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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


STAR PRINCE / Susan Grant
STAR PRINCE / Susan Grant

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Um príncipe herdeiro galáctico que jurou respeitar as regras,
Uma princesa em fuga que está decidida a quebrá-las.
Agora eles estão presos juntos na mesma pequena nave estelar, e cabe a eles parar uma guerra.
Princesa Tee'ah Dar tem tudo, exceto liberdade. Depois de aprender a pilotar naves estelares em segredo, ela foge das regras sufocantes do palácio para a fronteira selvagem, e prontamente é contratada por um homem da Terra. Sua nova vida emocionante ameaça quebrar e queimar quando ela descobre que seu empregador sexy é o homem que ela precisava evitar. Apenas um problema - seu coração já pode ter passado do ponto sem volta.
O príncipe herdeiro Ian Hamilton luta para ficar um passo à frente dos planejadores que não querem um cara da Terra na fila para o trono galáctico. Uma missão crítica para a paz galáctica o obriga a contratar um piloto fofo, mas durão, pelo qual ele não pode evitar se apaixonar - até que ele descobre que ela está fugindo das mesmas leis que ele se comprometeu a cumprir.
Mas as forças das trevas estão em seu rastro e se aproximando rapidamente. Logo, um príncipe montando uma Harley nascido na Terra, sua princesa piloto rebelde alienígena e sua tripulação de cativantes desajustados podem ser tudo o que resta entre a galáxia e a guerra total.

 


 


CAPÍTULO 1


— Ele não está bêbado, capitão. Ele está morto.

— Sim, claro. Nós o encontramos assim na semana passada e na semana anterior. Ele não está mais morto agora do que antes. — Ian Hamilton passou por seu mecânico e pelos retardatários que circulavam pelo bar. Seu piloto - seu único piloto e o terceiro que ele havia contratado desde que assumiu o comando do Demônio do Sol - estava caído adiante. Não surpreendentemente, Carn ainda ocupava o poleiro que havia escolhido na noite anterior, quando Ian se juntou a ele e ao resto da tripulação para o que era - para Ian - uma bebida rara. Agora, manchas de sol do amanhecer se espalhavam pelo uniforme do piloto e pelo chão arenoso, aquecendo o ar já abafado.

Ian passou o braço pela testa enquanto empurrava o bar. O clima tropical implacável era outra razão, em uma longa lista, de por que a asneira de Donavan, embora uma encruzilhada agitada, foi indiscutivelmente a parada mais triste na fronteira. Nenhum pedaço inútil de escória espacial iria mantê-lo aqui mais um dia.

— Afastem-se. — Ele rosnou irritado para os espectadores pressionando-o de todos os lados. Seus olhos devem ter indicado o quão perto ele estava a ponto de torcer o pescoço de alguém, porque ninguém poderia tropeçar para trás rápido o suficiente.

Ian agarrou os ombros grossos de Carn e deu uma sacudida forte no homem. — Você ultrapassou sua licença para terra, Sr. Carn. Levante-se. — Mas a testa do piloto permaneceu na mesa gordurosa, os dedos imóveis cerrados em torno de um copo vazio. — Mova sua bunda lamentável - agora - ou você está dispensado do dever.

A julgar pelos resmungos da multidão, despedir o bêbado era uma ameaça digna, esperada de um capitão de nave estelar. — Por acaso, algum de vocês sabe voar? — Ele perguntou. Um coro de murmúrios de desculpas deu-lhe a resposta que esperava. Os pilotos estelares eram escassos na fronteira.

Ian trocou olhares com Quin, o jovem mecânico atarracado que o arrastou do Demônio do Sol. Quin fez uma careta de eu-sabia-que-isso-iria-acontecer. Seu piloto original havia se embriagado até o esquecimento assim que eles chegaram à fronteira, o alcance mais distante e quase civilizado da galáxia. Ian o mandou para casa. Infelizmente, o próximo piloto que ele contratou também era alcoólatra. Agora o piloto número três estava seguindo os passos vacilantes dos outros.

Mas, confiável ou não, ele precisava de Carn. Não havia tempo para procurar outro piloto. Quando o rei da galáxia envia você, um cara da Terra, em uma missão, cujo resultado seria possivelmente crítico para o futuro da galáxia, você mantém o cronograma e termina o trabalho. Especialmente quando aquele rei era seu padrasto - um conceito que Ian duvidava que algum dia considerasse certo.

Rom B'kah era um rei dos reis, o herói governante da conservadora e pacifista Vash Nadah, e nem mesmo sua tradição de desafiar o casamento de sete anos com a mãe de Ian, Jas, o havia diminuído aos olhos de seu povo.

Ian suspeitava que a razão principal por trás da aceitação do casamento por Vash era o fato de seu amado rei ser estéril. A intervenção médica mais avançada não foi capaz de reverter os efeitos do envenenamento por radiação que Rom sofreu durante o combate espacial muitos anos atrás, então não havia necessidade de se preocupar com herdeiros potencialmente inadequados produzidos com uma esposa que não era Vash. Ou assim pensavam os Vash.

Rom quebrou a tradição novamente, no entanto. Ele escolheu Ian como herdeiro - ao invés de vários ansiosos, jovens príncipes geneticamente qualificados na linha para o trono - e a decisão deixou mais do que alguns membros da realeza galáctica infelizes. — Por sangue e habilidade, nenhum morador da Terra tem o direito de ser príncipe herdeiro — alguns sussurraram nos corredores do Grande Conselho. Tudo que eles precisariam como prova era a palavra de que Ian tinha se prendido na Asneira de Donavan, abandonado por um bebedor de álcool entorpecido e desafiado por julgamento.

— Deixe-o sóbrio — ordenou a Quin. — Nada menos que um galão de taça derramado em sua garganta vai levá-lo de volta a nave.

—Vai demorar mais do que isso, senhor. — Quin agarrou um punhado do cabelo loiro de Carn e jogou sua cabeça para trás.

Ian estremeceu. O rosto do piloto estava inchado e tingido de um azul decididamente nada saudável. Seus olhos castanhos dourados estavam vidrados e cegos, e saliva vazando do canto de sua boca, que ainda estava enrolada no sorriso idiota que ele usava quando Ian o deixou e o resto da tripulação na noite passada.

Ian passou os dedos de ambas as mãos pelos cabelos. — Lindo, simplesmente lindo. — Sua estrela-piloto havia bebido até a morte.

Ele jogou dois créditos para o barman. — Ligue para alguém sobre o corpo. E você pode muito bem divulgar a palavra; o Demônio do Sol precisa de um piloto, um qualificado.

Ele ficou consternado com a rapidez com que a frustração diminuiu sua pena por Carn, mas agora não era o momento para um exame de consciência. Depois de apenas um mês terrestre na fronteira, ele experimentou um ano de contratempos, avarias de nave e problemas de piloto. Não foram acidentes. Seu pescoço formigou. Os anos que passou submerso na cultura Vash o ensinaram a confiar em seus sentidos, e esse instinto agora o alertava de que alguém queria frustrar sua missão.

— Amarre as pontas soltas e volte para a nave. — Disse ele a Quin antes de se empurrar para fora, passando pela aba de lona que servia de porta.

O calor úmido latejava da calçada no mercado ainda deserto. Uma péssima desculpa para uma brisa agitando os odores de bebida rançosa e urina. A ação começava tarde neste planeta de má reputação e durava a noite toda. Agora, a maioria dos habitantes dormia em seus beliches a bordo de centenas de naves mercantes ancoradas perto da periferia da cidade. Ou eles estavam na cama de uma servidora de prazer - uma mulher especialmente treinada e autorizada a vender seu corpo por sexo.

Ian esperava que todos estivessem se divertindo, porque sua vida ultimamente fazia com que o monge comum parecesse um festeiro. Ele havia se tornado o príncipe consumado; seu comportamento era impecável, sua adesão aos métodos dos Vash era irrepreensível. Era a única maneira de ganhar a honra que seu padrasto havia concedido a ele.

Ele havia estudado história galáctica, normas culturais e religião até que pudesse citar passagens do Tratado de Comércio com a mesma confiança que a maioria dos membros do Grande Conselho. Aos poucos, ele foi conquistando o respeito e a confiança dos Vash, os amantes da tradição; embora os problemas recentes de casa possam muito bem arrastá-lo de volta à estaca zero.

Desde o primeiro contato, as pesquisas de opinião pública na Terra mostraram consistentemente altos índices de aprovação para os Vash. A Terra gostava de fazer parte de uma Federação de Comércio intergaláctica. Mas não mais, aparentemente, graças à cruzada “Terra em Primeiro Lugar” do senador americano Charlie Randall. O tema central da campanha de que a Terra estava melhor como um planeta soberano estava atraindo seguidores como um ímã arrastado por aparas de ferro.

— A Federação Vash é tecida como uma colcha antiga — Rom disse uma vez a Ian — um centro apertado e bordas esfarrapadas. Se a franja se desfizer, vamos desmoronar.

Ian realmente acreditava na convicção de seu padrasto de que a paz dependia de um governo forte e benevolente em toda a galáxia. Se a Terra saísse da Federação, o movimento poderia atrair outros mundos da fronteira a fazer o mesmo, desencadeando uma perigosa reação em cadeia e minando a estabilidade de toda a galáxia. No entanto, essa visão foi, e sempre será, temperada pela lealdade ao seu planeta natal. Ele queria o que era melhor para a Terra. Ele queria continuar o legado de seu padrasto e manter a galáxia em paz. De alguma forma, ele tinha que unir seus dois mundos sem sacrificar as necessidades de nenhum deles.

É por isso que, quando Rom pediu a ele para ir à fronteira e ver se a agitação havia se espalhado, ele agarrou a chance. Em troca das respostas que ele prometeu trazer de volta, Rom deu a ele o Demônio do Sol, uma tripulação de viajantes espaciais leais e experientes da classe mercante, e seu valioso guarda-costas. Mas a missão era mais para Ian do que uma incursão secreta de reconhecimento, mais do que uma maneira de se provar para os céticos Vash; essa era sua chance de demonstrar seu valor a Rom, um homem que ele passara a admirar - e amar, de muitas maneiras - mais do que a seu próprio pai.

Só que, até agora, as coisas não iam bem.

Ian colocou seu Ray Ban, passou a mão pela arma em seu coldre e voltou ao Demônio do Sol para refletir sobre seu último fiasco.

— Capitão! — No meio da praça, o guarda-costas de Rom o interceptou, um corpo musculoso de um metro e noventa de nome incongruente. “Muffin é um nome antiquado” o grandalhão sempre explicou pacientemente, embora um pouco na defensiva, para falantes de inglês como Ian, insistindo que “Muffin” personificava a essência da masculinidade robusta em seu mundo natal, não um doce do café do manhã.

— Acho que você ouviu falar sobre Carn. — Disse Ian.

— Se você não pode morrer como guerreiro, é melhor morrer feliz.

Ian esboçou um sorriso. — Verdade. — Ele apreciou a tentativa diplomática de Muffin de levantar seu ânimo. Embora Carn tivesse sido um pé no saco, ele era um membro de sua pequena tripulação, e todos sentiriam sua morte. — Ele tinha família?

— Nenhuma que ele mencionou. Acho que ninguém vai sentir falta do cara.

Exceto eu, Ian pensou ironicamente. Um capitão espacial novato abandonado em um posto avançado de fronteira remota com uma tripulação mal-humorada, uma das melhores naves da galáxia - e ninguém para pilotá-la.

 


Um cenário de estrelas girava lentamente atrás de uma roda de rubi, esmeralda e platina. A distância fazia o disco com joias parecer tão minúsculo quanto um brinquedo de criança, mas a estrutura era tão grande e populosa quanto uma cidade.

— Rotação sincronizada — declarou Tee'ah Dar quando o giro do cargueiro de carga que ela pilotava correspondeu ao da estação espacial à frente.

Como esperado, o Controle de Mistraal emitiu instruções de abordagem finais por meio do comunicador. — Liberado para atracar, Próspero. Baía Alfa-oito.

— Entendido. Alfa-oito. — As mãos de Tee'ah se apertaram ao redor do manche de controle. Você nasceu para isso, seus pensamentos cantaram.

Se ela fosse realmente a piedosa princesa que foi criada para ser, a filha obediente que seus pais pensavam que era, ela estaria na cama, dormindo. Mas com as mãos em torno dos controles de um cargueiro, ela não era a doce e protegida filha do rei; ela era seiscentos milhões de toneladas padrão de trillidium com a velocidade da luz, gritando em direção a uma baía de atracação que parecia pequena demais para segurá-la. Em sua imaginação, sua respiração assobiava com a hidráulica, seu batimento cardíaco com zumbidos e cliques mecânicos. Ela era a gigantesca nave que pilotava, sua pele quase impenetrável de trillidium protegendo uma tripulação de trinta, dez dos quais observavam com escrutínio forjado pela experiência enquanto ela desacelerava o Próspero, deslizando-o para a baía designada.

Ouviu-se um ruído suave de metal deslizando sobre os protetores acolchoados e um baque abafado que satisfez a alma quando a grande nave se acomodou no lugar. Silenciosamente, as escotilhas externas da baía se fecharam, selando e pressurizando o compartimento onde a nave agora repousava do vácuo do espaço. Sim.

A tripulação aplaudiu e, pela primeira vez, ela permitiu que o calor do orgulho a inundasse. Atracar a nave por conta própria era uma conquista que simboliza o culminar de um ano de visitas clandestinas ao Próspero, uma nave usada para transportar mercadorias entre as estações de mineração baseadas na lua e seu planeta natal, Mistraal, um dos oito mundos natal Vash Nadah. Claro, o capitão Aras havia recebido seu pedido de aulas de pilotagem com uma incredulidade educada, especialmente depois que ela implorou a ele para manter sua identidade em segredo - ela era uma mulher da realeza, afinal, e a única filha dos Dars. Mas, uma vez que ela provou que tinha o talento para ser uma piloto de carga intersistêmica, o trabalho árduo rendeu a ela um cobiçado par de asas de piloto e o respeito da tripulação, uma consideração infinitamente mais satisfatória do que aquela dada a uma princesa Vash Nadah enclausurada.

— Muito bom. — Aras estendeu o braço pelo que seria uma distância intransponível no palácio e apertou a mão dela em um aperto de congratulação.

Ela respondeu com a réplica autodepreciativa esperada de um piloto espacial quando elogiada. — É uma prova de suas habilidades aprendidas que ninguém agora está nos eliminando das paredes do espaço-porto.

Uma escotilha externa se abriu. Ela esperava ver o manipulador de carga de costume ou dois, para confirmar o carregamento de mercadorias. Em vez disso, quatro guardas reais uniformizados entraram na cabine, seguidos por um homem alto, de ombros largos e cabelo louro-escuro acobreado. Exatamente o mesmo tom que o dela.

— Pai. — O sangue foi drenado de sua cabeça. Ela agarrou os braços da cadeira para se equilibrar.

O capitão Aras chamou a atenção. — Eis o rei! Bem-vindo ao Próspero, Majestade — disse ele, e caiu sobre um joelho. O resto da tripulação reagiu com demonstrações de respeito igualmente respeitosas, embora chocadas. A tripulação de carga era civil, não militar, e os reis raramente, ou nunca, embarcavam em cargueiros de mineração. Mas Joren Dar deu aos homens pouco mais do que um aceno superficial. Sua capa de viagem azul bateu em suas botas enquanto ele subia a passarela para onde Tee'ah estava sentada.

Suas mãos se atrapalharam com seus arreios. Finalmente, livre de sua cadeira, ela se levantou, de frente para ele. — Saudações, pai.

Ele falou em um tom baixo e sinistro, para que ninguém mais pudesse ouvir. — Eu não teria pensado que você, Tee'ah, teria me enganado de tal, — ele acenou com a mão ao redor da cabine — maneira descarada.

Seus olhos dourados a gelaram com sua decepção e desaprovação. Tee'ah lutou contra uma sensação insípida na boca do estômago. — Eu sei que significa pouco agora — ela respondeu em um tom igualmente abafado, — mas eu pretendia te contar tudo. — Ela apertou as mãos entrelaçadas até que seu pulso palpitasse na ponta dos dedos. — Mas eu pensei que você receberia a notícia melhor assim que eu oficialmente ganhasse minhas asas.

Seus olhos se voltaram para as asas prateadas do piloto de carga intersistema que ela usava sobre o seio esquerdo. Bordado em fios metálicos em seu rico traje de voo em tons de índigo, o emblema era uma réplica do par genuíno que ela mantinha em uma caixa em seu quarto e guardava como preciosidade acima de tudo. — Eu tenho as asas há apenas um mês. — Ela sussurrou, esperando que sua conquista provasse a seu pai o quanto ela desejava liberdade pessoal.

Ou você estava apenas desejando despertar nele um pouco de orgulho por suas realizações?

Sua carranca se aprofundou. Amaldiçoou-se por pensar que tal feito que desafiava a tradição conquistaria o elogio de seu pai. Ela deveria ter dito a ele antes porquê desaparecia três noites por semana. Ela deveria tê-lo informado antes que ele descobrisse por conta própria ou, pior, sabendo de suas façanhas por outra pessoa.

Joren Dar voltou sua atenção para o capitão Aras, que esperava inquieto por mais instruções. Ele arriscou sua carreira ensinando-a a pilotar sua nave, tudo porque entendeu o que ela quis dizer quando confessou que seu desejo de voar, de ser livre, ardia tanto que queimava. Ele não devia levar a culpa que era só dela.

— Por que não fui informado de que minha filha estava passando as noites voando em sua nave?

— Eu pedi a ele que não fizesse. —Disse Tee'ah antes que Aras tivesse a chance de responder a seu pai.

O capitão comprimiu os lábios e fez um pequeno som no fundo da garganta.

— Ele não entendeu que o que eu pedi a ele foi contra a sua vontade. — Ela continuou.

— Vossa Majestade... — Aras tentou. —Eu...

— Bem, talvez sim, pai, mas saiba de uma coisa... Procurei o Próspero por causa do capitão Aras. Ele é o melhor da frota. Ele é profissional, experiente. Ele garantiu minha proteção desde meu primeiro dia a bordo desta nave. O único lugar onde eu estaria mais segura seria na minha cama.

A boca de Aras se curvou e ele olhou fixamente para o piso de liga, claramente lutando contra um sorriso. Evidentemente, ele havia desistido de lutar para conseguir uma palavra.

Sua rendição à persistência dela não passou despercebida ao rei, e esse era o ponto que ela esperava fazer. Às vezes, embora apenas por pequenas questões, até mesmo seu pai era vítima de sua bajulação. — Se alguém é o culpado por minha presença aqui —, disse ela, sua voz suplicante e baixa, — sou eu.

Joren examinou o capitão sitiado. Aras ergueu os olhos. Estranhamente, uma espécie de entendimento oscilou entre os homens. — Vejo você em meus aposentos amanhã, capitão.

Então, gentilmente, mas com firmeza, pegou Tee'ah pelo cotovelo. — E você, filha, vou ver você em meus aposentos agora.

A viagem de volta à superfície foi terrivelmente longa. Em seu colo, Tee'ah segurava a bolsa contendo o vestido e a capa da criada que ela usava para se disfarçar ao viajar para o espaço-porto enquanto sua família dormia. As mãos de seu pai estavam espalhadas sobre os joelhos, seus braços musculosos apoiados, seus olhos baixos. Sua expressão era cautelosa, tornando difícil saber o que ele estava pensando, embora ela tivesse suas suspeitas sobre o que ocupava seus pensamentos.

Dentro de algumas semanas, seu contrato de casamento seria assinado e ela seria oficialmente prometida ao príncipe Ché Vedla, um homem que ela conheceu apenas uma vez, quando ambos eram crianças. Um ano padrão a partir do dia em que a promessa entrou em vigor, eles se casariam, uma união arranjada com boas intenções, mas sem consideração pelos desejos pessoais dela. Os casamentos entre a realeza dos Vash Nadah eram parte de uma estabilização contínua e complicada do poder compartilhado pelos oito clãs governantes. Eram alianças políticas, não casamentos amorosos, embora a cultura Vash enfatizasse a importância de boas relações entre marido e mulher. Eventualmente, sua união com o príncipe Ché poderia ser agradável, se ele tivesse amadurecido do pirralho superconfiante de que ela se lembrava.

Mas os eventos extraordinários dos últimos anos - o casamento incrivelmente não convencional de seu tio Rom com uma mulher da Terra igualmente não convencional e, mais recentemente, os próprios ousados voos espaciais de Tee'ah - revelaram escolhas que ela nunca tinha imaginado, muito menos contemplado. Ela estava menos certa do que nunca de que o caminho tão cuidadosamente preparado para ela era o que ela deveria seguir.

Após sua chegada ao palácio, Tee'ah caminhou com seu pai até seus aposentos particulares. As antigas paredes de pedra branca polida e o piso que ela normalmente admirava agora a pareciam inexpressivos e frios.

Sua mãe os encontrou. Seus olhos estavam inchados, como se ela tivesse chorado. Tee'ah a abraçou, sussurrando: — Sinto muito.

Mas ela sentia? Afinal, não era como se ela tivesse fugido para um amante, sabendo que estava prestes a ficar noiva - isso seria imperdoável e sintomático de um caráter fraco. Ela só tinha aprendido a voar. O que havia de tão errado nisso?

Joren a observou por longos momentos. Estreitando suas feições estava a complicada mistura de emoções de um pai amoroso. — Você tem responsabilidades, Tee'ah. Manter um comércio, como voar, esgota tempo e energia dessas obrigações. E então, é claro, há a questão da propriedade a ser considerada.

Com rigidez, ela saiu do círculo do calor familiar e do cheiro doce de sua mãe. — Mas depois que eu me casar, se o Príncipe Ché concordar...

— Não persiga isso. Os Vedlas não aprovarão. Você não pode voar.

Você não pode voar.

Ali. Com quatro palavras, ele acabou com seu sonho. Aparentemente, a renomada misericórdia e mente aberta do rei não se estendeu a sua filha.

A sensação de sufocamento era tão real que parecia que um torno apertou seus pulmões. Sua mão rastejou para sua garganta, seus dedos tremendo. Respire.

Alheio a sua dor, seu pai caminhou na frente dela. — “O bem-estar de todos vem antes dos desejos de um indivíduo” —, ele citou o Tratado de Comércio, o documento mais sagrado de seu povo. — Recite o resto dessa passagem, Tee'ah. Sinta as palavras; sinta o que significa ser Vash Nadah.

Ele parou, esperando. Ela respirou fundo, as mãos cerradas ao lado do corpo. Então, ao comando do rei, ela recitou as palavras que havia memorizado há muito tempo para ter uma lembrança de ter feito isso — “Os Anos Sombrios nos engolfaram. A monarquia não existia mais. Senhores da Guerra surgiram para preencher o vazio. Doenças, fome, escravidão e terror causaram um colapso completo da civilização. Armas de destruição inimaginável foram criadas e aperfeiçoadas por aqueles sem consciência e usadas por aqueles que abraçaram a crueldade e adoraram o poder sem alma. Oito grandes guerreiros se uniram para vencer o mal. Paz para sempre, eles juraram quando a luz da Grande Mãe amanheceu mais uma vez. Louvados sejam os Oito!” — Sem rodeios, ela terminou — Uma leitura do Tratado de Comércio.

Seu pai assentiu. — O sangue dos Oito corre em suas veias, Tee'ah. Isso traz responsabilidades, obrigações que outros não podem imaginar. Nós, os oito clãs reais, devemos liderar com sacrifício e exemplo.

Ela desviou o olhar para a janela. Lá fora ficava a savana sem fim, uma paisagem que ela frequentemente contemplava com saudade - sempre que precisava respirar; sempre que temia, sufocaria em sua vida escrupulosamente protegida e implacavelmente confortável.

A grama alta estava completamente achatada, o que significa que um Tjhu'nami estava se aproximando rapidamente. As estações meteorológicas orbitais previram que uma das tempestades de vento secas que periodicamente varriam Mistraal atingiria pela manhã, trazendo velocidades do vento superiores a oitocentos nós galácticos padrão.

Usando todos os seus sentidos, ela se concentrou. Ela podia sentir, mas não conseguia ouvir, um estrondo constante - a maré de ar recuando antes de uma onda enorme e distante.

Ela se virou para o pai. — Para ser honesta, estou com medo. —Disse ela.

Ele balançou sua cabeça. — Com medo? Do Tjhu'nami?

Nem uma única vez em seus vinte e três anos padrão ela esperou as terríveis tempestades em qualquer lugar, exceto abrigada com sua família no barulhento refeitório comunitário. Mas um medo maior se apoderou dela. — Não, pai. De me perder. — Ela apertou as mãos nodosas sob o queixo. — Eu mal me lembro de ter conhecido os Vedlas. Agora devo me juntar a eles em um planeta distante que nunca visitei... Onde o costume vai me manter enraizada pelo resto da minha vida. Isso me assusta.

Mas sua confissão apenas confundiu seus pais. — Ah, criança —, disse a mãe, colocando a mão quente em seu rosto. — A família do seu marido vai te amar, como nós te amamos.

A terna carícia maternal de sua mãe mostrou a Tee'ah que ela acreditava no que dizia. — Em pouco tempo você se estabelecerá e sentirá com eles o que sente aqui, conosco.

E isso, pensou Tee'ah, era exatamente o que ela temia.

Com o polegar, sua mãe enxugou uma lágrima rara da bochecha de Tee'ah. — Seu pai e eu veremos você no refeitório esta noite — ela disse gentilmente. — Troque de roupa e junte-se a nós. Vamos contar histórias e esperar a tempestade passar. Como sempre.

— Sim. Como sempre, mãe. — Ela sussurrou.

Tee'ah baixou a cabeça respeitosamente e voltou para seu quarto. Uma janela do chão ao teto dominava uma parede. Ela pressionou a testa contra a superfície fria, com as mãos espalmadas no painel de vidro composto, e observou a tempestade que se aproximava da segurança de seu quarto, incapaz de escapar dos paralelos com sua situação.

Ela poderia ficar como estava e estar segura. Ché Vedla foi considerado por muitos um dos jovens príncipes mais promissores de sua geração. Com ele, ela ansiava por uma existência luxuosa - mas anônima - como a esposa de um homem poderoso. Mas se ela deixasse o palácio, ela enfrentaria o desconhecido de frente.

Ela pensou em sua tia da Terra. — Muitas pessoas nunca vão atrás do que realmente querem da vida — Jas disse a ela uma vez. Quando Tee'ah perguntou por que não, Jas respondeu: — Porque é mais fácil.

Só agora Tee'ah realmente entendeu o que sua tia queria dizer. Os caminhos traçados por conta própria eram os mais difíceis de percorrer. Se ela tentasse seguir seu próprio caminho, ela poderia falhar, espetacularmente, e machucar aqueles que amava no processo. Ou ela poderia alcançar tudo o que ela sonhou. Mas se ela ficasse aqui, ela nunca iria descobrir, não é?

Ela se afastou da janela. Torceu as mãos. Caminhou novamente.

Lá fora, planícies ocre se estendiam até o horizonte distante e suavemente curvado, agora manchado pela poeira que soprava. O Tjhu'nami. Quando os ventos perigosos chegassem, ninguém tentaria voar para dentro ou para fora da Cidade de Dar. E se ela fosse embora esta noite? Roubar um acelerador de estrelas. A segurança do palácio não se arriscaria a ir atrás dela até que o vendaval diminuísse a um nível seguro. Partir logo antes de a tempestade chegar lhe daria uma vantagem de um dia normal, não é?

Ela torceu as mãos com mais força. O plano era muito apressado. Ela precisava de mais tempo para pensar. Haveria outra tempestade no final da temporada. Mas se ela fosse proibida de voar, suas habilidades de pilotagem já teriam se deteriorado, reduzindo suas chances de sucesso.

Ela baixou as mãos. Se ela ia partir, tinha que ser esta noite - se ela pudesse encontrar um caça estelar e se a confusão do Tjhu'nami de fato encobrir sua partida.

Muitos “se”. A dúvida a inundou.

Sua família não merecia a dor que sua partida repentina traria a eles. Mas se ela permanecesse em uma cultura que a tratasse como se ela não tivesse livre arbítrio, nenhum controle sobre seu destino, nenhuma escolha, ela logo estaria tão seca e vazia quanto uma casca de semente nos ventos de outono. Seu corpo viveria até uma idade avançada, sim, mas seu espírito estaria morto muito antes disso.

Vá. Siga seus sonhos. Sim, antes que eles estivessem perdidos para ela para sempre. Seu sangue disparou. Desta vez, quando ela se afastou da janela, foi para reunir os itens de que precisava para facilitar sua fuga.


CAPÍTULO 2


Tee'ah usou as últimas horas antes da tempestade para trabalhar na mecânica de seu plano. Ela embalou uma pequena mochila com créditos para usar na compra de itens. Para se vestir, ela pegou emprestadas algumas camisas e calças de seu irmão, tiradas de seus aposentos depois que ela teve certeza de que ele e sua família haviam partido para o refeitório. Ela requisitou sua pistola de plasma também. Ele não se importaria, ela raciocinou, uma vez que percebesse que ela precisaria da arma para proteção. A carta que ela escreveu para seus pais - uma tarefa dolorosa - não apareceria em seu canal de comunicação privado até que ela tivesse partido.

O som familiar de escudos caindo, explosões estrondosas estrondeando pelo palácio, sinalizou a aproximação iminente do Tjhu'nami. Projetadas como proteção contra a tempestade, as barreiras transparentes se fechavam automaticamente sobre todas as janelas quando o vento atingia uma velocidade predeterminada. Quando o último estrondo retumbante dos escudos diminuiu, Tee'ah abriu a porta do quarto. Ela puxou a aba de seu boné de piloto de carga sobre a testa e olhou para um corredor deserto e repentinamente silencioso. Os tufos irregulares fazendo cócegas em sua mandíbula foram tudo o que restou depois de cortar seu cabelo espesso na altura das coxas.

O vento bombardeav os escudos, com mais força agora. Seus ouvidos estalaram com a pressão atmosférica oscilante.

Ela se agarrou ao batente da porta, incapaz de se forçar para frente - ou para trás - presa entre seu futuro e seu passado, entre um desejo louco e o bom senso. Sua respiração irregular tornou-se um rugido em seus ouvidos, ampliando sua dúvida, ameaçando sua resolução. Mas se ela quisesse escapar para a liberdade e independência, ela teria que superar seus medos infantis, começando com seu terror da tempestade.

Vá. Ela agarrou sua mochila e se lançou em uma corrida completa por um labirinto de corredores de pedra polida que ela conhecia de cor. Seu macacão de piloto de carga permitia-lhe uma liberdade de movimento que ela nunca experimentou com os vestidos que iam até os tornozelos que ela usara em toda a vida. Seus pulmões queimaram, suas pernas se contraíram, mas o esforço a trouxe alegria, como se seu corpo fosse uma nave estelar recém-chegada experimentando a velocidade da luz pela primeira vez.

Ela derrapou para uma caminhada rápida ao entrar no mezanino do espaço-porto de Mistraal. O ar frio e seco e a ressonância da enorme câmara a deixaram imediatamente alerta. Sob o boné de piloto, ela olhou para o céu coberto de poeira refletido em um imenso, mas elegante ônibus espacial, recém-chegado da cidade-espaço orbital, e lotado com centenas de passageiros ansiosos para chegar antes da tempestade.

Raios de sol do início da noite espalharam-se sobre o piso de mármore, iluminando os viajantes que saíam do ônibus. Grande Mãe. Ela reconheceu metade das pessoas que circulavam - funcionários e trabalhadores do palácio... E vários membros do Conselho de Segurança de seu pai.

Rezando para não se parecer em nada com uma princesa, ela rolou os ombros para trás, balançando os braços no passo arrogante e casual usado pelos pilotos de carga intersistêmica que ela sempre admirou. E invejou. A transpiração escorria por uma bochecha. Seu macacão de voo grudou em sua pele úmida enquanto ela avançava contra a maré de viajantes.

Mais rápido. Você deve lançar antes que a tempestade aconteça.

Com os olhos baixos, ela deixou o mezanino para trás, caminhando o mais rápido que podia, sem realmente correr. Uma porta trancada separava a área de transporte da área de passageiros. Ela enfiou a palma da mão esquerda em um leitor de mão. O receptáculo emitiu um bipe e exibiu ACESSO NEGADO.

Ela se firmou respirando fundo e novamente enfiou a mão no leitor. MODO DE ESPERA. Uma luz âmbar piscou enquanto a unidade tentava reconciliar sua palma tensa e suada com o que “pensava” que sua mão deveria ser.

Os batimentos cardíacos passaram. Tee'ah praguejou baixinho.

VERIFICANDO... VERIFICANDO...

Você nunca mais verá sua família. Céus, ela amava seus pais, seus irmãos, suas esposas e filhos. Se ela fugisse, causaria dor e preocupação incalculáveis. Os músculos de seu braço se contraíram e seus dedos enrijeceram.

VERIFICANDO... VERIFICANDO...

Ela relaxou a mão à força, reprimindo seu aumento de culpa. Ela tinha que manter sua mente clara, seus pensamentos racionais. Ela não podia permitir que o arrependimento a distraísse.

VERIFICAÇÃO CONCLUÍDA.

A porta se abriu. Sua respiração sibilou. Ela correu para o grande hangar, suas botas batendo contra o piso de liga de prata em ecos solitários. A área onde os caças estelares estavam ancorados estava previsivelmente deserta. Quando ela acessou o computador em seu quarto, ela notou que apenas os portões seis e sete estavam programados para ter uma nave ocupando a baía. Um... Dois... Três - ela contou os portões enquanto corria. Todos estavam vazios. Seu estômago estremeceu com a visão indesejável de encontrar seis e sete vazios também.

Quatro... Cinco... Pronto! Ela deu uma ovação silenciosa. A nave que ela estava de olho estava ancorada com segurança na baía seis para esperar a tempestade passar. Era a folga com a qual ela contava.

O caça estelar era pequeno, construído para uma tripulação de quatro pessoas. Mas seus motores superdimensionados e fuselagem elegante o tornavam rápido. Ela precisaria dessa velocidade para colocar distância entre ela e os soldados que seu pai inevitavelmente colocaria em seu encalço - amanhã, ela imaginou. Ela fez um cálculo mental rápido - a comida e a água armazenadas na nave, o equivalente a uma semana para cada um de seus quatro pilotos, a manteriam viva durante a jornada até a fronteira.

Ela colocou a mão no bolso direito. As pontas dos dedos dela roçaram o cilindro frio e impessoal de sua pistola de plasma emprestada quando ela entrou no interior escuro da nave. Pelos céus, alguém estava sentado na cabine - nos controles.

Ela quase gemeu em voz alta. A última coisa que ela esperava era deixar uma testemunha. Erguendo a pistola, ela saiu das sombras. — Levante-se. — Ela disse, sua voz calma, na verdade milagrosamente.

O piloto girou em sua cadeira. Sua garganta balançou quando viu a arma dela, mas sua mão deslizou em direção à luz vermelha piscante que era uma conexão direta para a segurança planetária de Mistraal.

— Toque no comunicador e você será a poeira do espaço.

Um rubor cresceu em seu rosto e sua mão se retirou. Mesmo assim, ela mirou na cabeça dele, rezando para que ele não a chamasse de blefe e a fizesse usar a coisa. Ela nunca atirou em nada, certamente não em uma pessoa viva. Mesmo que o fizesse, sem dúvida erraria e faria um buraco no casco e só Deus sabe o que mais, acabando com sua chance de pegar a nave.

— Levante-se... Devagar. — Seu coração bateu com mais força no peito, mas de alguma forma ela manteve as mãos firmes. — Coloque sua pistola no painel de comunicação e recue.

O jovem tenente se irritou. — Por que eu precisaria de uma pistola para fazer listas de verificação pós-voo na cabine de comando de um navio mercante intersistema vazio - um navio mercante vazio ancorado?

— Eu disse mova-se. — Ela avançou para ele.

Ele ficou de pé. — Dama Tee'ah!

Doce céu. Ela não o reconheceu, mas isso não significa que ele não a reconheceu; havia muito menos princesas em Mistraal do que pilotos de carga.

— Honrada senhora — De onde ele estava, ele olhou sob seu boné e fez uma careta. — O que aconteceu?

Ela forçou uma carranca. — Dia de cabelo ruim. — Ele piscou confuso. — Vá — ela retrucou antes que ele tivesse a chance de responder.

Ele recuou, as mãos levantadas. — Você precisará de um piloto para voar com ela.

— Eu estou voando com ela.

Isso o surpreendeu. Mas ele se recuperou rapidamente. — Sem os códigos de embarque, você nunca terá autorização para sair daqui.

Tee'ah admirou seus esforços inteligentes para permanecer a bordo para evitar que o caça fosse roubado. Homens como ele haviam feito dos Dars uma das mais respeitadas das oito famílias reais. — Eu tenho os códigos — ela disse calmamente. — E você, Tenente, tem um minuto padrão para limpar a baía. Então estou disparando os propulsores.

Exalando, ele desceu o passadiço da cabine até a cabine. O cano de sua pistola acompanhou seu progresso ao longo da antepara que conduzia à escotilha de saída. Ele parecia positivamente desamparado. Ela suavizou seu tom. — Deixei uma nota explicativa. Você não será culpado.

O piloto encolheu os ombros com desânimo. Ela pensou no capitão Aras e rezou para que a famosa benevolência de seu pai se estendesse a ele e a este jovem tenente.

Ela agarrou a pistola em suas mãos suadas, esperando que os passos medidos do piloto o levassem mais longe na baía de atracação vazia e cavernosa. No instante em que ele estava longe da nave, ela bateu com a palma da mão no painel da porta. A escotilha do caça estelar se fechou com um assobio de ar. Da tela de visão, ela deu uma última olhada no piloto deslocado olhando para ela da segurança do espaço-porto antes de sair correndo para encontrar ajuda.

Ela pulou na cadeira do piloto, afivelou o cinto e ligou os propulsores. O caça estelar estremeceu quando ela girou a nave dentro dos limites da baía de atracação. Limpando o hangar, ela apontou o nariz da nave para o céu e puxou a alavanca de controle para o peito, empurrando os propulsores para frente com a outra mão. A aceleração a jogou contra o assento enquanto voava para o céu.

A tempestade se intensificou mais rapidamente do que ela previra. Uma turbulência de sacudir os ossos deslocou seu boné e nuvens turbulentas de poeira percorreram a tela frontal. As partículas transportadas pelo ar fizeram os motores zumbirem. Seu pulso disparou erraticamente enquanto seu medo profundo do Tjhu'nami ameaçava dominá-la. Mas, à medida que o céu laranja pálido escurecia para índigo e depois para a escuridão do espaço, e as estrelas tomavam o lugar do sol poente, o ar áspero diminuiu. Só então ela inclinou a cabeça para trás contra o encosto e se permitiu uma única risada suave e triunfante. Ela estava livre.

 


— Fale sobre abandonar a face da Terra!

Com os olhos turvos por causa de uma série de noites agitadas, Ian se acomodou em sua cadeira de comando no Demônio do Sol, esperando que sua irmã gêmea terminasse de repreendê-lo na tela presa ao seu braço direito. Com as botas apoiadas em uma caixa de produtos destinados à galera da nave, ele ponderou os benefícios da tecnologia antiga que permitia os Vash se comunicar com o mínimo de atraso em vastas distâncias interestelares. Então ele pesou esses benefícios contra a realidade opressiva de estar a anos-luz da Terra e incomodado por sua irmã, em tempo real.

— Ian, você tem ideia do quão difícil tem sido tentar falar com você? Mamãe disse que você estava na fronteira, mas não sabia onde. Isso não é típico de você, Sr. Sugador de Vida.

— Ei, eu liguei, não liguei?

Ela bufou. — Mentalmente, eu já tinha jogado suas cinzas ao vento.

— Estou disfarçado, Ilana. Ninguém pode me alcançar. Lembra?

— Eu deveria? — Ela parecia não convincentemente apologética enquanto tirava a franja da testa. Em qualquer outra pessoa, o cabelo loiro descolorido emaranhado pareceria um esfregão. Nela, parecia bom, e provavelmente se encaixava em sua vida como uma jovem cineasta solteira que vivia em Santa Monica, Califórnia.

— Eu precisava fazer algumas perguntas —, disse ele — mas parece que você tem algo para mim. — Ilana havia dito uma vez que sua ânsia de devotar sua vida ao bem maior era tão inútil e entediante quanto o fato de ela namorar apenas um cara por vez. Mas seu amor por Rom B'kah era uma coisa que eles tinham em comum, e ela agia como os olhos e ouvidos de Ian na Terra, mantendo-o atualizado sobre a opinião pública a respeito da Federação.

— Bem, os Neandertais estão de volta.

— Terra primeiro?

— Sim. Dois comícios anti-Federação - um há algumas semanas na ONU, o outro no fim de semana passado em Washington.

— Sem protestos no exterior?

— Não. Ainda não.

Ele tirou a tensão de seus ombros. Como ele e sua mãe tinham posições sem precedentes em sua sociedade, um oficial de alto escalão da Terra instigando uma candidatura à independência certamente atrairia a atenção dos Vash. Que membro do Grande Conselho aprovaria um príncipe de um planeta rebelde?

— Não se deixe abater, Ian. Eu também tenho boas notícias. Randall está a caminho da fronteira. Uma pequena turnê para descobrir fatos, ele está chamando.

— Sem brincadeira. — A adrenalina correu por ele e ele colocou os pés no chão. Finalmente, algo estava acontecendo em seu caminho. — Você tem algo gravado?

— Uma conferência de imprensa. Pronto?

— Sim. Manda.

Charles Randall apareceu na tela principal. Vestido com um macacão impecável com o emblema da NASA, o senador posou confortavelmente diante de uma série de telas que eram claramente parte de uma nova nave estelar. Irônico, Ian pensou enquanto acenava para Muffin; o maior crítico da Federação estava se divertindo em uma nave espacial recortada de um padrão Vash com peças doadas pela Vash.

Muffin se acomodou na cadeira ao lado. A gravação era em inglês, e o homem tinha um comando limitado. Ele poderia usar um tradutor de inglês básico - um dispositivo de alta tecnologia do tamanho da palma da mão que transformava a fala em texto - mas preferia observar a linguagem corporal, que ele disse frequentemente achar mais útil do que dicas verbais.

— Senador — perguntou um correspondente quando Randall terminou de falar entusiasmado sobre sua próxima aventura. — Como você concilia suas duras acusações em relação aos Vash com suas ações nos últimos sete anos? Em troca de um acordo comercial comum, eles nos deram curas para câncer e AIDS, e a ciência médica que nos permite curar medulas espinhais recentemente danificadas. No entanto, você diz que estamos melhor sem eles?

Randall passou a mão pelo cabelo prateado, cortado em um estilo militar curto. — Os Vash realmente tem sido generosos conosco —, reconheceu. — Nave espacial com capacidade para a velocidade da luz, cura para doenças devastadoras; a lista continua e continua. Mas a que custo para nós? Eles nos absorveram completamente em seu império. — Seus penetrantes olhos azuis se estreitaram. — Se isso não te assusta, deveria. O arranjo que você chama de acordo comercial comum é o proverbial acordo com o diabo. Vendemos nossas almas por alguma tecnologia sofisticada. Isso pode não ser o que alguns de vocês querem ouvir, mas é a realidade, pessoal. É hora de enfrentarmos isso, agirmos e cuidarmos de nossos próprios interesses. É por isso que estou indo para a fronteira. Por vocês, por mim, por todos nós. Quero ver o que aconteceu com outros planetas que fizeram acordos com os Vash. E quero ver quais ações serão mais favoráveis para nossos povos nos próximos anos. Espero que nos desligando da Federação seja a única maneira de conseguir o que precisamos. Lembre-se, a Terra deve vir primeiro.

Alguns jornalistas aplaudiram.

— Ótimo — Ian murmurou para si mesmo. Sua ânsia de engolir a pílula de açúcar da soberania de Randall mostrou sua ingenuidade na história galáctica. Mundos independentes e famintos por poder causavam instabilidade; somente a unidade manteria a paz.

— Qual é o seu itinerário, senador?

— O planeta Grüma servirá como meu acampamento base durante o mês. A partir daí, vou lançar várias viagens secundárias.

Ian tamborilou os dedos nas coxas. — Grüma. — O planeta rural abrigava o animado, mas inofensivo mercado negro da fronteira. — Eu me pergunto que fatos ele acha que vai encontrar lá?

— Podemos descobrir facilmente — disse Muffin. — Está perto, um dia de viagem. Talvez dois.

Ian fez uma careta. — Pode muito bem ser em outra dimensão sem um piloto para nos levar até lá.

Quando Ilana reapareceu na tela, ela procurou seu rosto e sorriu. — Tudo certo. Você vai atrás dele?

— É melhor você acreditar, eu vou.

—Cacete! Ian Hamilton vai chutar alguns traseiros. Tae-kwon-do! Faça Randall comer sua propaganda, certo?

Ele respondeu secamente: — O príncipe herdeiro dos Vash lutando com um senador dos EUA? Sim, isso ajudaria muito nas relações interestelares.

— Sabe, talvez sim.

Muffin riu e Ian olhou para ele.

Ilana ergueu as mãos. — Eu sei; você não tem que me dizer. Você prefere a abordagem do homem que pensa; a diplomacia é fundamental; 'faça amor, não guerra', o credo Vash Nadah. Ei, funcionou por quase onze mil anos, certo? — Ela se inclinou em direção à tela de exibição. — Mas às vezes, você só tem que chutar um pouco.

Ian empurrou sua língua contra o interior de sua bochecha. Ilana reconheceu o sinal de alerta e sorriu docemente. — Só estou dizendo que você tem uma faixa preta - use-a pelo menos uma vez na vida.

— Sobre um assunto diferente — ele interrompeu. — Obrigado pelo aviso sobre Randall.

— A qualquer hora. — Ela disse, mais suave.

Ele alcançou a tela de exibição e, em seguida, largou a mão. — Eu devo muito a você. E não diga a Rom ou a mamãe que liguei. Eu quero cuidar disso sozinho.

— Ok. — Ela soprou um beijo para ele. — Tenha cuidado lá fora — ela murmurou, então ela desligou.

Rom aprovou uma missão para Ian ver o que estava acontecendo na fronteira, não perseguir um senador da Terra. — Quin — ele chamou por cima do ombro. — Quando você tiver a chance, refaça a criptografia em nosso comunicador.

— Mas, senhor — disse Quin — foi feita antes de deixarmos Sienna. O mecânico-chefe de Sua Majestade B'kah é um especialista na área de segurança.

— Esse é o ponto principal. Meu padrasto conhece os códigos. — Se havia uma maneira de o rei encontrá-lo, o cordão umbilical ainda estava preso. Isso era algo que ele queria alcançar sozinho. — Estamos prestes a fazer um pequeno desvio. É melhor que ninguém saiba disso além de nós.

A nave ficou repentinamente claustrofóbica. Ian se levantou da cadeira e, cansado, enfiou a camisa dentro da calça jeans. — Estou saindo por um tempo — disse aos homens. — Me liguem no comunicador se algum piloto bater em nossa porta, implorando por trabalho. — Ele verificou seu cinto de utilidades para sua arma e óculos de sol, então saiu em busca de um provável estabelecimento para um copo de tock gelado. A estranha bebida com sabor de alcaçuz de mentol era conhecida como café em todos os lugares, menos na Terra.

Não aconteceu muita coisa em Blunder antes do meio da tarde. Ele usaria as horas de silêncio para reformular sua estratégia, agora que parecia que seu inimigo estava vindo para ele. Mas assim que as ruas se encheram ao pôr do sol, ele jurou encontrar alguém capaz de voá-lo para fora desta rocha fedorenta.

 


Havia uma arrogância decidida no andar rígido e longo demais de Tee'ah em uma nave enquanto ela descia a passarela de sua velocidade. O ar no Asneira de Donavan estava denso, quase sufocante, e o calor intenso do sol queimava o tecido da camisa e calça pretas fora de época de seu irmão. Ela teria ficado muito mais confortável em seu traje de voo, mas com a frota de Dar provavelmente em sua cauda, armada com a descrição de suas roupas que o tenente teria dado a eles, ela não poderia correr o risco de ser reconhecida. Ela colocou o boné, agora sem o emblema em forma de asa, e se escondeu sob a sombra do caça. Suas botas rangeram na terra dura e branqueada enquanto ela observava o movimentado espaço-porto, maravilhada com o grande volume de pessoas. Os cheiros de poeira, comida e decomposição, o trovão das naves rugindo no alto e os gritos dos mercadores, bateram nela, fazendo seus sentidos girarem maravilhosamente. Enchendo os pulmões com o ar quente carregado de fumaça de foguete, ela sentiu o gosto da liberdade a cada respiração.

— Asneira de Donavan. — Disse ela em uma exalação. O nome era lendário, evocando imagens de perigo e aventura. Seu tio, Romlijhian B'kah, uma lenda por seus próprios méritos, certa vez considerou o Asneira uma parada bastante notória, mas necessária nas extensas rotas comerciais da fronteira. Mas para ela, uma mulher criada dentro da elegância de um castelo dos Vash, o porto era exótico, excitante. Encantador. O quão longe ela se desviou de seu caminho ordenado, um destino que ela nunca questionou até que seu tio se casou com Jasmine Hamilton, a pessoa mais fascinante que ela já conheceu. A mulher voava em velocidade estelar e agia tão livremente quanto seu marido governante.

Um cruzador estelar rugiu no alto, lembrando Tee'ah de forma totalmente nítida que, assim que a tempestade passasse, seu pai teria enviado suas forças de segurança para encontrá-la. Certamente um contingente teria sido enviado para vasculhar os principais portos da fronteira e, se eles já não tivessem vasculhado o Asneira de Donavan, certamente o fariam em breve. Não era hora de agir como uma turista pasma.

Ela puxou o boné sobre os olhos e apertou a mandíbula. Lutando contra a tontura e o início de uma dor de cabeça provocada pela sobrecarga sensorial, ela deixou o caça para trás, mancando pela praça até o mercado lotado, onde certamente encontraria um manto. A tripulação do Próspero sempre falava sobre suas viagens. Com esses contos de aventura, Tee'ah aprendeu sobre como obter os serviços ilegais de um camuflador, um especialista que poderia “disfarçar” uma nave hackeando e embaralhando os códigos de identificação que ela transmitia quando questionada por controladores espaciais ou outras naves. Enquanto a nave dela estava praticamente gritando “Eu sou um caça roubado pilotado por uma princesa em fuga”, ela tinha uma chance de flor de amora no inverno de escapar do Asneira sem o conhecimento de seu pai. Um manto mudaria tudo isso, permitindo-lhe atravessar a galáxia como apenas mais uma nave comum.

O calor subiu da sujeira. À frente, uma fileira de edifícios em ruínas ondulava como estandartes do palácio na brisa da manhã. Enquanto ela se aproximava, a ilusão se solidificou em tendas com abas de lona puída como portas. Embora muito dinheiro entrasse e saísse do porto, isso não era evidente na arquitetura da área. Ela suspeitava que aqueles que lucravam aqui canalizavam sua fortuna ilegalmente adquirida para fora do planeta, onde estaria a salvo de roubos e apreensões dos Vash.

Ela escolheu a barraca mais próxima. Empurrando uma lona mofada, ela entrou, piscando enquanto seus olhos se ajustavam ao interior abafado e mal iluminado. Um homem que parecia não dormir há semanas abaixou um copo do qual estivera bebendo. — Sim, rapaz? — Sua respiração prendeu o cheiro forte de bebida alcoólica.

— Você pode me dizer onde posso encontrar um camuflador? — Ela sussurrou.

Ele apontou vacilante com sua xícara. — Por ali. — O líquido claro espirrou no chão empoeirado. — Segunda loja do fim.

— Obrigada. — Ela trocou o calor opressor da tenda pelo brilho intenso da rua ensolarada. Ela infundiu seus passos com uma confiança que ela não sentia bem, mas mesmo assim era observada; estranhos eram notados na Asneira.

Alguns na multidão principalmente masculina pareciam maus, seus olhos duros. Outros mostravam sinais de doença - marcas de varíola, membros arqueados ou resfriados com tosse e nariz vermelho - nenhum dos quais ela tinha visto antes. Se a tecnologia médica avançada alcançou todos os cantos da galáxia, como a Federação Vash afirmou, então por que não estava evidente aqui?

Um sopro de brisa provocou os sinos de vento embaçados pendurados no teto de vigas de um café. A delicada melodia persistia e parecia deslocada. Com saudade, ela olhou para um copo de tock gelado na mão do único cliente. Então um brilho prateado atraiu sua atenção para o rosto do homem. Ele estava usando sombras espelhadas! Ninguém mais usava sombras. Eles não eram populares há milhares de anos, desde o advento dos implantes ópticos. Mas eles de alguma forma se encaixavam no comerciante, desde sua pele clara e cabelo escuro de cor estranha, um rico marrom castanho.

Tee'ah desacelerou, a curiosidade dominando-a. O estranho exótico percebeu, girando cautelosamente em seu banquinho. Ele olhou por cima de suas sombras com olhos esverdeados brilhantes como pedras preciosas. Um habitante da Terra! Só de ver alguém do mundo da fronteira provinciana e teimosamente independente, perto o suficiente para tocar, era uma prova emocionante de que ela estava muito, muito longe de casa.

O homem deu a ela um breve aceno de cabeça, do tipo que um viajante faria a outro, e então voltou para seu tock. Quase relutantemente, ela retomou o passo, deixando o café para trás.

— O que temos aqui? — Ela ouviu alguém dizer.

Ela desviou sua atenção da rua empoeirada. Um comerciante esguio com olhos intensos e inteligentes a examinou da sombra de um toldo. — Você está usando um boné genuíno de piloto de carga intersistema — observou ele. — Sem o emblema. Onde está o resto do seu lindo uniforme?

A inquietação vibrou em sua barriga e o instinto a incentivou a correr. O orgulho a impediu de fazer isso. Ela dispensou seu admirador com um aceno de cabeça, mas ele a alcançou, acompanhando seus passos.

Ela parou com uma das mãos na aba da tenda da loja de mantos. — Eu tenho negócios para resolver. — Ela disse secamente.

Ele espiou por baixo da aba do boné e seus olhos brilharam de surpresa. Fosse porque ele descobriu que ela era mulher, ou porque ela tinha as características clássicas de sua classe, ela não tinha certeza, mas ele não fez a pergunta que ela viu em seu rosto.

— Bem, a trama se complica — ele murmurou. — Bela nave você tem aí. Parece rápida.

— Ela é. — Com orgulho melancólico, Tee'ah olhou para trás, por cima do ombro. A fuselagem do caça distante brilhou dolorosamente ao sol. — Velocidade sub luz com apenas 25% de impulso.

— Impressionante. Aposto que você gostaria de ficar com ela.

Seu coração parou. — O que?

Ele entregou a ela seu tablet. Seu olhar era frio, perspicaz, como se soubesse o que ela era. Ela se forçou a se concentrar na série de números e letras rolando pela tela, um código que identificava sua nave como um caça Dar sem autorização para estar tão longe de casa.

— Roubou ela, não é? Dos Dars. — Ele começou a rir quando o resto do sangue sem dúvida foi drenado de seu rosto. Então ele acenou para as dezenas de naves atracadas em todos os lados. — Não se preocupe; metade das naves aqui chegam com proprietários que não os previstos.

De alguma forma, ela evitou que os tremores em sua barriga alcançassem sua mão ao devolver o tablet. — O que você quer?

— Um pequeno negócio.

— Quem é você?

— Eu sou seu camuflador.

— Mas...— Estupidamente ela olhou para o interior vazio da tenda.

— É um dia tranquilo. Eu estava procurando um trabalho extra. Você simplesmente me leva de volta à loja. — O comerciante levantou a aba da tenda e acenou com um braço com um floreio. — Depois de você, minha senhora. — Com um encolher de ombros, ela entrou.

A loja cheirava a tabaco e incenso velho. Meio escondida atrás de uma série de computadores estava uma mesa repleta de hardware surpreendentemente sofisticado. O homem puxou uma cadeira e se sentou, deixando-a de pé. — Ficarei feliz em consertar seu pequeno caça quente —, disse ele. — Mas vou exigir seguro.

— O que? Eu preciso de camuflagem, nada mais.

— Você está usando o boné de um piloto de carga intersistema, mas está na fronteira, bem fora da vizinhança normal, correto? Sem falar que, à primeira vista, você parece uma Vash de raça pura... Mas não pode ser porque está aqui falando comigo sobre um velocista Dar que não deveria estar aqui. — Ele bateu o tablet na mesa que os separava. — Alguém virá atrás de sua nave eventualmente. Se eu ainda estiver a bordo trabalhando quando eles fizerem isso, eles vão me multar até o esquecimento. Vou precisar de seguro para isso - e para desviá-los do seu rastro caso perguntem sobre você. — Ele fez uma pausa, em relação a ela. — Eles estão vindo para perguntar sobre você, não estão?

Ela estudou a luz do sol criando padrões no chão. Parecia que o custo de sua liberdade estava aumentando. — Quanto?

— Quatorze mil créditos.

Ela deu uma tosse estrangulada. — Quatorze? — Isso era a maior parte do que ela tinha - o que deveria durar um ano ou mais. — Dez mil. — Ela atirou de volta, sua barriga torcendo de nervosismo. Ela precisava desesperadamente do camuflador. Mas ela precisava de seus créditos também. — Isso é tudo que vou gastar.

Ele colocou os braços sobre o peito. — Treze e cinco e nenhum crédito a menos. Como um favor especial, acrescentarei meu subterfúgio de especialista, que consiste em convencer qualquer um que perguntar - por minha própria conta e risco - que você não está aqui. Muito longe. Fora do planeta. Certo? — Seus olhos se estreitaram. — Você está lidando com o clã Dar. A realeza dos Vash. Eles vão querer de volta o que é deles.

— Existem outros camufladores na Asneira. — Ela engoliu em seco e se dirigiu para a saída, rezando para estar certa.

— Doze, então — ela o ouviu dizer. — Você não vai conseguir diminuir. Não nessas circunstâncias.

Ele estava certo. Ela não estava em posse de qualquer nave; ela tinha pego um caça estelar Dar top de linha. Outros camufladores podem não querer arriscar a ira de uma família real Vash alterando tal embarcação, não importa quanto dinheiro ela esteja disposta a pagar.

Ela soltou um suspiro e se virou. — Tudo certo. Doze mil créditos.

— Por mais seis mil, vou ressincronizar seus propulsores.

Ela quase bufou. — Eu pareço ser feita de créditos?

— Na verdade, você parece. — Ele apoiou os cotovelos na mesa e se inclinou para frente. — Já pensou em colocar esse visual em uso? Quero dizer, deixe seu cabelo crescer um pouco, um banho, um vestido limpo, talvez. Ninguém saberia que você não era genuína. — Ele usou a língua para molhar os lábios. — Os comerciantes pagariam um bom dinheiro, muito bom dinheiro, para comprar sexo com uma servidora de prazer que parece uma virgem Vash.

Suas bochechas queimaram.

— Eu poderia ajudar você a começar, e...

— Não. Obrigada. — Engolindo em seco, com a garganta seca de repente, ela sussurrou com força: — Apenas conserte a nave.

Ela saiu de ré para a praça ensolarada. Um cruzador pousou nas docas, fazendo o chão tremer sob suas botas. Caindo contra uma das estacas que sustentavam o toldo, ela pressionou a manga contra o rosto, enxugando riachos de suor e o que provavelmente restou de seu rubor de vergonha.

A tenda rangeu, então o camuflador passou por ela carregando um saco cheio de ferragens tilintantes. — Três horas padrão — ele chamou por cima do ombro. Sua expressão facial era benigna, como se sua oferta para ajudar a vender seu corpo não tivesse ocorrido.

Talvez ele não quisesse dizer nada com isso. Era uma proposta de negócio e nada mais. Os homens aqui eram apenas mais rudes do que ela estava acostumada, e ela não podia esperar que eles mantivessem suas conversas dentro dos limites da etiqueta aceita. Em pouco tempo - ela esperava - tais encontros não a mortificariam mais.

Fracamente, sinos de vento tilintaram em outra brisa fraca. Ela olhou através da praça para o café. Seu estômago deu um pequeno salto; o habitante da Terra estava sentado no mesmo lugar, parecendo quase desamparado, as mãos enroladas protetoramente ao redor de seu tock. Ela apostaria que ele não se importava muito com as regras dos Vash, ela pensou melancolicamente. Ele era independente, não convencional e talvez perigoso também. Ele simbolizava tudo o que ela havia fugido de casa para encontrar.

Especulativamente, ela o estudou. Ela tinha tempo para matar, não tinha? Três horas. E ela também estava com sede. Além disso, o café proporcionava uma visão ininterrupta de seu caça.

Ela tirou o boné e o enfiou no bolso de trás. Onde ela usava o boné, seu cabelo estava moldado ao couro cabeludo. Mas os fios inferiores estavam começando a se curvar, expondo suas orelhas ao sol forte. Ela tentou se arrumar, usando os dedos como pente - então se conteve, as mãos no ar. Céus, o que importava sua aparência? Na verdade, ela pensou ironicamente, quanto mais ela se parecesse com os outros negociantes sujos por aqui, melhor. Menos chance de ser reconhecida, para começar.

Ela esfregou o couro cabeludo até que seus cabelos se arrepiassem e então sorriu ao cruzar a praça com passadas deliciosas. Ela era uma mulher livre agora, uma futura exploradora galáctica. Juntar-se ao comerciante estrangeiro para um copo de tock gelado seria apenas a primeira mordida de aventura antes que ela devorasse todo o banquete.


CAPÍTULO 3


— Um bom dia para você!

Ao som da voz feminina muito alegre, Ian deslizou as mãos para fora da barra e se endireitou. A última coisa que ele precisava era outra solicitação de uma das servidoras de prazer excessivamente entusiasmadas do Asneira. As mulheres independentes eram contratadas e lucravam com sexo consensual, mas ele não participava de seus serviços - ao que parecia, ao contrário de todos os outros comerciantes desta rocha esquecida. Mesmo que o fizesse, ele duvidava que uma rodada de sexo sem cérebro, comprado e pago, o impediria de mergulhar na miséria por saber que o senador Randall estava em Grüma, e ele estava preso aqui.

— Encontre outra pessoa — ele retrucou, virando-se. — Não estou interessado.

A duende de rosto doce que o olhava boquiaberto deu um passo para trás. O olhar ferido em seus grandes olhos dourados o fez se sentir um idiota total.

— Desculpe — ele disse rapidamente. — Eu pensei que você fosse... Outra pessoa.

— Sem ofensa. — Ela escolheu o banquinho à esquerda dele, alisando suas calças pretas empoeiradas como se estivesse usando um vestido em vez de roupas largas que poderiam ter sido emprestadas de um irmão mais velho. Uma protuberância em seu bolso direito sugeria uma arma do tamanho de uma pistola. No entanto, tudo o mais sobre ela indicava uma educação cultivada - sua postura impecável, a maneira como ela juntou as mãos afetadamente em cima do bar. Ele não conseguia descobrir o penteado, no entanto. Alguns fios de cabelo ruivo grudavam em suas orelhas e mandíbula. O resto era espetado e parecia ter sido cortado com um facão. Um facão cego. À distância, ele esperava nunca se encontrar sentado na cadeira de barbeiro dela.

— Eu vi você, não vi? — ele perguntou. — Cerca de uma hora atrás. Você estava usando um boné.

— Sim. — Com orgulho, ela acrescentou: — Você acenou para mim.

— Certo...— Ele cruzou os braços sobre o peito e tamborilou com os dedos no bíceps.

Ela o contemplou maravilhada, então timidamente desviou o olhar. Inquieta, ela parecia estar procurando por palavras para preencher o silêncio. Finalmente, ela disse: — Eu imagino que o tock é muito bom aqui.

Ele reprimiu um sorriso. Ele não tinha ideia de onde a fofa duende vinha, mas ela estava provando que quase valia seu peso em ouro em valor de entretenimento. Um minuto inteiro se passou desde a última vez em que pensou onde - ou como - ele iria encontrar outro piloto.

— Bebi coisa pior —, admitiu. — Mas com certeza supera a companhia. — Ele apontou com o polegar em direção ao barman, que roncou estremecendo, assustando-se meio acordado. Imediatamente o homem começou a fazer perguntas - e então a se dar respostas murmuradas.

A duende inclinou a cabeça para o lado e sussurrou com o canto da boca: — Acho que ele viu a traseira de muitos cargueiros.

Ian riu. O senso de humor da garota foi um bônus bem-vindo em um dia em que ele se sentiu tão alegre quanto uma picape de meia tonelada. — Barman! Traga para a senhora um... —Ele lançou-lhe um olhar questionador.

— Tock. Gelado, por favor.

O barman começou a acordar, grunhiu e, então, cambaleando, foi até o refrigerador, conversando consigo mesmo durante todo o trajeto. Murmurando, ele abriu a porta e retirou uma caneca gelada. O vapor de água congelada subiu em serpentinas brancas, evaporando instantaneamente no ar quente. Em uma demonstração de agilidade inesperada, ele encheu o copo com tock e deslizou ao longo da barra.

Ian pegou a caneca e a entregou a sua nova companheira. Então ele apoiou o queixo na palma da mão e a estudou enquanto ela bebia. — Então... O que uma garota legal como você está fazendo em um lugar como este?

Um sorriso iluminou seu rosto. — Uma expressão da Terra! É daí que você é, não é?

— Eles chamam de Asneira a encruzilhada da galáxia. — Ele disse cuidadosamente.

As pontas de sua boca se ergueram em um sorriso enigmático. Então ela ergueu o copo. Ele a observou tomar um gole longo e sedento. Ela não respondeu sua pergunta, ele pensou. Mas ele também não respondeu a dela.

Companheirosamente, eles observavam as pessoas em silêncio. Mas seus olhos continuaram voltando para ela. Ela fingiu não notar, mas ele sabia que ela estava ciente de seu escrutínio pela cor que apareceu em suas bochechas. Por um instante louco, ele se imaginou de volta a Tempe, Arizona, e eles acabaram de se conhecer em um dos lugares perto do campus. Ele não pensava em seus dias de faculdade há anos e, quando pensava, era porque sentia falta do futebol e dos hambúrgueres, não da liberdade simples e considerada garantida de levar uma mulher para um encontro. Mas era fácil imaginar levar essa mulher em uma viagem até o cânion. Sua Harley. A estrada aberta. Seus braços delgados em volta de sua cintura...

—Crat! — Ela tossiu, quase derramando sua bebida.

Crat era o equivalente básico de “merda”. Com a mão sobre a pistola, Ian seguiu seu olhar temeroso para as docas, onde um dos mercadores locais estava discutindo com uma dúzia de soldados em uniformes azuis com detalhes em prata e botas pretas brilhantes. Guarda de elite Vash Nadah O cruzador de tamanho médio que ele viu pousar pouco tempo atrás estava assentado nas proximidades. Mais soldados estavam descendo a rampa de embarque.

Ian olhou para a mulher com grande interesse.

— Forças de segurança Dar. No Asneira. O que os traz tão longe de casa, eu me pergunto?

Com os olhos arregalados, a duende voltou sua atenção para ele. — Eles vão me ver —, disse ela com fervor. — Eles vão me levar de volta. — Seu peito subia e descia em respirações cada vez mais profundas.

— Ouça, se você está com algum tipo de problema, talvez eu possa ajudar. Eu...

— Não. — Ela fechou os olhos como se estivesse rezando, então se virou para assistir a cena que se desenrolava nas docas. O foco da discussão parecia estar centrado em um caça elegante estacionado atrás deles. Vários grupos de soldados interromperam a reunião e caminharam pela praça, vindo em sua direção. A curiosa multidão de comerciantes e mercadores enlameados se separou para deixar os grandes passarem.

— Seus sombras! — A mulher arrancou os óculos de sol de Ian de seu rosto, colocando-os antes que ele tivesse a chance de reagir. Ela bateu seu banquinho mais perto dele. — Coloque seus braços em volta de mim.

Ele hesitou por um segundo. Ele não gostava de pular em situações cegas. Na fronteira - em qualquer lugar - era uma maneira fácil de acabar morto.

— Por favor. — Ela implorou.

Sem palavras, ele a puxou para si. Ela estava tremendo. Instintivamente, ele apertou os braços ao redor dela.

Os soldados abriram caminho pelas lojas; outros atravessaram as barras, fazendo perguntas, as armas nos coldres. Aparentemente, eles não consideravam sua presa perigosa. Mas quando dois policiais mudaram de direção, Ian sentiu a mulher ficar rígida.

— Saudações, habitantes da Terra! — Gritou o robusto oficial.

A mulher ergueu a cabeça. — Saudações!

— Minhas desculpas por incomodá-los. Estamos coletando informações sobre alguns bens roubados. Procuro uma mulher alta, parece Vash, tem cabelo curto. Ela está vestindo um macacão azul - ou foi a última vez que ela foi vista. Vocês viram ela?

Eles balançaram a cabeça e responderam em coro: — Não.

Claramente tomado pela perspectiva de conversar com exóticos terráqueos, o oficial se inclinou casualmente no bar enquanto seu parceiro espiava atrás de barris e revirava uma pilha de lixo, antes de tentar em vão questionar o bartender semiconsciente, que acrescentou mais imaginário amigos ao seu diálogo sonolento.

Esperando seu parceiro terminar, o policial ergueu a viseira de seu capacete e enxugou a testa. —Tempo quente.

Antes que Ian pudesse responder, a duende interveio. — Na Terra, Ah-ree-zona é pior. — Ela beijou Ian na bochecha. — Não é?

Ian ficou boquiaberto.

O oficial estremeceu em compreensão. — Com todo o respeito à Rainha Jasmine de B'kah, não irei fazer nenhuma viagem à Terra tão cedo.

Aparentemente convencidos de que o que procuravam não estava no café, os homens desejaram um bom dia e partiram.

Imediatamente, a garota se afastou de Ian. Seus olhos dispararam para o céu com o gemido estridente revelador de propulsores de velocidade. Sua mandíbula cerrou e abriu, como se ela estivesse lutando muito para controlar suas emoções. Um guincho sacudiu seus copos quando a embarcação elegante - aquela sobre a qual os homens de segurança do Dar estavam discutindo - subiu no alto tão baixo que os bancos do bar dançaram pelo chão de patchwork. Então, o caça cruzou o céu e desapareceu no horizonte.

— Lá se vai minha carona. — Ela sussurrou.

— E olhe - lá vão aqueles soldados Dar, de volta ao seu cruzador. Isso é o que você queria, certo?

— Sim. — Ela chamou sua atenção de volta para ele. — Obrigada pela ajuda.

— Meu objetivo é agradar, senhora. — Ele tirou os óculos de sol de seu nariz. — Obviamente eles estavam procurando por você. Então o que você fez? Ou não fez?

Ela piscou para ele sob o sol forte, mas não respondeu. De alguma forma, ele não esperava que ela fizesse. Asneira era um lugar para segredos e esta duende evidentemente tinha mais do que sua parte. A aparência dela por si só foi suficiente para despertar sua curiosidade. Ela tinha as características esculpidas clássicas da realeza dos Vash - maçãs do rosto salientes, nariz longo e perfeitamente formado e olhos dourados claros que se projetavam em cada extremidade - mas era mais animada, mais genuína do que qualquer uma das candidatas a esposas encontradas na corte de Rom no mundo natal de Sienna.

Isso porque ela não era da realeza, ele rapidamente se assegurou. As princesas de Vash raramente deixavam seu mundo natal. E quando o faziam, não iam a lugares como o Asneira de Donavan. A ideia era inconcebível. O protocolo que mantinha as mulheres Vash Nadah enclausuradas datava dos anos anteriores e durante a Grande Guerra, um período de anarquia em que as medidas de proteção eram necessárias. Onze mil anos depois, a galáxia estava estável e segura. No entanto, os costumes que restringiam as mulheres reais permaneceram. Estranho que a religião que unia a galáxia fosse baseada em uma entidade feminina, a Grande Mãe, quando as mulheres de mais alta posição nas oito famílias reais passavam suas vidas nas sombras.

Pensativo, ele tomou um gole de seu copo e estudou a jovem ao lado dele. Muitos mercadores da classe alta carregavam sangue Vash Nadah, então esta deve ter a realeza como seus ancestrais.

— Tudo o que eu tinha estava naquela nave —, disse ela com tristeza. — Agora estou presa no Asneira de Donavan com um corte de cabelo ruim, um quarto dos créditos que trouxe, e essas são minhas únicas roupas. — Suspirando, ela caiu para a frente na barra, apoiando o queixo com as mãos. — Eu não acho que pode ficar pior do que isso.

Ian baixou sua bebida. — Eu também tive um dia péssimo.

Eles compartilharam longos sorrisos de comiseração.

Ele perguntou: —Comprar outro tock?

— Não. Isso exige algo mais forte. — Ela bateu com o punho no balcão. — Bartender - uísque Mandariano!

O velho astronauta ganhou vida, alcançando sob o balcão uma garrafa vermelha empoeirada e abrindo-a.

A mulher jogou alguns créditos na mesa. — Peça alguns destilados - qual é o seu nome, afinal?

—Ian.

Sua expressão se apertou em alarme antes de seus olhos se estreitarem em concentração. Ela o examinou como se achasse que o conhecia - ou esperava que não. — Ian ...?

— Ian Stone. — Ele terminou por ela, usando o pseudônimo que ele escolheu para seu sobrenome.

— Ah. — Ela engoliu em seco. — Ian. Seu nome é comum na Terra, não é?

Ele sorriu inocentemente. — Muito.

Ela relaxou e balançou a cabeça. — O que você quer, Ian Stone? Eu estou comprando.

Ele deu uma risadinha. — Vou ficar com o tock, mas obrigado.

Ela pegou o copo que o barman lhe entregou e jogou o conteúdo na boca. Sua respiração saiu em um chiado e seus olhos dourados se encheram de lágrimas. — Grande Mãe —, ela sussurrou com voz rouca. Seus olhos de cílios escuros focalizaram, então perderam o foco. — Outro. — Ela bufou.

— Eu não acho que você quer outro. O uísque mandariano é potente. Se você não está acostumada...

— Quem disse que não estou acostumada? Ora, eu bebo o tempo todo, todos os dias, de manhã e à noite. Eu escovo meus dentes com a coisa. Sim, é isso que eu faço. Ninguém me impede de beber meu uísque!

A raiva brilhou em seus olhos. — Eu tenho seguido ordens minha vida inteira. Não mais. — Ela empurrou mais créditos pelo bar. — Seus copos são muito pequenos — ela informou ao barman. — Dê-me a garrafa.

Ele mudou seus olhos lacrimejantes para Ian, suas sobrancelhas levantadas questionadoramente. Ian balançou a cabeça levemente, e o homem colocou a rolha na garrafa.

— Ei! — A duende tentou pegar o uísque, arrebatando-o dos dedos nodosos do barman. — Eu paguei por isso, não paguei? — Sua mão tremia enquanto ela servia outro copo.

Ian gemeu, cruzando os braços sobre o peito. Bem, ele sabia o que estava fazendo esta tarde - babá. Com aquele calor, aquele licor, e a óbvia baixa tolerância da garota para as coisas, ela se sentiria muito pra baixo, muito rápido.

— Muito bom, este Menerian - Manarian - este whisky. — Ela soluçou. —Desculpe.

— Qual é o seu nome, duende?

Ela inclinou a cabeça com a palavra da Terra. Ela parecia estar tendo dificuldade em se concentrar em seu rosto. —Tee — Ela fechou a boca. — Apenas Tee.

— Conte-me sua história, 'Apenas Tee'. Você diz que perdeu sua nave. Para quem você trabalhou? Os mercadores da Federação?

— Tive minha própria nave. — Seus lábios se comprimiram em uma linha decidida. — Está tudo bem. Não tenho medo de trabalhar duro. Alguém vai precisar de um piloto.

Ian agarrou seu braço. — Quer dizer que você voa?

Ela tirou um boné amassado da calça e o ajustou na cabeça. Acima da borda estava o contorno tênue de um par de asas. — Pronto. Vê?

Ele deu um grito de alegria. — Um piloto de carga intersistema - sem caça!

Ela franziu o cenho para ele com olhos acusadores. — Achei que você deveria estar me fazendo sentir melhor.

— Eu estou... Quero dizer, eu posso. Isto é, se você estiver interessada.

Enquanto ela o observava com ceticismo, ele vasculhou o bolso da frente e retirou as velhas asas de piloto de Carn, colocando-as sobre a mesa. — O trabalho é seu, se você quiser. O que você acha, Srta. Tee?

As asas brilharam ao sol nebuloso. Sua mão deslizou para frente, seus longos dedos finalmente fechando-se reverentemente ao redor do alfinete. Ela ergueu o olhar para ele e sorriu. Então seus olhos rolaram para trás e ela desmaiou.

— Tee?

Ian tirou os óculos escuros. Na calmaria entre as naves que partiam, uma lufada de vento bagunçou os cabelos da mulher, acentuando a quietude do resto dela.

Ela só podia estar brincando, ele pensou. Ninguém desmaia depois de duas bebidas. Elas desmaiam?

— Ei, criança. — Ele chamou.

Ela permaneceu de bruços no balcão, a testa apoiada nos nós dos dedos. Como Carn. O medo apertou seu estômago. Mesmo se ela fosse uma bebedora experiente, a toxicidade das cervejas de fronteira variava tremendamente. Ela havia bebido apenas dois copos, mas a porcentagem de álcool em seu peso corporal poderia ser perigosamente alta. E o uísque Mandariano era famoso pela rapidez com que era metabolizado. A garota poderia não saber disso.

Ele deu uma sacudida no ombro dela. Sua cabeça pendeu para o lado, expondo sua garganta delgada - e seu pulso. O alívio percorreu seu corpo.

— Vamos, eu estava gostando da conversa. —Disse ele, massageando a nuca dela. Sua pele lisa estava úmida de suor e quente ao toque. Suspirando, ela flexionou os dedos, usando as mãos como travesseiro. Seus lábios se curvaram em um sorriso feliz, mas seus olhos permaneceram fechados.

Ian deu uma risada rápida e dolorida. — Eu não posso acreditar que isso está acontecendo. Trinta segundos a meu serviço, e ela já está inconsciente.

O barman acordou de repente, fungando e coçando o couro cabeludo.

— Como todos os outros pilotos que contratei — Ian disse a ele, como se ele ou qualquer um nesta rocha miserável se importasse. Ele engoliu o resto de seu copo, desejando pela primeira vez ter escolhido uma bebida mais forte. —Eu me sinto como Bill Murray no Feitiço do Tempo.

O barman piscou sem compreender.

— Um filme antigo da Terra — Ian explicou, embora provavelmente fosse inútil. — Esse cara sempre acorda no mesmo dia. Ele está preso até que finalmente aprenda com seus erros. — Observando o gelo derreter no fundo do copo, ele fez uma careta. — Diga-me que não estou condenado a contratar um piloto espacial amante de bebidas alcoólicas após o outro.

O pensamento era totalmente deprimente. Ele nunca provaria para Vash - para Rom - que ele tinha o que era preciso para governar a galáxia se não pudesse nem mesmo dominar o básico para comandar uma nave estelar, incluindo a contratação e manutenção de uma tripulação. Era melhor ele mudar as coisas, bem aqui, agora.

— De pé, Srta. Tee — disse ele rapidamente. — Tenho um encontro na Grüma que gostaria de manter. — Ele passou os braços em volta da cintura dela e a afastou do balcão. Demorou um pouco para desenredar suas longas pernas do banquinho. Arrastando-a para longe do bar, ele a apoiou com um braço enganchado em sua cintura. Suas pernas vacilaram sob seu peso, indicando o quanto o licor estava sujando seu sistema. Como ela havia sobrevivido na fronteira com uma tolerância tão baixa ao álcool, ele não tinha ideia.

— Espere, morador da Terra! — O barman gritou.

Ian se virou, Tee pesando em seus braços. Os olhos castanho-amarelados do barman estavam lacrimejantes, mas um novo brilho sugeria que ele estava mais alerta do que antes.

— Cuidado com as costas. — O homem murmurou.

— Por quê? — Ian perguntou com cuidado. — Alguém está me seguindo?

O barman tossiu em sua mão.

— Quem é, velho? Quem está atrás de mim?

O homem acenou vagamente através do bar ao ar livre em direção às docas.

A inquietação desceu pela espinha de Ian. — Isso não está ajudando em nada a minha paranoia. — Ele murmurou, examinando a multidão.

Mas o momento de lucidez do barman - se é que era isso mesmo - havia terminado. Ele tirou um pano sujo do bolso e começou a limpar a bancada, entretido com satisfação em outra de suas conversas solitárias.

Apesar da fonte duvidosa, Ian decidiu considerar o aviso válido. Ele informaria a tripulação e lançaria assim que conseguisse deixar a piloto sóbria.

Ele a incentivou a andar mais rápido. — Depois de ouvir o que aquele velho astronauta acabou de dizer, acho que é hora de darmos o fora de daqui.

Os olhos da garota se abriram em fendas. — Hmm? — Ela ergueu a cabeça, segurando as asas que ele lhe dera contra o peito.

— Desculpe. Eu escorrego para o inglês às vezes —, disse ele. — Bem vinda de volta. Estamos a caminho do navio.

Seus olhos se abriram e ela cravou os calcanhares na terra. — Para onde?

— Minha nave. Eu contratei você, lembra?

Ela se afastou dele e tirou desajeitadamente a pistola.

As mãos de Ian se ergueram. — Afaste isso!

Ela examinou sua pistola de plasma com alguma consternação, como se tentando se lembrar o que fazer com ela. Então ela deixou cair o braço direito, apontando a arma mortal para o sul. Sua fala estava um pouco arrastada. —Não tão rápido. Como vou saber se você é realmente um capitão de nave estelar - que está me contratando para voar e não para — ela corou furiosamente — para sexo?

Ela acenou com a arma em sua cintura, e ele resistiu ao desejo potente de cobrir suas bolas. Nunca em sua vida ele tinha visto algo como esta duende armada com uma pistola, seu queixo se projetando, seus olhos o acusando de perversões indescritíveis.

Pense rápido, disse a si mesmo. Ele forçou uma expressão de serena calma em seu rosto, uma habilidade que aprendera com Rom. — Agora que você tocou no assunto, como vou saber se você é realmente uma piloto?

Apertando as mãos atrás das costas, como se fosse um veterano do espaço experiente com décadas de viagens espaciais sob seu cinto, em vez de um cara da Terra quatro anos fora do estado do Arizona, ele andou em um círculo ao redor dela...

Lentamente...

... Forçando-a a se virar para seguir sua inspeção deliberada e completa.

— Pelo que eu sei, você é apenas mais uma vagabunda imprestável do espaço —, disse ele, — mentindo a bordo da minha nave pela chance de uma refeição quente e um beliche limpo.

Isso a surpreendeu. Sua boca trabalhou, mas não saiu nada.

— Ou uma ladra — continuou ele — esperando até que minha equipe e eu estejamos dormindo para nos roubar às cegas...

— Eu sou uma piloto! Minhas asas estavam naquele caça.

—Qual?

— Foi embora. — Ela respondeu sombriamente, cambaleando em seus pés.

— Meu ponto, exatamente. Não tenho provas de que você é quem afirma ser, além do que você me disse. Você sente o mesmo por mim, obviamente. — Ele parou, de frente para ela. Cautelosamente, ela o observou. — Eu preciso de um piloto e você precisa de um emprego. Não temos escolha a não ser confiar um no outro. Mas se isso não for uma possibilidade, Tee, deixe-me saber agora, porque é a única maneira de isso funcionar. — Isso, e ela ficando sóbria.

Ela olhou para a fileira de lojas e bares desprezíveis. A dúvida saturou suas feições. Em seguida, ela mudou sua atenção para ele, examinando-o sem artifícios desde o cabelo até as botas e vice-versa. Em seus olhos faiscou um lampejo de admiração - o olhar que ela deu a ele quando eles se conheceram.

Ele reprimiu a onda inesperada de prazer que encontrou naquele olhar. — Então — ele perguntou, — o que será?

Tecendo ligeiramente, ela guardou sua pistola. — Parece que devo confiar em você, habitante da Terra.

— Bom. E só para não haver mal-entendido sobre minha vida pessoal — ele a pegou pelo braço, aproximando sua boca de uma orelhinha perfeitamente formada — quando eu quero sexo, não tenho que comprar.

Seus olhos se arregalaram e então ela corou mais profundamente do que antes. Ele considerou a afirmação um fato, não uma ostentação, mas a reação irresistível dela o deixou sem pressa em explicar.

— Agora vamos. — Ian pegou Tee pelo cotovelo e puxou-a ao longo da estrada que levava até onde a nave estava atracada. A forte luz do sol refletia nas minúsculas gotas de suor em sua pele dourada, iluminando seu rosto angelical. Inesperadamente, algo dentro dele amoleceu.

Mas então ela o acertou com outra demanda. — E quanto ao meu dinheiro? — Ela perguntou.

— Está no bolso esquerdo da calça. Eu paguei o barman - deixei a garrafa para ele, no entanto. A última coisa que preciso é uísque a bordo, com sua preferência pelas coisas...

Os saltos de suas botas derraparam e pararam no cascalho.

Ele rangeu os dentes. — O que agora?

— Quero dizer meu salário. — Ela contorceu o rosto, tentando se concentrar nele. — Eu sou uma piloto de caças. Eu exijo salários de pilotos de caças.

— Você é uma piloto de carga intersistema. Há uma diferença. — No entanto, ela tinha feito todo o caminho até o Asneira de onde quer que ela viesse; provou que suas habilidades iam além de curtas viagens de carga de planeta para planeta.

Ian pensou no que pagou a Carn e aumentou em dez créditos. Principalmente por desespero - e com a esperança fervorosa de que esse mais novo macaco-pau durasse mais do que algumas semanas. — Sessenta cada semana padrão. Além disso, benefícios. Quarto, alimentação, assistência médica...

— Duzentos créditos.

— Eu não estou pagando a você duzentos por semana!

Seus olhos estalaram em desafio de dentro da sombra do boné escondendo metade daquele... Penteado. — Você precisa de um piloto ou não?

— Você precisa de uma nave ou não?

Ela não vacilou. — Eu vou concordar com cento e cinquenta.

— Cem. — Ele supôs que estava louco por arriscar perder o que parecia ser um piloto qualificado na questão de alguns créditos, mas se ele não agisse de uma posição de força desde o início, como capitão ele nunca iria espremer um dia de trabalho valioso desta mulher bêbada. — É pegar ou largar.

Ela olhou para o lugar vazio onde sua embarcação estava estacionada antes de ser levada pela segurança de Dar. Um olhar de profunda dor cintilou em seu rosto expressivo, perseguido por uma indecisão óbvia na maneira como ela cerrou a mandíbula. Sua flagrante batalha interior aumentou sua curiosidade sobre ela, mas ele se forçou a esperar em silêncio por sua resposta.

— Eu vou levar. —Disse ela em voz baixa.

Ele a agarrou pela mão antes que ela mudasse de ideia - de novo. Mas o movimento repentino a fez tropeçar nas botas. Ele a segurou antes que ela caísse, envolvendo o braço em sua cintura. — Estou deixando você sóbria com tock quente, mesmo que demore o dia todo - o que espero que não demore, porque você, minha amiga, está me levando para Grüma, venha o inferno ou alto mar.


CAPÍTULO 4


À frente, a longa fuselagem de sua nave brilhava em prata pálida. — Lá está ela —, disse Ian. — O Demônio do Sol.

—Ela é... Linda. — Murmurou Tee. O desejo genuíno suavizou suas feições. Ele tinha visto aquela expressão antes no rosto de sua mãe quando ela se lembrava de seus dias como piloto de caça da Força Aérea.

Quin e Muffin os encontraram na parte inferior do corredor. Os olhos de Quin brilharam. — Não é típico de você trazer companhia para casa. — Ele disse, enquanto Muffin olhava para a mulher, estudando-a.

— Ela não é companhia. Esta é Tee, nossa nova piloto. Tee, conheça Muffin, chefe de segurança. E Quin, mecânico do navio.

— Prazer em conhecê-lo. — Ela estendeu a mão. Perdendo o equilíbrio, ela agarrou Ian. — Uau.

O sorriso de Quin congelou com incredulidade. — Ela está bêbada!

— Certo. Vamos deixá-la sóbria. Quero lançar o mais rápido possível. — Apressadamente, ele passou por Tee pelos dois homens e subiu o passadiço. Depois de um momento de silêncio, Ian ouviu dois pares de botas batendo no chão de liga atrás dele.

— Já passamos por três pilotos —, disse Quin atrás dele. — Agora aqui está você com outro vira-lata.

Ian não teve que se virar para adivinhar a expressão contorcendo o rosto do homem.

Muffin era tipicamente bem-humorado. — Lembra-me um pouco da minha irmã e da forma como ela coleciona gatos ketta perdidos.

—Eu posso lidar com gatos ketta. São pilotos inúteis para os quais não tenho estômago. — Resmungou Quin.

Atravessaram o porão de carga avançado, pelo corredor central e passando pelos alojamentos da tripulação, enquanto Quin tagarelava sobre pilotos estelares e sua falta de confiabilidade geral e instabilidade mental.

— Por aqui. — Ian plantou as mãos nos quadris de Tee e a empurrou pelo passadiço para a cozinha. Hesitante, ela subiu ao convés superior, tropeçando no degrau superior. Ela deu uma risadinha, depois tapou a boca com a mão como se o som a tivesse assustado e envergonhado.

Ian a guiou para a cozinha, acomodando-a em uma cadeira ao lado da mesa. Amassada por seu boné, mechas curtas de cabelo grudaram em suas têmporas e bochechas coradas. Ele sacudiu o desejo mais estranho de alisar os fios de sua pele.

Muffin entrou pesadamente na cozinha. Ian disse a ele: — Um dos locais, um barman, disse que eu deveria cuidar de mim.

— Ele elaborou?

— Infelizmente não. Ele não era exatamente estável no departamento mental também.

Muffin franziu a testa. — Vamos lançar o mais rápido possível.

— Concordo.

Quin passou marchando. — Vou começar o tock. — Carrancudo, ele bateu uma chaleira no queimador de íons.

Os dois últimos membros da tripulação de Ian, Gredda e Push, os manipuladores de carga, espiaram para a cozinha do corredor. Ian fez outra série de apresentações.

Vestida com um gibão de couro marrom sem mangas com tiras cravejadas cruzando-se sobre uma camisa de lã justa, Gredda parecia uma rainha viking mítica. Ela cruzou seus braços impressionantes sobre seios igualmente impressionantes, sua pele brilhando com manchas de graxa e suor de uma longa sessão de carregamento. — Uma mulher piloto desta vez. — Disse ela com aprovação.

Tee cumprimentou Gredda com um sorriso que rapidamente se desvaneceu. Muito mais pálida agora, ela ergueu a mão instável até o boné e o arrancou da cabeça.

Quin ficou olhando. — Pelos céus, o que aconteceu com o cabelo dela?

A expressão de Tee poderia ter congelado combustível de plasma. — Você tem algum problema com a minha aparência?

Quin a avaliou. — E se eu tiver? Duvido que a aparência tenha muita importância nos lugares que você frequenta.

Ian assobiou baixinho enquanto os dois trocavam olhares acalorados.

Quando Quin voltou ao fogão, Tee se afundou em óbvio sofrimento. Ela estava suando, mesmo no ar mais fresco, e uma palidez esverdeada branqueava seu rosto. Ian tinha experimentado as manhãs posteriores de festas de fraternidade suficientes para saber como ela estava se sentindo. O uísque mandariano significava um zumbido rápido e uma ressaca matadora.

— Beba. — Ele persuadiu, entregando-lhe a caneca de tock. RECUSO-ME A ME ENVOLVER EM UMA BATALHA DE SAGACIDADES COM UMA PESSOA DESARMADA, dizia a caneca. Ele não escolheu deliberadamente, mas parecia de alguma forma apropriado. Embora, ele teve que admitir que Tee tinha feito um baita trabalho negociando seu salário, apesar de sua condição embriagada.

Ela ergueu a caneca, cheirou o líquido e a abaixou. Sua voz tremeu. — Eu-eu preciso do seu banheiro.

Ian a arrancou do banco, conduzindo-a em direção ao lavatório no corredor. Ela acenou para ele se afastar e a porta se fechou com um chiado. Esperando que ela saísse, ele se encostou na antepara, cruzando os braços sobre o peito.

Quin deu um passo à frente dele, as mãos abertas. — Capitão, escute, poupe a todos nós de problemas e leve-a de volta ao bar mais próximo. Outro piloto virá.

— Outro piloto não vai aparecer, Quin.

A atenção de Quin desviou para Muffin. — Você não disse que voa?

Os punhos de Muffin se fecharam e os músculos fortes em seu pescoço flexionaram. — Eu voei em uma missão de combate na guerra. Era parte de uma invasão para libertar a Rainha Jasmine. O jovem com quem eu fui par levou uma injeção no abdômen. Eu o tirei de Brevdah Três, mas — arrependimento escureceu seus olhos — ele sangrou até a morte durante nossa fuga. Eu não quero pilotar uma nave desde então. Você não gostaria que eu tentasse agora.

De dentro do banheiro veio o barulho da água na pia do banheiro. Então Tee apareceu, seu cabelo despenteado penteado para trás de sua testa pálida, suas roupas largas penduradas em dobras enrugadas, fazendo-a parecer mais magra do que esguia. Sombras acinzentadas sob seus olhos aumentaram seu ar de fragilidade, transformando a outrora encantadora duende em uma desamparada abandonada.

Ela passou por eles, seu andar vacilante, mas ainda orgulhoso enquanto ela voltava para a cozinha.

Ian falou em voz baixa, evitando o protesto de seu mecânico. — Ela vai ter que servir, Quin. Randall está em Grüma e vamos atrás dele.

A mandíbula de Quin moveu-se para frente e para trás, uma indicação segura de que ele estava refletindo sobre a situação deles.

Ian apontou o polegar em direção à cozinha. A duende era definitivamente um espetáculo, vestida com suas roupas velhas empoeiradas, seu cabelo curto ruivo-dourado brotando em todas as direções. Mas algo dentro dele se iluminava inexplicavelmente cada vez que ele olhava para ela. — Agora que ela purgou seu sistema, vamos enchê-la com tock.

Referir-se a Tee como se ela fosse outra peça volumosa de equipamento de bordo pareceu confortar o mecânico. — Tudo bem, capitão. Após o lançamento, vou permitir que ela tenha algum tempo de inatividade para trazê-la de volta à eficiência máxima.

— É isso, Quin —, disse Ian com um sorriso. — Agora estamos conversando.

 


Depois de uma prolongada conversa particular com seus homens, o belo habitante da Terra voltou para a galera. Tee'ah deu um pequeno gemido quando a sala se inclinou.

— Quando foi a última vez que você fez uma refeição? — Ele perguntou.

— Faz algum tempo. Em algum momento de ontem, eu acho.

— Quin —, ele gritou. — Não temos sobras de ensopado no refrigerador?

— Não! — A barriga de Tee'ah se contraiu com o mero pensamento de um ensopado coagulado, não importa o quão delicioso possa ser uma vez aquecido. — Mas obrigada. — Ela adicionou rapidamente, tentando embotar a aspereza inicial de seu tom com um sorriso. A última coisa que ela queria era rejeitar a bondade do habitante da Terra; ele poderia ouvir aquele troll mal-humorado Quin e jogá-la para fora da nave. Ela havia perdido seu caça estelar e a maioria de seus créditos. Se ela não se livrasse logo dos efeitos colaterais do uísque de que se gabava de beber o tempo todo, também perderia o emprego. Se isso acontecesse, seus sonhos de uma nova vida acabariam. Quebrada e desempregada, as chances de uma mulher sobreviver na fronteira diminuíam para quase zero.

Não importa o que aconteça, ela deveria permanecer nesta nave.

Nesse caso, era melhor ela saber quem era seu capitão. As semelhanças de Ian Stone com Ian Hamilton eram numerosas e impressionantes. Seu estômago embrulhou com o mero pensamento de estar na mesma nave que o herdeiro escolhido a dedo por Rom. Segundo todos os relatos, o príncipe herdeiro era um devoto infalível dos costumes dos Vash, um herdeiro modelo. Se ele descobrisse quem ela era, certamente ordenaria que ela voltasse para casa. Seus desejos pessoais não significariam mais para ele do que para seu pai. Ela era ingrata, desobediente; ela fugiu de um casamento arranjado e envergonhou os pais no processo.

O arrependimento pesava em seu peito, e talvez sempre pesasse. Humilhar sua família não era o que ela pretendia realizar, mas infelizmente era o que resultaria de suas ações.

Tonta de náusea e exaustão, ela ouviu atentamente as conversas de Ian com sua tripulação - discussões de assuntos mundanos a bordo, as mercadorias armazenadas no porão de carga, a linguagem comum dos comerciantes. Ela notou que o morador da Terra precisava se barbear, e seu cabelo castanho escuro ondulado roçava a nuca, um comprimento maior do que os padrões dos Vash. Seus jeans e sombras completavam a imagem de um perigoso e bonito desonesto do espaço. Ela não conseguia imaginar que ele fosse o príncipe herdeiro. Ele era tão maravilhosamente estranho; nada em seu comportamento refletia os modos corteses e a rígida tradição de um castelo Vash.

A ansiedade e o estimulante natural no tock fizeram seu pulso disparar. Seu estômago vazio piorou o efeito. Na verdade, a fome era provavelmente a razão pela qual a bebida tinha causado estragos em seu sistema em primeiro lugar. O mesmo ocorreu com o choque, a falta de sono e a exaustão física por levar o caça estelar e seu corpo ao limite. Embora a embriaguez não pudesse ser ignorada tão facilmente, a exaustão e a fome podiam ser superadas.

Ela colocou a caneca na mesa. — Pensando bem, acho que vou comer alguma coisa. Algo leve, se você não se importam.

Quin colocou algumas fatias de pão de lar em um prato. Tee'ah contornou o pote de geleia pegajosa que ele ofereceu e se forçou a comer o pão achatado. Quando teve certeza de que o pão não iria cair, ela bebeu o que restava de sua caneca. Desta vez Ian voltou a enchê-lo, enquanto seu ogro mecânico de língua ácida caminhava atrás dela, seus passos impacientes trovejando na cabeça dolorida de Tee'ah, seu olhar cético perfurando suas costas. Lentamente, a névoa embotando seus sentidos começou a recuar como poeira dos céus de Mistraal após a passagem de Tjhu'nami.

Tempo decorrido. Algumas horas, ela adivinhou. Ian examinou o cronógrafo feito na Terra em seu pulso e depois ela. — Assim. Quando você acha que poderá me fazer voar para fora desta rocha? — Com as sobrancelhas levantadas, ele lançou-lhe um olhar longo, questionador e intensamente avaliador.

Um senso de propósito a varreu, o desejo de superar as expectativas de Ian e da tripulação. Esta era sua chance de provar, pelo menos para si mesma, que era mais do que uma princesa mimada, mais do que uma mulher cuja identidade seria definida pelas realizações de um futuro companheiro.

— Estou pronta agora. — Disse ela, e se levantou. A tontura varreu por ela. Ela engoliu em seco algumas respirações e agarrou a borda da mesa para se firmar.

Quin hesitou. — Ela vai matar todos nós!

Só você, seu homem irritante. Se eu tiver meia chance. Reunindo sua dignidade restante, ela cambaleou para o corredor, seguida pelos dois homens.

Ian segurou seu cotovelo. — Isso é verdade, Tee? Você vai matar todos nós? — Ele a olhou com um sorriso irritantemente divertido. — Temo que terei que descontar seu pagamento por cada vida perdida.

Talvez ela pudesse ter rido de sua provocação, se as apostas não fossem tão altas. Ela puxou o boné úmido sobre o cabelo. — Pretendo voar nesta nave com segurança e para sua satisfação.

— Bom. Mas a cabine é por aqui. — E com isso, seu sorriso se tornou diabólico, e ele a conduziu na direção oposta.

 


A cabine do Demônio do Sol era menor do que o cargueiro de carga com o qual ela estava acostumada, mas ela tinha se saído bem com o caça estelar, uma nave menor. Uma ampla tela frontal emoldurava uma vista de colinas marrons abaixo de um céu pálido. Abaixo da tela estava a estação do piloto, um painel com instrumentação de última geração, como no Próspero. As luzes indicadoras piscaram convidativamente, iluminando o composto preto do manche de controle. Seus dedos se contraíram em antecipação de agarrá-lo. Ian estava sentado na cadeira de capitão. — Todas as mãos para lançar estações. — Gredda, Push, Muffin e Quin ocuparam seus lugares.

Ao comando firme de Ian, Tee se acomodou no confortável assento do piloto. Seu estômago vazio e o cansaço profundo tornavam difícil resistir à vontade de deitar e dormir por um ano inteiro. Mas ela desejou afastar sua lentidão e balançou a cabeça, piscando.

As vozes ao redor dela silenciaram. Lentamente, ela percebeu os olhares duvidosos da tripulação, especialmente os de Quin.

Ela envolveu as mãos sujas de poeira ao redor do manche de controle. — Apertem os cintos. — Seus lábios se curvaram em um sorriso maligno. — Firmes.

Houve um coro de arreios estalando. Então a briga cessou enquanto a tripulação aguardava sua próxima ordem. Para sua alegria, Quin parecia decididamente mais pálido.

Ela usou o computador da nave para guiá-la através da exibição desconhecida da lista de verificação de pré-lançamento - avisos passando na tela.

— Piloto pronto, capitão. — Disse ela ao concluir a última etapa do procedimento.

Ian cruzou as mãos sobre o estômago. — Iniciar o lançamento.

O fato de ele estar calmo com ela nos controles de sua nave a enchia de confiança. Ela tocou no ícone de comunicação e disse ao controlador de porta do Asneira que eles estavam prontos.

— Liberado para partir, Demônio do Sol.

Ela ouviu o som de tiras sendo puxadas com mais força. Então um estrondo profundo deu lugar a uma onda de poder satisfatória. Uma força várias vezes maior do que a gravidade normal pressionou-a contra o assento. Seu enjoo aumentou. Ela respirou fundo para controlar a náusea até que a nave estivesse fora da atmosfera e em sua rota espacial designada, onde as forças de aceleração diminuíram. Ela estava grata que o Demônio do Sol tinha um gerador de gravidade, fazendo com que o ambiente a bordo parecesse normal. Se ela tivesse que lutar contra a falta de peso, como aconteceu no caça estelar, ela já teria perdido sua última refeição.

Ela usou tudo que tinha para se concentrar nas instruções de Ian para fazer a nave dar um salto curto para o hiperespaço. Lá, velocidades maiores do que a da luz poderiam ser alcançadas por meio da física que ela lutou para compreender. Só depois que eles voltaram ao espaço normal, ela teve um momento livre para sorrir para a tripulação silenciosa.

Gredda acenou com a cabeça respeitosamente. Os outros tentaram sorrisos fracos. Mas os olhos do habitante da Terra simplesmente brilharam. Ela o tirou do Asneira de Donavan e era isso que ele queria.

Exalando, ela relaxou um pouco e voltou sua atenção para suas telas de visualização e para o planeta Grüma à frente. Talvez isso não fosse exatamente o que ela tinha em mente, mas pelo que parecia, ela havia encontrado um emprego.


CAPÍTULO 5


Gann Truelénne dispensou a escolta designada a ele; ele preferia navegar pelo labirinto de corredores do palácio. Sua capa de viagem chicoteava suas pernas enquanto seus passos o levavam para o coração da maior residência pessoal da galáxia. À sua esquerda e direita, colunas maciças se elevavam até o teto, o espaço entre elas aberto para um vasto deserto. Ele respirou profundamente. Os dois sóis de Sienna caíram abaixo do horizonte, e os escudos térmicos do palácio baixaram para a noite. Isso fez com que o mundo natal de B'kah parecesse quase habitável, um termo geralmente não usado para descrever qualquer um dos oito planetas natal Vash Nadah. Mas fazia tanto tempo que Gann pisava em qualquer coisa, exceto no convés de sua nave estelar, o Quillie, que ele jurou que sentiu o chão de pedra polida movendo-se sob suas botas.

— Bem-vindo de volta —, uma voz ressoou do final distante da passagem.

Gann endireitou os ombros. Adiante, o rei o esperava, seu corpo alto e musculoso iluminado pela auréola de luz de velas inundando o salão. Romlijhian B'kah era o governante indiscutível de todos os mundos conhecidos, um descendente direto de Romjha, um guerreiro de grandeza quase mítica creditado por salvar a civilização da extinção mais de onze mil anos antes. Um herói por seus próprios méritos, Rom era um estadista, um soldado condecorado e um marido dedicado. Mas para Gann, seu título mais adequado sempre seria amigo.

Gann parou e estalou o punho sobre o peito, baixando a cabeça em uma reverência. — Você me convocou, Sua Majestade.

Os olhos de Rom brilharam com diversão. — Ah, que formalidade.

Gann ergueu lentamente a cabeça. — Eu pensei que era melhor estar seguro. Já se passaram dois anos desde a última vez em que te vi pessoalmente; sua posição pode ter finalmente subido à sua cabeça.

— Minha cabeça maltratada demais? — Rom perguntou secamente. Quando Gann sorriu e fingiu procurar uma resposta diplomática, seu amigo riu com vontade. — Ah, meu amigo, que bom ver você.

Eles se juntaram em um abraço animado. Então, as mãos segurando os ombros um do outro, eles se separaram, milhares de memórias compartilhadas em seus olhos.

Finalmente, Gann deixou suas mãos caírem para os lados. — Você não me trouxe aqui simplesmente porque sentiu minha falta.

— Não inteiramente. — O sorriso cansado de Rom era irritantemente enigmático. Sem mais comentários, ele acenou em direção a um conjunto de portas duplas abertas e conduziu Gann por uma vasta câmara, onde um piso de mármore de Sienna refletia luxuosas tapeçarias e peças de mobília - todas antigas e de valor inestimável - circundando uma fonte de água salgada repleta de raras criaturas marinhas. Tal grandeza era de tirar o fôlego para aqueles que viram o palácio pela primeira vez, mas tais adornos de riqueza e poder não intimidaram Gann. Ele cresceu em meio a este país das maravilhas. Seu pai era membro da guarda de elite do rei anterior, assim como o pai de seu pai e os milhares de anos de homens Truelénne que vieram antes dele. A lealdade que Gann sentia por Rom e sua família ia além da amizade, além dos anos em que serviram na mesma nave durante o exílio de Rom. Foi criada em seus ossos.

Os homens caminharam em silêncio. Gann estudou seu amigo estranhamente subjugado, perguntando-se de repente se esta misteriosa convocação se traduzia em uma emergência familiar. — Como está Jas?

Os olhos de Rom se iluminaram com a menção de sua esposa nascida na Terra. — Muito bem. Ela está ansiosa para vê-lo. Na verdade, ela está esfriando várias garrafas de Cerveja Red Rocket enquanto conversamos.

Gann esperava isso; ele achava a bebida da terra deliciosa. E ele não estava sozinho. A cerveja estava rapidamente se tornando uma bebida muito procurada em toda a galáxia, tornando o amigo de longa data de Jas, Dan Brady, criador dessa marca favorita da realeza, um dos empresários mais ricos da Terra.

Gann fez outra tentativa para determinar a raiz da preocupação de Rom. Rom era próximo de seus filhos por casamento e os tratava como se fossem de seu próprio sangue. — Ian e Ilana - eu acredito que eles estão bem?

— Sim. — Rom o encarou com um olhar perceptivo, embora um tanto preocupado. — Todos estão saudáveis, graças à Grande Mãe. Mas você está correto ao presumir que o motivo pelo qual o trouxe aqui não é um assunto dos Vash Nadah. Na verdade, é bastante pessoal. Uma situação difícil de achados e perdidos, você pode dizer. Encontrado, eu oro, com sua ajuda.

Uma onda de antecipação acelerou o pulso de Gann. A vida carecia de uma certa... faísca desde que ele e Rom se separaram após a ascensão de seu amigo ao trono da galáxia. Qualquer coisa que Rom exigisse dele agora, estava fadado a ser bom e, ele esperava, exatamente o que ele precisava para tirá-lo de seu marasmo ultimamente. Embora ele não pudesse deixar de se perguntar por que um rei com um imenso exército e forças de segurança treinadas em operações secretas à sua disposição precisaria da ajuda de um guerreiro idoso.

Sua curiosidade cresceu ainda mais quando ele seguiu Rom até onde uma música suave emanava de uma área de estar escondida atrás de uma tela. Aqui, as paredes eram caiadas de branco e lisas, o piso de ladrilhos coberto de almofadas, todas brilhando à luz das três luas marcadas de Sienna emolduradas por uma enorme claraboia. Lembranças das viagens de Rom e Jas, junto com holoimagens emolduradas de suas famílias, enfeitavam estantes e saliências claramente instaladas para esse fim, tornando evidente a intimidade do casal que ali morava.

Uma pontada de desejo o pegou de surpresa quando uma imagem brotou em sua mente de um retiro particular como este, estantes cheias de holoimagens de uma esposa, filhos. Ele franziu a testa e pigarreou. A vida familiar era para outros homens; era assim que acontecia. Servir aos B'kah era sua vocação, uma escolha que fizera há muito tempo, dever sobre os desejos pessoais, se não conscientemente pelo nascimento. Por que, então, o arrependimento maculava onde antes morava apenas o orgulho?

Porque o tédio da sua vida está destruindo sua sanidade, é por isso.

Com rigidez, ele cruzou as mãos atrás das costas. Era óbvio que ele precisava dessa missão. Essa aventura. Ele esperava que fosse bom.

— Gann! — A voz cantada com sotaque de uma mulher, misericordiosamente, arrastou seus pensamentos para fora.

Segurando três garrafas geladas nas mãos, Jas entrou na sala. Imediatamente a presença dela levantou seu ânimo; sua energia e entusiasmo pela vida eram contagiantes. Ela se esticou na ponta dos pés para beijá-lo na bochecha em uma demonstração aberta de afeto característica dos habitantes da Terra, enquanto seu cabelo preto exótico, comum em seu mundo natal, se em qualquer outro lugar, balançava sobre seus ombros.

Ele pressionou uma mão nas costas dela e devolveu o beijo, em sua bochecha, ao estilo da Terra. Então ela deu um passo para trás para olhar para ele. Suave e elegante em seu vestido branco simples, ela parecia a rainha do Rom em cada centímetro, embora ele soubesse que ela ainda voava como uma piloto estelar ativa na asa espacial de Sienna. — Aposto que você gostaria de uma cerveja. — Disse ela.

Ele fez uma careta. — Eu poderia tomar dez.

— Sim, eu conheço o sentimento. — A alegria brilhou em seus olhos. As garrafas foram passadas e a conversa encheu a sala aconchegante. — Como nos velhos tempos — Jas disse depois de um tempo, sorrindo para ele antes de trocar um olhar profundamente afetuoso com Rom.

Quando os olhos do casal se encontraram, seus sorrisos desapareceram lentamente.

Rom colocou sua garrafa em uma mesa próxima. — É hora de eu explicar por que chamei você aqui.

Gann baixou a cabeça. — Aguardo suas ordens.

Como ditava o costume, os homens esperaram até que Jas se sentasse antes que eles também se acomodassem no tapete, arrumando almofadas macias para maior conforto. Gann encostou-se no travesseiro e cruzou uma perna longa e calçada sobre a outra.

— Poucos conhecem a fronteira melhor do que você — Rom começou. Os músculos de Gann latejavam como faziam durante um empolgante jogo de bajha, o jogo da espada para aprimorar o instinto e os sentidos e praticado na completa privação sensorial. Ele esperava ansiosamente por uma possível estada prolongada no planeta, mas executar uma missão pessoal para Rom, especialmente na fronteira remota e imprevisível, parecia muito mais intrigante. — Fale logo, B'kah. Que alma particularmente corrupta e desorientada você gostaria que eu apreendesse? Ou é um esconderijo de objetos pessoais roubados que requer minha interceptação especializada? — Sorrindo ansiosamente, ele inclinou sua garrafa para um gole.

Jas suspirou. — Nossa sobrinha fugiu. Estamos enviando você atrás dela.

Gann quase engasgou com seu gole de cerveja. A expressão intensa de Jas indicava que ela não estava brincando, e a expectativa que o sustentava se esvaiu. Valentemente, ele tentou esconder sua decepção de sua voz. — Vou buscar uma princesa em fuga?

— Sim. Tee'ah Dar, filha de Joren e Di. Joren pensou - orou - que ela estivesse aqui. — Ela apertou os lábios. — Se ela tivesse vindo aqui ...

— Jas — Rom disse suavemente, pegando os dedos dela.

Sua voz era fervorosa e baixa. — Ela deve ter ficado tão infeliz. Eu gostaria que ela tivesse me contado. Eu poderia ter sido capaz de ajudá-la, de interceder junto aos pais dela, de oferecer alternativas para... Isso. — Ela suspirou. — Eu conheci Tee'ah um pouco antes da guerra, sete anos atrás, quando Rom e eu morávamos no palácio de Dar. Ao contrário de nós, Joren e Di mantêm as antigas tradições. Eles criaram Tee'ah em reclusão. — Ela apertou a mão do marido. — Rom e eu estamos trabalhando para mudar os costumes que perderam sua utilidade, como aqueles que mantêm mulheres como Tee'ah tão isoladas.

— Mas tudo isso deve ser feito lentamente —, disse Rom. — Ou vamos agravar a desconfiança e o ressentimento que não são tão bem escondidos por alguns membros do Grande Conselho.

Jas continuou. — Eu mantive contato com Tee'ah, mas apenas ocasionalmente - via tela de comunicação, nunca pessoalmente. Dei-lhe conselhos e incentivos, solicitados ou não, como faço com minha filha Ilana. Mas há uma enorme diferença cultural entre uma mulher Vash real confinada em um palácio e uma jovem com uma carreira voltada para a carreira que mora na Califórnia, e eu falhei em explicar isso. Enchi sua cabeça com ideias... Com possibilidades. Agora ela está indo para o perigo para o qual está pouco preparada. Não posso deixar de me sentir responsável.

Gann colocou sua garrafa vazia no chão. Com um suspiro silencioso, ele se resignou ao dever de babá que parecia que estava adquirindo. O que os B'kah pediam a ele, os B'kah recebiam. Tal era seu dever, e a honra não lhe permitia alternativa. Além disso, ele não gostava da ideia de uma inocente princesa Vash nas garras de desonestos primitivos da fronteira mais do que a família dela. — Eu só a vi brevemente - sete anos atrás. Como ela se parece agora?

Jas entregou-lhe uma holoimagem. A princesa, uma mulher adulta, olhou inocentemente para ele, sua postura ereta, seu longo cabelo ruivo-dourado trançado da maneira tradicional no alto da cabeça.

Aninhando a foto nas mãos, ele admitiu: — Francamente, não consigo imaginá-la, nem mesmo nenhuma princesa Vash, fugindo, muito menos ir para a fronteira. Você tem certeza de que ela foi lá voluntariamente?

— Bastante. — Seu ceticismo trouxe um sorriso aos lábios de Rom. — Ela roubou um caça estelar, ameaçou um tenente com uma arma e se lançou no meio de um Tjhu'nami.

Gann assobiou, dando uma segunda olhada na holoimagem.

Jas disse: — Os homens de Joren encontraram seu caça estelar em Asneira de Donavan... Com um camuflador já a bordo. O camuflador disse que trocou seu caça por outro e já havia deixado o planeta. Quem sabe se ele estava falando a verdade? A segurança não viu nenhum sinal dela, além da nave.

— Alguma comunicação dela? — Gann perguntou.

Rom pegou a holoimagem que ele devolveu. — Ontem os pais dela receberam uma mensagem curta por meio de uma retransmissão criptografada de múltiplos canais. Isso foi além do bilhete que ela deixou antes de partir. Em ambos, ela disse que estava segura, que tinha ido voluntariamente e que eles não deveriam se preocupar. Eles presumem que a mensagem era genuína, mas não podem, é claro, autenticar a nota ou dizer de onde se originou... Ou quando foi enviada. A inteligência de Dar está trabalhando nisso. — Rom pressionou as pontas dos dedos e se inclinou para frente. —Há algo mais. Ian também está na fronteira. Mas ele está disfarçado. Eu tentei, mas não consigo alcançá-lo. Minhas mensagens para ele... Pulam.

Gann ficou olhando. — Ian está disfarçado? — Esse enredo estava se tornando mais incrível e mais complicado a cada minuto que passava.

— Não que Ian conhecesse Tee'ah se a visse — Jas interveio, evidentemente perdendo a reação de Gann à declaração de seu marido. — Por causa do costume, ela ficou para trás no palácio quando o resto da família viajou para o casamento. Acho que ela viu holoimagens da cerimônia, mas a aparência de Ian mudou consideravelmente em sete anos. E a dela também. Duvido que eles se reconheçam.

Gann pigarreou. — Eu acredito que estou perdendo alguma coisa aqui. Por que Ian está disfarçado?

— Porque não quero que o Grande Conselho saiba que ele está lá. — Explicou Rom.

— Entendo —, disse Gann, embora não entendesse.

O olhar penetrante de Rom exigiu sua discrição. — Estou em um dilema em relação à fronteira. Tudo o que posso dizer, para não colocar Ian em perigo, é que preciso da perspectiva de seu homem da fronteira para me guiar em futuras decisões sobre o assunto. — Rom pareceu escolher suas próximas palavras com cuidado. — Nosso reino está crescendo, mudando. Estamos estabelecendo novos mundos cada vez mais longe do coração de nosso reino. Ian será o primeiro governante com laços familiares diretos com a fronteira e com o Grande Conselho. As pessoas de ambos os lados confiarão nele para liderança. No entanto, ainda existem aqueles que não veem a sabedoria de Ian um dia assumindo o trono. Eu... Quero dar a ele a chance de provar que eles estão errados.

Rom ficou em silêncio antes de sorrir cansado e acrescentar: — Mas você deve encontrar nossa princesa rebelde.

Gann assegurou-lhe: — Eu a trarei em casa antes que sua cama esfrie. Pedaço de pão.

— Pedaço de pão? — Jas parecia perplexa.

— É uma de suas expressões de habitante da Terra, não é? Usada para descrever a facilidade de uma tarefa específica?

Seus lábios se curvaram. — Você quer dizer, pedaço de bolo1.

— Sim, sim, é essa mesma. Uma princesa na fronteira se destacará como um iceberg no deserto. Eu a trarei de volta ao palácio em algum momento. Pedaço de bolo.

Jas e Rom caminharam com ele para onde a tela separava a área de estar da câmara maior. Abraçando seus amigos por sua vez, ele se despediu deles. Então ele se enrolou na capa de viagem e saiu da sala.


CAPÍTULO 6


— Eu sei que ela dormiu demais, Quin. Mas vendo que ela nos tirou de Asneira e entrou em Grüma - e nós sobrevivemos, eu diria que ela ganhou seu tempo no beliche. Mas Randall já se foi e eu quero segui-lo. A única maneira de fazer isso é se ela descansar.

De barriga para baixo, Tee'ah acordou com vozes no corredor do lado de fora de seus aposentos. Os lençóis estavam enrolados em suas coxas nuas, prendendo suas pernas no lugar, e sua cabeça doía demais para se mover, então ela ficou deitada ali, ouvindo.

O Demônio do Sol estava em Grüma agora, e os propulsores foram desligados. Estava silencioso, exceto pelo zumbido sussurrante dos recicladores de ar e das vozes dos homens.

— Uma viagem de ida e volta para Barésh não é uma excursão rápida. — Reconhecendo a voz de Quin, ela estremeceu no travesseiro. — Essa é a fronteira.

— Tee pode voar; eu vou dar isso a ela. Mas levar um novo piloto para um novo território quando mal a conhecemos...? Não sei, capitão. Eu não gosto disso. E ela bebendo...

— Oh, ela não vai beber; Eu garanto isso, — ela ouviu Ian responder antes de abaixar sua voz. Ela ergueu a cabeça, esforçando-se para ouvir. — Eu não vou deixá-la ir a lugar nenhum sem supervisão. Eu mesmo vou cuidar dela, se for preciso.

Céus. Eles pensavam que ela era selvagem e imprudente e não era confiável. Que diferença de como ela havia sido vista pelos outros - e por ela mesma - durante a maior parte de sua vida.

— Com Randall um dia à nossa frente, não vejo que tenhamos escolha. Tee! Você está viva aí?

Com isso, veio uma batida horrível em sua porta. Ela gemeu e rolou de costas, desenredando as pernas dos lençóis. Ela não precisava fingir ser uma piloto indolente. Ela se sentia como uma, desde a cabeça latejante até os pés doloridos.

— Tee! Você está de plantão. Levante-se e brilhe.

— Estou tentando. — Sua primeira tentativa de falar saiu como um grasnido rouco. Limpando a garganta seca, ela tentou novamente. — Um momento. — Ela procurou por roupas na bagunça que havia deixado ao encontrar sua cama e desabar nela. Os androides de limpeza do palácio vasculhavam sua câmara diariamente, enquanto as servas devolviam tudo o que ela usava ao seu devido lugar, deixando seu quarto perfeitamente limpo. Uma câmara limpa nunca foi um reflexo de suas preferências, mas daqueles que cuidavam dela. Com isso, ela sorriu. Parecia que a desordem era bastante libertadora - e era um vício muito mais seguro do que o uísque mandariano.

Ela deixou a camisa do irmão solta sobre as calças e mancou até a porta. Ian estava na entrada, uma caneca em cada mão. O vapor subindo das canecas exóticas trouxe consigo um cheiro de nozes tentador. Uma caneca estava pintada com runas da terra, CERVEJA - ATIRE PARA AS ESTRELAS - RED ROCKET. A outra exibia uma montagem de roedores vestidos em preto e branco com grandes orelhas redondas e as letras DISNEY WORLD CHICAGO.

— Bom dia — seu empregador disse agradavelmente, examinando-a como se procurasse sinais da ressaca contínua que ela esperava esconder. Por que as pessoas bebiam se essa era a consequência? — Dormiu bem?

— Muito bem. Obrigada. — Desajeitadamente, ela tentou arrumar o cabelo irregular e espetado, mas desistiu e deixou cair as mãos.

Sua expressão era de diversão gentil quando ele ofereceu a ela a caneca do roedor. — Café. Tente. É melhor do que parece.

Ela se moveu para o lado para deixá-lo entrar em seus aposentos apertados. Ele usava um corte externo de roupa em estilo estrangeiro e feito de couro preto. Não estava abotoado na cintura, revelando uma camisa branca lisa justa que chamou sua atenção para sua constituição atlética e firme.

— Peço desculpas por dormir demais —, disse ela. — Eu normalmente nunca durmo. É claro que há algumas coisas que fiz recentemente que não costumo fazer, como sair cambaleando de bares bêbada. — Ele parecia um pouco cético e ela não podia culpá-lo. Ela disse a ele que bebia o tempo todo... E bebia todo aquele uísque. — Vou definir dois toques de alarme a partir de agora.

— Quin pode ser o seu apoio, suponho.

Ela riu. — Esse é todo o incentivo de que preciso para acordar na hora certa.

Depois de um momento, o sorriso de Ian desapareceu. — Tudo bem, piloto. Nós temos que conversar.

Seu pulso acelerou. — Eu percebi isso. Por favor, sente-se... Se puder encontrar um espaço.

Os fechos prateados de sua vestimenta na altura do quadril brilharam enquanto ele contemplava os lençóis emaranhados e o cobertor caindo no chão, a bota que ela havia deixado na mesinha de cabeceira e as meias sujas penduradas no estribo de metal do beliche. Depois de um momento, frustrado, ele ofereceu a ela a caneca de café novamente.

Ela aceitou com um agradecimento silencioso, em seguida, agarrando a bebida quente de cheiro delicioso em suas mãos, incapaz de pensar em qualquer outra coisa a dizer, ela simplesmente olhou fascinada quando ele afastou sua outra bota e sentou-se na beirada do beliche. Ele não era muito alto, mas parecia encher o cômodo com sua presença. Havia algo nele, algo que ela não conseguia definir, mas que mesmo assim a atraía. Carisma, autoconfiança. Mas, como ela havia descoberto desde que subira a bordo do Demônio do Sol, sua confiança com a tripulação parava abençoadamente com falta de arrogância. Ela estava muito acostumada com esse traço particular nos homens reais que ela conheceu na corte.

— Tudo bem, Tee, vamos conversar. Sobre aquele pequeno incidente no Asneira - o que você pode me dizer sobre isso?

A dor atrás de seus olhos começou a latejar. — Com a segurança de Dar?

— Sim. — Ele a observou enquanto bebia seu café.

Ela lutou contra o poderoso desejo de se inquietar sob seu escrutínio. — O que você gostaria de saber?

Algo cintilou em seus olhos, mas ela não sabia dizer se era aborrecimento ou diversão. — Você roubou aquele caça?

— Eu peguei emprestado.

— Ah.

— A longo prazo. —Ela completou.

—Eu percebi.

Talvez sim, mas ela tinha a sensação de que ele não pararia de fazer perguntas até que ela satisfizesse sua curiosidade. Ela não se atreveu a dizer a verdade. Por outro lado, ela era uma péssima mentirosa e não se sentiria confortável enganando totalmente o homem que a ajudou a escapar dos guardas de seu pai. Era melhor ela apresentar uma versão da verdade, um pano de fundo paralelo ao seu.

— Trabalhei como piloto em Mistraal, o mundo natal de Dar. — Parecia estranho mencionar aquele fato tão casualmente, como se os Dars fossem apenas empregadores, não de carne e osso. — Eu queria voar, mas minha família queria que eu me casasse. Se eu tivesse concordado, tenho certeza de que teria perdido o resto da pouca liberdade que tinha. O caça era minha única saída do planeta. — Ela desejou que ele entendesse a desesperança que a levou a uma medida tão desesperadora.

— Você não achou que os Dars resgatariam a nave?

Suas bochechas queimaram. — Bem. Eles a tem de volta agora.

— Verdade.

— Eu pretendia mantê-la somente até que eu economizasse o suficiente para um pagamento inicial em uma embarcação própria. Eu teria devolvido. Eventualmente. — Nervosa, ela experimentou o conteúdo de sua caneca, mais pelo desejo de parecer relaxada do que para matar a sede. Mas a bebida tinha um gosto celestial, e ela levou a caneca aos lábios para outra bebida.

Ian se inclinou para frente, equilibrando os antebraços nas coxas. — Você conversou longamente com alguém no Asneira além de mim e do barman?

— Só o camuflador que contratei. A única maneira que a segurança de Dar saberia que eu embarquei em seu navio é se o camuflador me visse ir com você e a segurança de Dar forçar isso para fora dele.

— Forçado? — Ian deu uma risada rápida. — Ele ofereceria a informação em um piscar de olhos se isso significasse reduzir sua multa.

Tee'ah sentiu seu coração pular. — Tive que dar a ele milhares de créditos como garantia contra essas multas. Não acho que ele queira ajudar as autoridades. — Ela rezou para que fosse assim.

Ian passou uma mão pelo cabelo. Suas dúvidas sobre resgatá-la eram evidentes nas sombras sob seus olhos. Ela se sentiu mal. Ele a salvou; ele não merecia o risco que ela estava lhe trazendo. O mínimo que ela podia fazer era deixá-lo confortável em mantê-la a bordo de seu navio. — Tudo bem —, disse ela. —Vamos supor que o camuflador tenha falado, então. E com alguns subornos judiciosos e talvez algumas ameaças, a segurança de Dar usou o que aprenderam com ele para descobrir qual nave pertencia a você, o habitante da Terra. Não arquivamos as coordenadas de destino com o controlador de espaço, correto? — Ela respirou fundo. — Portanto, os únicos dados disponíveis para eles seriam nosso roteamento inicial. Mesmo se eles recuperassem, decifrassem e baixassem nossa rota, sem saber nosso destino, eles teriam nos perdido quando saltamos para o hiperespaço.

Ian acenou com a cabeça, como se concordasse com seu raciocínio. — Já dei uma olhada na cidade —, disse ele. — Não há Dars.

— Então o camuflador segurou a língua, sim?

— Acredito que sim. — Seu empregador inclinou a caneca em direção à boca e esvaziou o conteúdo. Então ele colocou a caneca no chão entre suas botas. Quando ele se concentrou nela, seu olhar era penetrante. Sua voz era baixa. — Como parte da minha equipe, você vai ver e fazer algumas coisas que não entende. Quanto menos você souber, melhor, se é que você me entende.

Tee'ah não tinha certeza se sabia, mas mesmo assim assentiu.

— Eu vendo produtos da Terra no mercado negro. Isso significa que vou aonde quero, vejo quem quero e fico o tempo que quiser. Não ganho muito dinheiro, mas o suficiente para pagar alguns luxos e sustentar minha nave e minha tripulação.

Ele procurou seu rosto por choque, talvez, ou desgosto. Mas não foi isso que Tee'ah sentiu. Ela invejava sua vida de independência e liberdade.

— Se a Polícia Comercial quisesse — ele continuou, — eles poderiam facilmente me multar para fora do negócio. Ou me prender. Portanto, faço questão de não atrair a atenção deles.

— Eu também não quero chamar a atenção de ninguém.

Ele considerou sua declaração. — Isso é verdade. Você está fugindo.

Ela engoliu o café e escaldou a garganta.

Ele fez uma pausa e encolheu os ombros. — Bem, também metade das pessoas na fronteira, suponho. — Ele deu a ela um olhar curioso. — Eu vi a maneira como os soldados agiram quando vasculharam as barras do Asneira procurando por você. Eles eram amigáveis. Mais importante, eles estavam com as pistolas nos coldres. Imediatamente eu soube que você não era perigosa. — Ele a considerou firmemente. — Mas o que é você, Tee?

Sua relutância em explicar pairava entre eles como um escudo Tjhu'nami, espesso e silencioso. Ficou claro que ele sentiu sua hesitação. A compaixão encheu seus olhos cinza-esverdeados. Curiosidade também. O que a enervou. Se ela fosse descuidada com o que revelava sobre si mesma, ele ficaria mais desconfiado do que já era. E ela não podia pagar por isso, não podia arriscar a chance de alguém - especialmente um comerciante do mercado negro - descobrir quem ela era. Ela havia iludido os homens de seu pai da última vez, mas não havia garantia de que escaparia na próxima. Depois dos dias às vezes aterrorizantes, mas estimulantes, desde que saiu de casa, ela tinha certeza de que nunca mais queria ficar presa no isolamento protegido de sua antiga vida novamente.

Com isso em mente, ela escolheu a resposta mais franca de todas. — Não sou o que era.

Ele ficou em silêncio, como se esperasse que ela falasse voluntariamente. Ela não falou. Mas ele também não. Talvez ele reconhecesse que pressioná-la por informações levaria a perguntas sobre suas próprias atividades. Talvez houvesse outros motivos.

Ele a olhou por mais um momento antes de entrar no corredor. — A propósito, preciso de você pronta para voar.

— Novamente? — Ela já havia imaginado que voltar para a cama não seria possível, mas outro voo logo após o último? Ela cerrou os dentes contra a cabeça dolorida. — Claro, capitão, para onde?

— Para Barésh. Você já esteve lá?

— Não. Eu nunca ouvi falar disso.

— Que faz dois de nós. Temos arquivos de dados nele, aqui na nave - quero que você os estude. Eu irei também. Eu sei que uma parte respeitável do trillidium da galáxia foi retirada das minas de Baréshti. E que é um lugar horrível, supostamente. Uma pilha de escória fedorenta.

— Eu não sei. — Disse ela evasivamente.

Ele hesitou, como se medindo o que dizer a ela. — Fiquei sabendo hoje de manhã que meu competidor está indo para lá. Quero descobrir por que ele está interessado no lugar.

— Quando partimos?

Ele deve ter percebido a antecipação em seu tom, assim como seu cansaço. Ele respondeu com um sorriso levemente apologético. — Esta tarde. Quin está trabalhando em alguns reparos - hoje o sistema de controle ambiental está nos causando problemas. Amanhã, quem sabe? — ele acrescentou irritado. — Então termine de se vestir e pegue algo para comer.

Ela o parou antes que ele saísse da sala. — Há um mercado próximo?

— Sim. Cerca de um quilômetro de distância.

— Excelente. Eu preciso ir às compras.

— Eu vejo. — Ele a examinou. — Para quê, exatamente?

Ela lutou contra um impulso maligno de dizer: “Uísque.” Em vez disso, ela apontou para sua roupa manchada e mal ajustada. —Preciso de novos uniformes, roupas extras e uma maneira de substituir os produtos de higiene pessoal que deixei em minha nave.

— Entendido. Vou levá-la depois do café da manhã.

Ela olhou para ele enquanto ele se levantava e se afastava, incerta no que ela tinha se metido. O morador da Terra era um enigma, como ninguém que ela conhecesse ou tivesse sido exposta. Certamente ele não estava tramando nada de bom. Perigo e excitação eram um estilo de vida para ele.

E parecia que ela estava indo para o passeio.

 


— É assim que você trata seu melhor piloto de repositório? — uma mulher gritou com um sotaque que ele não conseguiu identificar. — Espere. Sou seu único piloto de repositório. Eu quero o que você me deve. Agora, seu buldôzer íngreme. Até o último crédito maldito!

Gann Truelénne ficou parado nas sombras do lado de fora de uma tenda desbotada em uma fileira de lojas decadentes no Asneira de Donavan. Ele viajou para cá imediatamente depois de deixar Rom e Jas em Sienna, com a intenção de questionar o camuflador que tentou ajudar a princesa Tee'ah a camuflar seu caça. Mas de dentro da tenda, uma discussão começou.

— Lara, não há mais dinheiro para recuperar sua nave. Nenhum. A segurança Dar me multou até o esquecimento. Mas vou pagar o que devo a você; eu juro. Me dê mais tempo.

— Dar? — A mulher cuspiu as palavras com desprezo. — Eu não dou nada a ninguém. Nem você, Eston. Você sabe disso. — O tom da mulher tornou-se sombrio. — Eu precisava dos créditos para pagar as taxas de pouso naquele monte de escória nojento, Kabasten. Se não fosse por você, eu não estaria lá. Agora eles apreenderam minha nave! Crat, Eston, é a única coisa que tenho e você sabe disso.

Gann detectou um ligeiro espessamento na voz com sotaque da mulher. — Para onde devo ir? — ela perguntou. — Como vou ganhar a vida agora? Eston, me diga, sua barata nojenta!

Algo pesado caiu no chão e se espatifou. Gann estremeceu.

— Lara...

— O próximo acertará o alvo; eu juro — a mulher disse em um silvo. — Tudo isso aconteceu porque você ajudou aquela pequena coisa mimada Vash Nadah. Como você pode?

Contra seu melhor julgamento, Gann afastou a aba da tenda e entrou. Cerâmica quebrada triturou sob suas botas. — Bom dia para vocês. — Sorrindo, ele olhou ao redor da tenda desorganizada, procurando por dicas, peças de roupa, qualquer coisa que pudesse indicar que a princesa esteve lá.

— Alta sociedade.

A mulher, Lara, dirigiu seu comentário para ele. Seus olhos castanhos mel cheios de fogo, seu peito arfando, ela olhou para ele. Sua voz era baixa e venenosa. — Eu desprezo os Vash. Cada... Um... Deles.

Sua ferocidade pegou Gann desprevenido. Aos quarenta e cinco anos padrão, ele havia visto sua parcela do lado mais sombrio da vida; ele lutou em uma guerra impopular e prolongada - o único conflito desde o início dos Vash Nadah - e subsequentemente acompanhou seu instigador, Rom B'kah, ao exílio. Gann não era estranho à amargura e à raiva em todas as suas formas. Mas ele nunca tinha visto o ódio demonstrado com tal intensidade e paixão como o expresso por esta mulher. O que era realmente triste, pois além de sua animosidade, ela era fascinante de se ver. Que desperdício que tal beleza pudesse ser preenchida com tanta má vontade.

De perto, a voz alegre do camuflador quebrou o constrangimento na sala. — Bom dia para você, senhor —, ele cantou, sua expressão ansiosa. — Você precisa de sua nave camuflada, talvez?

— Vamos apenas dizer que preciso de sua experiência.

— Experiência, meu olho. — A boca da mulher se curvou em um sorriso de escárnio enquanto o olhava da cabeça aos pés. Despido, ele duvidava que se sentisse mais exposto ao seu escrutínio.

Ela se encostou em um dos postes de suporte, os braços cruzados sobre o peito. Embora sua pele fosse lisa como a de uma garota de 20 anos, seus olhos pareciam ter oitenta. Ele colocaria a idade dela em algum lugar entre - trinta e poucos anos, ele adivinhou, uma boa década mais jovem do que ele. Sua roupa preta de uma só peça era utilitária e unissex, como seu cabelo castanho-amarelado na altura do pescoço, um contraste com as joias delicadas que cintilavam em suas orelhas e pulsos. — Então... Os Vash Nadah não extorquiu créditos suficientes de Eston na primeira vez —, ela zombou. — Eles tiveram que mandar você de volta para mais. É por isso que você está aqui, não é? Admita, Vash.

Gann decidiu ignorar a pequena bola de fogo temperamental. Para sua diversão, ele viu que isso a enfurecia. — A mulher Vash que você foi multado por ajudar é uma fugitiva —, disse ele ao camuflador. — Sua família teme por seu bem-estar e me enviou aqui em seu nome para que possam se reunir a ela com rapidez e segurança. Não estou aqui para puni-lo ou coagi-lo, mas para recompensá-lo.

A mulher chamada Lara sufocou uma risada.

— Generosamente —, disse Gann, como se não tivesse ouvido. — Se você cooperar e me der informações que levem aonde posso encontrar a mulher. — Um por um, ele colocou os cartões de moeda na mesa do manto até que o equivalente a cinco mil créditos se espalhou sobre a tampa de liga leve. Seria uma soma estonteante. Uma quantia a não ser recusada, ele esperava.

Lara piscou para a pilha de créditos, ouro e prata principalmente. Gann estava confiante de que havia mais créditos naquela pilha do que ela vira em toda a sua vida. No instante seguinte, ela extinguiu seu espanto com indiferença e caminhou até um cervejeiro para servir uma caneca fumegante. Uma faixa de prata com um padrão intrincado deslizou por seu pulso. O acabamento era requintado e combinava com o anel trançado que adornava sua orelha esquerda. Ela compartilhava pelo menos uma coisa em comum com ele - atenção aos detalhes.

Ela sorveu silenciosamente, suas costas esguias voltadas para ele. — Não perca tempo, Eston —, ela rosnou. — Eu confiaria em uma cobra do deserto antes de confiar em um Vash Nadah.

Eston lançou-lhe um olhar perturbado antes de considerar Gann com voraz interesse. — Posso ajudá-lo, senhor. — Disse ele.

— Excelente. — Gann alocou mais mil para sua causa. Eston engoliu em seco. Havia momentos em que a fortuna sem fundo de Rom vinha a calhar. —Você informou à segurança de Dar que a mulher desapareceu do planeta enquanto você trabalhava a bordo de seu caça. Isso é verdade?

— Não ouse nos acusar de mentir. — A voz da mulher saiu por entre os dentes cerrados. Ela caminhou até a aba da tenda e a abriu, permitindo que uma brisa fumegante e de cheiro enjoativo entrasse. — Você não pertence à fronteira. Nenhuma de vocês, Vash arrogantes, pertencem aqui. Vá!

— Lara, por favor. — Eston implorou.

Grande Mãe, como ele poderia ter pena de si mesmo por ter sido enviado em uma missão para resgatar uma princesa petulante? As coisas poderiam ser muito piores - ele poderia ser um camponês falido, como Eston, preso com a Srta. Radiante aqui como companhia. — Eu não acredito que seu parceiro sinta o mesmo que você, Lara. — Ele falou lentamente.

A boca da mulher se apertou. Ela tinha olhos muito expressivos. Neles, era muito fácil ver todos os detalhes de sua dolorosa morte, caso ela colocasse as mãos nele.

— Estou certo, Eston? — Gann solicitado.

A boca do camuflador se abriu em um sorriso vencedor, revelando dentes que eram surpreendentemente brancos e retos. — Eu disse a verdade. A mulher Vash realmente saiu do planeta —, disse ele. — Por mais dez mil créditos, posso saber exatamente como você pode encontrá-la.


CAPÍTULO 7


Enquanto Tee tomava o café da manhã e a tripulação se preparava para o voo, Ian desceu até o porão de carga, seu lugar de escolha quando precisava pensar.

— Luzes — ele disse. Presa por uma cinta protetora para viagens espaciais, sua Harley-Davidson Soft-tail vintage 1990 brilhava na iluminação nítida. Ele empurrou a motocicleta para a parte de trás do porão onde guardava suas ferramentas, então tentou se perder nas tarefas estúpidas de consertar, apertar e polir.

Você deveria tê-la deixado ir, arranjado outro piloto.

Sim, mas ele também precisava seguir Randall.

Agora ele estava preso a uma piloto com um passado instável, quando ele mais precisava de confiabilidade em sua tripulação e a capacidade de se manter focado em sua missão. Ele tinha ido aos aposentos de Tee com a intenção de dizer a ela que seu cargo era temporário, que pretendia deixá-la ir assim que encontrasse outro piloto. Mas de alguma forma ela o havia afundado; aquela mistura maluca de bravata, ingenuidade e graça sob o fogo que ela exalava, o tinha totalmente paralisado. Ele ficou lá como um idiota e deixou que ela o persuadisse a deixá-la manter seu emprego por um longo prazo. Não era como o Ian confiável que todo mundo conhecia - o filho responsável, o mestre graduado em finanças, o cara que sua irmã chamava de Sr. Goody-dois-sapatos.

A piloto não tinha ideia do efeito dela sobre ele - o que era uma coisa boa, porque ele não tinha descoberto sozinho. Nenhuma mulher jamais o afetou dessa maneira.

Era um ponto discutível, de qualquer maneira. Não era como se ele pudesse ter qualquer relacionamento com essa garota. Ela não era apenas sua piloto, mas tinha uma história instável e não era da realeza - e seus oponentes Vash no Grande Conselho estavam observando cada movimento seu, esperando que ele desse apenas um passo em falso. Não, Ian se casaria com a mulher escolhida para ele. Isso era tudo o que ele poderia fazer. Ele devia muito a Rom e sua mãe.

Quanto à sua atração por Tee, provavelmente estava ligada à crença Vash de que certas pessoas tinham uma afinidade mental e emocional de pensamento. Quando essas pessoas se juntam, seus pensamentos ressoam, criando uma atração imediata e poderosa. O que descrevia muito bem o que ele sentia por Tee. Ele não conseguia parar de pensar na maneira como ela cheirava, a sensação de sua pele, a maneira como ela se movia, seu humor e mente rápida - todo o pacote.

Luxúria; era só isso.

Seus lábios se apertaram sobre os dentes cerrados. Ele há muito se orgulhava de sua capacidade de controlar seus impulsos sexuais. Claro que ele os tinha, tinha muitos deles. Ele havia dormido com sua cota de mulheres, mas sempre dentro do contexto de um relacionamento, nunca como uma aventura estúpida ou um caso de uma noite. Não foi fácil seguir esse caminho; na verdade, quase o matou algumas vezes, mas ele dedicou sua vida a ser tudo que seu pai biológico não era. Ele era celibatário há mais de cinco anos. Nos ensinamentos dos Vash Nadah, ele encontrou a força e a orientação de que precisava para manter seus próprios elevados padrões. Razão pela qual esse fascínio pela duende era tão surpreendente para ele quanto inapropriado.

Ele abriu uma prateleira de armazenamento e procurou por uma lata de óleo de motor enquanto seus pensamentos voltavam à sua infância no Arizona. Ele havia crescido vendo sua mãe lidar com o adultério de seu pai. Se a lealdade de Jas foi longe demais, ou ela ignorou muito do comportamento de seu marido para manter a família intacta, Ian só podia imaginar. Mas, ao chegar à idade adulta, concluiu que apenas aqueles com caráter desprezivelmente fraco permitiam que a testosterona guiasse suas ações.

Ele enfiou um abridor em uma lata de óleo, liberando um spray de um líquido marrom viscoso. Ótimo. Franzindo a testa, ele pegou um pano, enxugou as mãos e enfiou o pano no esterilizador. Talvez a piloto se mostrasse pouco confiável, como seus predecessores. Abandono do dever tornaria mais fácil dispensá-la... A menos que seus perseguidores resolvessem o problema e a pegassem primeiro.

 


Gann colocou cinco mil créditos na mesa do camuflador. — Diga-me para onde a mulher foi —, disse ele. — E com quem. — Ao adicionar os cinco mil restantes, ele viu Lara olhando com espanto para a pilha prodigiosa de créditos agora na mesa.

Eston estava muito mais à vontade. — Eu a vi compartilhando bebidas com um morador da Terra no bar do velho Garjha. Então ela foi embora com o homem.

— Fale-me sobre o habitante da Terra. — Disse Gann.

— Jovem. Cabelo de cor estranha. — Eston fez uma careta. — Castanho escuro, como muitos deles. Caso você esteja se perguntando, ele não registrou as coordenadas de destino com o controlador de porta. Eu gostaria que ele tivesse. Sua pequena Vash me deve por meus problemas; eu gostaria de saber para onde ela estava indo.

Gann refletiu sobre isso. — Agora a nave pode estar em qualquer lugar.

Eston sorriu. — Você precisará de um rastreador para encontrá-los.

Gann contemplou o camuflador. O que o homem disse sobre a contratação de um rastreador era verdade. Ele não estava na fronteira há anos e não tão longe há anos. Ele precisava de alguém que conhecesse o território. — Estou disposto a pagar bons salários. Se a caçada for bem-sucedida, colocarei um bônus. Você tem alguém em mente, alguém bom?

Eston sorriu triunfante. — Ela é a melhor que existe.

Ao mesmo tempo, Gann percebeu que a mulher em questão percebeu a quem Eston se referia. Ela fez um pequeno ruído sufocado. Sua mão se abriu, liberando a aba da tenda que segurava na esperança de que Gann fosse embora. — Eston —, disse ela em um silvo. — O que você está fazendo?

O homem cruzou a tenda e a pegou pela mão, conduzindo-a para um canto privado, mas não fora do alcance da audição de Gann. — Lara, sua nave foi apreendida. Não tenho o suficiente para tirá-la de lá - mesmo com o que o Vash me deu. Se você quiser sua nave de volta, vá com o Vash.

Algo semelhante ao medo extinguiu o fogo em seus olhos castanhos dourados. — Vá para o inferno.

Gann deu as costas para o par enquanto eles continuavam a discutir em voz baixa. O pote de tock no canto estava quase cheio. Mas ele decidiu não se servir de uma xícara. O casal obviamente tinha poucos suprimentos sobrando após as multas pesadas que pagaram para camuflar um caça Dar roubado. Ele decidiu esperar em silêncio.

Finalmente, Eston empurrou a mulher carrancuda em sua direção. — Lara Ros, mestre rastreadora. Ela o levará aonde você precisar ir.

Os olhos da mulher eram duros e frios. — Não vou me divertir, Vash. Apenas para poder recuperar minha nave. — Sua voz captou a palavra, como se aquela nave significasse mais para ela do que qualquer pessoa. — Meu bônus será igual à multa que terei que pagar.

As dúvidas de Gann surgiram. A atitude de Lara era tão podre quanto ovos de oster de um ano de idade. Ele esperava que isso não interferisse em sua habilidade de fazer um trabalho, porque ele não tinha tempo para perder caçando outro rastreador. — Eu vou pagar a você o que você precisa para libertar sua nave, uma vez que a mulher estiver sob minha custódia. — Ele cruzou as mãos atrás das costas. — Vou esperar enquanto você junta suas coisas.

Lara fez uma careta para Eston enquanto passava, seu comportamento orgulhoso, mas inflexível. O camuflador sorriu. — Conte-me tudo quando você voltar.

— Okay, certo. — A aba da tenda se fechou.

Só então Gann percebeu que ele estava preso à Srta. Radiante. Pelos céus, ele pensou, esta viagem iria se provar muito longa.

 


— Não vou tolerar mais cochilos após seu período de descanso designado, Tee. Cada um dos seis membros da tripulação a bordo desta nave carrega seu próprio peso. — Advertindo Tee'ah enquanto ela se sentava na cadeira do piloto, Quin se inclinou em sua direção.

Ela recuou, mas o encosto de cabeça a impediu de recuar tanto quanto ela gostaria. Depois que ele falou com ela, Ian desapareceu para sabe-se lá onde, Muffin foi para a cidade, enquanto Gredda e Push bebiam tock na cozinha e examinavam arquivos listando quais mercadorias estavam no compartimento de carga. Isso deixou Tee'ah sozinha com Quin, que aproveitou o tempo para lhe dar um sermão sobre as regras da nave e seus deveres, que, segundo ele, incluíam tomar sua vez na cozinha para preparar refeições quando seu número aparecesse - algo que ela rezou para não acontecer logo. Ela nunca havia preparado uma refeição em sua vida. Embora cozinhar sua própria comida fosse algo que ela esperava, e até ansiava, jantar para seis era algo que ela nunca havia previsto. Suas condolências foram para a tripulação.

Quin franziu os lábios, examinando-a. — Espero que o licor que você gosta de beber não tenha comido todas as células do seu cérebro, porque você vai precisar de um pouco para isso. — Ele empurrou um tablet nas mãos dela. — Aqui - seu manual de sistemas de bordo. — Ele bateu no tablet com os dedos gastos pelo trabalho. — Você fez tudo certo até agora. Mas, como disse ao capitão hoje - se você voar pesado, não vou consertar o que quer que você quebre sem primeiro descontar do seu pagamento. Entendido?

— Sim. Eu entendi. —R espondeu Tee'ah. Seu tom era indiferente, mas não frio. Como piloto estelar profissional, ela se recusava, não importa o quanto o homem a provocasse, a brigar com seu demônio mecânico e portador de uma chave inglesa.

Ela ficou grata quando Quin fugiu sem mais provocações. Com o tablet aninhado em suas mãos, ela relaxou contra a cadeira contornada do piloto. A cadeira dela. Ela poderia se acostumar com o som disso, ela pensou enquanto acessava os dados armazenados no pequeno computador e começou a estudar o longo manual de sistemas de bordo.

Mas, enquanto esperava que Ian voltasse para levá-la ao mercado de Grüma, sua atenção se desviou para os quilômetros de colinas arborizadas iluminadas pelo sol fora da tela frontal da nave. É verdade que as telas de visualização em naves estelares de último modelo não eram transparentes e exibiam apenas o que o computador “via”, mas era óbvio que o dia estava lindo. A ideia de estar fechada por dentro a sufocou com uma sensação de claustrofobia. Ela havia passado muito de sua vida olhando ansiosamente pelas janelas; era sua hora de ficar do lado de fora. Ela esperaria Ian lá.

Ela checou seu bolso traseiro para ver se havia créditos, sua arma e a unidade de comunicação pessoal que Ian exigia que ela carregasse. Do outro lado da cabine, Quin se agachou de joelhos. Sua cabeça estava enterrada em um painel aberto embaixo da estação de comunicação e as ferramentas brilhavam perto de suas botas. O mecânico estava trabalhando desde que pousaram, murmurando sobre “má sorte” e “danos suspeitos”. Ela duvidava que interromper o estudo dos sistemas da nave pioraria o humor dele. — Vejo você mais tarde, Quin.

Enquanto ela descia a passarela da cabine do piloto, Ian saiu do compartimento de carga. — Pronta? — Ele perguntou.

Suas palavras foram interrompidas por um grito. — Tee! Pare! — Quin desceu a passarela. Com o rosto vermelho, ele parecia estar pronto para desabafar todo o ultraje em sua pequena alma rancorosa. — Você está confinada à nave.

— Ela está em liberdade condicional — Ian corrigiu. — Não confinamento.

— Mas, senhor. Achei que você disse que precisávamos ficar de olho nela.

— Vou ficar de olho nela. Vou levá-la ao mercado.

— Quin está preocupado com a quantidade restante de células cerebrais funcionais na minha cabeça. — Disse Tee secamente.

O mecânico fez uma careta para ela. — Faça-me um favor, piloto das estrelas; não perca mais nada hoje. — Ele içou-se pela passarela e voltou aos reparos.

Depois de observá-lo ir embora, Ian se virou e colocou um boné e um par de óculos nas mãos de Tee'ah. — Um disfarce improvisado. — Disse ele.

A coroa do boné era decorada com runas da Terra “ASU” e um homenzinho vermelho de aparência mesquinha com chifres e cauda. — Obrigada. É o Quin? Isso me lembra bastante dele.

Para sua alegria, seu patrão riu. — Conheça o Demônio do Sol, a mascote da Universidade do Estado do Arizona e homônimo da minha nave. — Ele parecia procurar uma tradução adequada do inglês para o básico. — Foi onde recebi minha educação superior na Terra.

Tee tocou o emblema com a ponta dos dedos. A Terra e seus habitantes simbolizavam tudo o que ela esperava em sua nova vida - não convencional e independência impetuosa. — Será uma honra usá-lo. — Disse ela. Com orgulho, ela prendeu o boné em seu cabelo miserável - ou o que restou dele - e abriu caminho pela rampa de entrada.

Ela caminhou com Ian por um caminho de terra que conduzia para longe da nave. A brisa segurou um leve frio, mas era doce com o cheiro de pinho aquecido pelo sol e suave o suficiente para justificar deixar de fora o controle térmico costurado no forro interno da camisa de seu irmão. Inalando, ela inclinou o rosto para o sol, uma intensa pérola branco-azulada tão diferente da estrela dourada de Mistraal. O sol complementava os tons do céu lilás e uma floresta de coníferas interrompida apenas por riachos espumosos e alguns afloramentos de rochas calvas.

Ian falava amigavelmente enquanto caminhavam, pegando seixos ocasionalmente e jogando-os na vegetação rasteira densa ao longo da trilha. — Então, você e Quin ainda não são melhores amigos.

Ela revirou os olhos. — Se ele pudesse inventariar e controlar minhas células cerebrais, ele o faria.

— A verdade é que preciso de você, Tee, e ele sabe disso. Perdemos três pilotos para o álcool. E não se esqueça: você estava bêbada quando a contratei.

— Eu não bebo... Muito. — Eu não bebo nada, ela desejou dizer a ele. Mas ela tinha um passado questionável para manter.

— Carn costumava dizer isso também. Então ele se matou com a coisa.

Sua mão voou para as asas em seu peito. Provavelmente eles pertenceram a seu predecessor. O pensamento fez os cabelos de sua nuca se arrepiarem. — Sinto muito. — Disse ela.

Seu encolher de ombros casual desmentiu sentimentos mais profundos sobre o assunto. — Entre nós, tenho certeza que podemos pensar em algumas atividades recreativas que não incluem álcool.

Ele se abaixou para pegar mais seixos. Enquanto ela olhava para suas costas fortes e seu traseiro firme, pensamentos escandalosamente devassos e explícitos a dominaram. Quando eu quero sexo, não preciso comprar.

— Bem — ela corou fortemente. — Estou aberta a experimentar novos e variados métodos de diversão.

Mas quão novo e quão variado? Ela não tinha certeza. Ela era virgem, sim, mas havia recebido instrução na arte de fazer amor desde a infância. Vash, como mulher, ouvia palestras, fazia leituras, guardava na memória as comparações de técnicas de professores experientes. Todas as suas perguntas foram respondidas de forma honesta e completa, ou ela recebeu a literatura apropriada. Seus irmãos, por outro lado, haviam acumulado experiência física real como adolescentes com as servidoras do prazer do palácio. Eles haviam aprendido habilidades destinadas a proporcionar prazer a suas futuras cônjuges e, em última instância, a fortalecer cada um de seus casamentos.

A base da sociedade é a família. A sexualidade aumenta a espiritualidade, dizia o Tratado de Comércio. Era parte integrante de sua cultura e fé. Tee'ah esperava ser virgem no dia do casamento, agora que o casamento estava cancelado, não havia necessidade de permanecer intocada. Havia?

Alheio a suas especulações, Ian tirou sua vestimenta de couro preto e a prendeu em um ombro com o dedo indicador. A camisa de manga curta que ele usava por baixo era apertada o suficiente para ver a flexão dos músculos de seu estômago enquanto ele caminhava ao lado dela. A ponta de uma fina corrente de ouro desapareceu em sua camisa. Fora isso, ele não usava joias de pele, que estavam na moda ultimamente, e nenhum outro adorno. E nenhum anel de sinete Vash, ela notou - outro sinal de que ela não estava fazendo companhia ao único habitante da Terra que ela precisava evitar a todo custo. Ela não conseguia imaginar o príncipe herdeiro sem as armadilhas de sua posição.

Ela conduziu a conversa de volta para um terreno mais seguro. — O que vamos encontrar no mercado?

— Praticamente tudo o que você quiser, a maior parte totalmente ilegal. — Ele agiu como se presumisse que ela já tinha visto algo parecido antes. Talvez ela ainda não tivesse feito isso, mas em um ou dois meses, ela seria, sem dúvida, uma veterana de tais empórios de mercadorias não autorizadas.

— As mercadorias são perigosas, então?

Ele sorriu. — Não. Apenas difíceis de encontrar. Especialmente cerveja da terra, sal, café — ele esfregou suas calças índigo desbotadas — e jeans.

— Eu pensaria, uma vez que Grüma está tão perto da Terra, esses produtos seriam fáceis de encontrar.

— Não quando a Federação do Comércio os envia diretamente da Terra para a galáxia central, contornando a fronteira. No momento em que os produtos são transportados de volta para cá e colocados à venda - se é que algum dia o serão - o preço está além do alcance da pessoa média.

Ele não parecia apaixonado pela Federação. Ela se perguntou o que ele pensaria se soubesse quem havia contratado - uma das filhas de seus chefes.

O caminho em direção à maior cidade de Grüma os levou a um denso bosque de árvores. Um silêncio frio e úmido os envolveu, o ar encharcado com o cheiro de samambaias e pinheiros.

— Estamos quase lá —, disse Ian. Ela podia ouvir os sons da vida urbana adiante, embora ainda não pudesse ver nenhum sinal disso. — Fique perto no caso de seus amigos Dar aparecerem. Tenho negócios urgentes para cuidar mais tarde; não seria bom perder você agora.

Ela focou seus olhos no caminho salpicado pelo sol diante deles. Ian podia não querer perdê-la, mas se seu pai se comprometesse totalmente a levá-la para casa, Tee'ah se perguntou se haveria algo que Ian pudesse fazer para impedi-lo.

CAPÍTULO 8


As ruas do centro de Grüma irradiavam de uma praça central repleta de pessoas - homens, mulheres e até algumas crianças. Todos tinham a tez mais clara do que Tee'ah, assim como o cabelo loiro claro e olhos castanhos comuns à classe mercantil. Tee'ah esperava que sua fachada de habitante da Terra fosse convincente o suficiente. Não havia muito que ela pudesse fazer sobre sua pele dourada, mas sombras escondiam suas íris claras, e apenas alguns fios de seu cabelo loiro-escuro, sua marca registrada Vash, estavam presos sob o boné.

Enquanto ela caminhava pela praça com Ian, ninguém lhes deu mais do que um olhar. A antecipação acelerou seus passos. Ela nunca teve a oportunidade de ser anônima, de barganhar com um vendedor que não temesse insultar uma princesa pedindo um preço alto demais por mercadoria inferior. Quando ela visitava o mercado fora dos portões do palácio em Mistraal, estava sempre na companhia protetora de suas servas ou de seus pais e seu séquito habitual. Aqui, alguém poderia realmente tentar enganá-la. Seu espírito disparou. Deixe-os tentar!

Em um movimento que teria sido completamente fora de seu personagem em seus dias como realeza, ela agarrou o braço de Ian, logo acima do cotovelo, e puxou-o para frente. — Venha, habitante da Terra. Vamos ver quais pechinchas nos aguardam.

Ele riu, suas botas esmagando fortemente o cascalho.

Os comerciantes carregavam os itens habituais - produtos agrícolas, carnes assadas, artigos diversos. O aroma doce e picante de incontáveis produtos não identificados encheu o ar. Enquanto ela olhava, ele examinava a multidão e as lojas, como se estivesse olhando as vitrines por conta própria - embora para pessoas, ela suspeitava, não para mercadorias.

A multidão avançou em direção a um show de rua que estava começando. Os espectadores estalaram a língua em apreciação enquanto um artesão soltava no ar um bando de robôs-bolha das cores do arco-íris. Com um controlador parecido com uma varinha, ele enviou comandos para computadores microscópicos contidos na pele líquida das bolhas, transformando as esferas diáfanas e iridescentes em diferentes criaturas e flores e uma variedade de figuras flutuantes, de amantes entrelaçados a crianças brincando.

Ian admirou o show que se desenrolava acima de suas cabeças. — Não temos nada assim na Terra. Ainda não, de qualquer maneira.

— Já vi demonstrações semelhantes — no palácio, ela quase disse — mas nenhuma realizada com tanta habilidade e criatividade.

Uma por uma, as bolhas se aglutinaram em gotículas ricas em computadores nano e caíram em um béquer de boca larga que o homem segurava na cabeça. Ao redor deles, os clientes aplaudiram e estalaram a língua em apreciação.

O comunicador de Ian buzinou. Ele o tirou do bolso e levou o bocal aos lábios. — É Stone.

— Olhe para a esquerda.

A cabeça de Ian se virou, e ela seguiu seu olhar para onde Muffin se elevava acima da multidão. O grande homem sorriu, guardando seu comunicador enquanto caminhava em direção a eles. Quando ele os alcançou, ele apontou o polegar em direção a um grupo de naves estelares ancoradas em uma clareira. — A tripulação daquele cargueiro me disse que viu Randall e seus homens em um pub na noite de anteontem.

Ian parecia interessado. — O que eles disseram?

— Esse Randall está ansioso para fazer negócios.

Ian fez um barulho desdenhoso. — Eu imagino que ele esteja.

Enquanto os homens ficavam para trás, em uma conversa profunda, Tee'ah se concentrou no propósito de sua visita ao mercado, forçando-se a fazer compras com rapidez e eficiência, sentindo que Ian estava repentinamente impaciente para retornar à nave. Ela encontrou três trajes de gola alta, de uma peça, para todos os climas em um rico cinza azulado que poderia servir tanto como seu uniforme de voo quanto como roupas de folga; um casaco leve, curto e termocontrolável; meias; roupas íntimas; e duas camisolas. Com essas compras em vários sacos, ela parou em frente a uma barraca que exibia sabonetes, incenso, óleos e remédios diversos.

— Tenho tudo de que você precisa —, disse a jovem vendedora com voz rouca. Ela examinou o boné de Tee'ah, seu cabelo cortado e roupas sujas, mas com tato não demonstrou desagrado. — Qualquer que seja o seu desejo... Ou o dele — com um sorriso aberto de aprovação, ela gesticulou em algum lugar atrás de Tee'ah — você o encontrará aqui.

Tee'ah olhou por cima do ombro, esperando ver Ian, mas um homem alto, interessado e bem vestido, a observava de uma banca do outro lado da rua que vendia carnes assadas no fogo. O capuz forrado de pele que ele usava sombreava suas feições, mas ela sentiu nele um olhar intenso e aguçado. Considerando sua aparência, ela não conseguia acreditar que a atração era a causa do interesse dele, embora o vendedor Grüman parecesse pensar o contrário.

O cavalheiro encapuzado estava tão envolvido com ela que não percebeu a princípio que o cozinheiro estava tentando lhe entregar um espeto embrulhado em papel. Finalmente, o vendedor puxou sua manga e o homem alto se virou... Mas não antes de Tee'ah ver seus olhos.

Eles eram dourados, como os dela.

Sua boca ficou seca. Ele era Vash Nadah.

Ela lutou contra o desejo de disparar para onde Ian e Muffin estavam, várias lojas de distância, conversando. Em vez disso, ela se forçou a observar o homem e verificar suas intenções. Se ele tivesse vindo aqui para “resgatá-la” e levá-la para casa, ele já não teria agido?

O Vash pagou a compra com a mão enluvada. Então, por algum milagre, ele saiu propositalmente, como se estivesse atrasado para um compromisso. Talvez ele fosse apenas parte dos Vash. Ou ele poderia ser um expatriado, como ela, desejoso de uma vida menos restritiva.

Independentemente disso, ele não era um guarda Dar aqui para forçá-la a ir para casa.

Ela soltou um suspiro trêmulo. Fechando os olhos, ela se recompôs, então voltou para o púlpito. — Eu preciso de tintura de cabelo. — Ela disse enfaticamente.

A vendedora descobriu uma fileira de pequenas caixas. — Eu tenho as últimas novidades dos mundos externos. Clay-roll — ela declarou, lutando com a pronúncia.

Tee'ah admirava os exóticos produtos terrestres, particularmente fascinada pelas cores escuras - preto, marrom rico, castanho-avermelhado e ruivo. Clairol, diziam os rótulos em runas quase ilegíveis.

— Posso ter uma tradução do manual de instruções? — ela perguntou.

— Você não vai precisar —, respondeu a comerciante Grüman. — Basta misturar o conteúdo dos frascos e massagear seu cabelo, como um sabonete. Quando a sombra for do seu agrado, enxágue com água.

O procedimento era primitivo em comparação com a tintura de cabelo à base de DNA, que alterava os fios de cabelo em nível molecular.

Tee'ah estava começando a gostar do primitivo.

Jogando as malas no chão, ela disse: — Vou levar a marrom, por favor. — Ela precisava de um disfarce melhor, e um novo tom de cabelo mais escuro seria a camuflagem ideal. Com sombras ativadas, ela seria capaz de se passar por um habitante da Terra, como fizera nos braços de Ian no Asneira de Donavan.

Depois de selecionar vários sabonetes perfumados, limpadores bucais e protetores menstruais, ela deixou seus dedos vagarem sobre uma seleção de cubinhos decorados com um padrão floral holográfico. — Que caixas lindas.

— Vinte créditos — a vendedora bajulou. — Ninguém vende bloqueadores por menos.

— Bloqueadores?

— Bloqueadores de nascimento, sim.

Tee'ah sentiu o sangue sumir de seu rosto e então voltar em um rubor quente. A mulher sorriu conscientemente, como se conhecesse um grande segredo que Tee'ah não sabia. Embora a vendedora mal tivesse passado da metade da adolescência, ela parecia muito mais velha e mais sábia. Tee'ah invejou a autoconsciência feminina da jovem, sua aparente mundanidade. Se ao menos fosse possível jogar fora a inocência como um casaco velho. — Claro; bloqueadores de natalidade — ela respondeu em um tom arejado que não funcionou muito bem. Os bloqueadores de natalidade baratos, fáceis e confiáveis eram o método mais popular de controle de natalidade para a classe dos comerciantes. Mas isso era tudo que ela sabia. Ela não tinha aprendido mais nada, já que era esperado que ela permanecesse virgem até se casar e depois ir direto para o trabalho produzindo herdeiros reais.

Mas o caminho de sua vida mudou. Ela mudou isso.

Ela era uma mulher livre agora. Autossuficiente. Mente aberta. Mulheres como ela escolhiam amantes onde e quando queriam.

Não é?

Sua boca ficou seca. Ela olhou desesperadamente para onde Ian e Muffin conversavam do lado de fora de uma loja vizinha. O casaco de Ian foi novamente enganchado em seu dedo e jogado por cima do ombro. As pontas dos dedos da outra mão estavam enfiadas no bolso de trás da calça jeans. Quando ele inclinou brevemente o rosto para o céu, o pensamento de seus lábios aquecidos pelo sol nos dela enviou um tremor lânguido de desejo percorrendo Tee'ah.

— Qual você gosta? — A vendedora persuadiu.

Tee'ah voltou seu olhar para a garota. — Qual quem?

— Qual deles?

Tee'ah reuniu seu juízo. Céus, ela estava se comportando como um gato ketta no cio. Ela não sabia se era porque estava livre para agir de acordo com seus impulsos pela primeira vez em sua vida ou porque havia desenvolvido um desejo por habitantes da Terra - Ian Stone em particular.

— Este vai servir. — Ela olhou para sua mão empurrando um cubo de cores vivas pela mesa, como se outra pessoa tivesse assumido o controle de seu corpo e a verdadeira Tee'ah estivesse presa dentro dela, boquiaberta com suas ações com uma fascinação abjeta.

Fazer amor seria a demonstração definitiva de rebelião. Depois de perder a virgindade, ela nunca mais poderia voltar para sua família.

Mas simplesmente comprar bloqueadores de parto não significava que ela os usaria. Ainda. — Vou levar a tintura de cabelo e o sabonete também. —Disse ela com voz rouca.

Ela pechinchou breve e indiferentemente com a vendedora, como era de se esperar, mas gostou menos do que esperava. Ela ainda estava se sentindo muito estranha. Em seguida, ela pescou seus créditos do bolso.

A autoconsciência de Tee'ah aparentemente não se passou despercebida pela vendedora. A garota puxou a manga, seu olhar sábio e compreensivo. Na parte inferior de seu braço esguio havia uma pequena mancha na pele. — Use-o durante um ciclo menstrual e, em seguida, remova —, ela sussurrou. — Nanomedicamentos irão passar para sua corrente sanguínea e fornecerão proteção contra gravidez por até um ano. — Sorrindo, ela acrescentou: — Para eficácia total, primeiro você deve esperar 48 horas padrão.

— Sim, claro. — Tee'ah arrancou a sacola de compras das mãos da jovem. Ela girou para longe da barraca e esbarrou em Ian, que apareceu por trás dela em algum momento durante a transação.

Ele a segurou pelos ombros para evitar que ela tropeçasse. — Encontrou tudo que você precisa? — Ele perguntou.

Seu coração batia forte em descrença, e ela se forçou a olhar para ele. — Na verdade, um pouco mais do que eu pretendia.

Ele a considerou, sua expressão incompreensível. Ela estava feliz por ele não perguntar o que ela queria dizer, porque ela não tinha certeza se poderia explicar por si mesma.

— Mas tudo por um preço maravilhoso —, disse ela. Então ela passou por ele para que ele não visse o rubor que ela temia que estava subindo por seu pescoço. — Boa coisa também — ela chamou por cima do ombro. — O salário que você me paga certamente não vai muito longe. — Em casa, tal ousadia certamente teria sido desaprovada.

Ian apenas riu. Ele a alcançou. — Prove o seu valor para mim e talvez eu lhe dê mais.

— Eu trouxe você aqui para Grüma, não trouxe?

— Sorte de principiante.

— Bah! Talento e habilidade, e nunca se esqueça disso, Capitão Stone. — Ela fingiu fazer uma carranca para Muffin, que assistia a troca deles com interesse. — Isso significa você também.

O homem levantou duas mãos do tamanho de pratos. — Qualquer piloto que não me transforme em uma cratera fumegante ganha minha admiração. Eu a manteria feliz, capitão. — Ele aconselhou.

— Afinal —, ela continuou —um piloto feliz significa um capitão feliz.

— Ah é? — Os cantos dos olhos de Ian enrugaram. Embora seu cansaço fosse óbvio, ele parecia estar gostando das brincadeiras tanto quanto ela.

Os dois homens levaram a maior parte de seus pacotes para a jornada de volta a nave. Uma vez de volta à floresta ao redor da cidade, o frescor tomou conta de Tee'ah, e um silêncio profundo engrossou o ar, interrompido apenas pelo canto ocasional dos pássaros. Mas o caminho estava manchado com manchas de sol forte. Os dias em Grüma eram um terço a mais que os de Mistraal, criando um meio-dia que parecia durar para sempre.

Ian enterrou uma mão no bolso do casaco enquanto caminhava ao lado dela. — Se o que você disse for verdade, 'um piloto feliz significa um capitão feliz', então isso não me deixa escolha a não ser garantir sua satisfação no trabalho. Estou ao seu serviço, senhora. — Disse ele.

Ela se lembrou do único saco que não deixou nenhum dos homens pegar; tinha os bloqueadores de nascimento dentro. E se ela dissesse a esse homem que sua satisfação no trabalho dependia de aceitá-lo como amante? Um rubor lento e quente subiu por seu pescoço. Ela estava longe de admitir tal coisa, muito menos aceitar totalmente a ideia. Mas as sementes da possibilidade brotaram.

 


Uma princesa deve ser vista e não cheirada.

Enquanto Tee'ah ficava em frente ao espelho em seus aposentos, com os dedos afundados até os nós dos dedos no cabelo pegajoso, ela falhou em ver o humor em sua piada. Tampouco conseguia decidir o que menos gostava em Clay-roll, as manchas de lama que deixava em sua testa e têmporas ou o cheiro horrível.

Mas ela precisava se disfarçar, um ponto importante durante o encontro perturbador com o camuflado Vash no mercado. Enquanto existisse a possibilidade de ela encontrar sua própria espécie, ela teria que tomar medidas para evitar o reconhecimento.

Ela ensaboou o couro cabeludo e espirrou até os olhos lacrimejarem. Era difícil acreditar que os habitantes da Terra optassem por usar produtos tão desagradáveis quando técnicas mais avançadas estavam disponíveis. Talvez eles se apegassem a práticas antiquadas para preservar sua cultura - não muito diferente dos Vash Nadah, ela pensou ironicamente, que insistiam em proteger suas mulheres do mundo exterior como se a guerra horrível que os levou a fazer isso tivesse sido ontem, em vez de onze mil anos atrás.

Ela olhou para a tela na parede. Quin logo terminaria seus reparos na nave. Então, eles fariam uma refeição rápida antes do lançamento. Enquanto enxaguava o cabelo na pia, Tee'ah esperava que o processo de tintura estivesse completo; ela havia usado a substância por apenas uma hora.

Preparando-se, ela ergueu a cabeça. Seu cabelo se arrepiou em tufos, tufos escuros, mas não em todos os tons que ela esperava.

— Querido céu. — Ela murmurou. Seu cabelo estava verde.

— Tee! — A voz de Push veio pelo comunicador do navio. — Se você quiser comer antes de lançarmos para Barésh, você precisa fazer isso agora.

— Estou indo. — Ela fechou os olhos com força. Seu cabelo era da cor das poças de lama cobertas de algas que se acumulavam sob os vastos jardins internos do palácio de seu pai. E cheirava pior. Rapidamente, ela se lavou de novo, mas o limpador de cheiro doce não era páreo para o cheiro forte de produtos químicos residuais, uma reminiscência de ovos podres. Nem alterou a tonalidade verde-amarronzada de seu cabelo.

Crat. Por que ela não insistiu que a comerciante incluísse instruções? Seu erro estúpido ecoou cada tropeço que ela tomou até agora desde que deixou Mistraal. Primeiro, toda a sua fuga foi testemunhada. Em seguida, seu caça foi confiscado em sua primeira escala na fronteira - com todos os seus pertences a bordo. E sua única tentativa de aliviar sua miséria se transformou em uma escapadela de bêbado que terminou com ela vindo a bordo do Demônio do Sol - o único ponto brilhante, ela admitiu, em um buraco negro de asneiras.

Ela soltou um suspiro longo e cansado e se forçou a encarar a mulher no espelho. Cada um de seus erros poderia ter acabado com seus sonhos de liberdade. Mas eles não fizeram. Nem suas mechas cortadas em tons de limo, ela jurou. Do jeito que ela via, as chances do segurança de Dar localizá-la em uma busca tinha diminuído outro iota para reduzir o estresse.

Com vigor, ela secou o cabelo com uma toalha e tentou esfregar as manchas castanhas da testa. Seu cabelo parecia um pouco melhor depois que ela o penteava da testa, mas as pontas crespas cresciam enquanto secavam. Ela as pressionou, mas elas voltaram a subir. Derrotada, ela abaixou as mãos e correu para a cozinha.

O barulho e as risadas saindo da câmara estimularam a lembrança da agitação da sala de jantar em que ela fazia as refeições com a família. Parecia que ela não seria capaz de parar de sentir falta deles tão facilmente como havia cortado os laços. Juntando as mãos, ela esperou que o peso em seu peito passasse. Então ela se esgueirou pela escotilha, esperando que a tripulação estivesse muito absorta em sua refeição para notar seu cabelo.

Ian calmamente dobrou o guardanapo e se levantou. Era uma demonstração de respeito praticada por todos os homens Vash Nadah quando uma mulher entrava em uma sala, mas não aquela que ela esperava de um habitante da Terra. Antes que ela pudesse refletir sobre seu comportamento, a conversa cessou. Algumas colheres tilintaram nas tigelas e Quin começou a engasgar. Gredda deu um tapinha nas costas dele.

— O cabelo dela... — Ele balbuciou.

Tee'ah não conseguiu resistir à oportunidade de torturar o homem. — Eu tenho uma caixa extra de tinta de cabelo em meus aposentos. Eu planejei guardá-la para uma data posterior. No entanto, talvez eu deva reservá-la para você, meu caro mecânico, caso decida se juntar a mim no —, ela piscou — lado selvagem.

Com o rosto vermelho, Quin ofegou algo para ela. Gredda e os outros riram apreciativamente.

Quando ele puxou sua cadeira e a sentou, Ian parecia completamente entretido. — Bem 'feito'—, disse ele.

— Eu queria tentar algo diferente.

— É isso.

Sorrindo, ela voltou sua atenção para sua refeição. Seu olhar era totalmente sem censura. Talvez isso significasse que ela estava um passo mais perto de ser aceita como um membro de sua tripulação, com cabelo verde e tudo.


CAPÍTULO 9


Gann encontrou Lara na cabine do Quillie. Ela não deve tê-lo ouvido cair da escada, pois permaneceu imóvel como uma estátua, seu corpo de pequena dançarina aninhado na cadeira do piloto enquanto ela olhava para a enorme tela curva na proa. Eles estavam viajando muitas vezes a velocidade da luz, e estiveram durante a maior parte do dia, correndo em direção a Padma Oito, um pequeno planeta turbulento conhecido por sua operação de carga e onde, de acordo com Lara, os pilotos procuravam quando precisavam de trabalho. Gann esperava que a princesa Tee'ah fosse uma delas.

Lara levou as mãos aos olhos e esfregou.

Percebendo, Gann disse: — Você está de serviço há tempo suficiente, Lara.

Ao som de sua voz, ela ficou rígida, mas não se virou.

— É a minha vez de ver o computador pilotar a nave. — Acrescentou.

— Meu turno não acabou. — Ela respondeu friamente.

— Já se passaram oito horas.

— Sim. Vou levar mais oito, então.

— Você é uma viciada em trabalho.

— Na verdade — ela disse, olhando para ele com olhos vazios e assombrados, — eu sou uma insone. Você também pode voltar a dormir, porque eu não vou conseguir.

Ele pensou em sugerir algumas atividades mutuamente agradáveis que certamente a cansariam, mas ele segurou sua língua. — Então pegue um indutor de sono. Em oito horas, quero você de volta aqui, em serviço de rastreamento, atualizada e pronta para partir.

— Bah. Sem remédios. Essa é uma fraqueza dos Vash. — Seu tom era frio, mas parou perto de desrespeito aberto.

— Eu disse que você está dispensada do serviço, Ros. Vá para a cama. Isso é uma ordem.

— Bem. — Ela ficou de costas para ele enquanto as pontas dos dedos batiam no computador de navegação. — Estamos no curso, dentro do cronograma. Eu mostro a entrada atmosférica em Padma Oito em dezesseis vírgula duas horas padrão. — Sem olhar para cima, ela passou por ele. — Estarei de volta em oito horas.

Gann cruzou os braços sobre o peito. Ele havia sido criado para celebrar e apreciar as diferenças entre homens e mulheres, mas Lara era diferente de qualquer mulher que ele já conheceu. Ela era desprovida de calor, de suavidade, de qualquer coisa que ele remotamente associava com feminilidade.

E isso despertou sua curiosidade.

— Tudo bem, Srta. Radiante, o que há sobre mim, ou talvez os homens em geral, que é tão desagradável para você?

Ela se virou. Seu rosto transmitia um ar de fragilidade, mas os músculos flexionados sob a pele de seus membros delgados indicavam resistência e força. Uma luz fraca e azulada iluminou a cabine do piloto, clareando sua pele morena. — Você não tem ideia, não é?

— Por que você não me esclarece?

A cavernosa câmara em que eles estavam vibrou com um vazio mecânico, mas não chegou perto de combinar com a desolação em seus olhos. — Esta conversa está fora dos parâmetros da minha descrição de trabalho. Você me contratou para rastrear para você, não para ser sua amiga.

— Verdade. — Respondeu ele.

— Você me paga, eu recebo minha nave de volta. Então seguimos nossos caminhos separados. É simples assim. Não peça mais do que isso, porque você não vai conseguir.

— Você omitiu um elemento muito importante da descrição do seu trabalho. — Disse Gann.

— Eu omiti? — Sua postura orgulhosa vacilou quase imperceptivelmente, mas ele foi treinado em tais pistas sutis e, portanto, não perdeu a mudança. Ele tinha a intenção de provocá-la por omitir qualquer menção de encontrar a princesa - a razão pela qual ele a contratou em primeiro lugar - mas vendo a incerteza apertando suas feições, ele mudou de ideia.

Eston de alguma forma sugeriu a Lara que Gann poderia exigir mais dela do que rastreamento? Sexo, talvez? Embora ele não pudesse imaginar o camuflador sendo capaz de ordenar que ela entregasse seu corpo contra sua vontade. A servidão sexual era ilegal e injuriada tanto pelos Vash Nadah quanto pela classe mercante, mas rumores sobre isso ainda abundavam nos confins da fronteira.

— Eu ia provocar você — ele disse suavemente. — Primeiro você encontra a princesa, depois recebe o pagamento e, em seguida, recebe sua nave de volta. É simples assim.

Sua expressão era fria e impenetrável como uma pedra.

Com as mãos cruzadas sobre o peito, Gann olhou para as estrelas. — Ela poderia estar em qualquer lugar agora. — Ele disse calmamente, conjurando a jovem princesa conforme ela aparecia na holoimagem, colocando-a em sua mente nos mundos crus e perigosos que ele lembrava de seus anos na fronteira. — Sua honra está em jogo. É meu dever jurado proteger essa honra.

— Sua honra — a mulher zombou. — Você quer dizer a virgindade dela, não é?

O sorriso dela o surpreendeu. Estava claro que ela não compartilhava de sua visão cortês da princesa. — É meu dever - e meu desejo - defendê-la. Ela é uma mulher e, portanto, merecedora do mais alto respeito.

— Um tesouro a ser valorizado e protegido. — Ela concluiu por ele.

— Sim, como você. Como todas as mulheres. Linda e preciosa.

Ela ergueu os olhos bruscamente. — Por favor. Guarde sua poesia ruim para onde ela vai te fazer bem. — Ela caminhou até a passarela que saía da cabine do piloto.

Ele não entendia como ele a insultou com o que ele considerou ser o maior elogio - sua consciência e apreciação de sua feminilidade. — Eu sigo o código do guerreiro. Espero que você se acostume com meus pontos de vista até o final da viagem — ele gritou atrás dela.

— Duvido —, respondeu ela, virando-se. — Quanto a encontrar sua preciosa princesa, acredite, Vash, nada vai me agradar mais. Na verdade, agora vou usar meu intervalo para determinar a melhor maneira de acelerar o processo.

A determinação brilhando em seus olhos, ela subiu a passarela e desapareceu no corredor que levava a seus aposentos.

 


Durante a jornada para Barésh, a confiança de Tee'ah em sua habilidade de voar aumentou à medida que seu medo de ser cercada pelos guardas de seu pai diminuía. Impulsionado, como um homem possuído, Ian a manteve - e a toda a tripulação - em uma programação exaustiva, exigindo que ela ficasse de plantão quase constantemente sob os controles do Demônio do Sol. Suas esperanças de conhecer melhor o morador da Terra sucumbira a uma série de dias longos e noites muito curtas - sem falar na quase completa falta de tempo a sós com ele.

Pouco antes da chegada programada em Barésh, o alarme de Tee'ah a acordou de um sono profundo e sem sonhos. Lutando para sair da cama, ela tropeçou no macacão folgado que pegara emprestado de Push. Ela alternava entre as roupas novas da Grüma e as roupas do irmão. Os punhados de água fria que ela jogou no rosto teriam que mantê-la funcionando até que ela pudesse colocar as mãos em uma boa xícara, escura e fumegante de café da Terra. Não apenas a coisa tinha gosto de paraíso, mas também fez um trabalho muito melhor em acordá-la do que o tock que ela estava acostumada.

Depois de uma rápida parada na cozinha para se servir de uma xícara da bebida terrestre que Ian já havia preparado, ela correu pelo corredor. Apenas Ian, Muffin e um Quin de aparência rabugenta esperavam por ela na cabine mal iluminada.

Ela se sentou em sua cadeira de piloto, prendeu a xícara de café no suporte à prova de respingos, prendeu o cinto e começou a trabalhar. Suas mãos, agora acostumadas com a rotina de pré-lançamento, deslizaram sobre o painel de controle ativado por toque brilhante, seus dedos voando enquanto ela inseria as informações de chegada no computador.

Então ela disse: — Enviei nosso pedido de atracação ao controle de Barésh. — Ela lutou contra um bocejo. — Não sei a que horas do dia estamos pousando, mas espero que alguém esteja acordado o suficiente para nos liberar.

— Não importa. — Ian prendeu seu cinto de segurança no receptáculo entre seus joelhos. — Estamos atracando, não importa o quê.

Algumas mechas desgrenhadas de cabelo castanho escuro caíam sobre sua testa, e linhas leves de cansaço estavam gravadas em cada lado de sua boca. Mas contrariava seu cansaço com a tensão.

Estranho. Pelo que ela entendeu, eles estavam perseguindo um competidor dele chamado Randall. Mas às vezes Ian agia como se o destino de toda a galáxia dependesse dessa missão. Talvez houvesse mais do que ele deixava transparecer. Ela achou estranho que ninguém da tripulação tivesse falado em vender as mercadorias no porão. Disseram que eram comerciantes, mas ela estava começando a ter suas dúvidas.

Gredda marchou para a cabine; sua trança loira espessa e brilhante pendurada sobre um ombro nu. — Estou pronta. — Ela anunciou, soando muito animada para aquela hora. Push, o assistente de manuseio de carga, tropeçou atrás dela e sentou-se. Enquanto eles prendiam o cinto, Tee'ah terminou de carregar os dados de que o computador de navegação da nave precisava para guiar o Demônio do Sol até a superfície do planeta anão. Na maioria das vezes, ela voava com as mãos, tanto para o prazer quanto para a prática de aperfeiçoamento. Esta noite, devido ao cansaço e às centenas de asteroides mortais menores na área, ela decidiu deixar o voador automático fazer o trabalho. O melhor amigo de um piloto cansado, ela ouvira os pilotos de carga de Mistraal chamá-lo.

Uma trilha de luzes verdes dançou no painel de controle diante dela. Ela se endireitou. — Estamos liberados para atracar.

Pelo que Tee'ah obteve em sua pesquisa, Barésh era uma colônia de mineração isolada protegida por uma cúpula de perigos espaciais como radiação e asteroides. A cúpula deve sua tecnologia aos misteriosos Anciões, a raça que desapareceu muito antes do surgimento da Federação do Comércio - e muito antes mesmo dos Anos Sombrios. Conforme documentado no Tratado de Comércio, os Antigos deixaram para trás tecnologia surpreendentemente avançada como legado.

Se houvesse rochas espaciais no setor, elas não eram visíveis a olho nu. A tela frontal mostrava apenas um vazio cheio de estrelas. No entanto, imagens tridimensionais com temperatura aumentada em seus instrumentos alertaram sobre inúmeras obstruções entre o Demônio do Sol e Barésh.

Enormes rochas espaciais passaram por ele. Assim que ela pegou a xícara de café que esfriava, Tee'ah sentiu uma vibração estranha em algum lugar debaixo de seu assento, então o Demônio do Sol girou sozinho.

Tee'ah agarrou o manche de controle quando um alarme alto começou a arrotar, dizendo o que ela já sabia - o computador não estava mais conduzindo a nave através do campo de destroços. Ela estava.

— Espere aí! — Ela gritou.

Seu coração batia forte, mas suas mãos seguravam os controles e a nave com firmeza. Guiada pelas imagens de seus instrumentos, ela escolheu para que lado se virar para evitar os asteroides, embora não os tenha feito com a mesma precisão que o computador faria.

Ela pensou no dia em que atracou o cargueiro de carga em Mistraal. O capitão Aras estava lá, pronto para oferecer suas instruções - ou assumir, se necessário. Esta noite não havia ninguém cuidando dela. Somente sua habilidade poderia fazer a nave passar com segurança pelo perigo.

Seu estômago apertou com força. Concentre-se.

Por fim, a trajetória de voo se suavizou e ela fez a transição de esquiva de asteroide para a abordagem final. Uma cidade com cúpula e o que ela presumiu ser a operação de mineração agarrava-se à superfície do planeta anão como um para-carrapato cintilante. — Barésh - bem à frente —, disse ela, agradecida por ela e sua equipe não estarem mortos. As coisas estavam melhorando.

Momentos depois, ela atracou no local designado, um cais conectado por um tubo pressurizado que conduzia à imensa cúpula de habitação.

Afundando para trás em sua cadeira, ela soprou um jato de ar para fora de sua boca, em seguida, disse a Ian. — Atracação completa.

Quin murmurou uma oração silenciosa de agradecimento e se soltou da cadeira. Então Gredda e Push deram alguns tapinhas agradecidos e calorosos em suas costas antes de saírem para verificar se havia mercadorias saltadas no compartimento de carga.

Os olhos verde-acinzentados de Ian brilharam. — Eu poderia usar um pé de cabra para tirar minhas mãos desses apoios de braço. Mas isso foi um voo, Campeã.

Ela sorriu com prazer com seu elogio. — A resposta apropriada do piloto da estrela seria - não foi nada.

— Não. — Sua voz suavizou um pouco. — Você é realmente incrível.

Eles se olharam nas sombras encharcadas de estrelas. Refletida nos olhos de Ian estava uma mulher capaz e aventureira - não uma filha do rei muitas vezes reprovada que tinha rido muito, falado muito e escapado em devaneios sempre mais vívidos do que sua vida. Não, no olhar do morador da Terra ela viu apenas sua transformação maravilhosa.

A princesa Tee'ah Dar havia desaparecido. A Piloto Tee veio para ficar.

 


a duende se ocupava com as verificações após o pouso, Ian se sentou, com os cotovelos nos joelhos, e passou os dedos pelos cabelos. Eles tinham passado por pouco de se atirar de frente naquele asteroide!

Deus, ele deveria estar louco, contratando alguém que ele conhecia tão pouco. Claro, ele confiava em seus instintos, em suas habilidades de escolher boas pessoas para trabalhar para ele... Mas aquela viagem angustiante por aquelas rochas espaciais o fez se perguntar se, no caso de Tee, ele confiava demais em si mesmo. Ele podia imaginar sua mãe chorando em seu funeral, e Rom B'kah em pé ao lado dela, secretamente grato por seu enteado ter morrido antes que ele pudesse assumir o trono da galáxia - já que era óbvio que o menino não conseguia nem tripular sua nave com um piloto competente.

Mas Tee se saiu muito bem para ele. Sua recuperação rápida e precisa para o que poderia ter sido um mau funcionamento fatal manteve a ele e sua tripulação vivos. E por isso Ian era grato.

Ele se levantou da cadeira de comando e se juntou a Quin, que estava debruçado sobre uma tela de exibição, estudando as leituras de manutenção do que estava rapidamente se tornando o problema de uma nave estelar. — O que aconteceu desta vez? — Ele perguntou ao mecânico com um olhar maligno.

— Eu não sei.

Ian o encarou por um longo momento. — Isso inspira confiança.

— Também estou perdendo o juízo, capitão. Sistemas automáticos de orientação de voo são desativados; isso não é inédito. É por isso que sempre temos alguém postado nos controles. Mas deveríamos ter recebido um aviso antes que a coisa toda explodisse; existem alarmes integrados exatamente para esse propósito.

— E mesmo em caso de falha, o sistema de backup não deveria assumir automaticamente?

Quin abriu as mãos. — Sim. O que me diz que há um problema de software. Mas fiz um diagnóstico e o computador diz que não há avarias.

— Talvez o computador esteja errado. — Ian pensou nos colapsos frustrantes que sofreram nas últimas semanas e os músculos de sua mandíbula se contraíram. Quanta má sorte uma tripulação poderia ter? — Trabalhe nisso.

—Vou trabalhar, capitão.

Ian agarrou sua jaqueta e gritou para sua equipe: — Tee, Muffin, vocês estão comigo. Como padrão, faremos o check-in a cada hora.

Tee se virou na cadeira. — Eu vou?

Ian não tinha certeza do que o levou a tomá-la, então ele respondeu com indiferença. — Eu acredito que foi isso que eu disse.

Seus grandes olhos dourados brilharam de excitação. Ela parecia tão surpresa quanto ele, pedindo-lhe para ir junto. Ele supôs que a decisão não era tão estranha; suas razões para tê-la juntado a eles estavam em algum lugar entre desfrutar de sua companhia e não querê-la por muito tempo fora de sua vista. Ele não a conhecia muito bem, ele se lembrou. — Eu sempre levo um membro extra da tripulação e todo mundo está ocupado —, disse ele, depois vestiu o paletó. — Traga sua pistola.

 


Uma névoa acastanhada descoloriu a atmosfera rarefeita da enorme cúpula habitacional da colônia de asteroides. Cheirava tão mal quanto parecia. — Algo que não queremos pensar muito sobre o que respiramos. — Muffin murmurou enquanto observavam as outras naves visitando Barésh, todas enormes embarcações de carga, exceto por um caça estelar de último modelo semelhante ao que Tee havia perdido.

— A nave de Randall não está aqui — Ian disse. Ele esperava isso. O senador o havia vencido aqui por dois dias, e ele havia dito que suas viagens paralelas seriam curtas. Mas a ausência de Randall não o irritou tanto quanto ele esperava. Enquanto o homem estivesse perambulando pela fronteira, ele não poderia torcer por seus amigos anti-Federação na Terra. — Parece que teremos que persegui-lo de volta a Grüma —, disse ele com um olhar de desculpas na direção de Tee. — Mas vamos dar uma olhada na cidade primeiro.

Mas “cidade” não chegou perto de descrever o que os encontrou além das docas. Latrina teria sido uma descrição muito melhor. O ar rarefeito cheirava a equipamento pesado com excesso de trabalho, fumo em chamas - ou semelhante - e algo pútrido, como esgoto. Com uma sensação de desânimo, Ian viu por que Randall tinha vindo aqui. Este lugar seria um constrangimento para os Vash.

A aparência dos edifícios era diferente de tudo o que ele tinha visto na Terra, muito menos de qualquer um dos mundos dos Vash que havia visitado. Eles o lembravam de cones de sorvete atarracados de cabeça para baixo envoltos em fitas de prata clara com telhados brilhantes, pontiagudos ou abobadados. A arquitetura deixava claro que alguém já se preocupou com esta colônia. Agora tudo que fazia era dar à cidade esquálida uma fachada estranha e ridícula, tão falsa quanto uma renda cara de alguma prostituta drogada.

Os transeuntes cheiravam a odor corporal, indicando que a higiene não estava no topo de sua lista de prioridades. Vidas difíceis haviam gravado rugas prematuras em seus rostos. Muitos usavam equipamentos de mineração primitivos e mostravam evidências de doenças e ferimentos. Outros tinham membros faltando e cicatrizes mal costuradas.

Tee quebrou o silêncio chocado da festa. — Eu pensei que nós - eu pensei que os Vash tivessem erradicado a pobreza e a doença após os Anos Sombrios.

— Os Vash também acham que sim.

— Ignorância não é desculpa. Por que ninguém fez nada sobre isso?

Sua paixão pelo assunto surpreendeu Ian. Ele se pegou novamente se perguntando de onde ela tinha vindo, qual era sua formação além da pequena história que ela já havia revelado a ele. — Suponho que você não tenha visto condições como esta em nenhum outro lugar em suas viagens? — ele perguntou.

— Nunca — ela respondeu para seu alívio. — A Federação do Comércio é uma sociedade iluminada. Todo mundo é educado; ninguém passa fome. — Ela pigarreou. — Ou assim sempre pensei.

— Eu também. — Ele enfiou os dedos nos bolsos da calça jeans, perguntando-se o quanto poderia dizer a ela sem comprometer sua missão. — O príncipe herdeiro é da Terra. Tenho a forte sensação de que ele forçará a galáxia central a reconhecer o que está além de suas fronteiras. — E é melhor eu fazer isso logo. Antes que a Terra e o resto da fronteira fiquem muito enojados com o aparente duplo padrão da Federação dos Vash e deem o fora.

A transpiração brilhou na testa de Tee. Ele se perguntou se parecia tão desanimado quanto ela enquanto observava grupos dóceis de mineiros embarcando nos elevadores que desciam para as entranhas do asteroide.

— Eu acho que haveria sinais de rebelião — ela quase sussurrou. — Mas não há nenhum.

Ela estava certa. Nem mesmo um protesto moderado, por menor que seja, era evidente em qualquer lugar. — Eu suspeito que eles estão muito ocupados tentando sobreviver para gastar energia para uma revolta. — A situação dos mineiros o lembrou do que existiu na Coréia do Norte por boa parte de um século antes que seu povo finalmente expulsasse seu ditador e exigisse a reunificação com a Coréia do Sul.

Eles caminharam, passando por dois restaurantes meio escondidos atrás de um recipiente de lixo. Eles haviam chegado no meio do que ele supôs ser uma mudança de turno. Mineiros fora de serviço os empurraram enquanto eles passavam em enxame. Muffin se elevava acima da multidão, mas Ian não dependia do tamanho do homem; ele verificava continuamente para garantir que Tee ainda estava por perto. Os mineiros ao redor fediam ainda pior do que os outros que passaram por ele, e Ian engasgou, seus olhos lacrimejando com o fedor. Foi difícil lutar contra a inundação de pessoas, mas ele conseguiu manter seu lugar.

Os trabalhadores se cruzaram na frente dele, empurrando em direção a uma área cheia de clubes e também fliperamas repletos de clientes ansiosos para gastar seus poucos créditos em uma fuga da vida real em bancos de cabines de realidade virtual. Por um preço, os compradores podiam gastar tempo em ternos inteligentes que estimulavam seus sistemas nervosos a “sentir” o que escolhiam para assistir em telas especiais, desde férias tropicais e batalhas antigas a sexo simulado. Os moradores de Barésh pareciam tão loucos por tecnologia quanto as pessoas da Terra. De todas as maravilhas que seu planeta natal herdou dos Vash, a RV causou o maior impacto na cultura popular. E se os habitantes deste inferno de asteroide consideravam os jogos de computador a única saída de sua existência sem esperança, ele se perguntou o que isso dizia sobre a Terra.

Ian tinha visto o suficiente. — Vamos sair daqui — ele disse, virando-se para encontrar Tee e Muffin. Seu coração congelou. Tee não estava mais atrás dele. — Tee. Onde está a Tee? — ele chamou seu guarda-costas.

A cor foi drenada do rosto de Muffin enquanto ele esticava o pescoço, examinando as cabeças castanho-claras dos mineiros em volta. Em nenhum lugar havia uma duende de cabelo verde usando um boné de beisebol da ASU.

Ian agarrou seu comunicador pessoal, o fedor dos corpos compactados dos mineiros ao seu redor dificultava a respiração. — Tee, Ian aqui — ele chamou. — Onde você está?

Não houve resposta. Ele tentou novamente. Nada.

— Vamos voltar — Muffin disse, empurrando perto dele.

— De acordo. — Eles empurraram contra a maré de mineiros que se aproximavam, chamando sua piloto, mas apenas um mar de olhos endurecidos pela miséria respondeu a eles.


CAPÍTULO 10


Tee'ah levou alguns segundos incrédulos para perceber que havia se separado de Ian e Muffin, levada pela maré de mineiros. Instintivamente, ela se conteve antes de gritar por eles. Melhor não divulgar o fato de que ela agora estava perdida e sozinha. Ela pegou seu comunicador, mas não estava em seu bolso. Felizmente, sua arma estava.

Dentro da extensão de várias arcadas, ela desistiu de procurar seus companheiros. Muitas pessoas bloqueavam sua linha de visão. Ela empurrou as sombras mais para cima, na ponta do nariz. O que Ian e Muffin fariam? Voltariam; ela tinha certeza disso. Ela girou nos calcanhares e se dirigiu para as docas. Infundindo seu passo com confiança fingida, ela teve como objetivo deter quaisquer predadores possíveis, como ela tinha feito no Asneira de Donavan. Mas os Baréshtis principalmente a ignoraram, sobrecarregados demais para alocar energia para a curiosidade.

Desde que fugiu do palácio, suas próprias preocupações dominaram seus pensamentos. Agora eles pareciam incrivelmente triviais. Não era a esterilidade do posto avançado de mineração, a indigência, a doença ou a proliferação do que ela suspeitava ser o uso de drogas alucinógenas que a perturbava mais - era a falta de esperança que ela sentia no coração dessas pessoas. Ela havia experimentado desesperança em uma escala muito menor. Mas ela havia escapado. Essas pessoas não tinham esse luxo.

À sua esquerda, ela notou uma figura alta acompanhando o ritmo dela. Mantido à distância por uma massa de corpos, um homem em um manto cinza escuro com capuz entrava e saía de vista como o luar entre as árvores.

Seu peito se apertou. Sua capa luxuosa era de uma cor diferente da do cavalheiro Vash que ela vira em Grüma, mas seus sentidos estavam formigando. Ele tinha a mesma aparência sobre ele.

Ela se abaixou em uma porta elevada de uma galeria movimentada de onde ela podia observar a rua. Uma mulher magra e muito jovem a olhou por dentro. Sua blusa era transparente o suficiente para que Tee'ah notasse que seus seios estavam cheios de arte corporal ornamentada - tatuagens e implantes metálicos. Tee'ah suspeitava que a escassez de servidoras do prazer a autorizava a cobrar altas taxas por serviços sexuais, permitindo-lhe tais vaidades além de comprar comida.

Seu estudo da jovem servidora do prazer foi interrompido quando Tee'ah olhou para trás por cima do ombro. O homem encapuzado dirigia-se para a porta pela qual ela se enfiou. Fechando a mão esquerda em punho, Tee'ah deu uma meia-volta abrupta e entrou no fliperama. Seu perseguidor estava bem em seus calcanhares. Ela tentou correr, mas a multidão pressionou ao seu redor.

— Tee'ah, pare — uma voz chamou. — Quero falar com você. — A voz era profunda e adoçada pelo som educado de um Vash puro-sangue. Um que sabia o nome dela.

Ela fez um som de consternação e mergulhou para a frente. Ela mal sentira o gosto da liberdade e não iria desistir tão cedo.

— Tee'ah. Pare. — Seu perseguidor agarrou seu braço, girando-a em sua direção tão rápido que suas sombras caíram no chão. Quase instantaneamente, eles foram esmagados pelas botas de um dos clientes do fliperama.

— Solte! — Seu apelo foi abafado pelo estrondo de vozes.

O homem tirou o capuz, revelando os olhos dourados dos Vash e o cabelo da cor do sol de Mistraal. — Tsk, tsk —, disse ele, sorrindo. — A família inteira está falando sobre você.

— Querido céu. — Ela engasgou. O rosto do irmão mais novo de seu ex-prometido era dolorosamente familiar depois de todas as hologravuras que suas famílias trocaram.

Seus pensamentos giraram descontroladamente. A ambição e o comportamento impetuoso de Klark Vedla eram frequentemente malvistos no palácio de seu pai, embora muitos dos mesmos críticos o admirassem por ser um defensor apaixonado de seu irmão mais velho, Ché - o príncipe com quem ela supostamente se casaria. Mas nunca Tee'ah teria adivinhado que Klark era dedicado o suficiente - ou inteligente o suficiente - para encontrá-la em um fliperama de realidade virtual cheio de lixo em um asteroide pobre na extremidade mais distante de um espaço estabelecido.

— Como você sabia que eu estava aqui? — Ela exigiu.

— Tenho seguido você desde o Asneiras de Donavan.

Klark estava em Asneira? Tee'ah vasculhou sua memória em busca de qualquer coisa que pudesse ter visto ou ouvido que comprovasse essa afirmação. Então ela se lembrou do homem encapuzado no mercado de Grüma. Ele a estava seguindo, de fato.

Ele deve ter adivinhado que ela fez a conexão. — Então, você me viu naquele dia — ele disse presunçosamente.

Ela deu um passo para trás. — Que surpresa que nos encontramos. Galáxia pequena, sim? Minhas desculpas por fugir, mas sou necessária na minha nave...

A mão do homem disparou e os dedos dele agarraram seu braço. Seu coração deu um salto e sua boca ficou seca. Sua mão livre avançou em direção a sua pistola. — Esqueça, Klark. Eu não vou com você. Eu não vou para casa.

— Relaxe —, disse ele. — Não estou aqui para te prender. Eu não deveria estar aqui. Então, vamos manter esta pequena reunião sem o conhecimento da família - concorda?

Tee'ah olhou para ele. — Ché não mandou você?

— Nada disso é sobre você, princesa - por mais difícil que seja acreditar.

Ela se irritou. Sua insinuação de que ela era egocêntrica atingiu um nervo. Ela lutou com essa dúvida desde que saiu de casa. — Então o que você está fazendo aqui?

Ele a pegou pelo braço e a empurrou em direção ao bar. — Somos dois vagabundos longe de casa. Vamos compartilhar nossas experiências enquanto bebemos.

— Eu não quero uma bebida. — Ela também não tinha tempo para uma. Ian estaria frenético agora. Ou furioso.

Klark acenou para longe seu protesto como se ela fosse um inseto sem opiniões ou desejos próprios, e puxou uma bandeja flutuante entre eles. Espantada com o absurdo da situação, ela o viu tirar um frasco e dois copos do tamanho de um dedal de sua capa, enchendo-os com um líquido tingido de rosa. — Junte-se a mim para provar um licor criado a partir de uma das frutas mais raras da galáxia. É de um planeta com o mais breve dos verões. Quando a neve derrete, os arbustos de amoreira florescem.

Tee'ah quase rosnou. Ela cambaleou à beira do precipício de perder seus sonhos, e Klark agiu como se ela estivesse fazendo uma visita social.

Ele segurou os copos contra a luz. — As flores são extremamente frágeis e caem com as primeiras rajadas de outono. Os frutos maduros devem ser colhidos imediatamente, do contrário, em poucos dias serão enterrados sob centenas de metros de neve. Isso torna o licor de amora a mais preciosa das bebidas. Isto é...

— Eu sei o que é isso!

— Então você sabe que deve ser compartilhado da maneira tradicional. — Klark mergulhou um dedo em seu copo e esfregou a ponta do dedo brilhante ao longo de seu lábio inferior antes que ela pudesse bloquear seu braço. Reflexivamente, ela o lambeu, saboreando a doçura azeda deixada para trás. O licor de amora era um tratamento raro e especial para ser compartilhado pelos amantes. Ou amantes em potencial. Ao ungir os lábios de Tee'ah com o líquido precioso, sabendo que eles não tinham passado, exceto pelo pretendido noivado com seu irmão, ele praticamente a chamou de prostituta.

— Você, Klark Vedla, é imperdoavelmente rude.

— E você — ele viu seu cabelo castanho-esverdeado e felpudo, suas botas empoeiradas e tudo mais — é uma aberração. Ché merece melhor. Ele merece mais. — Sua expressão escureceu e seus dedos apertaram o braço dela. — Muito mais do que o papel subordinado que Romlijhian B'kah está inclinado a dar a ele.

Tee'ah enfiou a mão no bolso e empurrou a pistola com força contra o tecido. — Deixe-me ir, Vedla, ou colocarei uma cratera entre seus lindos olhos.

Os músculos do pescoço de Klark se contraíram e ele respirou fundo. Suas pernas tremiam de adrenalina. Ela nunca tinha sonhado que era capaz de tamanha audácia.

— Minhas desculpas — ele disse suavemente. — Meu temperamento vai provar ser minha ruína ainda. — Ele puxou a bandeja oscilante entre eles como se esperasse que agora terminassem suas bebidas.

— Nós nunca fomos oficialmente prometidos, Ché e eu. Eu realmente sinto muito se minha partida o insultou. Mas dizem que as bênçãos às vezes vêm de circunstâncias desagradáveis. Concordo. Porque pelo menos agora eu nunca terei que suportar ter você como cunhado. Bom dia, Klark. — Ela o deixou parado ao lado da bandeja flutuante.

De repente, ela se esquivou da multidão, mas os Baréshtis a empurraram, retardando seu progresso. Uma sensação de flutuação envolveu seu corpo em uma vaga simpatia em conflito com seu quase pânico. O licor de amora era notoriamente potente, mas isso era ridículo.

Ela empurrou em frente.

Seus joelhos quase dobraram ao som da voz de Ian vindo de perto da saída da frente. A jovem servidora de prazer que Tee'ah tinha visto antes estava falando com ele, e ele gesticulava freneticamente. Lutando para frente, Tee'ah gritou: — Ian! — acima do clamor de música e vozes. A mulher aceitou alguns créditos de Ian, então o apontou na direção certa antes de se misturar à multidão.

Quando Tee'ah caiu nos braços do habitante da Terra, sua cabeça estava girando. Ela colocou os braços em volta da cintura dele e enterrou o rosto em seu peito, respirando seu perfume. A princípio ela o agarrou por medo, depois por conforto e, finalmente, por prazer.

Ele pareceu sentir a mudança e segurou-a pelos ombros, movendo-a para trás. — Graças a Deus. — Ele parecia tão aliviado quanto ela. — Muffin, estou com ela! — ele chamou.

O grande chefe de segurança juntou-se a eles em segundos. Endurecendo-se, Tee'ah tentou colocar saliva na boca, mas sua língua estava entorpecida, como depois do primeiro copo de uísque Mandariano. — Ugh - vamos sair daqui.

Descrença e aceitação relutante nublaram os olhos de Ian. — Ah, Tee. — Sua voz engrossou de pena. — Você não pode ficar fora dos bares, não é?

Algo quente se desenrolou dentro dela com sua preocupação genuína. — Eu não estava bebendo. — Ela soluçou e pressionou a mão sobre a boca. — Não intencionalmente.

Muffin bufou.

— Negação, nós chamamos assim na Terra. — Ian murmurou.

Ela tentou olhar por cima do ombro, e isso a desequilibrou. Ian passou o braço em volta da cintura dela. Ela se apoiou nele muito mais do que o necessário, mas ele não pareceu se importar. — Eu sei o que você está pensando, mas não é o que... O que parece. Alguém me comprou uma bebida que eu não queria.

— Sim. E eles fizeram você beber também.

Ela queria uivar. Salvar sua reputação significava explicar o que realmente aconteceu. Mas, se o fizesse, arriscava ter de dizer quem era Klark Vedla e como o conhecia. Ela não queria que Ian e a tripulação a vissem como irresponsável; nem ela queria que suas duas vidas colidissem. A indecisão que se seguiu era quase fisicamente dolorosa.

Eles irromperam da galeria para a rua. Quando ela viu que Klark não estava esperando lá, seu peito doeu de alívio tão forte que doeu. Ela interpretou o desaparecimento dele como um sinal de que deveria guardar o incidente para si mesma. O príncipe fazia parte de uma vida que ela não estava pronta para revelar, e agora parecia que ela ainda não precisava. Talvez tudo o que Klark quisesse era embebedá-la, humilhá-la na frente de seu patrão e, assim, vingar a rejeição de seu irmão. Isso fazia sentido, não é? Ela tentou se concentrar, mas sua especulação se turvou em uma névoa induzida pelo álcool.

— Nós vamos começar a trabalhar deixando você sóbria — Ian disse, todo profissional de novo. — Muffin, prepare o tock, e Tee, tome um banho e pegue algo para comer. Estamos lançando para Grüma assim que você puder.

Ela deu um gemido silencioso. Maravilhoso, ela pensou atordoada. Aqui vamos nós novamente.

 


Eles completaram a viagem de volta para Grüma sem avarias da nave. Ian gostou do raciocínio de Tee de que o computador estava se comportando apenas porque temia as consequências de mais danos. A explicação brincalhona dela foi tão boa quanto a que Quin tinha dado até agora e era uma que ele suspeitava que era semelhante à sua própria perspectiva desde que ela ficara bêbada com Barésh. Além de se desculpar profundamente por ter perdido seus óculos de sol extras, ela evitou qualquer menção ao incidente. Mesmo assim, aqui estava ele, levando-a a um bar em sua primeira noite de volta a Grüma. Ele precisava examinar sua cabeça.

— Randall está aqui. — Muffin disse enquanto eles emergiam da floresta.

A antecipação animou Ian. Esta noite ele finalmente encontraria o homem que perseguiu na metade do caminho através da fronteira. Os comerciantes locais lhe disseram que Randall gostava de jantar fora e se socializar nos pubs da cidade depois. Ian estaria esperando por ele quando o fizesse.

— Qual é a palavra da Terra para aquele... Carro terrestre? — Tee olhou fascinada para o jipe que Randall e seus homens haviam deixado estacionado em frente a um restaurante.

Ian sorriu. Como a curiosa multidão em volta do veículo do Exército, farejando os cheiros estranhos de combustível fóssil e pneus de borracha, ela provavelmente nunca tinha visto um velho automóvel comum. — É um jipe.

— Ah. — Ela repetiu a palavra como se saboreasse o som. Ele tinha aprendido há muito que a duende adorava qualquer coisa que tivesse a ver com seu planeta natal.

A última das três luas de Grüma se estabeleceu abaixo do horizonte, mergulhando a faixa de restaurantes e bares do centro na sombra. A maior cidade do planeta era uma faixa solitária de civilização cortada em uma floresta do tamanho de um continente, um fato que se tornava mais evidente à medida que a escuridão se aprofundava. Insetos de tamanho gigantesco com asas com veias e minúsculas criaturas parecidas com morcegos cruzavam um céu brilhando com trilhões de estrelas, mas ainda mais estranhos eram alguns dos foliões nos pubs barulhentos.

Com Push em guarda no Demônio do Sol, Ian liderou o restante de sua equipe através da rua. — Vamos esperar por Randall na porta ao lado — ele disse a eles. Por mais que quisesse saber como o senador americano soubera de Barésh, Ian estava determinado a levar as coisas devagar. Ele queria sentir o homem e ganhar sua confiança antes de revelar sua identidade. A diplomacia manteria a galáxia em paz. Nesta era moderna de política interestelar, ameaças e agressões eram tão bárbaras quanto as lutas de gladiadores do Império Romano. Ele esperava que o senador entendesse isso.

Uma garçonete vestida com um terninho cor de marfim e cabelos combinando na altura do joelho os encontrou na porta do pub. — Uma mesa perto da janela — Ian disse, colocando uma boa quantidade de créditos em sua palma. — Aquela —, disse ele, apontando para a janela mais próxima do restaurante adjacente, de onde risos e o cheiro de carne assada flutuavam no ar noturno.

A garçonete enxotou uma mesa de bêbados para que Ian e a equipe pudessem se sentar. Ele achou que eles iriam protestar contra o incidente, mas Grüma abundava em dinheiro e havia muitos bares, então os foliões apenas resmungaram bem-humorados e saíram cambaleando pelas portas que conduziam ao ar frio da noite.

Tee parecia totalmente inconsciente dos olhares atentos que recebia dos homens nas mesas próximas, interesse que diminuiu no instante em que ela tirou o boné de sua cabeça e passou os dedos pelos tufos de cabelo verde-lama recém-retocados. Ian observou com apreensão enquanto a duende amante de uísque acomodava seu traseiro bem torneado e muito perturbador no banquinho ao lado dele. Felizmente, Quin sentou-se à sua direita. Ian se forçou a relaxar. Ela estava cercada. Se ela queria beber até o esquecimento, ela iria achar que era muito difícil com as mãos atrás das costas.

Seus dedos se flexionaram involuntariamente quando uma imagem explodiu em sua mente... De Tee quente e ansiosa em seus braços, sua boca se abrindo sob a dele enquanto ele a beijava, segurando suas mãos cruzadas na parte inferior de suas costas.

Uma onda de calor em sua virilha o arrancou da fantasia vívida e de volta à realidade no bar enfumaçado.

—... E pelo menos o barman parece semicoerente, não é? Olá — Tee o chamou depois que ele não respondeu. — Ian?

Ele tomou consciência de seu entorno como se emergisse de um mergulho profundo. Tee deu a ele um sorriso decididamente sedutor. Com seu cabelo fedorento, ela o lembrava do personagem de desenho animado Pèpé Le Pew, o jovial gambá francês cuja intenção amorosa era prejudicada por sua total inconsciência do efeito que seu odor tinha sobre as pessoas ao seu redor.

— Você estava a anos-luz de distância, Ian. — Ela sorriu e bateu duas pontas de dedos perfeitamente formados em seu joelho.

Seu corpo reagiu tão fortemente como se ela tivesse colocado a mão diretamente sobre a dele...

Ele gemeu. — Eu preciso de uma bebida. — Você não bebe. — Eu preciso de uma agora — ele argumentou.

Quin olhou para ele. — Capitão?

Tee riu. — Ele está fingindo ser aquele bartender do Asneira de Donavan.

Só que ele não estava fingindo.

— Esse é um pensamento deprimente. — Disse ele em voz alta, para o deleite óbvio de Tee.

— Ele era exatamente assim!

Ele franziu a testa para as mãos postas enquanto ela contava o resto da história para Gredda, Muffin e Quin. — Você deveria ter visto - o barman teria conversas consigo mesmo. Às vezes em várias vozes diferentes.

Gredda encolheu os ombros. — Nunca se sentiria solitário dessa maneira.

Não era um crime pensar em Tee, ele supôs, desde que não levasse mais longe. E ele não iria. Se uma esposa ainda não tivesse sido escolhida para ele em sua ausência, uma seria em breve. Os casamentos dos Vash Nadah eram alianças, não casamentos por amor - no início, pelo menos. A esposa certa era essencial para aceitação em sua cultura adotada.

— Aqui está você. — A garçonete colocou tigelas de biscoitos e salgadinhos brilhantes no balcão na frente deles. Cada tripulação pegou punhados, os pequenos pontos de interrogação crocantes que tomaram o lugar do amendoim em barras por toda a galáxia. Eles eram temperados com algo saboroso em vez de salgado, mas eram tão viciantes quanto batatas fritas. Os biscoitos brilhantes, por outro lado, eram insossos. Ian não conseguia entender por que todo mundo gostava deles; eles não eram nada mais do que comida sem qualidade espalhafatosos.

Tee tirou as migalhas das mãos. — Eu preciso de algo para lavar esses resíduos. Uma taça de vinho mog-melão vai servir.

— Tee —, Quin e Ian gritaram em coro em advertência.

Ela abriu as mãos. — O que?

Quin revirou os olhos. — As palavras uísque Mandariano parecem algo?

Um leve rubor manchou suas bochechas. — Eu não vou ficar bêbada, pelo amor de Deus. Estou de plantão. — Ela olhou com conhecimento de causa para onde o grupo de Randall estava sentado no restaurante ao lado. — Eu não estou?

Ninguém discutiu com ela, especialmente Ian. Sua atenção foi atraída para o senador. Então, uma pergunta surgiu nele: Como ela sabia quem eles estavam assistindo? Ou a aparência tinha sido simplesmente uma coincidência? Talvez um dos outros tenha mostrado a ela uma foto de Randall. Ele estava sendo muito paranoico.

A garçonete anotou os pedidos. Ian ficou em silêncio enquanto Tee pedia sua taça de vinho. Ele queria ser capaz de confiar nela - com álcool e tudo mais. Quanto mais ela trabalhava em seu navio, mais envolvida ela se tornava em sua missão. Sem querer, por enquanto. Mas ela merecia saber a verdade eventualmente.

Muffin riu. — Por que não ficar com a garrafa inteira, Tee? Tenho certeza de que o capitão vai levá-la para a cama como fez em Asneira.

Ian franziu a testa para o guarda-costas. — Falando figurativamente.

— Sem brincadeira —, disse Tee, imitando o sotaque de Ian. — Se eu tivesse acabado em sua cama, morador da Terra, eu teria me lembrado.

A tripulação caiu na gargalhada encantada. Até Quin bateu com as mãos na mesa, espalhando os biscoitos em sua superfície holográfica desbotada. Tee percebeu tardiamente o que ela havia dito e parecia que queria rastejar para debaixo da mesa. Ian se inclinou em direção a ela, sua boca perto de sua orelha. As poucas mechas de cabelo esverdeado que roçaram seus lábios eram surpreendentemente sedosos. —Eu também teria me lembrado.

Seus olhos se arregalaram. Imediatamente, ela apertou as mãos, apertando os dedos com força sobre a mesa. Sinos de alerta soaram em sua cabeça. Ele estava jogando um jogo perigoso; ela estava fugindo e ele tinha... Obrigações. Ele não tinha nada que flertar com ela. Mas uma pequena parte egoísta dele ficou feliz em ver que ela ficou perturbada com seu comentário.

— Bem — ela murmurou. — Estou feliz em ouvir isso. — O globo luminoso na mesa iluminou a pulsação sob sua mandíbula, espalhando dedos de luz pelo tecido de seu macacão, sob o qual seus seios subiam e desciam com respirações lentas e regulares. Essas respirações se acelerariam quando ele se movesse dentro dela, seus ternos beijos se tornando apaixonados, seus braços se apertando ao redor dele enquanto a levava a um clímax intenso e prolongado...

Deus todo poderoso. O que ele estava fazendo - se torturando?

Totalmente e dolorosamente excitado pela imagem erótica que ele havia conjurado, Ian voltou sua atenção para a mesa holográfica. Parecia que a duende era tão perigosa para ele sóbria quanto bêbada.

A garçonete voltou com suas bebidas. Então, felizmente, alguém começou uma rodada da Rede All-Folk; uma versão galáctica de karaokê, onde versos individuais eram compostos e então cantados por voluntários da plateia que subiam ao palco e geralmente se faziam de idiotas.


— Agora, o próximo porto após este que faremos é conhecido como Asneira de Donavan. Mas o erro aí só cometeremos se bebermos nossos fígados separados.


Ian tinha ouvido coisas piores. Ele riu e envolveu as mãos em torno de sua caneca de tock que esfriava rapidamente, sua atenção na festa de Randall no restaurante ao lado. Eles pediram cerveja, uma cerveja forte e escura, em vez de suco ou tock, ele notou feliz. O álcool soltaria bem as línguas do grupo Terra.

Ele manteve sua atenção em sua presa ao lado, tentando não discernir a voz de Tee do resto de sua tripulação, tentando não ouvir o som de sua risada ou sorrir por seu humor surpreendentemente seco e autodepreciativo. Mas o cheiro dela encheu suas narinas, mais uma fenda em sua armadura, a disciplina que tinha sido sua força por toda sua vida.

Qualquer pessoa que cheirava a peróxido seria uma distração... Certo?

— Sua vez, capitão! — Ele ouviu a duende gritar.

Ian deslizou em seu assento. Push estava sorrindo; Gredda também. Mas Tee estava de pé, um braço estendido, a palma da mão para cima e os olhos brilhando com o que só poderia ser problema.

Ian disse cautelosamente: — Quase odeio perguntar - minha vez de quê?

Tee mexeu os dedos. — A Rede All-Folk, o que mais? — Ela agarrou sua mão, e a sensação de sua pele quente enviou uma onda de calor por seu braço. Ele plantou suas botas no chão para manter o equilíbrio no banquinho, mas habilmente ela usou suas pernas para se apoiar e puxou-o para ficar de pé.

Os aplausos explodiram. Foi quando Ian percebeu que cada pessoa na multidão rebelde se virou para encará-lo, rindo e batendo palmas. O cantor no palco estava apontando para ele com um amplificador de voz portátil. — Aqui, morador da Terra! — Ele gritou da plataforma.

— Morador da Terra, morador da Terra. — A plateia começou a entoar.

— Vá —, Tee adulou, com os olhos brilhando. — Eles gostam de você.

Ian olhou para o resto de sua tripulação em busca de ajuda. Apenas Quin parecia preocupado. Os outros estavam evidentemente maravilhados com a perspectiva de ele fazer papel de bobo. Ele mirou um olhar de ajuda na direção de Muffin.

O homem enorme veio fracamente em sua defesa. — O capitão não sabe cantar, você sabe —, foi tudo o que ele disse.

— Vamos torcer por ele de qualquer maneira —, rebateu Tee.

— E até assobiar —, acrescentou Gredda.

Ian quase riu do rosto sério da guerreira Valkariana. — Você, assobiar, Gredda? Tentador, mas esqueça. Estamos aqui para avaliar nossa competição, não para fornecer o entretenimento da noite. — Ele tentou se sentar, mas Tee segurou firme sua mão.

— Morador da Terra, morador da Terra...

Ian acenou para a multidão animada com um aceno de Rainha Elizabeth. — Em seus sonhos —, disse ele em inglês.

Tee balançou a cabeça. — Você é um comerciante, sim? Então você deve pensar nisso como uma oportunidade, não uma provação. O comércio é uma questão de confiança' —, ela recitou. — 'Com a confiança vem a reciprocidade, e com a reciprocidade, o lucro.'

Ele ficou boquiaberto. Ela havia citado diretamente do Tratado de Comércio, o documento mais sagrado dos Vash Nadah. Ian reconheceu a passagem apenas porque havia passado muito dos últimos sete anos memorizando os antigos e pesados ensinamentos. Os Vash Nadah apimentavam suas conversas com tais citações, encontrando frases que se adequavam a cada situação. Mas uma mulher da classe mercantil usando trechos na conversa do dia a dia? Ele não esperava por isso.

— Você veio aqui para negociar, certo? — ela continuou. — Se você cantar, eles vão gostar de você. Se os outros comerciantes gostarem de você, eles comprarão de você, não importa de onde você seja.

— Morador da Terra, morador da Terra —, continuavam os gritos.

— E se eles comprarem seus produtos —, acrescentou ela com uma piscadela do parceiro no crime, — então talvez você aumente meu salário.

Ele riu ao ver o senador Randall olhando para o restaurante ao lado. — Eu farei isso. — Sua manobra foi engenhosa de maneiras que ela não conseguia imaginar. Participar desse jogo idiota de bar garantiria o anonimato para seu primeiro encontro com o homem. Quem poderia esperar encontrar o disputado herdeiro da galáxia na fronteira, cantando em um bar cheio de bêbados do mercado negro?

Ele deu um longo suspiro de sofrimento. — Tudo bem, Srta. Tee. Um capitão tem que fazer o que um capitão tem que fazer, mas — ele levou a boca ao ouvido dela — não pense que você não vai pagar por isso mais tarde.

Deixando-a completamente perturbada, ele caminhou até o palco e arrebatou o microfone do homem que o precedera. Com a vara fina de alta tecnologia ancorada em sua mão, ele olhou para a plateia - rostos sombrios e desconhecidos, exceto por sua equipe parada na parte traseira esquerda do bar. — Tudo o que você faz é continuar mais ou menos de onde o último participante parou —, ele lembrou que Gredda lhe disse certa vez.

— Tudo bem —, disse ele ao microfone.

Com aquela única palavra em inglês, a multidão foi à loucura, batendo os pés e aplaudindo, e ele tentou esquecer que não sabia cantar. Incentivado pelo entusiasmo deles e pelo fato de que estavam bêbados e ele sóbrio, Ian lembrou-se da letra de um verso que tinha ouvido antes e alterou-os para se adequar à ideia que surgiu em sua cabeça. Usando o bater de sua bota no chão de madeira para dar ritmo, ele entoou uma música que soou mais como um velho rap da Terra do que popular.


— O Asneira de Donavan é o lugar certo, se você estiver mais do que disposto a negociar. Mas mantenha seus pilotos longe do uísque ou suas mentes você estará matando.


Tee tentou parecer afrontada, mas seus olhos brilharam enquanto ele lia outro verso. Então, inesperadamente, três homens entraram no pub - Randall e seus comparsas.

Ian praguejou. Em vez de ser capaz de observar friamente os homens das sombras até que estivesse pronto para se apresentar, ele estava parado na frente e no centro de um palco no meio do bar.

Bonito.

Com rosto de falcão, cabelos prateados, alto e olhos azuis, o senador americano Charlie Randall chamou a atenção de todos os clientes do bar. A conversa diminuiu quando todos deram a ele um olhar curioso. Mas ninguém em Grüma ficou surpreso por muito tempo, e o barulho recomeçou imediatamente.

— Você deve pensar nisso como uma oportunidade, não uma provação. — As palavras de Tee ecoaram dentro dele. Sim. Ele deveria virar o jogo contra Randall, colocá-lo no palco enquanto ele retornava ao seu lugar. Então ele seria capaz de ver como o senador agia sob pressão. Rom B'kah costumava dizer que não havia nada como um pouco de estresse para revelar as verdadeiras cores de um indivíduo.

Uma canção estranhamente apropriada surgiu na mente de Ian. Desta vez ele cantou em inglês.


— Yankee Doodle 2foi para Grüma, montada em um pônei. Colocou um pouco de café na calça jeans e chamou de macarrão.


Randall balançou sua cabeça de cabelos prateados na direção de Ian. Estreitando os olhos, ele considerou Ian com um olhar que teria intimidado qualquer um que não estivesse acostumado a olhares semelhantes de homens poderosos. Ele tinha conseguido mais do que alguns dos membros da realeza Vash Nadah, mais propensos a intrigas e desconfiados, então Ian não vacilou.


—Yankee Doodle continue assim,

Yankee Doodle dândi.

Você é o novo morador da Terra no reservatório

E os pés primeiro no meu território.


Ok, então a rima era péssima, mas seu objetivo era colocar Randall no local, não ganhar um concurso de talentos. Ian sorriu e apontou o microfone para Randall. A multidão rugiu e novamente começou a gritar: — Morador da Terra, morador da Terra.

O senador olhou ao redor desamparado. Seus seguidores recuaram visivelmente. Em seguida, um comerciante em uma mesa próxima puxou com impaciência a manga de Randall, apontando para o palco. Outro deu uma cutucada nele.

Ombros cedendo com a inevitabilidade de tudo isso, o senador marchou para a frente do bar. Seus olhos azuis eram mais penetrantes pessoalmente do que na televisão. — Você é americano — ele disse, arrancando o microfone da mão de Ian.

— Sim.

— Você também é um pé no saco. Você me deve uma bebida depois disso, jovem.

Ian encolheu os ombros, em seguida, voltou para sua mesa, onde sua torcida esperava.

— Você não sabe cantar —, disse Tee.

— Eu nunca disse que poderia.

— Ah, mas você foi maravilhoso!

Com o rosto corado de felicidade, sua beleza irradiando de dentro, ela parecia absolutamente doce e intocada... E mais deslocada na fronteira do que nunca. Ele lutou contra o impulso impulsivo de envolver o braço em volta da cintura dela e puxá-la para perto, não só para protegê-la da multidão indisciplinada, mas para senti-la quente e suave contra ele. Felizmente, o canto de Randall o trouxe de volta do limite de fazer algo totalmente inapropriado.

O senador tinha um domínio razoável de Básico, e a multidão gargalhou bem-humorada de sua versão mutilada de um jingle comum. Quando ele cedeu o palco para o próximo participante, com seus dois companheiros a reboque, ele caminhou até onde Ian estava. — Onde está minha bebida, garoto?

Ian deu alguns créditos a Quin e despachou o homem para uma rodada de cerveja. Algumas cadeiras extras foram puxadas e todo o grupo sentou-se junto.

Ian estendeu a mão. — Stone —, foi tudo o que ele disse. Seu cabelo estava mais comprido do que ele normalmente usava e ele propositadamente ostentava alguns dias de barba por fazer. Ele duvidava que o senador o reconheceria.

— Senador Charlie Randall —, disse o homem enquanto eles apertavam as mãos.

— Um senador dos EUA neste lugar esquecido por Deus? O que te traz aqui?

— Apuração de fatos —, respondeu ele em inglês ao Basic de Ian. Ele se inclinou sobre a mesa e baixou a voz. — Eu vi coisas que deixariam seu cabelo ondulado.

Barésh. — Sim? Como o quê?

Presunçosamente, o homem estendeu as mãos bronzeadas sobre a mesa. Em uma camisa pólo azul-clara de pescoço aberto, o proeminente senador americano parecia mais propenso a jogar algumas partidas de golfe do que virar o equilíbrio da galáxia de ponta cabeça. — Nem tudo é como parece no Império Vash —, disse ele enigmaticamente. Então ele sorriu, prolongando o momento, apreciando o interesse de Ian pelas patentes. — Isso é o que me disseram, agora eu vi por mim mesmo. Digamos apenas que pretendo trazer para casa um pouco de esclarecimento sobre esse fato.

O inferno que você vai. Ian tinha certeza de que Rom B'kah não sabia nada sobre Barésh. Ele nunca suportaria tais condições. Por outro lado, se lugares como Barésh existiam sem o conhecimento de Rom, em essência provava o ponto de Randall de que a Federação não se importava com a fronteira. Até que Ian pudesse mostrar que os Vash estavam empenhados em mudar o que estava errado, ele teria que impedir Randall de levar a notícia para casa. Exatamente como ele faria isso, ele ainda não tinha descoberto. Mas ele faria. Sem a ajuda de Rom. Esta era sua chance de mostrar que poderia pegar uma situação delicada e potencialmente desastrosa e revertê-la.

— Parece intrigante — Ian disse casualmente. — Me diga mais.

— Sobre nossas bebidas. — Randall acenou com a mão para seus companheiros. — Este é Mike Gruber, secretário assistente de comércio. E Bud Lucarelli e Tom Dowdy, serviço secreto.

Ian apresentou Gredda, Muffin e Tee, mudando propositalmente o idioma do inglês para o básico, permitindo que sua tripulação participasse da conversa. Houve outra rodada de apertos de mão quando Quin voltou à mesa com um pequeno barril de cerveja e canecas. Em seguida, os dois grupos jogaram conversa fora.

Ian ignorou o copo de cerveja que Quin colocou na frente dele. Tee, ele percebeu, fez o mesmo. Na verdade, sua taça original de vinho mog-melão ainda estava dois terços cheia. Talvez a duende estivesse aprendendo, afinal.

— Há quanto tempo você está aqui, Stone? — Randall perguntou.

— Um tempo. Eu vendo produtos da Terra. Os negócios vão bem.

— Excelente. Gostaria de ver mais jovens em busca de fortuna na fronteira. Nós somos o time da casa aqui, você sabe. Terra. — Ele torceu o nariz para Tee. — O que é isso que você está bebendo, mocinha? Tem cheiro de ovo cozido.

O forte sotaque do senador tornava suas palavras difíceis de entender, mas todos no partido de Ian sabiam o que ele havia se referido. Quin sufocou uma risada, enquanto Muffin tentava fortemente não sorrir. Tee lançou-lhes um olhar de advertência, então curvou as duas mãos em torno da taça de vinho. — É apenas vinho mog-melão. Talvez o odor esteja vindo daquele grupo ali. — Sugeriu ela.

O senador e seus companheiros olharam para a coleção particularmente imunda de comerciantes sentados atrás deles, e Ian ficou satisfeito ao vê-los assentir. Boa. Ele não queria que nenhum membro de sua tripulação levantasse suspeitas.

Mas Randall não havia terminado de examinar Tee. Ele voltou a se concentrar nela, seus olhos azuis intensos e perscrutadores. Ela se encolheu antes de parecer se recompor. — Você é um Vash Nadah? — Ele perguntou cautelosamente.

— Ela, Vash? — Ian deu uma risadinha. — Ela é uma vagabunda do espaço, por completo. — Disse isso para proteger Tee, embora estivesse longe de estar convencido de que era a verdade.

— Sim. Esta sou eu. Escória da galáxia. — Para consternação de Ian, Tee levou a taça aos lábios e bebeu o conteúdo em dois goles profundos.

Quin entrou na conversa. — Você deveria tê-la visto no dia em que a contratamos. Tinha uísque Mandariano suficiente no sangue para colher uma fazenda hidrelétrica de beterrabas Danjo.

Com os olhos lacrimejando, Tee juntou as mãos com força sobre a mesa e assentiu. — Mais provavelmente duas hidro-fazendas.

Randall riu e relaxou em sua cadeira. — Isso certamente não soa como uma Vash típica. Eu nunca vi uma pessoa mais hipócrita e pessimista em toda a minha vida.

Os nós dos dedos de Tee ficaram brancos.

Ian disse firmemente: — Para alguém que passou uma carreira lutando contra a erosão dos direitos civis, você não acha que isso é uma generalização poderosa? — Imediatamente ele sentiu os olhos de Tee nele, e ele teve vontade de se chutar por pular para defender os Vash quando ele deveria estar fazendo amizade com Randall.

O senador parecia não se arrepender. — Sempre há exceções. Mas, no geral, não confio neles. Eles querem a fronteira sob seu domínio. Mas há um futuro melhor para a Terra se permanecermos independentes desse controle. Temos recursos mais do que suficientes para sobreviver. Não precisamos da regra dos Vash. — Seu rosto ganhou vida com a paixão. — Eu imagino um futuro onde a fronteira prospere independentemente da Federação dos Vash.

— E aquela guerra à qual a galáxia quase não sobreviveu dez mil anos atrás?

— Onze —, Tee corrigiu distraidamente.

— Certo —, disse Ian, quase sorrindo. — Onze. — Ele queria esconder seu conhecimento especializado da história galáctica, e ser corrigido por uma vagabundo espacial de aparência irregular se encaixou perfeitamente em seu estratagema. — Isso não foi causado porque todos os mundos e sistemas se dividiram em facções guerreiras? Alguns colocaram as mãos em algum armamento terrível e — Ian imitou o som de uma explosão — foi quase 'fim de jogo' para a civilização. Eu particularmente não gosto da ideia de seguir por essa estrada de novo, e você? Não depois de tudo estar estável por tanto tempo.

Ele percebeu que Tee o observava em estado de choque. Ele deu um sorriso rápido para tranquilizá-la. O que estava errado? Ela não concordava com ele? Engolindo em seco, ela baixou os olhos para as mãos fortemente cerradas.

— Deve haver uma maneira de permanecermos parte da Federação para proteção e ainda manter nossa identidade como planeta. — Ian estava operando sem um script agora. Rom não o autorizou a negociar; o rei da galáxia nem o autorizou a falar com Randall. Mas ele não teria escolhido Ian como seu sucessor se não acreditasse que poderia pensar de forma criativa e independente.

— Romlijhian B'kah escolheu seu enteado como o próximo rei —, disse ele a Randall. — Fale sobre ter amigos em cargos importantes... Você não acha que seria melhor fazer parte da Federação do que se opor a ela?

— Há mais do que apenas influência - ou a falta dela —, argumentou o senador. — Os Vash não veem a fronteira - ou nós - como veem a área central de seu império. Estamos abaixo deles. — O senador olhou para Tee, como se ainda não tivesse certeza dela. Então ele baixou a voz. — Eu tenho provas. Eu vi o lado mais sombrio, Stone - pobreza, doença e apatia. Meu associado me levou para Sorak Seven, Lanat, Barésh.

Ian ergueu os olhos bruscamente. Muffin franziu a testa. Randall tinha um associado? Com quem ele estava trabalhando?

— Esses mundos não são nada mais para os Vash do que distantes fossos de escravos —, continuou Randall. — Eu vi cuidados médicos primitivos, moradias precárias, populações famintas e sobrecarregadas. A galáxia não é o Shangri-La que afirmam ser —, disse ele. — A Terra precisa saber disso.

Sim, Ian pensou sombriamente, os Vash também.

— O que aconteceu com esses planetas pode acontecer conosco—, concluiu Randall, — a menos que nos afirmemos.

Ian enrijeceu. Ele estava a um fio de cabelo de dizer a Randall quem ele era, bem aqui, agora, para que eles pudessem arregaçar as mangas e discutir possíveis soluções em vez de conversar sobre copos de cerveja. Mas o instinto disse-lhe para proceder com cautela.

— Que tipo de prova você tem?

Randall ligou para um cronograma em seu computador de manopla de pulso. — Minha nave está ancorada na velha fortaleza nas colinas. Revisarei as informações que reuni nas próximas semanas. Pare para tomar uma cerveja antes de eu partir para Washington.

— Obrigado. Eu farei isso. — Nesse ínterim, Ian iria descobrir quem era o associado de Randall. Essa pessoa estava obviamente por trás da descoberta do senador dos mundos marginais indesculpavelmente ignorados - e Ian precisava saber suas intenções.

Randall ergueu sua caneca e despejou outro gole de cerveja em sua boca. — Coisa podre — ele disse, batendo sua caneca. — Não admira que a nossa cerveja esteja tomando a galáxia de assalto. — Ele se levantou, pegando sua jaqueta e deu a Ian uma saudação amigável antes de seguir com seus homens para fora de seu jipe.

Gredda olhou feio para ele. Quin soprou um jato de ar pela boca, enquanto Muffin olhava pensativamente para sua bebida. Tee soluçou suavemente.

— Com licença. — Disse ela, dando um tapinha no peito.

Ian olhou para a taça vazia de Tee e gemeu. Ele estava lidando com um poderoso senador dos EUA que acreditava que a Terra estava melhor se opondo a uma Federação que manteve a paz por onze mil anos. Como se isso não bastasse, o homem estava espalhando a palavra enquanto brincava de turista em uma viagem organizada por um parceiro misterioso. Convencer Randall de que era melhor trabalhar com os Vash do que contra eles seria um trabalho terrível. Embora, no momento, Ian pensou ironicamente, seu maior desafio consistisse em escoltar sua piloto para fora do bar e de volta a nave antes que ela fosse tentada a pedir outra bebida.


CAPÍTULO 11


Quin, Muffin e Gredda expressaram interesse em ficar mais tempo, mas Ian insistiu que Tee'ah fosse com ele. A pequena lanterna que ele apontou para o solo musgoso sob suas botas os envolveu em um círculo suave e brilhante, mas a escuridão densa e úmida da floresta pressionou ao redor deles, como se estivesse tentando apagar sua luz.

Instintivamente, Tee'ah se aproximou. — Eu não estou bêbada — ela o informou.

— Eu sei.

Eles continuaram a caminhar em um silêncio constrangedor. — Eu sempre soluço por beber muito rápido —, ela insistiu. — Leite, suco de fruta ou álcool.

As pontas de sua boca se curvaram em um quase sorriso. — Vou me lembrar disso.

Novamente, ele ficou quieto. Era outra coisa, então, que o estava incomodando. Ela deu a ele um olhar inquieto. Esta noite ele havia demonstrado um nível perturbador de conhecimento e percepção sobre seu povo. Um arrepio percorreu sua espinha.

Se Ian Stone era Ian Hamilton, o herdeiro dos Vash, como ela temera inicialmente, então ela teria que descobrir isso antes que ele descobrisse sobre ela. — Eu sei que você me disse para não fazer perguntas, mas quando toda a equipe sabe o que está acontecendo, exceto eu, fica um pouco frustrante. Certamente provei minha lealdade. Sinto que tenho o direito de saber mais sobre o homem que estamos seguindo.

— Você tem, e você faz —, respondeu ele. Então ele a pegou levemente pelo cotovelo e a conduziu mais fundo na floresta. — Por aqui — ele disse suavemente.

Ele era o herdeiro dos Vash? Ela se pegou imaginando. Que outra explicação poderia haver? Parecia haver muitas coincidências para qualquer outra conclusão. E aqui estava sua oportunidade de descobrir.

— Sobre o que você estava curiosa? — Ele perguntou suavemente.

Ela decidiu ser direta. — Como é que você, habitante da Terra, está tão preocupado com o estado da federação dos Vash?

Ele ficou tenso, ou ela estava imaginando isso?

Tee'ah mergulhou na frente com seu interrogatório espontâneo. — Você parece ter um bom conhecimento da política galáctica. Isso é incomum para um comerciante do mercado negro, não é?

— Não mais do que uma ex-piloto de carga drogada de uísque e cuspindo passagens inteiras do Tratado de Comércio.

Tudo bem, então ela estupidamente revelou seu conhecimento da política galáctica. Isso não significava que ela tinha que divulgar mais nada - seu nome verdadeiro, sua idade, onde ela cresceu, quem era seu pai. Ela adorava discussões sobre política e descobrir mais sobre Ian era importante, mas ela não devia se deixar ficar tão absorta a ponto de revelar demais. Apressadamente, ela explicou: — Meu pai garantiu que eu recebesse uma boa educação religiosa...

— Ah. — Ian ficou em silêncio por alguns momentos antes de falar novamente. — Essa fome de independência da parte da Terra me incomoda porque é tão repentino.

— Estranho que seu mundo natal agora hesite diante da regra dos Vash quase sete anos após a assinatura do Tratado de Comércio —, disse ela.

— E ainda mais estranho vindo após a escolha daquele cara, Hamilton, como o próximo príncipe herdeiro —, acrescentou Ian. Ele parecia ansioso para continuar a discussão, o que era estranho se ele tivesse algo a esconder. Talvez ele não tenha. Talvez ele não fosse Ian Hamilton. Talvez ele fosse apenas um comerciante do mercado negro, sem ninguém em sua equipe com quem pudesse discutir tais ideias. Isso, Tee'ah poderia se identificar. Ela costumava sentir o mesmo - sozinha na companhia de seus colegas - com as esposas de seus irmãos, como uma garrafa com rolha.

— Não posso culpar sua Terra por se sentir ressentida —, disse ela. — Depois de toda uma história celebrando sua singularidade no universo, vocês agora se encontram relegados a um papel um tanto trivial em uma civilização já estabelecida, certo?

— Sim. — Ele lançou-lhe um olhar de admiração. — Suspeito que essa seja a essência do que incomoda homens como Randall. Ainda estamos nos ajustando e nos acostumando com a ideia de sermos contatados por uma raça extraterrestre - embora os cientistas afirmem que podemos todos compartilhar uma ancestralidade comum. Mas jogar fora tudo o que foi estabelecido pela Federação...? — Ele respirou fundo. — É a solução errada. Mesmo assim, se os Vash quiserem manter a lealdade da fronteira, terão que fazer algo a respeito de Barésh - e logo.

Tee'ah balançou a cabeça. Um comerciante do mercado negro com senso de responsabilidade social era um conceito quase tão rebuscado quanto a ideia do príncipe herdeiro vagando pela fronteira.

Ainda assim, se mais Vash Nadah compartilhassem as opiniões de Ian, então talvez a fronteira e a Federação não estivessem oscilando à beira do divórcio. Bem, de qualquer forma, ela não estava mais envolvida. Ela poderia gostar de discutir esses problemas, mas ela não era mais uma nobre que poderia fazer muito sobre qualquer coisa em escala tão grande. Ela estava fora de si.

— Quando Randall retornar à Terra, iremos segui-lo? — ela perguntou esperançosa.

Ian se abaixou quando um mamífero noturno voando baixo passou zunindo por sua cabeça. — Vou segui-lo pela galáxia se for preciso.

— São muitos mundos para visitar.

Seus dentes brilharam na luz fraca. — E muito para voar também. É melhor você continuar trabalhando duro ou vou substituí-la.

—Substituída? — Ela bufou. Mas seu sorriso brincalhão era contagiante. — É isso que você quis dizer quando disse que eu pagaria para fazer você participar da Rede All-Folk?

— Acho que você não quer saber o que eu tenho em mente. — Disse ele. Um delicioso arrepio percorreu seu corpo. Ela se perguntou se ele pretendia usar um tom tão sugestivo. Ela se encontrou desejando fervorosamente que sim.

Nervosamente, ela umedeceu o lábio inferior. Ela queria colocar os braços dele em volta dela, guiar seus lábios aos dela. Ela queria senti-lo dentro de seu corpo, compartilhando intimidade como os amantes faziam, algo que ela nunca tinha contemplado com qualquer outro homem.

— Mas —, ele brincou, — sua sugestão tem seus méritos. Será do seu interesse se comportar, por mais difícil que isso seja.

—Sem uísque?

— Definitivamente sem uísque.

Ela riu, encantada com a réplica. Num minuto eles estavam imersos em uma discussão profundamente filosófica e política, no minuto seguinte eles estavam provocando um ao outro sobre nada de importante. Ela nunca havia conhecido um homem com quem pudesse desfrutar de ambos.

— Bem. — Ela estava morrendo de vontade de saber o que ele tinha em mente a respeito do ‘pagamento” que ela faria, mas de repente se sentiu tímida demais para perguntar. — Você seria um tolo em me deixar ir; você nunca encontrará outra pessoa como eu.

Seu sorriso desapareceu e ele diminuiu a velocidade até parar. Criaturas com asas finas flutuavam no halo de luz a seus pés. Baixinho, ele disse: — Estou começando a achar que você está certa.

Eles ficaram parados ali, a centímetros de distância no meio da floresta úmida e silenciosa, seus rostos sombreados, suas respirações de névoa. Em seguida, ele levou a mão à bochecha dela, quatro dedos quentes descansando na pele sensível sob sua mandíbula. Sua respiração parou e seu coração trovejou tão alto que ela temeu que ele fosse ouvir. Enquanto seus olhos escuros e perscrutadores a mantinham fascinada, ele deslizou os dedos pelos cabelos dela.

Então ela soluçou. — Desculpe.

Seu sorriso reapareceu. A palma dele acariciou sua bochecha, não mais o primeiro toque experimental de um amante, mas um tapinha afetuoso. As mariposas fadas fugiram para a escuridão junto com suas esperanças de um beijo.

— Com certeza está frio esta noite — ele disse levemente. — É melhor levá-la de volta a nave antes que pegue um resfriado.

Sua carícia a deixou tudo menos fria. — Certo.

Sem a costumeira mão guiando seu cotovelo, ele retomou o passo. Praticamente correndo para acompanhá-lo, ela amaldiçoou sua inaptidão. Doce céu. Ela tinha muito que aprender neste jogo de sedução. E uma coisa era certa. Quaisquer que fossem os próximos passos a serem dados, estava claro que ela teria que executá-los primeiro.

 


Muito depois de ver Tee ir para a cama e os outros terem voltado da noite fora, Ian se sentou esparramado na cadeira do piloto, as pernas apoiadas no console de navegação e os dedos entrelaçados sobre o estômago. A nave estava escura e silenciosa, exceto pelo zumbido do equipamento normal de bordo. No entanto, o sono o iludiu.

Ainda vestido com sua calça jeans e camisa de flanela, ele olhou para as estrelas na tela. Anos-luz de distância estavam sua mãe e seu padrasto, a quem ele estava impaciente para transmitir as notícias de suas recentes descobertas. Mas antes de enviar uma mensagem criptografada para Sienna, ele queria saber mais sobre Randall e agora seu associado. O senador tinha preocupações muito legítimas e compreensíveis - Ian viu isso depois de visitar Barésh - mas se Randall e outros na Terra não entendiam a lição da história violenta da galáxia, a necessidade de ficarem juntos, então era melhor Ian encontrar outra coisa, algo tangível, para manter a Terra dentro da dobra dos Vash.

Mas o que?

Ele fechou os olhos, sua mente disparando.

Deus, ele quase a beijou.

Ele colocou os pés no chão e sentou-se, os braços envolvendo as coxas. Ele conhecia Tee há menos de um mês e ela o transformara em geleia. Ele não sabia nada sobre ela, exceto o que ela queria que ele aprendesse - uma história fabricada, ele tinha certeza. O que ela estava escondendo dele? E por quê?

Acho que você não quer saber o que tenho em mente. Ele realmente disse isso a ela? Ele baixou o rosto nas mãos. A tentação passaria enquanto ele não agisse de acordo.

Ela teria o deixado.

Ele gemeu. Então ele ergueu a cabeça. A luz das estrelas encharcou a cabine com um brilho azul-gelo, uma iluminação tão fraca que ele quase não viu a sombra hesitante e fantasmagórica movendo-se para o lado esquerdo. Então ele inalou o leve odor de ovo podre.

Ele pulou na cadeira. — Quanto tempo você esteva aí?

— Só um momento. — Tee apertou a mão sobre o peito. — Me desculpe. Eu não sabia que você estava aqui.

— Eu não conseguia dormir.

— Nem eu.

Ele esfregou os olhos. — Estive pensando sobre o sócio de Randall e como descobrir quem ele ou ela é. — Essa era uma verdade parcial, pelo menos.

— O que você decidiu?

— Grüma não é assim tão grande. Vamos procurá-lo à moda antiga.

Pensativa, Tee caminhou até a enorme tela curva na proa do Demônio do Sol. Ela ergueu os braços acima da cabeça e arqueou as costas. — Olhe para todas as estrelas. Sem as luzes da cidade, é quase como se você pudesse ver todas elas. — As mangas de sua camisola escorregaram por seus braços esguios. Na parte inferior de seu braço direito, algo refletiu a luz.

Era um remendo bloqueador de natalidade! Ian apertou a mandíbula e desviou o olhar.

Ele tinha assumido que ela era inocente. Mas é claro que ela não era. Quando ele a encontrou, ela vivia na fronteira. Ninguém aqui permanecia inocente por muito tempo.

Seu mundanismo óbvio e não inesperado não era o que o incomodava; era que ela tinha feito amor com - e faria amor com - outros homens. Outros homens além dele. — Bastardos sortudos. — Ele murmurou em inglês.

Ela abaixou os braços, alisando as palmas das mãos nas mangas. — Desculpe, o que foi isso?

— Sente-se. Podemos observar as estrelas.

— Ou podemos contá-las para nos deixar com sono. — Ela sorriu. — Precisamos descansar enquanto podemos. Suspeito que nos próximos dias haverá muito para nos manter acordados.

Ian contemplou a boca totalmente adorável de Tee. — Sim —, disse ele. Era exatamente disso que ele temia.

 


Na Padma Oito, Gann seguiu as pistas que Lara deu a ele, observando e frequentemente questionando multidões de residentes permanentes, estudantes pilotos de caça e instrutores, bem como comerciantes que chegavam diariamente dos confins da fronteira. A decisão de Lara de vir para Padma Oito foi excelente; se a princesa Dar estava fazendo companhia a um morador da Terra, havia muitos aqui, empreendedores amantes do risco aproveitando as oportunidades de negócios que a fronteira desenfreada oferecia.

Suas longas horas pareciam agradar a Lara muito bem. Embora sociável por natureza e criação, Gann estava disposto a deixar a Srta. Radiante com sua eterna ninhada. Mas não esta noite. Uma sensação incômoda de solidão combinada com a infrutífera de sua missão o havia deixado com necessidade de aplausos. Sua amuada piloto estelar iria se juntar a ele para jantar e conversar, mesmo que isso a matasse.

Ele marchou para a cabine do piloto, onde ela estava enrolada na cadeira do piloto, seus dedos habilmente entrelaçando um aglomerado de fios prateados. Sua incessante fabricação de joias. Parecia um passatempo frívolo para uma mulher tão fria e remota.

— O jantar está pronto. — Disse ele.

Ela ergueu os olhos. Como sempre, ele viu algo intenso e desconhecido brilhar em seus olhos antes que ela piscasse. Era como se, quando surpresa, ela emergisse de um lugar profundo e sombrio, um lugar que ele não desejava frequentar se a dor que ela pensava estar escondendo fosse qualquer indicação de sua natureza.

— Já comi. — Afirmou.

— Aquilo foi o almoço. Este é o jantar.

Ela voltou sua concentração para sua trama de prata. — A confraternização não está incluída no meu contrato.

Ele bufou.

Ela tentou uma abordagem diferente. — Não estou com fome.

— Então venha; simplesmente sente-se comigo. Eu poderia usar a companhia.

— É para isso que servem os bares.

Ele se endireitou, espalhando uma mão sobre o coração. — Prefiro sua companhia qualquer dia do que o que encontraria em um bar.

Ela abaixou a tecelagem e olhou para ele com olhos castanhos não convencidos. — Então você deve frequentar alguns lugares de merda, Sr. Truelénne.

Ele riu.

Ela franziu o cenho. — O que?

—Você fez uma piada —, disse ele com um grau surpreendente de triunfo. — Às suas próprias custas, mas uma piada, no entanto. E aposto que o resto dessa conversa reprimida está prestes a estourar. Se por razões de saúde apenas, por que não compartilhar um pouco de seu estoque de palavras com uma mão do espaço solitária?

Um canto de sua boca se curvou, ele pensou, mas ele não podia ter certeza. Seu humor sempre parecia assustá-la. Era como se ninguém jamais tivesse ousado provocá-la.

Talvez ninguém mais tenha.

Para seu prazer, ela deixou de lado a tecelagem. — Eu não falo muito. — Ela admitiu em uma voz mais suave.

Um uivo insistente o interrompeu antes que ele pudesse responder.

— Crat. Um gato ketta. — Lara pulou da cadeira e desceu o passadiço até a escotilha da frente, onde um gato ketta fino e cheio de cicatrizes esperava.

Ele correu para ela, gorgolejando, esfregando o lado contra suas panturrilhas. Ela mudou seu peso de um pé para o outro, mas não se abaixou para acariciar o gato ketta. Miava alto.

— Pensei ter dito para você ir embora —, disse ela, cutucando-o suavemente com a perna. — Tem me seguido por toda a cidade. Então hoje ele me arrastou até aqui. — Ela abriu as mãos. — Vá. Não há casa para você aqui.

— Deixe-o—, disse Gann. — Vou trazer nossas sobras mais tarde.

— E então vai pensar que pode ficar. Adeus. — Disse ela ao gato ketta. Mas a lamentável criatura continuou a se esfregar ao redor e entre suas pernas, seu pelo roçando o tecido verde-mar de sua calça.

Lara ficou parada, os braços moles ao lado do corpo. Ela parecia totalmente perplexa com o amor incondicional do gato. Gann ficou igualmente perplexo com sua aparente incapacidade de aceitar qualquer tipo de afeto. Por isso, seu coração se compadeceu dela - não por pena, mas por admiração absoluta. Para ser tão incapacitada emocionalmente, ela deve ter sobrevivido a algo horrível. Mas em vez de passar o resto da vida encolhida nas sombras, vítima das circunstâncias, ela aprendeu a ser piloto de recompra e rastreadora.

— O jantar está esfriando —, disse ele.

— Vou esquentar. — Ela pareceu saltar com a chance de evitar o gato ketta. Sem outra palavra, ela deixou Gann e o extraviado sozinhos na rampa de entrada.

A criatura a observou partir. Então ergueu seus tristes olhos verde-prateados para Gann e miou.

— Jantar? Claro, por que não? — ele respondeu. — Você é muito mais falante do que minha parceira lá. — Ele pegou o gato ketta com uma das mãos. — Agora, que tal vermos se alguma coisa passa para ela?

Quando Lara saiu da cozinha segurando um pote de ensopado nas mãos, Gann já estava esperando por ela, os pés com as botas cruzados no tornozelo, os dedos entrelaçados sobre a barriga. O gato ketta saiu disparado de debaixo da cadeira e começou a se esfregar em suas pernas. Ela colocou a panela com tanta firmeza na mesa que ele esperou que a panela quebrasse. Uma das pulseiras de Lara se soltou e ele a agarrou antes que rolasse pela borda.

Ele percebeu que ela não disse nada sobre o gato ketta. Ela se sentou e estendeu a mão. — Vou ficar com a pulseira —, disse ela.

Ele estudou a delicada bugiganga antes de devolvê-la a ela. — É uma peça adorável —, admitiu. — Você é muito boa.

Sua expressão vacilou entre aborrecimento e prazer enquanto servia ensopado em sua tigela e depois no de Gann, tardiamente, como se fosse uma reflexão tardia. — Eu teço prata há anos.

— Você está sempre usando peças diferentes. Onde você guarda todas elas?

— Eu não guardo. Eu as desmonto e começo de novo.

— Hmm — ele disse entre mordidas no guisado. — Faz sentido.

Ela ergueu uma sobrancelha. — Isso significa alguma coisa?

— Combina com a sua personalidade. — Ele arrancou um pedaço de pão e o usou para embeber o caldo. — Você não parece estar apegada a ninguém ou nada.

Ela gaguejou. — Se esta é sua ideia de conversa, eu...

— Lara. — Ele abriu as mãos. — Estou tentando conhecê-la, por nenhuma outra razão além do que eu quero.

Ela o contemplou por um longo momento, seu olhar perscrutador, como se o estivesse vendo de verdade pela primeira vez desde que iniciaram sua estranha parceria. Usando seus instintos intensificados, aprimorados por anos de treinamento e bajha, ele sentiu a alma ferida dentro dela.

— Não me importo com a solidão. — Disse ela, depois voltou a comer com grande concentração.

Sua tristeza ultimamente o invadiu. — Eu também não. É por isso que escolhi esta vida. Há muito tempo, e de boa vontade, coloco meus desejos pessoais de lado por causa do meu dever. No entanto, a cada ano que passa, fico mais ciente do que falta em minha vida.

Ele percebeu que ela havia parado de comer. — E o que é? — Ela quase sussurrou, procurando seu rosto.

— Alguém com quem posso desnudar minha alma.

Refletido em seus olhos, ele viu sua própria solidão desesperada. Ele piscou. — Sem família? — ele perguntou depois de vários minutos de silêncio tiquetaqueado.

— Não.

— Marido?

Ela começou a comer novamente, para valer. — Não.

— Um amante, então?

Seus olhos indignados lhe deram a resposta que ele queria. — Ah. Onde Eston se encaixa em sua vida, eu não tinha certeza, exceto que ele é o responsável por perder sua preciosa nave.

— Não me lembre, Vash. — Pela primeira vez, ele detectou um traço de provocação em seu tom. Esse foi o primeiro passo para amolecer sua armadura? Talvez tenha sido. E talvez isso significasse que havia mais por vir. Se ele podia fazê-la rir, o ato de fazer amor não poderia estar muito atrás. Ele sorriu. Uma noite de prazer faria a esta mulher um mundo de bem.

Como só ele poderia dar.


CAPÍTULO 12


— Agora mire com vontade! — Gredda gritou para Tee'ah.

Olhos estreitados, braços estendidos, Tee'ah segurava a arma à sua frente. A grama coberta de geada no campo atrás do Demônio do Sol captou os primeiros raios do sol nascente e uma brisa anestesiou suas orelhas e dedos. Concentrando-se, ela esperou até que uma mira semelhante a um fio se centralizasse em seu alvo - uma caixa de produtos em um toco de árvore. Então ela apertou o gatilho. Os arbustos atrás e vários passos à esquerda do toco explodiram.

— Meu Deus — gemeu Tee'ah, baixando a pistola. — De novo não.

Gredda pegou um extintor de incêndio e afogou as chamas. — Assim foi melhor, Tee. Mas você precisa praticar.

Tee'ah enxugou o antebraço na testa. — Eu vou. — Ela vinha trabalhando para melhorar sua pontaria, até então inexistente, durante toda a semana. Durante esse tempo, ela atingiu as caixas de Gredda apenas duas vezes. Mas ela estava determinada a aprimorar sua habilidade com uma pistola. Agora que eles estavam caçando o associado de Randall, tais habilidades eram críticas para ela provar que era um membro indispensável da tripulação de Ian.

Ela e Gredda embolsaram as armas e voltaram para a nave.

Quin encontrou Tee'ah na cozinha. A expressão de deleite que ele tinha em seu rosto a fez suspeitar imediatamente. Ela serviu uma caneca de café e fez o possível para o ignorar.

— Eu dividi as tarefas da semana e você ficou com o serviço de cozinha.

O café espirrou para fora de sua caneca. Apressadamente, ela o enxugou do balcão.

— Parece que você acabou de engolir um ovo de oster —, disse ele. — Não me diga que você não sabe cozinhar.

Os nervos apertaram os músculos do pescoço. Cozinhar era uma habilidade básica que a maioria das pessoas sabia fazer. Mas ela não foi criada como “a maioria das pessoas”. Ela nunca tinha entrado nas cozinhas do palácio; a ideia de fazer isso nunca passou por sua mente. Agora, se ela confessasse que não sabia preparar uma refeição simples, isso poderia levantar suspeitas indesejadas sobre seu passado. — Pelo que me lembro, você expressou dúvidas semelhantes sobre minhas habilidades de voo - e olhe, eu o mantive vivo.

Ele juntou o indicador e o polegar. — Por muito pouco.

— Então eu sugiro que você faça um jejum dietético. — Talvez toda a tripulação tivesse que fazer isso, ela pensou enquanto olhava ao redor da pequena cozinha. Ao redor dela estava um banco de queimadores de íons, um resfriador, um forno atômico e prateleiras de suprimentos de comida classificados por computador. Era um conjunto muito mais intimidante do que a instrumentação que ela usou para pilotar a nave. Engolindo em seco, Tee'ah foi até o computador da cozinha, abriu a tela de exibição, conectou-se e passou algum tempo se familiarizando com os dados armazenados. Havia uma longa lista de suprimentos básicos, todos exigindo criatividade se ela quisesse criar e cozinhar uma refeição com eles.

Embora ela se considerasse razoavelmente inventiva, ela poderia se sair melhor se pudesse comprar ingredientes frescos dos mercadores da cidade, se atendo àqueles alimentos que pareciam razoavelmente familiares, levando em consideração as diferenças na produção de outros mundos. O mercado... Ar puro... Compras desimpedidas por uma comitiva - a ideia a atraía.

— Quase não há o suficiente aqui para preparar uma refeição adequada —, disse ela com aborrecimento fingido, fechando a tela de exibição. — Vou precisar de créditos para comprar suprimentos no mercado.

Como se tivesse previsto tal pedido, Quin entregou-lhe vários cartões de moedas de várias denominações. — Lembre-se —, disse ele em sua voz de pai superprotetor, — isso deve ser usado apenas para comida. Não para quaisquer bebidas recreativas que você possa ficar tentada a comprar no caminho de ida ou volta.

— Nada de 'bebidas recreativas'? Oh, Quin, por favor. — Ela ergueu as mãos. — Com esses limites impostos a mim, como vou preparar meu famoso frango Mandariano encharcado de uísque?

— Nós nos enchemos de aves encharcadas de uísque nesta nave. — Ele atirou de volta, seu tom aquecido.

Ela sorriu. — Não o menor dos pilotos, hein?

Ian entrou na cozinha. Ele olhou de Quin para Tee'ah e de volta para Quin. — Não me diga que ela está torturando você de novo? — Ele perguntou ao seu mecânico.

Tee'ah venceu Quin em uma resposta. — Eu fiquei com o serviço da cozinha. E agora Quin está preocupado que eu gaste todos os créditos que ele me deu para fazer compras no primeiro bar que eu ver.

Ian serviu café em uma caneca, esta decorada com pequenas coníferas e um homem alegre de nariz vermelho com uma abundância de pelos brancos no rosto e um chapéu vermelho comprido e flácido. Bebendo, ele a estudou pensativamente. — Eu não sei. Exceto alguns exemplos notáveis, estou começando a pensar que vocês são todos faladores.

— E isso significa?

— Não acho que você seja tão selvagem quanto gostaria que acreditássemos. — Seu sorriso brincalhão a convidou a desafiar sua alegação. — Ou você é?

Ela fungou, puxando as mangas. Então ela deu a ele um olhar tímido. — Bem, não ouso causar problemas com essa sua ameaça pairando sobre a minha cabeça.

— Ameaça? — Perguntou Quin. — Que ameaça?

Os olhos de Ian a desafiaram a revelar os detalhes de sua conversa privada na floresta na noite em que falaram com Randall no bar. Seu coração disparou com a alegria de flertar tão abertamente com alguém por quem se sentia tão atraída, e ela agarrou a chance de continuar o namoro.

— O capitão disse que me faria pagar —, disse a Quin com o canto da boca. — Mas quando perguntei o que ele queria dizer, ele disse que achava que eu não gostaria de saber. — Ela fez uma pausa para causar efeito. — Passou muitas noites desde que ponderei essas palavras.

Os olhos de Ian ficaram verdes mais profundos, como na noite anterior em que ele quase a beijou.

— Capitão. — A voz de Push quebrou o momento. O carregador esperava na escotilha. Havia uma mancha preta em uma bochecha e seus dedos exibiam manchas iguais. — Você deveria sair com ela, capitão. E não seja gentil ou nada... Eu acho que ela vai tão rápido e forte quanto você quiser.

Tee'ah queria afundar no piso de liga leve. Ela era tão óbvia em seus sentimentos por Ian?

— Não planejava levá-la esta manhã — respondeu Ian com naturalidade, como se Tee'ah não estivesse se encolhendo ao lado dele, o rosto quente de vergonha. — Mas eu vou, se você achar que devo.

Push acenou com a cabeça, enxugando as mãos sujas em um pano. — Eu acho.

—Você acha? — Tee'ah conseguiu. A opinião dela não importava, aparentemente.

Irritantemente blasé, Ian colocou sua caneca vazia na mesa. — Tudo certo. Depois, vou deixar você saber o que eu acho. Ela pode precisar de ajustes.

— Ajustes? — Tee'ah tossiu.

— Sim. — Ian encolheu os ombros.

Ela não podia acreditar que ele falaria sobre ela de uma maneira tão arrogante. Ela queria fazer amor - não ser ajustada, ou o que quer que Ian tivesse chamado, os resultados dos quais ele aparentemente não teve escrúpulos em compartilhar com a tripulação.

Ian explicou: — Push está me ajudando a consertar minha Harley.

Ela sentiu seu coração parar. — Seu transporte terrestre de duas rodas?

Ele assentiu e terminou de discutir com Push os vários componentes mecânicos que o preocupavam, enquanto Quin ouvia com interesse.

Céus. Ela mudou de um pé para o outro, o calor em suas bochechas diminuindo rapidamente, deixando para trás uma intensa sensação de tolice. Ele estivera se referindo ao seu veículo terrestre o tempo todo, a curiosidade terrestre barulhenta, primitiva e a queima de combustível fóssil que ele armazenava no compartimento de carga e viajava durante raras horas de tempo livre. Ele não tinha falado ou pensado sobre ela. Nunca perto de nenhum homem ela agiu como uma idiota tão egocêntrica e vazia.

Ela se recompôs. — Vou ao mercado.

— Eu vou te dar uma carona. — Disse Ian.

Ela repassou sua declaração em sua mente. Razoavelmente certa de que não havia significados duplos escondidos dentro, ela perguntou esperançosa: — No transporte terrestre de duas rodas?

— Se você não se importa de andar comigo.

Céus, não. Sua excursão de compras parecia melhor a cada minuto que passava. — Nem um pouco. — Disse ela.

Ian a seguiu pelo corredor que levava à escotilha de entrada dianteira. — Você vai precisar de um capacete e jaqueta.

Uma vez vestida com a vestimenta de couro que ele lhe deu, ela carregou seu capacete extra para a passarela. No fundo ficava o transporte - a Harley - um exemplo gigantesco de maquinário primitivo apoiado em uma perna de metal. Cintilando prata e preto, o transporte parecia trazer a história antiga à vida.

A antecipação pulsou por ela. — Que dia glorioso. — Disse ela, inalando os cheiros de couro aquecido pelo sol e combustível fóssil, graxa e poeira seca e empoeirada.

Enquanto Ian calçava as luvas, ela colocou o capacete e baixou a viseira depois de apenas alguns segundos se atrapalhando.

Ian embarcou primeiro, segurando o veículo firmememente com os pés enquanto ela jogava a perna por cima do assento e subia atrás dele, deslizando um pouco sobre o banco até que se sentiu centrada na sela larga.

Ele espiou por cima de um ombro largo coberto de couro. — Coloque seus braços em volta de mim e segure firme.

Timidamente, ela colocou os braços em volta da cintura dele. Seu pulso acelerou, desta vez por causa de sua proximidade física, ao invés da antecipação da viagem.

— Pronta? — Ele perguntou.

Ela apertou os braços ao redor dele. — Pronta.

O trovão do motor do veículo a assustou. Ela o abraçou com mais força e a lateral de seu capacete roçou em suas costas. Então eles cambalearam para frente, sacudiram, pararam.

Ian praguejou. — Maldita embreagem. — Ele murmurou em um inglês quase ininteligível.

Ela ergueu a cabeça. — O veículo está com defeito?

— Espere um momento.

Feliz em obedecer, ela se acomodou contra suas costas, com as mãos espalmadas em sua barriga. Os músculos de seu estômago flexionaram, empurrando suas palmas enquanto ele mudava o peso de seu corpo para ajustar algo no guidão do transporte.

Finalmente, ele perguntou mais uma vez, — Pronta?

— Pronto. — Ela murmurou em êxtase.

A motocicleta rolou suavemente para a frente, esmagando a pista de pouso suja e entrando na estrada adjacente, larga e plana, usada por carros locais e flutuantes. Mas a via pública estava vazia, apenas o sol e as árvores diante deles.

Quando chegaram ao mercado, Ian diminuiu a velocidade da “motocicleta”, como ele chamava. — Devemos parar tão cedo? — Tee'ah implorou. — Não podemos andar mais um pouco?

Ele riu com abandono. — Acho que você sabe a resposta para essa pergunta, Srta. Tee. — O apelido deu a ela uma incrível onda de prazer.

Ian se inclinou para frente enquanto eles aceleravam para longe do mercado, virando à esquerda em uma estrada mais estreita que ela não sabia que existia. Dirigiu-se para uma área onde um antigo incêndio florestal transformou a floresta em pastagem que a fez lembrar de sua casa, Mistraal. Mas sua saudade de casa logo se dissolveu na pura alegria da viagem.

Ele era um motociclista forte e atlético. Quando ele se inclinou para uma curva, ela se moveu com ele, desajeitadamente no início, e depois com confiança crescente. Agora ela entendia por que ele frequentemente deixava a nave ao amanhecer para experimentar isso. Era como voar. Não, melhor do que voar - era como se ela tivesse voado para o céu e se tornado parte do próprio vento. Ela gritou de alegria.

A rajada de ar abafou sua voz. Mas a mão enluvada de Ian encontrou sua coxa e deu-lhe um aperto suave. Eu sinto o mesmo. Tão certa quanto ela respirava, ela sabia que ele tinha falado essas palavras com seu toque. Ela queria cobrir seus dedos com os dela, passar a mão sobre a luva, mas não se atreveu a soltar sua cintura para fazê-lo.

Ao fazerem uma curva larga na estrada, um rebanho de novilhos Tromjha saiu de um pasto e entrou em seu caminho. Ian diminuiu a velocidade, mas continuou dirigindo. A massa de corpos gigantescos continuou a se espalhar pela estrada, passando da esquerda para a direita.

Ofegante, ela avisou: — Ian, cuidado com o gado.

— Você, que voou através de um campo de asteroides - manualmente - está preocupada com alguns bois peludos?

Ela arriscou o soltar para levantar o visor, agarrando a jaqueta dele com a outra mão. — Não vamos andar pelo rebanho... Vamos?

— Você não gosta de vacas?

— Vacas?

Ele deu uma risadinha. — É assim que as chamamos na Terra. Vacas. Eles parecem quase iguais. Cuidado, vacas, — ele chamou. — Ou minha cúmplice aqui vai comprar um de vocês para o nosso jantar.

À medida que se aproximavam do gado com três chifres, a poeira subiu, obliterando o caminho à frente. — Como você pode ver? — Tee'ah exigiu, então gritou quando eles erraram por pouco um par de feras. — Você não pode ver!

— Quem disse que eu preciso ver? Posso dizer pelos seus puxões em minha jaqueta se vou bater em alguma coisa. Agora espere. — Disse ele, imitando o aviso que ela deu no dia em que perderam o piloto automático.

Ela meio que gritou, meio riu enquanto Ian habilmente teceu dentro e fora dos corpos brancos e marrons volumosos. Finalmente, eles limparam o rebanho.

— Aquilo foi uma espécie de direção. — Disse ela, imitando seu Básico com sotaque terrestre.

— A resposta apropriada seria: não foi nada.

Ela não precisava ver seu rosto para saber que ele estava sorrindo.

Eles deixaram o cheiro bolorento de poeira e esterco para trás. Ian se inclinou para frente, acelerando mais rápido do que antes. Seu cabelo esvoaçava ao vento enquanto Ian se inclinava em uma curva vertiginosa, borrando a paisagem agrária. Exultante, ela jogou a cabeça para trás e riu com abandono. O cenário, a companhia de Ian e sua liberdade tornavam fácil acreditar que ela havia escapado de sua antiga vida para sempre.

Um prado particularmente bonito apareceu à distância. Ian diminuiu a velocidade e saiu da estrada. Com um jato de cascalho sibilante, ele parou. A princípio, tudo o que ela ouviu foi o zumbido nos ouvidos quando ele desligou o motor. Em seguida, o chiado de grilos e o zumbido sonolento dos insetos pontuaram o silêncio. Na extremidade oposta do prado, um lago brilhava à luz do sol das anãs brancas de Grüma.

Ela seguiu o exemplo de Ian e tirou o capacete. Uma leve brisa acariciou as pontas confusas e superprocessadas de seu cabelo, raízes douradas avermelhadas aprofundando-se nas pontas marrom-esverdeadas. Ela correu os dedos pelas mechas, muito revigorada para se importar se elas ficassem eretas. Ela se sentia viva, quase dolorosamente, como se todos os neurônios de seu corpo tivessem se libertado de um sono de toda a vida. Você esperou toda a sua vida por isso.

Ela não era uma solitária no coração; seus sonhos de liberdade sempre incluíram um futuro imaginado em que ela compartilharia aventuras com um homem que amava. Agora ela se perguntava se aquele homem poderia ser Ian Stone.

Ele desmontou e estendeu as mãos. Ela as agarrou e passou a perna por cima do assento. Com as pernas tremendo, ela olhou para ele. — Você gostou da viagem. — Disse ele, com os olhos brilhando.

Ela suspirou. — Muitíssimo.

Ele puxou as mãos das dela com relutância, como se desejasse contato físico tanto quanto ela, mas quisesse evitar se envolver nele. Na verdade, na maioria das vezes ele evitava ficar sozinho com ela. Ele estava preocupado com as repercussões de ter um relacionamento com um funcionário, ela argumentou. Mas com certeza essas ligações aconteciam o tempo todo na fronteira. Nada precisa mantê-los separados aqui.

Seu coração bateu forte em sua garganta quando ela ergueu as duas mãos, achatando-as em seu peito. — Isso foi maravilhoso, glorioso. Não consigo começar a descrever. — Ela deu um passo à frente. Ele recuou, como se tentasse preservar a distância entre eles, mas o salto de sua bota prendeu-se na grama úmida e espessa e ele cambaleou para trás. O ímpeto a levou para frente e ela caiu em cima dele, um joelho preso entre suas pernas, seu peito protegendo seus seios.

A grama úmida e perfumada formou um halo verde ao redor deles, silenciando o sol e acentuando o conhecimento de que ela e Ian estavam completamente sozinhos em um prado isolado. A consciência de seu corpo musculoso pressionado tão firmemente ao dela, a deixou sem fôlego. Mas foi o espanto e a admiração compartilhada em seus belos olhos que capturou seu coração. Com um suspiro suave, ela se inclinou sobre ele para reclamar o beijo negado a ela desde aquela noite mágica na floresta.

Fechando os olhos, ela enterrou os dedos em seu cabelo sedoso. Seus lábios estavam fechados, mas, quando ela passou a língua ao longo da costura entre eles, eles se separaram. Incerta, então com ânsia crescente, ela acariciou sua língua com a dela.

Ele não respondeu por vários segundos de choque. Então, como se algo dentro dele cedesse, ele soltou um gemido necessitado e espalmou uma mão atrás de sua cabeça, pressionando-a perto dele. Ele a beijou profundamente, avidamente, seu fervor igualando o dela. Ela se abandonou à pura sensação - seu cheiro, sua boca quente e lisa, a flexão de suas pernas firmes e musculosas entrelaçadas com as dela, e as pontas dos dedos quentes explorando sutilmente seu corpo. Os sentimentos que ele evocava nela eram poderosamente eróticos, mas o calor pulsante entre suas coxas a lembrava de que ela queria mais dele, muito mais.

Porém, experimentar “mais” antes de sua noite de núpcias ia contra sua educação, tudo que ela havia aprendido. Ela empurrou o aviso indesejado de sua mente. Não estou mais sujeita a essas regras. É minha vida agora. Sim. Ela estava livre. Ela poderia ser tão selvagem quanto ela queria ser. Eu quero mais, Ian. Eu quero tudo.

Como se ele tivesse ouvido seu desejo silencioso, ele a rolou de costas na grama macia. A paixão queimou através dela enquanto a palma da mão deslizava por seu quadril até as costelas, parando frustrantemente antes de acariciar seu seio. Com meros beijos, o prazer que ele deu a ela foi incrível - um milhão de vezes melhor do que o que ela tinha imaginado de tudo o que ela tinha lido e ouvido pelos instrutores sofisticados que cuidaram de sua educação sexual explícita e exigida por Vash Nadah. Mas o que quer que faltasse em habilidades reais de aplicação, ela estava determinada a compensar com puro entusiasmo.

Ansiosamente, ela alcançou o zíper da jaqueta de Ian e puxou-a até a cintura.


CAPÍTULO 13


Duas mãos pequenas e fortes deslizando sob sua jaqueta de couro sacudiram Ian de volta à realidade. O que diabos ele estava fazendo? Exatamente o que você jurou que não faria. Mas o que ele pensava que aconteceria se parasse em uma clareira isolada que gritava de piqueniques para dois e interlúdios românticos, com uma mulher divertida e sensual que não era apenas uma piloto fantástica, mas linda também, apesar de seu cabelo totalmente bizarro?

Ele arrancou sua boca da dela. Com as mãos espalmadas na grama fria, ele se ergueu sobre ela. Seus olhos estavam com as pálpebras pesadas, seu rosto corado vivo com paixão quando ela agarrou seu colarinho, puxando-o de volta para ela. Quando seus lábios se encontraram, o desejo incandescente brilhou através dele. Ian tentou lutar. Ele a queria, mas sem a possibilidade de um futuro juntos, ele não poderia ter Tee. Ele não repetiria os pecados de seu pai - intimidade física sem lealdade emocional. A única solução era demonstrar a contenção esperada de um príncipe Vash.

Mas dane-se se ela não explodiu suas melhores intenções.

A ponta úmida de sua língua era provocante, tentadora. — Vamos, Ian — ela persuadiu, seus dedos brincando em seu cabelo. — Beije-me novamente. — Ela parecia tão diferente... Tão despreocupada aqui, sozinha com ele.

É apenas um beijo, ele raciocinou, usando uma lógica que não queria examinar muito de perto. Eles podiam se beijar, mas não mais. Chame de linha na areia, ele pensou. Uma que ele simplesmente não cruzaria...

Com fome, ele tomou sua boca. Ela soltou um grito abafado e prendeu as mãos atrás da cabeça dele, beijando-o de volta com uma mistura indescritível de ansiedade e incerteza, conhecimento e inocência não praticada. Ela era boa. Boa demais. Ele queria tocá-la, prová-la em todos os lugares; ele queria sentir o calor líquido e apertado de estar dentro dela. Mas quando suas mãos espalmadas deslizaram de seu peito para seu abdômen e sob o cós da calça jeans, ele interrompeu o abraço com um esforço que quase o matou.

A linha... Não a cruze.

Tee o olhou com olhos dourados perspicazes. — Bom? — ela perguntou sem fôlego.

Ele exalou. — Uau.

Sua risada baixa e rouca revelou seu prazer em seu comentário. — Melhor do que o passeio de Harley, sim?

— Sem resposta. — Ele fechou os olhos enquanto ela beijava sua mandíbula. — Mas não podemos fazer isso.

— Mesmo? — A atenção dela preguiçosamente mudou de seus olhos para sua boca. — Como você chama isso, então - o que acabamos de fazer?

— Brincando com fogo. — Ele se levantou, deixando Tee caída na grama pisoteada. Sentado ao lado dela, ele puxou uma perna até o peito e equilibrou o antebraço em seu joelho. — O que todos sabem não é uma boa ideia.

— Eu entendo. — Ela rolou para o lado, de repente absorta em uma folha de grama que ela girou entre seus dedos delgados. — Você tem uma mulher, então. Eu deveria ter...

— Não, Tee, não é isso. Não há mais ninguém.

Ela largou a folha de grama, ficou de joelhos e jogou os braços sobre os ombros dele. — Bom — ela disse contra seus lábios. — Eu não podia tolerar ninguém que fosse infiel a uma companheira. Agora, onde estávamos? — ela perguntou, traçando a ponta do dedo sobre a boca dele. Ele pegou a mão dela e pressionou os lábios em sua palma úmida, em seguida, puxou-a para seu colo. Ela se mexeu em seus braços, seu corpo flexível moldando-se ao dele.

Ele precisava parar com isso. Agora. Levante-se e volte para a Harley. Mas Tee era para sua alma como uma janela aberta era para um quarto mofado há muito fechado. A leveza de espírito que ela evocava nele era viciante. Quando menino, ele assumiu a responsabilidade de tornar a vida de sua mãe o mais fácil possível, para compensar a dor que seu pai havia causado a ela. Ninguém pediu a ele; ele simplesmente agiu por um sentimento interior de decência. Consequentemente, sua vida por tanto tempo foi séria, carregada de responsabilidades, autoimposta e outras coisas.

E seu futuro prometia mais do mesmo. Mas isso não era um crime, fazer algo por diversão e prazer. Ele poderia muito bem semear um pouco de aveia selvagem enquanto ainda podia. E ela definitivamente parecia querer tanto quanto ele.

É só beijar.

— Estávamos fazendo isso. — Ele disse e a rolou embaixo dele. Ele acariciou sua orelha, mordiscou o lóbulo aveludado. Ela cheirava a grama verde e sabonete. Eles se beijaram novamente, doce e leve, acariciando-se pelo que pareceram horas. O afeto entre eles fluía tão facilmente, tão naturalmente. Era como se eles se conhecessem por toda a vida. Como isso era possível? Ele se surpreendeu.

— Quin vai se perguntar para onde fomos. — Ele murmurou finalmente, tocando os lábios na ponta do nariz dela.

Ela riu suavemente. —Deixe-o perguntar.

Ele apertou os braços ao redor dela. Seus beijos ficaram profundos, úmidos e quentes, do jeito que ele desejava fazer amor com ela. A resposta apaixonada dela quase o levou ao esquecimento, quase o fez esquecer todas as razões pelas quais ele não deveria estar com ela - eles não tinham esperança para um futuro; ela carecia da linhagem sagrada exigida para esposa adequada com quem ele deveria se casar para apaziguar os Vash Nadah.

De dentro do bolso da calça jeans, o comunicador estalou.

— Demônio do Sol para o Capitão Stone. — A voz profunda abafada de Muffin emanou de algum lugar perto da virilha de Ian, que por acaso estava aninhada deliciosamente entre as coxas de Tee.

Ele se apoiou nos braços e suas calças “falaram” novamente. — Capitão, qual é a sua situação?

Com os rostos a centímetros de distância, ele e Tee caíram na gargalhada ofegante. Então eles se sentaram, tirando a grama rasgada de suas roupas.

— Devemos dizer a ele? — Tee perguntou maliciosamente.

Ian puxou o comunicador do bolso e ofereceu a ela. — Continue.

— Isso é um desafio?

— Interprete da maneira que quiser, duende.

Ela pegou o comunicador. — Esta é a Tee. Continue.

Houve um momento de silêncio, então, — Já se passaram duas horas desde que vocês dois partiram. Tudo sobre controle?

— Bem, agora está. — Ela piscou para Ian. — Por um tempo eu não tinha certeza. Mas eu ajustei o capitão e acho que ele vai ficar bem agora.

Ian deu uma gargalhada.

— Hmm. Parece um problema de manutenção para mim —, disse Muffin. — Vou te passar para Quin.

Sem ver o rosto de Muffin, Ian achou difícil dizer se o homem estava puxando sua perna.

Quin veio em seguida no comunicador. Sua voz estava uma oitava acima do normal. — Qual é o problema? Você precisa de mim ou do Push para ir aí?

— Não!

Ian arrancou o comunicador dela. — Está tudo bem. Levamos a moto para dar uma volta e fomos mais longe do que eu planejei. — Para sua diversão, Tee corou. — Estamos indo para o mercado agora. Dê-nos uma hora padrão. Capitão Stone desliga.

Eles se levantaram, limpando-se enquanto voltavam para a Harley. Lá Ian embolsou o comunicador. — Não acredito que você disse isso.

Seu rosto caiu. — Ah! O que eu estava pensando?

— Tee, eu só estava brincando. Pensei que era engraçado.

— Oh. — Ela baixou as mãos e esboçou um sorriso envergonhado. — Toda minha vida me disseram que sou muito impetuosa e ousada. Então, eu presumi... —Ela deu de ombros. — Bem, às vezes eu divago.

— Ei. Acontece que gosto da sua divagação. — Seus olhos brilharam. Com felicidade? Com lágrimas? Antes que ele pudesse decifrar sua reação estranhamente emocional ao seu simples comentário, ela cruzou os braços sobre a cabeça e girou em um círculo lento, seu rosto inclinado para o sol. — Oh, Ian. O passeio... Isso... É maravilhoso. — Ela baixou os braços, suspirando de puro prazer. — Nunca me senti realmente parte dos eventos e das pessoas ao meu redor. Achei que devia ser defeituosa de alguma forma, porque me sentia como se estivesse vivendo minha vida dentro de uma bolha. Mas não mais. — Sua boca se torceu em um sorriso lento e tímido. — Você já se atreveu a deixar para trás o que era seguro e familiar, para que pudesse finalmente experimentar como era estar vivo - loucamente, totalmente vivo? — Sua voz vacilou e tornou-se rouca. — Então você já ficou tão assustado com o que fez que mal conseguia respirar?

A nuca dele formigou. No momento em que nossos lábios se encontraram, senti todas essas coisas.

— Sim — ele disse cuidadosamente. — Eu já. — Ele manteve sua expressão neutra enquanto a ajudava a subir em sua Harley. Não pela primeira vez, ele contemplou as enormes responsabilidades que acompanhavam seu novo papel como herdeiro da galáxia. Obrigação, sacrifício - eram eles que davam sentido à sua vida, e ele não conseguia imaginar a vida sem um senso de propósito definido. Só agora, em um instante, ele não conseguia se imaginar vivendo sem Tee. Sem nenhum esforço aparente, ela pegou sua existência simplesmente-perfeita-do-jeito-que-era-preto-e-branco e explodiu-a em cores de cortar os sentidos. Ele lutou contra uma forte sensação de perda, imaginando o dia em que não teriam escolha a não ser seguir seus caminhos separados.

Ele fechou o zíper da jaqueta até o queixo, levantou a gola e baixou o visor do capacete. A última coisa que ele queria era que Tee testemunhasse sua batalha interior; isso apenas complicaria o que estava por vir.

 


No mercado, Tee'ah reconheceu versões reconhecidamente exóticas de muitos ingredientes que vira apresentados nas refeições no Mistraal. Embora nunca tivesse visitado as cozinhas, ela costumava passear pelos pomares sombrios e pacíficos e pelas hortas cheias de umidade nas vastas estufas de seu mundo natal. Os produtos frescos faziam as melhores refeições, em sua opinião, e ela decidiu preparar o jantar com tantos ingredientes frescos quanto pudesse reunir, lembrando mentalmente a miríade de pratos que tinha admirado e consumido ao longo dos anos.

Depois que as compras foram feitas, ela e Ian voltaram para sua Harley, que estava protegida além de várias árvores. — Acho que temos que voltar agora —, disse Tee'ah. — A tripulação vai querer jantar.

— Sempre podemos fazer outro passeio em outro momento. — Ele a olhou por um momento, um sorriso afetuoso brincando em seus lábios. — Estive pensando sobre o que você disse antes... Como você se sente viva agora, mas não o fazia antes. Não consigo imaginar você diferente de como é agora.

Enquanto ficavam na frente da motocicleta, Tee'ah mudou seu peso de um pé para o outro. Ele estava fazendo uma tentativa óbvia de conhecê-la melhor. Ela cedeu e deu o primeiro passo; algum dia, se as coisas progredissem como parte dela esperava, não haveria mais segredos entre eles. — Tive uma vida muito confortável, na verdade. Eu deveria estar contente, feliz, satisfeita, todas essas coisas. Mas não estava. Amava minha família. Eu ainda amo. Mas se eu tivesse feito o que eles queriam, se eu tivesse me casado, eu teria morrido um pouco mais a cada dia até meu espírito, a parte que está aqui — ela bateu no peito com a mão direita — que sou eu, fosse drenada.

Ela baixou a mão. — Mas não espero que as pessoas entendam por que eu estava tão infeliz no que os outros considerariam um ambiente extremamente agradável.

— Nem todo mundo tem força para lutar contra o que se espera deles, Tee. Se você me perguntar, é preciso mais coragem para deixar uma vida boa porque você deveria ser feliz. Se não for, é fácil culpar a si mesmo. O que você fez exigiu coragem —, disse ele com admiração. — Muitas pessoas nunca vão atrás do que realmente querem da vida. Você foi. Fique orgulhosa.

Sua compreensão a deixou sem fôlego. Eles ficaram ali, a poucos metros de distância, mas passando entre eles um simples olhar que mil palavras poderiam transmitir.

— Você fala como se por experiência própria —, ela conseguiu dizer finalmente.

— Foi a experiência da minha mãe, não minha. A história dela é muito parecida com a sua. Ela levou anos para reunir coragem para mudar sua vida, mas ela o fez, e agora está casada de novo e mais feliz do que nunca. — Sua boca se apertou e ele puxou as luvas, um dedo de cada vez. — Meu pai tinha outras mulheres. Isso a machucava. Mas ela manteve o casamento para o bem da minha irmã gêmea e de mim. Quando éramos adolescentes, meus pais se separaram e meu pai se casou novamente com uma mulher muito mais jovem e teve um filho com ela. Eles também estão divorciados. — Sua boca se torceu amargamente. — Mas estou divagando. O que estou tentando dizer é que depois que o casamento acabou, minha mãe teve amigos, uma carreira pela qual ela era apaixonada... Uma vida perfeitamente boa. Mas não contentamento, não felicidade. Ela sentia que, com tudo o que tinha, não tinha o direito de reclamar ou desejar mais.

Tee'ah sentiu um arrepio percorrer seu corpo. A descrição de Ian do dilema de sua mãe estava muito próxima de sua própria experiência. Era reconfortante saber que os outros se sentiam como ela. O que não tirou sua culpa por sair de casa, mas tornou mais fácil de suportar.

Ian colocou seu capacete. — Você pensaria que uma mulher que pilotava jatos não teria medo de sair de uma rotina —, disse ele, baixando o visor. — Mas ela tinha.

Tee'ah sentiu o sangue sumir de sua cabeça. — Ela... Ela pilotava jatos? — Seu mundo se inclinou e ela agarrou o assento da Harley para manter o equilíbrio. Jas Hamilton B'kah era uma piloto. Ela também era a rainha de Rom B'kah e...

A mãe do príncipe herdeiro. Entorpecida, ela rezou para que Ian voltasse a lhe oferecer algo, qualquer coisa, para indicar que ele não era Ian Hamilton, o príncipe admirado por sua adesão impecável à tradição dos Vash Nadah. Ela não conseguia imaginar o que ele estaria fazendo na fronteira, sem luxos, sem as armadilhas do poder. Era uma maneira de se provar para aqueles que duvidavam de sua capacidade de governar?

Possivelmente. Mas de que adiantava mostrar que ele podia viver sem riquezas, sem proteção, quando nunca seria solicitado?

Ian falou enquanto apertava a tira de queixo de seu capacete. O visor escuro escondeu o pânico em seus olhos. — Sim —, disse ele. — Ela é uma piloto. Uma boa também. Como você.

Seus lábios secos formaram uma rouquidão. — Obrigada.

Ele deu um tapinha no assento. — Vamos para casa antes que Quin tenha um ataque cardíaco.

Ou antes que ela tenha. Trêmula, ela montou no transporte de duas rodas e se equilibrou no assento. Apesar do ar fresco, uma gota de suor escorreu por sua têmpora. Ela ponderou a semelhança física entre Ian e Jas. Eles compartilhavam o mesmo tom adorável de olhos cinza esverdeados, acentuados por cílios e sobrancelhas escuras, mas isso era tudo. No entanto, quando ela acrescentou o conhecimento de Ian e a compreensão da política galáctica, sua reação escandalizada às condições em Barésh e sua rapidez em defender os Vash, sua garganta se apertou até que ela mal conseguiu engolir. Doce céu, o que ela iria fazer?

— Ei. — Ian pressionou a mão enluvada em seu ombro. Sua expressão era ilegível por trás do visor escurecido. — Por que está tão quieta de repente?

Ela recorreu a todas as suas forças para manter a calma. Não adiantava se preocupar até que ela tivesse certeza da identidade de Ian. E ela ainda tinha que descobrir como ela poderia ter a certeza. — Estou pensando em sonhos — ela disse suavemente. — E o quanto eu quero segurar os meus.

— Vá atrás deles, Tee. Não deixe ninguém te impedir.

Você não diria isso se soubesse quem eu sou. De maneira rígida, ela respondeu: — Não vou.

Sem nenhuma razão, ela sentiu vontade de chorar e não entendeu a reação. Ela deveria estar apavorada com a possibilidade de estar a centímetros de um modelo de virtude Vash. Em vez disso, ela lamentou que nunca mais pudesse experimentar a alegria de tirar o fôlego de um passeio de Harley. Ou os beijos de Ian.

Se ele fosse o príncipe herdeiro...

Ian jogou a perna por cima do assento e deixou o motor esquentar antes de rolar a motocicleta pela terra esburacada até a estrada. Enquanto corriam de volta para o Demônio do Sol, Tee'ah não pôde deixar de se perguntar se o belo habitante da Terra provaria ser sua libertação ou sua ruína.

 


Ela esperou até ficar sozinha na cozinha antes de desmoronar. Com a escotilha fechada contra visitantes curiosos e potenciais príncipes herdeiros, ela se inclinou sobre o balcão, a cabeça baixa, incapaz de recuperar o fôlego. Ian poderia acabar com sua liberdade recém-descoberta com uma ligação para o palácio em Mistraal. A segurança de Dar seria enviada imediatamente. Ela não os escaparia desta vez; eles saberiam exatamente quem e onde ela estava.

Onde está sua coragem, Tee'ah?

Poderosa, impossivelmente antiga, a voz ecoou nas silenciosas passagens internas de sua mente. A voz de seus ancestrais - os fundadores dos Vash Nadah. Gerações atrás, aqueles oito guerreiros salvaram a galáxia da aniquilação. Mas houve muitas derrotas desmoralizantes antes que eles finalmente alcançassem a vitória. Seus próprios contratempos eram minúsculos em comparação.

O que seus heroicos ancestrais pensariam se a vissem se encolhendo assim?

Ela não tinha escapado de sua casa e já tinha ido tão longe? O tremor em seus braços acalmou. A agitação de seu estômago diminuiu. Olhos fechados, ela trabalhou em sua respiração até desacelerar. Então, deliberadamente, ela levantou a cabeça. Em seu momento de crise, ela instintivamente extraiu força e orientação de seu nobre legado. Com uma percepção repentina, ela entendeu que não importa o quão longe ela se afastou de suas raízes, não importa o quão fortemente ela evitou as crenças com as quais foi criada, ela sempre carregaria a essência daqueles antigos heróis em sua alma. Era um sentimento inato de orgulho que ninguém conseguia apagar. Era uma sensação estranha tirar força de tudo o que ela havia abandonado, mas a acalmou; ela sobreviveria, não importa o quê.

Ela começou a trabalhar limpando as frutas e verduras que comprou no mercado. Em seguida, ela tentou esculpi-las nos desenhos ornamentados criados pelos chefs do palácio de seu pai. Prato após prato foi montado e colocado de lado. Enquanto ela trabalhava, seus pensamentos voltaram para Ian.

Sua mãe voava em jatos da Terra.

Violentamente, ela enfiou a faca em um vegetal crocante e bulboso, torcendo até que se partisse em dois. Então ela o cortou em quatro. Jogando a lâmina, ela fez uma careta e pressionou a palma da mão na testa. Ela havia perdido seu caça estelar, cambaleado para fora dos bares, ficou bêbada, comprou anticoncepcionais, advertiu seu quase cunhado em um fliperama de realidade virtual, e, se tudo isso não bastasse, ela agora tinha praticamente estuprado o patrão, um homem que poderia muito bem representar tudo o que ela tentara escapar!

Tee'ah pegou a faca novamente e a cravou profundamente em outra raiz fibrosa - uma que a lembrava bastante de Klark Vedla. Ela permaneceu incerta por que ele não manteve a tradição e tentou levá-la para casa. Certamente o herdeiro B'kah teria. Quantas vezes seu pai comentou que Ian Hamilton tinha que ser mais do que perfeito se ele esperava ganhar a confiança do Grande Conselho?

E agora ela estava em sua nave. Ou poderia estar.

Seu corte ansioso havia transformado a raiz em polpa. Não querendo desperdiçar o vegetal, ela o transformou em uma panqueca pastosa. Quem comeria isso? Ela imaginou. Quin, talvez.

— Do estande de tiro à cozinha, hein? — Gredda entrou na cozinha. Ela pegou uma das frutinhas que Tee'ah tinha coberto com um adoçante pegajoso antes de empilhá-las em montanhas cônicas em miniatura. — Bagas frescas de lalla — ela murmurou enquanto colocava na boca. Com um sorriso de aprovação divertida, ela inspecionou as frutas e vegetais que Tee'ah preparou em todas as bandejas e travessas que encontrou.

Ver Gredda lembrou Tee'ah de quão rápido ela passara a ver a tripulação como uma família substituta. Mas esta noite ela se sentia mais como uma estranha do que nunca.

Provavelmente todos sabiam quem era o capitão, exceto ela. Obviamente, apesar do que aconteceu entre eles, Ian ainda não confiava nela.

Gredda fungou, como se testando o ar. Então ela franziu a testa. — Onde está a carne?

As preocupações de Tee'ah voltaram-se para um problema mais imediato. Ela espalmou as mãos pegajosas no balcão. — Vamos comer uma refeição vegetariana esta noite.

— Vegetariana? Bah. Nós mulheres precisamos de nossa proteína.

Tee'ah quase não admitiu que ficaria feliz em obedecer, se soubesse por quanto tempo cozinharia a ave, a carne ou a saborosa serpente marinha empacotada no refrigerador gigante na parte de trás da galera.

Gredda a estudou, seus olhos simpáticos como se ela tivesse adivinhado o verdadeiro motivo de sua refeição sem carne. Mas ela não constrangeu Tee'ah ao dizer isso. — Eu sei que é sua noite para cozinhar, e não desejo me intrometer em sua preparação, mas ficaria muito satisfeita se você me deixasse fazer carne Tromjha de acordo com a receita de Valkarian - do meu mundo natal. Esses homens de outro mundo, eles preferem seu ensopado com seus pedaços de carne cortados adequados para bebês. Mas eu digo que é hora de eles aprenderem a comer carne da maneira que deve ser consumida. Você está comigo, Tee? — Ela perguntou com uma piscadela.

Tee'ah ergueu as mãos em sinal de rendição. — Mostre-me o que fazer.

 


Ao cair da noite, a equipe se reuniu em torno da mesa de jantar. Ian inalou profundamente. — Algo cheira bem.

— Você vai gostar. — Disse Gredda, flexionando os músculos enquanto estendia um guardanapo sobre o colo.

— Tee deu a você uma degustação antecipada? — Muffin perguntou mal-humorado. — Ela não me deixou entrar na cozinha.

— Nem eu. — Disse Push.

Tee emergiu da cozinha com uma bandeja orgulhosamente segura nas mãos. Enquanto ela caminhava para a mesa, sua expressão era agradável, mas infinitamente ilegível. Quando Ian tentou fazer contato visual, ela evitou olhar para ele. Sua boca se torceu em exasperação.

Ela correu de volta para a cozinha para pegar outra bandeja, fazendo várias visitas de retorno até que três travessas cheias do que só poderiam ser chamadas de esculturas de vegetais e frutas estavam sobre a mesa. Elas eram tortos e deformados - um deles até se desintegrou enquanto o observavam - mas o esforço que havia sido feito para construir cada um era óbvio. Ninguém sabia muito bem o que dizer.

Finalmente, um Push atônito bateu em uma colina de frutas com seu utensílio. — Um ensopado simples teria ficado bom para nós.

— Espere —, disse Tee. — Tem mais. — Ela e Gredda trocaram um olhar privado. Desta vez, quando Tee desapareceu na cozinha, ela voltou com uma pesada bandeja de carne.

— Boi valkarian. — Ela anunciou sem fôlego e jogou a bandeja sobre a mesa. Sucos escorriam de buracos de garfo feitos na carne desigualmente cortada, enchendo a bandeja com um molho de cheiro delicioso.

Quin ficou boquiaberto com o pedaço fumegante de carne. — A pata... Ainda está presa.

— O casco — Gredda corrigiu, seus olhos brilhando com um brilho voraz. — A perna inteira sempre tem o melhor gosto. Por que vocês estrangeiros picam pedaços de carne perfeitamente bons, eu não sei. Em Valkar, arrancamos a carne do osso com os dentes. Vá em frente, coma o quanto quiser, mecânico. — O brilho faminto em seus olhos tornou-se sugestivo. — Um homem de verdade precisa de carne de verdade.

A compreensão tomou conta do rosto de Quin. Enquanto os dois membros da tripulação se consideravam no que parecia ser uma nova luz, Tee'ah ocupou seu lugar habitual ao lado de Ian.

— Ótimo jantar. — Ele disse em seu ouvido, tentando esquecer que era o mesmo doce lóbulo que ele mordiscou antes de quase devorar o resto dela.

Ela manteve sua atenção voltada para o prato vazio. — Obrigada. — Ela empurrou uma das bandejas de frutas em sua direção. — Coma, por favor.

— Depois de você. Você teve uma manhã e tanto. — Ele adicionou brincando na esperança de persuadi-la a deixar sua óbvia timidez repentina.

Ela corou. Finalmente, ele pensou. Uma reação.

— Algumas... Flores de cenoura. — Ele ofereceu.

— Florzinhas de abóbora-P'wulla —, corrigiu ela. — Só uma, por favor. — Ela voltou a ficar em silêncio.

Ele suspirou. — Nós vamos falar sobre isso mais tarde. — Ele sussurrou.

— Isso não é necessário.

— Sinto muito, mas não concordo. — Ele odiava perder seu relacionamento espirituoso porque eles tinham se agarrado em uma campina. No entanto, quando sua mente avançou rapidamente para o futuro, para as enormes responsabilidades que assumira e as promessas que havia feito, ele sabia que era o melhor para os dois.

Sim, ele pensou. E supõe-se que o feijão-de-lima também seja bom para você.

 


Depois do jantar, Tee'ah colocou pratos sujos no esterilizador e limpou o balcão de sementes, cascas e restos de vegetais. Em seguida, ela preparou uma bandeja com tock e café.

As risadas e as conversas de seus alegres e bem alimentados companheiros de tripulação surgiram pela escotilha da sala de jantar. Se as circunstâncias a obrigassem a deixar a nave, ela sentiria terrivelmente a falta deles. Pior ainda, ela não podia suportar a ideia de deixar Ian. A preocupação silenciosa dele com o silêncio dela apenas o tornara mais querido, mas a única maneira de ela manter sua nova vida era evitando a antiga. Não havia como escapar disso.

Ela jogou o pano no esterilizador, agarrou a bandeja e as canecas - entre elas suas favoritas - o roedor de orelhas redondas que Ian chamou de “Mickey Mouse” e outro brasonado com uma nave estelar impossível e as runas da Terra LEVE-ME PARA CIMA, SCOTTY! 3- e atravessou a escotilha.

Com o tock e o café, Ian expôs os planos da noite. — Já que não avançamos muito em nossa vigilância diurna para as idas e vindas de Randall, pensei em ir à cidade esta noite e ver se podemos encontrá-lo em um desses restaurantes.

— Voltaremos àquele bar —, propôs Gredda. — E você pode cantar uma música para nós, capitão.

— Podemos ir àquele bar — Ian fez uma careta atrás de sua caneca de café — mas não espere que eu forneça o entretenimento.

Muffin perguntou: — De quem é a vez de vigiar?

Tee'ah quase levantou a mão. A ideia de assistir Ian cantar, embora mal, era mais do que ela podia suportar agora.

— Minha de novo — Push falou sombriamente. — Eu acho que você vai ter que se divertir sem mim. — Os ombros do carregador caíram.

Tee'ah se pegou pensando em como isso era injusto. Por que ele deveria ser forçado a ficar de vigia quando a última coisa que ela queria fazer era uma folia? — Não, Push. Eu vou ficar.

Todos olharam em sua direção.

— Estou enjoada. — Pelo menos essa era a verdade, ela pensou. Além disso, ninguém deveria se importar com qual membro da tripulação permaneceria a bordo do Demônio do Sol contanto que um ficasse.

Ian parecia mais do que preocupado; ele parecia totalmente culpado. Ele a tinha descoberto? — Quão doente? — ele perguntou.

— Só doente. — Ela esboçou um sorriso pálido.

— Tudo bem —, disse ele resignadamente. — Push vai. Você fica.

Gredda murmurou algo afetuoso sobre Tee'ah precisar de mais carne em sua dieta. Um por um, o resto da tripulação se levantou. Desejaram a Tee uma recuperação rápida, depois seguiram a mulher musculosa até o corredor para vestir casacos e caminhar até a cidade.

Ian ficou para trás.

Aproximando a cadeira, ele se inclinou na direção de Tee'ah. — Agora podemos conversar. — Ele irradiava calor, a fragrância de sabonete e seu próprio perfume único, fazendo-a novamente ciente do corpo rígido e em forma que ele escondia sob a roupa. — O que aconteceu entre nós hoje incomodou você, não foi?

Não. Os segredos entre nós sim.

— Você tem todo o direito de ficar chateada —, ele continuou. — Eu levei as coisas longe demais. Peço desculpas.

Sua aguda autoconsciência a surpreendeu e encantou. — Você está esquecendo que eu comecei tudo! — Ela disse.

— Você pode ter começado, mas com certeza não lutei muito.

— Não — ela sorriu — você não lutou.

Ele franziu a testa. — Não foi profissional. Isso não vai acontecer de novo.

Apesar de suas preocupações com a identidade dele, apesar de seu medo de perder a liberdade, o desapontamento de Tee'ah veio à tona antes que ela pudesse impedir. Ou analisar. E o brilho em seus olhos disse a ela que ele tinha visto. O calor inundou seu rosto. Ela mascarou seu constrangimento com uma explicação blasé e - ela esperava - mundana. — Mesmo que isso aconteça, não se preocupe. Ligações casuais e descomplicadas são o que eu prefiro. Não há necessidade de fazer mais daquele beijo do que era.

Uma mistura de espanto, decepção e alívio cintilou em seu rosto expressivo. — Bem — ele disse lentamente. — Estou feliz por termos isso esclarecido.

— Capitão — a voz de Muffin retumbou no corredor. — Estamos prontos.

Ian empurrou sua cadeira para trás. Todo profissional de novo, ele disse a ela: — Ative as travas de segurança nas escotilhas. Então você não terá que ficar de guarda se não se sentir bem. Deixe o computador fazer o papel de babá.

Ela bufou. — Como quando eu voei através dos asteroides? Não, obrigada.

— Quin disse que o computador está funcionando bem. Eu acredito nele, ou não te deixaria aqui sozinha. — Ele ficou. — Durma um pouco.

Ela duvidava que ela dormiria.

Silenciosamente, ela o acompanhou até a cabine do piloto. De lá, ela o viu partir com o resto da tripulação. Mesmo depois que todas as cinco sombras desapareceram na floresta negra, ela continuou olhando para a noite, ouvindo o som de sua respiração no navio vazio e silencioso.

— Computador - toque 'Melodia das Flautas Cirrianas' — Disse ela, acomodando-se na cadeira do piloto. Uma música suave encheu nave. Ela apoiou as botas no console de navegação e tentou manter sua mente longe de quem era Ian - ou quem ele não era.

Enquanto ele não souber quem você é, você está segura.

Sim. Certamente ela estava mais segura agora do que nunca. A nave do príncipe herdeiro era o último lugar onde alguém esperaria encontrá-la.

Um barulho rápido de arranhar de fora invadiu seus pensamentos. Ela baixou os pés e sentou-se, inclinando a cabeça. Grüma era o lar de uma variedade de criaturas selvagens, mas, como os comerciantes que frequentavam os bares locais, eles eram em sua maioria inofensivos. Principalmente, eles participavam de noites longas e ativas de forrageamento e miados. Provavelmente o cheiro persistente de seu jantar de carne assada havia trazido alguns dos animais mais perto do que o normal.

Ela pegou sua pistola na gaveta de armazenamento em seu posto e acendeu as luzes externas da nave. Duas pancadas abafadas emanaram do casco, como se a iluminação repentina tivesse assustado o que quer que estivesse lá fora. Seu batimento cardíaco aumentou. Se era uma fera carnívora saqueadora, era grande.

Ela escaneou o exterior da nave usando um infravermelho, aprimoramento de busca de calor que exibia objetos de acordo com a temperatura. O scanner mostrou algumas pequenas formas de vida na escuridão além da orla de luz que circundava o Demônio do Sol. Vários animais se alimentavam mais perto da nave - roedores ou algo semelhante. Ela continuou procurando.

Grüma estava cheia até a borda com pessoas de todas as origens. Ela tinha ouvido Quin e Gredda falarem sobre alguns dos mercadores mais desagradáveis que eles diziam que atacavam naves vazios, roubando peças para vender no mercado negro. Mas alguém poderia querer fazer mal ao Demônio do Sol por outras razões muito mais sombrias, alguém que não queria que eles seguissem o senador Randall - um alvo que assumiu um significado inteiramente novo e fascinante agora que ela suspeitava do príncipe herdeiro ele próprio o estava espionando.

Ela amaldiçoou seu hábito de inventar elaborados esquemas de intriga, uma consequência de ter crescido entre a realeza dos Vash. Ela não tinha razão para acreditar que alguém estava tramando alguma coisa. No entanto, se Ian era quem ela pensava que era, sua posição o tornava um alvo natural para assassinato - especialmente dada sua herança não-Vash. E embora ela duvidasse que alguém faria um atentado aberto contra sua vida na parte central da galáxia, fazer sua morte parecer um acidente na fronteira poderia ser viável. Mesmo aqueles que amavam Rom B'kah podiam não investigar muito a fundo a morte equivocada de seu herdeiro impróprio. Então, um príncipe “adequado” poderia assumir o trono - um príncipe como Ché Vedla, o homem com quem ela teria se casado.

O pressentimento a gelou. Não admira que Ian estivesse se mantendo discreto.

Outro baque atraiu sua atenção para o visor de status do motor da nave. Um retângulo verde representando o painel de acesso principal ao propulsor do motor número um passou de verde para âmbar piscante e para vermelho constante, informando que o painel agora estava entreaberto. Se ela não tivesse visto a evidência inegável exibida no esquema, ela não teria acreditado - ou a imagem igualmente chocante no scanner infravermelho. Uma forma de tamanho humano agachada perto do propulsor. Alguém estava tentando danificar a nave!

Ela alcançou o comunicador principal no mesmo instante em que o interior da nave escureceu. Luzes falsas brilhavam em seus olhos com cada batida de seu coração, que parecia que estava prestes a explodir. — Capitão, este é o Demônio do Sol; na escuta?

Não houve resposta.

Ela tentou novamente. — Retorne ao Demôno do Sol - imediatamente.

O comunicador estava morto. Toda a energia da nave deve ter sido cortada, incluindo as travas de segurança, ela percebeu com uma sensação desconcertante de vulnerabilidade. Felizmente, as escotilhas travaram mecanicamente após a perda total de energia e não podiam ser abertas pelo lado de fora sem desmontar a escotilha em si. Mas se o invasor quisesse, ele certamente poderia forçar seu caminho para dentro com tempo suficiente.

Ele não teria esse tempo; ela teria certeza disso.

Ela agarrou sua pistola e uma lanterna auxiliar. Em seguida, ela liberou a fechadura manual da porta de entrada principal. Ela levantou com um assobio excessivamente alto. O ar gelado a atingiu como um tapa na cara. A temperatura lá fora estava muito mais fria do que ela esperava. Quando ela saiu, um galho quebrou sob suas botas. Ela estremeceu. Então, tremendo sem sua jaqueta, ela avançou lentamente, olhando ao redor da fuselagem para a parte traseira do navio.

Ela apontou a lanterna e sua arma para a escuridão, preparando-se. — Quem está aí? Identifique-se. — Ela chamou. O feixe de luz dela iluminou um intruso encapuzado - e a pistola que ele apontou para a cabeça dela.

Um raio de luz ardente passou zunindo. Ela mergulhou em direção a nave, procurando cobertura. O ar estalou. O solo próximo explodiu e queimou onde os tiros de seu oponente atingiram a terra. Céus, ela estava em um tiroteio! A menos que as pessoas criassem alvos mais fáceis do que caixas de produção, ela estava em apuros.

Houve mais tiros. Seus ouvidos zumbiam. Ela espiou pela fuselagem e tentou ver seu agressor. Ele atirou e quase a atingiu. Ela retaliou cegamente, temendo que, se parasse de atirar, sua próxima rajada a matasse. Mas seus tiros foram à loucura. Houve uma explosão de luz em resposta a centímetros de seu ombro, levantando os cabelos de sua nuca. Então o intruso disparou para a floresta.

Ela escolheu uma árvore e atirou acima de sua cabeça, pensando que poderia detê-lo deixando cair um galho de árvore em sua cabeça. Um raio nítido de vermelho tingido de verde saiu de sua pistola. Com um estalo ensurdecedor, o galho fumegante se espatifou no chão, errando por pouco seu agressor em fuga.

Cheia de adrenalina, ela saltou atrás dele. Pássaros assustados, acordados de seu sono, voaram para o céu quando seu agressor caiu por entre as árvores. Então, pouco antes de desaparecer, ele lançou um olhar por cima do ombro. Seu coração parou, e ela também. Ela conhecia aqueles olhos, tão parecidos com os dela. E aquele rosto; estava impresso em sua memória.

— Klark! — Ela gritou atrás dele. Ela cambaleou de fúria. Um desejo primitivo e sanguinário de terminar a matança a incentivou a voltar a persegui-lo, mas o bom senso a deteve. Respirando fundo, ela abaixou a pistola e cedeu de terror contra a fuselagem do Demônio do Sol. O odor acre de metal quente e madeira carbonizada picou suas narinas.

Ela esperava ter visto Klark pela última vez, que ele tivesse satisfeito sua necessidade de vingança ao humilhá-la na arcada. Mas ele estava de volta e quase a matou. O que ele queria - sua própria vida por rejeitar seu irmão? Isso era uma loucura.

Quando suas pernas pararam de tremer, ela correu até o propulsor. Ela encontrou a capota aberta e as entranhas dilaceradas do motor expostas. Agarrando o tecido de seu macacão de voo contra o peito, ela fechou os olhos com força. No fliperama, Klark disse que não era sobre ela, mas ela não acreditou nele. Agora ela entendia.

Ele queria destruir Ian.


CAPÍTULO 14


Com os punhos enfiados nos bolsos para lutar contra os efeitos do ar frio da noite, Ian caminhava ao lado de Muffin, meio ouvindo Push, Gredda e as reminiscências engraçadas de Quin enquanto todos eles voltavam pela floresta.

Depois de um drinque no bar mais próximo e uma varredura pela cidade à procura de Randall, na qual eles apareceram de mãos vazias, eles cancelaram a noite por unanimidade. Randall estava obviamente escondido em sua nave.

Foi tão bom - Ian queria mais tempo para trabalhar em sua proposta. Ele sabia que seus detratores esperavam que ele, como um habitante da Terra e homem da fronteira, fosse incapaz de se manter em negociações sérias, mas eles estavam errados. Quando ele confrontasse o senador, ele teria vários planos coerentes e bem pesquisados - ou pelo menos o esqueleto deles. Previdência e disciplina sempre foram sua força.

Um tiro soou à distância. Pássaros guinchando explodiram das árvores próximas, mas uma intensa troca de tiros de pistola abafou os gritos.

Muffin jogou seu braço na frente de Ian, o gesto instintivo de um homem protegendo seu líder, ao mesmo tempo que Ian alcançou sua arma com velocidade adrenalizada.

Mais tiros de plasma terminaram em um estalo explosivo de madeira rachada que ecoou pela floresta. Então uma mulher gritou.

Tee!

Ian começou a correr. — Para a nave! — Ele gritou.

Galhos arranharam seu rosto. Sem fôlego, ele saiu da linha das árvores, derrapando até parar na área de pouso da nave. Bem em seus calcanhares, Quin tropeçou e parou e apontou sua lanterna para o Demônio do Sol.

Com o peito arfando, Tee estreitou os olhos para a viga, os olhos selvagens. De uma das mãos pendia uma pistola fumegante; agarrada na outra estava uma lanterna. O sangue brilhava em sua testa.

— Push — Ian gritou. — Verifique se há intrusos no perímetro. Gredda, pegue o kit médico. — Sua tripulação decolou em direções opostas.

Enquanto Muffin guiava Tee para longe da nave e a colocava no chão, Quin disse: — Vou colocar o gerador auxiliar online - aquele que deveria ter ligado automaticamente.

— Por que não foi? — Ian exigiu. Ele deixou Tee sozinha com um sistema de segurança defeituoso e disse a ela para dormir? A ação foi criminosa, especialmente sabendo que alguém poderia estar atrás dele.

— O inferno se eu sei, capitão. Mas pretendo descobrir. — Xingando no computador da nave, o mecânico correu até a rampa de entrada e, após algumas partidas em falso, deu partida no gerador manualmente. As luzes externas e internas acenderam-se intensamente.

Apaziguado, Ian caminhou até onde Tee estava sentada, com as longas pernas esparramadas na terra. Quando ele se agachou na frente dela, ela olhou para ele com uma expressão ligeiramente atordoada. Algo dentro dele cedeu como uma necessidade elementar de abraçá-la, de cuidar dela, ofuscando qualquer coisa que ele tivesse sentido antes. Mas em vez de puxá-la em seus braços, ele amaldiçoou as circunstâncias que os mantinham separados. — Gredda vai consertar você. — Ele disse gentilmente.

— Estou ferida? — Ela levou a mão trêmula à cabeça.

Ian agarrou seus dedos. — Não faça isso.

— Algo deve ter ricocheteado e me atingido —, disse ela. — Eu não senti isso. — Ela se examinou. — Eu não fui baleada, fui?

Sorrindo, ele tirou a jaqueta e a colocou sobre os ombros dela. — Não que eu possa dizer. Graças a Deus.

— Bom. Agora posso matá-lo. — Sua boca se contorceu de raiva. — De preferência com minhas próprias mãos para que eu possa senti-lo sofrer.

— Matá-lo? Matar quem? Tee, o que diabos aconteceu?

— Alguém tentou sabotar a nave.

Afastando-se do propulsor, Quin enfiou as mãos nos bolsos. — Alguém sabotou a nave.

O pescoço de Ian formigou. Ele tirou o comunicador do bolso. — Vê alguma coisa, Push?

— Não senhor. Ainda não.

Quin interrompeu: — Acho que posso consertá-la no meio da manhã —, com relutante reconhecimento, ele acrescentou: — Tee perseguiu quem quer que fosse antes que ele causasse algum dano real.

Ian suspirou. — Leve o tempo que for necessário para fazer os reparos direito. Quando Randall partir para a Terra, quero que o sigamos. Não quero que haja nenhuma razão para sermos deixados para trás, especialmente não sentados aqui cuidando de uma nave quebrada.

Gredda voltou com o kit médico e o casaco de Tee.

Tee estremeceu quando a grande Valkarian cuidou do ferimento em seu couro cabeludo. — A energia caiu - as travas de segurança também —, disse ela. — Eu vi o que parecia ser uma pessoa perto do propulsor, então saí para assustá-lo.

— Você não deveria ter saído sozinha — Ian disse a ela.

Sua preocupação surgiu de sua frustração por não estar lá para protegê-la, mas ela tomou isso como um insulto. — Eu entendi perfeitamente o risco. Eu considerei a situação desesperadora o suficiente para justificá-la. Foi uma decisão que provavelmente salvou a sua nave.

— E quase te custou a vida — ele retrucou. — Você cegamente entrou em ação. Você deve sempre pensar bem nas coisas, fazer um plano.

Uma sobrancelha arqueada. — Em outras palavras, não lidei com isso da maneira certa.

— O caminho seguro, Tee. — Ele emendou.

— Do seu jeito, você quer dizer.

Eles se encararam. Prudência versus coragem, ele pensou.

Seu tom se suavizou - apenas uma fração, mas o suficiente para dizer a ele que ela finalmente reconheceu a preocupação em seu tom. — Eu tentei entrar em contato com você, Ian. A energia foi desligada antes que a chamada fosse completada. Meu comunicador pessoal estava em meus aposentos e, no escuro, não achei que tivesse tempo suficiente para pegá-lo e salvar a nave. Quando ele me viu sair, ele começou a atirar. Eu atirei de volta. Então ele correu para a floresta. Quase coloquei aquele galho de árvore na cabeça dele.

Em uníssono, os olhos da tripulação desviaram-se para um enorme galho fumegante esmagando um bosque de plantas parecidas com samambaias úmidas.

Tee rosnou: — Eu gostaria de ter feito.

— A prática levará à perfeição — Gredda disse ao lado dela. A grande mulher estava se concentrando em seus cuidados, cobrindo a abrasão de Tee com bandagem curadora. Em seguida, ela bagunçou o cabelo de Tee. Os curtos cachos marrom-esverdeados em sua testa saltaram para cima e permaneceram lá. — Aqui. Você vai viver.

Tee ficou de pé. Ian tentou ajudá-la, mas ela se afastou, agarrando sua jaqueta. Seus olhos claros brilharam de indignação. — Eu quero alguns esclarecimentos sobre este meu trabalho, e eu quero agora. A mesma carga que estava no porão no dia em que entrei nesta nave ainda está lá. Não fizemos um único ato de troca em todo o tempo que trabalhei para você. Você disse que estamos verificando seu concorrente, mas estamos seguindo um senador da Terra. Vamos, Ian. Quão estúpida você acha que eu sou?

Quin tossiu. Gredda brincava com um botão solto em seu colete e Muffin assobiava silenciosamente, tamborilando os dedos em seus braços. — É melhor eu verificar o perímetro novamente — Push disse e fez uma meia-volta abrupta.

Ian não conseguia pensar em nada para dizer. Com sua aptidão para a política galáctica, era inevitável que Tee logo adivinhasse sua identidade.

A jovem endireitou-se em toda a sua altura. — Eu trabalhei duro para você, habitante da Terra. Eu arrisquei minha vida para você. Não porque eu precisava, mas porque eu queria. Mesmo assim, você não confia em mim. O que mais eu tenho que fazer para provar minha lealdade a você e a esta tripulação?

— Nada, Tee. Você tem o direito de saber tudo.

Sua voz perdeu o tom. — Você não é um comerciante, é?

— Não — ele disse calmamente. —Eu não sou.

Ela soltou um suspiro rápido e áspero.

— Meu nome é Ian Hamilton. Sou o herdeiro da Federação do Comércio e príncipe herdeiro do império Vash. Não divulguei esse fato porque queria me manter discreto. Eu não teria sido capaz de descobrir o que descobri de outra forma.

Tremendo, Tee limpou o nariz com as costas da mão. Pela primeira vez desde que ele a conheceu, ela parecia realmente com medo. — Você tem inimigos, Ian. — Ela disse finalmente.

— Tenho essa sensação.

— É hora de você descobrir quem eles são. Eu... Eu não quero que nada aconteça com você.

Ele mudou seu peso. — Nada vai acontecer comigo.

— Você não sabe contra quem está lutando. — Algo em seu tom o atingiu.

— Você sabe? — ele perguntou.

Sua respiração formou nuvens no ar frio enquanto ela apertava as mãos, um gesto que ele passou a associar com sua tensão. Toda a equipe se reuniu ao redor deles, ouvindo com atenção. — Havia um homem no mercado no dia em que você e Muffin me levaram para fazer compras. Ele estava olhando para mim do outro lado da rua, tão abertamente que o comerciante percebeu e chamou minha atenção para isso. Ele estava vestindo uma capa e capuz, então eu não podia ver seu rosto, mas quando ele se virou, pude ver seus olhos. — A centelha do verdadeiro medo - era para ele? - isso cruzou o rosto dela desapareceu tão rápido que ele não tinha certeza se tinha visto. — Ian, ele era Vash Nadah.

— Uma Vash? Aqui? — Seu sangue disparou. Isso era realmente suspeito. O povo de seu padrasto raramente deixava o interior da galáxia.

Tee continuou: — Porque eu não sabia quem você era, então, não disse nada. Isso não desculpa minha negligência, mas eu estava tão focada na autopreservação que não parei para pensar que ele poderia ser um perigo para você e para a tripulação.

— Depois do quase acidente com aqueles Dars em Asneira, posso ver por quê —, ele reconheceu.

— Então, em Barésh, quando nos separamos, fui seguida. Era o Vash encapuzado novamente, e dessa vez conversamos. Ele deixou escapar que ele estava no Asneira de Donavan.

Ian pensou no bartender maluco e em seu aviso. Tome cuidado. — Quem era ele, Tee? Ele disse?

— Klark Vedla. — Um músculo saltou em sua bochecha e seu rosto brilhava de suor, apesar do ar gelado. — Você o conhece, sim?

— Sim. — Ele estava mais familiarizado com o irmão mais velho do príncipe. Ché era o primeiro na fila para o trono até Ian entrar em cena.

— Klark esteve aqui, Ian. Esta noite. Ele danificou sua nave.

A declaração dela o atingiu como um dois por quatro entre os olhos. Uma onda de fúria passou por ele. — Para o inferno com a nave; ele quase te matou! — Ele esperava que sua dedicação ao Vash, sua participação no Grande Conselho, seu trabalho para se tornar o príncipe Vash perfeito, teriam tranquilizado qualquer um que discordasse de sua escolha como herdeiro de Rom. Mas agora estava claro que esse otimismo era prematuro. Os Vash Nadah eram pacifistas em uma escala galáctica, mas e em um nível mais pessoal? Não era típico deles recorrerem à violência, mas e se o vissem como uma ameaça à sua querida linhagem ancestral? Até onde eles estavam dispostos a ir para manter um dos seus no trono? E agora que ele suspeitava de um crime, como deveria lidar com isso? A execução seria tão crítica quanto a resolução.

Ian voltou sua atenção para Tee. — Diga-me exatamente o que aconteceu na nave. O que esse Vash fez? O que ele disse para você?

— Ele me fez sentar com ele e tomar uma bebida. Eu não queria ficar lá, é claro, então ele ficou com raiva e começou a reclamar. Ele deixou escapar que achava que seu irmão mais velho merecia mais poder do que o rei estava disposto a dar a ele. — Ela mudou de um pé para o outro, inquieta, e Ian se pegou pensando que ela estava com medo ou estava segurando algo. Depois de um momento, ela acrescentou: — O episódio inteiro foi muito estranho. Parecia que tudo o que ele queria era que eu bebesse.

— Quanto você bebeu?

—Apenas provei uma bebida. — Ela rebateu defensivamente.

— Provou? — Ele repetiu.

Houve um silêncio mortal. Mesmo as criaturas noturnas silenciaram quando uma calma quase assustadora o invadiu. — Você mal conseguia sair daquele bar. Você não se perguntou sobre isso?

— Eu culpei minha baixa tolerância ao álcool e ao teor alcoólico do que eu bebia...— Seus olhos se arregalaram com compreensão. — Você acha que é mais do que isso.

— Vedla tem envenenado nossos pilotos. O tempo todo. — Ian soltou uma rápida risada de dor e ergueu as mãos. — E eu pensei que vocês eram todos alcoólatras.

Tee fez uma careta. — O piloto que veio antes de mim, ele o matou?

— Deliberadamente - ou acidentalmente por overdose — Muffin concordou. — Se ele queria nos atrasar e nos impedir de alcançar Randall, funcionou. No início.

A tripulação resmungou com mais observações e suposições.

Ian lutou para controlar sua raiva. — Mas eu não demiti você por embriaguez como ele esperava, então agora ele está atrás da nave. Já tivemos mais do que nossa cota de problemas de manutenção, Quin. Você vê alguma conexão com Klark?

O mecânico balançou a cabeça. — Os defeitos são muito aleatórios. Sistemas diferentes quebram a cada vez, e são sistemas que ele não conseguia acessar. Queria que ele fosse a resposta, capitão, porque estou muito cansado de tentar consertar nossa má sorte.

— E estou malditamente cansado de ser um idiota. — Com a mão no coldre, Ian caminhou em direção a um bosque de árvores a uma dúzia de metros de distância. — Vão para dentro, todos. Fizemos tudo o que pudemos esta noite. Eu recomendo que vocês durmam enquanto podem. Cuidaremos de Klark em breve! — Sua proclamação funcionou; a tripulação saiu animada, resmungando sobre como o sabotador Vash estava prestes a receber o que merecia.

— Cacete! — Ian podia ouvir sua irmã dizendo. — Ian Hamilton vai chutar alguns traseiros. — Sim, era isso que Ilana gostaria - um bom chute de bunda à moda antiga - e Tee também, pelo que parecia antes. Mas não era assim que ele operava. Ele havia passado todos aqueles anos de taekwondo na Terra para não ter que lutar - e funcionou. Ele sempre foi capaz de usar seu cérebro e sua boca para sair de todas as situações.

Vigilante por sons ou movimentos incomuns na floresta, ele inclinou a cabeça para trás e olhou para as estrelas, mas sua beleza nua e crua foi perdida para ele esta noite. Se o que a duende disse era verdade, Klark estava interferindo em sua missão quase desde o início.

Galhos estalaram atrás dele. Ele não precisava ver quem era; ele sentiu a presença de Tee em um plano que ia além do físico. Deve ser isso que os Vash quiseram dizer quando falavam de serem capazes de intuir a presença de outra pessoa, como era praticado por meio do esporte de bajha. Fosse o que fosse, ele sentiu algo. Ele sentiu-a.

— Está frio, Ian.

Ele tirou a jaqueta para ela, e ela vestiu a jaqueta. — Se ele realmente quisesse me assassinar, eu já estaria morta. — Foi tudo o que disse.

Seu tom revelou sua aversão ao assunto. — Sim. Eu também acho.

Ele revirou os ombros para aliviar o aperto no pescoço. — Se você tirar o assassinato da equação, cada ato que ele comete parece calculado para me manter longe de Randall. Mas porquê?

— As respostas estão dentro de você —, dizia Rom. — Ouça seus sentidos Ian, confie neles.

Fechando os olhos, Ian lembrou, palavra por palavra, nuance por nuance, tudo o que Rom lhe ensinou sobre prestar atenção a seus sentidos e levar sua precognição a um nível superior. Os Vash Nadah valorizavam a importância da intuição, ao longo dos séculos havia elevado seu cultivo a uma forma de arte, mas ele estava pronto para fazê-lo sozinho?

Seus instintos sempre foram bons. Ele herdou essa habilidade de sua mãe e nos últimos anos aprendeu a aprimorá-la, graças à paciência de Rom e instrução especializada. Guie-me...

A voz de Tee quebrou sua concentração. — Quanto mais eu penso nisso, mais acho que Klark queria que viéssemos atrás dele. Esta noite. Por que mais ele teria se deixado ser visto?

Ian abriu um olho. — Sim! É exatamente isso. Uma distração - ele quer desviar minha atenção de Randall. Ele precisa disso. — A euforia o fez esquecer o cansaço. Ele soltou um grito e depois riu da surpresa de Tee. — Você não vê? Klark é associado de Randall!

— Doce céu. — Tee respirou fundo.

— Foi ele quem contou a Randall sobre Barésh. Foi ele quem lhe mostrou os mundos marginais. — Era a conspiração perfeita - um Vash da realeza facilitando a interação entre mundos de fronteira problemáticos e a Terra, encorajando a visão de um poderoso político da Terra de uma fronteira autogerida, levantando o espectro da futura volatilidade galáctica, o Grande Conselho insistiria apenas em um rei Vash puro poderia lidar.

— Uma fronteira instável não deixaria meu padrasto escolha a não ser escolher um sucessor de Vash. — Ian especulou em voz alta.

Os lábios de Tee se comprimiram. — Alguém como o irmão mais velho de Klark. Ché Vedla.

— E é exatamente por isso que não vou atrás de Klark. — Lembre-se de sua missão. — Klark é a distração. Randall é o foco. — Seu instinto lhe disse isso.

Ian espalmou a mão nas costas de Tee e a puxou para a nave. — Randall está se preparando para partir para a Terra, e logo - eu sinto isso. E Klark está se balançando como isca para me impedir de ir atrás dele. — Mais suposições, ele pensou. Outro palpite. Ele ousaria se arriscar a deixar Klark fugir enquanto ele se concentrava em cortejar Randall? E se sua interpretação do plano de Klark fosse falha?

Mas o tempo estava se esgotando. Ele tinha que confiar em seus instintos, acreditar em si mesmo.

Os olhos de Ian buscaram as estrelas mais uma vez. Cada brilho era um mundo que ele algum dia governaria. Mas não era essa presunção também, baseada apenas em um palpite - a premonição de Rom de que sua ascensão ao trono restauraria o frescor de uma sociedade estagnada e a unidade de uma galáxia à beira da revolução?

Um tremor o percorreu. Seu destino tinha seus méritos, ele supôs, mas estava claro que uma vida serena e pacífica não seria um deles.

— À primeira luz, vou para a nave de Randall. — Disse ele.

— Você disse que sua proposta não estava pronta.

— Estamos sem tempo, Tee; Randall está indo embora. Tenho que tranquilizá-lo sobre Barésh... E sobre mim, antes que ele transmita suas observações unilaterais para a Terra. — Eles pararam na parte inferior da rampa de entrada. — Além disso, eu tenho algumas horas — ele adicionou, então abriu um sorriso. — Quem precisa dormir, afinal?

— Eu vou te ajudar. — Ela ofereceu.

Ian olhou para sea piloto. Seus dedos latejavam de frio. Deslizando as mãos nos bolsos da jaqueta, ele disse: — Você não tem obrigação de fazer isso, Tee.

— Sei que não fazia parte de sua equipe original, mas acredito em você e no que está fazendo. Você se preocupa muito com Barésh e em mundos como ele. Você quer ajudá-los e, ao mesmo tempo, convencer a Terra a permanecer na Federação. Eu admiro isso... Como você deseja equilibrar as necessidades de sua casa com o futuro da galáxia. — Seus olhos dourados brilharam estranhamente. Com a voz firme, ela acrescentou: — Você será um bom rei.

A inevitabilidade de sua eventual separação pesava em seu peito. E o dela também, se ele a estava interpretando bem. Ela, como ele, percebeu que eles nunca poderiam ficar juntos. E ela também deve estar se esforçando para fingir que a dor não estava lá.

Ele levou a mão ao rosto dela. Essa duende-fera de rosto doce era o problema que encarnava para ele - uma mulher inteligente e irreprimível com olhos de Vash e um passado questionável. Ela o manteve se perguntando como seria fazer amor com ela, embora sua mente pertencesse a outro lugar - qualquer outro lugar - e a necessidade de tocá-la estava tão perto de sobrepujar seu melhor julgamento.

— Por favor —, disse ela. — Deixa-me ajudar. Eu tenho... Um conhecimento em política.

— Percebi.

— Então deixe-me fazer parte de tudo isso. Deixe-me ajudar.

Os anos que passou submerso na cultura Vash o incentivaram a confiar em seus sentidos, e esses sentidos lhe disseram para aceitar a ajuda que ela oferecia. Ele confiava nela. — Tudo bem. — Disse ele, incapaz de afastar a sensação de que, ao unir forças com Tee, ele havia apenas girado seu destino em uma curva acentuada para a esquerda.

Seu rosto brilhava. Sorrindo, ele passou a mão aberta sobre o cabelo dela, saboreando a suavidade das pontas cortadas contra a palma da mão. — Ah, duende — ele disse. — Você usa seu coração na manga.

Ela entrelaçou os dedos com os dele e levou os nós dos dedos ao rosto. — O que isso significa?

—É o que dizemos na Terra quando os sentimentos de alguém são fáceis de ler. Os seus são para mim... Mesmo quando você pensa que os está escondendo. — Ele fez uma pausa. — Você ainda tem segredos, no entanto. Grandes. Com o tempo, saberei o que são.

Ele não tinha a intenção de soar ameaçador, mas sua boca se apertou em alarme. Ela abaixou a cabeça, obviamente tentando esconder os olhos, agora que ele disse a ela como facilmente ele podia lê-la.

Ele colocou o polegar sob o queixo dela e ergueu o rosto dela para ele. — Assim que você estiver pronta para me dizer. — Ele a tranquilizou, sua voz suave.

Ela deu a ele o mais básico dos acenos. — Saiba disso, Ian. Quando estive com você esta manhã — suas bochechas coraram — na clareira, eu ainda pensava em você como Ian Stone.

— Um simples operador do mercado negro. — Disse ele, aproximando-se.

— Para mim, você sempre será assim.

— Ah, Duende...

Sua respiração se misturou e seu polegar acariciou seu lábio inferior. Então ele baixou a cabeça e a beijou.

Após uma breve hesitação, ela deslizou os braços em volta da cintura dele. Ele se lembrou de sua determinação ansiosa na clareira, mas isso era diferente. Ela o beijou com uma ternura suave, quase amorosa, que ele descobriu comovê-lo ainda mais. Ele alisou as palmas das mãos sobre seus quadris e doce traseiro, pressionando-a mais perto. Suspirando, ela se derreteu contra ele, seus dedos se enredando no cabelo da nuca dele, causando arrepios em sua espinha.

É só beijar.

Não. É mais do que isso. Você seria louco em negar.

Um som de dentro da nave o lembrou de onde ele estava e o que estava fazendo. Interrompendo o beijo, ele abraçou Tee contra o peito, com medo de deixá-la ver seu rosto antes que ele se controlasse. Ela alegou que preferia ligações descomplicadas. Certo. Não havia nada de descomplicado sobre esta mulher.

— Durma um pouco — ele sussurrou em seu ouvido. — Eu quero você pelo menos semiconsciente quando você fizer o papel de Randall enquanto eu pratico o que vou dizer a ele.

Ela curvou os ombros, reagindo ao hálito quente em sua pele com um estremecimento. Deslizando as mãos ao redor de sua cintura, ela saiu de seus braços, sua expressão travessa. — Eu vou... Por causa de tudo o que temos pela frente amanhã. — Ela recuou, mas antes de desaparecer na nave, ela olhou por cima do ombro. — Haverá uma noite, porém, capitão, em que não serei dispensada tão facilmente.

O olhar que ela deu a ele prometia coisas que ele não deveria estar pensando. Já era noite adentro quando ele finalmente os afastou de sua mente.

 


— Gann! Eu tenho sua presa na minha mira!

Lara entrou na cabine do Quillie, curvando-se para dar ao gato ketta um tapinha cauteloso na cabeça antes de parar na frente de Gann.

Ele colocou de lado o tablet que estava usando para revisar os dados que coletaram até agora sobre a filha fugitiva dos Dars. — Presumo que você teve uma tarde proveitosa na cidade de Padma?

Seus olhos brilharam de triunfo. — Sim. Eu a encontrei.

— Aqui? Em Padma? — A missão está completa; Lara Ros estará fora de seu alcance e sua vida voltará a ser como era antes. Estranho, mas a realização não trouxe a alegria que ele esperava.

A rastreadora tirou a jaqueta e a jogou nas costas da cadeira de piloto. — Não, ela não está aqui. Ela está em Grüma.

— Grüma é conhecida por seu comércio de produtos ilegais, não é?

— O mercado negro, sim. Hmmm. — Ela sorriu. — Eu me pergunto o que nossa herdeira mimada está vendendo. Por outro lado, talvez alguém a esteja vendendo.

O intestino de Gann apertou com o pensamento. A princesa era inocente de muitas maneiras. E se os elementos mais sombrios na fronteira a atingissem antes que ele pudesse trazê-la em segurança?

Lara revirou os olhos. — Estou brincando. — Disse ela.

Ele se recostou na cadeira, a surpresa o chocando. Embora a ideia da princesa no comércio ilícito de carne fosse horrível, até mesmo uma piada de mau gosto foi um grande avanço para Lara Ros. Ele disse: — Oh. Este é um dia memorável, então - em mais de um aspecto.

Incrivelmente, ela o presenteou com seu primeiro sorriso genuíno. Ele não tinha feito nenhum progresso em persuadir um beijo dela, mas então sua busca tinha sido sutil. Muito sutil, ele pensou com um sorriso interior. Agora que ele havia arrancado dela o primeiro sorriso bom, talvez fosse hora de deixar suas intenções claras. Uma noite de prazer era definitivamente o que ambos precisavam. Ele já passou tanto tempo sem uma?

— Questionei alguns comerciantes que acabaram de chegar de Grüma —, explicou ela. — Eles dizem que há um habitante da Terra com uma pequena tripulação lá. Ele tem duas mulheres com ele. Uma é Valkarian. A outra é alta, magra e de aparência um pouco incomum.

— De que maneira?

— O cabelo dela foi cortado.

Gann se inclinou para frente, mordendo a isca. — Continue.

— Ela usa um boné de habitante da Terra na maior parte do tempo para cobri-lo. Mas um cavalheiro teve um vislumbre do que está por baixo. É verde.

— Verde! — Gann exclamou.

— Bem, verde acastanhado. Mas parece realmente verde sob certa luz, dizem eles. Um dos mercadores comentou que era uma pena ela ter um cabelo tão horrível, porque tinha o rosto de um anjo. Um anjo Vash Nadah de raça pura.

— É ela. Tem que ser. Você disse que o capitão é um habitante da Terra?

— Sim. — Lara se jogou na cadeira ao lado da dele. — O que significa que eles podem a qualquer momento voltar para a Terra.

— Ou qualquer número de planetas entre eles. — Especulou Gann, franzindo a testa.

As pulseiras de prata no pulso de Lara tilintaram quando ela acessou as coordenadas de Grüma no computador de navegação. — Posso nos levar lá em precisamente — ela estudou os dados — dois vírgula quatro dias padrão.

A satisfação cresceu dentro dele. Enlaçando os dedos sobre o estômago, ele se reclinou na cadeira. — Estou em suas mãos, Lara. Vamos buscá-la.

Em vez de se sentar, a rastreadora colocou o gato ketta debaixo do braço e subiu na escada que descia da cabine.

Gann ergueu uma sobrancelha. — O que diabos você está fazendo?

— Colocando o gato para fora. — Ela disse e saiu de vista.

Quando ele alcançou a mulher, ela estava parada no topo da rampa de saída, cutucando o gato ketta com a bota.

— Eu disse, continue. Vá. — A criatura bateu a cabeça contra as panturrilhas de Lara repetidamente até que ela finalmente cedeu e acariciou suas costas. Gorgolejando suavemente, roçou em suas calças com uma pata aveludada. Lara colocou as mãos nos quadris. — Não vai sair.

Gann sorriu. — Aparentemente não.

— Vou levá-lo para o cargueiro ao lado. Certamente sua tripulação pode usar um gato ketta para reduzir a população de vermes em seus porões. — Mas quando ela estendeu a mão para o gato, ele rolou de costas. Claramente perdida, Lara suspirou.

— Ela quer que você esfregue a barriga dele —, disse Gann. Ele se agachou e acariciou com a mão o estômago quente e sedoso do animal. O gato se contorceu, querendo mais. — Ah, aqui também, hein? — Ele murmurou, esfregando o polegar sob o queixo. A cabeça do gato ketta inclinou-se para trás e seus ronronados transformaram-se em bufos.

Gann disse incisivamente: — Observe que até mesmo esta pequena criatura sabe que o prazer é um presente do céu, um tesouro a ser compartilhado e saboreado. Vê como ele me diz apenas como agradá-lo? Eu gosto disso.

Lara fez um pequeno som com a garganta.

Ele olhou para o lado. Sua atenção estava grudada em suas mãos. A reação dela o agradou; ele gostou de ter descoberto uma maneira de contornar sua barreira de autoproteção.

Ele rolou o gato ketta e traçou as saliências de sua coluna com a ponta dos dedos. Espalhando os dedos dos pés das patas dianteiras, ele se arqueou em sua mão, inclinando a pélvis em sua direção.

Ele percebeu que Lara fechou os olhos, a cor subindo em suas bochechas. — Temos que sair —, disse ela. — Ponha lá fora.

Com toda a inocência, ele perguntou: — Por quê? Agora ele se considera parte da tripulação.

Lara arrebatou o animal e marchou com ele pela rampa. Ela baixou o gato ketta até o chão. — Aceite o conselho de alguém que está na fronteira há algum tempo; você está melhor sozinho. — Ela deu um empurrão firme, enxugou as mãos e subiu a rampa.

Miando, ele trotou atrás dela. — O que está errado com isso? — Ela agarrou o gato ketta do chão, segurando-o no ar, a centímetros do rosto. — Você não sabe nada sobre mim. Sim, hoje eu alimentei você. Amanhã posso vender sua pele sarnenta para uma fábrica de peles!

O gato ketta disse a ela o que pensava de sua ameaça, esfregando seu rosto bigodudo contra sua bochecha lisa.

— Vamos levá-lo junto —, disse ele. — Quantos problemas pode um gato ketta ser?

Ela olhou para ele. — Isso é sua culpa. A coisa se apegou. Eu disse que isso iria acontecer.

— Isso é o que os animais de estimação devem fazer. Apegar-se. — Ele suavizou seu tom ao adicionar: — Pessoas também.

O fogo brilhou em seus olhos. — Apego significa dependência. — Ela cuspiu a última palavra como se fosse um epíteto sujo. — Dependência é perigosa.

Ela aparentemente se lembrou que estava segurando o animal. Empurrando para Gann, ela rosnou: — Livre-se disso. Eu tenho uma lista de verificação pré-voo para executar. — Então voltou para a cabine.

Gann balançou a cabeça para o gato ketta. — Ela com certeza pode ser cativante às vezes, não é? — Aparentemente concordando, a criaturinha disparou pela rampa atrás dela.

 


Lara esperou até que eles tivessem lançado e se estabelecido nas vias espaciais antes de se virar em sua cadeira para olhar primeiro para o gato ketta, comendo de uma tigela no chão, e depois para Gann. — Você nunca ouve o que eu digo.

— Eu escuto, Lara. Mas talvez o que eu ouço seja a essência, os sentimentos por trás de suas palavras.

Ela fez um som de desgosto. — Aqui vamos nós. Você, Vash, e sua merda pensativa e ouvinte. — O gato ketta pulou em seu colo. Ela suspirou. — Agora você tem muitas esperanças. Vai pensar que encontrou um lar.

— Esperança. Outro conceito que você acha perigoso. Como dependência?

Sua mandíbula se apertou. — Gann —, disse ela com os dentes cerrados. — Esta discussão não está no...

— Em seu contrato — ele terminou por ela. — Sim, eu sei. Independentemente disso, eu gostaria de continuar - fora do registro oficial.

Ele se aproximou até ficar diretamente diante dela. — Suponho que, se você espera o pior dos outros, ninguém pode desapontá-la. Isole-se da decepção e não se machuque. Certo, Lara? É esse o seu credo?

Ela fez um som estrangulado com a garganta, então levou os punhos aos olhos. Seu batimento cardíaco acelerou; o sangue correu por suas veias. Ele sentiu que estava perto de romper a poderosa parede que ela ergueu e não queria recuar até que o fizesse. — Estou curioso —, ele persistiu. — Suas expectativas em relação aos outros são tão baixas? Ou você simplesmente não tem nenhuma?

Com isso, ela bateu os punhos nas coxas. — Gann, você é um pé no saco!

Sua franqueza o encantou. Mas o tormento em seus olhos esvaziou-o dessa diversão mais rápido do que o vinho de melão de um frasco aberto.

— Lara — ele disse calmamente, surpreso. — Suas mãos estão tremendo.

Ela fez um barulho sufocado. — Qual é o seu jogo, Vash? Você quer saber mais sobre mim? É disso que se trata?

— Sim. — Ele colocou as mãos sobre seus punhos frios e sem sangue, aquecendo-os. — Você me desequilibra continuamente. Eu gosto de retribuir o favor. — Seus dedos se espalharam sobre seus punhos. — Isso, e eu sei que você não é o que parece ser.

O que quer que ela estivesse tentando dizer a ele parecia uma luta. Finalmente, ela murmurou: — Você nem sempre é o que parece ser.

Ele sorriu com tristeza. —Não, Lara. Eu não sou.

Ela olhou para suas mãos dadas. Em seu rosto, a curiosidade lutou contra o constrangimento. Então, abruptamente, ela arrancou seus dedos de debaixo dos dele. — Eu cresci em Barésh, um lugar miserável e imundo. Suponho que você não tenha ouvido falar.

Gann pesquisou seu conhecimento da fronteira. — É um asteroide na fronteira.

— Um planeta anão, tecnicamente. Mas uma pedra feia mesmo assim.

— As minas de Baréshti estão localizadas lá. — Disse ele, enquanto alguns detalhes retornavam a ele.

— Sim. Existem duas classes de pessoas que vivem lá. Baréshtis da classe trabalhadora - ratos trinados - que trabalham nas minas. Trabalho exaustivo. Então você tem as elites da classe alta, engrenagens aristocráticas, que possuem as minas, vivendo nos grandes e poderosos e protegidos complexos. Não sei o que eles fazem para se divertir, nem mesmo se sabem, mas depois de horas, ratos trinados enchem os bares e clubes de luta. Ninguém tem muito dinheiro, mas eles ficarão felizes em gastá-lo apostando no bajha de rua, comprando cerveja para beber e alucivapés para fumar.

— Alucivapés?

— Sim. Eles são vapores misturados com varredura. Ostentação em pó. Ostentação é um coquetel químico que derrete seu cérebro se você beber muito dele. Muitos bebem demais. Se tudo isso não matar você, trabalhar nas minas o fará. Eventualmente. — Ela revirou os olhos. — Todo mundo quer escapar, mas ninguém pode se dar ao luxo de sair. É por isso que Barésh tem mais fliperamas de realidade virtual do que qualquer outro mundo que já vi. As galerias estão lotadas, dia e noite. Alguns querem a coisa real - experiências de quase morte e coisas do gênero. — Sua boca se torceu amargamente. — Nada como um pouco de dor autoinfligida ou distribuída para lembrá-lo de que você ainda não está morto, sabe?

Então seus olhos endureceram. — Meu pai perdeu uma perna em um acidente de mineração. Minha mãe tomou o lugar dele porque as engrenagens do chefe da mina não o deixaram voltar para as cavernas e tivemos que comer. Alguns anos depois, ela foi morta. Uma explosão de gás, fomos informados. Mas você nunca sabe realmente...

Por um segundo, a voz de Lara perdeu o tom áspero, então seu tom gelou novamente. — Meu pai disse que me arranjaria uma posição na cabine em um cargueiro de carga intersistema. O salário que mandaria de volta para casa compensaria a perda de minha mãe. Eu estava delirando de excitação, sabendo que iria escapar do mundo. O sonho de Baréshti se tornando realidade.

Ela se levantou e caminhou até a tela panorâmica. — Como uma garota, eu sempre sonhei em voar, e ele sabia disso. Nós, Baréshtis, adorávamos os pilotos estelares como deuses. Qualquer estrangeiro era um deus, suponho, para nós - nós, que nunca poderíamos partir. Mas entendemos que, sem dinheiro ou influência para me colocar na escola de aviação, eu teria que começar de baixo e trabalhar para subir. Comecei de baixo, tudo bem. Sim. Em uma cama sob o corpo suado de um vigarista imundo.

Ela parou, o encarou, sua boca torcendo amargamente. — Meu pai me vendeu como servidão sexual. Eu tinha treze anos.

Parecia que o chão caiu debaixo dele. Ele estendeu a mão para ela. — Lara...

Sua mão disparou, parando-o. Ela engoliu em seco, duas vezes. — Passei minha adolescência como um receptáculo para as fantasias depravadas de um homem. Na hora das refeições, o porco me acorrentava à perna da mesa. Nua. — Ela procurou em seu rosto uma reação. — Com uma coleira em volta do pescoço.

Ele ficou lá, atordoado demais para se mover.

— Uma noite ele morreu sufocado com um pedaço de carne —, disse ela despreocupadamente, um tom em desacordo com a forma rígida como ela segurava seu corpo. — Depois que ele caiu da cadeira, usei sua chave para destravar meu colarinho. Então eu me servi de sua nave e a fiz minha.

Ela tentou manter o tom alegre, mas parecia falso. — Aprendi a voar com o que li, assisti e ouvi. Não foi bonito, e acho que estava apaixonada pelo manual de instrução. Não tentei pousar por meses. Eu estava com mais medo de destruir a nave e minha passagem para a liberdade do que de me machucar. — Seu olhar suavizou uma fração com a memória. — Finalmente, quando os suprimentos acabaram, aprendi a atracar - rápido.

— Eu imagino que você aprendeu. E então se levantou, sacudiu a poeira e se tornou a melhor rastreadora que já vi em anos.

Ela encolheu os ombros, repentinamente estranha. Gann sentiu que ela começou querendo chocá-lo, mas terminou sua história desejando o consolo que ela odiava admitir que precisava.

Ele abriu os braços. — Eu quero confortar você. Isso é tudo.

Ela colocou os braços sobre os seios pequenos. As pulseiras que adornavam seus pulsos cintilavam à luz das estrelas que fluía pela tela da cabine. — Eu não acho que posso responder da mesma maneira. Se você precisar de mim. — Desamparada, ela acrescentou: — Se alguém precisar de mim.

— Claro que você pode. — Ele não tinha percebido antes contra o que estava lutando. Agora que ele percebia, seu coração doeu por ela.

—Não. Estou... Muito fechada por dentro. — Ela pressionou os dedos nos lábios.

Suas entranhas se retorceram. — Lara, você está tão cheia de fogo, tão cheia de vida. Deixe-se sentir, deixe-se curar. Caso contrário, você está se condenando a uma vida inteira de solidão.

O momento se arrastou, tenso, mas terno. Então, milagrosamente, seus braços se ergueram. Ele capturou seus dedos e a puxou para perto. Estranhamente, sua necessidade de abraçar Lara ia além de querer consolá-la; eles haviam compartilhado algo, algo que ele lutou para definir. Certo de apenas uma coisa, ele inclinou a cabeça para provar seus lábios, mas ela o impediu.

— Ele nunca me beijou. — Disse ela.

Claro que o monstro não a beijou, Gann pensou, sentindo-se mal. — Mas, depois, depois que você escapou, você não... Não foi...?

— Sim. Uma vez. Anos depois. Ele era um comerciante, eu acho. Fomos direto do bar para a cama, e eu estava tão bêbada que ele foi direto ao assunto. — Ela encolheu os ombros. — Depois disso, pensei, por que me preocupar?

Ele havia sido criado para celebrar o sexo e as relações entre os sexos. A perspectiva e a experiência de Lara estavam em total desacordo com o que ele sabia ser verdade. Ele ponderou sobre isso e a maneira como ela exibia sua desconfiança dos Vash como uma armadura. Grande Mãe. — Ele era Vash, não era? — ele praticamente rosnou. — Seu carcereiro...?

— Um Vash. Sim. — Sua boca se curvou em um sorriso de escárnio. — Criado para seguir o Tratado de Comércio e respeitar e reverenciar as mulheres.

— O homem que abusou de você era uma aberração, Lara. A escravidão sexual é proibida. Tem sido desde a Grande Guerra.

— Não seja ingênuo. Ainda existe. Permitida, talvez apenas aqui e ali na fronteira, um lugar que vocês, Vash, de alguma forma conseguem explorar sem se envolverem em nosso bem-estar.

Gann espalmou as mãos em cima da mesa estreita de instruções ao lado dela, sua mente atormentada por imagens sombrias de Lara abusada por um Vash a quem ele orou que sofresse por toda a eternidade para pagar por sua crueldade.

Um lugar que vocês, Vash, de alguma forma conseguem explorar sem se envolver.

Sua acusação soou com uma verdade que ele não podia negar. — Mas a ilegalidade e o padrão de vida mais baixo na fronteira resultam da negligência, não da malevolência —, defendeu. — Rom B'kah, nosso novo rei, certa vez descreveu a federação Vash como uma colcha velha - o centro justo, as bordas desgastadas. Ele quer muito trazer a fronteira para o redil. Ele tem trabalhado para isso...

— Como? — Ela exigiu.

Ian. A resposta veio a Gann rapidamente. O enteado de Rom era um homem da fronteira. Ao escolher o jovem e o contestado como herdeiro, Rom provou brilhantemente seu compromisso com os povos do outro lado. Ian seria o primeiro governante com laços familiares tanto com a fronteira quanto com o Grande Conselho. Pessoas de ambos os lados buscariam sua liderança. E uma vez que Ian estivesse bem estabelecido, nenhum homem seria mais adequado para liderar a Federação em uma nova era onde a qualidade de vida nos cantos mais longínquos da galáxia se igualasse à desfrutada nas regiões centrais. A Terra era a mais nova potência emergente na área e, para corrigir os erros da fronteira, a Federação precisava da ajuda desse planeta.

— Estou profundamente envergonhado, Lara. Você sofreu por causa das deficiências da Federação. Mas com o filho por casamento de Rom como príncipe herdeiro, acredito que podemos mudar o que está errado.

Ela assumiu sua postura familiar e desafiadora. — O fato de ele não ser Vash Nadah me deixa mais inclinada a acreditar nisso.

Gann reprimiu um sorriso. Ele supôs que era o mais próximo que ele chegaria de um — Acho que você pode estar certo. — Ele também tinha a sensação de que tinha chegado o mais perto que poderia chegar para um beijo. Mas faltavam dois vírgula quatro dias para remediar isso. Ele estava mais atraído por Lara do que nunca.

Ele olhou para uma protuberância peluda enrolada em sua cadeira. — Veja. O gato se serviu de nossa nave.

Lara o surpreendeu com uma risada gutural e satisfeita, reconhecendo claramente sua referência ao comentário anterior. — Sua nave, Vash. Minha nave foi apreendida. Graças ao meu associado idiota, Eston.

Ela caminhou até seu assento e apertou o cinto. — Essa é a única razão pela qual estou perambulando pela fronteira, procurando por uma garota aristocrática mimada demais para reconhecer o quão bem ela vivia em uma casa. Alguém deveria contar a ela.

Gann estremeceu. Pobre Tee'ah Dar. A princesa que logo seria resgatada não tinha ideia do que a esperava, uma vez que conhecesse Lara, mestre rastreadora, cara a cara.


CAPÍTULO 15


Do lado de fora da nave, o lento amanhecer rosado de Grüman dissipou as sombras. Dentro do Demônio do Sol, o dia estava bem encaminhado. Tee'ah voltou para os aposentos de Ian com tock e café, embora, naquele ponto, tendo ficado acordada a maior parte da noite, ela tinha certeza de que estava muito além dos benefícios de bebidas estimulantes.

— É Tee. — Disse ela na porta. A escotilha se abriu com um sibilo suave, revelando seu quarto de dormir organizado. As poucas peças de mobília eram simples e masculinas, e os tecidos que cobriam a cama e as almofadas do chão eram tingidos em tons desérticos de ocre, castanho-avermelhado e marrom claro. Mas assim como ela soube que Ian não era como parecia, os tons neutros do quarto foram inesperadamente enfeitados com cores brilhantes - um travesseiro de turquesa puro, uma tigela amarela, uma vela de cera antiquada em vermelho brilhante. Na verdade, ela achou o efeito extremamente agradável.

Ela contornou um pedaço irregular de metal que parecia pertencer à Harley. Ao lado dele estava um pano de polimento cuidadosamente dobrado. Uma navalha e o mais básico dos produtos de higiene pessoal estavam presos na prateleira magnética acima da pia de Ian. Nada na câmara indicava que Ian, após a retirada de Rom para o Grande Conselho de Anciões, ascenderia à posição de governo mais poderosa da galáxia.

Mas Ian parecia cada centímetro um líder - especialmente quando ele, Quin e Muffin se amontoavam em torno de um mapa holográfico de Grüma. Ela serviu as bebidas quentes, olhando para cima para encontrar os olhos de Ian procurando os dela. Seu sorriso fez seu coração dar um pequeno salto.

Ele não sabe quem você é. Pela centésima vez desde que descobriu quem era Ian, ela se assegurou desse fato.

Com o rosto tenso de tensão, ele reiterou os planos do dia com seus homens. — Com a grande chance de Klark fazer outra tentativa de sabotagem, estou separando os dois elementos principais de que precisarei para voar para fora do planeta - o Demônio do Sol e a Tee. Ela virá comigo. Muffin, você tem a nave; e Quin, continue consertando o propulsor. Gredda e Push ficarão estacionados no centro da cidade, procurando qualquer sinal de Klark - ou Randall, caso ele não esteja em sua nave. Todos permanecem em contato o tempo todo, com check-ins a cada hora.

Apesar do silêncio severo, olhares conhecedores transmitiram a aprovação dos homens ao plano.

Ian pegou o mapa holográfico. — Exibir setor 3-A. — Uma pequena crista arborizada apareceu na frente deles, uma réplica das colinas verde-azuladas acima do centro de Grüma. — Esta manhã, Tee e eu faremos a vigilância do cume acima da fortaleza onde Randall pousou seu navio. Esta tarde, se tudo estiver certo, irei até lá.

— Você carregou a comida e a água na Harley? — Ian perguntou a Tee'ah, fechando o holo-mapa.

—Sim. Está tudo pronto. — Disse ela, perguntando-se se ele havia pensado no que aconteceu quando eles montaram juntos pela última vez.

Muffin e Quin partiram para seus deveres designados, e Ian destrancou um cofre, do qual tirou uma pequena caixa marrom. Aberta, a caixa emitia a doçura pungente da fragrante madeira. Com cuidado, ele derramou o conteúdo na mesa - moedas desconhecidas e um rolo grosso de créditos de papel verde e branco à moda antiga - dinheiro da terra, ela adivinhou - e uma bolsa de couro.

Ele explicou em voz baixa: — Suponho que se rótulos e títulos definem uma pessoa, então este seria eu.

Ela mal conseguia respirar enquanto o observava tirar uma longa corrente de contas com um curioso amuleto de ouro - uma cruz com um minúsculo homem preso a ela - da bolsa e colocá-la de lado. — Rosário. Fui criado como católico —, explicou ele, traduzindo as palavras em inglês para o básico com alguma dificuldade aparente. Em seguida, ele colocou dois anéis de ouro. Uma banda esculpida tinha uma gema azul e as runas da Terra —ASU —, como a tampa emprestada. — Meu anel de classe. Eu me formei como Bacharel de Ciências em finanças.

O estudo de dinheiro e comércio, ela concluiu, embora novamente suspeitasse que várias palavras não eram traduzidas exatamente.

Ele colocou a segunda aliança de ouro em sua mão. — Isto é o que estarei vestindo quando ver Randall. — O anel era pesado e ornamentado com runas gravadas muito mais familiares para ela do que as do outro. Lealdade, fidelidade, família, dizia. A tríade compreendia o antigo código dos guerreiros Vash, que enfatizava o controle e a autodisciplina que sustentavam toda a sua civilização.

Mas este não era apenas qualquer anel com sinete Vash Nadah. Os antigos símbolos de Sienna indicavam que era do Clã B'kah, um anel que apenas o príncipe herdeiro galáctico poderia usar.

Ouvir a declaração de identidade de Ian era uma coisa; ver a prova na palma da mão era outra. Ela encontrou seu olhar com seu rosto mais estoico - um que ela aprendera em seus anos na corte de seu pai - e esperava que pudesse esconder sua agitação interna.

— Obrigada por me deixar ver suas coisas pessoais. — Ela disse, devolvendo o anel para ele. Ele o colocou no dedo.

Contanto que ele não saiba quem você é, você está segura, ela lembrou a si mesma enquanto caminhavam para o corredor. Na verdade, nenhum de seus planos precisava mudar - de seu objetivo de economizar dinheiro e pagar por sua própria nave estelar a qualquer uma de suas outras esperanças. Especialmente sua busca mais pessoal para perder a virgindade. Dar sua inocência ao homem de sua escolha não era a expressão física final de sua libertação? E ela poderia imaginar um homem que ela escolheria mais facilmente do que Ian Hamilton?

E, no entanto, ao fazer isso, ela fecharia para sempre a porta para voltar para casa. O pensamento exacerbou uma dor que ainda não tinha desaparecido para sempre. Os homens Vash Nadah estavam sujeitos a muito menos restrições do que as mulheres. Enquanto Ian fosse solteiro, ele poderia fazer amor com ela e não sofrer nenhuma das consequências de longo alcance que ela sofreria. Se ela fizesse amor com ele, ela nunca poderia voltar.

Ian esperou que ela descesse a passarela para a escotilha de saída antes de segui-la. Sua calça jeans terrestre se estendia deliciosamente apertada em suas nádegas tonificadas e musculosas. Fechando o casaco até o pescoço, ela reprimiu um suspiro. Estranhamente, a imagem que encheu sua mente não era de Ian fazendo amor com ela, mas dela dando a ele o presente do prazer... De observar sua expressão enquanto ela envolvia o cós de sua calça jeans em volta dos nós dos dedos e baixava suas calças. O desejo a deixaria ansiosa, e a ansiedade a faria tremer enquanto sua respiração soava sobre sua pele nua e sensível. No início, apenas as pontas dos dedos dela acariciariam sua carne endurecida; então, como ela havia aprendido em inúmeras leituras, ela o levaria em sua boca, amando-o com seus lábios, seus dentes, sua língua, até...

— Você está bem? — Ian deu a ela um olhar engraçado.

A pele de Tee'ah estava estranhamente quente e seu pulso ecoava nos lugares mais íntimos. — Sim, tudo bem; um pouco de privação de sono, só isso.

— Você terá tempo para descansar mais tarde.

Ela teria? Sua pequena fantasia quente era desconcertante para dizer o mínimo, mas também lhe proporcionou uma inspiração intrigante.

 


Na periferia do sistema planetário que incluía Grüma, o Quillie deixou a velocidade de cruzeiro. — Desacelerando — Lara confirmou.

— Ah. Não acho que exista uma palavra mais doce.

De onde ela estava sentada aos controles da nave, ela olhou por cima do ombro. — Por quê? Porque você sabe que a desprotegida e assustada princesa Dar está esperando seus fortes braços de resgate?

— Algo parecido.

Um canto de sua boca se curvou. — Sim. Eu sabia.

Ele se sentiu levemente irritado. — Por que você ridicularizaria a ideia de um homem vindo em auxílio de uma mulher em sofrimento? Acho o conceito inerentemente romântico.

— Eu acho que é o ato de salvar que você ama. A princesa... O gato ketta - embora seja discutível se você realmente o 'salvou’... E então, é claro, eu. — Como se estivesse de acordo, o gato ketta em seu colo piscou sonolento para ele.

Gann não sabia como responder. Ele reconheceu que ela estava certa ao desejar resgatá-la de alguma forma. Mas não era isso que ele queria para si também? Resgatar de sua existência bidimensional como um instrumento de seu rei? Ele havia se imaginado em seus anos mais velhos encontrando uma companheira de confiança com quem pudesse compartilhar sua vida... E talvez vir a amar, mas isso o iludiu durante a maior parte de sua vida adulta. Claro, ele conseguiu se manter relativamente bem satisfeito quando se tratava de questões físicas - pelo menos até agora. Nunca seus planos de levar uma mulher para a cama foram tão atrasados. Não que ele alguma vez quisesse outra pessoa tanto quanto queria Lara.

Ela se virou com um sorriso satisfeito. — Achei que você não gostaria de responder essa, Vash. Além disso, não preciso de resgate, então pare de tentar. O que você faria comigo, de qualquer maneira, uma vez que você me salvasse?

Eu faria amor com você até que ambos estivéssemos exaustos demais para qualquer coisa além de dormir e muito saciados para me importar, ele quase disse. Mas seus olhos sombreados e sua boquinha triste picaram seus instintos protetores. — Eu iria mimá-la, como você merece. Eu a trataria como uma princesa, porque você seria uma para mim. — Ele disse com franqueza simples.

Ela se virou para que ele não pudesse ver seu rosto. Mas seus ombros curvados disseram que ela ouvia cada palavra.

— Mas eu honestamente me pergunto, Lara, se você algum dia veria meus esforços como algo além de simpatia.

Depois do que pareceu uma eternidade, ela respondeu. — Depende de como você o define. Sentir pena de si mesmo é autocomiseração. Quando você sente pena de outro, então, sim, é simpatia. Mas se a simpatia for mútua, isso seria comiseração, eu acho.

— Você... Sente pena de mim?

Ela olhou para ele como se ele não tivesse um átomo de autoconsciência. — Sim. Você está tão sozinho quanto eu. Mais, talvez.

Ele caiu para trás na cadeira. Ele estava solitário, um velho guerreiro solitário e às vezes melancólico que sentia falta da emoção dos velhos tempos. Só que era desconcertante ouvir o diagnóstico de Lara.

Ela se mexeu para que ele pudesse ver seu perfil. — Não, eu não chamaria o que sentimos um pelo outro de simpatia. Talvez... Compaixão, retribuída. — Então ela fez uma careta. — Crat. Eu acabei de dizer isso? Parece algo que você inventou.

Ele riu. — É verdade.

Como sempre, o silêncio caiu entre eles. Só que dessa vez foi diferente. Algo havia melhorado, embora ele não pudesse definir o que era. Em vez de tentar, ele ficou quieto e a observou voar enquanto retomava seus preparativos para entrar nas lotadas vias espaciais de Grüma.

O estrondo do enorme impulso estelar da nave sacudiu o chão sob suas botas. Eles caíram fora da velocidade da luz, as estrelas lá fora encolhendo de flâmulas alongadas a pontinhos de luz. Uma dessas luzes era Grüma.

 


Os braços de Tee se apertaram ao redor da cintura de Ian enquanto ele manobrava a Harley para longe da pista de pouso, saltando ao longo do caminho de terra até chegarem à versão de Grüma de uma rodovia. Sem limites de velocidade aqui, ele pensou. Acelerando, ele baixou o corpo contra o vento e cedeu à liberdade viciante de montar, uma onda de sensações tornada mais poderosa pela necessidade de ver Randall antes que o senador partisse para a Terra.

O centro de Grüma e sua floresta circundante desbotaram para uma mancha nebulosa em seus espelhos retrovisores. A estrada estreitou e subiu mais alto em colinas cristalinas cobertas de árvores e pedras. Tome cuidado. Ele colocou seus sentidos em alerta máximo, examinando a paisagem à frente e atrás. Seus músculos estavam tão carregados que, quando uma das mãos de Tee desceu da cintura até a coxa, ele quase desviou a Harley para fora do caminho.

Seu polegar começou a se mover para frente e para trás ao longo da dobra onde sua perna encontrava seu quadril. Ele bateu a mão enluvada sobre a dela e esmagou o movimento sutil de seus dedos. Então ele propositalmente colocou a mão dela de volta em sua cintura e silenciosamente agradeceu a ela por mantê-la ali.

Sinais de trânsito em runas básicas semelhantes a blocos apontavam para a área das ruínas antigas onde Randall estava situado. A estrada ficou mais íngreme e estreita à medida que avançavam. Quando eles finalmente alcançaram o topo da crista que dava para a fortaleza, ele desviou do pavimento e desligou o motor.

Uma vasta floresta intocada se espalhava diante deles, verde-azulada sob um céu lilás. A leste, os restos de uma antiga muralha serpenteavam ao longo do topo de colinas distantes, lembrando-o de quando ele visitou a Grande Muralha da China nos arredores de Pequim. Muito abaixo estava um grupo de edifícios antigos e extensos, a maioria deles de pedra em ruínas.

Ele ergueu o binóculo e estudou as ruínas. Em uma plataforma de pouso estava uma nave estelar de batalha, sem linhas elegantes ou forma delta graciosa, apenas uma fuselagem romba e asas curtas e em bloco destinadas a viagens espaciais de longo prazo. Mais importante, a nave não estava emitindo os sinais reveladores de que estava pronta para o lançamento. — Onde você está, Randall?

Tee baixou o binóculo. — Parece que não tem ninguém em casa.

— Eles podem estar lá dentro.

— Vamos verificar? — Ela perguntou um tanto inquieta.

— Ainda não. É cedo. Ele ainda não começou seu dia. Quando ele fizer isso, quero ver para onde ele vai e o que faz.

— Então vamos esperar? Podemos muito bem apreciar a paisagem. — Ela caminhou até a borda do cume, e ele observou o balanço suave de seu traseiro e a forma como suas calças se agarraram a suas longas pernas. Seu corpo reagiu instantaneamente. — É incrível, não é? — ela chamou por cima do ombro.

— Muito. — Disciplina. Ele abriu um dos alforjes e se moveu para entregar a ela uma membrana cheia de água. Ela inclinou a cabeça para trás e bebeu com um prazer luxurioso e inconsciente.

Ele deu uma risadinha. — Você aprecia os prazeres simples, não é?

Ela o contemplou enquanto levava as costas da mão à boca. — E os não tão simples também, Ian. — Seus olhos o queimaram completamente.

Ele fingiu não ter ouvido o convite implícito. — Bem. — Ele pigarreou. —Vou colocar um pouco de óleo na moto. Você pode descansar.

Ela o seguiu de volta à Harley. — Trabalhamos sem parar por semanas. Eu digo que nós dois ganhamos um pouco de descanso. — Disse ela. Um argumento razoável, ele pensou... Até que os dedos dela se fecharam em cada lado de sua mandíbula.

Ela virou a cabeça dele com força, então pressionou seus lábios macios nos dele. — Isso não é relaxante? — ela murmurou contra sua boca.

Foi tudo menos relaxante. — Tee. — Ele murmurou.

— Shhh, morador da Terra. — As pontas dos dedos dela deslizaram em seu cabelo úmido. Fechando os olhos, ele saboreou seu toque doce. Lutar contra sua reação física a ela tinha sido uma luta desde o início. Agora ele estava lutando contra uma resposta intelectual e emocional também. Ele podia lidar com a velha luxúria, porque se recusava a ser o homem que seu pai era. Mas isso - era uma loucura. Em um tempo incrivelmente curto, ela se tornou uma parte de sua vida da qual ele não queria desistir, e isso transformou o flerte deles em um risco pessoal que ele realmente não podia pagar.

Suas mãos estendidas pairaram sobre sua cabeça, refletindo sua contenção evaporando enquanto ela pressionava seus lábios em sua boca, seu queixo, sua testa. Mas quando ela abriu a boca sobre a dele e deslizou a língua dentro, seu entusiasmo não conseguiu cobrir sua estranheza.

A combinação confundiu seus sentidos. Ela deveria ser mais experiente. — Ligações casuais e descomplicadas são o que eu prefiro. — Ele se lembrou dela dizendo isso.

E daí se ela não tivesse tanto conhecimento quanto afirmava?

Mais uma razão para parar o que estavam fazendo.

Ela começou a sugar sua língua e seus pensamentos ficaram em branco. O som que ele fez em sua garganta foi de desespero. Suas mãos pousaram em sua cabeça, e ele a arrastou para ele, guiando-a em um beijo longo, quente e de boca aberta. Sua resistência estava diminuindo.

Não cruze a linha.

Gemendo, ele a empurrou com o braço estendido, segurando-a ali. — Tee, não podemos.

Um sorriso determinado apareceu em seus lábios. — Você tem o péssimo hábito de terminar beijos justamente quando eles estão ficando bons — ela reclamou, então espalmou uma das mãos sobre o peito dele e o empurrou para trás. — Devo treinar você para não fazer isso.

Ele avisou: — Não sou livre para estar com você.

Por um instante, a decepção nublou seus olhos. Mas desapareceu, substituído por algo que parecia determinação. —Eu também não estou livre para estar com você. Isso é tudo que eu quero. — Suas costas bateram contra o tronco de uma árvore. — Prazer — ela respirou, ficando na ponta dos pés. — Aceite este presente que lhe ofereço. Isso vai nos fazer muito bem.

Aceite este presente? Ela não só parecia uma Vash, mas também parecia uma Vash. — Te...

Ela revirou os olhos. — Você sempre deve discutir? — Então ela cortou sua resposta, cobrindo sua boca com a dela e puxou sua camiseta para fora de sua calça jeans.

Ele emoldurou seu doce rosto corado em suas mãos. — Duende. O que você está fazendo?

Ela agarrou suas mãos e propositalmente as colocou em seus quadris. — Sendo selvagem. — Ela disse isso com muito orgulho. — Talvez um pouco louca, também. Mas, por favor, Ian. Pare de fazer perguntas.

Sua risada foi interrompida quando ela abriu o zíper de seu jeans.

Santo inferno. Ele não conseguia acreditar. A mulher que disparou suas fantasias noite após noite o jogou contra uma árvore e estava exigindo que ele a deixasse fazer o que quisesse com ele? Apenas o ar frio passando por suas coxas nuas o avisou que não era um sonho. Mas quando ela juntou o cós da cueca dele nas mãos e abaixou-a, ele não a impediu. Ele sempre seguiu as regras. Até Tee, doce e selvagem Tee.

Sua mão quente o segurou intimamente, e a parte de trás de sua cabeça bateu na árvore. A casca da árvore roçou em seu rosto. — Meu Deus, você é lindo. — Ele a ouviu dizer.

Seu pênis estava tão duro, tão sensível, que quase explodiu com aqueles primeiros toques exploratórios. Ela deve ter percebido, porque ela circulou os dedos em volta dele, apertando, mas não acariciando. Assim que ele ganhou o controle, ela o tomou totalmente em sua boca.

Ele prendeu a respiração com a raspagem suave de seus dentes, o círculo de sua língua, e tentou evitar que seus joelhos dobrassem. Quando ela começou uma sucção rítmica erótica, ele quis explodir. Ele gemeu, tentando não cerrar os punhos em seu cabelo curto e sedoso. — Ah, Tee —, ele conseguiu deixar escapar. — Você é incrível. — Indescritível. Ele queria fazer isso com ela - mil vezes.

Mas ela não estava perto de terminar com ele. Ela compassou seus movimentos, construindo-o lentamente com uma confiança crescente que ele sentiu que não existia a princípio. Suas palmas seguiram os contornos de seu estômago, seus dedos abertos. Em seguida, as unhas dela traçaram um caminho leve pelas coxas nuas, deslizando para o seu traseiro. Agarrando-o com firmeza, ela o levou mais fundo em sua boca quente e úmida.

Ele se inclinou para frente, sua respiração sibilando. — Tee. — Ele engasgou. Então a língua dela fez algo incrível e ele explodiu, seu corpo inteiro tremendo em uma liberação que era quase dolorosa em sua intensidade.

Quando finalmente ele abriu os olhos novamente, parecia que o sol estava mais alto no céu, aquecendo seu pescoço e ombros. Tudo estava em silêncio, exceto pela música da selva - insetos soando, criaturas cantando, a brisa soprando nas copas das árvores.

Ele ainda estava de pé, pelo menos. A árvore também. Então ele percebeu que os braços de Tee estavam em volta de sua cintura, a cabeça quente dela enfiada sob seu queixo. Ele a abraçou, circulando sua palma suavemente sobre suas costas. Ele ainda latejava, pulsos de prazer subindo por seu estômago. Mas a onda de ternura que ele sentiu pela mulher em seus braços era muito mais poderosa.

— Querida — ele murmurou.

Ela inclinou a cabeça para cima. — Um carinho da Terra? — ela perguntou, dando a ele um sorriso que fez seu peito apertar.

— Sim. Um carinho da Terra. — Ele colocou o polegar sob o queixo dela e a beijou suavemente, com amor, e saboreou-se em seus lábios. A intimidade disso o surpreendeu. Por que ela tinha entrado em sua vida se ele não podia estar com ela? Isso tinha que ser algum tipo de teste cruel. — O que eu vou fazer com você? — ele sussurrou.

Ela disfarçou uma fugaz expressão pensativa com um sorriso travesso. — Talvez a melhor pergunta seja: o que você vai fazer comigo?

Ele riu, fechando o zíper da calça jeans. De repente, ele a girou e a empurrou contra a árvore. — Boa pergunta. — Com o antebraço apoiado na casca sobre a cabeça dela, ele apoiou seu peso no tronco. Sua voz era baixa e grossa. — Acho que você vai gostar da resposta. — Os músculos de seu estômago se contraíram e sua respiração acelerou quando ele curvou a mão entre suas coxas.

Um estrondo distante interrompeu a serenidade da floresta. Tee ficou rígida. — Alguém está vindo.

Ele enfiou a camisa para dentro. Tee arrancou seus binóculos da Harley e eles dispararam por entre as árvores e arbustos em direção à estrada. — Isso é um péssimo momento. — Disse ele com um sorriso apologético.

— Não é tão ruim quanto poderia ser. — O brilho conhecedor em seus olhos o trouxe malditamente perto de corar.

Eles se agacharam atrás de alguns arbustos que os escondiam da estrada. O barulho ficou mais alto. Um raio de sol refletiu no metal, e o jipe de Randall passou correndo com uma lufada de vento com cheiro de gasolina. Estava indo em direção à fortaleza.

O veículo transportava quatro passageiros - o senador, seus dois companheiros que Ian conhecera no bar e outro homem. Ian ergueu o binóculo até os olhos.

O vento brincava com o capuz do estranho, levantando-o apenas o suficiente para revelar seu rosto... E o cabelo acobreado de um Vash Nadah, sua marca registrada.

 


— Este tráfego é ridículo — Lara disse por cima do ombro para Gann. — Vou pegar um atalho. — Agarrando o manche de controle, ela inclinou o Quillie para a esquerda e cambaleou pelas rotas espaciais pesadamente viajadas de Grüma.

Gann descruzou as pernas e colocou os pés no chão. A tela de visualização da navegação ficou desordenada com símbolos que denotavam outras embarcações. Então a sirene de proximidade de nave soou, alertando-os sobre o tráfego que se aproximava.

Gann apertou os músculos da coxa, preparando-se. — Cuidado! — ele gritou.

Lara empurrou a nave para a direita, mas não rápido o suficiente. Uma fuselagem brilhante passou pela tela frontal perto o suficiente para Gann contar cada vigia, quisesse ele ou não.

— Você não viu aquela nave? — Ele demandou. Fora da tela do Quillie, as estrelas brilhavam docemente, como se não tivessem acabado de testemunhar sua quase morte.

— Sim. Claro — Lara atirou de volta. — Eles também nos viram.

— À distância, seria difícil não perceber. Você cortou muito perto, Srta. Radiante.

Lara pareceu assustada com o uso do apelido que ele tinha, até agora, usado apenas dentro de sua cabeça.

— Eu posso ter cortado —, disse ela em um tom um pouco mais conciliador. — Mas eu não economizo. Eu sabia o que estava fazendo.

— Que é?

— Levando-nos para Grüma - rapidamente. Temos a sua donzela em apuros, Vash, esperando lá, sem dúvida desejando ter chegado ontem.

Ele caminhou até a cadeira dela, encostou-se na mesa de trabalho, cruzando os braços sobre o peito. — É um ímpeto para você, não é? O risco.

Ela engoliu em seco, restabelecendo-os nas vias espaciais. Por um momento, ela pareceu que iria desafiá-lo, mas ela cedeu. — Uma vez foi — ela admitiu. — O perigo me lembrava que eu não estava morta. Agora — ela examinou seu rosto, um sorriso brincando suavemente em seus lábios — parece que sua insistência faz um trabalho muito mais eficaz.

No início, o silêncio pairou entre eles, então Gann estendeu a mão e alisou seu cabelo fulvo e depois sua bochecha. Ela estremeceu e fechou os olhos. — Eu quero fazer mais do que atormentar você, Lara. — Ele sussurrou. E ele queria. Nunca quisera tanto fazer amor com uma mulher.

Suas pálpebras tremeram, mas permaneceram fechadas. Ele levou a outra mão ao rosto dela, emoldurando sua mandíbula, levantando seu queixo enquanto se inclinava em direção a ela. Sua respiração se misturou. Então ela se esticou para cima e tocou seus lábios nos dele.

Ele a provou, movendo sua boca sobre a dela levemente, saboreando a sensação. Foi o mais gentil dos beijos, um convite. Uma promessa, ele esperava, de mais. Algo melhor. — Doce sol. — Ele murmurou.

Ele pensou ter ouvido seu suspiro enquanto ele se afastava, mas não tinha certeza. Mesmo assim, ele deu a ela seu sorriso mais irresistível. — Então, minha insistência é eficaz, hein? Você pode se arrepender de ter revelado essa pequena descoberta.

Ela deu um pequeno sorriso e disse: — Neste caso, eu diria que a aposta vale o risco. — Em seguida, ela deu as costas para ele e começou a trabalhar para levá-los aonde precisavam, com uma das mãos apoiada nas costas ossudas do gato ketta.

Houve um salto em seus passos quando Gann voltou ao seu lugar. Assim que a princesa Tee'ah estivesse em segurança a bordo de sua nave, ele planejava mostrar a Lara exatamente o que ela havia acabado de apostar, um passo primoroso e cheio de prazer de cada vez.


CAPÍTULO 16


O coração de Tee'ah deu um salto. — Aquele é o Príncipe Klark Vedla no jipe de Randall.

— Então é ele. — Ian disse, seu tom ameaçador.

A felicidade deixada por seus momentos a sós com Ian desapareceu tão rapidamente quanto a poeira assentou no rastro do jipe. Seu primeiro impulso foi correr na direção oposta. Mas ela empurrou de lado seu medo autoindulgente e egocêntrico, como ela falhou em Barésh. A interferência de Klark na política de fronteira poderia ter consequências desastrosas. Embora viver dentro dos limites de sua cultura fosse impossível, ela tinha orgulho de sua herança Vash Nadah e não queria ver todas as realizações de seu povo arruinadas pelo preconceito e pela ambição dos Vedlas. Seu status de fugitiva não lhe permitiu expor o perigo da interferência de Klark ao Grande Conselho; mas, pelos céus, não significava que ela não pudesse ajudar Ian a fazer exatamente isso.

— É como você disse. — Ian abaixou o binóculo. — Vash estão envolvidos na campanha de Randall.

— Mas você acha que ele entende quem é Klark?

Ele considerou sua pergunta. — Randall se ressente da Federação. Não consigo imaginá-lo concordando que um Vash o usasse de forma tão descarada para me manter fora do trono, só para que eles instalassem um deles. — A expressão de Ian ficou sombria. — Ché... Eu o conheci. Eu também gostei dele. Achei que fosse mútuo. — Sua carranca se aprofundou, tornando óbvio que ele se sentiu traído.

Um músculo em sua mandíbula pulsou enquanto ele espiava com o binóculo onde a estrada alcançava o cume da crista e descia até as ruínas, um grupo de prédios antigos feitos de pedra em ruínas. Minúsculo agora, o jipe estava estacionado ao lado de um aerocarro elegante em frente aos prédios onde os homens haviam desembarcado.

— Vamos —, disse Ian.

— Para a fortaleza? — Ela ficou instantaneamente tonta. — Klark está lá.

— Ele não fará nada na frente do senador. — Ian bateu em sua arma. — Eu garanto.

Não era o que ele faria que a preocupasse, mas o que ele poderia revelar sobre ela. Seja corajosa. Você carrega o sangue dos antigos guerreiros. Ela montou na Harley e tentou não contemplar o desagrado que certamente viria do reencontro a ex-noiva de seu irmão.

Eles desceram a colina em direção às ruínas. Klark emergiu da nave de Randall. Ele parou, olhou para a estrada. Para seu horror, ele disparou pela clareira até o aerobarco e fechou a escotilha.

Ele deslizou para a estrada.

Tee'ah bateu com os punhos nos quadris de Ian. — Ele está vindo para cá! — Ela gritou.

Ian diminuiu a velocidade da Harley e desviou para mais perto do acostamento. O carro voador também.

— Ian - cuidado!

O guincho dos motores turbofan4 abafou seu grito. Liso e cinza, o aero-carro se abateu sobre eles.

Ian jogou os braços ao redor dela e a empurrou para fora da Harley. Eles caíram na grama, caindo, braços e pernas voando. O carro de Klark passou rugindo. Chicotadas em um redemoinho, seixos e agulhas de pinheiro espinhosas atingiram a pele exposta de seu pescoço e pulsos.

— Seu desgraçado! — Ian sacou sua pistola e mirou no veículo enquanto ele continuava pela estrada. Então ele praguejou, baixando a arma. — Com a minha sorte, ele se chocaria contra uma árvore e se mataria —, disse ele. — Embora agora eu não possa dizer que me importaria, imagino que o Grande Conselho se importe. — Ele embolsou sua arma e sacou seu comunicador. —Demônio do Sol, Ian aqui.

Muffin atendeu tão rápido que Tee'ah tinha certeza de que o homenzarrão estava esperando por aquela chamada, seu dedo grosso pairando sobre o botão de mensagem. — Câmbio.

— Klark está indo em sua direção em um carro voador. Cinza metálico. Encontre-o, detenha-o até eu voltar.

— É isso aí, capitão — Muffin disse e ficou offline.

Ian colocou Tee'ah de pé. — Você está bem? — ele perguntou, apertando a mão enluvada dela.

Abaixo, um chiado escapou da nave estacionada. — Eles estão fazendo uma verificação antes do voo —, disse Tee'ah com urgência. — Seu senador está se preparando para partir.

 


O último modelo de aero-carro deslizou ao longo das docas. Quando finalmente parou na frente de um caça sem identificação, três membros da tripulação do Demônio do Sol estavam esperando.

Muffin abriu a porta, enfiou a mão dentro e puxou Klark para fora. As pontas das botas imaculadas do Vash esfregaram o asfalto.

O príncipe assustado lutou de volta. Ele era alto, atlético e treinado em artes marciais, mas não era páreo para o corpo de Muffin. O guarda-costas o guiou para longe do carro.

— O que você quer comigo? — Ele demandou.

— Você tem uma audiência com o príncipe herdeiro. Estou garantindo que você chegue lá. — Houve mais lutas.

Quin caminhava ao lado. — Você nos causou muitos problemas, Sua Alteza.

— O príncipe herdeiro não está feliz —, Gredda acrescentou. — Suponho que você terá algumas explicações a dar.

A indignação apertou as feições aristocráticas de Klark, e ele enfiou a mão dentro da capa. Gredda enfiou o salto da bota atrás do joelho dele. Klark tropeçou para frente e sua adaga deslizou sobre o pavimento. Quin puxou-o para longe, chocado. O mecânico começou a engasgar.

Klark recuperou o equilíbrio, mas Muffin o agarrou por trás. — Reviste-o, Gredda.

Ela deu a Klark um sorriso lento. — Meu prazer.

Sem arrependimento, o príncipe a olhou com raiva enquanto ela acariciava seu corpo com as mãos. — Ouvi dizer que vocês, mulheres Valkarianas, sodomizam5 umas às outras porque seus homens não tocam em vocês. Isso é verdade?

Gredda segurou sua virilha e apertou. — Diga-me você, Alteza.

Klark se desvencilhou e deu um golpe com o punho direito. Os homens o atacaram tão rápido que levaram um momento para perceber o que ele estava gritando enquanto tentava teatralmente se libertar. — Socorro! Por favor me ajude! Batedores de carteira. Ladrões!

Uma multidão se reuniu. — Aw, morde minha bunda — Muffin disse sombriamente. Dois policiais comerciais armados e ansiosos para ajudar abriram caminho entre os espectadores.

 


Tee'ah e Ian caminharam até a nave do senador. Randall e seu guarda Lucarelli encontraram-nos na parte inferior da passarela. O reconhecimento brilhou nos olhos do senador da Terra. — Ora, é Stone —, disse ele em inglês. — Do bar de karaokê. Peço desculpas, mas não terei tempo para aquela bebida que prometi a você. Estou indo para casa.

— Stone é um pseudônimo, senhor. Meu nome verdadeiro é Ian Hamilton. Estou aqui em uma missão crítica para manter a paz galáctica, em nome de Romlijhian B'kah, governante da Federação de Comércio de Vash Nadah. — Ele havia falado no básico - por ela, Tee'ah percebeu com uma onda de sentimento que era perturbadoramente mais do que afeto. — Precisamos conversar, senador. Agora. Aqui ou em privado.

Randall ignorou a abertura para manter a conversa no Básico. — Execute uma identificação digital. — Ordenou a Lucarelli em inglês.

— Eu consinto com uma varredura de retina também. — Ian disse a eles.

Tee'ah enfiou a mão no bolso da coxa em busca de sua fina tradutora de Básico para inglês, presente de Muffin para ela semanas atrás.

Lucarelli desapareceu dentro da nave e voltou com um dispositivo que segurou no olho direito de Ian. O homem então apontou o feixe infravermelho do dispositivo para seu computador de manopla. Ninguém falou enquanto os dois processadores se comunicavam. Depois de cerca de trinta segundos, Lucarelli ergueu os olhos. O espanto tingiu sua voz. — É ele, senhor.

A expressão de Randall refletia curiosidade e cinismo - e uma boa dose de desconfiança. Mesmo assim, ele estendeu a mão. — Já era hora de nos conhecermos.

— Eu também digo, senador. — Eles apertaram as mãos com cautela.

Um estrondo irrompeu de baixo da nave quando os componentes mecânicos necessários para sua longa viagem espacial foram colocados online. Tee'ah ainda estava tão perturbada pelo quase acidente com o aerocarro de Klark que deu um pulo para trás. Descansando a mão na pistola, ela observou a estrada para o retorno de Klark.

— Senador, não mostre suas filmagens dos mundos periféricos ao presidente.

Randall ergueu uma sobrancelha prateada. — Por quê?

— Porque se você não fizer isso, você abrirá uma fenda entre a Terra e a Federação. Sim, precisamos ajudar Barésh e outros mundos como ele - imediatamente - mas sozinha a Terra não tem a tecnologia para reconstruir planetas inteiros. Você sabe disso. Temos que trabalhar junto com a Federação. Estou em uma posição única na vida - talvez uma posição única na história para ser esse mediador, para fazer da Terra um membro vital e importante da Federação. Mas se a situação em casa piorar e a Terra declarar independência, os Vash nunca concordarão que eu me torne rei, e você terá perdido a melhor chance, talvez a última chance, de desempenhar um papel positivo no futuro da galáxia.

Randall deu alguns passos para trás do pequeno grupo, cruzou os braços sobre o peito e avançou. Ladrilhos quebrados estalaram sob seus sapatos. — Como vou saber se você não está me pedindo para me comportar apenas para não perder a coroa?

Um músculo saltou na mandíbula de Ian. — Não tem como. Você também não sabe que um príncipe Vash Nadah está usando você como um instrumento em uma conspiração para me impedir de ser confirmado como o sucessor de Rom B'kah.

Randall trocou olhares perplexos com Lucarelli e o outro homem que acabara de se juntar a eles, Gruber, de quem Tee'ah se lembrava do bar.

— Na verdade, ele fez o possível para me atropelar em seu carro voador.

O senador lançou-lhe um olhar engraçado. — Você quer dizer Kip?

— O nome dele é Klark, Klark Vedla. Ele é um príncipe Vash de sangue puro, o segundo filho dos Vedlas, uma das oito famílias reais Vash Nadah.

— Filho, você está enganado. Ele não é mais Vash do que seu companheiro. Eles devem suas aparências à mistura de sangue.

Tee'ah leu seu tradutor e fez uma careta. Se Ian soubesse...

— Kip vem de uma família rica — Randall insistiu. — Mas ele é uma espécie de vingador. Ele faz o que pode para ajudar os povos oprimidos da galáxia.

— A única coisa que ele está vingando é a escolha de Rom B'kah em herdeiros —, argumentou Ian. — Ele mostrou a você as piores condições na galáxia não porque se preocupa com suas vítimas, mas porque reconhece seu senso de honra e sua habilidade como líder e os está usando para promover seus próprios interesses.

— Que são?

— Garantir que seu irmão mais velho suceda Rom B'kah e não eu. — Enquanto Ian explicava o papel involuntário de Randall no plano de Klark de desestabilizar a fronteira, o senador ouviu primeiro com irritação, depois negação e finalmente desânimo. — Se ele tiver sucesso —, disse Ian, — não serei confirmado como herdeiro de Rom, e a Terra perderá. Você fala muito bem do time da casa. Eu nasci no Arizona, senador. Se esse não é o 'time da casa', não sei o que é. A Terra se beneficiará enormemente se eu assumir o trono.

Gruber, o secretário de comércio falou. — Beneficiar? Não vejo como. Se você tivesse oferecido publicamente a garantia de que a Terra ganharia influência com esse movimento para cima, talvez eu me sentisse diferente. Mas você não vai para casa - que eu saiba - em cinco anos. Cinco anos.

— Tenho que concordar com Mike —, disse Randall. — Por todas as aparências, você é mais parecido com eles do que como nós.

Ian soltou um suspiro. — Não, senhor —, disse ele com firmeza. Ele voltou os olhos para Gruber. — Já fiz várias viagens para casa, discretas e privadas, para ver a família e os amigos. Não pensei em agendar aparições públicas ou palestras. Toda a minha energia foi devotada para ganhar a confiança dos Vash Nadah. Presumi que a confiança da Terra seria automática. Agora sei que foi um erro grave. Eu me concentrei em cortejar os Vash às custas do meu mundo natal. — Ian ergueu as mãos. — Eu tropecei muito, senador.

Os três homens pareceram surpresos, como se esperassem uma resposta diferente, talvez uma negação agressiva ou uma ofensiva raivosa.

— Eu mergulhei na cultura Vash por respeito e amor pelo meu padrasto —, Ian reconheceu. — Eu não esperava que ele me nomeasse como seu sucessor, e isso foi feito por alguns anos intensos no palácio. Ainda assim, alguns membros do Grande Conselho não acham que um cara da Terra possa fazer o trabalho. Eu acho que eles estão errados.

Randall coçou o queixo. — Eu não sabia que tipo de homem você seria — ele disse como se estivesse pensando em voz alta. — Mas imagino que você seja um peixe fora d'água entre todos aqueles Vash.

Ian respondeu com um sorriso autodepreciativo. — Sim. Às vezes estou fora do meu alcance. Mas sempre gostei de ser o azarão.

— Eu também. — Disse o senador em voz baixa.

Tee'ah não precisou consultar seu tradutor para entender que a dinâmica da interação havia mudado. Enquanto os dois homens se avaliavam, calafrios arrepiaram sua pele. Charlie Randall e Ian Hamilton detinham o poder de mudar o curso da história. E ela, uma princesa antes escondida nas sombras, era fundamental para levá-los juntos neste mundo pequeno e longínquo, com a esperança de que eles pudessem resolver suas diferenças com palavras, não com armas. Seu papel como uma mulher da realeza Vash não tornara possível um papel direto na política, mas agora que ela estava livre, algum dia, em algum lugar como a Terra, ela poderia ir atrás desse sonho.

— Trabalhe comigo —, disse Ian. — Vamos trazer à Terra o futuro que ela merece.

O arrependimento obscureceu as feições marcantes de Randall, e isso fez o pulso de Tee'ah disparar. — Na minha ausência, o movimento Terra-Primeiro ganhou vida própria. Eles estão protestando em todas as principais cidades do mundo. As Nações Unidas estão sobrecarregadas. Eles estão considerando uma ação para rescindir imediatamente a decisão de ingressar na Federação.

— Você pode manter a filmagem desses mundos marginais deles até eu chegar lá?

— Eu não sei.

Ian olhou para ela e Tee'ah percebeu a frustração em seus olhos. — Doce céu — ela sussurrou. Ele tinha que fazer, ou Klark teria sucesso em seus esforços e toda a missão de Ian seria em vão.

— Filho, enviei o que gravei alguns minutos antes de você aparecer. Por insistência de Kip — Randall acrescentou com uma expressão inquieta. — Por segurança, caso algo acontecesse com minha nave. Está nas mãos do presidente agora. Posso pedir a ele que espere até chegarmos antes de mostrar para qualquer outra pessoa, talvez.

Ian praguejou. — Faça. Quero falar com ele primeiro.

— Tudo certo. Me encontre em Washington. Vou providenciar tudo.

Randall deu a ele suas informações de contato e instruções. — Mas não demore. Depois de conhecer o presidente, vá para os líderes mundiais em seguida. Quer você quisesse ou não o emprego, você é o herdeiro de um império. É hora de representar o papel.

Ian estendeu o braço e os dois homens deram-se as mãos, primeiro à maneira dos habitantes da Terra, depois no estilo vigoroso de agarrar o antebraço dos Vash Nadah.

— Muffin para Hamilton. — Uma voz profunda familiar explodiu do bolso da calça de Tee'ah. Ela agarrou seu comunicador ao mesmo tempo que Ian arrebatou o dele.

Ian respondeu. — Continue.

— Temos um problema, Capitão — Muffin disse. — Estou na prisão.

 


O escritório principal do centro de detenção de Grüma era uma pequena sala cheia de telas panorâmicas e o cheiro de toco velho. Uma porta aberta deixou entrar o ar frio e fresco, lembrando Ian que Randall estava prestes a lançar, se é que já não o tinha feito.

Ele caminhou na frente de um policial de lábios franzidos. — Deixe-me ver se eu ouvi direito. Minha equipe é acusada de interromper o fluxo de comércio? — Ele esperava algo mais colorido, como espancar um idiota.

A mulher tocou com a ponta do dedo a fileira de triângulos dourados que usava verticalmente na ponta do nariz. — Sim, essa é a acusação. O dono do café e várias testemunhas disseram que o aerobarco e a perturbação resultante bloquearam a entrada de seu estabelecimento. Assim, aplica-se a acusação mais séria de interromper o fluxo de comércio.

Ian trabalhou para se acalmar. — Por que você não prendeu o motorista também?

Tee olhou para suas botas. Ele não tinha dúvidas de que sua mente estava cheia de imagens de Klark em várias formas de sofrimento.

— Seus tripulantes foram os agressores, senhor —, explicou o oficial. — Mas, como eu disse, todas as cobranças serão retiradas com sua generosa contribuição para a economia local.

Significa um suborno considerável. Furioso, Ian entregou os créditos necessários para garantir a liberação da tripulação. Então ele sorriu fortemente. — Agora, posso escoltar minha tripulação de suas instalações?

— Posso marcar uma apresentação antes do magistrado amanhã. — Disse o policial, estudando sua tela visual.

Tee deixou escapar: — Amanhã?

Ian espalmou as mãos sobre a mesa e se inclinou para a mulher. —Eu pensei que...

— A contribuição —, corrigiu a policial, esfregando o nariz.

— Sim, a contribuição — Ian disse com uma calma mortal. — Ela limparia seus registros de quaisquer acusações. Ou estou enganado?

— Não senhor. Está correto. Após a apresentação eles serão liberados.

— Amanhã.

— Sim. Amanhã.

Ele se afastou da mesa. Ele não tinha até amanhã. Se as fitas chegassem às mãos da ONU antes de ele chegar, Klark teria sucesso. Não pela primeira vez, ele quase disse ao oficial quem ele era. Ele continuaria com algumas dicas de que as coisas iriam mal para ela se ela e seus camaradas não libertassem sua tripulação. Mas se ele esperava ser o mediador para esta região que contempla a soberania, ele não poderia se dar ao luxo de espalhar a notícia de que o príncipe herdeiro galáctico simplesmente ameaçou a polícia comercial local que não cumpriu suas ordens. Não, ele tinha que seguir as regras, agora mais do que nunca, ou corria o risco de ser expulso do jogo.

Ele admitiu a derrota com um sorriso encantador. Em resposta, o oficial simplesmente esfregou as joias de sua pele mais rápido.

— Vamos embora. — Disse ele a Tee.

Barreiras invisíveis bloqueavam as entradas das celas. Muffin e Quin estavam em uma e Gredda em outra. Ian ficou com Tee na área intermediária.

— Saudações, capitão. — Muffin arregaçou as mangas, revelando antebraços enormes. Embora o ar estivesse fresco, sua pele brilhava. Mas seu sorriso tímido destruiu a imagem de um guerreiro impiedoso. — Tivemos alguns problemas.

— Eles me disseram que vocês foram os agressores. — A voz de Ian tinha certa aprovação, apesar de sua posição agora comprometida.

— Eu posso ter sido um pouco rude com ele —, o grande homem admitiu prontamente, — mas ele merece muito mais.

— Agressores, bah. — O rosto de Quin se contorceu na carranca mal-humorada que antes reservava apenas para Tee. — O menino bonito saiu com sorte. Apenas um queixo machucado e um bom susto.

— Eu gostaria que eles tivessem me deixado terminar com ele —, Gredda reclamou. — Ele não teria sido tão bonito... No final.

— Tudo bem, ouçam — Ian rosnou. — A boa notícia é que as acusações serão retiradas. Fiz uma contribuição generosa para a economia local.

Tee bufou. — Um suborno considerável, ele quer dizer.

— Quais são as más notícias? — Muffin perguntou com cautela.

—Eles não vão liberar vocês até que vocês apareçam perante o magistrado amanhã de manhã. Acho que vamos embora depois disso.

— Não, capitão. — Muffin ficou tão perto da barreira invisível que o ar ondulou como uma camada de filme fosforescente. — Não espere. Pegue a Tee e vá embora. A nave está quase toda consertada. Randall está voltando para casa e você precisa ir atrás dele.

— Eu entendi isso. Mas isso não significa que vou abandonar minha tripulação.

— Com todo o respeito, senhor, Gredda, Quin e eu temos mais tempo no espaço do que você esteve vivo — Muffin disse. — Nós ficaremos bem.

— Ouça-o, Ian —, insistiu Tee. — Push está no Demônio. Ele vai ficar aqui quando partirmos. Ele vai cuidar da tripulação.

— Ele teria que garantir alojamento — Ian disse pensativo.

— Pode apostar, capitão —, interrompeu Quin. — Por quantos dias precisarmos antes de conseguirmos transporte para fora do planeta.

Ian massageou sua nuca. Ele não gostava de ser forçado a tomar uma decisão antes de dar a devida consideração. Mas que escolha ele tinha? Seu mundo natal estava caindo no caos agitado por um homem que gostaria de vê-lo morto.

A mão de Tee pousou em seu braço. — Sua tripulação vai ficar bem, mas se esperarmos outro dia, a Terra não vai. — Seus olhos dourados brilharam estranhamente. — As necessidades de muitos superam as de poucos — ela sussurrou.

Ele procurou seu rosto ardente, extraindo força de sua certeza e sua fé nele. As necessidades de muitos superam as de poucos - uma passagem do Tratado de Comércio, o documento mais sagrado do povo Vash e a base de sua sociedade. Sua mãe e seu padrasto haviam tirado força dessa citação em particular durante alguns momentos difíceis. Às vezes, Ian sentia como se tivesse vivido e morrido por um primo próximo “O bem-estar do grupo vem antes dos desejos de um indivíduo”. De ambas as passagens, ele agora ganhou confiança para terminar o que havia começado.

CAPÍTULO 17


Quando Push chegou à prisão, permitindo que Tee'ah e Ian partissem, a estrada principal para fora da cidade estava deserta. Onde o sol se pôs, o céu estava encharcado com tons de roxo, índigo e listras de rosa. Tee'ah se inclinou para a frente, como se pudesse de alguma forma fazer a Harley voar mais rápido do que já era na direção do Demônio do Sol. E, finalmente, para a Terra.

Ultimamente, parecia que sua vida estava passando mais rápido do que qualquer motocicleta, varrendo-a com velocidade vertiginosa de uma aventura após a outra, uma existência que era tão volátil quanto seus dias no palácio tinham sido previsíveis e enfadonhos.

Quando Ian parou a Harley, ela pressionou a bochecha nas costas fortes dele e fechou os olhos brevemente. Um prazer pungente, ela pensou, pois cada minuto de seu coração a trazia mais perto do dia em que ela e Ian teriam que seguir caminhos separados.

— Levante-a e vá o mais rápido que puder com segurança. — Ian disse enquanto desciam da moto.

— É isso aí, capitão. — As palavras pareciam terrivelmente formais depois de sua intimidade horas antes. Ela se virou para o corredor, mas ele a segurou pelo braço.

— Eu só queria dizer... Obrigado por esta manhã.

Suas bochechas aqueceram. Ela tinha sido tão estranha, tão inábil. — Você não tem que dizer isso. Tenho certeza que as servidoras de prazer do palácio são muito melhores.

—Não, Tee. — Sua boca se apertou, como se ela o tivesse insultado. — Elas nem chegavam perto. Ninguém.

Sua estima por ela como indivíduo era um afrodisíaco como nenhum outro, e sua consciência sexual dele disparou. Seu olhar intenso disse a ela que ele sentia a atração entre eles tão fortemente quanto ela. Sorrindo tristemente, ela tocou com a ponta do dedo os espinhos escuros de sua barba aparecendo em seu lábio superior e bochechas. Ele parecia tão selvagem, tão exótico. Como ele poderia realmente ser o príncipe obediente às regras que ela sabia que ele era?

Mas ele era. E logo ele voltaria para a mesma vida que ela fugiu.

Ela largou a mão e o deixou parado na parte inferior da passarela. Durante todos os preparativos pré-voo, ela permaneceu focada em suas tarefas. Mas quando o Demônio do Sol se lançou, trovejando para cima e para longe da floresta, ela não pôde deixar de se perguntar que nível de destino se escondia além do manto do céu noturno.

A bordo do Demônio do Sol, Ian fechou o painel de instrumentos em sua mesa, então se levantou e se espreguiçou. Ele se juntou a Tee na seção dianteira da cabine, onde ela se sentou em sua estação de voo, esperando até que eles ultrapassassem as rotas espaciais antes de levar a nave para a velocidade da luz. — Eu ouvi você falando. — Ela disse.

— Enviei mensagens criptografadas unilaterais para Rom B'kah e minha irmã gêmea do mal, Ilana. Agora eles saberão que estou indo para a Terra.

Ela ergueu uma sobrancelha. — Gêmea do mal?

— Sim. Preto e branco. Yin e yang.

— Vou ter que buscar o tradutor? — Ela perguntou secamente.

Ele riu. — Não. Eu chamo Ilana de minha gêmea malvada, e ela me chama de Goody-dois-sapatos. O que não é justo, é claro —, acrescentou ele rapidamente. — Mas temos perspectivas diferentes.

— Como?

— Eu gosto de pensar sobre as coisas. Ela entra em ação de cabeça. Ela também não liga muito para regras e não tem disciplina. — Ele deu uma risadinha. — Ela daria uma péssima Vash. E para ela está tudo bem.

Tee estava ouvindo atentamente. — Eu acredito que eu gostaria dessa mulher. — Ela disse lentamente.

As luzes piscaram e se apagaram. As luzes de emergência foram acesas, mas as alavancas de impulso voaram sozinhas. A desaceleração repentina jogou Ian no chão, mas por algum milagre ele flutuou para longe do que teria sido um encontro de esmagar os ossos com o console de vôo.

— Falha do gerador de gravidade. — Chamou o computador do sistema de voo.

— Sem brincadeira —, ele murmurou.

Tee se esforçou para colocar as alavancas de impulso de volta onde deviam. — Pelo amor do céu, Ian! Você está bem?

— Sim. — Ele flutuou como uma pipa acima da cadeira vazia. — Acabei de mudar.

Ele se acomodou na cadeira, afivelou o cinto e fez um inventário das partes do corpo. O que doía de ricochetear no chão não parecia estar quebrado. Surpreendentemente, seu pulso mal havia saltado. Isso significava que ele estava se acostumando com a qualidade quase surreal de 007 de sua nova existência. Embora ele não pudesse decidir se isso era uma coisa boa ou ruim. — O que diabos aconteceu?

— Eu vejo várias falhas de sistemas. — Seu cabelo castanho-esverdeado e dourado-ruivo flutuava em torno de seu rosto. — Crat! Os sistemas estão caindo fora de linha mais rápido do que a nave pode colocá-los de volta. E agora o computador não está me fornecendo os backups.

— Faça manualmente!

— Eu estou!

As luzes se apagaram e as luzes auxiliares se acenderam, fracas e com tonalidade âmbar.

— FALHA ELÉTRICA, CONVÉS SUPERIOR. — Zumbia a voz do computador.

Seu estômago caiu com uma onda de náusea e ele se sentiu repentinamente pesado na cadeira. Ele engoliu em seco convulsivamente, o suor frio pinicando sua testa.

— Eu coloquei o gerador de gravidade de volta online! — Tee gritou.

Houve um solavanco e o navio silenciou. Demorou alguns segundos para perceber que o som sempre presente dos recicladores de ar havia sumido.

— FALHA NO SISTEMA DE SUPORTE DE VIDA PRIMÁRIO. SISTEMA DE BACKUP NÃO DISPONÍVEL —, relatou o computador.

— Lá se vai nosso ar. — Ian desamarrou. — Estamos dando o fora daqui.

Tee bateu as mãos na mesa. — Grande Mãe, eu não vejo nenhuma mudança de pressão nos instrumentos de status. Deve ser um mau funcionamento do computador.

— Não sabemos disso —, gritou ele.

Um alarme soou. — ABANDONAR A NAVE. ABANDONAR A NAVE.

— Abandonar nave? — Tee ficou boquiaberta. — Como vamos fazer isso?

— O casulo de manutenção externa servirá —, disse ele quando o pensamento lhe ocorreu. Era uma câmara de cerca de 300 pés quadrados, pouco mais do que um ponto de lançamento para caminhadas espaciais quando necessário para reparos externos. — Podemos destacá-lo e então nos afastar da nave.

— VIOLAÇÃO DE CASCO DETECTADA. CINCO MINUTOS ATÉ A FALHA ESTRUTURAL.

— Vamos lá! — Ele desafivelou seu cinto, mesmo enquanto ela lutava para lançar mais sistemas falhando online. Ele poderia lidar com a morte, se precisasse, mas não conseguia pensar na possibilidade de perder Tee. — Computador! — ele comandou. — Transmitir mensagem de socorro - situação desesperadora, precisa de ajuda imediata.

Tee bateu com a mão aberta em um disco vermelho no painel de comunicação, ativando um sinal de socorro. Então ela teve a presença de espírito de desalojar um farol de emergência portátil para trazer com eles para o casulo, para guiar um resgatador até sua localização, caso eles se afastassem muito do Demônio do Sol.

Nenhuma dúvida sobre isso; a duende estava lúcida em uma crise.

Eles tropeçaram para fora da cabine. Empurrando-a à frente dele ao longo do passadiço, ele correu atrás dela e eles dispararam pelo corredor.

— Algo afetou o software de alerta da nave —, ela especulou, ofegando enquanto corriam. — Ele desativou os alertas que deveriam nos dizer que algo estava errado. Agora o computador pensa que temos falhas massivas.

— TRÊS MINUTOS ATÉ FALHA ESTRUTURAL. ABANDONAR A NAVE. ABANDONAR A NAVE.

— Ou —, ela gritou por cima do alarme, — nós realmente temos falhas enormes e estamos prestes para despressurizar.

Ele praguejou. — Agora não é hora de ficar pessimista.

Adiante estava a escotilha para o casulo externo. Parecia uma bola de golfe com um interior acolchoado branco. Ele a empurrou para dentro e fechou a pesada escotilha, mas ela impediu a vedação de um dedo de largura.

— SESSENTA SEGUNDOS ATÉ A FALHA ESTRUTURAL.

Ele amaldiçoou violentamente por seus dentes cerrados. Se ele não conseguisse fechar a escotilha e despressurizar a nave, eles perderiam todo o ar do casulo, com pouco tempo para compreender o pensamento antes que seus pulmões explodissem e seu sangue fervesse.

— QUINZE SEGUNDOS ATÉ A FALHA ESTRUTURAL.

— Chute a porta para fechar! — Ele gritou. Eles rolaram de costas, batendo as botas contra a escotilha emperrada. Feche, droga, feche.

— FALHA ESTRUTURAL. ABANDONAR A NAVE.

Tee deu um grito estrangulado e bateu com a planta dos pés na porta. — Não!

— ABANDONAR A NAVE. ABANDONAR A NAVE.

A escotilha se fechou com um assobio de estalar os ouvidos e o sistema de suporte de vida dentro do casulo assumiu. O ar estava seco e com cheiro de mofo. Ian tragou grandes goles que encheram os pulmões. — Ao lado do seu braço direito - a liberação manual - puxe-a!

Tee puxou a alavanca de liberação.

Seu coração batia forte como uma marreta.

O casulo se desprendeu com um solavanco e flutuou livre, balançando no espaço como uma isca de pesca em um lago ondulante.

— Essa coisa tem jatos de propulsão. Em algum lugar. — Seus dedos procuraram um painel de controle desconhecido. O fabricante o havia familiarizado com a operação do casulo uma vez, na viagem inaugural da nave. — Lá. — Ele ativou os bicos injetores e usou um minúsculo controle para se afastar do Demônio do Sol - mesmo a toda velocidade, talvez devagar demais para salvá-los, caso a nave explodisse.

Tee deve ter lido seus pensamentos. — Pelo menos assim temos uma chance —, ela insistiu. — Na nave, não teríamos nenhuma.

Eles se prepararam para a explosão, amontoados, os olhos protegidos. Mas tudo o que trovejava ao redor deles era sua respiração difícil.

O Diabo do Sol se manteve unido.

— Bem — ele disse. — Parece que ainda estamos no jogo.

Ela bufou. — É melhor você acreditar que nós estamos. Vamos voltar para aquela nave e dar partida nela. Terei você na Terra antes que os motores de Randall esfriem.

Ele não sabia se devia gritar um grito de guerra ou beijá-la até deixá-la sem sentido. — Vamos fazer isso.

Eles se separaram e começaram a trabalhar. Ian disparou os jatos de direção para trás, parando seu movimento para trás. Segurando o controle, ele bateu nos jatos de direção, expelindo apenas a força suficiente para iniciar o movimento do casulo em direção a nave. Tee agachada perto da vigia para oferecer orientação visual adicional. Era uma boa distância até a nave e não havia garantia de que conseguiriam; o pequeno casulo não foi projetado para voar muito através do espaço aberto.

— Não estamos chegando mais perto. — Observou Tee, franzindo a testa.

Ele deu mais combustível aos jatos. Mas o Demônio do Sol manteve sua posição em relação ao casulo.

—Precisamos de mais. — Disse ela.

— O combustível está quase acabando.

— Já?

— Percorremos uma boa distância, embora não pareça.

Ela olhou para fora, sua expressão sombria. — O Diabo do Sol está se afastando de nós em uma velocidade maior do que este casulo pode controlar.

Se eles não alcançassem a nave, ficariam presos no casulo que, ao contrário do Demônio do Sol, mantinha um volume de ar muito finito. — Quanto tempo temos se ficarmos presos aqui?

Tee segurou seu tablet com as mãos trêmulas, o que revelou a verdade sobre sua aparência fria e calma. — Aproximadamente cinco horas galácticas padrão.

Cinco horas. O relógio estava correndo.

Ele deu aos jatos outro jato de propelente.

— Pouco combustível. — Alertou o computador de bordo em uma voz suave e feminina.

— Estamos avançando sobre ela agora. — Disse Tee com entusiasmo.

Ian manipulou o controle. — Joguei muito Nintendo quando criança —, disse ele. Ele enviou mais propelente para os jatos. Vamos! Vamos.

Adjacente ao controle, uma luz vermelha piscou em advertência. — Jesus, ainda não.

Os jatos drenaram o resto do combustível. Ian ergueu as mãos. —É isso. — Disse ele.

— Combustível esgotado —, concordou o computador do casulo. Apesar de não ter ajudado, a voz parecia muito triste.

 


Na Grüma, Lara saiu de um café com uma expressão de triunfo. Suas delicadas joias de prata brilhavam ao luar. — Eles me disseram que a tripulação da princesa está hospedada naquela pousada — Ela acenou com o queixo — do outro lado da rua.

— Isso é estranho. — Gann caminhou ao lado dela. — Por que eles não estão em sua nave?

Com a respiração embaçada na quietude fria de antes do amanhecer, ela disse: — Bem, de acordo com aquele homem no café, essas pessoas acabaram de sair da prisão. Eles foram soltos há apenas uma hora ou mais. Talvez a nave deles esteja apreendida, como a minha.

Ele deu a ela um pequeno sorriso. — Pelo que parece, a sua logo estará de volta em suas mãos.

Assim que chegaram, Gann bateu com o punho na porta de um quarto de hóspedes dentro do qual o homem encarregado da tripulação supostamente dormia. Ele esperava, pelo bem dos pais de Tee'ah, que o cavalheiro em questão não estivesse naquele momento compartilhando sua cama com a princesa. Esperava-se que as mulheres reais Vash fossem virgens quando se casassem. Mas então, esperava-se que as mulheres reais Vash também ficassem em casa.

Ele bateu novamente. Sons farfalharam de dentro da porta. Então, uma voz profunda e muito irritada gritou: — Estou indo.

Armada e pronta para problemas, Lara estava alguns passos atrás dele, o colarinho levantado para afastar o frio. Houve mais alguns baques. — Vocês, Grümans, não desistem, não é? — o homem resmungou de dentro. — É melhor que seja bom. — A porta se abriu.

Por um segundo, Gann perdeu a visão na luz brilhante que se derramava da sala. Então uma sombra apareceu na porta. Gann piscou, semicerrando os olhos para o gigante que se elevava acima dele. — Grande Mãe, Muffin! O que diabos você está fazendo aqui?

 


No casulo, Tee se sentou de cócoras, com uma expressão de total descrença. — Estamos sem combustível?

— Nós até usamos a fumaça. — Pense. Tinha que haver outra saída.

— Eu não acredito nisso —, ela disse. — A nave está bem ali — ela bateu com a mão aberta na vigia — cheio de ar. E nós estamos aqui.

Quatro horas e quarenta e um minutos. A leitura do ar restante foi extrapolada para a décima milésima posição. Os dígitos descendentes desfocados pela velocidade eram uma provocação, um desafio. O que você vai fazer agora? Ele vasculhou caixas, armários de armazenamento, ergueu o piso acolchoado e olhou embaixo. Havia uma solução escondida em algum lugar. Tinha que haver. A ideia de esperar passivamente pelo resgate o revoltou no nível mais básico.

A mão de Tee se fechou em punho. — É o computador. Ele fez isso conosco. — Os nós dos dedos dela ficaram brancos e ela soltou o que soou suspeitamente como um rosnado. — Eu juro para você, Ian, se eu colocar as mãos no fabricante, vou torcer o pescoço dele. — Ela deu um sorriso fraco e torto. — Piloto, negociadora, cozinheira... Assassina - olhe tudo que terei no meu currículo depois desta temporada. Ah, e atiradora. Não devemos nos esquecer disso.

Sua tentativa de humor, juntamente com sua apreensão óbvia dirigiu uma estaca em seu coração. Ele pensou em seu entusiasmo repentino, seu desejo de aproveitar ao máximo cada momento. A probabilidade agora surgia de que sua vida seria roubada dela, muito cedo e injustamente.

— Eu não deveria ter arrastado você para essa confusão —, disse ele. — Lamento ter oferecido a você um trabalho naquele dia no Asneira de Donavan.

— Não, você não está arrependido. — Ela rastejou até onde ele estava sentado e colocou uma das mãos em seu joelho levantado. — E nem eu. Sem arrependimentos - está me ouvindo, morador da Terra? — Seu peito subia e descia, e seus olhos ficaram estranhamente brilhantes. — Estas últimas semanas foram os momentos mais gloriosos da minha vida.

A confissão dela mostrou o sacrifício que ele havia feito ao deixar de lado seus desejos pessoais pelo bem do Império Vash. Ele queria Tee como sua esposa, embora a razão lhe dissesse que um futuro com ela estava tão frustrantemente fora de alcance quanto o navio flutuando fora da vigia. Em voz baixa, ele admitiu: — Eu sinto o mesmo.

Ela suspirou e ele a puxou para perto. Por longos momentos eles permaneceram assim, face a face, respirando em uníssono. Socorro e excitação sexual se misturavam tão naturalmente quanto o cheiro e a fumaça da queima de incenso.

Quatro horas e vinte e sete minutos.

— Segure-me com força — ela sussurrou. Seus braços se enlaçaram, suas pernas se enredando. Conforme os contornos de seus corpos se encaixavam, seus lábios se encontraram em um beijo - suave, quente e amoroso. Ela se agarrou a ele enquanto ele enterrava o rosto em seu cabelo e, antes que ele tivesse a chance de analisar todos os motivos pelos quais não deveria, ele murmurou: — Eu te amo.

Ela jogou a cabeça para trás, perplexidade, medo e alegria enchendo seus grandes olhos dourados. A afinidade mental e emocional que sentia por ela desde o dia em que se conheceram aumentou, combinando-se em uma poderosa atração física.

Maravilhada, ela tocou a boca com a ponta dos dedos. — Eu sei que não podemos ficar juntos, mas...

— Não desista de nós tão facilmente. — Ele a queria, malditas as consequências.

O bem-estar de todos supera os desejos de um indivíduo. Rapidamente ele convocou o ensinamento de Vash que deveria lembrá-lo de seu dever e fazê-lo se sentir melhor por se apaixonar pela mulher errada.

Não fez.

Suavemente, ela disse: — Podemos morrer.

— Nós não vamos morrer — ele grunhiu. Ele lançou outro olhar ao redor do casulo, procurando por uma resposta, qualquer coisa para consertar essa bagunça. — Nós encontraremos algo. Sempre fazemos isso.

— Mas se não... — As mãos dela alisaram as coxas dele. Seus músculos se contraíram sob suas palmas. Ian, — Eu não quero morrer sem saber o que era... Fazer amor com você.

Ele agarrou seus dedos e apertou. Ela estremeceu e ele aliviou a pressão. — Eu entendo. Fazemos amor porque não precisamos nos preocupar com as consequências. Nada importa mais, certo? Mas é verdade, Tee. É para mim. Sim, podemos morrer. Mas eu nunca faria isso apenas por esse motivo. Eu sempre quis você. Eu queria esta consumação também.

Lágrimas encheram seus olhos, as primeiras que ele tinha visto em todo o tempo que estiveram juntos.

Ele trouxe sua testa para a dela. Sua pele úmida esquentou, sua respiração se misturou. — Já se passaram quase cinco anos.

Ele a sentiu ficar tensa de surpresa. — Sem fazer amor? Não há servidoras de prazer do palácio em Sienna?

— Optei por não visitá-las. A intimidade sexual não significa nada para mim sem compromisso emocional.

Ela procurou seu rosto. Então, com tanta naturalidade, ela desenterrou a dúvida que estava por trás de todo relacionamento que ele já teve. — Por causa do seu pai? Porque você teme que ter muitas mulheres provará que você e ele são iguais?

Seu intestino deu um nó. — Já pensei nisso uma ou duas vezes.

— Você não é ele —, disse ela com convicção. — E você nunca será. Seu coração é grande demais e sua disposição para o sacrifício é muito grande. É exatamente por isso que Rom B'kah escolheu você para sucedê-lo como rei; ele viu em você um homem de princípios e devoção, se não ancestrais e experiência.

Ian simplesmente disse: — Espero que sim.

— Você não é seu pai —, repetiu Tee. — Você tem uma autodisciplina extraordinária. — Seus lábios estavam quase se tocando. — Não apenas em sua abstinência, mas em todas as coisas, todos os dias. Exceto, talvez, ao montar sua Harley — ela murmurou contra sua boca.

— Encontrei algo que gosto muito mais do que a Harley. — Ele esfregou o polegar sobre a protuberância de seu seio e ela se arqueou contra ele. — Você — ele sussurrou em seu ouvido.

Seu gemido de prazer, seu desejo reprimido e a incerteza das próximas horas explodiram o resto de sua resistência. Ele abriu a frente de seu macacão, libertou seus seios fartos e macios. Ele já havia perdido a batalha para manter distância, agora ele se perdeu nela.

Quatro horas e dois minutos.

A sensação o afogou - o calor de sua pele, seu cheiro, seu sabor. Ele voltou para a boca dela, beijando-a quente e forte. Ele segurou suas nádegas, levantando-a e segurando-a enquanto lentamente rolava seus quadris contra ela. Se não fosse pelo tecido de suas roupas, ele estaria dentro dela.

Suas mãos tremularam sobre suas costas, então pousaram incertas em seus ombros. Era mais do que a estranheza que sentira nos primeiros beijos; ela parecia indecisa, quase assustada, uma reviravolta em relação aos encontros anteriores.

Ele se afastou. — O que é, doce duende?

Ela corou. — Eu não ia dizer nada...

Ele beijou a ponta do nariz dela. — Dizer o quê?

— Ok, a verdade. — Ela limpou a garganta e falou rapidamente. — Eu sou Vash. Não pude obedecer às restrições impostas às mulheres. Deixei meu mundo natal para uma nova vida, minha própria vida.

Ele sorriu, satisfeito com a informação. — Eu pensei que você parecia um pouco pura demais para ter sangue misturado.

Ela olhou para ele, claramente constrangida. — Talvez sim. Mas tenho certeza de que você não sabia que estava prestes a fazer amor com uma virgem.


CAPÍTULO 18


Depois que Gann e Lara conversaram com Muffin, não demorou muito para eles descobrirem que Ian era o habitante da Terra que contratou Tee'ah. De posse das coordenadas de salto de Ian, os membros da tripulação estavam ansiosos para se reunir com seu capitão.

A tripulação estava esperando por uma passagem em uma nave para a Terra, mas quando Gann apareceu, o problema foi resolvido. Eles correram para sua nave.

No momento em que ele, Muffin e o resto da tripulação de Ian escalaram a passarela para o Quillie, Gann estava pronto para um banho quente e algumas horas no beliche. Mas, o descanso não viria até que ele alcançasse Ian.

Na cabine, Lara esperava na cadeira de piloto. Apoiando o cotovelo na mesa de voo, ela apoiou a mandíbula no polegar e no indicador e examinou o grupo heterogêneo que entrava. Quando avistou Gredda, seu leve desdém mudou para uma curiosidade respeitosa. — Você é uma Valkarian. — Ela disse.

A mulher musculosa respondeu com um aceno amigável. — E você?

Os olhos de Lara se voltaram para Gann, depois de volta para Gredda. — Eu não reivindico nenhum mundo como casa. — Ela voltou para seu painel de voo. Após um momento de hesitação, ela acrescentou: — Mas nasci em Barésh.

Gann sorriu gentilmente atrás de sua cabeça. Isso demorou muito, Raio de Sol, ele pensou. Admitir um local de nascimento, cujas memórias lhe causaram dor, disse a ele que ela estava fazendo um esforço para se reconciliar com seu passado.

Enquanto Muffin se arrastava para um assento vazio entre o jovem magro chamado Push, e Quin, seu mecânico atarracado e carrancudo, a autorização de lançamento veio.

— Estamos indo. — Lara disse triunfante.

Uma vez livre das pistas espaciais, ela carregou as coordenadas de salto que Muffin havia dado a ela no computador. Seus lábios franziram enquanto seus dedos deslizavam sobre os ícones em seu visor de navegação. — Estranho. Quando eu insiro as coordenadas, a localização aparece como não aplicável.

Quin gemeu. — Eles ainda não deram o salto. Tivemos problemas de manutenção desde o primeiro dia. Se eu tivesse que adivinhar, diria que aquele propulsor de que falamos empacou na velocidade da luz. — Ele trocou olhares com Muffin. — Atrasado novamente. O capitão não vai ser um homem feliz.

— O que você acha, Lara? — Gann perguntou. — Com suas coordenadas, podemos encontrá-los; correto?

Ela deu uma risada presunçosa. — Na velocidade de sub-luz, eles estão praticamente no nosso caminho. — Ela empurrou as alavancas de impulso para frente. — Prepare-se para me conhecer, princesa.

Os olhos de Push assumiram um aspecto distante. — Ainda não consigo acreditar. Tee. Uma princesa.

— Tee'ah — corrigiu Gredda.

Quin bufou. — Não admira que ela não conseguisse segurar seu licor. Lembra daquela vez...

— Pare! — Gann ergueu as mãos. — Eu não quero saber mais — do que ele já sabia, claro. — O que ele tinha ouvido até agora sobre as escapadas de Tee'ah Dar envelheceria seus pais em várias décadas. Felizmente, suas preocupações acabaram. A jovem princesa virtuosa estava em segurança nas mãos capazes do príncipe herdeiro.

 


— Você é virgem? — Ian deixou escapar. — Mas você tem um adesivo bloqueador de natalidade.

— Pensei em planejar com antecedência. — Tee'ah esperava que ele ainda quisesse fazer amor com ela, agora que soube que ela não sabia nada sobre o ato de consumação sexual - além do que ela havia lido e ouvido... E sonhado.

Ele absorveu o que ela disse a ele. Quando ele falou, sua voz era mais gentil. — Veja onde estamos. — Ele passou a mão pelo cabelo dela. — Pela primeira vez, é isso que você quer?

Eu sou quem você quer? Ele perguntou com os olhos.

Seu coração inchou. — Quando o homem é especial, imagino que a maioria das mulheres concordaria que o ambiente não importa.

— A primeira vez de uma mulher Vash Nadah é um ato sagrado e religioso. — Disse ele.

— Sim —, disse ela em um suspiro. Se ela pensava que tinha deixado essa noção para trás com sua vida anterior, ela estava errada. Ela ansiava pelos costumes e rituais que foi criada para associar a esse marco de sua vida. Não importava que Ian não tivesse o incenso e os óleos aromáticos necessários à sua disposição, ou talvez até mesmo o treinamento dos Vash nas artes sexuais. Importava apenas que ele soubesse. E agora ele sabia.

Três horas e trinta e um minutos.

Ela suspirou e puxou-o para cima dela. Ele acomodou seu corpo forte contra o dela, apoiando seu peso nos cotovelos e joelhos enquanto abaixava a cabeça para dar um beijo em seus lábios. Onde suas coxas estavam emaranhadas, ela o sentiu, duro e grosso. Totalmente excitado. Mas sua maneira refletia a extensão de seu controle.

Ele olhou para ela, seus olhos irradiando uma combinação de calor e afeto de parar o coração. Então, com reverência digna do momento, ele recitou os versos formais usados, e mais apropriados para a noite de núpcias de um casal de Vash Nadah. — 'Com isso começamos nossa vida. Com isso formamos um vínculo abençoado que não pode ser quebrado. Neste inajh d'anah, dois se tornarão um.

Um formigamento desceu em cascata por sua espinha. — Obrigada. Por dizer as palavras. — Inajh d'anah - carne da minha carne.

— Eu não tinha certeza se me lembraria delas - tive que fazer uma vida inteira memorizando em muito pouco tempo. — Ele sorriu. — Essa passagem não significava muito antes. — Ele tocou seus lábios com o dedo. — Agora sim.

Seu olhar estava tão impregnado de sexualidade que fez seu interior esquentar. Ela levou a ponta do dedo à boca e sugou suavemente. Seus olhos escureceram e um gemido suave escapou de sua mandíbula travada. De repente, ele se ajoelhou, cruzou os braços e puxou a camiseta pela cabeça. Ela não tinha visto um homem tão masculino e sensual em toda sua vida. Seus músculos abdominais bem tonificados flexionaram, e a fina corrente de ouro que ele sempre usava estava contra um peito musculoso. Seus dedos se contraíram, ansiosos para tocá-lo ali... E em todos os lugares.

Ele jogou o resto de suas roupas no chão e se curvou sobre ela. O colar balançou, fazendo cócegas em sua mandíbula. Quando ela estava nua para ele, ele engoliu em seco, sua voz mais grossa. — Inajh d'anah... Minha linda garota.

Com as palmas largas e calejadas e depois a boca, ele explorou o corpo dela. — Você está tão molhada. — Ele sussurrou, seu dedo deslizando dentro dela.

— Para você, Ian. Por favor, — ela o encorajou. — Agora.

— Não até que eu te deixe louca.

Ela riu. — Estou louca. — Então ela respirou fundo quando as protuberâncias de sua barba picaram a parte interna das coxas. E então sua língua quente encontrou seu centro.

Doce céu. O prazer estremeceu por ela. Tendo se dado prazer de vez em quando ao longo dos anos, ela não era estranha às áreas íntimas de seu corpo. Mas nada do que ela sentiu antes chegou perto do deleite carnal da língua e dos dedos de Ian. Ele levou seu tempo com ela, descobrindo o que a agradava assim como ela descobria o que a agradava. Quando o desejo de conclusão inundou todo o resto, ela agarrou seu pulso. — Por favor, Ian.

Mas ele não iria sucumbir ao seu pedido.

Sua língua sacudiu; seus dedos circularam. Seu corpo ficou tenso, apertado. Ela gemeu, suas mãos agarrando seu cabelo ondulado.

— Querida —, disse ele em uma voz grossa. — Goze para mim... — Seus dedos deslizaram profundamente dentro dela. Seus quadris se sacudiram e ela gritou. — É isso — ele persuadiu. — Agora, deixe-se levar.

Ele a tocou mais uma vez e ela atingiu o clímax, empurrando com força contra sua mão. Apertando seus músculos internos, ela prolongou o prazer latejante, enquanto Ian esfregava a outra mão, com os dedos abertos, sobre sua barriga.

Antes que ela tivesse a chance de flutuar de seu pico, ele a cobriu com seu corpo. O calor de sua pele nua a surpreendeu. Ela sentiu seu pênis, pesado e duro, entre eles. Seu coração acelerou, desta vez de nervosismo em vez de paixão.

— Tee —, disse ele com uma respiração áspera. — Vou o mais lento que posso. Diga-me se eu te machucar.

O início de sua penetração a esticou. Instintivamente, ela levantou as coxas para apressar sua entrada lenta e cuidadosa. Houve uma pontada aguda. Ela respirou fundo e prendeu-o até que a ardência desaparecesse.

Totalmente dentro dela, Ian embalou seu rosto em suas mãos. — Você está bem, bebê?

— Bem — ela sussurrou. — Incrivelmente bem.

— Apenas espere, duende. Está apenas começando. — Ele segurou seu traseiro, segurando-a perto enquanto seus quadris começaram um movimento lento e ondulante. Um prazer espesso e dolorido irradiava para fora. Ela não sabia se suspirava, gemia ou ria de alegria. Então ela estava balançando com ele, as pernas travadas atrás dele. Eles balançaram juntos, suas peles brilhando de suor, seus cheiros se misturando. Gradualmente, ela perdeu sua apreensão, sua autoconsciência e cedeu à pura sensação.

Tenha esse prazer, Ian. Este presente eu ofereço a você gratuitamente. Tire tudo de mim. Seu pescoço ficou tenso, sua respiração ficou mais rápida, mais dura. Ainda assim, ele lutou, ela sabia, para não empurrar muito forte e machucá-la em face de sua inocência recentemente perdida. Com este ato, ela poderia ter perdido para sempre a chance de ir para casa, mas a escolha permitiu que ela se entregasse ao homem que segurava seu coração. — Eu te amo, habitante da Terra. — Ela disse, um sussurro fervoroso em sua orelha.

Ele soltou um suspiro explosivo e jogou a cabeça para trás. Seu pico foi desenfreado e prolongado. Fechando os olhos, envolvendo os braços ao redor de seu corpo pesado, Tee'ah tomou sua essência em sua alma.

Dois se tornaram um.

 


— Lá estão eles, Gann. — Lara apontou o dedo para a tela.

Gann veio por trás dela. — Onde?

— Exatamente onde pensamos que eles estariam. O Demônio do Sol. No limiar do salto, eles nunca deram.

Gann cruzou os braços sobre o peito. — Contate-os no comunicador.

— Demônio do Sol, este é o Quillie.

O silêncio atendeu ao pedido.

Lara aumentou a intensidade do sinal. — Tente novamente.

— Demônio do Sol, este é o Quillie; como você está? — A inquietação formigou sua nuca. A nave estava lá; ele podia ver na tela de exibição. Por que Ian não estava respondendo?

— Quanto tempo até chegarmos a eles? — Ele perguntou a Lara.

Ela verificou o computador. — Uma hora padrão, no máximo. Vou tentar alcançá-los novamente em alguns minutos. — Uma pequena melodia alegre escapou de seus lábios.

Ele se inclinou sobre o ombro dela. —Você está realmente cantarolando?

Ela deu a ele um sorriso vencedor. — Em breve terei minha nave de volta. E minha vida também.

Despertado pela alegria atípica de Lara, o gato ketta desenrolou seu corpo magro e ficou em pé, esticando-se na ponta dos pés, a cauda tremendo. Ele bocejou amplamente, então tocou a ponta de seu nariz no de Lara.

— Já faz muito tempo desde que servimos juntos no Quillie.

Gann se virou para encontrar Muffin elevando-se sobre ele, anos de memórias em seu olhar. — Sim. Isso me lembra os velhos tempos... Os bons tempos.

— Eles eram bons —, reconheceu o grande homem. Ele franziu a testa, acariciando o queixo com os dedos grossos. — Não sei se ela vai querer ir com você. Ela quer sua liberdade.

Gann chamou-o fora do alcance da voz de Lara, surpreso com a percepção de seu amigo. — Eu sei — ele disse baixinho. — Tudo o que ela fala é sobre sua nave, como é, como voa. — Ele revirou os olhos. — Não é fácil competir com um pedaço de trillidium. Está apreendido, você sabe. Aquela nave dela. Assim que eu tiver a princesa, ela receberá o pagamento - dinheiro que usará para recuperar sua nave. Assim que isso acontecer, tenho a sensação de que ela está fora da minha vida para sempre. Embora às vezes eu não ache que seria uma má ideia... —Ele suspirou. — Você sempre teve um jeito com as mulheres, Muff. O que devo fazer?

O guarda-costas parecia confuso. — Eu quis dizer Tee'ah, a princesa.

— Ah. — Gann tentou parecer casual. Então ele percebeu o que Muffin havia dito. — Por que a princesa não viria conosco? Certamente ela já está farta de sua vida na fronteira.

— Não Tee. Ela tem sucesso aqui. Ou seja, quando ela não estava bebendo. — Brincou o homenzarrão.

A mão de Gann se ergueu. — Não quero saber sobre isso.

Muffin disse em um tom mais baixo, — Ian não sabe quem é Tee, embora ele suspeitasse que ela era Vash e estava escondendo isso. E os olhares que eles têm dado um ao outro ultimamente... — Ele esboçou um sorriso. — Me faz pensar no que se desenvolveu entre eles.

— Nós não queremos isso. Ela ainda não prometeu ao herdeiro Vedla, mas o fará quando chegarmos em casa. — Gann coçou o queixo. — Ian ainda não foi prometido, não é?

Muffin balançou a cabeça desgrenhada. — Espero que aconteça logo, sua cerimônia de promessa. A última coisa que o rapaz precisa é de um escândalo. E é isso que vai acontecer se ele roubar Tee'ah.

— Eu confio que Ian fará o que é certo. Ele sempre fez.

Muffin encolheu os ombros. Então sua atenção se voltou para Lara. — Você quer minha opinião com ela? Peça aulas de voo.

— Eu sei voar.

Muffin revirou os olhos. — Peça um curso de atualização - no equipamento dela. Como e por que você acha que aprendi a voar há tantos anos, uma habilidade que não uso desde então? — O rosto do guarda-costas se enrugou em um sorriso. — Confie em mim, meu amigo; foi um empreendimento que valeu a pena.

Rindo, um som rico e profundo, Muffin deixou Gann parado ali, ponderando as possibilidades.

 


Trinta e três minutos.

No casulo, a temperatura subia enquanto a qualidade do ar caía lentamente em espiral. Enrolada de lado no chão acolchoado, Tee acordou de um cochilo intermitente.

Ian acariciou a franja desgrenhada de sua testa. — Ei, duende.

Ela apertou as mãos, palma com palma, e as prendeu sob a bochecha. — Alguém ligou enquanto eu estava fora?

Ele apertou a mandíbula e desviou o olhar para fora. — Não. — Mesmo assim, eles esperaram, totalmente vestidos, por algum resgate que ele agora duvidava que chegaria a tempo.

Ela se sentou. Ele esfregou as costas dela. — Dolorida?

— Um pouco. — Ela sorriu timidamente. — Mas valeu a pena.

Ian a puxou confortavelmente contra seu peito e tocou seus lábios em seu cabelo. — Volte comigo —, disse ele. — Para Sienna.

Ela deu uma risada triste. — Você pode imaginar o alvoroço que isso causaria?

— Faremos com que funcione. — Disse ele com firmeza, embora restasse muito pouco tempo para descobrir como.

Ela suspirou. — Quando eu disse que era Vash Nadah, não contei tudo. Mas agora... Eu não quero nenhum segredo entre nós.

Ele acariciou seu cabelo úmido cortado rente. — Depois das últimas horas, não consigo imaginar que ainda tenhamos segredos.

— Bem, há um. Bastante grande.

Ele a moveu de volta.

Ela tocou a ponta do dedo em seus lábios. — Você conhece sua prima Tee'ah?

Enquanto ele tentava e não conseguia imaginar a mulher, ela disse: — Bem, eu sou ela. Princesa Tee'ah, filha dos Dars.

Ele agarrou a mão dela e a afastou. Apertou os olhos para ela. — Não.

— Sim.

— Você é Tee'ah. — Ele rezou para que fosse uma piada de mau gosto provocada por sua asfixia iminente.

— Sim. Foi assim que eu soube quem era Klark. Foi assim que descobri quem você era. — Mais calma, ela disse: — É por isso que tudo o que você está tentando realizar na fronteira significa tanto para mim.

Sem palavras, ele olhou em seus olhos dourados, os olhos de uma princesa Vash Nadah, uma princesa que ele havia acabado de deflorar fora do casamento, indo contra todas as leis que Vash tinha em vigor. Cada lei que ele se comprometeu a cumprir. Ele estava com a cabeça leve e não por falta de ar. — A maneira como eu tratei você... Os lugares que eu levei você...

— Superproteção foi o motivo de eu sair de casa. Com você eu encontrei tudo que sempre sonhei.

E ele também não?

Vinte e oito minutos.

Ele olhou para a leitura remanescente de ar e fez uma careta. Estranhamente, ele não tinha medo de morrer; apenas incrivelmente chateado. Mas se ele ia morrer, ia fazer direito. Ele segurou as mãos de Tee. — Isso é um pouco tardio, mas considerando as circunstâncias, peço que você tenha paciência comigo. — Ele levou os nós dos dedos aos lábios. — 'Meu amor, eu te dou meu coração, minha fidelidade, minha promessa de fidelidade e proteção...'

— A cerimônia da promessa. — Ela sussurrou.

— Sim —, disse ele, e terminou de recitar as passagens que datavam do nascimento do Tratado de Comércio.

O peito de Tee subia e descia, mais rápido agora. Ela apertou suas mãos, sua expressão uma mistura de tristeza e alegria de partir o coração. —'Meu amor, aceito sua promessa. Em troca, eu lhe dou meu coração, minha devoção, minha promessa de...

Seu comunicador pessoal estalou. Usava uma frequência discreta, conhecida apenas por sua tripulação, mas alguém, ou algo, tinha acabado de tentar alcançá-lo nela.

Por alguns segundos de choque, ele e Tee'ah se encararam. O ímpeto os havia levado à morte e às promessas desesperadas de última hora. Agora o resgate havia chegado. Inesperadamente. Atordoados, eles tiveram que mudar de marcha.

Tee tropeçou em seus pés. — Veja! Naves! Duas, não, três delas.

Ian colocou as mãos em volta dos olhos e olhou para a escuridão do espaço. O Demônio do Sol há muito havia se reduzido a um ponto de luz. Mas a forma escura de outra nave estelar passou perto dele. Mais duas pairaram além, manobrando ao redor do casulo. O ar abafado e a temperatura quente embotaram seus sentidos, mas a probabilidade de resgate o levou ao estado de alerta total. Ian levou seu comunicador à boca. — Socorro, socorro. Sobreviventes no casulo. Socorro, socorro. Restam vinte minutos de ar. Repito, vinte minutos de ar.

A voz de Muffin soou alta e clara. — Capitão, temos você à vista. Eu copio as atas restantes. Teremos você a bordo em cinco. Espera para reboque de emergência.

Seu comunicador estava equipado com equipamento mínimo de comunicação, tornando impossível ouvir todas as transmissões entre a nave em que Muffin estava e as outras duas, mas depois de alguns momentos a outra dupla de supostos salvadores girou e acelerou para longe.

A nave de Muffin fechou em seu casulo, usando minutos valiosos para desacelerar o suficiente para permitir que a delicada tarefa de recuperação do casulo acontecesse.

Ian perguntou: — O resto da tripulação está com você? — Muffin respondeu: — Eles estão no Demônio do Sol.

— O Demônio do Sol? O computador enlouqueceu.

— Nós sabemos. Quando chegamos lá, o computador alegou que a nave não existia mais. Quin, Gredda e Push embarcaram em ternos de suporte de vida.

A voz de Quin entrou na conversa. — Você já ouviu falar em nanomáquinas, capitão?

— Computadores microscópicos?

— Alguém as pegou em nosso computador. No início da missão, eu diria.

— Klark? — Tee especulou.

— Provável. Terrorismo de alta tecnologia no seu pior. Ele transformou nosso computador em um traidor involuntário. Qualquer uma das peças sobressalentes que compramos poderia ter carregado os invasores. Com o tempo, e sem o nosso conhecimento, uma batalha está acontecendo dentro do computador da nave entre o backup da nave e o sistema de alerta, e a inteligência artificial rudimentar enviada para destruí-la. No entanto, é uma solução fácil. Agora que o computador do Quillie apontou os pequenos sabotadores.

Ian trocou olhares com Tee. — Isso explica todos os problemas que estamos tendo. — Disse ela.

Ele acenou com a cabeça severamente. A malevolência de Klark provou sua disposição para matar. Levar Klark à justiça exigiria um pouco de reflexão. Ian ainda era, em muitos aspectos, um estranho. Correr para o Grande Conselho com a acusação de que um de seus príncipes tentou assassiná-lo seria tão imprudente quanto esquiar em ziguezague em sua Harley.

Na lateral da nave de resgate, as portas em concha se abriram para uma boca que revelava um compartimento de carga vazio.

— Prepare-se para ser engolido inteiro. — Disse Tee.

Ele colocou o braço sobre os ombros dela. — Eu estou. — De mais maneiras do que ele jamais imaginou.

Um braço em forma de garra se estendeu da baía, lembrando Ian de uma língua. Com um baque, agarrou o casulo, jogando ele e Tee no chão acolchoado. Então, lenta e deliberadamente, atraiu-os para dentro da nave.

Assim que a porta externa gigantesca se fechou atrás deles, a voz de Muffin explodiu pelo comunicador. — A baía está pressurizada.

Ian abriu a escotilha. O ar frio e seco entrou. Ele e Tee encheram seus pulmões com isso. Sentados juntos no chão, eles sentiram a nave acelerar.

Após um curto voo, uma vibração retumbou através da embarcação, indicando que uma manobra de atracação estava em andamento.

— A nave em que estamos está atracado com o Demônio do Sol. — Muffin disse finalmente. — Eu vou descer para te buscar. Espere até ver quem me trouxe aqui.

 


Muffin escoltou Ian e Tee'ah para fora do compartimento de carga. Ian escalou a prancha que conduz ao convés principal do navio de resgate. Tee'ah agarrou o primeiro degrau, mas Muffin a deteve com uma mão firme em seu ombro. Sua voz era urgente e baixa. — Gann está aqui. Ele veio para levar você para casa.

— O que? — ela perguntou. Seu estômago despencou. Casa? Parecia que sua família finalmente a alcançou. Só que dessa vez não havia para onde correr. — Gann... Quem?

— Gann Truelénne, o guerreiro leal de Rom B'kah. — O grande homem pareceu se desculpar. — E meu bom amigo.

Suas mãos se apertaram no degrau. Gann. Ela tentou imaginá-lo e não conseguiu, mas o nome era familiar. Seus pais devem ter contatado Rom para obter ajuda e ele escolheu Gann para a missão.

— Agradeço por me contar. Eu não gostaria de ser pega de surpresa.

— Eu sei —, disse o grande homem com empatia surpreendente. — Eu pensei o tempo todo que se você quisesse ir para casa, você teria nos contado quem você era.

— Você sabia quem eu era? Durante todo esse tempo?

Ele sorriu. — Já se passaram sete anos, mas nunca esqueço um rosto.

— Por que você não disse nada? Por que você não contou a Ian?

— Nunca foi meu destino mudar o seu. — Ele respondeu enigmaticamente. Vá, disse ele com os olhos, e não diga a ninguém o que acabei de lhe dizer.

No topo do passadiço, um cavalheiro alto e bonito Vash abraçou Ian. Eles se deram tapinhas nas costas e pareceram genuinamente animados com a reunião.

— Ah. A mimada retorna —, disse uma mulher atrás deles. Seus olhos estavam tão cansados e frios que Tee'ah não deu a ela o prazer de uma reação. Os adoráveis brincos de prata do mesmo comprimento que seu cabelo sugeriam delicadeza, mas a mulher parecia tão dura quanto o casco de trillidium de qualquer nave.

Ian se afastou de Gann. — Não me diga que por acaso você estava na área.

Gann riu. — Nós estivemos rastreando você por semanas, só que eu não tinha ideia de que era sua trilha que estávamos. Rom me enviou. — Ele desviou os olhos para Tee'ah. Se seu cabelo tosado de cor estranha o chocou, ele fez um excelente trabalho em escondê-lo. Seus olhos refletiam curiosidade, mas seu sorriso era cordial, revelando seu respeito pela distância social entre eles e pouco do verdadeiro homem por trás disso. Os moradores do palácio sorriram para ela assim durante toda a sua vida. Ela pensou que tinha escapado. — Minha missão —, disse ele, — era encontrar sua prima, Princesa Tee'ah. Bem-vinda ao Quillie, ilustre senhora.

— Obrigada. — Ela evitou encontrar os olhos de Ian.

Como um grupo, eles foram para a cabine do piloto. Quin estava lá, enxugando as mãos em um pano. — Princesa. — Ele fechou o punho sobre o peito largo e se curvou.

Ela suspirou pelo nariz. Nunca pensou que desejaria o jeito autoritário de sabe-tudo do mecânico.

Um sino soou, indicando uma mensagem prioritária de entrada. — Lara, você atenderia? — Gann perguntou à mulher com os olhos frios. Interessante, mas quando ela olhou para Gann seu olhar derreteu.

Lara atendeu a ligação enquanto todos circulavam, trocando histórias sobre o que acontecera nos últimos dias infernais. Quase tímidos, Tee'ah e Ian ficaram um ao lado do outro. Eles tinham acabado de amarrar seus corações um ao outro no que presumiram ser a hora de sua morte. Agora eles teriam que suportar o constrangimento de saber que fizeram promessas que nunca seriam capazes de cumprir.

— Parece que poderemos continuar nossa missão sem muito atraso —, ela disse a ele levemente. — Pelo menos desta vez teremos toda a tripulação conosco.

Ian parecia horrorizado. — Você é uma princesa Vash Nadah.

— É o que parece. — Ela concordou secamente.

Ele baixou a voz para um tom privado. — Você foi protegida por toda a sua vida. Você não pode mais trabalhar no Demônio do Sol.

— Então eu fui demitida?

— Você vai se matar.

— Por favor, Ian. Como se trabalhar para você não fosse perigoso esta manhã, ou em todas as semanas anteriores... —Ela se conteve, tentando desesperadamente perdoar sua falta de lógica; ele estava tão abalado quanto ela.

— Você não pertence à fronteira. — Ele abriu as mãos. — Você é uma princesa.

— Então, para onde vão as boas princesinhas, hein? Casa?

Ele agarrou seu braço e puxou-a para perto para sussurrar em seu ouvido. Assoprando; seu hálito quente ainda lhe dava arrepios. — Mas você não pode ir para casa nesta... Condição.

— Você quer dizer independente? Livre? Feliz? Sim, você está certo.

— Eu fiz minha promessa para você. Eu pretendo seguir em frente. Vamos... Resolver os detalhes. Depois da Terra.

Ela não tinha dúvidas de que o príncipe herdeiro que estava de acordo com os livros e que estava certo cumpriria qualquer promessa que fizesse por princípio e por seu senso de responsabilidade. Mas a última coisa que ela se permitiria fazer seria se tornar mais uma das “obrigações” de Ian.

— Não — ela disse bruscamente sob sua respiração. — Não vou arruinar suas chances de chegar ao trono. Você precisa de um casamento escolhido por seu padrasto. E você tem que convencer a Terra a permanecer na Federação. Essas são as únicas maneiras de acabar com as dúvidas do Grande Conselho sobre você de uma vez por todas.

— Promessa é dívida.

— Não era obrigatório, Ian.

Alívio ou dor cruzou seu rosto. Ela não tinha certeza. Mas ambos eram igualmente dolorosos de contemplar. Ela puxou o braço livre, encolhendo-se por dentro. — Eu quero minha liberdade. — Ela sussurrou com fervor. Casar-se com ela foi uma escolha honrosa e Ian era um homem honrado. Ela não esperava nada menos dele. Só que ela não esperava que sua recusa doesse tanto. Ou seu direito de escolher o dever sobre ela.

— A mensagem é para a princesa — Lara anunciou. — É o pai dela. — Os músculos do estômago de Tee'ah contraíram. A mulher de olhos frios apontou para um console na outra extremidade da cabine. — Se desejar, você pode usar essa cadeira para ter privacidade.

A garganta de Tee'ah estava tão apertada que ela mal conseguia respirar, muito menos falar. —Eu vou — ela conseguiu espremer. — Obrigada.

Sozinha na estação de comunicação, ela abriu uma tela de visualização. — Saudações, pai.

Os olhos dourados de Joren Dar refletiam tanto alívio agudo quanto desaprovação furiosa. Tee'ah lutou contra uma sensação ruim na boca do estômago.

— Filha... — Parecia que sua aparência tinha momentaneamente roubado sua habilidade de falar. A última vez que a viu, seu cabelo era louro-escuro acobreado e ia além dos quadris.

Ele se recuperou rapidamente, infelizmente. — A tripulação do Quillie irá acompanhá-la para casa.

Ela apertou as mãos entrelaçadas até que o sangue latejasse na ponta dos dedos. — Não posso voltar para casa.

Sua expressão se aguçou.

— Eu... Mudei. — Ela disse e desviou o olhar. Ela sentiu uma pontada ecoando na parte de sua anatomia em questão.

Ele bateu com a mão. — Quem era? Com quem você estava? Ian Hamilton? Achei que ele era um homem de honra! Se ele pensa que esta é a maneira de se tornar o...

Rapidamente, ela abaixou o volume na tela de exibição. — Ele é um homem de honra. — Mais do que qualquer pessoa imaginou.

— Você esteve com ele por semanas sem acompanhantes.

— Eu estava com vários membros de sua equipe.

Ele gaguejou em choque.

— Não dessa forma, pai. — Ela disse antes que ele morresse sufocado.

Ele exalou. — Estou aliviado em ouvir isso.

Claramente, ele pensou que ela quis dizer que ela não tinha estado com Ian “daquele jeito” também. Ela não o corrigiu. Mais do que qualquer outro príncipe, Ian precisava de uma reputação imaculada. Ele admitiria ter dormido com ela se achasse que isso a protegeria, mas ela não lhe daria essa chance. Ela o amava; ela não o arruinaria.

— Tudo está em jogo, Tee'ah. Não tenho escolha a não ser declarar publicamente que você passou pelo teste de pureza.

O sangue foi drenado de sua cabeça. O rito era uma determinação da virgindade antiga e raramente usada. Chocada, ela olhou para o pai. Se ela se recusasse a fazer o teste, isso lançaria dúvidas sobre Ian.

— Eu realmente não vou mandar você checar — seu pai a assegurou. — Isso seria muito bárbaro. Mas devemos seguir os passos para apaziguar o Grande Conselho. E os Vedlas.

— Sim, Pai. — Doce céu. A família Vedla sabia. O que impediria Ché - ou Klark - de exigir que seus médicos realizassem o exame real?

Ela tocou dedos trêmulos na tela.

— Sua mãe e eu sentimos sua falta. — Ele disse finalmente.

Sua garganta se apertou. — Eu também.

Em seguida, a tela de exibição ficou em branco. Sua mente correu por todas as escolhas espalhadas diante dela. Elas eram menos agora, mas todas cruciais. Voltar para casa para o teste e salvar todos do escândalo? Mas, ao fazer isso, ela correria o risco de ter que fazer o teste e ter a notícia de seu estado impuro anunciada por meio do Império Vash. Ela poderia evitá-lo completamente aceitando a promessa de casamento de Ian? Infelizmente, ambas as escolhas exigiam que ela voltasse à vida da qual fugiu. O que ela precisava era de um refúgio seguro, longe de todos os que tinham o “melhor interesse” no coração. Terra veio à mente, mas seria tão fácil encontrá-la lá.

A exaustão, tanto mental quanto física, a dominou. Instável, ela se levantou. Ian estava esperando enquanto o resto das duas tripulações fingiam cumprir seus deveres. Ninguém havia perdido sua primeira discussão apaixonada e sussurrada, e sem dúvida estavam esperando outra.

Ian procurou seu rosto e o seu caiu. — Ele quer que você vá para casa. — Disse ele.

— Sim.

— Você vai?

— Acho que é melhor agora.

— Mas não é o que você quer.

— A vida é assim, ao que parece. — Ela disse secamente.

— Espere lá por mim. Espere até eu terminar na Terra. Vamos colocar nossas cabeças juntas e descobrir algo. Como sempre fazemos.

— Não. Eu tenho meu dever. E você, senhor, tem o seu.

Sua alma se contraiu com o olhar de descrença que cruzou seu rosto. Ela deu um passo para trás, como se colocar distância entre eles fisicamente a ajudasse a fazê-lo emocionalmente.

— Você está certa — ele disse depois de um momento, friamente. — Eu tenho.

Seu peito estava tão apertado que doía. Ela saiu apressada antes de fazer algo irreparável, como se jogar nos braços dele.

Na área principal da cabine, ela se dirigiu à mulher de olhos frios chamada Lara. — Você poderia me mostrar onde posso tomar banho?

A mulher assentiu bruscamente e conduziu-a para o corredor. Parte dela esperava que Ian fosse atrás dela, para lutar por ela, para criticá-la, recusando-se a ouvir seu raciocínio por que eles não podiam ficar juntos. Mas ele não fez isso. Ela também não olhou para trás.

Estava acabado.


CAPÍTULO 19


— Você com certeza não parece uma princesa. — Aparentemente inconsciente do gato ketta magro dormindo em seu colo, Lara se acomodou em uma cadeira em seus aposentos no Quillie enquanto esperava que Tee'ah terminasse de se vestir.

Tee'ah não se irritou com os modos bruscos e zombeteiros de Lara. Na verdade, ela preferia isso à cuidadosa cortesia e simpatia agora demonstrada pelo resto da tripulação. Ela vestiu um macacão novo e deu uma olhada rápida em seu reflexo no espelho enquanto penteava o cabelo molhado da testa. Na iluminação do teto, raízes vermelho-douradas cintilavam. A pessoa que ela já foi, ela pensou, tentando se livrar. —Para ser honesta, não me sinto mais como uma princesa.

— Os homens que tentaram salvar você não parecem se importar. — Tee'ah fez uma careta. — Eu nunca pedi a ninguém para me mimar. Mas todo mundo mima. — Ela pensou em Ian. — Assim que descobriram que sou uma princesa.

— Tantos heróis dispostos a ajudar. Eles a levarão de volta ao seu suntuoso palácio antes que você perceba. Todos os seus lindos vestidos estarão esperando, limpos e passados.

Tee'ah estremeceu com a imagem do quarto. — Minha gaiola dourada. Não, obrigada.

— Nunca vou entender como as pessoas que têm luxos não os valorizam.

Tee'ah deu um puxão forte demais na manga esquerda. — É porque pessoas como você só veem o que eu tinha, não o que eu não tinha.

— Pobre princesa. O que você não tinha?

— Liberdade. — Sua voz engrossou com amargura. — Todas as decisões pessoais que você dá como certas foram feitas por mim, implacavelmente, todos os dias, desde o dia em que nasci e provavelmente antes disso. Disseram-me como pentear meu cabelo, como andar, como falar. Quando meus pais descobriram que eu estava aprendendo a voar - meu único verdadeiro ato de rebelião em 23 anos-padrão -, eles me proibiram de continuar. Mesmo a escolha do homem com quem iria me casar estava fora de minhas mãos. — Ela suspirou. — Mas suponho que você não tenha ideia de como é não ter voz em nenhum aspecto da sua vida.

Claramente surpresa, Lara olhou para ela e não disse nada.

— Eu não me importo com quantos vestidos brilhantes pendurados no meu armário, eu não vou voltar para aquela vida. Eu estou indo para a Terra, na verdade. — Seu porto seguro. — Eles têm uma política de não extradição para todas as raças, humana e Vash.

Lara deu a ela um olhar engraçado. — Como você sabe?

— Eu pesquisei há pouco tempo. Queria ter certeza de que não causaria nenhuma repercussão política quando eu pedir asilo e minha família exigir meu retorno.

— Você está falando sério sobre isso.

Tee'ah olhou pela tela para um panorama de um espaço profundo e frio. — Não é só para mim. Posso ajudar Ian em seus esforços. Eu quero. Eu acredito na causa dele.

E se ela tivesse que ver Ian de vez em quando fazendo isso, que fosse, ela pensou desolada. Ambos eram adultos. Com o tempo, os sentimentos de mágoa e estranheza entre eles iriam passar.

Ela se virou para Lara. — Vou me envolver com a política na Terra. Quanto mais as pessoas aprenderem sobre os Vash, aqueles de nós que são progressistas e se preocupam com a fronteira, menos desconfortáveis ficarão em permanecer parte da Federação. Vou estudar as línguas, para me tornar uma espécie de ponte entre os políticos deles e os nossos. — Ela bateu no queixo. — Eu ficarei com a irmã gêmea de Ian, Ilana, se ela me aceitar. Ian me disse muito claramente que ela não liga para regras. — Tee'ah esperava que isso significasse que o decoro não fosse importante para ela também, e que ela não se importasse em abrigar uma princesa suja, de aparência estranha e fugitiva. — Vai ser um começo, pelo menos, até que eu esteja suficientemente resolvida para seguir em frente. — Sua pele formigou. — A terra é meu destino, Lara. Eu realmente acredito nisso.

Congelada no lugar, Lara parecia ter engolido um ovo de oster.

Tee'ah se perguntou se ela tinha feito a coisa certa ao confiar seus planos a essa mulher. — O que?

— Santo domo íngreme. Essas engrenagens arrogantes dos Vash. — A piloto olhou para cima bruscamente. — Sem ofensa para você, princesa, mas eu pensei que estava ajudando a resgatar uma nobre mimada e impetuosa - não forçando uma mulher a voltar a uma vida que ela não quer. — Um olhar de profunda dor contraiu as feições de Lara, como se ela estivesse lutando uma tremenda batalha interior. — Não — ela disse. — Eu não vou fazer isso. Não vou roubar suas escolhas... Do jeito que as minhas foram roubadas, há muito tempo.

Tee'ah colocou uma mão reconfortante em seu ombro. —Você entende?

Os lábios de Lara se estreitaram. — Muito. — Ela pensou por um momento. — Se eu lhe oferecesse uma maneira de chegar à Terra, você aceitaria?

O coração de Tee'ah disparou. — Sim. Sim eu aceitaria.

Lara se levantou, tirando o gato ketta de seu colo. — Vamos, princesa. — Ela a pegou pelo braço e arrastou-a para o corredor. — Estou voando com você para a Terra. Mas se você quiser meia chance de sucesso, teremos que fazer isso antes que os homens voltem.

 


Ian atravessou o Demônio do Sol em uma última inspeção da nave reparada. Gann o seguiu, com as mãos cruzadas atrás das costas. Muffin fechava a retaguarda, enquanto Quin tratava de detalhes de última hora na cabine e Gredda e Push protegiam o casulo de manutenção sem ar no compartimento de carga.

Ian forçosamente arrastou sua mente para longe do que tinha acontecido nela. Ele escolheu a paz galáctica em vez de seus próprios desejos pessoais. Era a coisa responsável a fazer, então por que ele se sentiu um idiota? Você dormiu com ela. E então você a deixou ir. Parte dele desejou que ela estivesse disposta a lutar mais para manter o que eles tinham. Mas ela não estava disposta, e ela estava certa.

O bem de muitos supera as necessidades de poucos.

A passagem que sempre guiou suas ações agora deixou um gosto amargo em sua boca. Mas isso o ajudaria nos próximos dias.

Tinha que ajudar.

— Capitão! — Quin os alcançou. — Há uma chamada para você. É o rei.

— Ah, bom. — Ele havia tentado entrar em contato com seu padrasto o dia todo, mas Rom não respondeu. Era incomum para ele não fazer isso, mas então o homem tinha suas outras responsabilidades.

Ian atendeu a chamada na cabine. O rosto de Rom já estava emoldurado na tela principal das comunicações. — Ah, Ian. — Uma pequena cicatriz no lábio superior de seu padrasto se estreitou. — Saudações.

Algo estava errado, mas Ian não sabia o que era. Ele acenou com a cabeça inquieto. — Saudações, Majestade. Preciso atualizá-lo sobre o que aconteceu.

— Eu imagino que você tenha. — Rom pressionou as pontas dos dedos espalmadas. — Você mudou os códigos de criptografia em seu comunicador. Não consegui entrar em contato com você.

Algo estava definitivamente errado. — Eu pretendia informá-lo completamente, como o farei agora. Mas, na época, não queria me arriscar a divulgar os detalhes de minha missão antes de ter a chance de determinar as intenções do senador Randall.

A voz de Rom se elevou. — Sua missão acabou.

— Senhor?

— Eu não posso deixar você complicar o assunto mais do que já está. Meu ministro sênior do comércio me disse que a situação na Terra está à beira do colapso.

— A ajuda está a caminho. Vou me encontrar com Randall e o presidente dos Estados Unidos dois dias depois de chegar. Eu encaminhei a você as informações sobre os mundos periféricos. Randall está pronto para trabalhar comigo em todos os aspectos. Acredito que estou em uma posição única para reunir os dois lados.

— Não —, Rom disse sem rodeios. — O problema precisa ser tratado primeiro no Grande Conselho. Vamos debater as questões, chegar a um acordo sobre um curso de ação e prosseguir.

Ian não sabia como responder. Rom estava dizendo a ele uma coisa, mas seu instinto estava lhe dizendo outra. Cancelar a missão agora cheirava a imprudência e arrogância, não a prudência pela qual a Federação era conhecida. — Rom. Quando o Grande Conselho tomar uma decisão, será tarde demais...

— Eu tenho muitos incêndios para apagar, Ian. Não preciso de você acendendo mais. A fronteira está mais em perigo de se dividir do que nunca. E batendo em nossa porta, tenho os Dars de um lado, exigindo saber o que a filha deles estava fazendo em sua nave, e do outro, os Vedlas estão em alvoroço, e é compreensível.

Ian quase trouxe Klark e suas acusações contra o príncipe. Mas ele sentiu que agora não era o momento. Em vez disso, ele limpou a garganta e disse: — Sobre a princesa...

— Joren disse que você a roubou.

— Não senhor. Ela tem princípios mais elevados do que isso. Mais alto do que seu pai ou qualquer outra pessoa, ao que parece, está disposta a reconhecer.

— Acima de suas próprias obrigações, ao que parece.

— Ela não queria se casar com o Ché. A família tentou forçá-la - e ainda podem. É bárbaro. Achei que queríamos perder as tradições desatualizadas. — Na sua vida privada você não os observa, ele queria argumentar. Mas ele já estava caminhando na linha tênue entre a honestidade e o desrespeito, então se afastou. — Se eles tentarem forçá-la novamente, precisamos intervir.

Os músculos da mandíbula de Rom se flexionaram, como se ele estivesse cerrando os dentes. — Estou disposto a discutir qualquer aspecto do seu relacionamento com ela, exceto se você continuar com isso.

—Bem, ela era uma piloto de estrelas muito boa e um membro indispensável da minha tripulação. Sentiremos sua falta.

— Apenas certifique-se de que ela chegue em casa. — Rom o considerou friamente. — Eu vou te ver no palácio. — A tela de exibição ficou em branco.

Ian agarrou seus braços. Ele se sentiu como uma nave arrancada de seu cabo de atracação em um furacão classe cinco. Em todas as suas negociações com Vash Nadah, o Grande Conselho, os outros membros da realeza, uma coisa que ele sempre teve, e aprendeu a contar, foi o incentivo e apoio de Rom. Com as extensas informações que ele havia compilado e agora enviado a Rom, ele não conseguia imaginar seu padrasto ordenando que ele voltasse para casa. Não agora, não quando ele estava tão perto. Mas obviamente Rom pensava que ele tinha feito asneira. Pior, o rei o convocou a Sienna para impedi-lo de bagunçar qualquer outra coisa.

Cansado, Ian se levantou. Muffin e Gann estavam olhando para ele em choque. Ele sacudiu as mãos no ar. — O que?

Muffin balançou a cabeça. — Você realmente fez isso agora, capitão.

— Eu direi. — Gann coçou o cabelo com os dedos. — Em trinta anos trabalhando com o homem, nunca o vi tão zangado.

Muffin soltou uma risada meio nervosa, meio feliz por não ser ele.

Ian olhou para eles. — Nada como uma equipe de apoio em tempos de provação. — Ele esfregou as mãos no rosto e caminhou até a passarela. — Estamos abortando a missão. Preparem-se para partir para Sienna — disse ele amargamente. Enquanto ele se içava para o primeiro degrau, uma vibração retumbou através do Demônio do Sol, então um choque seguido por um silêncio agourento.

Gann, Muffin e Ian trocaram olhares incrédulos. — Elas não iriam... — Ian disse.

Gann praguejou baixinho. — Normalmente, eu concordaria com você. Com ela, não tenho tanta certeza.

Eles dispararam pela prancha e pelo corredor até o portal onde o Quillie estava ancorado. O que antes era uma passagem aberta que levava a nave de Gann, agora era uma câmara de descompressão fechada. Em frente à escotilha, o gato ketta estava sentado, solitário e desamparado, miando com força.

Dane-se tudo para o inferno. As mulheres pegaram o Quillie e foram embora.

 


— Pegue as coordenadas de salto — Ian ordenou de onde ele caminhava na frente da enorme tela curva na cabine do piloto.

— Elas não transmitiram nada.

E por que elas fariam? Elas não queriam ser seguidas, obviamente. Ian colocou as mãos atrás das costas e fez uma careta. — Então insira nossas coordenadas para Sienna. — Quando ele chegasse ao palácio, ele teria que explicar muito mais do que seu manejo da fronteira, agora que parecia que Tee havia tomado sua liberdade.

Bom para você, duende, parte dele pensou. Ela lutava pelo que queria e não desistia até conseguir o que queria. Ao contrário dele, marchando para casa no celeiro como uma vaca obediente.

— As coordenadas para Sienna estão disponíveis —, disse Gann. — Estou pronto quando você estiver.

Ian ergueu a mão para dar a ordem. Mas ele hesitou.

A tripulação o observou com curiosidade.

Se ele voltasse para Sienna, isso reforçaria as dúvidas originais de Randall sobre ele, que colocava as necessidades da Federação acima de seu mundo natal. Então, a filmagem de Barésh chegaria às Nações Unidas, que se encarregou de romper os laços com os Vash. E eles tinham todo o direito, se é assim que os Vash Nadah lidavam com a fronteira, tratando as preocupações de seus povos como problemas administrativos incômodos que poderiam ser discutidos à vontade. Eles estavam errados nisso. Rom estava errado. E se a fronteira se separasse da Federação, a galáxia avançaria em anos de agitação que culminaria em outra guerra devastadora.

A saída desse futuro estava em seus ombros.

Sua mão se tornou um punho. — Suas ordens mudaram. Cancele as coordenadas para Sienna e defina um curso para a Terra.

— Senhor? — Gann trocou olhares com Muffin.

— Não estou cancelando a missão. Defina um curso para a Terra, Sr. Truelénne.

— O rei nos pediu para voltar.

— Ele não nos perguntou — Ian o informou. — Ele nos deu ordens. E estou revogando essa ordem. Posso ser novo neste jogo, mas sei o que é certo. Virar o rabo e correr é errado. Eu sou o único que pode resolver a situação na Terra. E pretendo, com ou sem o apoio dos Vash. Você não pode seguir as regras o tempo todo.

A tripulação o considerou com uma estranha mistura de choque e curiosidade, como se tivessem aberto uma caixa e encontrado algo que não esperavam.

— Vocês estão comigo? — Ele perguntou a eles.

Gredda ergueu a mão. — Eu estou.

— Conte comigo. — Muffin disse.

— E nós. — Quin e Push entraram na conversa.

Para Gann, porém, a decisão parecia ser uma luta. Ele seguiu Rom para o inferno e voltou, e sua lealdade nunca vacilou.

— Você pode ir embora assim que chegarmos à Terra — Ian disse a ele. — Compreendo.

Gann ergueu os olhos. — Não, Ian; você tem meu apoio nesta missão. Eu acredito que você pode unir os dois lados. É Rom que não consigo entender. — Seus lábios se estreitaram. — Assim como ele pode não entender quando eu explicar que fiz isso por ele. — Ele estendeu as mãos sobre a mesa à sua frente. — Aguardo sua ordem, capitão.

Ian abaixou o punho em um movimento amplo. — Leve-nos para a Terra. Velocidade máxima.

 


Nos limites externos do sistema solar, o Demônio do Sol saiu do hiperespaço e correu em direção à Terra. Ian ficou no leme e olhou para o sol de seu planeta, a esta distância ainda pequena e fria. Está na hora, ele pensou com determinação. Era hora de provar sua teoria de que a Terra permaneceria na Federação se eles tivessem uma razão tangível para fazê-lo e se sentissem que poderiam desempenhar um papel importante dentro de uma civilização estabelecida tão vasta que confundia a mente. Uma vez em Washington, seu maior desafio seria apresentar a imagem de uma liderança capaz, apesar da falta de apoio dos Vash. Ele tinha que ser visto como um cruzado sensato, um homem disposto a lutar pelos direitos de seu povo. E ele tinha que fazer isso sem antagonizar a Federação. Então, ele esperava, ele poderia começar o longo processo de unir seus dois mundos sem sacrificar as necessidades de nenhum deles.

A maneira como você sacrificou Tee.

Ele estremeceu. Ele a deixou recusar. Ele a observou sair de sua vida. Ele cometeu um erro.

— Eu tenho o Quillie! — Gann gritou.

Ian se virou. — Onde?

— Doze horas, e não mais do que uma hora padrão à frente.

— Elas devem ter voado direto para cá. E a uma velocidade vertiginosa também. — A descoberta disse a ele duas coisas - Tee sabia exatamente aonde queria ir. E ela não queria ser seguida.

Ian caminhou até onde Gann estava sentado. A cadeira do piloto já fora de Tee. — Entre em contato com elas. — Ele ordenou. Um símbolo triangular no painel de instrumentos de Gann representava o Quillie.

— Quillie, este é o Demônio do Sol. — Gann teve que repetir a ligação várias vezes antes que as mulheres atendessem.

— Quillie aqui. Continue. — Ao ouvir a voz de Lara, o gato ketta soltou um som indescritível que era meio gorgolejo, meio uivo, e correu para o alto-falante. Ele circulou em frustração, tentando ouvir a voz lá dentro.

— Eu sei como você se sente, gato. — Gann resmungou.

Ian perguntou: — Tee, o que diabos você está fazendo?

— Esta é Lara. Tee'ah me pediu para falar em seu lugar. Ela comanda o Quillie. Isso é tudo que tenho permissão para dizer... E que nós duas estamos bem. Não se esqueça de alimentar o Gato, Gann. Quillie, fora.

— Espere! — Ian gritou. Mas o canal já estava fechado. — Ambos estamos na velocidade da luz. Baixe sua rota. Eu quero saber para onde elas estão indo.

— Elas estão se dirigindo para... Los Ahn-gelleez? — Gann disse, lendo sua tela de exibição.

— Los Angeles? — Seu primeiro pensamento foi em Ilana. Tee ficou intrigada com a descrição de sua irmã. Ele apostou que ela estava indo para LA pensando que havia encontrado uma alma gêmea. Ele temia que ela estivesse certa.

Ele examinou o símbolo triangular que denotava a nave de Tee. Era composto de cores e números, bidimensional, o oposto da mulher real, que era calorosa e amorosa, imprevisível e teimosa, a única pessoa que o fazia sentir como se estivesse vivendo a vida, não vendo acontecer tudo em volta dele. Agarre a felicidade quando ela balançar na sua frente, sua mãe sempre dizia a ele. Você nem sempre tem uma segunda chance. Seu pescoço formigou e ele fechou os olhos, deixando a voz de sua mãe guiá-lo.

— Com todo o respeito, Ian — Gann interrompeu baixinho ao lado dele. — Uma chance de felicidade perdida é uma oportunidade que talvez nunca se repita.

Os olhos de Ian se abriram. Rom uma vez disse que os sentidos de Gann foram transformados em um nível quase impossível, mas ele não disse nada sobre o homem ser um leitor de mentes. — Você estava se referindo a você mesmo? — Ian perguntou enquanto se virava. — Ou a mim?

Gann parecia em cada centímetro o capitão do espaço cansado da viagem com muitas noites solitárias conectadas. — Ambos.

Ian o estudou. Gann lamentou as chances que nunca havia tido, lamentando tudo o que havia perdido.

E se eles parassem de perder chances? Ele pensou de repente. Então não haveria razão para arrependimento, não é? Pensativo, Ian coçou o queixo. — Eu não tenho que estar em Washington até depois de amanhã. Há um pouco de tempo para brincar.

A boca de Gann se curvou. — Aguardo suas ordens. — Disse ele enquanto se movia e seu dedo pairava sobre o ícone de destino para Los Angeles.

Ian se voltou para a tripulação. — Alguém se opõe a um pequeno desvio?

— Não, senhor. — Eles responderam em coro cordialmente.

O sangue de Ian disparou. Ele consertaria o problema na Terra, mas primeiro consertaria o erro que cometeu com Tee. Ele iria reconquistá-la.

Momentos depois, eles estavam a caminho de Los Angeles. Adiante, o Quillie passou veloz pela alfândega interestelar com um sinal de positivo da recém-criada agência Patrulha e Alfândega do Sistema Terrestre, conhecida como PAST. Mas quando o Demônio do Sol chegou ao posto de controle, as naves de patrulha negaram a entrada.

Gann praguejou. —Eu não acredito nisso. Duas mulheres em uma nave roubada passam pela PAST com uma piscadela e um beijo, e somos parados?

— Má sorte de novo —, resmungou Quin.

—Não —, Ian disse com firmeza. Tudo o que ele uma vez tinha dado como certo estava no ar, colocando em risco tudo que ele gostava. — De agora em diante, estamos fazendo nossa própria sorte.

Um despachante aduaneiro PAST transmitiu primeiro em inglês e depois em Básico. — Desacelere e prepare-se para o embarque.

— Sim, senhor — Ian respondeu com um sorriso perigoso. O oficial não tinha ideia no que estava se metendo. Desta vez, ele estava puxando o posto.


CAPÍTULO 20


Com óculos recém-comprados escondendo os olhos, Tee'ah e Lara se apressaram no que os habitantes da Terra chamavam de Aeroporto Internacional de Los Angeles. A taxa de pouso era exorbitante, explicando por que não havia nenhuma outra nave estelar da classe mercante residente, mas Lara pagou a conta com fundos emprestados do estoque de créditos de Gann. — Ele me deve mais do que isso —, disse ela com naturalidade. — Fui contratada para te encontrar e te levar para casa. A meu ver, estou fazendo o que fui paga para fazer.

Tee'ah apertou o braço dela. Lara deu um pequeno sorriso e então desviou o olhar. Não importava o quanto tentasse, Tee'ah duvidava que algum dia seria capaz de expressar totalmente o quanto a ajuda daquela mulher significava para ela. Esta prática e rude piloto de Barésh a ajudou a correr o risco de perder sua reputação e sua nave estelar, uma nave que Tee'ah sentiu ser o centro da feroz independência de Lara. — Eu rezo para que isso não a impeça de recuperar sua nave.

A boca de Lara baixou. — Alguns riscos valem a pena e outros não. Vamos deixar isso assim.

Um homem colocou um pedaço de papel nas mãos de Lara e foi embora, falando em inglês enquanto passava os papéis para outras pessoas. — O que está escrito? — Lara perguntou. Ela entregou a folha para Tee'ah, que inseriu as runas em seu tradutor portátil.

— Terra primeiro — ela leu. — Boicote produtos feitos pelos Vash. — Inquieta, ela olhou ao redor do aeroporto. Cartazes nas vitrines das lojas proclamavam “Terra em primeiro lugar”. Alguns eram racistas por natureza, retratando Vash nobre com características exageradas - cabelo e pele fulvos, maçãs do rosto salientes, narizes longos retos e olhos dourados claros. Alguns tinham chicotes nas mãos, subjugando uma população humana relutante.

O sentimento anti-Federação havia se firmado. Pelo bem de Ian, Tee'ah esperava que ainda não tivesse enraizado muito fundo. Mesmo assim, por precaução, elas não pararam para olhar em volta, por mais que Tee'ah gostasse.

Elas se aproximaram de um estande onde poderiam alugar um dispositivo de comunicação de “telefone celular” para entrar em contato com Ilana. O homem sentado atrás do balcão tinha cabelos pretos e olhos quase pretos, com um sorriso brilhante contra sua pele morena lisa. Eles a encararam, fascinados. Sorrindo levemente, ele perguntou: — Acabou de chegar do exterior?

Lara seguiu o exemplo de Tee'ah e assentiu ansiosamente.

— Bem-vindas ao país, senhoras.

Depois de muitas explicações sobre como operar o dispositivo, elas conseguiram pagar por seus serviços sem incidentes. Muitos ícones decoravam a tela minúscula. — É este. — Disse Tee'ah, vendo um símbolo na forma de um telefone. Usando seu tradutor para decifrar números em inglês e exibi-los como runas básicas, ela esperou a transmissão terminar. E se os dados que elas coletaram de Ilana não estivessem corretos? E se elas não pudessem fazer contato?

Tee'ah beliscou a ponta do nariz. A exaustão se instalou, fazendo sua cabeça latejar e seus olhos doerem. Há quanto tempo ela não dormia mais do que algumas horas? Ela havia perdido a conta dos dias. Tudo o que ela queria era uma cama macia, uma noite inteira de descanso e...

— Olá? — Era a voz de uma jovem. Ilana.

Usando o tradutor, Tee'ah recitou: — Eu sou Tee'ah Dar. Sua prima por casamento. — Ela fez uma pausa para se certificar de que disse as palavras corretas. — Estou em Los Angeles... Internacional... Aeroporto.

— Meu Deus. Tee'ah?

— Sim. É Tee'ah.

— O que você está fazendo aqui? Você tem um lugar para ficar? Posso ir buscar você?

Ao ler as palavras traduzidas, Tee'ah deixou o doce calor do alívio preenchê-la. — Sim —, ela sussurrou. — Sim para tudo.

 


O caos que Tee'ah estava começando a ver como característica na casa de Ilana foi retomado ao amanhecer da manhã seguinte, quando Ilana enfiou a cabeça no pequeno quarto que Tee'ah dividira com Lara. — Hora de acordar, garotas. — Ilana disse em um Básico com forte sotaque enquanto puxava uma juba indomável por uma tiara do mesmo azul claro de seus olhos. As raízes de seu cabelo eram quase tão escuras quanto as de Ian, mas o resto das mechas eram infundidas com muitos tons mais claros, de loiro escuro a quase prata. Rolinho de argila, Tee'ah pensou com um sorriso de aprovação.

A mulher deixou cair as mãos e sua pluma de cabelo caiu alegremente sobre os ombros. — Rápido, rápido! Estamos saindo em uma hora.

Depois de ser rastreada em todos os planetas que visitou, Tee'ah não tinha grandes esperanças de escapar da atenção na Terra. — Devo me disfarçar.

— Eu cuido disso — Ilana assegurou. Logo ela voltou com os braços cheios de roupas e chapéus. — Eu tenho que trabalhar, mas vou levar vocês duas comigo. Há uma grande filmagem no centro da cidade - fazer um filme, entretenimento da Terra - e estou filmando as filmagens. Confuso, eu sei, mas é o primeiro filme de Hunter Holt fora da reabilitação. — Ela lançou um olhar de desculpas para o tradutor de Tee'ah e enunciou: — Um ator famoso consumiu muitas substâncias alucinantes. Estou gravando um documentário sobre seu caminho para a recuperação.

Ela soprou o cabelo bagunçado da testa. — Eu quero que você venha. Você estará segura comigo... Embora talvez não com alguns dos meus companheiros de planeta mais Neandertais. — Ela olhou para o tradutor de Tee'ah. — Aquilo traduziu Neandertal? Eu sou totalmente a favor da liberdade de expressão, por apresentar pontos de vista opostos, mas esses primeiros da Terra são ignorantes, e em sua ignorância eles poderiam facilmente estragar todo o bom trabalho do meu padrasto.

Ilana suspirou enquanto colocava os vestidos em uma cadeira ao lado da cama. — Mas isso é política e tento deixar isso para o resto da minha família.

Ela as deixou com seus preparativos apressados.

Depois de usar o chuveiro, Tee'ah e Lara vestiram suas roupas emprestadas - chapéus de palha enormes e vestidos esvoaçantes até os tornozelos.

Enquanto Lara calçava as botas, Tee'ah foi até a varanda para ver o oceano. A residência de Ilana ficava no segundo andar de um prédio separado da praia por uma rua movimentada para carros terrestres. Até a noite anterior, ela nunca tinha visto pessoalmente um oceano que não fosse gerado por computador. A realidade era incrivelmente bela. À luz do amanhecer, o mar estava tão liso e profundamente colorido como um raio de seda nandan cinza-azulada.

O vestido que Ilana emprestou a ela era frágil e decotado - provavelmente para seus próprios padrões afetados, porém, e não para os de Ilana ou de qualquer outra terrestre. Ela ergueu os braços acima da cabeça e deixou o vento roçar a indecente vestimenta, mas a brisa era um péssimo substituto para as carícias de Ian. O mero pensamento de suas mãos hábeis e boca quente em seu corpo trouxe sua pulsação latejante entre as coxas.

Mas ele tinha seu dever e ela tinha seus sonhos. Essas coisas os manteriam separados para sempre.

— Você está pensando nele de novo.

Tee'ah se virou. Lara ficou parada na porta, observando-a com olhos ancestrais. — Dói —, ela admitiu para a piloto. — Vai durar algum tempo, eu acho.

— Eu não saberia.

— Você nunca se apaixonou?

Lara desviou o olhar. Um músculo em sua mandíbula saltou. — Não — ela disse suavemente. — Nunca.

— Não sou especialista — Tee'ah rapidamente disse a ela. — Houve apenas Ian, e mais ninguém. Mas eu sei em meu coração que algum dia o homem certo irá valorizá-la e respeitá-la. Você é linda e preciosa, por dentro e por fora. Qualquer homem que não vê isso não te merece.

Lara comprimiu os lábios e olhou para o mar. — Isso é o que ele me disse... Este homem. Ele vê em mim o que eu não vejo. Ou não via. — Seu rosto assumiu uma expressão de inocência, ou talvez de admiração, então a expressão desapareceu com a mesma rapidez. Ela esboçou um sorriso. — Talvez ele me mereça, sim?

Tee'ah sorriu de volta. — Encontre-o e veja.

Pensativa, Lara considerou. — Possivelmente...

Juntas, elas entraram, onde Ilana as encontrou. — Tee'ah —, disse a irmã de Ian. — Nós temos que conversar. — A garota da Terra a puxou de lado, deixando Lara para comer a refeição matinal com Linda Hurst, uma alegre “assistente de cinema” ruiva de meia-idade que acompanhara Ilana ao aeroporto na noite anterior.

O dispositivo de comunicação de Ilana - tocando constantemente, parecia - vibrou novamente. Ela olhou para a chamada recebida e desligou. — Meu último ex — Ela explicou. Perante a óbvia perplexidade de Tee'ah, ela tentou novamente com o cuidadoso Básico.

— Um amigo que não desejo mais ver.

Maravilhada, Tee'ah olhou para ela. — Você tem muitos amantes, então?

No início, Ilana pareceu assustada. Então ela riu. — Sempre. E faço questão de sair enquanto a cama ainda está quente.

Tee'ah sentiu dor por trás daquela declaração alegre. Ela se perguntou se o desfile de amantes de Ilana, seu desdém pelo compromisso, era uma consequência da infidelidade de seu pai, assim como o celibato de Ian.

Os olhos azul-celeste de Ilana examinaram o rosto de Tee'ah. — Agora certifique-se de usar aquele seu tradutor. Vou falar em inglês porque meu Básico é horrível e tenho algumas coisas a dizer. — Quando Tee'ah obedeceu, ela disse: — Você está apaixonada pelo meu irmão.

O pulso de Tee'ah disparou em sua garganta. — Ian... É um amigo que não desejo mais ver.

— Ha!

— Vou arruinar a reputação dele.

— Jura?

Tee'ah suspirou. — Mesmo que isso não importasse, não posso voltar para aquela vida.

— Compreendo. Mas Ian nunca faria você viver da maneira tradicional. Minha mãe não faria.

— Rom B'kah é um herói, Ilana. Ele pode viver como quiser. Ian está sendo examinado - e desafiado. Seria injusto fazê-lo escolher entre mim e o que os Vash Nadah consideram um comportamento adequado. Eu não vou fazer isso. Não vou prejudicar sua oferta pelo trono.

— Se Ian tiver sucesso na Terra, ele será um herói também. Agora que conheci você, tenho ainda mais motivos para esperar que sim. Francamente, acho que você é exatamente o que meu irmão geek precisa. Ok, então ele é um geek bonitão. E um geek muito honrado também. Muito, muito melhor comportado do que eu, deixe-me dizer-lhe. Mas ele é quatro minutos mais velho do que eu. — Ilana riu. — Estou me adiantando aqui. Retrocedendo.

A cabeça de Tee'ah girou com a sequência de palavras intraduzíveis.

— Você virou sua existência perfeitamente ordenada de cabeça para baixo. Isso é bom. A última coisa que quero fazer é dizer a você como dirigir sua vida, mas adoraria ver você desabotoar a camisa abafada e mostrar a ele como viver.

Um arrepio percorreu a espinha de Tee'ah. — Ian me mostrou como viver.

O olhar de Ilana se aqueceu com afeto. — Então, espero que vocês dois recuperem o juízo. — Ela usou um espelho de mão para aplicar um líquido preto em seus longos cílios. — De qualquer forma, Ian sabe que você está aqui.

Tee'ah quase deixou cair o tradutor.

— Provavelmente por Rom, que recebeu minha mensagem de comunicação segura de que você estava a salvo. Ele realmente quer falar com você.

— Ian? Ele ligou? Aqui?

— Três vezes.

— Como ele soava? — Tee'ah deixou escapar, sem querer.

Ilana sorriu. — Bravo. Desesperado. — Seu tom suavizou um pouco. — Desculpe.

— Você falou com ele?

— Inferno, não — Ilana respondeu despreocupadamente. — Deixe ele se preocupar um pouco mais. Quero que ele acredite que perdeu você.

— Sim. — Sussurrou Tee'ah, com o coração apertado.

— Por favor, Tee'ah. Você é uma péssima mentirosa. — Ela empurrou a varinha de maquiagem de volta em seu pequeno tubo e conduziu uma Tee'ah confusa, passando por uma mesa, onde lhe entregou uma caneca lacrada e um pedaço de pão em forma de roda. — Café da manhã na corrida. — Ela explicou e conduziu todas para fora da porta da frente.

Tee'ah correu ao lado dela, imaginando Ian desesperado e arrependido, o tempo todo lutando para se manter à tona na torrente de energia que era sua irmã.

 


A navegação por satélite no painel do carro elétrico preto brilhante que Ian tinha alugado o guiou do Aeroporto de Los Angeles para a casa de sua irmã em Santa Monica. Gann se sentou ao lado dele, Muffin estava curvado no banco de trás, e o resto da tripulação tinha ficado para trás no Demônio do Sol.

Ian estacionou atrás da casa de Ilana. Ele olhou para seu reflexo no espelho retrovisor e passou a mão pela barba por fazer. — Muffin, me jogue meu barbeador. — Parecer um condenado fugitivo não ajudaria em nada contra Tee.

Muffin abriu o zíper da mochila de Ian. Houve um grito estridente e a cabeça do homenzarrão ricocheteou no teto do carro com um baque abafado.

Gann se virou. — O que diabos o gato ketta está fazendo aqui?

Muffin coçou a cabeça. — O inferno se eu sei!

Ian desligou o motor. — Faça o que fizer, não deixe ninguém ver. Os animais são colocados em quarentena de um estado para outro. Este é do outro lado da galáxia.

Gann alcançou seu assento e empurrou o animal de estimação de Lara para a bolsa. Deu um uivo abafado em protesto. — Eu também sinto falta dela — ele disse baixinho, fechando o zíper da mochila por nove décimos. — Mas você é um encrenqueiro, assim como ela.

Ele enganchou a mochila no ombro e saiu do veículo, então seguiu Ian por um lance externo de escadas até o segundo andar. Um pedaço de papel colado na porta de Ilana esvoaçou com uma brisa forte que vinha do Pacífico. Ian arrancou a nota da madeira. — Elas não estão aqui.

Muffin aceitou a notícia com calma profissional, mas Gann não tentou esconder sua preocupação. — Onde elas estão?

Ian lutou para distinguir a caligrafia rabiscada de sua irmã gêmea. — Ilana está trabalhando... No centro de LA... No telhado da Torre da Corte. É o prédio mais alto da cidade. — Ele dobrou a nota. — Ela tem Tee'ah e Lara com ela. Vamos lá.

Eles desceram as escadas apressadamente e entraram no carro. Ian entrou no trânsito de uma rua movimentada com visitantes de verão, então ele acelerou em uma pista de alta velocidade reservada para veículos elétricos que conduziam diretamente ao centro.

As mãos de Gann voaram para o painel. — Grande Mãe.

— O que está errado?

— Os outros carros terrestres — Ele engoliu em seco — eles estão muito perto.

Ian tentou não rir. — Eles deveriam estar.

— Eu viajei em um veículo semelhante, anos atrás, com Rom. Mas nunca alcançamos essa velocidade.

— Em uma estrada elétrica é perfeitamente legal; confie em mim. — Ele imaginou Tee, perguntando-se o que ela pensava da Terra ou dirigindo na estrada. Ou vendo o oceano pela primeira vez. Havia tantos lugares que ele queria mostrar a ela, tantas coisas que ele queria experimentar com ela, e a menos importante delas era fazer amor mais incrível.

Ela deixou você.

A preocupação crescente de que Tee não queria mais nada com ele se transformou em impaciência para acertar as coisas entre eles. Seus futuros estavam interligados. Ele estava preparado para todo argumento concebível em contrário; ele não estava disposto a deixá-la ir.

Ele ligou o sistema de entretenimento digital do veículo. As imagens dos representantes dos Vash e dos estadistas da Terra se enfrentando em fóruns públicos e privados não melhoraram seu humor. — O ministro sênior do Comércio Galáctico está acampado do lado de fora do gabinete do presidente dos Estados Unidos —, murmurou. O domínio do inglês de seus amigos era fraco e Ian se viu traduzindo a notícia à medida que ela se desenrolava. — Eu acho que ele está esperando a palavra de Rom sobre como proceder.

Ian se perguntou o que Rom diria ao ministro agora que ele pensava que havia chamado Ian. A Terra nunca cooperaria enquanto eles acreditassem que havia pouca esperança de uma verdadeira parceria com a Federação.

Encontre Tee, seus instintos lhe disseram. Todo o resto vai se encaixar.

Ainda assim, não importava o que seus instintos dissessem, reunir-se com Tee no meio de LA não seria nada simples.

 


Do alto da Torre da Corte, Tee'ah avistou toda a cidade de Los Angeles, brilhando na luz nebulosa e apagada da estrela da Terra. O amplo telhado estava varrido pelo vento e parecia tocar o céu. Sua saia chicoteou em torno de suas pernas nuas enquanto ela olhava ao seu redor. Prédios vítreos próximos rivalizavam com a altura vertiginosa daquele em que ela estava; estradas caóticas abaixo estavam ocupadas com carros terrestres; enormes runas brancas brilhavam em uma colina distante - Hollywood.

Ela voltou sua atenção para os habitantes da Terra que trabalhavam no telhado. Ilana irradiava puro prazer ao capturar imagens de vídeo. Era uma dádiva, ser livre para praticar uma vocação de que tanto gostava; Tee'ah esperava que a irmã de Ian entendesse sua boa sorte.

Talvez sucumbindo ao desejo de tirar Lara de sua concha, Ilana pediu ajuda à mulher. Agora Lara estava entre aqueles que estavam filmando, segurando um “microfone boom”, um aparelho comprido com o que parecia um microfone na ponta, apontando-o para cima para capturar o som enquanto a assistente de Ilana, Linda, coordenava com os outros habitantes da Terra. O caos reinava, mas havia uma energia fervilhante emitida pelo povo da Terra que Tee'ah achou fascinante. Com tal ímpeto inerente à sua cultura, não era de admirar que eles estivessem recusando a ideia de serem submersos em uma federação que abrangia toda a galáxia na qual desempenhavam um papel menor.

Mais habitantes da Terra chegaram - pessoal da mídia. Enquanto uma mulher elegantemente vestida narrava, seu companheiro filmava Ilana filmando os habitantes da Terra que estavam filmando o ator, um homem que Tee'ah não considerava nem de perto tão atraente quanto Ian, mas que era inexplicavelmente o foco de tanto interesse.

Um movimento súbito atraiu a atenção de Tee'ah para os curiosos que se aglomeravam atrás de uma fileira de barreiras colocadas em torno da atividade.

Crat. Ladeado por Muffin e Gann, Ian abriu caminho por entre a multidão.

Os olhos da assistente de Ilana se arregalaram. — Quem é esse?

— Compre óculos novos, Linda —, disse Ilana. — É Ian.

— Não, o grande hulk loiro - quero dizer, que pedaço.

— O nome dele é Muffin. Ele é o guarda-costas do meu padrasto.

— Muffin. — A boca de Linda se curvou em um sorriso faminto. — Droga. Lá se vai minha dieta.

Tee'ah não tolerava uma conversa tão alegre. — O que Ian está fazendo aqui? Ele deveria estar em Washington. — Seu coração se apertou. Sua missão era crítica para a paz galáctica. Como ele ousava flertar com a polêmica que ela sem dúvida lhe traria?

Parte dela esperava que ele estivesse aqui para ver sua irmã, mas no instante em que seus olhos verde-acinzentados a encontraram, ele deixou sua escolta para trás. Sua expressão era resoluta, seus passos longos. Seu cabelo lustroso ao vento e sua jaqueta de couro preta eram mais adequados para um comerciante rebelde do que para um príncipe herdeiro galáctico, mas ele não tinha menos respeito por isso.

A multidão se separou, permitindo que ele passasse. Quando ele se aproximou dela, o mundo pareceu desmoronar. A conversa ficou distante, as pessoas ao seu redor ficaram turvas. Tudo o que ela sentiu foi o vento sacudindo seu cabelo, seu vestido esvoaçando contra sua pele nua e seu amor por Ian, dando-lhe uma sensação de que o tempo estava parado.

Ela desviou o olhar à força, quebrando o feitiço. — Por que você veio? — ela exigiu quando ele parou na frente dela. — Acabamos —, ela disse em inglês - uma das expressões de sua irmã. — Você sabe disso.

— Eu cometi um erro, duende.

— Sim, você cometeu. Vindo aqui. Olhe a sua volta. Os habitantes da Terra estão tirando fotos. Você não pode se dar ao luxo de ser visto comigo.

Ele a puxou para um beijo feroz e possessivo. Então ele lentamente a moveu de volta. — Que tal ser vista comigo?

Ofegante, ela tocou os lábios com as pontas dos dedos. — O que você está fazendo?

— Quebrando as regras. — Ele agarrou seus ombros, movendo-a de volta. — Venha para Washington. Então, depois disso, vamos trabalhar com o Grande Conselho sobre o assunto a respeito de nós dois.

—Não. O momento está errado. Você tem que se concentrar no seu futuro.

— Nosso futuro — ele a lembrou. — Somos uma equipe, querida, uma grande equipe. Você ainda não percebeu isso?

Ela abraçou as costelas com os braços. — Não faça isso, Ian.

— Desculpe, mas vou tentar o meu melhor para reconquistá-la. Pertencemos um ao outro. — Ele colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha dela. Arrepios se espalharam de onde seu polegar acariciou sua bochecha. — Eu sei que você sabe disso também. Você usa seu coração na manga, lembra?

Ela fez um som de exasperação angustiada e se desvencilhou dele. Ian foi atrás dela.

Lara agarrou a mão de Ilana e apontou para Tee'ah e Ian. Ela disse no Básico: — Você quer dar à Terra uma razão para permanecer na Federação? Filme-os.

O rosto de Ilana se iluminou. — Lara, você é brilhante. — Ela bateu o dedo contra a bochecha. Então ela se virou para a repórter próxima. — Vocês, signatários da rede, têm um acordo, certo? Que qualquer notícia de última hora de importância mundial pode ser espontaneamente reunida na autoridade da rede na cena?

— Está certo. — A repórter a estudou. — Por quê?

— O príncipe herdeiro da galáxia está prestes a escolher sua futura rainha. Bem aqui. Agora mesmo!

Os olhos da repórter se desviaram para Tee'ah e Ian, discutindo apaixonadamente em voz baixa.

— Ele poderia muito bem ser o próximo rei da galáxia —, disse Ilana, — se for aprovado e se nós, da Terra, o apoiarmos. Basta pensar, um menino da cidade no comando. Como enteada de Rom B'kah, posso fornecer a narração interna, se vocês quiserem - Senhoras e senhores, observem como estabelecemos - hoje, bem diante de seus olhos - uma nova e emocionante dinastia em que nós - Terra - desempenhamos um papel crucial!

— Vou mandar uma mensagem para o meu produtor. — O repórter digitou uma mensagem.

Ilana caminhou em rajadas curtas e tensas. Lara mordeu o interior do lábio, abrindo e fechando os punhos. A transação pareceu durar uma eternidade.

Finalmente, o repórter sorriu. — Conseguimos!

— Sim! — Ilana deu a Lara um high-five.

A repórter gritou para seu cinegrafista: — Faça isso global! — e Ela gesticulou freneticamente para ele começar a filmar.

A cobertura de satélite compartilhada pelas diferentes redes ao redor do mundo começou uma alimentação simultânea. Então, com apenas um atraso de dois segundos, a imagem de Tee'ah e Ian começou a pipocar em telas grandes e pequenas de Kalamazoo a Karachi e Cazaquistão.

 


Ian alcançou Tee em um heliporto varrido pelo vento, proporcionando uma vista espetacular da cidade e um vislumbre nebuloso do oceano além. — Talvez eu não esteja sendo claro. Eu quero me casar com você, Tee.

Ela se virou, seus olhos angustiados, seu cabelo rebelde. — Não. Não vou arruinar sua chance de subir ao trono!

Ele avançou para ela. — Foi por isso que você foi embora, não foi? Você sente que precisa me proteger - de você.

Seu rosto expressivo deu a ele sua resposta. Ele estendeu a mão para ela. Ela recuou. — Você precisa de uma esposa tradicional. Eu não posso ser essa mulher. A vida real me sufoca. Eu quero voar, fazer minhas próprias escolhas.

— Por que eu iria parar você? Não apoio as velhas tradições, você sabe disso.

— Isso é o que você diz agora, mas você vai mudar. — Disse ela com convicção.

— Eu não vou!

— Você já mudou. No Quillie, você me disse que eu não poderia mais trabalhar para você, que o trabalho era muito perigoso. Essas foram suas palavras exatas. — Sua mão rastejou para o peito e fechou em um punho. — Eu sei — ela sussurrou. — Eu senti cada uma delas.

— Foi uma reação instintiva. Eu não quis dizer que você não poderia... Que eu... — Ele exalou. — Fui pego de surpresa, Tee. Reagi mal e peço desculpas. Não vou me transformar em um tradicionalista; eu prometo. Você conhece o costume dos Vash, temos que nos prometer por um ano antes de podermos nos casar, tempo para nos conhecermos, para ver como realmente somos. E no final desse ano... Você estará livre para ir embora.

Ela deu a ele um aceno relutante que lhe disse que ela não acreditava que ele não voltaria ao modo de pensar dos Vash. Ou talvez ela ainda estivesse preocupada que o noivado o impedisse de se tornar o herdeiro de Rom.

— Muita coisa aconteceu nos últimos dias, Tee, coisas que mudaram vidas.

Agora ela parecia preocupada. — O quê, Ian?

— Rom não se importou com a maneira como eu estava lidando com a situação da fronteira. Ele me mandou voltar para Sienna. — Ele baixou a voz. — Eu não voltei.

— Ele mandou? — Sua voz se elevou. — Você desobedeceu ao rei? — Ela ficou tão pálida quanto uma Vash poderia ficar. — É isso que você quis dizer quando disse que quebrou as regras?

— Você não pode segui-las o tempo todo, duende. Você me ensinou isso. O caminho certo nem sempre é o que todos usam. Às vezes você tem que seguir seu próprio caminho. — Ele pegou as mãos dela. — Você tem que acreditar em mim, Tee, quando digo que não vou fazer você viver da maneira tradicional. O isolamento deve ser uma escolha, não uma lei. Eu sou americano; sempre me senti assim. Ser o príncipe herdeiro não mudará isso, ou o que sinto pela Terra e minha família. Ou você, doce duende.

 


Fascinada, a população da Terra assistiu à troca - em pubs, carros e shoppings. No Salão Oval, onde um presidente cansado discutia com um ministro do Comércio dos Vash, o senador Charlie Randall se levantou, olhando de seu telefone para a televisão fixada na parede. Então sua boca se espalhou em um lento sorriso de surpresa. — Aí está o nosso menino.

 


Ian a puxou confortavelmente contra ele. Bochecha com bochecha, respirando em uníssono, ele a balançou para frente e para trás. — Então o que você diz?

— Não faça isso. — Disse Tee em um sussurro tenso.

— Dê-me uma razão porque não.

— 'O bem-estar de todos vem antes dos desejos de poucos.'

— Quem pode dizer que isso não é para o bem de muitos? Eu sou da fronteira. Você é de uma das oito famílias originais. Sim, as coisas vão ficar um pouco delicadas até que o Grande Conselho encontre uma esposa para Ché, mas vai se acalmar. Vamos; eu te amo, Tee. E você me ama. Vamos nos casar. Para o inferno com o que todos pensam!

De perto, veio o som de uma multidão gritando e assobiando.

Ian ergueu a cabeça e olhou por cima do ombro. Santo Toledo. Sua irmã, a equipe de notícias, todos, formavam um meio-círculo em torno do heliporto.

O dedo de Ilana tocou seus lábios. Ela balançou a cabeça, seus olhos o incitando a não dizer nada. Continue indo, ela murmurou. Você está indo bem.

Ian estava perdido. Ele deveria capitalizar sobre este fórum improvisado fortuito, permitindo que o mundo escutasse uma conversa que deveria ter sido privada, para que ele pudesse mostrar à Terra que ele era humano, falível e estava do lado deles? No dia em que disse que seria o herdeiro de Rom, ele concordou tacitamente com uma vida pública. Mas isso era uma loucura.

— Diga sim! Diga sim! — O canto começou com um sussurro dos lábios de Ilana. Então Lara assumiu o coro, seguida pelas outras no telhado.

Ian percebeu que eles estavam pedindo a Tee que aceitasse sua proposta. Mas ela fechou os olhos. O que parecia uma oração formou-se em seus lábios. Ela ia recusar, ele pensou com uma certeza sombria.

— Diga sim! Diga sim! — A alegria se espalhou rapidamente. Imagens dos eventos ocorridos em um telhado em Los Angeles foram transmitidas ao espaço profundo, destinadas a planetas de toda a galáxia civilizada.

Seus olhos se abriram e ela praguejou.

A boca de Ian se curvou. — Essa não é exatamente a resposta que eu queria.

— Não. — Ela apontou para a multidão. — Eu pensei que estava imaginando. Mas olhe.

Ian semicerrou os olhos além das luzes apontadas para ele. Um par de recém-chegados caminhou em direção a eles. Eles tinham uma pele lisa e morena e cabelos castanho-claros acobreados. Ambos eram atraentes, altos e de ombros largos, com olhos tão claros e aristocráticos quanto os de Tee.

— É Klark —, sussurrou Tee. — A direita.

A voz de Ian era baixa e letal. — Não acredito que ele teve a coragem de me caçar no meu planeta natal. — Klark era tão completamente mau ou simplesmente estúpido? O homem à esquerda ergueu a mão em saudação. Cada músculo do corpo de Ian ficou tenso. Klark trouxera seu irmão mais velho, Ché - o homem que tinha todo o direito de reivindicar Tee como sua.


CAPÍTULO 21


Ian apertou a mandíbula e encontrou os olhos dourados e friamente racionais de seu adversário inesperado. Ché se portava com a insolência consanguínea tão característica dos homens reais Vash Nadah. E porque não? Ché tinha todas as cartas - em seu mundo natal e aqui no de Ian. Tudo o que o príncipe precisava fazer era insinuar que Tee era sua por direito, e isso lançaria tudo no caos.

Ian olhou para Tee. Ela parecia chocada. Ele queria alcançá-la, abraçá-la com força. Uma última vez. Ele duvidava que ela se casasse com Ché. Mais provavelmente, ela correria mais fundo na fronteira para “salvá-lo da ruína” e pegar as rédeas de seu plano original. Ele iria perdê-la de qualquer maneira.

Ché e Klark pararam na frente dele, ambos uma cabeça mais altos do que ele. O manto real cinza-escuro de Ché girou em torno de suas botas quando ele caiu de joelhos. — Saudações, meu príncipe. — Disse ele, inclinando a cabeça.

A demonstração de respeito surpreendeu Ian. — Levante-se. — Disse ele, e estendeu a mão.

Klark fez um barulho sibilante. — Ché, o que você está fazendo?

Ché segurou o pulso de Ian no tradicional aperto de mão dos Vash, agarrando seu braço com uma paixão não evidente em sua expressão composta. Então Ché acenou com a cabeça na direção de Tee. — Princesa.

— Vossa Alteza. — Ela respondeu em uma voz baixa.

Eles se encararam por mais alguns momentos do que deixava Ian confortável. Ambos eram crianças quando se conheceram. Nenhum deles poderia ter imaginado as consequências de sua união arranjada condenada. Quando Ché finalmente falou, Ian percebeu que estava prendendo a respiração. — Estou passando por uma crise familiar que me perturba muito —, disse ele, olhando para Klark. — Peço sua orientação para escolher a melhor maneira de proceder.

— Vá em frente. — Ian disse cuidadosamente.

Klark agarrou o braço de Ché. — Não é isso que planejamos! Você deveria desafiá-lo.

— Não —, disse Ché. — Esse é o jeito antigo. Rom está correto. Somos a geração que pode garantir um futuro de paz, mas apenas se nos adaptarmos à medida que os tempos mudam. — Ele acenou com a mão para Ian e a multidão que os rodeava. — Os tempos mudaram.

— Você daria as rédeas de nosso reino a este bárbaro?

A multidão sentiu que algo estava errado. Seus aplausos se transformaram em vaias. Ian olhou de irmão para irmão. — O que está acontecendo?

— Desafiamos formalmente sua reivindicação ao trono —, declarou Klark. — É uma luta ritual de origens antigas, travada sem armas e não até a morte. — Ele fez uma pausa. — Embora às vezes isso aconteça.

Ian vasculhou seu cérebro, pensando em todas as leituras que havia estudado, e voltou de mãos vazias. — Nunca ouvi falar de um ritual de desafio.

Ché fez uma careta para o irmão. — Meu irmão faz parecer comum. Na verdade, nunca foi promulgado e não será agora.

Klark jogou fora sua capa. — Se você não fizer o que é certo, eu farei. — O olhar cheio de ódio de Klark pousou em Ian. — Eu, por meio deste, o desafio, morador da Terra, em nome de meu irmão, Príncipe Ché, filho primogênito dos Vedlas, o legítimo herdeiro do trono.

Os músculos do pescoço de Ian se contraíram. Embora fosse tentador, ele não se rebaixaria ao nível de Klark. Sempre a melhor maneira de contornar a ignorância de um fanático é uma abordagem cuidadosa e não ameaçadora. — É óbvio que estamos em desacordo aqui. Podemos resolver nossas diferenças sem violência. Ao falar....

O punho de Klark surgiu do nada e acertou-o na mandíbula. Ele cambaleou para trás, seus olhos lacrimejando com a dor que parecia uma faca. O grito de Tee ultrapassou o rugido da multidão. Seu medo por ele invadiu sua psique.

— Covarde. Selvagem sem instrução. — Klark se lançou contra ele novamente. Desta vez, Ian bloqueou o punho, absorvendo o choque com a mão aberta. O impacto o fez cair de joelhos e a bota de Klark arqueou em direção ao seu rosto. Mas por causa de seu treinamento em Taekwondo, suas mãos já estavam lá. Ele enganchou a perna de Klark pelo tornozelo e puxou o príncipe de costas.

Em todo o mundo, a indignação reinou. Nas Nações Unidas, as negociações entre diplomatas e o enviado-chefe dos Vash foram interrompidas. Em um bar em Sydney, Austrália, os clientes voltaram os olhos zangados para um turista solitário em Vash.

— Ei, colega. Você não é bem-vindo aqui. — Em uma comoção de punhos e zombarias, o extraterrestre se viu caindo na calçada. Encharcado de cerveja, ele caiu em uma pilha ao lado de um carro estacionado.

Na Casa Branca, o presidente berrou: — Este é o homem que você quer trazer para a mesa de negociações, Randall? Nosso mediador de cabeça fria?

— O que quer que ele faça, Sr. Presidente, coloque o rabo entre as pernas e corra? — O senador trocou olhares com o ministro do Comércio de Rom. — Meu dinheiro está em Hamilton —, ele demorou. — E o seu, Vash?

 


Espalhado de costas, Klark gemeu.

Ian passou sua adolescência praticando artes marciais, ganhando sua faixa preta. Mas lutar no asfalto era muito mais sério - e doloroso - do que pousar em esteiras. Esfregando sua mão latejante, Ian parou sobre seu oponente. — Klark, você fez seu ponto. Agora vamos resolver as coisas. Isso não é o que Rom gostaria. — Não que ele tivesse o direito de dizer o que o rei queria ou não, visto que estava aqui contra as ordens do homem. — Eu vou te ajudar a levantar.

O príncipe assentiu humildemente e ergueu o braço. Suas mãos se cruzaram. Então Klark desequilibrou Ian e o lançou sobre sua cabeça.

O mundo girou e Ian caiu com força. O impacto o deixou sem fôlego. Sufocando, sentindo o gosto de sangue, ele se contorceu sobre o cimento, o pescoço e as costas queimando de dor. Ele estava vagamente ciente da multidão gritando, sua irmã e Tee tentando alcançá-lo, mas sendo impedidas. Ele tentou se levantar, mas quase desmaiou. Ele não conseguia ver e seus ouvidos zumbiam tão alto que ele não conseguia ouvir mais nada. Tudo em que ele sempre acreditou foi na resolução de conflitos por meio da razão. Agora, ironicamente, ele perderia tudo o que valorizava no resultado do que não era nada mais do que uma luta de rua.

As botas de Klark rangeram para frente e para trás no pavimento. A amargura jorrou dele. — É este o homem que vocês querem como rei? — ele chamou. — Olhem para ele, contorcendo-se no chão como um invertebrado desenterrado. Ele quer conversar, hein? É porque ele não pode lutar.

— Chega. — Ché disse ao irmão.

— Chega, está certo, irmão. Se ele não pode defender o que acredita, como ele deveria defender a galáxia? — A risada depreciativa de Klark espalhou-se pelo telhado.

Ian rosnou. Agora ele estava começando a ficar chateado. Cacete! Ian Hamilton vai chutar alguns traseiros. Taekwondo. As palavras de sua irmã no dia em que soube que Randall estava vindo para a fronteira voltaram para assombrá-lo. — Você prefere a abordagem do homem que pensa —, ela brincou. — A diplomacia é fundamental; 'faça amor, não guerra', o credo Vash Nadah. Ei, funcionou por quase onze mil anos, certo? Mas às vezes, você só precisa chutar um pouco.

Klark pairou sobre ele. — Já terminamos, morador da Terra? Você está pronto para renunciar ao trono e entregá-lo a um homem de verdade? — Agarrando a corrente de Ian, o príncipe Vash o colocou de pé com uma das mãos e deu um soco com a outra.

Ian bloqueou o golpe e atingiu Klark no queixo. Um chute circular enviou o príncipe atordoado para o chão. — Na verdade, vou chutar seu traseiro arrogante.

A multidão foi à loucura. Klark se levantou e veio para cima dele novamente, embora vacilante. Ian bloqueou seus chutes, o mandou estatelado novamente. Claramente enfurecido, com sangue escorrendo de seu queixo partido, o Vash se levantou cambaleando e deu outro soco. Ian se abaixou. Instantaneamente ele prendeu Klark em um estrangulamento.

A respiração de Ian assobiou dentro e fora enquanto ele apertava seu braço com mais força. — O que você acha, Klark? Este homem é o suficiente para você?

Klark lutou, ofegando. — Bárbaro.

— Você diz a palavra como se houvesse algo errado com ela.

Ilana gritou e Ché a olhou com uma expressão confusa.

Ian puxou Klark e o derrubou, segurando-o no cimento com uma barra de braço, uma braçadeira que tornava ainda mais dolorosa para Klark cada vez que o homem tentava se mover. Com o príncipe imóvel, ele pressionou o polegar e o indicador no pescoço. O rosto de Klark ficou roxo. — Podemos dizer com segurança que isso acabou agora?

Klark soltou: — Você vai ter que me matar.

Ele comprimiu o braço preso de Klark. O príncipe mostrou os dentes de dor.

— Liderança é fazer escolhas, Klark. Eu não tenho que te matar. — Ele pressionou os dedos na garganta do homem até que suas pernas se convulsionassem. — No entanto, isso não significa que eu não irei.

Os olhos dourados de Klark encontraram os dele. Em suas profundezas, talvez o início do respeito tenha brilhado. Não o respeito que vem da admiração, porém, mas o tipo errado – respeito nascido do medo. Não é o que Ian queria, mas era um começo. — Hoje vamos terminar esta batalha desta forma —, disse ele. Ele soltou Klark. — A inflexibilidade quase fez com que a Federação caísse sete anos atrás - para um líder de seita, um mero fanático religioso. Tudo porque, após onze mil anos de paz, eles não acreditavam que ele pudesse começar uma guerra. Mas ele começou. E isso custou dezenas de milhares de vidas. Poderia ter sido milhões se Rom B'kah não tivesse tido a visão para agir a tempo.

Ele procurou o olhar de Tee. — É hora de mudar — ele disse calmamente. — Eu darei o exemplo em minha casa e com minha esposa.

Seu sorriso lento e orgulhoso lhe deu esperança. Talvez ele ainda tivesse uma chance com ela.

 


Com o fim da luta, Gann abriu caminho entre os espectadores até Lara. — Comandada, meu olho — ele murmurou ao alcançá-la. — Você trouxe Tee'ah aqui voluntariamente.

— Sim. Eu a trouxe para casa. Foi para isso que fui paga. Você nunca especificou onde ficava sua casa.

— Você a ajudou — ele argumentou. — Com a grande probabilidade de perder o dinheiro, você precisa recuperar sua nave.

— Sim, bem... — Ela desviou o olhar.

Ele segurou o queixo dela entre o polegar e o indicador e a forçou a olhar para ele. — Você tem um coração generoso e amoroso, Lara. Não o buraco negro que você acha que está lá. — Seus olhos chocados ficaram úmidos. — E se você disser o contrário, eu vou... Eu vou... — Droga, ele não sabia o que faria. Em vez disso, ele a pegou nos braços.

A mão livre dela se espalhou contra o peito dele. — Gann...

— Quero aulas de voo. — Declarou.

Olhos franzidos, ela olhou para ele como se ele tivesse crescido outra cabeça. — Você quer?

— Sim. Ensine-me a voar. Você sabe, naquela sua nave incrível... Assim que nós — ele fez uma pausa para enunciar as palavras — a tirarmos do represamento.

Alegria iluminou seu rosto. Então seus olhos se estreitaram novamente. — Você já sabe voar.

Ele emoldurou o rosto dela com as mãos. — Ah, luz do sol, mas não alto o suficiente. — Hesitante no início, os braços dela deslizaram ao redor de sua cintura. — Não, não alto o suficiente. — Ele murmurou e roçou os lábios nos dela.

Eles não viram o gato ketta se soltando da mochila de lona até que fosse tarde demais. Antes que Gann pudesse detê-lo, a criatura disparou sob e entre as pernas, disparando para longe até se perder na multidão.

— Gato! — Lara gritou. Juntos, eles correram atrás de seu animal de estimação em fuga.

 


O miado inconfundível de um gato ketta chamou a atenção de Ian. Gann parecia quase cômico enquanto curvava seu corpo musculoso de guerreiro para a tarefa de tentar recuperar o animal.

— Gato — Lara sussurrou. — Aqui, gato.

A próxima coisa que ele percebeu foi que Tee estava curvada, fazendo barulhos de beijos.

Ian suspirou e encontrou o olhar igualmente incrédulo de Ché. Por que ele convenceu Gann a trazer o animal, quando ele poderia ter ficado no carro, cozinhando bem enquanto o interior batia cento e vinte graus ao sol?

Gann deu outro golpe no gato ketta e errou. Ele roçou na perna de Ian e foi até Klark. O homem agachado e o animal se consideraram. Em seguida, o gato ketta se agachou, a cauda rígida e ereta, e uma poça de urina amarelo brilhante escorreu pela bota de Klark.

Olhos lacrimejando, Lara agarrou o animal e saiu correndo. Gann deu a Ian uma saudação de dois dedos e foi atrás dela.

Klark olhou com raiva para as gotas brilhando em suas botas. — Eu rescindo o desafio. — Ele administrou por entre os dentes cerrados.

— Acredito que sim. — Tee foi até o príncipe taciturno. Ian a deixou passar. Mais do que ninguém, ela merecia seu pedaço de Klark. — E um pedido de desculpas também virá, espero. Por sua causa, um dos pilotos de Ian Hamilton bebeu até a morte, e você quase matou toda a tripulação adulterando sua nave. Você me humilhou onde ninguém podia ver e quase me matou naquela noite na floresta. Você nunca nos desafiou abertamente, sempre das sombras, onde tinha certeza de que não seria pego. Você é um bastardo covarde intrometido, Klark. Homens como você dão aos Vash uma má fama na fronteira. Se você ainda não estivesse agachado aí sangrando, eu chutaria o recheio de você. Agora faça o que é certo e mostre seu respeito por seu futuro rei.

Os ombros curvados de Klark e os olhos baixos deram a impressão de humilde arrependimento. Mas quando ele se agachou diante deles, seu antebraço equilibrado em um joelho ereto, Ian viu o desdém piscar em seus olhos, em desacordo com sua compunção externa.

Sua mão se fechou em um punho. — Este não foi o resultado que eu tinha imaginado. Mas você foi o vencedor claro, Ian. — Os nós dos dedos dele ficaram brancos. — Talvez, hoje, eu tenha aprendido algo sobre os habitantes da Terra.

Ian respondeu: — E aprendi algumas coisas sobre os Vash. Algumas tradições não se traduzem bem em nossa sociedade em mudança - o antigo tratamento da fronteira, o isolamento forçado das mulheres reais, esse tipo de derramamento de sangue —, acrescentou ele, sentindo o gosto salgado na boca. — Mas eu não quero alienar os defensores dos velhos hábitos. Podemos trabalhar juntos sobre o assunto, Klark, você e eu, quando tivermos mais vontade de conversar do que de bater um no outro.

A boca de Klark quase se curvou. — Quando estivermos prontos. — Ele exalou. —Agora, vou aguardar seu julgamento.

Ian se virou e disse ao príncipe Vedla mais velho: — Seu irmão cometeu vários crimes muito graves. Ele precisa ser punido.

— Concordo. — Disse Ché.

— Determine o que essa punição acarretará. Então me informe sobre o que você decidir. Todos nós precisamos trabalhar juntos com justiça e perdão por uma galáxia melhor.

Gratidão e respeito brilharam nos olhos de Ché. A espinha de Ian estremeceu quando mais uma vez vislumbrou o futuro. Não só ele tinha feito um aliado hoje, ele formou uma amizade - uma que ele sentia que se tornaria indispensável nos anos que viriam.

A mão de Tee pousou no braço de Ian. — Você diz que somos uma equipe. Por que, então, não lutamos por nós tanto quanto lutamos contra Klark?

Ele passou a mão pelo cabelo dela. — Não sei —, disse ele, cansado. — Mas eu digo que devemos começar.

Seu olhar mudou para Ché, o homem com quem ela deveria se casar. Ian se preparou. Em um tom calmo e respeitoso, Ché disse: — Princesa Tee'ah, mesmo que tivéssemos sido oficialmente prometidos, eu a libertaria.

Ian sabia que Tee'ah lutava para conter o que seria uma demonstração sem tato de alegria e alívio. — Agradeço. — Disse ela em voz baixa.

A exultação cresceu através de Ian. Ele agarrou as mãos dela. — Vamos juntar o velho e o novo, a Federação e a fronteira. Seu sangue e o meu. — Ele ouviu a si mesmo com espanto. Ele parecia mais Vash a cada minuto.

A multidão não pareceu se importar. Novamente, eles começaram a entoar: — Diga sim, diga sim!

 


Na calada da noite, em um mundo árido e desértico, um sinal deixou um antigo palácio e começou uma longa e silenciosa jornada através das extensões solitárias do espaço. Tornado possível por uma tecnologia paradoxal, cujas origens se perderam na história, o fluxo de dados fez seu caminho em direção à Terra, encontrando seu alvo final com uma pequena ajuda de Ilana Hamilton e uma equipe de notícias de TV. Quando a imagem holográfica tridimensional, ligeiramente maior do que o tamanho natural, do rei da galáxia apareceu no telhado de Los Angeles, o temor silenciou a multidão.

A radiância luminosa cintilou como o fogo de Santo Elmo sobre a capa projetada em azul profundo de Romlijhian B'kah até o chão. Com o rosto impassível, ele parou diante deles, os braços cruzados sobre o peito. Suas feições eram ásperas, resolutas, e quando ele lançou seu olhar inabalável ao redor do telhado, como se procurasse por alguém, a maioria lutou contra a vontade de se abaixar. Mas não Ian, Tee'ah pensou, que apertou sua mão com um aperto caloroso e reconfortante e a conduziu através do heliporto ventoso para encontrar o rei.

As luzes e câmeras os seguiram. Seu pescoço formigou. Ela sabia que os eventos que aconteciam hoje ecoariam ao longo dos anos, e seus filhos iriam querer ouvir falar deles novamente e novamente.

Eles pararam na frente da imagem radiante. A expressão de Rom permaneceu inalterada.

Ela esperava que Ian trouxesse a Terra, ou mesmo Klark, mas ele começou com uma questão de coração. Se ela alguma vez duvidou que viria primeiro com este homem de honra, suas reservas foram apagadas naquele momento glorioso e assustador.

— Você não aprova meu relacionamento com Tee'ah. Nem o Grande Conselho. — Ian disse.

Nem meu pai, ela pensou.

— Mas, quer você nos dê ou não sua bênção, Sua Majestade, eu quero me casar com Tee'ah - se ela me aceitar.

Ela apertou a mão dele. Por que duas pessoas apaixonadas não podiam desafiar a galáxia?

Ela forçou um pouco o queixo. Ela havia sequestrado um caça estelar, cruzado por campos de asteroides, atirado em intrusos, mas estava com medo de falar com o rei. — Sua Majestade, eu amo Ian. Quero passar minha vida com ele, quer meu pai aprove ou não - embora me arrependa profundamente se ele não o fizer. Amo minha família e sinto falta deles, mas se a tradição é mais importante para eles do que minha felicidade, estou preparada para viver com as consequências de minhas ações.

— E você — Ian disse a Rom, — vai ter que fazer algo sobre a fronteira. Você leu meu relatório sobre as condições em Barésh e em mundos semelhantes? A situação é desprezível. Como os Vash poderiam não saber? É imperdoável. Devemos ter vergonha. O abuso da fronteira deve parar.

— Você está certo. — Disse Rom.

A mão de Ian apertou a dela. — Senhor?

— Não demos à fronteira a atenção que ela requer —, Rom continuou, aparentemente alheio ao choque. — E assim, com o passar dos anos, à medida que adicionamos muitos mais mundos, as coisas escaparam pelas rachaduras. Eu nunca teria permitido que tal sofrimento continuasse se eu soubesse disso. O fato de eu não estar ciente do problema me diz que nossa gestão da região deve mudar. Por meio desta designo a Terra como o administrador soberano da fronteira. Este é mais poder do que qualquer outro planeta que o mundo natal dos Vash já teve. Mas a situação exige isso. Talvez você e Tee'ah optem por morar lá durante parte do ano, na tradição de um típico mundo natal de Vash. Como os detalhes funcionarão, com relação aos relatórios da Terra para a Federação do Comércio, você pode discutir em suas próximas reuniões em Washington. Até então, ofereço à Terra e aos mundos da fronteira minhas desculpas oficiais, em particular Barésh.

Não era isso que Tee'ah esperava. Nem Ian, a julgar pela expressão de descrença em seu rosto. Ela se perguntou se Rom os estivera testando o tempo todo. Nesse caso, ela esperava que eles tivessem passado.

Com ternura, ela tocou a ponta dos dedos na mandíbula machucada de Ian. — Agora tudo o que você veio aqui para conseguir, aconteceu. — Ela sussurrou.

Seu sorriso se tornou malicioso. — Ainda não. — Espere, seus olhos disseram a ela.

Ian caiu sobre um joelho. Tee'ah se ajoelhou ao lado dele.

— 'Minha lealdade para o resto da vida’. — Ian disse a Rom e apertou o punho sobre o coração.

— Uma princesa Vash não merece menos do que isso —, disse Rom em voz baixa. — Nem você, Ian, de sua futura esposa. Sim, claro, você se casará com Tee'ah. Nunca quis mais nada desde que você a mencionou pela primeira vez. Mostre à galáxia que você sente como eu - como sua mãe e eu. Junte-nos; nos una em paz.

Dedos ligados, eles se levantaram. Então, com trilhões olhando, Ian pegou as mãos trêmulas de Tee'ah nas suas. — Rom B'kah me escolheu para continuar seu legado —, disse ele. — Nunca vou abandonar o homem que se sacrificou tanto para trazer a paz à galáxia. Nem, meu amor, jamais te abandonarei. — Ele apertou as mãos dela. — Eu peço sua promessa de casamento.

O grito “diga sim” tornou-se mais uma vez um canto estrondoso.

Tee'ah colocou os braços sobre os ombros dele. — Sim, habitante da Terra. Sim.

— Agora tudo que eu queria aconteceu. — Ele murmurou em seu ouvido.

Lágrimas em seus olhos, ela o beijou com entusiasmo na boca.

 


Em todo o mundo, aplausos explodiram. Nas Nações Unidas, diplomatas aplaudiram, e o enviado-chefe Vash abraçou uma secretária-geral completamente perplexa.

Em Sydney, um turista Vash enlameado foi arrastado de volta para o bar, onde lhe ofereceram mais copos de cerveja espumante do que ele seria capaz de beber em toda a vida. Mas dir-se-ia, muito mais tarde, que ele se esforçou ao máximo pela paz galáctica.

No Salão Oval, o Presidente dos Estados Unidos abriu uma garrafa de champanhe. — Nosso futuro e o da Federação estão parecendo cada vez melhor —, disse ele ao senador Randall e ao agora sorridente ministro do Comércio Vash. — Isso pede um brinde. — Ele ergueu sua taça de cristal. — Para a paz.

O ministro piscou. — Para lucrar também.

— E para os azarões que se tornam campeões. — Randall disse e inclinou a taça na direção de Ian.

A bordo do Demônio do Sol, Gredda sorriu e acenou com a cabeça. — O capitão é um homem de sorte.

— Ela é uma mulher de sorte. — Argumentou Quin.

E muito mais tarde, a milhares de anos-luz de distância, em um antigo palácio no mundo natal B'kah - Sienna - Jas e Rom sorriram com orgulho enquanto Ian e sua sobrinha encantavam uma galáxia cansada.


CAPÍTULO 22


Exatamente um ano padrão havia se passado desde a última visita de Ian, mas nada havia mudado. A Asneira de Donavan ainda era a parada mais lamentável na fronteira.

No bar do velho Garjha, Ian tomou um gole de seu copo e estudou a mulher ao lado dele. — Pense; mais dois meses sendo solteira, então você estará acorrentada a mim para o resto da vida.

— Eu sei —, disse Tee em uma péssima imitação de estar agindo taciturna. Ela apoiou os cotovelos no balcão. Seu cabelo quase na altura dos ombros enrolado no ar úmido da noite, a cor uniformizou graças a um frasco de Por do Sol do Deserto da Clairol. Afeição cresceu em seu peito, e ele acariciou os fios sedosos com a mão.

Ela sorriu e apoiou a bochecha nas juntas das mãos entrelaçadas. — Compramos outro tock, menino mau? — Ela perguntou em um inglês com forte sotaque.

— Não. Acho que sua última viagem ao Asneira de Donavan como uma mulher solteira pede algo mais forte. — Ele bateu com o punho no balcão. —Bartender - uísque Mandariano!

Garjha se animou. Resmungando para si mesmo, o homem estendeu a mão sob o balcão para pegar uma garrafa vermelha empoeirada. Tirando a rolha com as mãos firmes, ele encheu dois copos.

Tee'ah acenou com as mãos. — Ah não. Não essas coisas.

Ian sorriu inocentemente. — Por quê? Divirta-se. Logo você será uma esposa quieta e obediente.

Ela bufou. — Certo.

Ele pegou um dos copos, distraindo-a com uma conversa enquanto colocava um ingrediente extra no uísque de cheiro pungente. — Não se esqueça, vamos levar o amigo camuflador de Lara, Eston, para jantar. Podemos alimentá-lo com comida e álcool e fazê-lo nos contar o que Gann e Lara têm feito.

— Gann e Lara. Mal posso esperar para ver se eles vão chegar ao casamento juntos ou separados. — Ela riu. — Juntos é a minha aposta, mas teremos muito entretenimento de qualquer maneira.

Os casamentos dos Vash duravam seis dias. Havia banquetes, festas e cerimônias, deixando claro por que os casais eram obrigados a esperar um ano após fazer os votos de promessa. Caso contrário, não haveria tempo suficiente para memorizar as passagens exigidas do Tratado de Comércio e os rituais que teriam de realizar. Tee'ah havia trabalhado intimamente com sua mãe em todos os arranjos, ajudando a curar seu relacionamento com a família.

— Entretenimento —, disse ele, embalando o copo de uísque nas mãos. — Por acaso você não quis dizer Ché e minha irmã, certo?

— Eles não admitem, mas são loucos um pelo outro.

Ele riu. — Isso é maluco, duende.

Ela franziu os lábios. — Não falo inglês como um habitante da Terra, mas estou chegando perto, certo?

— Sim. — Ele se inclinou mais perto, seus dedos deslizando por sua coxa. Seus olhos escureceram e seus músculos se contraíram sob sua mão. — Beba, Srta. Tee. — Disse ele, entregando-lhe o copo.

Ela tentou forçá-lo de volta em suas mãos. O uísque respingou em seus jeans. Ele cruzou os braços sobre o estômago e recostou-se no banquinho.

Sua boca se torceu. — Eu não posso acreditar que você realmente quer que eu... — Ela notou algo brilhando no fundo do copo e o pescou com dois dedos. Um pequeno som de prazer escapou dela. Olhando para o anel de diamante gotejante em sua palma, ela mordeu o lábio inferior. — Ian...

— Um anel de noivado. É hora de fazer isso direito.

Seus olhos brilharam de emoção. Ela olhou para o anel, a ponta do dedo fazendo minúsculos círculos amorosos ao redor do raio da faixa de platina.

Calmamente, ele explicou: — Eu queria fazer isso antes de voltarmos para o casamento e, como este é o aniversário de um ano do nosso primeiro encontro, achei que era o momento certo.

Seus lábios se curvaram em um sorriso suave. — É. — Ela sussurrou.

Ele pegou as mãos dela. — Sempre pensei, bem no fundo, que fomos feitos um para o outro. Mas só recentemente descobri como isso era verdade.

Suas sobrancelhas se juntaram.

—Meu padrasto se casou com minha mãe na noite em que partiu para a batalha de Balkanor. Foi uma cerimônia apressada e dolorosa. Eles imaginaram que nunca mais se veriam. Uma mulher muito velha os casou, uma vidente. Depois, ela disse a eles que eles teriam um bom futuro, uma vida longa. — Ele procurou o rosto de Tee'ah e sorriu. — E muitos descendentes. 'Sua progênie viajará para muitos mundos', ela disse a eles.

Ele pegou o anel da mão de Tee. — Naturalmente minha mãe não acreditou nela. Mesmo se Rom sobrevivesse, ele não poderia gerar filhos. Mas agora sabemos o que aquela velha quis dizer. Nós, Tee. Filho de Jas, sobrinha de Rom.

O rosto de Tee estava luminescente de amor. — Nossos filhos farão parte de ambos.

Suas costas formigaram - o destino olhando por cima do ombro, ele pensou. Engolindo em seco, ele se agachou sobre um joelho. — Algumas coisas precisam ser feitas à moda antiga da Terra —, explicou ele. Então ele respirou fundo. — Tee'ah Dar, você quer se casar comigo?

— Ah, Ian. — Ela se inclinou para frente. — Eu vou. Sim. Sim.

Ele colocou o anel em seu dedo. Eles se beijaram e lentamente se separaram.

Então ele a levou para longe do bar, onde as luzes da cidade não alcançavam. Ele murmurou em seu cabelo. — Uma vez eu me perguntei se algum dia estaria à altura da tarefa de tomar o lugar de Rom.

— Somos uma equipe —, disse ela. — Vamos percorrer a distância juntos.

E então eles estavam diante de um mar de estrelas e um futuro que finalmente era deles.

 

 


Notas

 


[1] A grosso modo, seria algo como ‘mel na chupeta’ KKK
[2] Yankee Doodle foi originalmente cantada por soldados britânicos em zombaria dos rudes e pouco sofisticados colonos americanos com os quais eles tiveram que lutar durante a Guerra da França e Índia. O impulso era "olhe para esses caipiras ridículos!"
[3] Referência à Star Trek
[4] Um motor a jato no qual um ventilador acionado por turbina fornece empuxo adicional
[5] Sodomia se refere a uma relação sexual anal, e juro que to tentando entender/visualizar até agora sobre sexo anal entre mulheres

 

 

                                                   Susan Grant         

 

 

 

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