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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


STORM CURSED / Patricia Briggs
STORM CURSED / Patricia Briggs

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Meu nome é Mercedes Athena Thompson Hauptman e sou mecânica de automóveis.
E um metamorfa coiote.
E a companheira do lobisomem Alfa do bando Bacia Columbia.
Mesmo assim, nada disso me causaria problemas se, há alguns meses, eu não tivesse parado em uma ponte e assumido a responsabilidade pela segurança dos cidadãos que viviam em nosso território. Parecia a coisa a fazer na época. Deveria ter apenas envolvido caçar goblins assassinos, cabras zumbis e um troll, ocasionalmente. Em vez disso, nossa casa era vista como um terreno neutro, um lugar onde os humanos se sentiriam seguros para vir e tratar com os fae.
A realidade é que nada e ninguém estão seguro. Enquanto generais e políticos se enfrentam com os Lordes Cinzentos dos fae, uma tempestade está chegando e seu nome é Morte.
Mas somos o bando e demos nossa palavra.
Nós vamos morrer para mantê-la.

Um por um,
Dois por dois,
As bruxas Hardesty
Estão viajando.
Com uma tempestade de maldições,
Elas chamam de seus tomos;
Elas vão beber seu sangue
E jantar em seus ossos.

- SALTO DE CRIANÇAS EM RIMA, DE 1934 EM RHEA SPRINGS, TENNESSEE

 

 

 

 

— Então, o que você fez, Mary Jo? — perguntou Ben com seu sotaque britânico.

Mary Jo fechou a porta do carro e dirigiu-se a nós e ao celeiro montanhoso de metal em que Ben e eu esperávamos ao lado. Ela franziu o cenho para Ben e esperou para falar ao chegar até nós.

Ela perguntou: — Como assim, o que eu fiz?

Estava um pouco frio, mais ainda por causa de um vento forte que soprava nos meus olhos um pouco do cabelo que não consegui prender em minha trança. Tri-Cities não refresca à noite exatamente como faz nas montanhas de Montana nas quais eu cresci, mas a noite geralmente ainda mata o calor do dia.

Ben saltou um pouco na ponta dos pés – um sinal de que estava pronto e ansioso por violência. Eu podia sentir que sua atenção, como a minha, estava principalmente no celeiro, mesmo que seus olhos estivessem em Mary Jo. — Matei Mercy três vezes em uma única sessão do Pirate's Booty na noite anterior. Eu acho que é por isso que ela me acordou para sair e caçar hoje à noite. — Ele olhou para mim e levantou uma sobrancelha em um convite aberto para resolver a situação.

Ok, não foi exatamente isso que ele disse. Como sempre, ele temperou sua língua com palavrões, mas a menos que ele jorrasse algo verdadeiramente incrível, eu na maior parte editava.

— Você perdeu a oportunidade de ganhar cem dobrões espanhóis por me matar na última vez — disse eu, incapaz, mesmo dias depois, de manter afastada a indignação da minha voz. Nas ferozes batalhas em alto-mar geradas por computador que o bando de lobisomens adorava, cem gibões espanhóis era um tesouro de oportunidades para mais ou melhores armas, suprimentos e reparos em navios. Apenas um maníaco homicida desistiria de cem dobrões para matar alguém.

Ben me deu um sorriso perverso, uma expressão quase vazia do tom amargo que todas as suas expressões uma vez contiveram. — Eu estava apenas ficando no personagem. Sodding Bart gosta de matar mais do que de dinheiro, amor. É por isso que a pontuação de mortes dele é o terceiro no quadro, logo atrás do capitão Wolf e Lady Mockingbird.

Capitão Wolf Larsen, roubado do personagem principal de The Sea-Wolf, de Jack London, é o nome de guerra do meu companheiro e Alfa do bando. Lady Mockingbird, que tinha quinze mortos em todo mundo, ensina química no ensino médio em seu alter ego como Auriele Zao. Ela é assustadora, uma mulher assustadora. Já me disseram que os alunos do ensino médio também pensam assim.

O olhar de Ben, voltando-se para Mary Jo, parou na abertura escura na frente do enorme celeiro de metal, o único edifício a um quilômetro e meio de onde estávamos.

Era muito tarde da noite ou muito cedo pela manhã, dependendo de qual lado do sono você estava. O amanhecer ainda não era uma possibilidade, mas a lua crescente estava alta no céu noturno. A entrada do celeiro era grande o suficiente para passar dois ônibus escolares ao mesmo tempo, e pelo menos parte da luz ambiente deveria ter entrado no interior do celeiro.

Ben considerou o celeiro por um segundo ou dois, depois deu um sorriso afiado para Mary Jo. — Mercy apenas confirmou por que estou aqui. O que você fez para ganhar na loteria de baixa qualidade?

— Ei — disse eu —, antes que todos sintam pena de si mesmos, lembrem-se de que estou aqui também.

— Isso é porque você está no comando — disse Mary Jo, com a voz distraída, os olhos no celeiro.

— Os chefes precisam pular na casinha com os grunhidos ocasionalmente. É bom para a moral.

Mary Jo usava uma camiseta que dizia Bombeiros Gostam de QUENTE, a última palavra escrita em chamas vermelhas e douradas. A camisa estava solta, assim como a calça de pijama que ela usava, mas suas roupas não disfarçavam seus músculos do seu corpo de guerreira.

Ela desviou o olhar do celeiro, voltando sua atenção para Ben. — Talvez eu deva essa... oportunidade para o jeito que eu a tratei antes de Adam bater o pé no chão. — Ela inclinou a cabeça em minha direção, um gesto que, como a sobrancelha levantada de Ben, pedia minha opinião. Ela não olhou nos meus olhos como antes.

Eu estava ficando resignada com a maneira como o bando lidava comigo desde que meu companheiro havia declarado ser proibido mostrar qualquer coisa para mim, exceto o máximo de respeito, com risco de morte. Por consenso, eles na maioria das vezes tinham deferência comigo, como se eu fosse um lobo dominante para eles.

Parecia errado e desajeitado, e fazia minha nuca coçar. O que isso dizia sobre mim, eu me perguntava, já que estava mais à vontade com todos os comentários maliciosos e ataques pessoais do que com a subserviência graciosa?

— Errado — disse eu a ela.

Apontei para Ben. — Me matar em vez de ficar rico é ruim. Considere-se punido.

Olhei para Mary Jo. — Ben é um problema simples, com uma solução simples. Você é uma bagunça mais durona e isso não é punição. Ou não era realmente punição. Isso... — acenei ao nosso redor para a paisagem matutina —, é para que você pare de se desculpar pelo passado por algo que você falou sinceramente no momento. E faria novamente sob as mesmas circunstâncias. Seu pedido de desculpas é suspeito... E irritante.

Ben fez um som divertido, parecendo relaxado e feliz – mas estava pulando na ponta dos pés novamente. — Isso parece certo, Mary Jo. Se ela realmente estivesse lhe dando um retorno por todos os problemas que você causou – isso poderia colocá-la na Lista de Vingança Épica de Mercy. Como o shampoo com Corante Azul ou o Incidente do Coelhinho da Páscoa de Chocolate. Ser chamado ao raiar do dia não está na mesma categoria.

— Então, tudo o que preciso fazer é parar de me desculpar e você vai parar de me ligar às três da manhã para perseguir duendes ou caçar o que quer que seja aquela coisa louca que matamos na semana passada? — perguntou ela cética.

— Não posso prometer isso — disse a ela. Mary Jo era um dos poucos lobos com quem eu poderia contar para não aumentar o drama ou a violência de uma situação. — Mas vai... — Devo ser sincera. Dei-lhe um pesaroso dar de ombros. — Pode significar que eu pare de ligar para você primeiro.

— Épico — disse ela com um olhar irônico para Ben. — Isso é épico. Acho que provavelmente vou parar de me desculpar. — Então ela disse: — Acho que encontrarei outra maneira de irritar você.

Hah! Eu tinha razão – as desculpas dela eram suspeitas. Sempre gostei de Mary Jo – mesmo que o inverso não fosse verdade.

Ela olhou para o celeiro novamente e suspirou profundamente. — Você viu o duende lá dentro?

Ela não se incomodou em tentar ficar quieta – nenhum de nós fez. Nossa presa podia ouvir pelo menos tão bem quanto qualquer um de nós. Se ele estivesse lá, teria ouvido nós subirmos. Eu ainda estava aprendendo sobre os duendes e o que eles poderiam fazer, mas eu sabia disso.

— Não — disse eu.

— Você acha que ele ainda está lá? — perguntou ela.

— Ele ainda está lá — disse eu. Estendi meu braço para que eles pudessem ver o cabelo subir enquanto eu o aproximava do celeiro. — Se ele não estivesse não haveria tanta mágica em torno disso.

Mary Jo resmungou. — É minha imaginação ou está muito escuro no celeiro?

— Acho que me lembro disso — disse Ben, pensativo, olhando para o celeiro. Seu sotaque britânico tinha o estranho efeito de fazer tudo o que dizia parecer um pouco mais inteligente do que realmente era, um efeito do qual ele conscientemente – eu estava convencida – amenizava adicionando os tipos de palavras responsáveis por gerações inteiras de pessoas conhecerem o sabor de sabão. — Você conhece o ditado foda-toda-coisa no escuro?

— Eu nunca fui humana — disse a ele. — Sempre fui capaz de ver muito bem no escuro. — Após dizer isso, eu pensei em uma coisa.

Havia uma pequena chance de que a magia do duende estivesse afetando nossa visão em vez de apenas espalhando uma ilusão de escuridão sobre o interior do celeiro. Desviei o olhar do celeiro para ter certeza de que meus olhos estavam funcionando como deveriam.

Não havia nada além de campos abertos ao nosso redor, dois postes de madeira velhos colocados no chão, como se já tivessem feito parte de uma cerca, e ao longe, a alguns quilômetros de distância, eu podia ver o novo bairro de pequenas fazendas de McMansion{1}, pelo qual eu passei dirigindo até aqui.

Mesa, onde todos nós estávamos agora, era uma pequena cidade com cerca de quinhentas pessoas, que corria o risco de ser engolida pela crescente população de Pasco. É mais plana que a maior parte da área em torno de Tri-Cities, com uma economia baseada principalmente no cultivo de trigo, feno e gado.

O nome da cidade é pronunciado Meesa, não Maysa – que, mesmo depois de todos os anos em que vivi em Tri-Cities, ainda me parece errado. Com tantas pessoas hispânicas morando aqui, você acharia que seria capaz de pronunciar corretamente uma palavra em espanhol em vez de pedir emprestado o ridículo diálogo de um personagem de Star Wars, certo? Mas é Meesa.

— Os peitos peludos de Caim — murmurou Ben, juntando-se a mim na minha observação do cenário rural. — Que eremita estava tão mal orientado na vida que ele estava andando por esta paisagem, sozinho no final da noite, e por acaso viu um goblin em pânico desaparecer em um celeiro de feno? E por falar nisso, Goblins são habitantes da cidade como eu. O que diabos ele está fazendo aqui fora?

— Ninguém morava aqui quando chegou — disse eu a ele com uma voz sinistra.

Ele me deu uma olhada.

Em um sussurro confidencial, eu disse: — Eu converso com pessoas mortas.

Ele fez uma careta para mim. Eu não estava mentindo, mas ele me conhecia o suficiente para saber que eu estava zoando com ele. Ele olhou para o celeiro com os olhos estreitados. Ele bufou.

— Bollocks{2}, Mercy. Tem câmeras aqui.

Eu não acho que ele realmente as viu, eu não vi nenhuma ainda. Mas Ben era um nerd de computador; quando na dúvida, seu cérebro se concentrava na eletrônica.

— Um sistema de vigilância conectado ao iPhone do proprietário — confirmei, abandonando minha pose dramática. — Aparentemente houve uma festa envolvendo menores de idade e vários barris de álcool que acabou com uma bagunça e vários milhares de dólares em danos. Assim, as câmeras e um sensor de movimento foram instalados. Eles fizeram o fazendeiro feliz por interferir em duas festas de menores de idade, e hoje à noite eles alertaram o dono do celeiro de que ele tinha um hóspede não convidado. Ele me ligou.

— E você ligou para nós — disse Mary Jo secamente. — Obrigada por isso.

Sorri para ela e dei a ela minha melhor impressão de John Wayne. — É um trabalho sujo, senhora, mas alguém tem que fazer isso.

— Onde está Adam? — perguntou Ben de repente. — Ele não a mandaria sozinha atrás de um goblin, nem mesmo de um meio arrogante, enlouquecido e trepadeira que não conhece nada melhor do que ficar na cidade como um goblin civilizado deveria fazer.

Como eu, o bando inteiro estava aprendendo sobre duendes e ganhando um novo respeito por eles.

Dei de ombros. — Ele não estava em casa quando a ligação chegou. Reuniões secretas. Deixei uma mensagem em seu correio de voz.

— Uma reunião a essa hora? — perguntou Mary Jo.

— Vem com o trabalho dele — disse a ela.

Adam, meu companheiro, não era apenas o Alfa do nosso bando de lobisomens local, além disso, ele era dono de uma empresa de segurança com duas bases de operação, que em sua maior parte faz contratos com o governo. Reuniões que iam da noite para o dia era incomum – mas não inéditas. No mês passado, houve sete delas.

Ele não podia dizer para mim nada sobre as reuniões – e isso o incomodava mais do que a mim. Eu não precisava saber quem ou o que ele estava protegendo e para quem. Eu conhecia meu marido. Ele nunca faria nada que considere imoral, e isso era bom o suficiente para mim. O perigo era considerável – mas ele era treinado militarmente e um lobisomem. Era tão capaz de se proteger quanto qualquer um que eu conhecesse.

Sim, eu estava com medo de qualquer maneira. Mas ele estava com medo de algumas das coisas em que me envolvi também. Ambos entramos nesse relacionamento, nesse casamento, com os olhos bem abertos.

Desde que ele não queira guardar segredos de mim, eu poderia lidar com isso quando ele precisasse.

— Ben fez uma boa pergunta — disse Mary Jo. — Por que um goblin se esconde em um celeiro em Mesa?

— Fugindo da justiça — disse eu. — Provavelmente. Você se lembra de todas as manchetes da semana passada sobre o monstro que matou aquele policial em Long Beach, Califórnia?

— Goblin — disse Ben, pensativo. — Eu lembro. Seu rosto estava estampado em todas as notícias. Temos certeza de que é esse goblin?

Peguei meu telefone celular e mostrei a ele o instantâneo do rosto do goblin que a câmera do fazendeiro havia capturado. A área ao redor da frente do celeiro estava bem iluminada antes do goblin destruir a luz de segurança.

Havia uma câmera quando o goblin matou o policial também. Esse vídeo granulado e indistinto foi repetido no noticiário. O assassinato real fora das telas, mas o rosto e a desumanidade do goblin eram inconfundíveis.

Mary Jo olhou ao redor de Ben e inclinei a tela para ela.

— Não é um rosto bonito — observou. — E quanto ao glamour?

Glamour era a magia que os fae usavam para alterar sua aparência.

— Por que um fae iria querer parecer alguém que matou um membro da polícia? — perguntei. — Isso seria profundamente estúpido. Parece mais razoável supor que este é um dos goblins cujo glamour não é tão fácil, então quando não precisa se misturar ativamente, ele retoma sua aparência normal.

O fazendeiro que me ligou há mais ou menos uma hora havia se desculpado. Seu filho trabalhava no gabinete do Xerife do Condado de Franklin, e esse era o escritório de aplicação da lei que ele deveria ter chamado.

— Mas acho que essa criatura não parece ter tido muita dificuldade em matar aquele policial na Califórnia, e meu filho está trabalhando hoje à noite — disse ele. — Pensei em ligar para você primeiro e ver se poderia considerar Mesa uma parte do território que seu bando protege. — Ele fez uma pausa. — Se considerar, eu terei que dar algumas explicações, mas imagino que seja melhor do que comparecer ao funeral do meu filho.

Decidi naquele momento, sem consultar meu marido, que considerávamos Mesa parte do nosso território. Se eu continuasse com essa tendência, nos tornaria responsáveis ??por metade do estado.

Mas os humanos tinham pouquíssima chance contra um goblin. Não estava disposta a sentar enquanto as pessoas eram jogadas em uma situação para a qual não estavam equipadas, quando eu poderia lidar com isso com segurança. Principalmente com segurança. Provavelmente com segurança.

Meus olhos captaram um movimento na escuridão cavernosa. Talvez se mudasse para coiote, eu veria melhor. Olhos de coiote são bons em ver coisas em movimento no escuro. Mas não posso falar enquanto sou coiote, então não poderia transmitir informações aos meus aliados. Encarar o goblin como um coiote seria ainda mais estúpido do que enviar os policiais humanos do xerife do condado de Franklin atrás dele. O fazendeiro estava certo, um humano normal não tinha melhor chance do que um coiote contra um goblin. Goblins podem ser considerados entre os menos poderosos dos fae... Mas não significava que eles eram fracos.

Dei um tapinha na arma de aço e prata pendurada no meu quadril em busca de segurança.

O primeiro jogo do ISTDPB4 (Instant Spoils: The Dread Pirate's Booty Four) que o bando jogou logo após voltarmos da Europa, eu, de maneira totalmente incomum, venci. Geralmente, eu era uma das primeiras a sair – devido ao meu status especial de alvo de alto valor como Ela Faz Guloseimas Logo Que Morre. Mas todo mundo estava me tratando como uma fracote depois que eu fui sequestrada por vampiros. Irritada, usei truques sujos para derrotar os vencedores de sempre e lutei com o resto até o fim.

Ben sustentou que eu venci porque todos estavam tentando me mimar. Honey disse que eu melhorei em desonestidade após ser detida por Bonarata, o vampiro governante maquiavélico da Europa. Sem diferença – ambos igualmente verdadeiros. Adam disse, com um sorriso malicioso, que a única razão pela qual alguém já ganhou foi porque eu não costumava me esforçar muito, mas desta vez eu tinha algo a provar. É certo e apropriado que o companheiro considere o outro com óculos cor de rosa. Independentemente, no próximo jogo, a normalidade voltou e eles me destruíram em duas rodadas.

No entanto, em homenagem à ocasião da minha única vitória em três meses, o bando me presenteou formalmente com um prêmio. Normalmente, os vencedores ganham coisas divertidas, como moedas de chocolate cobertas com papel alumínio ou tapa-olhos de tamanho infantil. Certa vez, no final de uma série de quatro vitórias, Auriele recebeu um navio pirata Lego completo com bandeira Jolly Roger{3}.

Mas eu ganhei um sabre, a coisa real, com lâmina de aço e cabo de prata. Como bônus, tenho muitos lobisomens que se imaginam especialistas, ansiosos para me ensinar a me defender para que nenhum vampiro estúpido possa me sequestrar novamente.

Não contei a eles que a própria Excalibur não teria me salvado de Bonarata. É difícil se defender quando se está inconsciente. Em vez disso, me acomodei e aprendi, porque da próxima vez eu poderia ter uma chance de lutar. Meu bando estava completamente assustado com a facilidade com que os vampiros me levaram – e eu podia sentir a tensão diminuindo à medida que minha habilidade com o sabre aumentava. Isso me fez trabalhar ainda mais.

Eu tinha alguma experiência com uma katana, o que ajudou mais do que eu esperava. A maioria dos lobos que tentou me ensinar não era melhor do que eu, uma vez que você fazia concessões pelas vantagens de velocidade e força que ser lobisomem concedia. Eles ainda eram bons parceiros de sparring. Mas dois lobos realmente sabiam usar uma lâmina. Os melhores era o nosso lobo submisso e solitário, Zack, e o Sherwood Post de uma perna.

Eu carregava o sabre onde quer que fosse. Isso me fazia sentir melhor, e fazia o bando se sentir melhor. Eu esperava ter problemas com a polícia, mas parecia fazê-los se sentir melhor também. Aparentemente, se o nosso o bando protegeria os humanos em nosso território dos fae, o fato de carregar uma espada nos fazia parecer mais capazes de fazer nosso trabalho. Após o incidente com o troll na ponte, os membros do nosso bando alcançaram o status de irmão de armas com a maioria dos tipos de aplicação da lei.

Então, eu estava armada com o sabre e minha arma favorita, mas meu crescente respeito pelas capacidades dos goblin me deixava sem ilusões sobre a minha capacidade de derrubar um goblin. Eu era, quando se tratava disso, não muito melhor contra os talentos sobrenaturais do que um humano comum. Os coiotes não são predadores enormes e poderosos. Era por isso que Mary Jo e Ben, meus ajudantes lobisomens, estavam comigo.

— O que nós faremos? Ficar aqui até o goblin desistir e sair gritando, desesperado pelo tédio? — perguntou Mary Jo depois de um tempo.

Esperei sarcasmo e não ouvi nenhum. Isso não significava que ela não sentia, apenas que estava sendo cuidadosa. Meu companheiro foi muito claro quando colocou o temor de Deus em todo o bando a meu respeito. Segurei um rosnado.

— Nós — disse a eles —, estamos esperando por backup. — Olhei preocupada para o céu. Eu havia acabado de abrir minha oficina para negócios novamente há dois dias, então eu não podia me atrasar. — Espero, de qualquer maneira.

— Quem mais te incomodou o suficiente para você ligar? — perguntou Ben.

— Ele não me aborreceu — disse a ele —, mas achei que talvez precisássemos de um especialista. Entrei em contato com Larry.

— O rei dos goblins — disse Mary Jo, um pouco de reverência em sua voz. Poderia ter sido horror ao invés de temor, mas adotei a visão otimista. — Você chamou o rei dos goblins no meio da noite. O que ele fez pra você?

Larry se mudou para Tri-Cities há alguns anos porque, ele disse, os assuntos estavam ficando interessantes aqui. O folclore comum dizia que os goblins lidavam com problemas, mas Larry não conseguiu provar isso. Eu não tinha muita certeza se ele era o governante de todos os goblins ou apenas dos de Tri-Cities – ele costumava ser vago sobre detalhes, assim como a maioria dos fae mais poderosos com os quais eu lidei. A única coisa que Larry disse na minha presença sobre sua posição era que os goblins não usavam o termo rei.

— Problema de goblin do caralho — disse Ben com bom humor antes que eu pudesse responder a Mary Jo. — Quem mais ela deveria ter chamado, o profano rei dos goblins que transava com elefantes? — Essa última frase tinha cerca de quatro palavras a mais e ele não disse profano.

— Para ser justo — respondeu Larry suavemente do outro lado do meu carro —, eu ainda estava acordado. Eu costumo ser noturno.

Eu não ouvi um veículo subir, nem vi ou ouvi de onde ele veio. Eu me senti estúpida por não estar mais alerta, mas Ben e Mary Jo sutilmente endureceram, porque Larry os pegou de surpresa também. Nenhum de nós era prejudicado por meros sentidos humanos. Ele não deveria ser capaz de se aproximar de nós sem que alguém detectasse.

Com a escuridão escondendo a cor irreal de seus olhos e com luvas nas mãos, ele poderia facilmente passar por humano. Eu não sabia dizer se ele estava tentando ativamente ou se era apenas um efeito da noite.

Ele usava o cabelo castanho em um corte que até eu reconheci como caro. O jeans dele parecia muito apertado para luta corpo a corpo, exceto que se estendiam facilmente quando ele se movia. A camisa era preta e se encaixava como uma segunda pele.

Ele parou em sua rápida jornada para diminuir a distância entre nós quando passou pelo meu carro, um velho Jetta que foi bem utilizado antes do século XXI. Era o meu escolhido para substituir o meu Rabbit destruído e provou ser um projeto desafiador, que eu estava sequer perto de concluir.

Larry examinou o Jetta em silêncio por um momento, depois disse: — Você tem certeza de que isso é legal para dirigir?

— Todas as luzes funcionam — disse a ele.

Meu Vanagon, que estava em condições de showroom apesar da idade, tinha um vazamento de líquido algum lugar. Com o radiador na frente e o motor na traseira da van de quatro metros de comprimento, encontrar um vazamento que provavelmente era um buraco de agulha era um processo longo e frustrante. Adam pegou o novo SUV que substituiu aquele que os vampiros esmagaram com um caminhão. Isso deixara apenas o Jetta para me levar à caça do goblin.

Precisei fazer uma gambiarra no pisca-pisca traseiro esquerdo com fios que saíam do porta-malas, os quais estavam presos com fita zip. Então cruzei os dedos e saí.

Eu tinha esperança de que aguentaria chegar em casa também. Caso contrário, joguei meu kit de ferramentas no banco traseiro – ou melhor, no espaço onde o banco traseiro esteve um dia.

— Princesa — disse Larry, duvidoso —, eu acho que você tem seu trabalho preparado para você. Este carro parece mais velho do que o Zee. — Mas seus olhos se afastaram do meu carro e viajaram para o celeiro. Quando ele se moveu, não hesitou, passando por mim e pelos lobisomens e entrando pela porta do celeiro, onde parou.

— Ei, você! — chamou ele, parado na beira entre a noite escura e a escuridão sem luz. As pontas brancas de seus tênis New Balance sumiram da minha visão tão completamente como se tivessem sido cortadas com um machado.

Larry esperou, com o corpo atento, mas ninguém lhe respondeu. Ele disse outra coisa – desta vez em uma linguagem com estalidos na língua e alguns sons estranhos que eu não estava certa de que uma boca humana poderia fazer. Ele não era particularmente barulhento, mas o que disse foi eficaz.

— Não! — gritou uma estridente voz masculina de dentro do celeiro. — Refúgio. Reivindico refúgio nessa cidade maravilhosa e gloriosa considerada segurada para fae e inimigo semelhante. Conceda-me isso, meu senhor. Um se for concedido, emergirei alegremente em tua guarda, grande um.

Eu não sabia quantos anos os goblins tinham. Não sabia se eles eram um dos fae imortais ou quase imortal. Devolvi o único livro confiável que registrava como eram os diferentes tipos de fae antes que soubesse exatamente o quanto eu precisaria desse conhecimento.

Tive a impressão de que os goblins eram uma das raças de vida mais curta dos fae, mas havia algo sobre a maneira como a voz na escuridão reunia frases e ideias que indicava que minha memória ou minha interpretação poderiam estar erradas. Era possível que vida mais curta significasse algo diferente para a mulher fae que havia escrito o livro do que para mim. Ou talvez o nosso fugitivo passou muito tempo nos festivais de verão de Shakespeare.

Larry virou seu corpo para mim sem desviar o olhar do interior do celeiro. — Você sabe do que ele está fugindo?

— Na semana passada, um goblin matou um policial na Califórnia. O vídeo do incidente estava no noticiário — comecei, mas parei quando Larry olhou atentamente para mim. Tempo suficiente para eu ver a expressão estranha em seu rosto.

— E as pessoas dizem que os humanos não têm magia — murmurou, mais uma vez encarando nosso fugitivo. Ele fez um gesto circulando com uma mão. — Deixa para lá. Continue.

— Ele tem uma cicatriz bastante distinta — disse a ele, gesticulando para a cicatriz na minha bochecha direita. — A dele é muito maior. Um goblin com essa cicatriz matou o policial de Los Angeles que tentava prendê-lo. A polícia tem uma caçada humana — limpei a garganta e me corrigi —, uma caçada de goblin apontada para ele.

Larry murmurou algo para si mesmo nessa outra língua. Então falou: — Aparentemente, você tenha uma afinidade por ser pego na câmera. É descuidado de sua parte permitir que um dispositivo humano irracional grave você cometendo assassinato. E o deixa gravar você matando um policial humano, não menos.

Ele enfatizou algumas das palavras de maneira estranha, levando-me a suspeitar que houvesse vários insultos enterrados nos comentários de Larry. Eu sabia que ser pego era muito mal visto na cultura dos goblin – mas não sabia que ser pego pela tecnologia era visto como ainda pior. Achei reconfortante que, aparentemente, mesmo para os goblins, matar um policial fosse uma coisa ruim.

— Não, não, eu não matei ninguém — chiou nossa presa. — Nenhum filho da humanidade morreu por minha causa, grande um. Não. Nenhum assassinato. Não matei ninguém. Nem cavaleiro nem criança. Nem um menino pequenino com sapatos cintilantes. Eu não. Nunca desafiaria tanto os Lordes Cinzentos, grande um. Nunca eu desafiaria teus comandos.

Isso me deu uma pausa.

Por certo, os lobisomens não mentem, porque a maioria dos lobisomens pode dizer se alguém está mentindo. Fui criada por lobisomens e, embora não seja um, aparentemente um coiote pode dizer se alguém está mentindo também. Só minto quando acho que consigo me safar.

Mas os fae não mentem porque não podem mentir. Eles podem distorcer a verdade até que seja um nó górdio, mas não podem mentir.

Ainda assim, as palavras desse goblin pareciam estranhamente específicas para alguém que não matou um policial ou, aparentemente, uma criança com sapatos cintilantes. Mas ele não era culpado porque disse isso. Talvez, eu pensei, ele fosse uma testemunha. Mas suas palavras soaram como uma mentira para mim. Nem mesmo uma boa mentira.

Os dois lobisomens relaxaram, um abrandamento sutil de suas posições. Ele não era culpado porque disse assim. E, diferentemente dos criminosos humanos, isso era realmente uma coisa verdadeira, por mais que parecesse uma mentira.

Mary Jo virou para mim. — Precisamos oferecer este refúgio? Se os humanos estão indo atrás dele só porque ele é um goblin... não é esse o significado do nosso domínio sobre Tri-Cities?

— Não, amor — disse Ben em um tom de tristeza fingida – enquanto a de Mary Jo não estivera – para ser transmitida ao goblin escondido no celeiro. — Não é nossa coisa. Mantemos as pessoas seguras – mas o refúgio é um nível totalmente diferente de estúpido.

Eu ainda tentava descobrir como o goblin estava sendo tão específico sobre não ter matado o oficial de polícia e, aparentemente, uma criança. Goblins têm glamour. Talvez outro goblin – ou um dos fae – estivesse tentando enquadrar este?

A boca de Larry se torceu em uma careta. — Pelo menos me diga que você não foi pego na câmera matando a criança — disse ele com voz resignada.

Fiz uma careta para Larry. Primeiro, porque ele fez parecer que ser pego na câmera era pior do que matar a criança. Mas, principalmente, eu franzi, porque ele parecia saber que o goblin era culpado. Mas o goblin não podia mentir.

— Não, não eu — disse a voz dentro do celeiro com seriedade. — Não matei o menino pequenino com seus dois olhos azuis doces. Olhos como o ovo de um robin de peito vermelho, tão redondos, inocentes e saborosos. Nem matei o feroz policial que veio me parar.

Mary Jo e Ben pareciam tão perplexos quanto eu.

— Sou inocente — lamentou o goblin no celeiro. — Inocente e eles vão me machucar se você não me proteger dos humanos.

— Os fae fazem parte da barganha que fizemos — disse eu lentamente. Devemos refúgio aos goblins? Talvez eu precise ler todo o documento idiota que assinamos novamente. Nesse ritmo, eu o memorizaria até o Natal.

— E goblins são fae — disse Mary Jo. Larry bufou. Mary Jo continuou: — Pelo menos, de modo que eles têm glamour e são forçados a dizer a verdade. — Mas sua voz estava hesitante.

— Nós fazemos parte dessa barganha antiga, sim — concordou Larry, franzindo a testa para o celeiro. — Se os poderes nos ouvem mentir, um destino terrível e mortal chega a nós, como a todos os fae. Aqueles com maior poder podem lutar contra seu destino por um tempo, mas para os fae menores, como goblins, morremos no momento em que uma mentira, conscientemente falada, deixa nossos lábios.

— Isso significa que precisamos protegê-lo — disse Mary Jo sem entusiasmo. Ela olhou para mim e depois se afastou, tomando cuidado para não expressar de nenhuma outra maneira que ela me considerava responsável pela situação embaraçosa em que o bando estava. Mas então ela endireitou os ombros, ergueu o queixo e disse, com firmeza, em um tom de satisfação. Eu não acho que ela pretendia que eu ouvisse: — Protegemos os inocentes.

Ela não era o único lobo que estava encontrando... consolo em seu novo papel como herói, que substituiu seu antigo papel de ser monstro. Todo o comportamento do nosso bando estava se iluminando desde a minha declaração precipitada na Ponte Cable.

A velha Ponte Cable. A nova Ponte Cable demoraria mais um ano, pelo menos. Os engenheiros estavam tendo problemas para confiar no local depois que um dos Lordes Cinzentos dos fae abriu a terra lá e deixou engolir a ponte velha. Os fae se ofereceram para construir outra ponte, mas até agora os planejadores da cidade foram espertos o suficiente para não aceitar essa oferta. Eu acho que era a parte do aço que os incomodava, mas eu tinha certeza de que receber presentes dos fae teria sido o maior problema.

Ben suspirou, ele obviamente estava ansioso por uma briga. — Não é para isso que assinamos, mas acho que é o que devemos fazer, já que ele é inocente.

Ben não percebeu exatamente o que Larry havia dito, não do jeito que eu. Talvez eu fosse paranoica, ou talvez tenha passado muito tempo com os fae ultimamente.

— Sou inocente — disse o goblin fugitivo, soando como se aproximasse da abertura do celeiro. Sua voz era fervorosa, quando repetiu: — Sou inocente.

Larry esfregou o rosto, olhou para mim e suspirou, um som mais sincero do que o de Ben. — Estou prestes a revelar algo... Mercy, isso não pode voltar aos fae.

— O fae não-goblin — esclareci.

Ele assentiu. — Sim, essas pessoas.

— Tudo bem — disse a ele. — Não devemos aos outros fae para lhes dar segredos dos goblins.

— Jure — disse ele seriamente. — Isso vai além de mim. Isto é para a minha segurança e dos meus. Jure que não contará a ninguém o que faço aqui.

— Não, grande um — disse a voz no celeiro, a voz baixa e solene. — Não. Trair nossos segredos não vale minha morte indigna, não, não vale. Eu deveria ir, uma criança pequena e sem importância. Meu destino não vale a pena trair um grande segredo para essas pessoas.

— Silêncio! — rugiu Larry com uma voz muito pouco parecida com Larry. — Você já causou problemas suficientes para a nossa espécie. Não tem voz no que escolho fazer.

— Tudo o que sei — avisei a ele —, Adam sabe. Tudo o que Adam sabe, Bran sabe.

Larry assentiu. — Sim, sim, claro. Essa é a maneira dos companheiros. E Bran Cornick também. O Marrok guarda segredos que fazem isso parecer pequeno – a menos que, suponho, você seja um goblin.

— Não direi a mais ninguém — disse a ele. Olhei para Ben e Mary Jo.

— Eu juro manter esse segredo — disse Mary Jo.

Ben disse: — Se não for algo que prejudique as pessoas com quem me preocupo, guardarei seu segredo.

Larry olhou para nós, nós três, e suspirou. — Houve um dia em que eu os obrigaria a guardar silêncio e vocês não seriam capazes de falar, sabe.

Sim, pensei, muito tempo com os fae. Ou talvez apenas Larry. Houve um dia em que não significa realmente que ele perdeu esse poder, embora eu soubesse que muitos fae tinham muito menos poder do que antes. Pensei em manter minha observação para mim mesma. Mas se compartilharmos segredos, seria melhor estabelecer uma base de honestidade.

— Suspeito que você possa fazer isso hoje também — disse a ele, e o olhar em seu rosto me disse que era verdade – e ele ficou satisfeito por eu o ter pegado.

— Então, por que você não faz? — perguntei a ele.

Ele balançou a cabeça. — Sou romântico e otimista, Mercy Hauptman. Acho que meu relacionamento com você e os seus, aqui e agora, pode ser a razão pela qual meu povo sobreviverá aos próximos cem anos. Se eu traísse sua confiança – a confiança que levou você a me ligar para lidar com um dos meus – se traísse essa confiança, então eu apagaria qualquer chance de verdadeira amizade entre nós, sim?

— Sim — rosnou Ben, sem me esperar.

— Bom o suficiente — disse Larry. — Então eu vou confiar que vocês entenderão a gravidade do que eu vou lhes mostrar, vocês entenderão as consequências para o meu povo e para o seu povo, bem como para todos os humanos neste planeta, se os fae souber o que poucos do meu povo podem fazer. E confio que vocês não contarão a ninguém, exceto Adam, e que ele contará apenas a Bran Cornick, que não contará a ninguém. — Ele suspirou novamente. — A menos que ele pense que isso beneficiará os lobisomens. Ah, bem.

Ele se virou para o celeiro e cuspiu magia em uma série de vocalizações que não tinham nada a ver com linguagem – e tudo a ver com a comunicação, com o chão em que eu pisava e o ar que eu respirava. O barulho que ele fez machucou meus ouvidos, agradou meus olhos com flashes de luzes brilhantes, que de alguma forma ainda eram som, e fez meus músculos parecerem virar água.

Magia e eu temos um relacionamento complicado, mas essa era uma nova reação.

Sentei no chão para não cair. Ben – que aparentemente não foi afetado – ajoelhou-se ao meu lado. — Mercy?

Balancei minha cabeça, minha atenção no celeiro, onde as sombras não naturais recuaram para a escuridão normal. Talvez um humano não fosse capaz de dizer a diferença, mas eu podia.

Larry espanou as mãos e disse, em uma voz que eu dificilmente reconheci como dele, porque nunca o ouvi parecer tão ameaçador: — Agora, seu pedaço deteriorado de carne podre, conte agora a essas boas pessoas como você não matou aquele policial, como não matou o menino com sapatos cintilantes. Deixe os Poderes o levar e economizar algum esforço para todos nós.

Deixei Ben me ajudar a ficar de pé.

— Mas eles brilhavam como estrelas — disse a voz no celeiro, notavelmente mais baixa do que antes. — Como eu poderia não jantar consequentemente isso, grande um? Como eu poderia deixar um humano, um humano, me prender? Como poderia suportar ele me tocando, quem uma vez já foi o primeiro dos trinta?

— Ele mentiu — disse Ben suavemente. — Ele é um goblin, é fae, está vinculado ao seu contrato – e ainda assim ele foi capaz de mentir.

Larry assentiu. — Ele se escondeu atrás de um véu de magia para não desencadear a maldição da barganha que fizemos – essa magia é uma versão do glamour que os outros fae não têm. Ainda. Um segredo que temos guardado... — Ele suspirou e balançou a cabeça. — Desde sempre. Até esse idiota, tão estúpido que não podia evitar uma câmera, tentar tirar vantagem dos meus aliados.

Fiquei em silêncio, porque estava muito ocupada reunindo isso com algo que ouvi. Houve uma fae que traiu um acordo que fizera com Bran alguns anos atrás. Ele confiara nela para manter a paz quando representantes dos lobisomens europeus chegaram a Seattle para saber que o Marrok pretendia rastrear os humanos, pois havia lobisomens no mundo. Ela mentiu para ele.

Sempre me incomodou que aquela fae pudesse mentir – mesmo que Bran tenha dito que ela pagou por essas mentiras no fim.

Eu me perguntava se aquela fae, a de Seattle, conhecia os segredos do goblin ou inventara um próprio. Se um fae pudesse mentir...

— É melhor que eles também acreditem que não podem — murmurou Larry para mim, embora eu ache que não disse alguma coisa em voz alta.

— Então, por que agora? — perguntou Mary Jo, desconfiada. — Aquele... — Ela rapidamente mudou a palavra que usaria. — Aquele goblin ali está certo. Não vale a pena abrir mão de um segredo desse tamanho por ele.

Larry balançou a cabeça. — Somos um grupo estranho, nós goblins — disse ele a ela. — Tão pouco poder comparado ao resto dos fae. E, no entanto, alguns de nós temos dons que eles invejariam se soubessem. Eu? Às vezes posso sentir eventos importantes com o tempo. — Ele olhou para mim. — Eu acho que será importante que você saiba que esse goblin poderia mentir para você. Não sei por que, nem quando. Não sei se isso será importante para mim. Mas acho que sua confiança em mim, Mercy, no meu povo, pode ser a nossa salvação. E se eu der a você o segredo mais bem guardado do meu povo, acredito que você se lembrará disso.

Pisquei para ele.

Ele me deu um sorriso cheio de dentes e depois olhou para os lobos. — Querem se juntar a mim na caçada?

— Absolutamente — disse Ben com uma respiração ansiosa.

— É para isso que estamos aqui — concordou Mary Jo. Ela parecia mais resignada do que animada, mas eu podia sentir sua intensidade.

Larry olhou para mim.

— Eu sei — disse eu, resignada. — Não estou no nível dele. Que tal eu guardar a porta no caso de vocês o deixarem passar.

— Não vamos deixá-lo passar por nós — disse Mary Jo, machucada.

Ben resmungou. — Agora você ferrou o cão — disse ele a ela. — Nunca tente o destino.

Ninguém tinha vontade de esperar pelos dez ou quinze minutos que os lobisomens levariam para mudar, então eles estavam em forma humana quando entraram no celeiro. Eu podia vê-los se movendo em um triângulo cauteloso até a escuridão os obscurecer da minha vista.

Desembainhei meu sabre e ouvi o goblin condenado gritar meu nome. Havia algumas desvantagens de ser chamada de Mercy. Primeiro, eu estava realmente cansada desse monólogo de Shakespeare. Todos que eu já namorei, com exceção de Adam, citaram isso para mim em algum momento. Eles acham que nunca ouvi falar? Segundo, às vezes me deixava parada no escuro, ouvindo alguém sendo morto enquanto eles gritaram por mim.

Por misericórdia.

Este merecia o que estava prestes a acontecer com ele, mas eu ainda tentei abafar os ruídos no celeiro.

— Ela disse que prometeu que eu poderia vir aqui por segurança — falou o goblin freneticamente antes de gritar – um barulho que cessou no meio de um crescendo. — Ela prometeu.

Ela quem? Eu pensei.

Não tive tempo de pensar nisso, porque suas palavras foram seguidas por uma onda de magia que enfraqueceu meus joelhos. O chão ressoou e tremeu enquanto a palha e a poeira subiram do celeiro. Fardos de feno de um metro e vinte por dois metros e meio de altura lotaram a entrada do celeiro como blocos gigantes de crianças derrubados por um golpe descuidado. O chão vibrou sob meus pés enquanto eles continuavam caindo por mais alguns segundos.

Acho que nem um fardo de quinhentos quilos mataria um lobisomem – e não senti o impacto no vínculo do bando que me diria se alguém estava morto ou (menos confiável) gravemente ferido. Mas esses fardos estiveram empilhados bem alto.

Comecei a ir em direção ao celeiro, mas parei quando o goblin fugitivo emergiu do celeiro, rastejando sobre um fardo. Ele não estava correndo, mas se movendo silenciosamente, sua atenção atrás dele. Ele era mais alto que Larry, sua constituição quase humana, mas seus pés descalços eram estranhamente deformados – mais como os pés de um cachorro do que os de um humano, com dedos longos sem proteção por meia ou sapato. Se ele estava usando glamour, não usava para tentar parecer humano, apesar da calça de moletom que usava.

Passei o sabre para minha mão esquerda e desembainhei meu Sig com a direita. A parte prática de mim sabia que eu deveria atirar, mas atirar em alguém pelas costas que ainda não tentou me machucar parecia errado.

Eu podia ouvir Ben agora, praguejando intensamente entre tosses. Ele não parecia machucado – apenas bravo. Uma pequena parte de mim ouvia Mary Jo ou Larry, mas o resto de mim estava focado no goblin.

Este goblin matou uma criança, lembrei-me sombriamente, levantando o braço. Não sei se teria atirado nas costas dele ou não, porque ele virou a cabeça e me notou, girando graciosamente para me encarar.

Ele hesitou e eu atirei nele duas vezes no corpo e outro na cabeça. Os tiros no corpo o fizeram vacilar, mas não havia feridas no peito onde eu atirei nele. Talvez eu devesse ter trazido o Magnum .44, mas não poderia ter atirado com uma mão com nenhum grau de precisão. A terceira bala, apontada para a testa, ricocheteou em algum tipo de escudo invisível e partiu em uma trajetória diferente.

Ele abaixou a cabeça um pouco, como um touro se preparando para atacar, e riu. — Pequena coiote. Fui o primeiro de trinta. Acha que você e seu brinquedo podem parar...

Atirei nele novamente. Duas vezes. O primeiro golpeou-o logo à esquerda do centro do peito em vez de quicar, então, qualquer que seja a mágica que ele tenha, exigia esforço em vez de ser um escudo impenetrável que ele poderia manter para sempre. Mas o segundo tiro que deveria tê-lo atingido no mesmo lugar errou.

Ele não se esquivou da bala. As balas são muito rápidas. Ele foi apenas mais rápido do que eu. Entre o tempo que me levou para recuperar o alvo e puxar o gatilho, ele saiu do caminho da minha mira e me atacou.

Larguei minha arma – não por escolha – rolei para fora do caminho e o ataquei com o sabre o mesmo tempo. Consegui nos dois primeiros, mas minha mão esquerda não é tão rápida quanto minha direita. Ele não tinha problemas para desviar para longe da minha lâmina, mesmo colocando uma cambalhota desnecessária no ar e aterrissando em pé como um artista no Cirque du Soleil.

Pode ter lhe dado a oportunidade de se exibir, mas meu golpe de sabre o manteve longe o suficiente de mim que eu pude voltar a levantar.

Eu tenho velocidade. É a minha melhor superpotência. Sou tão rápida quanto os lobisomens, provavelmente tão rápida quanto os vampiros. Eu não era tão rápida quanto aquele goblin. Era bom, então, eu não ter que derrotá-lo. Tudo o que eu precisava fazer era impedi-lo de escapar até que os outros emergissem do celeiro.

Infelizmente para mim, pelos sons que eu ouvia no celeiro, poderia demorar um pouco para os meus compatriotas se libertarem do feno. Mary Jo e Larry estavam vivos, eu ouvi suas vozes, então isso era alguma coisa.

O goblin sorriu para mim. — Ah, tem dentes, não é? — Ele exibiu os seus, mais nítidos e mais verdes do que dentes humanos. — Isso é bom. Gosto de uma mordida ou duas do meu jantar.

Os cabelos na minha nuca se arrepiaram quando ele fez um pequeno gesto de arremesso em minha direção. Magia, eu pensei, embora não pudesse dizer o que ele havia feito. Também não podia me preocupar com isso, porque, sorrindo amplamente, ele sacou uma longa faca de cobre, talvez dois terços do comprimento do meu sabre, e atacou.

Encontrei sua lâmina – seu ataque foi ridiculamente direto e lento, especialmente dado a velocidade que ele já demonstrou. Quase, pensei, como se qualquer magia que ele tivesse jogado contra mim deveria cuidar da necessidade de prestar atenção na minha lâmina.

Aço mordeu o cobre enquanto eu absorvia as notícias interessantes e surpreendentes de que, pela primeira vez, minha estranha semi imunidade à magia parecia (finalmente) funcionar em algo que realmente estava tentando me ferir.

O impacto das lâminas o fez assobiar no que parecia ser surpresa. Mas ele não hesitou, mudando sua trajetória e sua arma no meio do ataque. Ele abriu a boca e se lançou para a minha garganta com seus dentes grandes e afiados.

Não foi à toa que eu suportei um mês de lobisomens amantes de piratas e autointitulados expert determinados que eu usasse a lâmina, bem como qualquer aspirante ao título de Anne Bonny de Rainha Pirata.

Libertei minha lâmina dos agudos finais fracos de seu ataque com a faca e o ataquei com o punho no mesmo movimento. Infelizmente, o punho era de prata (por causa dos lobisomens) e não de ferro como a lâmina. O ferro frio, mesmo na forma de aço, teria chamado sua atenção.

Meu golpe o empurrou para trás, mas ele me agarrou pelo ombro e pelo joelho e me levou até o chão de terra.

No chão é ruim quando você está lidando com seres humanos. Ao lidar com criaturas de força sobrenatural, é mortal. Eu consegui, de alguma forma, trazer o sabre entre nós sem me cortar. O lado achatado pressionou contra mim do quadril ao ombro oposto. O que significava que fez a mesma coisa com ele ao contrário.

O ferro é um problema para a maioria dos fae, em um grau ou outro, mas varia. O goblin gritou, um som que fez meus ouvidos zumbirem, e o cheiro de carne queimada abruptamente atingiu meu nariz.

Fiquei esperançosa por um momento, mas não houve fogo instantâneo. Tudo o que a lâmina fez foi chamuscá-lo um pouco.

Meu instrutor de artes marciais, o humano, recomenda não procurar os testículos de um homem na maioria das circunstâncias, apesar dos conselhos de filmes e romances. A maioria dos homens acima da idade da puberdade tem uma vida inteira protegendo essa área, por isso é difícil conseguir um ataque certeiro. E se você não acertar o homem forte o suficiente para incapacitá-lo, tudo o que você fez foi realmente irritá-lo.

Evidentemente, o mesmo se aplica aos goblins e ao aço.

— Você vai morrer — rosnou para mim, me prendendo com um braço e levantando a faca amassada que ainda segurava com o outro. Esperando, como a maioria dos goblins homicidas razoáveis, que desde que eu não era forte o suficiente para me libertar, eu teria que simplesmente ficar lá e morrer.

Hah.

Eu mudei para coiote e, enquanto ele lutava para analisar o que acabara de acontecer, eu me afastei do seu agarre, deixando minhas roupas para trás, mas não minha arma. Um pouco tolo (me disseram mais tarde), eu peguei o sabre nos meus dentes enquanto corria.

Agarrei-o pelo punho. Ninguém fora daqueles filmes antigos ou jogos de computador realmente pega a lâmina, a menos que eles tenham muita, muita certeza de que a lâmina era um acessório de filme sem graça.

Corri para o celeiro, colocando um fardo de feno nas minhas costas. Então recuperei minha forma humana e, nua, peguei o sabre na minha mão direita e encarei o goblin. Ele se levantou enquanto eu corria. Ele rosnou algo não entendível e saltou na minha direção, a lâmina de cobre amassada elevada.

Levantei minha lâmina para uma posição de guarda – e então Larry pulou sobre minha cabeça e pousou com os pés no chão, cerca de um metro e meio na minha frente. O que o colocou diretamente no caminho do goblin. Ele não tinha arma que eu pudesse ver.

— Meu — disse Larry em uma voz tão carregada de poder que poderia pertencer ao Marrok.

Antes que o outro goblin pudesse fazer mais do que diminuir sua carga, seu rosto cheio de cicatrizes ficou horrorizado, Larry estendeu a mão e agarrou o goblin pelos ombros e pernas – um movimento muito parecido com o que o goblin usara em mim, mas ainda mais eficaz. E brutal. O rei goblin usou o impulso para erguê-lo – e puxar os ombros e as pernas na direção oposta à que eles seguiam.

Era uma jogada que requeria habilidade e força que eu não tinha certeza de que algum dos lobisomens poderia ter duplicado. Em um movimento, Larry quebrou as costas do outro goblin e deslocou seu quadril com um estalo duplo, que soou como um par de armas disparando.

Ele jogou o goblin no chão e o deixou se contorcer por um momento. Então, com um movimento rápido de cobra, ele parou os gritos, quebrando o pescoço do goblin caído.

— Bem, foda-se — disse Ben em cima do fardo de feno atrás de mim. — Larry, seu idiota, roubando toda a diversão.

Eu virei para olhar. Mary Jo e Ben estavam em cima do fardo do qual Larry havia pulado. Mary Jo tinha um corte nas costelas e sangue no quadril, embora a ferida já tivesse curado.

Um corte na bochecha de Ben estava desaparecendo, mas sua camisa batia frouxamente da parte superior do ombro até a costura inferior. Havia um pedaço de músculo faltando em seu peitoral. A pele se estabeleceu na parte superior da lesão, mas eu sabia que levaria alguns dias para o músculo preencher.

Voltei minha atenção para os mais perigosos de nós aqui.

Larry estava, tanto quanto eu podia ver, ileso.

— Então está feito — disse Larry alegremente, como se não tivesse acabado de matar brutalmente alguém, derramando aquela aura de poder que ele reuniu tão facilmente que era desconcertante. Bran, o Marrok, também poderia fazer isso.

Larry olhou para o corpo por um momento, franziu a testa e depois puxou uma faca de bronze de lâmina longa de algum lugar em seu corpo. Ele agarrou o goblin pelos cabelos e cortou a cabeça do corpo. Isto parecia um exagero. Talvez, pensei, Larry precisasse garantir que o outro goblin estivesse morto.

A faca devia ser muito afiada, porque ele parecia não ter feito mais esforço do que alguém cortando uma melancia. Ele deixou a cabeça cair no chão, limpou a faca e depois apontou para a cabeça.

Para mim, ele disse: — Leve isso para a polícia humana. Diga a eles que o rei goblin apareceu e trouxe justiça para o filho perdido e o defensor que deu a vida tão valentemente. Diga a eles que lamento não ter conseguido fazer mais do que garantir que este não fará mais mal.

— Pensei que você não se chamava de rei dos goblins — disse eu.

Ele encolheu os ombros e embainhou a faca através de uma abertura na perna da calça – parecia uma maneira perigosa de embainhar algo tão afiado. — Boa publicidade é boa publicidade. Recentemente, foi apontado que eu que sou o que sou; não importa qual título alguém fora da nossa comunidade cole na minha testa, eh? O rei goblin é algo que os humanos conhecem.

— Você está saindo para o público, então, companheiro? — perguntou Ben.

Larry sorriu – e parecia certo, exceto pela seriedade de seus olhos. — Nós já estamos fora para o público, cara. — A ênfase mais forte que o normal no cara me fez pensar que era uma resposta ao companheiro de Ben. — Mas sim. Nós faremos um trabalho publicitário para nós mesmos aqui. Tornamo-nos um poder com aliados – e então não temos tanta probabilidade de acabar como comida para os Lordes Cinzentos. Falando em comida...

Despreocupado com o sangue, ele pegou o corpo, sem cabeça e jogou-o por cima do ombro. A perna deslocada caiu pesadamente, e as costas quebradas fizeram o corpo se mover estranhamente.

— Eu deixaria o corpo para você também — disse ele —, mas eu teria que explicar à minha senhora que fui caçar e não trouxe comida para a família. A cabeça deve ser suficiente para identificá-lo.

Ele olhou novamente para a cabeça sem corpo, com uma sombra de arrependimento no rosto. Gostaria de saber se ele conhecia o outro goblin, ou se lamentava apenas a necessidade de matar um dos seus.

Ele olhou para cima e viu que eu estava assistindo, depois murmurou: — Os olhos são a melhor parte.

Eu olhei para ele.

Ele me cumprimentou com seu sorriso sério, deu um passo para trás e desapareceu – sumiu de vista e de som.

Ben disse: — Huh. — Depois de um momento, quando o perfume do rei goblin se desvaneceu, ele disse: — Bem, vá embora, então, e bom apetite.

— Ele pode estar brincando — disse eu sem convicção. Eu gostava de Larry, mas isso não significava que eu o entendesse.


2

 

Por mais horrível que fosse, tive que admitir que era mais fácil transportar a cabeça no Jetta do que um corpo inteiro, especialmente porque não havia estofamentos ou carpetes no espaço onde (esperançosamente) algum dia um banco traseiro residiria.

Enrolei a cabeça na lona azul que eu usava para manter o interior do Jetta seco (a vedação em uma das janelas e do porta-malas se foi). Jogaria a lona fora assim que me livrasse da cabeça. Lonas são baratas.

Consegui lidar com o horrível objeto sem me sujar de sangue. Minhas roupas se saíram realmente muito bem nessas circunstâncias. Havia um rasgo no ombro da minha camisa – e era possível que tivesse acontecido na luta e não quando mudei para coiote. Mas minhas roupas de baixo estavam intactas, exceto pela sujeira que tive que sacudir. Até encontrei minhas meias e sapatos.

Com a cabeça guardada, me acomodei no banco do motorista do Jetta e cruzei mentalmente meus dedos. Quando ligou na primeira tentativa, fiquei um pouco surpresa.

Murmurei: — Até agora, tudo bem. — Costumo conversar com carros – não apenas quando eu os dirijo, mas quando trabalho neles. Não sei se isso ajuda, mas com certeza não dói.

Antes que pudesse colocar o carro em marcha, a porta do passageiro se abriu e Mary Jo se sentou no banco ao meu lado.

— De quem você acha que ele falava? — disse Mary Jo enquanto procurava pelo cinto de segurança. Ela inclinou a cabeça para trás para mostrar que queria dizer o goblin morto quando disse ele em vez de qualquer uma das outras opções.

— Ainda não há cinto de segurança no lado do passageiro — disse a ela. — E qual deles falava sobre quem? E você não tem seu próprio carro para dirigir?

Ela parou de se agitar e se estabeleceu. — Ben vai providenciar para que alguém o busque. Ben é alérgico a polícia, então fui eleita para acompanhá-la. E sobre qual deles falava de quem é... Primeiro, deve ser sobre quem. Segundo, você não percebeu que o goblin falava sobre alguém, e ela que lhe disse que ele deveria vir aqui? Que nós daríamos a ele proteção contra os humanos?

— Oh, esse quem — disse eu. Deixe Mary Jo tentar descobrir se deveriam ser aqueles quem ou quem{4}, embora, para constar, eu tinha certeza que estava certa dessa vez. — Eu perguntaria ao nosso passageiro, mas ele não está falando.

Pensei no resto do que ela havia dito – e na maneira como se instalou no meu carro, como se não tivesse intenção de voltar.

Eu disse: — Não preciso de companhia. Obrigada pelo pensamento, mas, como eu disse, não há cinto de segurança para seu assento ainda. Prefiro não dirigir até o escritório do xerife com alguém sentado ilegalmente no meu carro que, se examinado por alguém, pode não ser legal para dirigir.

Não devo ter colocado a quantidade certa de gratidão não sentida em minha voz, porque ela riu.

— Veja. Adam não ficará feliz se deixarmos você ir sozinha.

Ela pegou o cartão Alfa e nós duas sabíamos que ela estava certa. Se eu a fizesse sair – e não sabia se eu poderia fazer isso – eu poderia muito bem colocá-la em problemas.

Mas era meu trabalho proteger o bando, não deles me proteger. — Pensei que você ainda estava voando sob o radar sobre ser um lobisomem — falei. — Algumas pessoas do xerife não a conhecem pelo seu trabalho como bombeira?

Só porque alguns dos lobisomens se mostraram não significava que todos fizeram. Por exemplo, Auriele, também conhecida como Lady Mockingbird, era professora, e não tínhamos certeza de quão bem o distrito escolar levaria saber que ela se transformava em lobisomem. O marido dela, Darryl, o segundo de Adam, se revelou quando lutou contra aquele troll na ponte Cable. Ele trabalhava como especialistas com todos os tipos de segredos do governo para os quais ele precisava de autorização. Ele se deparou com alguns obstáculos, apesar de ter superado.

Mary Jo deu de ombros. — Eu disse ao meu departamento e a todos depois do incidente com o troll. — A sua linguagem corporal era casual, mas eu podia sentir o cheiro de sua satisfação. — Eles levaram melhor do que eu esperava, na verdade. — Ela sorriu um pouco constrangida, uma expressão mais aberta do que qualquer outra que vi desde que Adam e eu nos tornamos um casal comprometido. — Eles pararam de me dar merda por ser uma mulher fraca. Agora estão tentando descobrir quão rápida e forte eu sou.

Zoando? Eu pensei. Mas ela não parecia infeliz com isso, então eu deixei para lá.

— Tudo bem — disse a ela. — Lembre-se de que, se formos presas porque você não tem cinto de segurança, você é adulta e, portanto, a multa pertence a você.

Ela bufou. — Acho que é apenas quando há um cinto de segurança para usar.

Ela poderia estar certa. Imaginei que, se um carro da polícia me parasse, eles poderiam estar mais preocupados com a cabeça sem corpo, do que com Mary Jo não usar cinto de segurança. Dei a ela uma saída, lembrei-lhe o que ela arriscava – era por isso que eu era responsável.

Coloquei o Jetta em marcha – a embreagem estava rígida, então foi preciso um pouco de esforço. Nós saímos do campo e entramos na estrada de terra esburacada: um lobisomem, uma andarilha coiote e a cabeça de um goblin.

Liguei para Tad. Sem Bluetooth no Jetta, então tive que violar a lei para fazer isso também. Cinto de segurança e telefone celular – por um centavo, por um quilo.

— Mercy? — disse ele, parecendo grogue. — E aí?

— Estou entregando a cabeça de um goblin ao escritório do xerife. Acho que eles não estarão preocupados em me deixar sair a tempo de abrir a oficina esta manhã.

Tad grunhiu. — Alguém que eu conheço?

Precisei parar e esperar antes de virar para uma estrada de terra melhor, porque havia uma fila de carros passando rapidamente. Você sabe que está em um viveiro de agricultura quando há um engarrafamento às quatro da manhã em uma estrada de cascalho. Eles estavam tentando vencer o calor que deverá estar acima trinta e oito graus no meio da tarde.

— Não sei se você conhece — disse a ele, mal-humorada. Eu odiava chegar atrasada ao trabalho. O tráfego não me faz mais feliz também. — Ele matou um policial e uma criança, e está morto agora.

Tad bufou. — Caramba. Muito aborrecida? Não se preocupe, Mercy. Posso lidar com isso até você chegar. Você precisa contratar outra pessoa para atender telefones, no entanto, se você precisar que eu continue girando uma chave inglesa.

— Vamos esperar alguns meses primeiro — disse a ele. — Odeio contratar alguém se não estamos fazendo o suficiente para pagar a nós mesmos.

— Otimista — acusou Tad, e então ele desligou.

O tráfego finalmente me permitiu continuar nossa jornada. Eventualmente, chegamos a uma estrada asfaltada que estava bem menos ocupada. Dei um suspiro de alívio porque as colisões de carro não foram uma prioridade para mim antes. — Eu me pergunto o que ele quis dizer quando disse que era o primeiro de trinta.

— Quem? — perguntou Mary Jo.

Eu estava conversando comigo mesma, o que provavelmente era rude, então não admiti isso para Mary Jo. Em vez disso, eu inclinei minha cabeça em direção ao passageiro do banco de trás (se houvesse um assento). — Ele. Ele se gabou de ser o primeiro dos trinta. Talvez um primeiro de trinta.

— Os goblins eram soldados, certo? Nas várias guerras fae. Talvez eles se dividissem em grupos de trinta.

Ela disse como se isso fosse de conhecimento comum. Nunca ouvi isso, e tinha um livro escrito sobre os fae pelos fae. Comecei a perguntar sobre isso, mas ela continuou falando.

— Ou — disse ela, mexendo em seu assento —, talvez houvesse trinta tribos de goblins e ele fosse chefe. Ele está morto agora, então isso quase não importa. Mercy, você precisa fazer algo sobre este assento. Esse é péssimo.

Fiz uma careta para ela. — Esta é uma edição Wolfsburg. Esse é um assento de couro original.

— Está quebrado — disse ela. — Inclina para o exterior. Eu ficaria mais interessada em quem o enviou até aqui.

— Ela — murmurei, me perguntando se eu poderia arrumar o assento ou se teria que conseguir um novo. Esse parecia impecável, mas Mary Jo foi a primeira pessoa que deixei sentar nele. Espero que seja apenas uma solda ruim. — O goblin disse ela.

— Não gosto quando fae problemáticos são enviados para o nosso território — resmungou Mary Jo, mexendo até o assento fazer um som estridente. — Isso me faz pensar em quem mais eles podem ter enviado.

— E o motivo — concordei. — Se você continuar movendo esse assento, ele poderá desistir completamente e você estará sentada com nosso outro passageiro na parte de trás. — Ela bufou, mas parou de se mexer. Pensativamente eu continuei: — Pelo menos era uma ela.

Ela levantou uma sobrancelha.

— Isso significa que não foi o Coiote. Qualquer pessoa que não seja o Coiote, eu posso lidar.

Ela assobiou como um gato escaldado – e não acho que ela tenha conhecido Coiote. — Você sabe melhor do que tentar o destino assim. Existem milhares de coisas e pessoas por aí que são piores do que o Coiote. — Não, ela nunca conheceu Coiote. — Bata na madeira — exigiu ela.

Eu sorri, porque ela realmente parecia em pânico. — Se sentindo supersticiosa, lobisomem?

Ela se virou para poder zombar de mim – e seu assento se soltou, inclinando-a abruptamente em direção à porta. Ela bateu a cabeça na janela.

— Parece que você cuidou de bater na madeira — observei serenamente. — Eu não acho que isso era importante, mas ei...

Ela rosnou para mim.

Bati no painel quebrado e murmurei para o carro: — Acho que seremos bons amigos.


• • •


A lona era velha e, aparentemente, tinha alguns lugares que não eram à prova de vazamentos.

Pode ser uma artimanha entrar no escritório do xerife com sangue pingando. O escritório do xerife do condado de Franklin estava localizado no coração do centro de Pasco, no complexo do tribunal do condado, e embora ainda fosse muito cedo, havia algumas pessoas por aí. Olhei para o pequeno prédio que servia de entrada segura no complexo e percebi que ele estava fechado.

Não sei por que esse pensamento era o níquel na máquina de chicletes que fez meu bom senso começar a trabalhar. Mas, finalmente me ocorreu quando agarrei a porta do Jetta para poder me inclinar e examinar a lona um pouco mais de perto, que eu poderia estar com problemas.

Nunca tive dificuldade em entender as regras de viver como humana. Nem tive dificuldade de entender as regras pelas quais os lobisomens que me criaram viviam – ou pela comunidade sobrenatural como um todo. É verdade que fiz um trabalho melhor de acordo com as regras humanas, mas era mais velha quando comecei – e eu não tinha Bran Cornick, o überking dos lobisomens, tentando empurrar as regras pela minha garganta.

O que eu entendi pela primeira vez, contemplando aquela lona ensanguentada, era que raramente eu precisava lidar com os dois conjuntos de regras ao mesmo tempo. Fazia sentido, pelas regras dos lobisomens, que o renegado Goblin devesse morrer. Mesmo se o tivéssemos prendido, acho que nenhuma prisão o teria detido por muito tempo. E o que ele teria feito à população de prisioneiros nesse meio tempo, eu nem suportava pensar.

Não havia dúvida de sua culpa. Ele confessou, eventualmente e de lado, matar uma criança assim como o policial. Talvez a justiça tivesse sido profana, mas foi seu rei quem cumpriu a sentença. Tudo um pouco medieval, mas esse era o jeito dos fae e dos lobisomens.

Do ponto de vista dos lobisomens, fazia sentido levar a cabeça de volta à polícia, porque eles tinham jurisdição sobre o crime que o goblin cometeu. Lobisomens eram tudo sobre ordem e autoridade. Além disso, o rei goblin, que era de fato responsável pelo goblin malcriado, porque eram da mesma espécie, me disse para fazer isso. Ele tinha o direito e a autoridade para determinar que desde que o goblin pecou contra os humanos, os humanos deveriam ter a evidência de que a justiça foi feita, a saber, a cabeça.

Larry pretendia usar o goblin morto como uma jogada política, uma declaração de poder combinada com uma declaração de que ele estava do lado da justiça, se não da lei. Que considerava o assassinato de humanos errado. E tudo isso foi muito bem.

Mas agora eu estava parada perto do coração da justiça humana – o tribunal. E a partir da perspectiva humana... Eu fiz uma careta para a lona ensanguentada. Nada do que eu concluí faria sentido na perspectiva humana. Matar alguém era um crime, mesmo que aquele que você matou merecesse.

Posso não ter matado o goblin – mas... Eu não sabia se poderia provar isso. Aposto milhões de dólares que Larry, o rei dos goblins, não seria reconhecido no vídeo do celeiro. De fato, conforme eu considerava, eu tinha certeza de que as câmeras parariam de funcionar no momento em que ele estivesse ciente delas. Estava muito escuro naquela hora – ainda estava muito escuro. Se ele aparecesse, então teria sido pouco mais que uma figura sombria.

Somente nós quatro – Larry, Ben, Mary Jo e eu – sabíamos que não havia sido eu quem matou o goblin. Ninguém poderia provar que era, também... Mas estranhamente eu não confiava na justiça humana tanto quanto eu confiava nos lobisomens. A justiça é mais fácil quando o juiz, júri e carrasco podem dizer se o acusado fala uma mentira.

— Você está fazendo amizade com ele? — rosnou Mary Jo da calçada. — Ele provavelmente não será um bom conversador.

— Estou tentando descobrir como acabar indo trabalhar hoje de manhã — disse a ela. — Em vez de ir parar na cadeia.

Porque eu fiz tudo errado. Eu deveria ter chamado o escritório do xerife do celeiro. Eu gostaria de acreditar que o rei dos goblins havia me enganado para seguir ordens. Mas acabei sendo apanhada no que era certo e apropriado no lado mágico e esqueci que a polícia humana não pensaria muito nisso.

Ela resmungou. Então olhou para a cabeça por um momento.

— Bem, maldição — disse ela na voz de alguém que de repente percebeu algo. — Olha uma coisa estúpida que você fez.

Eu olhei para ela e levantei uma sobrancelha.

Ela levantou as mãos, palmas para cima. — Você é a chefe aqui, Mercy. Assumi que você sabia o que estava fazendo.

Olhei para ela e ela desabou e riu.

— Eu sei — disse ela. — Eu também. Ele só tem aquela coisa real. E talvez eu estivesse distraída tentando descobrir se ele realmente seria canibal ou se ele levaria o corpo para algum tipo de funeral ou algo assim. E... bem, acho que não me incomodo mais com a morte de pessoas... nada morto, mais. Esqueci que nossos colegas humanos não se sentirão da mesma maneira.

Ela olhou em volta e suspirou. Ela pegou o telefone e pressionou alguns números.

— O quê? — disse uma voz grogue e rabugenta. Então, irritadamente: — Estou de folga hoje, Carter, não me chame novamente. Vá se danar.

— Aqui é Mary Jo — disse a ele. — Preciso da sua ajuda oficial.

Houve uma pausa de três batidas.

— Mary Jo — disse ele, parecendo muito mais acordado, mas sua voz era bruta. — Nós terminamos, você disse. Não mais. Bem, está feito. — E ele desligou.

— Ex-namorado — disse Mary Jo. — Renny é um cara legal, mas ele começou a ficar muito sério. Não faço sério com os humanos. Não parece justo. — Ela tentou soar dura e fez um trabalho mediano, então acho que isso a machucou também.

Ela apertou os números novamente.

— Vá embora — disse ele.

— Oficial, Renny. Estou do lado de fora do seu local de trabalho com Mercy Hauptman. Nós temos a cabeça de um goblin morto no banco de trás do carro. Gostaríamos de doá-la ao escritório do médico legista por meio de canais oficiais. Desde que a cabeça foi deixada sem corpo em Mesa, eu meio que imaginei que poderia estar no seu beco.

Ele desligou.

Mary Jo olhou para o telefone, começou a pressionar os números novamente, mas o telefone tocou.

— Cabeça de goblin? — perguntou Renny. — Você disse uma cabeça de goblin?

— Eu disse — respondeu ela.

Houve uma longa pausa.

Quando falou novamente, sua voz era toda profissional. — Se você estiver no estacionamento da frente, dirija pelo quarteirão até o portão dos fundos no estacionamento dos funcionários e espere por mim. Vou levar cinco minutos para me vestir e outros cinco para chegar aí. Estou ligando para isso. Portanto, se você estiver se ferrando comigo, verei seu supervisor. — E ele desligou sem dar a Mary Jo a chance de dizer qualquer coisa.

— Dê a ele uma cabeça de goblin cortada e ele se esquece de como está bravo e magoado. — Havia um pouco de tensão ao redor dos olhos que tentei não ver, porque Mary Jo não queria que eu visse sua dor. Então, em vez disso, prestei atenção ao sarcasmo em sua voz quando ela disse: — Obviamente, era amor verdadeiro da parte dele.


• • •


O ex de Mary Jo, agente Alexander Renny Renton, acabou por ser um homem em forma, perto da minha idade (trinta e poucos anos) e alguns centímetros acima de um metro e oitenta de altura. Ele tinha um bom rosto vazio, que usou ao dar uma olhada completa no conteúdo da parte traseira do meu Jetta.

Então ele se virou para estudar Mary Jo. Seu rosto em branco intensificou-se até ficar triste.

— Um lobisomem, hein? — disse ele finalmente.

Ela inclinou a cabeça para ele em uma pergunta suave. A expressão no rosto dela o fez rir tristemente.

— Claro que eu sei — disse ele a ela. — Por que mais você estaria acompanhando a esposa do Alfa tão cedo da manhã? Além disso, seu pessoal conversou com o meu, porque compartilhamos informações entre o escritório do xerife e o corpo de bombeiros assim.

Ela sorriu ao seu tom irônico. — Você quer dizer que alguém começou a se gabar de que o corpo de bombeiros tem um lobisomem e o escritório do xerife não?

— Talvez — disse ele, assentindo. — Eu tenho algo com que me preocupar?

— Oh — disse ela, com o rosto subitamente preocupado. — Oh, ops. Você está ficando um pouco mais peludo que o normal? Tem que se barbear um pouco mais frequentemente? Ouvi dizer que tudo começa assim para os caras.

— Pare com isso, Mary Jo — resmunguei. — Seja legal com o agente prestativo. — Olhei para Renny. — Não é fácil ser transformado em lobisomem. Garanto que você não terá dúvidas se isso acontecer com você.

— É bom saber — disse ele. Ele olhou para Mary Jo e balançou a cabeça.

— Temos o direito de permanecer em silêncio? — perguntou Mary Jo.

— Vocês não estão presas — disse ele com um olhar intenso. — Ainda não, pelo menos. Contanto que vocês não o mataram, provavelmente não terão. Mas o Capitão Allen está chegando e me pediu para não começar nada até ele chegar aqui. Isso teria sido muito mais fácil para vocês se tivessem nos chamado em primeiro lugar. Antes de haver um goblin morto cuja cabeça está na traseira do carro. Você sabe melhor, Mary Jo; porque não nos chamou?

Ela olhou para mim.

— O fazendeiro não queria ser responsável por matar pessoas — expliquei. — Eu concordei com ele. Goblins estão fora da sua capacidade de lidar.

Os olhos de Renny ficaram frios e ele me estudou por um momento. — Com todo o respeito, senhora, você não sabe com o que somos capazes de lidar.

— Com todo o respeito, Renny — disse Mary Jo —, eu tenho uma boa ideia das suas capacidades. E acho que a decisão do Sr. Traegar de nos chamar primeiro foi a correta. Nós realmente não sabemos com o que estamos lidando quando se trata de fae – não há como o escritório do xerife saber mais. Nós tínhamos dois lobisomens, Mercy, e o rei dos goblins – e se não fosse o rei dos goblins, nós falharíamos em matá-lo.

Ele a olhou. — Eu vou ignorar – só por um minuto – quanto meu lado nerd está amando que aparentemente existe um rei goblin no mundo. E que ele está – aparentemente de novo – aqui em Tri-Cities. Mesmo sabendo que David Bowie se foi, estou tonto com isso. — Ele disse tudo isso em um tom muito seco e profissional.

Eu estava começando a gostar muito desse cara.

— O que não estou ignorando é o nome do seu fazendeiro — continuou ele. — Mary Jo, Keith Traegar realmente chamou os lobisomens para impedir seu filho de lutar contra um goblin? Traegar, que é anti-fae, anti-lobisomem, e letreiros da Bright Future estão por toda a propriedade?

Eu havia notado os letreiros, na verdade.

Mary Jo riu. — Eu pensei que você poderia gostar disso.

O policial Renton fez uma pausa, depois olhou para o céu, brilhando agora com o verdadeiro amanhecer. Quando olhou para Mary Jo novamente, ele sorria com pura alegria. — Eu vou esfregar isso no rosto de Jack Traegar por muito, muito tempo. O pai dele chamou os lobisomens antes de chamar seu filho.

Ele respirou fundo, se reagrupou e esfregou as mãos. — Onde estávamos? — Parecia ser uma pergunta retórica porque ele respondeu antes que alguém mais dissesse alguma coisa. — Ah, sim. A cabeça ensanguentada.

Ele se abaixou para dar uma olhada na parte de trás do Jetta novamente. — O que precisamos, senhoras, é de um saco de lixo. Vou deixar a parte do corpo em questão com um representante oficial do departamento de bombeiros e encontrar um. Esperem aqui.

E ele correu para o prédio escuro, assobiando levemente.

— Eu gosto dele — disse eu.

Ao mesmo tempo em que Mary Jo disse, em tom afetuoso, — Esquisito.

Nós olhamos uma para a outra – e ela quebrou primeiro. — Tudo bem — disse ela. — Talvez eu veja se ele está disposto a nos dar outra chance. Qualquer um que esteja animado com a perspectiva de uma cabeça de goblin pode ser capaz de lidar com uma namorada que é lobisomem.

— Sempre é um bom sinal quando eles não correm gritando — concordei.

Ela inclinou a cabeça para mim. — Talvez, se você não tivesse decido se tornar companheira do Adam, eu poderia gostar você.

— Talvez se você não fosse um cachorrinho tão mal-humorado eu também gostasse de você — disse a ela.

— Cachorrinho mal-humorado? — Sua voz soou com indignação. Então sorriu. — Esse sapato pode caber. — Ela ficou séria. — Eu queria alguém humano para ele.

Ele era Adam, meu companheiro.

— Não são permitidos coiotes — murmurei.

A expressão de Mary Jo endureceu. — Ele merece alguém que cuide dele, que não lhe traga mais problemas.

Levantei minhas sobrancelhas. Pensei que já havíamos passado por tudo isso.

Ela acenou com a mão, seu rosto duro dando lugar à tristeza.

— Ele precisa de uma Christy — disse ela honestamente. — Alguém digna dele.

Christy foi a primeira esposa de Adam. Ela era uma cadela fria, autocentrada e manipuladora, e eu a odiava. E eu não podia expressar minha opinião sobre por que a odiava sem causar uma guerra civil no bando de Adam, a maioria dos quais eram seus escravos dispostos.

— Por que diabos você gostaria de fazer isso com ele? — Eu me ouvi dizer. — Uma vez não foi o suficiente?

A boca dela abriu e depois fechou.

— Ela o encorajou a odiar o que ele é — disse a ela calorosamente. — Lobisomem e homem, ambos. Mesmo no começo, quando eu os conheci, o conheci, quando eu ainda não gostava dele por ser o louco por controle dominante que ele é – mesmo assim eu só queria bater nela quando ela olhava para ele com olhos grandes e dizia: Você está me assustando, Adam. — Eu sabia que havia feito uma imitação aceitável da voz de Christy pelos olhos arregalados de Mary Jo. — Você sabe quanto tempo levei para que ele expressasse uma raiva leve depois que ela o deixou? — Ele ainda ocasionalmente esperava que eu estremecesse ou me afastasse dele quando estava de mau humor.

E eu expus sua dor a Mary Jo, que não tinha direito a isso.

Esse pouco de vergonha finalmente colocou uma trava de volta na minha língua. Passei as mãos no rosto um par de vezes. — E não sei de onde isso veio. Ele está divorciado há muito tempo e ela está, finalmente, em Eugene de novo, mudou-se para sua própria cidade maldita e está quase longe o suficiente. — Eu realmente esperei que ela encontrasse o homem dos seus sonhos nas Bahamas. Bahamas estava muito mais longe do que Eugene. — Mary Jo, você odeia tanto Adam que desejaria outra Christy para ele?

A boca de Mary Jo se curvou. — Diga-me como você realmente se sente sobre ela, Mercy.

Rosnei para ela e seu sorriso aumentou, depois desapareceu. — Esqueci isso — disse ela. — Esqueci como ela se encolhia com ele. Com todos nós. — Antes que eu pudesse ler a expressão em seu rosto, seus olhos foram para o prédio e eu sabia que Renny havia retornado.

— Hora do show — disse eu.


• • •


Após nos conduzir por um conjunto de escadas e através de duas portas trancadas, longos corredores e o escritório principal, Renny nos levou a uma sala que eu supunha ser uma sala de conferências – porque era isso que dizia a placa ao lado da porta. Era maior do que eu esperava, grande o suficiente para seis ou oito pessoas se sentarem em torno da mesa confortavelmente.

Ele próprio lidou com a cabeça, carregando-a, lona e tudo, dentro do grande saco de lixo preto. Pingou mais do que um pouco. Senti uma pontada de Lady Macbeth quem teria pensado que o velho tinha tanto sangue nele? O lado positivo foi que a bagunça tomou minha decisão quanto à possibilidade de colocar carpete novo no carro com muita facilidade.

Ele colocou a cabeça sobre a mesa, apoiando-a quando ela balançou um pouco. Ele não olhou para a cabeça em si – não o culpo. Eu não queria vê-la novamente.

— Devidamente — disse ele —, você deveria ter chamado o médico legista e isso não seria um problema. — Ele olhou para Mary Jo. — Você deveria saber sobre procedimentos.

Ela deu de ombros e assentiu. — Sim, e você está certo. É que La... o rei dos goblins nos disse o que fazer. Não me ocorreu que poderíamos ter feito escolhas mais inteligentes até pouco antes de eu ligar para você.

Eu ainda não achava que Larry tivesse feito algo mágico para me influenciar. Talvez eu estivesse me enganando, mas pensei que teria notado se ele tentasse algo assim. Mas, dado que Mary Jo fez a mesma coisa que eu – talvez se o rei dos goblins lhe disser para fazer alguma coisa, você faça. Algo como da maneira que um lobo alfa pode fazer as pessoas, mesmo as que não pertencem ao seu bando, seguirem seu comando. Eu diria Comando dele ou dela, mas até onde eu sabia, não havia lobisomens alfa femininos.

Renny estava franzindo a testa para Mary Jo. — Nunca tendo visto um rei goblin, aceito sua palavra nisso. Vou dar uma explicação para o capitão e ver se também funciona com ele.

Ele olhou ao redor. — Sentem-se. Qualquer coisa substancial que tenham a dizer deve esperar pelo capitão. Posso pegar algo para vocês beberem?

Enquanto esperávamos pelo capitão, liguei para Adam e contei ao correio de voz tudo o que aconteceu, começando com o fato de que estávamos todos seguros e Mary Jo e eu estávamos sentadas no escritório do xerife com a cabeça do goblin.

Recebi uma ligação enquanto terminava a mensagem e não fui suficientemente ágil com o telefone para atender a ligação. Mas o xerife do condado de Benton ligou de novo.

Ouvi por alguns minutos, depois disse a ele onde estava e entreguei o número de telefone do Renny que Mary Jo tinha. Ele recebeu cerca de sessenta segundos de ligação antes de uma expressão muito próxima ao êxtase cruzar seu rosto.

— Você poderia repetir isso? — disse ele. — Não, eu não estou rindo de você. Ouvi você muito bem. Eu só quero ouvir mais uma vez, porque tenho certeza de que nunca ouvirei exatamente essas palavras juntas novamente.


• • •


Deixamos Renny ainda esperando seu capitão com a cabeça do goblin. Eu garanti a ele que não queria a lona de volta.

Dirigindo para encontrar o oficial do xerife do condado de Benton, olhei para o céu ensolarado e suspirei. Liguei para Tad novamente.

— Você vai se atrasar por causa de quê? — perguntou Tad, cansadamente. Então ele parecia mais alerta. — Nós já não tivemos essa conversa? Ou eu tive um pesadelo? Era sobre um goblin morto, certo?

Suspirei e disse: — Era um goblin. Agora é sobre cabras zumbis em miniatura. Ou zumbis de cabras em miniatura. Cabras anãs nigerianas. Vinte delas estão correndo livremente por toda a cidade de Benton, aparentemente.

— Cabras zumbis em miniatura — murmurou Mary Jo. — Eu acho que parece o mais fofo. Posso ver as manchetes dos jornais agora.

— Elas estão mortas? — perguntou Tad.

— É isso que significa zumbi — disse Mary Jo em voz alta, para garantir que Tad a ouvisse. — Mas estamos a caminho para matá-las novamente.

Houve uma pequena pausa. Tad disse: — Cabras zumbis em miniatura. Vagando pelo campo. Fazendo o que cabras zumbis fazem... seja lá o que for. Eu acho que pode haver uma música nisso. Ou um filme que apenas deveria ser bom se você estiver no meio de algo psicodélico. Mercy, eu vejo você perto da hora do almoço. Boa sorte com suas minis cabras zumbis.

— Obrigada — disse com dignidade. — Não sei sobre o almoço, depende de quanto tempo levaremos para encontrar todas as cabras.

— Você precisa de ajuda? — perguntou ele.

— Sempre — suspirei. — Mas é tarde demais para mim. Você só ficou lá assistindo enquanto eu saía naquela ponte e começava a tagarelar sobre Tri-Cities ser nosso território para proteção, quando qualquer idiota poderia ter visto que eu precisava que enfiasse uma mordaça na minha boca.

Ele riu e desligou. O idiota.


• • •


Os arredores de Benton City, outra das pequenas cidades satélites que cercavam Tri-Cities, estavam repletos de pequenas fazendas espalhadas entre pomares e vinhedos. Não me incomodei em procurar endereços, apenas achei a casa com toda a atividade.

Entramos em uma garagem perto de uma bem arrumada, mas não bonita, que continha talvez um quarto de hectare. O lado da cerca mais próxima da entrada da garagem foi aberto.

Havia quatro veículos do xerife estacionados ao lado de um celeiro de cabras em miniatura pintado de azul com guarnição branca. Cinco policiais estavam perto de seus carros e me observaram entrar. Cerca de vinte metros dos agentes havia uma casa pequena e bem cuidada, com uma varanda grande e amigável. Havia quatro pessoas na varanda: uma mulher, uma criança, um homem e um homem gigante que parecia comer locomotivas no almoço.

Estacionei entre a casa e os carros do xerife.

— Enfrentamento — disse Mary Jo antes de abrir a porta e sair.

Ela estava certa. Era impossível perder a hostilidade implícita no espaço vazio entre os agentes e as pessoas na varanda. Aliás, também havia alguma hostilidade entre os agentes.

— Primeiro, o escritório do xerife, depois os civis — murmurei para Mary Jo.

Eu recuei e deixei que ela assumisse a liderança na polícia. Um dos agentes teve uma conduta errada com os civis, pensei, observando as posições agressivas. Ele teve um retorno e eles foram divididos de três a dois. Eu apostava, pelos ombros tensos, que o homem com a constituição de corredor era o culpado. Mas poderia ser seu amigo atarracado. Ele foi repreendido e ficou preso, porque estava para trás e deixando os outros falarem.

A linguagem corporal grita mais alto que as palavras na maioria dos casos.

Eu meio que ouvi o que eles tinham a dizer, porque a maioria era apenas uma repetição das informações que eu recebi na ligação inicial. Após analisar os agentes, estudei as pessoas que esperavam na varanda sem olhar diretamente para eles.

Família e amigo da família, eu pensei – o gigante não era visivelmente latino-americano.

A fazenda pertencia a Arnoldo Salas; as cabras pertenciam ao filho de dez anos. Arnoldo não foi difícil de descobrir.

Um homem extremamente em forma, na casa dos quarenta, ele estava no centro da varanda, uma mão no ombro de um garoto de olhos lacrimejantes, enquanto o outro braço estava ao redor de uma mulher que parecia ser sua esposa, que não estava em melhor condição do que a criança. Ele me observou com hostilidade.

Talvez ele não gostasse de lobisomens.

A voz de Mary Jo invadiu minha concentração. — Por que no mundo alguém faria zumbis de cabras?

— Não sei — disse a ela. — Vamos ver o que podemos descobrir.

Fomos em direção a casa, os policiais atrás de nós.

De acordo com o que me disseram, os pais de Salas falavam apenas um pouco de inglês. O gigante – que parecia ainda mais duro de perto, uma impressão não prejudicada pelas tatuagens da Marinha que ele usava – deu um passo à frente.

— Sr. Salas não chamou os lobisomens — disse ele.

Pesei uma dúzia de respostas, feliz por ter Mary Jo comigo e não Ben. Eu poderia contar com Mary Jo para me deixar fazer um ponto.

— Há cabras zumbis correndo por aí — disse eu. — Podemos lidar com elas sem nos machucar. Ajudaria saber o máximo possível.

— Eram minhas cabras — disse o garoto com uma voz embargada. — Eu as ordenho e as vendo por dinheiro para pagar pela faculdade.

O fuzileiro avançou e esfregou a cabeça do garoto.

— Mercy é um dos mocinhos — disse o garoto. — Ela matou o troll na ponte Cable. Eu vi na TV.

Não eu, mas o bando.

O homem olhou para Salas. O garoto disse algo em espanhol.

Salas encontrou meu olhar e o segurou. Então sua esposa deu um tapinha no braço dele e disse algo ao fuzileiro naval.

Ele assentiu respeitosamente para ela e, quando se voltou para mim, deixou cair a maior parte da hostilidade.

— Elas foram ideia dele. Seus animais de estimação. Algum... — Ele mudou a palavra que usaria no último momento —, idiota matou todas. Ele as encontrou na hora da alimentação, cerca das sete horas na noite passada.

— Demorou tanto tempo para o escritório do xerife chegar aqui? — perguntei.

Ele olhou para as pessoas uniformizadas atrás de mim e hesitou. Por fim, ele disse: — Arnoldo pensou esperar até a manhã, senhora. Eles pensaram que perguntariam aos seus vizinhos se alguém viu alguma coisa.

— A polícia tem coisas importantes a fazer — disse o garoto. — Talvez cabras mortas, mesmo vinte delas, não seria importante.

O agente hostil bufou, aquele com a constituição de corredor. — Se seus pais são legalizados, por que não chamariam a polícia?

E a temperatura figurativa disparou para o teto.

— Com uma atitude assim, eu me pergunto por que eles não ligaram para vocês — disse o grande fuzileiro naval ao lado de Salas.

Hora de assumir o controle dessa situação para que Mary Jo e eu possamos procurar zumbis e ninguém ser preso ou fuzilado.

— Conheço alguns incidentes por aqui que podem deixar algumas pessoas um pouco preocupadas em ligar para a polícia — falei baixinho. Encontrei os olhos do agente hostil. Seu crachá dizia Fedders. Ele viu a cor da minha pele, eu podia ver nos olhos dele.

— Você provavelmente conhece esses incidentes também — disse eu.

Ele começou a dizer algo, mas eu o interrompi.

— Tenha muito cuidado — disse eu suavemente. — Não tenho medo de você. Antes de dizer mais alguma coisa, você deve respirar fundo e lembrar-se de que eu também sou a segunda no bando de lobisomens da Bacia Columbia. — Seu rosto ficou tenso e continuei. — E nós temos um advogado muito bom.

— E ela mata trolls — disse o garoto.

Assenti. — E eu mato trolls.

O amigo do agente o cutucou. — Meu irmão, da polícia de Pasco, estava naquela ponte — disse ele. — Hora de se afastar.

O rosto de Fedders ficou vermelho, mas ele respirou fundo. Não sei se foi o pedido do amigo, pensar no advogado, ou a morte dos trolls, mas ele recuou. Ele não disse nada, mas estava na linguagem corporal dele. Ele perdeu três centímetros de altura e deu um passo atrás. Bom o suficiente para mim.

— Os Salases são legalizados — disse o fuzileiro com firmeza.

— Eu não ligo — disse a ele. — Como esses senhores não são imigrantes, eles também não deveriam. — Na verdade, eu realmente não sabia se isso era verdade ou não, mas deveria ser.

Um agente jovem e loiro, que permaneceu quieto, disse algumas palavras em espanhol fluído.

Eu peguei como e matei.

Salas olhou para o agente falando espanhol e franziu o cenho.

O agente disse mais alguma coisa e a Sra. Salas riu, depois cobriu a boca e cuidadosamente desviou o olhar de Fedders.

Salas olhou para a esposa, para o amigo, depois começou a falar, e o jovem agente tomou notas.

— Ele disse — disse o policial quando Salas terminou —, que todas estavam com a garganta cortada. Não havia sinal de luta. Alguém coletou o sangue delas. — Ele olhou para os outros policiais. — Eu acho, que dadas as circunstâncias, deveríamos acreditar nele? — Finalmente ele olhou para mim.

Dei de ombros. — Não sou especialista em zumbis — disse a eles. — Nunca tive muito a ver com eles.

Mas eu sabia que era bruxaria, e bruxaria era alimentada por partes do corpo com uma inclinação em direção a sangue e osso. — Mas se algo estranho acontecesse, qualquer estranheza que precedeu isso está provavelmente conectada. Nós — indiquei Mary Jo —, podemos encontrar as cabras. Não sei exatamente o que fazer com elas, mas tenho recursos. Deixe-me fazer outra ligação.

Elizaveta Arkadyevna era a nossa bruxa que trabalhava como contratada. Às vezes me surpreende quanto do mundo sobrenatural adotou técnicas de advogado. Não sei se isso diz algo sobre advogados – ou algo sobre o sobrenatural.

Elizaveta estava na Europa. Ela foi me ajudar e ficou quando Bonarata lhe fez uma interessante oferta de emprego temporário. Mas a família dela ainda estava aqui e obrigada ao nosso bando.

Liguei para o número de Elizaveta e a voz de uma mulher respondeu, suave e sulista. — Esta é a casa de Elizaveta Arkadyevna — disse ela. — Eu temo que ela não esteja aqui e sua família esteja toda amarrada agora mesmo. O que posso fazer para te ajudar?

Ninguém na família de Elizaveta tinha um sotaque assim. Elizaveta se apegava ao seu sotaque russo, mas essa pessoa parecia americana, o tipo de voz nascida no Pacífico – Noroeste.

Tive um sentimento muito ruim. Especialmente porque eu tinha certeza de que toda amarrada não era uma figura de linguagem. Não dava para eu saber se ela estava mentindo ou não – por telefone, às vezes eu posso dizer, e às vezes não posso. Foi quando ouvi o som de pessoas com dor.

Cortei a ligação. Não havia nada que eu pudesse dizer que fosse útil nessas circunstâncias. Zumbis e algo invadindo a casa da bruxa local. Coincidências são sempre possíveis, mesmo que improváveis.

Pensei um momento e liguei para Adam. O correio de voz dele voltou a atender e eu disse: — Temos cabras zumbis em miniatura em Benton City e quando liguei para a casa de Elizaveta, uma mulher estranha com um sotaque sulista atendeu ao telefone. Ruídos de fundo sugerem que a família de Elizaveta está com problemas. — Então liguei para Darryl.

Darryl Zao era o segundo do nosso bando. A menos que você tenha me incluído, que, como companheira de Adam, era tecnicamente acima de Darryl. As fileiras do nosso bando estavam atualmente um pouco complicadas, pois a tradição reconheceu tardiamente a libertação das mulheres. O caminho para a iluminação era um pouco irregular, mas estávamos no caminho certo.

Enfim, liguei para Darryl. Ele estaria acordado. Ele corria todo dia às seis da manhã.

Ele atendeu, sua voz distorcida pelo sistema telefônico do carro. — Sim.

Expliquei a situação para ele. — Eu tenho as cabras cobertas, mais ou menos. Nós vamos descobrir o que fazer com elas até que mentes mais instruídas possam cuidar do problema.

— Vou pegar alguns lobos e seguir para a casa de Elizaveta — disse ele.

— Apenas reconhecimento — disse a ele. — A menos que Adam atenda ao telefone ou ouça a mensagem que acabei de deixar para ele. Veja o que está acontecendo por lá. Então nós contatamos a bruxa má e deixamos que ela faça as chamadas. Existem bruxas que podem controlar lobos — lembrei a ele.

Ele fez uma pausa. — Devo levar Post, ou deixá-lo fora disso?

Fiz uma careta. — Ele não se lembra de nada. Por que levá-lo?

Sherwood Post (não é o seu nome verdadeiro – mas serviria até que ele descobrisse qual era) descoberto quando o bando de Seattle limpou um grupo desagradável de bruxas. Demorou um tempo para ele recuperar a forma humana – e ele nunca foi capaz de regenerar uma de suas pernas, o que era estranho. Lobisomens ou se regeneram ou morrem. Ele não se lembrava de nada e ninguém sabia quem ele era, exceto (todos pensamos) Bran, o Marrok. Bran havia presenteado Sherwood com seu nome incomum e o enviado para o nosso bando.

— Porque — disse Darryl —, ele está sentado ao meu lado.

— Bem, então — disse a ele, exasperada. — Pergunte a ele se ele quer ir ou não. Leve-o se ele quiser, deixe-o em algum lugar se não quiser. Esta não é uma missão de guerra, é reconhecimento. Já temos o suficiente em nosso prato. Deixaremos qualquer guerra para Elizaveta, a menos que ela peça o contrário.

— Problemas? — perguntou o agente que falava espanhol.

— Espero que não — disse eu —, mas acho que estamos sozinhos.


3

 

Mary Jo e eu passamos as próximas duas horas pegando adoráveis cabras zumbis. Ela poderia pegá-las em suas mandíbulas enormes e levá-las. Eu tive que deixar meu coiote encontrá-las, depois voltar para a forma humana para carregá-las. Elas podem ser pequenas para cabras, mas as adultas pesam quase tanto como meu coiote.

Felizmente, eu normalmente carregava uma mochila no meu carro para guardar minhas roupas. Caso contrário, eu passaria a manhã andando nua, carregando cabras mortas com olhos vermelhos e gosto por sangue.

Não que os zumbis pudessem realmente comer qualquer coisa. Em primeiro lugar, suas gargantas foram cortadas. Uma das adultas que peguei ficou tão profundamente ferida que sua cabeça girou; não havia músculo para mexer o pescoço. Em segundo lugar, elas estavam mortas. Nenhum sistema funciona. Mas isso não as impediu de causar muita confusão. Pequenos animais – esquilos, codornas, galinhas e coisas do gênero – não se saíram bem. Eu teria pensado que os zumbis seriam lentos, como nos filmes. Mas estes, pelo menos, não eram.

Por que estávamos usando nossas formas de animais, tivemos que deixar nossos telefones no carro. Eu precisava confiar que Adam recebeu minhas mensagens e que Darryl estava seguro.

Finalmente descobri que Darryl preferia ter deixado Sherwood para trás, e ele esperava que eu desse a ordem. Foi interessante que o segundo de Adam não se sentisse à vontade dando ordens para Sherwood, que estava, supostamente, abaixo dele na hierarquia do bando. Tentei descobrir se isso era algo novo ou não, mas então eu detectei outra cabra em miniatura de zumbi.

Detectei, não farejei. Coloquei isso de lado também.

Darryl e Sherwood tinham seu trabalho; Mary Jo e eu tínhamos o nosso. O meu era encontrar o maior número de cabras zumbis em miniaturas, e não explorar demais como as encontrava. Concentrar-se no trabalho à mão e resolver tudo mais tarde.

Encontrei meu último fugitivo a cerca de três quilômetros da casa dos Salases. Era uma cabra bebê, preta com uma grande mancha branca no meio do peito, quase tão pequena quanto o cachorro dachshund que estava atacando. E também não encontrei esta por causa do meu nariz de coiote.

A cabra deve ter retrocedido, porque o cheiro que eu estava seguindo continuava descendo a estrada. Mas eu senti o zumbi e estava bem à minha esquerda. Parei de correr, mas fiquei onde estava.

Eu tinha uma bagagem estranha de talentos. Eu podia sentir melhor a magia do que os lobisomens. Magia nem sempre funciona comigo e, quando funcionava, às vezes não funcionava como pretendido. Eu poderia me transformar em um coiote. E via fantasmas, o que sempre considerava inútil.

Mas nos últimos anos eu aprendi que poderia fazer um pouco mais.

Naquele momento, parada à beira de uma estrada de terra no labirinto de estradas rurais acima do rio Yakima, eu podia sentir algo animado e morto, e estava do outro lado de uma cerca viva onde um cachorrinho estava latindo.

Eu me escondi embaixo da cerca viva e encontrei o impasse entre a cabra e o dachshund. Eu mudei para humana, puxei calça jeans e camiseta e esperava que minha fé no cachorrinho não fosse extraviada. Eu odiaria viver com a culpa da morte do animal de estimação de alguém só porque eu não queria correr nua no final da manhã como um gaio.

Não pensei, por mais que conseguisse pensar, no fato de sentir onde aquilo estava.

Fantasmas era uma coisa. Eu os via desde que me lembro. Eu estava meio que acostumada com a minha interação com eles. Eu não queria ter a mesma conexão com zumbis.

Dachshunds são difíceis; ela se manteve bem até eu fechar meu jeans. Difícil dizer quem teria vencido, zumbi ou cachorro. Quando peguei a cabra zumbi e arrastei-a para longe, chutando e estalando, o cachorro pulou com o rabo no ar. Quaisquer que fossem minhas dúvidas, aquele cachorro tinha certeza de que havia derrotado o intruso desagradável.

Corri de volta com um bom tempo, apesar dos meus pés descalços – minha bolsa de transporte não era grande o suficiente para sapatos. Encontrei Mary Jo, que estava seguindo a mesma trilha que eu segui – ela deve ter encontrado sua última cabra mais rápida do que eu e voltou para me ajudar. A visão dela fez alguns carros pararem para que as pessoas pudessem tirar fotos com seus telefones celulares.

Sim, foi bom eu ter tirado um tempo para vestir minhas roupas.

Um dos agentes levantou a tampa do curral de zumbis, uma lixeira vazia que foi arrastada ao lado do curral de cabras danificado – ideia do amigo da marinha de Salas. Até agora, a grande, verde, fedorenta caixa de metal provou ser à prova de fuga.

Eu podia senti-los na lixeira sem olhar. Como se eu tivesse me sensibilizado com a sensação dos zumbis. Eu poderia dizer quantos zumbis estavam pulando por aí, assim como poderia dizer quando havia um fantasma por perto, mesmo que não pudesse vê-lo.

Não era tão ruim se eu pudesse dizer que havia zumbis por perto, pensei. Eu fiz trinta e tantos anos antes de encontrar meus primeiros zumbis; poderia demorar mais trinta anos até eu encontrar outros.

A essa altura, todos os carros do xerife, com exceção de dois, sumiram. Três dos agentes originais permaneciam, mas estávamos recebendo visitas da polícia de lugares tão distantes quanto Prosser e Pasco, incluindo a patrulha rodoviária. Todo mundo queria ver as cabras zumbis em miniatura.

— Poderia ter sido pior — disse eu ao agente que abriu um lado da tampa da lixeira para mim, então poderia jogar meu pequeno zumbi com o resto dos adoráveis ??demônios famintos de sangue.

Ela disse: — Certo? Eles poderiam ser cabras de tamanho normal e não teríamos ideia do que fazer com elas. Difícil o suficiente manter as cabras sem que elas sejam impermeáveis ??à dor. Esta lixeira está conseguindo muitos amassados ??que não tinham quando começamos. O que você planeja fazer com essas coisas? — Ela olhou para a lixeira. — Você planeja fazer algo com elas? — E não as deixe para nós, por favor; metade desse pensamento não foi dito, mas foi ouvido.

— Não sei — disse a ela, não muito honestamente.

Eu não sabia exatamente como matar... como eliminar zumbis. Mas eu estava certa que poderíamos queimá-los. Eu não sabia se o fogo real faria o truque, mas tínhamos Joel, habitado pelo espírito de um cachorro do vulcão.

Se ele não conseguisse lidar sozinho, poderíamos trazer as grandes armas – Aiden, arma de fogo sob minha tutela. Ele ainda não estava oficialmente sob nossa guarda. Estávamos achando muito difícil nos tornarmos guardiões legais de um garoto que não tinha nenhum rastro de papelada. Eu tinha certeza de que Joel ou Aiden poderiam reduzir as cabras em cinzas – nem cabras zumbis poderiam voltar das cinzas.

Só não sabia se eu queria anunciar que poderíamos recorrer a esse tipo de poder. E não sabia se Joel ou Aiden tinham controle suficiente para queimar as cabras e parar.

— Algum dos Salases ainda está por aí? Eu gostaria de fazer algumas perguntas.

Ela assentiu. — Jimmy, Sr. Salas e o grande amigo de Salas estão sentados na varanda falando sobre seus dias nos fuzileiros navais. A mãe está afastando a energia ruim do jardim da frente.

— Sr. Salas também foi um fuzileiro naval? — perguntei.

Ela assentiu. — E o inglês é sua língua nativa; ele nasceu e foi criado em uma fazenda de cavalos nos arredores de San Diego. Não acho que a Sra. Salas fale inglês, mas ele certamente é bilíngue. Não é a primeira vez em que vi o não falo inglês ser usado quando as pessoas enfrentam um policial hostil.

Ela olhou para a casa dos Salas e depois para mim.

— Fedders é um problema — admitiu com um suspiro. — Aparentemente, ele é mais conhecido na comunidade espanhola por aqui do que pensávamos. Ele foi o primeiro em cena.

Ela me deu um sorriso rápido. — Ele é como uma ovelha negra – parte da família, mas também estranha e ocasionalmente perigosa. Você não pensaria isso pelo desempenho de hoje, mas ele é muito bom com vítimas de trauma, mesmo aquelas nas nossas comunidades de língua espanhola. Quando está ajudando alguém que está machucado, ele deixa cair toda essa porcaria. Tenho certeza de que o Capitão Gonzales lhe explicará mais uma vez por que antagonizar as pessoas não é útil. Algum dia ele vai superar, ou causará um problema tão grande que o tirará das ruas de vez.

Ela olhou para Mary Jo, que estava se afastando o suficiente para dar a oficial uma falsa sensação de segurança. — Talvez algum lobisomem grande se canse dele, mastigue-o e cuspa com um ajuste de atitude.

Mary Jo sorriu para ela.

— Meu Deus, que dentes grandes — disse a agente com um sorriso, embora sua mão deslizasse em direção à arma. Engraçado como Chapeuzinho Vermelho surgia sempre que os lobisomens estavam por perto.

Mary Jo fechou a boca e abanou o rabo.

Um bom caminho se abriu para nós através da multidão reunida – lobisomens são úteis assim – e passamos pelas hordas sem sermos paradas. Não era realmente um grande grupo de pessoas, talvez quinze ou vinte.

— Sr. Salas — falei. — Mary Jo e eu conseguimos reunir todas as cabras. Eu vou garantir que elas sejam cuidadas. Se alguém lhe der problemas ou pedir que você pague pelos danos, ligue para nós. — Dei-lhe um cartão. — Isso não é sua culpa de forma alguma. Você não é responsável por quaisquer danos e, se alguém precisar ser lembrado, meu marido cuidará disso.

Ele pegou o cartão e pareceu pensativo.

Mary Jo me cutucou para chamar minha atenção, então ela partiu. Eu assumi que ela recuperaria sua forma humana. Não deixei meu olhar nela; em vez disso, considerei a situação dos Salases.

— Você, sua esposa ou seu filho tiveram algum problema com alguém ultimamente? — perguntei. — Com um estranho, provavelmente. — Certamente.

Sabia que havia vários tipos de praticantes que podiam criar zumbis. Mas isso foi feitiçaria. Assim que toquei a primeira cabra eu pude sentir a magia negra zumbindo nos meus ossos e revirando meu estômago.

Deixando de lado a magia negra – porque não havia bruxas de magia negra em Tri-Cities – nenhuma bruxa local teria feito algo assim. Elas estavam com muito medo de Elizaveta e sua família. E pelo que sei, não tínhamos ninguém com esse tipo de poder, exceto a própria Elizaveta. Os zumbis precisavam de muita magia – eu sabia disso.

Mas não podia explicar nossa população local de bruxas para Salas ou a polícia; eu não queria que alguém saísse por aí caçando bruxas. Esse era o trabalho de Elizaveta.

Salas sacudiu a cabeça. Ele fez uma pergunta para sua esposa, que balançou a cabeça. — Um momento — disse ele. — Vou perguntar ao meu filho.

— Ele serviu este país por oito anos — disse-nos o agente loiro (presumivelmente Jimmy), vigor na voz dele. — E tem que se esconder quando a polícia vem aqui?

— Não — disse eu —, porque há policiais como você aqui.

Salas voltou para a varanda, balançando a cabeça. — Não. Sem discussões incomuns. Mas Santiago, meu filho, disse que houve uma senhora que parou ontem de manhã enquanto ele alimentava suas cabras. Ela queria comprá-las, todas as vinte, mas ele não gostou dela e disse que não estavam à venda. Ele ficou dentro do curral enquanto ela falava – do jeito que ele disse isso me faz pensar que talvez ela quisesse que ele fosse até o carro dela. Ele me disse que ela parecia uma das minhas amigas da unidade militar – Porter. Porter é da Geórgia.

Sulista assim como a bruxa na casa de Elizaveta. Gostaria de saber se era a mesma bruxa.

Vinte cabras que ela não podia comprar, vinte cabras que foram mortas e transformadas em zumbis. Então eu tive um pensamento terrível. Se ela podia levar as cabras, por que não levou o menino? E por que ela precisava de vinte cabras zumbis? Ela nem as levou com ela. Isso parecia despeito para mim.

Olhei para o curral que estava ao lado da casa. Era o lado mais distante da casa onde a cerca estava rasgada. Essa seção da cerca não era visível da estrada. — As cabras danificaram o curral ou isso aconteceu antes?

— Quem matou as cabras abriu o curral — disse Salas. — As cabras estavam mortas, então não nos preocupamos em repará-lo.

Gostaria de saber se a bruxa que as matou havia retornado mais tarde naquela noite e as reanimado, ou se houvesse um componente de tempo. Que as cabras foram enfeitiçadas quando morreram, mas foram necessárias algumas horas para elas se transformarem em zumbis.

Hoje isso não importava, mas eu descobriria. Eu não sabia tanto sobre bruxas ou zumbis quanto eu obviamente deveria.

Ela matou as cabras, porque não conseguiu convencer Santiago a vendê-las? O consentimento tinha implicações mágicas para a maioria das pessoas que usam magia; eu não sabia como jogavam as bruxas.

— Eu acho — disse eu devagar —, que seu filho foi esperto em ficar no curral quando a mulher apareceu.

Se a bruxa tivesse levado as cabras, certamente ela seria capaz de entrar e levar o menino se quisesse. Mas talvez, pensei, não no meio do dia. Se o filho de Salas tivesse saído do curral e ido até o carro, ela poderia tê-lo levado e sem que ninguém pensasse em nada.

Talvez as cabras fossem a segunda escolha.

— Diga a ele... Santiago? Diga a Santiago que se a vir novamente, ele deve entrar na casa, trancar as portas e ligar para o número desse cartão.

Seus olhos se estreitaram e seu comportamento mudou. Era como se ele tivesse colocado a mesma capa invisível de prontidão que Adam carregava o tempo todo. O agente Jimmy também tinha isso. Era uma questão de postura, principalmente – cabeça erguida, ombros para trás – mas também de intensidade. Se Salas tivesse essa aparência quando cheguei, eu o teria considerado ex-militar de algum tipo logo de cara.

— Você acha que foi ela quem fez isso? Um bruja?

Dei de ombros. — Uma bruxa fez isso, eu sinto o cheiro. Não sei quem é essa bruxa.

Embora, por algum motivo, o cheiro dela tenha distorcido minha memória. Como se eu não a tivesse cheirado antes, mas talvez algo dela. Irritante, mas até o meu subconsciente trabalhar com isso, não adiantava tentar descobrir qual era a conexão. Quando a conhecesse, talvez eu descobrisse. Eu tinha um pressentimento de que teria a chance de fazer isso – os predadores geralmente não se afastam depois que eles fazem um movimento ousado no território de outro predador.

— Talvez — disse eu com cuidado —, a mulher que conversou com seu filho fosse apenas alguém fascinada por cabras anãs. Mas ela o deixou desconfortável. Eu prestaria atenção nisso.

— Percebi que as pessoas que ouvem seus instintos vivem mais — concordou Salas.


• • •


Havia três mensagens no meu telefone quando entrei no carro. A primeira era de alguém que queria falar comigo sobre o meu cartão de crédito. Era uma farsa e eu apaguei.

A segunda era de Adam.

— Recebi suas mensagens, querida — disse ele. — Liguei para Darryl, que está a caminho da Elizaveta. Posso encontrá-lo lá se eu me apressar. Boa sorte com as cabras zumbis em miniatura.

A terceira era da minha mãe.

— Não tenho notícias suas há um mês — disse ela. — Você está viva? — E ela desligou.

Mary Jo, que estava checando o próprio telefone, bufou.

Meu telefone tocou enquanto eu mandava uma mensagem de sim para mamãe. Verifiquei o número e sorri.

— Ei, Adam. Você perdeu a caça às cabras zumbis em miniatura de.

— Sobre aqueles zumbis — disse ele, sua voz solene. — Você tem um nariz melhor para a magia do que qualquer um dos nós. Você acha que poderia dizer a diferença entre a magia de um praticante e a de outro?

— Como se eu pudesse comparar a magia da cabra zumbi com o que você encontrou na casa da Elizaveta? — perguntei. — Há muitas bruxas praticando na casa de Elizaveta. Isso tornará as coisas difíceis. Mas eu poderia reconhecer o cheiro da bruxa que fez os zumbis. Não sei se reconheceria a sensação de sua magia. Talvez?

— Quando uma bruxa está morta, a magia dela também morre, certo? — perguntou ele.

— Não sei — disse a ele. — Você não pode perguntar a ninguém da Elizaveta?

— Não — disse ele com finalidade.

Eu inalei. — Adam?

— Todo mundo na casa de Elizaveta está morto — disse ele.

— Quantos? — perguntei.

— Até onde nós sabemos todos na família de Elizaveta — disse ele. — Encontramos quatorze corpos. Estou esperando Elizaveta confirmar.

Eu não conhecia nenhum deles, poderia ter escolhido talvez dois de um grupo policial – mas catorze? Eu não gostava de Elizaveta; ela me assustava. Era difícil gostar de pessoas que me assustavam. Mas eu conhecia por um longo tempo, e ela era nossa.

E qualquer um que pudesse exterminar a família de Elizaveta teria a chance de fazer o mesmo com um bando de lobisomens. Elizaveta pode ser a verdadeira potência, mas toda a sua família era formidável – ou assim me foi explicado.

— Ok, então — disse eu, pensando seriamente. — Não sou uma bruxa. A única bruxa com quem lidei foi Elizaveta. E se isso é importante, talvez devêssemos pedir a uma bruxa para investigar isso em vez de mim. Existe aquela bruxa em Seattle que Anna conhece. Devo ligar para Anna e pegar o nome dela?

Ele considerou. Exalou ruidosamente pelo nariz e disse: — Acho que temos jogadores desconhecidos o suficiente em Tri-Cities no momento. Talvez se precisarmos de um especialista. Vou checar com Elizaveta quando ela me retornar. Quanto ao resto, acho que você deveria ir à casa de Elizaveta e ver o que achamos. Você sente melhor a magia, e isso pode ser importante. Mesmo que Elizaveta venha o mais rápido que puder, levarão dias, não horas. Quaisquer que sejam os vestígios de magia, podem se dissipar antes disso.

Houve outra pequena pausa e ele disse: — E preciso saber a sua opinião sobre o que descobrimos, não a opinião de uma bruxa que não conhecemos e não podemos confiar. Preciso tomar algumas decisões e gostaria de ver se suas conclusões correspondem às minhas.

Desliguei e olhei para Mary Jo, que estava tão chocada quanto eu. — Você acha que pode pegar Joel ou Aiden... hum – talvez Joel e Aiden pode ser melhor – vir e incinerar nossas pobres vítimas? De preferência com alguma discrição? Não quero a foto de Aiden por toda a Internet.

Joel não teria esse problema. Ninguém associaria a tibicena vulcânica à forma humana de Joel.

— Sim. — Mary Jo abriu a porta do carro e saiu novamente. O assento tentou segui-la e ela o recolocou no carro. — Fique aí — disse ela. Para mim, ela disse: — Não se preocupe, Mercy. Eu vou descobrir como fazer isso fora da vista. Tenho todas as ferramentas que preciso. — Ela ergueu o celular. — Vá fazer o que você precisa, Mercy. Eu te dou cobertura.


• • •


Elizaveta Arkadyevna Vyshnevetskaya tinha uma casa enorme a poucos quilômetros de minha casa.

Ela morava na cidade. Mas depois que os vizinhos reclamaram do som de oboé noturno de sua neta, ela se mudou para uma casa em cinco acres. Ela alugou a terra de uma empresa de feno – eles não saíam à noite, então ninguém estava por perto para ser mantido acordado pela neta de Elizaveta praticando seu oboé.

Eu tinha certeza que a neta dela tinha um oboé e que era apenas coincidência que o oboé ruim pudesse parecer incrivelmente com um grito.

Não menti para Adam; eu não sabia muito sobre bruxas, e quanto mais eu aprendia, menos certeza eu tinha sobre o que sabia. Pelo que entendi, as bruxas tinham poder sobre os seres vivos. Os praticantes de magia que podiam trabalhar com objetos inanimados eram magos.

As bruxas obtinham poder de coisas de consequência espiritual. Isso incluiu eventos que mudavam a vida: nascimento, morte, moribundo, mas também coisas menores, como emoções. Sacrifício, disposto ou não, deveria ter um efeito especialmente grande. Eles também faziam muito trabalho usando partes do corpo, fluidos corporais – sangue, cabelo, cuspe. Para mim era um pouco vago sobre como isso funcionava exatamente.

Embora houvesse três tipos diferentes de bruxas, começaram da mesma maneira – nasceram com certas habilidades. Em algum momento depois disso, elas escolheram o que estavam dispostas a trocar por poder, ficando branco ou ficando cinza ou preto.

As bruxas brancas geravam energia de si mesmas e do ambiente ao seu redor. Elas eram menos poderosas que os outros dois tipos. As bruxas negras tendiam a vê-las como fast food (e eu também não sabia das bruxas cinzentas). A maioria das bruxas brancas era paranoica e secreta. Eu só conheci algumas delas.

Bruxas negras tinham fome de poder. Elas tinham grande aumento de poder – morte, sim. Mas tortura e a morte geravam mais poder da mesma maneira. Elas se alimentavam mais facilmente de sua própria espécie, mas poderiam usar qualquer ser vivo. Elas perseguiram ativamente vítimas com conexões mágicas. Isso provavelmente explicava o fato de que poucas comunidades sobrenaturais toleravam bruxas que praticavam magia negra. Isso e o fato de que qualquer coisa que assustasse os humanos – e magia negra era difícil de esconder – era ruim para todos os outros.

As bruxas negras eram as mais poderosas de todas.

A maioria das bruxas que eu conhecia eram bruxas cinzentas. Eu não estava certa da linha exata entre cinza e preto, pelo menos não do lado das bruxas. Eu poderia dizer a diferença a uma boa distância – cheira a magia negra.

Pensei que a diferença entre preto e cinza tivesse algo a ver com consentimento. Uma bruxa cinza poderia cortar o dedo de uma pessoa e se alimentar do poder gerado pelo sacrifício e pela dor, desde que a vítima tenha concordado com isso. Eu sabia que uma bruxa cinza poderia fazer zumbis, mas estes tinham cheiro de magia negra.

Assim que passei pela muralha de álamos que marcavam a fronteira da propriedade de Elizaveta, podia ver que havia muitos veículos de carga na casa. Quando me aproximei, a velha caminhonete de Warren saía da unidade. Ele diminuiu a velocidade quando me viu, parando no meio da estrada.

Como não havia ninguém vindo, eu fiz o mesmo. Ele abaixou a janela. A janela do Jetta do lado do motorista ainda não funcionava. Saí do carro e fui até o caminhão de Warren.

Aiden estava no banco da frente, parecendo que ele deveria ter uma cadeira auxiliar. Joel, em sua forma de cachorro Canario, ocupou o espaço entre Warren e Aiden no banco, com parte dele no chão. Não parecia confortável, mas Joel sorriu para mim de qualquer maneira. Comparado à sua forma tibicena, a forma Canario parecia positivamente amigável.

— Indo para Benton City queimar alguns zumbis de cabra em miniatura? — perguntei.

Warren balançou a cabeça. — Não, Senhora. Mary Jo pediu a uma empresa de eliminação vir transportar a lixeira para o aterro de Richland. Transformaremos as cabras em cinzas e afastaremos de qualquer outra coisa que possa pegar fogo.

Sim. Mary Jo era competente. Que pena, porque não era assim que me saía com minha lista de chamadas de emergência.

— Então voltamos aqui — disse Warren. Ele fez uma careta. — Há algumas coisas que precisamos queimar aqui também. Mas não até você checar as coisas e o chefe tiver a permissão de Elizaveta.

— Ruim? — perguntei. — Quero dizer, eu sei que a família de Elizaveta está morta.

Ele olhou para Aiden e suspirou. — Eu acho que isso dá ao ruim um novo nível baixo.

Aiden franziu o cenho para ele. — Eu morava em Underhill, Warren. Não sei do que vocês pensam que estão me protegendo.

— Só porque você viu coisas ruins não significa que você precisa ver mais — disse Warren com dignidade.

Acenei para Warren e voltei para o Jetta. Eu realmente não precisava perguntar se era ruim na casa de Elizaveta. Minha resposta estava na massa do bando. Era quarta-feira e a maioria das pessoas aqui deveriam estar no trabalho. Adam não teria chamado todos apenas para lidar com corpos. Ele devia estar preocupado que as pessoas que mataram a família de Elizaveta pudessem voltar.

Estacionei o Jetta ao lado do SUV de Adam. Antes de sair, Adam estava ao lado do meu carro.

Ele passou os braços em volta de mim e me levantou, seu rosto enterrado na curva do meu pescoço, como se não me visse há uma década em vez de... Ontem na hora do almoço. Eu podia sentir seu peito levantar enquanto ele respirava meu perfume e isso me fez fazer o mesmo com ele. Almíscar, menta e Adam. Yum.

Ele me colocou no chão, começou a me libertar, depois pensou melhor (que poderia ter algo a ver com o aperto que eu tinha na sua cintura). Ele se abaixou e me beijou.

O beijo dele me contou muitas coisas. Disse que ele me amava. O aperto cuidadoso me disse que ele estava cansado demais para confiar em seu controle. O desespero... nossa vida sexual é muito boa e entusiasmo é uma parte normal, mas esse beijo foi mais parecido com o que recebi quando estávamos nus e prontos ao invés de um beijo de olá, estou feliz em vê-la. Então o desespero me disse que seja o que for que eles encontraram na casa de Elizaveta o perturbou bastante.

Eu o beijei, tentando dar o que ele precisava de mim. Pelo menos essa foi a minha motivação no início. Após cerca de cinco segundos, não havia nada além de suas mãos na minha pele, minhas mãos nele, o gosto de sua boca e o cheiro de seu corpo rapidamente despertado.

Senti o zumbido de conexões elétricas se assentando e percebendo a atenção de sua mão forte nas costas de meu pescoço e a forma do seu corpo contra meus quadris. Ele estava quente contra a minha pele nua, onde minha camisa estava subindo e expondo meu diafragma. Mesmo através da espessura do meu jeans, eu podia sentir o seu calor.

Eu amei isso.

Adam riu suavemente contra mim, passando os lábios no meu pescoço, mordendo levemente o tendão, e enviando arrepios até os dedos dos pés. Então ele pegou meus lábios novamente.

— Não ceda à cutucada! — chamou Paul com urgência. — Você sabe que vai se arrepender!

— Rápido — disse Zack —, alguém tem aquele óleo essencial que a mãe da amiga de Jesse vendeu para Mercy?

Adam reprimiu outra risada, uma risada divertida misturada com frustração quando se afastou. Ele me firmou e esperou que sua respiração se acalmasse.

— A cutucada sempre vence — murmurou ele para mim. — Graças a Deus.

— Apenas não aqui e agora — murmurei.

Eu deveria estar horrorizada, suponho. Aqui estávamos em público, à vista de uma boa porcentagem do bando, na frente do que eu tinha quase certeza de que era uma cena de assassinato.

Mas aprendi que sempre há coisas terríveis e, às vezes, é muito importante entender que você pode ter alegria e beleza, sempre que puder. E Adam é lindo, por dentro e por fora. Melhor que isso – ele é meu.

Adam tem estatura média, e essa é a única coisa média nele. Mesmo quando eu não gostava, sinceramente, nunca neguei que ele era o homem mais lindo que já vi. Mesmo casado e acasalado, em momentos estranhos, fiquei surpresa com o poder absoluto de sua aparência.

Eu acho que foi porque, normalmente, a aparência dele não é o que me faz amá-lo. Eu amo a inteligência dele, seus cuidados com seu bando – e até comigo. Embora eu tenha que admitir, às vezes, a sua proteção me irrita. Passei a vida inteira cuidando de mim; eu não precisava de proteção. Ainda, quando eu estava enfrentando vampiros, trolls ou o IRS (minha empresa havia acabado de receber essa temida carta de auditoria), Adam era a pessoa que eu mais queria ao meu lado.

Amo sua honestidade, seu temperamento, sua dedicação à sua palavra e seu dever. Eu amo o humor dele, o jeito que vinca as bordas dos olhos e suaviza a habitual linha dura de sua boca.

Sim, eu estou mal.

Nós nos inclinamos um contra o outro por mais alguns segundos, e então ele recuou com relutância.

— Certo — disse ele, com as mãos nos meus ombros (descobri que minhas mãos estavam relutantes e soltá-lo também). — De volta aos negócios.

— Sim — disse eu. — Ok. De volta aos negócios. — Puxei minha camisa para cobrir minha barriga e depois me endireitei com atenção simulada. — Estou pronta.

Ele assentiu. — Preciso que você entre na casa de Elizaveta e veja se consegue descobrir se a pessoa que criou suas cabras zumbis em miniatura em Benton City é a pessoa que matou toda a família de Elizaveta. E se não for, veja se consegue captar o perfume de outra pessoa. — Ele franziu o cenho. — Procure a magia que resta, Mercy, e veja o que ela diz. Procure estranhos.

— Posso fazer isso — disse a ele lentamente. — Só porque não consigo entender a magia de nossa bruxa criadora de zumbis não significa que não esteja lá. A diferenciação entre usuários mágicos não é algo que eu já tenha feito. Não sei se senti a magia de todas as pessoas de Elizaveta.

Ele assentiu. — Preciso que você mantenha os olhos abertos enquanto passa pela casa. Diga-me o que você acha.

Fiz uma careta para ele. Eu poderia dizer que algo realmente o incomodou sobre o que ele encontrou lá. Algo mais do que todos os cadáveres. — Elizaveta não é uma bruxa negra – há um fedor nisso. — Ela contornava a linha com muita força, mas saberíamos se ela tivesse começado a praticar magia negra.

— Sim — disse Adam, e relaxei um pouco.

Elizaveta e eu estávamos em termos instáveis, mas havia um carinho real entre ela e Adam. Ela gostava dele porque ele falava russo com sotaque de Moscou e porque, quando ela flertava com ele, ele flertava de volta. Ele gostava dela, porque ela o lembrava de algum parente da mãe dele, uma tia, eu acho, que foi visitá-los quando ele tinha nove ou dez anos. Eu não queria que Adam se machucasse.

— Funcionará melhor na minha forma de coiote — disse a ele e depois acrescentei, porque não queria que ele se preocupasse: — Estive pulando capturando cabras esta manhã. Posso mudar novamente... — eu poderia sentir isso —, mas não sei se posso voltar imediatamente.

Ele assentiu. — Ok. Não acho que o tempo seja tão importante que o que você tem a dizer não pode esperar algumas horas.

O que ele esperava que eu encontrasse?

— Você vem comigo? — perguntei.

Ele balançou a cabeça com um leve sorriso. Ele se afastou de mim, finalmente, e senti a perda de seu toque. Eu estava mergulhada na loucura de reabrir minha oficina. Ele esteve ocupado participando de todas as suas reuniões secretas, silenciosas, no meio da noite. Não tivemos tanto tempo juntos nas últimas semanas como eu estava acostumada.

— Se eu entrar, eu posso prejudicar o que você vê — disse ele. — Sherwood irá com você. — Ele olhou ao redor e acenou para o homem de perna de pau que estava no meio de uma discussão tranquila com alguns outros membros do bando.

Sherwood foi até nós, sua marcha suave, apesar da perna de pau. Ele tinha uma prótese melhor e com aquela ninguém jamais pensaria que faltava uma perna. Mas na maioria das vezes, quando ele pensava que poderia haver alguma ação, ele usava a perna de pau, porque o membro artificial era muito mais delicado e correspondentemente mais caro.

— Sherwood? — perguntei. Pedir a ele para entrar na casa de uma bruxa era cruel, pensei. Não muito tempo atrás, ele foi descoberto com três membros e meio doido em uma gaiola no covil de uma bruxa negra.

Adam disse: — Sherwood conhece os perigos melhor do que qualquer outra pessoa aqui. Eu confio nele para mantê-la segura.

Olhei para o rosto de Sherwood com seus olhos selvagens e disse: — Pensei que você não se lembrasse de nada do seu cativeiro?

— Aparentemente, algumas coisas estão impressas na minha pele — disse ele, sua voz algumas notas mais sombrias do que normalmente. — Como o... — Ele parou, estremeceu e balançou a cabeça. — Deixa pra lá.

— Assim que terminar, reuniremos os mortos — disse Adam. — Warren trará nossos criadores de fogo o mais rápido possível. Falei com Elizaveta e disse a ela que precisamos queimar os corpos. Ela não ficou convencida até eu contar sobre as cabras. Ela disse que se houver um necromante com tanto poder por aí, ela prefere que sua família seja transformada em cinzas do que feitos marionetes de outra bruxa.

Havia algo em sua voz que me preocupava. Mas deixei passar. Logo descobriria o que transformou isso de uma tragédia para a bruxa do nosso bando em algo mais.


• • •


Entrar em uma casa cheia de cadáveres não estava entre os dez primeiros da minha lista de desejos. Entrar na casa de uma bruxa com cadáveres estava ainda mais baixo na minha escala de felicidade.

Mas Adam me pediu isso, então eu fui. Sherwood permaneceu em forma humana, mas ele não parecia mais feliz em entrar do que eu me sentia.

Ele abriu a porta da frente e acendeu as luzes.

— Esta casa está escura — disse ele. — Um pouco de luz não machuca nada.

A porta da frente se abriu diretamente em uma sala que parecia acolhedora e amigável. Paredes claras destacavam os pisos de madeira cobertos com tapetes caros que, por sua vez, eram encobertos por móveis de aparência confortável. Janelas grandes deixavam entrar muita luz natural e duas claraboias deixam entrar mais ainda.

Havia muita luz natural. Dei a Sherwood um olhar confuso e depois caminhei pela porta.

Não parecia leve e amigável. Cheirava a morte, bruxaria e magia negra. A combinação revirava meu estômago. De repente, um pouco mais de brilho das luzes não pareceu um exagero. Qualquer coisa que possa iluminar a atmosfera espiritual, por mais que fosse insignificante, foi bem-vinda.

— Eu sei — disse Sherwood sombriamente quando espirrei em protesto ao cheiro. — Mas você se acostuma com isso.

Não havia corpos nesta sala, mas olhei em volta de qualquer maneira. Adam notou algo que o incomodava nesta casa, incomodava-o mais que a família morta de Elizaveta, e eu precisava descobrir o que era.

Os corpos começaram na cozinha, três deles. Não sou um médico profissional. Sou uma predadora sim, e eu mato coisas. Mas minhas vítimas (ratos e outros pequenos roedores, geralmente) morrem rapidamente de pescoços quebrados. Eu não sou um gato; não brinco com a minha comida.

Os membros da família de Elizaveta – eu reconheci cada um deles, embora não soubesse seus nomes – tinham partes faltando. Principalmente dedos, orelhas, dedos dos pés – amputações não fatais. Uma mulher estava sem o nariz.

Todos usavam calças e a mulher vestia uma camisa desabotoada solta – sem sapatos, sem meias. As roupas estavam sujas e cheiravam a sangue e outras coisas. Parte disso era por causa dos efeitos habituais da morte, mas alguns eram mais velhos. Elizaveta nunca teria tolerado a negligência em sua família, portanto, quem os manteve presos não lhes permitiu tomar banho ou trocar de roupa.

O corpo da mulher foi dobrado sobre uma tigela que continha ovo batido que esteve fresco um par de horas atrás. Quando cheguei a isso, dei uma boa olhada na sala e onde estavam os corpos. Havia torradas na torradeira e várias fatias em um prato grande ao lado. O fogão estava desligado, mas havia uma frigideira. No balcão ao lado do fogão havia um pacote de bacon – fechado, e foi por isso que não senti o cheiro.

Essas pessoas foram torturadas – e algumas das feridas eram muito frescas. Os três estiveram no meio do café da manhã, a julgar pelas condições da cozinha. Quem é torturado e então decide fazer uma refeição? Bruxas, evidentemente. Estranho. Ainda mais estranho era que eles morreram rapidamente, e todos ao mesmo tempo.

Examinei cada um deles, cheirando seus corpos. Então eu fui pela cozinha, despensa e tudo. A sala ao lado, uma sala de trabalho de algum tipo, tinha mais quatro corpos.

Não havia nada de errado com nenhuma dessas pessoas, sem feridas novas ou velhas. Parecia que eles caíram onde estavam. Reconheci apenas a garota adolescente. O nome dela era Militza. Ela ia para a mesma escola da minha enteada, Jesse, embora Militza fosse alguns anos mais nova. Jesse às vezes lhe dava carona para casa da escola, embora não recentemente.

Jesse me disse em particular que Militza lhe dava arrepios. Eu disse a Jesse para dizer à Militza para encontrar outra carona. Eu acho que Jesse foi mais educada do que isso.

— Existe quatorze corpos — disse Sherwood desapaixonadamente enquanto eu explorava a sala. — Adam os descreveu a Elizaveta, e ela os identificou. Sem sobreviventes. Pare aí, não abra esse armário. Há uma proteção na porta. Não sei o que fará, mas duvido que seja algo legal.

Eu parei. Eu não conseguia sentir nada além do resíduo mágico que impregnava tudo na sala. Era forte dentro do armário que eu estava na frente, mas não mais forte do que em outros lugares. Aparentemente, Sherwood tinha uma compreensão mais sutil da magia do que eu. Achei isso muito interessante.

Sherwood não falou novamente até eu seguir em frente.

Ele continuou a conversa unilateral tão facilmente como se nunca tivesse parado. — Quem fez isso exterminou o pessoal de Elizaveta. Elizaveta acha que provavelmente foi outro clã, tentando dominar o território dela enquanto ela está na Europa. Ela estará aqui o mais rápido que puder.

Não havia mais corpos no primeiro andar, embora eu notasse que faltavam duas cadeiras no conjunto da sala de jantar. Subi as escadas então, para procurar nos seis quartos e três banheiros. Encontrei muitas coisas interessantes, mas não havia mais corpos.

Então, eu estava preparada para encontrar os outros sete no porão. Ou pelo menos, eu sabia que haveria sete pessoas mortas no porão, a maioria das quais eu provavelmente já conheci uma vez ou outra. Preparada provavelmente era uma palavra muito forte. Não sei como eu estaria preparada para o que vi.

Vi coisas horríveis, coisas que me assombram nos meus sonhos. Mas o porão de Elizaveta era um dos piores.

O porão era uma sala grande, de dez por quinze metros, numa estimativa aproximada, com um metro e oitenta de altura e duas portas que eu assumi serem banheiros em cantos opostos. Como o andar acima, o porão estava bem iluminado – embora com lâmpadas diurnas em luminárias LED, em vez de janelas.

Uma grande pia estava montada em uma extremidade da sala e ao lado havia uma lavadora de alta pressão, do tipo que eu uso para limpar carros. Todo o resto das paredes estava coberto com prateleiras de metal contendo vários tamanhos de gaiolas.

O centro da sala parecia quase um consultório médico, com duas mesas de exame de metal. Perto de cada banheiro, havia uma cadeira que mais parecia uma cadeira de dentista. Todas tinham algemas. Todas estavam ocupadas por corpos. Dois corpos adicionais foram amarrados a cadeiras resistentes que combinavam com aquelas que eu vi no andar de cima na sala de jantar. Isso significava que havia outro corpo aqui em baixo algum lugar.

Relutantemente, eu me aproximei dos corpos. Demorou muito tempo para eles morrerem. Dias, pensei, apesar de nunca ter torturado alguém até a morte, eu não tinha certeza. Semanas, talvez. O pessoal da cozinha esteve em melhor forma do que os daqui. Examinei cada corpo cuidadosamente com meu nariz e olhos.

O chão era de cimento com um dreno. Os assassinos não se preocuparam em usar a lavadora de alta pressão para limpar depois, de modo que pude ver que o chão foi inclinado para que os líquidos tendessem a fluir para o dreno sem resistência. O efluente dos corpos fez fluxos da fonte até o ralo.

Mas a família de Elizaveta não era os únicos cadáveres no porão; o resto simplesmente não era humano. As gaiolas ao longo das duas longas paredes mantinham pássaros mortos – principalmente pombos, pombas e galinhas, mas havia um papagaio cinza africano, uma águia dourada e alguns periquitos. Ao lado da pia havia gaiolas de répteis e anfíbios mortos.

Na parede oposta a pia havia gaiolas de pequenos mamíferos mortos. As prateleiras superiores tinham camundongos e ratos. O resto eram gatinhos e filhotes.

Gatinhos e filhotes torturados até a morte. Se eu estivesse no meu corpo humano, teria chorado. Não pedi desculpas pelo fato de que suas mortes me incomodassem mais do que as mortes da família de Elizaveta. Esses animais eram inocentes, e eu não estava disposta a dizer isso de mais ninguém que morreu aqui.

Não havia moscas, embora o cheiro de podridão fosse incrível. Precisei assumir que algo mantinha os insetos afastados, e provavelmente não era o cheiro – físico e espiritual – que permeava o cômodo. Um pouco do cheiro era de putrefação, mas a maior parte era cheiro de magia negra. Talvez as moscas fossem repelidas pelo perfume da magia negra. Ou talvez a magia que matou a família de Elizaveta também matou todos os insetos.

Comecei a fazer meu trabalho, deixar as pequenas criaturas mortas e procurar nos cantos o corpo que faltava, quando um movimento chamou minha atenção. Eu gani para Sherwood, que estava andando com intenção até a pia. Não pude sentir o cheiro dele por causa do resto, mas sua pele estava coberta de suor. Ele parou e se aproximou.

Sem uma palavra, ele abriu a gaiola que indiquei e puxou o corpo de um gatinho malhado alaranjado com mãos suaves e o colocou de lado.

— Perdemos esse — disse ele, tirando um corpo em preto e branco da gaiola. Como o gato malhado, este estava em algum lugar entre gatinho e gato.

O gatinho estremeceu e tentou se afastar dele. — Coitadinho — murmurou ele. — Shh agora, você está seguro.

Ele tirou a camisa e envolveu o gato nela, imobilizando-o gentilmente. Ele colocou o gato no chão próximo ao seu companheiro de jaula.

Ele fez uma verificação rápida e completa do resto das gaiolas, mas o gatinho preto e branco era o único sobrevivente. Ele pegou sua camisa com o gatinho e examinou o animal mais detalhadamente enquanto ele lutava fracamente.

Os olhos de Sherwood eram totalmente humanos e crus de emoção quando encontrou os meus. — Faltando um olho. — Foi tudo o que ele disse.

Você tem uma perna faltando, pensei. Talvez fosse uma coisa boa que eu não pudesse falar na minha forma de coiote.

Lambi o rosto do gatinho gentilmente. Tinha um gosto tão ruim quanto o porão inteiro cheirava. Mas o toque da minha língua pareceu tranquilizá-lo mais do que a voz do lobisomem.

Gatos não gostam de lobisomens. A única exceção que eu já vi era o meu próprio gato, Medea. Imaginei que estávamos prestes a ver se conseguiríamos aquecer esse aqui.

— Você já viu o suficiente? — perguntou ele.

Comecei a ir em direção ao que eu pensava ser o banheiro mais próximo, e ele ficou entre ele e eu. — Não. Você não quer entrar no freezer. Há algumas coisas que você não precisa ver. Nós devemos ir.

Olhei diretamente para os cadáveres, arranhando o chão uma vez por cada corpo que eu podia ver. Um em cada uma das duas mesas, duas nas cadeiras de dentista, duas amarradas nas cadeiras da sala de jantar. Espirrei e olhei ao redor.

— Eu esqueci — disse ele.

Ele deu ao gatinho um olhar preocupado, mas disse: — Isso deve levar apenas um minuto.

Ele caminhou rapidamente para uma grande lixeira perto de um dos cantos do cômodo e tirou a tampa. Era uma lixeira grande e resistente, mas não deveria ter sido grande o suficiente para armazenar um corpo.

Olhei para dentro e desejei que não tivesse. O corpo estava sem pernas e braços – o que explicava o tamanho da lixeira. Meu cérebro queria transformar o cadáver em um suporte de palco. O rosto dele estava quase inexpressivo porque seus olhos, lábios, nariz e orelhas foram removidos há tempo suficiente para que as feridas cicatrizassem com tecido cicatricial.

Ele parecia mumificado, mas meu nariz me disse que ele, como todo mundo na sala, estava vivo apenas algumas horas antes. Não o reconheci, mas conhecia o fantasma que permanecia, acariciando o cadáver.

A voz de Sherwood era sombria. — Adam disse que esse era o neto de Elizaveta e que provavelmente Elizaveta tenha causado a maior parte do dano a ele.

O nome dele era Robert. O fantasma olhou para mim, depois cuspiu por cima do ombro e fez uma careta. Eu o ignorei enquanto cheirava obedientemente ao corpo lamentável.

Fiz Sherwood esperar até eu cheirar todos os corpos novamente, prestando atenção especial aos dedos e rostos. Então nós dois escapamos do porão da casa de Elizaveta. Não sei quem estava mais aliviado: eu, Sherwood, ou aquele pobre gatinho.


• • •


Não pude mudar. Adam designou alguém para levar meu carro para nossa casa. Então ele me colocou, Sherwood e o gatinho em seu SUV para ir à clínica veterinária enquanto o bando cuidava dos corpos, humanos ou não, da casa. A magia do bando impediria os vizinhos ou aeronaves voando baixo de perceber o que o bando estava fazendo.

Todos esperariam Warren voltar com os fazedores de fogo. O plano era que Joel e Aiden transformassem a família de Elizaveta – e todos os animais mortos – em cinzas.

Sherwood sugeriu que a casa também fosse incendiada – pela qual eu era altamente favorável. Dado o estado das coisas que eu já vi, duvidava que alguém pudesse ter uma noite tranquila para dormir naquela construção sem que alguém fizesse um grande exorcismo ou algo do tipo para deixar os fantasmas descansarem. Nunca vi um exorcismo realizado pessoalmente, então não sabia se funcionaria.

Adam decidiu não queimar a casa de Elizaveta, porque não queria chamar a atenção das autoridades. E porque era uma decisão que não deveria ser tomada sem a autorização de Elizaveta.

Fiquei feliz por estar no SUV dirigindo para longe daquela casa associada à morte. Adam não disse nada – e Sherwood nunca foi exatamente uma fonte de palavras. Os únicos sons durante a maior parte da viagem foram os gemidos estridentes do gatinho. Nunca ouvi um gato emitir esse som – e esperava nunca mais ouvir.

— Ele está morrendo — disse Sherwood, quebrando o silêncio. Sua atenção estava no animal que ele segurava no colo. Ele parecia casual, mas meu nariz me disse melhor. Não foi preciso ser um psicólogo para entender por que ele se preocuparia com um animal resgatado do covil de uma bruxa.

— Ele chegou até aqui — disse Adam, entusiasmado, provando que também entendia Sherwood. — É apenas uma milha a mais da clínica.

Sherwood puxou o gatinho até o rosto com mãos grandes que sustentavam o corpo inteiro uniformemente e respirou seu perfume. — Você sabia? — perguntou ele. — Sobre a magia negra naquela casa? — Sua cabeça inclinada para longe de Adam nos disse o quanto isso era importante para ele.

Adam balançou a cabeça. — Não. Eu acabaria com isso. Não fazia ideia.

Sherwood assentiu. — E o que faremos sobre isso?

— Não faremos nada — disse Adam. — Isso é algo para eu fazer.

Sherwood estudou Adam por um longo momento.

— Não haverá magia negra no meu território — disse Adam suavemente. Ele fica quieto quando está muito bravo.

Sherwood relaxou em seu assento.

O gatinho sobreviveu até chegarmos à clínica.

Esperei atrás das janelas muito pretas do SUV enquanto Adam e Sherwood levavam o gatinho ao veterinário de emergência. Eu não anunciava o que era – havia algumas vezes que o único motivo pelo qual eu sobrevivi aos bandidos era que eles não sabiam que eu poderia me transformar em um coiote. A luta com o goblin esta manhã foi um bom exemplo.

Eles saíram meia hora depois, parecendo sombrios.

Adam me disse quando entrou no carro: — Ferido e ficando. Muitos ossos quebrados, alguns deles semicurados. Muitos danos superficiais e não tão superficiais. Fratura menor do crânio. Desidratado e faminto. Eles colocaram IVs e trataram tudo o que podem tratar. Cabe a ele agora.

— Eles pensaram que fomos nós que torturamos o gatinho — disse Sherwood.

Adam assentiu. — Até que uma senhora na sala de espera me reconheceu e ficou muito animada. Às vezes, a publicidade pode ser útil.

— Haverá manchetes — disse Sherwood, parecendo mais calmo agora que o gato estava fora do carro e fora de seu cuidado. — Lobisomens resgatam gatinho torturado.

Adam sorriu repentinamente e disse: — Destaques estarão em você desta vez. Aquela senhora útil tirou uma foto quando você beijou o nariz do gatinho.

Sherwood bufou. — Eu posei para ela.

— Claro que sim, molenga — disse Adam quando saímos do estacionamento e fomos para casa. — Aquela foto estará em todos os sites de mídia social pela manhã.

— Lobisomem contempla o jantar — disse Sherwood. — O jantar contempla o lobisomem. — Então o humor deixou sua voz. — Espero que ele consiga.

Adam estendeu a mão e a colocou no ombro de Sherwood. — Aconteça o que acontecer, fizemos tudo que podemos.


4

 

Excepcionalmente, não havia ninguém em casa quando chegamos. Nossa casa servia o bando como hotel/hospital/local de reunião, além de sediar o torneio semanal de videogame pirata que era a obsessão do bando. Nem mesmo o cão resgatado de Joel, Cookie, nos cumprimentou. Medea estava, presumivelmente, em algum lugar, mas como a maioria dos gatos, ela geralmente não se preocupava em cumprimentar seu povo quando eles entravam pela porta. Eu queria desesperadamente tomar banho, mas para isso queria estar na minha forma humana. Não me importo com o pelo molhado, mas todo o processo é mais simples sem ele.

Adam foi diretamente para a cozinha e nós o seguimos.

Ele olhou na geladeira, fez um barulho descontente e disse: — Não sei por que pensei que poderia haver sobras nesta casa.

Tínhamos lobisomens morando aqui. A comida não era desperdiçada.

Adam suspirou, abriu um armário e disse: — Sanduíches de atum torrado.

Ele enviou Sherwood para o freezer na garagem para pegar alguns pães, depois colocou o pão para descongelar no microondas.

Adam fez a mistura de atum com a eficácia rápida de alguém que sabe como é cozinhar para muitas pessoas. Darryl era nosso cozinheiro habitual, mas Adam às vezes alimentava todo mundo também. Ele me disse uma vez que satisfaz a necessidade de seu lobo de cuidar do bando.

— Dois ou três? — perguntou ele para mim enquanto picava picles.

Eu gani duas vezes.

— Três — disse ele, sorrindo quando achatei meus ouvidos para ele. — Quando você puder conversar, pode me dar uma bronca. Sherwood?

— Quatro — disse Sherwood, puxando um pedaço do microondas e colocando outro dentro.

Apesar das minhas melhores intenções de manter minhas armas (se Adam não planejava me ouvir, por que ele se incomodou em perguntar?), eu comi os três sanduíches – e metade de um quarto. Então eu tentei mudar. Adam fez mais sanduíches.

Sherwood terminou os quatro, depois olhou para mim. Ele disse abruptamente: — Preciso tomar banho.

Adam olhou para cima. — Você está bem?

Sherwood começou a assentir, mas parou. — Eu fedo como aquela casa – e não tenho vontade de ouvir Mercy revisitar o que encontramos lá.

— Vá tomar banho — disse Adam. — Tenho alguns assuntos a discutir com você e Mercy, mas pode esperar. Vou receber as impressões de Mercy. Quando terminarmos, você será informado.

Sherwood assentiu, levantou da mesa e saiu. Embora houvesse um chuveiro, que ele poderia ter usado no andar de cima, eu o ouvi descer as escadas para o porão.

O chuveiro do andar de baixo era o que o bando usava normalmente, se necessário. Mantínhamos uma variedade de roupas limpas em um armário ao lado do banheiro do porão, moletons principalmente, mas parte do bando mantinha mudas completas – então sua decisão de descer as escadas ao invés de subir fazia todo tipo de sentido. No entanto, eu tinha certeza de que levaria um dia ou dois para que eu pudesse descer a qualquer porão, até o nosso, sem trepidação. Sherwood, evidentemente, era feito de material mais severo.

Comi a outra metade do quarto sanduíche, mais dois sanduíches e dois biscoitos de chocolate que Adam aparentemente havia escondido no freezer da garagem junto com o pão. E então eu tentei mudar novamente.

Normalmente, minha mudança é instantânea e indolor, mas, às vezes, quando a levo longe demais, é uma merda. Isso não acontece com frequência, porque simplesmente não existem muitas situações, cabras zumbis em miniatura à parte, que exige que eu salte para frente e para trás entre as formas.

Demorou uma hora subjetiva, provavelmente não mais que cinco ou seis minutos, mas consegui mudar. Deitei no chão, ofegando, cansada demais para me mexer, e esperei meus olhos focarem. Como, eu me perguntava, os lobisomens aturavam isso ou pior a cada mudança? Havia muitas coisas que me fizeram feliz por ser o que eu era em vez de um lobisomem.

— Ok, então — disse Adam. — Vamos pegar algo para você vestir. — Eu o ouvi subir as escadas.

Quando ele jogou roupas limpas no meu estômago, eu estava sentada. Eu precisaria de uma soneca logo, mas eu não ia para a cama cheirando como a casa de Elizaveta – até um chiqueiro cheira melhor do que magia negra. Chuveiro primeiro, cochilo depois. Mas tudo isso deveria esperar pelo interrogatório.

Separei as roupas e comecei a colocá-las.

— Espere — disse Adam, agachando-se ao meu lado. Ele passou a mão leve sobre um ponto sensível no meu ombro e eu estremeci.

— Oh — disse eu. — Esse deve ter sido o goblin. — Eu não me lembrava de ter sofrido uma contusão ou arranhão.

Adam havia encontrado, mas não eram das cabras.

Uma das cabras me chutou na canela e outra mordeu o meu braço. O braço estava machucado, mas eu soltei a cabrinha antes que ela cortasse a pele. Ser mordida por um zumbi não faria alguém se transformar em um, eu tinha certeza, apesar de ser mordido por algo que estava morto poder resultar na mãe de todas as infecções. Mas eu sabia que elas não acertaram o ombro, então deve ter acontecido quando eu estava lutando contra o goblin.

Adam encostou a testa no meu ombro não ferido e passou as mãos pelos dois meus braços. O peso dele estava apoiado nas minhas costas.

— Eu queria — disse ele, sua voz abafada um pouco contra a minha pele —, que você se curasse tão rapidamente quanto qualquer um do bando. Eu queria não precisar que você lutasse com goblins e cabras zumbis porque estou preso em reuniões idiotas com idiotas.

— Cabras zumbis em miniatura — corrigi. — Ou zumbis de cabra em miniatura. A miniatura é importante. Cabras zumbis parecem satânicas.

Suas mãos se apertaram nos meus braços. — Estou muito agradecido por você ser rápida e inteligente. Que você trabalha para permanecer viva, Mercy. Mas me preocupo que um dia isso não seja suficiente.

— Eu também me preocupo com você — disse a ele. — Mas prefiro me preocupar a tentar transformá-lo em um... Contador ou algo assim.

Meu padrasto era dentista. Durante anos, eu me perguntei se parte de seu apelo à minha mãe era que ele era tão diferente do cavaleiro em busca de perigo que fora meu pai (ele também fora Coiote, mas ela não sabia dessa parte) que ela pôde encontrar.

Adam riu, mas não havia muito humor nisso. — Por quase dez anos você levou uma vida tranquila e sem culpa. O perigo não visitava diariamente. Continuo procurando a causa. Pela razão de todo o inferno explodir em sua vida. Não posso escapar que o ímpeto possa ter sido eu.

Balancei a cabeça firmemente. — Não. Você não começou as coisas estranhas. Você estava lá apenas para ajudar quando coisas ruins começaram a acontecer. O garoto Mac, que veio à minha porta, não teve nada a ver com você.

O aparecimento de Alan MacKenzie Frazier havia quebrado uma paz de quase uma década, quando eu consertava carros e quase ignorava e era ignorada pela maior parte do mundo sobrenatural. Mac foi um precursor irregular de problemas por vir. Pobre garoto, ele está morto há mais de três anos.

— Se houver uma necessidade de culpar alguém — disse eu —, eu escolho culpar o Coiote. É isso que Gary — meu meio-irmão —, faz. Ele diz que nove vezes em cada dez ele está certo. E a única vez que sobrou também pode ser culpa do Coiote, mas ele não deixou evidências suficientes para culpá-lo.

Adam me abraçou. — Ok, ok. — Ele suspirou, e havia culpa suficiente em seu suspiro que eu sabia que ele não considerou minha perspectiva.

Ele esfregou meus braços levemente. — Você está ficando arrepiada. — Ele me soltou e se levantou. — Você precisa se vestir, conte-me tudo o que notou na casa de Elizaveta...

— Pessoas mortas — disse a ele.

—... Além de pessoas mortas — continuou ele sem problemas. — E então você precisa tomar banho e descansar.

Suspirei. — Não. — Porque quando a dor do retorno ao meu eu humano diminuiu, percebi que um cochilo não estava no meu futuro próximo. — Depois do meu interrogatório, preciso tomar banho e ir trabalhar. Não há descanso para os ímpios.

Ele começou a dizer alguma coisa, depois levantou as mãos. — Tudo bem. Mas vou encomendar pizza para o jantar.

Hoje era a minha vez de cozinhar.

— Concordo — disse eu.

Ele me ajudou a ficar de pé e eu o deixei. Minhas mãos estavam desajeitadas e eu estava desequilibrada, e tive que me inclinar para ele arrastar meu jeans. Meu cabelo cheirava horrível – ou pelo menos cheirava mais horrível do que o resto de mim. E eu continuava sentindo o cheiro de Robert. Eu não queria pensar, muito menos cheirar como o neto de Elizaveta. Puxei meu cabelo do meu rosto e o prendi. Não ajudou muito, mas pelo menos, não roçava minha pele toda vez que eu me movia.

Ele viu eu me vestir com o que algumas pessoas poderiam pensar que era apenas um olhar apreciativo. Eles simplesmente não tinham um vínculo de companheiros com Adam. Meu marido desmentia o velho ditado de que os homens têm apenas uma ideia na cabeça de cada vez e geralmente essa coisa era sexo.

Parte dele catalogava minhas contusões. Parte dele percebia o quanto eu estava vacilante. Parte dele estava preocupado com coisas que ele não podia mudar. E parte dele estava pensando em sexo.

Dei a essa parte dele um meneio dos meus quadris, e ele riu.

— Ei — disse ele. — Nenhuma provocação justa quando você sabe que se ficar na horizontal estará dormindo antes de eu chegar na primeira base.

Mostrei a língua para ele.

— Cuidado — avisou. — Ou alguém aceitará sua oferta. — Então, com um rápido e triste sorriso, ele mudou de marcha. — Então, o que você encontrou na casa de Elizaveta?

— O que você estava procurando? — perguntei enquanto abotoava meu jeans.

Puxei minha camisa por cima da cabeça em vez de desabotoá-la, depois paguei por aquele pouco de preguiça com tendo que lutar quando uma das mangas da camisa não entrou corretamente.

Adam me ajudou a desembaraçar. — Apenas me diga o que você notou.

— Bem, você sabe sobre a magia negra, obviamente — disse. — Eram todos eles. Todas as pessoas mortas eram praticantes negras – até a Militza.

Não era de admirar que Jesse tivesse uma sensação estranha sobre ela. Talvez se ela continuasse dando carona na Militza, no entanto, descobriríamos o que estava acontecendo em nosso próprio quintal.

— O que você acha da Elizaveta? — perguntou ele. — Ela poderia ter morado naquela casa, com toda a sua família praticando magia negra e ainda ser uma bruxa cinzenta?

Dei de ombros. — Talvez? Não sei como as bruxas operam em detalhes tão íntimos. Mas ela não fez. Não evitou. É isso que você queria que eu descobrisse? — É por isso que ele me perguntou se eu poderia distinguir a magia de uma bruxa de outra. Na verdade, eu não tive que fazer isso – a confissão de Elizaveta estava em seu quarto.

Ele assentiu, com o rosto tenso. Ele esperava essa resposta, mas esperava uma resposta diferente.

— Não sei como ela escondeu isso de nós — falei para ele, ou talvez para mim. — Eu juro que ela não cheira ou aparenta ser uma bruxa negra, Adam. Mas quando fui bisbilhotar no quarto dela, havia um compartimento secreto em seu armário.

Foi a coisa mais interessante que encontrei lá em cima. O cubículo também estava bem escondido. Mas é difícil manter um compartimento secreto quando é frequentemente usado e a pessoa que está investigando tem o nariz de um coiote.

— Sherwood examinou o compartimento antes de abri-lo? — perguntou Adam bruscamente.

Acenei com a mão em segurança. — Sim, claro que ele fez. Meu palpite é que ela não o enfeitiçou, porque ela usa com muita frequência. Ela mantém suas roupas de trabalho lá. Ela lavou o sangue, mas eu ainda podia sentir o cheiro – sangue e outras coisas. — Eu esperava que meu cabelo fosse lavado e ficasse mais limpo do que a camisa de Elizaveta. — Eles cheiravam a morte, aquelas roupas. Como dor e podridão.

— Magia negra — reconheceu Adam com algo como derrota. — F... Filho da puta. Eles poderiam pertencer a outra pessoa?

— No quarto dela? — perguntei, mas balancei a cabeça. — Não. Eles também cheiravam a ela.

— Como ela escondeu isso de mim? — perguntou Adam.

Não achei que ele estivesse me perguntando, mas respondi de qualquer maneira. — Ela é uma bruxa, Adam. É esperado que use magia. — Balancei um pouco em meus pés. A comida havia ajudado, mas era preciso um pouco mais de tempo para que o efeito fosse completo. Eu ficaria bem daqui a pouco.

— Não sou especialista — disse a ele. — Eu não sabia que eles poderiam fazer isso – esconder a magia negra de nossos sentidos. Mas ela fez isso de alguma forma, e é uma bruxa. Faz sentido que seria bruxaria. Mas é um palpite.

Adam me segurou com uma mão nas costas, evitando os lugares doloridos. — Desculpe, Mercy. Eu sei você está exausta, mas há mais que precisamos revisar.

— Estou bem — disse a ele. — Ou ficarei bem em meia hora. Mas se quisermos ter uma longa conversa, neste exato momento, então preciso sentar.

Adam puxou uma cadeira da mesa e me colocou sobre ela.

— A magia negra é nova, certo? — perguntei a ele. — Antes de nós namorarmos, quando a casa dela ficava na cidade, ela e Jesse às vezes jantavam juntas. Não me importo com quão boa ela é, ela não podia esconder esse... — Nuvem gordurosa de magia – mas os lobisomens não teriam sentido isso. —... Odor que permeava a casa de você.

Adam sentou ao meu lado, distraidamente pegando minha mão e brincando com meus dedos. Eu gostava quando ele me tocava assim, sem pensar, como se houvesse alguma força magnética entre nós. A única coisa melhor era poder tocá-lo sempre que eu quisesse.

Pensativo, ele disse: — Certo. Nem percebi quando aquela sensação de que ela fazia parte do nosso bando parou. Antes de nós ficarmos juntos, com certeza.

Ele pensou um pouco mais, depois grunhiu. — O que for que ela está fazendo para encobrir sua incursão na magia negra, é uma coisa poderosa, por que... Bem, pense em todas as pessoas que estavam naquele avião a caminho da Europa. Ela escondeu de todos nós.

— Magia passiva — concordei. — Porque notei algo ativo. Algum tipo de amuleto? Se você quer saber como, acho que precisará encontrar um especialista.

Mas como Elizaveta havia escondido o que ela se tornara não estava no topo da lista de tarefas dele. Adam olhou pela janela e agarrou minha mão.

Quando falou, estava suave de dor. — Eu me pergunto quando ela... mudou. E a razão.

Ele gostava de Elizaveta. Ela encantou e o provocou. Ela falava russo com ele, como a mãe dele. Apesar de ter olhos abertos sobre o que até as bruxas cinzentas faziam para manter seu poder, ele pensava em Elizaveta como família, ou algo próximo a ela. Adam não desistia das pessoas com quem se importava facilmente ou sem dor.

— Talvez tenha sido quando aquele vampiro feiticeiro a assustou — sugeri suavemente depois de um minuto, quando ele não disse mais nada. Eu esperava que, se pudéssemos descobrir uma razão, Adam se machucaria menos. — Lembra? Ele a assustou o suficiente para que ela deixasse a cidade até que ele se fosse.

Feiticeiros são possuídos por demônios, e esses demônios podem controlar pessoas que desistiram de seguir um caminho de bondade. Isso incluía bruxas cinzentas e certamente incluía bruxas negras.

Ele balançou a cabeça. — Não, naquela época eu entrava e saía muito da casa dela. O mesmo acontecia com o resto do bando. Era quase um segundo quartel-general, porque estava na cidade e era mais central do que nossa casa. Sua mudança para magia negra não poderia ter sido há mais de um ano, mais ou menos.

Nunca estive dentro da casa de Elizaveta. Ela não gostava muito de mim e eu tinha medo dela. A combinação, como eu já observei antes, não nos tornou amigas.

— Nunca estive na sua nova casa antes de hoje — disse ele. — Vou perguntar ao bando e ver se alguém esteve em sua nova casa, mas acho que não. Demos a ela algum espaço logo depois que ela se mudou, e nunca recuperamos completamente nosso antigo relacionamento.

— Ela se mudou no ano passado, certo? Pouco antes do Natal.

O momento era interessante. Teria sido difícil trabalhar magia negra com vizinhos muito próximos. Os humanos mundanos não sentiriam necessariamente a magia, embora isso nem sempre seja verdade, mas a magia negra produz corpos e também cheiros e sons. Coisas que são mais fáceis de esconder quando os vizinhos estão mais distantes.

— Está certo — concordou ele. — Estou seguindo você. Talvez ela tivesse que se mudar quando deslizou de magia cinza para negra. Ela pegou toda a sua família – porque os adultos tinham principalmente seus próprios lugares antes disso – e os levou para o lugar onde as pessoas podem não perceber que enterravam muitos animais mortos.

Tentei lembrar o que estava acontecendo na época do Natal. Não porque eu me importasse em achar uma desculpa para Elizaveta. Praticantes negros torturavam e matavam presas relutantes. Tanto quanto eu estava preocupada, Elizaveta era um anátema a partir de agora e eu não precisava de mais do que isso. Eu vi aqueles animais mortos em gaiolas. Provavelmente os veria novamente nos meus pesadelos.

Mas Adam poderia se sentir melhor tendo uma razão.

— Logo após o Dia de Ação de Graças, aquele vampiro necromante desafiou Marsilia... Frost — disse eu antes de pensar. Se eu estivesse pensando, não teria mencionado Frost.

A boca dele se apertou. Frost era um ponto dolorido. Fui levada a lutar ao lado de Marsilia contra Frost em uma espécie de duelo de vampiros. Frost poderia comandar os mortos – e eu também, mais ou menos. Marsilia pensou que me puxar para o time dela lhe daria uma chance melhor. Adam precisava superá-lo, porque eu teria matado Frost se Adam não tivesse feito isso primeiro. Provavelmente. Talvez.

— Você acha que Frost pode ter assustado Elizaveta? — perguntei.

— Me assustou — disse ele. — Eu nunca mais quero ver você lutando contra um vampiro novamente, Mercy, qualquer vampiro. Isso foi muito perto.

Ok, eu precisava redirecionar essa conversa porque minhas regras eram que ele só precisava me mastigar uma vez por incidente. E ele já falou sobre Frost.

— Estávamos conversando sobre Elizaveta — disse a ele. — Ele teria assustado Elizaveta?

Ele bufou para mim, mas respondeu à pergunta. — Ela não tem muito a ver com vampiros. — Então o rosto dele ficou sério. — Você me disse que a necromancia é um talento raro para um vampiro.

— Um dos vampiros me disse isso — concordei. Eu transmiti essas informações para Adam para que ele não achasse que Marsilia provavelmente me obrigaria a lutar contra mais de seus rivais tão cedo. — É por isso Frost era tão poderoso.

— Necromancia é mais propriamente uma coisa de bruxa, certo? — disse Adam. Então ele balançou a cabeça e disse mais uma vez, — Elizaveta não tem muito a ver com os vampiros. Acho que ela nunca conheceu Frost. — Ele franziu a testa. — Mas se ele nasceu de bruxa, talvez ela sentisse algo... Não seria uma desculpa para o que encontramos na casa dela, mas seria uma explicação.

— Quando você falou com ela — disse eu —, o que ela disse quando você perguntou sobre a magia negra?

Adam suspirou. — Não perguntei. Ela saberia que eu entendi o que ela estava fazendo. Mas acho que ambos decidimos que era melhor não conversar sobre isso em um telefonema transatlântico. — Foi ele quem que decidiu mudar a conversa dessa vez. — Quando foi a primeira vez que você viu Frost?

— Quando ele tentou esse golpe em Marsilia — disse eu. — Hum. Dois anos atrás? Ok, certo. Isso significa que não pode ter sido Frost. Elizaveta não o conheceu quando ele esteve aqui em novembro. E se ela soubesse sobre ele por outros meios, isso teria acontecido há muito tempo.

— Se seu poder fosse nascido de bruxa — disse Adam —, Elizaveta teria sabido quando ele entrou em Tri-Cities pela primeira vez. Ela tem maneiras. Portanto, o momento não está certo. Pelo menos, se tudo o que ela está respondendo é a mera presença dele. Frost não a fez virar.

Ele deu de ombros na busca pela resposta para o porquê e se concentrou em eventos mais imediatos.

— Quem você sentiu em casa?

— Todos os mortos, Elizaveta, duas bruxas estranhas – e eu acho, levemente em um quarto no andar de cima, aquele homem desaparecido que estávamos ajudando a polícia a procurar há dois meses – o cara com Alzheimer.

Adam assentiu. — Zack e Darryl também sentiram. — Ele desviou o olhar por um momento. — Ela nos ajudou a procurá-lo também, lembra? Eu deveria ter visto o que estava acontecendo antes disso.

— Como? — perguntei a ele. — Ela estava se escondendo de você, Adam. Isso é algo em que ela é muito boa.

Após um momento, ele disse: — Então você só pegou duas bruxas estranhas também. Bruxas negras. — Eu assenti. — E Elizaveta e toda a sua família são... Eram praticantes de magia negra. Você achou algo mais?

— Algumas coisas — disse a ele. — E não sei o que fazer com elas. Todo mundo na casa morreu exatamente ao mesmo tempo.

— Como você sabe disso? — Mas antes que eu pudesse responder, ele estalou os dedos da mão livre, que não estava me tocando. — Fantasmas.

Balancei a cabeça. — Eles estão por toda a casa, mas não consegui nada coerente deles. O trauma pode gerar fantasmas fortes, mas nem sempre os tornam bons comunicadores.

— Então, como você sabia que todos morreram ao mesmo tempo? — perguntou Adam.

Fiz uma careta, porque não estava feliz com isso. — Eu apenas sabia, Adam. Eu podia sentir naquela casa... que a vida simplesmente deixou de ser possível em um único momento, e tudo morreu.

Ele resmungou infeliz, e foi assim que eu me senti. Eu não gostava de saber que havia uma bruxa por aí que poderia fazer algo assim. Quatorze pessoas e dezenas de animais morreram sob sua magia. Se ela poderia fazer isso com uma casa cheia de bruxas, poderia fazer isso com uma casa cheia de lobisomens?

Também não gostei de saber quão forte senti o momento da morte deles. Eu começava a entender como o Coiote estava ligado à transição entre a vida e a morte – o coiote era o espírito de mudança, afinal. As implicações para mim foram inquietantes.

Seguindo em frente, então. — Havia muitos fantasmas naquela casa — disse a ele. — Se você cavar na terra dela, aposto que encontrará restos humanos junto com os animais. Mais do que apenas o senhor com Alzheimer.

Ele fez uma careta. — Isso é algo que descobriremos quando Elizaveta voltar.

— Ela tinha alguma teoria sobre quem poderia ter feito isso? — perguntei.

Ele balançou a cabeça e depois deu de ombros. — Alguém tentando dominar seu território enquanto ela estava longe.

Frost estava meio que na minha cabeça por causa da nossa discussão anterior. E ele veio a Tri-Cities para dominar o território de Marsilia. E então meu subconsciente, que evidentemente andava devagar na maior parte da manhã, finalmente conectou alguns pontos.

Adam franziu a testa para mim. — Mercy?

— Huh — disse eu. — Frost.

— O quê? — perguntou Adam.

— Acabei de descobrir quem era a bruxa que fez aqueles zumbis — disse a ele. — Você sabe como são os aromas, depois de um tempo é preciso um pouco de corrida para lembrar quando você cheirou alguém antes.

— Sim — disse Adam.

Eu assenti. — Eu sabia que ela cheirava como alguém que eu já cheirei antes. Mas continuei examinando as bruxas que conheci – na verdade não foram tantas – e fiquei em branco. Mas as partes dela que não cheirava a magia negra e bruxa cheirava a Frost. O suficiente para ser um parente, irmão, filho – até pai. Mas não mais longe do que isso.

— Huh. — Adam fez o mesmo barulho que eu, soando invulgarmente perplexo. Então ele pareceu se recompor.

— Frost — disse ele. — Você acha que esse ataque teve algo a ver com vampiros?

— Ou — disse devagar —, talvez a coisa toda sobre Frost tenha algo a ver com bruxas.

Ele soltou minha mão e usou as duas mãos para esfregar o rosto cansado. Ele não teve uma noite inteira de sono em quase uma semana. Eu também.

— Ótimo — disse ele. — Exatamente o que precisamos agora, uma disputa territorial entre bruxas e talvez vampiros.

— Eu lhe dei minha atual teoria da conspiração — disse a ele. — Talvez seja uma coincidência?

— Mas isso me faz fazer hmm — disse ele.

Inclinei minha cabeça em seu ombro. — Desculpe.

— Não é sua culpa — disse ele. Depois de um momento, ele disse: — Você ouviu Sherwood ligar a água?

— Não — disse eu, sentando-me. Se Sherwood tivesse tomado banho, deveríamos ter ouvido. — Sherwood? — Chamei o nome dele. Ele era um lobisomem; deveria me ouvir facilmente.

Não houve resposta.

— Não consigo alcançá-lo através dos laços do bando — disse Adam, saindo da cadeira e indo em direção a o porão. — Ele está lá, mas não consigo entrar em contato com ele.

Adam não correu, mas também não perdeu tempo. No topo da escada, ele parou e levantou a mão para eu fazer uma pausa também.

O porão estava silencioso, quieto e escuro demais. Agora que estava procurando, eu podia sentir magia trabalhando. Eu teria jurado que não havia nada lá quando Sherwood desceu. Pensando bem, Sherwood, ao contrário da maioria dos lobisomens, era sensível à bruxaria – e isso era bruxaria. Se isso estivesse lá, ele nunca teria caído.

Adam desceu as escadas, mas agarrei a parte de trás da sua calça jeans. Ele podia ver a escuridão e ouvir o silêncio, mas não conseguia sentir o que eu podia.

— Espere — sussurrei. — Há muita magia aqui nas escadas.

Adam se virou e me deu um beijo rápido. — Mercy — disse ele em uma voz normal. — Nem você, nem eu, podemos fazer qualquer coisa sobre a magia, e um dos meus lobos está do outro lado.

Eu o soltei. — Quando você coloca assim...

Ele continuou descendo e eu o segui. Quando seu pé bateu no quarto degrau, uma sombra escura subiu, como uma névoa estranha, preta e com gelo seco. Adam nem hesitou. Coloquei a mão nas costas dele quando ele entrou na escuridão à minha frente.

Talvez eu devesse ter ficado lá em cima, onde poderia ter pedido ajuda se ninguém voltasse. Mas ele não me pediu para fazer isso, e eu não sugeriria. Um dos nossos lobos estava preso lá embaixo.

Eu soube quando chegamos ao final da escada, porque estava contando e porque Adam parou abruptamente. Ele rosnou e os músculos sob minha mão se apertaram como uma pedra enquanto ele pressionava o que quer que esteja à sua frente.

— Bloqueado — resmungou ele.

— Deixe-me tentar — disse eu, passando por ele.

A barreira que o deteve parecia uma enorme almofada quente bloqueando o caminho. Tentou me manter fora como fez com Adam, mas em todos os lugares que pressionava contra mim, suavizava e cedia. Ao avançar parecia como se eu estivesse voluntariamente me sufocando em cera quente que deslizou em meus ouvidos e nariz e exigia quase mais coragem do que eu possuía. Mas Adam estava nas minhas costas, e esse conhecimento combinado com a necessidade de encontrar Sherwood me manteve seguindo em frente.

Fechei a boca antes que qualquer geleia desagradável de bruxa pudesse invadir minha boca também. Agarrei a mão de Adam enquanto eu lutava para avançar, esperando poder puxá-lo no meu caminho.

Não foi fácil nem rápido, mas progredi. O ar fresco tocou o topo da minha cabeça, e então eu pude ouvir o rugido furioso do lobo de Sherwood enquanto a magia quente e insidiosa deslizava relutantemente para longe.

Assim que minhas narinas estavam livres, eu podia sentir o cheiro de magia negra e... um lobisomem estranho, cujo perfume foi coberto por algo que cheirei muito hoje. Não ousei abrir os olhos até minhas pálpebras estarem afastadas da barreira, mas meu nariz me disse o suficiente.

Tínhamos um lobisomem zumbi no porão.

Inclinando-me, a parte superior do meu corpo liberou primeiramente da barreira, o que significava que eu estava presa da cintura para baixo, e cega enquanto havia um lobisomem zumbi a menos de dez metros de distância.

Limpei meu rosto com a mão livre, afastando a magia até que parecia seguro abrir meus olhos. Minhas pernas ainda estavam presas em câmera lenta, mas pelo menos eu podia ver.

Esse zumbi era diferente das cabras, melhor fabricado. Seu pelo preto não brilhava exatamente com saúde, mas também não era irregular. Difícil dizer com certeza, com os dois combatentes se movendo tão rápido, mas eu achava que o lobo zumbi era um pouco maior que Sherwood, o que o colocaria do mesmo tamanho que Samuel ou Charles. Se não fosse pelo cheiro, eu poderia acreditar que era um lobisomem vivo.

As cabras com as quais lidei esta manhã foram levadas por um único objetivo: alimentar-se. Isso as tornou fáceis de caçar, porque eram cegas e surdas a qualquer outra coisa. Mas esse lobo morto lutava com inteligência e treinamento.

Sherwood estava sem uma perna traseira – o que era irritante, eu tenho certeza, mesmo em sua forma humana. Mas era uma enorme responsabilidade em uma luta em que ele era um lobo, como agora. Ele compensou a falta de tática, forçando seu oponente a se mover em seu espaço, onde sua habilidade de manobrar dificultada não era um problema.

Fora Adam, eu acho que não haveria um lobo no bando que poderia ter derrotado Sherwood se ele tivesse quatro pernas. Mas ele estava perdendo sua batalha contra o zumbi.

— Dano mecânico — gritei para Sherwood, como se ele precisasse da minha ajuda. Com a minha experiência recém-adquirida com zumbis, continuei mais baixo: — Eles não sentem dor. Então você tem que fazer dano mecânico. Conseguindo ajuda em um minuto.

Redobrei minha luta para libertar minhas pernas sem perder o equilíbrio. Puxei meu pé esquerdo, virei e voltei para a barreira e tranquei minha mão livre na de Adam, para que eu pudesse puxar com ambas as minhas mãos. Eu não seria de muita ajuda com um lobisomem zumbi – precisávamos de Adam.

Puxá-lo era como um jogo de cabo de guerra. Fiz progressos, mas era terrivelmente lento. Em algum momento do processo, meu pé esquerdo ficou livre. Ao ajudar Adam, eu escondi meu rosto na lama. Eu não conseguia ver Adam, apenas senti o aperto de suas mãos nas minhas enquanto nós dois nos esforçávamos para puxá-lo.

Houve um momento terrível em que pensei que não daria certo – que nós dois iríamos apenas sufocar na barreira destruída. Finalmente, com um vasto e horrível som de sucção e um zing que passou por mim como aquela vez em que toquei uma cerca elétrica na chuva, o feitiço se foi.

Adam cambaleou para frente, desequilibrado pela repentina falta de resistência. Mas ele recuperou o equilíbrio quase imediatamente, sua atenção na luta. Soltei a mão dele e dei um passo para trás, ofegando por ar enquanto ele tirava a roupa e chamava os laços do bando para acelerar a transformação. Mas ele não esperou completar antes de entrar na briga.

Mesmo com a ajuda dos laços, levaria cinco ou dez minutos para mudar. Poderia ter sido melhor permanecer humano – mas ele não tinha armas e não mantínhamos nenhuma aqui embaixo.

— Zumbis — murmurei, olhando para o lobo morto que lutava como um demônio. — O que eu sei sobre zumbis?

Desde que a magia se foi das escadas, eu as subi até o andar principal, depois parei.

— Queime zumbis — murmurei. — Decapite-os. — Eu tive visões de uma dúzia de filmes de terror com partes do corpo, mas não conseguia lembrar que parte desse conhecimento era ficção. Eu gostaria de ter experimentado um pouco nas cabras zumbis em miniatura. Seria útil agora saber se a decapitação funcionaria. Queimar um zumbi enquanto estávamos no porão parecia uma coisa duplamente inútil. Se eu conseguisse encharcá-lo com bastante líquido leve para pegar fogo na carne, haveria uma boa chance de pegar fogo em tudo e em todos. E não importa o que pegava fogo, graças a Aiden e Joel, tínhamos um sistema de supressão de incêndio na casa. Decapitar parecia a melhor opção com meu conhecimento limitado.

Subi correndo o segundo lance de escada em direção ao nosso quarto, em vez de correr para o suprimento de churrasco na garagem. As facas da cozinha estavam mais próximas, mas apenas alguns segundos mais próximas, e não eram grandes suficiente.

Adam tinha uma arma segura no closet e um guarda-roupa trancado cheio de outros tipos de armas. Lamentei pelo meu sabre – deixado no porta-malas do meu carro, que estava na casa de Elizaveta aguardando um do bando trazê-lo para casa. Mas havia muitas coisas afiadas e pontudas no guarda-roupa.

A primeira coisa que vi na loja de armas foi o .444 Marlin. Eu quase esqueci; ficamos sem espaço no cofre de armas e, em vez disso, colocamos o Marlin no armário de armas.

No porão, não precisava me preocupar em matar pessoas inocentes com a arma projetada para atirar em ursos Kodiak. As balas do tamanho de um batom podem até causar um problema no zumbi.

Não há tempo para hesitar. Peguei o rifle, que mantivemos carregado, com a mão esquerda e peguei uma espada aleatória à minha direita. Eu estava de volta ao corredor quando percebi que arma eu peguei.

Sabre de Peter.

Peter tinha sido um dos nossos lobos. Seu sabre de cavalaria alemão estava em nossa casa quando ele morreu – ele o trouxe para demonstrar algo para um dos outros lobos. Ou talvez isso tivesse sido quando ele estava ensinando Jesse a lutar com uma espada. Honey, sua companheira, não o pegou, embora soubesse onde estava.

O aço alemão era mais indulgente que o aço das cinco katanas que também estavam penduradas naquele armário – flexionaria onde uma katana poderia quebrar. Essa era a única coisa que tinha a seu favor no que me dizia respeito. Era um sabre de cavalaria pesado.

Tratei de katanas por anos e mudei para o sabre ainda mais curto e leve. Mas uma espada de cavalaria foi projetada para ser empunhada a cavalo, tanto machado quanto lâmina, e esta foi construída para um homem que era mais alto e mais forte do que eu. Era melhor que uma faca de cozinha.

Pelo menos eu tinha o .444.

Meu pé bateu no último degrau da escada para o andar principal menos de um minuto depois que eu corri do porão. Mantive uma contagem na minha cabeça. Cinquenta e três segundos é muito tempo em uma batalha real. Pessoas morrem em segundos. Batimentos cardíacos. Eu me confortava com os sons bestiais vindos do porão e da queima dos laços do bando. Se Adam ainda os atraía para acelerar sua mudança, ele estava vivo.

Então o silêncio caiu.

Parei no meio da escada superior.

O lobisomem zumbi subiu o topo da escada do porão e parou. Olhou em volta como se procurando por algo. Larguei a espada para poder usar o rifle.

O som chamou sua atenção e saltou através do espaço entre as escadas do porão e aquelas em que eu estava acima e subi.

Atirei duas vezes o mais rápido que pude executar a ação no rifle. O Marlin chutava como uma mula, e até o cano da bala não compensava o fato de a arma ser relativamente leve e a bala ser enorme. Eu deveria ter esperado no segundo tiro e sabia disso enquanto meu dedo puxava o gatilho. Só carregava cinco balas e acabei de desperdiçar uma.

Mas meu primeiro tiro foi no peito. Eu estava mirando na testa, mas o zumbi estava se movendo rapidamente. A bala empurrou-o para trás, rolando cerca de cinco degraus e no espaço entre as escadas antes de recuperar o equilíbrio.

Ouvidos ecoando com o fole de canhão do fuzil, respirei fundo, lembrando que era necessário causar danos mecânicos, e acertei a perna esquerda frontal do lobo com a terceira bala enquanto ele tentava subir minhas escadas novamente. Devido à portabilidade do cano, o bocal do Marlin tinha mais de sessenta centímetros de comprimento e, por algum motivo estranho, explicável apenas pelas condições do campo de batalha, porque o bocal não faz nada, isso me tranquilizou.

O próximo tiro arrancou o fundo de sua mandíbula, mas a próxima e última bala acertou na parede quando o lobo se moveu mais rápido do que eu já havia visto e bateu no final do cano da espingarda.

Eu a soltei – eu estava sem balas de qualquer maneira – e o rifle atingiu a parede com um barulho que me deixou quase certa de que a arma não será mais útil novamente. Mas eu estava muito ocupada esquivando-me de garras afiadas para lamentar o rifle do meu pai adotivo, morto há muito tempo. Esse golpe tinha mais em comum com um ataque de urso do que um lobo. Se me atingisse, poderia me matar com um único golpe.

Pulei para a espada e esfaqueei o lobo com os reflexos em que venho trabalhando desde antes de ser presenteada com meu sabre. Executei o ataque sem problemas e, se estivesse usando meu sabre ou katana, teria deslizado para dentro do coração.

Mas a espada de Peter era um sabre de cavalaria e a ponta era mais pesada do que eu estava acostumada – e a ponta e a alça não estavam alinhadas. A única coisa que meu golpe de espada fez foi liberar um fluxo de cheiro vil por todo o tapete branco. E então ficou presa no zumbi.

Não me incomodei em tentar segurar a espada. Em vez disso, pulei sobre ela, sobre a grade da escada, aterrissando bem na beira do primeiro degrau da escada do porão.

O zumbi teve um pequeno problema para virar... mas vi com horror que estava curando o dano que eu havia causado. Sua perna destruída ainda não suportava o peso, mas não estava mais pendurada na junta do ombro. E quando ele mostrou suas presas para mim, a mandíbula inferior que eu quase arrancara era totalmente funcional.

Estava se curando mais rápido do que um lobisomem. Isso não era algo que as cabras zumbis em miniatura haviam feito.

O zumbi seguiu meu salto, mas traído pela perna ruim, caiu muito longe e lutou para ficar de pé. Ele agia como se ainda não tivesse percebido que uma das pernas da frente não estava funcionando.

Entrei na cozinha e peguei uma faca do bloco e me virei para enfrentar o zumbi, mas ele não me seguiu. Ouvi uma batalha pelas escadas e voltei correndo até que eu podia ver o que estava acontecendo.

Adam havia impedido o lobisomem zumbi de me seguir. Havia sangue fresco em todo o meu companheiro, mas como o zumbi, ele já havia curado a maior parte do dano. Ele ainda estava mudando, e se ele curou tanto dano quanto parecia, estava retirando muita magia do bando. Provavelmente, foi por isso que o vínculo do bando parecia pegar fogo.

Eu me perguntava de onde o zumbi estava conseguindo seu poder.

Ele me viu e se lançou. Adam pegou o lobo morto pelo ombro e o rasgou (literalmente, porque suas garras foram cavadas no tapete) para longe de mim. A criatura caiu todo o caminho até o pé das escadas e...

Magia me atingiu, como aconteceu mais cedo nesta manhã, quando o goblin lançou sua magia. Este poder surgiu da parte inferior dos meus pés e viajou pelo meu corpo em um choque tão forte que, por um instante, todos os músculos do meu corpo se prenderam com intensidade dolorosa de uma cãibra gigante e infernal, e eu não conseguia respirar, não suportava, não conseguia pensar. Quando isso diminuiu e respirei fundo, em pânico, senti o cheiro de ozônio, como se estivesse muito perto de um raio.

Caí em uma pilha no chão e meu corpo vibrou com ainda mais magia, magia que meus sentidos queriam interpretar como música, um som selvagem de lamento e raiva ecoando através da minha carne e não dos meus ouvidos.

E então acabou. Levantei-me instintivamente – o chão é um lugar terrível para se estar em uma luta. Adam colocou o lado dele contra mim, para que eu não voltasse ao chão.

A última vez que vi Adam, seu corpo estava pronto para seguir o zumbi escada abaixo. Evidentemente minha reação estranha o manteve no andar de cima.

— Não sei — disse eu a seus olhos preocupados, sem fôlego. — Alguma grande magia. — Esfreguei meus braços.

Houve um ruído de raspagem no porão.

Nós dois olhamos escada abaixo, mas o zumbi não estava em lugar nenhum – embora eu certamente ainda pudesse cheirá-lo. Havia uma poça da mesma sujeira nojenta e mole que a espada de Peter havia extraído no tapete ao pé da escada. Algo grande foi arrastado através dela.

— Sherwood? — chamei.

O som do seu rosnado deveria ter me tranquilizado.

As orelhas de Adam se achataram. Ele olhou para mim.

— Ok — disse eu com relutância.

Então eu esperei enquanto meu companheiro descia as escadas para ver o que havia acontecido.


5

 

Sherwood rosnou novamente. Desta vez, era um som dolorido que tinha elementos de cordas vocais humanas. Ele estava todo lobo quando eu o vi, nem cinco minutos atrás.

Adam, fora de vista, não fez nenhum barulho. E uma onda de magia rolou sobre mim novamente. Sempre tive problemas com o uso pesado de magia, mas me pareceu que minha reação a isso estava piorando com o tempo. Isso, ou eu estava apenas sendo exposta a usuários de magia mais poderosos.

Assim que pude me levantar, respirei fundo e decidi que havia terminado de esperar. Desci cautelosamente as escadas. Os dois degraus inferiores estavam molhados com gosma repulsiva da barreira original que nós, Adam e eu, derrubamos. Mas além de certo fator de nojo, porque eu estava descalça, não prestei muita atenção nisso. O que eu vi na sala me parou, bem no meio do ponto pegajoso.

Adam parou no meio da sala, provavelmente pelo mesmo motivo que eu.

No outro extremo da sala, onde as sombras eram mais profundas, mesmo no meio do dia, havia um sofá gigante tipo saco de feijão{5}. Esses sofás eram uma das poucas peças de mobiliário que eram igualmente confortáveis para lobo e humano, então espalhamos alguns pela sala.

Os restos do lobo zumbi foram colocados na cadeira como se seu conforto importasse. O lobisomem morto parecia sem vida, realmente morto e continuaria assim. Sherwood ajoelhou-se no chão do sofá. Ele estava uma bagunça. Ouvi sua voz humana no meio do lobo, e seu corpo estava assim, preso no meio do caminho de volta para humanos de uma maneira que eu nunca vi. Ele estava preso em uma incompatibilidade bizarra de membros humanos e características de lobos que pareciam incrivelmente dolorosas e completamente insustentáveis. Se o lado de fora estava tão errado, eu não conseguia imaginar como estavam os órgãos internos.

Mas ele tinha duas mãos em forma de humano repousando sobre a pilha de ossos cobertos de pele. Os olhos de Sherwood – olhos dourados e selvagens – olharam de Adam para mim e de volta.

Adam sentou no chão onde estava, todo o caminho, de barriga para o chão. Eu teria me sentado também, mas havia uma poça profunda de gosma sob meus pés descalços. Eu esperava que a combinação de quanto eu era menos uma ameaça do que Adam e o fato de estar mais longe seria o suficiente para fazer minha presença não ser um problema para Sherwood.

Sherwood aparentemente concordou comigo. Ele observou Adam por um momento mais, então, satisfeito que nós o deixaríamos trabalhar, ele voltou sua atenção para o lobisomem morto de novo.

E cantou.

As palavras foram mutiladas pela forma intermediária entre as mudanças de sua boca, mas ele era perfeito e a música arrepiou o cabelo da minha nuca, partindo meu coração com sua magia e sofrimento.

Esperamos onde estávamos, Adam e eu, enquanto o perfume da magia negra se dissipava. O perfume, a sensação de magia negra, permanece por um longo tempo, anos ou até décadas. Mas o lobo morto e o porão – e eu, até meus cabelos profundamente fedidos – todos estávamos sendo limpos enquanto Sherwood cantava.

Não sei o que Adam podia sentir, mas me pareceu que a magia saiu de Sherwood e nos lavou. Eu não saber dizer o tipo de magia era uma raridade para mim. Parecia Sherwood, masculino e reservado, lobisomem e gentil. Não era magia de lobisomem – isso era outra coisa completamente. Isso era alguma coisa... Mais primitiva. Mais selvagem. E eu não achava que havia algo mais selvagem do que a magia do bando.

Enquanto observava Sherwood sofrendo com esse lobisomem que era um zumbi, pensei no poder do que ele estava fazendo. Do que senti através de mim.

Pensei em como Sherwood acabara em nosso bando, enviado pelo Marrok, que havia governado todos nós e agora governava todos os lobisomens, exceto nosso bando. E quão curto um período de tempo entre quando Sherwood chegou aqui e quando esses laços foram cortados.

Pensei no que sabia de Sherwood, cuja voz era tão bonita que lágrimas escorreram pelo meu rosto de sua tristeza, quando eu não conseguia entender as palavras da música que ele cantava. Mas eu sabia o conteúdo da música, porque sua intenção foi esclarecida magicamente.

Bran, o Marrok, resgatara Sherwood do clã de bruxas que os lobos de Seattle descobriram. Sherwood havia perdido uma perna que nada poderia ajudá-lo a se regenerar e nenhum vestígio de memória que antecedeu sua estadia com as bruxas. Ele realmente não me respondeu sobre o quanto de seu cativeiro ele lembrava quando perguntei a ele ao entrarmos na casa da bruxa hoje cedo.

Eventualmente, Bran lhe dera um nome – em um acesso de exasperação, pelo modo como o próprio Sherwood me contou: Sherwood Post. Não era um... nome usual; formado de autores de dois livros na mesa de Bran, uma coleção de contos de Sherwood Anderson e Emily Post sobre etiqueta. Bran lia o tempo todo, mas eu nunca soube que Bran lia nenhum desses autores.

Tive uma aula de literatura americana na faculdade e o professor nos fez memorizar citações, não sei a razão. Pensei que Anderson era um pouco autoconsciente em seus escritos e preferia F. Scott Fitzgerald, que era mais legível, e Faulkner, que era melhor em palavras. Mas quando Sherwood cantou sua canção de luto, lembrei-me de que Anderson havia dito algo sobre pessoas que eram deliberadamente estúpidas, enterrando pensamentos mais profundos sob uma barricada de aço para que não precisassem olhar para eles. Isso me fez pensar se a escolha do nome de Bran foi menos impulso do momento e mais um epíteto fundamentado.

Eu estava bastante convencida de que Bran sabia quem era Sherwood antes das bruxas o levarem. Parada ao pé da escada em uma poça de lodo podre com a magia de Sherwood me lavando, eu tinha certeza disso. Não havia muitos lobisomens que pudessem gerar esse tipo de magia; eu não conseguia entender um mundo em que Bran não o conhecesse. Bran acompanhava os lobisomens de tão perto quanto qualquer dragão vigiava seu tesouro.

Estava com uma sensação estranha e não sei exatamente de onde veio, embora tenha solidificado enquanto assistia Sherwood cantar para o lobo morto conforme expulsava a magia imunda. Pensei que talvez Bran também soubesse, de alguma forma, que Adam e nosso bando acabaríamos sozinhos contra o mundo, e enviou esse lobo quebrado para nos ajudar a sobreviver. Esse lobo com quem ele não se importaria. E se Sherwood estava aqui, era porque Bran o queria aqui.

Enquanto cantava, Sherwood tornou-se humano. Não tão rápido quanto eu podia mudar, mas mais rapidamente do que eu vi alguém mudar, exceto o filho de Bran, Charles, ou um lobo alfa, puxando o poder do bando. Nos últimos minutos, enquanto cantava, totalmente humano, eu pude entender palavras, embora não significados, porque ele não estava cantando em galês ou em qualquer outro idioma que eu reconhecesse.

Depois que a última nota caiu e o silêncio reinou, Sherwood beijou o lobo morto no focinho, por mais ensopado de sangue que estivesse. Nosso lobo quebrado fechou os olhos, descansou a testa nos ossos ocultos e explodiu o corpo em cinzas em uma explosão de magia que me derrubou de bunda na refrescante gosma fétida em que eu estive tentando evitar sentar.

Quando pude ver novamente, Sherwood estava no chão, inconsciente, e Adam lambia meu rosto.

— Estou bem — disse a ele. — É apenas a magia. — Até o pensamento de quanto poder Sherwood usou me fez tremer em reflexo. — Vá verificar Sherwood.

Eu me levantei para fazer o mesmo.


• • •


— Huh — disse Sherwood, bebendo sua terceira xícara de chocolate e olhando para as migalhas em seu prato. Ele tomou banho e vestia um moletom preto um pouco pequeno demais para ele, sentado à mesa da cozinha, de costa para a parede.

A casa cheirava mal e continuaria assim até que o empreiteiro de Adam mandasse seus caras rasgarem o tapete onde o lobisomem zumbi havia deixado quantidades generosas de líquidos podres para trás. Eu finalmente substituiria todo o branco, e amanhã eu ficaria feliz com isso. Mas o cheiro era apenas a parte orgânica da sujeira que invadiu nossa casa, e isso não foi tão preocupante quanto poderia ter sido se Sherwood não tivesse banido o fedor da magia negra com sua música.

Meu cabelo estava molhado e eu usava sapatos para me proteger de mais coisas horríveis. Eu estava no meu terceiro conjunto de roupas hoje e ainda não era meio-dia. Eu gostaria de dizer que era um recorde, mas não era nem perto. A máquina de lavar roupa, fortificada com um copo do limpador Orange Cleaner que eu costumava usar para tirar a graxa das minhas mãos, estava tentando remover a gosma do fundo da minha calça jeans. Se isso não funcionasse, eu jogaria aqueles jeans fora.

Adam, completamente humano novamente, estava no meio do reconto dos eventos após a expedição de Sherwood ao chuveiro do porão, quando cheguei do banho recém tomado e limpa. Enquanto ele terminava a história, fiz mais sanduíches para todos nós – e muito chocolate quente e picante.

Quando Adam terminou de descrever o que Sherwood fizera com o corpo do zumbi, Sherwood balançou a cabeça.

— Não me lembro disso — murmurou ele em sua xícara. Ele largou o copo, olhou para ele e disse: — Não me lembro de nada depois que desci e detonei a armadilha da bruxa – não até que eu me sentisse no chuveiro no andar de cima. Não me lembro de um lobisomem zumbi. Não me lembro de cantar. Eu não canto. Não faço magia. — Ele olhou para Adam com olhos sombreados. — Acho que não me lembro. — Ele apertou as mãos.

A tristeza que senti dele, através dos laços do bando e de seu perfume, não vacilou. Mas eu estava quase certa que ele estava mentindo sobre não se lembrar, eu simplesmente não achava que Adam e eu éramos as pessoas a quem a mentira se direcionava. Apenas sua última frase soou verdadeira, e pude ver pelo rosto dele que ele percebeu isso.

— Por que ele mudou assim? — perguntei a Adam, porque isso estava me incomodando – e Sherwood nem se lembrava de fazer isso.

Adam parou sua mudança no meio do caminho uma vez – e o resultado foi monstruoso. Eu ainda não estava certa se foi de propósito. Mas o que Sherwood fez foi diferente.

— Como o quê? — perguntou Sherwood.

— Ele não conseguiu mudar todo o seu corpo com rapidez suficiente para seus objetivos — disse Adam. Ele falou comigo, mas olhava para Sherwood. — Ele apenas mudou o que precisava. Eu não posso fazer isso, mas o Mouro e alguns dos outros lobisomens mais velhos podem.

Todos nós absorvemos isso por alguns minutos.

— Então — disse eu rapidamente —, precisamos descobrir como o zumbi entrou.

Adam fez uma careta. — Podemos tentar, mas sem uma bruxa, não sei se chegaremos a algum lugar.

— Posso pedir à Zee para ajudar — sugeri. — Ele não é uma bruxa, mas ele existe há muito tempo — hesitei. — Eu poderia ligar para Bran ou Charles.

Adam balançou a cabeça. — Zee, mas não Bran ou Charles. Há muitos olhos em nós agora. Eu acho que é mais importante do que nunca que a comunidade sobrenatural saiba que não fazemos parte do povo de Bran agora.

Sherwood franziu o cenho para Adam. — O que há de tão importante agora?

Adam olhou para ele por um longo momento. — Então — disse ele —, vamos deixar de lado por que você chorou por um lobo morto há muito tempo, certo? Ou como você limpou o fedor da magia negra de nossa casa.

Sherwood desviou o olhar. — Por favor?

— Temos que descobrir como eles entraram e plantaram essa armadilha — disse eu. — Se Sherwood não estivesse aqui, Adam – e se Jesse tivesse encontrado aquela coisa? E se eles plantarem outro lobisomem zumbi?

— Eles não têm mais — disse Sherwood, seus olhos brilhantes como lobo e sua voz quase gutural. A mudança foi tão repentina, sua voz tão poderosa, que me peguei recuando na cadeira.

— Aquele que fez essa pobre sombra está morto há muito tempo. — O lobo em aparência humana quase brilhava com poder. — Eles não têm o aprendizado nem o poder de fazê-lo novamente. Eles não teriam o arriscado se soubessem quem estava aqui. Eu o libertei, meu pobre irmão.

Ele olhou para Adam, mas seus olhos não encontraram os do meu companheiro. — Quanto a outras travessuras, minha música reivindicou este lugar por enquanto. Nenhum mal pode entrar sem convite. Eles não podem entrar. — Ele olhou além de nós, atrás de Adam e eu, em direção ao porão. — Não por um tempo.

— Sherwood? — perguntou Adam.

— Não — rosnou o lobo de Sherwood, uma pitada de desprezo em sua voz. Então sua voz suavizou um pouco. — Ainda não. Ele ainda se esconde.

— Lobo — perguntei —, quem é você?

— Witchbane — disse ele. — Descendente da bruxa. — Ele fez uma careta, ou talvez tenha sorrido. — Algo parecido, talvez. Eu esqueço. Quem é você?

— Nada tão grandioso — disse eu.

Ele arreganhou os dentes. — Filha do Coiote — disse ele. — Devemos cantar para a grande morte.

Então ele estremeceu, fechou os olhos e desmaiou. Se Adam não fosse tão rápido quanto era, ele teria caído no chão.

— Bem — disse Adam, erguendo a forma flácida de Sherwood e caminhando para a sala de estar, onde poderia colocá-lo no sofá. — Isso foi inesperado.

— Não é tão inesperado quanto fazer com que ele se transforme em um coitado que destruiu um zumbi lobisomem — disse eu.

Adam sorriu para mim. — Aquilo que não nos destrói...

— Nos deixa coçando a cabeça e dizendo: O que vem a seguir? — perguntei. — Ele está bem?

Sherwood já começara a se mexer.

— O vínculo do bando diz que ele está bem — disse Adam. — Apenas cansado. Talvez outro par de sanduíches?

Eu fiz comida – nesse ritmo, eu teria que ir às compras novamente. Quando trouxe a comida na sala e coloquei em uma mesa, Sherwood estava sentado novamente.

Ele apertou os olhos para a comida e começou a comer como... bem, como um lobo devorador.

— Eu me lembro disso — rosnou ele. — O que quer que fosse. — Então ele parecia um pouco nauseado e desistiu de comer. Quando falou novamente, sua voz era suave e incerta. — Incomoda ter isso dentro de mim esse tempo todo. Saber que está lá, tudo, esperando por mim.

Eu não acho que ele falava sobre seu lobo.

— O que virá, virá — disse Adam. — Isso é o suficiente por enquanto.

Sherwood deu uma risada irônica. — Certo.

— Você salvou o dia — disse Adam firmemente. — Deixe ir.

— Aparentemente, isso é algo em que sou bom. — Apesar da amargura autodirigida de suas palavras, quando Sherwood deu outra meia risada, desta vez foi genuína.

— Tudo bem? — perguntou Adam.

— Tudo bem — disse Sherwood. Para provar, recomeçou a comer.

Adam me deu um olhar triste. — Planejei que as coisas fossem um pouco diferentes, mas ainda tenho que discutir algumas coisas com você. — Ele se virou para Sherwood. — E você também. Parece um pouco anticlimático depois de tudo isso... — Ele inclinou a cabeça em direção à bagunça que começava no topo da escada para o andar de cima e continuava em uma trilha de manchas interessantes e coisas quebradas em direção ao porão. — Mas ainda é importante – a longo prazo, pode ser mais importante.

Engoli em seco, porque Sherwood não era o único a comer. Adam não comeu – e deveria, porque ele mudou de um lado para o outro, lutou contra um lobisomem zumbi e se curou muito rapidamente. — Você precisa comer — disse a ele.

— Eu comi enquanto você estava no chuveiro — disse ele. — Juro.

Olhei para Sherwood, que ergueu as duas sobrancelhas para Adam, mas depois assentiu.

— Não estou duvidando da sua palavra — disse eu com dignidade. — Mas é o meu privilégio garantir que enquanto ele cuida de todo mundo, ele cuide de si mesmo também.

Adam moveu os poucos centímetros entre onde ele estava e onde eu estava sentada em um pequeno otomano redondo. Ele inclinou-se e me beijou.

Quando se endireitou, ele não se afastou. — Então — disse ele —, as reuniões noturnas que tenho realizado são precursoras de reuniões entre o governo e os Lordes Cinzentos. Ninguém realmente espera resultados firmes, mas é a primeira negociação não hostil.

Sherwood apertou os lábios. — Então, por que você está dizendo apenas para Mercy e eu? Por que não o bando inteiro?

— Nenhum de vocês aparece na lista de membros ativos do Bando Bacia Columbia que alguém apresentou ao meu velho amigo general Gerald Piotrowski — disse Adam secamente. Sua voz era especialmente seca quando disse meu velho amigo.

— O vice-presidente do Joint Chiefs of Staff? — perguntou Sherwood.

Fiquei impressionado que ele sabia quem era Piotrowski. Poucas pessoas poderiam dizer quem era o presidente do Joint Chiefs of Staff, muito menos o vice-presidente. E Sherwood era um amnésico que não se lembrava de seu próprio nome, a menos que fosse atacado por lobisomens zumbis, aparentemente, um conhecimento tão profundo sobre o governo não era algo que eu esperava dele.

Caramba, eu tinha um diploma em história, então eu deveria estar interessada em coisas assim, e eu não sabia quem eram os participantes do Joint Chiefs.

— Esse mesmo — concordou Adam. — E, na verdade, era você, Mercy e Zack.

— Alguém tem uma lista antiga de quem está no bando — disse eu. — E talvez eles tenham me deixado de fora porque não sou um lobisomem; eu não deveria estar no bando, exceto em um sentido auxiliar. — Algo esfriou em minhas veias, pressentimento talvez. — O grupo de agentes desonestos de Cantrip, que sequestraram o bando para fazê-lo assassinar seu alvo, tinha uma lista, não é? — Em novembro passado, ao mesmo tempo em que Frost tentou dominar o território de Marsilia.

Adam colocou a mão no meu ombro e deixou descansar lá. — Eu acho que é a mesma lista. Não sei se eles obtiveram do grupo desonesto, o grupo desonesto deu a eles, ou alguém deu a ambas as partes.

— Eu estava — falei lentamente —, com a impressão de que foi Frost quem deu aos agentes desonestos a lista.

Adam me deu um aceno rápido. — Foi o que pensei também.

— É importante de onde vieram as informações? — perguntou Sherwood.

— Não para a discussão imediata — concordou Adam. — Mas talvez para investigação posterior. Falarei com Charles sobre isso – talvez ele possa descobrir.

— Certo — disse Sherwood. — Então, por que é importante Mercy e eu não aparecermos nessa lista?

Adam me deu um olhar muito arrependido. — Porque o resto do bando jogará de guarda-costas da delegação governamental.

Torci para poder olhar para o rosto de Adam. — Podemos fazer isso? Em uma reunião entre o governo e os fae. Não deveríamos ser... não sei... neutros?

— Sim — disse Adam. — Pelo menos se quisermos manter o espírito do acordo. Mas o bando não atacará os fae, apenas tentará manter os humanos a salvo – de todas as ameaças. — Ele não parecia feliz. — Se os fae não nos atacar, não os atacaremos – e essa é a essência do nosso acordo.

— Como você foi manobrado para dividir os cabelos tão bem? — perguntou Sherwood.

— Como o bando se envolveu nos negócios da Hauptman Security? — perguntei. Porque eram os negócios da HS que o mantinham em reuniões noturnas recentemente, não negócios do bando. Havia membros do bando que trabalhavam na empresa de Adam e mais que poderiam ser chamados para substituir, caso necessário. Mas a maioria do bando tinha suas próprias carreiras em outros lugares, e era assim que Adam gostava.

— Lembre-me de demitir o chefe do meu departamento de contratos no Novo México — disse Adam. Havia um calor em sua voz que fazia disparar o melhor de duas opções para a pessoa em questão.

— Tudo bem — disse eu.

Adam sacudiu a raiva e continuou bruscamente. — Um contrato com um pequeno projeto do governo deu acesso ao governo dos EUA, não apenas a Hauptman Security, mas para Hauptman Security e a todo o seu pessoal adjunto, que é uma frase que entrou nos contratos governamentais há cerca de dois anos, por isso não levantou nenhuma bandeira.

— O bando não é auxiliar da Hauptman Security — disse eu.

— Você acharia que não, não é? — concordou Adam. — Mas neste contrato de dez mil dólares, na página quarenta e oito, pessoal adjunto foi definido como qualquer pessoa sob minha proteção.

Sherwood recostou-se na cadeira. — O bando.

— Então o resto do bando está de guarda? — disse eu.

— Proteção — concordou Adam. — Isso será de alto nível. O secretário de estado, o vice-presidente, líder da maioria no Senado e algumas outras pessoas importantes estão vindo aqui com sua equipe para se encontrar com um triunvirato de Lordes Cinzentos. Eles estão tentando montar um acordo que definirá o relacionamento dos fae com o governo humano dos Estados Unidos que não levará ao genocídio.

— Genocídio de fae ou humanos? — perguntou Sherwood.

— Ambos — disse eu a ele, porque eu poderia fazer isso. — Ou um ao outro.

— E eles tiveram que chantageá-lo para brincar de guarda-costas? — perguntou Sherwood.

Adam deu a ele um sorriso de lobo. — Engraçado que você percebeu logo que é uma má ideia. Levei dois dias e uma ligação para um amigo que estava pescando no Alasca na hora para convencer o general disso.

O amigo provavelmente era o militar aposentado – alguém que conhecia o que Adam era – que foi encarregado de contratar Adam (não a empresa de Adam, que era estritamente de segurança) ao longo dos anos. Eu sabia que Adam havia feito muitos contratos para o governo durante a época da Guerra Fria. Eu sabia que isso incluiu alguns assassinatos, mas Adam nunca falou sobre o que havia feito. Tudo isso parou quando Adam e eu nos tornamos mais do que conhecidos, então eu não sabia quem era seu amigo.

Sherwood resmungou. — Esse pequeno empurrão contratual exigiu muito planejamento — disse ele com lamentável admiração.

— Por que não contrataram a Hauptman Security? — perguntei. — E perguntaram se você poderia trazer o bando nisto?

Adam resmungou. — Algumas pessoas no governo querem uma garantia melhor do que minha palavra e um salário. Porque eu sou um monstro.

— Uau — disse Sherwood. — Um monstro chantageado é exatamente o que eu gostaria de ter protegendo minhas costas.

— Insulto — disse eu.

Adam me deu um sorriso irônico. — Exatamente. De qualquer forma, fechamos um acordo. Mercy, você estará em encarregada de orquestrar a reunião – onde e quando. — Dei a ele um olhar horrorizado, que ele ignorou. — Dou-lhe Sherwood e Zack como seus músculos. O bando fará o dever de guarda para o governo e será realmente pago por isso. Quando isso terminar, vou buscar um melhor advogado de contratos. — Ele suspirou. — Ou voltar a ler todos os malditos contratos, como eu fazia antes.

— O que você está pensando? — perguntei. — Que idiota me colocaria no comando de uma reunião do governo? Não posso organizar um bando de churrasco sem Kyle. Por que mais alguém não faz isso? Marsilia? Ou um dos fae? Ou um dos membros do governo? Aposto que eles fazem isso o tempo todo.

— Kyle é uma boa ideia — disse Adam, ignorando minhas objeções. — Vou ver se ele concorda em nos ajudar. Posso cobrar do governo por ele. — Parecia que esse último faria Adam muito feliz.

— Adam — disse eu. — Por que eu fui escolhida?

— Porque — disse Adam pacientemente —, você nos colocou no comando de Tri-Cities, Mercy. Nosso bando. O que significa que os fae só se reunirão com o governo se nosso bando sediar a reunião. Precisamos de um representante de nosso bando como intermediário entre o governo e os fae. É uma sorte que os fae estão dispostos a aceitá-la.

Sherwood, me olhando, riu. — Não se preocupe, Mercy. Na verdade, não precisamos fazer nada difícil. Somos apenas mensageiros glorificados. Todas as decisões serão tomadas pelo governo e pelos fae.

Engoli. Não parecia um trabalho fácil. A mão de Adam pegou a parte de trás da minha cabeça.

— Eu acredito em você, pequeno coiote — sussurrou ele em meu ouvido.

Dei a ele um bufo irritado. — Não começarei a recitar Eu acho que posso, acho que posso a qualquer momento em breve agora.

Adam riu e se endireitou. Desta vez, sua mão saiu do meu ombro. Senti falta dela.

— Tenho toda a confiança de que você poderia se sair bem se a colocarmos no comando de tudo — disse ele a mim. — Mas Sherwood está certo. É principalmente uma posição cerimonial com muitas corridas. O governo fará seus próprios arranjos para hospedagem e — ele fez uma careta —, segurança. Assim como os fae. Principalmente, você será responsável por encontrar um local aceitável para todos. E, uma vez que tenhamos as datas, você reserva o local da reunião, aparece a tempo e faz um discurso muito curto que provavelmente os fae e o governo insistirão em editar.

— Como será essa jogada para os fae? — perguntei. — Não é minha parte nisso. Quero dizer, realmente, o que eles pensarão sobre o bando jogando de segurança para o governo? Não apenas como vamos proceder. Nós deveríamos ser uma parte neutra, certo?

— Eu verifiquei com Beauclaire — disse Adam. — Nem todas as minhas reuniões foram com o governo. Ele acha que podemos escapar.

Beauclaire era um Lorde Cinzento com quem tínhamos uma relação de trabalho. Tão perto de um relacionamento de trabalho que você poderia ter com alguém que, eu tinha razões para acreditar, poderia elevar o mar e derrubar montanhas.

— Apesar do que o público pensa — disse eu —, os fae sabem que a única razão pela qual nosso compacto funciona é porque os fae querem que funcione. Não temos a potência necessária para se posicionar contra todo poder dos fae. Ou, provavelmente, até um dos Lordes Cinzentos. Não sem o apoio dos Marrok.

— O que eles não sabem que temos — disse Sherwood.

— O que não temos — disse eu gentilmente.

— Ele te ama — disse Sherwood, sua voz certa.

Eu assenti. — Ele ama. — Bran havia mais do que demonstrado que ele pensava em mim como uma filha. — Mas ele ama mais os lobisomens. Ele luta há séculos por eles. — Procurei palavras e encontrei-as em um lugar inesperado. — Para dar a eles vida, liberdade e busca da felicidade. Ele não pode ajudar sem arriscar isso.

— Ele arriscaria os lobisomens por você — disse Adam.

Ele arriscou tudo por mim. Esse conhecimento curou uma ferida que remonta a quando ele me tirou do bando dele, da única casa que eu já conheci, quando eu tinha dezesseis anos. Bran não me abandonou.

Mas esse era um segredo perigoso. Apenas algumas pessoas sabiam o que Bran havia feito, e precisávamos manter assim. Os fae especialmente não podiam saber que Bran ainda se sentia responsável por mim. Eles eram uma sociedade feudal, na maior parte. Se eles pensassem que nossos laços com Bran ainda estavam em vigor, então eles considerariam nosso tratado com eles um tratado com todos os lobisomens.

Nosso acordo com os fae deveria permanecer pequeno, apenas em nosso território, apenas o nosso bando. Isso significava que Sherwood e o resto do bando precisavam acreditar que estávamos sozinhos também.

— Bran não nos ajudará — disse eu firmemente, acreditando. Bran não nos ajudaria porque ele não precisaria. — E isso mantém ele e nós fora de uma luta de poder entre lobisomem e fae que pode aumentar para uma guerra que todo mundo perde. Se estragarmos tudo aqui, os fae não irão atrás do resto dos lobisomens no planeta por isso. Nossa separação dos outros bandos da América do Norte torna todos mais seguros.

Sherwood fez um barulho, mas depois disse: — Portanto, não temos o apoio dos Marrok. Nós só podemos contar conosco.

Não parecia que ele pensava que estava mentindo, exatamente. Que portanto era uma palavra de manobra. Ele acreditava que o Marrok nos ajudaria se necessário, mas ele entendeu que seria uma coisa ruim se outras pessoas pensassem assim também.

— E um tratado com os fae, no qual eles concordam em cumprir nossas regras dentro dos limites do nosso território — disse Adam. — Beauclaire entendeu que proteger os humanos é o negócio da minha empresa de segurança, que mantinha a maioria dos membros do meu bando. Ele concorda que Mercy é aceitável para agir como nosso contato e nosso diretor. Como qualquer fae que prejudique um humano aqui está quebrando o acordo que os fae assinaram, nós, o bando, não estamos sendo colocados em uma posição em que nossa honra seria comprometida. Beauclaire me assegurou que sou um bom empresário e negociador por fazer o governo me pagar para fazer algo que já somos obrigados pela nossa palavra aos fae a fazer de qualquer forma.

Adam parecia um pouco confuso. Não o culpo. Ser coagido não parecia uma decisão inteligente de negócios para mim. Mas os fae tinham uma visão distorcida de muitas coisas.

— Você está cobrando mais deles, pois eles estão capturando não apenas seus guardas regulares de segurança, mas também a maior parte do bando? — perguntei.

— É claro — disse ele. — Também adicionei um prêmio por ser um monte de imb... tolos.

— Você pode dizer imbecil na minha frente — disse Sherwood, batendo os cílios.

— Você xinga na frente da minha esposa novamente — ronronou Adam —, e discutiremos o que direi na sua frente.

Às vezes eu esquecia quantos anos meu companheiro tinha. De muitas maneiras, ele era completamente moderno. Mas ele sempre abriu a porta para mim, puxou minha cadeira em restaurantes e evitou xingar na minha frente. Nada disso importava para mim.

Sherwood deslizou para frente do sofá – para poder sair com pressa – e não era para fugir. Os eventos desta manhã deixaram os dois lobisomens no limite. Não estava além deles se envolverem no que Adam gostava de chamar de uma boa briga para desabafar.

— Espere um minuto — disse eu. — Isso significa que o governo pode forçar o grupo a trabalhar para eles sempre que quiserem?

Adam disse: — Ponto para você. É o que o contrato diz, e diz sem data de validade. No entanto, eu disse a eles que não desistiria dessa vez – por causa da importância dessas negociações. Mas também disse que eu os levaria ao tribunal para lutar contra esse contrato se eles não adicionassem um adendo que o limitasse.

— A ladeira escorregadia cede a eles — disse Sherwood.

— Certifique-se de demitir o advogado contratado — disse eu a Adam. — Porque o verdadeiro problema se isso acontecer em uma batalha judicial não é fazer a segurança para o governo; está em fazer os fae pensarem que não manteremos nossa palavra.

Adam assentiu, cansado. — E se o governo descobrir isso poderá dar a eles a ideia de que se querem tirar o melhor de nós, eles só precisam ir a Los Alamos, conversar com um dos meus diretores de negócios e fazer com que assinem um contrato com uma cláusula obscura e inútil.

Ele respirou fundo e soltou o ar. — O governo, na personificação de Piotrowski, está ansioso por mover-se, enquanto os fae estão dispostos a se encontrar. Não era do interesse deles lutar comigo. Então eu tenho mais dinheiro e um adendo ao contrato que encerra qualquer obrigação que meu bando tenha com o governo diretamente após a realização da reunião. Nem sempre é uma coisa ruim que o governo não conheça os fae tão bem quanto poderiam. Assim como nós.

Todos ficamos em silêncio, contemplando as complexidades de um relacionamento pessoal próximo com os fae.

Finalmente, Adam bateu as mãos e as espanou. — Mas isso é um problema para outro dia. Eu acho que temos problemas suficientes em mãos.

— Certo? — disse eu. — Quantos de vocês pensam que o ataque a Elizaveta tem algo a ver com esse encontro?

Todos nós levantamos nossas mãos, incluindo Adam.

— Aquele goblin esta manhã poderia estar envolvido também — disse eu. — Ele nos disse que ela disse que ele poderia vir aqui, que o manteríamos a salvo das autoridades – ou palavras para esse efeito.

— Verificando nosso tempo de resposta? — perguntou Sherwood.

Eu bocejei. — Ou esgotando nossos recursos.

— Ou estamos tirando conclusões injustificadas — advertiu Adam. — Passar de ela para uma bruxa para as bruxas que atacaram a família de Elizaveta é um salto na escala olímpica. E acrescentando que esta reunião não tem nada a ver com bruxas... e ainda.

— Certo? — disse eu.

— Às vezes, coincidências acontecem — disse Sherwood pesadamente. — Mas quando acontecem com bruxas ao redor, geralmente não são coincidências.


• • •


Quando cheguei ao trabalho, finalmente, o imaginário estacionamento cheio de carros com compromissos agendados que eu não estava lá para reparar não estava lá. O estacionamento de clientes estava vazio, assim como as três áreas de reparos. Talvez Tad tenha ligado para todo mundo e disse para não virem, mas isso não parecia Tad.

As respostas vieram quando abri a porta do escritório e vi Zee no computador inserindo faturas.

Siebold Adelbertsmiter parecia um velho magro, careca e ágil para a idade. A aparência, no seu caso, era muito enganadora. Zee era um antigo fae ferreiro, um gremlin, se você ler sua Identidade oficial do governo. Desde que Gremlins foram uma invenção do século XX e Zee era antigo, quando Colombo foi contratado para encontrar uma nova rota para a Ásia, tive minhas dúvidas. Mas eu raramente contradizia Zee em assuntos que não me envolviam.

Ele olhou para mim, mas não parou de pressionar as teclas rapidamente. — Seu inventário é muito baixo — disse ele. — Você estará sem peças na próxima semana.

— Tenho uma encomenda grande chegando depois de amanhã — disse eu.

Ele resmungou. — Você está cobrando muito pelo trabalho. É mais do que a concessionária.

— Eles cobram o que seus donos distantes dizem que um trabalho deve valer. Cobramos o preço real. Desde que fui treinada pelo melhor mecânico do mundo, eu sou muito mais rápida. Meu ajudante é sem dúvida melhor e mais rápido do que eu, já que o pai dele é o mesmo mecânico. Nossos clientes geralmente economizam – e eles sabem que nossos reparos são resistentes.

Zee grunhiu novamente.

Desde que ele me deu o mesmo discurso no passado – não totalmente literal, mas perto o suficiente – eu assumi que o grunhido era um grunhido de aprovação.

— É bom — disse ele depois de um momento —, quando as crianças provam que realmente ouvem os mais velhos.

— É bom — disse eu cuidadosamente, porque o velho fae era tão espinhoso quanto um lobisomem Alfa sobre pessoas percebendo fraquezas —, ver alguém que realmente pode digitar. Demoro duas vezes o tempo para fazer essas entradas do que você.

Ele bufou, mas nós dois sabíamos que não faz muito tempo suas mãos não estavam em forma para digitação. Ele foi preso e torturado pelos fae que tentavam descobrir quão poderoso era o filho meio humano de Zee. Foi por isso que não o chamei para ajudar Tad esta manhã. Meu comentário equivale a Estou feliz em ver que você está se sentindo melhor, de tal maneira que ele não se ofenderia.

— Esta oficina — disse ele, afastando o assunto de suas mãos. — Tudo funciona corretamente. Isto não tem caráter.

— Dê alguns meses — disse eu. — As coisas começarão a desmoronar exatamente quando precisarmos delas. Voltará ao normal antes que você perceba.

Ele olhou para mim por cima das armações de metal dos óculos que usava quando fazia trabalhos próximos. Eu tinha certeza de que era uma farsa. — Você está me apadrinhando?

Encostei um quadril no banquinho acolchoado que estava do lado do cliente no balcão. — Não. — Eu olhei em volta para as paredes limpas e as prateleiras organizadas. Até as baías cheiravam a limpo e novo. — Esta oficina me faz sentir coceira também.

Ele apertou a tecla Enter e deixou seu trabalho de lado. Ele tirou os óculos e os colocou no balcão.

— Você não cheira a um goblin — disse ele.

Zee podia sentir o cheiro de goblins? Quero dizer, eu podia cheirar goblins, e os lobisomens podiam cheirar goblins, mas eu não sabia que Zee podia cheirar goblins.

— Isso foi esta manhã — disse a ele. — Muito cedo esta manhã. Tomei banho desde então. A coisa mais recente foi um lobisomem zumbi solto no porão da minha casa.

Dei a ele um resumo geral de tudo o que aconteceu. Exceto pela parte secreta – que Elizaveta e sua família estavam praticando magia negra. Não deixei de fora a reunião do governo e os fae. Zee estava em um lugar precário com os Lordes Cinzentos. Eles o ofenderam e ele se vingou das partes responsáveis. Eu não sabia o quanto ele estava seguro e não deixaria de fora qualquer informação sobre os Lordes Cinzentos por medo de que isso pudesse afetar sua segurança.

— Bruxas — disse Zee quando terminei, ignorando as informações sobre a reunião, o que me disse que ele provavelmente já sabia. — Não tive muito a ver com bruxas. Antigamente, se alguém se tornava problemático, eu os matava. Na maior parte, eles morriam sozinhos, antes que eu sentisse a necessidade de matá-los.

As bruxas eram mortais, eu tinha certeza. Tive a sensação de que elas provavelmente evitavam os fae. Era uma pergunta que eu poderia ter feito para Elizaveta – mas não mais.

— Você acha que devemos avisar aos fae que há um novo grupo de bruxas na cidade? — perguntei.

Zee grunhiu. — Se eles não sabem, merecem ser enganados. Mas espero que saibam; eles estão planejando sua reunião com o governo e, portanto, estão mais preocupados com as ações dos mortais aqui do que o habitual.

Acho que a reunião não era tão secreta quanto tudo isso, pelo menos não entre os fae.

Zee grunhiu de novo, depois pegou um único detalhe irrelevante de toda a minha recitação de bruxas e zumbis, e disse: — Aquele rifle que foi danificou... era o que seu pai deixou para você?

Pisquei para ele por um momento e disse: — Sim. O Marlin.

Ele assentiu. — Traga para mim o rifle do seu pai, eu vou consertar.

Adam o olhou e determinou que o zumbi havia dobrado mais do que apenas o cano. Ele não achou que poderia ser consertado.

Nenhum de nós pensou em trazer para Zee. Se a espada de Peter tivesse sido quebrada, Zee teria sido a primeira pessoa para quem eu a levaria. Mas não pensei em Zee e rifles ao mesmo tempo.

— Eu vou — disse eu com uma voz um pouco mais áspera do que pretendia.

Ele franziu o cenho para mim. — O que você está esperando, criança? Vá trabalhar nesse carburador. Você tem a mistura muito rica, posso sentir o cheiro daqui.

Bufei e voltei para o carro em que estava trabalhando ontem. Eu não estava chorando, não importa o que Zee havia dito. Embora fosse por um triz. Bryan realmente amava aquele rifle.

Tad voltou com o almoço. Era chinês, então dividi-lo entre nós três em vez de dois foi bem fácil. Compartilhei as mesmas informações com Tad como fiz com Zee. Ele ainda estava pensando sobre isso quando um cliente antigo parou com um Passat com o motor parando e sem agendamento.

— Ouvi dizer que você estava de volta aos negócios — disse Betty, entregando-me as chaves. — Obrigada, Senhor. Fui à concessionária duas vezes e eles não conseguem descobrir o que é.

A concessionária tinha alguns mecânicos decentes em seu mix. Se alguém trouxesse um problema de volta para eles, o carro iria para uma das pessoas boas. Se eles não conseguiram consertar o Passat dela, então eu estava feliz por Zee ter decidido passar o dia aqui.

— Vamos dar uma olhada e ligar para você quando soubermos mais — disse a ela. — Você quer que Tad te dê uma carona para casa?

Betty estava na casa dos oitenta, apesar de não parecer ter mais de sessenta e cinco anos. Mesmo que a área de espera estivesse mais limpa do que costumava ser, eu não a faria sentar até que soubéssemos o que estava acontecendo.

— Deus te abençoe, Mercy — disse ela. — Isso seria maravilhoso.

Quando Tad partiu com ela, nosso agendamento às duas horas chegou. Peguei aquele e deixei o Passat com seu problema misterioso para Zee.

O resto do dia foi bastante normal. Consertamos alguns carros, incluindo o Passat. Eu nunca descobri o que havia de errado com esse – Zee me disse que ele precisava deixar sair o mau humor. Pensei que ele estivesse brincando, mas foi isso que coloquei na conta.

Betty era cliente de Zee antes de eu começar a trabalhar na oficina. Ela apenas riu enquanto pagava pelo trabalho, quando Tad e eu deixamos o carro.

— Aquele Zee — disse ela. — Ele gosta de suas brincadeiras. Uma vez ele me disse que falou para o meu carro se comportar. Ele não me cobrou por isso – mas o carro funcionou bem por mais seis meses. Se Zee diz que ele consertou o carro, ele está consertado.

Enviamos uma BMW antiga para o local de descanso eterno (um depósito de sucata) e lamentamos com o dono dela. Quando não havia clientes por perto, conversamos sobre tópicos estranhos. Zee, Tad e eu passamos muito dias assim. Era como voltar para casa de uma maneira que as semanas anteriores não foram, como se com a presença de Zee, a oficina tivesse recuperado seu coração.

Trabalhar em um carro limpou minha cabeça. Quando havia um problema mecânico macabro para resolver, eu me concentrava nisso – e todas as outras coisas acontecendo na minha vida eram resolvidas pelo meu subconsciente.

Mas a maior parte do trabalho que fiz na oficina era mais como construir com Legos. Uma vez que eu planejei o ataque e entendi os passos a serem seguidos, houve um momento zen em que minha cabeça clareou e eu podia examinar as coisas sem o peso da emoção.

A primeira coisa que decidi foi que agora que havia bruxas adicionadas à mistura, Adam não poderia ter deixado os humanos no governo se protegerem sozinhos. Havia pouco que seguranças humanos poderiam fazer contra forças sobrenaturais. Por causa do contrato mal escrito, ele tinha uma desculpa a dar para os fae – de modo que o contrato realmente acabou sendo útil. E foi bom ele cobrar mais dinheiro.

— Por que você está cantarolando, Mercy? — perguntou Tad, fechando o capô de um carro com o cotovelo, porque as mãos estavam cobertas de graxa. Nem Tad nem Zee adotaram meu novo hábito de usar luvas para manter as mãos mais limpas.

— Cantarolar é bom — proclamou Zee mais diretamente sob o novo fusca (opostos dos antigos) em que ele estava trabalhando. Ele também não gostou da nova versão – ele tinha um discurso inteiro em alemão que ele ocasionalmente diria sobre a beleza de um carro simples.

— Mas não faça, por favor — continuou ele —, cantarolar Submarino Amarelo hoje. Posso estar trabalhando um fusca, mas não é necessário também cantar músicas dos Beatles.

Mudei para Billie Jean e Tad suspirou. Zee bufou, mas não se opôs.

A segunda coisa em que pensei foi nas bruxas que mataram a família de Elizaveta. Não havia muitas pistas sobre quem elas eram. A única pista que eu conseguia pensar era que uma das bruxas compartilhava uma linhagem próxima com Frost.

Eu não sabia muito sobre os antecedentes de Frost, mas sabia para onde ir.

Eu deveria falar com Stefan.

E todo o meu Zen desapareceu em um pensamento. Stefan era meu amigo. Ele arriscou sua vida por mim em várias ocasiões, sendo a mais recente a minha viagem involuntária à Europa.

Ele nunca fez nada comigo que não foi minha escolha. Mas isso não importava. Eu não queria falar com ele.

Talvez Adam pudesse.


6

 

Adam telefonou cerca de cinco minutos antes do horário de fechar para me dizer que ele tinha outra reunião e Jesse ficaria com uma amiga. Ele parecia cansado. Eu disse a ele que não era problema; eu apenas pararia e pegaria algo para comer a caminho de casa.

Zee foi embora, mas Tad estava me ajudando a arrumar o escritório.

— Sabe — disse ele, balançando o esfregão com facilidade praticada. — Você e meu pai estão choramingando o dia todo sobre o quão estéril é a oficina. Mas agora você está insistindo em limpar todos os cantos e recantos que podem ter ficado manchados de graxa.

— Não sei por que me cerco de pessoas espertinhas e insubordinadas — disse eu, tirando uma mancha da grande janela com um pouco de limpador elbow grease. — Talvez eu devesse demitir alguns.

Ele me deu um sorriso amigável. — Se começar a demitir pessoas espertinhas, você terá que começar com o maior de todos. Eu te desafio a despedir meu pai, eu te desafio.

Olhei em volta. — Você sabe que ele vai nos dar uma bronca se não estiver imaculado quando ele chegar amanhã.

— Sim. Hipócritas, vocês dois — disse ele carinhosamente.

Estávamos nos preparando para trancar quando um fusca maltratado ostentando uma pintura dourada com glíter chegou ao estacionamento. O VW conhecido como Stella engoliu bruscamente, tossiu e morreu assim que ela parou de se mover.

— Desculpe — disse Nick, proprietário de Stella e fã dedicado. — Eu sei que é hora de fechar, mas Stella não vai bem – não consigo descobrir o que é. E preciso que ela ande por mais três semanas antes que eu possa me dar ao luxo de consertá-la novamente.

Tad, eu e o rapaz demoramos cerca de três horas para consertar Stella para nossa satisfação. Nick não era um novato absoluto; comprar Stella há dois anos o mudou de alguém que nunca pegou uma chave de fenda para alguém que pode trocar seu próprio óleo e velas de ignição. Mas Stella era uma diva que seria um desafio para o mecânico mais experiente continuar fazendo funcionar.

A escuridão havia caído quando Nick partiu, mas Stella ronronava como um gatinho.

— Suave — disse Tad enquanto limpávamos.

— Você doou seu tempo também — lembrei a ele. Eu disse a Nick que não cobraríamos mão-de-obra, porque ele estava enviando pessoas para a oficina reaberta. Ele poderia pagar pelas peças quando recuperasse o fôlego. Se o dinheiro estivesse muito apertado, ele poderia ajudar por algumas horas – ele sabia o suficiente para usar ferramentas.

Eu esperava que Tad continuasse brincando, mas ele ficou sombrio. — A última vez que deixei você sozinha aqui — disse ele brevemente e meio envergonhado —, você quase morreu. Não farei isso de novo tão cedo. Nick nem sequer abrandaria o seu tipo de bandidos.

E isso explicava por que ele vinha à oficina antes de eu chegar e insistia em trancar depois. Todos nós tínhamos nossas cicatrizes.

— Obrigada — disse eu. — Eu aprecio isso. — Ao contrário da crença popular, eu conhecia meus limites. Ter Tad guardando minhas costas era reconfortante.

Ele assentiu sem encontrar meus olhos. E esperou até eu estar em segurança no meu carro antes de entrar no dele.

Decidi comemorar a sobrevivência do dia dirigindo algumas milhas extras para um local de fast food que servia uma fusão asiático-mexicana que poderia tirar o céu da boca de tão picante e ainda ter um sabor incrível. Peguei comida suficiente para alimentar metade do bando, só por precaução, e voltei para casa. O tráfego me fez virar à direita em vez de à esquerda e me vi pegando o longo caminho de volta.

O longo caminho me levou além da curva para a casa de Stefan. Eu havia decidido que Adam poderia conversar com Stefan. Eu diminuí a velocidade do carro, dando-lhe um pouco mais de aceleração enquanto gaguejava. Eu ainda precisava fazer alguns ajustes.

Sem me deixar pensar muito, virei o carro e dirigi para a casa de Stefan. Entrei na garagem e estacionei ao lado do ônibus VW coberto de poeira que foi pintado para combinar com a Máquina de mistério do Scooby-Doo.

Saí do Jetta, mas não consegui ir até a casa. Em vez disso, caminhei até o ônibus. Em tamanho natural e inflável, Scooby me observou com tristeza no banco do passageiro da frente. Seu casaco estava ficando desbotado do sol.

Stefan abriu a porta da frente e saiu, parando bem longe de mim, mas perto o suficiente para conversar. Ele não disse nada.

— Que pena deixá-lo aqui — disse eu finalmente, sem olhar para ele. — Passei muitas horas mantendo-o funcionando. Se você deixá-lo aqui, ele precisará ser reconstruído novamente.

— Preciso drenar o tanque de combustível e reabastecer antes de dirigir novamente — disse ele. — Confesso que a perspectiva é um pouco assustadora.

— Ligue para Dale e mande-o à oficina — sugeri. Dale era um dos caras de reboque que nós conhecíamos. Uma das vantagens de dirigir carros antigos é conhecer caras de reboque. — Você pode encher os pneus primeiro; o pneu dianteiro direito está um pouco baixo.

— E ter você consertando-o também é uma bagunça — disse Stefan. — Se eu pagar, Marsilia pode pensar que você deve ser punida por me cobrar. Se não pagar, estou dizendo a ela que eu me considero parte do séquito dela novamente – o que não considero. Eu sou um aliado, certamente. Mas nunca mais deverei lealdade a ela.

Marsilia governava os vampiros em Tri-Cities. Tínhamos um acordo de longa data que eu faria qualquer manutenção que seus carros precisassem e ela impediria que seus vampiros me atacassem. Ela destruiu Stefan, que era seu servo fiel, por suas próprias necessidades. Se essa fosse a extensão disso, eu achava que Stefan a teria perdoado por isso. Mas, para fazer isso, ela foi atrás das pessoas que Stefan mantinha em sua casa para se alimentar, suas ovelhas. A maioria dos vampiros não se importaria, mas Stefan acreditava em cuidar e ser responsável por seu povo.

Apertei os lábios, respirei fundo e me virei para encará-lo. — Que tal uma troca de favores? — propus. — Vim aqui para obter informações – e estou feliz em consertar a Máquina do mistério para obtê-las.

— O que você precisa? — perguntou ele.

A luz do quintal fez um trabalho decente em iluminar Stefan. Ele parecia bem. De volta ao seu eu habitual, até. Ele era alto e magro, mas não estava tão magro agora. E parecia inteiramente humano novamente, algo na maneira como ele se equilibrava sobre os pés e a energia com a qual se movia. Por um tempo ele se moveu mais como um vampiro – alguns dos mais jovens ou dos mais velhos têm esse movimento estranho, como se algum marionetista os fizesse se mover.

Stefan também parecia um gato contemplando um cachorro estranho.

Eu ri. — Nada para colocar esse olhar em seu rosto. Eu apenas parei para fazer uma pergunta. Se pudermos transformar isso em uma troca que tira você de um dilema, é melhor ainda.

Ele relaxou um pouco. — O que você precisa saber? Ou precisamos de privacidade para isso?

— Eu só preciso saber o que você pode me dizer sobre Frost. Não acho que precisamos de privacidade.

— Frost? — disse Stefan. — Ele está morto, Mercy. — Então, muito parecido com Stefan, ele tropeçou um pouco. — Totalmente morto, quero dizer.

— Eu sei disso... eu consegui a morte dele — disse eu, tirando-o de seu aparente sofrimento. Eu teria pensado que um vampiro tão velho quanto ele teria contornado o constrangimento de como anunciar a extinção de um vampiro. Talvez esse constrangimento fosse mais sobre o que havia entre nós, no entanto. — Ou pelo menos eu estava lá quando Adam terminou com ele – mas Adam não estaria lá sem mim. Como você preferir.

Frost morreu, eu estava certa, antes de Adam chegar lá para concluir o negócio. Mas não havia como argumentar que Adam havia terminado Frost com uma finalidade absoluta.

— Mas aqui está a coisa — disse eu. — Tropecei em alguém que cheira muito a Frost, recentemente. Como é o único identificador que alguém pegou na bagunça, decidi que poderia ajudar obter mais informações.

— O mistério de hoje? — perguntou Stefan.

E porque ele era um amigo, e porque Marsilia precisava saber sobre o ataque a família de Elizaveta e eu não ia ligar para ela, contei a Stefan sobre minha manhã, parando logo depois do lobisomem zumbi no porão – e editei o ataque do lobo zumbi, terminando sem muitos detalhes e deixando totalmente de fora o desempenho espetacular de Sherwood. Seus segredos não me pertenciam.

Ao contrário de Zee, deixei de fora a próxima reunião entre os fae e o governo. Eu ficaria surpresa se os vampiros não soubessem da reunião – os vampiros tinham laços muito altos na política. Mas se eles não soubessem, não descobririam sobre isso comigo.

Também não contei a ele a evidência de que Elizaveta e sua família estavam praticando magia negra – assim como não disse a Zee. Isso era negócio do bando. Pagamos a ela um salário por seus serviços. Nós estávamos apoiando-a enquanto ela torturava sujeitos relutantes pelo poder que usava para nos ajudar.

— A família de Elizaveta se foi? — murmurou ele.

Eu não sabia dizer o que ele sentia sobre isso.

— Sim.

— E você e Adam foram atacados por um lobisomem zumbi em sua casa e... — ele fez aspas no ar —, os lobisomens cuidaram dele.

— Não é mentira — disse a ele. Como não minto com muita frequência, fui muito concisa. — Não posso te dizer coisas que não são minhas para contar.

Ele me observou por um momento, e então seu rosto relaxou e ele assentiu. — Ok. — Olhando para longe, ele continuou: — Você poderia ter me chamado para ajudar com o goblin.

Eu sabia o que ele quis dizer. Assim como eu mantinha vínculos com meu companheiro e nosso bando, eu também tinha um vínculo com Stefan. Através dele, ele poderia me controlar, não apenas minhas ações, mas meus pensamentos. Ele poderia tirar minha capacidade de tomar decisões. Tudo que eu podia fazer era confiar que ele não faria isso, que continuaria sendo como era desde que pedi sua ajuda contra outro vampiro.

Por isso eu o estava evitando.

Ele não mereceu minha primeira resposta, então fiquei de boca fechada até poder lhe dar a verdadeira verdade. Por fim, eu disse: — Não pensei nisso. Era negócio do bando, então eu peguei um par de lobisomens. Ele era um goblin, então liguei para Larry.

— Justo — reconheceu. — Mas poderia ter matado você quando saiu do celeiro. Você não é páreo para um goblin. Você poderia ter me ligado. — E ele poderia ter ido. Como sua ex-senhora, Marsilia, Stefan poderia se teletransportar. Nunca ouvi falar de outros vampiros que poderiam fazer isso.

Ele se afastou de mim e ficou de braços cruzados, de costas para mim. — Depois que você se casou com Adam, você saiu da sua classe de peso. Algum dia eu estarei olhando seu corpo morto porque você foi muito teimosa para ligar para mim.

Havia raiva real em sua voz. Pensei em dizer que não era trabalho dele me proteger, mas na verdade eu não conhecia o protocolo dos vampiros sobre situações como a nossa. Pensei em dizer que eu poderia me proteger – mas ele estava certo.

— Se eu tivesse pensado nisso — disse a ele —, eu poderia ter ligado para você. Mas isso seria um erro. Marsilia te deixa em paz agora.

Ele riu e parecia duro, como sonhos desfeitos.

— Ela permite que você fique aqui, Stefan. Em relativa segurança. Em vez de forçá-lo a se mudar para o território de outro vampiro. Ela permite que você seja independente quando você pode não ter esse luxo em outro lugar.

Ele assentiu. — Ela é generosa — disse ele, significando o contrário.

— Se ela pensar que sua primeira lealdade é para o nosso bando, ou para mim... especialmente eu, ela não aceitará. — Levantei um dedo para fazê-lo fazer uma pausa. — E se o bando achar que eu tenho um vampiro domesticado que eu chamo sempre que as coisas ficarem peludas, isso será igualmente ruim para mim.

Coloquei a mão em seu braço e ele endureceu. — Mas estou muito feliz em vir à sua casa e pedir que você me ajude a resolver mistérios.

Ele respirou fundo, o que não precisava. Então ele se virou e deixou os braços caírem para o lado. Minha mão caiu quando ele se moveu.

— Tudo bem — disse ele. — Tudo bem, Mercy. Somos amigos e aliados? Mas não sou do bando – nem deveria ser.

E percebi que Stefan estava sozinho. Lobisomens são assim. Eles precisam de um bando para pertencer, para estar seguro. Alguns deles não gostam muito, mas isso não muda a natureza da besta. Eu sabia que os vampiros viviam em séquitos, mas nunca me ocorreu que uma das razões pelas quais eles fizeram isso, era porque eles, assim como os lobos, precisavam pertencer.

Não havia muito que eu pudesse fazer sobre isso. Stefan não queria ser um membro do bando – e o bando não o tornaria um membro.

Stefan aparentemente terminou essa conversa, porque quando ele falou de novo, foi em um tópico diferente. — Não sei muito mais sobre Frost do que você. Ele apareceu como um Poder, talvez vinte ou trinta anos atrás – não acompanho o tempo nesse nível, então não tenho certeza. Ele parecia agir como um servo de Bonarata durante a maior parte desse tempo, então eu assisti Bonarata, e não ele. — Bonarata era o Senhor da Noite, governante dos vampiros europeus, que tinha, garantiu-me, longos tentáculos de poder cavados profundamente neste continente também.

Stefan franziu o cenho profundamente. — Não sei quem o fez ou por quê. Não sei quem são seus afiliados. Mas devo ser capaz de descobrir.

— Que nacionalidade ele é? — perguntei.

— Não sei. Eu assumi que ele era europeu, dado que ele inicialmente veio como agente de Bonarata. Também posso descobrir isso. — Stefan esfregou as mãos rapidamente. — Dê-me algum tempo para analisar algumas coisas. Eu acho interessante que um vampiro que tem poder sobre os mortos e uma bruxa que cria cabras zumbis compartilhem um cheiro familiar. Se ele nasceu uma bruxa e alguém o transformou, esse alguém precisa ser parado.

— Cria cabras zumbis em miniatura — corrigi.

Ele assentiu para mim. — Cabras zumbis parece satânico.

Existem razões pelas quais Stefan e eu nos tornamos amigos.


• • •


Meu telefone tocou quando eu estava na metade do caminho para casa depois de ir à casa de Stefan.

Olhei para o meu celular, que estava virado para cima no banco do passageiro. Quem ligava não era um número armazenado no meu telefone, mas era um número de Benton City. Benton City não é um viveiro de robocallers tentando vender garantias de automóveis ou condomínios. Deixei o telefone tocar três vezes antes de ceder à curiosidade e encostar ao lado da estrada.

— Sra. Hauptman? Aqui é Arnoldo Salas. Você esteve na minha casa esta manhã por causa das cabras zumbi.

— Sr. Salas — falei. — O que posso fazer para você?

— Há um carro andando de um lado ao outro na frente da minha casa. Combina com o carro que meu filho viu ontem. Não sei se isso significa alguma coisa. Talvez o motorista esteja perdido, nós temos muito disso por aqui.

— E talvez devêssemos ajudá-lo agora — falei. — Ok. Não saia da sua casa. Não atenda à sua porta se alguém bater. Eu ligo para você deste telefone quando chegar aí.

Liguei para Adam e recebi o correio de voz. Liguei para Warren e recebi o correio de voz.

Liguei para Stefan.


• • •


— O que você acha que eu e você podemos fazer contra uma bruxa? — perguntou Stefan, parecendo não estar muito preocupado.

Olhei para ele. Ele estava dirigindo seu BMW azul bebê de dois anos, porque meu Jetta agora só tinha um assento utilizável.

— Você acha que eu deveria pedir mais algum backup? — perguntei. Deixei uma mensagem para Adam. Eu poderia ligar para mais lobisomens, mas não sabia de quanta ajuda eles seriam. Eu, pelo menos, tinha minha resistência indiscutível à magia. Stefan era Stefan.

Eu não queria ligar para Sherwood. Não porque ele não seria útil, mas porque ele foi empurrado o suficiente hoje.

— Eu poderia ligar para Wulfe — disse ele.

Eu me endireitei no meu lugar. — Não.

— Ele pode lidar com bruxas — continuou ele. — Elas são quase seus brinquedos favoritos.

— Não — disse eu novamente. Mais firmemente.

Stefan sorriu para mim. — Sim, a coisa quase é um problema. Ele pode apenas jogar com o inimigo porque você é mais divertida como oponente do que qualquer bruxa. Receio que o último trecho seja uma citação. Uma citação recente. Ontem, eu não sabia por que ele de repente começou a tagarelar sobre bruxas. Ele deve saber sobre os visitantes de Elizaveta.

Um calafrio percorreu minha espinha. Eu não queria estar a uma milha de Wulfe se pudesse evitar. O vampiro louco-como-um-tornado-na-terra-de-Oz não era alguém que eu queria pensando em mim. Muito menos, ansioso por me ter como oponente.

— Hmm — disse eu.

— Então agora você está avisada — disse Stefan, sua voz leve. A razão disso se tornou aparente em sua próxima frase. — Preciso da sua promessa de que você me chamará se Wulfe se tornar um problema. Wulfe não é da conta de lobisomens.

Eu endureci. Mas não achei que ele estivesse me influenciando. Pensei que parecia uma boa ideia. Essa é a razão pela qual os vampiros são tão assustadores.

— Eu entendo o seu raciocínio — disse eu lentamente.

— Mas? — forneceu Stefan.

— Mas — concordei. — Que tal se eu fizer uma promessa quando não estou sentada no carro ao seu lado?

Um frio distinto se instalou no ar. — Você sabe que se eu fosse influenciar você assim, eu poderia fazer isso se eu estivesse aqui e você em Seattle.

— Obrigada por isso — disse amargamente. — Prometo considerar o que você disse se a ocasião surgir?

— Tudo bem — disse ele.

Eu sabia que machucara seus sentimentos. Mas havia um laço entre nós através do qual ele poderia me fazer pensar e fazer o que ele quisesse – e, diferentemente do hipnotismo, eu sabia que o que ele quisesse era ilimitado. Vi um homem participar alegremente de sua própria morte. O vampiro envolvido não era Stefan – foi Wulfe. Esse conhecimento me fez entender por que os animais presos, sabidamente roem suas próprias pernas. Era um tipo peculiar de claustrofobia e não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso.

Nada que Stefan pudesse fazer sobre isso também.

— Estou sendo injusta — disse eu de má vontade. — Eu sei disso. Mas... — fiz um som frustrado.

— Mas — concordou Stefan pesadamente.

E nós dirigimos o resto do caminho até Benton City em silêncio.


• • •


O carro de Stefan era o único na estrada em frente à casa dos Salas. Ao descermos a longa entrada, a luz da varanda acendeu e Arnoldo Salas saiu.

— Ela parou de passar assim que eu te liguei — disse ele sombriamente. Ele tinha uma arma em um coldre no quadril e usava sua postura militar. Sua respiração era lenta e uniforme – deliberadamente, eu pensei. Eu não o conhecia, mas achei que ele estava bem assustado.

Dei de ombros. — Não sou uma bruxa — disse a ele. — Não sei como elas pensam – e apenas parte do que elas podem fazer.

— Não a quero perto da minha família — disse ele.

— Não culpo você — concordei. — Deixe-me apresentar meu associado. Arnoldo Salas, este é meu amigo Stefan Uccello. Vamos esperar um pouco aqui – não nos convide para entrar em sua casa – para ver se ela volta. E se ela fizer, vamos descobrir se ela quer conversar.

Eu podia ouvir o som do motor de um carro à distância. Pode ter sido apenas um de seus vizinhos.

— Você sabe por que ela está perseguindo minha família? — perguntou ele.

Balancei a cabeça. — Não sei o porquê disso. Bruxas têm fome de poder – e matar as cabras lhe daria poder. Mas seria preciso mais poder do que a morte das cabras para permitir que ela faça algo tão espetacular quanto transformá-las em zumbis. E isso não conseguiu nada, exceto deixar sua família triste e assustada. Você conhece algum motivo para alguém ter feito isso?

— Assustar as pessoas é divertido — disse a bruxa, saindo das sombras a cerca de três metros da varanda.

Não a senti de forma alguma – e, eu poderia dizer pela completa quietude de Stefan, nem o vampiro. Geralmente, criaturas sobrenaturais que podem se esconder da vista esquecem outras coisas – cheiro ou som.

Eu, é claro, pulei – como ela evidentemente pretendia.

Arnoldo Salas puxou a arma.

Ela sorriu para ele. Notei que ela era alta para uma mulher e tinha uma constituição graciosa. Seu cabelo era escuro e seus olhos eram de uma cor clara, mas não sabia ao certo se eram verdes, cinzas ou azuis na escuridão da noite. Vejo muito bem na escuridão, mas as cores tendem a desbotar em tons de cinza.

Seu rosto estava relativamente claro até que ela sorriu e a expressão deu definição às suas feições. Ela lembrava alguém, mas não consegui identificar quem. Não era Frost, embora ela realmente compartilhasse uma semelhança familiar com o cheiro dele sob a falta de sua magia. Cheirando-a novamente, eu estava absolutamente certa da conexão entre ela e Frost.

Não fui capaz de cheirá-la até que ela saísse das sombras. Eu não gostei nada disso.

— Você não é um amor? — disse ela a Salas com uma voz rouca, com um sotaque que se originou nas profundezas do Sul. — Mas você não terá sorte com essa coisa antiga, então é melhor deixar isso de lado. — Havia magia em sua voz que fez os cabelos da minha nuca se arrepiar.

Ele manteve sua posição, segurando a arma em um aperto clássico. Um leve suor brotou em seu rosto – mas a arma permaneceu firme.

Ela virou o sorriso para mim. — E foi por isso que escolhi essa família, Mercedes Thompson Hauptman. Acho muito interessante quando as pessoas não fazem o que eu digo. Isso não acontece com muita frequência.

Eu me perguntei se os três membros torturados da família de Elizaveta foram instruídos a ir tomar café da manhã. Hora de pensar nisso mais tarde. Nesse momento, eu precisava distraí-la de Salas. Não gostei da atenção que ela estava dando a ele, mesmo com o rosto voltado para mim.

Na última caçada à lua, realizada na reserva de Hanford, o bando estava na trilha de um alce quando um coelho quebrou a cobertura bem na nossa frente. Por um instante, o bando pesou em trocar suas presas antes de continuar atrás do alce.

Salas era a versão da bruxa daquele coelho e eu queria que ela se concentrasse em mim.

— Os escolheu para quê? — perguntei.

— Para chamar sua atenção — disse ela. — Precisamos conversar. — Ela olhou para Arnoldo e disse suavemente: — Por que você ainda está apontando a arma para mim? Stefan Uccello é um vampiro. Atire nele.

Dessa vez, Arnoldo não reagiu.

A bruxa franziu o cenho para ele. — Isso não é legal — disse ela. — Eu pedi educadamente.

— Sr. Salas — disse Stefan suavemente. — Eu acho que se você guardar a arma, não será tão interessante para ela. Isso pode ser uma coisa boa.

— Sra. Hauptman — disse Salas. — Se eu atirar nela, ela vai morrer?

— Provavelmente — disse eu. — Mas então você terá uma mulher morta no seu gramado. Eu serei sua testemunha de que ela era uma bruxa, mas ela não está tentando prejudicá-lo agora. Eu acho que ela é responsável pelo assassinato das cabras do seu filho, mas isso não o tira da acusação de assassinato. Pior, tenho muita certeza de que ela faz parte de um grupo de bruxas. Se você matá-la, elas virão atrás de você. Eu prometo que nosso bando tentará mantê-las afastadas, mas nossos recursos são limitados.

— Lobisomens protegendo humanos — falou a bruxa lentamente. — Nunca pensei que veria o dia. É meio fofo.

Salas assentiu para mim e guardou a arma. Ele olhou para Stefan e depois se afastou. Ele a ouviu chamar Stefan de vampiro, mas ele estava disposto a nos dar o benefício da dúvida. O que era incrível para um homem que só conheci hoje de manhã.

— Você queria nossa atenção — disse eu. — Você a tem. O que você quer?

— Nós expulsamos o coven local — disse ela. — Minha senhora, nossa Ishtar, me disse que você encontrou os resultados.

— Sim — disse eu. Quem era Ishtar? Pelo jeito que ela disse, parecia mais um título do que um nome, mas eu não tinha certeza.

— Bom. Então você não terá problemas conosco assumindo o lugar deles. Nós achamos que esta cidade, da qual não sabíamos nada anteriormente, tornou-se muito interessante – um lugar onde os lobisomens garantem que todos se sentem seguros. Vocês ficarão fora do nosso caminho – e permitiremos que vocês permaneçam aqui.

— Não — disse eu. Eu ouvi os sentem seguros. Parece seguro é muito diferente de é seguro.

Ela sorriu. — Sra. Hauptman, você é jovem. — O que era uma coisa estranha para ela dizer. Eu a colocaria na casa dos vinte e poucos, talvez, dada a gentileza das sombras da noite, mesmo nos trinta. — Duvido que você conheça sua história. Até a chegada do Marrok, os lobisomens eram os animais do mundo sobrenatural. Perigoso individualmente é claro, se alguém fosse tolo a ponto de se colocar em uma posição ruim, mas, no final, não seria uma grande ameaça. Incômodos. Seu bando não pertence ao do Marrok, nascido de bruxa, aquele que abandonou o direito de primogenitura. Sozinhos, você e seu bando não são páreo para nós.

Ela estava adivinhando sobre Bran ter nascido de bruxa, eu tinha certeza. Bran fazia questão de não confirmar esse boato.

A bruxa olhou para Stefan. — Eu entendo que você não representa a senhora do séquito, mas que ela ouve você. Por favor, informe que enviaremos um representante para falar com ela em algum momento nos próximos dias.

— Não — disse eu —, vocês não ficarão aqui.

Ela virou seu rosto agradável para mim.

— Não permitiremos bruxas negras em nosso território — disse eu.

— Querida — disse ela. — Vocês já têm. — Ela se virou para ir embora. — Ah, e sobre essa reunião que seu companheiro está planejando. Quando agirmos, não interfira.

Sombras a cobriram. Nós três esperamos na varanda de Arnoldo Salas até que ela se foi.

— Você sabe por que a bruxa não pode obrigá-lo a fazer o que ela pediu? — perguntou Stefan a Salas.

Salas soltou o ar pelo nariz como um cavalo assustado. — Minha mãe fez o papa me abençoar quando eu era criança. Ela pediu que ele me abençoasse para que a bruxaria não tocasse em mim ou em meus filhos. É uma história que meu pai gostava de contar. Minha mãe tinha medo de bruxas.

— Eu também — disse eu, ainda olhando em volta.

— Ela se foi — disse Stefan.

— Tem certeza? — perguntei.

Ele assentiu. — Tenho certeza.

— Sr. Salas — disse eu sinceramente. — É possível você deixar a cidade por uma semana ou duas? Você chamou a atenção das bruxas e não acho que seja uma boa ideia.

Ele assentiu. — Tenho algumas férias chegando. A mãe da minha esposa mora na Califórnia e ela está pedindo para irmos visitá-la.

— Eu iria.

A boca dele se apertou. — Não me sinto feliz em deixar o campo por causa de uma bruxa.

— Você tem uma família para proteger — disse eu.

— Posso sair por duas semanas. Eu tenho vizinhos que podem cuidar da nossa casa, mas ainda temos que voltar.

— Isso dará a elas tempo para esquecê-lo — disse Stefan. — Por que você não liga para Mercy quando estiver pronto para voltar?

— E se ninguém atender — disse eu a ele sombriamente —, talvez você deva considerar ficar longe. Tenho a sensação de que ela não se esquecerá de você com muita facilidade.


• • •


Todas as luzes estavam acesas na casa dos Salas quando saímos. Não o culpo nem um pouco.

Liguei para o celular de Adam e deixei uma mensagem dizendo que eu estava indo para casa. Liguei para o telefone de Warren e deixei a mesma mensagem. Sentindo a atenção de Stefan sobre o assunto, eu disse: — Meu sequestro recente deixou todo mundo um pouco tenso. Então eu faço o check-in.

Ele assentiu.

Eventualmente, ele perguntou: — O que você pretende fazer com as bruxas?

— Não é minha decisão — disse a ele. — Vou avisar Adam e ele levará a partir daí.

Não que eu não desse sugestões a ele. Eu hesitei, mas eu precisava conversar sobre isso. E Stefan tinha uma mente tática – ele podia ver coisas que eu perdia algumas vezes.

— Por que a bruxa não pegou o telefone e ligou para nós? Nosso bando não está exatamente escondido. Ela matou as cabras, transformou-as em zumbis para chamar nossa atenção? Isso é um sério desperdício de poder antes do que pode ser uma luta real. Matar a família de Elizaveta já chamaria nossa atenção. Isso não fez sentido. Mas Stefan, ela não estava mentindo.

— Só porque algo é estúpido, não significa que não seja verdade — disse Stefan.

Bati meus dedos no painel. — Não, mas ainda é estúpido. — Pensei um pouco mais. — Eu posso compreender esta noite – agora mesmo na casa de Salas. Não havia energia desperdiçada. Ela estava nos testando, para ver se protegeríamos alguém que conhecemos hoje de manhã.

— Sondando a fraqueza, sim — disse Stefan. — Concordo. Tenho outro pensamento que você não vai gostar. Ela pretendia levar o garoto – podia ver isso nela. Ela matou as cabras como vingança, porque esse menino a enfrentou. Ela testou o pai, mas isso não a irritou. Ela esperava isso. Bruxas têm afinidades diferentes, mas a maioria delas é boa com coisas como poderes da linhagem.

— O garoto resistiu a ela – e ela adivinhou que era algo que poderia acontecer na família dele? — perguntei. — Porque ela normalmente pode controlar alguém? Se ela pedisse a alguém para procurá-la, eles teriam que fazer isso? — Engoli em seco. — Pensei que eles precisavam de artefatos – como o colar que Bonarata usava naquele pobre lobisomem na Itália.

— Para lobisomens — disse ele. — Mas pessoas sem mágica? — Ele deu de ombros. Pelo menos ele não parecia feliz com isso. — Se isso ajuda — acrescentou —, é uma coisa rara. Nos dias em que os covens pontilhavam a paisagem da Europa, eles eram altamente valorizados. Eles os chamavam de Love Talkers{6}.

— Love Talkers são fae — disse a ele. — E são do sexo masculino.

— Nos contos de fadas — disse ele. — Mas a maioria dessas histórias são sobre bruxas, não os fae. E eu acho que é um dos poucos traços de bruxa igualmente fortes em homens e mulheres.

Suponho que se Baba Yaga era fae, era justo que algumas das histórias sobre os fae fossem realmente sobre bruxas.

Ele continuou: — Estamos seguros o suficiente, mas não sei se uma bênção, mesmo que seja dada pelo papa, poderia tornar um humano resistente à bruxaria. — Ele apertou os lábios, pensativo. — Mas famílias nascidas de bruxas podem ser resistentes à magia.

Não achava, pensando bem, que os Salas estavam seguros enquanto aquela bruxa sabia onde eles estavam. Se eles nasceram bruxos e não o sabiam, isso explicaria por que a bruxa os escolheu. Também significava que, como qualquer outra bruxa branca, eles eram presas.

Peguei meu telefone e liguei para Mary Jo.

Ela ouviu enquanto eu explicava tudo.

— Você quer que eu os proteja? — perguntou ela.

— Quero que encontre mais dois lobos e vá vigiar. Ligue para mim, suponho, porque Adam está em outra longa reunião, se você perceber algo errado. Não se envolva, a menos que não possa evitar. Mas a família inteira do homem tem um alvo pintado nas costas.

— Você tem alguma objeção em eu pegar Sherwood e Joel? — perguntou ela.

Hesitei. — Só se você não forçar Sherwood — disse finalmente. — Aceite não como resposta.

— Feito — disse ela e desligou.


• • •


O outdoor da Chemical Drive era novo. Não deixe os monstros ganharem em nossa cidade estava ameaçadoramente sobre a foto de uma menina bonitinha com uma expressão aterrorizada no rosto, na qual deslizou uma única lágrima. A sombra de uma criatura parecida com um lobo caía sobre seu vestido branco. Caso eu tivesse alguma dúvida de quem financiou o outdoor, letras de dois metros e meio no canto direito anunciavam o endereço do site da John Lauren Society.

Os cidadãos do Bright Future eram mais ativos em Tri-Cities, então eu estava mais familiarizada com suas táticas. O foco do Bright Future era mais caminhadas de protesto, pichações e vandalismo. Meu construtor havia gastado muito tempo e dinheiro (pelo qual fui cobrada) mantendo-os longe da oficina. Agora que a oficina foi reconstruída, a Hauptman Security expulsou pessoas duas vezes nas últimas duas semanas. Eu matei um dos membros do Bright Future há um tempo. Foi legítima defesa, mas eles não pretendiam esquecer isso. Não enquanto sua prima dirigisse o grupo local, de qualquer maneira.

A John Lauren Society era um inimigo completamente diferente. Eles tinham dinheiro e seus ataques eram mais planejados. Os outdoors que começaram a surgir por toda a cidade após o incidente com o troll e a ponte foram a primeira dica de que eles estavam interessados ??em Tri-Cities. Dois dos sinais no campo do fazendeiro nesta manhã eram versões menores dos outdoors da JLS.

Era bom, pensei enquanto passava pelo cartaz, lembrar que nem todo mundo estava apaixonado de viver em uma cidade sob a proteção de um bando de lobisomens.

Eu me perguntava o que o JLS pensaria sobre bruxas.


• • •


Hordas de lobisomens famintos aguardavam a comida que eu trouxe. Tudo bem, era apenas Lucia, Aiden, George e Honey – e apenas alguns deles eram lobisomens. Mas eles estavam com fome.

Passei pela destruição entre a porta da frente e a cozinha e distribuí a comida fria, eu comi, um quadril em um balcão, e ouvi o dia de todos.

— Cookie se foi — disse Aiden tristemente.

Eu olhei para Lucia, que assentiu. — O irmão de um amigo a levou. Ela tem uma boa família agora, e outro pastor alemão para brincar.

Aiden suspirou. — E há muitas pessoas entrando e saindo daqui para ela. Eu sei.

Lucia inclinou a cabeça. — Podemos encontrar outro cachorro que precise da nossa ajuda. Talvez algum que gostaria de toda a comoção?

— Era onde você estava quando o lobo zumbi tentou destruir a casa? — perguntei.

Ela assentiu. — Cookie salvou minha vida. — Ela não parecia preocupada. Lucia era uma das pessoas mais confiantes que eu já conheci. Se fosse um lobisomem, ela poderia dar uma corrida pelo seu dinheiro.

— E você salvou a dela — disse Aiden, parecendo mais feliz. — Saldado.

Aiden passou muito tempo em Underhill. Estávamos trabalhando em coisas como generosidade e caridade. Ele estava mais à vontade com barganhas.

Era cedo quando fui para a cama, mas foi um longo dia e eu estava cansada. Tomei um longo banho quente que relaxou meus músculos doloridos, depois peguei meu corpo danificado e o enfiei em nossa cama grande.

Nos meus sonhos, eu estava vagando por uma estrada escura com Coiote. Nós estávamos conversando sobre... água, eu acho. Então, de repente, Coiote parou, virou para mim, agarrou-me pelas minhas mãos, olhou nos meus olhos, e disse: — O nome dela é Morte.

Acordei ofegante e em pânico, e a voz de Adam do banheiro disse: — Está tudo bem, querida, sou só eu.

— Sou só eu — disse a ele, mais baixo do que o habitual, porque estava com medo.

— É bom saber — disse ele, imperturbável. — Eu odiaria pensar que alguém estava na minha cama.

— Como foi a sua reunião? — perguntei, sacudindo a sensação feia que acompanhava meu pesadelo.

Ele resmungou sem prazer. — Seria muito mais fácil se eu pudesse matar alguns deles. Então eu não precisaria discutir por uma hora para que eles entendessem o bom senso. Tenho mais uma reunião amanhã à tarde antes que o show esteja pronto para começar. Você pode ir? Eles querem conhecê-la e dizer que você não tem nenhum poder real, eles só precisam que você seja a figura de proa e brinque de mensageira.

— Quando? — perguntei.

— Duas da tarde — disse ele.

Se Zee não se importasse em trabalhar na oficina novamente, não haveria problemas. — Posso fazer isso, eu acho. Onde?

Ele apagou a luz do banheiro e afastou as cobertas. Ele olhou para mim. — Eu vou buscá-la — disse ele distraidamente.

E então afastou as cobertas totalmente.

Eu chiei e corri. Ele me pegou sem muito esforço, porque ele era meu Adam, e eu não queria realmente fugir dele. Eu estava rindo quando ele me arrastou (não de maneira desagradável) por uma perna para a cama. Ele me pegou e me colocou no colchão.

— Você é tão linda — disse ele.

Ele estava errado, mas não estava mentindo. Eu posso ser bonita, mas linda estava muito longe. Christy, sua ex-mulher, era linda. Honey era linda. Mas se Adam pensava que eu era linda, eu não iria discutir com ele.

— Você também — disse eu, e ele bufou.

Mas ele estava concentrado em outras coisas que não palavras. E não demorou muito para eu também. Eu me banhei nele, a pele sedosa de seus ombros e a pele mais áspera de suas mãos, seu cheiro característico, o peso do seu corpo.

Depois da primeira vez, eu estava com vontade de tocar. Eu nos torturei (no melhor sentido da palavra) até que o suor se acumulou na testa e seu lobo olhou pelos seus olhos. Suas mãos cavaram em meus quadris com mais força do que ele ficaria feliz, mas ele não me forçou a parar de brincar. Adam nunca usaria sua força contra mim.

Agitei a nós dois até ficarmos naquela beira, como estar no topo da primeira colina em uma montanha russa. Mantive a nós dois suspensos, corações batendo, mas corpos imóveis. Os músculos se destacaram em sua barriga lisa e coloquei uma mão lá. Ele estremeceu e nossos olhos se encontraram. Senti borboletas voarem nas minhas veias enquanto ele sorria, um sorriso de lobo, alegre e faminto.

Nós caímos juntos. E foi glorioso.

Adam adormeceu depois. Mas energizada pelo bom sexo, pensei sobre motivação. Depois de alguns minutos, eu o cutuquei.

— Eu tenho uma teoria — disse eu quando ele resmungou.

— Essa será uma daquelas noites em que tudo que eu quero fazer é dormir e você acaba como um pião, não é? — disse ele.

Eu o ignorei. — Existem duas possibilidades para explicar a chegada das bruxas. A primeira é que elas descobriram que Sherwood está aqui – temos recebido muita atenção da imprensa e Sherwood estava em pelo menos uma das fotos que chegaram no AP.

— Dormir, esse estado abençoado... — Entoou Adam, mas ele estava me ouvindo.

— Sherwood é nascido de bruxa, eu acho, embora sua magia pareça um pouco mais selvagem que a delas. Ainda assim, elas usaram-no como fonte de energia por quem sabe quanto tempo. — Ninguém realmente me disse isso, mas o que mais elas estariam fazendo com ele? — Talvez elas o desejem de volta. Isso explicaria a maior parte do resto.

— Ouvi suas mensagens — disse Adam. — Obrigado por fazer isso, a propósito. Acho reconfortante que, depois de você escapar do perto da morte, sempre posso esperar sua mensagem telefônica. Dessa maneira só entrarei em pânico se não tiver notícias suas.

Eu não sabia dizer se ele estava sendo sarcástico ou não. Provavelmente porque ele também não sabia.

— De nada — disse eu com dignidade. — A bruxa da noite passada gentilmente nos informou que as bruxas estão realizando uma aquisição. E a nós – Marsilia incluída – é esperado que fiquemos em silêncio e aceitemos isso. Mas ela também mencionou que espera que nos afastemos e deixemos de ajudar na reunião entre os fae e os humanos.

— Sim — disse Adam.

— Então talvez hoje... — olhei para o relógio, que marcava duas da manhã —, ontem, quero dizer, tivesse mais a ver com isso.

— Certo — disse Adam. — Posso ir dormir agora?

Pensei nisso por um minuto. — Cutucada — disse eu.

Ele rosnou e se lançou.


• • •


Reuniões são chatas.

Reuniões em que todo o meu trabalho era aparecer e deixar todo mundo me dar uma boa olhada, depois sentar e calar a boca enquanto conversavam, eram mais do que chatas. Ok, primeiro eles me disseram que seria meu trabalho encontrar um local para a grande reunião. Mas não me perguntaram nada ou me deram a chance de conversar. Nós nos encontramos em uma sala de diretoria de hotel que se parecia muito com muitas outras salas de reuniões de hotéis em que já estive.

Talvez eu tivesse ficado mais impressionada com as pessoas – todos homens – que representavam muito poder governamental se a última sala de reuniões em que eu estivera não tivesse cinco Lordes Cinzentos dos fae.

A única pessoa que me impressionou foi Tory Abbot, assistente do líder do Senado, Jake Campbell, republicano de Minnesota. Tory era um homem de rosto afiado, cerca de dez anos mais velho que eu, e tinha uma maneira decisiva de exigir que as pessoas ouvissem quando ele falava. O que ele fez – bastante. E ele disse pouco, o que sempre me pareceu uma qualidade muito prezada em um político.

O maior motivo pelo qual ele era interessante não tinha nada a ver com o próprio homem. Fui informada (por ele) que ele seria minha ligação com o governo. E o homem para quem ele trabalhava, senador Campbell, era o senador que os agentes desonestos de Cantrip tentaram forçar Adam a assassinar.

Cerca de quarenta minutos depois da reunião, que foi principalmente um debate sem fim sobre onde realizar a reunião, comecei a jogar paciência no meu telefone. Os outros membros do bando – Adam, Paul, Kelly e Luke (os três últimos vestidos com camisas da Hauptman Security) – eram mais disciplinados. Eles simplesmente esperaram, sentados ao redor da mesa de conferência enquanto ninguém falava com eles.

Finalmente, Tory Abbot olhou para mim. — Você tem alguma sugestão sobre onde realizar esse encontro?

Olhei por cima do ombro como se houvesse alguém com quem ele estivesse falando.

— Espertinha — murmurou Kelly com uma voz muito suave para os humanos ouvirem. O trabalho diário de Kelly era trabalhar em um viveiro de plantas, mas como muitos lobos, ele trabalhava para Adam quando necessário. Seus olhos azuis brilhantes estavam olhando para longe de mim, para que ninguém visse que ele falava comigo. Ele era um caçador sorrateiro.

— Sra. Hauptman — disse Abbot, um pouco impaciente, apesar de ter o cuidado de ficar do outro lado da sala.

— Nenhum dos lugares que vocês falaram vai funcionar — disse eu. — Os fae não vão à cidade e se sentam entre paredes de ferro e cimento para discutir a paz com o inimigo.

— Temos certeza do caralho de que não vamos à reserva e conversar com eles — disse Abbot.

— É a minha esposa para quem você está praguejando — rosnou Adam, e toda a sala ficou em silêncio. — Não faça isso novamente. — Havia muito mais ameaças em sua voz do que quando ele disse a mesma coisa para Sherwood ontem.

— Eu não sugeriria ir à reserva — disse eu, tão suavemente, como se Adam não tivesse falado. — Duvido que eles deixem vocês entrarem, de qualquer maneira. Ou sair, se eles deixassem vocês entrarem. O que vocês precisam é de um lugar grande o suficiente para acomodar a todos e suas comitivas, bem como a delegação fae, uma que também tem uma pequena sala nas proximidades, onde os diretores podem conversar. Em algum lugar do nosso território, mas não na cidade, onde os fae se sentirão em desvantagem.

Eu estava ouvindo e pensando. Posso fazer tudo isso e jogar paciência ao mesmo tempo – é um dom.

— Tudo bem — disse Abbot cautelosamente. — Onde você sugere?

— Que tal uma das vinícolas de Red Mountain? Elas ainda estão em nosso território. — Com um aceno para o outro lado, eu incluí Adam e os outros lobos. — Foram construídas para realizar reuniões e retiros de empresa – e estão situadas entre coisas que crescem.

Parei de falar antes que eu pudesse falar sobre as conexões entre os fae e as bebidas alcoólatras – cerveja e hidromel mais que vinho, com certeza. Mas o vinho seria algo que faria os fae se sentirem mais em casa.

— Em termos de segurança, pode ser uma boa escolha — disse um homem. Eu tinha certeza que ele era do Serviço Secreto ou algo assim, porque eles não me disseram o que ele faz – e ele estava sentado à margem como o resto de nós enquanto os outros conversavam. — As vinícolas são bem isoladas, para que possamos manter não participantes afastados. Posso procurar algumas hoje à noite e trazer sugestões.

E as conversas foram retomadas.

Olhei para a hora no meu celular pela terceira vez em cinco minutos e Adam disse, interrompendo facilmente uma discussão acalorada sobre a conveniência de realizar uma reunião governamental em uma vinícola: — Cavalheiros. Deveríamos desculpar minha esposa, que precisa voltar ao trabalho. — Ele tirou a chave do SUV de seu chaveiro (era um diesel; diesel ainda tinha chaves em vez de chaveiros) e a jogou. — Paul, pegue meu equipamento. Vou pegar uma carona de volta com Luke e Kelly.

Paul pegou a chave no ar e saudou Adam. Ele abriu a porta para eu precedê-lo.

Eu teria preferido Kelly ou Luke. Paul era um dos lobos que preferia que eu não fosse a companheira de seu alfa. Quando Adam dissera ao bando que ele não toleraria mais ninguém me ofendendo, Paul ficou muito quieto ao meu redor. Paul havia se divorciado alguns meses atrás – e isso não adoçou seu temperamento nem um pouco. Eu não tinha medo de Paul, mas ele não era alguém com quem eu queria sair, também. Provavelmente foi por isso que Adam o enviou comigo, para nos forçar a lidar um com o outro.

— Pelo menos você não sugeriu o tio Mike — disse Paul mordaz quando estávamos longe o suficiente no corredor para que Adam não o ouvisse.

Antes que eu pudesse responder, viramos uma esquina e nos encontramos no meio de um tumulto selvagem de primeira ordem. Evidentemente, um ônibus turístico chegara enquanto girávamos os dedos dos pés na sala de reuniões. O balcão de check-in e a sala ao redor estavam cheios de dezenas de aposentados prósperos, um entregador de pizza com uma caixa grande e quatro pessoas de uma loja de flores local empurrando carrinhos de mini buquês de cores vivas em pequenos vasos transparentes.

Recuei para deixar Paul tomar à dianteira. Ele era um homem grande e as pessoas se moviam para deixá-lo passar. Segui em seu rastro através da multidão e saí pela porta giratória para o ar fresco.

— Não se preocupe — disse Paul, quando saímos do hotel. — Não vou atacar você nem nada.

Revirei os olhos. — Como se você pudesse.

Ele começou a dizer algo, balançou a cabeça e murmurou: — Deixe-me tentar de novo.

— Tentar o quê? — perguntei.

Em vez de me responder, ele parou e se virou em um círculo lento. — Você cheira isso?

Ter sentidos aguçados é uma coisa. Prestar atenção a eles para que façam algo de bom é outro. Eu inalei. O hotel ficava no meio da cidade; havia muitos aromas no ar. Um desses aromas simplesmente não pertencia.

— Pólvora? — perguntei. — Por que estamos cheirando pólvora?

Olhei em volta, mas não havia pessoas fora do hotel que estivesse perto o suficiente para que o cheiro pudesse sair deles, mesmo se eles tivessem passado a manhã atirando – mesmo se tivessem rolado na pólvora.

Paul focou nos carros, o que fazia mais sentido porque eles estavam mais próximos.

O que tínhamos era duas minivans, um carro amassado com uma placa de pizza no topo e, mais próximo de nós, um ônibus de turismo.

O ônibus prateado ronronou em repouso, suas grandes portas de bagagem abertas para expor a barriga da besta. Dei dois passos em sua direção, mas assim que eu fiz, o cheiro de seu motor diesel se sobrepôs ao cheiro de pólvora.

O diesel, sendo um orgânico volátil, viajaria além da pólvora. Se eu estivesse cheirando pólvora fora do alcance do diesel, só poderia ser porque o cheiro da pólvora estava vindo de algum lugar que não era o ônibus.

Enquanto isso, Paul examinara a primeira das minivans. Ele balançou a cabeça para mim e deu um passo em direção ao carro com uma placa de pizza local no teto. Franzindo a testa, ele inclinou a cabeça.

Fui até ele e fui atingida no rosto com uma mistura de alho, tomate, queijo, calabresa – o de sempre. Ele olhou para mim e deu de ombros; seu estômago roncou. Ele sorriu, uma expressão de menino que ele nunca mostrou para mim, depois balançou a cabeça.

Nós dois tentamos a segunda minivan, mas cheirava a flores e fragrância de bebê. A fragrância do bebê fez Paul espirrar.

Ele deu um rosnado, caminhou para o carro da pizzaria e abriu a porta do motorista. Ele enfiou a cabeça.

— A pizza é forte, mas não deve cheirar a pólvora — disse ele. Mas então eu podia sentir o cheiro também flutuando pela porta aberta. Eu o vi na minha mente, o entregador de pizza carregando um daqueles grandes sacos de pizza de vinil projetados para transportar várias caixas de pizzas.

Paul e eu corremos, deixando a porta do carro de pizza aberta.

Quando duas pessoas correm para uma sala cheia, acontece muito drama – gritos e confusão e pessoas com a boca aberta. Uma das coisas que não acontece é uma limpeza milagrosa do caminho. Paul fez isso sozinho.

Eu esperava que a velha senhora que ele jogou no chão estivesse bem, mas não hesitei quando pulou sobre ela. Tempo suficiente para pedir desculpas e nos sentir culpados depois que caçarmos a ameaça.

Corremos para a sala de reuniões. Uma vez longe da multidão, eu era mais rápida que Paul, então estava na frente quando nós viramos a última esquina.

— Adam — gritei. — Arma de fogo.

O homem da pizza, uma mão levantada para bater na porta fechada, olhou surpreso para mim. Eu supus que ele não nos ouviu até eu gritar.

— Bomba — corrigiu Paul, que havia passado dez anos na unidade da SWAT de uma grande cidade no leste. Ele nunca me disse qual – nós apenas não conversamos muito.

O homem da pizza gritou: — Abra a maldita porta, seus malucos! — E, com um olhar de pânico, pela minha abordagem rápida, ele fez algo com a caixa de pizza.

O mundo parou em um rugido de som e luz.

Em um momento eu estava de pé e correndo, no outro eu estava de bruços no tapete áspero do hotel, lutando para respirar. O ar estava cheio de poeira e meus pulmões não queriam trabalhar por causa do peso em cima de mim. Dor e perda estremeceram nos laços do bando com o peso ainda mais pesado de nossos mortos.

Nossos mortos.

— Paul — tentei dizer.

Embora o peso sem vida dele nas minhas costas não se mexesse, senti o toque dos dedos dele nas minhas bochechas. Eles estavam quentes, o que eu sabia que era estranho.

Eles deveriam estar frios. O toque dos mortos geralmente é frio.

— Heyya, senhora — disse Paul, sua voz mais suave do que eu já ouvi. — Você dirá a ele, certo?

— Paul — disse eu. — Não.

Ele riu. — Sim, você irá. Você é justa assim. — Houve uma pequena pausa e ele disse um pouco melancolicamente, — Diga a Mary Jo que eu a amava, ok? — Então ele fez um som agudo. — Não. Não. Isso não seria certo. Apenas se certifique de que todos saibam o que eu fiz. Então eles pensarão bem de mim. Eu gostaria disso.

E então Paul se foi, embora seu corpo estivesse em cima de mim, o cheiro dele, de seu sangue, tudo ao meu redor.


7

 

Adam, Kelly e Luke levaram um tempo para me tirar dos escombros. Naquela hora, as extremidades de Paul haviam esfriado e seu sangue parou de fluir sobre a minha pele. Quando eles tiraram o corpo de Paul de mim, ficamos presos com o sangue dele.

Talvez tenha sido um choque ou a injeção que o pessoal da EMT me deu, mas eu estava bem maluca. Lembro-me dos rostos dos paramédicos ao lidar com dois lobos infelizes (Kelly e Luke se transformaram para cavar os escombros), que variavam de terror a fascinação. Mas, além disso, não me lembro de ir do hotel para o hospital.

Na sala de emergência, coletei informações um pouco ao acaso, quando as pessoas entravam e saíam do meu cubículo, e quando fui transportada para raios-X. Algumas pessoas eram do bando, outras não eram do bando, mas que trabalhavam para Adam, porém alguns deles eram estranhos que pareciam ser de agências de alfabetos. O nevoeiro aumentou depois que eles decidiram que eu não tinha um ferimento na cabeça e me deram algo mais forte.

Acordei com uma voz desconhecida.

—... Vinte e cinco anos de idade. Estudante de graduação em viticultura na WSU.

— O que fazer vinho tem a ver com fazer bombas? — Era Kelly. Então, eu devo ter cochilado por tempo suficiente para que ele tivesse tempo de trocar de forma. Ele parecia indignado, como se as pessoas que cultivassem plantas (como ele) não devessem considerar explodir hotéis. Pareceu-me engraçado.

A cama se mexeu um pouco, então eu abri meus olhos.

Um homem de rosto sombrio estava sentado no final da minha cama. Aparentemente, o desastre nos tornava amigos porque era o sujeito cáustico do Serviço Secreto da reunião, agora um pouco mais sujo e empoeirado.

Ele disse: — Não. Mas crescer em uma família com um negócio de demolição, sim. Não sei qual é a conexão com Ford, mas o FBI está trabalhando nisso.

— Ford? — perguntei; minha voz saiu um pouco vacilante.

Adam se inclinou para olhar para mim. Ele estava sentado em uma cadeira sem encosto, puxada para perto da minha cama. Ele e suas roupas estavam sujos de sangue e poeira, mas seu rosto e mãos estavam limpos.

Isso me fez perceber que, em algum momento entre a última vez em que eu estava funcionando, e agora, eu fui despojada das minhas roupas encharcadas de sangue e vestia uma bata de hospital limpa. Partes de mim estavam limpas e partes de mim estavam horríveis. Eu cheirava a pólvora, sujeira e sangue de Paul.

Adam tocou meu rosto com dedos gentis. — De volta conosco, novamente — disse ele. — Como você se sente?

— Leve — disse eu, em vez de dizer a ele que eu queria sair da minha pele para tirar o sangue de Paul de mim. Leve também era verdade. — Estou bem. O que o homem-bomba tem a ver com caminhões{7}?

Ele sorriu – era um sorriso de verdade, embora seu rosto estivesse cansado. — Não muito, querida. Mas Ford é o nome do homem de Rankin. No momento, parece que foi ele quem organizou o atentado.

— Certo. — Eu não conseguia lembrar qual dos homens na reunião era o homem de Rankin. Rankin era um dos democratas, incluído porque ele estava no comitê da Câmara sobre assuntos fae e sobrenaturais. Esse comitê passou por tantas mudanças de nome nos últimos anos que não pude, logo de cara, lembrar como foi oficialmente chamado. Eu sabia que não era o Comitê Tinker Bell, como a maioria das pessoas o chamava.

A sujeira, o sangue e a poeira que todo mundo usava me disseram que provavelmente ainda estávamos no dia do bombardeio. A posição do sol me disse que não passou mais do que algumas horas.

— Qual é a situação? — perguntei a Adam.

Não precisava explicar para ele o que precisava.

— Paul está morto. O homem-bomba está morto — disse ele.

— Você... — Eu olhei rapidamente para o cara do Serviço Secreto, que olhou para mim. Era por isso que eu não bebia. Muitos campos minados.

— Eu não matei o homem-bomba, não — disse Adam, sua voz um pouco dura. — Não precisei porque ele fez isso por nós.

— E todo mundo? — perguntei. — Você está bem?

— Fomos jogados um pouco. As janelas quebraram e perdemos pedaços de teto e parede. Ninguém foi gravemente ferido – Abbot está com o braço quebrado. O resto de nós ficou com escoriações e contusões.

— Luke quebrou o ombro — acrescentou Kelly. — Mas curou. Adam o mandou para casa com Darryl.

Tradução: Luke estava muito cansado pela cura para voltar a ser humano e muito chateado pelo bombardeio para ser confiável em público sem um lobo dominante o suficiente para fazê-lo se importar.

— Tudo bem — disse eu. Olhei para o cara do Serviço Secreto. — Se o homem-bomba morreu no local, como você descobriu que... — Eu ainda não estava no topo do meu jogo, porque tive que percorrer as marcas de caminhões até chegar ao caminho certo. Não Dodge ou Chevy. — Ford era responsável?

— Eu perdi tudo, exceto o final — disse o funcionário do Serviço Secreto com pesar. — Eu estava muito ocupado em não morrer e então saindo de baixo de Kelly, obrigado. Mas assim que ele percebeu que estava vivo, Ford começou a gritar que era quinze minutos mais cedo.

— Abbot colocou tudo no celular — disse Adam.

— Entramos em contato com o representante de Rankin — disse o funcionário do Serviço Secreto. — Você ficará surpresa ao saber que ele ficou chocado e assustado.

O funcionário do Serviço Secreto parecia sinceramente arrependido quando acrescentou: — Infelizmente, acho que o choque era real, pelo menos. Eu adoraria colocar isso no sapo viscoso. Mas é provável que tudo fique em Ford.

— Qual é o seu nome? — perguntei. — Não posso continuar chamando você de cara do Serviço Secreto.

— Judd Spielman — disse ele.

— Legal — disse eu, inclinando-me seriamente. — Paul me salvou.

— E lá vai ela de novo — murmurou Kelly. — Nós sabemos, Mercy. Você nos contou uma ou duas vezes.

Eu me virei para olhá-lo – ele estava em algum lugar atrás de Adam – mas acabei enterrando meu rosto contra o peito de Adam. Foi tão bom que fiquei lá.

Quando levantei a cabeça, o funcionário do Serviço Secreto, cujo nome era Judd Spielman, sumiu do final da cama. Em vez disso, inexplicavelmente, Tory Abbot estava lá, em um terno imaculado que era ligeiramente diferente daquele que ele usava na reunião. As linhas em seu rosto eram um pouco mais profundas, e ele tinha uma tala no braço esquerdo.

Ele estava dizendo: —... Não entrei em pânico, todos nós estávamos mortos e ele estava vivo.

Parecia que eu havia acabado de piscar e ele apareceu do nada, mas sua presença não era a única mudança no cômodo. Tudo estava um pouco mais sujo do que antes – os lençóis brancos haviam adquirido manchas sujas.

Adam estava mais limpo, no entanto. Seu cabelo estava molhado e ele estava em roupas diferentes. Kelly se foi, e Warren estava sentado no parapeito da janela, olhando o sol poente.

— Odeio drogas — disse eu confusa. — Minha boca está seca.

— Não culpo você — disse Adam, beijando minha testa. Warren saiu do parapeito da janela e trouxe um copo de água com um canudo. — E eles não vão te dar mais nada. Parece que você tem muitos cortes e contusões, mas nada grave.

— Provavelmente — disse Warren, voltando para a janela.

— Provavelmente — concordou Adam sem problemas. — Ter um hotel despejado em cima de alguém geralmente não é algo do qual as pessoas se salvam, então a manterão aqui por mais algumas horas para ter certeza.

— Você está deixando-os malucos — disse Warren. — Porque um hotel caiu em você e você deveria estar morta. Eles não conseguem descobrir por que você não está.

— Paul me salvou — disse eu a Adam.

Ele me beijou novamente. — Eu sei, amor.

— Por que ela continua dizendo isso? — perguntou Warren. — Ela tem uma concussão?

— Ele me pediu — disse eu a Warren com seriedade. — Ele tocou minha bochecha e me pediu para garantir que todos soubessem que, quando o impulso chegava, ele era um herói.

— Ele morreu instantaneamente — disse Abbot, não desdenhosamente. — Ele não poderia ter pedido para ela fazer nada.

— Eu vejo pessoas mortas — disse eu a ele.

— Silêncio — disse Adam.

— É por isso que não gosto muito de hospitais — continuei. — Paul morreu e a única coisa que ele queria que eu dissesse às pessoas era que ele me salvou. — Fiz uma pausa — Ele não queria que eu dissesse a Mary Jo que ele a amava.

— Você vê pessoas mortas? — perguntou Abbot, com a voz presa.

— Vamos dar tempo ao Abbot para nos informar, ok? — disse Warren. — Você está falando bobagem, Mercy.

Assenti – o que machucou meu pescoço, meus ombros e meu dedo esquerdo, e então parei.

— Sua esposa fala com fantasmas? — perguntou Abbot.

— P-p-por favor! — disse eu a ele sinceramente na voz de Roger Rabbit – ou o mais próximo possível. — Somente quando é engraçado.

— Vá dormir — disse Adam.

Fechei os olhos e ouvi até ficarmos sozinhos. Mas devo ter dormido um pouco, porque quando acordei, Judd Spielman, o funcionário do Serviço Secreto, estava de volta. Desta vez, ele se sentou no mesmo lugar que Abbot.

— O FBI diz que a bomba foi habilmente construída. Das tampas de latão ao fio de detonação. — Spielman também usava roupas limpas. Em vez de outro terno, ele optou por jeans e uma camiseta. Isso o fez parecer mais durão – o olho roxo também não estragava essa impressão. Algumas pessoas (eu) ficam com um olho roxo e as pessoas perguntam: Ei, quem te bateu? Outras pessoas (Spielman) ficam com um olho roxo e as pessoas dizem: Onde eles enterraram o outro cara?

Adam não tem contusões.

— Ele foi criado por um especialista em demolição — disse Adam.

— Acho que o garoto era esperto e prestou atenção. — O tom de Spielman era irônico. — Mas eu não soaria tão admirador quanto meu contato. O garoto matou duas pessoas, incluindo ele próprio. Eu perguntei a eles, que se ele era um gênio, por que não estava trabalhando na empresa de seus pais? Eles me disseram que ele não gostava de receber ordens. Então, seu pai o encorajou a entrar em outra linha de trabalho antes de matar alguém – daí a viticultura. A família dele não disse nada, mas meu cara no FBI diz que ele começou a ficar radical e sua família o enviou para o oeste para afastá-lo de tudo isso.

— Bem, isso funcionou — disse Warren.

— Como jogar um garoto se afogando no oceano — concordou Spielman. — Ele veio aqui e se juntou ao grupo local do Bright Future, com algumas garotas daquele grupo. Então ele trouxe uma nova garota para casa algumas semanas. O pessoal do Bright Future disse que esses dois falaram algo sobre estar cansados de pertencerem a um grupo inútil que não fazia nada além de conversar e pintar grafites – uma acusação que BF nega, para o registro. Eles pararam de vir. Meu cara está verificando se encontraram outro grupo mais radical, ou se eles partiram por conta própria.

— Alguma palavra sobre a conexão com Ford? — perguntei.

A sala inteira virou para olhar para mim – aparentemente eles não perceberam que eu comecei a prestar atenção novamente. A mão de Adam apertou a minha.

— Aparentemente, Ford era amigo da família do garoto — disse Spielman. — Eu entendo que, no momento, pretérito é a forma correta do verbo. O pai do garoto está pronto para cometer um assassinato.

— Por que agora? — perguntou Adam de repente. — Esta foi uma reunião de – perdão – asseclas. Por que ele não esperou até que os principais atores estivessem no lugar?

— Porque Ford estava namorando a filha mais nova do senador Campbell — disse Spielman pesadamente. — Aparentemente, ele estava preocupado que se Campbell morresse, Stephanie voltaria para Minnesota e ele perderia a chance de recuperá-la.

— Uau — disse eu, um pouco impressionada com o... inapropriado desse pensamento. — Isso é especial.

— Como você sabe disso? — perguntou Warren.

— Ford está falando como se alguém apostasse nele — disse Spielman. — Não tenho ideia do motivo. Não vejo como anunciar que ele fez isso pelo bem da humanidade, porque não devemos barganhar com os fae, devemos eliminá-los da existência, vai ajudá-lo no tribunal. Ele parece mais alguém que faz campanha pelo presidente do que alguém que está atrás das grades por bombardear uma reunião do governo.

Warren rosnou: — Por assassinato.

O rosto de Spielman perdeu a expressão suave e agradável que parecia ser sua configuração padrão. — Eu sei. Eu ajudei a levar seu homem para fora.

Warren respirou fundo. — Desculpe.

— Eu também — disse Spielman.

— Paul... — comecei a dizer, mas Warren interrompeu.

— Salvou você — disse o cowboy magro com firmeza. — De propósito. Nunca gostei dele, não pensei que ele tinha isso nele. Eu estava errado e ele morreu um herói.

— Você não teria sobrevivido se ele não tivesse protegido você — disse Adam. — Não vamos esquecer o que devemos a ele.

Eventualmente, Spielman foi embora com algumas pessoas. O médico veio e me disse que eu poderia ir, mas não deveria tomar decisões que mudassem a vida por um dia ou dois.

Warren foi até a caminhonete enquanto eu subia no SUV sob o olhar avaliador de Adam.

— Pelo menos — disse Adam ao iniciar o grande motor a diesel —, sabemos que essa tentativa não teve nada a ver com bruxas.

— Não — disse a ele —, Abbot cheirava como a bruxa em Benton City. Não como Frost; eu não acho que eles estão relacionados. Mas os dois usam o mesmo sabonete, shampoo e creme dental – e ele carrega o cheiro dela também, um pouco.

— Abbot — disse Adam lentamente. — Mas não Ford.

— Eu não sabia dizer qual dos agentes do governo naquela reunião era Ford — admiti. — E talvez o bombardeio tenha sido esse cara, Ford, em algum tipo de tentativa de garantir que o governo e os fae não cheguem a nenhum tipo de acordo.

— Mas — disse Adam —, Ford está agindo de maneira estranha – e temos uma bruxa que achamos que pode ser capaz de fazer as pessoas humanas a fazer coisas.

— Mas — concordei. — Não sei se é apenas quando a bruxa está presente ou se é como a coisa de vampiro.

— Vou perguntar por aí — disse Adam.


• • •


Eu me senti mal pelos próximos quatro dias. Nada específico, apenas dores de cabeça e músculos doloridos. Quando fui para a oficina, Tad me fez cuidar da recepção enquanto ele trabalhava nos carros. No segundo dia, Zee trabalhou nos carros também. No terceiro dia, Dale trouxe o ônibus de Stefan e eu me levantei contra os dois bobos superprotetores e consertei sozinha.

Havia coisas mais dolorosas do que meus músculos doloridos, como a conferência de imprensa. Felizmente, não precisei falar muito. O repórter era uma mulher, então ela estava muito mais interessada em conversar com Adam do que comigo. Os interrogatórios do FBI também não foram divertidos. Mas na minha hierarquia de coisas dolorosas, o funeral e as tarefas que o cercavam superaram a todos.

Nós o cremamos – e Sherwood foi assistir, enquanto tudo terminava. Não permitiríamos que Paul fosse roubado e doado à ciência enquanto nossas costas estavam viradas. Sherwood, eu acho, estava mais preocupado com o fato de seu corpo ser roubado e transformado em zumbi. Talvez fosse apenas paranoia, mas nos deu algo para focar.

E havia mais zumbis.

Nosso bando foi chamado até Pasco para lidar com um gato zumbi – um vira-lata dessa vez, então pelo menos não havia crianças chorando. Eu não fui, mas aparentemente houve uma perseguição antes que Ben o pegasse. E depois havia a vaca.

Eles não nos chamaram para a vaca até que ela já tivesse matado duas pessoas e ferido mais algumas. Eu gostaria de ter escolhido esse, mas tive que me contentar com um relato de segunda mão de Warren, que a laçou da traseira de sua caminhonete, a cinquenta quilômetros por hora. Ele segurou a corda e mandou o motorista pisar no freio. O estalo resultante da corda rasgou a cabeça podre.

Adam pensou que a bruxa – ou bruxas, porque realmente não sabíamos – estava brincando conosco.

Adam lidou com o FBI, o Serviço Secreto e toda a confusão que acontece quando você não realmente morre quando uma bomba explode. A reunião secreta não era mais tão secreta e o Bright Future, indiferente à sua associação com o homem-bomba, realizou um protesto no John Dam Plaza, um pequeno parque no meio de Richland. Ouvi dizer que eles distribuíram sorvetes de graça.

Ford morreu sob custódia. O público estava sendo mantido em suspense, mas nosso novo amigo no Serviço Secreto disse a Adam que ninguém sabia por que ele morreu. Não foi suicídio, mas não parecia assassinato.

Depois de alguns dias, todas as notícias se concentraram na próxima reunião entre os fae e o governo. O bombardeio meio que sumiu. Afinal, todos os bandidos morreram. Eles só tinham uma foto da carteira de motorista de Paul e algumas palavras de Adam sobre como ele era um funcionário bom e fiel – não o suficiente para fazer uma história de Paul.

Paul só queria que Adam e o bando soubessem que ele era um herói. Ele não se importaria muito sobre o que disseram nas notícias.

O senador Campbell fez uma série de entrevistas com a imprensa conservadora e liberal. Eu vi várias dessas.

O senador era um homem bonito – ele poderia ter estrelado em um dos westerns dos anos 50, que meu pai adotivo era viciado. Ele parecia um homem em quem você podia confiar.

Ele me olhou diretamente nos olhos. Ou pelo menos ele olhou para a câmera e falou como se estivesse falando comigo.

— Na visão dos fae — disse ele —, quebramos a fé com eles quando negamos a justiça a um de seus próprios. Mas eles estão dispostos a subir à mesa mais uma vez. Não importa o que você ou eu sentimos sobre os fae, o fato é que estamos menos seguros deles neste minuto do que estávamos antes. Um acordo nos tornará mais seguros, os tornarão mais seguros e tornarão a vida de nossos filhos mais segura.

Ainda olhando para mim pela TV, ele disse: — Essa não é uma chance que provavelmente voltará em nossa geração. E não permitirei que as ações de um terrorista local atrapalhe tornar o meu país um lugar mais seguro para se viver.

Ele era um orador eficaz. E sua opinião foi reforçada pelo conhecimento comum de que ele era o garoto-propaganda dos grupos anti-fae.


• • •


Enquanto o bando pastoreava zumbis e Adam lidava com investigadores e repórteres, Mary Jo, George e eu limpamos o apartamento de Paul. Levamos duas noites para arrumar suas coisas. Pareceu-me que levaria mais tempo para arrumar a vida de uma pessoa.

— O fantasma dele está aqui? — perguntou Mary Jo enquanto classificávamos os livros em caixas.

Olhei em volta e balancei a cabeça. — Não vi nada enquanto estivemos aqui.

Ela fechou a caixa em que estava trabalhando e a afastou. — Liguei para Renny. Sairemos em um encontro no sábado.

— Bom — disse eu.

— É? — perguntou ela, pensativa. Pensativa não era uma emoção que eu já vi em Mary Jo.

— Ele me amava, sabe — disse ela. — Paul, eu quero dizer. Eu sei que você não viu o melhor lado dele, mas ele pode ser muito divertido. — Ela ficou quieta por um momento, depois disse: — Eu gostaria de tê-lo amado.

Ela chorou – e não me afastou quando eu a abracei. George veio e se agachou ao lado dela, colocando a mão em seu ombro. Ele disse o que todos estávamos pensando.

— Ele não tinha ninguém além do bando — disse ele. Então ele esfregou o ombro dela gentilmente. — Mas tinha a nós, querida. Estávamos em suas costas quando as coisas estavam difíceis – e ele nas nossas.

— Ele salvou minha vida — disse eu.

Encontrei os olhos molhados de Mary Jo – principalmente para evitar olhar para a sombra de Paul, que apareceu, olhando perdido, assim que Mary Jo reconheceu que ele a amava.

Ela assentiu. — Ele não era um homem fácil, Mercy. Mas era uma boa pessoa para ter em suas costas.

— Eu sei — disse a ela sinceramente.

— O que ele não era — disse George —, era sentimental. De volta ao trabalho, meu coração. Tempo e maré não esperam ninguém.

— Não estamos navegando para lugar nenhum — disse Mary Jo. — Portanto, não nos importamos com a maré, mesmo se estivéssemos em qualquer lugar perto do oceano. Talvez você deva deixar de jogar o jogo dos piratas por um tempo. Está entortando seu cérebro.

— O cérebro dele já está deformado — disse eu.

George sorriu para mim. — Eu sei que você é, mas o que sou eu?

Mostrei minha língua para ele e voltamos ao trabalho. Paul permaneceu, tocando um ou dois livros enquanto empacotávamos, ou tocando na estante vazia. Às vezes ele alcançava e quase acariciava Mary Jo – mas não exatamente.

Percebi que essa sombra não era realmente Paul, não como quando ele falou comigo logo depois de morrer.

Mas a sombra dele me deixou triste. Mais triste. Então não olhei para ele. Para isso.


• • •


Elizaveta voltou a tempo de perder o funeral. Eu acho que ela planejou assim – eu certamente teria nessas circunstâncias.

Um táxi a deixou e sua bagagem na nossa porta cheirando a ar velho e todas as coisas que acompanham uma viagem aérea. Ela parecia... velha.

— Adam — disse ela, passando por mim e se lançou em uma porção de russo.

O rosto dela se amassou de tristeza e perda e ele a segurou enquanto ela chorava. Mas seu rosto era – era provavelmente uma coisa boa que ela não podia ver o rosto dele. Após um momento, porém, ele fechou os olhos e a tristeza aprofundou a linha de sua boca.

— Elizaveta — disse eu. — Venha se sentar. Temos uma situação aqui e acho que você pode ser a única quem pode esclarecer o que está acontecendo.

Ela começou a entrar, mas deu um passo para trás antes de o pé cair dentro do limiar. — Está adorável lá fora — disse ela. — Passei a maior parte do dia dentro de aviões e aeroportos. Podemos sentar no alpendre?

Pensei na limpeza que Sherwood havia realizado na casa.

— Claro — disse eu. — Por que vocês não encontram um assento e eu trago um chá gelado para todos? — Elizaveta gostava de chá gelado.

Eventualmente, todos nós sentamos em cadeiras confortáveis ??espalhadas em grupos de cadeiras por toda a varanda. Elizaveta bebeu seu chá. Não duvidei de sua dor ou medo.

Parecia que o gato de Sherwood ia conseguir. Mas a casa de Elizaveta estava cheia de fantasmas de pessoas que ela e sua família torturaram até a morte por poder. Eu não conseguia olhar para Elizaveta sem ver o rosto daquele gato meio morto, como se ele representasse todas as vítimas dela. Ela ficou triste e eu não tinha nem um pouco de simpatia.

— Enterramos as cinzas de sua família em seu jardim — disse Adam.

E havia muitos ossos naquele jardim, Warren nos disse. Eles enterraram novamente o que encontraram. Ainda estávamos pensando no que fazer com aquele jardim.

O rosto de Elizaveta ficou imóvel. — Oh? — Mas quando ele não disse mais nada, ela disse: — Obrigada. Eles teriam gostado disso.

Não achei que a família dela gostaria de onde estavam agora. Mas geralmente não imponho minhas crenças em outras pessoas, especialmente quando elas não fariam bem a ninguém.

— Sobre a magia negra — disse ela timidamente. Ela estava observando Adam; minha reação não importava para ela.

Adam balançou a cabeça. — Entendo. Eu sei como a bruxaria funciona. — Entender não significava aprovar.

— Eles tentaram nos levar uma vez — disse ela, observando-o atentamente. — As bruxas Hardesty. Alguns sacrifícios foram necessários para garantir nossa sobrevivência.

— Entendo — disse Adam. — Por que você não veio nos pedir ajuda?

— Foi no mesmo tempo que você e seu bando foram levados pelos agentes do governo — disse Elizaveta. — Você estava um pouco ocupado. Quando as coisas se resolveram para você... — depois que Frost estava morto —, elas recuaram. — Ela deu a Adam um sorriso sombrio. — Minha família não era grande em comparação à deles. Mas tivemos alguns praticantes poderosos.

Eu teria que ligar para Stefan e ver o que ele descobriu sobre Frost.

— Mercy? — perguntou Adam.

— Desculpe — disse eu. — Eu estava distraída.

— Perguntei se você poderia descrever a bruxa que viu — disse Elizaveta.

— Alta — disse eu. — Cabelo escuro. Um grande sorriso que ilumina seu rosto. Ela parece vir da mesma região do país que Adam, embora talvez não o Alabama.

— E ela faz zumbis — disse Elizaveta, como se o que eu tivesse dito a ela tivesse lhe dado as partes finais que ela necessitava para fazer uma identificação. — Definitivamente a família Hardesty.

— Por que você acha que ela está fazendo tantos zumbis? — perguntei. — Tivemos um lobisomem, vinte cabras em miniatura, um gato e uma vaca.

— Ela não pode evitar — disse Elizaveta. — É a maldição desse tipo de necromancia, essa incontrolável necessidade de criar mais. Disseram-me que a euforia que persiste depois que você dá vida aos mortos é mais viciante que a morfina. É por isso que não existem muitas bruxas que fazem isso. Alguns com influência africana na família parecem lidar melhor com isso, mas até elas têm um limite. Ela deve ser valiosa se ainda não a mataram.

— Então, podemos rastreá-la usando os zumbis? — perguntou Adam. — Como funciona a criação de zumbis?

— Não importa como funciona — disse Elizaveta com um aceno desdenhoso da mão. — Quando há zumbis correndo, ela pode estar a quilômetros de distância. O que importa é que eu posso rastrear esse tipo de magia no meu território. — Ela respirou fundo. — Havia duas bruxas em minha casa e uma delas era essa criadora de zumbis.

— Sim — disse eu. — Ser uma Love Talker a faria valiosa o suficiente para ficar por aqui?

— Ah — disse Elizaveta. — É isso que ela é?

— Não tenho certeza — disse a ela honestamente. Então eu descrevi o incidente com Salas.

Elizaveta assentiu. — Seu vampiro está certo. Este homem – como era o nome dele? Este homem é provavelmente nascido de bruxa – você disse que ele deixou a cidade?

— Sim. — Não dei o nome dele e Elizaveta não pediu novamente.

— Mais seguro para ele — comentou. — E se ela é, de fato, uma Love Talker, isso explicaria algumas coisas que eu me perguntei sobre ela ao longo dos anos.

— Ela pode influenciar as pessoas à distância – como quando os vampiros marcam uma das pessoas que eles se alimentam? — perguntou Adam.

Elizaveta contraiu os lábios. — Possivelmente. Algumas delas são conhecidas por fazer isso. — Então seu rosto limpou. — Ah, eu vejo. Você acha que ela pode estar por trás da sua explosão?

— Ford morreu sob custódia — disse Adam. — E ele morreu muito parecido como sua família.

— Se eles querem parar uma aliança entre os humanos e os fae – e é meu entendimento que eles fariam isso – poderiam ser os Hardestys por trás do atentado. — Ela encolheu os ombros e acenou com as mãos — Pode ser um único incidente; existem humanos suficientes que ficariam horrorizados com essa aliança. Mas a família Hardesty é famosa por usar outras pessoas para fazer o trabalho delas quando podem. — Ela comprimiu os lábios e assentiu devagar. — Cheira como algo que eles inventariam – e dada à morte desse homem que deveria estar por trás de tudo, acho que é muito provável que sejam eles por trás do incidente. Não lhes custou nada e teve o potencial de encaminhar seus objetivos.

— Você acha que, principalmente, essas bruxas passaram a dominar seu território — disse Adam.

Ela assentiu decisivamente, mas disse: — É muito cedo para dizer. Às vezes eles vêm um por um, outras dois em dois. — Ela pronunciou essa frase em uma canção, como se fosse uma rima infantil. Ela estremeceu um pouco, parecendo velha.

— Ah, bem — disse ela. — Eu deveria encontrar um hotel, você acha? — Ela havia planejado ficar aqui, eu pensei, até que descobriu que não podia cruzar nosso limiar.

— Quão preocupados devemos estar? — perguntei a ela. — Quero dizer, devemos advertir nossos lobisomens?

Ela fez uma careta. — Do Love Talker, não muito, eu acho. Nunca ouvi falar de alguém que pudesse influenciar um lobisomem. A linhagem Hardesty teve alguns que foram capazes de persuadir vampiros. De quem matou minha família? É preciso muito mais poder para matar lobisomens do que humanos. Adam me disse que foi sua avaliação que toda a minha família morreu ao mesmo tempo, não?

Assenti. — Toda a sua família, todos os animais. — Eu não contaria a ela sobre o gato resgatado por Sherwood. Ela poderia tentar reivindicá-lo, e isso seria ruim para todas as partes. — Todos os insetos. Tudo.

— Ah — disse ela. — Eu não sabia que foi tão longe. Isso não foi o seu Love Talker que faz zumbis quem fez, Mercy. Conheço apenas uma bruxa que pode aliviar outras pessoas de suas vidas de tal maneira. Suponho que deveria me sentir lisonjeada por terem enviado Morte atrás da minha família.

Meu coração pulou uma batida, porque ouvi a voz do Coiote ecoando na minha cabeça quando ela disse Morte.

Ela sorriu com força e olhou para Adam. — Se eles mandaram Morte, ela está atrás de mim. Mas você deveria saber que se aliar a mim colocará você na mira dela. Aquilo que ela faz, comer a vida de outras... ela fez isso na minha casa. Isso foi um erro. — Sua expressão ficou faminta e satisfeita ao mesmo tempo. — Ela se arrependerá de atacar minha família com sua maldição.

— Não pude sentir o cheiro ou sentir a bruxa criadora de zumbis até que ela quisesse — disse eu. — Não consegui nem sentir a magia da armadilha em que Sherwood caiu até estarmos em cima dela.

— Mercy é sensível à magia — disse Adam.

— Os andarilhos são — disse Elizaveta, assentindo.

— E — disse eu —, nenhum de nós sabia que você havia começado a praticar magia negra... você sabe se ela tem um perfume que lobisomens e eu podemos captar.

Ela congelou com o copo a meio caminho dos lábios. Ela sabia que nós entendíamos o que ela estava fazendo – ou deveria saber. Talvez estivesse mentindo para si mesma até esse momento. Ela olhou para Adam. Eu não conseguia ler o rosto de Adam, então também não achei que ela pudesse.

— A armadilha no seu porão — disse ela finalmente, pousando o copo suavemente. — Isso é uma coisa simples. Se uma bruxa sabe que existe alguém que pode sentir magia, há um passo extra que pode ser usado para isolar o feitiço, separá-lo do ar ao seu redor. Não funciona com magia ativa, mas a armadilha que você me descreveu está em estase até que seja acionada. Pode demorar alguns minutos ou até horas para a camada isolante se dissipar após o disparo do feitiço. Então você ainda não sentiria a magia até entrar no feitiço.

— Certo — disse Adam. — E o resto? Como você nos impediu de saber que havia mudado de ideia sobre permanecer no caminho mais leve? — O caminho mais leve é o que as próprias bruxas às vezes chamam de magia cinza. Não é o caminho da luz, mas também não é o mal puro.

Ela suspirou. — Eu te disse que era boa com talismãs, ou gris-gris enquanto estávamos na Itália. — Ela puxou um dos colares que usava para exibir um amuleto. Parecia algo que eu vi exibido em feiras de artesanato quando ceramistas tentavam fazer joias. Era bonito, feito de cerâmica vitrificada de verde e cobre, e lembrava vagamente uma flor, se essa flor tivesse sido montada por Picasso.

Ela moveu a mão até o amuleto balançar para longe de sua pele. Assim que não estava mais em contato, senti como se alguém tivesse jogado um balde de sujeira na minha cabeça.

— Eu não queria que você soubesse, Adam — disse ela. E uma lágrima escorreu por seu rosto. Ela limpou com a ponta da mão livre. — Não queria que você soubesse o que eu havia me tornado. Então eu fiz isso.

Ela o colocou de volta em suas roupas e a consciência da magia negra desapareceu.

— É algo que eu mesmo planejei, usando segredos da minha família. É improvável que as bruxas Hardesty fizeram uma coisa dessas – suas mágicas não se prestam a esse tipo de trabalho. Mas minha família sabia como – e temo que as bruxas Hardesty tenham aliados em minha casa.

— Havia quatro que não foram torturados — disse eu.

Elizaveta assentiu. — Receio que a ambição seja um problema entre os meus. Eles eram os que mais se irritaram com minhas restrições.

— E um deles era a filha de Robert, Militza — disse Adam. — Encontramos Robert.

— Isso não a incomodaria — disse Elizaveta. — Mas ela se importava com a perda de status quando seu pai me traiu.

— Então, por que eles mataram os membros da sua família que os ajudaram? — perguntei.

— Os Hardestys valorizam a lealdade à família, Mercy — disse Elizaveta. — Aqueles que traíram seu sangue – eles nunca seriam bem-vindos aos Hardestys. — Ela olhou para Adam. — Assumo que você esteve procurando por eles.

Adam assentiu. — Achamos que eles dirigiram um trailer até aqui e ficaram nele por um tempo. Eles deixaram o parque dois dias antes de descobrirmos os corpos em sua casa, e não voltaram desde então.

— Frustrante — disse eu.

Adam acenou para mim. — Como podemos matá-los se não conseguimos encontrá-los?

Elizaveta observou-o com um sorrisinho. — Eles vão nos encontrar, meu querido — murmurou ela. Então disse rapidamente: — Sim, bem, você tem todas as informações agora. Eu sou uma mulher velha e preciso do meu descanso depois da minha longa jornada. Eu estarei a caminho.

— Diga-nos em que hotel você está hospedada — disse Adam. — Vamos manter uma patrulha nele.

Ela se endireitou e parecia um pouco menos velha e frágil. — Obrigada, querido garoto. Isso é muito gentil.

Adam queria que a patrulha a vigiasse ou apenas a observasse? Provavelmente é melhor não perguntar isso neste minuto.

— Peguei um táxi aqui — disse ela. — Posso ter alguém para me levar até um hotel?

— Eu farei isso — ofereci. — Preciso pegar mais alguns ovos, de qualquer maneira.

Adam ficou tenso, balançou a cabeça – não como se estivesse indicando uma negação, mais como se derramasse algo. — Coisas ruins acontecem quando você vai buscar ovos, Mercy. Vou levá-la e comprar tudo que você precisa na volta.


• • •


Não conversei com Adam sobre Elizaveta até ele fechar a porta do quarto naquela noite.

— As negociações ainda estão acontecendo — disse ele enquanto desabotoava a camisa. — O presidente iria cancelar, mas, aparentemente Campbell e um grupo bipartidário de senadores o encurralaram em seu escritório e o convenceram.

— Ele estará nas eleições do próximo ano — disse eu. — Está preocupado com a aparência.

Adam assentiu e tirou a camisa. Ele fez um som irritado porque se esqueceu de desabotoar os punhos. Comecei a ajudá-lo a tirar os punhos da camisa – mas ele resolveu o problema arrancando as mangas. Ele não parecia particularmente chateado até aquele momento – mas ele não costumava destruir camisas sob medida casualmente também.

— Sinto muito por Elizaveta — disse eu.

Ele rasgou o resto da camisa e jogou na lixeira, dentro da porta do banheiro. Então desabotoou cuidadosamente os punhos e os jogou fora também. De costas para mim, ele colocou a mão em ambos os lados da porta do banheiro e inclinou a cabeça.

— Eu queria que ela tivesse uma boa explicação — disse ele.

— Eu sei — disse a ele.

— Eu queria que ela fosse... diferente do que ela é.

— Eu sei — disse eu.

Ele olhou para mim, seu rosto duro. — Ela era uma das minhas — disse ele.

Deslizei em seus braços e envolvi os meus em sua cintura. — Você não pode forçar as pessoas a fazer a escolha certa, Adam.

Ele respirou fundo. — Toda vez que eu pedi ajuda, ela veio. Ela foi encarar Bonarata porque eu pedi.

Assenti e apenas o segurei. Às vezes, não há como melhorar as coisas. Existe apenas passar por elas. Eu não poderia fazer Adam não se machucar; eu só podia deixá-lo saber que ele não estava sozinho.

• • •


No dia seguinte, quando montei um Jetta que alguém tentou religar, pensei em conexões. Fazer um carro funcionar sem problemas tinha tudo a ver com conexões: combustível, ar, líquido de refrigeração, elétrico.

Gostaria de saber se eu estava me tornando uma teórica da conspiração, por que a teia que eu estava construindo a partir de pedaços era verdadeiramente bizantino. E se todas as coisas que pareciam estar conectadas estivessem, então uma família de bruxas das quais nunca ouvi falar era responsável ??por uma enorme quantidade de caos na minha vida nos últimos quatro anos ou mais.

Talvez as coisas ficassem mais claras quando Stefan voltasse para mim com informações sobre Frost.

Terminei o Jetta e puxei um Rabbit cuspindo para dentro da oficina. Ele morreu cerca de um metro e vinte de onde eu precisava que estivesse.

— Você precisa de ajuda com isso? — perguntou Zee quando saí do carro.

— Não — disse eu.

— Teimosa — disse Zee brevemente. — O garoto e eu estamos ocupados.

Eu ri e empurrei o Rabbit até ele rolar, depois entrei para pisar no freio antes dele ir muito longe. Empurrar carros não era algo novo para mim. Levantei o capô e contemplei o compartimento do motor. Era surpreendentemente primitivo, dada a idade do carro e me deixou um pouco nostálgica pelo meu Rabbit.

Meu celular tocou quando puxei a tampa do filtro de ar. O material do filtro, que deveria ser esbranquiçado, mas com mais frequência em Tri-Cities estava acastanhado de poeira, era uma cor surpreendentemente laranja.

Olhando para o filtro de ar laranja, atendi meu celular sem verificar a identificação.

— Aqui é Tory Abbot — disse o assistente do senador Campbell, que cheirava a bruxa criadora de zumbis. Droga, bruxa zumbi era mais fácil e fluía melhor na língua – mesmo que deixasse a impressão de que a bruxa era um zumbi. Então, era bruxa zumbi.

— O que posso fazer por você?

— Tenho alguns documentos para você levar para os fae. Precisamos de uma lista completa de quais fae estarão lá – nomes, atributos e tudo isso.

Afastei o telefone do meu rosto e dei um olhar incrédulo. — Papelada para os Lordes Cinzentos preencherem — disse eu lentamente. — Hã. Essa é uma proposta interessante. Mas eles não farão isso.

— Eles vão se quiserem uma reunião — disse ele. — Vou deixá-los no seu... local de trabalho esta tarde. — Ele disse o último como se tivesse acabado de perceber que meu local de trabalho era uma oficina e não, digamos, um escritório de advogados.

— Você pode, se quiser — disse a ele. — Mas não os passarei adiante.

— Receio que isso seja inegociável — disse ele.

— Tudo bem — disse eu. — Vou dizer a eles que a reunião está encerrada. E direi a eles o motivo. Você pode explicar para o presidente e secretário de Estado por que essa reunião que eles tanto gostariam de ter foi cancelada por seu orgulho. Mas talvez eles concordem com você. Que sem alguns pedaços de papel – que estaria cheio de mentiras se você fosse os fae – essa reunião não deveria ser realizada. Embora seja o primeiro passo de um processo que possa impedir que nosso país esteja em guerra com os fae. Você pode começar, talvez, informando o senador Campbell.

Um breve silêncio caiu. Eu acho que ele esperava eu continuar meu discurso.

— Sra. Hauptman — começou Abbot —, eu sei que você está abalada pelo bombardeio. Talvez você deva transmitir seus deveres a alguém mais experiente e menos obstrucionista.

— Tudo bem — disse eu. — Dê-me o nome de alguém a quem os fae não se opõem.

— Adam Hauptman — disse ele.

— Alguém se certificou de que Adam tivesse um emprego para esta reunião — disse eu. — Ele não renegará um acordo que já fez. — Decidi que não estava realmente interessada em ajudá-lo em sua busca por minha substituição. — E se você pensa que eu sou um obstrucionista, você deveria experimentá-lo. Boa sorte com a sua procura.

Apertei o botão vermelho e voltei ao mistério do filtro de ar do Rabbit. Experimentalmente, levei-o ao nariz, porque parecia que alguém havia espanado o filtro inteiro com queijo em pó de uma caixa de macarrão com queijo. Mas não tinha cheiro.

Peguei uma mangueira de ar e a usei para soprar o filtro, meio que esperando que o pó laranja preenchesse o ar. Mas nada aconteceu. A substância parecia pulverulenta, mas se agarrava ao filtro como se fosse cola.

Cutuquei com o dedo. Eu ainda usava luvas quando trabalhava, embora a ex-esposa de Adam tivesse voltado para Eugene e não estava por perto para fazer pequenas observações pontuais sobre a graxa que eu não conseguia tirar debaixo das minhas unhas. Eu odiava o modo como minhas mãos suavam nelas. Mas isso foi compensado pelo fato da minha pele estar menos seca e rachada, porque eu não estava usando tanto sabão cáustico nelas para conseguir desengordurar. Christy me fez um favor.

Não havia resíduos laranja nas minhas luvas.

— Ei, Zee? — chamei, segurando o filtro.

— O que — disse ele, empoleirado na beira de um compartimento do motor com uma flacidez que desmentia sua aparência idosa. — Estou ocupado — acrescentou.

— Tenho um filtro de ar laranja brilhante — cantei. — Você não quer dar uma olhada?

Houve um zumbido de borracha dura no cimento e Tad deslizou para fora do carro de Zee, uma lanterna na mão. — Laranja? — disse ele.

— Bah — disse Zee. — Você distraiu o garoto, Mercy.

— O que é laranja e evita que o ar passe – e por que alguém jogaria isso no filtro de ar? — perguntei.

Tad pegou o filtro de ar e olhou para ele. Ele olhou para o Rabbit.

— O que deveria está errado com o carro? — perguntou ele.

Olhei para a folha de reparo que preenchi enquanto estava no exílio na recepção. — Engasga e morre — disse eu.

— Acho que sei o porquê — disse Tad. E então ele deixou o filtro cair como se fosse uma batata quente e pulou para trás.

— Pai? — disse ele com uma voz de quase pânico, levantando as mãos. A pele em seus dedos, onde ele tocou o filtro de ar, estava com bolhas e rachaduras. Enquanto eu observava, as pontas dos dedos dele escureceram.

Zee agarrou as mãos de Tad, murmurou algo sujo e levou Tad para a pia. Cheguei lá antes deles e liguei a água com força total. Zee segurou as mãos de Tad sob o fluxo de água e depois FALOU.


Wasser, Freund mir sei,

komm und steh mir bei.

Fließe, wasche, binde, fasse,

Löse Fluch, trag ihn hinfort,

Lass ab von Hand und diesem Ort.


O poder em sua voz fez meus ouvidos zumbirem. E isso me fez perceber que o que estava no filtro de ar não era cáustico, como pensei quando vi a pele de Tad, mas mágico. E quando o poder de Zee a tocou, algo que encobriu aquela magia foi lavado e toda a oficina cheirava a bruxaria.

Pensei na explicação de Elizaveta sobre o que as bruxas fizeram para disfarçar a armadilha no meu porão, e imaginei que haviam feito algo assim aqui.

— Como ele está? — perguntei.

— Ele está com raiva de si mesmo por ser tão descuidado. Suas mãos estão um pouco em cacos, mas elas vão se curar muito bem agora que seu pai fez a magia má enlouquecer. E ele é capaz de se avaliar, muito obrigado — disse Tad, irritado.

— Ele está bem — disse Zee. — Rabugento, como sempre.

— Você não acha que é um pouco do sujo falando do mal lavado? — perguntou Tad.

Zee grunhiu, franziu a testa e inclinou a cabeça para o lado. Ele cheirou ruidosamente.

— Eu também sinto o cheiro — disse eu. — Não é apenas o filtro de ar. Se fosse o filtro de ar emitindo tanta mágica, Tad não teria mais mãos.

— Ei — disse Tad. — Obrigado por esse pensamento.

— Serve por ser tão descuidado — disse Zee. — Mercy, essa sua nova oficina está equipada com supressão de fogo, não? Você sabe se é espuma ou água?

— Água — disse eu. — A água era mais fácil.

— Ja — disse ele. — E inútil em um incêndio de graxa.

— Lidamos com códigos de construção, não com questões práticas — disse eu. — Os códigos de construção diziam sistema aspersores. Mas os extintores de incêndio apagaram incêndios de graxa. — Tínhamos muitos extintores.

— Os aspersores são uma boa notícia para nós — disse ele. — Mas talvez não para um incêndio. Mercy me ajude a abrir os veículos.

Então abrimos capôs e tampas de filtro de ar, e qualquer outro tipo de tampa que Zee julgasse útil. Tad desconectou e colecionou vários eletrônicos e os cobriu com plástico – algo que ele poderia fazer com o uso mínimo de suas pobres mãos.

Zee inspecionou os computadores, telefones celulares e equipamentos computacionais e assentiu com relutância.

— Esses ainda não foram afetados. Podemos deixá-los fora da água.

Então Zee caminhou até a alavanca de teste do sistema de supressão de água e puxou-a para baixo. Quando ele fez, FALOU novamente.


Wasser, Freund mir sei,

komm und steh mir bei.

Vôo, barco, binde, fasse,

Hexenwerk verfange dich,

Schwinde Fluch, zersetz den Spruch,

nimm's hinweg, erhöre mich.


Desta vez, como Tad não estava se contorcendo de dor, prestei mais atenção ao que Zee disse. Meu alemão não era bom o suficiente para uma tradução poética (e parecia poesia), mas entendi a essência disto. Ele chamou a água – o elemento, eu pensei – e pediu que lavasse a bruxaria.

Nada de diferente aconteceu depois que ele falou, até que puxou o canivete e cortou o dorso de sua mão, deixando seu sangue cair na água.

Fumaça negra encheu o ar e a água sibilou e fumegou conforme caía. Parte da sujeira era da água que ficava há meses nos tanques que abasteciam o sistema, mas a maioria era de magia.

— Isso é uma maldição — disse Zee, pegando um pano limpo para enfaixar a mão. — A última vez que vi algo assim foi... — Ele balançou a cabeça. — Não lembro há quanto tempo. Mas não importa. Se não cuidarmos agora, agora – se espalhará na oficina, em nós, em tudo aqui, como um vírus. Ganhar poder com a dor que isso causa.

Coloquei a placa de Fechado e tranquei a porta.

Quando a água terminou o seu trabalho na oficina, Zee nos levou – roupas e tudo – para o chuveiro para o mesmo tratamento.

Finalmente, molhada e tremendo de nervos, peguei meu telefone e liguei para Elizaveta, como se nada tivesse mudado em nosso relacionamento.

Eu não sei se confiava nela – e fiquei muito, muito feliz por Zee estar aqui, então não precisaria confiar nela com tudo. Mas pedir ajuda a ela era melhor do que chamar Wulfe, o vampiro sangue-de-bruxa (ou usando algo mágico, de qualquer maneira).

Elizaveta, magia negra e tudo, era preferível a Wulfe. Além disso, era dia, então eu não tinha escolha.

Então eu liguei para Adam.

— Ouvi dizer que você desistiu de sua posição como organizadora — disse ele.

— Era isso que eu era? — perguntei. — Eu pensei que era uma garota de mensagem. Sim. Abbot queria que eu fizesse com que os fae fornecessem uma lista dos fae presentes, por nome e quais eram seus poderes.

— Ah — disse ele. — E você disse ao Abbot que não voaria.

— E ele disse que não haveria conversas — concordei. — Então, não era tanto que eu me demiti, pois era que, se eu continuasse na minha posição, não haveria conversas.

— E você não teria uma posição — disse Adam secamente.

— Exatamente — concordei. — Mas acho que ele me demitiu, de qualquer maneira.

— Parece bom para mim — disse ele. — Será muito menos trabalho.

— Pode reduzir o tempo de vida de todos os que vivem nos EUA em mais ou menos uma década, mas menos trabalho é bom — concordei.

Ele riu. — Os fae nunca preencheriam a papelada para uma reunião — disse ele.

— Ou forneceriam nomes reais — disse eu. — Ou preencheriam os papeis com mentiras. Melhor estabelecer o que é possível e o que não é possível antes de todo o inferno irromper.

Quando os fae entraram nas reservas pela primeira vez, o governo exigiu que os fae dessem seus nomes e dissessem que tipo de fae eles eram. Não sei sobre os outros fae, mas eu sei que Zee deu a eles o nome que ele usava agora – e a categoria de gremlin criada pelos humanos. Isso provavelmente se encaixava com ele e em qualquer outra coisa, mas banalizava o tipo de poder que ele podia manifestar. A única coisa que eu sabia era que nenhum dos fae que preenchiam esses formulários eram Lordes Cinzentos.

— Então, se você não estava ligando por isso — disse Adam —, por que você está ligando? E tem algo a ver com o motivo pelo qual meu pessoal me disse que o sistema de combate a incêndio da sua oficina foi acionado?

— Sim — disse eu. — A oficina foi amaldiçoada.

— Eu estarei aí — disse ele. Então disse, em tom baixo: — Você ligou para Elizaveta?

— Era ela ou Wulfe — disse eu.

— E é dia — concordou. — Estou saindo agora.


8

 

— Começou com isso? — perguntou Elizaveta, segurando o filtro de ar.

Ela estava andando pela oficina por cinco minutos, murmurando sobre as poças por toda parte. Fiquei realmente surpresa que não havia mais água – mas ela não esteve aqui durante o dilúvio.

Tad estava no escritório telefonando (com seus pobres dedos doloridos) para os clientes cujos carros encharcamos com água. Estávamos oferecendo reparos gratuitamente, mas não entregando os carros até amanhã ou no dia seguinte, dependendo de quanto tempo a limpeza levaria. Um problema, eu pude ouvir Tad explicando, com o novo sistema de combate a incêndio.

Encontrei um ponto perto da parede que separava a garagem do escritório e Adam assumiu uma posição perto de mim, onde passou a ignorar as ações de Elizaveta e a responder mensagens e e-mails em seu telefone. Ou talvez ele estivesse planejando dominar o mundo – com o telefone de Adam era difícil dizer.

Zee ficou do meu outro lado, deixando a oficina para Elizaveta.

Meu celular tocou novamente. Mas o identificador de chamadas foi bloqueado e minha política era que eu não atendia chamadas com identificação bloqueada, logo depois que saí do gancho para um emprego no governo que não pagava e que não queria.

— Sim — disse eu. — O filtro de ar foi a primeira coisa que encontramos.

Ela fez um barulho e começou a examiná-lo minuciosamente. A substância laranja brilhante mudou para algo que parecia muito mais (e talvez fosse) a sujeira endurecida que às vezes encontro em carros que pertencem a pessoas que dirigem muito em estradas de terra por aqui. Muita sujeira fina e revestindo tudo em seu caminho.

— Então — disse eu —, você acha que a praga mágica cor de queijo solta na minha oficina é das Bruxas Hardesty? Eu sei que é uma pergunta óbvia, mas achei que deveria perguntar de qualquer maneira.

— Poderia ser — demorou Adam. — A menos que você tenha irritado outras bruxas sem me dizer.

— Os Hardestys são como... a família Borgia. Raramente existe apenas uma maneira de vencerem — aconselhou Elizaveta distraidamente enquanto continuava examinando o filtro de ar. — O objetivo deles sempre é consolidar seu poder. A julgar por suas ações, se as reuniões não ocorrerem, elas vencem. Se acontecem e explodem – literal ou figurativamente – elas vencem. Se você espalhar uma praga mágica misteriosa e fatal onde quer que você vá, elas triunfam em todas as frentes.

Meu telefone tocou novamente e ela me deu um olhar irritado como se fosse minha culpa que alguém estivesse me ligando. Não havia identificação de chamada, então eu também recusei a ligação.

Elizaveta voltou-se para Adam. — O ataque à sua casa... um lobisomem zumbi seria um tesouro para uma família de bruxas, algo que não é facilmente substituído. Elas não esperavam que você o vencesse. Esperava que matasse quem quer que tenha acionado a armadilha – talvez todos na casa quando ela foi acionada. Isto não teria destruído o bando, a menos que tivessem sorte e isso o matasse, Adam. Mas se você tivesse perdido mais membros do bando... Eu acho que a reunião entre você e o governo não seria tão importante para você.

Ela franziu a testa novamente para o filtro de ar. — Elas parecem querer muito parar com isso, não é? Eu me pergunto por que elas não querem que o governo e os fae façam a paz.

— Se as bruxas estão tentando impedir, talvez devêssemos lutar um pouco mais para ver a reunião acontecer — disse Adam. — Para esse fim, Mercy, eu tenho uma dúzia de mensagens que me dizem que você deve atender ao telefone.

Fiz uma careta para ele, mas o interlocutor bloqueado começou a ligar para o meu telefone novamente. Os olhos de Adam em mim, eu atendi ao telefone.

— Sra. Hauptman — disse a voz áspera do homem que todos pensavam que estava prestes a declarar sua candidatura a presidente. —Aqui é Jake Campbell. Como você está?

— Molhada e irritadiça — disse a ele. — Meu sistema de combate a incêndio simplesmente disparou e encharcou tanto a mim quanto meu local de trabalho. O que posso fazer por você?

Houve uma breve pausa. — Você pode voltar para o lugar que meu assistente tentou forçá-la a sair. Expliquei as questões para ele e você estará lidando diretamente com minha assistente pessoal, Ruth Gillman, depois disso. Você descobrirá que Ruth é uma ouvinte muito boa.

— Olha — disse a ele. — Fae são o que são. Com quem você estará lidando – assumindo que envie qualquer pessoa que possa realmente fazer um acordo ou tenha alguma autoridade – são muito antigos. Eles não vão te dar nomes verdadeiros porque nomes verdadeiros têm poder. Até nomes antigos, verdadeiros ou não, têm poder. Eles não lhe dirão o que podem ou não podem fazer. Primeiro, é rude. Segundo, a maioria deles não tem o tipo de poder que usavam antes do cristianismo e do ferro varrer seu território, e isso é muito doloroso para a maioria deles. Perguntar a eles sobre seu poder, sobre seus nomes, poderia inspirar a um deles a demonstrar no local quanto poder ele ainda tem. Eu tenho um negócio para administrar e um casamento muito feliz. Não estou interessada em ser esmagada como um inseto porque outra pessoa quer que eu faça algo estúpido.

— Diga a ele como você realmente se sente — falou Tad da recepção, ele deveria estar entre chamadas.

Acho que fiquei um pouco alta. Fico brava quando tenho medo. E eu estava com medo desde que andei no campo de matança da casa de Elizaveta.

— Certo — disse Campbell. — E é exatamente por isso que precisamos de você. E sinto muito pela perda de seu membro do bando. Acho que ambos concordamos que seria melhor se prosseguirmos sem incorrer em mais mortes se pudermos. Então, qual é a abordagem adequada?

— Eles sabem que você quer uma reunião — disse eu. — Antes que o hotel explodisse, esse era o assunto dessa discussão.

— Você sugeriu uma vinícola em Red Mountain — disse ele. — Parece um excelente local.

— Posso fazer parte de um bando de lobisomens — disse secamente —, mas não preciso de um tapinha na minha cabeça.

— Notável — disse ele. E pude ouvir um som de arranhar, como se ele estivesse realmente escrevendo isso em uma folha de papel.

Provavelmente dizia: M. Hauptman é sensível, mas possivelmente útil. Trate com luvas de pelica até que ela prove o contrário. Ou talvez fosse apenas um pedido de almoço para sua assistente pessoal, Ruth.

Estar molhada e assustada estava me deixando muito mais irritada do que o normal.

— Eu disse que estava molhada e mal-humorada — disse eu. — Também completamente assustada. — Eu não pretendia admitir essa última parte. — Isso me faz gritar com pessoas que podem não merecer isso.

— Não estive perto de uma bomba desde que estava no exército — disse Campbell. — Mina na estrada tirou o caminhão logo à minha frente. Não é algo que esqueci e não me machuquei. Vai demorar um pouco até você se sentir segura novamente.

Ele foi sincero. Mas, além da tristeza dolorosa que era a ausência de Paul, eu mal me preocupei com a bomba. Bruxas eram muito mais assustadoras que bombas.

— Não é isso que está me assustando — disse lentamente. O senador Campbell e os outros funcionários do governo estavam em risco aqui.

Houve um pequeno silêncio. Então ele perguntou: — Achei que os fae concordaram em não prejudicar ninguém no seu território.

— Eles não prejudicaram — disse eu —, desde que ninguém os ofenda tentando insistir em que preencham um questionário.

— Não foi minha ideia — disse o senador. — Mas não me opus a isso. Seria bom saber uma coisa... qualquer coisa sobre os fae com os quais vamos lidar.

— Posso ver como você se sente — disse eu. — Você pode começar lendo o Mabinogion{8}.

— No joelho da minha mãe — disse Campbell. — Eu estava com medo disso. Mas se você não está preocupada com os fae, o que está te assustando?

— Bruxas estão me assustando — disse eu.

Elizaveta sussurrou: — Mercy, isso é da minha conta.

Estreitei meus olhos para ela.

— Deixou de ser da sua conta quando Paul morreu — disse Adam, ele assentiu para mim.

— Bruxas? — A voz do senador era cautelosa.

— Bruxas — disse eu.

E é assim que você obtém uma reunião pessoal com um senador dos EUA. Amanhã, com detalhes a seguir.


• • •


— Tudo bem, então — disse eu, soltando um suspiro surpreso e chocado quando apertei o botão de desligar. — Isso foi esquisito.

Elizaveta me deu um longo olhar. Então ela olhou para o que ainda segurava nas mãos.

— Esta não é a faísca — proclamou, recolocando o filtro onde havia encontrado, no chão junto a pia. Ela se virou, olhando para a oficina molhada.

— Quem pensou em inundar a oficina com água? — perguntou ela. Seu olhar caiu em Zee. — Adam disse que foi um fae. Você é o fae que trabalha para a Mercy?

Zee sorriu docilmente e concordou. — A gente aprende uma coisa ou duas em uma vida longa — disse ele. — Teria sido melhor se fosse água salgada, mas a água da cidade pareceu se sair bem o suficiente.

Manter o controle de quem sabia o que sobre quem acabaria me deixando louca. Elizaveta não sabia nada sobre quem era Zee, além de ser um simples mecânico. Para ser justa, eu o conhecia por quase dez anos antes de entender muito mais do que isso.

— Você pode ter salvado a vida de todos aqui — disse ela graciosamente.

Ele deu um leve aceno de cabeça. — Fiz o que pude.

Ela o dispensou de seus pensamentos enquanto olhava ao redor da oficina. — Vamos ver o que eles têm escondido aqui.

Ela murmurou algo em russo que fez Adam sorrir – uma coisa e depois desapareceu – pelas costas dela. E ela acenou com as mãos como se estivesse sacudindo a poeira delas em um ritmo que parecia ter uma batida específica. Ela franziu a testa e disse: — Isso seria mais fácil sem a ajuda da água mascarando a sensação da magia.

— Sinto muito — disse Zee docilmente. — Parecia a coisa certa a se fazer na hora.

Ela assentiu. — Eu vejo. E sim, foi. Mas ainda dificulta isso. — Ela fechou os olhos e fez o mesmo gesto com as mãos, mas desta vez ela começou a andar para frente.

Adam se aproximou dela. Eu pensei que provavelmente era para estar em uma posição melhor para impedi-la, digamos, de cair no poço sob o elevador ou sobre a caixa de ferramentas na altura dos joelhos, um risco de tropeço que já reivindicou uma vítima hoje – eu. E meus olhos estavam abertos na hora.

Mas ela parecia sentir esses perigos antes de se aproximar deles. Ela entrou em um caminho hesitante e em zigue-zague que lembrou o jogo de encontrar quente e frio. O que seja que ela estava usando para guiar-se a levou a uma das estantes que cobriam a parede dos fundos. Ela alcançou uma caixa de papelão de recipientes de óleo e puxou uma boneca de pano vestida toda de preto.

Ela abriu os olhos e olhou para a boneca. — Bom, olhe o que temos aqui. Uma boneca.

Adam apertou um botão no seu telefone. — Preciso de uma revisão da oficina da Mercy. Alguém plantou uma boneca ao longo da parede leste na área da garagem. — Ele encontrou os olhos de Elizaveta. — Algum tempo entre o fechamento da oficina ontem e abertura hoje.

Elizaveta assentiu. — Eu concordo.

Tad entrou na garagem e, depois que Adam desconectou, ele acenou com a cabeça para o que Elizaveta estava examinando.

— Uma boneca de vodu? — perguntou ele.

Ela fez um barulho negativo, mas depois disse: — De certa forma, suponho. Embora isso não seja nada tão rude assim, nem depende de magia solidária. Isso é algo de uma arte superior.

Ela olhou para mim. — Estou surpresa por você não ter sido morta completamente.

— Eu estava usando luvas de nitrilo quando peguei o filtro de ar — disse eu, aproximando-me para examinar a boneca com curiosidade mórbida.

Ela bufou. — Não sei por que essa maldição não tocou em você, mas não foi por causa de um par bobo de luvas de plástico.

— Nitrilo — disse Zee, amargo. — Elas não eram de plástico.

Ela o ignorou, o que eu acho que era o ponto dele. Há mais de uma maneira de não ser visto. Se ele se escondesse no fundo sem dizer nada, ela poderia se perguntar sobre ele mais tarde. Se ele fizesse comentários irritantes e não muito pertinentes, ela simplesmente o descartaria como sem importância.

O erro dela – mas não um em que ela estava sozinha.

De perto, a boneca era inquestionavelmente feita à mão, desde o rosto de tecido até as roupas intrincadas. Costuras minúsculas e precisas cercavam o vestido de renda preta, e uma infinidade de contas pretas cobriam as saias com babados. Sua cabeça de seda era coroada com fios pretos e marrons escuros confinados em duas tranças iguais. Mesmo os sapatos eram detalhados: botas minúsculas atadas com fios prateados para bordar. Seu rosto estava em branco.

Olhando para as tranças, perguntei: — Isso deveria ser eu?

Ela apertou os lábios. — Não. Representa a bruxa que queria amaldiçoar você. — Ela pegou a mão da boneca para me mostrar que uma mecha de cabelo preto foi costurada no tecido. — Este é você – para simbolizar aquele a quem a maldição se destinava. Não entendo porque o que quer que estivesse na peça do carro...

— Filtro de ar — disse Zee.

Ela o ignorou e continuou falando. —... não fez nada com você. — Ela franziu a testa para mim como se isso fosse algo que ela considerava pior do que uma bruxa estranha que amaldiçoava a morte no meu local de trabalho.

— Isso é seguro? — perguntou Adam, acenando com a cabeça para a boneca que Elizaveta segurava.

Ela olhou para ela como se tivesse esquecido o que segurava. — Não, na verdade. — Ela olhou por cima do ombro e então pareceu perceber que nenhum dos seus servos habituais estava lá. Ela olhou em volta e seus olhos me encontraram. — Mercy, você deve ter algo como uma tocha que possamos usar para queimar isso, sim?

— Eu tenho — concordei.

Nós estávamos queimando muito ultimamente.


• • •


Queimamos a bonequinha na parte de terra do estacionamento, onde guardava alguns carros que eu usava para tirar peças. Era dia, então a queima não deveria atrair muita atenção. Para garantir isso, escolhemos um local onde os carros deteriorados bloqueavam a linha de visão da estrada.

Eu meio que esperava que a boneca molhada fosse difícil de queimar. Mas Tad encharcou-a com gasolina e pareceu pegar fogo facilmente. Tad estava ignorando as mãos queimadas, que pareciam terrivelmente dolorosas.

Pensei por que a maldição não me atingiu.

Eu era filha do Coiote, o que me transformava em um dos andarilhos, pessoas descendentes dos avatares das primeiras pessoas: coiote, lobo, corvo e coisas do gênero. Todos nós poderíamos assumir o aspecto de nosso ancestral – eu poderia me transformar em um coiote. Meu amigo Hank descendeu de Hawk, e ele poderia se transformar e voar. Caso contrário, todos nós tínhamos talentos diferentes, exceto os dois que compartilhamos: podíamos ver fantasmas, e a magia agia estranhamente ao nosso redor.

A magia vampírica quase nunca me afetava. Não sei como isso afetava Hank porque, como ele gostava de me dizer: Eu não saio com esse pessoal. Eles se aproximam de mim e eu me afasto. O outro que ele gostava de me dizer era: Tenho sorte de ser o Hawk. Mais sortudo que você. E nós dois somos mais sortudos do que alguém que descende de Iktomi.

Eu tive que concordar com Hank. Iktomi era Spider, que costumava ser um trapaceiro como Raven e Coyote, embora com uma ponta mais cruel do que qualquer um deles.

A magia da bruxa não queria trabalhar em Arnoldo Salas, e estávamos assumindo que era porque ele era uma bruxa. Talvez fosse assim – ou talvez fosse porque ele era como eu. Eu não sabia se eu reconheceria outro andarilho. Não conheci o suficiente para ter certeza.

Mas não vi como as bruxas poderiam saber isso sobre mim... a menos que um membro da família de Elizaveta tenha dito isso a eles. Enquanto eu ainda estava mexendo na cabeça, Adam fez a Elizaveta a pergunta em que eu estava trabalhando.

— Por que atacar Mercy? — disse ele.

Elizaveta disse: — Agora não, amado. Deixe-me terminar isso e poderemos conversar. — Ela estava andando ao redor da boneca em chamas no sentido horário, muito lentamente. Depois que terminou de falar, começou a andar para trás, no sentido anti-horário. Widdershins. E cantou uma musiquinha em russo.

A boneca, por tudo o que havia pegado fogo, não parecia queimar tão rapidamente quanto eu esperava dos materiais dos quais foi composta.

A magia de Elizaveta não parecia a mesma magia que Sherwood usara no lobisomem zumbi. Mas a música, como a dele, tinha poder, senão beleza. Eu achei chocante, como se alguém estivesse acariciando meu pelo.

E cheirava a magia negra, suja e pegajosa.

Fiz uma careta para Adam. — Vou voltar e limpar a oficina.

— Eu vou com você — disse Zee.

Adam deu um aceno de agradecimento. Então eu e meu guarda-costas voltamos para ver se eu poderia ganhar a vida.


• • •


A maior parte do bando ficou em nossa casa naquela noite. Por um lado, era a nossa noite semanal do ISTDPB4, quando nossos lobisomens poderiam fingir ser piratas e se matar por ouro, por mulheres (ou homens – o Dread Pirate's Booty não se incomodava com a precisão histórica; garotas atrevidas foram combinadas com cavalheiros de dar água na boca), e o que fosse. Não sei por que o ISTDPB4 terminou com 4 quando CAGCTDPBT (Codpieces and Golden Corsets: The Dread Pirate’s Booty Three) terminava com um T. Começou como ISTDPBF, mas em algum momento alguém disse quatro e quatro permaneceu.

A outra razão pela qual a casa estava cheia era que Adam fizera uma ligação silenciosa para o bando, acolhendo esposas e dependentes para ficar. Os cômodos estavam lotados, mas eles estavam a salvo das bruxas. Ele não contou a ninguém por que estávamos seguros ali – esse era o segredo de Sherwood por enquanto. Para o meu... espanto, eu acho, o bando decidiu que foi algo que eu fiz.

Quando fui para a cama, todas as camas e sofás estavam cheios de pessoas (às vezes mais de uma) tentando dormir, enquanto os piratas (incluindo meu companheiro) uivavam e vaiavam do porão.

Gritos de cala a boca ou vou calar!, Morra, seu maldito rapsão!, ARGHHHHH! Parecia meio caseiro. Eu sorri quando fechei os olhos.


• • •


Na manhã seguinte, Adam e eu fomos para uma casa nos arredores de Pasco, situada no exílio solitário dos penhascos com vista para o Columbia, a cerca de 16 quilômetros do seu vizinho mais próximo. Havia um helicóptero em um bloco ao lado da entrada em que estacionamos, mas fora isso, a casa poderia ter sido construída em qualquer bairro de classe média da cidade e se misturado.

O senador Campbell estava emprestando a casa, Adam me dissera.

Eu segui Adam até a porta, lamentando a teimosia que me colocou em jeans e uma camisa velha, em vez de algo mais formal. Adam, é claro, estava usando seu uniforme de trabalho, que era um terno bem cortado.

Fomos recebidos na porta por uma sorridente mulher negra de meia-idade que se apresentou como Ruth Gillman, assistente pessoal do senador Campbell.

— Entrem — disse ela. — O senador está em uma teleconferência, mas deve terminar em poucos minutos. Posso pegar algo para vocês beberem?

Ela nos levou através de uma sala de estar escassamente mobiliada com manchas desgastadas no tapete até uma cozinha que era quase tão grande quanto a sala de estar e cheia de armários de cerejeira, bancadas de mármore e tudo o resto caro.

— Eu sei — disse ela —, parece que pertence a uma casa diferente. Será a casa de repouso de Bob, e ele e Sharon estão redecorando um cômodo de cada vez. Este ano, ele me disse, será o quarto principal.

— Bob? — perguntei.

— O irmão mais novo do senador — disse ela. — Ele é engenheiro e trabalhou por vinte anos em Richland no Pacific Northwest National Laboratory. Ele foi transferido para a Virgínia, mas se apaixonou por essa região do país.

— Huh — disse eu. Tri-Cities era minha casa, mas eu cresci nas montanhas de Montana. Demorei muito tempo para apreciar as colinas áridas e a paisagem ondulante.

Ela riu. — A esposa dele também acha que ele é louco. Mas ela o ama. Eu acho que eles ainda têm muito amigos aqui.

— Você está tirando sarro de Bob de novo? — perguntou o senador Campbell.

— Não, senhor — disse ela. — Eu não faria isso. — Ela mentiu quando disse isso, e ele riu porque ela pretendia que ele fizesse isso.

Ele era um homem grande, talvez trinta centímetros mais alto que Adam e quinze quilos mais pesado – nada disso era gordura. Seus cabelos eram castanhos claros, desbotando para cinza nas pontas. Havia linhas de riso nos cantos dos olhos dele.

Seus olhos eram duros e predadores. Olhos de Falcão.

Ele agarrou a mão de Adam com firmeza – e a minha menos.

— Bem-vindos à casa do meu irmão — disse ele. — Por que todos nós não vamos ao escritório – você também, Ruth. E se você e a Sra. Hauptman vão trabalhar juntas, é melhor começar agora.

O escritório provavelmente era um quarto quando a casa foi construída, mas, como a cozinha, fora remodelado para uma versão melhor de si mesmo. O chão era de madeira exótica e toda a sala tinha uma sensação masculina.

Havia uma mesa de mogno, mas também havia quatro cadeiras de couro com aparência confortável. Ele sentou em uma delas e deixou para nós três escolhermos as outras.

— Para que nossas cartas estejam sobre a mesa antes de começarmos — disse ele. — Você sabe que eu quero manter os fae e os lobisomens e tudo o mais que esbarra na noite tão longe dos cidadãos que eu represento como eu puder. Se pudéssemos criar algo que pudesse impedir os lobisomens de andar por aí com pessoas comuns, eu faria. Se eu pudesse apertar um botão agora e matar toda a sua espécie, todos os fae, eu mataria.

— É justo — disse Adam. — Conheço alguns lobisomens que sentem o mesmo por você.

Campbell recostou-se na cadeira, com os olhos fixos em Adam. — Então por que diabos você avisou minha equipe no outono passado que haveria uma tentativa na minha vida – que um dos meus funcionários de segurança era um assassino? Confiei nele com minha esposa e filhas. Eu juraria que ele era leal. Disse isso a Spielman. Mas ele me convenceu a montar uma emboscada de qualquer maneira, e dane-se se você não estava certo.

— Eu disse — disse meu marido gentilmente —, que eu conhecia lobisomens que achavam que o mundo seria melhor sem você. Mas não disse que era um deles. Você é o inimigo honrado, suponho. Mas nós, minha espécie, precisamos de você onde está. Dando voz ao medo, mas também à razão. Se você não estivesse onde está, seria aquela idiota do Alabama que queria legalizar a caça aos lobisomens.

Campbell estremeceu. — Certo, ela. É como quando eu jogava bola na minha aula de ginástica do ensino médio. Republicanos e democratas têm bons jogadores – e, para equilibrar as coisas, ambos têm alguns idiotas. Temos a Srta. Pepperidge, do Alabama. Os democratas recebem o Sr. Rankin da Califórnia.

Ele fez uma pausa. — Você deve saber que a razão de eu estar aqui – que viemos de Washington... — bufou ele —, Washington, D.C., quero dizer, é por causa disso. Que você me avisou quando provavelmente teria tornado sua vida muito mais fácil se ele tivesse conseguido me matar.

— Para ser justo — disse Adam —, eu também fiz isso, apesar das pessoas que tentaram me fazer te matar.

Campbell riu. — Eu não esperava gostar de você.

— Engraçado o que acontece quando você fala com as pessoas — disse eu.

Campbell assentiu. — Justo. — Ele estendeu as mãos, palmas para cima. Eu acho que eles ensinam políticos a usar as mãos quando falam na escola de políticos. — Então fale, Sra. Hauptman. Conte-me sobre as bruxas que te assustaram.

Eles também os ensinam a mentir. Campbell esperava gostar de Adam e ele não apertaria um botão para eliminar todos os lobisomens e fae do mundo – embora tenha sido honesto o suficiente sobre manter os lobisomens longe da população em geral.

— Há pelo menos duas bruxas que entraram em nosso território há algumas semanas. Ficamos cientes delas na semana passada. Por suas ações e o que uma delas me disse diretamente, elas pretendem interromper as negociações entre os fae e o governo — falei.

— Eu tenho lido o Herald — disse ele. O Tri-City Herald é o nosso jornal local. — São as bruxas responsáveis ??pelos zumbis?

— A vaca zumbi fez o Facebook sentar e implorar — disse Ruth. — Aquele cowboy é bom.

— O namorado dele também pensa assim — disse eu.

— Querida, eu sou casada — disse ela. — E meu esposo foi quem apontou que pedaço de homem era o laçador de zumbi. Há algo em um homem com um laço.

Sorri para ela. — Vou dizer a ele que você disse isso.

— Quando você terminar de flertar com o inimigo, Ruth, poderemos voltar ao assunto. — Havia ironia no tom do senador, mas nenhuma irritação.

Contei a ele sobre as bruxas, começando com a diferença entre uma bruxa branca, uma bruxa cinza, e uma bruxa negra. Vi que nada disso era novidade para Ruth ou para o senador. Comecei com as cabras zumbis em miniatura até o gatilho na minha oficina. Passei pelos quatorze mortos de Elizaveta com um ataque violento às bruxas locais. Depois de um momento de reflexão, eu incluí o que meu nariz me contou sobre Abbot.

— Oh não, querida — disse Ruth. — Tory Abbot é um bom homem. Ele vai à igreja todo domingo.

— Abbot — disse Campbell lentamente. — Abbot mudou alguns meses atrás.

— Ele se casou — disse Ruth. — Esse tipo de coisa muda um pouco o homem. — Mas não havia convicção em sua voz. Algo sobre essa mudança a incomodou também.

— Com uma garota legal do Tennessee? — Eu supus, mas... Abbot cheirava à bruxa zumbi.

— Como você sabia? — perguntou Ruth.

— As bruxas Hardesty vêm do Tennessee — disse Adam. — Pelo que podemos descobrir, a família é grande. Elas possuem empresas em todo o país. Mas o núcleo de seu poder está no Tennessee.

— Você me disse que havia algo de errado com a nova esposa de Tory — disse Campbell a Ruth. — Você não gostou do jeito como ela o tratou.

— Ordenou-o como um cachorro — disse Ruth. — Você acha que ela é uma bruxa? — Ela fez uma pausa, pensando nisso. — Eu pude ver isso. Há um núcleo frio nela que arrepia meus ossos.

— Então, o que devemos fazer? — perguntou Campbell.

— Não fique sozinho em um cômodo com a esposa de Abbot — disse a ele. — Não a deixe entrar em seus espaços pessoais.

— A maioria das bruxas vai evitar você como uma praga — disse Adam a ele. — Elas estão tentando sobreviver escondendo-se à vista de todos. Elas não querem chamar a atenção. Não sei o que há com esse grupo, mas não estão agindo como bruxas normais.

— Enquanto isso — disse Adam —, eu posso enviar um pouco do meu bando para ficar de olho.

— Não — disse Campbell pesadamente. — Deixe-me pensar sobre isso. Eu tenho alguns especialistas que posso consultar.

— Ok. — Adam se levantou, então eu segui o exemplo.

Ruth pegou um cartão e me deu. — O senador me deu seu número. Por que não almoçamos amanhã – só você e eu. E podemos discutir a melhor maneira de lidar com os Lordes Cinzentos. Eu ficaria grata por qualquer coisa que você pudesse me dizer.

Os olhos de falcão de Campbell encontraram os meus. — Você não é a única pessoa com quem estamos falando sobre isso, mas levaremos tudo o que você puder adicionar.

O senador ficou de pé como Ruth e eu, mas ele deixou Ruth nos levar para fora da sala. Cheguei à porta e voltei-me para ele.

— Senador, eu não sabia que você era nativo americano?

As sobrancelhas dele subiram até a linha do cabelo. — Isso é porque eu não sou. O que lhe deu essa impressão?

Balancei a cabeça. — Desculpe. Algo nos seus olhos.

Ele balançou a cabeça. — Gostaria de ser — disse ele. — Isso me ajudaria a obter o voto dos nativos americanos em Minnesota. Sendo vermelho em um estado azul, preciso de todos os votos que conseguir.


• • •

Adam esperou até estarmos no SUV antes de me perguntar: — O que foi aquilo?

— Mais curioso e mais curioso — murmurei. — Se o senador não é um dos filhos de Hawk, eu como meu chapéu.

— Você não tem chapéu — disse Adam.

— Sinto que tudo o que preciso é da perspectiva certa e tudo ficará claro — disse a ele. — Estou ligando para Stefan hoje à noite. Eu pretendia fazer isso ontem à noite. Mas estou muito mais interessada no que ele conseguiu desenterrar sobre Frost agora do que antes.

— Você acha que Frost está ligado a tudo isso? — perguntou Adam.

Eu bufei. — Não sei. O que você acha?

— Eu acho — disse Adam —, que estou cansado de bruxas.

— Ouça, ouça — falei. — Então você votaria nele para presidente?

— Sim — disse Adam sem hesitar.

— Huh — disse eu. — Eu votaria em Ruth. Ela não mentiu.

— Os políticos têm que mentir — disse Adam. — Está escrito em suas almas negras. É apenas um problema quando eles começam a acreditar em suas próprias mentiras.

— E essas são as pessoas que vamos apresentar aos fae — disse eu.

Adam sorriu. — Estou ansioso por isso.

— Você provavelmente também teria gostado de esportes sangrentos de gladiador — disse eu, apoiando minha cabeça no ombro dele.


• • •


Quando liguei para o celular dele naquela noite, Stefan não atendeu. Quando liguei para o telefone de sua casa, eu não reconheci o garoto que atendeu, mas ele chamou Rachel, que eu conhecia.

— Ei, Mercy — disse ela. — Não sei onde Stefan está. Ele saiu ontem à noite para falar com Marsilia e ainda não voltou.

— Isso é normal? — perguntei.

— Não é incomum — disse ela —, mas eu não chegaria ao ponto de dizer que isso acontece o tempo todo — Ela fez uma pausa. — Ela o quer de volta e ele a deixa pensar que isso pode acontecer. Ele acha que você está mais segura, contanto que ela pense que pode trazê-lo de volta ao redil.

— Isso é perigoso para ele? — perguntei lentamente.

Ela riu amargamente. — Ela é uma vampira, Mercy. Claro que é perigoso. — Sua voz se suavizou. — Mas ele não é burro – e não é uma marca fácil. Ele está jogando com ela e pior, por séculos, e ele ainda não está morto.

Não a corrigi – Stefan estava morto há muito tempo. Mas Rachel não teve uma vida fácil e eu gostava dela. Tentei não cutucá-la, a menos que precisasse.


• • •


Adam foi dormir. Eu tive mais problemas. Senti como se estivéssemos todos parados esperando pelo outro sapato cair.

O senador Campbell era um andarilho como eu – ou melhor, como meu amigo Hank. Embora ele não soubesse disso. Eu deveria ter contado a ele?

Isso respondeu à questão de saber se eu reconhecia um andarilho quando os conhecia – então a resistência da família Salas à bruxaria deve ter sido porque eles nasceram de bruxa. Eu me senti um pouco desconfortável que Elizaveta sabia agora também. Quando Arnoldo ligasse, assumindo que ligaria, eu veria se poderia convencê-lo a se mudar para outro lugar.

Era importante que Campbell fosse um andarilho? Isso era importante para as bruxas? Elas sabiam?

— Adam — disse eu.

— Estou dormindo, Mercy. É uma coisa de cara. Nós gostamos de dormir depois do sexo.

— Frost queria dominar os vampiros da América do Norte, e ele na maior parte conseguiu — disse eu.

— Sim — concordou, rolando para que pudesse olhar para mim. — Por isso você me acorda?

— Ele pretendia divulgá-los ao público — disse eu. — Para que eles pudessem caçar como vampiros antigos.

— Foi o que ele disse — concordou Adam.

— Mas isso seria estúpido — disse eu. — Se os vampiros saírem, especialmente se eles estão envolvidos em caças de maneiras em que aterrorizam a população humana – eles serão caçados até a extinção.

— Sim. — A voz de Adam era paciente. — Ele não é o primeiro idiota a alcançar o poder.

— Ele corrompeu e depois financiou os agentes de Cantrip que sequestraram o bando e tentaram forçar você a matar o senador Campbell.

— Sim — disse Adam lentamente – e eu sabia que ele também viu.

— Você pensou que eles não se importavam com o sucesso ou não, pensou que eles tinham um plano de backup para matá-lo. Tudo o que eles queriam era colocar a tentativa nos lobisomens.

— Sim. — Adam sentou. Então ele saiu da cama e começou a andar enquanto percorria os padrões que eu estava pintando. Ele tinha uma melhor compreensão da política do que eu, porque ele realmente pisou nos corredores de poder ocasionalmente.

Ele parou para olhar pela janela. Ele estava nu e fiquei um pouco distraída.

— Desculpe — disse eu —, fiquei distraída com a paisagem. O que você disse?

Ele sorriu para mim, mostrando um lampejo de covinha. — Eu disse, e se assumirmos que Frost não foi estúpido?

— Sim — concordei.

— Digamos que ele era um vampiro nascido de bruxa — disse ele.

— Sim — concordei.

— É como suas cabras zumbis em miniatura — disse ele. — O importante não é a miniatura ou a Cabra, é o zumbi. Com Frost, o importante não é o vampiro. É o nascido da bruxa. Se nós olharmos assim, então ele planejava a queda de lobisomens e vampiros.

Assenti. — E então ele não estava sendo idiota. Assim, o que isso tem a ver com o que as bruxas estão tentando agora?

— Maldição se eu souber — disse ele, depois de um longo momento.

Puxei as cobertas para baixo do meu queixo. — Eu também. Mas isso esclarece algumas coisas.

— Então era isso que estava te mantendo acordada? — perguntou Adam.

Eu assenti.

— Você pode dormir agora?

— E você também pode — prometi.

Adam balançou a cabeça lentamente e abaixou as sobrancelhas, seus olhos brilhando dourados por um momento. — Cutucada — disse ele.


• • •


Adormeci logo depois, me sentindo quente, confortável e segura.

Isso não durou muito.

Sonhei que estava andando por uma estrada. Parecia familiar, de alguma forma. Eu não conseguia lembrar bem até que percebi que havia alguém andando comigo.

— Você poderia ter escolhido qualquer lugar — disse ao Coiote. — Por que você escolheu uma estrada de terra no meio de Finley?

Coiote parou de andar e me virei para encará-lo.

— Porque — disse ele sobriamente —, é melhor voltar para casa.

Fiz uma careta para ele. — O que você quer dizer?

— Eu tenho — disse ele —, algumas informações para você.

— O que é? — perguntei.

O Coiote não me respondeu em palavras.


• • •


Eu estava trancado em uma gaiola com meu irmão e machucado. Eu estava com medo, ele estava com medo, e nos amontoamos juntos na dor. Vivíamos em terror momento a momento, esperando com pavor quando seríamos retirados das gaiolas novamente. Quando as novas bruxas vieram, quando as antigas gritaram pelas suas vidas, fiquei feliz porque pensei que elas se esqueceriam de nós.

Eu estava errado.

Levei um tempo para chegar a mim mesma o suficiente para perceber o que havia acontecido. Coiote me colocou na mente do gato de Sherwood algum tempo antes das bruxas Hardesty matarem a família de Elizaveta. Eu estava sonhando, lembrei-me, então tudo que eu precisava fazer era acordar.

Mas não consegui acordar.

O tempo não acelerou como nos sonhos normais. Minutos se arrastaram como minutos. Horas foram horas. Doía respirar, doía se mover – mas meu eu gato limpou o rosto do irmão para que ele soubesse que não estava sozinho. Isso nos confortou. Nós três.

O gato ficou ciente de mim em algum momento. Ele não parecia assustado por ter um visitante dentro da cabeça dele, embora eu não pudesse me comunicar muito bem com ele. Cantei para ele enquanto as bruxas faziam seu trabalho, colhendo nossa dor. Não sei se ele me ouviu ou não.

— Amputação e mutilação não são eficazes — disse a jovem bruxa chamada Morte à jovem mulher que nos viu com desaprovação. — O choque pode matar o animal, e isso é um desperdício de magia em potencial a ser colhida. Eles não são humanos e não percebem que você fez dano permanente, portanto não há aumento adicional de trauma emocional.

O gato e eu discordamos dela. Mas não dissemos isso.

A outra bruxa, que era parente de Elizaveta, que passou os últimos dias aprendendo com Morte, cutucou nossa nova ferida e depois a revestiu com uma pasta que nos fez chorar lamentavelmente.

Em minha vida humana, descobri que a bruxa morta (a teria encontrado morta) no porão da casa de Elizaveta. Militza. Eu não estava arrependida de que ela morresse.

Os sentidos do gato eram diferentes dos do meu coiote, dos humanos. Ele podia ver os fantasmas melhor do que eu, e via as bruxas como completamente diferentes dos humanos. As bruxas principalmente pareciam estranhamente distorcidas – não visualmente, mas, em outro sentido, não encontrava correlação humana. Eu sabia, porque o gato sabia.

Morte, por outro lado, era um buraco negro tão denso que tremíamos de frio. Ela era assustadora em um nível que, se pudéssemos ter vontade de morrer antes que ela nos tocasse novamente, nós teríamos.

A bruxa zumbi também estava lá. Ela tinha um toque daquele vazio insondável que nos observava enquanto assistíamos. Nós crescemos a conhecê-la, como fizemos com as bruxas de Elizaveta. Mas porque eu sabia que todos morreram, o gato e eu ignoramos a família de Elizaveta e assistimos as bruxas Hardesty. Nós aprendemos quem elas eram e o que elas queriam, e isso nos aterrorizou.

Depois de vários dias, esqueci que não era o gato.

Quando Morte parou o mundo, encolhi-me com meu irmão e senti a vida deixar seu corpo. Esperei que ela me levasse também. Eu senti a magia dela varrer sobre mim, mas não pôde se firmar. Eu me escondi contra meu irmão morto e tentei não atrair sua atenção.


• • •


Meu rosto estava pressionado contra cascalho, minhas patas... dedos cavaram no chão enquanto eu me enrolava mais e soluçava pelo meu irmão morto, fazendo sons roucos e feios. Chorei pelas criaturas que morreram para alimentar o apetite da Morte, e chorei pelas trevas do mundo.

A voz de um homem cantou para mim, dizendo palavras que não faziam sentido. Eu conhecia aquela voz, mas não me trouxe nenhum conforto.

Mas um cobertor quente foi colocado sobre mim, e o céu noturno cedeu com uma rapidez desconcertante para o sol dourado que aqueceu o cobertor e me fez sentir mais segura. Inspirei os aromas familiares de sálvia, sol e ar fresco.

— Venha para casa, coiote — disse Coiote. Sua voz era tão gentil como eu já ouvi, e ele acariciou o topo da minha cabeça. — Você está segura. Por enquanto, pelo menos.

Após um tempo, parei de chorar, embora continuasse enrolada em uma bola no meio da estrada. O toque dele era uma âncora que me impedia de voltar para o covil da bruxa.

— Esses tempos estão no passado e além de mudar — disse ele, e então sua mão parou. — Huh. Eu me perguntei como aquele único gato crescido escapou da Morte. Achei conveniente, porque se eu tivesse usado um dos animais que morreram, também poderia ter matado você. Ele não parecia ser especial – e agora acho que eu o salvei e não sabia disso. Que inteligente da minha parte.

Eu me apoiei em meus braços e me sentei. Meu corpo todo doía até os ossos. A mão dele caiu da minha cabeça, mas tudo bem, eu não precisava mais disso.

Ele sorriu brilhantemente para mim, agachando-se, mas mantendo o rosto no meu nível. — Eu acho que você poderia reivindicar o crédito também. Se você não estivesse com ele quando a Morte chamou – resistente como você é à magia dos mortos – ele teria morrido também.

Limpei minha garganta e tentei falar, mas minha boca estava muito seca. Engoli em seco algumas vezes e tentei novamente. — Você é um merda.

Ele sorriu e esfregou o peito com falsa modéstia. — Eu tento. — Então todas as risadas o deixaram.

— As bruxas Hardesty são abominações. Eles levam a morte, uma mudança que é sagrada, e elas profanam. Mate-as, minha filha. Mate-as e mate seus parentes.

Eu olhei para ele, inclinada, depois da minha estada, a concordar com ele. Em vez disso, levantei um dedo. — Você não é o meu chefe. — Levantei um segundo dedo. — Eu não sou uma assassina. — Levantei um terceiro dedo. — Quem você deve reclamar sobre tornar o sagrado profano? Não é isso que você faz? — Levantei um quarto dedo — Neste momento, estou mais inclinada a matar você do que qualquer outra pessoa.

Ele jogou a cabeça para trás e riu. — Bom. Bom. Tome essa raiva e lembre-se, tudo o que fiz foi permitir que você veja o que são.

— Por que você se importa com elas? — disse eu. — Uma das bruxas te amaldiçoou?

Ele abaixou a cabeça e olhou para mim através dos cílios. Seus olhos eram tristes e astutos. — Sim — disse ele, depois balançou a cabeça. — Não.

— Como assim? — perguntei.

Ele sentou no chão ao meu lado e cruzou as pernas. — Oh, é hora da história — disse ele. Então ele permaneceu sem falar por um longo tempo.

— Sim — disse eu.

— Você não está pronta para ouvir esta história — disse ele. — Então, eu estou tentando inventar outra. Mas não está funcionando. Então me deixe dizer isso. — Ele olhou para mim, e seu rosto e corpo ficaram subitamente muito sérios. — A morte é sagrada. É uma mudança... e eu sou o espírito da mudança. Então a morte é sagrada, especificamente para mim. As bruxas Hardesty estão ligadas ao sangue, por osso, por procriação e por escolha, por mágicas da morte. — Ele fez uma pausa para dar maior peso às suas palavras e disse: — Os zumbis são um anátema

— Concordo — disse eu. — Percebi. Muitas das coisas que essas bruxas estão fazendo são anátemas. Especialmente se você considera a morte sagrada. Eu pergunto novamente, por que as bruxas Hardesty? Por que não Elizaveta?

Ele bufou. — Não consigo driblar você, posso? Digamos que elas são particularmente estúpidas sobre o modo como fizeram as coisas. — Seu rosto se contorceu e eu vi, para minha surpresa, uma tristeza honesta. — Elas pegaram algo que era puro e santo e o mancharam com sua magia imunda.

— Por que você não as mata? — perguntei.

— Não posso fazer isso — disse ele, arrependido. — Não é como o monstro do rio. Estas são bruxas outrora mortais, cuja carne se originou em uma terra diferente. Elas estão no seu reino de influência, não no meu.

— Não entendo — disse a ele. Infeliz com o outrora mortais. O outrora mortais é uma coisa ruim ao lidar com uma bruxa, para quem o aprendizado é uma das chaves do poder. As coisas antigas têm a oportunidade de aprender muito.

Ele me deu um tapinha na cabeça. — Está tudo bem. Você só precisa matá-las. Farei o entendimento por nós dois.

— Mercy — disse a voz de Adam com urgência. — Mercy, acorde.


9

 

— Você estava chorando — disse Adam, sua voz suave com o sono. Ele passou um dedo na minha bochecha.

Nós dois estávamos familiarizados com os pesadelos um do outro. Não conseguia me lembrar do que sonhei, mas a tristeza ainda entupia meu peito.

Esfreguei minha cabeça contra a mão dele em busca de conforto, como um gato. Um gato.

— Era algo sobre gatos — disse a ele. — O gato de Sherwood, eu acho. Mas não me lembro de nada mais.

— Ok. — Ele me colocou contra ele. — Volte a dormir.

Olhei para o relógio e vi que dormi menos de uma hora. Não é à toa que me senti tão cansada.

— Precisamos encontrar essas bruxas — disse eu.

Adam assentiu. — Odeio travar uma batalha defensiva. Tudo o que você pode fazer é reagir, reagir, reagir. E você encontre-se correndo como Chicken Little, sem saber onde a próxima pedra cairá.

— Adam — falei lentamente —, se você odeia estar na defensiva – por que está administrando uma empresa de segurança? A segurança, por definição, não está sempre em defesa?

— Eu escuto sua lógica — disse ele. — Mas não estou ouvindo.

— Eticamente — disse eu —, a defesa é mais fácil de defender do que, digamos, assassinatos ou atacar pessoas porque te irritam.

Ele rosnou, depois riu. — A defesa é mais fácil de defender.

— Ei — disse a ele —, são duas da manhã. Não sou responsável por nada do que digo depois da meia-noite. — Franzi a testa. — Tenho esse sentimento estranho de que logo precisaremos caçar aquelas bruxas.

Ele me beijou longo e doce, depois me puxou contra ele e disse novamente: — Vá dormir, Mercy.

Ele rolou até eu estar em cima dele, e então murmurou: — Precisamos de todo o sono que pudermos ter se formos caçar bruxas de manhã.

— Oh, meu Deus — disse eu.


• • •


Estávamos no terceiro dia de casa cheia. Lobisomens que tinham famílias humanas ainda estavam virtualmente em prisão domiciliar para sua própria proteção. Isso significava que o café da manhã era muito importante, e tanto a cozinha quanto a mesa da sala de jantar estava cheia.

Adam pretendia trabalhar em casa esta manhã. Mas quando Jesse perguntou o que ele queria para o café da manhã quando desceu do chuveiro, ele disse: — Não há tempo para o café da manhã.

Isso foi um pouco incomum. Lobisomens tem que comer muito. E faminto simplesmente não descreve o que acontece com um lobisomem quando ele está com fome.

Ele viu meu olhar e sorriu para mim.

— Você está de bom humor hoje — falei para ele.

— Você precisa comer — disse Jesse. — Sempre há tempo para um bom café da manhã.

Ele passou pela cozinha, beijando-a na bochecha e eu, levemente, na boca. Aiden teve um toque de punho. Aiden não era bom em contato – então deixamos que ele decidisse quando precisava de um abraço.

— Fui chamado — disse Adam. — Não há descanso para os ímpios. Jesse, haverá comida para onde vou.

Ele olhou ao redor da sala e chamou todos os lobisomens para ele com nada mais do que um relance. Depois de um momento, alguns outros lobisomens apareceram de outros lugares, então Adam deve ter usado os laços do bando.

— Vistam-se para uma jornada de trabalho oficial — disse ele. — Encontrem-me no escritório. Assim que possível. Comida será servida.

Eles se espalharam. Não há como confundir a crescente energia de algo para fazer, finalmente que surgiu deles.

— Não há caça as bruxas? — perguntei.

— Nenhuma caça a bruxa hoje — disse ele. — Espero chegar tarde.

— Onde? — perguntou Jesse.

— Desculpe, não posso te dizer. — Ele fez uma pausa. Beijou-me de novo. Depois disse: — Não vá caçar sem mim.

E então ele se foi.

— Huh — disse Jesse. — Ele parece muito animado.

Trocamos sobrancelhas levantadas em comum.

— Grrr — disse a esposa de Kelly, Hannah. — Odeio segredos. — Ela olhou para mim com a sobrancelha abaixada. — Você sabe por quanto tempo estaremos presos aqui?

— Não olhe para mim — disse eu. — Eu disse a Adam que deveríamos caçar as bruxas hoje. — Acenei com a mão para os lobisomens saindo pela porta vestindo camisas da Hauptman Security. — Você vê o resultado.

— Quão perigosas são essas bruxas, realmente? — perguntou ela.

Um calafrio percorreu minha espinha – e por um momento tive um vislumbre do sonho que tive na noite passada.

— Muito — disse eu. — Todos ficam dentro desta casa hoje. Se não resolvermos a situação nos próximos dias, talvez devêssemos ver sobre um acampamento ou algo para todos até que tudo isso acabe.

Peguei um pedaço de torrada e uma fatia de bacon e saí. Todos sabiam que minha oficina havia acabado de reabrir e eu precisava ir trabalhar. Eles estariam seguros com Joel – e Aiden, por sinal – mas eles não estavam felizes.


• • •


Zee e eu passamos a manhã detalhando os carros que ficaram encharcados anteontem, usando meu novo limpador a vapor e o antigo Shop-Vac que eu trouxe de casa. Inferno, eu detalhei a van de Stefan também. Precisava disso. Tentei o limpador a vapor no estufado Scooby. O melhor que se poderia dizer sobre essa tentativa foi que ele não parecia pior. Consegui prender novamente o local que caíra de suas costas com um pouco de cola quente.

As mãos de Tad ainda estavam ásperas, então eu o enviei para casa para curar.

— É uma coisa boa — disse Zee, limpando a parte externa da janela do motorista em que estávamos trabalhando —, que é verão alto. Estes devem terminar de secar ao sol esta tarde.

— Eu me lembrarei de agradecer às bruxas por escolherem esta época do ano quando finalmente as encontramos — disse eu.

Eu estava trabalhando no interior. O carro tinha algumas décadas e eu poderia ter sido a primeira pessoa a limpar o painel. Eu esperava que o plástico não se dissolvesse em pânico com o toque do meu limpador, mas eu não limparia um carro e o enviaria com um painel coberto de lixo.

Zee fez uma pausa. — Liebling, isso pode não ser uma batalha para um pequeno coiote. As bruxas negras são coisas feias. Talvez deixe para a coisa feia que a bruxa do seu bando se tornou.

Balancei a cabeça. — Não. Adam prometeu proteger o povo do governo – e as bruxas deixaram bem óbvio que elas pretendem prejudicar. E elas nos atacaram – aqui e em minha casa. Não podemos ficar atrás e torcer para que Elizaveta as mate.

Parei de esfregar por um momento para poder olhá-lo no rosto. — E se Elizaveta se juntar a elas como alguns de sua família fizeram?

— Os Lordes Cinzentos disseram que ninguém deve interferir com as bruxas — disse ele.

— Eles sabem sobre elas? — perguntei.

Ele assentiu. — Contei a eles sobre o ataque aqui, Mercy, mas eles já sabiam que as bruxas negras atacaram Elizaveta. — Ele esfregou com um pouco mais de força, depois disse com relutância: — Eles estão certos de nos dizer para não interferir. Essas conversas são importantes e seria muito fácil nos fazer parecer ruins se enfrentarmos as bruxas. Eu poderia ser um pária...

— Não tenho certeza se você pode ser um pária por escolha — disse a ele. — Eles te aceitarão de volta no momento que você quiser.

Ele encolheu os ombros. — Às vezes o idioma inglês me confunde.

— Claro que sim — disse eu. Tirei um cotonete e comecei a cobrir as aberturas. — Exilado. Pária. Fora. Isso significa que alguém te expulsou. Se você sair, poderá ser algo menos patético e mais aventureiro. Como um trapaceiro.

Ele bufou. — Eu posso ser um trapaceiro, Mercy, mas não quero que os fae desapareçam e morram. — Ele pareceu pensativo. — Não quero que todos eles desapareçam e morram, de qualquer maneira. E aqueles que eu prefiro que morra, prefiro matar eu mesmo.

— Hah — disse eu.

Meu telefone tocou e eu verifiquei a mensagem de texto – era de Ruth Gillman. Ela estava me lembrando do encontro no almoço e solicitando que eu escolha o local, pois ela não estava familiarizada com Tri-Cities.

— Vou conversar com a assistente do senador Campbell durante o almoço — disse a Zee. — Você tem alguma ideia de quem os fae vão enviar para lidar com eles? Eu não direi a ela se você não quiser, mas eu gostaria ter um palpite sobre a facilidade de ofender os fae com quem os humanos estão tratando.

— Es tut mir leid, Mercy. — Zee balançou a cabeça. — Não sei. Eu sou um trapaceiro, você vê; eles não dizem para mim essas coisas. Mas você pode dizer a eles que a maioria dos fae está cansada do barulho. Eles iriam gostam de ir e viver suas vidas. Não estão clamando por sangue humano.

Eu olhei para ele e ele deu um sorriso rápido.

— Ah, você está certa. Há fae que gostariam de se banhar em sangue humano. Mas os fae que estão tomando as decisões não são motivados pela necessidade de destruir. Eles só querem um lugar para morar em paz.

— Você tem algum senso de que essa reunião pode ser perigosa? — perguntei. — Quero dizer, que os humanos terão que tomar cuidado com o que eles dizem e como dizem isso? Alguns dos fae podem ser muito espinhosos. — Limpei minha garganta. — E Adam e a maior parte do bando vão se colocar entre os fae e os humanos se algo der errado.

— Não sei quem eles estão enviando — disse Zee novamente. — Mas sei que eles não enviarão qualquer pessoa que não esteja familiarizada com o trabalho com o governo humano. Com os humanos em geral. — Ele ligou o limpador a vapor – e depois desligou novamente. — Entre os mais poderosos de nós, temos muitos que são treinados em direito humano. Como seu governo, temos uma superabundância de advogados.


• • •


Eu estava indo encontrar a Sra. Gillman na Ice Harbor Brewing Company, um pub local, mas mudei de ideia no último minuto e mandei uma mensagem com direções para um lugar diferente.

Ela chegou lá antes de mim e estava me esperando em um Camry branco que gritava carro alugado. Quando estacionei ao lado dela, ela abriu as portas e saiu.

— Eu estava prestes a mandar uma mensagem para você, para garantir que cheguei ao lugar certo — disse ela. — Espero que seja como bons restaurantes chineses. Você sabe – quanto mais degradado o exterior, melhor a comida.

Ela estava certa de que não era bonito. O exterior era quadrado e uma mistura desagradável de texturas e tons de branco.

A parede mais próxima da entrada foi reparada recentemente. Eu estava aqui quando um elfo da neve quebrou toda a parede. Ele estava me perseguindo na hora.

Ser perseguida por um elfo da neve pode não parecer impressionante. Mas quando um gigante do gelo diz que é um elfo da neve, não há muitos, mesmo entre os fae, que discutem com ele sobre isso.

O trabalho de reparo, embora não fosse bonito, foi realizado com competência. Como o resto do prédio, ele foi pintado de branco. Poderia parecer melhor se o resto do edifício, também esbranquiçado, tivesse sido pintado em algum momento deste século.

A única coisa elegante à vista era um poste de amarração que parecia que alguém o tirou do set de filmagens da casa de Elrond Half-elven em O Senhor dos Anéis. Era novo porque eu teria lembrado se já tivesse visto algo tão fora de lugar antes.

Eu não sabia por que o tio Mike precisava de um poste de amarração. Eu respirei e prestei atenção aos aromas – poderia haver apenas uma pitada de cavalo no ar.

— Você encontrou o lugar certo — disse a Ruth Gillman, assistente do senador mais famoso e hostil com os fae no congresso. — Bem-vinda ao Tio Mike.

A grande placa com Tio Mike não estava no lugar hoje, aguardando uma placa maior e mais nova. Mas havia carros no estacionamento e o sinal de Aberto na porta estava ligado.

Ela ficou rígida e me deu um olhar carrancudo. — Você acha que é sensato discutir nossa reunião aqui?

O Tio Mike havia sido o ponto de encontro das fae locais – humanos não permitidos. Ele ficou vazio por um tempo durante a pior das tensões entre os fae e os humanos. Mas o Tio Mike começou a funcionar logo depois que os fae assinaram seu acordo com o nosso bando. Já estava funcionando há algumas semanas agora. Todo o trabalho, dos garçons ao próprio mestre cervejeiro, era realizado por faes. Mas desta vez, o Tio Mike abriu para todos os clientes.

Ele não fez grande coisa sobre sua reabertura, e eu tinha certeza de que ainda havia moradores que não perceberam que ele existia. Mas pelo rosto de Ruth, o governo sabia tudo sobre o Tio Mike.

— Eu acho que almoçar aqui vai te ensinar mais do que qualquer coisa que você conseguir de mim em uma refeição de duas horas — disse a ela. — O que mais você precisar saber, pode perguntar.

Não liguei antes, mas o próprio tio Mike nos encontrou na porta. Ele parecia melhor do que eu o vi há um tempo e tinha sua coisa encantadora de estalajadeiro, na qual ele se saiu tão bem como um alto-forno.

— Mercy — disse ele expansivamente. — Claro, e já faz muito tempo desde que você iluminou nossa porta. Quem você está trazendo com você, querida?

Fiz apresentações e os olhos de Ruth se arregalaram quando lhe dei o nome dele. Tio Mike era um dos fae mais acessíveis, e eu estava certa que o governo pensava que sabia um pouco sobre ele. Eu tinha igualmente certeza de que eles não sabiam nada que ele não queria que soubessem.

— Assistente do senador Campbell — disse tio Mike. — E vocês estão aqui para almoçar, sem dúvida. Eu tenho apenas o lugar certo para vocês.

Ele nos sentou em uma mesa do tamanho de uma mesa de cartas, bem na frente do palco onde um homem de meia-idade estava afinando um violão. Eu não o conhecia, acho que não.

Os fae têm glamour. Eles podem tender a usar o mesmo disfarce dia após dia, mas isso não significa que precisam. Mas eu sabia que ele era novo para mim; ele não parecia familiar. Muitos dos fae esqueciam o perfume.

A multidão estava calma hoje, e principalmente humana. Eu podia sentir o cheiro de fae, espesso no ar. Mas isso parecia muito com qualquer multidão de bar-restaurante.

O goblin que veio apressadamente até a mesa com bebidas que nenhuma de nós pediu era tão fae quantos os fae conseguem ser. Ele colocou um copo cheio até a borda com algo que era um lindo âmbar para Ruth. Para mim ele trouxe uma garrafa de água. Fechada.

— Cumprimentos do tio Mike — disse ele, sua voz um estrondo alto demais para seu corpo cinza esverdeado, que mal tinha altura suficiente para manter a cabeça acima da altura da nossa mesa. Os ouvidos dele, mais frágeis e maiores do que qualquer coisa que o Sr. Spock já usara, se moviam rapidamente, como se fossem asas.

Nunca vi outro goblin com orelhas como a dele. Eu era curiosa como um gato, mas sempre senti que parecia rude perguntar por que seus ouvidos tremulavam assim.

Como os outros funcionários, ele usava calça preta, mas não havia sinal da camisa verde-escura estampada com o logotipo do Tio Mike, que todo o resto da equipe usava, incluindo o tio Mike. Em vez disso, a parte superior do corpo do hobgoblin estava tão nua quanto seus pés com dedos longos.

Disseram-me que Hobgoblins e goblins estão relacionados, mas era um longo caminho de volta e ambos gostavam de fingir que não era assim.

— Não pretendia que o tio Mike nos tratasse, Kinsey — disse.

— Pssht — disse o goblin. — Ele não disse nada, Mercy, não se preocupe.

— Tudo bem — disse eu a ele. Ele sorriu e saiu correndo.

Ruth estava sentada muito quieta em seu assento, quase como se tivesse se esquecido de respirar.

O violinista sorriu para mim brevemente e seus dentes afiados eram levemente azuis. Ele deslizou as pontas dos dedos calejados sobre as cordas para emitir um som estridente e trêmulo, depois começou a tocar uma peça de Simon e Garfunkel.

A música parecia quebrar o feitiço que a mantinha imóvel. Ruth piscou e levou o copo à boca para um gole cuidadoso. Ela fez uma pausa e bebeu outro gole antes de largá-lo.

— Isso é adorável — disse ela. — Vou precisar de alguém para me levar para casa depois de beber?

O tio Mike, que passou por nós sem olhar duas vezes, parou com a pergunta dela. Ele arrastou uma cadeira de outra mesa e se juntou a nós.

Ele tinha um copo que parecia e cheirava muito ao de Ruth. Ele não o carregava um momento atrás, e não o vi pegá-lo. Geralmente ele era mais cauteloso em usar magia, especialmente na frente do inimigo.

— Não se você tomar apenas um, Ruth Gillman — disse ele. — Este é um hidromel que eu mesmo fiz. Não vou negar que existe algum álcool poderoso, mas não fará mal a você. — Senti a magia nas palavras dele, mas estava certa de que ela não. Como eu sabia que a magia estava ligada à sua garantia, deixei passar sem desafio.

— E — continuou ele —, não se você comer um pouco do meu adorável ensopado no almoço. Temos sanduíches e tal, mas o ensopado é a melhor coisa no cardápio hoje.

Pelo resto do almoço, tio Mike partiu para encantar Ruth Gillman. Mais de uma vez, eu peguei um cheiro de magia que emana dele. Desta vez foi para aumentar o poder do seu sorriso, e bati meu dedo contra a perna dele.

Ele me lançou um olhar de desculpas. — Hábito — disse ele.

— O que? — perguntou Ruth.

— Flertando com moças bonitas — disse ele.

— Sou casada — disse ela a ele. — E feliz.

— Meu tipo favorito — disse ele. — Feliz é uma coisa maravilhosa. Conte-me sobre sua esposa?

Ela não havia dito a ele que tinha uma esposa. Isso me disse que os fae talvez não deixassem os humanos saber quem ou o que estava vindo para a reunião deles, mas sabiam muito sobre quem o governo estava enviando.

Meu telefone tocou. Eu olhei para ele. — Preciso atender esta ligação — disse eu, inclinando um olhar preocupado para Ruth. Ela não viu, mas o tio Mike viu.

— Ela estará segura como casas comigo — prometeu ele.

— De onde veio isso? — perguntou Ruth. — Seguro como casas, quero dizer. Eu ouvi isso toda a minha vida e nunca entendi.

Com a promessa do tio Mike de ser guardião, abandonei Ruth na terra dos fae, embora não sem receios. Atendi ao telefone enquanto andava.

— Desculpe — disse eu. — Está muito alto aqui. Dê-me um segundo e eu estarei lá fora.

Saí, bem, não para o silêncio – essa área da cidade tem muito barulho – mas estava mais silencioso do que dentro do bar.

— Zack — disse eu. — Como posso ajudá-lo?

— Não sei — disse ele. — Não tenho certeza se há algo errado. Mas Warren saiu esta manhã com muita pressa. Kyle acabou de voltar.

Quando Warren e Adam juntos tentaram fazer com que Kyle ficasse seguro na casa do bando, ele apenas olhou para eles. Quando ele foi para casa, Zack e Warren foram com ele. Kyle pode ser apenas humano, mas fazê-lo ficar teria levado mais ameaças de Adam ou Warren do que qualquer um deles estava disposto a ser responsável.

— Não é cedo para ele estar em casa do trabalho? — perguntei.

Zack disse: — Kyle tirou a tarde de folga, porque ele e Warren deveriam sair para comprar uma cama nova. Ele não pode alcançá-lo por telefone – o telefone está desligado. Nós dois pensamos que não é como Warren, mas Kyle está com raiva demais para se preocupar.

Zack, nosso lobo submisso, morava com Warren, terceiro no bando, e o namorado de Warren, Kyle. Zack não era gay, mas ele veio até nós machucado e todos se sentiram melhor com ele morando com alguém do bando – e a casa de Kyle era maior que a nossa.

Kyle e Warren o levaram sob a proteção deles. Era engraçado que a maior parte do bando tivesse mais medo de Kyle. Não que alguém do bando machucaria Zack. Mas se alguém inadvertidamente o assustasse... bem, se Kyle estivesse por perto, eles nunca fariam isso novamente.

— Vou tentar ligar para Adam, mas se você não conseguir falar com Warren, provavelmente Adam estará no mesmo barco — disse eu a Zack.

Talvez o presidente tivesse vindo, pensei. Eles tiram os telefones celulares das pessoas quando o presidente está por perto, certo? Algo tão grande pode ser uma boa razão para o fato de Warren ter desligado o telefone e não ter dito a Zack o que estava acontecendo.

Ou talvez fosse apenas mais uma reunião chata, mas o presidente seria uma história melhor. E tinha mais chance de acalmar o temperamento de Kyle do que apenas uma reunião.

Liguei para Adam e, inesperadamente, recebi seu correio de voz. Desliguei e liguei para Zack.

— Também não consigo contato, mas os vínculos do bando parecem bons. Então, acho que não há nada errado.

— Tudo bem — disse Zack. — Vou avisar Kyle.

— Se ele decidir se preocupar em vez de ficar bravo, você pode ligar para o Hauptman Security. Eles não serão capazes de contar qualquer coisa para ele. — Fiz uma pausa — Espere. Eles podem me dizer mais do que poderiam a você. Eu também farei isso.

Hauptman Security atendeu no segundo toque.

— Ei, Mercy — disse Jim.

— Ei — disse eu. — O chefe está por aí?

— Nah — disse ele. — Ele e a maioria da equipe – aquela equipe, se você entende o que eu quero dizer – foram chamados esta manhã. Existe algo que eu possa fazer por você?

— Não — disse a ele —, obrigada. — Aquela equipe deveria ser os lobisomens.

Liguei e disse a Zack que tudo parecia quieto na Hauptman Security. Prometi avisar Kyle e ele caso ouvisse alguma coisa antes deles.

Quando voltei para Ruth, havia comida na mesa. Comemos, o tio Mike paquerou – e percebi que não via esse lado do tio Mike com muita frequência. Houve um tempo em que eu não saberia que havia outro lado nele.

Ruth terminou o hidromel – o que ela disse ao tio Mike que geralmente não gostava. Nós comemos o último do ensopado e pão caseiro e nos despedimos.

Ruth ficou perto do seu carro por um momento, parecendo pensativa. Então ela olhou para mim. — Eu fui encantada?

— Não — disse a ela —, ele poderia, mas não fez. Não fará isso no local de trabalho dele. — Eu não me sentia obrigada a dizer a ela que ele começou – porque eu acreditava no tio Mike, que ele não havia feito isso intencionalmente.

— Ele foi engraçado e gentil — disse ela.

— A maioria das pessoas são apenas pessoas quando você as conhece — disse a ela. — Até pessoas fae.

— Você planejou isso com ele?

Balancei a cabeça. — Eu não disse a ele que nós estávamos vindo. Ele é um velho amigo meu – mas geralmente não me dá esse tipo de atenção pessoal quando venho aqui. Ele definitivamente sabia quem você era, e deu-lhe o tratamento de tapete vermelho. Alguém o ajudou, mas não fui eu.

Eu me perguntava se foi Zee, mas isso não parecia algo que ele faria.

— Por que ele fez tanto barulho? — exigiu, e havia uma pitada de medo no ar. — Eu não sou ninguém.

— Isso não é verdade — disse eu a ela. — Quanto ao motivo... pela mesma razão que qualquer pessoa que trate com o governo dos EUA dá o melhor de si. Eles não querem que você se assuste. Não querem guerra. Eles querem um acordo com o qual todos possam conviver – dos dois lados.

— Você gosta dele — disse ela. Foi quase uma acusação.

Assenti. — Eu gosto, e a maioria das pessoas também – fae ou não.

— Você confia nele.

Isso era mais difícil. — Eu confio que ele seja ele mesmo — disse a ela. — Não vou dizer que ele não é perigoso. Mas eu o vi proteger dois homens, humanos que ele não conhecia, com um risco significativo para ele. Ele sabia que aqueles homens eram importantes para mim – mas a chance de descobrirem que ele estava lá e não fez nada era, em minha opinião e na dele, não muito boa. Ele fez isso porque era a coisa certa a fazer.

— Eles não são cristãos — disse ela. — Não são pessoas morais.

Ela disse isso como se fosse um mantra, algo que lhe fora ensinado. Ouvi isso outro dia em um vídeo do JLS no Facebook. Como se apenas os cristãos fossem morais. Como se todos os cristãos fossem morais.

Meu antigo pastor gostava de dizer que a igreja é um hospital para os doentes, não um mausoléu para os santos.

— Eles não mentem — disse eu, escolhendo minhas palavras com cuidado. — Caso contrário, eles são, moralmente, muito parecidos conosco. Sua moralidade abrange o espectro do bem e do mal. Como nós, eles têm governantes – e aqueles governantes, pragmaticamente, sabem que têm que fazer cumprir leis que mantêm a paz entre fae e humanos.

— Certo — disse ela. Ela olhou para o Tio Mike por um momento. — Você me fez pensar sobre coisas que eu pensei que estavam decididas. Não estou dizendo que mudei de ideia. Só que estou reconsiderando.

— Isso é muito... — o que eu poderia dizer que não parecesse paternalista? —, mente aberta da sua parte.

Ela olhou para mim. — Você parece tão direta. Jake pensa que você é a serva de seu marido, fazendo o grande lance do lobisomem Alfa, pobre humana que você é. Mas você é sua própria pessoa, não é? E você não é tão direta quanto parece ser.

— Fique comigo — entoei levemente —, e farei você pensar que Adam e eu, que os lobisomens, somos os mocinhos.

Ela estendeu a mão, então eu fiz o mesmo e nós apertamos. Ela começou a dizer algo, sacudiu a cabeça e entrou em seu carro. Ela me deu um aceno enquanto se afastava.

— Espero não ter cometido um erro — murmurei.

— Somos dois, então — disse o tio Mike, que estava de alguma forma atrás de mim. — Mas tudo que você pode fazer é mostrar a eles seus cartões e esperar que eles mostrem os deles. Poderia ter sido bom se você tivesse me avisado que estava vindo.

Eu sorri severamente para ele. — Você sabia.

— Kinsey a viu no estacionamento — disse o tio Mike. — Mas eu poderia ter usado mais tempo.

— Posso confiar em você, tio Mike — falei a ele —, mas você tem vinte ou mais fae por aí que podem ser leais a qualquer um dos Lordes Cinzentos. Se eu dissesse que estávamos chegando, poderia ter comprometido a segurança dela. A segurança dela não é a verdadeira razão pela qual você se juntou a nós no almoço?

— Bem, agora — disse o tio Mike —, não posso paquerar duas mulheres bonitas quando elas vêm almoçar no meu lugar sem ser acusado de ter segundas intenções?

Balancei a cabeça e ri. — Não.

— Tudo bem, então — disse ele alegremente.


• • •


Tad estava sozinho na oficina quando voltei. Suas mãos estavam enfaixadas e ele estava lendo um livro.

— Ei, Mercy — disse ele. Ele levantou a mão. — Olha o que eu fiz. A senhora da doc-in-a-box disse que elas curariam em uma semana ou mais se eu lhes desse uma chance.

— O que você está fazendo aqui? — exigi. — Eu te mandei para casa.

— Papai teve que sair para almoçar — disse ele. — Não queríamos deixar a oficina sem vigilância, dado o que aconteceu ontem.

— Não sei se importa — disse a ele. — O pessoal de Adam assistiu às fitas e descobriu quando o gatilho foi colocado na caixa. Alguém entrou pela porta da frente sem disparar o alarme. Entrou na garagem, colocou o gatilho na caixa e saiu pelo caminho de entrada.

— Como fizeram isso? — perguntou Tad, largando o livro. — Eles viram um rosto?

Eu assenti. — Era uma das pessoas de segurança de Adam. Mas quando Adam o questionou, o cara disse com perfeita honestidade que ele não se lembrava de fazer nada disso. Adam deu-lhe uma licença e passagens para a Califórnia para ele e sua namorada – para tirá-los do alcance das bruxas.

— Se elas conseguiram uma das pessoas de Adam — disse Tad lentamente —, poderão obter mais.

Assenti. — É o que pensamos.

— Melhor encontrá-las e cuidar delas logo, não é? — disse Tad. — Papai diz que os Lordes Cinzentos disseram para todo mundo ficar fora disso. — Ele me deu um olhar firme. — Mas ele também apontou que ele e eu somos bandidos. Párias – você discutiu com ele sobre esse termo, Mercy? Ele disse que os rejeitados não precisam seguir as regras. Se precisar de ajuda, avise-nos.


• • •


Cheguei em casa depois do anoitecer, porque limpar os carros encharcados nos deixou atrasados, e Tad precisar de licença médica nos deixou ainda mais atrasados.

Havia um monte de pessoas vagando pela casa, filhos e esposas, mas os únicos do bando que estavam eram Sherwood (de volta do trabalho) e Joel.

Puxei Sherwood para o lado. — Alguém ouviu falar de algum dos outros lobos?

— Você quer dizer o bando? — perguntou ele. — Não. Pensei que Adam poderia ter lhe contado. Talvez o presidente tenha aparecido e eles precisavam de Adam para fornecer segurança inesperadamente.

Engraçado como nossas mentes foram para o mesmo lugar. Mas, como explicar o silêncio do rádio? Não pude evitar; minha mente voltou a novembro passado, quando todo o bando fora levado por um monte de malucos recebendo ordens, sabiam ou não, de Frost. Quem, eu tinha certeza agora, não era apenas um vampiro, mas uma bruxa Hardesty.

Liguei para o Kyle.

— Ei, Mercy — disse ele. — Você sabe quando posso esperar que Warren volte para casa?

Sim, ele ainda estava bravo.

— Não — disse eu —, Zack ainda está aí?

— Sim.

— Eu acho que você e ele deveriam vir para o quartel general — disse eu. — Por favor. Não gosto que o bando inteiro esteja fora de contato.

Eu praticamente podia sentir a preocupação vencer a raiva. Mas tudo o que ele disse foi Ok. Então ele desligou.

Meu telefone tocou. Olhei para baixo e vi que era Stefan.

— Ei — disse eu. — Estou tentando entrar em contato. Eu estava prestes a dirigir de novo.

— Tenho as informações que você precisa sobre Frost — disse Stefan. — Mas tive que ir a Marsilia para obtê-las, e vem com um preço.

— Qual o preço? — perguntei.

A voz de Marsilia me deu minha resposta. — Stefan precisa ficar aqui até que isso acabe. Esta família, a Família Hardesty, produzem pessoas que controlam os mortos, Mercy. Mais pessoas como Frost. Não quero perder Stefan para eles, ou pior, tê-lo contra mim como uma arma.

Sherwood estava ouvindo atentamente. Ele fez um movimento e Joel, em sua forma de cachorro, levantou-se de onde estava brincando com um dos meninos de Kelly e foi até nós para que pudesse ouvir também.

— Tudo bem — disse a Marsilia. — Posso concordar com esse raciocínio.

— Estou tão satisfeita — disse Marsilia com uma irritação na voz —, que você aprova. Particularmente quando Stefan não. Direi a ele que seu animal de estimação também não acha que ele possa se defender.

Pensei em todas as respostas que eu poderia dar. Eu estava razoavelmente certa de que Stefan poderia me ouvir – embora não estivesse dizendo nada.

— Stefan é querido para mim — disse eu finalmente. — Eu não gostaria que ele assumisse riscos irracionais para obter resultados duvidosos. Se Morte ou a bruxa que ela trouxe consigo podem comandar os mortos como Frost fez... — e isso não soa estúpido? —, se uma delas é melhor do que Frost, eu preferiria que todos os meus aliados vampiros ficassem o mais longe possível das bruxas. Por eles e pelos meus.

— Ora, Mercy — ronronou ela —, você passou muito tempo com os políticos. Tenha cuidado ou acabará como eles.

Eu não respondi.

Por fim, disse ela, de uma maneira rápida e profissional: — Não conectei Frost à família das bruxas até Stefan me perguntar sobre ele.

— Eles estão conectados, então? — perguntei.

— Sim. Eu sabia que ele veio de Bonarata para me monitorar, e presumi que ele era um dos de Bonarata. Não o examinei atentamente – essas coisas podem ser mal compreendidas. Eu não queria dar a Bonarata motivos para vir fervendo da Europa para que ele pudesse colocar seus pés no meio dos meus negócios.

— Compreensível — disse eu.

— Mas, como as questões entre o mestre de Milão e eu foram alteradas nos últimos meses, quando Stefan me pediu para descobrir sobre Frost, liguei para Jacob. — Iacopo Bonarata, ela quis dizer, o próprio Mestre de Milão.

Isso foi muito mais ação do que eu esperava. Eu não esperava que Stefan levasse o assunto para Marsilia em absoluto.

— Jacob me garantiu que Frost apareceu à sua porta há vinte anos, um vampiro de pleno direito. Ele estava, tenho certeza, embora seja difícil averiguar essas coisas por telefone, surpreso ao descobrir que Frost era jovem o suficiente para termos que descartar o corpo dele. Pela condição daquele corpo, Wulfe e eu estimamos que Frost não tivesse mais de setenta anos – datando de seu nascimento humano, não do seu renascimento vampírico.

— Quem o fez? — perguntei.

— Não sabemos — disse Marsilia. — Mas liguei para locais onde tenho aliados. Descobri que existem pelo menos três outros vampiros que compartilham sua linhagem.

— Pensei que Frost tivesse assumido todos os outros séquitos — disse eu.

— Você acha que Bonarata teria permitido isso? — disse ela. — Não. Mas ele assumiu a maioria dos séquitos do oeste dos Estados Unidos, todos, exceto os de Hao e os meus, antes de morrer. Hao, provavelmente não conta, já que ele é o único vampiro em seu séquito. Seattle não conta, porque foram os lobisomens que o mantiveram longe dali, não os vampiros. Os vampiros em Seattle mal se qualificam como um séquito.

— Certo — disse eu. — Mas como você descobriu que havia vampiros feitos pelo criador de Frost nos séquitos de seus aliados?

Eu não sabia se ela responderia a essa pergunta. Os vampiros são um grupo secreto. Eu podia senti-la hesitando, mas Stefan fez um barulho abafado.

Eles o amordaçaram.

— Se Stefan não sair do séquito, assim que lidarmos com as bruxas — murmurei baixinho. — Então Adam e eu teremos que fazer uma visita.

— Adam e eu teremos que fazer uma visita — repetiu a voz de menininha de Lilly. — Adam e eu teremos que fazer uma visita. Delicioso.

Lilly era uma vampira especial, extraordinariamente talentosa com música, mas incapaz de cuidar de si mesma. Veja também inclinação homicida.

— Lilly, o que eu te disse? — perguntou Marsilia.

— Comporte-se — disse Lilly, sombria —, ou não consigo ouvir.

— É isso aí — disse Marsilia. — Agora, onde estávamos?

— Como você descobriu que havia outros vampiros feitos pelo criador de Frost em outros séquitos?

Ela suspirou. — Eu disse a Stefan que responderia todas as suas perguntas, contanto que elas pertencessem a Frost ou as bruxas Hardesty.

— Uau — disse eu involuntariamente. Tanto por ela ter concordado com isso – quanto por ela ter me dito com o que havia concordado.

— Não somos inimigos — disse Marsilia. — Aliados inquietos, talvez, mas não inimigos.

— Concordo — disse a ela. — Eu também não sabia o que você sabia.

— Eu não gosto de você, Mercy – embora assistir Bonarata correr em círculos fosse quase o suficiente para mudar de ideia – mas eu gosto de Adam. Mais importante, confio nele. — Ela suspirou novamente. — E suponho que em você também.

Eu não confiava nela, então não disse nada.

Após um momento, ela respondeu à minha pergunta. — Perguntei aos meus aliados e meus amigos se eles tinham vampiros, cujos criadores eles não tinham certeza. Naqueles lugares onde isso era verdade, eu mesmo visitei os seus séquitos. Eu sabia como Frost... cheirava, suponho, embora não seja assim que funciona. Um mestre vampiro pode dizer se um vampiro é feito por alguém que não seja eles mesmos. Eventualmente, com a prática, aprendemos a dizer quem é outro Mestre que fez o vampiro. Então eu fui àqueles locais onde havia incógnitas – vampiros criados por alguém que seu próprio mestre não conseguia identificar com certeza. Em três desses casos, o criador era o mesmo que o vampiro que criou Frost.

Ela fez uma pausa enquanto eu absorvia o fato de que Marsilia aparentemente poderia se teletransportar muito mais longe do que Stefan. Eu estava certa que ela não estava falando de séquitos nas proximidades – e não havia tempo suficiente para ela, que só podia viajar à noite, ir a muitos lugares. Ela esteve se teletransportando muito. Eu não tinha certeza de como me sentia sobre isso.

Eu não era a única inquieta por questões.

— Devemos agradecer, Mercy — disse Marsilia, relutante. — Essas pessoas foram definitivamente enviadas como espiões, e pior, pelas bruxas Hardesty. Se você não tivesse pedido a Stefan para investigar, eu não teria seguido a trilha. Destruímos os que encontramos, e agora todos os vampiros naqueles séquitos sabem qual perfume seguir. Eles estão, por sua vez, consultando seus aliados. Nós vamos encontrar todos eles.

— Atualmente, também estamos tentando localizar o vampiro que os criou. Ele ou ela parecia estar ativo entre trinta e quarenta anos atrás – aproximadamente quando todos os vampiros que encontrei foram feitos. Já que não encontramos nenhum mais novo, como se esse vampiro tivesse sido descartado. Mas não quero que essas bruxas sejam donas de um vampiro mestre que possa cumprir suas ordens.

Somente Vampiros Mestres poderiam fazer outros vampiros.

— Você está me dando muita informação — disse eu. — Deixe-me lhe dar algumas em troca.

— Essa não é a barganha que fiz com Stefan — avisou.

— Somos aliados — disse eu. — Mas esteja avisada de que parte disso é especulação.

— Tão notável — disse ela.

— Eu acho que Frost queria destruir os vampiros — disse a ela. — E os lobisomens também. Ele projetou todo o desastre desonesto de Cantrip – com o objetivo final de fazer Adam assassinar o senador Campbell. Nós assumimos que isso teria sido revelado como uma matança de lobisomens.

— Considerando que Frost teria trazido os vampiros para o público — disse ela. — Sim, nós descobrimos isso logo que percebemos que ele era um Hardesty. Eu não havia feito a conexão de lobisomem, embora não saiba se isso será útil para mim. — Ela fez um ruído exasperado que poderia ter sido mais eficaz se eu não soubesse que ela temia aquelas bruxas o suficiente para forçar Stefan – e presumivelmente todos os seus vampiros – a ficar a salvo no seu séquito. — Bruxas sujas.

— Você tem certeza que é seguro em seu séquito? — perguntei.

— Temos Wulfe, Mercy, mas obrigada pela sua preocupação — disse ela secamente.

— Você sabe quantas bruxas Hardesty há aqui em Tri-Cities?

— Você deveria perguntar isso aos seus goblins — disse ela. — Mas eles irão te dizer que existem apenas duas. Elas se hospedaram em um hotel por alguns dias antes de ir morar com a família de Elizaveta.

— Huh — disse eu. — O pessoal de Adam as localizou em um trailer em um parque de trailers, embora tenham se mudado.

— Vou dar essa informação ao meu pessoal — disse ela. — Nós talvez possamos ajudar. Você tem uma descrição do trailer?

— Adam tem — disse a ela. — Devo ligar para ele?

— Pode ser útil. — Ela fez uma pausa. — Há um ditado sobre as bruxas Hardesty – elas viajam em pares. Não sei muito sobre elas, Mercy, embora eu esteja consertando isso. Elas ficaram sob o meu radar. Tenho questionado séquitos que estão mais perto de base delas. Os vampiros que vivem perto delas não querem ou não conseguem falar sobre elas. Mas um vampiro de Kentucky me disse esse verso um pouco assustador e burlesco.

A voz de Wulfe interrompeu. — Um por um, dois por dois, as bruxas Hardesty estão viajando. Com uma tempestade de maldições, elas chamam de seus tomos; elas vão beber o seu sangue e comer os seus ossos.

— Hmm — disse Marsilia no silêncio que se seguiu. — Parece notavelmente mais horrível quando você diz isso, Wulfe.

— É porque eu tenho mais medo — disse ele.

— Você precisa de mais alguma coisa que eu possa oferecer? — perguntou ela.

— Stefan está bem?

Stefan resmungou uma afirmativa que conseguiu parecer irritada, mas não enfurecida. Habilidade de comunicação muito impressionante, considerando que eu estava conseguindo isso com o filtro de (presumivelmente) uma mordaça e um telefone.

— Posso ligar para você se tiver mais perguntas? — perguntei.

— É claro — disse ela.

— Eu aprecio isso — disse a ela, e desliguei.

— O que esse Frost tem a ver com o que está acontecendo agora? — perguntou Sherwood, que não estava aqui naquele episódio.

— Acho que é o contrário — disse eu. — Essas bruxas estavam atrás de Frost. E agora elas estão ferrando com a gente novamente.

— O vampiro tem medo deles — disse Sherwood suavemente.

— Eu também — disse eu. — Gostaria de saber onde Adam está.


10

 

Kyle e Zack apareceram cerca de vinte minutos depois, com as malas na mão.

Zack disse: — Eu disse a Kyle que isso não parecia um convite para uma reunião. Isso parecia mais um huddle{9}. E huddle às vezes passam a noite.

— Warren e Zack assistiram futebol juntos de novo — disse Kyle, beijando minha bochecha levemente. — Isso deixou Zack usando analogias esportivas.

— Tudo bem — disse eu. — Não sei como um huddle é diferente de uma reunião.

— Uma reunião é chata — disse uma menininha de passagem.

Ela tinha cerca de seis anos e estava carregando uma mamadeira que provavelmente era para o bebê que eu podia ouvir chorando na sala de estar. O bebê pertencia a Libby, esposa de Luke. Mas a garota de seis anos, pensei, podia ser um dos de Kelly. Invulgarmente, para um lobisomem, Kelly tinha quatro filhos com menos de doze anos.

— E em um huddle todos os caras acariciam as bundas um do outro — terminou ela presunçosamente.

— Makaya — gritou Hannah, a esposa de Kelly, com irritação. — Não fale bundas em público.

A garotinha riu e se afastou apressadamente.

Kyle e Zack a observaram com reações mistas de desejo e diversão. Ambos. Mas os olhos de Zack estavam mais tristes.

— Não darei tapinhas na bunda de ninguém — anunciei.

A voz de Makaya disse: — Mercy disse bunda, mamãe. Por que eu não posso dizer bunda?

— Obrigada, Mercy — disse Hannah. — Eu sempre aprecio quando você me ajuda assim. — Presumivelmente para Makaya, ela disse: — Mercy é velha. Velha e adulta. A mãe dela não a ensinou a não dizer bunda em público – e agora ela está velha demais para mudar. Pobre, Mercy.

Eu não tenho respeito.

— Uma reunião é chata — disse Zack. — E nove em cada dez vezes, quando Adam convoca uma reunião, o encontro em si é um castigo por alguém ser estúpido. A pressão dos colegas geralmente garante que essa pessoa não faça a coisa estúpida novamente. É incrivelmente eficaz e nunca vi outro Alfa lobisomem fazer isso.

— Treinamento do exército — eu disse.

— Um huddle — continuou ele —, é o que você faz quando está com problemas, mas você tem um plano que pode tirá-lo de problemas. Mas é preciso que todos se reúnam em um local seguro, para que o inimigo não saiba o que você pretende fazer.

— Sim, bem — disse eu, sentindo o peso do mundo, que aumentou depois de ver Kyle na porta, cair sobre meus ombros com um baque: — Nem tenho certeza se temos um problema...

— Bruxas — falou Sherwood do porão. Ele levou todos os meninos com menos de quinze anos (dois deles) escadas abaixo para jogar videogame.

—... Um problema imediato — disse eu. Então tive um flash mental momentâneo de alguma coisa.

— Mercy? — perguntou Zack.

Balancei a cabeça. — Não é nada. Apenas um flashback de um sonho que tive ontem à noite. O que é bem estúpido considerando que não me lembro do que estava sonhando. — Talvez eu não me lembre disso conscientemente, mas algo estava tentando sair.

— Foi um sonho do Coiote? — perguntou Zack.

Dei um olhar surpreso. — Sim — disse eu – embora pretendesse dizer não. E foi. — Oh, caramba — disse eu. E ainda não sabia com o que sonhei.

Meu telefone tocou. Tirei-o do bolso tão rápido que, se fosse um fósforo, minhas calças estariam em chamas. Mas não era Adam.

Apertei o botão verde. — Tio Mike? — disse eu.

— Ruth Gillman veio até nós no pub — disse tio Mike gravemente. — Melhor você vir, Mercy, e ouvir o que ela tem a dizer.

— Coloque-a no telefone — disse eu.

Houve uma pausa e pude ouvir a voz agitada de Ruth ao fundo dizendo: — Não vou, eu não vou, não vou.

A voz do tio Mike estava seca. — Você ouviu isso? Tudo o que ela nos disse é: estão todos mortos. Eu tenho que contar à Mercy. Na minha opinião consideravelmente educada, ela foi amaldiçoada. Se você vier, faremos, no certificaremos que você esteja segura em nosso lugar – mas eu traria Adam ou alguém para te proteger. Muitas coisas sobre isso cheiram como uma armadilha.

Tive um ataque de pânico momentâneo quando ele disse todos estão mortos, mas os laços do bando ainda estavam no lugar e saudáveis. Eu não poderia dizer mais nada deles, porque os laços são bem imprecisos para mim, até o meu vínculo de companheiro.

— Tudo bem — disse eu, feliz por descobrir que nenhum flash de pânico surgiu em minha voz. — Estarei logo aí.

Desliguei o telefone.

— Não — disse Sherwood.

— Não — disse Zack.

Levantei uma sobrancelha para os dois. — Vocês não são meus chefes — disse a eles. — Eu sou a chefe de você.

Eu me virei para Kyle. — Nós temos uma pista — disse a ele. Ele não tinha os sentidos de um lobisomem, então não podia ser um bisbilhoteiro.

— Eu ouvi — disse ele, e diante do meu olhar de surpresa, ele continuou: — A voz do tio Mike ecoa.

— Você também não é meu chefe — disse eu.

Ele levantou as mãos. — Estou contigo. Você precisa ir falar com ela.

Apontei para Sherwood. — Eu o elejo para vir comigo.

Joel latiu insistentemente.

— Eu adoraria ter você comigo — disse eu. — Mas não posso deixar este lugar indefeso. Preciso de você e Zack para manter todos em segurança. Kyle. — Virei-me para ele. — Você está no comando.

A mandíbula de Joel caiu em um sorriso de aprovação.

— Não sou um lobisomem — disse Kyle.

— Talvez não, mas você é dominante o suficiente para manter todos na linha.

— Mercy? — Libby estava na porta da cozinha, embalando seu bebê enquanto ele bebia da mamadeira. — Nossos homens — disse ela. — Eles estão com problemas?

Dei de ombros desconfortavelmente. — Não sei. Não gosto que todos tenham desligado seus telefones. Isso é não como Adam.

— O que eu posso... o que o resto de nós pode fazer?

— Ficar aqui — disse eu. — Ficar seguros. E se receber uma ligação de seus lobos, me avise.


• • •


Sherwood insistiu em dirigir. Eu o teria recuado, mas estávamos pegando o carro dele – um Toyota de quatro anos que era mais provável que fizesse a viagem para lá e para trás do que o meu Jetta.

Eu ainda poderia ter insistido, porque eu tinha uma política de nunca deixar nenhum dos lobos se safar com besteiras de macho ao meu redor, mas ele estava em um estado. Eu podia sentir o cheiro de sua tensão e medo – ele estava suando frio, nunca é um bom sinal nos lobisomens. Lobisomens assustados são muito mais propensos à violência. Se dirigir lhe desse a ilusão de controle, eu poderia deixá-lo ter isso.

E meu Jetta ainda tinha apenas um assento funcional.

Não era tarde, então fiquei surpresa com a quantidade de carros no Tio Mike – e com o sinal Fechado estar aceso. Com Sherwood nas minhas costas, bati na porta.

— Quem é? — sibilou Kinsey.

— Mercy e Sherwood — disse eu a ele.

A porta se abriu e o goblin, livre das roupas que ele precisava usar quando o bar estava funcionando, gesticulou para que entrássemos. — Entre, venha — disse ele. — Depressa, vamos. Não quero deixar a porta aberta em uma noite como essa.

Sherwood passou por mim e entrou primeiro. Dei a Kinsey um sorriso de desculpas enquanto eu passava. O pub estava sem clientes e principalmente, sem trabalhadores. Havia alguns fae trabalhando na limpeza do cômodo e preparando-o para os negócios do dia seguinte.

— Fechado cedo — disse Kinsey, levando-nos a passos largos. — Se as bruxas estão caçando essa, o mestre não queria ninguém aqui que não pudesse se proteger.

— Boa ideia — disse eu a ele.

— Não foi minha — disse ele. — Mas concordo. Aqui está você, através dessa porta. Mestre a tem em seu escritório. Na primeira porta à esquerda. Eu ficarei aqui fora, primeira linha de defesa. Mantenha-os em segurança.

Observei que o goblin, de quem eu sempre gostei, mas que havia classificado com um fae menor, era aquele em quem o tio Mike confiava para manter as coisas ruins fora.

Sherwood, novamente, passou primeiro pela porta, mas desta vez ele a abriu para mim. Foi um procedimento gracioso, e parecia que ele fizera isso uma ou duas vezes. Muitos lobisomens trabalham como guardas de um tipo ou de outro, mas nem todos sabem como ser um guarda-costas.

Não precisávamos das instruções de Kinsey para encontrar o tio Mike e Ruth – tudo o que deveríamos fazer era seguir o som do seu choro.

— Pronto, pronto agora — disse o tio Mike, olhando para cima quando entramos em seu escritório. Ele tinha Ruth sentada em uma grande cadeira de couro, e se ajoelhou ao lado dela, com o braço em volta dos ombros dela, em uma posição que era quase protetora e meio restritiva.

O escritório era grande o suficiente para conter uma grande mesa e um armário de arquivos, e ainda amplo espaço para seis grandes cadeiras incompatíveis, mas com aparência confortável. Quase o dobro do tamanho do escritório onde conhecemos o senador Campbell, mas muito mais desorganizado.

— Eles estão todos mortos — chorou Ruth com as mãos na frente do rosto, como se não pudesse suportar o que viu. Isso lembrou estranhamente os anjos chorando em Doctor Who. — Eu tenho que dizer a Mercy.

— Ela foi enviada com uma mensagem — murmurou tio Mike. — Ela não pode se desviar disso sem um grande esforço. Estou um pouco preocupado com o que mais eles fizeram com ela.

Ele a segurou melhor, depois assentiu para mim.

— Estou aqui — disse a ela.

O choro parou quando ela se sentou de repente. Ela se lançou em minha direção, mas o tio Mike a manteve imóvel.

— Ela está viva — disse eu, aliviada. Sua estocada a colocou perto o suficiente para eu ter certeza.

Ele assentiu. — Esse também foi nosso primeiro pensamento, considerando todos os zumbis que tivemos pela cidade. Alguns deles podem parecer muito vivos por um tempo. Isso me de lembra que eu deveria ter lhe contado que meu povo cuidou de um bando de cães ontem.

— Eles estão todos mortos — disse ela atentamente, como se não pudesse ouvir o tio Mike.

— Eles a têm sob compulsão — disse ele. — Acho que ela luta com tudo o que tem.

— Quem está morto? — perguntei.

Não era o bando, eu tinha certeza disso. O rosto de Ruth ficou assustadoramente imóvel e sua voz se tornou monótona, emitindo sinais de alerta no meu cérebro. — Eu estava no escritório com o senador. Duas mulheres, deusas espetacularmente bonitas, entraram na sala, com nossa equipe de segurança escoltando-as como se fossem cavaleiros de suas rainhas.

Ela me deu um olhar de pânico. O efeito do repentino flash de emoção foi um pouco esquizofrênico – como se estivesse lutando contra o domínio que as bruxas claramente tinham sobre ela, apenas para perder o controle novamente.

— O senador perguntou quem elas eram, e ela, a Ishtar...

Já ouvi essa palavra antes. — O que é um Ishtar? — Eu realmente queria saber, mas também queria ver se ela podia responder perguntas. Especialmente, uma pergunta que Ruth Gillman não seria capaz de responder.

Eles pré-gravaram as falas que queriam que ela dissesse? Ou estavam no controle ativo?

Ela fez uma pausa no meio da palavra e inspirou e expirou algumas vezes. — A deusa das trevas — disse ela —, a deusa da morte.

— Arrogante — resmungou tio Mike. — Por que todas as bruxas carregam consigo tanta arrogância?

— Como uma marionete — disse Sherwood em voz baixa.

Olhei para ele. Ele pensou que elas a estavam controlando ativamente também. Suponho que elas poderiam ter a alimentado com essa informação, mas parecia mais provável que eles estivessem aqui. O rosto de Sherwood estava apertado com algo: medo ou raiva. Talvez ambos.

Gostaria de saber se Ruth sabia disso também. Se era por isso que ela mantinha os olhos cobertos.

— Ishtar era como Afrodite — disse eu. — A deusa do amor, sexo e primavera, certo?

Ruth começou a sorrir; eu pude vê-lo tentar sair, mas sumiu. Eu não sabia dizer de quem era o sorriso, porque eu não conhecia Ruth bem o suficiente.

— Ishtar é a mão direita do clã — disse ela.

— Não há mais clãs — rosnou Sherwood. — Apenas tentativas de faz de conta. Vocês não têm bruxas de treze famílias.

— Dez — disse ela calorosamente, como se as palavras dele tivessem incomodado seu orgulho. — Pretendíamos pegar uma das de Elizaveta. Isso nos daria onze. Mas nenhuma delas era forte o suficiente.

Elas estavam atrás de Elizaveta?

Antes de descobrir que ela estava praticando magia negra, eu diria que ela nunca se juntaria a eles, especialmente após matarem a família dela. Mas eu obviamente não conhecia Elizaveta tão bem quanto pensava.

Eles preparam as coisas para que haja muitas maneiras de vencer, nos contou Elizaveta. Era uma dessas possíveis vitórias que Elizaveta se juntasse a eles?

Depois de um momento, falei, repetindo as palavras que Ruth estava recitando quando a interrompi, exatamente como ela as dizia. — O senador perguntou quem elas eram, e ela, a Ishtar...

—... E ela, a Ishtar, trouxe a morte e tudo caiu ao seu poder — disse Ruth, falando as quatro primeiras palavras ao mesmo tempo em que eu. Essas palavras, pensei, eram mecânicas. Algo que pressionaram nela mais cedo, não algo que a estavam alimentando ativamente. Pessoas reais não usam exatamente as mesmas palavras cada vez que dizem algo.

— Eles morreram por sua glória — disse Ruth. — Todos, menos o senador e eu. Elas pegaram o senador e me deixaram registrar. Meu telefone.

Ela pegou sua bolsa, mas o tio Mike a impediu de tocá-la. Sherwood alcançou e pegou o telefone, que estava em cima.

— Não está bloqueado — disse ele.

Ele inclinou para que tio Mike e eu pudéssemos ver, e percorreu a galeria de fotos. Imagens de dez cadáveres, a maioria dos quais eu não conhecia. Spielman estava lá. A pele ao redor do olho ainda estava machucada. Eu gostei de Spielman. Havia alguns outros que poderiam estar na reunião que eu participei. Nenhum deles era do meu bando.

Embora os laços do bando estivessem vivos, eu meio que esperava ver um do bando entre os mortos. As bruxas me aterrorizaram – em parte porque eu realmente não tinha um bom entendimento dos limites de seu poder.

— Suponho que eles ainda possam estar vivos — disse Sherwood. — Se você puder pensar em uma razão pela qual eles estariam agindo como mortos.

— Eu sou... Eu deveria dirigir até a sua casa. O endereço foi programado no meu carro — disse Ruth, em uma voz completamente diferente – sua própria voz. Então ela ofegou como se estivesse tendo problemas para respirar. — Vim aqui em vez disso. Achei que os fae poderiam ajudar.

Olhei para o tio Mike.

Ele disse: — Alguns dos melhores, talvez, mas a bruxaria é... mais como a magia de Underhill. Isto não responde bem aos fae.

— Sherwood? — perguntei.

O suor se acumulou na testa de Ruth e ela agarrou as mãos do tio Mike. — Não me deixe ir — ofegou em um sussurro. — Era para atacar. Tem uma faca... uma faca.

— Nós pegamos quando você chegou aqui — murmurou ele. — Não há faca agora.

Virei-me para Sherwood, que estava o mais longe possível dela, com os olhos selvagens – mas não lupinos. Foi o lobo quem derrotou aquele zumbi, pensei. O homem não queria se lembrar.

Eu queria que Elizaveta estivesse aqui. Meio que queria. Wulfe?

Se elas quisessem Elizaveta como seu clã, estariam salivando por Wulfe. Eu não sabia qual linhagem de sangue de bruxa ele carregava – ou se era mago. Mas ele estava torcido como um pretzel e representava muito poder. No geral, provavelmente era bom que ele não estivesse aqui.

— Sherwood — disse eu. Minha voz estava baixa, mas havia autoridade nela. Não do Adam, eu percebi, porque o vínculo entre meu companheiro e eu parecia estar cheio de graxa fria – lenta e relutante – quando tentei usar isso.

Em pânico, procurei Adam novamente... e nosso vínculo voltou a ser pouco comunicativo, mas saudável. Talvez fosse apenas porque eu estava bem no meio de uma névoa de magia suja.

De qualquer forma, eu não podia me preocupar com Adam no momento. Coloquei essa preocupação de lado. Agora estávamos lidando com uma boa mulher enfeitiçada por bruxas.

— Mercy, a respiração dela continua parando — disse tio Mike. — Já fiz o que pude. Experimentamos o sal e os círculos habituais assim que percebemos que ela foi amaldiçoada. Não teve nenhum efeito. Usualmente sal e círculos funcionam em tudo.

— Eles têm o sangue dela — disse Sherwood, ainda de costas contra a porta. Seus olhos tentando se transformar em lobo, mas ele lutava contra isso. — A magia do sangue é mais difícil de bloquear.

Eu não precisava do Sherwood Post. Eu precisava...

— Lobo — disse eu, puxando o vínculo do bando entre ele e eu.

Sherwood estremeceu, como se essa atração tivesse sido física. Então ele virou a cabeça em minha direção e rosnou – e desta vez seus olhos eram de lobo.

— Sherwood — disse eu claramente. — Conserte-a. — Apontei para Ruth sem desviar o olhar de seus olhos. — Conserte-a e depois vamos caçar algumas bruxas.

Não sabia por que disse isso por último. Sherwood certamente nunca demonstrou qualquer desejo de sair e caçar bruxas, nem mesmo depois que ele destruiu o lobisomem zumbi que foi feito do corpo de alguém que ele obviamente conhecia.

Ele olhou para mim com olhos dourados e rosnou: — Feito.

Eu temia ter ido longe demais e ele começar a mudança. Mas não sou tão dominante a menos que eu possa puxar a autoridade de Adam, e nosso vínculo estava teimosamente silencioso.

Sherwood olhou para o tio Mike e resmungou: — Preciso de giz ou lápis. Uma vela e uma faca.

Tio Mike foi até sua mesa e abriu uma gaveta da qual ele tirou um pedaço de giz, um lápis, uma vela apenas pequena o suficiente para caber em uma gaveta e uma faca de prata. Ele olhou para a faca e a guardou novamente.

Ele entregou tudo o mais a Sherwood, que deixou a porta para se ajoelhar ao lado de Ruth, a perna protética esticada sem jeito. Por sua parte, Ruth se contorcia lentamente, as duas mãos contra a garganta, lágrimas escorrendo dos olhos.

— Por que você não deu a faca a ele? — perguntei.

— Aquele era o athame que a bruxa deu a Ruth para matar você — disse o tio Mike. — Não sei como foi parar na minha gaveta, porque não é onde eu coloquei. Sob as circunstâncias, acho que provavelmente é melhor não usá-lo para isso.

— Eu tenho meu sabre... — comecei.

Tio Mike balançou a cabeça. — Tenho algo melhor do que um sabre, não importa o quão bom. — Ele puxou um canivete gasto de uma bolsa no cinto e deu a Sherwood, que o pegou com uma sobrancelha levantada.

— Minha palavra é que, para esse fim, é apenas um canivete. Cuidado lobo, é afiado.

Isso parecia suficiente para Sherwood. Ele pegou o giz e começou a desenhar símbolos no chão de cimento do Tio Mike.

A perna entrou em seu caminho novamente e, com um grunhido, ele pressionou algo no tornozelo da prótese e a tirou com tão pouco problema que me perguntei se ele havia quebrado alguma coisa e teria problemas para recolocá-la. Especialmente desde que ele a jogou através da sala com frustração. Atingiu um dos armários de arquivo de metal e deixou um amassado.

Seu joelho parecia ser seu... o que não deveria ter me surpreendido. Em forma de lobisomem, faltava a maior parte da perna, mas um joelho humano correspondia à articulação do joelho, que fica mais acima da perna do lobo.

A perna tratada, Sherwood continuou a desenhar. Eu teria tido problemas para escrever na velocidade que ele se movia – e ele desenhava as coisas muito mais complicadas do que uma letra do alfabeto latino. Nunca vi um lobisomem usar sua velocidade aprimorada para desenhar.

A respiração de Ruth estava estranhamente débil. Ela não respirava por um minuto ou dois e depois ofegava e chiava um pouco até parar de respirar novamente. Enquanto ofegava e chiava, ela se sacudia como um peixe fora d'água. Sua mão bateu em um dos símbolos de giz que Sherwood havia desenhado, apagando-o.

Sherwood pegou seu braço antes que ela pudesse fazê-lo novamente. Ele olhou para mim. — Você pode segurá-la? Estou desenhando um círculo.

— Acho que não há necessidade de amarras — disse o tio Mike. O velho fae tocou no ombro de Ruth. Ela parou de se mexer.

— Isso prejudicará seu trabalho? — perguntou ele a Sherwood. — Segurei seus braços, pernas e músculos das costas. Amarrei-a um pouco no chão, por precaução. Não queremos que ela se mova no seu trabalho, mas quero que ela consiga respirar, se puder.

Sherwood olhou para Ruth como se pudesse ver algo que eu não podia.

— Não — disse o lobo no corpo humano de Sherwood —, tudo ficará bem. Bom.

Ele não agradeceu. Ele era sábio o suficiente para saber melhor do que agradecer a um fae, não importa quão prestativo foi o tio Mike.

Ele refez o símbolo que Ruth apagara e voltou ao trabalho. Quando seu pedaço de giz ficou muito pequeno, Sherwood pegou o lápis – grunhindo em aprovação quando viu que era um lápis grease. Mas disse: — Isso não vai durar muito e não tenho tempo para apontar a maldita coisa.

— Lápis ou giz? — perguntou tio Mike.

— Lápis, se tiver uma dúzia, então não preciso mexer neles.

Tio Mike voltou para a gaveta e pegou alguns lápis – e a faca de prata. Ele franziu o cenho para o athame, desta vez mantendo-o na mão. Quando chegou perto o suficiente para entregar os lápis a Sherwood, os olhos de Ruth se abriram, focados na faca de prata.

— Afaste isso de nós — rosnou Sherwood. — Cuidarei disso mais tarde.

Toda vez que Ruth parava de respirar, eu contava os segundos na minha cabeça. Eu não sabia a razão. Eu realmente não sabia quanto tempo uma pessoa podia ficar sem ar. Mas me pareceu que ela não estava respirando muito mais tempo do que os episódios anteriores.

Sherwood deve ter prestado atenção também. Ele parou de desenhar o tempo suficiente para colocar a mão na testa dela.

— Respire — disse ele.

Ela respirou fundo e soltou.

— Novamente — disse ele.

Quando ela fez isso, ele voltou a desenhar.

— Não é possível fazer isso com muita frequência — murmurou ele – para mim, eu supunha, mas poderia ter sido para si mesmo. — Ou vou atrapalhar o que estou tentando fazer aqui. Ainda assim, eu suponho que não fará nenhum bem se ela morrer enquanto isso.

Dez lápis foram descartados da mesma maneira que a perna descartada – como foi a cadeira quando entrou no seu caminho. O arquivo adquiriu outro amassado - este maior que o primeiro. Tio Mike murmurou algo que soava como lobisomens, mas não parecia muito infeliz com a cadeira, embora estivesse obviamente quebrada.

Sherwood completou o círculo antes que tivesse que trocar de lápis novamente. Então ele acendeu a vela.

Ele fez isso dizendo uma palavra; eu não entendi direito, apesar de ter certeza de que não era inglês. Mas ao som disso, houve um estalo de magia e o pavio da vela começou a queimar.

Ele segurou a vela de lado e deixou a cera pingar em um lugar onde a graxa formava um círculo do tamanho da base da vela. Quando ele tinha cera macia suficiente no chão, ele colocou a vela nela, usando a cera para criar um suporte para manter a vela na vertical.

Ele pegou o canivete do tio Mike e o abriu. Franzindo o cenho, lançou um olhar cauteloso para o tio Mike – que se moveu para o outro extremo da sala, com o athame de prata em uma mão.

— Hoje é apenas uma faca — disse o tio Mike. — Fará o que você quiser. — Ele mexeu o athame em sua mão. — Esta não é tão cooperativa. Você pode lidar com isso rapidamente, quando terminar. Isto parece ter um gosto por um de vocês, provavelmente Mercy.

— Ruth — disse Sherwood, encarando a faca por um instante. — É suposto matar Ruth. — Novamente, tive a impressão de que ele podia ver algo que eu não podia. Como se os padrões de magia fossem algo que seus olhos pudessem perceber. Parecia ser mais preciso do que o meu método de perfume e cabelo na parte de trás do meu pescoço.

Sherwood usou o canivete do tio Mike para abrir um corte nas costas da mão, mantendo-o aberto movendo a lâmina para frente e para trás enquanto pingava seu sangue ao longo da borda do círculo. Foi dificultado porque ele não podia usar nenhuma das mãos para se estabilizar – e a perna que faltava parecia desequilibrá-lo.

— Isso seria mais fácil — resmungou, rastejando desajeitadamente —, se eu tivesse tirado o forro e o alfinete com a maldita perna.

Levantei-me e coloquei a mão sob o cotovelo para ajudar a estabilizá-lo. — Isso ajuda?

— Sim — disse ele, depois voltou sua atenção para o que estava fazendo.

Quando alcançou a vela novamente com seu círculo de gotejamento de sangue, ele cavou um pouco mais fundo com a faca, afastou-a e colocou a mão sangrando em Ruth. Quando as gotas de sangue a tocaram, ele disse três... algumas coisas. Pareciam mais notas musicais do que palavras, mas eram mais complexas do que uma única nota, como se pudesse formar um acorde com sua garganta humana.

Por um momento, nada aconteceu.

Isso não era bem verdade. Nada aconteceu, exceto no momento em que ele jogou aquelas gotas de sangue em Ruth, a falta de magia negra, ou minha percepção, simplesmente desapareceu. Havia muita magia, com certeza, mas apenas um pouco parecia magia negra.

Eu estava olhando a faca na mão do tio Mike e perdi a primeira parte. O pequeno movimento fez o tio Mike enrijecer e Sherwood realmente relaxar um pouco debaixo da minha mão.

Quando olhei para o círculo, a boca de Ruth já estava aberta. O primeiro grito quase não teve som – porque ela não tinha ar para fazer barulho. O segundo grito foi ainda mais calmo, todo o seu corpo tremendo com o esforço. Se ela pudesse ter movido seu corpo sob a magia do tio Mike, eu acho que teria feito isso, mas tudo o que ela podia fazer era mover a boca e o peito.

Meus olhos lacrimejaram e enfiei meus dedos no ombro de Sherwood – porque não havia nada, nada que eu pudesse fazer para ajudá-la, exceto quebrar o círculo (talvez eu pudesse fazer isso) e desperdiçar todos os esforços de Sherwood.

O terceiro grito foi silencioso. O sangue se acumulou nos cantos dos lindos olhos escuros de Ruth e escorreu da boca, manchando os dentes brancos de vermelho.

Sherwood permaneceu como estava, agachado perto do círculo – pronto para intervir se as coisas não fossem bem-sucedidas como ele pensava que deveriam. Eu o soltei para que ele pudesse se mover mais rapidamente caso fosse necessário, mas ele apenas esperou.

— E é por isso que eu odeio bruxaria — disse tio Mike, sua voz um contraste prosaico com os eventos no círculo. — Tanto sangue no trabalho delas. — Ele parecia vagamente desaprovador.

Sherwood levantou a cabeça. — E os fae são tão gentis.

— Não — concordou tio Mike —, na maior parte somos piores, mas não tão bagunçados.

Como se o círculo contivesse o próprio ar e a magia, não pude sentir o cheiro do sangue – ou outras coisas – à medida que as coisas seguiam seu curso. Ruth Gillman, elegante e arrumada, não ficaria feliz em se lembrar desse momento, mas esperançosamente ela sobreviveria.

A boca de Ruth se abriu, e mais sangue, sangue arterial brilhante, jorrou, inundando o círculo onde ela estava deitada, incapaz de mover seu corpo. O sangue atingiu a borda dos desenhos de Sherwood e parou, como se o giz e o lápis fossem uma barreira elevada que não podia atravessar. Onde tocou o trabalho de Sherwood, ficou preto acinzentado. Não uma cor que eu já vi sangue exibir.

Quando o líquido começou a aumentar impossivelmente, eu disse baixinho, para não interromper as coisas que talvez eu não conseguisse perceber — Ela se afogará nisso se não conseguir levantar a cabeça. Ela também ficará sem sangue se continuar.

— Paciência. — Sherwood me deu um rápido olhar que eu não conseguia ler. Pensei que talvez ele estivesse apenas certificando-se de que eu não tentaria resgatá-la. — E esse sangue é... nem todo o sangue é dela. Bem, não, é o sangue dela, mas está se reproduzindo. Clonagem, você poderia dizer. Embora eu não ache.

— E isso faz sentido — disse tio Mike secamente.

— Como você colocaria isso? — perguntou Sherwood. O lobo de Sherwood, eu pensei, e ele colocou um pouco de rosnado em sua voz.

Tio Mike sorriu maliciosamente. — Sangue mágico.

Sherwood bufou. — Soa como se não fosse sangue, ou como se você pudesse fazer algo poderoso com isso. — Ele fez uma pausa. — Mas, como é sangue, mesmo o sangue dela, suponho que isso seja verdade.

Eles poderiam ter estado... não precisamente brincando... discutindo era mais parecido. Mas ambos observavam Ruth atentamente.

— Ela está respirando — disse eu.

Ruth ainda estava vomitando sangue (e tudo o que comeu ou bebeu recentemente), mas estava inspirando e exalando entre espasmos.

Sherwood assentiu. — Este é um trabalho desagradável. Provavelmente existe uma maneira mais humana de quebrar esse feitiço, mas não conheço. Talvez se eu estivesse no meu próprio lugar com o meu... — Ele balançou sua cabeça e não completou esse pensamento.

Ele se inclinou, tomando cuidado para não chegar muito perto do círculo. — Pobre querida — disse ele. — Desculpe, desculpe. É difícil, eu sei. Mas você ficará bem em um momento. Prometo que o pior já passou.

Passaram dez ou quinze minutos antes que o sangue e o horror cessassem. Sherwood, ainda assistindo algo que eu não pude, disse: — Pronto, isso acabou.

Ele estalou os dedos, a vela se apagou e a sala de repente floresceu com o cheiro de tudo no círculo; sangue, vômito e outras coisas – o cheiro azedo de terror e magia negra subjacente a tudo. Os fluidos retidos pelas marcas de Sherwood deslizaram sobre eles. Mas a bagunça parecia ter sido reduzida apenas às substâncias não-mágicas, por isso não fluiu muito longe.

Tio Mike começou a avançar e Sherwood estalou: — Faca. Essa faca precisa ficar longe de Ruth.

Tio Mike deu a faca um... olhar intrigado.

— Hah — disse ele. — Eu esqueci que a tinha. Que faca interessante para eles deixarem entrar nas mãos inimigas.

Olhei para Sherwood. — É seguro para eu tocá-la?

— Talvez — disse ele. — Mas ela não vai agradecer por isso. Tudo vai doer agora – é como ser escaldado vivo, pelo que me lembro. Dê a ela alguns minutos.

Eu estava avançando para ela, mas com as palavras de Sherwood, eu me afastei.

— Ruth precisa de um banho e roupas limpas — disse eu ao tio Mike. — Isso está disponível aqui?

— É claro — disse ele. — Mas talvez Sherwood deva lidar primeiro com a faca. Preciso tocá-la para que ela possa se mover novamente. Mas não consigo chegar perto dela com esta faca. Não gosto da sensação de que deveria deixar esta faca no chão e esquecê-la.

— Mercy — disse Sherwood —, você poderia me dar a perna, por favor?

Feliz por ter algo que pudesse fazer para ajudar, eu peguei a prótese para ele. Ele subiu a perna da calça jeans e vi que havia um espeto saindo da parte de baixo da perna.

Ele viu meu olhar e sorriu com os olhos de seu lobo.

Fui criada por lobisomens e estou acasalada com um. Nunca vi um sorriso assim.

Lobisomens simplesmente não se divertem, não faz parte do lobo deles. E a emoção parecia um pouco deslocada com Ruth se recuperando dolorosamente em uma poça de sangue e outras substâncias. Mas os lobos nem sempre reagem do jeito que um humano pode enfrentar situações terríveis.

— O alfinete não está saindo da minha perna — disse ele. — Há um suporte de silicone ao redor do tronco que segura o pino.

Ele pegou a perna e a vestiu, e levantou-se usando apenas a perna boa em um movimento suave que provou que ele não era humano. Alguém que era humano teria bem mais dificuldade em fazer isso graciosamente. Então colocou o pé artificial no chão e pisou com ele até que houvesse um clique.

— Bom — disse ele. — Eu estava com medo de ter quebrado.

Ele caminhou até o tio Mike e pegou a faca. Ele olhou por um momento, pesando-a na mão. Então ele a enfiou primeiro na mesa de madeira com cicatrizes do tio Mike. Afundou cinco centímetros, mais ou menos, e depois ele a quebrou.

Respirei fundo quando uma onda de magia horrível e imunda estourou e me deixou cambaleando. Não caí no amontoado miserável de Ruth e nos líquidos solidificados ao seu redor. Mas foi quase.

A julgar pelos últimos dias, a bruxaria me afetava mais poderosamente do que outros tipos de magia.

Magia negra era pior que o outro tipo. Ou talvez eu estivesse apenas ficando mais sensível a isso.

— Isso foi sábio? — perguntou Tio Mike a Sherwood com uma sobrancelha levantada. — Você pode ter nos surpreendido até Underhill fazendo dessa maneira.

— É o único jeito que eu conheço — disse Sherwood, batendo na cabeça. — Preciso trabalhar com os limites do que tenho.

Falando por cima do ombro para Sherwood enquanto ele caminhava rapidamente em direção a Ruth, tio Mike disse: — Se tudo que você precisava fazer era quebrar a lâmina, eu poderia ter feito isso no começo.

— Não — disse Sherwood —, eu precisava fazer isso. Eu tenho um toque, um elo com nosso inimigo, graças ao meu trabalho com Ruth – e o trabalho das bruxas também. Quebrá-lo assim terá prejudicado a dona do athame, quase tanto quanto ela machucou Ruth. E se tivesse tentado explodir em nossos rostos, eu poderia ter contido. — Ele olhou para a lâmina quebrada, no cabo que ainda segurava. — Eu tenho certeza, de qualquer forma.


• • •


Ruth, lavada e vestida com roupas limpas, não tinha muito a acrescentar ao que já havia nos dito. Ela estava assustada, pelo qual nenhum de nós a culpava. Tio Mike nos garantiu – e ela – que, desde Sherwood quebrou o domínio da bruxa, ele e os seus poderiam mantê-la segura.

— Você conseguiu — disse Sherwood a ela.

— O quê? — O pub estava quente o suficiente, mas um dos membros do tio Mike trouxe para Ruth um cobertor e ela o enrolou como se fosse um escudo contra a escuridão.

— Chegar aqui — disse tio Mike. — Você deveria colocar a raposa no galinheiro para eles. Se você tivesse chegado à casa de Mercy com essa faca, não sei se alguém poderia ter quebrado o que eles tentaram fazer. Mas você veio aqui e criou uma fraqueza na maldição deles. Sherwood aqui foi capaz de quebrar o resto.

Tio Mike olhou para Sherwood. — Eu não sabia que você era nascido de bruxa.

Sherwood deu de ombros.

— Mas eles estão todos mortos — disse Ruth. — E eles têm Jake.

— Não havia nada que você pudesse fazer sobre isso — disse eu. — Mas você resistiu contra eles. Você nos deu a chance de encontrar o senador e recuperá-lo.

Eu estava preocupado que as bruxas tivessem Adam e o bando também. O fato dos laços do bando estar forte era bom. O fato de eu não ter percebido nada deles, exceto que todos estavam saudáveis, era preocupante.

Ainda havia a fraca possibilidade de o presidente ter aparecido e todos os lobisomens terem desligado seus telefones. Mas isso parecia cada vez mais improvável.

— Porque você aguentou — disse Sherwood, e era Sherwood novamente —, nós lhes demos um golpe, e temos a chance de encontrá-las. — Ele levantou a faca quebrada, que carregava em uma caixa para viagem verde do tio Mike.

Deixamos Ruth na segurança das mãos do tio Mike. Quando entramos no estacionamento, Sherwood levantou a caixa novamente.

— O problema é que — disse ele —, não sei como usar isso para encontrá-las. Pode...

Ele parou abruptamente e girou em um círculo lento.

— Sou só eu, lobo — disse o rei dos goblins, emergindo das sombras ao lado do edifício.

Larry parecia mais cansado do que na última vez que o vi. Geralmente ele parecia ter um sorriso a um momento de distância, se já não estivesse em seu rosto. Não essa noite.

— Estou aqui para lhe dar algumas informações — disse ele. — Em troca de me chamar para sua caça, outra manhã.

Pensei que a bola estava na outra quadra, mas não estava prestes a discutir com ele.

— Não vá à casa do senador em Pasco até a luz do dia — disse ele. — E não deixe mais ninguém ir, se você puder evitar. Nós, goblins, perdemos muito para a bruxaria naquele lugar.

— O que aconteceu? — perguntei.

— Enviei três dos meus melhores para seguir Ruth Gillman após o seu almoço com ela — disse ele. — Um deles era minha filha, que tive em meu coração para ser minha sucessora quando eu deixasse esse dever. Ela ligou para me dizer que as bruxas montaram um imenso círculo ao redor da casa. Eles começaram a observar fora do círculo enquanto eu a dirigia.

— Esse é um círculo muito grande — eu disse.

Ele assentiu. — O trabalho de dias e muito poder — concordou ele. — Se elas estivessem trabalhando na cidade onde meu povo patrulha, já as teríamos visto há muito tempo. Eles esperaram até as bruxas saírem com o Senador Campbell. Eles sabiam que todos estavam mortos lá dentro, exceto Ruth – não me pergunte como, porque não vou contar. Nossa sobrevivência depende de estarmos cientes das coisas que os outros tentam esconder de nós. Ela e seus companheiros podiam sentir a angústia de Gillman. Eles pensaram que as bruxas tinham perdido um de seus alvos. Ela me ligou e explicou tudo isso. Eu disse a ela para não entrar.

Ele olhou para longe. — Ela tomou suas próprias decisões, minha filha, desde o primeiro momento que aprendeu a andar. Foi por isso que a escolhi para me substituir. Um líder precisa tomar suas próprias decisões.

— O que aconteceu com ela? — perguntei.

Ele suspirou. — Os outros dois me disseram que ela atravessou o círculo sem problemas. Deu mais dois passos, depois se virou e olhou para eles. Disse: Diga ao pai que eu estava errada. E ela morreu, de pé. — Ele fechou os olhos. — Mas precisei matar seu corpo, e perdemos mais quatro do meu povo antes de conseguiu matar todos.

— Todos? — perguntei.

— Todos os mortos ressuscitaram como reanimados – você os chama de zumbis. Com o destino da minha filha para nos alertar, meu povo atravessou o círculo e lidou com os mortos. Eu os protegi. Mas quem cruza esse círculo antes da luz do dia sem a minha intervenção – e não voltarei lá – sofrerá o mesmo destino que minha filha.

— Sinto muito — disse eu.

Ele fez um gesto cortante com a mão. — Não é sua culpa, Mercedes Hauptman. Mas tio Mike me disse que você está caçando as bruxas e pensei em contar o que descobrimos. As bruxas não estão aonde Ruth Gillman veio hoje à noite. Sem dúvida, há pistas a serem descobertas lá, mas não farão bem até que a luz do dia limpe a terra. Não repita o erro da minha filha.

Tentei descobrir quando tio Mike teria tido tempo de entrar em contato com Larry. Quando Ruth estava tomando banho, talvez.

— A residência do senador seria o primeiro lugar que eu procuraria — disse eu a Larry. Mais com cuidado, eu disse: — Agradeço seu aviso.

— Destruímos os corpos — disse Larry. — Mas as carteiras estão empilhadas na porta da frente, para que as mortes possam ser divulgadas ao seu povo.

— Bom — disse eu. — Ruth tirou fotos, então saberemos quem eles são. — Essa parte do dia não seria o meu trabalho.

Ele assentiu, virou para sair e, de costas para mim, disse: — Você ficará tentada a ir até Siebold Adelbertsmiter e seu filho. Você provavelmente sabe que há uma boa chance de que o velho fae ir com você.

Ele se virou para mim, suas feições gritantes. — Você provavelmente poderia me pedir, depois desta noite, e eu iria com você também.

— Mas — disse eu.

Ele assentiu. — Mas. Pode ser que sem nós você fracasse, e conosco você terá o dia. Mas os Lordes Cinzentos foram bem claros. Eles não... não podem permitir que nenhum de nós participe dessa batalha. Eles garantirão que, se alguém a ajudar no confronto direto com as bruxas, esses faes morrerão neste dia e todos os dias.

— Mas — disse Sherwood em voz baixa —, nos alertar sobre uma armadilha – isso não é um confronto direto.

Larry assentiu. Ele inclinou a cabeça na direção do Tio Mike. — E dar abrigo faz parte das leis de convidados, assim como proteger uma vítima inocente.

Olhei para Larry. — É por isso que ele não conseguiu quebrar o feitiço que a segurava. — Porque isso havia me incomodado. Tio Mike não era um Lorde Cinzento, mas outros fae andavam cautelosamente ao seu redor. Que ele não pudesse quebrar um feitiço de bruxa... fizera as bruxas parecerem muito mais poderosas do que eu pensava que eram.

Seu rosto ficou brando. — Não sei o que o tio Mike pode ou não fazer, Mercedes. Tudo o que posso dizer é que se ele tivesse quebrado o feitiço, ele teria enfrentado a ira dos Lordes Cinzentos. Ele me perguntou se eu achava que você era esperta o suficiente para seguir um caminho que ele não via.

— Não — disse eu. E se não tivéssemos Sherwood? Então senti um toque de alívio. Eu poderia ter chamado Elizaveta ou até, Deus me ajude, Wulfe. — Não tão inteligente. Mas sou um coiote e aparentemente estupidamente sortuda.

Larry sorriu então. — E foi exatamente isso que eu disse a ele.


11

 

Chequei meu telefone no caminho para o Toyota de Sherwood e parei totalmente. De alguma forma, eu silenciei o telefone e perdi uma ligação de Adam. Tentei ligar para ele. Desta vez, tocou até o seu correio de voz.

— Adam ligou para você? — perguntou Sherwood.

Assenti e verifiquei meu correio de voz. Com certeza, havia uma nova mensagem de Adam. Duas. A primeira caixa postal foi quando saímos de casa para ir ao tio Mike.

— Ei, querida — disse Adam. — Desculpe por estar fora de comunicação o dia todo. O Presidente decidiu que queria ter um dia no zoológico. Espere fotos dele bravamente acariciando Warren nos jornais de amanhã. — Sua voz era muito seca, mas havia um frisson de excitação por trás disso.

Ele votou neste presidente, cancelando meu voto, pois aparentemente fizemos toda a minha vida e faria no futuro próximo, mas Adam realmente não o aprovou. Ainda assim, ele tinha uma reverência pelo cargo em si que eu não sentia. O presidente dos Estados Unidos viera visitar – e Adam ficou entusiasmado.

Minhas preocupações por ele desapareceram e me vi sorrindo.

— De qualquer forma, estamos indo para casa, até breve. — Ele terminou a mensagem.

Sherwood sorriu para mim. — O Presidente — disse ele. — Eu falei.

O registro de data e hora na segunda mensagem foi cerca de cinco minutos depois da primeira mensagem. Antes que eu pudesse ouvi-la, meu telefone tocou novamente. Dessa vez era meu meio-irmão, Gary.

— Meio ocupada aqui — disse eu.

— Eu ligo mais tarde — disse ele. E desligou.

Meu meio-irmão ligou. E, lembrei-me abruptamente, ontem à noite eu tive um sonho que não conseguia lembrar. Um sonho que aparentemente envolveu Coiote.

Liguei para ele.

— Eu pensei...

— Por que você ligou para mim? — perguntei.

— É muito estúpido — disse ele.

— Apenas cuspa — disse eu.

— Nosso progenitor me ligou alguns minutos atrás e me pediu para ligar para você – e ver se você havia alcançado seus sonhos.

E foi só o que foi precisou.

— Filho da puta — disse eu.

— Ele é, suspeito, filho de ninguém — disse Gary se desculpando. — Criado em vez de nascido. O que ele fez?

— Interferiu — disse eu.

— Para o bem ou para o mal?

— Não sei dizer — falei. — Deixarei você saber se eu sobreviver. Ligo para você amanhã.

— Você precisa que eu desça? — Sua voz era séria.

— Não — disse eu —, sim. Mas não há como você chegar a tempo. Se ajudar, sua parte nisso pode ter salvado o dia. Se o dia puder ser salvo.

— Bom? — disse ele, uma pergunta em sua voz.

— Vou te contar amanhã. — Eu desliguei.

— Mercy? — perguntou Sherwood.

Levantei um dedo. Eu precisava pensar. Para absorver o que eu lembrava.

Eu sabia quem e o que eram as bruxas Hardesty, porque passei semanas na mente do gatinho de Sherwood. Eu sabia o que queriam – e Sherwood estava no topo da lista. Eu sabia o que poderiam fazer – e eu não queria nenhum dos lobos a cem milhas daquelas bruxas.

Magda – esse era o nome da bruxa zumbi – era uma Love Talker, tudo bem. E o poder dela era muito maior do que Elizaveta pensara. Eu tinha certeza que ela não teria problemas em controlar um lobisomem, porque ela os controlara antes.

— Mercy, você está bem? — perguntou Sherwood.

— Estou pensando — disse a ele. — Desde que o bando está bem... — Eles estavam. Eu precisava fazer isso sem contar uma única mentira. Sherwood saberia se eu mentisse. — Você poderia me deixar na oficina?

Ele franziu o cenho para mim. — Certo.

Assenti rapidamente e entrei no banco do passageiro do carro.

Estávamos a caminho quando Sherwood disse: — A razão pela qual estou deixando você em sua oficina tem algo a ver com o telefonema do seu irmão?

Assenti. — Sim. Preciso pensar em algumas coisas – e está um hospício em casa agora. A oficina está tranquila.

Ele sorriu. — É isso.

Assisti a estrada à nossa frente e perguntei: — Como está o seu gato?

— Parei para checá-lo depois do trabalho — disse ele. — Parece que ele vai conseguir.

— Bom — disse eu.

Os lábios de Sherwood se levantaram novamente. — Ele ronronou quando eu o segurei.

— Gato duro — disse eu.

— Sim. — Ele parecia feliz.

Quando ele entrou no estacionamento escuro, ele insistiu em entrar na oficina comigo e farejar por intrusos. Ele não estava feliz quando saiu, mas foi embora.

Assim que ele saiu do estacionamento, ouvi a segunda mensagem de Adam. Esperei até que Sherwood se foi, porque eu não achava que o Coiote tivesse cronometrado o telefonema do meu irmão tão precisamente sem uma razão.

— Ei, amor — disse Adam. — Elizaveta acabou de ligar. Ela quer dar uma olhada em sua casa, e não quer fazer isso sozinha. Eu vou buscá-la. Não se preocupe. Amo você.

Sim, pensei, teria tido problemas para convencer Sherwood de que só precisava de um lugar tranquilo para pensar por um tempo caso ele ouvisse essa mensagem.

Peguei um conjunto de chaves, apaguei a luz novamente e fechei tudo. Então entrei no ônibus de Stefan e segui para a casa de Elizaveta para um reconhecimento. Enquanto viajava, liguei para o telefone de Stefan e recebi o correio de voz, o que eu esperava.

— Roubei seu ônibus — disse a ele. — E vou até a casa de Elizaveta procurar Adam. Acredito que as bruxas Hardesty estão lá e têm Adam e o senador Campbell. Se eu não ligar em algumas horas, você ligaria para Darryl? — Espero que Marsilia não tenha planejado manter Stefan amarrado e amordaçado por muito tempo. — Diga a ele que eu acho que a bruxa zumbi pode controlar lobisomens e ele deve tomar precauções.

Encontrei um lugar para estacionar o ônibus próximo a um palheiro a cerca de 800 metros da casa de Elizaveta. Com alguma sorte, não chamaria muita atenção. Não era exatamente um veículo furtivo, mas à noite não era tão perceptível quanto à luz do dia. Dei um tapinha em Scooby com sua cabeça felpuda por sorte, então tirei a roupa, abri a porta do motorista e pulei para fora.

Fechei a porta silenciosamente e mudei para coiote. Depois fui fazer o que os coiotes fazem melhor – esgueirar-se.

Havia luzes acesas na casa de Elizaveta. Escorreguei pela beira da entrada, de sombra em sombra, movendo-me o mais lentamente que eu podia suportar. Movimento rápido chama a atenção. Se estivesse lidando com meros humanos, eu teria trotado. Mas não tinha ideia de quão bem as bruxas podiam ver no escuro, então eu rastejei.

A entrada de automóveis de Elizaveta tinha quase um quarto de milha e havia um trailer novo estacionado entre a casa e a garagem. O SUV de Adam estava estacionado em frente a casa, assim como um Subaru Impreza. Observei o quintal debaixo de um arbusto de framboesa. A vegetação rasteira fora limpa e o arbusto aparado, então havia muito espaço para eu me esconder.

Observei por talvez cinco minutos, mas não vi nenhum movimento dentro ou fora – apesar das luzes na casa.

Talvez todos estivessem no porão.

Esse pensamento me fez sair do meu esconderijo. Eu estava no meio do caminho quando um som me fez congelar.

Um lobo cinza-azulado, distintamente marcado com pés, focinho e cauda escurecidos, atravessou o jardim. Adam. O ritmo deliberado de seu movimento, suas orelhas pontudas e o lento movimento de sua cabeça me disseram que ele estava em patrulha.

Saí das sombras e o deixei me ver.

Ele passou por mim, como se eu não estivesse lá.

Devo patrulhar os terrenos e alertá-los se me deparar com algo que possa ameaçá-los ou que seja incomum.

O pensamento roçou minha mente levemente, como se eu tivesse acabado de ouvir uma conversa que não tinha nada a ver comigo. Ele sussurrou em nosso laço de companheiros, e se eu estivesse a três metros mais longe, duvido que teria me tocado.

Não há nada ameaçador ou incomum em um coiote correndo ao redor de Finley, observou ele. Por um momento, seus olhos dourados roçaram os meus, e então ele seguiu em frente.

Mas se eu fosse esse coiote, iria embora.

E então, como se não pudesse nem pensar no nome, uma imagem flutuou nos meus olhos: o rosto de um lobo com um X vermelho sobre ele.

Adam estava me avisando para não deixar o bando vir aqui.


• • •


Claro que não fui embora.

Se Adam estava aqui, eu poderia assumir com segurança que o senador e Elizaveta também estavam aqui. Então tudo que eu precisava fazer era dar uma olhada em suas defesas. Eu tinha os esboços de um plano na minha cabeça – não gostei e não sabia se iria funcionar.

Esperava que minhas explorações durassem mais, mesmo considerando que agora eu deveria evitar Adam. Mas depois do terceiro zumbi em seis metros, eu tinha toda a resposta que precisava.

Eu precisaria de ajuda.

Eles tinham Adam, pensei, voltando para o ônibus; eu não podia dar a eles o bando inteiro.

Mas eu tinha outros amigos para convocar, o que era uma coisa boa. Não importa quais ordens o Coiote dera, eu não seria capaz de matar aquelas bruxas sozinha caso elas tivessem um exército de zumbis para protegê-las.

Eu me vesti e peguei meu telefone. Recebi uma mensagem de Warren.

Cautelosamente, ouvi-a.

— Mercy, quando você receber isso, me ligue.

Não.

Liguei para Zee. Eu sabia, como Larry havia me dito, que o Siebold Adelbertsmiter me ajudaria. Liguei para ele, sabendo exatamente o que essa ajuda poderia lhe custar. Mas eu esperava que Zee fosse tão formidável como eu pensava que ele era – e, portanto, os Lordes Cinzentos procurariam qualquer desculpa para não impor sua pena de morte sobre ele.

Depois que contei a ele a quem mais estava planejando pedir ajuda, dei a Zee a opção de ficar longe. Não tenho certeza se eu teria dado a ele a opção se não tivesse certeza absoluta da resposta de Zee.

— Nein — disse Zee. — Essas bruxas machucaram meu filho e tentaram te matar. Os Lordes Cinzentos poderão fazer o que quiserem depois. Se conseguirmos salvar o senador Campbell, os Lordes Cinzentos estarão muito felizes conosco, eu acho.

— Você não acha que elas podem te prender? — perguntei.

— Liebling — disse ele. — Não sou infalível. Mas a bruxaria não funciona tão bem em fae. Conversei com o tio Mike hoje à noite. Tio Mike me informou que o rei dos goblins deixou bastante claro de que eu deveria evitar o confronto direto com as bruxas.

Ele me disse quase a mesma coisa, pensei.

— Entendo que enquanto eu luto contra zumbis e lacaios, eu deixo as bruxas para você... — havia algo em sua voz que eu não conseguia ler —, outro aliado, nós podemos estar razoavelmente certos...

— De quê? — perguntei quando ele parou.

— Certos de fazer o que o rei goblin deseja que eu faça — disse Zee. — Desde que eles acabaram de matar sua filha favorita, não acho que o rei goblin nos aconselhe a fazer qualquer coisa que os ajude.

Pensei que o rei dos goblins estava me dizendo para não pedir ajuda a Zee. Interessante que Zee e eu entendemos exatamente o oposto desse conselho. Decidi acreditar em Zee, porque me animou e me fez sentir menos culpada.

Ele continuou: — Não vou deixar você sozinha para combatê-las com ninguém em quem confie nas suas costas. Se você não estiver aqui em dez minutos para me buscar, eu levarei minha caminhonete para a casa da bruxa.

E isso acabou com a discussão.

Mas quando parei na casa de Zee, não foi apenas Zee quem saiu. Tad, parecendo estar vestido para uma reunião do Senhor dos Anéis, carregava uma longa mochila que provavelmente continha algumas das armas de Zee.

— Eu sei, eu sei — disse Tad, abrindo a porta deslizante e colocando a bolsa no chão. Ele abriu a porta do passageiro da frente e disse: — Sou você ou eu, cachorro. — Ele pegou Scooby e colocou no assento duplo que era o assento do meio do ônibus. Para mim, ele reconheceu: — É uma camisa estranha, mas papai insistiu.

— É mithril{10}? — perguntei com reverência. — Você brilha no escuro.

Tad olhou para si mesmo e soltou um palavrão. — Está fazendo de novo, pai.

— Me arrependo da aparência de fantasia — disse Zee. — Não era de fantasia quando eu fiz. Mas a túnica redirecionará a bruxaria destinada a ele. Algumas vezes.

Ele se inclinou para dentro do ônibus e bateu no ombro do sobretudo de malha que Tad usava. O brilho piscou e misturou-se com a escuridão quase muito bem.

— Não sai há muito tempo — disse Zee. — É um pouco inconstante.

— Inconstante — disse eu.

Zee subiu para o ônibus, fechou a porta e depois foi para o fundo. Não por que ele se importava de dividir um assento com Scooby; era que Zee sempre se sentava de modo que ninguém pudesse se sentar atrás dele.

Era por isso que ele tinha uma caminhonete.

— Zee — disse eu. — Não que eu não ame Tad, mas pensei que seria apenas você se atirando nas mãos do destino. Os Lordes Cinzentos podem decidir que você é assustador o suficiente para deixar em paz, mas Tad não é.

— Os Lordes Cinzentos me responsabilizarão pelas ações do papai de qualquer maneira — disse Tad, apertando-se. — Eu também poderia contribuir. Aonde vamos a seguir?

— Não tenho certeza — disse eu, e peguei meu telefone.

— Você ainda não pediu? — perguntou Zee.

— Não — disse a ele —, eu estava adiando até o último minuto.

— Mercy — respondeu Marsilia. — Você já as matou?

— Não — disse a ela —, eu perdi a conta. Você me deve uma ou eu devo?


• • •


Wulfe estava esperando por nós quando cheguei ao séquito.

Ele era adolescente quando morreu e parecia um. Esta noite ele vestia um moletom preto, jeans e tênis Converse brancos. Parecia que ele deveria ir à uma rave ou um kegger. Ele também tinha as duas mãos. Stefan cortou uma delas da última vez que eu o vi.

Os vampiros não eram lobisomens – eles não podiam apenas fazer crescer de volta. Eu tinha certeza que eles não poderiam simplesmente fazer crescer de volta.

Ele se abaixou para olhar no carro e ver quem estava nele. Ele deu uma olhada exagerada quando viu a roupa mágica de Tad. Tad bufou indignado. Satisfeito com a reação de Tad, Wulfe abriu a porta deslizante e entrou. Ele colocou o cinto no Scooby antes de colocar em si mesmo.

O cabelo na parte de trás do meu pescoço tentou fugir. Fiquei realmente feliz que Zee estava sentado atrás de Wulfe para vigiar. Se alguém era páreo para Wulfe, era Zee. Também fiquei feliz que Scooby estava no assento diretamente atrás de mim.

— Se eu soubesse que nós estávamos indo para a medieval, eu usaria minha hair shirt{11}. Tenho certeza que tenho em algum lugar. — O vampiro estalou os dedos. — Droga. Deixei em casa. Provavelmente será outro meio milênio antes que eu tenha a chance de usá-la novamente. Ah, bem. Essas coisas tendem a voltar à moda.

Muitos dos vampiros têm sotaques. Mas Wulfe, hoje, parecia qualquer outro adolescente nascido e criado em Tri-Cities. Além do fato de que eu ficaria surpresa se houvesse mais de um ou dois adolescentes nascidos e criados aqui que até sabiam o que era uma hair shirt.

Ele levantou a cabeça e cheirou como um cachorro. — Você trouxe um presente para mim? Que gentil. Dá. Dê isto para mim.

Tad olhou para mim e balancei a cabeça. — Não sei do que ele está falando.

Wulfe fez um som impaciente. — Você tem algo que pertence às bruxas.

Peguei a caixa com o athame quebrado quando saí do carro de Sherwood. Não foi difícil. Eu a carregava enquanto ele dirigia – e ele estava preocupado em garantir que a oficina estava segura antes de sair.

O lobo de Sherwood pensou que ele poderia usá-lo para caçar as bruxas. Eu não o queria em qualquer lugar perto dessas bruxas, então eu a peguei quando ele não estava olhando.

Alcancei entre os bancos da frente, peguei a caixa de delivery e a ergui.

— Ooooo — disse Wulfe, pegando. — Olhe aqui. Que crianças malcriadas deixam isso em suas mãos. Pena que está quebrado.

— Por que isso? — perguntei a ele.

— Porque as bruxas poderiam ter feito todo tipo de coisas desagradáveis ??com isso hoje à noite, e eu poderia ter assistido. Se eles realmente têm um coven quase completo...

Eu dera a Marsilia uma jogada por jogada do último dia, que terminara a um quarteirão do campo. Eu não deixei nada de fora. Eu não sabia se havia sido um erro dizer a ela que havia uma bruxa por aí, que podia controlar lobisomens, mas ela me contou sobre Frost, que podia controlar vampiros, não é?

Evidentemente, se ele sabia da avaliação de Sherwood de que as bruxas estavam correndo com o poder de um quase clã atrás delas, Wulfe devia estar ouvindo o tempo todo.

—... Elas poderiam ter usado para dominar qualquer um que segurasse esta faca. Muitas brincadeiras a serem feitas. Eu diria que elas mataram cinco ou seis pessoas para fazer isso acontecer – e isso se elas tivessem muita prática. Elas não ficarão felizes por estar quebrado. Agora é inútil.

Ele jogou de volta no banco da frente e a caixa derramou as peças separadas no chão. Tad inclinou-se e pegou-os enquanto eu colocava o ônibus em marcha e me afastava do séquito. A casa base de Marsilia me dava arrepios.

Não que se afastar do local ajudasse muito, não quando Wulfe estava no meu carro.

— O que isso significa? — perguntei a ele. — Que há dez famílias em seu coven. Muito do que eu sei sobre as bruxas vem da Wikipédia; ele me disse que um clã tinha treze bruxas.

Eu podia senti-lo olhando para mim. Tive o cuidado de manter os olhos na estrada.

— Eu recebo os melhores feitiços do Wiki — disse ele. — Você leu o que diz sobre lobisomens? Continuo editando o artigo, mas alguém – e eu acho que é Bran Cornick – continua mudando.

— Vampiro — disse Zee. — Se você não responder à pergunta, eu responderei.

— Tão sensível — disse Wulfe, admiração em seu tom. Mas então ele disse: — Nos velhos tempos ruins, um coven de bruxas era treze bruxas, uma de cada uma das treze famílias. Se você tivesse um coven completo, então você estava limitado em poder apenas pela sua imaginação. — Ele suspirou. — Mas, como são bruxas, geralmente duravam apenas alguns meses ou um ano de cada vez, antes que alguém brigasse com outra pessoa e a próxima coisa que você sabe, haveria corpos por todo o lugar. Povo desorganizado, as bruxas.

— Dê-me um exemplo do que elas fizeram — disse eu.

— Stonehenge — disse Wulfe prontamente. — A Pequena Era do Gelo. Um par de erupções vulcânicas. Elas não eram responsáveis ??pela própria peste negra – mas sei que em vários casos usaram pragas para disciplinar governantes que trabalharam contra elas. A Grande Praga de Londres matou cem mil pessoas em dezoito meses. Acho que o próprio Bran cuidou desse coven.

— Nossa, uau — suspirei.

— Mas elas não têm um coven real — disse Wulfe. — O melhor que as bruxas Hardesty conseguiram – com nove famílias diferentes representadas em seu coven – foi em 1816.

Zee grunhiu.

Eu tinha um diploma de história, mas 1816 não tocou nenhum sininho. A Guerra de 1812 terminou em 1815. Em 1817, James Monroe se tornou presidente dos Estados Unidos – e eu só sabia disso porque escrevi um artigo sobre ele na faculdade.

Wulfe estava esperando.

— O que aconteceu em 1816? — perguntei.

— Foi o ano sem verão na Nova Inglaterra — disse Tad.

— Vejo que não é verdade — disse Wulfe —, o que eles dizem sobre a educação moderna. — Ele suspirou. — Tentativa lamentável, realmente; com um coven completo, elas poderiam ter congelado toda a costa atlântica por um par de anos.

Chega dessa conversa ou eu ia parar e sair correndo gritando pela noite. Eu já estava assustada. Só tínhamos duas bruxas para lidar, lembrei a mim mesma.

— Elizaveta disse que sabe quando uma bruxa entra em seu território — disse eu, pensando em voz alta. — Elas vão saber quando você chegar muito perto?

— Este era meu território muito tempo antes de Elizaveta Arkadyevna Vyshnevetskaya chegar aqui — disse Wulfe, sua voz de repente um ronronar de poder. — Eu segurei a terra tão sutilmente que ela nem sequer sente isso – assim como os novos intrusos. Elas não vão me sentir até eu escolher.

— Pensei que os vampiros chamavam você de Mago — disse Tad. — Você é uma bruxa ou um mago?

Wulfe se encolheu. — Sim — disse ele.

Bruxas tinham poder sobre os vivos – animais, árvores, pessoas. Magos manipulavam objetos com magia – colheres dobradas, móveis em movimento, esse tipo de coisa. Os magos eram muito mais raros do que bruxas, porque bruxas deliberadamente se criaram para o poder. Eu não sabia se os magos já tentaram isto. Talvez eles tenham. Mas nunca ouvi falar de uma família de magos. Que ele era ambos... e um vampiro também...

— Por que elas se instalaram na casa de Elizaveta? — perguntei, voltando ao assunto em questão.

— Isso não é um pouco óbvio?

— A dor é uma coisa que penetra nas paredes e no chão — disse Zee. — Uma casa como a de Elizaveta acrescentaria poder aos seus feitiços e proteções. Magia negra não seria expulsa de um lugar onde se estabeleceu sem uma bênção poderosa.

— O único lugar melhor para seus propósitos em Tri-Cities teria sido o séquito — disse Wulfe. — E elas tentaram isso, não? Quando Frost apareceu. Se Frost tivesse vencido em novembro, não teríamos como prevalecer hoje. Engraçado como o destino funciona.

Olhei pelo retrovisor e vi Wulfe sorrindo, os olhos fixos na janela. Wulfe esteve no lado errado dessa luta. Talvez.

Ele me pegou olhando e seu sorriso aumentou até exibir suas presas delicadas. — Vá em frente e pergunte — disse ele.

— De que lado você estava? — perguntei.

— Não me lembro — mentiu.

— Por que você tem ambas as mãos? — perguntei.

— Porque duas é melhor que uma — disse ele.

Ele me viu olhando no espelho novamente e me mandou um beijo.

— Não o encoraje, Mercy — disse Zee. — E você pode olhar para onde está indo. Se você bater antes de chegarmos lá, podemos ficar presos ao ar livre quando o sol nascer. Isso seria uma vergonha.

Wulfe riu, todo o corpo tremendo.

Segui o conselho de Zee e coloquei meus olhos na frente e concentrei.

— Haverá zumbis — disse eu. — Não sei quantos ou de que tipo. Mas eles eram muitos quando explorei cerca de uma hora atrás.

— Principalmente humanos — disse Wulfe. — Eu saí e espiei ontem à noite. — Dei a ele um olhar de surpresa.

— É claro que eu os verifiquei — disse Wulfe. — Um bom vampiro sempre conhece os segredos de seu inimigo. Alguns cães e afins, mas principalmente humanos. — Ele fez uma pausa. — E o ogro.

— Ogro? — perguntou Tad. — Um ogro zumbi?

— Acho que tinha várias centenas de anos — disse Wulfe. — Elas tinham alguns zumbis muito bem feitos – feitos por uma bruxa diferente. — Ele sorriu e eu percebi que estava olhando para ele novamente. Se eu destruísse a Máquina Misteriosa, Stefan ficaria infeliz.

— Tal artesanato — disse Wulfe. — Você simplesmente não encontra mais zumbis assim. Porque a senhora que os fez sofreu um infeliz acidente com um de seus animais de estimação. Os Hardestys têm tanta esperança para Magda, sabe, porque ela tem a mesma combinação de dons. Mas se você me perguntar, ela é muito descuidada com seu trabalho.

Wulfe parecia alguém fofocando sobre seus vizinhos. E ele sabia mais sobre as bruxas do que eu pensava. Mais do que eu reuni. Espero que ele esteja do nosso lado desta vez.

— Eu me aproximei da casa para examinar, com certeza — disse ele. — Tem cerca de dois séculos, mais ou menos. Era requintado, nem um cheiro de podridão. O coven da minha mãe teria invejado. Ele poderia ter passado por humano, acho, a menos que você tivesse motivos para olhar muito atentamente – ou conversar com ele. Tenho certeza de que foi o trabalho de Lieza. E acho que ela era a única pessoa que teria sido imprudente o suficiente para tentar criar um ogro.

— Um ogro zumbi — disse Tad. — Um zumbi ogro.

— Você tem uma falha? — perguntou Wulfe. — Ou você sempre diz a mesma frase repetidamente?

— Eles precisam ser bem feitos para não apodrecer — disse Zee. — Se eles são mais velhos, ficam mais espertos. Não se preocupe, vampiro. Tad e eu cuidamos dos zumbis. Até do ogro — disse Zee. — Quando terminarmos com eles, nós os ajudaremos com den Hexen. As bruxas.

Wulfe começou a balançar a cabeça, como se estivesse ouvindo bateria. Ou meu batimento cardíaco. O rato.

Ele balançou mais rápido enquanto falava. — Posso lidar com uma das bruxas – isso deixará a outra para você, filha do coiote. Você sabe como matar uma bruxa?

— Não — disse eu, embora tivesse certeza de que, se eu pudesse chegar perto o suficiente, meu sabre poderia fazer o trabalho. Fiquei realmente feliz por ter começado a carregar esse sabre onde quer que fosse.

— Eu não atiraria nelas — aconselhou Wulfe. — Bruxas tão velhas podem se proteger de balas.

— Notável — disse eu. Peguei a arma do cofre no trabalho, outra Sig. Estava agora em seu coldre oculto na parte de baixo das minhas costas. Nunca me arrependi de ter uma arma comigo em uma briga.

— Não se preocupe, Mercy — disse Tad pesadamente. — Bruxas morrem como todo mundo.

Dei a ele um olhar assustado que ele não viu. Gostaria de saber se foi isso que ele aprendeu na faculdade, que o fizera voltar para casa sem a indomável alegria que costumava levar consigo onde quer que ele fosse.

— Plano bem básico — observou Wulfe.

Não sabíamos o suficiente para fazer planos mais extensos.

— Mate os bandidos — disse Tad. — Mate os caras mortos de novo.

— Ei! — disse Wulfe com zombaria. — Acho que pertenço a ambos os grupos.

— Exceto por nossos aliados — disse eu. — Você é nosso aliado?

Wulfe sorriu para mim e não disse nada. Percebi que não estava vendo onde estava indo novamente. Se todos sobrevivessem, eu faria outra pessoa dirigir, para que não precisasse ter Wulfe atrás de mim.

Nós elaboramos um plano melhor, mas Tad não estava errado sobre o básico: matar os bandidos, colocar os zumbis para descansar. Não especificamos que Wulfe escolhesse uma bruxa e eu pegaria a outra.

Quem tivesse a chance de matá-las, faria isso.


• • •


Estacionei a van no mesmo lugar que encontrei esta noite. Espero que nenhum dos membros do bando dirija por ela e descubra para onde eu fui. Desliguei meu telefone depois que peguei Wulfe. Sem sentido tornando mais fácil para eles me encontrarem.

A meio caminho da casa de Elizaveta, eu comecei a sentir um pouco de força nos laços do bando. Adam teria sido capaz de me encontrar – encontrar qualquer um do bando que ele queria localizar. Mas eles não eram o Alfa, e o melhor que poderiam (espero) conseguir seria saber que eu estava apavorada.

Zee teve outra palavra com a túnica que Tad usava, e Tad ficou muito, muito difícil de ver. Wulfe deu um assobio suave ao vê-lo mudar.

— Então é isso que é — disse ele. — Pensei que o sobretudo estava perdido na Guerra das Rosas.

— Alguém conseguiu — disse Zee. — Alguém pegou. Alguém pegou de volta. Não foi perdido.

— Calem-se agora, malcriados — disse eu. — Estamos caçando bruxas.

Tad, sem dúvida, ouvindo a beira do terror absoluto que eu estava tentando encobrir com humor, bagunçou meus cabelos. — Nós te protegemos.

— O mesmo acontece com os zumbis — disse Wulfe em um sussurro que fez os cabelos da minha nuca subirem até o topo da minha cabeça.

— Cale a boca, Wulfe — disse eu. — Eu tenho medo o suficiente.

— Não — disse Wulfe, um pouco triste ou possivelmente pouco convencido —, eu não acho que você tem.

Após essa observação otimista, todos nós ficamos em silêncio.

Poderíamos ter nos aproximado de frente. Wulfe apontou que elas sem dúvida teriam alarmes em toda a propriedade. Se Elizaveta realmente tivesse ido para o lado delas, elas poderiam até ter acesso a vários círculos de suas proteções. Não, eu não sabia exatamente o que isso significava, além de ser uma coisa ruim.

Mas votamos três a um para nos aproximarmos da retaguarda – o que nos fez percorrer a propriedade de outra pessoa antes de marcharmos pelo jardim de Elizaveta. Depois de dez minutos tropeçando no campo de alfafa do vizinho, eu tinha certeza de que Wulfe estava certo, mas não contaria isso a ele.

Zee finalmente colocou a mão embaixo do meu cotovelo. Os velho fae pisava no chão áspero como se fosse um campo plano à luz do dia. Wulfe e Tad também. Eu poderia ter feito um show melhor como coiote – mas isso significaria deixar meu armamento para trás.

O primeiro círculo, descobrimos, estava no meio do jardim do vizinho de Elizaveta.

— Huh — disse Wulfe, de algum lugar à minha frente.

— Espere — disse Tad.

Zee parou e eu também.

Wulfe virou a cabeça, olhando para algo que eu não podia ver.

— Está bem feito — disse ele. — Há um círculo da proteção aqui. — Ele passou a mão na frente dele. — Bem, não é realmente um círculo, é mais um quadrado – mas tudo bem para algo assim. Apenas uma linha de aviso. Ela sentiu todos os esquilos ou coiotes... — ele não olhou para mim —, que atravessaram, mas ainda assim...

— Ela? — perguntei.

— Este é o trabalho de Elizaveta — disse Wulfe. — O que diz que ela ativou?

— Não muito — disse Zee. — Podemos especular, é claro. Talvez ela tenha se unido a elas. Ou talvez tenham encontrado a chave para a proteção da casa quando mantiveram a família de Elizaveta.

— Sim — disse Wulfe com tristeza teatral. — Isso não nos diz muito. — Ele arrastou o dedo do pé no chão com desapontamento exagerado. Em uma criança de cinco anos, teria sido fofo. Em um vampiro muito assustador era... atraente.

Ele se abaixou e desenhou uma linha na terra com o dedo com cerca de sessenta centímetros de comprimento. — Se todos vocês passarem pela fronteira bem aqui?

Nós fizemos, e ele escovou as marcas com os dedos.

Wulfe continuou a conduzir. Aparentemente, isso era para que ele pudesse ficar de olho nos tipos de coisas que não podíamos ver. Na verdade, não havia como eu deixá-lo seguir atrás de mim quando eu não conseguia acompanhar onde ele estava. Eu não acho que estava sozinha nesse sentimento.

Foi Zee quem levantou a mão da próxima vez. — Bruxo — disse em um murmúrio suave, sua atenção focada à nossa frente —, você pode manter uma batalha silenciosa?

Eu também senti. O sentimento de erro que eu começava a associar com zumbis.

Wulfe franziu o cenho. — Todos os zumbis estão confinados no quintal — disse ele.

— Evidentemente não — disse Zee —, bruxo, fique quieto, se puder. Rapaz, desembainhe sua arma. Mercy – não tente atirar ou esfaqueá-lo. Sua lâmina é boa, mas não é minha. Não penetrará na pele de um ogro.

Wulfe ergueu uma sobrancelha, ofendendo-se com a ordem áspera, ou surpreso por saber que o ogro zumbi estava por perto, mas fechou os olhos e começou a mover as mãos em padrões. Os dedos dele, notei, eram flexíveis, como os de um pianista – mesmo na mão que eu vi Stefan cortar.

Magia sutil infundiu o ar e a atmosfera alcançou aquela qualidade oca estranha que eu associava com a dança da lua cheia. A magia do bando selava o som nessas noites, de modo que apenas os lobos e suas presas podiam ouvir os uivos da caçada.

O ogro saiu das sombras, sombras que não existiam antes porque estávamos em um campo aberto, onde não havia nada além de alfafa até os joelhos, carregando um poste de madeira de um metro e meio de comprimento em uma mão musculosa. Ele lançou o poste sobre Wulfe – que deu dois passos para o lado sem deixar de fazer magia.

Nunca vi um ogro em sua forma real. Eu conheci um no tio Mike, mas nunca a vi sob seu disfarce humano – alta, magra e desaprovadora do caos da festa de aniversário que tínhamos comemorado. Era o décimo quarto aniversário de Tad, como me lembrei.

Esse ogro tinha dois metros e meio de altura e pesava provavelmente entre duzentos e trinta quilos. Uma mecha dura de cabelos alaranjados brilhantes rodeava seu pescoço e depois se erguia na parte de trás da cabeça, dando a aparência de um cruzamento entre um moicano e a crista de uma cacatua. Havia costuras em sua pele, bem costuradas. Uma delas atravessava a testa. Uma cruzava o braço esquerdo – e assim que notei isso, pude ver que seu braço esquerdo era um pouco mais longo e as mechas de cabelos que cresciam no antebraço eram castanhos escuros. Pontos rodeavam as duas pernas logo abaixo do joelho... exatamente onde a perna de Sherwood foi cortada, pensei com um calafrio.

Aquele animal de estimação que matou a criadora de mestres-zumbis com a qual Wulfe ficou tão perturbadoramente impressionado. Eu me perguntei se havia sido um lobisomem.

Como, presumivelmente, o zumbi roubado de Wulfe, este não tinha cheiro de podridão. Se eu não tivesse passado algumas semanas provando bem o cheiro de zumbis, eu não sabia se teria visto o ogro como um zumbi. E ele usou magia para se esconder.

Atenta à avaliação de Zee sobre minhas capacidades, desembainhei meu sabre, mas assumi uma postura logo atrás e à esquerda de Wulfe.

— Sempre feliz em proteger uma dama — disse Wulfe, um pouco sem fôlego.

— Acho que, quando ele estiver ocupado esmagando você em geleia, posso dar um golpe de sorte nos olhos — respondi. — Não me importo com a resistência de uma criatura, nunca vi uma se livrar de um sabre nos olhos.

— Tudo bem — disse Wulfe alegremente. — Feliz em obedecer, distraindo o ogro com meus terríveis restos.

Após o primeiro ataque, porém, o ogro não teve outra chance em Wulfe. Eu vi Zee lutar antes. E vi Tad. Mas nunca os vi lutar juntos, armados com suas armas favoritas.

Doeu um pouco. Em algum lugar da minha cabeça, eu tinha Tad retratado, sempre, como garotinho de olhos brilhantes, impetuoso e seguro de si, que dirigiu a oficina do pai sozinho por semanas. A mãe dele acabara de morrer de câncer e seu pai, o ferreiro imortal, tentara se embebedar até o esquecimento. Tad era capaz, alegre, confiante – e com dez anos na minha cabeça, até aquela luta.

Ele tinha um machado, um em cada mão, e um machado maior amarrado às costas. A túnica ondulava na luz, por isso era difícil acompanhá-lo, então eu principalmente o vi em trechos de movimento imóvel – a dois metros de altura no ar, jogando um dos machados. Esse machado acabou no cotovelo esquerdo do ogro. A próxima vez que o vislumbrei, ele estava rolando no chão para ficar embaixo do golpe daquele grande poste. Ele era bonito e mortal – e decididamente não era um garotinho inocente, se competente, de dez anos.

Se Tad era uma sombra, então Zee era a luz do sol. Sua espada brilhava em laranja e vermelho e assobiava enquanto desenhava linhas escuras na pele do ogro, uivando quando deslizava através de carne e osso. Zee não abandonou o glamour, e teria sido estranho para alguém que não sabia quem e o que ele era, ver um velho se movendo com tanta graça e poder. Ele não parecia se mover rápido ou fazer qualquer esforço. Ele recuava e o poste da cerca deslizava pelo rosto – não por polegadas, mas por milímetros. Ele simplesmente movia a mão e sua espada cortaria a articulação do joelho do ogro como se fosse queijo, deixando a carne cortada do ogro queimando sombriamente nos dois lados do corte.

Foi uma dança incrível, bonita e assustadora, e não demorou um minuto inteiro para acabar e, em seguida, com um balanço suave e encorpado da espada mortal, decapitou o ogro. A espada de Zee parou de arder e nos deixou em uma escuridão que parecia mais escura do que antes dele sacar a arma.

Wulfe deu um passo à frente e tocou o corpo, puxando um tufo de pelos vermelhos. Ele falou algumas palavras e depois plantou o cabelo no chão.

— Ela não saberá que este já se foi por um tempo — disse Wulfe. — Minhas proteções a impediram de sentir seu fim e isso impedirá que a correia volte para ela. Mas se procurar, ela saberá que ele se foi.

— Os clãs ogros na Escócia tiveram um jovem desaparecido há alguns séculos — murmurou Zee. — Eu os informarei que o encontramos e o libertamos.

Eu não sabia quem mais seria afetado por essa luta. Zee parecia mais sombrio. O alerta de batalha de Tad me impediu de ler qualquer outra coisa dele. E Wulfe, Wulfe era ele mesmo. Mas me senti um pouco mais esperançosa com a evidência das capacidades de meus companheiros. Qualquer um que possa matar um ogro zumbi pode ter esperança contra um par de bruxas, certo?


• • •


A cerca de fronteira de Elizaveta foi marcada por uma fileira de choupos grossos o suficiente para bloquear a observação dos vizinhos. Também nos impedia de ter uma boa visão de qualquer coisa que acontecesse perto da casa.

— Há um incêndio por lá — disse Tad suavemente. — No quintal, eu acho.

Ele estava certo. A luz tremeluzindo através das árvores tinha muito movimento para ser proveniente de uma lâmpada.

— Elizaveta tinha uma fogueira construída no centro de seu pátio no quintal — disse eu. O pátio era grande, do tamanho de metade de uma quadra de basquete, e era para isso que seus donos anteriores o usavam. A cesta de basquete ainda estava lá, mas a fogueira tornava improváveis ??os futuros jogos de basquete.

Eu podia sentir o cheiro de fumaça e algumas coisas queimadas que não eram nada que eu cheirava em uma fogueira. Mas havia algo errado. Tão perto, o cheiro deveria ter sido muito mais forte.

— O fogo é uma boa ajuda para qualquer tipo de magia — comentou Zee. — Talvez elas estejam tentando trabalhar em algo agora?

Wulfe fechou os olhos e levantou a mão – a que Stefan havia cortado – estendendo-a em direção a Casa de Elizaveta.

— Não sei o que elas estão fazendo no momento — disse ele. — Mas eles não mantêm uma trela em suas coisas mortas. Elas apenas os deixaram passear dentro do círculo que Elizaveta estabeleceu ao redor do lugar. — Ele estalou a língua. — Descuidado da parte delas. Espere um pouco.

Houve uma onda de magia que flutuou por mim como uma tempestade de folhas de árvores. Uma explosão de magia mais poderosa do que jamais senti dele, então pude ter uma noção melhor da magia dele do que antes. Não cheirava a bruxaria negra... ou bruxaria cinza, também. Cheirava limpo como a neve.

Wulfe era uma bruxa branca?

Isso confundiu minha mente. Eu o vi torturar e matar com meus próprios olhos. Eu esperava cinza. Magia negra eu teria notado, mas a magia cinza não cheira tão diferente da magia dos vampiros.

Como um vampiro, ele poderia obter cooperação voluntária de qualquer humano de quem se alimentasse. Eu já o vi fazer isso. Eu os vi implorando para que ele os torturasse (há muitas razões pelas quais Wulfe está no topo da minha tabela de monstros assustadores). Ele não precisava usar magia negra se não quisesse.

Eu apenas não esperava que ele não usasse magia negra. Não parecia estar de acordo com o vampiro que eu sabia que ele era.

— Enviei suas criaturas para... bem, não dormir, eles não dormem. Mas eu os fiz se acomodar. Eles não nos notarão quando passarmos. Ela precisará chamá-los para se levantarem e se moverem.

Ele olhou para mim, pensativo. — Eu poderia apenas quebrar a posse dela. Então ela não poderia mandá-los atrás de nós, mas o círculo não os seguraria. Eles poderiam fazer uma matança e você passaria semanas caçando todos eles. Poderia ser divertido.

— Um desastre — disse Zee. — Mantenha-os dentro e deixe Tad e eu caçá-los. Vamos mantê-los longe de você.

Wulfe apertou os lábios e depois assentiu. — Entendido. Vamos deixá-los assim. Mas você deveria saber que alguns dos zumbis estão muito perto dos fundos da casa de Elizaveta – provavelmente na presença das bruxas.

No carro, ele prometeu que poderia acalmar os zumbis sem que nenhuma das bruxas soubesse o que ele fez. Mas talvez não esperasse que eles estivessem tão perto das bruxas.

— Elas sentiram o que você fez? — perguntei.

— Não — disse ele —, mas elas podem perceber que os animais não respondem e os acordar antes de estarmos prontos para eles.

— Tudo bem — disse eu. — Você pode fazer com que eu atravesse o círculo sem alertar as bruxas?

Minha parte em nossos planos era que eu descobrisse o que as bruxas estavam fazendo, voltasse e fizesse um relatório. Depois, decidiríamos o que fazer a partir daí.

— Acho que sim — disse ele. — Talvez. Ish.

Revirei os olhos. — Bom saber.

Eu me despi para a minha pele, jogando armas para um lado e roupas para o outro.

— Le-egal — disse Wulfe em um tom que faria Adam arrancar a cabeça dele. — Ei, isso é uma impressão de pata de lobo ou de um coiote abaixo do umbigo?

Estava realmente escuro. Se ele estava vendo minha tatuagem de pata, sua visão noturna era tão boa quanto de qualquer lobo. Ele era um vampiro, então eu deveria ter esperado isso.

Eu não sou tímida. Metamorfos – lobisomens ou coiotes como eu – superam coisas como modéstia muito rapidamente. Mas saber que Wulfe estava olhando para minha tatuagem me fez sentir vulnerável. Eu nunca estaria nua onde ele pudesse me ver de novo, tão cedo.

— Sim — disse a ele.

Mudei para o meu coiote o mais rápido que pude.

Wulfe caiu de quatro ao mesmo tempo. — Siga-me — disse ele, e rastejou através da cerca e nas árvores.

Sem escolha, eu o segui. Do outro lado das árvores, Wulfe estendeu a mão, com uma posição estranha, na frente dele, e depois fez o mesmo com a outra mão. Então ele ajeitou os joelhos até estar em uma espécie de arco da ponte de Londres.

— Você pode passar por cima de mim ou por baixo — disse ele. — Estou mantendo a conexão do feitiço – então não me corte ao meio ou soará um alarme.

Não querendo tê-lo em cima de mim, corri por cima dele. Ele se estabeleceu no chão sem mover as mãos. — Lembre-se de voltar por aqui — disse ele. — Estarei aqui. Esperando por você. — Ele bateu seus cílios para mim e murmurou: Só você.

Coloquei Wulfe atrás de mim de todas as formas possíveis e me concentrei em viajar sem ser vista. Não cometi o erro de correr. O movimento rápido atrai a atenção de presas e predadores. Encontrei uma trilha de caça que cheirava a coiote e a segui, mais ou menos, na direção que eu queria.

Viajar pela trilha significava menos ruído – e eu não estaria movendo a grama. Mas também seria um local onde poderia ter armadilhas montadas e ser patrulhado. Os zumbis estavam, esperançosamente, inativos, mas Adam não seria afetado. Ao tentar se esconder, correr pela rua sempre era a decisão errada. Só que uma trilha de caça não era exatamente uma estrada. Decisões, decisões.

Decisões com a vida de Adam em jogo. E do senador. Não era que eu não estivesse preocupada com ele. Nós, nosso bando, fomos obrigados legalmente e eticamente a garantir que ele estivesse seguro. Eu não amava o senador, no entanto. E eu sabia que libertar Adam do feitiço da bruxa – Wulfe teve uma sugestão angustiante sobre isso – tornaria o senador mais seguro também.

Decidi arriscar e segui a trilha. Passei por alguns dos zumbis da bruxa enquanto andava em direção a casa. O primeiro foi um esquilo. Não sei se o teria notado, exceto que ele estava imóvel na trilha de caça que eu estava seguindo. Os esquilos raramente ficam imóveis por muito tempo – e este não estava respirando.

Havia um garoto, mais ou menos da mesma idade que o garoto de Salas, a idade que Aiden parecia ter. Como o esquilo, ele estava absolutamente parado. Como Wulfe prometeu, o garoto não pareceu me notar, embora eu tenha andado bem perto dele.

Ele não tinha cheiro de morto. Como o ogro, eu não senti podridão nele. Se ele não tivesse sido pego por Wulfe, me perguntei se teria percebido que ele era um zumbi.

Wulfe indicou que os zumbis bem feitos eram velhos. Eu esperava que este fosse velho. Esperava que ninguém em Tri-Cities estivesse sentindo falta de um garoto. Não era particularmente racional pensar que o zumbi seria menos trágico se a morte da criança tivesse sido há um século – ou ontem. Mas as pessoas racionais não estariam esgueirando-se pelos campos atrás de uma casa ocupada por bruxas negras – então havia isso.

Contei mais cinco zumbis e esperei que estivessem prontos para observar o caminho que percorri. Esperava que eles não estivessem uniformemente dispersos, porque isso significaria que havia mais zumbis do que eu calculei, com base na minha observação anterior. Talvez demais para o velho fae e seu filho cuidarem. Consegui ainda mais conforto pelo modo como derrotaram o ogro zumbi.

Eu mantive meus olhos longe do fogo brilhando no quintal da casa de Elizaveta, porque eu queria manter minha visão noturna. Mesmo assim, vislumbres me disseram que ele subia no céu noturno, entre um metro e cinquenta a um metro e oitenta de altura, com tanta fúria abandonada como se não houvesse uma proibição de fogo por medo de incendiar o estepe seco de arbusto que nos cercava. Na semana passada, um incêndio queimou a encosta oeste da Montanha Badger, levando uma casa e dois celeiros vazios.

O cheiro de fumaça aumentou tremendamente assim que eu cruzei a proteção na beira da propriedade de Elizaveta. A fumaça acabou dominando meu olfato – e essa fumaça tinha mais do que toras secas nela. Agora que estava mais perto, eu podia escolher vários aromas, a maioria dos quais eu não reconheci.

Ervas de algum tipo, pensei, embora não pudesse dizer nada, além disso. Eu sabia como cheiravam muitas ervas normalmente, mas não tinha o hábito de queimá-las. Fora isso, não era maconha (porque isso era quase um incenso na faculdade), eu não sabia que tipos de ervas elas jogaram no fogo.

Eu também cheirava cabelo e carne queimados, mas tentei não pensar nisso. O vínculo entre Adam e eu ainda estava presente. Eu esperava que se eu me aproximasse dele, seria... faria alguma coisa. Diria alguma coisa para mim. Mas ficou ali – um caroço sem resposta e gorduroso.

Os barulhos do quintal eram estranhamente abafados. Ou a minha audição estava diminuindo ou elas tinham alguma magia trabalhando para esconder o que estavam fazendo dos bisbilhoteiros. Provavelmente, um humano não teria ouvido nada. Talvez eles nem tivessem visto o fogo.

A trilha atravessou a borda do canto do jardim e eu a deixei lá para fazer o resto da viagem sozinha.

Escolhi ir pelo jardim, porque um coiote não se destacava entre os pedaços estranhos de vegetação da mesma maneira que faria no quintal arrumado. Tentei não pensar no que o bando havia encontrado enterrado no jardim – eu não teria comido nada cultivado aqui em uma aposta, e coiotes comem praticamente qualquer coisa.

O jardim de Elizaveta era enorme, cheio de flores, ervas e legumes. As margens estavam cercadas por videiras que me proporcionaram uma cobertura espessa. Não que alguém olhando para aquele fogo tivesse uma chance de ver um coiote em um jardim à noite, de qualquer maneira.

Eu estava fazendo o meu caminho cauteloso através das videiras de abóbora quando senti os olhos em mim. Eu congelei. Quando isso não aliviou o sentimento, eu me virei em um círculo lento. Nada.

Eu olhei para cima.

Bem na minha frente, onde o jardim dava lugar ao gramado aberto, havia um espantalho com um corvo morto na cabeça dele. O corvo olhou para mim com brilhantes olhos de botão.

— Mercy — sussurrou ele para mim com a voz que um pé de milho pode ter, macio e seco com um pouco de chocalho.


12

 

— Mercy, o que você está fazendo no meu jardim? — disse o pássaro, depois riu, um som seco e sussurrado. — Pequeno coiote impertinente.

Então, levantou a cabeça – o movimento gerado por um flash de magia cinza – e gritou, a voz alta projetada para levar para dentro de casa: — Coiote, coiote, coiote está aqui. Coiote, coiote, coiote está aqui.

Entrei na densa folhagem das videiras e congelei, mal ousando respirar.

Planejamos isso ou algo assim. Sem Wulfe, sabíamos que eu poderia muito bem acionar uma das proteções que Elizaveta ou as bruxas prepararam. Eu tinha algumas coisas que eu poderia fazer se as ativasse de tal maneira que meus companheiros não tivessem consciência disso.

Mas a voz do corvo seria suficientemente boa para o vampiro ouvir. Agora eles tentariam esgueirar-se pelo território de Elizaveta da maneira que eu acabara de fazer, se pudessem. O glamour de Zee era, ele garantiu a nós, capaz de esconder a presença deles, a menos que as bruxas procurassem por magia.

Esperei que alguém, qualquer um, me caçasse.

Em vez disso, houve um estalo, mais uma liberação de pressão do que um ruído real. O fogo ficou mais alto e eu ouvi, pela primeira vez, as vozes das bruxas com bastante clareza. Outra proteção havia caído, em algum lugar entre a varanda e eu.

— Você ouviu isso, Elizaveta, querida? — disse Morte com uma voz doce e pegajosa. — Você tem um problema de vermes no seu jardim?

Ao som de sua voz, minha alma ficou imóvel, focada. Pela primeira vez desde que eu andei no Tio Mike, eu não tinha medo.

Durante semanas, enterrada na cabeça do pobre gatinho crescido, eu a deixei nos machucar, machucar os outros, porque eu era incapaz de fazer qualquer outra coisa. Precisei testemunhar muitíssimo a falta de suas ações. Esta noite nós íamos detê-la.

A pele do meu focinho enrugou e tive que lutar contra um rosnado.

— O que foi isso? — perguntou Magda, a bruxa zumbi, assim que o corvo soou novamente. Ela não estava falando sobre qualquer som que eu fiz – ela falava sobre o corvo, porque eu não fiz nenhum ruído.

Eu podia sentir a atenção do corvo animado passando por mim, mas eu estava fora de sua área de percepção agora. Ele voltou a se transformar em um objeto inanimado, com um murmúrio de indignação e um plissado de penas. Este não era um zumbi; não havia aparência de vida, nem cheiro de injustiça. Era apenas um simulacro projetado para alertar sobre intrusos. O trabalho de Elizaveta – sua voz soou como a velha bruxa tentando imitar como um corvo poderia soar, supondo que o corvo fosse russo e cheirasse à magia de Elizaveta.

Magda não fez nenhum esforço para ficar quieta ou discreta quando veio dar uma olhada. Ela usava o celular como lanterna, mas eu não estava preocupada.

O pelo de um coiote é de todas as cores e combina muito bem com as sombras. Em plena luz do dia, a bruxa teria tido dificuldade em me encontrar onde eu estava deitada debaixo das videiras. À noite, desde que eu mantivesse meus olhos fechado para que a luz não captasse o reflexo, eu era praticamente invisível.

Magda caminhou pelo jardim como se o possuísse. Quando os dois pés estavam no solo trabalhado, o corvo voltou à vida novamente.

— Bruxa Hardesty — disse em uma voz suave e rouca. — Você não pertence aqui. Você deveria ir antes que encontre sua destruição.

— E quem é você para dizer isso? — exigiu a bruxa.

Mas o corvo não estava realmente falando com ela. — Bruxa, bruxa, bruxa — exclamou. — Elizaveta, existe uma bruxa em nosso jardim. Bruxa, bruxa, bruxa.

— É apenas uma animação — falou a bruxa zumbi. Ela se virou e saiu do jardim. — O corvo que está sentado no topo do espantalho está enfeitiçado.

— Um espantalho que é um corvo — disse Morte. A voz dela estava baixa. Eu não sabia dizer se ela falava com Magda, que estava voltando para a praça de concreto nos fundos da casa, ou se falava com as outras pessoas no pátio.

— É aquele espantalho no jardim — disse Morte. — Isso é bastante inteligente; gostaria de saber se funciona em gambás.

— Não tenho um coiote para minha coleção — reclamou Magda. — Por que não congelou a criatura quando a pegou? Qual é a utilidade de algo que grita assim?

— O objetivo é expulsar as criaturas do jardim — disse Morte. — Sinto muito pelo coiote; já estará a quilômetros de distância. Se você realmente quer tanto um coiote, vamos armar uma armadilha amanhã. Provavelmente a criatura estará de volta.

— Se ela sabe o que é bom para ela, já se foi há muito tempo — disse Elizaveta, deixando claro que sabia quem era o coiote que o corvo havia anunciado. Ela parecia horrível. Sua voz era tão rouca que entre a aspereza e o sotaque russo, quase não a entendi. — Pena que ela não veio pelo gramado; ela poderia ter tirado uma mordida de você e nenhum dos meus enfeites teria avisado. — Ela tossiu e cuspiu.

Elizaveta, eu pensei, alívio percorrendo minha corrente sanguínea em uma onda de esperança. Você não jogou com os bandidos nisso.

Mas meu alívio veio muito cedo.

— Adam — disse Magda —, seja um querido. Vá encontrar esse coiote para mim, mate-o e traga-o de volta.

Morte bufou. — Sério? Não temos o suficiente para fazer hoje à noite que você precisa fazer outra dessas coisas?

Não ouvi a resposta de Magda. Eu estava ocupada demais colocando tanta distância entre aquela varanda e eu no menor tempo possível.

Adam não teria escolha. Eu vi o que aquela bruxa fez a família de Elizaveta fazer um com o outro e para si mesmos. Eles eram bruxos treinados e não tiveram chance contra Magda.

Eu era mais rápida que a maioria dos lobisomens, me tranquilizei. Abaixei minha cabeça e corri por tudo que valia a pena.


• • •

Não cheguei a cem metros antes que os dentes de Adam se fechassem na parte de trás do meu pescoço e mordessem. Seu impulso me atingiu de lado e nós dois caímos no chão e rolamos. Seus dentes nunca deixaram meu pescoço.

Eles também não fecharam.

Eu estava deitada no chão, cheirando meu próprio sangue no ar da noite. Adam agachou-se em cima de mim. Ele rosnou, verdadeira raiva em sua voz, e eu podia sentir o vínculo do companheiro acender como uma fogueira, chamas crepitantes queimando através da sujeira da compulsão de Magda com a força da fúria e frustração de Adam. Alívio floresceu sobre mim com tanta força que eu acho que não poderia ter me movido se tentasse.

Nossa conexão não era confortável, mas não me importei. Sua raiva rolou sobre mim primeiro, e seu lobo deixou-me saber que ele não ficou impressionado com meu cérebro ou obediência. Como ouso arriscar isso, que ele seja forçado a me matar?

Mas por baixo da raiva havia terror, então eu o deixei conviver com os insultos. O alívio o atingiu alguns segundos depois, como aconteceu comigo. Ele me soltou e deitou-se ao meu lado, tremendo uma vez. Excesso de adrenalina, eu pensei. Eu também senti o zumbido.

Wulfe apareceu a uma dúzia de metros e nos lançou um olhar de desaprovação. — Quando eu te disse que achava que seu toque poderia libertá-lo do poder delas – dada sua imunidade à magia delas, eu não quis dizer que você deveria tocar sua garganta nos dentes dele. Isso geralmente não funciona tão bem.

Adam se levantou, a cabeça abaixada, as orelhas planas.

Mudei para humana e toquei seu ombro. — Ele está do nosso lado desta vez — disse a ele. — Eu acho.

— Obrigado por isso — disse Wulfe com um sorriso.

Olhei para ele. — Adam está livre. Qual é o plano agora?

— Não acho que o plano precise mudar — disse ele depois de um momento. — Adam deveria voltar para as bruxas; elas acharam que ele não conseguiu pegar o coiote. Contanto que você faça o que ela disser, ela pensará que você ainda está escravizado.

— E se ela descobrir isso? — perguntei. — Não quero perder Adam para ela novamente.

As sobrancelhas dele se ergueram. — Mantenha o vínculo aberto como está agora. Eu não acho que ela possa pegá-lo contanto que você o faça. — Ele olhou para Adam. — Parece-me que todos os jogadores estão no pátio. Eu ouvi Elizaveta. O senador está lá também?

Adam assentiu.

— Volte lá e pareça que nada está errado — disse Wulfe. — Pretendo fazer uma entrada e então matar as bruxas. Mercy ia ver se ela conseguia tocar em você – porque eu tinha certeza, dado o trabalho dos laços de companheiro, que isso permitiria que ela emprestasse seu talento natural. Então ela ia plantar-se fora da vista, onde procuraria uma oportunidade de tirar o senador do caminho do perigo. E olha, agora há vocês dois para salvar o senador enquanto os seus realmente tem o peso da batalha.

Ele deixou de lado o modo como eu ajudaria a matar as bruxas. Wulfe não era estúpido. Morcego-no-campanário bizarro, talvez. Psicopata, certamente. Mas não estúpido.

Adam pensou no plano de Wulfe. Então ele fez um som de bufar e deu um olhar aguçado ao nosso redor. Eu também podia sentir o cheiro deles. Ele fez uma pausa, porque havia um zumbi parado a seis metros de distância.

Ela podia nos ver, mas não fez nada além de assistir. Este, eu estava com medo, era alguém que eles mataram aqui. Ela não era bem feita; havia uma mancha podre no centro da bochecha direita através da qual eu podia ver seus dentes e língua. Ela tinha a idade de Jesse.

— Wulfe os deixou inativos por enquanto — disse eu a Adam. — Não vai valer se a bruxa chamá-los. Mas Zee e Tad também estão aqui. A parte deles é cuidar dos zumbis. Eles já cuidaram do ogro.

Adam inclinou a cabeça para mim, e nosso vínculo de companheiro tocou com seu aviso.

— Algo pior que o ogro? — disse eu. — Você acha que Zee será superado?

Ele considerou isso. Eu senti claramente que ele não tinha certeza – mas decidiu confiar neles.

Um apito agudo passou pelos jardins. O focinho de Adam enrugou e ele virou a cabeça, os olhos brilhando.

— Calma aí — disse eu. — Você acha que pode fazer o lobo fingir obediência?

O lobo foi quem me respondeu. Como eu poderia duvidar que ele, que era um caçador tão paciente, não pudesse esperar as bruxas? Ele poderia esperar alguns dias, se necessário.

Adam não tinha ego – confiança, mas nenhuma arrogância. O mesmo não se aplica ao seu lobo.

Eu sorri e beijei seu nariz, lobo e homem com a mesma carícia, então deixei a mudança me levar para minha forma de coiote.

— Vou avisar os outros que temos Adam — disse Wulfe. — Encontro você no jardim.

Voltar ao plano A com chances melhores. Eu me senti muito bem com isso.

Adam correu para as bruxas e eu corri atrás dele, virando quando chegamos ao jardim. Tomei cuidado para não alertar o corvo, me colocando debaixo de outro arbusto de framboesa.

Ouvi as bruxas cumprimentar Adam em seu retorno. Elas chegaram à conclusão que esperávamos. Então retomaram o que faziam, parecendo que algo molhado atingia a pele.

Às vezes, havia sons de assobios, e foi quando cheirei a carne queimada.

Senti o cheiro de outra coisa daquela direção – um zumbi. A sensação de erro deste me fez sentir vagamente doente, apenas pela consciência de que estava presente. Tão cuidadosa quanto fui ao examinar o perfume, não pude dar um nome familiar ao tipo de criatura que era. Cheirava quase fae, mas não era. Como fogo mágico, pensei. O aroma quente e amargo da magia beijada por ferro de Zee era algo parecido com isso também.

Esperei talvez quinze minutos antes de decidir que precisava ver o que me esperava naquela varanda.

Fiquei tensa para me levantar quando a mão de Wulfe caiu nas minhas costas. Eu não podia sentir o cheiro dele ou vê-lo, mas eu sabia quem era. Não sei como sabia... Isso não era verdade. Eu não queria entender como eu sabia que era Wulfe.

Eu vejo fantasmas. Mas sei quando é um vampiro, também. Meu tipo costumava caçar vampiros, quando eles vieram pela primeira vez a este país. É por isso que não há muitos de nós – os vampiros eram melhores caçadores, e havia mais deles.

Mas eu sabia que era Wulfe, então não falei ou fiz nada para chamar a atenção das bruxas para o jardim. Minhas roupas caíram em uma pilha no chão ao meu lado, junto com minha arma e meu sabre.

— Não tente usar a arma nas bruxas — soprou Wulfe em meu ouvido. — Não vai funcionar.

A voz dele no meu ouvido era estranha, porque eu não podia senti-lo com meus sentidos normais, apenas com esse dom estranho que eu costumava usar para encontrar os mortos. Eu não gostava de ter essa conexão com ele. Eu não queria conexão com Wulfe.

Levantei-me e esgueirei-me pelo chão em direção ao enorme pátio onde haveria espaço para todo o bando se reunir. Havia muito espaço para algumas bruxas, um senador, um lobisomem e um... Parei de me mover, porque simplesmente não conseguia desviar o olhar.

Enrolado ao lado de Adam, e quase o dobro de seu tamanho, estava... algo. Estava coberto de escamas brancas iridescentes com cerca de quinze centímetros de diâmetro Eu não conseguia ver sua cabeça, apenas uma única asa prata e roxa – a outra presumivelmente do outro lado do dragão.

Abaixei minha cabeça e, com ainda mais cuidado do que antes, mudei de um ponto escuro para o próximo – mas isso não importava. Todos no pátio estavam focados em algo que não era um coiote esgueirando no escuro – ou um maldito zumbi de dragão. Eu podia sentir o foco deles com o mesmo instinto de caçador que surgiu quando o corvo de Elizaveta me detectou. Enquanto eu me movia, tudo o que importava – além do dragão – era que ninguém estava me procurando.

Não olhei diretamente para os ocupantes do pátio até chegar onde a fogueira não estava entre eles e eu. Então eu peguei tudo com um único olhar abrangente, antes de deixar meu olhar cair para o lado.

Eu não era o único caçador presente. Eu não sabia quanto as bruxas são boas em sentir os olhos nelas na escuridão. Mas o dragão estava lá. Eu confiava no feitiço de sono de zumbi de Wulfe absolutamente até no Dragão. Mas tudo o que eu já ouvi sobre dragões (além do fato de que essas coisas não existiam) me disse que a magia não funcionaria neles. Mas desde que alguém transformou um em zumbi, eu tinha certeza de que alguma magia deveria funcionar neles. O que eu não sabia era o quão bem a magia de Wulfe funcionaria nesse do pátio.

Ouvi um ruído escorregadio e olhei para o pátio. O dragão rolou e estava olhando diretamente para mim.

Quando olhei em seus olhos roxos, senti sua conexão com a bruxa e através dela com todos os mortos que ela comandava. A conexão deles era como seda de aranha em comparação com as fortes correntes dos laços do bando... mas era menos diferente do que eu estava confortável. Mais tarde, isso poderia me incomodar.

Naquele momento, eu estava mais preocupada com o número deles. Por um momento, presa em nosso olhar compartilhado, senti todos eles – um grande peso de dor que se estendia pela propriedade de Elizaveta. Não havia dez ou vinte. Havia dezenas. Centenas. Alguns feitos com muito cuidado, outros recém feitos e apodrecendo.

Mas eles não eram minha tarefa.

Fechei os olhos, quebrando nossa ligação. Quando abri meus olhos novamente, vi o dragão, mas não olhei para os olhos. Movi-me cautelosamente e seu olhar não me seguiu. Eu não sabia dizer se ele ainda estava apanhado no feitiço de Wulfe, ou se era apenas indiferente a mim.

Havia outros participantes que eu precisava anotar. O senador Campbell foi amordaçado e amarrado a uma cadeira, Abbot no chão ao lado dele. Eu me esqueci de Tory Abbot, assessor do senador. Eu o observava, mas ele estava com a cabeça baixa e não estava se mexendo.

O senador ficou ferido. Não pude ver nada específico porque a luz tremeluzente da fogueira escondia os tons de sua pele e a maioria dele estava coberta por suas roupas. Mas pude ver dor no arquear de seu corpo.

Ele me viu. Mas ele não sabia o que eu era e provavelmente presumiu que eu era outra das criações da bruxa zumbi, suas abominações. Talvez, se ele estivesse prestando atenção na conversa das bruxas, ele pensou que eu era apenas um coiote. Um grito curto e agudo o fez desviar a atenção de mim, em direção à estrela do show de hoje à noite.

Elizaveta. Eles a despiram e a penduraram de cabeça para baixo no suporte da cesta de basquete ao lado da casa. Não sei há quanto tempo ela está lá, mas a pele do rosto estava machucada o suficiente para que eu pudesse ver, mesmo com pouca iluminação. Seus cabelos brancos caíam em uma bagunça desarrumada. Seus braços pendiam frouxamente, a alguns centímetros do chão, unidos por algemas pesadas que pareciam pertencer a uma masmorra medieval.

Magda estava com as mãos na frente da boca, como uma criança em uma loja de doces tentando decidir qual sabor era melhor quando todos eram maravilhosos. Ela balançou um pouco e cantarolou. Eu estava de olhos fechados quando ela se juntou a mim no jardim, então esta era a primeira vez que eu olhei sua aparência.

Ela usava uma blusa de cor clara e sedosa, com um decote que era baixo o suficiente para exibir o fio triplo de pérolas que pairava sobre a clavícula. Suas calças eram mais escuras, mas eram da mesma cor clara que a blusa. Rosa, eu pensei. Mas poderia ter sido lavanda. Ela parecia estar vestida para arrecadar fundos para um político de alto poder, entretanto. Ou posando para um artigo da sociedade em uma revista, talvez intitulado O Que A Bruxa Bem Conceituada Veste Para Uma Sessão De Tortura Ao Ar Livre Este Ano.

Por outro lado, Morte parecia estar vestida para um roubo de joias. Ela estava envolta da cabeça aos pés em preto. Mas isso não era novidade. O tempo todo em que estive com aquele pobre gato em seu laboratório, eu nunca a vi de nenhuma cor além do preto. Esta noite ela usava uma túnica de mangas compridas e gola alta, jeans preto e botas pretas de cadarço prateado que combinavam com as que a boneca usava. O chicote em sua mão era preto, e ela o usou em Elizaveta.

Elizaveta era uma mulher velha, com setenta e poucos anos, pensei. Ela estava em boa forma para uma mulher de sua idade – havia músculos sob a pele fina e frouxa. Mas sua idade aumentou a indignidade e horror do que estavam fazendo com ela.

Ao contrário do senador, a pele de Elizaveta, pálida e exposta, exibia o dano que estavam causando. Eu odiava que, em algum lugar da minha cabeça, eu pudesse olhar os vergões, queimaduras e hematomas em uma velha mulher nua e pensar: Elas estão levando isso com calma hoje à noite. E não a têm lá por muito tempo. Porque eu sabia como era quando as bruxas estavam realmente trabalhando em alguém.

— Mais uma vez — disse Magda. — Por favor, Ishtar, por favor. Isso parecia... melhor que a última bruxa, melhor do que todas as bruxas aqui. Parecia que...

— Poder — disse Morte. Ela bateu em Elizaveta novamente e as duas bruxas estremeceram com os efeitos posteriores.

Eu podia pensar nela como Morte porque a alternativa era Ishtar – essencialmente chamá-la de deusa, o que eu não faria. Nunca ouvi seu nome verdadeiro, embora tivesse a impressão de que ela o odiava.

— Eu poderia fazer isso à noite toda, Elizaveta — cantarolou Morte, trabalhando um ritmo com o chicote. — Você provavelmente sabe exatamente como isso é maravilhoso – sim, tive algumas conversas adoráveis ??com seu pessoal. Quase mantive um ou dois, mas no final decidi que eu poderia usar mais no aumento de poder. Você tem muita reputação, o que deve agradá-la.

Ela fez uma pausa, examinando seu trabalho. Havia certa satisfação em sua linguagem corporal. Lembrei-me do seu orgulho pela uniformidade de seu trabalho com chicote.

— Eu poderia te quebrar, Elizaveta — cantou. — Eu poderia destruir sua carne e beber seu poder.

Magda se apertou e estremeceu. — Gosto quando você faz isso, Ishtar. Gostoso.

Morte deu um sorriso simpático. — Eu sei, querida. Mas me foi dada uma tarefa. — Ela começou a balançar novamente. Dessa vez não havia ritmo, não havia como planejar a picada.

Eu sabia como era isso.

— Eu poderia bater em você até a morte — disse ela. — Beberemos seu poder e sua dor, e meu coven acharia isso aceitável. Particularmente quando você nos deu brinquedos e feitiços tão interessantes para levar para casa. Aposto que você não sabia que seu neto sabia onde você guardava o livro de feitiços da família, não é? Foi estúpido de sua parte deixá-lo vivo por tanto tempo. Ele morreu sabendo que havia se vingado.

Robert, eu pensei, e tive uma lembrança instantânea e espontânea de seu rosto inexpressivo e sem cicatrizes.

Elizaveta estava começando a ofegar, embora fosse mais por emoção do que por exaustão. — Ou você pode se render. Temos dez linhagens em nosso coven. O seu seria o décimo primeiro. Tão perto de um coven completo. Você sentiu nosso poder como vítima. Você não gostaria de sentir isso como uma de nós? Eu te ofereço poder que você só poderia sonhar sem nós.

— Sou Elizaveta Arkadyevna Vyshnevetskaya, da casa Kikimora. Posso rastrear minha linhagem por mil anos. Nunca me juntaria ao seu bando de vira-latas e rejeitados. Eu sei quem você é, Patience Ramsey. Não há casa Ramsey. Você não sabe de onde vem o seu sangue de bruxa. Isto não estava presente na linhagem de sua mãe, nem de seu marido. Chamar a si mesmo de Morte não faz de você uma grande bruxa, não torna sua linhagem legítima.

Ela não divulgou tudo de uma vez. Mas conseguiu sem gritar ou grunhir, e não sabia se que eu teria conseguido se estivesse no lugar dela. No final do pequeno discurso de Elizaveta, Morte – Patience – estava se esforçando ao máximo para derrotar Elizaveta em silêncio.

Eu não estava apenas esperando enquanto as bruxas e Elizaveta conversavam. Eu usei o fogo e a preocupação delas para deslizar pela borda externa do pátio. Estava realmente escuro esta noite; a lua era uma lasca nua e havia uma tempestade no ar que cobria as estrelas. Se alguém estivesse olhando, eles teriam me visto facilmente. Elizaveta estava dando a elas um show que ninguém pensou em olhar.

Exceto por Adam, que fixou seus ouvidos em mim. E o dragão morto, que virou a cabeça na minha direção.

Prendi meus ouvidos em Adam. Eu era boa em passar despercebida à vista de todos. Era o que coiotes fazem. E eu sabia que não chamaria a atenção das bruxas se eu pulasse e corresse ao redor de Adam cantando Love Is a Many-Splendored Thing. Elas estavam se divertindo muito batendo em Elizaveta, tornavam esta parte muito mais fácil do que poderia ter sido.

No que diz respeito ao dragão, eu decidi me preocupar com ele quando ele decidisse se preocupar comigo.

Eu vim, eventualmente, um passo cuidadoso de cada vez, para as sombras ao lado da casa, mexendo (cuidadosamente) atrás de um arbusto ancião. Elizaveta mantinha sua casa muito arrumada, e não havia infelizes folhas secas ou ervas daninhas para fazer barulho. Se sobrevivermos, eu agradeceria por isso. Se tudo corresse de acordo com o planejado daqui em diante, eu passaria a próxima etapa da nossa batalha aqui, fora do caminho.

Quando o inferno começasse, eu correria para o meu sabre – especialmente porque sabia que havia muitos zumbis, muito mais do que qualquer um de nós havia planejado.

Adam estava me observando – e o dragão também. Torci o nariz e mostrei a ambos os meus dentes. Eu estava tentando me esconder. Eu não poderia fazer isso se ambos estivessem determinados a garantir que as bruxas descobrissem que havia algo nos arbustos.

Olhe para o outro lado, eu disse a Adam através do nosso vínculo.

Adam e o dragão voltaram sua atenção para a escuridão externa, longe do canto da casa de Elizaveta, e longe de mim. Tive um pensamento estranho – eu esperava que um dragão, se eu encontrasse um, fosse maior.

Suspirei, coloquei o focinho nas patas e decidi esperar. Era o show de Wulfe agora.

Não tive que esperar muito.

Como eu, ele se aproveitou da distração que Elizaveta proporcionou. Ele pisou no concreto sem alarde e ninguém – exceto Campbell, Adam e... Elizaveta – notou que ele fez isso. Ele apenas caminhou até Morte, para Patience, e agarrou seu braço no meio do ataque.

Ela estremeceu, depois lutou – mas ele era um vampiro. Ele a ignorou e acenou com a mão descuidada. As algemas nos tornozelos e pulsos de Elizaveta caíram no chão. De alguma forma, ele soltou o braço de Morte e pegou Elizaveta antes que ela caísse no chão.

Eu tinha o desconfortável pensamento de que ele poderia ser mais rápido que a maioria dos lobisomens. Talvez mais rápido do que eu. Eu contava com minha velocidade para me manter segura. Não gostei que Wulfe fosse tão rápido. Eu me lembraria disso.

Ele colocou Elizaveta em uma das cadeiras espalhadas descuidadamente pelo pátio, escolhendo uma que estava a vários passos longe da ação. Ele levou um tempo, certificando-se de que ela estivesse tão confortável quanto possível – quase como se estivesse convidando as bruxas para atacá-lo enquanto pensavam que ele estava distraído.

Elas não aceitaram. Patience, esfregando o pulso, atravessou o pátio até ficar em pé, ombro a ombro com Magda, onde elas poderiam se tocar.

Se eu fosse Wulfe, estaria interessado em mantê-las afastadas uma da outra.

— Quem é você? — perguntou Patience, seus tons cautelosos.

Senti uma lavagem sutil de magia suja.

— Mago — disse Magda. — O Mago, o que isso significa. Lobo e Mago. — Seu rosto se contorceu tristemente. — Ele não é um lobo. Não sei por que disse isso.

— Você pode me chamar de Wulfe, se quiser — disse Wulfe com um sorriso. — Ou pode me chamar de Mago... mas poucos fazem isso na minha cara.

Gostaria de saber se ele sentiu a lenta construção de magia que Morte, aquela Patience, estava trabalhando. Mas eu não precisava me preocupar.

Wulfe riu, aquela risada horrível e sem vida, depois fez um gesto que acabou com a palma da mão estendida. Ele usou novamente aquela mão que Stefan cortou. Eu me perguntei se Stefan havia cortado essa por uma razão.

Patience desmoronou em torno de seu centro, sem perder o equilíbrio, mas parecia uma coisa próxima. Ela gritou, em parte por dor, mas eu aposto que parte disso também era raiva.

— Você é um Mago — disse Magda, indignada. Ela estendeu a mão para agarrar a de Patience. — Você usou magia dos magos para libertar Elizaveta. Você não pode ser uma bruxa também.

Assim que ela tocou a outra bruxa, essa parou de gritar. Eu pensei que Wulfe talvez devesse impedi-las de se tocar. Em vez disso, Wulfe disse: — Não?

Ele fez outro gesto com essa mão. Patience colocou a mão, palma para cima, entre eles, e desta vez ela não gritou. Mas a luz do fogo revelou suor na testa. Os tendões do pescoço dela estavam tensos, como se estivesse fazendo um grande esforço.

— Bebês, ajudem mamãe — murmurou Magda. O dragão desenrolou-se e se lançou – mas Adam também. Ele agarrou o dragão pelo focinho e segurou-o.

Sabre. A necessidade de Adam alcançou através do nosso vínculo.

Saí de debaixo da caixa de acer negundo{12} e corri para o jardim com toda a velocidade que pude reunir. Tenho certeza de que a única que me notou foi Elizaveta, porque corri bem na frente dela – e porque essa bruxa era assustadoramente observadora.

A um passo do sabre, mudei para humano. Peguei a lâmina e a atravessei na garganta do menino zumbi, por quem eu passei no meu caminho para a casa. Eu não o vi, só sabia que ele estava correndo para mim. A afiada lâmina prateada atravessou seu pescoço e continuou se movendo quando o garoto caiu.

Eu senti a força que animava o corpo se quebrar, como se eu tivesse cortado mais do que carne e osso. Eu senti novamente a semelhança com o vínculo do bando – um fio escasso comparado ao rio do bando, mas ambos eram águas correntes. Por um momento, algo mais permaneceu onde o zumbi havia caído. Nem um fantasma, nem uma alma, mas algo trágico e quebrado. Eu estava certa que estava desaparecendo, mas não podia esperar para descobrir – Adam estava lutando com um dragão zumbi.

Eu corri.

Ninguém do meu lado morreu ainda. Adam ainda lutava com o zumbi. Sua batalha foi ajudada pelo fato de que o zumbi estava apenas tentando chegar às bruxas, e lutando apenas contra Adam, porque ele estava no caminho.

O que quer que Wulfe estivesse fazendo – e fez respirar enquanto eu corria, como respirar debaixo d'água, manteve as bruxas ocupadas. Magda não teve chance de mudar suas ordens para o dragão. Eu senti como se estivesse olhando para algo, mas me preocuparia com isso no momento em que Adam não estivesse lutando contra um zumbi dragão.

Confiei os laços entre nós – vínculo de companheiro e vínculo de bando – para cronometrar minha mudança. Não diminuí minha velocidade quando passei pelo dragão em apuros.

Coloquei minha outra mão, a que não estava segurando o sabre, no ombro de Adam. Ele estava preparado para isso, de modo que o meu peso não atrapalhou o seu equilíbrio enquanto eu pulava de um lado para o outro, fora do caminho do golpe das asas. Em vez disso, esse ataque transformou uma resistente mesa de madeira em gravetos.

Adam torceu seu peso de repente e a cabeça do dragão também. Ele soltou o focinho do dragão enquanto eu deslizava o sabre na carne macia sob a mandíbula do dragão, através do focinho. Bloqueando as mandíbulas fechadas com a espada.

Eu pulei quando o dragão se contorceu e Adam jogou a criatura para longe de mim. A batalha estava longe de terminar, mas Adam podia lutar agora, em vez de apenas tentar manter a boca daquilo fechada com segurança.

Triunfante, corri pelo pátio para parar a um palmo de Elizaveta. Meio rindo de satisfação, peguei brevemente o olhar de Elizaveta, mas sua atenção passou por mim e por cima do meu ombro.

A luz do fogo brilhou em seu rosto por um instante e vi suas pupilas queimarem.

— Ela chamou todos eles — disse ela.

Eu girei.

Claro, pensei, o garoto zumbi que eu matei não estava mais estabelecido sob o controle de Wulfe. Isso significava que eles foram chamados. Todos eles, muito mais do que cem.

Eu podia senti-los mexendo sob o puxão das palavras de Magda. Seu estado antinatural distorcido era uma tristeza que se arrastava no meu coração.

Eles estavam correndo na nossa direção – e Elizaveta falou algo que parecia passion fruit, mas igualmente poderia ter sido algo em russo. Elizaveta sabia falar inglês com precisão de um apresentador da BBC. Mas hoje, seu sotaque russo estava carregado, e isso significava que era mais provável que eu entendi mal o que ela disse.

A magia ondulou, deixando o ar tenso com algo que pareceu aos meus sentidos superaquecidos como antecipação. Um zumbi, o primeiro de dezenas, chegou à beira do concreto e se deparou com uma barreira invisível, assim como a massa abundante de zumbis que o seguiram. Adam e o dragão não confinaram sua batalha real ao pátio. Quando Elizaveta lançou seu feitiço, uma proteção que seguia a beira do concreto, Adam e o dragão estavam do outro lado daquela barreira.

— Eles não podem passar pela minha magia — disse Elizaveta.

As costas de Adam atingiram a barreira com força e ele usou a superfície semi-elástica para dar um salto que terminou com ele no topo do dragão, que ainda tinha o sabre preso nas mandíbulas.

Elizaveta viu o que eu estava assistindo. — Adam deve ser capaz de cuidar de si mesmo — disse ela com confiança. — Ele é um animal esplêndido.

— Elizaveta — disse eu, sussurrando furiosamente —, existem muitos zumbis por aí.

Ela estreitou os olhos para mim. — Você pode fazer algo sobre isso, filha do coiote. E não sei por que você está esperando. Minha barreira não vai te parar.

— O que... — Comecei a perguntar, mas fui interrompida por uma comoção seguida pelo estalo de madeira.

Olhei para cima e vi a cadeira do senador deslizando ao longo do concreto de lado. Não pude ver imediatamente uma causa para isso – então provavelmente era algo que Wulfe havia feito. Quando acabou, havia derrubado uma pequena mesa onde as bruxas guardaram uma série de objetos pontiagudos.

Eu corri, um olho em Wulfe e nas bruxas. Para minha vergonha, o senador Campbell não fora uma prioridade para mim, embora fosse o mais vulnerável de nós. Já era hora de libertar o senador de suas amarras, para que pelo menos pudesse correr. Não que correr o ajudasse a escapar dos zumbis, mas talvez ele pudesse sair do caminho de golpes perdidos não direcionados a ele.

Em vez de tentar puxar a cadeira na posição vertical, eu apenas usei uma faca de lâmina curta que estava entre os instrumentos espalhados pelas bruxas. Não tive dificuldade em atravessar as cordas com as quais Campbell estava amarrado à cadeira. Após libertá-lo, ajudei o senador a se levantar.

Com uma mão embaixo do cotovelo, o levei para a relativa segurança do espaço perto de Elizaveta. Ela pode até estar inclinada a ajudar a mantê-lo vivo. Dei-lhe a faca e ele foi trabalhar na sua mordaça. Quando me virei para ver o que as bruxas estavam fazendo, senti um pouco de sangue fresco – muito disso. Deixamos um rastro de sangue atrás de nós. A perna da calça do senador estava molhada – e alguém havia feito um buraco na perna dele.

Revi o primeiro vislumbre que tive quando cheguei ao pátio. Abbot estava enrolado na perna do senador Campbell. Ele evidentemente estava mastigando. Eu não sabia se ele estava fazendo isso porque era uma bruxa e se fortalecia com a dor do senador. Ou se era um zumbi agora. Ele não tinha cheiro de bruxa quando o conheci, mas bruxas masculinas não são tão poderosas como as fêmeas. Era possível que o perfume de Magda tivesse mascarado o dele.

Procurei Abbot, mas não o vi. Talvez ele tenha acabado do lado de fora do círculo de Elizaveta.

Examinei a escuridão, mas tudo o que pude ver foram os zumbis lotados densamente ao nosso redor. Eles estavam focados em vir ao auxílio da Magda. Como Wulfe havia dito, a maioria deles eram humanos, mas vi um border collie e um par de gatos.

Olhei para as bruxas e fui pega na beleza de sua batalha. O fedor da magia negra era tão espesso que parecia quase desconectado da luta entre Wulfe e as bruxas.

Não pude ver a magia, apenas a senti na minha pele e na minha carne. Algumas eram tão vis que eu senti como se nunca fosse capaz de lavá-la do meu corpo. Algumas delas eram afiadas e brilhantes, e pareciam vagalumes. Mas isso também parecia desconectado do combate. Impossível que essa falta pudesse fazer parte da beleza de sua dança. Quando a luta começou, era uma questão de gestos, de mãos e dedos. No meio da batalha, eles se moveram como se estivessem praticando kata – movimentos rápidos e graciosos que usavam todo o corpo.

O corpo de Wulfe tinha a graça fluida de um dos grandes felinos. A dança de Patience consistia em movimentos pequenos e eficientes – a precisão era sua força norteadora. Magda – da qual eu esperava graciosidade – movia-se com empurrões e pisões. Havia poder em sua dança, mas não elegância.

Depois de alguns segundos, comecei a ver o fluxo de poder. Não pude ver a magia que passava entre eles, mas pude inferir o caminho a partir das conexões entre os três.

Vi cenas de crimes em programas de TV em que fios eram amarrados para traçar linhas de trajetórias de balas. E se havia balas suficientes disparadas, o padrão de cordas era estranhamente bonito, como um projeto de arte para calouros. O combate das bruxas me lembrou disso.

Um dos zumbis era grande o suficiente para chamar minha atenção e me virei para ver que o zumbi dragão – uma enorme ferida no rosto começou a aumentar enquanto eu observava – estava arrastando suas garras contra a parede invisível do trabalho de Elizaveta. O sabre se foi.

A vida de Adam era brilhante e completa do outro lado do nosso vínculo. Eu podia sentir a alegria selvagem da batalha tremer no meu sangue. Adam estava bem.

— Mercy — disse Elizaveta. — Você pode libertá-los...

— Vampiro — falou Magda triunfantemente por cima da voz de Elizaveta. — Ele é um vampiro, Ishtar.

— Abbot — ronronou Morte. Quero dizer Patience. Patience não é tão assustador quanto Morte, certo?

O zumbi dragão voltou seu ataque ao chão, cavando a terra na base do concreto.

O concreto – do tipo derramado nos pátios – não teria desacelerado um lobisomem, e não diminuiu a velocidade do dragão também. Para um zumbi, este era inteligente.

Isso é errado, disse a voz do Coiote na minha cabeça, e ele não quis dizer o jeito que o dragão estava escavando em nossa zona livre de zumbis.

Não havia palavras sobre o quão bonito o dragão era – mesmo que fosse menor do que eu esperava que um dragão fosse. Os ossos do rosto estavam cobertos por escamas minúsculas, cada uma brilhando como uma gema na luz do fogo. Mil pontos de luz que floresceram em um cobertor iridescente. Delicadas asas membranosas de aparência impossivelmente frágil foram estendidas para equilibrar o dragão enquanto ele cavava. Grandes olhos roxos estavam fixos em seu objetivo.

Eu só conseguia imaginar como seria se ele estivesse vivo.

Este zumbi era uma abominação.

Errado.

Levantei minha mão em sua direção. Talvez tenha sido por acaso, ou talvez ela tenha me sentido observá-la, mas ela levantou os olhos para os meus. Dela, não isso. Havia algo me olhando de dentro daqueles olhos. Lágrimas se acumularam em meus próprios olhos com o terrível mal do que foi feito com ela.

Madeira raspou perto de mim e olhei para a mesa que o dragão havia esmagado. Abbot se arrastou para fora do abrigo que ele encontrou nas tábuas quebradas. Ele estava vestindo roupas que antes eram adequadas para conhecer o presidente, mas não achei que houvesse uma lavanderia no mundo que pudesse consertá-la agora. Havia sangue manchando sua boca e na frente de sua camisa e calça.

— Vampiro — disse ele.

E ele reuniu poder, uma massa negra de magia. Bruxa, eu pensei, não zumbi. Ele avançou como se não estivesse escondido debaixo de uma pilha de madeira, como se não tivesse mordido a perna do senador enquanto Campbell estava amarrado e não conseguia se defender. Ele andou como um guerreiro entrando em um campo de batalha familiar.

— Wulfe! — gritei.

Wulfe estava muito ocupado com as bruxas para prestar atenção. Eu não sabia o que fazer, Wulfe deixou bem claro que uma vez que ele estivesse envolvido em uma batalha, eu deveria ficar longe.

Abbot tirou uma faca do bolso, abriu-a e se cortou. Então, em um gesto que me lembrou do movimento de Sherwood hoje à noite, ele jogou seu próprio sangue nas costas de Wulfe. Eu também estava longe e estava muito escuro – a luz do fogo era complicada, cheia de luz e sombras fortes – para ver se atingiu Wulfe.

Mas deve ter. Porque quando Abbot tomou todo o poder, ele reuniu e o enfiou em sua voz, dizendo: — Vampiro — Wulfe congelou.

As duas bruxas pararam de dançar no meio do movimento. Não sei como estava o rosto de Magda, porque eu estava vendo o sorriso florescer no rosto de Patience. Rosto da Morte. Porque a paciência é uma virtude e não havia nada de bom na expressão em seu rosto.

— Oh, vampiro — disse Magda. — Não temos um vampiro como você para brincar a muito tempo. A nossa costumava ser divertida, mas agora ela só se curva em um canto e chora.

E justamente naquele momento, as garras do dragão romperam o concreto e minha atenção foi forçada a um problema mais imediato. O zumbi arrancou um pedaço de dois pés quadrados do pátio e puxou-o.

Por um momento eu pude ver um buraco, e então ele ficou cheio de dragão. Ela julgou mal; não havia espaço suficiente para ela se espremer. Mas ela já havia provado que o círculo de Elizaveta apenas desceu ao chão, e que o chão e o concreto não eram páreo para ela. Levaria apenas um momento para ela ampliar o buraco.

Não sei por que não corri gritando. Mas a voz do Coiote ainda soou na minha cabeça. Além disso, a tristeza que senti ao ver aquilo que já fora dragão, não havia espaço dentro de mim para qualquer outra coisa – nem mesmo emoções saudáveis, como terror ou autopreservação.

O toque é importante na magia.

Abaixei-me e coloquei minha mão na testa dela. Ela não conseguia mexer seus ombros e patas dianteiras, mas tudo o que ela teria que fazer era girar a cabeça e poderia ter arrancado meu braço no cotovelo.

Um vínculo se iluminou entre nós, brilhante e limpo, uma conexão semelhante e diferente dos tipos de vínculos que eu estava mais familiarizada. Isso não era magia. Isso era coisa do Coiote, que era o espírito do livre arbítrio. De escolha, para o bem e para o mal. De morte e fim.

— Vá — disse ao dragão. Coloquei poder na minha voz, poder que aprendi com Adam, mas não precisei pedir emprestado do meu companheiro para isso. Este poder veio do meu pai. Eu sussurrei, porque esse não era um poder que precisava de volume. — Vá. Fique em paz.

— Não! — Era a voz de Magda, eu acho. — Pare-a! — O dragão ficou mole sob meus dedos. O corpo dela encolheu como se a carne não fosse nada sem a terrível magia que a mantinha animada. Ela não preenchia mais o buraco completamente; logo outros zumbis iriam romper a abertura que ela fizera.

Não demorou muito. Algo rasgou o corpo seco do dragão e uma mulher começou a passar. Ela era menor que o dragão – havia muito espaço para ela.

Mas eu ainda estava presa naquele espaço estranho onde não tinha medo dos zumbis – fiquei triste por eles. Estendi a mão, mas desta vez não tentei tocar sua pele. Desta vez, estendi a mão para os fios de poder que ligava esse zumbi à bruxa, cujo instrumento ela era.

Em vez de agarrar apenas os fios dela, meus dedos se fecharam em dezenas de fios. Eles não eram confortáveis ??de segurar, esses laços, cheios demais daquele terrível erro.

Meu aperto não parecia firme o suficiente, então eu torci minhas mãos, enrolando aqueles laços ao redor dos meus antebraços até que eles estivessem presos. Então eu estremeci, dando um tremendo puxão que usou todo o meu corpo.

Quando todos esses laços estavam se esforçando e eu estava puxando com todo o meu peso, respirei. Eu disse suavemente, com total convicção: — Vá. Fique em paz.

Parecia tão certo. Eu senti como se estivesse cheia de luz e alegria. De retidão – ou pelo menos o oposto de errado. Eu me senti limpa. E uma grande parte dos zumbis que tentavam entrar no pátio caiu como se fossem podados.

Mas havia mais zumbis. Muito mais. Estendi a mão e desta vez os laços vieram avidamente para minhas mãos, como se fossem de metal e eu segurasse um ímã. Eu os peguei, girando e girando, envolvendo todo o meu corpo com eles. Enquanto fazia isso, senti alguns desses fios se romperem, faíscas felizes – liberdade encontrada antes que eu pudesse presenteá-los com ela.

Vagamente, ouvi Tory Abbot dizer: — Wulfe, pare-a. — Mas eu estava muito apanhada no momento para prestar muita atenção às suas palavras.

Os laços me deixaram assistir Tad, vestido de escuridão que o tornava difícil de ver, com um machado enorme em suas mãos. Eu senti que atingiu o zumbi cujos vínculos eu mantinha – e minha consciência de Tad se foi quando o fio do zumbi se dissolveu em fogos de artifício seguido por nada. Se eu quisesse, senti que poderia ter rastreado Tad de zumbi a zumbi, conforme ele os levava à quietude final e terminava com o erro de sua existência.

O caminho de Zee através das minhas trelas de zumbis era mais rápido que o do filho dele. Eu o senti se mover como uma onda de destruição, sua espada cantando de alegria, e eles lançaram zumbi após zumbi para onde quer que fossem atrás de sua longa subjugação.

Adam. Ah, Adam era lindo em sua ira. Ele dançou com os mortos e eles caíram diante dele como tantas pétalas ao vento. Fiquei tentada a parar e apenas observá-lo.

Mas eu tinha um trabalho a fazer.

Eu acho que estava um pouco bêbada. E talvez um pouco tonta.

Levantei minhas mãos para o céu e girei como uma blusa, uma blusa nua. Eu provavelmente parecia uma tola. Mas não havia espaço para auto-análise em mim naquele momento. Virei e me virei e reuni todos eles, todos os fios brilhantes e finos de seda de aranha e todos os zumbis. Até o último, cada criatura ligada de má vontade a uma vida não natural, eu as segurei em minhas mãos, enroladas em meu corpo.

Eles teriam cumprido minhas ordens mais ansiosamente do que as da bruxa. Eu sabia, sabia que tinha o poder de um exército imparável ao meu alcance. Eles poderiam matar as bruxas, destruir qualquer ameaça para mim, para meu bando, para as pessoas que eu considerava queridas. Eu segurava o poder em minhas mãos de tal maneira que nunca estivera disponível para mim.

Mas naquele momento, havia apenas uma coisa que eu queria deles, uma necessidade que me impulsionava.

Eu lhes dei meu pedido.

— Vá — sussurrei. — Fique em paz.

A mão de Wulfe se fechou sem delicadeza no meu braço no momento em que falei essas palavras.

Duzentos e quatorze... treze (quando um caiu sob as presas de Adam) faíscas deixaram seus cadáveres apodrecidos e voaram para longe. No escuro, os cadáveres caíam, abandonados como bonecos. Alguns deles, eu vi com meus olhos; outros eu apenas senti.

Wulfe também caiu e ficou imóvel aos meus pés.

Sentei-me abruptamente ao lado dele. Eu me senti vazia e dolorida, como se tivesse sido pisoteada por uma manada de cavalos. Duas vezes. A euforia do momento anterior se foi, desapareceu tão rapidamente quanto chegara.

Eu não sabia se havia matado Wulfe quando lancei os zumbis. Matado ele novamente. O removido de sua existência vampírica. Eu não conseguia decidir como me sentia sobre isso.

— Passion fruit — disse Elizaveta, levantando-se abruptamente da cadeira em que Wulfe a colocara. Eu tinha quase certeza de que a palavra realmente era Passion fruit dessa vez.

Senti a vibração quando o círculo dela caiu e o pátio estava mais uma vez aberto à noite. Foi um pouco mais fácil ver os mortos cobrindo o chão, mais espessos perto do pátio, mas todo o quintal e além estava cheio de corpos. Muitos desses eram corpos humanos-zumbis.

Com todos os zumbis desativados, era fácil ver Adam, Tad e Zee – eles eram os únicos em pé. Tad e Zee estavam girando em um círculo cauteloso, procurando um inimigo. Adam galopava na minha direção.

Elizaveta deu um tapinha na minha cabeça quando passou por mim. — Bom — disse ela. — Agora é a minha vez.

Ela caminhou devagar – sem dúvida dificultada pelos danos que as bruxas infligiram a ela, mas cada passo era fácil e firme. Ela andava como se tivesse o chão debaixo dos pés.

As três bruxas – Morte, Magda e Abbot – olhavam em volta, momentaneamente oprimidos pela repentina destruição de seu exército. Havia sangue pingando do nariz de Magda e do ouvido mais próximo de mim.

— Estúpidos — disse Elizaveta em tom satisfeito.

Morte se recuperou primeiro. Ela fez uma careta e abriu a boca.

Mas antes que a Morte pudesse dizer alguma coisa, Elizaveta levantou a palma da mão e disse: — Tory Abbot, Patience Ramsey, Magda Fischer. Morram.

Eu senti novamente, naquele momento, naquele instante em que tudo parou. Para mim, parecia uma clava de escuridão que, mesmo não sendo dirigida a mim, tentou congelar o sangue em meu corpo.

— Morram — disse Elizaveta novamente.

Eles obedeceram a Elizaveta, as três bruxas Hardesty, porque não havia possibilidade de fazerem qualquer outra coisa.

Eles morreram tão rápido que não houve nem um instante de choque ou descrença. Eles simplesmente caíram mortos.

Eu assisti Patience usar esse feitiço para matar todos os seres vivos na casa de Elizaveta, exceto um gato. Mas Morte não se iluminou como um maçarico quando ela consumiu suas vidas. Elizaveta sim. Eu senti a magia que Patience havia colhido de dezenas naquela casa na noite em que a família de Elizaveta morreu. Bruxas imortais, Coyote havia me dito. E soube então onde Morte havia conseguido sua imortalidade.

Mas eu tinha certeza de que aquela casa cheia de vida não lhe dera um dízimo do que Elizaveta conseguiu das três bruxas. Senti a magia imunda a invadir e enchê-la como se ela fosse um vaso vazio embaixo de um bico de água. O poder a iluminou por dentro até que eu tive que levantar meu braço e proteger meus olhos.

Meus ossos doíam com a maldade dessa magia. Mas, eventualmente, a maré de magia negra imunda desapareceu. Abaixei meu braço para que eu pudesse ver.

A primeira coisa que vi não foi Elizaveta. Enquanto eu não estava assistindo, Adam mudou de volta ao ser humano. Ele ficou nu, todos os músculos de seu corpo se apertaram como se doessem. Os olhos dele estavam fechados e os músculos de sua bochecha tremiam. Enquanto eu observava, ele respirou fundo e começou a relaxar.

Elizaveta ficou de pé, a mão no ombro dele, sorrindo para ele como se ela tivesse feito um favor a ele – em vez de puxá-lo através de uma mudança completa, lobo para homem, no que parecia ter sido incrivelmente doloroso.

Enquanto eu observava, ela se afastou dele e caminhou até os corpos de suas vítimas. Ela se ajoelhou ao lado deles e começou a revistá-los como um ladrão profissional. Eu me levantei e cambaleei para frente.

Elizaveta estava do nosso lado, lembrei a mim mesma. Não havia razão para o terror ansioso que me encheu com a visão dos cabelos brancos emaranhados de Elizaveta escurecendo em zibelina, de sua pele frouxa e machucada sendo substituída por pele firme e leitosa, sem rugas ou manchas da idade.

— Eu disse que eles eram tolos — disse Elizaveta enquanto colocava anéis, colares e pequenos pedaços de pano, argila e osso de lado. Eles brilharam quando ela os tocou, a magia que ela ainda estava absorvendo trazendo-os à vida. Uma vida que os deixava assim que ela os deixou de lado.

— Tolos? — disse Adam – porque é claro que era com Adam que ela estava falando.

Ela olhou para ele e a inconstante luz do fogo pegou seu rosto e a banhou sob uma luz que iluminava ao invés de cegar. A velha bruxa não parecia mais a mulher de setenta anos bem preservada que ela era. Sempre pensei que ela seria deslumbrante quando jovem. Linda. Eu estava errada. Suas feições ainda eram fortes demais para isso. Seu nariz ainda era arqueado e a mandíbula muito longa.

Mas imaginei que se Helena de Tróia fosse uma pessoa real, ela poderia se parecer como Elizaveta Arkadyevna. O rosto de Elizaveta poderia ter lançado mil navios.

Ela olhou para longe do meu companheiro e para si mesma, para a pele que era lisa e tensa sobre os músculos que teriam creditado a um lobisomem. Ela esticou os dedos longos e graciosos, mãos que pertenciam a uma mulher na casa dos vinte anos.

— Ela usou seu feitiço de morte em minha casa — disse Elizaveta, dando um último tapinha no corpo de Abbot, tirando um amuleto do bolso.

— Eu procuro esse feitiço desde que ouvi rumores sobre ele – quando eu era tão jovem quanto agora. E elas trouxeram isso para mim. — Elizaveta se levantou.

Ela cutucou Patience com o dedo do pé. — Tolos em fazer magia secreta na fortaleza de outra bruxa. Ela deu a Adam um sorriso paquerador. — Eu melhorei um pouco.

Ele estendeu a mão. Ela colocou a mão na dele e ele a beijou.

— É assim que é ser um lobisomem? — perguntou ela. — Nada dói.

Ela fechou os dedos sobre os dele; um sorriso lindo iluminou seu rosto.

— Adam — disse ela. — Eu queria fazer isso há anos.

Ela entrou no espaço dele, apoiando seu corpo bonito, forte, jovem e nu contra o dele. Ela era apenas uma polegada ou duas mais alta do que ele, mas isso não importava. Adam era muito mais amplo, mais sólido; e ela parecia uma princesa de contos de fadas para o guerreiro.

Eles eram lindos.

Ela inclinou o rosto para facilitar o beijo, revelando o rosto de Adam para mim. Assim que seus lábios tocaram os dele, os olhos de Adam encontraram os meus.

Eu não conseguia ler o que vi lá. Não, então.

Então ele fechou os olhos. Ele a beijou. Um dos braços dele envolveu a cintura dela. O outro deslizou por seus longos cabelos sedosos e segurou a parte de trás da sua cabeça.

Ele estalou o pescoço dela, recuando para que seu corpo batesse no concreto com força, em vez de amortecer a queda dela. Não importava para ela; ela estava morta. Mas isso dizia muito sobre como Adam se sentia sobre ela.

Ele olhou para mim e esperou meu julgamento.

Eu sabia que ele gostava dela. Eu sabia que ele pensava nela como uma da família, havia apreciado as brigas verbais em que eles às vezes se envolviam. Gostava de falar o russo de sua mãe e flertar com uma velha.

— Este é o nosso território — disse eu, dando a ele as palavras que ele precisava. — Não permitimos magia negra no nosso território.

Ele fechou os olhos e engoliu.

— Está certo — disse ele. Quando eu o abracei, ele me levantou contra ele e enterrou o rosto contra o meu pescoço.

Nós nos abraçamos, cercados pelos mortos.


13

 

— Posso pedir à terra que os coloque para descansar — disse Zee.

Afastei-me de Adam e olhei para o velho ferreiro. Ele ficou na ponta dos pés, parecendo exatamente como ele costumava fazer: expressão sutilmente azeda, como se uma carranca estivesse pronta para sair a qualquer momento. Ele parecia um homem velho e musculoso que fez um duro trabalho físico a vida inteira e conseguia superar qualquer adolescente na cidade – não como um fae lendário que acabara de enfrentar a batalha com um inimigo que o superava em número.

Tad estava logo atrás dele. E havia uma serenidade quase existencial reunida sobre todo o seu corpo. Eu nunca vi Tad parecer tão em paz consigo mesmo.

— Eles vão desenterrá-los — disse eu prosaicamente. — Alguém daqui a vinte ou trinta anos decidirá que quer construir um conjunto habitacional. Enfiará uma retroescavadeira no chão e... gritará.

— Muitas pessoas mortas aqui — disse o senador, mancando muito lentamente até nós. — Muitas famílias que precisam de fechamento.

— Muitos zumbis velhos — disse Zee. — Eles são um banquete para os corvos.

Devemos ter parecido em branco – ou, pelo menos, eu o fiz.

Para mim, Zee disse: — Os usuários de magia negra usarão seus ossos. Eu conheço criaturas dos fae que serão atraídas para seus cadáveres. Posso colocá-los para descansar no chão, para que ninguém os encontre novamente.

Ele olhou para o senador. — O rei goblin cuidou dos mortos na casa de seu irmão. Você também não encontrará os corpos do seu povo. Mas o tio Mike me disse que sua Ruth tem fotos, então você poderá identificá-los.

— Cuidou deles? — disse ele. Então, um pouco menos hostil, ele disse: — O rei dos goblins?

— Ele os teria tratado com respeito — disse eu, e tinha certeza de que estava certa. Embora o que respeito significava para um goblin e o que significava para Jake Campbell pode não ser exatamente a mesma coisa. — A filha estava entre os mortos lá. Ela tentou ver o que estava acontecendo e foi morta pelas bruxas.

— Entendo — disse ele.

— Vou precisar de ajuda para colocá-los todos — disse Zee. — Tad e eu podemos fazer isso, mas vai demorar mais, e nós queremos tirar os corpos do caminho antes que os vizinhos acordem, sim?

— Os lobos estão a caminho — disse Adam.

— Você ligou para eles? — perguntei.

Ele balançou a cabeça. — Mas abri os laços e eles estão procurando. Eles estarão aqui em poucos minutos.

O senador não estava olhando fixamente para mim nem para Adam, e agora que o assunto havia acalmado um pouco, eu sabia a razão.

— Vou pegar algumas roupas para nós — disse eu. — E o kit de primeiros socorros para sua perna, senador.

Eu fui ao jardim primeiro. Peguei minhas roupas e as vesti, incluindo o coldre escondido e minha arma – o que me lembrou de que meu sabre estava lá fora na escuridão, em algum lugar. Eu teria que ir procurá-lo quando as coisas se acalmassem.

Amarrei meus tênis e dei dois passos no jardim de Elizaveta. A magia do corvo se foi. Agora era apenas uma casca inanimada amarrada a um espantalho.

Fiquei feliz por Elizaveta estar morta.

Sentiria falta da pessoa que pensava que ela era, mesmo que essa pessoa fosse bastante assustadora. Eu sentiria falta de tê-la como uma das peças que eu contava para manter as pessoas que eu amava seguras. Eu me preocupei com o vácuo que ela deixou para trás. Alguém viria, outra bruxa, para dominar este território.

Ainda estava feliz que Elizaveta estivesse morta.

Corri até o SUV de Adam e peguei o kit de primeiros socorros e o conjunto de roupas sobressalentes que ele guardava em sua mochila de ginástica. Comecei a ir e depois me virei e peguei um pano úmido na embalagem que ele guardava no SUV para limpar a bagunça.

Adam estava conversando com o senador quando voltei.

—... Podemos levá-lo para um hotel, ou para o tio Mike, ou pode esperar em minha casa, se quiser — disse Adam.

O senador disse: — Acho que gostaria de ver isso até o fim.

— Tudo bem — disse Adam. — Se você mudar de ideia, me avise.

Dei suas roupas a Adam e o vi se vestir. Quando terminou, ele pegou a expressão no meu rosto.

— O que há de errado? — perguntou ele.

Estendi a mão e, muito minuciosamente, usei o pano úmido para limpar sua boca. Porque tive tempo para analisar o que vi nos olhos dele antes de beijar Elizaveta. Foi horror.

Adam não reagiu, apenas me deixou terminar de lavar as manchas. Não as manchas dele, mas a magia imunda da bruxa e os resultados das escolhas de Elizaveta foram concretizados e colocados no prato de Adam. Limpei essas coisas do meu companheiro. Ele fechou os olhos quando terminei e descansou o rosto na minha mão.

Quando ele os abriu novamente, eles estavam brilhando em amarelo.

— Isso é meu — disse a ele severamente. — Cuidado com o que você faz com isso.

Ele caiu de joelhos, pegou minha mão e beijou a palma da mão. — Como você quiser — disse ele.

Beijei o topo da cabeça dele. — Eu também te amo.

Ele colocou o rosto na minha barriga e sussurrou, tão suavemente que só eu ouvi.

— Cutucada.

Eu ri e baguncei seu cabelo. — Trabalhe agora, brinque depois.

— Promete? — Havia humor no seu lábio, mas seus olhos estavam sérios, quase sombrios.


• • •


— Não vou pedir para ela cuidar dos usuários de magia negra — disse Zee, aproximando-se de onde eu estava sentada em uma das poucas cadeiras não quebradas.

Eu estava cansada até os ossos e precisava de um banho. Levei um momento para descobrir que ela era a terra.

— Tudo bem — disse eu.

— Isso seria profano — disse ele, como se eu tivesse discutido com ele.

Respirei fundo, cingi meus lombos (figurativamente falando) e pensei no que ele disse. Ele tinha um problema. Tínhamos um problema. Eu poderia descobrir problemas se eles viessem a mim um de cada vez.

— Precisamos queimar a casa — disse eu. — Não quero que nenhuma bruxa venha assumir o cargo e comece nesta casa. Podemos colocar os corpos de Elizaveta e das bruxas Hardesty lá para queimar.

— Não são apenas eles — disse Zee. — Existem praticantes de magia negra que foram transformados em reanimados também. Rivais, talvez.

— Existem mais de duzentos zumbis por aí — disse a ele. — Não sei se poderia dizer a diferença entre zumbis que foram transformados em zumbis por magia negra e zumbis que também eram usuários de magia negra.

Ele assentiu com a cabeça brevemente. — Eu posso. Eu vou. Vamos usar apenas os lobos para mover os corpos.

— Enterramos as cinzas da família de Elizaveta em seu jardim — disse a ele. — Nós encontramos os ossos das vítimas dela enterrados lá.

Ele resmungou. — As cinzas não serão um problema, embora seja bom saber que elas estão lá. E eu não recomendaria ninguém comer daquele jardim. Acho que posso cuidar disso ao mesmo tempo.

Viu? A vida é sobre resolução de problemas. Embora eu tivesse certeza de que os problemas da maioria das pessoas não envolviam coisas como o que fazer com bruxas mortas e mais de duzentos zumbis.

Adam e os outros estavam reunidos em torno dos restos do dragão. Zee começou a ir em direção a eles, e eu me levantei da cadeira e o segui.

— É menor do que eu esperava que um dragão fosse — disse o senador no reverente silêncio. A voz dele era solene e o volume era apropriado para uma igreja – ou uma biblioteca.

— Eu vivi por quase um século em um vale abaixo do covil de um dragão — disse Zee. — Eu a encontrei duas vezes. A primeira vez, ela veio à minha oficina disfarçada de uma senhora velha e muda. Ela me trouxe uma flor, e enquanto ela assistia, eu construí uma de ouro e pedras preciosas. Ela levou com ela quando saiu. Cinco ou seis anos depois, ela apareceu na minha porta, e eu nunca vi nada tão bonito. Essa foi a única vez que a vi em sua forma natural. — Ele se agachou e tocou o pescoço do dragão. — Ela era do tamanho de um nariz de ônibus escolar. Este é um bebê.


• • •


O bando chegou e ajudou Zee a separar os corpos. O senador e eu ficamos fora do caminho – e depois de pouco tempo, Adam se juntou a nós. Eu acho que ele estava com medo que eu caísse da minha cadeira. Mas Maria Jo me deu duas barras energéticas e uma garrafa térmica de chocolate quente. Não era tão bom quanto o que eu fazia, mas estava quente e doce, e ajudou. O senador havia tomado uma garrafa térmica de café e um par das mesmas barras energéticas.

Warren e Darryl se encarregaram de levar os corpos das bruxas até a casa de Elizaveta. Eles carregaram os dois primeiros corpos e depois passaram algum tempo dentro da casa. Eu podia ouvir móveis sendo movidos e quebrados.

— O que eles estão fazendo? — perguntou o senador. Adam havia limpado e enrolado a perna dele mais cedo – e atendeu a alguns outros ferimentos leves. O pior desses foram contusões. Ele sentiria todas aquelas feridas amanhã e no dia seguinte. Em algumas semanas, ele ficaria bem, pelo menos fisicamente.

— Fazendo uma pira — disse Adam. — Para garantir que as chamas consumam os corpos. — Ele olhou para mim. — Temos Joel e Aiden chegando. Pedi a Lucia para trazê-los depois de cuidarmos do resto dos mortos. Aiden não precisa ver isso.

— Aiden?

— Ele é um bombeiro — disse Adam. O que foi uma resposta sem ser uma mentira. Ele estava pendurado com muitos políticos.

Darryl e Warren saíram e reuniram as últimas bruxas – Elizaveta e Patience. Eu estremeci. Acho que não poderia ter tocado em nenhuma delas.

Quando voltaram, Darryl foi ajudar no campo e Warren foi pegar o último corpo no pátio. Ele se abaixou para pegar Wulfe – e Wulfe colocou os dois braços em volta dos ombros de Warren e deu-lhe um abraço e um beijo enorme na bochecha.

— Querido garoto — disse Wulfe. — Onde estamos indo?

Eu não matei Wulfe, apenas o deixei mais morto? Sem vida? Tanto faz. Wulfe estava bem. Eu estava cansada o suficiente para me sentir feliz com isso.

— Se você não me soltar — disse Warren, ainda debruçado sobre Wulfe. Ele afastou as mãos, mas Wulfe pendia dele de qualquer maneira, segurado pelo aperto do vampiro nos ombros de Warren. — Eu vou quebrar seus dois braços.

Wulfe o soltou e caiu no concreto com um baque. Ele estendeu os dois braços e pernas e fez anjos da neve. Ou teria feito anjos da neve se houvesse neve.

Talvez ele não estivesse bem.

— Wulfe? — perguntei, deslizando minha cadeira ao redor para que eu pudesse vê-lo sem me dar uma câimbra no meu pescoço.

Ele sorriu, uma expressão ampla e alegre – e estranhamente as presas não roubaram o charme do seu sorriso. — Eu estou em paz, Mercy — disse ele. Ele fechou os olhos e parou de mexer o corpo. — Assim como você me disse. Eu nunca ficarei bem de novo. — Ele não parecia infeliz com isso.

Nós o observamos por um minuto. Mas ele apenas parecia morto novamente. Depois de alguns segundos disso, Warren recuou cautelosamente e olhou para mim.

Dei de ombros e virei minha cadeira à sua posição original. Todo mundo pegou a sugestão e ignorou o vampiro enquanto reuniram os mortos.

O senador começou a fazer perguntas e deixei Adam respondê-las, fechando meus olhos até que alguém colocou uma mão no meu joelho. Eu podia ouvir o murmúrio da voz de Adam, então ele não estava longe, presumivelmente ainda conversando com o senador. Mas eu estava sozinha na varanda com Sherwood.

Ele se sentou no chão ao lado da minha cadeira – uma perna, sua prótese, para cima e a outra para baixo. Assim que olhei para ele, ele deixou sua mão cair. Meu sabre estava no chão ao lado dele. Estava sujo.

Sherwood viu meu olhar e disse: — A lâmina está boa. Você só precisa limpá-la.

Apunhalei um dragão bebê com essa lâmina. Foi a coisa certa a fazer e faria novamente. Mas eu não sabia se poderia lavar esse pecado da lâmina tão facilmente quanto Sherwood achava que poderia.

— Você se livrou de mim antes de sair para resgatar Adam — disse ele depois de um minuto.

Eu não sabia dizer o que ele sentia sobre isso.

— De todas as coisas que as bruxas vieram aqui procurando fazer, retomar você seria o melhor prêmio delas — disse a ele.

— Como você sabe disso? — perguntou ele. Então ele franziu o cenho. — E por que o telefonema de seu irmão significa que você me mandou embora?

— Eu sei algumas coisas — disse a ele. — Não quem você era, nem como as bruxas te pegaram. Mas aprendi um pouco da sua história. Você quer que eu te conte?

Ele respirou fundo e desviou o olhar de mim, mas assentiu.

— Aprendi um pouco disso com Wulfe — disse a ele. Olhei por cima do ombro, mas Wulfe ainda parecia morto.

Sherwood olhou para o vampiro e chamou a magia do bando para nos selar em nosso pequeno espaço à prova de som. Eu podia sentir que era a magia do bando, mas nunca vi alguém conseguir esse efeito com tão pouco esforço. Não fiquei surpresa que Sherwood tivesse conseguido.

— Ok, então — disse eu. — Alguns séculos atrás, havia uma bruxa. Ela era, provavelmente, como essas duas – mais velha do que deveria ser. O nome dela era Lieza e ela era uma bruxa negra muito boa. Ela era uma Love Talker. — Pude ver que Sherwood sabia o que era aquilo pela maneira como seus ombros se apertaram.

— E ela fez zumbis. — Acenei minha mão para a noite. — Alguns daqueles lá fora são dela – os velhos. Os que parecem estar vivos.

Ele olhou para o joelho.

— Você quer que eu pare?

Ele balançou a cabeça.

— Ela está de alguma forma ligada às bruxas Hardesty — disse a ele. — Elas a reverenciam, de qualquer maneira. Nossa bruxa zumbi... — inclinei meu braço em direção à casa de Elizaveta, onde Magda estava esperando —, foi saudada como a nova Lieza, porque seus poderes espelhavam os da outra bruxa. A própria Lieza ficou mais ousada à medida que ela se tornou mais poderosa. Ela pegou um dragão bebê e um ogro. — Fiquei de olho em Sherwood. — E pegou dois lobisomens. Um ela transformou em um zumbi. O outro ela usava para alimentar sua magia. Aquele a matou.

Ele inspirou e expirou lentamente.

— A família Hardesty correu para a casa de Lieza, mas tudo o que encontraram foi o corpo dela. Outras bruxas estiveram lá para saquear. Um dos tesouros que elas levaram foi o lobisomem.

— Eu — disse ele.

— Sim — disse a ele. — Os Hardestys fizeram uma busca familiar de séculos para caçar todos os tesouros de Lieza – seus zumbis, seus implementos e você. Alguns elas pagaram, outros roubaram, e por alguns elas foram à guerra. E ao longo dos anos, você, que matou Lieza, se tornou o prêmio mais procurado. Elas quase te pegaram em Seattle, mas os lobisomens mataram aquele grupo de bruxas e você desapareceu sob a guarda do Marrok, onde elas não conseguiram chegar até você. Mas então você veio aqui. Elas sabiam seu nome – seu nome atual. Sabiam como você é. E sabiam que você era do bando. O traidor do bando de Bran disse a elas.

— Eu sou a razão pela qual elas vieram — disse ele.

— Não. Elas estavam de olho em Elizaveta – ela era a bruxa mais poderosa que conheciam e que não era membro do coven delas e a queriam. Morta ou com elas.

— Junte-se ou morra — disse Sherwood. Eu não sabia dizer se ele estava citando Benjamin Franklin ou não. Provavelmente não. Juntar-me a um grupo de bruxas e ingressar na Revolução Americana eram, eu esperava, duas diferentes coisas.

Eu assenti para ele. — No fim, não funcionou para elas, mas esse era o plano. Além de impedir o governo de fazer um pacto com os fae. Elas eram – ainda são – tudo sobre parar qualquer coisa que possa ser, posteriormente, um obstáculo ao seu poder.

— Como você sabe tudo isso? — disse ele.

Suspirei. — As bruxas. Wulfe.

Ele se virou para olhar para mim. — Isso é tudo verdade, mas não é tudo verdade.

— Sonhos de Coiote — disse a ele.

— Seu pai, Coiote?

Eu parei de brigar com todo mundo sobre isso. No meu coração, meu pai era um cavaleiro de rodeio chamado Joe Old Coiote, que morreu antes de eu nascer. Eu, como meu irmão Gary, nunca o chamaria de pai ou qualquer outra denominação paternal. Mas parei de discutir com as pessoas sobre isso. Na maioria das vezes.

— Esse — disse. — Sonhei uma noite e passei... — Eternidade. Anos. Engoli em seco e me lembrei de que elas estavam mortas. Nenhum gatinho seria torturado aqui novamente. — Passei algumas semanas na cabeça do seu gatinho. Eu sou, o Coiote me diz, a razão pela qual seu gatinho sobreviveu quando todo o resto morreu. Ouvimos coisas. Eu aprendi muito sobre elas. E quando finalmente acordei, o Coiote fez questão de que eu não lembrasse até que ele quisesse. — Dei um pequeno sorriso. — Quando meu o irmão ligou.

— Entendo — disse ele, quando outras pessoas tentariam desmontar minha história. Salvou o gatinho? Pensei que você disse que era um sonho?

O que ele perguntou quando falou de novo foi: — Por que Coiote se importava com um monte de bruxas? Ele estava cuidando de você?

Eu ri, não pude evitar. — O céu me salve disso. Não, eu acho... — Lembrei-me do que Coiote havia me dito. — Eu acho que era o dragão.

— Ah — disse Sherwood. — Ok. Isso é tudo?

— Isso é tudo que eu sei — disse a ele.

Seu corpo relaxou, como se ele estivesse preparado o tempo todo para um golpe que não aconteceu. Ele deixou a magia do bando mantendo nossa conversa privada deslizar para longe antes de perguntar: — Devo ir embora?

— Por que você faria isso? — perguntei. — Quero dizer, você quer? Aonde você quer ir?

Ele me deu uma olhada. — Há bruxas atrás de mim.

— E?

Ele acenou com a mão ao nosso redor.

— Oh, não aceite crédito por isso — disse a ele. — Aqui foi Elizaveta. E eu. Se você me vir começar a fazer um discurso novamente, apenas pise nos dedos dos pés. Por favor.

— Mas elas estão atrás de mim — disse ele.

— Não se sinta muito especial — disse a ele. — Eles – vários eles – também estão atrás de Adam. — Olhei para onde Adam estava perto do grande incêndio onde o senador estava aquecendo as mãos. Eles, qualquer que fossem Eles, não o tocariam. — E transformei o bando inteiro em um grande alvo gordo quando abri a boca e nos tornei responsáveis ??por Tri-Cities.

— Eu — disse Sherwood secamente —, sou mais especial que você.

— Sou mais especial que todos — disse Wulfe.

Balancei a cabeça, mas ele ainda estava deitado como se estivesse morto.


• • •


Eu quase esperava que Zee abandonasse seu glamour. Mas quando ele empurrou todos nós para o pátio, exceto os mortos não usuários de magia negra, ele saiu no meio do campo e ficou lá. Um velho levemente maltratado e sujo de batalha.

Ficamos em testemunha silenciosa, o único som do farfalhar das folhas ao vento, quando ele começou a trabalhar com magia.

Tudo começou devagar. Ele levantou as duas mãos ao nível do peito, os dedos abertos e as palmas das mãos para baixo. Depois de um momento, ele começou a bater com o pé no chão. Zee em seu disfarce humano pesa talvez setenta quilos. Eu vi sua verdadeira forma – e ele pode inclinar a balança para duzentos, mais ou menos. Mas o pé dele fez a terra tremer.

— Mutter Erde, deren Schmied ich bin — disse ele, sua voz um estrondo que ressoava nos meus ossos e fez o concreto tremer um pouco mais.

— É élfico? — perguntou o senador, parecendo um pouco admirado.

— Alemão — murmurou Adam.

— Ele diz: Mãe Terra, de quem sou o ferreiro — traduziu Sherwood.

Zee se repetiu. — Mutter Erde, deren Schmied ich bin...

Ele inclinou a cabeça como se estivesse ouvindo uma resposta. Não ouvi nada, não senti nada diferente, mas evidentemente satisfeito, Zee se ajoelhou no chão. Seu pé não estava mais batendo, mas aquele profundo e silencioso boom boom boom continuou.

Ele colocou as duas mãos no chão e começou a cantar, com um ritmo de condução que tocava com o som da terra.


Öffne Dich, schütt'le Dich, atme und schließe Dich...

Erde, hein! Erbarme Dich,

Ein tiefes Grab eröffne sich,

um Fleisch, Gebein verforme Dich...

und tiefer Friede finde sich...


— Abra, sacuda, respire e feche — disse Sherwood. — Terra, me ouça, tenha piedade. Uma sepultura profunda deve se abrir, em torno de carne e ossos se deformar ou se reformar. Encontre uma paz mais profunda.

Zee parou de falar, mas o chão ressoou e estremeceu sob todos nós, ondulando e se abrindo...

Um corpo perto de mim caiu na terra, como se o chão embaixo tivesse se transformado em ar. Enquanto eu assistia, mais corpos desapareceram, puxados para a terra.

— Querido Deus — disse o senador, em voz baixa.

Quando todos os corpos que eu pude ver se foram – o dragão afundou em algum momento quando eu não estava olhando, apesar de ter visto as partes do ogro descerem – quando apenas Zee permaneceu, ele falou novamente, desta vez com uma voz dolorosamente sensível.


Eile Dich, perna de Ruh

und decke sie im Schlafe zu...


— Coloque-os para descansar rapidamente e cubra-os enquanto dormem — murmurou Sherwood, no mesmo tom que Zee.

Zee levantou e bateu o pé novamente, desta vez combinando com o som que nunca parou.

O batimento cardíaco do mundo, pensei fantasiosamente.

Ele levantou as duas mãos e gritou:


Öffne Dich, rütt'le Dich, atme und schließe Dich!


Na última sílaba, ele parou de mexer os pés. O som parou. E mais uma vez, o único barulho foi o som das folhas nas árvores.

Todos os mortos se foram – e notei que era o jardim. Estava muito escuro para realmente ver, mas imaginei que uma nuvem de poeira – as cinzas de quatorze bruxas negras, a família de Elizaveta – soprou ao vento.


• • •


— O que não entendo — disse o senador, colocando sua xícara de cacau vazia na minha mesa —, é por que Elizaveta esperou até depois que a torturassem para matá-las.

Wulfe riu. Ele andava alternadamente rindo com lágrimas silenciosas – e eu começava a sentir pena dele. O que parecia errado.

Nós o trouxemos para casa conosco, porque eu não sabia se ele estaria seguro se eu o largasse do lado de fora do séquito. Marsilia me disse que mandaria Stefan buscá-lo, mas poderia demorar um pouco. E se Stefan o pegasse, Wulfe estaria seguro.

— Ela teve que esperar — explicou Wulfe. — É assim que a magia funciona. — Ele continuou menos grandiosamente, mas havia admiração em sua voz. — É uma reviravolta inteligente no feitiço familiar, na verdade. Você pode matar somente pessoas com quem você está conectado se quiser colher a magia da morte. Ela poderia ter levado eles como amantes – ou os torturado ela mesma. Mas ser torturada funcionou – dor e amor nos unem a todos. É tudo sobre a ligação. Ela não os amava, mas eles se ligaram a ela quando a torturaram. Existe uma conexão muito forte entre um torturador e o torturado. Lindo.

Eu não sabia dizer a que parte do discurso a última palavra se aplicava. O feitiço, a realização de Elizaveta, ou o vínculo entre o torturador e sua vítima.

— Ela, a outra bruxa, não conhecia meu pessoal — disse o senador com uma voz sombria.

— Isso foi apenas matar — disse Wulfe, alegremente. — Qualquer um pode matar assim.

— Qualquer um? — perguntou Adam, subitamente alerta.

— Qualquer um que passa três dias construindo um círculo, e esse tipo de círculo exige muito estudo. E tem o poder de acordá-lo – o que não é trivial — disse Wulfe. — Ok, ninguém, eu acho. Eu. Elizaveta poderia ter, mas ela não pode agora. Provavelmente as bruxas Hardesty – elas têm um pouco mais de flechas na aljava. — Ele fez uma pausa e disse novamente: — Eu. Mas não vou. Muito trabalho por muito pouca satisfação. Se eu quero matar alguém, eu prefiro de perto e pessoal. — Ele sorriu, e o senador afastou a cadeira um pouco mais longe, embora a mesa estivesse entre eles.

— Então, muitos não poderiam fazer esse tipo de magia — disse eu, querendo ser clara.

— Dez, talvez doze bruxas vivas hoje — disse Wulfe. — Avisarei se alguma delas vier... — Ele parou, inclinando a cabeça, mas eu também ouvi: botas na nossa varanda. Eu conhecia o som daqueles pés: Stefan. —... batendo. — Ele cronometrou a última palavra ao som do punho na porta.


• • •


A reunião entre os fae e o governo aconteceu. O bando – representado por Zack, Sherwood e eu – o hospedamos em uma das grandes vinícolas de Red Mountain. Muita conversa foi feita, mas ninguém falou muito – pelo menos não onde eu podia ouvir. Adam me disse que quanto menor a conversa na sala de reuniões era mais interessante. Esperançoso, até.

Ruth enviou a Sherwood e eu uma nota de agradecimento – e a esposa dela também. Para o tio Mike, ela enviou uma garrafa de uísque sem agradecimento. Ele não teria entendido errado, mas isso era mais inteligente de qualquer maneira.

O senador Campbell liga de vez em quando para conversar com Adam. Ele disse às famílias das pessoas que morreram na casa de seu irmão, que desistiram de suas vidas para protegê-lo de uma tentativa de assassinato. A tentativa teve que ser mantida em segredo, mas eles deveriam saber que seus parentes morreram heroicamente, e ele estava grato.

Eu não disse a ele que acho que ele é um andarilho. Não vejo nenhum lucro nisso para ele ou para nós. Acho que as bruxas foram à casa de seu irmão para matá-lo – e culparam os lobisomens em alguma maneira complicada que contava com Ruth fazendo o que lhe foi dito. Quando ele não morreu, elas decidiram levá-lo e ver o que o fez sobreviver. Isso se encaixa bem como em qualquer outro cenário.

O gato de Sherwood, Pirate, como Medea, não tem problemas com os lobisomens. Medea corre e se esconde sempre que Sherwood o traz – ou seja, sempre que Sherwood chega. Desde que meu gato não tem medo de vampiros ou lobisomens, acho que ela deixará de ter medo de um gato meio-adulto amigável eventualmente.

Bran pensou, com base em nossa descrição, que o lobisomem que foi transformado em zumbi era Abraham Lessing, um lobo de Londres que desapareceu algumas centenas de anos atrás.

E não posso esquecer a previsão estranha e inespecífica do rei dos goblins de que precisaríamos confiar nele em alguma data futura. Isso parecia absolutamente ameaçador.


• • •


Tive um pesadelo e acordei suando frio. Eu rolei para fora da cama e comecei a vestir roupas.

— Aonde você vai? — perguntou Adam.

— Para Elizaveta — disse firmemente. — Para ter certeza.

Ele não me perguntou do que eu queria ter certeza. Ele me levou até a casa de Elizaveta e saiu para as ruínas comigo. Havia apenas um buraco enegrecido onde sua casa estivera. O concreto derreteu aqui e ali – Aiden tinha certeza, ele me disse, que as bruxas nunca mais voltariam. Mas às vezes, como hoje à noite, sonhei com o sonho de um gato e tive que sair e ter certeza.

Eu estremeci e Adam passou os braços em volta de mim, deixando-me olhar até estar satisfeita.

— Eles estão mortos — observou Coyote casualmente, pulando para fora do buraco que havia sido o porão da casa de Elizaveta. Então ele deu uma olhada exagerada ao ver Adam. — Oi, Adam. Há quanto tempo.

Adam inclinou a cabeça com cautela.

— Eu trouxe algo para você — disse Coyote, procurando no bolso de trás da calça jeans.

Ele pegou um pedaço de jornal e estendeu para mim. Peguei com cuidado, desdobrei e vi o presidente dos Estados Unidos parecendo aterrorizado ao tocar na cabeça de um lobo descontente – Warren.

— As pessoas estão deixando isso para Warren — disse eu ao Coiote. — Sob as palhetas da caminhonete, enfiado no chapéu, colado no espelho.

— Fiz o que estava preso nas costas dele — disse Coiote, parecendo convencido. — Ele nunca me ouviu ir ou vir.

— O dragão — disse eu. — Você queria liberar o dragão.

O rosto do coiote ficou sombrio.

— É por isso que você me enviou atrás das bruxas — disse eu.

Coiote olhou para Adam. — Às vezes, se você não mata os bandidos primeiro, eles matam você — disse ele.

Os braços de Adam se apertaram ao meu redor.

Então Coiote olhou para mim e seu rosto se iluminou com um sorriso alegre. — Claro que era o dragão, minha filha. Claro que era o dragão. Por que mais seria?

 


{1} É um termo pejorativo para uma grande residência "produzida em massa", construída com materiais e artesanato de baixa qualidade, usando uma mistura de símbolos arquitetônicos para invocar conotações de riqueza.
{2} Expressão de aborrecimento.
{3} Jolly Roger é nome dado às típicas bandeiras piratas, mais concretamente à típica bandeira cujo fundo é preto e tem uma caveira branca com dois ossos cruzados.
{4} No inglês é “Whoms or whos”, sendo que “Who” (quem) é um pronome interrogativo e é usado para fazer uma pergunta. ... “Whom” também é um pronome interrogativo e também se refere a uma pessoa, mas, ao invés de substituir o sujeito na frase (aquele que faz uma ação), ele é usado no lugar da pessoa que sofre a ação.
{6} Faes machos que seduzem mulheres, como se fossem sereias.
{7} Ford é uma marca de caminhões.
{8} Coletânea de lendas galesas.
{9} Amontoado, ajuntamento, aconchegar.
{10} Mithril é um metal fictício encontrado nos escritos de J. R. R. Tolkien.
{11} Camisa áspera feita na época medieval a partir de pelo de cabra.
{12} Tipo de planta.

 

 

                                                   Patricia Briggs         

 

 

 

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