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SUPERANDO AS TRISTEZAS / Nic Chaud
SUPERANDO AS TRISTEZAS / Nic Chaud

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Em Curitiba, no apartamento com design de loft comprado as pressas, Marcos foi recebido apenas pelo leve cheiro de tinta do teto recém-pintado. O vazio do amplo ambiente, totalmente envidraçado, era o retrato de como se sentia por dentro. Todos os seus sonhos e projetos de vida tinham sido destruídos de maneira cruel e traumática.

Em seu bolso pesava o anel de noivado que havia escolhido para a mulher que amava, mas ele queria deixá-lo ali, ao alcance de sua mão, como um aviso amargo para nunca mais se deixar iludir por ninguém. A mágoa da traição dupla, causada pela descoberta de que estava sendo enganado por Beatriz, sua namorada, e por seu melhor amigo e sócio, Tomás, doía como um ferimento em carne viva, sem a menor possibilidade de cicatrização.

Não conseguia tirar do pensamento a imagem do casal de traidores. Por uma coincidência irônica do destino, os dois tinham marcado encontro no lobby do hotel em que ele estava comprando, na joalheria existente no saguão, o anel que daria a ela. Pode vê-los rindo e se beijando, aguardando com ansiedade que lhes fosse entregue a chave de um quarto, para se entregarem à sordidez de seus desejos, sem o menor vislumbre de culpa em seus olhares.

A palidez que tomou conta de seu rosto foi tão grande, que a vendedora assustada, percebendo que ele ia desmaiar, gritou chamando o segurança para segurá-lo antes que fosse ao chão. Os traidores, que aguardavam a chegada do elevador, perceberam o tumulto, mas as portas se abriram e a curiosidade despertada pelo grito que escutaram deixou de ter importância.

Envergonhado e arrasado, Marcos dispensou o atendimento médico que lhe ofereceram, apanhou a joia que já havia sido paga e retirou-se rapidamente do local. Pegou seu carro e, sem nem perceber o que estava fazendo, dirigiu até a garagem do seu escritório, lá permanecendo em estado catatônico. Sua mente, porém, fervilhava, revisando todas as ocasiões em que Tomás estivera presente no mesmo ambiente em que ele e a namorada.

Os sorrisos e olhares trocados, os abraços um pouco mais demorados do que deveriam ser, os jantares desmarcados por motivos fúteis, a viagem inesperada que surgiu para ela e, logo em seguida, o amigo aparecendo para se desculpar por também precisar se ausentar. Um estado de ira, ao se dar conta de que aquilo estava acontecendo fazia tempo, passou a dominar seu corpo e sua mente. Precisava reagir e rápido, antes que os dois se dessem conta da sua descoberta.

Desceu do carro determinado a separar-se totalmente daquelas pessoas desprezíveis, que abusaram de sua confiança e amor. No escritório, conseguiu acesso às faturas do cartão coorporativo do sócio e comprovou que os dois tinham realmente viajado para a mesma cidade. Acessou também seu e-mail. Como eram amigos de anos, foi fácil descobrir a senha, que era o nome do time de futebol preferido do sócio e número da camisa do craque que ele admirava.

Reservas de hotéis e notas fiscais digitais, só mais comprovação do que já sabia, de que tinha sido enganado como trouxa. Em um dos e-mails Beatriz comentava com Tomás de que eles deveriam assumir o relacionamento, porque ela não estava mais aguentando ter que fingir. Tomás não permitiu, porque isso poderia prejudicá-lo na divisão da empresa.

Realmente, os dois eram bem jovens e imaturos quando decidiram unir suas capacidades e montar uma empresa de assessoria digital. Como prova de amizade, fizeram um contrato assinado em cartório, possibilitando que a sociedade pudesse ser desfeita sem aviso prévio, caso um deles assim o quisesse. Desde o começo tiveram o cuidado de criar uma conta bancária com aplicações financeiras, que cresceram à medida que os negócios foram dando lucro. Um lastro equivalente a cinquenta por cento do valor da empresa.

Como seus talentos se complementavam, Marcos como gênio da informática e Tomás como o rei do marketing e vendas, os dois acreditavam que nunca deixariam suas diferenças prejudicarem o trabalho bem sucedido que faziam juntos. E isso deu certo até surgir Beatriz, linda jovem de caráter duvidoso. Apaixonado, Marcos não percebeu que ela estava atrás apenas de seu dinheiro.

Ao ser apresentada ao sócio de Marcos, Beatriz partiu logo ao ataque para seduzi-lo, pois, além de ter dinheiro, ele era bonito, extrovertido e muito divertido. A princípio Tomás resistiu às insinuações, mas logo se entregou aos encantos físicos da namorada do amigo, ficando cada vez mais dominado pela necessidade de tê-la em seus braços. Ele só queria arranjar um modo de solucionar o problema que aquele relacionamento causaria entre ele e Marcos.

A empresa sofreria muito prejuízo até Tomás conseguir alguém para substituí-lo. O trabalho teria que ser feito pelos estagiários e alguns clientes não aceitariam de bom grado a troca de gerência de seus projetos. O capital que Marcos retiraria da conta lastro também faria muita falta, mas o problema seria de Tomás, ainda mais que o motivo do rompimento de sociedade tinha sido dele mesmo.

Sem pensar duas vezes, Marcos transferiu os cinquenta por cento, que era seu por direito, para sua conta pessoal. Pegou os objetos pessoais que significavam algo para ele e assinou um termo de rompimento da sociedade. Acrescentou uma observação ao final: “Não há necessidade de repartirmos a Beatriz, você pode ficar com ela todinha para você”.

Antes de sair, Marcos deu uma última olhada pela janela do escritório. A cidade de São Paulo, onde tinha exercido por tantos anos o trabalho que lhe dava prazer, principalmente pelo clima de camaradagem e amizade que pensava ter com Tomás, ficaria para trás. Dar-se conta de que esteve vivendo uma ilusão o deixou com um gosto bem amargo na boca.

Quando chegou à nova cidade, depois de quatro horas dirigindo, as luzes começavam a acender e os fantasmas do passado recente pareciam decididos a permanecerem em seus pensamentos. Nem tinha lhe passado pela cabeça que deveria ter providenciado pelo menos um colchão inflável para poder descansar o corpo durante a noite.

O desânimo, que fazia suas pernas parecerem pesar toneladas, tinha tirado suas forças para qualquer tipo de ação. A única coisa que fez, ao entrar em seu novo lar, foi deixar escorregar sua mochila pelo ombro e escorar-se no balcão da cozinha, deslizando o corpo pela parte lateral do móvel, até sentar-se no chão. Envolto pelas sombras da noite, queria poder voltar no tempo, queria poder nunca ter conhecido Beatriz, queria esmurrar Tomás.

Como era possível ter se enganado tanto com o caráter do amigo? Com Beatriz era mais fácil aceitar de que tinha se deixado levar pela sedução, mas a traição de Tomás era impensável para Marcos. Anos de trabalho produtivo, jogados fora. E para quê? Nunca faltaram mulheres para Tomás, era só ele querer e todas se derretiam. Mas a caça às “suas presas” devia estar ficando sem graça para ele. Já Beatriz era proibida e excitante. Para estar com ela era preciso muita adrenalina nas veias e isso tornava o jogo muito prazeroso.

No começo Tomás e Beatriz tomavam cuidados extremos para não serem descobertos, mas o vício na adrenalina se intensificou, tanto que tinham marcado aquele encontro à luz do dia, num hotel muito frequentado no centro da cidade. O risco de serem descobertos fazia parte das preliminares do ato sexual para eles, e já começavam a se tocar dentro dos elevadores, sem se importarem com as câmeras de segurança.

Marcos tentava raciocinar os motivos pelos quais Tomás tinha feito o que fez. Ele queria acreditar que os dois tinham se apaixonado, mas pela forma como tinham se comportado em público, tendo a noção de poderem ser flagrados a qualquer instante, Marcos só podia pensar o pior. Eles não estavam nem um pouco preocupados nas consequências de seus atos, só em obter prazer.

Ter ido embora, sem confrontá-los, cobraria seu preço mais tarde. Porém, naquele instante, Marcos só queria fechar os olhos e parar de pensar. Suas têmporas latejavam e uma dor de cabeça começava a ficar insuportável. A perspectiva de passar a noite acordado e com dor, sem ter onde dormir, não era nada agradável. Reunindo o pouco de energia que lhe restava, chamou um táxi. De castigo já bastava sua vida. Desceu para o hall do prédio e, quando o carro chegou, pediu ao motorista que o levasse ao hotel decente mais próximo. Uma cama limpa, e dois comprimidos de um remédio tarja preta, era só do que precisava.

Acordou tarde na manhã seguinte. Tomou um banho quase frio, para acabar com a sonolência produzida pelo medicamento. Precisava estar lúcido para comprar os móveis e acessórios necessários ao seu apartamento e conseguir um colchão que fosse entregue naquele dia mesmo. Não queria mais ter que passar a noite no hotel, queria começar logo a reconstruir sua vida.

Não tendo mais os pais vivos e sendo filho único, Marcos não necessitava comunicar a ninguém o seu paradeiro. E para não ser encontrado, pelo ex-sócio e por Beatriz, trocou o chip do celular e saiu de todas as redes sociais. Até porque provavelmente dariam graças por ele ter ido embora. Já pela retirada do dinheiro...

Ainda conseguiu alcançar o bufê de café da manhã. Tomou uma xícara de café e comeu uma torrada com manteiga, mesmo sem ter vontade. Se não comesse seu estado de espírito pioraria ainda mais e Marcos sabia que precisava de energia. Não se entregaria tão facilmente à depressão, lutaria com todas as forças para fugir do buraco negro que o estava atraindo. A tentação era grande, de se largar numa cama e nunca mais ver a luz do dia. Mas não daria este gosto aos traidores.

Antes de sair do hotel, pediu a indicação de algumas lojas para a recepcionista, que lhe indicou uma de colchões bem próxima e outra de móveis algumas quadras adiante. Na de colchões estava tendo uma queima de estoque e os colchões expostos estavam disponíveis para pronta entrega. Marcos escolheu o de casal mais confortável que encontrou. A base estava incluída no preço, só teria que arrumar uma cabeceira, mas isso ficaria para depois. A entrega foi combinada para às seis da tarde.

A segunda parada foi na loja de móveis, que também vendia tudo o mais que uma casa pudesse precisar. Escolheu um jogo de pratos, outro de panelas, copos, talheres, toalhas de mesa, lençóis, travesseiros, almofadas, colchas, abajur, mesa, cadeiras, estofados, televisão... Pelo valor gasto na compra, conseguiu que tudo fosse entregue no mesmo dia. Felizmente dinheiro não era problema.

Faltava fazer algumas compras de supermercado, para abastecer a casa com alimentos e produtos para limpeza e higiene. Mas como estava a pé, teria que mandar que entregassem. Estava com preguiça de ir buscar o carro. Achou melhor procurar um supermercado por perto e terminar as compras de uma vez. Estando na região central, foi fácil localizar um. Encheu dois carrinhos até quase transbordarem e pegou um táxi para voltar. O motorista ajudou a descarregar as sacolas na garagem e Marcos as colocou no elevador.

Como não tinha almoçado, preparou um sanduíche e sentou-se no balcão da cozinha para comê-lo. Dali mesmo podia observar toda a vizinhança. Mais tarde, suas outras compras começaram a chegar. Os móveis preencheram um pouco o amplo ambiente da sala, mas ficaram faltando muitos detalhes para deixar o local aconchegante. Sem ter mais ninguém para atender, tomou dois dos seus comprimidos e foi para a cama.

Na manhã seguinte, acordou desorientado, sem saber direito onde estava. Depois de piscar algumas vezes, a lembrança de tudo o que tinha acontecido invadiu sua mente e a sensação que sentiu em seu corpo foi a de estar soterrado por uma avalanche de neve. Gelado, não conseguia se mexer, nem respirar. Por um momento, passou em seu pensamento a ideia de se entregar à morte, mas a ânsia da vida foi mais forte.


RESPIRE! RESPIRE! RESPIRE!


Atirou as cobertas para longe e puxou o ar com força para dentro dos seus pulmões. A umidade gelada do inverno curitibano invadiu seu peito, trazendo de volta a angústia que vinha reprimindo, desde que tinha visto Beatriz nos braços de Tomás. A lembrança do anel de noivado provocou-lhe náuseas e ele precisou correr para vomitar no banheiro. Para suas entranhas aquelas lembranças eram como um veneno que precisava ser expelido.

Sentado no chão frio ao lado do vaso, sentiu-se miserável, sem a menor ideia do que fazer, nem de qual caminho seguir. Tinha sido uma ilusão pensar que mudar-se de cidade seria a resposta para os seus problemas. Não era. Os problemas estavam dentro dele. Arrasado, Marcos começou a chorar, seu corpo sacudindo pela dor de ter sido traído. As lágrimas alcançavam sua boca, trazendo todo o seu amargor.

Não sabia precisar quanto tempo ficou no chão, até conseguir se arrastar para o chuveiro. Abriu a torneira e esperou a água ficar bem quente, para se aquecer até a alma. Como num filme, pequenas cenas passavam em sua tela mental, enquanto a água escorria por seu corpo. Beatriz sorrindo para Tomás, a proximidade íntima quando se cumprimentavam, os toques com as mãos que davam um no outro. Tinha sido um idiota.

Ao mesmo tempo em que o corpo de Marcos se aquecia no chuveiro seus sentimentos sofriam uma transmutação. O que era dor se transformou em ódio e o que era tristeza num sentimento de vingança. Marcos agora sabia como prosseguir. Destruiria Tomás. Será que Beatriz permaneceria junto do ex-sócio caso ele perdesse todo o dinheiro? Era o que pretendia descobrir.

Vestiu-se rapidamente e ligou seu laptop, acessando sua lista de contatos. Ligou para os clientes mais importantes, avisando que estava montando uma nova empresa e oferecendo seus serviços, caso não ficassem satisfeitos com o andamento dos projetos já contratados. Quando perguntavam o porquê dele ter saído, dizia a verdade sem maiores explicações, que tinha perdido a confiança em Tomás, por isso não tinha mais condições de trabalhar com ele.

Marcos sabia que seu trabalho era fundamental para a satisfação dos clientes. Era ele quem fazia os ajustes finais dos projetos, era ele que conhecia o pessoal terceirizado que programava, fazia edição, arte e divulgação na mídia, era ele que sabia aplicar e fazer render o dinheiro que ganhavam. Tomás era a imagem da empresa, era um vendedor nato que conversava e atraia clientes com seu jeito sedutor de ser. Mas da parte técnica ele não entendia nada, nem nunca quis entender.

Nos e-mails que Marcos tinha conseguir ler, trocado entre os traidores, Tomás parecia só não ter desfeito a empresa por causa do dinheiro que teria que dividir, mas não mencionava nenhum medo sobre diminuição da qualidade de trabalho que seria fornecida. Pois que mostrasse serviço, então.

Sabendo, através da sua rede de contatos, de que uma grande empresa de vendas pela internet estava cogitando mudar o modo de operação de seu site, Marcos já vinha preparando um material para que Tomás chegasse até eles e demonstrasse as inovações que tinha pensado, e que seriam excelentes para transformar a experiência do cliente na hora das compras. Felizmente não tinha comentado, nem mostrado nada para Tomás.

O momento era o de superar suas dificuldades e se lançar como vendedor de suas próprias ideias. Daria entrada para a abertura de uma empresa individual e tentaria conseguir uma reunião com os diretores da empresa que queria as mudanças. Tinha contatos para isso e estava determinado a se reerguer com clientes ainda maiores do que aqueles que Tomás conseguia. Ficaria por cima novamente e esmagaria o ex-sócio.

A raiva ajudou Marcos a descobrir talentos que ele não imaginava possuir. Uma reunião foi agendada e ele conseguiu expor suas ideias com clareza e confiança. Acabou assinando um contrato bem lucrativo e já emendou mais dois projetos para antigos clientes. Passou a trabalhar muitas horas por dia, para dar conta dos compromissos assumidos. Estava cansativo não ter ninguém que o ajudasse, mas com a mente tão ocupada não havia espaço para depressão. Só parava mesmo para comer, observando pelas vidraças o que estava acontecendo nos arredores.

Afastado das redes sociais, para não ter o desprazer de se deparar com qualquer novidade sobre Tomás e Beatriz, distraía-se olhando a vizinhança, porque nem a televisão nova tinha se dado ao trabalho de instalar. Achava interessante imaginar a vida das pessoas, baseado nas observações que fazia delas. A jovem que morava na casa da esquina era quem mais o intrigava. Por que será que morava sozinha numa casa tão grande? Só a tinha visto sair para passear com seus dois cachorros, ou para ir ao supermercado. E à noite, quando a luz estava acesa, podia observá-la pela janela do segundo andar, que estava sempre com a cortina aberta, porque um dos cachorros gostava de ficar de plantão cuidando da casa. Decidiu comprar um binóculo para vê-la melhor. Estava parecendo o personagem do filme clássico, “Janela Indiscreta”, do cineasta Alfred Hitchcock.

E foi o que fez no dia seguinte. Com seus trabalhos adiantados, saiu à procura do objeto. Encontrou o binóculo numa loja do shopping e aproveitou comprar tapetes e almofadas para a sala e uma cabeceira para a cama. Pensou em comprar quadros também, mas resolveu deixar para outro dia. Antes de ir embora, passou na praça de alimentação e comprou uma porção de macarrão para levar.

Chegou a tempo de espiar a vizinha, num dos seus passeios com os cães. Através das lentes, pode observar seu rosto. Ela era bonita, entre vinte e trinta anos, mas parecia haver tristeza em seu olhar. Voltou ao trabalho, mas não parava de pensar na vizinha. Pareceu ter reconhecido nela seus próprios sentimentos. Será que estaria projetando seu sofrimento naquela desconhecida?

Marcos se deu conta de que estava pensando mais na vizinha do que em Beatriz. Felizmente. Mas seus planos de vingança continuavam fortes. Em breve seu novo trabalho no site da grande empresa seria colocado em funcionamento. Com certeza a notícia chegaria até o Tomás e também aos antigos clientes, devido ao projeto audacioso e inovador que tinha criado.

Caso recebesse outras propostas de trabalho, precisaria contratar funcionários efetivos, além dos terceirizados. Alguns dos seus ex-funcionários já o tinham procurado, querendo migrar para sua nova empresa. Contaram que Tomás não estava dando conta de gerenciar os assuntos como um todo, criando conflitos entre os empregados e deixando clientes sem atendimento no prazo combinado. Marcos ficou com vontade de perguntar sobre Beatriz, mas se conteve. Não precisava mais saber dela, precisava excluí-la de sua vida, isso sim.

Quando à noite chegou, e a luz da janela da vizinha se acendeu, Marcos pegou o binóculo. Ele só não estava preparado para a reação corporal que teve, quando viu a vizinha só de calcinha. A visão foi rápida, mas sensacional. Ficou tão excitado que precisou se masturbar com urgência.


Na manhã seguinte foi falar com o porteiro.


– Bom dia, Carlos!

– Bom dia, seu Marcos!

– Você por acaso conhece a jovem que mora na casa amarela da esquina?

– A Lara? Conheço sim. Eu trabalhava naquele prédio, ao lado da casa dela e, sempre que ela saia com os cães, a gente conversava um pouco.

– O que você sabe sobre ela?

– Bem, nunca falamos nada pessoal, só sobre o tempo e sobre os cachorros, mas eu sei que ela tinha um marido e agora não está mais usando aliança. Acho que se divorciou.

– Já faz tempo isso?

– Um ano mais ou menos.

– Você sabe no que ela trabalha?

– Um dia eu a ouvi conversando com uma moradora do prédio e dizendo que era escritora.

– Ah, que interessante. Vou tentar falar com ela. Seria bom ter uma amiga.

– Se precisar de ajuda, me avise. Posso fazer as apresentações.

– Obrigado, eu aviso sim.


Marcos subiu para o seu apartamento, intrigado com a solitária vizinha escritora chamada Lara. Que gênero será que ela escreveria? Romance, Fantasia, Policial, Erótico,... Definitivamente Erótico... Imaginou-a digitando suas histórias, vestida só de calcinha. Ficou excitado novamente e mais uma vez se masturbou pensando nela.

O resto da manhã passou rápido e Marcos lembrou-se de que precisava fazer compras. Aproveitou a pausa do almoço para ir a pé até o supermercado. Era só ir reto por uma quadra, virar à direita na esquina e andar mais uns cinquenta metros. Enquanto caminhava, fazia uma lista mental dos produtos que pretendia comprar. Distraído que estava, dobrou à direita e deu de encontro com a pessoa que vinha andando pela direção oposta. Por uma coincidência do destino, era a vizinha misteriosa.


– Por favor, me desculpe! – falou Marcos, constrangido por ter esbarrado nela com força, derrubando uma das sacolas que ela estava carregando.

– Não foi nada! – Lara respondeu, enquanto se abaixava para recolher os itens que tinham caído.


Marcos rapidamente se abaixou para ajudá-la e seus olhos se cruzaram rapidamente. Ele pode notar que ela estava muito triste.


– Você está bem? – perguntou com suavidade, fazendo com que os olhos dela se enchessem de lágrimas, mas que ela tentou disfarçar, voltando o olhar para o chão.

– Estou sim, não se preocupe. Foi só um esbarrão.

– Você não quer que eu te acompanhe até a sua casa? Posso carregar as sacolas para você.

– Não precisa, obrigada! – ela agradeceu, dando um sorriso tímido para ele, antes de ir embora.


Marcos teve vontade de insistir para que ela o deixasse acompanhá-la, mas se conteve. Não queria assustá-la. Pode sentir que ela estava sofrendo e que não tinha ninguém para dividir sua dor, assim como ele.

Precisou de esforço para se focar em seu trabalho, porque os olhos tristes da vizinha não saíam de seu pensamento. Já estava com sua própria equipe formada, mas por enquanto trabalhando à distância. Dois programadores, que não quiseram permanecer com o Tomás, juntaram-se a ele. Deles recebeu notícias de que as coisas tinham piorado ainda mais para o ex-sócio. Clientes debandando e o relacionamento com Beatriz tinha terminado.

Não precisaria se esforçar muito para concretizar sua vingança contra Tomás, o próprio andamento da vida estava se encarregando disso. Quanto à Beatriz, já deveria estar dando o golpe em algum outro otário. Desejou que a vida também lhe desse o troco. Pelo fim da tarde, encerrou suas atividades e deitou-se no sofá para assistir um pouco de televisão, que finalmente tinha instalado. Acabou dormindo e só acordou de madrugada. Como não tinha jantado, resolveu dar uma passada na cozinha, antes de ir para o quarto. Preparou um sanduíche e depois apagou as luzes, para saborear o pão, observando à noite lá fora. As luzes da casa da Lara estavam apagadas, já era tarde. Marcos concluiu que devia estar dormindo. Lamentou ter perdido o horário em que ela poderia estar semidespida, andando pela sala.

Quando ia dar por terminado seu sanduíche, um flash de luz, no telhado da vizinha, chamou sua atenção. Viu dois indivíduos com lanternas, andando de modo sorrateiro pela beirada das telhas. Só podiam ser ladrões, tentando entrar de algum jeito. O alarme interno de Marcos disparou. Lara estava sozinha e ficaria refém dos bandidos. Não queria nem imaginar o que poderiam fazer se a encontrassem só de calcinha.

Sem tempo a perder, ligou para a polícia, dando as informações sobre o que estava acontecendo. Avisou que os esperaria na frente da casa. Saiu correndo pelas escadas mesmo, porque não quis esperar o elevador. Necessitava estar lá, para salvar Lara daqueles marginais. Chegou antes deles e viu o rosto apavorado de Lara. Ela sabia que estavam tentando entrar na casa. Marcos fez sinal para ela descer e vir para fora. Tentou fazê-la entender por mímica, que havia chamado à polícia e que havia dois bandidos em cima do telhado.

Lara pareceu entender e sumiu da janela. Um minuto depois ela abriu a porta e saiu apavorada, com um cachorro em cada braço e as guias deles na mão. Marcos já fazia sinal para o carro da polícia que vinha chegando. Os policiais perguntaram sobre os bandidos e Lara avisou que eles tinham conseguido entrar pelo jantar interno e estavam lá dentro.

Ajudou Lara com os cães, colocando-lhes as guias e depois tirou seu moletom para ela vestir, porque ela estava de camisola. Branca como papel e tremendo muito, Lara aceitou o blusão, que a cobriu por inteiro. Nesse momento, os dois escutaram dois tiros sendo disparados. Saíram correndo para se protegerem atrás do carro. O coração de ambos em disparada. Por sorte, o confronto entre os policiais e os bandidos logo acabou. Um dos assaltantes foi ferido no ombro e o outro acabou se rendendo. Foram conduzidos algemados para fora e colocados presos na parte traseira da viatura. Os policiais pediram que Marcos e Lara passassem no dia seguinte na delegacia, para darem seus depoimentos e formalizarem a queixa sobre o ocorrido. Os dois responderam que iriam.


Depois que a viatura foi embora...


– Foi você que chamou à polícia? – perguntou Lara, enquanto Marcos a acompanhava até dentro de casa.

– Fui sim – ele respondeu. – Eu moro ali, no prédio novo da esquina. Vi os bandidos andando no telhado da sua casa e liguei para eles.

– Puxa, obrigada! Nem sei o que poderia ter acontecido se você não tivesse me chamado para fora.

– Que bom que tudo acabou sem que vocês se machucassem.

– Nem fale! Desculpe, mas não sei seu nome.

– Marcos.

– Obrigada, Marcos, por ter vindo me ajudar, mesmo sem me conhecer.

– Somos quase conhecidos, afinal nos esbarramos hoje pela manhã, está lembrada? – ele brincou, para aliviar um pouco à tensão.

– Sim, é mesmo – Lara sorriu. – Então deixe eu me apresentar melhor. Eu me chamo Lara.

– Muito prazer, Lara.

– Ah, me deixe devolver seu moletom.

– Não se preocupe, amanhã você me devolve. E, se quiser, podemos ir juntos até a delegacia.

– Quero sim.

– Então eu passo aqui lá pelas dez, pode ser?

– Pode.

– Combinado. Vou te deixar descansar agora. E feche bem todas as portas depois que eu sair.

– Vou fechar. Obrigada mais uma vez.

– De nada! Até amanhã.

– Até.


Lara fechou a porta sentindo-se encantada com o seu vizinho. Ele tinha sido prestativo e gentil, salvando-a de uma situação terrível e oferecido seu moletom. Podia sentir o perfume dele, no tecido macio que a envolvia. Gostou do cheiro, muito mais do que esperava.

Desde que seu casamento, que pensava ser ideal, ruiu, não sentia desejo de chegar perto de homem algum. Quando descobriu que o ex-marido tinha vida dupla, que tinha outra mulher e ainda desviava dinheiro para pagar as despesas da amante, Lara ficou com muita raiva. Expulsou o ex-marido, obrigando-o a retirar todas as coisas dele de dentro da casa. E com a ajuda de um advogado, conseguiu que o divórcio fosse concluído em pouco tempo.

O ex-marido mostrou-se arrependido várias vezes, implorando para que ela o perdoasse e o deixasse ficar. Mas Lara estava com ódio no coração por ter sido enganada, ódio por não ter percebido antes, ódio por saber que ele transava com outra e depois vinha transar com ela. Nem no dia da assinatura do divórcio ela não se comoveu ao ver lágrimas nos olhos do ex. Lágrimas de crocodilo, pensava ela.

Porém, conforme o tempo foi passando, o ódio que sentia foi perdendo força, sendo substituído por uma tristeza imensa, que a fazia querer ficar sozinha, longe de tudo e de todos. Por isso não esperava a reação que teve ao sentir o cheiro de Marcos, uma sensação de intimidade que a fazia desejar colar seu corpo ao dele, para ser abraçada e beijada com paixão.

Acabou se deitando vestida com o moletom. Queria aproveitar ao máximo aquela sensação. Era bom saber que seu corpo não estava morto, que ainda tinha desejos. Seria o indício de que poderia se apaixonar novamente?


***


No dia seguinte, quando Marcos chegou, Lara já estava pronta, esperando-o na porta. Ela não via a hora de resolver tudo na delegacia, para não mais pensar no que tinha acontecido.


– Bom dia! – ele disse, assim que Lara entrou no carro.

– Bom dia! Obrigada por ter vindo me buscar.

– Não precisa agradecer, eu teria que ir lá de qualquer jeito. Conseguiu dormir?

– Demorei, mas consegui. E você?

– Também.

– Tomara que seja rápido. Não quero prejudicar seu trabalho.

– Como o meu patrão sou eu mesmo, me dei à manhã de folga. Pode ficar tranquila que está tudo bem, meu trabalho não será prejudicado.

– Obrigada por não fazer eu me sentir culpada de tomar seu tempo.

– Você não tem culpa de nada, Lara. Você foi vítima de dois marginais que invadiram sua casa. E se eu me envolvi foi por minha conta e risco.

– Mesmo assim, saiba que nunca vou esquecer o que fez por mim. Serei eternamente grata.

– Não precisa exagerar, não fiz nada de mais.

– Fez sim, esteve presente quando eu precisei.


Uma lágrima transbordou dos olhos marejados de Lara. A dor de saber-se só, dependendo de estranhos para protegê-la, escorria por seu rosto. Marcos pegou um lenço de papel e ofereceu para ela.


– Desculpe! Não consegui evitar.

– Não precisa se desculpar. Entendo muito bem de tristezas.

– Quem não as têm, não é mesmo? – ela indagou, buscando compreensão no olhar dele.

– Quem não as têm... – ele repetiu, olhando com carinho e empatia para ela.


Felizmente foram atendidos com rapidez na delegacia e deram por encerrado o assunto do assalto. Aliviada, Lara suspirou.


– Não foi tão difícil assim – ele disse, dando risada do jeito dela.

– Não foi, mas fico feliz por ter terminado.

– Eu entendo você, delegacias são intimidantes. Mas já estamos voltando para casa. Daqui a uma semana você nem vai lembrar-se disso.

– Assim espero.


Só quando Marcos parou na frente da casa de Lara é que ela se lembrou de que tinha que devolver o moletom dele.


– Eu preciso devolver seu moletom, mas quero lavar ele antes.

– Não se incomode com isso. Pode me devolver como está.

– Eu insisto. Assim que estiver seco, eu o deixo na sua portaria. Já abusei demais da sua gentileza. É o mínimo que posso fazer.

– Então vamos fazer assim, você me entrega hoje de noite e janta comigo. Gosta de pizza?

– Gosto, mas...

– Não tem mas... Espero você às sete, apartamento 601.

– Está bem.

– Até de noite, então!

– Até.


Laura desceu do carro com o coração aos pulos. Ao mesmo tempo em que queria jantar com o vizinho, tinha vontade de escapar do convite. Temia os novos sentimentos, que estavam derrubando as defesas que tinha erguido para não sofrer. Mas Marcos havia se mostrado um cara legal e era justo que desse um voto de confiança para ele. Afinal, seria só um jantar entre amigos.

Decisão tomada, Lara pegou o moletom para colocá-lo na máquina de lavar, mas não antes de sentir mais uma vez o perfume dele no tecido. Ficou até tentada a não devolver e quis evitar pensar nos motivos que a faziam desejar isso. Mas evitar pensar numa coisa só nos faz pensar mais nela. Lara passou a se imaginar acariciando o tórax de Marcos, sentindo o perfume direto da sua pele. A vontade de ser beijada fazia com que sua boca se enchesse de água e a vontade de fazer amor com ele latejava no meio de suas pernas.

Completado o ciclo de lavagem e secagem, Lara passou e dobrou cuidadosamente o blusão, lembrando com gratidão do gesto de proteção de Marcos. Para retribuir de alguma forma, decidiu levar uma sobremesa para comerem depois da pizza, um creme de baunilha coberto por geleia de damasco, nata batida e raspas de chocolate. Ficou torcendo para ele gostar.

No final da tarde, depois de deixar os cachorrinhos cuidados e alimentados, Lara foi tomar banho para se arrumar para o jantar. Escolheu o vestido que a deixava mais bonita, de tecido leve, com estampa de poás. Depois do banho, vestiu-se e maquiou-se levemente, dando uma última olhada no espelho para conferir sua aparência. Ficou contente por não ver o menor traço de tristeza em seus olhos. Já estava mais do que na hora de superar a traição sofrida.

Com o moletom acomodado numa sacola e a sobremesa numa embalagem térmica, Lara respirou fundo e seguiu caminhando até o apartamento do vizinho. Quem estava na portaria era o seu amigo Carlos.


– Oi, Carlos! Tudo bem?

– Oi, Lara! Estou bem sim, feliz porque já estou quase indo pra casa descansar. O seu Marcos já a está esperando. Vou avisar que você está subindo.

– Obrigada! Bom descanso para você!

– Obrigado! Para você também!


Dentro do elevador, Lara sentia o coração batendo rápido dentro do peito. É só um jantar, repetia para si mesma. No que as portas do elevador se abriram, ele a esperava para recebê-la.


– Bem vinda! – cumprimentou-a com um beijo no rosto.

– Obrigada! – ela respondeu, correspondendo ao beijo. – Trouxe seu moletom e uma sobremesa. Espero que goste.

– Adoro doces! Tenho certeza que vou adorar. Mas entre, só não repare na arrumação, porque ainda estou trabalhando na decoração do apartamento.

– Seu apartamento é muito lindo. Adoro esse conceito aberto, com todos os ambientes integrados.

– Eu também gosto. Dá uma sensação de liberdade.

– E esta cozinha maravilhosa? Gosta de cozinhar?

– Às vezes me arrisco preparando uma massa, mas é só o que sei fazer.

– Posso guardar a sobremesa na geladeira?

– Claro! E se estiver com fome, já podemos encomendar a pizza.

– Você decide.

– Então vou encomendar, porque não tive tempo de almoçar hoje.

– Você perdeu mesmo muito tempo na delegacia. Desculpe.

– Pare com isso. Eu não almocei porque recebi uma notícia triste. Acabei me envolvendo no assunto e não pude comer.

– Sinto muito. Espero que tudo se resolva bem.

– Também espero. Você aceita um vinho? – ele perguntou, para mudar de assunto.

– Aceito!


Enquanto Marcos fazia o pedido da pizza e abria o vinho, Lara estudava o ambiente e as reações dele. Percebeu angústia em seu olhar, quando mencionou a notícia triste e entendeu que ele quis mudar de assunto. Sua primeira impressão era de que ele era tão solitário quanto ela. Nada no ambiente a fazia imaginar que ele tivesse família, ou alguém especial em sua vida.


– Em vinte minutos a pizza chega. Você quer comer no balcão da cozinha ou prefere na mesa de jantar?

– No balcão da cozinha está ótimo.

– Vou pegar os pratos então.

– Se quiser ajuda é só me avisar.

– Obrigado, mas você já fez muito trazendo a sobremesa.

– Um pequeno agradecimento por ter me ajudado.

– Uma delicadeza da sua parte.


Conversaram sobre amenidades, enquanto esperavam a pizza. Marcos quis saber mais sobre o bairro e a cidade em geral. Lara deu dicas sobre a vizinhança e contou da mania dos curitibanos de falarem sobre o tempo, de chamarem salsicha de vina, estojo de penal, mexerica de mimosa. Embora meio distraído, ele parecia estar se divertindo.

Quando a pizza chegou, os dois já estavam mais relaxados pela conversa e pelo vinho. Enquanto comia, Marcos contou das suas andanças pela cidade atrás dos móveis e objetos para o apartamento. Lara ficou com vontade de perguntar o motivo da mudança de São Paulo para Curitiba, mas se controlou. Não sentiu nele disposição para trocar confidências.

Terminada a pizza, ele pegou a sobremesa da geladeira e a serviu em taças de cristal. Estava deliciosa, bem cremosa e gelada. Ele adorou e Lara ficou feliz por ele ter gostado. Depois de colocarem os pratos na pia e guardado o resto das coisas, Marcos mostrou para Lara como dava para ver perfeitamente a casa dela, pelas paredes envidraçadas do apartamento.


– Posso te confessar uma coisa? – ele perguntou, num tom de voz sério.

– Pode – ela respondeu, encarando-o, sem saber como interpretar aquele tom de censura.

– Eu estava olhando sua casa na noite do assalto, na esperança de rever uma cena que eu tinha acompanhado outro dia, a de você passando só de calcinha, por aquela janela que fica sempre aberta. Acabei vendo os ladrões no telhado. Estou te dizendo isso, agora que estou te conhecendo melhor, não para te cantar ou te deixar constrangida, mas para que você tome cuidado. Alguém perigoso pode estar te vendo e nunca se sabe o que uma pessoa má intencionada pode querer fazer.

– Estou lembrada deste dia. Eu tinha esquecido a luz da sala acesa e fui até lá para apagá-la, sem me preocupar em me vestir. Nunca pensei que alguém me veria.

– Não precisa ficar embaraçada – Marcos falou ao vê-la ruborizada. – É que eu não quero que nada de mal de aconteça. Parece que você já tem os seus problemas, não é mesmo? Não precisa de outros mais.

– Não mesmo – Lara ficou em silêncio.

– Vamos nos sentar na sala e tomar mais uma taça de vinho? – ele convidou, sentindo que ela tinha ficado abalada com as palavras dele.

– Já está ficando tarde, é melhor eu ir embora.

– Espero que não tenha ficado chateada com o que eu disse.

– Não fiquei e te agradeço pela preocupação. Preciso cuidar mais de mim mesma. Tomarei providências em relação à janela. Obrigada pelo jantar e pela conversa. E, mais uma vez, por ter chamado a polícia e ido até a minha casa me ajudar.

– De nada. Se precisar de qualquer coisa, pode contar comigo. Vou te acompanhar até sua casa.

– Está bem.


Caminharam em silêncio. Lara ainda não sabia bem o que estava sentindo e ele tinha a sensação de tê-la magoado. Ter recebido, durante a tarde, a notícia de que Tomás tinha tido uma overdose de cocaína e estava internado numa clínica de reabilitação, o deixara transtornado. Queria muito se vingar do ex-sócio, mas não a tal ponto. Tomás tinha se afundado em dívidas, e estava sem condições emocionais e físicas de tocar a empresa. Todos os funcionários o tinham abandonado, assim como Beatriz. A suspeita era de que a overdose tivesse sido uma tentativa de suicídio.

Com tudo aquilo na cabeça, Marcos não conseguiu ser o anfitrião romântico que gostaria. Acabou que a conversa entre ele e Lara ficou superficial, com exceção da revelação de que a tinha visto de calcinha. Não quis magoá-la, mas suas palavras não saíram como gostaria.


– Bem, chegamos. Obrigada por me acompanhar – ela disse, tomando certa distância, para que ele não precisasse beijar seu rosto.

– De nada – ele respondeu, sem se aproximar.

– Boa noite!

– Boa noite!


Solitários novamente, Marcos e Lara procuravam entender o que havia acontecido naquela noite. Se tivessem tido a coragem de partilhar suas tristezas e decepções, a vida de ambos ficaria muito mais leve.

Depois de arrumar a cozinha, ele foi olhar uma última vez para a casa de Lara. A janela que estava sempre aberta, como um convite para que ele partilhasse da vida dela, agora estava fechada, talvez para sempre. Ele nem ao menos a tinha elogiado pela aparência durante o encontro e ela tinha se arrumado tão linda para jantar com ele. Se tivesse agido diferente, poderia quem sabe estar com ela nos braços, beijando-a e fazendo amor.

Como é difícil para o ser humano expressar a verdade de seus sentimentos. As palavras parecem que nos escapam, deixando deslizar sobre elas outros sentidos, acabando com o controle de quem quer se fazer entender.

Marcos queria ter conseguido falar sobre o peso em seus ombros, por sentir que tinha grande parte de culpa pela atitude trágica de Tomás. Lara também gostaria que ele soubesse que tinha passado pela janela só de calcinha porque às vezes não tinha ânimo nem de se vestir, e não porque fosse uma vadia oferecida.


Ela não dormiu.


Ele não dormiu.


Lara saiu cedo da cama para cuidar dos cachorrinhos e depois tentou trabalhar na história que estava escrevendo, mas não encontrou inspiração. Sua vontade era a de ficar na cama chorando. Marcos também levantou cedo. Viu que Lara tinha aberto à veneziana, mas as cortinas estavam cerradas. Era como se ela estivesse lhe dizendo para se afastar, para nunca mais procurá-la. Angustiado, não conseguiu se concentrar no projeto que estava criando e ficou andando de lá para cá, dentro do apartamento. Decidiu que precisava comer alguma coisa, para se acalmar.

Mas quando ele abriu a geladeira, e se deparou com o pirex contendo a deliciosa sobremesa preparada por Lara, suas esperanças se renovaram. Aquele pirex os uniria novamente, porque atos falam com mais clareza do que palavras. Ela quis fazer a sobremesa, para ter um motivo para revê-lo quando ele fosse devolver o objeto. Só podia ser isso.

Animado, transferiu a sobremesa para outra vasilha e lavou o pirex para poder entregá-lo. Desta vez não deixaria que suas tristezas o impedissem de ser verdadeiro com Lara. Contaria tudo o que tinha lhe acontecido, exporia sua vulnerabilidade e ofereceria seu ombro para que ela também lhe contasse o porquê de suas lágrimas.

Com o pirex na mão, foi até lá. Apertou a campainha e esperou. Nada. Apertou novamente, com mais força desta vez. O cachorrinho que gostava de ficar na janela apareceu para ver quem era. Lara também veio. Quando viu que Marcos tinha vindo devolver sua vasilha, começou a tremer. Desceu as escadas, tentando controlar as emoções.


– Oi, vim devolver seu pirex – ele começou.

– Você podia ter deixado com o Carlos, não precisava ter se incomodado de trazer pessoalmente.

– O pirex foi só uma desculpa para eu te ver, Lara. Estou muito arrependido por ter falado com você sobre a janela. Se você me deixar entrar, eu gostaria de me explicar.

– Não me ofendi, se for essa a sua preocupação. Pode ficar tranquilo.

– Me deixe explicar, por favor!

– Está bem, entre.


Marcos seguiu Lara até a sala de estar e os cachorrinhos vieram atrás, fazendo festa para ele.


– Viu, eles gostaram de mim. Sinal que sou boa pessoa.

– São uns danadinhos, isso sim, fazem tudo por um agrado.

– Lara, me perdoe – ele pediu, enquanto agradava as orelhas de um dos cachorrinhos que tinha se instalado em seu colo.

– Mas eu não tenho nada para te perdoar.

– Tem sim. Sei que saiu triste lá de casa.

– Não foi sua culpa, me senti vulnerável, só isso.

– Quero que saiba que eu tinha planejado um encontro bem diferente para nós dois. Um encontro romântico, com música suave e beijo na boca, se você deixasse. Mas recebi a notícia de que meu ex-sócio, e melhor amigo, tentou se matar com uma overdose de cocaína. Eu me senti culpado por ele ter feito isso e não consegui agir naturalmente. Cenas do passado ficavam se passando diante dos meus olhos e eu acabei descontando em você, usando um tom crítico para comentar que outros, além de mim, poderiam te ver nua pela janela. Por estar atraído por você, senti que estava me traindo, como no dia em que vi minha namorada nos braços do meu melhor amigo. Eu abandonei tudo para trás e vim para Curitiba. Ele não conseguiu seguir nos negócios, porque os nossos clientes vieram atrás de mim e porque eu trabalhei para que ele se desse mal. Eu queria me vingar e foi esse desejo que me manteve de pé. Sem dinheiro, minha ex-namorada o abandonou e ele tentou se matar.


Marcos fechou os olhos e colocou as mãos na cabeça, atormentado pelo conflito de sentimentos em sua alma. Condoída, Lara se aproximou dele, pousando sua mão em seu ombro. Seu gesto mostrava que não havia mais ressentimento entre eles e que ela estava ali, para acolher a dor que ele revelava estar sofrendo. Aliviado pela compreensão dela, chorou. Lara secou com as mãos as lágrimas que escorriam dos olhos dele. Sabia, por experiência própria, a falta que fazia ter alguém com quem dividir as tristezas, a falta que fazia o calor de um corpo humano para abraçar e ser abraçada de verdade. Marcos pareceu ler seus pensamentos e sentimentos, puxando-a para dentro de seus braços, tomando seus lábios num beijo desesperado. Precisavam um do outro naquele momento, precisavam do calor de seus corpos mostrando que estavam vivos, precisavam trocar suas angústias por prazer e alívio. Deitaram-se no chão ali mesmo da sala, sem se importarem com a falta de maciez do tapete. Foi como deu, de roupa e tudo, só as calças abaixadas, porém com encaixe profundo. Lara teve um orgasmo múltiplo, que se repetia com as fortes investidas até o gozo dele. Agarrou-se a ele, desejando que o prazer nunca terminasse. Sentia-se no paraíso. Ali, naquela dimensão prazerosa, as lembranças tristes não tinham acesso.

Permaneceram um bom tempo abraçados, fazendo carinhos, um no outro. Marcos queria passar o dia com Lara. O universo conspirou para que os dois tirassem uma folga de todos os problemas, os presenteando com o aparecimento de um dia quente de sol. Aproveitaram para passear pela cidade de mãos dadas, sentindo-se mais próximos a cada minuto. Perceberam que juntos eram fortes, que juntos poderiam superar todas as tristezas.

Quando o dia acabou, Marcos convidou Lara para passar a noite com ele. Com a ajuda dela, ele tinha tomado a decisão de visitar Tomás. Partiria no dia seguinte e queria ter a noite inteira para se despedir. Enquanto ela tomava banho e cuidava dos cachorros, ele preparava o apartamento para recebê-la, trocando os lençóis da cama e abrindo um vinho. Sentia as amarras no passado sem a força de antes. Não precisava mais do sentimento de vingança, tinha algo mais forte, a paixão que sentia por Lara.

Ela havia lhe contado o motivo de suas tristezas e Marcos prometeu que com eles seria diferente, não haveria traição. Um beijo trocado ao entardecer selou essa promessa. Os machucados do coração de ambos começavam a cicatrizar.

Lara foi recebida com abraço e beijo na boca, para compensar à falta de tato no primeiro encontro. A proximidade de seus corpos trouxe novamente o desejo louco de se unirem. Mas desta vez seria com calma. Marcus apagou as luzes e levou Lara, pela mão, até o quarto. Beijou-a com sofreguidão, assim que cruzaram a porta, para depois a erguer no colo e colocá-la na cama. Despiu-se na frente dela, curtindo o desejo que via em seus olhos.

Seu pênis, já ereto, endureceu ainda mais quando Lara tomou a iniciativa de também se despir. Ela foi abrindo bem devagar os botões do casquinho de fio que estava usando, revelando seus belos seios arredondados, cobertos com um sutiã meia taça de tecido rendado rose, que contrastava lindamente com o tom da sua pele. Depois foi a vez da calça jeans justa, que marcava todas as curvas, ir ao chão.

Marcos não aguentou ficar só olhando e se aproximou para acariciar as deliciosas curvas. Lara gemeu quando sentiu o dedo dele testando sua umidade. Ela já estava pronta, até mesmo antes dele se despir. Ansiava por senti-lo novamente dentro de si, ansiava por aquela sensação de completude paradisíaca. Por isso ficou de quatro na cama, oferecendo suas curvas macias como anteparo para as investidas do enorme membro intumescido. Marcos não se fez de rogado e penetrou Lara com vontade de dar e sentir muito prazer. Apoiada, com as mãos na cabeceira, ela se deixava guiar pelo ritmo dele, contraindo sua vagina para senti-lo ainda mais fortemente. O gozo veio para ela das profundezas de seu útero, irradiando-se por todo o corpo. Atingiu o nirvana. Marcos a acompanhou no paraíso, inundando-a com sua ejaculação. Exaustos, mas felizes, encaixaram seus corpos para dormir, desfrutando da deliciosa e relaxante sensação pós-orgasmo.

Despediram-se no dia seguinte com mais sexo. Ele não queria ir, mas precisava ter de volta sua paz de espírito. E isso significava acertar as coisas com Tomás. Antes de entrar no táxi, que o levaria para o aeroporto, trocou com Lara um último beijo no portão.


– Eu vou, mas volto – ele disse.

– Sentirei saudades.

– Também sentirei, meu amor, mas pense que nosso futuro juntos está apenas começando. Teremos muitos momentos felizes para viver.


Lara acenou quando o carro partiu. Seu coração acalentava a certeza de que seus sentimentos eram correspondidos com a mesma intensidade e a certeza de que tinha encontrado o verdadeiro amor de sua vida.

 

                                                    Nic Chaud         

 

 

 

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