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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


TEMPESTADE DE PRAZER / Jennie Lucas
TEMPESTADE DE PRAZER / Jennie Lucas

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Casar-se com um homem que não amava era surpreendentemente fácil, pensou Jasmine Kouri enquanto entregava a flute de champanhe vazia ao garçom que passava. Por que perdera tanto tempo? Devia ter feito isso há um ano.

Sua festa de noivado estava no auge. Toda a alta sociedade de Qusay... todos os que a haviam desprezado estavam agora passeando no enorme pavilhão branco instalado à margem do Mediterrâneo, tomando champanhe Cristal em flutes de ouro sólido e brindando seu noivado com o segundo homem mais rico de Qusay.

Seu noivo não poupara despesas. O diamante de quinze quilates do anel de noivado refletia a luz do sol em prismas de arco-íris cada vez que movimentava a mão, além de ser também muito pesado. O vestido de chiffon verde-claro que o noivo escolhera para ela em Paris era muito quente quando a saia se movia sob o vento do deserto. Do outro lado da enorme extensão do gramado, as bandeiras com o brasão do noivo balançavam sobre os torreões da imensa mansão de estilo italiano.

Mas Umar Hajjar jamais fazia economia... de nada. Tudo o que possuía, desde seus cavalos de corrida de categoria mundial até suas casas em diversos lugares do mundo, proclamava sua riqueza e seu prestígio. Perseguira Jasmine por um ano em Nova York e, no dia anterior, ela aceitara seu pedido de casamento. Esta festa era o primeiro passo de Umar para o povo de Qusay esquecer o antigo escândalo que manchara o nome de Jasmine.

Ele a transformaria na esposa perfeita da mesma maneira que treinaria um potro promissor para se tornar um vencedor: a qualquer custo. Mas não era por isso que o coração de Jasmine batia acelerado enquanto olhava os rostos na multidão. Não se importava com dinheiro gasto, estava em busca de algo muito mais precioso.

 

 

 

 

Socialites cobertas de jóias se apertavam em meio às pessoas para lhe dar os parabéns, entre elas algumas responsáveis pelos rumores maldosos que a haviam arruinado quando era jovem e indefesa. Mas seria deselegante lembrar aquilo agora; assim, Jasmine apenas agradecia e sorria até os músculos do seu rosto doerem.

Então prendeu a respiração ao avistar as pessoas pelas quais tanto esperara.

Sua família.

Na última vez em que os vira, era uma apavorada menina de dezesseis anos, enviada para a pobreza e o exílio pelo pai severo, de coração partido, e pela mãe, que chorava silenciosamente. Agora, por causa do casamento, ninguém jamais magoaria Jasmine, ou sua família, de novo. Com um grito de alegria, ela abriu os braços e suas irmãs, agora adultas, correram para abraçá-la.

— Estou orgulhoso de você, minha filha — disse o pai, áspero, dando-lhe palmadinhas no ombro — finalmente fez alguma coisa boa.

— Oh, minha filha preciosa. —A mãe abraçou Jasmine com lágrimas nos olhos e beijou-a no rosto. — Ficou longe tempo demais!

Seus pais haviam envelhecido. O pai orgulhoso tinha o corpo curvado, a mãe estava grisalha. As irmãs de quem Jasmine se lembrava como crianças magras eram agora matronas gorduchas, com maridos e filhos.

Valeu a pena, pensou, tomada por uma onda de emoção enquanto a família a abraçava. Para estar com a família de novo, estar de volta ao seu lugar no mundo, teria desistido de uma centena de carreiras em Nova York e casaria com Umar mil vezes.

— Senti tanta falta de vocês — sussurrou Jasmine.

Mas logo foi forçada a se afastar da família para cumprimentar outros convidados. Momentos depois, sentiu a mão de Umar no braço, virou e viu-o sorrir para ela.

— Feliz, querida?

— Sim — respondeu, enxugando os traços de lágrimas. — Mas alguns convidados estão ficando impacientes pelo jantar. Quem é este seu convidado especial e por que está tão atrasado?

— Você verá — o noivo respondeu, debruçando-se para lhe beijar o rosto. Alto e magro, com quase cinqüenta anos de idade, Umar Hajjar era o tipo de homem que vestia terno de grife para visitar seus estábulos. O rosto era pálido e sem rugas e o cabelo cuidadosamente penteado com gel. Virou a cabeça de lado e disse: — Escute.

Jasmine franziu a testa e ouviu um som que crescia gradualmente, como um trovão. Olhou para cima mas, como de costume, não havia nuvens no reino do deserto insular, apenas o céu claro e ilimitado que se dobrava para se encontrar com as numerosas tonalidades de azul do mar.

— O que é isso?

— Nosso convidado... — O sorriso de Umar aumentou. — O rei.

Jasmine prendeu a respiração.

— O... rei? — Um medo súbito lhe apertou o peito. — Que rei?

Ele riu.

— Há apenas um rei, querida.

Como em câmera lenta, olhou através do enorme gramado. Três homens a cavalo haviam acabado de entrar pelos enormes portões de ferro. Os guardas de segurança de Hajjar se curvavam, os narizes quase no chão, enquanto o líder dos cavaleiros passava, seguido por dois homens vestidos em mantos negros.

Todos carregavam rifles e tinham expressões severas, mas o líder era muito mais alto e tinha ombros bem mais largos que os outros. Uma adaga cerimonial na cintura, com pedras preciosas no cabo, proclamava seu status enquanto o olhar duro dos olhos azuis mostrava sua crueldade. Sob o sol quente de Qusay, o manto branco destacava a pele profundamente bronzeada enquanto descia do garanhão negro.

Tremendo com um súbito pânico, Jasmine o viu, rezando para estar enganada. Não podia ser, não podia!

Mas, quando observou o rosto belo e severo, não pôde negar sua identidade; vira aquele rosto durante treze anos em seus sonhos.

Kareef Al'Ramiz, o bárbaro príncipe do deserto. Os convidados o reconheceram com um arquejo que ecoou o dela.

Kareef. O homem que seduzira Jasmine e a abandonara para a vergonha e o exílio. O homem que lhe causara dor e solidão durante metade de sua vida. O homem que a fizera pagar tão caro pelo crime de amá-lo.

E, em alguns dias, Kareef Al'Ramiz seria coroado rei de Qusay.

Um ódio intenso a percorreu, um ódio tão puro que quase a fez estremecer. Segurou o braço de Umar:

— O que ele está fazendo aqui?

Os lábios finos se curvaram num sorriso de satisfação.

— O rei é meu amigo; não está impressionada? É parte do meu plano. Venha.

Levou-a através do gramado para receber o convidado régio. Ela tentou resistir, mas como Umar não a soltou, tentou recuperar o fôlego e o autocontrole. Rodou o anel de noivado no dedo. O diamante enorme era duro e frio contra a sua pele.

— Majestade! — chamou Hajjar alegremente por meio do gramado. — Vossa Majestade me faz uma grande honra!

— E melhor que isso seja importante, Umar — rosnou o rei. — Apenas por você eu voltaria à cidade.

Ao som da voz de Kareef... o timbre baixo, profundo, que uma vez lhe parecera música... um torvelinho de cores começou a girar com rapidez e Jasmine teve medo de desmaiar.

Jasmine. O sussurro de Kareef se repetiu na mente dela. Havia lhe acariciado o rosto, olhando-a com a fome profunda do desejo, enquanto estava deitada sob ele.

Case comigo.

Não! Não podia enfrentar Kareef depois de todos aqueles anos. Não agora, nem nunca. Seu coração acelerado continuava batendo com força.

— Preciso ir — disse ela, com voz rouca, tentando se soltar freneticamente da mão de Umar. — Com licença...

Assustado com a força dela, Umar a soltou bruscamente. Desequilibrada, tropeçou e caiu na grama numa explosão de chiffon verde.

Ouviu uma exclamação em voz baixa e, de repente, mãos estavam nela, erguendo-a. Sentiu a eletricidade do toque áspero, tão masculino e forte, tão diferente das mãos frias e delicadas de Umar. Olhou para cima.

O rosto belo e implacável de Kareef era uma silhueta contra o sol enquanto a erguia, seus olhos cruéis estavam cheios de sombra. Uma luz cegante jogava um halo em torno do cabelo negro contra o azul intenso do céu. As mãos ásperas seguraram as dela enquanto seus olhos se encontravam; as pupilas dele se dilataram.

— Jasmine — suspirou, os dedos se apertando nos dela.

Ela não conseguiu responder, nem mesmo respirar. Mal tinha consciência dos duzentos convidados nobres atrás deles, no pavilhão, observando-os.

O tempo parou e havia apenas os dois. Viu-o, sentiu o toque do rei na sua pele. Exatamente como sonhara todas as noites dos últimos treze anos, em pesadelos sombrios e indesejados naquela cobertura solitária onde vivia em Nova York.

Umar ficou entre eles.

— Majestade — disse sorrindo. — Permita que lhe apresente Jasmine Kouri, minha noiva.

Chocado, Kareef olhou para o lindo rosto; jamais pensara que veria Jasmine Kouri de novo. Vê-la tão inesperadamente... tocá-la... provocou uma onda de fogo e gelo em todo o seu corpo.

Contra a sua vontade, seus olhos devoraram cada detalhe daquele rosto. Os longos cílios negros, trêmulos sobre a pele cor de creme. A ponta rosada da língua saindo para molhar o centro dos lábios cheios e vermelhos. O cabelo negro, antes longo e reto, agora cortado em camadas espessas que lhe cobriam os ombros e parte das costas, uma cascata sobre o vestido diáfano que parecia ter saído de um filme de Hollywood de 1930. O vestido era justo sobre os belos seios e os quadris, a cintura fina era apertada pelo cinto. Os braços graciosos e esguios podiam ser vistos através das mangas largas e longas.

Estava quase completamente coberta da cabeça aos pés, mostrando a pele apenas do pescoço e das mãos, mas o efeito era devastador. Parecia glamorosa, intocável, e queria lhe segurar os ombros, tocar e saborear. Senti-la toda e saber que era real. O simples contato dos seus dedos nos dela parecia lhe queimar a pele.

Então percebeu o que Umar Hajjar dissera. Jasmine... noiva de Hajjar?

Como se tivesse sido atingido por um golpe físico, Kareef subitamente a libertou. Olhou para seus dedos e quase se espantou por encontrá-los inteiros. Depois da eletricidade que sentira ao tocar-lhe a mão, quase esperara encontrá-los completamente queimados. Inalou o ar profundamente e olhou para ela.

— Você... se casou?

Os olhos escuros de Jasmine se encontraram com os dele, mergulhando em sua alma como uma adaga. Ela passou a língua nos lábios, nervosa, e não respondeu.

— Ainda não — disse Umar ao lado dela. — Mas nos casaremos imediatamente após a Copa de Qais.

Kareef continuou a olhar para Jasmine, mas ela não disse uma palavra.

Antigamente, costumava falar muito quando estava com ele... conseguia fazê-lo esquecer o mau humor e rir, apesar de si mesmo. Achava sua conversa tranqüila e relaxante, encantadora, talvez por que era tão natural... tão livre e real. A princípio, foi tímida, uma menina que gostava de ler, que se sentia mais à vontade com os livros, os jornais e os mapas do que conversando com o filho de um sheik. Mas, depois que conseguira penetrar além da concha da timidez, transmitia com naturalidade cada pensamento que lhe passava pela mente.

Eram os dois tão jovens, tão inocentes.

O fogo o queimava agora enquanto olhava para ela.

Jasmine. O nome era como um encantamento e mal conseguia impedir-se de dizê-lo em voz alta. Precisou se esforçar para manter o rosto inexpressivo, o corpo rijo e implacável como se estivesse pronto para a batalha. Para atacar o quê? Para defender o quê?

— Estou tão feliz por Vossa Majestade poder participar da festa com um convite feito tão em cima da hora— continuou Umar, colocando as mãos sobre os ombros de Jasmine. — Esperamos a Vossa permissão para servir o jantar, meu rei.

Kareef se descobriu olhando para as mãos possessivas de Umar sobre os ombros dela. Teve um impulso súbito de tirá-las... até começar uma briga com o homem que salvara sua vida!

Mas ela não era apenas uma mulher; era Jasmine, a jovem cuja mão pedira em casamento.

— Majestade?

— Sim, o jantar... —Ainda cerrando o queixo, Kareef fez um gesto aos seus dois acompanhantes para cuidarem dos cavalos. Olhou em direção ao pavilhão branco e para todos aqueles rostos ansiosos. Diversos convidados mais ousados já se aproximavam, tentando segurar-lhe os olhos, esperando participar da conversa. Depois de tantos anos de solidão no deserto no norte de Qusay, Kareef não era conhecido por sua sociabilidade. Mas, de alguma forma, ser inacessível e frio apenas o tornara mais desejável à elite de Shafar. Todos nesta cidade esquecida por Deus pareciam desesperados pela atenção do rei bárbaro, por um favor, seu corpo ou sua alma.

Ainda nem fora coroado; mas de acordo com a tradição de Qusay, já o chamavam de rei... e o tratavam como se fosse quase um deus. O povo de Qusay descobrira o que fizera pelos nômades do deserto e queria a mesma prosperidade e, desde então, o adoravam.

Kareef odiava aquilo, jamais quisera voltar. Mas, algumas semanas antes, pouco depois da morte do velho rei num acidente de avião, seu primo, o príncipe herdeiro, abruptamente renunciara à linha de sucessão.

Xavian... não, Zafír, corrigiu-se Kareef, pois era estranho chamar o homem que pensara ser seu primo por outro nome. O primo descobrira que não tinha uma só gota de sangue dos Al'Ramiz e abdicara. Abandonara o país para reinar na nação de Haydar ao lado da mulher, a rainha Layla.

A decisão de Zafir fora correta e honrada. Kareef a teria aprovado completamente se não fosse um problema: forçara-o a aceitar o trono no lugar dele.

E agora... veria Jasmine se casar com outro homem diante de seus olhos. Ou não? Legalmente, moralmente, poderia permitir aquilo?

— Vossa Majestade nos honra. — Umar Hajjar curvou a cabeça. — Se puder lhe pedir outro favor...

Kareef rosnou uma resposta.

— Faria à minha futura esposa a honra de escoltá-la até o pavilhão?

Queria que Kareef a tocasse, que a segurasse pela mão? Apenas olhar para Jasmine era uma tortura. Uma vez fora uma menina encantadora, com grandes olhos negros e um corpo esguio. Agora tinha curvas, tornara-se uma mulher madura e sua expressão escondia segredos e dores ocultas. Um homem poderia olhar para aquele rosto por anos e jamais descobrir todos os seus segredos.

Jasmine Kouri era, simplesmente, a mulher mais bela que Kareef já conhecera. E continuava a olhar para ele silenciosamente, com aquele olhar escuro que deixava escapar todas as acusações que os lábios omitiam, lembrando-o de tudo que quase se matara para tentar esquecer.

Kareef cerrou os olhos, bloqueando a visão dela por um segundo. Obrigou o corpo a se acalmar, a respiração a se normalizar, as emoções desaparecerem de seu corpo e sua alma. Depois de tantos anos de prática, sabia exatamente o que fazer.

Então abriu os olhos e descobriu que não aprendera nada.

Olhando para Jasmine, anos de desejo reprimido transformaram sua vontade em pó. O calor o tomou, esquentando-lhe o corpo como uma tempestade de areia lhe arrancaria a carne dos ossos.

Ele a queria, sempre a quisera, como jamais quisera mulher alguma.

— Majestade?

Contra a vontade, Kareef dobrou o cotovelo, oferecendo o braço para ela, a marca do maior respeito pela noiva de outro homem. Quando falou, a voz estava completamente fria e controlada.

— Vamos jantar, senhorita Kouri?

Ela hesitou, então colocou a mão no braço dele. Podia sentir o calor do leve toque de Jasmine através do tecido. Ela dobrou a cabeça para olhar para ele, os lindos olhos castanhos brilhando.

— Vossa Majestade me honra, meu rei.

Ninguém, a não ser Kareef, percebeu a amarga ironia daquelas palavras.

Os convidados recuaram com reverências profundas enquanto levava Jasmine até a plataforma, seguidos por Umar. Quando subiram, Kareef retirou o braço e pegou uma flute de ouro da mesa.

Imediatamente, os duzentos convidados fizeram silêncio, esperando que seu novo rei falasse.

— Quero agradecer ao meu honrado anfitrião e amigo, Umar Hajjar, o gracioso convite. — Fez um aceno ao amigo e, em resposta, Umar se curvou, elegante em seu terno de grife. — E quero dar as boas-vindas a sua futura esposa, Jasmine Kouri, de volta ao seu país. Você embeleza nossas praias com seu encanto, srta. Kouri. — Ergueu a flute, olhando para os convidados com olhos duros enquanto dizia: — Ao feliz casal.

—Ao feliz casal! — repetiram os convidados em uma só voz.

Jasmine nada disse, mas enquanto se sentavam, ele sentiu o ódio dela em ondas de energia quase palpável.

O jantar foi servido; uma refeição imensa de carneiro e peixe, de arroz temperado e azeitonas e berinjela assada recheada com carne. Cada prato era mais sofisticado que o anterior. E, durante todo o jantar, Kareef estava consciente de Jasmine ao lado dele. Ela mal comia, mesmo quando encorajada pelo noivo, apenas segurava a faca e o garfo com força, como se fossem armas.

— Precisa comer, querida — zangou suavemente Umar Hajjar. — Não ficará atraente magra demais.

Não ficar atraente? Jasmine?

Kareef franziu a testa; magra ou gorda, nua ou vestida com um saco de batatas, qualquer homem a desejaria. Ele fechou as mãos em punhos sobre a mesa. Queria-a, bem agora, sobre aquela mesa.

Não, disse a si mesmo severamente, não a tocaria. Jurara treze anos atrás que a deixaria em paz. E agora, estava comprometida com outro homem... seu amigo. Voltando-se para Umar Hajjar, Kareef se obrigou a falar normalmente.

— Não sabia que se conheciam.

— Nos conhecemos em Nova York no ano passado

— Umar apertou de leve o braço de Jasmine. — Depois que minha pobre esposa morreu, pedi Jasmine em casamento muitas vezes e, finalmente ontem, ela aceitou.

— Ontem? E pretendem se casar dentro de poucos dias? — disse ele, sem emoção. — Um noivado rápido. E não há... impedimentos?

Jasmine olhou para Kareef rapidamente, inspirando fundo; ele não lhe encontrou os olhos. Umar deu de ombros.

— Qualquer casamento pode ser arranjado com rapidez se o homem não se preocupa com os custos.— Olhou para Jasmine, provocante. — Mulheres belas podem ser caprichosas, não vou dar a ela oportunidade de mudar de idéia.

Jasmine olhou para o seu prato cheio, com o rosto em chamas. Passou o garfo pelo arroz.

— Teria me casado com ela imediatamente em Nova York — continuou Umar — mas Jasmine quis se reconciliar primeiro com a família. Depois que meu cavalo vencer a Copa de Qais, nós iremos para a América por um semestre, para perseguir o meu próximo objetivo: a Coroa Tríplice. E, é claro, tomarei conta dos negócios de Jasmine em Nova York. O único trabalho dela deverá ser mãe de meus quatro filhos. Mas suas ligações na América me serão úteis quando eu... — interrompeu-se quando um dos criados se debruçou e disse algo em voz baixa. Abruptamente, Umar se levantou. — Com licença, preciso atender a um telefonema. Com sua permissão, Majestade...?

Kareef fez um aceno breve com a cabeça. Depois que Umar saiu, todos os convidados começaram a conversar em voz alta e ele abaixou a cabeça para falar apenas com Jasmine.

— Ele sabe?

Todo o corpo dela ficou estranhamente imóvel.

— Nem pense nisso — disse ela, com os dentes cerrados. — Não importa, não significou nada.

— Sabe que não pode se casar com ele.

— Não seja ridículo.

— Jasmine...

— Não! Não me importo se é o rei, não deixarei que destrua minha vida... de novo! — Os olhos dela brilharam. — Não deixarei que destrua as esperanças de minha família com este casamento...

— Sua família precisa do casamento?

— Não deixarei que sejam esmagados de novo pelo antigo escândalo, não quando todos ainda estão falando sobre a minha irmã!

— Qual irmã?

Olhou para ele.

— Não ouviu? Pensei que todos em Qusay soubessem — riu sem alegria. — Minha irmã caçula Nima estava num colégio interno em Calista. Passou uma noite com um marinheiro cujo nome nem sabe. Agora está grávida, grávida aos dezesseis anos.

A palavra grávida flutuou entre eles como ar envenenado.

Afastando o olhar, Kareef observou a grande família de Jasmine, sentada a uma mesa mais baixa. Olhou para Umar Hajjar, que atravessava o gramado, e para todos os convidados, que lhes lançavam olhares observadores. Então olhou de volta para Jasmine e tudo desapareceu. Não via mais nada, apenas a beleza do rosto dela... a escuridão infinita daqueles olhos.

— Nima está agora em Nova York, vivendo em meu apartamento, tentando aceitar que logo será mãe. — Piscou tentando afastar as lágrimas. — Minha irmã caçula. Quando apareceu em minha porta há dois dias, percebi de repente quanto tempo perdi. Treze anos sem minha família. — A voz falhou. — Dinheiro nenhum pode substituir isso.

— Então ficou noiva de Umar Hajjar — disse ele, com a voz sem emoção e os olhos apertados. — Você o ama?

— Quando meu pai me mandou embora há treze anos, — sussurrou — disse que eu não precisava voltar enquanto não fosse uma mulher casada e respeitável.

Kareef endureceu o queixo, furioso.

— Então foi por isso que ficou noiva, para agradar seu pai?

Os olhos dela também estavam furiosos.

— Que importância tem isso pra você? Há muito tempo me abandonou. Em alguns dias, estarei casada e fora de sua vida para sempre. — Ergueu o queixo, os olhos brilhantes. —Assim, deixe-me em paz, vá cuidar de sua coroação, Majestade.

Desde que conhecera Jasmine, jamais ouvira tanta amargura em sua voz. Mas, poderia culpá-la? O que sofrera tornaria qualquer mulher amarga. Seu espírito jovem fora tão feliz e brilhante, mas ele o esmagara há muito anos. As mãos dele se fecharam em punhos.

— Mas, Jasmine — disse ele, a voz baixa. — Precisa saber que eu...

— Perdoem-me — interrompeu Umar Hajjar, a voz alta e tensa. Quase se sentindo culpados, viraram-se.

— Era a babá de meus filhos no telefone. Há uma emergência e preciso ir.

— Oh, não! — Jasmine se levantou, ansiosa. — Eu irei com você.

Umar ergueu uma das mãos.

— Preciso ir sozinho.

— O quê? Por quê? Por favor, Umar, deixe-me ir com você, pode precisar da minha ajuda!

— Não — disse ele, áspero, os olhos em Kareef. — Meu rei, peço-lhe que tome Jasmine sob sua proteção.

— Não! Absolutamente não! — exclamou ela alto demais, e os convidados se voltaram para ver.

— Jasmine — disse Umar, com voz áspera e baixa — não faça uma cena.

— Não farei — engasgou, os olhos brilhantes de lágrimas não derramadas quando deu as costas à multidão.— Apenas não me deixe com o rei.

— Por quê? — exigiu saber o noivo.

Ela molhou os lábios, olhando para Kareef.

— Embora seja o rei... é também um homem.

— Não seja tola, Jasmine, ele é o rei! — disse Umar.

— Sua palavra é sagrada, sua honra é respeitada em todo o mundo, ele...

— Não, ela está certa — interrompeu Kareef. Olhou para Jasmine com olhos brilhantes. — Embora eu seja o rei — disse ele numa voz baixa, perigosa. — Também sou um homem.

Jasmine estremeceu sob o olhar dele.

— E eu lhe confiaria a minha vida — disse Umar com convicção. — Por favor, precisa cuidar dela, Majestade.

Kareef se virou lentamente para o velho amigo. Levar Jasmine de volta ao palácio real? Ficar sob o mesmo teto com ela? O palácio já lhe parecia uma prisão, com suas paredes grossas, quando Kareef ansiava pela liberdade ilimitada do deserto. Não conseguia se imaginar preso naquela gaiola dourada com a tortura adicional da companhia de Jasmine... sob sua proteção enquanto esperava para se casar com outro homem!

— Não — disse friamente — ela não pode ficar no palácio, é impossível.

Mas, enquanto Jasmine respirava aliviada, Umar comprimiu os lábios.

— Ela não pode ficar desacompanhada até nos casarmos, seria inadequado. Tenho de pensar nos meus filhos.

— Deixe-a com a família.

— Seria muito melhor se ela ficasse no palácio, meu rei.

Ah, então isso era sobre status. Os lábios de Kareef se dobraram com desdém.

— Para o bem de Jasmine — acrescentou Umar, com voz baixa. — Sua atenção fará muito para apagar o antigo escândalo. As pessoas esquecerão os rumores sob o peso de sua honra.

A testa de Kareef se franziu, indeciso, e Umar continuou:

— Meu rei, se lhe fiz alguma coisa de valor, imploro este favor. Coloque minha noiva sob sua proteção até a Copa de Qais, quando voltarei para me casar com ela.

Se tivesse feito alguma coisa de valor para Kareef?

Ajudara Kareef a levar prosperidade ao deserto. Convidara-o para ser o padrinho de dois de seus quatro filhos. E, principalmente, encontrara Kareef no deserto, meio louco e morrendo de sede treze anos atrás. Levara-o para casa, restaurara-lhe a saúde, salvara sua vida.

— Talvez... — disse Kareef, inseguro, e Umar se aproveitou.

— Sua mãe está no palácio, não está, majestade? Ela será uma excelente dama de companhia, se está preocupado com isto.

— Não — disse Jasmine suavemente, a voz um soluço. — Não farei isso.

Umar ignorou-a, os olhos em Kareef com esperança... quase desespero.

Se a noiva fosse qualquer outra mulher, Kareef teria concordado imediatamente, mas não esta mulher. Amaldiçoou o homem por não perceber o perigo. Mas é claro que não percebia, Umar não fazia idéia de que Kareef tirara a virgindade de Jasmine e causara o acidente no deserto treze anos atrás. Ninguém sabia que Kareef era o amante dela, seu parceiro no escândalo. Jasmine cuidara para que isso não acontecesse.

Ainda o odiava, podia ver nos olhos dela, mas não tinha escolha.

Lentamente, Kareef se ergueu e sua voz soou alta e autoritária no pavilhão branco.

— A partir deste momento e até o dia de seu casamento, Jasmine Kouri estará sob a minha proteção.

O murmúrio da multidão cresceu. Todos olharam assombrados para Jasmine, até mesmo seu velho pai. Se ele soubesse a verdade, pensou Kareef, atormentado. Acenando de alívio, Umar se virou para sair.

— Espere — exclamou Jasmine, segurando-lhe o pulso. — Ainda não sei o que aconteceu! Seus filhos estão doentes? E o bebê?

— As crianças estão bem. Mas não posso dizer mais nada. — Os olhos de Umar estavam estreitos e severos. — Se puder, ligarei para você; se não, eu a verei nas corridas, no dia do nosso casamento.

Então ele se foi e Kareef e Jasmine ficaram sozinhos à mesa principal, com duzentos pares de olhos sobre eles. Mantendo o rosto impassível, Kareef jogou o guardanapo sobre seu prato vazio e olhou, do jantar intocado, para o rosto abalado e triste de Jasmine.

— Terminou?

— Sim — sussurrou, como se estivesse tentando não chorar.

Ele estendeu a mão.

— Então vamos.

— Esqueça! Eu estive sob a minha própria proteção durante anos. Não preciso da sua.

Ele permaneceu com a mão estendida.

— Mesmo assim, você a tem.

— Irei para a casa da minha família.

— Seu noivo não quer.

— Umar Hajjar não é meu patrão.

— Não é?

— Ficarei num hotel.

Estava fazendo o possível para ser insolente, deixando claro que não o respeitava. Devia se sentir insultado, mas enquanto observava a língua rosada molhar os lábios, não pôde afastar os olhos da boca sensual que beijara há tantos anos. Parecia ter sido ontem. Seus lábios formigavam, lembrando-se dos dela.

Obrigou-se a desviar os olhos.

— Não encontrará um quarto vazio de hotel em qualquer lugar desta ilha, o mundo inteiro veio para a minha coroação — enrijeceu o queixo. — Mas não é esse o ponto.

— E qual é?

— Dei minha palavra a Hajjar e cumpro as minhas promessas.

— Cumpre? — Os olhos dela brilharam, desdenhosos. — É uma nova habilidade?

A raiva o tomou, mas segurou-a. Merecia o insulto e o receberia apenas de Jasmine, de nenhuma outra pessoa. Mesmo assim, venceria.

— Está com medo de ficar perto de mim?

— Medo de você? Por que teria?

— Então venha.

Com olhos estreitos de fúria, colocou a mão sobre a dele. Jamais resistira a uma provocação. Mas, no mesmo instante em que soube que vencera, sentiu o choque elétrico do toque dela. E percebeu que era ele que deveria ter medo.

Ele, Kareef Al'Ramiz, o príncipe do deserto e, em breve, o governante absoluto do reino de Qusay, devia ter medo do que faria quando ficasse sozinho com a mulher que desejava. Essa mulher que não poderia ter, a noiva de seu amigo. Jasmine não era uma mulher qualquer.

Era a única mulher.

 

O crepúsculo caía sobre as torres brilhantes e as espirais do palácio real. Construído sobre as ruínas de uma cidadela bizantina, o palácio fora modernizado no último século e podia ser visto a quilômetros de distância no Mediterrâneo, brilhando como uma joia.

Tão estranho estar de volta ao lugar onde crescera quando o pai fora o conselheiro favorito do velho rei, pensou Jasmine. Embora esta fosse a primeira vez que entrara nesta ala em particular, a mais antiga, onde viviam os criados.

Jasmine olhou através da janela suja para o jardim. O quarto era menor do que seu closet na cobertura em Park Avenue, mas tudo o que sentia era alívio por estar sozinha.

Seus joelhos ainda estavam fracos pelo choque quando ergueu a mala e a colocou em cima da cama estreita de solteiro. Quando Kareef a levara para a limusine, tivera medo que a carregasse diretamente para o quarto dele no palácio. Não sabia se seria capaz de resistir, embora o odiasse tanto.

Esse pensamento era apavorante. Depois de tantos anos, vira Kareef de novo, ouvira sua voz, sentira o seu toque.

De repente, o ar no quarto lhe pareceu abafado e apertou o controle do ar condicionado: sem resultados. Desistiu. Tentou abrir a janela, mas a vidraça não subia. Praguejando em voz alta, cobriu o rosto com as mãos.

Por que voltara ao palácio? Por que estava obedecendo às ordens de Umar? Sobrevivera sozinha na cidade de Nova York por treze anos, não queria, não precisava da proteção de Kareef!

Ou queria?

Contra a vontade, lembrou-se do toque da mão de Kareef na sua e se sentiu queimar, como se tivesse febre. Suando, tirou o vestido de chiffon, as meias e as sandálias. Em pé, apenas de calcinha e sutiã, sentiu-se aliviada.

Até ouvir a batida forte e a porta se abrir.

— Jasmine...

Kareef estava à porta e respirou profundamente quando a viu no meio do quarto, quase nua.

Com um grito abafado, ela agarrou o vestido no chão para se cobrir.

— O que está fazendo aqui?

Ele olhou-a, as mãos fechadas em punhos ao lado do corpo. Não vestia mais suas túnicas brancas e ricas, usava roupas casuais, uma camisa branca de mangas compridas e calça preta. Parecia mais devastador do que nunca, e o corpo enorme estava rijo.

— Quero... quero que venha jantar comigo.

— Então chame pelo interfone e me convide! — exclamou ela.

Uma criada passou pelo corredor, tentando não parecer muito interessada. Com a testa franzida, Kareef entrou no quarto e fechou a porta.

— Não pode entrar aqui! — disse escandalizada.

— Não posso deixar ninguém ver você assim.

— Ninguém? E você?

Erguendo uma sobrancelha negra, ele percorreu com os olhos lentamente todo o corpo dela.

— Já vi muito mais de você que isso.

Com o rosto em chamas, Jasmine realmente teve vontade de matá-lo!

— Não podemos ficar sozinhos num quarto fechado! Em algumas regiões do país, você seria obrigado a se casar comigo!

Ele deu uma risada baixa.

— Então é bom estarmos na cidade.

— Não ouse! Não percebe como os boatos podem se espalhar?

— Meus criados são de confiança.

— Como sabe?

— Um criado nos traiu, Jasmine, um. — Os olhos dele brilharam. — E eu o fiz pagar. Marwan...

— Não vou discutir com você! — Jasmine quase gritou, pegando um travesseiro da cama e erguendo-o sobre a cabeça. O vestido caiu ao chão, mas ela mal percebeu. A modéstia não tinha importância diante de sua fúria. — Apenas saia!

Ele olhou o corpo dela vestido com o sutiã e a calcinha de algodão branco. Jasmine sentiu o olhar lhe queimar a pele nua, desde a escapula, passando pelos seios, abaixando sobre o ventre, até as coxas. Sua boca ficou seca. Então, lentamente, o olhar dele encontrou o dela.

— Está me ameaçando com um travesseiro, Jasmine?

Como era trinta centímetros mais alto e quarenta quilos mais pesado do que ela, Jasmine percebeu como parecia ridícula, o que apenas aumentou sua raiva.

— Precisa de um pedido por escrito? Saia!

— Só quando concordar em se juntar a mim para o jantar.

Olhando para ele, sentiu a tensão pulsando no seu corpo. Na última vez que vira Kareef, ele acabara de fazer dezoito anos, o sobrinho mais velho do rei, esguio, alto e belo. Era a filha mais velha do conselheiro do rei, uma menina dedicada aos livros; ele, um ousado participante de corridas de cavalo com um coração vulnerável e dono de uma risada alegre.

Mas mudara; não era mais um menino, transformara-se num homem. Um homem perigoso. Os olhos azuis, então calorosos, eram agora impiedosos; a antiga expressão vibrante do rosto bonito, áspero, tornara-se rigidamente controlada. Sua estrutura magra ganhara força. Até os músculos do seu corpo o proclamavam como um rei. Provavelmente poderia pegar um homem como Umar e jogá-lo no ar como se fosse uma lança. Jamais vira um homem com ombros como os de Kareef.

Mas a maior mudança era a severidade sombria do olhar. Podia sentir o guerreiro frio escondido sob a pele bronzeada. Tinha apenas um leve verniz de civilização. Esse perigo velado a atraía... e amedrontava.

Não importa, disse a si mesma desesperadamente. Em alguns dias se tornaria a esposa de Umar e não precisaria ver Kareef novamente. Se apenas conseguisse chegar ao casamento...

— Então, vai jantar comigo? — perguntou ele, frio.

— Não estou com fome.

— Venha de qualquer maneira, temos algo a... discutir.

— Não, não temos.

— Preciso dizer o que é?

Não, sabia exatamente do que ele estava falando. Dissera a si mesma muitas vezes que não importava, que eram apenas algumas palavras sussurradas entre beijos.

O travesseiro caiu e ela se abraçou.

— E apenas o passado.

— O passado está sempre conosco. — Pelo canto do olho, Jasmine o viu dar um passo em direção a ela — sabe que não pode se casar com ele.

Oh, meu Deus, Kareef ia tocá-la! Se o fizesse... se estendesse a mão e tomasse a dela... temia pelo modo como seu corpo reagiria. Apenas a raiva mantinha suas mãos em torno da própria cintura e uma parte selvagem de si mesma queria acariciar aqueles cachos escuros, a rigidez do queixo, tocar os músculos firmes e descobrir o homem que se tornara...

Ergueu a mão, mantendo-o distante.

— Está bem! — exclamou. — Aceitarei jantar com você se for embora!

Os olhos azuis seguraram os dela.

— Será um jantar simples e calmo.

— Certo. — Não acreditou nem por um segundo. Jamais vira um rei Al'Ramiz jantar com menos de cinqüenta convidados e dez pratos de carne e peixe, além de frutas.

— No salão azul. — Olhou-a lentamente e ela sentiu uma onda de calor enquanto o olhar do rei percorria sua pele nua. — Dez minutos.

O salão azul? Agora sabia que estava mentindo. O salão azul era destinado a receber chefes de estado! Mas deixaria para se preocupar mais tarde, quando não estivesse nua e confinada num espaço tão pequeno! Sem pensar, deixou o olhar cair sobre a cama estreita entre eles.

Ele lhe seguiu o olhar.

De repente, o coração de Jasmine batia tão alto que quase podia ouvi-lo. Então, ele se virou para a porta.

— Vejo você no jantar.

— Sim. — Subitamente podia respirar de novo. Ele parou, o corpo grande preenchendo a entrada.

— E bom ver você, Jasmine. — Então saiu e fechou a porta.

Bom vê-la?

Assim que ele saiu, Jasmine procurou algo freneticamente na mala mas não encontrou nada para vestir. Ergueu o vestido de chiffon amarrotado e descobriu que tinha uma mancha no corpete.

Por que Kareef estava fazendo isso com ela? Por que não podia apenas esquecer o passado?

"Você sabe que não pode se casar com ele."

Ela respirou fundo. Partilhariam uma refeição, ele diria algumas palavras e tudo terminaria. Poderiam continuar com suas vidas.

Pegou um vestido branco e simples de verão, fresco e bonito, com um decote modesto. Não era adequado para um banquete com o rei e cinqüenta convidados no salão azul, mas teria de servir. Calçou sandálias e colocou um fio de pérolas. Tudo simples e suave, e dela. Não escolhido para ela por Umar numa butique de grife.

Penteou os longos cabelos e se olhou no espelho, para seus olhos castanhos e perplexos. Parecia jovem e insegura, nada como a mulher poderosa em que se transformara em Nova York. Estar perto de Kareef tornara-a vulnerável de novo, como se ainda tivesse dezesseis anos.

Deixou o quarto e seguiu para a ala leste. Os corredores estavam estranhamente quietos, mas passou por duas mulheres a caminho do salão azul... a Sheikha, mãe de Kareef, e sua acompanhante muito mais jovem. Sheikha viu Jasmine e seu rosto enrugado e suave se iluminou num sorriso vago, benevolente. Provavelmente não se lembrava de quem era. Jasmine fez uma reverência profunda.

Quando se ergueu, viu a acompanhante da Sheikha sorrindo para ela. Era Sera, sua amiga de infância! Mas a Sheikha estava com pressa e Sera só teve tempo para sussurrar:

— Que bom que você voltou! — Antes de correr para seguir sua empregadora.

Um sorriso surpreso iluminou o rosto de Jasmine enquanto olhava a amiga. Será que ainda se lembrava dela depois de tantos anos? Sentiu uma onda de felicidade, então se virou e caminhou apressadamente pelo corredor.

O palácio parecia estranhamente silencioso, quase desolado. O banquete teria sido cancelado? Estava atrasada?

Respirando fundo, Jasmine abriu as portas duplas.

A grande mesa de jantar, onde podiam se sentar 48 pessoas, estava iluminada por velas longas. Apenas uma pessoa estava lá.

— Jasmine. — Kareef se ergueu com uma reverência rápida, formal e se moveu para puxar a cadeira ao lado da dele. — Por favor, sente-se.

Chocada, ela olhou para a direita e a esquerda.

— Onde estão todos?

— Não há mais ninguém.

— Oh.

— Eu lhe disse: simples e calmo.

Iria jantar com Kareef... sozinha! Sentindo-se num sonho surreal, dirigiu-se para a mesa. As velas bruxuleantes jogavam luzes e sombras sobre as paredes pintadas de branco e azul-claro do enorme salão. Ela se sentou e ele empurrou a cadeira ligeiramente para a frente. Como se estivessem num encontro.

Não... não podia pensar assim! Isso era o contrário de um encontro!

Kareef se sentou ao lado dela, então acenou regiamente para os dois criados que surgiram das sombras e tiraram as tampas das travessas para lhes servir o jantar delicado de salada fria, pepinos, frutas, pão e queijos. Abriram uma garrafa de água mineral e, em seguida, uma de vinho francês. Depois, recuaram com uma reverência e desapareceram, fechando as portas suavemente.

Estavam sozinhos, sentiu Jasmine, molhando os lábios, nervosa.

— O que é tudo isso?

Kareef serviu-lhe uma taça de vinho.

— Você não comeu no jantar de noivado, deve estar com fome — dizendo isso, seus lábios sensuais se moveram de leve. — Não permito que ninguém, sob minha proteção, sinta fome.

Ela o observou, percebendo como a luz das velas lançava sombras sobre a atordoante beleza masculina. Ele a olhou e os olhos azuis penetraram os dela.

— Está?

— Estou... o quê? — gaguejou Jasmine.

— Está... com... fome — disse ele, com deliberada lentidão, e ela notou que olhava os lábios dele, lembrando-se da última vez que a beijara. Há tanto tempo... ou não? Parecia ter sido ontem, e todos os longos anos desde então eram apenas um sonho.

— Jasmine.

Inspirando profundamente, ela ergueu os olhos.

— Faminta — sussurrou.

Ele sorriu e indicou o prato dela.

— Uma das poucas vantagens de ser um rei — disse ele — é ter um chef de categoria mundial à minha disposição. Muito longe do que estou acostumado em Qais.

Ela provou uma garfada e percebeu que realmente estava delicioso e que na verdade estava mesmo faminta.

Mas, enquanto comia, não conseguia afastar os olhos do rosto de Kareef.

Oh, isso era perigoso, não podia confiar nele. Ele a traíra, a arruinara! Mas seu corpo parecia não se importar. Cada vez que a olhava, tremia por dentro.

Colocou o garfo sobre a mesa.

— Kareef, não quero estar aqui tanto quanto você não me quer aqui. Assim, se fizer o que precisa ser feito...

— Mais tarde, — interrompeu ele, empurrando uma taça de vinho a ela — temos a noite toda.

A noite toda. Tremendo, tomou um gole de vinho e limpou os lábios com o guardanapo.

— Mas, com a coroação a apenas alguns dias — gaguejou — você deve estar com o tempo todo tomado. Ouvi dizer que as autoridades municipais mandaram soltar fogos de artifício esta noite em sua homenagem...

— Nada é mais importante... — ele lhe encheu a taça de novo — do que isto.

Que razão ele tinha para dizer aquilo? Sem saída, Jasmine tomou outro gole de vinho e o silêncio tomou conta do salão enquanto comiam. Ele olhou para o enorme diamante do anel, pesado demais para a mão delicada.

— Uma joia cara, mesmo para um bilionário — disse ele. — Hajjar lhe atribui um grande valor.

Jasmine ruborizou.

— Não estou me casando com ele por dinheiro, se é isso o que pensa.

Alguma coisa parecida com um sorriso suavizou um pouco o rosto de Kareef.

— Não, sei que não está.

O que aquele sorriso escondia? Alguma brincadeira particular? Uma vez, conhecera-o tão bem, o menino que amara não podia esconder nada dela. Mas não conhecia tão bem este homem.

Observou-o tomar um gole do vinho. Havia alguma coisa muito sensual em olhar os lábios dele na taça de cristal, a língua provando o Bordeaux vermelho. Quase podia sentir aqueles lábios, aquela língua, em seu corpo.

Não! Ordenou a si mesma, pare com isso!

Mas cada centímetro de sua pele ardia com a consciência de que estava sentada ao lado do único homem que já amara. O único homem que já odiara.

— Você gosta de Nova York? — ele perguntou, saboreando um pedaço de fruta.

— Sim — disse ela, observando os dentes brancos cortarem a maçã. — Gostava.

— Mas está ansiosa para sair de lá.

— Senti falta de Qusay, da minha família.

— Mas deve ter muitos amigos em Nova York.

Havia alguma coisa estranha no tom dele. Olhou de novo.

— E claro.

O tom era leve, embora a mão segurasse com força a haste da taça.

— Uma cidade tão excitante. Deve ter se divertido com a vida noturna com muitos amigos... ardentes.

Seria uma forma indireta de lhe perguntar se tivera amantes? Tomou outro gole de vinho. Não lhe contaria que fora seu único amante. Seria patético admitir que passara os melhores anos de sua vida sozinha, sonhando com ele. Especialmente porque sabia que a substituíra no momento em que a deixara. Não daria a Kareef a satisfação de saber que ele não fora apenas seu primeiro... mas seu único!

Comendo um pouco da salada deliciosa, mudou deliberadamente de assunto.

— Como é sua casa?

Ele rosnou.

— O palácio? Não mudou nada, uma prisão rica e luxuosa.

— Quero dizer sua casa no deserto, em Qais.

Tomando outro gole de vinho, ele deu de ombros.

— Confortável, com alguns criados que cuidam basicamente dos cavalos. Gosto de cuidar de mim mesmo, não suporto pessoas me cercando.

Ela quase riu.

— Você deve adorar ser rei.

— Não — a voz era sem expressão —, mas é meu dever.

Dever, pensou ela com uma súbita fúria. Onde estava o senso de dever dele treze anos atrás, quando precisara dele tão desesperadamente e a abandonara?

A raiva pulsava, fazendo suas mãos tremerem quando segurou o garfo e a faca. Mas não era apenas raiva, ela percebeu, era também perplexidade e dor. Como pudera fazer aquilo com ela, como? Largou os talheres e deixou as mãos no colo, piscando com força e virando a cabeça para o lado.

— Jasmine, o que é?

— Nada — disse, rouca; morreria antes de deixar Kareef Al'Ramiz vê-la chorar. Aprendera a ser forte, não tivera escolha. — Apenas me lembrei que uma vez você sonhou com uma casa no deserto e agora a tem.

— Sim — a voz dele ficou subitamente áspera — e serei seu vizinho. Minha casa fica a apenas trinta quilômetros da propriedade de Umar Hajjar.

Ela se virou ao ouvir o nome do noivo. Oh Deus, como pudera já ter esquecido Umar? Era uma mulher comprometida, não podia ficar olhando assim para a boca de outro homem!

Mas não conseguia parar. Não quando esse homem era Kareef, o único homem que amara. O único com quem fizera amor e, até ontem, o único homem que beijara.

Umar a beijara pela primeira vez depois que aceitara seu pedido de casamento. Fora apenas uma forma de selar o compromisso e ele não parecia particularmente apressado em levá-la para a cama, exatamente o que Jasmine queria. O casamento deles era baseado em alguma coisa muito mais importante: a família. E não teria apenas sua família de volta, seus pais e irmãs. Finalmente seria mãe e ajudaria a criar os quatro filhos dele, com idades entre dois e quatorze anos.

— Você conhece os filhos dele?

— Sim, sou padrinho dos dois mais velhos... Fadi e Bishr. São boas crianças, respeitosas.

Respeitosas? Não lhe pareceram assim quando os conhecera no ano anterior em Nova York... pelo menos, não demonstraram respeito por ela. Os quatro meninos olharam-na como se fosse uma inimiga, segurando-se no pai e na babá francesa, Léa. Suspirou. Não podia culpá-los, a mãe acabara de morrer.

— Espero que estejam bem — sussurrou — encontrei-me com eles apenas uma vez. Pobres crianças, sofreram muito, especialmente o bebê — disse ela, desviando o olhar.

— Eles precisam de uma mãe — disse Kareef suavemente. — Você será boa para eles, Jasmine.

Olhou-o, a respiração presa, enquanto ele se debruçava, o olhar intenso. Já estava tão perto, os joelhos a alguns centímetros dos dela.

— Obrigada — disse ela suavemente.

A tristeza lhe tomou o coração com as lembranças silenciosas entre os dois.

Não sabia que ela estava grávida, milorde? A voz do médico ecoou em sua mente, naquela caverna escura há tanto tempo. Ela viverá, mas jamais conceberá de novo...

Jasmine deixou cair o garfo, que bateu com força no prato. Cerrando as mãos com força, tentou se livrar das lembranças terríveis.

— Você sempre quis filhos — disse Kareef, com o queixo rígido. — E, agora, vai se casar com Umar Hajjar. Um excelente casamento sob qualquer aspecto. Seu pai deve estar orgulhoso.

— Sim, agora — sussurrou. — Ele jamais se orgulhou do meu sucesso em Nova York. Até recusou o dinheiro que tentei mandar para a família, quando a fortuna dele desapareceu e a minha cresceu. — Ergueu o olhar. — Mas sempre acreditei que, em algum pequeno canto do seu coração ele quis me perdoar. Meu sucesso se deve, em grande parte, a ele!

Kareef se mexeu na cadeira enquanto ela continuava.

— Quando cheguei a Nova York, com dezesseis anos, não tinha nada. Minha única amiga era uma tia-avó idosa e doente. Não só doente... morrendo, num apartamento infestado por ratos.

— Eu soube — disse ele, calmo — depois.

Ela entrecerrou os olhos, sentindo uma onda de amargura.

— Trabalhei em três empregos para nos sustentar. Então, sem aviso, um mês antes de ela morrer, recebi um cheque do meu pai de cinqüenta mil dólares, e isso nos salvou. Investi cada centavo e, gradualmente, o dinheiro aumentou mais; se não fosse por ele, poderia ainda estar trabalhando dezesseis horas por dia como faxineira.

Ele pegou a taça e tomou um gole de vinho. Jasmine franziu a testa.

— Mas hoje, quando tentei agradecer ao meu pai pelo dinheiro, ele disse que não sabia do que eu estava falando.

Kareef olhou para o vinho cor de rubi, rodando a taça gentilmente.

E, de repente, ela soube.

— Meu pai jamais mandou aquele dinheiro, mandou?

Ele não respondeu.

— Foi você — sussurrou — você me mandou aquele dinheiro dez anos atrás, não foi meu pai.

Ele comprimiu os lábios e fez um aceno rápido com a cabeça.

— A carta dizia que era do meu pai.

— Achei que não aceitaria de mim.

— Está certo!

— Então menti.

— Você... mentiu. Apenas isso?

— Pretendia lhe mandar mais a cada ano, mas você não precisou. — Havia orgulho na voz de Kareef quando olhou para ela. — Você transformou aquela pequena quantia numa fortuna.

— Por que fez isto, Kareef?

— Não sabe?

Ela balançou a cabeça.

Estendendo o braço, ele lhe segurou a mão, virou-a e beijou a palma. A carícia dos lábios dele em sua pele provocou tremor como uma corrente elétrica. Ele a olhou, os olhos azuis infinitos, como o mar à luz bruxuleante.

— Porque você é minha esposa, Jasmine.

O silêncio encheu o salão, rompido pelo estrondo súbito de fogos de artifício. Ela retirou a mão da dele.

— Não, não sou!

— Você disse as palavras e eu também.

— Não foi legal, não houve testemunhas.

— Não tem importância, não de acordo com as leis de Qais.

— Jamais seria aceito nos tribunais civis de Qusay.

— Somos casados.

Através das altas janelas arqueadas, ela viu os fogos de artifício iluminando o céu noturno.

— Abandono pode ser considerado causa para um divórcio...

— Seu abandono ou o meu?

— Fui forçada a deixar Qusay! Nunca foi da minha vontade!

— Também tive motivos para deixá-la. É, certo.

Os olhos dela brilharam.

— Éramos pouco mais do que crianças, não sabíamos o que estávamos fazendo.

Enquanto as explosões continuavam como trovões, ele se debruçou e lhe acariciou o rosto.

— Eu sabia — disse a voz baixa. — E você também.

A tensão mudou, impregnada da consciência mútua que os envolvia. O rosto dela formigava onde a acariciava. O olhar baixou até a boca de Jasmine e ela sentiu o corpo enrijecer. Os seios ficaram doloridos de repente, e os mamilos, duros de anseio. Não!

— Se estamos casados — falou, engasgada. — Diga as palavras para terminar o nosso casamento. Tudo com que me importo agora... é minha família.

— E quanto a você? — perguntou, tomando-lhe o rosto nas mãos fortes. — O que quer para si mesma?

Queria que a beijasse. Queria com todas as forças do seu ser. Mas não permitiria que este desejo insano destruísse a vida que finalmente estava ao seu alcance, a vida familiar pela qual ansiara. Ergueu as pálpebras pesadas para olhar para ele através dos longos cílios.

— Quero um lar, uma família. Quero um marido e filhos meus.

Uma explosão no céu reverberou no salão. Kareef encarou-a, os olhos subitamente escuros como o céu da meia-noite. Tirou as mãos do rosto dela.

— Umar Hajjar ama seus filhos, seus cavalos e seu dinheiro... nessa ordem — disse, áspero. — Como esposa dele, você ocupará o quarto lugar.

— Ele valoriza as ligações que tenho na América. Acredita que serei uma esposa perfeita... a anfitriã perfeita. É o bastante.

— Não é o bastante para ele.

— O que mais ele pode querer de mim?

Olhou-a demoradamente.

— Você é uma linda mulher — disse, rouco. — Nenhum homem é capaz de resistir a você.

Ela o olhou por um longo momento, então virou o rosto, escondendo-se dele.

— Não é verdade — a voz era quase inaudível — um homem não teve dificuldade para resistir a mim, Kareef. — Voltou o olhar para ele. — Você.

Ele lhe agarrou o pulso sobre a mesa, os dedos apertando-a.

— Acha que não a quero?

A voz era perigosa, baixa, e ela sentiu a tensão crescer entre eles, percorrer-lhe o corpo, despertar cada nervo, acelerar a batida do coração. Kareef se inclinou para ela e Jasmine sentiu seu cheiro masculino, misturado ao de vinho e temperos. O corpo de Kareef, com toda a sua força e poder, estava tão perto dela. Ela ansiava por debruçar-se sobre a mesa, perder tudo num momento de doce loucura e pressionar a boca contra a dele...

Outra explosão abalou o silêncio e rompeu o feitiço, fazendo-a compreender que estava prestes a fazer uma coisa imperdoável. Erguendo-se, afastou-se da mesa.

— Divorcie-se de mim. Se algum dia se importou comigo, Kareef, se algum dia fui mais do que um corpo quente na sua cama... divorcie-se de mim esta noite.

Ele a olhou, o queixo rijo, então balançou a cabeça. Lágrimas encheram os olhos de Jasmine e ela lutou para impedi-las de cair com todas as suas forças.

— Seu maldito, seu maldito de coração gelado. Sei há muitos anos que não tem coração, mas nunca pensei que pudesse... nunca pensei que fizesse...

Mas as lágrimas estavam começando a cair e ela se virou antes que ele pudesse vê-las, então correu para as portas, abriu-as e deixou-as bater com força na parede enquanto corria pelo corredor.

— Jasmine! Pare!

Mas ela não obedeceu, apenas continuou a correr.

Os fogos de artifício explodiam do lado de fora enquanto corria e passava pela dobra do corredor onde vira Kareef pela primeira vez; onde, literalmente, o atropelara enquanto escorregava de meias pelo piso, brincando com as irmãs. Quando virou depressa demais, ele lhe segurou as mãos, impedindo que ela caísse. Os olhos azuis sorriam para Jasmine com o calor do sol de primavera e ela o amou desde aquele primeiro dia.

Agora, depois de treze anos tentando esquecer a existência de Kareef, este único dia trouxera tudo de volta, dez vezes mais intenso. Uma só palavra naquela voz profunda, uma só visão daquele belo rosto aprisionara de novo a alma de Jasmine.

Correndo, abriu a primeira porta à esquerda e desceu a escada para o pátio. Escondida pela escuridão, Jasmine arquejou, tentando respirar o ar quente do deserto. Ficou sob as palmeiras do jardim, ao lado da fonte onde a água brilhava sob a luz da lua e abraçou-se. Não se permitiria chorar, não se permitiria cair.

Porque, desta vez, se caísse, não haveria um príncipe para segurá-la.

 

Kareef ficou imóvel, em choque, enquanto Jasmine fugia do salão de jantar. Pensava que não a queria? Não conhecia seu poder?

Quando as portas bateram na parede, ele despertou da imobilidade, levantou-se e correu atrás dela. Viu-a desaparecer por uma porta de madeira no corredor. A porta para o jardim régio, onde apenas a família do rei poderia entrar. Seguiu-a até lá.

Parou ao pé da escada, virando o rosto para o céu noturno. Ouviu uma coruja piar ao longe, sentiu o vento quente do deserto lhe abrindo a camisa branca.

Estava na caçada. Não se sentia mais um rei, preso pelas restrições do dever e da aparência. De repente, sentiu-se selvagem, indomado. Pela primeira vez, desde que voltara ao palácio em Shafar, sentiu-se ele mesmo novamente.

Não, há muito mais tempo não se sentia ele mesmo.

Onde estava ela? Olhou à direita e à esquerda, procurando entre as sombras escuras das árvores e as fontes brilhantes de água como um falcão em busca da presa.

Teria desaparecido na noite? Existiria realmente fora de seus sonhos?

O luar lançava um brilho prateado sobre as palmas em movimento. Podia ouvir o vento nas folhas, o borbulhar da água na fonte. A distância, as ondas do Mediterrâneo batiam nos recifes.

Os fogos de artifício explodiam em forma de flores e estrelas no céu... a homenagem das autoridades de Shafar à sua coroação. Devia estar agradecendo a elas, em vez de perseguir este fantasma do passado... esta mulher que se entregara livremente a outro homem. Mas ainda não, ainda era dele. Ainda era dele.

Viu um rápido brilho branco, o corpo esguio do outro lado do jardim, uma sombra na escuridão. O luar brilhava nos cabelos de ônix, destacando o leve vestido branco. Era uma criatura de sedução, da magia da noite, iluminando-a como a fantasia de um homem.

Jasmine.

Há quanto tempo estava faminto por ela, sedento por ela, como um homem cruzando oceanos de areia quente?

Ficou imóvel, observando-a ao luar. Com medo de respirar e fazer essa imagem de sonho desaparecer.

Sua expressão endureceu enquanto se movia. Anos demais de fome, anos demais de desejo negado. Ela queria sua liberdade e ele a concederia, mas não ainda.

Esta noite, ainda era dele. Por esta noite, ainda era dele para possuir.

Quando a alcançou, viu os longos cabelos lhe cobrindo os ombros nus, ombros que se sacudiam com soluços silenciosos. Um galho se partiu na grama sob seu pé quando parou de repente.

Ela não se virou, mas Kareef percebeu que ela sabia que ele estava lá quando os ombros dela endureceram.

— Sei que não devia estar aqui — a voz era abafada, trêmula — veio para me expulsar?

Segurando-lhe o ombro, ele a fez se virar para ele.

— Este jardim é proibido a todos, menos à família real.

— Eu sei...

— E você é minha esposa.

Ela ergueu os olhos para ele com um arquejo. Os olhos eram imensos e escuros, as lágrimas brilhavam ao luar como poços sem fundo.

— Mas não posso ser, você é o rei e eu tenho que me casar...

— Eu sei — os olhos buscaram os dela. — Eu lhe darei o divórcio, Jasmine.

— Dará?

— Sim — a voz era um sussurro — mas não agora.

— O que quer de mim?

A mão apertou o ombro nu de Jasmine. O que ele queria? Queria lhe arrancar o vestido leve e deitá-la debaixo dele na grama úmida e fria. Queria fechar os olhos e senti-la toda em suas mãos, sentir a batida de seu coração e o calor de sua pele. Queria beijá-la até ela perder os sentidos, lamber e sugar cada centímetro de seu corpo nu, desde aquele pescoço esguio e delicado até os seios cheios, descer para a cintura fina e para a expansão macia dos quadris.

Queria mergulhar a língua em cada reentrância do corpo dela, saborear e morder cada curva deliciosa. Sentir a doçura de sua pele até não suportar mais, enquanto mergulhava com tanta força e tão completamente nela que jamais conseguiria se libertar de novo.

Parte dele, a parte civilizada, sabia que era errado. Jasmine era noiva de outro homem e estava sob sua proteção. Mas, enquanto a segurava nos braços, Kareef não era mais um homem civilizado.

— Você — rosnou. — Quero você.

— Não — arquejou, os olhos brilhantes de medo. — Não podemos!

Sentiu nela o cheiro de especiarias, laranja e alguma coisa que era unicamente ela, o calor embriagante da pele feminina, misturado ao perfume de jasmim, e não se deu ao trabalho de responder. Apenas abaixou a cabeça para beijá-la.

Ofegante, Jasmine virou a cabeça em direção às sombras das árvores. Ele lhe segurou o rosto.

— Olhe para mim, Jasmine.

Ela se recusou, teimosa.

— Olhe para mim! — Mergulhou as mãos no cabelo dela e a obrigou a obedecer. Ele lhe ergueu o queixo, abaixando o olhar até ela. — Você é minha esposa, não pode negar o que ambos desejamos.

Ela respirou fundo e fechou os olhos. O lugar iluminou a trilha de lágrimas que lhe descia pela pele branca.

— Não... — sussurrou, estremecendo nas mãos dele. — Não posso negar o que você diz.

Sentiu-a se render, sentiu-se vitorioso. As mãos calejadas acariciaram-lhe o braço nu, a pele suave, tão suave sob os seus dedos. Apenas tocar-lhe o rosto, inspirar seu doce perfume, incendiou-lhe o sangue. Percebeu o tremor no corpo dela ao seu toque.

Kareef era rei absoluto da terra, mas sempre houvera algo além de seu controle, algo mais poderoso que sua própria força.

Seu desejo por Jasmine.

Jasmine fazia seu sangue ferver de anseio. A lembrança dela o deixara meio louco de desejo insatisfeito por treze longos anos.

E agora... agora estava nos braços dele.

O olhar percorreu o lindo rosto de Jasmine e Kareef estremeceu de anseio. Segurando-a contra o corpo, tomou-lhe o queixo na mão e, abaixando a cabeça, beijou-lhe as pálpebras fechadas com um leve roçar dos lábios. Então, com uma fome que mal conseguia controlar, abaixou lentamente a boca para a dela. Parou a milímetros dos lábios de Jasmine, então beijou-a vorazmente, esmagando-lhe os lábios com os dele.

Jasmine arquejou quando a beijou. O prazer sombrio daquele abraço ficava além de qualquer fantasia das infinitas noites solitárias do passado. Quando os lábios dele tomaram os dela, sentiu-se mergulhar sob as ondas do anseio; embora soubesse que era errado, deixou-se afogar no desejo.

Kareef, seu amante, seu marido. Não podia resistir a ele, não podia se negar a ele. Corpo e alma eram dele, e se sentiu mergulhar cada vez mais profundamente na paixão avassaladora daquele beijo selvagem.

Os lábios dele saquearam os dela com poder e habilidade. Quando a língua lhe penetrou a boca, acariciando-a, Jasmine amoleceu nos braços dele, trêmula com o desejo explosivo. Os joelhos se dobraram, mas todo o resto do corpo endureceu. Os mamilos enrijeceram, doloridos, os seios doíam, pesados. As terminações nervosas se incendiaram e enrodilharam no baixo ventre. Estava sem fôlego, impotente de desejo. Ele a possuía como nenhum homem jamais conseguira.

Então o beijo mudou sutilmente, tornou-se gentil, e Jasmine não estava mais apenas se submetendo ao poder dele, estava retribuindo. A boca sensual se movia contra a dela numa dança lânguida e cada parte do corpo sob o vestido leve se incendiou onde o corpo dele a tocava. Era frágil contra a rigidez do peito e os músculos das coxas de Kareef que apertavam-na. Segurava-a tão forte que não sabia mais onde ela terminava e ele começava, e percebeu que havia enlaçado o pescoço do futuro rei com os braços.

Um gemido suave nasceu profundamente dentro dela, um arquejo buscando ar. A cabeça se dobrou para trás, expondo o pescoço longo, onde Kareef imprimiu pequenos e intensos beijos, acendendo-lhe fagulhas de prazer em todo o corpo. As mãos dele percorriam todas as curvas enquanto sussurrava palavras de amor no antigo dialeto de Qais, calando-se apenas quando tomou a macia carne do lóbulo feminino na boca.

As mãos se moveram nos braços nus, empalmando os seios que se esticavam sob o tecido, ansiosos. Há quanto tempo ansiara por isso? Há quanto tempo dizia a si mesma que jamais se sentiria assim de novo... que, aos 29 nove anos de idade, era velha demais, usada demais, entorpecida demais para sentir de novo um prazer assim? Há quanto tempo dizia a si mesma que precisava aceitar ser apenas útil, ganhar dinheiro, tentar ser uma boa filha, uma boa irmã e uma boa esposa?

Com as mãos nos cabelos de Jasmine, Kareef sussurrava palavras antigas de anseio e ternura contra a sua pele. Ela mal percebia que, em torno deles, o luar passava pelas palmas que balançavam ao vento, que havia estrelas espalhadas na noite violeta. Estavam mergulhados um no outro, conscientes apenas um do outro.

Kareef, o único que conseguira fazê-la sentir um prazer tão explosivo, o único que a fazia sentir que a noite era mágica e a vida, tão infinita como as estrelas.

Jasmine abriu os olhos e viu o rosto de Kareef, tão perto do dela. Viu as pequenas rugas junto aos olhos, a maneira como os ombros haviam se alargado com músculos. Atingira seu crescimento pleno com uma postura de guerreiro e poder brutal. Mas seu sorriso não mudara, sua voz não se alterara.

Seu beijo não mudara.

Quando abaixara a boca sobre ela, cada centímetro da sua pele despertou, como se houvesse uma atração magnética entre eles. Puxando-os um ao outro, separando-os.

Todo o resto em sua vida mudara, mas, de alguma forma, naquele abraço, o tempo havia parado. Ela tinha dezesseis anos de novo, amavam-se, tinham esperança no futuro.

Este era o mais perigoso dos sentimentos. Estremeceu e, com toda a força, empurrou-o.

— Não posso — engasgou. — Lamento.

— Lamenta? — A voz de Kareef era pouco mais que um grunhido na escuridão. —A culpa é minha, eu a quis antes. — Estendendo a mão, acariciou-lhe o rosto e sussurrou: — E eu a quero agora.

O timbre baixo da voz, áspero e profundo, causou um terremoto em Jasmine, partindo-a em mil pedaços. Fechou os olhos quando sentiu as pontas dos dedos calejadas lhe acariciando o rosto, o polegar escorregando para o sensível lábio inferior. A boca se abriu, o corpo doeu, dos mamilos ao ventre.

— Farei de você uma esposa, Jasmine — sussurrou, acariciando-lhe o rosto. — Farei de você uma mãe.

Os olhos dela se abriram. Ele a olhava com intensidade, o rosto tão belo que ela perdeu o fôlego. Como adolescentes, tiveram muitos encontros secretos neste jardim, há tanto tempo, em outra vida. Mas aqui, no calor da noite no deserto, com a brisa lhes levando o gosto do sal do mar, tudo parecia possível.

— O que quer dizer? — perguntou em choque, estudando-lhe os olhos.

— Se Umar Hajjar é o homem com quem quer se casar, não a impedirei. Eu mesmo a entregarei a Hajjar no casamento.

Um nó de dor se fechou em sua garganta.

— Oh, entregará?

Os lábios sensuais se abriram num meio sorriso, as pálpebras pesadas de desejo.

— Mas não ainda. — Jasmine estremeceu.

A distância, ouviu um criado chamar o rei. Tentou se afastar.

— Tenho que ir.

O celular dele começou a tocar. Mesmo ali, naquele jardim proibido, não estavam completamente sozinhos. Mas ele o ignorou e, quando ela tentou se libertar, apertou-lhe as mãos.

— Venha comigo para onde ninguém poderá nos alcançar. Venha comigo para o deserto.

Ela balançou a cabeça, desesperada.

— Não tenho motivo para ir a lugar algum com você!

Ele a puxou contra o peito, olhando-a. O rosto estava a centímetros do dela e, subitamente, Jasmine não conseguiu respirar.

— Tem certeza? — A voz era baixa. — Nenhuma razão para ficar sozinha comigo?

— Sim — ela mal sabia o que dizia. — Não.

— Não vai dizer que está com medo. Aterrorizada seria a palavra mais certa, mas não admitiria isso nem em um milhão de anos.

— Não tenho medo de você, jamais tive medo de você.

— Então não há motivo para recusar; partiremos amanhã.

Quando a tocou, Jasmine teve dificuldade para se concentrar.

— Por que... por que me levaria para o deserto?

Ele sorriu.

— Você está sob a minha... proteção e a levarei como meu dever.

Olhou o sorriso sensual. Como podia ser tão cruel? Não percebia como o desejo a atormentava? Não, como poderia? Certamente havia uma nova mulher em sua cama todas as noites.

Enquanto a acariciava, ergueu para ele o olhar atormentado.

— Não, não vou.

— Não posso me divorciar de você a menos que vá para o deserto comigo — disse ele, com os olhos nos dela. — Sua joia está lá.

A esmeralda. É claro que precisavam dela para o divórcio.

E pensar que imaginara que a levaria para o deserto para seduzi-la. Ridículo. Mesmo se Kareef a quisesse, não a levaria numa longa jornada pelo país apenas para seduzir a mulher que abandonara há tantos anos. Não quando metade das mulheres da cidade estava ansiosa para que o novo rei provasse seus encantos!

Realmente perdera a cabeça ao imaginar que seria especial para ele. Mas, mesmo assim, a idéia de ficar sozinha com Kareef a amedrontava.

—Você tem tantos deveres diplomáticos aqui, até a sua coroação. Certamente pode mandar alguém buscá-la.

— Há algumas coisas que um homem prefere fazer ele mesmo — disse ele, a voz calma. — Mesmo se for um rei. E vou levar você comigo.

— Está... está bem.

Não podia deixar que nada pusesse em dúvida a legalidade de seu casamento com Umar. Uma risada ligeiramente histérica lhe escapou. Podia imaginar a expressão do pai se soubesse que era casada com o rei!

— De que está rindo?

— Estava imaginando a expressão do meu pai se lhe contasse que sou casada há treze anos. Acha que assim ele me consideraria respeitável?

Kareef pausou, então riu com ela, um barítono profundo, os olhos brilhantes.

— E Hajjar encontraria um jeito de incorporar o brasão real em sua bandeira, ou pelo menos em seus cartões pessoais.

Por um momento, os dois sorriram um para o outro, então o sorriso de Jasmine desapareceu.

— Mas ninguém pode saber que sou sua mulher.

— Por quê?

— Não pode haver escândalo ligado ao nome do novo rei. Não depois da tristeza da morte de seu tio e o choque da abdicação de seu primo. O povo de Qusay passou por sofrimentos suficientes nas últimas semanas, não precisa de mais. E você precisa pensar na sua noiva.

— Minha noiva? Que noiva?

— A noiva que logo terá. Como rei, é seu dever.

Ele cerrou o queixo, olhando-a.

— Uma princesa real, com uma reputação perfeita. — Ele desviou o olhar.

— Uma bela virgem para lhe dar filhos — continuou ela, mergulhando profundamente na própria infelicidade — para ser sua rainha e lhe dar herdeiros. Você se casará com ela, que lhe dará bebês rechonchudos de olhos azuis e todo o país se regozijará.

Ele fez um movimento brusco com a cabeça e fixou nela seus olhos brilhantes à luz do luar.

— Sim, Jasmine. É isso que quer ouvir? Sim, preciso escolher uma virgem real para ser minha rainha e me dar herdeiros. Como rei, é meu dever. A linhagem dos Al'Ramiz tem mil anos e preciso ter filhos do meu sangue e os terei. Está satisfeita?

O coração de Jasmine batia dolorosamente em sua garganta.

— Sim, é exatamente isso que queria ouvir.

Exatamente o que precisava: o golpe final contra qualquer esperança. A breve ilusão de ser jovem de novo, de voltar ao tempo em que se amavam, desapareceu. Kareef não era mais dela, casados ou não; na verdade, jamais fora seu.

A brisa noturna passou pelo jardim e lhe jogou os cabelos no rosto. Ouviu o pio triste de corujas na escuridão, o ar quente e temperado passou por ela. A lembrança do toque de Kareef apenas alguns minutos atrás ainda lhe queimava o rosto. Ouviu criados chamarem o nome dele, mais alto desta vez. A qualquer momento os encontrariam.

Respirando fundo, Kareef deu um passo em direção a ela.

— Mas o dia do meu casamento está muito distante — disse ele, gentilmente colocando uma mecha de cabelos atrás da orelha de Jasmine. — E aproveitaremos o tempo disponível. Amanhã, eu a levarei para o deserto.

— E lá você se divorciará de mim?

Ele sorriu e a fome sombria nos olhos dele a fez tremer.

— Boa noite, minha joia — Abaixando a cabeça, beijou-lhe a face. — Até amanhã.

— Sim — sussurrou, afastando-se.

Os criados encontraram Kareef e lhe contaram, excitados, que o irmão dele, Tahir, fora encontrado.

Jasmine correu de volta ao quarto pequeno na ala dos criados. Cansada, caiu na cama sentindo ainda que Kareef estava ao lado dela, sentindo ainda os lábios dele nos dela.

Sabia o que a esperava no dia seguinte. Sabia pela fome sombria que vira nos olhos dele. Pretendia levá-la para o deserto, pretendia levá-la para a cama dele.

Não! Não se entregaria!

 

Era meio-dia do dia seguinte quando Kareef chegou ao Aeroporto Internacional de Qusay. Passara toda a manhã em reuniões com seus assessores e subsecretários, assinando papéis e discutindo os tratados que pretendia fazer. Mas sorrira a manhã inteira, antecipando o prazer que teria em breve.

Esta noite, finalmente, teria Jasmine em sua cama.

Beijá-la na noite anterior tinha sido maravilhoso. Se seus servidores não o tivessem encontrado no jardim... e não podia culpá-los, já que lhes ordenara que o informassem assim que encontrassem seu irmão mais novo, Tahir, pelo telefone... ele a teria jogado no ombro e a levado diretamente para os aposentos reais.

Mas, dessa forma, seria muito melhor, teriam privacidade em Qais e, se havia uma coisa pela qual ansiava quase tanto quanto por ter Jasmine em sua cama, era a liberdade do deserto.

Jasmine tinha razão, seus caminhos eram outros. Ele lhe permitiria que seguisse o caminho que escolhera, daria a ela o divórcio; mas ainda não.

No momento, Kareef tinha apenas um desejo, uma necessidade: satisfazer a fome consumidora que sentira dela por treze longos anos.

Estaria agora dormindo naquela cama estreita no palácio? Estaria nua? Sonhando? Fechou os olhos, imaginando os cabelos dela desarrumados, o corpo macio e quente sob os lençóis. Kareef rosnou. Cada momento que passava longe dela parecia desperdiçado.

Mas pelo menos desejara muito este compromisso em particular. O motorista abriu a porta da limusine prateada e Kareef desceu na pista, o vento fazendo os mantos brancos cerimoniais se enrolarem em seus tornozelos. Diante dele, estava o jato Gulfstream do irmão, que acabara de chegar da Austrália.

Um dia perfeito, pensou Kareef. Jasmine logo estaria em sua cama, Rafíq acabara de voltar para Qusay e até Tahir, que ficara tantos anos em exílio voluntário, chegaria em breve.

Rafiq surgiu à porta do avião. Aos trinta anos, havia linhas finas em torno dos olhos semicerrados e seu queixo adquiria uma expressão impiedosa que não existia antes. Anos construindo um negócio internacional mudara tanto Rafiq como os anos no deserto haviam transformado Kareef.

Mas, quando o irmão desceu a escada do avião, parecendo o magnata que era, num terno cinza Armani, Kareef olhou-o e sorriu.

— Rafiq!

— É bom ver você, irmão — disse Rafiq, abraçando Kareef e então brincou:

— Ou devo chamá-lo de Majestade?

Com um rosnado, Kareef deixou a brincadeira de lado e levou o irmão para a limusine com ar-condicionado. O motorista fechou a porta e o carro saiu, cercado por motociclistas.

— Estou contente por ter vindo.

— E acha que perderia sua coroação?

— Você quase perdeu o casamento de Xavian. Quantas horas ficou aqui? Três ou quatro, no máximo.

— É verdade — concordou Rafiq — embora, como soubemos depois, ele não fosse nosso primo Xavian. Mas não deixaria de vir para a sua coroação. E, se há alguma coisa de que tenho certeza, Kareef, é que você é realmente meu irmão. — Sorriram um para o outro, os olhos no mesmo tom de azul, o mesmo queixo cinzelado. — Falando de irmãos, onde está Tahir? Ele virá desta vez?

— Falei com ele.... — Deus do céu, teria sido apenas no dia anterior, depois que deixara Jasmine no jardim? Parecia muito mais tempo. Passara toda a noite sonhando com Jasmine... e toda a manhã lidando com seu vizir Akmal, que estava furioso com seus planos de partir para o deserto. Deu ao irmão um amplo sorriso — falei com ele ontem.

— Não acredito!

— Verdade. Embora não tenha sido fácil encontrá-lo em Monte Carlo. Ele virá para a coroação.

— Nós três, de volta, ao mesmo tempo? — disse o irmão, impressionado.

— Estamos afastados há tempo demais — concordou Kareef.

— Gostei desse sorriso.

— E claro, estou feliz. Você está aqui e Tahir está a caminho.

O irmão entrecerrou os olhos, olhando-o com atenção.

— Você está sorrindo de uma forma que não vejo há anos. Posso saber o motivo?

— Você saberá de tudo logo — e temia que fosse verdade.

Rafiq sempre fora o mais brilhante, e o mais impiedoso, dos irmãos. Para mudar de assunto, Kareef desconversou.

— Mas você está aqui e isso, meu irmão, é muito bom. Soube que seus negócios estão cada vez melhores, fale-me deles.

A viagem pela cidade foi rápida, já que o trânsito era interrompido para a comitiva do rei passar. Kareef tentou prestar atenção aos detalhes dos novos escritórios que Rafiq acabara de abrir em Auckland e Perth, mas sua mente se voltava sem trégua para a mulher que o esperava no palácio. E a noite que os esperava no deserto.

Jasmine resistiria a ele, sabia, mas também sabia que se entregaria. Estaria em sua cama esta noite, amanhã, e no dia seguinte, se ainda a quisesse. Faria amor com ela até os dois estarem completamente exaustos.

Então, e só então, diria as palavras que os separariam para sempre e a deixaria se casar. O sorriso desapareceu.

Os carros passaram pelos portões do palácio e pararam sob um pórtico. Um lacaio de turbante abriu a porta da limusine e, enquanto subiam a escadaria, Kareef olhou para o irmão. Rafiq parecia maravilhado ao observar os torreões e domos altos, brilhantes como pérolas sob o sol do meio-dia. Kareef parou e segurou o braço do irmão.

— Preciso deixá-lo aqui, meu irmão. Assim, se me der licença...

Rafiq olhou-o com suspeita.

— Vai fazer uma aposta para a Copa de Qais?

Kareef riu.

— Não jogo numa corrida de cavalos há anos.

— Então está rindo por que vai ser coroado rei e terá todo aquele imenso poder. Quase sinto inveja, meu irmão.

—Não — definitivamente não era isso, pensou Kareef se afastando.

— Então, o que é? — perguntou o irmão. — O que faz você tão feliz?

Kareef não respondeu. Apressou-se pelo corredor amplo com piso de pedras e antigos arcos bizantinos. Servidores lhe faziam reverência enquanto passava por eles, mas não parou. No pátio, o sol brilhava, claro e quente. Uma brisa quente balançava as folhas das palmeiras, enriquecida com a fragrância de especiarias e laranjas.

O cheiro dela.

Ele olhou para o brilhante céu azul, ouvindo os pássaros no jardim. Passava do meio-dia e ainda não comera. Mas tinha fome apenas de uma coisa.

Encontrou Jasmine esperando no pequeno quarto na ala dos criados, sentada na cama lendo, a mala feita. Quando abriu a porta olhou para ele, com a expressão séria, o rosto pálido.

— Finalmente estou pronto — Kareef olhou em torno, o quarto pequeno e feio, percebendo pela primeira vez como era inadequado. — Lamento que este tenha sido o único quarto disponível no palácio...

— Está tudo bem—interrompeu ela calmamente, marcando a página e guardando o livro na bolsa. — O quarto me serviu muito bem. — Levantou-se. — Vamos?

Usava um vestido curto de seda cor-de-rosa, o cabelo escuro penteado para trás num coque sob um pequeno chapéu de feltro. Tinha um estilo natural elegante e único. Parecia ainda ter dezesseis anos, a mesma pele pálida, os mesmos cílios longos e negros, os mesmos lábios cheios, sem maquiagem, rosados.

Ansiava por beijar aqueles lábios.

Já estava rijo para ela.

Não era de admirar. Estava celibatário por... não gostava de pensar nisso. Dissera a si mesmo que estava ocupado demais e não tinha tempo a perder com mulheres, ou simplesmente não tinha interesse na sucessão de cavadoras de ouro que se jogavam diariamente sobre os membros da realeza.

Agora sabia a verdade. Seu corpo tinha fome apenas de uma mulher, a mulher que estava diante dele agora. Mal podia esperar para se saciar com Jasmine. Era uma viagem de muitas horas pelo deserto. Os olhos dele caíram na cama estreita. Não sabia se podia esperar tanto...

Mas ela já saíra do quarto, puxando a pequena mala. Ele a alcançou e levantou a mala.

— Obrigada.

— Não pesa quase nada, por que trouxe tão pouca coisa?

— Hum. — Os lábios se curvaram para cima. — Para evitar multa por excesso de bagagem no aeroporto.

Ele riu.

— Hajjar tem seu próprio avião — balançou a cabeça. — Você sempre gostou de se vestir bem, sempre teve um estilo próprio. Mudou tanto assim? É ocupada demais para se importar com roupas, agora que administra sua empresa multimilionária em Nova York?

—Ah, bem. — Mexeu-se, desconfortável. — Umar já escolheu as roupas que considera adequadas para mim. Chegarão de Paris em alguns dias, assim, ele não achou, quero dizer, eu não achei necessário trazer minhas roupas de Nova York. Além disso, só ficaremos em Qusay até nos casarmos.

— Compreendo.

Subitamente, sentiu-se irritado por qualquer pessoa dizer a Jasmine como se vestir. Tentou afastar esse incômodo. Se Jasmine não se importava, por que ele deveria? O relacionamento dela com Umar não era da conta dele. Na verdade, Kareef decidira fazer com que ambos esquecessem a existência de Umar Hajjar pelos próximos dias.

Quando saíram do palácio, um guarda-costas pegou a maleta e levou-a para o porta-malas do SUV que liderava a fila de carros. Jasmine olhou para o SUV, a limusine atrás dele e todos os guarda-costas e serviçais ocupados em torno dos carros. Sentiu alívio.

— Estou vendo que não vamos viajar sozinhos.

— Não fique excitada demais. Viajo como rei de Qusay. — Deu-lhe um sorriso repentino e malicioso. — Mas, no deserto, isso mudará. Como você disse, no deserto serei apenas um homem como outro qualquer...

Deixou a voz morrer sugestivamente e a viu estremecer. Quando o motorista abriu a porta, teve muito cuidado em não tocar Kareef enquanto passava por ele e se sentava no banco traseiro do Rolls-Royce.

Sentando-se ao lado dela, Kareef se recostou e olhou-a pelo canto dos olhos enquanto a fila de veículos saía pelo portão do palácio. Jasmine se sentava na ponta do banco, bem longe dele. Quase o divertiu. Pensaria realmente que iria se livrar de estar em sua cama?

Bem, deixe-a pensar assim, o que mais gostava era de um desafio. E não precisava se sentir culpada, não nesse caso, nem no outro...

As lembranças pairavam à margem da consciência, ameaçando tornar seu humor sombrio e afastou-as. Não pensaria no que haviam perdido no passado, no que a fizera perder. Hoje haveria apenas prazer.

Os carros deixaram rapidamente a cidade em direção nordeste, ao longo do litoral. Mas, com Jasmine sentada à janela do outro lado, fazendo o melhor que podia para não tocá-lo, cada quilômetro parecia se esticar até o infinito.

Devia ter aceitado a sugestão de Akmal Al'Sayr, pensou Kareef. O vizir tentara convencê-lo a usar um dos helicópteros da frota real ou um dos aviões atualmente levando os dignitários estrangeiros para Qusay em vez de perder tempo viajando de carro. Agora Kareef queria ter aceitado a sugestão; proporcionar luxo a diplomatas parecia muito menos importante do que levar Jasmine para sua cama.

Kareef olhou-a de novo. Ela se recusava a olhar para ele e continuava a observar a paisagem. Nenhum dos dois se movia, mas a tensão entre eles crescia.

Ele a queria. Queria tomá-la bem aqui e agora, no banco traseiro da limusine. Mas era este o caso particular e discreto que queria? Jogá-la como se fosse uma prostituta no banco traseiro de um Rolls-Royce, com os guarda-costas podendo adivinhar o que acontecia atrás dos vidros escurecidos? Kareef praguejou baixinho; teria que esperar. Mas, quando se aproximaram de uma encruzilhada na estrada, curvou-se subitamente para a frente.

— Vire aqui — ordenou.

— Majestade? — O motorista olhou para trás, surpreendido.

— Tome a estrada do deserto — comandou numa voz que não aceitava discussão.

Enquanto seu guarda-costas no carro transmitia a ordem para o SUV à frente dos veículos, o motorista trocou de pista na estrada moderna e bem pavimentada, indo em direção à saída que os levaria diretamente para o Norte pela areia e rochas, rumo ao deserto de Qais.

Kareef se recostou. Podia ser paciente, mas queria chegar logo, tomando a rota mais direta.

A moderna autopista de Qusay fazia uma circunferência em torno da ilha, uma nova maneira de viajar para o Norte, para o principado de Qais, um panorama áspero de areia do deserto e montanhas escarpadas e sombrias. Apenas dois anos antes, Kareef, como príncipe de Qais, terminara a estrada com o influxo do dinheiro proveniente de suas iniciativas de desenvolvimento, entre elas o estádio para corrida de cavalos. Agora, Qais ficava atrás apenas de Dubai como o melhor local do circuito mundial de corridas de cavalos de raça.

E irônico, pensou Kareef que, depois de abandonar o esporte, a coisa que mais amava no mundo a transformaria numa indústria lucrativa para outros.

Mas isto não era inteiramente verdade, havia alguma coisa que amou mais do que corrida de cavalos. Olhou para Jasmine. Seu belo rosto estava pálido, tinha olheiras profundas e escuras e a face estava abatida.

Maldição dos infernos.

Por que estava tentando resistir ao que os dois queriam?

Ele se voltou de novo para a janela. Dunas imensas se mexiam e jogavam areia na estrada, levadas pelo vento quente. A estrada era muito antiga, do tempo de seu avô e, durante as tempestades de areia, podia desaparecer completamente.

Desaparecer, o que tentara fazer treze anos atrás. Preferira morrer a enfrentar a acusação nos olhos dela. Fugira para o deserto, rezando para ser enterrado num túmulo de areia.

Então Umar Hajjar o encontrara e o levara para casa. Incapaz de morrer, Kareef mergulhou numa vida de sacrifício e dever. O povo nômade do deserto finalmente procurara sua liderança e transformara o título honorário de sua família num título verdadeiro de governante, como príncipe de Qais. Contra a sua vontade, Kareef fora brutalmente condenado... a viver.

Passou a mão na nuca tensa, olhando Jasmine de soslaio. Jamais seria capaz de compensá-la pelo que lhe fizera. Mas devia tentar?

Ele a queria, mas isso significava que era certo tomá-la? Devia tentar fazer um último gesto sem egoísmo... deixando-a partir?

"Um homem não teve dificuldade de resistir a mim, Kareef: você."

Reprimiu uma risada áspera. Ele, que tivera controle perfeito com mulheres, perdia tudo quando estava perto de Jasmine. Setas de fogo lhe percorriam o corpo só por estar sentado ao lado dela.

Qualquer homem se sentiria atraído por Jasmine, mesmo se fosse cego, mesmo se ela estivesse coberta de véus da cabeça aos pés. Qualquer homem buscaria seu calor, seu cheiro, uma mistura mesclada de laranja e cravo-da-índia. Sua forma sedutora, sua cintura fina que destacava os seios adoráveis e a curva sensual dos quadris. As nádegas perfeitas para as mãos de um homem, a doçura imensa do olhar, de sua alma.

Não, não pensaria na alma de Jasmine, pensaria apenas em seu corpo.

— Não vamos parar? — sussurrou ela de repente, a voz atormentada. — Não vamos parar no caminho?

O futuro rei se virou para ela.

— Você quer parar?

— Quero passar pelas montanhas o mais depressa possível.

— Está com medo?

— Sim — sussurrou — você sabe do que tenho medo. Eu a vejo em pesadelos, você não?

A garganta de Kareef se fechou e ele fez um aceno. Aqui, nesta antiga estrada do deserto, passavam de carro pela escola de montaria e as vermelhas montanhas rochosas além. Os penhascos, a caverna escondida. O lugar onde não a protegera, onde não protegera o filho que nenhum dos dois sabia que ela carregava.

Onde Jasmine quase morrera de febre por que lhe fizera a promessa ridícula de não contar a ninguém depois do acidente com o cavalo. Como se apenas o amor pudesse salvá-los.

Ele fora impotente, inútil, fracassara no teste mais básico de qualquer homem. A dor intensa lhe apertou a garganta, tornando-lhe a voz rouca quando disse:

— Não vamos parar.

— Obrigada.

Ele acenou, não confiando em si mesmo para falar. Há muito tempo, fugiam de olhos curiosos no palácio para a escola de montaria. A amiga dela, Sera, distraía a acompanhante idosa das meninas para que Kareef e Jasmine pudessem ter algum tempo precioso... sozinhos.

A escola distante, cercada por padoques e estábulos, era o lugar onde Kareef se sentia mais vivo, onde adorava correr com seu garanhão negro, Razul. Adorava sentir os olhos de Jasmine nele enquanto se exibia.

"Cavalgue comigo, Jasmine", pedira, acrescentando com um sorriso malicioso: "não está com medo, está?" E, um dia, ela concordara.

Acharam que eram tão espertos, fugindo das restrições impostas por seus pais e encontrando um meio de ficarem juntos. Mas, no fim, o destino punira todos... até os pais dela, severos e bem intencionados, cujo crime fora tentar proteger Jasmine de um homem capaz de levar destruição e vergonha à sua inocente alma e à sua beleza de contos de fadas. Um homem como ele.

Enquanto os carros corriam pelo deserto, olhava para a luz áspera do sol refletida na areia. Nuvens esparsas como os símbolos da escuridão e da luz, ying e yang, se moviam rapidamente no claro céu azul. Perguntou-se se uma tempestade de areia estava para chegar.

Então sentiu a mão pequena em seu braço e soube que a tempestade já estava aqui. Dentro dele.

— Obrigada — sussurrou Jasmine de novo. Os dedos lhe apertaram o braço. — Umar é um homem gentil, tenta ser bom para mim, mas não queria enfrentar isso pela primeira vez ao lado dele, viajar pelo deserto no dia do meu casamento. Ele não pode compreender, você, sim.

Ao leve toque dos dedos dela, Kareef estremeceu. Se fosse um homem civilizado, pensou de repente, a libertaria agora. Se divorciaria dela e a deixaria ir intocada para o homem com quem queria se casar, seu amigo. Mas o pensamento de Jasmine com qualquer outro homem era como uma navalha cortando-o por dentro.

Kareef a queria para si mesmo.

Queria?

Isso não chegava nem perto da palavra certa. Seu corpo ansiava pelo dela como ansiava por água ou ar. Queria?

Ele a queria tanto que seu corpo estremecia de necessidade. Era um teste desumano de vontade estar tão perto dela, preso com ela no compartimento traseiro de Rolls-Royce e incapaz de tocá-la.

Inspirou, trêmulo, e olhou para a mão de Jasmine sobre seu braço, lutando para se controlar quando tudo o que queria era tomá-la nos braços e esmagar-lhe os lábios com os dele.

Mas, depois de todo este tempo vivendo para servir aos outros, sem pensar em si mesmo, realmente se permitiria tomar o que precisava, o que mais queria? E qual seria o custo para ela se o fizesse?

Kareef ouviu a respiração irregular de Jasmine, sentiu o corpo dela se mover contra o dele e soube que ela vira a escola de equitação do outro lado da estrada. Passou o braço em torno dela e sentiu seu corpo estremecer. Jasmine observou a escola enquanto passavam, a expressão chocada, os olhos cheios de lágrimas como um oceano de lembranças.

E, naquele instante, ele esqueceu as próprias necessidades.

Esqueceu o calor do próprio desejo.

Tudo o que sabia era que Jasmine estava em seus braços, que ela estava com medo e que precisava protegê-la. Segurando-a contra o peito, debruçou-se e ordenou ao motorista:

— Mais depressa.

O homem acenou e apertou o acelerador. A escola se transformou numa mancha colorida. Viu o lugar onde, pela primeira vez, trocaram juras de amor. O lugar onde estendera um cobertor sob as árvores, ao lado de um riacho... o lugar onde fizera amor com Jasmine pela primeira vez, ambos virgens, prometendo devoção eterna em palavras rápidas, abafadas.

Eu me caso com você, sussurrara ela três vezes.

Eu me caso com você, respondera ele uma vez, segurando-lhe as mãos com força.

Kareef respirou fundo.

Não seria egoísta mais uma vez.

Nos velhos tempos, a vontade do rei em Qusay era absoluta. Ninguém podia lhe negar a mulher que ele quisesse, sob pena de morte. Teria se apossado de Jasmine como um bárbaro, teria jogado-a em seu harém, trancado a porta e não sairia até que estivesse satisfeito. Ele a tomaria numa cama, contra a parede, nos macios tapetes em frente à lareira. Teria erguido-a contra ele, a luz do fogo brilhando no suor da pele sedosa até fazê-la arquejar e gritar seu nome.

Jasmine tremia de medo em seus braços. Kareef não era um rei bárbaro. Não podia ser, não quando Jasmine tremia de medo em seus braços.

— As lembranças não podem mais nos ferir — abraçou-a com força, acariciando-lhe os cabelos. — Tudo aconteceu há muito tempo.

— Eu sei mas, em meu coração, aconteceu apenas ontem.

Eles olharam pela janela enquanto os veículos passavam pelos modestos prédios externos da escola de montaria, seus padoques, campos e estábulos.

A intimidade de estar tão perto fisicamente enquanto partilhavam as mesmas lembranças o fez enrijecer com uma emoção que não queria sentir. Seus músculos tremiam com o esforço de abraçá-la, de apenas lhe oferecer conforto, treze anos atrasado.

E passaram; a escola desapareceu. A limusine correu pela estrada velha e esburacada através do canyon de pedras vermelhas em direção a Qais.

Sentiu Jasmine relaxar em seus braços. Fechando os olhos, inspirou profundamente o perfume dos cabelos dela. Jasmine se apoiou em seu peito e, por longos momentos de silêncio, abraçou-a. Apenas os dois, como há muito tempo.

Então Kareef ouviu o guarda-costas tossir, o motorista se mexer e se forçou a se afastar, a sair daquela posição comprometedora. Abaixou o olhar para ela e lhe ergueu o queixo gentilmente.

— Você está bem?

Os olhos dela brilhavam com lágrimas não derramadas.

— Eu estava errada, compreendo agora, estava errada em odiar você. Obrigada por me abraçar, não teria conseguido enfrentar isso sozinha.

Ele a olhou, incrédulo.

Estaria ela perdoando-o? Por um único e breve momento de empatia, a espécie de solidariedade que qualquer estranho ofereceria a uma mulher em luto, estava disposta a esquecer o que lhe fizera?

Kareef desviou o olhar, o queixo tenso.

— Esqueça.

— Mas você...

— Não foi nada — a voz era áspera enquanto libertava a mão da dela.

Ele a deixaria ir, disse a si mesmo severamente. Era sua única maneira de compensá-la. Agora tinha apenas a honra e o dever; não a seduziria, nem mesmo a tocaria. Assim que chegassem à sua casa, ele se divorciaria de Jasmine e a mandaria de volta, permitiria que fosse feliz.

O queixo enrijeceu enquanto olhava o sol. Por treze anos, dedicara-se tão profundamente ao dever que não conseguira pensar ou sentir. Imolara-se como um eremita louco, enterrado até o pescoço em areia quente. Mas estar perto de Jasmine despertara seu corpo e sua alma para a vida de uma forma que não sentira por muito tempo, como jamais pensara sentir de novo. Mas a deixaria partir, não importava o quanto a desejasse. Devia isso a ela, deixaria que desaparecesse de sua vida e, dessa vez, seria para sempre. Umar Hajjar a guardaria com cuidado extremo, como o tesouro que era.

Kareef não seria egoísta uma última vez, mesmo se isto o matasse. Quase esperava que matasse.

As sombras das montanhas de rocha vermelha se moveram em padrões manchados sobre os veículos enquanto saíam do canyon. Quando se aproximaram da vastidão do deserto de Qais, o vento aumentou, fazendo redemoinhos de areia que se erguiam para o céu.

Kareef se sentia da mesma forma cada vez que olhava Jasmine.

Fundido nela.

Sentiu-lhe a cabeça descansar em seu ombro. Olhou-a com surpresa e viu que seus olhos estavam fechados. Estava dormindo aninhada a ele.

Seu olhar percorreu-lhe o rosto, faminto.

Deus, desejava beijá-la. Mais do que beijar, queria despi-la, deixá-la totalmente nua para ele e saborear cada centímetro daquela adorável carne. Queria explorar os montes de seus seios e o vale entre eles. A planície reta do ventre; a cidadela quente entre as coxas. Queria devorá-la como um conquistador tomando um reino para seu uso, sob suas mãos, sob o seu controle.

Mas os tempos antigos haviam acabado.

Era rei de Qusay, mas impotente para ter o que mais desejava. Força alguma podia tomá-la, brutalidade alguma poderia forçá-la, não podia agir de acordo com seu desejo, não às custas da felicidade dela.

Os músculos doíam com o esforço de senti-la junto a ele e não tocá-la; enrijeceu o queixo e se virou para a janela. Podia ver sua casa a distância. Em poucos minutos chegariam e tudo terminaria.

Entraria na casa, pegaria a esmeralda e diria as palavras simples que a libertariam. E, depois de hoje, faria tudo para não ver Jasmine de novo...

Seus pensamentos foram interrompidos quando ouviu um barulho alto, o som apavorante de metal raspando o asfalto. Como num sonho, viu o SUV à frente virar para a direita, e, então, bater com força contra a parede de rocha ao longo da estrada.

Ouviu seu guarda-costas na limusine gritar, viu seu motorista tentar freneticamente girar o volante. Mas era tarde demais. Kareef mal teve tempo para pensar antes que o Rolls-Royce batesse no SUV e sentisse o corpo ser lançado para a frente.

Enquanto a limusine voava, rodando louca e violentamente no ar, olhou para Jasmine. A última imagem que viu foi de seus olhos muito abertos, aterrorizados, o último som que ouviu foi o grito dela.

 

Jasmine abriu os olhos.

Estava deitada sobre um cobertor, na sombra fresca de árvores. Perto, ouvia um riacho borbulhando e cavalos correndo nos padoques da escola de montaria. Sentiu a suave brisa do deserto no rosto e o maior milagre de todos: o jovem que amava estava ao lado dela, todo o rosto sorrindo, o amor brilhando nos elétricos olhos azuis.

Ergueu-lhe o corpo e puxou-o para ele, estendendo a mão para colocar atrás da orelha uma mecha de seus cabelos. A luz dourada lhe acariciava os cabelos quando rolou o corpo por cima dela com uma urgência súbita, os olhos mergulhados nos dela.

— Não tenho o direito de lhe pedir, mas me arrependerei para sempre se não o fizer. — Emoldurou o rosto feminino com as mãos. — Case-se comigo, Jasmine, case-se comigo.

— Sim — arquejou ela.

Ele sorriu e então, com uma lentidão agonizante, abaixou os lábios para ela e a beijou. E, pela primeira vez, foram muito além de um beijo...

— Jasmine!

O grito áspero lhe doeu no ouvido. Ouviu o pânico em sua voz, mas não conseguiu responder, alguma coisa a engasgava. Lentamente, com dificuldade, abriu os olhos.

E percebeu que não estava no cobertor ao lado do riacho e sim presa num carro virado, os joelhos junto ao peito. Via o céu azul através da janela aos pés dela. Seu cinto de segurança apertava-a tanto que não conseguia respirar. Alguma coisa quente e líquida escorria sobre suas pálpebras.

— Estou sangrando — sussurrou.

Ouviu Kareef praguejar e, subitamente, a porta do carro se abriu com força, espalhando vidros quebrados na estrada.

De repente, o cinto de segurança desapareceu e estava nos braços de Kareef, ajoelhado na estrada poeirenta. Sentiu as mãos dele passarem por sua cabeça, seus braços, seu corpo.

— Nada quebrado — disse ele. Segurou-a com força contra o peito, beijando-lhe os cabelos, sussurrando: — Você está em segurança, você está em segurança.

Jasmine fechou os olhos no abrigo dos braços dele, comprimiu o rosto contra o calor de seu pescoço. O tempo parecia tão misturado e confuso como os carros batidos e virados na estrada. Pelo espaço de um sonho, tinha dezesseis anos de novo, com toda a vida diante de si, segura da devoção de Kareef e de seus braços fortes em torno dela.

Aqueles mesmos braços estavam em torno dela agora, ainda mais poderosos e musculosos do que antes. O que acontecera?

— Chamem um médico! — A voz de Kareef era forte como um trovão.

Jasmine percebeu os guarda-costas correndo em torno deles, gritando em celulares, mas pareciam muito distantes. Ela e Kareef estavam no olho do furacão.

Viu sangue nas roupas dele, os rasgões na camisa e ficou gelada. Tremendo, estendeu a mão para o rosto de Kareef, para as linhas finas e vermelhas na face.

— Você está sangrando.

Ele afastou a cabeça com um movimento súbito.

— Não é nada.

Não queria que o tocasse. Sentiu o rosto ruborizar e abaixou a mão. Comprimiu os lábios, combatendo a vontade de chorar. Tanto acontecera desde o momento daquele lindo sonho.

— Mas... precisa ver um médico.

Ele se levantou, carregando-a.

— Desnecessário, a não ser para você... — abaixou os olhos para Jasmine. — Consegue ficar em pé sozinha?

— Sim. — Sua cabeça latejava, mas tentaria não se encostar nele, não o obrigaria a afastá-la. Se não queria que o tocasse, ficaria em pé sozinha, mesmo que isso a matasse.

Soltando-a, ele tirou poeira dos ombros de seu vestido rosa.

— Seu chapéu desapareceu. Ela o olhou, tonta.

— Não tem importância.

— Vou mandar alguém achá-lo. —- Pegou uma toalha úmida que um guarda-costas estendia e limpou-lhe a testa, então parou. — Você tem um pequeno corte na cabeça — a voz não tinha emoção, como se tentasse não assustá-la. Virou-se para o guarda-costas. — Precisamos levar a srta. Kouri para o hospital.

Srta. Kouri. Então voltara a cerimônia, estava se mantendo distante, como se já tivesse se divorciado dela.

O guarda-costas balançou a cabeça para Kareef.

— Os carros estão presos uns nos outros, Majestade — a voz se tornou amarga, zangada — aquela égua fugiu para a estrada de novo e Youssef teve que virar o carro para não atropelá-la.

Kareef olhou além do Rolls-Royce capotado, em direção à égua negra ainda na estrada.

— Ah, Bara'ah, você continua com seus velhos truques — murmurou ele suavemente.

Jasmine seguiu-lhe o olhar. A esguia égua negra, pastando calmamente a grama que crescera nas rachaduras do asfalto, olhou de volta com plácida diversão.

— Leve-a para o padoque — disse Kareef— e pegue um carro na minha garagem.

A garagem dele?

Jasmine viu a distância uma casa longa e baixa, no estilo de rancho, de madeira marrom, cercada por padoques e palmeiras.

Confortável e pacífica, sem nenhuma ostentação dourada das outras casas de Umar, a casa de Kareef era um oásis verde na vastidão desolada do deserto. Ele conseguira, construíra a casa que uma vez prometera a ela. Mas o fizera sozinho...

As mãos se fecharam em punho. E Kareef queria mandá-la embora, para algum quarto estéril e frio de hospital, onde ficaria sozinha. Talvez pretendesse apenas pegar a esmeralda e se divorciar dela a caminho da cidade?

Era o que achava que queria: um divórcio rápido, sem sedução, sem problemas. Mas, subitamente, teve vontade de chorar.

— Não quero ir para um hospital.

Ao som da voz dela, Kareef e o guarda-costas se voltaram, surpreendidos, como se tivessem esquecido que ela estava lá.

— Mas, Jasmine — disse Kareef, a voz gentil e lenta, como se estivesse falando com uma criança teimosa. — Você precisa de um médico.

— Nada de hospital. — Tirou os cabelos negros que lhe cobriam o rosto e viu sangue nas mãos. Olhou para o vestido, também manchado de sangue.

Exatamente como da última vez que sofrerá um acidente. Da última vez que vira o próprio sangue. Depois do acidente, antes do escândalo...

Subitamente, não conseguiu sentir ar suficiente.

Não podia respirar.

Em pânico, cobriu a cabeça com as mãos enquanto tentava jogar ar nos pulmões. Outras mechas escuras escaparam do coque enquanto tudo parecia rodar em torno dela.

Os olhos de Kareef se estreitaram.

— Jasmine?

A respiração vinha em arquejos curtos, rasos, enquanto se afastava dele. Tudo era uma mancha, rodando em círculos cada vez mais rápidos. Não importava para onde olhava, havia uma coisa que a prendia. A casa dos seus sonhos, o homem dos seus sonhos. O sangue em seu vestido...

Kareef agarrou-a antes que caísse, ouviu-o gritar, como se estivesse muito distante, viu homens correrem em obediência.

Viu os lábios de Kareef se moverem, a preocupação estampada nos olhos azuis, mas não escutava nada, apenas a própria respiração áspera, difícil, o batimento frenético do seu coração.

As cores continuavam a girar quando os joelhos perderam a força. A distância, a égua negra olhava para ela. Negra como o cavalo que a derrubara tanto tempo atrás. Negro como o acidente que a fizera perder tudo.

Negro.

Negro.

Negro...

De repente, o rosto preocupado entrou em foco.

— Você acordou — a voz era baixa. — Sabe quem sou?

Jasmine percebeu que estava deitada de costas num quarto de dormir que não reconheceu. A cabeça latejava, a garganta estava seca e tentou se sentar.

— Onde... onde estou?

— Não se mexa, meu médico está a caminho.

Com a cabeça no travesseiro, Jasmine percorreu o quarto com o olhar. Era grande, rústico e confortável, com uma cama king-size e mobília espartana. Era muito masculino e cheirava a couro e madeira. Olhou a pequena lareira feita de rocha entalhada.

— Estou no seu quarto?

— Então sabe quem eu sou — disse Kareef, parecendo aliviado.

Jasmine fez um pequeno som de desdém.

— O ilustre rei de Qusay, o adorado e reverenciado príncipe de Qais, a delícia de todas as garotas de harém em toda parte, o...

— Com que força aquele vidro bateu na sua cabeça? — Tentou parecer zangado, mas a boca se abriu num sorriso.

Ele ficara preocupado, Jasmine percebeu, muito preocupado.

— Eu desmaiei? — Tentou se sentar para mostrar a ele que estava bem.

— Não se mova!

— Estou ótima!

— Cabe ao meu médico dizer isso.

— Você disse que tenho um pequeno corte na cabeça, isto não exige uma equipe de especialistas. Faça um curativo.

— Você desmaiou.

Ela ficou ruborizada com o constrangimento. Seu desmaio não tinha relação com a pancada na cabeça, fora um ataque de pânico, mas como podia explicar isso sem falar naquele acidente há tanto tempo, o acidente sobre o qual definitivamente não queria falar?

Não precisava falar, as palavras dele provaram.

— O que há sobre você e médicos? — perguntou suavemente, o olhar no dela — por que se recusa a me deixar cuidar direito de você?

Os olhares ficaram presos e ela respirou fundo. Sabia do que estava falando.

Depois que caíra do cavalo, ele lhe implorara para que o deixasse buscar um médico, mas ela recusara. Estava desesperada, queria manter em segredo sua vergonha para proteger sua família.

Por favor, Kareef apenas me abrace, ficarei bem, dissera. Mas, quando começara a tremer com a febre, ele quebrara sua promessa. Voltara com um médico e dois criados em quem achava que poderia confiar.

Um dos criados era Marwan, que os traíra no momento em que Kareef desaparecera no deserto. A família dela ficara devastada, quase destruída.

Por culpa dela.

Piscando depressa, ela virou a cabeça.

Kareef se debruçou sobre a cama e prendeu-a com os braços de cada lado do corpo. Jasmine olhou-o. Seu rosto estava a centímetros do dela e a tensão cresceu entre eles.

— Aqui, deixe-me arrumar isso.

Estendeu as mãos e arrumou os travesseiros. Ergueu-a e Jasmine fechou os olhos, desfrutando do calor e da força dos braços dele. Então, ele a empurrou gentilmente contra os travesseiros, numa posição sentada, e acariciou-lhe os cabelos.

— Melhor?

A boca estava tão perto que Jasmine sentiu o calor do seu hálito na pele. Estremeceu com a carícia leve, o corpo inteiro formigando com uma sensação que não tinha relação com a dor e toda com...

Cortou o pensamento. Com Kareef tão perto, tinha dificuldade de pensar; o que perguntara?

— Estou muito... muito melhor...

— O médico chegará logo — disse ele, rouco, os músculos do corpo tensos, quase trêmulos, como se estivesse tentando se controlar. — A qualquer momento estará aqui...

Começou a se afastar e, subitamente, Jasmine não suportou perder a sensação dos braços dele em torno dela. Não depois de ter se sentido fria por tanto tempo. Não quando estavam perto assim, esse homem que tentara odiar, esse homem por quem jamais deixara de ansiar.

Ergueu-se e comprimiu a boca nos lábios dele.

Foi um beijo rápido, apenas o suficiente para sentir a textura dos lábios dele, seu poder e força masculina.

Mas despertou-lhe uma febre quente em todo o corpo. Kareef olhou-a, chocado, e ela ouviu a respiração difícil, áspera, quando as mãos dele lhe seguraram os ombros.

Então, com um rosnado, empurrou-a contra o travesseiro e a beijou, com força e profundamente. O beijo era faminto, brutal. Beijou-a como se tivesse passado a metade da vida com fome dela.

Passou os braços em torno dela, pressionando-a contra o travesseiro, o corpo grande envolvendo o corpo pequeno. A boca era áspera e selvagem contra a dela, esmagando-lhe os lábios enquanto as mãos lhe acariciavam a cabeça, segurando-a como se fosse uma rosa frágil.

A exigência quente do beijo a queimou, despertando labaredas em todo o corpo. Os seios ficaram pesados, os mamilos, dolorosamente rijos, e uma dor de anseio surgiu-lhe no ventre, entre as coxas.

A boca de Kareef jamais deixou a dela enquanto as mãos lhe acariciavam o corpo, da curva suave da omoplata até o ventre plano, vendo-a com as pontas dos dedos. O toque leve contra a seda rosa do vestido lhe causou uma agonia intensa de sensações. O beijo se aprofundou, tornou-se mais exigente. Ele lhe segurou os braços nus, os ombros, mantendo-a deitada.

Quantas noites sonhara com isso? Sentir as mãos dele em sua pele, estar na cama dele? Estava sonhando, tinha que estar, e rezava para jamais acordar.

As mãos grandes se abriram sobre o ventre, ele lhe saqueou os lábios, abrindo-lhe a boca para aceitar a entrada da língua. Jasmine gemeu suavemente e enlaçou-lhe o pescoço para manter o corpo dele junto ao dela. As línguas se entrelaçaram, misturaram, duelaram. Os lábios dele machucaram os dela... ou foi o contrário? Não sabia mais. Nenhum dos dois podia mais controlar treze anos de desejo reprimido. Quase feriram um ao outro sob o peso da fome mútua, insaciável.

Era melhor do que quando tinha dezesseis anos. Agora, aos 29, sabia como era raro este fogo verdadeiro.

Passou as mãos sob a camisa de Kareef e sentiu o calor de sua pele, os nós firmes dos músculos e do ventre reto. Sentiu os suaves pelos entre os mamilos pequenos e, com um gemido, ele se afastou, segurando-lhe os pulsos.

— Esta noite você é minha, a qualquer o custo. — A voz era baixa e sombria, como se falasse das profundezas da alma. — Eu a farei esquecer todos os outros.

Os olhos se prenderam num momento que pareceu se esticar até a eternidade.

— Não houve outros, apenas você. Como poderia dar meu corpo a um homem quando ainda sou sua esposa?

Não conseguiu olhá-lo nos olhos. Ele zombaria de sua patética fidelidade? Riria dela? Então o ouviu respirar fundo.

— Jasmine.

De repente, as mãos dele estavam nos cabelos embaraçados, o corpo pressionado ao dela, os olhos azuis escuros e famintos quando lhe dobrou a cabeça para trás, expondo-lhe o pescoço.

— Jasmine, minha primeira, minha única.

O coração dela disparou. Poderia ele estar dizendo...? Não! Não era possível. Era um sheik belo e poderoso, o rei de Qusay. Não poderia ter passado os últimos treze anos como ela... numa cama solitária e com um coração partido!

Mas, quando os olhos de Kareef queimaram os dela, soube a verdade. Ele lhe acariciou o rosto, traçando a linha do lábio inferior com a ponta do polegar. Tremendo, fechou os olhos, imersa na sensação do toque. Isso não podia estar acontecendo, não podia ser...

Segurando-lhe o rosto, ele a beijou vorazmente. O beijo foi tão profundo e puro que se sentiu renascer no fogo, imersa na dor intensa do desejo dos dois. As mãos dele se moveram para baixo do vestido de seda, pressionando com força sua carne. Arrancou-lhe o vestido e sentiu as mãos dele por toda parte. Na pele das costas, quando desabotoou o sutiã num único movimento. No ventre e nos quadris, quando lhe tirou a calcinha.

E, de repente, ela estava nua e aberta na cama.

Erguendo-se abruptamente, ele a manteve imóvel com o olhar enquanto desabotoava lentamente a camisa e a jogava no chão, então tirava a calça e a cueca. De onde estava, nua sobre a colcha branca, olhou para ele e segurou a respiração.

O corpo bronzeado era magnífico à luz brilhante do sol, que formava um halo em torno dele, como se fosse um anjo das trevas. Sombras brincavam no peito musculoso e abaixo, na linha de pelos escuros que desciam pelo ventre rijo até o membro grande, tão rijo para ela, que se erguia orgulhoso em sua exigência brutal e masculina.

Um grito ficou preso na garganta de Jasmine enquanto olhava para ele. Kareef se ajoelhou sobre ela na cama, as coxas musculosas sobre as dela enquanto passava as mãos largas sobre o ventre macio.

Os dedos, uma vez ásperos, tornaram-se leves, tantalizantes, as pontas mal fazendo contato com a pele de Jasmine enquanto lhe traçavam as linhas dos quadris e das coxas. Empalmou-lhe os seios, sentindo seu peso, adorando-os. Ajoelhando-se sobre ela, beijou-lhe o pescoço, depois, a boca.

Beijou-a com uma reverência que abalou sua alma. As mãos acariciaram os seios doloridos, pesados e Jasmine fechou os olhos. Quase protestou quando os lábios abandonaram os delas, então sentiu-os se moverem em seu corpo, tomar-lhe o seio. Sentindo os lábios lhe sugarem o mamilo dolorido, a língua e os dentes envolvê-lo, causando-lhe um prazer que era quase dor, arquejou, arqueando o corpo.

Qualquer que fosse o custo, não queria que ele parasse.

Os lábios e a língua de Kareef eram fogo puro contra sua pele, enquanto a saboreava, sugando e mordendo cada seio até Jasmine ter dificuldade para respirar. As mãos lhe empalmaram os seios, apertando a carne com intensidade crescente até que os seios pareciam se erguer por vontade própria para lhe encontrar a boca. Jasmine sentiu o sol quente na pele, ouviu os próprios arquejos como se estivesse longe. O corpo rijo se moveu contra o dela e o desejo a dominou, tornando-se necessidade, fazendo-a suspender a respiração.

Kareef lhe beijou o ventre, juntou os seios e lambeu o vale entre eles. Então Jasmine sentiu os pelos ásperos das coxas musculosas se moverem contra as dela quando desceu a boca sobre o seu corpo. Sentiu a ponta rija do membro pressioná-la, exigindo atenção, pulando quando entrava em contato brevemente com sua pele. Mas ele não se colocou entre as pernas dela, deixou que suas mãos lhe acariciassem os quadris, entre as coxas.

Com um rosnado, afastou-lhe as pernas e ela fechou os olhos, bloqueando a luz. Se os abrisse e visse a cabeça entre suas coxas, temia perder o controle.

O queixo era áspero contra a pele macia. Sentiu o calor do hálito de Kareef entre suas coxas quando, abrindo-a com os dedos, ele a provou longa e langorosamente.

Ela gritou, arqueando as costas violentamente. A cabeça mergulhou nos travesseiros macios enquanto os espasmos de prazer a abalavam, em ondas após ondas.

O prazer, oh, Deus, o prazer! A tensão cresceu dentro dela, levando-a para cima e para cima a cada carícia da língua, a cada toque do membro rijo em sua pele. Seu queixo se ergueu e ela se arqueou de novo, a respiração pesada e difícil, enquanto a língua poderosa trabalhava nela, lambendo num momento, no outro fazendo círculos contra o centro rijo do anseio. Tomou-lhe os seios nas mãos enquanto continuava a lambê-la. A língua era uma coluna molhada e dura de calor quando, lentamente, a penetrou.

Novos tremores tomaram o corpo de Jasmine e ela ergueu os braços para se segurar na cabeceira. Sentia-se tonta, as sensações se sucedendo, dominando-a. A língua penetrou-a mais profundamente e ele lhe acariciou suavemente o centro do prazer com o polegar. Então a língua o substituiu, e ele a sugou e penetrou com um dedo grosso, então com dois dedos, e depois... três.

Oh Deus! Não conseguia suportar isto, não podia...

Seu corpo estremeceu como se um terremoto viajasse por ele a centenas de quilômetros por hora. Mais rijo, mais alto, mais rápido... seu corpo e sua alma se abriram para ele como rachaduras nas rochas do deserto, deixando entrar sol e vento. Sentiu-o se mover sobre seu corpo para lhe beijar o pescoço enquanto o membro rijo se aninhava entre suas coxas. As mãos lhe seguraram os pulsos contra a cabeceira da cama, mantendo-a firme, mantendo-a segura.

Mas já estava presa. Olhou para ele, que estava acima dela.

Homem algum jamais fora tão belo. Os olhos eram de um azul brilhante, queimando-a com sua necessidade e sua fome. O queixo estava tenso e escuro com a barba que crescia. Os malares altos lançavam sombras sobre o nariz romano sob o leque escuro dos cílios longos. Era seu anjo negro, seu marido. O coração de Jasmine pulou para a garganta.

O olhar dele a penetrou até a alma, a fez perder todo o sentido de tempo e espaço. Todo o sentido de onde ele terminava e ela começava. Eram um só.

Olhando-a nos olhos, Kareef a penetrou lentamente. Impiedosamente, observou-lhe o rosto enquanto mergulhava nela até o fim, diretamente no coração.

Jasmine arquejou ao senti-lo dentro dela. Seu tamanho a machucava, prazer e dor lhe tomaram o corpo em ondas antes que se esticasse para acomodá-lo.

Ele saiu e a penetrou de novo, com tanta força e tão profundamente que outra onda de prazer a atingiu, derrubando-a e sugando-a. Tomou-a de novo e de novo, lentamente, aprofundando-se ainda mais a cada estocada, até que o prazer foi demais, demais, além do pensamento e da razão.

Segurando-lhe os ombros, ela gritou e explodiu como um fogo espalhando cinzas na noite. E, enquanto se rompia em um milhão de pedaços, ouviu muito ao longe a voz dele lhe dizendo seu nome e palavras de amor; então, não sentiu mais nada.

 

Quando Kareef a ouviu arquejar de prazer, quando a sentiu estremecer e os espasmos a tomarem, quase foi demais. A primeira estocada quase foi a última.

Mas não era mais um menino de dezoito anos. Respirou profundamente, trêmulo, segurou o desejo intenso e recuperou o controle. Manteve-o ferozmente enquanto a penetrava cada vez mais profundamente. Foi necessário cada grama de vontade para se segurar.

Era o paraíso.

Era o inferno.

Era tudo o que sonhara e mais.

Olhou para baixo e viu o belo corpo de Jasmine aberto para ele, viu os raios do sol da tarde sobre seus seios, iluminando os mamilos rosados, rijos, enquanto ela arqueava as costas. O lindo rosto estava perdido numa expressão de total e agonizante prazer enquanto a cavalgava. Jasmine triunfava com a posse dele, Kareef se sentia glorioso ao tomá-la.

A luz clara do sol do deserto tocava-a toda, passeando na pele macia como os dedos de um amante. A imagem dela o tomava como uma onda de água fria. Há quanto tempo a desejava? Há quanto tempo estava sedento por ela, como um moribundo ansiava pelo oásis? Há quanto tempo os sonhos com Jasmine Kouri atormentavam seu corpo e sua alma?

As mãos de Kareef tremiam enquanto lhe segurava os ombros, lutando para evitar a estocada final que o faria derramar sua semente dentro dela. Não era um menino egoísta para tomá-la rapidamente, pensando apenas no próprio prazer. Faria durar. Já a levara ao orgasmo diversas vezes, mas ainda não era o bastante. Queria lhe dar mais, fazê-la sentir mais, fazer amor com ela durante todo o dia, toda a noite, até ela não suportar, até ela desmaiar.

— Jasmine — sussurrou, a voz áspera.

Ouviu-a arquejar suavemente em resposta.

Deus, era linda. Olhou-lhe o rosto, o lindo, lindo rosto da única mulher que jamais deixara de desejar.

Abaixou a cabeça e a beijou. Ela se contorceu sob ele e ergueu os braços para abraçá-lo, para lhe acariciar as costas, apertá-lo contra ela. Kareef sentiu uma doce e intensa agonia.

Jasmine. Sussurrou o nome dela quase sem som, enquanto lhe acariciava o corpo, o rosto. Era dele, apenas dele. Não houve outros amantes na cama dela, era o único homem que a possuíra.

O pensamento lhe ferveu o sangue. Gotas de suor apareceram no rosto com o esforço de adiar o próprio orgasmo. Não precisava correr, disse a si mesmo. Tinham todo o tempo do mundo.

Afastou-se e penetrou-a novamente, movendo-se lentamente dentro dela. Jasmine arqueou as costas com um arquejo, murmurando palavras de êxtase que não conseguia compreender.

Com um autocontrole férreo, penetrou-a de novo e de novo, cavalgando-a com crescente profundidade e velocidade. Os corpos estavam cobertos de suor, escorregando um contra o outro enquanto a penetrava com crescente ferocidade e força, quase a empalando enquanto o peito musculoso escorregava sobre os montes suaves dos seios.

Não podia se segurar por muito mais tempo, não podia, sentiu-a se apertar em torno dele, viu-a segurar a respiração, então arquejar e lentamente deixar o ar escapar, sibilante, pelos lábios vermelhos e machucados.

De repente, as unhas de Jasmine lhe penetraram as costas nuas. Gritando palavras incompreensíveis, contorceu os quadris, agitando-se selvagemente sob ele, e Kareef não conseguiu mais se segurar. Gritou o nome dele e, finalmente, ele perdeu o controle.

Com um gemido, penetrou-a profundamente e quase ao mesmo tempo o orgasmo o tomou como um golpe, com um prazer tão intenso, tão absoluto, que perdeu os sentidos, como ela.

Podiam ter se passado minutos ou horas quando Kareef finalmente voltou a si. Encontrou-se nu na cama, ainda segurando-a junto ao peito, um lençol amarfanhado em torno deles.

O coração ainda não voltara ao normal quando olhou para o rosto lindo e exausto. Ternamente, debruçou-se e beijou-lhe a testa ainda suja de terra.

As pálpebras de Jasmine estremeceram e se abriram e ela olhou para ele, muda. Ouvia-a respirar com dificuldade e, por um momento, apenas olharam um para o outro silenciosamente no brilho rosado do crepúsculo.

Então ouviu-se uma batida e a porta foi aberta.

— Majestade, perdão, estava cuidando de um parto difícil mas agora estou pronto para ver o... Oh!

Seu confiável médico pessoal, um idoso membro de uma família leal aos Al'Ramiz por gerações, tinha colocado a cabeça pela porta e estava claramente em choque. Seu rosto estava vermelho enquanto recuava.

— Er... esperarei aqui fora até vocês estarem prontos. No momento, deixo a paciente em suas... mãos capazes.

O homem saiu, fechando a porta discretamente.

Kareef e Jasmine se olharam, ainda nus, e espalhados na cama, com apenas um lençol amarrotado enrolado como uma corda sobre eles.

E para a surpresa dele, ela caiu na risada.

— Isso é que é discrição — disse ela, enxugando os olhos.

Kareef não conseguiu desviar o olhar do rosto dela enquanto ria. Os olhos brilhantes, os dentes brancos, o som da risada.

— Ele jamais contará — prometeu.

Mas não conseguia parar de sorrir para ela.

Jamais vira nada mais lindo em sua vida do que a risada dela. Jamais imaginara que a ouviria de novo.

Depois que o médico deu dois pontos no corte na cabeça de Jasmine, fizeram amor muitas vezes e apenas muitas horas mais tarde adormeceram nos braços um do outro. Ou, antes, Kareef a abraçou enquanto ela dormia.

Não conseguia parar de olhar para Jasmine.

Agora, pela janela do quarto, podia ver a manhã surgir no deserto e seu estômago roncou. Hora do café da manhã, insistiu seu corpo. Percebeu que nada comera no dia anterior. Sorriu para Jasmine, dormindo em seus braços e acariciou-lhe o rosto suavemente; fora distraído.

Mal podia acreditar que a desejava de novo. Tinham dormido muito pouco na noite anterior. Fizeram amor pelo menos quatro vezes, possivelmente quatro vezes e meia, dependendo do que contava e do que não.

Apenas a abraçaria e dormiria. Kareef fechou os olhos. Jasmine era a única mulher que quisera assim tão perto. Percebeu subitamente que era a única mulher com quem dormira em qualquer sentido da palavra. Os braços a apertaram, então seu estômago roncou de novo, mais alto desta vez. Olhou-a, surpreendido por não ter se assustado pelo som.

Com um suspiro resignado e muito cuidado para não despertá-la, Kareef tirou o braço que estava sob a cabeça dela e silenciosamente se levantou, vestiu-se e saiu.

Quando acordasse, ele a surpreenderia. Primeiro, com o café da manhã; depois, com a sobremesa.

Foi até a moderna cozinha e ligou o fogão a gás. Tirou panelas dos ganchos e preparou ovos mexidos com bacon, torradas e frutas. Pegou dois pratos no armário, arranjou-os numa bandeja e, numa inspiração, apanhou uma rosa de um pequeno vaso ao lado da porta de frente.

Quando entrou, encontrou Jasmine em pé no meio da cozinha, usando apenas uma velha camiseta dele, grande demais para ela.

— Não o encontrei — disse ela, acusadora. Debruçando-se, ele colocou a rosa nos cabelos dela,

prendendo-a atrás da orelha enquanto se debruçava para lhe beijar o rosto.

— Estava com fome.

Ela sorriu, parecendo uma princesa de contos de fadas na grande camiseta, com a rosa nos cabelos despenteados.

— Você tem fome demais — murmurou ela. Dando-lhe um sorriso sensual, Kareef ergueu uma sobrancelha.

— Você me dá fome.

Jasmine franziu a testa enquanto o olhar estudava o dele. Então viu a bandeja.

— Parece delicioso. Quem fez?

— Eu.

Ela riu, olhando a cozinha como se esperasse encontrar três chefs escondidos atrás da enorme geladeira.

— Não, falando sério, quem fez?

— Não tenho criados vivendo aqui, Jasmine, eu lhe disse. Não gosto que me incomodem.

Ela o olhou, incrédula.

— Quer me fazer acreditar... — mostrou o piso impecável da cozinha — que você mesmo limpou?

— Sou independente... não insano — disse ele, rindo. — Tenho uma governanta, jardineiros e o pessoal dos estábulos. Mas eles têm seus próprios chalés. Vivo nesta casa sozinho, prefiro assim.

— Oh.

— Vamos lá fora — pegando duas canecas de café turco muito quente, colocou-as na bandeja ao lado dos pratos e, segurando aberta a porta do pátio com o ombro, carregou-a numa das mãos — ver o sol nascer.

Ela o seguiu até o deque de madeira atrás da cozinha. Debruçando-se no parapeito, Jasmine olhou a enorme expansão de deserto além do vale.

— Você disse que algum dia construiria uma casa aqui, mas jamais imaginei uma construção tão linda.

Colocando a bandeja sobre a mesa, ele olhou a silhueta escura do corpo dela diante do amplo deserto, agora com o brilho rosado do nascer do sol.

— Realmente lindo — disse, suavemente. Ela se virou para ele.

— Deve ser difícil para você deixar tudo isto para trás.

Uma dor surda e pulsante surgiu na cabeça de Kareef.

— Sim.

Esquecera por algum tempo o palácio real, a imensa, insatisfeita multidão que o encarcerava, fazendo exigências ao seu rei. Esquecera que em apenas alguns dias renunciaria, formalmente e para sempre, a todos os direitos de ser um cidadão particular, com seus desejos egoístas. Seria rei, sacrificando-se para sempre pelo bem de seu povo.

Respirou profundamente e pensou que naquele dia, pelo menos, ainda estava em casa e era livre.

Olhou para Jasmine, tão impossivelmente bela na camiseta que se esticava sobre os seios e as coxas mal cobertas. Hoje, pelo menos, estava com ela.

— Aqui podemos esquecer que você é o rei — disse ela suavemente. Virou-se e se apoiou na balaustrada, olhando o sol surgir lentamente atrás das montanhas violetas. — E eu posso esquecer que logo estarei casada.

Olhando sem ver para o deserto, ela estremeceu com o ar frio da manhã.

Pegando as duas canecas de café, Kareef atravessou o deque e ficou atrás dela. Entregou-lhe uma delas, abraçou-a e puxou-a para o seu peito. Segurou-a bem perto, enquanto viam o sol nascer e encher a terra de calor e cor enquanto tomavam café em silêncio.

Jasmine olhou para ele com uma risada súbita e constrangida.

— Você disse que vem aqui pra ficar sozinho; quer que eu vá embora?

Ele a apertou contra o peito.

— Não, quero que fique.

Ela não lhe perturbava a solidão, ele percebeu, melhorava-a. A calma intimidade que oferecia enriquecia tudo, até o nascer do sol. Olhando para o imenso deserto, percebeu que estava abraçando a única pessoa na terra que sempre quisera perto de si. Não apenas em sua cama, mas em sua vida.

Não poderia durar, sabia. Em apenas alguns dias voltariam para a cidade. Kareef seria de novo o rei; Jasmine se tornaria a esposa de outro homem.

Aquela magia teria fim.

Mas, olhando os raios do sol agora se espalhando pelo céu, Kareef disse a si mesmo que tinham tempo. Haveriam dias, horas diante deles. E, certamente, neste lugar mágico, aqueles dias poderiam durar para sempre.

Dois dias depois, Jasmine flutuava de costas na piscina, olhando para o maior e mais azul céu do mundo. Então sentiu Kareef se erguer na água e puxá-la para os seus braços.

— Bom dia — sussurrou. Fios de água lhe desciam pelos músculos do peito enquanto a segurava contra ele.

— Por que se levantou tão cedo? — Esfregou-lhe o pescoço com o nariz. — Devia ter ficado na cama.

Jasmine percebeu que estava nu e que havia uma coisa muito específica que queria dela.

— Cedo? — Brincou, segurando-se nos ombros dele. — E meio-dia!

— Você me manteve acordado até o amanhecer, assim, a culpa é sua — disse ele, e então toda a conversa parou enquanto a beijava.

Alguns minutos depois, ainda abraçados e se beijando, ele saiu da piscina com as pernas de Jasmine enlaçadas na cintura. Carregando-a pelo pátio, deitou-a numa das espreguiçadeiras sob um caramanchão. Lá, tirou o biquíni e, lentamente, fez amor com ela ao ar livre, sob o quente sol do deserto.

Jasmine percebeu que dormira nos braços dele porque, quando abriu os olhos, o sol tinha se movido. Mas não reconhecia mais a diferença entre estar dormindo e estar acordada. Como podia dizer se estava dormindo, quando tudo o que imaginara em seus sonhos mais profundos tinha se tornado real, carne e sangue em seus braços?

Seus dias na casa do deserto de Kareef tinham sido cheios de risos, ternura e paixão; sua breve estada fora tão cheia de cores e vida, que transformaram os treze longos anos anteriores em nada mais do que um solitário e vazio sonho.

Se apenas pudesse ficar ali para sempre.

Olhou o reflexo da luz solar na piscina turquesa e tentou afastar o pensamento. Tinha apenas mais um dia e estava determinada a usufruí-lo. Kareef tinha que estar na cidade no dia seguinte. Seus compromissos diplomáticos não podiam mais ser adiados; nem o banquete régio a que compareceriam os dignitários estrangeiros que haviam vindo para sua coroação.

Esta noite, o sonho acabaria.

Pare de pensar nisso, disse a si mesma. Vai apenas arruinar as poucas e preciosas horas que lhe restam. Mas não conseguia, mesmo quando estava na cama aquela manhã, aninhada nos braços de Kareef, que dormia ao seu lado. Ficara olhando para o teto do quarto e desejando de todo o coração que pudesse ficar ali para sempre. Em sua cama. Em seus braços.

Desejava poder continuar sendo sua esposa.

O anseio foi tão poderoso que quase a sufocou. Então fugiu do quarto e se atirou na piscina, para olhar o céu e deixar que a água, o cloro e o sol quente dissolvessem suas lágrimas.

Mas agora, enquanto o abraçava no caramanchão ao lado da piscina, sentiu-se tentada a lhe perguntar se havia alguma possibilidade, qualquer uma. Essas palavras tremeram nos seus lábios, mesmo já sabendo a resposta.

— Kareef? — sussurrou, então parou.

— Hmm? — O rosto dele estava encostado ao dela, o corpo nu sob o sol; não abriu os olhos.

— Estava... estava imaginando...

Então um brilho lhe chamou a atenção. Viu, ao lado da piscina, o short que jogara descuidadamente antes de mergulhar. Alguma coisa caíra do bolso e agora brilhava, verde, à luz do sol.

A esmeralda.

A pequena esmeralda em forma de coração numa corrente de ouro que os pais lhe haviam dado no aniversário de dezesseis anos. Estava usando-a quando Kareef a pedira em casamento aquele dia, ao lado do riacho perto da escola de montaria. De acordo com o antigo ritual do país, precisava dar ao noivo um símbolo de fé. Assim, tirara a corrente de ouro e a pusera na mão dele, enquanto dizia, trêmula, as palavras que os ligariam.

E agora, treze anos depois, ele carregava descuidadamente a corrente no bolso do short, esperando o momento de se divorciar dela.

Olhou para a esmeralda brilhando ao sol e piscou com força enquanto seus sonhos morriam.

Kareef ergueu a cabeça.

— O que é? — perguntou, preguiçoso, a mão no seio dela, então suspirou. — Não me diga, já quer mais? — Bocejou, mas estava sorrindo enquanto estendia a mão para ela. — Você me mata, mulher...

Ela fechou os olhos; queria mais. Mais dele, mais de tudo. E, de repente, não suportou que a tocasse... não quando tinha vontade de chorar como uma criança por tudo que jamais teria. Ele parou.

— Jasmine?

— Não é nada, apenas estou — a voz falhou — ... feliz.

— Eu também. —A mão de Kareef subitamente apertou a dela. — Mas sabe que nosso tempo juntos não pode durar.

Os olhos dela se abriram. Já? Não estava pronta para ouvi-lo dizer as palavras. Seus olhos caíram sobre a corrente com a esmeralda meio fora do bolso do short. Não estava pronta, ainda não! Com uma agilidade nascida do medo, levantou e se afastou.

— Está um dia lindo, vamos cavalgar?

Ele abriu a boca, espantado, e ela teria rido se seu coração não estivesse partido.

— Cavalgar? Mas você detesta cavalgar, você... detesta.

Estaria se lembrando do mesmo que ela, daquela cavalgada de muito tempo atrás no deserto? De como a encontrara, caída entre as rochas depois que seu cavalo Razul se assustara com uma serpente? Kareef caíra de joelhos ao lado dela, os olhos escuros de medo, o rosto pálido e manchado de poeira.

Fique firme, Jasmine sussurrara enquanto a carregava para a caverna, apenas fique firme...

Erguendo o queixo, afastou a lembrança.

— Não odeio cavalgar — a voz não revelava emoção alguma.

— Desde quando?

Os olhos dela brilharam de raiva.

— Fiquei fora muito tempo.

— Mudou tanto assim?

— Vamos apostar uma corrida?

— Você? Competir comigo? — Ele riu. — Está brincando, certo?

— Está com medo? — Jasmine o provocou.

O rosto dele ficou sério e Kareef se levantou. Nu, diante dela, tomou-lhe o rosto nas mãos.

— Não precisa fazer isso, Jasmine. — Seu terno olhar azul, infinito como o céu do deserto, sussurrava-lhe à alma. — Você não tem que provar nada.

— Eu sei. — Nos braços dele, sob a profunda intensidade do seu olhar, podia sentir o seu coração se partindo pela ansiedade de ser mulher dele. Não apenas naquele dia, mas para sempre. Forçou-se a se afastar. — Vamos ver quem chega primeiro ao estábulo!

Ela correu para o quarto e procurou na mala.

Vou desfrutar este último dia, prometeu a si mesma. Vou gravá-lo para sempre em meu coração.

Vestiu-se, penteou-se e saiu correndo da casa.

Alguns minutos depois, quando Kareef chegou ao estábulo, ela já estava montada. Quando viu o cavalo que escolhera, ele parou.

— Esta não.

— E ela que eu escolhi — disse Jasmine, firme. Kareef olhou com raiva o velho cavalariço que a ajudara a montar.

— Ela escolheu Bara'ah, Majestade — disse o empregado. — A dama pode fazer o que quiser na casa, Vossa Majestade disse. Obedeça a ela em tudo, Vossa Majestade assim disse.

Apanhado por suas próprias ordens, Kareef olhou os dois, impotente. Jasmine sorriu, decidida a provar o quanto mudara nos últimos treze anos. Era forte, independente, não precisava que a protegesse, como fizera no passado, e provaria isso: aos dois.

Kareef se aproximou.

— Esta égua não, Jasmine; Bara'ah é cheia de truques. Você viu como fugiu do padoque e causou o acidente de carro.

— Ela não fez de propósito, estava apenas cansada de ficar presa — deu uma palmadinha no pescoço da égua.

— Jasmine...

— Já está perdendo a corrida — disse ela, e bateu de leve os tornozelos nos flancos do animal. A égua pulou para a frente e saiu galopando do estábulo, deixando Kareef para trás, furioso.

Alcançou-a cinco minutos depois, quando já controlara a égua para um trote.

— Você sabe mesmo cavalgar. Onde aprendeu?

Ela lhe deu um sorriso doce.

— Nova York.

Tomara lições numa escola de equitação e passara o tempo livre cavalgando no Central Park. Aprendera a montar na esperança de acabar com os pesadelos que lhe deixavam gosto de sangue na boca. Não acabara, mas ao menos aprendera uma nova habilidade. Sentia grande prazer de cavalgar ao lado de Kareef como sua igual, confiante e capaz, especialmente neste lugar lindo.

Qais era tão áspero e selvagem, pensou, olhando em torno. Alguns podiam achar desolado o amplo panorama, mas sentia liberdade. Não se sentia mais sufocada por edifícios que bloqueavam a visão do céu, a luz do sol. Aqui, em qualquer direção, podia ver o horizonte. Sentia-se livre.

— Vamos — disse ela, brincando, virando as rédeas para uma nova direção. Não tinha idéia de aonde ia, mas adorava não saber. — Na ordem, preparado...já!

Saiu galopando pelo deserto e Kareef a perseguiu. Ficou à frente dele por três segundos até o garanhão passar voando por ela. Jasmine o seguiu, segurando-se em Bara'ah com toda a determinação.

Mas Kareef havia participado de corridas de cavalo desde a infância e montava um cavalo maior e mais veloz; os dez anos de prática de Jasmine não podiam competir com sua velocidade gloriosa e destemida.

Virando-se, parou diante dela com um sorriso.

— Venci.

— Sim, você venceu.

— Então, tomo meu prêmio. — Levou o cavalo para o lado do dela, debruçou-se e beijou-a. Foi um beijo quente, exigente que a deixou querendo mais.

Quando se afastou, ela o olhou, chocada. Aqui, no deserto, o sol queimava todas as mentiras. Enquanto olhava aquele rosto belo, forte e arrogante, tudo de repente ficou claro.

Ela o amava.

Sempre amara, sempre amaria.

Jasmine segurou o arção da sela piscando, abalada por essa compreensão.

Sorrindo, Kareef estendeu a mão para lhe acariciar o rosto.

— Você beija como monta, com abandono — murmurou, elogioso. Olhou para ela, intenso. — Jasmine, precisa saber que eu...

Então os olhos dele focalizaram algo à distância, atrás dela. A mão deixou o rosto de Jasmine, e ele endureceu na sela.

— O que é? — perguntou ela, olhando-o espantada. Cerrando o queixo, ele acenou para um ponto atrás

dela.

— A casa onde vai viver, a casa de Hajjar.

Ela se virou na sela e arquejou. Bem longe, no horizonte, viu a monstruosidade grandiosa de uma mansão, um castelo de pedras vermelhas com bandeiras nos torrões e piscou, horrorizada.

— Ele não está lá. Não há ninguém em casa.

— Então, onde estão? Para onde foram?

De repente, a respiração de Kareef saiu entredentes.

— Está vendo aquelas nuvens? Não gosto do jeito delas.

Tempestades de areia no deserto eram o assunto de histórias de horror contadas às crianças do país; assim, Jasmine olhou rapidamente para o horizonte. O céu escurecera e estava cinza profundo; mas ela mal podia tirar os olhos do pavoroso castelo de Umar para só olhar as nuvens. Comparando o edifício feio à casa simples de Kareef no oásis, teve vontade de chorar, mas não permitiria que Kareef visse suas lágrimas.

— Jasmine, precisamos voltar para conversar.

Ela se virou na sela, viu a mão já se dirigindo para o bolso. Inspirou profundamente; em mais um momento, ele tiraria a corrente com a esmeralda. Precisava apenas entregá-la e dizer as palavras que os separariam para sempre.

Ironia. Na hora em que compreendera que o amava, Kareef se divorciaria dela.

Ela se casaria com Umar e seria sua esposa troféu, presa naquele monstruoso castelo vermelho e em outras mansões como aquela em diversos locais luxuosos do mundo. Teria respeitabilidade e uma família, mas o preço seria sua alma.

— Precisamos nos apressar, vamos.

Ele virou o cavalo e o fez galopar, certo de que ela o seguiria.

Ela o observou por um instante.

— Não — Jasmine sussurrou. — Eu não vou. Virou a égua na direção contrária, apertou-lhe os flancos e a égua disparou.

— Jasmine! — gritou Kareef atrás dela. — O que está fazendo? Volte!

Mas não voltaria, não podia nem mesmo olhar para trás. O amor a queimava como ácido, destruindo-lhe a alma. Apertando os joelhos, Jasmine segurou com força as rédeas, galopando pelo canyon vermelho.

Galopando por sua vida.

 

Kareef arquejou quando viu Jasmine fazer a égua saltar uma moita alta e galopar entre a vegetação áspera. Antes tivera pavor de cavalos, agora cavalgava com a naturalidade de um nômade do deserto.

Olhou para a nuvem de poeira que levantava. Mas não conhecia aquela égua traiçoeira como ele. Já matara um cavaleiro, era cheia de truques maliciosos e o que mais gostava era de atirar no chão quem a montasse. Teve uma visão súbita de Jasmine esmagada na rocha, ferida e sangrando, como a encontrara treze anos atrás....

— Jasmine! Pare!

Ele a viu incitar a égua a correr mais e o medo o tomou. No horizonte distante, viu as nuvens se movendo mais depressa, depressa demais. Uma tempestade de areia podia cruzar o deserto em segundos, matando tudo em seu caminho. Estremeceu e apertou os tornozelos nos flancos do garanhão, que pulou para a frente. Mas Jasmine já estava bem distante.

Kareef não esperava que o desobedecesse. Ninguém o desobedecera por anos.

Devia saber que ela o faria.

Enquanto a perseguia, olhou rapidamente para trás. As nuvens estavam começando a se juntar sobre a amplidão do deserto, o céu estava escurecendo. Não havia mais dúvidas.

Segurando as rédeas com uma das mãos, procurou o celular e descobriu que o perdera durante a corrida. Mas ainda tinha a corrente de Jasmine.

Cerrou os olhos enquanto a observava dirigir a égua veloz para dentro do canyon. Não haveria ajuda para eles antes da tempestade.

Que seja, ele a salvaria sozinho.

Enquanto ficasse protegida, enquanto não saísse do canyon, viveria. Mas se subisse o platô, a tempestade a devoraria viva.

As patas do cavalo batiam no mesmo ritmo dos pensamentos de Kareef enquanto corria atrás de Jasmine para o interior do canyon.

Tinha que encontrá-la.

Ele encontraria Jasmine.

Apertando os músculos das coxas, debruçou-se e incitou o garanhão a correr mais depressa. Passara a juventude nestes canyons e era, de novo, um intrépido cavaleiro que nada temia... exceto perdê-la.

Correu mais depressa, mais depressa e passou em alta velocidade pelos ásperos arcos e os altos penedos do canyon. Estaria ao lado de Jasmine em minutos. Gritou o nome de Jasmine acima do som das patas do cavalo.

Ela olhou para trás e uma sombra de medo lhe cruzou o rosto. Ele ouviu o pânico na voz dela enquanto incitava a égua.

Mas Kareef ganhava terreno a cada segundo. Estendeu a mão para tirá-la de cima da égua... e sua mão ficou no ar quando ela virou a égua para o outro lado, para uma rachadura na rocha vermelha, e começou a subir o penhasco.

— Não! — gritou ele. — A tempestade!

Mas suas palavras se perderam no vento da tempestade enquanto a égua subia em alta velocidade.

Podia sentir, mais do que ouvir, a tempestade se aproximando, o céu cada vez mais escuro. Praguejando, amaldiçoando-a, amaldiçoando a si mesmo, virou o cavalo para persegui-la.

Ela era rápida, mas ele era mais. Pela primeira vez em treze anos, era de novo Kareef Al'Ramiz, o cavaleiro indomável, inquebrantável.

Preferia morrer a perder esta corrida.

— Tempestade de areia! — gritou, acima do vento que aumentava de velocidade.

No alto do platô, Jasmine se virou rapidamente para ele e, naquele momento, a égua parou, como se tivesse cansada da corrida e, deliberadamente, quase como de brincadeira, atirou a amazona. Por um longo e horrível instante, Kareef viu Jasmine voar pelo ar.

A égua pulou delicadamente para outra direção, então se virou para voltar para os estábulos e a aveia que a esperavam.

Jasmine caiu e ficou imóvel, um pequeno monte no chão. O coração de Kareef pulou para a garganta enquanto todas as lembranças lhe surgiam. Jogou-se do garanhão, caindo de joelhos diante dela.

— Jasmine — sussurrou, tocando-lhe o rosto. — Jasmine!

Como um milagre, Jasmine tossiu nos braços dele. Seus lindos olhos se abriram e ela engoliu e tentou falar.

— Não fale — ordenou. O alívio lhe tornava o corpo fraco enquanto a erguia nos braços.

Apertou-a com força. Jamais a deixaria partir. Como vivera tantos anos sem ela? Como pudera saber que estava viva e não procurara por ela? Ouviu o som distante da areia se movendo e o som do trovão, ouviu o gemido alto do vento.

— Tenho que tirá-la daqui. — Assobiou para o garanhão. — Não temos muito tempo.

Olhou para trás. A parte segura do canyon estava muito distante, jamais chegariam lá.

Jasmine seguiu-lhe o olhar e ficou pálida quando viu a parede escura das nuvens.

— Pensei... — a voz engasgou — ... pensei que era um truque. Crescera em Qusay, sabia o que uma tempestade de areia podia fazer.

— Temos de encontrar um abrigo — os olhos dele se encontraram com os dela — o abrigo mais próximo.

Os olhos de chocolate cresceram com o pânico.

— Não — arquejou — lá não, Kareef, prefiro morrer! Ele sentiu os primeiros grãos de areia baterem no rosto com força.

— Se não a levar para um local seguro agora, você morrerá.

Soluçando, ela balançou a cabeça. Mas sabia que ela via a escuridão rapidamente cobrindo o sol, sentia a areia lhe bater na pele com força. Se não encontrassem abrigo, logo estariam respirando areia. Suas peles seriam rasgadas e então seriam enterrados vivos.

— Não! Não posso ir! Ele montou, carregando-a.

— Não posso deixá-la aqui para morrer — disse ele, áspero, virando o cavalo para o penhasco próximo.

— Morri há muito tempo — os olhos cheios de lágrimas, a voz rouca enquanto olhava para o buraco escuro na rocha vermelha. — Morri naquela caverna.

A dor que ouvia na voz dela o destroçava. Jasmine Kouri, que uma vez fora sua vida, seu tudo. Então seus olhos endureceram.

— Não posso deixá-la morrer.

Jasmine se virou na sela, enlaçando-lhe o pescoço com os braços.

— Por favor — sussurrou, os olhos brilhantes de lágrimas. — Se algum dia me amou, não me leve para lá.

Ele olhou o rosto lindo e o coração parou. Se ele a amou?

Ele a amou mais do que um homem devia amar uma mulher. Mais do que um homem devia amar aquilo que não suportaria perder. Olhando-a agora, daria tudo, a própria vida, para fazê-la parar de chorar.

Então viu uma gota de sangue surgir na pele pálida do rosto, como uma rosa vermelha nascendo da terra.

Primeiro sangue.

Um rosnado lhe saiu da garganta. Sacrificaria a própria vida, mas não a de Jasmine, não a dela.

Ignorando seus soluços, fez o garanhão negro se mover na direção do penhasco, os soluços de Jasmine se misturando ao gemido forte do vento. Sentiu a areia lhe arranhar a pele e cortá-la. Segurou-a contra o peito, protegendo-a com o próprio corpo enquanto cavalgava para o único lugar que jamais gostaria de ver novamente. O lugar onde ambos perderam tudo, há treze anos. Seu próprio inferno.

Endurecendo o coração, dirigiu-se para a caverna.

— Não! — gritou Jasmine, lutando para pular do cavalo.

Mas Kareef não a deixaria ir.

O gemido do vento se tornou mais alto, mais forte, com uma força mortal, e os cabelos de Jasmine se soltaram e voaram em torno do seu rosto. Ela fechou os olhos, lutando contra a onda de medo.

Kareef a levava para a caverna, o lugar que a aterrorizava além da razão em milhares de pesadelos.

— Vamos conseguir — disse Kareef asperamente, como se pudesse tornar a declaração uma verdade apenas pela sua força da vontade.

Olhando para trás, Jasmine viu uma parede alta e escura de areia se dirigindo em alta velocidade para eles, cobrindo o platô, destruindo tudo à sua passagem.

Chegaram à caverna um segundo antes da areia. Ele a tirou do cavalo e puxou-os para dentro da escuridão. Ela tropeçou e observou a enorme onda de vento e areia passar pela boca da caverna, deixando para trás uma nuvem de poeira.

Recuou e olhou para o fundo da caverna... o lugar onde perdera o bebê deles.

A dor a tomou, pulsando como uma torrente de golpes, transformando-se numa angústia tão devastadora como a parede de areia do lado de fora, esmagando-lhe a alma sob o seu peso.

Enquanto Kareef se virava para acalmar o garanhão e amarrar as rédeas numa rocha, as pernas trêmulas de Jasmine perderam a força e ela caiu contra as paredes de pedra vermelha, escorregando para o chão, incapaz de afastar o olhar do ponto onde quase morrera.

Onde morrera.

Viu Kareef acalmando o cavalo, sussurrando palavras de conforto enquanto removia a sela. Deu água e alimento a ele, então escovou-o longa e lentamente.

Jasmine observou-o acalmar o garanhão gentilmente. Sempre cuidara de tudo o que amava. Que pai teria sido. Mas jamais partilhariam um filho.

Nem um dia se passava sem que Jasmine pensasse no bebê que perdera no acidente que sofrerá antes de saber que estava grávida. O filho deles teria agora doze anos. Um menino com os olhos azuis do pai? Uma menina com bochechas redondas e um doce sorriso?

Enquanto Kareef acendia uma fogueira com madeira deixada por nômades, ela soluçou.

— Desculpe — sussurrou em meio às lágrimas. — Foi minha culpa ter perdido nosso bebê.

Ouviu-o respirar fundo e, de repente, os braços dele estavam em torno dela. Sentando-se contra a parede da caverna, ergueu-a para o colo dele, abraçando-a apertado contra o peito como se fosse uma criança.

— Não foi sua culpa, nunca, a culpa foi minha...

A voz dele engasgou enquanto a pequena fogueira lançava sua luz bruxuleante na escuridão da caverna. Jasmine ergueu os olhos e viu a amargura no rosto de Kareef.

A dor nos olhos dele a abalou profundamente. Podia ouvir o som forte do vento e a batida da areia contra a rocha do lado de fora. Instintivamente, ergueu a mão para acariciar-lhe os cabelos.

— Você não cumpriu a promessa que me fez, Kareef — a voz era áspera. — Trouxe um médico, depois de dar sua palavra de que não contaria a ninguém. E ambos sabíamos que era tarde demais!

— Você estava morrendo, Jasmine! Fui um idiota em pensar que podia cuidar de você sozinho, um idiota em pensar que apenas o amor poderia salvá-la!

— Mas, quando perdi seu bebê e a capacidade de conceber de novo, você se afastou de mim.

As mãos dele apertaram-lhe os ombros e a raiva sombria naqueles olhos a amedrontou.

— Eu me afastei para morrer — Kareef disse, os dentes cerrados. Libertou-a e passou a mão pelos cabelos. — Fracassei com você e não pude suportar a vergonha e a dor nos seus olhos. Então parti ao deserto para morrer.

A voz de Kareef ecoou na escuridão fria da caverna. Ele tentara morrer... o menino forte, poderoso e destemido que amara? O rei bárbaro que uma vez considerara indestrutível?

— Não, você não faria isto.

— Mais uma coisa em que fracassei.

Perplexa, observou-lhe o belo rosto, meio escondido pelas sombras.

— Mas... não foi culpa sua.

— Fui eu que selei Razul para você! Fui eu que a desafiei a montá-lo! Queria tanto cavalgar com você — deu uma risada amarga — pensei que fosse capaz de mantê-la em segurança.

— Kareef — a voz era um soluço. — Pare.

Mas ele não a ouvia.

— Depois do acidente, eu a deixei ficar dias aqui na caverna, sem os cuidados de um médico. Você quase morreu com a infecção.

— Estava tentando proteger minha família da vergonha...

— Trouxe o médico tarde demais e nem me preocupei com o seu assistente. — Riu de novo, amargo e áspero. — Depois, quando desapareci no deserto, deixei-a por que acreditei que seria mais feliz sem mim, mais segura e protegida por sua família. Jamais me ocorreu que haveria um escândalo e que seria mandada para o exílio. Você já estava em Nova York havia três anos quando soube que havia deixado Qusay! — Ele se debruçou, o queixo rijo, os olhos escuros à luz da fogueira. — Mas eu o fiz pagar pelo que fez a você.

— Quem?

— Marwan. Quando descobri que foi ele que deu origem aos boatos, tirei tudo dele e o mandei para o exílio.

Ela suspirou.

— Obrigada. Sabia que ele me chantageou?

— O quê?

— Na viagem de volta à cidade, quando ainda estava com febre, ele ameaçou contar a todo mundo sobre o aborto. Disse que contaria que eu o fizera deliberadamente para me livrar do bebê. Diria a todos que tive inúmeros amantes e nem sabia quem era o pai. Disse que me arruinaria. — Forçou os olhos a se encontrarem com os dele. — Faria isso... a menos que eu o aceitasse como amante.

Kareef respirou fundo.

— O quê?

— Ele tinha medo de você, mas não tinha medo de mim. Quando não fiz o que queria, cumpriu a ameaça. Em poucos dias, o escândalo custou o emprego do meu pai no palácio, deu aos seus inimigos a arma de que precisavam. Se meu pai não podia controlar a própria família, disseram, como poderia ser conselheiro do rei? Então, tudo o que aconteceu foi minha culpa, tudo minha culpa.

Olhou novamente para Kareef. E quase não o reconheceu.

Um ódio que jamais vira se estampava no rosto dele, um ódio que a amedrontou.

— Vou matá-lo — disse, os dentes cerrados. Com os punhos fechados, levantou-se. — Onde quer que esse homem esteja se escondendo no mundo, eu o farei sentir uma dor que nem imaginaria existir...

— Não — segurou-lhe a mão. — Por favor, já passou. — Pressionou a mão em sua testa e fechou os olhos. — Por favor, quero apenas esquecer.

A mão dele apertou, depois relaxou. Lentamente, ajoelhou-se e tomou-lhe as mãos.

— Quando descobri que você estava no exílio, era tarde demais para fazer qualquer outra coisa além de lhe mandar dinheiro. — A voz estava áspera. — Mas todos os dias desde então tentei receber absolvição — Kareef desviou o olhar. — Mas sei agora que jamais a terei, não importa o quanto eu tente.

— Kareef — a voz era gentil — não foi sua culpa. Foi... foi... — colocou a mão no ombro dele e olhou a parede da caverna quando a verdade lhe foi revelada — foi um acidente.

— O que você disse?

— Um acidente — olhou para ele e foi como se, subitamente, o sol tivesse saído de trás de nuvens escuras, levando luz, levando paz. As lágrimas de alívio rolaram pelo rosto. — Eu estava grávida de poucos dias, nós não sabíamos. O acidente não foi culpa de ninguém. Jamais esqueceremos que quase tivemos um bebê, mas precisamos perdoar, nos perdoar.

A voz dele estava áspera de dor quando disse:

— Queria poder acreditar nisso. — Olhou as mãos dela. — Você está tremendo.

Estava, mas não de frio.

Kareef se levantou, foi até a bolsa e tirou um tapete vermelho, que abriu perto do fogo. Jasmine lhe observou o rosto à luz bruxuleante, seu coração doendo. Durante todos aqueles anos, pensara que ele a culparia... e ele pensava o mesmo sobre ela.

Para ela, haviam sido treze anos de exílio; para ele, a morte em vida.

— Aqui — disse ele, a voz baixa. — Deite-se aqui, perto do fogo. — Virou-lhe as costas. — Ficarei de vigia até a tempestade passar.

Tremendo, Jasmine se levantou, aproximou-se e colocou uma das mãos no rosto dele, obrigando-o a olhar para ela.

— Foi um acidente, Kareef — disse ela, o olhar no dele. — Você não teve culpa!

— Você pode me perdoar? — sussurrou.

Os olhos azuis eram profundos como o mar e Jasmine lhe acariciou o rosto.

— Como posso culpá-lo? Você era... sempre foi... — meu único amor, mas a voz engasgou — meu amigo mais querido.

Ouviu a respiração difícil de Kareef, sentiu-lhe o coração batendo com força contra o dela. O corpo dele estava quente e cheirava a almíscar, sol e areia.

Kareef abaixou o olhar para ela e, subitamente, os olhos dele queimaram Jasmine, esticando cada nervo, desde os cabelos até a ponta dos dedos do pé em rija antecipação.

— E você é minha. Abaixou a cabeça e beijou-a.

Escondidos na caverna, escondidos do mundo e protegidos da tempestade, beijou-a como se nada nem ninguém existisse. Pressionou-a contra a parede e ela o beijou fervorosamente, com o coração nos lábios.

Abruptamente, ele se afastou e Jasmine piscou, olhando-o. Os olhos dele estavam escuros de desejo. Os lábios dela estavam inchados e doloridos com o beijo feroz... quase tão machucados como seu coração. Com um rosnado, ergueu-a como se ela nada pesasse, apertando-a contra o peito. Ela o olhou, sem fôlego, hipnotizada pela força brutal. Podia ouvir o uivo do vento, a areia batendo nas paredes da caverna, o relincho do garanhão.

A pequena fogueira lançava sombras sobre a parede lisa da caverna. Estavam seguros, aqui, estavam quentes; estavam juntos.

Deitou-a gentilmente no tapete e se despiu. Maravilhada, estudou o corpo nu em pé diante dela. Os músculos do corpo bronzeado brilhavam à luz do fogo. Ajoelhando-se diante dela, lentamente tirou a calcinha de Jasmine e, com um sorriso malicioso, jogou-a no fogo.

— O quê? — perguntou ela, observando o algodão queimar. — Por que fez isso?

Ele ergueu uma sobrancelha e lhe deu um olhar que fez os dedos dos pés dela se curvarem para baixo.

— Precisamos de combustível para alimentar o fogo. Mas um fogo já queimava Jasmine, consumindo-a.

Tomou-a no colo e lhe tirou a saia. Ficou seminua junto à nudez de Kareef, que roçou o membro rijo para frente e para trás em seu âmago úmido; então abaixou a cabeça e beijou-a.

Quente, quente. Estava queimando, transformando-se em brasa e chama.

— Tire a minha blusa, tire.

— Você é uma devassa — disse, aprovador, acariciando-lhe os seios e beijando-lhe o pescoço.

Com um gesto, tirou-lhe a blusa e jogou-a no chão. Jasmine se sentou no colo dele, as pernas em torno da cintura. Quando ele começou a se mover contra ela, os suaves sons que Jasmine produzia combinavam com os gritos do vento.

A tensão cresceu no ventre de Jasmine enquanto ele a acariciava e o prazer quase a sufocou. Então, subitamente, ele a ergueu e a empalou com uma única e profunda investida.

Ela arquejou com a fúria da penetração. Não havia apenas preenchido seu corpo, preenchera sua alma.

Segurou-se nos ombros dele e deixou que o orgasmo se construísse, alto, mais alto e mais alto. Mesmo quando finalmente a despedaçou, fazendo-a explodir, manteve o segredo.

Amo você.

Sempre amarei você.

Não poderia dizer essas palavras. Elas nada mudariam.

 

Por um instante Kareef teve medo de tê-la ferido; então ela gemeu e apertou as pernas em torno de sua cintura enquanto ele a preenchia.

Ele arquejou ao movimento, à forma como os seios cheios roçaram seu peito. Então, puxou-a para baixo, investindo dentro dela, preenchendo-a tão profundamente que um rosnado lhe escapou da garganta.

A luz do fogo lançava sombras sobre o lindo rosto de Jasmine, sobre os lábios cheios e inchados e os cílios longos. Sua expressão era de total prazer. Observando-a, Kareef segurou a respiração no esforço de se controlar. Estava dentro dela, mas era ela que o preenchia.

Jasmine. Sua beleza. Sua sensualidade sem limites. Mexeu-se com a graça de uma huri. Gotas de suor eram como pérolas no pescoço branco e esguio enquanto se dobrava para trás, arquejando. O véu do cabelo basto e escuro cascateava por suas costas enquanto ela tentava respirar.

Puxando-lhe a cabeça, beijou-a, e ela arquejou de prazer contra sua boca, agarrando-lhe os ombros, mergulhando as unhas em sua carne, marcando-a como se fosse sua.

Ele a tomava com uma força primitiva... total. Ouviu-a gritar e não conseguiu mais se conter. Agarrou-a com força enquanto se derramava dentro dela com um grito. Então caiu de costas sobre o cobertor vermelho, segurando-a sobre ele. Não soube quando acordou com Jasmine ainda dormindo em seus braços.

Estavam ambos nus e o fogo se extinguia. A noite esfriava, a escuridão aumentando em torno deles. Sentiu-a estremecer e olhou-lhe o rosto; estava dormindo, o rosto pressionado em seu peito. A beleza dela ia além do cabelo negro ou dos perfeitos lábios rosados. Era mais profunda do que a pele branca, rosada nas maçãs do rosto. Mesmo depois de todas as vezes em que fizera amor com ela, não se saciara. E começava a temer que jamais se saciaria.

Não queria se divorciar dela.

Silenciosamente, Kareef deitou-a no cobertor, levantou-se e, cruzando a caverna, pegou outro cobertor da bolsa. Cobriu-a e tomou-a nos braços. Sabia que não a deixaria partir.

Sonolento, olhou-a dormindo aninhada a ele. Queria-a assim todas as noites. Em sua cama. A sua mesa. Em seu braço. Encantando diplomatas com sua beleza. Dançando com ele. Com sua beleza e graça gentil, Jasmine seria a rainha perfeita. Mas...

O queixo enrijeceu enquanto olhava o fogo que morria. Tinha que se divorciar dela. Tinha que produzir um herdeiro do seu sangue. Os Al'Ramiz reinavam em Qusay há mil anos. Seu primo Xavian abrira mão do trono quando descobrira que não era um Al'Ramiz.

O sangue significava tudo, dava aos homens Al'Ramiz o direito de reinar. Não apenas o direito, a obrigação. E Jasmine jamais poderia ter um filho seu.

Sua garganta se fechou e ele desviou os olhos para as rochas iluminadas pelo fogo quase extinto. Do lado de fora, ainda podia ouvir a batida forte da areia contra as paredes sólidas da caverna, podia ouvir o lamento do vento em fúria desapontado enquanto morria lentamente.

Ele cochilou, segurando-a com força.

— Kareef. — O corpo nu se mexeu em seus braços. — Está acordado?

A voz dela era como um sonho, cheia de calor, de paz. Lentamente, ele abriu os olhos.

Na entrada da caverna, acima das pilhas de areia, viu a luz cinzenta da manhã. O vento morrera, o deserto estava calmo. Podia ouvir o som dos pássaros da madrugada, o relinchar suave do cavalo, esperando pelo alimento.

Amanhecera, a tempestade acabara.

O tempo deles acabara.

Virou-se para Jasmine. O rosto dela era um bálsamo para sua alma atormentada. Os olhos castanhos eram duas poças profundas de luz, mas isto apenas tornava mais intensa sua dor.

Não queria deixá-la partir.

— Ainda não amanheceu. — Mentiu ele suavemente, os braços apertando-a mais. — Volte a dormir.

Por um momento, ela descansou contra ele e o silêncio tomou a escuridão da caverna. Então ela se mexeu e ergueu a cabeça para olhá-lo.

— Acha que seus homens estão procurando por nós?

— Sim, estarão aqui em breve.

Ouviu-a respirar fundo, sentiu-a se afastar dele. Quando falou, a voz de Jasmine estava curiosamente sem expressão.

— Então é a hora.

— Hora?

— A hora de você se divorciar de mim.

Olhou para ela. O rosto de Jasmine se transformara em pedra, os poços de luz haviam se fechado. Olhou para a calça agora amassada no chão da caverna.

— Sei que está com a esmeralda — sussurrou.

— Sim — disse ele, o queixo enrijecido. — Eu a trouxe comigo.

— Tão ansioso para se livrar de mim?

— Prometi libertá-la.

Ela ergueu o queixo, sua expressão era uma mistura de coragem e dor.

— Então faça isso.

As mãos de Kareef se fecharam em punhos. Jasmine tinha razão, chegara a hora. A tempestade acabara e seus homens certamente os procuravam. Logo seriam encontrados e Kareef voltaria para Shafar. Para o palácio real, para seus deveres infinitos. Seria o anfitrião de um banquete régio ainda esta noite.

Então, amanhã, assistiria à Copa de Qais e seria testemunha do casamento de Jasmine Kouri com Umar Hajjar.

Era manhã, a magia terminara.

— Kareef? — Jasmine olhou para ele, os olhos profundamente tristes.

Sentiam a mesma dor, percebeu Kareef, ela não queria o divórcio. Saber disso lhe deu uma força súbita. Então não desistiria dela, ainda não.

Ainda não terminara com ela.

— Não, ainda não direi as palavras.

— Mas, Kareef, você sabe que precisa!

— Preciso? — Ele se sentou, os ombros rijos, todo o corpo firme como aço. Olhou para ela, egoísta e impiedoso como um antigo sultão.

— Não há nada disso de precisar—rosnou, erguendo o queixo, os olhos brilhantes sobre ela. — Sou o rei de Qusay. E, até que decida libertá-la, você me pertence.

"Você me pertence."

Jasmine estremeceu às palavras. Não podia negá-las, pertencia a Kareef. Sempre pertencera, de corpo e alma. Mas ele era o rei de Qusay, não podia ter uma mulher estéril como esposa. E não podia ter uma amante abertamente. Um escândalo daqueles seria muito pior do que o de treze anos atrás.

Jasmine fechou os olhos, trêmula. Voltara para Qusay pensando em ajudar sua família, não para arruiná-la de novo! E como poderia causar tanta humilhação pública a Umar, depois de tudo o que fizera por ela?

Tinham que se divorciar, tinham que se separar, não havia outra maneira. Se ficasse com Kareef como desejava, se fosse egoísta, destruiria todos a quem amava. Olhou para Kareef.

Sem dúvida, um grupo de guarda-costas já estaria à procura deles, apavorado por que seu rei desaparecera na tempestade de areia. Seria aquele barulho a distância um helicóptero? Não, disse a si mesma freneticamente, ainda não.

Mas tinha que enfrentar a dura verdade. Seu doce tempo roubado terminara. Afastando-se do calor de Kareef, levantou-se, atordoada. Era tarde demais para a calcinha, fora queimada, mas vestiu o sutiã.

— Você não precisa disso — disse Kareef deitado no cobertor. — Ainda temos horas, mal amanheceu.

Ela não respondeu e Kareef se ergueu num cotovelo.

— Jasmine.

Ela não olhou para Kareef. Temia que, se mergulhasse na intensidade do olhar de Kareef, seria apanhada de novo em sua magia e perderia a capacidade de fazer o que precisava ser feito. Mesmo agora, seu corpo estremecia com o esforço de se negar a ele... e, pior, de negar seu próprio e profundo anseio.

Encontrou a blusa e a saia, agora sujas e rasgadas, amarrotadas atrás de uma pedra. Parecia que correram séculos desde que ele as arrancara de seu corpo. Tanto acontecera desde então, tanto mudara.

Ela lhe sentiu o olhar, mas não se virou. Nu, ele se levantou, como um guerreiro, e, tomando-a nos braços, obrigou-a a se virar e lhe encontrar o olhar.

— O que é? O que está errado?

Jasmine engoliu em seco.

— Obrigada por esses lindos dias no deserto — sussurrou, sentindo o coração se partir. — Jamais esquecerei.

— Nosso tempo não acabou.

Tremendo, Jasmine fechou os olhos. Seria mais fácil falar se não tivesse que olhar o belo rosto masculino, a boca sensual, os olhos de um azul infinito. Ele lhe despedaçava o coração com o olhar.

— Acabou sim. Acabou tudo para nós.

Ela sentiu o choque, as mãos perderem a firmeza e depois a apertarem com tanta força que a feriam.

— Olhe para mim.

Ela não queria.

— Olhe para mim!

Abriu os olhos e viu o rosto de Kareef transtornado de fúria.

— Você é minha, Jasmine, pelo tempo que eu a quiser.

Como queria que isto fosse verdade. Queria ser dele para sempre, ou pelo menos por mais uma noite!

— Como? — perguntou ela, rouca. — Como posso ser sua, Kareef?

Os olhos dele escureceram e ficaram frios.

— Você se ligou a mim há muito tempo.

— Kareef...

— Você não vai se casar amanhã, é cedo demais!

Os olhos torturados de Jasmine brilharam.

— Então, o que quer que eu faça? Abandone Umar no dia do nosso casamento? Seja sua amante? Cause de novo a ruína de minha família?

Ele endureceu o queixo.

— Podemos manter nosso caso secreto...

— Isto não existe no palácio! — exclamou ela. —Aqui no deserto, talvez, com criados de confiança, poderemos manter segredo por algum tempo. Mas sabe tão bem como eu que não há segredos no palácio real. Certamente já há rumores sobre nós. Causei muita dor à minha família e agora minha irmã caçula está grávida. Como meus pais podem manter a cabeça erguida se eu for conhecida como sua prostituta?

O ar sibilou entre os dentes de Kareef.

— Ninguém a chamará assim — sua voz era cheia de fúria. — Você será respeitada como minha... como minha...

— Como sua o quê? Como sua esposa? Não podemos continuar casados, sabe que não podemos!

— Posso fazer o que quiser, sou o rei.

Ela ouviu o helicóptero à distância, sobre o deserto, e desta vez não havia dúvidas; Jasmine balançou a cabeça e riu.

— Um homem com seu senso de honra — disse ela, combatendo as lágrimas. — Tem menos liberdade do que um criado no seu palácio.

— Jasmine...

— Não! — exclamou. — Não posso romper meu noivado. Umar seria humilhado, a reputação da minha família seria destruída. Primeiro o meu escândalo, depois a gravidez de Nima... meus pais jamais poderiam sair de casa de novo!

— Por que se importa, depois da maneira como a trataram?

— Porque eu os amo, porque... — Jasmine ergueu a cabeça, os olhos brilhantes com as lágrimas não derramadas. — ... porque são a única família que jamais terei. Eles e Umar e os filhos dele. Não posso ser a causa da ruína deles me transformando em sua prostituta!

— Não use essa palavra! Matarei qualquer um que a chame assim!

— Todos eles? — A garganta doía enquanto uma risada rouca escapava. — Mataria todos os seus súditos por dizerem a verdade?

As mãos de Kareef apertaram-lhe os ombros.

— Não é verdade e você sabe disso!

Ela fechou os olhos para tentar recuperar as forças.

— Do que mais chamariam uma mulher noiva que fez o que fiz com você?

— Não fizemos nada de errado, você é minha esposa.

— Deixe-me ir, Kareef— sussurrou. — Liberte-me. Os olhos dele estavam tão cheios de uma impetuosa

mistura de possessividade masculina e emoção que ela sentiu o coração encolher.

— Posso protegê-la, Jasmine.

— Como? Nem mesmo você pode fazer milagres...

— E um milagre você estar aqui comigo agora. — Tomando-lhe o rosto nas mãos, mergulhou os olhos nos dela. — E não a deixarei escapar, ainda não.

Ela sentiu os dedos ásperos na pele, sentiu o corpo nu tão quente e rijo contra si. Sentiu o quanto ele a desejava, sentiu o poder de sua força selvagem quando ele abaixou a boca para ela. Seus lábios se moveram sobre os dela com uma ternura delicada, profunda.

Persuadindo-a, dominando-a, não apenas com seu poder sensual, mas com a dor que ela mesma sentia no coração e no corpo.

Quando finalmente a libertou, ela gemeu. Olhou para ele, este homem que amava, sentindo-se tonta e quente, mergulhada na luz suave da proximidade dele. O beijo a conquistara como mil palavras não conseguiriam.

Ele a puxou contra o peito nu, acariciando-lhe os cabelos enquanto sentia sua entrega.

— Você é minha, Jasmine — murmurou contra os cabelos dela, tão baixinho que ela mal ouvia. — Como eu sou seu.

Uma pequena e distante voz dentro dela lhe dizia que ele não era dela... que jamais seria dela, não mais. E voltar para Shafar como sua amante secreta seria pôr em risco tudo o que considerava precioso... todos aqueles a quem amava.

Mas não podia soltá-lo, não ainda, não ainda!

Fechou os olhos enquanto ele a abraçava com força. Que o futuro chegue quando quiser, pensou. De alguma forma, encontrariam um jeito de ficar juntos mais um pouco sem ferir ninguém, não encontrariam?

O som do helicóptero estava agora muito alto. Jasmine viu a areia subir num redemoinho do lado de fora da caverna pela força das hélices quando pousou. Jasmine se afastou, subitamente alarmada.

— Vista-se, não podemos deixar que seus homens o encontrem nu... sozinho comigo!

Ele riu.

— Isso seria uma visão interessante, não seria?

Ela pegou as roupas de Kareef e as jogou nos braços dele.

— Vista-se!

Ele sorriu e Jasmine não conseguiu deixar de sorrir também e, por um instante, o tempo parou com a antecipação de alegrias futuras.

Então ela ouviu os homens dele gritarem, ouviu o som de máquinas na areia. Ouviu os passos se aproximando da caverna, cada vez mais alto.

Suspirando sob o olhar ansioso de Jasmine, Kareef se moveu com precisão militar, vestindo-se em segundos. Ela olhou pela última vez aquele corpo maravilhoso, assombrada por saber que fora a única mulher a experimentar o prazer de partilhar a cama dele. Como era possível? Lembrou-se da maneira reverente, quente e terna com que a tocara à noite e durante o dia...

— Majestade? Majestade!

O chefe da equipe de guarda-costas olhou sobre a areia empilhada na entrada da caverna, então caiu de joelhos num gesto de gratidão e alívio. Atrás dele, havia uma dúzia de homens preparados como se fossem para uma batalha.

— Deus seja louvado! Aquela égua miserável voltou pouco antes da tempestade atingir a casa. Pensamos... tememos...

Abotoando a camisa amarrotada, Kareef ficou em pé diante deles, alto e orgulhoso, um rei em cada centímetro do corpo.

— Estamos em segurança, Faruq, a senhorita Kouri e eu estávamos cavalgando quando fomos apanhados pela tempestade e procuramos abrigo aqui. Obrigado por nos encontrar. — Fez um gesto em direção ao garanhão. — Por favor, providencie para que Tayyib seja cuidado, ele nos serviu bem.

— Sim, majestade.

— E meu pessoal, minha casa?

— Ninguém se feriu e houve poucos danos. Muita areia. Trouxemos um médico, se precisarem.

— Não estou ferido, vamos ver como a senhorita Kouri está.

Faruq olhou para ela, inquieto, então se curvou e recuou. Ela sentiu os outros guarda-costas olhando-a de lado e ficou ruborizada.

— O helicóptero nos levará de volta ao palácio real imediatamente — disse Kareef. Voltando-se para ela, estendeu a mão: — Senhorita Kouri?

Enquanto Kareef a levava para fora da caverna, sorriu para ela e, de repente, toda a sua ansiedade desapareceu, como se jamais tivesse existido.

Levou-a até o helicóptero e ela sorriu para Kareef, tentando ignorar as expressões severas dos guarda-costas que os seguiam. Conseguiriam manter seu caso em segredo por mais um dia, mais um precioso dia antes que Kareef fosse obrigado a compreender que não tinha escolha a não ser se divorciar dela e que teriam que seguir caminhos separados. Mais um dia, pensou ela desesperadamente, ninguém seria ferido por mais um dia, um dia que poderia significar toda uma vida. Kareef daria um jeito de manter o segredo; jamais vira um segredo ser mantido no palácio, mas Kareef conseguiria.

Era mágico, era poderoso, era um rei.

 

Os ombros de Kareef enrijeceram enquanto passava como um furacão pelos corredores do palácio real, fazendo os serviçais se afastarem correndo de seu caminho.

Cada minuto de sua agenda desde a volta para a cidade fora meticulosamente preenchido por cinco subsecretários que trabalhavam sob as ordens do vizir.

Os deveres de um rei eram infinitos. Tratados para negociar, sorrisos falsos sob a capa de cortesia. Diplomacia, política, dizer algo, enquanto pensavam no oposto. O que sabia Kareef dessas coisas? Resmungou para si mesmo. Já estava aprendendo muito mais do que jamais quisera.

Desprezava manter Jasmine um segredo. Dormira no ombro dele na viagem de helicóptero, ainda podia senti-lhe o corpo, o perfume de laranja e cravo-da-índia, embora tivesse tomado banho e trocado suas roupas casuais pelos mantos brancos.

No momento em que chegaram, quisera levá-la ao seu quarto, mas ela recusara, olhando para os secretários e assistentes que o esperavam.

— Mais tarde — sussurrara e, com um suspiro, permitira que se afastasse.

Dissera a si mesmo que conseguiria terminar logo com as reuniões e a encontraria em seu pequeno quarto na ala dos criados, mas isso fora dez horas atrás. Seu idoso vizir, Akmal Al'Sayr, ainda estava aflito com os dias que Kareef passara no deserto. Parecia que se perder e ser considerado morto não era desculpa para um monarca se afastar de seus deveres.

Agora era o crepúsculo e não via Jasmine desde que haviam chegado ao palácio. Um dia inteiro perdido, dedicado somente ao frio dever num palácio cheio de corredores ocultos e murmúrios maliciosos.

Fechou os punhos; detestava toda esta falsidade. Precisava convencê-la a desistir do casamento. De alguma forma, acertaria tudo com Hajjar. Estava disposto a lhe conceder o divórcio quando Jasmine concordasse em não se casar, quando concordasse em ser sua amante.

"Como meus pais poderão manter a cabeça erguida se for conhecida como sua prostituta?" Essas palavras o fizeram apertar mais os punhos; não, maldição, não! Se qualquer homem ousasse insultá-la, Kareef o jogaria nas masmorras bizantinas do palácio. Ele se exilaria no deserto sem água ou comida, ele... mataria todos os seus súditos por dizerem a verdade? Ouviu o eco dos sussurros de Jasmine na caverna, "deixe-me ir, Kareef liberte-me".

Cerrando o queixo, expulsou o pensamento, decidido a mantê-la enquanto a desejasse... levasse isso dez ou cinqüenta anos. Era jovem ainda, apenas 31 anos de idade, poderia mantê-la e adiar seu casamento ao máximo possível.

Apressou os passos pelo corredor, rosnando quando algum serviçal ousava olhar para ele. Estaria Jasmine acordada? Estaria nua sob os lençóis, com seus cabelos negros espalhados pelo travesseiro? Sentia-se rijo como uma rocha, dolorido por ela. Apressou-se mais, quase correu.

— Majestade, uma palavra?

No corredor perto dos escritórios reais, estava o vizir em pé, diante de uma porta aberta.

— Mais tarde — rosnou sem parar.

— E claro, meu rei — disse o vizir, com a voz sedosa. — Apenas quero que saiba que comecei as negociações para o seu casamento. Não precisa se preocupar com isso, eu lhe apresentarei sua noiva em algumas semanas.

Kareef parou e se virou, então entrou e fechou a porta.

— Não vai arranjar nada — disse friamente. — Não tenho interesse em me casar.

— Mas, Majestade, essas coisas levam tempo e Vossa Majestade não está ficando mais jovem...

— Tenho 31 anos!

— Depois do caos provocado pela abdicação de seu primo, seus súditos precisam do conforto e da segurança de saber que a linha de sucessão continua. Um casamento real, uma família real. Pode ser difícil encontrar a noiva certa, uma virgem jovem com a linhagem adequada e uma reputação perfeita, ilibada...

— Por que tem que ser uma virgem?

— Assim ninguém duvidará que os filhos dela são seus — replicou o homem parecendo surpreso. — Não pode haver dúvidas sobre seu herdeiro.

Kareef enrijeceu o queixo.

— Você não negociará uma noiva para mim, eu o proíbo.

O vizir o olhou com malícia.

— Porque seus interesses estão em outro lugar?

Kareef estreitou os olhos, perguntando-se o quanto ele já sabia. Os espiões do vizir estavam por toda parte.

Cuidava demais da segurança do país, a privacidade pessoal nada significava para o homem.

— O que quer dizer?

Os olhos negros se fixaram nos de Kareef.

— Seria um erro grave insultar Umar Hajjar, meu rei — disse tranqüilamente. — Soube que volta de Paris esta noite.

Paris. Então as suspeitas de Kareef estavam corretas. Hajjar fora ficar com a amante francesa. E esperava-se que entregasse Jasmine a um homem que nem mesmo era leal a ela?

Zangado demais para ser justo, Kareef cerrou os punhos.

— Não tenho a intenção de insultar Hajjar. Ele é meu amigo, salvou minha vida.

— Sim, isso mesmo — O vizir limpou a garganta. — O banquete real começará em pouco tempo, majestade. Embaixadores e príncipes vieram do mundo inteiro para celebrar a sua coroação, não vai querer se atrasar.

Kareef cerrou os dentes; esperavam que conversasse com pessoas com quem não se importava?

— Chegarei na hora em que eu quiser.

— É uma pena que sua futura esposa não o acompanhe neste evento social — suspirou, então se alegrou.

— A princesa Lara du Plessis irá com o pai. Ela também é uma possibilidade, é muito bonita...

— Sem casamento — rosnou Kareef. Com a mente em Jasmine, virou-se para sair.

— Vossa Majestade a encontrará no jardim real — disse o vizir, irritado. — onde ela não merece estar.

Kareef se virou para enfrentá-lo. Jasmine estava certa, não havia segredos no palácio, Akmal Al'Sayr conhecia todos.

Menos um. Não sabia que Kareef já era casado.

— Você vai chamar seus espiões e deixá-la em paz.

O vizir ficou em silêncio, a expressão reprovadora.

— E arranje um lugar para ela no banquete.

O vizir pareceu ainda mais infeliz, mas abaixou a cabeça.

— Sim, Majestade — os olhos do homem brilharam. — Mas ela jamais pode ser nada além de ser sua amante. O povo jamais aceitará uma mulher como ela como sua esposa, uma mulher que teve tantos amantes que se jogou de um cavalo para perder um bebê sem nome...

Kareef viu tudo vermelho. Em dois passos, agarrou o pescoço do homem.

— Foi um acidente — sibilou — um acidente. E, quanto aos seus muitos amantes, ela teve apenas um. Eu, compreende, Al'Sayr? Eu fui o amante dela, o único.

Os olhos do homem começaram a querer saltar antes que Kareef recuperasse o controle. Largou-o e o vizir se encostou na porta, segurando o pescoço e tossindo.

— Jamais fale sobre ela assim de novo — a voz era mortal.

Virando-se, Kareef se apressou pelo corredor, furioso, os mantos se enrolando nos tornozelos. Seu coração ainda batia com força quando encontrou Jasmine no jardim real, dormindo numa cadeira acolchoada sob o caramanchão tranqüilo e sombreado. Um livro estava aberto no colo dela. Ele parou, olhando-a, mais uma vez maravilhado com sua beleza.

Ela dormia tranqüilamente, como uma criança. A brisa passava entre as árvores e jogava mechas de cabelos sobre seu rosto. Usava um suéter preto sobre uma blusa branca de gola alta, uma saia preta longa e calçava tênis vermelhos.

Seu rosto adorável não tinha maquiagem e era belo. Modesta, simples, como uma menina. Parecia a esposa e mãe perfeita... o coração perfeito do lar de um homem.

Do lar dele.

Ele respirou fundo, acalmando-se sob a influência de sua doce pureza, de sua inocência. Sorriu enquanto a olhava. Então o olhar caiu sobre a mão dela e ele viu que ainda usava o diamante de Hajjar.

Os olhos escuros de Jasmine se abriram e um sorriso lhe iluminou o rosto quando o viu. Esse sorriso penetrou a alma de Kareef.

— Kareef — a voz doce o refrescou como água fria. — Oh, como senti sua falta hoje!

Ele se sentou ao lado dela e lhe tomou a mão.

— Pensei que este dia jamais terminaria.

— E, mais uma vez, você me encontrou no jardim real, onde não devia estar.

— O jardim é seu, você tem todo o direito. Ela torceu o anel no dedo.

— Por enquanto.

Uma pontada de ciúme inesperado o tomou enquanto olhava o anel, a marca física da posse de outro homem.

— Tire isto.

Olhou-o surpresa.

— Por quê?

— Tire.

— Não.

— Você não vai se casar com Hajjar amanhã.

A expressão dela se fechou.

— Vou — ergueu-se — e se não puder aceitar isso...

— Então não vamos falar disso agora. — Segurou-lhe o pulso. — Apenas vá ao banquete comigo esta noite.

Ela olhou para a mão dele em seu pulso.

— É assim que vamos ser discretos? Ao lado um do outro no banquete, como amantes, para que o mundo inteiro veja? — Ele viu lágrimas nos olhos dela. — Admita que tenho razão, o palácio já está nos separando, vamos terminar logo com isso.

Ele a olhou com o coração pesado. Como poderia fazê-la mudar de idéia quando sentia a verdade das palavras dela? Mas, respirando fundo, ele balançou a cabeça.

— Mais uma noite.

— Não mudará nada.

— Vá ao banquete comigo, me dê uma última oportunidade de fazer você mudar de idéia, de convencê-la a não se casar com Hajjar. Uma última noite; então, se você ainda quiser se casar com ele... lhe direi adeus.

Observou a expressão de Jasmine enquanto ela visivelmente lutava entre o desejo e a dor.

— Você se divorciará de mim?

— Sim.

— Palavra de honra?

— Sim — Kareef confirmou.

Ela acenou lentamente.

— Muito bem — estendeu a mão e lhe acariciou o rosto, então hesitou. Olhou os tênis vermelhos. — Vou me vestir.

Ela abaixou a cabeça, depois levantou-a, lágrimas nos olhos.

— Até a noite então, meu rei.

Meia hora depois, Kareef chegava sozinho, sob aplausos delirantes, no grande salão de baile. Quinhentos convidados ilustres clamavam por sua atenção, seu olhar... e ainda não pensara num meio de convencer Jasmine e continuar como sua amante. Porque não havia uma solução.

Jasmine queria respeitabilidade, queria uma família, filhos. Como rei, o que poderia oferecer a ela... a não ser ruína?

Cumprimentando seus convidados, Kareef andou até a cabeceira da longa mesa, procurando por um lindo rosto. Onde estava ela? Onde o vizir a colocara? Sem sua presença tranquilizadora, sentia-se como um tigre preso numa jaula, meio enlouquecido pelo cativeiro. Rezava para encontrá-la ao lado dele à mesa.

Mas, quando chegou ao seu lugar, parou. Sentado à sua esquerda estava o rei idoso de uma nação vizinha; à direita, uma linda loura de 18 anos, coberta de diamantes e dando risadinhas enquanto olhava para ele com grandes olhos azuis. Soube imediatamente quem era: a princesa Lara du Plessis.

Amaldiçoando silenciosamente seu vizir, Kareef se sentou. As mãos estavam cerradas sobre a toalha de linho e olhava sem ver o prato de porcelana fina, decorado com motivos em ouro 24 quilates e a flute de cristal com champanhe francês. Onde estava Jasmine?

Enquanto a refeição era servida, o rei idoso à sua esquerda se queixava das injustas taxas alfandegárias entre Qusay e seu país e Kareef teve de controlar sua impaciência.

Então sentiu os pelos da nuca se arrepiarem e olhou para a frente.

Jasmine olhava para ele do outro lado do salão, o mais distante que podia ficar dele. Seu lugar era entre uma mulher vestida de marrom e o secretário do Tesouro. Sem dúvida, uma localização escolhida a dedo pelo vizir.

Ela lhe deu um sorriso encorajador, mas seu olhar era triste. As sombras do salão aumentavam com o cair da noite e fizeram tudo desaparecer, menos ela. Tão linda e tão distante.

O coração de Kareef se apertou. Então seria assim, seria isto tudo o que poderia lhe oferecer? Ser sua amante secreta, digna apenas de encontros clandestinos em seu quarto... e não sua honrada companheira, sempre ao seu lado?

Kareef comeu depressa, respondendo em monossílabos ao rei idoso e à jovem princesa quando lhe dirigiam algum comentário. No momento em que os músicos e os dançarinos do fogo chegaram ao salão, assinalando o fim do banquete, as velas foram apagadas para destacar a magia de seu desempenho.

Kareef se levantou e foi até ela. As sombras eram escuras e profundas no caminho através do salão. Todos estavam hipnotizados pela dança com chamas e espadas ao som da melodia da jowza e da santur.

Kareef era invisível na escuridão. Passou por pessoas que conversavam como jamais falariam diante do rei.

— Jasmine Kouri — ouviu uma mulher sibilar e, apesar de tudo, diminuiu o passo para ouvir. — Passando dias com ele no palácio... e noites também, aposto. O rei é um homem bom e honrado mas, quando uma mulher está tão determinada a abrir as pernas...

— E ela uma noiva! — Veio a resposta maldosa. — Fez de Umar Hajjar um idiota por querer se casar com ela. Lembra-se do escândalo quando era jovem? Foi má desde sempre.

— Ela receberá seu castigo, espere e verá...

Com os punhos cerrados, Kareef se virou para ver quem estava falando, mas as vozes de mulheres se misturaram e desapareceram na multidão, e viu apenas sombras se movendo.

Oh Deus, queria uma luta honesta! Uma luta na qual pudesse enfrentar seu inimigo de frente... não os sussurros de boatos maldosos na escuridão.

Ainda estava trêmulo de fúria quando chegou às mesas mais baixas do salão. Sussurrou o nome de Jasmine silenciosamente; ansiava por tocá-la, ansiava por tomá-la nos braços, mantê-la em segurança, abrigá-la das palavras cruéis.

Mas, quando chegou à cadeira dela, estava vazia.

No instante em que os músicos entraram no salão com suas guitarras e as luzes se apagaram, Jasmine saiu da cadeira. O banquete fora um inferno. Ouvira os sussurros e vira os olhares dirigidos a ela... alguns curiosos, outros invejosos, muitos maliciosos. Era evidente que, apesar de ela e Kareef não terem se beijado nem dormido na mesma cama desde o seu retorno ao palácio, todos já acreditavam que era sua amante. E a culpavam... apenas ela... por este pecado.

Seus vizinhos de mesa deixaram claro sua opinião sobre ela, ignorando-a ou lançando-lhe olhares de reprovação durante uma hora de total desconforto.

Observou Kareef do outro lado do salão. Era claramente adorado e elogiado por seus súditos e aceitava as atenções com indiferença, como se fosse seu direito.

Kareef não precisava dela em sua vida, independentemente do que dizia. Estava cercado por pessoas que lhe imploravam atenção, incluindo a virginal princesa loura sentada ao lado dele. Era o tipo de mulher com quem, sem dúvida, se casaria......muito em breve.

Fugira assim que o salão escurecera. Estava desesperada para escapar antes que alguém lhe visse as lágrimas. Mas, assim que saiu para o corredor, sentiu uma mão em seu ombro e se virou, os punhos cerrados, então suas mãos relaxaram.

— Pai, o que está fazendo aqui?

Yazid Kouri parecia ter envelhecido desde que o vira pela última vez. Ele a olhou de cima abaixo, no vestido formal que pedira emprestado à sua amiga Sera.

Ele deu uma risada áspera.

— Por que voltou?

— Você sabe...

— Pensei que finalmente se tomaria uma moça respeitável, uma filha obediente — balançou a cabeça, os olhos brilhantes. — Por que concordou em se casar com um homem honrado apenas para traí-lo com o rei, mesmo antes de fazer seus votos?

Ela balançou a cabeça.

— Você não compreende.

— Diga-me que não se deitou com o rei, diga-me que é apenas um boato malicioso e acreditarei em você.

Piscando, ela desviou o olhar; o desapontamento do pai lhe causava tanta dor que não podia suportá-lo.

— Não traí ninguém a não ser a mim mesma. Não há vergonha se estou com o rei, não quando ele... não quando nós...

Não quando somos casados. Mas as palavras ficaram presas na garganta. Não podia revelar o segredo deles. A palavra do rei era admirada em todo o mundo; como podia revelar que ele escondera um segredo daqueles por treze anos?

Quando menina, ficara em silêncio para protegê-lo. Como mulher, ainda faria a mesma coisa.

— Não vê nada de errado em dormir com um homem que não é seu marido? Esse tipo de comportamento pode ser aceitável no mundo moderno, mas não em nossa família. Sua irmã precisa de você, case-se com Umar, volte para Nova York com seu marido e a família dele. Ajude Nima a criar seu filho!

O queixo de Jasmine caiu.

— Você falou com ela?

— Ela telefonou há duas horas. — Ele desviou o olhar, o queixo duro. — Ela diz que não sabe como ser mãe. Está ameaçando dar a criança para estranhos depois que nascer. Está apavorada, é tão jovem!

Jasmine foi tomada por uma fúria que quase não conseguiu controlar; ergueu a cabeça.

— Assim como eu estava e era! — exclamou. — Tinha dezesseis anos quando você me expulsou da família, do país!

— Eu estava zangado. — As lágrimas encheram os olhos tristes. — Tinha expectativas diferentes para você, Jasmine, você é minha filha mais velha. E tão inteligente, tão forte, tinha tanto orgulho de você. Então... tudo acabou.

O coração dela se apertou.

— Volte para Nova York como uma mulher casada. Tranqüilize Nima com sua força. Amanhã, estarei em Qais para o seu casamento.

Virando-se para sair, parou quando viu Kareef em pé atrás dele, o corpo tenso nos mantos brancos.

O pai ficou quase roxo e ergueu os punhos para o homem muito mais alto, muito mais forte.

— Devia matá-lo pela forma como envergonhou minha filha!

Kareef não se moveu, não recuou, apenas ficou lá, esperando pelo golpe.

O pai deixou as mãos caírem, lágrimas descendo pelo rosto enrugado.

— Você não é um rei — a voz era rouca, trêmula de dor. — Você não é nem mesmo um homem.

Virando-se, saiu tropeçando pelo corredor.

Jasmine observou o pai e, quando ele desapareceu nas sombras, perdeu o controle. Kareef a tomou nos braços e a segurou com força enquanto ela chorava. Acariciando-lhe suavemente a cabeça, olhou-a e segurou-lhe as mãos. Os olhos de Kareef eram profundos e escuros enquanto lhe enxugava as lágrimas com os polegares. Respirou fundo, então deixou os ombros caírem, resignado.

— Venha comigo.

Kareef levou-a pelo corredor escuro, passando por diversos criados que fingiam não percebê-los, que fingiam que não viam o rei deixar seu próprio banquete com uma mulher que pertencia a outro homem.

Levou-a para a ala oeste, ao seu próprio quarto. Fechando a porta, deitou-a na enorme cama, sentou-se ao lado dela e beijou-a.

As lágrimas desciam pelo rosto de Jasmine enquanto o beijava também com todo o coração. Transmitiu naquele beijo tudo o que sentia por ele, toda a ternura dos sonhos de menina e o fogo do desejo de uma mulher. O quarto enorme estava escuro, a janela estava aberta e um vento quente do deserto chegava do jardim, junto com o barulho, as súbitas risadas e aplausos do salão de baile no andar inferior. Mas eles estavam num mundo separado.

Gentilmente, ternamente, fez amor com ela pela última vez. O êxtase do corpo de Jasmine foi tão intenso como a dor em seu coração.

Eu o amo, gritava sua alma, eu o amo. Mas sabia que o amor não mudava nada.

Quando terminaram, saciados mas infelizes, ele a abraçou com força contra o peito como se não conseguisse deixá-la partir. Então, lentamente, levantou-se da cama. Vestiu-se e, sem olhar para ela, foi até uma arca antiga, enfeitada com pedras preciosas ao lado da estante. Girou uma chave e abriu-o. De dentro, tirou algo e voltou para a cama, onde ela estava sentada, vestida e atordoada.

Ele segurou a corrente com a esmeralda, e Jasmine olhou a esmeralda, sem se mover.

Kareef lhe tomou a mão, colocou a esmeralda na palma e dobrou os dedos sobre a corrente. Jasmine ouviu sua respiração difícil e trêmula, então sua atitude mudou e se tornou rija como granito. Ele colocou a mão sobre a dela e, quando falou, a voz era profunda e fria, ecoando no imenso quarto.

— Jasmine, eu me divorcio de você.

 

Na manhã seguinte, Jasmine desceu do helicóptero e observou a moderna pista de corrida de cavalos que dividia a imensa expansão do deserto.

Qais. O deserto que amava. Mas, agora, sua liberdade estava comprometida. Os horizontes se estendiam em torno dela enquanto ficava de pé, vestida da cabeça aos pés, com roupas escolhidas para ela por outra pessoa.

Suas roupas tinham chegado de Paris e agora as usava para agradar ao futuro marido. Estava com um vestido vermelho de seda Christian Dior, sapatos pretos de saltos altos de Christian Louboutin, uma bolsa preta de Kelly e um chapéu branco e preto de abas largas. Suas lindas roupas pareciam uma fantasia da década de 1950, severas e com estilo.

Não tinha mais liberdade, nem mesmo nas roupas que usava.

Jasmine olhou o estádio de vidro que Kareef e Umar haviam construído juntos. Não era só aquilo que os dois homens partilhavam; quando a Copa de Qais terminasse, ela se casaria.

Kareef a seguiu com os guarda-costas e assessores. Ela o viu hesitar, então continuar, o rosto severo. O que havia mais a dizer? Restava apenas devolver a Umar sua noiva.

Jasmine observou as costas musculosas enquanto ele caminhava à frente dela. Memorizou cada gesto da cabeça, a linha do queixo, a estrutura do corpo extremamente masculino enquanto ele caminhava, forte e elegante em seus mantos brancos.

Sem querer, lembrou-se da sensação do corpo nu contra ela, o prazer doce da dor da penetração, a forma como os lábios inchavam com seus beijos, o interno das coxas arranhados pela aspereza da barba nascente. As lembranças fizeram o corpo de Jasmine enrijecer com uma onda de calor enquanto sua alma se abalava com a angústia da perda.

Respirou fundo e se obrigou a olhar para a frente. Erguendo-se no deserto, o brilho do estádio de vidro competia com o do sol. Mas nem mesmo o sol do deserto seria capaz de queimar o gosto de Kareef, o cheiro exótico de sua pele, só dele, inigualável. Não podia queimar a lembrança do corpo rijo cobrindo o dela. Ou a expressão em seus olhos azuis na noite anterior, quando dissera as palavras que a separaram dele.

— Minha querida — Umar saiu de uma porta particular do estádio e se debruçou para lhe beijar o rosto gentilmente. — Estou feliz por finalmente vê-la.

Apesar das palavras, estava pálido e, quando se afastou, ela não se moveu para beijá-lo, nem mesmo lhe sorrir.

— Onde esteve, Umar? — O rosto pálido de Umar ruborizou.

— França — murmurou. — Houve uma emergência familiar, com Léa.

— Com a babá? Está tudo bem?

— Ótimo, ótimo — disse ele, o sorriso indeciso. Parecia estranhamente nervoso e desajeitado, nada como o homem educado e sofisticado que conhecera.

Virando-se, ele começou a andar, praticamente correndo para a porta, embora a etiqueta exigisse que o rei fosse o primeiro a entrar. Tiveram que se apressar para não ficar para trás.

— E isso é tudo que tem a me dizer? — exigiu saber Jasmine.

— A corrida vai começar — Umar virou-se para olhar para trás com uma expressão de desagrado, então suspirou. — Quando terminar, conversaremos.

Jasmine olhou para ele; teria ouvido os rumores de que ela e Kareef eram amantes? Não queria mais se casar com ela? Será que iria abandoná-la no altar, para a vergonha eterna de sua família.

— Espere, o que quer que tenha ouvido, posso explicar...

— Mais tarde — Umar passou apressadamente pela porta. — Sua família já está aqui, eu os coloquei a pouca distância do camarote real, num lugar de honra. — Fez uma pausa. — Estarei com meus filhos no camarote ao lado do seu, você está no camarote real com o rei.

Então ele ouvira!

— Espere — exclamou ela. — Você não compreende!

Kareef se aproximou por trás dela.

— Com medo de ficar sozinha comigo? — perguntou, com a voz baixa.

Ela o olhou e estremeceu sob a escuridão dos olhos azuis. Engoliu, lutando contra as lágrimas; isso era difícil, muito mais difícil do que imaginara!

— Os arranjos que fiz são aceitáveis, meu rei? — perguntou Umar.

Kareef respondeu apenas com um aceno de cabeça, então olhou de novo para Jasmine com olhos brilhantes. Divorciados, estavam divorciados. Mas isto não mudara seus sentimentos, não impedia que seu corpo gritasse pelo toque dele. O divórcio nada mudara.

— Obrigado, Majestade. — Umar entrou na tribuna de honra.

Ela sentiu o olhar intenso de Kareef nela como o sol inclemente do deserto, queimando-lhe a alma. Então passou por ela.

Erguendo o queixo, Jasmine segurou o chapéu de abas largas, seguiu-o pela porta particular e subiu a escada. Passaram através de uma sala com ar-condicionado e chegaram ao camarote real aberto.

Kareef saiu primeiro e, quando se tornou visível à multidão no estádio, quarenta mil pessoas se levantaram, gritando seu nome; quando ergueu a mão, os gritos aumentaram. Jasmine ficou atrás, com a bolsa comprimida no corpo, funcionando como um escudo.

Olhou para o rosto belo e selvagem, viu as linhas de força e sabedoria em torno dos olhos, o queixo poderoso.

A honra era o núcleo do que ele era. Fizera a coisa certa, não importava que isso a matasse. Deixara-o livre para ser o rei que nascera para ser.

Kareef se sentou e ela se deixou cair na cadeira ao lado dele. Estava consciente dele a cada momento, mas não olhou em sua direção, a atenção presa à pista.

Milhares de pessoas a olhavam. Sentada ao lado do belo, jovem e poderoso rei, Jasmine sabia que parecia muito afortunada. Embora algumas mulheres mais velhas sussurrassem maliciosamente, suas filhas mais modernas a estudavam, analisavam suas belas roupas e o belo homem ao lado dela. Sem dúvida, pensavam que valia a pena perder a reputação por uma vida de tanto encantamento.

Se soubessem como se sentia. Belas roupas, riqueza, atenção, poder... nada disso importava quando não podia ter o homem que amava.

— Você dormiu bem? — perguntou Kareef.

— Sim — mentiu, um nó se formando na garganta. — Muito bem.

O tiro foi dado para a largada e os cavalos começaram a correr. Jasmine sentiu o calor do olhar de Kareef pela forma como seus cabelos da nuca arrepiavam, como seus mamilos enrijeciam e os seios ficavam pesados.

No camarote ao lado, Umar estava acompanhado por seus quatro filhos, o bebê de dois anos no colo da babá francesa, Léa, que não era exatamente bonita, mas tinha uma expressão suave e atraente. Era apenas alguns anos mais velha que Jasmine. Umar se levantou quando os cavalos passaram pelo camarote, torcendo pelo seu cavalo, um dos favoritos da corrida.

Os quatro meninos eram adoráveis, pensou Jasmine, e logo seria sua madrasta. Mas nem mesmo isto a alegrava como antes. Nenhuma das crianças a queria, pareciam já ter uma mãe... Léa.

Jasmine viu sua família sentada numa seção diferente e ergueu a mão, hesitante, num cumprimento. O pai a olhou e virou a cabeça, uma expressão severa e reprovadora, seu olhar era frio.

Jasmine enrijeceu os ombros; não tinha importância, disse a si mesma. Quando estivesse casada, se Umar ainda quisesse se casar com ela, o pai teria orgulho dela. Faria a coisa certa, mesmo que isso a matasse.

Ouviu Umar gritar de alegria e bater palmas. Seu cavalo vencera e ele se levantou para receber o prêmio. Saiu e foi seguido pelos filhos e a babá. Jasmine se sentiu completamente excluída.

Observou Umar se dirigindo para a pista, acenando para a multidão.

— Não significa nada para você — disse Kareef atrás dela em voz baixa. — Entregar seu corpo a ele esta noite, quando esteve em minha cama apenas ontem?

Ela fingiu sorrir para Umar enquanto ele recebia flores na pista, dava palmadas no pescoço do cavalo e cumprimentava o jóquei.

— Estamos divorciados — disse ela, mantendo com esforço a voz serena. — Você não significa mais nada para mim.

— Não se case com ele, Jasmine — a voz era rouca e profunda. Ouviu-o se levantar. — Não se case com Umar Hajjar.

Ela viu o noivo acenando e sorrindo, depois ergueu o filho de dois anos no ombro, enquanto a multidão aplaudia e gritava.

Sentiu Kareef em pé atrás dela, perto o bastante para tocá-la. Ela não se virou e, de repente, percebeu que o som que a ensurdecia não vinha da multidão, mas do seu coração disparado.

Sentiu Kareef retirar lentamente o seu chapéu, sua respiração quente na nuca. O corpo todo se enrijeceu e uma tensão agonizante se construiu dentro dela.

— Fique comigo — disse Kareef, a voz um sussurro. — Não porque está ligada a mim, mas porque é sua escolha. Seja minha amante.

A amante do rei.

Por essa felicidade, Jasmine sacrificaria tudo, menos sua família. Fechou os olhos e pensou que experimentara dor antes, mas isto era mais do que poderia suportar. Respirando fundo, ela se virou nos braços dele.

— Não posso.

— Jasmine...

— Volte para o palácio, Kareef, não fique para o meu casamento. Ficar tão perto assim de você me mata... não vê que está me matando?

Virou-se e correu pela escada em direção à sala com ar condicionado. Kareef a alcançou quase imediatamente e, segurando-a, empurrou-a contra a parede. Jasmine lutou, mas ele lhe prendeu os punhos e ela não podia correr, não podia escapar, nem podia resistir.

Preparou-se para um assalto selvagem aos seus lábios, esperava que a esmagasse. Mas Kareef fez algo muito pior. Abaixou a boca para Jasmine num beijo tão suave, tão terno, como se... como se a amasse.

Kareef moveu as mãos sobre o vestido de seda de Jasmine, saboreando as curvas do corpo em seus braços. Quase se afogou na onda de alívio que o invadiu, por ela estar de volta ao lugar a que pertencia. O desejo lhe percorreu as veias enquanto provava a doçura infinita daqueles lábios.

Pensara tê-la perdido. Kareef se divorciara dela, como prometera, mas ainda a desejava. Queria que Jasmine escolhesse ficar com ele, por vontade própria. Que o escolhesse acima de todos os outros homens, não importava o quanto seu amor pudesse ser inconveniente ou difícil. Não compreendia que já haviam perdido muitos anos de vida juntos? Pertencia a Kareef, como ele pertencia a ela.

Segurou-lhe os seios através do tecido, acariciando-lhe os ombros, o pescoço de cisne. Beijou-lhe a pele, mordendo-a com força suficiente para marcar. Queria deixar nela a marca de sua posse, remover todas as lembranças das exigências de outro homem sobre ela. Queria arrancar aquele maldito diamante de sua mão.

— Você me pertence, Jasmine — Kareef rosnou. — Admita isso.

Os belos olhos brilharam e se prenderam aos dele com a sensualidade de uma noite quente no deserto. A lembrança do corpo dele fazendo amor com ela tantas vezes, com tanta urgência, passou por Jasmine como um incêndio. As mãos dele a apertaram com força.

— Pertenço a você — sussurrou ela, respirando fundo. — Mas, Kareef, você sabe que nós...

Kareef calou Jasmine com um beijo feroz. Sentiu-a tremer sob ele enquanto lhe acariciava o corpo e mergulhava as mãos nos cabelos sedosos. Ele se pertenciam e agora queria que o mundo inteiro soubesse. Não esconderia mais seu amor por Jasmine.

Seu amor. Oh Deus, ele a amava.

Não a desejava apenas, não queria apenas passar todos os momentos com ela. Amava-a, jamais deixara de amá-la. Por isso jamais se sentira tentado pela fila infinita de mulheres que havia tentado se deitar em sua cama. Seu corpo, seu coração e sua alma pertenciam a apenas uma mulher.

Jasmine.

Mesmo se isto lhe custasse a coroa, mesmo se lhe custasse a vida, ficariam juntos, abertamente, ao sol.

Envolvendo o rosto dela nas palmas das mãos, beijou-a ternamente, beijou-lhe as pálpebras fechadas, a face, a boca. Um suspiro escapou dos lábios dela quando estremeceu nos braços dele, o rosto virou-se para ele.

Kareef enlaçou-lhe os dedos da mão esquerda e ergueu-a até seu coração enquanto olhava para ela.

— Direi a Hajjar que não haverá casamento.

Sorrindo, ele segurou o enorme diamante e começou a tirá-lo. Mas ela fechou a mão em punho e ele a olhou exasperado.

— Jasmine — exigiu.

O rosto dela não tinha expressão quando balançou a cabeça.

— Você será minha amante e será respeitada — Kareef disse, mantendo a testa franzida. — Minha rainha em tudo, menos no nome. Não haverá encontros nas sombras, nenhuma vergonha para sua família. Eu a tratarei como a mais alta dama do país e todos seguirão o meu exemplo.

— E Umar?

— Ele nos perdoará.

— E você? E quando se casar com sua noiva, a rainha de Qusay? O que será de mim então?

Ele enrijeceu o queixo. Esse pensamento o torturava.

— Talvez eu morra solteiro — rosnou.

— Mas você precisa de um herdeiro.

Ele deu de ombros, um gesto casual que desmentia a emoção reprimida nos olhos dele.

— Os filhos de meus irmãos podem herdar, ou os netos. Pretendo viver muito tempo.

— Mas seus irmãos nem são casados. O que o faz pensar que se casarão?

Kareef sentiu uma breve incerteza que rapidamente se transformou em raiva e impaciência.

— Eles se casarão.

— Eles nem se importam com Qusay o bastante para viverem aqui. Acha que Rafiq desistirá de seu império multibilionário para voltar da Austrália e governar? E, pelo que sei, Tahir está desperdiçando sua vida no circuito internacional de festas...

— As pessoas podem mudar.

— Está disposto a arriscar o trono de Qusay com essa possibilidade? Colocar esta carga nos ombros de seus irmãos? — Ela balançou a cabeça, desesperada. — Mesmo se algum dia eles tiverem filhos ou netos... esses netos nada saberão sobre Qusay. Acha que nosso povo aceitará ser governado por alguém que não conhece nossa língua, nossos costumes?

O queixo dele endureceu enquanto desviava o olhar. Quando a olhou de novo, a voz estava cheia de uma agonia que não tentava mais esconder.

— Não há alguma probabilidade de você engravidar, Jasmine? Poderíamos consultar os melhores especialistas em fertilidade do mundo, não vamos poupar despesas, faremos o que for necessário para você ter um filho meu...

— Não — disse ela, incisiva. — Me consultei com alguns dos melhores ginecologistas de Manhattan. Jamais ficarei grávida. E não destruirei minha família me tornando sua amante. — Enxugou as lágrimas. — Mereço mais do que isto e você também, Kareef.

Ele lhe agarrou os ombros dela selvagemente.

— Esperei treze anos por você. Não vou perdê-la de novo. — As mãos quase a machucavam. — Mesmo que o mundo inteiro pegue fogo, não vou deixá-la partir.

Ela o olhou, o rosto tão impossivelmente belo, tão inalcançável.

E se afastou dele friamente.

— Case-se com outra — disse ela, a voz baixa, o olhar se desviando dele. — Seja o rei que nasceu para ser.

— É tão fácil assim para você me atirar nos braços de outra?

Ela respirou fundo, o olhar chocado.

— Não, odeio a mulher com quem vai se casar, quem quer que ela seja.

— E eu odeio o homem que a terá em sua cama. Mesmo o amigo que me salvou a vida. — Olhou para ela, o queixo rijo. — Você não será minha amante, então só há uma resposta. Você se casará comigo.

Ela o olhou, perplexa.

— O quê?

— Case-se comigo. Você deve ser minha rainha, Jasmine, só você.

Os olhos dela eram enormes. Então estremeceu e piscou, como se fechasse uma porta em seu coração.

— Não é possível, o rei precisa de um herdeiro. Se você se casar comigo... o que quer que pense... você seria forçado a abdicar.

— Tenho o direito de escolher minha noiva...

— Não, não tem — a voz de Jasmine era áspera.

— Mas, Jasmine... — Kareef começou, então parou; oferecera-lhe tudo, seu reino, seu nome. Oferecera tudo o que tinha e Jasmine recusara.

Mas não lhe oferecera tudo. Havia um risco que não assumira.

— Mas você tem que se casar comigo, Jasmine, precisa ser minha esposa porque eu... — respirou fundo e olhou-a dentro dos olhos — eu a amo.

Os olhos de Jasmine se arregalaram e estremeceu. Então, lentamente, impiedosamente, enrijeceu os ombros.

— Então você é um tolo — a voz dela não tinha emoção — e, do fundo do coração, tenho pena de você, Kareef.

Com um rosnado, ele se aproximou.

— Mas você me ama. Diga a verdade, você me ama como eu a amo!

Ela ergueu uma das mãos.

—A verdade é que você não pode me dar o que quero. — A voz era fria como o gelo. — Casar com Umar pode ser minha única oportunidade de ter filhos. — Os olhos dela estreitaram quando lhe deu o golpe mortal. — Você me roubou a chance de ser mãe, Kareef — sussurrou. — Roubou minha chance de algum dia ter um filho.

Era a maior dor de Kareef, seu maior medo, sua grande culpa. Mas agora era mil vezes pior, já que a acusação era feita pela mulher ferida por ele, a mulher que amava.

Ele a olhou, a agonia intensa nos olhos azuis. Deu um passo para trás e bateu numa mesa, derrubando um balde de gelo onde estava uma garrafa de champanhe, espalhando gelo e vidro quebrado no carpete.

Mas não percebeu, a dor lhe varava o corpo, despedaçando-o com mais fúria do que uma tempestade de areia.

"Você roubou minha chance de algum dia ter um filho."

Dor e mágoa o penetraram, queimando como lava. Ela lhe dissera que fora um acidente, que o perdoara.

Mentira... tudo mentira!

De repente, não conseguiu mais conter dentro de si a raiva e a dor. Virou-se e deu um murro na parede, selvagemente, fazendo nela um buraco. Jasmine se encolheu, arquejando.

— Ensine-me a não sentir nada, como você — disse ele, a voz baixa. — Estou cansado de ter um coração. Desde o momento em que me apaixonei por você, ele jamais deixou de se partir.

Afastando-se dela, parou na porta sem se virar. Não queria ver o rosto dela. Quando falou, a voz era pesada de dor.

— Adeus, Jasmine — disse ele, encostando a cabeça no portal e fechando os olhos — desejo-lhe uma vida cheia de felicidades.

E então a deixou.

 

Uma hora depois, Jasmine se olhava no espelho de moldura dourada do quarto cor-de-rosa da falecida sra. Hajjar

— Oh, minha filha — disse o pai com ternura enquanto colocava o véu sobre a cabeça dela. — Você é a noiva mais linda que já vi.

Tão linda — concordou a mãe. — Vou dizer a eles que você está pronta.

Jasmine se olhou no espelho. A janela redonda atrás dela iluminava o véu branco, deixando-lhe o rosto na sombra. Tinha dificuldade de respirar com o apertado corpete sobre uma saia ampla com camadas de tule.

Umar encomendara cada peça de sua roupa de noiva, até mesmo a lingerie, de uma casa de alta costura em Paris, seis meses antes de Jasmine concordar em se casar com ele. A perfeita princesa dourada para o seu palácio luxuoso.

Podia ver o deserto pela janela atrás de si. Quase podia ver, a distância, a casa baixa e espalhada de madeira, com árvores e flores simples ao lado de uma piscina de um azul infinito e um caramanchão onde uma vez abraçara o homem que amava, nu contra seu corpo nu.

No deserto, o sol inclemente queimava todas as mentiras.

Menos uma.

A mentira que Jasmine dissera para afastar Kareef.

Olhando a noiva perfeita no espelho, sentiu-se tonta com a batida forte do coração.

Kareef lhe dissera que a amava e ela jogara fora seu amor!

Não tive escolha, disse a si mesma, trêmula, não tive escolha! Ele me pediu em casamento e teria sido obrigado a abdicar do trono por mim!

Para afastá-lo, valera-se do feitiço mais cruel, da acusação mais perversa que podia imaginar. Usara sua dor e culpa contra ele.

Isso a fazia se sentir doente. Não importava o quanto seus motivos eram puros, sabia que praticara a pior traição ao próprio coração. E, se casasse com Umar, estaria matando a própria alma.

De repente, soube que não podia fazer isso, não podia se casar com um homem que não amava por motivo algum, nada justificaria isso.

— Onde está Umar? — sussurrou. — Ele disse que precisamos conversar antes do casamento. Por favor, encontrem-no.

— Não acho que seja uma boa idéia... — começou o pai, arrogante.

— Vamos encontrá-lo — disse a mãe, olhando para o marido significativamente e sorrindo para Jasmine. — Não se preocupe.

— Espere. — Segurou o braço da mãe, com uma louca intuição de que jamais a veria de novo.

— Ora, Jasmine — disse a mãe suavemente, acariciando-lhe os cabelos sob o véu. — O que está errado?

Eles a perdoariam por não se casar? Rezaria para que a perdoassem. Faria tudo para ajudar a irmã, faria tudo para mostrar à família que os amava, mas não poderia sacrificar sua alma.

— Mãe — disse Jasmine, segurando as lágrimas. — Sei que nem sempre a fiz sentir-se orgulhosa de mim,

mas... — Olhou para a mãe e o pai, então balançou a cabeça. — Eu amo tanto vocês.

— E nós sempre a amamos, Jasmine — disse a mãe, apertando-lhe a mão. — E sempre amaremos.

— Vamos — disse o pai, puxando a esposa. — Vamos deixar Jasmine em paz.

Os dois saíram e, com um suspiro, Jasmine abriu os olhos no quarto florido decorado pela esposa morta de Umar.

Jasmine viu um brilho de arco-íris no papel de parede e olhou para o enorme diamante em sua mão, com suas facetas refletindo a luz do sol. Tirou o anel do dedo.

A pedra era tão fria, pensou, olhando-a na palma da mão. Tão dura, tão morta, tão pesada.

Ensine-me a não sentir nada, como você. Estou cansado de ter um coração. Desde o momento em que me apaixonei por você, ele jamais deixou de se partir.

Soubera que Kareef já deixara o Qais e voltara de helicóptero para a cidade. Na manhã seguinte, seria coroado rei... sozinho.

Jasmine finalmente conseguira o que queria, afastara-o dela.

O anel caiu de suas mãos sem vida e Jasmine se sentou no chão, mergulhada nas saias volumosas. A cabeça se abaixou, enquanto os soluços a abalavam.

— Oh, meu Deus — ouviu Umar à porta. — Alguém lhe contou.

— Lamento — sussurrou, cobrindo o rosto com as mãos. — Lamento tanto...

Sentiu os braços de Umar em torno dela.

— Sou eu que lamento — disse ele. — Já devia ter lhe contado.

Olhando-o, ela perguntou:

— Me contado o quê?

— Passei tanto tempo cortejando-a, mas você sempre me afastava... e ela estava lá, calorosa, cheia de amor. Nunca foi o tipo de mulher que pensei ter como esposa. Não tem dinheiro, não tem ligações, nenhuma beleza em particular. — Balançando a cabeça, olhou para o chão. — No meio da nossa festa de noivado, ela me telefonou e disse que está grávida.

— Grávida — sussurrou Jasmine. — Quem? De quem está falando?

— Léa — sussurrou. — Não devia ter continuado a cortejá-la enquanto estava dormindo com outra mulher. Disse a mim mesmo que Léa não tinha importância, que era uma criada. Mas meus filhos a amam, e ela está grávida de um filho meu. Tenho de me casar com ela. — comprimiu as mãos sobre as dela, a voz implorando por compreensão. — Quero me casar com ela, e, embora não seja a noiva dos meus sonhos... acho que posso amá-la. — Comprimiu as mãos dela na própria testa enquanto abaixava a cabeça. — Perdoe-me — Hajjar pediu, humilde.

— Não há nada a perdoar — Jasmine disse, uma risada meio histérica ameaçando surgir. — Por que eu mesma...

Ele lhe deu um olhar de relance.

— Você e o rei? — Sorriu. — Boatos ricos assim viajam depressa, até mesmo até a Bretanha, onde fui pedir permissão ao pai de Léa para me casar com ela.

Umar tinha quatro filhos e logo teria mais um bebê. Jasmine imaginou um campo de flores, ouviu o riso de uma criança. Olhou-o nos olhos.

— Desejo-lhes toda a felicidade — disse suavemente. — A vocês e seus preciosos filhos.

Ele lhe beijou a mão, cheio de gratidão.

— Você é boa demais.

Boa? Estava longe de ser boa. Pegou o anel e o entregou.

— O que você vai fazer?

— Vou voltar para Nova York, administrar minha empresa, ajudar minha irmã.

— E o rei?

— O dever dele está em outra parte.

— Tem certeza?

Ela se levantou, trêmula.

— Kareef tem que se casar com uma mulher que possa lhe dar filhos.

— Jasmine — disse Umar suavemente — de vez em quando, precisa deixar de lado o que todos querem que você seja e se tornar a pessoa que nasceu para ser.

Ela o olhou, como se o enxergasse pela primeira vez. Por anos, vivera sozinha em Nova York, trabalhando em sua empresa de investimentos. Focalizara-se no passado e no futuro, nunca no presente.

Agora o passado terminara e o futuro era desconhecido. Mas tinha apenas 29 anos. Podia haver uma vida para ela em Nova York, se tentasse criar uma. Podia tornar seu estéril apartamento em Park Avenue um lar confortável, poderia começar de novo, com uma nova página em branco.

— Há alguma coisa que possa fazer por você, Jasmine? Talvez explicar a seu pai.

Ela deu uma risada trêmula.

— Essa é uma boa idéia. Mas há outra coisa. Você tem um avião...

— Feito.

Ela tirou o véu da cabeça e o jogou no chão.

— Não posso permitir que Kareef se sacrifique por mim, mas há uma coisa que posso fazer. — Olhou pela janela, pensando na casa de madeira, tão longe no deserto. — Posso vê-lo se tornar rei. E, antes de deixar Qusay, preciso acabar com a mentira e dizer-lhe a verdade.

 

Kareef olhou em volta do imenso quarto real à luz clara do sol.

O dia da sua coroação.

O quarto era ricamente mobiliado, luxuosamente decorado e grande o bastante para os dez criados que geralmente insistiam em atender suas menores vontades.

Esta manhã, ordenara que todos saíssem. Ele se vestiria para sua coroação... sozinho.

Lentamente, pegou a espada cerimonial com esmeraldas na bainha e apertou o cinto em torno dos mantos brancos. Tanto havia mudado na última semana. E, no entanto, nada havia mudado.

Era rei.

Estava sozinho. E não sentia nada.

Tinha uma vaga lembrança de voar de volta do deserto a noite passada depois da Copa de Qais. Tinha certeza que passara a noite conversando amenidades com dignitários estrangeiros.

Mas não conseguia se lembrar de nenhum tópico de conversa nem das pessoas com quem conversara. Quando tentava pensar na noite anterior, tudo o que lembrava era do rosto pálido de Jasmine, o modo como ficara amedrontada quando ele furara a parede com um murro.

"Você roubou minha chance de algum dia ter um filho."

Esmurrar a parede tinha sido a forma de tentar se livrar da dor na alma. De certa forma, funcionara. A mão ainda estava dormente, como o resto dele.

Oferecera tudo a Jasmine, seu nome, seu trono, seu amor. E ela recusara. "Você é um tolo e, do fundo do coração, tenho pena de você."

Os criados que esperavam do lado de fora do quarto o seguiram em fila quando ele desceu para tomar o café da manhã, para sua última refeição antes da coroação formal.

A última refeição, pensou, amortecido. O condenado tem direito a um rico desjejum.

Ele a amava. Ele ainda amava Jasmine, mas não poderia tê-la.

— Ah, Majestade! — disse o vizir alegremente ao entrar na sala — Bom dia! Um lindo, ensolarado e alegre dia para o primeiro dia oficial de seu reinado. Agora que está livre de... er... complicações, talvez, depois da coroação, me dê permissão para começar o processo de busca de uma noiva real.

Kareef olhou para ele cautelosamente ao ouvir a palavra complicações. Akmal Al'Sayr sorriu discretamente. O homem, de alguma forma, já descobrira que Jasmine o dispensara e estava tão malditamente feliz com aquilo que Kareef cerrou os dentes.

— Ótimo — respondeu, curto.

Se Jasmine podia continuar com sua vida, ele também poderia. Vivera antes sem amor, poderia fazer isso novamente. Dever era tudo o que lhe restara, o frio, infinito dever.

— Perfeito, Majestade! Tenho diversas princesas adoráveis para escolher.

— Escolha quem quiser — disse Kareef, desinteressado.

— Conheço a noiva perfeita e ela já está aqui para assistir à coroação. Falarei com a família dela imediatamente e, se concordar, começaremos as negociações esta tarde. — Fez uma pausa. — A menos que queira conhecer a moça primeiro.

— Não preciso conhecê-la — disse, a voz sem emoção. — Apenas garanta que ela compreenda que este será um casamento político, nada mais.

— É claro, Majestade, eu direi a ela. — Akmal fez uma pausa. — Embora, é claro, precise haver filhos...

Kareef olhou para o prato e viu que estava vazio. De alguma forma, mesmo sem sentir o gosto do alimento, comera tudo. Esse pensamento o deixou satisfeito. Pelo menos sobreviveria, ou melhor, seu corpo sobreviveria, e isso era tudo o que importava, não era?

— Pronto? — Seu irmão Rafiq entrou na sala.

— Tahir chegou? Nem sinal dele. Certo.

Por que não estava surpreso? E claro que seu irmão mais moço mudara de idéia sobre voltar para casa, tendo prometido isso ou não. Kareef pensou em seu otimismo e sua alegria apenas alguns dias atrás, um tolo, como Jasmine o chamara.

Erguendo-se, Kareef seguiu o irmão pelo corredor. Mas, quando saiu no pátio debruçado sobre os recifes acima do Mediterrâneo, ouviu alguém gritar seu nome.

Uma doce voz acima das outras, o fantasma de um sonho há muito acalentado. Mas continuou a caminhar sem nem mesmo virar a cabeça. Então ouviu de novo e parou.

— Ouviu isso?

— Não ouvi nada — disse o vizir, nervoso, então tentou apressar Kareef. — Por aqui, Majestade, por favor. Não quer chegar atrasado...

— Devo estar ficando louco... — sussurrou Kareef. — Imagino estar ouvindo a voz dela.

— De quem? Jasmine? — perguntou Rafiq. — Ela está bem ali.

Kareef se virou abruptamente e lá, do outro lado dos portões trancados do palácio, cercada pela multidão que empurrava e gritava, ele a viu.

Virou-se para o vizir.

— Faça-a entrar!

— Majestade — implorou Akmal Al'Sayr. — Por favor. Ela tentou entrar a noite toda e fiz o possível para mantê-la fora. Pelo bem do país, precisa levar em consideração...

Com um rosnado, Kareef agarrou o homem pelo pescoço, então respirou fundo e lutou para se controlar.

— Traga-a para mim — ordenou entredentes.

Aterrorizado, o vizir deu ordens frenéticas aos guardas. Um instante depois, Jasmine estava dentro dos portões e correu diretamente para os braços dele. Estava com um vestido simples de algodão vermelho e sandálias, os cabelos soltos voando atrás dela.

— Jasmine — suspirou Kareef, segurando-a contra o peito. Metade dos líderes mundiais esperava para vê-lo ser coroado rei; no entanto, não podia deixá-la se afastar. Puxou-a para o jardim real, para um local atrás das paredes de pedra.

— Foi mentira — Jasmine disse com um soluço. — Disse aquelas coisas horríveis por que pensei que precisava afastá-lo. Não o culpo pelo acidente, me perdoe, achei que não tinha escolha.

Os olhos dele caíram sobre a esmeralda pendurada numa corrente de ouro em torno do pescoço dela. Então viu sua mão esquerda... vazia!

— Você se casou com ele, Jasmine? — perguntou, com o coração na garganta.

— Não, não pude. Sei que jamais poderemos ficar juntos, Kareef, mas não podia deixar Qusay sem lhe dizer a verdade. Eu o amo, sempre amei e sempre amarei.

Com a respiração trêmula, Kareef a abraçou apertado contra o peito enquanto fechava os olhos e virava o rosto para o sol, para a brisa quente. E, pela primeira vez desde o dia anterior, ele se sentiu vivo novamente. Sentiu o sangue a pulsar nas veias, o ar lhe enchendo os pulmões: Jasmine o amava.

— Você precisava saber, eu tinha de lhe contar. Não poderia ir embora com aquela mentira.

— Ir embora? Para onde?

— Para Nova York, começar uma vida nova. E lá — disse, suavemente, — o rei de Qusay sempre terá alguém que o ama de longe. Jamais o esquecerei, jamais deixarei de amá-lo. Mesmo depois que você se casar...

Ele a fez se calar com um beijo e, quando sentiu de novo seus lábios nos dele... suas almas unidas, Jasmine tão doce e forte... soube o que precisava fazer. Kareef honraria os votos que fizera há tanto tempo. Seria fiel à sua mais profunda obrigação.

Tomando-lhe a mão, ele saiu do jardim real. Seu irmão Rafiq esperava pacientemente do outro lado do pátio. Kareef sentiu uma pontada de remorso, então endureceu o coração. Era a escolha certa, a única escolha. A honra exigia isso dele, uma honra mais profunda do que a linhagem de sangue. Aquela promessa ultrapassava qualquer outra. Mas, mesmo assim...

Perdoe-me, pensou, fechando os olhos. Então se virou para Jasmine.

— Venha — disse, serenamente. — Antes de deixar a cidade para sempre, você me ouvirá dizer as palavras que me comprometem.

 

Enquanto Kareef seguia em direção às ruínas bizantinas, Jasmine percebeu que seria doloroso ouvi-lo dizer as palavras que o tornariam para sempre o rei de Qusay. Mas respirou fundo e o seguiu. Ela o amava, e essa poderia ser a última vez que o veria. Queria que sua última lembrança dela fosse um rosto cheio de amor, não aquelas horríveis palavras ditas na noite anterior.

Ele lhe soltou a mão abruptamente, deixando-a atrás dos trezentos convidados sentados em meio às antigas colunas de pedra. Kareef e Rafiq continuaram andando pela aléia da antiga ruína sem teto.

Jasmine percebeu que algumas pessoas se viravam para olhar, alguns com desdém, outros com inveja. Então se voltaram para Kareef, em pé diante deles. Ele apertou a mão do irmão, Rafiq fez uma reverência e se sentou ao lado de Sera. Os dois pareciam bem íntimos, pensou Jasmine. Haveria alguma coisa entre o príncipe Rafiq e a acompanhante da idosa Sheikha? Então a música ficou mais alta e, de repente, ninguém olhava Jasmine.

Kareef estava em pé em seus mantos brancos cerimoniais, a espada com esmeraldas engastadas no punho e ninguém conseguia desviar os olhos dele. Jasmine sentiu os olhos se encherem de lágrimas; ele era a força, o poder, o amor da vida de Jasmine.

O vizir começou a falar no antigo dialeto de Qusay e o coração de Jasmine se encheu de orgulho por Kareef, tão régio diante da multidão. Mesmo agora, com o coração partido pelo fim entre eles, não se arrependia de nada, jamais se arrependeria de amá-lo.

A música parou de repente e Jasmine ouviu o vento, o som das ondas se quebrando contra os recifes. As ruínas da cidadela de mil anos pareciam vibrar sob seus pés.

O vizir fez uma pausa e, como a cerimônia exigia, Kareef se virou para a audiência. Era sombriamente belo, o rei perfeito.

Os olhos deles se encontraram e ele falou.

Não no antigo dialeto, como exigia o ritual, mas em palavras que todos poderiam compreender, numa voz baixa, porém clara.

— Eu renuncio ao trono.

A multidão arquejou, e o som parecia o de um trovão. O vizir gritou, desesperado. Kareef continuou calmo e sereno, no olho do furacão.

— Treze anos atrás, pedi a uma mulher que se casasse comigo, uma virgem jovem, pura e leal. — Todos ficaram em silêncio. — Essa mulher é Jasmine Kouri.

Todos exclamaram e olharam para ela.

— A menina Kouri — os sussurros foram repetidos e até os dignitários estrangeiros franziram a testa, perplexos. — O velho escândalo.

O rosto de Kareef endureceu.

— Jasmine suportou o escândalo sozinha. Mas não houve vergonha. Ela perdeu nosso filho num acidente, mas já era minha esposa. — Estendeu os braços e proclamou: — Tenho com ela uma dívida que supera qualquer dever ou obrigação.

Ela estava em choque, o coração na garganta enquanto as pessoas se viravam de Kareef para ela.

Kareef desceu da plataforma, os olhos azuis presos nos dela.

— Jasmine Kouri, você se casará comigo. — Começou a andar em direção a ela.

— Não — arquejou ela.

— Jasmine Kouri, você se casará comigo — ordenou Kareef.

Ela o olhou, incapaz de responder contra o desejo de seu coração. Ele continuou a andar pela aléia, os olhos jamais se afastando dos dela. E, de repente, estava diante dela, acima dela, o corpo a centímetros do dela. Todos os olhares estavam voltados para eles.

— Jasmine Kouri — Kareef disse, suavemente — você se casará comigo.

Houve um silêncio absoluto enquanto Jasmine o olhava, com lágrimas nos olhos.

— Sim — disse ela, o coração cheio de alegria. — Sim, sim!

O sorriso de felicidade no belo rosto era a cena mais linda que ela jamais vira; Kareef a tomou nos braços e a beijou.

— Agora — sussurrou com urgência quando se afastou. — Agora mesmo.

— Eu amo você — Jasmine disse.

O vizir se levantou, furioso como uma serpente, e se virou para a multidão.

— Kareef Al'Ramiz renunciou ao trono — disse ele, a voz seca. — Precisa haver sempre um rei em Qusay. Vida longa... ao rei Rafiq!

Com um arquejo, todos se voltaram para o irmão de Kareef, o magnata da Austrália. Ele parecia o mais chocado de todos. Os olhos se dirigiram para a mulher sentada ao lado dele.

Mas enquanto o caos surgia em torno deles, o corpo poderoso e forte de Kareef lhe bloqueou a visão.

— Diga — ordenou olhando para ela.

— Eu me caso com você — disse ela, a voz baixa demais.

— Mais alto.

Ele a olhou com olhos brilhantes de amor.

— Eu me caso com você.

— Mais uma vez.

E, dessa vez, quando falou, a voz de Jasmine era alta e pura e verdadeira.

— Eu me caso com você!

Ele tirou dela a corrente com a esmeralda e a colocou no próprio pescoço. Segurando-lhe o rosto com as mãos diante da metade dos príncipes e embaixadores do mundo, ele a beijou gentilmente.

— E eu me caso com você — Kareef disse, completando o ritual de casamento do país.

Metade da audiência aplaudiu e o resto resmungou, chocada. Kareef lhe tomou a mão e, quando Jasmine olhou o rosto amado, belo e selvagem do marido, tudo desapareceu em torno dela.

— Venha, meu amor — Kareef disse ternamente. — Vamos para casa.

 

Seis meses depois, Jasmine saiu de casa com seu bebê para tomar o sol do começo da manhã. Ajeitando Aziza no colo numa confortável cadeira à sombra, tomou um gole da água gelada enquanto observava o marido treinar um potro no padoque mais próximo da casa do deserto.

O sol estava quente e brilhante no céu azul e, em torno da casa confortável, o horizonte se estendia com liberdade infinita. Mas o deserto era mais do que apenas um horizonte. Era mais do que apenas areia. Se alguém olhasse de perto, veria muito mais, pensou Jasmine: flores minúsculas, cactus, gaviões voando no céu e pequenos coelhos se escondendo sob as rochas. O que parecia estéril era realmente cheio de vida; repleto de cores e alegria.

— Jasmine! — Quando Kareef as viu, deixou os outros treinadores e se juntou a elas, debruçando-se para beijá-la e depois tomar o bebê alegre nos braços. — Veio ensinar nossa filha a cavalgar?

Jasmine riu.

— Ela ainda é um pouco jovem demais.

O bebê olhou os potros, fazendo barulhinhos de encantamento e balançou os braços. Kareef olhou da filha para a esposa e ergueu uma sobrancelha.

— Está bem, será breve — disse Jasmine, sorrindo. — Ela herdou a sua imprudência.

Ajoelhando-se diante dela, Kareef colocou a filha no colo da esposa, abraçou as duas e os olhos prenderam os de Jasmine.

— Ela tem sua coragem.

Enquanto as mantinha no círculo forte e protetor de seus braços, o sol era forte nas costas de Jasmine. Ela se encostou nele enquanto observavam os cavalos selvagens correndo pelo campo. E Aziza riu.

Era um som precioso que ela jamais se cansava de ouvir, como o soar de sinos de alegria no deserto.

Que presente precioso, que vida preciosa. Jasmine tomara todas as providências para dar à irmã caçula a oportunidade para um novo começo, mas Nima é que lhe dera uma. Jamais desistira da idéia de dar a filha para adoção, afirmando ser jovem e imatura demais para ser uma boa mãe. No dia seguinte ao casamento de Jasmine com Kareef, Nima lhe fizera um pedido solene e choroso.

— Fique com o meu bebê, Jasmine, ninguém poderá ser mãe melhor.

Depois de meses de conversas, Jasmine finalmente aceitara que Nima não mudaria de idéia. No entanto, só acreditou realmente quando levaram a menina recém-nascida para casa.

Nima agora vivia em Nova York, onde se preparava para começar um curso universitário. Visitara Qusay diversas vezes desde a adoção, mas deixara clara sua posição.

— Sou tia dela — dissera Nima com firmeza, olhando para Jasmine e Kareef com amor e gratidão. — Aziza sabe quem são seus verdadeiros pais.

Os pais e irmãs de Jasmine já adoravam o novo membro da família Kouri e visitavam a casa em Qais com freqüência. Até o pai de Jasmine deixara de reclamar... Como poderia não se sentir orgulhoso de uma filha que levara um rei a abdicar do trono para se casar com ela?

Ou, pelo menos, era isso que dizia, mas a verdade era que fora totalmente conquistado pelo bebê. Ninguém resistia a Aziza, principalmente Jasmine.

A felicidade de conquistar o que sempre quisera, no momento em que achava que perdera tudo, levava seu coração a se expandir tanto que temia que pudesse se quebrar de alegria.

Kareef beijou o bebê gorducho e feliz, então se aproximou para beijar a testa da esposa e lhe lançar um olhar faminto enquanto se abaixava para lhe tomar a boca. O beijo foi cheio de ternura, paixão e promessas para a noite. Quando se afastou, Jasmine suspirou de felicidade.

A cada dia, Kareef a beijava como se fosse a primeira vez. Contra todas as expectativas, sua vida, como o deserto, florescera. E sabia que o calor do sol, o amplo céu azul e o amor um pelo outro durariam para sempre.

 

 

                                                                  Jennie Lucas

 

 

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