas sempre correm. Eu deveria saber. Eu sou quase sempre uma delas.
Mas o falso garçom teve uma vantagem inicial, e ele estava se movendo rapidamente. Ele abriu uma porta e correu pela sala de observação envidraçada que dava para o rio, depois empurrou a porta oposta e continuou a correr para a parte de trás do barco.
Felizmente, ele deixou as portas abertas para mim e eu consegui compensar alguns segundos preciosos.
Mas não foi o suficiente.
Quando deixei a sala de observação para trás, o cara subiu no corrimão de bronze do barco, bem ao lado da enorme roda de pás branca que se erguia ao longo de todos os seis conveses. Em vez de olhar para trás para ver quão perto eu estava, ele se lançou para o rio em um perfeito mergulho de cisne.
Splash!
O garçom cortou a superfície da água com toda a graça de um mergulhador olímpico, e apenas uma ondulação mostrava onde ele havia pousado no rio. Impressionante. Eu derrapei até parar e me inclinei sobre o corrimão.
O sujeito emergiu e começou a nadar para a margem oposta o mais rápido que podia. Comecei a passar a perna por cima do corrimão para poder mergulhar atrás dele...
Crack!
Crack! Crack!
Crack!
Balas acertaram o corrimão, fazendo-me abaixar atrás das barras de bronze. Eu imediatamente alcancei minha magia de Pedra, usando-a para tornar minha pele tão dura quanto mármore, enquanto invocava uma bola fria e prateada de magia de Gelo na minha mão direita. Eu era uma das raras pessoas que eram talentosas em não um, mas em dois elementos, e eu era mortal com ambos. Eu olhei através das aberturas no corrimão, procurando por um alvo para explodir com o meu poder de Gelo.
Mas não havia mais balas atravessando o ar em minha direção.
Cinco segundos se passaram, depois dez, depois vinte.
E ainda, não houve mais disparos de arma.
Na marca de trinta e cinco segundos, eu soltei o meu poder de Gelo, embora eu ainda mantivesse minha pele impenetrável com a minha magia de Pedra, no caso do franco-atirador estar tentando me enganar com uma falsa sensação de segurança. Então eu me levantei e olhei para a água.
Nessa altura, o falso garçom alcançou o raso e estava ocupado empurrando as taboas{1}. Eu amaldiçoei, porque não havia como pegá-lo agora. Então eu esperei, me perguntando se o atirador poderia se mostrar. Quem quer que estivesse atirando em mim era esperto demais para fazer isso, infelizmente.
Mas ele não foi muito inteligente para não me espiar através de seus binóculos novamente.
Foi o mesmo flash revelador de vidro que eu notei anteriormente no convés principal e um que eu estava familiarizada, já que muitas vezes eu usava binóculos para espionar alvos em potencial. Eu fiz uma careta, imaginando por que o cara ficaria satisfeito só de olhar para mim quando eu estava de pé, dando a ele o que parecia ser um tiro fácil e claro.
Mas o sol continuava piscando nas lentes binoculares, e não havia balas vindo em minha direção. Do outro lado do rio, o falso garçom finalmente saiu do raso e subiu na margem do rio. Alguns segundos depois, ele desapareceu nas árvores.
Então, por que o atirador ainda estava olhando pelas lentes para mim? Ele deveria estar fugindo com seu amigo, não ficar por perto para assistir o resultado.
A menos que... este não era o resultado que ele estava esperando.
Eu pensei na maneira como o garçom segurava a borda do balde de champanhe prateado mais cedo. Ele poderia ter escapado, mas aquele balde ainda estava lá, bem onde ele havia deixado.
Uma suspeita horrível me ocorreu. Eu queria saber onde estava a arma do garçom, mas talvez ele não tivesse arma alguma. Talvez ele tivesse algo ainda mais poderoso e muito mais mortal, algo que ele propositadamente deixou para trás no barco.
Uma bomba.
Capítulo 3
Eu virei e corri de volta pelo caminho que eu tinha vindo, indo para a frente do barco.
Silvio e Phillip apareceram na outra extremidade da passarela, sem dúvida atraídos pelo som dos tiros e vindo me ajudar, mas já era tarde demais para isso.
Poderia ser tarde demais para todos nós.
Acenei para eles. — Voltem! Tirem todo mundo do convés principal! Há uma bomba!
Silvio deve ter me ouvido com sua audição vampírica aprimorada, porque ele puxou o braço de Phillip, e os dois viraram e correram de volta para o convés principal, desaparecendo da minha linha de visão.
Gritos e exclamações soaram daquela área, embora fossem muito confusos para entender. Tudo o que eu realmente podia ouvir era o pesado baque das minhas botas no convés e o rugido do meu próprio coração batendo como um bumbo nos meus ouvidos. Corri o mais rápido que pude, mas a cada passo, preocupava-me que fosse tarde demais para salvar meus amigos. Porque aquele clarão de vidro ainda brilhava nas árvores do outro lado do rio, e eu esperava que o atirador acionasse remotamente a bomba a qualquer segundo.
É o que eu teria feito, de qualquer forma.
Mas o atirador deve ter tido outras ideias, porque nenhuma explosão soou pelo ar. Nenhum fogo, e nenhuma fumaça subiu para o céu. Então continuei correndo. Eu não sabia por que a bomba ainda não tinha explodido, mas eu ia usar cada segundo extra que conseguisse.
Era a única maneira de sobrevivermos a isso.
Corri de volta para o convés principal e descobri que reunião tinha se dissolvido em completo e absoluto caos. Silvio e Phillip estavam gritando para que todos saíssem do barco, com Phillip em pé ao lado das portas duplas abertas, tentando levar sua equipe para a segurança.
Do outro lado do convés, um impasse se formou no topo da prancha, com Dimitri, Luiz e seus respectivos guardas lutando para desembarcar primeiro. Silvio também estava lá, gritando para eles descerem a prancha, dois de cada vez de maneira ordenada, mas o vampiro magro não era páreo para os gigantes, e ele ricocheteou em seus corpos altos e largos como uma bola de tênis sendo golpeada de um lado para o outro. Ninguém o escutava e ninguém saía do barco.
Phillip correu, agarrou o gigante mais próximo, atirou-o por cima do corrimão e ele caiu no rio. A provável mistura de sangue gigante e anão de Phillip deu a ele força mais do que suficiente para entrar na multidão, empurrar Dimitri, Luiz e seus homens para fora do caminho, e dar a Silvio um muito necessário espaço para respirar.
E criar uma abertura perfeita para Lorelei Parker escapar.
Lorelei não era páreo para a força dos gigantes, então ela estendeu sua bota, fazendo um deles tropeçar quando ele passou por ela. O gigante gritou e caiu para frente, derrubando dois outros homens à sua frente, como árvores batendo uma na outra na floresta e criando um caminho limpo para a segurança. Lorelei passou sobre o gigante caído, brigando com os outros dois homens, e chegou à prancha tão fácil quanto poderia. Até eu tive que admirar sua técnica eficaz e sorrateira. Corbin seguiu-a pela prancha, e os dois desapareceram de vista.
Examinei o resto da área. A mesa de conferência estava virada para o lado, com todos os pratos à sua volta, as elegantes exibições de comida espalhadas pelo convés como lixo. As cadeiras tinham sido derrubadas, os copos quebrados, e tudo estava uma bagunça.
Exceto pelo balde de champanhe.
Ele permaneceu intocado, em cima do suporte ao lado do corrimão, onde o falso garçom a tinha deixado, brilhando como um farol prateado em meio a todos os alimentos pisoteados, pratos quebrados e mobília virada.
Corri até o balde de gelo. Eu chequei para ter certeza de que havia apenas líquido na garrafa de champanhe, então a joguei de lado. A garrafa se espatifou no convés, o líquido dourado escorrendo, borbulhando e se espalhando como ácido. Isso me lembrou da magia horrível de Madeline. Eu vacilei e continuei procurando através do gelo.
Finalmente, apenas quando eu pensei que estava errada e não havia uma bomba escondida lá dentro, minha mão se fechou em torno de algo pequeno, quadrado e metálico no fundo do balde. Ainda segurando a minha magia de Pedra para me proteger de qualquer explosão em potencial, arranquei o objeto das profundezas escuras, imaginando o tempo todo por que o atirador, o observador, não explodira a bomba ainda – e eu junto com ela.
Ou talvez ele estivesse apenas esperando que eu a pegasse para realmente garantir o máximo dano.
O pensamento me fez recuar, ficar tensa e alcançar ainda mais a minha magia de Pedra. Mas o dispositivo ainda não explodiu, então eu tirei alguns preciosos segundos para examiná-lo. Eu não sabia tanto sobre bombas quanto Finn, mas era uma caixa de metal simples com um celular colado no topo para servir como o gatilho. Sem dúvida, algum tipo de explosivo havia sido colocado dentro do contêiner, mas a caixa ainda estava mais pesada do que deveria. Eu dei uma sacudida suave, e vários itens sacudiram por dentro. Eles quase soavam como... pregos, pregos soltos que criariam estilhaços mortais no segundo em que a bomba explodisse.
Mas ainda pior era a magia que revestia a caixa.
Agora que eu estava realmente segurando a bomba em minhas mãos, pude identificar o tipo de magia que tinha sido usada para fazer isso: metal.
A sensação fria e dura pulsando da caixa era estranhamente semelhante ao meu próprio poder de Pedra. A única diferença real era que essa magia parecia um pouco mais maleável que a minha, assim como o metal podia ser moldado mais facilmente do que a pedra. Um elemental de metal tinha introduzido sua magia na caixa – um muito forte, a julgar pela quantidade de energia que ondulava pela superfície.
Olhei por cima do ombro, esperando que Phillip e Silvio tivessem tirado todo mundo do barco. Mas eles ainda estavam lutando com Dimitri, Luiz e seus guardas, com os garçons do Delta Queen e outros membros da equipe gritando, avançando, empurrando e tentando chegar à prancha.
Eu não sabia quão poderosa a bomba era ou o alcance da explosão, mas o observador poderia acioná-la a qualquer segundo, e eu não queria que pessoas inocentes se machucassem na explosão. Eu precisava sair do barco também, só para ter certeza de que a explosão não faria um buraco que iria afundar a embarcação, levando qualquer outra pessoa que ainda estivesse dentro ou abaixo do convés. Minha mente zuniu e zuniu, tentando pensar na melhor maneira de conter a explosão, tanto quanto possível, já que eu não tinha tempo para desarmar a bomba...
Beep.
Como se ouvisse meus pensamentos frenéticos, o celular ligou, confirmando meu medo de que o observador poderia acionar a bomba quando quisesse. Eu passei meus braços ao redor da caixa, alcancei ainda mais a magia de Pedra, e me preparei para a detonação...
Nada aconteceu. Eu olhei para baixo e percebi que um relógio havia aparecido na tela do telefone. Trinta segundos e contando.
Não havia mais tempo, então fiz a única coisa em que consegui pensar.
Ainda segurando a bomba em meus braços, subi para o parapeito, depois saltei pela lateral do barco para as profundezas frias do Rio Aneirin abaixo.
* * *
Minhas pernas se agitaram e se agitaram no ar pelo que pareceu uma eternidade, embora não pudesse ter demorado mais do que alguns segundos, e eu bati na água com um alto splash!
A força áspera e dissonante do impacto quase arrancou a bomba das minhas mãos, mas consegui segurá-la. Em vez de nadar em direção à superfície, deixei a correnteza me arrastar para baixo, enquanto eu contava os segundos na minha cabeça.
Vinte e cinco... vinte e quatro... vinte e três...
A água estava escura e sombria, e eu mal conseguia distinguir a bomba. Eu não sabia se apenas ser mergulhado no rio era o suficiente para desarmar o telefone e parar a explosão, mas eu ia garantir que a bomba faria o menor dano possível.
Não havia tempo para ser sutil, então eu alcancei minha magia de Pedra novamente. Normalmente, eu usava meu poder para endurecer minha pele ou fazer minhas mãos tão duras e pesadas quanto blocos de cimento. Desta vez, eu cobri a caixa com o meu poder, esperando que minha magia de Pedra a sobrecarregasse e a enviasse diretamente para o fundo do rio. O brilho prateado da minha magia cortava a escuridão, iluminando claramente a contagem regressiva no telefone.
Quinze... quatorze... treze...
Meu poder facilmente cobriu a caixa, e uma vez que eu tinha aquela primeira camada de magia de Pedra em cima dela, eu a cobri com várias outras, enviando ondas após ondas de magia. Todo o tempo, continuei contando os preciosos segundos em minha mente.
Dez... nove... oito...
Fiz o máximo que pude para amortecer a explosão. Eu estava sem ar e quase sem tempo, então soltei a bomba, deixando-a afundar ainda mais no rio. Então eu chutei minhas pernas e comecei a nadar para a superfície o mais forte e rápido que pude.
Cinco... quatro... três...
Minha cabeça saiu da água. Eu tomei uma respiração desesperada e irregular...
Boom!
A bomba não deve ter afundado tão rápido ou tão fundo quanto eu esperava, porque pareceu explodir bem abaixo dos meus pés. Eu não senti nenhum prego ou estilhaços batendo contra a minha pele, mas a onda resultante do impacto atravessou o rio, agitando a superfície da água e eu junto com ela, como uma onda subindo e rompendo em direção à costa.
Só que neste caso, eu não ia pousar em uma praia de areia macia.
Em vez disso, o casco branco reluzente do Delta Queen apareceu diante de mim. Não havia como parar o que estava prestes a acontecer, então eu joguei minhas mãos para cima e peguei mais da minha magia de Pedra, tentando endurecer o meu corpo o máximo que eu podia, mesmo sabendo que não funcionaria tão bem contra todas aquelas grossas e pesadas toneladas de madeira...
Minha cabeça bateu na lateral do barco, a água caiu em cascata ao meu redor, e o mundo ficou preto.
Capítulo 4
As batidas no meu peito me acordaram.
Thump-thump-thump-thump.
Uma e outra vez, um punho bateu em meu coração, como se alguém estivesse me batendo com um martelo. Eu já tinha passado pela mesma coisa uma vez antes, então eu sabia exatamente o que estava acontecendo. Phillip realmente não conhecia sua própria força às vezes. Se ele me batesse com mais força, ele ia quebrar minhas costelas.
Um duro golpe final me fez começar a sufocar e tossir boa parte do rio que eu engoli. Mãos me rolaram de lado para que eu pudesse vomitar toda a repugnante água com gosto de peixe dos meus pulmões. Assim que terminei, aquelas mesmas mãos gentilmente me rolaram para o outro lado, de modo que fiquei deitada de costas novamente.
Eu ofeguei, pestanejei e olhei para um Phillip muito molhado. Seu cabelo loiro estava grudado na cabeça, enquanto a camisa branca agora estava transparente e grudada em seus músculos. Mais água pingava do seu rabo de cavalo e caia no convés.
— Você sabe — disse ele, com suas feições tensas relaxando lentamente — esta é a segunda vez que tiro você da água. Você realmente precisa aprender a nadar, Gin.
— Oh, eu posso nadar bem. São os golpes na cabeça que eu preciso evitar.
Phillip sorriu, em seguida, me ajudou a sentar, de modo que eu estava encostada no corrimão de bronze. A mudança repentina de elevação fez minha cabeça latejar, e demorou alguns segundos para o mundo parar de girar como um carrossel maluco. Algo quente escorria pelo lado do meu rosto. Eu estendi a mão, estremecendo e assobiando com a dor enquanto meus dedos sondavam o caroço grande e latejante na minha testa, junto com o sangue do que eu presumi ser um corte profundo e desagradável. Barco 1, Gin 0.
Uma toalha branca e fofa apareceu na minha frente, e Silvio se agachou ao meu lado, seu terno cinza perfeito, como se ele não tivesse passado os últimos minutos correndo e tentando afastar gigantes para fora do caminho.
— Para a sua cabeça — disse ele.
Peguei a toalha e limpei um pouco do sangue e da água do meu rosto. O olhar acinzentado de Silvio se concentrou em minhas feridas na cabeça.
— Acredito que isso exigirá alguma ajuda da Sra. Deveraux— disse ele. — Eu vou ligar e pedir a ela para vir.
Eu assenti, estremecendo com a dor que o pequeno movimento causou no meu rosto e cabeça.
Sílvio se levantou, pegou o telefone e discou para Jolene “Jo-Jo” Deveraux, a anã elemental de Ar que me curava sempre que eu acabava com um sério arranhão como este. O vampiro contou tudo a Jo-Jo e terminou a ligação. Mas ele não guardou o celular. Em vez disso, ele começou a digitar, com o polegar passando sobre as teclas mais rápido do que eu podia falar.
— Para quem você está enviando mensagens de texto? — Perguntei, com a voz rouca.
— Todos de costume. Owen, Finn, Bria.
Eu gemi. — Você tem que fazer isso? Foi só uma bomba. E eu só tenho uma concussão... mais ou menos.
Silvio me deu um olhar de lado. — Claro que tenho que fazer isso. Um bom assistente sempre cuida das necessidades do seu empregador.
— E eu preciso dos meus amigos em cima mim e fazendo um estardalhaço? Esta não é a primeira vez que alguém tenta me matar, sabe. Não é nem a primeira vez esta semana.
Aquela honra foi para o idiota que pensou que poderia me atacar na garagem onde eu tinha estacionado meu carro. Ele tentou abrir meu crânio com um pé de cabra, mas eu o golpeei até a morte com ele em vez disso. Ele ainda estava no refrigerador em um beco perto do Pork Pit, esperando para ser descartado por Sophia Deveraux.
— Claro que sim — respondeu Silvio. — Você só não quer admitir isso.
Eu gemi novamente, mas não havia como pará-lo. O vampiro era insuportavelmente eficiente dessa maneira. Enquanto ele mandava mensagem para todos, eu olhei para o convés, vazio agora, exceto por nós três e a confusão ao redor da mesa de conferência, que ainda estava virada para o lado, suas pernas de madeira saindo como uma tartaruga que não podia se endireitar.
— Onde está todo mundo? — perguntei.
— Foram embora. — Phillip bufou, cruzando os braços sobre o peito. — Como os covardes que são.
— Dimitri, Luiz, e seus guardas finalmente conseguiram empurrar seu caminho pela prancha — Silvio disse. — Eles entraram em seus carros e saíram do estacionamento o mais rápido que puderam. A última vez que olhei, os funcionários da Delta Queen estavam circulando por ali. E acredito que Lorelei Parker ainda estava no estacionamento também.
Eu zombei. — Ela provavelmente ficou por aqui esperando ver vocês dois pescarem meu corpo para fora do rio.
— Provavelmente — disse Phillip. — Mas vamos nos concentrar na coisa mais importante agora.
— E o que seria isso?
Ele olhou para mim. — Exatamente quem você está chateando o suficiente para justificar vir atrás de você assim. As bombas não são coisas para mexer, Gin.
— Não, elas não são.
Eu pensei sobre sua pergunta por vários segundos, em seguida, dei de ombros. — Não sei. Eu tenho um número significativo de inimigos. Pode ser mais fácil eliminar as pessoas em Ashland que não querem me matar.
Phillip riu, mas suas gargalhadas rapidamente morreram em um silêncio sombrio. Minhas palavras eram verdadeiras demais, e ele sabia disso.
— E quanto a Emery Slater? — Silvio entrou na conversa, ainda digitando em seu telefone. — Eu não fui capaz de rastreá-la, mas ela poderia ter voltado para a cidade às escondidas.
Emery Slater tinha sido a mão direita de Madeline Monroe, mas a gigante tinha fugido de Ashland depois de eu ter matado Madeline algumas semanas atrás. Emery me odiava por ter matado sua chefe, e por ter acabado com seu tio, Elliot Slater, no último outono.
Eu balancei a cabeça e me encolhi, quando o movimento fez minha cabeça começar a latejar. Eu realmente tinha que parar de fazer isso. Mais sangue escorreu da ferida, então eu levei a toalha até a cabeça e coloquei alguma pressão no corte para tentar parar o sangramento. Demorou alguns segundos até eu poder falar novamente.
— Por mais que eu gostaria de colocar a culpa por isso em Emery, uma bomba não é realmente o estilo dela. Ela preferiria me espancar até a morte com seus punhos do que me explodir.
— Verdade, — Phillip concordou. — Mas ela ficaria feliz de qualquer maneira contanto que você estivesse morta.
— Sem dúvida. — Eu abaixei a toalha da minha testa. — Mas eu não acho que foi ela.
— E quanto a Jonah McAllister? — Sugeriu Phillip. — Ele sempre foi fã de esquemas elaborados. Uma bomba seria seu estilo.
Jonah tinha sido o advogado de Mab e Madeline. Ele também tentou me matar várias vezes, inclusive durante uma situação de reféns no museu de arte Briartop, mas eu expus seus esquemas.
— Eu não acho que seja ele também— eu respondi. — Jonah permanece escondido em sua mansão atualmente, trabalhando em sua própria defesa. Além disso, ele provavelmente está economizando dinheiro para subornar o juiz e o júri em seu próximo julgamento, não gastando em bombas e tentativas de assassinato.
Silvio terminou de mandar mensagens de texto e colocou o celular no bolso da calça. — Bem, o que eu não entendo é por que você não poderia simplesmente ter jogado a bomba ao mar. Isso é o que uma pessoa normal, uma pessoa sã, teria feito. Por que você sentiu a necessidade de jogá-la e a si mesma no rio ao mesmo tempo?
Comecei a sacudir a cabeça novamente, mas me contive. — Eu não queria que vocês fossem pegos na explosão. Além disso, teria sido simplesmente rude arruinar o barco brilhante de Philly mais do que eu já tinha feito.
Eu fiz minha voz leve e provocante, mas Phillip pegou o que eu não estava dizendo.
— Você acha que a bomba tinha explosivos suficientes para afundar a Delta Queen? — ele perguntou.
— Tinha muito poder. Pelo menos parecia. Todo o aparelho estava revestido de magia elemental.
Silvio franziu a testa. — Que tipo de magia? Fogo?
— Metal, — eu respondi. — Quem construiu aquela bomba é um elemental de metal. Um forte.
Eles continuaram me encarando, com os rostos cheios de crescente preocupação.
— Eu estava preocupada que ele fosse explodir a bomba a qualquer segundo e que isso mataria todos no convés... talvez até mesmo afundar o barco inteiro. Eu simplesmente larguei a caixa e estava nadando para longe dela quando... boom.
— Mas parecia ser uma explosão relativamente pequena e concentrada, no que diz respeito a essas coisas — disse Phillip. — Sim, explodiu muita água, mas não há danos no barco, tanto quanto eu posso dizer. Você tem certeza de que a bomba estava coberta de magia de metal?
— Tenho certeza. Parecia exatamente o poder de Owen para mim.
A carranca de Phillip se aprofundou, as rodas girando em sua mente para determinar quem, no submundo de Ashland, teria suficiente poder elemental para fazer uma bomba tão poderosa. Mas seu rosto permaneceu em branco, e ele não se lembrou de ninguém, assim como eu. O metal era uma habilidade muito rara, assim como a minha própria magia Pedra, já que o metal era um desdobramento daquele poder elemental principal. Silvio também tinha uma expressão séria em seu rosto, mas ele também não encontrou suspeitos.
— Além disso, — continuei, — não tenho tanta certeza de que isso é sobre mim.
— O que você quer dizer? — Phillip perguntou.
— Alguém estava nos observando de lá. — Eu apontei para a floresta do outro lado do rio. — Ele tinha um rifle sniper, que ele usou para me impedir de pular no rio depois que o falso garçom deixou a bomba. O atirador, o observador, poderia ter colocado uma bala no meu crânio a qualquer momento durante a reunião, quando eu estava aqui no convés. Então, por que se preocupar com a bomba? Por que não apenas me matar com um tiro na cabeça e terminar com as coisas? Bing, bang, boom. Estou morta.
Phillip olhou para a água. — Você acha que talvez você não tenha sido o alvo principal? Alguém estava tentando matar um dos outros chefes ou até mesmo eu?
— Eu não sei. Talvez o observador quisesse me matar e não se importasse com os danos colaterais. Talvez ele goste de danos colaterais. Mas algo mais está acontecendo aqui, e eu vou descobrir o que é.
Comecei a ficar de pé, mas Silvio se inclinou, colocou a mão firme no meu ombro e me deu uma carranca educada, ainda que sem sentido.
— Você pode descobrir o que está acontecendo depois que a Sra. Deveraux chegar aqui e te curar — ele disse. — E nem um segundo antes.
— Você não é minha mãe, Silvio — eu murmurei. — Estou bem. Eu já passei por algo pior do que isso.
Ele se endireitou e cruzou os braços sobre o peito. — Bem, eu certamente sinto que sou às vezes. Se o meu cabelo já não fosse cinza, teria ficado desta cor por sua causa nas últimas semanas.
— Bem, olhe para o lado positivo.
— Qual é?
Eu sorri abertamente. — Nunca há um momento de tédio a serviço de Gin Blanco.
Phillip riu, mas Silvio apenas suspirou.
* * *
Vinte minutos depois, um par de saltos bateu em um coro familiar, e uma mulher apareceu no topo da prancha. Dado o frio do outono, ela usava um cardigã branco de caxemira sobre um vestido rosa pálido com rosas brancas. Um colar de pérolas pendia em torno de sua garganta, enquanto sapatos de couro branco cobriam seus pés. Uma brisa soprava pelo convés, mas não bagunçou nenhum pouco os cachos loiros esbranquiçados presos em um coque elaborado.
Jolene “Jo-Jo” Deveraux olhou ao redor do convés, observando a bagunça, depois andou até mim. Silvio tinha arrastado uma espreguiçadeira de algum lugar de dentro do barco e me forçou a deitar nela. Ele também desempenhou o papel de um bom assistente e trouxe algumas roupas quentes e secas de um esconderijo no meu carro, junto com minhas armas.
Minhas cinco facas de silverstone foram colocadas em seus compartimentos usuais – uma em cada manga, uma nas minhas costas, e uma em cada uma das botas – então eu estava pronta para o rock'n'roll assim que Jo-Jo me curasse.
A anã parou, colocou as mãos nos quadris e me deu um olhar crítico, seu olhar claro, quase incolor, permanecendo no corte feio na minha testa, junto com o grande nódulo que havia se espalhado ao redor dele.
Ela balançou a cabeça. — E eu pensei que você estivesse vindo aqui para uma reunião simples. Problema tem o péssimo hábito de te seguir, querida.
— O que posso dizer? Eu sou popular assim.
Silvio puxou uma cadeira ao lado da minha e Jo-Jo sentou-se e começou a avaliar meus ferimentos. Ela levantou sua mão, um brilho branco-leitoso cobrindo a palma da mão e girando em seus olhos quando ela alcançou a sua magia de Ar.
Eu me deitei na cadeira enquanto Jo-Jo trabalhava em mim, mesmo que a desconfortável alfinetada do seu poder de Ar costurando o corte na minha testa me fez estremecer e chiar quase tanto quanto a ferida original. Ela também usou seu poder para curar o nódulo no meu rosto e diminuir todos os feios hematomas ao redor dele.
Mesmo sabendo que Jo-Jo estava me ajudando, eu ainda estava suando e engolindo rosnados quando ela terminou. O Ar era o elemento oposto da Pedra, então o poder da anã nunca se sentiria bem para mim, como o som alto e o soar dos alarmes levavam algumas pessoas a loucura.
Jo-Jo afastou a mão e os alfinetes e agulhas de sua magia de Ar desapareceram, junto com o brilho branco leitoso em seus olhos e em sua palma. — Pronto, querida. Boa como nova.
Eu assenti, aliviada por poder mais uma vez mover minha cabeça sem provocar uma enxaqueca. Eu estava com os pés na lateral da espreguiçadeira, pronta para continuar com as coisas, quando outro conjunto de passos desconhecidos se apressou pela prancha.
Desta vez, um homem apareceu. Com seu cabelo preto azulado, olhos violetas e feições ásperas, a maioria das mulheres achava que ele era bonito, especialmente quando notavam o modo como o paletó azul-marinho estava esticado sobre os largos ombros musculosos e o peito sólido. Eu achava que ele era um dos homens mais lindos que eu já vi, e o fato de que ele era meu aquecia meu coração de uma maneira que nada mais fazia.
Owen Grayson correu e se ajoelhou no convés ao meu lado. — Gin! Você está bem? Eu vim assim que Silvio me mandou uma mensagem.
— Estou bem. Apenas alguns arranhões e contusões. Nada muito sério.
Desta vez.
Eu não disse as palavras porque eu não queria me azarar. Mas quem eu estava enganando? Isso ia piorar muito antes de melhorar. Sempre era assim.
Eu matei Mab Monroe, que era supostamente impossível de matar. E Madeline. E toda uma série de gigantes perigosos, anões, vampiros e elementais nesse intervalo. Mesmo que eu não quisesse o emprego, agora eu era a grande chefe do submundo de Ashland. Dado tudo isso, eu deveria ter estado... mais segura. Pelo menos por algumas semanas, até os outros criminosos prepararem novos esquemas para tentar se livrar de mim. Mas eu deveria saber que algo assim aconteceria. Isso sempre acontecia.
A história da minha vida.
Justo quando eu pensava que tinha provado a mim mesma para todos, apenas quando eu pensava que estava livre, quando finalmente estava pronta para desfrutar de um pouco de (relativa) paz e calma, outro elemental tinha... o que exatamente? Me escolhido como alvo? Tentado me assassinar? Queria matar um bando de mafiosos ao mesmo tempo? Isso precisava ser descoberto. Mas o que quer que estivesse acontecendo, eu ia chegar ao fundo disso.
Um corpo de cada vez.
Owen se inclinou e deu um beijo suave na minha testa. Eu respirei fundo, deixando seu aroma metálico afundar em meus pulmões.
Ele se inclinou para trás e me deu o mesmo tipo de olhar crítico que Silvio e Jo-Jo. O alívio apareceu em seu rosto, substituindo sua expressão tensa e preocupada. Então ele sorriu e balançou a cabeça.
— Eu não posso deixar você ir a qualquer lugar, posso? — Ele murmurou, uma nota provocante rastejando em sua profunda voz rouca.
— Acho que não — eu disse lentamente, determinada a manter o humor leve.
Owen levantou-se e olhou para seu melhor amigo. — Eu pensei que eu te disse para cuidar bem da minha namorada.
Phillip encolheu os ombros. — É difícil quando ela pula no mar com uma bomba nas mãos. Eu só posso fazer até certo ponto, sabe.
O sorriso de Owen se desvaneceu um pouco, mas ele ainda bateu levemente no ombro de Phillip. — Eu sei. Gin faz com que seja difícil às vezes, não é?
— Vocês percebem que estou sentada aqui?
Phillip me ignorou e bateu nele de volta. Eles sorriram um para o outro, e então Owen olhou para mim, seu sorriso desaparecendo e seu rosto ficando mais sério.
— Quem você acha que fez isso? — Ele perguntou. — Emery Slater?
— Ela parece ser uma escolha popular entre o grupo de inimigos, mas eu não penso assim. Esse não é o estilo dela. Não o que eu esperaria dela. Ela é mais forte do que uma bomba.
— Talvez seja exatamente por isso que seja ela — retrucou Owen. — Fazendo algo que você não esperaria. Pegando você de surpresa.
— Eu não sei, mas vou descobrir. — Eu olhei para ele. — Você está a fim de uma pequena caminhada?
— Com você? — Ele piscou para mim. — Sempre.
— Bom — eu disse. — Então vamos ver se podemos rastrear o cara da bomba.
Capítulo 5
Owen pegou minha mão e me ajudou a sair da espreguiçadeira. Silvio decidiu ficar no barco esperando que Finn e Bria chegassem, enquanto Jo-Jo voltou para casa para trabalhar em seu salão de beleza.
Owen e eu descemos a prancha, com Phillip seguindo atrás de nós. Os membros da equipe do Delta Queen estavam de pé em grupos no estacionamento, conversando, enviando mensagens de texto em seus telefones e se olhando para o barco.
Phillip se aproximou deles, estendendo as mãos para o lado. — Ok, pessoal, aqui está o que eu sei até agora...
Os garçons e guardas se agruparam em torno dele, agarrando-se a cada palavra sua. Eu olhei para a multidão, examinando cada rosto e pegando a linguagem corporal de todos. Olhos arregalados, ombros tensos, dedos das mãos e pés batendo de nervoso. Todos os trabalhadores pareciam genuinamente chocados e abalados com o que havia acontecido. Mesmo em Ashland, onde a violência era tão comum, ninguém esperava ser explodido apenas ao ir trabalhar. Foi o suficiente para me incomodar.
E a preocupação dos funcionários me disse outra coisa: o observador provavelmente não tinha nenhum deles em sua folha de pagamento. Caso contrário, ele não teria se incomodado em mandar aquele falso garçom para o barco. E se um dos trabalhadores soubesse sobre a bomba de antemão, ele ou ela não teria ficado por perto esperando uma explicação e garantias de Phillip de que este era um incidente isolado. Eu supus que alguém aqui poderia estar fingindo seu choque e angústia, mas não parecia provável. Por um lado, eu fiquei aliviada porque a equipe não estava envolvida, já que eu não queria incomodar Phillip mais do que eu já tinha feito. Por outro lado, isso me deixou sem alguém para apertar por respostas fáceis.
Mas os trabalhadores não eram os únicos no estacionamento – ali estavam Lorelei Parker e Jack Corbin.
A contrabandista estava sentada no capô de um elegante Dodge Charger azul-real, com seu guarda inclinado na porta do lado do motorista, os braços cruzados sobre o peito. Os olhos de Lorelei se estreitaram quando ela me viu e me olhou da cabeça aos pés. Seus lábios franziram e ela puxou a ponta de sua trança preta, perdida em pensamentos. Eu fiz uma careta. Estranhamente, o gesto me lembrou... algo.
— Amigos seus? — Owen perguntou, olhando para eles.
Eu bufei. — Não é muito provável. Lorelei provavelmente gostaria que eu tivesse me afogado no rio.
Lorelei soltou sua trança, pulou do capô e disse alguma coisa para Corbin. Os dois entraram no carro e saíram do estacionamento, deixando o Delta Queen para trás.
Olhei para a rua vazia, incomodada com a sensação vaga e desconfortável que fazia cócegas em minha espinha.
— Gin? — perguntou Owen.
Eu balancei a cabeça, tirando todos os pensamentos sobre Lorelei e seu estranho comportamento fora da minha mente. — Vamos. Vamos embora.
Entramos no carro de Owen, e ele saiu do estacionamento e passou pela ponte mais próxima para o outro lado do rio.
A estrada fazia uma curva passando por essa parte do rio Aneirin, e Owen dirigiu seu carro para fora da estrada e em um terreno de cascalho que dava para uma série de largos degraus de pedra que levavam a um mirante panorâmico. Uma série de trilhas começava no terreno e serpenteava em ambos os sentidos através da mata, subindo e descendo com a inclinação da margem do rio.
Dada a quantidade de árvores que já haviam perdido suas folhas, pude ver a reluzente madeira branca do Delta Queen espreitando através dos emaranhados de galhos marrons, fazendo com que o mirante e as trilhas circundantes fossem os locais perfeitos para espionar todas as idas e vindas a bordo do barco. Andando com um par de binóculos pendurados no pescoço, como se estivesse procurando pássaros, o observador teria se misturado com os amantes da natureza nas trilhas, para um passeio no outono.
Eu teria que conversar com Phillip sobre montar câmeras de segurança ou talvez até mesmo colocar alguns guardas ali– pelo bem dele. Eu não era a única com inimigos que me queriam morta, e como Phillip tinha publicamente me apoiado como a nova grande chefe, sem dúvida seu nome também subiu ao topo da lista de alvos de várias pessoas.
Owen e eu saímos do carro.
— Onde você quer começar? — ele perguntou. — O mirante?
— Não. Muitas pessoas vêm e vão lá o dia todo. O observador não queria arriscar que um corredor ou um ciclista o visse e se perguntasse o que ele estava fazendo no mesmo lugar por tanto tempo. Ele iria querer um lugar mais privado onde não fosse perturbado. Vamos tentar lá.
Eu apontei para a área onde eu pensei ter visto o flash dos binóculos do observador, e nos dirigimos para essa direção, vagando pelos caminhos sinuosos. Já passava das cinco horas e as trilhas estavam quase desertas, exceto por alguns tipos dedicados ao ar livre. Examinei os rostos e a linguagem corporal de todas as pessoas por quem passávamos, mas eles pareciam preocupados em manter os batimentos cardíacos altos ou em certificar-se de que seus cães faziam seus negócios antes de se dirigirem para casa.
Owen e eu nos movemos mais adiante, e logo éramos os únicos caminhando na trilha. O sol já estava desaparecendo no céu, seus raios ficando mais fracos e mal penetrando no que restava da folhagem do outono. As sombras aumentavam, juntando-se e espalhando-se em poças escuras que escureciam e se alongavam a cada segundo. O ar estava frio, e o aroma das folhas e da terra se misturava agradavelmente.
Seguimos a trilha curva até que ela acabou, depois descemos do asfalto e começamos a avançar em direção aos bosques.
Owen agarrou meu braço. — Pare. Alguém usou magia aqui... magia de metal. Eu posso sentir isso. Muito mais do que eu deveria ser capaz. Quase como se... ele deixou algo para nós encontrarmos.
— Como uma outra bomba?
Dado o fato de que eu sobrevivi à explosão inicial, o observador tinha que perceber que eu viria em busca de pistas. Se eu fosse ele, teria deixado para trás uma ou duas surpresas desagradáveis, mesmo que apenas pela possibilidade de que ele pudesse me explodir dessa maneira.
Owen assentiu. — Sim. Como uma outra bomba. — Ele examinou o bosque, seus olhos violetas brilhando e sua cabeça inclinada para um lado, enquanto ele estendeu a mão para sua magia, tentando sentir o poder do outro elemental. Ele apontou para a esquerda. — Lá.
Seguimos nessa direção, observando onde colocamos nossos pés e examinamos as árvores ao redor. Uma centena de metros mais fundo no bosque, um fraco raio de luz solar cintilou no canto de algo metálico, chamando minha atenção.
Eu apontei para o objeto, que estava meio escondido sob uma pilha de folhas marrons e onduladas. — Você estava certo. Alguém nos deixou um presente.
— Alguns presentes, — Owen murmurou.
Nós nos agachamos e vasculhamos o chão em busca de fios detonadores. Alguns segundos depois, avistei uma fina linha de pesca amarrada na altura do tornozelo entre duas árvores. Uma armadilha grosseira, mas eficaz. Eu espalmei uma das minhas facas e cortei a linha de pesca, para que acidentalmente não ativássemos a bomba.
Eu cuidadosamente afastei as folhas do objeto, estremecendo com os estalidos crepitantes que elas faziam ao meu toque. Apenas no caso de a bomba estar presa de alguma outra forma, eu agarrei minha magia de Pedra e endureci minha pele, pronta para me jogar em cima da bomba para proteger Owen de qualquer explosão em potencial.
Mas não havia mais armadilhas, e eu pude estudar a bomba. Era idêntica à do barco – uma caixa de metal com um celular colado ao topo para servir como temporizador e gatilho. Eu não tinha tido tempo para abrir a caixa que tinha estado na Delta Queen, então eu alcancei o simples trinco na lateral. Não estava soldada ou magicamente fechada, e eu lentamente abri o topo, ainda mantendo o controle sobre minha magia de Pedra.
Um pequeno bloco do que parecia ser argila cinza estava dentro – o explosivo – enquanto vários orifícios haviam sido colocados na tampa. Fios vermelhos e pretos serpenteavam pelas aberturas, conectando o explosivo ao telefone celular. Tirei os fios para desarmar a bomba.
Para minha surpresa, o explosivo ocupava apenas cerca de um terço do espaço dentro da caixa. Então, se esse aparelho fosse igual ao do barco, Phillip estava certo, e a explosão daquela bomba tinha sido relativamente pequena. Eu me perguntei qual seria o dano se tivesse detonado no convés. Suficiente para me matar, desde que eu tinha sido a pessoa mais próxima da bomba? O suficiente para eliminar metade das pessoas na mesa de reuniões? Ou talvez até todos no convés? Eu não sabia, mas eu estava feliz por não ter descoberto.
Mas eu também tinha razão, porque o resto da caixa estava cheia de pregos, como eu achei que estava aquela no Delta Queen. Inclinei lentamente a caixa para o lado, e os pregos rolaram, os pontos afiados brilhando como diamantes sob a luz do sol.
Owen soltou um assobio baixo. — Isso é um negócio mortal. Todos aqueles pregos... eles teriam destruído tudo e todos com quem entrassem em contato.
— Talvez o observador não quisesse me matar de imediato — falei. — Talvez ele quisesse me ferir e me ver sofrer primeiro. Talvez seja por isso que ele tinha um rifle sniper. Para me matar depois que a bomba explodisse.
Owen fez uma careta, mas ele não discordou da minha avaliação. Pensei nas minhas palavras para Phillip e Silvio, pensando que talvez o observador gostasse de danos colaterais. Os pregos definitivamente provavam isso. Quem quer que fosse o observador, ele definitivamente tinha um traço sádico, o que só me fez mais determinada a descobrir quem ele era e o que ele queria.
Eu coloquei os pregos na caixa de novo, ouvindo-os clicar, o som soando como um relógio, passando os segundos para a minha morte.
* * *
Deixei a bomba onde a encontrei, e Owen e eu procuramos no resto da área. Era fácil dizer onde o garçom falso tinha chegado à praia, já que ele não se preocupou em esconder seus rastros lamacentos. Mas eles iam para o estacionamento e desapareceram, o que significava que ele havia fugido de carro, de modo que não havia como localizá-lo no momento.
Mas era o ninho do observador que mais me interessava.
Owen e eu seguimos as pegadas do garçom falso direto até ele. O observador havia escolhido um bom lugar, em uma pequena clareira, dentro das árvores que margeavam a costa. A área dava-lhe uma visão clara do barco, de ponta a ponta, mas ainda tinha folhagem suficiente para escondê-lo de qualquer um no Delta Queen olhando para essa direção. O flash de luz em seus binóculos tinha sido sua única indicação. Mesmo assim, foi principalmente sorte eu ter visto o reflexo. Se eu não tivesse... Bem, eu não queria pensar sobre o que teria acontecido no barco, especialmente para Phillip e Silvio.
Mas o observador não deixou nenhuma pista para trás. Nenhum recibo de restaurante, nem canhoto de estacionamento, nem caixas de fósforos de hotel. Tanto quanto eu poderia dizer, tudo o que ele fez foi ficar aqui, olhar através de seus binóculos e vigiar o barco antes de sair. Ele até teve tempo de pegar seus cartuchos e apagar suas pegadas para esconder que tipo de sapatos ele usava. Inteligente.
E eu não achava que mais alguém tenha estado aqui com ele. Nenhuma outra trilha se espalhou pelo chão, e a folhagem ao redor não estava esmagada ou perturbada o suficiente para que mais de duas pessoas passassem por ali. Além disso, se o observador tivesse um grupo de homens à sua disposição, por que não mandá-los até o barco e atirar em mim à queima-roupa? Não, isso me pareceu um trabalho de dois homens: o garçom e o vigia.
Eu estava apostando que o observador também era o elemental de metal que havia construído as bombas. Afinal, por que construir uma bomba se você não ficaria por perto para vê-la explodir, e não havia mais ninguém aqui para testemunhar a explosão. Além disso, o elemental de metal era inteligente o suficiente para construir uma bomba, o que significava que ele era inteligente o suficiente para conseguir que outra pessoa – o garçom falso – a plantasse no barco para que ele pudesse ficar fora do alcance da explosão destrutiva.
Eu me agachei e examinei o mesmo pedaço de terra pela quinta vez, na esperança de que uma pista brotasse da terra como uma rosa mágica de conto de fadas. Eu até aceitaria uma erva nesse ponto. Mas é claro que isso não aconteceu e eu não obtive nada. A frustração surgiu através de mim. Outro beco sem saída...
— Ei, Gin— gritou Owen. — Veja isso.
Eu me levantei e fui até onde ele estava de pé, cerca de seis metros à minha direita e três afastado do bosque. Owen apontou para um tronco de árvore, onde um nó retorcido apareceu bem na altura do meu coração. No começo, eu não vi o que ele estava tão interessado, mas então eu notei as profundas fissuras na madeira. O homem-bomba deve ter ficado entediado enquanto ele estava aqui, porque algo tinha sido entalhado no nó. Inclinei-me para mais perto e olhei para a forma grosseira– uma longa linha com uma bola com espinhos no final...
— Isto é... uma maça? — perguntei.
Eu não sabia por que aquela arma em particular surgiu na minha cabeça, mas assim que eu disse a palavra, meu estômago se apertou com uma sensação vaga e desconfortável de... pavor. Mas por que eu estaria preocupada com algum símbolo esculpido em uma árvore? Não foi o primeiro que eu vi, e duvidava que seria o último.
— Seu palpite é tão bom quanto o meu. — Owen me deu um sorriso. — Eu estava pensando em algum tipo de bomba ou até mesmo fogos de artifício. Já que tem havido muitos desses hoje.
Eu ri de seu humor negro, então olhei para o entalhe novamente. Não parecia que tinha sido feito com uma faca, pelo menos não uma afiada. Caso contrário, a imagem teria sido mais clara, mais profunda, com bordas mais definidas, e mais lascar de madeira estariam sujando o chão. Isso parecia mais arranhões do que qualquer outra coisa, como se tivesse sido feito... por um prego.
Como todos os pregos que ele colocou naquelas duas bombas.
Assim que o pensamento me ocorreu, eu sabia que estava certa. Eu me perguntei quantos pregos o observador, o bombardeador, carregava com ele – e por quê. Claro, eles eram ferramentas práticas para um elemental de metal, mas os pregos tinham que significar algo mais, tinham que representar algum sentimento ou memória. As armas sempre faziam isso com as pessoas que as empunhavam.
— Tem certeza de que não são fogos de artifício? — brincou Owen novamente.
— Não, — eu disse. — Linha longa coberta com uma bola cravejada. Eu realmente acho que é uma maça.
Meu estômago apertou novamente com a palavra, mas eu empurrei o meu desconforto para o lado.
— Uma arma medieval. — Owen balançou a cabeça. — Você não vê isso todos os dias. O que isso significa?
— Eu não tenho ideia.
Uma maça não era algo que era comumente usada como uma runa. Como Owen disse, não era uma arma que muitas pessoas usavam hoje. Revólveres, facas, espadas, a ocasional motosserra, com certeza. Mas uma maça? Até eu não tinha uma maça no meu arsenal de armas na casa de Fletcher. É claro que isso provavelmente representava força e poder – a maioria das armas representava – ou talvez alguma família ou negócio específico. Ou talvez o observador o tivesse desenhado simplesmente porque representava sua própria afinidade com metal – ou, mais ainda, com suas bombas distorcidas.
— O que fez você olhar para cá? — perguntei. — Eu pensei que você estava indo por cima da trilha que o falso garçom fez novamente.
Owen apontou através das árvores. — Este lugar fica diretamente em frente a roda de pás do Delta Queen. Se eu quisesse ficar de olho nas coisas, eu teria começado aqui na parte de trás do barco e trabalhado meu caminho em direção à frente.
Olhei para o outro lado do rio. Ele estava certo: estávamos alinhados com a borda traseira da roda de pás. O raciocínio de Owen fazia todo o sentido. Sem dúvida, o observador andava de um lado para o outro ao longo deste bosque, espionando todos os acontecimentos no navio.
— Você encontrou alguma coisa? — Ele perguntou.
Eu balancei a cabeça. — Quem quer que seja o elemental, ele não deixou nada para trás, exceto por sua bomba nas folhagens. Vou levá-la para Finn e ver o que ele diz. Ele sempre gostou de brincar com explosivos. Fizemos tudo o que podemos aqui. Vamos voltar ao barco. Finn e Bria devem estar lá agora.
Owen assentiu e se dirigiu para a trilha que nos levaria de volta ao estacionamento. Eu tinha começado a ir buscar a bomba onde a deixei quando um leve cheiro de fumaça fez cócegas no meu nariz.
Parei e respirei fundo. Um aroma de fumo pairava no ar, quase como se alguém estivesse fumando um cigarro. Eu tomei outra respiração. Não, era mais rico, mais profundo, mais forte do que isso. Não era um cigarro– um charuto.
Eu me agachei e examinei o chão, passando minhas mãos pelas pilhas soltas de folhas que estavam mais perto da árvore. Um minuto depois, encontrei um toco de charuto esmagado na terra, como se o observador o tivesse esmagado sob a ponta da bota depois de terminar o desenho da runa. Jackpot.
Eu levei o toco até o nariz e cheirei. Eu não era de forma alguma uma conhecedora de charutos, mas teria de ser uma marca cara para ter aquele tipo de perfume profundo, escuro, rico e semelhante a café. Finn saberia. Como o álcool, os charutos eram uma daquelas coisas que ele achava que tornavam todo o resto melhor.
Enrolei o charuto em algumas folhas secas e enfiei tudo no bolso do casaco. Então me levantei, peguei meu telefone e tirei várias fotos da runa de maça que tinha sido talhada na árvore.
Eu coloquei meu telefone no bolso e comecei a ir até Owen, mas eu me encontrei enraizada no lugar, encarando o entalhe. O vento assobiava através das árvores, mas aquele frio não era nada comparado com o que subia pela minha espinha. A runa de maça, o poder metálico do observador, as caixas cheias de pregos...
Tudo me lembrava de... algo.
Eu não achava que o observador estava relacionado a um trabalho que eu tinha feito, desde que todos que eu ido atrás como a Aranha estavam mortos. Claro, ele poderia ter sido um amigo ou um parente de alguém que eu tinha assassinado, mas o perigo daquelas pessoas era quase sempre imediatamente após um ataque, já que era quando eles ficavam olhando com mais veemência para quem quer que tivesse matado seu ente querido. Não, isso era outra coisa, alguma sombra de memória que eu não conseguia chamar a atenção.
Ainda assim, quanto mais eu olhava para a maça tosca, a preocupação mais fria se infiltrava em meu corpo.
Porque eu tinha visto aquela arma, aquela runa, em algum lugar antes.
Agora, eu só precisava lembrar onde – antes que fosse tarde demais.
Capítulo 6
Phillip deve ter mandado a maior parte de sua equipe para casa, porque ninguém estava no estacionamento ao lado do Delta Queen quando voltamos, e a maioria dos carros foram embora. Mas vi dois veículos familiares estacionados lado a lado: um sedã azul-marinho e um Aston Martin prateado.
Owen e eu subimos a prancha para encontrar duas pessoas conversando com Phillip e Silvio no convés principal. Uma delas era uma mulher do meu tamanho, com cabelos loiros desgrenhados, olhos azuis e bochechas rosadas. Ela estava vestida com botas pretas, jeans escuros e uma camisa branca de botão, com um distintivo de detetive dourado e uma arma presa ao cinto de couro preto. Ela era tão sensata quanto seu sedã, um forte contraste com o Sr. Aston Martin, que estava ao seu lado em um terno caro Fiona Fine, seu cabelo castanho-amarelado em um estilo cuidadosamente bagunçado, seus olhos verdes astutos observando ao seu redor.
Detective Bria Coolidge e Finnegan Lane ambos se voltaram ao som de nossos passos, quando Owen e eu nos aproximamos. Eles correram para nós, e Bria, minha irmãzinha, me envolveu em um abraço apertado.
— Você está bem? — Ela perguntou. — Eu vi o texto de Silvio e vim direto. Ele e Phillip acabaram de nos contar o que aconteceu.
— Estou bem. Eu sempre tenho o hábito de sobreviver a situações desagradáveis. Você deve saber disso agora.
Ela sorriu da minha piada, mas as linhas preocupadas em seu rosto não suavizaram.
Finn estendeu a mão e me deu um tapinha no ombro. — Viu? Eu te disse que Gin estava bem. Ela sempre está.
— Ta-da. — Eu passei minha mão para o lado com um floreio elaborado, dando um arco não tão modesto.
— Ei, — Finn protestou. — Essa é a minha marca.
—E agora é minha — eu retruquei.
Ele bufou em aborrecimento simulado, em seguida, bateu no meu ombro novamente, seu aperto firme me dizendo como ele estava realmente preocupado.
— Silvio disse que vocês atravessaram o rio para verificar onde o bombardeador estava escondido— disse Bria. — Você achou alguma coisa?
Alguém, provavelmente Silvio, tinha colocado a mesa de conferência em pé, e todos se reuniram em torno, enquanto Owen e eu colocamos a bomba e o toco do charuto em cima da mesa.
Finn desembrulhou as folhas ao redor do toco, depois levou-o até o nariz e respirou fundo. Mesmo que o charuto tivesse sido fumado quase até o final, seus olhos verdes brilhavam em apreciação ao aroma rico e persistente.
— Ficarei mais do que feliz em investigar de onde veio essa beleza — ele ronronou. — Eu tenho pensado em reabastecer meu suprimento de qualquer maneira.
Ele piscou, mas eu revirei os olhos. — Só você usaria minha experiência de quase morte como uma desculpa para fazer compras de charutos.
—Você quer que eu seja minucioso, não é? — Finn perguntou. — Não deixar nenhuma loja de charutos sem verificação?
Ele manteve um rosto quase sério, enquanto batia os cílios e apertava a mão em seu coração, mas seus lábios se contorceram, enquanto lutava para conter suas risadas.
— Sim, — eu brinquei. — Isso é exatamente com o que eu estou preocupada agora.
Finn fez beicinho. — Você não é divertida.
Eu o ignorei, peguei meu telefone e mostrei as fotos da runa de maça para Bria. Eu não sabia por que, mas algo sobre o símbolo me fez pensar em minha irmã. Não, isso não estava certo. Isso não me fez pensar em Bria, não exatamente, mas me fez pensar em...família.
Mais uma vez, tentei me lembrar de quando e onde eu tinha visto a runa antes. Eu quase podia sentir a memória dela nadando como um peixe no fundo do meu cérebro. Mas quanto mais eu tentava prendê-la e levá-la à superfície, mais rápido ela escapava.
As sobrancelhas de Bria franziram enquanto ela rolava pelas fotos. — Eu não o reconheço. Mande-me as fotos, e eu vou passar pelo sistema do departamento e ver se elas combinam com quaisquer runas de gangues conhecidas em Ashland e mais além.
Eu assenti, peguei meu telefone, e enviei as fotos para ela. Bria pegou seu próprio telefone, apertou alguns botões e levou o dispositivo até o ouvido.
— Ei, Xavier — disse ela, conversando com o seu parceiro na força policial. — Acabei de lhe enviar algumas fotos. Eu preciso que você as passe através do banco de dados das runas para mim...
Enquanto ela contava tudo a Xavier, eu fui até Owen, Finn, Phillip e Silvio, que estavam amontoados ao redor da mesa, estudando a segunda bomba.
— Alguma coisa? — Eu perguntei.
Finn sacudiu a cabeça. — A caixa, os pregos e o telefone são coisas que você poderia comprar em qualquer lugar. Nada que eu possa rastrear facilmente. Eu vou fazer algumas sondagens sobre o explosivo, mas não sei o quanto demorará para obter informações concretas sobre quem comprou, quando e onde. Talvez Bria tenha mais sorte com os registros da polícia, procurando por bombas semelhantes, embora o projeto seja bastante simples.
Eu esperava isso, mas a frustração passou por mim. Então eu me virei para Phillip, esperando que ele tivesse notícias melhores. — E as filmagens de segurança do barco? Eu sei que você tem câmeras que gravam tudo o que acontece no convés e no estacionamento.
— Fiz uma varredura rápida, mas não há nada de útil nela — disse ele. — O cara estava vestido como todos os outros garçons, e ele entrou no estacionamento por uma das ruas laterais, então não há carro ou placa para rastrear. Ele tinha uma mochila pendurada no ombro – que meus guardas já haviam encontrado vazia em um armário de funcionários abaixo do convés – e ele saiu e fumou até ver algumas pessoas vindo para o trabalho. Ele se aproximou de um dos outros garçons, alegou que ele era um novo contratado, e caminhou com o resto deles. Os guardas nem repararam no novo rosto ou no membro extra, e muito menos revistaram sua mochila, algo que eu estarei conversando com eles detalhadamente mais tarde.
Phillip olhou furiosamente para um par de guardas gigantes que estavam de pé ao lado das portas duplas que levavam ao barco. Os dois homens se mexeram e abaixaram a cabeça em silencioso pedido de desculpas. Eu não gostaria de estar no lugar deles. Eles teriam sorte se Phillip apenas os demitisse.
— Uh-oh. Eu conheço esse olhar — Owen murmurou. — Se você vai jogá-los no mar, você deve pelo menos dar coletes salva-vidas primeiro.
Phillip voltou seu olhar furioso para Owen, mas sua raiva rapidamente se transformou em um sorriso tímido. Jogar as pessoas no rio era uma das maneiras favoritas de Phillip para lidar com os problemas.
Silvio pigarreou. — Poderia haver outra maneira de rastrear o bombardeador.
Todos nós olhamos para ele.
— Como? — Eu perguntei.
— Bem, você é a chefe do submundo agora...
Eu estremeci com a lembrança, mas ele continuou falando.
— Então, por que você não usa todos os recursos à sua disposição?
— O que você quer dizer?
Silvio encolheu os ombros. — Pergunte por aí. Veja se alguém ouviu alguma coisa sobre o atentado ou se há um novo elemental na cidade procurando fazer um nome para si mesmo matando você. No mínimo, peça para as pessoas avisarem você se virem ou ouvirem algo suspeito. Quem sabe? Você pode ter sorte.
Silvio estava certo. Quer eu gostasse ou não, eu era a chefe do submundo agora, então eu deveria pelo menos ter algum pequeno benefício em lidar com os criminosos e todos os seus constantes lamentos, choros e brigas. Mas eu ainda estava cautelosa. Não teria me surpreendido se um dos outros chefes tivesse contratado o elemental de metal para tentar me assassinar. Infligir horríveis feridas em mim com uma bomba primeiro, antes de partir para o ataque final, teria feito muita gente em Ashland feliz. Eu não estava nem um pouco chateada com a possibilidade. Fazia parte da descrição do trabalho. Os outros chefes tinham conspirado constantemente contra Mab, apesar de quão poderosa ela tinha sido, embora seus esquemas nunca tivessem realmente representado coisa alguma.
Não, o que realmente me irritou foi o fato de Phillip, Silvio e todos aqueles trabalhadores inocentes quase terem sido gravemente feridos, ou pior, pela bomba. Depois que matei Madeline, tornei extremamente claro para todo o submundo o que aconteceria com qualquer um que fosse atrás de meus amigos e minha família – mesmo por acidente. Dor, sangue, morte. Mas, aparentemente, a mensagem não tinha afundado. Bem, desta vez, eu ia ter certeza que fizesse.
— E eu também conheço esse olhar— Owen murmurou novamente, estendendo a mão e apertando a minha. — Isso não é sua culpa, Gin.
Dei de ombros e olhei para o convés em vez de olhar para os meus amigos. Eles podem não me responsabilizar, mas foi minha culpa. A morte me seguia aonde quer que eu fosse, eu gostasse ou não. Ainda assim, eu apreciei o gesto de Owen, então eu apertei de volta, em seguida, abaixei a mão e me virei para Silvio.
— Tudo bem— eu disse ao vampiro. — Fale com algumas pessoas, mas faça isso discretamente. E apenas entre em contato com os que não têm nenhuma ambição séria. Tenho certeza de que Lorelei, Dimitri e Luiz já espalharam rumores por toda a cidade sobre o atentado, mas eu não quero confirmar nada até que eu precise.
Eu não podia me dar ao luxo de parecer fraca agora, ou os tubarões começariam a circular ativamente em torno de mim novamente. Não que eles tivessem realmente se afastado em primeiro lugar.
Silvio assentiu e pegou seu telefone, enquanto Phillip e Owen começaram a falar sobre a gravação de segurança novamente. Bria terminou sua ligação para Xavier, voltou para a mesa e examinou a segunda bomba com Finn.
Eu levantei meu telefone, olhando para a foto do entalhe na árvore. Eu estava grata que meus amigos iam me ajudar a encontrar todas as pistas disponíveis, mas pareceu-me que a runa de maça era a chave para descobrir a identidade do bombardeador.
Mas, mais do que isso, olhar para o símbolo me encheu de medo inquietante, como se eu já devesse saber exatamente quem era meu inimigo e o que ele realmente queria.
* * *
Naquela noite, Owen e eu dirigimos nossos carros até a casa de Fletcher, minha casa agora. Nós dois estacionamos na frente da estrutura decrépita, mas eu sinalizei para Owen ficar em seu veículo, enquanto eu saí e fiz a varredura do perímetro. Normalmente, eu teria apenas esquadrinhado a mata, o gramado e o cume rochoso que havia na frente da casa antes de entrar.
Não esta noite.
Em vez disso, fiz um circuito lento e completo da casa, cruzei o gramado várias vezes, e até mesmo entrei na floresta para ter certeza absoluta de que ninguém estava escondido nas árvores. O tempo todo, mantive minha magia de Pedra, ouvindo as vibrações emocionais que haviam afundado no cascalho na entrada da garagem, as pequenas pedras escondidas na grama e até o tijolo que compunham as partes da casa. Mas as pedras só sussurravam o assobio do vento frio do outono, a correria de animais no mato e a queda suave das folhas das árvores no chão, cobrindo lentamente as pedras para o frio inverno que se aproximava.
Quando fiquei satisfeita por ninguém ter estado perto da casa, eu fiz sinal para Owen, e nós entramos. Tomei a precaução extra de fazê-lo esperar na porta da frente enquanto eu varria o interior por intrusos e armadilhas, incluindo mais bombas. Mas ninguém estava escondido lá dentro, e nada havia sido perturbado desde que eu saíra esta manhã.
Suspirei, grata por pelo menos minha casa estar segura e protegida esta noite.
— O que você está pensando? —perguntou Owen.
Eu estava cansada de especular sobre o bombardeador, quem ele era e por que ele tentou me matar, então não contei a Owen meus reais pensamentos. Em vez disso, passei meus braços ao redor do pescoço dele.
— Eu estava pensando que estou feliz por finalmente estarmos sozinhos — eu disse em voz baixa e rouca, olhando nos olhos dele.
O nariz de Owen enrugou, e ele me deu um sorriso provocante. — Por mais romântico que pareça, você não quer tomar um banho primeiro? Não tome isso do jeito errado, mas você cheira como... peixe.
Eu cheirei. Ele estava certo. Mesmo que eu tenha trocado de roupa, o cheiro de peixe do rio tinha grudado no meu cabelo e pele.
Eu ri, fiquei na ponta dos pés e beijei-o no nariz. — Tudo bem, tudo bem. Tomar banho primeiro. Amor mais tarde.
Owen dirigiu-se até a sala para assistir a alguns programas de TV, enquanto eu fui ao banheiro. Tirei minhas roupas, liguei a água no chuveiro e entrei no jato quente, ensaboando e lavando o fedor persistente do rio. Eu também ensaboei e enxaguei meu cabelo duas vezes, apenas por precaução.
Quando terminei, coloquei um roupão de microfibra preto com crânios prateados com corações de lantejoulas vermelhas nos olhos – um presente de aniversário de Sophia – e entrei no escritório.
Owen esteve ocupado enquanto eu estava no chuveiro, e ele montou vários sanduíches de presunto e peru. Ele também esquentou duas tigelas de sopa de brócolis e queijo, junto com algumas maçãs assadas com canela misturadas com cranberries como sobremesa. Perfeita comida de conforto depois do dia que eu tive.
Levamos tudo para o escritório, desfrutando da refeição calorosa e saudável e do silêncio fácil que acompanhava a companhia um do outro. Então nos aconchegamos no sofá, apenas nos abraçando, sem dizer nada. Não havia necessidade de palavras. Não agora, não esta noite.
Mas nossos toques inocentes, carícias preguiçosas e beijos suaves rapidamente se tornaram mais longos, mais fortes, mais profundos, até que ficamos juntos no sofá, nos beijando como um casal de adolescentes que não podiam se cansar um do outro. Eu amava tudo em Owen – seu toque firme, seu rico aroma metálico, o jeito que seus músculos quentes e duros se contraíam e flexionavam sob meus dedos, até a sugestão de canela que permanecia em sua língua por causa das maçãs que comemos.
Nós nos separamos depois de um beijo particularmente longo e febril, e Owen passou o braço em volta da minha cintura e me puxou para o seu colo para que eu estivesse escarranchada nele. Meu robe se abriu, e ele beliscou meu ombro exposto, enquanto sua mão deslizou pela minha perna e sob a bainha do tecido preto.
Eu arqueei uma sobrancelha. — E o que você está fazendo?
A mão de Owen subiu mais acima na minha coxa, então ainda mais alta. — Fará você se sentir melhor se eu prometer que é algo ruim?
Eu franzi meus lábios e fingi pensar sobre isso. — Eu não sei. Talvez eu precise de uma demonstração. Só para ter certeza.
Ele lançou-me um sorriso perverso, seus olhos violetas brilhando com o mesmo desejo que fervia em minhas veias. — Uma demonstração? — Ele murmurou. — Oh, eu acho que isso pode ser arranjado.
Ele acariciou os cachos na junção das minhas coxas, em seguida, deslizou um dedo dentro de mim.
— Oh...
Eu gemi, coloquei minhas mãos em seus ombros e balancei contra ele, enquanto ele continuava me acariciando, seus dedos se movendo em um padrão lento e familiar, um que ele sabia que sempre me deixava louca. Ondas de tensão, pressão e prazer percorriam meu corpo, mas tudo que eu podia fazer era me agarrar a ele.
— Mais... — Eu sussurrei. — Mais...
Owen se inclinou para frente, seus dentes mordiscando meu ombro novamente. — Seu desejo é uma ordem.
Sua mão começou a se mover mais e mais rápido, em padrões mais elaborados, seus dedos roçando a superfície, depois se movendo mais fundo dentro de mim, apenas para recuar novamente. Todo o tempo, ele continuou beijando meu pescoço e ombros, seus dentes brincando e provocando minha pele como a mão dele estava. Finalmente, isso foi demais, e eu estremeci, encontrando minha liberação.
Eu caí contra ele, minha cabeça enterrada contra seu pescoço, meu corpo inteiro quente e relaxado.
— Eu suponho que minha demonstração foi satisfatória? — ele perguntou.
— “Satisfatória” é uma maneira de colocar isso. — Eu me inclinei para trás e pisquei. — Embora seria bom ter outra demonstração. — Eu balancei para frente em seu colo novamente, sentindo o comprimento duro dele pressionando contra mim. — Uma com você vestindo muito menos roupas.
Desta vez, Owen foi quem gemeu. — Eu poderia dizer a mesma coisa sobre você.
Eu me inclinei para frente e o beijei, minha língua escorregando dentro de sua boca e empurrando contra a dele. Owen grunhiu baixo e profundo em sua garganta, e aquele calor líquido queimou minhas veias novamente. Eu queria tocá-lo - agora – então eu rasguei sua camisa em vez de me incomodar com os botões e comecei a mordiscar seu pescoço e ombros com meus dentes.
— Eu acho que nós tivemos provocação o suficiente, não é? — Ele falou.
Ele me pegou e me deitou no sofá. Eu assisti enquanto ele se levantava, tirava suas roupas e pegava uma camisinha de sua carteira. Eu tomava anticoncepcionais, mas sempre usávamos proteção extra.
Admirei a visão de seu corpo forte e musculoso, meus dedos coçando para tocar toda a sua pele quente e macia. Não importa quantas vezes estivéssemos juntos, eu sempre desejava mais dele.
Owen se cobriu com o preservativo, depois se abaixou e puxou o cinto do meu roupão, afastando cuidadosamente ambos os lados do meu corpo, como se ele estivesse desembrulhando um presente. Seu quente olhar violeta me percorreu de forma apreciativa, e ele se inclinou para me beijar novamente, mas eu coloquei o dedo em seus lábios, parando-o.
— Como você estava — eu ordenei.
Ele arqueou uma sobrancelha, mas ele se sentou de novo no sofá. Dei-lhe um sorriso lento e preguiçoso, depois me levantei e o montei novamente. Passei meus braços em volta do seu pescoço e girei meus quadris em um círculo lento, pressionando contra o seu comprimento duro, em seguida, recuando.
— Você gosta desta demonstração? — Eu provoquei, fazendo outro círculo lento. — Ou eu preciso fazer um pouco mais?
Eu me inclinei para frente, como se eu finalmente fosse se unir aos nossos corpos, mas parei em seguida.
— Vem cá, você— rosnou Owen.
Ele agarrou meus quadris e empurrou para dentro de mim com um longo e suave golpe que nos fez gemer com quão bom era. Nossas bocas se fundiram, nossas línguas emaranharam enquanto devorávamos um ao outro. As mãos de Owen seguraram meus seios, amassando os montes já sensíveis, e ele beijou seu caminho no meu peito, lambendo primeiro um mamilo, depois o outro.
Eu comecei a balançar contra ele. Encontrar a liberação pela qual ambos estávamos tão desesperados, mas as mãos de Owen caíram nos meus quadris, mantendo-me no lugar.
— Fique quieta — ele raspou contra a minha pele. — Eu ainda não terminei meu banquete.
Ele se inclinou para frente e beijou meus seios novamente. Eu gemi por não ser capaz de me mover contra ele, com ele, mas esperar agora só tornaria isso muito melhor no final.
O calor, a emoção, a conexão entre nós construída e construída, até que eu estivesse tremendo com cada sussurro de seus lábios e cada quente arrastar de sua língua em toda a minha pele. Finalmente, Owen me pegou e me deitou novamente no sofá. Nós dois não podíamos esperar mais. Eu puxei-o para cima de mim, e ele entrou em mim novamente com outro impulso longo e duro.
E desta vez, ele não parou.
Eu tranquei minhas pernas em torno de sua cintura e puxei sua cabeça para baixo para a minha. Nossos lábios e línguas e corpos colidiram juntos, e cada beijo e impulso alimentaram nosso frenesi. Não conseguimos o suficiente um do outro, beijando mais forte, tocando mais tempo, empurrando cada vez mais rápido.
Então nós dois explodimos, o mundo se despedaçando ao nosso redor quando alcançamos nossa doce e definitiva liberação.
Nós seguimos o prazer por muito, muito tempo. antes que nossos corpos se separassem. Peguei meu robe preto de onde caíra no chão e joguei sobre nós dois como um cobertor improvisado. Então eu envolvi meus braços ao redor de Owen, segurando-o ainda mais apertado do que antes. Ele enroscou seu corpo contra o meu, e eu deslizei meus dedos pelo seu sedoso cabelo preto enquanto sua respiração se acalmava e se aprofundava, me dizendo que ele tinha adormecido.
Mas eu não adormeci com ele. Agora, eu queria aproveitar esse precioso tempo juntos. Teria sido fácil dar como certo como Owen me fazia sentir, mas hoje tinha provado que não podia fazer isso.
Nem agora, nem nunca.
Eu poderia ser a nova rainha do submundo, mas ainda tinha muitos inimigos que queriam me matar. Então, daqui a pouco, eu acordaria Owen e veria se ele queria outra demonstração. Eu iria aproveitar esta noite com ele ao máximo e torcer cada gota de prazer que eu pudesse.
Então, amanhã, eu iria rastrear meus inimigos e fazê-los pagar pelo que tentaram fazer comigo e meus amigos.
Capítulo 7
Eu acordei na manhã seguinte sentindo-se revigorada e cozinhei um delicioso café da manhã com presunto frito, ovos mexidos e panquecas de manteiga. Eu estava antecipando um longo dia, e queria um bom café da manhã para suportar quaisquer novos problemas que surgissem. Eu prometi a Owen que ligaria para ele se eu descobrisse alguma coisa importante, depois nos beijamos, dissemos adeus e seguimos caminhos separados para o trabalho.
Estacionei o carro a quatro quadras do Pork Pit, o restaurante de churrasco que eu dirigia no centro da cidade de Ashland. Eu escolhi um lugar afastado em uma rua lateral pouco usada onde eu esperava que ninguém pensasse em procurar meu carro, muito menos plantar uma bomba nele. Coloquei minhas mãos nos bolsos da minha jaqueta de couro preta e entrei no fluxo de pedestres que descia pela calçada.
Examinei o que estava ao meu redor, para o caso de o homem-bomba ou o garçom falso estarem espreitando perto do restaurante, mas todos estavam ocupados mandando mensagens de texto ou tagarelando em seus telefones, e ninguém me deu nenhuma atenção. Então eu virei a esquina e entrei na rua onde o Pork Pit estava localizado.
Tanto quanto eu poderia dizer, ninguém tinha me notado, mas eu vi uma mulher parada na calçada do lado de fora do restaurante, fingindo verificar suas mensagens, embora ela continuasse olhando ao redor. Cabelos loiros, blazer vermelho apertado, saia curta, óculos escuros enormes no rosto.
Eu a reconheci: Jade Jamison, uma garota que dirigia as prostitutas nos subúrbios. Eu a ajudei algumas semanas atrás, quando um mafioso menor tinha ameaçado ela e seus trabalhadores, apesar do acordo que eles tinham para impedir esse tipo de coisa. Eu não esperava que o cara renegasse o acordo tão rapidamente, especialmente desde que eu coloquei uma das minhas facas contra sua garganta e disse a ele para honrar o arranjo deles – ou então.
Eu suspirei. Eu já tinha problemas suficientes com o bombardeador. Eu não tinha tempo para disputa do submundo agora também. Jade me viu, mas em vez de se apressar, ela abaixou a cabeça e se concentrou no telefone de novo, como se fôssemos estranhas.
Olhei para a esquerda e para a direita, mas não vi ninguém fora do comum nas calçadas e nem carros parados no meio-fio de maneira suspeita. Mas se Jade quisesse fingir que não nos conhecíamos, eu jogaria junto.
Então puxei minhas chaves do bolso da jaqueta, me aproximei do restaurante e estudei a porta da frente, certificando-me de que nenhuma runa tinha sido esculpida na moldura de madeira que soltaria Fogo ou Gelo elemental, ou alguma outra magia que me mataria no ato. Mas a porta estava limpa, assim como as janelas ao redor e o que eu podia ver da loja através do vidro.
Eu estava feliz que não teria que tentar desarmar uma armadilha de runas tão cedo. Mas também me fez suspeitar. Deveria ter havido algum tipo de armadilha esperando por mim aqui. Como o bombardeador tinha falhado em me matar ontem, ele deveria ter tentado novamente, o mais rápido possível, antes de eu descobrir quem ele era e especialmente onde ele estava. Mas não havia nenhuma runa, nenhuma armadilha, nenhuma bomba de qualquer tipo. Mais daquela inquietação girava em meu estômago, aquele sentimento incômodo que me fazia pensar que algo mais estava acontecendo além de alguém simplesmente querendo me matar.
Ou talvez minha própria paranoia constante fosse a única armadilha da qual eu nunca poderia realmente escapar.
Saltos soaram na calçada, e Jade caminhou em minha direção, ainda fingindo verificar o telefone. Ela franziu a testa e parou ao meu lado, como se o que quer que ela estivesse olhando na tela a incomodasse.
— Deixe-me entrar pelos fundos — ela sussurrou, depois andou pela calçada, virou a esquina e desapareceu de vista.
Não era o que eu esperava, mas eu estava curiosa o suficiente para ver o que ela queria.
Então eu entrei, tranquei a porta da frente atrás de mim e acendi as luzes. Cabines de vinil se alinhavam nas janelas, com mesas e cadeiras colocadas além delas e um longo balcão com bancos acolchoados estavam situados na parede dos fundos. Faixas de porcos azuis e cor-de-rosa enrolavam-se por todo o caminho, levando aos banheiros masculinos e femininos, a caixa registradora e até a parte de trás do restaurante. Eu respirei, deixando o aroma rico, picante e defumado de todas as refeições que eu tinha cozinhado penetrar profundamente em meus pulmões. Phillip poderia ter a visão mais bonita do Delta Queen, mas o meu restaurante certamente cheirava muito melhor do que o rio Aneirin.
Mesmo que Jade estivesse esperando, eu levei meu tempo conferindo os banheiros, mesas, cadeiras e balcão em busca de runas, armadilhas e bombas. Satisfeita pelo fato de que tudo estava limpo, passei pelas portas duplas e entrei na parte de trás do restaurante, examinando todos os freezers e prateleiras de metal cheias de alimentos, guardanapos, canudos e talheres. Seria muito embaraçoso ser assassinada em meu próprio restaurante simplesmente porque tinha ficado desleixada, e assumido que ninguém viria atrás de mim aqui agora que eu era ostensivamente a grande chefe.
Quando tive certeza de que tudo estava limpo, abri a porta dos fundos para encontrar Jade Jamison parada no beco, a bolsa vermelha sob o braço direito, impaciente, batendo com o salto do sapato vermelho contra o asfalto rachado e sujo.
— Demorou muito tempo — ela murmurou. — O que você estava fazendo? Colocando os porcos para pastar?
— Desculpe — eu falei. — Apenas certificando-me de que ninguém tivesse me deixado um presente durante a noite.
Jade empurrou os óculos de sol sobre a cabeça, revelando seus olhos verdes. — Oh, você quer dizer como aquela bomba no barco ontem?
Mantive meu rosto em branco, embora eu estivesse estremecendo mentalmente. Eu sabia que os rumores voariam rápido, mas eu subestimei a rapidez de Ashland.
— Você ouviu falar sobre isso?
—Oh, eu ouvi. Todo o submundo já ouviu falar nesta altura. Na verdade, essa é a razão pela qual estou aqui.
— E por que isso?
Ela bufou. — Oh, por favor. Não me dê esse olhar suspeito, e nem pense que eu tive algo a ver com isso. Eu não sou estúpida o suficiente para acreditar que posso te matar. E por que eu iria querer de qualquer maneira? Você manteve a sua palavra e tirou Leroy das minhas costas. Eu não ouvi um pio dele desde a sua pequena visita. No que me diz respeito, você pode ser a grande chefe enquanto viver. — Ela fez uma pausa. — Embora provavelmente será por um breve tempo.
—Uau, obrigada pelo voto de confiança — eu respondi ironicamente. — Mas o que há com todo o segredo e mistério?
Ela encolheu os ombros. — Eu não queria que ninguém me visse falando com você. Apenas no caso de seu reinado ser particularmente curto.
— Lá vai você de novo com toda essa confiança. É suficiente para acabar com o ego de uma garota. — Ainda assim, suas palavras me intrigaram. — Por que você quer falar comigo?
Jade me olhou nos olhos. — Porque eu sei onde você pode encontrar o cara que plantou aquela bomba no Delta Queen.
* * *
Uma centena de perguntas surgiu em minha mente, a maioria delas focadas em onde esse cara estava neste segundo e quão rápido eu conseguiria que ele falasse a identidade e localização do bombardeador e mataria os dois.
Mas, tão urgentemente quanto eu queria essa informação, decidi ser educada sobre as coisas. Além disso, pelo que eu sabia de Jade Jamison, ela era teimosa o suficiente para empacar se eu a apressasse. Então eu a levei para a frente do restaurante, fechei todas as persianas nas janelas para que ninguém a visse, e gesticulei para que ela se sentasse em um dos bancos perto da antiga caixa registradora.
— Chocolate, morango ou baunilha?
Ela franziu a testa. — Hum, morango? Que tipo de pergunta é essa?
Em vez de responder, entrei atrás do balcão e voltei com leite, sorvete, uma caixa de morangos frescos e muito mais. Eu também peguei um copo parfait{2} de uma prateleira de louça no canto.
— O que você está fazendo? — Ela perguntou.
— Cozinhando — eu disse, despejando tudo sobre o balcão na frente dela. — Isso me ajuda a pensar. Então comece a falar.
As sobrancelhas loiras esculpidas de Jade subiram em sua testa, enquanto eu pegava uma garrafa de xarope de morango. — Não é um pouco cedo para um milk-shake?
Com suas palavras, meus dedos apertaram em torno da colher de sorvete na minha mão, meu aperto tão forte que eu podia sentir a alça de metal pressionando a minha cicatriz de runa de aranha.
Eu fiz uma careta e obriguei-me a relaxar meus dedos. Era cedo para um milk-shake. Então, por que eu decidi fazer um para ela? Eu não consegui chegar a uma resposta. Eu pensei em milk-shake por algum motivo. Estranho.
Jade limpou a garganta. — Silvio me mandou uma mensagem ontem à noite e me contou o que aconteceu no barco. Ele perguntou se eu ou algum dos meus empregados tinha ouvido sobre qualquer elemental novo na cidade, particularmente um que pudesse controlar metal.
— Você ouviu?
— Não.
Eu olhei para ela. — Então por que você está aqui? Você disse que tem informações sobre o bombardeador.
—Eu tenho. Pelo menos acho que tenho. — Ela respirou fundo. — Uma das minhas meninas saiu para um trabalho duas noites atrás. Novo cliente. Ficaram no Blue Moon Hotel. Você conhece?
Peguei uma porção generosa de sorvete de baunilha e coloquei no liquidificador, juntamente com um pouco de leite, morangos frescos e várias doses de xarope de morango. — Sim. Lugar chique na rua Carver. Tem uma bela vista do rio, que acrescenta mais cem dólares à conta todas as noites.
Ela abriu a boca para continuar, mas apertei o botão no liquidificador, interrompendo-a enquanto batia os ingredientes. Quando tudo estava misturado, coloquei o líquido espesso de morango no copo parfait, depois finalizei com chantilly, várias gotas de xarope de morango e um par de fatias de morangos frescos. Deslizei o milk-shake pelo balcão até ela.
Jade arrancou um canudo de um dos dispensadores, enfiou-o no líquido e tomou um gole cauteloso. A surpresa em seu rosto rapidamente se transformou em prazer. — Esse milk-shake está muito bom.
—Claro que é bom. Eu fiz isso.
Ela revirou os olhos. — Sua modéstia está aparecendo de novo.
Sorri e apoiei meus cotovelos no balcão. Jade tomou outro gole de seu milk-shake, depois o deixou de lado.
— Então — continuou ela — esse cara no Blue Moon Hotel. Um pouco desajeitado, mas de aparência mediana, dava gorjetas decentes, e assim por diante.
— Mas?
— Mas minha garota percebeu que ele tinha um uniforme pendurado na parte de trás da porta do banheiro. — Jade olhou para mim. — Camisa preta, calça preta e um colete de smoking vermelho.
Isso chamou minha atenção. — Um uniforme de garçom do Delta Queen.
Ela assentiu. — Claro, minha garota não achou nada demais na época. Mas depois que Silvio ligou ontem à noite e eu perguntei ao redor, ela me contou sobre isso.
— E você veio aqui para entregar a informação para mim pessoalmente. — Meus olhos se estreitaram. — Por quê?
Jade encolheu os ombros. — Eu queria ter certeza de que você percebesse que eu não tinha nada a ver com o que aconteceu no Delta Queen, e nem minha garota.
— Devidamente anotado. Eu aprecio a informação.
Seus lábios vermelhos se curvaram em um sorriso malicioso. — Espero que você se lembre disso da próxima vez que eu precisar de seu tipo especial... de ajuda.
De repente, suas razões para me dar informações eram cristalinas. Mas essa era a maneira como o mundo trabalhava, especialmente em Ashland.
— Naturalmente — respondi em tom irônico.
Seu sorriso aumentou. Eu não pude deixar de gostar de Jade Jamison. Ela certamente era corajosa, e ela cuidava de seus empregados, ambos os traços que eu admirava.
— Então, esse cara tem um nome?
Jade bufou. — Sr. Smith.
Eu cerrei meus dentes pelo provável nome falso. Apenas quando eu pensei que estava finalmente chegando a algum lugar...
— Não se preocupe — ela ronronou, sentindo a minha frustração. — Eu ainda não cheguei à melhor parte.
—E o que seria isso?
Jade colocou a mão na bolsa vermelha, tirou um pedaço de papel e deslizou sobre o balcão. — Ele ainda está lá. Ele ligou para a minha garota de novo esta manhã e reservou outra sessão para esta noite em seu hotel, então parece que ele não tem planos de sair da cidade tão cedo.
Eu olhei para o pedaço de papel. Sr. Smith. Quarto 321. Hotel Blue Moon.
A ansiedade subiu através de mim, mas eu calmamente peguei o papel, coloquei-o em uma fenda na caixa registradora e peguei o sorvete e o liquidificador novamente.
— O que você está fazendo? — Jade perguntou.
Eu sorri para ela. — Fazendo para você outro milk-shake. Você merece.
Capítulo 8
Jade bebeu o resto de seu milk-shake de morango, reclamando o tempo todo que iria direto para o traseiro dela, mas ela saiu com um sorriso no rosto, o outro milk-shake em um copo para viagem, e uma caixa cheia de sanduíches de churrasco para sua equipe.
Por mais que eu gostaria de ter ido direto para o Hotel Blue Moon, mostrado ao Sr. Smith a ponta de uma das minhas facas, e obtido algumas respostas sobre o que estava acontecendo, eu ainda tinha um restaurante para comandar. Além disso, se o bombardeador ou outra pessoa vigiasse o Pork Pit, ele poderia me ver sair, me seguir até o hotel e avisar Smith para fugir antes que eu pudesse colocar minhas mãos nele. Eu não queria que nada pusesse em risco a conversa muito objetiva que eu planejava ter com Smith.
Mas, mais do que isso, eu queria algum tempo para pensar, tramar e planejar, antes de confrontar Smith. Eu tinha muitas peças de quebra-cabeça flutuando em minha mente, e eu precisava colocá-las em algum tipo de ordem – antes que o bombardeador tentasse novamente. Então eu fiquei no restaurante e comecei minhas tarefas matinais, incluindo fazer um lote de molho de churrasco secreto de Fletcher.
Na hora em que Catalina Vasquez chegou, junto com o resto dos garçons, eu sabia o que queria fazer sobre Smith, embora eu teria que esperar várias horas para realmente colocar os olhos nele. Mas eu fui em frente e mandei uma mensagem para Finn pedindo para ele ir ao restaurante, para que eu pudesse colocar a primeira parte do meu plano em ação.
Finn entrou no Pork Pit por volta de uma e meia e sentou em um banquinho próximo da caixa registradora. Silvio estava sentado dois assentos abaixo e digitando em seu tablet. O vampiro sempre era perfeitamente pontual, e ele chegou mais cedo esta manhã, bem quando eu estava virando a placa na porta da frente para Aberto.
Finn lhe deu um tapinha nas costas. — Ei, Silvy. Como vai?
Silvio resmungou e voltou ao seu tablet. Finn sorriu por causa do aperto de irritação dos lábios do vampiro. Os dois tinham uma pequena rivalidade acontecendo, com cada um tentando provar que tinha mais contatos, fontes e espiões, e os dois correndo para obter todas as informações do submundo de Ashland antes do outro cara. Hoje eu ia colocar a competição e as conexões deles em bom uso.
Silvio já havia comido um sanduíche de frango grelhado e batatas fritas, e preparei o pedido de Finn – um sanduíche de frango com barbacue, uma porção de anéis de cebola e uma fatia de bolo de pêssego para sobremesa, juntamente com um milk-shake de baunilha.
Enquanto Finn comia, eu contei tudo o que Jade havia me dito. Silvio já ouvira tudo isso antes, mas ainda digitou mais algumas anotações. Eu realmente não sei o motivo. Talvez isso o fizesse sentir mais como um assistente. Ou talvez Silvio quisesse que Finn pensasse que ele tinha algumas ideias que meu irmão adotivo não tinha. De qualquer forma, Silvio insistiu em verificar as informações de Jade ligando para o hotel e verificando se Smith realmente estava hospedado lá, só para ter certeza de que Jade não estava tentando me enganar de alguma forma. Mas Jade era uma mulher inteligente. Ela sabia o quão mal me enganar acabaria – para ela.
— O Blue Moon Hotel? — Finn perguntou, colocando o último anel de cebola em sua boca. — Isso faz sentido.
—Por quê?
Ele olhou para mim. — Porque eles têm um dos melhores bares de charutos de Ashland.
— Então o charuto do bombardeador provavelmente veio de lá.
Ele assentiu. — Mas espere. Fica melhor.
— E por que isso?
— Porque eu conheço o gerente do hotel — Finn cantou. Ele se inclinou e deu uma cotovelada na lateral de Silvio. — E eu estou apostando que você não, certo, Silvy?
O vamp bufou e endireitou a gravata. — Não, eu não conheço o gerente daquele hotel em particular.
O sorriso de Finn aumentou.
— Não importa quem conhece quem— eu interrompo. —E sim que temos olhos e ouvidos em Smith.
Finn franziu a testa. — Você quer dizer que não vai simplesmente invadir o quarto de hotel dele e, você sabe... — Ele fez um movimento cortante em sua garganta, como se fosse eu usando uma das minhas facas em alguém, e fez vários gorgolejos sufocantes para acrescentar.
Eu balancei a cabeça. — Não. Não a princípio, de qualquer maneira. Eu quero ver exatamente o que o Sr. Smith está fazendo antes de eu ter uma conversa cara a cara com ele.
Eu não mencionei que a razão pela qual eu estava sendo tão cautelosa era a minha sensação incômoda de que algo não estava certo sobre essa situação, que era mais do que alguém tentando me matar.
— Bem, se você não vai matar o cara, então o que você vai fazer com ele? — Finn perguntou.
Eu disse a ele o que eu queria. — Você acha que pode arranjar isso?
Seu peito inchou de orgulho. — Claro que eu posso. Eu sou Finnegan Lane, baby. O melhor no negócio.
Revirei os olhos. O mesmo aconteceu com Silvio, mas Finn estava muito ocupado sorrindo, mentalmente se parabenizando por sua própria astúcia, e tomando o resto de seu milk-shake, para se importar.
* * *
Às oito horas da noite, eu me encontrei de pé em um beco ao lado do Blue Moon Hotel. Apesar da reputação de luxo do hotel, esse beco era como todos em Ashland: escuro, sujo e cheio de lixeiras transbordando com todo tipo de lixo podre. Garrafas quebradas espalhavam-se pelo asfalto, os cacos cintilando os poucos raios de luar que conseguiam filtrar para o corredor.
— Você não está pronto ainda? — Eu reclamei. — Você gasta mais tempo em seu cabelo do que eu.
Finn puxou a peruca loira desgrenhada um pouco mais em sua testa. — Você quer que eu pareça bem, não é?
— Sim. Essa é a minha principal preocupação no momento. Sua aparência.
— Só porque estamos em um beco escuro e deserto não significa que eu não deva me esforçar para parecer o meu melhor. — Finn fungou e afofou os fios tingidos de sua peruca.
Owen riu da minha discussão com Finn, mas suspirei, cruzei os braços sobre o peito e bati com o pé contra o pavimento rachado. Finn ignorou o som impaciente.
As coisas quase certamente ficariam confusas no Blue Moon Hotel, e eu queria o mínimo de chance possível de ligar a mim, Finn e Owen ao Sr. Smith. Mas havia muitas câmeras de segurança no saguão, lojas, restaurantes e elevadores do hotel para evitá-las, então usávamos disfarces – óculos e perucas que pegamos emprestados da nossa amiga Roslyn Phillips, que administrava a boate Northern Aggression. Owen e Finn ostentavam os cabelos loiros e óculos redondos prateados, enquanto eu era ruiva com óculos quadrados e pretos.
Os disfarces não enganariam ninguém por muito tempo, mas era uma precaução extra e um pouco de negação plausível que eu insistira. Dado o que tinha acontecido no barco, eu precisava ser o mais cuidadosa possível a partir de agora.
— Aqui, — Finn anunciou, dando um tapinha final em sua peruca. — Tudo pronto.
—Finalmente — eu murmurei.
— The Blue Moon tem certos padrões, Gin— respondeu ele. — Parecer desarrumado em um lugar como este é uma das maneiras mais rápidas de atrair atenção indesejada.
Owen olhou para ele. — Você já esteve no hotel antes?
—Certamente — disse Finn, ajustando suas abotoaduras. — Eu estou bem familiarizado com este e todos os outros hotéis em Ashland.
Eu bufei. — Você quer dizer que está familiarizado com esgueirar-se deles, com medo de um namorado ciumento ou marido te pegar no ato com sua mulher.
Finn apertou as duas mãos em seu coração. — Oh, Gin, você sempre me magoa com seu cinismo. Além disso, sou um homem mudado agora, lembra? Um homem de uma só mulher. Certo, Owen?
Owen riu de novo e balançou a cabeça. — Não me procure por ajuda. Sei que as mulheres Snow não devem ser enganadas de qualquer maneira, sentido ou forma. Você está sozinho aqui, meu amigo.
— Homem de uma mulher, hein? — Eu espalmei uma faca e mostrei a Finn antes de colocá-la de volta na minha manga. — Bem, é melhor ficar desse jeito, desde que você está namorando minha irmãzinha.
—Vai, vai, — Finn disse em um tom apressado, erguendo as mãos em sinal de rendição. — Além disso, você não teria a chance de me entalhar. Bria iria explodir minhas bolas com sua magia de Gelo primeiro se ela sequer pensar que eu estava traindo ela. O que eu nunca faria. E não apenas porque gosto que todas minhas partes de homem-máquina de amor estejam funcionando e não congeladas a ponto de cair. — Ele estremeceu.
Owen estremeceu junto com ele. — Como eu disse, não deve brincar com isso.
Os dois compartilharam um olhar solidário com a ideia de enfrentar Bria e eu e nossa magia de Gelo, mas eu sabia que Finn queria dizer o que ele disse. Apesar de seus antigos modos de mulherengo, ele realmente amava Bria, e ela era igualmente louca por ele.
— Bem, eu acho que é mais do que suficiente de falar sobre suas partes de homem— eu disse. — Vamos começar o show.
Finn estendeu a mão. — Damas primeiro.
Eu andei pelo beco, caminhei para a calçada, e fui para a entrada principal, com Finn e Owen alguns passos atrás de mim. Um por vez, nós atravessamos as portas giratórias e entramos no hotel.
O Blue Moon era um dos melhores hotéis de Ashland, e cada parte da decoração luxuosa brilhava, desde os lustres clássicos até os espelhos dourados que revestiam as paredes e os pisos de mármore, que exibiam veias finas de azul pálido através da pedra branca lisa.
O lobby em si era um círculo enorme, com a recepção em frente às portas giratórias e lojas e restaurantes de alta qualidade ao redor da área. Eles podiam estar alojados no hotel, mas as empresas do saguão eram independentes, e muitas pessoas vinham comer, passear e gastar muito dinheiro em produtos de luxo.
As pessoas entravam e saíam das lojas, todas vestidas como profissionais de negócios ou compradores profissionais, para comprar mais das mesmas grifes e joalherias que já usavam. Os membros da equipe estavam vestidos com roupas que eram igualmente caras, e a única maneira de distinguir um empregado do hotel de um hóspede era o broche de meia-lua prateado pregado em seus paletós.
Finn estava certo. Em um lugar extravagante como este, misturar-se era a chave para manter um perfil discreto e não chamar a atenção dos guardas gigantes que estavam sempre procurando por potenciais invasores. Então Finn, Owen e eu tínhamos vestido ternos escuros, com Finn também carregando uma maleta de silverstone para aumentar a ilusão de que éramos empresários corporativos, na cidade para algum tipo de reunião, passando pelo saguão em nosso caminho para conseguir uma bebida, jantar e voltar ao insanamente caro e excepcionalmente lento Wi-Fi em nossos quartos.
Finn olhou ao redor do saguão, certificando-se de que os guardas estavam nos ignorando, depois apontou para uma loja à direita das portas giratórias. — Lá está o bar de charutos. Vamos dar uma olhada.
Seguimos nessa direção. O nome do lugar, Puff, estava escrito em letras grandes e em negrito que emanavam uma luz vermelha de néon de cada vez. Quando o nome inteiro estava iluminado, o contorno de um charuto acendia no final do letreiro, completado por uma espiral cinzenta de fumaça flutuando da brasa. O letreiro de charuto e as letras piscando lançavam um brilho vermelho no chão, fazendo as veias azuis no mármore parecerem sangue escorrendo através da pedra.
Alcançamos as portas de vidro. Finn sorriu e balançou as sobrancelhas para mim, e eu estendi a mão, graciosamente dizendo-lhe para ir em frente. Owen olhou para trás e para frente entre nós dois, sem entender o nosso código silencioso de longa data.
— Owen, meu homem— Finn disse, — acho que já está na hora de eu te apresentar ao mundo maravilhoso e amplo dos charutos...
Finn empurrou as portas, agarrou o braço de Owen e o conduziu para dentro. Owen olhou para mim, claramente querendo ficar do lado de fora, mas eu balancei meus dedos para ele.
— Vocês garotos se divirtam— eu disse.
As portas de vidro se fecharam atrás deles, e eu me movi para o canto da loja, encostando-me na parede e fingindo verificar meu telefone. Finn foi direto para uma mulher misturando bebidas atrás de um bar de madeira ao longo da parede, com Owen seguindo-o. Finn ofereceu a mulher um sorriso encantador, em seguida, abriu a pasta e tirou uma sacola plástica que continha o toco de charuto que encontrei na floresta. A mulher o encarou por um momento, e então um lento sorriso se estendeu por seu rosto.
Finn era um conversador natural, e eu estava confiante de que ele seria capaz de encantar a mulher para dizer a ele que tipo de charuto era e quem poderia ter comprado um recentemente. Claro, se eu fosse o bombardeador, eu teria usado um nome falso e pago em dinheiro, mas talvez ele não fosse tão inteligente, e nós teríamos sorte. A esperança é a última que morre, certo?
Eu fiquei no canto da vitrine, ainda fingindo verificar meu telefone, embora eu estivesse realmente examinando a loja e todos dentro do lugar. Além do bar e das garrafas de bebida nas prateleiras de vidro atrás dele, Puff exibia aglomerados de enormes cadeiras de couro marrom-escuro e mesinhas, situadas a vários metros de distância uma da outra. Os candelabros estavam voltados para baixo, e nuvens cinzentas de fumaça serpenteavam no ar, aumentando a atmosfera nebulosa e elegante.
A multidão habitual reunira-se no interior – empresários conduzindo reuniões, mais pessoas casualmente vestidas que pareciam turistas, e algumas homens e mulheres muito atraentes vagando por aí com as bebidas em suas mãos, na esperança de pegar um encontro pagante para a noite.
Ninguém se destacou para mim. Eu estava prestes a voltar minha atenção para Finn e Owen, que ainda estavam no bar, quando vi um homem nas sombras de costas para a parede.
Ele era a única pessoa que estava sentada sozinha, e ele estava ocupado mexendo em seu telefone, então não notou meu olhar. Ele não estava fumando, mas um copo de cristal com uísque estava na mesa à sua frente, junto com uma garrafa. O homem era alto, com uma constituição muscular semelhante à de Owen. Ele usava um terno azul escuro feito sob medida com uma camisa azul-claro e gravata combinando, e um relógio de silverstone envolto em seu pulso esquerdo, enquanto um anel de sinete de silverstone brilhava em sua mão direita. Seu cabelo preto estava penteado para trás, revelando uma mandíbula quadrada, maçãs do rosto cinzeladas e uma aparência geral de estrela de cinema. Esse cara não perdia para Cary Grant. Tudo sobre ele sussurrava de elegância, dinheiro e poder.
Eu não fui a única que o notou, e uma das garotas de programa se aproximou do homem, mostrando-lhe um sorriso convidativo. Ele ergueu os olhos do telefone, revelando olhos azuis pálidos e balançou a cabeça. A mulher fez beicinho e se inclinou, mostrando os amplos recursos espremidos em seu minúsculo vestido preto apertado. O homem não disse nada, mas deu a ela um olhar frio e plano que a fez se levantar e se afastar dele em busca de uma presa mais receptiva para a noite.
A porta do Puff se abriu e Finn e Owen se aproximaram de mim. Finn espiou por cima do meu ombro, tentando ver para quem eu estava olhando.
— Uh-oh, Owen— Finn disse, acotovelando-o na lateral. — Eu acho que você pode ter alguma competição pela afeição de Gin.
—Não é assim— eu protestei.
— Claro. — Finn arrastou a palavra, determinado a me provocar. — Acabamos de sair daqui e pegamos você olhando o Sr. Alto, Bonito e Elegante como se quisesse dar uma longa tragada nele. Tenho certeza de que isso não é nada.
Eu não ia dizer a Finn que alguma coisa sobre o cara me incomodava do jeito que muitas pequenas coisas tinham feito nos últimos dois dias. As bombas com seus estilhaços de pregos, a runa de maça esculpida na árvore, até os milk-shakes que eu fiz para Jade Jamison. Finn teria dito que eu estava sendo paranoica novamente. Ele poderia estar certo sobre isso.
— Eu deveria estar com ciúmes? — Owen perguntou, juntando-se a provocação de Finn. — Porque eu estou mais do que preparado para ir até lá e desafiar aquele cara para um duelo. Pistolas ao amanhecer ou algo dramático. Qualquer coisa para defender a honra da minha dama e ganhar seu eterno favor.
Ele apertou seu punho em seu coração e se inclinou para mim antes de se endireitar, agarrando minha mão e pressionando um beijo em meus dedos.
Eu ri. — Por mais interessante que isso seja, Sir Grayson, você não precisa se preocupar com nada.
— É bom saber, Lady Genevieve. — Owen piscou para mim.
Afastei-me da loja. — O que vocês descobriram?
Owen balançou a cabeça. — Beco sem saída. Eles têm o charuto – chama-se Chicory Coffee, curiosamente – mas o balconista não encontrou um registro de alguém pedindo na semana passada.
— Pelo menos, ninguém com cartão de crédito ou colocando junto com a conta do quarto — Finn adicionou. — Então o cara provavelmente pagou em dinheiro por isso.
Eu suspirei. — Assim, ainda não temos nada que possa nos dizer quem realmente é o bombardeador.
—Você entendeu, irmã. — Finn apontou o polegar e o indicador para mim, então se endireitou. — Mas pelo lado positivo, eu reabasteci meu suprimento de charuto com vários desses requintados charutos Chicory Coffee.
Ele levantou uma sacola de plástico branca com o nome Puff e a runa de charuto em letras vermelhas.
— Exibido, — eu murmurei.
Ele sorriu ainda mais pelo meu tom sarcástico.
— Agora o quê? — Owen perguntou.
Eu olhei para o meu relógio. — Agora vamos ver o que o Sr. Smith está fazendo. O encontro dele deve estar acabando agora, e ele deve estar voltando para seu quarto em breve.
— Indo fumar a verdade fora dele, Gin? — Finn riu de sua piada de mau gosto.
Suspirei. — Por favor, me diga que você não vai fazer piadas idiotas de charutos pelo resto da noite.
Finn bufou, como se estivesse ofendido. — Claro que não. Não há nada de idiota nas minhas piadas. Não é, Owen?
Owen balançou a cabeça, mas um sorriso se espalhou pelo rosto dele. — Não me pergunte. Eu não estou entrando no meio dessa... situação fedorenta.
Eu rosnei, mas Finn levantou a mão e Owen o cumprimentou.
— Se vocês dois acabaram de bancarem os espertos, talvez possamos continuar com as coisas? — eu reclamei.
— Claro, apenas me dê um segundo para guardar meus charutos— disse Finn. — Eu não quero que eles sejam danificados enquanto conversamos com Smith.
Eu fiz uma careta. — Danificados? Por que eles seriam danificados? E com o quê?
— Facas, magia, sangue, enormes, grandes e molhados prantos quando Smith implorar por misericórdia — disse Finn. — Você sabe. Todas as especialidades de Gin Blanco.
Ele estava certo novamente. Essas eram minhas especialidades.
Finn pediu que Owen segurasse sua pasta para que ele pudesse abri-la e colocar a sacola de plástico cheia de charutos dentro. No segundo em que ele terminou, eu estendi minhas mãos, empurrando os dois em direção aos elevadores. Finn colocou o braço em volta do ombro de Owen, já planejando um tempo para eles se reunirem para fumar alguns dos charutos.
Ao invés de segui-los, eu olhei através das janelas da loja de charuto novamente. O homem que eu havia notado anteriormente se concentrou em seu telefone mais uma vez. Ele estendeu a mão, pegou o copo de uísque e tomou um gole lento, fazendo o anel de sinete piscar em sua mão. Ele não estava fazendo nada fora do comum, mas eu ainda me sentia desconfortável. Havia algo sobre ele que parecia tão familiar...
Um assobio baixo soou. Eu olhei e percebi que Finn estava acenando para mim dos elevadores.
Eu olhei para o homem novamente, mas ele não era quem estávamos aqui para ver. Esse seria o Sr. Smith, e ele estava esperando por mim, mesmo que ele não soubesse ainda.
Então eu me afastei da loja de charutos, mais do que pronta para colocar os olhos em alguém que poderia finalmente me ajudar a chegar ao fundo das coisas.
Capítulo 9
Owen, Finn e eu subimos de elevador até o sétimo andar, agindo de forma casual, mas mantendo a cabeça baixa para não dar às câmeras de segurança uma boa olhada em nossos rostos. A porta abriu-se, mas o corredor estava vazio, então pudemos ir até a escada de incêndio e descer até o terceiro andar sem ninguém nos ver. The Blue Moon era um daqueles lugares que se orgulhavam de seus hóspedes – e de todas as suas atividades, legais ou não – que permaneciam anônimos, de modo que nenhuma câmera monitorava as escadas ou o corredor dos quartos.
Finn tirou um cartão eletrônico do bolso do paletó deslizou através do leitor e abriu a porta. Ele entrou e Owen fechou a porta atrás de nós. O quarto estava vazio, mas isso era esperado.
Porque não estávamos no quarto do Sr. Smith – estávamos no cômodo ao lado.
Eu tinha dito ao Finn e ao Silvio que eu não queria interrogar o Smith. Ainda não. Em vez disso, eu queria vê-lo primeiro e ter uma ideia de como ele era. E, mais importante, para quem ele trabalhava.
Homens mortos contam poucas coisas, e eu queria o máximo de informações que conseguisse antes de entrar no quarto dele e confrontar Smith pessoalmente.
Assim, usando seu disfarce, Finn veio para o hotel mais cedo e pegou um cartão-chave mestre de uma das camareiras. Certificando-se de que Smith estava fora, ele entrou no quarto do outro homem e fez alguns ajustes em certos itens.
Finn e Owen tiraram seus paletós e os jogaram na cama, mas eu mantive o meu, para esconder as facas nas minhas mangas apenas no caso de eu ter que sair do quarto com pressa. Três cadeiras haviam sido colocadas em frente à TV e todos nos sentamos, comigo no assento mais próximo da porta. Se Smith percebesse que alguém esteve em seu quarto, ele poderia fugir e eu queria ser capaz de impedi-lo.
Finn pegou o controle remoto e ligou a TV de tela plana. Uma imagem espelhada do nosso quarto apareceu na tela, graças à câmera que ele havia plantado na TV ao lado.
— E agora, permita-me apresentar com orgulho o nosso mais novo canal de exibição — Finn pronunciou, dando um elegante floreio de mão. — E isso nem vai te custar um extra.
— Custar extra? Já custa quinhentos dólares por noite, o que você colocou em um dos meus cartões de crédito — resmunguei. — Para tanto dinheiro, eles deveriam ter pessoas reais e vivas vindo ao seu quarto e encenado os filmes.
—Você quer dizer no cartão de crédito de um dos seus muitos pseudônimos, — Finn retrucou. — Não é como se você realmente tivesse que pagar por isso.
—Eu preciso se eu quiser continuar usando esse pseudônimo.
Ele acenou com a mão afastando as minhas preocupações, levantou e caminhou até o minibar. — Quem está com sede? Certamente eu estou.
Ele tirou várias garrafas pequenas e jogou uma para Owen, mantendo o resto para si. Vinte dólares por garrafa vezes três, quatro, cinco... Suspirei e parei de contar. Eu não estava ansiosa para receber a conta desta noite.
Finn e Owen abriram suas garrafas caras e pequenas de bebida, mas eu olhei para a tela da TV.
O quarto do outro lado da parede estava uma bagunça. Havia lençóis emaranhados na cama king size, travesseiros espalhados por toda parte, travessas de serviço de quarto empilhadas sobre a escrivaninha, e vários cuecas boxers de seda com estampa de leopardo tinham sido colocados sobre os topos dos abajures, como se para secarem.
— Que porco — disse Owen.
— Você não precisa ser asseado para plantar uma bomba. Apenas sorrateiro. Quando é que ele deveria estar de volta ao seu quarto?
Finn olhou para o relógio. — De acordo com a informação que a adorável Sra. Jamison me mandou em uma mensagem no início da noite, o encontro de Smith com sua garota deveria terminar quinze minutos atrás. Eles estavam em um hotel a um quarteirão, então ele deveria estar de volta aqui a qualquer momento.
Com certeza, no corredor, ouvi o estrondo de uma porta se fechando. Na tela, uma sombra se moveu pelo chão no outro quarto, indicando que alguém havia aberto a porta. Um segundo depois, um homem entrou na imagem da TV. Cabelos cor de areia, olhos escuros, feições simples, terno modesto, com uma gravata com estampa de leopardo. Olá, Sr. Smith.
— É ele — eu disse. — Esse é o garçom falso do barco.
Finn apertou outro botão no controle remoto. — Eu mencionei que temos imagem e som? Então vamos sentar e assistir ao show.
Smith deve ter gostado de seu encontro pago, porque ele estava sorrindo de orelha a orelha e assobiando uma melodia feliz. Ele foi até o espelho e piscou para si mesmo, como se estivesse orgulhoso de suas maneiras de conquistador. Smith estava muito ocupado aproveitando sua própria conquista para suspeitar que estivesse em apuros – ou que alguém o estivesse observando.
Finn, Owen e eu nos instalamos para a nossa programação noturna, mas Smith não fez nada remotamente interessante. Tudo o que ele fez foi sentar na cama desarrumada, tirar o celular, e começar a rolar pelas mensagens, mandar mensagens para várias pessoas e rir de algum vídeo idiota de gato, a julgar pelos sons que saíam de seu celular.
Finalmente, ele se cansou disso e jogou o celular em cima da mesa de cabeceira, sem notar que ele deslizou para o lado e caiu na fenda entre a mesa de cabeceira e a parede. Smith foi para o centro da cama e pegou o controle remoto.
Click.
Click-click.
Click.
Ele apertou e apertou os botões, mas nada aconteceu, graças ao trabalho de reconfiguração que Finn fez na sua TV.
— Ah, droga — Smith murmurou. — a TV estúpida está quebrada.
Eu fiquei tensa, imaginando se ele poderia ligar para a recepção para que alguém da manutenção aparecesse e olhasse para a TV. Se isso acontecesse, nossa missão de espionagem terminaria, e eu teria que pegar Smith e tirá-lo do quarto antes que um dos funcionários do hotel aparecesse.
Mas, em vez de pedir ajuda, Smith se levantou e tirou o terno à vista da TV, revelando boxers listrados de zebra. Pelo menos ele era consistente com o tema da selva.
— Woot, woot. Tire isso, baby! — Finn gritou. — Bow-chicka-wow-wow!
—Eu não achava que ele era o seu tipo. — Owen riu. — Especialmente considerando a conversa que tivemos anteriormente sobre você ser um homem de somente uma mulher agora.
—Oh, ele não é. — Finn sorriu. — Mas alguém tinha que dizer isso.
Eu olhei para ele, mas ele abriu outra garrafa em miniatura de bebida e me saudou com ela.
Smith terminou de se despir, deixando seu terno e boxers de seda no chão, então se dirigiu para o banheiro. Através da TV, pude ouvir o rangido das torneiras ligando, depois o barulho constante de água correndo no chuveiro.
Owen olhou para mim. — Agora seria o momento perfeito para entrar em seu quarto.
Eu balancei a cabeça. — Ainda não.
—O que você está esperando? Um convite? — Finn perguntou. — Já estamos aqui há trinta minutos e ele não fez nada divertido, muito menos incriminador. Eu não acho que Smith vai sair do banho, chamar seus companheiros de crime, e pedir que eles venham para a noite de pôquer, então você poderia matar todos de uma só vez.
— Eu sei disso — eu respondi.— Mas Fletcher sempre dizia que não havia mal algum em esperar se você não tivesse certeza sobre as coisas. Então é isso que vamos fazer.
—Esperar? Até você ter certeza sobre as coisas? Com sua paranoia, o natal virá mais cedo — Finn resmungou.
— E você nunca poderia ficar parado por mais de cinco minutos sem se mexer, — eu retruquei.
Meu irmão adotivo bufou, levantou-se de sua cadeira, e apoiou alguns travesseiros contra a cabeceira da cama antes de se lançar de bunda nela. Ele socou os travesseiros várias vezes para achatá-los e fez um grande show posicionando-os assim, antes que ele finalmente se acomodasse contra eles, esticasse as pernas e cruzasse os tornozelos.
— Bem, se temos que esperar, então ficarei confortável enquanto faço isso — disse Finn, inclinando-se e pegando um menu de serviço de quarto da mesinha de cabeceira. — Eu me pergunto se eles têm pipoca neste lugar. Como estamos aqui para assistir a um show, precisamos de um pouco de pipoca para acompanhá-lo. Você não acha?
— Acho que a única coisa brega{3} aqui é você, — eu murmurei.
Owen riu. — Talvez Finn gostaria de um pouco de queijo{4} para acompanhar seu lamento.
—Legal— eu disse.
Estendi a mão e Owen me cumprimentou.
Finn nos lançou um olhar sujo, mas se contentou com a bebida do frigobar. Nós nos sentamos e ficamos em silêncio enquanto Smith tomava banho.
Eu não menti. Eu realmente não sabia o que estava esperando. Talvez que o bombardeador aparecesse pessoalmente. Porque se o meu lacaio estivesse andando pela cidade destruindo quartos de hotel, se divertindo, e atraindo atenção, então eu teria feito questão de vir e dizer a ele para parar com isso. A melhor faceta da coragem era saber ser prudente – e a única coisa que me impediria de matá-lo. Além disso, caras como Smith sempre gritavam no segundo que alguém colocava qualquer tipo de pressão sobre eles. E eu estava apostando que o bombardeador não queria que ninguém soubesse quem ele era – antes de me matar, de qualquer maneira.
Então eu esperaria e observaria, esperando que eu tivesse um pouco de sorte.
Mas é claro que o bombardeador já poderia ter ido embora há muito tempo, e Smith poderia estar sozinho agora, gastando qualquer dinheiro que tivesse feito plantando a bomba no barco.
Outra sombra se moveu pelo chão do quarto de Smith.
Eu me inclinei para frente, olhando para a tela. Eu não ouvi o clique de uma porta no corredor, indicando que alguém havia entrado no quarto. Eu me perguntei se meus olhos estavam pregando peças em mim.
Mas eles não estavam.
Um segundo depois, um homem entrou na vista da TV. Smith ainda estava no chuveiro, então ele estava alheio à chegada do cara.
Cabelo preto, olhos azuis, rosto bonito, terno elegante. E eis que era o mesmo cara que eu tinha notado na loja de charutos. Eu poderia ser paranoica, mas, quase sempre, meus palpites davam frutos.
Ainda assim, quanto mais eu olhava para ele, mais meu estômago apertava com a tensão. Algo sobre esse cara me preocupou seriamente, algo além da suspeita de que ele era o bombardeador. Mais uma vez, senti uma espécie de vaga lembrança nadando ao redor e no fundo do meu cérebro, mas quanto mais eu tentava puxá-la, mais fundo afundava. Em um instante, ela desapareceu completamente. Mas a tensão, a preocupação, o medo permaneceram.
O homem misterioso olhou ao redor da sala, sua boca torcendo-se com desgosto pela bagunça que Smith tinha feito. Mas ele empurrou vários pares de meias da cadeira e sentou-se nela. Esperando, assim como nós.
Owen franziu a testa. — Ei, não é esse...
—O cara do andar de baixo. — Finn terminou seu pensamento. — Quem é ele?
—Eu não sei — respondi. — Mas o seu canal de TV ficou muito mais interessante.
Capítulo 10
O homem misterioso observou a porta do banheiro, esperando que Smith terminasse seu banho, então aproveitei a oportunidade para estudá-lo.
Eu tinha uma visão melhor agora do que tive no bar de charutos, e o homem era ainda mais bonito do que eu pensara inicialmente. Acrescente um terno, um relógio caro e um anel de sinete de silverstone, e você tinha um pacote excepcionalmente atraente. Mas suas feições perfeitas não conseguiam esconder a frieza que espreitava em seus olhos, e eu pensei no olhar fixo que ele tinha dado à mulher que tentou conquistá-lo no andar de baixo. Beleza polida à parte, eu reconhecia um predador quando via um.
O cara recostou-se na cadeira, pôs o braço sobre a mesa e começou a tamborilar os dedos na superfície de madeira. Seus olhos se estreitaram enquanto ele olhava para a porta do banheiro, e sua boca se enrugou de aborrecimento por ter que esperar por Smith, que estava tomando o que parecia ser o banho mais longo do mundo. A princípio, o toque de seu dedo parecia inofensivo.
Então, eu notei a colher.
A poucos centímetros de sua mão, uma colher colocada sobre um pires vazio tremeu, depois começou a vibrar violentamente, como se estivesse sendo sacudida por um terremoto. Eu podia ouvir os talheres ressoando, mesmo através da tela da TV. Não havia como o cara simplesmente tamborilando os dedos fazer com que a colher se movesse assim. Ele teria que bater repetidamente o punho contra a mesa para obter esse tipo de resultado... a menos que ele tivesse algum tipo de magia.
Alguns elementais emanavam magia constantemente, seu poder ondulando de seus corpos em ondas invisíveis e afetando o ambiente ao redor de pequenas maneiras, mesmo quando eles não estavam fazendo nada além de pestanejar e respirar. Ou, digamos, batendo os dedos em uma mesa. Era preocupante o suficiente que o cara fosse elemental, mas o que realmente me incomodava era o fato de que havia apenas um tipo de poder que afetaria uma simples colher daquela maneira.
Magia de metal.
O que significava que eu acabara de encontrar o bombardeador.
Eu apontei para tela. — Vocês veem isso? O que ele está fazendo com aquela colher?
Finn sentou-se na cama. — Ele é um elemental de metal.
—Sim— disse Owen, com o rosto vincado de preocupação. — E eu posso sentir sua magia, mesmo daqui. Você não pode, Gin? O cara é forte. Certamente mais forte do que eu sou. Mais forte que qualquer outro elemental de metal que já conheci.
Owen estava certo. Não só eu podia sentir o poder frio e duro do cara, mas eu podia senti-lo pulsando através da parede que nos separava, o que significava que ele tinha algum poder sério, especialmente desde que ele não estava ativamente usando sua magia. Ah, eu não achava que ele tivesse tanto poder bruto quanto Madeline Monroe, mas tinha o suficiente para causar algum dano sério – e o suficiente para me fazer pensar duas vezes antes de encará-lo cara a cara.
O rangido das torneiras soou novamente e a água parou de funcionar. Um minuto depois, Smith entrou de novo na parte principal de seu quarto, vestindo um roupão branco fofo e enxugando o rosto e o cabelo. Ele ainda estava assobiando, e levou vários segundos para avistar o homem misterioso sentado à mesa. Mas quando ele fez isso, ele largou a toalha e soltou um grito surpreso e estridente que fez Finn, Owen e eu estremecermos.
— Pike! — Smith disse, levando uma mão ao seu coração. — Você assustou a merda fora de mim!
—Eu realmente espero que não — o homem misterioso, Pike, falou em uma voz fria. — Isso seria muito desagradável para nós dois.
Smith fez uma pausa, como se não tivesse certeza se Pike estava ou não fazendo uma piada. Ele decidiu agir como se fosse uma piada, porque ele sorriu. — De qualquer forma, Pike, cara, eu estou feliz que você recebeu a minha mensagem— disse Smith. — E eu realmente aprecio você ter me colocado nessas instalações nos últimos dias. Tem sido ótimo tudo isso. Eu só queria ter sido capaz de te ajudar a matar aquela garota como você queria.
Matar aquela garota? Talvez isso tenha sido apenas sobre me matar depois de tudo.
Dei outra olhada em Pike, examinando seu rosto, roupas e postura. Eu até tentei ver o que, se alguma coisa, poderia estar gravado em seu anel de sinete de silverstone, mas a mão dele estava virada para o lado errado. Ainda assim, não importava o quanto eu tentasse, eu simplesmente não conseguia identificá-lo. Até onde eu sabia, nunca havia conhecido o homem. Com certeza, muitas pessoas que eu nunca tinha conhecido tentaram me matar nos últimos meses, mas eu pelo menos sabia sobre elas ou a reputação de seus chefes e que todas elas queriam assumir o submundo de Ashland.
Mas Pike? Eu não peguei aquela vibração gananciosa e ciumenta, de matar Gin Blanco para chegar ao topo. Em vez disso, ele me pareceu o tipo de pessoa que guardava rancor com a menor desfeita, levava isso muito, muito para o lado pessoal, e gastava muito tempo planejando como exigir a máxima retribuição por isso.
Mas, por mais que eu tentasse, não conseguia imaginar o que eu poderia ter feito para irritá-lo o suficiente para plantar uma bomba no Delta Queen. Pike era um mistério total para mim – um fato que eu não gostava e definitivamente um que eu não podia permitir. Não se eu quisesse continuar respirando e, mais importante, manter meus amigos a salvo de qualquer complô que ele pudesse ter planejado.
— Não, você não conseguiu matar aquela garota — Pike murmurou. — As coisas tomaram um rumo inesperado. Não achei que meu plano seria descoberto – ou que você abandonaria seu posto ao primeiro sinal de problema.
Seu rosto estava calmo, mas a ameaça clara ondulava em sua voz, e ele nunca parou de bater os dedos na mesa. Smith olhou para a colher, que ainda estava tremendo, mas engoliu o nervosismo. Idiota. Ele já estava morto. Ele só não sabia ainda.
Smith ergueu as mãos e encolheu ombros. — O que eu deveria fazer? Aquela garota tem uma séria reputação, e ela veio até mim como se quisesse arrancar minha cabeça com as próprias mãos. Eu não queria ficar por perto para deixá-la tornar isso realidade. Sabe o que quero dizer?
— Hmm — respondeu Pike. — Sim, suponho que você esteja certo. Era melhor fugir e viver para lutar outro dia. Eu realmente acho que isso vai funcionar melhor. Agora eu posso me reagrupar. Focalizar meus esforços e realmente fazer a declaração que eu quero.
Smith se animou. — Viu? Eu sabia que você veria as coisas do meu jeito. É por isso que eu mandei uma mensagem e pedi para você vir. Então nós poderíamos esclarecer as coisas.
Pike deu ao outro homem um olhar plano, mas Smith não percebeu. Então, novamente, era óbvio que ele não era o cérebro desta operação.
— Então você está aqui para me dar o resto do meu pagamento, como nós concordamos? — Smith perguntou, um tom entrecortado ecoando em sua voz. — Porque eu quero o dobro do que você me prometeu.
Os dedos de Pike pararam. — E por que eu deveria te pagar o dobro?
—Porque você não me disse que eu estava plantando uma bomba de verdade naquele barco. Você disse que era apenas uma granada de fumaça que aumentaria a confusão depois que você atirasse na cabeça da garota. —Smith ergueu as mãos em indignação. — Eu poderia ter sido morto!
Então Pike não tinha contado a Smith a verdade sobre a bomba, o que significava que ele provavelmente planejava que seu capanga ficasse ao lado daquele balde de champanhe e morresse na explosão. Bem, isso teria sido uma maneira eficaz de amarrar qualquer ponta solta que pudesse levá-lo de volta a ele.
— Essa era a ideia — disse Pike. — Mas desde que você deixou essa garota, como você a chama, assustá-lo para correr, eu acho que eu vou ter que cuidar das coisas sozinho.
Smith engoliu de novo, seu rosto de repente pálido, apesar de seu banho quente. Ele recuou e baixou a mão no bolso de sua túnica branca. — Agora, Pike, não há necessidade de ser apressado. Só porque não terminei o trabalho não é motivo para isso ficar feio.
— Ah — disse Pike. — Eu acho que é toda razão para isso se tornar feio. Eu pago por resultados... não decepções como você.
Smith bufou, depois tirou a mão do bolso do seu roupão, revelando uma pequena pistola preta.
Na cama, Finn se animou. — Agora está ficando interessante.
Owen e eu mandamos ele se calar.
Smith apontou a arma para Pike. — Agora, o que você vai fazer, cara durão? — Smith cantou. — Porque eu tenho uma arma, e você não.
Pike deu-lhe um olhar entediado, em seguida, estendeu a mão e pegou a colher da mesa. — Uma arma? Não preciso de uma arma. Tudo o que preciso é de uma simples colher.
O dedo de Smith se curvou para trás no gatilho, e seu desdém aumentou. — Sempre achei que você fosse um filho da puta imbecil e arrogante...
Uma luz azul-claro brilhou ao redor dos dedos de Pike, e outro impulso mais forte de sua magia de metal pulsou através da parede. Dado o brilho intenso, eu não conseguia ver exatamente o que ele estava fazendo, mas ele quase parecia estar... torcendo a colher em suas mãos, como se fosse um pano de prato que ele estava torcendo, em vez de metal sólido. Por algum motivo, ele também pressionou o anel de sinete contra a colher.
Um segundo depois, a luz se apagou e ele ergueu a mão, ainda segurando o pedaço de metal.
Mas não era mais uma simples colher.
Em vez disso, Pike agora segurava um longo e fino pedaço de metal com uma ponta afiada que parecia notavelmente similar a uma das minhas facas de silverstone.
— Ele apenas... —Minha voz sumiu.
— Usou sua magia de metal para remodelar a colher em um punhal? — Owen terminou meu pensamento. — Sim. Foi exatamente o que ele fez.
—Legal— Finn entrou na conversa.
Owen e eu nos viramos em nossas cadeiras e olhamos para ele.
— O quê? — Finn protestou. — É legal de uma forma completamente sorrateira, dissimulada e mortal. Eu admiro essas coisas.
Owen e eu nos viramos e olhamos para a tela da TV novamente.
Smith olhou para o metal fino e soltou uma gargalhada. — E o que você acha que vai fazer com isso? Eu ainda tenho uma arma, no caso de você não ter notado.
Pike sacudiu a mão em um curto e rápido movimento de arremesso. A colher que virou adaga voou e afundou no meio da garganta de Smith.
Smith largou a arma e segurou o pescoço com as mãos. Ele estupidamente arrancou a adaga, causando ainda mais danos e apressando sua própria morte. Sangue arterial escuro respingava na frente de seu roupão branco, mas Smith ainda tentava lutar contra o inevitável – ou pelo menos levar Pike com ele.
Chiando o tempo todo, Smith cambaleou para frente e levantou a adaga, como se fosse apunhalar o outro homem com isso. Mas seus pés se emaranharam nas roupas que ele havia tirado antes, e ele tropeçou e caiu no chão, aterrissando aos pés de Pike.
Ainda sentado na cadeira da escrivaninha, Pike girou para o outro lado, de modo que ele não tivesse sangue em seus brilhantes sapatos. Então ele pegou o telefone e começou a checar suas mensagens enquanto esperava que Smith sangrasse até a morte.
Não demorou muito.
Depois de mandar algumas mensagens, Pike guardou o telefone e olhou para Smith por vários segundos, certificando-se de que ele estava morto.
Então ele se levantou, abotoou o paletó azul, passou por cima do corpo de Smith e saiu do quarto de hotel.
* * *
O sangue de Smith continuava escorrendo pelo chão, a poça crescente encharcando o lençol branco caído aos pés da cama.
Owen e Finn ficaram lá, olhando fixamente para o monitor, mas eu fiquei de pé e corri para a porta do nosso quarto, não querendo perder a oportunidade de cuidar de Pike. A porta do quarto de Smith se fechou, e eu abri a porta do nosso quarto.
Pike estava andando pelo corredor, e já havia cerca de nove metros de espaço entre nós. Ele me ouviria chegando atrás dele, mas era um risco que eu teria que correr...
Um pequeno bipe soou, e Pike parou e tirou o celular do casaco. Eu não estava prestes a ignorar este golpe de sorte, então eu passei pela porta, certificando-me de que ela não se fechasse atrás de mim, espalmei uma das minhas facas e me dirigiu até ele.
Pike começou a andar de novo, mas ele ainda estava olhando para o telefone, então consegui diminuir a distância entre nós a sete metros... cinco metros... três metros... dois...
Apertei meu punho na faca, pronta para colocar a lâmina nas costas dele e continuar apunhalando até que ele estivesse caído e sangrando.
Pike parou.
Eu hesitei, e ele virou a cabeça, como se fosse olhar por cima de seu ombro. Tarde demais, eu percebi que ele provavelmente sentiria minha faca, já que era feita de metal, mas eu comecei a andar para frente novamente, esperando poder alcançá-lo antes que ele percebesse o que estava acontecendo...
Click.
Uma maçaneta virou, a porta se abriu e um casal de idosos saiu de um aposento e foi para o corredor, bem na minha frente.
Eu tive que diminuir o passo para evitar esbarrar neles. Eu tentei contorná-los, mas é claro, eles se moveram na minha frente de novo, completamente alheios ao fato de que eu estava de pé atrás deles, e o pior de tudo, me afastando de Pike. Um grunhido frustrado subiu na minha garganta, mas eu apertei meu lábio. Talvez ainda houvesse uma chance que eu pudesse chegar a ele.
— Tem certeza de que você tem o cartão-chave, Peggy? — Perguntou o velho.
Talvez não.
— Eu tenho isso aqui, Fred— a mulher respondeu, segurando o plástico onde ele podia vê-lo.
Mais uma vez, tentei passar pelo casal, mas eles me bloquearam sem perceber. Tudo o que eu podia fazer era olhar por cima dos ombros deles e observar enquanto Pike embolsava o telefone e continuava pelo corredor. Ele não olhou para trás, mas ele estava se movendo rápido, quase como se tivesse sentido o perigo que ele corria.
Um segundo depois, ele empurrou a porta para a mesma escada de incêndio que Finn, Owen e eu tínhamos usado antes e desapareceu. De lá, ele poderia ir até o saguão ou desaparecer em um quarto em um andar superior, e eu não tinha como adivinhar qual poderia ser.
Desapareceu – o bastardo tinha ido embora.
— Oh, desculpe-nos, mocinha. — disse a mulher, finalmente me notando. Ela pegou a jaqueta do homem e o tirou do meu caminho. — Deixe-a passar, Fred. Parece que ela tem lugares para ir.
— Não mais — murmurei.
Meu alvo havia escapado, então tudo que eu podia fazer agora era deslizar minha faca de volta na minha manga, dar um sorriso agradável ao casal, me virar e voltar para o nosso quarto.
Capítulo 11
— Bem, isso foi decepcionante— Finn falou enquanto ele e Owen caminhavam pelo corredor para me encontrar.
— Conte-me sobre isso — eu murmurei.
— Não se preocupe — disse Owen. — Nós vamos rastreá-lo. Ele não vai ter tanta sorte da próxima vez.
Eu balancei a cabeça, então olhei por cima do meu ombro. O casal de idosos tinha finalmente chegado aos elevadores, e eles entraram em um das cabinas, as portas se fechando atrás deles.
— Vamos lá— eu disse, sacudindo a cabeça para o quarto de Smith. — Precisamos entrar lá, dar uma olhada e sair antes que alguém perceba o que aconteceu com ele.
Finn foi até nosso quarto para pegar algumas luvas de látex de sua pasta, enquanto Owen e eu olhávamos o corredor, certificando-nos se que a barra estava limpa. Finn voltou, suas luvas já estavam colocadas, e esperou enquanto Owen e eu colocamos nossas próprias luvas. Então Finn sacou seu cartão-chave mestre, e nós três entramos no quarto do homem morto.
Smith estava deitado onde havia caído, seus olhos escuros e sem visão fixos na cadeira onde Pike se sentara e o assistira sangrar até a morte. Eu não perdi tempo examinando seu corpo, desde que eu testemunhei o seu assassinato. Mas Pike não se incomodou em vasculhar a sala antes de ir embora, e eu ia tirar proveito do seu descuido. Porque havia uma coisa aqui que poderia realmente me dizer mais sobre o elemental de metal.
Então eu fui até lá, enfiei a mão no espaço entre a mesa de cabeceira e a parede, e peguei o telefone de Smith, que ele tinha derrubado antes que Pike lhe fizesse uma visita. Era um celular pré-pago, mas eu ainda o passei para Finn.
— Veja que informações você pode tirar disso. Como o número de Pike e qualquer texto que ele possa ter enviado para Smith.
Finn assentiu e guardou o telefone no bolso do seu paletó. — Mais alguma coisa?
—Bem, há isso. — Owen apontou para a colher transformada em adaga que Smith ainda estava segurando em sua mão.
Ele se agachou e arrancou a arma improvisada dos dedos de Smith, com cuidado para não perturbar o resto do corpo. Owen levantou-se e segurou a adaga onde todos pudéssemos examiná-la.
Eu achava que a arma era grosseira quando a vi pelo monitor da TV, mas não era nada disso. Longa, leve, fina, com bordas afiadas que se afinavam em uma ponta mortal. Ah, o artesanato não era tão bom quanto as cinco facas que Owen havia forjado para mim, mas não era um brinquedo de plástico que você também encontraria em uma caixa de cereal. Pike era ainda mais perigoso do que eu pensava.
— Ele fez isso com apenas uma pequena explosão de sua magia de metal? — Finn soltou um assobio baixo. — Impressionante.
— Olhe mais de perto — disse Owen, apontando para o fundo da faca. — Ali. Está vendo?
Finn e eu nos inclinamos, e notei um símbolo estampado no metal – uma longa linha encimada por uma bola cravejada. Pensei em como Pike pressionou o anel de sinete na colher quando ele estava dando forma a ela. Ele estava marcando sua arma improvisada. Bem, agora eu sabia exatamente o que estava gravado em sua joia.
— Uma porra de uma maça — eu rosnei.
A runa era mais uma confirmação de que Pike era o bombardeador e outro lembrete do meu fracasso em matá-lo. A frustração surgiu através de mim, e meus dedos coçaram para pegar cada coisa na sala que não estava pregada e jogá-la o mais forte que pude. Os pratos sujos, as bandejas de serviço de quarto, todos aqueles ridículas boxers com estampa de leopardo.
Mas eu respirei profundamente e deixei sair, empurrando minha raiva. Destruir o quarto de Smith ainda mais do que já estava faria muito barulho. Não resolveria nada, e certamente não me ajudaria a rastrear Pike antes que ele voltasse a atacar.
Então, procurei em todos os armários e gavetas, depois dei um tapinha nos bolsos das roupas de Smith, caso houvesse perdido alguma coisa, mas não havia outra pista para ser encontrada.
— Tudo bem— eu disse. — Hora de ir.
Finn assentiu, foi até a TV, e começou a mexer com os fios, soltando seu equipamento de espionagem e deixando tudo de volta do jeito que deveria estar. Owen colocou a colher-adaga de volta na mão de Smith na mesma posição de antes.
Alguns minutos depois, Finn terminou com a TV. Ele se certificou de que o corredor estava vazio, e deslizou para a porta ao lado no nosso quarto. Owen o seguiu, mas eu me demorei ao lado do corpo de Smith, olhando para a poça de sangue que se espalhou ao redor do homem morto. Quase parecia que ele estava dormindo em lençóis vermelhos.
Eu só queria saber de quem seria o sangue derramado em seguida – o de Pike ou o meu.
* * *
Uma hora depois, Finn, Owen e eu estávamos entre os curiosos do lado de fora do Blue Moon Hotel, observando enquanto uma maca com um saco preto era transportada para fora da entrada principal.
Um homem de macacão azul-escuro conduzia a maca pela calçada até uma van que esperava no meio-fio. As luzes azuis e brancas da marquise do hotel e sua runa de lua crescente faziam seus cabelos negros e sua pele brilharem como âmbar polido. Óculos prateados empoleiravam-se em seu nariz e um pequeno cavanhaque cobria seu queixo, dando-lhe um ar sério e distinto.
Dr. Ryan Colson entregou a maca a um de seus funcionários, depois se virou e olhou para a multidão. Seu olhar avelã trancou com o meu. Eu tirei meu disfarce de peruca e óculos, para que ele pudesse ver quem eu era. Ele piscou algumas vezes, como se para ter certeza de que seus olhos não estavam brincando com ele. Quando ele percebeu que era de fato eu, Colson cruzou os braços sobre o peito e arqueou as sobrancelhas, silenciosamente perguntando se eu era a única que tinha deixado para trás uma bagunça tão sangrenta. Uma pergunta válida, já que a ferida no pescoço de Smith era semelhante a muitas que eu tinha distribuído ao longo dos anos.
Eu balancei a cabeça. Eu não tinha matado ninguém esta noite – para variar.
Os cantos dos lábios de Colson se curvaram em um pequeno e irônico sorriso. Ele acenou para mim, depois foi ajudar o funcionário a carregar a maca no furgão do médico legista.
Bria empurrou as portas giratórias, depois de terminar de questionar os funcionários do hotel. Ela caminhou em minha direção, seguida por um gigante que tinha cerca de dois metros de altura com a cabeça raspada e pele ébano. Apesar da hora tardia, um par de óculos escuros de aviador estava preso na gola de sua camisa polo branca. Xavier, o parceiro de Bria na polícia.
— Alguma coisa? — perguntei a Bria.
Depois que Finn, Owen e eu saímos do hotel, eu chamei Bria e dei-lhe um aviso sobre o assassinato de Smith. Nós ficamos por perto até que ela, Xavier e o resto da polícia chegassem.
Bria verificou as anotações no pequeno bloco em sua mão. — Nada fora do comum. O nome do cara era Harold Smith, de acordo com seu cartão de crédito e carteira de motorista. Parece ser o seu nome verdadeiro. Esteve aqui nos últimos dias. Não incomodou o pessoal, embora uma das camareiras tenha dito que ele era um idiota. Nenhum material para fabricação de bombas e nenhum vestígios de explosivos em seu quarto.
Eu esfreguei minha cabeça, que de repente estava doendo. — Isso porque Pike foi quem realmente construiu as bombas, provavelmente em outro lugar. Smith era apenas seu entregador. Quando estraguei o plano dele e Smith não morreu na explosão, Pike veio para cá e terminou o trabalho.
Não pela primeira vez, eu desejei ter me movido mais rápido e conseguido pegar Pike no corredor do lado de fora do quarto de Smith. Um par de golpes com minha faca, e eu poderia ter terminado tudo isso antes de qualquer outra pessoa se machucar. Mas eu quis observar Pike, para ver se conseguia entender por que ele parecia familiar, e eu tinha estragado a minha chance. Bem, isso e eu não queria derrubar aquele casal de idosos e traumatizá-los, apunhalando Pike bem na frente deles. Ou pior, colocá-los no fogo cruzado. Ao contrário de Pike, eu tentava reduzir os danos colaterais –e testemunhas – ao mínimo. De qualquer forma, ele estava à solta, e eu estava de volta à estaca zero.
— Qualquer coisa sobre um cara chamado Pike hospedado no hotel? — Eu perguntei, mesmo sabendo que ele não seria burro o suficiente para ficar no mesmo hotel que seu capanga.
Xavier balançou a cabeça. — Ninguém com esse nome está registrado aqui, mas vou começar a verificar os outros hotéis. Você acha que é o nome verdadeiro dele ou um pseudônimo?
— Nome verdadeiro, — eu disse automaticamente.
Xavier franziu a testa. — Você tem certeza? Como você sabe disso?
Como eu sabia disso? Eu não consegui chegar a uma resposta razoável. Mas quanto mais eu pensava nisso, mais certeza eu tinha que Pike era seu nome real.
Mas eu não conseguia explicar para Xavier o que eu não sabia, então dei de ombros. — Eu apenas sei. Chame de palpite.
Mas era mais do que um palpite, o que não fazia qualquer sentido também. E o nome Pike me incomodou, da mesma forma que a maça estava me incomodando desde ontem. Na maioria das vezes, eu era boa em lembrar de nomes e rostos, especialmente de elementais perigosos. Era praticamente uma necessidade, tanto como assassina quanto chefe do submundo. Eu conhecia esse cara – eu sabia que sim – mas eu seria amaldiçoada se eu pudesse me lembrar de quando ou onde nós nos conhecemos ou porque ele queria acabar comigo.
— Eu vou te avisar se descobrirmos mais alguma coisa ou se Pike aparecer em qualquer um dos hotéis locais — Bria disse.
— Só tome cuidado. Ok, pessoal?
Ela e Xavier acenaram para mim, então voltaram para o hotel, empurraram as portas giratórias e desapareceram lá dentro para ver que outras pistas eles poderiam achar.
Não havia mais nada para ver ou fazer aqui, então Finn, Owen e eu entramos no carro de Finn e ele nos levou até a casa de Fletcher antes de voltar para seu apartamento.
Owen prometera a Eva, sua irmãzinha, que eles sairiam depois da sua última aula, então Owen me deu um beijo de boa noite e foi para casa. Depois que ele saiu, eu liguei para Silvio, que prometeu manter contato com as suas fontes e me encontrar no Pork Pit bem cedo na manhã seguinte com uma atualização completa. Às vezes eu me perguntava se o vampiro realmente dormia. Se o fizesse, provavelmente seu tablet e seu telefone estavam aninhados no travesseiro ao lado dele.
Mas Silvio não era o único com recursos, então eu joguei meu telefone na mesa de centro na sala de estar, levantei do sofá e fui até o escritório de Fletcher.
Acendi as luzes e olhei para o espaço pessoal do velho. Uma mesa maltratada, estantes de livros, armários de arquivos. Dada a nossa vida de crime, Fletcher passara um bom tempo monitorando nossos inimigos, além de espionar e coletar informações sobre todas as pessoas no submundo de Ashland. Então o escritório dele era um verdadeiro tesouro de pequenos segredos sujos, apesar das mobílias desgastadas.
Durante muito tempo, não tive coragem de arrumar o escritório bagunçado de Fletcher, mas finalmente tive de começar a examinar todos os papéis e pastas que ele acumulou ao longo dos anos. “Assassina asfixiada por pilhas de papeis” não era uma manchete que eu queria ler.
Além disso, Fletcher tinha seu próprio sistema de arquivamento, organizando a maioria dos arquivos – mas não todos - pelas runas que as pessoas usavam para representar sua magia, família, negócios ou equipe. Eu nunca tinha entendido o porquê ele fazia as coisas assim, em vez de apenas usar nomes de pessoas, mas eu supus que era o sistema que funcionava para ele.
Ao longo das últimas semanas, eu comecei lentamente a classificar todos os arquivos e reorganizá-los de uma forma que me permitiria entender e acessar as informações mais facilmente quando necessário. Mas eu deixei a maioria dos móveis, canetas, almofadas, pesos de papel e outras bugigangas em seus lugares de costume, como uma homenagem a ele, e de vez em quando eu preparava uma xícara de café de chicória, trazia para cá, a colocava em sua escrivaninha e deixava que o aroma invadisse o escritório, assim como quando Fletcher estava vivo.
Como toque final, eu emoldurei uma foto do velho que peguei na Bone Mountain e a coloquei no canto de sua mesa, para que eu pudesse ver e me lembrar dele. Na foto, Fletcher estava em pé no cume nevado da montanha, com as mãos nos bolsos da calça azul de trabalho, os olhos verdes brilhantes e um leve sorriso vincando o rosto, enquanto ele olhava para a paisagem cênica. Era a minha foto favorita dele.
Passei meus dedos pelo vidro e seu rosto sorridente antes de cavar os arquivos. Eu passei por todos os que organizei primeiro, procurando o nome Pike e a runa de maça, mas não encontrei nenhum deles. Suspirei. Eu deveria saber que não seria assim tão fácil. Minha vida nunca, nunca era.
Então eu comecei com os arquivos que eu ainda não tinha organizado, os que ainda estavam no antigo sistema de Fletcher. Um grunhido irritado saiu da minha garganta com cada pasta que eu abria, fechava e deixava para trás, porque não era a certa. Logo eu tinha folheado todos elas e não tinha encontrado nada. Eu resmunguei novamente, mais e mais alto. Uma vez –apenas uma vez– eu gostaria de entrar aqui, pegar o arquivo que eu precisava, e começar a lê-lo sem toda a ladainha de procurar de cima para baixo por isso.
Mas Fletcher já havia colocado arquivos em locais estranhos antes, escondendo os realmente importantes para eu encontrar no caso de precisar deles. Na verdade, parecia um jogo que ele criou para brincar comigo, mesmo depois do túmulo. Então eu revirei o resto do escritório, abrindo todas as gavetas da escrivaninha, olhando por dentro, por baixo e ao redor de toda a mobília, procurando por compartimentos secretos em todos os lugares que eu imaginava.
E encontrei alguns.
Vários, na verdade. Fundos falsos nas gavetas de arquivos, painéis vazios nas estantes, até mesmo um espaço vazio sob uma tábua solta. E todos os esconderijos tinham pelo menos uma pasta dentro deles – se não mais.
Sentei-me de costas para a mesa de Fletcher e os folheei ansiosamente, observando as runas que o velho tinha desenhado nas capas, que incluíam tudo, desde facas pingando sangue até relâmpagos passeando através de crânios a um coração feito de pingentes de gelo irregulares que haviam sido arranjados juntos como peças de um quebra-cabeça. Aquele último arquivo estava escondido em um compartimento secreto no fundo da gaveta mais baixa da escrivaninha de Fletcher, como se fosse particularmente especial.
Mas não havia nenhuma maça e nenhum Pike.
Nada. Mais uma vez, não consegui nada.
Soquei a lateral da mesa de Fletcher em frustração. É claro que minha mão sofreu mais do que a madeira espessa e sólida, e eu assobiei de dor e olhei para os meus dedos machucados.
Depois de um momento, eu afastei a dor e me forcei a pensar sobre as coisas.
Fletcher tinha mantido arquivos de todo mundo que era alguém no submundo de Ashland, junto com todos os que procurávamos como o Homem de Lata e a Aranha, apenas no caso de alguém vir procurando por uma retaliação. Mas não havia nada em nenhuma das pastas sobre ninguém chamado Pike. Tanto quanto eu poderia dizer, nenhum Pike nunca tinha sido parte do submundo de Ashland.
Poderia ser que Fletcher simplesmente não soubesse sobre Pike. Talvez o elemental de metal não fosse de Ashland e, portanto, nunca tivesse entrado no radar do velho. Mas eu ainda sentia como se conhecesse Pike, ou pelo menos tivesse ouvido falar dele, mesmo que eu não conseguisse me lembrar de quando ou onde. E eu estava firmemente convencida de que a memória, por mais vaga e nebulosa que fosse, era a chave para descobrir exatamente quem era Pike e o que ele queria.
Ou talvez Finn estivesse certo, e minha louca paranoia estava aparecendo de novo.
De qualquer maneira, o meu fracasso no escritório de Fletcher era apenas outro em uma série de oportunidades perdidas. Se eu tivesse pegado Pike no hotel, não estaria sentada no chão com os nós dos dedos doendo e irritada. Sim, Gin Blanco não acertou uma vez esta noite.
No corredor, um dos relógios cucos soou o adiantado da hora. Suspirei e levantei, jogando a pilha de arquivos que estavam escondidos em cima da mesa de Fletcher. Então eu apaguei as luzes, saí do escritório, e subi as escadas para tentar dormir um pouco.
Tudo o que eu queria era esquecer todos os erros que já tinha cometido com relação ao misterioso Sr. Pike – e o que eles poderiam me custar.
Capítulo 12
Sentindo-me mais frustrada do que nunca, subi as escadas, tomei um longo banho quente e fui para a cama. Durante muito tempo, deitei-me no escuro, olhando para o teto, pensando em todos os arquivos de Fletcher que eu tinha visto e quão inúteis todos tinham sido.
Mas o que me deixou mais irritada foi que eu sabia que havia algo em seus arquivos que me contaria tudo sobre Pike. Assim como eu sabia que tinha visto Pike em algum lugar antes, junto com sua runa de maça. Eu simplesmente não conseguia organizar todas as peças do quebra-cabeça e as vagas memórias em uma imagem clara e sólida. Então, eu deitei na cama e tentei de novo, mas as respostas eram tão evasivas como sempre.
Eventualmente eu adormeci, embora eu não tivesse certeza quando os sonhos começaram, as lembranças que tantas vezes me atormentavam sobre todas as coisas que eu tinha visto, feito e sobrevivido ao longo dos anos...
— O que estamos fazendo aqui? — Eu perguntei.
Fletcher olhou para mim, seus olhos verdes escuros e sérios. — Eu tenho um trabalho a fazer, Gin. Um muito perigoso. Você vai ficar aqui até eu terminar.
Aqui era uma cabana na floresta no meio do nada. Fletcher tinha me acordado cedo na manhã de sexta-feira, me disse para arrumar o que eu precisava para alguns dias, e nos levou até lá na velha van branca. Finn estava em algum acampamento de aventura ao ar livre na Montanha Cipreste, de modo que não voltaria até no final do domingo.
A cabana não era nada especial, apenas troncos grossos que tinham sido empilhados juntos, o tipo de estrutura rústica e pitoresca que observadores de pássaros. e outras pessoas pagariam uma quantia obscena para passar as férias. Fiquei surpresa que alguém já não estivesse nela, já que era final de outubro e a temporada turística de outono em Ashland.
Quando olhei para a cabana, percebi que alguém já estava aqui. As luzes traseiras do clássico conversível de Sophia espiavam ao redor do outro lado da estrutura.
— O que Sophia está fazendo aqui? Jo-Jo também está aqui?
Fletcher balançou a cabeça, sem realmente me responder. — Vamos entrar.
Saímos da van e fomos em direção à cabana. Fletcher subiu as escadas, depois arrastou os pés na varanda, fazendo muito barulho. Eu me perguntava o que ele estava fazendo, mas ele continuou arrastando os pés, mesmo que suas botas não estivessem sujas.
A porta da frente se abriu, revelando um olho negro.
Um grunhido de boas-vindas soou, e Sophia Deveraux abriu a porta totalmente. Sophia podia ser a irmã mais nova de Jo-Jo, mas ela tinha um estilo completamente diferente – gótico. Ela usava botas pretas, jeans pretos, e uma camiseta preta com um lindo filhote de cachorro dálmata que sorria e exibia suas presas ensanguentadas de vampiro. Seus lábios estavam pintados de um carmesim escuro, a cor combinando com as mechas reluzentes em seu cabelo preto. Um colar branco cravejado de corações vermelhos envolvia sua garganta, completando o visual. Preto e branco e vermelho por toda parte.
Mas o que mais me interessou foi a espingarda na mão de Sophia.
Ela apoiou a arma contra a parede antes de se afastar para que Fletcher e eu pudéssemos entrar na cabana. Eu estive com o velho por vários meses agora, e em todo esse tempo, eu nunca vi Sophia segurar uma arma. Nem sequer uma vez. Se houvesse um problema, ela usava seus punhos e força enorme para cuidar disso. Mas hoje, para este trabalho, Sophia tinha uma arma.
Isso me disse tudo o que eu precisava saber sobre quão perigosa realmente era a missão de Fletcher.
Eu segurei minha mochila um pouco mais firme no peito, desejando ter pensado em trazer uma arma, mesmo que fosse apenas uma faca de cozinha. Afinal, o velho estava me ensinando a ser uma assassina como ele. Já era hora de começar a agir como uma, o que significava ter uma arma à mão em todos os momentos. Eu prometi encontrar uma faca o mais rápido possível.
— Onde elas estão? — Perguntou Fletcher.
Sofia apontou com o polegar sobre o ombro. Fletcher se dirigiu para a parte de trás da cabana, parando quando chegou a um banheiro. Era onde Jo-Jo estava.
Junto com uma garota.
Ela estava sentada na tampa do vaso fechado, com Jo-Jo ajoelhada no chão ao lado dela. A garota estava vestida como eu, de tênis, jeans e uma camiseta de mangas compridas, embora o cabelo preto estivesse puxado para trás em uma linda trança francesa e cravejada de brilhantes alfinetes de rosas vermelhas e espinhos, em vez de estar preso em um rabo de cavalo simples como o meu. Eu até pensei que ela tinha a mesma idade que eu – mais ou menos quatorze anos– embora fosse difícil dizer já que o rosto dela estava uma bagunça.
Alguém tinha espancado brutalmente a menina.
Ambos os olhos estavam enegrecidos, o nariz quebrado e profundos arranhões cruzavam sua testa, bochechas e queixo, como se um animal selvagem a tivesse agarrado repetidas vezes, cavando cada vez mais fundo na pele. Sangue escorria dos arranhões e pingava do nariz, salpicando a camiseta azul e transformando-a num marrom feio. Lágrimas também escorriam pelo rosto machucado e inchado, e de vez em quando, a garota soltava um soluço sufocado, os dedos cavando na toalha ensanguentada que ela estava segurando no colo.
— Tudo bem, querida — Jo-Jo sussurrou. — Eu vou curar você. Eu terminarei em alguns minutos, e então você se sentirá muito melhor. Ok?
A menina fungou, mas ela finalmente assentiu.
— Tudo bem, então. Aqui vamos nós.
Jo-Jo levantou a mão. Um brilho branco-leitoso cobria sua palma, e a sensação familiar de sua magia de Ar soprou pelo banheiro.
— Gin— disse Fletcher. — Você pode ajudar Jo-Jo, por favor?
Eu deslizei para o banheiro, sabendo o que ele realmente queria que eu fizesse. Eu contornei Jo-Jo e fui até a garota. Ela ficou tensa quando me aproximei, mas sentei-me na beirada da banheira e gentilmente peguei uma das mãos dela na minha. Sua pele estava quente e úmida, e o rápido pulsar de seu pulso era como um tambor contra meus dedos.
— Está tudo bem— eu disse. — Jo-Jo me cura o tempo todo. Dói um pouco no começo, mas ela vai te deixar melhor.
A garota olhou para mim e percebi que os olhos dela eram muito claros, muito bonitos e azuis. Ela fungou novamente, enrolou os dedos nos meus e apertou ainda mais. Com a outra mão, ela estendeu e segurou sua trança, puxando a ponta dela como um tique nervoso.
Jo-Jo alcançou ainda mais sua magia de Ar e se inclinou para frente. A menina choramingou, e uma nova onda de lágrimas deslizou por suas bochechas, mas ela ficou sentada enquanto Jo-Jo usava seu poder para curar a pele dela, endireitar o nariz e eliminar todos os hematomas e inchaços.
Na metade do caminho, percebi que a mão da garota estava fria contra a minha e que um fraco traço de magia ondulava através de seus dedos onde eles pressionavam os meus. A garota manteve a cabeça baixa, rangendo os dentes. Ela não gostava da sensação de alfinetes e agulhas da magia do Ar de Jo-Jo mais do que eu, então ela deveria ter poder de Gelo ou Pedra, como eu, ou talvez água ou metal. Isso me deixou ainda mais curiosa sobre quem ela era e quem a machucou.
Não demorou muito tempo para Jo-Jo curar a garota. A anã soltou a magia de Ar e deu um tapinha no ombro da menina.
— Pronto, querida — Jo-Jo sussurrou com voz suave, como se estivesse acalmando um animal ferido. — Você está melhor agora. Por que você não toma banho? Eu coloquei algumas roupas limpas na pia. Se você precisar de qualquer outra coisa, apenas grite. Vamos lá, Gin.
A garota soltou o final de sua trança e tirou a outra mão da minha. Eu sorri, tentando tranquilizá-la, mas ela me deu um olhar entorpecido e monótono em troca. Jo-Jo e eu saímos do banheiro e a anã fechou a porta atrás de nós. Alguns segundos depois, ouvi a água no chuveiro chiar e os soluços sufocados da menina assim que ela começou a chorar para valer.
— O que aconteceu com ela? — Eu sussurrei.
Jo-Jo balançou a cabeça, e um pouco de aborrecimento passou por mim. Eu estava ficando cansada de pessoas que não me respondiam.
Eu a segui de volta para a frente da cabana, onde Fletcher e Sophia estavam falando em voz baixa.
— Agora, o quê? — Jo-Jo perguntou.
— Eu vou atrás dele — Fletcher disse. — Agora mesmo. Antes que ele a encontre e a mate também.
Também? Quem esse homem misterioso já matou?
Jo-Jo assentiu, sabendo exatamente do que ele estava falando. Bem, isso uma de nós sabia.
— Sophia irá comigo — disse Fletcher. — Ela vai lidar com os guardas dele, enquanto eu vou atrás de Renaldo.
Bem, pelo menos o homem misterioso tinha um nome agora.
Jo-Jo ergueu o queixo. — Eu também vou.
— Não — disse Fletcher. — É muito perigoso.
Seus olhos claros brilharam com determinação, e sua boca se achatou em uma linha dura. — O que é um bom motivo para eu ir. Caso você e Sophia precisem de cura.
Fletcher olhou para ela, depois suspirou. — Tudo bem. Eu sei que não há como fazê-la mudar de ideia, uma vez que decide alguma coisa.
Jo-Jo inclinou a cabeça. — Homem inteligente.
— As garotas? — Sophia perguntou, apontando para mim.
— Ele não pode encontrá-las aqui, pode? — Jo-Jo perguntou, seu rosto vincado com preocupação.
— Ele não deveria, — disse Fletcher. — Especialmente se sairmos agora e atacarmos primeiro. Entramos, eu mato Renaldo, depois saímos. Estamos de acordo?
— Sim— as irmãs Deveraux responderam em uníssono.
Os três se movimentaram pela cabana, Sophia agarrou sua espingarda enquanto Jo-Jo entrava em um dos cômodos nos fundos e voltava carregando uma grande bolsa cor-de-rosa. Pela maneira como o conteúdo chocalhava, a bolsa parecia estar cheia de latas de seu unguento cicatrizante. Fletcher verificou e checou novamente as armas que ele tinha trazido em sua mochila preta. Alguns dos itens me surpreenderam. Ah, havia as armas, as facas e as caixas de munição de sempre, mas ele também tinha várias estacas de madeira e uma longa espada que era feita de pedra cinza em vez de metal.
— Para que é isso? — Eu perguntei, apontando para a espada de pedra.
— No caso de eu não poder pegá-lo de surpresa — Fletcher disse, deslizando a arma de volta para dentro da mochila e fechando-a.
— Renaldo, certo? Esse é o cara que você está indo atrás?
Ele tentou contornar ao meu redor, mas eu cruzei meus braços sobre o peito e entrei na frente dele. Fletcher parou, sabendo que eu poderia ser tão teimosa quanto eles quando eu realmente queria. Eu era uma adolescente, afinal. Ele agarrou meu braço e me puxou para um lado da cabana, longe do sofá onde Jo-Jo e Sophia estavam cuidando de seus próprios suprimentos.
— A garota no banheiro? Ela está com sérios problemas — disse ele. — A mãe dela me contatou há alguns dias. O marido dela, o pai da garota, é um homem chamado Renaldo Pike. Ele estava batendo nelas – ambas – e tem sido por um longo tempo. A mãe queria deixá-lo, mas ela não conseguia fugir por conta própria, então ela entrou em contato comigo através de Jo-Jo.
— Então, onde está a mãe? Por que ela não está aqui?
Os lábios de Fletcher se apertaram e seus ombros caíram.
Meu estômago se retorceu. — Oh. Ela não conseguiu.
— Renaldo descobriu o que ela estava planejando, e decidiu ensinar uma lição às duas. Eu não cheguei a tempo. A mulher... o que ele fez com ela...
A voz de Fletcher sumiu e as lágrimas brilhavam em seus olhos antes que ele pudesse afastá-las. — Eu estarei ouvindo seus gritos em meus pesadelos por um longo tempo.
Eu olhei para ele, meus próprios olhos arregalados, minha boca aberta, meu coração doendo pela mulher – e pela garota que perdeu sua mãe de um jeito tão horrível.
Fletcher pigarreou. — Agora eu vou me certificar de que Renaldo nunca machuque sua filha novamente.
—O que você precisa que eu faça?
Ele estendeu a mão, me abraçou forte e deu um beijo no topo da minha cabeça. — Esse é meu, Gin. Fique com a garota, ok? Vocês duas devem estar seguras aqui, e nós não iremos demorar muito, se tudo correr de acordo com o plano.
—Tenha cuidado.
Ele me deu um sorriso. — Sempre.
Fletcher pegou sua bolsa. Sophia e Jo-Jo o encontraram na porta da frente, e os três saíram. Eu assisti através das janelas quando Fletcher foi até um pequeno galpão, abriu-o e vasculhou os itens dentro, recolhendo mais alguns suprimentos.
Dentro da cabana, uma porta se abriu, e eu ouvi o rangido de tênis no chão. A garota avançou para ficar ao meu lado. Sophia claramente lhe emprestara algumas roupas, já que seus jeans pretos e sua camisa de mangas compridas eram alguns tamanhos acima e cobertos com caveiras brancas. Os lados de seu cabelo molhado estavam presos com aqueles alfinetes de rosa vermelha que eu havia notado antes, enquanto o resto de seus cabelos negros pendiam soltos em torno dos ombros.
Pânico surgiu no olhar da garota quando percebeu que Fletcher, Jo-Jo e Sophia estavam se preparando para sair. — Onde eles estão indo?
— Não se preocupe. Eles voltarão em breve. Você está segura aqui. Eu não vou deixar nada acontecer com você. Eu prometo.
Ela me olhou de cima a baixo, descrença nublando seu rosto bonito.
Ficamos ali, olhando uma para a outra, o silêncio entre nós aumentando. Eu não sabia o que dizer a ela. O que você poderia dizer a alguém cujo pai matou a mãe dela e quase a espancou até a morte? Não era como se eu pudesse sugerir que assistíssemos TV ou algo assim.
Um estrondo baixo soou e percebi que o estômago da garota estava roncando.
— Por que não pegamos algo para comer? Você deve estar com fome depois de tudo... isso que aconteceu. — Eu estremeci com minhas próprias palavras estúpidas.
A garota me olhou fixamente, suas feições monótonas, cansadas e tristes. Ela balançou em seus pés, e ela olhou para o chão como se quisesse deitar ali, enrolar em uma bola e morrer. Eu conhecia esse olhar, esse sentimento. Era o mesmo que eu tinha depois que minha família foi assassinada. A dor profunda, fatigada e dolorosa que nunca me deixou verdadeiramente. Aquela que me fez ainda mais determinada a aliviar sua dor de qualquer maneira que eu pudesse.
— Vamos — eu persuadi. — Você pode se sentir melhor se comer alguma coisa.
Ela continuou olhando para mim, aquele olhar distante e monótono ainda em seu rosto, então eu agarrei sua mão e levei-a através da cabana até encontrar a cozinha nos fundos. Levei a menina até a mesa e ela se sentou em uma cadeira, encostando um ombro na parede, como se ela e a cadeira fossem as únicas coisas que a seguravam. Talvez elas fossem.
— Meu nome é Gin. Qual é o seu?
Ela não respondeu.
— Ok... bem, talvez você sinta vontade de me contar mais tarde.
Abri a geladeira e os armários. Fletcher sempre mantinha seus esconderijos bem abastecidos com comida, então havia muito para escolher. Manteiga de amendoim, caixas de macarrão com queijo, pizzas congeladas. Eu não sabia o que a garota gostaria, mas vi uma garrafa de xarope de chocolate caseiro da Jo-Jo em uma das prateleiras, e percebi que não poderia dar errado com um milk-shake de chocolate. Então eu tirei o sorvete e o leite da geladeira, coloquei tudo no liquidificador e bati.
Eu despejei a bebida em um copo, enfiei um canudo nela e levei-a para a mesa.
— Pronto— eu disse, falando com a garota no mesmo tom suave e reconfortante que Jo-Jo usava.
— É muito cedo para um milk-shake — ela disse, sua voz quase um sussurro.
Eu cheguei um pouco mais perto a ela. — Apenas prove, ok?
Ela obedientemente tomou um gole. Ela parou e franziu a testa, como se estivesse surpresa com quão bom ou quão faminta ela estava afinal de contas. Mas ela deve ter gostado, porque ela continuou bebendo e bebendo. Ela não agiu como se quisesse falar, então eu preparei um segundo shake de chocolate para mim mesma.
Quando a menina não estava olhando, eu estendi a mão, peguei uma das facas de cozinha do bloco do açougueiro no balcão, e coloquei-a em um dos bolsos de trás do meu jeans. Não era tão boa quanto uma das facas de silverstone de Fletcher, mas era melhor do que nenhuma faca.
Eu terminei de fazer meu milk-shake e coloquei em um copo. Do lado de fora, ouvi as portas dos carros baterem, depois um motor ressoando e pneus rolando no cascalho. Fletcher, Jo-Jo e Sophia deviam estar finalmente saindo...
Beep-beep-beep-beep.
A buzina do conversível de Sophia soou e berrou, como se alguém estivesse batendo repetidamente em aviso. Eu congelei, mas a buzina foi rapidamente abafada pelo guinchar dos pneus e o guincho do metal batendo em algo.
— Fletcher— eu sussurrei.
Eu deixei cair o meu milk-shake, não me importando que o vidro se quebrou no chão, e corri para fora da cozinha. Parei nas janelas da frente da cabana, com a garota bem ao meu lado.
O conversível de Sophia estava enrolado em uma árvore – literalmente.
De alguma forma, o carro bateu e se enrolou no tronco da árvore como uma fita de plástico enrolada no final de uma embalagem de pão. Vidro quebrado e pedaços de metal dobrados cobriam o chão, enquanto fumaça negra subia do capô. Eu não pude ver através da fumaça, então eu não pude dizer o quanto Fletcher e as irmãs Deveraux poderiam estar machucados.
— Oh, não — a menina sussurrou, seu dedo trêmulo apontando. — Ele está aqui.
Um homem estava subindo a entrada de cascalho em direção à cabana. Ele estava vestido com um terno azul escuro, e um anel de silverstone cintilando em seu dedo. Ambos estavam em desacordo com a arma antiquada que ele carregava, uma longa e espessa vareta de madeira coberta com uma bola de metal cravejada. Seu cabelo preto estava penteado para trás de seu rosto, revelando a cor azul brilhante de magia em seus olhos.
O homem não deu uma segunda olhada no carro amassado quando passou por ele, e ele continuou caminhando em direção à casa com passos firmes. Nenhuma emoção apareceu em seu rosto. Sem ódio, sem raiva, nada além de frieza, e promessa de dor e morte.
— Esse é o seu pai?
A garota assentiu, lágrimas escorrendo pelo rosto pálido.
Uma outra nuvem de fumaça chamou minha atenção, e chamas começaram a surgir do capô do conversível de Sophia. Meu coração torceu, e eu respirei fundo, esperando as portas se abrirem e Fletcher, Jo-Jo e Sophia saírem do carro destruído e correrem para longe do fogo crescente.
Mas eles não o fizeram.
— Seus amigos provavelmente estão mortos — a garota disse com uma voz maçante. — Ele pode controlar o metal. Foi o que ele fez com o carro deles. Esmagou ao redor deles como uma lata. Ele já fez isso antes. Minha mãe... ele usou aquela maça nela. Ele bateu nela até a morte com ela bem na minha frente, e ele riu o tempo todo. Agora ele vai nos matar também. Não há como pará-lo. Nunca há.
Mais e mais lágrimas escorreram pelo seu rosto, seu olhar se fixou em seu pai, enquanto ele se aproximava da cabana.
A raiva pulsou através de mim, dominando minha dor e medo. Esse homem, Renaldo Pike, havia assassinado sua esposa, espancado sua filha e ferido Fletcher, Jo-Jo e Sophia. Talvez até os tenha matado.
Eu seria amaldiçoada se ele fizesse a mesma coisa conosco.
Essa era exatamente o tipo de situação para a qual Fletcher estava me treinando. Então eu poderia cuidar de mim mesma. E se a garota não fizesse o mesmo, então eu teria que fazer isso por ela. Olhei ao redor da sala em busca de algo, mas Fletcher, Jo-Jo e Sophia tinham levado tudo com eles.
— Ele está pegando sua magia — a menina sussurrou. — Ele vai brincar conosco primeiro. Ele gosta de fazer isso.
Com suas palavras, um prego soltou-se da parede e tilintou no chão aos meus pés, rolando ao redor, quase como uma granada esperando para explodir.
E não era o único.
Quanto mais perto Renaldo Pike chegava da cabana, mais pregos eram arrancados das paredes, disparando das tábuas de madeira. Eles bateram no sofá, nas cadeiras, até na TV, quebrando o monitor. Tudo estremeceu, lascou-se e quebrou-se, e vidro, tecido e outros estilhaços voaram pelo ar. Era como estar no centro de uma bomba que continuava explodindo repetidamente.
Eu me abaixei, mas a garota ficou parada junto às janelas, como se já tivesse aceitado o fato de que não havia nada que ela pudesse fazer para evitar que ele a matasse.
Eu a puxei para o meu lado, fora do caminho dos pregos voadores. — Você tem vontade de morrer? — Eu assobiei. — Mova-se!
Eu agarrei a mão da garota. Ainda agachada, dirigi-me para a cozinha, arrastando-a atrás de mim, determinada a sair da cabana antes que seu pai nos matasse...
Meus olhos se abriram, o guinchar de todos aqueles pregos arrancados das paredes da cabana ainda ecoava em minha mente, o cheiro de serragem ainda enchendo meu nariz, e a sensação de frio e suor da mão da garota ainda impressa em minha pele como se eu a tivesse tocado há pouco.
Eu me lembrava agora – lembrava de tudo.
A garota, seu pai, Todas as coisas terríveis que aconteceram naquele dia.
Mas com o sonho, as lembranças, vieram algumas revelações surpreendentes.
Eu não era aquela que Pike queria matar.
Eu não tinha sido o alvo da bomba no Delta Queen.
Na verdade, isso não era sobre mim.
Era tudo sobre ela.
* * *
Fiquei na cama por vários minutos, pensando no dia em que conheci a garota, revendo todos os fatos daquela época e tentando juntá-los com o que eu sabia – ou pelo menos suspeitava – agora.
Depois joguei os lençóis para o lado, levantei-me, vesti meu robe preto de caveira e desci correndo até o escritório de Fletcher. Acendi as luzes, fui até um dos armários e abri uma gaveta ainda organizada pelo antigo método de Fletcher.
Dessa vez, não procurei o nome Pike ou a runa de maça. Não, desta vez, eu procurei por uma runa completamente diferente – uma rosa envolta em espinhos pingando sangue – um aviso sobre quão mortal a beleza poderia ser.
E eu a encontrei, exatamente onde eu pensei que estaria. Parece que eu finalmente realizei meu desejo de encontrar o arquivo correto na primeira tentativa. Sorte minha.
Eu olhei para a runa que Fletcher tinha desenhado na capa da pasta. Eu nunca percebi isso antes, mas o canto da parte superior da pasta estava vincado. Algo que não poderia ter sido feito por acidente. Desconforto se acumulou na boca do meu estômago, e eu lentamente levantei a aba com o meu polegar.
Minha runa de aranha estava desenhada na parte oculta da aba.
Eu tinha tanta certeza de que um fantasma do meu passado tinha voltado para me assombrar. Mas desta vez, o fantasma não era meu – era dela.
Minhas mãos tremiam e eu respirei fundo várias vezes para me equilibrar. Então sentei na cadeira do velho, acendi a luz em sua mesa, abri o arquivo e comecei a ler.
Não era um arquivo excessivamente grosso, se comparado com o que ele tinha compilado sobre Mab Monroe, mas ainda havia muita informação nele. As primeiras páginas descreviam todos as atividades criminosas dela. Jogos de azar, lavagem de dinheiro, e o ocasional roubo de arte ou joias.
Não foi até que cheguei perto do final do arquivo que as informações mudaram. Porque não era mais sobre ela; era tudo sobre sua falecida mãe. Várias páginas haviam sido arrancadas de um caderno, e todas elas continham a caligrafia distinta de Fletcher. Só de ver a letra do velho fez meu coração apertar, e levei alguns segundos para focar nas palavras o suficiente para realmente lê-las.
Lily Rose Pike. Contato feito através do salão de beleza de Jo-Jo. Casada com um homem abusivo. Com medo pela sua vida e da vida de sua filha. Desesperada para deixar o marido, mas preocupada com o que ele poderia fazer se ele a pegasse. Apenas na cidade por mais alguns dias antes de voltar para sua casa em West Virginia. Necessidade de extrair a mãe e a filha ao mesmo tempo...
Fletcher continuou a partir daí, refletindo sobre vários planos para que Lily Rose e sua filha fugissem com segurança de seu marido. Folheei mais algumas páginas, que detalhavam o assassinato de Lily Rose e tudo o que aconteceu naquele dia na cabana. Outra das anotações rabiscadas do velho saltou para mim.
A menina foi enviada para morar com a avó aqui em Ashland. Novo nome/identidade dado à menina para proteção adicional.
Uma foto da avó foi incluída, uma que me fez piscar de surpresa. Eu a conhecia – ela era uma das clientes de Finn. Na verdade, eu a tinha visto em mais de um evento da sociedade ao longo dos anos, mesmo que eu nunca tenha realmente falado com ela.
Mas foi a última coisa no arquivo que prendeu minha atenção: uma foto da garota.
Era de uma velha Polaroid{5}, uma que Jo-Jo ou talvez Sophia haviam tirado quando a menina chegou na cabana, já que seu rosto ainda estava machucado e ensanguentado na foto. Uma pequena flecha marcava a faixa branca na parte inferior da foto, apontando para o verso.
Eu respirei fundo e virei a foto. Com certeza, Fletcher tinha escrito uma nota no verso da foto, junto com um dos alfinetes de rosa e espinho que a garota usara no cabelo naquele dia. Passei os dedos pelas pontas afiadas do alfinete antes de me concentrar na nota.
Gin, lembre-se da cabana na floresta. E que até um inimigo pode às vezes precisar da nossa ajuda. Fletcher.
Esta não foi a primeira mensagem que o velho me deixou do além-túmulo, mas foi uma das mais surpreendentes. Tantas perguntas se acumularam em minha mente, mas ele não estava por perto para respondê-las. Então, eu virei a foto de volta, estudando os traços da menina. Embora tenha sido tirada há mais de quinze anos, eu ainda a reconheci.
O rosto triste, assombrado e maltratado de Lorelei Parker me encarou de volta.
Capítulo 13
Sentei-me no escuro e esperei, como fizera tantas vezes antes.
Depois de rever o arquivo de Lorelei Parker várias vezes, eu voltei para a cama. Mas meu sono foi instável, então eu me levantei, me vesti e fui ao único lugar onde eu poderia obter algumas respostas: o salão de beleza de Jo-Jo. Agora eu estava educadamente esperando as irmãs Deveraux acordarem.
Jo-Jo e Sophia devem ter dormido como mortas, porque elas não me ouviram abrir a porta da frente há uma hora, entrar e passar pela cozinha antes de me sentar em uma das cadeiras do salão. Até mesmo Rosco, o basset hound de Jo-Jo, não tinha despertado com minha intromissão, e ele ainda estava grunhindo e roncando suavemente em sua cesta no canto. Então, novamente, eu era muito boa em ser silenciosa e invisível. Fletcher não me apelidou de Aranha por nada.
Oh, eu poderia ter subido e acordado as irmãs no segundo em que cheguei, mas isso teria sido rude. Além disso, sentar sozinha no escuro me dava mais tempo para pensar e tentar entender o que estava acontecendo.
Por causa de todas as coisas que eu tinha feito, sofrido e sobrevivido, o que aconteceu na cabana pareceria ter terminado há muito tempo. Mas agora tinha levantado sua feia cabeça novamente, provando mais uma vez que o passado nunca era verdadeiramente passado, pelo menos não no que dizia respeito à minha vida.
No andar de cima, uma cama rangeu, quando alguém se virou em seu colchão, me dizendo que ela estava finalmente acordando. Com certeza, alguns minutos depois, passos suaves desceram as escadas, e um bocejo alto e sonolento soou. Os passos se aproximaram, e uma figura familiar apareceu no corredor, indo em minha direção.
— Sophia? — A voz suave de Jo-Jo flutuou até mim quando ela entrou na sala. — Você já preparou o café? Eu juro que sinto cheiro de chicória.
Ela acendeu as luzes. O clarão brilhante me revelou sentada em uma cadeira de salão vermelho-cereja, minhas pernas cruzadas nos tornozelos, uma pasta de papel pardo no meu colo.
Jo-Jo respirou fundo, cambaleou para trás e apertou a mão em seu coração. — Gin! Você me assustou!
Era logo depois das sete horas de uma manhã fria de novembro, e a anã estava envolta em um robe de microfibra rosa pálido, embora seus pés estivessem descalços, como de costume. Seu rosto de meia-idade estava sem maquiagem, mas seu cabelo branco-loiro estava enrolado em rolos de esponja rosa. Ela nunca foi para a cama sem enrolar o cabelo para o dia seguinte.
Ao som da voz de Jo-Jo, Rosco levantou a cabeça, perguntando-se com quem sua dona estava conversando. Mas o basset hound percebeu que era só eu, queixou-se por nós interrompermos seu sono, abaixou a cabeça e começou a roncar novamente.
— Gin? — Jo-Jo perguntou. — O que você está fazendo aqui?
Eu levantei a foto que estava no arquivo de Fletcher. — Lorelei Parker.
Ela franziu a testa, fazendo as linhas de riso ao redor de sua boca se aprofundarem. — Lorelei Parker? Por que você quer saber sobre ela? — Seu rosto clareou, e compreensão brilhou em seus olhos. — O elemental de metal. Aquele que plantou a bomba no barco.
— O sobrenome dele é Pike, e eu o vi matar um homem ontem à noite usando nada além de uma colher e um pouco de sua magia de metal. E o tempo todo, continuei pensando que o conhecia de algum lugar. Que ele estava ligado a mim de alguma forma. Eu finalmente encontrei a resposta em um dos arquivos de Fletcher, mas não era o que eu esperava. Acontece que Pike não se importa comigo. Ele está aqui por ela. — Eu levantei a foto de Lorelei novamente.
Jo-Jo esfregou a testa. — Eu sempre tive medo de que isso acontecesse. Que ele pudesse encontrá-la e, finalmente, cumprir sua promessa.
— Que promessa? Quem é ele, exatamente? — perguntei, querendo que ela confirmasse minhas suspeitas. — E o que ela quer com Lorelei?
Ela suspirou. — O nome dele é Raymond Pike. Ele é meio-irmão de Lorelei, e jurou matá-la por ter assassinado o pai deles.
* * *
O som de nossas vozes acordou Sophia, que desceu com um robe de caveira negra igual ao meu. Jo-Jo contou a ela porque eu estava aqui e nós três acabamos na cozinha. As irmãs Deveraux beberam o café de chicória que eu tinha feito antes, enquanto eu preparava biscoitos amanteigados e molho apimentado. Os sons crepitantes e o aroma defumado de linguiça frita foram suficientes para fazer com que Rosco abandonasse sua cesta confortável, trotasse para a cozinha, e se jogasse aos meus pés, esperando que eu lhe desse alguns pedaços.
Sophia mergulhou em meu banquete de café da manhã, com Rosco agora empoleirado aos seus pés, sua cauda atarracada batendo contra as pernas dela como se o movimento constante fizesse uma colherada de molho magicamente saltar do prato dela até a boca dele.
Também preparei um prato para mim. Normalmente, eu teria apreciado a comida, mas fiquei pensando sobre aquele dia na cabana e o terror absoluto nos olhos de Lorelei, quando o pai dela apareceu. Isso foi o suficiente para arruinar o meu apetite, mas eu me obriguei a engolir a comida de qualquer maneira. Era muito provável que fosse um dia longo, e eu precisava manter minha força para qualquer coisa ruim que pudesse acontecer a seguir.
Memórias semelhantes devem ter assombrado Jo-Jo, porque ela só tocou sua comida antes de empurrar o prato para longe. Rosco choramingou, e ela arrancou distraidamente um pequeno pedaço de linguiça do prato e jogou-o para ele. O cão basset engoliu tudo em uma mordida.
Jo-Jo embalou a sua xícara de café nas mãos, as minúsculas nuvens pintadas nas unhas cor-de-rosa combinando com as maiores na caneca azul, todas elas símbolos da sua magia de Ar. Ela estudou as ondas de vapor da deliciosa bebida de chicória por quase um minuto. Então respirou fundo, soltou, e finalmente levantou os olhos para os meus.
— O nome dela era Lily Rose — Jo-Jo começou. — Ela era uma menina doce que passava os verões em Ashland com Mallory, sua avó, que era e ainda é minha cliente. Mallory é uma anã como eu, então havia várias gerações entre ela e Lily Rose, e Mallory era a bisavó da garota várias vezes{6}. Mas ela adorava Lily Rose e trazia a garota para cá quando ela fazia o cabelo e as unhas.
Anões tinham vida longa, e a maioria apenas chamavam-se avó e avô, em vez de tentar acompanhar todas as gerações entre eles e seus parentes.
— Mallory seria a avó que você e Fletcher enviaram Lorelei para morar depois que sua mãe foi assassinada — eu falei.
— Mallory Parker. Você pode conhecê-la. Ela é uma das...
— Clientes do Finn no banco dele — terminei. — Eu o vi conversando com ela em vários eventos.
Jo-Jo assentiu. — De qualquer forma, os anos passaram e Lily Rose cresceu. Mallory mencionou que ela tinha se mudado, casado com um homem chamado Renaldo Pike, e teve uma filha, mas eu não vi Lily Rose novamente por um longo tempo.
— Até?
— Até que um dia, alguém começou a bater na minha porta, uma hora antes do horário de abertura do salão — disse Jo-Jo. — Não é incomum. Às vezes, meus clientes chegam cedo se tiverem um evento especial para o qual precisam se arrumar. Então eu abri a porta, não pensando em nada disso.
— E a Lily Rose estava lá, — eu imaginei.
Ela assentiu novamente. — No começo, eu não achava que havia algo errado e a levei até o salão. Então notei quanta maquiagem ela estava usando. Ela estava tentando encobrir um olho roxo. E ela estava toda enrolada nessas roupas grossas e compridas, mesmo que não estivesse tão frio assim. Ela estava escondendo outras marcas também. Arranhões profundos e feridas nos braços, pernas e peito.
— Pregos — Sophia falou com sua voz rouca e quebrada. — De onde ele a torturou.
Como todas as outras formas de magia, o metal pode ser usado de várias maneiras, para construir ou destruir, para ajudar ou danificar, para curar ou machucar. Pensei na facilidade com que Renaldo Pike arrancara todos os pregos das paredes da cabana. Mesmo eu estremeci um pouco com isso.
— Mas a pior parte foi que Lily Rose não estava sozinha — disse Jo-Jo, sua voz tão suave que eu tive que me inclinar para ouvi-la. — Ela tinha sua filha com ela – e ela foi torturada também.
—Lorelei.
Jo-Jo e Sophia assentiram, seus rostos sombrios com memórias da visão horrível.
— Lily Rose começou a chorar, me dizendo que seu marido estava abusando dela. Que ele tinha mudado lentamente do homem que ela amava e se casou para outra pessoa, alguém cruel, alguém que ela não reconhecia mais. Que ela tentou deixá-lo várias vezes, mas ele sempre a encontrou e a arrastou de volta. Ela disse a ele que estava indo ao salão para arrumar o cabelo para um jantar de negócios que eles deveriam ir naquela noite. Essa foi a única razão pela qual ele deixou Lorelei sair da mansão em que estavam hospedados enquanto estavam em Ashland. Mas ainda assim, ele enviou um motorista gigante com ela, para ficar do lado de fora do salão e ter certeza de que ela não tentaria fugir novamente.
Eu fiz uma careta. — Mas por que vir ao salão? Por que ela pensou que você seria capaz de ajudá-la?
Jo-Jo e Sophia olharam uma para a outra.
— Lily Rose se lembrou de Fletcher do salão, de quando ela era uma garotinha — disse Jo-Jo. — Ela ouviu os rumores de que havia um assassino em Ashland que poderia ajudá-la, e ela me implorou para colocar em contato com ele.
—Mas por que ela não pediu ajuda à sua bisavó? Pelo que sei de Mallory Parker, ela tem muito dinheiro e conexões.
Jo-Jo balançou a cabeça, fazendo com que seus rolos de espuma rosa balançassem para frente e para trás. — Com o passar dos anos e o abuso piorando, Renaldo lentamente fez Lily Rose cortar todo o contato com seus amigos e familiares. Era apenas ela e sua mãe, Laura, e Laura morrera no ano anterior.
— Como a mãe dela morreu?
Os lábios de Jo-Jo se apertaram. — Atropelamento. Alguém atropelou Laura enquanto ela atravessava a rua. Os policiais nunca encontraram o motorista, mas...
— Mas Lily Rose achava que Renaldo fez isso, que ele matou a mãe dela.
A anã assentiu. — Ela me disse que ele estava com ciúmes de quem quer que ela se importasse, mesmo que fossem apenas amigos casuais. Mesmo nas raras ocasiões em que conversava com alguém, Renaldo observava constantemente, monitorando seus telefonemas, correspondências, tudo. Ela era basicamente sua prisioneira, e sempre tinha medo de ser muito amigável com outras pessoas, e de que Renaldo ficasse com ciúmes e fosse atrás delas. Então Lily Rose não podia entrar em contato com Mallory com tanta frequência sem medo de que Renaldo rastreasse Mallory e matasse ela do jeito que ele matou Laura.
Rosco choramingou, e Sophia se esticou e começou a acariciá-lo com o pé.
— Então liguei para Fletcher e pedi-lhe que viesse. — Um fantasma de sorriso passou pelo rosto de Jo-Jo. — Você pode imaginar o que aconteceu em seguida.
—Fletcher deu uma olhada em Lily Rose e Lorelei e queria ajudá-las.
Jo-Jo e Sophia assentiram.
— Eu também liguei para Mallory e disse a ela o que estava acontecendo — Jo-Jo disse. — Acontece que ela já sabia. Ela ficou preocupada quando não viu ou ouviu falar de Lily Rose em meses, então ela contratou um investigador particular. Ele disse a ela que suspeitava que Renaldo estava abusando de sua esposa e filha, e Mallory estava fazendo seus próprios planos para ajudá-las.
— Então o que deu errado? — perguntei. — Como Lorelei acabou na cabana sem a mãe?
Jo-Jo e Sophia trocaram outro olhar, tristeza enchendo ambos os rostos.
— Renaldo de alguma forma descobriu que Lily Rose estava planejando deixá-lo, e começou a bater nela.— Jo-Jo disse. — Fletcher estava vigiando a casa, e ele entrou assim que percebeu o que estava acontecendo. Mas havia muitos guardas, e quando ele passou por eles, Lily Rose já estava morta.
O silêncio caiu sobre a cozinha. Eu não conhecia Lily Rose, mas eu podia imaginar a dor, medo e terror que ela experimentou, sendo machucada, espancada e torturada por alguém que deveria amá-la. Ela não merecia isso, e nem Lorelei. Ninguém merecia.
Jo-Jo enxugou as lágrimas que escorriam por suas bochechas. — Fletcher conseguiu parar Renaldo antes que ele matasse Lorelei também. Ele teria acabado com o bastardo ali mesmo, se não fosse por Raymond, filho de Renaldo do primeiro casamento. Ele impediu que Fletcher matasse seu pai, então Fletcher decidiu fugir com Lorelei enquanto ainda podia.
— Raymond Pike — murmurei. — Eu nunca ouvi falar dele.
— Você não teria — disse Jo-Jo. — Os Pikes moram em West Virginia, bem longe de Ashland.
— É por isso que Fletcher não deu a Lorelei um novo nome? Achei curioso que ele apenas mudasse o sobrenome dela.
— Fletcher achou que seria melhor para Lorelei manter seu nome. Que seria mais fácil lembrar e uma coisa a menos que ela tivesse que perder, já que todo o resto tinha sido arrancado dela — disse Jo-Jo. — Mas Fletcher não apenas deu a Lorelei um novo sobrenome e esqueceu-a. Ele ficou de olho em Raymond. Pelo que ele me disse, Raymond é tão implacável quanto seu pai. E pior, muito forte em sua magia de metal.
— E agora ele está aqui em Ashland — falei. — Para finalmente se vingar pela morte de seu pai.
—Vingança contra Lorelei — Jo-Jo corrigiu. — Desde que ele a considera responsável.
Eu não pude deixar de soltar uma risada sem graça com a ironia disso.
Apenas quando eu pensei que finalmente tinha cuidado de todas as coisas ruins no meu passado, apenas quando eu pensei que eu estava finalmente me livrando delas, algo totalmente inesperado como isso aparecia. Algo que eu tinha me esquecido. Mas meu passado nunca estava verdadeiramente terminado. Não era nada além de uma piscina gigante de areia movediça, uma que perpetuamente tentava me puxar para baixo e me afogar. Agora, eu estava até o meu pescoço nisso e afundando rápido.
E a verdade é que eu não era tão diferente de Raymond Pike. Eu matei Mab porque ela tinha assassinado minha mãe e minha irmã mais velha, e eu matei Madeline porque ela tinha ameaçado a mim e meus amigos. Então, eu pude entender o desejo de vingança de Pike. Até mesmo apreciar isso. Mas eu nunca tentei explodir um barco cheio de pessoas inocentes só para matar uma pessoa. Eu não tinha muitos limites, mas Pike havia ultrapassado o limite.
Jo-Jo e Sophia observavam o jogo de emoções no meu rosto. Choque. Descrença. Raiva. Cansaço. Culpa.
Muita culpa.
Elas podiam adivinhar o que eu estava pensando. Parte disso, de qualquer forma.
— O que você vai fazer, Gin? — Jo-Jo perguntou.
Eu esfreguei minha têmpora, que estava de repente doendo. — Eu não faço ideia. Nunca houve amor perdido entre Lorelei e eu. Ela enviou muitos homens para me matar nos últimos meses.
Eu nunca fiz nada a Lorelei, mas ela tentou me matar como todos os outros chefes. Só por isso, parte de mim queria deixar que ela e seu meio-irmão tivessem um ao outro. Ou Pike iria matá-la e eliminaria um dos meus inimigos, ou Lorelei estaria ocupada demais cuidando dele para conspirar contra mim por um tempo. Só vantagens para mim de qualquer forma.
Então havia o fato de que Lorelei nunca tinha me mostrado nada além de desdém zombeteiro sempre que nossos caminhos se cruzavam. Eu sempre me perguntei por que ela me odiava tanto, e eu estava começando a pensar que isso tinha tudo a ver com a morte de seu pai.
Mas ainda mais importante, Lorelei certamente percebeu que seu irmão estava por trás do ataque ao barco. Que ele estava em Ashland e atirando nela. Eu era ostensivamente o grande chefe agora. Se alguém no submundo tinha um problema, ela deveria vir falar comigo sobre isso. Lorelei deveria ter me contado imediatamente sobre Pike, mas ela não tinha.
E eu queria saber o porquê.
— Falar com ela? — Sophia sugeriu.
Eu soltei um suspiro tenso. — Sim. Eu preciso falar com Lorelei. Sobre muitas coisas.
Jo-Jo se animou. — Excelente. Eu sei exatamente onde ela vai estar hoje. Eu fui convidada pessoalmente.
Eu fiz uma careta. — Você e Lorelei Parker foram convidadas para o mesmo evento? O que poderia ser isso?
Ao invés de me responder, a anã me deu uma olhada, verificando minhas botas, jeans, camiseta de mangas compridas e jaqueta de couro preta. — É uma coisa boa que você já esteja aqui, querida.
—Por quê?
Ela sorriu. — Porque você não pode ir assim.
Capítulo 14
Às duas horas da tarde, encontrei-me em um lugar onde nunca estive antes, em todos os meus trinta e um anos.
Uma festa de jardim sulista à moda antiga.
Lírios, amores-perfeitos, hortênsias, forsítias, crisântemos e outras flores em todas as formas, tamanhos e cores estavam espalhadas até onde os olhos podiam ver, intercaladas com todos os tipos de videiras, folhas verdes e arbustos perfeitamente podados. Bordos, carvalhos e choupos se elevavam sobre a área, proporcionando um pouco de sombra do sol do outono. Os raios quentes emprestaram às restantes folhas vermelhas, laranjas e amarelas um brilho rico e vibrante, fazendo com que se tivessem sido esculpidas em metal polido. Uma leve brisa soprava pelo exuberante jardim, provocando as gavinhas verdes dos chorões e misturando os aromas das flores em um perfume forte e inebriante. Bancos de ferro forjados encontravam-se aqui e ali em lugares à sombra das árvores, enquanto lajes brancas haviam sido colocadas no gramado bem cuidado, em caminhos serpenteando pelo jardim e nas paisagens além.
Mas as rosas eram de longe as flores mais proeminentes daqui. Uma série de treliças brancas em arco percorria a área como soldados em posição de sentido, cada uma com uma cor diferente de rosa, começando do branco e lentamente se aprofundando em rosa pálido, amarelo ensolarado e vermelho sangue antes de dar lugar às flores meia-noite na treliça final. Naturalmente, esse local era conhecido como o Jardim das Rosas, uma das mais de três dúzias de diferentes áreas temáticas que compunham os Jardins Botânicos de Ashland.
E o que era um lindo jardim sem uma festa extravagante?
Mesas redondas agrupadas no centro das treliças, cada uma coberta com uma toalha de mesa de seda branca bordada com rosas prateadas cintilantes – a runa deste jardim em particular. Delicados conjuntos de chá brancos pintados à mão com diferentes cores de rosas estavam dispostos em cada mesa, junto com travessas de prata com sanduíches de queijo com pimentão e bolinhos amanteigados, e tigelas de cristal cheias de morangos frescos e creme. Velas brancas em forma de rosa tremeluziam com lâmpadas de vidro furadas no meio de cada mesa, a cera perfumada adicionando mais perfume floral ao ar.
Eu mudei meus pés, meus saltos agulhas pretos afundando como espetos na grama. — Eu nunca vi tantas coisas cobertas de rosas em um mesmo lugar antes. Incluindo eu. Eu me sinto ridícula, — eu resmunguei.
Jo-Jo cruzou o braço dela no meu. — Bem, eu acho que você está fabulosa, querida.
Fabulosa não era a palavra que eu usaria para me descrever agora. Por um lado, eu estava usando um vestido. E não apenas qualquer vestido. A coisa mais rosada, mais rendada e com mais babados que você poderia imaginar, com estampas de, você adivinhou, rosas. Não só isso, mas havia uma boa quantidade de crinolina{7} sob a saia cheia e fluida, deixando-a muito mais aberta, como se eu fosse um sino humano. Eu meio que esperava que o tecido fizesse ding-ding-ding toda vez que batia contra as minhas pernas. Um grande chapéu preto com uma aba larga estava na minha cabeça, e Jo-Jo insistiu que eu também usasse luvas pretas de cetim até o cotovelo e um de seus colares de pérolas. Tudo junto, eu me senti como uma figurante de E o Vento levou. Tolice.
— Eu não pareço fabulosa — resmunguei novamente. — Eu pareço uma boneca em cima do bolo de casamento de alguém, mas sem o sorriso falso e assustador.
Jo-Jo deu um tapinha na minha mão enluvada. — Vamos ter que trabalhar nisso, então. Sorrisos falsos são praticamente um requisito nessas festas.
Eu atirei-lhe um olhar sujo, mas ela riu.
— Bem, eu também acho que você está ótima — uma outra voz entrou na conversa.
Olhei à direita para a mulher ao meu lado: Roslyn Phillips, dona da boate Northern Aggression e a namorada de Xavier. Ela também fora convidada para a festa e ela parecia uma doce beldade sulista em um vestido verde-menta com uma saia longa e esvoaçante que exibia um padrão de rosa. Um chapéu combinando estava na cabeça dela, enquanto um solitário de diamante aninhava-se no oco de sua garganta. Todo o verde destacava a linda cor de seus olhos e da sua pele caramelo, e o cabelo preto, que estava enrolado em ondas soltas. Eu sempre achei que Roslyn era bonita, mas hoje ela estava realmente deslumbrante, a imagem perfeita da elegância feminina, da graça e da beleza.
— Você só está dizendo isso porque trouxe o vestido e os saltos para mim no último minuto. — Eu parei. — As pessoas realmente pagam seus funcionários para se vestirem assim no Northern Aggression?
A boate de Roslyn era um lugar onde você podia pagar por qualquer coisa que seu coração desejasse, que aparentemente incluía vestidos de jardim cor-de-rosa.
Roslyn sorriu, mostrando as pequenas presas branco pérola em sua boca. — Todo mundo tem suas fantasias, Gin. A formal e adequada senhora sulista é muito mais popular do que você esperaria, especialmente em Ashland.
Eu empalideci com o pensamento.
— Basta pensar nisso como outro disfarce, querida— disse Jo-Jo. — Tudo de melhor para se misturar com a multidão. Fletcher te ensinou isso, lembra?
—Oh, ótimo — eu murmurei. — Traga o velho homem para isso. Tenho certeza de que, onde quer que esteja, ele está rindo muito de mim agora mesmo.
Ainda assim, o pensamento de Fletcher trouxe um sorriso ao meu rosto, e eu deixei Jo-Jo e Roslyn me levarem para o jardim.
O Jardim Botânico de Ashland estava localizado em uma área exuberante em Northtown, perto do salão da Jo-Jo. Ostensivamente, o evento de hoje era uma arrecadação de fundos para beneficiar os jardins e ajudar com outros esforços locais de caridade e conservação, mas, na verdade, era apenas uma desculpa para as pessoas da sociedade rica se encontrarem, se misturarem e falarem sobre o outro por trás de suas mãos enluvadas.
O evento também era apenas para mulheres, para grande decepção de Finn. Ele ligou para me avisar que o telefone de Harold Smith era outro beco sem saída, com apenas alguns textos enigmáticos de Pike para ele, e eu havia dito a ele o que eu estava fazendo.
— O que há com todas essas festas só para garotas? — Finn resmungou. — Primeiro, você tem seu dia de spa no salão Jo-Jo há alguns meses, e agora isso. Eu posso parecer fabuloso, comer sanduíches de pepino, e beber juleps de hortelã{8} com os melhores deles.
— Se você quiser vestir rosa e fazer o trabalho por mim, você é mais do que bem-vindo, — eu respondi em um tom suave e doce.
— Você só está com inveja de que eu ficaria melhor em um vestido de jardim do que você jamais poderia. —Ele respondeu.
— Estou com medo de você por saber o que é um vestido de jardim.
—Oh, baby— Finn tinha cantado. — Eu sei tudo sobre as coisas boas da vida – e as mulheres que gostam delas. Por acaso eu sou uma daquelas coisas boas, sabe.
— Acho que apenas vomitei um pouco na minha boca.
Finn riu, mas ele concordou em ficar de prontidão para o caso de eu precisar dele. Assim como Owen. Mas eu não previa nenhum problema. Tudo o que eu queria fazer era conversar com Lorelei. Depois disso, eu não sabia o que poderia acontecer, mas percebi que merecia ouvir o lado dela das coisas. Sim, essa sou eu hoje em dia. Rainha da mediação.
Jo-Jo, Roslyn e eu tínhamos chegado atrasadas, então todos os discursos chatos já tinham acabado, e agora as pessoas estavam se misturando e conversando, bebendo drinks e mastigando seus adoráveis sanduíches. As criações de queijo com pimentão sem casca tinham sido cortadas e pressionadas na forma de rosas. Alguém aqui tinha tempo de sobra demais.
Examinei a multidão. Todas as mulheres no jardim usavam o mesmo tipo de chapéu estúpido que eu usava. Nós todas parecíamos como Stepford Wives{9}. E Jo-Jo também estava certa. Havia muitos sorrisos falsos, e ouvi mais do que algumas pessoas murmurarem “Bem, abençoe seu coração”, que é a clássica maneira sulista de fingir simpatizar com alguém quando você está realmente apenas colocando a outra mulher para baixo e conduzindo seu salto agulha diretamente em seu coração ao mesmo tempo.
Finalmente, eu vi Lorelei sentada com uma anã idosa em uma mesa que estava na frente e no centro do jardim.
— Senhoras, vão se divertir— eu disse a Jo-Jo e Roslyn. — Eu tenho alguns negócios para atender.
Ambas sorriram, em seguida, saíram para conversar com seus próprios amigos e parceiros de negócios.
Eu fiz meu caminho através da multidão, um sorriso agradável emplastrado no meu rosto. As senhoras da sociedade retribuíram-me, mas seus olhos se aguçaram e suas mentes se agitaram enquanto tentavam descobrir quem eu era, o que eu estava fazendo ali e como poderiam se beneficiar disso. Os tubarões cheiravam sangue fresco na água.
Mas eu cheguei à mesa sem ser parada por ninguém, e me sentei em uma cadeira em frente a Lorelei, que continuou falando com a anã.
Mallory Parker, sua bisavó.
Um cartaz pendurado ao lado do pódio a poucos metros de distância tinha uma imagem do rosto sorridente de Mallory, proclamando-a como orgulhosa patrocinadora do evento de hoje, o Lily Rose Memorial Fund-Raiser anual. Diversas instituições de caridade foram listadas na placa, sendo a mais proeminente o jardim botânico e um abrigo de mulheres vítimas de violência doméstica. Eu me perguntei quantas pessoas aqui sabiam que Lily Rose tinha sido uma pessoa real e não apenas um nome. Ou talvez todos achassem que Lily Rose era uma espécie de flor híbrida que a Mallory havia escolhido para combinar com o jardim.
Concentrei-me em Mallory, que tirara o chapéu branco e o colocara de lado. Eu não sabia dizer quantos anos ela tinha, mas eu estava apostando que mais de trezentos, dadas as rugas profundas que sulcavam o rosto dela. Ela era pequena, até mesmo para um anão, e sua pele tinha o aspecto marrom e desgastado de alguém que tinha feito seu quinhão de trabalho ao ar livre ao longo dos anos. E ela deve ter sido ricamente recompensada por esse trabalho, já que ela tinha diamantes suficientes piscando no pescoço, pulsos e dedos para financiar um pequeno exército. Seu vestido de cetim era azul-claro, com trechos de renda combinando e seu cabelo era branco, fofo, arrumado, embora eu pudesse ver o rosado de seu crânio aqui e ali.
Mallory Parker era a imagem perfeita de uma avó sulista da velha escola. Alguém que era sempre educada, pontual e certa em tudo, desde o discurso até o vestido, até a maneira como o dedinho ficava levantado, enquanto ela tomava um gole de chá.
Ainda assim, quanto mais eu olhava para ela, mais eu percebia que havia mais em Mallory do que cetim, renda e diamantes. Ela pode parecer tão velha e frágil quanto a porcelana colocada sobre a mesa, mas seus olhos azuis eram duros e brilhantes enquanto ela observava tudo ao seu redor.
— ... vá em frente com suas férias havaianas — disse Lorelei em um tom baixo e sensual que era semelhante ao meu. — Eu posso mudar o seu bilhete para que você saia hoje à noite.
—Mas e você, querida? — Mallory disse em uma voz trêmula que era muito mais caipira do que de alta sociedade. — Nós deveríamos fazer a nossa viagem anual juntas depois da arrecadação de fundos hoje, assim como sempre fazemos.
Lorelei deu um sorriso para sua avó, mesmo que não tenha chegado aos olhos dela. — Tenho alguns negócios para concluir, mas posso voar e te encontrar em alguns dias. Então o que você diz?
— Eu digo que soa como um grande momento, — eu falei. — Sempre quis visitar o Havaí. Aloha.
Lorelei me lançou um olhar irritado. Ela não gostou de eu bisbilhotar. Que pena. Eu ia fazer muito pior do que isso hoje. Meu traje de babados deve tê-la enganado, porque a confusão encheu seu rosto enquanto tentava descobrir quem eu era. Eu levantei a aba do meu chapéu para revelar meu rosto.
Sua mandíbula se apertou. — O que você está fazendo aqui?
Em vez de responder, eu sinalizei para uma garçonete que passava e peguei uma taça alta e gelada de julep de hortelã da sua bandeja. Eu demorei bastante tempo para recostar na minha cadeira e arrumar minha ridícula saia ao redor das minhas pernas antes de tomar a bebida. O líquido frio e ácido deslizou pela minha garganta, deixando para trás um refrescante zumbido de hortelã na minha boca. Mmm. Perfeito.
— Bem, apenas curtindo a festa — eu disse. — Eu sempre gosto de sair e apoiar uma boa causa, você não? E há tantas enumeradas nessa placa. Embora eu me ache muito intrigada com o nome do evento em si. Lily Rose. Um nome tão bonito para uma festa tão bonita.
Tomei outro gole do meu julep de hortelã. Lorelei ficou olhando para mim, reconhecidamente por um bom motivo. Minhas palavras tinham sido muito mais cruéis do que gentis. Talvez eu me encaixe com os tubarões da sociedade melhor do que eu pensava, mesmo que eu não estivesse me incomodando com sorrisos falsos e a pieguice açucarada do abençoe seu coração.
Mallory Parker olhou para mim, imaginando quem estava perturbando tanto a neta dela. Seus olhos se estreitaram com reconhecimento. — Gin Blanco.
Eu olhei de volta, surpresa por ela me conhecer. Nós não nos movemos exatamente nos mesmos círculos sociais. Mas havia um tom de conhecimento na voz de Mallory, me dizendo que ela sabia exatamente quem eu era e o que eu fazia. Interessante. Pensando bem, eu supus que eu não deveria ter ficado surpresa, dado o que Fletcher tentou fazer por Lily Rose e Lorelei todos aqueles anos atrás.
— Gin Blanco— disse a anã, inclinando-se para a frente e estendendo a mão pequena e frágil para mim. — Eu vi você em vários eventos com o Sr. Lane, mas não acho que tenhamos sido apresentadas formalmente. Mallory Parker.
— Senhora, — eu murmurei, apertando sua mão.
Seu aperto era muito mais firme do que eu esperava. Por outro lado, ela era uma anã. Mesmo com mais de trezentos anos de idade, ela ainda tinha força inerente suficiente para quebrar todos os ossos da minha mão se quisesse. E ela também era inteligente o suficiente para perceber que eu não estava aqui pelos juleps de hortelã.
— Lorelei? — Mallory perguntou, uma sugestão de aço endurecendo sua voz caipira. — O que está acontecendo? Por que a Srta. Blanco está aqui?
Lorelei abriu a boca, mas eu falei antes.
— Eu estou aqui porque Raymond Pike está tentando matar sua neta.
* * *
Ao redor de nós, as mulheres da sociedade andavam para lá e para cá como borboletas coloridas, cada uma contorcendo as asas de sua saia ondulante para atrair a máxima atenção enquanto conversavam, riam e cortavam uma a outra com palavras suaves e sorrisos falsos. Uma brisa soprou pelo jardim, provocando uma série de sinos de vento de prata pendurados em uma das treliças tilintarem juntos, mas as notas soavam mais tristes do que alegres. Mais distante no jardim, os galhos das árvores se entrelaçaram, depois se afastaram, enquanto os galhos de um arbusto de rododendros próximo tremeram, como se estivessem com frio por causa do vento de outono.
Mas nossa mesa estava completamente silenciosa, exceto pela inspiração forte e súbita de Mallory.
Seu olhar voltou-se para Lorelei. — Isso é verdade? Raymond finalmente te rastreou?
Lorelei balançou a cabeça, fazendo a aba do seu chapéu branco balançar para cima e para baixo como um navio navegando pelas ondas do oceano. — Não é nada que eu não possa lidar.
—Essa não é a pergunta que eu fiz, mocinha — Mallory retrucou de maneira verdadeiramente como uma avó.
Lorelei suspirou. — Sim, Raymond está em Ashland.
—Como você sabe com certeza? — Perguntou Mallory.
— Houve um... incidente no barco Delta Queen há alguns dias.
Os olhos da anã se estreitaram. — Que tipo de incidente?
Pela maneira que Lorelei estava contornando as coisas, ela nunca disse a sua avó o que realmente aconteceu, então eu decidi ir direto ao assunto.
— Raymond Pike plantou uma bomba no barco — eu disse. — Uma que estava cheia de potenciais estilhaços. Pregos, para ser exato.
Mallory piscou. — Pregos. Tem certeza?
— Eu tive uma visão de perto e pessoal do dispositivo, junto com um segundo que ele deixou para trás na floresta. Acredite em mim, tenho certeza.
Lorelei manteve sua postura fácil e relaxada, mas seus dedos se fecharam ao redor do guardanapo de linho em sua mão, fazendo os diamantes em seu anel rúnico de rosa e espinho faiscar.
E a mais leve magia surgiu dela.
Foi apenas um breve pulsar de poder, como o frio que você sentiria se abrisse a porta da geladeira e depois a fechasse rapidamente, mas estava lá. Curioso. Lorelei não era conhecida por ser uma elemental. Talvez esconder seu poder fosse ideia de Fletcher, outra maneira de protegê-la de seu irmão. Eu me perguntei se ela tinha a mesma magia de metal que Pike – e se ela era tão forte quanto ele.
Lorelei conseguiu dominar sua magia, sufocando-a, mas ela não se incomodou em esconder o olhar de morte que estava me dando. Ela estava muito chateada comigo por contar sobre Raymond estar na cidade. Uma pena. Sim, delatar Lorelei para a velhinha não foi exatamente a coisa mais legal que eu já tinha feito, mas eu duvidava que Lorelei teria concordado em me ver de outra forma, muito menos responder a qualquer uma das minhas perguntas sobre seu meio-irmão. Ela ainda provavelmente não faria isso, agora que eu a irritara.
Mallory tamborilou com os dedos retorcidos na mesa, imersa em pensamentos. — Então, é por isso que você me quer em um avião para o Havaí. Você está tentando me tirar do caminho. Para você pode fazer o que exatamente? Ficar aqui e matar Raymond você mesma?
— Isso é exatamente o que eu vou fazer, — Lorelei retrucou. — Assim como eu tenho sonhado por anos. Meu único arrependimento é que meu pai ainda não está vivo, então eu poderia fazer o mesmo com ele.
O veneno frio na voz de Lorelei não deveria ter me surpreendido, mas de alguma forma isso aconteceu. Era difícil conciliar o que eu sabia sobre Lorelei Parker, a contrabandista suave das estrelas, com aquela garota espancada e maltratada que eu conheci tantos anos atrás. Mas enquanto eu olhava para Lorelei, suas feições lentamente escureceram, contusões ao redor de seus olhos enegrecer para sua face inteira, assim como naquela época. Pisquei e a ilusão desapareceu, embora não as memórias que deixou para trás.
Mallory apontou o dedo para a neta. — Bem, você pode esquecer, querida. Eu não estou indo a lugar nenhum. Não até que o bastardo esteja morto. E você absolutamente não o enfrentará sozinha.
Lorelei suspirou. — Agora, vovó...
— Você não me venha com vovó — disse Mallory. — Eu já perdi uma neta para um Pike. Não vou perder outra.
Ela respirou fundo, depois soltou com uma série de maldições que nos deixaram saber exatamente o que pensava do não tão falecido Renaldo Pike e seu filho, Raymond. A voz de Mallory não era tão alta assim, mas seu tom caipira era afiado e maligno o suficiente para atrair a atenção dos tubarões da sociedade, que estavam sempre com fome de mais drama e fofoca. As outras senhoras olhavam e sussurravam atrás de suas mãos enluvadas, mas Mallory as ignorou e continuou xingando.
Sorri, fazendo uma anotação mental de suas palavras. Eu teria que lembrá-las para mais tarde.
Finalmente, Mallory se acalmou, embora ela continuasse resmungando para si mesma e batendo com os dedos na mesa. De repente, ela parou e se concentrou em mim novamente.
— Por que você está aqui, Srta. Blanco? Qual é o seu interesse em tudo isso? Eu acho que esses assuntos não seriam do seu interesse, dada a sua nova posição como a chefe do submundo.
Arqueei uma sobrancelha. — E eu pensaria que alguém como você não saberia nada sobre o submundo de Ashland.
—Bah. — Ela acenou com a mão, fazendo seus muitos anéis brilharem. — De onde você acha que eu tirei todos os diamantes? Eu os ganhei, com cada remessa de bebida, armas e dinheiro que contrabandeei para Ashland. Eu não me casei nem dormi com alguém para consegui-los, como muitas dessas tolas sorridentes aqui fizeram.
Ela olhou para as senhoras que estavam nos encarando, e elas rapidamente voltaram para suas conversas anteriores, embora continuassem a olhar furtivamente para nós.
Eu olhei para ela com nova apreciação. Então, Mallory Parker tinha sido contrabandista e, ela sem dúvida, tinha ensinado para sua bisneta todos os truques do negócio. Talvez ela até tivesse passado o negócio para Lorelei, assim como Fletcher fizera comigo. Outra maneira de Lorelei e eu sermos mais parecidas do que eu imaginara ser possível.
Quando parecia que todo mundo estava cuidando de seus negócios novamente, Mallory virou seu olhar azul de aço para mim. — Vou repetir a minha pergunta. Por que você se importa com Raymond Pike e o que ele está fazendo na Ashland?
— Normalmente, eu não me importaria com quem está tentando matar sua neta. Na verdade, eu poderia torcer por eles, considerando todos os homens que ela enviou para tentar me matar nos últimos meses.
Mallory olhou para Lorelei, que deu de ombros.
— São apenas negócios, vovó. Eliminando ameaças. Foi você quem me ensinou a fazer isso, lembra?
O tom calmo e indiferente de Lorelei chamou minha atenção, assim como suas palavras específicas. Eliminando ameaças. O que ela quis dizer com isso? Porque ela não tinha me eliminado. Isso é o que eu fiz para todas as pessoas que ela enviou para me pegar. Ou havia mais em suas tentativas de me eliminar do que eu percebi? E se sim, o que, exatamente?
Os lábios da anã se enrugaram com as palavras de Lorelei, mas o orgulho brilhou em seus olhos, fazendo-os brilharem ainda mais do que seus diamantes. O mesmo tipo de orgulho que sempre iluminou o rosto de Fletcher, sempre que eu dominava ou usava uma de suas lições. Eu me perguntei o que Mallory tinha ensinado a sua neta sobre a eliminação de ameaças.
A velha acenou com a mão, dizendo-me para continuar.
— Como eu disse, eu normalmente não me importaria com Lorelei e seus inimigos.
—Mas? — Mallory perguntou.
— Mas Raymond Pike plantou sua bomba no Delta Queen, que pertence a Phillip Kincaid, um amigo meu. Eu levo ataques aos meus amigos muito pessoalmente.
— Eu ouvi isso sobre você, — Mallory zombou. — Idiota. Espero que você saiba que essa tolice sentimental não é um luxo que alguém como você pode se permitir. Especialmente em sua posição atual. Não se você quiser sobreviver. Você está se agarrando ao controle do submundo por um fio, e é um fio fino e tênue, na melhor das hipóteses.
Eu me mexi na cadeira, desconfortável com quão certa ela estava. — E você é um especialista em sobrevivência? — Eu retruquei.
O peito magro de Mallory se inchou. — Estou em Ashland, querida. Eu estava aqui no começo, quando a cidade foi fundada, e estarei aqui por muitos anos.
Eu não podia discutir com isso, já que ela era pelo menos duzentos e cinquenta anos mais velha do que eu – e mais inteligente e muito mais astuta do que seu vestido de jardim e seu suave comportamento sulista implicava.
Mallory me deu um sorriso meloso, do tipo que quase sempre era acompanhado por uma faca no dorso. Lorelei estremeceu, aparentemente tendo visto aquele sorriso antes. E eu suspeitava que, velha ou não, Mallory Parker fosse tão radical quanto viessem e pudessem pensar e tramar contra qualquer um, inclusive eu.
— Diga-me uma coisa — ela ronronou. — Já que somos apenas empresárias sentadas aqui, conversando.
—O quê? — Eu não me preocupei em manter a cautela fora da minha voz.
Seu sorriso aumentou, e eu percebi que entrei na sua teia pegajosa, o que quer que fosse. — Quanto é a sua taxa, Srta. Blanco? Ou você prefere ser chamada de Aranha quando na verdade está negociando?
Meu radar de perigo imediatamente disparou para o nível de alerta vermelho. — Por que você quer saber?
—Porque eu quero contratar você.
—Para quê? — Eu perguntei, embora eu já soubesse a resposta.
O sorriso de Mallory aumentou, sua expressão mais doce, suave e inocente do que nunca. Até mesmo os olhos brilharam com a satisfação fria de um caçador ter capturado algo em sua armadilha. — Bem, matar Raymond Pike, é claro.
Capítulo 15
Um rubor raivoso floresceu nas bochechas de Lorelei, que ficaram vermelhas como as rosas na treliça branca mais próxima da nossa mesa. Ela me lançou outro olhar cheio de ódio, como se essa proposta ridícula tivesse vindo de mim e não de sua avó.
— Absolutamente não — Lorelei disse as palavras. — Eu não preciso da ajuda de Blanco, vovó. Eu posso me cuidar – e você também. Eu venho fazendo isso há anos.
Mallory cruzou os braços sobre o peito. — Você é minha neta e eu farei o que for necessário para protegê-la desse homem. Eu o vigiei. Pelo que ouvi, ele é ainda mais perigoso e depravado do que seu pai era.
A mandíbula de Lorelei cerrou-se com força. — E você acha que eu não estava vigiando Raymond também? Que eu não esperava que ele me encontrasse? Eu sei exatamente como ele é torcido. Eu sou aquela que viveu na mesma casa que ele, lembra? Ele sempre odiou mamãe e eu. Estava sempre com inveja de toda a atenção que nosso pai lhe dava. Raymond colocou minha mãe para baixo com suas palavras cruéis e brincadeiras idiotas, sempre que ele podia. Por anos. Criar uma má imagem da mamãe e colocar nós duas em apuros com meu pai era a coisa que ele mais amava.
O rosto de Mallory se suavizou com a menção de Lily Rose e a tortura que ela e Lorelei tinham sofrido. — Eu sei que você pode se cuidar, querida. Mas você deve me deixar fazer o meu trabalho e cuidar de você também. Eu te amo muito para perdê-la para ele.
Ela estendeu a mão, colocou a mão marrom e enrugada em cima da pálida e macia de Lorelei, e deu um aperto suave. Outra onda de magia saiu de Lorelei, esta explosão ainda mais fria e mais forte do que a primeira tinha sido.
Meus olhos se estreitaram. Eu conhecia magia de Gelo quando sentia isso, mas seu pulso anterior de poder tinha sido diferente, mais como a magia de metal de Pike. Gelo e metal... Poderia Lorelei ser realmente talentosa em dois elementos? Como eu? Se sim, como ela conseguiu manter isso oculto todos esses anos? Especialmente dada sua posição no submundo de Ashland? Eu a subestimei. Parecia que ela era ainda melhor em manter segredos do que eu.
Por um momento, o rosto de Lorelei se encheu de emoção crua e nua, junto com um cansaço profundo. Naquele instante, vi a menina ferida que ela havia sido uma vez – e como ela ansiava por deixar Mallory cuidar de tudo. Para deixar de ser forte, só por um tempo, e deixar outra pessoa cuidar das coisas para variar.
Cuidar dela.
Sua mágoa e cansaço me deram um soco no estômago e roubaram meu fôlego. Porque eram sentimentos que eu conhecia muito bem, aqueles que estavam construindo dentro de mim desde que eu matei Mab e o submundo de Ashland descobriu que eu era a Aranha e decidiu que eles me queriam morta, não importando como.
Mas Lorelei não podia se afastar disso mais do que eu poderia, especialmente não agora. O momento passou, a sensação de sua magia de Gelo desapareceu e seu rosto endureceu novamente. Ela apertou a mão de Mallory, soltou-a e segurou sua bolsa de cetim preta que estava sobre a mesa.
— Vou cuidar de Raymond— disse Lorelei. — Não se preocupe com ele ou comigo. Quando for a hora certa, eu vou matá-lo. Como eu deveria ter feito todos aqueles anos atrás.
Mais uma vez, Lorelei me lançou um olhar severo e acusador, como se tudo isso fosse culpa minha.
Mallory acenou com a mão, fazendo seus anéis de diamante piscarem novamente. — Tudo bem e bom, mas não há razão para não obter alguma garantia adicional ao contratar a Srta. Blanco. Não é como se não pudéssemos pagar. É por isso que fizemos tantas coisas desagradáveis ao longo dos anos – ter dinheiro para pagar por pequenos despesas extras como estas.
—Despesas extras? Deixe-me esclarecer uma coisa: não sou sua empregada — retruquei. — Então não fale de mim como se eu não estivesse sentada aqui.
Mallory fungou, então pegou sua xícara de chá e tomou um gole delicado, seu dedinho perfeitamente posicionado, como se ela realmente fosse a velha doce e inocente que parecia ser, e não um ex-contrabandista que poderia xingar melhor do que um marinheiro e estava tentando me contratar para matar alguém.
Do outro lado do jardim, uma mulher disse o nome de Mallory e acenou para ela.
— Bem, Delilah! — Mallory falou. — Deus te abençoe! Você está linda!
Delilah sorriu e gesticulou para Mallory se juntar ao grupo de mulheres com quem ela estava conversando. Mallory sorriu e acenou de volta. Mas assim que Delilah virou a cabeça, uma carranca enrugou o rosto da anã.
— Eu não suporto aquela mulher — murmurou Mallory. — Tudo o que ela faz é falar sobre seus cavalos idiotas. Mas ela dá aos jardins uma grande doação anual, então eu tenho que ir lá. Vocês duas devem fazer o mesmo. Afinal, estamos todos do mesmo lado agora.
Eu bufei. — Eu duvido disso.
Mallory me ignorou e ficou de pé. — Dez milhões devem fazê-lo — disse ela. — Dez milhões de dólares para você matar Raymond. É realmente muito generoso, considerando que é várias vezes mais do que a sua taxa normal.
— E como você sabe qual é minha taxa?
— Eu fiz vários acordos amigáveis com Fletcher Lane ao longo dos anos, e eu perguntei sobre seus serviços de vez em quando. Além disso, gosto de ficar por dentro dessas coisas por motivos profissionais. Ajuda a me manter jovem.
Fletcher não me contou sobre nenhum acordo que ele tenha feito com Mallory Parker, e nunca mencionou nada sobre ela perguntar sobre me contratar. Por outro lado, o velho homem nunca contou nada sobre Lorelei também.
Mallory notou a surpresa e a suspeita no meu rosto e soltou uma risada pequena e trêmula. — Eu posso ser velha, mas ainda não estou morta, querida. Pelo menos não até que alguém como você venha me visitar no escuro da noite.
Eu não respondi.
— Eu vou arranjar para você receber o dinheiro da maneira que quiser. Dinheiro, ouro, títulos ao portador. — Ela fez uma pausa, então balançou os dedos novamente, mostrando seus anéis. — Embora eu prefira diamantes. Eles são os melhores amigos de uma garota por um motivo. Vários, na verdade. Fácil de transportar, fácil de vender. Afinal, você nunca sabe quando pode precisar do dinheiro para sair da cidade com pressa. Eu descobri que é melhor estar preparada para qualquer coisa, não é?
Eu ainda não respondi.
Mallory pegou seu chapéu branco e o colocou no topo de sua cabeça antes de voltar seus olhos azuis de aço para mim. — Pense na minha oferta, Srta. Blanco. É uma das mais lucrativas que você receberá. Eu esperarei uma resposta até o final do dia. Finnegan sabe como me alcançar. Até lá. Adeusinho para você.
Ela acenou com a cabeça para Lorelei e para mim, colocou outro sorriso falso no rosto, e foi para a multidão para nadar com todos os outros tubarões.
* * *
Do outro lado do jardim, Jo-Jo acenou a mão para chamar minha atenção. Ela inclinou a cabeça para Mallory, que agora estava andando no meio de uma matilha de damas da sociedade. Eu balancei a cabeça, dizendo a Jo-Jo que nada havia sido resolvido. Ela assentiu de volta, depois se virou e começou a falar com Roslyn.
— Bem, bem, bem. Sua anã de estimação e sua madame de boate — Lorelei disse em um tom sarcástico. — Eu vejo que a gangue Gin Blanco está em pleno vigor hoje.
—Jo-Jo curou você na cabana naquele dia — eu falei de volta. — E você faz negócios com Roslyn exatamente como todos os outros chefes. Então cale a boca sobre meus amigos antes que eu feche para você. Permanentemente.
Lorelei se recostou na cadeira, despreocupada com a fria ameaça de violência em minha voz, embora ela mantivesse uma mão sobre a mesa, ao lado de sua bolsa. — Eu acho que você se lembra de mim agora, hein? Eu estava pensando quanto tempo você levaria para descobrir isso. Por que, dado todo o frenesi em torno da grande Aranha, eu teria pensado que você teria batido na minha porta muito antes. Mas faz, o que, dois dias? E você está agora me confrontando? — Ela estalou a língua, zombando de mim. — Muito decepcionante, Gin. Mab Monroe já teria resolvido toda essa situação.
— Eu não sou Mab — eu disse, em um tom ainda mais frio do que antes. — Algo que você deveria ser extremamente grata, docinho.
—E por que isso?
—Porque você estaria morta, junto com Mallory... e com Raymond também. Mab nunca foi muito misericordiosa com os desordeiros ou seus alvos.
Lorelei zombou. — Bem, pelo menos ela o teria matado. E isso é definitivamente algo que eu poderia beber.
Ela arrastou o julep de hortelã que estava tomando antes de eu me sentar, levantou-o aos lábios e tomou o resto. Lorelei largou o copo vazio e empurrou-o com tanta força que ficou preso em uma ruga na toalha da mesa e quase tombou antes de se endireitar lentamente. O movimento vacilante fez o gelo dentro do vidro chocalhar como dominós.
— Todos esses meses, você soube que eu era a Aranha, todas as vezes que nossos caminhos se cruzaram, o funeral de Mab, aquela noite no museu de arte Briartop, a mansão Monroe há algumas semanas... Por que você não me disse quem você realmente era?
Lorelei me deu uma olhada. — Dizer-lhe o que exatamente? Que meu pai abusou de mim e da minha mãe? Que basicamente nos manteve prisioneiras? Que toda vez que ela tentava deixá-lo, ele só ficava mais ciumento, violento e perverso? Que ele finalmente a matou bem na minha frente? Perdoe-me por não mencionar minha infância infeliz.
Quanto mais eu olhava para ela, mais raiva surgia em seu rosto.
— Além disso, eu sempre achei que você soubesse quem eu era, — ela disse em uma voz áspera. — Como você pode ter esquecido?
Suas palavras saíram como uma amarga acusação, uma que fez meu estômago ficar tenso de culpa e vergonha. Porque eu tinha me esquecido – completamente.
Ah, quando eu era mais jovem, eu me perguntava o que tinha acontecido com a garota e tinha constantemente importunado Fletcher por atualizações sobre ela. Mas tudo que o velho me contou foi que ela estava segura, então eu lentamente parei de pensar e perguntar sobre ela e mudei para outras coisas do jeito que as crianças, as pessoas, frequentemente fazem. E eu tive outras coisas para me concentrar. Meu treinamento de assassina, todos os trabalhos que eu fazia, me vingando de Mab, todos os outros que eu tinha enfrentado no ano passado. Eu duvidava que eu teria percebido que Lorelei era a mesma garota, se não fosse Pike tentando bombardear o Delta Queen.
Mas eu não ia admitir nada disso para ela, e certamente não deixaria que ela visse minha culpa sobre isso. Então eu dei de ombros. — O que posso dizer? Eu matei muitas pessoas desde então.
— Eu também, — ela retrucou. — Engraçado, no entanto, como aquele dia ainda está marcado em minha mente, como se tivesse acontecido ontem.
Pela terceira vez, a magia saiu de seu corpo, uma mistura de frio e força que confirmou as suspeitas sobre ela ter magia de Gelo e metal. A energia foi cortada tão depressa quanto antes, mas Lorelei não conseguia esconder o ligeiro afundamento de seus ombros, o torcer de sua boca ou todas as horríveis memórias que escureciam seus olhos, exatamente como o sangue e os hematomas que escureceram seu rosto aqueles anos atrás. Então a magia dela estava ligada às suas emoções, e ela só perdia o controle e deixava transparecer quando estava particularmente chateada.
Como agora.
— É por isso que você me odeia tanto? — Perguntei. — Porque eu não me lembro de você?
Lorelei soltou uma risada amarga. — Claro que não. Eu não sou tão mesquinha.
— Então por quê?
— Você realmente não sabe?
Eu balancei a cabeça.
Ela se inclinou para frente, a raiva brilhando em seus olhos azuis. — Eu te odeio porque você é Gin Blanco, a grande assassina, a Aranha. Eu te odeio porque você é a chefe do submundo agora, um trabalho para o qual você é extremamente inadequada e obviamente não quer, mas tem sorte de ter de qualquer maneira, assim como você parece ter sorte em tudo na vida. Matando Mab Monroe, conquistando Owen Grayson, tornando-se um tipo de heroína folclórica para os oprimidos. Alguns de nós têm que trabalhar por todas as coisas que temos nesta vida, mas não você, não Gin Blanco. Você é a pessoa mais sortuda que já conheci. Acima de tudo, eu te odeio porque deveria ter sido eu naquele dia.
Ela apunhalou o dedo no peito, exatamente onde estava seu coração. Os diamantes em seu anel com a runa rosa e espinho piscavam para mim acusadoramente. — Deveria ter sido eu, não você. Mas você tirou isso de mim sem sequer tentar.
Eu fiz uma careta. — O que você quer dizer? O que eu tirei de você?
Ela bufou e me deu um olhar de desprezo como se eu fosse a pessoa mais idiota viva. — Esqueça. A grande Gin Blanco não entenderia de qualquer maneira.
Por mais que eu quisesse retroceder e dizer a ela para cortar a merda enigmática, eu tentei controlar meu temperamento, lutando para encontrar algum ponto em comum com ela. Porque Lorelei estava sofrendo há anos, e eu tinha esquecido tudo sobre ela.
— Mas por que você não me disse pelo menos que a bomba no DeltaQueen era para você e não para mim? Eu sou supostamente a chefe do submundo. Esse tipo de coisa é bastante pertinente para mim agora.
Ela bufou. — Por favor. Você é a grande chefe apenas no nome. Nenhum dos pesos pesados vai chegar a você com algo importante. Além disso, tenho meus próprios planos para Raymond – e eles não envolvem você.
Eu a encarei. — Meus amigos poderiam ter morrido no barco. Então, eu estou envolvida agora, quer você goste ou não.
— Esqueça isso, — ela disse, zombando. — E esqueça o que minha avó lhe ofereceu. Eu não preciso da sua proteção, e eu certamente não quero sua maldita ajuda. Eu sou bem capaz de cuidar de mim mesma.
— É por isso que você continua tocando essa arma em sua bolsa?
Assustada, Lorelei envolveu a mão em torno da bolsa de cetim preto na mesa na frente dela. Era o tamanho certo para guardar um telefone, um pó compacto, um batom e uma pequena pistola. A parte de cima da bolsa estava aberta, e eu podia ver algo brilhando por dentro, embora parecesse pálido, até mesmo opaco, em vez do cinza de metal que eu esperaria. Mas o que era ainda mais estranho era o frio que irradiava da sacola, como se estivesse cheio de cubos de gelo. Curioso.
Lorelei estava movendo a bolsa de um lado para o outro desde que Mallory partiu, como se estivesse pensando em tirar qualquer arma que estivesse dentro e me enfrentar. Mas ela deve ter percebido quão ruim isso acabaria para ela, porque ela afastou a mão da bolsa.
— Apenas fique longe de Mallory e de mim. — Lorelei empurrou a cadeira para trás, levantou-se e girou para afastar-se.
— Sinto muito pelo que aconteceu com você... e sua mãe, — eu disse em uma voz suave. — Eu sei... como é difícil perder alguém que você ama. Eu sei o que é tê-los arrancados de maneira tão brutal e cruel. Eu sei o quão impotente isso pode fazer você se sentir, quão vulnerável, quão vitimizada.
Suas costas endureceram. Ela fez uma pausa, como se estivesse a debater se devia ou não responder, depois olhou para mim por cima do ombro dela, as suas lindas feições rígidas e determinadas. — Eu não sou vítima de ninguém. — Ela cuspiu as palavras. — Não mais. Nunca mais.
Lorelei se virou e saiu apressada sem outra palavra, indo até Mallory, Delilah e as outras damas da sociedade. Ela colocou um sorriso falso em seu rosto, como se ela não tivesse preocupação no mundo, então pegou outro julep de uma garçonete e bebeu de um só gole. Eu olhei para ela, comparando-a com a garota que eu conheci há muito tempo.
Ela estava certa. A Lorelei Parker que eu conhecia não era uma vítima. Ela era uma criminosa que fazia as pessoas tremerem de medo, e ela administrava suas operações de contrabando com eficiência brutal e implacável, muitas vezes cuidando dos seus problemas sozinha e fazendo um exemplo de alguém que não satisfazia suas expectativas. Segundo o arquivo de Fletcher, ela deixou quase tantos corpos em Ashland e arredores quanto eu. Nós éramos dois lados da mesma moeda.
Lorelei não precisava da minha proteção. Ela era perfeitamente capaz de cuidar de si mesma, e ela tinha Jack Corbin e uma série de guardas gigantes para ajudá-la a fazer isso. E não era como se eu precisasse ou até mesmo quisesse o grande pagamento que Mallory me ofereceu.
Ainda assim, quanto mais eu olhava para Lorelei, mais culpa ácida borbulhava dentro do meu peito, comendo os cacos enegrecidos do meu coração.
Por que, gostando ou não, tudo o que estava acontecendo com ela agora era parcialmente culpa minha.
Capítulo 16
Eu precisava de um tempo para pensar, então me levantei e me dirigi para a grande treliça que se arqueava sobre a entrada e a saída do jardim. Jo-Jo e Roslyn me observaram ir embora, com os rostos cheios de preocupação, mas acenei para elas, avisando que eu estava bem.
Deixei o Jardim das Rosas e caminhei por um dos caminhos de laje branca, admirando o contraste das folhas vermelhas, laranjas e amarelas contra a vibração tropical das flores abaixo. O jardim botânico incluía de tudo, desde um elaborado labirinto até um jardim de pedras, e eu poderia ter ido para outras áreas temáticas, mas em vez disso fiz um circuito lento ao redor do perímetro do Jardim das Rosas.
Essa pode ter sido minha primeira reunião oficial a uma festa no jardim, mas eu estava bem familiarizada com os caminhos sinuosos, já que eu tinha matado mais do que algumas pessoas aqui. O jardim botânico era um local popular para festas, especialmente na primavera e no verão, e eu me esgueirei pelas árvores e mergulhei nos arbustos mais de uma vez, esperando alguém chegar ao alcance da faca, para que eu pudesse apertar minha mão sobre sua boca, arrastá-lo de volta para a área verde e cortar sua garganta.
Enquanto andava, olhei para as sombras salientes e dançantes, lembrando-me de como era fácil deslizar de uma seção dos jardins para outra sem que ninguém suspeitasse de que eu as estava observando. Seria o lugar perfeito para Pike matar Lorelei.
Meus passos desaceleraram, meus olhos cortando para a esquerda e para a direita, enquanto eu considerava todas as maneiras pelas quais Pike podia se aproximar da sua irmã. Ah, ele não podia entrar no Jardim das Rosas em si, não sem chamar a atenção durante o evento, mas havia muitos lugares onde ele podia espionar o evento e depois erguer a arma e colocar uma bala no coração de Lorelei quando chegasse o momento certo. Ou, pior, observar enquanto uma bomba plantada finalmente explodia...
O meu nariz contraiu, e percebi que outro cheiro forte tinha se intrometido em todos os fortes perfumes florais: fumaça.
Parei e respirei fundo, me perguntando se tinha acabado de imaginar o cheiro. Uma respiração, duas respirações, três respirações, quatro... Eu puxei o ar profundamente em meus pulmões de novo e de novo, girando em um círculo lento, mas tudo que eu podia sentir era o cheiro das rosas, dos lírios e das outras flores lutando pelo domínio olfativo. Sem fumaça. Eu balancei a cabeça e comecei a andar de novo. Às vezes, meu senso de paranoia excessivamente desenvolvido me surpreendia...
Uma espiral cinzenta de fumaça flutuava para o ar à minha direita.
Olhei nessa direção, me perguntando se meus olhos e meu nariz estavam me enganando. Outra espiral de fumaça subiu, e o perfume rodou pelo meu nariz novamente, mais forte do que antes. Ergui minha saia e me apressei, procurando a fonte da fumaça.
Uma ponta de charuto ardia na grama.
Meu estômago se apertou, mas me forcei a examinar a área e pensar sobre as coisas. Ele deve ter dado uma última tragada no charuto antes de jogar o toco fora e sair do caminho. Vi uma pequena trilha de galhos quebrados e folhas caídas a alguns metros de distância, onde alguém deve ter passado pela fileira de arbustos. Um pouco de prata também brilhava na grama, então eu fui até lá, agachei-me e afastei as folhas do objeto.
Um único prego brilhava na terra preta, confirmando o que eu suspeitava e trazendo outro pensamento arrepiante com isso.
Raymond Pike estava aqui – e Jo-Jo e Roslyn ainda estavam na festa do jardim.
Fiquei de pé, virei e corri de volta pelo caminho por onde vim. Eu poderia ter seguido o rastro de Pike pelos arbustos, mas não havia como saber onde ele poderia ter ido e eu queria voltar para o jardim – e minhas amigas – o mais rápido possível.
Meus saltos agulha clicaram nas lajes, fazendo muito barulho, então eu pulei primeiro em um pé, depois no outro, até que eu pudesse arrancá-los e jogá-los nos arbustos. Levantei a saia do meu vestido e peguei uma das facas de silverstone amarradas nas minhas coxas. Ao contrário de Jo-Jo e Roslyn, eu não trouxe uma bolsa, e estava amaldiçoando essa decisão agora. Se eu tivesse trazido meu telefone, eu poderia ter ligado para minhas amigas para avisá-las.
A entrada principal do Jardim das Rosas se erguia à frente, outra treliça branca com rosas vermelho-sangue entrelaçadas no arco. Por mais que eu quisesse entrar no meio da festa e dizer a todos para fugir, forcei-me a diminuir a velocidade e a vasculhar meus arredores.
As garçonetes entravam e saíam pelo arco, saindo com bandejas vazias e voltando com coisas novas, e o murmúrio de conversas e risos flutuavam até mim. Todos os outros ainda estavam se divertindo na festa, o que significava que Pike não havia atacado.
Ainda.
Eu havia começado a deixar o caminho para poder caçá-lo quando um galho de árvore baixo se agarrou no meu chapéu preto, me puxando para trás. Amaldiçoei, estendi a mão, arranquei o chapéu idiota e o joguei de lado. O vento o pegou, levantando o chapéu no ar antes de deixá-lo cair em uma placa de bronze em forma de flecha que apontava na direção do jardim de pedras. Eu não poderia ter feito isso de propósito se eu tivesse tentado um milhão de vezes. Eu bufei, saí do caminho de lajes e passei pelos densos agrupamento dos arbustos de rododendros que cercavam o jardim.
Normalmente, não teria sido um problema para mim mover-me rápida e silenciosamente através da densa vegetação. Mas cada ramo parecia determinado a prender minha saia enorme, enquanto os galhos quebrados eram enfiados e apunhalados no fundo dos meus pés descalços. Eu não estava indo a lugar rápido o suficiente e soava como um touro enfurecido. Então eu levantei minha saia novamente e usei minha faca para cortar a crinolina por baixo. Uma vez que o tecido mais duro se foi, a saia caiu contra as minhas pernas, permitindo-me escorregar entre os galhos sem ficar presa. Eu também tirei minhas luvas de cetim preto e joguei-as nos arbustos para que eu pudesse segurar melhor a faca. Galhos ainda perfuravam meus pés descalços a cada passo, mas eu empurrei o desconforto para o fundo da minha mente. Eu estaria sofrendo muito mais– todos nós – se Pike tivesse sucesso com seu mais recente plano.
Com a faca na mão, eu me esgueirei pelas sombras, procurando por ele. A cada poucos metros, eu parei e cheirei o ar, mas entre as campinas do sul e as flores, havia muitos perfumes florais para eu detectar qualquer fumaça de charuto que pudesse estar agarrada a ele.
Finalmente, cheguei a um intervalo nos arbustos de rododendros que me deixavam espiar o Jardim das Rosas. A festa ainda estava acontecendo, e todos bebiam, fofocavam e se moviam de um grupo para o próximo. Jo-Jo e Roslyn estavam conversando com algumas mulheres que eu não reconhecia, enquanto Lorelei estava conversando com outro grupo.
Eu me agachei, examinando tudo e todos no jardim, e considerei o que eu sabia sobre Raymond Pike. Não muito, só que ele era um elemental de metal cruel e implacável que queria matar sua meia-irmã. Pensando melhor, o que mais eu realmente precisava saber?
Uma garçonete carregando um balde de champanhe de prata andou na frente do meu esconderijo. Meu olhar se fixou no balde e me perguntei se continha outra bomba. Mas a garçonete prontamente levou-a para a área do bar, tirou a garrafa e a abriu.
Minha preocupação permaneceu. Dada a bomba que Pike tinha plantado no Delta Queen, era inteiramente possível que ele fizesse a mesma coisa aqui. Eu fiz uma careta. Por que uma bomba, no entanto? Quando ele assassinou Smith no hotel, Pike provou que ele tinha magia mais do que suficiente para matar alguém cara a cara, dada a colher transformada em adaga que ele atirou para a garganta de Smith. Então, por que se dar ao trabalho de construir uma bomba e tentar matar Lorelei com ela no barco? Especialmente quando ele tinha um rifle sniper que poderia ter usado para explodir seu crânio?
A não ser que... ele realmente não queria matá-la?
Afinal de contas, a bomba tinha sido plantada no extremo oposto do assento de Lorelei na mesa de conferência. E Phillip e Silvio disseram que a explosão resultante parecia pequena. Então a bomba provavelmente teria me matado, desde que eu estava sentada mais próxima a ela, e talvez algumas outras pessoas. Mas Lorelei provavelmente teria escapado relativamente ilesa. Jack Corbin também.
Talvez... Pike não estava tentando matar sua irmã. Talvez... ele só queria assustá-la. Talvez... ele só queria que ela percebesse que ele estava em Ashland e vindo atrás dela. Talvez... ele queria torturá-la antes que ele finalmente avançasse para matar.
Não havia talvez sobre isso.
De todos os relatos, Raymond Pike tinha crescido para ser como seu pai. Mas Renaldo foi tirado dele, e ele passou anos procurando por Lorelei para que ele pudesse se vingar. Agora ele finalmente a encontrou. Não seria o suficiente para Pike simplesmente matar sua irmã. Ah não. Ele gostaria que ela sofresse primeiro, do jeito que ele sofreu durante todos esses anos.
E a melhor maneira de fazer Lorelei sofrer seria afastando a pessoa que ela mais amava: Mallory.
Examinei o jardim, procurando por Mallory. Ela estava sentada à sua mesa, tomando chá, cerca de nove metros longe da minha posição. Eu estudei os arbustos e árvores ao redor dela, mas eu não vi nada de suspeito. Nenhum galho se movendo para frente e para trás, nenhuma amostra brilhante de roupas espreitando através dos galhos, nenhum flash revelador de um conjunto de binóculos.
Talvez eu estivesse errada. Talvez Pike estivesse aqui para matar Lorelei depois de tudo...
Uma garçonete se separou da multidão e seguiu na direção de Mallory. Em vez de uma garrafa de champanhe ou uma bandeja de comida, ela segurava uma pequena caixa na mão. Minha respiração ficou presa na garganta.
— Aqui está, senhora — disse a garçonete, colocando a caixa na mesa em frente a anã. — Uma lembrancinha especial da festa só para você.
Ela balançou a cabeça para Mallory e depois voltou para o bar.
Então, Pike estava fazendo com que outra pessoa fizesse seu trabalho sujo, assim como fizera no Delta Queen. Eu me perguntei se ele pretendia que a garçonete sobrevivesse ao que ele havia planejado. Provavelmente não.
Mallory olhou para a caixa, mas ela não fez um movimento para realmente abri-la. A chamada lembrancinha era feito de quartzo rosa e parecia uma caixinha de joias extravagante. Mesmo daqui, eu podia ouvir os delicados murmúrios da pedra, cantando orgulhosamente de sua própria beleza.
Mas aqueles não eram os únicos murmúrios que eu podia ouvir.
Notas escuras e tortuosas de malícia e maldade também emanavam da pedra, me dizendo exatamente o que estava dentro dela: outra bomba.
Prendi a respiração, esperando que a bomba explodisse, mas Mallory continuava tomando o chá, a caixa estava inocentemente em cima da mesa. Eu exalei. Pike não ia detonar ainda. Por que não?
Olhei em volta e vi Lorelei do outro lado do jardim, de costas para Mallory. Era por isso. Pike gostaria que Lorelei realmente visse sua avó sendo explodida em pedaços. Eu não ficaria surpresa se ele ligasse para o telefone de Lorelei, dissesse a ela para se virar, e então boom!
Claro, eu pensei em correr para frente, pegar a caixa e atirá-la tão fundo e longe que eu pudesse nas árvores. Mas Pike poderia me reconhecer se eu me aproximasse de Mallory e tentasse pegar a caixa. De qualquer maneira, se ele explodisse a bomba, muitas pessoas aqui iam se machucar – ou pior.
Não, eu tinha que encontrar Pike e matá-lo antes que ele pudesse acionar a explosão. Então, circulei o jardim, passando de um arbusto ao outro o mais rápido e silenciosamente que pude, procurando seu esconderijo.
Trinta segundos depois, encontrei-o.
Ele estava encostado a uma árvore a cerca de quinze metros de distância de Mallory, olhando através da tela de folhas. Sua cabeça girou de um lado para o outro enquanto ele olhava para trás e para frente entre Lorelei e sua avó.
Minha faca ainda na minha mão, eu rastejei em direção a Pike. A única coisa boa sobre o meu vestido fofo e pés descalços era que eu não fazia nenhum barulho, enquanto me aproximava cada vez mais perto dele.
Pike mantinha sua postura relaxada, um telefone na mão. Ele estava vestido em um terno azul escuro, e a luz do sol entrando entre as árvores deixava seus cabelos negros tão brilhantes quanto as asas de um corvo. Um fotógrafo não conseguiria posicionar melhor Pike para exibir suas feições esculpidas e seu corpo musculoso. Um frio leve de magia de metal emanava dele, mas a sensação não me incomodou, já que parecia tão semelhante ao meu próprio poder de Pedra.
Pike se endireitou. Eu parei e fiquei tensa, pronta para jogar minha faca em sua garganta, assim como ele fez com Smith no hotel. Mas o risco era que ele ainda poderia ser capaz de acionar a bomba antes que ele morresse ou eu conseguisse tirar aquele telefone dele...
— Essa faca na sua mão é bem impressionante, — ele murmurou em uma voz fria e suave. — Silverstone é meu metal favorito.
Raymond Pike virou-se para olhar para mim. Eu girei minha faca em minha mão e dei um passo à frente para que ele pudesse me ver, aproximando-me dele. Eu não olhei para o telefone na mão dele – não olhei para longe dele– mas eu estava ciente disso o tempo todo.
— O meu também— eu respondi. — Especialmente quando eu estou matando as pessoas com isso.
Ele riu, seu rosto vincando em um sorriso largo. A maioria das pessoas teria achado a expressão encantadora, mas seus olhos permaneciam frios e a curva de seus lábios era mais sinistra do que sincera. Este não era o homem com quem brincar. Bem, eu também não era com quem se brincava.
— Eu não acho que nós fomos formalmente apresentados — ele disse com a mesma voz suave. — Eu sou Raymond Pike.
—Gin— eu respondi. — Como a bebida.
Ele arqueou as sobrancelhas. — Que pitoresco.
Ele cruzou os braços sobre o peito. Fiquei olhando para o rosto dele, embora estivesse pensando em distâncias e ângulos e em como poderia tirar aquele telefone dele.
O olhar azul de Pike passou por mim, absorvendo meu cabelo emaranhado, o vestido rasgado e os pés descalços sujos.
— Bem, você não é o epítome da feminilidade sulista — ele falou arrastado, seu tom culto fazendo até mesmo o insulto sarcástico soar elegante. — Uma verdadeira flor de perfeição neste belo jardim.
Sorri, mas meu sorriso era tão afiado quanto a faca na minha mão. — Abençoe seu coração. Que adorável elogio. Na verdade, não estou no meu melhor aspecto agora, mas espero que isso mude em um ou dois minutos.
— Sério? Como assim?
Meu sorriso aumentou. — Porque é quando eu vou descobrir como lavar seu sangue do meu vestido. O vermelho é realmente a minha melhor cor.
Ele riu, despreocupado com a minha ameaça. — Você tem confiança. Eu gosto disso. Isso sempre torna o jogo muito mais interessante.
— O jogo?
Ele assentiu. — Vida e morte. Aquele que pessoas como eu e você jogam com todos os fantoches e peões por aí.
— Bem, se esse é o seu jogo, então por que você não me explodiu no barco? — Perguntei, dando mais um passo. — Você teve muitas oportunidades. Sem mencionar o rifle sniper que você usou para disparar aqueles tiros contra mim.
Pike encolheu os ombros. — Você não era meu alvo. Além disso, eu estava curioso para ver o que você faria. A maioria das pessoas teria corrido gritando quando percebessem que havia uma bomba a bordo. Mas não você. Eu achei muito interessante. E divertido, observando seus esforços lamentáveis para salvar a todos, mesmo que isso lhe custasse a vida. E quase aconteceu. Sorte sua que seu amigo pulou no rio para te salvar. Ou você estaria tão morta quanto Lorelei estará muito, muito em breve.
— Oh, sim. Lorelei. Eu já ouvi falar de brigas de família antes e já participei de algumas, mas eu nunca quis matar minha própria irmã. O que ela fez para você?
A frieza à espreita por baixo da bela máscara em seu rosto subiu à superfície e se espalhou como gelo em sua pele. Seus olhos se estreitaram, suas narinas se alargaram e sua mandíbula se apertou. Naquele momento, havia uma completa e absoluta quietude nele, como uma cobra esperando para atacar. Eu poderia ter pensado que ele era uma estátua plantada nos jardins, se não fosse pelo ódio que queimava em seus olhos azuis.
— Meia-irmã— ele corrigiu naquela voz sempre suave. — Ela matou meu pai e, em vez de ter coragem de enfrentar o que fez, ela se escondeu. Ela deveria morrer apenas por isso.
— Mas há mais.
— Você está certa, há mais, — ele rosnou. — Depois da morte do meu pai, fui colocado em um orfanato. Um psiquiatra idiota disse que eu era um perigo para mim e para os outros. Eles me internaram no reformatório até os dezoito anos. Você pode imaginar o tipo de coisa que aconteceu comigo lá dentro.
Nada de bom. Ficar internado, submetido a misericórdia de outras pessoas ou a falta dela... isso teria distorcido Pike ainda mais do que seu pai já tinha feito.
— Lorelei é a culpada por tudo isso. Cada segundo que eu fiquei internado, toda vez que eu era espancado, todas as coisas ruins que aconteciam comigo lá dentro — ele continuou. — Levou anos para eu rastreá-la. Anos de becos sem saída e pistas falsas e ser levado em uma merda de perseguição. Mas agora eu a encontrei e pretendo terminar o que meu pai começou anos atrás. Por ele e especialmente por mim.
Memórias daquele dia encheram minha mente. A buzina no conversível de Sophia soando em advertência. Seu carro desmoronado ao redor daquela árvore, fumaça saindo do capô. Renaldo Pike caminhando em direção à cabana, usando sua magia de metal para arrancar todos os pregos das paredes e mandá-los disparando como balas. E então, tudo o que aconteceu depois que eu arrastei Lorelei para fora da cabana e entrei na floresta...
Eu pisquei, afastando as memórias. Raymond Pike estava errado sobre tantas coisas. Tanto quanto eu estava preocupada, seu pai tinha conseguido exatamente o que ele merecia. Mas é claro que Pike não via assim.
Eu balancei a cabeça. — Eu temo que seja tarde demais para isso. Você deveria ter matado Lorelei no barco. Você teria se livrado disso então. Mas não agora.
— Por quê? Porque você está aqui e vai me impedir? — Pike riu. — Não se iluda. Tudo o que você fez até agora é correr por aí, colocar o nariz onde não pertence, e tentar salvar as pessoas.
Ele levantou o telefone. Fiquei tensa, esperando que ele detonasse a bomba, mas tudo o que ele fez foi segurar a mão em seu coração, telefone e tudo, zombando de mim.
— Tem sido muito nobre da sua parte, embora — disse ele. — Mesmo que tudo isso tenha sido uma perda de tempo.
Aumentei o aperto na minha faca e deslizei para a frente outro passo. Mais três passos, e eu estaria perto de estripá-lo. — Essa é a diferença entre você e eu. Eu não acho que salvar pessoas seja uma perda de tempo. Mais como um tempo bem gasto.
Pike zombou, depois soltou a mão do coração e olhou para o telefone. Eu estava ficando sem tempo, então eu levantei minha faca, pronta para ataca-lo e conduzir a lâmina através de seu coração...
Uma força fria e dura pegou minha faca, como se uma mão invisível estivesse tirando meus dedos do punho. Antes que eu pudesse apertar novamente, a força puxou a faca completamente da minha mão e a enviou para Pike, que a segurou sem esforço do meio do ar
— Uma arma impressionante — ele murmurou, levantando-a na mão. — Leve, letal, perfeitamente equilibrada. Que tal eu devolvê-la?
Pike sorriu, esticou o braço para cima, e jogou a faca de volta para mim, apontando para a minha garganta, da mesma maneira que ele fez quando matou Smith. Não havia tempo para me abaixar, então joguei meu antebraço enquanto pegava minha magia de Pedra, endurecendo minha pele.
Eu não sabia se Pike usava sua magia de metal para dirigir a arma ou se ele era apenas um bom atirador, mas a faca bateu no meu antebraço, ponta primeiro, em um arremesso perfeito.
No alvo.
Eu não tinha trazido o suficiente da minha magia para bloquear completamente o golpe, e a faca cortou a pele, a lâmina se aprofundou nos tendões perto do meu cotovelo com um impacto duro e repugnante. Eu senti como se alguém tivesse espetado um atiçador gelado bem no meio do meu osso engraçado{10}. Ha-ha-ha-ha.
Eu cambaleei para trás, minha respiração escapando em um uivo de dor sibilante, enquanto sangue jorrava do meu braço e espalhava por todo o meu vestido. Como um bônus, uma pedra afiada enterrada sob uma pilha de folhas cortou meu pé esquerdo. Injúria e insulto.
Mas eu engoli meus gemidos, estendi a mão e arranquei minha própria faca do meu braço. O cheiro de cobre do meu sangue encheu meu nariz, dominando todos os doces perfumes florais. Eu apertei a lâmina, usando minha magia de Pedra para endurecer meu punho ao redor do cabo e me certificar de que a arma permanecesse ali.
Cada movimento, cada respiração, cada piscada dos meus olhos enviava mais e mais dor em espiral pelo meu corpo. Ainda assim, poderia ter sido pior. Se eu não tivesse usado a minha magia, a arma teria quebrado meu braço imediatamente. Se eu não tivesse levantado meu braço, a faca teria se alojado na minha garganta – e eu estaria no chão, sangrando.
Em vez de usar sua magia de metal para tirar a arma de mim novamente, Pike fez algo muito pior: ele levantou o telefone. A tela era grande o suficiente para eu ver um timer lá. Dois minutos e descendo.
— Desde que você parece gostar tanto de salvar as pessoas, eu estou te dando uma chance para fazer exatamente isso — ele ronronou. — Você tem duas escolhas. Você pode tentar me matar agora, ou você pode tentar parar minha bomba. Eu vou te dar uma dica. Esta bomba mais potência do que aquela no barco. Depende de você, heroína.
Uma onda de magia rolou dele, e o telefone se desintegrou em sua mão, com pedaços de plástico, vidro e metal caindo nas árvores e arbustos ao redor. Pike recuou, com as mãos na frente dele, pronto para me explodir com magia se eu fosse até ele.
Por um louco momento, pensei em ir atrás dele e acabar com isso aqui e agora. Mas ele estava certo – eu preferia salvar todo mundo do que tentar matá-lo. Além disso, ainda haveria suficiente tempo para isso depois.
— Diga a Lorelei que o irmão mais velho dela diz olá — ronronou Pike de novo, percebendo que ele tinha vencido essa rodada. — E que eu vou vê-la novamente em breve.
Ele balançou os dedos, em seguida, levou a mão aos lábios e soprou-me um beijo antes de desaparecer nas árvores. Bastardo presunçoso.
Mergulhei nos arbustos, abrindo caminho entre os galhos apertados e cambaleando para o meio do jardim.
Por um segundo, nada aconteceu. Então alguém me notou, minha faca e o sangue pingando em cima de mim.
— Cuidado! — Alguém gritou. — Ela tem uma faca!
Todos se viraram para olhar para mim. As senhoras da sociedade. As garçonetes. Jo-Jo, Roslyn, Lorelei e Mallory. Todas congelaram, e os únicos sons eram minha respiração rouca e o tilintar dos sinos do vento à distância.
Então o caos explodiu.
Todas gritaram e correram para longe de mim o mais rápido que puderam. Mas elas não chegaram longe; na pressa, as convidadas se bateram, agitando-se como pinos de boliche, levantando cadeiras, derrubando mesas e mandando todos aqueles belos conjuntos de chá para o chão. Uma mulher – Delilah – tropeçou e bateu no pódio, ficando inconsciente. Em um instante, a festa foi reduzida a uma bagunça gigantesca com temas de rosa e chá, com pratos quebrados, comida pisoteada e mobília virada no meio de todas as flores coloridas.
Não havia tempo para explicar, então eu empurrei as mulheres paradas entre mim e aquela caixa que ainda estava na frente de Mallory, que estava ficando de pé. Por algum golpe de sorte, a dela era a única mesa que permaneceu de pé e intocada durante a debandada. Eu só esperava que ficasse desse jeito. Se a caixa caísse no chão, se alguém acidentalmente a chutasse... eu não sabia o que poderia acionar a bomba além do cronômetro do celular, e eu não queria descobrir.
Com o canto do olho, vi Jo-Jo e Roslyn se movendo contra a multidão, tentando chegar até mim. Assim como Lorelei, embora ela estivesse indo em direção a Mallory. Mas eu estava mais perto da anã do que qualquer uma delas, então eu as afastei da mente e me concentrei na bomba.
— Mova-se! — Eu gritei, embora minha voz estivesse perdida entre os gritos. — Mova-se! Mova-se! Mova-se!
Empurrei algumas matronas de meia-idade para fora do meu caminho e cambaleei até a mesa. Mallory se afastou de mim, claramente se perguntando o que eu estava fazendo, mas eu só tinha olhos para a bomba. Mais mulheres passaram pela mesa, levando Mallory junto. Bom. Quanto mais longe ela estivesse, mais provável que ela sobrevivesse.
Assim como eu pensava, a bomba estava alojada dentro de uma caixa de joias feita de quartzo rosa pálido. Flores e trepadeiras rodopiavam pelos lados, enquanto um pequeno fecho de prata mantinha a tampa fechada. Teria sido muito bonita, se não fosse pela feia runa esculpida no topo.
Uma maça – a runa de Pike.
Quando meu olhar se fixou no símbolo, uma luz azul pálida se iluminou, ficando mais brilhante e brilhante e lentamente preenchendo as linhas da maça. Frio, duro poder vazou da caixa, construindo e construindo como uma onda se elevando. Pike deve ter revestido a caixa com sua magia de metal para tornar a explosão ainda mais poderosa, para fazer voar os pregos de dentro, atirando em todas as direções, para um efeito máximo.
Nenhum dano colateral desta vez – apenas destruição total.
Eu estava tentando manter um relógio mental correndo na minha cabeça, mas eu não sabia quão exata era a minha contagem. Eu pensei que tinha cerca de trinta segundos para fazer algo com a bomba –além de vê-la explodir e rasgar as pessoas em pedaços, inclusive eu.
O desespero me encheu. Meus olhos giraram para a esquerda e para a direita, mas não havia lugar para jogar a bomba. Mesmo se eu conseguisse encontrar uma área vazia, eu não conseguiria jogá-la longe o suficiente para manter todo mundo fora do alcance. A explosão ainda mataria pessoas, junto com o estilhaço resultante.
Vinte e cinco... vinte e quatro... vinte e três...
Lorelei chegou ao meu lado. Ela perdeu seu chapéu e um de seus saltos, mas sua boca estava com um traço determinado enquanto ela olhava para a bomba.
— Encante com sua magia de gelo! — Ela falou acima dos gritos. — O quanto você conseguir! Usarei minha magia de metal para evitar que exploda de imediato! Essa é a única maneira de conter a explosão!
Vinte... dezenove... dezoito...
Eu alcancei a caixa e envolvi minhas mãos em torno de um lado dela. Lorelei colocou as mãos no outro lado, e nós duas explodimos a caixa com a nossa magia.
Não havia tempo para sutileza e habilidade. Se a bomba explodisse, mataria a nós duas, independentemente do fato de que eu estava usando minha magia de Pedra para endurecer minha pele. Mas era melhor eu do que todas essas pessoas inocentes. Então eu criei uma camada de Gelo ao redor da caixa de joias, esperando que a força da minha magia não a fizesse detonar em minhas mãos.
E isso não aconteceu, graças à magia de metal de Lorelei.
A magia de metal de Pike começou a reagir ao meu poder de Gelo, e a caixa inteira tremeu, como se fosse explodir, mesmo que as linhas na runa de maça ainda não estivessem completamente preenchidas. Mas Lorelei enviou uma onda de sua magia de metal para o coração do símbolo, empurrando de volta contra o poder de Pike. Ela não parecia ser tão forte quanto seu irmão, mas sua magia foi o suficiente para diminuir a velocidade dele.
Quinze... quatorze... treze...
O quartzo rosa lamentou-se com o súbito e brutal ataque, mas afastei os gritos da pedra para fora da minha mente e enviei outra rodada de magia. Então outra, depois outra, como se eu estivesse embrulhando um presente de Natal, só que com Gelo elemental em vez de papel bonito. Lorelei trabalhava ao meu lado o tempo todo, segurando a magia de seu irmão o máximo que ela podia.
Na melhor das hipóteses, meu Gelo controlaria a explosão, e não seria pior do que uma bomba em um tubo que delinquente juvenil colocava em um vaso sanitário. Na pior das hipóteses, Raymond Pike tinha muito mais magia do que eu, e eu veria Fletcher em poucos segundos.
Dez... nove... oito...
Através de todas as minhas camadas de Gelo, a runa de maça de Pike queimava um azul ainda mais brilhante, todo o símbolo agora iluminado com seu poder de metal, indicando que a bomba estava prestes a explodir
Cinco... quatro... três...
— Jogue! — Lorelei gritou, afastando as mãos da caixa. — Jogue agora!
Peguei a caixa de joias revestida de Gelo, levantei minha mão e arremessei o mais forte e distante que pude. Não viajou tão longe, ficando presa em um galho de árvore atrás de uma das treliças...
BOOM!
Capítulo 17
A força da explosão me arremessou contra Lorelei e nos mandou para chão.
A árvore se desintegrou de suas raízes. O mesmo aconteceu com a treliça que estava na frente dela e todos os arbustos ao seu redor. Cinzas e brasas voavam como confetes, junto com folhas queimadas, pétalas enegrecidas e pedacinhos de casca queimando. Lorelei e eu éramos as mais próximas da explosão, e a fumaça queimava sobre nós, fazendo-me tossir. Estranhamente, a fumaça cheirava a rosas.
A explosão pareceu durar para sempre, embora não pudesse ter durado mais do que alguns segundos. Não sei quanto tempo passou antes de conseguir me levantar e cambalear para ficar de pé.
Eu oscilei para trás e para frente, meus ouvidos zumbiam por causa da explosão e minha cabeça rodando de um jeito que me disse que eu tinha outra concussão. Mas eu ainda estava inteirinha, e Lorelei e todas as outras também. Então eu me forcei a ignorar meus ferimentos e me concentrei nos danos.
Os restos ardentes da árvore estavam cheios de pregos, o tronco carbonizado eriçado como uma almofada de alfinetes. Eu meio que esperava que sangue saísse das perfurações, mas é claro que não fez. Ainda assim, um arrepio correu pela minha espinha. Isso poderia ter sido eu cravejada de pregos – ou, pior ainda, Jo-Jo e Roslyn.
Minhas amigas correram para mim, Jo-Jo, pegando sua magia Ar para curar meus ferimentos. Seus poderes se espalharam por mim da mesma maneira que minha magia de Gelo explodiu sobre a caixa de joias. Fiz uma careta diante da sensação de alfinetes e agulhas de sua magia varrendo meu corpo e costurando o que estava cortado, ensanguentado e machucado.
Olhei para Lorelei, que aos poucos estava se levantando. Ela tinha estado atrás de mim, então ela foi poupada do impacto da explosão. Tudo o que parecia ter feito foi derrubá-la e sujar seu vestido.
Lorelei me deu um olhar cauteloso, seu olhar demorando-se no corte ensanguentado em meu braço enquanto ele lentamente se curava. Quando ela percebeu que eu ainda estava inteira, ela correu para Mallory, que estava chamando seu nome.
Lorelei abraçou a avó com força, depois abaixou-se e começou a sussurrar em seu ouvido. O rosto de Mallory estava pálido, mas seus olhos azuis brilhavam com determinação. Assim como Lorelei.
— Agora, o que aconteceu? — Roslyn perguntou, olhando para elas da mesma maneira que eu estava.
Apesar da mágica de cura de Jo-Jo, minha cabeça ainda estava doendo, e não era da explosão da bomba ou da concussão resultante. — Eu não tenho ideia.
* * *
Naturalmente, todas as senhoras da sociedade em pânico chamaram a polícia, e a po-po apareceu cerca de dez minutos depois. Bria e Xavier eram os principais investigadores em cena, com oficiais uniformizados circulando pela multidão e tomando depoimentos de testemunhas. Ainda mais pessoas vestidas com equipamento antibomba varreram o Jardim das Rosas, em seguida, espalharam-se para as outras seções, procurando por mais dispositivos explosivos. Eu duvidava que eles encontrassem algum, no entanto. Pike só queria matar Mallory. Ele não teria se importado o suficiente com qualquer outra pessoa para fazer mais do que uma bomba.
Bria se aproximou de mim, enquanto Xavier se afastou para checar Roslyn. Minha irmã me abraçou com força, depois olhou para mim, seu olhar azul absorvendo o sangue, a fuligem e as cinzas que cobriam meu rosto, braços e o vestido rosa.
— Não é nada — eu disse. — Apenas um pouco de sujeira e fuligem. Jo-Jo já me curou.
A preocupação de Bria pareceu diminuir, mas só um pouquinho.
Ela se concentrou na árvore ainda fumegante e em todos os pregos brilhando no toco da árvore em ruínas. — Outra bomba.
—Sim. Cumprimentos de um Raymond Pike.
Eu contei a Bria sobre meu encontro com Pike. A única coisa que eu não mencionei foi como ele usou magia de metal para virar minha própria faca contra mim. Eu era a única que precisava saber desse fato preocupante. Fazia muito tempo desde que eu tinha enfrentado um elemental de metal, e estava com tanta pressa de matar Pike que não pensei que ele fosse capaz de neutralizar minhas facas, muito menos controlá-las.
Eu deveria ter lembrado, no entanto. Pike me ensinara uma lição dolorosa, uma que me sacudiu muito mais do que eu gostava. Minhas facas eram uma parte tão grande de quem e o que eu era que eu não sabia exatamente o que fazer sem elas. Como me proteger, como atacar, como vencer. Mas eu descobriria. Eu sempre fazia.
E então Raymond Pike morreria.
— Bem— Bria disse, cortando meus pensamentos sombrios, — eu deveria falar com Lorelei.
—Boa sorte com isso.
Minha irmã encolheu os ombros, mas era o seu trabalho, então ela dirigiu-se até Lorelei. Eu a segui, curiosa sobre o que a contrabandista poderia dizer ou não.
Lorelei e Mallory estavam sentadas na mesma mesa que ocupavam quando cheguei. Lorelei estava sussurrando para sua avó, mas parou de falar quando notou Bria se aproximando. Seu rosto estava inexpressivo e fechado. O mesmo acontecia com o de Mallory.
— Sra. Parker — disse Bria. — Srta. Parker. Eu gostaria de falar com vocês sobre o atentado a bomba. Minha irmã diz que vocês eram os alvos.
— Não faço ideia do que você está falando — disse Lorelei, conseguindo de algum modo olhar de cima para baixo para Bria, mesmo que ela estivesse sentada. — Eu não sei o que sua irmã acha que ela viu ou ouviu, mas minha avó e eu não sabemos nada sobre o atentado. Nós estávamos no lugar errado na hora errada. Certo, vovó?
Mallory assentiu.
Raiva surgiu através de mim. — Não seja idiota, Lorelei. Diga aos policiais sobre Raymond. Talvez você tenha sorte, e eles possam prendê-lo pelo bombardeio antes que ele ataque outra vez você e Mallory.
Lorelei encolheu os ombros. — Eu não sei do que você está falando.
Mallory olhou para trás e para frente entre eu e sua neta, mas ela não disse nada. E eu percebi que ela não faria. Lorelei também não.
— Você deveria me deixar ajudá-la, Srta. Parker— disse Bria. — É o que eu faço, e eu sou muito boa nisso.
Lorelei bufou. — A polícia? Ajudar-me? A polícia nunca me ajudou – e especialmente não ajudou a minha mãe. Ela pediu ajuda a polícia. Mais de uma vez. Mas você sabe o que eles fizeram?
Bria balançou a cabeça.
— Nada — Lorelei cuspiu. — Nenhuma maldita coisa, a não ser aceitar os subornos que meu pai distribuía para ignorar as contusões no rosto da minha mãe – e em mim também. Então me perdoe se eu não colocar muito confiança na polícia, especialmente na polícia de Ashland. Deixe-me te poupar algum tempo e energia. Nós não vimos nada, não ouvimos nada e não sabemos nada. Agora, se você nos der licença, minha avó precisa descansar.
Lorelei ajudou Mallory a se levantar, depois acenou para Jack Corbin, que estava em pé no jardim. Ele veio e pegou o braço de Mallory. A anã sorriu para ele e deu-lhe um tapinha na mão. Corbin tentou retribuir o sorriso, mas sua expressão era mais de tristeza, e ele olhou para a árvore arruinada. Seus olhos se arregalaram, e então ele molhou os lábios e rapidamente desviou o olhar do dano. Curioso.
Eles passaram por mim, e Mallory virou a cabeça para olhar para mim. Corbin estava olhando para frente, claramente querendo sair daqui o mais rápido possível, então ele não viu a boca dela dizer as palavras para mim.
Ajude-a. Por favor.
Mallory me encarou por mais um segundo, depois ela e Corbin passaram por mim e saíram do jardim.
— Tem certeza de que não sabe nada sobre o atentado? — Bria perguntou de novo, ainda tentando fazer com que Lorelei se abrisse.
— Tenho certeza. — Lorelei deu-lhe o mesmo sorriso falso que Mallory usara em mim e nas senhoras da sociedade. — Abençoe seu coração por perguntar, no entanto.
Bria reconheceu o insulto pelo que era, e ela deu a Lorelei um retorno ainda mais doce, mais suave e sorridente. — E abençoe seu coração por ser tão cooperativa e útil.
Os olhos de Lorelei se estreitaram, mas Bria apenas aumentou a potência em seu sorriso. Marque um ponto para minha irmãzinha.
Bria olhou Lorelei por mais alguns segundos, depois saiu para falar com a próxima testemunha. Ela não poderia fazer Lorelei falar se ela não quisesse.
Mas eu podia.
Lorelei começou a se afastar, mas eu segurei seu braço. Ela me afastou, mas eu agarrei-a novamente. Ela me sacudiu uma segunda vez, mas finalmente me encarou, cruzando os braços sobre o peito.
— Por que você não pode simplesmente me deixar em paz? — Ela retrucou.
— Porque seu meio-irmão em busca de vingança continua plantando bombas em lugares próximos a mim e meus amigos — eu retruquei de volta. — Isso me diz respeito. Eu posso ser uma assassina, mas eu não causo danos colaterais, e eu particularmente não gosto de ver pessoas inocentes quase serem explodidas só porque estão no lugar errado, com as pessoas erradas, na hora errada.
—Bem, você não precisa mais se preocupar com isso — retrucou Lorelei. — Eu disse que cuidaria de Raymond, e eu vou.
—Parece-me que Raymond vai cuidar de você primeiro. Você está mesmo fazendo alguma coisa para rastreá-lo?
Lorelei riu, mas era um som suave e feio. — Essa é a beleza dessa coisa toda. Eu não tenho que rastreá-lo. Eu não tenho que fazer nada. Ele vai me encontrar em breve, e eu vou estar pronta quando ele fizer isso. Conte com isso.
Sua voz continha uma promessa de veneno que eu conhecia muito bem. Suas mãos estavam cerradas em punhos, e o fogo ardia em seus olhos. Eu não sabia se a emoção estava direcionada para o irmão dela ou para mim. Provavelmente nós dois.
— Eu não posso acreditar que você está aqui, querendo me ajudar agora — ela rosnou. — Se não fosse por você e seus amigos, nada disso estaria acontecendo. Eu poderia ter continuado com a minha vida anos atrás, em vez de esperar que esse dia chegasse.
Desta vez, eu sabia exatamente do que ela estava falando. Suas palavras não estavam completamente corretas, mas elas tinham verdade suficiente nelas para me fazer vacilar.
— Isso não foi culpa minha. Você sabe que não foi. E, também não é nada disso.
Lorelei soltou outra risada ainda mais feia. — Bem, eu suponho que discutir sobre em quem colocar a culpa não faz muito sentido agora que Raymond finalmente me encontrou.
Mais daquela culpa ácida inundou meu coração, mastigando o que restava dele, mas eu não podia discutir com a lógica dela.
Ela me deu um olhar enojado. — Somente... fique fora do meu caminho. Ok? Pela primeira vez em sua vida miserável. Eu posso cuidar de Raymond.
— Claro, — eu cortei. — Antes ou depois que ele matar você e Mallory? Porque ele não vai parar até que as duas estejam mortas.
Lorelei não disse nada, mas a raiva, a dor e a culpa brotaram em seus olhos, ardendo como a árvore arruinada. Sua boca se apertou em uma linha dura e determinada.
Eu tomei fôlego e tentei refrear minha raiva. — Ouça, eu só quero ajudar...
—Esqueça isso. — Ela me cortou. — Eu não quero nem preciso da sua ajuda. Eu posso cuidar de mim mesma. Fique fora do meu caminho, ou vai se arrepender.
Lorelei me deu mais um olhar de nojo, depois saiu do jardim.
Capítulo 18
Um chuveiro quente e várias mensagens de voz preocupadas me aguardavam quando cheguei na casa de Fletcher. Todo mundo tinha ouvido falar da explosão, e Finn, Owen e Silvio ligaram para me checar – Finn querendo todos os detalhes suculentos, Owen certificando-se que eu estava bem, e Silvio me repreendendo porque eu não o levei junto.
Eu lidei com todas as suas dúvidas e preocupações, disse-lhes que queria ficar sozinha esta noite e fui para a cama, mesmo que tinha acabado de passar das seis. Adormeci quase imediatamente, mas quando os sonhos começaram, trazidos à tona por tudo o que acontecera nos últimos dias, eles se sentiram tão vívidos como se eu estivesse muito desperta...
Eu arrastei Lorelei pelo corredor, pela cozinha e pela porta dos fundos da cabana. Nós tropeçamos nos degraus, ambas nos esparramando na terra, mas eu continuei andando o tempo todo, puxando-a comigo o melhor e o mais rápido que pude.
Atrás de nós, mais e mais pregos saíram das paredes da cabana, das tábuas do assoalho, e até do teto, os projeteis afiados perfurando as janelas e jogando cacos de vidro sobre nós. Toda a estrutura de madeira gemeu, ameaçando entrar em colapso.
E então, com um único rangido sinistro, isso aconteceu.
Sem todos aqueles pregos para segurá-las no lugar, as paredes tombaram, puxando os suportes para baixo, e toda a cabana desabou como um castelo de cartas. Espessas nuvens de poeira subiram, enquanto pedaços de madeira se espalhavam pelo ar como flechas deformadas.
Eu levantei um braço para proteger a minha cabeça, ainda rastejando para frente e puxando Lorelei junto comigo, tentando nos livrar dos destroços. O que sobrou da cabana rapidamente se assentou, embora o pó resultante se transformasse em uma nuvem de tempestade acima de nossas cabeças. Eu soltei a mão de Lorelei. Ela se enrolou em uma bola, chorando, mas eu levantei, tossindo e tentando tirar a poeira dos meus pulmões.
No começo, eu não via nada além da cabana desmoronada, mas então uma figura emergiu da poeira. Renaldo Pike parou e olhou para a estrutura estilhaçada, sorrindo para a destruição que ele causou. Ele avistou Lorelei e eu. Seu sorriso cruel aumentou, e ele se dirigiu em nossa direção, girando a maça em sua mão.
—Não adianta. — Lorelei murmurou, olhando para o pai com olhos vazios. — Ele nos encontrará onde quer que formos. E então ele vai nos matar. Assim como ele matou minha mãe.
— Ele não vai nos matar! — Eu assobiei. — Tudo o que temos a fazer é fugir dele. Agora, vamos lá!
Eu agarrei seu braço, levantei-a e a puxei comigo para a floresta. Ela tropeçou atrás de mim, mal acompanhando, mas eu aumentei meu aperto em sua mão e acelerei meu ritmo, aumentando seus soluços. Sim, eu estava machucando ela, e me senti mal com isso, mas era melhor do que a alternativa. De jeito nenhum eu estava deixando algum elemental empunhando uma maça me matar. Renaldo já havia machucado Fletcher, Jo-Jo e Sophia – talvez até os matado - mas ele não iria nos pegar.
Examinei a floresta, tentando bolar um plano melhor do que simplesmente correr às cegas, mas tudo o que vi foram árvores e pedras - e mais árvores e pedras. Nada que pudesse me ajudar a retardar o monstro atrás de nós, muito menos pará-lo para sempre.
Com cada passo, a faca que eu peguei da cozinha subiu e desceu no bolso de trás do meu jeans. Eu poderia matar Renaldo com a arma. Eu fiz isso antes. Tudo o que eu tinha que fazer era me aproximar o suficiente para apunhalá-lo antes que ele percebesse o que estava acontecendo...
Eu pulei sobre uma raiz de árvore saindo da terra, mas Lorelei não a viu e prendeu o pé. Ela tropeçou, sua mão fria e trêmula se soltou do meu alcance e ela atingiu o chão com força. Corri de volta para ajudá-la a levantar.
A magia subiu pelo ar.
Eu me joguei no chão bem a tempo de evitar os pregos que passavam por cima da minha cabeça como um enxame de abelhas zangadas e depois mergulhei em uma árvore próxima.
Levantei de novo. Renaldo estava a dez metros atrás de nós, caminhando calmamente como se tivesse todo o tempo do mundo. Seus olhos ardiam em um azul ainda mais brilhante quando ele alcançou mais de sua magia de metal. Ele moveu sua mão, e os pregos incorporadas no tronco da árvore começaram a se libertar para outro ataque.
—Levante-se! Levante-se! — gritei para Lorelei, puxando-a para cima.
Ela tentou ficar de pé sozinha, mas caiu de volta, soluçando e apertando o pé. Ela deve ter torcido o tornozelo. Atrás dela, Renaldo continuava caminhando em nossa direção naquele ritmo lento e constante, seu sorriso afiado com intenção mortal. Ele queria matar a nós duas e ela não podia mais fugir. Só havia uma coisa a fazer.
Deixá-la para trás.
Continuei encarando Renaldo enquanto saía da clareira em que estávamos e dirigia-me para as árvores do lado.
Lorelei percebeu o que eu estava fazendo e arregalou os olhos de medo e pânico. — Não! Não vá! Não me deixe aqui com ele!
Eu ignorei seus apelo choroso, virei-me e desapareci nas árvores.
— Espere! Por favor! Volte! — Ela disse, sua voz se dissolvendo em um soluço abafado. — Por favor, não me deixe!
Meu coração se contorceu com suas palavras, mas eu sabia que estava fazendo a coisa certa.
Eu corri cerca de dez metros para a floresta, em seguida, cortei para a direita, circulando de volta. Claro, eu não a deixaria. Isso não foi o que Fletcher me ensinou a fazer. De modo algum.
O que ele me ensinou foi que era melhor enganar um inimigo poderoso, em vez de enfrentá-lo cara a cara. Tudo o que eu precisava era de alguns segundos de furtividade e surpresa, e eu poderia mergulhar minha faca nas costas de Renaldo. Então Lorelei e eu estaríamos a salvo. Eu não gostava de usá-la como isca, mas era a única maneira que eu conseguia pensar para nos salvar.
Então eu me esgueirei pela floresta, me forçando a olhar e ouvir, no caso de Renaldo ter descoberto o que eu estava fazendo e estivesse esperando por mim. Eu rastejei de volta para o local onde eu havia desaparecido nas árvores, mas o elemental de metal estava de costas para mim. Ele ficou de pé ao lado de sua filha, que estava encolhida de joelhos. Ele chutou um chumaço de sujeira direto em seu rosto, fazendo-a se encolher e engasgar com as pequenas pedras que cobriam suas bochechas e a poeira que enchia seu nariz e boca. Então ele começou a rodeá-la.
— Encolhendo-se e rastejando, assim como sua mãe — disse Renaldo com uma voz enojada. — Ela sempre foi fraca. Assim como você é.
Lorelei levantou a cabeça, raiva fazendo seus olhos azuis queimarem mais brilhantes do que os do seu pai. Ela conseguiu se levantar, embora mal pudesse se apoiar em seu tornozelo torcido. Mas ela levantou o queixo e se voltou para o pai. Naquele momento, ela não era fraca. Não mais. Nunca mais.
— Mamãe nunca fez nada de errado — ela cuspiu. — Você é o único que é um completo monstro. Sempre alegando que você a amava, apesar de tudo que você fez foi bater, gritar e tirar sarro dela. Ela odiava você, e eu também.
Renaldo parou de andar em círculos e riu, o som de zombaria baixo e maligno. — Bem, você vai se juntar a ela em breve.
Eu puxei a faca da cozinha do bolso de trás da minha calça jeans e saí para a clareira. Lorelei me viu, e seus olhos se arregalaram, percebendo que eu não a abandonara depois de tudo.
Ela se concentrou em seu pai novamente. — Sim, bem, eu prefiro estar morta do que ter que passar mais um miserável minuto com você e Raymond. Vocês dois acham que sua magia de metal os faz tão fortes, tão especiais. Mas tudo que vocês fazem é machucar as pessoas com isso. Você é repugnante, e ele também.
Renaldo zombou. — Você não tem magia de metal suficiente para falar. E aquele fraco poder de gelo que você herdou de sua mãe não é melhor. Você sempre teve ciúmes do poder de Raymond.
Ela bufou. — Com ciúmes? De Raymond? Por favor.
— Ele está aqui comigo — continuou Renaldo, como se ela não tivesse falado. — Lidando com as pessoas no carro. Certificando-se de que eles estão mortos. Aqueles que tolamente pensaram que poderiam tirar o que era meu. Eu castiguei sua mãe por sua insolência, por pensar que ela poderia se atrever a me deixar. E agora eu vou fazer o mesmo com você.
Renaldo girou a maça em sua mão, aumentando a força para um ataque poderoso e mortal.
Eu respirei fundo e me aproximei dele. Eu estava a vinte metros de distância e fechando rápido. Quatro metros... três... dois...
Eu levantei minha faca, pronta para mergulhar profundamente em suas costas. Eu só teria uma chance, e precisava acertar.
Os olhos de Lorelei voltaram para mim novamente, e o pai percebeu que ela estava olhando para alguma coisa atrás dele.
Renaldo se virou e segurou meu braço com a sua mão. Eu lutei com todas as minhas forças, tentando acertar a faca em seu corpo, mas ele era mais forte do que eu. Ele olhou para mim, completamente despreocupado com a lâmina que pairava a centímetros de seu coração. Então ele virou meu pulso direito, quebrando-o. Eu gritei, a faca escorregou dos meus dedos e bateu na terra.
Renaldo me deu outro olhar entediado, depois bateu a maça no meu corpo. O impacto foi ruim o suficiente, mas a verdadeira dor veio dos pregos da bola de metal que penetraram profundamente no meu ombro direito. Eu gritei, em seguida, gritei de novo, quando ele puxou a arma de volta, arrancando os espinhos dos meus músculos.
Eu caí no chão, ainda gritando. Cada parte do meu braço direito, do meu pulso quebrado ao ombro mutilado, queimava, pulsava e latejava de dor.
Renaldo recuou o pé para me chutar nas costelas, mas consegui rolar para fora do caminho, minha mão boa vasculhando o chão, tentando me puxar para fora do alcance dele. Cada movimento enviava mais agonia pelo meu ombro. Gritos de dor borbulharam dos meus lábios, e o suor escorria pelo meu rosto, as gotas espirravam meus olhos e aumentavam minha miséria. Náusea ferveu no meu estômago, e manchas cinzentas brilharam na frente dos meus olhos em alerta. Eu estava tão perto de desmaiar e, se isso acontecesse, eu estaria morta.
— Pare! Deixe-a em paz!
Lorelei pegou minha faca. Apesar do quanto ela estava cambaleando em seu tornozelo torcido, ela ainda atacou com a arma, tentando esfaquear seu pai até a morte. Mas Renaldo bloqueou seu golpe, então bateu no rosto dela, mandando-a para o chão. Seus gemidos de dor combinaram com os meus.
Renaldo se inclinou e pegou minha faca, virando-a de ponta a ponta na mão, antes de girar e jogá-la pela clareira. Thwack. A faca afundou em um tronco de árvore.
O desespero me encheu. Lá estava minha única arma e minha melhor chance de matá-lo...
Algo afiado apunhalou a minha palma direita, no centro da minha cicatriz de runa de aranha. Eu assobiei e levantei minha mão, para encontrar um prego saindo da minha pele. Eu cerrei meus dentes e arranquei-o, causando-me ainda mais dor, mas eu não o larguei. Renaldo usava pregos contra nós e eu ia fazer o mesmo com ele. Sim, um único prego não era bem uma arma, mas era tudo que eu tinha.
Deixei escapar um gemido fraco que não era realmente tão falso e continuei me arrastando pela sujeira, pedras e folhas.
Renaldo riu. — Fugindo? Acho que não. Ninguém foge de mim.
Seus passos soaram no chão, enquanto sua sombra se aproximava cada vez mais perto de mim no chão da floresta. Eu forcei a dor dos meus ferimentos e aumentei meu aperto no prego, esperando que ele ficasse ao alcance.
A mão de Renaldo apertou meu braço machucado, e ele me puxou para cima. Ele me virou e segurou sua maça contra o meu rosto, uma das pontas cavando na minha bochecha, perto do meu olho.
— Você deveria ser grata que eu vou te matar primeiro. Você não vai sofrer tanto quanto a minha filha.
Ele sorriu, então ergueu o braço para bater a maça no meu rosto.
Mas eu fui mais rápida.
Eu levantei minha mão e bati o prego na lateral do seu pescoço.
Era uma arma grosseira, mas a ponta era afiada o suficiente para cortar sua pele, assim como havia cortado a minha. Renaldo gritou, sangue saindo da ferida. Ele ficou tão surpreso que sua maça escorregou de sua mão, bateu no chão e rolou para longe.
Meus dedos estavam muito escorregadios de sangue para arrancar o prego do pescoço dele, então eu o empurrei para longe. Seus pés prenderam-se a outra raiz de uma árvore que saía do chão e ele caiu para trás.
Em cima de sua própria maça.
Renaldo gritou e arqueou as costas, como se pudesse empurrar os espinhos mortais de seu corpo, mas tudo o que ele fez foi afundar ainda mais em cima deles. Sangue borbulhava de seus lábios, e eu sabia que pelo menos um desses espinhos tinha atingido algo vital.
Bom.
Renaldo rolou para o lado, a bola de espinhos da maça cravada em suas costas. Seu olhar se fixou na sua filha e ele começou a rastejar em direção a ela, estendendo a mão. Lorelei se afastou do caminho, gritando o tempo todo.
Mas não havia mais necessidade de ter medo dele.
A mão de Renaldo caiu no chão, seu corpo ficou imóvel e sua cabeça pendeu para o lado, o brilho lustroso da morte escurecendo seus olhos...
Os gritos de Lorelei me tiraram do meu sono. Deitei na cama, ofegando por ar, meu pulso e ombro latejando, como se aqueles espinhos tivessem rasgado meus músculos há poucos instantes.
Eu soltei um suspiro longo e cansado e esfreguei minhas mãos sobre o meu rosto, como se isso fosse de alguma forma me livrar das terríveis lembranças – ou minha crescente culpa.
Raymond Pike queria matar Lorelei por assassinar seu pai. Essa era a única razão pela qual ele viera a Ashland.
Mas ele estava mirando na pessoa errada.
Lorelei não tinha feito nada para o pai deles. Fui eu quem matou Renaldo, e Lorelei sabia disso tão bem quanto eu. Então, por que ela não estava gritando a verdade? Por que ela não encontrou alguma maneira de deixar Raymond saber que foi eu quem matou o pai deles? Por que ela estava sentada e esperando que ele tentasse assassiná-la novamente por algo que ela nem fez?
Se ela realmente queria eliminar ameaças, como ela disse, então Lorelei deveria ter sussurrado no ouvido de Raymond que eu era quem ele realmente queria. Dessa forma, ela poderia ter matado dois pássaros com uma pedrada. Ela poderia ter deixado Raymond se vingar e se livrar de mim ao mesmo tempo.
Mas ela não tinha feito nada disso, e eu me perguntei por que.
Oh, os porquês. Eles me deixaram muitas noites sem dormir.
E esta não seria uma exceção.
Capítulo 19
Apesar de todas as perguntas em minha cabeça, consegui dormir um pouco. Eu ainda tinha um restaurante para comandar, então me levantei, tomei um banho e fui ao Pork Pit no horário na manhã seguinte.
Fiz a minha verificação habitual por armadilhas, sendo extremamente cautelosa no caso de Pike ter decidido me deixar um pequeno presente, como os que ele estava distribuindo para Lorelei por toda a cidade. Mas o restaurante estava limpo, então eu abri a porta da frente, entrei e comecei a cozinhar.
Os ritmos familiares de misturar, mexer, assar e fritar me acalmavam como sempre. O que eu adorava em cozinhar era que era previsível, confiável, seguro. Medir os ingredientes, seguir as instruções, colocar o forno na temperatura certa, e tudo sai bem. Pena que não havia uma receita para a vida e todas as suas complicações.
Então eu me joguei na minha rotina para tentar acalmar meus pensamentos perturbados. E funcionou. Na hora em que Sophia, Catalina e o resto dos garçons entraram, eu já tinha feito dois potes de molho de churrasco secreto de Fletcher, colocado os pãezinhos do dia no forno para assar e cortado os legumes para os hambúrgueres e outros sanduíches. Mas o mais importante, eu me senti muito mais calma, e tomei uma decisão importante.
Deixaria Lorelei Parker ao seu próprio destino.
Eu já tinha lhe salvado duas vezes de seu irmão e de suas bombas, e ela tinha sido uma ingrata a cada passo do caminho. Ela não queria a minha ajuda? Bem, isso estava muito bom e bacana para mim. Ela era uma chefe do submundo. Ela tinha magia de Gelo e metal. Ela poderia cuidar de si mesma. Além disso, não era meu problema. Sua rivalidade com seu irmão não tinha nada a ver comigo.
Mesmo que uma voz teimosa no fundo da minha mente continuasse insistindo que sim.
Voz estúpida. Cabeça estúpida. Tudo estúpido.
Silvio limpou a garganta, interrompendo meus pensamentos. Ele entrou com Catalina alguns minutos atrás e estava sentado em seu banquinho habitual, arrumando seu telefone e tablet no balcão. — É bom ver que você está realmente onde deveria estar. Para variar.
— Não me diga que você ainda está chateado porque eu não te levei para a festa no jardim ontem. Era apenas para mulheres, se você se lembrar.
Silvio bufou, deixando-me saber que ele ainda estava ofendido. — Não estou chateado por não poder comparecer ao evento . Eu acho esse tipo de atividade social bastante detestável. — Seu nariz se contraiu de desgosto. — É só que você não verificou comigo antes de ir.
— Então?
O vampiro me deu um olhar de censura. — Então, como posso ser seu assistente e realmente ajudá-la se não sei onde você está ou o que você está fazendo?
Eu suspirei. — Eu agradeço por querer ajudar, Silvio. Realmente eu faço. Mas você já deveria saber que eu sou mais do tipo faça-você-mesmo. Eu ainda não estou acostumada a ter um assistente, especialmente não como um... tão dedicado como você.
Essa era a minha maneira diplomática de dizer que o amor obsessivo de Silvio por listas, horários, planos e detalhes às vezes me deixava louca. Eu não sabia se algum dia me acostumaria a ter um assistente, mas não queria ferir seus sentimentos.
Meu pedido de desculpas pareceu satisfazer Silvio, que ligou seu tablet para a reunião da manhã. Pela primeira vez, eu ouvi cuidadosamente tudo o que ele disse, uma vez que quase tudo tinha a ver com Pike.
— Se ele está hospedado em um hotel em Ashland, ele está usando um pseudônimo — disse Silvio. — Mais provavelmente, ele alugou um apartamento ou uma casa com um nome falso. De qualquer forma, não há nenhum vestígio dele em qualquer lugar da cidade. Nenhum sinal em hotel, nenhuma cobrança de cartão de crédito, nada.
Eu bati meus dedos contra o balcão. Não era surpreendente. Pike me pareceu um tipo cuidadoso que não deixava nada ao acaso, especialmente a vingança que ele vinha planejando há tantos anos. O fato de eu ter estragado seus planos de machucar Lorelei e ele não ter me machucado seriamente era um tanto incrível. Eu só queria saber quanto tempo demoraria até que minha sorte acabasse.
Não, eu pensei. Minha sorte não ia acabar, porque isso não era problema meu. Lorelei queria que eu ficasse fora de seus negócios; bem, eu ia ceder aos seus desejos. Além disso, eu ainda tinha problemas suficientes para me preocupar com os outros chefes.
Ainda assim, isso não significava que eu não iria ficar de olho na situação. Afinal, eu estraguei os esquemas do Pike duas vezes agora. Não estava fora de questão a possibilidade que ele pudesse voltar sua atenção para mim depois de terminar com Lorelei.
— Continue procurando por Pike — eu disse a Silvio. — Se você encontrá-lo, não se aproxime dele. Ele é muito perigoso para isso. Apenas deixe-me saber onde ele está.
Ele fez uma anotação em seu tablet. — Eu também vou perguntar a Sra. Jamison, já que a organização dela foi a que localizava Harold Smith.
Eu assenti. Isso fazia sentido. Jade Jamison não apenas comandava homens e meninas, mas também possuía várias empresas de limpeza e serviços que forneciam trabalhadores para restaurantes, hotéis, prédios de apartamentos e mais em toda Ashland.
Enquanto Silvio mandava uma mensagem para Jade, atravessei o restaurante, virei a placa na porta para Aberto, e cumprimentei os primeiros clientes do dia.
A hora do almoço veio e foi sem problemas, a menos que você contasse Dimitri Barkov e Luiz Ramos entrando juntos no restaurante, sentando-se, e pedindo pratos de churrasco. Entre as mordidas, os gângsteres me encaravam, obviamente querendo que eu fosse até lá e conversasse com eles, mas meu olhar frio fez com que ficassem em seus lugares e se concentrassem em suas vitelas – por enquanto.
Os lábios de Silvio se curvaram em um sorriso pequeno e divertido. — Você nunca disse a eles quem estava ficando com as lavanderias.
— Bem, eles só terão que esperar até que eu esteja bem e pronta para decidir— eu retruquei. — Tenho certeza de que ouviram que tenho outros problemas agora.
Continuei cozinhando, limpando e recebendo o pagamento dos clientes. Na altura das duas horas e Owen e Finn apareceram no restaurante, eu me estabeleci em um humor suave.
— Como você está se sentindo? — Owen perguntou, dando-me uma lenta olhada para ter certeza de que eu estava realmente bem.
— Tudo bem, assim como eu te disse ontem à noite. Eu não estou nem mesmo dolorida pelo bombardeio, graças a Jo-Jo e sua magia de cura.
Owen assentiu, mas ele me conhecia muito bem para me deixar escapar com uma resposta tão simples e fácil. — E como você está se sentindo por dentro? — Ele perguntou em uma voz mais suave.
Eu dei-lhe um sorriso apertado. — Essas feridas sempre tendem a permanecer comigo.
—Eu pensei assim.
Owen deu a volta no balcão e me puxou em seus braços, apenas segurando-me por um segundo e me oferecendo o conforto que ele sabia que eu precisava. Ele baixou a cabeça na minha e nós compartilhamos um beijo longo e demorado que fez Finn fazer sons de engasgos. Então eu beijei Owen de novo, ainda mais profundo, apenas para irritá-lo.
— Por favor, Gin— Finn choramingou, apertando sua barriga lisa. — Pare de chupar o rosto do seu brinquedinho antes que eu perca o apetite.
— Bem, ouvi você dizer, que nem passar pelo esgoto faria o grande Finnegan Lane perder seu apetite.
Ele considerou minhas palavras, então se iluminou. — Você sabe que está certa. Eu sempre posso comer.
Finn pegou um cardápio e começou a analisar as opções, embora tivesse memorizado o menu há muito tempo.
Ele e Owen sentaram-se nos dois bancos mais próximos da caixa registradora, com Silvio sentado ao lado deles e pediram a comida. Um cheeseburguer com bacon para Owen, com rodelas de cebola e salada de batata, frango com barbacue e macarrão com queijo para Finn e sanduíche de salada de frango grelhado para Silvio, com alguns biscoitos de chocolate que eu tinha assado esta manhã.
Meus amigos conversaram uns com os outros e através do balcão comigo enquanto eu preparava as refeições. Eventualmente, Finn apontou com o polegar por cima do ombro para a cabine onde Dimitri e Luiz estavam sentados.
— O que há com os Super Gêmeos{11}? — Ele perguntou. — Eu pensei que eles se odiavam.
—Oh, eles provavelmente estão apenas desapontados que Pike não me explodiu em pedacinhos ontem. Eles vão superar isso.
Outro dos meus olhares frios fez com que Dimitri e Luiz pegassem maços de notas para pagar pela comida e passassem pela porta da frente. Boa viagem. Eu estava cansada deles e de seus lamentos. Especialmente quando havia uma ameaça muito mais perigosa em Ashland.
Esfreguei minha cabeça doendo. Por mais que eu tentasse parar de pensar em Lorelei, Pike e em todo o resto, minha mente continuava voltando a tudo que havia acontecido, nos últimos dias e tantos anos atrás.
Mas afastei esses pensamentos e concentrei-me em terminar a comida dos meus amigos. Eu tinha acabado de deslizar os pratos para eles quando a campainha da porta da frente soou, indicando que eu tinha um novo cliente.
Não fiquei tão surpresa quando Mallory Parker passou pela porta. Meus amigos olharam por cima dos ombros para a nova cliente, e Finn soltou um assobio baixo.
— Eu me pergunto o que ela quer— ele murmurou.
— Nada de bom— eu murmurei.
Mallory estava enfeitada com diamantes, assim como ela estava na festa no jardim, embora ela usasse um terninho azul hoje em vez de um vestido de babados. Ainda assim, ela estava muito bem vestida para um restaurante de churrasco, e todos a encararam, incluindo alguns bandidos de baixo nível que olharam suas joias com interesse óbvio.
Pelo menos, até perceberem que Sophia estava olhando para eles de trás do balcão com os braços cruzados sobre o peito, uma faca de açougueiro apertada na mão. A anã gótica apunhalou a faca na direção dos bandidos e depois na direção da porta. Eles não conseguiram sair da sua cabine rápido o suficiente. Sophia deu uma risadinha e voltou a trabalhar.
Catalina sentou Mallory e anotou seu pedido, antes de entregar a comanda para mim. A anã tinha pulado todos os itens do almoço e ido direto para a sobremesa, pedindo um pedaço de torta de maçã com uma cobertura de canela, sorvete de baunilha e uma deliciosa calda de caramelo caseiro.
Eu arrumei a torta, junto com o copo de leite que ela pediu, e levei para ela. Mallory acenou com a mão e eu deslizei para a cabine em frente a ela. Ela acenou para mim, depois estendeu a mão, arrastou o prato para mais perto e cavou a torta de maçã. Eu a observei comer em silêncio.
Mallory terminou metade de sua torta antes de pousar o garfo e afastar o prato. Ela suspirou satisfeita e delicadamente enxugou em seus lábios com um guardanapo de papel branco. — A torta é tão boa quanto eu me lembro. Vejo que você manteve a receita do Sr. Lane.
— Guardei todas as receitas dele. Você não mexe com os clássicos.
—Não, você faz. —Ela me fixou com um olhar de aço. — Você sabe por que estou aqui.
—Lorelei.
Ela assentiu. — Eu quero que você considere minha oferta. Dado tudo o que aconteceu ontem, não tivemos a chance de terminar nossa discussão.
—Você quer dizer que Pike detonando sua bomba? Isso estragou as festividades.
Mallory arqueou as finas sobrancelhas brancas. — Eu vejo que você tem o mesmo sarcasmo ruim que Lorelei.
Eu suspirei. — Olha, é legal você querer proteger sua neta. Eu até admiro você por isso. Mas eu não sou a pessoa para o trabalho. Você percebe que Lorelei é um dos mais temidos chefes do submundo de Ashland, certo? Ela é mais do que capaz de cuidar de si mesma.
— Claro, eu percebo isso. Ensinei-lhe tudo o que ela sabe. —Mallory acenou com a mão, mostrando seus anéis. — E eu certamente não recebi todos esses diamantes jogando limpo.
—Então, se Lorelei é tão capaz, por que me pedir ajuda?
Ela encolheu os ombros. — Nunca é demais ter um pouco de seguro extra.
Eu soltei uma risada. — Seguro? É isso que eu sou para você? Senhora, você precisa trabalhar em seu discurso de vendas.
Mallory me deu outro olhar severo. — Eu acho que você é a pessoa que tem a melhor chance de matar Raymond... depois de Lorelei, é claro, e eu sempre gosto de apoiar um vencedor. Além disso, você não está pensando sobre o quadro geral e o que eu posso fazer por você.
— Eu não preciso nem quero seus dez milhões de dólares.
Ela juntou as mãos. — Oh, querida, eu não estou falando de mero dinheiro.
—Então do que você está falando?
Ela deu aquele sorriso doce, astuto e perigoso dela. — Respeitabilidade.
— O que você quer dizer?
Mallory se inclinou para frente. — Você realmente quer passar o resto da sua vida na ponta dos pés em torno dos policiais e todos os outros na cidade? Apegando-se às sombras, mesmo sabendo que elas não podem mais te esconder? Mab Monroe nunca fez isso. Em vez disso, ela deixou todos – e eu quero dizer todo mundo – saber exatamente quão poderosa ela era. E todos a receberam de braços abertos, fossem os policiais, os criminosos ou a crème de la crème da sociedade de Ashland. Evidentemente, esse último grupo era muito estúpido para descobrir que Mab os mataria assim que olhasse para eles. Mas eles e todos os outros estavam com muito medo de não fazer exatamente o que ela queria quando ela queria algo feito.
— Então?
— Então você é o grande chefe agora. Aja como tal. —Mallory apertou a pequena mão em um punho apertado. — Assuma o controle, tome o poder e segure-o com um aperto de ferro, em vez de deixar que os outros ditem o quanto disso você tem.
Ela não estava errada. Na verdade, ela estava certa demais – sobre tudo. Não que eu admitiria isso para ela, no entanto. Eu poderia ser o grande chefe agora, mas era apenas no nome, e meu aperto na coroa era tênue na melhor das hipóteses, assim como Lorelei dissera nos jardins.
— Bem, Gin? — Perguntou Mallory. — O que você diz?
—Você realmente acha que pode fazer tudo isso? — Eu perguntei, cruzando os braços sobre o peito e me recostando contra a cabine. — Apenas um aceno de sua mão e fazer com que as pessoas me recebam de braços abertos, não importa o quanto esnobes elas sejam.
Ela me deu um sorriso fino. — Claro que eu posso. É um dos privilégios de fazer parte da rica velha guarda – decidir quem é convidado para a festa. Confie em mim. Eu posso fazer isso acontecer.
Eu sufoquei um gemido. Então não só eu teria os outros chefes para lutar, mas eu também seria a alta sociedade de Ashland. Fale sobre algo que eu nunca, nunca quis para mim mesma.
— Perdoe-me se eu achar isso difícil de acreditar, dado o seu próprio passado criminoso. Sem mencionar os empreendimentos atuais e pouco legítimos de sua neta.
— Bah. Eu estou aqui há tanto tempo que ninguém se lembra de como eu comecei ou de onde meu dinheiro veio. Ou, se eles se lembram, eles são espertos o suficiente para manterem suas bocas fechadas sobre contrabandear armas de fogo, uísque e tudo o mais que eu poderia fazer para ganhar dinheiro, — ela disse, seu tom caipira se tornando mais pronunciado quanto mais ela falava. — Além disso, não é como se as mãos deles fossem mais limpas do que as minhas. Basta pensar nisso, Gin. Você pode ser poderosa, temida e legítima. No final, eu diria que é melhor do que ganhar na loteria.
Ela manteve aquele sorriso doce e sereno em seu rosto, pensando que eu veria a sabedoria de sua oferta...cedo ou tarde. Sim. Isso seria mais tarde – muito mais tarde. Tipo nunca.
— Sua proposta generosa de lado, Lorelei deixou bem claro que ela não quer minha ajuda. — Dei de ombros. — Isso resolve o assunto, tanto quanto eu estou preocupada. Se ela quer ir de igual para igual com seu irmão, então mais poder para ela.
Mallory balançou a cabeça. — Você não entende o quão perigoso Raymond é...
—Eu entendo perfeitamente — eu retruquei. — Algumas noites atrás, eu o vi assassinar um homem usando nada mais do que uma colher e um pouquinho de sua magia de metal, e ele quase me matou duas vezes agora com suas bombas. Acredite em mim, estou bem familiarizada com quão perigoso ele é. E você jogar a carta do perigo e pedir para me arriscar por Lorelei ainda não está vendendo isso para mim.
A mandíbula de Mallory se apertou, e ela se inclinou para frente novamente. — E você também está bem familiarizada com o fato de que ele está atacando a mulher errada. Isso vende para você, Sra. Blanco?
Ela tinha jogado o seu trunfo, e nós duas sabíamos disso. Ela esperou, esperando que algum tipo de emoção passasse pelo meu rosto. Culpa, provavelmente. Sim, mais do que um pouco disso se agitou no meu estômago, mas eu mantive meus traços frios e duros e a encarei.
Mallory percebeu que eu não ia desistir, e ela apenas... esvaziou. Ela abaixou a cabeça, os ombros caídos, e todo o seu corpo parecia se encolher. Até mesmo a nuvem branca e fofa de seu cabelo parecia inclinar-se. De repente, ela pareceu ter cada um dos seus trezentos e alguns anos. Ainda assim, ela tentou mais uma vez me convencer.
— Não há nada que eu possa fazer ou dizer para fazê-la mudar de ideia? — Ela perguntou com uma voz suave e quase trêmula.
— Sinto muito, mas não.
Por um momento, lágrimas brilhavam em seus olhos, mas ela piscou de volta. — Então sinto muito também.
Mallory colocou a mão na bolsa, tirou algumas notas e as jogou na mesa. Ela saiu da cabine, levantou-se e saiu do restaurante. Eu pensei que ela poderia bater a porta atrás dela, mas ela a abriu e fechou tão suavemente que a campainha fez apenas um sussurro com a passagem dela.
Eu a observei andando pela calçada, seu rosto pálido e abatido, seu corpo parecendo mais curvado e frágil do que nunca. Talvez fosse cínico, mas me perguntei se toda a rotina da velha ferida era apenas um ato para me enganar. Mas o ritmo e a postura de Mallory não mudaram quando ela dobrou a esquina e desapareceu.
Suspirei. Eu fiz a coisa certa dizendo a ela que não. Eu sabia que tinha.
Então, por que me senti tão culpada?
Capítulo 20
Esperei até que Mallory desaparecesse, depois saí da cabine, peguei seus pratos sujos e voltei para onde Owen, Finn e Silvio estavam sentados no balcão.
— Isso não parece ter corrido bem — disse Owen.
Eu joguei o restante da torta de maçã em uma lata de lixo atrás do balcão, junto com o leite. — Ela ainda quer que eu ajude Lorelei. Eu disse a ela que não.
Owen assentiu, mas seu olhar violeta nunca saiu do meu rosto. Eu segurei minha máscara em branco, não querendo que ele ou qualquer outra pessoa visse meu tumulto interior. Porque não importa o quanto eu tentasse, não pude evitar sentir que estava abandonando Lorelei para a própria morte nas mãos de Pike. Fugindo, assim como eu fiz naquele dia na floresta, só que desta vez sem planos de voltar para tentar salvá-la.
Fletcher teria ficado tão desapontado comigo.
— Uh-oh — disse Finn. — Eu conheço esse olhar.
— Que olhar?
— O olhar que diz que você está se sentindo culpada por ter recusado Mallory, mesmo que você tenha todo o direito. — Os olhos verdes de Finn se estreitaram. — Por que você se sente tão responsável por Lorelei Parker de repente?
— Eu não. Não mais.
Ele franziu a testa. — Não mais? O que isso significa?
Eu balancei minha cabeça. Fletcher e eu nunca dissemos a Finn o que aconteceu naquele fim de semana que ele tinha saído, e eu não ia contar agora. Não quando eu ainda estava tentando descobrir como me sentia sobre as coisas.
— Esqueça isso — eu murmurei. — Não importa. Lorelei não quer minha ajuda e tenho muitas outras coisas para me preocupar. Além disso, deixe alguém enfrentar o elemental perigoso para variar. Eu estou fora, e é isso.
Owen, Finn e Silvio olharam um para o outro.
— Se é assim que você se sente, então é claro que vamos apoiar você — disse Silvio. — É uma decisão sábia. Não há necessidade de se colocar em risco. Especialmente não agora.
— O que você quer dizer?
Silvio levantou o telefone. — Dimitri e Luiz aparentemente não gostaram muito do almoço. Eles estão espalhando rumores bastante desagradáveis sobre como você tentou matá-los no barco. Acrescente o que aconteceu nos jardins botânicos ontem, e, bem, alguns dos chefes estão questionando suas intenções novamente.
Eu massageei minhas têmporas. Não havia aspirina suficiente no mundo para todas as dores de cabeça que o submundo de Ashland me causava. Eu nunca pensei em mim como uma masoquista antes, mas devo ser lá no fundo. Essa foi a única razão pela qual eu poderia pensar em por que as coisas só iam ficando cada vez piores, não importa o quanto eu tentasse fazê-las melhor.
— O que você sugere? — Eu perguntei.
Sílvio encolheu os ombros. — Você terá que marcar outra reunião com Dimitri e Luiz e decidir quem vai lavar as lavanderias. Tranquilize-os, alivie seus medos, coisas assim. Essa é a única maneira de acalmar os rumores. Por agora.
Suspirei, sabendo que fui superada. — Tudo bem. Ligue para o pessoal deles e organize tudo.
—Você tem certeza, Gin? — perguntou Owen. — Você quer se concentrar nisso em vez de Lorelei?
Eu balancei a cabeça novamente, mais enfaticamente desta vez, apesar do fato de que isso aumentou as dores em minhas têmporas. — Lorelei é uma garota grande. Ela pode cuidar de si mesma. Eu tenho dores de cabeça suficientes agora.
* * *
Owen e Finn saíram para voltar para seus respectivos escritórios, enquanto Silvio foi até uma cabine para começar a fazer as ligações. O resto do dia passou calmamente. Ninguém tentou me matar, e nenhum mafioso entrou no Pork Pit para comer e olhar para mim. Fiquei agradecida por ter sido um dia relativamente lento.
Bria e Xavier pararam por volta das cinco para jantar, mas não tinham nada de novo para relatar sobre o bombardeio da festa no jardim. A garçonete que deu a caixa de joias a Mallory não fazia ideia de que havia uma bomba lá dentro. Pike se aproximou dela do lado de fora do Jardim das Rosas e disse que ele tinha uma entrega especial para Mallory, que era tudo o que a garçonete sabia.
A po-po estava procurando por Pike, mas Bria disse que não havia sinal dele. A tensão em sua voz me disse que ela não esperava que os policiais o encontrassem também. Pike era esperto o suficiente para construir bombas com sua magia de metal. Usar uma identidade falsa e evitar a polícia seria brincadeira de criança. Além disso, não era como se qualquer um dos policiais, além de Bria e Xavier, realmente procurasse por ele. Não sem algum incentivo financeiro.
Depois que Bria e Xavier saíram, fechei o restaurante mais cedo e mandei o pessoal para casa, juntamente com Sophia e Catalina. Também enviei Silvio em casa, apesar de seus protestos de que ele deveria ficar do meu lado diante da possibilidade de que alguém visse Pike.
Desliguei os aparelhos, guardei todos os alimentos extras e passei uma hora lavando pratos, limpando mesas e arrumando as coisas para deixar o restaurante pronto para abrir novamente pela manhã. Normalmente, os movimentos familiares marcariam o fim de outro dia atarefado e um tempo silencioso para descansar, relaxar e recarregar.
Não esta noite.
Porque eu ainda não conseguia parar de pensar em Lorelei.
Eu terminei minhas tarefas, saí do restaurante e caminhei até o meu carro a alguns quarteirões de distância, o verifiquei a procura de armadilhas e bombas. Mas não havia explosivos no veículo, por isso entrei e dirigi a casa.
Examinei a mata, o quintal e todas as portas e janelas, mas ninguém estivera perto da casa durante o dia. Bom. Eu não sentia vontade de lidar com qualquer candidato a assassino hoje à noite. Ou, pior ainda, algum mafioso que queria se lamentar comigo pessoalmente sobre alguma coisa.
Eu entrei, tirei minhas botas e fui para a cozinha. Eu não sentia vontade de fazer algo complicado, então montei uma salada Southwestern de frango assado desfiado, feijões pretos, tomates em cubos e outros legumes, junto com várias fatias do pão de fermento de Sophia, tostadas e cobertas com parmesão derretido e queijo muçarela. Um copo de suco de amora e alguns biscoitos de chocolate completaram minha refeição. Os biscoitos de chocolate sempre fazem tudo ficar melhor.
Eu coloquei minha comida em uma bandeja e levei-a para o escritório, determinada a desfrutar do meu jantar. Coloquei minha bandeja na mesa de café e organizei tudo do jeito que eu gostava. Suco e talheres à direita, salada no meio, torradas e biscoitos à esquerda, guardanapo enrolado no meu colo. Em seguida, inclinei para pegar o controle remoto.
O rosto de Lorelei Parker olhou para mim.
Eu tinha esquecido que tinha deixado a foto dela e o arquivo de Fletcher na mesa quando cheguei em casa depois da festa no jardim ontem. Minha mão pairou no ar acima do rosto machucado de Lorelei.
— Você de novo — eu murmurei.
Afastei a foto com o dedo indicador, peguei o controle remoto e liguei a TV. Eu encontrei um dos meus filmes favoritos de super-heróis e me acomodei para assistir a todas as suas ousadas aventuras, enquanto eu comia.
No entanto, continuei olhando para aquela foto de Lorelei.
Ela parecia tão jovem na foto, tão ferida, vulnerável, assustada. Mas ela não era a mesma pessoa, a mesma garota inocente que ela era naquela época, tanto quanto eu era. Lorelei havia conseguido sua escalada através das fileiras do submundo, e ela permaneceu ali sendo fria, dura e implacável. Assim como eu me tornei uma assassina e sobrevivi da mesma maneira. Lorelei e eu havíamos matado nosso quinhão de pessoas por dinheiro, vingança, sobrevivência e muito mais. Nesse ponto, nós éramos quase imagens espelhadas uma da outra.
Mães assassinadas. Confere. Mentores criminosos. Confere. Ambas criminosas. Confere e confere.
Lorelei não precisava da minha ajuda mais do que eu precisava da dela para resolver meus problemas. Eu deveria ficar com o que eu disse a Mallory e aos rapazes no Pork Pit. Eu deveria ficar longe das coisas e deixar Lorelei e Raymond resolverem suas rixas familiares sozinhos.
Mas eu seria amaldiçoada se eu pudesse fazer isso.
Eu nunca neguei todas as coisas ruins que eu tinha feito, e eu especialmente nunca deixei outra pessoa leva a culpa por elas. Fletcher me ensinou melhor que isso. Mas é exatamente o que eu estaria fazendo se não tentasse ao menos ajudar Lorelei, se a deixasse à mercê de seu irmão, quando eu era a pessoa que ele deveria estar procurando.
Eu olhei para aquela foto de Lorelei pela última vez. Depois, peguei meus pratos sujos, levei-os para a cozinha e coloquei-os na pia. Eu teria que lavá-los mais tarde.
Agora, eu tinha um homem de metal para encontrar e matar.
Capítulo 21
Subi as escadas, tirei minhas roupas e coloquei meu equipamento para passar a noite. Botas pretas, jeans pretos, e uma camiseta preta de mangas compridas com um colete preto forrado com silverstone.
Vestir o colete era um risco calculado, mas eu esperava que absorvesse qualquer magia que Pike jogasse em mim, em vez de dar a ele uma ferramenta para sua magia de metal. Eu deixei meu anel com a runa de aranha de silverstone no meu dedo indicador direito e o colar correspondente em volta da minha garganta. Mais riscos, mas eu não sabia quanto poder bruto Pike poderia ter, e seria melhor ter as reservas de magia Gelo e Pedra armazenadas em minhas joias do que não ter.
Então veio a questão mais importante: usar ou não minhas facas.
Eu segurei uma das lâminas. O silverstone cintilou sob as luzes, com minha runa estampada no punho quase parecendo uma aranha real empoleirada no metal. Pike já havia demonstrado que poderia me desarmar, mas decidi levar meu conjunto habitual de facas de qualquer maneira. Eu só teria que matá-lo antes que ele conseguisse usar sua magia nas minhas armas. Simples assim.
Eu arrumei mais algumas coisas que poderia precisar, então saí.
Bria, Xavier e os policiais não conseguiram encontrar Pike, e nem Finn ou Silvio, mas eu sabia exatamente onde ele estaria: onde quer que Lorelei estivesse.
Então, fui até a mansão de Lorelei em Northtown. Estacionei a cerca de um quilômetro de distância do limite de sua propriedade, que dava contra o rio Aneirin, não muito longe da propriedade de Salina Dubois, que eu tive a infelicidade de visitar no começo do ano. Eu só esperava que as coisas saíssem melhor do que naquela época.
Fletcher incluiu várias fotos da propriedade de Lorelei e Mallory em seu arquivo, e eu estudei as imagens antes de sair de casa. Tal como acontece com a maioria das mansões de Northtown, grossas árvores separam a sua casa do vizinho mais próximo, dando a ilusão de privacidade – e muitos lugares para um assassino se esconder.
Uma lua cheia brilhava no céu, junto com um cobertor brilhante de estrelas, me dando luz suficiente para andar através do bosque. Ainda bem, pois não me atrevia a usar uma lanterna. Se Pike estivesse aqui fora, eu queria pegá-lo de surpresa, o que significava que não podia haver luzes nem barulho de nenhum tipo.
Cheguei à borda da linha das árvores e me agachei atrás de um grande bordo. Puxei um par de óculos de visão noturna para fora da minha mochila preta, levantei-os até os olhos e examinei a propriedade.
A mansão era modesta pelos padrões de Northtown, três andares espalhados com cerca de trinta quartos no total. Havia uma piscina no lado direito da casa, junto com um impressionante jardim cheio de fontes e comedouros de pássaros. Cadeiras grossas e acolchoadas, sombreadas por guarda-sóis, estavam dispostas em um pátio de pedra. Eu poderia facilmente imaginar Mallory sentada do lado de fora e observando as flores e os pássaros por horas a fio.
Para minha surpresa, Lorelei não tinha tantos guardas gigantes patrulhando o perímetro. Eu só vi três fazendo um circuito lento ao redor da casa, entrando e saindo das luzes douradas lançadas pelas inúmeras luzes montadas no exterior da mansão. Como Pike estava procurando por ela, eu pensei que ela teria pelo menos uma dúzia de homens no local, se não mais. Ou talvez ela realmente pensasse que poderia cuidar de Pike sozinha. Se fosse esse o caso, eu admirava a confiança dela, mesmo que fosse mais provável que ela fosse morta.
Uma vez que eu examinei a área, guardei os óculos de visão noturna e tirei um par de binóculos, mirando-os na mansão. Algumas das janelas estavam cobertas com cortinas de renda, mas parecia que todas as luzes da casa estavam acesas. Eu me perguntei se isso era porque Lorelei queria ver seu irmão chegando.
Eu movi meus binóculos de um lado para o outro, olhando para todas as portas e janelas, até que vi Lorelei sentada em uma mesa na biblioteca no primeiro andar. Ela estendeu a mão, e uma luz pálida piscou na ponta dos seus dedos. Um segundo depois, a luz desapareceu, deixando para trás um pedaço retangular de Gelo elemental em sua mão. Ela estudou por um momento, depois pegou seu poder novamente, criando outra peça de Gelo, esta com a forma de um cilindro curto.
Depois outro, então outro.
Eu assisti enquanto ela criava e reunia todos os pedaços estranhos de Gelo, como se ela estava montando um quebra-cabeça. Mas o resultado final foi muito mais interessante do que uma bela imagem.
Era uma arma.
Parecia um pequeno revólver, mas era feito inteiramente de Gelo elemental, incluindo a única bala que ela criou e depois carregou. Uma arma de Gelo... isso deve ter sido o que eu vi brilhando em sua bolsa na festa no jardim. Também explicaria o frio que irradiava da bolsa dela.
Impressionante. Eu ouvi falar de tais armas, mas eu nunca vi uma sendo feita antes, e eu certamente não tinha a habilidade de fazer algo assim. Uma adaga de Gelo era o mais complicado que eu já fiz. Lorelei pode não ter tanta magia bruta quanto eu, mas ela mais do que compensava com a sua sutileza. Talvez ela estivesse melhor preparada do que eu pensava. Talvez ela estivesse ainda melhor preparada do que eu. Pelo menos ela não estava carregando armas de metal que poderiam ser usadas contra ela.
Eu examinei as outras salas, mas não vi Mallory. Ela deve estar em algum lugar mais profundo da mansão. Ela não deixaria Lorelei enquanto Pike estivesse vivo.
Até agora, seu irmão estava jogando com ela. Como ele falhou em suas tentativas anteriores, faria sentido que Pike viesse aqui e terminasse o que ele havia começado tentando matar Lorelei. Eu estava contando com isso, e parecia que ela também estava.
Desde que a mansão estava segura, eu troquei para os meus óculos de visão noturna e examinei a mata ao meu redor novamente, mas eu não vi ou ouvi nada incomum. Apenas o farfalhar do vento dançando através dos galhos, o bzz-bzz-bzz de alguns insetos zumbindo desafiadoramente contra o crescente frio, e os pios de uma coruja escondida em uma árvore.
Então eu deixei meu esconderijo e fiz uma varredura do perímetro, mantendo um olho nos guardas que patrulhavam a mansão e o outro em meu entorno, apenas no caso de Pike ter entrado na floresta sem que eu o visse. Eu estendi a mão para minha magia de Pedra, ouvindo os sussurros das rochas escondidas sob folhas marrons e quebradiças, mas elas só refletiam minha própria tensão pelo que poderia acontecer esta noite.
Eu completei o circuito e estava prestes a voltar ao meu esconderijo inicial, quando um ramo se partiu à minha esquerda. Mas o que era ainda mais interessante foi a leve maldição que se seguiu.
Eu franzi a testa. Com certeza Pike não seria tão desleixado, mas talvez o terreno o tivesse atrapalhado. De qualquer maneira, eu ia tirar proveito de seu erro, então eu espalmei uma faca e segui naquela direção. Talvez essa seria uma noite terminaria mais cedo e mais fácil do que eu pensava.
Eu me esgueirei pelas árvores como um fantasma, tomando cuidado com onde eu pisava de modo que eu não me entregaria como Pike. Quando eu estava perto de onde o estalo revelador tinha vindo, parei e me agachei, olhando, ouvindo e esperando Pike se mover e cometer outro erro.
Um minuto se passou, depois dois, então três.
Eu não ouvi mais estalos ou xingamentos. Pike deve ter finalmente percebido que seria melhor ficar quieto.
Examinando a floresta, avistei uma sombra se movendo à esquerda, aproximando-me cada vez mais da minha localização. Minha carranca se aprofundou. Como ele poderia saber onde eu estava? Eu estava vestindo preto da cabeça aos pés e permanecendo perfeitamente imóvel. Eu deveria ter sido apenas mais um pouco de escuridão para ele.
Mas a sombra continuava se aproximando, lentamente se tornando uma figura distinta e familiar – um homem alto e musculoso.
Suspirei, me levantei, me inclinei contra a árvore mais próxima e coloquei minha faca de volta na minha manga. Eu esperei até que a sombra tivesse passado por mim, então arrastasse meus pés pelas folhas, fazendo barulho suficiente para chamar sua atenção.
— Você quer me dizer o que está fazendo aqui? — Eu disse.
Owen girou ao redor.
* * *
Nós nos encaramos por alguns segundos. Eu, calma e serena, Owen, tenso e nervoso. No entanto, ele estava vestido de preto da cabeça aos pés e preparado para uma noite na furtividade. Ele tinha seu telefone em uma mão e seu martelo ferreiro erguido na outra.
Ele soltou um suspiro e baixou a arma para o lado. — Você poderia ter apenas me chamado.
— Eu teria, se eu soubesse que você estaria rastejando pelo bosque. — Cruzei meus braços sobre o peito. — O que você está fazendo aqui?
— Você quer dizer como eu te encontrei quando você pensou que tinha escapado sem dizer a ninguém o que você estava fazendo? Silvio me ajudou com isso. — Owen levantou o telefone, a luz iluminando o rosto dele. — Enquanto você estava tirando o lixo hoje no restaurante, Silvio instalou um novo aplicativo no seu telefone, um que permite que ele rastreie onde você está atualmente ao alcance de quinze metros.
— Vocês me rastrearam?
Owen assentiu, nem um pouco culpado, e levou o telefone ao ouvido. — Ei, Silvio. Eu a encontrei, exatamente onde você disse que ela estaria. Eu assumo daqui. Obrigado, cara.
Silvio murmurou algo de volta, e Owen terminou a ligação e colocou o telefone no bolso da calça.
Meus olhos se estreitaram. — E por que você e Silvio decidiram rastrear meu telefone hoje à noite? Eu disse a todos que eu estava indo para casa e permanecendo lá.
— Foi ideia do Finn. Nós três sabíamos assim que Mallory entrou no restaurante que você iria ajudar Lorelei. Finn teve que jantar com um grande novo cliente, e Silvio disse que estava procurando algumas coisas para você. Então eu decidi vir e te dar apoio.
— Mas como você sabia com certeza que eu estaria aqui? Eu nem sequer sabia até algumas horas atrás.
— Finn continuou falando sobre quão coração mole você é. Que alguém lhe conta uma história triste, e você sai correndo sozinha para ajudá-los. — Um leve sorriso curvou os lábios de Owen. — Finn disse que é a armadilha de sua própria aranha que você cai toda vez.
— Eu não sou coração mole — eu rosnei.
— O que Finn estava tentando dizer era que era óbvio no Pork Pit que você de alguma forma sente-se responsável pelo que está acontecendo com Lorelei. E todos nós sabemos que quando você se sente responsável por algo, você fará qualquer coisa para ajudar, — Owen terminou em uma voz suave. — Essa é uma das coisas que eu mais admiro em você.
A frustração surgiu através de mim, e eu cerrei meus dentes. Eu não liguei para ninguém, porque eu não queria nenhum dos meus amigos envolvidos nisso – nenhum deles. Porque Raymond Pike era um inimigo perigoso e era minha responsabilidade cuidar dele. Não era deles.
— Você precisa sair — eu falei novamente. — Agora mesmo. Pike poderia estar aqui a qualquer momento.
— Você sabe que isso não vai acontecer. Estou aqui e vou ficar. —Owen estendeu a mão e pegou a minha mão na dele. — O que está acontecendo, Gin? Algo está acontecendo. Eu posso dizer. O que aconteceu com você e Lorelei? Por que você está tão interessada em Pike?
Ele deu um aperto gentil e sábio aos meus dedos. Cuidado, preocupação e compreensão brilhavam em seus olhos violeta, derretendo a última das minhas defesas.
Suspirei. — Porque Pike tem a pessoa errada. Ele acha que Lorelei matou o pai deles, mas não foi... eu fiz isso.
Ele assentiu. — Eu imaginei que poderia ser algo assim. Mas como você conheceu o pai de Lorelei? Ele era um de seus trabalhos como a Aranha?
— Não era um dos meus trabalhos, mas sim um dos de Fletcher.
Seus traços mudaram com a compreensão. — Finn disse que seu pai conhecia Mallory. E que Fletcher foi quem apresentou Finn a ela, quando Finn estava começando no banco. O que mais fez Fletcher por Mallory?
Eu balancei a cabeça. — Aqui não. Vamos nos posicionar e eu vou contar tudo sobre isso.
* * *
Levei Owen até meu esconderijo, o que nos dava a melhor visão da mansão e dos terrenos. Nós abaixamos dentro da linha das árvores, e eu usei meus óculos de visão noturna e binóculos para ter certeza de que a barra ainda estava limpa.
Um carro foi até a mansão, mas um rápido olhar revelou que Jack Corbin estava atrás do volante. Lorelei deve ter o chamado para proteção adicional, já que ele era seu segundo em comando. Corbin estacionou seu carro na garagem do outro lado da casa. Alguns segundos depois, a porta se fechou, escondendo-o e ao veículo.
Quando terminei meu exame, contei a Owen tudo o que acontecera naquele dia na floresta. Como Renaldo Pike havia destruído a cabana, como Lorelei e eu havíamos tentado fugir dele, como eu o matara.
Owen soltou um assobio baixo. — Ele realmente fez todas aquelas coisas horríveis para sua própria esposa e filha?
Eu assenti. — E com muitas outras pessoas também. Fletcher me mostrou algumas fotos das cenas dos crimes das vítimas de Renaldo. Rivais de negócios, principalmente. E não eram bonitas. Ele os arranhou com pregos, depois usou a maça para esmagar seus crânios.
— E Lorelei?
Dei de ombros. — Eu nunca mais a vi depois daquele dia. Fletcher me disse que ele lhe deu uma nova identidade e ela foi morar com a avó. Eu estava feliz por ela estar segura, mas eu finalmente a tirei da cabeça. Eu não reconheci ou realmente me lembrei dela até alguns dias atrás. E agora aqui estamos.
— E agora você está aqui, ajudando-a novamente.
— Sim, — eu respondi com uma voz cansada. — Pega na armadilha da minha própria aranha novamente.
Owen sorriu, a luz da lua destacando os planos ásperos e bonitos de seu rosto. — Não é realmente uma armadilha, sabe. Mais como fazer a coisa certa.
Suspirei. — Às vezes parece que sim.
Ele estendeu a mão e apertou a minha novamente em uma demonstração silenciosa de apoio.
Eu apertei de volta, em seguida, peguei meus binóculos e me concentrei na mansão. Depois de um minuto, abaixei-os, em seguida, verifiquei o horário no meu telefone.
— É depois da meia-noite — eu disse, colocando o meu telefone longe. — Acho que Pike teria aparecido até agora, se ele fosse tentar matar Lorelei hoje à noite.
— Talvez ele queira aterrorizá-la um pouco mais primeiro — disse Owen. — Até agora, isso parece estar deixando-o muito feliz.
— E isso teria matado muitas pessoas, se eu não tivesse sido capaz de detê-lo — eu murmurei, olhando para a mansão. — Mas só posso ter sorte algumas vezes antes que Pike ganhe de mim...
A sombra de um homem passou pelo canto da garagem, erguendo o braço para trás e arremessando algo pelo gramado. O objeto pousou na grama e rolou, parando a cerca de três metros de onde um dos guardas gigantes estava patrulhando. O guarda virou naquela direção, seu olhar atraído pelo movimento como o meu tinha sido...
Boom!
Capítulo 22
Uma bola de fogo irrompeu no gramado.
A explosão de luz laranja-avermelhada iluminou Pike parado no canto da garagem, uma arma na mão dele e um sorriso de satisfação no rosto enquanto observava as chamas dispararem no ar.
Como Pike tinha chegado tão perto da mansão sem que eu o visse? Ele esteve aqui todo o tempo que eu estava observando? Talvez ele tivesse chegado antes de mim. Mas se foi esse o caso, onde ele estava se escondendo para eu não localiza-lo?
Comparado com a bomba de Pike na festa no jardim, esta foi uma explosão relativamente pequena, provavelmente de uma granada do que um dispositivo explosivo de grande escala. Mas foi alta e brilhante o suficiente para fazer com que o primeiro guarda e os outros dois pegassem suas armas e corressem naquela direção.
Crack!
Crack! Crack!
Crack! Crack! Crack!
Mas a explosão era uma isca, uma armadilha para que os três guardas fossem investigar imediatamente. Com todos eles em um só lugar, era fácil para Pike levantar a arma e cortá-los como ervas daninhas. Os gigantes nunca souberam o que os atingiu.
No segundo em que os guardas caíram, Pike foi até a porta mais próxima, quebrou o vidro com sua arma para poder destrancá-la e entrou.
Através do fogo e da fumaça, pude ver Lorelei levantar na biblioteca, a pistola elemental brilhando em sua mão. Talvez fosse apenas minha imaginação, mas ela parecia sombria, determinada e quase... feliz. Como se ela estivesse finalmente conseguindo fazer algo pelo qual ela esperou muito, por muito tempo.
E eu percebi que Pike não era o único faminto por vingança.
Peguei meu telefone e mandei uma mensagem para Bria, Finn e Silvio, avisando-os que Pike estava aqui. Então avancei, mas só dei três passos quando pensei melhor e parei. Se Pike tivesse realmente chegado aqui antes de mim, ele poderia ter plantado alguns explosivos no gramado para impedir que as pessoas corressem até a mansão, assim como ele deixou aquela bomba na floresta do outro lado do rio perto do Delta Queen. Então me virei para Owen.
— Você pode verificar o chão? — Perguntei. — No caso de Pike ter escondido alguma bomba na grama?
Ele assentiu. — Sim, eu posso usar minha própria magia de metal para sentir seu poder. Siga-me e pise exatamente onde eu pisar.
Eu não gostava que Owen estivesse na frente, onde seria um alvo fácil se Pike voltasse e decidisse atirar nele, mas essa era a maneira mais segura e rápida de chegarmos a mansão.
Os olhos de Owen começaram a brilhar em um violeta vívido, e seu olhar caiu no chão e varreu de um lado para o outro. Ele estava estendendo a mão com seu poder, tentando sentir quaisquer pedaços de metal que pudessem estar enterrados na grama e o que eles poderiam sussurrar de volta para ele sobre perigos potenciais. Ainda segurando o martelo de ferreiro, Owen saiu para o gramado. Segui-o de perto, segurando uma faca.
A chuva de balas de Pike havia matado os três guardas instantaneamente, de modo que nenhum grito, gemido ou resmungo de dor rasgava o ar, embora um pequeno aglomerado de chamas ainda estalasse no local da explosão. Parecia uma fogueira, em vez da pira funerária que realmente era, marcando onde os gigantes haviam caído.
Eu franzi a testa. Pike escolhera o local perfeito na garagem para emboscar os gigantes, quase como se ele soubesse quantos guardas estariam aqui, junto com suas rotas exatas. A garagem... uma suspeita surgiu na minha mente sobre onde Pike poderia ter obtido essa informação, mas eu não tinha como confirmá-la agora, então afastei o pensamento.
Owen não encontrou nenhuma bomba escondida na grama, e chegamos ao pátio de pedra ao lado da mansão.
Eu mostrei minha faca para ele. — Agora é a minha vez de estar na liderança.
Ele assentiu, seu martelo apoiado em seu ombro, pronto para me apoiar, como sempre, apesar do problema que eu tinha procurado esta noite.
A granada tinha quebrado o vidro das portas do pátio, e eu cuidadosamente passei pela abertura para o outro lado, minimizando a trituração das minhas botas nos cacos. Eu não vi Pike, Lorelei, Corbin ou Mallory no corredor na minha frente. O estalo e assobio do fogo que ainda queimava no gramado desapareceu, e a mansão estava silenciosa como uma tumba.
Eu me esgueirei por uma parede, parando e olhando em todos os cômodos pelos quais passamos, com Owen atrás de mim. O interior era lindo, cada quarto ostentava uma cor e um tema diferente, de uma sala de estar rosa com sofás cor-de-rosa a um solário com tema de praia com cadeiras brancas de vime cheias de almofadas azuis em forma de estrela do mar.
Mas quanto mais fundo entramos na mansão, mais percebi que havia uma coisa faltando em todos os mobiliários finos.
Metal.
Oh, pedaços de metal brilhavam aqui e ali, mas quase tudo era feito de vidro, cerâmica ou plástico. Nenhum porta-retratos de prata adornava as paredes, nenhuma escultura de ferro empoleirava-se nos cantos, nenhum candeeiro de bronze estava sobre as mesas. Eu não vi mais do que uma lata de refrigerante de alumínio apoiada em um porta-copos...
Passos soaram, vindo em nossa direção. Eu me agachei e espiei ao redor da mesa situada no canto do corredor, Owen ao meu lado.
Jack Corbin correu em nossa direção, suas pernas e braços bombeando com força. Atrás dele, um homem apareceu na extremidade do corredor.
Raymond Pike.
Pike abandonou seu traje habitual e estava vestido exatamente como eu – botas pretas, calças pretas, camisa preta de mangas compridas. Uma arma estava no coldre em sua cintura, enquanto uma maça pendia de sua mão. Um saco preto aberto estava pendurado no peito, do tipo que um fazendeiro encheria de sementes, para que ele pudesse alcançá-las e espalhá-las enquanto caminhava por um campo. Esquisito. O que ele tinha lá?
Os olhos azuis de Pike brilhavam com magia. Ele acenou com a mão, e uma onda de energia fria e dura explodiu em seu corpo e rolou pelo corredor. Em uma casa normal, aquela onda de sua magia teria sido suficiente para fazer qualquer coisa tremer, vibrar e sacudir. Molduras de fotos teriam sido arrancadas das paredes, esculturas teriam caído, candelabros teriam desabado do teto.
Mas nada aconteceu aqui – nem estrondos, nem pancadas, nenhuma destruição de qualquer tipo. Bem, isso explicava porque Lorelei tinha tão pouco metal em sua mansão. Ela queria neutralizar o poder de seu meio-irmão o máximo possível. Inteligente.
Mas Pike não se preocupou com a falta de metal – porque ele trouxe o seu próprio.
Ele baixou a mão para o saco preto no peito, e depois retirou-a. A sacola balançou com seus movimentos, e meu estômago se apertou quando percebi exatamente o que havia dentro dela.
— Pregos — sussurrei.
Pike jogou um punhado de pregos na frente dele, enquanto soltava outra onda de magia de metal. Os pregos explodiram pelo corredor como balas – direto para as costas de Corbin.
Punch-punch-punch-punch.
Um prego depois do outro bateu nas costas de Corbin e ele gritou de dor. Owen e eu nos abaixamos, mas a mesa nos escondeu da linha de visão de Pike. Nenhuma dos pregos chegou nem perto de nos atingir, já que Pike colocou cada um dos projéteis exatamente onde queria que eles fossem, dado o controle que ele tinha sobre sua magia.
Pike balançou a mão novamente, usando os pregos nas costas de Corbin para empurrar o outro homem para frente e bater sua cabeça contra a parede. Corbin caiu no chão, inconsciente.
Eu esperava que Pike fosse avançar, mas ele olhou para Corbin por um momento, depois se virou e desapareceu em outro corredor.
Owen e eu nos arremessamos para a frente. Ele se ajoelhou ao lado de Corbin, enquanto eu ficava de olho em Pike. Quando tive certeza de que o elemental de metal não estava voltando, olhei para Corbin. Uma dúzia de pregos se projetava de suas costas. O sangue já havia ensopado sua camisa azul, mas não parecia que os pregos tivessem atingido algo vital. Homem de sorte.
— Deixe-o — eu sussurrei. — Ele está inconsciente, o que é melhor agora. E esqueça um ataque frontal contra Pike. Temos que pegá-lo de surpresa. Ele é muito forte em sua magia, e nós trouxemos muito metal conosco.
Eu levantei minha faca. Owen olhou para ela antes de olhar para o seu próprio martelo de ferreiro. Ele assentiu.
Avançamos e espiamos a esquina onde Pike havia desaparecido, mas ele já tinha sumido. Nós nos arrastamos pelo corredor. Mais uma vez, tomei cuidado onde colocava meus pés, não querendo que uma tábua rangesse e desse a nossa posição. Tanto quanto Pike sabia, ele, Lorelei e Mallory eram as únicas pessoas que restavam na mansão, e eu queria que continuasse assim.
— Oh, Lorelei... — A voz de Pike soou com um tom estranho e cantado. — Saia, saia, onde quer que esteja...
Eu tentei seguir o som, mas a mansão tinha uma planta aberta, com muitos arcos largos, e sua voz ecoava nas paredes, tornando difícil identificar exatamente onde ele estava. Então, estendi a mão para a minha magia, ouvindo o mármore, o tijolo e o granito, procurando por quaisquer perturbações na pedra que me diriam o caminho pelo qual Pike tinha ido.
Owen e eu chegamos a outro corredor, dando para a parte de trás da casa. Murmúrios sombrios ecoaram pela pedra na parte de trás, então eu fiz sinal para aquela direção. Owen assentiu e nos dirigimos para lá.
— Lorelei. — A voz de Pike soou novamente. — Você não pode se esconder de mim. Não por muito tempo. Você nunca pôde. Nem mesmo quando éramos crianças.
— E você sempre foi um filho da puta doente. — Lorelei finalmente falou. — Mesmo naquela época, eu sabia que havia algo seriamente errado com você. E depois de todos esses anos eu não mudei minha opinião.
Sua voz era baixa, com mais do que um pouco de estática. Owen apontou para uma caixa de intercomunicador na parede. A mansão inteira provavelmente estava ligada, o que significava que Lorelei poderia estar em qualquer lugar lá dentro.
— Você não deveria ter fugido depois que matou nosso pai — Pike gritou. — Se você tivesse aceitado sua punição naquela época, eu poderia ter te matado rapidamente. Mas agora não. Não depois que fui preso. Não depois de ter que perseguir você todos esses anos.
— Como você me encontrou? — Lorelei perguntou.
— Foi por pura sorte — ele respondeu. — Recentemente, participei de um novo empreendimento comercial com um grupo interessante de pessoas. Uma das minhas condições em adicionar meus recursos aos deles foi a ajuda deles para te encontrar. Foi surpreendentemente fácil, já que um dos membros sabia tudo sobre sua nova identidade. Ela até fez alguns negócios com você.
Fiquei imaginando de quem Pike estava falando e como essa pessoa poderia saber quem realmente era Lorelei. Fletcher nunca era desleixado quando se tratava de ajudar as pessoas a desaparecerem. Então, quem tinha sido capaz de descobrir através da nova identidade que ele havia dado a Lorelei tantos anos atrás?
Owen e eu chegamos ao final do corredor, e eu olhei ao virar a esquina. Pike estava no meio do próximo corredor, cerca de seis metros à frente de nós. Longe demais para eu tentar esfaqueá-lo pelas costas. Ele me ouviria chegando e atiraria os pregos em mim, assim como ele tinha feito com Corbin. Lembrei-me das plantas da mansão no arquivo de Fletcher, mas não havia outra sala ou corredor que me deixasse mais perto de Pike ou chegasse de um ângulo diferente. Então eu estava presa, esperando que ele avançasse ou voltasse nessa direção.
— Oh, Lorelei... — Pike gritou com aquela voz assustadora novamente. — Onde está você...
Uma porta se abriu na outra extremidade do corredor e algo tilintou no chão. Uma granada girou até parar nos pés de Pike, girando ao redor como se fosse um brinquedo. Parecia que Lorelei havia estocado algumas daquelas armas que ela contrabandeara.
Mas não funcionou.
Pike xingou, pegou sua magia de metal e enviou a granada de volta pelo corredor na direção de onde ela viera. A porta do outro lado se fechou. Eu contei os segundos na minha cabeça. Cinco... quatro... três... dois... um...
Boom!
A granada explodiu, soprando grandes pedaços das paredes e incinerando a porta fechada. Mas Pike não se esquivou das chamas e dos detritos resultantes. Pensando bem, ele construía bombas. Ele provavelmente gostava desse tipo de coisa.
— Oh, Lorelei — ronronou Pike, assim que o barulho da explosão cessou. — Suas armas não te ajudarão. Não contra a minha magia. O metal está praticamente em tudo. Apenas o menor vestígio disso, e eu posso controlá-lo com facilidade. Mesmo aqui, em sua casa cuidadosamente arrumada, ainda há mais do que suficiente para meus propósitos. E você sabe o quão criativo papai nos ensinou a ser com nossa magia, todos os truques que ele nos fez aprender, até mesmo você, com seus poderes fracos.
Uma tábua do assoalho rangeu e Lorelei correu de um cômodo para o outro na frente de Pike. Ele resmungou e foi atrás dela...
Mas Lorelei deve ter deixado cair outra granada atrás dela, porque Pike cambaleou de volta para o corredor e se encostou na parede.
Boom!
Outra explosão atravessou a mansão.
— Chega de seus jogos estúpidos! — rugiu Pike. — Saia e lute comigo!
A risada zombeteira de Lorelei flutuou para fora do sistema de intercomunicação. — Você sempre foi um mau perdedor, mesmo quando éramos crianças e papai nos colocava um contra o outro. Se você não conseguisse ganhar o jogo logo, você simplesmente não queria mais jogar, não é, Raymond? Você pode ter mais magia bruta, mas eu sempre fui mais criativa com meu poder. Tudo o que você estava interessado em fazer eram aqueles estúpidos pregos, maças e bombas. Papai sempre ficava tão desapontado com você por causa disso.
Tink-tink-tink.
Lorelei jogou outra granada no corredor, mas Pike usou sua magia para mandar o dispositivo de volta para o quarto de onde tinha vindo.
Boom!
A granada explodiu, e um grito alto soou, como se Lorelei tivesse sido pega na explosão. Pike riu e correu para frente, com Owen e eu correndo para segui-lo.
Chegamos a um arco largo que levava a uma cozinha, com uma série de portas de vidro que davam para o quintal. O que parecia sangue estava espalhado pelo chão de ladrilhos brancos, com uma mancha atrás da ilha no meio da sala, como se Lorelei tivesse se arrastado até lá para se esconder. Pike seguiu naquela direção.
Fiz sinal para Owen dar a volta e se aproximar de Pike por uma porta do outro lado da cozinha para que pudéssemos flanqueá-lo. Owen assentiu e correu pelo corredor.
Pike aproximou-se da trilha ensanguentada. Suas costas ainda estavam viradas para mim, então eu entrei na cozinha. Aproximar-me dele era um risco calculado, mas eu tinha que chegar até ele antes que ele notasse as facas que eu estava carregando e tentasse usar o metal contra mim. Mas ele estava se movendo devagar, e eu estava chegando rápido. Mais dez segundos, e ele seria meu.
Dez... Sete... cinco...
Aumentei meu aperto e levantei minha faca,
Três... dois... um...
Pike girou e levantou a mão, com magia saindo de seu corpo. Minha faca ficou presa no meio do ar, como se eu estivesse tentando atravessar uma parede de tijolos em vez de espaço vazio. Eu grunhi e lutei, empurrando de volta contra o seu poder com a minha própria magia de Pedra. Levei um segundo para me libertar do seu aperto invisível e cambalear para trás.
Pike arqueou uma sobrancelha, mais divertido do que preocupado. — Você novamente com as facas. Quando você vai aprender? Você não pode me surpreender com isso.
Eu mostrei meus dentes. — Oh, eu não sei. Talvez quando você estiver morto.
Eu fingi que estava vindo para ele com minha faca novamente, então levantei minha mão livre e explodi com magia de Gelo. Mas Pike era tão rápido quanto eu, e ele enfiou a mão na mochila e jogou um punhado de pregos. O metal encontrou meu Gelo, esmagando os fragmentos mortais e fazendo todos caírem no chão entre nós.
Enquanto eu comecei a avançar novamente, tentando chegar perto o suficiente para apunhalá-lo, Pike disparou para o lado da ilha, estendeu a mão e puxou Lorelei. Parei de repente.
— Olá, mana — ele cantou, segurando a bola cravada de sua maça contra sua garganta. — É tão bom te ver novamente depois de tantos anos separados.
— Eu gostaria de poder dizer o mesmo — resmungou Lorelei.
Se Pike e eu parecíamos soldados com nossas roupas pretas, Lorelei estava preparada para o ataque. Ela também estava vestida de preto e carregando armas suficientes para iniciar uma pequena guerra. Uma bandoleira cravejada de granadas estava presa em seu peito, um punhado de facas circulava sua cintura, e sua pistola de Gelo elemental estava amarada na coxa.
Apesar de seu grito anterior e do sangue no chão, Lorelei não tinha um arranhão nela. Sem sangue, sem cortes, sem contusões de qualquer tipo. Eu conhecia uma encenação quando via uma, e ainda havia uma outra pessoa na mansão que ainda não tinha aparecido: Mallory.
Lorelei me encarou, então deliberadamente lançou os olhos para a direita, em direção às portas de vidro do pátio. Pelo canto do olho, vi uma pequena sombra subindo até as portas e percebi qual era o plano delas. Lorelei atrairia Raymond para a cozinha com seu grito falso e trilha de sangue. Então, Mallory iria até as portas e atiraria nele.
Poderia ter funcionado também – se eu e minhas melhores intenções não tivessem aparecido e estragado tudo.
Enquanto eu me amaldiçoava por arruinar o plano delas, Raymond cavou as pontas da maça na garganta de Lorelei, fazendo-a inclinar a cabeça para o lado para não ser espetada.
— Eu ia matar você lentamente — ele assobiou. — Esculpi-la por algumas horas. Agora eu vou fazer isso durar por dias.
Mesmo que Mallory estivesse na cozinha ao invés de lá fora, ela não poderia ter atirado em Pike agora, não com Lorelei na linha de fogo. Teria sido um tiro difícil, mesmo para Finn.
Ainda bem que eu tinha um backup.
Owen passou pela entrada de trás da cozinha, ergueu o martelo e se aproximou de Pike. Eu olhei para o elemental de metal, não dando qualquer indicação de que ele estava prestes a ter seu crânio esmagado.
— Você queria me ajudar, Gin — Lorelei falou. — Eu ficaria bem com isso acontecendo a qualquer momento agora.
— Não me apresse — eu disse lentamente. — Essas coisas levam tempo...
Os olhos de Pike se iluminaram com sua magia novamente, e outra onda de energia rolou de seu corpo, arrancando o martelo de Owen de sua mão. Pike sentira a arma de metal da mesma maneira que sentira a minha faca.
Avancei, na esperança de pegá-lo de surpresa, mas Pike me viu mexer e soltou outra explosão de poder.
Apesar de Lorelei ter eliminado o máximo de metal possível de sua casa, ainda havia um cômodo onde tinha muito: a cozinha.
Ao comando de Pike, um bloco de facas de açougueiro disparou do balcão e bateu no meu braço direito, abrindo cortes profundos. Uma das facas ficou presa nos tendões do meu pulso, e eu mal consegui segurar a minha arma.
— Gin! — Owen gritou, e deu um passo à frente, com as mãos cerradas em punhos.
Pike virou-se e jogou sua maça, fazendo Owen se abaixar. A arma pesada passou por cima da cabeça dele e bateu em um dos armários atrás dele.
Enquanto Pike se distraía, Lorelei agarrou sua pistola de Gelo elemental, pressionou o cano contra a perna dele e puxou o gatilho. A arma quebrou em sua mão quando a bala gelada perfurou sua coxa, assim como uma bala de metal faria. Legal.
Ele gritou e soltou ela. Lorelei se abaixou.
— Agora! — gritou ela.
Crack! Crack! Crack!
As portas de vidro se quebraram quando as balas passaram por elas, e eu avistei Mallory do lado de fora, revólveres em suas mãos. Mas Pike levantou as próprias mãos, enviando explosão após explosão de magia, as ondas invisíveis de seu poder pegaram as balas de metal e as enviaram por toda a cozinha. Owen e eu nos esquivamos para não levar um tiro por acidente.
Click-click-click.
Mallory ficou sem munição. Ela amaldiçoou, jogou as armas para longe e pegou mais duas que estavam nos coldres em sua cintura, mas Pike foi mais rápido. Ele enfiou a mão na mochila, tirou uma mão cheia de pregos e jogou-os para ela. Usou uma explosão de magia muito mais forte do que a que usara com Corbin, e os pregos voaram pelo ar e acertaram direto no peito de Mallory.
A anã grunhiu com os impactos duros e brutais e cambaleou para trás, para fora da minha linha de visão.
— Vovó — Lorelei gritou, ficando de pé e correndo ao redor da ilha.
Pike enviou uma prateleira de metal cheia de panelas e frigideiras penduradas no teto, caindo em cima dela. Lorelei caiu no chão, gemendo.
— Você não vai fugir desta vez, — ele rosnou.
Eu fiquei de pé e corri para frente. Pike soltou outra risada suave e mortal e ergueu a mão.
A faca de cozinha ainda presa no meu pulso se soltou, e eu gritei quando ela cortou os meus tendões. A dor era tão intensa que minha própria faca de silverstone escorregou dos meus dedos ensanguentados e sem força. Ela bateu ruidosamente em cima da ilha e Pike usou sua magia para fazê-la sair da bancada e cair na mão dele.
Owen gritou, levantou-se e investiu contra Pike, que deu meia-volta e cortou com minha faca. Owen saltou para trás, mas seu pé ficou preso no fundo de uma das panelas no chão, e ele cambaleou para o lado, seu joelho deixando escapar um estalo feio. Owen gritou, agarrando-se a um dos balcões para ficar em pé.
Pike encostou as costas em uma fileira de armários, seus olhos indo e voltando entre Owen e eu enquanto ele segurava minha faca em sua mão.
Eu agarrei minha magia de Pedra. Usei para endurecer minha pele, para o caso de ele decidir jogar minha própria faca em mim.
— Quem matar primeiro? — Pike murmurou.
Ele estava tão ocupado olhando para nós que não percebeu Lorelei saindo de debaixo do monte de panelas e frigideiras e começou a mexer em uma gaveta no fundo da ilha.
Mas eu não ia esperar que ela agisse. Minhas mãos se fecharam em punhos apertados, o sangue se escorrendo entre os dedos do meu braço direito machucado. Eu não me incomodei em pegar a faca escondida na minha manga esquerda. A maneira que esta luta estava indo, Pike apenas usaria sua magia de metal para me desarmar novamente. Então, eu alcancei meu poder de gelo. Uma luz prateada se acendeu e uma adaga longa e afiada apareceu na minha mão esquerda.
Mostrei o Gelo frio e brilhante para Pike. — Tente tirar esse daqui de mim, seu filho da puta. — eu sibilei.
Pike olhou para a adaga de Gelo, depois para o meu rosto, seus olhos se estreitando em pensamentos. Tarde demais, eu percebi o que tinha feito... e todas as memórias que tinha desencadeado.
— Você... você estava na floresta! — ele acusou.
— Culpada da acusação, — eu sibilei novamente. — Eu deveria ter te matado naquela época quando tive a chance. Mas vou corrigir esse erro agora.
— Ah, acho que não.
Pike acenou com a mão novamente. Desta vez, a geladeira se soltou da parede e bateu no chão, vindo direto para mim. Saí do caminho cambaleando enquanto ela caia, as portas se abrindo e derramando legumes, maionese, leite e muito mais por todo o chão.
Lorelei finalmente abriu uma gaveta do congelador no fundo da ilha e tirou outra pistola de Gelo. Uma fileira de armas idênticas estava alinhada dentro do espaço gelado. Arsenal legal.
Embora ainda estivesse enroscada em todas aquelas panelas e frigideiras, Lorelei se virou de costas e levantou a arma para atirar em Pike.
Ele pegou uma torradeira no balcão e jogou nela. O aparelho bateu na mão dela, estilhaçando a pistola e fazendo-a gritar de dor.
A essa altura, eu estava começando a me perguntar se algum de nós seria capaz de matar Pike...
Woo-woo. Woo-woo.
Talvez não precisássemos. O lamento característico de uma sirene de polícia soou à distância. Pela primeira vez, eu dei boas-vindas ao som.
— Parece que a festa acabou para você, Ray — eu disse. — Tudo o que temos a fazer é mantê-lo preso aqui até a polícia chegar. Tenho certeza de que eles têm uma boa cela esperando por você no centro da cidade. Você deveria aproveitar, com todas aquelas barras de metal. Vai ser como no reformatório mais uma vez.
Raiva brilhou nos olhos de Pike, mas ele me deu um sorriso frio e virou minha faca em sua mão novamente.
— Mais uma lição, então, antes de ir. Você ajudou a tirar meu pai de mim. Agora eu vou devolver o favor e tirar alguém de você.
Eu respirei fundo, sabendo exatamente o que ele iria fazer. Mas eu não podia pará-lo.
Eu não conseguiria pará-lo.
Pike jogou minha faca em sua mão pela última vez, então virou e jogou em Owen.
Mas Owen percebeu que ela estava chegando. Ainda cambaleando pelo joelho machucado, ele levantou a mão, os olhos brilhando intensamente com seu próprio poder de metal.
Minha faca parou no ar trinta centímetros à sua frente.
— Owen! — Eu gritei.
Comecei a avançar, mas desta vez, meu pé ficou preso no fundo de uma panela. Meus pés voaram para longe de mim e eu caí no chão.
Lorelei xingou, alcançando a gaveta do freezer para pegar outra arma de Gelo elemental, mas seus movimentos eram lentos e desajeitados, e ela não seria capaz de impedir seu irmão.
Pike inclinou a cabeça para o lado e estudou Owen com novo interesse. — Outro elemental de metal. Que curioso.
Seus olhos ardiam em um azul ainda mais brilhante enquanto ele enviava outra onda de magia, mas Owen empurrou para trás com seu próprio poder, e minha faca pairou no ar entre eles.
O suor escorria na testa de Owen, linhas de tensão e dor fluindo profundamente no rosto dele. Eu podia sentir o quanto de magia ele estava usando só para impedir que minha faca chegasse mais perto.
Mas não estava funcionando.
Centímetro por centímetro, minha faca deslizou para frente no ar, nadando em direção a Owen como um tubarão faminto.
Eu levantei esperando colocar meu corpo na frente de Owen e levar o golpe por ele.
Tarde demais.
Com uma corrida fria e dura, o poder de Pike superou o de Owen e explodiu suas defesas.
Pike enviou uma explosão final de magia, e minha faca atravessou o ar e mergulhou no peito de Owen.
Capítulo 23
— Não! — gritei. — Não! Não! Não!
Owen cambaleou contra o balcão. Seus pés deslizaram, e ele caiu no chão, minha faca enterrada em seu peito.
Eu comecei a andar em direção a Owen, mas Pike levantou as duas mãos e mandou outra explosão de magia, uma que percorreu toda a cozinha. Panelas, frigideiras, eletrodomésticos. Qualquer coisa que tivesse o menor sinal de metal chacoalhou, rolou e caiu no chão.
Mas não foi nada comparado com a minha magia.
Meu poder irrompeu enquanto eu gritava, passando por cada pedaço de pedra que compunha a mansão e as paredes tremeram, e rachaduras profundas atravessavam o teto.
As vibrações desequilibraram Pike e o fizeram perder o controle de sua magia, dando a Lorelei tempo o suficiente para pegar outra arma de Gelo e atirar nele. Mas o chão ondulante estragou sua mira, e o projétil bateu em um dos armários, em vez de no crânio dele.
À distância, a sirene da polícia continuou lamentando, chegando cada vez mais perto, mais e mais alto. Pike grunhiu, puxou sua maça para fora do gabinete e saiu através das portas de vidros quebradas do pátio. Mas eu não me importei em persegui-lo.
Eu não me importava com nada além de Owen.
Eu engoli meus gritos, joguei minha adaga de Gelo de lado, atravessei os escombros e afundei ao lado dele. A mansão continuava tremendo, as pedras ainda vibrando por causa da minha explosão violenta de poder.
Owen olhou para mim, seus olhos violetas brilhando de dor. — Gin... — Ele murmurou. — Gin... não é... sua culpa...
Ele tossiu, mais e mais sangue jorrando da ferida no peito. Pike não tinha atingido o coração com a faca, mas ele chegou perto o suficiente. Eu sabia exatamente o que aconteceria a seguir. Os pulmões de Owen se encheram de fluido, e ele sufocaria até a morte em seu próprio sangue – se ele não se esvaísse em sangue antes.
Ele ia sangrar até a morte em outro minuto, dois no máximo.
E eu não tinha ideia de como salvá-lo.
Medo e dor esmagaram meu coração e fizeram meu estômago revirar, mas eu agarrei a mão de Owen e olhei em seus olhos, tentando pensar em algum tipo de plano que milagrosamente o ajudaria a escapar da morte do jeito que eu tinha feito tantas vezes antes. Lágrimas escorreram pelo meu rosto e caíram em nossas mãos entrelaçadas, espalhando todo o sangue ali. Owen abriu a boca, mas eu coloquei meus dedos contra seus lábios.
— Guarde suas forças — eu sussurrei.
Ele cuspiu outro gole de sangue em resposta.
Lorelei se afastou debaixo da prateleira de metal que Pike havia derrubado sobre ela. Ela começou a correr para verificar Mallory, mas seus olhos se arregalaram quando ela percebeu quanto sangue estava saindo da ferida de Owen. Ela mudou de rumo, correu e caiu de joelhos ao meu lado.
Ela deu a Owen o mesmo olhar crítico que eu tinha. — Esqueça a faca. Você tem que parar o sangramento... agora mesmo, ou ele estará morto.
— Você não acha que eu sei disso? — retruquei, minha voz subindo a um quase grito que abalou a mansão inteira de novo. — Me pegue algumas toalhas! Agora!
Lorelei me deu um olhar frio. — A menos que você queira matar todos nós com o seu poder de Pedra, pare de gritar.
Outro grito de medo e raiva borbulhou na minha garganta, mas eu o segurei. Ela estava certa. Se eu não conseguisse controlar minhas emoções, eu poderia derrubar toda a mansão em cima de nós. Então Owen estaria morto com certeza.
— Tudo bem — Lorelei disse, uma vez que eu estava mais calma. — Esqueça as toalhas. Você precisa congelar a ferida.
— Congelar?
Ela assentiu. — Com sua magia de Gelo. Congele a ferida e baixe a temperatura do corpo até que você possa levá-lo a um curador. Você sabe como crianças e animais sempre caem em rios e lagoas congelados, então as equipes de resgate os arrastam para fora da água e os aquecem de volta? É assim, só que um pouco diferente. Minha mãe me ensinou como fazer isso, quando eu raspava meus joelhos brincando na floresta. — Sua voz caiu. — Ou para quando meu pai nos batesse.
Em teoria, deveria funcionar, mas eu nunca tinha tentado nada parecido antes com minha magia. Na maioria das vezes, eu apenas explodi as pessoas com o meu poder ou usei-o para me proteger. Mesmo que eu estivesse praticando usando minha magia de várias maneiras diferentes, eu não sabia se eu tinha delicadeza e controle suficiente para congelar Owen sem matá-lo imediatamente.
— Faça isso — Owen disse asperamente. — Ficando mais fraco... cada segundo. É a única maneira...
Sua voz sumiu, e seus olhos ficaram vítreos e desfocados. Meu coração caiu.
— Faça isso! — Lorelei estalou. — Agora, antes que seja tarde demais.
Ainda assim, eu hesitei, me perguntando se eu realmente poderia fazer uma coisa dessas, especialmente para Owen.
— Não seja uma idiota! — Lorelei estalou novamente. — Eu vou te mostrar o que fazer. Apenas siga meu exemplo e use sua magia. Eu não tenho força suficiente para congelá-lo, mas você tem.
Ela estendeu a mão e arrancou a camisa de Owen, expondo a ferida profunda e feia. Então ela pegou minhas mãos, apertou-as uma vez e gentilmente as colocou no peito de Owen uma em cada lado da minha faca. Eu olhei para ela com os olhos arregalados.
— Você me salvou uma vez — Lorelei rosnou, colocando as mãos ao lado da minha no corpo de Owen. — Você está fazendo o mesmo por ele. Agora, Gin.
Eu assenti e soltei um suspiro tenso, afastando meu medo. Eu me concentrei em Owen, olhando nos olhos dele, depois soltei um pequeno fio da minha magia de Gelo. Em um instante, os cristais frios do meu poder cobriram seu peito, como gelo em uma janela. Ao meu lado, Lorelei alcançou seu próprio poder de Gelo, enviando uma pequena onda para a ferida de Owen.
Se minha magia era um martelo gelado, então a dela era um formão frio e delicado. Eu já estava suando pelo esforço de tentar não usar muita magia nele de uma só vez, mas Lorelei gotejou seu Gelo em um lado de sua lesão, então do outro, tão facilmente e habilmente como ela tinha feito com todos aqueles pequenos pedaços de sua arma de Gelo e depois os uniu
Owen gemeu quando nosso frio combinado invadiu seu corpo, o som rasgando meu coração, e começou a se debater, tentando escapar do poder que o congelava pouco a pouco. Lorelei deslizou o braço dela até os ombros dele, inclinando-se e ancorando-o no lugar.
— Continue — ela ordenou. — Está funcionando.
Com certeza, o Gelo dela congelou o sangue escorrendo da ferida de Owen, fazendo as gotas parecerem rubis agarrados a seu peito. Lorelei puxou de volta seu poder, deixando o resto para mim. Eu me soltei e enviei outra onda da minha magia, desta vez enviando os cristais frios disparando em sua pele e depois através de seu corpo inteiro, esfriando sua temperatura corporal.
Os olhos de Owen tremularam fechados, sua respiração saiu em suspiros gelados, e sua pele assumiu uma estranha coloração prateada, enquanto minha magia de Gelo lentamente invadiu seu corpo. Sua cabeça pendeu para um lado, e seus ombros ondularam de uma forma que me disse que ele tinha perdido a consciência, mas eu continuei canalizando o meu poder nele. O truque era usar apenas magia suficiente para estabilizá-lo sem colocar tanto do meu poder nele que ele nunca iria descongelar novamente.
— É isso — Lorelei murmurou. — Lento e firme, Gin. Lento e firme.
Eu não sabia quanto tempo passou. Tudo o que eu estava ciente eram as palavras suaves de encorajamento de Lorelei e as ondas da minha magia de Gelo afundando no corpo de Owen, um músculo e tendão de cada vez, tentando preservá-lo à beira da morte.
Finalmente, Lorelei soltou os ombros de Owen, agarrou minhas mãos, e afastou meus dedos dormentes do peito congelado.
— Isso é o suficiente, Gin — ela sussurrou. — Isso é o suficiente.
Eu assenti, só esperando que isso iria salvá-lo. Passos esmagaram os vidros, e Mallory entrou na cozinha. Pregos cravejavam o peito da anã, mas ela não parecia estar ferida.
— Eu disse a você que esses coletes silverstone viriam a calhar, querida — Mallory falou para Lorelei, batendo com o punho no peito. — Mesmo se tivéssemos que pagar um braço e uma perna por eles...
Sua voz sumiu quando ela viu Owen. Lorelei apertou meu ombro, depois foi verificar a sua avó.
Bria e Xavier correram para a cozinha, com as armas puxadas, com Finn e Silvio bem atrás deles. Todos tinham recebido minha mensagem de texto e vindo ajudar.
Bria, Finn, Silvio correram para mim, enquanto Xavier se movia pela cozinha e depois pelo resto da casa, certificando-se de que Pike não tinha voltado. Arfadas chocadas soaram quando meus amigos avistaram a forma fria de Owen.
— Gin — sussurrou Bria. — O que você fez com ele?
— Eu o salvei. — Minha voz saiu como um suspiro estrangulado. — Eu espero. Temos que levá-lo até Jo-Jo e ligar para Cooper Stills. Ele terá que vir e ajudá-la com Owen.
— Estou nisso — disse Silvio, já discando o número em seu telefone.
— Owen é forte — disse Finn, colocando uma mão reconfortante no meu ombro. — Ele vai superar isso.
Mas a preocupação em seu rosto combinava com o medo apertando meu coração.
* * *
Xavier voltou para a cozinha, abaixou-se e cuidadosamente pegou Owen em seus braços. Eu encarei o sangue no chão – o sangue de Owen.
— Venha, Gin — Bria disse em uma voz gentil. — Nós precisamos ir.
Ela colocou o braço em volta do meu ombro. Estremeci e deixei que ela me levasse para fora da cozinha.
Tudo o que aconteceu depois disso pareceu desarticulado e distante, como se eu tivesse saído do meu próprio corpo e estivesse vendo tudo do ponto de vista de outra pessoa. Xavier colocando Owen na parte traseira de um sedan da polícia, em seguida, entrando no banco da frente. Eu me arrastando para o banco de trás com Owen, embalando-o no meu colo, acariciando seu cabelo preto duro e congelado de seu rosto. Lorelei do outro lado dele, enviando um pequeno e constante jato de magia de Gelo para a ferida para manter a faca congelada no lugar, para que ela não se movesse e o matasse imediatamente. Bria ligando a sirene e dirigindo até a casa da Jo-Jo. Finn, Silvio e Mallory nos seguindo em outro carro.
Enquanto isso, eu continuava sussurrando para Owen que o amava. Que ele não podia deixar alguém como Raymond Pike ser o nosso fim. Eu não sabia se ele me ouviu ou não, mas parecia que algumas das linhas de dor no rosto dele se suavizaram. Ou talvez fosse apenas um desejo da minha parte.
Graças às ligações de Silvio, todas as luzes estavam acesas na casa de Jo-Jo, e ela andava de um lado para o outro na varanda da frente, esperando por nós, junto com Sophia e outro anão com cabelos grisalhos e olhos cor de ferrugem. Cooper Stills, o namorado de Jo-Jo e mentor de ferreiro de Owen.
Xavier e Silvio cuidadosamente tiraram Owen do banco de trás e o carregaram até a varanda. Jo-Jo, Sophia e Cooper prenderam a respiração ao ver minha faca saindo do peito dele, mas Jo-Jo assumiu o controle da situação. Ela abriu a porta e acenou para nós.
— Leve-o ao salão — disse ela. — Eu já montei um lugar para ele.
Xavier e Silvio assentiram, andaram até a parte de trás da casa e gentilmente colocaram Owen em um sofá cerejeira. Eu tentei não notar como o tecido combinava com as manchas de sangue que cobriam seu peito.
Jo-Jo afundou em um assento ao lado de Owen. Cooper, que também era um elemental do Ar, sentou-se ao lado dela, pronto para ajudar. Ela olhou para ele e acenou com a cabeça, e ele estendeu a mão e colocou a mão em seu ombro, seus olhos brilhando um intenso cobre quando ele começou a alimentá-la com seu poder. Jo-Jo pegou sua própria magia de Ar, e um brilho branco-leitoso cobriu sua palma.
Bria, Finn, Sophia, Lorelei e Mallory também entraram no salão. Nós todos ficamos parados ali, quietos e imóveis, e observamos. Até mesmo Rosco, em sua cesta no canto, não emitiu nenhum som.
Senti os alfinetes e agulhas do poder de Ar de Jo-Jo cutucando a massa de Gelo no peito de Owen e esgueirando-se pelo resto de seu corpo machucado. Eu enrolei minhas mãos em punhos apertados, cavando meus dedos nas cicatrizes de runas de aranha embutidas nas palmas das minhas mãos, resistindo à vontade de gritar toda a minha dor, medo e raiva.
Jo-Jo avaliou a ferida por quase três minutos, tentando descobrir a melhor maneira de tirar minha faca do peito de Owen sem matá-lo no processo. — Tudo bem — disse ela. — Eu limpei o máximo de dano possível enquanto a faca ainda está lá.
— Agora o quê? — Eu sussurrei.
— Eu me preocupo com isso, querida — ela respondeu. - Tudo o que você tem que fazer é puxar a faca quando eu disser.
Ela olhou para Cooper. — Quando Gin puxar a faca, nós dois precisamos inundar a ferida com a nossa magia de Ar. Eu farei a parte difícil, suturando tudo Você apenas continua me alimentando com seu poder, ok? Não pare. Nem mesmo por um instante.
Cooper assentiu. — Tudo que você precisar, boneca. Qualquer coisa por Owen. Você sabe disso.
Jo-Jo deu-lhe um sorriso agradecido, depois olhou para mim. — Quando você estiver pronta, querida.
Demorei alguns segundos para abrir os punhos, mas finalmente dei um passo à frente, inclinei-me e agarrei minha faca com a mão esquerda e sem ferimentos. A runa de aranha estampada no cabo cavou na cicatriz correspondente na minha palma, mas pela primeira vez, a sensação não me confortou. Owen não se mexera o tempo todo que Jo-Jo estivera trabalhando nele, mas eu continuava encarando-o, desejando que ele abrisse os olhos...
— Gin — Jo-Jo cutucou com uma voz suave.
Eu assenti, depois aumentei o aperto. E deslizei a faca do peito de Owen tão rápido e gentilmente quanto podia.
Sangue jorrou da ferida, mas não tanto quanto teria acontecido se Lorelei e eu não tivéssemos usado nossa magia de Gelo para parar o sangramento. A faca escorregou dos meus dedos e caiu no chão. Finn pegou a arma, enquanto Bria segurou meus ombros e me tirou do caminho para que Jo-Jo e Cooper pudessem retomar seu trabalho.
A sensação da magia de Ar de Jo-Jo inundou a sala, e todos ficaram absolutamente quietos e imóveis novamente, sem se atrever a se mover ou fazer qualquer coisa para interromper sua concentração. Segundos se passaram e se tornaram minutos, e eu fiquei enraizada no lugar, tão fria e congelada quanto o coração de Owen.
O sangue jorrando diminuiu para um gotejamento, então parou. O brilho branco-leitoso da magia de Jo-Jo queimava tão forte quanto uma estrela no centro do peito de Owen, e faixas de vermelho acobreado cintilavam na massa de magia enquanto Cooper investia seu próprio poder para curar Owen. Com sua força combinada, as bordas afiadas da facada se fecharam, e a marca desapareceu completamente.
Mas ainda havia mais trabalho a ser feito para descongelar o resto dele.
Dez minutos depois, Jo-Jo caiu em sua cadeira, o brilho branco leitoso saindo de seus olhos e desaparecendo da palma da mão dela. A ferida no peito de Owen estava curada, e sua pele, ainda pálida, era de uma cor mais normal, livre dos cristais congelados da minha magia de Gelo.
Jo-Jo levantou-se e gesticulou para que eu sentasse ao lado dele. Eu afundei na cadeira e segurei sua mão, um suspiro escapou dos meus lábios quando senti o calor de sua pele. Eu me inclinei mais perto, esperando que seus olhos se abrissem e ele fizesse algum comentário provocante sobre como eu quase o matei.
Nada aconteceu.
Os olhos de Owen permaneceram fechados, embora seu peito subisse e descesse com um ritmo constante. Preocupação passou por mim, e eu me perguntei se eu tinha usado muita magia de Gelo nele, afinal de contas.
— Eu consertei o dano da ferida da facada e elevei a temperatura do corpo dele para onde deveria estar — disse Jo-Jo.
— Mas?
— Mas ele estava à beira da morte quando você o congelou, e ele perdeu muito sangue. — Ela mordeu o lábio. — Talvez sangue demais.
— Que tal dar-lhe uma transfusão? — Eu perguntei, jogando minha mão para fora e gesticulando para meus amigos. — Certamente um de nós aqui tem o mesmo tipo de sangue que o dele.
A anã balançou a cabeça. — Não é tão simples assim. Um de nós pode ter o mesmo tipo de sangue, mas ninguém mais tem magia de metal. Estou preocupado que Owen tenha uma reação negativa se eu tentar dar o sangue de outra pessoa, especialmente se o sangue conter um tipo diferente de magia elemental. Ele está tão fraco agora que pode matá-lo imediatamente.
Eu sabia que ela estava certa, que não podíamos correr o risco, mas a frustração pulsava pelo meu corpo ao mesmo tempo. Eu me senti tão inútil agora. O conhecimento de que não havia nada que eu pudesse fazer para ajudar Owen queimava meu coração como ácido.
— Ele vai acordar? — Eu sussurrei. — Eu o matei depois de tudo?
Jo-Jo me deu um olhar desamparado. — Eu não sei, querida. Vamos dar algumas horas e ver. Ok? Ele passou por um trauma grave. Talvez seu cérebro só precise de um pouco de tempo para alcançar seu corpo.
Eu assenti e abaixei a cabeça, lágrimas queimando meus olhos e escorrendo pelo meu rosto.
Jo-Jo estendeu a mão, pegou meu braço machucado e usou sua magia para curar minhas próprias feridas. Levou apenas um minuto. Ela colocou a mão no meu ombro por um momento, depois saiu, Rosco trotando atrás dela. Os outros seguiram, e Bria fechou as portas atrás deles, de modo que eu era a única que restava com Owen no salão.
Agarrei sua mão na minha, esperando ele abrir os olhos. Mas ele não fez, e eu não sabia quando ele iria, se alguma vez faria.
Mais lágrimas escorreram pelo meu rosto, mas eu levei minha cadeira o mais próximo possível de Owen, aumentei meu aperto na mão dele e desejei que ele acordasse. Com todo o amor que eu tinha.
Capítulo 24
Por muito tempo, fiquei sentada ao lado de Owen, meu olhar fixo em seu rosto, meu corpo rígido e tenso, pronto para correr e chamar Jo-Jo ao menor sinal de que algo estava errado e que ele estava piorando.
Ele ainda parecia muito pálido, mas sua respiração permaneceu livre e uniforme, seu peito subindo e descendo em um ritmo reconfortante. De vez em quando, seus olhos fechados se contorciam, como se ele estivesse olhando para algo que só ele podia ver. Eu me perguntei com o que ele estava sonhando. Eu esperava que fosse algo bom – e qualquer coisa diferente do que tinha acontecido com ele esta noite.
Sua respiração firme e contínua lentamente me embalou para relaxar e colocar minha cabeça em seu ombro. A tensão vazou do meu corpo, e eu me vi afundando em meus próprios sonhos, minhas memórias...
Eu olhei para o corpo de Renaldo Pike, sua maça ainda saindo de suas costas.
— Você o matou — sussurrou Lorelei. — Você realmente o matou.
Eu grunhi e embalei meu pulso quebrado no meu peito. Eu não o tinha matado, apenas eu tive sorte e sobrevivi a ele, mas eu a deixei pensar o que ela queria.
Lorelei se levantou e mancou até seu pai. Ela olhou para ele com os olhos arregalados e assustados, como se ela estivesse com medo de que ele saltasse como um zumbi e a atacasse novamente. Talvez ele fosse um zumbi – um pesadelo que continuava voltando, não importa quantas vezes você tentasse esquecê-lo.
Passos soaram na floresta. Meu coração se levantou e eu esperava que fosse Fletcher ou uma das irmãs Deveraux, mas, em vez disso, um menino correu para a clareira. Cabelos negros, olhos azuis, rosto bonito. Eu soube imediatamente que era Raymond, aquele que destruiu o conversível de Sophia com ela, Jo-Jo e Fletcher dentro.
Ele parou abruptamente ao ver Lorelei de pé sobre o corpo do pai. — Sua vadiazinha! — Ele sussurrou. — Você está morta! Eu vou te matar por isso!
Ele abriu o punho, revelando uma mão cheia de pregos. Em vez de correr ou tentar sair do caminho, Lorelei olhou para ele como se ele fosse o mesmo tipo de zumbi que seu pai era.
Raymond recuou a mão, magia de metal girando em torno dele da mesma forma que o pai. Estremeci com a semelhança.
Ele fez os pregos voarem. Eu alcancei minha magia de Pedra, usando-a para endurecer minha pele. Então entrei na frente de Lorelei, empurrando-a para fora do caminho. Eu tentei mergulhar no chão, mas eu não fui rápido o suficiente.
Eu gritei e caí no chão enquanto os pregos perfuravam minhas costas, rasgando a pequena magia de Pedra que eu trouxe para endurecer minha pele. Eu me senti como um porco-espinho, só que eu não conseguia me livrar dos meus espinhos.
Um par de botas se plantou na frente do meu rosto. Eu olhei para cima e percebi que Raymond estava olhando para baixo – e que ele tinha mais pregos na mão. Desesperada, peguei minha magia de Gelo, tentando fazer uma adaga para me defender, mas esse poder era muito mais fraco do que a minha magia de Pedra, e tudo o que acabei fazendo foi um galho frio. Raymond pisou na minha mão, esmagando o Gelo e meus dedos junto com ele. Eu gemi de dor.
— Sua idiota estúpida — ele sussurrou novamente. — Você deveria ter ficado fora do caminho. Agora vou matá-la também por protegê-la...
Crack!
Lorelei esmagou um galho de árvore grosso e pesado na parte de trás de seu crânio, e os olhos de seu irmão rolaram em sua cabeça. Ele soltou um gemido audível, como se ela tivesse expulsado todo o ar de seus pulmões e caiu no chão.
Mas ela continuou a bater nele.
Lorelei bateu o galho em seus braços, pernas e costas, repetidamente, antes de finalmente se concentrar em sua cabeça.
— Vocês a mataram! — ela gritou. — Vocês mataram minha mãe! Eu te odeio! Eu odeio vocês dois!
O sangue jorrou das feridas de Raymond, mas ele permaneceu inconsciente. Tudo o que eu pude fazer foi ficar lá e vê-la bater nele. Eu não conseguia me mexer, não com todos os pregos nas costas, e tive sorte de não ter desmaiado. Ou talvez não tão sortuda, dada toda a dor que pulsava nas minhas costas, ombro, braço e pulso.
Os passos soaram pela floresta, e eu fiquei tensa, imaginando se Renaldo e Raymond tinham trazido mais homens com eles. Mas Fletcher, Jo-Jo e Sophia correram para a clareira. Eles tinham rostos enegrecidos, cabelos queimados e queimaduras vermelhas e feias do acidente no conversível, mas todos estavam de pé, e parte do terror e da ferida em meu coração diminuiu ao vê-los.
Fletcher tirou o galho das mãos de Lorelei e jogou-o de lado. Ele caiu no chão ao meu lado, o sangue de Raymond pingando da madeira.
— Isso é o suficiente — disse o velho. — É o bastante. Você está segura agora. Você está segura.
— Não! — Ela gritou. — Deixe-me matá-lo! Por favor! Por favor, deixe-me matá-lo...
Sua voz sufocou, e ela começou a soluçar. Sophia agarrou Lorelei, embalando a menina contra o peito, calando-a e dizendo que tudo ia dar certo, mesmo que todos soubéssemos que não iria.
Fletcher olhou para Lorelei, uma expressão indecifrável no rosto, depois avançou e se ajoelhou ao meu lado. Ele colocou uma mão gentil no meu ombro, olhando para todos os pregos saindo das minhas costas.
— Gin, você está bem?
— Apenas descansando — eu disse lentamente, embora minha voz saiu como um chiado rouco. — Eu sempre quis tentar a acupuntura.
Fletcher riu, o som severo cheio de preocupação. — Você apenas fica deitada. Jo-Jo irá ajudá-la.
A anã se ajoelhou ao meu lado. — Nós vamos consertar você, querida.
Jo-Jo usou sua magia de Ar para tirar os pregos das minhas costas, um a um. Doeu horrivelmente, como levar dezenas de tiros ao contrário, mas Fletcher segurou minha mão o tempo todo.
Finalmente, Jo-Jo terminou, e Fletcher me ajudou a sentar. Lorelei ainda estava chorando contra o peito de Sophia, e a anã gótica inclinou a cabeça para Raymond, que ainda estava inconsciente.
— E quanto a ele? — Sophia raspou. — Matá-lo agora?
Fletcher estava sobre o menino, olhando para ele, uma faca de silverstone brilhando em sua mão morena e desgastada pelo tempo.
Finalmente, ele balançou a cabeça. — Sem crianças, nunca — ele murmurou. — O menino tem apenas dezesseis anos.
— Não! — gritou Lorelei, com as mãos cerradas em punhos. — Você tem que matá-lo agora! Ou então ele voltará mais tarde e tentará nos matar novamente. Eu sei que ele vai. Eu sei!
Fletcher olhou para o rosto dela coberto de lágrimas e depois para o menino. Eu podia ver a luta em seus olhos. Ele queria fazer o que Lorelei pedia – ele queria matar Raymond e terminar as coisas aqui mesmo, agora mesmo. Todos nós sabíamos que Raymond iria crescer para ser apenas mais uma versão sádica de seu pai.
Mas Fletcher balançou a cabeça novamente e deixou cair a faca ao seu lado. — Sem crianças, nunca — ele repetiu com voz firme. — Não se preocupe com o seu irmão. Vamos lhe dar um novo sobrenome e garantir que ele nunca possa encontrá-la. Você nunca mais o verá depois de hoje. Eu te prometo isso. Tudo bem?
Os ombros de Lorelei caíram. Porque não estava tudo bem para ela. Porque ela não acreditava que Fletcher pudesse mantê-la segura.
No chão, Raymond gemeu, começando a acordar. — Matar você por isso — ele murmurou. — Matar você...
Lorelei estremeceu e se virou, como se não pudesse olhar para ele – e o perigo que ainda representava.
Pela primeira vez desde que eu o conheci, pensei que Fletcher tinha tomado a decisão errada. Mas ele sempre me ensinou que um assassino sem limites era apenas um monstro, e ele estava mantendo seu código...
— Gin? — Uma voz baixa e rouca disse.
Na primeira vez, eu pensei que eu ainda estava sonhando, que Fletcher estava dizendo algo mais para mim. Mas então percebi que estava no salão de Jo-Jo, ainda segurando a mão de Owen, tendo adormecido ao lado dele. Eu lentamente levantei a cabeça de seu ombro, pensando se eu tinha acabado de imaginar o som de sua voz.
Mas seus olhos violetas estavam abertos e firmes nos meus.
— Hey — Owen raspou novamente, dando-me aquele familiar sorriso torto que eu amava tanto.
— Hey — eu sussurrei de volta, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. — Como você se sente?
— Como um espetinho humano.
Eu ri de sua piada de mau gosto, mas a dor no meu coração diminuiu. Ele ia ficar bem.
Owen ainda estava deitado na poltrona do salão, então me levantei e me deitei cuidadosamente ao lado dele, encaixando o meu corpo no dele. Ele passou um braço ao meu redor, mas mesmo esse pequeno movimento o exauriu, então eu me aproximei e dei um beijo suave em seus lábios. Depois deitei minha cabeça em seu ombro, espalhei meus dedos sobre o peito dele, e escutei a batida constante de seu coração.
Batendo forte, como sempre.
* * *
Owen voltou a dormir, e eu fiquei ali deitada ao lado dele, durante quase uma hora antes da porta da frente se abrir. Passos rápidos se apressaram em nossa direção.
— Owen! Owen! — uma voz familiar chamou.
Seus olhos se abriram quando uma garota de idade universitária, com cabelo preto azulado, pele de porcelana e olhos azuis entrou no salão. Eva Grayson, sua irmãzinha.
— Owen! — Ela gritou de novo.
Eu me levantei do sofá. Eva se apressou e se jogou em cima de Owen, mesmo que ele ainda estivesse deitado.
— Estou tão feliz que você esteja bem! — Eva disse. — Você me deixou preocupada!
Owen riu. — Estou bem, Eva. Realmente estou. Jo-Jo me curou.
Eva recuou e deu-lhe algum espaço para respirar. — O que aconteceu? Recebi uma ligação de Silvio dizendo que você e Gin estavam em algum tipo de briga e que você estava muito machucado. Eu estava no Country Daze, passando a noite com Violet, mas vim assim que pude.
Limpei a garganta. — Eu vou dar a vocês algum tempo sozinhos.
Eva acenou para mim, em seguida, pegou minha cadeira ao lado de Owen.
Ele estendeu a mão e agarrou a minha.
— Hey — disse ele em uma voz suave. — Não é sua culpa. Não pense por um segundo que foi. Eu sabia exatamente no que eu estava me metendo.
Inclinei-me e escovei meus lábios em sua testa. — E eu amo você por isso – por apoiar-me, não importa o quê. Apenas descanse um pouco. Vou fazer algo para nós comermos enquanto vocês dois conversam.
Owen assentiu e concentrou sua atenção em Eva, assegurando-lhe que estava bem e que tudo estava bem.
Eu parei na entrada do salão e os observei por um momento, depois fechei a porta. Então, eu poderia começar o que precisava ser feito agora.
Encontrar e matar Raymond Pike – de uma vez por todas.
Capítulo 25
Eu fui para a cozinha. Jo-Jo preparara um bule de café e o rico aroma de chicória enchia o ar. Respirei fundo, pensando em Fletcher, que havia bebido a mesma bebida escura. O aroma e todas as memórias que ele invocava do velho me estabilizaram. Eu sabia o que ele faria agora no meu lugar, e eu finalmente estava pronta para abraçá-lo.
Jo-Jo, Sophia, Cooper e Finn estavam conversando com Mallory em voz baixa, enquanto Silvio mandava uma mensagem no celular, com Rosco sentado a seus pés. Lorelei ficou sozinha a poucos metros de distância.
As únicas pessoas que faltavam eram Bria e Xavier. Eles devem ter voltado para a mansão de Lorelei com o resultado do ataque de Pike. Eu me perguntei se eles haviam encontrado Corbin inconsciente dentro da casa. Mas eu não estava preocupada com ele. Corbin não havia sido ferido tanto quanto Owen.
Os outros pararam de falar ao ver meu rosto frio e duro. Eu assenti para todos, em seguida, lavei minhas mãos e abri a geladeira, me perguntando que tipo de petiscos eu poderia fazer. Algo leve, mas saudável, eu decidi. Owen precisaria de frutas e legumes para recuperar sua força. Então eu peguei um abacaxi na geladeira, juntamente com morangos, mangas, um par de kiwis e um limão. Peguei uma faca de uma das gavetas e comecei a cortar as frutas, colocando tudo em uma tigela grande.
Meus amigos me encararam, imaginando por que eu estava fazendo salada de frutas em um momento como aquele. Mas era isso ou sair para o quintal e esfaquear uma das árvores de Jo-Jo até a morte para retirar um pouco da minha raiva. Mesmo agora que eu sabia que Owen ia ficar bem, eu ainda queria pulverizar a tudo e a todos dentro da distância para que eles pudessem sentir uma pequena parte da angústia que eu tinha sentido esta noite.
Mas em vez de fazer isso, eu peguei uma manga e comecei a cortar.
— Um, Gin? — Finn perguntou.
— Sim
Eu fiz o meu caminho através de outra manga, cortando a pele grossa, em seguida, fatiando a fruta. Todos iriam ver Owen pela manhã, então íamos precisar de muita salada de frutas. E bacon. E panquecas. Pilhas delas. Eu fiz uma careta, me perguntando se eu tinha tempo para correr até o supermercado para ter certeza que eu tinha o suficiente para todos. Mais tarde, decidi. Depois que Owen dormir.
Finn limpou a garganta. — Longe de mim distraí-la de massacrar frutas inocentes e indefesas, mas o que você vai fazer agora, Gin?
Eu continuei cortando. — O que eu deveria ter feito o tempo todo... matar Raymond Pike.
Ele balançou a cabeça. — Isso pode ser mais difícil do que você pensa. Acabei de falar com Bria e Xavier. Os policiais estão procurando por ele, mas não há sinal dele em torno da propriedade de Lorelei. É como se ele criasse asas e simplesmente desaparecesse.
Eu esperava isso, já que Pike não tinha aparecido em nenhum dos hotéis locais. Quaisquer que fossem seus disfarces, eram bons, e ele não seria encontrado através de métodos regulares.
Mas eu não tinha que jogar pelas regras. Não mais.
— Não se preocupe em encontrar Pike. Eu vou cuidar disso.
— Como? — Mallory perguntou.
Eu olhei para ela. — Você me disse antes que eu deveria começar a agir como a grande chefe. Bem, considere este meu primeiro comando oficial. Todo mundo está sempre choramingando e chorando para mim sobre seus problemas. Agora eles vão me ajudar a resolver um dos meus.
— O que você tem em mente? — Silvio perguntou.
— Coloque a palavra para fora, — eu disse em uma voz fria. — Para todos no submundo, desde os chefões até os trapaceiros. Eu quero Raymond Pike encontrado. Seja o que for preciso.
Jo-Jo respirou fundo, enquanto Finn, Silvio, Sophia, Cooper e Lorelei pareciam preocupados. Mallory olhou para mim, em seguida, lentamente acenou com a aprovação. Ela entendeu o que eu estava fazendo melhor do que qualquer outra pessoa.
Finalmente, reivindicando o submundo.
Finalmente me tornando a grande chefe.
Finalmente assumindo o controle, do jeito que Mab Monroe havia feito há tanto tempo.
Olhei de novo para Silvio. — Diga a todos que quem quer que encontre Pike primeiro ganhará minha gratidão... e cem mil dólares.
Finn estremeceu. — Gin, você tem certeza que quer fazer isso? Você terá todos os malucos daqui até Bigtime ligando sobre um suposto avistamento de Pike.
Eu considerei suas palavras. — Você sabe, você está certo. Ofereça um milhão.
Os olhos de Finn se arregalaram. Seu rosto empalideceu, sua mão agarrou seu peito como se ele estivesse prestes a ter um ataque cardíaco, e ele realmente choramingou. Ele não gostou da ideia de eu dar todo esse dinheiro, mas valeria a pena cada centavo que eu tivesse para localizar Pike.
Eu olhei para o meu irmão adotivo e ele finalmente concordou.
— Vou ligar para o banco pela manhã. e ter o dinheiro pronto e esperando — disse Finn.
— Bom.
— Embora...
— O quê?
Finn balançou a cabeça novamente, jogando de advogado do diabo. — Digamos que você encontre Pike. Então o quê? Você viu o que ele fez no barco, na festa no jardim e hoje à noite na mansão de Lorelei. Ele deve de ter um plano de contingência caso alguém venha procurá-lo, provavelmente um que envolva mais bombas. E se ele estiver escondido em um hotel ou em um prédio de apartamentos, haverá pessoas inocentes demais para tentar tirá-lo de lá. Não sem causar muitos danos colaterais.
— Eu sei disso. Mas eu não tenho que ir atrás de Pike. Ele vai vir até mim.
Finn franziu a testa. — E por que ele seria estúpido o suficiente para fazer isso?
Eu apontei minha faca em direção a Lorelei. — Porque eu ainda tenho algo que ele quer.
O silêncio desceu sobre a cozinha.
A surpresa passou pelos rostos de Finn, Jo-Jo e Sophia antes que eles pudessem escondê-la. Eles me viram fazer muitas coisas ruins ao longo dos anos – trapacear, roubar, mentir, matar – e eles fizeram sua parte de coisas ruins. Mas minha fria determinação em entregar Lorelei ao seu irmão abusivo até os chocou.
Lorelei cruzou os braços sobre o peito. — Vai me fazer de isca na sua pequena armadilha de aranha? Bem, não seria a primeira vez, seria?
— É melhor você acreditar nisso, docinho.
Eu olhei para Mallory, esperando que ela protestasse, mas algo como respeito piscou em seus olhos.
Ela limpou a garganta. — Acho que devemos deixar as garotas conversarem. Por que não vamos verificar Sr. Grayson?
Mallory acenou com a mão. Meus amigos me lançaram olhares inquietos, mas eles a seguiram para fora da cozinha e entraram no salão. Rosco trotou atrás deles, deixando-me sozinha com Lorelei. Eu olhei para ela, esperando fazer algum comentário sarcástico, mas, em vez disso, suas feições suavizaram um pouco.
— Estou feliz que Grayson está bem — disse ela. — Que você foi capaz de salvá-lo.
Eu assenti rigidamente. — Com sua ajuda. Ele teria morrido se você não tivesse me dito o que fazer. Obrigado. Eu te devo por isso. Mais do que você sabe.
— Não é sua culpa, o que aconteceu com ele.
— É claro que é — eu disse, fatiando um kiwi e adicionando alguns pedaços verdes à minha salada de frutas. — Porque você esteve certa o tempo todo. Fletcher deveria ter deixado você matar Raymond naquele dia. Isso nos teria poupado de muita dor e tristeza agora, não é?
— Fico feliz que Fletcher não me deixou matar Raymond naquela época, — Lorelei disse em uma voz calma.
Surpreendida, eu olhei para cima. Essa era a última coisa que eu esperava que ela dissesse.
— Eu fiquei com medo por um longo tempo — ela continuou. — Sabendo que Raymond ainda estava lá fora e que ele estava fazendo o melhor para me encontrar... sabendo que ele queria se vingar pela morte do nosso pai... eu estava com medo de fazer qualquer coisa. Eu não podia nem ir para o quintal sem me preocupar que Raymond pudesse estar me observando das árvores. Eu tive pesadelos que você não acreditaria.
Ah, eu sabia tudo sobre pesadelos, mas não pude deixar de fazer a pergunta inevitável. — Então o que mudou?
Ela endireitou os ombros e ergueu o queixo. — Eu mudei. Demorou um pouco – demorou muito tempo – mas fiquei enjoada e cansada de ter medo e, ao invés disso, fiquei com raiva, por quão estúpida eu estava sendo por deixar Raymond controlar minha vida, mesmo que ele não estivesse mais por perto. Era como se eu ainda estivesse presa naquela casa crescendo com ele, preocupando-me com o que eu faria ou dissesse que iria deixar ele ou nosso pai irritado. Então eu decidi que se ele estivesse vindo atrás de mim, então eu com certeza estaria pronta para ele.
— Mas você não precisava se preocupar tanto. Fletcher sempre foi bom em esconder pessoas. — Outro pensamento me ocorreu. — Você estava segura como Lorelei Parker por anos. Como você acha que Raymond finalmente encontrou você?
Ela encolheu os ombros. — Eu não faço ideia. Você ouviu o que ele disse sobre fazer negócios com alguém que me conhece.
— Alguma ideia de quem poderia ser?
Ela deu de ombros novamente. — Eu contrabandeei um monte de coisas para muitas pessoas, daqui da Montanha Cipreste a Cloudburst Falls, até Bigtime. Poderia ser qualquer um.
Portanto, não havia pistas. Eu queria saber quem sabia tanto sobre o submundo de Ashland – e especialmente os métodos de Fletcher – que eles poderiam colocar dois e dois juntos em relação à identidade de Lorelei, mas isso era uma pergunta para outro dia.
— Você estava preparada para Raymond esta noite — eu disse. — Você queria que ele fosse para sua mansão. Você preparou uma armadilha para ele, uma que eu completamente estraguei. Algo que você tem todo o direito de estar zangada.
— Absolutamente. Eu te disse que eu poderia lidar com ele. Você deveria ter confiado em mim. — Ela sorriu novamente. — Afinal, eu tenho uma reputação também, sabe.
— Entendido.
Para minha surpresa, um pequeno sorriso cintilou em seu rosto. — Você estava errada na festa do jardim também. Não te odeio de verdade.
Eu bufei. — Bem, você poderia ter me enganado. Acho que você mandou todos aqueles homens para o Pork Pit me matarem durante o verão porque você secretamente quer ser minha nova melhor amiga?
Ela riu, o som mais leve do que eu esperava, dado tudo o que tinha acontecido naquela noite. — Claro que não. As pessoas que enviei atrás de você estavam causando certos... problemas na minha organização. Recebendo subornos, passando informando para meus concorrentes, desviando minhas remessas.
Minhas sobrancelhas subiram em meu rosto. — Então você os mandou atrás de mim, sabendo que eu iria matá-los? Isso é frio, docinho.
— Foi a maneira mais rápida e fácil de eliminar ameaças. Não fique toda irritada com isso. Eu não mandei ninguém que eu sabia que você não poderia lidar. — Lorelei se recostou no balcão. — Se isso faz você se sentir melhor, eu fiz a mesma coisa com meus guardas hoje à noite. Aqueles três gigantes que Raymond matou? Eles estavam atrás dos diamantes de Mallory. Eles pensaram que esta noite seria finalmente a noite que eles iriam nos roubar. — Ela soltou uma risada baixa e satisfeita. — Eles estavam totalmente errados.
— Três pássaros, um irmão — eu murmurei. — Impressionante. Mas e Corbin? Ele também estava lá.
— Jack ligou, disse que estava preocupado comigo e com Mallory e insistiu em vir — ela disse. — Eu não queria que Raymond o machucasse também. Mas sua irmã ligou e disse que ele vai ficar bem.
A suspeita passou pela minha cabeça com suas palavras, mas eu decidi me concentrar em uma coisa de cada vez. — Bem, eu estou feliz que eu pude ajudar e ser seu próprio exterminador de pragas privado por todos esses meses.
Eu dei-lhe um olhar aborrecido, em seguida, cortei outro kiwi.
— Você deve considerar isso um elogio, um testemunho de suas habilidades — ela rebateu.
— Eu pressinto algo mais aí.
— E... também tinha o efeito adicional de fazer parecer que eu a queria morta tanto quanto os outros chefes.
— Não queria?
Sua testa franziu, e ela olhou para mim como se de repente eu tivesse começado a falar latim. — Claro que não. Por que você acha isso?
— Oh, eu não sei — eu rosnei. — Todos os olhares irritados e frios que você me agracia sempre que nossos caminhos se cruzam.
Lorelei acenou com a mão, fazendo brilhar o anel de rosas e espinhos e parecendo por um momento com Mallory. — Apenas mantendo as aparências. Eu não tenho interesse em administrar o submundo de Ashland. Todos os chefes cobiçam o trabalho, mas ninguém no seu perfeito juízo iria realmente querer isso. Eles não percebem que tudo o que eles farão é administrar os problemas de outras pessoas em vez dos deles.
— Você não tem ideia — eu murmurei.
Terminei com o último dos kiwis, então mudei para os morangos. Lorelei observou-me cortar e cortar em silêncio, mas ela continuou puxando a ponta da trança preta, cruzando e descruzando os braços, vindo na minha direção, depois recuando contra o balcão. Algo mais estava em sua mente, mas eu ignorei seus movimentos pensativos e continuei cortando morangos.
Eu não tinha vontade de facilitar as coisas para ela. Não depois do que ela acabou de me dizer. Não depois de perceber de forma tão eficaz que ela me usou para me livrar de seus problemas – e por quanto tempo ela estava fazendo isso. Raiva e um pouco de vergonha queimaram através de mim por ser uma idiota e não perceber o que ela realmente estava fazendo. Lorelei sempre foi um pouco exagerada em sua antipatia por mim. Eu deveria ter percebido isso. Eu deveria ter percebido que havia mais coisas acontecendo do que ela simplesmente odiando minhas entranhas.
Então, novamente, eu deveria ter feito um monte de coisas diferentes ao longo dos últimos dias.
Mas pensar nas coisas, enquanto eu estava cozinhando quase sempre me acalmava, e esta noite não foi diferente. No momento em que eu tinha todas as frutas em uma tigela, me senti muito mais calma e quase podia apreciar as manobras astutas de Lorelei. Quase.
Ignorando Lorelei, misturei um pouco de mel e suco de limão, depois cortei um limão e coloquei no meu molho. Eu joguei tudo junto, apreciando a mistura brilhante de cores e o toque cítrico do limão cobrindo todas as frutas. Se isso não fizesse Owen se sentir melhor, nada faria.
Quando terminei, lavei o sumo de fruta pegajoso das minhas mãos. Lorelei se aproximou, indo para o lado oposto da mesa de blocos de açougueiro, seus dedos batendo na superfície lisa. Eu sequei as mãos, cruzei os braços sobre o peito e a encarei.
— Se você tem outra coisa a dizer, agora é a hora.
Ela molhou os lábios. — Aparências à parte, eu não deveria ter sido tão desagradável com você. Eu admito isso. Mas eu não consegui me controlar.
— E por que isso?
Ela não encontrava meu olhar frio. — Porque eu sempre tive inveja de você, Gin.
Eu pisquei. Mais uma vez, isso era apenas a última coisa que eu esperava que ela dissesse. — Por que diabos você ficaria com inveja de mim? Eu sou a mulher mais caçada em Ashland. As pessoas tentam me matar em base mensal, se não semanal. Há sangue nas minhas roupas mais frequentemente do que não, e eu estou sempre esperando pelo próximo ataque. Minha vida não é um estilo de vida saudável e sem estresse.
— E tudo isso só aumenta a minha inveja. — Uma risada amarga escapou de seus lábios. Quando ela falou de novo, sua voz estava sussurrando. — Porque você sempre foi mais forte do que eu.
Eu não disse nada. Depois de um momento, Lorelei exalou e ergueu os olhos para mim.
— Naquele dia, na cabana, quando meu pai veio atrás de nós, eu queria ficar em pé e lutar — disse ela. — Eu tinha sonhado em fazer isso tantas vezes. Me defender e a minha mãe. De finalmente pará-lo. Mas no final, eu apenas... congelei. Tudo o que eu conseguia pensar era como ele já tinha matado a minha mãe e ia fazer o mesmo comigo. Mas você... você nem sequer pensou em desistir. Nem por um segundo. Nem mesmo quando parecia que ele e Raymond haviam matado seus amigos.
Pensei em suas palavras enigmáticas na festa no jardim. Agora eu finalmente entendi o que elas queriam dizer. — Você queria que tivesse sido você, você queria ser a única a matar seu pai.
Ela me deu um aceno de cabeça afiado. — E eu estava com vergonha de que você fez isso, em meu lugar. Que você teve que fazer isto, já que eu fui tão inútil aquele dia.
— Você não foi inútil, — eu respondi. — Você me salvou do Raymond. Ele teria me matado se você não o impedisse.
— Não foi suficiente. Não para mim. — Ela soltou outro suspiro longo e tenso. — Então, eu, claro, tenho feito a coisa mais imatura e descontado em você toda vez que te vi nos últimos meses. Em vez de apenas avançar e admitir para mim mesma como eu fui fraca naquele dia.
— Não acho que você é fraca. Nem agora e nem naquela época.
Sua boca se contorceu de desgosto. — Então o que eu sou?
Eu dei um passo para frente e coloquei minha mão em cima da dela. — Uma sobrevivente. Assim como eu.
Surpresa brilhou em seus olhos, junto com gratidão. Mas sua expressão lentamente escureceu com pesar e arrependimento por todas as coisas que ela perdeu. Sua mãe, sua infância, sua inocência. Mas, acima de tudo, havia força, a força que a ajudara a sobreviver ao pai, a mesma força que ajudaria a sobreviver ao irmão.
Sua mão se apertou ao redor da minha por um momento, e então nós duas soltamos. Porque sabíamos o que devíamos fazer agora: descobrir como matar Pike.
— Você deveria me deixar cuidar disso sozinha — disse Lorelei. — Raymond não é problema seu. Ele nunca foi.
— Ele quase matou Owen. Eu o caçaria até os confins da terra só por isso.
Lorelei assentiu, ouvindo o veneno na minha voz. — Raymond não é bobo. Ele certamente vai perceber que você vai estar armando para ele agora, e ele terá feito o dever de casa sobre você. Ele vai te ver chegando a quilômetros de distância.
— Eu não me importo se ele sabe que eu estou indo — eu rosnei. — Tudo que eu quero é um campo de jogo nivelado. Um lugar onde sua magia de metal pode ser neutralizada ou pelo menos minimizada. E eu conheço o lugar perfeito.
— Onde?
Em vez de responder, eu abri a geladeira, depois o freezer e alguns armários, pegando tudo o que eu precisava.
— Agora, o que você está fazendo? — Ela perguntou em um tom exasperado.
— Você vai ver.
Lorelei me viu colocar leite, paus de canela e cacau em pó em uma panela no fogão. Também enchi um liquidificador com um pouco de sorvete de baunilha e alguns cubos de gelo, e seu nariz enrugou-se em confusão. Alguns minutos depois, entreguei-lhe um copo parfait cheio de uma bebida deliciosa coberta com marshmallows, mini chips de chocolate e migalhas de biscoitos.
Ela soltou a primeira risada genuína que eu ouvi a noite toda. — Você e seus milk-shakes. Eu deveria saber.
— Milk-shakes de chocolate quente — eu a corrigi. — O melhor de dois mundos. Eles são bons para o que te aflige. Quem sabe? Talvez eles se tornem minha bebida oficial de boa sorte. Funcionou antes naquele dia na floresta.
— Sim, — Lorelei disse em uma voz pensativa. — Eu suponho que sim. Bem, boa sorte.
— Boa sorte.
Nós blindamos, depois bebemos os shakes, que eram tão bons quanto pareciam. Frio e doce, mas com uma persistente sugestão de calor de canela do chocolate quente.
Lorelei bebeu metade do seu e depois soltou um suspiro feliz. — Você sabe, isso não nos torna amigas.
— Claro que não — respondi. — Eu nunca presumi isso. Mas não precisamos ser amigas para matar seu irmão. Apenas dispostas a fazer o que for preciso para acabar com ele.
— Acredite, eu estou mais do que disposta, e certamente vou beber a isso.
Lorelei sorriu e segurou o copo de novo. Eu bati o meu contra o dela e retornei seu sorriso com um dos meus próprios.
— Bom. Agora, aqui está o que vamos fazer.
Capítulo 26
Uma vez que Lorelei e eu havíamos discutido os detalhes do nosso plano, entramos no salão para contar aos outros. A essa altura, já passava das três da manhã. Sophia ajudou Owen a subir para um dos quartos, e o resto de nós caiu em outras cadeiras e sofás por toda a casa para o que restava da noite.
Levantei por volta das nove horas e fiz um saudável brunch sulista com frango frito, tomates verdes fritos, bacon e waffles, junto com a salada de frutas que eu já tinha preparado. Um a um, os outros entraram na cozinha, ainda com os olhos turvos da longa noite, mas irresistivelmente atraídos pelos aromas de carne e massa. Jo-Jo, Sophia, Mallory e Lorelei comeram na cozinha, enquanto Finn e Silvio levaram a comida para viagem, já que tinham várias coisas para verificar para mim esta manhã. Cooper também, já que tinha que voltar para sua forja, e Eva, que foi para a faculdade comunitária para suas aulas da manhã.
Owen ainda estava descansando, então eu levei uma bandeja até o quarto de hóspedes onde ele passou a noite. Jo-Jo verificou-o novamente e declarou que ele estava totalmente curado, mas eu ainda queria que ele descansasse o máximo possível.
Ele se sentou na cama, e eu coloquei a bandeja no colo dele.
Ele olhou para toda a comida, então sorriu. — Foi apenas uma pequena ferida de faca, Gin. Dificilmente vale a pena tudo isso. Embora se eu soubesse que isso significaria o café da manhã na cama, eu teria me esfaqueado muito tempo atrás.
Eu afastei o cabelo preto de seu rosto, então o beijei, para que ele não notasse quão forçada era a minha risada. — Você sempre vale a pena o esforço, com ferimento de faca ou não.
Eu mantive minhas palavras leves e provocantes, assim como as dele, mas eu ainda podia vê-lo sangrando por cauda daquela faca – minha faca – cravada em seu peito. Foi uma das coisas mais horríveis que eu já vi, e eu não seria capaz de tirar a imagem da minha cabeça em breve – se é que alguma vez faria. Lorelei tinha seus pesadelos sobre Raymond e seu pai. Bem, agora eu também tinha outro para minha coleção.
Owen devorou sua comida. Eu não estava com tanta fome, mas me forcei a engolir mordida após mordida, sabendo que eu precisaria manter minhas forças para o longo dia à frente.
Ele terminou o último gole de seu suco de laranja, então deitou sua cabeça contra as almofadas, seus olhos violetas se fecharam. Ele ainda estava cansado, e seu corpo precisava de tempo para se recuperar de todo o trauma que tinha recebido, tanto da facada como do Gelo elemental que Lorelei e eu usamos nele.
Eu removi a bandeja e puxei os lençóis e cobertores até o queixo dele.
— Gin? — Owen murmurou com uma voz sonolenta.
— Sim?
— Tenha cuidado quando você matar o bastardo.
Eu o beijei novamente. — Não preocupe a sua cabecinha sobre qualquer coisa agora. Porque eu prometo a você... Raymond Pike estará morto à meia-noite.
* * *
Por mais que eu quisesse ficar com Owen e me assegurar de que ele estava bem, eu não encontraria Pike sentada no salão. Então fui para casa de Fletcher, tomei banho e vesti algumas roupas antes de ir para o centro e abrir o Pork Pit para o dia.
Afinal de contas, ninguém poderia contar algo ao chefão se não estivesse em seu escritório.
Era quase onze horas quando cheguei ao restaurante, uma dúzia de pessoas já estava esperando do lado de fora. Alguns deles só queriam comer churrasco, mas mais do que alguns tinham olhos astutos e nervosismo que me diziam que eles estavam aqui com informações que esperavam que lhe rendesse um bom pagamento.
Silvio lidou com eles como um verdadeiro assistente. Enquanto eu cozinhava, limpava e fazia minhas tarefas, o vampiro estava sentado em uma cabine nos fundos do restaurante perto dos banheiros, ouvindo todas as histórias que os garotos e garotas do submundo sussurravam com urgência para ele. Silvio ouviu fielmente e tomou notas à risca em seu tablet. Às vezes ele fazia uma ligação ou duas para checar alguma coisa. Mas depois de cada pessoa ter dito sua história, ele olhava para mim e balançava a cabeça negativamente, indicando que eles não tinham nenhuma informação válida sobre Pike.
A frustração surgiu em mim, mas me obriguei a controlar meu temperamento e continuar gerenciando o meu restaurante como se nada estivesse errado e eu não estivesse ansiosa para matar um homem ao pôr do sol. Este era meu território, e eu ia usar isso para minha vantagem. Raymond Pike não conseguiria se esconder para sempre. Não na minha cidade.
Finalmente, por volta das duas horas, a porta da frente se abriu e Jade Jamison entrou no Pork Pit. Ela olhou para o homem sentado com Silvio, depois para mim. Silvio ergueu as sobrancelhas em uma pergunta silenciosa, mas eu acenei para Jade, e ela se sentou no banquinho mais próximo da caixa registradora.
— Veio para outro milk-shake? Esses tem feito sucesso com o público nos últimos dias.
— Claro, — ela disse. — Com um pouco de informação.
Eu gemi. — Uau. Isso foi muito ruim.
Ela sorriu. — Eu sei, mas eu sempre quis dizer uma frase assim, e parecia a hora perfeita.
Ela pediu um milk-shake de morango, e eu comecei a fazê-lo. Seja qual fosse a informação que Jade tinha, era o suficiente para lhe dar um sorriso de orelha a orelha. Só isso me dizia que ela tinha as informações sobre onde Pike estava se escondendo. Um pouco da tensão no meu peito diminuiu. Eu esperei horas para alguém me trazer a cabeça de Pike, e parecia que ela finalmente ia me entregar.
— Então, — Jade disse, depois que ela tomou um gole longo e apreciativo de seu milk-shake, — eu ouvi que você está procurando por outra pessoa agora. Um cara chamado Raymond Pike.
— Sim.
— O que você quer com ele?
— Nada de bom.
Ela se encolheu com o veneno em minha voz. Seu sorriso desapareceu e ela empurrou seu milk-shake para o lado.
— Bem, eu não sei nada sobre alguém chamado Raymond Pike — disse ela, pegando seu telefone no balcão. — Mas esse cara está hospedado no Peach Blossom. Ele está em uma suíte na cobertura alugada por algum grupo de investimento.
O Peach Blossom era um dos muitos prédios luxuosos de Ashland, na mesma rua que o Delta Queen.
Jade pegou uma imagem no celular e virou a tela para que eu pudesse ver. Cabelos negros, olhos azuis, sorriso presunçoso. A foto estava granulada, como se tivesse sido tirada com outro telefone mais barato, mas ainda era boa o suficiente para mostrar Pike sentado em uma mesa, tomando café da manhã e lendo um jornal, como se ele não tivesse assassinado três pessoas na noite passada e quase conseguiu fazer o mesmo com Owen.
— Esse é o meu cara. Como você o encontrou?
— Um dos meus homens trabalha como porteiro no Peach Blossom - ela disse. — Limpeza, entrega de comida e coisas do gênero. Depois que recebi a mensagem de Silvio ontem à noite, passei para todos os meus amigos e disse a eles para manterem os olhos abertos. Meu cara serviu a este homem um café da manhã tardio, cerca de noventa minutos atrás.
— O seu cara tem acesso às imagens de segurança do prédio? Quem vem e vai?
Eu não estava satisfeita em apenas pegar Pike. Não depois do que ele fez para Owen. Agora eu ia derrubar todos que o ajudaram.
— Claro — disse Jade. — O que você está procurando?
— Um braço-direito.
Ela franziu a testa, não entendendo minhas palavras enigmáticas. — Ok... mas estou dizendo a verdade. Seu cara está lá.
— Oh, eu acredito em você, mas há algumas outras coisas que preciso confirmar. Olhar as fitas de segurança dos últimos dias vai me ajudar com isso. Então você pode conseguir para mim ou não? — Eu perguntei.
— Claro. Eu posso mandar meu cara enviá-las para o seu telefone.
— Faça isso.
Acenei para Silvio, e Jade parou de mandar mensagens de texto por tempo suficiente para mostrar a foto de Pike. O vampiro assentiu, então disse ao grupo de pessoas que ainda esperavam que a pessoa em questão tivesse sido encontrada e que a recompensa tivesse sido reivindicada. Gemidos desapontados ergueram-se da multidão, fazendo alguns dos clientes olharem curiosos naquela direção, mas todos me deram um breve aceno e deixaram o restaurante de uma maneira ordenada e quase respeitosa.
— Parabéns — eu disse. — Você acabou de ganhar um milhão de dólares.
Jade sorriu para mim por vários segundos, mas sua expressão rapidamente se transformou em um olhar cauteloso. — Bem desse jeito? Você vai realmente honrar o acordo apenas com base na minha palavra e em uma foto de celular?
— Sim. — Dei de ombros. — Claro, se eu descobrisse que você ou seu cara estavam mentindo para mim, bem, isso não funcionaria tão bem para vocês dois.
Ela se encolheu de novo.
— Mas você é inteligente demais para isso, — eu continuei em uma voz suave e doce. — Não é, Jade?
Ela assentiu, sua expressão tensa. — É melhor você acreditar nisso.
— Bom. Então, Silvio vai providenciar para que você receba seu dinheiro.
Eu deslizei do banco e desamarrei as cordas do meu avental azul de trabalho, puxando-o sobre a cabeça. Pendurei-o em um gancho da parede dos fundos, peguei meu telefone e mandei uma mensagem para Lorelei, dizendo que sabia onde Pike estava e perguntando se era hora de colocar nosso plano em ação.
Ela me respondeu um segundo depois. Tudo pronto na minha parte. Pode vir.
Coloquei o telefone de volta no bolso, mais do que pronta para o rock 'n' roll.
— O que você vai fazer? — Jade perguntou, olhando as mangas compridas da minha camiseta preta como se esperando que eu apontasse uma das minhas facas para ela.
Sorri. — Nada demais. Apenas certificando-me de que Raymond Pike tem tudo o que precisa para sua última noite em Ashland.
* * *
— Você tem certeza que é uma boa ideia? — Jack Corbin perguntou. — Sair da cidade assim? Tão... de repente?
Era uma hora depois, e eu estava na biblioteca da mansão de Lorelei, observando-a arrumar um laptop, um tablet e algum outro equipamento. Mallory estava em outra sala, reunindo suas próprias coisas, que consistiam em caixas cheias de todos os tipos de joias, a maioria delas incrustadas com pedras impressionantes de diamantes. Pelo menos, ela era consistente assim.
— Quero dizer, o que aconteceu ontem à noite foi horrível — continuou Corbin. — Os guardas morrendo, Pike invadindo a mansão, ele atacando a mim e você e Mallory. Mas posso contratar mais guardas, aumentar sua segurança. Ele não vai passar por mim novamente, Lorelei. Eu prometo a você isso.
Depois que levamos Owen para Jo-Jo na noite passada, Bria e Xavier voltaram para a mansão. Eles levaram Corbin para um elemental de Ar que a polícia tinha de plantão, e o curandeiro havia retirado todos os pregos de Pike das costas de Corbin e costurado suas feridas. Corbin teve sorte – muita sorte – que os pregos não atingiram nada vital.
Então, novamente, eu não acreditava em tanta sorte.
Lorelei colocou seu laptop em uma bolsa, tomando cuidado para não olhar para ele. — Eu aprecio sua preocupação, Jack. Realmente, eu faço. Mas não há como parar Raymond ou sua magia de metal. Eu sempre soube que isso aconteceria. Que Raymond iria me encontrar um dia e que eu teria que fugir. Além disso, Gin acha que isso é o melhor. Certo, Gin?
— Certo — falei baixinho.
Corbin passou a mão pelo cabelo castanho escuro e começou a andar de um lado para o outro na frente da mesa de Lorelei. — Mas por que você tem que sair hoje? Você não me deu tempo para me preparar. Se eu soubesse que isso era o que você queria, eu teria feito os arranjos para você e Mallory.
— É por isso que eu cuidei de tudo — eu cortei, irritada com o tom lamuriante em sua voz. — Eu já contratei as vans de mudança e meus amigos virão mais tarde para ajudar Lorelei e a Mallory a guardar mais algumas coisas. Lorelei vai comigo na van da frente, e vamos deixar a Mallory confortável na parte de trás de outra van.
Lorelei fechou o zíper da bolsa do laptop, depois se aproximou e começou a puxar livros de uma das prateleiras ao longo da parede. — Mallory quer parar nos jardins botânicos antes de partirmos para sempre. Ela e minha mãe passaram muito tempo lá quando a minha mãe era mais jovem. E também Mallory e eu ao longo dos anos.
— Suponho que tenhamos tempo para uma última parada nostálgica antes que a gente saia da cidade — falei. — Nós tomaremos a Huckleberry Road. Ela passa pelos jardins e nunca há muito tráfego. Nós vamos parar, deixaremos Mallory se despedir e seguiremos em frente. Quando Pike perceber que você foi embora, você e o Mallory estarão em outro estado, com novas identidades, e ele nunca mais poderá encontrá-la.
Lorelei assentiu e continuou retirando livros das prateleiras. Eu olhei os títulos. Muita fantasia e livros de espionagem, junto com uma pitada de literatura sulista. Eu aprovei suas escolhas de leitura, especialmente desde que vi uma cópia de Where the Red Fern Grows. Meu coração apertou quando pensei em Fletcher. O velho teria ficado feliz por eu estar aqui, ajudando Lorelei. E eu também.
Corbin olhou para trás e para a frente entre nós. — Parece que você pensou em tudo.
Eu me virei para que ele não visse o meu sorriso malicioso. — Sim, acho que sim.
— Bem, se você tem certeza de que não há nada que eu possa fazer...
A voz de Corbin sumiu.
— Tenho certeza, — Lorelei disse.
Ela parou, se aproximou e colocou a mão no ombro de Corbin. — Você já ajudou muito, Jack. Não pense que eu não tenha notado... ou que eu não aprecie todo o seu trabalho duro por mim.
Ela estendeu a mão e o abraçou. Eu estava de frente para Lorelei e arqueei minhas sobrancelhas por suas palavras doces e melosas. Lorelei revirou os olhos antes que seu rosto se suavizasse em uma expressão neutra. Ela recuou e olhou para Corbin.
— Eu arranjei para você receber um bom bônus. Um que deve te ajudar até que você possa se juntar a outra equipe. Eu também o recomendarei para o pessoal que eu conheço.
— Obrigado, chefe, — disse Corbin. — Bem, se você não precisa de mim para qualquer coisa, eu acho que vou deixar você terminar isso, então.
Corbin sorriu para Lorelei, assentiu para mim, em seguida, saiu da biblioteca e fechou a porta atrás dele.
Lorelei abriu sua boca, mas eu levantei um dedo em advertência. Eu não ouvi Corbin ir embora. — Deixe-me ajudá-la com esses livros — eu disse. — Eles parecem pesados.
— Claro.
Lorelei e eu nos movemos ao redor do escritório, arrastando livros de um lado para o outro. Depois de cerca de um minuto, uma tábua do assoalho rangeu e ouvi passos suaves recuando pelo corredor.
Deixei cair os livros que estava segurando em um sofá próximo e abri a porta da biblioteca. Corbin foi embora e o corredor estava deserto. Bom.
Fechando a porta, virei-me para encarar Lorelei, que jogou sua própria braçada de livros em sua mesa.
— Você acha que ele acreditou? — Perguntei. — Que não fomos tão óbvias?
Lorelei bufou. — Eu não o contratei por seu cérebro. Ele acreditou nisso tudo. Anzol, linha e vara.
Eu sorri. — Bem, então, vamos ver o que a nossa isca nos traz.
Capítulo 27
Às seis horas da noite, eu estava sentada com uma espingarda ao lado de Bria em uma van branca, observando o mundo passar. Estávamos em Northtown, na Huckleberry Road, dirigindo pela paisagem exuberante dos jardins botânicos, embora o sol poente já estivesse transformando os densos aglomerados de plantas mais cinzas do que verdes. Postes de iluminação de ferro já haviam ganhado vida ao longo desse trecho estreito e cheio de curvas, o brilho dourado fazendo pouco para banir as sombras crescentes.
— Tem certeza de que isso vai funcionar, Gin? — Bria perguntou. — Parece um grande risco a tomar.
— Esta é a nossa melhor opção. Confie em mim.
— Mas e se Pike fizer algo inesperado? — pressionou Bria, preocupação vincando seu rosto. — E se as coisas derem erradas?
— Pike tem sido razoavelmente previsível até este ponto. Não espero que ele se desvie muito de seu plano padrão de ataque. Mesmo que ele faça exatamente o que eu acho que ele fará, as coisas ainda vão, sem dúvida, dar errado. É assim que meu azar funciona. Mas é por isso que estamos fazendo desse jeito. Para minimizar o risco para todos.
Eu olhei no espelho lateral. Duas caminhonetes idênticas à nossa cruzaram a estrada atrás de nós. Finn estava dirigindo o segundo veículo, Xavier segurando a espingarda, enquanto Sophia dirigia o último, com Owen e Silvio como seus companheiros. Apesar do fato de que ele quase morreu ontem à noite, Owen insistiu em vir. Eu o amava por isso, mas também fazia meu estômago se revirar de preocupação, como acontecia com relação ao resto dos meus amigos. Porque, enquanto Pike estivesse vivo, todos estavam em perigo, especialmente estando aqui comigo.
Bria não disse mais nada, mas alternou entre olhar para mim, para a estrada e para o espelho retrovisor. Uma de suas mãos envolveu o volante, enquanto a outra arrumava sua peruca – um rabo de cavalo marrom escuro. Eu achei que combinou muito bem com as roupas pretas da cabeça aos pés que ela usava.
— Você vai bagunçar o seu cabelo se continuar puxando assim.
Bria tirou a mão da peruca. — Desculpe.
— Não se preocupe com isso. Essas coisas coçam como loucamente.
Estendi a mão e acariciei minha própria peruca – uma preta que tinha sido estilizada em uma trança francesa – antes de puxar para baixo minha jaqueta de couro, a cor azul real brilhante o suficiente para ser vista claramente através do para-brisa.
Eu não tinha dito exatamente a Corbin a verdade sobre o que eu estava fazendo hoje à noite.
Bria seguiu em frente, e a estrada se interseccionou, com uma parada de quatro vias à frente. Diretamente do outro lado, um sedan preto já estava parado no cruzamento, outro sedã idêntico parado atrás dele. Bria desacelerou a van e parou no local apropriado. Olhamos uma para a outra e nos concentramos nos outros carros.
O primeiro sedã preto avançou, passando por nós.
Thunk.
O som do metal batendo no metal cortou o ar. Ao mesmo tempo, o motorista do sedan acelerou, pneus guinchando quando ele se afastou de nós.
— O que foi isso? — Bria olhou em seu espelho lateral. — Ei, há algum tipo de caixa presa ao lado da nossa van...
Boom!
Uma explosão abalou a van. Os dois pneus traseiros levantaram do chão, e eu pensei que o veículo estava virando. Mas em vez disso, a gravidade assumiu e os pneus caíram de volta na estrada. Aquele movimento sacolejante enviou a van deslizando para o lado, levando Bria e eu para um passeio muito selvagem e irregular. Por um segundo, tudo que eu pude ver foi uma mistura de verdes, cinzas, pretos e marrons enquanto o veículo se afastava da estrada e dava voltas e voltas pela grama, levantando pilhas de sujeira.
Mas tão rapidamente quanto havia começado, o passeio terminou, e a van abruptamente parou.
A parada violenta e súbita teria jogado Bria e eu pelo para-brisa agora rachado se não estivéssemos usando nossos cintos de segurança. Mesmo como estava, senti como se minha cabeça estivesse tentando se afastar do resto do meu corpo.
A fumaça preta e pesada entrou na van, e o cheiro de borracha queimada encheu o ar, afundando profundamente em meus pulmões.
Tossi e olhei para Bria. — Você está bem?
Ela piscou, os olhos um pouco desfocados, e ela estendeu a mão e deu um tapinha no rabo de cavalo marrom novamente. — Estou bem. E você?
Eu não vi nenhum sangue nas minhas roupas, embora meu peito doesse onde o cinto de segurança me apertara. Como Bria, eu também estendi a mão e acariciei meu cabelo, certificando-me de que a trança preta ainda estivesse onde deveria estar.
— Sim — eu falei. — Apenas algumas contusões...
Screech!
Minha porta foi aberta, e uma faca brilhou na frente do meu rosto. Fiquei tensa e tentei desviar a arma, mas devo ter ficado mais atordoada do que havia percebido, porque perdi completamente e terminei batendo no painel.
Zip-zip.
Enquanto eu me debatia, a faca fazia dois cortes rápidos e perfeitos no meu cinto de segurança. Então uma mão apareceu, me agarrou e me tirou da van. Eu caí de cara na grama.
— Ei! — Bria gritou. — Deixe-a em paz!
Ela amaldiçoou, tentando se livrar de seu próprio cinto de segurança, mas era tarde demais.
Uma mão agarrou a parte de trás da minha jaqueta e me levantou, fazendo meu cérebro girar no meu crânio novamente.
— Venha calmamente, e vai viver mais alguns minutos — Raymond Pike sibilou no meu ouvido.
Uma mão apertou meu ombro esquerdo, e algo espetou meu lado, tirando sangue e me fazendo chiar de dor. Eu olhei para baixo. Pike tinha os espinhos na bola de sua maça pressionados contra o meu rim esquerdo. Se ele me apunhalasse lá, eu estava acabada.
— Você já me causou problemas suficientes. Eu não hesitarei em acabar com você ao menor sinal de problema. Entendeu? — Ele sussurrou novamente, seus dedos cavando em meu ombro com um aperto firme e contundente.
Eu assenti, não confiando em mim mesma para falar agora.
— Bom. Agora, vamos sair daqui e ir para algum lugar um pouco mais privado.
Em algum lugar ele poderia continuar com o negócio de me matar, mas eu não estava exatamente em uma posição para questionar agora.
Mas meus amigos não estavam prestes a deixar ele me levar até a minha morte.
Os motores rugiram e pneus gritaram quando Finn e Sophia dirigiram suas caminhonetes até a nossa posição, então guincharam até parar. Portas se abriram, e seus gritos altos e preocupados me alcançaram.
— Ei!
— Lá está ele!
— Ele a pegou!
Dentro da primeira van, Bria ainda estava tentando se livrar do cinto de segurança, embora ela continuasse amaldiçoando e gritando para Pike me deixar em paz.
Screech.
O segundo sedan preto parou no meio da rua, formando uma barreira com o primeiro carro e separando Bria e eu do resto dos nossos amigos. Cinco gigantes armados saíram do veículo. Três dos homens se agacharam atrás do carro, usando-o como um escudo, mas os outros dois correram na nossa direção.
Pike tirou a mão do meu ombro tempo suficiente para apontar para os gigantes e depois para as outras duas vans ainda na estrada.
— Para o que eu estou pagando você seus tolos? — Ele retrucou. — Matem eles! Agora!
Os dois gigantes levantaram suas armas e começaram a atirar contra meus amigos. Assim como os homens ainda estavam escondidos atrás do segundo sedan na estrada.
Crack!
Crack! Crack!
Crack!
— Protejam-se! — Finn gritou.
Ele se escondeu atrás da porta da van aberta, em seguida, levantou a arma e disparou contra os gigantes. Xavier também saiu de seu veículo, retornando fogo, e eu vi Sophia, Owen e Silvio abrirem as portas do terceiro e levantarem suas próprias armas.
— Pegue ele! — Owen rugiu sobre o som de tiros. — Pegue Pike antes que ele saia daqui!
Pike amaldiçoou, percebendo que ele não poderia voltar para o seu sedan e que os gigantes não seriam capazes de manter meus amigos para sempre. Ele me virou em direção às árvores.
— Mova-se! — Ele gritou. — Agora! Antes que eu mate você onde está!
Eu assenti, dizendo a ele que faria exatamente o que ele queria.
Então ele agarrou meu ombro, empurrou os espinhos na minha lateral novamente, e me forçou a entrar na floresta.
* * *
Os dedos de Pike cavaram no meu ombro como se ele quisesse arrancar meu braço, mas eu mantive minha cabeça baixa e me concentrei em avançar e não fazer nada para enfurecê-lo ainda mais. Não adiantava tentar escapar. Não quando ele tinha aqueles espinhos pressionados contra a minha lateral, pronto para enfia-los em mim, se eu tentasse lutar.
Atrás de nós, sons constantes de tiros ainda se espalhavam pelo ar, junto com um grito ocasional, mas as árvores silenciavam os sons. Então eu os exclui da minha mente. Além disso, meus amigos não podiam me ajudar agora.
Nós avançamos cerca de sessenta metros quando as árvores deram lugar a um gramado liso e cheio de pedras brancas. Postes de iluminação antiquados ladeavam os caminhos, os brilhos dourados pairavam sobre as pedras como se fossem vagalumes suspensos em uma teia de aranha.
— Os jardins botânicos? — resmungou Pike. — Como é que acabamos aqui de volta...
Crack-crack-crack.
Mais tiros soaram, junto com vários gritos, as vozes cada vez mais perto.
— Onde estão eles?
— Você os vê?
— Estamos indo atrás de você!
Pike amaldiçoou e me empurrou para frente novamente, forçando-me a descer um dos caminhos que levavam a um labirinto. Fileiras de arbustos espessos e impenetráveis erguiam-se a dois metros e meio de altura em ambos os lados, escondendo-nos de todos e de todo o resto. Apenas algumas luzes estavam espaçadas aqui e ali ao longo do caminho, aumentando a escuridão. A respiração quente de Pike raspou contra a minha bochecha. O fedor de fumaça de charuto se agarrava ao seu corpo, dominando os aromas muito mais agradáveis do jardim.
Alguns caminhos menores se separavam para a esquerda e para a direita, mas Pike me empurrou pela trilha central. Nós andamos cerca de quatro metros quando o labirinto se abriu em uma grande área circular. Cercas brancas cercavam o caminho, isolando canteiros de flores cheios de amores-perfeitos, crisântemos e videiras com folhas verdes frondosas enrolando-se ao redor delas. Encaixado no centro do jardim havia um mosaico redondo feito de pedaços irregulares e coloridos de vidro vermelho, laranja e amarelo que haviam sido encaixados para formar uma cornucópia.
Pike me levou até o mosaico e me jogou de cara no meio do vidro. Eu usei minhas mãos para parar minha queda, mas ainda senti o impacto duro e chocante. Minhas mãos rasparam contra as palavras Tempo da colheita, que se curvavam sobre o topo da cornucópia.
Pike circulava em volta de mim, suas botas batendo no vidro. Ele estava usando outra bolsa preta com pregos no peito, e as peças de metal tilintavam no ritmo de seus passos. Todo o tempo, ele continuou balançando sua maça para a frente e para trás como uma foice de morte pairando sobre a minha cabeça. Finalmente, ele parou na minha frente.
— Agora, cadela — ele rosnou, — eu acho que é hora da nossa tão esperada reunião de família... e para você finalmente pagar por matar nosso pai.
Em vez de implorar por misericórdia como ele queria, eu comecei a rir. Risadas profundas e altas saíram dos meus lábios.
— O que é tão engraçado? — Ele rosnou novamente.
Levou mais alguns segundos para eu parar de rir. — Bem, — Eu disse, levantando a cabeça para olhar para ele. — Você finalmente acertou uma coisa. Eu matei seu pai, mas ele não era meu pai também. Algo pelo que sou extremamente grata.
Suas sobrancelhas negras se juntaram, confusão enchendo seu rosto.
Levantei a mão e arranquei a peruca preta que estava usando, que Jo-Jo tinha trançado para parecer com o cabelo de Lorelei.
Pike respirou fundo, finalmente percebendo o quanto ele havia sido completamente enganado – e que ele havia interceptado a mulher errada.
— Surpresa — eu disse lentamente. — Eu não sou a vadia que você está procurando.
Capítulo 28
Eu me levantei, espalmei a faca escondida na minha manga e ataquei.
Eu queria estripar Pike e terminar a luta antes mesmo de começar. Ele se afastou do caminho. Eu movi minha faca novamente, mas ele foi mais rápido e balançou sua maça em um arco vingativo. Desta vez, fui eu quem recuou e começamos a dar voltas e voltas, cada um de nós procurando uma abertura para derrubar o outro.
Os olhos de Pike se estreitaram. — Você não é Lorelei.
— Maneira de declarar o óbvio. Você não é observador.
— Mas havia uma mulher na van com você, — ele acusou. — Uma vestida com roupas pretas com um rabo de cavalo como o seu. Eu a vi quando plantei a bomba na parte de trás da van.
— Minha irmã, Bria, vestida para se parecer comigo. — Fiz um gesto com a faca para as botas pretas, jeans escuros e jaqueta de couro azul que eu estava usando. — Comigo vestida para parecer Lorelei. Um truque simples, mas você caiu totalmente nele.
O rosto de Pike endureceu. — Lorelei deveria estar na van da frente.
Eu sorri. — Isso foi o que nós dissemos ao seu querido Corbin, e ele contou direitinho para você.
Ele piscou, surpresa surgindo em seu rosto. — Como você sabe sobre Corbin?
— Que ele está vigiando Lorelei por você? Contando todos os seus movimentos e planos? Por favor. — Eu zombei. — Paranoia é meu nome do meio. Você tinha que ter algum jeito de rastreá-la, já que você fica sabendo de todos os lugares que ela vai, e como fazer isso melhor do que comprando o braço direito de Lorelei? Além disso, achei estranho que você aparecesse logo depois de Corbin chegar à mansão na noite anterior. A única maneira que você poderia ter passado por mim era se estivesse escondido em seu carro. Você também poupou Corbin, quando você poderia facilmente tê-lo matado com seus pregos. Você realmente deveria tê-lo ferido, em vez de lhe dar todas aquelas feridas superficiais.
Sua boca torceu. Parecia que concordamos em uma coisa.
— Então eu fiz meus caras investigarem suas finanças. E adivinha? Corbin recebeu vários depósitos em dinheiro na semana passada. Sem mencionar o fato de que as câmeras de segurança do Peach Blossom o pegaram entrando e saindo de sua cobertura várias vezes. Você só ganha muito dinheiro e faz esses tipos de reuniões às escondidas quando trai alguém. Além disso, eu o vi na estrada. Ele estava dirigindo aquele sedã preto em que você estava.
Um músculo pulsou no maxilar de Pike. Isso não estava indo tão bem como ele imaginou.
— Agora, uma das coisas que eu admiro sobre Lorelei é a sua resolução criativa de problemas — eu disse. — Ela é realmente muito inteligente em fazer com que outras pessoas façam seu trabalho sujo, inclusive eu. Foi ideia dela fazer com que Corbin lhe dissesse tudo sobre o suposto plano de deixar Ashland. Nós lhe demos todos os detalhes suculentos, incluindo nossa rota e em qual van ela supostamente estaria, o que Corbin tão gentilmente informou a você. E o que você faz? Você acreditou totalmente e aqui estamos.
— Onde ela está? — rosnou Pike, olhando ao redor do jardim. — Onde está essa cadela?
— Se eu fosse você, docinho, eu estaria mais preocupado comigo agora.
— Você acha que eu estou com medo de você? — Desta vez, ele foi o único que riu. — Oh, eu sei tudo sobre você. Gin Blanco, o Aranha. Ooh. Só dizer o seu nome me dá calafrios. — Ele deu um falso estremecimento com os ombros.
— Deveria, desde que você entrou direto na minha armadilha.
Ele riu novamente. — Armadilha? Que armadilha? Tudo o que vejo é você, com uma faca e ninguém para ajudá-la.
— Eu não preciso de ninguém para me ajudar com você. Tudo o que eu precisava era desse pequeno e adorável jardim.
Pike franziu a testa, as sobrancelhas franzindo em confusão novamente. Seu olhar oscilou de um lado para o outro entre as cercas brancas, os canteiros de flores e o mosaico de vidro. Seus olhos brilharam azuis por um segundo. A compreensão apareceu em seu rosto.
— Nenhum metal, — ele rosnou.
Eu apontei minha faca para ele. — Ding-ding-ding. Temos um vencedor. Você realmente acha que eu apenas deixaria você me sequestrar e me levar para qualquer lugar que você quisesse? Sua emboscada na estrada, bombardeando a van, pensando que eu era Lorelei e me agarrando, andando por todo o caminho até aqui. Eu planejei tudo, cada coisa projetada para trazê-lo até os jardins. Até agora, tudo correu sem problemas.
— Nem tudo. — Ele zombou. — E os seus amigos? Meus gigantes devem ter atirado neles até a morte agora.
Inclinei a cabeça para o lado. — Engraçado. Eu não ouço nada. E você?
Pike ouviu, mas o som de tiros havia parado, e o único som era o ruído dos nossos passos enquanto nos mantivemos circulando um ao outro.
— Você sabe qual é a coisa boa de ser a chefe do submundo de Ashland? — Eu perguntei.
Ele olhou para mim.
— Todo mundo se reporta a mim agora. Eu imaginei que você poderia tentar contratar alguns músculos locais para ajudá-lo desta vez, especialmente porque você já tinha matado Smith, seu antigo capanga. Então eu coloquei a palavra para fora e ofereci um pagamento muito generoso para qualquer um que se apresentasse com informações sobre você. Aqueles gigantes que você achava que estavam em sua folha de pagamento? Eles são realmente meus.
A boca de Pike se abriu. — Mas... mas eles estavam atirando em seus amigos! Eu os vi!
— Sua irmã contrabandista tem acesso a todos os tipos de coisas interessantes. A munição falsa é uma delas. Aqueles gigantes que você pensou ter contratado? Eles estavam atirando com munição falsa. Assim como você está fazendo, docinho.
O choque atravessou o rosto de Pike, junto com mais do que um pouco de constrangimento. Suas bochechas coraram, embora não fosse nada comparado com a raiva que brilhava em seus olhos.
— Sua cadela — ele rosnou. — Você acha que pode aprontar para cima de mim? De jeito nenhum.
— Não apenas eu, — eu ronronei, apontando minha faca para o lado. — Veja. O resto da nossa festa no jardim finalmente chegou.
Pike olhou para a entrada, sua boca se abrindo de novo.
Meus amigos estavam aqui.
Finn, Bria, Xavier, Sophia, Jo-Jo, Silvio e Owen estavam em um semicírculo solto, todos armados com armas de Gelo elemental. Mallory também estava com eles, usando o mesmo tipo de roupa preta que o resto de nós, junto com sua variedade habitual de diamantes. Ela parecia uma ladra de joias que tinha acabado de levantar a grande bolada de sua vida.
Mallory tinha sua arma de Gelo apontada em Corbin, que parecia totalmente infeliz. Cortes e hematomas marcavam seu rosto, e seus olhos estavam sem brilho e sombrios. Ele apostou no lado errado, e ele sabia o quanto tinha perdido.
E então havia Lorelei.
Ela deixou meus amigos para trás, vindo para o centro do jardim onde Pike e eu estávamos. Ela também estava carregando uma arma de Gelo, com mais um par de coldres em suas coxas e um punhado de facas circulando sua cintura. Depois disso tudo, eu teria que dizer o quanto eu aprovava suas escolhas de guarda-roupa.
Pike amaldiçoou e recuou para que pudesse nos manter à vista ao mesmo tempo.
Lorelei parou ao meu lado e sorriu para ele. — Olá, Raymond. Você queria me ver?
Pike olhou alternativamente entre nós duas antes de se concentrar em sua irmã. — Você acha que é tão inteligente, com seus esquemas e seus novos amigos e sua assassina de estimação. Mas você sabe o quê? Você ainda é a mesma vadia fraca e chorona que sempre foi, com muito medo de me encarar sozinha.
A magia de Gelo rolou do corpo de Lorelei e seus dedos se apertaram em torno de sua arma. — Fraca? Eu nunca fui fraca. Fui eu quem foi atingida várias e várias vezes. Fui eu quem foi espancada pelo nosso pai, por tudo que ele achou eu fiz errado. Eu fui quem ele torturou, junto com minha mãe. Tudo que você fez foi fazer beicinho e beijar sua bunda. Você estava com muito medo dele para não fazer. Eu diria que isso faz de você a vadia fraca e chorona. Não eu.
Mais daquela raiva quente e envergonhada manchou as bochechas de Pike com um vermelho escuro e feio.
Lorelei balançou a cabeça, a trança balançando contra o ombro. — Eu não sei porque eu sempre tive medo de você, Raymond. Você não tem força real, nenhum poder real. Não do tipo que realmente importa. Tudo o que você tem é o seu ego, e isso não será suficiente para salvá-lo. Não desta vez.
Mas Pike riu, o som suave e confiante. Ele gesticulou para os jardins. — Você acha que ganhou me trazendo aqui? Eu não preciso de nenhum metal aqui para te matar. Eu trouxe muito do meu próprio. Eu sempre o faço.
Seus olhos brilharam de um azul perverso, e ele jogou sua maça em nós. Por um segundo, eu pensei que ele era um completo idiota, jogando fora sua única arma, especialmente com uma tentativa tão vaga. Mas então eu senti uma onda de magia surgir dele, e percebi o que ele estava realmente mirando com ela: a maça.
— Bomba! — Eu gritei.
Eu alcancei minha magia de Pedra e usei-a para endurecer minha pele, enquanto eu abordava Lorelei, derrubando-a no chão e cobrindo seu corpo com o meu...
Boom!
* * *
Fogo, calor, fumaça, barulho.
Estilhaços.
Os espetos de metal da maça voaram com a explosão, enquanto o resto das armas se fragmentou em pedaços irregulares, que cortou o ar como facas.
Eu grunhi quando a mistura perigosa de estilhaços atingiu minhas costas, junto com pedaços de terra e pedras. A tempestade de granizo atingiu meu corpo, deixando hematomas, mas minha magia de Pedra impediu que as peças cortassem minha pele. Assim que o último estilhaço caiu, saí de cima de Lorelei e me levantei. Ela fez o mesmo, nós duas procurando por seu irmão.
Mas Pike não estava lá.
Lorelei se virou, procurando por ele. Olhei para os meus amigos. Mallory estava caída no chão, com Jo-Jo, Silvio e Owen tentando ajudá-la. Corbin deve ter usado a explosão para fugir, e ele estava correndo para a entrada, com Finn, Bria, Xavier e Sophia correndo atrás dele.
Meu olhar encontrou com o de Owen.
Ele apontou para o labirinto do labirinto do outro lado do jardim. — Pike foi por ali! Vá! Vá!
Lorelei e eu nos entreolhamos, depois corremos atrás dele.
Capítulo 29
Lorelei e eu mergulhamos no labirinto.
Conforme nos aprofundamos no labirinto, as cercas vivas tornaram-se mais altas e mais grossas, o emaranhado de membros impenetráveis e o caminho curvando e interseccionando com novos galhos se separando a cada poucos metros sem ordem ou padrão discernível. Uma placa em um dos cruzamentos dizia que o labirinto foi projetado para parecer uma rosa quando visto de cima.
Isso não era tão irônico?.
A luz prateada da lua cheia iluminava os topos das sebes, ofuscando os postes de iluminação de ferro que estavam plantados por toda parte do labirinto. O ar cheirava a verde e fresco, com uma sugestão metálica da geada da noite. Folhas haviam caído das árvores mais distantes nos jardins e sopradas nos corredores do labirinto, os cachos castanhos criando padrões de teia de aranha nas lajes brancas.
Lorelei e eu chegamos a um cruzamento. Olhei para a esquerda e para a direita pelos corredores sombrios e cobertos de sombras, mas não vi Pike nem ouvi nada a não ser nossa respiração áspera e rouca. Se nós seguíssemos o caminho errado, ele conseguiria fugir – até a próxima vez que ele decidisse plantar uma bomba em algum lugar.
Estendi a mão para minha magia de Pedra, ouvindo as pedras no chão e escondidas nos arbustos. Mas elas apenas murmuraram sobre a noite fria. A passagem de Pike não foi longa nem distinta para ressoar nelas. Eu amaldiçoei e me abaixei, esperando que houvesse algum tipo de pegada marcada nas lajes que indicaria para onde ele tinha ido.
Nada.
Eu fiquei de pé e andei de um lado para o outro em ambas as direções, mas não vi nem mesmo um ramo quebrado. Eu deixei escapar outra maldição. Dada a minha sorte, eu escolheria a direção errada, e Pike fugiria.
Lorelei apontou para a direita. — Ele foi por ali.
— Tem certeza?
Ela assentiu, seus olhos brilhando como safiras pálidas, e eu percebi que ela estava usando sua própria magia de metal, embora fosse fraca. — Tenho certeza. Passei anos rastreando ele e sua magia por toda a nossa casa, para poder evitá-lo o máximo possível. Ele ainda está segurando seu poder, tentando encontrar algum metal para usá-lo. É fraco, mas posso sentir o rastro dele. Confie em mim.
— Lidere o caminho.
Lorelei seguiu pela passagem à direita.
Nós nos movemos rapidamente e em silêncio. Nós não falamos. Nós não precisávamos. A única coisa que importava agora era encontrar Pike – e matá-lo.
Mas o labirinto tornava isso difícil.
Mais de uma vez, chegamos a cruzamentos onde as sebes se dividiam em duas ou três ou às vezes até quatro novas direções. Eu teria ficado debatendo por horas, tentando localizá-lo, mas Lorelei nunca vacilou, e ela nunca hesitou.
A jornada inteira me lembrou daquele dia na floresta, só que desta vez, Lorelei era a caçadora, a força imparável. Não importava quantas direções diferentes Pike tomasse, não importava como ele manobrava pelo labirinto, ela seguia o leve rastro de sua magia como um cachorro colado a um cheiro que só ela podia detectar.
Finalmente, contornamos uma esquina e avistamos Pike através de um raio de luz. Ele rapidamente desapareceu em outro corredor.
— Lá está ele! — Lorelei gritou, levantando sua arma de Gelo. — Lá está ele!
Ela correu atrás dele. Eu estendi a mão para ela, mas não fui rápida o suficiente para agarrá-la e puxá-la de volta. Em um instante, ela estava vários metros a minha frente e correndo ainda mais fundo no labirinto.
— Espere! — Eu assobiei. — Espere!
Pode não haver nenhum metal por perto, mas Pike ainda tinha aquela bolsa de pregos sobre o peito, e, pior, ele sempre poderia ter outra bomba com ele. Além disso, ele gostava de armadilhas assim como eu, e eu estava disposta a apostar que a única razão pela qual o vimos agora era para que ele pudesse tentar nos atrair para algum tipo de armadilha.
— Lorelei! — Eu assobiei novamente. — Pare!
Mas ela não fez.
Então eu fui atrás dela. Ela ia ser morta, sendo tão imprudente e indo cegamente atrás de Pike, mas eu podia entender por que ela fez isso. Ela estava cansada – cansada de se esconder e esperar e se perguntando quando e onde ele poderia atacar em seguida.
Ela queria acabar com isso.
Mas eu rastejei para frente em um passo mais cauteloso. Poderíamos ter encurralado Pike no labirinto, mas um animal raivoso sempre era mais perigoso quando encurralado...
O grito de Lorelei quebrou o silêncio.
Esqueci de ser cautelosa e corri para frente. Ela continuou gritando, e uma explosão fria e dura de magia encheu a seção do labirinto à frente, como uma nuvem invisível se projetando para o céu.
Por favor!... Por favor, não me deixe!
A voz de Lorelei ecoou em minha mente, mesmo quando seus gritos agrediram meus ouvidos.
O corredor se abriu em outro jardim, um com um tema japonês, dado as árvores de cerejeiras e bonsais que ladeavam os caminhos e o pagode{12} de madeira no meio. Vi um jardim de pedras atrás do banco, as pedras brilhando como opalas à luz da lua.
Lorelei estava de joelhos perto do pagode, com as mãos levantadas e os olhos brilhando de um azul pálido enquanto ela tentava se livrar do irmão. Mas ela estava perdendo, o rosto e as mãos já entrecruzados com arranhões ensanguentados. Pike tirou um punhado de pregos da bolsa e mandou que eles cortassem na direção dela. Lorelei gritou quando eles grudaram no seu ombro como agulhas em uma almofada.
Corri em direção a eles. No segundo em que eu estava ao alcance, atirei um jato de adagas de Gelo da minha mão esquerda.
A cabeça de Pike se ergueu com a súbita onda de magia, e ele jogou um punhado de pregos em mim, empurrando-os nas minhas adagas de Gelo e quebrando minhas armas frias. Pedaços de Gelo e metal caíram no solo entre nós.
Enquanto Pike estava distraído, Lorelei pegou uma das armas de Gelo no coldre de suas coxas, mas ele lhe chutou nas costelas. O golpe a jogou para trás e sua cabeça bateu na lateral de um banco de ferro perto do pagode. Lorelei caiu no chão e não se moveu.
Pike passou por cima de sua forma imóvel, parando na minha frente. Ele balançou sua cabeça. — Você deve ter um sério desejo de morrer.
— Eu sou um pouco fatalista dessa maneira — eu admiti. — Mas, na maioria das vezes, não gosto de valentões. Pessoas como você, que pensam que sua magia as torna melhores que as outras. Gente que gosta de ferir outras pessoas com seu poder.
— Um valentão? Eu sou muito mais do que isso. — Ele riu, o som me arrepiou muito mais do que o ar da noite. — Embora eu tenha ficado extremamente desapontado com você até agora. Eu pensei que a poderosa Gin Blanco poderia ser mais dura. Mais forte. Mais esperta. Pelo que me disseram, você deveria ser uma força a ser reconhecida. Mas eu não vi nenhuma evidência disso.
— E quem está espalhando histórias sobre mim até West Virginia? — Perguntei. — É a mesma pessoa que te contou sobre o novo sobrenome e a localização de Lorelei?
Ele sorriu. — Minha nova amiga? Vamos apenas dizer isso... ela é tão coração frio quanto possível.
Bem, isso não me disse absolutamente nada. Eu pensei em pressioná-lo por mais informações, mas ele não me diria. Na verdade, ele se deleitaria em não me contar, e eu não queria dar a ele mais emoção do que o que ele já tinha conseguido torturando Lorelei, que ainda estava desmaiada.
Eu sorri para ele. — Engraçado, mas eu diria o mesmo sobre mim. É muito ruim que sua amiga não esteja aqui, no entanto. Ela poderia morrer ao seu lado hoje à noite.
Pike me olhou com um olhar divertido. — Você realmente acredita nisso, não é? Que você pode me matar, apesar de todas as vezes que eu te venci nos últimos dias.
— Por que eu não deveria? A sorte de todo mundo acaba mais cedo ou mais tarde, e eu ficaria feliz em ajudá-lo a extinguir o pouco que restou de você. Além disso, você não será o primeiro Pike que matei.
Ele franziu a testa. — O que você quer dizer?
— Você não descobriu ainda? — Eu balancei minha cabeça e estalei minha língua, zombando dele. — Você é um pouco lerdo para entender, não é Ray? Eu já lhe disse uma vez, mas deixe-me dizer novamente: eu matei seu pai. Não Lorelei. Querido papai Renaldo estava prestes a espancá-la até a morte. Ele quase me pegou também, antes que eu o empurrasse para cima da maça que ele gostava tanto de carregar. Ele não gostou muito de todos os espinhos cavando nele para variar, em vez de em Lily Rose e Lorelei.
Foi um golpe calculado para tentar enfurecê-lo o suficiente para correr cegamente para mim, mas ele não caiu nisso. Pike olhou para mim, memórias escurecendo seus olhos e as rodas de sua mente se agitando enquanto ele pensava naquele dia.
— E você acha que eu não sou inteligente? — Eu soltei uma risada, gargalhando. — Olhe para você. Você é quem está tentando se vingar da mulher errada. Por anos. Você não é dos mais brilhantes, não é mesmo, Ray?
Pike continuava a olhar para mim, mas a certeza na minha voz e a curva fria e cruel dos meus lábios acabaram por convencê-lo.
— Sua puta! — Sua voz oscilou em um grito. — Você matou meu pai!
— Droga, com certeza eu fiz — eu rosnei de volta. — Assim como eu vou matar você.
Pike deu um passo à frente, como se ele fosse finalmente me atacar. Mas ele deve ter pensado melhor, porque parou, jogou a cabeça para trás e riu.
— Ah, desista. —Ele zombou. — Porque você ainda está tentando me matar com uma faca... e eu tenho mais do que magia suficiente para arrancar esse metal bonito e levá-lo direto através de seu coração.
Pike acenou com a mão, esperando que a força de sua magia tirasse a faca da minha mão, assim como havia feito antes, durante a festa no jardim.
Nada aconteceu.
Pike franziu a testa e acenou com a mão novamente.
E ainda assim, nada aconteceu.
Seus olhos se estreitaram. — Você trocou de faca. Essa que você está segurando, não é de metal. Eu deveria ter percebido que algo estava errado com o segundo que eu vi.
— Esta coisa velha? — Eu levantei a arma. — Você está certo. Não é a minha faca de silverstone usual.
Bati minha unha contra a lâmina. Em vez do costumeiro tilintar de sino, o som era plano e oco, como se a faca não estivesse sólida.
— É de cerâmica — falei, inclinando a arma para a frente e para trás, deixando a luz do luar refletir na pintura metálica que pulverizei por toda a superfície. — Sua irmã deu para mim, junto com algumas outras. Ela pensou que elas poderiam ser úteis quando nós o enganássemos para vir até aqui esta noite.
— Ainda pensando que você ganhou só porque estamos em um jardim. — Pike me deu um sorriso maligno. — Você não sabe que o metal está em praticamente tudo? Você pode ter mudado para facas de cerâmica, mas ainda há metal em suas roupas, em seus sapatos e enrolado em sua garganta, dado esse lindo colar rúnico que você está usando.
Pike ergueu a mão novamente, e uma explosão de energia rolou dele, riscou o ar e me rodeou como um campo de força. Os dedos invisíveis de sua magia de metal vasculharam minhas roupas, serpentearam pelo meu cabelo e até puxaram os cadarços das minhas botas pretas.
Mas mais uma vez, eles não conseguiram nada.
A confusão tremulou nos olhos de Pike.
— Sabe o quê? É difícil, mas não é impossível encontrar roupas que não tenham nada de metal.
— Mas o seu anel, o seu colar! — Ele cuspiu.
— Imitações de plástico — eu disse, batendo a ponta da minha faca de cerâmica contra meu pingente com a runa da aranha. — Mas você está certo. Eles são bonitos, no entanto, você não acha?
Ele rosnou, pegou um punhado de pregos de sua mochila, e enviou-os diretamente para o meu rosto.
Capítulo 30
Pike queria me pegar de surpresa, mas eu estava esperando pelo movimento. Afinal de contas, ataques furtivos eram o que ele fazia de melhor. Eu também.
Os pregos saltaram do meu corpo, graças à minha pele endurecida pela magia de Pedra, e eu ataquei com minha faca em um rápido contra-ataque.
Pike se lançou para trás, de modo que minha faca apenas cortou a alça de sua mochila ao invés dele. A bolsa de pregos caiu no chão, e eu chutei para os arbustos. Pike atacou com seu próprio chute, que teria pegado meu joelho se tivesse acertado. Enquanto eu recuperava o equilíbrio, ele alcançou atrás das costas e tirou sua própria faca – silverstone, a julgar pela maneira como brilhava ao luar.
Ele sorriu. — Eu ia usar isso para cortar a garganta de Lorelei quando eu finalmente decidisse acabar com ela. Mas eu acho que vou ter que praticar em você primeiro.
— Tente isso, seu filho da puta doente — eu assobiei.
Pike e eu circulamos novamente, nossos pés raspando todas as folhas secas. Eu poderia ter neutralizado sua magia de metal, mas ele ainda era um inimigo perigoso, e o modo como ele segurava aquela faca me dizia que ele sabia como usá-la. Mesmo com a minha magia de Pedra me protegendo, um erro, um segundo de hesitação, um lapso de concentração, e eu estaria no chão e sangrando pelas feridas cruéis que ele infligiria em mim.
Pike se lançou, mas eu reconheci isso como um ataque simulado, destinado a testar minha determinação e habilidade, e mantive minha posição, bloqueando com facilidade a lâmina de sua faca com a minha.
Ele me lançou um olhar frio. — Bem, pelo menos minha fonte acertou uma coisa. Você realmente parece saber o que está fazendo com essa faca.
Lá estava ele de novo, falando como se realmente me conhecesse. Eu me perguntei quem era sua fonte tagarela e onde ela tinha conseguido tanta informação sobre mim. Talvez eu pudesse esculpir a resposta dele antes de matá-lo definitivamente.
Ele se lançou com a faca novamente. Eu me abaixei, mas não fui rápida o suficiente para evitar o golpe. A ponta de sua faca arrastou ao longo do meu antebraço, o silverstone absorvendo apenas o suficiente da minha magia de Pedra para deixar a lâmina romper a superfície da minha pele.
Eu gemi e cambaleei para trás. Pike balançou a faca em um arco poderoso, tentando abrir minhas entranhas com um golpe longo e suave, mas virei o corpo para o lado, evitando o golpe. Ele inclinou-se para longe e eu enfiei o cabo da faca na sua têmpora esquerda.
Dessa vez, Pike recuou e eu pressionei minha vantagem, balançando, balançando, girando minha faca em um padrão elaborado, todos os três ataques para matar, matar, matar. Mas ele era tão bom com uma faca quanto eu, e ele desviou meus golpes da mesma maneira que eu havia escapado dele.
Eu arrisquei um olhar para Lorelei, mas ela ainda estava caída inconsciente no chão. Pike se lançou para frente, e eu me aproximei para encontrá-lo. Nossas lâminas brilhavam no ar, a sua brilhante e forte, a minha opaca e falsa. Ele cortou meu ombro e eu abri um longo corte em seu antebraço. Ele torceu a faca na minha coxa, enquanto eu batia a minha bem fundo no ombro dele. Ele me deu um tapa no rosto e eu dei um soco nos seus rins. E assim a luta continuou, e nenhum de nós conseguiu uma vantagem para acabar com o outro.
Até que minha faca quebrou.
Pike e eu lutamos, tentando dominar um ao outro. Ondas frias, duras e invisíveis de nossa magia pulsavam no ar, mesmo quando nossas facas deslizavam para a frente e para trás, as lâminas grudavam juntas. Mas a minha de cerâmica não era tão forte quanto seu silverstone, e o metal finalmente serrou através da minha arma, deixando nada para trás, exceto um punho inútil e irregular.
O estalo da faca me desequilibrou. Eu grunhi e tentei me afastar, mas Pike agarrou meu cabelo e me puxou de volta para ele.
Então o bastardo acertou sua lâmina na minha lateral.
Eu gritei e joguei minha mão para trás, tentando atirar adagas de Gelo em seu rosto para cegá-lo. Eu perdi a mira, mas eu acertei-o com magia suficiente para fazê-lo rosnar e me soltar.
A faca se soltou, doendo assim como quando entrou. Eu caí no chão, segurando meu lado e tentando ignorar a dor que invadiu meu corpo da ferida brutal. Pike não tinha acertado nada terrivelmente vital, mas ele chegara perto demais para o meu gosto. Eu precisava terminar a luta – e com ele – agora.
Pike pairou sobre mim, meu sangue pingando do final de sua faca. — Agora, o que você vai fazer, vadia?
— Isso.
Eu coloquei minhas mãos no chão e ataquei com o pé, levando minha bota até o seu tornozelo. O choque não foi tão forte, mas Pike soltou uma exclamação de surpresa, seus pés deslizaram por um pedaço de folhas mortas, e ele aterrissou com força em suas mãos e joelhos.
Eu pulei de volta para os meus pés. Uma quantidade preocupante de sangue já estava encharcando minha camiseta azul, com ainda mais escorrendo da ferida.
Pike levantou empertigado, virou a faca, agarrou-a pela lâmina e atirou-a em mim. Eu abri minhas mãos, peguei minha magia e enviei dezenas de adagas de Gelo. Meu Gelo derrubou a faca, e ela caiu no chão inofensivamente.
Tarde demais, percebi que o ataque tinha sido apenas uma distração para que Pike pudesse chegar ao que ele realmente queria: o banco de ferro perto do pagode.
Eu não achava que ele tivesse tanta força, mas Pike arrancou o banco da base e levantou a coisa toda do chão. Então ele moldou o metal com as mãos e o colocou.
Tudo sobre si mesmo.
As faixas de ferro forjado desenrolaram-se de suas formas originais, subindo pelos braços de Pike como cobras. E isso foi só o começo. Seus olhos azuis brilhavam e sua magia explodia dele em ondas duras e frias. As barras de ferro começaram a se mexer, contorcendo-se mais rápido do que qualquer cobra e tomando a forma do corpo dele.
E eu finalmente percebi o que ele estava fazendo: criando uma armadura para ele.
Em segundos, Pike estava envolto em metal da cabeça aos pés, os pedaços do banco cobrindo a maior parte do seu corpo como se ele tivesse se enrolado nas ripas.
Mas ele não estava contente apenas com sua nova concha de metal.
Duas cobras de ferro se enrolaram em seus dedos, formando duas sólidas faixas ali antes de brotar – o mesmo tipo de espinhos que estavam em sua maça antes que ele a explodisse em pedaços. Espetos também apareciam ao longo de seus braços, pernas e peito, mas os de suas mãos eram os mais preocupantes. Eles balançavam em duas cobras ondulantes, como se estivessem esperando que eu ficasse a pouca distância.
Peguei uma faca de cerâmica contra minhas costas, mesmo que não conseguisse me aproximar de Pike para esfaqueá-lo agora. Não sem ter um espinho em alguma parte do meu corpo.
Pike riu da minha óbvia frustração. — Não é exatamente o que você estava esperando, hein, Gin? Minha fonte me disse que você era inteligente. Bem, graças a meu pai, eu também sou. E agora é hora de eu finalmente vingá-lo.
Ele jogou as mãos para frente. Uma explosão de magia rolou dele, e os espetos de metal saíram do seu corpo, direto para o meu coração.
* * *
Eu fiz o que qualquer um faria nesta situação.
Joguei-me no chão.
Os espinhos mortais dispararam sobre a minha cabeça, mas eu ainda aterrissei forte no meu lado machucado. Eu gemi, mas forcei a afastar a dor latejante da ferida e voltei para as minhas mãos e joelhos. Como eu já estava no chão, a melhor coisa a fazer seria arrastar Pike para o meu nível. Dirigir minha faca através de seu coração, sua garganta, seu olho faria o truque. Eu não era exigente. Tudo o que eu tinha que fazer era chegar perto o suficiente para acertar um daqueles lugares doces, e ele estaria tão morto quanto seu pai.
Então eu puxei meu pé para trás, determinado a bater no joelho de Pike. Mas os espinhos em suas pernas saltaram, e eu tive que rolar para fora do caminho para evitar empalar meu pé nos pedaços de metal em movimento.
Pike se aproximou e bateu com o pé em minhas costelas. Mais dor saiu da minha ferida, junto com um jato agonizante de sangue. Eu gemi novamente, mas me forcei a continuar me movendo, a continuar lutando. Eu não tinha desistido naquele dia na floresta, e eu não ia desistir agora.
Raymond Pike não ia ser a minha morte.
Como eu não podia chutar as pernas dele e derrubá-lo, eu cambaleei em meus próprios pés. Aumentei meu aperto na faca de cerâmica e me lancei para frente, mas mais uma vez, seus espigões de metal chicoteiam-me de volta.
E de novo e de novo.
Toda vez que encontrava um ponto vulnerável, uma abertura, Pike usava sua magia e seus espinhos para tirar minha vantagem. O bastardo também mergulhou as pontas afiadas em minha pele, me cortando novamente e novamente e me cortando uma pequena fatia de cada vez.
Ele derrubou minha faca da minha mão, e eu gritei, a frustração se misturando com a dor crescente. Pike riu o tempo todo – apenas riu e riu. O som zombeteiro só acrescentava a minha raiva, mas não havia nada que eu pudesse fazer para calá-lo.
Finalmente, Pike se cansou de deixar que eu tentasse matá-lo, e ele partiu para a ofensiva. Ele flexionou suas mãos, então as enrolou em punhos apertados. O metal tocando seus dedos se transformou em duas lâminas longas, mais como espadas do que espinhos.
Ele empurrou os braços para frente, tentando me espetar. Se ele me apunhalasse com aquelas espadas, eu estaria morta.
Desesperada, lancei uma bola de magia de Gelo nele, mas ele apenas ficou lá e a pegou, deixando o gelo bater e depois quebrar em sua armadura de metal improvisada. As faixas de ferro eram duras e grossas o suficiente para tornar meu poder de Gelo inútil. Eu não conseguia nem chegar perto o suficiente para congelá-lo até a morte com o meu poder, já que eu tinha que realmente tocá-lo para fazer isso, algo que eu não poderia fazer com todos esses malditos espinhos saindo de todo lugar.
Pike continuava rindo. Naquele momento, ele parecia e soava exatamente como seu pai, estranhamente. Eu teria todo um conjunto de novos pesadelos dessa luta.
Se eu sobrevivesse a isso.
Mas eu continuava jogando minha magia de Gelo no Pike, tentando ganhar tempo para descobrir como poderia acabar com ele. Apesar do fato de que estávamos em um jardim, Pike estava completamente envolvido em seu elemento. Então, como eu poderia conter isso?
Olhei para Lorelei, que estava esparramada na mesma posição de antes. Não há ajuda ali.
Entre as bolas de Gelo em Pike, verifiquei o resto do jardim, procurando por algum tipo de inspiração no pagode, nas árvores, nas flores e nas pedras...
E finalmente o encontrei, brilhando tão inocentemente ao luar.
Agora eu tinha que colocar uma armadilha de aranha para Pike.
Eu levantei ambas as mãos, enviando outra explosão de magia mais forte. Mas, em vez de direcioná-la para Pike, eu apontava baixo dessa vez. Em um instante, três polegadas de Gelo elemental ancoraram suas botas no chão.
Ele riu de novo, inclinou-se e começou a golpear o Gelo com as duas espadas de metal saindo dos punhos. — Você acha que isso vai te salvar? Patético.
Não precisava me salvar. Só tinha que me comprar algum tempo. Em vez de responder, virei-me e cambaleie mais fundo no jardim, contornando o pagode e depois descendo pelo outro lado e saindo em uma das áreas temáticas.
Um estalo alto rasgou o ar quando Pike abriu caminho através do Gelo em torno de seus pés.
Então sua voz cantada ecoou pelo jardim. — Oh, Gin... — ele sussurrou. — Saia, saia, onde quer que esteja...
Eu revirei meus olhos. Ele realmente precisava descobrir um novo jogo para jogar. O ato do esquisitão psicopata perseguidor tinha ficado velho há muito tempo. Eu me abaixei atrás de um monte de árvores bonsai e dei a volta. Além disso, Pike não deveria estar preocupado em perder o meu rastro.
Minha trilha de sangue era fácil o suficiente para acompanhar à luz da lua.
Atrás de mim, ouvi o ruído das botas de Pike nas folhas, junto com sua risada maluca. O tempo todo, o metal que envolvia seu corpo rangeu, as placas de ferro protestando contra suas formas grotescas. Eu não olhei para trás. Em vez disso, concentrei toda minha energia em chegar ao ponto exato que eu queria. Circulei outra fileira de árvores bonsai, olhei por cima daquela parte do jardim e sorriu.
Perfeito.
Eu dei um passo à frente, o chão movendo-se sob meus pés e fazendo bastantes barulho para que Pike soubesse exatamente onde eu estava. Mas isso não importava muito. Eu não podia tocar Pike com sua armadura de metal, mas ele não podia me tocar agora também. Enquanto eu me arrastava para frente, pressionei minha mão contra o meu lado e dei um pequeno fluxo da minha magia de Gelo na minha ferida, replicando o truque de Lorelei. Eu estremeci com a sensação fria e mordaz, mas a ferida congelou, parando a perda de sangue – por enquanto.
Larguei o meu poder, parei cambaleando e me virei.
Pike estava a cerca de nove metros atrás de mim. Ele estava tão confiante de que ele já tinha me vencido que ele estava assoviando uma melodia animada. Idiota. Ele não ganharia nada além de uma morte rápida e fria, cortesia da Aranha.
Ele pareceu surpreso por eu estar de pé em vez de me esconder nas sombras, mas isso não o impediu de sorrir de novo para mim
— O que há de errado? — Ele falou — Muito cansada para continuar fugindo?
— Não. Apenas pegando meu segundo fôlego.
Ele riu de novo, mas então ele notou o sorriso no meu rosto, e suas risadas se interromperam em um silêncio desconfortável. — O que você está fazendo?
— Eu? Nada demais. Você é o único fodido, docinho, apenas por me seguir até aqui.
Pike examinou a paisagem, olhando para o bonsai, as cerejeiras e o labirinto. Ele provavelmente estava procurando por meus amigos, já que eles nos encontrariam mais cedo ou mais tarde. Mas eu não precisava deles. Não para isso.
Quando Pike não viu nenhuma ameaça óbvia, ele começou a andar em minha direção de novo.
Vamos lá, seu desgraçado, pensei. Venha para Gin.
Pike sabia que algo estava acontecendo, mas ele não conseguia descobrir o que. E no final, ele era muito arrogante para realmente se importar. Idiota.
Ele deixou o caminho para trás e entrou nesta seção do jardim, parando a cerca de um metro e meio de mim. Ele ainda estava segurando sua magia, o ferro enrolado em seu corpo fazendo-o parecer uma horrível escultura abstrata – um monstro de metal de pesadelo ganhando vida.
Ele era um monstro, por dentro e por fora, através do núcleo de seu coração negro e podre. Mas, infelizmente, para ele, eu era o monstro mais esperto aqui esta noite.
— Diga-me — eu disse, — o que seu misterioso contato, aquele que tem sido uma fonte de conhecimento, disse sobre minha magia?
Pike encolheu os ombros. — Ela disse que você era uma elemental muito forte. Uma das mais poderosas que ela já viu. Aparentemente, você matar Mab e então Madeline Monroe apenas reforçou sua opinião. Mas eu disse que eu poderia lidar com você. Afinal, o metal está em toda parte, e esse é o meu elemento, minha especialidade.
— É bem verdade. E você é muito inteligente com isso. Até eu tenho que admitir que a sua armadura improvisada é muito bonita.
Pike gostou do meu elogio, mas eu estava prestes a estourar o balão inflado de seu ego.
— Mas eu também sou inteligente... inteligente o suficiente para vencer.
— E por que você acha isso quando estou tão perto de matar você?
Eu sorri, mas era uma expressão fria e sem coração. — Porque você está em meu campo de morte agora, vadia.
Eu abro meus braços, gesticulando para a paisagem ao nosso redor. Aquela que parecia tão benigna, tão inocente, tão inofensiva. Era tudo menos isso. Porque havia diferentes tipos de jardins além daqueles com lindas árvores e flores.
Como o jardim de rochas em que estávamos de pé.
Pedras brancas, cinzas e pretas estendiam-se ao redor de nós, dispostas em elaborados padrões florais. Uma pequena plataforma de pedra empoleirava-se na borda do jardim, oferecendo aos visitantes uma melhor visão dos padrões.
Claro, que eu estraguei os belos desenhos indo até o centro deles, pingando sangue por toda parte e deslizando pedras soltas com meus pés lentos e desajeitados. E agora eu ia arruinar Raymond Pike com todas as lindas pedras ao meu redor.
Ele finalmente percebeu o que eu estava fazendo e soltou uma maldição alta e cruel, enquanto avançava para tentar me esfaquear até a morte. Mas desta vez, fui eu quem acenou com a mão e atacou.
Rochas explodiram ao redor dele, como se estivesse em pé no meio de um campo minado.
Apesar de todo o metal em volta de seu corpo, Pike se abaixou instintivamente. Ele começou a avançar novamente, e eu enviei outra onda de magia de Pedra, fazendo com que mais rochas explodissem e, em seguida, usando meu poder para forçar todos os pedaços de volta para ele até que ele estivesse em pé no meio de um tornado de pedra. Estilhaços zuniam pelo ar, atingindo seu corpo, os fragmentos irregulares pequenos o bastante para deslizarem pelas aberturas de sua armadura improvisada, mas ainda bastante afiados o suficiente para rasgar suas roupas e sua pele.
— Qual é o problema, Ray? — eu falei alto, superando o barulho. — Não gosta de alguém usando seus próprios truques contra você? Não é uma caixa de metal cheia de pregos, mas eu acho que é muito eficaz, não é?
Pike estava muito ocupado esquivando-se de estilhaços para responder. Mas ele percebeu que não poderia suportar minhas bombas de pedra para sempre, e ele se abaixou, tirou um dos espinhos de seu braço e atirou em mim.
Eu me abaixei, mas o movimento enviou uma onda quente de dor através do meu lado machucado, fazendo-me curvar e perder o controle da minha magia de Pedra. Pike aproveitou a oportunidade para avançar e bater seu corpo no meu.
Eu caí de costas – duro – minha cabeça estalando contra o chão. Eu tive que trabalhar duro para piscar os pontos negros para fora dos meus olhos.
Pike pairou sobre mim, aquele sorriso presunçoso se esticava em seu rosto novamente. — Agora, o que você vai fazer?
Uma das barras de metal em torno de seus braços serpenteou por sua mão e trancou na minha garganta, formando um círculo lá, que lentamente começou a apertar.
Mais magia de metal de Pike explodiu em mim, frio, duro, e inflexível, a sensação estranhamente semelhante ao meu próprio poder de Pedra, mesmo que ele estivesse me matando com isso.
Pike colocou os joelhos no meu peito, cortando ainda mais meu ar. Eu chutei e agitei e me debati, mas ele era mais forte e mais pesado, e eu não podia resistir a ele. Minhas mãos se apertaram, cavando através de lascas de pedra que cobriam o chão como ossos esmagados. Eu procurei e procurei através das pedras, mas eu fiz um trabalho muito bom, e nada além de fragmentos permaneceu.
As manchas brancas, cinzas e pretas cintilando na frente dos meus olhos se tornaram mais e mais escuras. Eu estava perto de desmaiar. O final seria rápido depois disso.
Desesperada, eu joguei minha mão para o lado, fazendo uma adaga de Gelo, que eu bati no peito de Pike. Mas o Gelo quebrou contra sua armadura de metal. Ele riu, divertindo-se com as minhas tentativas de atacá-lo, mas ele relaxou sua concentração em sua magia, só por um momento. Eu empurrei de volta com o meu poder e consegui enganchar meus dedos por baixo da faixa de metal ao redor da minha garganta.
— O que você acha que está fazendo? — Pike perguntou. — Isso não vai ajudá-la.
Eu não me incomodei em respondê-lo. Eu estava muito ocupada cobrindo a faixa de metal com toda a magia de Gelo que eu podia suportar.
— Chega disso, — Pike rosnou. — Eu vou sufocá-la até a morte com as minhas próprias mãos se eu tiver que fazer.
Ele estendeu a mão para fazer exatamente isso, mas eu soltei com outra explosão de magia de Gelo, combinando-a com o meu poder Pedra e focando ambos em quebrar o anel de metal ao redor do meu pescoço. Não havia pedras suficientes para eu matar Pike, mas talvez eu não precisasse usar meu elemento para acabar com ele.
Talvez tudo que eu tivesse que usar fosse o dele.
O ferro não queria dobrar, muito menos quebrar, mas a mudança de temperatura extrema do meu revestimento de gelo e depois de calor foi o suficiente para fazer o metal ranger e gemer ao redor do meu pescoço. Com uma mão, dei um tapa na mão de Pike, afastando os dedos o melhor que pude. Com a outra, eu segurei a faixa em volta do meu pescoço, congelando e usando minha magia de Gelo e Pedra sobre ela e novamente.
Mas eu não consegui segurar Pike para sempre, e ele conseguiu cavar seus polegares em minha traqueia, exatamente onde o metal estava em volta da minha garganta. Ele pressionou o mais forte que podia, colocando todo o seu peso em me sufocar até a morte.
Eu continuava martelando a faixa de metal com a minha magia. Isso era tudo que eu podia fazer.
Finalmente, finalmente, foi o suficiente.
O ferro desistiu, e o metal rangeu quando finalmente quebrou e caiu da minha garganta. Um fragmento de metal quebrou na minha mão e ameaçou voar para longe, mas eu apertei meu punho, usando minha magia de Gelo para congelá-lo na cicatriz de runa de aranha na minha mão antes que pudesse sair do alcance.
Então eu levantei minha mão e bati o metal na garganta de Pike.
Consegui o ângulo certo, e o caco afundou na carne macia do pescoço acima da armadura improvisada. Eu ajudei conduzindo-o através de seus músculos e tendões, torcendo-o o mais profundamente possível.
Pike soltou um gemido e arqueou para trás. Consegui levantar meu joelho e colocar meu pé entre nós. Rangendo meus dentes contra a dor na minha lateral, chutei o bastardo de cima de mim.
Por um momento, fiquei ali ofegando, sugando todo o doce ar que pude. Então eu rolei e cuidadosamente me empurrei para cima em uma posição sentada. O Gelo que eu usara para selar minha ferida de facada havia se soltado durante nossa luta, e o sangue escorria do corte profundo novamente.
Pike conseguiu se ajoelhar, o sangue escorrendo de seu pescoço e espirrando nas pedras esmagadas.
— Abençoe seu coração. Você vai morrer em outro minuto, dois no máximo, — eu disse, minha voz rouca e seca de onde ele machucou minha garganta. — Assim como seu pai. Sua própria maça foi o fim dele. E você? Você está engasgando até a morte com o metal precioso que você ama tanto.
Pike olhou para mim, agarrando o fragmento quebrado em sua traqueia. Ele não tentou arrancá-lo, mas eu devo ter cortado sua artéria carótida, dada a cor escura e grandes quantidades de sangue que estavam saindo da ferida. Ele poderia deixar o metal lá por quanto tempo quisesse, e ainda assim não o salvaria. Nada faria agora.
Mas isso não significava que ele ainda não fosse tentar.
Pike enviou outra onda de magia por seu corpo, e todas as barras de ferro se destacaram, se arrastaram pelos braços e pelo peito, e seguraram ao redor sua garganta. Ele estava apertando o metal em volta do pescoço para tentar parar a perda de sangue.
E estava funcionando.
O sangue diminuiu para um fio, depois parou completamente. Pike me deu um olhar maligno e esticou a mão para mim, pronto para outra rodada.
— Oh, vamos lá — eu murmurei. — Você deve estar brincando comigo.
Pike soltou uma maldição ininteligível e se aproximou um pouco mais de mim.
Balancei a cabeça, peguei novamente a magia de Gelo e criei uma adaga com ela. Talvez Pike fosse mais zumbi do que eu lhe dera crédito. De qualquer forma, se eu tivesse que matá-lo novamente, que assim seja. E eu continuaria a matá-lo até que ele estivesse bem morto.
— Sério, querido, apenas desista e morra já...
Crack!
Um buraco negro e ensanguentado apareceu no meio da testa de Pike.
Ele piscou, e sua cabeça virou de lado, enquanto ele olhava para o assassino. Ele se concentrou nela por um momento, raiva e amargura brilhando em seus olhos, e então ele caiu no chão.
Eu esperei, ainda segurando minha adaga de Gelo, mas Pike não se moveu ou se mexeu. O sangue jorrou da ferida na cabeça, misturando-se com os fragmentos de pedra, e lentamente, as faixas de metal ao redor de seu corpo relaxaram e se soltaram, o ferro caindo no chão ao redor dele. Foi quando eu soube que ele finalmente estava morto.
Olhei para a direita.
Lorelei estava na beirada do jardim de pedras, tirando o pó dos destroços quebrados de sua arma de Gelo elemental de suas mãos. Ela andou até Pike e olhou para ele, sua boca em um aperto determinado. Então pegou outra pistola de Gelo de um de seus coldres e atirou na cabeça dele novamente, só para ter certeza. Ela jogou os restos da arma para longe, pegou uma terceira e repetiu o processo.
Eu aprovei sua meticulosidade. Ela não queria que ele voltasse à vida mais do que eu.
Finalmente, quando os sons dos tiros desapareceram, Lorelei limpou o Gelo de suas mãos pela última vez.
— Eu tinha ele, sabe — eu disse asperamente.
— Desculpe por roubar o seu momento de glória. Mas esperei muito tempo por isso.
— E como se sente?
Lorelei olhou para o corpo de Pike, com as mãos cerradas em punhos, o rosto apertado de satisfação. Mas lentamente, suas mãos relaxaram e suas feições se suavizaram, suas emoções amargas se derretendo em um alívio cansado, misturado com mais do que um pouco de dor.
— Terminado.
Ela olhou para seu irmão morto por um momento mais, então se virou e o deixou para trás.
Capítulo 31
— Gin! Gin! Gin!
As vozes de Owen, Finn e Bria subiram acima do labirinto, flutuando através dos galhos e criando estranhos ecos na noite.
— Por aqui! — Eu falei com a voz rouca, o esforço queimando minha garganta machucada.
Os três correram para o jardim japonês. Eu ainda estava sentada no meio das rochas arruinadas, cansada demais para me mexer, então eles correram até mim.
Jo-Jo estava com eles, e ela rapidamente se ajoelhou ao meu lado, seus olhos claros varrendo meu corpo e focando no corte no meu lado, que ainda estava vazando sangue. Ela balançou sua cabeça, fazendo seus cachos loiro-brancos dançarem em volta da cabeça antes de voltar ao lugar.
— Isso é uma ferida desagradável — disse ela. — Você tem sorte que ele não cortou seu rim.
— O que eu posso dizer? Eu sempre pareço trazer o melhor das pessoas.
Jo-Jo riu, mas o alívio ecoou em suas risadas.
— De qualquer forma, eu vivi, e ele não fez, e isso é tudo o que realmente importa.
Owen cruzou os dedos nos meu. — Eu agradeço isso — ele murmurou.
Eu sorri, e ele se inclinou e me beijou, apesar da bagunça ensanguentada e ferida que eu era. Jo-Jo pegou sua magia Ar, e os alfinetes e agulhas de seu poder começaram a puxar minha pele, costurando tudo o que Raymond Pike havia cortado. Owen segurou minha mão enquanto ela me curava.
Finn e Bria se aproximaram para se certificar de que Pike estava morto. O elemental de metal jazia onde ele havia caído no meio do jardim de pedras despedaçado, seus olhos cegos fitavam a lua e as estrelas, como se ele estivesse se perguntando como acabara em tão lastimável estado. Ele realmente deveria ter sabido melhor. Ensanguentado era como as coisas sempre terminavam em Ashland.
Especialmente quando a Aranha estava envolvida.
Enquanto Jo-Jo trabalhava em mim, Xavier entrou no jardim, junto com Silvio e Sophia. Corbin arrastava-se atrás deles, parecendo ainda mais espancado e sujo do que nunca, incitado pela arma de Gelo que Mallory continuou cutucando em suas costas. Lorelei caminhou até o lado de sua avó, contando tudo o que havia acontecido.
Xavier e Sophia se certificaram de que eu estava bem, depois foram até onde Finn e Bria estavam examinando o corpo de Pike. Jo-Jo terminou de me curar, mas eu ainda me sentia um pouco vacilante em meus pés, então Owen colocou o braço em volta da minha cintura e me ajudou a ir até Lorelei. Silvio se juntou a nós.
Mallory empurrou Corbin de joelhos em um emaranhado de folhas. Uma expressão grosseira lhe retorceu as feições, ele olhou para a pequena e idosa anã.
Lorelei assentiu para mim quando me aproximei dela. Eu acenei de volta.
Então ela olhou para Corbin. — Comece a falar. Ou eu vou deixar Gin fazer as perguntas. Eu duvido que ela vai pedir tão educadamente como eu vou.
Eu arqueei uma sobrancelha. — Conseguir que eu faça o seu trabalho sujo de novo?
Um leve sorriso curvou seus lábios. — Eu pensei que você não se importaria neste caso.
Eu fingi pensar sobre isso. — Você está certa. Eu não me importo. Embora você tenha que me deixar pegar uma das minhas facas de silverstone. Se eu usar as de cerâmica que você me deu, a lâmina provavelmente vai quebrar enquanto eu estou cortando algo vital...
— Tudo bem! Tudo bem! — Corbin gritou. — Eu vou te dizer o que você quer saber. Apenas mantenha Blanco longe de mim.
— Fale. Agora, — Lorelei assobiou. — Antes que eu mude de ideia.
Durante os dez minutos seguintes, Corbin explicou como Pike o abordara em um bar em Southtown há cerca de uma semana e lhe contara tudo sobre seus planos de aterrorizar Lorelei. Naturalmente, Pike tinha oferecido a Corbin dinheiro suficiente para que valesse a pena relatar todos os planos e movimentos de Lorelei ao seu meio-irmão. Traição, ganância, vida dupla. Tudo muito normal. Mas havia uma coisa que ainda me incomodava.
— E a fonte de Pike? — Perguntei. — Aquela que disse a ele onde encontrar Lorelei no primeiro lugar?
Corbin me deu outro olhar mal-humorado.
Eu dei um passo à frente.
— Eu não sei! Ok? Eu não sei. Pike nunca me contou como encontrou Lorelei. Só que alguém informou a ele. Ele nunca me disse quem era.
Infelizmente, suas palavras de pânico soaram com verdade. Além disso, Pike não me pareceu o tipo de cara que compartilha informações importantes com seus lacaios.
Lorelei olhou para mim. — Você está satisfeita?
— Eu estou. Eu realmente não esperava que ele soubesse de qualquer maneira.
— Tudo bem, então. As perguntas terminaram.
Lorelei pegou sua última pistola de Gelo elemental e atirou em Corbin na cabeça.
Crack!
— O tiro ecoou pelos jardins, enquanto Corbin caiu no chão – morto.
Eu olhei para Silvio. — E você acha que meu estilo administrativo precisa de melhorias.
O vampiro encolheu os ombros magros, então deu a Lorelei um olhar de admiração. — Na verdade, foi uma solução rápida e eficaz para lidar com um espião como Corbin.
— Sim, — Lorelei disparou. — Esta sou eu. Rápida e eficaz.
— Você vai ter que ser, — Bria concordou, andando e acenando com o celular. — Alguém relatou ter ouvido vários tiros perto dos jardins. Um carro de patrulha está a caminho para verificar as coisas.
— O que significa que precisamos nos mover. Tirar as vans da estrada, nos livrar dos corpos, e desaparecer como se isso nunca aconteceu. — Finn ergueu as sobrancelhas para mim. — A menos que vocês duas senhoras querem sair e explicar as coisas para a polícia?
Olhei para Lorelei, que balançou a cabeça.
— Não — disse ela. — Vou ter dores de cabeça suficientes para encontrar um substituto para Corbin. Além disso, este foi um... problema pessoal. Eu prefiro manter assim.
O olhar dela foi para o corpo de Pike, e sua boca torceu. Lorelei poderia ter dito que as coisas estavam acabadas, mas não estavam. Não para ela. Não agora, talvez nunca. Algo com o qual eu poderia entender bem. Talvez devêssemos começar nosso próprio clube de privação de sono. Pesadelos Anônimos de Ashland. Heh.
Finn assentiu. — Tudo bem, então. Xavier, Bria, Owen, Silvio. Vocês estão comigo. — Ele se aproximou, agarrou a mão de Sophia e deu-lhe um arco baixo e galante. — Naturalmente, vou deixar os corpos a seu critério, minha senhora.
Finn beijou a mão de Sophia, fazendo-a rir, estender a mão e despentear o cabelo dele. Ele sorriu, depois correu atrás dos outros. Sophia tirou uma fita métrica do bolso de sua jaqueta preta, abaixou-se e mediu o corpo de Corbin, antes de ir e fazer a mesma coisa com o de Pike. Jo-Jo seguiu atrás da irmã, junto com Mallory.
Lorelei começou a seguir a avó, mas eu a chamei.
— Mais uma coisa.
— O quê?
Apontei o dedo na direção de Pike. — Não há mais como ele por perto, existe? Não há mais nenhum irmão Pike ou irmãs ou tias ou tios? Ninguém que vai se perguntar o que aconteceu com o primo Ray-Ray e vir para Ashland à procura de vingança? Porque eu não preciso começar outra contenda de sangue. Eu tenho problemas suficientes agora.
Minha voz era leve, mas era uma preocupação legítima. Minha experiência anterior com Madeline me ensinara que você nunca sabia quando outro parente de um inimigo morto iria aparecer, vir à cidade e tentar ferrar você de todas as formas possíveis.
Lorelei riu e balançou a cabeça. — Era apenas Raymond. Confie em mim. Isso está acabado. Você não precisa se preocupar com mais ninguém.
— Bom — eu disse. — Uma experiência de quase morte por mês é muito para mim.
Lorelei riu de novo, mas o som desapareceu rapidamente. Ela olhou para mim, as emoções brilhando em seus olhos. Depois de um momento, ela assentiu para mim. Eu assenti de volta.
Eu não sabia se seriamos realmente amigas, mas não éramos mais inimigas. E isso me deixou mais feliz do que eu imaginava.
Lorelei e eu fomos até onde Sophia ainda estava agachada, medindo o corpo de Pike. À distância, uma sirene da polícia soou. Bria e Xavier iriam enrolar os policiais o quanto pudessem, mas Finn estava certo. Nós precisávamos ir embora.
— Sophia? — Perguntei. — Você vai transportar os corpos de volta para as vans?
— Não.
— Então o que você vai fazer com eles? — Lorelei perguntou.
A anã gótica olhou para Corbin, depois de volta para Pike. Um sorriso dividiu seu rosto, e seus olhos escuros brilharam. Sophia raspou uma única palavra.
— Fertilizante.
* * *
Sophia encontrou uma pá em um dos galpões de manutenção e rapidamente enterrou Pike e Corbin no pagode. Ela acabara de terminar quando vozes começaram a vagar pelo labirinto, indicando que os policiais estavam aqui. Silvio já havia me mandado uma mensagem dizendo que Finn e os outros haviam tirado as vans e os sedans da estrada e desaparecido. Assim que Sophia terminou, o resto de nós deixou o jardim e seguimos por caminhos separados.
No dia seguinte, a vida estava praticamente de volta ao normal, ou tão normal e não violenta como sempre acontecia em Ashland.
E ele ficou assim durante a próxima semana. Uma história circulava no jornal sobre uma misteriosa perturbação nos jardins botânicos e alguém vandalizando um dos jardins de pedra, mas os policiais atribuíam isso a crianças malcriadas, e essa foi a extensão da cobertura jornalística.
Ninguém parecia estar sentindo falta de Raymond Pike. Silvio vasculhou as agências de notícias na Virgínia Ocidental, mas não havia nem um sussurro sobre Pike ter desaparecido. Parecia que Lorelei estava certa, e ele era o fim da linha. Eu esperava que sim. Embora eu continuasse pensando sobre o que ele disse para mim no jardim, sobre sua fonte ser uma mulher de coração frio. Algo sobre suas palavras específicas soou como um aviso no fundo da minha mente, embora eu não conseguisse descobrir o porquê.
— Bem, bem, bem — Finn demorou. — Olha aqui na página da sociedade. Mallory fez uma doação considerável para os jardins botânicos a fim de ajudar a limpar todo o vandalismo recente, juntamente com outro doador anônimo. — Ele abaixou seu jornal e olhou por cima das páginas para mim, seus olhos verdes afiados e acusadores. — Você não saberia quem é, não é, Gin?
— Eu pensei que os jardins poderiam precisar de mais fertilizante. — Eu parei. — Diferente do que Sophia forneceu.
Finn suspirou. — Primeiro você oferece essa recompensa pelo paradeiro de Pike. Então você paga aqueles gigantes para enganá-lo. E agora você está distribuindo doações de caridade. Se você continuar doando nosso dinheiro a esse ritmo, não vai sobrar nada!
— O que é esse absurdo de “nosso dinheiro”? É o meu dinheiro. Fui eu quem ganhou. Eu sou a única que sangrou por isso.
Finn me ignorou e deu uma cotovelada em Silvio. — Diga a ela que estou certo. Afinal, ela tem que pagar o seu salário também.
O vampiro balançou a cabeça. — Oh, eu não acho que há necessidade de se preocupar com as finanças do Gin. Não pela forma como o negócio tem sido tão bom no restaurante nas últimas semanas. Basta olhar para todos que estão empilhados aqui hoje.
O restaurante estava lotado como sempre. A maioria das pessoas estava aqui apenas para comer um prato quente de churrasco, mas mais do que alguns tipos do submundo também estavam na mistura. Aparentemente, comer no Pork Pit era uma das maneiras de mostrar o seu apoio para mim, o novo chefão. Pelo menos é o que Silvio continuava alegando. Talvez eu devesse começar a vender camisetas com minha runa de aranha e as palavras Team Gin sobre elas. Heh.
Finn terminou seu almoço e saiu para ir conhecer algum novo cliente. Trinta minutos depois, a campainha da porta da frente soou, anunciando a chegada de dois clientes que eu poderia ter ficado sem: Dimitri Barkov e Luiz Ramos.
Eu ainda não resolvera a disputa comercial deles, e os dois estavam ficando nervosos. Silvio convidou-os para irem ao Pork Pit para que pudéssemos decidir as coisas de uma vez por todas.
Eram três horas quando eles se aproximaram da porta da frente, ambos tentando entrar ao mesmo tempo. Eles acabaram ficando presos em um impasse, olhando um para o outro, nenhum deles disposto a ceder um centímetro, nem mesmo para entrar. Eu sorri abertamente. Isso poderia ser mais divertido do que eu pensava.
Sophia, que estava limpando uma das mesas, aproximou-se, segurou-os pelos braços e os puxou pela porta. Dimitri e Luiz tropeçaram antes de se endireitarem. Começaram a olhar para Sophia, mas ela cruzou os braços sobre a figura negra da Morte que decorava sua camiseta rosa e olhou para cima, desafiando-os a dar-lhe um olhar sujo.
Dimitri e Luiz engoliram em seco e se afastaram. Eles eram espertos o suficiente para não quererem mexer com a anã gótica, especialmente quando ela estava olhando para a cabeça deles como se quisesse batê-las juntas e deixar as duas poças de cérebro no chão.
Os dois mafiosos alisaram suas gravatas e se dirigiram para onde eu estava sentada atrás da caixa registradora, lendo For Your Eyes Only, de Ian Fleming, para o meu curso de literatura de espionagem na Faculdade Comunitária de Ashland.
— Pessoal — eu disse. — O que se passa?
— É hora de você tomar uma decisão, Blanco — disse Dimitri, levantando-se em toda a sua altura. — O movimento fez com que a peruca preta empoleirada no topo de sua cabeça balançasse perigosamente, como se estivesse prestes a cair.
— Sim, — Luiz entrou na conversa. — Você nos manteve esperando o tempo suficiente. Se Mab ainda estivesse administrando as coisas...
— Se Mab ainda estivesse administrando as coisas, ela teria matado vocês dois e tomado as lavandarias para si mesma — eu disse novamente. — Na verdade, agora que penso nisso, essa opção está parecendo melhor e melhor a cada vez. Talvez então eu pudesse desfrutar de um pouco de paz e tranquilidade, em vez de ter os dois constantemente choramingando comigo.
Suas bochechas coraram de raiva, mas eles reprimiram suas palavras duras.
— Apenas diga-nos o que você decidiu, — Dimitri através de dentes cerrados. — Por favor.
Eu coloquei o livro de lado e juntei meus dedos. — Eu considerei ambas as suas propostas. E eu decidi que nenhum dos dois vai ficar com as lavanderias.
A boca deles se abriram.
— O quê? — Gritou Luiz, chamando a atenção dos outros clientes.
Eu arqueei minhas sobrancelhas, e ele percebeu seu erro. Sua voz estava mais baixa, mas ainda cheia de raiva quando falou novamente.
— Você não pode fazer isso! — Ele sussurrou.
— Claro que posso. Afinal, vocês dois gênios vieram a mim para mediar sua pequena disputa, — eu disse. — Além disso, se você realmente queria as lavanderias, então você deveria ter feito a oferta vencedora.
Os olhos de Dimitri se estreitaram. — Alguém deu um lance maior do que o nosso pelas lavanderias? Quem?
Eu apontei para uma mulher terminando seu almoço no outro extremo do balcão. — Ela.
Jade Jamison limpou os lábios com um guardanapo de papel branco, depois deu a Dimitri e Luiz um aceno alegre e uma piscadela atrevida antes de voltar ao seu cheeseburger, anéis de cebola e milk-shake de morango.
— Ela? Mas tudo o que ela faz é gerenciar prostitutas e contratar pessoas para limpar casas! — Dimitri cuspiu. — Nos subúrbios!
Pela maneira como ele disse subúrbios, você teria pensado que era um dos piores lugares em toda Ashland. Ele poderia tem razão sobre isso.
— Verdade — eu disse. — Mas também aconteceu que ela superou seus lances em dez por cento. Então Lorelei decidiu vender as lavanderias para ela. São apenas negócios. Eu disse a Lorelei que vocês entenderiam. Certo?
Dimitri e Luiz olharam para mim, depois um para o outro, as rodas girando em seus cérebros de hamster. Os idiotas estavam realmente pensando em se unir para tentar me derrubar novamente.
Então eu me aproximei, peguei uma faca de manteiga sobre o balcão, e comecei a girar ao redor e ao redor na minha mão, certificando-me de que o utensílio captasse a luz e refletiu de volta em seus rostos.
— Certo? — Eu perguntei uma segunda vez, minha voz muito mais fria do que antes.
Luis foi o primeiro a recuar. — Oh, sim— disse ele, levantando as mãos e afastando-se da caixa registradora. — Como você disse, são apenas negócios. Um lance vencedor é um lance vencedor. Certo, Dimitri?
O russo era muito mais relutante, mas mais algumas rodadas da faca de manteiga o convenceram. — Sim. Certo.
Isso não os impediu de me dar olhares irritados enquanto eles se viravam, bufavam e saíam do restaurante, e deslizavam pela rua e fora de vista. Eles estavam chateados – chateados o suficiente para fazer outra corrida em mim em breve – mas eu estaria pronta para eles.
E da próxima vez, eu não seria tão legal como eu tinha sido hoje.
Eu joguei a faca de manteiga em uma caixa com louça suja.
Jade Jamison terminou sua refeição, então saiu de seu banquinho e se aproximou de mim. — Mais uma vez obrigada por me apoiar com as lavanderias. Eu agradeço. E agradeça a Lorelei por mim também.
— Você é a única com um milhão de dólares para gastar. Se você quer investir em algumas lavanderias, quem sou eu para impedir um empreendedor em ascensão?
Jade sorriu. Deixou uma nota de cem dólares no balcão, recusou qualquer troco, depois saiu do restaurante. Eu coloquei o dinheiro extra no frasco de gorjeta para o pessoal dividir. Eu gostei do estilo dela.
Silvio observou Jade sair, depois se virou para mim. — Finalmente — ele murmurou. — Eu posso marcar algo fora de sua lista de tarefas.
— Minha lista diz o que agora?
Ele virou seu tablet para mim, percorrendo tela após tela. — Você tem reuniões pelo resto da semana. Espero que você não tenha pensado que Dimitri e Luiz eram os únicos chefes que lhe pediam um pouco de seu tempo e atenção.
Meus olhos ficaram vidrados apenas olhando para todas as listas em seu tablet. — Mas por que tantos deles? E por que agora? Uma semana atrás, todo mundo estava arrastando os calcanhares por eu realmente me envolver em qualquer um dos seus negócios.
— Eles ouviram o que você fez por Lorelei.
Eu fiz uma careta. — O que eles acham que eu fiz por ela? Nós não transmitimos exatamente nossa festa no jardim com Pike.
— Eu poderia ter espalhado casualmente a notícia de que Pike estava tentando se intrometer em alguns dos territórios de Lorelei... e de todo mundo em Ashland.
— E?
Um sorriso astuto surgiu em seu rosto. — E que você cuidou disso como a grande chefe.
Eu gemi. — Então agora o quê? Eu também sou uma heroína para o submundo?
O sorriso de Silvio se alargou. — Algo parecido. Afinal de contas, boas relações públicas é o primeiro passo para despertar corações e mentes... e lealdade.
Eu gemi mais alto. Silvio riu, curtindo minha miséria. Eu atirei-lhe um olhar sombrio, mas isso só o fez rir mais. Mas ele rapidamente voltou ao trabalho. Ele era muito profissional, e ele tinha muito o que fazer, segundo ele, para continuar insistindo em como eu continuava me aprofundando cada vez mais no submundo de Ashland.
Enquanto Silvio digitava em seu tablet, organizando reuniões entre os outros chefes e eu, olhei para o restaurante, examinando a multidão de clientes enquanto eles iam e vinham para comer seu churrasco.
Raymond Pike podia estar morto, mas ele deixou um fio solto para trás: quem quer que tenha lhe dado todas aquelas informações sobre mim, Lorelei e tudo mais acontecendo em Ashland.
Fiquei imaginando se a amiga de Pike, que sabia tanto sobre mim, estava preocupada por não ter ouvido nada dele há uma semana. Ou talvez ela já tenha percebido que ele nunca mais voltaria.
Essa pessoa parecia estar conectada com o mundo de Ashland, então não era impossível que ela tivesse ouvido os sussurros sobre eu lidar com Pike. Eu me perguntei se ela tinha espiões na cidade – espiões que poderiam estar em meu restaurante neste exato segundo.
Mas isso não importava muito. Ela não iria aparecer hoje, e eu não tinha como começar a rastreá-la, nem um nome, nem uma runa, nada além das presunçosas menções de Pike sobre quão poderosa ela era. Então ela ficaria nas sombras – por enquanto. Quem quer que fosse a mulher misteriosa, se ela quisesse vir para Ashland e me atacar, ela seria mais do que bem-vinda para entrar na minha sala.
Então eu mostraria a ela como um coração frio realmente se parecia.
Capítulo 32
Apesar dos protestos de Silvio de que deveríamos participar de pelo menos mais uma reunião, saí cedo do trabalho, deixando o restaurante nas mãos capazes de Sophia e Catalina. Mas eu não fui para casa. Em vez disso, eu fui para o outro lugar que eu tinha visitado muito recentemente.
O cemitério.
A maioria das pessoas teria pensado que era mórbido, mas eu realmente gostava de ir ao cemitério de Blue Ridge, andar pelos caminhos sinuosos e admirar as lápides. Era calmo e quieto e era o único lugar onde eu poderia estar sozinha nestes dias, sem me preocupar com alguém tentando me matar.
Então eu estacionei meu carro, saí e serpenteei pelos caminhos, encarando as flores desbotadas, animais empalhados, e outros ornamentos que marcavam as lápides dos entes queridos. Uma leve brisa atravessou o cemitério, fazendo as últimas folhas de outono caírem no chão, cobrindo o verde com folhas vermelhas, laranjas e amarelas. Era uma cena bonita e eu inspirei, aproveitando o arrepio frio no ar. Não demoraria muito para que o outono desse lugar ao inverno e flocos de neve substituíssem as folhas. Eu só queria saber quantos novos inimigos a mudança de estação traria.
Eu fui até o túmulo de Fletcher e fiz uma varredura cuidadosa do cemitério, só para ter certeza de que minha paz e tranquilidade não seriam perturbadas por algum idiota que achava que era mais forte e mais esperto do que eu. Na maioria das vezes, o cemitério estava deserto, especialmente no fim do dia, quando o sol estava se pondo, as montanhas e a paisagem logo seriam encobertas pela escuridão.
Mas eu não estava sozinha hoje. Outra figura estava em um túmulo no meio da colina.
Lorelei.
Ela estava na metade do caminho entre a lápide de Gin Blanco e a que marcava o local de descanso final de Genevieve Snow, minha infância. Era onde o túmulo de sua mãe estava. Eu não sabia como Mallory tinha conseguido, mas ela tinha enterrado Lily Rose aqui todos aqueles anos atrás.
Lorelei olhou para mim, acenou, e se voltou para a lápide. Eu acenei de volta, então fui cuidar do meu próprio negócio. Mesmo que tenhamos combinado de nos encontrar aqui, longe de olhares indiscretos, nenhum de nós queria falar agora. Nós duas estávamos muito ocupadas pensando sobre os fantasmas do nosso passado e como eles voltaram para nos assombrar nos últimos dias.
Eu me agachei ao lado do túmulo de Fletcher, colocando um pequeno pote de seu molho de churrasco no topo da lápide. Eu fiz esse fresco no início do dia, e era a minha própria maneira de honrá-lo. Toda vez que eu voltava, o frasco que eu tinha deixado antes tinha ido embora. Eu não sabia o que acontecia com todo aquele molho de churrasco e eu realmente não queria saber. Talvez fosse estúpido, mas gostava de pensar que fosse para Fletcher, onde quer que ele estivesse.
Fiquei lá por vários minutos, apenas absorvendo o silêncio e a sensação de que Fletcher estava me observando. Então me levantei e olhei para o alto da colina. Lorelei deve ter me sentido olhando, porque ela se virou novamente. Ela colocou um buquê de lírios brancos e rosas vermelhas em cima do túmulo de sua mãe, depois pôs as mãos nos bolsos de sua jaqueta de couro azul e desceu a colina em minha direção.
Nos encontramos no meio.
— Lorelei.
— Gin.
Olhamos uma para a outra e depois para as sepulturas que viemos visitar. Lorelei sorriu quando viu o jarro apoiado em cima da lápide de Fletcher, mas ela não comentou sobre isso.
Eu não perguntei a Lorelei como ela estava, mas ela não parecia tão tensa como antes e certamente não tão hostil comigo. Bom. Eu precisava de mais aliados no submundo, e eu queria que ela fosse uma delas. Mas o tempo diria se isso realmente aconteceria.
— Estou feliz que você tenha concordado em me encontrar aqui — disse Lorelei.
— Eu gosto daqui. É um bom lugar para pensar.
— Sim. — Ela olhou para a lápide de sua mãe por mais um momento, depois se concentrou em mim novamente. — Tenho algumas informações para você.
— Que tipo de informação?
Lorelei hesitou, depois colocou a mão no bolso da jaqueta e tirou um pedaço de papel dobrado. — Eu encontrei isso entre os pertences de Raymond. Sua irmã, Bria, trouxe para mim ontem.
— Eu sei. Ela me disse que ela e Xavier limparam a cobertura de Pike.
A gerência da Peach Blossom finalmente percebeu que ele não voltaria e chamou os policiais. Bria havia providenciado para que ela e Xavier pegassem o caso e pudessem enterrá-lo, como fizemos com Pike.
— Bria pensou que eu poderia querer suas coisas, e eu passei por tudo, apenas no caso de ele ter outra coisa em movimento que eu não soubesse. Algum plano para ser executado no caso de ele desaparecer, morrer ou ambos.
Preocupação inundou através de mim. — Ele tinha?
Ela balançou a cabeça. — Não que eu tenha sido capaz de descobrir. Parece que ele estava muito confiante de que seria capaz de me matar. Mas ele estava escrevendo para alguém e enviaram uma carta de volta. Eu pensei que era um pouco estranho, uma vez que a maioria das pessoas apenas manda mensagem de texto ou e-mail agora. Mas Raymond gostava de ser antiquado, assim como nosso pai. Lembro-me dele escrevendo cartas também.
Lorelei me entregou a folha de papel dobrada. Abri e li a breve nota:
Sr. Pike,
Fico feliz em saber que as coisas estão progredindo conforme o previsto em Ashland. Por favor, mantenha-me informada da sua situação. Boa caçada.
Nenhuma assinatura estava rabiscada no papel, mas uma runa havia sido estampada na parte inferior da carta: um coração feito de pingentes de gelo encaixados como as peças de um quebra-cabeça.
A carta não dizia algo importante, nada que me desse qualquer pista de quem a escrevera, embora estivesse disposta a apostar que era a mulher a quem Pike se referira nos jardins. Mas um arrepio frio se arrastou pela na espinha mesmo assim, como se alguém tivesse acabado de passar por um dos meus túmulos. Porque eu já vi aquela runa antes, e eu sabia exatamente onde.
Em um arquivo no escritório de Fletcher.
Uma das pastas escondidas que eu tirei de uma gaveta falsa no fundo da mesa dele. A única que havia sido guardada naquele lugar em particular, como se ele não quisesse que alguém a encontrasse, nem mesmo eu. Nunca.
Lorelei olhou para mim. — Você sabe algo sobre isso.
Eu balancei a cabeça. — Não exatamente. Mas a runa... pode ser uma pista. Tenho a sensação de que vou descobrir mais sobre isso, mais cedo ou mais tarde.
Definitivamente, mais cedo, já que Fletcher mantinha um arquivo sobre essa pessoa, quem quer que ela fosse.
Levantei a carta. — Eu posso manter isso?
— Claro. É uma cópia.
Coloquei no bolso da minha calça jeans. — Obrigada. E eu também tenho algo para você.
Alcancei outro bolso e estendi minha mão. Um alfinete vermelho de rosa e espinho brilhava no centro da minha palma, bem em cima da minha cicatriz de runa de aranha.
Lorelei piscou. Ela reconheceu o alfinete como um que ela estava usando na cabana todos aqueles anos atrás. Sua mão tremeu um pouco quando ela estendeu a mão, cuidadosamente tirou o alfinete da minha mão, e traçou seus dedos sobre ele. Os movimentos fizeram os diamantes em seu anel de rosa e espinho brilharem. O alfinete combinou com o anel quase exatamente.
— Onde você conseguiu isso? — Ela sussurrou, passando os dedos por ele. — Eu pensei que tinha perdido todos eles na floresta naquele dia.
— Aparentemente, Fletcher encontrou um deles. Estava na casa dele. Eu pensei que você poderia gostar disso.
Seus lábios se curvaram, mas seu sorriso estava triste. — A minha mãe deu-me um conjunto destes alfinetes para o meu décimo quarto aniversário, algumas semanas antes de ela morrer. É por isso que a escolhi como minha runa.
Lágrimas brilharam em seus olhos, mas ela as piscou de volta e deslizou o alfinete na parte inferior de sua trança, admirando a maneira como brilhou sob a luz do sol que se desvanecia.
Quando ela olhou para mim novamente, seus olhos estavam claros. Outra rajada de vento varreu o cemitério, agitando as folhas e girando-as no ar entre nós.
— Você sabe, eu nunca lhe agradeci pelo que você fez por mim naquele dia na floresta — disse Lorelei. — E tudo o que você fez nos últimos dias, incluindo isso.
Dei de ombros. — É o que eu faço. É o que Fletcher me ensinou a fazer, mesmo que eu não percebesse isso na época.
Ela sorriu, sua expressão mais calorosa do que eu já tinha visto antes. — Bem, eu estou feliz que ele fez.
Eu sorri de volta para ela. — Sim. Eu também.
* * *
Lorelei e eu nos despedimos, e então eu entrei no meu carro e voltei para a casa de Fletcher. Estava escuro demais agora, mas em vez de tomar um banho e ir para a cama, peguei um copo e uma garrafa de gin da cozinha. Tive a sensação de que precisaria deles. Então voltei para o escritório do velho, acendi a luz, abaixei o copo e a garrafa e peguei o arquivo oculto, o que tinha a runa do coração de gelo.
Coloquei o arquivo na mesa de Fletcher, olhando para o runa que ele desenhou na capa. Talvez fosse minha imaginação, mas a runa parecia mais escura do que as dos outros arquivos, como se ele tivesse se sentado nesse mesmo lugar, desenhado e refeito isso na pasta. Curioso e curioso. O que o incomodava sobre essa pessoa mais do que todas as outras pessoas perigosas que ele havia espionado ao longo dos anos?
Hora de descobrir.
Eu respirei fundo e abri o arquivo, esperando... Bem, eu não tinha certeza do que estava esperando. Talvez outra explosão do passado, como Raymond Pike. Alguém que se relacionava com algum trabalho que Fletcher e eu fizemos. Mas era como qualquer outro arquivo no escritório. Uma recitação imparcial de fatos sobre um certo indivíduo.
Eu não via o nome dela listado em nenhum lugar logo de cara, então me inclinei para trás na cadeira e comecei a ler todas as informações.
Ela era uma rica elemental de Gelo de uma família proeminente e antiga de Ashland – os Shaws. Eu franzi o cenho. Eu nunca tinha ouvido falar dessa família antes, e não me lembrava de Fletcher alguma vez os mencionando. Isso era estranho – muito estranho – especialmente porque Fletcher conhecia todo mundo que era alguém em Ashland, por mais legítimo ou desonesto que eles fossem.
Então continuei lendo o arquivo, lendo e absorvendo todas as informações. E havia muito disso. Quem quer que fosse a elemental do Gelo, Fletcher havia passado mais tempo monitorando-a do que qualquer outra pessoa, até mesmo Mab. Eu me perguntava o que havia sobre ela que o deixou tão interessado e preocupado.
De muitas maneiras, ela era exatamente como Mab – rica, poderosa, implacável – mas aparentemente sem a necessidade motriz da elemental do Fogo de fazer todos saberem exatamente o quão mortal ela era.
Esta mulher... ela era como eu.
Ou, pelo menos, como eu costumava ser antes de me revelar como a Aranha ao matar Mab. Alguém que passava o tempo nas sombras e atacava seus inimigos antes mesmo de perceberem o que estava acontecendo. Isso foi o suficiente para fazer uma bola fria de preocupação se formar na boca do meu estômago.
Então eu cheguei à última coisa no arquivo, uma foto.
Ela parecia estar em seus cinquenta anos, uma beleza atemporal com cabelos loiros e olhos azuis que eram tão pálidos que pareciam cinza. Fletcher deve ter feito vigilância sobre ela, porque a fotografia parecia ter sido tirada de uma certa distância, como se ele não quisesse arriscar a ficar mais perto dela. Mas ela não estava feliz com a pessoa que ela estava olhando. Sua boca estava em uma carranca firme, e seus olhos pareciam estar brilhando, como se ela estivesse se preparando para pegar sua magia de Gelo e usá-la para congelar a pessoa com quem ela estava sentada.
Eu olhei para a foto, então lentamente a virei lentamente, sabendo – ou pelo menos esperando – que alguma coisa estivesse escrita no verso.
Ah, havia algo escrito no verso, tudo bem. Apenas algumas frases que me levaram apenas alguns segundos para ler, mas eram mais chocantes do que qualquer coisa que eu encontrei no escritório de Fletcher – alguma vez.
Mais uma vez, respirei fundo. Porque mais uma vez, eu estava completamente errada. Eu pensei que Raymond Pike estava atrás de mim quando Lorelei era seu verdadeiro alvo o tempo todo. E mais uma vez, eu pensei que quem quer que o tenha enviado para Ashland estava me mirando.
Mas isso não era sobre mim em absoluto.
Era sobre Finn.
Com as mãos trêmulas, eu li a nota novamente. E novamente, só para ter certeza de que eu não estava sonhando com as palavras. Mas eu não estava, embora eu realmente desejasse que eu estivesse.
Seu nome é Deirdre Shaw, estava escrito à mão por Fletcher. Ela é uma elemental de Gelo muito poderosa que fará o que for preciso para conseguir o que ela quer. Ela não é confiável, em nenhuma circunstância.
E ela é a mãe de Finn.
Era isso – era tudo o que a nota dizia, era mais do que suficiente para agitar meu mundo até as suas fundações.
Sentei-me na cadeira, com os olhos arregalados, olhando para a foto. Fletcher sempre me disse que ele era viúvo, que sua esposa morreu quando Finn era apenas um bebê. Jo-Jo, Sophia, Finn – nenhum deles tinha mencionado a suposta esposa de Fletcher, a mãe de Finn, exceto de passagem, e eu sempre achei que era porque ela havia morrido há muitos anos.
Mas, de acordo com o arquivo de Fletcher, ela estava muito, muito viva. E, pelo que Raymond Pike dissera, ela estava extremamente interessada nos acontecimentos em Ashland. Deirdre Shaw... ela deve ter sido a pessoa com quem Lorelei fez negócios. Ela deve ter de alguma forma reconhecido Lorelei durante suas reuniões, e, em seguida, contou a Pike sobre ela. Mas por quê? Como Pike matar Lorelei poderia beneficiá-la? O que ela estava fazendo?
E o quanto isso afetaria Finn?
As perguntas giravam em minha mente, mas não havia respostas, e certamente nada que me ajudasse a descobrir como dizer a Finn sobre isso. Ou mesmo se eu deveria contar a ele sobre isso.
Eu sempre seria assombrada – e um pouco presa – pelo meu passado, tanto como Genevieve Snow quanto como a Aranha. As pessoas que eu matei, aquelas que tentaram me matar, e todas as mágoas, danos e consequências disso. Eu não queria isso para o Finn. Qualquer coisa disso. E eu especialmente não queria que ele fosse arrastado por uma estrada sombria e feia envolvendo sua própria mãe. Isso só terminaria em mágoa para ele.
Mas mais uma vez, Fletcher tinha me deixado com um mistério para resolver e um inimigo perigoso para lidar. O velho não estava mais por perto para cuidar de Finn, mas eu estava. E protegeria meu irmão adotivo disso pelo tempo necessário e da melhor forma que pudesse.
Sentei-me em minha cadeira, considerando minhas opções. Então estendi a mão, servi um copo de gin e bebi tudo de um só gole. A bebida deslizou pela minha garganta, em seguida, se acendeu, queimando na boca do meu estômago. Mas não foi nada comparado com a determinação que rugiu através de mim para chegar ao fundo disso.
Eu puxei o arquivo sobre Deirdre Shaw para mais perto, e li as informações novamente.
A Aranha tinha trabalho a fazer – e segredos para desenterrar.
{1} Taboa é uma planta aquática encontrada em várias regiões do planeta, sendo considerada como planta daninha que invade lagos, lagoas e rios. Ela é conhecida popularmente por diversos nomes, tais como: capim-de-esteira, espadana, paineira-de-flecha, pau-de-lagoa, tabebuia, tifa,
{2} É um copo alto e estreito com pé (base) pequeno usado para servir sobremesas.
{3} Ela faz um jogo de palavras brega=corny e pipoca=popcorn.
{4} No original “cheese”. Também fazendo um jogo de palavras significando brega
{5} Tipo de câmera.
{6} No original “great-grandmother several times over”. Pelo o que pude depreender, tendo em vista a longevidade dos anões, a autora quis indicar que o parentesco ultrapassava a quarta geração de avós (no caso tataravó), quando já não existe indicação específica das gerações anteriores e costuma-se utilizar numerais ordinais seguidos do vocábulo avó ou avô para especificar a geração, tais como: quinto avô ou quinta avó, sexto avô ou sexta avó, etc.
{7} Crinolinas são armações usadas sob saias para conferir volume, sem a necessidade do uso de várias anáguas.
{8} Coquetel feito com uísque (Bourbon), hortelã e muito gelo picado.
{9} Personagem do filme “Mulheres perfeitas”
{10} No original “funny bone”. O nervo ulnar, que percorre a região do cotovelo, é conhecido também em inglês como o osso engraçado (funny bone). Trata-se de um trocadilho anatômico porque o nervo percorre ao longo do úmero (humerus) que soa como humor (humorous).
{11} No original “Wonder Twins”. Os Super Gêmeos são personagens criados pela Hanna-Barbera para o desenho Super Amigos. Eles são um casal de irmão gêmeos alienígenas que podem ativar ou desativar seus poderes quando juntam as mãos.
{12} Pagode é um termo em português que se refere a um tipo de torre com múltiplas beiradas, comum na China.
Jennifer Estep
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