Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


TEIMOSO DEMAIS PARA CASAR / Cathy Williams
TEIMOSO DEMAIS PARA CASAR / Cathy Williams

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

TEIMOSO DEMAIS PARA CASAR

 

E então, estão prontas para nosso próximo compromisso? perguntou Betty às duas irmãs, jogando uma mecha branca de cabelos para trás.

            Mais pronta do que nunca — respondeu Muriel, sua voz denotando nervosismo.

—        Claro, somos fadas-madrinhas! — exclamou Hattie, ajeitando a pena de canário de seu chapéu amarelo-claro.

Agitada, quase meteu a varinha de condão, também amarela, no olho. Hattie se orgulhava de sua habilidade em coordenar acessórios.

—        Faz parte de nosso trabalho estarmos prontas... Para tudo — acrescentou, faceira.

As três irmãs estavam no quarto de Ryan Knight no meio da noite. O luar era a única luz a iluminar vaga­mente o aposento.

Betty colocou-se ao lado de um abajur azul enquanto Muriel acomodou-se próxima à cabeceira da cama.

Hattie, por sua vez, flutuava bem acima do leito. Sem­pre adorou passear pelo teto. Gostava muito de estar mais alta do que qualquer outra pessoa.

Hoje estamos prontas para tudo, mas não estávamos há trinta e três anos atrás... e aconteceram aqueles probleminhas com os trigêmeos dos Knight — Muriel, a prá­tica da família, repetiu.

Nem me lembre disto...

Hattie estremeceu, tirou o chapéu e nervosamente pas­sou os dedos pelos cabelos grisalhos e encaracolados. Em seguida voltou a colocar o chapéu. A pena de canário balançou em protesto.

Primeiro Betty se atrapalhou e colocou muito pó mágico com características de bom senso e sensualidade no bebê Jason Knight, depois você também se confundiu e colocou excesso de pó mágico para teimosia e bom humor no bebê Ryan Knight — comentou Hattie.

E então você realmente estragou tudo ao colocar uma dose enorme de pó mágico de inteligência e determi­nação na bebê Anastasia — interveio Muriel.

—        Simplesmente cometi um leve erro de cálculo — Hattie declarou, indignada. —Ainda era noviça naquela épo­ca. Estou muito melhor agora.

Para provar, bateu suas lindas asas e deu uma volta perfeita pelo teto do quarto, da beirada da cama até o batente da porta e então retornou.

Exibida! — bufou Muriel.

Invejosa! — respondeu Hattie.

Nada de brigas, garotas!

A ordem brusca veio de Betty, que era, por causa de apenas nove segundos, a mais velha das trigêmeas e se considerava a líder do grupo.

—        Agora que concluímos nossa missão de encontrar a alma gêmea de Jason, é hora de voltarmos nossa atenção a Ryan.

Muriel fez uma pausa por tempo suficiente para olhar para o alvo, que dormia profundamente. Balançou sua varinha mágica na escuridão, iluminando o quarto com um brilho encantado para observá-lo melhor.

—Parece um anjo! Ele não nos causará muitos problemas.

—        Oh! — murmurou Hattie, claramente cética. — E desanimador. Graças a seu descuido, Ryan é muito teimoso. Ainda bem que seu constante bom humor o torna simpático e querido por todos.

Muriel fez gesto de desdém.

As piadas que conta são famosas.

Na verdade são infames — ponderou Betty.

Tem certeza de que a característica principal dele não é ser desorganizado? — Hattie indagou, olhando a bagunça reinante com censura.

Havia roupas jogadas sobre uma poltrona e uma calça ieans no chão. Não se viam espaços vazios sobre a cômoda. O viso de pinho abrigava uma toalha molhada e diversas revistas, entre outras coisas.

            É um rapaz! — Muriel o defendeu.

            O irmão dele, Jason, também é — argumentou Hattie e é extremamente asseado.

Betty juntou-se à conversa.

            Quanto mais asseados e organizados eles são, mais dificilmente se envolvem em assuntos amorosos. Nosso tra­balho com Jason está feito. Já o unimos a sua alma gêmea. Agora temos de fazer o mesmo com Ryan.

—        Eu ainda digo que um pote de geléia de uva não é o lugar adequado para guardar o pó mágico das fadas.

A voz musical de Hattie estava repleta de desaprovação. Betty não lhe deu muita atenção.

—        Não uso mais o pote de geléia de uva. Mudei para de morango. E eu só o levo em batizados, por isso não meta suas asas onde não é chamada.

Hattie pousou, o salto alto batendo na madeira polida do chão.

—        Continuo dizendo que você e Muriel não demonstram respeito suficiente para a importância do que fazemos. Fádas-madrinhas encantadas são uma instituição. Nós somos... míticas.

Hattie disse a palavra com grande reverência.

—        Ora, não é com isto que devemos nos preocupar — argumentou Muriel. — Eu digo que precisamos nos unir para reivindicar menos horas de trabalho e mais benefíciopara nossa classe. Olhem para o que aconteceu com nossas antecessoras.

Hattie lhe lançou um olhar exasperado.

—        Nossas antecessoras se aposentaram após duzentos e cinqüenta anos e estão ótimas. Você nunca levou nosso trabalho a sério.

—Não fui a única a pensar que ser uma fada- madrinha era uma diversão.

Sim, você foi — manteve-se Hattie, e então acres­centou: — Você e Betty.

Aquilo foi apenas para provocar você — falou Muriel —e depois já era tarde demais para alterar as coisas. A verdade é que nós não estaríamos nessa confusão se você não tivesse entrado no lugar errado no Paraíso. Se houvesse colocado seus óculos em vez de ser tão desleixada, teria lido o aviso e percebido que estávamos no lugar errado.

Mas você gostou do trajeto porque era mais curto do que os outros.

Agora já sabemos por quê.

Muriel passou a mão impacientemente pelas mechas de seus cabelos brancos e curtos, fazendo o penteado ficar ainda pior e dando-lhe aparência de uma vassoura.

Este trabalho de fada madrinha é muito difícil.

Eu preferia ser um anjo da guarda — confessou Hattie.—As asas deles são muito mais elegantes e são altos.

As asas deles são mais altas? — perguntou Muriel.

Não.

Hattie franziu a testa antes de se lembrar de que aquilo causava rugas. E já tinha muitas.

—        Os anjos são mais altos do que nós.

Betty bateu as mãos para chamar-lhes a atenção.

—        Já chega de tantas histórias. Não temos tempo para isto.

O ronco que se ouviu as fez recordarem do propósito de estarem ali. Três pares de olhos azuis pousaram em Ryan.

Ele dormia virado para o lado direito. Sua cabeça se apoiava no travesseiro de uma maneira que lhes dava boa visão de seu perfil. Testa larga, sobrancelhas grossas, cílios compridos, nariz reto e lábios expressivos.

Um lençol cobria o corpo esguio mas forte como aço. Um braço musculoso se pronunciava para fora da coberta como para alcançar algo... ou alguém... durante o sono.

—        Ele não é tão bonito quanto seu irmão.

A proclamação veio de Hattie, que dava muita impor­tância a aparência.

—        Pare de criticá-lo.

Muriel voou até a base da cama para direcionar sua varinha mágica aos pés descalços de Ryan.

Obedecendo ao comando, os lençóis cobriram os pés completamente.

Gosto dele.

Eu também — falou Hattie. — E óbvio pelas linhas de expressão de seu rosto que ele ri muito.

Graças a mim.

Muriel orgulhosamente endireitou os ombros, passando a mão para ajustar as vestes brancas na altura do avan-tajado bumbum.

Ele também adquiriu um temperamento teimoso ao extremo graças a você — Betty a fez lembrar-se. — Re­corde-se de como ele trabalhou nesta casa sozinho quando se mudou para cá, teimosamente se recusando a chamar um profissional para consertar o encanamento de gás.

Sim, e quase se queimou no trabalho — acrescentou Hattie.

—Acho que ele aprendeu a lição desde então — declarou Muriel sem muito entusiasmo. Betty não pareceu convencida.

Em relação a reparos na casa talvez, mas não em sua vida amorosa.

Mas ele não tem exatamente uma vida amorosa — observou Muriel. —Não trabalhando como U.S. Marshal.

Agente U.S. Marshal — corrigiu-a Hattie.

Isto, isto — Muriel falou com desdém.

Já basta.

Betty bateu as mãos imperiosamente.

—        Chega de discussões. Vamos fazer nosso trabalho!

 

Por que você não atira em mim em vez disto? — o agente U.S. Marshal Ryan Knight disse para seu patrão, Wes Freeze.

—        Atirar em você?

Wes procurou ganhar tempo, inclinando-se na confortável poltrona e fixando o olhar em Ryan de maneira fria.

Oh, não! — murmurou, a voz repleta de satisfação. — Eu preferiria torturá-lo demoradamente e observá-lo retorcer-se de dor.

Isto definitivamente me aborrece! — Ryan exclamou, in­clinando-se para frente na poltrona em sinal de desafio.

Aos trinta e três anos, já passara por diversos problemas e conhecia suas forças... E fraquezas.

—        Confie em mim. Não sou o homem certo para esta tarefa. A sala de Wes, no escritório regional de Portland, parecia

estar ficando menor a cada segundo. Sentado ali a encarar o rosto desaprovador de seu patrão, Ryan subitamente lembrou-se de ter enfrentado um olhar igual do diretor da escola ginasial Chicago's Lincoln.

As peças pregadas por Ryan eram famosas mas nada apre­ciadas pelo diretor ou por Wes naquele momento. Ryan disse a si mesmo que nenhum dos homens era conhecido por ter um senso de humor muito desenvolvido.

—        Vamos retornar ao assunto que temos em mãos, está bem? — Wes falou ao apontar o dedo indicador para um papel sobre sua escrivaninha. — Apenas duas horas após estar sob sua custódia, Anton Leva sumiu.

Ryan sentiu todos os músculos de seu corpo se enrijecerem.

Eu assumi toda a responsabilidade de a fuga acontecer durante minha vigilância.

Ótimo. Fico feliz em ouvir isto. Embora não consiga en­tender como ele fez para esgueirar-se para fora do banheiro passando por aquela minúscula janela...

Ryan balançou a cabeça de um lado a outro, desconsolado.

—        Deve ter sido como passar uma corda pelo buraco de uma agulha.

Wes continuou a falar e fixou o olhar em Ryan mais uma vez.

—        Precisamos capturá-lo para que testemunhe no caso dos irmãos Zopo. O escritório U.S. Attorney não está achando graça em você ter perdido a testemunha chefe do caso. E eu francamente também não estou feliz. Coisas assim são péssimas para a imagem de nossa agência de proteção a testemunhas. Quero esclarecer tudo. Quero Leva conosco novamente.

Os lábios de Wes se curvaram em algo que podia ser um sorriso.

—        Leva é muito ligado à sobrinha Courtney Delaney e será apenas questão de tempo até que a contate. Afinal de contas, ela é sua única parente viva e, para nossa sorte, vive aqui na área de Portland.

Ryan apenas fora encarregado do caso Anton Leva porque um colega ficara doente. Lamentava saber que Courtney esti­vesse envolvida, e ficou aborrecido com aquele trabalho. A úl­tima vez em que a vira fora em Chicago...

...então eu o quero bem próximo desta mulher — Wes continuava falando sem parar. — Os irmãos Zopo poderão usar a srta. Delaney para chegar até Leva.

Compreendo isto, senhor. E acredite, ninguém quer Anton de volta ou Courtney em segurança mais do que eu.

O simples fato de pensar que Courtney poderia estar em perigo, fazia o sangue de Ryan gelar nas veias. Mas a idéia de vê-la novamente deixava seu corpo quente e incomodado.

Ele e Courtney haviam sido amantes. O rompimento, havia três anos, fora tão passional e tumultuado quanto o relacionamento.

Tendo em vista minha história com ela, seria melhor que uma mulher interrogasse Courtney. Ela provavelmente falaria mais na presença de alguém do mesmo sexo, você sabe, aquele laço que parece unir as mulheres...

Ora, mas eu o escolhi exatamente por sua história pregressa com a moça. É uma chance para você se redimir. Além do mais, não tenho uma investigadora disponível no momento para criar estes laços. — O tom de pilhéria na voz de Wes deixou Ryan muito irritado. — Você é o melhor investigador de toda a região. Ambos sabemos disto.

Ryan suspirou.

— Compreendi, senhor.

Ryan tomava a segunda xícara de café no que parecia ser o único restaurante próximo ao único banco em Fell, Oregon. A cidadezinha ficava a cerca de uma hora a leste de Portland. Courtney morava ali havia quase um ano.

Tão próxima e, ao mesmo tempo, tão distante.

Sempre que pensava nela, e vinha fazendo aquilo com muita freqüência nos últimos dias, lembrava-se de que a havia dei­xado em meio à energia urbana de Chicago.

Anton nada dissera sobre sua sobrinha ter se mudado para o noroeste. De fato, Anton pouco falara. Ryan não tinha certeza se o homem o havia reconhecido, mas Ryan se lembrava per­feitamente dele e, por aquela razão, relaxara a vigilância.

Aquilo não voltaria a acontecer. Anton podia ter aparência de um bom senhor, mas não era o campeão da simpatia. Era contraditório e complicado. Assim como sua sobrinha.

Courtney era uma loura exuberante com olhos castanhos, uma mulher emotiva, cheia de energia e passional. Quando a conheceu, ela estava dando cartas em um cassino situado em um barco em Chicago. Na ocasião Ryan tinha vinte e sete anos, e Courtney vinte e cinco.

A atração fora instantânea e intensa. Ela aceitara seu con­vite para sair, mas não o deixara beijá-la até o terceiro encontro. Três meses mais tarde, mudou-se para a casa de Ryan.

A vida com Courtney nunca fora fácil. Ela demonstrava amá-lo como se fosse o único homem no mundo, mas o deixara porque ele decidira ser um agente U.S. Marshal.

Mulheres... Se vivesse cem anos, ainda assim não as compreenderia.

Quisera deixá-la orgulhosa dele, por isso nada lhe contara sobre seus planos até saber que passara no rigoroso exame e fora aceito no trabalho.

Mas, em vez de ficar orgulhosa, Courtney tivera um ataque de nervos e fora embora.

Ryan não a procurara. Um homem tinha seu orgulho. Ele se limitara a perseguir o sonho de ser um agente, sonho que acalentara desde antes de conhecê-la. Além do mais, apenas um tolo amaria uma mulher que detestava o trabalho dele.

Mesmo assim, jamais fora capaz de esquecê-la...

Quer mais? — a amigável garçonete lhe indagou com um sorriso charmoso.

Não, obrigado.

Era hora de sair daquele lugar e agir como um homem sério, comprometido com seu trabalho.

O problema é que jamais conhecera uma mulher que o fizesse sentir-se tão homem quanto Courtney. Mas quem iria vê-la era o agente U.S. Marshal.

A tarde transcorrera muito lentamente, até mesmo para um sábado no Banco Federal Fell. Ser bancária não era o emprego mais excitante que Courtney já tivera. Ela era auxiliar da gerência de investimentos, e fora promovida ainda na se­mana anterior. O salário não mudara muito, mas a promoção revelava que seu trabalho estava sendo reconhecido.

Courtney não tinha exatamente o estilo de vida dos ricos e famosos do local. Seria mais exato dizer que quase sempre andava sem dinheiro. Após pagar o aluguel e despesas relativas à sobrevivência, pouco lhe restava.

Além de tudo, havia Francis Grimshaw a segui-la o dia todo, monitorando seu trabalho de maneira irritante. Bonita e magra de uma maneira apavorante, Francis era perfeccio­nista. Usava os cabelos bem curtos e nunca uma só mecha saía do lugar.

Como assistente da gerência, Francis era encarregada de su­pervisionar tudo, o que não a tornava a pessoa mais popular dos arredores. Para piorar, vivia de mau humor.

Courtney suspeitava de que Francis era na verdade uma mu­lher muito solitária, por isso buscava uma maneira de perdoar seu comportamento atípico e ser simpática com ela. Mas Francis tornara-se ainda mais desconfiada por causa de suas gentilezas.

Em uma tentativa de manter-se ocupada, Courtney terminou de apontar o ultimo de seus cinco lápis e os colocou sobre a escrivaninha em uma fila perfeita, conforme fora instruída por Francis. Mas um dos lápis escapou e correu livre, caindo da mesa.

—        Se eu fosse você, não faria isso novamente — Courtney murmurou para o lápis ao inclinar-se sob a escrivaninha para pegá-lo.

E claro que o maldito havia rolado completamente para de­baixo da mesa, obrigando-a a ajoelhar-se no chão.

Teria deixado o fugitivo lá mesmo não fosse o hábito de Francis de contar os lápis ao final do dia. Se faltavam muitos, a falha era anotada na ficha do empregado.

Courtney já havia perdido doze lápis em sua primeira semana; suspeitava de que haviam sido levados embora por clientes.

Mas Francis não aceitara tal justificativa. Estava convencida de que ela colecionava lápis, talvez até os vendesse.

Do lugar onde estava debaixo da escrivaninha, Courtney viu um par de sapatos masculinos aproximar-se. Não eram sapatos de couro brilhante como os usados pelos executivos, pareciam esportivos e muito confortáveis. E estavam parados bem defronte a sua escrivaninha.

Ele percebeu, quase em desespero, que alguém estava em pé defronte a sua mesa enquanto ela estava engatinhando embaixo.

Por Deus!

Apressadamente retrocedeu, conseguindo evitar de bater a cabeça na gaveta ao sentar-se. Devia estar muito vermelha mas conseguiu sorrir.

—        Posso ajudar... você?!

Ryan Knight, o homem a quem ela dera seu coração somente para ser despedaçado, não mostrou qualquer surpresa ao vê-la.

Courtney piscou algumas vezes, achando que talvez estives­se tendo alucinações devido ao movimento brusco de levantar-se. Nada adiantou. Ainda o via em pé defronte a sua mesa.

Ryan fora tudo para ela. Preenchera seus sonhos e atendera a suas esperanças.

A última vez em que se viram fora numd ia chuvoso em Chicago. Bem que tentara apagar as palavras dele da memória, mas elas permaneciam vivas como no passado.

"Isto não é sobre você, é sobre mim", gritara ele. "Meu futuro."

Mesmo naquele momento, passados três anos, ela tinha von­tade de ficar em pé sobre a escrivaninha de carvalho, pegá-lo pelo colarinho da camisa de flanela e exigir explicações. Queria saber por que aquele homem a decepcionara tanto.

E por que tinha de estar com aparência melhor do que a de três anos atrás?

O que ele fazia em Oregon, afinal? Por que não ficara em Chicago? Por que não engordara uns dez quilos e ganhara uma barriga de cerveja? Por acaso não havia justiça nesse mundo?

Aparentemente não. A voz lenta e calculada era tão sedutora quanto no passado.

—        É bom vê-la novamente, Courtney. Wocê está... — ele ergueu a sobrancelha — ...diferente.

Fitou-o, conhecendo-o bem demais para saber que suas pa­lavras não eram um elogio. Também tinha plena consciência da simplicidade de seus próprios trajes, um conjunto creme com blusa branca.

Tinha os cabelos louros presos em um coque no alto da cabeça. Não ganharia concurso de moda algum, mas era da­quela maneira que as pessoas se vestiam naquele lugar. De modo conservador como tudo o mais no Banco Federal Fell.

Aparentemente o mesmo não se aplicava à Agência U.S. Marshals. Ryan arrumara-se de modo casual, muito bonito em jeans e com os dois primeiros botões da camisa de flanela abertos. Sob a camisa, uma camiseta branca, costume muito comum nos ho­mens do noroeste. Mas não parecia nada comum em Ryan.

Ficou com raiva. Por que ele aparecia depois de tanto tempo? A menos que... Poderia ser? Seria possível que a houvesse seguido para declarar seu amor, dizer quanto sentia por tê-la deixado partir e falar que a queria de volta?

Durante meses após o rompimento, Courtney sonhara com aquilo. Será que finalmente iria acontecer? Não sabia.

Algum problema por aqui? — inquiriu Francis com seu jeito ativo.

Problema algum — respondeu Ryan, antecipando-se a Courtney. — Você tem sorte em ter uma funcionária tão apli­cada quanto a srta. Delaney em seu banco.

Francis não soube o que fazer ante o comentário, por isso fez um som qualquer, como se soasse um cumprimento inócuo. Vagarosamente retornou a sua própria escrivaninha, mas os olhos continuaram pousados no casal.

Courtney deu a Ryan um sorriso digno de ganhar o prêmio de simpatia de empregado do mês ao lhe indicar a cadeira defronte à escrivaninha.

—        O que faz aqui?

Se ele ia declarar seu amor, já era hora. Poderia acontecer, poderia...

—        Estou aqui a negócios.

A tola fantasia desapareceu. Nada havia mudado. O trabalho de Ryan ainda vinha em primeiro lugar. O que era bom para ela. Afinal, Courtney havia mudado, era outra mulher.

Pois eu não tenho quaisquer negócios com a Agência U.S. Marshals. É uma de suas piadas?

Parece que estou rindo?

Não, não naquele momento. Ela o fitara e percebera que ele havia adquirido mais linhas de expressão ao redor dos olhos desde a última vez em que o vira.

Ryan nunca fora tão bonito quanto seu irmão Jason, mas sua aparência rústica chamava a atenção do sexo oposto.

Seu rosto era anguloso, as sobrancelhas fartas. Os cabelos castanhos nunca obedeceram ao comando de um pente e ainda mostravam certa rebeldia.

Quando a sua boca... Courtney costumava provocá-lo, di­zendo que era torta, um pouco erguida no lado esquerdo. Ele respondera beijando-a até que implorasse por misericórdia.

Mas que absurdo, condenou-se. Ele estava ali havia cinco minutos e já a fazia pensar em sexo. Um verdadeiro disparate!

—        Como me encontrou?

Conseguiu formular a pergunta sem mostrar como a respi­ração estava fora do compasso.

Foi fácil. Estou aqui em um negócio oficial. Pegou a carteira e lhe mostrou o distintivo.

Qual foi a última vez em que viu seu tio?

Tio Anton?

Exatamente, seu tio Anton. — A expressão de Ryan re­fletia sua exasperação. — O único tio que você tem.

Por que quer saber?

A experiência lhe ensinara a ser cuidadosa em dar quaisquer informações sobre seu parente pouco convencional.

Sou eu quem faço as perguntas.

Pois só vou respondê-las se quiser.

O tia a criara desde a morte dos pais Courtney em um acidente de carro quando ela tinha somente dez anos. Desde então, os dois já haviam morado em vinte Estados diferentes.

Antes de migrar para os Estados Unidos, Anton fora ator em Praga e mantinha seu lado dramático. Passara-o para Courtney juntamente com o amor pela música de Dvorak, Sme-tana e, em tributo a seu novo país, aos irmãos Everly.

Tio Anton havia feito tudo desde vender aspiradores de pó até gerenciar uma gráfica. Entre uma função e outra, envol­vera-se em algumas negociações ilícitas. Ele podia ter burlado a lei, mas certamente nunca a havia desacatado.

O que quer com meu tio? — Courtney indagou, incerta se gostaria de saber a resposta.

Ele é testemunha em um julgamento federal.

Testemunha para o quê?

Ele não lhe falou nada sobre isto? — Ryan perguntou, erguendo as sobrancelhas. — Acho difícil acreditar, pois vocês dois são tão próximos.

Você e eu fomos unidos uma vez, o que não significa que saibamos tudo sobre o outro — falou acidamente. — De fato, você ficou muito diferente do homem que conheci.

Não estou aqui para falar a meu respeito. Estou aqui por causa de seu tio. E porque você pode estar em perigo.

Por causa de tio Anton? Jamais!

Não me refiro a ele, e sim às pessoas contra as quais está testemunhando. Os irmãos Zopo.

Ela não conseguiu conter-se. O nome a fez sorrir.

Está brincando, não é?

Não. Brutus e Caesar Zopo. Parece que a mãe deles era fã da antiga história romana.

História antiga era o que ela e Ryan haviam tido. Mas os pensamentos de Courtney precisavam se focar no tio e em sua segurança.

Em que você meteu meu tio? Ryan a fitou, surpreso.

Eu?

A Agência U. S. Marshals deve providenciar proteção especial para testemunhas importantes.

A maioria das pessoas não sabe disto.

Eu verifiquei quando soube que você fez aquele exame de admissão sem me contar nada. Queria saber o que o fizera sair de algo tão tranqüilo quanto uma companhia de seguros para ocupar-se em caçar pessoas como na Agência U.S. Marshals.

Eu não escondi nada de você, e nós não caçamos pessoas.

Não me disse nada sobre seus objetivos. Mas isto agora já não é relevante. Na verdade minha única preocupação é meu tio.

A minha também. Queremos localizá-lo tão rápido quanto possível.

Meu tio não é uma espécie de animal selvagem que você deva caçar. Posso apostar que o ameaçou para que con­cordasse em ser testemunha. — Courtney estava indignada. — Tio Anton evita as autoridades como a uma praga. Ele é testemunha de quê?

Falsificação.

A resposta a deixou atônita.

Meu tio não é falsificador.

Nunca disse que fosse.

Em contraste à dela, a voz de Ryan era calma.

Mas trabalhava para pessoas suspeitas de terem falsifi­cado uma enorme quantia.

Meu tio era gerente de uma gráfica. O que aconteceu: alguém tirou fotografias de uma nota de dez dólares?

Não. Os Zopo forjaram um milhão de dólares em cheques ao portador. E são donos da gráfica em que seu tio trabalhava.

Courtney não sabia o que dizer. Sabia que seu tio não era dono de um caráter muito sólido, mas quem era ela para jogar pedras? De qualquer maneira, Ryan era honrado e íntegro.

Não ouço falar de meu tio há uma semana — disse com óbvia relutância e ansiedade. — Quando o viu pela última vez?

Está foragido há seis horas.

Então encontre-o e o proteja.

"E fique longe de mim", complementou em pensamento. "Muito longe. Seria bom o Japão, por exemplo."

—        Eu realmente tenho intenção de encontrá-lo... ficando próximo a você.

As palavras de Ryan a amedrontaram.

Eu já lhe disse que não sei onde ele está.

Ouvi quando falou da primeira vez. E pode estar falando a verdade.

Posso?

Ergueu o tom de voz, chamando a atenção de Francis.

Ryan acenou para a mulher e sorriu amplamente.

Estamos nos dando bem. Falamos sobre as possibilidades de eu investir meu dinheiro no banco, o que pode ser mais seguro do que guardá-lo nas meias. A srta. Delaney está me assegurando de que é mais seguro.

Ela tem razão.

Talvez Francis quisesse dizer mais coisas, mas Ryan deu-lhe as costas e apoiou-se na escrivaninha para falar novamente com Courtney.

—        Escute, não gosto desta situação mais do que você — informou-lhe. — Mas a questão é que ficarei a seu lado até que seu tio esteja de volta a minha custódia.

Seus olhares ficaram presos em silencioso combate um mo­mento ou dois antes de Courtney expressar seus sentimentos.

Somente sobre meu cadáver!

Você ainda acha que lidar com Ryan e Courtney será fácil? — Betty falou à irmã Muriel.

As duas estavam escondidas atrás de um armário preto a um canto do departamento de investimentos do banco e supervisio­navam a esquentada troca de palavras entre Courtney e Ryan.

Nada parece ser fácil na tarefa das fadas-madrinhas — Muriel falou, os olhos azuis cintilando. — Especialmente quan­do se é fada-madrinha de trigêmeos.  

Não os culpem por serem trigêmeos.

Betty pacientemente tirou uma mecha de cabelos da testa.

Fomos trigêmeas e nunca demos tanto trabalho assim a alguém.

Ainda somos trigêmeas — a sempre prática Muriel a corrigiu. — E só Deus sabe os trabalhos que causamos em nossa juventude.

Não posso acreditar na maneira como decoraram este lugar —declarou Hattie, entrando na conversa pela primeira vez. Estava com um pequeno espelho na mão e rapidamente

verificou sua aparência, como a temer que os arredores a pu­dessem ter maculado.

Arrumou os cachos e o enfeite do chapéu. Suas unhas e batom combinavam perfeitamente.

Parece mais um salão para funerais do que um banco.

Veja o rapaz que gerencia este lugar e saberá por quê —     comentou Betty. — Fred Finley não tem muito estilo.

Hattie franziu a testa.

Então por que Courtney o está namorando?

Porque ela quer segurança em sua vida — explicou-lhe Betty. Como era mais velha, detestava ter de explicar tudo. Preferia

comandar e ser obedecida.

Ela passou a desprezar a paixão desde o rompimento com Ryan.

Não posso acreditar que eu tenha a tarefa de fazer estes dois ficarem juntos depois do rompimento. Será muito difícil, até mesmo para uma fada-madrinha. Não parece justo comigo — queixou-se Muriel.

Colocou a mão em um dos diversos bolsos de sua roupa em busca de biscoitos integrais, seu petisco favorito.

—        Talvez fosse mais fácil fazer Ryan conhecer uma pes­soa nova.

Hattie a olhou com censura.

A alma gêmea dele é Courtney, não outra pessoa.

Então por que não ficaram juntos há três anos? — indagou Muriel.

Foi Betty quem respondeu.

—        Não era hora.

Tocou o relógia enorme que trazia no pulso.

Mas agora é. Então vamos nos mexer.

Mas nós já fizemos as coisas andarem ao ajudarmos Anton a fugir. Espero que não o tenhamos colocado em perigo .— preocupou-se Hattie. — Ele tinha aparência de um sonhador, não acham?

Acho que vamos ter muito trabalho neste caso — res­pondeu Betty.

Então o que há de novo? — ponderou Muriel ao estudar os dois alvos em pé, praticamente com seus narizes se encos­tando. — Eu deveria ter ido trabalhar em um banco em vez de ser fada-madrinha. A tarefa por aqui é bem menos árdua.

 

Você não acha que está aumentando a real dimensão dos fatos? As palavras de Ryan fizeram Courtney ficar tão vermelha quanto na última vez em que ele as dissera, naquele dia sob a chuva em Chicago.

Você parece causar este efeito em mim.

Pois eu me recordo de causar efeitos melhores em você.

Aquela era uma mulher diferente.

Realmente. A Courtney que eu conhecia não ficaria com aparência de morta em um terninho desses.

A Courtney que você conhecia não existe mais. Aceite isto.

Está bem, assim como você terá de aceitar o fato de que estaremos ligados um ao outro até eu encontrar seu tio.

Courtney não gostou do som daquelas palavras.

—        Não gosto da idéia de estarmos ligados.

—        Não importa. Planejo ser sua sombra. Onde você for, eu irei. Ela se recusava a sentir pânico. O truque para lidar com Ryan era permanecer calma, fria e controlada. Algo difícil de se fazer, mas estava determinada a tentar.

—        Você não pode ficar aqui no banco o dia todo, dia após dia. Eu lhe disse que não sei onde está meu tio. Mas lhe contarei se descobrir algo. Deixe-me seu cartão comercial e, se ele entrar em contato comigo, eu lhe telefonarei.

Ela faria aquilo se soubesse que o tio realmente estava em perigo. Mas somente nesse caso.

—        Certo. E você comprou uma maravilhosa propriedade de frente para o mar em Kansas e quer vendê-la para mim por um preço bem baratinho. Ora, acha mesmo que acredito que você me telefonará?

Os olhos castanhos de Courtney cintilaram de raiva. Não conseguia ser fria e calculista como pretendera.

Por acaso está dizendo que não confia em mim?

Digo apenas que você tem um senso equivocado de leal­dade a seu tio, e que isto pode estar nublando sua capacidade de julgamento. Não que sua capacidade de julgamento um dia tenha sido muito boa.

Aquela era a velha Courtney — falou causticamente. — Aquela que o julgou erradamente. A nova tem uma visão muito clara da realidade.

Se você diz...

Era óbvio que ele não lhe dava crédito.

A questão é simples: tenho um trabalho a fazer e irei realizá-lo da melhor maneira possível — falou, categórico.

Pois eu também tenho um trabalho a fazer. E não poderei fazê-lo com você em meu caminho.

Certo. Então vou me sentar ali — disse ele, indicando uma cadeira do outro lado do saguão. — Esperarei até a hora em que o banco fechar. Faltam poucos minutos. O banco fecha mais cedo aos sábados, certo?

Courtney sentiu a frustração crescer e escapar de seu con­trole. Como Ryan ousava lhe desafiar?

Isto pode acontecer hoje, mas e quanto a segunda-feira? Eu estou lhe dizendo, não pode ficar me espionando no trabalho. Não terei como explicar sua presença contínua aqui.

Ora, diga a sua chefe que estou apaixonado por você e que não consigo ficar sem vê-la por muito tempo.

Courtney praguejou baixinho.

—        Acha que ela não vai acreditar?! — Ryan indagou com fingida indignação. — Pois posso parecer embasbacado por você se precisar. Veja.

Ele abriu bem os olhos, como para lhe dar uma visão melhor da paixão que os fazia brilhar. Toda a encenação a tornou mais consciente da beleza máscula, dos cílios fartos. Os olhos eram sedutores, e as rugas nos cantos demonstravam quanto gostava de rir.

Courtney queria evitar a qualquer custo que seus sentidos fossem atraídos pela fingida paixão presente naquele olhar.

Você está parecido com aqueles heróis de programas infantis.

Ainda é fã de desenhos animados?

Ela assentiu e acrescentou:

.— Rir é bom para a alma. Mas você não gosta de desenhos.

Ryan levou a mão ao peito.

— Você me feriu.

Ele a havia ferido mais. E tinha a petulância de tentar encantá-la novamente quando na verdade apenas a procurara por causa do trabalho. O maldito trabalho. O grande motivador da separação dos dois.

Não, não era verdade. O novo emprego fora apenas uma desculpa. O real motivo residia em Ryan^nsistir em fazer as coisas a sua maneira e não a envolver nas decisões que tomava.

Dissera a Courtney, na ocasião, que seu futuro nada mais tinha a ver com ela, deixando clara a pouca importância que lhe reservava em sua vida. Parecia querer um corpo quente a seu lado na cama, mas não uma parceira, uma companheira de fato.

E Courtney quisera mais. Merecia mais.

Durante os primeiros meses após sua partida, ela secreta­mente desejou que Ryan se entristecesse ante sua ausência e se desse conta do erro cometido.

Mas fitando-o no presente momento, não via quaisquer si­nais de tristeza ou arrependimento.

Courtney contemplava a perfeita organização dos músculos de um homem forte, feito de dinamite. Apenas aguardava para ser detonado. Bem, pois ela já não era Uma mulher interessada em brincar com fogo, muito menos com explosivos. Aprendera sua lição e muito bem.

No presente, queria segurança e não paixão. Mudara sua imagem, esquecera seu lado passional e exuberante e o res­tringira em um terninho muito bem abotoado e na cor creme.

Ali no banco era conhecida como uma jovem bem-comportada e tranqüila e era exatamente aquilo que queria ser.

Os dias em que dava cartas em um cassino haviam sido deixados para trás. Seu estilo de vida nômade, nada conven­cional, pertencia ao passado. Sentia-se pronta para se estabe­lecer em um local. Queria uma família. Criar raízes.

Por mais que seu tio houvesse tentado, não conseguira subs­tituir o lugar de seus pais. Ela ainda se lembrava da segurança que sentira nos braços paternos e da certeza de que sempre teria o amor da mãe. Embora amasse o tio que sempre a tratara com carinho, sabia que estabilidade e constância não combi­navam com a personalidade dele.

Anton dera o melhor de si. Sempre a fizera sentir-se im­portante para ele e lhe ensinara que a vida estava repleta de possibilidades de boas mudanças, que poderiam estar logo na próxima esquina.

Os dois haviam se mudado bastante. De Nova Jersey para Pensilvânia, então Ohio, depois Michigan, Illinois e assim por diante.

Já mudara o suficiente. Em Chicago permitira que a paixão regesse sua vida. O resultado fora um coração despedaçado. Pois era hora de crescer, instalar-se. Não queria Ryan interferindo em seus planos e arruinando a nova vida que construíra para si.

Você não poderia esperar por mim do lado de fora e então discutiríamos a situação em particular? — perguntou, consciente do olhar de suspeita de Francis em sua direção.

E se você escapulir pela porta dos fundos? De jeito ne­nhum. Já lhe disse: estou apenas fazendo meu trabalho.

Escute, tenho uma nova vida aqui. Não quero que você me atrapalhe.

Fale baixo — avisou-a — ou aquele dragão irá se aproximar novamente. Se isto a faz sentir-se melhor, eu falarei com o gerente do banco e explicarei o motivo de minha presença aqui.

Não!

Pegou o braço de Ryan para detê-lo.

Quanto tempo havia se passado desde que o tocara pela última vez? Era muito tempo, mas talvez não o bastante para apagar as sensações inquietantes que ressurgiram e a invadi­ram. Era desencorajador pensar que após três anos ainda es­tava suscetível a seu toque.

E nem ao menos fora Ryan quem tomara a iniciativa do contato. Não, ela fora tola em fazer aquilo.

Soltou-o tão subitamente que a mão de Ryan caiu sobre a escrivaninha, fazendo barulho.

—        Não quero que Fred saiba a seu respeito. Não quero que pense que fiz algo para chamar a atenção da Agência U.S. Marshals.

Ryan ficou curioso.

—        Por que ele pensaria isto?

Antes que pudesse responder, um homem de cabelos louros e ralos usando um terno finamente cortado, óculos de lentes grossas e portando-se de modo requintado juntou-se aos dois.

Ryan não gostou do sujeito à primeira vista, provavelmente porque o homem pousou a mão no ombro de Courtney como se ela lhe pertencesse.

Em vez de vê-la esquivar-se, observou-a dar um sorriso res­plandecente como se o homem fosse um presente dos céus às mulheres.

—        Tudo sob controle aqui?

A voz combinava com a aparência. Era condescendente e enervante ao mesmo tempo.

—        Sim, Fred — respondeu Courtney. — Tudo bem. —Srta. Grimshaw disse que você poderia estar com problemas. Ryan certamente era problema, pensou Courtney silenciosamente. Não gostava nada do modo como ele fitava Fred.

—        A culpa é minha — disse Ryan.

Pode apostar que é, pensou Courtney, irada. Ficou imedia­tamente ansiosa pelo que Ryan diria em seguida. Será que mostraria sua carteira de identificação a Fred?

Eu não vejo Courtney há muito tempo...

E você é... — Fred o interrompeu.

Ryan Knight.

Sou Fred Finley — disse-lhe, estendendo a mão. — Ge­rente do banco. Você e Courtney se conhecem, então?

—Somos mais do que meros conhecidos. Somos muito próximos. Era hora de intervir para evitar um dano ainda maior, pen­sou Courtney.

É claro que somos próximos — disse rapidamente. — Ele é... meu irmão.

Irmão? — perguntou Fred, arqueando as sobrancelhas louras. — Você nunca me disse que tinha um irmão. O sobre­nome dele não é o mesmo que o seu.

Porque é meu meio-irmão.

De que lado? — murmurou Ryan, felizmente sendo ouvido apenas por Courtney.

Está de passagem pela cidade — acrescentou ela.

E ficando com minha irmã por uns tempos. O anúncio de Ryan fez Fred franzir a testa.

O apartamento dela não é muito grande, você sabe. Foi a vez de Ryan franzir a testa.

Como você sabe?

—        Fred sabe de tudo — Courtney interferiu e o brindou com um sorriso brilhante.

Ryan não estava gostando daquela situação. O rapaz com pescoço fino tinha um relacionamento com Courtney? O que possivelmente uma garota tão linda vira em Fred Finley? Ele era tão magro que faria uma vassoura parecer exótica. E seu aperto de mão fora desconjuntado e mole.

A Courtney Delaney que ele conhecera teria ficado a milhas de distância de um rapaz como Fred. Ou ao menos lhe dado uma gravata mais bonita para melhorar a imagem. Jamais o teria brindado com um segundo olhar mesmo que sua vida dependesse daquilo.

Teria mudado tanto assim?

O que ele esperava? Percebera que Courtney não ficara sa­tisfeita em vê-lo após tanto tempo. Mas não esperava que es­tivesse tão diferente da moça divertida, amorosa e passional que deixara em Chicago.

Poderia ter jurado que ela não possuía traço algum de con­servadorismo, mas atualmente já não sabia mais em que pen­sar. Exceto em quanto estava aborrecido em presenciar tantas mudanças desagradáveis.

O apático gerente estava falando com ele.

Bem, foi um prazer em conhecê-lo, Ryan.

Digo o mesmo, Frank.

Courtney o fitou, mostrando um resquício de seu velho olhar flamejante.

É Fred, não Frank. Ryan deu de ombros.

Tanto faz.

Depois que Fred retornou a seu escritório, Ryan falou:

Meio-irmão? Isto foi o melhor que você pôde inventar? Por que não lhe disse a verdade?

Qual? Que você é um chato?

Que fui seu primeiro amante.

Ryan falou com prazer as palavras possessivas.

—        Mas não o último.

Era mentira mas Courtney não lhe daria a satisfação de saber. Ryan cerrou os dentes, a voz seca e formal.

Eu a seguirei até sua casa em meu carro. Não tente me despistar. Sei onde mora.

Está no arquivo que você sem dúvida tem a meu respeito. Eu não ficaria surpresa se já soubesse a cor de meus lençóis. Má escolha de palavras, percebeu tardiamente. .— Ainda não.

Jamais.

Se você diz assim...

Digo sim.

Como fora estranho ver Fred e Ryan em pé lado a lado. Seu passado e seu futuro. Dois homens não poderiam ser mais diferentes. Ryan era forte e com rosto vivido. Fred, com seus cabelos louros, pele pálida e maneiras meticulosas, parecia uma imitação muito distante e tímida.

Não, corrigiu-se. Nem mesmo uma imitação. Outra pessoa simplesmente. Faltava a masculinidade exuberante de Ryan. Seu senso de humor, o sorriso que fora capaz de fazê-la, muitas vezes, perder o autocontrole.

Sua resposta a Ryan a perturbava, deixando-a zonza como um medicamento para dormir.

Está pronta para ir embora? — falou Ryan, dando um tapinha impaciente no relógio de pulso. — O banco fechou há dez minutos.

Está louco se acha que vou deixá-lo ficar em meu apartamento.

Sentia-se tão suscetível a ele em um lugar público como o banco, que temia até imaginar como seria estar no minúsculo confinamento de sua casa.

É meu trabalho — murmurou Ryan, dando de ombros.

Assim diz você — murmurou de volta, pegando a bolsa na última gaveta da escrivaninha. — Por que eu deveria lhe dar crédito?

Não deveria.

Ryan tocou-lhe o cotovelo assim que Courtney deu a volta na escrivaninha e a guiou até a saída.

Sinta-se livre para ligar para meu chefe e verificar caso deseje — complementou ele.

Farei isto.

Courtney procurou se distanciar do toque perturbador.

Assim que chegar a casa e tiver alguma privacidade.

Está bem. Seremos apenas você e eu.

Ryan a seguia rumo ao apartamento, feliz em descobrir que o carro era o mesmo do passado. Nem tudo estava mudado! Courtney o havia comprado quando se conheceram em Chicago, e o automóvel tinha sessenta mil milhas na ocasião. Podia apostar que o pequenino compacto vermelho havia duplicado sua milhagem desde então.

Era reconfortante vê-la em algo familiar como o carro.

Sua aparência certamente o havia surpreendido. Ela parecia até... desprovida de charme. Conservadora.

Ficou desapontado em descobrir que o apartamento era tão neutro quanto o terninho usado por sua dona. Esperara encontrar sinais de sua paixão e vivacidade escondidos ali, talvez vê-la mo­rando em um edifício colorido, ensolarado, tão único quanto ela.

Ryan se virou para contemplar o apartamento. Notou o pre­domínio da cor creme e os poucos móveis.

O que aconteceu com aquela maravilhosa poltrona ver­melha que você tinha?

Eu a vendi em um leilão de garagem em Chicago.

Mas que pena!

Ele nutria boas lembranças daquela poltrona e das tenta­tivas frustradas de fazerem amor ali.

Pelo menos o sofá era confortável, embora pequeno demais para acomodá-lo a contento em uma soneca. Aquilo significava que teria de estender seu saco de dormir no chão.

Eleja enfrentara compromissos piores, mas nenhum o fizera sentir-se tão constrangido como em relação a Courtney.

—        Eu gostaria do nome e telefone de seu superior.

A voz dela não era nada suave, contrastando com as mechas douradas que escaparam do coque.

Ryan lhe forneceu a informação e observou seus dedos es-guios im pacientemente discarem os números... no aparelho de telefone creme.

Não usava esmalte. No passado tinha predileção pelos tons intensos de cor-de-rosa e viciara-se em passar as unhas com­pridas e pintadas sobre peito dele, fazendo uma pausa para atormentá-lo e deliciá-lo em lugares muito sensíveis.

Naquele momento, entretanto, parecia mais interessada em falar com Wes Freeze.

—        Então basicamente você está me dizendo que não tenho opção, estou legalmente obrigada a auxiliar a Agência U.S. Marshals? Mas por que Ryan precisa ficar aqui em meu apar­tamento? Comendo em minha casa?

Fez uma pausa.

Oh, então ele bancará o próprio alimento. Isto é para fazer eu me sentir melhor?

Mais uma pausa.

—        É para minha própria proteção? Bem, mas acho que isto não vai dar certo!

Dizendo isso, bateu o fone no gancho.

Que situação lamentável! E assim que desperdiçam o dinheiro do contribuinte?

Prender um dos maiores falsificadores do noroeste não é desperdiçar dinheiro do contribuinte.

Você não vai pegá-los dormindo em meu sofá.

Eu não vou dormir em seu sofá.

Aguardou até que um olhar de espanto iluminasse os enor­mes olhos castanhos. Não ficou desapontado.

—        Não vai dormir em minha cama!

Ela falou vagarosamente, enfatizando cada palavra.

—        Você já disse isto. Seu sofá é pequeno demais, por isso eu usarei o chão da sala de estar. Há um saco de dormir inflável e uma coberta em meu carro.

Minutos depois ele ocupava toda a compacta sala de estar com sua bagagem.

Precisa fazer tanta bagunça? — queixou-se ela com olhar exasperado. — Eu tenho companhia esta noite.

Companhia...?

Fred. Temos um encontro.

Está brincando.

E você quem conta piadas — respondeu-lhe. — Não eu. O som do telefone tocando a fez dar um pulo.

Quer que eu atenda? — perguntou Ryan.

Não! Eu posso atender sozinha. Pegou o fone.

Courtney, sou eu — disse a voz masculina. Imediatamente reconheceu a voz do tio.

Sim.

Seu tom de alerta alarmou Anton.

Alguém está aí com você?

Isto mesmo. Como vão as coisas? Para Ryan ela murmurou:

E uma amiga minha.

A resposta o pareceu satisfazer porque ele começou a abrir o zíper do saco de dormir, mas permaneceu no ambiente com ouvidos alertas.

As coisas estão complicadas — murmurou o tio.

Ouvi dizer.

Então você sabe que os irmãos Zopo são más pessoas. Não ficaram satisfeitos em saber que eu poderia testemunhar contra eles.

O sotaque checo de Anton estava mais pronunciado do que o usual, um sinal de que estava aborrecido.

Há tanta coisa a lhe dizer, mas serei breve. Seu telefone pode estar grampeado.

Está bem.

Nada fiz de errado. Não sou falsificador.

Sei disto.

Os Zopo são donos da gráfica — falava rapidamente. — Eu era um bom gerente. Importava-me com minha própria vida e os negócios. Mas então encontrei uma caixa. Jamais devia ter olhado dentro, mas fiz isto. Estava cheia de cheques falsos em branco. O governo quer que eu testemunhe sobre isto, e os Zopo dizem que posso me arrepender se eu falar. Por isto desapareci. Você sabe: o governo talvez não consiga me proteger dos Zopo. Preciso de tempo para pensar.

Eu compreendo — disse ela com cuidado. — Você tem de fazer o que acha melhor. Ligue-me a qualquer hora.

Tome cuidado com os Zopo.

A voz de Anton refletia quanto estava preocupado com a segurança da sobrinha.

Eu queria avisá-la disto. Nunca falei aos Zopo sobre você, mas pode haver espiões em todo lugar. Tenha cuidado.

Terei. E você também.

Eu a amo, malenka.

A outra linha ficou muda.

Sobre o que conversavam? — perguntou Ryan.

Uma amiga minha rompeu com um sujeito que não presta. Eu lhe disse que estava certa em fazer isto. Um rapaz que não consegue manter um compromisso não a merece a seu lado.

Longe de ser atingido pelo desdém, Ryan pareceu divertido.

Está falando de alguma experiência pessoal sua?

Absolutamente. Fred não é nada disto. É uma pessoa centrada.

Eu diria que ele é uma pessoa sem iniciativas. Ela o fitou de maneira gélida.

O que foi? — perguntou Ryan com fingida inocência.

 

Eu esperava mesmo que você se sentisse ameaçado por alguém tão seguro de si quanto Fred.

Eu? Ameaçado? E por Fred? — Ryan riu. — Esta é boa! Por um minuto achei que você realmente falasse sério.

Eu falava sério. Obviamente você não.

Courtney deu um chute no saco de dormir, fazendo-o cla­ramente concluir que o verdadeiro alvo da agressão era ele. Aquilo lhe deu esperanças. Estava agindo conforme a mulher passional que ele conhecera em Chicago e não como a moça conservadora que trabalhava no banco.

Vejo que ainda tem temperamento forte — observou com aprovação.

Não seja tolo.

O rosto de Courtney estava vermelho de raiva.

—        Você se meteu em minha vida e confundiu tudo. Espalhou seus pertences por toda minha sala de estar.

Ele sorriu. Sim, aquela era a Courtney que conhecia. Por quem sentia tanto desejo, e com quem tinha vontade de fazer amor. Bastava continuar a importuná-la para obter os resul­tados desejados.

Sinto muito sobre isto.

Não se desculpe, apenas deixe-me em paz.

O som da porta do quarto de Courtney batendo ruidosamente o fez sorrir mais. Ele estava se saindo muito bem. Sim, bem demais.

Ryan folheava uma das revistas de Courtney quando ela finalmente saiu de seu quarto trinta minutos mais tarde. Tro­cara o terninho creme por calça comprida da mesma cor e camisa branca de modelo tradicional.

Seus cabelos eram o único traço remanescente do passado em Chicago. Estavam soltos e esvoaçantes.

—        Fico feliz por não ter cortado seus cabelos. As palavras escaparam dos lábios de Ryan.

Ela não demonstrou verbalmente ter ouvido o comentário, mas pegou uma presilha na mesinha lateral e prendeu os ca­belos em um rabo-de-cavalo.

Fred chegou antes que Ryan tivesse oportunidade de abor­recê-la novamente.

—        Está encantadora — elogiou-a, colocando um braço sobre seus ombros e beijando-a.

Ryan sentiu uma pontada no estômago.

Está pronta?

Ambos estamos — respondeu Ryan embora a pergunta fosse dirigida a Courtney. — Achei que você não se importaria se eu fosse junto.

Eu me importo — falou Courtney de modo frio. Ryan lhe lançou um olhar de aviso.

Mas você ainda é uma criança, irmã.

Colocou o braço sobre seus ombros também, empurrando de leve o de Fred.

Courtney pisou no pé de Ryan. Mas foi como um mosquito mordendo um enorme rinoceronte. O efeito de suas sapatilhas flexíveis sobre o sapato pesadão foi praticamente nulo.

Ryan sorriu para ela.

Para onde iremos esta noite?

A um drive-in.

Courtney se afastou de Ryan e aproximou-se mais do namorado.

—        Nada que sirva para você.

Mas eu adoro esses lugares — insistiu Ryan. — Certa­mente você pode se lembrar disto, irmãzinha. — Ryan pousou a atenção no bancário e acrescentou: — Então, Frank, você já conhece o restante da família de Courtney ou sou o primeiro?

O nome dele é Fred! — proferiu Courtney.

Certo.

Ryan não deu mostras de quem iria pedir desculpas.

Eu apenas vi o tio dela uma vez — respondeu Fred.

Ah, o bom e velho tio Anton. — A atenção de Ryan focou-se no caso. — Quando o encontrou?

No último Natal.

E esta foi a última vez em que o viu ou ouviu falar dele?

Isto mesmo.

E o que acha de Anton? — perguntou Ryan.

—        Parece ser um cavalheiro simpático. Simpático? Tinha o jeito de um coiote.

Precisava controlar a raiva, admoestou-se. Mas era difícil aceitar o fato de ter sido feito de bobo pelo astuto senhor.

—        E o que Anton achou de você, Fred?

Eu não sei.

—        Ele gostou muito de Fred — insistiu Courtney.

Por alguma razão Ryan duvidava daquilo. Era-lhe difícil imaginar o divertido e animado Anton se dando bem com o sisudo Fred. Nos velhos tempos, Courtney costumava dizer que herdara seu amor pela vida do tio.

Naqueles dias, Anton demonstrava ter uma visão boêmia das coisas. Exceto quanto a sua sobrinha. Era surpreendentemente antiquado em relação a ela. E protetor a ponto de enervar Ryan.

Era por aquela razão que ele tinha certeza de que Anton entraria em contato com Courtney, para certificar-se de que ela estava segura.

Assim que telefonasse, Ryan o pegaria. Faria com que ficasse na linha tempo suficiente para ser localizado, o que seria fácil já que Anton normalmente era muito tagarela.

—        Então Anton gostou de você, Fred. Bom saber. A voz de Ryan deixava claro que achava o oposto.

Sim, bem... Se não sairmos agora, nós nos atrasaremos para o filme — Fred falou, olhando preocupado para seu caro relógio de pulso.

Se você quer vir conosco, poderá nos seguir em seu carro —Courtney falou para Ryan.

—        Acho que deveríamos ser mais práticos. Economizar gasolina, você sabe. —Ao observar a expressão dela, Ryan acrescentou:

—Pensando bem, talvez eu deva mesmo segui-los em meu carro.

O drive-in, no lado sudeste da cidade, apresentava um filme de ação que provavelmente já estava nas videolocadoras de Portland. Mas a vida era mais lenta ali em Fell.

Ryan estava bem atrás do carro de Fred. Courtney esperava que o local estivesse lotado, forçando-o a parar bem distante, mas a sorte não estava de seu lado. Ele ocupou o espaço vizinho e teve a audácia de lhe fazer um aceno.

Ryan quase cedeu à tentação de dar um tapa no pescoço de Fred ao cumprimentar a "querida irmã". O sujeito dirigia o carro que ele cobiçava havia dois anos. E estava com o braço ao redor da mulher que...

A mulher que o quê?, questionou-se. Com a qual experi­mentara sensações incríveis? Com a qual morara? A mulher que deixara ir embora de sua vida, e que assombrava sua memória desde então?

Ryan não conseguia rotular Courtney, e, naquele momento, pressentia que ela estava deliberadamente se achegando a Fred.

Rezou para que conseguisse pegar Anton antes de enlouquecer.

Mas desejava beijar Courtney pelo menos uma vez antes que tudo estivesse terminado.

As atrações seguintes passavam na tela e eram narradas por um minúsculo alto-falante atado à janela. O som da porta traseira do carro sendo aberta fez Courtney dar um pulo e derrubar pipocas no colo^

—        Olá — Ryan falou ao se acomodar no assento. — Estive na lanchonete e comprei mais pipocas do que seria capaz de comer, por isto pensei em vir aqui e dividir o pacote com vocês.

Estendeu-lhes um enorme saco de pipocas, colocando-o no meio dos dois.

—        Sirvam-se. Oh, vejam, o filme realmente é ótimo. Adoro a parte em que os alienígenas pousam na cidade.

Courtney tinha vontade de esbofeteá-lo. Então as coisas foram de mal a pior quando Ryan alegre­mente falou:

—        Diga-me, Fred, exatamente quais são suas intenções em relação a minha irmã?

 

Não responda, Fred — ordenou Courtney, a voz trêmula de raiva. — Meu irmão é um contador de piadas inveterado, e este é só mais um exemplo de seu bom humor.

Eu estava apenas cuidando de seus interesses... — protestou.

Sei exatamente o que estava fazendo.

Naquele instante, Ryan disfarçadamente escorregou a mão por entre a lateral do assento e a porta do carro para acariciar o ombro dela.

Quero que pare com isto imediatamente.

O filme começou — falou Fred, constrangido.

Tem razão. O filme começou. Então fique quieto, Ryan.

Sim, madame.

Era evidente o riso contido em sua voz. Courtney desejava poder também ordenar a Ryan que mantivesse as mãos sob controle, mas não havia como fazer aquilo com Fred sentado a seu lado.

Nem mesmo poderia dar-lhe um olhar de reprimenda porque estava escuro no interior do carro, o que permitiria uma in­terpretação equivocada de suas intenções.

Fred segurava de maneira impessoal sua mão enquanto Ryan a provocava, acariciando seu braço direito dos ombros até o pulso. Courtney podia sentir o calor do toque da ponta dos dedos apesar da blusa de algodão que vestia.

Tentou ignorá-lo, mas quando Ryan gentilmente ajeitou seu colarinho para roubar carinhos secretos na altura do pescoço, ela soube que estava realmente em problemas. O tempo não tora suficiente para diluir o forte impacto do toque sensual.

Courtney sentia-se dividida, seu lado sensível aproximando-se de Fred enquanto o selvagem respondia à sedução do antigo namorado.

Ryan acariciou o lóbulo de sua orelha com o polegar.

Está com frio? — Fred indagou, preocupado, ao senti-la estremecer.

Estou bem.

A voz de Courtney estava fraca, e seu coração batia descompassado.

Parece que você está tendo calafrios — disse Fred.

O filme está me deixando apavorada.

O filme... e o toque de Ryan. Não deveria ser tão suscetível, não após tanto tempo. O que havia de errado com ela? O que fosse, precisava ser ajustado de imediato.

Estaria Ryan acariciando a alça de seu sutiã? Tentando descê-la por seu ombro? Mas que ousadia! Ultrajada, capturou os grandes dedos errantes e os apertou. Um riso abafado em suas costas lhe disse que finalmente chamara-lhe a atenção, mas ele obviamente não a levava a sério.

Segundos mais tarde, os dedos ágeis traçavam a curva da orelha de Courtney. Teria ele se lembrado de como era parti­cularmente sensível àquele toque? Costumava derreter-se toda quando recebia um carinho assim.

Sim, Ryan sabia. Recordava-se. Courtney percebia pela con­fiança de seu afago. Fazia aquilo deliberadamente para deixá-la maluca.

Pois não permitiria. Recusava-se a retornar aos maus há­bitos. Não daria a Ryan o gosto da vitória.

Cuidadosamente virou a cabeça na direção da porta do pas­sageiro, para longe de Fred e na direção da provocadora sedução de Ryan. Quando sentiu que ele passava os dedos por seus lábios, por um momento as lembranças ressurgiram tão forte­mente em sua alma que quase a fizeram desistir.

Então recordou-se de como ele a havia excluído de sua vida e ganhou forças.

As palavras de Ryan na despedida em Chicago brincavam em sua mente, deixando-a em transe. Até mesmo naquele mo­mento, o carinho não era uma atenção para com ela.

Tudo era em prol de seu trabalho na Agência U.S. Marshals. Faria qualquer coisa para recapturar Anton. Até mesmo a se­duziria, se preciso fosse.

O polegar passou pelos lábios entreabertos de Courtney. Instantes depois, ela fechava os dentes com força para morder. A exclamação abafada que ouviu lhe indicou que daquela vez não apenas conseguira chamar-lhe a atenção mas fora real­mente levada a sério.

Tudo bem aí atrás? — indagou Fred.

Está... emocionante.

Como estava próximo da verdade, pensou Ryan tristemente. O que começara com uma atitude de provocar Courtney ter­minara enlouquecendo-o. Estava excitado como um adolescente. Quisera testar a resposta dela mas em vez daquilo acabara confirmando sua própria atração.

Tinha um trabalho a fazer. E se seduzi-la ou brincar com o relacionamento formal que ela tinha com Fred acelerasse o processo de fazê-lo chegar até Anton, então que fosse.

Não viera em busca de problemas. Era apenas um oficial da lei obedecendo a um comando superior.

Após uma breve reflexão Ryan decidiu que aquela confusão era mais culpa de Anton do que sua. Se o homem houvesse se comportado, Courtney e Ryan não estariam se encontrando.

Havia muita coisa em jogo por ali. A lavagem de dinheiro. A reputação de Ryan. A segurança de Anton e de Courtney.

Não queria que ela se machucasse. Duvidava de que real­mente percebesse a seriedade da situação. Afinal, nunca pre­senciara o lado escuro da vida. Seus óculos coloridos, através dos quais via o mundo em cores rosadas tinham sido firme­mente colocados sobre seu adorável nariz.

Pelo menos era assim a Courtney que ele conhecera em Chicago.

Mas aquela nova mulher o deixara confuso... até o instante em que a tocou. Então a velha chama do prazer físico e da paixão imediatamente vieram à tona.

Viu aquilo? Ela o mordeu! — falou Muriel, parecendo profundamente ofendida ao passar pelo alto-falante atado à janela do carro.

O volume desta coisa é alto demais — reclamou Betty do outro lado da caixa de som.

Pode-se ver o filme melhor daqui.

A voz de Hattie vinha de cima do teto do carro.

Não temos tempo para assistir a filmes — falou Muriel com impaciência. — Há trabalho a ser feito.

Ryan é tarefa sua — Hattie a fez lembrar-se. — Estou aqui apenas para ajudá-la, para dar algum conselho que se fizer necessário.

—        Então aconselhe-me, srta. Esperteza. Hattie foi até a porta do carro para proclamar:

—        Pois aconselho que deixe de usar esta roupa caqui, Muriel. Não lhe faz justiça. Parece que está com icterícia. Continuo me oferecendo para lhe fazer uma bela maquilagem. Afinal de contas, fiz um trabalho maravilhoso em Heather em nosso pri­meiro compromisso.

—        Não quero maquiagem! Muriel parecia ofendida.

—        Preciso de sugestões para lidar com Ryan e Courtney. Ela está namorando Fred. Pelo menos Heather não estava namorando outra pessoa.

Hattie deu de ombros.

Namorar não significa amar.

Mas ela certamente não está agindo como se amasse Ryan — observou Muriel acidamente. — Parece pronta a ar­rancar o coração do rapaz com a mão.

Bem, mas ele de certa forma fez por merecer — admitiu Hattie. — Partiu o coração dela em Chicago. Não pode culpá-la por não estar disposta a lhe dar uma segunda chance.

A expressão de Muriel ficou sombria.

Talvez fosse melhor se eu tirasse Fred da jogada.

Absolutamente não!

Hattie ficou em pé sobre o teto do carro com as mãos nos quadris e olhou para as irmãs.

Minhas queridas, vocês bem sabem como as coisas podem se tornar mais complicadas quando tentamos interferir. Além do mais, já nos intrometemos fazendo aquele querido homem Anton se esconder para que Ryan se envolvesse no caso.

Ele está envolvido no caso — acrescentou Betty —, mas não com Courtney.

Hattie segurou o chapéu quando uma lufada de vento amea­çou levá-lo embora.

Apenas precisamos dar tempo ao tempo.

Não podemos nos dar tal luxo — declarou Muriel. — Não poderemos manter os Zopo afastados para sempre. Con­seguimos sabotar seus esforços ao confundir os computadores que usavam, mas fazer coisas assim não nos compete.

—        Fale somente por você — declarou Betty. — Eu sou fã de mistério.

Com um toque de varinha mágica acrescentou uma enorme capa de chuva sobre a camiseta e saia jeans.

—        E este caso tem todas as características de um bom filme de mistério.

Esfregou uma mão na outra em antecipação, quase jogando sua varinha mágica para longe sem perceber. Muriel permanecia emburrada.

Mas também tem todos os ingredientes de um desastre.

Como pode ser difícil? — perguntou em tom de comando Caesar Zopo, acariciando o fino bigode.

Seus cabelos eram bem escuros e, embora ele tivesse cele­brado o qüinquagésimo aniversário no mês anterior, não havia um só sinal de fios grisalhos.

—        Eu lhe dei apenas uma tarefa, tarefa que eu somente entregaria a meu irmão de confiança, sangue do meu sangue. E agora você vem me dizer que não pode fazer isto? Não pode capturar uma sobrinha?

Brutus, mais jovem, mais baixo e bem mais pesado do que o irmão baixou a cabeça ante a desaprovação de Caesar.

—        Eu tentei, Caesar. Preciso de mais tempo...

O líder ergueu a mão, as unhas perfeitamente limpas e brilhantes.

Não quero ouvir desculpas. — Sua voz era suave e mortal. — Exijo apenas respostas. Onde está a sobrinha de Anton Leva?

Em algum lugar no noroeste. Eu acho. — Brutus levantou a mão e levou o polegar à boca, roendo a unha. O irmão de­testava tal fraqueza. — O computador fez uma lista de centenas de mulheres que podem ser sobrinhas dele. Eu jamais pensaria que muitas se encaixariam ao perfil, mas se encaixam. Chequei o programa diversas vezes.

Então verifique novamente. E siga cada mulher daquela lista. Telefone-lhes e veja qual é a que procuramos. Porque se nós a pegarmos, chegaremos a Leva. Exatamente como queremos.

Estou tentando. — Brutus procurou não ser queixoso. Sabia como Caesar detestava quando choramingava. — Eu... Eu liguei para cada nome da lista, mas, na maior parte das vezes, secretárias eletrônicas atenderam e...

Caesar apenas ergueu dois dedos daquela vez. Foi o sufi­ciente para cortar a voz trêmula de Brutus.

—        Corrija-me se eu estiver errado, mas por acaso não acabei de lhe dizer que não queria ouvir desculpas?

Brutus baixou a cabeça.

Sim, Caesar.

Então faça o trabalho. Ou eu mesmo o farei.

Quando chegou a hora de Fred dizer boa-noite à porta de Courtney, ela não se surpreendeu com a atitude impertinente de Ryan, em pé a seu lado, recusando-se a deixá-los a sós.

Sabia que seria inútil lhe pedir alguma privacidade. Ryan desejava causar-lhe problemas.

O que deixava a Courtney apenas uma opção. Pegou o rosto de Fred com ambas as mãos e lhe deu um maravilhoso beijo. Então, dando um olhar triunfante a seu oponente, en­trou faceira em casa deixando um Fred atônito, e um Ryan furioso atrás de si.

Quando conseguiu se recompor o suficiente para entrar tam­bém, Ryan a encontrou em pé no meio da sala de estar, os dois braços na cintura, o pé batendo impacientemente e os enormes olhos castanhos brilhando, irados.

Sua atitude foi ridícula!

A minha? E quanto à sua? Foi você quem me mordeu. E depois teve a petulância de beijar aquele idiota como se tivesse realmente vontade.

Pois eu tive vontade sim. E aquele idi... Quero dizer, Fred, pode me oferecer mais do que você jamais pôde.

A expressão de Ryan endureceu.

Mais dinheiro, você quer dizer?

Não. — Assustada, Courtney deu alguns passos para trás. — Você nunca me conheceu de fato.

Eu a conheço muito bem.

Meu corpo talvez. Mas não meu coração. Fred pode me oferecer a segurança de um compromisso, algo que você jamais desejou fazer. Você não estaria aqui agora, não fosse a ordem que recebeu. Então não ouse pensar que pode pas­sear pela cidade, criar problemas e arruinar minha vida por aqui. Trabalhei duro para me tornar uma nova pessoa. Uma mulher séria e digna.

—        E por que quer isto? Não havia nada de errado com a mulher que você era em Chicago.

Obviamente houve algo errado com ela ou Ryan não a teria abandonado. Mas tudo aquilo eram águas passadas. Courtney construíra novas pontes ali, para conduzi-la a novos destinos. E não se importaria se houvesse de passar por cima de um sensual agente da U.S. Marshals que se interpusesse em seu caminho. Tivesse ele um sorriso devastador ou não.

Pegou o saco de dormir de Ryan e o jogou em sua direção.

—        Não fique confortável demais por aqui. Ficará por pouco tempo.

Na manhã seguinte, Ryan admitia que dormir no chão não fora realmente confortável.

Mas grande parte da culpa era de sua própria mente que o fizera relembrar-se de todos os momentos vividos com Courtney sob lençóis frescos... Seu corpo também o traíra, contribuindo para o problema ao permanecer o tempo todo em estado de alerta.

Era inegável que as alterações em Courtney o haviam per­turbado. Não tinha muita certeza por que, mas queria de volta a mulher exuberante que conhecera em Chicago. Recusava-se, entretanto, pensar no que gostaria de" fazer com ela quando reaparecesse.

Sentia falta da velha espontaneidade. Normalmente Ryan era metódico, planejando cada passo a ser dado. Bem, mas não deveria se esquecer do motivo oficial de estar ao lado de Courtney: mantê-la segura e conservar o próprio emprego.

Precisava reconquistar a confiança de Courtney. Ela não revelaria o paradeiro do tio se estivesse brava com Ryan. Tendo aquilo em mente, postou-se diante de uma tigela e procurou planejar uma estratégia.

Qual era mesmo a mistura esquisita de cereais para crianças que Courtney costumava fazer quando os dois moravam juntos? Naquela época, Ryan desejara ardentemente que ela tivesse um gosto mais conservador quanto à comida do café da manhã.

Procurou ser cortês e pensou em um tópico neutro para uma conversa.

—        Como chegou a Fell, Oregon?

—        Gostei do lugar.

Não lhe diria que aquele fora o lugar mais longe a que conseguira chegar com o dinheiro que lhe restara depois de deixar o último emprego em uma estação de esqui no Colorado.

—        É um nome esquisito para uma cidade. Ela imediatamente defendeu seu novo lar.

—        Pois eu gosto. A cidade herdou o nome da primeira família que se instalou por aqui. Viajavam pela trilha Oregon quando tentaram seguir um atalho e se perderam. A condução da família bateu em um obstáculo, e o filho caiu do veículo. Miraculosamente não se feriu. Em apreciação a seu bom estado de saúde, deram o nome ao lugar de Fell e se instalaram aqui.

Ryan achava atraente a idéia de voltar a dividir uma casa com Courtney. Haviam se divertido muito juntos. Mais do que aquilo, apaixonara-se por aquela mulher como jamais se en­cantara por qualquer outra antes ou desde então.

Mas seu trabalho ainda os separava. Atualmente mais do que nunca. Mesmo assim, flagrava-se pensando em como seria tê-la em sua vida de novo.

—        Então o que vamos fazer hoje? — indagou ele. Courtney queria ir ao jogo de beisebol da liga infantil, mas não estava com vontade de apresentar Ryan às amigas e a seus filhos. Ele já fizera Fred suspeitar de que algo estava errado. E a deixara maluca com aquilo.

—        Não faço idéia do que você fará, mas tenho de fazer algumas compras e levar roupas para lavar.

—        Então é exatamente isto que eu farei. Fitou-o de modo cético.

Da última vez em que esteve em uma lavanderia comigo, você não sabia diferenciar um botão da máquina de lavar do outro.

Vou só para observar, não pretendo lavar roupas.

—        Pretende simplesmente observar como fez na noite passada? Ryan não queria se lembrar da noite anterior e do beijo que ela dera em Fred.

—        Ele não é o homem certo para você.

—        Como se você soubesse quem é certo para mim — ironizou, levantando-se para lavar a vasilha de cereais.

Ryan a observou. A calça justa salientava as longas e ado­ráveis pernas mais do que qualquer coisa que já a vira vestir. A camiseta era bem larga.

Ela provavelmente a escolhera para esconder suas curvas, mas aquilo apenas o fazia ansiar por escorregar as mãos sob a malha, sentir a pele macia e acariciar os seios fartos com a palma das mãos.

—        Esta sua ação vai ricochetear e atingi-la de volta, sabe disto — murmurou Ryan.

As palavras a deixaram nervosa.

—        Que ação?

Será que ele suspeitava de que fora Anton quem lhe telefonara na noite anterior?, pensou assustada.

A ação de agir como uma mulher neutra. Vestir-se de bege e ter mobília simples.

Não faz o menor sentido o que diz. Você está aqui a menos de vinte e quatro horas e já mostra sinais de incoerência.

Ao fitá-lo enquanto falava, ela viu que ele trocara a camiseta sob a camisa de flanela.

Ryan era mesmo muito atraente. Nutrira ilusões de que se ele passasse a noite em um saco de dormir no chão de sua sala de estar, acordaria com uma aparência terrível, mas os cabelos revoltos e os olhos com ar de cansados eram mais sensuais do que nunca.

Quanto tempo acha que isto tudo vai durar?

O tempo que levar para eu encontrar Anton. Você pode tentar me ajudar em vez de lutar contra mim e talvez possamos solucionar tudo isto mais rapidamente. A menos que esteja apreciando minha companhia... — sugeriu matreiro.

O que deseja saber?

Tudo que sabe sobre seu tio.

Eu o conheço desde que era garotinha — disse ela. — Não há como contar tudo em poucos minutos.

Ryan se acomodou melhor na cadeira da cozinha, esticando as pernas preguiçosamente.

Fique à vontade.

Esta é sua tentativa de me fazer revelar coisas que eu não deveria?

O que tem a esconder?

O fato de Anton ter lhe telefonado. Assim como a informação de que o tio não tinha intenção de se entregar às autoridades, já que não as julgava capazes de protegê-lo.

Talvez se explicasse aquilo a Ryan...

Tem de compreender algo sobre meu tio. Ele tem bons motivos para não confiar nos agentes do governo.

Pois não tinha motivos para deixar de confiar em mim.

Então você é o responsável por essa confusão toda. Eu sabia!

Ryan deixou de apoiar a cadeira em apenas dois pés, evi­dentemente irritado com a afirmação. Seu corpo e sua voz denotavam-lhe a insatisfação.

—        Eu confiei em seu tio. Achei que fosse se comportar ao ir ao banheiro. Pois ele escapuliu pela janela. Não sei como conseguiu fazer aquilo, não era grande o suficiente para que passasse.

Courtney sorriu satisfeita, feliz em ver o quão aborrecido Ryan estava.

Está no sangue dele. Seus pais trabalharam no circo. E um tanto contorcionista.

Não precisa parecer tão orgulhosa disto. Ele fez algo estúpido e perigoso, para não dizer ilegal. Foi convocado para testemunhar no caso contra os Zopo.

Dada sua experiência na Checoslováquia comunista, tio Anton não confia em ninguém que use uniforme. O que inclui você.

Não uso uniforme.

Ryan passou a mão pela camisa de flanela para reiterar o fato. Courtney contemplou o corpo sensual e prendeu a respiração.

Ora, meu tio não confia na burocracia do governo. Não acredita que possam tomar conta dele.

Mas você poderia convencê-lo a confiar em mim.

Como faria isto se éu mesma não confio em você? Aquelas palavras o enfureceram.

Foi você quem abandonou nosso relacionamento.

Somente depois de você deixar claro que não havia espaço para mim em seu futuro.

Não foi assim.

Foi sim.

E por isto que está saindo com aquele bancário?

Já tivemos esta discussão na noite passada.

Pegou um pano e passou pelo balcão da cozinha que já estava seco. Foi surpreendente não ter apagado os detalhes dourados da fórmica, dada a força aplicada ao gesto.

Não posso acreditar que você tenha se submetido àquele homem.

Eu não me submeto a ninguém!

Ela desejou ter um prato sujo para jogar na direção de Ryan.

—        Você estava sorrindo como uma tola.

Courtney respirou profundamente, tentando controlar a ira.

Sei o que está tentando fazer aqui. Quer brigar comigo na esperança que eu diga algo que não deveria.

Eu desejo encontrar a mulher com quem fiz amor de uma maneira tão apaixonada e intensa que perdia a razão. A mulher que adorava sentir pesados pingos de chuva no rosto em meio a uma tempestade e cantava tão alto no chuveiro que podia-se ouvir a um quarteirão de distância.

O chuveiro estivera silencioso naquela manhã. Sem versos de belas canções. Aquilo o aborrecera mais do que pudera antecipar.

A mulher que não se importava em agir de modo diferente e ousava fazer as coisas a sua maneira.

Eu já lhe disse — murmurou secamente. — Aquela mu­lher foi embora.

Então convença-me disto.

Em segundos, Ryan estava em pé ao lado de Courtney. To­mou-a nos braços e a beijou com ardor.

 

Courtney estivera congelada no meio de um blo­co de gelo durante todos aqueles anos, e Ryan aparecera para libertá-la.

Deveria ser doloroso um despertar daqueles mas não era aquilo que sentia. Era uma sensação incrível, libertadora e frustrante ao mesmo tempo.

Ele a provocava com a ponta da língua, induzindo-a a abrir os lábios.

Ao obedecer, foi recompensada pela intensificação do beijo. Lábios se uniam com paixão e línguas se tocavam. Tudo muito passional, úmido e quente. Cheio de luxúria e desejo.

Seus seios estavam fortemente pressionados contra o peito largo e forte, as mãos pousadas um pouco abaixo do coração acelerado de Ryan.

Ele pousou a mão imensa e máscula em sua nuca, induzindo-a a abraçá-lo fortemente enquanto, com ardor, devorava-lhe a boca.

Um desejo indizível a tomou, rivalizando com as batidas frenéticas de seu coração e fazendo-a esquecer-se mais uma vez das mágoas passadas.

Mais próxima. Precisava ficar mais próxima.

Suas mãos escorregaram pelo torso forte, registrando a sua­vidade da camisa de flanela e sentindo o calor do corpo sensual sob o tecido. Curvou os dedos na cintura da calça jeans, pre­parando-se para puxá-lo para perto como fizera tantas vezes no passado.

Daquela vez suas mãos roçaram em algo estranho. Atônita, ela escapuliu do abraço.

Você está armado?

Sim.

A voz era rouca de paixão até mesmo quando a inflexão mudou ao acrescentar:

—        Seria difícil eu protegê-la com um estilingue.

Ryan tivera razão. A mulher apaixonada que Courtney uma vez fora ainda estava ali sob o exterior bege.

Mas o que ele provara, afinal? Que ainda a queria mais do que já desejara qualquer outra mulher em toda sua vida? Que aqueles doces lábios femininos podiam inspirar muitos poetas? Que o corpo dela era capaz de perturbá-lo e o fazer querer perder a razão de vez?

Tudo aquilo era verdadeiro. A questão era, o que deveria fazer?

Courtney parecia absorvida em indagações próprias. Mas, quando falou, proferiu um ultimato.

—        Mantenha seus beijos e suas armas longe de mim. Ryan fez mais uma tentativa.

—        Aquele tal de Fred é completamente errado para você, não consegue ver isto?

Courtney levantou o queixo e lhe lançou um olhar teimoso.

Não, não consigo.

Ele vai matar seu espírito.

Impossível. Porque você já conseguiu fazer isto em Chicago.

Ah, deu certo! — exclamou Muriel com satisfação, sentada sobre a geladeira da cozinha de Courtney. — Eles finalmente se beijaram. O que foi? — acrescentou quando Hattie lhe lançou um olhar de desprezo, o laço de fita de seu chapéu caindo na testa.

Você não ouviu o que ela falou no final? Disse que Ryan havia matado seu espírito.

Hattie disse as palavras em tom dramático e pesaroso. Muriel deu de ombros.

—        Ora, ela está exagerando.

O olhar de Hattie foi de reprovação.

Ainda está magoada.

Bem, mas conseguirá superar isto!

Muriel passou a mão pelos cabelos, colocando no lugar as mechas brancas de seu penteado.

—        Não é hora de sermos emotivas. Os humanos são seres muito problemáticos. Da próxima vez vou querer trabalhar com animais. Gatos e cachorros. Cavalos. Eles têm mais bom senso do que os humanos.

Agora você está falando como Betty.

Não precisa me insultar — queixou-se Muriel.

Ouvi isto — interveio Betty ao aparecer ao lado das duas em uma nuvem de energia cósmica.

Ainda usava a mesma capa de chuva que fora sua vestimenta na noite anterior durante o filme.

—        Enquanto vocês duas estavam aí conversando, fui verificar o que estavam fazendo os irmãos Zopo... Aquela confusão que nós incutimos no computador deles ainda está bagunçando as coisas, felizmente.

O franzir de testa de Muriel se aprofundou.

Sabotar criminosos realmente está além de nossa alçada.

Ora, podemos ter pouca experiência nisso — Hattie sen­tiu-se compelida a dizer. — Mas estamos trabalhando no caso.

Pelo amor de Petúnia, li todas as histórias de Sherlock Holmes — gabou-se Betty, fazendo uma bravata. — Acho se­guro afirmar que sou experiente em mistérios e tenho capaci­dade para tirar boas deduções.

Precisamos nos concentrar no presente. Temos de unir Ryan a sua alma gêmea e proteger a todos dos irmãos Zopo.

Nunca fomos muito boas em equilibrar as coisas. Por isto tivemos problemas da primeira vez — Muriel a lembrou. — Você não conseguiu equilibrar seu pote de geléia cheio de pó mágico.

Não fui só eu quem espalhou o pó encantado — imedia­tamente Betty argumentou. — Você derramou o seu, que estava naquele pote esquisito. Eu apenas espirrei e...

Ouça, vamos esquecer essa conversa de vez — interrom­peu Hattie enquanto meticulosamente ajeitava as amplas man­gas de seu vestido de chiffon amarelo. — Mas preciso dizer que a roupa que você usa não é apropriada também. Eu já lhe disse vezes e vezes, esta cor a deixa com aparência lavada, especialmente agora, quando está sobre este terrível refrige­rador verde-abacate. — Hattie suspirou. — Você ficaria muito melhor em algo assim... — Com o toque de sua varinha mágica, mudou o adorado vestido caqui de Muriel para um charmoso longo azul. — Assim está muito melhor.

Muriel não gostou nada daquilo.

—        Eu me pareço com uma borboleta azul!

A um toque de sua varinha mágica, fez a roupa voltar à cor original.

—Conservem sua energia para coisas importantes. Pressinto que iremos precisar manter um passo sempre adiante dos irmãos Zopo — avisou Betty, com voz de sargento.

Brutus estava em pé no bem aparelhado escritório de seu irmão, ouvindo uma ópera de Wagner. Passava a palma das mãos úmidas pela calça comprida.

—        Uma pessoa disse ter ouvido Anton falar de sua sobrinha. Ela está aqui em Oregon.

Caesar levantou as sobrancelhas.

Já sabe o nome dela?

Não exatamente — balbuciou Brutus. — Ele achou que terminasse com ie ou y. Annie ou Mary ou Cathy ou Stacy...

Caesar passou sua elegante mão pelos cabelos e depois a estendeu, detendo as palavras de Brutus no ar.

Ou milhares de outras opções. Sabe quantos nomes de mulher terminam em ie ou y?

Não. Quer que eu descubra?

Não, não quero que descubra isto! — rugiu Caesar, ficando em pé e dando um murro na escrivaninha. — Quero que en­contre a preciosa sobrinha de Leva e a traga para mim nas próximas vinte e quatro horas. E agora saia daqui!

Brutus saiu. Não suportava tamanha tensão.

Vinte e quatro horas! Teria de trabalhar a noite toda. Pensou e decidiu ser hora de conseguir alguma ajuda para a tarefa.

Caesar não poderia saber que ele fora incapaz de descobrir tudo sozinho. O que significava que teria de contratar alguém de fora do círculo de amizade dos dois.

A única pessoa que conhecia era Stella, a mulher que esti-vera cortejando sem o conhecimento de Caesar. Era a mulher mais doce da face da terra, uma flor charmosa e tímida.

Aqueles rumores sobre ser uma vigarista eram mentiras absurdas. Quando Brutus lhe dissera ser um gerente de in­vestimentos, ela o fitara com muita admiração.

Caesar jamais o olhara com admiração. Na verdade, nin­guém. Ninguém até Stella.

Por isso, quando ela lhe implorara para ajudar Jimbo, seu amado irmão mais novo, e lhe dar um emprego, Brutus não fora capaz de recusar. Jimbo jurara que faria qualquer coisa sem nada perguntar, e era exatamente a pessoa indicada para ajudá-lo a capturar a sobrinha de Anton Leva.

Seria bom ter outra pessoa fazendo o trabalho sujo em seu lugar por uns tempos.

Havia uma hora que Courtney estava em seu quarto, ten­tando se recuperar do beijo e do vendaval que invadira sua casa e suas emoções. O aposento se revelara minúsculo demais e lhe dava sensação de claustrofobia.

Precisava sair dali, tinha coisas a fazer, roupa suja para lavar, mantimentos para comprar. Não havia comida na casa.

Ryan que morresse de fome! Recordou-se então do enorme estoque de petiscos que vira nas coisas dele. Havia batatas fritas e biscoitos suficientes para sustentá-lo até o inverno seguinte.

Courtney não sabia como fugir dele. Poderia tentar pular a janela conforme o tio fizera. Até se aventuraria no passado, mas não atualmente. Não era uma atitude responsável.

Pouco conhecia sobre o caso em que seu tio estava envolvido. Precisava conversar com Anton novamente e obter mais infor­mações para poder agir com segurança. Devia lealdade primei­ramente àquele que a havia criado. Não contaria nada a Ryan.

Ouviu o som da televisão quando abriu a porta do quarto.

—        Vamos à lavanderia.— ordenou a si mesma.

Era difícil andar pela sala, pois precisava desviar da mochila e do saco de dormir.

Não esperou para ver se ele a seguia quando pegou as chaves e foi para o serviço de lavanderia no térreo do edifício.

A mão de Ryan se antecipou a sua quando ela fez menção de acender a luz da escada.

Deixe-me olhar primeiro. — Demorou pouco tempo até ele continuar: — Está bem, pode vir agora.

Muitíssimo obrigada.

O sarcasmo passou despercebido. Minutos depois ela sentia a presença máscula preencher a pequena área de serviço.

Nem se importou em separar as roupas. Simplesmente as jogou dentro da máquina, rezando para que não houvesse nada vermelho e capaz de manchar o restante das peças. Ligou a máquina e tentou sair dali rapidamente.

—        Não está se esquecendo de algo? — indagou Ryan, pondo-se em seu caminho.

Olhou-o com suspeita.

—        Se pensa que vou beijá-lo para sair daqui, está louco.

Nem pensei nisto. — O sorriso era provocador. — Digo apenas que você se esqueceu de colocar sabão na máquina.

Desde quando o senhor se tornou dono de casa? — mur­murou aborrecida, retornando à máquina.

Nunca mais me esqueci daquela vez em que usei deter­gente para louças em vez de sabão em pó para lavar roupas.

Ela sorriu ante a lembrança das bolhas caindo em cascata da máquina de lavar em Chicago.

Eu ainda digo que teria funcionado se você tivesse colo­cado nas proporções corretas.

Equilíbrio não é meu forte.

Eu sei.

Se ele soubesse dar as proporções certas ao relacionamento dos dois, tudo teria funcionado bem. Mas Ryan deixara tudo transbordar ao insistir em ser extremamente independente.

De nada adiantava pensar naquilo. Após colocar uma boa dose de sabão, Courtney ligou a máquina novamente e subiu a escada.

Passar aspirador na casa seria um bom exercício e a faria sentir-se melhor. Caminhou decidida até o aparelho de limpeza.

A reação de Ryan ante sua enlouquecida limpeza foi sentar-se no sofá e erguer os pés para sair de seu caminho enquanto Court­ney vigorosamente mirava o sugador em sua direção.

Finalmente ele cansou-se daquilo. Desligou o interruptor e disse:

—        Precisamos conversar.

Antecipando problemas, Courtney cruzou os braços.

Recuso-me a discutir o que aconteceu esta manhã.

Falo de seu tio.

Era claro que era sobre o tio. Mais uma vez ele só se preo­cupava com trabalho. A escapatória de Anton era uma mancha, sem dúvida alguma, na ficha de Ryan. Sabia que qualquer movimento da parte dele na tentativa de seduzi-la era sim­plesmente para tentar cumprir melhor sua tarefa.

Ryan pegou um pequeno bloco de anotações do bolso da camisa e a olhou de modo impessoal.

Preciso do nome de todos os amigos de seu tio, pessoas que ele pode tentar contatar. — Ao vê-la de queixo erguido, uma atitude que denotava teimosia, acrescentou: — Não se pode obstruir a ação da justiça, você sabe. E não poderá ajudá-lo se você estiver atrás das grades.

Meu tio não tem amigos íntimos. Tem muitos conhecidos, mas ninguém que o conheça bem.

Além de você.

Além de mim — confirmou.

Então dê-me o nome dos conhecidos dele.

Courtney listou vários nomes porque tinha certeza de que o tio não contataria aquelas pessoas.

—        Fico feliz em ver que está cooperando. — Mas Ryan ar­ ruinou tudo ao acrescentar: — Finalmente.

Queria esbofeteá-lo. Em vez disso, voltou para a lavanderia para tirar as roupas da lavadora e colocá-las na secadora.

Ryan a seguiu, observando cada movimento seu. A presença máscula era ainda mais dominadora no pequeno ambiente. Mo-vendo-se cegamente, ela se inclinou para pegar as roupas molha­das, o tempo todo consciente de que Ryan observava suas curvas.

Um instante mais tarde, o olhar provocador de Ryan tornou-se sério quando uma pessoa entrou na minúscula lavanderia. Sua rotina de trabalho o havia preparado sempre para o pior.

Prisioneiros normalmente não eram as pessoas mais edu­cadas de uma sociedade. E o rapaz que acabara de entrar parecia um marginal.

O rapaz impressionava com aqueles cabelos muito pretos e presos em um rabo-de-cavalo. A camiseta, também preta, tinha o logotipo de uma gangue de pilotos de motocicletas de Portland. Carregava um capacete de beisebol e se aproximou rapida­mente de Courtney.

Ryan foi rápido em colocar seu corpo no caminho do intruso, detendo-o.

—        Alto lá! — O grito de Ryan encheu a lavanderia. Aprisionou o rapaz contra a parede, imobilizando-o antes que Courtney pudesse piscar. Ou falar. Ela rapidamente se recuperou.

—        Ryan, este é meu vizinho! Meu amigo. Seu nome é Red.

Este palhaço a está aborrecendo? — perguntou Red, sen­tindo-se corajoso mesmo estando aprisionado na posição pouco digna imposta por Ryan.

O nome deste palhaço é Ryan. Sinto muito por ele tê-lo prendido desta maneira.

Red deu a Ryan um olhar frio.

Ele costuma agir assim com freqüência?

Não sei. Não o vejo há muito tempo. Sinto muito por ter perdido o jogo de beisebol esta tarde, Red. O time dos garotos ganhou?

Não desta vez. Mas convidei-os para tomar sorvete depois, por isto eles não ficaram muito chateados.

Red realmente é maravilhoso — falou Courtney, fazendo Ryan desejar que ela também o fitasse daquela maneira. — Treina o time da liga infantil e faz muito pelas crianças pouco favorecidas.

Sinto muito pelo mal-entendido — desculpou-se Ryan. —Pensei que você pudesse estar ameaçando a segurança de Courtney.

—        Red é meu protetor.

Courtney pousou o braço sobre o ombro do rapaz, olhando para Ryan de modo desafiador. — Ele nunca me machucou.

Ryan queria ser o único protetor dela e sentiu-se incomodado com aquela intimidade que havia entre os dois vizinhos. Lem­brou-se então de que ele a havia ferido em Chicago com seu comportamento. Ela não tinha intenção de lhe perdoar e es­quecer. Pelo menos não ainda. Mas a lembrança daquele beijo apaixonado dava-lhe esperanças.

Courtney tagarelava com Red, mas percebia que Ryan pen­sava no beijo que haviam trocado. Podia ver naquele olhar. A pequena lavanderia pareceu lhe sufocar.

Subiu as escadas com Ryan a seus calcanhares. Podia sentir sua respiração no pescoço. Já não conseguia mais suportar. Assim que chegaram ao apartamento, confrontou-o.

Tem de ficar tão próximo assim? É desta maneira que protege seus prisioneiros?

Não é prisioneira.

Ele ainda não havia percebido, mas Courtney sentia-se pri­sioneira do desejo de entregar-se a ele. Precisava ter forças, não podia se submeter àquela paixão.

—        Já que vai morar aqui por alguns dias, deve também ajudar nos afazeres domésticos, fazendo metade do trabalho.

—        Ela apontou para a pequena cozinha. — Os pratos estão na pia. Vou tirar o pó da sala enquanto você lava a louça.

Tirar pó? — repetiu ele, como se fosse uma palavra in­compreensível. — Você nunca fez isso antes.

Também não costumava fazer outras coisas que faço agora.

Como o quê?

Como cozinhar.

Foi a única coisa que pôde pensar e observou, pela expressão de Ryan, que falara algo errado.

Cozinhar o quê? Biscoitos? Browniesl Bolo alemão de chocolate?

Nada disto. Estou sem comida. Teremos de ir ao supermercado.

Os olhos de Ryan se arregalaram ao imaginar sobremesas maravilhosas.

Enquanto estiver aqui, eu comprarei os ingredientes para os brownies e biscoitos e você os cozinhará.

Eu cozinho para me satisfazer — informou-o. — Não para agradar um homem.

Quer dizer que não cozinha para impressionar Fred? Ele nunca experimentou suas... iguarias?

Minhas iguarias não são de sua conta — respondeu, sa­bendo muito bem que ele não falava sobre comida. — É melhor você limpar estes pratos antes de sairmos.

Ryan não protestou. Courtney passou a maior parte do tempo observando-o através da porta da cozinha. Embora com os bra­ços ensaboados até os cotovelos, ainda possuía charme e mas-culinidade avassaladores.

Após a limpeza, dirigiu-se à lavanderia para pegar as roupas secas. Ryan a seguiu. Ela tirou as peças da máquina e aspirou profundamente o cheiro de roupa limpa.

Desde garotinha adorava o perfume de roupas recém-secas. Fazia-a lembrar-se da mãe. Esperava que Ryan não tivesse notado sua pequena idiotice. Colocou as peças em uma cesta plástica e começou a subir a escada.

Ainda lidava com as roupas quando Ryan finalmente ter­minou de lavar os pratos. Ela unia as quatro pontas de um lençol para sua cama de casal, e Ryan ofereceu ajuda.

—        Deixe-me ajudá-la com isto.

Ele deu diversos passos para trás para ajeitar o. lençol. Mas quando as dobras estavam lisas, Ryan se aproximou para juntar as extremidades. Os dedos dos dois se tocaram por um segundo, e então as coisas desandaram.

Arrepios de um prazer irracional passaram pela espinha de Courtney. E com o prazer veio o desejo e as lembranças de lençóis macios e do toque dos dedos másculos de Ryan.

Os dois fitavam-se na cama, intimamente ligados, as peles nuas arrepiadas de desejo enquanto faziam amor...

Courtney percebia, pelo calor que irradiava daquele olhar, que as lembranças de Ryan eram as mesmas. Começou a res­pirar com dificuldade, e seus lábios se entreabriram, as imagens tornando-se mais e mais eróticas e poderosas e envolvendo-a em um manto de desejo.

Os dedos de Ryan apertaram os seus. O olhar desceu dos olhos para os lábios entreabertos. Courtney estava em chamas, aprisionada no momento.

Ele a havia beijado uma vez naquele dia. Fora bom, fora pouco...

Courtney o desejava. O sabor dos lábios de Ryan a viciara. Jamais sentira que bastara, nada conseguia saciar seu desejo e aplacar seu calor. Amara-o de todo o coração e mesmo assim não fora o bastante.

Ryan se moveu, capturando os lábios macios com os seus. Mas Courtney o surpreendeu, jogando o lençol em seu rosto. Quando conseguiu se livrar, ela já estava do outro lado da sala, com as chaves do carro na mão.

Acho que é hora de tomarmos um pouco de ar puro.

Quero saber o que você tem feito para garantir a segu­rança de meu tio.

Pouco posso fazer até que Anton entre em contato com você. Deduzo que, como está preocupada com a segurança dele, imediatamente me notificará caso se falem pelo telefone, certo?

Quer dizer que não vai grampear meu telefone?

Não vou responder a esta pergunta.

Eu também não responderei às suas então.

Você está agindo de maneira infantil.

Estou agindo da mesma maneira que você, que rouba beijos quando estou distraída.

Ora, você sempre está bem atenta — murmurou ele, provocador.

Lá vem você com desculpas novamente.

Eu?

Sua expressão era da mais cândida inocência. Mas o brilho em seus olhos indicava o oposto.

—        Não fui eu quem trouxe à tona o assunto do beijo nova­mente. Você parece estar fascinada por isto.

E conseqüentemente fascinada por você?

Você perguntando ou afirmando?

Esqueça.

Colocou leite na travessa com cereais.

—        Estou apenas interessada na segurança de meu tio. E não acho que você esteja fazendo muito sobre isso.

Ryan não iria lhe dizer como estava conduzindo aquela inves­tigação. Verificara os nomes que Courtney lhe dera no dia anterior, uma relação de conhecidos do tio e telefonara para a maioria. Ninguém ouvira falar a seu respeito nos últimos dias.

Não havia passagem de avião em seu nome também. Pressentia que o homem estava nas proximidades. Anton tinha boa expe­riência como ator e deveria saber como alterar sua aparência.

Ryan também sabia usar alguns disfarces. Sabia ter feito um trabalho esplêndido pela maneira como Courtney agira quando ele saiu do banheiro minutos atrás.

Por que está usando este terno horroroso?

Não gosta?

Não tem seu jeito.

É o que sempre digo sobre suas roupas — respondeu ele, sorrindo.

Ora, esqueça. Esqueça o que falei. Não é de minha conta. Assim como o que faço não é da sua.

Mas Ryan insistia em fazer com que fosse. Quando chegaram ao banco e Courtney se distraiu conversando com Francis, ele foi para a sala de Fred. Dali poderia observá-la enquanto dis­cutia alguns detalhes com o gerente.

Fred o olhou com seriedade.

Posso fazer algo por você?

A propósito, Fred, pode.

Ryan acomodou-se na poltrona com casual desleixo.

—        Acho que será bom conversarmos de homem para homem.

—        Você não vai perguntar sobre minhas intenções novamente, vai?

Ryan arqueou as sobrancelhas.

—        Isto o faz sentir-se desconfortável, não é mesmo? A expressão de Fred mostrava sua desaprovação.

—        Courtney me disse que você é muito brincalhão, mas eu não sou uma pessoa tão bem-humorada assim.

Confie em mim — observou Ryan —, não estou brincando sobre isso.

Não consigo entender por que você está sendo um irmão tão protetor agora se prestou pouca atenção a sua irmã du­rante um bom tempo. Ela me disse que vocês dois haviam rompido relações.

Ora, Fred, você ainda não percebeu que não sou irmão de Courtney?

 

Você não é irmão de Courtney? — re petiu Fred, pronunciando cada pala­vra com cuidadosa precisão.

—        Não.

Ryan se ajeitou melhor na poltrona de couro do bancário, sentindo-se muito melhor por ter dito a verdade.

Então quem é você e por que está no apartamento dela?

Sou agente da U.S. Marshals e estou aqui para protegê-la. Ryan mostrou a Fred sua carteira de identificação, que foi

observada com muito cuidado antes ser devolvida.

Protegê-la de quê?'

De quem — corrigiu-o Ryan. — Infelizmente não posso lhe dar maiores detalhes sobre o caso.

Fred franziu a testa e o fitou com suspeita.

Como posso saber que é algo legítimo?

Trabalho para o escritório de Portland. — Pôs a mão no bolso e tirou um cartão, o mesmo que mostrara a Courtney na noite anterior. — Aqui está o número. Poderá telefonar para lá e confirmar o que lhe digo.

Ryan observava a figura esquálida a sua frente enquanto Fred fazia a ligação telefônica.

—        Acredita em mim agora? — indagou, aguardando que o bancário assentisse antes de continuar. — Ótimo, porque eu apreciaria sua cooperação.

Conforme suspeitara, Fred estufou o peito, sentindo-se muito importante.

O que precisa que eu faça?

Não quero levantar suspeitas desnecessárias sobre minha presença aqui no banco. Você disse a alguém que eu era meio-irmão de Courtney?

Fred pensou um momento antes de responder.

Não.

Ótimo. Isto simplifica as coisas. Gostaria que dissesse a seus empregados que sou do governo. Seja deliberadamente vago, deixe-os pensar que estou inspecionando seu banco e observando os processos.

Fred ficou ruborizado de excitação. Ryan desejou que o rapaz tivesse uma vida melhor, mais agitada. De preferência sem Courtney.

Mas na verdade você nâo está inspecionando o banco, certo? — indagou Fred, as mãos tremendo muito.

Tem razão, não estou. Preciso apenas mexer em alguma papelada, fazer com que a encenação pareça real.

E por quanto tempo estará protegendo Courtney?

Até que ela esteja segura e o caso resolvido.

Ryan grampeara o telefone dela. Achava que em breve Anton telefonaria para a sobrinha. Então seria questão apenas de rastear a chamada para chegar a sua localização.

Houve um breve telefonema bastante suspeito, a cobrar, de Portland. Aquele que Courtney dissera ser de sua amiga. Sabia, por experiência, que mulheres conversavam durante horas e não apenas minutos e que o tempo se multiplicava muito quando es­tavam aborrecidas com algo, como o rompimento com o namorado.

Infelizmente o maldito grampo no telefone misteriosamente funcionara mal e, em vez de gravar a conversa, apresentara apenas um barulho ensurdecedor.

Ryan tinha quase certeza de que a ligação viera de Anton. Se o tio ligara uma vez, faria aquilo novamente. E então Ryan, que já instalara um equipamento novo no telefone, poderia encontrá-lo.

Então posso contar com você, Fred? — indagou, lançan-do-lhe um olhar de homem para homem.

Com certeza. Apreciei sua confiança em mim.

Você me pareceu um homem respeitável...

Ryan deixara a sala de Fred e caminhara resoluto em direção à mesa de Courtney. Precisava revelar aquela conversa a ela, antes que o patrão o fizesse.

Ela estava sentada à escrivaninha, usando um terninho azul muito pálido que Ryan desejara desabotoar no momento em que a vira vestida naquela manhã.

Aquele era o problema com as roupas conservadoras de Court­ney. Todas lhe provocavam uma urgência incrível de despi-la para revelar a mulher colorida por debaixo dos tons pálidos, aquela com quem Ryan imaginara passar o restante de sua vida.

Aquela que ele perdera.

O que você quer dizer com ter dito a verdade a Fred? — indagou, os olhos castanhos soltando chispas.

Disse-lhe que não sou seu irmão — repetiu sem um só traço de remorso. — Nem mesmo seu meio-irmão.

Falou sobre meu tio?

Não é permitido discutir o caso com pessoas que não estejam envolvidas nele — lembrou-a. — Simplesmente disse que estava aqui para protegê-la. E ele concordou em cooperar e dizer aos funcionários que pertenço ao governo e estou ve­rificando os procedimentos do banco.

É por isto que está usando este terno antiquado e esses óculos engraçados?

Ryan observou a roupa antes de se mostrar entristecido.

Achei que você fosse apreciar, dado seu afeto por Fred. Ela não aceitou a provocação.

Você lhe disse que já nos conhecíamos antes?

Ainda não.

Nem jamais dirá — corrigiu-o, consciente da testa fran­zida de Francis ao fitá-los. — Não posso falar sobre isso agora. Há clientes esperando para abrir contas. Falaremos sobre esse assunto esta noite.

Mal posso esperar.

Ryan se afastou e caminhou em direção à mesa que lhe fora designada por Fred, bem próxima à de sua protegida. Francis, em seguida, levou para ele uma pilha de papéis.

Courtney rezou para que aquilo o mantivesse distraído. Pre­cisava trabalhar.

Seus pensamentos foram interrompidos por uma mulher de idade vestindo terno cor-de-rosa. A senhora se acomodou na cadeira defronte a Courtney. Seus cabelos eram o que Anton costumava se referir como sendo o corte de um cachorro poodle, de um tom rosado que combinava com a roupa.

—        Posso ajudá-la?

A mulher riu. Uma risada rouca.

Preciso de informações para abrir uma caderneta de pou­pança. Gostaria de depositar alguma coisa para minha sobrinha favorita. — Em um tom de voz bem baixo, a mulher falou: — Não me reconhece, malenka?

Tio Anton? — sussurrou.

Ainda sou bom ator, não é mesmo? Você não me reconheceu?

Absolutamente não. — Courtney piscou várias vezes. — Não posso acreditar.

Representar um pouco tem sido útil nessa época estressante.

Como está? Onde tem estado?

Muitas perguntas lutavam entre si para serem proferidas.

—        Tenho me virado bem, mas não posso lhe dizer nada mais. E melhor você não saber onde estou.

Erguendo a cabeça, Anton pousou o olhar em Ryan.

Você não me disse que ele estava aqui. Ryan a tem incomodado?

Não está feliz por você ter escapulido de sua guarda — admitiu. — Contou-me sobre como saiu pela janela do banheiro.

Eu não tinha certeza se conseguiria, mas fiquei feliz em saber que ainda há muita vida neste velho corpo.

Ora, você não tem nem mesmo sessenta anos. Mas mesmo assim, poderia ter se machucado ao escapulir daquela maneira.

Pois os Zopo me machucariam mais.

As palavras causaram um arrepio de pavor em Courtney.

—        Ryan está determinado a pegá-lo. Imagina que entrará em contato comigo e ficará em minha casa até que você faça isto.

A fim de manter a normalidade, Courtney ergueu o tom de voz.

A senhora poderá abrir a conta no nome de sua sobrinha ou ter conta conjunta.

Ele está ficando com você no trabalho? — Anton indagou suavemente.

E em casa também — respondeu em sussurro. — Segue-me para todo lugar.

Está se aproximando de você novamente, não é mesmo?

Esqueça isto. — Deu um tapinha carinhoso na mão de Anton, somente então percebendo que ele usava unhas com­pridas e pintadas. — Precisamos nos preocupar com você. Tal­vez fosse mais seguro se deixasse o Estado.

Anton balançou a cabeça, a peruca acompanhando seu movimento.

—        Mas é exatamente o que acham que vou fazer. Então, em um tom de voz bem baixo, Courtney confessou seus temores ao tio.

—        Acham que você manterá contato comigo, e não quero ser responsável por sua captura. Ryan parece achar que os irmãos Zopo tentarão me usar para chegar até você.

Também temo isto — admitiu Anton. — Mas irei protegê-la.

É trabalho de Ryan me proteger. E levar você de volta para testemunhar.

Anton olhou mais uma vez na direção de Ryan.

Eu os ouvi chamá-lo de "peso de papéis", porque quando pega alguém, mantém consigo.

Peso de papéis?

Courtney tinha de admitir que desde a primeira vez em que o vira, Ryan chamara sua atenção, e ela realmente ficara cativada por seu charme. Até brigarem em Chicago. Então seu romântico castelo de cartas desabara e só lhe restara um co­ração partido.

Consciente de que precisava continuar com a encenação, ela sorriu e abriu uma brochura, explicando os diferentes tipos de caderneta de poupança.

Inclinou-se e sussurrou ao tio:

Estou preocupada com você. Talvez fosse melhor se en­tregar. Poderíamos dar um jeito para que fosse protegido ade­quadamente. Fico preocupada em saber que está sem proteção.

Adeus, querida. Devo ir.

Para seu desespero, Anton abruptamente se levantou e, com o riso feminino, apressou-se em direção à saída.

Courtney nada poderia fazer para detê-lo e ajudá-lo. Ou poderia? Pegando alguns papéis da mesa, apressou-se atrás de Anton.

—        Madame, esqueceu seus documentos!

Mas no momento em que saiu do prédio não havia qualquer sinal de seu tio vestido de cor-de-rosa.

Courtney teve muita dificuldade em se concentrar durante o restante do dia. E aquilo fora responsável pela quantidade de erros que cometera ao digitar novas informações no computador.

Quase no fim do expediente, Courtney viu um homem em pé à porta do banco. Aquela não era uma ocorrência inusitada, pois o movimento de pessoas no banco era muito intenso. Mas aquele homem vestia-se como se fosse dezembro e não junho, e tinha um rosto com traços esquisitos.

Courtney tentou observá-lo melhor, mas a luz do sol a atingia diretamente nos olhos e tornava turva as feições daquela pes­soa. Pôde perceber, entretanto, que ele empurrava a porta de vidro, frustrado, tentando abri-la.

Quando Jimbo tentou forçar a porta do banco novamente, teve de afastar a meia-calça de seda cor-de-rosa que atrapa­lhava sua visão. Servia-lhe para disfarçar sua aparência, mas o impedia de ler o que estava impresso na porta.

Será que o banco já estava fechado? Tentou olhar para seu enorme relógio, mas não conseguiu saber que horas eram.

Bateu na porta novamente. Por que as coisas sempre davam errado com ele? Apenas uma vez não poderiam funcionar a contento?

Brutus lhe dissera que o plano era à prova de tolos. Tudo o que tinha de fazer era fingir roubar o banco e raptar Courtney. Mas como conseguiria entrar ali?

Courtney viu Ryan subitamente ficar em pé e caminhar para a porta, postando-se ao lado da idosa sra. Albergast que vinha toda segunda-feira buscar algum dinheiro.

Centavos voaram para todo canto quando ela derrubou sua bolsinha de moedas. Ryan continuou caminhando em direção à porta e ao homem que estava tendo problemas em entrar.

Courtney sentiu o coração na boca, assustada, quando per­cebeu que o homem usava uma meia-calça sobre a cabeça!

Um assaltante de bancos? Mas quem ignorava que era pre­ciso puxar a porta para abri-la em vez de empurrá-la?

Segundos depois, Ryan saía pela porta. O pretenso assal­tante começou a correr.

Courtney não sabia o que fazer. Deveria chamar a polícia? Diria a eles que um homem usando uma meia-calça na cabeça tivera dificuldades em abrir a porta? E se fosse alarme falso? Mas e se não fosse, e Ryan se machucasse?

Discou 911.

A delegacia ficava apenas a um quarteirão de distância, por isso ela ouviu as sirenes se aproximando quando Ryan entrou no banco minutos mais tarde, a expressão de desconsolo an­tecipando suas palavras: — Eu o perdi.

Jimbo estava inclinado, ofegante após ter corrido mais ra­pidamente do que jamais fizera em toda sua vida. Torcera uma perna e quase o pescoço ao tentar tirar a meia-calça da cabeça. Poderia ter morrido estrangulado...

Como o banco soubera antecipadamente a hora em que ele iria chegar e trancara as portas? Fora muito cuidadoso em não dizer palavra alguma, nem mesmo à garota maravilhosa do supermercado que lhe dera um olhar esquisito quando Jimbo comprara a meia-calça tamanho extra-grande.

Cometera a gafe de dizer que eram para ele, mas então rapidamente consertara falando que era para sua esposa.

Não era casado. Ainda não. Mas esperava ser um dia. Quan­do tivesse algum dinheiro guardado.

Tinha dúvidas se receberia o restante do combinado com Bru­tus. Ele ouvira dizer que os irmãos Zopo não toleravam tolos.

Jimbo fora chamado de tolo desde a segunda série, e os garotos da escola zombavam dele por ser lento.

Sua irmã sempre o sustentara. Esperava que continuasse a fazer isso. Porque não tinha intenção de retornar àquele banco novamente em toda sua vida. Se Brutus queria que o trabalho fosse feito, que fizesse ele mesmo!

 

Courtney esperava que ninguém percebesse como seus joelhos estavam trêmulos. Quando Ryan se precipitara para a porta atrás do ladrão de bancos, roubara dez anos de sua vida. Mas não iria demonstrar aquilo. Tinha de ser sensata, fria.

—        Foi bom você estar aqui — falou a Ryan, tentando es­conder a preocupação através de fala aparentemente calma.

Os cinco policiais de Fell estavam no banco. Francis se juntou a Courtney e Ryan um momento mais tarde, logo após acalmar a sra. Albergast.

Você corre com incrível rapidez para um inspetor de ban­cos — observou Francis com olhar de admiração.

Faço exercícios — respondeu modestamente.

Posso perceber.

Estaria Francis realmente suspirando? Courtney piscou di­versas vezes, descrente. Estaria sua sisuda chefe tentando fler­tar com Ryan?

Subitamente a outra mulher pareceu ser anos mais jovem. Quando Courtney avaliou a situação sob outra ótica, percebeu que Francis era poucos anos mais velha do que Ryan e ela mesma. Era sua atitude que sempre a fizera parecer ter mais idade.

Ryan correspondia ao flerte. Courtney reconhecia os sinais: o sorriso aberto, o brilho dos olhos. Francis dificilmente resis­tiria àquele charme.

Não estava com ciúme. Não, absolutamente. Apenas preocupada com Francis. Afinal de contas, as mulheres precisavam se unir. Era tarefa feminina colocar avisos na lapela dos casacos para que as próximas mulheres na vida dele pudessem rapidamente per­ceber o que havia de errado, o trauma que poderiam sofrer.

Era preciso que todas as mulheres soubessem que Ryan não queria se comprometer. Ele se dedicava muito mais ao trabalho do que aos relacionamentos amorosos. Qualquer mu­lher viveria infeliz ao lado dele. Oh, ela poderia escrever um livro sobre as falhas de Ryan.

O problema era que poderia redigir dois ou mais volumes para retratar suas qualidades também.

—        Detesto interromper — disse ela —, mas a polícia quer falar com cada um de nós individualmente. Francis, você po­deria ir primeiro devido a seu cargo.

Assim que a outra mulher saiu, Courtney dirigiu a atenção a Ryan. Somente então deu-se conta do perigo que ele correra ao perseguir o ladrão daquele jeito. Sabia que tinha uma arma, mas eram grandes as chances de que o ladrão também estivesse armado.

Sentiu um arrepio ao pensar no que poderia ter acontecido se o bandido mascarado não tivesse enfrentado problemas com a porta. A única maneira de dissipar tais sensações, que amea­çavam sufocá-la, era dando um soco no braço de Ryan.

Ai! — ele gritou e mostrou um olhar de exagerada ofensa.

Aquele ladrão o poderia ter machucado muito mais — disse, aborrecida. — Tem idéia do perigo que correu ao per­segui-lo daquele jeito?

É meu trabalho — falou Ryan simplesmente.

Odeio seu trabalho — murmurou com igual simplicidade, mas com mais veemência.

Courtney sabia que aquele não era o horário nem o lugar adequados a tal conversa. Deixou então que seus olhos falassem por ela. Esperava apenas que não revelassem seus temores, quanto ficara preocupada com a segurança de Ryan e aliviada ao vê-lo bem.

Ele a estava dominando. O olhar firme era capaz de derrubar todas suas defesas e invadir sua alma. Por isso Courtney fez o que qualquer mulher sã faria. Atacou.

—        O que estava fazendo com Francis?

Como qualquer homem, ele rapidamente chegou à conclusão equivocada.

Está com ciúme?

Absolutamente não. Mas pensei que seu trabalho fosse manter os olhos em mim e não nos seios da minha chefe.

Está com ciúme! Posso ver! — A voz de Ryan estava plena de satisfação ao acrescentar: — Você sempre fica com este tique nervoso no canto dos olhos quando está com ciúme.

Ela imediatamente levou a mão ao rosto.

—        Não fico!

Ryan segurou-lhe a mão e, com a ponta de seus dedos, tocou suavemente o canto dos olhos dela.

—        Aqui está. Impressionante!

Se achava aquilo surpreendente, devia sentir como o coração de Courtney batia disparado. As batidas vinham em intervalos cada vez mais curtos porque ele a estava tocando. Cada célula de seu corpo vibrava de excitação e reconhecimento, quase gritando por mais.

Nada melhorou quando Ryan colocou toda a palma no rosto dela. Courtney sentiu-se envolvida pela magia que apenas aquele homem sabia lhe proporcionar.

Os olhos brilhavam em tons de dourado e verde, plenos de desejo e paixão. Então ele sorriu, e ela soube que ele tinha consciência de que a dominara. O efeito foi equivalente a um copo de água fria jogado sobre sua cabeça, tão rapidamente a fez dar um passo para trás e livrar-se do toque.

Oh, não, não deve fazer isto.

Sei que não devo. — A voz era rouca como a de um amante em êxtase.

Mas eu quero. Com você.

Mantenha suas mãos longe de mim.

Adoro quando você fala tão docemente comigo. Ela se recusou ser atraída por seu charme.

Continue assim e ficará em maus lençóis.

—        Ora, eu nunca chamaria de maus os lençóis em que estive com você.

Assustada, Courtney olhou ao redor para ter certeza de que ninguém o ouvira. Felizmente estavam isolados, o que lhe deu coragem para lhe dizer:

Para um inspetor de bancos, você se porta de maneira muito ousada.

Normalmente isso acontece instantes antes de eu pousar minha boca na sua e... — murmurou sedutor.

Ela ergueu a mão e a colocou nos lábios de Ryan para si­lenciar as palavras. Mas não conseguiu evitar os efeitos dentro de seu coração.

—Comporte-se! — ordenou aborrecida.

Percebeu que não estava sendo levada a sério pela maneira com que ele passou a língua pela palma de sua mão. Sentiu vontade de esbofeteá-lo, mas o calor perturbador que invadiu seu corpo a deixou sem ação.

—        Estou interrompendo algo? — inquiriu Francis ao lado dos dois.

Courtney deu um pulo como se houvesse levado um choque elétrico e afastou a mão da boca tentadora de Ryan.

—        Ela estava me condenando por especular sobre o roubo. Suas palavras eram destinadas a Francis, mas a atenção continuava completamente focada em Courtney.

—        O delegado gostaria de falar com você agora, Ryan — disse Francis.

Tiny Picton não era estranho a Ryan. Fora a uma conferência proferida por ele havia algum tempo. O homem tinha quase dois metros de altura e até mesmo sua voz era forte.

Bem, garoto, quer dizer que assim que você aparece em minha jurisdição começamos a ter problemas com assaltos a bancos? Isto tem algo a ver com seu caso?

Quer falar baixo, Tiny? — Ryan censurou-o secamente.

Ele passara para conversar com o delegado assim que che­gara à cidade. Não apenas por cortesia profissional, mas tam­bém para tentar obter informações sobre Anton.

Tiny pouco sabia sobre o sujeito que viera apenas algumas vezes a Fell para visitar Courtney. A gráfica que Anton gerenciara era no subúrbio de Portland, por isso Tiny não pôde lhe dar informações úteis, mas sempre era bom ter aliados na cidade.

—        Não tenho certeza se este rotibo frustrado tem algo a ver com meu caso ou não — acrescentou Ryan. — Mas minha intuição diz que sim.

Em seguida deu a descrição da altura e peso aproximado do homem que tentara invadir o banco, incluindo a meia-calça sobre sua cabeça.

—        Presumo que ele já a tenha tirado a esta altura — Tiny observou. — Olhe, aquele homem que acabou de entrar no banco é do FBI.

Ryan não era fã do FBI. Poucos membros da U.S. Marshals eram. Havia uma rivalidade entre as duas agências federais. Após se apresentar, o agente Charles Zamika perguntou a Tiny:

O que está acontecendo aqui?

Houve uma tentativa de roubo.

Há testemunhas?

Certamente. Um U.S. Marshal. Tiny indicou Ryan.

O agente franziu a testa para os dois.

Você acha que isto foi feito por um prisioneiro em fuga?

Duvido — respondeu Ryan. — Foi coisa de amador.

—        Então o que está fazendo aqui? A Marshals não é uma agência de investigação.

Zamika fizera aquilo soar como um insulto. Os agentes do FBI consideravam o trabalho de um Marshal inferior, pois segundo eles não havia mérito algum na captura de fugitivos, apenas na captura inicial.

As duas agências constantemente se envolviam em guerras de palavras em relação a quem era responsável por capturar fugitivos federais importantes.

Ryan resolveu que diria apenas o essencial. Não queria colaborar.

O agente, percebendo que Ryan não estava disposto a falar, ficou hostil.

Uma tentativa de roubo é um problema sério. Se algumas das testemunhas sob sua guarda entrou no mundo do crime, deve ser presa, conforme acontece com o restante da população.

Isto nada tem a ver com o Programa de Segurança à Testemunha. Conhece as regras tão bem quanto eu. Se uma testemunha protegida cometer um crime, terá a mesma punição que qualquer outra.

Ryan mantinha a voz tranqüila, mas aquilo estava lhe re­querendo crescente esforço.

—        Muitos dos participantes deste programa são criminosos que cooperam sob pretexto de sair da cadeia sem cumprir a pena.

Ryan cerrou os dentes.

Não estou envolvido nesse programa. Busco uma teste­munha que fugiu.

Vocês nem mesmo conseguem manter as testemunhas antes do julgamento.

Zamika lhe deu um olhar de superioridade. Ryan cerrou os dentes ainda mais fortemente e procurou lembrar-se de que se esbofeteasse um agente do FBI estaria colocando seu emprego em apuros, mesmo sabendo que Wes, seu chefe, também não gostava de sujeitos como Zamika.

Trocaram mais algumas palavras sobre os possíveis motivos de o bandido quase ter entrado na agência bancária.

Então você acha que esta tentativa de roubo tem algo a ver com a intenção de pegarem a sobrinha da testemunha? Vou verificar — disse Zamika.

Mantenha o nome dela fora disto — ordenou secamente Ryan. — Não quero que pessoas erradas descubram onde ela está.

Mas se sua teoria estiver certa, parece que já sabem.

Talvez eu esteja sendo apenas paranóico.

Ou talvez tenha razão.

Zamika falou as palavras com relutância.

Meu grupo de peritos está verificando a entrada do banco em busca de pistas, mas o rapaz deve ter usado luvas. Estu­daremos o vídeo de segurança do banco. Talvez possamos des­cobrir algo ali. Eu o manterei informado — acrescentou Zamika, fazendo um aceno de cabeça à guisa de despedida na direção de Ryan. Olhou para Tiny e falou: — Envie-me a tal sobrinha, e eu a interrogarei.

Seja cauteloso com ela, está muito assustada — falou Ryan.

—        Paramos de espetar agulhas sob as unhas há alguns anos, não ouviu dizer? — zombou ele.

Tiny olhou de um para o outro com um grande sorriso. Ryan sabia o que ele pensava. Oficiais federais eram muito aborrecedores.

—        Courtney não sabe de nada — Ryan insistiu.

—• Sou eu quem deve julgar isso. Envie-a e poderá esperar do lado de fora — instruiu a Tiny com desdém. Mas o outro não gostava de receber ordens.

—        Posso fazer algo mais por você? — o delegado inquiriu com ironia. — Providenciar-lhe um sanduíche de peito de peru do restaurante do outro lado da rua, talvez?

Ryan avaliou o brilho nos olhos azuis de Tiny e percebeu que o homem já estava no limite de sua paciência.

Estou sem fome. Não preciso mais de sua assistência. — Dispensou Ryan com um olhar. — Você pode ir.

Vou ficar.

Então fique à vontade.

Sempre fico — Ryan lhe assegurou.

Courtney não temia ser questionada por um agente do FBI. Já suportara um pesado interrogatório feito por Francis.

—        Por que Ryan falou que era um cliente da primeira vez em que veio ao banco? Há quanto tempo vocês dois se conhecem?

Onde? Como? Quando? Por quê?, Francis não cansava de fazer perguntas. Felizmente o delegado viera socorrer Court­ney. Gentilmente deu-lhe um tapinha nos ombros, em velada solidariedade, ao acompanhá-la até a sala de reuniões.

Tiny já havia namorado Francis e era a única pessoa que já a chamara de Franny.

Obrigada por ter me resgatado — sussurrou Courtney.

Espero estar por perto sempre que precisar.

Uma vez dentro da sala, ela observou que Ryan estava aco­modado em uma cadeira com sua típica postura de descaso. Em seguida focou sua atenção em outro homem... Um sujeito bem mais jovem e melhor vestido.

—        Sou o agente Zamika, srta. Delaney. Preciso lhe fazer algumas perguntas.

Courtney assentiu, apreciando o tom impessoal e respeitoso de sua voz. Exatamente o oposto da maneira com que Ryan falava com ela. Ryan, a propósito, somente se submetia aos desejos de Courtney quando os dois faziam amor.

Como acontecera aquilo? Como seus -pensamentos voltaram ao assunto proibido de sexo após dois segundos em sua presença?

Recorreu a seu autocontrole, procurando manter a mente livre e focar o olhar no agente do FBI. Relaxou ao sentir uma imediata camaradagem entre os dois.

Delaney — murmurou ele com um sorriso satisfeito. — É um nome irlandês.

Meu pai era irlandês, mamãe cresceu na Checoslováquia.

É mesmo? Meus pais são irlandeses e do leste europeu, também, mas o contrário dos seus. Mamãe é irlandesa. Seus pais moram aqui em Oregon?

Não. Faleceram quando eu tinha dez anos.

Sinto muito.

Sua voz refletia sincera simpatia.

Deve sentir muita saudade deles.

Sinto mesmo — disse Courtney, simpatizando com o rapaz.

Ryan revirou os olhos para cima em sinal de desgosto ao perceber quanto Courtney era ingênua.

Como aparentemente não compreendia que Zamika era um burocrata rígido e incompetente. Não sabia o que o sujeito queria? Seria completamente cega?

Devia tê-lo tratado com frieza. E Deus sabia como ela era boa em fazer aquilo. Ryan que o dissesse...

—Você está terrivelmente silencioso — comentou Courtney ao ver Ryan jantar sem dizer uma só palavra naquela noite.

Ela trocara a roupa formal e os sapatos de salto alto. Vestia calça preta justa e uma camiseta turquesa bem larga. Estava descalça mas os cabelos permaneciam presos no alto da cabeça.

—        Está sentindo falta da conversa animada de Charles? — grunhiu ele.

Courtney fez uma pausa e franziu a testa, um pedaço de alface preso no garfo e parado no ar.

Sobre o que está falando?

Charles Zamika. O sujeito do FBI com o qual você esteve flertando hoje. Pensei que respeitasse Fred.

E o respeito.

Então por que olhava daquele jeito para Zamika?

Não fazia nada que possa ser condenado — disparou. — Estávamos conversando educadamente.

Sim, certo — ironizou. — Quer que eu acredite nisso?

Cuidado, seus olhos estão ficando verdes.

É de tanto comer esses sanduíches de manteiga de amen­doim com geléia.

Olhou com desdém para a comida no prato.

Courtney recusou-se a sentir pena dele, porque senão aca­baria cozinhando três refeições por dia. E precisava ser durona.

Além do mais, não conseguiria deixar o passado com Ryan adormecido se ele ganhasse sua simpatia.

Não tenho culpa se isto é o melhor que seu patrão pode fazer por você. Foi ele quem disse que você deveria ser res­ponsável por sua própria alimentação?

Ele me odeia — murmurou Ryan.

Você causa este sentimento em algumas pessoas.

Muito engraçado!

Parece que o agente Zamika não gosta muito de você também — ela falou, parecendo sentir grande satisfação.

O sentimento é mútuo. Quem era aquela mulher no banco esta manhã?

Courtney piscou várias vezes ante a pergunta abrupta.

Como?

A senhora vestida de cor-de-rosa. Vocês duas conver­saram muito.

Falávamos sobre a estupidez dos homens.

Ele sorriu, mas seu olhar era penetrante, em busca da verdade.

—        Por que não acredito nisto?

Courtney procurou pensar rapidamente, tentando achar uma resposta convincente.

Porque você naturalmente não confia em ninguém. Ryan cocou o queixo, ausente, a testa franzida.

Ela me pareceu um tanto familiar.

Courtney sentiu-se desconfortável. O disfarce de Anton havia sido tão bom que até mesmo ela não o havia reconhecido. Ryan poderia tê-io reconhecido ou estava apenas tentando obter in­formações? O segredo era agir com cautela e naturalidade.

Há sorvete na geladeira. — Fez sua voz soar delibera-damente alegre e despreocupada. — Quer um pouco?

Quero seu tio sob minha custódia.

Foi a vez de Courtney ficar em silêncio. Sua primeira leal­dade era para com o tio. Se ele não se sentira seguro sob custódia do Estado, então a deixava de mãos atadas. Não po­deria trair sua confiança.

Sentindo-se esquisita, colocou um pacote de milho de pipoca no microondas. Minutos mais tarde pegava uma vasilha com pi­pocas amanteigadas e ia para a sala de estar, rumo ao videocassete.

—        Já tive emoções fortes suficientes por um dia — proferiu ela. — Preciso ver alguma coisa tranqüila.

Colocou uma fita de vídeo no aparelho e sentou-se no sofá.

—        Só mesmo você para achar que desenhos animados são tranqüilizadores.

Ryan sorriu e sentou-se a seu lado.

Courtney pegou uma enorme almofada e acomodou-se no chão em frente ao sofá. Não confiava na proximidade de Ryan.

Mas ele não se fez de logrado. Acomodou-se no sofá de modo a ficar diretamente atrás de Courtney, as pernas dele aprisio-nando-a de ambos os lados.

—Relaxe — murmurou ele. — Está tão tensa que corre o risco de se partir em duas.

As mãos de Ryan pousaram em seus ombros com familia-ridade. Courtney ficou sentada ali, apreciando o jeito com que os polegares massageavam seu pescoço tenso. Ryan sempre teve incrível talento para dissipar sua tensão.

—        Sabe, estou com as piores roupas para uma ocasião dessas — falou, matreiro, bem baixinho. — Ainda pior do que daquela vez em que eu tive de me vestir como um jogador de golfe psicodélico. Calça comprida fosforescente. Camisa roxa brilhante.

Sorriu, divertido com as recordações.

Foi terrível quando me vesti como mascote para o Seattle Seahawks — acrescentou. — Mas a operação funcionou. Induzi­mos uma dúzia de criminosos federais a aparecerem em nosso escritório para buscar ingressos que supostamente haviam ganho, juntamente com uma viagem grátis para Superbowl. Em vez disto, ganharam um passeio gratuito de volta à penitenciária.

Então o que você está me dizendo é que basicamente todos os Marshals vestem fantasias para poder trabalhar?

Pode apostar — concordou alegremente.

A reação a surpreendeu. Esperara que Ryan se sentisse ofendido, a tal ponto de parar de lhe fazer carinhos no ombro.

Neste caso, posso entender o motivo de você gostar do trabalho — disse ela.

Gosto de perseguir pessoas ruins e ajudar a manter a paz. Mesmo quando criança, era o pacificador da família.

Nunca me disse isto antes.

—        Você partiu antes que eu tivesse oportunidade de dizer. Seria verdade? Ryan teria lhe explicado seus motivos se ela tivesse ficado ao lado dele?

—        Eu lhe dei oportunidade para conversar comigo.

—        Estávamos bravos demais na ocasião. Por isto ambos cometemos alguns erros.

Dizendo isso, Ryan começou a pentear-lhe os cabelos com os dedos. Courtney queria acreditar em suas palavras, achar que ele tinha consciência de como agira errado no passado. Mas havia muitas coisas em jogo.

Na tela da televisão um desenho seguiu o outro. Mr. Magoo, Pantera Cor-de-Rosa. Outros mais. Ryan simplesmente conti­nuava a passar seus dedos pelos fios sedosos até que Courtney sentiu-se perdida na magia das recordações do que os dois haviam passado juntos. Sentiu a felicidade incrível de simples­mente estarem próximos.

Nunca havia se sentido assim antes de conhecê-lo e nem mesmo depois da separação. Era como se estivesse... de volta ao lar.

Mas Ryan estava atrás de seu tio. Podia estar lhe dizendo o que queria ouvir para que cooperasse mais e o ajudasse na captura de Anton. Não, não poderia confiar nele. Ainda não.

Naquele instante a fita chegou ao fim. Ela levantou-se e fez uma careta ao notar que uma de suas pernas havia adormecido.

— Está ficando tarde.

Pegou a tigela vazia e caminhou para a cozinha.

Courtney estava em pé, defronte à pia, quando ouviu um barulho muito alto

 

O que foi isto? — indagou Ryan, cor­rendo apressado até a cozinha.

—        Não fui eu — Courtney rapidamente falou. — Parece ter vindo do andar de baixo. Parecia vidro quebrando. Red, às vezes, faz barulho, mas nunca tão alto.

Sem fazer comentário algum, Ryan pegou a arma.

Vá para o banheiro. Agora! Tranque a porta se eu não retornar em cinco minutos. — Ele lhe estendeu o telefone ce­lular que estava no bolso e ordenou: —; Chame a polícia.

Para onde está indo?

Vou para o andar de baixo checar as coisas. Agora vá para o banheiro. Vamos, vá!

Ajudou-a a caminhar, empurrando-a hall afora.

Aquela era a primeira vez em que ela o via com arma em punho. Uma grande excitação invadiu seu corpo, mas ela não se sentia apavorada.

Seria o toque de Ryan em seu braço que a deixara quase sem ar? Courtney tentou afastar a sensação perturbadora, dominar seu lado selvagem e deixar de fantasiar sobre Ryan o tempo todo.

Bateu a porta do banheiro. Devia estar angustiada por causa da tentativa de roubo ao banco naquela tarde. Certamente por isso estava tão suscetível a ter fantasias sobre Ryan, prote-gendo-a de todos os males.

Rezou para que o barulho tivesse mesmo sido causado por seu vizinho, Red. Talvez ele houvesse derrubado uma bandeja cheia de copos. Mas àquela hora? Passava das dez da noite.

Baixou a tampa do vaso sanitário e sentou-se, tentando en­contrar um pouco de conforto. As palavras de Ryan retornaram a sua mente: "Ambos cometemos alguns erros".

Ryan fora sincero? Courtney poderia lhe dar crédito novamente? Será que suportaria fazê-lo? Será que suportaria o contrário?

Brutus não apreciava aquela tarefa, mas, depois que Jimbo fracassara em entrar no banco, precisa agir rapidamente e não poderia contar com mais ninguém.

Chegara havia horas à casa de Courtney. Checara duas vezes o endereço para ter certeza de estar no lugar correto; descobrira-o no cadastro do departamento de veículos motorizados. Aguardara até que as luzes do apartamento fossem apagadas. Então esperara uma hora mais, apenas para agir com segurança.

Usou uma barra de ferro para quebrar a janela. Agora, bastava entrar, pegar a garota e sair rapidamente.

No instante em que ele entrou na sala escura, ouviu um homem gritar:

Brutus! Atônito, ele se virou.

O quê? Quem está aí?

Ouviu um rosnado mas era tarde demais para fugir. Então, o cachorro ensandecido pulou sobre ele, metendo-lhe os dentes no traseiro.

No início achou que fosse um doberman, mas o animal era pequeno e tinha os dentes muito afiados.

—        Pegue-o, Brutus, pegue-o!

O cachorro rosnou em resposta.

Trôpego, Brutus caminhou para a janela do quarto. O furioso cachorrinho não lhe dava trégua.

Ryan ouviu os rosnados e os gemidos ao aproximar-se do apartamento do andar debaixo. Quando a porta se abriu, ele apontou a arma... diretamente na direção de Red.

—        Homem, precisamos parar de nos encontrar deste jeito — o rapaz declarou, assustado.

Ryan respirou profundamente e baixou a arma.

—        O que está acontecendo?

—        Algum idiota tentou entrar em meu apartamento. — A voz de Red mudou drasticamente ao murmurar com doçura:

—        Aí está.

Ryan piscou duas vezes e deu um passo para trás, imagi­nando se o rapaz estava maluco. Então percebeu o pequeno animal a seus pés.

Red o pegou no colo.

—        Veja, meu cão de guarda arrancou um pedaço das roupas do ladrão. Bom trabalho, Brutus. Bom cachorro!

Cão de guarda? Ryan havia visto gatos maiores.

Bem, e você conseguiu ver o homem?

Claro que sim. O esquisito foi que o rapaz se virou e disse: "O quê" quando eu ordenei que Brutus o atacasse.

Ele se virou quando você disse Brutus?

Sim. Esquisito, não é?

Nem tanto assim. Então Brutus Zopo decidira vir pessoal­mente atrás de Courtney em vez de enviar um de seus ineptos comparsas para fazer o trabalho.

O que significava que sabiam onde ela morava. Ou quase. Ryan lembrou-se de ela ter lhe dito que não alterara seu re­gistro na licença de motorista após ter mudado para o apar­tamento de cima.

Precisava levá-la para um lugar seguro.

Achei que você nunca fosse voltar! — exclamou Courtney no instante em que Ryan bateu à porta do banheiro e lhe disse que tudo estava bem.

O que aconteceu lá em baixo? Ouvi latidos e confusão. Foi com Red?

Não, foi Brutus.

O cachorro de Red? — Courtney sabia quanto o vizinho era ligado ao animal. — Pobrezinho... O que havia de errado com ele?

Nada. Estou falando sobre Brutus Zopo. Os Zopo a loca­lizaram. Comece a fazer as malas.

Ela piscou diversas vezes, assustada.

Como?

Você me ouviu. Comece a fazer as malas.

Por quê?

Porque planejo levá-la a algum lugar seguro.

E onde será?

Por que tantas perguntas? — indagou exasperado. — Você não pode apenas dizer: "Está bem, Ryan, vou fazer o que me pede"?

De jeito nenhum — respondeu suavemente.

Um homem pode sonhar, não é mesmo? — Ryan suspirou e a fitou com expressão sofredora. — Está bem, vamos ver se eu consigo explicar tudo com vagar. Os bandidos estão atrás de você para usá-la como isca para atrair seu tio. Seguiram suas pistas e entraram em seu prédio na tentativa de raptá-la. Estou quase convencido de que a frustrada tentativa de assalto ao banco esta tenha a ver com esse caso. Está compreendendo? Ela o empurrou, furiosa com o tom deliberadamente condescendente.

Não me trate como idiota.

Então pare de agir como se fosse.

Você também.

Não estou agindo assim.

Isto é ridículo!

Ryan a pegou nos braços e a beijou com uma força e deter­minação que refletiam toda frustração que sentia, seu desejo e temores. Courtney, por sua vez, retribuiu o beijo com uma paixão que indicava sua inabilidade em se conter.

Braços fortes a abraçavam, dedos hábeis acariciavam a pele macia de seu pescoço, escorregando até a cintura da calça justa, ensandecendo-a com a promessa de mais intimidades.

Notou o sorriso satisfeito de Ryan e imediatamente sentiu-se corar. Abraçou o próprio corpo na tentativa de se proteger de uma nova aproximação.

Posso saber para onde iremos?

Não. Descobrirá oportuna e brevemente. Agora vá fazer suas malas e seja rápida.

Você dá ordens para todos seus prisioneiros assim?

Pode apostar. Também os algemo.

Nem pense nisto — avisou-o. — E tire esta expressão do rosto.

Ryan piscou com fingida inocência.

Que expressão?

Posso ver em seus olhos que está imaginando atar meus braços a sua cama com as algemas...

Por acaso você não percebe que o perigo é real?

Não, não é isto.

Courtney hesitava em partir pois não saberia como avisar Anton sobre seu paradeiro. Como seu tio poderia encontrá-la se nem mesmo ela sabia onde ia ficar?

E quanto a meu emprego?

Telefonarei para Fred e farei com que lhe dê alguns dias de folga.

Mas só poderei tirar férias dentro de oito meses.

Também não poderá ficar aqui. Agora pare de discutir. A menos que você prefira que eu faça as malas por você.

A idéia de Ryan escolhendo suas roupas íntimas e camisolas deixou a palma das mãos de Courtney umedecidas e o coração disparado. Precisava aprumar-se, deixar de agir como adolescente.

Ryan tinha razão, o perigo era real. Não apenas vinha dos irmãos Zopo mas também de seu protetor. Ao menos no que se referia ao bem estar de seu coração.

Estava se apaixonando por ele novamente. Por seu sorriso devastador, pelo simples prazer de sua companhia, pela ma­neira com que a fazia sentir-se tão viva. Pelo jeito com que teimosamente exigia que voltasse a ser ela mesma.

Mas, ao mantê-la segura, colocava o coração de Courtney em apuros novamente. Era melhor não se envolver com ele. Sua mente sabia daquilo, mas seu corpo, inflamado pelo desejo, talvez se recusava a cooperar com aquela decisão.

—Estamos perdidos? — ela indagou três horas mais tarde. Desde que deixaram o apartamento, os dois estavam silenciosos e Ryan continuou calado, sem responder à pergunta dela.

Diga-me que não estamos perdidos. — Courtney insistiu. — Parece que andamos em círculos há décadas.

É verdade.

Ótimo! Suponho que continuará respondendo de modo enigmático e se recusará a pedir informações. Estou certa?

Não preciso pedir informações porque não estamos per­didos — proferiu confiante.

É claro que não — ironizou ela. — Você está andando em círculos de propósito.

Exatamente.

Mas por quê?

Para o caso de alguém estar nos seguindo.

Ela se virou e nervosamente encarou a janela traseira do automóvel.

Acha que estão?

Não. Mas é melhor se prevenir do que lamentar.

Se gosta de segurança não deveria estar em um trabalho tão perigoso — ponderou Courtney. — A maioria das pessoas evita problemas, caminha na direção oposta. Mas você corre para encontrá-los.

—        É meu...

Ela o interrompeu.

Seu trabalho. Eu sei. Estou apenas tentando descobrir o motivo de isto ser seu trabalho. O que o atrai em tal tarefa.

Poderia ter me perguntado isto há três anos...

Você poderia ter me dito...

Observou-o assentir quando a luz tênue proveniente de um carro passou no sentido oposto. Seria aquela a maneira de Ryan reconhecer que cometera erros no relacionamento dos dois no passado?

Som bom no que faço.

Você é bom em muitas coisas.

As palavras escapuliram dos lábios de Courtney antes que ela as pudesse deter.

E mesmo? — Pôde sentir o olhar especulativo que ele lhe lançou. — Como o quê?

Em me deixar maluca.

Como exatamente eu a deixo maluca?

Bem, levando-me a um destino ignorado é um bom começo.

Como você deve saber, estamos nos aproximando do li­toral. É para sua própria proteção.  

Você sempre age como se sempre soubesse o que é melhor para mim.

E porque eu sei — disse calmamente.

Oh! — Ela colocou uma mecha de cabelos atrás da orelha. — Pois saiba que eu vivi muito bem nos últimos três anos enquanto estivemos separados.

—Tão bem que considera bege sua cor favorita. Courtney sentiu-se furiosa por aquelas palavras e pela ati­tude arrogante.

Está aborrecido por eu ter conseguido construir uma vida boa em Fell sem você.

Ora, mas isto é ridículo. E de jeito nenhum a vida com Fred, o amigável bancário, pode ser considerada boa.

Ele se importa mais comigo do que você.

Ele se importa com seu banco mais do que com qualquer outra coisa. Você viu a expressão de pânico no rosto do homem quando o FBI entrou? Estava praticamente desmaiando ante a ameaça à reputação de seu banco.

Automaticamente ela foi em defesa de Fred.

—        Qualquer bancário responsável ficaria aborrecido com uma tentativa de roubo.

—        Mas eu não o vi preocupado em saber se você estava bem. Courtney também percebera tal omissão e não apreciou que Ryan a explicitasse.

—        Ele estava preocupado demais em proteger seu compu­ tador e escritório. Faz-me pensar no que estaria escondendo.

A voz de Ryan soava reflexiva.

Você acha que todo mundo esconde algo — acusou ela.

Porque usualmente esconde.

Neste caso, o que você está escondendo?

Você — ele imediatamente respondeu. — Dos bandidos. Lembra-se?

Como poderia me esquecer quando estou passando por momentos tão bons?

Olhou pelo pára-brisa do carro. Contemplou as luzes dos faróis sobre o asfalto, a velocidade regular e monótona impri­mida ao veículo.

Ryan ignorou a ironia do comentário e continuou calado.

Tenho de lhe dizer que sempre ansiei por andar sem rumo em círculos por toda a noite. Era um objetivo acalentado há muito tempo.

Então sinto-me feliz em ajudá-la a alcançá-lo. Posso fazer mais alguma coisa pela senhorita?

Sim. Pode encontrar um posto de gasolina para que eu vá ao banheiro.

Eu lhe disse para ir ao banheiro antes de deixarmos o apartamento — murmurou com típica impaciência masculina.

E eu fui. Mas já se passaram muitas horas.

Ótimo! — Ele demonstrava sua impaciência no tom de voz, quase rude.

Também não estou contente com isto. As condições sa­nitárias dos banheiros de estrada não são boas.

Vou parar na próxima cidade.

Ela não se sentiu encorajada com a promessa.

Você ao menos sabe onde fica a próxima cidade?

E claro que sim.

Ryan encontrou um posto de gasolina em quinze minutos.

Em poucos instantes depois da parada, os dois retornaram à estrada e à rota.

Courtney começou a revirar a sacola que trouxera do apar­tamento e que estava no banco traseiro. Esticou-se toda para pegar o que buscava.

—        O que está fazendo agora? — indagou Ryan, um pouco irritado.

Acomodou-se no assento, colocou o cinto de segurança e co­meçou a saborear seu petisco noturno.

Você ainda não me disse por que decidiu tornar-se um agente Marshal.

O que está comendo?

Um sanduíche de presunto e queijo.

Teve tempo de preparar sanduíches antes de sairmos? Por que não me disse?

Ele pareceu ultrajado pela omissão de Courtney.

Por que não me perguntou. O que achava que trazia naquela sacola?

Eu não sei. Talvez mais um pouco daquela condida sau­dável que você comprou no mercado outro dia. Tem mais um sanduíche aí?

Claro. É de grão-de-bico. Quer?

Mesmo na penumbra ela pôde ver sua expressão e comentou:

Não devia fazer uma careta assim — disse. — Poderá ficar deste jeito para sempre e, então, como será?

Fala como minha mãe.

Como estão seus pais?

Encontrara-se com o casal diversas vezes e gostava imen­samente deles.

—        Estão bem.

Dito isso, Ryan imediatamente retomou ao assunto da comida.

—        Falou brincando ou realmente fez sanduíches de grão-de-bico?

Bem... — Fez algum suspense antes de confessar: — Também há um de rosbife.

Ótimo. Quero um então.

Mas como vai comer enquanto dirige?

Ryan poderia lhe dizer que estava acostumado a comer en­quanto dirigia, mas aquilo desperdiçaria uma oportunidade de tê-la bem próxima e não deixaria aquilo acontecer. Durante os últimos dez minutos Courtney o estivera provocando com a blusa decotada e a calça jeans justa.

Podia estar escuro no carro, mas não era cego. Sentia os movimentos dela, o próprio corpo se enrijecendo em resposta. Fazia aquilo deliberadamente. Tinha certeza.

O beijo intempestivo partilhado no apartamento ainda fazia o sangue de Ryan ferver nas veias. Estava conseguindo se aproximar. Era apenas uma questão de tempo e de estarem lado a lado.

Você poderia me dar de comer.

Poderia? Mas que gentileza sua.

Pensei justamente isto — declarou virtuosamente.

Ao primeiro toque da boca de Ryan em seus dedos, Courtney soube que brincava com fogo. Mas não encontrou energia para se opor. Estavam envolvidos pela escuridão do interior do carro e for­mava-se uma intimidade especial entre os dois. O barulho do motor mesclado ao jazz suave tocado no rádio eram muito tranqüilizadores.

Seria fácil demais ela deixar os dedos brincarem naqueles lábios, bastava apoiar o corpo contra o ombro forte quando lhe fosse oferecer mais uma porção do sanduíche.

A recusa de Ryan em conversar sobre o trabalho e os motivos de tê-lo escolhido a magoavam profundamente. Serviam para lembrá-la de que ele não havia mudado nos últimos três anos. Ainda encontrava dificuldade em partilhar pensamentos ínti­mos com Courtney.

Ouvi dizer que você é conhecido como "peso de papéis".

Como soube disso?

Lembrou-se tarde demais de que fora Anton quem lhe con­tara aquilo.

—        Alguém mencionou...

A resposta foi displicente, mas a persistência de Ryan, imediata.

Quem?

Não me lembro. Seu patrão, suponho eu.

Ele desconhece este apelido. De fato, a última vez em que alguém me chamou assim foi quando seu tio estava comigo.

Courtney tentou não demonstrar pânico.

Você está fazendo uma tempestade em copo de água.

Estou mesmo? — Sua voz permaneceu calma ao acres­centar: — Por que seu tio gosta de se vestir como mulher?

Atônita, Courtney engasgou com a cerveja.

Eu percebi. Sabia que aquela mulher no banco era familiar. Courtney ergueu o queixo.

Não sei sobre o que está falando.

Sei que era seu tio no banco.

Tem uma imaginação e tanto.

Eu deveria ter percebido antes — murmurou Ryan para si mesmo. — Com seu treino em dramaturgia, Anton seria maravilhoso em disfarçar sua aparência. Eu apenas não havia antecipado que chegasse a tais extremos. Mas deveria. Afinal, estamos falando do maníaco que se esgueirou por uma janela pela qual nenhuma pessoa sã nem sequer teria se aventurado.

Meu tio não é um maníaco!

E então há você... Tentando me seduzir para me distrair de meu trabalho.

O quê? — Sua voz elevou-se tanto que devia ter se tornado audível a quilômetros. — Você é quem tenta me seduzir ao beijar-me a cada dois minutos!

—        Porque você quer e deixa. Courtney ficou vermelha.

Eu gostaria que não houvesse retornado a minha vida. Queria que me deixasse sozinha! — gritou.

Pode ter certeza de que não pedi para fazer esse trabalho — gritou de volta. — Tentei me livrar desse fardo.

Ela suspeitara daquilo, mas as palavras, ainda assim, tive­ram o poder de magoá-la profundamente.

—        Droga, nada está dando certo — murmurou Ryan. Courtney cerrou os dentes e depois mordeu o lábio inferior, controlando-se para não fazer mais comentários irados. Não falaria mais nada durante o restante da viagem.

Nuvens obscureciam a lua, limitando ainda mais a visibi­lidade. Passou-se mais uma hora. Vez e outra Courtney pousava os olhos no relógio digital do painel.

O programa de rádio que tocava jazz havia sido substituído por um de música clássica e uma sinfonia rompia o silêncio reinante.

Quando Ryan finalmente estacionou o carro, a hesitação nada característica em sua voz imediatamente capturou-lhe a atenção.

—        Aqui estamos nós. Mas antes de entrar... Bem... Há uma coisa que eu... preciso lhe contar sobre esse lugar.

 

Courtney contemplou através do pára-brisa a paisagem banhada pelo tênue luar. Observou rapidamente a construção que se revelava estrada acima.

—        Contar-me o quê? Onde estamos?

Abriu o vidro da janela de passageiros e pôde ouvir o barulho das ondas do mar quebrando na areia e sentir o cheiro do ar marinho.

Estamos no litoral — respondeu-lhe Ryan. — Nos arre­dores de Newport. A casa pertence a um amigo meu.

O banheiro é do lado de dentro? — indagou com suspeita, tentando descobrir o motivo do desconforto de Ryan.

Sim. Mas meu colega tem... um gosto para decoração meio... peculiar.

Como o quê? Ora, eu não me importo. Além do mais, não pretendo ficar aqui muito tempo.

Não demorará até as autoridades encontrarem Brutus Zopo — Ryan lhe disse. — O irmão dele também está implicado no caso. Parece ter dirigido o carro da fuga. Eu verifiquei isso enquanto você fazia as malas. Temos outra testemunha que descreveu o carro e seu vizinho pode identificar Brutus. Acho que é uma questão de horas, vinte e quatro talvez, quarenta e oito no máximo.

Parece um caminho muito longo para ser percorrido no­vamente em apenas vinte e quatro horas — murmurou, saindo do carro.

Sentia-se enjoada e cansada após tantas horas de viagem. Ryan segurou a porta dela aberta e arqueou uma sobrancelha.

Você quer ficar aqui mais tempo? — indagou ele.

Não foi o que quis dizer.

Nem achei que fosse.

Quando ele fez um gesto com a cabeça na direção da casa, uma mecha de cabelos castanhos caiu sobre sua testa. Courtney fez o possível para não estender a mão e ajeitar os fios rebeldes.

E então, está pronta para encarar Dean's Lair?

E o nome deste lugar?

Ela riu nervosa, juntando-se a Ryan na varanda. A estrutura da casa era toda de madeira aparente, um tanto acinzentada devido ao sal marinho. A casa parecia se estender em diversos níveis e direções.

O que é isto? A casa de um veterano dos anos setenta?

Algo assim. Ele esconde a chave aqui...

Esta é uma figura...

Do seio de uma mulher. Sim, eu sei. Também é a cam­painha. Mas se você pressioná-la desse lado...

Ela observou os dedos másculos passarem sobre a superfície de mármore e foi tomada por lembranças daquelas mesmas mãos sobre sua pele nua. Os dedos eram o reflexo daquele homem: rústicos e fortes, em nada delicados.

—        Há-há!

Um compartimento escondido abriu-se no mármore, pertur­bando a perfeita simetria. Dentro estava a chave.

Impressionante — admitiu ela.

Você precisa ver os enfeites da lareira. Foram feitos pelo mesmo artista.

Foi a primeira coisa que ela viu quando entraram na casa. O luar iluminou o interior, conduzindo-os até a esplendorosa lareira de pedra natural que ocupava toda a parede esquerda.

Os pilares eram um par de pernas femininas em tamanho natural e os dedos dos pés apontavam em direção ao local onde se colocava lenha.

Sobre o parapeito havia uma bela escultura em madeira colorida no formato de uma sereia. Pendurados à parede es­tavam uma rede de pesca e um arpão.

Ante a expressão de espanto de Courtney, ele acrescentou:

—        Você ainda não viu o quarto.

Havia apenas um e era decorado com tecido que imitava a pele de leopardo. A colcha, os tapetes, as cortinas e até mesmo o carpete. Três paredes e o teto eram de espelhos e havia uma lareira de mármore preto com um par de leopardos esculpidos.

Aqui é frio — murmurou ela, olhando na direção das janelas.

Acha mesmo?

Claro.

Courtney abriu as pesadas cortinas para vislumbrar a mag­nífica vista para o oceano. Espumas brancas invadiam o que parecia ser uma imensidão de praia, toda banhada pela lua. E tudo aquilo se refletia nas paredes espelhadas.

—        Incrível, não acha?

Ryan assentiu, embora só tivesse olhos para Courtney. Após fazer as malas no apartamento, ela vestira calça jeans e camiseta branca. O tecido rústico ajustava-se adoravelmente ao belo corpo.

Os cabelos estavam soltos e destacavam-se no couro como uma cascata de seda dourada. Ele lembrou-se de deliciosa ma­ciez de seus cabelos que sentira quando Courtney estivera sen­tada no chão a seus pés.

—        Dê uma olhada nisto.

A voz excitada dela interrompeu os pensamentos de Ryan. Caminhou até o banheiro da suíte.

—        Puxa!

Não fez qualquer esforço em esconder seu espanto. O ba­nheiro era maior do que a sala de estar de Courtney e o quarto juntos. Um mural havia sido pintado nas paredes, descrevendo a vida na Roma antiga.

Olhando com mais atenção, ela percebeu que aquilo não era exatamente a descrição do cotidiano dos romanos. Era uma orgia. Piscou diversas vezes ao observar um casal desenhado a um canto e acrescentou:

—        Não tenho certeza se isto é anatomicamente possível. Um murmúrio abafado de Ryan a fez virar-se. Estaria rindo dela?

O que foi?

Parece que ouço a velha Courtney...

As palavras calorosas seduziram o coração dela. Mas precisava ser durona. Por isso usou o humor para manter a distância.

Mas que gentileza a sua chamar-me de velha.

Não me interprete mal.

Ela sabia exatamente qual o significado daquelas palavras. Estar ali em um lugar exótico fazia sua atração por Ryan ser ainda mais poderosa.

Em seu próprio ambiente, no apartamento, fora capaz de demover as tentativas dele em ter qualquer romance. Seria capaz de continuar a luta ali?

Focou a atenção nos arredores para se distrair da presença de Ryan.

—        Adorei este banheiro. Veja como é amplo. Gostaria de morar nessa banheira. E do tamanho da minha cozinha.

A enorme banheira de mármore tinha alguns traços rosados e colunas de mármore em cada extremidade.

Deixe-me sozinha. Vou tomar um banho.

Agora? São quatro horas da manhã!

Não me importo. Saia, por favor.

E se adormecer e se afogar?

Courtney colocou as mãos nos quadris, fitando-o exasperada.

—        Por que está tão preocupado? Está sugerindo que deveria ficar aqui para garantir minha segurança durante o banho?

Ele lhe deu um sorriso devastador.

Já que você mencionou isto...

Esqueça. Poderá ficar sentado do lado de fora se quiser.

Você sabe o que eu quero.

Sim, sei.

Ela o pegou pelo braço e o conduziu para fora do banheiro. Mas antes de fechar a porta acrescentou:

Você quer capturar meu tio.

Você fez os dois ficarem sozinhos em um romântico recanto à beira-mar, Muriel! — Betty exclamou, batendo palmas enquanto as duas fadas dançavam sobre a lareira preta do quarto de dormir.

Há muito para fazer, garota!

Realmente é um longo caminho a ser percorrido — repetiu Hattie com delicadeza, tirando um pouco de areia do vestido. — Um longo caminho.

Ela prefere ficar deitada na praia em vez de trabalhar aqui no quarto — Muriel falou para Betty.

Oh, suas tolas! — gritou Hattie ficando em pé para en­carar ambas as irmãs. — Não é nada disso. Apenas estou dizendo que ainda não vejo sinais de que estes dois estejam prontos para admitir que foram feitos um para o outro.

— E quanto à conversa que eles tiveram no carro ao che­garem aqui? — falou Muriel, passando a mão pelos cabelos curtos. — Havia muita emoção.

—Aquilo foi apenas o começo.

Olhando para os cabelos revoltos da irmã, Hattie rapida­mente ajeitou os seus para ter certeza de que estavam perfei­tamente arrumados.

—        Lembrem-se de que eles praticamente não conversaram durante a viagem. E quanto àquela cena no banheiro que açabamos de testemunhar, foram apenas lampejos e nada de fogo. Courtney terminou tudo ao referir-se ao tio. Ela não se esqueceu nem lhe perdoou.

Muriel lançou a Hattie um olhar glacial.

—        Você está preocupada porque terá de lidar com Anastásia mais cedo do que imaginava e também porque meu sucesso estrondoso com Ryan a deixará em posição desvantajosa.

Não seja tão convencida disso! Hattie pôs as duas mãos na cintura.

Nunca ouvi nada tão ridículo em minha vida.

—        Eu não sei — interferiu Betty com um sorriso. — Aquela briga de cores que você e Muriel tiveram foi muito mais ridícula.

Hattie ergueu o queixo com aristocrático desdém.

Zombe quanto quiser, mas vou lhe dizer uma coisa: as coisas não estão arranjadas entre Ryan e Courtney ainda. De jeito nenhum!

Eu me culpo por isto. Jamais deveria ter confiado em você para fazer uma tarefa tão importante.

Caesar deu um tapinha tão forte no rosto de Brutus que o irmão cambaleou.

Eu não fiz tudo sozinho — defendeu-se Brutus, consciente do perigo inerente à suavidade na voz do irmão mais velho.

Ah, sim. O desastre com aquele irmão imbecil da mulher com quem você está saindo. Sim, aquilo foi algo brilhante. Aquele episódio já devia ter me prevenido de que você não era capaz de lidar com esta tarefa. Mas não, acreditei quando me disse que tomaria conta de tudo. E o que aconteceu? Terminou sendo perseguido por um pequeno cachorro. A Zopo, a mais orgulhosa das famílias, agora tem de conviver com o fato de que você foi mordido por um cachorro vira-lata.

Caesar balançou a cabeça de um lado a outro com intenso pesar.

Mas foi um cachorro imenso, Caesar, o maior cachorro que já vi. Deve ter sido um cruzamento com urso.

Eu vi o cachorro, e a única relação que pode ter tido com um urso é com um de pelúcia. Era um poodle. Mini toy.

Com dentes assustadores — interveio Brutus. — Eu tive de tomar uns doze pontos.

E agora, graças a sua língua solta, as autoridades estão atrás de nós. Você não apenas entrou no apartamento errado como respondeu ao nome de Brutus. E para completar cometeu a estupidez de deixar o idiota daquele apartamento ver seu rosto.

Eu nem pensei...

Ora, mas isto é óbvio. O que não está claro é como vamos proceder de agora em diante.

Farei o que você pedir.

Você não fará nada! — A voz suave de Caesar alcançou um tom perigoso. — De agora em diante, eu cuidarei de tudo. E procurarei me certificar de que as coisas sejam feitas apro­priadamente. Pode ter certeza disto.

Courtney dormiu até bem tarde na manhã seguinte e foi acordada por seu estômago faminto, a reclamar. Deu um olhar sonolento para o relógio e percebeu que já era quase uma hora da tarde.

Quando chegou à cozinha, os cabelos ainda úmidos e vestida com jeans e camiseta vermelha, estava absolutamente faminta. Ryan falava ao telefone e ria.

O som passeou por sua espinha como o toque de um amante. Não era justo. Ele ainda usava a mesma roupa básica que vestira quando retornara a sua vida: jeans, camiseta e uma camisa de flanela.

O problema era que o jeans se moldava ao corpo másculo e forte com perfeição e a camiseta, magnífica sobre o peito musculoso, ressaltava o tom castanho-esverdeado dos olhos. A camisa de flanela verde e preta cobria os ombros largos, dan­do-lhe um aspecto de casual sedução.

Courtney precisava de cafeína antes de começar a luta contra seu amor por Ryan. Amor não, rapidamente corrigiu-se. Atra­ção. Pura atração física.

Pegou uma gigantesca xícara de café, serviu-se do líquido fumegante e tomou um gole antes de notar os casais com corpos entrelaçados pintados nas laterais da xícara. Quase a derrubou no chão.

Seu amigo definitivamente tem problemas — Courtney falou a Ryan no instante em que ele desligou o fone.

E bom dia para você também.

Falo sério. Tudo bem com a estátua da varanda, as pernas femininas na lareira e até mesmo o mural no banheiro. Mas isto já é demais. Onde está minha frasqueira?

Ryan procurou com olhos e a localizou a um canto. Courtney abriu-a e pegou sua xícara decorada com a figura de um urso. Estava cheia de cerejas frescas.

—        Assim é melhor. Deixou as frutas em um prato, lavou a xícara e a encheu com café.

Dean pode parecer esquisito se você o julgar por este lugar, mas é boa gente — responder Ryan. — Foi meu parceiro por uns tempos antes de ser transferido. É de uma família muito rica e gosta de chocar as pessoas.

Então está fazendo um belo trabalho — murmurou, to­mando um gole do café.

É boa pessoa mesmo. Faz parte de meu trabalho saber julgar o caráter das pessoas.

Courtney lançou-lhe um olhar zombeteiro.

—        É por isto que confundiu Red com uma pessoa perigosa? Ryan enrubesceu, embaraçado.

Quando estou perto de você, meu radar interno fica desorientado.

Oh, isto é bom de ouvir — respondeu, pousando a xícara no balcão antes de se virar para eitcará-lo. — Eu estou sendo protegida por um sujeito cujos instintos ficam confusos quando ele está a meu lado.

Vou lhe mostrar algo que não está confuso.

Pegou-a nos braços com um movimento suave e a beijou. Aquilo foi rápido e intenso. Ryan estava com gosto de café e de tentação quando a abraçou, premindo a parte inferior do corpo de Courtney contra a firmeza de seus quadris.

O prazer preencheu cada centímetro do corpo de Courtney. Adorava o roçar das coxas másculas e entreabriu as pernas, moldando-se de encontro à fortaleza dele. Era a suavidade de encontro à rudeza. Murmurou, excitada, quando a mão enorme cobriu seu seio. O fino tecido da camiseta e o sutiã não a protegiam contra o inesquecível encantamento daquele toque.

Cedeu à vontade incontrolável de tocá-lo. Os cabelos rebeldes de Ryan ainda eram grossos e surpreendentemente sedosos conforme se lembrava. Escorregou a outra mão sob a camisa de flanela, tão macia quanto imaginara que fosse. Mas o corpo era sólido e poderoso... Irresistível. Courtney vagarosamente insinuou os dedos por debaixo da camiseta também.

Quando os carinhos em seu seio tornaram-se mais íntimos, ela agarrou com força o tecido de algodão da camiseta de Ryan ao estremecer em erótico deleite. Estar com ele daquela ma­neira era incrivelmente bom. E durante todo o tempo, a boca exigente consumia a sua com êletrizante desejo.

Mas diferentemente dos beijos anteriores, aquele era mais suave e terno. Courtney sentiu-se apavorada, porque podia lutar contra a paixão mas não contra a doce gentileza que a fazia recordar-se dos primeiros dias em que passaram juntos quando ele a seduzira e amara.

Precisava lembrar-se da realidade. Ryan apenas a estava beijando porque queria seduzi-la para que traísse Anton. Faria qualquer coisa para encontrar aquele homem e proteger sua carreira. Ela não podia capitular. Não podia.

Soltou-se do abraço e deu dois grandes passos para se afastar, os dedos trêmulos tocando os lábios ainda quentes e úmidos.

—        Meu futuro é com Fred.

Ficou desconsolada ao perceber o tremor em sua voz. Ryan passou a mão pelos cabelos que ela despenteara. Havia um brilho turbulento em seus olhos.

Há algo interessante sobre Fred — proferiu Ryan por fim. — Quando o FBI fez uma verificação de rotina para ter certeza de que o roubo não havia sido arquitetado de dentro do banco, o que descobriram? O aparentemente ingênuo Fred estava surrupiando fundos do banco e colocando o dinheiro em suas contas particulares.

Sobre o que está falando?

Seu jeito era cauteloso, a voz cheia de suspeita.

Falo de desfalque. — Pronunciou cada sílaba com vagar. — Noventa mil dólares.

Está inventando coisas — acusou-o. — Nunca gostou de Fred e está tentando desacreditá-lo.

Telefone para o delegado e pergunte. Eu ouvi isto diretamente de Tiny, que também me contou que está namorando Francis novamente. Um companheiro falador, aquele Tiny. Pode acreditar que ele a chama de Franny?

Courtney desabou sobre a cadeira da cozinha, experimen­tando uma dormência advinda da incredulidade.

Não acredito em nada disto.

Como eu falei, sinta-se à vontade para telefonar para Tiny e checar tudo. Agora que penso sobre isto, lembro-me de como Fred ficou enrubescido e aborrecido quando eu lhe falei sobre a idéia de eu ser um fiscal de bancos. E então houve seu comportamento esquisito após a tentativa de roubo, o modo como ele tentou manter todos fora de sua sala.

Ryan estava intimamente aliviado por haver descoberto o caráter questionável de Fred. Soubera desde o início que ele não era bom o suficiente para Courtney. Mas ela teimava em pensar justamente o oposto!

Mas eu estou fora há apenas um dia — comentou Court­ney, inconformada.

Mas o trabalho estará esperando por você quando retor­nar. Se ainda o quiser.

E por que não iria querê-lo? Tenho aluguel e despesas para pagar, além de outras coisas.

Você pode fazer algo melhor, mas a vida é sua.

Tem razão. E mesmo. Seria bom se você se lembrasse disso também.

E você faria bem em recordar-se de que a vida de seu tio está em perigo. Foi uma atitude estúpida ele ter comparecido ao banco ontem vestido de mulher.

Ryan acordou bem cedo na manhã seguinte e telefonou para Wes Freeze, que pareceu ficar muito contente ao notar seu mau humor.

—        Ainda preferia que eu lhe tivesse dado um tiro a lhe entregar esse trabalho? — indagou Wes.

Ryan havia dormido pouco na noite anterior e não estava exatamente se divertindo com a tagarelice do chefe.

Os Zopo já foram presos pela tentativa de roubo?

Desapareceram.

Não acredito! — Ryan deu um soco no ar, impaciente. — Brutus Zopo não é exatamente o mais esperto dos mortais. Como pode ser tão difícil prendê-lo?

Tem pistas de Anton Leva?

Ele não deixou o Estado.

Como sabe disto? — indagou Wes.

Porque ele foi ao banco ontem.

E você não o agarrou?

Estava vestido como uma senhora idosa e com roupas cor-de-rosa. Eu só o identifiquei quando já era tarde demais.

E quanto à moça, a sobrinha de Anton? Não a convenceu a cooperar?

Estou trabalhando nisto.

Bem, então consiga alguma coisa. — Era evidente a im­paciência de Wes. — Temos outros casos, você sabe. Preciso de você aqui. O trabalho está se acumulando.

Após desligar o telefone, Ryan telefonou para verificar se havia mensagens em sua caixa postal. Havia um recado de seu irmão, Jason, pedindo que lhe telefonasse com urgência.

É difícil contatar você — queixou-se Jason minutos mais tarde.

Você não ficou muito feliz em conversar comigo da última vez.

Deixe-me ver... Foi logo após você ter me enviado um monte de estéreo no trabalho ou foi quando você resolveu co­locar gasolina, de tempos em tempos, em meu carro novo para que eu pensasse que fazia setenta milhas por tanque?

Ryan sorriu ao recordar-se.

Aquela foi uma de minhas melhores peças.

Fico feliz em saber que alguém gostou daquela brincadeira de mau gosto — falou Jason.

Você tem pouca imaginação, este é seu problema, irmão mais velho.

A voz de Ryan tinha um tom de pilhéria. Jason era mais velho apenas por poucos minutos, mas jamais deixava que os dois irmãos se esquecessem do fato.

Ryan podia imaginá-lo no trabalho, a escrivaninha limpa e asseada a despeito das pilhas de papéis que ele tinha de ler em seu trabalho como promotor no escritório U.S. Attorney. Jason adorava ter tudo em ordem, sob seu controle.

—        Então o que está acontecendo? Seu recado dizia que era importante.

—        E é mesmo. Vou me casar. A novidade não chegava a surpreender Ryan. Sabia da propensão de Jason em planejar cuidadosamente os acontecimen­tos de sua vida. Já estavam com trinta e três anos, imaginou que o irmão havia provavelmente programado aquele como o ano para o casamento. Jason era assim. Ryan não.

Deixe-me adivinhar. Ela é uma mulher que combina per­feitamente com suas expectativas. Tem boa aparência e ficará linda de braço dado com o advogado mais bem-sucedido de Chicago.

Errado. Ela é Heather Grayson, radialista de um pro­grama chamado: "Amor no Ar".

Ryan riu.

Agora resolveu contar piadas?

Não é piada.

Mesmo do outro lado da linha, seu desprazer era evidente.

Ora, vamos — falou Ryan. — Uma amiga minha me enviou uma gravação deste programa e é hilariante. Não há como uma mulher com tal senso de humor desejar casar-se com um sujeito como você, mesmo tendo ganho a eleição do solteirão mais sensual de Chicago.

Então isto quer dizer que não aceita ser meu padrinho? —A voz de Jason era seca.

Fala sério?

Claro que sim! — vociferou Jason, mas Ryan percebia que o irmão estava sorrindo.

Quando será o casamento?

Quinze de agosto.

A resposta do irmão o pegou de surpresa. Já estavam quase na metade de junho.

Tão cedo assim? — Balançou a cabeça de um lado a outro em descrédito antes de acrescentar: — Nada disto tem a ver com você, Jason.

Anastasia tem o grande prazer de me dizer isso quase todos os dias.

E nossa querida irmã gostou de Heather?

Sim, mas eu não me importaria se fosse diferente.

Mentiroso! — acusou Ryan, sabendo quê a despeito da antipatia demonstrada, os dois irmãos eram muito próximos.

—        Então pedirei minha folga para esse dia e estarei aí.

—        Conto com isto. E Ryan, deixe sua vontade de pregar peças aí em Oregon, está bem?

Ryan ainda sorria quando desligou.

—Sobre o que foi a conversa? — indagou Courtney. Entrara na cozinha havia alguns instantes e ouvira o bas­ tante para saber que Ryan falava com o irmão.

Parece que Jason vai se casar.

Parece estar atônito — notou Courtney, tomando um gole de café de sua xícara com ursinho.

Estou mesmo.

Pude perceber.

Ajustou a camiseta cor-de-rosa melhor na cintura do jeans, acomodou-se em uma banqueta e pegou uma porção de cereais.

O que pôde perceber? — perguntou Ryan irritado.

Pude perceber que algo como casamento nunca passa pela cabeça de um homem como você.

Como você definiria um homem como eu?

Alguém que teme compromissos sérios — falou simplesmente.

Não tenho medo de nada.

 

De balas ou bandidos não — concordou. — Mas teme compromissos, a responsabilidade de estar em um relaciona­mento e ter de pensar em alguém além de si mesmo.

Está me acusando de ser egoísta?

Courtney se recusava a responder aquela pergunta. Não queria brigar com Ryan naquele dia. Então mudou de assunto.

O que ouviu falar de Brutus? Já o capturaram?

Não. Os irmãos Zopo estão foragidos.

Ele percebeu que ela não estava contente com o fato.

—        Vou enlouquecer se ficar presa aqui dentro o dia todo! — comentou irritada. — Você disse que seria apenas por vinte e quatro horas. Já estamos aqui mais tempo e ainda não há sinal algum dos Zopo. Preciso de um pouco de ar fresco. Po­demos ir até a praia? O dia está maravilhoso.

Apontou para o céu azul visível através da janela situada sobre a pia da cozinha. Ryan deu de ombros.

Sente-se no deque.

Passei cinco horas sentada no deque ontem. Não é a mesma coisa. Eu quero sair. Este é o primeiro dia ensolarado que temos em duas semanas. Preciso caminhar. Eu poderia colocar um disfarce.

Insistiu na idéia, sabendo que, se ficasse naquele recanto de amor mais uma hora com Ryan, estaria perdida.

—Há algumas roupas femininas no armário. Fique aqui. Vou lhe mostrar o que quero dizer.

Ryan estivera deliberadamente tentando seduzi-la durante dias. Decidira mudar os papéis. Vestiu um biquíni de pele de leopardo e um short preto muito curto. Não usava algo tão revelador havia bastante tempo e, ao mirar-se no espelho, notou que a roupa lhe caía muito bem.

Ryan aparentemente tinha a mesma opinião, porque seus olhos se arregalaram ao vê-la. Mas sob a expressão de espanto havia uma chama de desejo. Ele praticamente a devorou com os olhos ao mirá-la da cabeça aos pés.

Deve estar brincando! — A voz dele soava rouca, como se não a usasse havia décadas. — Você não pensa seriamente em ir a um lugar público vestida, ou melhor, despida deste jeito, não é mesmo?

Pensei que você quisesse a velha Courtney de volta — desafiou. — Aquela que se vestia para agradar a si mesma.

Começo a ver as vantagens da Courtney comportada. Não há como levá-la para fora de casa vestida assim.

Ela deu uma voltinha.

Não gosta?

Gosto, mas eu não seria o único a estar vendo você assim. Chamaria atenção demais.

A referência ao motivo de tamanha relutância alegrou o espírito de Courtney.

—        Não há nada no armário mais... discreto?

A próxima opção vestida por Courtney foi um biquíni caqui que a fez parecer estar pronta para um safari. Havia também um capacete com chifres.

Ryan acabou aceitando a brincadeira e riu.

—        Eu já vi você usando caqui o bastante. Ora, deixe que um profissional lide com isto.

Ele escolheu uma calça jeans dois números acima do de Courtney e uma camisa do mesmo tecido com mangas tão com­pridas que tiveram de ser dobradas diversas vezes. Para ter­minar, pegou um boné de beisebol e, cuidadosamente, pren­deu-lhe os cabelos louros.

—        Pronto!

Deu um passo para trás e a observou. Acrescentou óculos escuros enormes e fez um gesto de aprovação.

—        A distância, não se pode dizer se você é mulher ou homem. — Estava satisfeito com aquele excelente disfarce. Até ela co­meçar a caminhar. 'Franziu a testa para Courtney. — Não rebole assim.

Assim como?

Desse jeito. — Apontou para os quadris dela.

Eu estou preocupada em manter esta calça presa na cintura — murmurou, ajeitando o cinto.

Este cinto a manterá no lugar certo.

Por que está preocupado com o meu jeito de andar? — disse exasperada, ajeitando os óculos que lhe pendiam na ponta do nariz.

Não ande tão faceiramente.

Então o que acha disto?

Perambulou pela sala de um jeito tão durão que deixaria um cowboy com inveja. Ryan resmungou.

Não aprova? — perguntou ela, as mãos nos quadris.

Ótimo. Será bom. Agora ouça as regras. Fique bem próxima a mim e não vamos nos comunicar com qualquer outra pessoa.

Certo. Está bem — acrescentou rapidamente. — Apenas tire-me daqui.

Mais alguns minutos na presença de Ryan, e ela pularia em seus braços e imploraria para que fizessem amor.

Foi a primeira a se aproximar da porta. Ryan a agarrou pelo braço para uma verificação final.

Courtney sentiu-se feliz por ele não estar usando a camisa de flanela verde e preta do dia anterior, quando ela se jogara em seus braços. A do presente dia era marrom, salientando os cabelos a lhe cair sobre a testa.

A casa tinha uma escada privativa que conduzia à praia. Courtney não a havia visto antes porque o portão de entrada estava quase obscurecido pela vegetação. A descida era íngre­me, e havia muitos degraus, feitos de madeira. Ela não se importou. Era maravilhoso estar ao ar livre.

O sol a aquecia, a brisa do mar assanhava seus cabelos e as aves faziam festa no céu.

Durante o restante do dia ela e Ryan andaram pela praia, de mãos dadas, ouvindo o barulho do mar e observando a pesca das gaivotas.

Em uma região particular da praia, Courtney decidiu construir um castelo de areia completo, com românticas torres. Usou uma pá de plástico infantil esquecida por alguma criança.

Você é boa nisto — cumprimentou-a Ryan. — Já pensou em participar do concurso de castelos de areia que acontece em Cannon Beach todos os anos?

Não gosto da competitividade do concurso — disse ela, ti­rando areia do nariz. — Gosto de construir as coisas por prazer.

O vento fazia as ondas ocasionalmente serem maiores. Com freqüência a pegavam-na distraída, molhando-lhe as pernas.

Rindo, ensopada, ela voltou e desabou na areia ao lado de Ryan.

Aquelas ondas não pareciam ser tão grandes.

Parece que você tem dois anos de idade.

Em uma escala de um a dez, você quer dizer?

Na escala tradicional.

Puxa, obrigada!

Courtney via o mundo com bons olhos depois de ter passado a tarde ao ar livre.

Quando finalmente retornaram a casa, os pés e calcanhares de Courtney doíam devido à caminhada na areia. Um banho quente na enorme banheira ajudou a aliviar o cansaço, mas não foi suficiente. Ryan a flagrou fazendo caretas após o jantar.

Momentos depois ela viu-se deitada na cama, usando pouco mais que um robe branco de algodão. Sorria.

Oh — murmurou. —- Isto é tão bom! Não pare. Não pare.

Se eu soubesse que uma massagem em seus pés a faria tão feliz, teria feito antes — falou Ryan.

Ele colocou um pouco mais de loção nas mãos enormes e começou a trabalhar no pé esquerdo de Courtney. Pressionava o polegar de um lado a outro, e a pele agradecia o carinho.

Passou os dedos por toda a sola. Courtney achava que iria derreter ali, sobre a cama.

Então veio o grande desafio. Os dedos dos pés. Um a um Ryan os acariciou, massageou, as mãos cheias de loção.

Mais uma vez os suspiros e exclamações de prazer encheram o ar. Ele subiu as mãos pelas pernas, e os dedos passaram a massagear a parte de trás dos joelhos delicados.

Queria-o tanto que nem conseguia enxergar direito. Será que atração sexual poderia cegar alguém?

Não quis saber a resposta. A hora havia chegado.

 

Faça amor comigo, pensou Courtney. Queria dizer as palavras a Ryan, mas estavam presas em sua garganta, seguras pelo medo e pelo desejo intenso.

Mas entre os dois não havia necessidade de palavras.

Ele parou de massagear os pés dela e começou a acariciá-la. Começou com pequenos movimentos circulares na parte interna das coxas, escorregando os dedos em toda a extensão da bainha do robe. O tecido macio contra a pele de Courtney, não con­seguiu ocultar o calor do toque de Ryan.

Resolveu trilhar o caminho da espinha dorsal com dedos gentis que terminaram o trajeto sob os cabelos dourados. Afas­tou-os e acariciou o pescoço de Courtney antes de capturar o lóbulo de uma orelha. Ela sentiu-se ainda mais enfraquecida.

Ryan sussurrou em seu ouvido:

Diga-me o que você quer.

Você — gemeu em resposta, rolando o corpo e ficando de costas.

O movimento contra o corpo másculo, aumentou o desejo já quase incontrolável.

Ele a beijou com ardor. O flamejar foi imediato, a paixão fa­miliar. Aquele era Ryan, o homem que ela amava. Sempre amaria.

Não queria pensar, apenas sentir... Sentir os braços fortes ao redor de seu corpo, as mãos se insinuando sob o robe para acariciá-la.

A princípio ele apenas a tocava, os dedos passeando mas não acariciando de fato os seios. Os bicos se intumesceram de desejo ao reconhecer o toque. Então o robe foi jogado para o lado, deixando a pele sedosa à disposição das mãos ansiosas.

O beijo trouxe mais intimidade. Assim como os carinhos de Ryan. Ele passeou um dedo indicador por um seio, provocando o bico rosado até excitá-lo por completo. Então seus lábios sedutores baixaram e o tomaram com movimentos sensuais. Courtney agarrou-lhe os ombros, o prazer fazendo-a contorcer-se.

Eu o quero. Agora.

Shhh! — acalmou-a com gentileza, passando os dedos pelos cabelos dourados, tirando-os do rosto de Courtney e es-palhando-os sobre os lençóis de seda preta. Ele beijava seus lábios entreabertos, o polegar acariciando a pele atrás da orelha em um ritmo crescente de paixão. Sua outra mão também sabia fazer carícias, e não se furtava daquele prazer.

Na sinfonia New World, de Dvorak, havia uma passagem que fora transformada em uma canção chamada: Voltando para Casa e era assim que Courtney se sentia nos braços de Ryan. Como se estivesse voltando ao lar. Como se aquele fosse o lugar onde sempre devesse estar.

Amava-o. Jamais realmente deixara de amá-lo. Aquele era o motivo que a impedia de conhecer tal intimidade com outro homem.

O modo como faziam amor envolveu-os em um clima de sonho, uma celebração erótica, criada não apenas pela maciez dos lençóis de seda e pelos espelhos que os circundavam, mas pela paixão que ressurgia entre os dois.

A cama era gigantesca e, mesmo assim, eles faziam uso de cada polegada. Ryan livrou-se das roupas com urgência. Quan­do ficou nu, pegou um preservativo do bolso da calça jeans. Protegido, cuidou de se juntar a Courtney, os lábios consumindo os dela com indisfarçável desejo, os movimentos de sua língua imitando os de seu corpo a uni-los.

Ela prazerosamente o acolheu. O êxtase a transportou para um reino de alegria e puro prazer. Ajoelhou-se, ficando sobre o corpo másculo e glorioso, e sorriu em triunfo.

Gosta disto? — indagou Ryan, a voz rouca de paixão. Ela estava arfante e parecia ronronar como uma gata.

Você não?

—        Sim — respondeu ele antes de lhe mostrar exata­mente quanto.

Seus corpos voltaram a se unir mais uma vez. Courtney chegou facilmente ao auge da excitação e depois veio a queda livre, rumo à plena satisfação.

Na manhã seguinte, Courtney acordou e viu seu reflexo no espelho do teto. Sorria. E parecia tão bem-amada quanto aque­las ninfas nuas do mural da parede do banheiro.

Seu olhar buscou Ryan e só então ela registrou o barulho da água corrente. Então ele sentira-se incapaz de resistir ao luxuriante banho naquela banheira. Queria ter sido acordada para lhe fazer companhia.

Sentiu dores nos músculos ao espreguiçar-se. Lembrou-se do amor que haviam desfrutado no meio da noite e novamente antes do amanhecer e enrubesceu.

O toque do telefone a assustou. Divagou se deveria ou não atender antes de lembrar-se de que Ryan dera um jeito para que os telefonemas dirigidos a sua casa migrassem para aquele lugar.

—        Alô?

Atendeu de maneira hesitante, a voz ainda rouca pelo sono e pelas lembranças da paixão.

—        Bom dia, malenka — declarou Anton alegremente. — Eu não a acordei, acordei?

Courtney enrolou-se no lençol e sentou-se na cama enquanto olhava preocupada para o banheiro. Ryan parecia ainda estar tomando banho.

Estou tão feliz em falar com você — sussurrou. — Tenho estado tão preocupada.

E eu com você. Você parece... diferente.

Talvez porque seja uma ligação direcionada para cá.

Tem certeza de que não é Ryan? Seu antigo namorado a seu lado, vocês a sós... Isso não é boa coisa. Fez algo de que possa se arrepender?

Courtney sentiu-se desconfortável em discutir seu relacio­namento íntimo.

Vamos falar sobre você. Está bem?

Estou bem. Mas preciso me mudar. Posso lhe dizer agora. Antes eu estava me escondendo no sótão da casa de Fred. Eu me lembro de você ter me dito que ele nunca ia lá. E mantém tanta comida na geladeira que nunca notava a falta de alguma coisa.

O sótão de Fred!

Não podia acreditar. Seu tio estivera há apenas alguns quar­teirões de distância.

—        Tive de me mudar porque a polícia esteve lá quando eu retornei de uma caminhada. Ninguém me reconheceu no disfarce de uma senhora de idade, mas tal proximidade me deixou nervoso. Eles levaram Fred.

Está sendo acusado de desvio de dinheiro do banco — explicou Courtney, mantendo a voz em tom bem baixo.

Ah, achei que talvez estivessem atrás de mim. Bem, como você sabe, eu não era fã daquele sujeito.

Não, eu não sabia disto. Você nunca me falou.

Não me leve a mal. Eu apreciei usar o sótão dele, mesmo sem seu consentimento.

Quais são seus planos agora? — indagou-lhe, nervosa­mente prendendo os cabelos atrás das orelhas. — Não vai voltar para a casa de Fred, vai?

Não, seria muito arriscado. Mas planejo ficar escondido até que os irmãos Zopo sejam capturados e estejam atrás das grades.

Um barulho súbito fez Courtney se virar, mas era apenas o sabonete de Ryan que caíra no chão. Sabia por experiência pessoal que ele adorava longos banhos, quanto mais longos melhores. Mas apenas por segurança...

—        Espere apenas um segundo, vou para o telefone da sala de estar.

Vestiu o robe de algodão e correu para o outro ambiente.

Ainda está aí? — Courtney perguntou-lhe ansiosa.

Sim. E ainda pensando onde você está.

Estou bem — assegurou-lhe. — Ryan está cuidando de mim.

Era o que eu temia.

A voz de Anton refletia preocupação paternal.

Vocês dois em seu pequeno apartamento...

Não estou em meu apartamento agora.

Mas como pode ser? Eu telefonei para sua casa.

Ela rapidamente lhe explicou como haviam tentado entrar no edifício e a tentativa de roubo no banco.

—        Ryan falou que eles devem capturar os Zopo a qualquer momento.

Anton pareceu céptico.

Só vou acreditar quando ver. Onde você está?

Perto de Newport, no litoral.

Ele ficou claramente surpreso e deliciado com a novidade.

Eu também. Sabe como adoro o oceano. Mas por que está aí?

Ryan me trouxe para a casa de praia de um amigo para que eu ficasse segura.

Segura, pois sim! Aposto que ele a levou para um recanto adorável próximo ao mar. Diga-me onde está, e eu irei vê-la.

Suas palavras a deixaram em pânico.

Não, você não deve vir!

Sim, devo — disse ele. — Eu irei salvá-la antes que seu amor por ele invada seu coração.

É tarde demais — admitiu. — Eu realmente o amo. Talvez nunca tenha deixado de amá-lo. Não sei o que o futuro nos reserva, mas é o homem certo para mim.

Oh, malenka. — A voz de Anton demonstrava simpatia e pesar. Como se já antecipasse que a sobrinha teria o coração partido mais uma vez.

Não devíamos conversar por tanto tempo — disse ela, só então percebendo que o telefone podia estar grampeado.

Não tenha medo — garantiu-lhe Anton. — Tudo dará certo. Tente se livrar de Ryan por tempo suficiente para me telefonar de um aparelho público para que possamos conversar mais. Estou no Motel Brisa do Mar. Ligue-me.

Vou tentar. Prometo.

Ela voltou ao quarto, rezando para que toda aquela confusão terminasse em breve. Queria que os Zopo estivessem presos e que seu tio decidisse testemunhar. Mas após tudo aquilo re­solvido, Ryan continuaria em sua vida?

Teria mantido o tio ao telefone tempo demais? Ao entrar no quarto, suas preocupações sobre as autoridades serem ca­pazes de identificar a origem da chamada telefônica de Anton tornaram-se um assunto quase sem importância...

Ryan estava ali, uma toalha presa à cintura de seu corpo nu. A água podia ainda estar correndo no banheiro, mas ele já não estava no chuveiro. Em vez daquilo, estava em pé ao lado da cabeceira da cama, com o fone contra o ouvido.

Pela expressão de seu rosto, era óbvio que estivera ouvindo sua conversa com o tio, cada palavra através da extensão que havia no quarto.

O que significava que já sabia onde Anton estava. E também que Courtney o amava. Ficava imaginando qual das descober­tas ele considerava mais importante.

A voz de Ryan soou fria:

—        Notei que você não tentou convencer seu tio a se entregar.

Talvez aquilo tivesse sido tudo que ele notara. Não, Ryan jamais perdia um detalhe. Ouvira e registrara tudo. Apenas optara por ignorar a informação sobre seus sentimentos porque aquilo lhe era irrelevante.

Pegou um travesseiro da cama e o jogou nele.

—        Por que está tão brava? Eu é quem deveria estar furioso — acusou-a, tentando lhe tirar o outro travesseiro das mãos.

Courtney segurou firme. Queria partir o travesseiro ao meio, exatamente como estava seu coração. Penas voaram para todo lugar ao mesmo tempo que ela caía na cama.

Tirou os longos cabelos do rosto, algumas penas da boca e olhou para Ryan. Como pudera ser tão fraca? Soubera durante todo o tempo o que ele planejava, mas, como uma tola, deixa­ra-se envolver por fantasias ingênuas.

Como um deus grego, Ryan ficou em pé ao lado da cama, a mão nos quadris estreitos olhando para baixo, os olhos flamejando. A toalha ao redor de sua cintura escorregara e estava perigosa­mente baixa e a voz tão intimidadora quanto sua expressão.

Não tenho tempo de falar com você sobre isso agora. Ela tentou evitar que a voz ficasse trêmula.

O que vai fazer?

Meu trabalho.

Deu-lhe as costas, pegou o telefone e furiosamente discou um número.

Courtney ouviu-o combinar com a patrulha de polícia local para que alguém fosse até a casa de praia para ficar com ela. Ele iria atrás de Anton.

Ela sabia que tudo terminaria assim. Aquele era o trabalho dele, Ryan já lhe dissera tantas vezes. E era bom no que fazia. Não iria deixar que nada o impedisse de alcançar seu objetivo. Nem mesmo Courtney.

Olhou ao redor, desconsolada, os olhos cheios de lágrimas, percebendo o fato inegável de que um leopardo jamais muda seu objetivo.

Sentia muita dor. Ouviu-o, de maneira distante, desligar o telefone e rapidamente enxugou as lágrimas.

—        O oficial Logan estará aqui em cinco minutos — disse-lhe brevemente. — Até então, fique exatamente onde está, onde eu a possa ver e ter certeza de que não irá telefonar para seu tio para avisá-lo.

Os dois se vestiram em silêncio e aguardaram até que o policial solicitado por Ryan chegasse.

—        Não deixe que ela se aproxime do telefone — Ryan instruiu o oficial Logan. Dirigiu-se a Courtney e falou: — Tenho um trabalho a cumprir.

E então partiu.

—Desisto! — Muriel exclamou, levando as mãos ao ar. Sua varinha mágica escapou e tocou o teto do quarto espelhado.

—        Não é permitido a uma fada-madrinha desistir — Hattie lhe informou.

Naquele dia seu chapéu estava glamouroso, com enfeites de flores frescas.

Quem disse, srta. Esperteza? Onde está escrito que não podemos desistir?

No livro das regras.

Com um toque de varinha, Hattie materializou um volume bem grosso quase de seu tamanho. Com graciosidade fez com que as páginas fossem viradas e apareceram textos em cali­grafia colorida. Logo encontrou o que procurava.

Bem aqui, na página 3.333.

Pois já rompemos uma série de regras deste livro. Pri­meiro confundimos o equipamento de computação dos irmãos Zopo, então interferimos mais do què uma vez...

Hattie olhou para Muriel, insatisfeita com a lembrança.

—        Mas nós precisávamos fazer aquilo tudo. Tínhamos de agir como boas fadas-madrinhas.

—        Tínhamos! Muriel riu.

Se fôssemos cem por cento corretas não estaríamos nessa confusão.

Não teríamos feito aquela bagunça com os trigêmeos Knight e dado aos bebês excesso de pó mágico.

Betty parecia ter vontade de estapear suas irmãs e juntou-se à conversa pela primeira vez.

Ora, suas duas tagarelas! Precisamos unir nossas mentes para corrigir a situação.

Não devemos interferir — enfatizou Hattie.

Mas também não podemos falhar — disse Betty com firmeza. — E se eu tiver opção, prefiro prevenir do que remediar.

CAPITULO X

 

Eu lhe disse que resolveria a situação — Caesar assegurou a seu irmão. Os dois estavam sentados na carroçaria de um caminhão de sorvete onde se lia o nome: Delícia Cremosa. A canção La Traviatta tocava baixinho.

Caesar sentou-se em uma perfeita posição para ioga, sobre um tapete oriental. O arredor era inusitado, mas ele parecia soberbo como sempre, os cabelos negros e o fino bigode per­feitamente ajeitados.

—        Foi brilhante a idéia de comprar este caminhão — falou Brutus, feliz por não estar sentado no desconfortável assento de motorista.

Um banquinho de madeira era um pouco melhor. Nunca sonhara em se juntar ao irmão em um de seus queridos tapetes de reza.

Estavam estacionados em uma área residencial bem tran­qüila. Brutus estivera dirigindo pelo que imaginou serem horas. Estava com calor e queria tomar banho, mas não ousava dizer nada. Caesar detestava ouvir queixas.

—        Usar um equipamento sofisticado para descobrir o para­ deiro da sobrinha de Leva também foi uma boa idéia minha.

Caesar franziu a testa e olhou para a caixa de localização que trazia nas mãos.

—        Não posso acreditar que isto passou a funcionar mal desde que chegamos a Newport. — Deu um beijo na caixa. — Eu mesmo coloquei aquele rastreador no carro de Knight. Eu sei que tudo foi feito corretamente.

Brutus sabia que aquele comentário tinha a intenção de feri-lo, era uma acusação velada ao irmão que nada fazia adequadamente. Aquela parecia ser a sina de sua vida. Atualmente era fugitivo da lei.

Stella, sua linda flor, saberia que ele na verdade não era o gerente de investimentos que alegara ser. Não podia acreditar na maneira como tudo em sua vida estava dando errado.

Um barulho na lateral do caminhão o assustou. Caesar mal se mexeu.

—        Sorveteiro! — uma voz jovem gritou. — Venha até aqui! Na tentativa de manter as aparências, Brutus vestia roupa

branca como o dono anterior do caminhão usara. Caesar, en­tretanto, recusara-se a fazer mais do que usar camisa branca, completada com uma gravata da moda. Mesmo sentado no tapete, ainda conseguia emanar força.

—        Vá você — ordenou Caesar com um aceno de mão. Brutus abriu a janela de correr construída na lateral do caminhão e viu o responsável pelo susto que deixara suas per­nas trêmulas.

—        Nada feito, garoto! — gritou contrariado, com sua melhor voz de vilão. — Não estamos atendendo agora.

Longe de sentir-se intimidado, o menino pôs as mãos nos quadris e começou a chorar a plenos pulmões, o rosto vermelho devido ao esforço.

Brutus entrou em pânico. Precisava fazer algo para calar aquele matraca. E rapidamente! Seria tenebroso caso se tor­nassem o centro das atenções.

—        Aqui.

Foi até o congelador à sua direita e pegou uma caixa cheia de cones de sorvetes já embrulhados em papel.

—        Leve-os. São de graça. Mas vá embora.

As lágrimas imediatamente cessaram quando o garoto se apro­ximou para pegar a caixa. Mas então olhou e franziu a testa.

Não gosto deste sabor.

Ótimo. Então me devolva, e eu lhe darei outra caixa.

Minha irmã gosta destes.

Colocou a caixa sob o braço e apontou para uma foto no cardápio afixado no lado de fora do veículo.

Dê-me uma caixa deste aqui.

Seu pequeno explorador!

A voz de Brutus refletia raiva e admiração ao dar ao garoto o que desejava.

Volte em alguns anos, menino; meu irmão pode ter um trabalho para você.

Você!

Anton, vestindo bermudas e uma camiseta azul, surpreen­deu-se ao atender a batida na porta e encontrar Ryan.

O agente havia deliberadamente ficado de lado para que não fosse visto através do buraco de observação da porta do motel.

As feições angulosas de Anton se tingiram de púrpura pela agitação e os olhos azuis refletiram surpresa e ira. Imediata­mente tentou fechar a porta.

Mas Ryan foi um passo mais ágil, colocando o pé de forma a manter a porta aberta.

Sim, sou eu. Esperava que fosse a patrulha da polícia?

Eu esperava que você demonstrasse alguma inteligência —           acusou Anton. — Alguma honra.

—        Bem, está certo.

Ryan entrou no quarto e fechou a porta atrás de si. O am­biente era pequeno, o banheiro anexo ainda menor. Sentiu-se aliviado em ver apenas uma janela próxima à entrada onde estava em pé.

Como foi honroso de sua parte escapulir através daquela janela de banheiro!

Então isso feriu seu orgulho, não foi? — zombou Anton.

Ótimo. Você realmente é um calhorda. O olhar de Ryan se estreitou.

Como pode falar isto?

Seu comportamento apenas confirma minhas piores sus­peitas a seu respeito.

Confirma que sou bom em meu trabalho?

Confirma que você coloca seu trabalho acima de qualquer outra coisa.

O que quer dizer?

Você deixou minha sobrinha sozinha em seu decadente ninho de amor, desprotegida, enquanto os irmãos Zopo ainda estão por perto.

—        Vamos colocar algumas coisas em seus devidos lugares. Anton o ouvia com ar de desafio.

Ryan fez uma pausa, incerto quanto ao que dizer pri­meiro. Havia tantas coisas a serem ditas. Começou com a menos relevante.

Em primeiro lugar, não sou dono de um ninho de amor... Anton imediatamente o interrompeu.

Onde está minha sobrinha?

Em um lugar seguro.

Você entende pouco de segurança — ironizou Anton.

—        Não me venha com esta, senhor. Sabe a confusão em que me colocou desde seu desaparecimento?

Anton o fitou de modo glacial, seus olhos revelavam sua fúria quase mortal.

—        Está partindo o coração de Courtney novamente. Ryan sentiu culpa. Sabia que a magoara, mas também es­tava ferido. Pensou que pudesse confiar nela e fora traído.

Courtney conversara com o tio e não dissera nada. E bem sabia o quão importante para sua carreira era ter Anton de volta sob sua guarda. Mas preferira dar sua lealdade ao tio.

Podia dizer que o amava, mas certamente não agira como tal.

Ryan sabia o quão ardiloso era Anton. Apenas trouxera à baila o assunto de Courtney em uma tentativa de distraí-lo. Mas aquilo não iria funcionar. Não daquela vez.

Sei o que você pretende.

E eu sei o que você está fazendo — Anton lhe devolveu, lançando-lhe um olhar frio.

Ryan recusou-se a ser dominado por aquelas palavras.

—        Está tentando me distrair para que possa escapulir novamente. Bem, isto não vai acontecer.

Ryan pegou as algemas que trouxera consigo.

Tem a opção de me acompanhar de livre e espontânea vontade ou poderemos tornar as coisas mais difíceis. Cabe a você decidir. De uma maneira ou de outra, considere-se de volta a minha custódia.

Esta não é minha maior preocupação.

Bem, não sei o que pode preocupá-lo tanto nesse momento.

Você vale menos que uma pulga. Estou preocupado com minha sobrinha! Quem a está protegendo enquanto você está aqui?

Não tem de se preocupar com Courtney — assegurou-lhe. — Eu a deixei aos cuidados de um oficial da polícia local.

O senhor arregalou os olhos, incrédulo.

Como pôde deixar a segurança dela aos cuidados de outra pessoa?

Courtney está bem. Teimosa como sempre, mas segura.

            É melhor que esteja mesmo — Anton falou de um jeito suave mas irado —, ou seu nome, Ryan, virará lama.

Courtney reunira as poucas coisas que trouxera e estava pronta para colocá-las na sacola preta que usava como mala. Ryan já devia ter capturado seu tio, ou .estava muito próximo de fazer aquilo, e logo ele retornaria a sua rotina. Seu tempo com Courtney havia acabado.

Ryan ouvira sua confissão ao telefone e sabia que era amado, mas não proferira uma só palavra sobre o assunto nem dissera que a amava.

Mas o que ela esperava? Milagres? Jamais aprenderia?

Arrumou os longos cabelos em um rabo-de-cavalo e sentou-se no sofá, observando a chuva fria que começara a cair.

—        Está muito quente — o oficial Logan observou em uma tentativa de travar conversa.

Courtney não estava com vontade de conversar. Não naquele momento. O policial pareceu reconhecer o fato, mas aquilo não o deteve de fazer o melhor que pudesse para alegrá-la.

—        Que tal um refrigerante? Ryan falou que há alguns na geladeira.

Ryan dissera muitas coisas, mas nada do que ela desejara ouvir. O policial era jovem. Tinha cabelos claros e orelhas enor­mes, fazendo-a lembrar-se de um bichinho de estimação ansioso por ser agradado. Até mesmo a expressão de seus olhos cas­tanhos era de ansiedade.

Não teve coragem de desapontá-lo.

Claro. Uma soda limonada seria ótimo.

Está bem. Estarei de volta logo.

Ela poderia ter ido buscar o refrigerante ou mesmo acompa­nhá-lo até a cozinha, mas parecia colada ao sofá. Estivera deitada ali, pensando em Ryan, desde sua partida. E a chuva a castigar as janelas deixava gotas que pareciam lágrimas do sol.

Toda sua vida mudara desde que Ryan aparecera defronte a sua escrivaninha no Banco Federal Fell!

Houve aquele choque inicial e a esperança de que ele hou­vesse retornado para declarar seu amor. Mas então falara do caso em que estava envolvido, e Courtney soubera que ele continuava o mesmo.

Ryan jamais mudava as prioridades em sua vida.

Fora falso quando comentara que não tivera intenção de trabalhar naquele caso. Ryan usara a atração existente entre os dois para obter o que queria. E desejara mais do que a levar para a cama. Quisera Anton de volta a sua custódia, a fim de limpar sua ficha profissional.

Não podia acreditar em como caíra em tal armadilha emocional. Pensara ter sido cuidadosa, consciente das intenções de Ryan durante cada passo do caminho. E então baixara a cautela durante um tempo longo demais, na esperança de que as coisas pudessem ser diferentes daquela vez. Acreditou que estavam iniciando um novo tempo, uma nova era em suas vidas.

Por falar em tempo, não sabia quanto já havia se passado desde que o oficial Logan fora buscar o refrigerante, mas cer­tamente já devia estar de volta. A casa era grande, mas a cozinha ficava ali, no final do hall.

Tudo bem aí? — gritou ela.

Maravilhoso.

Um homem desconhecido, vestindo uma jaqueta com a ins­crição: Sorvetes Delícia Cremosa, entrou na sala de estar. A seu lado havia um senhor mais alto, de aparência mais distinta e com um bigode fino. Usava camisa branca e calças pretas. Mas... Ele portava uma arma na mão.

—        Quem são vocês? — Courtney tentou manter a voz tranqüila e não fazer movimentos bruscos. Estava apavorada. —Onde está o oficial Logan?

Haveriam matado aquele pobre jovem?

Está impossibilitado de vir aqui no momento — o homem com a arma falou. — Está amarrado na despensa. E quanto a sua pergunta, logo nos apresentaremos.

E melhor agir rapidamente, Caesar — o mais jovem, mais pesado e mais nervoso respondeu, ajeitando a jaqueta branca.

Caesar assentiu.

—        Antes de mais nada, quero que você levante-se vagaro­samente do sofá e venha se sentar nessa cadeira, srta. Delaney.

Ele apontou a arma na direção desejada.

Courtney sentiu os joelhos trêmulos ao levantar-se do sofá e transpor a pequena distância até a cadeira. Segundos depois era amarrada por Brutus.

Não foram necessárias as apresentações. Aqueles só podiam ser os irmãos Zopo.

Enquanto Brutus passava a corda pelos ombros e cintura dela, seu irmão mais velho exultava de felicidade ao encontrá-la.

—        Foi fácil localizá-la. Seu tio nos falou tudo a seu respeito. Um erro indesculpável da parte dele, tenho certeza.

Seus dentes brancos brilhavam em contraste com o bigode escuro, fazendo-a lembrar-se de um tubarão mostrando os den­tes pouco antes de morder alguém.

—        E então aqueles dois equívocos quando meu irmão estava encarregado desse trabalho. Contratar um idiota para captu­rá-la no banco foi uma idéia ingênua.

Lançou a Brutus um olhar indulgente mesclado com desdém.

—        Assim como a desafortunada investida no apartamento de seu vizinho. Mas, felizmente, tomei a frente de tudo e fiz com que as coisas dessem certo.

Courtney queria que ele continuasse falando.

E como fez isto?

Coloquei um rastreador no carro de seu namorado. In­felizmente houve uma pane quando chegamos a Newport e tivemos nosso plano atrasado em um dia até localizarmos o carro de novo. Estávamos esperando desde esta manhã que o rapaz saísse, então, desarmamos o sistema de segurança dessa casa. Eu sou muito bom nisto — gabou-se.

Como sabia que eu estaria com Ryan?

Vi vocês dois deixarem seu prédio juntos. E o jeito com que ele a fitava. O homem está loucamente apaixonado por você.

Courtney não podia acreditar no que ouvia.

—        Está enganado — falou tristemente. Caesar franziu a testa.   .

Nunca diga às pessoas que a estão aprisionando que estão erradas. É a primeira regra em tais situações. Agora telefone para Ryan.

Não posso fazer isso. Estou com as mãos atadas.

—        Diga-me o número, e eu discarei — ordenou Caesar. Dada a situação, amarrada com uma arma apontada para ela, Courtney não teve opção a não ser cooperar.

Ryan estava prestes a telefonar para o escritório a fim de dar as novidades da captura de Anton quando seu telefone celular tocou. Olhou para o aparelho e viu que a ligação pro­vinha da casa de praia.

Devia ser um recado de Courtney, querendo saber sobre seu adorado e teimoso tio. Podia imaginar qual seria o teor da mensagem.

Manteve um olhar atento em Anton, que estava sentado na cama. Atendeu a ligação e quando ouviu a voz de um homem quase desligou, acreditando ter sido algum engano.

—        Ryan?

A voz suave fez o sangue de Ryan gelar nas veias.

—        Quem fala é Caesar Zopo. Estou com sua namorada aqui. Se quiser vê-la novamente traga Anton para cá. Trocaremos a moça por ele. Você tem dez minutos.

 

Dez minutos? — repetiu Ryan. — Le­vará muito mais tempo o trajeto do motel até a casa de praia. Espere...

Mas a ligação já havia sido encerrada.

Ryan praguejou e deu um chute na cama. Fez Anton levan­tar-se. Não havia tempo para chamar reforços. Precisaria cui­dar daquilo sozinho.

A polícia local já lhe enviara seu homem mais experiente para proteger Courtney, mas o oficial Logan não fora capaz de completar sua tarefa.

Ryan rezava para que não fosse tarde demais.

—        O que há de errado? — O sotaque checo de Anton era mais acentuado quando estava nervoso ou agitado.

Ryan não sabia o que falar.

Anton percebia que algo estranho estava acontecendo.

Quem era ao telefone?

Seus companheiros, os irmãos Zopo.

Não são meus companheiros — negou.

Então você gostaria que eles estivessem fora de circulação?

Enquanto falava, Ryan empurrava Anton para o carro es­tacionado bem em frente ao motel. Meteu-o dentro e ligou o motor antes de fechar totalmente a porta.

—        Para onde estamos indo? Aconteceu algo com Courtney? A voz de Anton estava repleta de medo, um temor que ecoava no coração de Ryan.

—        Eles a pegaram.

Nem mesmo piscou quando Anton agarrou seu braço.

Eu lhe disse que não a devia ter deixado sozinha!

Pare com isto. Não temos tempo para discussões.

Com os pneus cantando, Ryan deixou o estacionamento e dirigiu a toda velocidade até a casa.

—        A vida de Courtney depende de fazermos isto corretamente.

Ryan lidara com o perigo mais vezes do que podia se recor­dar. Mas daquela vez era pessoal. As emoções o assolavam, mas não podia capitular. Uma imagem de Courtney sentada naquele mesmo carro passou por sua mente.

"A maioria das pessoas evita problemas, caminha na direção oposta. Mas você corre para encontrá-los", ela dissera uma vez. Começou a rezar como jamais rezara antes.

Anton o fitou longamente antes de murmurar:

—        Então você a ama, afinal. Seu coração mudou.

Será que realmente havia mudado, ponderou Ryan, ou ape­nas finalmente admitira a verdade contra a qual lutara durante tanto tempo? Acreditava realmente que o mais importante em sua vida era Courtney e não o trabalho? Que sem ela, a vida não tinha alegria, tudo retornava à monotonia?

Ela era a luz em sua vida, o brilho, sua razão de viver.

Ryan sabia o motivo de sempre estar atrás dela, provocan-do-a para que a velha Courtney viesse à tona. Gostaria que voltasse a ser quem realmente era porque ela o completava. Ele a amava porque era passional, leal e única. E ele a queria em sua cama novamente.

Era muito triste que algo tão trágico, como ela estar sob o domínio dos loucos irmãos Zopo, o tivesse feito perceber a ver­dade. Prometeu-se fazer tudo que estivesse a seu alcance para garantir a segurança dela. Courtney era sua vida.

O avião já está pronto para partir? — Caesar falava ao telefone celular.

Courtney não sabia com quem ele conversava, algum em­pregado talvez. Não sabia onde ficava o aeroporto, mas pelos comentários julgou ser próximo dali.

—        Isto é bom. Estaremos aí na próxima meia hora — acres­centou, confirmando suas suspeitas dela.

Os Zopo planejavam escapar de avião. Não sabia como iriam ao aeroporto nem o que fariam com ela. Duvidava de que Ryan levasse Anton até lá, apesar das ameaças. Iria contra tudo o que lutava como um agente Marshal.

Ryan não a abandonaria a seus algozes. Apenas seguiria o livro das regras, passo a passo, fazendo o que se ordenava que fosse feito em situações como aquela.

Caesar desligou o telefone e examinou as esculturas da lareira.

—        Interessante! — Afagou o bigode com seu dedo perfeitamente manicurado. — Fico pensando se há uma conexão entre a sereia sobre a lareira e estas pernas femininas abaixo. Talvez signifique que as mulheres são capturadas pela teia da própria sensualidade feminina. O canto das sereias faz uma outra mulher vítima tanto quanto o velejador que é encantado até a morte.

Courtney sentiu um arrepio ante a menção da palavra morte. Ele discutia seus pontos de vista como se todos estivessem em uma exposição de arte, conversando alegremente e tomando champanhe.

—        A escultura da entrada principal é criativa também — confirmou Caesar, — Mas meus gostos não são tão... exube­rantes. Prefiro os clássicos. Gosta de ópera, srta. Delaney?

Ela fez sinal negativo com a cabeça.

—        Ah, mas isso é ruim. A vida é como a ópera. Cheia de momentos dramáticos e grandiosos.

—        Com visitas intermitentes ao banheiro — interveio Brutus. Caesar balançou a cabeça de um lado para o outro.

Meu pobre irmão não partilha de minha compreensão e intelecto.

Fui eu quem tive a idéia de deixarmos o país em um pequeno avião — defendeu-se Brutus.

Somente porque você sente enjôos em barcos. E ainda queria manter Anton Leva vivo.

Novamente Caesar balançou a cabeça, em sinal de desaprovação.

Brutus empalideceu, baixando os ombros ante o desprazer no rosto do irmão.

—        Não gosto de violência — justificou-se.

Courtney não compreendia por que então ele invadira o pré­dio em que ela morava, mas não sentiu vontade de expressar seus questionamentos. Estava ocupada demais tentando soltar os nós das cordas sem ser notada.

Não podia ficar sentada ali como uma tola, embora suas opções fossem poucas no momento.

—        Assim que cruzarmos o mar, vamos jogar Leva para fora do avião — falou Caesar.

Ela sentiu-se enregelar, momentaneamente incapaz de acreditar no que ouvia. Aqueles homens calmamente falavam sobre assassinar seu tio! Podia apostar que teria destino semelhante também.

Será tudo muito limpo e simples — continuou Caesar.

Não gosto de violência também. Prefiro manter as coisas em ordem.

Tirou um pedaço de fio da calça antes de dar uma olhada para o caro relógio que usava.

—        Ryan e Anton já deveriam ter chegado. Brutus — chamou, estalando os dedos e apontando para Courtney —, coloque uma venda nos olhos dela.

Courtney absolutamente não gostou daquilo.

—        Não! Esperem!

O comando de sua voz chamou a atenção dos dois irmãos. Fizeram uma pausa. Bem... Brutus fez uma pausa, Caesar apenas a fitou.

Não me coloque uma venda — pediu.

Por que não? — inquiriu Caesar, franzindo a testa.

Porque... Eu tenho medo de escuro.

Cenas recentes passavam por sua mente desesperada. Lem­brou-se de ter dito a Fred que Ryan era seu meio-irmão. Aquilo pareceu ter acontecido há centenas e centenas de anos. E se ela não fizesse algo temia que restasse pouco de sua vida.

Sinto muito por ouvir isto — falou Caesar ironicamente, dando-lhe esperanças por um momento..* apenas para acres­centar: — Coloque a venda nos olhos da moça de qualquer maneira, Brutus.

Mas ela tem medo de escuro.

Não sou surdo. Faça o que eu mando.

Não é justo — murmurou Brutus, baixinho. — Mamãe sempre gostou mais de Caesar — sussurrou para Courtney, como se aquilo explicasse tudo.

Então o mundo dela ficou escuro quando um lenço de seda preto foi atado ao redor de sua cabeça e vedou-lhe os olhos.

—        Mamãe gostava de mim por um motivo — Caesar falou arrogantemente. — Porque sou mais inteligente e o melhor.

Um segundo mais tarde instaurou-se o mais completo inferno na casa.

Courtney se encolheu na cadeira quando ouviu gritos e ba­rulho de coisas se quebrando. O piso de madeira da sala de estar ampliava o barulho, e seu coração pulsava fortemente, o ar lhe faltando. Se ao menos pudesse ver. Mas apenas ouvia.

—Aquele arpão que estava pendurado na parede caiu de lá sozinho — gritou Brutus, a voz trêmula. — Ajude-me, Caesar. A rede de pesca está toda enrascada em mim. Não consigo me libertar!

Outro barulho fez Courtney arrepiar-se. Encolheu os dedos dos pés como se aquilo a fizesse tornar-se menor, invisível.

Este lugar é assombrado! — gritou Brutus.

Não existem fantasmas — gritou Caesar de volta, mas sua voz estava trêmula. — Apenas continue tentando se soltar.

Um barulho, como de um corpo caindo ao chão, fez Courtney tremer intensamente. Aquilo foi seguido por uma batida que pa­recia ser dolorosa. Era como se os irmãos Zopo estivessem em uma luta, mas não havia indicação de outra pessoa por ali.

Não ouviu vozes além das pertencentes aos dois homens, nem os Zopo disseram qualquer coisa sobre outro homem ou mulher estar na sala.

O que poderia estar acontecendo? Ryan estaria armando alguma coisa por ali?

Oh, cavalos alados! Eu o perdi! — exclamou Hattie depois de usar sua varinha mágica para lançar o lustre branco em formato de concha em Caesar.

Eu lhe disse que você precisava usar óculos para mo­mentos importantes como este — Muriel opinou.

Faça com que ele derrube a arma — Betty as instruiu ao apontar a varinha para a rede de pesca que capturara Bru­tus, para garantir que ele permanecesse ali, quase inconsciente devido a seus esforços para livrar-se.

Um enorme ovo de gansa já se formava em sua cabeça, no local onde ele batera na mesinha lateral.

—        Consegui!

Muriel derrubou um livro bem grosso, referente a arte eró­tica, na cabeça de Caesar.

Bom tiro! — aprovou Betty.

Nem diga esta palavra! Eles poderiam ter atirado em Courtney.

Hattie estremeceu, abanando-se com o chapéu roxo enfeitado com violetas.

Betty voou para ficar ao lado da irmã.

—        Oh, pelo amor de Petúnia, não é hora para um ataque de nervos — disse a Hattie, exasperada.

—        Muriel, ajude-nos — gritou Betty quando ela e Hattie perderam o equilíbrio e se precipitaram em direção ao chão.

Muriel veio em socorro, usando a varinha mágica para deixar as duas flutuando em segurança. De lá ela admirou o trabalho realizado: Brutus inconsciente, Caesar balbuciando coisas in­coerentes: — Sim, eu diria que as coisas estão se saindo muito bem — dizia ele, em voz grogue.

Ryan planejava usar o telefone celular para alertar os Zopo para o fato de que ele estava defronte à casa de praia. Não queria fazer nada que pudesse assustá-los. A segurança de Courtney era sua primeira preocupação.

Mas assim que estacionou o carro, ouviu barulhos vindos do interior da casa. Correu e quase trombou com Caesar que irrompeu pela porta frontal.

—        Demônios! —bramiu, aterrorizado, seu fino bigode todo torto e os olhos arregalados. — Estão atrás de mim! Tentando me matar!

Ryan não lhe deu tempo para falar mais. Seu braço voou no ar, atingindo o rosto de Caesar com um soco poderoso. Um segundo mais tarde já o havia algemado à cerca da varanda.

Correu para casa, arma em punho. Encontrou Brutus inconsciente no chão e deu uma olhada ao redor em busca de outros bandidos. Viu Courtney amarrada a uma cadeira e correu para ajudá-la.

—        Você está bem? — sussurrou ao lhé tirar a venda dos olhos. Ela assentiu, achando que nunca vira algo tão lindo quanto o rosto de Ryan naquele momento. Queria ver aqueles traços adorados por toda sua vida: as sobrancelhas grossas, a curva dos cílios longos, os lábios sensuais.

Sim. E você?

Estou bem.

Ele pegou-lhe o rosto com ambas as mãos, como se precisasse assegurar-se de que realmente não havia se machucado. Tam­bém precisava dar-se conta de que a ameaça estava acabada.

—        Quantos deles há aqui?

Apenas dois — respondeu-lhe, ainda trêmula, fazendo caretas enquanto Ryan desatava os nós das cordas. — Brutus e Caesar. Mas houve uma verdadeira batalha nessa sala. Você trouxe reforços? Foi isso que aconteceu?

Não faço a menor idéia do que ocorreu — disse-lhe com ternura ao fazê-la ficar em pé. — Apenas estou grato por ter acontecido.

Encontrei o oficial na cozinha — gritou Anton do hall. — Ele está zonzo mas não parece machucado. Liguei para o 911.

Fiquei tão apavorada!

A voz de Courtney estava embargada pelas lágrimas. Censu­rava-se por chorar naquele momento, quando já estava segura.

—        Eu também — respondeu Ryan, a voz igualmente emocionada ao estender a mão e afastar uma mecha de cabelos dourados do rosto dela. — Sobre o que aconteceu antes... Quando brigamos... O que você falou... Ah, droga! Você sabe que não sou bom nisso... Mas você não sabia... Eu não disse... Eu a amo.

Quando as palavras foram finalmente proferidas, o tempo pareceu correr rapidamente.

—        Quando soube que eles estavam com você... Não há palavra no mundo para descrever como me senti. Você sempre me faz sentir sensações desconcertantes. Quem sabe esse tenha sido o motivo de eu tê-la afastado de mim em Chicago. Mas, querida, agora eu a quero a meu lado. Não fuja novamente.

Ryan gentilmente a tomou nos braços, apertando-a com grande intensidade. Roçou o rosto pelo pescoço macio, sussurrando seu amor por Courtney vezes e vezes. Ela sentiu um arrepio passar pelo corpo de Ryan e piscou para afastar as lágrimas.

Segurou o rosto másculo com as duas mãos e o fez fitá-la.

Você já sabe que o amo. Sempre o amei. Nunca houve outra pessoa para mim.

Você quer dizer...

Quero dizer que você foi meu primeiro e único amante. Pode ser incrivelmente teimoso e ser casado com seu trabalho mas...

Quero estar casado com você — interrompeu-a. — Você é muito importante em minha vida. Sei disto agora.

As palavras a surpreenderam. Ainda estava saboreando o fato de que ele a amava. Podia ler a verdade naqueles olhos maravilhosos, sentir em seu abraço gentil. Mas casamento... Ryan sempre resistira àquilo. Encarou-o, insegura.

—        Você... está apenas aborrecido... com o que aconteceu.

Abalado.

Ele levou o dedo aos lábios de Courtney para calar suas palavras.

—        Nunca vi os fatos com tamanha clareza em minha vida. Posso ser teimoso mas não sou bobo.

O sorriso devastador fez o coração dela se acelerar.

—        Quer se casar comigo. O que me diz?

— Por que demorou tanto para perguntar?

Enlaçou o pescoço largo com os dois braços e o beijou, segura em saber que ele lhe pertencia. Finalmente encontrara seu lar, sua segurança, nos braços do homem que amava e que a amava também.

Sua alma gêmea.

 

Eu simplesmente adoro finais felizes — murmurou Hattie com os olhos cheios de lágrimas, do teto da sala de estar. Arrumara os cabelos cacheados e o chapéu lilás com a ajuda de um espelhinho. Sua atenção agora estava vol­tada ao casal abraçado, e ela sorriu em aprovação.

Isto me faz tão bem! Mais do que todos meus sais de banho têm o poder de fazer.

Admito que tudo deu certo — concordou Betty, me­tendo a mão no bolso para pegar um grande lenço.

Assoou o nariz e enxugou uma lágrima.

Eu realmente apreciei ter distendido um pouco a musculatura ao castigar aqueles rapazes maus. Como pode existir alguém que não acredite em fantasmas?

Provavelmente também não acreditam em fadas-madrinhas! — acrescentou Muriel, seu sorriso imenso como o oceano Pacífico.

Ryan era seu afilhado e seu favorito também. Seu co­ração estava pleno de alegria e satisfação por saber que ele seria feliz ao lado de sua alma gêmea.

Acreditar é algo raro nos dias de hoje. Poucos real­mente têm fé.

Porque são tolos — proferiu Betty com veemência. — Parabéns pelo bom trabalho, Muriel. Foi divertido e agora é hora de partirmos para nosso próximo compromisso.

Coube então a Muriel o direito de fazer o último comentário:

—        Dois casos resolvidos, resta-nos um. Vamos ajudar Anastasia!

 

                                                                                Cathy Williams  

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades

 

 

           Voltar à Página do Autor